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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
MARCO AURÉLIO DE MEDEIROS JORDÃO
A GUERRA JUSTA NO LIBERALISMO POLÍTICO DE JOHN RAWLS
FORTALEZA/CE
2008
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MARCO AURÉLIO DE MEDEIROS JORDÃO
A GUERRA JUSTA NO LIBERALISMO POLÍTICO DE JOHN RAWLS
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do tulo de Mestre em Filosofia
junto ao Programa de Pós-Graduação em
Filosofia, Centro de Humanidades,
Universidade Federal do Ceará – UFC.
Área de Concentração: Ética e Filosofia
Política.
Orientador: Prof. Dr. José Maria Arruda
FORTALEZA/CE
2008
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MARCO AURÉLIO DE MEDEIROS JORDÃO
A GUERRA JUSTA NO LIBERALISMO POLÍTICO DE JOHN RAWLS
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do tulo de Mestre em Filosofia
junto ao Programa de Pós-Graduação em
Filosofia, Centro de Humanidades,
Universidade Federal do Ceará – UFC.
Área de Concentração: Ética e Filosofia
Política.
Data de aprovação ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. José Maria Arruda – Orientador
Universidade Federal do Ceará – UFC/CE
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Evanildo Costesk – Convidado
Universidade Federal do Ceará – UFC/CE
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Regenaldo Rodrigues da Costa – Convidado
Universidade Estadual do Ceará – UECE/CE
FORTALEZA/CE
2008
Para Tatiana, é claro. Minha
pequena tirana que me
ajudou a trilhar esse caminho
e me mostrou que o racional
é sempre relativo.
AGRADECIMENTOS
Essa dissertação não teria sido possível sem o apoio pontual e a orientação do
Professor Dr. José Maria Arruda. Foi de grande importância em momento de extrema
dificuldade. Devo ainda ao Professor Celso Pinheiro que aprovou esse projeto e me orientou
no começo dessa empreitada. Agradeço, ainda, ao Professor Manfredo de Oliveira que, em
sala de aula mostrou-me como estudar filosofia de maneira correta. Aos professores,
Regenaldo e Evanildo, que fizeram críticas pontuais que ajudaram a engrandecer esse
trabalho. Agradeço aos meus colegas que me ajudaram nas discussões e debates dentro e fora
da sala de aula, em especial, Kelly e Sólon. Quero agradecer à minha esposa, meus pais e a
meus irmãos que financiaram e incentivaram a realização desta pesquisa. Aos professores
convidados para fazerem parte da Banca por terem aceitado o convite, e pelas valiosas
contribuições. Por fim, A Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – FUNCAP, pelo financiamento dessa pesquisa.
RESUMO
Esse trabalho tem como objetivo estudar o conceito de guerra justa, a partir de uma análise da
filosofia política internacional do filósofo americano John Rawls. Tomaremos como base à
obra Direito dos Povos (2001), e retomaremos alguns conceitos básicos das demais obras, em
especial Uma Teoria da Justiça (1971) e Liberalismo Político (1993). O nosso objetivo nessa
dissertação é examinar duas questões, a saber: I) Segundo os princípios de justiça do direito
internacional de Rawls, se pode justificar uma intervenção militar? II) Existem casos em que
fazer uma guerra é moralmente legitimo? Partiremos do conceito geral de guerra e
apresentaremos o pensamento de quatro autores paradigmáticos que abordaram esse tema, são
eles: Voltaire e sua visão humanitária de bases Iluministas; Kant e seu projeto de paz
perpétua; Clausewitz e a guerra como caso excepcional da política; e Carl Schmitt e o
conceito do político e o binômio amigo inimigo. Os conceitos que abordaremos em Rawls
são: a) o de liberalismo político e a idéia de pluralismo e tolerância a eles atrelados; b) A
concepção de liberalismo abrangente e o porque esse se diferencia do seu liberalismo político;
c) A idéia de posição original, noção essencial para entender como se dará à sociedade dos
povos e por que a guerra é justa quando travada por essa sociedade específica. Finalmente,
investigaremos essas perguntas a partir da retomada que Rawls faz de dois conceitos, a saber,
Jus ad Bellum, isto é, justiça do guerrear, e do Jus in Bello, que em uma tradução imediata
significa justiça no guerrear, ou seja, qual o comportamento moral que o soldado deve adotar
em luta.
Palavras-Chave: Guerra Justa. Liberalismo Político. Jus ad Bellum. Jus in Bello.
ABSTRACT
This work intends to study the concept of just war from an analysis of the political
international philosophy of the American philosopher John Rawls. We will take like base the
work Law of People (2001), and will retake some basic concepts of too many works, in
special A Theory of the Justice (1971) and Political Liberalism (1993). Our objective in this
dissertation is to examine two questions: I) How the principle of justice of the international
right of Rawls, justify a military intervention? II) Are there cases in which to do a war it is
morally legitimize? Our star point is from the general concept of war and will present the
thought of four authors paradigmatic what boarded this subject, and they are: Voltaire and his
humane vision of bases Illuminists; Kant and his project of perpetual peace; Clausewitz and
the war as exceptional case of the politics; Carl Schmitt and the concept of political and
binomial friend enemy. The concepts what we will board in Rawls are: a)the concept of
political liberalism and the idea of pluralism and tolerance what they are harnessed to him; b)
The conception of traditional liberalism and the difference of his political liberalism; c) The
idea of original position, essential notion to understand why the war is just when is only made
of “society of the people”. Finally, we will investigate the questions from the recovering that
Rawls does from the concept of Jus ad Bellum, what in an immediate translation is it Justice
of the war, and therefore, answers which motives of going away to war. And Jus in Bello,
whose translation would be a justice in waging war, in other words, which moral behaviour
what the soldier must adopt in struggle.
Key words: Just war. Political Liberalism. Jus ad Bellum. Jus in Bello.
LISTA DE ABREVIATURAS
DP – Direito dos povos (1999) – John Rawls
TJ – Teoria da justiça (1971) – John Rawls
LP – Liberalismo político (1993) – John Rawls
JD – Justiça e democracia (1978) – John Rawls
JE – Justiça como eqüidade (2002) – John Rawls
MC – Metafísica dos costumes (1797) – Immanuel Kant
PP – Paz perpétua (1795) – Immanuel Kant
GJI – Guerra justa e injusta (1977) – Michael Walzer
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
2 GUERRA: CONCEITOS GERAIS .............................................................................. 18
2.1 A GUERRA COMO ATO DE FORÇA SEGUNDO CLAUSEWITZ ......................... 18
2.2 CARL SCHMITT E O CONCEITO DO POLÍTICO ................................................... 23
2.3 VOLTAIRE E KANT: HUMANISMO E PAZ PERPÉTUA ....................................... 26
3 DOS CONCEITOS BÁSICOS À TEORIA DA GUERRA JUSTA........................... 35
3.1 RAWLS: PRIORIDADE DO JUSTO E O RESPEITO AO PLURALISMO............... 35
3.1.1 O bem como racionalidade ...................................................................................... 38
3.2 LIBERALISMO ABRANGENTE ................................................................................ 47
3.3 AS DUAS POSIÇÕES ORIGINAIS............................................................................. 51
4 RAWLS E A GUERRA JUSTA.................................................................................... 55
4.1 SOCIEDADE DOS POVOS ......................................................................................... 55
4.2 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS POVOS BEM ORDENADOS ...................... 55
4.3 SOBERANIA, POVOS E ESTADO............................................................................. 58
4.4 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DOS POVOS ............................................................ 61
5 RAWLS E A GUERRA.................................................................................................. 64
5.1 RAWLS E O JUS IN BELLO ....................................................................................... 69
5.2 A EXTREMA URGÊNCIA .......................................................................................... 81
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 89
1 INTRODUÇÃO
Se algo que é central nas discussões de filosofia política é a questão da guerra. Em
Heráclito, por exemplo, ela é tida como essencial na formação de todas as coisas: “A Guerra e
a justiça são conflitos e, por meio do conflito, todas as coisas são geradas e chegam à morte
1
”.
Em Hegel (2000), por sua vez, a guerra é um plano providencial da razão, cujo objetivo é
eleger a melhor encarnação do Espírito do mundo.
[...] é ela que assegura a saúde moral dos povos em sua indiferença perante a
fixação das especificações finitas e, tal como os ventos protegem o mar
contra a estagnação em que os mergulharia numa indefinida tranqüilidade,
assim uma paz eterna faria estagnar os povos.
2
Hobsbawm
3
(1995) em sua reflexão acerca do século XX afirma:
[...] o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas
da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. Não como compreender
o Breve Século XX sem ela. Ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou
em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as
bombas não explodiam. (grifo nosso).
Nosso trabalho analisará o conceito de guerra justa sob a ótica do filósofo americano
John Rawls com o intuito de explicitar e levantar as implicações teóricas de um dos
pensamentos que elucidam a compreensão dos atuais conflitos deflagrados pelo mundo afora.
A doutrina da guerra justa é uma teoria filosófica que tem como alicerce as mais
variadas fontes. Dentre elas podemos citar o direito greco-romano, alguns preceitos cristãos,
como também outras vertentes religiosas e laicas. Essa teoria específica, de modo claro e
objetivo, quais os critérios determinantes para que um Estado esteja em Guerra atendendo o
princípio do justo e também quais as condições básicas em que a guerra deve ser travada.
1
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Fragmentos, doxografias e comentários. Tradução de José Cavalcante de Souza, et
al. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 84. (Os pensadores).
2
HEGEL, G.W.F. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes,
2000. p. 298.
3
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo:
Companhia das letras, 1995. p.7.
A doutrina tenta conciliar três princípios básicos
4
para que o Estado beligerante possa
estar em consonância com a idéia do justo:
I. Tirar vida humana é um erro grave;
II. Os Estados têm o dever de defender os seus cidadãos e a justiça;
III. Proteger vida humana inocente e defender importantes valores morais às vezes
exige o uso da força e da violência.
Esses princípios têm como objetivo fornecer um parâmetro a ser seguido pelos Estados
em casos de potenciais e emergentes situações de conflitos. Constituindo desse modo, um
forte instrumento utilizado por indivíduos e grupos políticos nas decisões frente a uma guerra
iminente.
É importante ressaltar que em tese a teoria da guerra justa não pretende justificar
guerras, mas antes preveni-las ou tolher determinadas práticas bastante comuns em um campo
de batalha, e assim motivar os membros da comunidade internacional a encontrar outras
formas de resolução de conflitos. Essa noção de guerra justa está presente num dos maiores
representantes da filosofia jurídica latina, cero (1962), que apresentou uma formulação
dessa teoria, de grande influência sobre a tradição posterior, a qual se acha exemplificada na
passagem do De Officiis, em que o autor fala das condições de uma guerra e de uma paz
justas.
Numa República deve-se antes de tudo o mais observar os direitos da guerra:
duas espécies de conflitos, os que se resolvem por debate e os que se
resolvem pela violência; como o primeiro é exclusivo do homem e a outra é
comum aos animais, se deve recorrer a esta se for impossível empregar
aquela
5
.
Segundo a citada interpretação, o uso da violência não passa de um último recurso a
ser utilizado somente quando outros meios considerados mais adequados à resolução de
conflitos se mostrem impossíveis ou simplesmente falhos.
4
Cf. BCC HOME: Religion and ethics issues. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/religion/ethics/war/just/what.shtml>. Acesso em 01 de agosto de. 2007.
5
CICERO, Traité des Devoirs. In: SCHUHL, P. M. (ed.). Les stoïciens. Paris: Gallimard, 1962. p. 507.
Para uma guerra ser considerada justa, alguns órgãos de justiça, como a ONU
6
,
considera que o Estado deve atender seis condições:
1. A guerra tem de ser para uma causa justa.
2. A guerra deve ser legalmente declarada por uma autoridade legítima.
3. A intenção por trás da guerra deve ser boa.
4. Todas as outras formas de resolver o problema deveriam ter sido tentadas antes.
5. Deve haver uma probabilidade razoável de êxito.
6. Os meios utilizados devem estar em proporção com o fim da guerra que pretende
alcançar.
Já Giuseppe Tosi (2006), em seu ilustre artigo sobre guerra e direito, destaca
apenas três dessas condições para uma guerra ser justa:
[...] não é suficiente que seja proclamada pela autoridade legítima e siga
regras previstas, mas é necessário que tenha motivos justos, que podem ser
religiosos (bellum sacrum), ou ético-políticas, (que ao final não são nada
mais do que formas secularizadas das motivações religiosas)
7
.
Portanto, para que uma guerra seja julgada justa dependerá: 1) da autoridade legítima;
2) da reta intenção (seguir as regras previstas), 3) dos motivos justos: religiosos ou éticos-
políticos. São essas as três condições que se configuram como mínimas e necessárias para se
principiar o debate julgando uma guerra justa ou injusta.
Dois outros conceitos m determinar e estabelecer as condições de uma guerra justa;
são eles: Jus ad Bellum” e “Jus in Bello”. Michael Walzer (2003) no seu livro Guerras
Justas e Injustas, pontua essa diferenciação.
A realidade da guerra é dividida em duas partes. A guerra é sempre julgada
duas vezes: primeiro, com referência aos motivos que os Estados têm para
lutar; o segundo, com referência aos meios que adotam. O primeiro tipo de
julgamento é de natureza adjetiva: dizemos que uma determinada guerra é
justa ou injusta. O segundo é de natureza adverbial: dizemos que a guerra é
travada de modo justo ou injusto. Escritores medievais tornaram a diferença
uma questão de preposição, fazendo a distinção entre Jus ad Bellum, a
justiça do guerrear, e o Jus in Bello, a justiça no guerrear. Essas distinções
gramaticais indicam questões profundas. Jus ad Bellum exige que façamos
6
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php>.
Acesso em: 28 de julho de 2006.
7
TOSI, Giuseppe. Guerra e direito no debate sobra a conquista da América: séc. XVI. Verba júris, João Pessoa.
ano 5, n. 5, p.277-320, jan./dez. 2006.
julgamentos sobre agressão e autodefesa. Jus in Bello, sobre o cumprimento
ou a violação das normas costumeiras e positivas de combate
8
.
Uma guerra é nomeada como uma guerra justa se for justificada (jus ad bellum) e
realizada (jus in bello) de modo reto. Algumas guerras, cujas causas eram consideradas
nobres, foram julgadas injustas devido às formas que foram travadas.
Do ponto de vista histórico, o problema da Guerra Justa se consolidou no campo de
batalha quando dois inimigos com forças de combate equiparadas, não só em termos de
poderio bélico e de riqueza, mas em termos ideológicos, se enfrentavam pois quando os
inimigos são extremamente diferentes, seja por causa da ideologia, da raça, ou de crenças
religiosas as convenções da guerra são raramente aplicadas. Além disso, os contratos de
guerra são ratificados quando o inimigo é visto como um futuro parceiro comercial – seja num
armistício futuro, ou na paz derradeira ficando ainda mais evidente as regras na forma de
fazer uma guerra. Assim como queria Kant (2004), no sexto artigo de sua obra “A Paz
Perpétua”, é preferível remover todas as táticas desonestas ou as armas que possam provocar
uma série indefinida de atos de vingança:
De onde segue, então, que uma guerra de extermínio, na qual pode ocorrer o
aniquilamento de ambas as partes ao mesmo tempo e, com isso, também de
todo direito, permitiria haver paz perpétua no grande cemitério do gênero
humano. Portanto, semelhante guerra, com o emprego de meios que
conduzem a isso, deve ser simplesmente proibida
9
.
Não obstante, foi do interesse da maioria dos teóricos da guerra justa que uma
moralidade assimétrica no termo citado por interesses comerciais futuros, deveria ser
modificada, e que as regras da guerra deveriam se aplicar a todos de maneira igual, isto é,
apenas na teoria da Guerra Justa é que as convenções de guerra deveriam ter um caráter de
universalidade.
Cronologicamente a noção da Guerra Justa é tão antiga quanto à própria guerra.
Segundo Kemp
10
(2006), em seu artigo “Just war theory & Non-pacifist rivals”, os antigos
registros de luta coletiva indicam que algumas reflexões morais foram usadas por guerreiros,
8
WALZER, Michael. Guerras justas e injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos. Tradução
de Waldéa Barcellos. São Paulo: [s.n.], 2003. p. 34.
9
KANT. À paz perpétua. Trad.ução de Jacó Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2004. p.35.
10
KEMP, Just War Theory & Non-pacifist Rivals, 2000. p.7. Disponível em:
<http://courseweb.stthomas.edu/kwkemp/Papers/JWTR.pdf>. Acesso em: 08 de agosto de 2006.
que eles levavam em consideração a situação das mulheres e das crianças ou até mesmo o
tratamento que era dado aos prisioneiros. Em tais casos eles tinham um grande apreço no que
diz respeito à honra. Doravante, alguns poucos atos de guerra sempre foram julgados
desonrosos, e outros honráveis, diferindo em tempo e espaço; o fato é que, afirma Kemp
(2006): “uma virtude moral foi suficiente para revestir a guerra com interesses morais
11
”.
Como vimos, em cero havia elementos para se discutir sobre a teoria da guerra
justa, mas é na Idade Média que essa teoria (Justum Bellum) é debatida com mais veemência.
Nessa época houve uma preocupação da igreja em se construir uma ética da guerra, para
diferenciar quando um conflito poderia ser considerado justo ou injusto. Santo Agostinho
(2000) foi o primeiro autor a refletir sobre o tema e estabeleceu cinco condições para que uma
guerra fosse considerada justa, a saber:
1. A intenção deverá ser sempre a de restabelecer a paz;
2. O objetivo deverá ser sempre a de restabelecer a justiça;
3. A guerra deve ser acompanhada de uma disposição interior de amor cristão entre as
partes;
4. A guerra só deve ser empreendida sob a autoridade de um soberano legítimo;
5. A conduta da guerra deve ser justa
12
.
Para ele, em seus Escritos Políticos, nem todas as guerras são moralmente
justificáveis, no entanto, se ela é inevitável isso deve ser um assunto do rei, ou
seja, o ato de guerrear é uma extensão do ato de governar.
Em outro registro, Tomás de Aquino (2003), na Suma Teológica, apresenta de maneira
mais aprofundada o que vem a ser uma teoria da guerra justa. Discute não somente o Jus ad
bellum, mas também o Jus in bello. Segundo ele:
Três condições têm de ser preenchidas para que uma guerra seja justa. Em
primeiro lugar, a autoridade do Príncipe que tem mandato para ordenar que
se faça a guerra. […] Em segundo lugar, uma guerra justa deve ser feita por
uma causa justa, ou seja, é preciso que aqueles que se atacam mereçam pela
sua culpa serem atacados. […] Ademais, os que fazem uma guerra justa,
perseguem a paz
13
.
11
Op. cit., 2006, p. 13.
12
AGOSTINHO, S. A cidade de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. p. 161.
13
AQUINO, S.T. Suma teológica. II, II,q.40, a.1, ad 1, 3.
No século XX houve um renascimento da noção de guerra justa principalmente em
resposta ao surgimento das armas nucleares, em especial no fim da segunda guerra mundial e
da intervenção americana no Vietnam. Mas foi precisamente nos ataques aos Estados Unidos
da América em 11 de setembro
14
, que os acadêmicos focaram sua atenção, mais uma vez, à
guerra justa. Tal interesse fica mais claro nas convenções nacionais e internacionais, cujo
desenvolvimento e consolidação dos aspectos teóricos se dão nessa linha. Sendo assim, a
teoria da Guerra Justa transformou-se num tópico bastante discutido nas relações
internacionais, na ciência política, na filosofia e na ética.
Todavia, mesmo que, por hipótese, os generais exaltem suas tropas para aderir às
regras, pode ocorrer que os soldados ensinados sobre as convenções de guerra nas
academias militares cometam crimes de guerra. Um outro caso bastante comum é o das
campanhas genocidas da África. Essas guerras são empreendidas por povos que se odeiam
mutuamente, patrocinadas por alguns líderes que propõem a guerra total em grupos étnicos
dentro ou fora de suas fronteiras, e os soldados ou os guerrilheiros, cometem atrocidades,
assassinatos e humilhações, isso leva ao que Walzer (2003) chama de “tirania da guerra”:
A experiência da guerra como inferno gera o que se pode chamar de ambição
mais elevada: não se quer entrar em acordo com o inimigo, mas derrotá-lo e
castigá-lo, se não para abolir a tirania da guerra, no mínimo para reduzir a
probabilidade de opressão futura [...]. Não chamamos a guerra de inferno por
ser travada sem limitações. Seria mais acertado dizer que, quando certas
limitações são desrespeitadas, a característica infernal da guerra nos leva a
desrespeitar todas as outras limitações remanescentes com o objetivo de
vencer
15
.
Em oposição à prática comum da igreja católica na época das cruzadas, a absolvição
das atrocidades cometidas pelos cristãos na denominada guerra santa, temos, hoje, a
elaboração e depuração de regras e leis de conduta e ação nos campos de batalha
16
. Tal fato é
decorrente da necessidade de punir e responsabilizar transgressores por ações em guerra.
14
Cf. FUKUYAMA, F. Has history restarted since september of 2002? Disponível em: <http://evans-
experientialism.freewebspace.com/fukujama02.htm>. Acesso em 30 de março de 2007.
15
Op. cit., 2003, p. 52-53.
16
Como no caso do tribunal militar internacional de Nurenberg, que criou o código de Nuremberg de 1947.
Atualmente, as cortes de lei estão perdoando cada vez menos tais atrocidades.
Podemos inferir, portanto, que um progresso, ao menos em teoria, na forma de se
comportar dentro do campo de batalha.
Freqüentemente, todavia, esse idealismo “funciona” apenas no campo das idéias. Os
costumes e a tradição, esses nascidos no campo de batalha, tratam de enfraquecer ou esfacelar
o bellum justum que poderia existir entre inimigos de guerra. E em alguns casos mais
extremos, nem existe convenção ou trato de um justo agir no guerrear. Nesses casos, as éticas
da guerra são consideradas comumente e implicitamente: acima das normas das éticas
pacifistas e, conseqüentemente, merecem um reino moral separado onde “fair is foul and foul
is fair
17
”.
Para evitar que o justum bellum ficasse no âmbito das idéias, criou-se uma estrutura
supranacional com a função de mediadora diplomática que poria fim a crimes contra a
humanidade.
A primeira tentativa de se fazer uma Sociedade entre Nações com o objetivo de
diminuir os horrores da guerra foi em 1919, após a primeira guerra mundial e mais tarde em
1928, com a assinatura do Tratado “Briand-Kellog” ou “Pacto de Paris”. Nessas duas
tentativas, o que se propunha era tornar qualquer ato de guerra ilegal visto que as
experiências sofridas com a Primeira Guerra Mundial foram traumatizantes, pois o único
recurso que se conhecia para resolver as diferenças entre Estados Soberanos era o uso da força
sem limites (como defendia Grotius
18
e ratificava Clausewitz). Todavia, eclodiu a Segunda
Guerra e os horrores foram repetidos. Em 1945, surgiu a Organização das Nações Unidas
(ONU), destacando-se pela elaboração de uma carta que propunha, como regra geral, a
proibição do uso da força nas relações entre nações. Com as seguintes exceções:
1. Em caso de legítima defesa;
2. Através de medidas militares decretadas pelo Conselho de Segurança como resposta
a uma ameaça à paz ou ato de agressão
19
.
O Conselho de Segurança da ONU criou a resolução 688 em 06 de abril de 1991,
dando direito a um Estado intervir noutro, caso este crie ameaças que atinjam a segurança
17
SHAKESPEARE, W. Four great tragedies: Hamlet, Macbeth, Othello and Romeo and Juliet. New York:
Dover giant thrift editions, 2004. In:. MACBETH, Act 1, scene 1, l. 12. “O justo é tolo e o tolo é justo”.
18
Cf. GROTIUS, H. O direito da guerra e da paz. Editora Unijuí, Ijuí, 2004. p. 71-72.
19
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, CAPÍTULO VII, artigo 49-51. Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_carta.php>. Acesso em: 28 de julho de 2006.
nacional ou internacional, em resposta a uma série de descumprimentos das leis internacionais
pelo governo iraquiano. A partir daí, aparece como tendência mundial o direito de ingerência,
baseado e justificado através do conceito de guerra justa que o direito de intervir
militarmente nos assuntos internos de um Estado que:
1. Agrida a sua própria população;
2. Não garanta a segurança de sua população;
3. E/ ou agrida outro Estado.
A guerra Justa, portanto, segundo Rawls, tem o intuito de garantir uma paz
justa e duradoura tendo os Direitos Humanos como base de atuação política.
Ao tratarmos da filosofia da guerra inevitavelmente surgem algumas questões que
apresentam a necessidade de debate, como os conceitos de Estado, democracia, justiça,
direitos humanos, liberdade e tolerância. E no intuito de melhor compreendermos a temática
da Guerra Justa e as questões suscitadas estruturamos a dissertação da seguinte forma:
1. Apresentação de quatro autores paradigmáticos acerca da questão da guerra e
críticos do conceito de guerra justa, sendo os dois primeiros realistas e os outros dois
pacifistas:
1.1 Clausewitz e a guerra como caso excepcional da política;
1.2 O conceito do político de Carl Schmitt.
1.3 Voltaire e sua visão humanitária de bases Iluministas;
1.4 Kant e seu projeto de paz perpétua;
2. Apresentação de alguns conceitos básicos da filosofia política internacional de
Rawls para que possamos melhor entender o conceito de Guerra Justa segundo esse autor;
3. Apresentação das circunstâncias através das quais Rawls defende a Guerra Justa.
Para tanto, devemos responder a essas duas questões básicas que nortearão o trilho do
trabalho:
3.1 Segundo os princípios de justiça do direito internacional rawlsianos se pode
justificar uma intervenção militar em um Estado soberano?
3.2 Existem casos em que fazer uma guerra é eticamente legítimo?
4. Nas considerações finais apresentaremos alguns questionamentos à teoria da guerra
justa de Rawls.
Finalmente, nosso trabalho analisará o conceito de Guerra Justa, a partir de uma análise da filosofia política das relações
internacionais de alguns pensadores da filosofia que consideramos essenciais para compreendermos esse fenômeno tão
comum dentro da história da humanidade. O nosso intuito, ao dialogar com esses pensadores, é investigar o conceito de
guerra e poder assim melhor entender o porquê de tantas batalhas entre nações, povos e comunidades, pois o que tem se
visto ao longo da história dos homens é que esta tem sido escrita a ferro e a fogo, seja por razões econômicas, seja por
razões ideológicas, ou até mesmo em nome da própria paz.
2 GUERRA: CONCEITOS GERAIS
O conceito de guerra justa é contestado por vários autores. Podemos dividi-los
em dois grupos distintos: de um lado, estão os pacifistas, que direcionam suas
críticas a qualquer justificação da guerra; no outro extremo os que tendem
justificar todos os atos de guerra, que chamaremos de realistas. Sendo assim no
primeiro caso nenhuma guerra pode ser justa ou justificada, nesse grupo estão
filósofos e pensadores como Kant e Voltaire. Já o grupo dos realistas são aqueles
que afirmam que toda guerra é justa. Os filósofos que representarão esse
pensamento são Carl von Clausewitz e Carl Schmitt. Começaremos expor o
pensamento desses últimos autores.
2.1 A GUERRA COMO ATO DE FORÇA SEGUNDO CLAUSEWITZ
Uma das obras fundamentais para pensar o conceito de guerra na modernidade é a do
general prussiano Carl Von Clausewitz. Esse autor, cuja obra máxima é uma ode à guerra: Da
Guerra, publicada pela primeira vez entre 1832 e 1834 em três volumes. O referido autor
pensava a guerra cientificamente e acreditava que, assim, tratando-a de modo objetivo,
poderia aplicá-la aos propósitos que conviesse ao seu Estado, tornando-o mais eficiente. A
imagem inicial que Von Clausewitz faz dela é a de um simples “duelo”.
20
Cada um tenta, por meio da sua força física, submeter o outro a sua vontade;
o seu objetivo imediato é abater o adversário a fim de torná-lo incapaz de
toda e qualquer resistência. [...] A guerra é, pois um ato de violência
destinada a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade.
21
Apesar de Clausewitz citar isso textualmente, ele o faz apenas como uma imagem,
cujo intuito é facilitar a explicação sobre o conceito de guerra. Todavia, acreditamos que tal
20
Durante todo capítulo primeiro “O que é a Guerra? várias definições do que seja guerra que o seu
método é partir do simples ao mais complexo, ou seja, o autor começa por definições bastante gerais e comuns e
chega a definições mais abstratas que exigem do leitor um conhecimento mais apurado sobre política e filosofia.
21
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. Tradução de Maria Tereza Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.
7.
imagem é falha, pois existe, pelo menos, um aspecto no “duelo” que o autor não leva em
conta, a saber, as regras. Walzer, no seu livro Guerras justas e injustas
22
vem corroborar com
tal pensamento quando afirma que para Clausewitz: “a guerra nunca é uma atividade
constituída por normas”; e continua: “A guerra jamais é semelhante a um duelo”. Na prática
social do duelo existem determinadas normas que incluem penalidades para quem cometer
algum despautério durante tal prática.
Fazendo uma analogia com Clausewitz, teremos semelhantes critérios nas relações
entre Estados. Na guerra, eles têm o objetivo de submeter o outro à sua vontade através da
força física, que por seu uso ilimitado acabam minando, assim, a resistência do outro. Logo, o
que importa, sobretudo, é o desarmamento total do inimigo, pois esta é a vitória incontestável
e única possível, isto é, o meio. Através da força física, com a ajuda das técnicas e das
ciências; “para defrontar a violência, a violência (sic) mune-se com as invenções das artes e
das ciências
23
”, para chegar a um fim, qual seja, impor sua vontade ao inimigo através de um
ato de força.
Para Clausewitz, a vontade de um Estado deve ser o objetivo maior dos soldados em
guerra. As regras não podem fazer nenhuma diferença no combate, pois o que importa ao
combatente é a vitória total. O autor tem uma concepção “realista” da política e positivista do
direito, o que é reforçado nessa passagem: “Ela [a guerra] é acompanhada de restrições
ínfimas, que quase não vale a pena mencionar, e que impõe a si própria, sob o nome de leis
dos direitos dos povos, mas que na realidade, não diminuem, em nada, a sua força
24
”.
A definição de guerra como ação recíproca vem confirmar esse fisicalismo proposto
por Clausewitz. Na guerra, o que importa é vencer, utilizar-se das armas de que se dispõe e
por isso, não pode haver “almas bondosas”. Durante o guerrear, é necessário enfraquecer o
inimigo, e não serão as leis externas do direito internacional que irão ser postas em práticas,
mas o combatente, na hora da batalha, é quem ditará tais regras. Para o autor, portanto, quanto
mais brutal for o ataque, pois o soldado deve esperar o pior do adversário, mais vantagem se
terá sobre o inimigo.
Repetimos, pois, a nossa afirmação: a guerra é um ato de violência e não
um limite para a manifestação dessa violência. Cada um dos adversários
executa a lei do outro, de onde resulta uma ação recíproca, que, enquanto
conceito, deve ir aos extremos.
25
22
WALKER, Michael. Guerras justas e injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos. Tradução
de Waldéa Barcellos. São Paulo: [s.n.], 2003. p. 38.
23
Id., p.8.
24
Id., p.8.
25
Ibid., p. 10.
Lançamos a questão da possibilidade de aplicar esse tipo de pensamento às nações
“civilizadas” dessa época, que elas estavam preocupadas em diminuir os efeitos cruéis da
guerra. Clausewitz duvida disso e afirma que a tecnologia da guerra não diminuía os efeitos
sanguinários de outros tempos, ao contrário, desde o descobrimento da pólvora até o seu
tempo, a tecnologia implementada só fazia aumentar a competência da destruição e da
violência contra o inimigo e seu detentor teria vantagem sobre o outro. Para ele, ainda,
seria uma imprudência pensar de modo oposto, pois o general que não utilizar a força, seja ela
física ou intelectual uma coisa não exclui a outra, segundo ele estaria pondo em risco o
sucesso da guerra, que essa seria uma oportunidade de levar vantagem sobre o inimigo:
“Aquele que se utiliza sem piedade desta força e não recua perante nenhuma efusão de sangue
ganhará vantagem sobre seu adversário [...] Ignorar o elemento de brutalidade, devido à
repugnância que ele inspira, é um desperdício de força, para não dizer um erro
26
”.
Então, o que explicaria a diferença de conduta das nações em guerra? Por que em
determinadas nações há tantas crueldades e outras pregam a utilização das regras e das leis de
combates? O autor explica que a priori isso depende da “evolução” de um Estado para outro.
Existem civilizações mais “evoluídas” que se preocupam com isso e outras menos evoluídas,
cuja preocupação dos efeitos cruéis das guerras são fios. Esses elementos não pertencem à
guerra em si, mas são preexistentes naquelas sociedades. Isso, portanto, não serve de
demonstração para alterar qualquer princípio da teoria da guerra, pois seria impossível
“introduzir um princípio moderador na própria filosofia da guerra sem cometer um
absurdo
27
”. Então, segundo o general-filósofo, a guerra é violência pura, irracional, ou seja,
não há limites para o uso da violência, o que existe são apenas ações recíprocas.
O que surge na modernidade é a utilização da inteligência na condução de uma guerra,
isto é, não se emprega tão somente a força bruta, mas um modo mais eficaz de aplicação dessa
força e daí a necessidade de estudá-la.
Mesmo em Estados cujo grau de civilidade era tido como relativamente alto podem-se
encontrar elementos de crueldade na condução de uma guerra, como no caso das guerras
napoleônicas. Como explicar isso? Segundo Clausewitz, o que vai diferenciar a conduta dos
povos na guerra é o que ele chama de intenção hostil
28
. Para ele entre os povos “civilizados” o
que prevalece é uma intenção hostil pautada pela racionalidade e inteligência, enquanto que
26
Op. cit.,2003, p.09.
27
Id., p.10.
28
Ibid., p. 11.
nos povos “selvagens” essas intenções são ditadas pela sensibilidade. Entretanto, o autor
chama a atenção para o fato de que essa diferença não se deve à natureza intrínseca selvagem
e civil, mas ocorre devido às circunstâncias históricas concomitantes à formação das
instituições. Sendo assim, mesmo os povos mais “desenvolvidos” e “civilizados” podem ser
acometidos por atos impetuosos de paixão, incivilidade e selvageria.
O que Clausewitz está querendo provar é que os teóricos que defendem uma teoria de
guerra, pautada somente na lógica da ação entre Estados, sem levar em conta a paixão dos
soldados e da população civil, cometem um terrível equívoco, pois se contassem apenas com
a lógica “o peso das forças armadas nem seria necessário e que bastariam relações teóricas
entre elas uma espécie de álgebra da ação
29
”. Se ele acredita que qualquer ato de guerra é
um ato de violência sem limites, é evidente que a paixão e a sensibilidade têm uma grande
importância em sua teoria, ainda que os motivos que levam à guerra devam ser
fundamentados nos interesses dos Estados e, por conseqüência, obedeçam a ordens práticas,
pautadas na racionalidade.
Explicitamos, até agora, alguns conceitos primitivos de guerra, o que Clausewitz
30
denominou de “lei dos extremos”. Passaremos a parte mais instigante do conceito de guerra
proposto pelo autor, a guerra como um ato político.
O objetivo político na guerra é o “móbil inicial” de uma batalha, ou seja, é a decisão
política inicial, e a principal, que moldarão as ações militares no campo de batalha e nos
tempos de paz. Imaginemos que exista uma guerra entre dois países quaisquer. De um lado a
Acirema, país cujo governante tem o intuito de dominar outras nações com o objetivo “claro”
de disseminar o seu modelo de “liberdade”; do outro lado, o Equari, país rico em combustível
fóssil dominado por um ditador contrário à “política libertadora” dos Aciremas. Ao começar
uma guerra é importante que ambos os países, ou mais precisamente o país que iatacar o
invasor –, deixe claro para si qual o objetivo político por trás da guerra, pois nas palavras de
Clausewitz
31
: “quanto menor for o sacrifício que exigimos dos adversários, tanto mais
poderemos esperar da sua parte esforços para recusá-los sejam mais débeis”. Para isso, os
Aciremas (imaginando eles que sejam os invasores) devem estar por dentro dos anseios da
população Equariana, pois num futuro isso poderá ser importante na construção da paz. Por
que isso é importante? Ora, com um objetivo político bem delimitado, a população do país
dominado exigirá menos do dominante, ficando até alheio ao combate, minimizando as
29
Op. cit., 2003, p. 9.
30
Id., p.16.
31
Ibid., p. 16.
tensões e os conflitos. Em outras palavras, objetivo político da guerra, “é o que fornece a
dimensão do fim a atingir pela ação militar, assim como os esforços necessários
32
”.
A guerra é, portanto, um instrumento do político por excelência, ou, nas famosas
palavras de Clausewitz, é a política continuada por outros meios. A guerra é simplesmente um
meio para se conseguir o fim exigido pela política. E é na política, segundo o general
pensador, que se delimitam as regras de combate, mesmo se essas regras forem descumpridas
sendo na/pela política que se dá a justificativa e o rompimento do tratado. Sobre isso esclarece
Clausewitz:
O que se mantém sempre característico da guerra releva puramente a
especificidade dos meios que ela põe em prática. A arte da guerra, em geral,
e a do comandante em cada caso específico, pode exigir que as tendências e
as intenções da política não sejam incompatíveis com esses meios, exigência
seguramente a não desprezar. Mas por mais poderosamente que reaja, em
certos casos, sobre as intenções políticas, isso terá de ser sempre considerado
somente como uma modificação destas; pois que a intenção política é o fim,
enquanto a guerra é o meio, e não se pode conceber o meio
independentemente do fim
33
.
Mostrando-se um homem prático, Clausewitz, procura definir a guerra como um
instrumento da política, isto é, a guerra constitui mais um instrumento no arsenal do Estado
para impor sua vontade a outros, rejeitando desse modo o conceito de guerra pela guerra.
Finalmente, ao falar em política ele não está se referindo ao âmbito interno do
Estado, mas somente à política internacional, ou seja, as disputas analisadas por
ele se referem apenas aos Estados-nação. Além do mais, é preciso reforçar que a
política e a guerra são em princípio distintas para Clausewitz, ao menos em
princípio, pois, como um pensador da modernidade ele não escapava das
pretensões da época de refletir acerca da noção de soberania. O que podemos
perceber por trás desse ideal era o intuito de pôr fim às incessantes guerras civis,
e fazer com que a guerra, através do seu conceito e, conseqüentemente, através
da prática, se tornasse algo alheio à população civil. Assim, o único ser capaz de
32
Op. cit., 2003, p.17.
33
Id., p.27.
declarar guerra seria a figura do soberano, seja um príncipe ou um outro
governante do Estado, e ela só deveria ser declarada a outro poder soberano.
Logo, a guerra ficaria restrita ao âmbito externo, longe do campo social nacional,
tornando-se algo excepcional, uma exceção, e a paz, no entanto, seria a regra.
Mas como ficariam os conflitos internos? Eles seriam resolvidos através da
interação política, sem violência e brutalidade. Logo, mesmo que possa parecer
que os conceitos de política e guerra se misturam em Clausewitz, eles são
distintos, pois a guerra seria apenas o meio para consecução de um fim político
no que se refere à política internacional.
2.2 CARL SCHMITT E O CONCEITO DO POLÍTICO
O que se pode determinar ao nos depararmos com a questão proposta por Schmitt em
seu estudo “O Conceito do Político” (1932) é uma linha de análise que se aproxima de uma
teoria da exceção. Ao se analisar tal obra, percebemos que Schmitt não se preocupa, no
primeiro momento, em dizer o que é o político, mas procura estabelecer algumas diferenças
conceituais para poder encontrar o espaço para a emergência no conceito do político.
“Em geral, ‘político’ é equiparado, de alguma forma, à ‘estatal’ ou, pelo menos,
relacionado ao Estado. O Estado surge então como algo político; o político, porém, como algo
estatal. Evidentemente um círculo que não satisfaz
34
.”
A conclusão que Schmitt nos mostra, através da crítica a este pressuposto, é a de que,
ao longo dos séculos XVIII e XIX a noção de Estado expande-se e a distinção entre o que é
político e não-político torna-se anacrônica. Em um certo tempo, afirma Schmitt, existiam
esferas que não se identificavam com o Estado e, em conseqüência, com o político.
Entretanto, as evoluções que ocorreram ao longo dos séculos XVIII e XIX, determinaram uma
junção entre o Estado e a sociedade, o que levou a uma conseqüência, qual seja, à politização
de todas as esferas da vida social. Com essa politização, as áreas consideradas até o momento
34
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Ed. Vozes, 1992. p. 44.
“neutras” economia, religião, cultura, educação –, deixam então de sê-lo no sentido não-
estatal e não-político:
[...] A democracia deverá abolir todas as distinções, todas as despolitizações
típicas do século XIX liberal e, ao apagar a oposição Estado sociedade (o
político oposto ao social), fará também desaparecer as contradições e as
separações que correspondem à situação do século XIX
35
.
Surge, então, o conceito de Estado Total, que, para Schmitt, abarca todas as esferas da
sociedade tornando-as políticas e pertencentes a ele, o que não deixa claro o conceito de
político, e Schmitt expressa tal questão quando discorda da aproximação entre estatal e
político, posto que estatal se define por uma condição de um determinado povo.
Segundo ele, o conceito do político necessita da definição clara de categorias que não
passam por uma avaliação moral, estética ou econômica. Schmitt estabelece uma dualidade
conceitual, amigo/ inimigo, que “constitui e especifica essencialmente a política
36
”.
[...] toda e qualquer associação humana torna-se uma associação política no
momento em que: a) uns (amigos) se reúnem contra os outros (inimigos); e
b) quando esse conflito envolve a possibilidade real de um combate de vida e
de morte entre dois grupos. A possibilidade de um combate de vida e morte
torna o Político uma esfera sui generis em relação a todos os outros conflitos
e oposições sociais [...]
37
.
E o autor define:
A diferenciação entre amigo-inimigo tem o sentido de designar o grau de
identidade extrema de uma ligação ou separação, de uma associação ou
dissociação; ela pode, teórica ou praticamente, subsistir sem a necessidade
do emprego simultâneo das distinções morais, estéticas, econômicas ou
outras
38
.
35
Id., p. 47.
36
ARRUDA, José Maria. Carl Schmitt: “Estado, política e direito”. In: OLIVEIRA, Manfredo; AGUIAR,
Odílio; SAHDETOA, Luis Felipe Netto de Andrade Silva e. (orgs.). Filosofia política contemporânea.
Petrópolis: Vozes, 2003. p. 60.
37
Id., p. 60.
38
Id., p. 52.
A luta e a guerra, para Schmitt, são os espaços em que o político pode, eventualmente,
emergir, pois, no âmbito do real, o conceito de inimigo, corresponde à possibilidade de luta. A
guerra, portanto, realiza-se não como “fim e objetivo, sequer conteúdo da política, porém é o
pressuposto sempre presente como possibilidade real, a determinar o agir e o pensar humano
de modo peculiar, efetuando assim um comportamento especificamente político
39
”. Mas se
admitíssemos uma hipótese, qual seja, se houvesse uma total ausência de conflito no mundo e
a paz por fim reinasse sobre a terra, qual seria a conseqüência disso? O professor Arruda
40
pode nos dar a resposta:
A essência do político se manifesta em todo o seu caráter decisionista e
arbitrário no estado de guerra, pois a guerra é um conflito excepcional que
não se deixa submeter a nenhum regulamento superior, nem pode ser
dirimido por uma instância imparcial. Ela [a guerra] constitui uma
possibilidade permanente presente no horizonte da ação política como última
ratio da política enquanto tal. [...] um mundo em que a possibilidade da
guerra fosse completamente eliminada não seria mais um mundo político.
(grifo nosso).
Seguindo a lógica do dualismo amigo inimigo, mesmo um movimento pacifista, na
medida em que queira ser inserido como um elemento político, deverá estabelecer contra
quem se dirige podendo, em última instância, chegar ao confronto armado.
Carl Schmitt apresenta uma perspectiva realista da política (realpolitik), pois ele não
funda seus conceitos em pressupostos ideais ou metafísicos. Parte da constatação direta acerca
da análise daquilo que eventualmente pode ameaçar a existência de um indivíduo ou de um
grupo de indivíduos: Schmitt é um realista, sua teoria recusa qualquer consideração
normativa da política: a política deve ser explicitada pelo que ela de fato é, e não pelo que ela
deve ser
41
”.
Finalmente, a guerra se desenvolve na forma de derradeira guerra da humanidade. Ela
[a guerra] tem de ser particularmente intensiva e desumana porque, ultrapassando o político,
ao mesmo tempo, degrada o inimigo em categorias morais, e precisa transformá-lo num
monstro desumano que não precisa ser combatido, mas definitivamente aniquilado e que,
portanto, deixa de ser um inimigo que deve ser rechaçado de volta às suas fronteiras
42
.
39
Ibid., 1992, p. 60.
40
Ibid., p. 61.
41
Op. cit., 2003, p. 59.
42
Id., p.62.
[...] o inimigo, tanto o agressor quanto o agredido, não é mais um justus
hostis, mas um “criminal”, no sentido mais depreciativo do termo: é um
outlaw, um fora-da-lei, um pirata, um canibal, ao qual nenhum direito deve
ser reconhecido, assim como a doutrina do bellum justus não o havia
reconhecido aos infiés
43
.
Como fundamento do político, Schmitt fala sobre uma “eventualidade séria”, na
medida em que esta eventualidade é conseqüência da relação amigo inimigo. O
agrupamento que define tal relação representa uma unidade normativa e soberana, “no sentido
de que a ela caberá sempre, por definição, resolver o caso decisivo, mesmo que seja um caso
excepcional
44
”. O Jus belli é uma prerrogativa do Estado, em função deste representar a
unidade normativa que fundamenta o político, pois é ele que vai determinar, pelos seus
critérios, quem é o inimigo e conseqüentemente irá combatê-lo.
2.3 VOLTAIRE E KANT: HUMANISMO E PAZ PERPÉTUA
Em seu “Dicionário Filosófico” Voltaire aborda o tema da guerra de maneira bastante
irônica e sarcástica, como fica claro nesta passagem do seu texto
45
: “Sem dúvida que é uma
arte muito bela, esta de desolar os campos, destruir as habitações e fazer perecer, em ano
normal, quarenta mil em cem mil homens”. Ele começa comparando a guerra a outros dois
acontecimentos onde reina a penúria, quais sejam: a fome e a peste.
O mais obstinado dos lisonjeadores concordará sem esforço que a guerra
arrasta sempre consigo a peste e a fome, por pouco que conheça os hospitais
de campanha alemães e tenha atravessado algumas aldeias onde houvesse
ocorrido este ou aquele feito militar.
46
43
ZOLO, Danilo. A guerra como crime. Verba júris, João Pessoa, ano 5, n. 5, p. 321-372, jan/dez. 2006.
44
Op. cit., 2003, p. 65.
45
VOLTAIRE. Dicionário filosófico. Tradução de Marilena Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 201-202.
46
Id., 201-202.
Estes, todavia, afirma Voltaire são “presentes da dádiva da Providência”, enquanto que
a guerra
47
é criação de algumas centenas de políticos, sejam eles príncipes ou ministros, e que
por isso são chamados ironicamente pelo autor de imagens vivas da Divindade.
Podemos inferir, doravante, qual é a opinião do filósofo sobre o nosso tema. Ele
tem uma rejeição moral à guerra, classificando-a como um ato de irracionalidade.
No entanto, o que mais chama a atenção é a constante denúncia que ele faz aos
que fazem a guerra: ou decidida em assembléias que reúnem dois ou mais
países; ou por pessoas com um objetivo político em comum; ou por interesses
pelo poder; ou em nome de “razões” que fogem à lógica iluminista; ou, ainda,
através de conceitos dogmáticos, dos quais prevalecem os argumentos
metafísicos.
Para exemplificar isso, Voltaire conta em detalhes como surge uma guerra em nome
do poder. Inicialmente o príncipe, através de assessores, prova, utilizando a genealogia, a
existência de uma terra distante que lhe pertence por direito divino. Sem demora, os
moradores dessa terra distante contestam a legitimidade e os poderes do príncipe, além de
afirmar que não querem ser governados por ele. O príncipe, que considera tal terra sua por
direito, reúne facilmente um exercito de mercenários prontos para a batalha. Outros príncipes,
vendo fios de oportunidades nessa disputa, escolhem o lado que mais lhes interessa e entram
na guerra. A eles se unem milhares de miseráveis que participam da guerra em troca de
dinheiro e comida. Surgindo assim, a partir de um príncipe, uma batalha sem precedentes
48
.
também guerras dogmáticas de fundamentação metafísica. Voltaire destaca a
importância da “religião artificial” em incentivar “todas as crueldades perpetradas em bando,
conjura, sedições, assaltos, emboscadas, ataques de surpresas, pilhagens, morticínios
49
”. E
tudo isso justificado em defesa de sua religião, seja ela qual for. Assim, o filósofo nos a
sentença de que a guerra é um mal inevitável, algo próprio do homem.
Miseráveis médicos das almas, vós gritais durante cinco quarto de horas
sobre algumas picadas de alfinete e nada dizei sobre a doença que nos
despedaça em mil bocados! Queimai todos os vossos livros, ó filósofos
47
Ibid., 201-202.
48
VOLTAIRE, 1978, p. 202.
49
Id., p. 202.
moralistas [...] Em que se tornam e que me importam a humanidade, as
benfeitorias, a modéstia, a temperança, a doçura, a sabedoria, a piedade,
quando uma meia-libra de chumbo atirada a seiscentos passos me rebenta o
corpo e eu morro aos vinte anos em tormentos inexprimíveis, entre cinco ou
seis mil moribundos, quando os meus olhos, que se abrem, pela última vez,
vêem a cidade em que nasci destruída pelo ferro e pela chama e os últimos
sons que meus ouvidos escutam são os gritos de mulheres e crianças
expirando sobre as ruínas, tudo em atenção aos pretendidos interesses de um
homem que não conhecemos
50
.
Ao contrário de Clausewitz, que como vimos é um entusiasta da guerra, Voltaire
aborda a guerra como algo ruim, que deve ser excluída do vocabulário e das
ações humanas, mas não dá nenhuma explicação de como realizar tal tarefa.
Kant, por sua vez, não faz apenas críticas ao direito de se fazer a guerra, mas analisa,
de maneira pragmática, as condições negativas para a Paz presentes em “Artigos
Preliminares para a Paz Perpétua” do seu pequeno livro intitulado A paz perpétua. Nesses
artigos, além do caráter prático, o conceito de pessoa que é princípio para todos eles. E o
ser humano como pessoa, é fim em si mesmo, e não pode ser usado como meio de se fazer
uma guerra
51
. De maneira equivalente é o Estado, pois este também é considerado “pessoa
moral
52
”.
Por meio desses artigos Kant critica: 1) tratados de paz que não eliminam as
causas da guerra; 2)aquisição de Estados; 3) exércitos permanentes; 4)
dívidas públicas para fins belicosos; 5) intervenção violenta em outros
Estados; 6) permissividade irrestrita na condução da guerra.
53
Os artigos são divididos em leis proibitivas, que por se tratarem de costumes podem
ser aplicados de forma mais imediata são eles: 1, 5 e 6. E leis permissivas, que por
envolverem instituições requerem um pouco mais de tempo e cuidado, são eles o 2, 3 e 4.
50
Ibid., p. 203.
51
Cf. NOUR, Soraya. À paz perpétua de Kant: filosofia do direito internacional e das relações internacionais.
São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 29.
52
Cf. KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes; a doutrina do direito; doutrina das virtudes. Tradução de
Edson Bini. São Paulo: EDIPRO, 2003, p. 153.
53
NOUR; 2004, p. 29.
O primeiro artigo preliminar diz: “Não deve ser considerado válido nenhum tratado de
paz que possa ser convertido, com uma ressalva secreta, na matéria de uma futura guerra
54
”.
Nesse artigo proibitivo Kant explica que se quisermos uma paz derradeira, perpétua,
não espaço para uma guerra futura, isso, afirma ele, seria um mero armistício. Além do
mais, qualquer pretensão jurídica para ser reconhecida deve obedecer ao princípio da
publicidade: “São injustas todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima
não seja suscetível de publicidade
55
”.
O segundo artigo preliminar elucida: “Nenhum Estado existente pó si (grande ou
pequeno, tanto faz) poderá ser adquirido por outro Estado por herança, troca, compra ou
doação
56
”.
Kant critica a transferência de soberania entre Estados. No capítulo “Doutrina do
Direito” ele afirma que o Estado, por ser uma multidão de seres humanos
57
”, torna-se uma
pessoa moral, e deve ser considerado como um fim em si mesmo. Além do mais a idéia de
soberano não se confunde com a de governante:
[...] o soberano (o legislador) do povo não pode ser também seu governador,
uma vez que o governante está sujeito à lei e, assim, é submetido à obrigação
através da lei por um outro, a saber, o soberano. O soberano pode também
retirar do governante sua autoridade, depô-lo ou reformar sua
administração
58
.
O soberano, segundo Kant, é o povo, e este, que é constituído de pessoas, não deve ser
usado como meio. Por isso, nenhum Estado pode contratar tropas de outro Estado sem que
haja um inimigo em comum, pois as pessoas seriam seqüestradas, comercializadas e
recrutadas à força, algo irracional, segundo a doutrina kantiana.
O autor afirma no terceiro artigo: “Exércitos permanentes (miles perpetuus) serão com
o tempo abolidos
59
”. O gasto dos Estados em manter esses exércitos é um dos argumentos que
Kant se utiliza nesse artigo. Para manter um exército permanente, o Estado gastaria grande
parte de suas reservas, despesas estas que deveriam ser revertidas para a população civil,
explica Kant. Além do mais, um Estado que está constantemente inventando novas armas e,
54
KANT. Para a paz perpétua, um esboço filosófico. In. A paz perpétua: um projeto para hoje. São Paulo:
Perspectiva, 2004. p. 32.
55
Id., p.65.
56
Id., p. 32.
57
Ibid.,. p. 155.
58
Op. cit., 2004, p.155.
59
Id., p. 33.
por conseqüência, estruturando os seus exércitos com um número excessivo de armas,
incentiva outros Estados a fazerem o mesmo, surgindo uma disputa ad infinitum,
proporcionando, assim, mais guerra e destruição.
nesses Estados que mantêm um exercito permanente a prestação de
serviço militar obrigatório; é para ele que Kant direciona sua crítica mais
contundente. Segundo o filósofo, o conceito de pessoa é desrespeitado, pois os
soldados são usados como máquinas de morte, um meio, para os fins do Estado.
Ainda na “Doutrina do Direito” são esses mesmos fundamentos que servem de
crítica ao direito à guerra. Kant argumenta:
Quanto ao direito original que Estados livres têm num estado de natureza de
irem à guerra entre si [...], a primeira questão que surge é: que direito tem
um Estado, relativamente aos seus próprios súditos, de os usar na guerra
contra outros Estados, de despender seus bens e mesmo suas vidas nela, ou
os expõem ao risco, de tal modo que o fato de irem à guerra não depende de
sua própria opinião, mas podendo eles ser a ela enviados pelo supremo
comando do soberano? [...] [Isso] não pode ser aplicado a seres humanos,
especialmente na qualidade de cidadãos de um Estado, pois estes têm sempre
que ser considerados como membros co-legisladores de um Estado não
meramente como meio, mas como fim em si mesmo[...]
60
.
Sendo assim, Kant propõe que os exércitos sejam montados de maneira voluntária e
que sejam periódicos, apenas com o propósito de defesa.
No quarto artigo esclarece: “Não devem ser feitas dívidas públicas em relação a rixas
externas de Estados
61
”.
Aqui, Kant é enfático ao que Nour chama de crédito de guerra
62
”. Para ele, é
permitido fazer dívidas com outros Estados se for para a melhoria da economia do país, ou
seja, para melhorar a sua infra-estrutura. Mas se os créditos forem para fins de guerra, e com
isso um incentivador e facilitador dela, diz Kant: ‘’Essa facilidade de fazer guerra, unida à
tendência para isso dos detentores do poder (...) é óbice à paz perpétua’’. Um Estado que
procura empréstimo para a perpetuação da guerra normalmente entra em colapso econômico e
com isso prejudica Estados inocentes que, por sua vez, podem unir-se contra aquele Estado
60
Ibid., p. 157-158.
61
KANT, 2004, p. 34.
62
NOUR, 2004, p. 32.
gerando um círculo de batalhas. No quinto artigo lemos: “Nenhum Estado deve intrometer-se
pela força na constituição e no governo de outro Estado
63
.
Esse artigo critica o intervencionismo. Kant defende a idéia de que um Estado deve
resolver seus assuntos internos sem a intervenção de outro Estado. No entanto, há uma
exceção: um Estado poderia auxiliar outro se houver uma divisão interna, e se uma das
partes envolvidas tiver o propósito de dominar do todo. E Kant conclui:
Mas enquanto a luta interna não está decidida, essa interferência de potência
estrangeira seria uma infração do direito de um povo independente a lutar
apenas com uma doença interna; seria, pois, por si mesmo, um escândalo e
tornaria insegura a autonomia de todos os Estados
64
.
No sexto artigo, adverte-nos: “Nenhum Estado, em guerra com um outro, deve
permitir hostilidades de tal natureza que tornem impossível a confiança recíproca na paz
futura: como o emprego de assassinos (percussores), envenenadores (venefici), a ruptura da
capitulação, o incitamento à traição (perduellio) no Estado combatido
65
”.
Caso ocorra uma guerra e se isso ocorrer de forma ilegal
66
, deverão existir regras para
a condução dela. Mesmo em batalha esses procedimentos são condenáveis e podem por em
risco uma paz futura. Sendo assim, uma guerra deve ser direcionada com intenção de uma paz
futura e permanente.
Para Kant, o suposto “direito na guerra” é em si contraditório, pois a guerra é um
estado de ausência de direito “inter armas silent leges”. No entanto, observa o autor na sua
“doutrina do direito”, que se tivermos que tratar de direito da guerra, então que seja seguindo
princípios que possam assegurar uma paz futura, na qual Estados se relacionem não mais pelo
estado de natureza, mas pela condição jurídica
67
.
Assim, o direito à guerra em Kant, não poderia ter força de lei, pois seria contrário a
todas as formulações do imperativo categórico, não se tornando, portanto, universalmente
válido. Todavia, a paz perpétua seria encontrada apenas “no vasto túmulo que recobre todos
os horrores da violência, bem como seus autores
68
”.
63
KANT, 2004, p. 35.
64
Id., p. 35.
65
Id., p. 35.
66
Ibid., p. 188-189.
67
KANT, 2004, p. 188-189.
68
NOUR, 2004, p. 37.
Nessa primeira seção, como visto, Kant escreve os artigos preliminares que em síntese
criticam: 1) tratados de paz que não eliminam as causas da guerra; 2) aquisição de Estados; 3)
exércitos permanentes; 4) dívida pública para fins bélicos; 5) intervenção violenta em outros
Estados; 6) permissividade irrestrita na condução da guerra. Ateremos-nos agora a segunda
seção do seu opúsculo que tem como objetivo
elencar as formas pelas quais os Estados atingirão
a paz perpétua além de propor uma federação dos Estados para o alcance da paz. Esses artigos são
denominados de definitivos.
Kant afirma que os Estados vivem em um estado de natureza (status naturalis), ou
seja, em ameaça constante de guerra. Portanto, um estado de paz deve ser instaurado, “pois a
omissão de hostilidades não constitui ainda garantida disso [de paz] e, se um vizinho não a der
ao outro (o que pode acontecer num estado legal), este pode tratar àquele como inimigo
69
”.
E a condição necessária para isso é que os Estados adotem o republicanismo como base
constitucional. Tem-se então o primeiro artigo definitivo: “A constituição civil de cada Estado
deve ser republicana”. Para Kant a constituição republicana é aquela a) estabelecida em
conformidade com os princípios da liberdade dos membros de uma sociedade (autonomia
jurídica), b) da dependência de todos em relação a uma legislação comum e c) da igualdade
entre todos os cidadãos. Essa constituição deriva de um contrato originário entre os cidadãos e
por isso é ela que vai dar base para todas as outras normas jurídicas de um povo.
A constituição republicana, afora a pureza de sua origem, isto é, a de ter
brotado da pura fonte da noção do direito, contém ainda uma perspectiva
para a conseqüência desejada, isto é, a paz perpétua; da qual é fundamento.
[...] numa constituição em que o súdito não é cidadão, a qual não é, portanto,
uma constituição republicana, a guerra é a coisa mais irrefletida do mundo,
porque o soberano não é membro, porém proprietário do Estado
70
.
À vista disso o cidadão se diferencia do súdito, pois cabe àquele decidir se deve ou
não haver guerra, e somente em uma constituição republicana isso é possível. E isso vai
garantir a paz futura e derradeira, pois “a constituição republicana é apresentada como
funcionalmente pacífica porque é a única que expressa a vontade dos que assumem os
encargos da guerra e por isso, provavelmente, não serão a seu favor
71
”.
O segundo artigo definitivo da paz perpétua dita o seguinte: “O direito das gentes deve
ser baseado em um federalismo de Estados livres”. Kant levanta essa questão no seu livro
69
Cf. KANT. Op. cit., 2004, p. 38-39.
70
KANT, 2004, p. 42.
“Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita”. Na sétima proposição ele
escreve o seguinte: “O problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita
depende do problema da relação externa legal entre Estados, e não pode ser resolvido sem que
esse último o seja
72
”. Ou seja, Kant propõe que todos os Estados devam:
[...] sair dos Estados sem leis dos selvagens para entrar numa federação de
nações em que todos os Estados, mesmo o menor deles, pudesse esperar a
segurança e direito não da própria força ou do próprio juízo legal, mas
somente desta grande confederação de nações (foedus Amphictyonum) de um
poder unificado e da decisão segundo leis de uma vontade unificada.
Ao pensar sobre o direito das gentes Kant diz que os Estados, assim como ocorreu
com os indivíduos no âmbito interno dos Estados, devem abandonar a sua condição natural de
guerra (estado de natureza) e ingressar numa constituição cosmopolita. Somente assim, com a
submissão dos Estados ao direito das gentes, fundado em leis públicas, que é possível acabar
definitivamente a condição de guerra (direito do mais forte), para garantir a autonomia e a
independência dos Estados associados.
Têm-se então quatro elementos no direito das gentes:
1. Estados, considerados na sua relação entre si, estão (como selvagem sem
lei) por natureza numa condição não-juridica.
2. Esta condição não jurídica é uma condição de guerra (do direito do mais
forte), mesmo que não seja uma condição de guerra real e ataques reais
constantemente realizados (hostilidades). (...).
3. Uma liga de nações de acordo com a idéia de um contrato social original é
necessária, não para que haja intromissão mútua nos desentendimentos
intestinos (sic) de cada nação, mas para a proteção contra ataques externos.
4. Esta aliança deve, entretanto, não envolver nenhuma autoridade soberana
(como numa constituição civil), porém somente uma associação (federação);
tem que ser uma aliança que possa ser dissolvida a qualquer momento e,
assim, precisa ser renovada de tempos em tempos
73
.
Kant, portanto, explicita a necessidade da criação de uma Liga de Nações, e nesta,
todos os Estados devem se sujeitar livremente às leis, surgindo um estado jurídico de
71
NOUR, Op. cit. p. 42.
72
Cf. KANT. Idéia de uma história universal sob o ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Martins Fontes,
1983. p. 12.
73
Cf, KANT, 2004, p. 186 – 187.
federação, ditado pelo direito das gentes. Somente assim a paz será garantida não para o
Estado em suas estruturas internas, como também para todos os Estados da confederação.
O último artigo definitivo trata do direito cosmopolita, nele Kant diz: “O direito
cosmopolítico deve restringir-se às condições da hospitalidade universal”. Nesse artigo o
autor extrapola as dimensões tradicionais do direito e se preocupa não apenas com o direito
interno de cada Estado, ou ainda o direito das gentes, mas parte para uma terceira dimensão
que é o direito cosmopolita, ou seja, o direito dos cidadãos do mundo.
Logo de início Kant deixa claro que esse direito, que prega a condição de
hospitalidade universal, não é questão de filantropia, mas sim de juridicidade. “Fala-se aqui,
como nos artigos posteriores, não de filantropia, porém de direito e hospitalidade, significa
aqui o direito de um estrangeiro, à sua chegada no território do outro, de não ser tratado com
hostilidade
74
”. Esse princípio tem como base o direito, originário e não adquirido, que todos
têm sobre o solo, ou seja, ninguém tem mais direito do que outro em estar em qualquer
posição geográfica no globo terrestre.
Segundo Nour, esse artigo é o único que tem um caráter restritivo, ou seja, se detêm
apenas, ao direito de hospitalidade, não indo além disso. E ela complementa: “Nesse caso, o
direito é lesado quando e esse era para Kant o problema principal de uma injusta
‘inospitalidade’ – o que chega a um território estende sobre ele seu império
75
”.
Por fim, após a exposição dessas doutrinas contrárias ao conceito de guerra justa, seja
por achar que tal conceito é redundante, e por isso toda guerra é justa, como no caso dos
realistas; seja por serem contrárias a qualquer forma de guerra e por isso impossível de
vincular o conceito de justo com o de guerra, como no caso dos pacifistas Voltaire e Kant.
Iremos agora investigar os chamados de “intermediários
76
”, cujo ponto de vista tende a
classificar algumas guerras como justas e outras como injustas.
74
Id., p. 50-51.
75
NOUR, 2004,. p. 56.
3 DOS CONCEITOS BÁSICOS À TEORIA DA GUERRA JUSTA
Para melhor entender a teoria das relações internacionais de John Rawls, e,
portanto, sua teoria acerca da Guerra Justa, deve-se antes investigar alguns
conceitos básicos que fundamentam sua teoria.
Os conceitos que iremos apresentar são: I) O de liberalismo político e a idéia
de pluralismo que está atrelada a ele, cujos pontos de destaque são o conceito de
justo e a prioridade deste sobre o bem e a idéia de tolerância; II) A concepção de
liberalismo abrangente e a razão de sua diferença do seu liberalismo político; III) A
idéia de posição original; noção essencial para entender como se daà sociedade
dos povos e porque a guerra é justa quando travada por essa sociedade
específica.
3.1 RAWLS: PRIORIDADE DO JUSTO E O RESPEITO AO PLURALISMO
O que direciona a investigação de Rawls quando ele propõe uma discussão sobre
liberalismo, mais precisamente sobre liberalismo político, é a idéia de pluralismo. Isso não
ocorre por acaso. A questão da tolerância, que acompanha esse debate, é uma das grandes
preocupações de Rawls, não no âmbito da política interna, como também nas questões da
política internacional. No entanto, é imprescindível ter certos cuidados, pois ao se referir a
esse conceito deve-se especificar a qual tipo de pensamento liberal está se remetendo.
uma discussão sobre o liberalismo político que deve ser abordada de forma mais
detalhada e cuja importância, dentro do nosso contexto, é indiscutível: a ênfase dada, por essa
forma de liberalismo, à idéia de pluralismo. Interessante compreender como essa forma de
pensamento político lida com idéias e doutrinas profundamente controversas sem cair numa
espécie de autoritarismo, ou seja, como o liberalismo político se comporta diante duma
sociedade tão plural, como é a contemporânea, levando em consideração os seus princípios de
liberdade e igualdade? Após responder a essa pergunta é que Rawls terá respaldo teórico para
propor uma diferenciação entre o liberalismo político e o liberalismo abrangente. Sendo
76
Cf. BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. Tradução de Álvaro Lorecini. São Paulo:
Editora Unesp, 2003. p. 73.
assim, para se chegar a essa distinção devemos apresentar as suas idéias de justo e como o
bem deve se comportar diante dele.
A concepção universalista de bem foi, durante muito tempo, prioridade para
se fazer uma teoria ética e política. Segundo essa concepção, o bem é o fim último
da conduta humana e com isso é a realidade perfeita, algo para ser alcançado como
um ideal, pois num sistema político, para que haja uma conduta ética, deve-se
almejar o bem acima de qualquer coisa.
Todavia, na teoria de justiça como eqüidade
77
, John Rawls inverte essa
lógica. Para ele, o conceito de justo é anterior ao conceito de bem, pois na sua
teoria, ao se propor essa prioridade, exige-se uma imposição através dos princípios
da justiça política a certos modos de vida; e o bem, baseado nesses princípios,
indicará a finalidade das condutas dos cidadãos. Assim, a idéia de bem deve
respeitar os limites fixados pela teoria da justiça, para que essa mesma teoria
respeite a pluralidade moral dos cidadãos. Logo, apesar do justo ser prioridade, o
bem não é excluído, pelo contrário, o justo e o bem são complementares, ou seja,
são condições necessárias para que haja uma sociedade bem ordenada..
Houve, contudo, alguns mal-entendidos por o se compreender
78
esse
sentido de complementaridade entre o justo e o bem. E para resolver esses
equívocos Rawls propõe não só rever cinco idéias de bem
79
, cuja tarefa é dar base à
teoria da justiça como eqüidade, como também tentar responder a três questões que
podem ser formuladas do seguinte modo: 1) Como é possível, dado ao fato do
pluralismo, um entendimento público relativo ao que é considerado benéfico em
questões de justiça política? 2) Como é possível fazer uso das idéias de bem sem
fazer menção a doutrinas abrangentes, incompatíveis com o liberalismo político?
80
3)
Como foi exposto acima, na justiça (política) certos limites a modos de vida que
são muitas vezes formas de vida admissíveis – e como conseqüência impõe-se uma
barreira aos cidadãos que procuram realizar fins que extrapolem esse limite.
Tudo isso porque intuímos que as instituições reais não seriam justas e os
cidadãos não seriam virtuosos. Sendo assim, uma teoria política da justiça deve
77
Admitiremos essa tradução, no entanto, ela não abarca o seu significado no original: fairness. Outros
significados podem ser apresentados, a saber, lisura, jogo limpo, honradez.
78
Cf. OLIVEIRA, Nythamar Fernandes de. Rawls. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2003. p. 42.
79
I) Bem como racionalidade; II) Bens primários; III) Concepções abrangentes e aceitáveis de bens; IV)Virtudes
política; V) Idéia do bem representado por uma sociedade (política) bem ordenada.
procurar abarcar instituições justas e cidadãos virtuosos. Logo, apesar da
complementaridade do bem e do justo, deve-se propor uma teoria da justiça que não
trace um limite muito estreito para que, dessa maneira, se leve em consideração a
pluralidade. Assim, a terceira questão é: como é possível no liberalismo político,
especificar quais os modos de vida que merecem adesão dos cidadãos?
Para responder a essas perguntas apresentar-se-ão as idéias de bem como
racionalidade e a idéia de bem primário, para que, com isso, tenhamos claramente
quais as soluções dadas pelo autor com relação ao fato do pluralismo
81
.
Antes de começar a analisar as idéias de bem e a prioridade do justo, Rawls
faz uma distinção que segundo ele é primordial para que entendamos a sua
investigação. Essa distinção consiste em deixar claro o que seja uma doutrina
religiosa, filosófica ou moral abrangente e, por outro lado, o que seja uma concepção
política de justiça.
Rawls mostra a distinção entre as seguintes concepções políticas de justiça:
a) ela é uma concepção moral cuja elaboração fora formulada em função da
estrutura básica, conceito esse, elaborado em TJ
82
, diz que o objeto da teoria da
justiça não é o exame das condições particulares, mas sim da estrutura, das
instituições básicas da sociedade e do contexto por elas constituído. E essas
instituições básicas, têm como objetivo a neutralidade em relação às doutrinas
abrangentes e as concepções de bens por elas associadas de um regime
democrático constitucional; b) A concepção política é tida como razoável
83
, e
somente só, para estrutura básica, e com isso não se deve pressupor que aceitá-la é
aceitar qualquer doutrina abrangente particular; c) Ela é formulada segundo idéias
intuitivas fundamentais, latentes na cultura política e pública de uma sociedade
democrática.
80
Como já foi dito acima o principal objetivo do liberalismo político é resolver o seguinte problema: como é
possível existir uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais profundamente dividida por crenças e
ideologias diferentes e muitas vezes incompatíveis?
81
Espero que as três questões sejam respondidas ao longo dessa primeira parte do trabalho, não quando
apresentarmos as idéias de bens de justiça, mas também quando apresentarmos os outros conceitos como o de
liberalismo abrangente e de posição original. O importante é tê-las sempre em mente.
82
CF. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 225.
83
É importante aqui fazer uma diferenciação entre o conceito de racional e razoável em Rawls: O Racional
representa a busca, por parte de cada um, no caso aqui de cada Estado, da satisfação dos seus interesses e se
remete, sempre, ao Bem. O Razoável representa as limitações dos termos eqüitativos da cooperação social e
remete ao Justo. Com isso, segundo Rawls, o razoável pressupõe e condiciona (ou deve condicionar) o racional.
Esclarecidas tais distinções, vejamos agora em que consiste a diferença
primordial entre as teorias abrangentes e a concepção política de justiça. A diferença
essencial entre ambas é a idéia de universalidade que uma delas almeja.
Rawls explica-nos: “[...] a distinção entre as concepções políticas de justiça e
outras concepções morais é a questão do alcance, isto é, do leque de objetos aos
quais uma concepção se aplica, e do conteúdo mais amplo que um leque maior
requer
84
”. Essas concepções, portanto, são gerais e abrangentes, pois além de se
aplicarem a um grande número de questões, elas levam em conta os valores da vida
humana, os ideais de caráter e virtudes do sujeito, ou seja, extrapolam o político,
indo além do mesmo, enquanto que o liberalismo político fica apenas no âmbito da
política e, “apresenta uma concepção política de justiça para as principais
instituições da vida política e social, não para a vida como um todo
85
”. Portanto, não
se encaixa em nenhuma definição supracitada.
A diferença entre uma concepção política de justiça e doutrinas abrangentes
(religiosas, filosóficas e morais) é que aquela deve se restringir ao político, enquanto
que essas abarcam uma gama de questões, inclusive o não-político. Assim, Rawls
propõe que uma concepção política de justiça não somente pode ser compartilhada
por cidadãos considerados livres e iguais, como também, leva em consideração toda
a discussão feita acima. Não devemos esquecer que toda essa preleção tem o
intuito de discutir, inicialmente, a prioridade do justo, e saber quais idéias de bem
podem ser apresentadas em um liberalismo político. Rawls afirma: “Em sua forma
geral, essa prioridade [do justo] significa que as idéias admissíveis do bem devem
respeitar os limites da concepção política de justiça e desempenhar um papel em
seu interior
86
”.
3.1.1 O bem como racionalidade
O ponto inicial desta idéia de bem como racionalidade é uma hipótese. Rawls
propõe que, por suposição, todos os cidadãos de uma sociedade democrática
84
RAWLS, J. O liberalismo político. Tradução de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 2000. p. 222.
85
RAWLS, 2000, p. 222.
86
Id., p. 223.
possuem, mesmo que por intuição, um projeto de vida racional. Com isso, eles
planejam toda sua vida tendo em vista realizar seus ideais de bem, alguns de
maneira mais racional, outros de modo voluntaristas. No momento desse
planejamento, também por hipótese, as pessoas levam em consideração, por
previsão, na atual conjuntura em que vivem não algumas necessidades básicas
como algumas exigências e objetivos futuros.
Propõe-se, é claro, que, ao conceber esses projetos, as pessoas
tomem em consideração as suas expectativas razoáveis em matéria
de necessidade e de demanda a respeito da sua situação futura e de
todas as etapas de sua vida, de tal forma que as possam avaliar a
partir de sua situação presente na sociedade e das condições
normais da existência humana
87
.
Assim, Rawls propõe que qualquer concepção política de justiça, que
pretenda ter o mínimo de viabilidade e justificação, deve ter como bem geral a
realização dessas necessidades básicas e o respeito e a viabilização desses
objetivos, também básicos, dos seres humanos. O propósito disso é mostrar que a
racionalidade é um princípio que deve nortear qualquer organização política e social.
Logo, ao propor qualquer teoria, cujo intuito é justificar uma sociedade democrática
bem ordenada, o dever de considerar esses princípios básicos de justiça e não
só isso, deve transformá-los em valores de uma sociedade.
Desta feita, esses valores são insuficientes para se firmar uma teoria política
em particular, pois são apenas um bem, ou seja, parte de uma estrutura mais
complexa. Por isso, o intuito de se propor a idéia de racionalidade como um bem é
que vai dar fundamento teórico para determinar quais são os bens primários.
Antes da determinação e da fundamentação dos bens primários, Rawls
propõe a concepção política de que todos os cidadãos devem ser livres e iguais.
Após isso, faz-se necessário examinar quais sejam as necessidades e exigências
quando eles são considerados dessa forma, viabilizando o alicerce teórico para que
estes cidadãos livres e iguais e plenamente cooperativos da sociedade possam
perpetuar essa condição de liberdade e igualdade.
87
RAWLS, J. Justiça e democracia. Tradução de Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002a. p. 297-
298.
Para se chegar a essa lista de bens primários, nos quais os cidadãos podem
realmente acreditar em uma viabilidade prática, é indispensável antes encontrar uma
forma de enxergamos quais as exigências e necessidades dos cidadãos políticos.
Para isso, deve-se levar em consideração alguns pontos: inicialmente, a concepção
de cidadão como pessoa deve obedecer a distinção discutida no item dois desse
artigo, a saber, pois a mesma deve ser política e não fundamentada por uma
doutrina abrangente. Com isso, e, além disso, a pluralidade deve ser respeitada e
cada pessoa será consciente de seus preceitos morais e dos “seus interesses de
ordem superior
88
”, somando-se a isso, as idéias de bem como racionalidade e
levando em conta as contingências da vida social. Viabilizando o desenvolvimento
(sócio-cultural e econômico) e a educação dos seres humanos, teremos a
fundamentação teórica necessária para apontarmos quais as demandas e quais as
necessidades dos cidadãos cooperativos de uma sociedade bem ordenada
89
.
Para uma sociedade política ser tida como bem ordenada é preciso que haja
um entendimento público acerca de quais necessidades e exigências podem trazer
benefício para todos, mas esse entendimento público deve atuar: “[...] não somente
sobre os tipos de exigências que os cidadãos podem apropriadamente cumprir,
quando as questões de justiça política se apresentam, como também sobre a forma
pelas quais tais exigências devem ser defendidas
90
”.
A base para esse diálogo é a concepção política de justiça defendida por
Rawls, cujo principal objetivo deve ser o reconhecimento público das suas
necessidades como cidadãos. É justamente para isso que serve a idéia de bens
primários. Mas de que forma chega-se a esse entendimento que uma forma
plural de crenças e concepções? Rawls
91
responde-nos:
Para encontrar uma idéia compartilhada de bem dos cidadãos que
seja apropriada a propósitos políticos, o liberalismo político procura
idéias de benefício racional no interior de uma concepção política
que seja independente de qualquer doutrina abrangente específica e
que, por isso, pode ser objeto de um consenso sobreposto
92
(grifo
nosso).
88
São interesses ligados a interesses de primeira ordem e que nos instigam a efetivar a nossa personalidade
moral.
89
RAWLS, 2000, p. 225.
90
RAWLS, 2000,. p. 227.
91
Id., p. 227.
92
Esse consenso existe numa sociedade quando a concepção política da justiça que governa as suas instituições
básicas é aceita por cada uma das doutrinas abrangentes.
Dessa forma, ele procura resolver o problema que o Estado enfrenta em
questões de pluralidade não de idéias políticas, como também religiosas e
morais.
Entretanto, o problema de ordem prática permanece. Para resolver tal
problema Rawls procura uma “similaridade parcial na estrutura das concepções
permissíveis do bem dos cidadãos
93
”. Isto é, dentro das doutrinas abrangentes
determinadas concepções que não afetam o princípio de justiça política. Daí, apesar
dos cidadãos não terem a doutrina abrangente em sua totalidade, terão se
identificado com partes dela. Rawls reúne, portanto, duas características cujo
objetivo é mostrar que possibilidade desse compartilhamento de benefício com
base racional.
Os cidadãos devem afirmar a mesma concepção política de si como pessoas
livres e iguais.
As suas concepções de bens exigem, para o seu desenvolvimento,
os mesmos bens primários, isto é, os mesmos direitos, liberdades e
oportunidades básicas, dos mesmos meios polivalentes, como a
renda e a riqueza, todos garantidos pelas mesmas bases sociais do
respeito próprio
94
.
Assim, ele conclui: “Esses bens, a meu ver, são as coisas de que os cidadãos
necessitam como pessoas livres e iguais, e que a reivindicação desses bens é
justificada
95
”.
Rawls enumera uma lista de bens primários, no entanto, essa lista não é definitiva
podendo ser estendida
96
, mas nunca diminuída. Os bens primários, segundo Rawls,
são divididos em cinco partes
97
:
Os direitos e liberdades fundamentais (também constituem uma lista);
A liberdade de movimento e a livre escolha de ocupação num contexto e
oportunidades diversificadas;
93
Ibid., p. 227.
94
RAWLS, 2000, p. 301.
95
Ibid, p. 302.
96
Cf. RAWLS, 2000. Nesse livro Rawls propõe ampliar a lista de bens primários, mas que para isso deve-se
tomar algumas precauções a serem discutidas. Ele propõe acrescentar ‘tempo de lazer’ e a ‘ausência de dor
física’.
97
Id., p. 302.
Os poderes e as prerrogativas pertinentes de certos empregos e posições
de responsabilidade nas instituições políticas e econômicas da estrutura
básica;
As rendas e as riquezas;
As bases sociais do respeito próprio.
Percebe-se que os pontos centrais dessa lista, como os itens ‘1’, ‘3’ e ‘4’, são
tipicamente institucionais, isto é, são eles que darão garantia a esses bens
primários. Os itens restantes, como o do respeito próprio, são conseqüências da
garantia dos pontos centrais, pois sendo esses garantidos, infere-se que as
instituições as quais eles representam serão instituições justas. E junto com elas,
toda cultura política pública também será justa, pois todos reconhecerão e aceitarão
os princípios de justiça política. O objetivo dessa listagem de bens primários é o
seguinte: encontrar uma base pública praticável de comparações interpessoais
baseada nas características objetivas das circunstâncias sociais dos cidadãos que
são passíveis de exame, tudo isso dado ao contexto do pluralismo razoável. O
propósito aqui não é o nivelamento dos cidadãos sem levar em conta suas
características próprias, mas tentar, levando em conta o pluralismo, dar um
tratamento equânime aos cidadãos.
Para garantir isso, Rawls propõe não extrapolar os limites da justiça como
eqüidade, ou seja, deve-se propor uma concepção política que seja aceita por cada
uma das doutrinas abrangentes, não como uma “tolerância” entre doutrinas opostas,
mas como interação e aceitação entre elas. Além do mais, lembra-nos o autor:
“devemos respeitar as restrições impostas pela exigência de simplicidade e pela
disponibilidade de informação, às quais qualquer concepção política praticável está
sujeita
98
”.
Logo, os cidadãos, para Rawls, têm algo essencialmente em comum, a saber,
as faculdades morais, intelectuais e físicas, que lhes garantem ser membros
cooperativos da sociedade. Assim, Rawls não exclui os cidadãos em suas diferenças
sociais e leva em consideração que através do princípio da diferença
99
, cujo
propósito principal é mostrar que as desigualdades não são necessariamente
98
RAWLS, 2000, p. 229.
injustas, e que todos os cidadãos têm o direito à participação numa sociedade bem
ordenada, cada um com sua função em especial; como ele mesmo afirma: “a
questão fundamental da filosofia política é especificar os termos eqüitativos de
cooperação entre pessoas assim concebidas
100
”.
Essas faculdades (físicas, morais e intelectuais), não obstante, possuem um
alto grau de pluralidade (ou variações, como queiram); conquanto seja lícito levar em
conta essas variações, temos um problema de ordem distributiva. Todavia, antes de
propor o problema, vamos deixar claro quais o os tipos de variações existentes
entre os cidadãos. Elas podem ser divididas em quatro tipos, quais sejam:
Variações nas capacidades e habilidades morais e intelectuais;
Variações nas capacidades e habilidades físicas, inclusive os efeitos das
doenças e da fatalidade nas capacidades naturais;
Variação nas concepções do bem aceitas pelos cidadãos;
Variações nos gostos ou preferências.
Voltando ao problema, podemos notar que as variações entre as pessoas
podem ser enormes, e assim cabe o questionamento: é justo garantir o mesmo
índice de bens primários a todos os cidadãos? Alguns necessitam por uma
contingência qualquer, saúde, por exemplo de uma assistência maior, e com isso
precisam em quantidade maior de alguns bens primários.
Ainda, dentro das variações acima elencadas, os cidadãos podem ser tidos
como sujeitos, cuja capacidade mínima de cooperação seja pífia, ou, por outro lado,
seja de ordem primordial. Sejamos práticos: uma pessoa cuja fatalidade a premiou
com uma doença que a deixe sem condições de locomoção, vai precisar de
tratamento médico adequado para poder voltar a trabalhar – ou começá-lo – mais do
que uma pessoa com gripe ou sarampo. Além do mais vai lhe custar muito mais
satisfazer seus gostos e preferência.
Para Rawls todos têm a capacidade para ser um membro cooperativo normal
da sociedade, mesmo com uma enfermidade, como a descrita acima. Para ele,
99
Cf. RAWLS, 2002.Capítulo II p. 64 ss. “As desigualdades econômicas e sociais devem ser tais que: a) operem
para o maior benefício aos mais desfavorecidos, no limite de um justo princípio de poupança, e b) sejam ligados
a funções e a posições abertas a todos, de acordo com o principio de justa (fair) igualdade de oportunidade”.
quem vai determinar o que será injusto são os princípios de justiça, cujo objetivo é
governar a estrutura básica da sociedade, estando assim enumerados: a) Cada
pessoa tem o mesmo direito a um sistema plenamente adequado de liberdades e
direitos básicos iguais para todos, compatíveis com um mesmo sistema para todos;
b) As desigualdades sociais e econômicas devem preencher duas condições: devem
estar ligadas a funções e posições abertas a todos em condições de igualdade justa
de oportunidades e devem proporcionar mais vantagens aos membros mais
desfavorecidos da sociedade.
Suponhamos que o cidadão não possa ser considerado como capaz de ser
membro cooperativo normal da sociedade. Para resolver esse problema o filósofo
apela para o Estado, mais precisamente para o legislativo:
[...] quando a ocorrência desses infortúnios e seus tipos são
conhecidos e os custos de seu tratamento podem ser
verificados e computados nos gastos totais do governo [o
problema pode ser resolvido]. O objetivo é recuperar a saúde
das pessoas por meio do tratamento médico, para que possam
voltar a ser membros plenamente cooperativos da sociedade
101
.
Mas e outros casos, como as variações nas capacidades, morais, intelectuais
e físicas, por exemplo? Propomos ver cada caso.
Nesse caso, que corresponde ao item (a), as variações se resolvem com a
prática social, cujo propósito é a qualificação para os cargos que o indivíduo irá
assumir na sociedade e a sua preparação para a livre competição. Essa competição
é realizada dentro de um contexto de igualdade eqüitativa de oportunidades de
educação, cuja preocupação se em formar futuros cidadãos responsáveis e
participativos, conscientes de seu papel político dentro da sociedade. Destarte,
todos os sujeitos educados de forma eqüitativa terão oportunidades não só de
escolherem de que forma irão contribuir com a sociedade, como também terão a
oportunidade de serem membros autônomos e independentes economicamente.
Assim, essa “livre competição” é radicalmente diferente das que vemos na
nossa sociedade atual, já que aquela dá oportunidades eqüitativas de educação com
o objetivo de formar cidadãos autônomos e cooperativos do Estado, e não cidadãos
100
RAWLS, 2000, p. 231.
101
RAWLS, 2000, p. 232.
dependentes da assistência do Estado e com um futuro determinado por sua cor,
gênero ou classe social. Além do mais, há uma outra forma de resolver essa
variação, revendo a regulamentação, através do Estado, das desigualdades de
renda e riqueza, através do princípio da diferença:
[Esse princípio] justifica uma ação corretiva em favor dos mais
desfavorecidos [...] [conduzindo] a um esforço sistemático de
redistribuição [dos bens primários] em favor dos mais
desfavorecidos e sobre o qual deve se concentrar a ação dos
poderes públicos
102
.
No que diz respeito ao item (b) em sua primeira condição, qual seja, as
variações das concepções de bem, Rawls explica: mesmo que as pessoas tenham
concepções de bem não permissíveis, e que algumas concepções não tenham
oportunidades de se efetivarem, e outras tenham a justiça como eqüidade é justa
com todas essas concepções, que oportunidade para todas florescerem.
Finalmente, o item (b) em sua segunda condição, as variações nos gostos e nas
preferências. Encontramos, nesse caso, o que chamaremos de responsabilidade por
nossos fins, que o mínimo que podemos esperar de um cidadão livre é assumir a
responsabilidade pelas ações realizadas, pois “na condição de cidadãos com
capacidades morais realizadas, isto é algo com que devemos aprender a lidar”.
Desse modo, como os cidadãos têm capacidades morais, eles são, de certo
modo, responsáveis não pela sua formação, como também pela manutenção de
seus objetivos finais e pelas suas preferências. É isso que o uso dos bens primários
pressupõe. Mesmo se o indivíduo tiver preferências, digamos, extravagantes, ele é
responsável por suas escolhas e predileções; com isso, não se pode considerar tais
sujeitos como passíveis de seus desejos, mas cidadãos cujas escolhas são parte de
uma formação moral.
Supomos que, ao longo de sua vida, tenham ajustado aquilo de
que gostam e de que não gostam, a renda, riqueza e posição
social que é razoável esperar que tenham. É considerado
injusto julgar que deveriam ter menos agora, a fim de poupar
102
PACHECO, A. As estrelas móveis do pensamento: ética e verdade em um mundo digital. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001. p. 270.
outros das conseqüências de sua falta de previsão ou de
autodisciplina
103
.
Deve-se, todavia, ter em mente certas suposições para se possa considerar
os cidadãos como responsáveis pelos seus fins. Como primeira suposição,
pensemos que os cidadãos possam regular e revisar seus objetivos e preferências à
luz de suas expectativas de bens primários segundo as capacidades morais que lhes
são atribuídas. Para isso, é preciso encontrar critérios viáveis para as comparações
interpessoais que possam ser publicamente aplicáveis e mostrar de que maneira os
bens primários se articulam com os interesses de ordem superior associados às
capacidades morais, de modo que os bens primários sejam critérios públicos
praticáveis com respeito à questão de justiça política.
Suponhamos, ainda, que a concepção de pessoa, segundo o uso efetivo de
bens primários, é implicitamente aceita como um ideal subjacente à concepção
pública de justiça. Mas, com o pluralismo que em nossa sociedade, tem-se a
possibilidade de haver um entendimento entre os cidadãos com relação ao que seja
benéfico em questão de justiça política?
Para John Rawls, sim. Segundo ele, ao demonstrar a possibilidade desse
entendimento, estará, de modo enfático, mostrando a natureza prática dos bens
primários. Assim, para Rawls é possível mostrar um sistema igualitário de liberdades
básicas e oportunidades equânimes entre todos os cidadãos. E para garantir
[...] a todos os cidadãos o desenvolvimento adequado e o pleno
exercício de suas capacidades morais, além de uma
distribuição eqüitativa dos meios polivalentes essenciais para
promover suas concepções específicas [e permissíveis] de
bens
104
.
É necessário, portanto, que haja uma implementação da estrutura sica,
enfatizando que não seria justo nem possível realizar todas as concepções de bens,
por isso destacamos a palavra “permissíveis”, pois algumas concepções são
sinônimas de violação de direitos e liberdades fundamentais. Ao falar de uma cota
103
RAWLS, 2000, p. 234.
104
Id., 235.
eqüitativa de bens primários, Rawls o tem a intenção de propor uma medida do
bem-estar psicológico total, nem de uma utilidade econômica; pois, para ele a justiça
como equidade não faz comparação nem promove a idéia de maximizar o bem-estar
total, além de não se preocupar em avaliar o sucesso dos indivíduos, em sua
extensão e em sua promoção.
Desse modo, os bens primários, quando vistos como direitos, liberdades e
oportunidades, são aqueles que especificam as necessidades dos cidadãos, ou seja,
são os bens primários que traduzem aos cidadãos o que é, em parte, um bem – tudo
isso em questão de justiça política. Logo, é essa concepção política, mais a idéia de
bem como racionalidade (vista acima), que nos orientam para a definição de quais
bens primários são necessários.
Ao especificar essas necessidades a partir de uma concepção política e não
de uma doutrina abrangente, como é comum em teorias morais tradicionais, Rawls
diz que é nesse momento que se tem um “construto” como melhor critério para a
justificação das “existências conflitantes mutuamente aceitas para os cidadãos em
geral
105
”. Assim, os bens primários serão considerados pela maioria como essencial
para a realização de seus ideais de vida, mesmo que esses bens não se aproximem
muito dos seus valores ideais, baseados em doutrinas abrangentes. Então,
[...] as pessoas podem endossar a concepção política e afirmar
que o que é realmente importante em questões de justiça é a
satisfação das necessidades dos cidadãos pelas instituições da
estrutura básica, de acordo com as formas que os princípios de
justiça, reconhecidos por um consenso sobreposto, especificam
como eqüitativas
106
.
para Dworkin o liberalismo político “supõe que as decisões devem ser,
tanto quanto possível, independentes de qualquer concepção particular do que é
viver bem, ou do que valor à vida
107
”. Ou seja, ao investigar sobre esse tipo de
liberalismo, esta se questionando sobre um problema de justiça política e não sobre
um problema do Bem Supremo.
105
RAWLS, 2000, p. 235.
106
Id., 237.
107
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p. 286.
Finalmente, acreditamos ter esclarecido uma noção do que é, para Rawls,
liberalismo político. Ao propor a prioridade do justo sobre o bem, ele tem em mente
alguns princípios mínimos que norteiam a vida do ser humano. No liberalismo
político, portanto, a questão fundamental é desvendar como em uma sociedade
díspare em questão de doutrinas abrangentes (religiosa, moral, questão da
tolerância e do pluralismo) pode haver estabilidade e justiça para que os cidadãos
permaneçam livres e iguais.
3.2. LIBERALISMO ABRANGENTE
Explicaremos o que seja liberalismo abrangente partindo de uma objeção
muito comum que é feita ao liberalismo político. Como vimos anteriormente, o
liberalismo político, com a prioridade do justo, cerceia certos modos de vida e
valoriza outros; além do mais isso não é comum apenas ao liberalismo político,
mas ao liberalismo como um todo, pois enfatiza as liberdades individuais em
detrimento às comunidades e associações.
Levando-se em conta todas essas considerações, como o liberalismo político
é fundamentado por princípios que se abrem através de um construto político, de
sorte, estes princípios vão moldando e dando limites a determinadas doutrinas
abrangentes permissíveis
108
. As instituições básicas, que seguem esses princípios,
vão, de forma até natural, estimulando alguns modos de vida e tornando outros
obsoletos até que desapareçam por completo. Para se esclarecer o “contraste”
existente entre o liberalismo político e o liberalismo abrangente Rawls propõe
investigarmos uma questão fundamental: “(...) como a estrutura básica (exigida por
uma concepção política) estimula e desestimula certas doutrinas abrangentes e seus
valores associados, e se a forma como isso ocorre é justa
109
”. O intuito disso é
esclarecer como o Estado, pautado por uma constituição que leve em conta
elementos essenciais – como bens primários, por exemplo pode ser neutro no que
108
É importante enfatizar “permissíveis”, pois se fosse o contrário, ou seja, se ferisse algum princípio de justiça,
as sociedades, através das instituições, nem aceitaria tais doutrinas.
109
RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins
Fontes, 2003. p. 217.
diz respeito às doutrinas abrangentes, sem favorecer esse ou aquele modo de vida
“imposto” por tais doutrinas.
Segundo Rawls existem duas formas de se desestimular doutrinas
abrangentes. As doutrinas, em seus fundamentos, podem ir de encontro com algum
princípio de justiça, e por isso impõem aos indivíduos que as escolham como meio
de vida, uma forma de se comportar diante da sociedade. Digamos que determinada
doutrina contenha em seu fundamento uma determinada concepção de “bem”, cuja
condição essencial seja o preconceito ou simplesmente a intolerância a pessoas de
etnia, casta ou cor, isso estaria ferindo alguns princípios de justiça e com isso essa
doutrina abrangente seria desencorajada de maneira veemente. Apesar de não
entrar em contradição com alguns desses princípios, para utilizarmos as próprias
palavras de Rawls, “seriam doutrinas admissíveis”, podendo não encontrar
seguidores quando o pano de fundo social e político se torna um regime
constitucional justo. Para ilustrar isso, vejamos o exemplo dado pelo autor:
Suponhamos que determinada religião, e a concepção de bem a ela
vinculada, possa sobreviver se controlar o aparato do Estado e praticar
intolerância. Essa religião deixará de existir na sociedade bem-ordenada do
liberalismo político
110
.
Podemos, por outro lado, questionar até que ponto essa concepção política é
neutra
111
, ou melhor, se tal concepção favorece ou desfavorece algum tipo de
doutrina abrangente, ou, se as pessoas que adotam tais visões para sua vida estão
sendo injustiçadas, ou ainda, se é justo o tratamento dado por essas concepções.
Rawls deixa clara a impossibilidade de evitar determinadas influências sociais
que favoreçam alguns modos de vida que é impossível abarcar todas as doutrinas
existentes no mundo social. Para justificar essa assertiva ele faz referência a Isaiah
Berlin.
[...] não existe mundo social sem perdas: ou seja, não existe mundo
social que não exclua alguns modos de vida que realizam de maneira
singular certos valores fundamentais. A natureza de sua cultura e de
suas instituições é por demais incompatível com tais modos de vida.
110
RAWLS, J. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 218.
111
Cf. RAWLS, J. A teoria da justiça como eqüidade: uma teoria política, e não metafísica. In. Justiça e
Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Esse termo, neutro, gera algumas dificuldades, pois se podem dar
conotações diferentes a ele, o termos aqui se refere à politicamente neutro.
Mas essas exclusões inevitáveis não devem ser confundidas com
vieses arbitrários ou injustiça
112
.
Inferimos que diante da impossibilidade de que em nenhuma sociedade, seja
qual for a concepção de justiça, se evita as perdas, as concepções filtradas pelo
construtivismo político proposto por Rawls não podem ser consideradas injustas.
Todavia, poder-se-ia estar insatisfeito com os argumentos apresentados e ir
além, contestando-os da seguinte maneira: em uma sociedade bem-ordenada
113
do
liberalismo político, seguindo a lógica apresentada por Rawls logo acima, não se
conseguiria estabelecer uma estrutura básica justa, pois a eqüidade de
oportunidades das concepções de bem estaria comprometida ao longo das gerações
futuras. Ou seja, como é impossível evitar perdas de determinadas concepções
abrangentes, sendo elas admissíveis pelos princípios de justiça política, mesmo uma
sociedade bem-ordenada do liberalismo político não possibilitaria, de maneira
eqüitativa, em sua estrutura básica, que aquelas concepções abrangentes
mantivessem, ou pior, perpetuassem às suas gerações vindouras as suas
concepções de bem.
Essa crítica, todavia, não duraria muito, pois se qualquer concepção
abrangente de bem for contrária a algum princípio mínimo exigido em uma
sociedade bem-ordenada isto é, uma sociedade democrática que garanta os
princípios de tolerância e liberdades básicas iguais, tal concepção não
desmereceria perdurar ao longo do tempo, como também, se assim não fosse cairia
numa falácia, que nessa sociedade idealizada por Rawls a idéia de sociedade,
como conceito, está atrelada a um “sistema eqüitativo
114
de cooperação entre
cidadãos livres e iguais”. Portanto, afirma Rawls:
[...] verificar se o liberalismo político é arbitrariamente tendencioso
contra certas concepções e a favor de outras é algo que depende de
saber se, dado ao fato do pluralismo razoável e de outras condições
históricas do mundo moderno, a implementação de seus princípios
em instituições especifica condições de fundo justas em que
diferentes concepções de bem podem ser afirmadas e buscadas
115
.
112
RAWLS, 2003, p. 219.
113
Para uma idéia sobre sociedade bem-ordenas: Cf. RAWLS, 2002b, p. 4-5.
114
Garantido pela posição original e pelo véu da ignorância. As apresentações desses conceitos serão feitas
quando tratarmos da posição original. Ver conceitos em Teoria da Justiça, capítulos I e III.
115
RAWLS, 2003, p. 221.
Assim, eis algumas maneiras do liberalismo político ser injusto, ou
tendencioso contra certos modos de vida: 1)essas sociedades, ainda que liberal,
aceitariam concepções individualistas de bem e elas perdurariam, tornando-as
desse modo intolerante; 2) ou ainda que, em termos “orwelliano”, alguns valores
(religiosos, por exemplo) não poderiam surgir em detrimento aos valores impostos
por essas concepções liberais (abrangentes); 3) ou, enfim, as condições frente às
quais conduzíssemos a esses tipos de atitudes, por parte das instituições ou pelos
cidadãos, forem elas mesmas injustas.
Suponhamos o seguinte para se esclarecer à oposição entre o liberalismo
abrangente e o liberalismo político: um Estado democrático de direito onde existe
uma pequena comunidade e o ideal de vida dessa comunidade é totalmente oposto
aos ideais de vida moderna e com isso eles queiram, como em Canudos, por
exemplo, viver longe da influência do “mundo externo”. Dentro dessa comunidade
passa-se à idéia de que o conhecimento e o modo de agir é dado, apenas, a um
pequeno grupo de sábios e eles interpretam que a moral é fruto de uma ordem
externa, cujos valores que são passados surgem de uma ordem superior, como um
“deus” qualquer. Como ficaria a educação das crianças dessa comunidade,
especificamente, no que concerne a essa questão, e como o Estado poderia atuar
nesse caso?
Por um lado, no liberalismo abrangente, o Estado exigiria a promoção da
autonomia e da individualidade como um ideal que norteia toda a vida daqueles
cidadãos. E na educação das crianças o conhecimento em si e a reflexão sobre o
modo de agir podem ser acessíveis a todos que tenham consciência e sejam
racionais, e que o conhecimento humano surge, juntamente com a vida comum em
sociedade, da natureza humana racional e sentimental, e não através de sanções
externas impostas por uma entidade qualquer. Sobre isso ele esclarece: “O
liberalismo político não é um liberalismo abrangente. Não adota uma posição geral
sobre [as questões colocadas acima]; deixa que sejam respondidas à sua própria
maneira pelas diferentes visões abrangentes
116
”.
116
RAWLS, 2002a, p. 35.
Por outro lado, o liberalismo político seguiria uma forma menos exigente,
como já foi adiantado na citação acima. Para ele, os estudantes deveriam apenas ter
uma consciência política e social sobre si e sobre o mundo a sua volta. Para Rawls,
nessas condições, o que se “imporia” aos membros dessa comunidade era
simplesmente o esclarecimento a essas crianças sobre seus direitos constitucionais
e civis, e com isso, da sua liberdade de ação mostrando-as que são cidadãs e a
escolha religiosa, no caso, não caberia a outrem, mas a si mesmas, sem que isso
seja um crime de que ordem for. Além disso, as crianças devem ser incentivadas a
terem condições de se sustentarem, futuramente, escolhendo qual a melhor forma
de fazê-lo, e assim, serem membros plenamente cooperativos da sociedade. Por
fim, as virtudes políticas dessas crianças deveriam ser incentivadas, eo impostas,
para que essa cooperação social não fuja do termo eqüitativo tão importante em
uma sociedade que almeje a tolerância e respeite o pluralismo.
Contudo, ao que parece, exigir das crianças essa forma de entendimento
político numa concepção política liberal, acaba por orientá-las segundo o liberalismo
abrangente. E, realmente, Rawls leva isso em conta e afirma que a liberdade dada
pelo liberalismo político pode, espontaneamente, chegar a um liberalismo
abrangente qualquer, pois semelhanças patentes entre essas formas de
liberalismos, existindo determinados princípios que são iguais. No entanto, Rawls
tenta responder a essa objeção de que o liberalismo político pode levar ao
liberalismo abrangente, em decorrência de princípios comuns em sua origem:
Mas a única resposta possível a essa objeção é evidenciar as grandes
diferenças de alcance e generalidade entre o liberalismo político e o liberalismo
abrangente tal como os defini. As inevitáveis conseqüências das exigências
razoáveis em relação à educação das crianças têm que ser aceitas, muitas vezes
com pesar
117
.
O liberalismo político, portanto, se diferencia das outras formas de
liberalismos pelo alcance e pela generalidade, como foi dito na discussão sobre o
justo e o bem.
Finalmente, para fazer frente às objeções colocadas acerca do liberalismo
político, através da justiça como equidade, não podemos incentivar determinados
valores e virtudes das doutrinas abrangentes, pois se assim o fizéssemos, deixaria
117
RAWLS, 2003, p. 222.
de ser liberalismo político. Toda essa discussão e as soluções propostas por
John Rawls tentam respeitar os modos de vida escolhidos, no caso do exemplo
acima. Não obstante, determinados princípios, que se não fossem levados em
conta e respeitados, perderiam as características de liberalismo. Mas, mesmo assim,
Rawls procurou dar soluções de cunho político como a possibilidade de se
sustentar e ser membro economicamente independente da sociedade, ter
consciência dos direitos e exigi-los das instituições dentre outros e não impor uma
metafísica que possa levar à conseqüências desastrosas, como guerras e
massacres.
3.3 AS DUAS POSIÇÕES ORIGINAIS
Esse é um conceito bastante polêmico e deveras discutido da teoria rawlsiana, e para
entendê-lo deve-se ir aos princípios e objetivos que Rawls propôs em sua teoria.
Rawls retoma a idéia de contrato social e propõe que abstraiamos, “no mais alto
grau
118
”, esse conceito tão caro a filósofos como Rousseau, Kant e Locke. Mas, ao contrário
do que se possa imaginar, esse contrato não inaugura uma nova sociedade com uma outra
forma de governo não de imediato. Ele está antes disso. Esse contrato tem como função
captar alguns princípios mínimos, consensuais, chamados por ele de princípios de justiça, que
vão nortear toda a vida do indivíduo em sociedade e de toda instituição vindoura, ou seja, a
idéia básica da justiça como eqüidade. Citemos Rawls na TJ para que fique mais claro:
[...] São esses princípios que pessoas livres e racionais, preocupadas em
promover seus próprios interesses, aceitariam numa posição inicial de
igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação.
Esses princípios devem regular todos os acordos subseqüentes; especificam
os tipos de cooperação social que se pode assumir e as formas de governo
que se pode estabelecer
119
.
Assim, neste momento determinado é que os cidadãos, em conjunto, numa espécie de
consenso, vão decidir como seu futuro será norteado, isto é, quais princípios de justiça vão
118
RAWLS, 2000, p. 3.
119
RAWLS, 2002b, p. 12.
moldar a grafia” de sua constituição e com isso quais os direitos e os deveres, quais os
benefícios sociais que serão imperativos nessa carta essencial para que essa sociedade possa
ser chamada de bem ordenada. E assim nasce o conceito de posição original. Se formos fazer
uma analogia com as teorias tradicionais do contrato social, a posição original seria o estado
de natureza. No entanto, é importante enfatizar que esse “estado de natureza” é puramente
hipotético e não uma situação histórica determinada, pois, para Rawls, somente em hipótese é
que se forma uma imagem perfeita do que seria uma sociedade justa, logo, bem ordenada.
vimos que a posição original tem como objetivo determinar quais princípios de
justiça nortearão os cidadãos durante toda sua vida em sociedade, mas o que caracterizaria,
então, a posição original? O chamado u da ignorância. Todos os princípios de justiça
seriam escolhidos sob esse véu, cuja condição é a ignorância que o cidadão deve ter sobre sua
situação em sociedade, ou seja, ninguém saberia em que classe social estaria enquadrado, qual
seu status social, quais são suas habilidades naturais inteligência, força, perspicácia e até
quais são suas concepções de bem; logo todas as doutrinas abrangentes ficariam atrás do véu.
Dada essa situação onde todos estariam num mesmo patamar, onde as contingências foram
postas em cheque, os princípios seriam escolhidos através de um consenso sem que nenhum
partícipe seja favorecido ou desfavorecido, e o acordo deveria garantir, não só a maior
liberdade individual possível, como também a maior igualdade possível de oportunidades.
Rawls chama esse consenso de ajuste eqüitativo”; e explica: “[dada] a simetria das
relações mútuas, essa posição original é eqüitativa entre os indivíduos como pessoas éticas,
isto é, como seres racionais com objetivos próprios e capazes de um senso de justiça
120
(2002, p.13). Numa palavra, a posição original é, “uma situação hipotética na qual partes
contratantes (representadas por pessoas racionais e morais, isto é, livres e iguais) escolhem,
sob um véu da ignorância, os princípios de justiça que devem governar a estrutura básica da
sociedade
121
”.
Segundo temos visto, o modelo de posição original que Rawls propõe é uma
representação para as sociedades liberais, pois para ele não outro modo de se pensar esse
contrato. É deveras importante ter isso em mente ao discutir acerca dos Direitos dos Povos.
Para Rawls existem dois modelos de posição original No primeiro modelo, discute-se num
nível de cidadão para cidadão, ou como o próprio Rawls coloca, “voe eu aqui e agora
122
”.
Nesse momento, sob um véu da ignorância, os cidadãos livres, iguais e racionais, em
120
Id., p. 13.
121
OLIVEIRA, op. cit, p. 14.
122
Cf. RAWLS, 2001, p. 39.
condições justas e razoáveis tomam as decisões que irão dar termos de cooperação, sob a
forma de regulamentos e regras, à estrutura básica da sociedade.
O segundo modelo de posição original é o primeiro modelo estendido ao Direito dos
Povos
123
. Assim como o primeiro, esse é um modelo de representação cujas condições de
convivência serão determinadas por representantes racionais e razoáveis. No entanto, ao invés
de ser uma representação feita por cidadãos de uma mesma sociedade (você e eu, aqui e
agora), serão feitas e formuladas por representantes de diferentes povos liberais, ou seja, você
e eu de alguma sociedade democrática liberal, mas de sociedades diferentes. Esses cidadãos
racionais irão especificar quais os direitos dos povos, e assim, como no primeiro modelo,
todos os povos e seus representantes estarão em um mesmo patamar, e com isso as decisões
tomadas por esses participantes, serão em seu início, simétricas, logo aí, segundo Rawls,
um alto grau de imparcialidade.
Um outro ponto o qual Rawls se detêm em sua explicação sobre a segunda posição
original é o fato de que essa sociedade dos povos será modelada segundo princípios racionais,
pois, como podemos perceber, as condições para que algum povo faça parte dessa sociedade
(a sociedade dos povos) é ser democrático com princípios liberais
124
. Logo, todos os
princípios com os quais os representantes dessas sociedades irão se deparar, para assim
chegarem a um consenso, serão pautados em princípios liberais de cunho democrático.
Vejamos o que Rawls tem a dizer sobre isso:
[...] os povos são modelados como racionais, que as partes selecionam
dentre os princípios disponíveis para o Direito dos Povos guiadas pelos
interesses fundamentais das sociedades democráticas, onde esses interesses
são expressos pelos princípios liberais de justiça para uma sociedade
democrática
125
.
Por fim, também, nesse segundo modelo, o véu da ignorância. Enquanto que no
primeiro caso o véu da ignorância era posto no cidadão para que ele não soubesse seus
talentos em particular, por exemplo. Nesse segundo caso, o véu i servir para que os
representantes não saibam quais recursos naturais ou até mesmo qual o tamanho do território
que eles representam. A única coisa que eles têm conhecimento é que todos os povos
123
Cf. RAWLS, 2001, p. 3. Iremos discutir mais adiante alguns princípios dos Direitos dos Povos, por enquanto
fiquemos apenas com o seguinte conceito do que seja: “Direito dos Povos”. Uma concepção política particular
de direito e justiça, que se aplica aos princípios e normas do Direito e das práticas internacionais.
124
Um dos esforços de Rawls na “Teoria da Justiça” é provar a tese de que ser liberal e ser democrático é
baseado em uma racionalidade.
125
RAWLS, 2001, p. 42.
fornecem as condições mínimas necessárias para que haja uma democracia constitucional
participativa.
Com todas essas características pode-se inferir, portanto, que, segundo as concepções
de John Rawls, todas as decisões tomadas por esse, digamos “conselho deliberativo”, serão
justas e não fugirão das características de uma sociedade internacional bem ordenada.
Eis, portanto, as características da segunda posição original: primeiramente os
representantes dos povos serão razoáveis e tidos entre si como livres e iguais. Em seguida, de
acordo com essa postura, os povos serão modelados como racionais. Em terceiro lugar, todas
as discussões acerca das decisões tomadas estarão no trilho certo, ou seja, todos os temas
discutidos por eles serão sobre os direitos dos povos, cuja função é governar as estruturas
básicas das relações entre os povos. No quarto ponto afirma o autor que todas as deliberações
enveredam-se seguindo as razões certas garantidas pelo véu da ignorância. Por fim, todos os
princípios que irão configurar os direitos dos povos serão pautados nos interesses
fundamentais de um povo e são dados, neste caso, por uma concepção liberal de justiça. Vale
ressaltar, que essa segunda posição original acontecerá depois da primeira, ou seja, todos os
princípios que irão nortear os direitos dos povos estarão decididos, ou selecionados,
previamente na primeira posição original, seguindo os interesses do meu povo.
Finalmente, depois de apresentar alguns conceitos prévios em Rawls devemos agora
nos ater no modo como ele chega ao conceito de Guerra Justa e sob que termos ele defende tal
forma de guerra. Para isso, mostraremos as duas partes de sua teoria ideal, enfatizando os
princípios das sociedades dos povos e alguns dos principais conceitos como o de tolerância e
direitos humanos. Além disso, exploraremos o modo como ele apresenta a sua ‘teoria não
ideal’, cujo cerne do capítulo é o que nos interessa sobremaneira nessa dissertação, a saber:
como se dá e por que ocorre a guerra justa.
4 RAWLS E A GUERRA JUSTA
4.1 SOCIEDADE DOS POVOS
Rawls defende em sua teoria do direito internacional uma concepção política ordenada
por princípios e normas estendidos a todos os povos, cujos caminhos são guiados por direitos
razoavelmente justos. Esses direitos serão seguidos por Povos que têm ideais e princípios em
comum e que, sobretudo, partilham a mesma concepção liberal de justiça semelhante à
concepção rawlsiana de justiça.
Neste capítulo será desenvolvido o conceito do ideal liberal de justiça, a partir de
alguns princípios que encontram semelhança com a idéia rawlsiana de justiça como equidade,
apresentada no capítulo anterior.
Rawls chama de Sociedade dos Povos ou Sociedade Bem Ordenada aqueles povos que
seguem esse ideal de direito e justiça, e nesse seleto grupo (foedus pacificum) se incluem
povos democráticos, liberais e constitucionais. Inclui, também, nesse seleto grupo os povos
“não liberais”, contanto que eles não quebrem algumas condições específicas, chamadas de
condições de direito e justiça, que defendem não a liberdade de expressão e associação,
como a livre tomada de decisões políticas feitas pelos seus cidadãos e o respeito irrestrito aos
direitos humanos. Esses Povos são tipificados por Rawls de decentes. Partimos, enfim, das
características dos povos bem ordenados, liberais e decentes, para discutirmos, na seqüência,
alguns princípios do direito internacional segundo John Rawls.
4.2 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS POVOS BEM ORDENADOS
Assim como os cidadãos são atores nas sociedades democráticas liberais, os povos
bem ordenados, cujas características se assemelham a estes cidadãos, também serão atores da
sociedade dos povos. E, através do seu liberalismo político, numa concepção política de
sociedade bem própria, Rawls vai descrever a natureza dos povos e o modo como eles atuam
através de seus governos.
Existem três características definidoras que Rawls apresenta para povos liberais: a
primeira característica é institucional e diz que um governo deve ser razoavelmente justo e
necessariamente pautado em uma constituição escrita ou não escrita que abarque os
interesses fundamentais desse povo; a segunda é cultural e afirma que os cidadãos devem ser
unidos por afinidades comuns. Esse conceito é o mesmo defendido por J.S. Mill em seu
Considerations on Representative Government. A partir desse conceito, ele defende uma idéia
de nacionalidade para afirmar que um povo é unido por vários motivos: limites geográficos,
identidade de raça etc, mas o motivo maior é a “identidade dos antecedentes políticos, a posse
de história nacional e a conseqüente comunidade de recordações, orgulho e humilhação; o
prazer e o pesar coletivos, ligados aos mesmos incidentes do passado”, e por fim, os povos
devem ter uma natureza moral, “que exige uma ligação firme com uma concepção política
(moral) de direito e justiça
126
”.
Ao explicitar as características de um povo bem ordenado, Rawls quer apresentar a
construção de um “povo ideal”, e para isso ele parte dos mesmos princípios estabelecidos em
sua Teoria da Justiça. Ao construir esse “povo ideal”, Rawls segue todos os passos, desde o
contrato originário, passando pelo véu da ignorância e pelas estruturas básicas da sociedade,
até formá-la de maneira bem ordenada. E quando ele diz que institucionalmente o governo
deve ser razoavelmente justo, na verdade está defendendo que todo governo, gerenciador da
sociedade bem ordenada, deve estar sob controle, tanto político como eleitoral, dos cidadãos
livres e racionais. Além do mais, aquele governo deve ser o responsável em cumprir e
proteger todos os interesses fundamentais estabelecidos por esse povo através do consenso
por justaposição
127
, garantido pela constituição, seja ela escrita ou não. E ele complementa:
O regime não é uma agência autônoma perseguindo as suas próprias
ambições burocráticas. Além disso, não é dirigido por interesses de grandes
corporações de poder econômico e corporativo privado, ocultados ao
conhecimento público e quase inteiramente livre de responsabilidade
128
.
126
RAWLS, 2001, p. 42.
127
“Um consenso por justaposição (overlaping consensus) existe numa sociedade quando a concepção política
da justiça que governa as suas instituições sicas é aceita por cada uma das doutrinas abrangentes, sejam elas
morais, filosóficas ou religiosas e que perduram nessa sociedade ao longo das gerações”. Cf. TJ, p. 430.
128
Id., p. 42.
Todavia, quais instituições deveriam ser criadas para que tal teoria funcionasse na
prática? Rawls não responde essa pergunta de maneira direta, mas deixa entender que tudo
depende das estruturas básicas da sociedade. Se elas forem bem alicerçadas e os cidadãos,
tanto funcionários, como não funcionários, isto é, empregados do governo e seus
fiscalizadores forem suficientemente motivados e cumpridores das suas obrigações,
conseqüentemente, as tentações da corrupção serão afastadas definitivamente e não haverá
necessidade de um órgão de controle externo.
Dois exemplos disso, segundo Rawls, são o financiamento público de campanha e os
fóruns para discussão de políticas públicas, pois sem uma discussão pública, com a
participação direta da população, não possibilidade de uma política pública séria, de sorte
que ao discutir diretamente com a população e ouvir os clamores dos cidadãos, os políticos
profissionais não têm como deixar realizar tais desejos. E quanto ao financiamento público de
campanha, Rawls faz uso de um argumento bastante óbvio, mas correto: quando uma
campanha é financiada por grandes empresários e o país é desigual em sua distribuição de
renda e riquezas, os políticos que foram financiados por esses detentores do poder econômico,
principalmente os legisladores, ficam a mercê dos interesses dos que os financiaram, e a
legislação, portanto, será escrita por “lobistas”; e o Congresso se tornará um local de compra e
venda de leis que beneficiem, não mais o povo, mas determinadas classes favorecidas pela
distribuição.
Quanto à segunda característica, Rawls acredita que os povos liberais – bem ordenados
e razoavelmente justos devem estar unidos por afinidades comuns e com um desejo de ter
governos vinculados à uma democracia constitucional. Entretanto, seria bastante problemático
efetivar essa característica se essas afinidades em comum fossem inteiramente dependentes de
uma linguagem, uma cultura política ou uma história em comum. No entanto, para Rawls,
com as “conquistas históricas” e com a imigração, houve miscigenação, não só de raças, como
também de culturas e memórias históricas. Sendo assim, na maioria, se não em todos os casos,
onde se tem governo democrático não existe mais uma identidade cultural tão arraigada como
outrora. Assim:
[...] O Direito dos Povos parte da necessidade de afinidades comuns, não
importa a fonte. Minha esperança é que, se começarmos de maneira
simplificada, podemos elaborar princípios políticos que, no devido tempo,
nos capacitarão a lidar com casos mais difíceis, em que todos os cidadãos
são unidos por uma linguagem comum e memórias históricas compartilhadas
(grifo nosso)
129
.
Para Rawls isso sepossível graças à uma política liberal razoavelmente justa, pois
nessa política, por prezar pela tolerância e respeito a direitos, é bastante provável que as
necessidades culturais dos diversos grupos étnicos e nacionais sejam satisfeitos.
Para, enfim, justificar a terceira característica povos liberais têm certo caráter moral
Rawls parte do raciocínio de que os cidadãos em uma sociedade nacional têm respeito aos
preceitos do liberalismo político e com isso são razoáveis e racionais. Então, os povos cujos
princípios seguem essa mesma ordem não poderiam ser diferentes. Desse modo, toda conduta,
tanto dos povos como dos cidadãos, devem ser limitadas pela percepção do que seja razoável.
Mas como isso se dará, ou seja, como poderão os povos e os cidadãos limitar as suas próprias
condutas? Ora, isso será feito através das leis e políticas do seu governo, por meio do qual
responderá aos anseios dessas populações racionais e razoáveis, que os colocaram nessa
função através do escrutínio universal. Então, seguindo o mesmo raciocínio, o filósofo
americano dirá que da mesma forma que cooperação entre cidadãos, pois estes são
razoáveis, os povos liberais (bem ordenados, que fazem parte da sociedade dos povos)
também terão a mesma conduta de cooperação justa entre si. Rawls conclui: “Um povo
honrará esses termos quando estiver seguro de que outros povos também o farão. Isso nos
leva aos princípios da justiça política no primeiro caso [cidadãos] e de Direito dos Povos no
segundo
130
”.
4.3 SOBERANIA, POVOS E ESTADO
Após apresentar as características dos povos liberais devemos nos ater nesse momento
inicial, antes de apresentar os princípios dos Direitos dos Povos, à idéia de soberania, pois é
nesse conceito que poderemos perceber a distinção entre povos liberais e Estado.
Segundo Rawls, para se elaborar o Direito dos Povos, deve-se antes destacar que a sua
idéia de soberania é bastante diferente dos defensores, seguindo a linha clausewitziana, das
“idéias tradicionais de Estado”, cujos poderes são soberanos também no direito internacional
positivado. Esses poderes “incluem o direito de guerrear no desempenho de políticas estatais
129
RAWLS, 2001, p. 32.
como os fins da política dados pelos interesses prudentes (grifo nosso) racionais de um
Estado
131
”.
Um Estado, então, tem o direito de declarar guerra, e atacar preventivamente
qualquer outro Estado, se aquele se sentir ameaçado por este, possibilitando a
qualquer um certa autonomia frente à soberania dos demais. Essa autonomia
também é estendida à relação do Estado com o próprio povo, daí a possibilidade
dos exércitos nacionais serem usados contra o próprio povo caso este esteja pondo
em risco a ordem e a soberania.
A idéia de Soberania no direito dos povos é diferente da tradição positivista na
formulação dos princípios de justiça que norteiam a sociedade nacional. Esses princípios de
justiça serão consensualmente construídos a partir da segunda posição original e o alcance
será direcionado às pessoas pertencentes à uma determinada sociedade nacional, pois não
estamos falando, ainda, numa sociedade dos povos. Essa sociedade é vista pela posição
original como uma sociedade fechada, na qual somente pode-se entrar pelo nascimento
natural e a única possibilidade de desligamento é através da morte, que Rawls está tratando
especificamente de uma sociedade nacional e não da internacional. Sendo assim, a
necessidade de uma força armada é irrelevante, pois instituições como a polícia e o judiciário
serão suficientes para manter a ordem caso haja necessidade de defender o Estado
democrático de direito.
O Estado nacional, portanto, não pode construir um exército e cuidar de suas fronteiras
caso seja necessário defender-se? O que Rawls está discutindo são apenas os direitos de
justiça interna dos Estados, demonstrando que esses Estados não têm o mesmo grau de
autonomia daqueles defendidos por Clausewitz, de modo que não podem tratar o seu povo a
revelia, isto é, não podem fazer com ele o que bem entender, mesmo que esteja dentro de sua
fronteira. Se houver um direito interno de justiça de se fazer guerra, este será concebido pela
Sociedade dos Povos.
Embora os princípios nacionais de justiça sejam compatíveis com um direito
qualificado de guerrear, eles não estabelecem por si mesmos esse direito. A
base desse direito depende do Direito dos Povos, ainda a ser formulado. Esse
Direito, como veremos, restringirá a soberania ou autonomia (política)
interna de um Estado, o seu alegado direito de fazer o que quiser com o povo
dentro das suas fronteiras
132
.
130
RAWLS, 2001, p. 33.
131
Id., p. 33.
Tomando por base que um Estado não é mais detentor de todos os poderes, dentre eles
o poder de declarar guerra e a autonomia sobre o seu povo, então o domínio destes poderes
ficará restrito ao Direito dos Povos.
Para Rawls, se um governo for organizado internamente segundo regras de instituições
democráticas constitucionais, não terá problemas em aceitar tais condições e limites. E
seguindo esse pensamento, o direito internacional, desde a Segunda Guerra Mundial, vem
limitando esse direito de guerrear dos Estados, além de não permitir, através de sanções, que
um governante tenha autonomia completa sobre a sua população. O que percebemos logo no
preâmbulo da carta das nações unidas:
Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações
vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida,
trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na
igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações
grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o
respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito
internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e
melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins,
praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos,
e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a
garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força
armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um
mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de
todos os povos
133
.
Em outras palavras: a distinção entre Povos e Estados é que os primeiros têm
características singulares e distintas dos Estados, além do fato de que são essencialmente
morais e derivam de uma natureza razoavelmente justa, seguindo o seu regime liberal
racional. Esses Povos que estão inseridos na Sociedade dos Povos e são norteados em seus
direitos e deveres pelo Direito dos Povos não são dirigidos pela chamada razão de Estado,
como fica claro nessa sentença de Lord Palmerston: “A Inglaterra não tem nenhum amigo
eterno e nenhum inimigo eterno, apenas interesses eternos
134
”. Os Estados são os responsáveis
132
RAWLS, 2001, p. 34.
133
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, Preâmbulo: Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_carta.php>. Acesso em: 28 de julho de 2006.
134
KEEGAN, John. Uma história da guerra. Tradução de Pedro Maria Soares. São Paulo: Companhia da Letras,
2006. p.144.
pelas guerras e pela paz, que eles estão constantemente preocupados em manter o poder,
para realizarem os seus interesses.
Esse tipo de compreensão de Estado é denunciado por Rawls como sendo
“tradicionalmente concebido”, tendo em vista que esse tipo de abordagem é a mesma desde
Tucídides, defendida até hoje. Para Rawls, os interesses do Estado não podem exceder o
limite do razoável, ele não pode permitir que seus objetivos passem por cima do critério de
reciprocidade que se exige no tratamento com outras sociedades. Rawls conclui:
Uma diferença entre povos liberais e Estado é que apenas os povos liberais
limitam os seus interesses básicos exigidos pelo razoável. Por contraste, o
conteúdo dos interesses do Estado não permitem que sejam estáveis pelas
razões certas: isto é, por aceitarem e agirem com firmeza com base em um
Direito dos Povos justo. Os povos liberais, contudo, têm realmente os seus
interesses fundamentais, permitidos pelas suas concepções de direito e
justiça
135
.
4.4 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DOS POVOS
Existem dois interesses fundamentais que são seguidos por um povo bem que se vêem
livres e iguais. O primeiro, é desenvolvido segundo suas concepções razoáveis de justiça
política no que diz respeito à proteção da sua independência política e à garantia da liberdade
cultural, pois, assim, esses povos poderão garantir a sua segurança e a de seus territórios
através das liberdades civis, fazendo com que os cidadãos sintam-se livres e seguros, gerando,
dessa maneira, bem-estar. o segundo interesse tem como base a seguinte idéia: se um povo
respeita, honra e conhece a sua própria história e cultura, ele desenvolverá em sua consciência
comum um respeito próprio (self-respect), passando a exigir que os outros povos os
reconheçam como igual. Algo simples de se alcançar quando um povo é reconhecidamente
justo, pois, sendo justo, ele estará concordando e admitindo o respeito a outros povos.
Todavia, esses povos devem perceber e aceitar desigualdades de certos tipos, para que
a ajuda possa ser distribuída de maneira eqüitativa, pois “esse reconhecimento de
desigualdades é, antes, paralelo à aceitação, pelos cidadãos, das desigualdades funcionais
135
RAWLS, 2001, p. 35.
sociais e econômicas na sua sociedade liberal
136
”. Logo, um povo que é justo e razoável e
cujas instituições estejam alicerçadas numa democracia constitucional firme (para Rawls essa
é uma característica de quem faz parte da Sociedade dos Povos), ele oferecerá a outros povos
alguns termos eqüitativos de cooperação não política, como também social. E estes termos
serão pensados a partir da idéia de que se um povo, com características idênticas a outros
povos dessa mesma sociedade, vir a aceitar esses termos, então os outros povos, também os
aceitarão.
Sendo assim, mesmo numa condição em que algum povo possa levar vantagem em
violar tais acordos, eles não o farão, já que o critério de reciprocidade não deixará que isso
aconteça. Essa boa vontade é conferida a todos os povos que fazem parte dessa sociedade, é
em razão das escolhas feitas no contrato originário, ou seja:
[...] o critério de reciprocidade aplica-se ao direito dos povos na mesma
maneira que se aplica aos princípios de justiça para um regime
constitucional. Esse senso razoável de devido respeito conferido a uma
boa vontade a outros povos razoáveis, é um elemento essencial da idéia de
povos que estão satisfeitos com o status quo pelas razões certas
137
.
É necessário, então, elaborar uma série de princípios que vão dar base a esse acordo.
Mas, é preciso antes esclarecer, e Rawls chama a atenção para isso, pois esses princípios não
serão defendidos por um Estado mundial, e ele acredita que se assim fosse haveria ou uma
tirania global, ou uma insegurança permanente e os povos viveriam num estado permanente
de guerra, na busca de sua liberdade e autonomia. Eis os princípios dos Direitos dos Povos
138
,
que serão basilares para a Sociedade dos Povos:
1. Os povos são livres e independentes, e sua liberdade e independência
devem ser respeitadas por outros povos, ou seja, esse é o princípio da
autodeterminação: um Povo é livre para resolver seus próprios assuntos sem
a intervenção de forças exteriores;
2. Os povos devem observar tratados e compromissos;
3. Os povos são iguais e são partes em acordos que os obrigam;
4. Os povos sujeitam-se ao dever de não-intervenção;
5. Os povos têm o direito de autodefesa, mas nenhum direito de instigar a
guerra por outras razões que não a autodefesa;
6. Os povos devem honrar os direitos humanos;
7. Os povos devem observar certas restrições especificadas na conduta da
guerra;
136
Id., p. 45.
137
RAWLS, 2001, p. 45
138
Id., p. 47.
8. Os povos têm o dever de assistir a outros povos que vivem sob condições
desfavoráveis que os impeçam de ter um regime político e social justo e
decente.
Tais princípios são apenas formulações gerais que podem sofrer acréscimos, pois eles são princípios mínimos que
norteiam o Direito dos Povos e, assim sendo, não é permitida nenhuma supressão deles, vindo a se formularem de acordo
com a realidade de cada povo. Além do mais existem alguns princípios que foram colocados por Rawls apenas para que
haja uma descrição mais detalhada de outros princípios, de sorte que eles já seriam auto-evidentes numa Sociedade dos
Povos. São eles, o sexto e o sétimo. Por outro lado, é mister que os povos bem-ordenados estejam cientes desses
princípios básicos de justiça política, para que assim possam formular quais serão os seus modos de vida e quais condutas
deverão tomar em situações pontuais, como no caso de uma guerra, por exemplo. Por isso, nesse caso específico é válido
ressaltar:
[...] nenhum povo tem o direito de autodeterminação ou um direito a
secessão à custa de subjugar outro povo. Tampouco pode um povo protestar
contra a sua condenação pela sociedade mundial quando as suas instituições
internas violam os Direitos Humanos ou limitam os direitos das minorias de
viver entre eles
139
.
Nesse momento, Rawls coloca como base de uma sociedade bem-ordenada o ideal dos
Direitos Humanos. É nele que se fundamentam todos os oitos princípios de justiça que devem
ser obedecidos pelos povos e cujo objetivo maior é fazer parte de uma sociedade bem
ordenada. Poder-se-ia refutar tal observação ao constatar que é apenas no sexto princípio que
se coloca os Direitos Humanos em destaque, ou seja, ele põe esses direitos como sendo mais
um princípio a ser seguido. Sendo assim, os Direitos Humanos não abrangem todos os
princípios, mas apenas uma parte do todo.
Para responder tal questão, devemos primeiramente defender que os Direitos Humanos
são à base desses princípios de justiça e, com isso, o principal a ser defendido, pois ele
abrange todos os outros. Em seguida, mostrar-se-á que é ele que serve de justificação para as
intervenções militares no mundo hodierno.
139
RAWLS, 2001, p. 49.
5 RAWLS E O JUS AD BELLUM
Nesse capítulo, iremos tentar responder uma pergunta essencial para esse trabalho,
segundo os princípios de justiça do direito internacional rawlsianos, uma intervenção militar
pode ser justa ou justificada? Para isso, devemos entender o que seja o jus ad bellum, ou
melhor, uma intervenção justa segundo esse autor. Já demos algumas pistas do seu
posicionamento no decorrer desse trabalho, porém, é necessário apresentar o modo como ele
chega a esse conceito em sua obra máxima Uma Teoria da Justiça. Nela, mais precisamente
no §58 do capítulo sexto “Dever e Obrigação”, para tentar justificar a questão da objeção de
consciência (ou desobediência civil), ele leva a sua Teoria da Justiça para fora dos assuntos
internos dos Estados, passando a analisá-la a partir do direito internacional.
Ao examinar a justificativa da desobediência civil supus, para simplificar,
que as leis e políticas contestadas diziam respeito a assuntos internos. É
natural indagar como a teoria do dever político se aplica à política externa.
Para fazê-lo é necessário estender a teoria da justiça ao direito internacional.
[...] Nosso problema, é o de relacionar os princípios políticos justos que
regulam a conduta dos Estados com a doutrina contratualista, e explicar,
dessa perspectiva, a base moral do direito internacional
140
.
A nosso ver, Rawls radicaliza, nesse momento, o sentido de expor um exemplo
extremo, no qual um soldado recusa-se a “fazer o seu trabalho” por razões políticas, e o
exemplo que ele vai utilizar é a objeção de consciência no campo de batalha, ou simplesmente
de servir ou não servir as forças armadas em tempos de guerra.
Essa recusa, no entanto, deve ser meramente política, pois o que ele vai investigar são
as concepções de justiça e não quais doutrinas abrangentes (religiosas ou não religiosas)
servem de base para tal recusa. Nesse caso, ele vai querer analisar quais são os princípios
justos, e para tal empreitada ele utilizará o mesmo método utilizado em todas as suas obras e
exposto aqui nos capítulos anteriores. De sorte, devemos supor que todos os indivíduos
passaram por todo aquele processo da posição original e do véu da ignorância e que atingiram
o consenso por justaposição, logo, chegaram também aos dois princípios básicos, a saber, o
princípio da liberdade igual e o princípio da diferença. Esses dois princípios, respectivamente,
defendem o seguinte:
140
RAWLS, 2002b, p. 418.
1) Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório
de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto esse compatível
com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente
estas, deverão ter seu valor eqüitativo garantido. 2) As desigualdades sociais
e econômicas devem satisfazer dois requisitos: a) devem estar vinculadas a
posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade eqüitativa de
oportunidades; b) Devem representar o maior benefício possível aos
membros menos privilegiados da sociedade
141
.
Portanto, o que deve ser feito é: “Aplicar a interpretação da posição original e pensar
nas partes como representantes de diferentes nações que devem escolher os princípios
fundamentais para julgar reivindicações conflitantes entre vários estados
142
”. É o primeiro
esboço do que ele chamaria do segundo modelo da posição original, isto é, da mesma forma
que se aplicou à posição original entre indivíduos de uma sociedade, deve-se aplicar o mesmo
método entre os povos. Com isso, todos os representantes desses povos não irão dispor de
informações privilegiadas (véu da ignorância) e, apesar de saberem que representam um povo,
eles ignoram por completo os seus poderes e suas forças perante outros povos. Rawls quer
com isso, da mesma forma que fez em TJ, chegar à conclusão de que entre as nações uma
equidade de poderes, assim ele irá anular (pelo menos é o que pretende) toda contingência e
tendências históricas que venham a favorecer um ou outro povo.
A justiça internacional vai ser determinada por princípios de políticas públicas, cujas
escolhas foram feitas na posição original. Segundo Rawls esse princípio seria fácil de deduzir:
o princípio que rege o direito internacional seria o da Igualdade entre os Povos. Destarte,
ainda por analogia à sua Teoria da Justiça no âmbito doméstico, vai mostrar que esse
princípio de igualdade vai garantir certos direitos iguais básicos entre as nações, ou seja,
assim como os cidadãos de Estados constitucionais justos têm certos direitos básicos, povos
independentes também terão direitos básicos garantidos.
A partir de agora, iremos analisar os princípios básicos colocados por Rawls que irão
fundamentar todo o direito internacional da sociedade dos povos. Contudo, só iremos destacar
quatro dos oito princípios propostos pelo filósofo, por achá-los mais relevantes e porque, a
nosso ver, resumem a essência dos demais. Destacaremos o sexto princípio, que trata
diretamente dos Direitos Humanos, conceito chave para compreensão da doutrina de Rawls.
Dentre os princípios básicos deduzidos a partir do contrato originário, existem quatro
que destacamos. O primeiro (1) é o princípio da igualdade que está presente no terceiro ponto,
141
RAWLS, 2002b, p. 64.
142
Id., p. 418.
mas que podemos colocá-lo como fator determinante para a concretização de todos os demais,
visto que é um princípio, como diz o próprio Rawls
143
, determinante para que povos
independentes organizados como Estados tenham certos direitos iguais básicos garantidos.
Para que isso aconteça, esses povos têm que passar por um processo que desenvolva
coletivamente um certo respeito próprio, para que, assim, possa respeitar e reconhecer outros
povos como iguais. Os demais pontos serão inferências dessa consciência, como uma
derivação de um postulado que todos conhecem e aceitam.
O segundo (2) princípio é o da autodeterminação, que resume os pontos 1 e 4 das
regras dos direitos dos povos. Nesse princípio, defende-se que os Estados têm o direito de
resolver os seus problemas internos, e com isso lhes dão liberdades e independência para fazê-
lo; além do mais isso será garantido por outros povos que se reconhecem assim. O terceiro (3)
diz respeito ao direito à autodefesa, que diz o seguinte: o direito a guerra está, apenas, sob a
condição de defesa a um ataque prévio ou de se prevenir a um ataque iminente, seja em seu
próprio território ou num território em que os direitos políticos e de justiça estejam
ameaçados. Por fim, o quarto princípio (4), cujo ponto central defende o respeito a contratos e
compromissos, acaba por abarcar os princípios de número 2, 3, e 7. Seguindo esse raciocínio,
Rawls explica: “[...] tratados para um guerra iminente (autodefesa), interpretados
adequadamente, gerariam obrigações, enquanto acordos para cooperar numa agressão
injustificada seriam nulos ad initio
144
. Isso explica os pontos dois e três. O ponto sete diz
respeito às regras de batalha, que também devem respeitar os contratos que modelam, ou
queiram modelar, certas condutas dos combatentes em guerra (Jus in Bello).
Esses princípios, o da liberdade, o da autodeterminação, o da autodefesa e o do
cumprimento dos contratos, é que irão definir, não só o Jus ad Bellum, como também o Jus in
Bello. É a partir desses princípios que a sociedade dos povos irá justificar se sua causa para
guerra é justa ou injusta, e se a conduta dos seus, e de outros combatentes será moralmente
aceita.
Desta feita, dentre todos os princípios utilizados por Rawls para formular a base do
direito dos povos, temos como ponto central e guia dos demais o direito a autodefesa e os
direitos humanos. Para ele:
Entre os direitos humanos estão o direito à vida (aos meios de subsistência e
segurança); à liberdade (à liberação de escravidão, servidão e ocupação
forçada, e a uma medida de liberdade de consciência suficiente para
143
RAWLS, 2002b, p. 419.
144
Id., p. 419.
assegurar a liberdade de religião e pensamento); à propriedade (propriedade
pessoal) e à igualdade formal como expressa pelas regras da justiça natural
(isto é, casos similares devem ser tratados de maneiras similares)
145
A partir dessa definição percebe-se que os direitos humanos abarcam uma boa parte
dos princípios formulados por Rawls para o seu Direito dos Povos e a partir dele podemos
destacar o direito de igualdade, o direito de liberdade, e o direito à vida. E quando se fala no
direito de guerrear (jus ad bellum), é que, comparado aos demais conceitos, os direitos
humanos têm um maior destaque. E isso não é no sentido de ter preferência, mas também
de conduzir os demais: “(...) a guerra não é mais um meio admissível de política
governamental e é justificada em autodefesa ou em casos graves de intervenção para
proteger os direitos humanos
146
”.
Nesse momento, Rawls coloca o princípio da autodefesa no mesmo patamar dos
direitos humanos, mas quando se está lutando contra possibilidades de invasão, a maior
preocupação de um Estado deve ser assegurar essa série de direitos conquistados pela
sociedade dos povos. Com isso, mostra-se que é em defesa dos direitos humanos que toda
guerra é ou poderá ser justificada. É por isso que Rawls enumera três papéis especiais aos
direitos humanos, quais sejam:
1. Seu cumprimento é condição necessária da decência das instituições
políticas de uma sociedade e da sua ordem jurídica.
2. Seu cumprimento é suficiente para excluir a intervenção justificada e
coercitiva de outros povos, por exemplo, por meio de sansões diplomáticas e
econômicas ou, em casos graves, da força militar.
3. Eles estabelecem um limite para o pluralismo entre os povos
147
.
Finalmente, ao analisar como Rawls formula a sua teoria acerca dos Direitos dos
Povos em fazer guerra, devemos reforçar quais são os seus pressupostos e em que ele se
baseia para tal assertiva. Para fazer isso, ele vai formular uma teoria dividida em duas partes
interdependentes: uma ideal e outra não-ideal, cuja formulação tem o intuito de mostrar que
partindo de um modelo ideal pode-se tentar mudar, a longo prazo, certas características
danosas para a humanidade. Rawls explica: “Ela [a teoria não ideal] busca políticas e cursos
de ação moralmente permissíveis, politicamente possíveis, e com probabilidade de serem
145
RAWLS, 2001, p.85.
146
Id., p.104.
eficazes. Assim concebida, a teoria não-ideal pressupõe que a teoria ideal está
disponível
148
”.
É partindo desse modelo ideal que Rawls vai afirmar a existência de determinadas
comunidades que em muito se assemelham com os pressupostos apresentados por essas
sociedades ideais. Ele chamará esse tipo de sociedade de Povos bem ordenados, que por sua
vez serão divididos em dois, a saber: a) Povos Liberais Razoáveis, cujas características são
estas: democracias constitucionais ocidentais e que seguem aos princípios do Estado
democrático de direito; b) Povos Decentes: estes são povos “não liberais”, mas que tem como
base de suas ações políticas os direitos humanos, além do mais, permitem que os seus
cidadãos tenham o direito de serem consultados em decisões primordiais do Estado.
Existem, todavia, povos que não obedecem e nem seguem os modelos ideais
formulados por Rawls. Esses povos, denominados pelo autor de Estados fora-da-lei, não
reconhecem nem nos direitos humanos, nem no modelo liberal de justiça, nem nas
democracias constitucionais, um ideal que possa orientar as suas ações políticas.
Portanto, a questão central levantada pelo filósofo americano, ao conceituar esses
Estados como fora-da-lei
149
, é saber como os povos liberais e decentes devem agir diante
daqueles.
Rawls parte do pressuposto que os povos fora-da-lei acreditam, já que não seguem os
direitos humanos, que a guerra é razão suficiente para promover seus interesses, ou seja, a
guerra é um meio, se não justo, pelo menos legítimo, de garantir os interesses racionais” do
regime. O que contraria a tese de Rawls, que defende como as únicas formas legítimas de se
fazer guerra é em autodefesa ou em defesa dos aliados povos bem ordenados tendo
sempre como meta a defesa, em última análise, dos direitos humanos. Sendo assim, Rawls
condena qualquer justificativa dos interesses “racionais
150
de um Estado em fazer guerra,
incluindo aí a justificativa tradicional de Soberania, por exemplo.
[...] o direito dos povos aos povos bem ordenados direito à guerra na
busca racional dos interesses racionais de um Estado; estes, sozinhos, não
são razão suficiente. Os povos bem ordenados, tanto liberais como decentes,
não iniciam guerra uns contra os outros; guerreiam apenas quando acreditam
sincera e razoavelmente que a sua segurança é seriamente ameaçada pelas
políticas expansivas de Estados fora da lei
151
.
147
Ibid., p.105.
148
RAWLS, 2001, p. 118.
149
Chegamos a conclusão de que esse tipo de questionamento é possível em sua teoria não-ideal, já que na
teoria ideal tais povos simplesmente não existiriam.
150
RAWLS, 2001, p. 118.
151
Id., p 119.
Portanto, para aqueles que seguem o direito dos povos como guia, a única forma de
declarar guerra é quando se sentirem ameaçados pelas políticas expansivas de Estados fora-
da-lei. Se incorporarmos os conceitos de Schmmit
152
à proposta de Rawls, os povos bem
ordenados seriam os amigos e os povos fora-da-lei seriam os inimigos. De sorte que:
Quando uma sociedade guerreia em autodefesa, ela o faz para proteger e
preservar as liberdades básicas dos seus cidadãos e das suas instituições
políticas constitucionalmente democráticas. Na verdade, uma sociedade
liberal não pode exigir como justiça que seus cidadãos lutem para conquistar
riquezas econômicas ou obter reservas naturais, muito menos conquistar
poder e império
153
.
Finalmente, o intuito de Rawls é estabelecer limites razoáveis para se declarar uma
guerra, por isso a única forma de guerra justa para Rawls é aquela travada em defesa dos
princípios do direito dos povos, seja em defesa própria, seja em defesa de uma outra
sociedade bem ordenada.
5.1 RAWLS E O JUS IN BELLO
Examinaremos, agora, a segunda pergunta chave para o nosso trabalho. Existem casos
em que fazer uma guerra é moralmente legitimo? Para responder, devemos investigar não
as colocações deontológicas do Jus in Bello, segundo John Rawls e Michael Walzer, como
também qual o papel dos cidadãos nas sociedades dos povos e qual o seu comportamento em
uma situação de guerra. Explicaremos a partir do Estado até chegar aos cidadãos, por isso
retomaremos rapidamente algumas idéias do jus ad bellum.
Como já foi dito nenhum Estado, segundo Rawls, tem o direito de guerrear para buscar
ou defender os seus interesses, mas pode fazê-lo em defesa da razoabilidade. Isso equivale a
dizer o seguinte: somente na defesa dos princípios dos Direitos dos Povos, cuja essência se
traduz nos Direitos Humanos, é que um povo liberal ou decente pode declarar guerra em
nome da autodefesa, e nesse direito está incluso a possibilidade de um Estado liberal ou
152
Cf. SCHMITT,Op. cit, p. 51 [19-?].
153
Cf. RAWLS, 2001, p. 119.
decente defender outro, contanto que este ou faça parte da sociedade dos povos, ou pretenda
sê-lo, adotando os princípios aqui mencionados. No entanto, essa ação, para Rawls, pode
ser vista de maneira diferente, com fins e propósitos diferentes, seja por um povo liberal, seja
por um povo decente.
Apesar de Rawls acreditar que diferenças entre povos liberais e decentes,
percebemos que ambos compartilham a mesma base de princípios morais guiados pelos
direitos humanos.
Mas, se um Estado se distanciar dos princípios liberais propostos na sociedade dos
povos? É o que Rawls tenta responder ao inserir o conceito de autodefesa em uma sociedade
que ele classifica de absolutismo benevolente. É isso que investigaremos a seguir, enfatizando
também o papel do cidadão dessas sociedades no caso de guerra e a quais princípios morais
ele deve seguir nesse caso. Além do mais, levantaremos outra questão sobre os princípios
elaborados no Direito dos Povos. Existe algum desses princípios que justifique se fazer uma
guerra? Quais devem ser os procedimentos desses cidadãos no campo de batalha?
Nas sociedades liberais uma série de suposições que devem ser levadas em conta,
como por exemplo: supõe-se que nelas somente legitimidade e legalidade de se fazer uma
guerra no caso de autodefesa se, e somente se, as liberdades básicas dos seus cidadãos, ou de
outros cidadãos que façam parte da sociedade dos povos, forem ameaçadas ou ainda se as
instituições democráticas de base constitucional forem atingidas de alguma forma.
Essa mesma sociedade liberal não pode exigir que seus cidadãos aprovem ou lutem
por propósitos que sejam opostos a estes, como por exemplo, em defesa de expansão
territorial, para obter riqueza econômica, para a conquista de recursos naturais ou para lograr
poder e império. Além do mais para uma sociedade liberal “autêntica” o que importa é a
participação dos cidadãos na promoção de sua defesa. Essa participação deve ser meramente
política e sob nenhuma hipótese deve ser de cunho particular, ou seja, em defesa de seus
interesses individuais.
Segundo os princípios liberais, propostos por Rawls, todos os cidadãos têm garantido
o direito de defender alguma doutrina abrangente seja ela filosófica, religiosa ou moral. E
são eles que garantirão a função que os cidadãos irão exercer dentro da sociedade, e, no caso
aqui, uma sociedade se não em guerra, prestes a sê-la. Os cidadãos, portanto, é que garantirão
e sustentarão sua autonomia política e sua liberdade cívica.
Mas, se assim for, haverá um descompasso entre essas doutrinas abrangentes, e um
povo que provavelmente estará em guerra, entrando, desse modo, em colapso civil, a não ser
que seja imposta uma idéia de bem que se assemelhará a uma hierarquia benevolente. Rawls
responde:
Tais cidadãos (verdadeiramente políticos) desenvolvem uma opinião sobre
os acertos e erros do direito político e de justiça e sobre o que o bem-estar de
diferentes partes da sociedade exige. Como no Liberalismo Político, cada
cidadão é considerado como possuidor do que chamei “os dois poderes
morais” – uma capacidade de senso de justiça e para concepção de bem
154
.
Destarte, os princípios de justiça é que irão proteger os interesses, como ele
mesmo diz, “de ordem superior dos cidadãos”. Toda idéia de bem será moldada
pelos princípios que darão a base e a fundamentação da constituição liberal e da
estrutura básica da sociedade bem ordenada. Serão as instituições que formalizarão
como os cidadãos deverão se comportar dentro de uma situação limite, como no
caso de uma guerra. Sendo assim, não haverá disputa entre as doutrinas
abrangentes, pois os cidadãos terão apenas que segui-las segundo a sua
concepção moral (a primeira como afirma Rawls), mas sem ferir os princípios de
justiça propostos não apenas pelo Estado doméstico, como também pelos Estados
que fazem parte da sociedade dos povos, pois fora definido na posição original.
para lembrar: isso tudo é o que se refere aos fins e propósitos dos povos liberais
quando o autor se refere ao estado de guerra. Vejamos agora esses mesmos fins e
propósitos dos povos decentes.
Assim como os povos liberais têm alguns direitos que valem a pena ser defendidos de
forma beligerante (a idéia de autodefesa), os povos decentes também os têm. Mas, o que
exatamente os cidadãos dessa sociedade têm de benefícios, que segundo Rawls valha uma
guerra, ainda mais uma guerra justa, visto que numa sociedade decente o modelo liberal não é
aplicado e por isso não é precisamente modelo padrão defendido pelo filósofo? Rawls
responde com um exemplo:
[...] os governantes do povo decente imaginado, o Casanistão
155
, poderiam
defender corretamente a sua sociedade mulçumana hierárquica decente. Eles
154
RAWLS, 2001, p. 120-121.
155
Sua característica principal é ser uma hierarquia religiosa, ou seja, apenas os cidadãos de uma determinada
religião (Islã) é que podem ocupar cargos políticos e jurídicos superiores, mas outras religiões podem ser
toleradas com perda “apenas” do direito de exercer tais cargos. Em contraponto, entre os povos liberais, qualquer
cidadão pode participar e exercer qualquer cargo. Ele descreve esse povo hipotético para demonstrar a tese de
admitem e respeitam os membros de diferentes credos e respeitam as
instituições políticas de outras sociedades, inclusive de sociedades não
mulçumanas e não-liberais
156
.
Sendo assim, os povos decentes são tolerantes em relação a outras religiões e
respeitam outras formas de se fazer política. Mas para Rawls isso já seria razão suficiente para
o direito à autodefesa? Muito pouco provável. Além dessas características existem duas outras
que são os reais motivos para ele admitir uma guerra, são elas: a defesa dos direitos humanos
e a mínima participação popular na política, por exemplo, do Casanistão.
Percebe-se, com isso, que Rawls admite aqueles povos cujas características
respeitem e admitam não apenas o liberalismo, ao menos o liberalismo clássico cujos
princípios centrais são a tolerância e o respeito aos seres humanos como indivíduos de livre
expressão, como também aqueles que tenham traços de democracia, pelo menos em sua forma
política, pois uma consulta popular. Assim, os cidadãos que fazem parte desses povos
decentes necessariamente vão ter em suas características culturais e políticas, e com isso em
seus valores morais, traços bastante fortes dos povos liberais.
Mas há ainda uma outra forma de sociedade que se admite fazer uma guerra de
autodefesa, o que Rawls chama de absolutismo benevolente e cuja característica principal é o
respeito e a honra aos direitos humanos, mesmo que eles não aceitem que os seus cidadãos
participem das decisões políticas.
Lembrem-se: o direito a autodefesa admite que um outro país possa intervir e ajudar
aqueles povos que respeitem os direitos humanos, mesmo que ele seja uma ditadura. O que
reforça a nossa tese de que os direitos humanos são a base da doutrina da guerra justa,
tornando-se, dessa maneira, uma doutrina abrangente que deve ser defendida a todo custo,
sendo mais fácil afirmar que toda a guerra é necessária e justa e no caso de Rawls, se for para
defender os direitos humanos e os povos que fazem parte da sociedade dos povos. Destarte,
por inferência, ele deveria concordar com todos os que admitem ser a guerra uma forma
necessária de política internacional, pois a sociedade dos povos o modelo impõe as suas
idéias e princípios a outros povos e, se contrariado o modelo, pode-se fazer guerra em nome
dele.
que um governo decente é viável, já que se ele for rigoroso e considerar apenas aqueles povos que seguem um
regime democrático razoavelmente justo não sobrariam exemplos. Id., p. 98
156
Ibid., p. 121.
um outro ponto que queríamos destacar. contradição em Rawls quando ele
admite que em uma sociedade absolutista, mesmo que benevolente, possa defender os direitos
humanos de sorte que dois princípios fundamentais desses direitos são a igualdade entre
todos os cidadãos, incluindo o governante e governados e a liberdade de consciência e
expressão. Há um jogo argumentativo claro nesse ponto.
Quando Rawls cria o conceito de absolutismo benevolente ele tem como objetivo
ratificar a universalidade dos direitos humanos, pois a palavra “benevolente” ameniza a
situação de um país que não admite a participação popular, mas que os direitos humanos são
palavra de ordem, e com isso o direito a autodefesa está garantido. Isso lembra a política
americana ao defender e armar alguns países em nome da democracia quando, no entanto,
esses países não eram democráticos, mas aliados dos Estados Unidos, e por isso benevolentes.
Além disso, ele não deixa claro em seu livro em que sentido eles podem defender os
direitos humanos sendo que em tal Estado não se admite a participação dos seus cidadãos em
nenhuma tomada de decisão, principalmente ao declarar uma guerra, mesmo que seja de
defesa ou de prevenção. Se formos ao filósofo fundador dos direitos humanos, percebemos
isso com mais clareza. Kant, filósofo inspirador de Rawls e principal influência dele ao
escrever “O Direito dos Povos”, no Primeiro Artigo Definitivo para a Paz Perpétua
argumenta:
Se (e não pode ser de outro modo nessa constituição) é exigido o
consentimento dos cidadãos para decidir “se deve ou não haver guerra”,
então nada é mais natural que ponderem bastante antes de encetar um jogo
tão malévolo, pois devem resolver a tomar sobre si mesmos todas as
tribulações da guerra com seus próprios haveres; reparar penosamente a
devastação que ela deixa atrás de si; e finalmente, para mulo dos males,
tomar sobre si o peso de uma dívida que amarga à própria paz e que [por
causa das próximas e sempre novas guerras] jamais será liquidada
157
. (grifo
nosso)
Kant continua assertivamente: se ao contrário for, ou seja, se numa constituição a qual
o súdito não é cidadão (nesse caso não é a constituição republicana proposta por Kant), como
no caso do absolutismo benevolente, não razão nenhuma em se declarar uma guerra, ou
como diz Kant: “a guerra é uma coisa irrefletida”; pois sendo o soberano dono do Estado a
guerra não lhe atingirá de nenhuma forma, e desta maneira, não sofrerá os seus males não
havendo conseqüência nenhuma para que ele seja de forma direta ou indiretamente.
157
KANT, 2004, p. 42.
Os critérios utilizados por Rawls ao defender o direito à guerra são pouco claros. Se
em um momento ele acredita que apenas a sociedade dos povos, modelo de tolerância das
doutrinas abrangentes, pode declarar guerra, em um outro momento ele abarca uma sociedade
totalmente oposta às suas idéias de tolerância, quando afirma que essa mesma sociedade
defende parte dos direitos humanos.
Ora, ao afirmar que uma sociedade despótica pode fazer guerra de autodefesa em
nome dos direitos humanos ele está cada vez mais abrangendo o conceito de direitos
humanos, abrindo exceções demasiadas e chegará um momento
158
em que um governante
imponha um Estado de exceção para defender os direitos humanos, cujo princípio primordial,
repito, é a liberdade de expressão e consciência.
Tudo isso, no entanto, tem uma razão de ser. Rawls tem o propósito de inserir todas as
sociedades, a princípio sejam elas quais forem, contanto que respeitem minimamente, os
direitos humanos, na sociedade dos povos. Logo, ao admitir povos “não-liberais” nessa
sociedade, com o tempo esses povos se tornarão bem-ordenados e seguirão o modelo liberal.
O objetivo a longo prazo é levar todas as sociedades a honrar o Direito dos
Povos e se tornarem membros plenos e de boa reputação da sociedade dos
povos bem ordenados. Os direitos humanos, assim, seriam assegurados em
toda parte. Como levar todas as sociedades a esse objetivo é questão de
política externa; pede sabedoria política e o sucesso depende em boa parte de
sorte
159
.
O problema é que haveria uma imposição do que seria melhor para todos os povos. E
o melhor já fora decidido, a saber, é a democracia constitucional ao estilo ocidental, e as bases
norteadoras aos modos de vida dos cidadãos seriam os princípios liberais de justiça, e os
direitos humanos seria a base moral de toda conduta entre os cidadãos e entre Estados. Isso
não teria problema se Rawls assumisse desde o começo essa luta pelos direitos humanos
como algo a ser alcançado a qualquer custo, mesmo que ele pontuasse fases a serem
cumpridas, desde a tentativa de impor esses princípios de maneira diplomática, ou apelando
158
E esse momento chegou. O governo americano em nome da liberdade e da defesa dos direitos básicos,
incluindo os direitos humanos, dos cidadãos estadunidenses tentou impor um estado de emergência, com o
objetivo de luta contra o terrorismo. Consoante a isso os cidadãos abririam mão da liberdade e de certos direitos,
algo totalmente paradoxal. Por isso Rawls deveria deixar mais claros os critérios em que momento se é favor da
guerra, e com isso utilizá-la como prática legitima e legal na política internacional, ou, por outro lado, ser
totalmente contra qualquer prática beligerante, sem nenhuma exceção, tendo como prática da política
internacional apenas a diplomacia. E isso só será possível se todos os Estados aplicarem a mesma prática de uma
política internacional de paz, como quer conquistar Rawls ao impor as regras da sociedade dos povos a todas as
nações do mundo.
para a razoabilidade, como ele quer, até chegar ao ponto de impor através da guerra, onde
defenderia, com justeza, a sua doutrina abrangente e não afirmando que os exércitos da
sociedade dos povos podem ir a campo de batalha somente se a guerra for declarada justa.
Vejamos agora como é uma conduta de guerra louvável, ou seja, quais os princípios
que fazem de um soldado em batalha um ser justo. É o jus in bello. Nesse caso iremos
investigar não só Rawls no capítulo § 14 do seu livro, mas principalmente Michael Walzer em
seu livro Guerras Justas e Injustas. A razão disso é simplesmente porque segundo o próprio
Rawls as idéias dele e de Walzer se aproximam sobremaneira. E como, ao nosso ver, a teoria
de Walzer está mais completa e detalhada então vamos nos valer mais dela.
Assim como dois adversários em qualquer esporte ou em qualquer disputa justa
160
que
na vida, os soldados profissionais em guerra, ou até mesmo nos treinamentos nos quartéis,
criam vários tipos de restrições das mais variadas formas. Estas restrições surgem com
naturalidade até pelo respeito e pelo “se colocar no lugar do outro”, já que ambos partilham da
mesma profissão.
Ao lermos romances de cavalaria, assim como Dom Quixote o fez em demasia, ao se
descrever as aventuras de um fidalgo, evidencia-se que determinadas condutas que são
desprezadas e outras tantas que são bem vistas por questão de honra e respeito. E isso é
atestado quando a história mostra que na Idade Média tardia havia vários códigos de conduta
militar. Esses códigos tinham o intuito de preservar os guerreiros aristocráticos e diferenciá-
los de simples soldados camponeses ou de bandidos e mercenários. Walzer atesta: “certo
sentido de honra militar ainda é credo do soldado profissional, o descendente sociológico se
não descendente linear do cavaleiro feudal
161
”.
Não sejamos, todavia, ingênuos de pensar que nas batalhas contemporâneas a fidalguia
esteja ainda presente. Possa ser que existam resquícios em algum soldado amante da boa
literatura. Porém, mesmo com o fim do modelo de guerreiro moral, ou seja, da fidalguia,
ainda assim existem regras de condutas que são impostas ao soldado. Ao contrário de um bom
cavaleiro, os soldados profissionais normalmente lutam contra a sua vontade, e justamente por
isso impõem-se regras e códigos morais a serem seguidos.
[Pois] os soldados não conseguem suportar a prática da guerra moderna por
muito tempo sem culpar alguém por sua dor e sofrimento. [...] a realidade é
159
RAWLS, 2001, p 122.
160
Podemos fazer aqui uma referencia a idéia de agón, ou seja, a boa disputa, aquela feita com lisura.
161
WALZER, 2003, p. 57.
que sua condenação se concentra de modo imediato nos homens contra os
quais estão lutando. O nível de ódio é elevado nas trincheiras
162
.
Por causa disso houve muitas situações em que soldados cometeram uma série de
barbaridades em guerra, podemos citar o do sargento americano que num acesso de loucura e
de ódio extremos estuprou as mulheres de uma aldeia vietnamita e depois assassinou, com
requintes de crueldade, toda a aldeia, que em sua maioria eram formadas de mulheres e
crianças.
Por outro lado, porém, Walzer chama a atenção para o lado dos soldados. Segundo ele
ao ter um momento mais reflexivo, como em cartas escritas aos familiares, os soldados em
guerra, entendem que os inimigos não são culpados pelas guerras, ou até mesmo por alguns
atos que eles possam vir a cometer; ele é meu inimigo pelo fato de estar servindo a interesses
políticos diferentes dos meus. Como havíamos chamado a atenção, eles encaram uns aos
outros como “colegas de profissão”, apesar de que esse “colega” pode vir a ser o seu verdugo.
Existem alguns casos
163
interessantes que podem dar uma imagem mis clara a tudo
isso. Existem os relatos que contam casos de soldados alemães e franceses em plena Segunda
Guerra Mundial se confraternizando numa festa de final de ano. Isso mostra que eles
conseguem perceber o outro, não pela sua humanidade, isso seria bastante fácil tendo em
vista que qualquer criminoso pode ser reconhecido de tal maneira, mas eles se reconhecem
mutuamente como homens em estado de guerra, e não como criminosos.
possibilidades morais quando se está no inferno? Essa é uma pergunta com a qual
nos deparamos ao ler o livro chamado Estação Carandiru, de Drausio Varela. A nossa
conclusão foi em termos positivos. Mesmo numa situação na qual o nível de humanidade é
bastante pífio, que é a situação em que aqueles prisioneiros se encontravam, mesmo nesse
contexto eles achavam formas, através de códigos morais”, de torná-las menos desumanas
possíveis, impondo uma moral muito diferente das que conhecemos, mas uma moral que
pudesse assegurar o mínimo de humanidade que restava em tal lugar. E é esse mesmo tipo de
pergunta que faço em uma situação limite como uma guerra. Uma possível resposta seria:
Eles podem tentar me matar, e eu posso tentar matá-los. Entretanto, é errado
degolar seus feridos ou abatê-los a tiros quando tentam se entregar. Esses
julgamentos são bastante claros, creio eu, e sugerem que a guerra ainda é, de
162
Id., p 60.
163
WALZER, 2003, p. 112-114.
algum modo, uma atividade regida por normas, um universo de permissões e
proibições – um mundo moral, portanto, no meio do inferno
164
.
Existe moralidade numa guerra, uma moral bastante própria, já que o principal direito
que os combatentes têm, não importa se fazem parte ou não de uma sociedade dos povos, em
qualquer lado que eles estejam, eles têm a permissão para matar. Todavia, abre-se aqui uma
nova discussão, não matar qualquer pessoa, mas somente homens que são vítimas. Daí a
necessidade de explorar o conceito de vítima segundo Walzer. Para ele seria muito difícil
entender o direito legítimo e legal de matar, se não houvesse um reconhecimento desses
combatentes como vítimas também. Segundo ele, a realidade moral da guerra pode ser vista
tanto pelo lado dos soldados voluntários, ou seja, aqueles em guerra por sua livre escolha,
como também pelo lado daqueles que estão lutando sem a mínima liberdade de consciência.
Suas guerras, tanto no primeiro caso quanto no segundo, além de não constituírem crimes,
elas, também, são regidas por normas. A única diferença é que no primeiro caso, quando o
soldado está lutando por sua vontade, as normas são consentidas reciprocamente; no caso
em que o soldado não tem liberdade alguma, essas normas são baseadas numa “servidão
compartilhada”.
Sendo assim, esses soldados, mesmo os voluntários, são considerados “vítimas”, não
se as guerras as quais estiverem empreendendo forem consideradas ilegais, dentro do
direito internacional, como também nas guerras consideradas legais. Walzer cita um bom
exemplo para ilustrar tal caso. Existia um general de Hitler, de nome Rommel, cuja principal
característica consistia em respeitar as normas de guerra. Mesmo quando seus colegas
cometiam as mais pavorosas barbaridades, ele se mantinha na linha. Seu único propósito era
ser um bom profissional, um bom guerreiro. um caso em que Rommel destruiu uma
Ordem de Comando emitida diretamente pelo Füher, qual seja, que “todos os inimigos
encontrados atrás da frente de batalha alemã deveriam se mortos imediatamente
165
”. No
entanto, ele seria considerado um assassino diante dos tribunais internacionais. É nesse caso
que Walzer e a nossa posição está em conformidade com a dele quando considera como
“vítima”:
O motivo está relacionado com a distinção entre o jus ad bellum e o jus in
bello. Nós estabelecemos um limite entre a guerra em si, pela qual os
164
Id., p. 61.
165
WALZER, 2003, p. 64.
soldados não são responsáveis, e a conduta na guerra, pela qual eles são
responsáveis, no mínimo, dentro do seu próprio campo de atividade. É bem
possível que os generais tenham um de cada lado dessa linha, mas isso
apenas sugere que sabemos muito bem onde ela deveria passar. (...) Em
termos gerais não culpamos um soldado, nem mesmo um general, que luta
em nome do seu próprio governo
166
.
No entanto, um soldado é apenas vítima quando se trata duma luta legal ou ilegal, no
caso do jus ad bellum, mas as normas as quais os soldados devem cumprir, o jus in bello,
estão escritas nos tratados de direito internacionais. No caso de uma guerra está bastante claro
que ao declarar que um outro Estado é inimigo do seu, seja pelos direitos humanos, seja por
questão de soberania –, ambos têm o direito de se digladiarem por meio da força armada. E os
soldados e combatentes têm o igual direito de matar, sem isso, não há equiparação moral entre
eles.
Esse direito, contudo, deve ter algumas especificações e moderações que devem ser
levadas em consideração, pois são nessas especificações e moderações que se fundamentam a
separação entre uma batalha e um massacre. Existem, portanto, dois tipos de proibições aos
quais, tanto Walzer, quanto Rawls chamam a atenção, a saber: De que forma como e sob
que condições quando os soldados podem matar?; e, Quem os soldados podem matar?
Para Rawls existem seis princípios, ao estilo kantiano em sua “Paz Perpétua”, que restringem
a conduta de guerra, são esses princípios que os soldados
167
dos povos bem ordenados devem
seguir quando estiverem em guerra. Citemo-los
168
:
1. O objetivo de uma guerra justa movida por um povo bem ordenado justo é
uma paz justa e duradoura entre os povos e, especialmente, com seu atual
inimigo.
2. Os povos bem ordenados não guerreiam entre si, mas apenas contra
Estados não bem ordenados, cujos objetivos expansionistas ameacem a
segurança e as instituições livres de regimes bem ordenados e ocasionem a
guerra.
166
Id., p. 65-66.
167
Vale salientar que em momento nenhum Rawls usa o nome “soldado” nesses princípios. Ele prefere utilizar o
termo “povos bem ordenados”, todavia, como sabemos que numa sociedade bem ordenada quem vai à guerra são
os soldados profissionais, e não os civis, então podemos substituir os dois termos. Mas por qual motivo ele não
utiliza diretamente o termos soldado? Pelo mesmo motivo de que na Declaração Universal dos Direitos do
Homem não está presente a palavra guerra, mas apenas “agressão”, “autodefesa”, “execução do direito
internacional”. Em ambos os casos os autores querem minimizar e escamotear o sentido próprio da guerra, o que
vem junto com a palavra ao pronunciá-la, para assim, dar uma idéia (falsa) de paz. Cf. RAWLS, 2001,.p. 125-
127.
168
RAWLS, 2001, p. 124.
Tais princípios citados, ipsis literis, demonstram os objetivos gerais, ou melhor, quais
os objetivos do controle da conduta em guerra, isto é, quando um soldado fere o jus in bello, o
que ele está pondo em risco, e em que dimensão ele está sendo “injusto” em suas ações.
Continuemos com os princípios.
3. Na conduta da guerra, os povos bem ordenados devem distinguir
claramente três grupos: os líderes e funcionários do Estado fora-da-
lei, os seus soldados, e a sua população civil
169
.
A razão de Rawls fazer essa distinção é bastante óbvia. É evidente que os líderes e
funcionários desse Estado, chamados por Rawls de fora da lei, é que devem ser
responsabilizados por essa guerra ilegal, e por isso devem ser considerados criminosos
lembre-se que para o filósofo americano nunca, em sua teoria ideal, um povo bem ordenado
declara ou faz uma guerra ilegal, conseqüentemente injusta, apenas os Estados fora-da-lei,
com suas idéias expansionistas e descumpridoras dos direitos humanos são, em grau
170
superior, responsáveis pela guerra. São esses líderes e funcionários, e uma elite que se
beneficiam dessa forma de governo, através de propagandas estatais é que convencem a sua
população civil a apoiar a guerra e até mesmo a participar dela. Com relação aos soldados, o
mesmo princípio que os protegem na teoria de Walzer é seguido por Rawls, com uma
exceção: Rawls considera “vítima” da guerra apenas soldados que participam diretamente das
batalhas, aqueles que “se sujam de lama e de sangue”; os escalões superiores da classe oficial
não são considerados “vítimas”, são, portanto, criminosos.
4. Os povos bem ordenados devem respeitar, tanto o quanto possível, os
direitos humanos dos membros do outro lado, civis e soldados
171
.
Isso fica claro em se tratando da teoria política internacional de John Rawls, pois se
ele defende os direitos humanos como base em uma política ideal justa, é evidente que os seus
169
Idem.
170
“A responsabilidade pela guerra raramente é de um lado. Contudo, a responsabilidade admite graus.
Portanto, é certamente legítimo afirmar que um lado pode ter mais responsabilidade que o outro [...] algumas
mãos estão mais sujas do que outras. Também é importante reconhecer que às vezes um povo bem ordenado com
mãos um tanto sujas ainda poderia ter o direito e até mesmo o dever de guerrear para se defender”. Cf. RAWLS,
2001, p. 124. (grifo nosso)
soldados, ou melhor, os soldados da sociedade dos povos, devem saber que os direitos
humanos são princípios com bases pétreas e com isso inalienáveis. No entanto, é bom
destacar um outro objetivo, qual seja, demonstrar ao inimigo, tanto soldado como os civis, o
modo como os soldados da sociedade dos povos os tratam, ou seja, de que maneira se respeite
os direitos humanos, para que assim, esse tratamento funcione como uma espécie de
propaganda, demonstrando “o significado e a importância dos direitos humanos”.
5. Os povos bem ordenados, pelas suas ações e proclamações, quando viável,
devem prever, durante uma guerra, o tipo de paz e o tipo de relações que
buscam. Ao fazê-lo, demonstram abertamente a natureza dos seus objetivos
e o tipo de povos que são
172
.
Nesse caso, Rawls retoma a idéia kantiana de garantia na paz futura. Para tal, Kant faz
ressalvas na condução da guerra em seus artigos, e todos eles estão, de certa forma, resumidos
no artigo quinto proposto por Rawls. No entanto um em especial quando fala diretamente do
jus in bello paralelamente ao sexto artigo que Kant assim formulou:
Nenhum Estado em guerra com um outro, deve permitir hostilidade de tal
Natureza que tornem impossível a confiança recíproca na paz futura: como o
emprego de assassinos (percussores), envenenadores (venefici), a ruptura da
capitulação, o incitamento à traição (perduellio) no Estado combatido
173
.
O que Rawls quer demonstrar, mais uma vez, assim como Kant queria fazê-lo com a
constituição republicana, é a primazia dos direitos humanos, sendo este um norteador moral
de todos os povos, pois, ao levar em consideração todas as características dos povos bem
ordenados liberais e decentes espera-se que as suas condutas em guerra sejam coniventes
com os princípios que eles pregam.
6. Finalmente, o raciocínio prático de meio e fins deve ter um papel restrito
quando se julga a adequação de uma ação ou política. Esse modo de
pensamento deve ser sempre estruturado e limitado pelos princípios e
suposições precedentes. As normas da conduta de guerra estabelecem certas
fronteiras que não devemos cruzar
174
.
171
Id. p. 126.
172
Idem.
173
KANT, 2004, p.35.
Esse último ponto colocado por Rawls, acompanhando Walzer
175
, tem como proposta
apresentar os limites que um guerreiro deve ter em um campo de batalha. Para eles existem
certas fronteiras que o soldado em guerra não pode transpor. No entanto, é mister lembrar:
existem determinadas situações que requer uma exceção a essa regra, Rawls, em uma leitura
de Walzer, as chamou de “Extrema Emergência”.
5.2 A EXTREMA EMERGÊNCIA
A idéia de extrema emergência consiste no seguinte: assim como em nossas vidas, em
algum momento, passamos por sérias dificuldades, seja ela na esfera amorosa, seja ela no
âmbito financeiro ou em qualquer outro, nesses momentos normalmente nós dizemos que
estamos em crise. E para sairmos de uma crise é necessário, muitas vezes, tomamos medidas
de emergência. Por exemplo, implorar, se humilhar para a pessoa amada e cometer “loucuras
de amor”, ou, no segundo caso, pedir empréstimos com juros exorbitantes ou falar com aquele
amigo ou familiar que você não vê há muito, e lhes pedir um “dinheirinho para pagar no outro
mês”. Como em nossas vidas, digamos, civil, os Estados também passam por momentos de
crises que requerem determinadas atitudes de emergência. E um desses momentos, sem
qualquer dúvida, é a guerra. Walzer concorda com isso e afirma acrescentando:
Toda guerra é uma emergência, toda batalha um possível momento de
virada. No combate, o medo e a histeria sempre estão latentes, com
freqüência são reais, e nos empurram na direção de medidas apavorantes e
comportamento criminoso. As convenções de guerra são um obstáculo à essa
medida, nem sempre eficazes, mas ainda assim existem
176
.
174
RAWLS, 2004, p. 127.
175
Acreditamos ser esse a idéia central da tese de Walzer em seu livro “Guerras Justas e Injustas”. É demonstrar
que a guerra, apesar de todos pensarem ao contrário, deve ter determinadas condutas morais a serem seguidas.
Além da preocupação e do medo comum da guerra, ainda o medo desses
comportamentos criminosos, tanto por parte dos soldados em luta, quanto pelos próprios civis.
Além do mais é importante destacar que esses comportamentos são, muitas vezes,
oportunistas, pois são nestas situações que muitos estadistas justificam chacinas, estupros e
assassinatos, sempre em nome da emergência suprema e assim de uma utilidade tamanha para
governante que souber aproveitá-la.
É importante deixar bem claro quais critérios são permitidos para essas situações.
Existem dois critérios, quais sejam, 1) o da iminência do perigo; 2) a natureza que esse perigo
representa. Logo, existem dois níveis que estão inseridos no conceito de necessidade, ou
seja, a necessidade de declarar uma situação de extrema emergência passados por esses dois
critérios.
É importante ressaltar que esses dois critérios devem ser usados. Isto é, em uma
situação de emergência deve ser aplicada, se e somente se, ambos os critérios forem levados
em conta, e nenhum critério sozinho vale a proclamação da situação de emergência. “Nenhum
dos dois, por si só, é suficiente como exposição de uma situação extrema nem como defesa
das medidas extraordinárias que se considera que a situação extrema exija
177
”.
Todavia, há argumentos que podem banalizar tais critérios. Qual é o soldado ou
mesmo um comandante que não ache a sua situação em guerra um perigo
iminente e de natureza gravíssima? Walzer vai responder a isso dizendo que não
é sempre que os soldados profissionais e até mesmo os cidadãos civis prefiram.
Para ele, quando estão acuados – no primeiro caso num forte ataque em um
campo de batalha e no segundo numa situação da vida cuja violência prepondere
– atacar homens e mulheres inocentes. Na maioria das vezes essas pessoas
aceitam os riscos elas mesmas e até aceitam a morte. A guerra, seguindo esse
raciocínio, reflete Walzer, não é uma oposição a determinados valores absolutos,
o que nesse caso (vida e morte) pode parecer um paradoxo; e ao determinar a
vitória de um lado, não implica uma derrota catastrófica do outro. Sendo assim,
deve-se delimitar, de maneira bastante cautelosa, quais são os momentos de
176
WALZER, 2003, p, 425.
177
Id., p. 426.
desespero e calamidade para que se possa determinar realmente onde está a
necessidade extrema de se declarar a emergência suprema. Como Walzer
explica:
Podem soldados e estadistas desrespeitar os direitos de pessoas inocentes em
benefício da sua própria comunidade política? Sinto-me inclinado a dar uma
resposta afirmativa a essa pergunta, sem bem que não sem hesitação e
preocupação. Que escolhas eles têm? Poderiam sacrificar a si mesmo a fim
de fazer vigorar a lei moral, mas não podem sacrificar os seus concidadãos.
[...] Talvez fosse melhor viver num mundo em que às vezes os indivíduos
são assassinados, mas um mundo em que povos inteiros são escravizados ou
massacrados é literalmente insuportável
178
.
Parafraseando Rawls
179
, para se determinar a isenção da emergência suprema deve-se
ter bastante cautela, pois ela coloca de lado a posição “privilegiada” dos civis em tempo de
guerra. Corroborando com Walzer, ele afirma que somente em ameaça as democracias
constitucionais e, principalmente, a ordem das sociedades bem ordenadas é que se deve
invocar a emergência suprema.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao investigar o conceito de guerra justa sentimos a necessidade de mostrar como esse
conceito fora pensado ao longo da história da filosofia. Para tanto, buscamos nas doutrinas
políticas de alguns filósofos qual o papel da guerra nas relações internacionais. Partimos de
duas contestações distintas, a saber: de um lado, os pacifistas que criticam qualquer
justificativa em se fazer uma guerra, e o que chamamos de realistas, cujas doutrinas defendem
que toda guerra, em última análise é justa.
O primeiro, que investigamos, foi o pensador prussiano, General Carl Von Clausewitz
e concluímos que, para ele, a guerra é um ato de força, cujo ímpeto de destruir o inimigo, de
ambos os lados, força uma “ação recíproca”, cuja conseqüência é o emprego máximo da
força. Por outro lado, para Clausewitz, a guerra, não é um ato extremo do Estado, mas é um
instrumento da política, por excelência.
O segundo filósofo que investigamos foi Carl Schmitt. Ele acredita que toda relação
política passa pelo binômio amigo inimigo. E a guerra é um espaço em que o político pode
178
WALZER, 2003, p. 430-431.
179
RAWLS, 2004, p. 129.
eventualmente emergir. Como um realista ele critica as excessivas restrições impostas à
guerra e às limitações morais que isso impõe.
O outro pensador que investigamos foi Voltaire, e chegamos a conclusão que, segundo
o autor, a guerra não é um ato de irracionalidade, como também de imoralidade. Segundo
esse autor, a guerra é uma invenção humana e é a forma mais vil de impor o outro à sua
vontade. Classificamos essa visão acerca da guerra, além de pacifista, também “humanista”,
pois como filósofo iluminista ele acredita que a razão deve ser utilizada para obter melhores
resultados na vida social do homem e, por conseqüência, o bem estar do gênero humano.
Seguindo essa mesma linha, que de maneira mais pragmática, pois ele enumera
uma série de artigos práticos para garantir a paz, Kant defende a idéia de que uma paz
definitiva entre Estados só poderá ser alcançada se a segunda formulação do imperativo
categórico o homem como fim em si mesmo for respeitada, que para ele o Estado deve
ser considerado como uma pessoa moral. Além do mais, para Kant, o direito à guerra é algo
impossível que a guerra é uma ausência de direitos. Mas, conclui o autor, se a guerra é algo
inevitável, então os Estados devem obedecer a leis que garantam, mesmo em guerra, uma paz
futura e derradeira.
Na segunda parte do trabalho sentimos a necessidade de apresentar alguns conceitos
da filosofia política do filósofo americano John Rawls com o intuito de dar base a nossa
investigação sobre a guerra justa segundo esse autor. O primeiro conceito apresentado foi à
prioridade do “justo” sobre o do “bem”, sem que isso caia numa certa intolerância em relação
às concepções de “bem presente” em uma sociedade democrática. Ou seja, Rawls apresenta
uma alternativa que propõe o respeito ao pluralismo, minimizando o máximo possível as
diferenças entre os cidadãos. E, segundo Rawls, somente numa sociedade liberal é que há essa
possibilidade. Então ele apresenta o conceito de liberalismo político, cuja diferença essencial
ao liberalismo abrangente é o fato de respeitar o maior número possível de doutrinas
filosóficas, religiosas e morais. Dito de outra forma, o liberalismo político propõe a tolerância
das doutrinas e o respeito às diferenças de pensamentos e crenças dos cidadãos. Isso tudo
seria possível se toda sociedade, tanto nacional como internacional, assinar um novo “contrato
social” para determinar os princípios de justiça que vão reger a constituição dessa sociedade.
Esse contrato é denominado por Rawls de “posição original”. É esse o último conceito que
apresentamos para investigar a guerra justa, segundo o autor.
Rawls defende a guerra justa se ela for declarada somente pela Sociedade dos Povos e
for para a autodefesa e para defender os Direitos Humanos. Analisamos como ele chega a
essas conclusões a partir de duas perguntas básicas, a saber: a) segundo os princípios de
justiça do direito internacional de John Rawls se pode justificar uma intervenção militar? b)
Existem casos em que fazer uma guerra é moralmente legitimo?
Para responder a primeira pergunta fizemos uma análise do Jus ad Bellum. Segundo
esse conceito, concluímos que Rawls reconhece a legitimidade de se fazer guerra se os
povos a fazê-la forem povos bem ordenados. Isso quer dizer que esses povos devem,
necessariamente, seguir o modelo liberal de política, sejam eles efetivamente liberais em sua
formação, ou os que respeitam princípios dos direitos dos povos e por isso seguem alguns
preceitos do modelo liberal de política. Esses últimos são denominados por Rawls de
“decentes”, somente eles, além dos povos liberais, é que podem fazer parte da sociedade dos
povos.
Rawls defende, por outro lado, que o princípio básico da Sociedade dos Povos, que é a
defesa dos direitos humanos, não seria de bases liberais, tendo em vista que qualquer “povo
decente”, ou seja, “povos não-liberais”, aceitariam esse princípio de bom grado. Para isso,
como atesta Habermas
180
, esses princípios da justiça devem perder a rigidez para que tenham
um trânsito maior entre os Estados liberais e não liberais.
Segundo a leitura da professora Sônia Felipe isso pode trazer alguns problemas. Ao
propor que qualquer povo, inclusive os não liberais, aceitaria os direitos humanos como base
de sua conduta internacional ele estaria esquecendo o importante papel dos cidadãos na
deliberação de seus interesses individuais. Algo não aceito nas sociedades que não seguem os
preceitos do liberalismo político nas suas bases políticas de tomadas de decisão.
A verdade é que todos os direitos humanos fundamentais são direitos
individuais. Não pode simplesmente exigir que os povos não-liberais para os
quais o poder político não assenta na vontade dos cidadãos individualmente
considerados na contagem dos votos, sejam nas assembléias deliberativas,
seja nas urnas, adotem os direitos humanos como parâmetro para regular as
instituições básicas da sociedade [...]. Povos não-liberais não aceitam
regular-se pelos princípios da liberdade e da igualdade [...]
181
.
A tese de fazer guerra em nome da autodefesa nos parece justa, pois uma sociedade,
seja ela liberal ou não, tem o direito de defender os seus cidadãos e suas instituições de
intervenções externas. Contudo, ficaram algumas dúvidas sobre esse tema. Uma delas são
180
Cf. HABERMAS, J. Sobre a guerra, a paz e o papel da Europa. Impulso: revista de ciências sociais e
humanas, Piracicaba: Editora UNIMEP, v. 14, n.35, p. 129-130, mai/ago.2003.
181
FELIPE, Sônia T. Direitos Humanos: vias e vieses da política internacional. In: SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2. 1998, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Insular, 1998. p. 133-134.
alguns pressupostos levantados por Rawls e como eles podem abrir um leque de exceções, os
quais servirão para justificar qualquer intervenção e qualificá-la como justa. Para ele, somente
povos associados à Sociedade dos Povos têm a legitimidade de declarar guerra de autodefesa,
pois somente eles podem fazê-lo pelas razões certas. Além do mais somente em nome do
direito dos povos, cujos fundamentos morais são os direitos humanos, é possível dar
legitimidade a uma guerra desse tipo.
Violar a liberdade dos cidadãos pela conscrição ou outras práticas
semelhantes na formação de forças armadas pode ser feito, numa
concepção política liberal, em nome da própria liberdade, isto é, como
necessário para defender as instituições democráticas liberais, as tradições
religiosas e não-religiosas, e as formas de vida da sociedade civil.
E ainda:
[...] alguns estados não são bem ordenados e violam dos direitos humanos,
mas não são agressivos e não acalentam planos de atacar os vizinhos. Não
sofrem de condições desfavoráveis mais simplesmente têm uma política de
Estado que violam os direitos humanos de certas minorias entre eles. São,
portanto, Estados fora da lei porque violam o que é reconhecido como
direitos pela Sociedade dos Povos razoavelmente justos e descentes e podem
estar sujeitos a algum tipo de intervenção em casos graves
182
.
A dúvida que fica, portanto, é essa: ao especificar e justificar, dessa maneira, o direito
à guerra justa Rawls abre possibilidades interpretativas para que qualquer estadista possa se
apropriar da sua teoria e defender uma intervenção a um país que supostamente não siga os
preceitos acima investigados e, assim, qualquer intervenção militar poderia ser justificada
183
.
Além do mais ao defender esses princípios Rawls estaria contradizendo a sua teoria do
liberalismo político e aderindo ao liberalismo abrangente, que para ele são legítimos os
princípios do direito dos povos.
O processo de execução de uma guerra é determinado por um processo judicial, cujas
leis serão escritas pelos povos bem ordenados, e ela seria justificada como uma pena ou
182
FELIPE, Sônia T. Direitos Humanos: vias e vieses da política internacional. In: SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2. 1998, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Insular, 1998. p. 118-120.
183
Como os que estamos vendo atualmente nas guerras mais recentes, como no caso das invasões americanas ao
Iraque e ao Afeganistão.
sanção contra os povos que não as cumprisse. O problema, todavia, é o processo de cognição
dessas leis:
[...] um processo de cognição é tanto mais apto a assegurar a discriminação
do justo e do injusto, e portanto a estabelecer uma linha de fronteira entre a
razão e o erro, quanto mais se inspira nos dois princípios fundamentais da
certeza dos critérios de julgamento e da imparcialidade de quem deve
julgar. Na declaração e na realização de uma guerra, nem um nem outro
princípio é respeitado: o primeiro não o é porque a longa tradição de teorias
sobre guerra justa falhou exatamente na tentativa de estabelecer um conjunto
de critérios de justiça correntemente aceitos (daí não havia guerra que não
encontrasse nesta ou naquela doutrina o seu próprio critério de justificação)
184
.
Além disso, não é um “juiz acima das causas” que vai defender o que é justiça ou
injustiça da guerra, mas é uma das partes envolvidas na causa, no caso da doutrina de Rawls,
seria a sociedade dos povos.
Para responder a segunda questão central do presente trabalho investigamos o conceito
de Jus in Bello em Rawls e em Walzer. E o que inferimos nessa investigação foi que mesmo
em uma guerra, onde as situações são extremas, existe e deve existir uma moralidade no
campo de batalha. Tanto que, para Walzer
185
, os soldados contemporâneos devem se espelhar
na forma como os fidalgos se comportavam, com honradez e cavalheirismo.
Nesse sentido, Rawls formula seis princípios deontológicos a serem seguidos pelos
soldados que fazem parte do direito dos povos
186
. Habermas analisa o jus in bello sob um
cenário contemporâneo:
Nós também precisamos aprimorar o jus in bello para transformá-lo num
direito de intervenção, fazendo o direito penal no âmbito interno dos Estados
nacionais funcionarem de modo semelhante à ordenação da Corte de Haia,
que, todavia, trata as ações de guerra, e não as formas civis de adscrição de
penas ou do sistema penal.Graças ao fato de a vida de outros inocentes
também está em jogo, sempre no caso das intervenções humanitárias, a força
necessária deveria ser regulada de maneira estreita para que ações ostensivas
de uma polícia mundial percam o caráter de pretexto e, assim, ganhem
aceitação mundial. Um bom teste são os sentimentos morais dos
observadores globais – não para ver se formas de lamentos ou piedade
tendem a desaparecer, e sim como testemunha da revolta espontânea perante
algo obsceno, que muitos de nós sentimos ao assistir, durante semanas, os
ataques de mísseis sob o céu iluminado em Bagdá
187
.
184
Cf. BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. Tradução de Álvaro Lorencine: Unesp, 2003.
p. 77.
185
WALZER, 2003, p. 57-59.
186
RAWLS, 2001, p. 124.
187
Cf. HABERMAS, 2003, p. 128.
Chegamos, por fim, a conclusão que a guerra é um inferno. No entanto, lamentamos
dizer que a guerra por vezes é necessária. É evidente que um Estado não pode sair declarando
guerra a todos que o afrontam, mas existem limites que não devem ser ultrapassados. E daí a
importância de estudar esse tema: para sabermos quais limites devem ser respeitados e quais
afrontas não devem ser toleradas numa provável tentativa de dominação. O que nos preocupa
são justamente os critérios e justificativas utilizados para se implantar uma guerra futura. E
como vimos no presente trabalho existem várias formas de se defender uma guerra. Rawls,
por exemplo, a defende em nome dos direitos humanos que implicitamente nesse conceito
vêm outros como os de democracia, liberalismo político, liberdade e tolerância. Algo justo de
se defender. Mas ao contrário do que se possa pensar esse “justo” deve ser bastante trabalhado
com bastante rigor e muito bem explicado, pois se assim não o fosse esse mesmo conceito se
vier antecedido da palavra guerra pode causar alguns problemas.
O conceito de guerra justa tem uma historicidade bastante própria e é normalmente
utilizado em épocas de grandes reviravoltas morais. Foi no caso da Idade Média, cuja
proposta principal era defender a Igreja de Cristo, e toda a conduta dos cristãos. Como
também na modernidade onde termo “justo” era em nome da soberania dos Estados, pois em
tal período da história os principais conflitos se davam em nome do rei e da expansão
territorial, surgindo uma nova forma de moralidade que é, no segundo caso, a mercantilista.
Durante a Segunda Guerra Mundial, também houve uma mudança, pois a criaram a
arma de destruição em massa, que era justificada, e, portanto justa, para combater o exército
de Hitler e sua ideologia. Assim após a Segunda grande Guerra, durante a guerra fria, os
combates eram em nome do socialismo ou do capitalismo, preceitos morais bastante díspares,
segundo os defensores dessas doutrinas.
Nos tempos atuais as guerras são justificadas em nome do combate ao terrorismo,
impondo-se uma conduta voltada ao medo, onde cabe a justificação de qualquer ato do
Estado para combatê-lo, criando um eterno estado de extrema emergência.
A partir da história, até aqui, podemos perceber o quão problemático pode ser o
conceito de guerra justa. É bastante óbvio para nós que os motivos de Hitler eram injustos,
mas qualquer cidadão alemão daquela época poderia justificar a conduta de Füher como algo
justificável, e com isso defender, como faziam a maioria do povo Alemão e de outras partes
do mundo, como os EUA
188
- que aquela guerra empreendida pelo partido nazista era justa.
Assim, quando uma guerra é justificada em nome da prevenção, que fora implantado
recentemente no Afeganistão e no Iraque, ou em outros momentos da história como a invasão
ao Vietnam, Cuba e Panamá. Todas essas guerras foram justificadas, em algum momento, em
nome da defesa dos direitos dos cidadãos do mundo, inclusive desses países, que estavam
sendo ameaçados e para prevenir que o mal se alastre devemos invadir antes que eles o
façam. Lembre-se que a autodefesa o direito de um país “aliado” defender os “cidadãos
ameaçados” em seus direitos.
O presente trabalho se preocupou com um tema bastante polêmico e
bastante em voga na atualidade. Não obstante, é muito raro se ver debates acerca
de tal tema em nossas Universidades de Filosofia. Como foi dito, a causa disso
pode ser pelo fato de o Brasil ser um país sem tradição de guerra, mas como
sabemos o Brasil é um país que tem um patrimônio riquíssimo e, como qualquer
Estado-nação, tem a necessidade de defesa nacional. Por isso, é um tema que
importa à Filosofia, inclusive à brasileira. Além do mais as relações internacionais
estão mudando e o Brasil, como um país pacifista por tradição deve atentar à essas
mudanças nesse panorama.
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188
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