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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
ANÁLISE DA GESTÃO DE COOPERATIVAS RURAIS TRADICIONAIS
E POPULARES: ESTUDO DE CASOS NA COCAMAR E COPAVI
CAIO LUIS CHIARIELLO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
ANÁLISE DA GESTÃO DE COOPERATIVAS RURAIS TRADICIONAIS
E POPULARES: ESTUDO DE CASOS NA COCAMAR E COPAVI
Caio Luis Chiariello
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção da Universidade Federal de
São Carlos, como parte dos requisitos
para obtenção do Título de Mestre em
Engenharia de Produção.
Orientador: Prof. Dr. Farid Eid
SÃO CARLOS
2006
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
C532ag
Chiariello, Caio Luis.
Análise da gestão de cooperativas rurais tradicionais e
populares : estudo de casos na Cocamar e Copavi / Caio
Luis Chiariello. -- São Carlos : UFSCar, 2008.
151 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2008.
1. Cooperativas – organizações. 2. Economia solidária I.
Título.
CDD: 658.047 (20
a
)
“Caminhante, são teus rastros
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
caminho se faz ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar”
(Antonio Machado)
Dedico este trabalho ao meu filho Thomaz,
que tendo chegado há pouco, transformou tanto.
Em cada gesto dele, um sorriso meu.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço ao Programa de Pós Graduação em Engenharia de
Produção da UFSCar, pela oportunidade de realizar meu mestrado em uma instituição pública
e de fins públicos e à CAPES, pelo suporte financeiro para elaboração deste trabalho.
Meus agradecimentos ao Professor Farid Eid, pela orientação e amizade,
traduzidas nas contribuições teóricas, nos ‘toques’ e conversas ao longo de meu caminho
neste mestrado.
Aos membros da COPAVI, pela disposição em colaborar com a elaboração
desta dissertação.
Aos meus amigos, pelos momentos de vivência e troca de idéias.
Aos meus pais, Malú e Luiz, e aos meus irmãos, Bruno e Franco, presentes
desde sempre em minha vida e partes constituintes do que sou.
À Milena, pelo amor, carinho e paciência, e pela dádiva de ter me feito pai.
Finalmente, ao Thomaz, esse pequeno turbilhão de emoções, sentimentos,
responsabilidades, enfim, o melhor que a vida poderia me dar.
RESUMO
Reconduzido ao centro do debate político a partir da década de 1970, o discurso liberal afirma
que o desenvolvimento econômico proporcionado pelo mercado global é suficiente para
solucionar a questão do desemprego. Nesse contexto, os liberais defendem que a associação
de trabalhadores em cooperativas é funcional ao capitalismo, amenizando os efeitos sociais
das crises cíclicas da produção, perdendo sua função quando do aumento da produção, e logo
do emprego. Na acepção liberal, as cooperativas se apropriariam do instrumental técnico de
gestão das empresas tipicamente capitalistas e evoluiriam para se tornarem espaços de
valoração do capital. No caso brasileiro, esta concepção embasa a reflexão teórica sobre a
necessidade de as cooperativas rurais tradicionais espelharem sua gestão nas grandes
empresas participantes do agronegócio, aderindo aos postulados da racionalidade econômica,
objetivando o lucro. Esta dissertação apresenta o estudo de caso de uma cooperativa rural
tradicional com este perfil, a Cooperativa dos Cafeicultores e Agropecuarístas de Maringá -
COCAMAR, de onde é possível verificar sua identificação com as empresas de capital. Por
outro lado, no Brasil, desde a década de 1990, um expressivo número de trabalhadores passou
a se organizar democraticamente em empreendimentos econômicos solidários. Buscavam,
assim, auferir trabalho e renda diante do quadro de desemprego, ao mesmo tempo em que
vislumbravam a continuidade de suas atividades, subordinando a racionalidade econômica à
racionalidade social. Dentre estes empreendimentos estão as cooperativas populares,
originadas de movimentos sociais de resistência, preocupadas em oferecer melhores
condições de vida aos associados. Um dos principais desafios das cooperativas populares
reside na adoção de ferramentas de gestão que possibilitem maior eficácia na produção e
permanência no mercado, mas que não comprometam seus princípios solidários. Nesta
dissertação, foi realizado o de estudo de caso da Cooperativa de Produção Agropecuária
Vitória - COPAVI, fundada por trabalhadores sem-terra ligados ao MST. Através da
investigação empírica, buscou-se analisar elementos de sua gestão, como a propriedade
coletiva da terra e dos meios de produção; o acesso ao crédito sob condições diferenciadas; a
busca por uma efetiva democracia interna e organização do trabalho sob a autogestão,
tomados enquanto fundamentais para que a COPAVI exerça suas atividades no interior do
modo de produção capitalista, mas sem abrir mão de seus princípios solidários e de seu
caráter de movimento social.
Palavras-chave: Economia solidária. Cooperativas tradicionais. Cooperativas populares.
Elementos de gestão.
ABSTRACT
Led back to the center of the politician debate since 1970’s, the liberal speech affirms that the
economic development proportionated by the global market is enough to solve workers
unemployment. In this context, liberals defend that the association of workers in cooperatives
is functional to the capitalism, brightening up social effects of the cyclical crises of
production, losing its function when of the increase of the production, and soon of the job. So,
cooperatives would appropriate of the technical instruments of management from typically
capitalist companies and would evolve to become capital valuation spaces. In the Brazilian
case, this conception bases the theoretical reflection about the necessity of the traditional
agricultural cooperatives to seem its management in the great participant companies of the
agribusiness, adhering to the postulates of economic rationality, searching for profit. This text
presents the case study on a traditional agricultural cooperative with this profile, the
Cooperative COCAMAR, identificated with capital companies. On the other hand, in Brazil,
since 1990’s, many workers started organizing themselves democratically in solidary
economic enterprises. They’ve searched for job and struggled with unemployment, intending
the continuity of their activities, subordinating the economic rationality to the social
rationality. Popular cooperatives are some of these enterprises, originated from social
movements of resistance, worried in offering better conditions of life to the associates. One of
the main challenges of these popular cooperatives is the adoption of management tools that
make possible greater effectiveness in the production and permit their permanence in the
market, but not compromising its solidary principles. This text also presents a case study
done on the Cooperative - COPAVI, each was founded by no land workers of MST. Through
the empirical inquiry, we’ve analyzed some management elements: the collective property of
the land and the means of production; the access to the credit under differentiated conditions;
the search for an effective internal democracy and organization of work under the self
management, taken as fundamental to COPAVI exerts its activities into the capitalism, but not
omitting its solidary principles and its character of social movement.
Keywords: Solidary economy; Tradicional cooperatives; Popular cooperatives; Management
elements
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1.1 Índices do emprego formal, produto interno bruto per capita e
formação bruta de capital fixo (1980=100).................................. 03
FIGURA 2.1 Evolução das exportações das cooperativas (1990-2006) em
US$ Milhões................................................................................. 30
FIGURA 2.2 Taxas médias de juros mensal praticadas por cooperativas de
crédito, bancos comerciais e financeiras...................................... 35
FIGURA 2.3 Evolução no número de empregados nas cooperativas................ 41
FIGURA 3.1 Evolução do faturamento do Grupo Cocamar (1998-2007)........ 48
FIGURA 3.2 Estrutura organizacional da COCAMAR..................................... 52
FIGURA 4.1 Organograma de uma Cooperativa de Produção Agropecuária... 81
FIGURA 5.1 Estrutura organizacional da COPAVI em 2007............................ 97
LISTA DE TABELAS
TABELA 2.1 Evolução do número de cooperativas em funcionamento e de
cooperados (1935-1960).............................................................. 25
TABELA 2.2 Distribuição das cooperativas, associados e empregados por
ramo de atividade em 2006.......................................................... 28
TABELA 3.1 Posicionamento estratégico da COCAMAR durante a década de
1990............................................................................................... 43
TABELA 3.2 Rol de atividades de COCAMAR em 2006................................. 47
TABELA 3.3 Cooperados e funcionários de COCAMAR................................. 55
TABELA 3.4 Evolução da classificação de sócios na COCAMAR................... 57
TABELA 4.1 Dificuldades de acesso ao crédito apontadas pelos
Empreendimentos Solidários........................................................ 76
TABELA 4.2 Evolução do sistema CREHNOR................................................. 77
TABELA 5.1 Patrimônio líquido da COPAVI................................................... 92
TABELA 5.2 Receita total, sobras distribuídas e valor da hora de trabalho na
COPAVI (1994-2006).................................................................. 103
TABELA 5.3 Comparativo de rendimento dos domicílios familiares............... 104
TABELA 5.4 Estrutura física da COPAVI em 2007......................................... 108
TABELA 6.1 Características das cooperativas tradicionais e populares........... 112
ANÁLISE DA GESTÃO DE COOPERATIVAS RURAIS TRADICIONAIS
E POPULARES: ESTUDO DE CASOS NA COCAMAR E COPAVI
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 01
1.1 Apresentação. ............................................................................................................... 01
1.2 Justificativa................................................................................................................... 07
1.3 Metodologia.................................................................................................................. 09
1.4 Objetivos....................................................................................................................... 13
1.5 Estrutura da dissertação................................................................................................ 14
2 GESTÃO DOS EMPREENDIMENTOS COOPERATIVOS NO CAPITALISMO... 15
2.1 Cooperativismo no modo de produção capitalista........................................................ 15
2.2 Concepção do cooperativismo para autores marxistas clássicos.................................. 20
2.3 Dinâmica do cooperativismo tradicional no Brasil....................................................... 22
2.4 Contribuição teórica contemporânea sobre gestão de cooperativas tradicionais.......... 29
2.4.1 Estratégias de gestão..................................................................................................... 29
2.4.2 Propriedade dos meios de produção das cooperativas e financiamento....................... 31
2.4.3 Democracia interna e da organização do trabalho........................................................ 37
3 ANÁLISE DA GESTÃO DA COOPERATIVA DE CAFEICULTORES E
AGROPECUARISTAS DE MARINGÁ (COCAMAR).............................................. 43
3.1 Histórico da COCAMAR.............................................................................................. 43
3.1.1 A reestruturação organizacional na COCAMAR na década de 1990........................... 44
3.2 Gestão dos ativos e finanças. ....................................................................................... 46
3.3 Processo decisório e organização do trabalho.............................................................. 51
3.4 Orientação da gestão...................................................................................................... 58
4 GESTÃO DAS COOPERATIVAS POPULARES....................................................... 60
4.1 Surgimento das cooperativas populares no Brasil........................................................ 60
4.2 Histórico do MST e a luta pela reforma agrária............................................................ 62
4.3 Cooperativas de produção agropecuária do MST.......................................................... 64
4.4 Contribuição teórica sobre a gestão das cooperativas populares................................. 69
4.4.1 Estratégias de gestão....................................... ............................................................ 69
4.4.2 Forma de propriedade dos meios de produção............................................................ 73
4.4.3 Formas de acesso ao crédito........................................................................................ 75
4.4.4 Democracia interna...................................................................................................... 79
4.4.5 Organização do trabalho.............................................................................................. 82
5 ANÁLISE DA GESTÃO DA COOPERATIVA DE PRODUÇÃO
AGROPECUÁRIA VITÓRIA (COPAVI).................................................................. 88
5.1 Histórico da COPAVI.................................................................................................. 88
5.2 Forma de propriedade da terra e dos meios de produção............................................. 90
5.3 Modalidades de crédito acessadas................................................................................. 93
5.4 Democracia interna....................................................................................................... 95
5.5 Organização do trabalho............................................................................................... 101
5.6 Orientação da Gestão.................................................................................................... 106
6 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 110
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 117
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...................................................................................... 122
APÊNDICES........................................................................................................................ 124
ANEXOS.............................................................................................................................. 140
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
A partir do início da década de 1990, o surgimento de empreendimentos
populares baseados na livre associação, no trabalho coletivo e na autogestão, suscitou intensa
investigação da natureza de sua gestão, sendo muitos deles compreendidos no interior da
construção teórica da economia solidária. Esses empreendimentos indicaram a junção de duas
noções historicamente dissociadas - economia e solidariedade - sugerindo a inserção do
elemento solidário no centro da elaboração de suas atividades e relações econômicas
(FRANÇA FILHO, 2002).
Inicialmente apresentados enquanto tímida reação dos trabalhadores ao
desemprego e deterioração das relações de trabalho, os empreendimentos solidários, segundo
Gaiger (2006), se mostraram um eficiente mecanismo gerador de trabalho e renda,
possibilitando a continuidade coletiva de suas atividades, com relativa perspectiva de
sobrevivência. Ademais, a existência desses empreendimentos pode ser entendida como um
movimento de resistência ao processo de precarização das condições de vida dos
trabalhadores. Surgem em um momento de franca ascensão do ideário neoliberal, quando
muitos de seus preceitos passam a ser incorporados à política econômica de vários países.
Para Singer (1999), o ressurgimento da tese liberal, sob a roupagem do
neoliberalismo, pode corresponder a uma necessidade objetiva da classe capitalista. Esta se
sentia tolhida e ameaçada pelo dirigismo econômico, imposto por governos de orientação
keynesiana, e pela ação dos movimentos sociais que tinham influência sobre os processos
decisórios do grande capital. A retomada de um receituário já tão amargamente
experimentado (HOBSBAWN, 1995), bem como a aderência de suas premissas em diversas
economias nacionais, dentre elas o Brasil, desencadeou na verdade um retrocesso social. Nos
países chamados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, observou-se uma acentuada crise
do emprego formal, além da precarização das relações de trabalho e marginalização de
parcelas consideráveis de trabalhadores (ANTUNES, 2001).
Para Jorge Mattoso (1996), foi a partir da década de 1970, notadamente na
Europa, que se deflagrou a crise do Estado do Bem-Estar Social e da intervenção estatal na
2
economia, dando novamente voz ao discurso liberal. Estagflação, instabilidade financeira e
queda da produtividade, acirravam a concorrência intra-capitalista, levando ao rompimento da
aliança entre capital e trabalho. Os trabalhadores passaram a ser responsabilizados pela
redução da produtividade e da lucratividade, redução esta que Marx (1983) demonstrou,
empiricamente, ser uma característica inerente ao modo de produção capitalista
1
. Diante da
combinação de um novo padrão de industrialização com a emergência de novos modelos de
produção (ZARIFIAN, 1990; FERREIRA et al., 1991; CORIAT, 1994), os Estados nacionais
começaram a implementar, em sua política macroeconômica, as reformas neoliberais: redução
do papel do Estado na economia, via desregulamentação de mercados; retorno ao setor
privado de empresas nacionalizadas; abertura comercial sem barreiras restritivas; maior
liberdade nacional e internacional na circulação dos fundos (BRUNHOFF, 1991).
Mais uma vez, a premissa liberal/neoclássica seria visitada: somente a total
liberdade de ação do capital e do trabalho, sem alianças, garantiria a retomada do
crescimento, elevando os níveis de produtividade, lucratividade e emprego. No entanto, a
partir da década de 1980, observou-se um descompasso no pressuposto de que um aumento
de produção acarretaria proporcionalmente um aumento do emprego, contrariando a própria
Lei de Say
2
e a proposição liberal de equilíbrio pelas livres forças do mercado.
Vislumbramos o fenômeno do crescimento com desemprego (LISBOA, 2005).
Em um mercado crescentemente competitivo e globalizado, para a empresa
capitalista se manter e conquistar novos mercados, vê-se obrigada a investir na reestruturação
produtiva e em mudanças organizacionais, levando, muitas vezes, à supressão de postos de
trabalho. Portanto, pode haver aumento da produção e simultaneamente redução do emprego
de força de trabalho. Pochmann (1997, p.178) constata que, no Brasil,
[...] a performance do emprego regular na década de 80 acompanhou o sentido da
evolução do Produto Interno Bruto per capita, ainda que não no mesmo ritmo.
Durante os anos 90, contudo, o comportamento do nível de emprego regular passou
a estar descolado do movimento positivo de expansão do PIB por habitante,
sobretudo a partir de 1993, quando a economia nacional passou a registrar uma
recuperação no uso da capacidade instalada.
O autor demonstra esse descompasso entre o nível de emprego e elevação do
PIB per capita na figura 1.1, onde se percebe que mesmo com o aumento da formação bruta
em capital fixo (investimento na produção) a partir da década de 1990, acompanhado pela
1
Para Marx (1983), o aumento da proporção do componente técnico em relação ao trabalho (composição
orgânica do capital) levaria à redução da taxa de mais-valia.
2
A Lei de Say foi exposta por Jean-Baptiste Say (1767-1832), nascido em Lyon , França, autor de Tratado de
Economia Política, de 1803, e atesta que não existem as chamadas crises de super-produção, uma vez que toda
oferta gera sua demada correpondente, ou seja, tudo o que é produzido pode ser consumido (HUGON, 1980).
3
elevação do PIB per capita, o nível de emprego formal no período recrudesce, contrariando os
preceitos liberais:
Fonte: FIBGE e MTb, apud: POCHMANN, 1996.
Fígura 1.1: Índices do emprego formal, produto interno bruto per capita e formação bruta de
capital fixo (1980=100)
A partir dos anos de 1990, com a crescente internacionalização da economia brasileira,
observa-se uma retomada sem precedentes das economias mercantil e informal. O setor de
serviços já não dá conta de atenuar o crescimento contínuo de desempregados: ocorre a
subproletarização e o aparecimento do desemprego de longa duração. De fato, no Brasil, seria
necessário um longo processo de desenvolvimento econômico e social, com forte distribuição
de renda e aquecimento do mercado interno, capaz de absorver um contingente superior a 50
milhões de pessoas pobres ou miseráveis (EID et al, 2001). É justamente nestes estratos, mais
atingidos pela precarização do trabalho, que o estranhamento e a alienação se mostram ainda
maiores, quando a disjunção do mundo do trabalho representa o afastamento do próprio
mundo real: verifica-se desde a rejeição da vida social, apatia, até a violência e agressão
diretas. Tal situação leva ao aumento dos focos de tensão entre os desempregados e a
sociedade, entre a racionalidade no universo produtivo e a irracionalidade no universo social
(ANTUNES, 2004). Deparamos-nos com uma situação encarada como um par antitético: de
um lado uma leitura da realidade como sendo inédita, desafiadora e interessante, abrindo um
horizonte de novas possibilidades, onde se exige atitudes de flexibilidade e adaptação da
4
sociedade, em especial dos trabalhadores; por outro lado, pode-se descrever a realidade como
uma repetição histórica da exploração global, num processo doloroso e desesperador,
refletindo a fragmentação do mundo do trabalho.
Diante desse quadro, no Brasil, desde meados da década de 1980, um
expressivo número de trabalhadores passou a se organizar democrática e igualitariamente em
empreendimentos econômicos solidários, nos meios urbano e rural. Esses empreendimentos,
observados inicialmente como locais de assistencialismo ou pré-políticas, mostraram
potencial para “[...] revigorar as energias de setores populares excluídos, de emancipação e
apropriação de tecnologias produtivas e organizacionais” (EID et al, 2001, p.16). A partir da
década de 1990, com o aumento do número de empreendimentos de economia solidária e a
expansão de suas atividades, o interesse de investigação científica em iniciativas no campo e
na cidade se intensificou, no intuito de observar seus impactos na qualidade de vida dos
participantes e no desenvolvimento local.
A disposição desses trabalhadores em desenvolver suas potencialidades
enquanto agentes da produção, organizadores e planejadores do processo produtivo e do
processo de trabalho, segundo França Filho (2002, p.13), é motivada pela construção de um
projeto político de sociedade, admitindo-se que
[...] a possibilidade de uma outra forma de regulação da sociedade através da idéia
de economia solidária, significa reconhecer uma outra possibilidade de sustentação
das formas de vida de indivíduos em sociedade, não-centrada nas esferas do Estado
e do mercado. [...] Trata-se aqui de um dos traços característicos do fenômeno
chamado de hibridação de economias, isto é, a possibilidade de combinação de uma
economia mercantil, nãomercantil e não-monetária. Isso porque, nessas iniciativas
de economia solidária, em geral existem, ao mesmo tempo: venda de um produto ou
prestação de um serviço (recurso mercantil); subsídios públicos oriundos do
reconhecimento da natureza de utilidade social da ação organizacional (recurso não-
mercantil); e trabalho voluntário (recurso não-monetário).
Num empreendimento de economia solidária, a forma da propriedade dos
meios de produção pode ser coletiva por decisão dos próprios trabalhadores. A propensão à
gestão coletiva se estende ao poder decisório sobre quais produtos e em que quantidade serão
produzidos - se exclusivamente para o auto-consumo, para o mercado capitalista ou para um
novo mercado formado pelas redes de empreendimentos solidários - buscando regerem-se por
outra lógica que não a da sociedade da mercadoria e do lucro. A reflexão sobre a autogestão é
tão antiga quanto a história do próprio capitalismo, colocando-se em oposição ao pensamento
único e ahistórico (SINGER, 1999). A ruptura com as determinações estritas do pensamento
hegemônico balizado pelo economicismo é de suma importância, pois a eficiência de uma
economia que assegure a provisão organizada das necessidades da comunidade certamente
5
não é regida pela mesma concepção de eficiência liberal (LISBOA, 2005).
Contribuições teóricas de autores latino-americanos (SINGER, 2002;
GAIGER, 2006; CORAGGIO, 2003), levam à conclusão de que um dos maiores desafios da
economia solidária é ampliar a dimensão dos empreendimentos solidários e tecer entre eles
uma rede consistente de inter-cooperação, no intuito de transpor sua condição de modo
material de produção residual, mero apêndice do sistema capitalista.
A questão que se coloca é como a economia solidária pode se transformar de um
modo de produção intersticial, inserido no capitalismo em função dos vácuos
deixados pelo mesmo, numa forma geral de organizar a economia e a sociedade, que
supere sua divisão em classes antagônicas [...]. A economia solidária teria que gerar
sua própria dinâmica em vez de depender das contradições do modo dominante de
produção para lhe abrir caminho (SINGER, 2002, p.216).
Nesse ponto, o pensamento liberal discorre que os empreendimentos de
economia solidária, ao representarem uma forma alternativa de participação na economia
capitalista, atuam na correção de instabilidades temporais do mercado de trabalho com ações
coletivas, capitaneadas pela sociedade civil, para manutenção dos postos de trabalho. Tal
argumento é relevante, pois mesmo autores que criticam a utilização desses empreendimentos
como simples instrumento reformista admitem que muitas iniciativas coletivas acabam por
exercer
[...] um papel funcional ao mercado, uma vez que incorpora parcelas de
trabalhadores desempregados pelo capital e abandonados pela desmontagem do
Welfare State. [...] essas atividades acabam suprindo em alguma medida as lacunas
sociais que foram se abrindo. Como mecanismo minimizador do desemprego
estrutural, elas cumprem uma função, ainda que limitadíssima (ANTUNES, 2004,
p.340).
As iniciativas de economia solidária surgem, sim, num momento de crise
capitalista, mas as crises são inerentes ao sistema e se “[...] o processo de crise é permanente,
o que temos são crises sucessivas [...] neste ou naquele país, neste ou naquele momento, mas
para produzir o novo estágio da crise. Nada é duradouro” (SANTOS, M. 2000, p.35). Nessas
crises sucessivas, o capitalismo se expande ciclicamente (SCHUMPETER, 1982), gerando
diversos formatos de composição social à margem do capital. Para os liberais, as cooperativas
e associações coletivas de trabalhadores surgiriam em momentos críticos da crise cíclica de
acumulação, gravitando sobre as estruturas do modo de produção capitalista, pois
[...] os movimentos de expansão e contração do capital (ciclos) fazem e refazem
espaços para atividades não tipicamente capitalistas, donde se deduz suas relações
de subordinação com esta vida mercantil típica. Mas, do ponto de vista liberal essa
segmentação social é natural no sentido como se apresenta, de ser assim que
funciona a produção e distribuição de riqueza, reafirmando o dualismo social –
porque nem todos vão acompanhar as necessidades do capital (BARBOSA, 2005,
p.47).
6
Assim, as atividades não tipicamente capitalistas, como as de economia
solidária, se consolidariam de forma precária: os trabalhadores excluídos do emprego formal
prefeririam sempre a segurança do assalariamento. A organização do trabalho cooperado se
daria somente em razão da escassez de oportunidades de retorno do trabalhador ao mercado
formal de trabalho durante as crises. Tão logo o movimento cíclico se torne ascendente e o
processo produtivo se recupere, o capitalismo acena com nova possibilidade de recondução
dos trabalhadores anteriormente desempregados - atuando em empreendimentos solidários ou
na informalidade - para o tão sonhado emprego formal.
Os liberais entendem, inclusive, que a economia solidária, ao incentivar formas
de auto-emprego, colabora com a gestão da crise capitalista, sendo uma modalidade do
empreendedorismo, reduzindo pressões populares por trabalho, emprego e renda. “As
mudanças envolvem novas formas de organização do trabalho e produção: trabalho informal
e precarizado e pequenos negócios são redescobertos, dinamizando a economia, amortecendo
a crise” (BARBOSA, 2005, p.40). Se na etapa da produção sob o modelo fordista a figura do
pequeno empreendedor perde sentido, uma vez que a grande empresa burocratizada precisa
de empregados, no último quarto do século XX, com a diversificação e flexibilização da
produção, volta à cena a figura do empreendedor, do self made man. As empresas privadas
não teriam nenhum compromisso em absorver toda a gama de trabalhadores disponíveis, já
que nem todos vão acompanhar as necessidades do capital. A livre ação dos indivíduos e a
iniciativa em gerir seu próprio negócio se adequa ao discurso liberal, mas as formas de
empreendedorismo incentivadas são aquelas que reproduzem a organização do trabalho e da
produção de acordo com o modo de produção capitalista: uma microexpressão da grande
empresa privada. Na acepção neoliberal, mesmo o Estado deve delegar suas atribuições
sociais para entidades civis empreendedoras do denominado Terceiro Setor
3
, financiando a
criação de Organizações Não Governamentais (ONGs) que ratifiquem o afastamento da
atuação pública junto a sociedade, propondo a terceirização dos serviços e da administração
públicos (BARBOSA, 2005).
Mas na prática, os segmentos mais pobres da população jamais contaram com
a participação efetiva do Estado e muito menos das empresas, pois a lógica do capital, que
acenava com o progresso técnico para homogeneizar a sociedade, não se comprovou. A
iniciativa da população mais pobre em encontrar novas alternativas para superação da miséria
3
De inspiração anglo-saxônica, o Terceiro Setor é formado por iniciativas civis, como ONGs e associações
filantrópicas, fomentadas pelo Estado, com objetivo de atuar junto a segmentos da sociedade para suprir
necessidades não satisfeitas nem pelo Estado nem pelo mercado (FRANÇA FILHO, 2002).
7
não se baseia mais na previsão da economia internacionalizada. Essa população sempre viveu
numa economia de subsistência, com suas atividades realizadas no contexto doméstico e
comunitário. Se não são guiadas pelos preceitos da maximização do lucro, logo não são
totalmente sujeitos do mercado (LISBOA, 2005).
É latente a necessidade de compromisso dos empreendimentos solidários com
a expansão das iniciativas dos trabalhadores associados, atuando junto aos movimentos
sociais na luta por políticas públicas que vão além do simples assistencialismo (EID, 2007a).
Esta ação integradora se dá em nível local, regional, mas se amplia para o plano nacional e
internacional, transcendendo o caráter imediato desse movimento, almejando sua sustentação
no longo prazo para o estabelecimento de uma nova forma de organização da produção e do
trabalho, enfim, uma nova perspectiva de sociedade. Em 2003 foi criada a Secretaria Nacional
de Economia Solidária, a SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, que
fomenta e assessora iniciativas econômicas de trabalhadores associados. De acordo com a
SENAES, em 2007 havia 20.087 empreendimentos econômicos solidários em atividade no
Brasil, contando com 1.634.375 associados (SENAES, 2007). Somente o vigor dessas
experiências autogeridas poderá dar respostas à impasses como a superação de uma base
técnica capitalista e a formação de redes solidárias que, aos poucos, realizem as trocas fora da
esfera estritamente competitiva e mercadológica. Para Gaiger (2004), as experiências em
autogestão demandam um estudo aprofundado deste tema e sua visualização para além da
curta temporalidade.
1.2 Justificativa
Em se tratando do movimento cooperativista no Brasil, é possível identificar
pelo menos três modalidades diferentes de cooperativas. Trata-se das cooperativas populares
inseridas na economia solidária; das cooperativas convencionais ou tradicionais, chamadas de
cooperativas capitalistas e, finalmente, das cooperativas fraudulentas ou falsas cooperativas,
que são na verdade apêndices de empresas capitalistas (GONÇALVES, 2003). Aquelas
denominadas cooperativas capitalistas, historicamente muito presentes nas atividades rurais,
geralmente estão ligadas à produção de commodities em grande escala e fortemente inseridas
no mercado internacional. Também realizam suas atividades produtivas voltadas para a lógica
8
da acumulação de riquezas privadas, ainda que configuradas sob o arco legal de
empreendimento cooperativo.
Por outro lado, observa-se a formação de cooperativas populares preocupadas
em oferecer melhores condições de vida aos associados, preservar seus princípios e oferecer
produtos de qualidade ao mercado consumidor. Segundo Barbosa (2005, p.82),
O inusitado é que o solidarismo em atividade econômica não era uma tradição da
prática política dos trabalhadores brasileiros e nasce nesse contexto já como crítica
ao tipo de cooperativismo que vingou em nossa sociedade, voltado principalmente
para a agroindústria. Com efeito, trazem uma narrativa com ênfase acentuada na
questão da autonomia, como herança mesma das lutas sociais de democratização do
país, particularmente da cultura de ressignificação de práticas dos nomeados novos
movimentos sociais. Há, então, junto com as iniciativas de economia solidária, um
outro sentido construído para o cooperativismo em nossa sociedade porque com
horizontes substantivamente mais participativos e democráticos, ‘o novo
cooperativismo’.
A justificativa para a elaboração da dissertação reside na possibilidade de
contribuir para um maior entendimento sobre a dinâmica da gestão das cooperativas populares
e a observação de elementos que mostrem a preservação, ou não, da solidariedade como
princípio motivador de sua existência. Numa perspectiva ampliada, a reflexão sobre a gestão
das cooperativas e sua trajetória econômica e social está inscrita no interior de um extenso
debate entre duas vertentes teóricas:
a) a vertente teórica ligada ao cooperativismo tradicional, defensora de um cooperativismo
empresarial e que, portanto, admite ser a eficiência econômica o objetivo último a ser
alcançado. A cooperativa seria uma associação de produtores, comerciantes ou prestadores de
serviços individuais, que adquirem coletivamente vantagens de escala, devendo ser regida
pela racionalidade técnica através da heterogestão
4
, permitindo sua identificação com a
empresa típica capitalista. Nessa linha de pensamento, vários autores atestam que os
empreendimentos cooperativos deveriam ter uma gestão totalmente voltada para a aferição
do resultado econômico. Isso implicaria no enquadramento dos seus cooperados aos preceitos
de eficiência, mesmo que resultasse na exclusão de alguns sócios, por não corresponderem à
escala de produção esperada ou por não transacionarem o suficiente com a cooperativa.
4
Segundo Faria (1985, p.51), a heterogestão estabelece uma dualidade entre o agente que concebe e comanda a
gestão, e o agente que executa as tarefas e é comandado, ‘de tal forma que para a racionalidade torna-se essencial
e suficiente que o que gere e o que é gerido não sejam intelectualmente distintos, com a máxima precisão
possível, como separados efetivamente por funções também distintas”, através de um sistema de normas,
dividindo hierarquicamente chefes e subordinados. As finalidades da produção, nas empresas tipicamente
capitalistas, não são questionadas ou debatidas entre estes agentes, pois encontram-se determinadas pela minoria
dirigente, sendo o aumento contínuo dos lucros o fim último da gestão dos negócios.
9
Dentre esses autores, estão Sigismundo Bialoskorski Neto, Ralph Panzutti, Yair Levy, Décio
Zilberstajn, Alexandre Menegário, Davi Costa entre outros.
b) a vertente teórica ligada ao cooperativismo popular, que defende a associação de
trabalhadores em cooperativas como um instrumento de resistência frente à exclusão do
mercado de trabalho formal, vislumbrando a permanência do empreendimento para além dos
momentos de crise capitalista. Alicerçados em pilares de solidariedade, esses
empreendimentos estariam focados na dimensão social dos cooperados. A gestão das
cooperativas populares se daria sob a autogestão pelos trabalhadores, adequando o elemento
econômico às determinações dos sócios, ou seja, subordinando a racionalidade técnica à
racionalidade social. Seriam priorizadas as demandas sociais internas, mas sem negligenciar
o aspecto econômico, daí o desafio de harmonizar produção, busca por resultados
econômicos e solidariedade no seu interior. Dentre os autores que refletem sobre a gestão das
cooperativas de caráter popular, estão Paul Singer, Luiz I. Gaiger, Farid Eid, José L.
Coraggio, José R. Tauile, Rosângela Barbosa, Eloísa Pimentel, Pedro I. Christoffoli, entre
outros.
As divergências teóricas entre as concepções sobre a gestão de cooperativas
sugerem que a investigação acerca da trajetória de cada empreendimento possibilite sua
aproximação com as modalidades de cooperativas tradicional ou popular. A orientação da
gestão da cooperativa é decisiva para sua existência, seja incorporando a racionalidade técnica
para fins econômicos, mesmo que à custa dos princípios de solidariedade, nos moldes da
empresa capitalista, seja se guiando pela racionalidade social, que objetive resultados
econômicos, mas que os submeta aos princípios da solidariedade e da transformação social.
1.3 Metodologia
A questão que se coloca no centro do antagonismo entre as cooperativas
tradicionais e as cooperativas populares é a capacidade de as últimas realizarem uma gestão
que preserve os princípios da solidariedade. Uma cooperativa popular, fundada por
trabalhadores rurais assentados e originada de um movimento social, pode realizar uma gestão
em que a arquitetura da forma de propriedade dos seus meios de produção, a democracia
interna e a organização do trabalho, apresentem um caráter de resistência, realizando a
autogestão e interagindo com outros movimentos sociais na perspectiva da mudança da
10
sociedade? ou a sua gestão deve obrigatoriamente apresentar uma maior identificação com a
gestão de uma cooperativa tradicional, internalizando a heterogestão e os princípios da
eficiência econômica para que consiga sobreviver? Emerge, daí, a questão-problema da
presente dissertação: é possível à cooperativa popular utilizar-se de ferramentas de gestão que
possibilitem aferição de resultado econômico satisfatório e ainda assim priorizar a
racionalidade social, sem deformar os princípios solidários no seu interior?
Com base na questão-problema apresentada, optou-se pela não utilização de uma
hipótese de pesquisa para nortear a investigação, devido ao objeto de estudo, uma cooperativa
rural popular, possuir uma trajetória em construção, que seja, estar inserida nas lutas sociais
no interior do capitalismo. Nesse sentido, o método de pesquisa utilizado para a elaboração
desta dissertação foi o dialético, segundo o qual “as coisas não são analisadas na qualidade de
objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está acabada, encontrando-se sempre em
via de se transformar, desenvolver. O fim de um processo é sempre o começo de outro.”
(LAKATOS, 2000, p.83). Mesmo a história do movimento cooperativista possui identificação
com as lutas dos trabalhadores frente à exploração de sua força de trabalho pelos capitalistas,
resultando, segundo Singer (1998), em uma dinâmica entre as diversas etapas da revolução
capitalista sucedidas por contra-revoluções sociais. Assim, buscamos analisar a dinâmica de
gestão das cooperativas populares enquanto inseridas no modo de produção capitalista. Para
tanto, faremos uso de alguns questionamentos de pesquisa que orientem este estudo:
- Como se dá a construção, nas cooperativas tradicionais e nas cooperativas populares, dos
seguintes elementos de gestão: a) propriedade dos ativos e dos meios de produção; b) acesso a
financiamento; c) democracia interna e d) organização do trabalho?
- Até que ponto a gestão das cooperativas populares se distingue da gestão das cooperativas
tradicionais, no sentido de as primeiras manterem sua trajetória permeada pela racionalidade
social?
Como objeto da pesquisa, selecionamos uma cooperativa rural originada dos
movimentos populares de luta pela terra e que estivesse em atividade no momento da
pesquisa. A escolha da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (COPAVI), sediada no
município de Paranacity-PR, vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), se deu pelo conhecimento prévio de seu histórico, através dos trabalhos de Moura
(2005) e Severino (2006), de onde se pode observar traços característicos de uma cooperativa
popular, apresentando uma gestão preocupada em conciliar o desenvolvimento econômico
11
com a melhoria da qualidade de vida, além de permanecer atuante na luta pela reforma
agrária no MST.
Ao longo da elaboração da dissertação, foram utilizadas duas técnicas de
pesquisa:
a) documentação indireta: pesquisa documental e revisão bibliográfica da literatura referente
ao tema da pesquisa, realizada ao longo de todas as fases da dissertação. A pesquisa
documental, com o levantamento de dados gerais sobre o cooperativismo, e a revisão
bibliográfica, formaram a base tanto para o estudo sobre o movimento cooperativista e sua
dinâmica no Brasil, como para o debate teórico acerca da gestão das cooperativas. Este
debate, por sua vez, deu sustentação à elaboração da questão-problema;
b) documentação direta: pesquisa de campo quantitativa-descritiva. Nessa etapa, foram
realizadas duas pesquisas de campo para a elaboração da dissertação: uma primeira, junto à
Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas de Maringá (COCAMAR), uma cooperativa
rural tradicional; e uma segunda, realizada junto à COPAVI, uma cooperativa rural popular.
A pesquisa de campo na COCAMAR foi realizada durante os dias 29 e 30 de
novembro de 2007, sob a forma de uma visita técnica às instalações da cooperativa e
realização de entrevista com o gerente de produção da unidade de Maringá, José Eduardo
Bassan, administrador de empresas com MBA – Master Business Administration - em gestão
de agronegócios pela Fundação Getúlio Vargas. O entrevistado trabalha na cooperativa há
mais de 28 anos, o que permitiu que acompanhasse de perto o desenvolvimento da
cooperativa e as transformações em sua gestão, elementos de interesse para a pesquisa. A
coleta dos dados se deu por meio de entrevista oral norteada por um questionário semi-
estruturado, que pode ser observado no APÊNDICE A. Também foi realizada a análise
documental de informações internas concedidas pela cooperativa, como dados primários sobre
suas atividades, relatórios internos e imagens fotografias de suas unidades e estrutura
produtiva.
A pesquisa de campo realizada na COPAVI se deu entre os dias 26 e 28 de
novembro de 2007, sob a forma de visita técnica e entrevistas, além da permanência integral
do pesquisador na cooperativa ao longo dos três dias de investigação, o que resultou na
utilização de mais de uma técnica de pesquisa. Segundo Bruyne (1991, p.209), “Várias
técnicas podem e devem freqüentemente ser empregadas numa mesma pesquisa para reunir
um feixe de dados ao mesmo tempo disponíveis, acessíveis e conformes a seu objetivo de
12
investigação”. Dessa maneira, foi possível a utilização de duas modalidades de coleta de
dados na pesquisa de campo:
a) entrevista oral norteada por questionário semi-estruturado, realizada junto ao presidente da
COPAVI, Jacques Petlenz, e junto a dois cooperados e sócios fundadores da cooperativa:
Victor Dannacena e Francisco Strozake (Chicão). Os questionários semi-estruturados,
constantes no APÊNDICE A, foram compostos por questões diferenciadas para a entrevista
junto ao presidente e para a entrevista junto aos cooperados, pois os questionamentos eram
específicos para um e outro caso. Também na COPAVI foi realizada uma análise documental
das informações internas da cooperativa, como os dados primários sobre suas atividades e sua
organização, cedidos pelo setor administrativo.
b) observação direta e participante, através da verificação dos fatos da mesma forma como são
observados pelos sujeitos da pesquisa. Durante a permanência do pesquisador na COPAVI,
sua postura foi de aproximação dos fenômenos o máximo possível, através da interação com o
objeto, a fim de melhor compreender os atores e seu comportamento. Foi possível um contato
pessoal, face a face, com vários cooperados, estabelecendo-se uma relação não artificial com
eles, permitindo a coleta de depoimentos pessoais através de diálogos freqüentes sobre sua
trajetória de vida, experiências e percepções sobre a cooperativa, colaborando para um melhor
entendimento do objeto estudado. Há de se ressaltar que a observação direta foi possível
mediante o acolhimento do pesquisador pela cooperativa, participando das refeições em
conjunto com o grupo, presenciando algumas atividades produtivas e visitando suas
instalações. O pesquisador permaneceu hospedado na residência de um cooperado, o que
permitiu o convívio noturno no ambiente familiar da cooperativa.
As informações coletadas através das entrevistas, da observação direta e da
documentação, foram transformadas em dados pertinentes à problemática geral, elaborando-se
um estudo de caso. Segundo Bruyne (1991), um estudo de caso pode fornecer informações tão
numerosas e detalhadas capazes de apreender a totalidade de uma situação. Seu poder de
generalização se limita quando a veracidade de suas conclusões não se revela correta em
relação a outros casos, mas seu alcance ultrapassa o particular, podendo obter generalizações
empíricas, mas sem deformar o papel da teoria.
As pesquisas de campo realizadas foram fundamentais para a compreensão da
gestão de cooperativas tradicionais e populares, e, principalmente, para a análise da trajetória
de uma cooperativa popular oriunda de movimentos sociais e inserida no modo de produção
capitalista.
13
1.4 Objetivos
a) Objetivo geral:
O objetivo geral da dissertação é analisar, na dinâmica da gestão de uma cooperativa popular,
elementos estruturantes que permitam identificá-la, ou não, enquanto um empreendimento
econômico de resistência, presente na luta por transformações na sociedade, e que preserve,
em seu interior, a solidariedade nas relações econômicas e sociais.
b) Objetivos Específicos:
- Desenvolver a revisão bibliográfica sobre os seguintes tópicos:
a) histórico do surgimento do cooperativismo, como um movimento de resistência ao
capitalismo.
b) histórico do movimento cooperativista no Brasil e a dinâmica da gestão de cooperativas
tradicionais.
c) trajetória de gestão das cooperativas populares de reforma agrária diante das questões
econômicas e sociais.
Pretende-se com a revisão bibliográfica analisar o desenvolvimento histórico
do cooperativismo enquanto inserido no modo de produção capitalista, em especial o
cooperativismo brasileiro, suas origens e desdobramentos. Os empreendimentos cooperativos
no Brasil apresentaram historicamente uma inclinação para o cooperativismo empresarial,
identificado com a dinâmica de uma empresa capitalista. Porém, desde as últimas décadas do
século XX, outras cooperativas passaram a se nortear pelos preceitos da solidariedade, tendo
sua origem no interior dos movimentos sociais, principalmente aqueles ligados à luta pela
reforma agrária.
- Desenvolver pesquisa empírica com os seguintes propósitos:
a) analisar a dinâmica da gestão de uma cooperativa tradicional, para ilustrar a formulação
teórica que defende o cooperativismo voltado para uma performance empresarial, onde a
cooperativa esteja inserida nos competitivos mercados nacional e internacional, espelhando
sua gestão nas características das empresas participantes destes mercados.
14
b) analisar a dinâmica da gestão de uma cooperativa popular, para que seja possível verificar
se as ferramentas de gestão, utilizadas na condução de suas atividades produtivas e na sua
representação social, permitem que os interesses da cooperativa estejam voltados para o
aprimoramento dos resultados econômicos sem negligenciar seu caráter solidário.
1.5 Estrutura da dissertação
A dissertação está estruturada em 5 capítulos. Neste primeiro capítulo, tem
lugar a apresentação do trabalho, sua justificativa, metodologia utilizada e objetivos a serem
atingidos. No segundo capítulo, analisa-se o histórico do cooperativismo no século XIX,
enquanto um movimento de resistência dos trabalhadores à revolução capitalista e sua
compreensão por parte de autores ligados ao marxismo clássico. Em seguida, é feita a
contextualização do histórico do cooperativismo no Brasil, e da vertente teórica que defende a
gestão das cooperativas voltada para a racionalidade econômica. O terceiro capítulo contém a
análise da gestão de uma cooperativa tradicional, a COCAMAR.
No capítulo 04, realiza-se o debate sobre a gestão das cooperativas populares,
ligadas a movimentos de luta por transformações sociais como o MST, e as reflexões da
vertente teórica que contemplam a possibilidade dessas cooperativas preservarem o elemento
solidário mesmo quando buscam melhores resultados econômicos. No capítulo 05, será
apresentado o estudo de caso da COPAVI, analisando elementos no interior de sua gestão,
como a propriedade da terra e dos meios de produção, o acesso ao crédito, a democracia
interna e a organização do trabalho. Na conclusão, retornamos aos objetivos da dissertação
para apresentarmos os resultados da investigação teórico-empírica.
15
2 GESTÃO DOS EMPREENDIMENTOS COOPERATIVOS NO CAPITALISMO
Neste capítulo será analisado o histórico do cooperativismo no século XIX - enquanto
inserido no movimento de resistência dos trabalhadores aos desdobramentos do capitalismo -
e sua interpretação por autores ligados ao marxismo clássico. Também serão apresentados o
histórico do cooperativismo no Brasil e a vertente teórica que defende uma gestão das
cooperativas centrada nos princípios da racionalidade econômica, assemelhando-se à gestão
das empresas capitalistas.
2.1 Cooperativismo no modo de produção capitalista
As manifestações de economia social, sob a forma de associação de pessoas
em torno das atividades de trabalho, são anteriores ao surgimento do modo de produção
capitalista. Porém, fizeram-se notar mais fortemente como resposta às práticas da livre
concorrência, ancoradas no pensamento liberal a partir do século XVIII. Se o pensamento
liberal atestava que os indivíduos escolheriam o melhor caminho para resolver sua vida
econômica e consequentemente contribuiriam para a riqueza geral, o que se verificou, na
realidade, foi o enriquecimento de uma minoria em detrimento da pobreza da classe operária.
O aumento do hiato entre ricos e pobres contrariava o ideal liberal para formação de uma
sociedade engajada na criação de um sistema de mercado com métodos não burocráticos e
auto-regulável, que promoveria o equacionamento das diferenças entre os indivíduos através
da liberdade econômica. O liberalismo era tido como um projeto social que beneficiaria a
todos. Ao longo dos anos, diversas etapas do capitalismo se sucederam e foram
acompanhadas por reações sociais ao modo desigual como foram conduzidas a organização
da produção, a carga de trabalho necessária à produção e, principalmente, a polarização da
riqueza entre capitalistas e trabalhadores (POLANY, 1980).
O surgimento das idéias sobre o cooperativismo remonta à etapa embrionária
do capitalismo liberal. A produção artesanal simples foi ultrapassada pela manufatura e a
organização particular do comércio in natura dos artesãos foi substituída pela formação de um
mercado de trocas sob o sistema monetário, regendo as relações econômicas. A organização
da pequena produção para o sustento próprio e intercâmbio dos excedentes deu lugar à
produção de mercadorias com a finalidade de serem comercializadas no mercado, gerando um
16
excedente monetário líquido sob a forma de lucro para remunerar o capital empregado. Singer
(1998, p.25) descreve tal processo como sendo o início de uma revolução:
No caso da revolução capitalista, parece não haver dúvida que o desenvolvimento
das forças produtivas, que se tornaria genuinamente revolucionário a partir da
revolução industrial, começada no século XVIII, foi estimulado e nutrido pelas
relações sociais de produção assalariadas [...]. A crescente transformação dos
produtos em mercadorias provoca a monetização das relações de produção. As
obrigações dos servos de fornecer tempo de trabalho nos campos eram
freqüentemente comutadas por pagamentos em dinheiro. O que transformava os
servos em arrendatários. Desse modo, as forças produtivas se desenvolviam
mediante a monetização das relações de produção, que acabava pôr desembocar, em
certos casos, em relações de produção capitalistas.
Diante desse processo, ao longo do século XIX não restava ao proletariado
mais que três opções: 1) opor-se ao capitalismo, por este ter encerrado o antigo regime em que
trabalhadores atuavam como produtores individuais. No entanto, na etapa de ascensão do
capitalismo industrial, essa volta não teria possibilidade de êxito, pois caracterizaria um
simples retrocesso diante da evolução das forças produtivas; 2) inserir-se em movimentos
democráticos pós Revolução Francesa; 3) engendrar formas não capitalistas de política, via
sindicatos, e de produção, via cooperação (SINGER, 1998).
Inicialmente, a reação dos trabalhadores aos desdobramentos sociais da
revolução capitalista se deu com a formação de cooperativas orientadas pelo ideal igualitário
do socialismo utópico
5
. Diversas experiências cooperativas foram implantadas como núcleos
autônomos de associação para produção e consumo, desenvolvidos em oposição às condições
de trabalho proporcionadas pelo modo de produção capitalista. O caráter mutualista destes
empreendimentos vislumbrava a transformação da base econômica, com a elaboração de
projetos para criação de comunidades auto-suficientes. Um dos incentivadores para a criação
destas comunidades foi Robert Owen, industrial britânico da primeira metade do século XIX,
conhecido por implantar em suas empresas políticas que eram entendidas, à época, como
sendo de cunho socialista, entre elas o repasse de parte dos lucros aos trabalhadores. Owen
iniciou a construção de aldeias cooperativas, ou Repúblicas ideais, formando comunidades
inteiras de trabalhadores que produziam e comercializavam suas mercadorias como uma
sociedade fechada, visando a microintegração regional e o auto-sustento. As experiências
coletivas em New Harmony, nos EUA, entre 1825 e 1829, e Queenswood, também nos EUA,
entre 1839 e 1846, dirigidas particularmente por Owen, praticavam o igualitarismo na
5
Corrente de pensamento originada na França e Inglaterra, no século XVIII, que defendia a melhoria do meio
econômico para elevação do bem-estar material, mediante a organização social eqüitativa e a repartição mais
justa da riqueza. Seus principais expoentes foram Robert Owen, Louis Blanc, Charles Fourier, Saint-Simon e P.
J. Proudhun (HUGON, 1980).
17
produção e na gestão, mas com resultados produtivos inexpressíveis, levando à necessidade
de constante auxílio financeiro de socialistas ingleses. A demora nos resultados positivos, sob
o ponto de vista da produção, levou os colaboradores a desistirem da ajuda financeira,
culminando na venda das aldeias (HUGON, 1980).
Outra proposta associativa foi o Falanstério, idealizado por Charles Fourier. O
Falanstério se baseava no patrocínio de grupos capitalistas para formação de uma sociedade
organizada de maneira que todas as paixões humanas fossem livres para produzir harmonia
entre os indivíduos. No mesmo espaço, conviveriam capitalistas, trabalhadores e
proprietários, sem obrigatoriedade do trabalho e disponibilidade de uma renda mínima de
subsistência para quem abdicasse da penosidade laboral, a constituir comunidades onde cerca
de 1800 pessoas convivessem dando vazão às suas vocações. Porém, nenhum mecenas se
dispôs a financiar o projeto do Falanstério, inviabilizando sua implantação (HUGON, 1980).
Estes modelos de experiência cooperativa, segundo Singer (1998), fracassaram
em sua operacionalidade, porque pretendiam ser empreendimentos anti-capitalistas sem, no
entanto, partirem da iniciativa dos próprios trabalhadores. As aldeias cooperativas eram
projetos arquitetados previamente, implantados em conjunto com os trabalhadores, mas que
não contemplavam sua autodeterminação na elaboração da iniciativa coletiva. Durante o
século XIX, outras experiências associativas, distintas das aldeias cooperativas e dos
Falanstérios, também tiveram início. Muitos trabalhadores dispensados pelas fábricas se
uniam em cooperativas operárias, apoiados pelos sindicatos locais, produzindo coletivamente,
agregando seus conhecimentos e experiência na busca por alternativas ao desemprego,
tornando-se concorrentes de seus antigos patrões.
Essas cooperativas, embora socialistas em espírito (no sentido de se considerarem
pioneiros de uma sociedade melhor, que no futuro substituiria o capitalismo), eram
diferentes das comunidades cooperativas freqüentemente formadas por gente de
classe média e dependentes de contribuições filantrópicas para se estabelecer e, não
poucas vezes, para subsistir. Estas cooperativas, que podemos chamar de 'operárias',
surgem da luta de classes e muitas vezes foram criadas para enfrentar e eliminar a
empresa capitalista do mercado. A idéia era ingênua, mas empolgou os
trabalhadores britânicos durante as jornadas quase revolucionárias de 1820 e 1830.
Ao contrário das cooperativas que chamaremos de 'comunitárias', as operárias
constituíram, neste período, um genuíno movimento de lutas de classe (SINGER,
1998, p.94).
O surgimento de muitas cooperativas operárias foi possibilitado pela ação dos
sindicatos dos trabalhadores, que se empenharam na construção de alternativas econômicas
que amparassem seus antigos associados. No entanto, as associações patronais, com o apoio
do Estado, empreenderam uma série de retaliações aos sindicatos dos trabalhadores e às
cooperativas operárias. Muitos trabalhadores foram demitidos e os que continuavam
18
empregados eram obrigados a assinar documentos em que se comprometiam a abrir mão da
participação sindical, levando à certa letargia nos movimentos de resistência operaria.
Mesmo em um momento de retração das atividades associativas dos
trabalhadores, surgiu, em 1844, aquela que seria a mais emblemática cooperativa operária da
história, a cooperativa dos Pioneiros de Rochdale, formada por trabalhadores da cidade de
Rochdale, um dos principais centros da indústria têxtil da Inglaterra. Seus 28 integrantes,
todos envolvidos com o movimento operário, tinham um projeto coletivo elaborado.
Constavam, entre seus objetivos, a criação de um armazém, construção de habitações para os
cooperados, produção de manufaturas que empregassem sócios desempregados, arrendamento
de terras para serem trabalhadas e a fundação de um hotel.
A cooperativa de Rochdale, com o intuito de distinguir-se de uma empresa
capitalista, se comprometeu com adoção de princípios básicos: a) governo democrático, onde
cada sócio tenha direito a um voto; b) sociedade aberta, permitindo o ingresso de qualquer um
à cooperativa mediante a integração de uma quota mínima de capital, para que as relações de
trabalho se dessem entre cooperados, sem a adoção de assalariamento; c) compromisso de
investir parte do excedente, remunerado a uma taxa de juros mínima; d) distribuição do
excedente proporcional à aquisição, pelos sócios, de produtos da cooperativa, estimulando o
consumo dos seus próprios produtos e a dinâmica econômica interna; e) vendas à vista; f)
venda de produtos puros e de boa qualidade; g) desenvolvimento da educação baseada em
princípios cooperativos; h) neutralidade política e religiosa.
A cada ano, a cooperativa dos Pioneiros de Rochdale contava com um número
maior de sócios e a atividade econômica se expandia. De um início modesto, em 1844, a
cooperativa diversificou os serviços que prestava, fundando, em 1850, sua primeira
cooperativa de produção, aumentando sua indústria têxtil e iniciando a fabricação de calçados,
em 1852. Também abriram cooperativas de distribuição e de crédito, alavancando recursos
para suas atividades crescentes.
Mas a sociedade não suportou as sucessivas crises no fornecimento do algodão
estadunidense, quando seu quadro de sócios, composto em sua maioria por acionistas e não
por trabalhadores, decidiu unilateralmente retirar a bonificação das sobras pagas aos seus
operários. Dessa forma, o controle democrático e a relação igualitária entre sócios e
trabalhadores foram extintos. O assalariamento e a apropriação individual de lucros pelos
sócios foram introduzidos na gestão da cooperativa, reproduzindo a estrutura das empresas
capitalistas da época. O empreendimento continuou expandindo suas atividades até 1906,
19
cresceu como fonte rentável de aplicações, atraindo mais sócios e mostrando-se um sucesso
em termos de empresa, não mais como uma cooperativa (SINGER, 1998).
O maior legado da experiência de Rochdale foram os princípios que
embasaram seu surgimento e sua ascensão. Os princípios dos Pioneiros de Rochdale
delineavam a formação de uma base social, econômica e educativa, baseada na cooperação e
se disseminaram pelo mundo a partir de 1895, com a criação da Aliança Cooperativa
Internacional (A.C.I), órgão representativo mundial para o intercâmbio cultural, educativo e
técnico entre as cooperativas de todos os países. A partir de seu 10º congresso, em 1921, ficou
estabelecido que, para filiarem-se à ACI, as cooperativas deveriam incluir em seus estatutos
sociais os princípios dos Pioneiros de Rochdale. Segundo Pinho (1976), a adesão aos
princípios pelas cooperativas se refletia na construção de seus objetivos principais: a) corrigir
e modificar o meio econômico-social; b) prestar serviços; c) eliminar a concorrência; d)
eliminar o assalariamento; e) eliminar o lucro abusivo; f) obter o preço justo; g) realizar a
República cooperativa. Os mesmos princípios nortearam a elaboração de suas normas
operacionais: a) livre adesão; b) gestão democrática; c) retorno pró rata das operações; d) taxa
limitada de juros ao capital; e) difusão da educação para o cooperativismo; f) intercooperação;
g) neutralidade política e religiosa; h) vendas em dinheiro e pelo preço justo; i) transações
entre os membros; j) patrimônio da cooperativa coletivo e indivisível.
As experiências das comunidades owenistas e das cooperativas operárias
fomentaram a criação de cooperativas em diversos países e o incentivo às praticas
associativas. Essas experiências deixaram um legado de organização econômica e política dos
trabalhadores, suscitando sua resistência frente à exploração pelas empresas capitalistas. Por
outro lado, demonstraram a fragilidade da construção de um coletivo baseado em um projeto
individual, como no caso das aldeias cooperativas, ou no crescimento econômico, como no
caso dos pioneiros de Rochdale.
A aparente insuficiência das propostas cooperativistas para transpor a
hegemonia do modo de produção capitalista, durante o século XIX, levou parte do
movimento trabalhista da época e dos pensadores ligados ao marxismo a questionar sua
eficiência como instrumento de emancipação dos trabalhadores.
20
2.2 Concepção do cooperativismo para autores marxistas clássicos
Karl Marx, em O Capital, publicado em 1867, afirma que o homem, por sua
própria natureza de ser social, demonstra maior inclinação para produzir coletivamente. A
cooperação permite que muitos trabalhadores exerçam tarefas que não seriam realizadas
individualmente e a utilização coletiva dos meios de produção torna as atividades menos
onerosas. Porém, o autor identifica que no modo de produção capitalista a cooperação já não
se encontra a serviço da reprodução social. Quando os trabalhadores são contratados
individualmente, trabalham em sistema de cooperação, mas realizam a reprodução do capital.
Essa é a característica da cooperação no capitalismo, que difere de sua característica histórica.
Para Marx (1983), o modo de produção capitalista apoderou-se da cooperação para sua maior
produtividade enquanto processo coletivo, retirando para si a essência dos primórdios da
sociedade, que produzia coletivamente tudo o que necessitava. Portanto, somente sob um
outro arranjo, distinto da estrutura típica capitalista, a cooperação entre os trabalhadores
poderia apresentar condições objetivas de devolver ao homem os resultados do trabalho
coletivo:
[...] dentro das cooperativas o antagonismo entre capital e trabalho encontra-se
superado, embora ainda sob uma forma imperfeita: como associação, os
trabalhadores são o capitalista deles próprios, o que quer dizer que utilizam os meios
de produção para valorizar o seu próprio trabalho. Mostram como um certo nível de
desenvolvimento das forças produtivas materiais e das formas sociais de produção
que lhes correspondem, se constitui um novo modo de produção e se liberta
naturalmente do anterior (MARX, 1983, p.334).
Contudo, o autor observa limitações no potencial libertador das cooperativas,
caso a configuração da produção em seu interior se dê ainda sob a base técnica capitalista:
“Sem o sistema de fábrica, proveniente do modo de produção capitalista, a cooperativa
operária não poderia desenvolver-se, assim como não o poderia sem o sistema de crédito
resultante do mesmo modo de produção” (MARX, 1983, p.335). Dessa forma, sem alterar a
lógica interna da produção, propondo uma organização do trabalho que retire o trabalhador de
seu estado de alienação, as cooperativas acabam por reproduzir a dinâmica da empresa de
capital.
Nas resoluções do Primeiro Congresso da Associação Internacional dos
Trabalhadores, em 1864, Marx & Engels reconhecem o movimento cooperativista enquanto
uma força transformadora da sociedade, capaz de encerrar a subordinação do trabalho ao
capital, mas advertem que
21
[...] para converter a produção social num vasto e harmonioso sistema de trabalho
cooperativo são indispensáveis mudanças gerais. Essas mudanças não serão obtidas
nunca sem o emprego das forças organizadas da sociedade. Assim, o poder do
Estado, arrancado das mãos dos capitalistas e dos proprietários rurais, deve ser
manejado pelos próprios trabalhadores (MARX; ENGELS, 1980, p.27 ).
Os autores defendem a organização dos trabalhadores em partidos políticos
operários, visando a disputa pelo poder institucional via eleições formais. As estruturas
sociais, políticas, ideológicas e jurídicas do Estado, sob os ordenamentos do capital, seriam
barreiras à superação da propriedade privada pela propriedade social, e essas barreiras só
seriam superadas pela mobilização política dos trabalhadores. Logo, a via de realização de um
cooperativismo emancipador, em Marx & Engels, se assenta na utilização do instrumental
técnico determinada pelos cooperados, com o suporte de um Estado controlado pelos
trabalhadores, a formar uma coalizão capaz de conduzir às transformações estruturais da
sociedade capitalista.
Rosa Luxemburgo, em sua obra Reforma ou Revolução?, publicada em 1900,
aduz que as relações sociais de produção no âmbito das cooperativas não são capitalistas, mas
são obrigadas a submeter-se às leis do mercado tradicional, “[...] daí uma cooperativa de
produção ter a necessidade, contraditória para os operários, de desempenharem entre si o
papel de empresários capitalistas. Desta contradição morre a cooperativa de produção, na
acepção em que se torna uma empresa capitalista” (LUXEMBURGO, 2006, p.4). Para a
autora, as cooperativas passam a atuar sob os imperativos do capital ao internalizarem as
relações de trabalho sob a lógica da exploração, com a intensificação constante da produção
exigida pela concorrência do mercado. Luxemburgo (2006, p.5) constata, portanto, a
inviabilidade de as cooperativas participarem do mercado capitalista concorrencial e, ao
mesmo tempo, realizarem mudanças sociais profundas,
[...] uma vez que tal realização geral implica em primeiro lugar a supressão do
mercado mundial e a divisão da economia mundial atual em pequenos grupos de
produção e de trocas locais: tratar-se ia, em suma, de um regresso da economia do
grande capitalismo à economia mercantil da Idade Média.
Karl Kautsky, em A Questão Agrária, de 1899, entende que as cooperativas
não se configuram numa etapa para o socialismo, pois, ao se desenvolverem e crescerem,
reproduzem a lógica das empresas capitalistas, contratando trabalhadores assalariados sem
participação na propriedade do empreendimento, explorados pela cooperativa:
[...] a cooperação é de grande importância para a agricultura moderna, mas não
como recurso suscetível de eliminar a dianteira que a grande exploração leva sobre a
pequena. Ao contrário, em muitos casos ela aumenta essa dianteira. Como regra
geral, parece-nos muito útil às explorações médias e muito pouco às pequenas
explorações (KAUTSKY, 1968, p.138).
22
Ao discutir sobre as cooperativas agrícolas, o autor atesta que, com seu
crescimento, ocorreria a proletarização de parte dos trabalhadores campesinos, em oposição
ao associativismo exitoso de médios e grandes proprietários em cooperativas de
produtores/empresários. Sob essa ótica, as cooperativas seriam uma etapa do capitalismo no
campo. Para Kautsky, outro elemento que oblitera a formação das cooperativas agrícolas
autênticas é o fato de os pequenos proprietários rurais se recusarem a socializar seus parcos
meios de produção, o que o levou a concluir que os indivíduos mais propensos à cooperação
são aqueles que se encontram desprovidos totalmente da propriedade dos meios de produção e
da terra.
A linha de raciocínio dos autores marxistas clássicos sugere que a organização
dos trabalhadores em cooperativas, por si só, não levaria ao socialismo. Mesmo que o número
de cooperativas se ampliasse até dominar mercados inteiros, a continuidade da concorrência
capitalista manteria o processo de concentração do capital, excluindo do mercado unidades
cooperadas que operassem em patamares aquém do nível de eficiência exigido. Somente com
a completa transformação das superestruturas políticas, via revolução, seria possível manter o
equilíbrio entre as cooperativas, através da coordenação planejada das iniciativas econômicas
coletivas, feita pelo Estado socialista em conjunto com os trabalhadores.
Marx, Luxemburgo e Kautsky entendiam a associação dos trabalhadores na
produção como sendo um fator decisivo para a superação da alienação e eclosão de um modo
de produção novo, construindo a autodeterminação de sua existência material. Porém, os
autores reconheciam que as cooperativas, se utilizadas como instrumento do Estado burguês
para amenizar as tensões sociais decorrentes da exploração do trabalho, orientando-se para a
reprodução do capital, caminhariam para sua assimilação pelas empresas capitalistas,
alinhando-se aos preceitos liberais.
2.3 Dinâmica do cooperativismo tradicional no Brasil
A formação econômica do Brasil se assenta nas tendências do sistema colonial,
que a partir do século XVII recebeu influências das economias européias mais desenvolvidas.
O Brasil sempre manteve boa parte de sua população excluída do sistema de produção,
gerando um excedente de trabalhadores ociosos, o que resultou na oferta de mão de obra
relativamente barata (FURTADO, 1977). Apesar dos diversos movimentos reivindicatórios,
23
inspirados nas iniciativas dos trabalhadores de outros países, aqui jamais se experimentou os
ventos republicanos das economias mais avançadas. Tendo as bases de sua economia
diretamente ligadas à atividade agroexportadora, o país apresentou historicamente uma
política no máximo assistencialista em relação aos trabalhadores. Nesse contexto, o
cooperativismo brasileiro surgiu no final do século XIX, promovido pelas elites nacionais
(RIOS, 1989). Segundo Culti (2006, p.35), o movimento cooperativista brasileiro não se
caracterizou como
[...] um movimento originado na classe trabalhadora, a exemplo das economias
européias, mas imposto de cima, por meio da importação de formas cooperativas
externas, as quais foram adequadas aos interesses das elites políticas e econômicas,
em especial, a agrária. Esse modelo cooperativo, mesmo tendo importado os
princípios de Rochdale, efetivou-se em favor de uma minoria possuidora de capital.
Não se tratava de um movimento social de conquista dos trabalhadores ou de
construção de uma fórmula associativa, mas de uma política de controle social e de
intervenção estatal.
As primeiras experiências do cooperativismo brasileiro remontam à criação,
em 1887, da Cooperativa de Consumo dos Empregados da Companhia Paulista, em
Campinas-SP, seguida pela fundação da Associação Cooperativa dos Empregados da
Companhia Telefônica, em 1891, na cidade de Limeira-SP, e da Cooperativa de Consumo de
Camaragibe, no estado de Pernambuco, em 1894. A partir de 1902, surgiram as primeiras
experiências das caixas rurais, no Rio Grande do Sul e, em 1907, foram criadas as primeiras
cooperativas agropecuárias em Minas Gerais. As primeiras cooperativas de consumo foram
organizadas por grandes proprietários rurais e as agrícolas pelo Ministério da Agricultura,
com o objetivo de fomentar a atividade no campo. Outras cooperativas foram constituídas por
fazendeiros e usineiros ricos, que se associavam para facilitar a sua própria produção (CULTI,
2006).
Até 1930, o cooperativismo no Brasil caminhou muito lentamente. Com a crise
econômica mundial de superprodução, a política econômica brasileira teve de ser redefinida
no tocante à sua estratégia de produção. A economia cafeeira deixou de ser a base de
sustentação da economia nacional e de geração de divisas, levando à urgência da
diversificação no setor agrícola. Para Benetti (1985), as experiências até então incipientes das
cooperativas, principalmente na região sul do país, despertaram o interesse do governo do
Estado Novo (1937-1949) pelo cooperativismo. O governo passou a incluir o cooperativismo
na pauta da política agrícola nacional, como forma de defender a produção em pequena
propriedade, estimulando a policultura e o desenvolvimento do mercado interno. Segundo a
autora, o Estado também buscava legitimar a acumulação privada de capital diante das classes
24
exploradas, intervindo na manutenção de uma aparente harmonia social. Nesse sentido, a
partir da década de 1930 o incentivo estatal ao cooperativismo agrícola, além de interferir
diretamente na trajetória da agricultura do país, proporcionou certa renda aos trabalhadores
rurais desprovidos de capital. No entanto, não se cogitou o desmonte da estrutura latifundiária
de produção nem a dissolução da grande propriedade rural, adiando o debate sobre a
distribuição de terras improdutivas para fins de reforma agrária.
Em 1932, foi implantado o Decreto nº 22.239, definindo as cooperativas como
uma sociedade de pessoas e não de capital. Cruzio (1994) observa que o Estado, a partir de
então, apresentou uma atitude paradoxal em relação ao cooperativismo, ora favorecendo os
trabalhadores agrícolas, incentivando a maior participação dos associados, ora retirando o
apoio, voltando a fomentar a lógica da eficiência na produção primária para atender às metas
da economia pré-definidas, com interferência no funcionamento das cooperativas. Assim, o
Estado brasileiro alternou momentos de incentivo e financiamento, com momentos de
abandono ao movimento. O Estado também passou a promover um novo modelo de
desenvolvimento agrícola para o abastecimento dos centros urbanos, utilizando-se do
incentivo ao cooperativismo:
[...] com a introdução no setor rural de um novo patamar tecnológico e com a
preocupação em desenvolver uma agricultura voltada ao mercado externo, portanto
geradora de divisas e abastecedora do mercado interno, que ao mesmo tempo
consumisse a gama de produtos industrializados, o Estado viu o cooperativismo
como um dos instrumentos que melhor viabilizaria a execução das políticas
econômicas voltadas ao setor rural, inserindo-o, portanto, no novo padrão de
acumulação (DUARTE, 1986, p.39).
Para Fleury (1980), essa postura oficial se refletiu no desenvolvimento de dois
setores distintos na agricultura brasileira: 1) um setor produtor de alimentos e gêneros básicos,
baseado em uma estrutura produtiva rudimentar, composto basicamente por pequenos
produtores rurais; 2) um setor moderno, voltado para o mercado externo, onde se situavam as
cooperativas bem sucedidas, produzindo artigos de maior valor agregado e commodities
agrícolas. De acordo com Duarte (1986), o direcionamento das atividades das cooperativas
para a produção de commodities, em especial no sul do Brasil, demandou nova definição de
sua base material produtiva. Houve a necessidade de modernização, através de financiamentos
via o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) e aquisição de maquinário, levando ao
aumento na dependência dos pequenos produtores em relação às cooperativas, ao Estado e às
empresas multinacionais produtoras de implementos agrícolas.
De 1935 a 1960, a evolução do número de cooperativas atuantes nos setores de
produção, consumo e crédito, e o número de cooperados, podem ser acompanhado abaixo:
25
Ano Cooperativas Cooperados
1935 105 6.872
1940 964 80.170
1945 2.101 253.870
1950 2.719 492.934
1955 2.964 554.146
1960 4.627 1.859.079
Fonte: Pinho, 1963. Elaborado pelo autor.
Tabela 2.1: Evolução do número de cooperativas em funcionamento e de cooperados (1935-
1960)
A partir de 1966, o Estado intensificou a intervenção junto às cooperativas,
exigindo autorização prévia para seu funcionamento. Durante o regime militar, o destino das
cooperativas foi deixado a cargo de tecnoburocratas, que assumiram o controle sobre qualquer
ação civil associativa, aplicando uma política simultaneamente liberal, paternalista e
intervencionista (CRUZIO, 1994). Com a criação, em 1969, da Organização das Cooperativas
do Brasil, OCB, e com a promulgação da Lei 5.764 em dezembro de 1971, responsável por
regular a atividade cooperativa, a formalização das cooperativas passou a ser outorgada, de
cima para baixo, esvaziando a demanda pela base e instituindo contribuições compulsórias. O
resultado da maior intervenção do Estado foi a redução do número de cooperativas
autorizadas a funcionar. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA (1973), em dezembro de 1972, ou seja, um ano após a promulgação da Lei 5.764/71,
o número de cooperativas autorizadas a funcionar era de 2.637. Com essa redução, os créditos
oficiais passaram a se concentrar nas mãos das grandes cooperativas, obrigando os pequenos
produtores a nelas adentrarem para poder servir-se de crédito, adequando-se à sua dinâmica.
Isso comprova a submissão dos pequenos produtores, pois pelo estatuto eram obrigados a
transacionar toda sua produção com a cooperativa.
Nesse sentido, o produtor, no momento em que se associa a uma cooperativa em que
predominam os interesses empresariais e cujas atividades supõem a especialização
produtiva dos sócios, deixa de ter autonomia sobre o que e como produzir,
semelhante ao que se dá a nível dos contratos estabelecidos entre empresas
capitalista e produtores (DUARTE, 1986, p.6l).
Portanto, o incentivo estatal, direcionado para as grandes cooperativas
empresariais, resultou também no enfraquecimento das cooperativas autênticas
6
, levando-as a
6
Duarte (1986) distingue as cooperativas autênticas das cooperativas empresariais. As primeiras são formadas
por pequenos proprietários rurais, baseadas nos princípios cooperativos, que buscam agregar suas
potencialidades em torno de um empreendimento coletivo. Já as segundas, surgem da coalizão de interesses de
grandes proprietários rurais para adquirir incentivos do Estado e compactuar o poder do latifúndio, subordinando
os pequenos produtores e, por fim, contribuindo para a lógica de acumulação de capital no campo.
26
desaparecer ou a ser encampadas pelas primeiras, constituindo uma forma híbrida de
organização.
Como defendem alguns autores (PINHO, 1966; FLEURY, 1980; BENETTI,
1985; DUARTE, 1986), o período que vai de 1930 até a promulgação da Constituição de
1988 marcou a trajetória do cooperativismo no Brasil, explicitando sua funcionalidade para a
imposição das determinações do Estado no setor agrícola e principalmente para a acumulação
privada de capital. Esse diagnóstico do cooperativismo brasileiro condiz com a acepção dos
autores marxistas clássicos, quando alertam sobre a utilização do cooperativismo pelo Estado
e pela burguesia como instrumento de exploração dos trabalhadores e acumulação de capital.
A partir da Constituição de 1988, a criação das cooperativas passou a
independer da autorização oficial, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.
O papel do Estado foi restrito aos incentivos gerais, deixando de regular a gestão
propriamente dita das cooperativas. A independência destas em relação ao Estado, se
representou maior autonomia para a elaboração de sua gestão, representou também a inserção
do movimento cooperativista na dinâmica de acumulação de capital. As cooperativas
passaram a aderir mais intensamente aos preceitos da eficiência econômica, o que Fleury
(1980, p.16) já antecipara, concluindo que a acumulação de capital no Brasil fez aprofundar as
diferenças sociais, e as cooperativas reproduziriam esta lógica,
[...] atraindo para seu quadro de associados os extratos mais altos de produtores
rurais. Nesse sentido, as vantagens oferecidas pela cooperativa em termos de
serviços não atendem ou são inacessíveis à maioria dos produtores rurais no Brasil,
que não encontram nesse tipo de cooperação, respostas às suas mais importantes
necessidades.
Cruzio (1994) afirma que nas grandes cooperativas observa-se a participação
desigual entre os associados nos processos de gestão, decisão e fruição dos bens e serviços
prestados. Apesar do discurso de igualdade e democracia, o que se verifica é o permanente
controle da organização por uma fração de sócios, especialmente os grandes produtores e
proprietários. As demais frações, que não contribuem com um fluxo mais intenso de trocas,
participam com certo grau de autoexclusão.
A burocratização da administração e a grande discrepância entre a
integralização de capital tem reflexos na organização da cooperativa e nas relações de poder
internas. Mostra disso, segundo Cruzio (1994), é a queda na assiduidade dos sócios às
assembléias, conforme aumenta o quadro social da cooperativa, ou a adesão à pratica do
assembleísmo, quando uma pequena fração de associados, munidos de pouca ou nenhuma
informação sobre as pautas da Assembléia Geral, são manipulados para ratificar as
27
deliberações dos conselhos diretores. A tendência é a de o sistema confundir-se cada vez mais
com a lógica e a racionalidade da empresa capitalista, levando o produtor associado à
condição de mero cliente dos serviços da cooperativa.
De acordo com Duarte (1986), uma vez inseridas no contexto capitalista, foi
imperativo às cooperativas agrícolas seguirem as leis desse modo de produção, sofrendo as
transformações derivadas da concentração presente nas outras formas empresariais de
organização econômica. O processo de desenvolvimento das cooperativas correspondeu à
própria forma de expansão e dominação do capital na agricultura, na medida em que,
subordinado ao capital, o cooperativismo perdeu a autonomia apregoada nos princípios dos
Pioneiros de Rochdale.
Desde a aprovação da Constituição de 1988, diversos projetos de lei vêm
tramitando pelo Congresso Nacional com o propósito de alterar a Lei 5794/71. Pretende-se,
com isso, ampliar as possibilidades de atuação das cooperativas diante de um mercado
globalizado, delegando maior autonomia para reformulação de sua estrutura. A discussão gira
em torno da necessidade de modificação da legislação cooperativa brasileira, a exemplo do
que vêm sendo feito em outros países, para atender às expectativas econômicas, de modo a
permitir maior flexibilidade frente às novas conjunturas de mercado (OCB, 2007). O
panorama do cooperativismo brasileiro, a partir da década de 1990, apresentou duas vertentes
distintas sobre o direcionamento da gestão dos empreendimentos cooperativos. Uma das
vertentes, que será analisada nos capítulos 3 e 4, está ligada ao esforço de revitalização das
práticas cooperativas autênticas, inscritas na dinâmica da economia solidária, potencializando
as demandas sociais por trabalho e renda na formação de cooperativas populares.
Uma outra vertente diz respeito ao cooperativismo tradicional, herdeiro, em
certo sentido, do cooperativismo elitista que imperou no Brasil, mas independente da
intervenção estatal direta em sua gestão, empenhado em apresentar uma performance
econômica e financeira em que sobressaia a racionalidade técnica. O modelo de gestão do
cooperativismo tradicional se identifica com a gestão das empresas de capital e é defendido
por diversos órgãos representativos das cooperativas nos estados, através das organizações
estaduais de cooperativas e, em âmbito nacional, pela OCB. Segundo a OCB (2007), de 1990
a 2006 constatou-se um expressivo aumento no numero de empreendimentos cooperativos
registrados. Em 1990 havia 3340 cooperativas registradas junto à OCB, e 16 anos depois, em
2006, esse número saltou para 7603 empreendimentos, contando com 7.393.075 associados e
28
empregando 218.415 funcionários, distribuídos por vários ramos de atividade, como pode ser
verificado na tabela abaixo:
Fonte: OCB, 2007
Tabela 2.2: Distribuição das cooperativas, associados e empregados por ramo de atividade em
2006
Com a expansão do número de cooperativas em atividade, houve,
simultaneamente, um salto no número de associados. Mesmo com a readequação do quadro
societário por que passaram muitos empreendimentos, principalmente ao longo da década de
1990, fato que será retratado a seguir, o número de associados às cooperativas no Brasil saltou
de 2,8 milhões de associados em 1990 para 7,4 milhões em 2006 (OCB, 2007). Em termos de
dimensão dos empreendimentos, algumas cooperativas congregam milhares de associados,
abrangendo macro-regiões inteiras e participando intensamente da dinâmica da economia
regional.
A adequação das cooperativas tradicionais ao afastamento do Estado e à
globalização financeira e econômica da década de 1990, que afetou sobremaneira o setor
agrário brasileiro, resultou na intensa aproximação de sua gestão aos postulados da
racionalidade econômica. Se no período de 1930 a 1988 as cooperativas exerceram um papel
funcional ao Estado para o desenvolvimento do capitalismo no campo (FLEURY, 1980;
DUARTE, 1986), desde os últimos anos do século XX e início do século XXI observa-se a
29
afirmação das cooperativas tradicionais como empresas. Portanto, vêm prevalecendo em seu
interior a lógica da eficiência, com fins de perpetuação de suas atividades para aferição de
resultado econômico para seus sócios, um referencial distante dos ideais pretéritos de
cooperação, solidariedade e transformação social. Na seção seguinte, será analisada a
contribuição teórica de autores contemporâneos que refletem sobre a adequação dos
elementos da gestão das cooperativas tradicionais aos imperativos da racionalidade
econômica.
2.4 Contribuição teórica contemporânea sobre gestão de cooperativas tradicionais
2.4.1 Estratégias de gestão
Muitos empreendimentos cooperativos vêm passando por um intenso processo
de reformulação de suas diretrizes de gestão, no que diz respeito à configuração de seu quadro
de associados e na orientação das atividades produtivas, comerciais e financeiras do
empreendimento. Essa reformulação visa promover uma nova adequação de sua estrutura
interna, a começar pela composição de seu quadro societário, primando por ter entre seus
associados produtores com um perfil mais agressivo em relação aos requisitos para a
concorrência num mercado globalizado. A reestruturação dos empreendimentos cooperativos
vai ao encontro da seleção de sócios com certo nível de cultura administrativa, habilitados a
gerir sua produção de forma eficiente, além da capacidade de realizar aportes de capital para
alavancar as atividades da cooperativa. O perfil ideal do cooperado deixa de ser o do
indivíduo que objetiva apenas a sua subsistência, demandando os serviços da cooperativa para
uma operacionalidade mínima de suas atividades produtivas.
Realizando a seleção dos cooperados sob os critérios de eficiência e excluindo
sócios que não estejam adaptados à competitividade do mercado, a cooperativa direciona sua
configuração social nos moldes da empresa capitalista. Busca aglutinar associados com perfil
de empresários, aumentando a participação da cooperativa no mercado produtor. Ato
contínuo, a cooperativa passaria a se aproximar de outros empreendimentos com o mesmo
enfoque, através dos processos de fusão:
O processo de concentração via incorporação e fusão é explicado face a pouca
capacidade concorrencial das cooperativas incorporadas [...]. Esta dinâmica
30
econômica condiz com a expansão do capitalismo em geral e em particular com o
capitalismo no campo, pois a concentração e centralização do capital são processos
econômicos importantes, daí o capital se concentrar nas mãos de empresas mais
fortes em detrimento daquelas que não conseguem vencer a concorrência
(PANZUTTI, 1996, p.66).
A proposta de aproximação das cooperativas da performance administrativa
das empresas capitalistas marca a transição da gestão 'producer oriented' para 'market
oriented', em que a orientação de suas ações se dá mediante indicadores de mercado. Essa
transição leva os empreendimentos a nortearem-se por lógicas exógenas às da doutrina
cooperativista e seus valores. A gestão 'market oriented' se baseia em critérios de
produtividade, lucratividade e eficiência econômica em nível de planta, e não na simples
reprodução das condições de existência dos cooperados. Como salienta Pinho (1982, p.76),
[...] o aspecto empresarial da produtividade ou êxito externo da cooperativa implica
na utilização das mais modernas técnicas de organização empresarial, conquista de
mercado pela qualidade de seus êxitos, utilização de inovações tecnológicas e outras
para a atividade cooperativista ser competitiva, enfim apresentação de vantagens
típicas das empresas econômicas.
No caso específico das cooperativas agrícolas, há de se levar em conta que, na
agroindústria, a lógica da produção se dá mundialmente através do mercado de commodities
para exportação (figura 2.1). A dinâmica agrícola é determinada pelo capital e as cooperativas
passam a fazer parte do complexo agroindustrial, devendo se adaptar às exigências do setor
para participar desse mercado (PANZUTTI, 1996). As cooperativas inseridas nesse complexo,
para alcançar o crescimento de suas atividades, devem se propor a minimizar seus custos ao
longo da cadeia, obtendo um eficaz sistema de governança, em que se verifique eficiência em
nível de planta (microeconômica), mas também em nível de coordenação (BIALOSKORSKY
NETO, 1999).
Fonte: OCB, 2007
Figura 2.1: Evolução das exportações das cooperativas (1990-2006) em US$ Milhões
31
È importante ressaltar a necessidade de alinhamento entre a gestão das
cooperativas e a gestão das empresas do agronegócio, focando suas ações segundo as
exigências do setor no que tange à produção e administração. Busca-se, com esse
alinhamento, evitar que as cooperativas se distanciem do núcleo de empresas participantes do
mercado, o que poderia causar sua extinção. Segundo Cook, citado por Bialoskorsky Neto
(1998) o ciclo adaptativo das cooperativas compreende cinco estágios, desde sua formação até
sua possível extinção: a) surgimento do empreendimento cooperativo contra um sistema de
preços elevados de insumos ou redução dos preços de mercado de commodities; b)
nivelamento dos preços e conduta de sua gestão de acordo com as firmas de capital, porém
com custos ainda elevados, devido a seus direitos de propriedade difusos, gerando
desvantagens competitivas; c) adaptação da cooperativa à nova estrutura com redução de
custos e seleção de cooperados, reduzindo suas desvantagens competitivas, estabelecendo
alianças com firmas de capital; d) transformação da cooperativa em uma firma de capital
aberto; e) extinção da cooperativa via liquidação.
As cooperativas direcionariam seus caminhos e seu futuro de acordo com a
orientação de sua gestão. Os estágios acima descritos esclarecem que a estratégia gerencial da
cooperativa pode ser um divisor de águas na sua trajetória. Se o intuito for a permanência no
mercado, os autores citados recomendam que suas atividades se realizem de modo a aumentar
a capacidade de acumulação. A aderência da gestão das cooperativas aos modelos de
administração utilizados pelas empresas capitalistas seria essencial para a manutenção de suas
atividades e sua sobrevivência. Para tanto, as cooperativas devem recusar os postulados da
cooperação, em especial no que tange à propriedade de seus meios de produção, forma de
financiamento, democracia interna e organização do trabalho. No limite, essas cooperativas
tenderiam a se configurar no marco legal de uma Sociedade Anônima - SA, nos moldes
estritos das empresas tipicamente capitalistas.
2.4.2 Propriedade dos meios de produção das cooperativas e financiamento
No tocante aos direitos de propriedade dos ativos do empreendimento
cooperativo, a lei institui que as cooperativas constituem-se em sociedades de pessoas, que
voluntariamente subscrevem capital pessoal mediante integralização de quotas-partes,
32
coletivizando a propriedade dos ativos. De acordo com o parágrafo 3, art. 24, Cap. VI da Lei
5794/71, que regula sobre as sociedades cooperativas,
É vedado às cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às quotas-
partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não,
em favor de quaisquer associados ou terceiros excetuando-se os juros até o máximo
de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada.
A lei obriga as cooperativas a remunerar o capital integralizado com juros
módicos, sem privilégios individuais, caracterizando-a como uma associação de pessoas que
visa auferir rendimentos oriundos da produção, com ênfase secundária na valoração do
capital. Porém, a questão da capitalização das cooperativas vem sendo amplamente discutida
por vários autores, pois a pequena valorização das quotas-partes e sua baixa remuneração, sob
a forma de sobras, dificultam sobremaneira a capitalização das cooperativas para o
financiamento de suas atividades.
Para Zilbersztajn (2005), na medida em que os ativos da cooperativa
valorizam-se, a quota-parte do cooperado não varia na magnitude do valor do
empreendimento, diferentemente da empresa acionária. Diante dessa situação, o cooperado,
também gestor do empreendimento, não se sente incentivado a fomentar o crescimento do
valor da cooperativa, pois não lhe traria vantagem individual. “Se a cooperativa crescer com
sucesso e ganhar maior valor de mercado, o diferencial aumentará e a perda de direitos de
propriedade será maior para o associado” (BIALOSKORSKY NETO, 2002, p.8). Diante
desse quadro, novas estratégias mais transparentes quanto à participação de capital nas
cooperativas poderiam ser adotadas para melhorar seu desempenho econômico e otimizar a
condição do cooperado/investidor.
Bialoskorsky Neto (1998, 1999, 2001, 2002) enfatiza o caráter nebuloso dos
direitos de propriedade nas cooperativas como um entrave ao seu desenvolvimento. Para o
autor, o cooperado deveria dispor do direito de poder consumir, obter rendimentos ou mesmo
alienar algum ativo, transacionando-o no mercado e convertendo-o em unidades monetárias.
No entanto, este direito se encontra cerceado pela Lei 5794/71, que não permite a alienação
do direito de propriedade da cooperativa. Haveria a necessidade de efetuar nas sociedades
cooperativas uma nova equalização dos direitos de propriedade, modificando-se a lei, para dar
condições plenas de negociação dos seus ativos. Menegario discute outra dificuldade paralela
para a valoração das quotas: o critério legal de distribuição das sobras. A Lei 5794/71 obriga
que as sobras sejam divididas de acordo com o montante de operações realizadas pelo
cooperado junto à cooperativa, e não segundo o capital subscrito, fazendo com que “[...] a
33
quota-parte, além de não apresentar liquidez, também deixe de apresentar a devida
valorização que espelharia o crescimento dos negócios e imobilizados das empresas
cooperativas” (MENEGARIO, 2000, p.48).
Segundo Zilberstajn (2005), o direito difuso sobre a propriedade implica em
dificuldades para a projeção do horizonte do empreendimento. As cooperativas tenderiam a
rejeitar estratégias que demandam imobilização de capital por longos períodos, em razão da
pouca valoração do capital imobilizado e ausência de mercado para as quotas de participação.
Projetos de longa duração, diferenciação do produto e desenvolvimento de marcas, são
rejeitados, dando lugar a projetos de curto prazo, com pouco horizonte de alcance. A perda de
incentivos para projetos de longo prazo seria prejudicial para a consolidação da cooperativa
diante dos mercados e para o alcance do ponto ótimo de sua eficiência empresarial.
Em se tratando das cooperativas agropecuárias, a rigidez no direito de
propriedade leva à instabilidade contratual dos negócios realizados com seus cooperados.
Sendo a cooperativa uma empresa comum entre os sócios e cujo objetivo é a prestação de
serviços aos associados, muitas vezes a eqüidade de direitos, não vinculada ao montante
individual de quotas-partes, leva a comportamentos oportunistas por parte de alguns
cooperados. Com a equidade total de direitos, muitos cooperados usufruem dos serviços da
cooperativa, como repasse de sementes e fertilizantes, utilização de máquinas e equipamentos,
enfim, todo um aparato de infra-estrutura para a produção. No entanto, quando da entrega de
sua produção, muitos optam por transacionar com outras empresas, não realizando o repasse à
cooperativa, que lhe proporcionara boa parte das condições para a produção. Esse
comportamento oportunista é chancelado pelo estatuto de muitas cooperativas, quando
garante ao associado acesso aos seus ativos produtivos, mas o estatuto falha em não ter
dispositivos que assegurem a reciprocidade contratual do cooperado quando da transação de
sua produção.
As situações acima descritas - sobre os direitos difusos da propriedade - podem
afetar negativamente a cooperativa sob alguns aspectos: a) desestímulo dos associados em
investir seu capital na empresa, se não há garantias de retorno satisfatório desse capital; b)
diante de comportamentos oportunistas, os cooperados hesitariam em transacionar plenamente
sua produção com a cooperativa, se outros associados, detentores dos mesmos direitos, não
prestigiam o empreendimento; c) dificilmente um associado implementará formas de
produção mais complexas e com maior eficiência, visando um produto de melhor qualidade,
se não há direitos claros sobre os resíduos das operações. Seu diferencial, enquanto produtor
34
eficiente, pode diluir-se num mar de ineficiência e oportunismo dos demais associados
(BIALOSKORSKY NETO, 1999).
Tais óbices gerados pela rigidez na composição legal sobre os direitos de
propriedade das cooperativas poderiam ser superados se repensada a composição legal das
quotas-partes do empreendimento. A sugestão implícita na abordagem dos autores que
discutem um novo marco para a questão da propriedade, é de que as cooperativas devem se
aproximar cada vez mais das Sociedades Anônimas (S.A.), no que diz respeito a sua estrutura
de capital. Analisando a Nova Geração de Cooperativas, nos E.U.A. e Canadá, Bialoskorsky
Neto (1998) observou que nestas os próprios associados são responsáveis pela capitalização
do empreendimento. As quotas iniciais são proporcionais à quantidade a ser transacionada e
os direitos sobre a planta da cooperativa são passíveis de alienação, dando garantia à reserva
de valor do capital. As quotas são lastreadas no capital inicial investido, e se valorizam ou não
de acordo com a divisão dos resultados, como em uma Sociedade Anônima.
O exemplo da Nova Geração de Cooperativas mostra que a divisão das sobras,
bem como a representatividade junto à direção do empreendimento, deve ser proporcional ao
capital investido e subscrito em quotas-partes. Essa aproximação das cooperativas às
sociedades de capital e sua lógica empresarial seria fundamental para a valorização de seus
ativos. O maior monitoramento sobre o comportamento dos associados levaria a um foco mais
incidente sobre a estrutura de capital e eficiência econômica, em lugar da otimização dos
serviços aos cooperados. As cooperativas, através de novos arranjos de sua estrutura de
capital, buscariam ultrapassar o patamar de prestadores de serviços para se tornarem espaços
de valoração de capital.
As questões referentes ao financiamento das cooperativas e às possibilidades
de acesso ao capital para investimento em suas atividades, estão intimamente ligadas à sua
forma de propriedade. A rigidez na estrutura de capital das cooperativas imposta pela Lei
5794/71 as obriga a contarem praticamente com seus próprios fundos estatutários para suprir
suas necessidades financeiras. Mas, como foi afirmado acima, as cooperativas não são
atrativas para aportes de capital nem mesmo por parte de seus associados, devido à baixa
liquidez das quotas-partes e sua pouca valoração,
[...] em outras palavras, a arquitetura organizacional da cooperativa não gera
incentivos aos associados para capitalização desta, uma vez que a quota-parte não
apresenta mercado secundário desenvolvido, e as ‘sobras operacionais’ repartem-se
de acordo com a movimentação do cooperado (BIALOSKORSKY NETO, 2002,
p.17).
35
Em situações urgentes de capitalização, as cooperativas se vêem obrigadas a
acessar o tradicional sistema bancário, com taxas de juros mais elevadas, como mostra a
figura 2.2. Ocorre que os empreendimentos cooperativos possuem todo um histórico de
insucessos, impossibilidade legal de falência e ausência de garantias individuais, o que leva o
sistema financeiro privado a tê-los na conta de clientes de alto risco, elevando os custos dos
empréstimos e a exigência de garantias. As cooperativas, em especial as agrícolas, acabam
por acessar financiamentos com taxas de juros maiores que as praticadas junto ao setor, o que
compromete o seu desempenho econômico e financeiro.
Fonte: OCB, 2007
Figura 2.2: Taxas médias de juros mensal praticadas por cooperativas de crédito, bancos
comerciais e financeiras.
Em pesquisa realizada junto a cooperativas agrícolas, Panzutti (1996)
constatou que alguns empreendimentos exitosos financeiramente tiveram cautela no
endividamento bancário, reforçando o autofinanciamento via elevação do capital social, mas
tomando medidas que tornassem atrativa a capitalização por parte de seus associados. Se a
capitalização interna é fundamental,
[...] a tendência para que essas cooperativas possam concorrer com as empresas
multinacionais e ter mais agilidade na captação de recursos, é a de que centrais de
cooperativas, consideradas pela legislação cooperativas de segundo grau,
transformem-se em S.A. ou ainda, a cooperativa constituir outra empresa de capital
aberto para operar em segmentos específicos ou ter controle acionário de empresas
já existentes. Enfim, a cooperativa torna-se uma holding de capital aberto e suas
atividades operacionais serão exercidas por empresas de S.A. (PANZUTTI,1996,
p.178).
A estratégia sugerida pelo autor é bem clara: que as cooperativas se agrupem
em cooperativas de segundo grau, sob a forma de S.A., ou criem empresas coligadas de
capital aberto, nos dois casos negociando seus títulos e alavancando recursos. Essas medidas,
se postas em prática pelas cooperativas, podem acarretar no revigoramento de sua situação
36
financeira e, principalmente, dar novo fôlego para investimentos em atividades produtivas e
lucrativas.
Outra forma histórica de financiamento das cooperativas são as linhas de
crédito oficiais. Enquanto o Estado tinha nas cooperativas um instrumento de controle da
produção no campo, o financiamento era corrente. No entanto, a partir de 1980, houve
recrudescimento do crédito oficial destinado às cooperativas, sendo que o crédito liberado
pelo governo em 1992 correspondia a 19% do montante (corrigido) disponibilizado em 1981
(PANZUTTI, 1996). A redução das linhas específicas de financiamento, somada à cobrança
dos débitos, levaram diversas cooperativas a um elevado endividamento e, em muitos casos,
ao fim de suas operações. Como forma de equacionar esses débitos e promover sua
reestruturação financeira, em 03 de setembro de 1998 o governo federal editou a Medida
Provisória 1715, instituindo o Programa de Revitalização das Cooperativas de Produção
Agropecuária, o RECOOP, constante, na íntegra, em nosso ANEXO I. O objetivo técnico do
RECOOP era promover o desenvolvimento auto-sustentado das cooperativas, dando a elas
condições de competitividade e efetividade, que resultassem na manutenção, geração e
melhoria do emprego e renda. À época, das 650 cooperativas que se candidataram, 439 foram
aceitas. Para ter acesso aos recursos do RECOOP, as cooperativas deveriam cumprir o
seguinte roteiro de atividades fornecido pela OCB:
-Plano de reestruturação, demonstrando a viabilidade técnica e econômica da cooperativa.
-Fechamento de linhas de produção deficitárias.
-Estímulo a processos de aquisição e fusão de cooperativas.
-Projeto de capitalização.
-Projeto de profissionalização da gestão da cooperativa.
-Plano de organização e profissionalização dos cooperados.
-Projeto de monitoramento do plano de desenvolvimento das cooperativas.
O RECOOP exigia a readequação dos empreendimentos frente à nova situação
do mercado competitivo do agronegócio, fornecendo alicerce financeiro para cooperativas que
aceitassem enquadrar sua gestão a novos patamares de produção e gerenciamento, orientados
para o mercado nacional e internacional de commodities. O RECOOP propiciou a
capitalização das cooperativas via pagamento de dívidas junto a fornecedores e ao sistema
37
financeiro, além de oferecer capital para giro e investimento, no montante de R$ 2,1 bilhões
(MENEGÁRIO, 2000).
Após o socorro oficial via RECOOP, ficou estabelecida a autonomia financeira
das cooperativas em relação ao Estado, obrigando-as a reformular suas estratégias de captação
de recursos, esquivando-se do oneroso sistema bancário de crédito. Para Bialoskorsky Neto
(2002), as cooperativas devem dispor de mecanismos diferenciados para obtenção de
recursos, sendo necessário, para tanto, a reformulação de sua estrutura organizacional:
a) abertura de empresas não cooperativas como SAs., ou participação acionária em outras
empresas, para transação lucrativa dessas ações;
b) emissão de títulos da cooperativa para capitalização, via Certificados de Aporte de Capital
(CAC);
c) abertura de capital, transformando as quotas em ações ordinárias com direito a voto (já
implantado em cooperativas no Canadá);
d) contratos de participação, onde grupos de investidores juntam-se para financiar o
investimento da cooperativa em determinado projeto, com participação no resultado da
atividade;
e) conversão da cooperativa em uma empresa de capital aberto (S.A.), sendo esta a estratégia
mais radical para captação de recursos.
Essa reformulação da estrutura organizacional seria indispensável para as
cooperativas realizarem a contento o financiamento de suas atividades produtivas.
Paralelamente, deve-se alterar a Lei 5794/71, para que, flexibilizada a estrutura de
propriedade e capital das cooperativas, novos portifólios de capitais sejam disponibilizados
aos empreendimentos (BIALOSKORSKY NETO, 1998).
2.4.3 Democracia interna e organização do trabalho
A democracia interna nas cooperativas reflete a sua forma de propriedade. A
Lei 5794/71, em seu Capítulo IX, ressalta a importância dos órgãos internos de
representatividade da cooperativa, inteiramente democráticos, reproduzindo o poder
representativo com lastro no indivíduo associado e não na proporção de capital invertido. O
referido capítulo da Lei, em seu artigo 38, discorre que
38
A assembléia geral dos associados é o órgão supremo da sociedade, dentro dos
limites legais e estatutários, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao
objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa
desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes.
A Assembléia Geral é a instância última de deliberação sobre todas as ações
vitais da cooperativa, sendo referendada pelo quorum de associados, onde, seguindo a
doutrina rochdeliana, cada cooperado tem direito a um voto. As decisões respeitam uma
determinação pela base, e ao coletivo do empreendimento cabe aprovar ou vetar as propostas
oriundas dos órgãos de administração ou conselhos. Estes órgãos são responsáveis pela gestão
propriamente dita da cooperativa, sendo compostos por membros escolhidos por seus diversos
setores, imbuídos de competência para elaborar propostas de gestão, submetê-las à assembléia
e executá-las em caso de aprovação. Nota-se que este mecanismo de sujeição dos objetivos da
empresa ao corpo de associados/trabalhadores, deve ser o inverso do praticado pelas empresas
de capital. Nestas, o ordenamento da execução é determinado pelo pequeno grupo de
proprietários/acionistas ou seus representantes, sendo obrigatório seu cumprimento pelos
trabalhadores.
A propriedade coletiva da cooperativa permeia a lógica de sua democracia
interna, ficando a Assembléia Geral e suas deliberações submetidas ao corpo de associados.
Ocorre que, para alguns autores, a organização administrativa da cooperativa acaba por
confundir as esferas de propriedade e de controle, gerando impasses em sua gestão.
Zilberstajn (2005) argumenta que, com o aumento da complexidade nas atividades da
cooperativa, haveria ganho com a separação entre propriedade e controle da empresa.
Segundo o autor, se a expansão é o objetivo principal das cooperativas, suas atividades mais
complexas devem ser gerenciadas por profissionais contratados. Sob tal enfoque, o
gerenciamento da cooperativa seria otimizado pela ação de gestores capacitados para lidar
com os aspectos produtivos, administrativos e comerciais do negócio, uma vez que esses
especialistas estariam imbuídos de um maior instrumental técnico para essas atividades em
relação aos sócios.
A profissionalização do gerenciamento das cooperativas pode levar às
seguintes situações de melhoria de seu desempenho:
a) agilidade na tomada de decisões pontuais para administração das atividades (produção,
finanças, comercialização), reduzindo custos de transação (BIALOSKORSKY NETO, 1998);
b) maior simetria das informações entre associado e cooperativa, agente e principal (COSTA,
2005);
39
c) maior sintonia entre produção e sinalização dos mercados (BIALOSKORSKY NETO,
2002);
d) maior propensão à centralização e/ou fusão com outras cooperativas (PANZUTTI, 1996);
e) redução em possíveis favorecimentos a grupos de cooperados ligados a membros dos
conselhos (MENEGÀRIO, 2000).
Setorizar e profissionalizar as atividades da empresa cooperativa podem levar à
maximização de seus resultados:
Transformar os diversos setores de atuação de uma cooperativa em unidades
distintas ou negócios realmente independentes são algumas das estratégias viáveis.
Quando adotadas, elas podem facilitar o relacionamento com o mercado, possibilitar
alavancagem de novos recursos para expansões e modernizações, tornando a
empresa cooperativa muito mais eficiente em mercados cada vez mais competitivos
(MENEGÁRIO, 2000:75).
Segundo este raciocínio, a adoção de um corpo de gerentes profissionais por
parte da cooperativa não afetaria necessariamente sua democracia interna. Pelo contrário,
corrigiria vícios na gestão da cooperativa, como a perpetuação de grupos ou famílias nos
conselhos de administração e fiscal por décadas e a existência de comportamentos
oportunistas por parte de alguns associados. A forma como é regida a democracia interna na
cooperativa não pode confrontar-se com a necessidade iminente de se atingir um ponto ótimo
em sua gestão (PANZUTTI, 1996).
O desenvolvimento das atividades de produção, comércio e a administração
financeira do empreendimento deve fluir com eficiência, exigindo uma estrutura de
deliberação eficaz, diferindo da tradicional assimetria de informações e morosidade
demonstradas nas seções das Assembléias Gerais. Estas poderiam ser em menor número e
tratar das linhas gerais da política da empresa, delegando aos níveis hierárquicos com
profissionais gabaritados um maior poder de deliberação. Nessa perspectiva, as questões vitais
permaneceriam submetidas à assembléia, porém dotadas de maior lucidez em seus
delineamentos, ampliando o leque de informações, qualificando a tomada de decisão por parte
dos cooperados (BIALOSKORSKY NETO, 1999, 2002).
A organização do trabalho nos empreendimentos cooperativos remete a uma
questão crucial: o entendimento das cooperativas enquanto empresas de trabalho que não
visam lucro poderia estar determinando o ponto ótimo de eficiência de operações na
maximização de serviços e não de ganhos (BIALOSKORSKY NETO, 1998). O aspecto
coletivo da cooperativa levaria à deformação do conceito de eficiência econômica da empresa.
40
As cooperativas, quando visam a simples subsistência de seus cooperados em pequenos
empreendimentos, com baixo alcance de mercado e com necessidade de ajuda oficial,
negligenciam o componente competitivo e se abstêm de galgar um posicionamento agressivo
diante do mercado (BIALOSKORSKY NETO, 2001). Logo, os princípios doutrinários
delimitariam as estratégias possíveis, pois se o cooperado tem um duplo papel de trabalhador
e gestor do empreendimento,
[...] isto o induz a estruturar sua atividade produtiva como um capitalista e, ao
mesmo tempo, participar de uma sociedade gerida pelos princípios da cooperação,
qualificada como cooperação benigna. Nos casos em que tem a gestão conduzida
pelo próprio cooperado, a cooperativa perde algumas vantagens advindas da
especialização (ZILBERSZTAJN, 2005, p.57).
O trabalhador cooperado, assumindo também a função de gestor/empresário, se
vê diante de um dilema: se resignar com sua condição de provedor da subsistência ou assumir
a missão de fazer o empreendimento crescer, lançando mão de elementos da administração
científica e suas ferramentas gerenciais.
Levy (2001) alerta que para o fato de que, no contexto da globalização, a
economia agrícola demanda a utilização de ferramentas de gestão que privilegiem a eficiência
ao mutualismo. Para o autor, os antigos princípios da cooperação parecem não ser mais
suficientes para a permanência da cooperativa popular em um cenário global sob o paradigma
neoliberal. Logo, para os cooperados, seria melhor optar por gerir a cooperativa utilizando-se
da divisão do trabalho em atividades internas de produção, enquanto a gestão das cooperativas
se daria em conformidade com os postulados tayloristas. A esfera de planejamento e o núcleo
das decisões estratégicas se concentrariam na cooperativa, ao passo que nas atividades
produtivas seria utilizado o trabalho assalariado, com trabalhadores não associados à
cooperativa, mas sim prestadores de serviços aos proprietários/produtores, estes sim
cooperados.
A cooperativa passaria a ser gerida pelos proprietários dos meios de produção,
mas as relações internas de trabalho nas propriedades não diriam respeito à cooperativa, sendo
orientadas segundo a lógica capitalista. Haveria separação entre proprietários dos meios de
produção e proprietários da força de trabalho, com o aumento na contratação de empregados
pelas cooperativas, uma tendência que pode ser visualizada na figura 2.3. Para Panzutti
(1996), isso ocorre devido à existência de dois ambientes distintos de atuação da cooperativa:
a) ambiente dos associados, onde prevalecem os princípios e doutrinas cooperativistas da livre
adesão, gestão democrática, distribuição das sobras; b) ambiente de mercado, de alta
competitividade, eficiência e eficácia, sendo imperativo para a sobrevivência da cooperativa a
41
geração de excedente com objetivo de desenvolvimento. Novamente, deve-se ressaltar a
aproximação da gestão da cooperativa à gestão da empresa capitalista quando se trata da
questão da divisão do trabalho.
Fonte: OCB, 2007
Figura 2.3: Evolução no número de empregados nas cooperativas
Em estudo realizado junto à Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas de
Maringá (COCAMAR), Bialoskorsky Neto (1998) verificou uma mudança no sistema
administrativo da cooperativa a partir de 1989, com as seguintes prioridades: a) redução dos
níveis hierárquicos com maior flexibilidade da administração; b) redução do quadro
associativo, classificação e eliminação dos cooperados que gerassem altos custos para a
sociedade; c) terceirização de serviços; d) preparo do quadro associativo para uma gestão
moderna. A COCAMAR tomou para si a missão de ter entre seus quadros associados
profissionalizados e competitivos, mantendo cooperados que utilizassem no mínimo 80% de
seu potencial econômico, decidindo-se pela eliminação daqueles que não fossem atuantes e
competitivos. Entre novembro de 1989 e setembro de 1992, o número de associados
decresceu de 19809 para 9972, uma redução de quase 50% do seu quadro social (SANTOS,
V., 2001). Em outro estudo realizado junto à Nova Geração de Cooperativas, o autor
constatou a seleção de cooperados já no início das atividades da cooperativa, quando
[...] agricultores são selecionados com o objetivo claro de estabelecer uma planta de
processamento para agregação de valor às commodities agropecuárias. A visão e o
objetivo final são do mercado e não do produtor, desse modo, essa organização é
‘market oriented’, e não apenas ‘producer oriented’, como é comum no processo de
formação de cooperativas (BIALOSKORSKY NETO, 2002, p.12).
42
O tipo de estratégia adotada pela COCAMAR e pela Nova Geração de
Cooperativas para reformulação do seu quadro societário, flui no sentido de fortalecer a
empresa com associados que disponham de estrutura produtiva adequada para o desafio
competitivo do agronegócio. Pequenos produtores que buscam na cooperativa um dispositivo
de amenizar suas deficiências econômicas, extraindo da empresa o máximo de serviços
possíveis, não acrescentariam muito para a maximização da eficiência, sendo sua presença nas
cooperativas competitivas não mais desejada. Já na década de 1980, Maria T. L. Fleury
(1980) apontava que às cooperativas agrícolas, voltadas para o mercado de commodities,
pouco interessava um produtor pequeno, falido, mas sim um associado que produzisse
mercadorias, comprasse insumos e realizasse financiamentos, fomentando a acumulação por
parte da cooperativa. O pequeno produtor de artigos para subsistência poderia ser descartado
ou participar da cooperativa nas seguintes modalidades: aproveitado enquanto trabalhador
rural nas propriedades de sócios cooperados; participar de cooperativas de trabalhadores
rurais; ou ainda, arrendando suas terras para a cooperativa.
Segundo os autores citados, os empreendimentos cooperativos, para se
equipararem ao mercado competitivo do agronegócio, precisam incrementar a eficiência em
suas atividades, terceirizando serviços e contratando profissionais para sua administração e
gerenciamento. Esses funcionários têm de ser trabalhadores polivalentes, desespecializados,
aptos a desempenharem diversas funções, integrados ao centro nervoso do empreendimento
(CORIAT, 1994). A profissionalização dos trabalhadores passa a determinar as relações de
trabalho dentro das propriedades dos cooperados em conformidade com o padrão das
empresas de capital participantes do agribusinees, suas concorrentes diretas pelos mercados
nacional e internacional. Para tanto, devem fazer uso do mesmo instrumental que rege as
relações de trabalho do sistema capitalista, com o objetivo de auferir sobras progressivamente
maiores a cada exercício: “A empresa cooperativa tem que agir de acordo com a lógica
econômica de mercado, tanto para ‘fora’ da organização, como é nítido, mas também para
‘dentro’ da organização, na relação com seus associados” (BIALOSKORSKY NETO, 1998,
p.45).
Como forma de ilustrar as proposições teóricas sobre um modelo de gestão das
cooperativas que priorize o resultado econômico do empreendimento, procederemos à análise
de uma cooperativa rural tradicional.
43
3 ANÁLISE DA GESTÃO DA COOPERATIVA DE CAFEICULTORES E
AGROPECUARISTAS DE MARINGÁ (COCAMAR)
No presente capítulo será apresentado o estudo de caso da COCAMAR, com o
objetivo de analisar a dinâmica de gestão de uma cooperativa rural tradicional, inserida no
agronegócio e alinhada com as empresas capitalistas do setor.
3.1 Histórico da COCAMAR
A fundação da COCAMAR data de 27 de março de 1963, na cidade de
Maringá, região noroeste do estado do Paraná. A cooperativa surgiu em um período de
monocultura do café na região, quando já apresentava mudanças desencadeadas por políticas
públicas para redução dos cafezais no Paraná, visando equilibrar a oferta para exportação
(SANTOS, V. 2001). A produção cafeeira apresentou superprodução ao longo da década de
1960, reduzindo os preços do produto, levando os produtores a encontrarem na cooperativa
um instrumento de fortalecimento de suas atividades, pois seu isolamento representava
dificuldades de comercialização. As sucessivas crises de superprodução trouxeram à
cooperativa dificuldades que só foram amenizadas em 1967, com a obtenção de crédito junto
ao Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) e ao Instituto Brasileiro do Café (IBC).
A década de 1970 foi marcada pela intensa modernização das atividades da
cooperativa através da diversificação da produção. Em 1974, a Assembléia Geral aprovou seu
projeto de industrialização do algodão para extração de óleo e introdução de soja e trigo como
elementos de inserção da COCAMAR no mercado mundial.
Após uma década de desenvolvimento de novas atividades e inserção no
mercado internacional, no início da década de 1980 havia indicação de um período de crise
para a COCAMAR, bem como para todo o setor agrícola. No entanto, a cooperativa
continuou seu processo de expansão, instalando novas unidades de produção de óleos vegetais
à base de soja em 1984, de fio de seda em 1985, além de duplicar sua planta de
industrialização de caroço de algodão em 1986 (SANTOS, V. 2001). Mesmo sob os efeitos da
crise do período que se convencionou chamar de ‘década perdida’, a cooperativa entrou na
década de 1990 fortalecida, mas percebendo a necessidade de uma reformulação interna.
44
3.1.1 A reestruturação organizacional da COCAMAR na década de 1990
A década de 1990 marcou a abertura da economia brasileira, demandando
novas estratégias para atuação no competitivo mercado mundial. Por essa razão, a
COCAMAR passou a imprimir um vigoroso programa de reestruturação interna, combatendo
os seguintes pontos de ineficiência: a) estrutura organizacional pesada; b) aumento dos níveis
de endividamento; c) excesso de associados inoperantes; d) excesso de atividades de apoio
(JARDIM JUNIOR, 2005). A cooperativa iniciou um processo de enxugamento dos cargos
diretivos, buscando agilizar o processo decisório, dando à sua gestão um caráter
extremamente técnico. A COCAMAR aprofundou a terceirização de suas atividades,
contratando empresas prestadoras de serviços, muitas delas dirigidas por seus ex-
funcionários
7
. Paralelamente, a partir de 1991 foi revista a situação de muitos associados,
quando a cooperativa
[...] colocou em xeque a qualidade de participação de parte do quadro associativo, e
com vistas em preservar e valorizar os associados realmente ativos, desfechou um
rigoroso programa seletivo, que, depois de concluído, resultou no desligamento de
milhares de produtores que não movimentavam (JARDIM JUNIOR, 2005, p.291)
8
.
O ano de 1995 marcou o ápice da crise interna na COCAMAR. Em pesquisa
realizada junto à COCAMAR, Rodrigues (2000) aponta que, até a concretização da crise, a
cooperativa adotava uma postura de responsável pelo desenvolvimento regional, por meio de
medidas que buscavam a diversificação da produção, priorizando os interesses dos
cooperados e produtores locais. Para a direção da cooperativa, tal postura imprimia um caráter
assistencialista à gestão da COCAMAR.
Ainda em 1995, a COCAMAR enfrentou sérios problemas financeiros
resultantes da inadimplência de alguns cooperados; estrutura de capital deficiente; gestão
equivocada de investimentos e elevação dos custos financeiros. Nessa época, a cooperativa
tentava negociar uma dívida acumulada de R$140 milhões com bancos, o que representava
65% do seu endividamento total, enquanto suas atividades apresentavam um faturamento da
ordem de R$350 milhões e um resultado operacional de R$12 milhões. Esses números, de
acordo com o Chase Mannhattan Bank, que assessorava as negociações, inviabilizavam a
reestruturação financeira da cooperativa (RODRIGUES, 2000).
7
Em 1996, os seguintes serviços se encontravam terceirizados na COCAMAR: tranporte; produção de sementes;
engenharia; serviços jurídicos; zeladoria; restaurante industrial; atendimento odontológico; segurança
patrimonial; assistência técnica; programação de TV; serviços gráficos (SANTOS, V., 2000).
8
O processo de readequação do quadro associativo da COCAMAR está descrito na seção 2.4.3
45
A renegociação do passivo da COCAMAR junto aos bancos foi extremamente
tensa. Em um determinado momento, diante da postura inflexível das instituições financeiras,
aventou-se a possibilidade de convocação de uma assembléia extraordinária dos sócios, com a
presença de representantes dos bancos, para propor a dissolução da cooperativa e o repasse de
seus ativos aos credores, como forma de quitação das dívidas. Diante desse quadro, os
representantes dos bancos constataram a necessidade de reavaliar as exigências para a
renegociação. Esse impasse foi equacionado com a melhora das condições de repactuação do
passivo da cooperativa, possibilitando seu parcelamento
9
.
Nesse ínterim, os sócios foram mobilizados para intensificar suas operações
com a cooperativa, como forma de prestigiá-la num momento de crise, o que levou a direção a
vislumbrar a continuidade de suas atividades. A renegociação do passivo junto aos bancos é
considerada pela cooperativa como um evento marcante para sua fase ascendente após a crise
do início da década de 1990. Em 1998, a COCAMAR, por meio de uma sofisticada
engenharia financeira, obteve recursos provenientes do RECOOP para sanar parte de suas
dívidas. A cooperativa obteve R$ 160 milhões via RECOOP e se comprometeu a executar as
reformas internas condicionantes da repactuação
10
. A renegociação possibilitou a redução de
cerca de 50% de seu passivo bancário, com juros médios de 4,8% ao ano e prazo de 16 anos
para pagamento. Com a injeção de crédito oficial, a COCAMAR passou a apresentar uma
crescente capacidade de capitalização.
Ao mesmo tempo, a diretoria da COCAMAR reavaliou sua postura sobre as
atividades produtivas, reduzindo custos e direcionando seus investimentos para produção de
commodities e para a comercialização de produtos industrializados no mercado nacional.
Rodrigues (2000) relaciona uma mudança também no posicionamento estratégico da
COCAMAR após 1995, retratada pela tabela abaixo:
9
O especialista Divanir H. Silva participou das negociações junto aos bancos e recebeu. Em 2005, o prêmio de
executivo de finanças do ano no Paraná e se tornou diretor-secretário da COCAMAR na gestão 2006-2009.
10
As condições exigidas para acesso ao RECOOP constam na seção 2.4.1. e, na íntegra, no anexo I.
46
Antes da Crise (1995) Depois da Crise (1995)
Basicamente mercado interno
Mercado Interno, com
intensificação das vendas no varejo
11
Diversificação das opções ao produtor
Redução da diversificação, com ampliação
da linha de produtos já existentes
Moderadas reduções de custos
administrativos
Intensivas reduções de custos gerais
Grandes investimentos Moderação nos investimentos
Foco no social Foco na empresa cooperativa
Fonte: RODRIGUES, 2000.
Tabela 3.1: Posicionamento Estratégico da COCAMAR durante a década de 1990
Já no inicio do século XXI, a COCAMAR possui uma gestão inteiramente
profissionalizada, priorizando o fortalecimento de alianças estratégicas com outras
cooperativas e empresas de capital aberto. Essa gestão moderna será mais bem detalhada a
seguir:
3.2 Gestão dos ativos e finanças
A COCAMAR, desde o início de suas atividades, se caracterizou como um
empreendimento coletivo de produtores individuais. Seu objetivo era adquirir vantagens tanto
na aquisição de insumos quanto no processamento dos produtos agrícolas, fazendo da
cooperativa um instrumento de agregação de valor à sua produção individual. A única forma
de ingresso na COCAMAR, como cooperado, se dá mediante a comprovação da atividade
agrícola e a integralização de quotas-partes, com valor mínimo de R$ 500,00. As quotas-
partes são remuneradas com juros não superiores a 1% ao mês, habilitando o sócio a realizar a
compra de insumos nos entrepostos da cooperativa, receber assistência técnica e comercializar
sua produção. Os ativos particulares de cada cooperado, ou seja, sua propriedade fundiária,
instalações físicas e equipamentos, continuam sob propriedade individual e os ativos da
11
O faturamento com as vendas no varejo dos produtos da COCAMAR saltou de R$ 53 milhões em 1998 para
R$ 205 milhões em 2006 (COCAMAR, 2007).
47
cooperativa são constituídos pela somatória das quotas-partes subscritas por cada cooperado,
separando o patrimônio da cooperativa do patrimônio de seus sócios.
Quando de sua fundação, em 1963, a COCAMAR contava com 46 sócios, e
seus ativos se resumiam a um barracão, onde eram recebidos e processados os produtos
agrícolas, e o maquinário para o beneficiamento da produção. No ano de 2006, 43 anos após
sua fundação, a cooperativa contava com mais de 6700 cooperados, sendo composta por 30
unidades industriais instaladas em municípios do noroeste paranaense (APÊNDICE A), com
sua sede e maior unidade em Maringá (ANDICE C). As principais atividades da
COCAMAR estão elencadas na tabela abaixo:
- Extração de óleos e farelos
- Refino e envaze de óleos
- Comercialização de óleos comestíveis
- Industrialização e comercialização de fios têxteis
- Fabricação de suco de frutas concentrado e congelado
- Torrefação, moagem e comercialização de café
- Fabricação de sucos/néctares de frutas
- Fabricação de bebidas à base de soja
- Comercialização de sucos a base de frutas e de soja
- Fabricação e comercialização de cremes e molhos
vegetais
- Estoque da produção em redes de armazéns
- Processamento de resíduos vegetais
- Usina de preservação de madeira
- Pesquisas no Instituto de Tecnologia Oswaldo M. Corrêa
Fonte: COCAMAR, 2007
Tabela 3.2: Rol de atividades da COCAMAR em 2006
Todo o patrimônio da COCAMAR pertence a seus sócios, sendo a participação
individual na composição desse patrimônio proporcional ao número de quotas-partes que cada
sócio detém. O montante de quotas-partes individual não precisa ser igual entre os sócios,
cabendo diferenciação entre o volume de ativos pertencente a cada cooperado. A valorização
do patrimônio da COCAMAR, bem como os resultados positivos de seus exercícios, se
refletem na valoração da quota-parte, sob duas condições: a) pelo aumento do patrimônio
líquido da cooperativa; b) pelo volume de transações com a cooperativa.
48
A valoração da quota-parte, referente ao aumento do patrimônio da
COCAMAR, se dá pela elevação do volume de ativos da cooperativa, tanto no investimento
direto em suas instalações quanto na composição de seus ativos monetários. A COCAMAR
vêm apresentando, desde 2000, os maiores faturamentos de sua história, como pode ser
observado na figura 3.1.
Evolução do faturamento do Grupo COCAMAR
(em milhões de reais)
305
408
482
602
774
1008
1154
958
874
1100
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
* Os dados referentes ao faturamento em 2007 foram coletados em janeiro de 2008.
Fonte: COCAMAR, 2007
Elaborado pelo autor
Figura 3.1: Evolução do faturamento do Grupo Cocamar
12
(1998-2007*)
De acordo com a COCAMAR (2007), a queda no faturamento total registrada
em 2005 e 2006 reflete o período de crise da produção por que passou a cooperativa, gerada
pelos seguintes fatores: a) efeito cambial, com a valorização do Real frente ao Dólar
13
,
reduzindo as exportações; b) baixa capacidade de capitalização dos produtores; c) elevação
dos custos de produção; d) estiagem em 2006; e) falta de auxílio oficial para a produção. Já
em 2007, a COCAMAR apresentou recuperação em seu faturamento, conforme apresentado
na figura 3.1.
A COCAMAR possui ainda uma empresa coligada, a Transcocamar LTDA,
que opera no ramo de transportes e é especializada em cargas agroindustriais, especialmente
12
O Grupo Cocamar, em 2007, era formado pela cooperativa COCAMAR e pela empresa coligada
TRANSCOCAMAR LTDA.
13
No período de 2005 a 2006 o Real apresentou uma apreciação média de 20% em relação ao Dólar (Taxa de
câmbio - R$ / US$). Fonte: www.ipeadata.gov.br
49
açúcar, álcool, soja e cítricos. A empresa iniciou suas atividade em 1990 e em 2006 seu
faturamento foi de cerca de R$ 110 milhões contra R$ 90 milhões em 2005; além disso, suas
operações em 2006 apresentaram um aumento de 20% em relação ao ano anterior. O
desempenho da Transcocamar, em 2005 e 2006, colaborou para amenizar a queda no
faturamento do Grupo Cocamar em função da crise nas atividades agrícolas.
Outra modalidade de valorização do capital dos associados é a distribuição
crescente das sobras em proporção à transação dos cooperados com a cooperativa. Para tanto,
todo sócio possui uma conta capital em aberto junto à COCAMAR, que acumula fundos
oriundos da retenção de 1% do valor de todas as suas operações com a cooperativa ao longo
do ano. Quanto mais operações são realizadas, seja comprando insumos ou repassando sua
produção, a conta capital se eleva e as sobras distribuídas são maiores. Assim, um cooperado
que transacione intensamente com a cooperativa pode receber sobras superiores em relação
àqueles que possuem um volume maior de quotas-partes, mas que não transacionam
plenamente com a cooperativa. O dispositivo da conta capital tem por objetivo claro
privilegiar cooperados que se relacionem com a COCAMAR nas etapas de plantio,
processamento e comercialização da produção.
Desde 2002, cooperados com idade a partir de 60 anos passaram a receber,
parceladamente, 50% do saldo de sua conta capital. A partir de 2007, ao completarem 65 anos
de idade, os cooperados passaram a ter acesso a mais 50% do saldo remanescente em sua
conta capital, e, ao completarem 75 anos, recebem todo o saldo de sua conta capital,
permanecendo somente um valor residual de R$ 500,00. O resgate do saldo da conta capital
não prejudica a movimentação normal desses cooperados junto à cooperativa, além do que,
suas operações não estão mais sujeitas à retenção de 1%. Essa política foi concebida como
uma forma de prestigiar os sócios mais antigos e que transacionam intensamente com a
cooperativa, propiciando uma renda adicional (uma vez que o repasse é parcelado
mensalmente) sob os mesmos moldes de uma previdência privada.
Na percepção da COCAMAR, um cooperado participante do dia a dia da
cooperativa é um ator que representa três papéis: cliente, fornecedor e dono. No entanto, essa
relação muitas vezes se mostra conflituosa. A ausência dos valores da cooperação leva muitos
sócios a se comportarem de maneira individualista, exigindo que a cooperativa: pague os
melhores preços pelo seu produto (fornecedor); venda os insumos pelos menores preços
(cliente) e proporcione os maiores dividendos possíveis (dono). Uma postura individualista do
cooperado se reverte em problemas com relação à sua fidelização, quando não há uma cultura
50
forte do cooperativismo. Para a COCAMAR, tal cultura parece se esfacelar a cada geração
que se sucede. A preocupação com a adesão dos sócios ao compromisso pela cooperação tem
uma motivação adicional: a COCAMAR é partidária da modificação da Lei 5794/71 no que
diz respeito à fidelidade do sócio. Frequentemente são detectados comportamentos
oportunistas por parte de alguns cooperados, principalmente quando estes se abstêm de
negociar sua produção com a cooperativa após serem por ela beneficiados. A COCAMAR
planeja, para 2008, alterações em seu estatuto social, de modo a dinamizar o processo de
desligamento de cooperados que realizem pouca movimentação com a cooperativa,
aproveitando-se de seus benefícios, mas sem prestigiá-la nas demais ocasiões.
Outra preocupação da cooperativa diz respeito à regularidade de suas finanças,
principalmente depois da crise financeira descrita na seção 3.1.1. Como participante do
segmento do agronegócio, a COCAMAR foi muito afetada pelos planos econômicos da
década de 1980 e pela redução do crédito oficial, adentrando a década seguinte com uma séria
crise de endividamento, tendo sido inclusive cogitada a sua dissolução. O elevado passivo da
empresa fora diagnosticado como um reflexo de má gestão, com a manutenção de estruturas
ociosas e inoperantes, além de investimentos sucessivos em atividades pouco rentáveis ou não
ligadas à atividade-fim da cooperativa. Depois de uma profunda reorganização administrativa,
a COCAMAR efetuou a repactuação de suas dívidas a partir de 1995 e, com os recursos
advindos do RECOOP, em 1998, a cooperativa estabilizou suas finanças.
A COCAMAR é favorável à alteração da Lei 5794/71 também para que seja
possível a abertura de seu capital, o que levaria a cooperativa a alavancar mais recursos para
investimentos, com baixo custo financeiro. Sem a possibilidade de abrir seu capital, desde
2002 a cooperativa comprometeu-se com a redução do endividamento bancário priorizando a
capitalização de suas atividades com recursos próprios, mediante a realocação de ativos entre
seus setores de atuação. Um exemplo disso foi a decisão pela venda de sua usina de açúcar e
álcool em 2006, em plena retomada da produção nacional para álcool carburante,
formalizando negócio com o grupo Santa Terezinha, de Maringá. A Usina São Tomé possuía
capacidade de esmagamento de 700 mil toneladas de cana por safra, mas, para se tornar
viável, seria necessário o aumento da produção para não menos de 1,2 milhão de toneladas de
cana esmagada por safra, o que demandava um volume de investimento na ordem de R$ 60
milhões. Entretanto, as atividades da cana de açúcar representavam cerca de 1% das
atividades totais dos cooperados. Sob essas condições, a cooperativa optou por se retirar do
setor sucroalcooleiro, vendendo a usina por R$ 143 milhões, dos quais R$ 43 milhões foram
51
destinados para liquidação de passivos junto ao Banco do Brasil e R$ 100 milhões para
injeção em capital de giro na cooperativa.
O financiamento das atividades de seus cooperados não faz parte da política da
cooperativa, que se limita a parcelar a compra de insumos e auxiliar seus sócios no acesso a
linhas de crédito com taxas diferenciadas, principalmente junto ao Banco do Brasil,
responsável pelo repasse do crédito oficial para a agricultura. A COCAMAR também realiza
uma parceria estratégica com uma cooperativa de crédito, a SICREDI, que faz o atendimento
direto aos produtores cooperados em 28 unidades na região noroeste do Paraná. A SICREDI,
em 2006, atingiu um faturamento de R$ 243 milhões e era composta por 25.549 sócios, dentre
os quais muitos cooperados da COCAMAR (COCAMAR, 2007).
3.3 Processo decisório e organização do trabalho
A democracia interna na COCAMAR visa, em tese, estabelecer um maior
equilíbrio na relação dos sócios com a cooperativa, baseado principalmente em uma
representatividade que reflita as demandas dos sócios, respeitando as diversas condições
fundiárias, econômicas e sociais dos cooperados.
A organização interna da COCAMAR contempla seus aspectos político e
produtivo. O aspecto político diz respeito às questões de interesse direto dos sócios, através
das instâncias responsáveis pela direção da cooperativa, que representam os cooperados e são
por eles instituídas. No aspecto político, observa-se a participação direta do cooperado na
administração. Já o aspecto produtivo remete ao núcleo técnico da cooperativa, responsável
pelas atividades produtivas, comerciais e que prestam assistência técnica, além da gestão dos
negócios da COCAMAR. O aspecto produtivo tem, entre seus realizadores, profissionais
contratados pela cooperativa.
Ao longo da década de 1990, a COCAMAR efetuou a reestruturação de sua
organização interna, visando profissionalizar suas atividades e alcançar maior eficiência em
seu processo decisório. A direção executiva da cooperativa passou de sete para três
componentes e vários departamentos foram agrupados ou extintos, em razão da política de
terceirização implantada para reduzir sua estrutura, considerada excessivamente onerosa e
ineficaz. A estrutura organizacional da COCAMAR, em 2007, pode ser visualizadas na figura
3.2:
52
Fonte: dados fornecidos pela COCAMAR.
Elaborado pelo autor através de pesquisa de campo realizada em novembro de 2007.
Figura 3.2: Estrutura organizacional da COCAMAR
- (1) Assembléia Geral: instância máxima de deliberação dentro da cooperativa. È formada
por todos os cooperados e realizada pelo menos duas vezes ao ano. Como a COCAMAR
possui um número elevado de cooperados, distribuídos pela região noroeste do Paraná,
principalmente na zona rural, o quorum das assembléias gerais não é formado por todos os
sócios. A cooperativa realiza, em todas as suas unidades, pré-assembléias, geralmente um mês
antes da realização da Assembléia Geral. As gerências das unidades ficam responsáveis pela
convocação dos cooperados que atuam na região e uma equipe de representantes da diretoria
comparece às unidades para coordenar as pré-assembléias. Nestas, os cooperados são
informados sobre os assuntos que serão tratados na Assembléia Geral. As pré-assembléias têm
por objetivo munir com máximo de informações os cooperados dispostos a participar da
assembléia. Na Assembléia Geral, por disposição estatutária, cada sócio tem direito a um
voto, independente do montante de quotas-partes que possui. Ocorre que, pelas dificuldades
dos pequenos produtores em se deslocarem para participar das reuniões em Maringá, o
53
quorum das assembléias é composto principalmente pelos grandes produtores, que fazem
valer seus interesses nas deliberações.
- (2) Conselho Fiscal: é o órgão responsável pela fiscalização do conselho administrativo,
superintendências e setores, bem como pela preservação do patrimônio dos sócios. O
conselho é composto por seis membros para um ano de gestão, atuando de forma
independente de outros órgãos, pois se remete diretamente à assembléia. Para realização de
suas atividades, o conselho fiscal é assessorado por uma consultoria externa.
- (3) Conselho de administração: composto por doze representantes eleitos a cada quatro
anos, sendo que três deles integram a diretoria executiva, nos cargo de presidente, vice-
presidente e diretor-secretário. O conselho de administração é responsável pela gestão da
COCAMAR, respondendo pelos resultados econômicos e pela execução das deliberações da
Assembléia Geral. Espera-se que a composição do conselho administrativo contemple o perfil
do seu quadro societário, tendo entre seus membros tanto grandes quanto pequenos
proprietários, havendo alternância em sua composição. No entanto, observam-se distorções na
formação dos conselhos: a) na gestão 2006-2008, de seus doze membros, apenas um
conselheiro era pequeno produtor, enquanto os outros onze figuram entre grandes
proprietários da região; b) parte dos membros se mantém por mais de dez anos no conselho,
mesmo com a sucessão das gestões, havendo apenas certo rodízio nos cargo da diretoria
executiva, o que demonstra uma rigidez no núcleo responsável pela direção da cooperativa e
concentração do poder decisório.
- (4) Superintendências: todas possuem um superintendente geral e respondem pelas
atividades produtivas; comerciais; administrativas e financeiras e de assistência técnica aos
cooperados. Contemplam o aspecto produtivo da cooperativa e são compostas por
funcionários contratados para a realização de uma gestão altamente profissionalizada.
(5) Superintendência comercial e industrial
: é responsável pela produção e comercialização da
cooperativa, subdividida nos seguintes setores: a) Industrial: realiza a segmentação de cada
setor de produção da cooperativa, coordenando a atividade industrial em cada uma de suas
unidades, que possuem um gerente de produção e um supervisor; b) Comercial: atua na
comercialização de toda a linha de produtos da cooperativa nos mercados nacional e
internacional, realizando também a atividade de marketing externo.
(6) Superintendência técnica e operacional
: fornece suporte técnico para as atividades
produtivas da COCAMAR, com os seguintes setores: a) Unidades: auxilia a
54
operacionalização das atividades de processamento das indústrias; b) Técnico: disponibiliza
assistência técnica aos cooperados em seu processo produtivo; c) Gerência de insumos:
realiza a distribuição de insumos para os cooperados; d) Cooperativismo: promove a
constante capacitação dos sócios para a atividade cooperativa.
(7) Superintendência administrativa e financeira: responde pelas atividades administrativas da
COCAMAR e é formada pelos setores: a) Financeiro: organiza a movimentação financeira da
cooperativa; b) Recursos humanos: efetua a coordenação do quadro de profissionais
contratados e estagiários; c) Contabilidade: organiza a contabilidade da cooperativa; d)
Administrativo: responsável pela administração das atividades produtivas da cooperativa; e)
Jurídico: responde pelas questões legais relacionadas à COCAMAR.
Os setores responsáveis pelo aspecto produtivo da cooperativa, a partir das
superintendências, são caracterizados pelo alto grau de profissionalização e independência de
seus procedimentos em relação ao corpo de cooperados. No interior da cooperativa, as
decisões referentes à produção, comercialização e assistência aos cooperados, são tomadas em
consonância com a racionalidade econômica. Corroboram com a definição da cooperativa
enquanto uma empresa competitiva, priorizando as estratégias que resultem em ganhos
financeiros satisfatórios para os seus sócios, mesmo que, efetivamente, um número reduzido
de cooperados participe diretamente da gestão da cooperativa.
Nesse sentido, a organização do trabalho na COCAMAR se orienta pela
prática da heterogestão. A Assembléia Geral é seu órgão deliberativo principal, onde as linhas
gerais da gestão da cooperativa são discutidas e delimitadas, sendo que o conselho de
administração é a instância responsável pelo cumprimento dos ordenamentos da assembléia.
Tanto a Assembléia Geral quanto o conselho de administração são formados exclusivamente
por sócios cooperados, mas, a partir dos núcleos responsáveis pela execução das atividades
programáticas, ou seja, as superintendências, todas as demais instâncias são constituídas por
profissionais contratados. Esses profissionais passam a ser empregados da cooperativa,
estabelecendo com esta uma relação de trabalho assalariado e, portanto, alheios ao
planejamento das atividades e ao processo decisório.
O quadro de funcionários da COCAMAR, denominado quadro de
colaboradores, em 2006, era formado por 2220 trabalhadores, correspondendo a 33,5% dos
6631 sócios no mesmo ano. A evolução do número de funcionários e sócios da COCAMAR e
sua relação pode ser visualizada na tabela 3.3 abaixo:
55
Número de cooperados e funcionários da COCAMAR (1994-2006)
Relação
Ano Cooperados Funcionários
funcionário/cooperado
1994 7879 2880 36,60%
1995 6598 2470 37,40%
1996 6119 2400 39,20%
1997 5771 2062 35,70%
1998 5544 1800 32,50%
1999 5446 2400 44,10%
2000 4078 2530 62,00%
2001 5460 2600 47,60%
2002 5500 2700 49,00%
2003 5485 2580 47,00%
2004 6083 2620 43,10%
2005 6280 2410 38,40%
2006 6631 2220 33,50%
Fonte: dados fornecidos pela COCAMAR.
Elaborado pelo autor através de pesquisa de campo realizada em novembro de 2007.
Tabela 3.3: Cooperados e funcionários da COCAMAR
Os empregados da cooperativa estão distribuídos entre as funções gerenciais,
administrativas e de execução das atividades, pois permeiam praticamente todos os setores da
empresa, com exceção dos conselhos administrativo e fiscal. A COCAMAR objetiva que seus
funcionários sejam polivalentes e pró-ativos. Para isso, promove planos de carreira para seus
empregados e incentiva seu aperfeiçoamento profissional, levando para dentro de suas
instalações cursos de capacitação técnica e um curso de MBA institucional em agronegócios,
em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
A organização do trabalho nas propriedades dos cooperados se dá por
assalariamento, principalmente na produção da commodity soja, mas também ocorre
utilização de mão de obra familiar nas pequenas propriedades ligadas à produção de café. A
COCAMAR contribui para a execução do trabalho nas propriedades dos sócios através da
assessoria técnica prestada diretamente na produção. Os trabalhadores são habilitados para a
utilização de instrumentais dotados de maior tecnologia, principalmente os equipamentos
utilizados nas atividades agrícolas, em consonância com a crescente modernização do
agronegócio brasileiro.
A COCAMAR não interfere na relação entre os cooperados e seus
empregados, mas participa de projetos para melhoria das condições de trabalho, como o
projeto Sucojusto, que contempla os trabalhadores rurais do setor cítrico na região de
Paranavaí-PR. Como forma de premiar a realização do trabalho em condições não
56
degradantes, bem como a não exploração de mão de obra infantil na citricultura, entidades
européias ligadas ao Comércio Justo
14
, como a ONG Fairtrade Labelling Organization
International (FLO)
15
comercializam o suco de laranja produzido na região de Paranavaí
junto ao mercado europeu. A FLO repassa para a Associação dos Citricultores do Paraná –
ACIPAR, um prêmio de US$ 100,00 por cada tonelada de suco vendida. A ACIPAR, por sua
vez, delega a gestão desses recursos à Associação dos Representantes dos Produtores e
Colhedores de Laranja do Noroeste do Paraná - ARPROCLAN. De 1999 a 2006, a
ARPROCLAN já recebeu, como prêmio, mais de US$ 700.000,00 (COCAMAR, 2007).
Laforga (2005) aponta certo descontentamento por parte dos produtores ligados à ACIPAR,
pois para se adequarem às exigências da FLO tiveram seus custos de produção aumentados.
Porém, segundo o autor, os produtores não estariam fazendo mais do que cumprir a
legislação trabalhista. Pelo lado dos trabalhadores filiados à ARPROCLAN, o autor
reconhece que esses recursos se reverteram em benefícios, como programas de alfabetização
e cursos de formação para o trabalho associativo, além do incremento da renda familiar.
No que tange à relação da cooperativa com seu sócio, a COCAMAR realiza,
desde a década de 1990, um planejamento de médio prazo para adequação do quadro social.
Santos, V. (2000) relata que, em 1990, a COCAMAR deu início a uma política de
reclassificação de seus sócios, em função do montante transacionado com a cooperativa. Os
que mais movimentavam foram classificados como atuantes; os que tinham movimentação
média foram classificados como integrados e os sócios com pouca movimentação foram
classificados na rubrica de potenciais. Como pode ser observado na tabela 3.4, de novembro
de 1990 a setembro de 1992, os sócios classificados como potenciais ou elevaram sua
movimentação, migrando para outra rubrica, ou foram demitidos ou excluídos da cooperativa.
14
O Comercio Justo é uma modalidade de comércio internacional que busca estabelecer preços justos bem como
padrões sociais e ambientais nas cadeias produtivas de vários produtos. Nessas relações comerciais é dada
especial atenção às exportações de países em desenvolvimento para países desenvolvidos, fazendo com que o
produtor receba remuneração justa por seu trabalho, principalmente atraves da redução dos intermedíários ao
mínimo necessário. Em Laforga (2005, p. 114), o Comércio Justo é definido como “uma parceria comercial
baseada na proximidade, transparência e respeito entre produtores e consumidores, com pretensão de reduzir as
desigualdades no comércio internacional”
15
A FLO foi criada em 1997 e é responsável pela coordenação da certificação de comércio justo. Os principais
fornecedores da FLO são organizações de pequenos produtores agrícolas da América Latina e os principais
clientes estão estabelecidos na Suíça e Inglaterra (LAFORGA, 2005).
57
Categoria
Atuante
Integrado
Potêncial
TOTAL
Nov/90
1.159
5.191
9.926
16.276
%
7,1
31,9
61,0
100,0
Nov/91
1.409
6.366
6.082
13.857
%
10,0
46,0
44,0
100,0
Set/92
3,873
6.099
-
9.972
%
38.80
61,20
-
100,0
Fonte: Santos, V., 2000.
Tabela 3.4: Evolução da classificação de sócios na COCAMAR
De novembro de 1989 a setembro de 1992, o quadro de sócios da COCAMAR
decresceu de 19809 para 9972 cooperados. Houve 3145 demissões voluntárias, exclusão de
7654 sócios e admissão de 1020 cooperados (SANTOS, V., 2000). No mesmo período, foram
demitidos cerca de 400 funcionários e suspensos alguns benefícios, como seguros e cestas
básicas, além de um corte de 20% sobre os maiores salários, o que acarretou em uma
economia de R$ 700 mil mensais.
Essa reformulação foi tida pela cooperativa como imprescindível para imprimir
uma gestão empresarial dos negócios, com o quadro de cooperados formados por produtores
eficientes, dispostos a transacionar intensamente com a cooperativa, repelindo os que visavam
apenas tirar proveito de sua condição de cooperado. A renovação do corpo de associados foi
acompanhada por outras iniciativas: seleção mais criteriosa de novos sócios; monitoramento
das atividades dos cooperados; elaboração de um cadastro informativo sobre as condições
produtivas e a movimentação de cada associado com a cooperativa.
A COCAMAR desenvolve programas como o Processo Para Qualidade
Cocamar (PQC)
16
, iniciado em 2006, que objetiva estabelecer uma relação profissional e
eficiente com seus cooperados. Outra iniciativa que visa aproximar a cooperativa dos sócios
são os eventos coletivos. Em 2006, foram realizados 704 eventos com 32231 participantes.
Como exemplo dos eventos coletivos, podemos destacar: a) Assistência Técnica Coletiva
(ATC), que reúne um pequeno número de produtores com um engenheiro agrônomo para
debater e tirar dúvidas; b) Dias de Campo de Verão e de Inverno, evento realizado na Unidade
de Difusão de Tecnologia, que atrai em média 2000 produtores por edição e traz os mais
recentes lançamentos para o setor agropecuário.
16
Em 2007, das 30 unidades da COCAMAR, 21 já tinham sido certificadas, e as outras 09 estão em processo de
implantação ou certificação.
58
Segundo a COCAMAR, são as transações com a cooperativa que garantem a
continuidade das atividades do produtor, pois há pontualidade no repasse de insumos e no
pagamento pela entrega da produção, ou seja, é o relacionamento econômico com a
cooperativa que garante, para a maioria dos sócios, grande parte de seus rendimentos. O que a
cooperativa exige do seu cooperado é sua fidelidade e aplicação na eficácia da produção, de
forma a permitir ganhos de escala e o crescimento do empreendimento cooperativo.
3.4 Orientação da gestão
A gestão da COCAMAR, no que diz respeito à sua política empresarial, se
revela nitidamente voltada para as exigências do mercado (market oriented). A elaboração do
planejamento de médio e longo prazo da cooperativa é norteada pela racionalidade
econômica, impressa tanto nas determinações advindas do conselho de administração quanto
na execução das atividades por parte de seu quadro de profissionais. A empresa concorda que,
por se constituir como uma cooperativa, existe a preocupação com a situação dos sócios e
com o equilíbrio na satisfação de suas demandas. Porém, o objetivo de proporcionar elevado
desempenho econômico jamais é deixado de lado, sempre tendo em vista o resultado
financeiro como o único meio de permitir a perpetuação da COCAMAR. O distanciamento da
orientação da gestão da cooperativa da racionalidade social foi acentuado a partir da
reorganização estrutural ocorrida na década de 1990. A cooperativa assumiu uma postura
clara de busca por resultados financeiros satisfatórios. No entendimento da COCAMAR, caso
a cooperativa voltasse seus esforços para a priorização das demandas sociais de seus sócios, a
empresa certamente desapareceria.
A estrutura organizacional da COCAMAR, detalhada nas seções anteriores,
evidencia que sua gestão apresenta elementos essenciais que permitem concluir sua
identificação com as empresas tipicamente capitalistas. Aplicando a heterogestão, por meio da
contratação de profissionais para execução das atividades, estabelecimento de metas de
produtividade no interior de cada setor e priorização dos resultados econômicos, a
COCAMAR mostra sua tendência a imprimir uma dinâmica totalmente empresarial no rol de
suas atividades produtivas e no relacionamento com seus sócios. As prioridades da
cooperativa, em 2007, podem ser resumidas em três objetivos principais: a) crescimento da
empresa e intensificação do relacionamento econômico com seu sócio cooperado; b)
59
estabelecimento da empresa no segmento do agronegócio com capacidade competitiva; c)
gestão moderna e baseada na racionalidade técnica.
A partir da reclassificação do quadro de sócios no início da década de 1990,
com a exclusão de mais de sete mil cooperados, considerados inaptos a se relacionarem com a
cooperativa, optou-se pelo estabelecimento de requisitos estritamente econômicos para a
composição do quadro social. Posteriormente, com a adesão às exigências do RECOOP e o
aporte de recursos oficiais, a COCAMAR sedimentou sua orientação voltada para o mercado,
pautada por uma gestão agressiva e competitiva, buscando êxito no interior do agronegócio
exportador.
O modelo de gestão apresentado pela COCAMAR, cujo objetivo é a realização
de lucro econômico e sua acumulação, não é compartilhado por todas as cooperativas. Muitas
cooperativas populares, originadas de movimentos sociais de resistência, buscam satisfazer as
demandas materiais de seus cooperados e, ao mesmo tempo, participar da luta pela
transformação da sociedade, realizando uma gestão alicerçada nos princípios da racionalidade
social.
60
4 GESTÃO DAS COOPERATIVAS POPULARES
Neste capítulo será feita a discussão sobre a gestão das cooperativas populares ligadas
a movimentos sociais, como o MST. Em seguida, serão apresentadas as reflexões da vertente
teórica que defende a importância de as cooperativas populares realizarem uma gestão que
busque melhores resultados econômicos, mas preservando a solidariedade em seu interior.
4.1 Surgimento das cooperativas populares no Brasil
Como apresentado na seção 2.3, a década de 1990 foi marcada pelo
(re)surgimento de organizações de trabalho associado e cooperativas ligadas a movimentos de
resistência dos trabalhadores, inseridos na perspectiva de organização de uma autêntica
economia solidária. A discussão sobre o papel da cooperação, como estimulo à realização de
novas praticas econômicas no âmbito dos empreendimentos coletivos, foi retomada,
sugerindo sua caracterização diferenciada em relação às empresas tipicamente capitalistas.
Porém, a leitura realizada por autores liberais dizia respeito apenas ao caráter transitório desse
movimento, historicamente utilizado para demonstrar a insatisfação de trabalhadores
temporariamente afastados do emprego formal. Estes iniciariam empreendimentos
associativos com outros trabalhadores em mesma situação, como um paliativo para o
desemprego decorrente de possíveis crises cíclicas, inerentes ao próprio capitalismo. Segundo
o pensamento liberal, após cumprir com sua função de amortecer as tensões sociais
resultantes das crises cíclicas, à essas cooperativas se abririam apenas dois caminhos: a) o
empreendimento cooperativo cresce e se ajusta à mesma lógica da empresa capitalista,
subordinando a racionalidade social à racionalidade técnica, via adoção sistemática dos
postulados da competição globalizada, impondo deformações crescentes aos seus princípios;
b) ou o empreendimento cooperativo não cresce e torna-se inviável no plano econômico-
financeiro por não adotar as ferramentas de gestão competitivas. O ciclo de vida das
cooperativas passa a ser encarado pelos liberais como o das pequenas e médias empresas, que
se constituem, mas abreviam sua existência, vindo a falir (EID, 2007b).
Teríamos como resultado disso um processo de esvaziamento da iniciativa,
aparentemente coletiva, do empreendimento cooperativo, já que ele teria cumprido sua função
inicial de amortecer as pressões sociais durante as crises cíclicas da acumulação de capital. A
61
partir desta situação, cada indivíduo trabalhador voltaria à condição de assalariado da empresa
capitalista. Porém, contrariando a tese liberal, o retorno dos trabalhadores para o mercado
formal de trabalho deixou de se concretizar e tal concepção
[...] tem perdido força, pois a partir da década de 1980 para frente, a crise econômica
não foi superada e os índices de desemprego aumentaram vertiginosamente. Nos
momentos de desenvolvimento econômico houve pouca criação de postos de
trabalho aumentando o nível de desemprego. Dessa forma, o movimento
cooperativista ressurgiu mais articulado e em torno de redes de cooperação,
empreendimentos integrantes da Economia solidária, cujas relações internas diferem
das relações de trabalho capitalistas (VAZOLLER, 2004, p.90).
Na análise da autora, a permanência dos empreendimentos solidários, em
especial as cooperativas populares, para momentos além da crise capitalista, resulta
justamente da resistência em manter seus princípios solidários e ajustar sua gestão à
autodeterminação de seus membros.
Dal Ri & Vieitez (2008) apontam quatro causas prováveis do surgimento e
expansão das organizações de trabalho associado: o desemprego estrutural; a precarização do
mercado de trabalho; a autonomização do trabalho e a ideologia. As cooperativas populares
são organizações de trabalho associado e de ajuda mútua, formadas por trabalhadores
economicamente marginalizados, desempregados ou subempregados, em busca da aquisição
de renda e trabalho (SINGER, 2002). Para tanto, se associam voluntariamente, constituindo
um estoque de capital coletivo para formação da sociedade cooperativa, em que a força de
trabalho é o principal recurso de que dispõem. Nesses empreendimentos, o trabalho
cooperado adquire um caráter transformador, pois permite aos trabalhadores produzirem de
forma solidária e auferirem renda, usufruída e reinvestida em benefício do grupo. As relações
construídas entre as pessoas adquirem maior relevância e os valores igualitários e
democráticos são privilegiados em detrimento dos critérios de racionalidade capitalista.
No Brasil, um importante referencial da ação conjunta de trabalhadores
associados pode ser encontrado na formação de cooperativas populares por trabalhadores
inseridos na luta pela reforma agrária. Para Eid (2003, 2006), a organização desses
trabalhadores em associações e cooperativas populares de resistência, para a formação de
cadeias produtivas solidárias, pode ser uma ferramentas eficaz no desenvolvimento dos
assentamentos ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
62
4.2 Histórico do MST e a luta pela reforma agrária
O MST, segundo VAZOLLER (2004), tem suas origens nas transformações
ocorridas durante as décadas de 1960 e 1970 na agricultura brasileira. O setor rural passou a
ser regido pelo modelo de desenvolvimento industrial adotado pelo país, inclinado à
internacionalização da economia e desenvolvimento urbano. Nesse período, a estrutura da
propriedade da terra foi deixada intacta nas regiões mais pobres, em meio à acentuada
modernização da agricultura capitalista em outras regiões, o que fez com que vastos
contingentes populacionais se deslocassem do campo para os centros urbanos (MATTOSO,
1996). Para Fernandes (1999, p.39),
Durante as duas décadas em que os governos militares estiveram no poder,
garantiram a apropriação, por grandes grupos empresariais, de imensas áreas de
terras e também o aumento do número e da extensão dos latifúndios. Financiaram as
mudanças na base técnica de produção, com base nos incentivos criados e do credito
subsidiado pela sua política agrícola. Proporcionaram assim a modernização da
agricultura e a territorialização do capital no campo. Do outro lado, reprimiram toda
e qualquer luta de resistência a sua política.
Segundo o autor, a ação do Estado proporcionou o aumento no número de
propriedades com características de latifúndio, em detrimento da estagnação do número de
pequenas propriedades. De 1970 a 1985, ou seja, num intervalo de 15 anos, 48,4 milhões de
hectares de terras públicas foram transformados em latifúndios.
As políticas oficiais do período favoreceram os grandes produtores, pois o
crédito subsidiado galvanizou os interesses dos grandes proprietários rurais, dos bancos e dos
capitais de origem urbana direcionados para a especulação de terras. Apenas uma fração dos
pequenos produtores teve acesso ao crédito, o que aumentou o hiato entre os grandes e
pequenos produtores.
O traço característico dessa política foi o favorecimento das culturas destinadas
à exportação e à agroindústria, realizadas pelos grandes produtores, deixando em segundo
plano a produção de culturas destinadas ao consumo da população de baixa renda, levada a
cabo pelos pequenos proprietários. Em suma, a política agrícola brasileira beneficiou o
latifúndio, que se alastrou pelas regiões Norte e Centro-oeste, implicando no desmonte das
estruturas produtivas locais, formadas por pequenos produtores, expulsos econômica e
fisicamente da nova dinâmica rural.
Foi justamente nesse cenário que ressurgiram os movimentos camponeses em
fins da década de 1970, que, ligados a setores progressistas da Igreja Católica e aos sindicatos
63
de trabalhadores, da cidade e do campo, deram origem ao MST. O movimento teve seu
surgimento marcado por lutas localizadas: no município de Ronda Alta-RS, em 1979, foram
ocupadas as glebas Macali e Brilhante; no município Campo Erê-SC, em 1980, houve a
ocupação da fazenda Burro Branco; ainda nesse ano, no Paraná, se deu o conflito entre mais
de dez mil famílias e o Estado, em função da desapropriação de terras para a construção da
barragem de Itaipu; nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, no estado
de São Paulo, posseiros lutaram na fazenda Primavera; em 1983, após dois anos de ocupação
e confronto, resultando na morte de 10 trabalhadores rurais, 207 famílias foram assentadas no
Rio Grande do Sul.
A experiência adquirida com as ocupações contínuas resultou na articulação
entre as lideranças das lutas localizadas. Em 1984 foi realizado o I Encontro Nacional, na
cidade de Cascavel-PR, com representantes das lutas em 12 estados, marco da fundação e
solidificação de um movimento que viria a ser nacional, comprometido com a luta pela terra e
com a reforma agrária. Estava fundado o MST. Ainda neste encontro, foram elaborados os
objetivos gerais e as principais reivindicações do movimento
17
, resgatando elementos do
histórico das lutas dos trabalhadores rurais e das transformações ocorridas no campo.
Já em 1995, durante a realização de seu terceiro congresso, o MST apresentou
a síntese de seu programa de reforma agrária, como resultado do desenvolvimento de suas
ações e experiências:
a) modificar a estrutura da propriedade da terra;
b) subordinar a propriedade da terra à justiça social, às necessidades do povo e aos objetivos
da sociedade;
c) garantir a orientação da produção agropecuária para a segurança alimentar, eliminação da
fome e ao desenvolvimento dos trabalhadores;
d) apoiar a produção familiar e cooperativada;
e) levar a agroindústria e a industrialização ao interior do país, buscando o desenvolvimento
harmônico das regiões;
f) aplicar um programa especial de desenvolvimento do semi-árido;
g) desenvolver tecnologias adequadas à realidade, preservando e recuperando os recursos
naturais, com um modelo de desenvolvimento agrícola auto-sustentável;
17
Ver Fernandes, 1999. pp.79-80.
64
h) buscar um desenvolvimento rural que garanta melhores condições de vida, educação,
cultura e lazer para todos (FERNANDES, 1999).
O MST é um movimento de trabalhadores rurais que lutam pela reforma
agrária e por uma sociedade mais justa. O movimento realiza lutas constantes para além da
ocupação de terras, pois possui a clareza de que, após a conquista de um assentamento, as
mobilizações devem continuar ainda mais reforçadas. O MST considera que a viabilidade dos
assentamentos depende do desenvolvimento das famílias no campo através de crédito para a
educação, assistência técnica, infra-estrutura social e produtiva, enfim, elementos que
demandam lutas sucessivas. Por ser uma organização atuante em praticamente todos os
estados brasileiros, o MST tem condições externas de comandar ações de ocupação de terras
para pressionar o Estado, a fim de agilizar desapropriações de áreas para reforma agrária, e,
internamente, atuar como uma empresa social, coordenando as atividades econômicas dos
assentados (CONCRAB, 1996).
A seguir, discutiremos o desenvolvimento das atividades econômicas nos
assentamentos sob a perspectiva da formação de cooperativas agropecuárias.
4.3 Cooperativas de produção agropecuária do MST
Nos assentamentos de reforma agrária do MST é permanente o debate acerca
da alteração do processo produtivo nas áreas ocupadas. A diversificação da produção agrícola,
combinada com a introdução de atividades que promovam mudanças tecnológicas, objetiva
conciliar a produção planificada, mecanizada, financiada e orientada para o mercado, com a
produção que valorize o trabalho disponível, priorizando o autoconsumo e suprindo as
necessidades de reprodução dos grupos familiares.
Para compreender o processo de desenvolvimento da cooperação nos
assentamentos, deve-se levar em conta condições objetivas e subjetivas para sua ocorrência.
Segundo a CONCRAB (1995), as condições objetivas que determinam a possibilidade de
realização exitosa da cooperação estão relacionadas ao mercado, à situação do da terra e dos
meios de produção, e, ainda, às potencialidades econômicas da região. Por sua vez, as
condições subjetivas estão relacionadas com as características dos assentados, voluntariedade
para a cooperação, conscientização, capacidade de organização e qualificação dos
trabalhadores.
65
Para o MST, a cooperação é um meio, um instrumento para realização das
transformações sociais e para a melhoria permanente das condições de vida dos cooperados.
Além disso, o Movimento entende que os agricultores assentados tem dificuldades para
sobreviver e competir no mercado através da exploração de seus lotes individuais com a força
de trabalho familiar (DAL RI; VIEITEZ, 2008). As modalidades de cooperação praticadas
pelos assentados, de acordo com a CONCRAB (1996), diferem principalmente no que diz
respeito à utilização da terra e dos meios de produção e à organização do trabalho e
planejamento da produção. Representam um espectro que contempla desde a cooperação entre
pequenos núcleos familiares até a cooperação integral entre todos os assentados:
a) Grupo de famílias: modalidade para grupos de poucas famílias que apresentam
dificuldades em implantar formas de cooperação mais avançadas. A terra permanece como
lote individual e os meios de produção são de propriedade individual. Tanto a organização do
trabalho como o planejamento da produção são feitos no interior da unidade familiar;
b) Associação ou grupo de máquinas: entidade com personalidade jurídica, onde seus sócios
administram o maquinário para utilização de seus serviços. A terra permanece em lote
individual e os meios de produção são em parte individuais e em parte coletivos. A
organização do trabalho é familiar e o planejamento da produção se faz no lote individual;
c) Grupos de produção semi-coletivizada: foi a experiência de cooperação mais utilizada de
1985 a 1988, e buscou conciliar interesses individuais com interesses coletivos. Neste
modelo, a terra é utilizada ora coletivamente, ora individualmente e alguns meios de produção
são coletivos, e já se apresenta certo grau de divisão social do trabalho, pois parte da produção
é desenvolvida coletivamente, assim como o planejamento da produção. O núcleo familiar
decide sobre a produção na parte de seu lote que permanece sob uso individual e o coletivo
decide sobre a produção na fração dos lotes individuais destinados à produção coletiva. Esses
grupos são considerados o embrião das formas mais avançadas de cooperação;
d) Grupos de produção coletivizada: exige um grau de consciência elevado, por aglutinar
pessoas e famílias dispostas a organizar a produção de forma coletiva. O título de posse da
terra permanece em nome do individuo membro do grupo, mas uma fração da terra fica sob
utilização individual e outra fração é utilizada coletivamente, sendo que as terras coletivas não
são parceladas e permanecem sob controle do grupo. Pode haver a concordância para a
construção das moradias em agrovila. Os investimentos para a produção são feitos
coletivamente e toda a mão de obra está submetida ao planejamento do trabalho feito pelo
coletivo, organizado em setores onde os trabalhadores são alocados. Uma vez que a terra, os
66
meios de produção e o trabalho são disponibilizados para o coletivo, o planejamento da
produção é feito pelo grupo;
e) Cooperativa de produção agropecuária (CPA): as CPAs foram implantadas no MST a
partir de 1989, como uma forma desenvolvida de cooperação e se constituem legalmente
como uma cooperativa, devendo ser registradas e regidas pela legislação vigente. Em uma
CPA, a terra permanece sob controle coletivo, e, em muitos casos, uma pequena parcela do
lote original é utilizada individualmente para moradia, havendo o estímulo para a construção
de agrovilas. O título de propriedade ou concessão de uso da terra pode estar em nome da
CPA e os investimentos de capital em meios de produção são controlados pela cooperativa,
que, por ser uma empresa de capital social, tem os cooperados como sócios detentores de suas
quotas-partes. No entanto, nas CPAs, o capital acumulado constitui fundos indivisíveis, um
patrimônio social que não pode ser requerido individualmente em caso de saída de sócios. A
organização do trabalho se faz no interior de cada setor, respeitados os critérios de capacidade
técnica e disponibilidade dos cooperados. O planejamento da produção é centralizado no
coletivo, embasado em estudos técnicos e na adoção de linhas de atividades prioritárias.
Em junho de 1990 foi implantado Sistema Cooperativista dos Assentados –
SCA, como forma de organizar e aglutinar as unidades do sistema de cooperativas do MST.
As bases locais seriam as CPAs, em âmbito estadual estariam as cooperativas centrais de
reforma agrária - CCAs, e em âmbito nacional a Confederação das Cooperativas de Reforma
Agrária do Brasil – CONCRAB. O SCA passou a formular as linhas políticas para a
organização da produção, sendo seu principal desafio a definição de estratégias de produção
voltadas tanto para a subsistência quanto para o mercado, buscando tornar os assentamentos
economicamente viáveis. Em 1993, deflagrou-se um período de crise do SCA, ao se constatar
a falta de preparo dos assentados na administração das CPAs; por isso, no mesmo ano foi
criado o Curso Técnico em Administração de Cooperativas – TAC, visando aprimorar a
capacidade administrativa dos dirigentes das cooperativas. Em 1995, foi criado o Instituto
Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária – ITERRA, em Veranópolis - RS. Sua
finalidade era assumir o curso TAC e o Magistério, centralizando a formação de técnicos e
professores para atuarem nos assentamentos.
O SCA propõe a construção de um modelo de cooperativismo no Brasil
distinto do cooperativismo tradicional, tendo por objetivo o desenvolvimento da cooperação
entre os assentados, a apropriação dos instrumentos de trabalho pelos próprios trabalhadores e
67
o estabelecimento de mercados populares locais, com a integração entre campo e cidade
(CONCRAB, 1996; VAZOLLER, 2000).
A trajetória das cooperativas do MST pode ser dividida em etapas ao longo do
tempo (VAZOLLER, 2004; CONCRAB, 1996; STÉDILE, 1991), que caracterizam a
sucessão dos estágios de desenvolvimento da cooperação, tanto sob o prisma da produção
quanto da sociabilidade de seus membros:
1o Período 1979-1984 - origem do MST: este período caracteriza-se pela urgência na
conquista da terra, que possivelmente garantiria a independência do produtor e a solução de
alguns problemas, tais como fome, êxodo rural, educação e moradia. Por serem lutas isoladas,
havia a compreensão de que o movimento seria absorvido por outras organizações com maior
representatividade. Dentro da perspectiva de que a posse da terra era o bastante, a organização
da produção dependia basicamente da voluntariedade do trabalhador acampado, sendo voltada
para sua subsistência. O trabalho coletivo era tido como uma proposta idealista, com um
pequeno grupo de trabalhadores empreendendo uma associação para usufruir algumas
vantagens na produção, algo que não alcançariam individualmente. As formas de trabalho
coletivo se resumiam a mutirões e trocas de dias de serviço.
2º Período 1984/1989: O crescimento do MST em âmbito nacional trouxe consigo duas
contradições: internamente, com mais terras conquistadas, houve o aumento no numero de
assentamentos, resultando na necessidade de uma maior discussão dentro do movimento para
o aprimoramento de sua gestão; externamente, o crescimento do MST foi percebido pela
sociedade e pelo Estado, o que motivou a resistência de setores ligados ao grande latifúndio e
contrários à implantação da reforma agrária, organizados principalmente em torno da União
Democrática Ruralista - UDR. Esse enfrentamento fez com que o MST direcionasse maior
atenção à produção nos assentamentos, como forma de demonstrar à sociedade a viabilidade
da reforma agrária. Constatou-se que a produção para subsistência não assegurava o
desenvolvimento econômico das famílias assentadas e que a cooperação se dava somente
através de pequenos grupos e associações de trabalho coletivo, os quais se orientavam com
base em princípios comunitário-religiosos. Um projeto de cooperação mais intensa e
complexa passou a nortear as discussões no interior do movimento
3º Período 1989/1993
: O MST passou a definir, como meta interna, o avanço em algumas
grandes frentes: na massificação das lutas, na qualificação dos dirigentes e militantes e na
organização e fortalecimento do Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA), para maior
integração das unidades de produção cooperadas. O movimento centralizou a formulação de
68
diversas linhas políticas para a organização dos assentamentos e também para a constituição
de cooperativas coletivas, de segundo grau. A discussão sobre a cooperação na produção
contemplou a possibilidade de melhoria na qualidade de vida dos assentados através da
coletivização das atividades, analisada sob os aspectos econômico e social. Surgem grandes
cooperativas de trabalho coletivo, congregando mais de 100 famílias para a cooperação.
4º Período 1993/1997: são constituídas cooperativas regionais de comercialização ligadas ao
SCA, para ampliar a cooperação entre as famílias assentadas. As cooperativas dos
assentamentos vinculam-se às cooperativas de segundo grau, intensificando sua interação.
Apesar de apresentar uma ampliação na organização entre as cooperativas, esse período é
marcado por uma relativa crise nas experiências de trabalho coletivo. Essa crise marcou a
transição das cooperativas do MST para um estágio superior de organização produtiva e de
administração, em que a elevação da produtividade e a redução de custos se tornaram
indispensáveis, revelando certas questões a serem solucionadas para superação da crise: a)
muitos coletivos se organizavam como uma grande família de pequenos produtores e não
como uma empresa associativa; b) havia falta de agilidade em responder às mudanças
econômicas e de mercado, em razão da utilização de mecanismos democráticos inadequados;
c) a capacitação profissional dos quadros administrativos e técnicos era insuficiente para
elevar a capacidade competitiva da cooperativa frente às empresas capitalistas. No âmago
dessas questões, o MST detectou a necessidade de maior preparo ideológico, cultural e
técnico por parte dos cooperados para superação da crise, estabelecendo-se, assim, uma
orientação das atividades voltadas para o aprimoramento do desempenho econômico.
5º Período atual (1997 em diante)
: início da reestruturação orgânica e administrativa das
cooperativas ligadas ao SCA, através do acompanhamento, pela CONCRAB, para
implantação de instrumentos de gestão mais eficientes do ponto de vista econômico. Essa
reestruturação levou ao surgimento de uma base de orientações técnicas, para a organização
coletiva do processo de produção nos assentamentos, intensificando as discussões sobre a
viabilidade econômica dos empreendimentos cooperativos. As cooperativas passaram a
formar pequenas cadeias produtivas integradas, possibilitando maior agregação de valor à
produção. A partir de 2002, o SCA foi substituído pelo Setor de Produção, Cooperação e
Meio Ambiente do MST, que assumiu as atribuições do SCA no assessoramento às
cooperativas. As CPAs também passaram a receber suporte técnico do Programa de
Acompanhamento das Empresas Sociais – PAES, ligado à CONCRAB. O PAES tem como
69
objetivo auxiliar na qualificação dos assentados e ajudá-los com os estudos técnicos de
mercado, de produção e de boas práticas de fabricação.
No interior do MST, é latente a preocupação em dotar as CPAs de instrumental
necessário para que a produção cooperada apresente resultados satisfatórios, possibilitando
melhores condições de vida para os assentados e a continuidade nas lutas pela reforma
agrária.
Percebe-se, porém, que tornar imperativa a busca por eficiência econômica
pode relegar a um papel secundário os laços solidários entre seus participantes. Christoffoli
(1998) ressalta a preocupação do movimento em razão do risco de as CPAs assumirem uma
lógica estritamente empresarial, abandonando os princípios traçados pelo conjunto do MST.
Com isso, pode ocorrer uma mudança no comportamento das cooperativas, de uma posição
engajada na transformação social, para uma postura de manutenção do status quo. Essa
preocupação está presente no amplo debate sobre as cooperativas populares, cujos elementos
de sua gestão - como a configuração da propriedade da terra e dos meios de produção, a forma
de acesso ao crédito, a democracia no seu interior e a forma como é organizado o trabalho -
podem ser fundamentais para equilibrar sua atividade empresarial com sua missão social. A
seguir, serão analisados estes elementos sob a perspectiva de autores ligados à teorização
sobre os empreendimentos solidários e as cooperativas populares:
4.4 Contribuição teórica sobre a gestão das cooperativas populares
4.4.1 Estratégias de gestão
A orientação da gestão nas cooperativas populares influencia as bases sobre as
quais a propriedade coletiva, a organização do trabalho e a autogestão pelos cooperados são
constituídas, visualizando os objetivos propostos pela cooperativa, ou seja, onde se quer
chegar pela via da cooperação. Vários tópicos são levantados para definição de objetivos que
apontem para uma outra concepção de racionalidade, alocando no centro da reprodução
ampliada a humanidade. Admitem-se outras formas de organização produtiva como uma
alternativa ao processo civilizatório centrado no domínio do mercado, em que a sociedade
mercantilizada se apresenta como a verdadeira natureza humana (CORAGGIO, 2006). As
70
cooperativas populares, voltadas para os princípios da economia solidária, passariam a
operacionalizar suas atividades focando seu espaço de atuação nas localidades em que se
encontram, priorizando ações de aproximação dos agentes, refutando os apelos do
pensamento hegemônico para a atuação concorrencial no mercado global.
Nesse ambiente, as variáveis econômicas passariam a ser dependentes das
variáveis sociais e o mercado não seria mais o princípio organizador da sociedade, uma vez
que os códigos morais são locais, restritos, densos, contrários à unicidade hegemônica. Afinal,
as pessoas são universais enquanto seres humanos, mas necessitam de marcos locais de
identidade. Para Lisboa (2005), transferir a cidadania para níveis mais amplos e distantes do
cidadão é transferir o poder para as mega-estruturas. Daí a inserção comunitária e a ação
política dos empreendimentos solidários serem uma resposta aos efeitos destrutivos do
individualismo moderno. Este desafio se mostra também em face da armadilha da busca pela
competitividade simples e isolada, o que banaliza os princípios da solidariedade.
Ao pesquisar as redes de desenvolvimento rural no oeste catarinense, Mior
(2005) mostra que as localidades estão ativamente envolvidas em sua própria transformação,
sendo uma somatória de energias resultantes da aglomeração individual como centros de
consciência coletiva, e não meramente espaços passivos e residuais. Para o autor, o
desenvolvimento local faz referência a dois tipos de abordagem: a) exógena: as instituições
locais seriam meras executoras de ações e projetos de desenvolvimento formulados por atores
externos, sendo a economia urbana o centro produtor por excelência, com o qual o meio rural
contribuiria para o desenvolvimento industrial como fornecedor de produtos primários. Nesse
contexto, a agricultura familiar e as cooperativas populares se ajustariam às grandes cadeias
produtivas, atendendo à produção de commodities segundo padrões de consumo externos; b)
endógena: as instituições locais/regionais seriam centros de conhecimento e experiência,
motivando a ação das atividades com autonomia quanto ao direcionamento de sua produção,
não somente orientada pelo mercado. A agricultura familiar e as cooperativas populares, no
contexto da reforma agrária, seriam indutoras do desenvolvimento rural, caracterizadas por
outros aspectos, tais como “[...] localização no meio rural, a utilização de máquinas e
equipamentos em escalas menores, procedência própria da matéria-prima em sua maior parte,
ou dos vizinhos, processos artesanais próprios, utilização da mão de obra da família” (MIOR,
2005, p.191). A dualidade entre as abordagens exógena e endógena define a relação entre as
dimensões econômica e social, levando em conta as relações de poder. Constata-se que o
71
modelo de desenvolvimento endógeno pode equilibrar forças externas e locais, para a
configuração de uma estrutura econômica e social com diferentes chances de sustentabilidade.
O envolvimento das instituições locais com as não locais pode ser construído
em termos que permitam aos atores locais exercerem o controle sobre sua produção,
apropriando-se do valor adicional gerado. Pimentel (2004) observa que, no desenvolvimento
local, estão presentes três dimensões: a) econômica: a localização geográfica das atividades;
b) sociológica: o espaço cotidiano de interação social; c) antropológica e cultural:
identificação do sujeito com o espaço habitado. Com isso, a autora enfatiza que as
características inerentes aos empreendimentos solidários, bem como a interface de suas
relações, proporcionam maior identificação com as matrizes exógenas ou endógenas que
influenciam suas atividades.
Para Ávila, citado por Pimentel (2004), existe três termos diferenciados na
abordagem local: a) desenvolvimento no local: os atores desenvolvem-se fisicamente num
local enquanto houver aferição de lucro. Com a redução dos lucros, ocorre a translação para
outra localidade; b) desenvolvimento para o local: projetos de curta duração que trazem
benefícios para as comunidades locais, mas seus efeitos não permanecem; c) desenvolvimento
local: possibilita a aglutinação da comunidade para o desenvolvimento de iniciativas
solidárias, alterando as dinâmicas de sensibilização, mobilização e planejamento de ações
conjuntas no âmbito local. O debate acerca do desenvolvimento local, orientado segundo a
lógica exógena ou endógena, é trazido para a realidade das cooperativas populares. Ao
optarem por desenvolver atividades visando o mercado local e a intercooperação, as
cooperativas populares passam a ter maior autonomia sobre a administração da produção.
Além disso, direcionam seus esforços para a construção de mercados que aparentemente se
formam à margem do mercado global e de cadeias produtivas com grande concentração de
poder. Portanto, buscam atender a demandas específicas, locais, produzindo artigos
diferenciados e customizados, de acordo com as singularidades regionais e culturais. As redes
formadas por essas iniciativas não se dão de forma vertical, inseridas em processos amplos de
produção de commodities ou dominadas por grandes autores industriais, mas sim de forma
horizontal, com suas atividades imersas em economias locais. Observa-se uma interação na
qual nenhum agente tem o controle total do funcionamento das redes, que por sua vez são
voltadas para economias de escopo com alta intensidade de trabalho (MIOR, 2005).
A determinação dos objetivos a serem alcançados é decisiva para a orientação
da gestão das cooperativas populares. Toda organização deve definir suas metas e ideais no
72
âmbito individual, conhecendo sua função e o que lhe corresponde cumprir, balizando sua
orientação segundo o mercado capitalista ou as demandas da comunidade (CHAYANOV,
1981). Nas cooperativas populares, as atenções voltadas à produção estão frequentemente
ligadas ao que e ao como produzir, para que mercado e sob quais condições de intercâmbio,
sendo que “[...] um aspecto relevante no funcionamento de empresas associativas é a
permanente contradição entre a forma de gestão (se democrática ou tecnocrática) e o resultado
econômico (nível de eficiência econômica da empresa)” (CHRISTOFFOLI, 1998, p.7). Tal
contradição leva as cooperativas populares a optarem por internalizar uma maior retração
quando inseridas no mercado capitalista, ou elevar sua capilaridade nos mercados globais,
atendendo aos pré-requisitos de eficiência típicos das empresas de capital. Em oposição a este
movimento, os empreendimentos podem vislumbrar novos campos de atuação, inserindo-se
em espaços econômicos locais. Nestes, as novas combinações de produção em cadeias
produtivas solidárias teriam acesso a mercados em escala micro, atendendo a necessidades
regionais, por sua vez não delimitadas pela ação das grandes empresas oligopólicas.
As cooperativas populares, sob essa orientação, teriam o direito de optar por
uma racionalidade técnica que atendesse aos compromissos firmados com seus cooperados, os
trabalhadores da cooperativa. O seu objetivo seria manter postos de trabalho em detrimento de
ações que incorressem na seleção dos mais eficientes e na exclusão dos ineficientes. Nesse
ponto, as cooperativas populares passariam a imprimir uma dinâmica própria em sua gestão,
priorizando a maximização da satisfação coletiva em lugar da realização individual.
Quando atuam sob o matiz das atividades locais, esses empreendimentos
valorizam as comunidades e as pessoas, atuando em ambientes que representam
individualmente uma participação infinitesimal no mercado total, mas que, uma vez
conquistados, se tornam parceiros potenciais. A dinâmica desses atores locais - cooperativas,
seus clientes e o entorno social - é fundamental para a etapa seguinte: alocar todos esses
atores e suas potencialidades num ambiente de redes solidárias, tanto de trabalho quanto de
produtos, numa perspectiva, ainda que utópica, de agregação das vontades individuais e
coletivas para a formação de complexos autônomos cooperados. A construção desse ambiente
pode depender da combinação de determinadas estratégias de gestão adotadas pelas
cooperativas populares:
73
4.4.2 Forma de propriedade dos meios de produção
A construção teórica acerca dos empreendimentos denominados cooperativas
populares, faz menção à forma organizativa da autogestão. A autogestão é fundamentada pela
propriedade e utilização coletiva da terra (no caso dos empreendimentos rurais) e dos meios
de produção e de trabalho, sejam eles máquinas, insumos, enfim, todos os meios materiais
empregados na atividade produtiva. O advento da solidarização dos meios de produção entre
os associados está normatizado pela Lei 5794/71 de 16 de dezembro de 1971, que estabelece
em seu Capítulo II: Art. 3°:
Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se
obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade
econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro; Art. 4° - As cooperativas são
sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídicas próprias, de natureza civil,
não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados,
distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: I. adesão
voluntária, com número limitado de associados, salvo a impossibilidade técnica de
prestação de serviços; II variabilidade do capital social, representado por quotas-
partes; III limitação do número de quotas-partes para cada associado, facultado,
porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais
adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV inacessibilidade das quotas-
partes a terceiros, estranhos à sociedade; [...] VII retorno das sobras líquidas do
exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo
deliberação em contrário da Assembléia Geral; VIII indivisibilidade dos fundos de
Reserva e de Assistência Técnica, Educacional e Social.
A Lei 5794/71 ressalta a natureza diferenciada de uma cooperativa em relação
à empresa capitalista, sendo que na primeira a finalidade de suas atividades é a prestação de
serviços que satisfaça as necessidades produtivas e sociais dos cooperados - e não a aferição
de lucro monetário. A adesão voluntária à cooperativa se dá mediante subscrição de quotas-
partes limitadas para cada associado, incorrendo na impossibilidade de transação das quotas.
Esse mecanismo evita a discrepância entre capitais invertidos individualmente pelos
cooperados, o que, possivelmente, levaria à deformações na equidade de direitos sobre as
sobras dos resultados e instauraria desequilíbrio no poder decisório, se baseado em proporção
direta à infusão de capital.
Outro mecanismo que evita a assimetria entre os associados é a
indivisibilidade dos fundos de reserva, que se mostra vital para a manutenção das
cooperativas, independente da decisão individual do associado em se retirar do
empreendimento. Esses fundos indivisíveis são utilizados para expandir o patrimônio da
empresa, já que não pertencem individualmente aos cooperados atuais, mas à cooperativa
como um todo, impedindo sua liquidação por movimentos abruptos de saída de sócios:
74
O fundo indivisível sinaliza que a empresa solidária não está a serviço de seus sócios
atuais apenas, mas de toda a sociedade, no presente e no futuro. Por isso é preciso
que ela persista no tempo e não deixe de ser solidária. [...] O fundo indivisível
preserva a cooperativa da descapitalização se parte dos sócios se retirarem dela
(SINGER, 2002, p.15).
Os fundos indivisíveis teriam ainda uma função indireta de desestimular
iniciativas oportunistas de investidores que viessem a injetar capital nas cooperativas com fins
especulativos, semelhante ao que ocorre nas empresas de sociedade anônima. Com a
imobilização de ativos nos fundos indivisíveis, as expectativas rentistas são frustradas,
tornando a cooperativa pouco atraente para investidores de capital especulativo, mas
convidativa para associados interessados em agregar valor ao coletivo através do trabalho.
A arquitetura coletiva do empreendimento cooperativo é norteada por
princípios que primam pela igualdade dos indivíduos e pela proteção do empreendimento, tais
como a proporção equânime do capital entre seus cooperados, a rigidez das quotas não-
transacionáveis e a existência de fundos indivisíveis. Tais pilares divergem das acepções
liberais sobre a flexibilidade dos empreendimentos quanto à entrada e saída de capitais, ao
fracionamento monetário de seus ativos ofertados no mercado de ações e à concentração de
ações/quotas ilimitadas por indivíduo. A negação dessas condições, pelas cooperativas
populares, as distancia dos preceitos da racionalidade econômica. Segundo Gaiger (2006b,
p.515),
[...] a indivisão social entre o capital e o trabalho, peculiar aos empreendimentos de
economia solidária, somada ao acionamento de circuitos relacionados à autogestão e
ao trabalho cooperativo, configura-se como formas sociais de produção não-
capitalistas, dotadas de fatores de eficiência singulares. [...] essas formas de
produção caracterizam-se pela presença de uma racionalidade assente na
comunidade de trabalho, fundada em vínculos de reciprocidade, de forte conteúdo
simbólico e projetivo, os quais passam a determinar os comportamentos e a diluir as
fronteiras entre interesses individuais e coletivos.
Pode-se, então, inferir que a forma de propriedade é o primeiro traço distintivo
entre a empresa solidária e a empresa típica capitalista. Cruz (2006, p.94) enfatiza essa
diferença ao constatar que “[...] a qualificação ‘autogestionária’ distingue as cooperativas em
que os trabalhadores são ao mesmo tempo proprietários, controladores e produtores na
iniciativa, daquelas em que se separa claramente os processos produtivos dos processos
decisórios”.
As cooperativas populares, enquanto associações de trabalho, podem
privilegiar a racionalidade social sobre a racionalidade econômica, definindo a forma de
propriedade dos meios de produção de maneira a democratizar a entrada no empreendimento,
sem a imposição de barreiras de capital. Nelas, os ingressantes não investem seu capital
75
objetivando adquirir remuneração sob a simples forma de juros. Subscrevem quotas-partes no
esperado intuito de participarem de um empreendimento coletivo, visando a geração de
trabalho e renda, incremento do patrimônio coletivo, participação no processo decisório e
melhores condições materiais de existência mediante o êxito da cooperativa (KRAYCHETE,
2002).
Para Tauile (2007), uma importante função da propriedade coletiva dos meios
de produção nas cooperativas é justamente a de propiciar uma ótica diferenciada dos
trabalhadores em relação ao empreendimento. Quando ‘trabalham no que é seu’, os
cooperados buscam conhecer melhor as nuances do negócio, interagindo com setores internos,
aprimorando suas habilidades individuais e demonstrando maior empenho no alcance da
autogestão, pois
[...] a gestão coletiva facilita o consenso, empresta legitimidade às decisões e gera
maior nível de adesão às estratégias adotadas. A participação em igualdade de
condições, faz circular o poder e impede que se recriem estamentos, incluindo-se
aqueles derivados da organização técnica do trabalho, cujas tendências a introduzir
uma nova divisão social do trabalho são sempre um risco latente (GAIGER, 2006b,
p.527).
Karl Marx, na obra Manuscritos Econômico-Filosóficos, publicada em 1884,
atesta que a natureza transformada pela simples restrição da posse isola o homem aos seus
sentidos e percepções individuais, afastando-o do restante da humanidade, da vida coletiva.
Daí o estranhamento do trabalhador em relação à propriedade dos meios de produção e às
decisões sobre as condições da produção e do seu trabalho contribuirem para sua alienação
(MARX, 1993). Sob esse enfoque, as cooperativas populares seriam capazes de estimular o
trabalhador a reconhecer os artefatos utilizados na transformação da natureza enquanto seus,
possibilitando que este decida sobre sua utilização, decidindo, em parte, sobre sua existência
material.
4.4.3 Formas de acesso ao crédito
Um elemento estratégico para a realização das atividades produtivas nos
empreendimentos autogestionários é o acesso ao crédito. As cooperativas populares
representam uma associação de trabalhadores geralmente desprovidos de capital para
investimento produtivo, o que leva à exigência de injeção de recursos externos para realização
das atividades. Como supracitado, o capital da cooperativa é formado por aportes de quotas-
76
partes iguais entre seus sócios, impossibilitando que seu ativo ou as quotas individuais sejam
transacionados no mercado financeiro, visando a captação de recursos para investimento.
Conseqüentemente, esses empreendimentos buscam alternativas diversas para suprir
necessidades de capitalização. Segundo Tauile et al (2005) as modalidades de crédito
disponíveis aos empreendimentos solidários, dos menos aos mais desejáveis socialmente, são:
a) crédito marginal: via agiotas ou factorings, com taxas de juros elevadas e altas tarifas; b)
recursos próprios: capital próprio, poupança pessoal, recursos de direitos trabalhistas, recursos
familiares; c) crédito informal: antigos clientes e fornecedores; d) linhas de crédito públicas:
oriundos principalmente de recursos do BNDES
18
, Banco do Povo
19
, PROCERA
20
e
PRONAF
21
; e) crédito solidário: constituição de um fundo mútuo para auxiliar os
trabalhadores que enveredam pela autogestão.
As cooperativas, por não estarem sujeitas à lei de falências, enfrentam
dificuldades para adquirem crédito (tabela 4.1), seja através do sistema bancário tradicional,
seja através das linhas especiais para pessoa jurídica. O crédito junto a fornecedores também é
escasso, em razão da desconfiança histórica dos mercados em relação às cooperativas. Daí a
empresa estar sujeita aos dois pólos de acesso ao crédito: o crédito marginal de agiotas ou o
acesso a linhas de financiamento públicas e o crédito solidário.
Dificuldades de aceeso ao crétito
Falta apoio técnico - projetos e planos de negócio 36%
Não atende as condições de garantias exigidas 31%
Condições do crédito são incompatíveis 31%
Falta a documentação exigida 29%
Fonte: SENAES, 2007
Tabela 4.1: Dificuldades de acesso ao crédito apontadas pelos empreendimentos solidários
Em pesquisa realizada junto a 27 empreendimentos autogestionários urbanos e
rurais, Tauile et al (2005) constataram que a grande maioria acessava crédito junto a bancos,
18
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
19
Programa oficial destinado a oferecer crédito a pequenos empreendimentos, formais e informais. O Banco do
Povo no Estado de São Paulo disponibiliza valores de R$ 200,00 a R$ 5.000,00 para pessoas físicas e jurídicas e
de R$ 200,00 a R$ 25.000,00 para cooperativas e associações, com prazo para pagamento em até 6 meses para
capital de giro e de até 18 meses para investimento fixo, com taxa de juros de 1% ao mês até R$ 4000,00.
20
Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária.
21
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, possui modalidades de crédito para custeio e
investimento.
77
factorings e agiotas para suprir necessidades de capital de giro, o que implica na cobrança de
taxas de juros mensais em torno de 8%. O único empreendimento que obtivera o crédito junto
ao BNDES era uma central de cooperativas, que possuía patrimônio próprio.
Outro mecanismo de acesso a financiamento é a formação de cooperativas de
crédito, constituídas por fundos privados, geralmente setoriais, circulando a economia
financeira de seus associados e realizando empréstimos a juros acessíveis. O MST realiza,
desde a década de 1990, através do Sistema Cooperativista de Crédito da Reforma Agrária,
atividades ligadas à captação de crédito, análise de projetos e assessoria financeira junto às
cooperativas filiadas para verificação da viabilidade econômica de suas atividades. O crédito
então passa a ser visto como um instrumento de luta pelo desenvolvimento social e
econômico e visa fortalecer as experiências de cooperação na produção. A formação de
cooperativas de crédito torna possível a liberação de financiamentos com juros menores do
que os praticados pelo mercado, em condições diferenciadas de pagamento e garantias não
apenas fiduciárias, como o aval solidário, cumprindo “[...] mais um importante papel social,
de viabilizar e proporcionar o acesso ao crédito ao pequeno agricultor, ao contrário da lógica
capitalista que utiliza-se do capital-crédito, como forma de acumulação” (CONCRAB, 1998,
p.15). As cooperativas de crédito ainda socializam as sobras entre seus sócios, os próprios
agricultores, que retêm a aplicação da renda agrícola gerada nos assentamentos dentro do
SCA e otimizam sua poupança interna. As cooperativas de crédito ligadas ao MST têm sua
base organizada em núcleos de pequenos agricultores e assentados sob a forma de autogestão
e os projetos de financiamento devem estar vinculados às estratégias de desenvolvimento
regional (CONCRAB, 1998). A primeira cooperativa de credito ligada à CONCRAB foi o
Sistema CREHNOR, surgido em 1996 no estado do Rio Grande do Sul, e que desempenha
um importante papel no fomento das atividades produtivas dos assentados, bem como na
formação da poupança interna dos associados. Sua evolução pode ser visualizada na tabela
4.2:
SISTEMA CREHNOR 1996 2001 2006
Municípios Assistidos 40 61 240
Número de Associados 2019 10263 29914
Capital Social R$ 106.991,00 R$ 1.020.708,00 R$ 10.432.593,00
Patrimônio Líquido R$ 22.050,00 R$ 755.739,00 R$ 15.668.326,00
Fonte: www.crehnor.com.br
Tabela 4.2: Evolução do sistema
CREHNOR
78
Também na região sul do Brasil atua o Sistema Cresol, uma cooperativa de
crédito formada pelas organizações de agricultores familiares que canaliza recursos dos
associados e os disponibiliza nas bases municipais, proporcionando crédito de forma
descentralizada. Os cooperados devem obrigatoriamente realizar atividades ligadas à
agricultura e utilizarem mão de obra majoritariamente familiar. È também limitado o ingresso
à cooperativa em razão do montante de rendimento, caracterizando-a como uma associação de
pequenos produtores. O Sistema Cresol realiza ainda o repasse de recursos oficiais,
principalmente do PRONAF (BITTENCOURT, 2000).
No âmbito da polarização do acesso ao crédito, os empreendimentos solidários
necessitam de mecanismos diferenciados dos oferecidos pelo sistema bancário tradicional. Ao
mesmo tempo, as cooperativas não têm muitas opções de financiamento via recursos oficiais,
em função da centralização dos recursos por poucas instituições intermediadoras e do difícil
acesso à população rural mais pobre a esses créditos (BITTENCOURT, 2003). Dentre as
modalidades de financiamento oficiais, podemos destacar o PROCERA, que vigorou de 1986
a 1999 e oferecia linhas especiais de crédito para custeio e investimento destinadas aos
assentados. Este programa era uma reivindicação dos assentados do MST, que exigiam do
governo José Sarney (1985-1990) financiamento com juros e prazos diferenciados dos
concedidos aos demais agricultores. O Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
criou, em 1996, o PRONAF, objetivando fortalecer a agricultura familiar e, em 1998, criou o
Banco da Terra, com a missão de realizar a liberação de créditos para aquisição de imóveis
rurais (PIMENTEL, 2004). Também em 1998 foi lançado o RECOOP, propondo uma série de
adequações por parte das cooperativas para terem direito ao crédito.
As cooperativas populares têm melhores condições de pleitear as linhas de
crédito oficiais através da constituição de um sistema de crédito solidário entre elas. A reunião
de recursos dos empreendimentos pode desencadear inversões produtivas e retornos para o
próprio sistema, dotando as cooperativas de maior autonomia em relação aos canais externos
de financiamento e reforçando a inter-cooperação para o êxito comum.
Os investimentos a que se destinam as linhas de credito acessadas pelas
cooperativas populares têm de ser estratégicos. A má gestão desses recursos pode
comprometer suas atividades produtivas, uma vez que o endividamento crônico acaba por
obrigar a cooperativa a canalizar os ganhos advindos da produção para o pagamento de
dívidas mal planejadas, ou mesmo a segregar seu patrimônio coletivo.
79
4.4.4 Democracia interna
As cooperativas populares buscam exercer a gestão de suas atividades sob os
princípios da autogestão, em que o planejamento e a execução das atividades se dão
coletivamente de forma transparente, com rotatividade de dirigentes e tomada de decisões em
conjunto pelos quadros técnicos. A autogestão é definida por Cruz (2006, p.69) como
[...] o conjunto das iniciativas econômicas associativas nas quais (a) o trabalho, (b) a
propriedade de seus meios de operação (de produção, de consumo, de crédito etc.),
(c) os resultados econômicos do empreendimento, (d) os conhecimentos acerca de
seu funcionamento e (e) o poder de decisão sobre as questões a ele referentes são
compartilhados por todos aqueles que dele participam diretamente, buscando-se
relações de igualdade e de solidariedade entre seus partícipes.
Para Tauile et al (2005), a gestão do empreendimento solidário é uma variável
central, definindo seu caráter social desejável. O autor identifica cinco formas de gestão que
são graduais - do socialmente indesejável ao desejável - para o empreendimento solidário: a)
heterogestão: separação entre planejamento e produção com rígida divisão do trabalho; b) co-
gestão: instituição da dualidade de poderes em que proprietários e trabalhadores dividem o
poder decisório; c) administração participativa: concentração de poder na direção eleita
democraticamente, ocorrência de terceirização e contratação de gerentes com poder de
deliberação, sendo poucas as informações passadas aos trabalhadores; d) gestão democrática:
comissões de trabalhadores são eleitas por seus pares e os membros das comissões continuam
com suas atividades laborais. Verificam-se rodízio de funções, assembléias regulares e
contratação de profissionais mediante sua aceitação pela assembléia; e) autogestão: tipo ideal,
em que ocorre uma alteração profunda nas relações sociais quando “[...] a fragmentação das
atividades é substituída pelo trabalho coletivo e pela rotatividade dos trabalhadores em
diferentes postos de trabalho, para que todos possam conhecer as etapas do processo
produtivo e solidarizar-se concretamente” (TAUILE et al, 2005, p.73), buscando fazer com
que a participação nas decisões seja total e a disciplina às normas constituídas seja assumida
coletivamente.
Conforme exposto, verifica-se uma polarização entre a heterogestão e a
autogestão. Espera-se que, em cooperativas populares, haja o esforço para o exercício da
autogestão, de forma a distingui-la da gestão da empresa capitalista, uma vez que esta
[...] aplica a heterogestão, ou seja, a administração hierárquica, formada por níveis
sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem de baixo
para cima e as ordens e instruções de cima para baixo. Os trabalhadores do nível
mais baixo sabem muito pouco além do necessário para que cumpram suas tarefas,
que tendem a ser repetitivas e rotineiras. [...] nos níveis mais altos, o conhecimento
80
sobre a empresa deveria ser (em tese) total, já que cabe a seus ocupantes tomar
decisões estratégicas sobre os seus rumos futuros (SINGER, 2002, p.16).
Em oposição ao distanciamento entre os núcleos deliberativo e executor que se
manifesta na empresa heterogerida, nas cooperativas populares
[...] estabelecem-se hierarquias de coordenadores, encarregados ou gestores, cujo
funcionamento é o oposto do de seus congêneres capitalistas. As ordens e instruções
devem fluir de baixo para cima e as demandas e informações de cima para baixo. Os
níveis mais altos, na autogestão, são delegados pelos mais baixos e responsáveis
perante os mesmos. A autoridade maior é a assembléia de todos os sócios, que deve
adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da
administração (SINGER, 2002, p.18).
Em tese, a autogestão inverte as relações de mando percebidas nas empresas
capitalistas: nessas, um corpo de proprietários/gerentes realiza o planejamento das atividades
produtivas, financeiras e comerciais, além de determinar a divisão do trabalho, as metas a
serem atingidas e as penalidades a serem impostas. Os trabalhadores não participam da
gestão, limitando-se à execução do seu trabalho sem participação sequer em sua prescrição. Já
na autogestão, pretende-se que todas as decisões que contemplem o planejamento das
atividades, as finanças, a execução do trabalho e a busca por resultados, sejam submetidas ao
coletivo. A participação efetiva dos associados se dá via Assembléia Geral, fazendo com que
o poder de mando real emane das decisões dos próprios trabalhadores, decisões estas que
devem ter seu estrito cumprimento pelos níveis administrativos, também compostos por
sócios. Há dois sentidos na hierarquia do empreendimento: a Assembléia Geral é permeada
pelo caráter cooperativo dos sócios e a execução das atividades é permeada pelo caráter
técnico dos conselhos e setores.
Ao analisar as características organizativas das CPAs integrantes do MST,
observa-se as seguintes categorias hierárquicas:
a) Assembléia Geral (A.G.): órgão máximo de deliberação, em que cada associado tem direito
a um voto e suas decisões são de cumprimento obrigatório.
b) Conselho de Administração (C.A.): segundo em ordem de poder e primeiro em
responsabilidade pela condução produtiva e social da cooperativa, formada por um
representante de cada setor de trabalho.
c) Conselho diretor (C.D.): dirige o dia-a-dia das atividades da cooperativa, representa-a
externamente e é composto por três membros do C.A.
d) Conselho fiscal (C.F.): fiscaliza os atos da gestão do C.A. e é formado por três associados.
81
e) Setores de trabalho: formados por todos os cooperados, organizados conforme as
especificidades da cada C.P.A.. Cada setor possui um coordenador.
f) Núcleos de base: espaços de discussão, instância político-organizativa da C.P.A.
Fonte: CONCRAB, 1996
Figura 4.1: Organograma de uma Cooperativa de Produção Agropecuária
O organograma da CPA (figura 4.1) sugere a existência de um fluxo
descendente de informações e um fluxo ascendente de deliberações. A representatividade
desde a base confere à cooperativa a possibilidade de haver um amplo debate sobre a
definição das atividades e das metas, como define Aranzadi citado por Christoffoli (1998), ao
salientar os seguintes mecanismos de hierarquia: a) direção por objetivos, no qual o
empreendimento define membros dos setores como responsáveis pelo alcance dos resultados
esperados, sendo que esses objetivos não são arbitrários, mas definidos democraticamente por
um órgão colegiado; b) direção participativa por objetivo, que busca conciliar um nível
elevado de programação com um nível elevado de participação, provocando a motivação
através dos desejos de melhora individual para crescimento do empreendimento coletivo. Na
elaboração dos objetivos intervêm todos os níveis de mando responsáveis, reforçando sua
legitimidade.
As cooperativas populares, no exercício da autogestão, devem ter em vista o
exercício da democracia sem negligenciar a eficácia das resoluções coletivas, mediante o
82
discernimento sobre as decisões a serem tomadas e seu grau de importância. Afinal, se todos
os detalhes de cada atividade do empreendimento tiverem de ser levados à apreciação coletiva
via assembléia, as atividades se inviabilizam. Para Christoffoli (1998) há que se ter um duplo
aspecto na eficiência das decisões: o acerto na tomada de decisões e a adesão dos que têm de
levá-las à execução, ocorrendo dois procedimentos: a) nos casos urgentes, a chefia imediata
atua autocraticamente; b) nos casos normais, os problemas técnicos são analisados por uma
pessoa ou um setor; problemas mais complexos são analisados por uma comissão de peritos e
os problemas gerais são encaminhados ao coletivo pelo sistema democrático. Estes
procedimentos possibilitam que os setores de menor hierarquia decidam sobre questões de sua
competência e os de maior hierarquia deliberem sobre questões de interesse geral.
Outro aspecto fundamental para o êxito da autogestão é a disposição dos
associados em tomarem para si as funções de trabalhador e de administrador. Essa dupla
função leva o cooperado a estender seu interesse por todas as atividades da cooperativa e não
somente para o setor em que atua. Nesse sentido, se faz necessário maior conhecimento
técnico sobre o empreendimento, mediante investimento na formação técnico-científica dos
trabalhadores, com a finalidade de elevar sua capacidade administrativa, fazendo da educação
e da formação contínuas elementos fundamentais da autogestão.
A tarefa de ser um trabalhador e ao mesmo tempo gestor do negócio representa
um desafio, pois os trabalhadores geralmente estão capacitados para produzir, mas não para
gerir uma empresa. Tal desafio demanda uma transformação cultural, com a emergência de
novos modelos de conduta (TAUILE, 2006; GAIGER, 2006a). Ato contínuo, no
entendimento dos autores citados, a participação dos trabalhadores junto à totalidade do
empreendimento que lhes pertence proporciona enriquecimento pessoal, quando cada
cooperado internaliza a responsabilidade de zelar pelo êxito econômico e social do
empreendimento.
4.4.5 Organização do trabalho
Para Coraggio (2003), sob a perspectiva da economia solidária, a percepção do
trabalho é concebida sob os seguintes enfoques: a) trabalho de reprodução, produzindo bens
para autoconsumo; b) trabalho mercantil, produzindo mercadorias para o mercado ou sob
dependência assalariada; c) trabalho de formação: aumento das capacidades individuais
83
através do estudo e/ou treinamento; d) trabalho comunitário: participação em ações conjuntas
para a melhoria das condições de existência coletiva. Sob essas distinções, a importância do
trabalho contemplaria não apenas sua capacidade de transformação material da natureza
física, mas também a transformação da natureza humana, intelectual e social.
Segundo EID (2000, p.2), podemos entender a organização do trabalho como
[...] o conjunto de relações sociais que dizem respeito à especificação dos conteúdos
do trabalho, métodos e relações entre os ocupantes de cargos em uma estrutura
organizacional e sistema de produção. [...] Pela organização do trabalho, pretende-se
satisfazer requisitos tecnológicos, organizacionais, sociais e do indivíduo ocupante
do cargo. Portanto, ao se organizar o trabalho, deve-se levar em consideração
necessidades técnicas e sociais.
Entendidos como associações igualitárias em relação à propriedade dos meios
de produção, as cooperativas populares transportam a coletivização da propriedade para as
questões relativas à administração e à produção material, com a equidade do poder
deliberativo na Assembléia Geral dos associados. Essa democratização do poder deliberativo
permeia a estrutura produtiva e a organização do trabalho, afrouxando as hierarquias e o
ordenamento ‘de cima para baixo’, como verificado nos postulados da administração
científica taylorista e posteriormente desenvolvidos pelo Modelo Japonês
22
. Nesse ponto, a
postura dos empreendimentos solidários deve reforçar o conceito de politecnia em detrimento
da polivalência. A politecnia se baseia no rearranjo dos saberes sobre o trabalho,
possibilitando a universalização dos conhecimentos gerais, sem limitá-los a uma única
atividade, profissão, ou classe social, sendo os trabalhadores dotados do conhecimento
indissolúvel acerca dos aspectos manual e intelectual do trabalho. Para Saviani (1987, p.15)
A separação dessas funções é um processo formal, abstrato, em que os elementos
dominantemente intelectuais se sistematizam como tarefas de um determinado grupo
da sociedade. [...] a união entre trabalho intelectual e trabalho manual só poderá se
realizar sobre a base da superação da apropriação privada dos meios de produção,
colocando todo o processo produtivo a serviço da coletividade, no conjunto da
sociedade.
Assim, a aplicação da autogestão sugere que, pela coletivização dos meios de
produção, o conhecimento relativo tanto ao planejamento quanto à execução das atividades
seja de domínio de todo o corpo de trabalhadores politécnicos, combinando múltiplas
técnicas, que tenham sua utilização definida por eles próprios, de maneira a reafirmar sua
autodeterminação.
Segundo Christoffoli (1998), nas cooperativas de reforma agrária todo
associado está vinculado a um setor de trabalho, ao passo que cada setor executa o
22
A esse respeito, ver Coriat (1997).
84
planejamento das tarefas, com coordenadores setoriais a distribuírem funções previamente
acordadas. As decisões referentes ao planejamento são coletivas e a divisão técnica do
trabalho é aplicada no rodízio das tarefas e na alternância nos postos de coordenação dos
setores, das comissões e conselhos dentro do empreendimento, possibilitando o
aprimoramento dos trabalhadores nas aptidões técnico-produtivas e técnico-administrativas. O
autor ressalta que na organização das CPAs vinculadas ao MST a organização do trabalho
busca elevação da produtividade mediante alguns mecanismos: a) fixação de metas de
produtividade; b) maior responsabilidade de todos os cooperados para com a produção; c)
especialização técnica mas também administrativa e de gestão para todos os sócios; d)
padronização técnica dos procedimentos. As cooperativas adotariam a concepção de postos de
trabalho como uma “[...] função que absorve um trabalhador, considerando disponibilidade
em tempo integral, e que propicia geração de renda suficiente para sua manutenção (renda
mínima mensal) e a produção de um excedente econômico apropriável pelo conjunto do
coletivo” (CHRISTOFFOLI, 1998, p.84).
Outra questão fundamental, que emerge ao se tratar da organização do trabalho
cooperado, diz respeito ao controle e mensuração do tempo trabalhado pelos cooperados nos
coletivos, para efeito da distribuição das sobras como forma de remuneração do trabalho. Essa
questão muitas vezes se apresenta como um dos maiores problemas das cooperativas de
produção. Nas CPAs, segundo a CONCRAB (1996), estão presentes quatro modalidades de
controle e medição do trabalho para fins da remuneração dos trabalhadores:
1) Distribuição igualitária: ocorre a distribuição per capita das sobras resultantes das
atividades da cooperativa, ou seja, não há diferenciação quanto ao numero de dias ou de horas
trabalhadas individualmente e todos os cooperados usufruem igualmente do resultado do
trabalho coletivo. Essa modalidade requer uma forte união entre os cooperados, pois a
homogeneidade na remuneração de todos, independente da dedicação individual ao trabalho,
tem de ser aceita e referendada pelo grupo. A crítica a essa modalidade reside no seu baixo
estímulo ao trabalho, uma vez que o dispêndio adicional individual não tem como
contrapartida uma maior compensação, podendo resultar na baixa produtividade total da
cooperativa.
2) Controle por dias trabalhados: a direção da cooperativa efetua a soma dos dias trabalhados
completos realizados por todos os membros do coletivo, sendo a produção ou as sobras
líquidas distribuídas em razão do número de dias trabalhados por cada cooperado. O sistema
85
apresenta como imperfeição a dificuldade de mensuração do total de horas trabalhadas
efetivamente por cada cooperado em um dia, resultando, portanto, em certas distorções.
3) Controle por horas trabalhadas: a direção da cooperativa, através do controle realizado
pelos coordenadores de setor, contabiliza as horas trabalhadas individualmente por cada
cooperado, diariamente, independente do número de ‘dias inteiros’ trabalhados. A produção
ou as sobras líquidas de um período são divididas pelo número de horas totais trabalhadas
pelo coletivo nesse período, sendo distribuídas individualmente em proporção ao número de
horas trabalhadas por cada sócio. Este sistema permite visualizar a contribuição de cada
cooperado para a produção, mas é criticado em algumas cooperativas, por mascarar a baixa
produtividade de alguns cooperados, que, por serem remunerados em função das horas de
trabalho, não intensificam suas atividades, colaborando para a deficiência produtiva de muitos
empreendimentos.
4) Controle das horas somado à produtividade do trabalho: é um sistema mais avançado de
controle do trabalho e demanda uma profunda reflexão por parte dos coletivos para sua
utilização. O princípio do funcionamento do controle híbrido é a combinação entre o sistema
de controle por horas trabalhadas e a medição da produtividade física do trabalho, nas
atividades em que essa medição for possível. Este sistema procura elevar a produtividade do
trabalho através do estimulo às atividades (e aos trabalhadores) mais eficientes, resultando
numa motivação para o trabalho, além de rechaçar o comodismo de cooperados que não
apresentam a disposição necessária. Por outro lado, o quesito produtividade pode deformar a
união do grupo, pois nem todos têm o mesmo desempenho para determinadas funções. Pode
ocorrer de muitos cooperados não estarem dispostos a desenvolver atividades nas quais não
sejam especializados, sob o risco de ver sua produtividade reduzida e receber uma menor
remuneração, comprometendo o rodízio de funções e mesmo a noção da gestão democrática.
Outra questão a ser levantada sobre o quesito produtividade diz respeito à produtividade
marginal diferente de cada meio de produção e da terra, o que pode privilegiar certo indivíduo
ou grupo em detrimento do coletivo.
No entendimento da CONCRAB (1996), o sistema de controle do trabalho e
distribuição das sobras é um tema delicado, demandando uma profunda reflexão a este
respeito. Cristoffoli (1998, p.81) defende a aplicação de metas de produtividade para
definição da distribuição das sobras:
Nesse novo esquema, cada setor, e dentro dele cada coordenador e cada seção terão
um série de metas a atingir no período. Estas metas devem ser definidas pelo
conjunto dos associados numa Assembléia Geral. A avaliação do desempenho das
86
pessoas será feito com base no desempenho do trabalho (com base nos resultados
concretos obtidos). Cada pessoa tem que ter claro quais são as metas que deve
alcançar no período. E se comprometer com elas (assinando um contrato?). Não
devem ficar metas dúbias, ou áreas de responsabilidade sobrepostas.
Mais adiante, o autor conclui que
Caso o setor (ou associado) sobrepassar a meta de produção e/ou produtividade
acordada, receberia estímulos materiais ou ideológicos. O estímulo material poderia
ser em dinheiro, ou parte em dinheiro e parte em marcação de horas extras além do
valor previamente acordado. Essas medidas mexeriam com dois aspectos
importantes no mau funcionamento atual dos coletivos: o primeiro é a diluição da
responsabilidade e o segundo é o enfoque na soma de horas e não no resultado
alcançado com o trabalho (CHRSITOFFOLI, 1998, p.83).
No entanto, a própria CONCRAB (1996) alerta para a possibilidade de
sectarismo no interior da cooperativa. Com a sobrevalorização de setores ligados à produção
de gêneros de alto valor agregado, setores responsáveis por atividades que não representam
resultados econômicos expressivos seriam negligenciados, ainda que tenham sido
fundamentais para o desenvolvimento social da cooperativa.
Para Tauile et al (2006) é importante que, no interior do empreendimento, a
configuração da organização do trabalho leve o trabalhador a se sentir efetivamente um
integrante do coletivo, como proprietário dos meios de produção, co-gestor da administração
e do planejamento e trabalhador na produção. A ampliação do espectro de participação do
trabalhador acarreta uma mudança em sua função econômica, pois como proprietário participa
das sobras dos resultados e como gestor e trabalhador na produção interessa-se por todo o
processo produtivo.
Gaiger (2006) assume que mesmo com a organização do trabalho sob a forma
de autogestão, os empreendimentos solidários se confrontam com duas delicadas questões: a)
assumir a base técnica das empresas capitalistas enviesada para a divisão taylorista/fordista do
trabalho; b) buscar patamares de produtividade que os habilite a competir no mercado
tradicional capitalista. O autor salienta que, mesmo diante dessas questões, a autogestão não
se mostra inferior à gestão capitalista no desenvolvimento das forças produtivas. A empresa
associativa, por dispor de mecanismos democráticos de ajuste de decisões, é mais maleável às
mudanças técnicas e às intempéries do mercado. Há também maior interesse dos
trabalhadores pelo empreendimento, o que garante maior empenho no aprimoramento do
processo produtivo e reduz desperdícios e negligências, gerando uma racionalidade solidária
de compromisso com o coletivo. Nesse sentido, pretende-se que as cooperativas populares
aprimorem a formação de trabalhadores-gestores, politécnicos, suplantando o trabalho
87
assalariado e a divisão típica entre as esferas de propriedade (remuneração do capital), decisão
(melhor remunerada) e execução (baixa remuneração).
Quando os trabalhadores assumem a gestão da organização do trabalho sob
outro norte que não o da empresa típica capitalista, novos parâmetros que não apenas os
econômicos são priorizados, na busca de uma racionalidade em que
[...] os conceitos e valores associados à noção de eficiência diferem: no caso do
capital, requer-se a combinação eficiente de ativos, força de trabalho, insumos e
produtos que gerem a máxima taxa esperada de lucro. No caso do trabalho, requer-se
eficiência social: reprodução das melhores condições possíveis, tanto materiais
quanto simbólicas da vida em sociedade (CORAGGIO, 2003, p.95).
As cooperativas populares podem dar respostas satisfatórias para a tarefa de
realizar a produção permitindo ganhos materiais relevantes para os associados e capilaridade
de sua produção no mercado tradicional e nas redes solidárias. Permitem ainda o afloramento
das capacidades técnicas e administrativas dos trabalhadores, realçando o compromisso de
cada cooperado com algo que lhe seja pertinente, do qual ele faça parte, o que, no ambiente da
economia solidária, tem se mostrado como um diferencial para a robustez desse movimento
(TAUILE et al, 2005). Para melhor compreendermos os desdobramentos da gestão de uma
cooperativa pautada na racionalidade social, será apresentado, a seguir, o estudo de caso de
uma cooperativa popular.
88
5 ANÁLISE DA GESTÃO DA COOPERATIVA AGROPECUÁRIA VITÓRIA
(COPAVI)
O presente capítulo contempla o estudo de caso da COPAVI. Serão analisados
o histórico da cooperativa e os elementos no interior de sua gestão - como a propriedade da
terra e dos meios de produção, o acesso ao crédito, a democracia interna e a organização do
trabalho.
5.1 Histórico da COPAVI
A Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória LTDA – COPAVI, está
localizada no Assentameno Santa Maria, município de Paranacity-PR, distante 403 Km da
capital Curitiba e 80 Km da cidade de Maringá-PR, região noroeste do estado do Paraná.
Nesta região, segundo Moura (2005), ocorreram mudanças na estrutura fundiária a partir da
década de 1970, em decorrência da falência de pequenos produtores e da elevação do
desemprego. Este processo motivou o surgimento de organizações sociais que mobilizaram
contingentes de trabalhadores rurais desempregados, para a formação de assentamentos rurais
na região. Conforme relata Severino (2006, p.91) “Entre os acampamentos do período está a
ocupação da antiga Fazenda Santa Maria, em Paranacity, desapropriada pelo decreto número
96.259 de 30/06/1988. Inicialmente, a área foi ocupada por um grupo de trabalhadores sem
terra de Paranacity logo após ser desapropriada”. Porém, somente em 19 de janeiro de 1993,
25 famílias ligadas ao MST ocuparam a área para produzir de forma coletiva para sua
subsistência. Algumas dessas famílias já ocupavam a terra há mais de dois anos e, mesmo
sem contar com a posse legal dela, conquistaram o apoio e simpatia da população local para
reivindicar sua posse definitiva.
Com o objetivo de iniciar o desenvolvimento das atividades e conseguir
investimentos produtivos, foi fundada em 10 de julho de 1993 a COPAVI, com 20 famílias, as
quais inicialmente “[...] transformaram uma área pequena de 256 hectares com apenas a
cultura de cana-de-açúcar (72% da área), inabitada, em lugar de morada e de geração de
renda” (MOURA, 2005, p.71).
As moradias dos cooperados foram construídas em forma de agrovilas, sendo
todas providas de energia elétrica e água encanada. Em termos de qualidade de moradia, se,
89
em 2003, 10 das 21 casas da agrovila eram de alvenaria e 10 de madeira, já em 2006, com o
auxílio de uma linha de crédito especial, apenas 2 casas eram de madeira e as outras 19 eram
de alvenaria (APÊNDICE D).
Conforme relatado por Moura (2005), a partir de 1994, com a regularização do
assentamento, a COPAVI pode acessar financiamentos do PROCERA. Com a liberação dos
créditos, a cooperativa fomentou a produção de leite, criação de galinhas e de porcos,
plantação de cana-de-açúcar para produção de rapadura e cachaça, o que consolidou a
agroindústria dentro da cooperativa. Ao longo dos anos, a COPAVI diversificou suas
atividades, intensificando a produção de itens de elevado valor agregado.
Na cooperativa, as refeições são feitas coletivamente em seu refeitório, com o
objetivo de reduzir custos, otimizar o tempo disponível pelas famílias para alimentação e
proporcionar a integração dos cooperados. A COPAVI organiza o trabalho coletivo dividindo
as atividades por setores, coordenadas por um dos membros do setor. Há o rodízio na
coordenação de cada setor e todos os cooperados, mesmo aqueles que estão em cargos de
diretoria, participam diretamente da produção, fazendo com que as atividades de
planejamento, administração e execução sejam compartilhadas com os membros do coletivo.
A COPAVI é vinculada à CONCRAB, por meio da Cooperativa Central de
Reforma Agrária do Paraná - CCA-PR - e busca seguir as orientações do MST nas suas linhas
políticas, princípios e símbolos definidos em nível nacional. Segundo Moura (2005), a
cooperativa contempla, em seu regimento interno, alguns objetivos principais:
a) ser uma cooperativa de produção, comercialização e industrialização, buscando organizar o
trabalho de seus sócios;
b) liberar mão-de-obra para contribuir no MST e seus setores de organização;
c) ser uma organização social de reivindicação e de luta em favor da reforma agrária e do
interesse de seu quadro social;
d) dar exemplo através dos resultados econômicos e sociais de que a reforma agrária dá certo;
e) buscar a especialização da mão-de-obra;
f) garantir a participação nas decisões, execução e controle e divisão das sobras através da
gestão democrática..
A COPAVI, alinhada às propostas do MST para a gestão das cooperativas nos
assentamentos de reforma agrária, pretende que suas atividades produtivas sejam realizadas
90
visando a melhoria das condições de vida de seus cooperados e a contribuição para a
continuidade da luta pela terra, de maneira a promover a justiça social para o homem do
campo. A seguir, procederemos à análise de elementos de sua gestão:
5.2 Forma de propriedade da terra e dos meios de produção.
A propriedade da terra, das instalações físicas para a produção e dos meios de
trabalho, bem como sua utilização, são constituídas de forma coletiva na COPAVI desde sua
fundação. Essa concepção norteou o projeto desenvolvido para a organização da produção e
do trabalho já na formação embrionária da cooperativa, ou seja, na etapa de resistência e
ocupação da terra, no ano de 1993.
Durante todo o período de resistência, foram realizadas várias reuniões entre os
trabalhadores acampados, quando se discutiu sobre a melhor forma de utilização da terra e
sobre a organização do trabalho. Das 25 famílias que participavam da ocupação, 05
desistiram, sendo solicitada ao INCRA, e concedida, autorização para a redução da
capacidade do assentamento para 20 famílias. Ficou então acordado entre as 20 famílias,
ainda na etapa do projeto para a fundação da cooperativa, que a exploração da terra seria
coletiva, através da constituição de uma cooperativa de produção, nos moldes que o MST
delineara para a formação de uma CPA
23
. A utilização dos recursos de maneira totalmente
coletiva sob a forma de uma cooperativa se colocou como uma premissa para os trabalhadores
e sua posterior adesão como sócios.
Todos os interessados em ingressar na cooperativa tinham o conhecimento
prévio de que a propriedade da terra e dos ativos seria coletiva, concordando com esse
instituto no ato de sua adesão. Outra resolução dos cooperados foi planejar a construção das
moradias de modo a formar uma agrovila, onde todas as famílias construiriam suas
residências particulares em proximidade, aumentando a utilização dos lotes de terra para a
produção coletiva. Simultaneamente, pode-se otimizar a instalação de benfeitorias, tais como
energia elétrica e poços artesianos, além de estreitar os laços de cooperação entre as famílias.
Em 2007, a agrovila da COPAVI, que pode ser observada no APÊNDICE D, era composta
por 24 casas, sendo 21 de alvenaria.
23
Descrito na seção 4.3.
91
Conforme relata moura (2005), as 20 famílias que fundaram a cooperativa
tinham por objetivo comum realizar atividades produtivas para subsistência, numa área
disponível de 256 hectares. Em maio de 1994, após quase um ano de ocupação, o INCRA
emitiu o título de propriedade da terra ocupada. Os títulos não foram emitidos
individualmente e sim em nome da cooperativa, de maneira que a terra e os ativos
posteriormente constituídos fossem de propriedade da COPAVI, incorrendo na
impossibilidade do seu fracionamento individual para alienação. A única propriedade que é
individual dos cooperados se resume aos lotes de terra que compõem a agrovila, destinados à
construção das moradias das famílias, com dimensão de 18x25 metros (450 m²) cada.
A centralização da terra e dos ativos sob propriedade da cooperativa, somada à
constituição dos fundos de reservas, funcionam como dispositivos que evitam sua
descapitalização e redução da extensão territorial diante de resoluções individuais de
cooperados em se retirar da cooperativa, vendendo seu lote ou alienando sua quota do
patrimônio coletivo. Segundo o Estatuto Social da COPAVI (ANEXO II), no caso do
desligamento do sócio, a assembléia geral delibera sobre o prazo de devolução apenas da
quota-parte (até dois anos), que não pode exceder o valor de um salário mínimo, sendo que o
sócio, ao se retirar da cooperativa, não tem direito à fração da terra ou ao patrimônio coletivo.
Como a cooperativa detém o titulo de posse dos lotes, o interessado em
ingressar no quadro associativo, se aprovado, passa a integrar seu corpo de trabalhadores.
Aliás, todo cooperado, na COPAVI, é tido como um trabalhador, pois adiciona sua força de
trabalho ao coletivo e pode, portanto, usufruir benefícios da cooperativa e incrementar o
patrimônio de um empreendimento que também lhe pertence. Vale frisar que o último caso de
saída de cooperados na COPAVI ocorreu no ano de 2000, e que, em 2006, o valor total dos
ativos da cooperativa, sem levar em conta a terra, atingiu o montante de R$ 1.020.431,00. A
tabela 5.1 descreve a formação do patrimônio líquido em levantamento realizado pela
COPAVI:
92
Patrimônio Líquido da COPAVI em 2006
Atividades Valor Participação (%)
Abatedouro R$ 11.000,00 1,08
Agrovila e centro social R$ 150.500,00 14,75
Atividade da cana R$ 195.673,00 19,18
Atividade da padaria R$ 25.380,00 2,49
Atividade do leite R$ 300.878,00 29,49
Atividade avícola R$ 4.690,00 0,46
Barracão de máquinas R$ 54.000,00 5,29
Barracão do mercado R$ 40.000,00 3,92
Escritório R$ 10.500,00 1,03
Fábrica de ração R$ 3.200,00 0,31
Ferramentas R$ 4.600,00 0,45
Horta R$ 17.100,00 1,68
Instalações R$ 31.500,00 3,09
Refeitório R$ 25.450,00 2,49
Secador de banana R$ 60.000,00 5,88
Suínos R$ 11.110,00 1,09
Tratores e equipamentos R$ 40.700,00 3,99
Veículos R$ 30.000,00 2,94
Viveiro e orquidário R$ 4.150,00 0,41
Total R$ 1.020.431,00 100
Fonte: dados fornecidos pela COPAVI.
Elaborado pelo autor através de pesquisa de campo realizada em novembro de 2007.
Tabela 5.1: patrimônio líquido da COPAVI
Entre os cooperados da COPAVI, uma das principais razões apontadas para
explicar o funcionamento satisfatório da cooperativa em seus aspectos econômicos e sociais,
bem como a expansão de seu patrimônio, reside no advento da utilização coletiva da terra e
dos meios de produção ter sido determinada desde a etapa de ocupação. A opção pela
coletivização, mesmo diante de situações precárias de existência, quando os trabalhadores
abdicaram da propriedade individual do seu lote em prol de uma perspectiva, abstrata, da
construção da cooperativa, teria sido decisiva para o progresso da COPAVI ao longo dos
anos. Os sócios constataram que a somatória das potencialidades latentes nos primórdios da
cooperativa, após serem ativadas, resultou na consolidação de um empreendimento solidário
tido como exitoso.
93
A utilização coletiva da terra e dos meios produção na COPAVI, segundo seus
sócios, se faz sentir em todas as atividades da cooperativa. A coletivização dos recursos
naturais e do instrumental, faz com que as atividades de trabalho e a sociabilidade dentro do
empreendimento sejam permeadas pela lógica da cooperação, reforçando os laços de
solidariedade.
5.3 Modalidades de crédito acessadas
Como pode ser observado na seção anterior, o início das atividades da
COPAVI foi marcado pela escassez de recursos disponíveis para serem aplicados na
produção. A cooperativa tinha baixa capacidade de se capitalizar em razão do seu corpo de
sócios ser composto por trabalhadores sem-terra, desprovidos de aporte financeiro para
investimento, sendo sua força de trabalho o principal recurso disponível naquele momento.
Inicialmente, as atividades produtivas se restringiam à colheita da cana-de-
açúcar encontrada no imóvel e seu processamento para produção de melado e rapadura, para
serem vendidos na cidade de Paranacity. Parte de seus cooperados prestava serviços em
propriedades da região como bóia-fria, o que possibilitou certa aferição de renda para as
famílias. Nesse período, a cooperativa contou ainda com a importante colaboração da Igreja
Católica local, através da doação de material de construção e animais.
Em maio de 1994, com a legalização da propriedade da terra em nome da
COPAVI, pelo INCRA, foi aberta a possibilidade de acesso a créditos oficiais por parte da
cooperativa. Os principais canais de financiamento acessados pela cooperativa, desde sua
fundação, foram: a) PROCERA TETO I – linha de financiamento federal direcionada a todos
os assentados, garantido um crédito de investimento de R$ 7.500,00 por família. Tais recursos
eram direcionados para o processo produtivo, mas também para obras de infra-estrutura em
energia elétrica, água e demais benfeitorias. Excepcionalmente, o recurso poderia ser
destinado à aquisição de bens de consumo doméstico, de acordo com a necessidade dos
assentados; b) PROCERA TETO II – voltado para agricultores com maior integração
comercial, essa linha de crédito permitia a obtenção de R$ 7.500 por família, desde que
fossem integradas em um projeto de trabalho coletivo.
As famílias associadas à COPAVI acessaram as linhas de crédito do
PROCERA TETO I E TETO II em 1995 e optaram por utilizar os recursos coletivamente.
94
Investiram cerca de R$ 300.000,00 na cooperativa, sendo que os créditos provenientes do
PROCERA TETO II foram destinados à integralização de quotas-partes pelas famílias,
capitalizando a cooperativa no montante R$ 150.000,00. Os recursos foram prontamente
investidos nas seguintes atividades, já previstas no projeto elaborado pela COPAVI desde
1994: horticultura; fruticultura; pecuária de leite; criação de aves; café adensado e
processamento da cana-de-açúcar para produção de cachaça e rapadura.
As linhas de crédito do PROCERA permitiram que a COPAVI desse início às
atividades agroindustriais, que exigiam investimentos em maquinário e instalações, mas
possibilitariam a elevação do valor agregado da produção, revertido na maior apropriação,
pela cooperativa, do resultado da comercialização dos produtos. A partir de 2000, a
cooperativa passou a demonstrar considerável autonomia financeira, fazendo com que parte
de suas atividades, de seus investimentos e mesmo da distribuição de sobras para os
cooperados fosse possibilitada pelas receitas oriundas da venda de sua produção.
A COPAVI percebe a importância de acessar linhas de créditos, mas somente o
faz mediante o planejamento de determinada atividade, com a constatação de sua viabilidade
e conclusão de que o retorno financeiro permitirá a quitação do passivo.
A cooperativa entende o acesso ao credito como uma ferramenta para
realização de uma atividade estratégica e admite uma postura reticente quanto a acessar linhas
de crédito que não sejam indispensáveis para determinado projeto, por receio de
endividamento desnecessário. Em 2006, do total dos R$ 1.020.431,00 que constituíam os
ativos patrimoniais da COPAVI, aproximadamente R$ 130.000,00 (17,8%) eram formados
por recursos próprios dos cooperados; R$ 199.000,00 (19,5%) foram obtidos com recursos a
fundo perdido e os investimentos provenientes de fontes externas (financiamentos e
doações
24
) somavam R$ 691.000,00 (67,7%).
Em 2007, as linhas de financiamento mais acessadas se destinavam à
construção de residências de alvenaria para substituir as três casas de madeira remanescentes,
além da reforma e ampliação das residências existentes, através de uma linha de credito a
fundo perdido acessada junto à Caixa Econômica Federal.
24
Em 2000, um grupo de professores da Universidade Politécnica da Catalunha veio ao Brasil para conhecer
experiências de assentamentos do MST. Em visita à COPAVI, propuseram-se a fomentar a construção de um
secador de bananas a energia solar. A construção do equipamento durou pouco mais de dois anos, mas, dado sua
inviabilidade econômica, em 2004 a estrutura passou a ser utilizadas para a panificação (MOURA, 2005;
SEVERINO, 2006).
95
Os principais canais de acesso ao credito por parte da cooperativa continuam
sendo as linhas especiais oferecidas pelos governos federal e estadual destinadas aos
assentamentos rurais. A COPAVI também entende que a união das cooperativas agrícolas
pode facilitar o acesso ao crédito, o que Oda (2001) já havia apontado, ao pesquisar a gestão
de empreendimentos autogestionários. O autor constatou que a associação de cooperativas em
centrais (cooperativas de segundo e terceiro graus) unifica a solicitação de financiamento,
aumentando suas chances de aprovação por parte dos órgãos oficiais.
A COPAVI experimentou uma sensível melhoria nas condições para acesso ao
credito e auxilio à agricultura familiar desde o inicio do governo Lula (2003), relatando que
no começo de suas atividades e praticamente até o final dos anos 90, havia grande dificuldade
de acesso a linhas de credito junto ao Estado.
5.4 Democracia interna
A questão da democracia interna, na COPAVI, é compreendida pelos
cooperados como um processo dinâmico e em construção, ou seja, um aprendizado contínuo.
A participação individual junto às decisões que dizem respeito à cooperativa se desenvolve de
forma a respeitar a vontade do coletivo, estimulando a contribuição de cada sócio na
formulação dos projetos, nas atividades a serem realizadas e na definição das prioridades
estratégicas.
O quadro social da COPAVI, em 2007, era formado por 43 sócios cooperados;
86 moradores na agrovila (entre cooperados e familiares não cooperados); 06 cooperados
liberados para realização de curso superior em convênio com o M.S.T. e 02 cooperados
liberados para atuar junto aos quadros do M.S.T
25
. A entrada de um novo sócio na cooperativa
se faz mediante as seguintes exigências: a) idade acima de 18 anos; b) subscrição da quota-
parte (nunca superior a 01 salário mínimo vigente); c) aceitação por parte da assembléia geral,
sendo que a aceitação de um novo sócio, por parte dos cooperados, leva em consideração
requisitos não apenas econômicos. Para os membros da COPAVI, um bom sócio é aquele que
participa do dia a dia da cooperativa como um bom trabalhador e um bom companheiro. Deve
25
Os cooperados que estudam são parcialmente liberados, pois os cursos são organizados em módulos
trimestrais alternados, nos quais o estudante passa um trimestre realizando suas atividades discentes e um
trimestre realizando atividades na cooperativa. Já o cooperado liberado para compor os quadros do M.S.T. atua
exclusivamente nas atividades do movimento. Os cooperados são liberados com a aprovação da assembléia geral
e recebem uma remuneração da média de horas mensais trabalhadas na cooperativa.
96
ainda identifica-se com a luta pela terra, demonstrando que participa do empreendimento
como trabalhador e como parte de um coletivo, preocupado com o crescimento da cooperativa
e não apenas com a solução de seus problemas individuais.
O ingresso de um novo sócio na COPAVI ainda é precedido por estágio
probatório na cooperativa, quando são observadas a disposição para o trabalho e a
contribuição para o coletivo, através de um bom relacionamento com os demais cooperados.
Já o desligamento de um sócio está condicionado a critérios técnicos e sociais. A negligência
constante na realização do trabalho e/ou a reincidência na participação de conflitos pessoais
internos
26
são fatores que determinam a saída de um sócio da COPAVI.
A organização interna da cooperativa contempla ao mesmo tempo o aspecto
político e o produtivo. O primeiro remete à organização entre os sócios, realização das
discussões e deliberações que definem as linhas de atuação a serem adotadas; enquanto o
segundo contempla a execução das decisões tomadas no âmbito da organização política.
Tanto o aspecto político quanto o aspecto produtivo se guiam pelo Estatuto Social da
COPAVI e tem como instância principal de deliberação a Assembléia Geral dos sócios.
A estrutura organizacional da COPAVI, no ano de 2007, pode ser visualizada
abaixo na figura 5.1, e a alocação dos 43 cooperados nas instâncias relacionadas ao aspecto
produtivo serão descritas a seguir:
26
Nesse ponto, a COPAVI adota o seguinte sistema: a comprovação de participação em conflitos pessoais, em
especial a ofensa verbal a um outro cooperado, é tolerada uma única vez. Já qualquer agressão física unilateral a
um sócio ou agressão mútua são punidas com a expulsão. Vale ressaltar que, durante a realização da pesquisa de
campo, ocorria o processo de discussão para expulsão de um trabalhador ainda em estágio probatório para futura
admissão como sócio.
97
Fonte: dados fornecidos pela COPAVI.
Elaborado pelo autor através de pesquisa de campo realizada em novembro de 2007.
Figura 5.1: Estrutura organizacional da COPAVI em 2007
- (1) Assembléia Geral dos sócios: realizada mensalmente, é a instância máxima de
deliberação na cooperativa. Representa a confluência de seus aspectos político e produtivo,
sendo a presença de todos os sócios obrigatória, cada um com direito a um voto, deliberando
acerca de questões referentes ao relacionamento entre os cooperados e às atividades dos
setores. Os setores acatam as resoluções da assembléia no tocante a mudanças no andamento
das atividades produtivas, comerciais e financeiras, em concordância com o Estatuto Social.
- (2) Conselho fiscal: órgão independente do conselho deliberativo e que tem por atribuições
resguardar o patrimônio da cooperativa, conferir as horas trabalhadas pelos cooperados e
fiscalizar as atividades dos setores, no que diz respeito à sua regularidade financeira e
contábil. O conselho fiscal se remete diretamente à Assembléia Geral quando se faz
necessário e é composto por três membros efetivos e três suplentes, eleitos a cada três anos.
- (3) Conselho deliberativo: forma a direção legal da cooperativa e é composto pelo
presidente, secretário-geral, tesoureiro, que são a diretoria, e por todos os coordenadores dos
setores. O conselho deliberativo é eleito pelo voto secreto de todos os cooperados para um
exercício de três anos. Ao conselho deliberativo compete representar externamente a
98
cooperativa em questões políticas, econômicas e jurídicas. O presidente da cooperativa é o
sócio responsável por e coordenar a Assembléia Geral e as reuniões do conselho deliberativo.
- (4) Equipe Social: responsável por debater assuntos ligados ao relacionamento entre os
cooperados, promover a coalizão em torno de objetivos comuns e equacionar problemas mais
sérios de relacionamento, quando já discutidos nos núcleos das famílias. A cooperativa conta,
ainda, com a assistência periódica de um psicanalista da CONCRAB.
- (5) e (6) Núcleos das famílias (núcleo Ademar e núcleo Roseli): são o suporte social da
COPAVI. Aglutinam as demandas pessoais dos sócios e organizam questões relevantes a
serem apresentadas na Assembléia Geral, além de auxiliar na conciliação de interesses
conflitantes entre cooperados.
- (7) Setor comercial: responsável pela comercialização dos produtos da cooperativa nas
cidades próximas (vendas ‘de porta em porta’), nas lojas de produtos de reforma agrária e no
atacado, sendo o elo de ligação da COPAVI com os clientes externos. Efetua também a tarefa
de prospecção de novos clientes e canais de distribuição da produção comercializável. Em
2007, o setor era composto por 02 cooperados.
- (9) Setor de administração: responde pela organização contábil na administração da
cooperativa e de suas atividades. Mantêm um escritório instalado na cooperativa e, em 2007,
02 cooperados estavam alocados no setor.
- (8) Setor de produção: responde por toda a atividade produtiva da COPAVI, na produção
de gêneros tanto para o autoconsumo quanto para a comercialização. O setor de produção
subdivide-se em outros três sub-setores:
a) (11) Leite
: responsável pela cadeia produtiva interna do leite, nas atividades de manejo do
gado, ordenha mecanizada e processamento do leite e seus derivados, como iogurte, manteiga
e queijo, destinados ao consumo dos cooperados e também à comercialização nas cidades
próximas (APÊNDICE E). Em 2005, o sub-setor alocava 05 sócios e 02 adolescentes, e, já em
2007, 08 sócios e 02 adolescentes executavam as atividades, e a cooperativa contava com 50
cabeças de gado de leite, das raças Holandesa e Girolanda, com uma produção de
aproximadamente 600 litros/dia. Desde o início das atividades da cooperativa, em 1993, até
2006, o setor era o mais significativo em termos de receitas advindas da comercialização. A
partir de 2007, o setor de derivados de cana passou a proporcionar as maiores receitas
comerciais.
99
b) (10) Derivado de cana: é o sub-setor que proporciona maior renda monetária para a
COPAVI (APÊNDICE F). Em razão de sua importância nos rendimentos da cooperativa, o
sub-setor passou de um contingente de 11 sócios alocados no sub-setor em 2005, para 18
sócios em 2007, permanecendo a contratação de 06 trabalhadores externos. O sub-setor de
derivados de cana têm os seguintes segmentos: 1) cachaça – possui uma estrutura de destilaria
para produção de cachaça artesanal, envaze e rotulação. A cachaça do tipo camponesa é
comercializada nas lojas de produtos da reforma agrária em outros estados, sendo inclusive
exportada para a Espanha, mostrando alto potencial de agregação de valor; 2) cana-de-açúcar
– responsável pela produção de melaço para a comercialização nas cidades próximas; 3)
açúcar – o açúcar mascavo é processado e embalado na cooperativa, sendo comercializado
nas lojas de produtos de reforma agrária e no atacado para outros estados, como São Paulo,
Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.
c) (12) Sustento familiar: responsável por prover os cooperados de gêneros alimentícios para
seu sustento (APÊNDICE G). Desde sua fundação, a COPAVI teve por objetivo proporcionar
aos cooperados o máximo de produtos para autoconsumo produzidos internamente. O sub-
setor, e possui os seguintes segmentos: 1) plantação e horta - produzem gêneros alimentícios
como hortaliças, legumes, grãos e frutas para o autoconsumo dos cooperados. As atividades
são realizadas, desde 2005, por 09 cooperados e 07 adolescentes. A produção funciona sob o
sistema de cultivo natural, sem o uso de veneno ou adubo químico; 2) carnes – é formado por
uma estrutura de criação e abate de gado de corte e um aviário para criação e abate de aves,
direcionados para a alimentação dos cooperados. Em 2005, 05 sócios eram responsáveis pelo
segmento. Já em 2007, apenas um sócio responde pelas atividades; 3) padaria – responsável
pela produção de pães e massas para alimentação dos sócios e comercialização. Em 2007,
apenas um cooperado e um adolescente realzavam as atividades. A padaria se utiliza das
instalações originalmente destinadas ao beneficiamento de banana seca, que se mostrou
economicamente inviável; 4) refeitório – o café da manhã e o almoço são servidos de
segunda-feira ao sábado a todos os cooperados num refeitório. Dois cooperados são alocados
no segmento para o preparo das refeições. O fato dos cooperados realizarem duas refeições
diárias coletivamente, tem por objetivo promover a sociabilidade dos trabalhadores e suas
famílias e otimizar o trabalho principalmente das mulheres, liberando-as da preparação das
refeições diurnas nas residências e possibilitando sua atuação nos demais setores da
cooperativa.
100
Em todos os sub-setores há um trabalhador responsável pelas atividades e que
se remete ao coordenador do setor. Todos os setores e também os núcleos de famílias são
representados por coordenadores, que compõem a comissão de coordenadores da cooperativa.
A comissão tem por função promover discussões a respeito do andamento das atividades dos
setores e buscar, conjuntamente, a melhora no desempenho global. Por vezes, as reuniões da
comissão de coordenadores ocorrem após o almoço coletivo, permitindo que cada setor
mantenha os demais atualizados sobre as atividades no geral, promovendo o fluxo de
informações mais rapidamente entre os coordenadores e conduzindo essas informações à
Assembléia Geral dos sócios.
Um ponto relevante, em se tratando de democracia interna na COPAVI, é o
fato de os sócios alocados em setores ligados à administração e conselhos integrarem os
demais setores como trabalhadores na produção. Essa medida mostra a preocupação da
cooperativa em promover a interação das atividades, evitando o sectarismo entre as esferas de
planejamento e de execução do trabalho. Tal mecanismo também aproxima os dirigentes da
cooperativa dos demais cooperados, que na prática são seus companheiros de trabalho. Pode
ocorrer, inclusive, situações em que um membro da direção seja subordinado ao coordenador
de um setor de produção, por sua vez subordinado à direção administrativa. Isso
proporcionaria uma inversão de mando que pode ser positiva, pois a hierarquia formal da
cooperativa se diluiria na perspectiva de homogeneização de todos os cooperados
27
.
A COPAVI estimula o rodízio de trabalhadores em funções no interior dos
setores, bem como sua participação na coordenação dos setores e na administração da
cooperativa, buscando garantir a formação de todos os sócios para desempenhar diversas
atividades internas. A alternância dos trabalhadores na execução, na coordenação de setores e
no corpo administrativo, tem se mostrado um desafio, pois demanda um maior
comprometimento de cada associado em se informar acerca do funcionamento de cada setor e
das atividades da cooperativa como um todo. A cooperativa apresenta maiores problemas em
realizar o rodízio de funções nas atividades administrativas, uma dificuldade presente em
outras cooperativas de reforma agrária, como aponta o estudo de Vazoller (2004) realizado
junto à Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida - COPAVA - e à Cooperativa
de Produção Agropecuária Nossa Senhora Aparecida - COPANOSSA.
27
O presidente da cooperativa concedeu sua entrevista ao pesquisador momentos após o término de seu turno na
atividade de corte da cana de açúcar.
101
O rodízio de funções não acontece plenamente dentro da COPAVI, o que
Severino (2006) já havia constatado em sua pesquisa junto à cooperativa. De acordo com o
autor, há uma exigência interna por determinados patamares de produção, que não pode ser
comprometida pelo fato de o rodízio resultar em queda da produtividade, devido ao baixo
conhecimento técnico de cooperados e coordenadores recém alocados em um setor. O que
ocorre com freqüência é a alternância de funções apenas no interior de um setor, e com menor
freqüência o intercâmbio entre setores, incorrendo em certa especialização dos trabalhadores
em determinada atividade. Uma alternativa que a cooperativa estudou, ao longo de 2007, é a
variação na remuneração da hora trabalhada em razão da natureza da atividade como estímulo
ao rodízio, o que será melhor detalhado na seção seguinte.
5.5 Organização do trabalho
A organização do trabalho na COPAVI tem por objetivo contemplar
necessidades técnicas e sociais de forma objetiva para cada atividade. Na cooperativa, os
setores de produção são configurados de acordo com a sua importância para a produção total,
levando à alocação dos trabalhadores de acordo com a demanda do setor em determinado
momento. Cada setor possui um coordenador, responsável por zelar pelo bom desempenho da
produção e monitorar as horas trabalhadas pelos cooperados, além de responder pelos
resultados perante a Assembléia Geral.
Todavia, a distribuição das tarefas no interior dos setores é determinada pela
Assembléia Geral, que define a participação de cada membro numa dada atividade a partir dos
seguintes critérios: capacitação técnica; aptidão física; afinidade e disponibilidade. Todos os
cooperados devem estar alocados em um setor e trabalhar, no mínimo, 176 horas mensais.
Além disso, não se permite a concentração de membros de uma mesma família em um único
setor. Os conteúdos e especificações técnicas das atividades de trabalho são determinados
internamente pelos membros dos setores nas reuniões de seus grupos, permitindo que os
membros interajam na prescrição da atividade. Observa-se que os cooperados integram o
núcleo central das deliberações acerca das atividades de trabalho. Todos participam da esfera
de planejamento do trabalho e tomada de decisões como membros da assembléia, delineando
as atribuições especificas a cada trabalhador na execução das atividades em seus setores. A
presença dos trabalhadores nas instâncias que representam o poder decisório mostra a
102
inclinação da COPAVI para a pratica da autogestão, no que concerne à organização do
trabalho.
Para os cooperados, a organização coletiva do trabalho é fundamental para a
operacionalização das atividades mais complexas, que demandam maior divisão do trabalho
para sua execução, e são justamente as atividades que propiciam maior agregação de valor.
Portanto, além de ampliar a união entre os trabalhadores, a organização coletiva do trabalho
eleva a sua produtividade, resultando em maior faturamento e maiores sobras nos exercícios.
Conforme Moura (2005) descrevera, a carga semanal de trabalho na COPAVI
não pode ultrapassar o máximo de 44 horas para os maiores de 18 anos, exceto em situações
limite para o cumprimento de prazos de entrega da produção e com a aprovação da
Assembléia Geral. Em 2007, a jornada de trabalho era das 07 às 17 h de segunda-feira à sexta-
feira, com duas horas de intervalo para o almoço, e aos sábados das 07 às 11 h, podendo haver
flexibilidade dos horários de acordo com a necessidade de cada setor.
Os trabalhadores com idade inferior a 18 anos, mesmo impossibilitados de
integrar o quadro de cooperados, são estimulados ao trabalho coletivo. Os jovens com idade
entre 14 e 17 anos trabalham meio período e são remunerados com 65% do valor da hora
trabalhada pelo sócio. Os jovens com idade entre 17 e 18 anos também trabalham meio
período e recebem 85% do valor da hora trabalhada pelo sócio. O fato de a jornada diária de
trabalho se limitar a meio período para os menores de 18 anos é uma exigência da
cooperativa, para que eles dediquem a maior parte de seu tempo aos estudos. O valor das
horas trabalhadas pelos trabalhadores externos contratados pela cooperativa corresponde a
100% do valor da hora trabalhada pelo sócio.
Um aspecto diferenciado na COPAVI é a participação da mulher no trabalho
coletivo. Nas unidades familiares rurais, as mulheres geralmente ficam encarregadas do
serviço doméstico, que, na tradição patriarcal, não é devidamente reconhecido pela sua
importância. Quando o trabalho é realizado de forma coletiva, como em uma cooperativa, as
mulheres integram o quadro de sócios e participam das decisões internas, tendo, como os
homens, direito a um voto por cooperada. Isso se reflete na maior interação das cooperadas na
administração da cooperativa e na execução da produção, fazendo com que seu trabalho seja
tão importante quanto o trabalho dos homens, o que eleva sua estima dentro do coletivo e sua
participação no interior da unidade familiar. Cabe ressaltar que, para o MST, a importância da
participação da mulher no interior dos assentamentos e das cooperativas populares é um
elemento fundamental para a transformação da sociedade atual (CONCRAB, 1996).
103
A distribuição das sobras correspondente ao faturamento da COPAVI se faz
pela modalidade das horas trabalhadas. Em todas as atividades da cooperativa (produção,
comercialização e administração) são computadas as horas trabalhadas pelos cooperados
alocados em cada setor, e, após a constatação do resultado financeiro total de cada mês, é feito
o rateio das sobras pelo total de horas, sendo determinado o valor de uma hora trabalhada.
Esse valor é o coeficiente por que são multiplicadas as horas trabalhadas individualmente por
cada cooperado, que vêm a receber sua participação nas sobras, como pode ser observado na
tabela 5.2.
Sobras Valor da hora
Ano Receita Total
distribuídas trabalhada
1994 R$ 81.700,00 R$ 17.879,00 R$ 0,24
1995 R$ 106.535,00 R$ 12.188,00 R$ 0,16
1996 R$ 145.359,00 R$ 27.819,00 R$ 0,37
1997 R$ 197.479,00 R$ 28.117,00 R$ 0,36
1998 R$ 213.761,00 R$ 32.286,00 R$ 0,46
1999 R$ 257.482,00 R$ 36.567,00 R$ 0,50
2000 R$ 271.944,00 R$ 40.000,00 R$ 0,47
2001 R$ 282.596,00 R$ 50.000,00 R$ 0,62
2002 R$ 299.300,00 R$ 59.250,00 R$ 0,67
2003 R$ 461.374,00 R$ 80.725,00 R$ 0,91
2004 R$ 459.900,00 R$ 99.500,00 R$ 1,09
2005 R$ 473.300,00 R$ 111.431,00 R$ 1,21
2006 R$ 494.500,00 R$ 127.200,00 R$ 1,36
Fonte: dados fornecidos pela COPAVI.
Elaborado pelo autor através de pesquisa de campo realizada em novembro de 2007.
Tabela 5.2: Receita total, sobras distribuídas e valor da hora de trabalho na COPAVI (1994-
2006)
O sistema de distribuição das sobras por horas trabalhadas permite a
remuneração do sócio de acordo com o quantum de tempo de trabalho dedicado à atividade,
independente de sua natureza, pois a hora trabalhada em qualquer setor possui o mesmo valor.
Até o mês de novembro de 2007, quando foi realizada a pesquisa de campo, o valor médio da
hora trabalhada ao longo do ano era de cerca de R$ 1,41. O montante distribuído como
remuneração mensal das horas trabalhadas, em 2007, correspondeu a aproximadamente R$
250,00 por cooperado. A cooperativa também antecipa cerca de R$ 100,00 por mês para cada
família como adiantamento de sobras anuais. Assim, cada cooperado recebe, em média, um
renda monetária mensal de R$ 350,00. Se levarmos em conta que cada núcleo familiar é
104
geralmente composto por um casal de cooperados, a renda monetária familiar se aproxima de
R$ 700,00. No entanto, a renda dos cooperados não é apenas monetária. A cooperativa é
responsável pelas despesas referentes ao consumo de água e energia elétrica nas residências,
além de prover as famílias de gêneros para o autoconsumo. Estima-se que essas despesas
correspondam a 50% da renda monetária, ou seja, R$ 350,00 por família. Somando o valor da
renda monetária ao autoconsumo familiar, a renda total de uma família na COPAVI gira em
torno de R$ 1.050,00, o equivalente a 2,76 salários mínimos em 2007 (R$ 380,00).
Efetivamente, na COPAVI verifica-se que a situação de seus cooperados, em
termos de condições de moradia, alimentação e consumo, é relativamente melhor do que em
assentamentos onde não se pratica o trabalho coletivo e também em relação à situação atual
do trabalhador rural no país, como podemos observar na tabela 5.3. No caso da COPAVI, a
remuneração do trabalho tem aumentado ao longo dos anos, o que pode ser verificado pela
evolução do valor da hora trabalhada individualmente. Os cooperados observam que a
produção agrícola, principalmente a voltada para o agronegócio, baseada no componente
tecnológico como fundamental para a elevação da produtividade, resulta na maior exploração
do trabalhador. Como reflexo dessa dinâmica, têm-se a queda do emprego no campo e a
precarizacão das relações de trabalho. O impacto tecnológico na COPAVI, segundo seus
associados, teve o efeito contrário, pois a situação do cooperado tem melhorado.
Quadro comparativo de rendimento
Média do rendimento monetário e não monetário
mensal familiar dos domicílios rurais brasileiros – 2003*
R$ 539,00**
Renda média familiar monetária e não monetária na
COPAVI - 2007***
R$ 1050,00
* Fonte: IBGE, 2008
** Referência de 2003: R$ 466,28; corrigido a preços de 2007 (IPC-FIPE 2003-2007= 15,6%)
***Fonte: dados fornecidos pela COPAVI.
Elaborado pelo autor através de pesquisa de campo realizada em novembro de 2007.
Tabela 5.3: Comparativo de rendimento dos domicílios familiares
Ao longo do segundo semestre de 2007, a COPAVI realizou uma série de
estudos para elaboração de um novo modelo de controle e medição do trabalho, visando uma
mudança na aferição do trabalho e na forma de remuneração. O novo modelo considera, além
das horas trabalhadas, um diferencial em função de determinadas condições as quais os
trabalhadores são expostos quando executam o trabalho, em ordem decrescente de relevância:
a) penosidade da atividade para o corpo, que leva em conta o desgaste físico exigido para a
105
realização da atividade; b) exposição ao calor, principalmente no trabalho junto às caldeiras
durante o processamento da cana-de-açúcar; c) exposição ao sol, verificado nas atividades
ligadas ao manejo da terra, cultivo e colheita dos gêneros agrícolas; d) postura corporal
durante a atividade, ou seja, o nível de desconforto físico suportado pelo trabalhador; e)
capacitação técnica requerida para a atividade, considerando o tempo dedicado pelo
trabalhador para alcançar determinada competência; f) grau de interação com outros
trabalhadores que a atividade proporciona; g) necessidade de tomada de decisões,
contemplando a recepção de responsabilidades pelo trabalhador.
Pelo novo sistema, cada item acima representa uma escala de valor adicional
de remuneração. A cada cooperado caberia uma renda monetária fixa de R$ 180,00 e o
montante residual das sobras seria distribuído conforme uma faixa de coeficientes,
determinada de acordo com os critérios expostos, sendo que, para uma mesma atividade, o
trabalhador pode se enquadrar em mais de uma das condições supracitadas. Por exemplo, um
trabalhador pode realizar uma atividade em que seja exposto ao calor, mas sua postura
corporal não seja desconfortável, sendo contemplado com uma soma de coeficientes, maior
para o primeiro caso e menor para o segundo, para aferição de sua remuneração. Outro
trabalhador pode realizar uma atividade que requer pouca penosidade para o corpo, mas que
demande conhecimento técnico elevado, ocorrendo também uma soma de diferentes
coeficientes.
A proposta para que se discutisse uma outra forma de remuneração do trabalho
partiu de membros do coletivo, que manifestaram em algumas reuniões a necessidade de se
equacionar as atividades, recompensando diferentemente àquelas que requerem maior
dispêndio de energia física. Dessa maneira, a cooperativa buscaria manter a equidade entre os
setores e entre os trabalhadores. Um outro debate que ocorre no interior da cooperativa diz
respeito à contratação de mão de obra assalariada. Ao contrário do que ocorre em outras
cooperativas de reforma agrária, que possuem mão de obra ociosa em seu interior
(VAZOLLER, 2004), a COPAVI contava, em 2007, com 06 trabalhadores diaristas,
correspondendo a 8% dos 49 trabalhadores na cooperativa. A presença de mão de obra
assalariada se dá em função do aumento na demanda por produtos derivados da cana, sendo
essencial o incremento de trabalhadores no setor em momentos de pico da colheita e do
processamento da cana. Embora o objetivo da cooperativa seja a execução de todas as
atividades pelos sócios, verifica-se um déficit de trabalhadores cooperados para plena
utilização de sua capacidade instalada. Se por um lado há poucos trabalhadores dispostos a
106
integrar os quadros da COPAVI, em razão da coletivização da propriedade dos ativos, por
outro lado ocorre a recusa de novos sócios pelo coletivo. Os cooperados expressam apreensão
em permitir o ingresso na cooperativa de pessoas relativamente desconhecidas. Mesmo com o
advento do estagio probatório, verificou-se pouca aceitação de novos cooperados nos últimos
anos. Os sócios da cooperativa têm a expectativa de que o quadro social se renove com a
permanência dos seus filhos e suas famílias dentro da cooperativa, fato que, no entanto, não
tem sido verificado. Muitos jovens das famílias de cooperados optam por dar continuidade
aos estudos e/ou trabalhar nas cidades, construindo sua vida fora da cooperativa.
A COPAVI vislumbra que todo o trabalho em seu interior seja executado por
cooperados e para tanto se compromete com a constante qualificação de seus sócios,
liberando quadros para realização de cursos superiores e técnicos, possibilitando o
acompanhamento da evolução do instrumental tecnológico, mas utilizando-o na perspectiva
de geração de renda e melhoria da qualidade de vida dos cooperados.
5.6 Orientação da Gestão
No inicio de suas atividade, em 1993, eram três os principais compromissos da
COPAVI para com seus cooperados: prover o sustento das famílias; proporcionar boas
condições de moradia; garantir o direito à educação de seus filhos. A produção de gêneros
alimentícios, direcionados para o autoconsumo dos sócios, norteou as atividades da
cooperativa nos primeiros anos. A prestação de serviços em propriedades rurais de terceiros,
somada à comercialização de mandioca e melaço de cana, garantiam uma renda monetária
módica para os cooperados. Com o acesso às primeiras linhas de crédito oficial, a partir de
1994, houve certo desenvolvimento da estrutura produtiva da cooperativa, elevando a escala
de produção.
Porém, entre 1997 e 1998, ocorreu o desligamento de algumas famílias e a
COPAVI realizou um estudo comparativo das atividades que poderiam ser mais rentáveis. De
acordo com Moura (2005), a cooperativa procedeu à analise de sua capacidade produtiva, em
termos da força de trabalho disponível e da capacidade instalada, de onde se constatou a
necessidade de investimentos na formação técnica dos cooperados, em bens de produção e na
administração central. Se durante alguns anos a cooperativa contou com subsídios do
PROCERA para manter suas atividades e viabilizar a distribuição de sobras, a meta, a partir
de então, era fazer com que a produção interna sustentasse sua economia.
107
Através do planejamento de suas atividades, a COPAVI passou a otimizar seus
recursos na produção de gêneros que permitissem maior agregação de valor e demonstrassem
potencial de comercialização. Novas famílias entraram na cooperativa, em substituição
àquelas que haviam desistido anteriormente e a alocação da mão de obra adicional respeitou a
distribuição pelos setores estratégicos. O plano anual de safra, adotado desde a fundação da
cooperativa como mecanismo básico de planejamento, selecionou setores onde fosse possível
visualizar a implantação de uma cadeia produtiva para agregação de valor. Dessa maneira, a
COPAVI deixou de priorizar a produção voltada para o autoconsumo, dinamizando a
produção destinada à comercialização, o que remete à estratégia central do MST para o
desenvolvimento das cooperativas (CONCRAB, 1996).
A partir de 1998, a cooperativa intensificou a prospecção de clientes na cidade
de Paranacity e em outras cidades próximas, para efetuar a venda direta de seus produtos, em
especial os derivados do leite e da cana. Até 2007, a comercialização se fez sob o sistema de
venda direta ao consumidor, de porta-em-porta. Dois sócios, utilizando um veículo utilitário
da cooperativa, realizam a entrega dos produtos, mediante pagamento da última compra. A
cooperativa fornece produtos de qualidade para clientes domiciliares, creches municipais,
padarias e mercados (APÊNDICE G).
Outras modalidades de comercialização dos produtos da cooperativa são: a)
vendas em feiras de produtores, onde ocorre também a divulgação dos produtos a novos
clientes varejistas; b) vendas para varejistas, atingindo mercados de outros estados; c) vendas
nas lojas de reforma agrária, exercendo a intercooperação com outras entidades vinculadas ao
MST, outros assentamentos e associações; d) exportação, inicialmente da cachaça camponesa,
mas com planos de aumentar os itens exportados, com intermediação de organizações ligadas
ao Comércio Justo. A inserção nos canais de comercialização descritos demandou, por parte
da cooperativa, uma serie de adequações: a) normativas, em termos dos padrões sanitários de
suas instalações; b) econômicas, como a padronização da produção e de sua logística; c)
legais, como a saída da informalidade e regularização de suas atividades comerciais.
Como reflexo da complexidade da organização do trabalho coletivo, aumento
do maquinário e maior capacitação técnica dos cooperados, a COPAVI implementou a
industrialização de sua produção canavieira, com ativos imobilizados no valor R$ 195.673,00.
Desde 2006, a atividade passou a ser a mais rentável da cooperativa, abrangendo
completamente a cadeia produtiva do açúcar mascavo, da aguardente e do melaço. A
utilização da estrutura física da COPAVI (tabela 5.4) se faz na perspectiva de maximizar a
108
agregação de valor na comercialização da produção com estabelecimentos do Paraná e de
outros estados, ou ainda para exportação de parte da sua produção.
Estrutura física da COPAVI
Descrição Dimensão Situação
02 Aviários 240 m² Produção direcionada ao autoconsumo
01 Caixa d'agua 30 m2 Em funcionamento
01 Estábulo 38 m² Em funcionamento
01 Sala de ordenha 70 m² Em funcionamento
01 abatedouro (aves e suínos)
110 m² Produção direcionada ao autoconsumo
02 Barracões 750 m² Usados como depósitos
01 Refeitório 150 m² Uso para café-da-manhã e almoço coletivos
01 Unidade de secagem de
banana
90 m² Atividade de secagem de banana suspensa
Alocada na unidade de secagem de banana
01 Padaria 90 m²
Produção direcionada ao autoconsumo
01 Unidade de beneficiamento
de cana-de-açúcar 280 m² Em funcionamento
Fonte: Moura, 2005; atualizado pelo autor com dados fornecidos pela COPAVI.
Tabela 5.4: Estrutura física da COPAVI em 2007
Em 2007, estima-se que os produtos destinados à comercialização com outras
regiões representem 50% da produção total da COPAVI. Dos outros 50%, 35% se destinam
ao comércio local e apenas 15% são voltados para o autoconsumo, o que gera preocupação no
interior da cooperativa, pois o trabalho empregado na produção de gêneros para satisfação das
necessidades alimentares dos cooperados é um dos pilares históricos da COPAVI. A
importância da produção para o autoconsumo vem sendo debatida pelos sócios, pois o
empenho da cooperativa em priorizar a produção para o comercio, se por um lado propicia
uma renda monetária maior, por outro pode privar sua autodeterminação no tocante ao que
produzir, quanto e como. A partir de 2008, a cooperativa planeja investir na melhoria do setor
de horta (APÊNDICE G), que, segundo os cooperados, tem sido negligenciado nos últimos
anos e sofreu redução de postos de trabalho, destinados a outros setores.
Outra preocupação da cooperativa diz respeito ao relacionamento com o seu
entorno social, principalmente os habitantes de Paranacity e cidades próximas. Os cooperados
sempre primaram por estabelecer laços com a comunidade local, sendo bons trabalhadores na
prestação de serviços, pontuais em seus compromissos junto ao comércio e tendo um
comportamento irrepreensível, espelhando a retidão de seu caráter e construindo uma relação
109
amistosa junto à população. Esse bom relacionamento se faz sentir, por exemplo, pela eleição
de um cooperado para a câmara de vereadores de Paranacity por dois mandatos consecutivos
(2000-2004; 2004-2008). A cooperativa realiza uma participação efetiva na vida política da
cidade, contribuindo para o desenvolvimento local e, principalmente, para a boa imagem da
COPAVI e conseqüentemente do MST.
A COPAVI se constitui legamente como uma cooperativa, mas, internamente,
a cooperação é concebida como um instrumento de resistência e de luta pela terra, uma
ferramenta para construção de uma outra sociedade. Os cooperados reconhecem a importância
de participarem de um projeto maior junto ao MST, que unifique as iniciativas de várias
cooperativas e de outros núcleos associativos. A COPAVI coordena um escritório regional do
MST em Paranacity, libera quadros para atuarem no movimento e dá suporte para suas
atividades no noroeste do Paraná. Para os cooperados, a cooperativa isolada, sem um projeto
sólido e contínuo, acabaria se deformando num empreendimento em que não há participação
efetiva do associado junto às questões fundamentais, tal como na gestão de diversas
cooperativas tradicionais da região. Nesse ponto, os sócios entendem que a cooperativa,
quando se relaciona externamente com outros agentes econômicos, deve mostrar viabilidade e
competitividade, garantindo melhores condições para sua existência material, mas sem se
afastar de seu projeto de luta constante no MST.
É nítida a percepção, por parte dos sócios, de que o desempenho da COPAVI é
tido como um exemplo dentro do conjunto de experiências do MST. No interior do
movimento, estima-se que menos de 20% dos assentamentos se organizam sob a forma de
cooperativa
28
, daí a COPAVI ser tomada como um modelo dentro do universo das
cooperativas originadas de ocupações de terra.
28
Informação concedida pelo presidente da COPAVI, integrante da diretoria do MST no Paraná.
110
6 CONCLUSÃO
O objetivo principal desta dissertação contempla a análise da dinâmica de
gestão de uma cooperativa popular e sua identificação, ou não, enquanto um empreendimento
econômico de resistência e preservação da solidariedade em suas relações econômicas e
sociais. Tal análise implica na retomada de um extenso debate acerca do papel que as
cooperativas populares passaram a desempenhar após a década de 1990, quando se
acentuaram as taxas de desemprego e o aumento da precarização do trabalho, além do ataque
às conquistas dos trabalhadores ao longo do século XX. No capítulo 1, apresentamos o
histórico do movimento cooperativista, quando a união de trabalhadores, em torno de um
empreendimento coletivo, significava sua renúncia à subserviência ante a exploração
realizada pela burguesia industrial durante o século XIX. Essas iniciativas propunham uma
outra possibilidade de sobrevivência, reorganizando o trabalho e a produção sob a forma da
cooperação.
No entanto, observa-se um discurso acerca do movimento cooperativista que
defende a existência das cooperativas apenas como um mecanismo amortecedor das tensões
sociais causadas pelas crises cíclicas da produção, proporcionando trabalho e renda para
trabalhadores apartados do emprego formal. Esse discurso, de cunho liberal, possui certa
legitimidade, se observarmos, por exemplo, o histórico do cooperativismo no Brasil. Aqui, o
movimento cooperativista foi utilizado pelo Estado e pela burguesia rural para consolidar o
latifúndio e abastecer os centros urbanos industrializados, além de exercer dominação sobre
os pequenos produtores. Com a redução da interferência do Estado nos empreendimentos
cooperativos, a partir da década de 1990, verificou-se uma dualidade na concepção sobre a
gestão das cooperativas: de um lado, uma vertente que defende a atuação da cooperativa
enquanto uma empresa que busca o lucro e, de outro, a apreciação do cooperativismo como
instrumento de emancipação através do trabalho coletivo e da solidariedade.
Dentre as cooperativas voltadas para uma performance empresarial está a
COCAMAR, que assume uma postura alinhada com a racionalidade técnica e o compromisso
com o lucro financeiro. A organização produtiva e administrativa da COCAMAR é
explicitamente espelhada nas empresas capitalistas do agronegócio, realizando uma gestão
relativamente exitosa financeiramente, mas distanciada dos princípios basilares da
cooperação.
111
Por outro lado, no capítulo 2, observamos o surgimento de cooperativas que
tem sua raiz na história da luta dos trabalhadores por uma nova possibilidade organizativa,
sugerindo a emergência de um novo modo de produção. Tais elementos estão presentes na
formação das cooperativas populares, centradas exatamente na cooperação entre os atores
envolvidos e na sua caracterização como um núcleo popular de resistência, participante das
lutas por transformações sociais.
Num primeiro momento, as cooperativas populares podem ser compreendidas
como um instrumento para a sobrevivência material e inclusão desses atores no mercado
consumidor. Porém, com o desenvolvimento de suas atividades, pode ocorrer de os
empreendimentos avançarem economicamente, seja ampliando a produção de gêneros para
autoconsumo, permitindo a comercialização de um excedente, seja incrementando sua
estrutura produtiva para maior agregação de valor, direcionando uma fração maior da
produção para o mercado consumidor. Essa transição da produção voltada ao autoconsumo à
produção visando o mercado, parece sinalizar a mudança do eixo central na gestão da
cooperativa. Através da incorporação de ferramentas de gestão mais sofisticadas para atuar no
mercado, as cooperativas se habilitariam a competir com outras empresas capitalistas,
devendo se equiparar a elas em eficiência, qualidade e preços. Entretanto, a opção por
priorizar a dimensão econômica em suas atividades pode resultar na ruptura dos laços
solidários e do compromisso social do empreendimento. Em oposição, uma gestão que
vislumbre somente as demandas sociais dos cooperados acabaria por inibir o desenvolvimento
da cooperativa, tornando-a inviável economicamente, podendo, não raro, resultar em sua
dissolução. A aparente inflexão entre a supremacia da racionalidade técnica ou da
racionalidade social fomenta o debate sobre as vertentes teóricas defensoras da aplicação de
uma ou de outra racionalidade na gestão das cooperativas. Abaixo, apresentamos um quadro
sinótico com o perfil das cooperativas tradicionais e populares, no que diz respeito a suas
principais características:
112
Cooperativismo tradicional Cooperativismo popular
1. Caráter da
Sociedade
Empresa econômica
Visa melhorar a condição de vida
dos associados
2. Forma de
propriedade dos ativos
Apenas os ativos da cooperativa
são coletivos
Todos os ativos são coletivos
3. Acesso ao crédito Abertura para a venda de suas
ações
Linhas oficiais, crédito solidário
4. Finalidade
Comércio (circulação de
mercadorias).
Produção
5. Direção
Legal, o poder é concentrado na
presidência e nos conselhos.
Coletiva e de responsabilidade
pessoal. A direção legal fica em
segundo plano.
6. Democracia interna
Através da escolha da Direção. Através da base e da Assembléia
Geral.
7. Organização do
trabalho
Heterogestão, trabalhadores
assalariados
Autogestão, trabalhadores
cooperados
8. Valorização do
associado
De acordo com sua capacidade
econômica, por isso procura
selecionar associados.
Há a preocupação em não perder
os associados. Por isso, busca
formas de incluí-los.
9. Participação dos
associados
Baixa. Alta.
10. Rotação de
funções
Baixa, tendência à formação de
trabalhadores polivalentes
Estímulo para a formação de
trabalhadores politécnicos
11. Formação Técnica Político-ideológica, técnica e
administrativa
12. Disponibilidade aos
sócios de informações
sobre os negócios da
cooperativa
Baixa. Alta.
13. Planejamento De cima para baixo. De baixo para cima.
14- Planos ou projetos Através de pacotes que são
apresentados para serem
aprovados
O associado participa da
elaboração
15- Fragilidade diante
do mercado
Relativamente menor face ao
grau de capitalização
Relativamente maior, devido a
capitalização reduzida
16- Número de
associados
Tende a ser grande, atraindo
sócios com relativa capacidade
de capitalização
Tende a ser relativamente
reduzido e com controle na
entrada e saída
Fonte: Elaborado pelo autor
Tabela 6.1: características das cooperativas tradicionais e populares
Prosseguindo, no capítulo 5 a investigação empírica procurou verificar, na
gestão de uma cooperativa popular, a COPAVI, se a propriedade coletiva da terra e dos meios
de produção, o acesso ao crédito sob condições diferenciadas e a efetiva democracia interna
com ênfase para a organização do trabalho sob a autogestão, são, de fato, variáveis
113
estruturantes para que as cooperativas populares consigam sobreviver no sistema capitalista
sem abrir mão de seus princípios solidários e de seu caráter de resistência.
O histórico da COPAVI revela sua gênese como uma associação de
trabalhadores rurais sem-terra, ligados ao MST, que conquistaram a terra por meio da
ocupação e, antes de sua organização em cooperativa, decidiram por utilizá-la coletivamente.
A coletivização dos ativos na COPAVI possui desdobramentos importantes: a) contraria a
percepção individualista para a condução da produção e solução dos problemas, contribuindo
para a sociabilidade entre os sócios; b) procura romper com a ideologia camponesa
29
, que
apresenta uma forte tendência à propriedade privada da terra e dos meios de trabalho e à
organização da produção restrita ao núcleo familiar. Entre os cooperados, a opção por
coletivizar a propriedade da terra e dos meios de produção é apontada como um traço
fundamental e distintivo da cooperativa. A coesão apresentada pelos trabalhadores, ainda
quando ocupavam precariamente a terra, acampados em barracos de lona, sem qualquer
perspectiva concreta para a formação de um empreendimento econômico, conferiu
legitimidade ao coletivo para lidar com diversos contenciosos ao longo dos anos. Outra
maneira de coletivização, mas do espaço de convivência, se faz sentir na formação da
agrovila. Nesta, a ausência de cercas, muros ou divisão entre as residências, colabora para a
maior convivência entre os cooperados, possibilitando, conforme foi observado, a integração
entre as crianças, os jovens e os adultos, congregando as famílias. Na COPAVI, o crédito
oficial também foi fundamental para o sustento das famílias, num primeiro momento, e,
posteriormente, para a implantação das atividades produtivas mais complexas. A maior parte
dos ativos da cooperativa foi constituída através de fontes externas de recursos, fazendo do
crédito diferenciado uma ferramenta estratégica para o seu desenvolvimento.
A democracia interna, na COPAVI, possui uma forte determinação pela base,
através dos núcleos de famílias, que são espaços de discussão e de resolução de questões
referentes à cooperativa e à convivência entre os sócios. Também se verifica uma maior
aproximação da base com o núcleo diretivo, por se tratar de um empreendimento com número
pequeno de associados, o que possibilita um fluxo intenso de informações, efetivando a
democracia e evitando a criação de classes internas
30
. No entanto, há na COPAVI grande
dificuldade em estimular a participação dos sócios na gestão, quer na administração da
cooperativa, quer na coordenação dos setores, esboçando a pouca iniciativa, por parte dos
29
Ver KAUTSKY,1968.
30
Sobre a quantidade nos grupos sociais, ver SIMMEL, 1986. p.57-147.
114
cooperados, em assumir atribuições que demandem maior grau de comprometimento e
responsabilidade. Isso revela sua inclinação para a participação em atividades produtivas
somente na etapa de execução. Conseqüentemente, o rodízio de funções se mostra ineficiente,
ocorrendo (quando ocorre) apenas no interior dos setores. Mesmo estando num estágio
avançado de democracia interna, a COPAVI apresenta dificuldades em promover a autogestão
integral em sua administração. A liberação de cooperados para a realização de cursos em
universidades e em escolas técnicas, revela a preocupação da cooperativa em formar quadros
habilitados ao planejamento e execução das atividades, sob o signo da politecnia
31
.
Em relação à politecnia, a COPAVI busca gerir a organização do trabalho de
acordo com a capacitação e aptidão dos cooperados. Mas a baixa alternância entre os setores
de produção acaba por formar trabalhadores especialistas, o que os afasta cada vez mais do
conhecimento sobre a totalidade da cooperativa, ainda que com poucos setores. Nesse ponto,
há responsabilidade concorrente entre a direção da cooperativa, os coordenadores dos setores
e os cooperados. A direção da COPAVI pressiona pelo cumprimento das metas de produção
em cada setor, ao passo que seus coordenadores não se propõem a realizar a rotação dos
postos de trabalho, sob o risco de redução na produtividade do setor. Os cooperados, por sua
vez, se acomodam em determinada função, geralmente as de execução, se esquivando de
atribuições mais complexas.
Ocorre uma compactação dos setores e de seus participantes e, quando
aumenta a importância dos sub-setores responsáveis pela produção com maior valor agregado
e retorno financeiro (como é o caso dos sub-setores de cana-de-açúcar e derivados do leite),
os cooperados neles alocados estabelecem demandas específicas. Passam, então, a reivindicar
a sobre-valorização de seu trabalho, através de uma maior remuneração em relação às demais
atividades. Se, por um lado, essa reivindicação se justifica pelo reconhecido desgaste físico
que a execução do trabalho proporciona, por outro suas exigências emergem oportunamente
durante o maior destaque econômico dos sub-setores. A reivindicação dos trabalhadores
especializados colaborou para que a direção da COPAVI elaborasse, em 2007, um projeto
para diferenciar a remuneração entre as atividades
32
. Para a direção da COPAVI, a
diferenciação na remuneração pode dar maior dinâmica ao rodízio entre os setores, pois o
estímulo de uma renda monetária maior levaria muitos cooperados a exercerem funções que
não estariam dispostos a desempenhar espontaneamente. Entretanto, há resistência por parte
31
O conceito de politecnia foi apresentado na seção 4.4.5.
32
O projeto para diferenciação da remuneração na COPAVI foi descrito na seção 5.5.
115
de alguns sócios em discutir ou em aceitar a diferenciação da remuneração em razão da
natureza da atividade. Argumentam que essa medida contraria o histórico de igualdade entre
os cooperados.
A diferenciação na remuneração do trabalho pode vir a ter um caráter positivo,
estimulando os cooperados a participarem das atividades em todos os setores. Do contrário,
pode implicar no sectarismo, caso a cooperativa canalize todas as suas energias para alguns
setores de destaque, com baixo rodízio de funções, resultando em maior prestígio de um
pequeno grupo de trabalhadores detentores de conhecimentos específicos. Nesse caso, a
equidade interna pode ser comprometida, elevando a concentração de poder e, no limite,
talvez conduzir à heterogestão dentro do empreendimento, algo que, historicamente,
demonstraria ser o início do fim da cooperativa autêntica.
O debate acerca da distinção entre os sócios, no que diz respeito à remuneração
do trabalho, está presente no interior do próprio MST. Christoffoli (1998), defende este
dispositivo como fundamental para estimular o aumento de produtividade e o cumprimento
das metas de produção. Segundo a CONCRAB (1995; 1996) as cooperativas, ao
internalizarem a busca por resultados econômicos em sua gestão, fatalmente incorrem em
modificações referentes à forma de remuneração, o que parece ser iminente na COPAVI.
Contudo, esta modificação tem sido detectada pelos cooperados. Ao mesmo
tempo em que se acentua o debate sobre a diferenciação na remuneração do trabalho, a
cooperativa sinaliza com a necessidade de revitalização dos sub-setores de plantação e horta e
com o aumento do comercio direto com o consumidor. A ressignificação destas atividades,
importantes nos primórdios da cooperativa, atualizaria a motivação coletiva pretérita. Um
outro elemento igualmente determinante para a preservação da solidariedade na COPAVI diz
respeito à sua ligação com o MST, um movimento social de luta permanente pela alteração
nas relações de poder, combativo, que agrega as potencialidades de milhares de trabalhadores
organizados. A atuação no MST mantém o caráter de resistência na cooperativa, mesmo em
momentos críticos de sua organização, como numa dinâmica de afastamento e aproximação
do pólo da racionalidade social, um movimento pendular de reconhecimento da importância
em manter sua coesão interna.
O estudo de caso realizado na COPAVI traz à tona um esboço da totalidade
das cooperativas populares. O estágio de desenvolvimento da cooperativa em 2007, 14 anos
após sua fundação, resulta de um processo que não se deu de modo espontâneo, fortuito, e sim
revestido de muito trabalho, realizado por um coletivo de trabalhadores. A simples existência
116
da cooperativa é motivo de orgulho para os cooperados, pois se sentem vitoriosos enquanto
indivíduos que conseguem vivenciar a possibilidade real da transição de trabalhadores
isolados em cooperados, sócios e mantenedores de um projeto coletivo.
Por fim, com base em uma análise comparativa sobre as formas de gestão na
COCAMAR e na COPAVI, pode-se formular a seguinte pergunta: a perspectiva da COPAVI
para o longo prazo é continuar mantendo sua característica de movimento social de
resistência, contribuindo para a formação de uma reserva estratégica para a mudança do modo
de produção vigente, ou a cooperativa estaria caminhando no sentido de sua adequação à
lógica do capital, migrando gradativamente para se constituir como uma cooperativa
tradicional, como a COCAMAR?
117
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124
APÊNDICES
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIOS SEMI-ESTRUTURADOS
a) Questionário semi-estruturado aplicado em entrevista com membros da direção da
COPAVI.
Dados sobre o entrevistado
Nome:
Cargo:
Formação:
Tempo na cooperativa:
Forma de Propriedade dos meios de produção:
1) Como já pesquisado anteriormente, a utilização da terra e dos meios de produção se fez
coletivamente ao longo da história da COPAVI. Ainda é assim? Qual a sua análise sobre a
propriedade coletiva dos meios de produção da cooperativa?
2) Uma das estratégias utilizadas pelas cooperativas tradicionais vem sendo a comercialização
de quotas da cooperativa, abrindo seu capital para terceiros como em uma empresa de
Sociedade Anônima (S.A). Como essa questão é tratada aqui na COPAVI?
Acesso a Financiamento
3) Mesmo com um histórico de financiamentos oficiais acessados via Procera (Tetos I e II),
Pronaf, Etc, e doações de instituições, atualmente existe uma maior autonomia financeira da
cooperativa em relação a períodos anteriores?
4) Quais os principais canais de acesso a financiamentos externos à cooperativa? Como o Sr.
analisa as condições atuais para conseguir crédito?
Democracia Interna
5) O que é a democracia interna para o Sr. e como ela foi introduzida ao longo dos anos na
cooperativa? Desenvolva uma cronologia sobre os episódios mais importantes desse processo
histórico.
6) Como o Sr. analisa a participação dos sócios no rodízio das atividades da cooperativa,
atuando tanto em cargos de coordenação e direção quanto diretamente na produção?
7) Para o Sr., o que é um bom sócio para a cooperativa?
Organização do Trabalho
125
8) Como se dá a organização do trabalho na COPAVI? Como o Sr. analisa a participação de
cada trabalhador na elaboração do conteúdo de suas atividades e no planejamento e decisões
ligadas à produção?
9) Em relação ao regime de trabalho, como se dá a remuneração dos cooperados (por
trabalhador, por horas, por produtividade)? Quais as vantagens e desvantagens do método
utilizado? O que precisa melhorar?
10) Como o senhor observa a situação dos trabalhadores da COPAVI em relação ao universo
do trabalho rural?
11) Que pontos fracos e fortes o Sr. identifica nos assentamentos onde há trabalho individual
e nos assentamentos onde há trabalho coletivo?
Orientação da Gestão
12) Qual a orientação do planejamento da produção da cooperativa: diversificação para
atender ao autoconsumo e ao mercado local ou a produção de commodities agrícolas voltada
para o agronegócio? Por quê?
13) Como se dá o relacionamento da COPAVI com movimentos sociais e políticos, outras
cooperativas, associações e as comunidades próximas?
14) O cooperativismo brasileiro tem diversas formas (cooperativas de trabalho, tradicionais e
populares). Para o Sr., o que há de comum entre essas cooperativas e que há de particular em
cada uma delas? O que o Sr. entende por uma cooperativa popular?
15) O pensamento liberal afirma que as cooperativas, para sobreviverem, são obrigadas a
utilizar ferramentas de gestão na mesma lógica da empresas capitalistas, ou fecham, devido à
questão da viabilidade. Como o Sr. analisa essa questão na COPAVI?
126
b) Questionário semi-estruturado aplicado em entrevista com cooperados da COPAVI
Dados sobre o entrevistado
Nome:
Cargo:
Formação:
Tempo na cooperativa:
1) Como o Sr. analisa a importância da utilização coletiva da terra e dos meios de produção
(estrutura física, maquinário, etc) da cooperativa?
2) Como o Sr. avalia a participação dos cooperados nas decisões internas da cooperativa?
3) Como o Sr. analisa o rodízio das funções (na produção e na administração) entre os
cooperados? Qual a importância do rodízio para que todos os cooperados participem de todas
as atividades da cooperativa?
3) Como o Sr. analisa a organização do trabalho na COPAVI?
5) Como o Sr. avalia a duração da jornada de trabalho? E qual seria a melhor forma de
remuneração do trabalho através das sobras (se por pessoa, por horas trabalhadas ou por
produtividade)?
6) Como o Sr. analisa a sua situação de trabalhador cooperado na COPAVI em relação à sua
situação antes de ingressar na cooperativa? E em comparação com a situação dos demais
trabalhadores rurais?
7) Para o Sr., dentro das atividades produtivas da cooperativa, como se dá a combinação entre
produção para o autoconsumo, para o mercado local e para o mercado de commodities?
08) O que o Sr. espera do futuro da COPAVI?
127
c) Questionário semi-estruturado aplicado em entrevista com membros da direção da
COCAMAR.
Dados sobre o entrevistado
Nome:
Cargo:
Formação:
Tempo na cooperativa:
Forma de Propriedade dos meios de produção:
1) Atualmente vem sendo discutida a possibilidade de alteração da lei 5764, no que diz
respeito à possibilidade de transação dos ativos da cooperativa, como uma forma de abertura
de seu capital. Qual sua analise sobre essa questão?
2) Como o Sr. analisa a questão da abertura de capital da cooperativa para promover sua
capitalização e ampliar o quadro de sócios?
Acesso a Financiamento
3) A COCAMAR participou do RECOOP durante os anos 90. Qual sua analise sobre a os
impactos do RECOOP para a organização financeira e para a gestão da cooperativa?
4) A cooperativa atualmente possui uma maior autonomia financeira em relação a períodos
anteriores? Quais os principais canais de acesso a crédito externo?
Democracia Interna
5) Como o Sr. analisa a participação dos cooperados no processo de tomada de decisões
estratégicas da cooperativa?
6) mesmo com a COCAMAR possuindo uma gestão altamente profissionalizada, como se dá
a participação dos sócios na gestão da cooperativa?
7) Qual o perfil desejado de um sócio da cooperativa?
Organização do Trabalho
8) A COCAMAR passou por uma readequação de seu quadro societário nos anos 90. Como o
Sr. Analisa o processo de seleção dos sócios da cooperativa?
9) Como o Sr. analisa a questão da fidelidade do cooperado junto à cooperativa e quais
mecanismos podem ser utilizados para garantir o pleno repasse da produção do cooperado à
COCAMAR?
9) Qual sua analise sobre a organização do trabalho na cooperativa e nas propriedades dos
cooperados?
10) Como o Sr. analisa a situação dos cooperados da COCAMAR em relação ao universo dos
produtores agrícolas?
128
Orientação da Gestão
11) Como o Sr. Analisa a orientação da gestão na COCAMAR, no que diz respeito a gestão
ser voltada para o produtor (producer oriented) ou voltada para o mercado (market oriented)?
12) Qual a sua analise sobre o papel da cooperação entre os produtores como uma estratégia
de fortalecimento e agregação de suas potencialidades?
13) Para o Sr., é possível associar uma gestão moderna e eficiente aos princípios cooperativos e
solidários?
129
APÊNDICE B – UNIDADES DA COCAMAR NO PARANÁ
Atalaia
Altônia
Cruzeiro do Oeste
Douradina
Floraí
Floresta
Guerra Icaraíma
130
Iporã
Ivatuba
Jussara
Maringá
Ourizona
Paiçandu
Paranacity
Paranapoema
131
Paranavaí
Pérola
São Jorge do Ivaí
São Jorge do Patrocínio
São Lourenço
Tapira
Terra Boa
Tuneiras do Oeste
Umuarama
132
APÊNDICE C - PARQUE INDUSTRIAL E COMERCIAL DA COCAMAR EM
MARINGÁ
Silos de Armazenagem
Planta Produtiva
133
Recepção na Administração central
Display com os produtos comercializados pela Cocamar
Sede da administração central
134
APÊNDICE D – RESIDÊNCIAS DA AGROVILA DA COPAVI EM PARANACITY
135
APÊNDICE E - SUB-SETOR DE LEITE DA COPAVI
Estábulo do gado de leite
Ordenhadeira mecanizada
136
APÊNDICE F - SUB-SETOR DE DERIVADOS DA CANA DE AÇÚCAR DA COPAVI
Transporte da cana de açúcar colhida
Moenda e Caldeira
Açúcar mascavo embalado
137
Preparo da cachaça artesanal
Açúcar mascavo, cachaça camponesa, melaço
138
APÊNDICE G - SUSTENTO FAMILIAR E COMERCIALIZAÇÃO DA COPAVI
Horta: produção de verduras
Horta: produção frutas
Criação extensiva de gado de corte
139
Refeitório Coletivo
Veículo utilizado para venda direta ao consumidor
140
ANEXOS
ANEXO I– MP 1715-2/98 (RECOOP)
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.715-2, DE 29 DE OUTUBRO DE 1998.
Dispõe sobre o Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária -
RECOOP, autoriza a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo -
SESCOOP, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da
Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a implementar o Programa de Revitalização de
Cooperativas de Produção Agropecuária - RECOOP, observadas às disposições desta Medida
Provisória.
Art. 2º As operações de crédito sob o amparo do RECOOP obedecerão às condições previstas
no Anexo a esta Medida Provisória.
§ 1º As operações de crédito de que trata este artigo terão como limite, após a negociação de
descontos com os respectivos credores, o saldo devedor, atualizado até 30 de junho de 1998,
de operações ainda em ser existentes em 30 de junho de 1997, e os recursos necessários para o
pagamento de dívidas provenientes de aquisição de insumos agropecuários, com cooperados
ou trabalhistas e de obrigações fiscais e sociais, todas existentes em 30 de junho de 1997 e
ainda não pagas.
§ 2º Ao montante apurado na forma do parágrafo anterior, serão acrescidos os valores
destinados para capital de giro e investimentos essenciais e os recebíveis de cooperados,
originários de créditos constituídos até 30 de junho de 1997, de acordo com o plano de
revitalização da cooperativa.
§ 3º O pagamento da primeira parcela de capital das operações de crédito de que trata este
artigo terá carência de vinte e quatro meses e a primeira parcela de encargos financeiros será
exigida no prazo de seis meses, quando se tratar de recursos para quitação de dívidas com o
sistema financeiro, com cooperados e oriundas da aquisição de insumos agropecuários, de
tributos e de encargos sociais e trabalhistas, bem como para financiamento de valores
recebíveis de cooperados.
§ 4º Quando se tratar de crédito para investimentos sob a égide do RECOOP, o pagamento da
primeira parcela da operação terá carência de prazo equivalente ao de maturação do
empreendimento previsto no projeto, aplicável a capital e encargos financeiros.
Art. 3º Para habilitação às operações de crédito classificadas como de RECOOP, atendida à
condição preliminar constante da parte final do art. 5º, caput, exigir-se-á parecer de auditoria
141
independente sobre a procedência dos valores relacionados a dívidas existentes, bem como a
apresentação do plano de desenvolvimento da cooperativa, aprovado em assembléia geral
extraordinária pela maioria dos cooperados, contemplando:
I - projeto de reestruturação demonstrando a viabilidade técnica e econômico-financeira da
cooperativa, com direcionamento das atividades para o foco principal de atuação de uma
cooperativa de produção agropecuária e desimobilizações de ativos não relacionados com o
objeto principal da sociedade, dentre outros aspectos;
II - projeto de capitalização;
III - projeto de profissionalização da gestão cooperativa;
IV - projeto de organização e profissionalização dos cooperados;
V - projeto de monitoramento do plano de desenvolvimento cooperativo.
Art. 4º A cooperativa interessada em financiamentos do RECOOP deverá comprovar a
aprovação, pela assembléia geral, de reforma estatutária, com a previsão das seguintes
matérias:
I - fusão, desmembramento, incorporação ou parceria, quando necessário e conforme o caso;
II - auditoria independente sobre os balanços e demonstrações de resultados de cada exercício;
III - garantia de acesso de técnicos designados pelo Governo Federal a dados e informações
relacionados com a execução do plano de desenvolvimento da cooperativa;
IV - mandato do conselho de administração não superior a quatro anos, sendo obrigatória a
renovação de, no mínimo, um terço dos membros;
V - inelegibilidade, para o conselho de administração e para o conselho fiscal:
a) do associado que estabelecer relação empregatícia com a cooperativa, do agente de
comércio ou administrador de pessoa jurídica que opere em um dos campos econômicos ou
que exerça uma das atividades da sociedade, de seus respectivos cônjuges, bem como das
pessoas impedidas por lei ou pelo estatuto social, além dos condenados por crime falimentar,
de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato ou contra a economia popular, a fé
pública ou a propriedade;
b) do cônjuge, ascendentes, descendentes ou colaterais até o segundo grau, por
consangüinidade ou afinidade, dos integrantes dos órgãos estatutários da cooperativa;
VI - inelegibilidade, para o conselho de administração, dos membros do conselho fiscal em
exercício nos seis meses anteriores à data da assembléia de eleição;
VII - vedação aos administradores, assim entendidos os integrantes do conselho de
administração e da diretoria executiva, de:
a) praticar ato de liberalidade à custa da cooperativa;
142
b) tomar por empréstimo recursos ou bens da sociedade, ou usar, em proveito próprio ou de
terceiros, seus bens, serviços ou crédito, salvo em decorrência de atos cooperativos praticados
entre eles e a cooperativa;
c) receber de associados ou de terceiros qualquer benefício direta ou indiretamente em função
do exercício de seu cargo;
d) participar ou influir em deliberação sobre assuntos de interesse pessoal, cumprindo-lhes
declarar os motivos de seu impedimento;
e) operar em qualquer um dos campos econômicos da cooperativa ou exercer atividade por ela
desempenhada;
f) fornecer, sob qualquer pretexto, ainda que mediante tomada de preços ou concorrência,
bens ou serviços à sociedade, exceto aqueles referentes aos atos cooperativos praticados entre
eles e a cooperativa, estendendo-se tal proibição aos cônjuges, ascendentes, descendentes e
colaterais até o segundo grau, por consangüinidade ou afinidade;
VIII - responsabilidade pessoal do administrador pelos prejuízos que causar à cooperativa,
inclusive com exigência de devolução dos valores recebidos, acrescidos de encargos
compensatórios, quando proceder:
a) com violação da lei ou do estatuto;
b) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
IX - responsabilidade dos membros do conselho fiscal pelos danos resultantes de omissão no
cumprimento de seus deveres e violação da lei ou do estatuto e pelos atos praticados com
culpa ou dolo;
X - proibição de participação conjunta, nos órgãos de administração e no conselho fiscal, do
cônjuge, ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, por consangüinidade ou
afinidade, dos administradores ou membros do conselho fiscal.
Art. 5º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir linha de crédito, até o limite de R$
2.100.000.000,00 (dois bilhões e cem milhões de reais), destinada a financiar itens do
RECOOP de interesse das cooperativas cuja consulta prévia tenha sido acolhida, até 31 de
julho de 1998, pelo Comitê Executivo instituído mediante ato do Poder Executivo, de 23 de
janeiro de 1998.
§ 1º As operações de crédito do RECOOP de que trata esta Medida Provisória e consoante
discriminação constante do seu Anexo serão realizadas:
I - com recursos da linha de crédito de que trata o caput deste artigo, exceto para as situações
enquadradas no inciso II subseqüente e no § 3º deste artigo;
II - com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste ou do
Centro-Oeste (FNO, FNE e FCO), no caso de cooperativas dessas regiões e conforme a sua
localização, excluídas as parcelas destinadas a novos investimentos e respeitado o disposto
143
nos §§ 3º e 4º deste artigo;
III - em qualquer hipótese, sob risco da instituição financeira, incumbindo-se esta de
comprovar a capacidade de pagamento e de exigir as garantias necessárias, em consonância
com as disposições do crédito rural.
§ 2º O ônus fiscal dos empréstimos ao amparo do RECOOP, ressalvados os realizados pelos
Fundos mencionados no parágrafo seguinte, será coberto mediante anulação de despesas
destinadas a outros programas incluídos no Orçamento Geral da União.
§ 3º Os contratos de repasse do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (FUNCAFÉ) e dos
Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste (FNO,
FNE e FCO), quando estiverem lastreando operações de crédito ao abrigo do RECOOP, terão
seus prazos de retorno e encargos financeiros devidamente ajustados a estas operações,
correndo o ônus à conta do respectivo Fundo.
§ 4º No caso de cooperativas das regiões amparadas pelos mencionados Fundos
Constitucionais, aplicam-se às operações de crédito no ato da contratação, exceto sobre as
parcelas destinadas a novos investimentos e sobre os valores da securitização, os encargos
financeiros usualmente por eles praticados, se inferiores aos fixados no Anexo desta Medida
Provisória.
Art. 6º Os retornos das operações de crédito, de que trata esta Medida Provisória, quando
lastreadas por recursos repassados pelo Tesouro Nacional, serão destinados ao abatimento da
dívida pública.
Art. 7º Fica autorizada a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo -
SESCOOP, com personalidade jurídica de direito privado, sem prejuízo da fiscalização da
aplicação de seus recursos pelo Tribunal de Contas da União, com o objetivo de organizar,
administrar e executar em todo o território nacional o ensino de formação profissional,
desenvolvimento e promoção social do trabalhador em cooperativa e dos cooperados.
Parágrafo único. Para o desenvolvimento de suas atividades, o SESCOOP contará com
centros próprios ou atuará sob a forma de cooperação com órgãos públicos ou privados.
Art. 8º O SESCOOP será dirigido por um Conselho Nacional, com a seguinte composição:
I - um representante do Ministério do Trabalho;
II - um representante do Ministério da Previdência e Assistência Social;
III - um representante do Ministério da Fazenda;
IV - um representante do Ministério do Planejamento e Orçamento;
V - um representante do Ministério da Agricultura e do Abastecimento;
VI - cinco representantes da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, aí incluído o
seu Presidente;
144
VII - um representante dos trabalhadores em sociedades cooperativas.
§ 1º O SESCOOP será presidido pelo Presidente da OCB.
§ 2º Poderão ser criados conselhos regionais, na forma que vier a ser estabelecida no
regimento do SESCOOP.
Art. 9º Constituem receitas do SESCOOP:
I - contribuição mensal compulsória, a ser recolhida, a partir de 1º de janeiro de 1999, pela
Previdência Social, de dois vírgula cinco por cento sobre o montante da remuneração paga a
todos os empregados pelas cooperativas;
II - doações e legados;
III - subvenções voluntárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV - rendas oriundas de prestação de serviços, da alienação ou da locação de seus bens;
V - receitas operacionais;
VI - penas pecuniárias.
§ 1º A contribuição referida no inciso I deste artigo será recolhida pela Previdência Social,
aplicando-se-lhe as mesmas condições, prazos, sanções e privilégios, inclusive no que se
refere à cobrança judicial, aplicáveis às contribuições para a Seguridade Social, sendo o seu
produto posto à disposição do SESCOOP.
§ 2º A referida contribuição é instituída em substituição às contribuições, de mesma espécie,
recolhidas pelas cooperativas e destinadas ao:
I - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI;
II - Serviço Social da Indústria - SESI;
III - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC;
IV - Serviço Social do Comércio - SESC;
V - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte.- SENAT;
VI - Serviço Social do Transporte - SEST;
VII - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR.
§ 3º A partir de 1º de janeiro de 1999, as cooperativas ficam desobrigadas de recolhimento de
contribuições às entidades mencionadas no § 2º, excetuadas aquelas de competência até o mês
de dezembro de 1998 e os respectivos encargos, multas e juros.
Art. 10. O Poder Executivo, no prazo de até cento e oitenta dias, estabelecerá condições para:
145
I - desenvolver sistemas de monitoramento, supervisão, auditoria e controle da aplicação de
recursos públicos no sistema cooperativo;
II - avaliar o modelo de sistema cooperativo brasileiro, formulando medidas tendentes ao seu
aperfeiçoamento.
Art. 11. A organização e o funcionamento do SESCOOP constará de regimento, que será
aprovado em ato do Poder Executivo.
Art. 12. O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Medida Provisória.
Art. 13. Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.715-1, de
1º de outubro de 1998.
Art. 14. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29 de outubro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.
Anexo à Medida Provisória nº 1.715-2, de de de 1998.
I - CONDIÇÕES PARA REFINANCIAMENTO DE DÍVIDAS COM O SISTEMA
FINANCEIRO
Espécie Prazo Encargos financeiros (*)
Cotas-partes Até 15 anos IGP-DI + 4% a.a.
Securitização Ampliação, para
10 anos, dos
prazos das
operações
securitizadas
Variação dos preços mínimos
+ 3% a.a.
Outras dívidas (após negociação de
descontos e troca de funding)
Até 15 anos IGP-DI + 4% a.a.
II - CONDIÇÕES PARA REFINANCIAMENTO DE DÍVIDAS COM COOPERADOS E
ORIUNDAS DE AQUISIÇÃO DE INSUMOS AGROPECUÁRIOS E DE TRIBUTOS E
ENCARGOS SOCIAIS
Espécie Prazo Encargos financeiros
(*)
Dívidas com cooperados e outras
oriundas de aquisição de insumos
agropecuários (após negociação de
Até 15 anos IGP-DI + 4% a.a.
146
descontos)
Tributos e encargos sociais e
trabalhistas (após negociação de
descontos)
Até 15 anos IGP-DI + 4% a.a.
III - CONDIÇÕES PARA FINANCIAMENTO DE RECEBÍVEIS DE COOPERADOS
Espécie Prazo Encargos financeiros (*)
Valores a receber de cooperados Até 15 anos IGP-DI + 4% a.a.
IV - CONDIÇÕES PARA FINANCIAMENTO DE INVESTIMENTOS E CAPITAL DE
GIRO
Espécie Prazo Encargos financeiros (*)
Investimentos (inclusive capital de
giro para início de atividade
decorrente destes investimentos)
Até 15 anos IGP-DI + 4% a.a.
Capital de Giro Até 2 anos 8,75% a. a.
(*) Inclui-se aí o spread bancário de até três por cento ao ano
NOTA: No caso de cooperativas das regiões amparadas por Fundos Constitucionais (FNO,
FNE e FCO), aplicam-se às operações de crédito, exceto sobre as parcelas destinadas a novos
investimentos e sobre os valores da securitização, os encargos financeiros usualmente por eles
praticados, se inferiores aos níveis aqui estabelecidos.
147
ANEXO II - Estatuto da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória – COPAVI.
Paranacity - Pr
Capitulo I : DENOMINAÇÃO, SEDE E NATUREZA
Art. 1° - A Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória Ltda, com sigla COPAVI, regem-
se por este estatuto e pelas disposições legais vigentes, tendo:
a) Sede e administração na cidade de Paranacity Estado do Paraná e foro jurídico na Comarca
de Paranacity – Pr.
b) Área de ação no município de Paranacity –Pr.
c) O ano social da cooperativa será correspondente de janeiro a dezembro de cada ano. A
sociedade tem prazo indeterminado de funcionamento.
d) Todo o trabalho na cooperativa é coletivo, se caracterizando pela distribuição das
atividades em setores de produção, onde cada sócio possui uma atividade especifica.
Capitulo II: DOS OBJETIVOS
Art. 2° - A sociedade Cooperativa que reúne os pequenos agricultores a ela associados, terá
por objetivo principal o desenvolvimento da produção agropecuária, devendo desenvolver as
seguintes atividades para consecução dos seus objetivos:
a) Coordenar a produção agropecuária em áreas próprias da Cooperativa;
b) Compra e venda de insumos e produtos agrícolas;
c) Desenvolver a mecanização agrícola;
d) Garantir transporte dos bens e produtos;
e) Implantar sistemas de agroindústrias nos produtos de interesses da sociedade;
f) Realizar operações de repasse de crédito ou vendas a prazo de atendimentos aos
sócios;
g) Prestação de serviços relacionados com o bem estar de cada sócio;
h) Buscar assistência técnica;
i) Buscar capacitação técnica dos sócios;
j) Comercialização de bens de consumo das famílias;
Art. 3° - A cooperativa poderá utilizar terras dos sócios ou arrendar terras de terceiros, bem
como possuir terras próprias para alcançar seus objetivos. Poderá receber doação dos direitos
dos sócios.
Art. 4° - A cooperativa promoverá convênios com outras cooperativas, entidades ou
organismos públicos para melhor consecução dos seus objetivos.
Art. 5° - A cooperativa apoiará as iniciativas relacionadas com a promoção e a realização da
reforma agrária.
Capitulo III: DOS SÓCIOS
Art. 6° - Poderá ingressar na cooperativa toda pessoa acima de 18 anos, que residir na área de
atuação, e comprovar possibilidades de contribuir para os objetivos da cooperativa.
Art. 7° - O ingresso será solicitado mediante inscrição abonada por três sócios e encaminhada
à diretoria três meses antes da data da assembléia geral, que submeterá o pedido à apreciação
da assembléia.
Art. 8° - São direitos dos sócios:
a) Participar de todas as assembléias gerais, votar e ser votado em qualquer processo
decisório;
b) Exigir dos organismos administrativos, informações sobre atividades da cooperativa;
c) Participar das atividades da cooperativa;
d) Demitir-se da cooperativa quando lhe convier;
Art. 9° - São deveres dos sócios:
148
a) Subscrever as cotas-parte que lhe correspondem, contribuir com as taxas de serviços e
encargos sociais, determinados pelo regimento interno;
b) Cumprir os estatutos sociais e participar de todas as assembléias gerais da cooperativa;
c) Participar na produção agropecuária, prestação de serviços e atividades gerais da
cooperativa, pertinentes aos seus objetivos;
d) Zelar pelo bom funcionamento da cooperativa;
Art. 10° - O sócio responde subsidiariamente pelos compromissos da cooperativa em face de
terceiros até o valor da cota capital por ele subscrito.
Art. 11° - A saída do sócio da cooperativa ocorrerá quando;
a) For solicitado pelos sócios;
b) Por morte da pessoa;
c) Por deixar de atender os requisitos estatutários de ingresso e permanência na cooperativa;
d) Por incapacidade civil;
Art. 12° - Nos casos de saída do sócio, assembléia geral decidirá a forma e prazo de
devolução de cotas-parte, conforme parecer dos órgãos de administração e de acordo com o
regimento interno.
Art. 13°- A participação do sócio em atividade produtiva ou prestação de serviços na
cooperativa não gera vínculo empregatício, sendo que a produção é coletiva.
Capitulo IV: DO CAPITAL
Art. 14° - O Capital Social mínimo da sociedade será de Cr$ 144.000.000, 00 (Cento e
quarenta e quatro milhões de cruzeiros), divididos em cotas-parte a serem subscritas pelos
sócios fundadores.
Art.15° - O valor da cota-parte será de Cr$ 900.000,00 (novecentos mil cruzeiros).
Art. 16°- Cada sócio deverá subscrever no mínimo cinco cotas-parte.
§ 1° - O sócio poderá integralizar a cota-parte em moeda ou correspondente em produtos ou
bens.
Art. 17° - A sociedade cooperativa poderá receber doações em dinheiro ou bens para melhor
consecução dos seus objetivos, de pessoas físicas e jurídicas ou entidades ou organismos
públicos.
Capitulo V: DA ASSEMBLÉIA GERAL
Art. 18° - A Assembléia geral é órgão máximo da sociedade, podendo liberar sobre todas as
questões relativas a sociedade, respeitando os estatutos e leis.
Art. 19° - Realizar-se-á uma assembléia geral em março, que deliberará sobre os seguintes
assuntos:
a) Prestação de contas anual;
b) Destinação dos fundos e sobras ou prejuízos;
c) Avaliação das atividades em geral;
d) Plano de atividades para o ano;
e) Outros assuntos de interesse da sociedade.
Art. 20° - Realizar-se-á sempre que necessário uma assembléia geral extraordinária, que
poderá deliberar sobre qualquer assunto do interesse da sociedade, desde que mencione no
edital de convocação.
Art. 21° - As Assembléias gerais extraordinárias serão convocadas mediante aviso público de
fácil acesso aos sócios com prazo mínimo de 48 horas de antecedência, por uma das seguintes
formas:
a) Pela diretoria;
b) Pelo Conselho Fiscal;
c) Por abaixo-assinado com 35 % (trinta e cinco por cento) dos sócios em dia;
149
Art. 22° - O quorum mínimo para instalação da assembléia geral será de:
a) Dois terços dos sócios em dia, em primeira convocação, no local e hora
marcados;
b) Metade mais um dos sócios, quinze minutos após a primeira convocação.
Art. 23° - O funcionamento das assembléias gerais seguirá as seguintes normas:
a) Serão presididas pelo Presidente ou Vice-Presidente da cooperativa ou no impedimento
destes por alguém eleito em assembléia;
b) Todas as deliberações serão tomadas por maioria simples dos presentes e no caso de
mudança de estatuto por 2/3 dos presentes;
c) A votação deverá ser secreta, sempre que cinco dos presentes solicitar, para qualquer
assunto;
d) Quando se tratar de assunto que envolve interesses particulares da diretoria, ou de algum
sócio, os envolvidos não poderão votar.
Art. 24° - Para qualquer processo decisório, cada sócio terá direito a um voto apenas.
Art. 25° - Compete à assembléia geral a decisão sobre a venda de bens, móveis e imóveis de
grande valor. A compra e venda de bens de pequeno valor ficam na competência de cada
setor, com autorização da diretoria da cooperativa.
Capitulo VI: DA ADMINISTRÇÃO
Art. 26° - A cooperativa será administrada por uma diretoria de 5 membros, composto por
Presidente e Vice-Presidente, Secretário Geral, Tesoureiro, e Vice-Tesoureiro.
Art. 27° - Os membros da diretoria deverão estar em gozo de seus direitos na cooperativa e
terão um mandato de 3 anos, podendo ser renovado, por um período apenas no mesmo cargo.
Art. 28° - A cada eleição deve-se renovar no mínimo três diretores entre os cinco.
Art. 29° - Compete à diretoria decidir, encaminhar e zelar coletivamente por todos os rumos a
atividades da cooperativa.
§ 1° - A diretoria estabelecerá sua sistemática e periodicidade de reuniões.
§ 2°- Nenhum componente de cargo receberá salário ou terá vínculo empregatício com a
cooperativa.
Art. 30° - Compete ao presidente da cooperativa:
a) Responder social, política e judicialmente pela cooperativa;
b) Assinar cheques e movimentar contas em conjunto com o tesoureiro;
c) Dirigir as assembléias e reuniões de diretoria;
Art. 31° - Compete ao vice-presidente, substituir o Presidente em caso de impedimento este.
Art. 32° - Compete ao Secretário Geral zelar pelos livros e atas administrativos da
Cooperativa.
Art. 33° - Compete ao tesoureiro zelar pela ordem financeira e contábil da cooperativa e
movimentar as contas bancárias e recursos em conjunto com o presidente.
Art. 34° - Compete ao vice-tesoureiro, substituir o tesoureiro em caso de impedimentos deste.
Art. 35° - Compete, ainda a diretoria coletiva:
a) Convocar as assembléias gerais;
b) Prestar contas de todas as atividades econômicas e financeiras da cooperativa;
c) Garantir seu funcionamento para consecução dos seus objetivos;
d) Realizar convênios, acordos com outras entidades e organismos;
e) Contratar operações de todo o tipo com agências bancárias;
f) Contratar e demitir funcionários;
g) Propor à assembléia um regimento interno para regular as normas de trabalho, produção,
prestação de serviços e organizar o funcionamento interno da cooperativa;
h) Propor à assembléia, sanções, punições ou penalidades a sócios;
i) Indicar a assembléia proposta de admissão e saída dos sócios;
150
j) Zelar pelo cumprimento do estatuto e do regimento interno;
k) Contratar assessoria técnica para consecução dos seus objetivos;
Art. 36° - Ao início de cada gestão a diretoria deverá elaborar um plano de ação para o
período, envolvendo todas as atividades da cooperativa, a qual deverá ser submetido à
aprovação da próxima assembléia.
Capitulo VII: DO CONSELHO FISCAL
Art. 37° - A administração da sociedade será fiscalizada por um conselho fiscal composto por
três membros efetivos e três suplentes, eleitos em assembléia geral, na mesma data da eleição
da diretoria, com mandato de 3 anos podendo ser reeleito apenas 1/3 dos seus componentes.
Art. 38° - Compete ao conselho fiscal estabelecer uma sistemática de trabalho que permita a
fiscalização das contas e atividades da administração.
Art. 39° - O conselho fiscal poderá contratar auditoria externa, caso assim achar necessário
para cumprimento de suas atividades.
Art. 40° - O conselho fiscal apresentará seu relatório e parecer na assembléia geral ordinária
de cada ano ou quando solicitado por no mínimo 10 sócios.
Art. 41° - Não poderá haver grau de parentesco de primeiro grau nos membros da diretoria
entre si e com os membros do conselho fiscal.
Art. 42° - Em caso de omissão do conselho fiscal, 50 % dos sócios poderão contratar auditoria
externa as expensas da cooperativa, mediante abaixo-assinado em documento para esse fim e
decidido em assembléia.
Capítulo VIII: DAS ELEIÇÕES:
Art. 43° - Todo sócio em dia com suas obrigações poderá concorrer a qualquer cargo eletivo
da sociedade.
Art. 44° - As eleições serão realizadas durante a assembléia geral ordinária que coincide o
final da gestão de 3 anos.
Art. 45° - Apresentar-se-ão chapas distintas para os cargos da diretoria e para o conselho
fiscal.
Art. 46° - Haverá votação secreta para cada um dos dois organismos e serão proclamadas
eleitas as chapas que obtiverem a metade mais um dos votos dos presentes votantes.
§ 1° - Em caso de existência de várias chapas e não conseguir a votação necessária repetir-se-
ão as inscrições de chapas e votação quantas vezes forem necessárias para garantir a votação
mínima exigida.
Art. 47o – Qualquer membro da assembléia poderá impugnar nomes das chapas baseando-se
nas disposições legais do estatuto e nesse caso o nome deverá ser substituído sem prejuízo da
chapa, desde que a impugnação seja solicitada até 15 dias após a publicação da chapa.
Art. 48
o – Quando houver mais de um terço dos cargos da diretoria vagos, por saída dos
sócios, efetuar-se-á a eleição de seus substitutos na próxima assembléia geral para cumprir
mandato. Abaixo desse percentual assumirá o vice.
Capitulo IX: DOS FUNDOS E SOBRAS
Art.49
o – Serão constituídos os seguintes fundos recolhidos a partir das sobras líquidas anuais:
a) 10% (dez pó cento) para FUNDO DE RESERVA DE CAPITAL, destinando a reparar
prejuízos ou atender necessidades do desenvolvimento;
b) 5% (cinco por cento) para fundos de assistência técnica, educacional e social, destinado à
assistência dos sócios;
c) 30% (trinta por cento) para fundo de investimento, sendo destinado a investimentos na
cooperativa para alcançar os seus objetivos;
d) 20% (vinte por cento) para aumento do capital social.
151
Art. 50o – O saldo das sobras descontados os percentuais anteriores, será distribuído entre os
sócios.
Art.51o – O rateio do saldo das sobras entre os sócios será feito pelo critério da
proporcionalidade da participação de cada sócio nas operações e serviços da cooperativa.
Art. 52° - Em caso de existência de prejuízos, a assembléia geral deverá decidir sobre recorrer
no fundo de reservas ou alienação de alguns bens ou contribuição especial dos sócios.
Capitulo X: DOS LIVROS
Art. 53°- A cooperativa deverá ter os seguintes livros:
a) Livro de registro dos sócios;
b) Ata de assembléias gerais;
c) Atas da diretoria;
d) Atas do Conselho Fiscal;
e) Livro de presença dos sócios nas assembléias;
f) Todos os livros e registros contábeis e fiscais, estabelecidas por lei.
Capitulo XI: DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 54°- A sociedade poderá dissolver-se por deliberação da assembléia geral extraordinária
convocada para este fim desde que o número de sócios contrários à dissolução seja menor que
o exigido por lei para funcionamento da sociedade.
Art. 55° - Os fundos que determinam os estatutos serão indivisíveis entre os sócios em caso
de liquidação da sociedade.
Art.56° - A cooperativa contribuirá com 1% (um por cento) das sobras anuais para fundo de
apoio à reforma agrária, na Associação Nacional de Cooperação Agrícola, ANCA.
Art. 57° - A cooperativa poderá associar-se ou filiar-se a outras centrais cooperativas ou
sociedade que busque os mesmos objetivos a que se propõem.
Art. 58° - Os casos omissos desse estatuto serão resolvidos de acordo com a lei pela
assembléia geral.
Art. 59° - O presente estatuto entra em vigor imediatamente após sua aprovação na
assembléia geral.
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