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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
JANASSANA INDIARA ALMEIDA DE OLIVEIRA
RISCOS E INCERTEZAS:
A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS E DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO BRASIL
Ijuí (RS)
2009
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1
JANASSSANA INDIARA ALMEIDA DE OLIVEIRA
RISCOS E INCERTEZAS:
A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS E DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO BRASIL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Scricto Sensu em
Desenvolvimento, Linha de Pesquisa: Direito,
Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre.
Orientadora: Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
Ijuí (RS)
2009
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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
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elaborada por
JANASSANA INDIARA ALMEIDA DE OLIVEIRA
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UNIJUÍ): ___________________________
Profª. Drª. Liliana Locatelli (URI): _______________________________________________
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________
Ijuí (RS), 16 de janeiro de 2009.
A meus familiares, que sempre me
auxiliaram na vida acadêmica, em especial ao
meu pai, grande companheiro e exemplo de
vida.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, a quem rezo e agradeço todas
as noites, pela sabedoria e energia por ele
concedidas;
Aos meus pais, pela força e confiança
em mim depositadas, especialmente naqueles
momentos difíceis da caminhada;
Ao meu marido, pelo apoio incondicional
e compreensão ao longo de mais esta jornada;
Aos demais familiares, que sempre
estiveram ao meu lado, obrigada pelo incentivo;
À minha querida orientadora, que
possibilitou a realização deste trabalho por
meio da compreensão, do respeito e do
diálogo, valores que apreendi e que pretendo
conservar sempre. São pessoas assim que
engrandecem a academia;
À Capes, pelo auxílio financeiro.
Agradeço de coração!
6
"Temos direito a reivindicar a igualdade
sempre que a diferença nos inferioriza e temos
direito de reivindicar a diferença sempre que a
igualdade nos descaracteriza." (Boaventura de
Souza Santos, 2002).
7
RESUMO
O planeta Terra vive atualmente dias de crise. Uma crise ambiental de
proporções alarmantes e que necessita de uma discussão séria e livre de amarras
para visualizar uma garantia de sobrevivência para as futuras gerações. Esta crise
ambiental ganha destaque a partir do momento em que o homem intensifica os
processos de apropriação dos recursos naturais de maneira irresponsável e
ilimitada. Esta atitude vem legitimada por um paradigma chamado antropocêntrico,
que introduz no pensamento uma lógica perniciosa de dominação da natureza. O
direito ambiental, foi criado por intermédio de uma gama de princípios e
regulamentações e adquiriu status especializado auxiliando na minimização dos
problemas ambientais.Um dos princípios básicos da temática ambiental, e que
certamente irá necessitar de uma eficácia alargada é o princípio da precaução. É
mediante a adoção deste princípio que os impactos ambientais podem ser
evitados,mesmo diante da incerteza quanto a seus efeitos. Esta questão da falta de
certeza é também abordada no texto, quando se introduz a sociedade de risco, e
que demonstra o perigo das atividades industriais, sem a precaução adequada.
Necessita-se de um resgate urgente de valores perdidos pela sociedade capitalista,
mas que o aos dias de hoje, conservados pelas comunidades tradicionais, no
caso em análise as comunidades tradicionais indígenas. Tais valores não podem ser
perdidos, apesar de correrem este risco. Estas comunidades possuem
conhecimentos acerca da convivência fraterna com a natureza pela da adoção de
técnicas sustentáveis, e também amplo conhecimento sobre as propriedades das
plantas, que necessitam de uma regulamentação própria para que não sejam
perdidas, ou roubadas, por meio de práticas biopiratas. Neste sentido, a garantia
legal precisa ser priorizada, com a criação de um regime jurídico sui generis para
tratar dos anseios destas comunidades e evitar a usurpação de seus conhecimentos
para fins estritamente econômicos. Entende-se que o Direito precisa ser debatido,
negociado, dialogado entre os interessados, com base no respeito mútuo e na
prática da tolerância.
Palavras-chave: Crise. Risco. Precaução. Comunidades. Tolerância.
8
ABSTRACT
The planet Earth lives nowadays crisis days. An environmental crisis of scary
proportions and in need of serious talks and free of knots to see a guaranty of
survival for the future generations. This environmental crisis reaches emphasis from
the moment man intensifies the processes of natural resources appropriation in an
irresponsible and unlimited way. This attitude comes legitimated by a paradigm called
anthropocentric which insert in thinking a pernicious logic of domination of the nature.
The environmental rights were created with principles and rules and have acquired
specialized status helping on decreasing the environmental problems. One of the
basic principles of the environmental theme, and certainly will need a higher
efficiency is the precaution principle, it is through the adoption of this principle that
the environmental impacts can be avoided even facing the uncertainty in relation to
its effects. The question of lack of certainty is also mentioned in the text, when it is
introduced the risk to the society and demonstrated the danger of industrial activities
without the proper precaution in need of urgent rescue of the lost value by the
capitalist society, but are still nowadays kept by the traditional communities, in this
analyzed case, the Indian traditional communities. Such values cannot be lost,
despite of being in danger. These communities have knowledge about fraternal
living with nature through the adoption of sustainable techniques, and also a wide
knowledge of plant contents, which is in need of a proper regulation to avoid being
lost or stolen through pirate practices. In this sense, a legal guaranty needs to be a
priority, with the creation of a legal regime “sui generis” to deal with the need of these
communities, and avoid the usurpation of their knowledge for only economical
reasons understanding that the law needs to be discussed, negotiated and talked
among the interested, based on mutual respect and tolerance.
Key words: Crisis. Risk. Precaution. Communities. Tolerance.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................10
1 DIREITO AMBIENTAL E A NECESSIDADE DE EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA
PRECAUÇÃO............................................................................................................14
1.1 A atualidade da crise ambiental .........................................................................14
1.2 A evolução do Direito Ambiental .........................................................................23
1.3 Os princípios fundamentais do Direito do Ambiente............................................30
1.4 O princípio da precaução ...................................................................................36
2 O PARADIGMA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO E A URGÊNCIA DA
PRECAUÇÃO............................................................................................................51
2.1 Ambiente e risco..................................................................................................51
2.2 As influências do antropocentrismo no meio ambiente .......................................60
2.3 As influências do eurocentrismo no meio ambiente............................................68
3 COMUNIDADES INDÍGENAS: AS AMEAÇAS E RISCOS E A NECESSIDADE DA
PRECAUÇÃO E PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIVERSIDADE NATURAL E
CULTURAL ...............................................................................................................73
3.1 A proteção jurídica da diversidade cultural do indígena no Brasil: aspectos
constitucionais...........................................................................................................73
3.2 Comunidades tradicionais indígenas: aspectos gerais........................................79
3.3 Biopirataria: os conhecimentos tradicionais indígenas ameaçados ....................85
3.4 A necessidade de criação de um regramento jurídico sui generis e a importância
da tolerância entre as culturas .................................................................................90
CONCLUSÃO..........................................................................................................106
REFERÊNCIAS.......................................................................................................110
10
INTRODUÇÃO
A realidade mundial torna-se cada dia mais complexa, e essa situação nos
garante uma preocupação com o futuro. Vive-se em uma sociedade que se
transforma rapidamente, e que produz tecnologia em ritmo acelerado, num processo
que não tem fim. Isto tudo caracteriza um conjunto de problemas, de difícil solução:
a problemática ambiental.
O presente trabalho reflete esta inquietação sobre a realidade de degradação
ambiental a que estamos expostos. Num primeiro momento trata sobre a atualidade
da crise ambiental, pois a destruição do meio ambiente é percebida facilmente por
meio da poluição crescente do ar e da água, do aquecimento da atmosfera, da
destruição das florestas, entre outras formas. Tal crise advém de diversos fatores
conjugados, tais como o processo de industrialização, com a produção excessiva de
novos produtos, e conseqüentemente do lixo, provenientes da utilização
insustentável dos recursos naturais.
A temática tem por enfoque principal esta realidade de riscos produzidos pela
intensa atuação humana ante a natureza. Os pressupostos sobre a origem desta
atitude do homem vêm de uma análise sobre a corrente ou paradigma
antropocêntrico; pensamento que legitima esta atitude de inserir o homem como
centro das preocupações, sem levar em consideração os valores que a natureza
traduz e produz. Neste sentido, cabe questionar, até que ponto o planeta pode
suportar a degradação da natureza, bem como a postura ético-consumista
construída ao longo da História.
11
Para que haja uma mudança de comportamento é necessária uma mudança
de pensamento. A natureza precisa ser vista como um valor em si mesma, e não
como produto de troca de valor econômico somente. Desta forma, parte-se de uma
pequena contribuição teórica acerca da ecologia holística, que busca a interação
entre o homem e a natureza. Trata-se de refletir profundamente sobre atitudes
humanas e antropocêntricas.
Por outro lado, importa salientar a existência de mecanismos que estão
disponíveis atualmente buscando a preservação. O Direito Ambiental é um deles.
Neste ponto importa enriquecer o debate perante o entendimento sobre a evolução
do Direito Ambiental. Este ramo do Direito produziu uma série de princípios
norteadores, dentre os quais se encontra o princípio da precaução, a aplicação
deste pode evitar auxiliar na tentativa de diminuição da exposição aos impactos
ambientais.
Esta dissertação objetiva ainda analisar a legislação vigente sobre os direitos
e garantias dos povos indígenas em relação a sua biodiversidade, especialmente no
que diz respeito aos conhecimentos tradicionais destas comunidades, a fim de que
não haja uma perda em nome de interesses econômicos locais e estrangeiros.
Percebe-se uma insegurança jurídica na defesa dos conhecimentos
tradicionais. Deste modo é necessária uma ampla discussão da sociedade para que
se garanta um regramento jurídico especializado e que prime pela participação
destes grupos étnicos em seus interesses. Defende-se a criação de um regramento
jurídico sui generis, baseado em princípios próprios e que seja capaz de abarcar as
diferenças ideológicas e culturais destas comunidades.
O presente estudo é constituído de três capítulos. O primeiro deles aborda a
crise ambiental, e esta crise é histórica e com proporções incomensuráveis, pois se
trata antes de tudo de uma implicação de âmbito mundial. Neste sentido, enfatiza
também o papel dos movimentos ambientalistas na defesa do meio ambiente. Um
movimento que desperta diante do agravamento das condições de
insustentabilidade da natureza, e que faz com que a humanidade perceba a
12
gravidade dos problemas que produz. Analisa-se ainda, neste contexto, a evolução
do Direito Ambiental, desde os primeiros encontros mundiais, com as primeiras
declarações, como o de Estocolmo até os dias atuais. Apresenta, também, os
princípios fundamentais que norteiam o Direito do ambiente, salientando o princípio
da precaução. Sob este aspecto parte-se da idéia de precaução em uma sociedade
atingida por inúmeros problemas e riscos, em que a precaução pode delimitar estes
riscos, e também os graus de tolerância, para, conjuntamente com uma mudança de
pensamento, tudo isso aliado a medidas efetivas, manter um ambiente sustentável.
O segundo capítulo aborda a relação crise ambiental e a sociedade de risco.
Na verdade faz-se uma descrição das características da sociedade atual, capaz de
produzir riscos em proporções globais, prejudicando a continuidade da vida no
planeta. Esta contínua degradação ambiental pela exploração irracional dos
recursos naturais desencadeou uma série de eventos negativos, tais como o
aquecimento global, o derretimento das geleiras, chuva ácida, contaminações de
variados tipos, destruição da fauna e da flora, poluição, enfim uma enormidade de
problemas. Assim, apesar dos avanços tecnológicos e científicos da humanidade, o
homem se depara com um problema criado por ele mesmo, que é o de procurar
minimizar os efeitos de sua ação sobre a natureza, além de conciliar o
desenvolvimento econômico com o uso equilibrado e racional dos elementos que
esta lhe oferece. Por esta razão, discute-se novas teorias capazes de superar o
paradigma antropocêntrico.
O antropocentrismo clássico, que põe o homem em posição de destaque
diante da natureza, é considerado um dos grandes responsáveis pela crise
ambiental. Esta perspectiva precisa ser repensada, principalmente porque o homem
é o responsável pelas atividades agressivas ao ambiente, pois devastou e continua
destruindo as outras espécies vivas, interferindo em sua própria sustentabilidade, em
favor de uma lógica de acumulação e exploração econômica sem sentido.
Alternativas precisam ser pensadas. Novos conceitos necessitam ser incorporados
ao padrão de vida da atualidade. O homem deve começar a refletir sobre a
necessidade urgente da preservação e sobre uma mudança de comportamento, de
bases ecológicas, a fim de respeitar as condições da natureza.
13
O terceiro capítulo trata, de maneira mais específica, sobre a preocupação
com as comunidades tradicionais indígenas, pois, de acordo com os primeiros
capítulos, existe uma crise do meio ambiente natural e a sociedade atual encontra-
se exposta a riscos, e deste modo, salienta-se a situação de vulnerabilidade ainda
maior de sobrevivência destas comunidades. Inicialmente trata-se de fazer uma
análise sobre a evolução da legislação que ampara o indígena no Brasil, pois, como
é sabido, os índios já estavam aqui no momento da colonização. Resta compreender
como se verificou este relacionamento com o não-índio.
O terceiro capítulo conceitua, ainda, comunidades tradicionais indígenas
como aquelas que possuem estreito relacionamento com a natureza e dela retiram
seu sustento, de maneira responsável, ou mesmo sustentável. Esta relação é
marcada também por crenças míticas, mas que vêm reforçar este entendimento.
O problema reside na usurpação dos conhecimentos tradicionais pela prática da
biopirataria, pois a legislação vigente nem sempre é respeitada, o que facilita a ação
de biopiratas nas comunidades indígenas, que perdem seus conhecimentos,
tornando-se cada vez mais vítimas da exclusão. Assim, estas práticas estão se
tornando rotineiras, especialmente no Brasil, que é detentor de uma das maiores
biodiversidades do planeta.
Nesse sentido, aponta-se para a necessidade de criação de um regime
jurídico diferenciado de proteção aos conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade. Ainda, a título de conclusão, mas não de esgotamento do assunto,
cita-se como prioridade para a efetivação de uma consciência ecológica, a prática da
tolerância e do diálogo com as comunidades tradicionais indígenas.
14
1 DIREITO AMBIENTAL E A NECESSIDADE DE EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO
DA PRECAUÇÃO
1.1 A atualidade da crise ambiental
A palavra crise é oriunda do latim, e tem a mesma equivalência da palavra
vento. Indica, assim, um estágio de alternância, no qual, uma vez transcorrido,
diferencia-se do que costumava ser. Não existe possibilidade de retorno aos antigos
padrões. No caso do meio ambiente é uma crise que afeta a humanidade como um
todo. Neste sentido, uma crise de natureza ambiental pode levar a humanidade a
um estágio de destruição tão elevado que tornará impossível um retorno ao estágio
inicial (MILARÉ, 2005).
Pode-se afirmar que este estágio de crise ambiental evoluiu em conseqüência
da má-administração crescente do meio ambiente cultural e natural e intensificou-se
a partir da Revolução Industrial
1
, momento histórico em que os padrões de consumo
são radicalmente expandidos. Para Sirvinskas (2005, p. 23), “a crise ambiental surge
especialmente no período da Revolução Industrial, pois começaram as agressões à
natureza [...].”
Os sinais de ameaça da crise aparecem em problemas específicos, tais como
a poluição, mudança gradual do clima, a extinção da fauna selvagem e a alteração
da biodiversidade, a proliferação de organismos transmissores de doenças e
epidemias entre vários outros. Estes problemas são sintomas do distúrbio de
1
A Revolução Industrial tem início no século XVIII na Inglaterra com a mecanização dos sistemas de
produção. Enquanto na Idade dia o artesanato era a forma de produzir mais utilizada, na Idade
Moderna tudo muda. A burguesia industrial, ávida por maiores lucros, menores custos e produção
acelerada, busca alternativas para melhorar a produção de mercadorias. Também podemos apontar o
crescimento populacional, trazendo maior consumo de produtos e mercadorias. Foi a Inglaterra o país
que saiu na frente no processo de Revolução Industrial do século XVIII. Este fato pode ser explicado
por diversos fatores. A Inglaterra possuía grandes reservas de carvão mineral em seu subsolo, ou
seja, a principal fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas a vapor. Além da
fonte de energia, os ingleses possuíam grandes reservas de minério de ferro, a principal matéria-
prima utilizada nesse período. A mão-de-obra disponível em abundância (desde a Lei dos
Cercamentos de Terras) também favoreceu a Inglaterra, pois havia uma massa de trabalhadores
procurando emprego nas cidades inglesas do século XVIII. A burguesia inglesa tinha capital suficiente
para financiar as fábricas, comprar matéria-prima e máquinas e contratar empregados. O mercado
consumidor inglês também pode ser destacado como importante fator que contribuiu para o
pioneirismo inglês (AQUINO, 1989).
15
processos efetuados em âmbito global, capazes de gerar impacto negativo
significativo para a vida no planeta, tanto no ambiente natural como no cultural.
Segundo Gryzinski (2006, p. 91), “O homem está retirando da natureza mais do que
ela pode dar, eis os cinco recursos ambientais críticos: água, ameaça de
esgotamento de fontes de água limpa; mudança climática; perda da biodiversidade;
poluição; perda de recursos energéticos.”
A problemática ambiental apresenta-se atualmente como a maior das crises
da humanidade. Segundo Leff (2001), deve-se possibilitar que a organização social
seja repensada para que se possa fundar uma nova racionalidade que considere o
homem e a natureza de forma integrada. Assim, o conceito de sustentabilidade
ganha proporções especiais, alcançando uma múltipla dimensão que abrange o
social, o cultural, o ecológico, o ambiental, o territorial, o econômico e o político.
A questão da sustentabilidade ambiental, teve destaque especial, mediante as
discussões sobre a crise que o meio ambiente está enfrentando, tendo sido
amplamente debatida no encontro de Estocolmo
2
. Adquiriu valor principiológico em
matéria ambiental, denominado desenvolvimento sustentável, que, conforme leciona
Sachs (2000), atende aos critérios de relevância social, prudência ecológica e
viabilidade econômica, três pilares do desenvolvimento sustentável.
No encontro de Estocolmo duas posições teóricas diametralmente opostas
foram expostas: a dos que defendiam a abundância ou inesgotabilidade dos
recursos naturais, e a dos chamados ecologistas negativistas, que defendiam que o
planeta estaria a ponto de ser destruído, isso considerando a irreversibilidade de sua
condição. Ambas apresentando problemas e disfunções, pecando pelo extremismo.
A abordagem adotada e aceita foi o chamado caminho do meio, o de
desenvolvimento sustentável, em que preocupação com a conservação, mas
também com o crescimento econômico. Significa uma certa desaceleração do
crescimento, não sua estagnação, em prol da preservação ambiental, baseada
sempre na ética da solidariedade sincrônica (com as gerações atuais) e da
solidariedade diacrônica (com as gerações futuras) (SACHS, 2000).
2
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, celebrada em Estocolmo, em
1972, oportunidade em que se expande a preocupação com as ações ambientais (LEFF, 2001).
16
Estas questões possibilitam, segundo Acselrad (2004, p. 7), a abordagem de
dois pontos de vista,
a primeira, onde prevalece a problemática das quantidades de matéria e
energia, postula que, sendo finitos os recursos do planeta, temos que
economizá-los. Tal concepção, de perfil tendencialmente economicista,
resulta em que se busque postergar, por medidas de combate ao
desperdício, o momento em que os recursos se esgotarão.
Uma outra formulação, que compreende e ultrapassa a questão de
quantidades, coloca pergunta distinta: se o mundo e seus recursos são
finitos, quais são os fins para os quais nós deles nos apropriamos? Para
produzir tanques ou arados? Para fabricar armas mortíferas ou para
produzir alimentos para os que têm fome? [...] Nessa ótica, não está em
causa apenas a escassez futura de meios que se anuncia, mas a natureza
dos fins que norteiam a própria vida social.
Este segundo posicionamento apontado pelo autor sobre os valores atuais da
humanidade, ou “a natureza dos fins”, que norteiam a sociedade, em matéria
ambiental remete à questão do consumo na sociedade atual, uma sociedade
capitalista. Sabe-se que as diversas esferas do cotidiano atual pautam-se pelo
incentivo à aquisição de bens e serviços. Atualmente não se compra um produto
pela sua função, mas por todo um conjunto de valores de diversas naturezas a que é
associado. Por esta razão, quando se fala em crise ambiental,
não se remetem apenas aos aspectos físicos, biológicos e químicos, das
alterações que vem ocorrendo no meio ambiente. A crise ambiental é bem
mais que isso: é uma crise da civilização contemporânea; é uma crise de
valores que é cultural e espiritual. (BOFF, 2008, p. 28).
Neste contexto, torna-se cada vez mais evidente que o se pode separar
sociedade e meio ambiente. Como refere Acselrad (2004, p. 35): “trata-se de pensar
um mundo material socializado e dotado de significados. Os objetos que constituem
o ‘ambiente’ não são redutíveis a meras quantidades de matéria e de energia, pois
eles são culturais e históricos.”
complexidade de processos sócioecológicos e políticos que põem a
natureza no interior dos conflitos sociais. Isso se manifesta por meio das diferentes
formas de apropriação e significação do mundo material: técnicas sociais e culturais,
principalmente porque, a partir do século 20, houve a intensificação do crescimento
econômico e populacional e a conseqüente aceleração do processo de degradação
do meio ambiente e dos recursos naturais. Deste modo, a relação entre crescimento
17
econômico e meio ambiente, que apresenta conflitos desde os tempos mais
remotos, conquista centralidade nas discussões globais, pois pode colocar em risco
a vida na Terra. Como definição pode-se dizer que
os conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com modos
diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem
quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais
de apropriação do meio que desenvolvem ameaçadas por impactos
indesejáveis transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos -
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. (ACSELRAD, 2004,
p. 4).
A população humana atingiu um patamar em que as exigências de recursos
naturais requerem uma exploração maciça de todos os ambientes terrestres, fluviais
e marítimos. Ao mesmo tempo, o homem mostra-se profundamente ignorante em
relação aos fatores básicos responsáveis pela produção destes recursos e
relativamente às conseqüências, a longo prazo, de seus todos de exploração
(MILARÉ, 2005).
A tecnologia acarretou problemas maiores além dos da superexploração. As
atividades agrícolas, industriais e urbanas tornaram-se agentes de padrões globais
de poluição, alguns dos quais ameaçam os processos básicos da biosfera. A
tecnologia chegou a um ponto tal que novos desenvolvimentos podem levar a
conseqüências prejudiciais, de caráter universal, antes que possam ser avaliados
seus efeitos (MILARÉ, 2005).
A conjuntura atual em matéria ambiental demonstra a conotação de crise
considerando os problemas sérios e de difícil controle que o ser humano acabou
criando. Em nome da evolução e da ciência, a utilização da natureza e de seus
recursos como um meio para alcançar os objetivos de riqueza e crescimento
desaguou em um grande paradoxo. De um lado está a natureza que base de
sustentação para a vida no planeta, e do lado oposto está o homem que, mesmo
dela necessitando, ainda a destrói. Este posicionamento de dominação da natureza
traduz o pensamento antropocêntrico que se quer enfrentar.
Sobre esta questão manifesta-se Leff (2007) argumentando que a história
ambiental vem sendo definida como um campo de estudo dos impactos de
18
diferentes modos de produção e formações sociais sobre as transformações de sua
base natural, incluindo a superexploração dos recursos naturais e a degradação
ambiental. O homem, para sobreviver, precisa retirar seu sustento da natureza e,
para que isso aconteça, utiliza ferramentas que, com o passar dos anos e com o
aperfeiçoamento das tecnologias dos meios de produção, vão degradando ainda
mais a o meio ambiente. Isso possibilita que o ser humano acumule cada vez mais
recursos naturais e converta esses produtos retirados da natureza em capital.
O resultado desta lógica de apropriação dos recursos, da conotação de
distanciamento do homem ante ao homem e em relação à natureza, causa uma
crise retratada na sociedade de risco, uma sociedade que convive com os riscos
diariamente e que está impossibilitada de prevê-los, tamanha a sua produção, sem
considerar o fato de que estes riscos a que estamos expostos transformaram-se em
perigos latentes da destruição planetária (BECK, 1999).
A questão a ser enfrentada parte do pensamento, ou seja, da impossibilidade
de continuar a ver a natureza como um objeto de satisfação e passar a perceber sua
importância vital para a sobrevivência humana.
O planeta está apresentando as conseqüências das atividades humanas
degradatórias, por meio das mudanças climáticas, da poluição atmosférica, dentre
muitas outras, e tal degradação necessita de uma mudança radical de hábitos e
pensamentos, sob pena de irreversibilidade desta situação.
Lovelock (2006, p. 98) refere-se sobre esta questão, dizendo que:
mesmo que cessássemos neste instante de arrebatar novas terras e águas
de Gaia
3
para a produção de alimentos e combustíveis e parássemos de
envenenar o ar, a Terra levaria mais de mil anos para se recuperar do dano
já inflingido.
Alguns dados, segundo Trevisol (2003), demonstram a amplitude da atual
crise ambiental: estimativas do início da década de 80 indicavam que o índice de
3
Na definição de Lovelock (2006), Gaia é a casca fina de terra e água entre o interior incandescente
da Terra e a atmosfera que a circunda.
19
desmatamento variava entre 10 e 20 milhões de hectares por ano; no Brasil o ritmo
do desmatamento também é muito elevado. O país possui cerca de 3,6 milhões de
hectares em Km2 de florestas, ocupando o terceiro lugar na lista dos países com
maior área florestal, perdendo somente para a Rússia e o Canadá, mas, de acordo
com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de 2002, cerca de
587.000 km2 foram devastados; a substituição da floresta virgem amazônica por
campos de pastagens é responsável pela redução de 25% na precipitação
pluviométrica local; os principais fatores de desflorestamento são a agricultura, a
criação de animais e a construção de estradas e hidroelétricas, além de fatores
indiretos, como o crescimento populacional, distribuição desigual das terras,
pobreza, entre outros. Ainda, para este autor, tal devastação gera efeitos
insustentáveis, como a destruição da camada de ozônio que acarreta ao homem a
disseminação de doenças como o câncer de pele e problemas oculares em razão da
irradiação; efeito estufa e aquecimento global, um dos mais preocupantes efeitos
que ocasiona o aumento da temperatura, derretimento das calotas polares e
aumento do nível do mar; escassez da água potável em alguns países e o aumento
da cultura do consumo e do lixo sem a destinação adequada (TREVISOL, 2003).
Outros dados apontados por Boff (2008, p. 31-32), retirados do informe
Wordwatch Institute são importantes, pois demonstram que:
Entre 1500 e 1850 presumivelmente foi eliminada uma espécie a cada dez
anos. Entre 1850 e 1950, uma espécie por ano. A partir de 1989, estudos
revelam o desaparecimento de uma espécie por dia. No ano 2000 essa
perda ocorria a cada hora.O processo de morte se acelera cada vez
mais.Entre 1975 e 2000 desapareceram 20% de todas as espécies de vida
do planeta.
A intensificação da agressão à natureza revela-se bem exemplificada nesta
passagem, que demonstra o processo de morte ocasionado, na sua maior parte pela
atividade humana. Alguns dados da mesma fonte referem-se ao Brasil e América
Latina:
As florestas do mundo estão se acabando a um ritmo de 20 milhões de
hectares por ano. Segundo estimativas do IBGE (1988), já foram
desmatados 5% da floresta amazônica. Outras sofreram uma perda de 12%.
Mas nada é mais despistador do que usar aqui as percentagens. Cerca de
1% da Amazônia equivale a 40 mil quilômetros quadrados, ou seja, 4
milhões de hectares. Em 1970 já estavam desmatados 5 milhões de
20
hectares. De 1970 a 1988 - portanto, em 18 anos -, o desmatamento foi de
20 milhões de hectares. A superfície atingida corresponde a toda a área de
soja, milho e trigo plantados no Brasil. (BOFF, 2008, p. 32).
Boff (2008) enfatiza que o principal problema global é a chuva ácida, e explica
que esta, resultante do desenfreado processo de industrialização, que combina o
dióxido de enxofre com o óxido de nitrogênio e águas da chuva, transformando-se
em partículas ácidas que contaminam o meio ambiente; cita também o efeito estufa
que resulta da queima de combustíveis fósseis (petróleo e carvão) que desprendem
dióxido de carbono e outros gases. Estes gases, segundo Boff (2008), associados
ao desflorestamento, produzem o aquecimento da atmosfera, e a destruição da
camada de ozônio, que, segundo ele, trata-se de um estrato atmosférico que
protege a vida do planeta contra as radiações solares e sua degradação provoca
tumores da pele e enfraquecimento do sistema de imunização. A superpopulação
também é um fator apontado como problema global. Conforme este autor, em 1950
éramos 2,5 bilhões; em 1975 somávamos 4 bilhões; em 1989 chegamos a 5,2
bilhões, e no ano de 2000 atingimos o índice de cerca de 6,4 bilhões de pessoas. A
humanidade precisou de 10 mil gerações para chegar aos 2 bilhões de habitantes.
Em seguida, apenas uma geração bastou para passar dos 2 bilhões para os 5,5
bilhões.
Ainda sobre o aquecimento global, Boff (2008, p. 139) informa que:
De acordo com os cientistas é aquele o maior causador das últimas
catástrofes que vem assustando o mundo. Dentre as várias causas que este
fenômeno vêm causando pode citar as alterações climáticas, o desequilíbrio
do regime de chuvas, o derretimento acelerado das geleiras do Ártico que
ficou em 2006 com uma diminuição de 60.400 quilômetros quadrados
menor, ou seja, uma área equivalente a 2x o Estado de Alagoas.
Este fenômeno é o responsável pelo aumento do nível do mar, o que provoca
furacões e, conseqüentemente, grandes catástrofes, tornados e secas.
Um prévio relatório anual da Organização Meteorológica Mundial, órgão da
Organização das Nações Unidas
4
, que avalia o clima na Terra divulgado no
final de 2006, indicando inúmeras alterações climáticas e catástrofes
4
A Organização das Nações Unidas (ONU) é um órgão internacional fundado em 1945 com o objetivo
de manter a paz e a segurança internacionais; estabelecer relações cordiais entre as nações do
mundo, obedecendo aos princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos; e
incentivar a cooperação internacional na resolução de problemas econômicos, sociais, culturais e
humanitários (O SISTEMA..., 2008).
21
naturais relata que: “todo este transtorno é decorrência do aumento de
apenas 1% na temperatura média do planeta nos último 100 anos”.
(SOUSA, 2006, p.139).
Isto nos leva a pensar que a antiga idéia de que os recursos naturais não
terminariam nunca, precisa ser repensada, devido à grave crise ambiental que atinge
o planeta. O pensamento capitalista de acumular riquezas faz com que as pessoas
utilizem os recursos naturais de forma inconseqüente, aumentando a degradação da
natureza. Essa crise do meio ambiente, todavia, precisa fazer o homem despertar
para a necessidade de preservar, e assim inaugurar um novo paradigma voltado
exclusivamente para esta preservação, até porque, no dizer de Milaré (2005, p. 52)
“a natureza morta não serve ao homem.”
É fundamental construir um novo modelo de proteção ao meio ambiente, com
base na ética, sem considerar os recursos naturais como “bens apropriáveis” pelo
homem. A causa da crise está no pensamento de assimilação dos recursos naturais
determinados para satisfazer as necessidades ilimitadas do homem. Igualmente
baseia-se no fato de que o homem é o centro das preocupações ambientais, posição
realçada no primeiro princípio da Declaração de Estocolmo, de 1972, que sustenta
que “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em
harmonia com o meio ambiente.” (MILARÉ, 2005, p. 248).
Observa-se, entretanto, que a proteção ao meio ambiente é uma questão da
própria sobrevivência humana. Preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico é
questão de vida ou morte (MILARÉ, 2005). Nesse caso, há quem entenda que o
meio ambiente também é sujeito de direito, devendo ser protegido pelo Direito.
Na tentativa de encontrar uma solução para o problema da crise ambiental,
surge o Direito Ambiental para tentar coibir a desordem e o abuso causados à
natureza pelo homem. Daí a necessidade de um regramento jurídico para que a
relação homem e meio ambiente se estabeleça com equilíbrio.
22
Nesse sentido, Oliveira (2004, p. 24) considera que:
Neste sentido, surgiram os princípios da vida sustentável: respeitar e cuidar
da biosfera, melhorar a qualidade da vida humana, conservar a vitalidade e
a diversidade do planeta Terra, minimizar o esgotamento dos recursos não-
renováveis, permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta,
modificar atitudes e práticas pessoais, permitir que as comunidades cuidem
do seu próprio ambiente, gerar uma estrutura nacional para a integração de
desenvolvimento e conservação e constituir uma aliança global.
A conscientização a respeito da problemática ambiental vem crescendo nos
últimos anos, e a sociedade busca formas de conciliar o desenvolvimento e a
preservação. Desta forma, os princípios da racionalidade ambiental precisam gerar
novos projetos sociais, fundados na reapropriação da natureza, na ressignificação
das identidades individuais e coletivas e na renovação dos valores éticos (LEFF,
2007).
É por meio da percepção desta crise ecológica que surge um novo discurso
baseado no cuidado com o meio ambiente. Para Leff (2001), há a necessidade de
emergir um saber ambiental. Segundo este autor,
O ambiente emerge como um saber reintegrador da diversidade, de novos
valores éticos e estéticos e dos potenciais sinergéticos gerados pela
articulação de processos ecológicos, tecnológicos e culturais. O saber
ambiental ocupa seu lugar no vazio deixado pelo progresso da
racionalidade científica, como sintoma de sua falta de conhecimento e como
sinal de um processo interminável de produção teórica e de ações práticas
orientadas por uma utopia: a construção de um mundo sustentável,
democrático, igualitário e diverso. (2001, p. 17).
Assim o conceito de ambiente proporciona novas perspectivas ao processo
de desenvolvimento, pois surgem formas orientadas a incorporar normas ecológicas
com a conseqüente aplicação de novos instrumentos (LEFF, 2001). Conforme
observado, o discurso da preservação invade a atualidade baseado na necessidade
de preservação, tanto do meio ambiente em si, quanto da continuidade da vida do
planeta.
O agravamento da situação ambiental torna necessário o nascimento de uma
ideologia ambiental, na qual a ciência do Direito terá papel fundamental. Desta forma
o Direito Ambiental surge com o intuito de proteger todas as formas de vida no
Planeta, mostrando aos homens a necessidade de se ter um meio ambiente
23
ecologicamente equilibrado. Por intermédio da adoção e efetividade de seus
princípios torna-se possível discorrermos sobre preservação com consciência e
sensibilidade, uma verdadeira conquista para o meio ambiente.
O Direito Ambiental inaugura um modo de encarar a luta pela preservação da
qualidade dos ecossistemas e pela valorização da biodiversidade como uma postura
ética radical diante da vida. Esta abordagem ético-jurídica entende o meio ambiente
como conseqüência do envolvimento, numa complexa simbiose entre todos os seres
vivos e a natureza, considerando a defesa do ambiente saudável como um direito
inalienável da presente e das futuras gerações.
Esse mesmo Direito Ambiental embasado num humanismo intenso pode, por
seus princípios, por seus fundamentos doutrinários e pela transdisciplinaridade que
o compõe, oferecer uma decisiva contribuição para que as pessoas desse novo
século venham a alcançar a melhor convivência equilibrada com a natureza.
1.2 A evolução do Direito Ambiental
Para desenvolver a temática da evolução do Direito Ambiental, como ramo
autônomo do Direito, é necessário um entendimento a respeito do significado
sociológico da expressão meio ambiente.
O meio ambiente invade o discurso da atualidade no intuito de reordenar o
pensamento humano em sua inter-relação, e também em suas relações com a
natureza. Assim, para Leff (2001, p.385), a expressão
ambiental é o adjetivo que tudo penetra, transformando seu ser; é uma
visão holística que busca reintegrar as partes de uma realidade complexa; é
o campo do saber que viria completar as formações centradas dos
paradigmas científicos da modernidade.
Esta busca por uma ressignificação sobre a compreensão de ambiente, a
partir de uma visão socialmente responsável, advém de fatores históricos, entre os
quais está a Revolução Industrial, em que, a explosão tecnológica acabou
ocasionando sérias complicações ao meio ambiente (MILARÉ, 2005).
24
Alguns autores referem que é possível identificar as fases da elaboração da
consciência ambiental global, e, até a metade do século 20 a preocupação ambiental
era considerada luxo, excentricidade, além de que pouco se conhecia sobre as
relações entre o progresso econômico e a degradação ambiental.
Na fase seminal, que ocorreu aa metade do século 20, os movimentos
conservacionistas e ecologistas foram se formando e com eles surgiram muitas
idéias sobre as relações homem-natureza. A população, no entanto, estava
preocupada com os efeitos da guerra e interessada em desfrutar das promessas de
consumo da sociedade fordista, enquanto que os cientistas estavam ocupados em
realizar o desenvolvimento científico e tecnológico (SOUZA, 2006).
No período que se desenvolveu até o início dos anos 70, a degradação
ambiental começa a afetar o bem-estar das pessoas, na medida em que o
crescimento econômico vai causando conseqüências ambientais e culturais. Deste
modo, são instituídas algumas políticas ambientais para a minimização de
problemas como a poluição, mas ainda com caráter de tratamento e não de
prevenção (SOUZA, 2006).
Vencida esta primeira etapa, a década de 1970, marcou profundamente a
modificação da relação homem e meio ambiente, mediante as novas noções e a
preocupação com o esgotamento dos recursos naturais. Em 1972 realizou-se a
Conferência Sobre Meio Ambiente, considerada por muitos como o passo inicial na
evolução das discussões sobre o meio ambiente. Realizada em Estocolmo abordou
diretamente a inserção do direito ao meio ambiente como um direito fundamental. Os
26 princípios da Declaração do Meio Ambiente estabelecidos por esta Conferência,
conforme Silva (2002), constituem prolongamentos da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, e proclamam que a proteção e melhora do meio ambiente é
uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento
econômico do mundo inteiro; é um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um
dever de todos os governos. Ficou, assim, proclamada a necessidade de
cooperação internacional no intuito de as nações unirem seus esforços em prol da
preservação do meio ambiente em benefício da geração atual e das futuras.
25
No período compreendido entre 1970 e 1980, o problema ambiental
apresenta-se como limite ao crescimento, com a possível inviabilização do modelo
vigente de relação das atividades econômicas com o meio ambiente; é quando os
problemas ambientais ganham dimensões internacionais e se começa a pensar em
um desenvolvimento que seja mais adequado à preservação da vida no planeta.
Surge a idéia de limitar o crescimento econômico e se passa a pensar em novos
padrões de produção (SOUZA, 2006).
A relação intensa e circular entre meio ambiente e desenvolvimento é
analisada desde 1971, demonstrando preocupação com a escassez dos recursos
não-renováveis e com a necessidade de planejamento e instituição de estratégias
ambientalmente viáveis para promover o desenvolvimento sustentável (SACHS,
1993).
Foi com estas preocupações que a conferência de Estocolmo e os trabalhos
do Clube de Roma foram realizados, demonstrando a inclusão do meio ambiente
nas discussões globais. A partir de então, no início do século 21, principalmente com
a acentuação das disputas sobre exploração, acesso e controle dos recursos, ganha
impulso a discussão sobre regulação, políticas e gestão de recursos.
Assim, de 1980 em diante, as preocupações com o desenvolvimento e a
preservação ambiental originam a discussão sobre desenvolvimento sustentável ou
ecodesenvolvimento, surgiu debates sobre estratégias que viabilizassem esse novo
paradigma. Tendo a partir desta década, a política ambiental evoluído visivelmente,
neste momento houve a aprovação da lei 6.938, em 31 de agosto de 1981, a qual
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Seus principais objetivos foram
a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental no país. Para
Benjamin (1999), só com a Lei 6.938/81, portanto, é que verdadeiramente tem início
a proteção do meio ambiente como tal no Brasil.
Foi nesse cenário que várias instituições, organismos e movimentos
vivenciaram a realização das conferências sobre meio ambiente e desenvolvimento
sustentável, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
26
Desenvolvimento. A ECO 92 conseguiu reunir mais de 80% dos países do mundo, o
que marcou ainda mais a década de 90 e consolidou o Direito Ambiental. Santilli
(2005, p. 40) assevera que “os mais ricos e mais importantes países do mundo se
‘despiram’ de suas posições econômica e política para, unidos, cuidarem da
salvação do nosso planeta”. A partir da ECO 92, os países signatários
comprometeram-se a proteger as riquezas biológicas existentes, por intermédio dos
documentos assinados.
Os documentos produzidos durante a Conferência Rio 92 são os seguintes,
conforme assevera Santilli (2005, p. 43-48):
1) Declaração do Rio de Janeiro ou, mais conhecida como Carta da Terra,
que consiste na orientação, através de princípios, para a implantação do
desenvolvimento sustentável na Terra;
[...].
2) Declaração de Princípios sobre Florestas, que estabelece a proteção de
todos os tipos de florestas existentes;
[...].
3) Convenção sobre Biodiversidade, documento através do qual os países
se comprometeram a proteger as riquezas biológicas, principalmente as
florestas.
A ECO 92 encarregou-se de produzir planos e estratégias em matéria
ambiental, dentre elas destacando-se a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, e elaborou 27 princípios, sendo os mais importantes:
princípio do desenvolvimento sustentável; princípio da precaução; do poluidor
pagador; participação social na gestão ambiental e da obrigatoriedade da
intervenção estatal. Tais princípios possuem atualmente fundamental importância no
trabalho de preservação ambiental, e constituem a base de sustentação deste, com
um pensamento voltado ao cuidado com o meio ambiente; organizou ainda a
Convenção sobre Diversidade Biológica, que teve como objetivos a conservação da
diversidade biológica, utilização sustentável de seus componentes a repartição justa
e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos; a
Declaração de Princípios para um consenso global sobre Manejo Conservação e
Desenvolvimento Sustentável de todos os tipos de florestas, o qual abordou
especificamente os princípios para preservação das florestas; Convenção Quadro
Sobre Mudanças Climáticas que objetivou a estabilização dos gases de efeito estufa
em um âmbito no qual a atividade humana não interfira no sistema climático, e em
27
conseqüência da preocupação com a problemática do clima no planeta ocorreu a
elaboração do Protocolo de Kyoto, em 1997, que estabeleceu regras para emissão
de gases responsáveis pelo efeito estufa, sendo o objetivo maior a sua redução
destes gases; a Agenda 21, que tratou-se de um amplo plano de ação para o
desenvolvimento sustentável com 4 seções, 40 capítulos, 115 programas e 2.500
ações, constituído com base em algumas áreas básicas, tais como a gestão de
recursos naturais, agricultura sustentável, cidades sustentáveis e redução das
desigualdades sociais (SANTILLI, 2005).
A respeito da evolução da consciência global sobre meio ambiente e
desenvolvimento, pode-se observar que a esta se deu por intermédio da elaboração
de um pensamento conjunto, que resultou em acordos internacionais e em políticas
para a sua proteção. Segundo Carvalho (2003), a partir da percepção de que a
globalização também contribui para o aumento dos índices de degradação
ambiental, surgem os direitos referentes ao meio ambiente. Mesmo não sendo o
meio ambiente um destinatário direto da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, muitos daqueles direitos dependem do meio ambiente equilibrado para
serem efetivados (por exemplo, o direito à vida, à saúde, ao bem estar social).
Portanto, hoje o direito ao meio ambiente sadio faz parte do núcleo dos direitos
fundamentais do homem.
O Direito Ambiental surge, então, como instrumento de defesa ante o
crescimento desordenado e arbitrário e para impedir ou corrigir uma crise entre o
homem e seu ambiente. Possui uma estreita relação com as demais áreas do Direito
e também com os demais campos das Ciências Humanas e Exatas. Compreende,
sobretudo,
um conjunto de princípios, normas e regras destinadas à proteção
preventiva do meio ambiente, à defesa do equilíbrio ecológico, à
conservação do patrimônio cultural e à viabilização do desenvolvimento
harmônico e socialmente justo, compreendendo medidas administrativas e
judiciais, com a reparação material e financeira dos danos causados ao
ambiente e aos ecossistemas, de um modo geral. (CARVALHO, 2003, p.
144).
Com relação aos movimentos ambientais, Leite e Ayala (2004, p. 183)
afirmam que:
28
a crise ambiental propiciou o surgimento de uma conflituosidade social
intensa, até hoje existente, referente à necessidade de proteção do
ambiente. Os movimentos ambientais tiveram muita influência no
aprofundamento da discussão dessa conflituosidade e várias declarações
internacionais vieram propiciar a discussão da questão e compelir os
Estados a estabelecer normas de proteção ambiental.
No caso do Brasil a legislação aborda o assunto na própria Constituição
Federal e também na legislação esparsa. A Constituição Federal de 1988 inovou na
normatização referente ao meio ambiente. O artigo 225, assim se expressa:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à qualidade de vida impondo-se ao Poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
Deste conceito legal retira-se algumas noções importantes sobre a questão
ambiental. A expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado trata do meio
ambiente como um todo e da inter-relação das espécies, incluindo a espécie
humana, com o meio físico. Remete o entendimento para o meio ambiente natural
considerando que este, por intermédio dos recursos naturais, proporciona o
desenvolvimento da vida na Terra. Um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
significa em suma, uma necessidade não só da realidade brasileira, mas de todos os
países, considerando os índices atuais de degradação ambiental (SACHS, 1993).
Quando aduz-se “bem de uso comum do povo”, entende-se que o direito ao
meio ambiente sadio é de toda a coletividade. Neste sentido, a conotação, a tônica
da problemática ambiental é uma responsabilidade de toda a humanidade. Para Leff
(2001, p. 446), “a morte entrópica do planeta nos leva à busca das raízes da vida, à
vontade de viver, além da necessidade de conservação da biodiversidade e do
princípio de sobrevivência humana”. Deste modo, as noções individualistas da
realidade contemporânea, advindas do sistema capitalista, são contraditórias
quando o assunto é meio ambiente. Por estas razões, o direito ao meio ambiente
saudável enquadra-se na categoria dos direitos de solidariedade, na abordagem de
Santilli (2005, p. 60):
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito humano
de terceira dimensão, em virtude de sua natureza individual, difusa e
coletiva, tratando-se de um “direito de solidariedade”, que não se enquadra
29
nem no público, nem no privado tal como o direito à autodeterminação dos
povos e à paz.
Outra noção importante abordada literalmente na Constituição Federal, trata
da qualidade de vida como fator preponderante que advém de um meio ambiente
equilibrado. Segundo Ogata (2008), “a qualidade de vida é um termo empregado
para descrever a qualidade das condições de vida levando em consideração fatores
como saúde, educação, bem-estar físico, psicológico, emocional e mental,
expectativa de vida etc.”. A qualidade de vida envolve também elementos não
relacionados, como a família, amigos, emprego ou outras circunstâncias da vida. A
qualidade do meio ambiente influencia diretamente a vida das pessoas, e dos
demais seres vivos, e um ambiente saudável proporciona aos seres humanos, uma
vida igualmente saudável, tanto física, quanto emocionalmente.
Segundo Abrantes (2002), a Constituição de 1988 é um marco na formulação
de políticas e programas mais adaptados à realidade econômica e institucional de
cada Estado, permitindo maior integração entre as diversas esferas governamentais
e os agentes econômicos. Este autor pondera que algumas Unidades da Federação
destacaram-se na tarefa de preservação, tendo demonstrado consciência da
necessidade de conservar seus recursos naturais devido ao agravamento dos
problemas ambientais.
Esta evolução do ambientalismo brasileiro, que se desenvolveu com maior
afinco a partir da Constituição Federal de 1988, produziu-se por meio da inserção de
novos valores da conduta humana responsável. Sobre o contexto histórico da
Assembléia Nacional Constituinte expressa-se Santili (2005, p. 57):
Os novos direitos rompem com os paradigmas da teoria jurídica tradicional,
contaminando pelo apego ao excessivo formalismo, pela falsa neutralidade
política e científica e pela excessiva ênfase nos direitos individuais, de
conteúdo patrimonial e contratualista, de inspiração liberal.
Este rompimento com a lógica de aproveitamento ilimitado dos recursos
naturais, imbuído de uma atitude ambientalmente irresponsável, faz parte de uma
longa caminhada. Até a década de 60, no Brasil, a legislação apenas absorveu
30
questões ligadas ao meio ambiente desde que tivessem conteúdo patrimonial e
econômico, desligado do contexto da preservação (BENJAMIN, 1999).
1.3 Os princípios fundamentais do Direito do Ambiente
O Direito Ambiental, assim como os demais ramos do Direito, é norteado por
princípios próprios que adquirem este status por possuírem a finalidade precípua de
proteção da vida, visando a garantia de existência dos seres humanos e demais
espécies do planeta.
A doutrina moderna aprofunda o estudo dos princípios de Direito Ambiental ,
existentes com várias denominações. Para o nosso estudo é importante salientar os
princípios mais amplos da temática ambiental.
Os princípios do Direito Ambiental podem ser classificados como: o princípio
do ambiente ecologicamente equilibrado; o princípio da natureza pública; o do
controle do poluidor pelo poder público; o da consideração da variável ambiental no
processo decisório de políticas de desenvolvimento; participação comunitária; o
poluidor-pagador; prevenção; da função socioambiental da propriedade; o do direito
ao desenvolvimento sustentável; da cooperação entre os povos e o princípio da
Precaução.
O Princípio do Ambiente Ecologicamente Equilibrado, como direito
fundamental da pessoa humana, está inserido no caput do artigo 225 da
Constituição Federal de 1988, o qual sustenta que o ser humano tem o direito de
desfrutar de adequadas condições de vida em um ambiente saudável. Esse princípio
mostra nitidamente que o direito ao ambiente é um direito humano fundamental, pois
o seu reconhecimento é uma extensão do direito à vida, não na relação da
própria existência, mas também em relação ao aspecto da dignidade da existência.
A Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 225, dispõe:
Todo cidadão tem direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
31
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O reconhecimento do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado
traduz o entendimento de que se deve priorizar a saúde dos seres humanos,
portanto preservando, portanto, a vida. Este é o entendimento de Milaré (2005), que
informa que o reconhecimento deste princípio configura um desdobramento do
direito àvida, consagrado constitucionalmente no Brasil.
O Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental admite a natureza
social, coletiva do direito do ambiente. Conforme explica Silva (2002, p. 22), “Este
princípio decorre da previsão legal que considera o meio ambiente como um valor a
ser necessariamente assegurado e protegido para uso de todos, ou como queiram
para fruição humana coletiva.”
A partir desta constatação verifica-se que o interesse público da sadia
qualidade de vida mediante um ambiente saudável e equilibrado deve sobrepor-se
aos interesses de natureza privada. Neste sentido manifesta-se Milaré (2005, p.
160):
o interesse na proteção do ambiente, por ser de natureza pública, deve
prevalecer sobre os direitos individuais privados, de sorte que, sempre que
houver dúvida sobre a norma a ser aplicada a um caso concreto, deve
prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade.
A partir disso, por meio da adoção deste princípio, entende-se que as normas
devem verificar as necessidades reais de uso dos recursos naturais, estabelecendo
a razoabilidade na utilização, mesmo que estes bens não sejam escassos.
O Princípio do Controle do Poluidor Pagador pelo Poder Público trata da
possibilidade de punir economicamente aquele que polui o ambiente. Segundo
Milaré (2005), o Princípio do Controle do Poluidor pelo Poder Público é a intervenção
do poder público para a preservação do meio ambiente, para a sua utilização
racional e disponibilidade permanente. Está previsto no artigo 5º, § 6º, Lei 7.347/85 e
na Constituição Federal/88, artigo 225, § 1º, V. Para a efetiva preservação e
restauração do meio ambiente, os órgãos e as entidades públicas utilizam-se de seu
poder de polícia administrativa para limitar o exercício dos direitos individuais com o
32
objetivo de assegurar o bem-estar da coletividade. Os órgãos públicos, no entanto,
podem também assegurar este princípio mediante estabelecimento de ajustamentos
das condutas nocivas ao meio ambiente, que seriam as políticas ambientais.
Nas lições de Antunes (2005, p. 59):
A Administração Pública tem a obrigação de fixar padrões máximos de
emissões de matérias poluentes, de ruído, enfim, de tudo aquilo que possa
implicar prejuízos para os recursos ambientais e a saúde humana. A
violação dos limites fixados deve ser sancionada. A fixação dos limites é de
extrema importância, pois será a partir deles que a Administração poderá
impor coercitivamente as medidas necessárias para que se evite, ou pelo
menos se minimize, a poluição e a degradação.
Este chamado poder de polícia
5
da administração pública precisa intervir na
manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais visando a sua
utilização racional e disponibilidade permanente.
O Princípio da Consideração da Variável Ambiental no Processo Decisório de
Políticas de Desenvolvimento prega que o meio ambiente precisa integrar quaisquer
discussões a respeito da instituição de políticas públicas (MILARÉ, 2005). Está
previsto no artigo 225, § 1º, IV CF/88, e se consagrou com a criação do Estudo de
Impacto Ambiental, mecanismo por meio do qual se busca prevenir as agressões ao
meio ambiente, verificando, antecipadamente, os efeitos da ação do homem sobre a
natureza.
Segundo Antunes (2005, p. 37),
Os aplicadores da política ambiental e do Direito Ambiental devem pesar as
conseqüências previsíveis da adoção de uma determinada medida, de
forma que esta possa ser útil à comunidade e não importar em gravames
excessivos aos ecossistemas e à vida humana. Através do mencionado
princípio deve ser realizado entre as diferentes repercussões do projeto a
ser implantado, isto é, devem ser analisadas as conseqüências ambientais,
econômicas, sociais, etc.
O Princípio da Participação Comunitária dispõe que para resolver os
problemas do ambiente deve ser dada atenção especial à cooperação entre o
5
Poder de polícia é a faculdade inerente à administração pública de limitar o exercício dos direitos
individuais visando a assegurar o bem estar da coletividade (SILVA, 2002).
33
Estado e a sociedade, pela participação de toda a sociedade na formulação e
execução da política ambiental. Este princípio afirma que é de fundamental
importância a participação do cidadão na elaboração e instituição da política
ambiental, uma vez que o sucesso dessa política depende de que todas as
categorias da sociedade contribuam para melhorar o meio ambiente.
Previsto no Princípio 10 da Declaração do Rio/92 e no caput do artigo 225 da
CF/88, este princípio pressupõe o direito de informação, pois o cidadão com acesso
à informação tem condições mais concretas de atuar na sociedade de forma
consciente e eficaz. Também pode ser chamado de princípio democrático, por
proporcionar o direito de participar das políticas públicas ambientais.
Antunes (2005, p. 42) assevera a esse respeito:
O direito que o cidadão tem de receber informações sobre as diversas
intervenções que atinjam o Meio Ambiente e, mais, por força do mesmo
princípio, devem ser assegurados a todos os cidadãos os mecanismos
judiciais, legislativos e administrativos capazes de tornarem tal princípio
efetivo.
Este princípio possibilita ao cidadão que deixe a condição de beneficiário e
passe a participar na responsabilidade pela gestão dos interesses da coletividade.
O Princípio da Prevenção engloba aqueles impactos ambientais que são
conhecidos, ou seja, que são previsíveis, devido à base de conhecimento que existe
sobre eles. O estudo de impacto ambiental previsto no artigo 225, parágrafo
primeiro, IV, da Constituição Federal, é um exemplo de desdobramento deste
princípio. Segundo Antunes (2005, p. 37) “É o princípio da prevenção que informa
tanto o licenciamento ambiental, como os próprios estudos de impacto ambiental”.
O Princípio da Prevenção dá prioridade a medidas que evitam degradações
ao meio ambiente. No entendimento de Milaré (2005, p. 147):
O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à
prioridade de que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de
atentados ao ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações
suscetíveis de alterar a sua qualidade [...]. Sua atenção está voltada para
momento anterior à da consumação do dano - o do mero risco. Ou seja,
diante da pouca valia da simples reparação sempre incerta e, quando
34
possível excessivamente onerosa, prevenção é a melhor, quando não a
única, solução.
A prevenção pressupõe um conhecimento detalhado daquilo que deve ser
prevenido por meio de informação técnica organizada, que possibilite a adoção de
medidas de segurança eficazes para evitar e degradação ambiental.
Outro princípio fundamental do direito do ambiente é o Princípio da Função
Socioambiental da Propriedade. Este princípio concebe as questões sociais, ou seja,
coletivas, no tocante à propriedade privada, e dentre elas engloba a preocupação
ambiental. Significa que o uso da propriedade fica condicionado ao bem-estar social.
Ainda, segundo Milaré (2005, p. 148),
O uso da propriedade pode e deve ser judicialmente controlado, impondo-
se-lhes as restrições que forem necessárias para a salvaguarda dos bens
maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e
eficientes do poder Judiciário, qualquer ameaça ou lesão à qualidade de
vida.
O direito de propriedade não é mais ilimitado e inatingível. Ao contrário, ele é
condicionado ao bem-estar social, segundo nos informa a Constituição Federal em
seu artigo 5º, XXII e XXIII. Segundo o entendimento constitucional, a propriedade
continua sendo privada, mas adquire um cunho social, pois seu uso deve ser
compatível com os interesses públicos e coletivos. Além deste, pode-se citar outros
exemplos, tais como o artigo 182 da Constituição Federal, que trata das exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor; artigo 186, que
dispõe sobre a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis para a
preservação do meio ambiente, entre outros.
Outro importante Princípio do Direito Ambiental é o do Desenvolvimento
Sustentável, que dispõe que é direito do ser humano desenvolver-se e assegurar às
futuras gerações as mesmas condições favoráveis. Neste sentido entende-se que se
deve primar pela solidariedade também com as próximas gerações.
35
Nas palavras de Sachs (2000, p. 36),
O Desenvolvimento sustentável obedece ao duplo imperativo ético da
solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exige a explicitação
de critérios de sustentabilidade social e ambiental e de viabilidade
econômica.
Este princípio nasceu, enquanto tal, na Conferência das Nações Unidas sobre
meio Ambiente - a de 1972, e desde então vem sofrendo avanços em sua amplitude
e reconhecimento Milaré (2005). Este princípio significa melhora na qualidade de
vida. Atualmente vem designando também os termos econômicos, políticos, sociais
e culturais das relações humanas.
A Cooperação Entre os Povos está prevista na Constituição Federal de 1988,
artigo 4º, IX, e estabelece que nas relações internacionais do Brasil a cooperação
entre os povos deve ser direcionada para o progresso humano. E este é mais um
dos princípios do Direito Ambiental. Este mesmo autor entende que:
Uma das áreas de interdependência entre as nações é a relacionada com a
proteção do ambiente, uma vez que as agressões a ele infligidas nem
sempre se circunscrevem aos limitem territoriais de um único país,
espraiando-se também, não raramente, a outros vizinhos ou ao ambiente
global do planeta. O meio ambiente não conhece fronteiras, embora a
gestão de recursos naturais possa - e, às vezes, deva - ser objeto de
tratados e acordos bilaterais e multilaterais. (MILARÉ, 2005, p. 148).
Este princípio demonstra que a proteção do meio ambiente nem sempre
encontra-se dentro de limites territoriais, portanto existe uma necessidade de
intercâmbio de experiências científicas e do mútuo auxílio entre os países.
Os princípios anteriormente expostos demonstram a relevância e atualidade
da discussão ambiental, seja em âmbito nacional ou internacional. Neste sentido, o
direito ambiental aperfeiçoa e rejuvenesce a questão ambiental. No intuito de
explicitar com maior afinco a temática que se propõe, passamos a dar uma atenção
maior ao Princípio da Precaução também denominado Princípio da Cautela, no
próximo item.
36
1.4 O princípio da precaução
Conforme anteriormente exposto, não é novidade a afirmação de que as
agressões ao meio ambiente são, em regra, de difícil ou impossível reparação.
Como se constata freqüentemente, uma vez consumada uma degradação ambiental,
a sua reparação é sempre incerta. Daí a preocupação existente há muito tempo com
a atuação preventiva e de segurança, a fim de se evitarem os danos ambientais, o
que justificou a consagração do princípio da precaução.
No entendimento de Derani (1997, p.167):
O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de
perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade
ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da
proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como
pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta
premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma
determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de
empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio
de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda
densidade
.
A distinção doutrinária que existe entre prevenção e precaução milita no
sentido de que a prevenção trata da antecipação ao fato; a precaução ou cautela
significa o cuidado que se deve ter para evitar o dano, neste caso o ambiental
Sirvinskas (2008). A partir desta noção entende-se que se trata de prevenção
quando os eventos podem ser previsíveis, enquanto que se adota a precaução na
seara dos riscos que são imprevisíveis. O Princípio da Precaução, portanto é
aplicável a impactos desconhecidos, porque nem sempre a Ciência oferece ao
Direito uma certeza referente a medidas específicas que devem ser tomadas para
evitar desastres ecológicos.
Diante da incerteza da Ciência a prudência é o melhor caminho, podendo
evitar danos à matéria. Este princípio foi reconhecido internacionalmente ao ser
incluído na Declaração do Rio, em 1992 (princípio nº 15), a seguir transcrito:
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.
Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de
absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
37
medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental. (SANTILLI, 2005, p. 52).
O referido princípio encontra-se ainda expresso na Lei 11.105/2005, lei de
biossegurança, artigo 1º :
Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização
sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a
transferência, a importação, a exportação o armazenamento, a pesquisa, a
comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de
organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo
como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e
biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a
observância da precaução para a proteção do meio ambiente.
O conhecimento científico possui validade sobre uma extensa gama de
assuntos, no entanto inexiste total certeza de modo que absolutize tais assuntos,
pois pode, a qualquer momento, ser substituído por pesquisas mais avançadas.
Mesmo condutas para as quais haja demonstração científica de que não geram
danos ambientais, no futuro pode ser que se conclua em sentido contrário: que
provocam, sim, efeitos danosos ao meio ambiente. Isso deve-se ao fato de que a
Ciência está em constante evolução, e é uma característica da sociedade de risco
(MONTEMEZZO, 2007).
Bombassaro e Paviani (1997) tratam da investigação científica e da evolução
da ciência, referindo que sempre que um paradigma científico é substituído por
outro, tem-se um avanço. Explica que realizações científicas passadas orientam a
ciência normal, e que o aperfeiçoamento do paradigma, no que denomina operações
de limpeza, é que fortalece a ele próprio e à ciência normal, uma vez que nem
sempre oferece respostas a todos os problemas que lhes são postos. Nessa
dinâmica de testes, por assim entender-se o processo de aplicação de um
paradigma, é que novos paradigmas surgem, substituindo anteriores. Significa dizer,
em última análise que os avanços científicos e o conseqüente crescimento
tecnológico produziram na sociedade um novo paradigma, denominado por Beck
(1999) de sociedade de risco.
Diante desta perspectiva de crescente exposição a riscos, cresce a
necessidade de criação de mecanismos que possibilitem o refreamento do perigo.
38
Entende-se que os constantes avanços científicos e a utilização de diferentes
métodos, tornam possíveis questionamentos a conclusões embasadas
cientificamente, quando novos paradigmas surgem, substituindo anteriores. No atual
contexto de crescentes avanços científicos e tecnológicos, novas realizações
ocorrem com maior freqüência, gerando certa insegurança ao sistema jurídico, que
deve ser capaz de gerir tais situações. Ressalte-se ainda, conforme Leff (2007), que
o saber ambiental é um processo insaciável e interminável de produção do
conhecimento. O processamento do conhecimento advém de variados fatores, e
pode ser sempre modificado.
Para Ost (1995), a complexidade dos ecossistemas sempre introduz algum
grau de incerteza, inclusive sobre danos supostamente conhecidos e previsíveis. A
incerteza, para ele, decorre de fatores biológicos e estruturais do ecossistema, o
qual, pela mesma característica que proporciona sua recuperação, também gera
dúvidas sobre a extensão ou resultados de alguma conduta humana sobre ele.
Dificilmente a ciência desvendaintegralmente o funcionamento dos ecossistemas,
diante da grande complexidade que os caracterizam, por serem compostos de uma
infinidade de espécies vegetais, animais e minerais. O pensamento de Mirra (2000)
é semelhante, pois defende que são muitas ainda as incertezas científicas nas
questões relacionadas à proteção do meio ambiente, sobretudo no tocante ao
funcionamento dos sistemas naturais.
Diante das incertezas que pairam até mesmo sobre as conclusões científicas,
estreita-se a relação entre os princípios da prevenção e da precaução, pois, inclusive
os casos em que inicialmente uma afirmação fundamentada cientificamente de
que certa conduta não gera um dano, poderão ser objeto de dúvidas, considerando-
se os constantes avanços e mudanças tecnológicas e científicas, e o surgimento de
novos paradigmas. Precaução, assim, passa a representar uma medida preventiva
extensiva a todos os casos, e não mais somente aos que não há conclusões
científicas quanto aos resultados danosos de alguma atividade, posto que a
prevenção é restrita a situações em que há esta definição.
39
Rüdiger Wolfrum (apud MONTEMEZZO, 2007) refere o artigo do parágrafo
2º, “a”, da Convenção para Proteção do Ambiente Marítimo do Nordeste Atlântico, o
qual demonstra que a aplicação do princípio da precaução será instituída por
medidas preventivas tendentes a proteger o mar, sempre que alguma atividade
puder ser considerada perigosa à saúde humana, aos recursos vivos e ecossistemas
marinhos. Salienta, assim, que de acordo com o disposto nesta Convenção,
semelhança entre os princípios da precaução e o da prevenção, embora
substancialmente apresentem diferenças. O fundamento, ou o caráter finalístico de
ambos os princípios é que é semelhante, uma vez que ambos tendem a controlar o
exercício de atividades prejudiciais ao meio ambiente, evitando a concretização de
danos ambientais.
Diferenças entre os princípios da prevenção e precaução existem, e estão
relacionadas à forma como um e outro são aplicados, uma vez que, como referido, a
finalidade deles pode ser idêntica. Leite e Ayala (2004, p. 73) definem que a
aplicação da prevenção pressupõe a existência de elementos seguros que
demonstrem “ser a atividade efetivamente perigosa, de modo que não se pode mais
pretender, nesta fase, a prevenção contra um perigo que deixou de ser
simplesmente potencial, mas real e atual”. A aplicação da prevenção está
relacionada à existência de elementos, assegurando que o dano ambiental ocorrerá,
caso praticada a atividade.
A prevenção dispõe de medidas administrativas que a instrumentalizam,
como é o caso do licenciamento ambiental. Tal licenciamento permitirá a execução
somente mediante certas condições que preservem o meio ambiente e, caso fique
comprovada a impossibilidade da mitigação ou inocorrência de danos ambientais, o
poder público não deverá licenciar a atividade
6
. Sirvinskas (2008) refere que o
princípio da prevenção se concretiza pela imposição de medidas administrativas
impeditivas à concretização do dano, que o conhecidos os efeitos da atividade
lesiva.
6
O licenciamento das atividades potencialmente poluidoras é pressuposto para a autorização da
implementação das mesmas, de forma que se o Estudo de Impacto Ambiental demonstrar que os
danos ambientais não podem ser evitados ou mitigados, o Poder blico não autorizará o exercício
da atividade, sob pena de afronta ao princípio da prevenção (SIRVINSKAS, 2008).
40
Neste ponto cabe discorrer sobre os principais instrumentos que a política
nacional do meio ambiente, prevista na Lei nº 6.938/81, dispõe em termos de
prevenção, no intuito de evitar os danos ambientais. Conforme explica Sirvinkas
(2008, p. 148), o artigo a seguir descrito que trata especificamente da avaliação
de impactos ambientais:
Todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados
à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou
empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença
requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle
ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de
manejo, plano de recuperação de áreas degradadas, e análise preliminar de
risco.
Percebe-se que existem vários instrumentos de prevenção dos impactos
ambientais, e o principal é o chamado Estudo Prévio de Impacto Ambiental e seu
respectivo relatório (EIA/Rima). Este estudo é na verdade uma avaliação, realizada
por uma equipe técnica multidisciplinar, da área em que se requer a concessão da
licença ambiental, visando a ressaltar os aspectos positivos e negativos da
intervenção humana. Serve a todas as situações que possam causar degradação
ambiental (SIRVINSKAS, 2008).
A instrumentalização da prevenção é grande utilidade nos estudos de impacto
ambiental, mas insuficiente para aquelas situações em que os riscos não podem ser
medidos com precisão. Para estes casos deve ser invocado o princípio da
precaução, que, por sua vez, tem condições diversas de aplicação diversa. Heck e
Prezia (1999, p. 117) dizem que “a ação de precaução é a forma mais estrita da
política ambiental da prevenção”, pois quando não conclusão científica que
assegure que certa atividade causa dano, mas apenas a potencialidade disso,
assim mesmo, deve ser evitada. Descreve três condições de aplicação: a falta de
certeza absoluta científica
7
, a decisão deve ser fundamentada em avaliação
científica rigorosa, e as medidas postas em prática, proporcionais à gravidade do
risco.
7
O termo “falta de certeza absoluta científica” é utilizado no sentido de que a ciência não apresenta
conclusões definitivas acerca dos resultados danosos da atividade, pois suas conclusões sempre são
válidas, mas não absolutas, pois podem ser modificadas, dado o caráter evolutivo da mesma.
(GIDDENS, 1991, p. 24).
41
Não é em qualquer situação que a precaução é cabível, mas apenas
naquelas em que, embora não haja conclusão científica que demonstre, claramente,
que certa atividade gera dano ambiental, o receio fundado em fortes e concretas
suspeitas. Ainda, a gravidade do risco deve ser tal que impulsione a proibição da
prática da atividade, evitando-se a banalização.
O princípio deve ser aplicado sempre que houver risco de que alguma
atividade possa causar danos graves ao meio ambiente, mas, no entanto, não
existem conclusões científicas certas sobre isso. Quanto mais acentuado é o risco e
a gravidade das conseqüências que pode gerar, igualmente proporcionais devem
ser as medidas a evitar que se concretizem. Não é qualquer suspeita de dano, mas,
como referido, esta deve estar embasada em uma avaliação científica séria, sob
pena de se obstar qualquer atividade, inadvertidamente. Desta forma, entende-se
que o objetivo principal da aplicação deste princípio seja gerir a espera da
informação.
Cortina (2004), ao tratar dos reflexos da biotecnologia no Direito, matéria em
que o princípio da precaução é muito discutido e aplicado, não se opõe às inovações
tecnológicas. Ao contrário, debate que a finalidade da precaução é incentivar
propostas com modos alternativos de desenvolvimento, que sejam compatíveis com
a qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Afirma que devem ser
observadas as condições de aplicação do princípio, evitando-se que seja empregado
abusivamente.
Assim, Cortina (2004) relaciona condições para que a precaução possa ser
posta em prática. As duas primeiras são a configuração de uma incerteza acerca do
risco e que esta incerteza esteja avaliada cientificamente. Ou seja, a existência de
um risco potencial, e não atual, como nos casos de aplicação da prevenção, e que
este risco seja resultado de uma demonstração científica, não meramente fruto da
opinião pública. Deve haver, também, perspectivas de que a atividade em análise
possa causar um dano grave ou irreversível, quer a curto ou a longo prazos, como
efeito de uma cadeia de prejuízos menores. Há, ainda, a exigência de
proporcionalidade na aplicação do princípio da precaução, de forma que, embora o
42
objetivo primordial seja a proteção à saúde pública e ao meio ambiente, tal proteção
não deve se tornar econômica e socialmente inviável, devendo-se optar sempre pela
alternativa que represente o menor custo econômico e social. As últimas condições
para a utilização do princípio são a transparência das medidas e a inversão do ônus
da prova, que significam que os critérios e procedimentos adotados pelo poder
público devem ser conhecidos pelos interessados e pela comunidade em geral, além
de que incumbe àquele que pretende introduzir o produto ou desenvolver a
atividade, o dever de demonstrar os elementos contrários à presunção do risco.
Em conseqüência à aplicabilidade da precaução, Montemezzo (2007, p. 20)
defende a necessidade de intensificação das atividades de pesquisa, a fim de
possibilitar a revisão de decisões impeditivas da prática de alguma atividade, e
explica:
Se uma atividade foi proibida ou restrita com base no princípio da
precaução, a incerteza sob a qual esta decisão foi tomada deve ser
reanalisada em intervalos regulares. As novas descobertas, assim como os
novos desenvolvimentos, devem ser levados em consideração.
A aplicação do princípio da precaução, na visão exposta, pressupõe a
obrigação de utilização da melhor tecnologia disponível, pois somente isso possibilita
que não ocorram decisões equivocadas, bem como a constante atualização dessas
decisões, de acordo com as mais recentes conclusões científicas. A importância
disto é demonstrada até mesmo em razão de que a precaução não deve representar
um simples obstáculo ao exercício de alguma atividade, mas um instrumento de
adequação ao desenvolvimento sustentável, proteção da saúde humana e do meio
ambiente ecologicamente equilibrado, juntamente com o princípio da prevenção.
Ao analisar tratados ambientais, Montemezzo (2007) conclui que vários deles
adotaram o princípio da precaução ou suas orientações. Este é o caso da
Convenção de Bamako de 1991, no artigo 4, 3, f
8
, que sugere a adoção e execução
8
Na transcrição de Montemezzo (2007, p. 79), o art. 4, 3, “f”, da Convenção de Bamako dispõe a
concordância dos países signatários em adotar: “[...] o preventivo enfoque da precaução para
poluição, que inclui inter alia impedir a liberação, no meio ambiente, de substâncias que possam
causar dano aos seres humanos ou ao meio ambiente, sem esperar provas científicas a respeito de
tal dano. As partes devem cooperar umas com as outras ao tomarem medidas apropriadas para
implementar o princípio da precaução a fim de prevenir a poluição, por meio da aplicação de métodos
de produção limpos.”
43
do “preventivo enfoque da precaução para a poluição”, visando que os países
signatários cooperassem na prevenção da poluição, através do princípio da
precaução. Assim, fica claro o elo criado entre os enfoques de precaução e
prevenção.
Com base na análise de Montemezzo (2007), é possível perceber as relações
existentes entre os princípios da prevenção e da precaução, quer implicitamente,
pelo caráter finalístico idêntico entre eles, quer de forma explícita, pela amplitude
concedida à prevenção, de se tornar aplicável também em casos em que não
conclusão científica capaz de demonstrar claramente eventuais resultados danosos.
Tal abordagem tornaria possível interpretá-los e aplicá-los conjuntamente; ou seja,
como um agrupamento principiológico.
Poderá haver dúvidas ainda na aplicação jurisdicional do Direito Ambiental.
Quando situações reais são submetidas à apreciação judicial, o julgador poderá
estar diante de uma indecisão, uma vez que cada um dos litigantes apresentará sua
versão, embasada em fortes argumentos e até conclusões científicas. Nestes casos,
embora haja fundamento cientificamente demonstrado nos dois sentidos, pela
existência e pela inexistência de dano ambiental, incumbirá ao juiz decidir por um ou
outro, e, portanto, poderá fazer uso do princípio da precaução.
A precaução, assim, não se aplica somente em situações de incerteza, mas
também quando a autoridade que decidirá estiver diante de uma dúvida, como refere
Sirvinskas (2008). Inclusive em esferas administrativas, quando são proferidas
decisões no âmbito do licenciamento ambiental, por exemplo, podem surgir dúvidas
quanto à existência, ou não, do risco de danos ambientais. Em tais casos, embora
teoricamente o princípio aplicável seria o da prevenção, diante das dúvidas também
a precaução pode ser utilizada, o que ilustra, mais uma vez, a possibilidade de
utilização e interpretação conjunta de ambos os princípios.
A concepção de prevenção e precaução como um agrupamento de princípios,
portanto, justifica-se pela necessidade de uma maior intervenção jurídica na
proteção do meio ambiente, surgida principalmente em decorrência da configuração
44
dos riscos. As incertezas presentes nas conclusões científicas e na aplicação prática
do Direito Ambiental, seja em relação ao meio ambiente natural, ou como resultado
dos avanços constantes da tecnologia e da ciência, forçam uma aplicação integrada
e agrupada dos dois princípios.
Em sentido contrário, autores como o próprio Sirvinskas (2008) esforçam-se
em diferenciar as concepções, inclusive de conceitos como prudência e cautela,
tratando cada um deles diversamente. Para embasar suas distinções, detém-se no
argumento de que as convenções internacionais aprofundam os significados de
prevenção e precaução, utilizando somente estes dois termos, razão pela qual não
admite a idéia que poderiam decorrer de um princípio único de prudência, ou de
cautela.
Escolher uma forma de ação que evite o erro ou o dano é a característica do
homem prudente, dotado de sabedoria. Assim, para Aristóteles (apud,
MONTEMEZZO, 2007, p. 60), a sabedoria prática é uma disposição que leva ao
caminho do bem e das boas escolhas, por isso, aquele que a possui, possuirá
também todas as virtudes, uma vez que: “[...] a escolha não seacertada sem a
sabedoria prática, como também não o seria sem a virtude, pois uma (a sabedoria
prática) determina o fim e a outra (a virtude) nos leva a praticar as ações que
conduzem ao fim.”
A prudência, portanto, é que identifica as características, o momento oportuno
para a aplicação de uma regra jurídica, por exemplo. É a virtude a responsável por
localizar as peculiaridades que se adaptam às generalidades: a aplicação da norma
ao caso concreto, como princípios da prevenção e da precaução, que são regras
genéricas e abstratas (MONTEMEZZO, 2007).
A noção atual de prudência, assim, representa a adaptação da prudência e da
sabedoria prática aristotélica à sociedade contemporânea, em que a incerteza está
presente a todo o momento, especialmente nas questões ambientais. Por isso, o agir
prudente é aquele que, considerando as circunstâncias e o momento que se
apresenta, é capaz de analisar as peculiaridades ticas e optar pela aplicação, ou
45
não, dos princípios da prevenção e precaução. É capaz de reconhecer a mediania, a
melhor solução para o problema que se apresenta (MONTEMEZZO, 2007).
Nenhum ato humano em benefício do meio ambiente será efetivamente
benéfico se não estiver amparado na prudência, que é, de acordo com Sponville
(2004, p. 41), insubstituível, posto que orienta as decisões em caso de incerteza, de
risco, de acaso e do desconhecido, e a prudência vai além de simplesmente evitar
os perigos, pois determina:
[...] o que é necessário escolher e o que é necessário evitar. Ora, o perigo
pertence, na maioria dos casos, a esta última categoria; da prudência, no
sentido moderno do termo (a prudência como precaução). Todavia, há
riscos que é necessário correr, perigos que é preciso enfrentar; daí a
prudência, no sentido antigo (a prudência como “virtude do risco e da
decisão”).
A prudência não é capaz de afastar o risco ou o perigo, apenas orienta para
que a melhor decisão seja tomada nessas situações. Essa é a virtude do homem
prudente, dotado de sabedoria prática, e que deve ser a preconizada pelo Direito
Ambiental, diante da importância que o meio ambiente possui na própria
sobrevivência da espécie humana, e, considerando a atual concepção de natureza,
que define o planeta como um grande sistema, do qual tudo e todos são integrantes
e responsáveis pelo equilíbrio. Reconhecer o papel de cada cidadão na manutenção
desse equilíbrio ambiental é uma forma de praticar a prudência (MONTEMEZZO,
2007).
As normas relativas ao risco presente na sociedade atual e a aplicação
prática destas normas devem observar a prudência como virtude orientada para a
escolha mediana que busca evitar o erro e o dano. No contexto de crise ambiental e
de risco, que dificulta a definição dos danos e as conclusões científicas sobre eles,
não é fácil identificar claramente uma atividade ou conduta prejudicial ao meio
ambiente. Cada vez mais as autoridades administrativas competentes e o próprio
judiciário defrontam-se com situações de impasse, nas quais a identificação do dano
ambiental é difícil, por isso a necessidade de utilização do princípio da precaução
(SIRVINSKAS, 2008).
46
O Direito Ambiental deve conduzir ao meio-termo necessário, que é a
proteção e preservação do meio ambiente. Pelas características atuais da
sociedade, fundadas na teoria do risco, a prudência deve orientar a atuação do
Estado e também dos particulares. A prudência ambiental, hoje, não se resume à
prevenção ou à precaução, mas em uma conjugação de ambas, diante da
complementaridade de uma em relação a outra.
A finalidade dos princípios em análise é justamente o meio-termo, o caminho
mediano para a superação da crise ambiental e defesa do meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.
Importante que se ressalte que a proteção do bem ambiental significa priorizar
a preservação da qualidade de vida, a qual, para Derani (2002, p. 172) é o limite
para a aplicação do princípio da precaução: “o critério geral para a realização de
determinada atividade seria a sua ‘necessidadesob o ponto de vista de melhora e
não prejudicialidade da qualidade de vida”. Trata-se de imperativo constitucional, de
forma que as justificativas e objetivos de qualquer empreendimento devem observá-
la.
Por outro lado, compreende-se que princípios como a prevenção e,
principalmente, precaução, são genéricos e, portanto, podem gerar falhas na sua
aplicação, como qualquer outra norma jurídica. Este dever ser do princípio da
precaução conflita com a realidade e diversos exemplos podem citados, tais como
os Organismos Geneticamente Modificados, que foram e continuam sendo alvos de
especulações.
Discorrendo sobre os riscos aos quais a humanidade se expõe a questão da
engenharia genética merece atenção da nossa parte. Sabe-se que o organismo
geneticamente modificado (OGM) é o material genético que tenha sido modificado
por qualquer cnica de engenharia genética, segundo definição do artigo 3º, V, da
Lei 11.105/2005. Tal modificação é uma realidade com os produtos denominados
transgênicos.
47
É fato que, os estudos relativos aos impactos ambientais sobre a utilização
desta técnica, podem ser considerados insuficientes, pois conforme explicita
Sirvinskas (2008, p. 448):
Muitos estudos indicam que a liberação desses organismos geneticamente
modificados no meio ambiente poderá causar danos à agricultura e à saúde
humana, especialmente porque não existe ainda nenhum estudo preciso
sobre as conseqüências do consumo dos produtos transgênicos pelo
homem.
O biólogo Beheregaray (2008) enfatiza este posicionamento dizendo que:
“Não existem estudos conclusivos quanto aos efeitos dos transgênicos na saúde
humana, portanto, não há garantia científica para o consumo sem riscos”. Esse risco
será suportável pelos humanos? É bom lembrar que muitos produtos hoje
reconhecidamente maléficos para a saúde humana, como o DDT e a Talidomida,
foram liberados e defendidos pelas empresas produtoras e cientistas do mundo
inteiro.
Shiva (2001) argumenta que os impactos ambientais mais significativos
relacionam-se com os Organismos Geneticamente Modificados e sua inter-relação
com as demais espécies vivas. Nas suas palavras:
Alguns desses impactos são: a disseminação de monoculturas, à medida
que as corporações, tentam maximizar os retornos de investimentos
aumentando as participações no mercado; um aumento de poluição
química, à medida que as patentes de biotecnologia criam um incentivo para
culturas agrícolas geneticamente modificadas e tolerantes a herbicidas e
pesticidas; novos riscos de poluição biológica, à medida que organismos
geneticamente modificados são liberados no meio ambiente; a erosão da
ética da conservação, à medida que o valor intrínseco das espécies é
substituído por um valor instrumental associado aos direitos de propriedade
intelectual; e a erosão dos direitos tradicionais de comunidades locais à
biodiversidade e, em conseqüência, um enfraquecimento de suas
capacidades de conservá-la. (2001, p. 114).
Pelo princípio da precaução, a orientação que deveria ser seguida é a de que,
mesmo diante de controvérsias no plano científico com relação aos efeitos nocivos
de determinada atividade ou substância sobre o meio ambiente, presente o perigo
de dano grave ou irreversível, a atividade ou substância em questão deverá ser
evitada ou rigorosamente controlada (MIRRA, 2000).
48
O acolhimento do princípio da precaução a uma orientação dessa natureza é
plenamente justificável. Considerando que, em muitas situações, no dia em que se
puder ter certeza científica absoluta dos efeitos prejudiciais de determinadas
atividades potencialmente degradadoras, os danos por ela provocados ao meio
ambiente e à saúde e segurança da população terão atingido tamanha amplitude e
dimensão que não poderão mais ser revertidos ou reparados – serão já nessa
ocasião irreversíveis. Daí, então, a necessidade de não se correrem riscos (MIRRA,
2000).
Não é preciso, portanto, como ensina Machado (2001), que se tenha prova
científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano
possa ser grave ou irreversível, para que não se deixem para depois as medidas
efetivas de proteção ao ambiente. De acordo com o princípio da precaução, sempre
que houver perigo da ocorrência de dano grave ou irreversível, a falta de certeza
científica absoluta não deverá ser utilizada como motivo para se adiar a adoção de
medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente.
Quanto à exposição a perigos, considere-se o maior deles, o fenômeno do
aquecimento da atmosfera previsto pelos cientistas em razão do aumento da
quantidade de óxidos de carbono emitidos cotidianamente nos países. Não se
conseguiu ainda determinar cientificamente, de maneira detalhada e precisa, os
efeitos nocivos desse aquecimento global sobre o clima, o nível dos oceanos e a
agricultura, havendo somente suspeitas e preocupações - sem dúvida sérias e
fundadas, mas muitas vezes contestadas - quanto aos riscos e conseqüências de
mudanças climáticas indesejáveis (aumento do nível dos oceanos pelo derretimento
de gelos, capaz de levar à inundação de vastas áreas em diversos países;
superveniência de secas em regiões até hoje úmidas, com escassez de água e
empobrecimento dos solos, comprometedores da produção agrícola e
alimentícia).Mesmo com todas estas constatações sobre os riscos que as atividades
industriais provocam, inexiste uma estratégia em âmbito mundial, ou seja, que
englobe todos os países na tentativa de minimizar os riscos.
49
O Protocolo de Kyoto
9
, ratificado inclusive pelo Brasil, discutiu metas de
redução de gases do efeito estufa, traçando níveis diferenciados de redução para os
países integrantes. Porém, conforme explica Sirvinskas (2008, p. 225), o Protocolo
não poderá atingir a meta de redução de 5% dos poluentes até o ano de 2012, e
informa que o relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas, prevê o
aumento da poluição causada por países como os Estados Unidos e Japão. E cita a
título informativo, o seguinte estudo americano publicado recentemente na revista
PNAS da Academia Nacional de Ciências dos EUA, que diz: “o aquecimento global
nos últimos trinta anos foi maior do que em todo o resto do século XX”, e acrescenta
que “a última vez que o Planeta esteve tão quente foi no Plioceno, mais de 3
milhões de anos, quando o nível do mar era 25 metros mais alto do que é hoje”.
Isso significa que os índices de destruição crescem desordenadamente,
enquanto que as ações voltadas para a redução destes riscos globais, conseguem
atingir poucos adeptos, mas assim mesmo as metas traçadas cumprem-se
parcialmente. Para a correta incidência é necessária a análise prudente do caso
concreto e das particularidades às quais os princípios sejam melhor adaptados. A
prudência na aplicação do Direito traduz-se como virtude e contribui de maneira
positiva na minimização dos riscos (MONTEMEZZO, 2007).
Beck (1999) refere sobre a responsabilidade do homem pelos riscos
existentes na sociedade atual, pois não se vive mais em uma realidade repleta de
riscos naturais, como as pragas e as pestes, mas de riscos gerados pelas
tecnologias criadas pelo homem. Por isso, ressalta-se que hoje os riscos são
resultado das decisões humanas, e ressalta que o Direito é chamado a definir e
orientar essas mesmas decisões. O Direito, deste modo, tem o desafio de decidir
perante a incerteza, e a prudência representa um critério importante neste processo.
Assim, pode-se refletir sobre de que forma a prudência é posta em prática,
visando ao desenvolvimento sustentável; ou seja, como pode ser concretizada sem
falhas, sem representar um obstáculo ao crescimento econômico e científico. A
9
O Protocolo de Kyoto foi instituído de forma efetiva em 1997, na cidade japonesa de Kyoto, nome
que o originou. Na reunião, 84 países dispuseram-se a aderir ao protocolo e o assinaram, dessa
forma comprometeram-se a criar medidas com intuito de diminuir a emissão de gases.
50
resposta para a questão pode estar na ecologia holística, que preconiza que todos
são parte do mesmo todo e por tal razão igualmente responsáveis. Este assunto
será aprofundado no próximo capítulo.
51
2 O PARADIGMA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO E A URGÊNCIA DA
PRECAUÇÃO
2.1 Ambiente e risco
O desenho da sociedade atual revela uma série de características que
demonstram o perfil do capitalismo associado à globalização: o aperfeiçoamento da
ciência, o abuso dos recursos naturais, conforme exposto, e ainda profundas
transformações nas relações humanas.
Esta nova etapa da humanidade é marcada pela insegurança nas mais
diversas esferas da vida; uma insegurança global. Conforme explicam Leite e Ayala
(2004), isto deve-se ao fato de que com o desenvolvimento tecnológico, apropriação
de bens e livre acumulação econômica, a sociedade ficou consequentemente
exposta à proliferação de sérias ameaças sem controle. Tais ameaças podem ser
sentidas com maior expressividade na esfera ambiental, como observado
anteriormente, pois se vive atualmente uma crise. Leite e Ayala (2004, p. 182)
asseveram que:
é inegável que atualmente estamos vivendo uma intensa crise ambiental,
proveniente de uma sociedade de risco, deflagrada, principalmente, a partir
da constatação de que as condições tecnológicas, industriais e de
organização e gestão econômicas da sociedade estão em conflito com a
qualidade de vida. Parece que esta falta de controle da qualidade de vida
tem muito que ver com a racionalidade do desenvolvimento econômico do
Estado que marginalizou a proteção do meio ambiente. Ademais, não é
possível deixar de mencionar que a falta de conscientização ambiental e a
expansão demográfica são elementos relevantes no exame da crise
ambiental.
Deste modo, constata-se que os problemas ambientais possuem
características locais e globais, isso porque os efeitos são produzidos de maneira
diferenciada para populações e agentes econômicos além das dimensões espacial,
econômica, temporal e científica. Também referem-se a aspectos econômicos e não-
econômicos, pois podem ocorrer prejuízos mensuráveis financeiramente e outros
sem efeito econômico de curto prazo. As características podem ser ainda objetivas
(quando as causas e os efeitos são claramente identificáveis) e subjetivas (quando
os efeitos são incertos), com efeitos de curto e de médio ou longo prazos.
52
Por outro lado, existe uma noção de insegurança no contexto da globalização,
que se exprime por meio da falibilidade das relações comunitárias entre os
indivíduos, da supressão de instituições públicas no sentido de abrangência da
coletividade para objetivos comuns e, principalmente, da supremacia do capital em
detrimento da solidariedade social, caracterizando cada vez mais a nossa sociedade
atual, entre diversos outros aspectos. Significa que o atual estado das coisas
potencializa as crises. A crise ambiental, a crise da soberania estatal, a crise
existencial e outras crises que se desenvolvem diariamente, advém deste período
histórico de transição, em que não se pode afirmar ou fazer pequenas previsões do
futuro, mesmo próximo (BAUMAN, 2003).
Giddens (1997, p. 128) partilha da mesma idéia e destaca que a
intensificação da reflexividade do ponto de vista do cotidiano das pessoas resulta
das mudanças dos padrões de sociabilidade, derivada da dinâmica global, ou seja,
a globalização não se refere apenas à criação de sistemas em ampla
escala, mas à transformação de contextos da experiência social. As
atividades cotidianas são cada vez mais influenciadas por eventos
ocorrendo do outro lado do mundo; e, inversamente, hábitos locais de estilo
de vida tornam-se globalmente conseqüentes.
A globalização deveria ser vista não simplesmente como um fenômeno de
âmbito internacional, mas como um fenômeno também internamente influente nos
Estados Nação: ela afeta não apenas localidades, mas até intimidades da existência
pessoal, na medida em que age para transformar a vida cotidiana.
Na análise de Beck (1999), a sociedade atual é tida como uma sociedade
caracterizada pela produção de riscos. Entende, ainda, que a produção em potencial
dos riscos a que a humanidade está exposta advém, em grande parte, da inovação
tecnológica que se dedica mais em produzir as novidades do que em saber qual o
objetivo em termos sociais e os riscos que elas poderão concretizar, e que estes
riscos são o produto da atuação humana e um traço característico da sociedade
industrial, pois, para ele, produção social da riqueza vem acompanhada
sistematicamente pela produção dos riscos.
53
Beck (1999) privilegia uma reflexão centrada no eixo estrutural da sociedade
moderna, pensando em novas estruturas moldadas pelo fim da primeira
Modernidade – a Modernidade industrial; agora sob as cinzas do industrialismo
surge uma sociedade de risco, marca emblemática da Modernidade Reflexiva. De
acordo com este autor,
A Modernidade Reflexiva, como uma modernização ampla, solta e
modificadora da estrutura, merece mais que curiosidade filantrópica por ser
uma espécie de “nova criatura”. Também politicamente, esta modernização
da modernização é um fenômeno importante que requer a maior atenção.
Em certo aspecto, implica inseguranças de toda uma sociedade, difíceis de
delimitar, com lutas entre facções em todos os níveis, igualmente difíceis de
delimitar. Ao mesmo tempo, a modernização reflexiva envolve apenas uma
dinamização do desenvolvimento, que, em si, embora em contraposição a
uma base diferente, pode ter conseqüências exatamente opostas. Em vários
grupos culturais e continentes isso é associado ao nacionalismo, à pobreza
em massa, ao fundamentalismo religioso de várias facções e credos, a
crises econômicas, crises ecológicas, possivelmente guerras e revoluções,
sem esquecer os estados de emergência produzidos por grandes
catástrofes - ou seja, no sentido mais estrito, o dinamismo do conflito da
sociedade de risco. (1999, p. 148).
Com efeito, a emergência da sociedade de risco forja uma nova percepção da
sociedade, que praticamente se sente obrigada a refletir sua situação e seu
desenvolvimento, tendo agora uma missão de formular questões do presente e do
futuro, num cenário dramaticamente perturbador pelas incertezas produzidas no
curso de sua evolução.
A idéia de risco configura o paradigma atual e se aproxima da dimensão que
seleciona como objetos as conseqüências e os resultados de decisões humanas,
associados ao processo civilizacional, à inovação tecnológica e ao desenvolvimento
econômico. Nas palavras de Di Giorgi (1994, p. 52):
Esta sociedade começa ali onde falham os sistemas de normas sociais que
haviam prometido segurança. Estes sistemas falham pela sua incapacidade
de controlar as ameaças que provém das decisões. Tais ameaças são de
natureza ecológica, tecnológica, política, e as decisões são resultado de
coações que derivam da racionalidade econômica que impõe o modelo de
racionalidade universal.
Neste sentido pode-se considerar que essas relações são caractesticas da
sociedade mundial do risco, tão bem descrita por Beck (1999), segundo o qual os
riscos da modernização são universais e seus efeitos são imprevisíveis. Nos riscos
54
da modernização une-se o que está separado pelo conteúdo, pelo espaço e pelo
tempo, gerando um nexo de responsabilidade social e jurídica. Assim, a referência
conceitual do risco ganha nova feição, pois não é mais possível verificar em concreto
as conseqüências das decisões. Os riscos passam a se identificar com ameaças
globais supranacionais se caracterizando-se por: 1) não estão sujeitos a limites
espaciais ou temporais; 2) não se submetem às regras de causalidade e aos
sistemas de responsabilidade; 3) não podem ser objeto de compensação em face do
potencial de irreversibilidade de seus efeitos, que anula as formas de reparação
pecuniária.
Giddens (1997), na mesma linha de pensamento, complementa dizendo que o
risco é a expressão característica de sociedades que se organizam sob a ênfase da
inovação, da mudança e da ousadia. A potenciação dos riscos da modernização
caracteriza, assim, a atual sociedade de risco, que está marcada por ameaças e
debilidades que projetam um futuro incerto. Diante dessas incertezas, a
conscientização quanto aos riscos é fundamental para que um processo democrático
em busca de soluções possa ser desencadeado, diante da ineficiência dos poderes
públicos, principalmente na efetivação de um planejamento sustentável das
comunidades.
Para Beck (1999, p. 17), “o conceito de sociedade de risco designa um
estágio da modernidade em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas
até então no caminho da sociedade industrial”, e que impõe a necessidade de
pensar a questão da autolimitação do desenvolvimento que desencadeou essa
sociedade.
Segundo Sparemberger (2007), esse processo de transformação social
apresenta-se em duas fases: a primeira e a segunda modernidade. Na primeira
modernidade tem-se a figura dos Estados-Nação, em que as relações se dão
apenas em âmbito territorial. a segunda modernidade é marcada pelas
conseqüências imprevistas da primeira modernidade, e deve enfrentar novos
desafios (como a crise ecológica) que ultrapassam as fronteiras do Estado nacional.
55
Nesse sentido, embora os riscos que ameaçaram a sociedade industrial
fossem importantes a âmbito local, os seus efeitos ficavam limitados no espaço, não
chegando a ameaçar sociedades inteiras. Em contrapartida, os riscos
contemporâneos não estão limitados no espaço e são potencialmente globais no
âmbito de seu alcance, tendo como conseqüências impactos irreversíveis e efeitos
acumuláveis (GOLDBLATT apud SPAREMBERGER, 2007). Assim,
Na sociedade industrial, as posições de classe e as posições de risco estão
mais ou menos relacionadas; na sociedade de risco, deixam de estar. Na
sociedade industrial, os ricos vivem em zonas e trabalham em condições em
que não estão abertamente expostos ao perigo; as classes trabalhadoras e
os pobres estão mais expostos. No entanto, quando os riscos e os perigos
excedem os antigos limites de espaço e tempo, a riqueza, os privilégios, o
estatuto e o poder econômico não oferecem quaisquer caminhos
de
fuga.
(GOLDBLATT apud SPAREMBERGER, 2007, p. 10).
Segundo Beck (1999), está se constituindo um novo tipo de capitalismo, de
economia, de ordem global, de sociedade e um novo tipo de vida pessoal, que traz
novas exigências, como a reinvenção da sociedade e da política. Para ele, os
próprios riscos constituem força de mobilização política. O ingresso na sociedade de
risco inicia-se exatamente quando os princípios de cálculo da sociedade industrial
são encobertos e anulados, e no momento “[...] em que os perigos socialmente
decididos e, portanto, produzidos, sobrepassam os limites da segurabilidade.”
(LEITE; AYALA, 2004, p. 55).
Contextualizando a produção dos riscos, como macroperigos que possuem
atuação e poder destrutivo, verifica-se que esta forma de sociedade é a produtora da
destruição em todos os sentidos. Este fenômeno, denominado por Leite e Ayala
(2004) de irresponsabilidade organizada, advém de vários fatores e representa a
ineficácia dos instrumentos jurídicos e do poder de mando do Estado. Na área da
pesquisa, na qual o monopólio do conhecimento também é pertencente aos grupos
econômicos não se sabe mais em quem acreditar. O principal fator da produção
desta insegurança ocorre pelo fato de que os detentores do capital deixam de
descontar de seus lucros as conseqüências e os riscos sociais. A sociedade de risco
é o momento em que as previsões deixam de ser possíveis e acaba retirando das
sociedades a segurança e o controle de suas vidas, o que significa uma “era de
incerteza”, apontada por Beck (1999).
56
Conforme asseveram Sparemberger e Kretzmann (2008, p. 122):
Passa-se de progresso ao risco, das certezas à insegurança. A busca do
“porto seguro” não estaria nas velhas instituições como a ciência , mas num
movimento de auto-análise de sociedade, num outro tipo de modernização
denominada por Giddens de modernização reflexiva
10
.
O que necessita-se compreender é que as causas e efeitos da atualidade
devem deixar de ser atribuídas ao local, precisa-se do engajamento global, de
entender que tudo é entrelaçado, que uma relação interdisciplinar entre a
inovação tecnológica e a produção dos riscos.
Para Beck (1999), o processo de industrialização é indissociável do processo
de produção de riscos, uma vez que uma das principais conseqüências do
desenvolvimento científico industrial é a exposição dos indivíduos a riscos e a
inúmeras modalidades de contaminação nunca observados anteriormente,
constituindo-se em ameaças para as pessoas e para o meio ambiente. Os riscos
acompanham, portanto, a distribuição dos bens, decorrentes da industrialização e do
desenvolvimento de novas tecnologias. Estes riscos foram gerados sem que a
produção de novos conhecimentos fosse capaz de trazer a certeza de que estes
riscos diminuiriam ou seriam passíveis de controle e monitoramento eficazes. Esta
certeza nos controles favorecidos pela ciência e pela tecnologia teve sua base na
modernidade clássica em que os riscos eram compreendidos como fixos e restritos a
determinados contextos localizados, e, mesmo que atingissem à coletividade, estes
seriam frutos do desenvolvimento de novas tecnologias. na sociedade de risco,
os riscos ultrapassariam os limites temporal e territorial, e seriam produtos dos
excessos da produção industrial. O diferencial se refere ao papel da tecnologia na
própria configuração do risco, deslocando o foco da ordem para a dúvida. São os
avanços tecnológicos que, ao ampliarem o domínio do conhecimento e da
visibilidade, ampliam igualmente o domínio da incerteza.
10
Modernização reflexiva, proposta por Antony Giddens (1991), é um processo contínuo pouco
percebido e autônomo de mudanças que afeta as bases da sociedade industrial. Assim, diante de
uma realidade que não pára de se alterar, as pessoas tendem a valorizar as antigas certezas da
sociedade industrial criando momentos em que é necessário decidir entre uma convicção do passado
e uma realidade transformadora. Este confronto entre as convicções herdadas e as novas formas
sociais confere á modernização um caráter reflexivo.
57
Na análise de Beck (1999), uma diferença entre os riscos produzidos
atualmente e que caracterizam a sociedade de risco, e os riscos e perigos de outras
épocas está em que os riscos iniciais poderiam ser facilmente percebidos, o que não
ocorre com os atuais que se subtraem á percepção. São os riscos da modernidade,
por ela produzidos. Quando a sociedade começou a produzir riscos, pelas inovações
tecnológicas, estes possuíam uma conotação de aventura, não como no contexto
atual de produção de riscos que podem facilmente gerar autodestruição planetária.
que se ter em mente que existe uma diferenciação entre riscos e perigos
apontada por Di Giorgi (1994), riscos são diferentes de perigos, considerando que
estes últimos são resultado da ação natural, e que os primeiros, ao contrário são o
fruto da própria ação humana. As diversas ameaças a que esteve sujeito ao longo
da história passam a ocorrer vinculadas à atividade do homem. Assim, a sociedade
na modernidade convive com um perfil dos riscos específicos das novas sociedades
que não estão identificados com contextos espaciais ou temporais particulares e não
mais denota a conseqüência de eventos involuntários e naturais.
Dentre os efeitos dos riscos, na análise de Beck (1999), está o chamado
efeito bumerangue, que constata que mesmo os causadores dos riscos, sofrem suas
conseqüências. Significa que nem mesmo os ricos e poderosos estão imunes aos
riscos. Desta maneira intensifica-se uma contradição entre os interesses da
acumulação que impulsionam o processo de industrialização e suas numerosas
conseqüências ameaçadoras, posto que as ameaças são globais. Segundo o autor,
ao contrário de que se pensa, à medida que aumenta a produção dos riscos estes
servem ainda ao sistema, pois de diversas formas são propulsores da economia, no
sentido de que, havendo mais necessidades, haverá mais serviços a serem
prestados, mais artigos a serem vendidos. O câmbio dos riscos constitui um poço de
necessidades sem fim. Assim a sociedade industrial se nutre dos próprios perigos
que produz.
Para Beck (1999), a lógica positiva da apropriação contrapõe-se a uma lógica
negativa de eliminar, evitar e reinterpretar os riscos. Entende, portanto, que a maior
parte dos riscos subtrai-se por completo da percepção humana imediata. Isto reflete
também a inquietação de Di Giorgi (1994, p. 49), ou seja, para ele
: é importante
58
refletir sobre qual é o nível da segurança? “Pode-se responder somente com as
costas voltadas para o futuro e tendo os olhos voltados para o passado, como os
profetas de Israel.”
Por outro lado e sobre esta questão manifestam-se Leite e Ayala (2004, p.
210):
Se os riscos modernos escapam da percepção pública, por meio do
ocultamento social e institucional de seus responsáveis, causas e
consequências, o mesmo não se verifica em relação aos seus efeitos
secundários, que rompem com o anonimato e a invisibilidade social gerada
por sua negação institucional e se revelam com toda a intensidade no
cotidiano das relações sociais.
Outra dimensão essencial da sociedade de risco diz respeito a destradiciona-
lização das formas de vivência social antecipadas por Beck (1999) em algumas
teses fundamentais: o processo de individualização resulta do processo de
capitalismo e este processo de trabalho livre e assalariado vem acompanhado com
outros laços; assim as condições do Estado Social são propícios às novas forças
sociais; nos encontramos diante de um fenômeno não compreendido, de um
capitalismo sem classes com todos os problemas dele advindos. Nas formas
destradicionalizadas de vida surge uma nova imediatez do indivíduo e da sociedade
e estas revelaram-se como crises individuais. Esta nova situação reflete-se nas
famílias, cada vez mais desestruturadas em nome da chamada individualidade. Com
a realização da sociedade industrial se promove-se a supressão de sua moral
familiar. No lugar dos estamentos já não estão as classes sociais; no lugar destas se
nota o referencial último da família; os problemas da sociedade do risco são
agudizados pelo processo de formação social emergente de uma vida
individualizada, destradicionalizada.
Diante de todo o exposto percebe-se que existe uma relação de causalidade
entre a produção dos riscos e o processo de modernização, que necessita ser objeto
de reflexão, apesar de a sociedade deixar de fazer a ligação correspondente. Isto
demonstra que os riscos são universais e imprevisíveis, por isso causam um nexo
relacional de responsabilidade social e jurídica entre todos.
59
A complexidade que hoje está situada na problemática do risco envolve,
sobretudo, a distribuição dos riscos, o que exige o posicionamento constante da
sociedade no sentido da elaboração freqüente de escolhas, o que vem tornando as
ações cotidianas, antes voluntárias e mais motivadas pelo desejo e pela afetividade,
processos cognitivos, que devem abalizar tais escolhas. Como exemplo da
complexidade das dúvidas cotidianas pode-se citar: os riscos do consumo de
alimentos geneticamente modificados ou dos alimentos contaminados por
agrotóxicos; a confiança no elo de fidelidade com o parceiro ou não diante das
doenças sexualmente transmissíveis, em especial, a Aids; e a insegurança pública.
Estas incertezas geram sofisticados processos cognitivos, envolvendo objetividades
e subjetividades, motivadas pela perspectiva do risco, com os quais nos deparamos
todos os dias.
A sociedade industrial construiu um arcabouço ideológico que legitimou a
concretização do acúmulo de conhecimento e de tecnologias impactantes como
meios para realizar um mundo mais igualitário. Esses meios, fundamentados na
ciência e na tecnologia (sem a total observância da perspectiva da precaução),
seriam capazes de prover o mundo de abundância, diminuir e/ou controlar a
escassez e a fome, as calamidades naturais, as epidemias, etc. Considerava-se que
os problemas econômicos eram exclusivos das Ciências Econômicas, que os
problemas de saúde pública eram próprios das Ciências da Saúde, que os
problemas sociais eram específicos das ciências sociais e das iniciativas
assistencialistas para consolidar a modernidade e administrar os riscos. Com o
fenômeno da globalização nos defrontamos com o desafio da formulação do pensar
baseado na complexidade, considerando diversas vertentes que configuram a
realidade dinâmica dos fenômenos. Somos contemporâneos de uma variedade de
riscos globais com importantes dimensões pessoais (LEITE; AYALA, 2004).
Beck (1999), ao considerar a consolidação da sociedade de risco, afirma que
os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais estão escapando do controle
dos mecanismos criados pelas instituições organizadas para manter a proteção da
sociedade. Dentro do conceito de sociedade de risco de Giddens, Beck e Lash
(1997), o indivíduo se torna um ser reflexivo, que confrontado com suas próprias
60
ações, começa a refletir e estabelecer críticas racionais sobre si, das conseqüências
de fatos passados, as condições atuais e a probabilidade de possíveis riscos futuros,
manifesta-se um tema e um problema para si mesmo. Com isto, “o risco se constitui
em uma forma presente de descrever o futuro sob o pressuposto de que se pode
decidir qual o futuro desejável” (GIDDENS; BECK; LASH, 1997, p. 73). Como
afirmam os autores, refere a dimensão dos diversos riscos e perigos produzidos na
sociedade atual, indicando que haja uma reconfiguração do Direito e das
instituições, devendo o Estado enfrentar a crise ambiental ciente das circunstâncias
diferenciadas, baseando-se em um modelo de riscos.
Na sociedade contemporânea, a administração dos riscos passa a ser a
principal função do governo de todas as democracias, pois, no contexto da
globalização, há a multiplicação de novos riscos sujeitando às sociedades a
incerteza e a insegurança, tornando imprescindível um Estado que relacione a
proteção do bem ambiental, dos direitos fundamentais das gerações e proteção dos
interesses culturais.
Neste contexto, as disputas pelo controle do acesso e exploração dos
recursos dão impulso à discussão de novas instituições regulatórias e políticas
públicas, pois é inegável que a problemática ambiental passou a assumir uma
posição de destaque nos mais diversos âmbitos da vida: na ciência, na política, nos
movimentos da sociedade civil, no meio empresarial, nas expectativas dos
consumidores, entre outros. No intuito de compreender as raízes teóricas que
influenciaram o estado atual das coisas, deve-se aprofundar o estudo de uma matriz
denominada antropocêntrica, objeto do próximo item.
2.2 As influências do antropocentrismo no meio ambiente
Desde a Idade Antiga
11
existe uma modificação do meio ambiente natural,
intensificada por meio da utilização da natureza. Assim, o processo de degradação
do meio ambiente confunde-se com estas civilizações. Nos primeiros tempos, a utili-
11
Desde os Povos primitivos, homem pré-socrático se relacionava com a natureza de uma forma
intensa. Para a garantia de sua subsistência, coletava frutos e raízes, caçava e pescava, além de
utilizar abrigos naturais, como cavernas, copas de árvores ou choças feitas de galhos para se
61
zação dos recursos naturais era incipiente e obedecia a um padrão de respeito com
a natureza. Acreditava-se que o homem seria julgado por tudo aquilo que fizesse
contra ela. Esta era uma criação divina e deveria ser respeitada, logo o homem não
a agredia indiscriminadamente e dela retirava o necessário para o seu sustento.
Ainda assim o homem modificou o seu ambiente a fim de adequá-lo as suas
necessidades. Com isso as agressões de grande porte, começaram especialmente
na fase da Revolução Industrial (SOFIATTI, 2000).
Carvalho (2003, p. 67) defende que:
O dinamismo da civilização industrial introduziu radicais mudanças no Meio
Ambiente físico. Essas transformações implicaram na formação de novos
conceitos sobre o ambiente e o seu uso. A Revolução Industrial, que teve
início no século XVIII, alicerçou-se, até as primeiras décadas do último
século, nos três fatores básicos da produção: a natureza, o capital e o
trabalho. Porém desde meados do século XX um novo, dinâmico e
revolucionário fator foi acrescentado: a tecnologia. Esse elemento novo
provocou um salto, qualitativo e quantitativo, nos fatores resultantes do
processo industrial. Passou-se a gerar bens industriais numa quantidade e
numa brevidade de tempo antes impensáveis. Tal circunstância,
naturalmente, não se deu sem graves prejuízos à sanidade ambiental.
Este relacionamento problemático entre o homem e o meio ambiente,
intensificado a partir das transformações tecnológicas, conforme observado, tem no
antropocentrismo seu principal fundamento. Este pensamento coloca como o sujeito
(homem) em oposição ao objeto (natureza), tratando-os como realidades distintas,
em que ao homem é dado o poder de dominar a natureza.
proteger do frio e intempéries naturais. Tinham uma compreensão mítica da natureza (Odisséia e a
Ilíada de Homero). O mito entra como uma tentativa de explicação da realidade, sendo uma forma de
o homem garantir simbolicamente seu lugar no cosmo. A noção de cosmo e de natureza que aqui
começa a se esboçar é essencial e caracterizará a concepção dos pensadores pré-socráticos. Grécia
Antiga: filósofos da natureza (século 40 a 50 a. C) – primeiros a estudar a natureza e seus processos
naturais. Compartilhavam a visão de que tudo integra a natureza: o ser humano, a sociedade por ele
construída, o mundo exterior e até os deuses. Procuravam, por diversos caminhos, criar uma teoria
capaz de sintetizar os fenômenos e enquadrá-los em categorias estruturadas, sendo seus principais
elementos de pesquisa: a água, o fogo, o ar e a terra. Entre os principias filósofos da natureza
podemos citar: Tales de Mileto (625-558 a. C), Anaximandro (560 a. C), Anaximedes (550-526 a.
C), Herácito, de Éfeso (580-540 a. C).Verifica-se que, permitindo a visão do homem integrado ao
mundo exterior, os filósofos pré-socráticos não se postaram numa atitude de adoração ou
contemplação da natureza (physis), mas de interrogação em busca de seu segredo, embora não
tenham conseguido expurgar os mitos de seus sistemas de pensamento.Sócrates (344 a. C), Platão
(428-348 a/C). E Aristóteles (384-322 a /C.) - conceito de natureza diferente da fase anterior.
Começa a haver uma valorização do homem e das idéias e um certo desprezo pelos elementos
físicos objeto de estudo dos pensadores anteriores (tidos como expressão do pensamento mítico e
não filosófico). Inicia-se o que se passou a chamar de antropocentrismo, de base racionalista, que
começou a determinar de forma diferente a consideração da natureza (SOFIATTI, 2000).
62
A etmologia da palavra antropocentrismo denota um vocábulo híbrido,
conforme explicam Milaré e Coimbra (2004, p. 10):
Trata-se de um vocábulo híbrido de composição greco-latina, aparecido na
língua francesa em 1907: - do grego: anthropos, o homem (como ser
humano, como espécie); e do latim: centrum, o centro, o cêntrico, o
centrado. Antropocêntrico vem s ser o pensamento ou a organização que
faz do homem o centro de um determinado universo, ou do Universo todo,
em cujo redor gravitam os demais seres, em papel meramente subalterno e
condicionado.
Significa que esteve o homem autorizado a utilizar a natureza em prol de sua
satisfação, em razão de se posicionar em situação de comando, de superioridade
em relação a esta.
A relação homem e meio ambiente adquire o status de problema a partir dos
séculos 15 e 16, pois o capitalismo trouxe a expansão comercial e com isso uma
utilização dos recursos naturais jamais vista em outras épocas (SINGER, 2002).
O que ocorreu foi uma modificação profunda na forma e intensidade de
manipulação da natureza, pois com o advento das máquinas o processo de
industrialização proporcionou uma aceleração exacerbada do consumo.
Neste sentido observamos as palavras de Ost (1995, p. 53):
Com o estabelecimento, a partir do séc. XVIII, de uma nova relação com o
mundo portador das marcas do individualismo possessivo, o homem,
medida de todas as coisas, instala-se no centro do universo, apropria-se
dele e prepara-se para o transformar.
Enquanto, até a Idade Média, a busca pelos recursos naturais era incipiente,
obtida por processos rudimentares, a natureza seguiu um curso normal, mas, a partir
do momento em que este uso tornou-se abusivo, o planeta Terra, em pequeno lapso
temporal, sofreu a maior degradação ambiental de toda a história. Exemplificada nos
feudos a forma de propriedade coletiva, com direito de usufruir e também visando as
gerações futuras, a propriedade simultânea fora substituída pela propriedade
privativa. Enquanto nas primeiras noções de solidariedade social estavam
intimamente enraizadas, o contrário acontece com a segunda, que prima pelo
individualismo (OST, 1995). Significa que a partir de agora (da época moderna) os
63
espaços naturais precisam ser preenchidos para concretizar a propriedade, e as
teorias e legislações por elas influenciadas tiveram como princípio maior a
apropriação privada.
Além do marco deixado pela Revolução Industrial, outro ponto fundamental de
ascensão do paradigma antropocêntrico deu-se por meio do racionalismo ocidental,
apresentado pela teoria cartesiana. Nas palavras de Milaré e Coimbra, (2004, p.11):
Graças ao desenvolvimento das diferentes técnicas e ao avanço da
tecnologia, principalmente a partir do paradigma cartesiano-newtoniano,
conhecido como “paradigma mecanicista”, o homem foi confirmado como
dominador e manipulador do mundo físico.
Este momento histórico destaca e aprofunda a lógica antropocêntrica a partir
da teoria cartesiana da dúvida metódica que é também aplicada à natureza. Para
Descartes (1999), toda certeza deriva da existência da razão, e assim se inicia um
período de confiança total e ilimitada nos ditames da ciência, baseado na
racionalidade. A proposição “penso logo existo” é a máxima compreendida como
primeiro princípio da filosofia, para Descartes (1999), e a proposição será verdadeira
enquanto a busca pelo resultado se der mediante a racionalidade/materialidade, pois
o método cartesiano nega qualquer princípio oculto ou próprio da natureza. Trata-se
da idéia de que a ciência precisa e possui legitimidade para dominar a natureza.
Por outro lado, Junges (2004) nos ensina que a ciência, sem dúvida, auxiliou
de maneira determinante o progresso das técnicas, e que o problema disso reside
essencialmente no mau uso, ou em um uso distanciado das noções de
responsabilidade ambiental como um todo, o que levou o ser humano a um divórcio
com a natureza, e a ciência por si só não pode ser responsabilizada.
Esta abordagem, de caráter antropocêntrico, deixa de atribuir à natureza um
valor em si mesma, somente possuindo um valor se considerada em relação ou em
benefício do ser humano. Segundo Milaré e Coimbra (2004, p. 12):
[...] a concepção ou cosmovisão antropocêntrica que faz com que todas as
demais criaturas, os processos naturais, o uso dos recursos e o
ordenamento na Terra não levem em consideração os valores intrínsecos
64
da natureza, porém, os interesses, os arbítrios e os caprichos humanos
somente.
O fato de a natureza possuir um valor sem que seja ligado ao benefício para o
homem, especialmente de caráter econômico pode ser aprofundado de maneira a
verificar a natureza como um valor por si própria. Justamente em razão da cultura de
dominação, de subjugação da natureza, ela é vista como um produto que deve servir
ao homem.
Como assevera Singer (2002, p. 283): “De acordo com a tradição ocidental
dominante, o mundo natural existe para o benefício dos seres humanos. Deus deu a
eles o domínio sobre o mundo natural e não se importa com a maneira como o
tratamos.”
A própria tradição judaico-cristã reforça esta idéia segundo a seguinte
passagem bíblica:
Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que
ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais
domésticos e sobre toda a terra, e sobre os répteis que se arrastam sobre a
terra. Deus criou o homem e a mulher. Deus os abençoou: Frutificai, disse
ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes
do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam
sobre a terra. [...] E assim se fez. (BÍBLIA SAGRADA, 1997, p. 225).
De acordo com esta tradição religiosa, existe uma separação entre Deus (o
sagrado), o homem (o humano) e a natureza, o que significa que Deus criou o
mundo e que o mundo o é Deus, e não se considera como sagrado. o homem
foi criado à sua imagem e semelhança, portanto possuidor do direito de interferir no
curso dos acontecimentos na Terra (LANDER, 2006). A partir de tais premissas, a
natureza passou a ser considerada apropriável e utilizada sem a responsabilidade e
a limitação devidas. Estas separações foram multiplicando-se no interior das
ciências modernas, o que provocou um desrespeito ainda maior do homem com
relação à natureza. Sendo o homem o “senhor do mundo”, o meio ambiente tornou-
se um campo de ação da atividade industrial, do lucro e do progresso.
Esta conduta humana antropocêntrica que permite ao homem perceber-se
como superior em sua relação com a natureza, é também uma das responsáveis
65
pelo índice alarmante da vulnerabilidade dos recursos naturais. Problemas como a
escassez e o desequilíbrio dos ecossistemas são advindos desta forma de pensar,
que não leva em consideração a natureza em seu valor por si própria, mas enquanto
objeto de satisfação dos caprichos humanos. Diversamente das comunidades
tradicionais, o homem civilizado subjuga e transforma a natureza, milênios.
Conforme refere Ost (1995, p. 30) “a natureza se antropoformizou, sendo reduzida
aos interesses exclusivos da espécie humana, e finalmente, que se individualizou
por completo. sendo os próprios interesses medidos em função de preferências
individuais.”
Assim, para Pelizzoli (2002, p. 18), existem duas razões-chave que
contribuíram para o atual estado das coisas:
1) a autonomia e unidade da razão humana é considerada o verdadeiro
fundamento de nosso saber científico legítimo, dando-se a este fundamento
o poder de fazer do mundo real o seu objeto disponível, administrável,
manejável; 2) a objetificação da realidade pelo processo conhecedor implica
na divisibilidade praticamente ilimitada dos objetos.
A conduta determinada pela divisibilidade dos objetos deixa de atribuir valor
ao meio ambiente globalmente, ou seja, sua abordagem fica limitada. Por esta razão
é que a ecologia é chamada a remodelar a forma de pensar, tratando o ambiente
como o somatório de todos os ângulos, da inter-relação entre homem e natureza.
Conforme explica Junges (2004, p. 53), “a ecologia surgiu justamente para
responder a essa necessidade de uma cultura sistêmica.”
A abordagem da problemática ambiental é amplamente influenciada pelo
paradigma antropocêntrico, e a sua superação requer uma valorização da
complementaridade entre o homem e a natureza. De acordo com este pensamento,
valores ambientais precisam ser desprovidos de qualquer vinculação econômica e
primar pelo respeito à natureza. Parte-se cada vez mais para uma busca pela
superação da dicotomia homem e natureza, para um entendimento em um contexto
em que ambos sejam complementares de suas necessidades. No entendimento de
Pelizzoli (2004) trata-se da emergência de um novo paradigma: o ecológico, advindo
de uma aliança entre subjetividade, cultura e natureza, que significa uma
reestruturação da consciência humana que inclui a harmonia com a natureza.
66
Neste sentido, os seres, bem como o ambiente, precisam ser vistos e
entendidos no sentido de complementaridade, ao contrário do que se reproduz
atualmente. O homem é, necessariamente, parte do todo, e não o centro do mundo,
de onde simplesmente profere as ordens para sua felicidade exclusiva. Para Junges
(2004, p. 66), “O ser humano precisa entender a natureza como útero no qual foi
gerado e nutriz que o alimenta e faz crescer”. Esta é a idéia da inter-relação e
interdependência e principalmente de respeito com a natureza, no mesmo sentido
adotado por Boff (2003, p. 40), quando analisa a temática sobre a idéia do homem
como parte , lado a lado com a natureza e meio ambiente:
Especialmente aparece o espírito quando na nossa consciência nos
sentimos parte e parcela do todo que nos desborda. E quando emerge em
nós a responsabilidade pelo mundo ao nosso redor, damo-nos conta de que
podemos ser o Satã da terra, bem como seu anjo e protetor [...].
Espiritualidade consiste em cultivar esse espaço de profundidade, em
alimentar a dimensão do espírito com a amorosidade, a solidariedade, a
compaixão, o perdão e o cuidado para com todas as coisas.
Este é o sentido da ecologia enquanto ciência das relações, que precisa ser
expandido e compreendido também na dinâmica da sociedade, conforme explicita
Boff (2008, p. 25):
A natureza (o conjunto de todos os seres), desde as partículas elementares
e as energias primordiais, até as formas mais complexas de vida, é
dinâmica; ela constitui um tecido intrincadíssimo com conexões por todos os
lados. A ecologia não abarca apenas a natureza (ecologia natural), mas
também a cultura e a sociedade (ecologia humana ou social).
O desenvolvimento desta consciência ecológica exige uma atitude de
relacionamento, segundo Boff (2008, p. 26): “relacionar tudo para os lados”. Salienta
que o saber precisa de superação no sentido integrador, ou seja, interdisciplinar, em
que as ciências e os conhecimentos possam crescer e se desenvolver
coletivamente. Da mesma forma, o posicionamento do ser humano em seu
relacionamento com o meio ambiente precisa ser de complementação,
abandonando a tese da dominação.
Como explicita o autor, esta atitude ecológica denomina-se holismo, e
constitui uma teia que envolve, organiza e regula todos os seres. Para ele:
67
A ecologia holística constitui uma prática e uma teoria que inclui e relaciona
todos os seres uns com os outros e com o meio ambiente, numa
perspectiva do infinitamente pequeno das partículas elementares (quarks),
do infinitamente grande dos espaços cósmicos, do infinitamente complexo
do sistema da vida, do infinitamente profundo do coração humano e do
infinitamente misteriosos do oceano ilimitado de energia primordial do qual
tudo promana (vácuo, quântico, imagem de Deus). (BOFF, 2008, p. 27).
Este movimento denominado ecologia holística, pretende de certa maneira
modificar o estado atual das coisas, mediante um pensamento/superação da lógica
cartesiana, nas palavras de Soffiatti (apud PELIZZOLI, 2004, p. 81):
O ecologismo, na condição de sistema filosófico, busca primeiramente o
redimensionamento do humanismo ocidental pós cartesiano....trata-se de
ultrapassar o antropocentrismo radical, que coloca o homem no centro
exclusivo do universo e senhor da natureza, o que impregnou todos os
sistemas filosóficos e religiosos do Ocidente.
A ecologia é tema ainda novo para muitos, e ainda complexo, pois gira em
torno de uma lógica oposta ao que se viu e pensou durante séculos.Este sistema
que envolve todos os saberes em uma única teia, busca a relação e a ação entre
todas as ciências. A dificuldade reside exatamente neste ponto, pois, até então, as
ciências compartimentalizaram-se em seus ramos de atuação específicos, sem abrir
espaço para a interação com as demais áreas do conhecimento. Diante disso,
depreende-se que emerge a necessidade de repropor questões sobre convivência
harmônica com a natureza e o meio ambiente como um todo, tempos substituída
pelo antropocentrismo.
Ainda seguindo esta linha de pensamento, sabe-se que as comunidades
tradicionais conservavam, e muitas ainda conservam, uma relação de respeito com a
natureza em geral, retirando dela seu sustento sem destruir. Em síntese, é tudo
aquilo que a humanidade busca atualmente: condições de sobrevivência com
sustentabilidade. Neste ponto cabe avaliar como ocorreu este contato entre o
homem civilizado e as comunidades tradicionais, em especial, as indígenas do
Brasil, foco de nosso estudo, desde a época da colonização.
68
2.3 As influências do eurocentrismo no meio ambiente
Durante os séculos 15 e 16 os europeus, principalmente portugueses e
espanhóis, lançaram-se nos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico com dois objetivos
principais: descobrir uma nova rota marítima para as Índias e encontrar novas terras.
Este período ficou conhecido como a Era das Grandes Navegações e
Descobrimentos Marítimos. O que estimulou as navegações nesta época era a
necessidade dos europeus de conquistarem novas terras. Eles objetivavam obter
matérias-primas, metais preciosos e produtos não encontrados na Europa. A
mesmo a Igreja Católica estava interessada neste empreendimento, pois significaria
novos adeptos. Os reis também estavam interessados, tanto que financiaram grande
parte dos empreendimentos marítimos, pois com o aumento do comércio, poderiam
também aumentar a arrecadação de impostos para os seus reinos. Mais dinheiro
significaria mais poder para os reis absolutistas da época (AZANHA; VALADÃO
1991).
Portugal foi o pioneiro nas navegações dos séculos 15 e 16 e no ano de 1500
realiza uma das mais importantes navegações: a chegada das caravelas de Cabral
ao litoral brasileiro, em abril daquele ano, o que se denominou o “descobrimento do
Brasil“ (AZANHA; VALADÃO 1991).
A questão do indígena no país deve ser avaliada desde o período do Brasil
colônia. Sabe-se que, inicialmente, os europeus fundamentaram suas práticas em
um entendimento de que os indígenas seriam bárbaros, portanto necessitavam de
domesticação. Esta é uma das razões que contribuíram para que a história deste
povo fosse repleta de desrespeitos e violações aos direitos. A origem desta
problemática remonta à época do Brasil colônia (COLAÇO, 1999).
Neste momento é importante ter a clara idéia de que estas populações que
habitavam o Brasil quando da chegada dos colonizadores, possuíam seus próprios
costumes de organização das comunidades, além de religião e crenças próprias.
Segundo Azannha e Valadão (1991, p. 9): “Esses povos indígenas possuíam
conhecimentos da natureza, experiências de vida e concepções do mundo
69
diferentes entre si e diversas das idéias dos portugueses sobre o que é a vida e o
papel do homem no mundo”. Conviviam, portanto, com seus próprios preceitos, e o
contato com uma nova cultura, com costumes diferentes, e que se mostrava
intolerante ao seu modo de vida acabou ocasionando um choque que culminou em
uma fase de conflitos.
Este choque cultural é descrito em vários textos do imaginário colonial,
conforme exemplifica a carta a seguir transcrita, que foi remetida ao Rei D. Manuel
por Pero Vaz de Caminha:
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a
nós, seriam logo cristãos [...] se os degredados, que aqui hão de ficar
aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo
a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa
santa fé, À qual preza a Nosso Senhor que os traga, porque certo, esta
gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles
qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu
bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio
que não foi sem causa. (CAMINHA apud OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 26).
A partir da leitura deste texto, percebe-se com clareza o pensamento dos
colonizadores sobre a imposição de religiosa, de origem cristã, aos índios, como
sendo a única fé válida. Ressalte-se a passagem final do texto “e pois Nosso
Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos
trouxe, creio que não foi sem causa” (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 26), a qual
enaltece a presença dos colonizadores como expressão de sua superioridade, afinal
Deus não permitiria este contato se os índios não fossem dignos de uma chance de
se humanizar. Neste sentido, explicam Oliveira e Freire (2006) que a supremacia do
cristianismo diante dos nativos justificava a conquista, pois para modificar os
costumes e valores tradicionais dos indígenas era necessária uma integração, e
para isso a solução encontrada foi a escravidão.
Segundo Colaço (1999), estas populações sofreram foi um grave choque
demográfico decorrente da invasão violenta ao seu meio ambiente, também por
meio da disseminação de doenças, para as quais o seu sistema imunológico não era
preparado, além, é claro, do fator escravidão.
70
O contato interétnico entre índios e europeus resultou em linhas gerais, na
perda da autonomia tribal das comunidades indígenas, na dependência econômica,
na redução drástica de sua população e seu território, além, é claro, das perdas
culturais e de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade (OLIVEIRA,
1976).
Este processo de escravização e tentativa de aculturação dos indígenas foi
legitimado pela Igreja Católica e posto em prática pelas Missões Jesuíticas, que
tinham a missão de catequizar os índios.
Conforme assevera Colaço (1999, p. 12):
partindo-se de uma visão etnocêntrica, desde a época do descobrimento da
América, existe consenso de que os indígenas se achavam desprovidos de
fé, de lei e de rei.Por essa concepção, não se admitiam qualquer
manifestação religiosa, regras de convívio social e liderança entre os índios
americanos.
Os europeus conseguiam enxergar somente a verdade da católica e do
modelo de civilização ocidental, o que impossibilitou a compreensão de uma nova
realidade: diferente, porém, legítima. Esta legitimidade entende-se por verdadeira,
considerando o fato de que os indígenas assimilavam e conviviam com base nestas
regras de seu direito consuetudinário.
Esta relação dos colonizadores com os colonizados denota uma visão de
mundo que tende a pôr a Europa, e, portanto, sua cultura, seu povo, sua língua,
como um modelo a ser seguido. Este “eurocentrismo” designa uma relação de
dominação existente entre europeus colonizadores e americanos colonizados,
constituindo um desdobramentos da noção antropocêntrica, no caso em tela, uma
análise relacionada não ao homem ante a natureza como um todo, mas do homem
de cultura européia, situado no centro, diante dos demais povos e culturas
(LANDER, 2006).
Em especial, e para o nosso objeto de estudo importa tratar esta relação com
o processo de colonização do continente americano. Para isso, Lander (2006, p. 26)
explica que com o início do colonialismo na América inicia-se uma constituição
71
colonial dos saberes, das linguagens e da memória. O que se instrumentaliza neste
momento é uma “conformação colonial do mundo entre ocidental ou europeu
(concebido como o moderno, o avançado) e os ‘Outros’, o restante dos povos e
culturas.”
Nas palavras do autor:
Esta é uma construção eurocêntrica, que pensa e organiza a totalidade do
tempo e do espaço para toda a humanidade do ponto de vista de sua
própria experiência, colocando sua especificidade histórico-cultural como
padrão de referência superior e universal. (LANDER, 2006, p. 34).
Pode-se afirmar que é uma elaboração teórica que tem sua origem no
antropocentrismo.
Segundo explica Lander (2006), existem duas razões que fundamentam e
legitimam esta lógica eurocêntrica: uma é a suposição de que existe um curso
evolutivo para as culturas, que vai do primitivo e tradicional até o moderno, tendo a
sociedade européia como o ponto mais avançado desse processo; em segundo
lugar, o caráter universalista dado a esta experiência européia, que se converteu em
expressão de validade.
Nas palavras do autor:
As categorias, conceitos, e perspectivas (economia, Estado, sociedade civil,
mercado, classes, etc.) se convertem, assim, não apenas em categorias
universais para a análise de qualquer realidade, mas também em
proposições normativas que definem o dever ser para todos os povos do
planeta. (LANDER, 2006, p. 28).
Sendo assim, as comunidades indígenas que habitavam as terras no
momento da colonização, como no caso brasileiro, acabaram perdendo seu espaço
enquanto comunidade étnica. A imposição de modo de vida, completamente alheio
aos costumes dos indígenas, denota um comportamento que não reconhece outra
cultura enquanto tal. O resultado da gica eurocêntrica, de não-aceitação do outro,
no caso o índio, causou uma enorme perda cultural às comunidades tradicionais
indígenas do Brasil.
72
Os prejuízos ocasionados aos indígenas, conforme exposto, foram inúmeros,
mas em termos de conhecimentos as perdas podem ser contabilizadas. Existem
aspectos acerca do pensamento refletido no modo de vida do índio que possuem
uma relação direta com o paradigma ecológico. Especialmente nas épocas
anteriores ao colonialismo, quando a cultura indígena de um modo geral era mais
presente, conseguia-se vislumbrar a dimensão de paz social, existente entre o
indígena e o meio ambiente (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).
É importante ressaltar que o conhecimento indígena advém do contato direto
com a natureza, ou seja, de uma convivência pacífica e sustentada ao longo dos
séculos. Esta aprendizagem mansa precisa ser melhor compreendida pela
sociedade contemporânea , sendo um conteúdo de relevância ecológica.
A realidade, no entanto, contradiz esta premissa de respeito e aprendizado
em comum, pois tais conhecimentos, como se sabe, necessitam com urgência de
proteção legal para sua preservação, pois como observado, muito se perdeu. Os
riscos a que estão expostos, no caso brasileiro pela ação de biopiratas que se
apropriam de seus conhecimentos sobre as propriedades curativas das plantas, são
preocupantes. A proteção legal dos conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade precisa ser melhor explorada, pois tratar o indígena entendendo
como um peso morto no âmbito coletivo e discriminando por meio da intolerância
com a diferença cultural, impossibilita a reflexão sobre o conhecimento ou a
sabedoria destes povos.
73
3 COMUNIDADES INDÍGENAS: AS AMEAÇAS E RISCOS E A NECESSIDADE
URGENTE DE PRECAUÇÃO E PROTEÇÃO JURÍDICA DA DIVERSIDADE
NATURAL E CULTURAL
3.1 A proteção jurídica da diversidade cultural do indígena no Brasil: aspectos
constitucionais
As missões jesuíticas marcaram o início de uma era de tutela aos índios,
mantendo uma incipiente proteção aos seus direitos, e em contrapartida, a
legalização para a dizimação dos membros destas comunidades, por meio de
agressões físicas àqueles que resistiam ao novo modo de vida, além da violência
contra suas manifestações culturais (COLAÇO, 1999).
O curioso nesta história está em que o Brasil era colonizado por diversas
etnias indígenas, cada qual com costumes próprios, “cerca de 590 mil indígenas
pertencentes a 252 etnias ou grupos diferenciados, com 200 línguas e dialetos,
ocupando 11% do território brasileiro” (HECK; PREZIA, 1999, p.12). Estas etnias
guerreavam entre si costumeiramente, em razão de vinganças, o que não ocorreu
com os colonizadores, que foram bem recepcionados na chegada ao Brasil, pois
eles, os índios, não lutariam com um povo desconhecido e com o qual não tinham
nenhuma história de vingança (AZANHA; VALADÃO 1991). Ao contrário dos
colonizadores, que provocaram a dizimação deste povo através da guerra desigual,
guiados pela intolerância e que viram neles uma fonte de trabalho forçado.
Como referem Azanha e Valadão (1991, p. 20) “Em 20 de março de 1570
tinha sido promulgada em Portugal uma lei proibindo o cativeiro do índios, com
exceção dos que fossem tomados em justa guerra”. A justa guerra era aquela
realizada com a licença do rei e que permitia que os índios que não se submetessem
à catequese, ou se declarassem inimigos fossem capturados para viver em cativeiro,
como escravos. Este fato possibilitou grandes massacres das populações indígenas
o que se denominou “bandeiras”, conforme explicitado por Heck e Prezia, (1999),
verdadeiras expedições de guerra para a captura dos índios.
74
Com efeito, a legislação editada no período colonial tratou das questões
referentes às terras indígenas. Como exemplo temos as Cartas Régias de 30 de
julho de 1609 e de 10 de setembro de 1611, editadas por Felipe III, “mais como a
limitação que a ocupação indígena exerce sobre a disponibilidade das terras do
Estado e de particulares do que como garantia das terras dos índios” (SOUZA
FILHO, 2003, p. 158).
O período pombalino modificou profundamente este relacionamento do
branco com o índios, por meio da edição de uma legislação em 1755, pelo Marquês
de Pombal, que culminou na soltura dos escravos, aliado à expulsão dos jesuítas do
país. A lei, em resumo, estabelecia a liberdade aos índios e o direito a remuneração
pelos serviços prestados (AZANHA; VALADÃO, 1991).
Encontra-se aí, segundo Colaço (1999), o início da tutela orfanológica dos
índios, diretamente vinculada à dificuldade de incorporação, em terras coloniais, de
trabalhadores livres ao mercado de trabalho.
A Proclamação da Independência, no que se refere à política indigenista,
pouco contribuiu para a solução dos problemas. Inclusive a Constituição de 1824,
inclusive sequer fez menção à existência de índios no Brasil. Sobre este
apontamento, informa Souza Filho (2003, p. 32):
Em 25.03.1824, foi promulgada a primeira Constituição do Brasil, que não
contém nenhuma disposição relativa a índios. Assim, ficavam sujeitos de
maneira geral à legislação brasileira. Pelo Ato Adicional à Constituição do
Império de 12.08.1832, foi previsto caber às Assembléias Gerais e ao
Governo a catequização e civilização dos índios, que, assim, ficaram
submetidos aos órgãos gerais e locais do poder público.
Neste período imperial a edição da “Lei de Terras” - Lei 601, de 18 de
setembro de 1850 - que passou a regulamentar as propriedades territoriais no país,
referiu uma classificação que dividia as terras em públicas, de domínio do Estado e
terras particulares. Aos indígenas seriam destinadas as chamadas terras devolutas,
pertencentes ao Estado, com possibilidade de servir à colonização indígena. Tal
legislação proibiu a posse de terras e legitimou apenas a propriedade a partir da
compra, o que acabou sendo um aliado instrumento dos latifundiários, pois propiciou
75
a concentração de grandes volumes de terras nas mãos de poucos (COLAÇO,
1999).
O silêncio da legislação não poderia perdurar por muito tempo, pois a
necessidade de regulamentar a questão indígena no Brasil era crescente. Conforme
nos explica Souza Filho (2003), a primeira Constituição Republicana, a de 1891, teve
discussões prévias sobre a organização dos índios, e alguns juristas da época
sugeriam a demarcação das terras indígenas, possibilitando soberania ou autonomia
destes sobre o seu território. A proposta não obteve êxito, e então, a partir de 1910,
foi criado o Serviço de Proteção aos índios e Localização dos Trabalhadores
Nacionais, SPI, o qual acabou tornando-se um instrumento de opressão estatal,
pois, tomado pela corrupção, agiu contrariamente aos fins a que se destinava,
adotou procedimentos que autorizava o uso indevido das terras indígenas e expedia
atestados de inexistência de índios, o que possibilitou o extermínio cada vez maior
destas populações . Em 1973, com a edição da Lei 6.001, de 19 de dezembro de
1973, Estatuto do Índio, a SPI foi substituída pela FUNAI, Fundação Nacional do
Índio.
Segundo Colaço (1999), tanto o Estatuto do Índio quanto a FUNAI,
trabalhavam sob a mesma ótica assimilacionista, que deixava de valorizar a cultura e
os costumes indígenas, na tentativa de integrá-los ao meio branco. Conforme se
observa no artigo 4° do Estatuto do Índio :
Art. 4° . Os índios são considerados:
I – isolados – Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se
possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com
elementos da comunhão nacional;
II Em vias de integração Quando, em contato intermitente ou
permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das
condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de
existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão
necessitando cada vez mais para o próprio sustento;
III Integrados Quando incorporados à comunhão nacional e
reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem
usos, costumes e tradições característicos de sua cultura. (COLAÇO, 1999,
p. 59).
Esta política de integração que associou direitos civis dos indígenas ao
processo de aculturação, denotou uma atitude de desvalorização de sua identidade
76
cultural, veja o entendimento de Neves (2003, p. 145): “para o Estado brasileiro, aos
índios estiveram sempre reservadas apenas duas possibilidades: 1) isolados, como
sociedades paradas no tempo; 2) integrados à civilização, como marginais.”
Esta situação somente modificou-se com o fim da ditadura militar e com o
advento da Constituição Federal de 1988. Como explica Souza Filho (2003), a
Constituição democrática foi revolucionária no que tange ao relacionamento do
Estado com as comunidades indígenas, pois reconheceu o direito à cultura
tradicional indígena.
A nova e suprema legislação brasileira encerrou um período de destruição
dos costumes indígenas, proporcionando-lhes a prerrogativa constitucional de ver e
viver a vida conforme seus ditames, mesmo após a perda de grande parte de sua
diversidade.
O artigo 231 da Constituição Federal de 1988, assim apresenta-se: “são
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam [...].”
A questão da ocupação originária das terras, que concedeu aos índios, o
reconhecimento como proprietários legítimos das terras tradicionalmente ocupadas
por eles, marcou a inversão da lógica protecionista, anteriormente tendente a abolir
sua cultura, e a partir do novo contexto constitucional fazendo com que o Estado
reconheça seus direitos oferecendo ainda garantias de proteção. Conforme aduz
Colaço (1999), quando a legislação reconhece os direitos originários dos povos
indígenas, incorpora a tese da existência das relações jurídicas entre os índios e
estas terras, anteriormente à própria formação do Estado brasileiro.
A partir disso, o Estado incorpora o papel de responsável e garantidor dos
direitos individuais e coletivos das populações tradicionais. Neste sentido, acentua
Santilli (2005, p. 230) que:
O Estado deve ainda garantir a observância de requisitos essenciais de
validade dos instrumentos jurídicos que concretizam a vontade desses
povos e assegurar que a manifestação de vontade dos detentores de
77
conhecimentos tradicionais seja livre de vícios (simulação, fraude ou erro) e
plenamente consciente e informada.
O entendimento constitucional vigente prevê a titularidade das terras
indígenas sob o manto da coletividade. Todos os membros da comunidade o os
proprietários, “todos têm disponibilidade da terra, mas ao mesmo tempo ninguém
pode dispor individualmente, porque a disposição de um seria violar o direito de
todos os outros.” (NEVES, 2003, p. 131).
Desta forma, ficou garantido aos indígenas na Constituição de 1988, pela
redação do artigo 231 parágrafo , o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos
rios e dos lagos existentes nas terras tradicionalmente ocupadas por eles, ficando
também previsto, no caso de aproveitamento dos recursos hídricos e de exploração
mineral em sua terras, a necessária e prévia das comunidades afetadas além de
autorização do Congresso Nacional (artigo 231 parágrafo ). Tal inovação
legislativa, de certa forma proibiu as decisões unilaterais do Estado no tocante às
terras indígenas. Sobre o instituto do usufruto exclusivo, nos adverte Souza Filho
(2003), que os julgados vem sendo alvo de discussão, e que alguns tem entendido
que as atividades exploratórias somente são permitidas em caso de atividade direta
dos indígenas, não sendo permitida a contratação de trabalho alheio , o que se trata
de um equívoco.
Segundo Souza Filho (2003, p. 122):
O usufruto exclusivo quer dizer somente que não é transferível para
qualquer apropriação individual e que os resultados de qualquer uso ou
trabalho ou renda será sempre coletivo, da comunidade indígena que
coletivamente do resultado pode dispor.
Outra inovação significativa em matéria de garantia aos direitos dos
indígenas, parte da leitura do artigo 231 parágrafo , o qual determina que as terras
tradicionalmente ocupadas pelos indígenas possuem as seguintes características,
inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade. A terra ocupada por
comunidades indígenas, portanto não é passível de venda, pois é inalienável sob
qualquer título, além de indisponível, considerando que estes povos não podem ser
retirados de seu ambiente e seus direitos de demarcação destes territórios é
78
imprescritível, ou seja pode ser reivindicado a qualquer tempo. Sobre este ponto,
refere-se Colaço (1999, p. 90),
Proíbem-se as remoções de grupos indígenas de sua terras, exceto em
situações de risco, como por exemplo em epidemias e catástrofes, porém
com o consentimento prévio do Congresso Nacional, devendo estas
populações retornarem às sua terras de origem tão logo cesse perigo.
O artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina
inclusive um prazo para a demarcação dos territórios indígenas assim expresso “A
União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir
da promulgação da Constituição”. Inobstante tal previsão constitucional, o processo
de demarcação de terras indígenas pelo Estado Brasileiro está longe de ser
concluído, apesar de que as lutas sociais indígenas representaram um passo na
busca pelo rompimento com a exclusão histórica a que foram expostos. Ocorreu, em
diversas comunidades indígenas, um processo denominado de autodemarcação de
terras, em resposta à inércia do governo na consecução do processo demarcatório.
A autodemarcação das terras indígenas como marco inicial é também sinônimo de
autonomia; é a reconquista como forma de organização capaz de enriquecer seus
costumes e romper com as barreiras da discriminação e da opressão deste grupo
étnico.
Os Kulina, do Amazonas, juntamente com indigenistas e colaboradores,
realizaram a demarcação de suas terras, o que acabou sendo copiado por outras
tribos e regulamentado pela lei. Este procedimento deve ser analisado sob a égide
social e política que compreende, por se tratar de fenômeno de caráter
emancipatório, um povo em busca da incorporação social. Faz parte do processo de
construção política do território indígena. Neste sentido expressa-se Neves (2003, p.
60):
Demarcar terras indígenas é um fato político complexo de construção de
uma nova realidade sociopolítica, em que um sujeito histórico, um grupo
étnico que se concebe como originário, ingressa em um processo de
territorialização e passa a ser reconhecido, sob uma modalidade própria de
cidadania, enquanto participante efetivo da nação brasileira.
Neste particular, perante a nova ordem constitucional brasileira, os direitos
territoriais indígenas, em especial, são originários e imprescritíveis, portanto sempre
79
que um grupo indígena ocupar tradicionalmente determinada área, a União estará
obrigada, por força do artigo 231, a promover este reconhecimento, garantindo sua
proteção.
Segundo Alcida Rita Ramos (apud SPAREMBERGER; KRETZMANN, 2008),
para os povos indígenas a terra significa muito mais que simples meio de
subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao
sistema de crenças e conhecimentos. Não é apenas um recurso natural, mas um
recurso sociocultural.
Ainda para esta autora é importante salientar que a
pesar dos mais de 500 anos
de massacre e dominação sofridos pelos povos indígenas no Brasil pela opressão
dos colonizadores europeus, grande parte da população indígena resistiu
bravamente (SPAREMBERGER; KRETZMANN, 2008).
3.2 Comunidades tradicionais indígenas: aspectos gerais
Para conceituar a comunidade pode-se pensar na gênese da palavra comum,
que neste caso ganha uma conotação de comum a todos os indivíduos. Neste
sentido, seu significado faz transbordar sentimentos de pertencimento a algum local.
As transformações sociais podem ser fruto de dois princípios aparentemente
conflitantes: o aristotélico, em que o homem é um ser social, e o hobbesiano, no qual
o homem é de natureza anti-social (HOBBES apud MARIÁS, 2004). Estes dois
princípios constituíram a natureza contraditória do homem. O ser humano, portanto,
aspiraria à união e, ao mesmo tempo, seria contra ela; oscilaria entre a conexão e a
separação, o coletivo e o individual.
No entendimento de Max Weber (apud MARIÁS, 2004), o conceito de
comunidade baseia-se na orientação da ação social. Para ele, a comunidade funda-
se em qualquer tipo de ligação emocional, afetiva ou tradicional. Este autor utiliza
como exemplo básico de comunidade a relação. Assim, para Max Weber (apud
MARIÁS, 2004, p. 87): “[...] chamamos de comunidade a uma relação social na
80
medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo ideal baseia-se em
um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos
participantes."
Na medida em que a ação social é substituída pelo individualismo, pela falta
de confiança no outro, a insegurança começa a ser uma constante na vida do
sujeito. E mais, nesta perspectiva, quando se depara com problemas que implicam
diretamente na coletividade, corre o risco de cair na impotência, pela pura falta de
capacidade de agrupamento, de reivindicar coletivamente.
A comunidade, diferentemente de outros espaços sociais como o Estado, as
leis do mercado, ainda mantém como princípios norteadores a participação e a
solidariedade, que estão próximos aos princípios de emancipação (SANTOS, 2002).
Para Bauman (2003), a palavra comunidade guarda a sensação de coisa boa,
lugar confortável e aconchegante. A vida comunitária pressupõe laços de
fraternidade, de interesse mútuo e de compreensão com o outro. Mas esta rede que
determina uma comunidade, porém, precisa ser invisível, no sentido de que precisa
ser conservada e aceita naturalmente pelos seus componentes, tão natural como
comer, banhar-se, beber...
A comunidade pressupõe valores que não o medidos economicamente. É
um exercício contínuo de troca de favores, em que se alicerça um relacionamento de
solidariedade. Seus valores, portanto são diversos daqueles pregados pela
sociedade atual, que se baseia no egoísmo, e na individualidade acima de tudo.
Conforme Bauman (2003, p. 8),
[...] numa comunidade podemos contar com a boa vontade dos outros. Se
tropeçarmos e cairmos, ou outros nos ajudarão a ficar de outra vez.
Ninguém vai rir de nós, nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se
com nossa desgraça. Se dermos um mau passo, ainda podemos nos
confessar, dar explicações e pedir desculpas, arrepender-nos se
necessário; as pessoas ouvirão com simpatia e nos perdoarão, de modo
que ninguém fica ressentido para sempre.
81
A comunidade norteia-se pelos sentimentos, e por isto seus valores são
imensuráveis. Neste sentido, comunidade pode ser denominada como uma troca
não financeira de valor. A verdadeira comunidade exige proximidade, interação e
contato contínuo e direto entre as pessoas, o lugar e as coisas de que é composta.
Para a denominação de uma comunidade indígena algumas ressalvas e
explicações precisam ser abordadas, como, o entendimento do que seja um grupo
étnico. O antropólogo Oliveira (1976) entende que um grupo étnico é uma unidade
portadora de cultura, com as seguintes características principais: a perpetuação da
categoria se por meios biológicos, ou seja, pela interação entre os componentes;
compartilha valores culturais fundamentais, e estes valores são aceitos e postos em
prática por todos; compõem assim, um grupo de comunicação e interação; e ainda
tem um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros como
categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem. Desta forma, o ponto
principal destas características reside na partilha de uma cultura comum.
Nessa linha de raciocínio entende-se que o processo de atualização social, ou
seja, as transformações sociais que envolvem os grupos étnicos são fatores
determinantes para a formação da identidade social. Certo é que conhecemos um
povo, ou uma determinada cultura, pelos seus ritos e costumes, pela sua língua,
pela forma como se veste; é a forma de significação dos indivíduos enquanto grupo
social.
Desta forma, pode-se falar em identidade, como sendo o resultado da
produção da vida comunitária, explicitada mediante determinada cultura.
Como explica Hall (2006, p. 38),
a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento.Ela permanece sempre incompleta, está sempre
em processo, sempre sendo formada.
A identificação de uma comunidade indígena enseja certo consenso
significando etnia, nas palavras de Diegues e Arruda (2001, p. 23): “povos que
guardam continuidade histórica e cultural desde antes da conquista européia da
América.”
82
Apesar da clara possibilidade de reconhecermos os agrupamentos indígenas,
é importante que a eles sejam atribuídas algumas características, o que vai de
encontro com a definição elaborada pela Diretiva Operacional 4.20, de 1991 do
Banco Mundial, nos seguintes termos:
Aplica-se àqueles povos que vivem em áreas geográficas particulares
demonstram, em vários graus, as seguintes características:
ligação intensa com territórios ancestrais;
auto-identificação e reconhecimento pelos outros povos como grupos
culturais distintos;
linguagem própria, muitas vezes diferente da oficial;
presença de instituições sociais e políticas próprias e tradicionais; e
sistemas de produção voltados principalmente para a subsistência.
Em uma abordagem mais ampla, sob o enfoque da antropologia, Diegues e
Arruda (2001, p. 26) referem que as sociedades indígenas caracterizam-se:
Pela dependência da relação de simbiose entre a natureza, os ciclos e os
recursos naturais renováveis com os quais se constrói um modo de vida;
Pelo conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, que se reflete
na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais.
Esse conhecimento é transferido por oralidade de geração em geração.
O conhecimento tradicional indígena no Brasil sofreu forte influência negativa,
como observado especialmente no Brasil colonial, em que houve a tentativa de
modificar a cultura indígena. Esta tendência inverteu-se e atualmente a preocupação
gira em torno da preservação destes conhecimentos. Ainda conforme os autores, a
comunidade tradicional indígena caracteriza-se:
Pela noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz
econômica e socialmente;
Pela moradia e ocupação do território por várias gerações, ainda que alguns
membros individuais possam ter deslocado-se para outros centros urbanos
e voltado para a terra de seus antepassados. (DIEGUES; ARRUDA, 2001,
p. 27).
Sobre a noção de território é importante salientar que existe uma relação
muito próxima entre o indígena e seu local de costume, tanto que a legislação
constitucional inclusive aborda o assunto de maneira a conceder o reconhecimento
jurídico da posse deste território a estas comunidades. Para a perpetuação destes
grupos é relevante o local em que vivem, considerando que existe um estreito
relacionamento com a natureza, e que sua cultura depende desta relação. Segundo
Little (apud SANTILLI, 2005, p.138), “os elementos fundamentais dos territórios das
83
populações tradicionais são os vínculos sociais, simbólicos e rituais que elas
mantém com seus respectivos ambientes biofísicos.”
Ainda segundo os autores,
Pela importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de
mercadorias possa estar mais ou menos, o que implicaria uma relação com
o mercado;
Pela reduzida acumulação de capital;
Pela importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e ás
relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades
econômicas, sociais e culturais (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 26).
Esta questão da reduzida acumulação de capital é marcante nestas
comunidades, e foi constatada por meio da pesquisa de campo realizada em uma
Reserva Indígena localizada no interior do município de Redentora no Rio Grande
do Sul. Esta pesquisa concluiu que os indígenas são desprovidos do ideal capitalista
de acumulação e de que convivem harmonicamente desta maneira. Além disso,
outros fatores são apresentados ao que se refere a determinação efetiva de uma
comunidade indígena. Para os autores:
Pela importância das simbiologias, mitos e rituais associados á caça, pesca
e atividades extrativistas;
Pela tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado
sobre o meio ambiente. uma reduzida divisão técnica e social do
trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor e sua família dominam
todo o processo até o produto final;
Pelo fraco poder político, que em geral reside nos grupos de poder dos
centros urbanos;
Pela auto-identificação ou identificação por outros de pertencer a uma
cultura distinta. (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 26).
A última característica apresentada pelo autor que se refere à identificação de
pertencer a determinada cultura, merece maior atenção de nossa parte. Sabe-se que
sentimento de pertença ou de comunidade, é responsável pela formação dos
indivíduos e traduz conseqüentemente a noção de segurança. Esta convivência
comum forja as identidades humanas, considerando que são definidas
historicamente (HALL, 2006).
Para compreender a questão do pertencer deve-se, por conseqüência saber o
significado de cultura, ou seja, aquilo que se cultiva, que se cuida. Em ciências
humanas essa expressão é empregada para se referir ao conjunto de costumes e
84
práticas que um grupo social cultiva. Evidentemente isso possui uma enorme
complexidade. A algo, no entanto que vale a pena ser ressaltado: nas sociedades a
que pertencemos, a sociedade moderna propriamente dita, as práticas e os
costumes das gerações anteriores são cultivados em alguma medida, mas não em
sua totalidade.
Para tal é importante compreendermos o conceito de cultura. Segundo Laraia
(apud COLAÇO, 2008, p. 14): “[...] Em fins do século 18, existiam duas palavras que
definiam cultura, uma de origem francesa Civilization, referia-se às realizações
materiais de uma comunidade, e outra de origem germânica, Kultur, abrangendo os
aspectos espirituais de um povo.”
No culo 19 Edward Tylor sintetizou os dois conceitos antes descritos num
único vocábulo inglês, Culture, que representava “todas as possibilidades de
realização humana”, ou seja, um “complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade” (LARAIA apud COLAÇO, 2008, p. 14).
Nesse sentido, segundo Rattner (apud COLAÇO, 2008, p. 15):
[...] existem muitas definições para o termo cultura, embora haja um
consenso entre os estudiosos de que cultura refere-se àquela parte do
ambiente produzida pelos homens e por eles aprendida e utilizada no
processo contínuo de adaptação e transformação da sociedade e dos
indivíduos. Para conhecer a cultura de um povo é fundamental conhecer
sua história, sua evolução cultural, ou seja, suas tradições e as
transformações que construíram e ainda constituem a cultura particular de
cada tribo ou qualquer organização social.
A partir dos estudos da Antropologia pode-se afirmar que a cultura está
inserida no processo de socialização de cada ser, que se constitui no convívio
comunitário, no qual são assimiladas as normas, os padrões, a conduta, a religião, a
língua, enfim, o conjunto que compõe o estilo de vida. “É por meio da cultura que um
povo constrói a sua identidade e mantém vivas a sua história e sua etnia.”
(RATTNER, 2008).
85
Neste sentido, entende-se que conhecemos um povo, ou uma determinada
cultura, pelos seus ritos e costumes, pela sua língua, pela forma como se veste, é a
forma de significação dos indivíduos enquanto grupo social.
Desta forma, pode-se
falar em identidade, como sendo o resultado da produção da vida comunitária,
explicitada por meio de determinada cultura. Como explica Hall (2006, p. 38),
a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. Ela permanece sempre incompleta, está sempre
em processo, sempre sendo formada.
O sentimento de pertença produz uma aproximação com a segurança e, no
caso especial dos indígenas, as perdas culturais, acabam produzindo insegurança e
vulnerabilidade.
3.3 Biopirataria: os conhecimentos tradicionais indígenas ameaçados
As comunidades tradicionais indígenas, conforme exposto, possuem uma
estreita relação com o meio ambiente que os cerca. A história do Brasil relata que
estas populações conviviam harmonicamente com a natureza, dela retirando seu
alimento de maneira sustentável. Este aprendizado, esta gama de saberes sobre
propriedade fitoterápicas das plantas e seu manejo, atualmente vem sendo objeto de
sérias reflexões na área ambiental.
Inicialmente é importante discorrer sobre a existência e a evolução do
conhecimento das comunidades tradicionais indígenas. Neste sentido, Santilli (2005
p. 193) ressalta:
O conhecimento que as populações tem da floresta que habitam é
verdadeiramente enciclopédico, no sentido de cobrir áreas variadas: desde
a madeira linheira que serve para a mão-de-força de uma casa; as enviras
que prestam para amarra-la, as fruteiras que o porquinho ou o veado
preferem e debaixo das quais é quase certo caçá-los, e os solos ideais para
plantar milho, tabaco, jerimum.
Os processos, práticas e atividades tradicionais dos povos indígenas,
constituem inovações de conhecimento e aprimoramento de técnicas que nascem a
partir da investigação e troca de informações. Isto corresponde à definição do artigo
86
da Convenção Sobre Diversidade Biológica
12
, que trata sobre conhecimentos e
práticas das comunidades locais. Percebe-se, pelo exposto nos princípios desta
Convenção, o reconhecimento e a importância das sociedades/comunidades
indígenas e de seus conhecimentos para a sobrevivência do meio ambiente. Em
virtude, porém, dos interesses econômicos, do desrespeito à identidade e cultura
desses povos e da falta de proteção legal aos seus conhecimentos e territórios, a
sobrevivência e os propósitos de conservação ficam subjugados à exploração de
multinacionais, interessadas na riqueza da biodiversidade nacional e nos
conhecimentos que essas comunidades possuem, obtidos por intermédio de sua
vivência e interação com os ecossistemas, bem como aos modelos de
desenvolvimento econômico característicos e definidores da sociedade atual.
Os conhecimentos tradicionais contribuem significativamente para a atividade
científica, e podem ser utilizados em prol da humanidade de maneira sustentável.
Segundo Shiva (2001 p. 101),
dos 120 princípios ativos atualmente isolados de plantas superiores e
largamente utilizados na medicina moderna 75% têm utilidades que foram
identificadas pelos sistemas tradicionais; diz-se que o uso do conhecimento
tradicional aumenta a eficiência do reconhecimento de plantas em mais de
400%.
Na concepção de Castro (2000), os saberes tradicionais manifestam-se por
ações práticas, provêm de um entendimento construído na experiência das relações
com a natureza, informando o processo de acumulação de conhecimentos através
de gerações. Em relação ao trabalho realizado pelas sociedades/comunidades
indígenas, este autor acrescenta que:
suas atividades apresentam-se complexas, pois constituem formas múltiplas
de relacionamento com os recursos, e é justamente essa variedade de
práticas que assegura a reprodução do grupo, possibilitando também uma
construção da cultura integrada à natureza e formas apropriadas de manejo.
(CASTRO, 2000, p. 169).
12
A Convenção Sobre Diversidade Biológica é um documento assinado durante a ECO-92 pelo Brasil
e ratificada no território nacional pelo Decreto Legislativo n 2, que reconheceu que os recursos
genéticos o devem ser vistos como patrimônio comum da humanidade, em face da soberania
nacional dos países sobre seus próprios recursos (FIORILLO; DIAFÉRIA, 1999).
87
Ao mesmo tempo em que retiram da natureza os recursos necessários para
sua sustentabilidade, esses grupos preservam os ecossistemas, respeitando seu
ritmo de renovação e equilíbrio. Conforme Castro (2000, p. 167), “nas sociedades
ditas ’tradicionais’ e no seio de certos grupos agroextrativos, o trabalho encerra
dimensões múltiplas, reunindo elementos técnicos com o mágico, o ritual, enfim, o
simbólico.”
A problemática reside na ineficácia de proteção e na falta de aplicação
daquilo que a Convenção sobre Diversidade Biológica dispõe sobre retirada deste
conhecimento e da natureza propriamente dita das comunidades tradicionais, o que
se designa pelo termo biopirataria.
Santilli (2005, p. 198 ) refere que o termo biopirataria significa
a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um
determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais
recursos genéticos (ou a ambos) em desacordo com os princípios
estabelecidos na Convenção sobre Diversidade Biológica, a saber: a
soberania dos estados sobre os recursos genéticos e a necessidade de
consentimento prévio e informado dos países de origem dos recursos
genéticos para as atividades de acesso, bem como a repartição justa e
equitativa dos benefícios derivados de sua utilização.
Shiva (2001) entende que se vive hoje a “segunda Chegada de Colombo”, no
sentido de que a autorização da tomada dos recursos naturais do Brasil ainda
persiste. De certo modo, ainda segundo a autora, trata-se do resultado de uma
lógica eurocêntrica, que seria o entendimento do antropocentrismo conforme já
exposto, mas no sentido de autorização de pirataria da riqueza dos povos o-
ocidentais como um direito das potências ocidentais.
Desta forma, Fiorillo e Diaféria (1999, p. 66) entendem que biopirataria “é a
coleta de materiais para a fabricação de medicamentos no exterior sem o
pagamento de royalties ao Brasil, materiais estes oriundos principalmente da região
Amazônica, onde a diversidade de recursos é imensa.”
O Brasil, como um país rico em recursos naturais e biodiversidade, vem
sendo alvo de constantes investidas de pesquisadores estrangeiros, que
88
contrabandeiam o conhecimento dos povos indígenas desconsiderando as
determinações da CDB.
A Convenção sobre Diversidade Biológica determina que cada um dos
Estados-partes, em conformidade com a sua legislação interna, respeite, preserve e
mantenha o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e
populações indígenas, com estilos de vida tradicionais relevantes à conservação e à
utilização sustentável da diversidade biológica (CASTILHO, 2000).
A falta de regulamentação legal eficaz no Brasil sobre a biopirataria, fez surgir
a Medida Provisória 2.052/2000 que dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético. Sobre esta medida deve-se salientar que a edição da legislação em forma
de medida provisória, que necessita obedecer aos critérios da relevância e urgência
não permite uma discussão aprofundada sobre o tema, o que vem causando críticas
por parte dos estudiosos, considerando que foi reeditada por 16 vezes, sendo a
última em 23 de agosto de 2001 sob o nº 2.186 de 2001.
Sobre esta questão manifesta-se Hathaway (2004, p. 42):
A Medida Provisória 2.186, assegura formalmente o direito das
comunidades a decidirem sobre seu uso por cientistas ou empresas de seu
conhecimento tradicional.De maneira que, o interessado no acesso precisa
conseguir antes a “anuência” das comunidades. Entretanto, este conceito
de anuência é vago e substitui o reconhecido conceito de consentimento
prévio e informado.
A referida Medida Provisória criou também um Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético, sobre o qual recaem duras críticas a cerca de sua formação,
que integra participantes de órgãos e entidades da administração blica federal e
que é presidido pelo Ministério do Meio Ambiente, mas deixa de outorgar voz ativa a
representantes das comunidades tradicionais (FIORILLO; DIAFÉRIA, 1999).
Os exemplos de biopirataria no Brasil são vários. Segundo levantamento
sobre bioprataria internacional, publicado em janeiro de 1994, há uma série de
bactérias extraídas do Brasil e patenteadas nos Estados Unidos. Alguns
exemplos: “microorganismo (Ampurariella) de solo depositado pela Dow Chemical,
patenteados para a produção de isomerase de glucose, microrganismo de solo da
89
Bristol Labs, patenteado para a produção do remédio streptonigan, entre vários
outros (HATHAWAY, 2004).
Outro caso amplamente divulgado pela imprensa, refere-se ao caso do
patenteamento de processos de extração do óleo da semente de cupuaçu para a
produção de chocolate de cupuaçu, pela empresa japonesa Asahi Foods Co. Tld.
Tal marca comercial com o nome cupuaçu acabou sendo anulada, motivada por
protestos de organizações brasileiras, sob o argumento de que uma marca comercial
não pode ser registrada se indicar um nome comum de matérias-primas (SANTILLI,
2005).
Estes casos têm em comum o fato de que estes materiais foram retirados de
seus países de origem sem obedecer o que a legislação estabelece, especialmente
ao que se refere aos princípios que precisam ser respeitados, conforme leciona
Santilli (2005, p. 200).
A fiel observância aos princípios da CDB implica tanto consulta aos países
de origem dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados
como expressão de sua soberania em face de outros países quanto a
consulta, intermediada pelo Estado nacional, aos povos e populações
tradicionais detentores de tais recursos tangíveis ou intangíveis, ou seja,
devem ser reconhecidos aos povos indígenas, quilombolas e populações
tradicionais direitos intelectuais coletivos sobre seus conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade, sujeitando-se o acesso a eles ao
conhecimento prévio e fundamentado e à repartição justa e eqüitativa dos
benefícios oriundos de sua utilização com seus detentores.
Com isso percebe-se que tanto a legislação quanto a efetividade de sua
aplicação não bastam para solucionar o problema da biopirataria no Brasil. Neste
sentido, evidencia-se a mercantilização da biodiversidade, e a perda destes recursos
para países que detêm maior poder econômico.
A questão dos direitos de propriedade intelectual precisa ser abordada com
um olhar crítico, pois se transformou em legitimador de práticas biopiratas. Segundo
Santilli (2005, p. 212),
O sistema de patentes prejudica o modo como se produzem e usam os
conhecimentos tradicionais, e o é possível usar, para proteger os
conhecimentos tradicionais, os mesmos mecanismos que protegem a
90
inovação nos países industrializados, sob pena de destruir o sistema que os
produz e matar o que se queria conservar.
A lógica deste sistema de patentes consiste na garantia do lucro e noção de
propriedade instrinsecamente ligada ao individualismo, de cunho fortemente
econômico. os processos inventivos das comunidades tradicionais obedecem a
lógica inversa, pois se baseiam essencialmente em processos coletivos de produção
(SANTILLI, 2005).
São maneiras diversas de produção de conhecimento que necessitam de
regramento também diverso, pois a incompatibilidade entre eles é significativa,
conforme expõe Shiva (2001, p. 32-38):
Os DPI (Direitos de Propriedade Intelectual) são reconhecidos apenas
quando o conhecimento e a inovação geram lucro e não quando satisfazem
necessidades sociais. [...] Segundo o artigo 27.1, para ser patenteável, uma
inovação deve ter potencialmente uma aplicação industrial. Isto
imediatamente exclui todos os setores que produzem e inovam fora do
modo de organização industrial. O lucro e a acumulação de capital são os
únicos fins da criatividade; o bem social não é mais reconhecido. [...] Os DPI
são um mecanismo eficiente de colher os produtos da criatividade social.
Eles são um mecanismo ineficiente para criar e alimentar a árvore do
conhecimento.
Esta é a idéia de criação de um regime jurídico sui generis, que abarque
todos os aspectos característicos das comunidades tradicionais, do qual trataremos
a seguir.
3.4 A necessidade de criação de um regramento jurídico sui generis e a
importância da tolerância entre as culturas
As sociedades tidas como indígenas compõem a realidade brasileira, mas se
configuram como sociedades cultural e etnicamente diferenciadas da sociedade
nacional hegemônica. Um dos desafios da contemporaneidade é tratar do
reconhecimento destas comunidades como forma de realização do equilíbrio social,
haja vista que essas sociedades diferenciam-se substancialmente do padrão
moderno de Estado, de desenvolvimento e de direito.
91
Conforme observado, os saberes tradicionais adquirem fundamental
importância para a indústria da biotecnologia
13
, especialmente na manipulação de
produtos farmacêuticos, químicos e agrícolas. Afinal, a maioria das plantas
largamente utilizadas na medicina moderna foi identificada com o auxílio dos
conhecimentos tradicionais associados, sem o consentimento prévio dos países de
origem. Em consonância com o exposto, Santilli (2005) defende a criação de um
regime jurídico de proteção aos conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade, dado que, nos últimos anos, estes conhecimentos tornaram-se alvo
de biopirataria, especialmente por parte de empresas multinacionais.
Os conhecimentos que as sociedades indígenas possuem do ambiente em
que vivem e cultuam, são relevantes para a conservação da sua identidade cultural
e também da biodiversidade. Esta necessidade de preservação do conhecimento
tradicional exige a criação de mecanismos de proteção que impeçam a apropriação
indevida dessas riquezas ambientais. Sabe-se que a apropriação da biodiversidade
indígena vem ocorrendo de maneira desenfreada, especialmente por multinacionais
que patenteiam plantas medicinais cultivadas em nosso país (SPAREMBERGER;
KRETZMANN, 2008).
A proteção legal da biodiversidade, tanto no Brasil quanto em outros países, é
insuficiente. Por esta razão é fundamental defender os direitos das sociedades
indígenas mediante a criação de mecanismos que busquem uma garantia efetiva
aos conhecimentos tradicionais aliados à biodiversidade.
As comunidades indígenas possuem vasto conhecimento do mundo natural,
aprenderam a conviver em harmonia com a natureza e dominam práticas e saberes
próprios em relação à biodiversidade, desenvolvendo formas especiais de manejo.
A maior parte deles sustenta-se por meio de agricultura de susbsistência, na qual o
uso sustentável dos recursos é uma questão de autopreservação. Grande parte
desses grupos está concentrado nos trópicos, em que a riqueza da diversidade
biológica possibilita condições mais favoráveis de sobrevivência (HELENE, 1994).
13
Biotecnologia é a técnica empregada por cientistas, biólogos e engenheiros na realização de
pesquisas em organismos vivos existentes no meio ambiente para a melhoria das plantas e dos
animais, tornando-os mais resistentes aos herbicidas (SIRVINKAS, 2008).
92
A capacidade que as sociedades indígenas possuem de interagir com um
meio ecológico complexo, identificando, por exemplo, as diferenciações na fauna e
na flora, as diversas espécies existentes, suas formas de vida e funções, podem ser
consideradas uma prova do patrimônio cultural, graças a um saber prático que
valoriza e preserva os ecossistemas e que, muitas vezes, é entendido como práticas
improdutivas pelas sociedades modernas (CASTRO, 2000).
No entendimento de Santilli (2005), os saberes tradicionais manifestam-se por
ações práticas, provêm de um entendimento construído na experiência das relações
com a natureza, informando o processo de acumulação de conhecimentos através
de gerações.
Este também é o entendimento de Castilho (2000, p. 459) sobre
conhecimento tradicional, “trata-se de um corpo de conhecimento construído através
de gerações de pessoas que vivem em estreito contato com a natureza, e sua
reprodução depende dessas pessoas que o atualizam situando-o no presente”.
Sabe-se que as comunidades tradicionais conseguem retirar da natureza a sua
sobrevivência, e ainda preservar o equilíbrio ecológico.
É com base no sistema de representações, símbolos e mitos que as
populações indígenas constroem suas ações sobre o meio em que vivem. Alguns
povos acreditam, por exemplo, na existência de entes mágicos que castigam os que
destroem as florestas, maltratam os animais ou pescam mais do que o necessário
(DIEGUES; ARRUDA, 2001). Dessa forma, associando mitos, símbolos e até
mesmo convicções religiosas, as populações indígenas criam uma relação de
respeito aos ciclos naturais, garantindo também sua sustentabilidade e mantendo
viva a sua cultura e suas crenças.
Diegues e Arruda (2001) diferenciam as populações indígenas das
sociedades tradicionais não-indígenas. Para estes autores, a identidade dos povos
indígenas é definida de forma mais clara que a identidade da população não-
indígena, pois aqueles têm reconhecidos o direito histórico a seus territórios quando
do estabelecimento de áreas indígenas no Brasil. Apesar dessa diferenciação, no
93
entanto, o conceito que reconhece as populações tradicionais como grupos
humanos detentores de cultura diferenciada, com relações baseadas na cooperação
social e em formas próprias de tratar a natureza, é apropriado para caracterizar
ambos os grupos de populações tradicionais: os indígenas e os não-indígenas
14
.
As populações indígenas o o exemplo mais expressivo de comunidades
tradicionais existentes no Brasil. São mais de 200 sociedades indígenas
culturalmente diferenciadas, que desenvolveram formas de adaptação aos
ecossistemas presentes no território nacional. Conforme Diegues e Arruda (2001, p.
29):
Ainda hoje, a qualidade de ocupação indígena deve ser enfatizada. Suas
áreas, em geral, são as de cobertura florestal mais preservada, mesmo nos
casos em que a devastação ambiental tenha se expandido ao seu redor.
Isso explica também as situações de envolvimento de povos indígenas em
processos de extração ambientalmente predatórios (madeira, minérios).
Baseados
em
formas socioculturais que restringem a ampliação
desmesurada do uso dos recursos naturais assim como a acumulação
privada, esses povos desenvolveram profundo e extenso conhecimento das
características ambientais e possibilidades de manejo dos recursos naturais
nos territórios que ocupam.
Apesar de os povos indígenas terem reconhecidos constitucionalmente o
direito à identidade cultural e direitos originários às terras que ocupam, Diegues e
Arruda (2001, p. 53) alertam que:
o Estado não tem cumprido esse papel legal de proteção às áreas
indígenas; mesmo as totalmente regularizadas, na sua maior parte, sofrem
invasões de garimpeiros, mineradoras, madeireiras e posseiros; são
cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão, inundadas por
usinas hidrelétricas e outros impactos decorrentes de projetos econômicos
da iniciativa privada e projetos desenvolvimentistas governamentais.
Como todas as populações tradicionais dependem dos recursos naturais para
a sobrevivência familiar, medidas ecológico-sustentáveis são fundamentais no
desenvolvimento das atividades dessas populações. Diante da necessidade de
preservação ambiental e da intensa degradação a que o mundo assiste, políticas
públicas em prol das populações tradicionais devem ser priorizadas.
14
As populações tradicionais não-indígenas descritas por Diegues e Arruda (2001) são as seguintes:
açorianos, babaçueiros, caboclos/ribeirinhos amazônicos, caiçaras, caipiras/sitiantes, campeiros
(pastoreio), jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros, quilombolas,
sertanejos/vaqueiros, varjeiros.
94
Sabe-se, nesse propósito, que as comunidades/sociedades indígenas são
detentoras de um conhecimento rico, fruto da relação diferenciada com a natureza e
que se constituem uma manifestação da diversidade cultural brasileira. Essa
diversidade faz parte do patrimônio histórico e cultural de um país que tem na
multietnicidade e na multiculturalidade uma de suas características mais marcantes.
Dessa forma,
enquanto objeto produzido e reproduzido nessas sociedades, o
conhecimento associado ao meio é um patrimônio que não tem valor de
troca e não é apropriado individualmente. Sua produção, reprodução,
utilização, manutenção é social: um patrimônio da coletividade que dele
necessita e com ele constrói sua existência. (DERANI, 2002, p. 153).
Os conhecimentos tradicionais são conseqüência de um processo social de
aprendizado, de criações, de trocas e desenvolvimentos, transmitidos de geração
para geração. É possível admitir a transmissão desse conhecimento, mas não a sua
apropriação sob forma de patentes, sem considerar as características peculiares que
possuem. Assim como foram gerados e transmitidos no decorrer de sua história,
também devem ser protegidos como fruto dela, como construção histórica e
patrimônio histórico. Assim como a língua, os costumes e as crenças em deuses e
seres especiais, os conhecimentos tradicionais passaram por um processo de
aprendizado, de troca de experiência e de descobrimento, permitindo a
sobrevivência, a cura de diversos males, o culto aos rituais, a crença nos mitos e,
sobretudo, a continuidade da vida em comunidade (SPAREMBERGER, 2008a).
A apropriação do saber nega a criatividade dos diferentes sistemas de
conhecimento e impede a valorização e a preservação desses conhecimentos e sua
importância para a utilização e conservação da diversidade biológica. Para Shiva
(2001, p. 30),
os sistemas de conhecimento autóctones são de um modo geral ecológicos,
enquanto o modelo dominante de conhecimento científico, caracterizado
pelo reducionismo e a fragmentação, não está equipado para levar em
consideração integralmente a complexidade das inter-relações na natureza.
Com o desenvolvimento ou expansão das pesquisas científicas para
indústrias farmacológicas, de biotecnologia, químicas e de alimentos, a pressão
sobre a biodiversidade e o reconhecimento e desejo de apropriação dos
95
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade passa a ser uma realidade.
O conhecimento científico deseja apropriar-se de um saber “não-científico”, tachado
de inútil por longo período, que estava à margem do Direito e que clama por
proteção.
Esta proteção é necessária, porque no que diz respeito aos conhecimentos
tradicionais das comunidades indígenas, não como atribuir a um único indivíduo
a titularidade desses novos e importantes direitos. Eles são considerados direitos
intelectuais coletivos. Souza Filho (2003, p. 33) argumenta que: “Se todos são
sujeitos dos mesmos direitos, todos têm dele disponibilidade, mas ao mesmo tempo
ninguém pode dele dispor, contrariando-o, porque a disposição de um seria violar o
direito de todos os outros”. Por isso a necessidade de criação de um regime jurídico
sui generis de proteção aos conhecimentos tradicionais, ou seja, as
sociedades/comunidades indígenas, como referido, desenvolvem suas atividades
e seus saberes com todos secularmente adotados por seus antepassados, indo
desde o emprego de determinadas espécies vegetais para tratamentos medicinais,
benzimentos, rituais, alimentação, até o desenvolvimento de métodos de caça e
pesca e manejo dos recursos naturais que seu habitat oferece.
Quanto a criação de um regime jurídico sui generis Santilli (2005) aponta
alguns elementos fundamentais para a sua construção, tais como a impossibilidade
de dissociar os componentes tangíveis (territórios e recursos naturais) e intangíveis
(conhecimentos, inovações e práticas) da biodiversidade da proteção aos
conhecimentos tradicionais, mesmo porque esta espécie de conhecimento baseia-se
essencialmente nestes elementos; além disso deve-se primar por uma proteção da
integridade intelectual e cultural, e também dos valores espirituais associados aos
conhecimentos tradicionais, e o reconhecimento de seu valor intrínseco deve ser o
princípio norteador de qualquer sistema de proteção e, por fim, o entendimento de
que a lógica mercantil pura consiste na subversão da lógica que preside a própria
produção destes conhecimentos.
A geração e o aprimoramento dos conhecimentos tradicionais produzem-se
de maneira coletiva com base na troca de experiências. Santilli (2005) assevera
96
ainda que os processos inventivos dos povos indígenas, por serem amplamente
compartilhados entre si, contrariam completamente os objetivos da lei de patentes.
Por isso, este autor defende a criação de um conceito de direitos intelectuais
coletivos ou comunitários que exclua o antigo conceito de propriedade em virtude de
seu caráter individualista que desconsidera as características e contextos culturais
em que são produzidos os conhecimentos tradicionais.
Em síntese, segundo Sparemberger (2008a), a criação de um regime jurídico
sui generis significa:
1.Socorrer-se dos conhecimentos produzidos por outras áreas científicas, a
fim de construir um regime jurídico de proteção que atenda às
especificidades dos conhecimentos tradicionais. Ou seja, um sistema legal
que reconheça a juridicidade do direito costumeiro, não oficial, mas típico
dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais.
2.reconhecimento da titularidade coletiva destes povos sobre os direitos
intelectuais associados aos seus conhecimentos tradicionais, por se
reportarem a uma identidade cultural coletiva e a usos, costumes e
tradições coletivamente desenvolvidos, reproduzidos e compartilhados
através de gerações. 3. Considerar estes povos como sujeitos coletivos dos
direitos intelectuais associados aos seus conhecimentos tradicionais e seu
modo de vida ou sua organização.
Referindo-se ao modo de vivência destas sociedades importa destacar que
existe uma organização interna, paralela ao Estado, conforme demonstrado na
pesquisa realizada na reserva indígena do Guarita.
Na comunidade Kaingáng da reserva indígena do Guarita, foi registrada a
existência de uma organização interna considerando que os indígenas elegem seu
cacique, que exerce todo o poder de comando no âmbito da reserva, segundo esta
passagem: ” O cacique em termos de atribuições, exerce função vital na organização
da aldeia. Ele assume todas as prerrogativas de um líder, não havendo distribuição
de poderes.” (OLIVEIRA; CORRÊA, 2008, p. 42).
Existem eleições diretas e secretas no âmbito da aldeia para a escolha do
cacique que irá governar durante um período de 4 anos. A eleição ocorre com base
em chapa composta de candidatos a cacique e vice-cacique; as demais autoridades,
como major, coronel, delegado, capitão por setor, e polícia interna do setor, são
posteriormente escolhidas pelo cacique, para colaborar com seu trabalho.
97
Existe uma liderança no âmbito interno da reserva em questão que é
responsável pela organização interna em todos os sentidos, por exemplo os atos
reprováveis são punidos por eles próprios, diversas vezes sem o auxílio dos órgãos
externos. Oliveira e Corrêa (2008, p. 43) acrescentam:
As sanções aplicáveis consistem basicamente na pena de prisão e na
prestação de serviço à comunidade. Segundo informações de entrevistados,
cada setor possui uma cadeia, e a liderança vai aplicar a pena conforme o
caso, sendo que a sanção aplicada depende da gravidade do fato, podendo
ser na forma de prestação de serviço, como esclarece o cacique: pode ser
cortar lenha, ajudar em algum serviço, etc.
Relativamente a este fato entende-se que existe uma legitimidade concedida
às autoridades internas. E importante frisar que sob o manto da legalidade, impera o
princípio de que o Estado é o detentor do direito de punir, e que outras formas
privativas de liberdade são consideradas criminosas. Neste caso poderia inclusive
configurar o crime de cárcere privado, delito previsto no artigo 148 do Código Penal.
As regras de comportamento são ditadas pelo costume, não existindo uma
fonte escrita, e, apesar disso, a pesquisa demonstrou que existe obediência a estes
costumes. O que comprova a existência de um ordenamento costumeiro
profundamente enraizado na mente dos Kaingángs alvos do estudo. Verifica-se o
respeito à autoridade por eles constituída, no caso o cacique. E mais, este poder
interno é também respeitado no âmbito externo, pois as ações propostas até mesmo
pelo Poder Público necessitam do consentimento prévio das autoridades indígenas.
Observe o que a pesquisa apurou:
A pesquisa indicou que a atuação do Poder Público na Reserva depende de
prévia comunicação e, por vezes, da autorização do cacique. Esta praxe é
amplamente utilizada em razão do poder constituído que possui atuação
direta com a comunidade. (OLIVEIRA; CORRÊA, 2008, p. 43).
Este simples exemplo citado sobre a pesquisa realizada na reserva indígena
do Guarita com a comunidade indígena Kaingáng, demonstra a existência, mesmo
que não seja legalmente reconhecido, de um regramento estabelecido internamente
e que determina a vivência destas pessoas.
98
No entendimento de Santilli (2005) a criação de um regime jurídico sui generis
deve basear-se na compreensão e aceitação da diferença, o que significa
exatamente o reconhecimento de que as comunidades tradicionais possuem uma
cultura diversa, que seus hábitos são ditados pelo direito consuetudinário, e que isso
é o espelho de sua diversidade.
Nas palavras de Santilli (2005, p. 217):
O monismo jurídico desconsidera a existência, no mesmo espaço territorial,
de uma sobreposição de ordens jurídicas, concorrente com o direito estatal
e a diversidade de sistemas jurídicos desenvolvidos pelos povos
tradicionais. A essa pluralidade de ordenamentos jurídicos se o nome de
pluralismo jurídico, que reconhece que a nossa sociedade é plural e possui
ordenamentos jurídicos paralelos ao oficial.
A incorporação de um regramento especializado e reconhecido legalmente
dedicado às comunidades tradicionais significa, sob um outro enfoque, pensar
conviver harmonicamente com a diferença. É pensar em tolerância e refletir sobre a
diversidade cultural do mundo e os caminhos de uma relação mais justa, tanto do
ponto de vista ético como humano, uma vez que, como observa Krenak (2001, p.
73), “as relações foram sempre muito desiguais e apoiadas em visões de mundo
muito exclusivas sobre o que é o ser humano.”
Outro dado importante a ser discutido sobre tolerância nas relações é o atual
fenômeno da globalização, a partir da idéia da uniformização, ou massificação
cultural produzida pelos modernos meios de comunicação.
Apesar de o processo de globalização produzir a padronização, ou mesmo a
tentativa de homogeneização das culturas, os territórios singulares continuam
existindo. Assim, mesmo com a ação da globalização, mediante os poderosos meios
internacionais de comunicação, o mundo está repleto de reivindicações culturais. O
mundo está se movimentando simultaneamente em direções contrárias, como
destaca Bauman (2003), tanto para a integração quanto para a fragmentação.
É correto afirmar que a humanidade é formada por milhares de povos e
culturas diferenciadas, e que o reconhecimento e a consideração dessa pluralidade
99
depende da visão particular sobre o “outro”. Como alerta Krenak (2001, p. 72),
“aceitando a existência do “outro”, nós vamos aprendendo a reconhecer no mundo
um lugar de muitos povos.”
O questionamento, no entanto, trata de descobrir a forma de superar as
diferenças sem eliminá-las, tomando-as o como fonte de desconfiança,
estranhamento ou adversidade, mas como fonte de interação e solidariedade. E
nessa direção aponta Grunberg (2001, p. 82), citando um trecho da Declaração de
Barbados III, realizada na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, em 1993: “[...] um mundo
sem comunidades alternativas, sem grupos sociais diferenciados, seria um mundo
condenado à falta de criatividade e de lealdades fraternais.”
Pergunta-se, no entanto, como estabelecer nos dias atuais um espaço de
respeito e convivência para a diversidade étnica. Para Arruda (2001, p. 61):
[...] a questão crucial, que a atualidade coloca de forma cada vez mais
incisiva, é se haverá a oportunidade e a possibilidade de a humanidade
aventurar-se em culturas singulares no interior do sistema mundial, e ainda
acrescenta, inventando-se ao mesmo tempo outros contratos de cidadania.
Assim, esse novo paradigma necessita ser baseado na tolerância que
significa respeito e valorização dos traços de singularidade do “outro”. Essa
ressignificação de atitudes implica o reconhecimento da diversidade e a
possibilidade de convivência justa e criativa dessas diferenças.
Tolerância significa o contrário de todos os regimes de exclusão, de apartheid
e de segregação. É possível afirmar que as práticas mais extremas de intolerância
são o genocídio, a “limpeza” étnica e a segregação racial, apesar de a intolerância
estar presente cotidianamente na vida civil e social, mediante a discriminação
sexual, racial e religiosa (BRITO apud COLAÇO, 2008).
Tolerância, como salienta Grunberg (2001), pressupõe o reconhecimento
mútuo de que o outro é um verdadeiro ser humano e um interesse em conhecer-se,
apreciando uma diversidade cultural no mesmo contexto geográfico e social.
100
Por outro lado, Castro (2000), com seu pensamento crítico, informa que: o
símbolo da tolerância quer questionar as visões absolutas (totalitárias) que
pretendem ser as únicas viáveis ou as verdadeiras. O que provoca, segundo ele,
uma tentativa de ruptura com as atuais tendências dominantes de uniformização
cultural.
No plano das relações internacionais, a tolerância tem sido discutida de forma
indireta por inúmeros atores, mas, coube à Unesco desenvolver a principal agenda
de debates diretos sobre o tema.
Primeiramente surge em 1966, no âmbito da Unesco, a Declaração sobre
Princípios de Cooperação Cultural Internacional, que em seu conteúdo reconhece a
diversidade cultural como patrimônio da humanidade, enfatizando que todas as
culturas devem ser preservadas e respeitadas. Posteriormente, em 1978, a Unesco
aprova outra declaração de cunho pluralista, a Declaração sobre a Raça e os
Preconceitos Raciais, reafirmando a relevância da preservação cultural (BRITO apud
COLAÇO, 1999).
Foi por meio da Declaração de Princípios sobre a Tolerância, de 1995, que a
Unesco promoveu na esfera das relações internacionais um debate mais amplo
sobre a Tolerância, definindo-a, em seu artigo 1º, como o respeito, a aceitação e o
apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo (GRUPIONI,
2001).
Em uma publicação da Unesco intitulada Reflexões sobre a Tolerância,
Chelikani (1999) discorre amplamente sobre o significado profundo da tolerância,
bem como da aplicação desta nas relações humanas e sociais. Para Chelikani
(1999, p. 25), “a tolerância é, essencialmente, uma virtude pessoal que reflete a
atitude e a conduta social de um indivíduo ou o comportamento de um grupo.”
A prática da tolerância, além de ser um elemento essencial para a paz,
permite a elaboração de um processo dinâmico de enriquecimento mútuo, o qual
acontece por intermédio do estabelecimento de trocas permanentes. Manifestar a
101
diferença, sem medo ou arrogância, é o caminho para a construção de relações
humanas mais tolerantes (BRITO apud COLAÇO, 2008).
Tolerar não deve significar jamais reprimir a si mesmo, em uma falsa
aceitação do Outro. Como pondera Chelikani (1999), tolerância é a prática de
expressarmos nossas diferenças e respeitá-las, enquanto a atitude de esconder
nosso desacordo e fingirmos a aceitação do “outro” chama-se hipocrisia. Esta
espécie de tolerância é denominada por Castro (2000, p. 151) de tolerância do (in)
diferente, nas suas palavras: ”eu sou tolerante com todos porque, no fundo, sou
indiferente a eles: eu tolero o diferente porque, no fundo, para mim são indiferentes”.
Neste caso a tolerância serve aos princípios do interesse próprio e não se baseia em
uma inter-relação que visa o crescimento conjunto.
Pode-se pensar na tolerância como um novo paradigma humano, baseado
em condições psicológicas voltadas ao desenvolvimento de uma nova realidade.
Essas questões são fundamentais para a construção de uma cultura de paz e
tolerância entre os povos, e necessitam ser estudadas e discutidas com muita
profundidade e seriedade.
Por todas estas razões enfatiza-se que a convivência humana, segundo
Demo (2005), para ser possível, necessita se desenvolver a partir da autocrítica, ou
seja, da predisposição dos sujeitos em aceitar seus próprios equívocos, traduzindo o
abandono dos fundamentalismos. Nas suas palavras. Conforme o autor, ”O
entendimento possível pressupõe, primeiro, a possibilidade sempre aberta de
desentendimento, porque as posições são diversas, e, segundo, a possibilidade de
entendimento, se houver relativização de cada posição.” (DEMO, 2005, p. 12).
Por outro lado, que se refletir sobre uma aproximação para o diálogo, que
difere da criação de uma cultura universal. Significa que o diálogo é necessário, pois
o ser humano precisa do outro, precisa conviver para seu desenvolvimento, pois
como vimos, cultura é criação, é desenvolvimento. As diversas culturas devem ser
respeitadas, pois o fruto de uma racionalidade, elas explicitam A sabedoria e A
102
identidade de cada povo, e suprimir as diferenças seria um retorno aos
fundamentalismo aqui combatidos.
Boehm (apud DEMO, 2005, p. 21) refere-se a esta questão demonstrando
que “[...] a sociedade humana não é propriamente igual, mas pode ser igualitária, no
sentido de que as diferenças poderiam ser geridas e negociadas segundo
oportunidades em princípio iguais.”
Na mesma linha de pensamento está a abordagem de Langon (2003, p. 79),
de que:
A diversidade cultural não difere radicalmente do processo biológico de
diversificação. Ela é a riqueza de caminhos diversos para enfrentar, de
modos diferentes, desafios também parcialmente diferentes. O
desaparecimento dessa diversidade significaria o desaparecimento da
capacidade humana de dar respostas variadas ao novo; seria a ruptura de
uma das condições de possibilidade de reprodução da vida humana. O
desaparecimento de uma dessas identidades culturais representa o
empobrecimento de humanidade enquanto fecha um dos caminhos abertos,
enquanto faz perder uma das possibilidades.
Esta abordagem do reconhecimento do outro, ou das diferenças, faz parte de
um aprendizado, do crescimento por meio da construção de espaços de inter
relacionamento. Santos (2002, p. 45) sintetiza de maneira especialmente oportuna
esta tensão: "temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos
inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos
descaracteriza". Neste sentido a igualdade não está oposta à diferença e sim à
desigualdade, que é aquela produzida e imposta pelo sistema. Sobre outro aspecto
enfatiza Demo (2005, p. 23): ”de um lado, não é viável tratar de modo igual a gente
muito desigual - aprofundaria ainda mais as desigualdades. De outro, é direito
comum ser tratado de modo igual, porque a par das diferenças, existe o patamar da
igualdade comum”. Por esta razão, entende-se que o que precisa ser dissolvida é a
desigualdade social, ao contrário da diferença cultural.
As diferentes identidades culturais necessitam de um pluralismo ideológico
para se concretizar frente às desigualdades o que implica na integração de
indivíduos e grupos étnicos minoritários numa sociedade com cultura diferente,
103
permitindo que estas comunidades mantenham elementos distintivos de sua cultura
ancestral.
Conforme explicitam Fleuri e Falteri (1998, p. 1): “Surge, então, a
possibilidade de um movimento cidadão: os diferentes grupos e indivíduos articulam-
se sob a forma de redes e parcerias, onde a complementaridade se constrói a partir
do respeito às diferenças.”
Para possibilitar a convivência é necessária a criação de um regramento que
seja baseado em princípios norteadores. O que se denomina participação que se
pauta na ampla discussão da sociedade civil, implica em princípios de
responsabilidade e solidariedade social. Neste sentido o inter-relacionamento entre
os diversos grupos étnicos para o diálogo deve ser absorvido por estes princípios.
Neste ponto cabe distinguir o multiculturalismo do interculturalismo. O
primeiro supõe várias culturas que não convergem. Seria a diferença pura e simples.
Para Porto (2008), O multiculturalismo é um dado da realidade. A sociedade é
multicultural. Pode haver várias maneiras de se lidar com esse dado, uma das quais
é a interculturalidade”. Esta acentua a relação entre os diferentes grupos sociais e
culturais. A interculturalidade, portanto, pressupõe a interação, ou melhor, a
integração dos vários conhecimentos.
O esforço na compreensão de ambas as abordagens é válido pois pode
concretizar uma transformação. Se por um lado a perspectiva multicultural é um fato,
por outro não se trata de um fato imodificável, e nem pode, sob pena do prenúncio
de ações baseadas em fundamentalismos. Para Langon (2003, p. 78):
De algum modo os posicionamentos multiculturalistas parecem ignorar o
fato da relação entre as culturas, imaginando que podem conviver
tolerando-se, sem relacionar-se, num marco neutro, sem intercâmbio,
conflito, debate ou diálogo. Essa ilusão cai quando se ultrapassam os limites
de uma frágil tolerância e se passa para o primeiro plano, a guerra entre
civilizações, como único modo de relação.
Habitualmente define-se a era do global como portas abertas da
comunicação. Este engano, no entanto, precisa ser desconstruído, pois se por um
104
lado a capacidade material da informação instantânea, a cada dia é aprimorada, por
outro seus fundamentos são insuficientes. Deve-se entender que a lógica global é
mercadológica e seus princípios inválidos para uma discussão em prol da liberdade
de todos.
O argumento fundamental do diálogo intercultural precisa ser o resgate da
razão como categoria do conhecimento. Uma razão ética, que o outro. Seria a
proposta de um argumento em função do bem comum.
Para Demo (2005, p. 17):
Pode-se alegar que a sociedade humana, senão mais aceitável, pelo menos
mais tolerável, seria aquela em que a pluralidade dos conviventes
pudessem conviver em relativa harmonia e conflito, de tal sorte que o bem
comum pudesse, ao final, sempre prevalecer.
Pregar este fundamento de dar sentido à existência humana e a inter-relação
entre os povos, por meio de valores de solidariedade é tarefa difícil, pois a
modernidade forjou um cientificismo e um economicismo que inverte esta posição. É
pois o mundo das liberdades individuais. Conforme Leff (2001, p. 450):
ética ambiental impugna a racionalidade depredadora e a ética utilitarista
que constituíram os andaimes conceituais e estratégicos de um projeto
epistemológico sem raízes na terra e sem destino para os homens e
mulheres que habitam territórios culturais e mundos de vida dentro desse
planeta.
Fornet-Betancourt (2003, p. 301) descreve este novo movimento de aceitação
do outro por intemédio do diálogo,com base no princípio valorativo do bem comum,
como Filosofia Intercultural, assim caracterizada:
A Filosofia Intercultural, se alicerça num movimento alternativo de grande
alcance que persegue, sumariamente, um objetivo duplo: por um lado,
trabalha na cristalização de um mudança de paradigma a nível teórico ou
científico, que permita não somente uma nova constelação dos saberes da
humanidade, mas também um diálogo aberto em escala mundial sobre os
ideais (valores) que devem guiar nossa pesquisa científica, ou seja sobre o
que queremos e ou devemos saber realmente; por outro lado, trata-se de
complementar esse giro paradigmático a nível teórico, com a proposta de
reorganizar o mundo globalizado, fazendo valer, contra as forças
dominantes e niveladoras da globalização atual dominante, que no mundo
existem povos que fazem o mundo plural e que o futuro da humanidade, por
isso, também pode ir pelo rumo da solidariedade entre mundos reais que se
105
respeitem, isto é de uma humanidade solidária que convive em muitos
mundos.
No cerne deste debate, portanto, encontra-se um nova proposta de valores,
baseada na compreensão entre os seres humanos que necessitam dar voz a seus
anseios para o fortalecimento da própria sociedade civil. O relacionamento
interculturas poderá ser o gente transformador de uma nova sociedade.
Devido ao seu valor intrínseco, indissociável e inalienável, no entanto, os
conhecimentos e vivências das comunidades tradicionais requerem reconhecimento
e proteção, não apenas pela garantia de continuidade de determinadas
comunidades, ameaçadas e com população reduzida, mas igualmente porque
elas fazem parte do patrimônio cultural brasileiro, conforme prescreve o texto
constitucional.
A cultura e a identidade de todas as comunidades tradicionais que participam
na formação da nação brasileira representam a riqueza da diversidade e contribuem
significativamente para a manutenção da biodiversidade, tão rica e tão ameaçada.
Assim, a dimensão socioambiental ganha ênfase no plano internacional e, por sua
vez, clama por mais atenção no plano nacional, principalmente no que respeita ao
disposto no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). (Uma das
disposições da CDB é o consentimento prévio e a repartição eqüitativa dos
benefícios). Assim sendo, conforme Santilli (2005), para a criação de um regime
jurídico verdadeiramente sui generis para a proteção do conhecimento tradicional
associado dessas comunidades é necessário agir no sentido do reconhecimento da
diversidade jurídica e cultural desses povos a partir da perspectiva de uma
sociedade plural mediante o abandono e libertação das concepções positivistas e
formalistas que orientam a formação e a atuação da maior parte dos profissionais do
Direito.
106
CONCLUSÃO
A problemática ambiental, a poluição, o aquecimento global e, como
conseqüência, a crise dos recursos naturais, energéticos e de alimentos surgiu nas
últimas décadas como uma das mais preocupantes crises da humanidade. Esta crise
é o resultado da agremiação de diversos fatores que desaguaram na degradação do
meio ambiente.
Tal problemática gerou mudanças globais nas condições de sustentabilidade
do planeta. Com efeito, as formas de consumo,e os ritmos acelerados de exploração
da natureza, aliados ao crescimento populacional, são apenas alguns exemplos de
ações que impedem a regeneração dos ecossistemas naturais.
Uma das principais causas da crise ambiental foi atribuída à Revolução
Industrial. Neste momento histórico tratou-se de intensificar a utilização dos recursos
naturais elevando-os a patamares de produção jamais verificados anteriormente em
qualquer época. Esta evolução da tecnologia veio acompanhada de uma discussão
séria e coerente a respeito de valores para os quais servia, ou seja divorciada de
uma racionalidade ambiental. Uma racionalidade compartimentalizada gera um
saber científico fracionado, que não engloba o todo, o que produz um problema de
ordem ética.
De acordo com o que foi exposto até aqui, a crise ambiental é tema de
debates e discussões mais aprofundados a partir da década de 70, oportunidade em
que se elevou a preocupação com o meio ambiente a um âmbito mundial. Neste
ponto desenvolve-se também o direito do ambiente, que veio como expressão da
107
necessidade de uma reordenação dos padrões de desenvolvimento da sociedade
capitalista. O que iniciou com um constatação, acabou desencadeando um processo
de formação de um direito especializado na temática do meio ambiente, com
princípios próprios e regras de atuação diferenciadas de outros ramos do Direito.
Dentre os princípios de maior significação está o princípio da precaução,
amplamente utilizado na seara ambiental. Na falta de certeza com relação aos
impactos ambientais, segundo este princípio deve-se agir de maneira que sejam
prevenidas as agressões ao meio ambiente. As diretrizes para as quais foi criado
demonstram, de um lado, que existe um crescimento da consciência ambiental e, de
outro, que o problema atingiu proporções sérias, tanto que para qualquer
empreendimento que envolva alguma atividade que cause impacto ao meio
ambiente foram criados instrumentos de prevenção, tais como o Estudo Prévio de
Impacto Ambiental. Embora tenha sido constatada em diversas situações uma falta
de efetividade na adoção deste princípio, ele continua tendo um papel essencial na
minimização dos impactos ambientais.
Certeza é também a busca do culo. Vive-se a “era das incertezas” e dos
riscos globais. Diz-se que a sociedade atual é a sociedade do risco em razão de que
as ciências e as inovações tecnológicas avançaram a um ponto que não existe
tempo de se pensar sobre sua real utilidade, ou mesmo sobre os perigos advindos
das novas experiências. Os riscos atuais de exposição possuem uma proporção tão
expressiva, que podem causar catástrofes com potencial arrasador ao planeta. Estes
riscos advêm da excessiva atividade humana sobre a natureza, e seu potencial é
subtraído facilmente da percepção daquele que o produz. Ou seja, criam-se novas
técnicas e atividades impactantes ao meio ambiente e os riscos destas ações são
incalculáveis. Assim, cabe pensar na proporção da exposição da humanidade e do
planeta como um todo diante da atitude irresponsável do próprio homem.
Diante desta realidade de riscos, que são riscos nas mais variadas esferas da
vida, como riscos de catástrofes ambientais, riscos advindos de contaminações,
dentre tantos outros, necessita-se refletir sobre as origens destes problemas, em
última análise sobre o posicionamento do homem ante a natureza. No cerne desta
108
discussão sobre a atitude humana encontra-se enraizada uma forma de pensar
denominada matriz antropocêntrica. Esta base teórica, legitimou os atos do homem
com relação à utilização sacrificante dos recursos naturais, pois por meio dela,
verifica-se que o homem encontra-se em uma posição privilegiada, ou seja, no
centro do mundo como seu dono e senhor. Esta influência positivada de dominação
da natureza vem de longa data e precisa com urgência ser repensada,
especialmente quando se conclui que existe uma crise e que se vive em uma
sociedade de risco, e considerando que o ecossistema pode tornar inviável a vida na
Terra. Neste sentido uma alternativa de superação deste paradigma antropocêntrico
reside na ecologia holística tratando de uma ressignificação de atitudes, pois o foco
desta matriz é de produção de um efeito integrador entre o homem e a natureza.
Esta busca pela integração com o meio ambiente natural possui estreita
ligação com o modo de vida do indígena. No caso brasileiro, o indígena sofreu uma
dizimação conforme referido, e sua proteção legal foi evoluindo a passos lentos.
Desde a descoberta até os dias atuais a legislação vem se especializando para
proteger esta cultura diferenciada. O indígena deu o exemplo de convivência
harmoniosa com a floresta, dela retirando seu sustento, sem destruir, e ainda
aprimorando técnicas de manejo e conhecimentos tradicionais que atualmente são
alvo da ambição das potências econômicas.
As comunidades tradicionais, ressalte-se as indígenas, ficam expostas aos
riscos do meio ambiente natural e também cultural, diante da falta de uma
regulamentação especializada que trate de seus anseios, e que busque somar por
inetrmédio de seus conhecimentos, ao invés de subtrair. A alternativa pensada e
abordada, trata da criação de um regramento jurídico sui generis, ou seja,
diferenciado, capaz de suprir esta necessidade dos grupos étnicos de orientação
cultural diversa.
É fundamental ter claro, contudo, que a criação de um regime jurídico próprio,
efetivado através da participação das comunidades tradicionais, referendando sua
identidade cultural e coletiva, e garantindo a preservação de seu patrimônio cultural,
109
representa uma parcela das mudanças que são necessárias para a efetivação da
justiça ambiental.
É necessário garantir o direito a um meio ambiente sadio, que possibilite o
desenvolvimento sustentável destas comunidades, o que pode ser realizado por
meio de uma boa dose de tolerância com a diferença, associada ao exercício de um
diálogo sério, coerente e, acima de tudo, abrangente. Afinal, com esta realidade de
riscos e incertezas quem perde não são somente os indígenas, mas o planeta como
um todo, cujo futuro depende da proteção do ser humano e também do uso
responsável dos recursos naturais.
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