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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SANDRA REGINA DAVANÇO
A IMPLANTAÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO ESTADO NO
PARANÁ: A DIFÍCIL SUPERAÇÃO DA CULTURA DA DUALIDADE
CURITIBA
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SANDRA REGINA DAVANÇO
A IMPLANTAÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO ESTADO NO
PARANÁ: A DIFÍCIL SUPERAÇÃO DA CULTURA DA DUALIDADE
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Educação, da Universidade Federal do
Paraná, como requisito final para a
obtenção do título de mestre em
educação, na linha Mudanças no Mundo
do Trabalho e Educação.
Orientadora: Drª Monica Ribeiro Silva
CURITIBA
2008
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AGRADECIMENTOS
A meu pai Antonio e a minha mãe Juraci pelo apoio possível quando resolvi
optar por me distanciar da família, deixar emprego e cursar uma pós-graduação a
centenas de quilômetros da minha casa. Essa opção jamais teria sido possível sem a
ajuda de vocês.
Aos meus irmãos: Luciana, Eduardo e Sarah pela ausência em importantes
momentos de suas vidas e também pelo apoio sempre.
Aos demais familiares, especialmente a Tia Lourdes e avó Ana por acreditarem
que eu poderia cumprir mais essa etapa da minha vida.
A Fernando, companheiro de todas as horas, pela dedicação, amor e atenção.
Muito obrigada sempre.
Aos professores e equipe pedagógica da instituição de ensino que me serviu de
base empírica, que se mostraram sempre dispostos a colaborar com o que fosse
necessário para que essa pesquisa fosse realizada. Seja através de materiais, documentos
e acompanhamento nas visitas à instituição, ou nas entrevistas concedidas que permitiu
o delineamento do caminho por eles percorrido na implementação da proposta do
Ensino Médio Integrado. Muito obrigada, sem a colaboração de vocês esse trabalho não
teria se realizado.
A Monica Ribeiro Silva, minha orientadora, por ter aceitado me orientar.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR que se
dedicaram para que nos fosse possível apreender o nexos causais necessários para
conhecermos a realidade em seu movimento: Acácia Kuenzer, Lígia Klein e Cláudia
Barcellos. Agradeço especialmente Noela Invernize e Domingos Leite pela leitura
atenta e criteriosa e pela valiosa avaliação do meu texto de qualificação e por aceitarem
compor minha banca de defesa.
Aos funcionários do Programa de Pós-graduação desta universidade, pelo
atendimento sempre cordial e prestativo tão útil em nosso transito pela universidade.
Aos colegas de turma, em especial: Cleci, Mirna Ribeiro, Melissa, Helen, Sandra
Bizusko e Rosana, a convivência foi muito gratificante tanto pelo debate quanto pelos
momentos mais descontraídos, que foram também tão necessários em nossa jornada de
estudos.
4
Aos demais amigos que se fizeram presentes em vários momentos, e que de
variadas formas contribuíram com minha formação, enquanto pessoa e enquanto
pesquisadora: Ademir Lazarini, Rosangela Mello, Caroline Bahniuk, Fátima Garcia,
Amália Catarina, Cristina Paraíso, Elenira Vilela, Fernanda Magalhães, Bartira Telles,
Benedito Libório, Cristina Paraíso, Tina Franchi, David Romão.
As minhas companheiras de morada em Curitiba: Renata Corredato, Luciane
Garcia e Fernanda Borghi. Minha passagem por Curitiba foi muito melhor pela
companhia de vocês.
Aos companheiros do Espaço Marx de Maringá e do ESTE – Programa de
Estudos em Trabalho e Educação – pelo espaço de militância e formação, na construção
do conhecimento e na luta pela emancipação humana. Agradeço em especial a Pedro
Jorge de Freitas que tanto contribuiu com seu grande conhecimento, simplicidade e
amizade.
A todos os trabalhadores que dia após dia lutam contra as injustiças impostas por
um modelo de sociedade sumariamente discriminatório e excludente.
RESUMO
Após o sancionamento da LDB 9.394/96, foi baixado o decreto 2.208/97 que separou a
educação profissional da educação geral no Estado do Paraná, situação revertida desde
2003, quando a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná SEED-PR, por
meio do seu Departamento de Educação Profissional -DEP, iniciou as discussões para a
implantação do Ensino Médio na modalidade Integrado nas escolas públicas estaduais.
Esta modalidade, que prevê a integração da educação profissional ao ensino médio
regular, foi implementada em 2004 neste Estado. Nesse contexto emergiu o problema: o
atual ensino médio, na modalidade integrada, está efetivamente possibilitando a
integração entre a educação profissional e a educação geral? Desta forma, o objetivo
geral dessa pesquisa é conhecer os caminhos percorridos pelas escolas públicas no
processo de implantação da nova concepção de educação profissional proposta pelo
DEP/SEED-PR. Como objetivos específicos temos: investigar como os professores têm
integrado os conhecimentos gerais e os conhecimentos profissionais no dia a dia da
escola; levantar quais são as condições estruturais das escolas no período da
implantação. Essa investigação se justifica devido à necessidade de romper com a
característica histórica do ensino médio no Brasil, a dualidade, que segmenta em
modelos distintos a formação escolar ao encaminhar os estudantes ao ensino superior ou
ao mercado de trabalho, tendo como critério a origem de classe. A pesquisa foi
estruturada da seguinte forma: no primeiro capítulo, através de uma pesquisa
bibliográfica, fizemos uma síntese histórica da educação profissional no Brasil,
chegando à Lei 9394/06, ao decreto 2208/97 e ao decreto 5154/04. No segundo
capítulo nos debruçamos sobre o Programa de Expansão, Melhoria e Inovação no
Ensino Médio do Paraná PROEM, que segmentou a educação geral e a educação
profissional em sistemas paralelos, relegando a segunda, em grande parte, à iniciativa
privada. E, no terceiro capítulo, analisamos os documentos que subsidiam e propõem a
integração entre educação geral e educação profissional do Estado do Paraná,
confrontando-os com os dados coletados em entrevistas e visitas a uma escola pública
da rede estadual de ensino do Estado do Paraná. O resultado da investigação mostra que
a avançada proposta de integração que subsidia o processo estudado não se efetiva na
prática, principalmente, entre outros motivos pontuais, porque a dualidade histórica da
educação brasileira se origina na contradição fundamental entre as classes sociais da
sociedade capitalista. Outra síntese possível é que uma positividade da reintegração da
educação profissional à educação geral está na retomada da discussão conceitual sobre a
educação politécnica, proposta que tem importância imediata e histórica para a classe
trabalhadora.
Palavras-chave: Educação profissional; Dualidade histórica; Formação unitária.
ABSTRACT
After sanction of the LDB (Law of Guidelines and Databases) number 9.394/96, the
decree 2.208/97 was lowered separating the technical education from general education
in the state of Parana. However, this situation was overturned in 2003, when the
Secretariat of Education of the State of Parana - SEED-PR, by its Department of
Professional Education-DEP, initiated discussions to implement an integrate model
among states’ public high schools. This mode, which anticipates the integration between
vocational education and regular high school, was implemented in 2004. In this context
the issue emerges: Is the integrated high school, the way it is, effectively able to proved
integration between vocational knowledge and general knowledge? Thus, the general
aim of this research is study the path traveled by public schools in the process of
implementation of the new model of technical education proposed by DEP / SEED-PR.
As specific objectives: investigate how teachers have integrated general knowledge and
professional knowledge on school daily routine; raising what are the structural
conditions of schools on the period of its implementation. This research is justified by
the need to better understand the historical feature of Brazilian high school, the duality,
which boards different models of education to promote students to higher education or
to job market, taking as measure the classes basis. The research was structured as
follows: the first chapter is a historical search, about Brazilian professional education,
including Law No. 9394/06, the Decree No 2208/97 and the Decree No 5154/04. The
second chapter debates the expansion program, improvement and innovation of
Parana’s high school system - PROEM, which targeted general education and
vocational education in parallel systems, relegating the second largely to private sector.
And in the third chapter, it analyze the sponsoring documents and offer the integration
between general education and professional education in the state of Parana, confronting
them with data collected in interviews and visits to a public school in the state
educational system. The research result shows that the integration method was not
effective in practice, mainly, among other things, because the historical duality of
Brazilian education is originated in fundamental contradiction between the social
classes in the capitalist society. Another possible analysis of the benefits of the
reintegration of vocational education to general education is it will carry on a
conceptual discussion on the polytechnic education, a proposal that has historical and
immediate importance to the working class.
Keywords: Technical education; historical duality; unitary formation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 9
1 EDUCAÇÃO GERAL E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL – SÍNTESE HISTÓRICA
........................................................................................................................................ 18
1.1 DUALIDADE ESTRUTURAL – CARACTERÍSTICA HISTÓRICA DO
SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO............................................................. 19
1.1.2 Os acordos MEC e USAID: as reformas educacionais e a Lei Nº 5692/71 .. 23
1.2 OS ANOS 1980: REABERTURA POLÍTICA E REFORMA EDUCACIONAL30
1.3 A TRAJETÓRIA DA LEI Nº 9394/96: PROJETOS EM DISPUTA .................. 33
1.3.1 O Decreto Nº. 2.208/97 – principal instrumento jurídico da reforma da
educação profissional ............................................................................................. 40
2 PROGRAMA DE EXPANSÃO, MELHORIA E INOVAÇÃO NO ENSINO MÉDIO
DO PARANÁ – PROEM ............................................................................................... 52
2.1 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO............................................................ 52
2.1.1 Reestruturação produtiva no Brasil ............................................................... 52
2.1.2 A reforma educacional – a ação das agências internacionais de financiamento
e os intelectuais brasileiros..................................................................................... 60
2.2 PROEM IMPACTO DA REFORMA NO CURRÍCULO ................................... 64
2.2.1 Concepção de ensino médio e de educação profissional: implicações
práticas.................................................................................................................... 64
2.2.2 ....................A dicotomia: educação geral x educação profissional no PROEM
................................................................................................................................ 71
3. ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO PARANÁ....................................................... 78
3.1 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL DO ESTADO DO PARANÁ: O QUE PROPÕE O DET/SEED-PR
.................................................................................................................................... 79
3.2 A RETOMADA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO PARANÁ:
INVESTIGAÇÃO DO CURSO TÉCNICO EM ADMINSTRAÇÃO INTEGRADO
.................................................................................................................................... 94
3.2.2 A questão da grade curricular integrada..................................................... 100
8
3.2.3 Espaço e tempo de formação dos professores do ensino médio integrado.. 106
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 114
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 121
ANEXOS...................................................................................................................... 125
INTRODUÇÃO
O objetivo dessa pesquisa é investigar como tem se dado o processo de
integração das disciplinas da Base Nacional Comum com as Disciplinas Técnicas
Específicas (profissionalizantes), no atual modelo de Ensino Médio do Estado do
Paraná, tendo em vista a perspectiva de formação unitária que fundamenta a proposta.
Essa pesquisa intenta investigar como os professores têm feito a integração entre
educação geral e educação profissional nas escolas públicas da rede estadual de ensino.
Com relação à dimensão conceitual, consideramos ainda relevante investigar se ocorre e
quais são as formas de capacitação e formação continuada ofertadas pelo DET/SEED-
PR, haja vista se tratar de uma concepção inovadora, que busca na concepção de escola
unitária de Gramsci os fundamentos políticos e pedagógicos e no trabalho como
princípio educativo eixo o norteador do currículo. com relação aos aspectos
estruturais, procuramos sinalizar se e quais mudanças foram feitas na estrutura da escola
tendo em vista a oferta da educação técnica.
Sendo assim, nossa pesquisa se estruturou primeiramente com uma pesquisa
bibliográfica, retomando historicamente a questão da educação profissional de nível
médio no Brasil. Essa retomada teve o objetivo de conhecermos os elementos que
determinaram a dualidade como categoria central para as pesquisas que se proponham a
conhecer o ensino médio na realidade brasileira. Essa reconstrução se constituiu através
da literatura específica do campo da Historiografia da Educação no Brasil e também do
campo Trabalho e Educação, que nos permitiu compreender o desenvolvimento da
escola pública no Brasil e as relações entre escola e a esfera produtiva. A pesquisa
procura dar mais ênfase ao período que se inicia com a promulgação do Decreto Nº.
2.208/97, o qual desarticula e impossibilita a formação profissional integrada à
educação geral em nível médio, até sua revogação com o Decreto Nº. 5.154/04 que
retoma essa possibilidade de formação e sua implantação no Estado do Paraná.
Essa primeira etapa da pesquisa, conhecer a concretude histórica do Ensino
Médio na realidade brasileira, nos permitiu compreender os determinantes políticos,
econômicos e sociais deste vel de ensino, e desta pesquisa se originou o primeiro e o
segundo capítulo, que procuraram contextualizar o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil em seu movimento de reestruturação iniciado nos anos 1970. Essa reconstituição
histórica permitiu, ainda, nos apropriarmos das mudanças que se processaram na esfera
10
político-social, tendo em vista a necessidade de reorganização das funções do Estado
enquanto gestor social.
Tendo em vista nosso objeto de pesquisa, o Ensino Médio Integrado em seu
processo de implantação no Estado do Paraná, estabelecemos como categoria de análise
a dualidade estrutural, por sua capacidade explicativa da realidade nível médio de
ensino brasileiro, haja vista esse nível materializar a dicotomia da sociedade de classes,
ao encaminhar para o ensino superior ou para o mercado de trabalho tendo como critério
a origem de classe, entendida a partir das condições materiais dos trabalhadores em
contradição com a condição material dos donos dos meios de produção.
Entendemos que a formação dual origina-se da própria contradição da sociedade
capitalista, cindida em classes, onde a elite dirige e controla as possibilidades e modelos
de formação escolar destinadas à classe trabalhadora.
Referindo-nos a proposta de Ensino Médio em vigência no Estado do Paraná,
a formação unitária apresenta-se como a outra categoria chave para essa pesquisa. Essa
escolha se justifica pelo fato da proposta, originada no âmbito da própria SEED- PR no
Departamento de Educação Profissional, tomar a concepção de escola unitária de
Gramsci como fundamento político e pedagógico da reforma que é proponente.
Essa duas categorias foram eleitas devido à capacidade explicativa da realidade,
no caso da formação dual, e da necessidade e possibilidade de articulação da educação
às necessidades da classe trabalhadora, referentes a categoria formação unitária.
Referindo-nos ainda à formação unitária, consideramos que, mesmo de forma bastante
limita na sociedade capitalista, ela traz em si elementos de avanços na relação trabalho
educação, permitindo a retomada da centralidade da categoria trabalho como complexo
fundante do ser social.
Dando seqüência ao trabalho, diante do conhecimento do arcabouço histórico da
educação profissional no Brasil, nos encaminhamos para a análise documental dos
processos desencadeados tanto na esfera Estadual quanto na Federal, que ora separa a
oferta ora junta a oferta da educação profissional à educação geral. Atendendo a essa
exigência foram analisados os seguintes documentos: 1) Lei nº. 9.394/96; 2) Decreto nº.
2.208/97; 3) Decreto nº. 5.154/04; 4) Fundamentos Políticos e Pedagógicos da
Educação Profissional do Paraná e 5) a Proposta Pedagógica do curso Técnico em
Administração Integrado.
Além das análises dos documentos oficiais, também foi realizada uma pesquisa
de campo, na forma de estudo de caso, que constou da coleta de através de entrevistas
11
semi-estruturadas dirigidas à equipe pedagógica e aos professores da instituição
escolhida. A escolha da instituição se deu pelos seguintes critérios: primeiramente ser
uma escola da rede pública estadual de ensino; em seguida, procuramos eleger uma
escola que havia ofertado antes do PROEM cursos técnicos de nível médio
juntamente à educação geral; por fim contemplamos uma escola que ofertasse tanto o
Ensino Médio Integrado, quanto o Técnico na modalidade Subseqüente. O curso e
escola foram eleitos para a pesquisa de campo na cidade de Maringá, região Noroeste
do Paraná, após a visita a um CETEP na região da capital do Estado, por avaliarmos que
esta escolha refletiria melhor a realidade predominante nas escolas públicas de nível
médio no Estado.
As entrevistas com o corpo docente foram mais direcionadas aos aspectos
conceituais da reforma, procurando conhecer o que os professores conhecem sobre os
fundamentos teóricos e metodológicos da proposta e como procuram fazer em suas
aulas a integração entre as disciplinas da educação geral e da educação profissional. Por
sua vez, nas entrevistas com a equipe pedagógica procuramos contemplar os aspectos
estruturais da reforma, ou seja, quais foram as mudanças operadas na escola para
implantação dessa nova proposta de ensino, em especial as mudanças relacionadas às
reformas e construção de laboratórios, bibliotecas, salas de aula, contratação de
professores e capacitação do corpo docente. De forma comum aos dois grupos,
inquiriu-se sobre as facilidades e dificuldades encontradas por no dia a dia da escola
para a integração curricular proposta pelo DEP/SEED-PR.
A coleta de dados na instituição foi realizada durante três ocasiões. Após uma
primeira visita formal à instituição, onde estabelecemos contato com a direção para
verificar a possibilidade de realização da pesquisa, num segundo momento foram feitas
entrevistas com professores e equipe pedagógica. Os dados colhidos nesta incursão não
foram suficientes para as análises projetadas, de modo que foram refeitos os
questionários e retornamos à escola ainda mais duas vezes, para que fosse possível
refinar as questões e permitir entrevistas com um número maior de professores.
Contamos, ao fim, com a entrevista de dez professores e dois representantes da equipe
pedagógica.
Essas visitas foram bastante proveitosas, pois além da entrevista foi possível
observar aspectos relacionados à estrutura física da instituição, como laboratórios,
biblioteca, salas de aula e mesmo a dificuldade encontrada para a realização da
entrevistas, devido às condições de trabalho do corpo docente. Ou seja, considerando
12
relação tempo/espaço disponível aos docentes no âmbito da rede pública estadual de
ensino ser quase completamente tomado por aulas, restando muito pouco para
planejamentos e discussões pedagógicas.
Devido à reforma ser recente, sendo que as primeiras turmas concluirão o curso
no final de 2008, consideramos a limitação desta pesquisa em contemplar a efetivação
ou não da reforma. Neste sentido, nos atemos mais em conhecer o que os professores
têm a dizer sobre a proposta, ou seja, o que eles conhecem sobre essa proposta, a
concepção que norteia seus trabalhos e como eles procuram efetivar no cotidiano das
escolas a integração entre a formação geral e formação profissional, tendo em vista uma
formação unitária.
Os dados coletados na escola, através das entrevistas, foram confrontados com
as informações contidas no documento Fundamentos Políticos e Pedagógicos da
Educação Profissional do Paraná. Este documento por sua vez também nos serviu de
referência para a análise da proposta pedagógica do curso Técnico em Administração
Integrado. Como categorias de análise utilizamos formação unitária, pois esta
perspectiva de formação que reivindica a politecnia como concepção de ensino, tendo
em vista a necessidade de articular ciência e tecnologia como pressuposto para a
integração entre educação geral e educação profissional.
Essa pesquisa justifica-se posta a necessidade de conhecermos os caminhos
seguidos pelas escolas na implantação da proposta do Ensino Médio Integrado. Apesar
de sabermos os limites da escola na sociedade capitalista, consideramos de extrema
relevância o retorno dos debates acerca de um modelo de ensino que busque o
enfrentamento deste modelo de sociabilidade. Deste modo, os dados desta pesquisa, que
potencialmente, revelará os limites e possibilidades dessa integração, poderá nos
oferecer dados importantes para interferências, na medida em que contribui para
conhecermos a realidade e identificar as dificuldades encontradas no âmbito das escolas
para a efetivação da integração entre educação geral e profissional proposta pelo
Departamento de Educação Profissional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná
– DEP/SEED-PR.
A contribuição dessa pesquisa poderá se dar, também, ao enfatizar a retomada
do debate conceitual acerca de uma concepção de ensino que tenha como fundamento
uma formação de caráter omnilateral, ou seja, que tenha a preocupação de uma
formação que abarca os aspectos intelectuais, físicos e culturais do ser humano,
permitindo e potencializando o desenvolvimento em uma perspectiva integral. O
13
trabalho como princípio educativo é tomado como eixo organizador do currículo, tendo
como preocupação uma proposta de ensino cujo currículo contemple o domínio dos
processos científicos e tecnológicos da produção moderna e sua dimensão histórico-
social.
Para essa pesquisa, considerando a concepção de ensino proposta para a reforma
da Educação Profissional no Paraná, foi eleito o materialismo histórico e dialético, pois
consideramos, tanto quanto Marx e Engels, a centralidade do trabalho na constituição do
ser social, sendo, portanto, o trabalho a categoria fundante de todos os demais
complexos constitutivos do ser social (LUKÁCS, s/d). É por meio do trabalho que o
homem passa a agir teleologicamente na construção de um mundo singularmente
humano, pois, criando instrumentos e agindo intencionalmente o homem desenvolve o
mundo da cultura, um mundo não natural, mas histórico e fundado na relação entre os
homens mediados pela natureza. Concordando a com proposta do DEP/SEED-PR,
entendemos que qualquer avanço será possível partindo da categoria trabalho como
balizadora das propostas educativas.
O trabalho neste contexto é entendido em sua dimensão criadora que permitiu ao
homem a superação dialética dos limites impostos pela natureza. Essa superação é
possível pela ampliação das capacidades humanas, criando artificialmente, através do
trabalho, instrumentos e tecnologias para criar ou aprimorar os instrumentos
existentes. Nas palavras de Marx,
O trabalho é um processo entre o homem e Natureza, um processo em que o homem, por sua
própria ação media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta
com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria
natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a
natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo sua própria natureza
(MARX, 1985, p. 149)
A atuação do homem na natureza levou a construir uma arcabouço de
conhecimentos, possibilitando conhecer as leis gerais da natureza, ou seja, aquelas que
se repetem mediante situações iguais. A sistematização destes conhecimentos permitiu
ao homem a generalização e a dedução possibilitando a melhor manipulação dos
recursos da natureza que conduziu a humanidade a saltos no desenvolvimento humano e
na capacidade produtiva. As mudanças na base material repercutiram em novas relações
travadas socialmente na produção da existência. E o conhecimento desse processo é
potencialmente revolucionário, à medida que desmitifica os conceitos de ciência e de
14
tecnologia, possibilitando ser compreendidas como produto do próprio homem, no
processo de trabalho.
Como a humanidade chega ao patamar da constituição histórica de outro
conceito de trabalho, o conceito de trabalho na sociedade de classes, onde o trabalho
deixa de ser elemento criador e auto-criador para assumir a dimensão alienada, onde o
homem entrega a outro, enquanto mercadoria portadora de mais valor, o produto do seu
trabalho, não podendo mais tomá-lo enquanto valor de uso. Na sociedade capitalista a
categoria trabalho encontra-se subsumida à dimensão segunda, que é a produção de
mais valor, não mais permitindo ao homem a posse da dimensão criadora do trabalho.
Trazendo a discussão para o âmbito educacional e compreendendo a
especificidade da relação existente, na sociedade capitalista, entre educação e trabalho,
em se tratando da educação profissional, coloca-se aos pesquisadores deste campo a
retomada do trabalho enquanto categoria central, na construção de uma teoria
educacional que intente a ruptura de um modelo de ensino que destina seus educandos
ao mercado de trabalho ou ao ensino superior, tendo como elemento de distinção q
origem de classe.
Sendo o trabalho a categoria fundante, foi pelo trabalho e no trabalho que o
homem criou o mundo humano, ou seja, o mundo da cultura. A educação, tanto quanto
os outro complexos fundados pelo trabalho, se desenvolve e se modifica a partir da
organização dos homens na produção material da vida. E, sendo a educação
historicamente determinada, ela é considerada tão antiga quanto os próprios homens,
pois historicamente foi incumbida transmitir de forma sistematizada os conhecimentos
acumulados pela humanidade.
Na constituição da sociedade capitalista a educação assume, além da função de
transmitir o conhecimento, a função de difusora da hegemonia da classe dominante.
Torna-se, desse modo, a escola a instituição educadora por excelência. Isso não nos
permite inferir que o processo educativo ocorra somente entre os muros escolares, pelo
contrário, partindo do pressuposto que nos fornece o materialismo histórico temos
ciência que são predominantemente as relações de produção e demais relações sociais
quem dialeticamente determinam as formas da educação escolar.
Partindo, então, da escola como instituição educadora por excelência, tendo se
constituído com a função de mediadamente formar o homem para o desempenho dos
mais variados tipos de trabalho e adaptá-lo às necessidades da sociedade moderna,
partimos dela para entender as formas como a sociedade capitalista historicamente
15
educa o homem, considerando o caráter mediador da educação escolar, atendendo as
contingências do mercado de trabalho na formação dos profissionais necessários para
levar a diante o modo capitalista de produção seja tecnicamente ou ideologicamente.
E é nesse sentido que procuramos entender as mudanças ocorridas no sistema
educacional brasileiro, relacionando-as às mudanças mais gerais da esfera produtiva
nacional e internacional, para compreendermos a relação entre as mudanças da base
produtiva e sua repercussão na esfera educacional, traduzidas em legislações e reformas
dos modelos educacionais existentes.
Dentro do quadro atual das políticas públicas voltadas para a educação
profissional, temos a proposta de integração entre a educação profissional e educação
geral em curso no Estado do Paraná. Assim, considerando a educação escolar em suas
dimensões contraditórias, mediadoras e determinadas historicamente pelas relações de
produção, consideramos a relevância de conhecermos os limites e as possibilidades que
marcam o processo de integração da educação profissional no ensino médio, na Rede
Estadual de Educação do Estado do Paraná.
Esse movimento de separação e retorno da oferta da educação profissional em
nível médio, resgatado no período histórico da segunda metade dos anos 1990, quando o
Estado do Paraná, ainda em 1996, pretendendo inovar, foi o primeiro Estado da
federação a implementar a reforma através do PROEM Programa de Expansão,
Melhoria e Inovação no Ensino Médio fechando os cursos de educação profissional
existentes na rede regular de ensino cujo currículo abrangia a educação geral e
profissional. O Estado do Paraná se antecipou ao Decreto nº 2.208 que seria baixado em
1997, e ordenou o fechamento dos cursos de educação profissional. No entanto, tanto
em âmbito estadual quanto em âmbito federal o desagrado e as críticas foram intensas
em relação a este Decreto, de modo que a sucessão governamental de 2002, ao menos
no Estado do Paraná, com a eleição de Roberto Requião trouxe a retomada de uma
perspectiva educacional de base unitária. A extinção do PROEM e a construção de uma
proposta de educação profissional de concepção unitária e politécnica, viabilizada
legalmente com revogação do Decreto nº. 2.208/97 pelo, então vigente, Decreto nº.
5.154/04, restabeleceu a integração entre educação geral e educação profissional.
Assim, para a exposição do resultado da pesquisa, essa dissertação foi
sistematizada em três capítulos, sendo que o primeiro compreende a retomada histórica
da educação profissional na realidade brasileira e a questão da Lei nº. 9.394/96 que em
seu processo de tramitação, no primeiro projeto de autoria do deputado Octávio Elísio
16
propunha a educação politécnica como concepção de ensino, esta depois abandonada
quando da promulgação desta lei. Nosso segundo capítulo se remete a problemática do
abandono da politecnia enquanto concepção de ensino na lei nº. 9.394/96 e, por a
indefinição em relação ao modelo de educação profissional defendido, havendo,
posteriormente a necessidade de uma legislação específica para a educação profissional.
Procuramos relacionar o PL nº. 1.603/96 e o decreto nº. 2.208/97, no que se refere à
concepção de educação profissional, que culminou na proposta de separação entre
educação geral e educação profissional em segmentos distintos. Foi também
preocupação desta pesquisa contemplar a atuação dos intelectuais brasileiros nas
reformas educacionais que tiveram como financiadores organismos internacionais, no
caso do PROEM Programa de Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do
Paraná, o BID Banco Interamericano de Desenvolvimento, haja vista teremos
conhecimento da atuação de vários intelectuais brasileiros atuando como consultores
das agencias internacionais de financiamento. Na seqüência analisamos o PROEM e
pontuamos os impactos dessa reforma para a educação pública paranaense, com a
retirada do ensino regular os cursos de educação profissional de nível médio.
O terceiro capítulo é composto pela análise do documento Fundamentos
Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional do Estado do Paraná, no intuito de
conhecermos a concepção de Educação Profissional que fundamenta a reforma
empreendida pelo DEP/SEED-PR. Procuramos fazer essa análise tendo como referência
a proposta de escola unitária de Gramsci, que elege o trabalho como princípio educativo
como eixo norteador do currículo, pois essa foi a concepção adotada pelo Departamento
de Educação Profissional desta Secretaria. Essa análise subsidiou a análise da Proposta
Pedagógica do curso Técnico em Administração Integrado e sua implantação na escola
escolhida para ser nosso campo empírico. Foi com base na investigação desses
documentos e na retomada histórica que analisamos as entrevistas colhidas. Dessa
forma abordamos, neste terceiro capítulo, a forma como os professores têm feito a
integração entre a educação geral e a educação profissional em suas aulas no dia a dia
da escola. Procuramos, ainda que de forma breve, fazer alguns apontamentos sobre as
questões estruturais da escola, tendo em vista as mudanças necessárias na estrutura
física da escola para a retomada da educação profissionalizante, além de pontuarmos,
segundo a fala dos professores, quais são os fatores que eles consideram que dificultam
ou facilitam a integração, no dia a dia da escola.
17
Por último, nas considerações finais nos esforçamos para fazer alguns
apontamentos, enquanto síntese do nosso percurso de investigação e a partir da
fundamentação teórica e metodológica aqui assumida, sobre o que a proposta de ensino
médio integrado do Estado do Paraná apresenta de positivo, confrontada com os
problemas encontrados na escola pesquisada. As barreiras interpostas para a efetivação
da referida reforma do ensino profissionalizante no Paraná, possíveis de serem
conhecidas nos limites desse estudo, demonstram que não obstante a avançada proposta
teórica contida no documento que fundamenta esta proposta no Estado, as
determinações estruturais da realidade social e histórica do capitalismo continuam
interditando a integração do conhecimento de base geral e de base profissionalizante, o
que é uma necessidade histórica da classe trabalhadora para a sua formação e de seus
filhos.
1 EDUCAÇÃO GERAL E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL SÍNTESE
HISTÓRICA
O ensino médio no Brasil se caracteriza por materializar a dicotomia da
sociedade de classes em um sistema de ensino que oferta uma formação dual. Assim a
dualidade estrutural se manifesta no ensino médio segmentando-o em formas singulares
de formação, cujo critério encontra-se na origem de classe. Diante deste quadro, o
primeiro capítulo deste trabalho localiza historicamente a criação e o desenvolvimento
das propostas de ensino médio no Brasil. Buscamos resgatar de forma sintética esse
processo no século XIX, e depois, mais detidamente na segunda metade do século XX.
Nesse sentido, o capítulo ficou disposto da seguinte forma: na primeira seção temos o
item 1.1 intitulado Dualidade estrutural característica histórica do sistema
educacional brasileiro, onde apresentamos uma síntese geral com intuito de conhecer as
origens dessa dicotomia, localizando suas bases bem fundadas nas relações sociais de
produção da sociedade de classes. Em seguida o item 1.1.2, O acordo MEC e USAID:
as reformas educacionais e a Lei Nº. 5.692/1971, onde procuramos relacionar as
influências dos organismos internacionais nas determinações legais que regem a
educação nacional, bem como a influência predominante da Teoria do Capital Humano.
Deste modo, damos destaque à Lei Nº. 5692 de 1971 que tornou compulsória a
educação profissional com o objetivo de conter a busca pelo ensino superior, visto que
desse modo o, então denominado, ensino de segundo grau adquiria o caráter de
terminalidade.
A segunda seção, intitulada Os anos 1980: reabertura política e reforma
educacional, aborda a reabertura política e a organização dos intelectuais brasileiros.
Na seção 1.3 tratamos de A trajetória da Lei nº. 9394/96: projetos em disputa,
procurando contemplar as disputas ocorridas no âmbito do tumultuado e demorado
trâmite da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pois as disputas
iniciadas ali desaguaram na promulgação do Decreto nº. 2.208/97 que segmentou
educação profissional e educação geral em sistemas paralelos e independentes. No item
1.3.1 O Decreto 2.208/97 principal instrumento jurídico da reforma educacional, ao
discutir os contexto de origem do Decreto nº. 2.208/97 relacionamos o caso brasileiro às
mudanças de reordenamento político e econômico decorrentes das mudanças oriundas
19
do setor produtivo. Essa reconfiguração do Estado expressa o movimento do capital na
busca pela manutenção de seu sistema de produção de mais-valor. Nesse contexto, em
âmbito nacional, temos a vigência do Decreto 2.208/97 que segmenta educação
profissional da educação gera em sistemas distintos, tornado compulsória, desta vez, a
formação geral sob o pretexto de igualar as condições de acesso ao ensino superior,
dando continuidade à dualidade histórica no ensino médio.
1.1 DUALIDADE ESTRUTURAL CARACTERÍSTICA HISTÓRICA DO
SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO
A educação formal se constituiu no Brasil com um sistema dual, em que a
educação profissional nos níveis básicos historicamente foi direcionada à classe
trabalhadora. Os primeiros cursos profissionalizantes foram criados para os órfãos e
pobres, no intuito que estes desempenhassem trabalho socialmente útil ao sistema
produtivo, além de um determinado ordenamento social. Atendendo a esse interesse,
ainda no século XIX, inúmeras instituições foram criadas incumbidas de ofertar uma
formação profissional a jovens “desprovidos de fortuna”
1
.
O desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil foi mais sentido após a
Primeira Guerra Mundial
2
e durante as décadas que a seguiram o Brasil apresentou um
forte surto industrial. Esses surtos industriais lançaram as bases para a implantação
definitiva do capitalismo no Brasil, que foi seguido de modificações que se processaram
no tecido social. Machado entende que:
1
Em 1824 o Seminário São Joaquim se transforma em escola de artes e ofícios; 1837 o Arsenal da
Marinha passa a receber menores abandonados para serem profissionalizados; 1854 e 1856 são criados os
Imperial Instituto dos meninos cegos e dos meninos surdos, respectivamente, para o aprendizado de
algumas atividades laborais; 1855 foi criada a Escola de Santa Cruz, por D. Pedro II, para profissionalizar
os filhos dos ex-escravos da Corte, nos ofícios de prático agrícola, carpintaria, marcenaria, forja,
serralheria, alfaiataria e sapataria, são algumas instituições criadas tendo como objetivo a
profissionalização dos marginalizados, mais informações em MACHADO, 1989, p. 24-25.
2
Até então, apesar do Brasil estar inserido na produção capitalista, o fazia quase que exclusivamente
através da venda de matérias primas e compra de produtos industrializados, sendo que vários acordos
comerciais, em especial com a Inglaterra, proibiam ao Brasil o desenvolvimento da indústria nacional.
Assim, o período das grandes guerras, onde vigora o bloqueio continental, trazem ao Brasil a necessidade
do desenvolvimento industrial, pois não podiam mais ser importados produtos industrializados.
20
À medida que novas classes sociais surgem, ou têm seu volume acrescido
(burguesia industrial, comercial e financeira; proletariado e pequena
burguesia) novos valores e idéias tomam corpo e entram em choque com as
concepções tradicionais defendidas pelas oligarquias rurais. Tudo isso
contribuiu para eclodir um clima de intensa efervescência ideológica e de
inquietação social (MACHADO, 1989, p. 32).
O momento se mostrou propício para que as vanguardas intelectuais de caráter
mais progressista apresentassem à sociedade o discurso da educação como motor do
desenvolvimento econômico, atribuindo a ela a função de transformar o país atrasado
econômica, política e socialmente em uma nação independente e desenvolvida,
indicando que a elite social brasileira reconhecia o nculo existente entre educação e
economia.
Assim, a década de 1920 foi marcada por reivindicações por mais escolas, dando
origem a um crescimento significativo no número de instituições de ensino, resultando
entre os anos de 1936 e 1951 na duplicação das escolas primárias e na quadruplicação
das escolas secundárias. Multiplicam-se nesse período também as escolas técnicas
destinadas ao ensino profissionalizante (AZEVEDO Apud ARANHA, 1989, p.244).
No entanto, a grande ampliação da rede pública de ensino não significou a
ampliação do acesso indistintamente para todos os membros da sociedade, essa
ampliação se processou nos moldes do que havia historicamente se constituído na
sociedade brasileira, a dualidade do sistema educacional. O resultado dessa
característica foi a continuidade da escolarização das elites da sociedade brasileira,
tendo em vista garantir o acesso ao ensino superior, enquanto a classe trabalhadora
continuou sendo escolarizada tendo em vista o desempenho de ocupações cujos
requisitos eram os trabalhos manuais.
Um fato importante para a educação brasileira foi a criação, em 1930, do
Ministério de Educação e Saúde Pública, dando início ao processo de centralização das
iniciativas educacionais. Ao ensino técnico, o ministério possibilitou a criação da
Inspetoria do Ensino Profissionalizante, que através do Decreto N. 21.353/1931 ficou
credenciada a dirigir, orientar e fiscalizar todos os serviços relacionados ao ensino
técnico e ao ensino profissional, possibilitando uma ão mais centralizada
(ROMANELLI, 1983, p. 131).
A essência dualista que permeia a educação no Brasil é expressa no próprio texto
da Constituição Federal de 1937 que estabelece que: O ensino pré-vocacional e
profissional, destinados às classes menos favorecidas, é, em matéria de educação o
21
primeiro dever do Estado” (art. 129). Decorre, nesta Constituição, a continuidade de
uma educação para os pobres, de caráter profissional enquanto a educação para os filhos
da elite é a escola preparatória para o ensino superior, sendo essa a principal finalidade
do ensino de segundo grau. Ao que se observa é a manifestação na escola da dicotomia
primeira presente nas relações de produção entre trabalho manual e trabalho intelectual,
evidenciando que o modelo de ensino que se desenvolve no Brasil tem suas bases muito
bem fundadas no modelo social capitalista, cuja estrutura social produz e se reproduz
nas instituições escolares.
Ainda nesse contexto de expansão do ensino em seus diferentes níveis segue-se
a Reforma Capanema
3
, lei sobre a qual foram lançadas as bases da organização do
ensino profissional no país, atendendo aos vários segmentos produtivos existentes na
sociedade. De positivo, para a classe trabalhadora, as Leis Orgânicas possibilitaram a
equivalência parcial entre os cursos técnicos com o nível regular de ensino, pois até
então quem concluísse um curso técnico não poderia ingressar no ensino superior. Essa
equivalência foi parcial, já que as Leis Orgânicas ofereceram a possibilidade de
continuidade dos estudos, porém, a inserção no nível superior era restrita a cursos
relacionados ao curso técnico acessado anteriormente, restringindo, delimitando e
cerceando a inserção da classe trabalhadora no ensino superior, subordinando-a a
abrangência da formação técnica obtida.
Com a Reforma Capanema o Ensino Secundário passa a ter as seguintes
finalidades: “formar a personalidade integral do adolescente”, “elevar a consciência
patriótica e humanista”, “dar preparação intelectual geral que possa servir de base a
estudos mais elevados de formação especial” e “formar as individualidades condutoras”.
Nesse contexto se observa o duplo caráter do ensino de segundo grau, tal qual a
duplicidade de público ao qual ele é destinado. Aranha (1989) identifica nessas
finalidades a continuidade do ensino propedêutico, acadêmico e aristocrático, ressalta
ainda a existência de exames rígidos e seletivos, cujos conteúdos não diziam respeito
especificamente a escola secundária e não contemplava os conteúdos da escola
profissionalizante. Fato esse que dificultava consideravelmente a inserção da classe
3
Compreende aos seguintes decretos-lei: a) 4.073/42 Lei Orgânica do Ensino Industrial; b) 4.048/42 cria
o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); c) 4.244/42 Lei Orgânica do Ensino
Secundário; d) 6.141/43 Lei Orgânica do Ensino Comercial; e, após a queda de Vargas e)8.529/46 Lei
Orgânica do Ensino Primário; f) 8.530/46 Lei Orgânica do Ensino Normal; g) 8.621 e 8.622/46 criam o
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), h) 9.613/46 Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
22
trabalhadora ao nível superior de ensino, ainda que houvesse a possibilidade formal, de
fato a inserção não se efetivava com facilidade.
Outro impacto significativo da Reforma Capanema na Educação Profissional foi
a criação de dois tipos de ensino profissional, um nas escolas oficiais com os cursos
técnicos, e outro paralelo de modelo corporativista, hoje conhecido como Sistema S,
que abrange Senai, Senac e Sesc. Machado (1989, p. 39) na criação do SENAI em
1942 “o quanto se tornava premente, naquele momento, a formação de mão-de-obra
especializada. Apesar de todo o crescimento operado na rede de ensino industrial, este
não era, todavia, suficiente”. Indicando que as instituições paralelas ao sistema de
ensino foram e continuam sendo amplamente utilizadas pela classe trabalhadora, para
buscar qualificação profissional curta e especializada, vista a necessidade da inserção
rápida no mercado de trabalho. Essas instituições se tornaram uma das principais vias
de profissionalização da classe trabalhadora, atendendo especialmente a classe
trabalhadora no processo de aquisição de qualificação profissional.
Evidencia-se que a grande procura pela iniciativa privada para credenciamento
ao mercado de trabalho, através de cursos mais rápidos e mais específicos, pode derivar
do fato de a rede pública de ensino ter se especializado em uma formação de caráter
geral, em detrimento aos cursos técnicos. Os cursos de formação técnica das escolas
públicas, além de serem pouco procurados pelas frações médias da sociedade que
naquele período freqüentavam os cursos de nível médio propedêuticos, não contavam
com a estrutura necessária para uma formação técnica devido ao alto custo da estrutura
física e de pessoal capacitado para o ensino. Apesar de alguns avanços, a Reforma
Capanema resultou em um reforço ao existente sistema de duas vias da formação
educacional do país, materializado em um sistema de ensino marcado profundamente
pela dualidade estrutural que seleciona e direciona as pessoas às ocupações do sistema
produtivo da sociedade, de acordo com a origem de classe, caracterizando-o como um
sistema sumariamente discriminatório (ARANHA, 1989).
Podemos elencar como uma das razões da grande procura pelos cursos técnicos
ofertados no sistema paralelo ao ensino regular a grande expansão mundial do
paradigma fordista de produção. Este se caracterizava pela divisão técnica do trabalho
em seu mais alto nível, impondo ao trabalhador ações programadas e destituídas de
compreensão da totalidade do processo de trabalho, tornando possível uma formação
marcada pela supremacia da prática frente à teoria, de forma que pouca escolaridade se
mostrava suficiente, visto que o trabalhador ‘aprendida a fazer fazendo’. Essa máxima
23
indica que era no processo de trabalho, no treinamento, que o trabalhador desenvolvia
as habilidades necessárias ao desempenho da função que ocuparia, evidenciando a
característica marcante de uma produção rígida, própria do paradigma fordista de
produção.
Retomando o contexto das reformas educacionais que marcaram esse período,
vamos recorrer ao panorama político-econômico, ou seja, ao campo onde essas reformas
se processavam. Nesse intuito, lembramos que nos anos 1940, com a queda do
Presidente Getúlio Vargas
4
, retoma-se a tentativa de democratizar/redemocratizar o
país, através de um movimento de oposição à Constituição outorgada por Vargas em
1937. Diante desse quadro, são retomados os valores defendidos nos anos 1930
presentes na Constituição de 1934, de modo que imbuídos nesse espírito começa a ser
criado o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ainda no ano de
1946, sob a orientação de Lourenço Filho.
A tramitação deste projeto de lei foi bastante tumultuada dentro do congresso.
Houve uma descaracterização das medidas populares ali contidas e a tramitação desta
lei se estende até 1961. Quando promulgada a Lei n.º 4024/61, “Trata-se de uma
proposta avançada para a época, mas que envelhece e se adultera no decorrer dos
debates e do confronto de interesses” (ARANHA, 1989, p. 250).
Resultado do embate entre o público e o privado, na defesa de interesses
divergentes, na tramitação tumultuada da LDBEN n.º 4024/61, os Conselho Federal e
Estadual de Educação passaram a contar com a representatividade também de
instituições privadas, possibilitando a estas legalmente pleitear recursos públicos,
transparecendo a hegemonia da classe representada no poder. Legalmente tem início a
transferência de recursos públicos para a iniciativa privada através do Art. 95 da Lei
4024/61:
A união dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob a forma de: (...)
c) financiamento a estabelecimento mantidos estados, municípios e
particulares para compra , construção ou reforma de prédios escolares e
respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em
vigor. (ARANHA, 1989, p.251).
1.1.2 Os acordos MEC e USAID: as reformas educacionais e a Lei Nº 5692/71
4
Getulio Vargas presidiu o país por dois períodos; primeiro de 1930-1945 e depois de 1951-1954.
24
No decorrer da definição da legislação educacional podemos verificar um
descaso significativo da iniciativa pública na oferta de uma formação geral e
profissional sólida à classe trabalhadora, que possibilitasse aos filhos da classe
trabalhadora a inserção e a continuidade destes no processo de escolarização. Os
avanços existentes, direcionados a essa classe, além de poucos estão subordinados à
contingência geral da sociedade capitalista, que limita os investimentos na esfera social
em decorrência da função precípua do Estado, que está diretamente relacionada a
questão de hegemonia da sociedade capitalista.
A amplamente discutida Lei nº. 4024/61, embora atrasada, isso devido à
necessidade que a sociedade brasileira tinha de uma leia que desse organicidade à
educação do país, representou de forma bastante limitada um avanço no campo
educacional brasileiro. No entanto, após o golpe militar de 1964, ocorre um retrocesso
enorme com a promulgação da Lei nº. 5540/68 e um pouco depois com a 5692/71.
Essas leis foram impostas à sociedade brasileira por tecnocratas, imprimindo uma
concepção tecnicista à educação brasileira, que teve como único horizonte a adequação
da educação nacional ao modelo de desenvolvimento econômico pensado pela elite
nacional, esse modelo de desenvolvimento econômico foi construído em parceira com
instituições internacionais (MACHADO, 1989).
Por esse motivo a década de 1960 foi marcada por uma série de acordos
firmados entre o MEC (Ministério da Educação e da Cultura) e a USAID (United States
Agency for Internacional Development). Em linhas gerais esses acordos tiveram como
intuito traçar metas de desenvolvimento econômico para o país, tendo como referencial
o conceito de desenvolvimento industrial norte americano, no período de grande
expansão dos EUA (MACHADO, 1989, P. 52).
Machado (1989) observa que esses acordos foram originados em um contexto
histórico onde predominava a Teoria do Capital Humano
5
. Essa teoria imprime à
educação a racionalização típica do taylorismo, de modo que o trabalho pedagógico
5
A Teoria do Capital Humano, representa a imagem ideológica promocional da educação, apresentando-
a à sociedade como instrumento de democratização social, devido ao fato de a educação proporcionar os
meios necessários à ascensão social. Essa teoria inspirada na Teoria Estrutural-Funcionalista, tem como
referencial de pesquisa as condições de maximização do lucro decorrentes do investimento em educação,
e tem na educação um mecanismo de justificação da desigualdades sociais. A Teoria do Capital Humano
foi desenvolvida por Theodore Schultz, tendo como campo empírico o período após a Segunda Guerra
Mundial, onde se observou a velocidade de recuperação dos países relacionando a isso a diversidade e
qualidade da força de trabalho recolhida. Machado, no livro ‘Educação e divisão social do trabalho’
(1989) desmitifica essa teoria utilizando os estudos de Braverman, Gorz e outros autores que pesquisaram
mais profundamente as falácias contidas na tese defendida por Schltz.
25
passou a ter como referencia a lógica empresarial, constituindo-se metas de
produtividade e eficiência tal qual a administração empresarial capitalista. Os técnicos
norte-americanos objetivavam a adequação da educação brasileira às necessidades
emanadas do desenvolvimento capitalista internacional, mas especificamente às
necessidades das grandes corporações norte-americanas, cujo intuito era a subordinação
dos países cujas economias ainda estavam em desenvolvimento impondo restrições ao
desenvolvimento da ciência e da pesquisa.
Esses acordos marcariam o rumo das reformas educacionais que se seguiriam
deste período em diante. A Comissão Meira Mattos, criada em 1967, e o Grupo de
Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), de 1968, foram grupos criados na esteira
dos acordos firmados na década de 1960, tendo papel decisivo na reforma universitária
(Lei nº. 5540/1968) e na reforma do ensino de 1º e 2º graus (Lei nº. 5692/1971)
(ROMANELLI, 1983, p.215).
A Lei Nº. 5.540/68 – Reforma Universitária – fez diversas modificações na LDB
em vigência, limitando a autonomia universitária, possibilitando um maior controle
externo, além de incidir também sobre a oferta de vagas no ensino superior, tornando-o
ainda mais inacessível à classe trabalhadora. Essa limitação da oferta de vagas teve
sustentação pela reforma no ensino de segundo grau, Lei nº. 5692/71, que trouxe, entre
outras novidades, o caráter de terminalidade a este nível, oferecendo formação
profissionalizante compulsória, segurando, portanto, a demanda por quantidade maior
de vagas nas universidades.
Uma das principais decorrências dos acordos firmados entre o MEC e o BIRD
(Banco Interamericano de Desenvolvimento) através do USAID, foi o PRODEMO
(Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Mão-de-obra). Este programa foi o
responsável por operacionalizar os contratos firmados entre essas agências e o MEC na
criação de projetos de desenvolvimento da educação profissional no Brasil. Segundo
Andrade (apud MACHADO, 1989, p. 58) este tinha sido o maior empréstimo concedido
para a área social do Brasil até aquela data.
Através deste e de outros programas desenvolvidos na vigência destes acordos,
tivemos a criação das escolas técnicas destinadas a formar especificamente técnicos de
nível médio, em sua grande maioria técnicos industriais, para atender o modelo de
desenvolvimento adotado pelo Brasil. Esses acordos datam de um período de grande
ascensão do capitalismo no Brasil e a necessidade de expansão do capitalismo
internacional, ocorreu neste momento, mas precisamente uma abertura para o capital
26
internacional. Esse modelo de desenvolvimento, de cunho centralizador, na forma de
ditadura, além da necessidade de formação técnica para atender a demanda vinda das
grandes indústrias multinacionais que começavam a se implantar aqui, necessitava que
essa formação técnica tivesse uma grande carga de ideologia, tão necessária naquele
momento.
Machado (1989, p. 64) identifica a gênese do curso técnico, em especial o
técnico industrial, coadunado ao momento histórico da ditadura brasileira, onde a
centralização do Executivo, a ampliação da tecnoestrutura e o controle sócio-político
acompanhado do achatamento salarial, foram fundamentais para a implementação da
política econômica traçada pelo governo.
Nesse contexto, todos os componentes da superestrutura passaram a se
reorganizar para atender essas novas necessidades, e com a educação não seria
diferente. Emergiu neste momento a necessidade do trabalho do técnico, em parte pela
necessidade de trabalhadores com conhecimento técnico, visto que maior produtividade
pode ser extraída de formas combinadas de extração de mais-valia absoluta e relativa,
inferindo aqui que o desenvolvimento técnico da mão-de-obra possibilita maior
produtividade. Mas de fato a grande contribuição que o técnico, especialmente o
industrial, daria após 1964 seria “no sentido de garantir o controle ideológico, ou seja, a
estabilidade política” (MACHADO, 1989, p. 66), sendo que essa estabilidade política é
o que garante a continuidade de entrada de capital internacional, necessário ao modelo
de desenvolvimento traçado pela elite do país.
Lucca (2001) evidencia que pela primeira vez na história, em 1970, a maioria da
população brasileira - 52% - foi considerada predominantemente urbana. A
preocupação com uma formação que adequasse o homem brasileiro às novas situações
trazidas pelo desenvolvimento industrial e para a vivência nas cidades serviu de
justificativa à Reforma do Ensino Médio, Lei nº. 5692/71. Atendendo a isso, esse nível
de ensino teve como finalidade “proporcionar ao educando a formação geral necessária
ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,
qualificação para o trabalho e preparo para o exercício da cidadania”. No entendimento
dos ideólogos desses acordos, a sociedade brasileira, em virtude de seu rápido
desenvolvimento, passaria a demandar um sistema educacional que possibilitasse a
formação de mão-de-obra para suprir as categorias ocupacionais que passaram a existir,
devido ao processo de industrialização.
27
De acordo com Machado (1980, p. 89), as teorias que subsidiam esse momento
da história do nível médio de ensino no Brasil são três a Teoria Funcional-
Estruturalista, a Teoria do Capital Humano e a Teoria da Modernização. Ela entende
que “De uma maneira geral, pode-se dizer que a Teoria do Capital Humano seria o
reassentamento da Teoria Estrutural-Funcionalista em suas bases econômicas, enquanto
a Teoria da Modernização a teria reassentado em suas bases políticas”. Porém, observa
que o que as une é o horizonte comum das ideologias das classes dominantes, onde cada
uma, a sua maneira, traduzia estas ideologias dominantes.
Esta lei foi alvo de inúmeras críticas, pois ao assegurar a formação de técnicos
para o mercado o fazia através da compulsoriedade da educação profissional em nível
médio, usando como argumento a “escassez de técnicos no mercado de trabalho”.
Embora saibamos que o período realmente foi de intensa atividade industrial, o que de
fato demandou um grande número de trabalhadores qualificados atendendo às demandas
do mercado de trabalho, os reais objetivos dessa profissionalização compulsória foi sua
serventia para abrandar as frustrações dos filhos da classe trabalhadora que não
ingressariam num curso superior, devido à dificuldade intencionada do acesso,
oferecendo-lhes uma profissão como caráter terminal no segundo grau. Essas mudanças
garantiriam a diminuição dos investimentos no ensino superior e o atendimento ao
mercado de trabalho no que se refere à necessidade deste em utilizar trabalhadores com
pouca formação, que a qualificação ocorria predominantemente no processo de
trabalho.
Esperavam os idealizadores dessa lei por fim à tão criticada dualidade estrutural.
Formalmente a Lei nº. 5692/71 rompia com a dualidade, em termos concretos, porém,
essa dualidade é apresentada sob nova roupagem. Consideramos isso pelo fato da
dualidade não se tratar de um problema que pudesse ser resolvido por meio de decretos
e leis. Entendemos que seria necessário mudar mais que as leis para que houvesse uma
verdadeira ruptura nesse sistema de duas vias, pois este sistema materializa as relações
sociais de produção da sociedade capitalista, que cindi, tal qual o ensino propedêutico
do profissional, a teoria da prática, o trabalho intelectual do manual, o trabalhador e os
meios de produção.
Dessa forma, a tal equivalência entre o técnico e o propedêutico apenas
reassentava em outras bases a dualidade existente. Isso porque ao restringir à classe
trabalhadora a escolha do curso superior mediante o curso técnico concluído no grau,
o fez de forma que a classe trabalhadora não pudesse optar realmente, de forma que a
28
dualidade ficou longe de ser eliminada. Tratou-se tão somente de vestir o velho com
roupas novas. Dessa forma o que ocorreu foi simplesmente a simulação de uma aparente
igualdade de direitos, garantidos pela equivalência, que consideramos de grande
importância, porém, não suficiente para garantir os direitos da classe trabalhadora.
Empiricamente, no chão das escolas, o que se observou com essas mudanças, foi
uma reedição camuflada dessa distinção discriminatória que direciona os caminhos do
estudante de acordo com sua origem social. Às escolas que já ofertavam o ensino
técnico verificou-se uma continuidade do ensino ministrado anteriormente à reforma,
porém:
A profissionalização não se efetiva de fato: faltam professores especializados,
as escolas não oferecem infra-estrutura adequada (oficinas, laboratórios,
material) para as exigências dos cursos, sobretudo das áreas agrícola e
indústria. Daí o subterfúgio do recurso à área terciária, de instalação mais
barata. Com isso ninguém se profissionaliza mas, em compensação, é
lançado ao mercado um “exército de reserva” de mão-de-obra barata
(ARANHA, 1989,p. 258).
Todavia, as instituições que se ocupavam de formar os alunos com destino ao
ingresso no ensino superior, em especial as escolas particulares, foram responsáveis
pela disseminação de habilitações desnecessárias, tendo como único objetivo mascarar
os currículos. Nestas instituições, “Na realidade, o trabalho efetivo em sala de aula se
achava voltado para a preparação para o vestibular” (ARANHA, 1989, p.258),
enquanto ganhavam tempo para se mobilizarem na busca da revogação da lei.
Em função do desagrado geral a luta pela revogação ganhou status e de início
algumas medidas foram tomadas, como a autorização das tais ‘habilitações básicas’, no
sentido de formarem o para ocupações únicas, mas para grupos ocupacionais. No
entanto, essa medida não foi suficiente. Evidenciando o fracasso desta lei em 1982 a Lei
nº. 7044 põe fim à profissionalização compulsória, consagrando mais uma vez a
hegemonia conservadora, por uma escola que seja dualista, atendendo de formas
diferenciadas a elite e a classe trabalhadora, ainda no seu processo de formação escolar.
A mudança efetivada pela Lei nº. 7044/82 foi o conceito de “preparação para o
mundo do trabalho” em substituição à “qualificação para o trabalho”. A mudança dos
conceitos se refere ao fato de preparação ser um termo abrangente, que teria como
objetivo a preparação para uma vida produtiva e para o exercício do trabalho, sem
indicação para uma ocupação específica, enquanto, por outro lado, a qualificação era
considerada um termo bastante restrito, indicando um trabalho específico. Essa
29
mudança desobrigou as escolas da compulsoriedade ao ensino de disciplinas
profissionalizantes, o que repôs o antigo modelo que atendia em uma via a formação
profissional e em outra a formação para o ingresso no ensino superior, para classes
sociais distintas.
As exigências postas às instituições durante a vigência da Lei nº. 5692/71
resultaram em retrocesso na organização do trabalho pedagógico especialmente na
escola pública. Como visto acima, as escolas particulares que se ocupavam da educação
geral deram continuidade, de forma maquiada, aos seus currículos. E as escolas públicas
que, durante a vigência desta lei, foram obrigadas a aderir à reforma, passaram a viver
um processo de desqualificação, pois não puderam contar com recursos financeiros para
materiais, instalação de equipamentos e contratação de pessoal qualificado, resultando
em uma série de cursos sem a necessária estrutura para seu funcionamento,
precarizando consideravelmente as condições de formação ali ofertadas.
No geral, apesar do pouco tempo de vigência da lei, o processo de
desqualificação foi intenso. Ao currículo básico não foram acrescidas as disciplinas
específicas de formação profissional, ocorreu, pelo contrario, uma diminuição das
disciplinas de formação geral para que fossem inseridas as disciplinas específicas
técnico-profissionalizantes. Essa medida tornou o curso técnico insuficiente para uma
formação geral de qualidade, dificultando o acesso ao ensino superior pelos egressos da
escola pública que concluíam cursos técnicos. Fato que se mantém até hoje, quando
tomamos os currículos dos cursos técnicos e os contrapomos ao currículo de educação
geral, onde disciplinas consideradas ‘desnecessárias’ para a formação pretendida têm a
carga horária diminuída para acrescer as disciplinas profissionalizantes.
Nesse movimento de ampliação do acesso ao ensino em nível médio à classe
trabalhadora, vem incutido um processo de desqualificação revelando que o
conhecimento e a ciência são segregados pela classe dominante, que o faz por conhecer
o caráter potencialmente transformador da realidade que ambos contêm. Assim, os
currículos dos cursos cnicos são contemplados com disciplinas específicas, porém
essa inserção não ocorre mediante integração, no sentido de acrescer, mas sim sob a
forma de reorganizar a carga horária das disciplinas de formação geral diminuindo-as
em função da inserção das disciplinas específicas.
De concreto, para o ensino profissionalizante, a Lei nº. 5692/71 além de não ter
trazido benefícios, trouxe prejuízos inestimáveis para a educação brasileira. Aranha faz
30
uma avaliação crítica ponderando os aspectos negativos dessa lei e localiza que o
prejuízo maior:
se acha no caráter tecnocrático da reforma, segundo o qual eficiência e
produtividade têm validade por si só, terminando por se sobrepor aos valores
pedagógicos. Além disso, a pretensa neutralidade técnica que propõe
administração e planejamento “despolitizados”, na verdade camufla e
fortalece estruturas de poder, substituindo a participação democrática
fundamental em qualquer projeto humano, sobretudo pedagógico pela
decisão de poucos. Portanto essa reforma, aparentemente apolítica, foi
essencialmente política (ARANHA, 1989, p. 258)
.
Podemos identificar, então, que primeiramente houve um movimento de
adequação às mudanças exigidas pela Lei nº. 5692/71. No entanto, logo em seguida o
movimento de adequação foi substituído pelo movimento de flexibilização, não sendo
mais obrigatória a profissionalização, para em seguida a Lei nº. 7044/82 extinguir
formalmente o que na prática estava acontecendo, o fim da profissionalização
compulsória.
E a década de 1980 inicia trazendo a absoluta certeza do fracasso da reforma, e a
Lei nº. 7044/82 nada mais foi que uma reacomodação do existente dualismo, onde a
ênfase do ensino médio volta a ser a formação geral. Dando continuidade à dualidade
estrutural e mantendo-a historicamente como característica essencial do ensino médio
brasileiro.
1.2 OS ANOS 1980: REABERTURA POLÍTICA E REFORMA EDUCACIONAL
O processo de reabertura política após duas décadas de ditadura militar
repercutiu em todas as esferas da sociedade, culminando na Constituição de 1988 que
objetivou traçar novos rumos para o desenvolvimento do país. Deste modo, a nova
constituição procurou um reordenamento social orientado pelo princípio democrático,
assim discussões e debates constaram na agenda brasileira a ser cumprida nos anos de
1980. O país se organiza politicamente para fazer a transição do regime ditatorial para o
regime democrático, com eleição direta para presidente da república, após 20 anos de
ditadura militar.
31
Leher (2002) considera que as reivindicações de cunho democrático resultavam
da materialidade da população brasileira naquele momento, e por isso, historicamente
determinada. Assim, “problemas básicos: terra, educação, moradia, transporte,
previdência social, saúde, etc., bem como outros temas políticos: rompimento com o
FMI, constituinte após o fim da ditadura, anistia, liberdades fundamentais, entre outros”
(LEHER, 2002, p.188) expressaram as mudanças desejadas pela população.
Este autor retoma a compreensão de democracia enquanto valor historicamente
determinado, no entanto, enfatiza que foi justamente a concepção de democracia como
valor a-histórico, desvinculada da luta de classes, que influenciou a Nova República,
opinião partilhada por outros autores.
Para Benevides, a campanha pela Constituinte representou a capacidade de
mobilização social, foi um movimento nascido das greves, da luta pela anistia, da
reorganização partidária, o entanto, enfatiza que embora tenha havido muitas audiências
públicas, o que potencialmente poderia possibilitar uma Constituinte efetivamente
popular, não aconteceu. De fato, o que se evidenciou foi que,
O nosso mal desgraçado é que, sendo uma Constituinte congressual, composta por deputados e
senadores eleitos no mesmo sistema de representação tão marcado pelos vícios oligárquicos, ela
não foi efetivamente nem soberana, nem nacional e nem democrática (BENEVIDES, 2002, p.
70).
O que não nos permite inferir que não houve mudanças e avanços. Esta mesma
autora reitera a sua crítica e afirma que “nossa Constituição, do ponto de vista dos
direitos humanos, incluindo os de caráter sócio-econômico, foi sem dúvida, uma
conquista e um grande progresso em relação às anteriores” (BENEVIDES, 2002, p. 71).
No entanto, muita coisa não foi resolvida.
O que de fato se efetivou no período de transição e se materializou na
Constituição de 1988 foi um modelo de democracia debilitada e mal formada, fruto
do modo como se processou a travessia. Também Frigotto concorda com os autores
acima citados, admitindo que de fato houve um forte processo de abertura, promovido
em grande medida pela sociedade civil organizada. Ele cita o novo sindicalismo,
movimentos sociais, novos partidos de massa (Partido dos Trabalhadores), que
realmente estavam comprometidos com as lutas históricas de superação das relações
sociais de produções escravocrata e latifundiária que mantém a desigualdade histórica
do país. E, pontua ainda, que foi nesse contexto que se teve a discussão da ampliação do
32
espaço público e da escola pública na perspectiva gratuita, laica, unitária e universal,
comprometendo a educação ao paradigma da emancipação humana, com vistas a uma
formação omnilateral (FRIGOTTO, 2002, p. 53-54).
Arelaro ao referir-se à questão educacional, tem o mesmo posicionamento de
Frigotto, e considera a década de 1980 como uma década muito rica, pois:
É no início dessa década que a reorganização da sociedade brasileira se
consubstancia em entidades e instituições, das quais destacaríamos, dentre
outras, a criação da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior
(ANDES), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Partido dos
Trabalhadores (PT), da Associação Nacional de Educação (ANDE) e da
transformação da Confederação dos Professores do Brasil (CPB) em
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Em análise da atuação das organizações citadas acima, Saviani entende que
ações por elas empreendidas têm duas preocupações: primeiramente com o significado
social e político da educação, marcado pela luta por uma escola pública de qualidade
aberta, indistintamente, a toda a população, em especial para atender as necessidades da
maioria; segundo com o significado econômico-corporativo, assumindo o caráter
reivindicatório, expresso nas greves que marcaram o fim dos anos 1970 e tiveram
continuidade nos anos 1980 e 1990 (SAVIANI, 2003, p.33).
As diversas organizações de representação dos trabalhadores em educação
contribuíram grandiosamente na proposta para o ante-projeto da nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, que tomou corpo após a Constituição de 1988 que trás
no Capítulo II Art. 6º, como direito social, a educação pública, gratuita, laica e
obrigatória. Feito isso, tornou-se necessária uma nova organização no Sistema Nacional
de Ensino. Nesse contexto uma nova concepção de educação começou a ser construída,
fruto de discussões que abarcaram vários segmentos da sociedade, além de educadores e
legisladores. Nesse intuito, foram realizados amplos debates, direcionados
principalmente pelos intelectuais que investigavam a relação entre trabalho e educação
vinculada à prática social.
Essas discussões têm como arcabouço teórico-metodológico o referencial
materialista histórico e dialético, cuja categoria central é o trabalho, entendido como
fundamento das sociedades humanas. Em outras palavras, o trabalho meio pelo qual o
homem transforma a natureza para atender suas necessidades tomado como condição
sine qua non da existência humana, e base de onde derivam as outras categorias que nos
auxiliam na compreensão da realidade.
33
Ancorados no materialismo histórico e dialético, intelectuais do campo
educacional pesquisadores da temática de Trabalho Educação
6
, procuram articular a
educação aos interesses históricos da classe trabalhadora, ou seja, a construção de uma
concepção educacional que tem em vista a emancipação humana, possível na medida
em que supere a sociedade de classes.
Nesse contexto, em 1976 ocorre a criação da ANPED – Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, possibilitando uma seara na discussão
educacional que congrega pesquisadores em educação de todo o país. Motivados pela
criação desta instituição, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, tivemos o início
de uma vasta publicação com pesquisadores renomados
7
, que sob vários recortes vão
abordar a questão da educação do trabalhador. E em 1982 sob a coordenação de Miguel
Arroyo, é constituído o GT Trabalho e Educação, como uma das áreas temáticas da
ANPED.
No âmbito dessas discussões temos a construção de uma proposta de educação
que se pauta pela concepção gramsciana de politecnia, de escola unitária, que parte do
problema sobre a possibilidade da educação ser articulada aos interesses da classe
trabalhadora na superação do regime sociometabólico do capital. Ainda no interior das
relações capitalistas de produção, essa concepção teórica busca romper com a dicotomia
fundante do sistema educacional, que no caso do ensino médio se materializa em uma
estrutura dual de ensino, que tem na sua base a divisão entre trabalho intelectual e
manual, derivado essencialmente da contradição capital trabalho. Nesse intuito procura-
se resgatar a formação humana em sua totalidade em sua omnilateralidade
8
visando
um sistema de ensino que integre ciência, cultura, humanismo e tecnologia, na
perspectiva de uma escola unitária.
1.3 A TRAJETÓRIA DA LEI Nº 9394/96: PROJETOS EM DISPUTA
6
A área específica que se ocupa das pesquisas que envolvem a relação entre educação e trabalho tem
origem no final dos anos 1970 e anos 1980, com a criação da ANPED em 1981 e do GT “Trabalho e
Educação”.
7
Demerval Saviani, Roberto Jamil Cury, Cláudio Salm, Miguel Arrroyo, Gaudêncio Frigotto, Lucília
Machado e Acácia Kuenzer.
8
Omnilateralidade: conceito de formação que privilegia o desenvolvimento humano em suas múltiplas
potencialidades, ou seja, o tripé básico da educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral), o
desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e o aprendizado profissional polivalente (técnico e
científico).
34
O novo paradigma educacional que começou a ser construído no Brasil no
contexto da Constituinte apresentou-se como uma crítica contundente ao modelo
hegemônico que se constitui com a Lei Nº. 5.692/71, que privilegiou o reforço à
dualidade estrutural do sistema de ensino brasileiro. Este novo modelo não teria o
mercado de trabalho como horizonte, nem estaria a serviço de uma fração conservadora
da elite brasileira. Para Frigotto (1995), a proposta da escola unitária vai além dos
horizontes do capitalismo, pois se encontra dentro de um projeto humano e social que
visa romper com a sociedade cindida em classes. Ela estaria, portanto, comprometida
com os novos rumos traçados para a nação, a serviço da democratização da escola e do
conhecimento, condição, não única, porém necessária para a construção e uma nova
sociedade, além do capital.
Neste momento o debate é muito intenso, especialmente na seara Trabalho
Educação que privilegia a relação estabelecida entre educação e trabalho vinculada à
prática social. Esses pesquisadores procuram recuperara relação entre conhecimento e
prática do trabalho, onde a ciência, vista como potencializadora no processo produtivo,
possibilita aos educandos o conhecimento das diferentes técnicas que presidem a
produção. Procuram ampliar a questão da educação profissional não mais a restringindo
a uma habilitação para uma ocupação profissional, como vinha acontecendo
anteriormente. Referindo-se a organização do ensino, para Saviani nessa nova proposta
“no primeiro grau a relação é implícita e indireta, no segundo grau a relação entre
educação e trabalho, entre conhecimento e a atividade prática deverá ser tratada de
maneira explicita e direta” (SAVIANI, 2003, p. 39).
Caminhando nesse sentido, o processo de construção dessa nova proposta de
educação, incorporando as reivindicações dos educadores, se materializou no projeto da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da autoria do deputado Otávio Elísio,
apresentado ao Congresso em 1988. O texto preliminar foi fruto de discussões coletivas
que contemplava além de educadores várias frações da classe trabalhadora. Os debates
que alimentaram a questão educacional no processo da Constituinte tiveram origem nas
organizações civis e sindicais ainda nos anos 1970, quando foram criados fóruns de
discussão permanentes, espaços para socialização da perspectiva emancipatória de
educação.
A nova proposta em construção tinha como base uma concepção de educação
fundamentada no conceito de escola politécnica de Gramsci, o qual elege, na forma da
35
escola unitária, uma formação omnilateral comprometida com a superação da
contradição capital x trabalho, oportunizando à classe trabalhadora a compreensão
histórica de homem e sociedade, e também a apropriação do conhecimento humano,
científico e tecnológico produzidos coletivamente pela sociedade .
A IV Conferência Brasileira de Educação, realizada em Goiânia, agosto de 1986,
contemplou o tema “A educação e a constituinte”, resultando na Carta de Goiânia cujo
objetivo era conseguir, via mobilização e pressão, a inserção no texto da Constituição a
competência da União em legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional
(SAVIANI, 2003, p. 35).
Conseguido esse intento em 1987 a elaboração do projeto original da nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e em dezembro de 1988 o Deputado
Octávio Elísio apresenta o texto do primeiro ante-projeto da nova LDB. Esta versão
original
9
, apresentada ainda em 1988, no que se refere ao ensino médio, em seu Art. 38
trouxe como objetivo deste nível de ensino:
Propiciar aos adolescentes a formação politécnica necessária à compreensão
teórica e prática dos fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas
no processo produtivo (Texto original da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, apresentado em 1988 pelo Deputado Octávio Elísio,
apud SAVIANI, 2003, p. 39).
Saviani, ao analisar a proposta original e as concepções que norteiam o ensino
médio, considera que se tratou de:
uma proposta radicalmente diferente da que propõe um segundo grau
profissionalizante, caso em que a profissionalização é entendida como um
adestramento em uma determinada habilidade sem o conhecimento dos
fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, da articulação dessa habilidade
com o conjunto produtivo (SAVIANI, 2003, p.40).
Este autor ainda entende que assumindo essa concepção de ensino médio
possibilita-se a generalização do ensino médio a todos, independente da ocupação que
possam vir a exercer na sociedade. Não tendo o mercado como horizonte, a concepção
defendida por essa proposta, ao reivindicar a politecnia como modelo de formação,
9
Consideramos a título de diferenciação a denominação versão original para o primeiro texto da LDB
apresentado pelo Deputado Octávio Elíseo em 1988; a denominação versão substitutiva para o texto
apresentado por Jorge Hage em 1990 e por fim Lei nº. 9394/96 o texto aprovado em 1996 de autoria de
Darcy Ribeiro.
36
procurou romper com a dicotomia entre a educação geral e a educação profissional.
Reivindicando, dessa forma, o princípio da formação humana em sua totalidade através
de uma formação que integrasse ciência, cultura, humanismo e tecnologia.
(FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005).
Embora apresentado logo após a promulgação da Constituição de 1988, esse
projeto teve trâmite lento e longo no Congresso Nacional. Evidenciando tratar-se de um
tema que congregou interesses diversos, esse projeto foi ponto de tensionamento entre
forças progressivas e conservadoras tendo, por fim, vencido o evidente caráter
hegemônico das forças conservadoras. Em 1990 após 2 anos de trâmite sob o
substitutivo de Jorge Hage o projeto original sofre inúmeras modificações, ao projeto
original foram anexados mais 7 projetos completos, com propostas alternativas às de
Octávio Elísio, e ainda 17 projetos específicos correlacionados com a Lei em trâmite,
além de 978 emendas provenientes de deputados de diferentes partidos. Por fim, em
1990 o relator Jorge Hage encaminha os processos de votação dando origem ao
substitutivo Jorge Hage, como ficou conhecida essa versão da Lei de Diretrizes e Bases
durante seu trâmite.
Como historicamente vem se processando, o ensino médio foi o ponto em que
houve mais divergências, devido à dificuldade em se definir suas finalidades e
objetivos, decorrente de sua própria natureza dual. Saviani (2003, p. 60-61) analisa que
embora esta proposta seja considerada menos avançada que a proposta original, isto
devido a esta proposta ter recuado um pouco e permitido certa dualidade entre formação
geral e formação profissional, em relação ao texto original esse projeto conseguiu
manter o eixo da educação escolar na educação politécnica.
Guimarães (2005) também apresenta essa mesma avaliação, enfatizando que ao
menos não se perdeu o princípio da unitariedade. Porém, após mais alguns anos de
trâmite no Congresso, marcados por sucessões e deposição presidencial, quando havia
indicações de que finalmente o projeto se tornaria lei, este foi solapado por uma
sucessão de versões de um novo projeto da autoria do Senador Darcy Ribeiro. Enfim,
em dezembro de 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi
encaminhada para a sanção do presidente. Saviani enfatiza que devido ao fato de “a
iniciativa privada, ficou inteiramente satisfeito com o desfecho. Tanto que recomendou
ao Presidente da República a sanção sem vetos. E assim, foi feito” (SAVIANI, 2003,
p.162).
37
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da autoria do Senador
Darcy Ribeiro, retira a centralidade do conceito de politecnia dada à educação e esta
passa a se referenciar ao trabalho como educação para o trabalho. Esta é a essência que
se observa no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Nº. 9394
de 24 de dezembro de 1996, uma educação voltada e limitada pelos estreitos horizontes
do modo capitalista de produção, ainda que em reformas educacionais posteriores ela
seja considerada uma opção razoável.
Essas modificações efetuadas na tramitação do projeto da LDB/96
oportunizaram a ambigüidade de interpretações, sendo possível, por meio de legislações
específicas, a desconstrução de todo um projeto de democratização do ensino,
construído coletivamente e favorável às classes populares. Essa imprecisão, quanto à
organização do ensino, resultou na necessidade de dispositivos legais específicos
complementares para a organização dos níveis de ensino, em especial no vel médio,
que regularia a forma e conteúdo, como o posterior Decreto nº. 2.208/97.
Entendendo que as leis, abarcam aglutinação de diferentes interesses, estas “são
elaboradas como novos discursos que devem impulsionar a sociedade em determinada
direção, mas podem ser entendidas de diversas formas” (CIAVATTA, 2005, p. 84), o
que revela as contradições existentes na sociedade capitalista, evidenciadas no decorrer
da tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é a derrota das forças
progressistas, culminando na desconstrução do que poderia ter sido a mais democrática
lei educacional do país.
Desse modo a Lei nº. 9394/96 foi promulgada confirmando a consonância desta
com as políticas dominantes desse período histórico brasileiro. Para Saviani (2003,
p.199-200), evidente ficou que esta lei não representou uma política global, ela se
ocupou mais de esvaziar o projeto anterior, resultando em um texto “inócuo e genérico”,
e possibilitou, dessa forma, abertura para aprovações de projetos mais pontuais, como
foi o caso do Decreto nº. 2.208/97. No entanto,
Isso, todavia, não significa que o ministério não tenha uma política global
para a área da educação. Certamente ele a tem. Entretanto, estrategicamente
parece ter optado por não enunciá-la, procurando implementá-la através de
reformas pontuais acreditando, talvez, que dessa forma seria mais fácil
viabilizá-la politicamente, safando-se das pressões e quebrando as eventuais
resistências (SAVIANI, 2003, p. 200)
.
38
O que de fato pode-se confirmar com a promulgação do Decreto nº. 2.208/97,
que imprimiu à educação profissional um caráter essencialmente diferente do que se
pretendeu no projeto original da Lei nº. 9394/96, versão do deputado Octávio Elísio.
Sobre esse “projeto não contemplado”, Saviani adverte que apesar da aparente
autonomia e desarticulação, existe um ponto comum, um eixo norteador na legislação
educacional aprovada, trata-se do empenho em reduzir custos, encargos e investimentos
públicos. Isso se veria com o decreto nº. 2208/97, que reduz os custos com o ensino
médio ao extinguir da rede regular de ensino os cursos profissionalizantes de nível
médio, já que a manutenção dos cursos de educação geral é bastante inferior em relação
à manutenção dos cursos técnicos profissionalizantes.
A nova lei da educação nacional, pelo seu caráter não diretivo, foi constituída
tendo a categoria flexibilidade como central, tal qual o setor produtivo. Essa
característica da Lei nº. 9394/96 demonstra a necessidade de, apesar de centralizar as
políticas no âmbito do Ministério da Educação, permitir a maleabilidade necessária para
incorporar legislações futuras que contemplem os interesses da classe política dirigente.
No que se refere ao ensino médio, historicamente o maior ponto de conflito e
divergência da legislação educacional, a Lei nº. 9394/96 descaracterizou a concepção
de politecnia na qual este era fundamentado. Se no primeiro projeto da LDB tínhamos
como objetivo do ensino médio proporcionar aos educandos uma formação politécnica,
no texto aprovado essa concepção se restringiu a alguns apontamentos: art. 35, inciso IV
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando teoria e prática, no ensino de cada disciplina; art. 36, § 1º; indicando que
o educando demonstre ao final do ensino médio domínio dos princípios científicos que
presidem a produção moderna (SAVIANI, 2003, p. 213) sem, contudo, assegurar uma
base unitária, sobre a qual se objetivasse um currículo integrado.
Dando continuidade ao texto da Lei nº. 9394/96, quando nos reportamos às
finalidades deste nível de ensino encontramos no Art. 35:
I a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos;
II a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupações ou aperfeiçoamentos posteriores;
III o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
39
IV a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
(BRASIL, 1996, grifos do autor)
.
Nesse contexto nos reportamos à Kuenzer (2003, p. 25), que lembrando da
característica histórica do ensino médio, a dualidade, enfatiza que “a ambigüidade de
um nível de ensino, que ao mesmo tempo tem de preparar para o mundo do trabalho e
para a continuidade dos estudos, a raiz dos males do Ensino Médio”. Dessa forma
consideramos que formar para o trabalho e formar para os estudos, sendo formações
destinadas a classes diferentes, faz com que o Ensino Médio materialize uma exigência
posta pela sociedade capitalista, formação para a classe trabalhadora e formação para a
elite, o que torna a superação da dualidade efetivamente possível somente quando a
situação que a gerou for superada, ou seja, quando for superada a sociedade de classes.
É nesse terreno que se assenta a dualidade do ensino médio, em um modelo de
sociedade que tem na exploração de uma classe, a trabalhadora, pela outra, a capitalista,
a base sobre a qual são construídas todas as suas instituições. Deriva deste determinante,
portanto, a materialização de formações distintas de educação no ensino médio.
Se a Lei nº. 9394/96 avança em alguns pontos ao sugerir a integração como a
concepção da articulação entre educação profissional e ensino médio, onde ela prevê no
Art. 39 que A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia[...], ela também abre possibilidades para o
retrocesso, ao não definir questões essenciais como as formas como essa integração se
daria. O que levou Saviani a considerar que “Em verdade, esse capítulo parece mais
uma carta de intenções do que um documento legal, já que não define instâncias,
competências e responsabilidades” (SAVIANI, 2003, p.216).
Além dessas questões, diante desta lei, a educação nacional passou a ser
organizada em dois níveis, Educação Básica educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio e Educação Superior. E a educação profissional foi transformada em
modalidade de ensino, o que tornou possível sua extinção na rede regular de ensino, ou
seja, a educação profissional passou a ser ofertada pelo Sistema de Educação
Profissional, articulado às instituições escolares, e sob “diferentes estratégias de
educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho” , Art.
40. Embora tenha citado a articulação entre a educação geral e a educação profissional
está lei não definiu quais seriam as formas de articulação possíveis entre elas, o que
40
passou a exigir uma legislação específica que desse conta de organizar e regulamentar
as articulações possíveis entre a formação geral e a formação profissional.
No Art. 52, ao elencar as diretrizes para nível médio de ensino a lei toma a
educação tecnológica como eixo do currículo, o que poderia supor como possibilidade a
uma síntese entre conhecimento geral e conhecimento científico. No entanto, ao
transformar a educação profissional uma modalidade de ensino, esta mesma lei criou
um sistema de educação profissional separado do sistema regular de ensino, não
oferecendo efetivas condições para que a formação técnica ocorra no âmbito do ensino
médio como expresso no Art. 53 § 4.
Segundo Saviani (2003), essa flexibilidade foi na verdade um critério para que
fosse possível a aprovação da lei específica ao ensino profissional, que ainda antes da
promulgação da LDB tramitava pelo Congresso, o PL nº. 1603/96. O que nos permite
retomar mais uma vez a supremacia política das forças conservadoras brasileiras. E é
nesse contexto que ocorre um avanço dessas forças e logo em seguida à promulgação da
Lei nº. 9394 de 20 de dezembro de 1996 o Decreto nº. 2.208/97 vem atender as
necessidades dessa forças conservadoras não expressas literalmente na LDB.
1.3.1 O Decreto Nº. 2.208/97 principal instrumento jurídico da reforma da
educação profissional
Evidenciando a supremacia conservadora, que possui interesses distintos dos
participantes das amplas discussões da nova lei da educação, após a promulgação da Lei
Nº. 9.394/96 a Educação Profissional passou a ser orientada pelo Decreto Nº. 2.208/97.
Este decreto recupera o conteúdo do Projeto de Lei Nº. 1.603/96 que segmentação esta
modalidade de ensino em sistemas paralelos, retomando e reforçando a dualidade
histórica do ensino médio. Dessa forma, novamente se edita na história a educação
brasileira a separação da Educação Profissional e do Ensino Médio sob nova roupagem.
Kuenzer (2002) reitera que a dupla função: preparar para a continuidade de
estudos e ao mesmo tempo para o mundo do trabalho que lhe confere a ambigüidade,
pois este nível de ensino, por aglutinar questões pedagógicas e políticas, é sempre
resultado do tensionamento da relação trabalho e educação. E como esse tensionamento
não pode ser resolvido sem que seja superada a sociedade de classes, a categoria
41
dualidade é a categoria explicativa por excelência do ensino médio, legitimando a
dualidade de classes desta sociedade.
E, em diferentes momentos da história da educação no Brasil estivemos às voltas
com a questão da dualidade estrutural e não foi diferente no contexto de construção do
decreto nº. 2.208/97 que durante o período de 1997 a 2004 interrompeu a oferta da
educação profissional e a educação geral na mesma grade curricular. Este decreto abriu
possibilidade de se ter dois sistemas paralelos, um destinado à formação acadêmica e
outro destinado à formação profissional, fortalecendo o aspecto dual que marca o nível
médio de ensino.
O que se materializou no decreto nº. 2.208/97, que dispõe sobre a educação
profissional, foram as propostas de dois setores do governo federal, uma no âmbito do
Ministério do Trabalho - MTB via Secretaria de Formação e Desenvolvimento
Profissional SEFOR – e outra no âmbito do Ministério da Educação MEC, na
Secretaria de Educação Média e Tecnológica - SEMTEC. As duas propostas, embora
apresentassem concepções incompatíveis, foram acomodadas em um mesmo projeto,
que passou a ser o Projeto de Lei Nº.1603/97. Apesar de apresentarem preocupação
comum, a formação de um trabalhador de novo tipo que fosse adequado às demandas
originadas da reestruturação produtiva, os dois projetos traziam em si singularidades
quanto às suas concepções e a relação trabalho e educação. No entanto, as duas
propostas foram condensadas e constituíram o PL 1603/97, que criaria um sistema
separado do ensino médio para a educação profissional com distintos níveis de
atendimento. Podemos consideram que este PL foi resultado da acomodação de
interesses dos dois órgão proponentes, MTB e MEC.
Kuenzer (1997) analisou as duas propostas condensadas no PL 1603/96, e
concluiu que a proposta proveniente do MTB/SEFOR, dentro dos limites do
capitalismo, apresentava-se mais avançada e adequada ao atual estágio de
desenvolvimento das forças produtivas, além de ser mais democrática em vários
aspectos em relação à proposta do MEC/SEMTEC.
A proposta do MTB procurou aglutinar diferentes segmentos da sociedade na
discussão de uma proposta de educação profissional que melhor se adequasse aos
imperativos da competitividade internacional, incluindo representantes do governo,
academia, empregadores e trabalhadores. Identificado os pontos críticos da educação do
trabalhador no Brasil, e tendo os pressupostos de consolidação da estabilidade
econômica do país e a construção de um desenvolvimento sustentável em busca da
42
eqüidade social, a proposta reconhece a necessidade de se avançar conceitualmente nas
concepções das categorias trabalho e qualificação.
Nessa direção a proposta do MTB apresenta um avanço ao propor o
enfrentamento da questão da educação profissional articulando política de educação
profissional à política de emprego, trabalho e renda voltados para o desenvolvimento
sustentável; também, ao definir com precisão o foco da educação profissional, de modo
a caracterizar-se como atividade com início, meio e fim, sobre a premissa da
“empregabilidade” entendida, não como simples capacidade de obter emprego, mas de
manter-se em um mercado de trabalho em constante mutação. Porém, é pertinente
localizarmos os limites dessa proposta, visto a simples melhoria na qualificação dos
trabalhadores não ser condição imperativa para a transformação da realidade, esta
marcada pelo acelerado aumento do desemprego.
Partindo do pressuposto que o conceito de qualificação é permeável às mudanças
da base técnica e dos processos de trabalho, pensar na educação profissional na
sociedade capitalista tem sempre como determinante as demandas oriundas do mercado
de trabalho que, por sua vez, deriva da esfera produtiva, pois é quem determina o tipo
de trabalhador necessário à continuidade da reprodução do capital. Atendendo a essa
mutabilidade constante da esfera produtiva o conceito de qualificação se altera de
acordo com a mudança dos padrões de produção. E, na medida em que o trabalho torna-
se degradado “O próprio conceito de qualificação torna-se degradado juntamente com a
deteriorização do trabalho” (BRAVERMAN, p. 375), fato esse que justifica a urgência
de se pensar conceitualmente as categorias da relação trabalho educação. E essa
preocupação é identificada por Kuenzer na proposta do MTB/ SEFOR.
Porém, a necessidade de se pensar a educação profissional sob ângulo da
qualificação compromete a construção de uma educação que tenha como objetivo a
classe trabalhadora e sua luta histórica. E o reconhecimento do avanço desta proposta
não leva a autora a inocentá-la, pois, ainda que contenha avanços, trata-se nitidamente
de uma proposta construída inteiramente dentro dos limites do capital, mais
precisamente em consonância com o ordenamento político neoliberal.
Contemplando outro ponto de vista de um mesmo posicionamento, a discussão
no âmbito do MEC, no SEMTEC, é considerada por essa mesma autora como uma
discussão de outra natureza. Isso porque a discussão e a avaliação do problema do
ensino médio foram feitas por cnicos, em sua grande maioria do Banco Mundial e de
outras organizações nacionais, cuja preocupação, em relação à reestruturação produtiva,
43
é a racionalidade financeira, a diminuição dos custos com o aumento da demanda por
educação profissional.
No mesmo bojo, as questões referentes à educação profissional foram atreladas à
questão das escolas técnicas e agrotécnicas, que demandam um alto custo devido ao
modelo de ensino ali ministrado, considerado de muito boa qualidade, frente à situação
da educação pública em geral. Na visão de Moura Castro (apud KUENZER, 1997, p.
81) é que reside o problema destas escolas, elas são muito “qualificadas”. O que faz
o referido consultor considerar um desperdício de dinheiro público, pois há indicação de
que as elites estejam utilizarem essas instituições para o acesso ao ensino superior. Para
esse isso incorre em um alto custo injustificado, já que grande parte dos alunos egressos
dessas instituições e que obtiveram uma formação técnica de alto custo ingressaram no
ensino superior não atendendo as necessidades do mercado de trabalho.
Diante deste contexto a responsabilidade na definição do ensino médio é
chamada a si pelo MEC, que o faz partindo da separação em dois sistemas distintos, um
para a educação acadêmica ou geral e outro para a educação profissional. Segundo
Kuenzer (1997), para o MEC essa separação é necessária, pois flexibiliza as formas de
conexão entre o ensino médio, o MTB e o setor produtivo, esse processo permite ainda
a redefinição das funções destinadas à União, Estados, Municípios e Setor Produtivo,
além de poder redefinir também, atendendo às imposições dos organismos
financiadores, a prioridade da União de universalizar o ensino fundamental.
Ruy Berger Filho, em um documento do SEMTEC (apud Kuenzer, 1997, p. 81),
reitera a fala de outros pesquisadores sobre a falta de identidade da função desse nível
de ensino, terminalidade/universidade, e depois responsabiliza a falta de recursos
financeiros que tem impactado negativamente na expansão e melhoria desse nível de
ensino. Isso nos lembrando que a imposição compulsória de uma educação acadêmica
no ensino médio pode promover pelo menos em parte a racionalização que o MEC
precisa apresentar aos organismos financiadores, conforme veremos em seguida.
O grande objetivo deste projeto de lei é atender as necessidades de
racionalização imposta pelos organismos multilaterais, agentes financiadores de parte da
educação pública brasileira, que objetiva, entre várias coisas, a transferência da
educação profissional a outros segmentos da sociedade, o mercado. E, na medida em
que esta fosse posta em um sistema paralelo, fora do sistema regular de ensino, as
escolas estaduais deixariam de ofertá-la, resultando à iniciativa privada uma fatia
bastante grande deste mercado.
44
De acordo com o PL 1603/96 as instituições que ofertassem somente o ensino
médio técnico, na modalidade integrada, deixariam de fazê-lo e passariam a ofertar
cursos de curta duração, sem a exigência da escolaridade prévia e a modalidade Pós-
Média, modalidade esta somente para os egressos do ensino médio. Observa-se que uma
das possibilidades de formação, a integrada existente na LDB 9394/96, é ignorada nesta
proposta, resultando em um ensino médio geral imposto compulsoriamente aos alunos,
guardando alguma singularidade com a Lei nº. 5692/71, podendo inferir que tanto em
uma quanto na outra modalidade, o decreto nº. 2208/97 se apresenta essencialmente
antidemocrático. Isso, haja vista que ele passou a cercear as possibilidades de uma
educação profissionalizante na mesma grade curricular a quem vai cursar o ensino
médio.
A expansão da educação básica, uma das exigências do Banco Mundial, estava
naquele momento, sendo feita pela gica da racionalização financeira, cujas categorias
essenciais para sua compreensão são, além da flexibilidade, categoria por excelência
desta etapa singular do capitalismo, a eqüidade, a eficiência e a eficácia as categorias
norteadoras das políticas. A pertinência destes conceitos da seara mercantil e
empresarial nas propostas reformistas que invadem a esfera pública na atualidade, no
caso específico do ensino médio, se mostra ao atender ao objetivo de racionalização dos
custos relativos a esse nível de ensino. Atendendo a esse objetivo, a proposta do PL
nº.1603/96 ao separar a educação profissional e educação geral em sistemas paralelos,
ao tornar acadêmico o ensino médio, barateia os custos de formação, permitindo ainda a
ampliação das vagas, haja vista o ensino médio geral não necessitar de grande estrutura,
o que já não é o caso dos cursos técnicos.
A análise realizada por Kuenzer (1997) indica que o PL nº. 1603/96
materializou-se em uma ntese de duas propostas antagônicas, ficando, portanto, com
um texto confuso, desarticulado e indefinido, aglutinando concepções divergentes,
porém, com os mesmos objetivos. O que resultou em uma proposta, exposta neste
projeto de lei, que reivindica a separação entre a formação acadêmica e formação
profissional do ponto de vista conceitual e operacional, que permite uma maior
flexibilidade e adaptações curriculares ao sabor dos ventos impostos pelo mercado. Isso
tudo ainda baixando os custos governamentais. Aparentemente essas mudanças trazem
ao aluno-trabalhador a possibilidade da “opção” à universidade ou ao mercado de
trabalho, transparecendo que esta opção é de caráter exclusivamente subjetivo, não
sendo em nenhum momento tensionada pela sua condição sócio-econômica objetiva.
45
A proposta de reforma do ensino, que antes, pelas palavras de Moura Castro,
deveria ser feita lentamente, assume repentinamente uma urgência aparentemente
incompreensível. Porém, essa urgência tem sua causa, um acordo firmado entre MEC e
Banco Mundial anunciado pelo próprio ministro da época, Paulo Renato de Souza, em
04 de março de 1996.
E dessa forma, o PL 1603/96 segue atropelando o próprio trâmite da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não sem receber inúmeras críticas. Sabe-se
que essa reforma, como tantas outras, se encontra no bojo das reformas de redefinição
do papel do Estado e tem como articulador central os organismos multilaterais, mais
especificamente o Banco Mundial, cujas iniciativas de auxílio aos países pobres têm
como objetivo predominante a eqüidade social. De modo que, a criação dessas políticas
nos países pobres é diretamente condicionada pelo próprio Banco Mundial, sendo esses
países considerados “sócio dependentes, heterônomo e consumidor, sem condições de
negociar sua inserção e construir sua soberania, de modo a relacionar-se com os demais
países como parceiro livre e autônomo” (KUENZER, 1996, p. 19).
Kuenzer entende que a proposta encaminhada evidencia que o MEC está
tomando como suas tarefas que são do MTB, e enfatiza ainda que o MTB esteja
refletindo de forma muito mais adequada que o MEC-SEMTEC as relações entre
trabalho e educação. O que inevitavelmente tem levado a uma situação paradoxal, pois
sendo
o MEC, responsável pela educação em todos os níveis na perspectiva do
direito de cidadania, tem repassado a responsabilidade do ensino básico de
jovens e adultos trabalhadores ao setor produtivo; cada vez mais as empresas
oferecem ensino supletivo, de e 2 º graus como condição necessária para a
formação profissional lida e competente. A formação profissional “stricto
senso” dos trabalhadores, que sempre foi estratégica para as empresas que
nunca dependeram do poder público para faze-la (senão teriam certamente
falido), é chamada a si pelo MEC através da Educação Profissional
estruturada ou modular, nas Escolas Técnicas, CEFETs e Centros de
Formação Profissional; em resumo, propõe-se o MEC a financiar com
recursos públicos os custos de treinamento feitos pelas empresas e pelo
SENAI e SENAC, inclusive controlando suas ações! (KUENZER, 1997, p.
20)
.
Diante disso, Kuenzer levanta o questionamento sobre a função do MEC, para
compreender o movimento que este faz ao chamar a si a responsabilidade da educação
46
profissional, e revela a anuência às exigências provenientes das agências internacionais
de financiamento, ou mais claramente, do Banco Mundial. Nas palavras da autora:
Sobre a sua função, ou seja, a educação média com direito universal e voltada
para a formação do cidadão trabalhador, integrando educação geral e
formação voltada para o mundo do trabalho, o se manifesta...
Provavelmente, porque não é mais sua missão, repassada aos estados e
municípios, sistema produtivo, instituições não-governamentais e outras
instituições privadas. Fica o MEC com prioridade ao ensino fundamental,
reduzindo o quanto mais possa o financiamento do ensino superior, como
manda a cartilha do Banco Mundial (KUENZER, 1996, p. 87)
.
Percebe-se que o modelo de ensino médio proposto pelo PL 1603/96 condensa a
negação da importância da educação básica, visto que propõe ofertar formas de
educação profissional independente de escolarização. Ademais, propõe o termino da
modalidade que articula em um mesmo currículo educação acadêmica e educação
profissional, o que consequentemente trata-se do desmonte das escolas técnicas e
agrotécnicas, no que se refere à educação profissional em nível médio. Desta mudança
decorria a abertura de espaço para que essas instituições passassem a formar um número
maior de alunos, em cursos aligeirados de curta duração organizados em módulos
independentes, lembrando que desarticulados da escolarização, mas supostamente
articulados ao mercado de trabalho
10
.
Apresentaremos agora os problemas encontrados por Kuenzer no PL 1603/96:
-trata ao mesmo tempo de todas as modalidades em todos os níveis, como se
não existissem especificidades e competências estabelecidas;
-confunde competências, chamando ao MEC/SEMTEC atribuições que não
são suas, descomprometendo-se com o que é seu objetivo e sua obrigação: a
educação básica de nível médio; envolve-se com o fundamental e com o
supletivo, com o treinamento senso estrito, como se não houvessem espaços a
atores específicos para cada situação;
-repõe a dualidade estrutural, desvalorizando a educação básica, não a
reconhecendo como fundamental para a formação científico-tecnológica
sólida do trabalhador demandada pela nova etapa de desenvolvimento das
forças produtivas, contrariando uma tendência que é mundialmente aceita e
defendida, por empresários, trabalhadores e governos;
-supõe ruptura entre acadêmico, desvalorizando por não se prático, e o
tecnológico, não reconhecendo o caráter transdisciplinar da ciência
contemporânea, reforçando a idéia de duas redes, para “acadêmicos” e para
10
Não aprofundaremos aqui qual a inserção dos egressos destes cursos no mercado de trabalho, o que
atestaria a “qualidade” destes cursos, pelo fato de nossa pesquisa ser limitada à apreensão do desmonte da
educação profissionalizante em vel médio, sendo, portanto, relevantes a nossa pesquisa os documentos
e instrumentos jurídicos que puseram em prática o desmonte das instituições que ofertavam essa
modalidade de ensino
47
“trabalhadores” ao melhor estilo taylorista, que separa dirigentes de
especialistas, concepção hoje totalmente superada até pelo capitalismo;
-coloca a educação profissional como alternativa à educação à educação
básica, como forma de não enfrentamento do fracasso escolar decorrente da
baixa qualidade do ensino, das precárias condição de trabalho e de formação
do professor, em função do crescente descompromisso do Estado com o seu
financiamento; aliás, a PEC 30 (233) é um bom exemplo do falacioso
discurso sobre a ampliação do investimento no ensino básico. (KUENZER, p.
93).
Embora tanto a LDB 9394/96 quanto o PL 1603/96 estivessem confortavelmente
instalados dentro de um reordenamento político e econômico do capitalismo, pois
compartilharam os parâmetros de redução de investimentos, diversificação de fontes de
financiamento, privatização e venda de serviços, substituição do conceito de igualdade
pelo de eqüidade e a adoção do conceito de competência como norteadora do currículo,
não se pode deixar de citar a suplantação da LDB nº. 9.394/96 pelo o PL n º 1603/96, ao
propor a segmentação da educação geral e da educação profissional em sistemas
distintos.
Muito criticado, o PL nº. 1603/96 teve tramitação tumultuada, por sua
incoerência interna, por esse motivo, amplamente atacado e questionado. Mas este
desagrado não significou maiores problemas, pois a situação foi resolvida de forma
bastante simples, o presidente em exercício, Fernando Henrique Cardoso, representando
os interesses das forças conservadores, transformou este projeto de lei em decreto.
Dessa forma ele foi imposto à sociedade brasileira, como tantas outras coisas.
Assim, chegaremos à conclusão de que o que tem levado os governantes a
pontualmente programar e efetuar reformas em seus sistemas de ensino é a tomada de
“uma nova abordagem de uma antiga relação estabelecida entre educação e economia: a
preocupação com os mecanismos de distribuição de renda e equalização social”
(OLIVEIRA, 2001, p. 69). Isso pela preocupação com o equilíbrio do sistema vigente,
onde essas reformas atendem a função de amenizar os estragos provocados pela
concentração de renda, típica do sistema capitalista, tratando-se tão somente de atuar de
forma a conter o problema da desigualdade, e não de erradicá-la.
No intuito de compreender do que se trata essa distribuição de renda e
equalização social, recorremos aos movimentos internacionais que relacionaram nos
anos 1990 educação e economia. Assim sendo, chegamos a Conferencia Mundial Sobre
Educação Para Todos, em Jomtien em março de 1990, que propõe maior eqüidade
social nos países mais pobres do mundo, através de reformas nos seus sistemas de
48
ensino coadunando-os aos princípios ali estabelecidos
11
. Shiroma, Moraes e
Evangelista entendem que, ao tomar o conceito de eqüidade em substituição à
igualdade, a Conferência de Jomtien infere que a “educação para todos” se resume em
uma política que estabelece ideologicamente que:
para extratos sociais diferentes, ensinos diferentes, uma vez que as
necessidades básicas de um e outro não poderiam ser as mesmas. Reeditava-
se o dualismo na educação brasileira, partindo-se do suposto de que as
necessidades das amplas camadas empobrecidas eram peculiares, deveriam
continuar tendo atendimento diverso do demandado por clientela mais seleta”
(SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 61)
.
Coerentemente com esse movimento maior, em 1993 Murílio de Avellar Hingel,
então ministro da educação, lança o Plano Decenal de Educação para Todos, traçando as
metas indicadas pelos organismos multilaterais internacionais destinadas aos países
pobres para implantação das reformas. As autoras afirmam essa evidência enfatizando
que,
à medida que a lei da educação nacional era debatida, o governo impingia,
por meio de decretos, resoluções e medidas provisórias, o seu projeto
educacional, articulado aos desígnios firmados em Jomtien e os grandes
interesses internacionais, como atestam os documentos da CEPAL
12
(Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) (SHIROMA;
MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 63).
11
A Conferência de Jomtien realizou-se em Jomtien, Tailândia teve financiamento da UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), UNICEF (Fundo das Nações
Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Banco
Mundial. Dela participaram 155 países. Em linhas gerais, “[...] sugere a possibilidade de estender certos
benefícios obtidos por alguns grupos sociais à totalidade das populações, sem contudo, ampliar na mesma
proporção das despesas públicas para esse fim. Nesse sentido, educação com eqüidade implica oferecer o
mínimo de instrução indispensável às populações para sua inserção na sociedade atual.” (OLIVEIRA,
1999, p. 74). E os “E 9” como ficou conhecido os noves países com as maiores taxas de analfabetismo
(Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão) – Esses paises passaram
a desencadear ações para consolidar os princípios acordados na Declaração de Jomtien.
12
A CEPAL lança em 1992 um documento “Educación Conocimiento: Eje de la transformación
Productiva com Equidad” juntamente com a UNESCO, enfatizando a necessidade de mudanças nos
sistemas de ensino para a atender as mudanças na esferas produtivas em curso, [...] Em síntese, a
estratégia da CEPAL se articulava em torno de objetivos (cidadania e competitividade), critérios
inspiradores de políticas (eqüidade e eficiência) e diretrizes de reforma institucional (integração nacional
e descentralização). A CEPAL entendia que a reforma do sistema produtivo e a difusão do conhecimento
eram os instrumentos cruciais para enfrentar ambos os desafios: construção e uma moderna cidadania e da
competitividade. A moderna cidadania seria preparada na escola, cujo acesso deveria ser universalizado,
ao menos no ensino fundamental, afim de que a população aprendesse os códigos da modernidade
(SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 63-64)
49
Dando continuidade às deliberações da Conferência de Jomtien, temos o
Relatório Jacques Delors
13
em que, sem surpresa alguma, a educação novamente é
apresentada como o grande trunfo salvacionista da humanidade, que recebe uma nova
definição, “educação ao longo da vida”. Desse contexto de conferências e relatórios
internacionais pensados e idealizados pelos países hegemônicos e realizados em favor
da educação de países “pobres e dependentes” é que se difunde a ideologia da categoria
competências trazida do âmbito empresarial para o campo educacional. Foi também
neste contexto que foi estabelecido os quatro pilares que comporiam mais tarde os
diversos documentos educacionais brasileiros: “aprender a aprender, aprender a fazer,
aprender a ser, aprender a viver junto”.
Outra novidade que traz esse documento é uma proposta de integração que
garantiria sucesso a essas reformas educacionais. Esta “integração” se daria entre
comunidade local, autoridades oficiais e comunidade internacional e teria a função de
promover e legitimar uma proposta de educação que estivesse sob a lógica da eqüidade
social.
Daí se concluiu que as reformas processadas no sistema nacional de ensino
brasileiro estiveram e estão em consonância às diretrizes estabelecidas pelos organismos
multilaterais. Podemos inferir que as reformas nos sistemas educacionais que tiveram
início nos anos 1990, vieram atender a necessidade de reorganização da produção
capitalista para o enfrentamento das contradições inerentes a produção e valorização do
valor, obedecendo as prescrições dos organismos internacionais. Nesse intuito, temos
um reordenamento do Estado, comprometido com reajustes econômicos que objetivam
a diminuição dos gastos destinados às necessidades básicas da população, e a educação
pública sem dúvida nenhuma é fatalmente atingida.
Em âmbito legal o decreto nº. 2.208/97 foi o principal instrumento jurídico
desta reforma, pois ele vem justamente tornar legítimas as intenções já subliminarmente
contidas nas discussões da Lei nº. 9394/96. Pois, à medida que os redatores desta lei não
estabeleceram a cargo de quem ficaria a educação profissional, eles deixaram aberta a
possibilidade de uma legislação pontual, que dispusesse desta modalidade de ensino da
forma como a sociedade capitalista em tempos de reestruturação produtiva demandasse.
13
Esse relatório foi produzido entre os anos de 1993-1996, como resultado do trabalho realizado a pedido
da UNESCO intitulada Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, sob a coordenação
do francês Jacques Delors que se ocupou de fazer um diagnóstico no final do século XXI da situação
econômica, social e cultural, com o intuito de indicar os pontos de tensão a serem resolvidos no próximo
século.
50
E de fato foi o que ocorreu, a promulgação do Decreto nº. 2.208/97 e a
posterior aprovação do Parecer CNE/CEB nº. 16/99 e da Resolução CNE/CEB nº. 04/99
foram pontuais, deliberando sobre objetivos, níveis e modalidades da educação
profissional. o Decreto nº. determinou, ainda, como se daria a articulação da educação
profissional com o ensino médio nas redes regulares de ensino.
Oliveira (apud GUIMARÃES, 2005) entende que
“A reforma implementada no sistema de educação profissional, retirando do
seu interior o ensino acadêmico, não mantém a dualidade histórica no
sistema educacional como, ao mesmo tempo, torna cada vez mais distante
para os setores populares a concretização de um modelo educacional
articulando teoria e prática, objetivando formar o homem na sua dimensão
omnilateral”.
De fato, o que se evidencia no sistema de educação profissional é um grande
retrocesso na tentativa de superar a histórica dualidade do sistema nacional de ensino.
Pois o decreto nº. 2208/97 ao absorver parte da Lei nº. 9394/96 e ignorar o Art. 36,
restringiu a articulação entre a educação geral e a educação profissional às modalidades
concomitante ou a subseqüente de modo que a antiga dualidade histórica do nível médio
“passa a ser uma orientação legal e uma prescrição oficial” (CÊA, 2006 p. 3).
O que se com o decreto nº. 2208/97 é a inversão da compulsoriedade da Lei
nº. 5692/71, de modo que passou a obrigar todos os Estados do país a ofertarem
somente o ensino médio geral, levando a quase extinção em todo o país a oferta do
ensino médio profissionalizante. Essa imposição foi de tal forma que “Se alguma
unidade federada decidisse manter a versão integrada poderia fazê-lo, com apoio na
LDB; o preço desta decisão, contudo seria não receber recursos do convênio formado
pelo Banco Mundial” (KUENZER apud CÊA, 2006, p. 3-4).
É diante deste quadro, que ora articula ora desarticula a educação profissional
da educação geral mediante imposições advindas das normatizações jurídicas federais
que os Sistemas Estaduais de Ensino se organizam. Dessa forma, continuidade da nossa
pesquisa justamente no âmbito da legislação educacional estadual, trabalhamos
especificamente com o caso do Estado do Paraná. Essa escolha se justifica pelo fato do
período que compreende os anos 1994-1997 o Paraná ter sido considerado um
“verdadeiro laboratório para a criação e experimentação de alternativas para o Ensino
51
Técnico, com base nas perspectivas delineadas por agências internacionais” (FERRETI
2000, p. 81).
As determinações das agencias internacionais foram prontamente acatadas pelo
Estado paranaense, que antes mesmos das legislações nacionais acerca de ensino
profissional serem oficializadas, este Estado tinha iniciado um programa que pôs fim
educação geral e educação profissional organizados no mesmo currículo, como uma das
possibilidades de formação defendida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Este programa, o PROEM Programa de Expansão, Melhoria e Inovação do
Ensino Médio –, determinou, partir de 1996, que não fossem mais efetivadas matrículas
no ensino médio profissionalizante, levando à extinção dos cursos técnicos integrados
ao ensino profissional, salvo poucos cursos que algumas conseguiram manter através de
muita resistência.
No próximo capítulo procuramos fazer a análise do programa supracitado,
revelando as relações que este guarda com o desenvolvimento da economia nacional e
internacional, traçando o contexto de construção deste programa. E ao reconstruir esse
percurso tratamos de analisar as concepções que norteiam o PROEM.
2 PROGRAMA DE EXPANSÃO, MELHORIA E INOVAÇÃO NO ENSINO
MÉDIO DO PARANÁ – PROEM
Trataremos nesse capítulo da especificidade do Estado do Paraná que, se
adiantando às determinações federais, criou o PROEM Programa de Expansão,
Melhoria e Inovação do Ensino Médio que estabeleceu a separação legal entre a
educação profissional e a educação geral em nível médio. Neste capítulo procuraremos
analisá-lo no contexto da reestruturação produtiva, visto se tratar de um programa
específico da educação profissional que se justificou nas necessidades oriundas da
esfera produtiva para implementar a reforma. Neste sentido faremos primeiramente
breves considerações sobre a reestruturação produtiva no Brasil. Abordaremos a seguir
o papel desempenhado pelos intelectuais brasileiros na implementação das prescrições
provenientes dos organismos financiadores internacionais. Depois dessas
contextualizações analisaremos as concepções de ensino médio e de educação
profissional expressas no PROEM, abordando a dicotomia educação geral e educação
profissional e a solução formal apresentada pelo PROEM.
2.1 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO
2.1.1 Reestruturação produtiva no Brasil
Desde fins do culo XX o mundo tem vivido um período de profundas
transformações, “mudanças radicais em processos de trabalho, hábitos de consumo,
configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas de Estado” (HARVEY,
1999, p.117). O fordismo durante mais de meio século foi o modelo de produção que
alavancou a indústria moderna, sendo responsável por todo um estilo de vida, pois a
produção em massa significava consumo de massa, reorganização da força de trabalho
com outra política de gerencia e de psicologia. Tratava-se de um novo modelo de
sociedade, moderna e racionalizada (HARVEY, 1999, p. 120).
53
O modelo fordista de processo e gestão da força de trabalho, para Gounet
(2002), se fundamenta em cinco eixos:
- Produção em massa racionalizando ao extremo as operações e diminuindo o
tempo morto, o que reduz o custo de produção;
- Parcelamento das tarefas, cada trabalhador executa uma parte do processo
levando a super-especialização através da repetição dos mesmos gestos. O trabalhador
deixa de ser artesão especialista para ser trabalhador parcelar;
- Introdução da linha de montagem que, além de ligar os trabalhadores
individuais sucessivos, ainda fixa o ritmo do processo controlável pela empresa;
- Padronização das peças: Ford passou a comprar as firmas que produzissem as
peças, iniciando o processo de integração vertical, ou seja, controlava diretamente de
cima para baixo o processo de produção de uma mercadoria;
- A automatização das fábricas vem dessa seqüência de transformações.
Essas mudanças introduzidas pelo fordismo não encontraram de imediato boa
aceitação por parte do operariado, de modo que foi necessário um amplo processo de
formação do novo trabalhador, processo que foi das práticas de disciplinamento à
projetos de educação que visavam a constituição da força de trabalho desse modelo.
Tendo por base a educação, essa formação se deu por meio de treinamento, persuasão,
cooptação, repressão e mobilização de sentimentos sociais, culminando por dar aos
trabalhadores maior renda e tempo de lazer para que consumissem o que o sistema
fabril jogava aos montes no mercado. A vida dos operários passou a ser
meticulosamente controlada, pois entendido era que uma vida desregrada incide sobre a
produtividade do trabalhador.
Essa nova forma de produzir e de ser da sociedade repercutiu em mudanças
também no papel do Estado. A crise de 1930 indicou a necessidade de uma nova
concepção na forma e no uso do Estado de modo que este passou a criar políticas
dirigidas para as áreas públicas, vitais para o crescimento da produção e do consumo.
Neste sentido, o Estado exercia seu poder também sobre os acordos salariais. Nesse
período os sindicatos conquistaram importantes avanços, sobre questões como salário
mínimo, seguridade social e demais benefícios.
Harvey (1999, p. 134) identifica que o fordismo em seu núcleo duro, manteve-se
até 1973, e “quando a aguda recessão de 1973 abalou esse quadro, um processo de
transição rápido, mas ainda não bem entendido, do regime de acumulação teve início”,
com mudanças de processo e gestão da força de trabalho.
54
Mas, mudando o modelo de produzir sem, contudo, mudar a essência das
relações de produção, com o toyotismo o capitalismo faz a superação dialética da
produção fordista, ou seja, mantém o que ainda é útil ao seu modo de produção duas
classes sociais singulares, burguesia e proletariado e inova, introduzindo máquinas de
base microeletrônica e formas novas de gerenciar os processos de trabalho. O que ao
contrário de indicar rupturas, representa na verdade uma continuidade.
Considerando que o capitalismo se alimenta da exploração dos trabalhadores,
quando a crise se acirra os empresários têm que, as custas dos trabalhadores, recuperar
os lucros que perdem e o processo de queda das vendas. Então, elaboram e implantam
sofisticados métodos de aumentar a exploração sobre cada trabalhador e reduzir a
capacidade de resistência dos seus coletivos, a partir disto se justifica a “passagem” do
fordismo para o toyotismo.
Embora iniciado no Japão
14
, de um modo geral, o toyotismo significou uma
resposta à crise de super-produção dos anos 1970. De acordo com Gounet (2002), as
mudanças introduzidas pelo Toyotismo se fundamentam em seis eixos:
- Produção puxada pela demandas e o crescimento pelo fluxo, onde a empresa
produz somente o que é vendido. Nesse modelo o consumo condiciona toda a
organização do trabalho;
- Decomposição do trabalho em quatro operações: transporte, produção
propriamente dita, estocagem, controle de qualidade. Como somente a produção é que
agrega valor ao produto, as demais operações são racionalizadas ao extremo, limitando
os custos de produção;
- Flexibilização da organização de trabalho, rompe-se a relação homem-
máquina. Na Toyota desde 1995 um trabalhador opera em média cinco máquinas”
(GOUNET, 2002, p. 67). Nesse contexto o trabalhador deixa de ser individualizado e
passa a ser uma equipe, deixando também de ser especialista e passando a ser
polivalente;
- Instituição do Kanban, um sistema de placas que indica a necessidade de
produzir ou não novas peças. O importante no Kanban é que ele funciona como uma
senha na comunicação, tornando-a rápida e fácil;
14
O modelo fordista de produção de automóveis não se adequava às especificidades do Japão, seria
necessária um forma de produzir cujos custos fossem reduzidos como os custos na produção fordista
porém, atendendo a uma mercado diversificado. Isso significou que seria necessário produzir mais barato,
mais modelos e menos evitando o estoque, por uma questão de espaço para estocagem.
55
- Preparação anterior da linha de montagem, para facilitar a produção de vários
modelos, diminuindo o tempo morto através da redução do tempo em que as máquinas
ficam paradas entre a produção de um modelo e outro;
- Integração de toda a cadeia produtiva através da subcontratação, parcerias e
participações de capital, as montadoras japonesas inovaram ao impor às empresas de
auto-peças o emprego da Kanban e depois elas próprias fixando os preços, prazos e
qualidades das peças compradas.
O sucesso do toyotismo está na flexibilização que possibilita uma adequação do
seu sistema produtivo às demandas do mercado (GOUNET, 2002, p. 32). A inserção das
novas tecnologias, no caso a microeletrônica, se deu concomitantemente à criação de
novas formas de gerenciamento da força de trabalho, incidindo sobre tudo na
organização dos trabalhadores em sindicatos. A acumulação flexível para atender a
necessidade de reduzir custos, com a inserção tecnológica, diminuiu drasticamente o
número de trabalhadores nas unidades de produção, enfraquecendo o poder de barganha
dos sindicatos. O que impacta significativamente na questão salarial, visto a diminuição
dos postos de trabalho aumentar o exército industrial de reserva.
Os novos métodos de produção incrementam a extração da mais-valia, um
trabalhador passa a operar com cinco máquinas, têm início a cultura de contratos
temporários, visto ser o consumo a determinar a produção, o que significa a perda das
garantias trabalhistas, a precarização do trabalho através do aumento das horas
trabalhadas e a diminuição do número de trabalhadores. “O novo sistema de produção
exige ainda mais do trabalho operário que o fordismo”(GOUNET, 2002, p.29), tanto
para os trabalhadores contratados temporariamente quanto para os contratados
formalmente, pois o objetivo da empresa é acumular sempre mais e mais rapidamente,
isso significa conquistar fatias do mercado.
No Brasil, as mudanças tecnológicas e organizacionais se iniciam em meados da
década de 70, "[...] concomitantemente com o início da recessão, da abertura política, da
emergência do chamado 'novo sindicalismo' e da crise do modelo de relações industriais
vigente durante o período do 'milagre' [...]”. Antunes (2004), comentando estas
transformações, diz que um novo desenho do capitalismo se apresenta no Brasil,
particularmente na década de 1990, identificando elementos de continuidade e de
descontinuidade.
Gitahy (1998), também localiza a introdução das inovações tecnológicas e
organizacionais na industria brasileira com início no final dos anos 70, instensificando-
56
se em meados dos anos 80 e acelerando-se nos anos 1990. Acrescenta que é importante
destacar, no caso brasileiro, que a reestruturação das indústrias ocorre em um “contexto
que se caracteriza por um lado, pela crise, instabilidade econômica, recessão e
desemprego e, por outro, pela redemocratização política e ascenso do movimento
sindical”(GITAHY, 1998, p.3), lembrando que o fortalecimento do sindicalismo
brasileiro se deu na contramão das tendências de enfraquecimento do sindicalismo na
Europa e EUA. Tratou-se historicamente de um período importante para o sindicalismo
brasileiro, contando com a incorporação de um grande número de categorias de
assalariados urbanos e rurais.
Embora as tendências mundiais da reorganização da base produtiva capitalista
também se confirmem aqui, é necessário relacioná-las às especificidades brasileiras.
Tumolo (2002, p. 64) acerca da especificidade da reestruturação produtiva no Brasil,
afirma que “Tendo como base as pesquisas realizadas, é possível afirmar que a marca
distintiva do chamado processo de reestruturação produtiva no Brasil é a “heterogeidade
generalizada”, que ocorre não entre as empresas, mas também no interior delas” . o
que indica a coexistência dos modelos de produção fordista e toyotista, inclusive dentro
da mesma empresa.
As empresas têm mesclado a inserção de tecnologias, Tumolo observou na sua
pesquisa, se apropriando de Carvalho, que:
Mais do que a introdução de novas tecnologias físicas, o que se observa é a
acelerada adoção de tecnologias de gestão (...) Por contraditório que possa
parecer e sem configurar uma mítica polarização, o reforço do fordismo
(Carvalho, 1990) é concomitante à extensão de técnicas japonesas e às
demais novidades “humanistas”, holistas, Teoria Y, GSA, e, mais
recentemente, às múltliplas facetas da reengenharia (TUMOLO, 2002, p.70).
E, considerando que o objetivo do capitalismo é a exploração da força de
trabalho no intuito de produzir mais-valia, para Tumolo, “as empresas capitalista têm
procurado implantar os mais variados processos de trabalho inovações tecnológicas
articuladas com novas formas de gestão –, inclusive misturando características dos
diversos “modelos”” (TUMOLO, 2002, p. 95). Levando o autor a concluir que o
fenômeno de recrudescimento da exploração da força de trabalho têm se efetivado por
via de múltiplos mecanismos. Ele cita Baltar & Proni, cujas análises indicam que ao
contrário do que vinha sendo afirmado, as relações de trabalho no Brasil estão tendendo
mais para relações flexibilizadas, pois existe uma grande parte dos empregos que,
57
embora formais, são de fato contratos de curta duração, o que coloca parte dos
trabalhadores formais na condição de trabalhador temporário.
Acompanhando a tendência do padrão de acumulação flexível, num contexto de
desregulamentação dos mercados, parte dos trabalhadores que foram dispensados do
setor industrial foram inseridos no setor de serviços. Antunes e Alves (2004, p. 338),
ao analisar as últimas décadas do século XX e a expansão do setor de serviços que
“inicialmente incorporou parcelas significativas de trabalhadores expulsos do mundo
produtivo industrial, como resultado do amplo processo de reestruturação produtiva, das
políticas neoliberais e do cenário de desindustrialização e privatização”. Acrescenta
ainda que este setor é o que mais se submete à racionalidade do capital e à lógica do
mercado, e exemplifica com a enorme redução do contingente de trabalhadores
bancários no Brasil.
Acompanhando esse processo de flexibilização, nessa nova etapa de
desenvolvimento do capitalismo o Estado assume a faceta ideológica de um Estado
Mínimo, assumindo sua herança de classe. Suas ações passam a ter uma abrangência
mínima para as questões sociais, e em contrapartida, para o capital ele passa a prover de
uma boa estrutura o mercado (NETTO, 1995), e inicia um amplo processo de
desestatização e privatizações de empresas e serviços. Dando continuidade a este
processo, o Estado, via ajustes pontuais, foi implementando reformas em várias áreas,
tendo como ponto comum a diminuição, quando não cessação dos benefícios outrora
garantidos por lei. Essas reformas foram se sucedendo sob princípios de eficácia,
eficiência e a eqüidade, que passaram a ser as diretrizes das mudanças ocorridas na
esfera social.
Confirmando essa tendência, a década de 1990 foi caracterizada por um
movimento de desmantelamento dos direitos sociais no mundo todo, indicando
que o patamar de desenvolvimento atingido pela ordem do capital
incompatibiliza cada vez mais o seu movimento com as instituições sócio-
políticas que, por um decurso temporal limitado, tornaram-se aceitável para
grandes contingentes humanos. Sinaliza que o arranjo sócio-político do
Welfare State constituiu uma possibilidade da ordem do capital que, pela
lógica intrínseca desta última, converte-se agora num limite que ela deve
franquear para reproduzir-se enquanto tal (NETTO, 1995, p. 70).
Para este autor o neoliberalismo é “[...] uma argumentação teórica que restaura o
mercado como instância mediadora societal elementar e insuperável e uma proposição
política que repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia”
58
(NETTO, 1995, p. 77). Isso significa que todas as esferas sociais devem ser organizadas
sob a lógica mercantil, repassando à sociedade as funções que outrora foram da alçada
do Estado. O que para o autor se trata de uma crise do capitalismo democrático.
Contraditoriamente, os primeiros passos que foram dados naquele momento de
aparente “redemocratização”, através de uma maior abertura econômica, se
constituíram mais tarde nos passos decisivos em direção à integração política e
econômica globalizada. Ou seja, nos anos 1980, contrariando a tendência mundial de
cortes de investimentos na área social, com o fim do Estado de Bem Estar, o Brasil
efetivou um avanço na área social, transparecendo o caráter desigual e combinado do
modo capitalista de produção
15
, que afeta singularmente os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos.
Nesse momento, democracia representativa se mostrou um modelo de
organização política interessante para os países da periferia do capital, pois revelou a
possibilidade do exercício da hegemonia pela classe dominante. Num (apud
CIAVATTA, 2002 p. 91) reconhece que este modelo de regime político “torna-se um
simulacro útil às dominações oligárquicas que, na história constitucional dos nossos
povos, sempre foram tão excludentes quanto repressivas” indicando que a mudança do
regime militar, na Nova República, não assegurou a inclusão social como se esperava e
se lutava no período Constituinte.
Na educação pública, em especial no nível médio, tivemos uma reordenamento
de sua finalidade e objetivo - como sinalizado anteriormente neste texto - para atender
às novas necessidades do mercado. Esse reordenamento revela mudanças significativas
na finalidade da educação, delineando a construção de uma relação imediata entre
trabalho e educação determinada pelo mercado. O objetivo da educação não pode ser o
pleno desenvolvimento do ser humano, em suas múltiplas determinações, para atender
quase que exclusivamente as demandas do “mercado de trabalho”. Isso ocorre mesmo
quando se trata da educação de cunho academicista, que é o caso da educação geral
neste período, essa relação de subordinação às demandas no “mercado de trabalho” é
representada pelos requisitos exigidos, necessitando o trabalhador possuir um perfil de
“empregabilidade”.
15
Expressão utilizada por Mészáros para explicar que o desenvolvimento capitalista requer um
desenvolvimento desigual, visto ser fundamentalmente desigual, onde a concentração da riqueza em
determinadas regiões depende da espoliação de outras, sendo justamente a desigualdade o fator a
proporcionar ao capital a possibilidade de continuar se expandindo ampliadamente (MÉSZÁROS, 2002).
59
De fato, as mudanças na esfera produtiva passaram a exigir um novo perfil de
trabalhador, pois no modelo de produção fordista pouco se utilizava o conhecimento
teórico, daí que a contratação de mão de obra independia de escolaridade. Com uma
base técnica eletromecânica, a relação entre o trabalhador e a tecnologia existente se
dava através da apreensão do percurso feito pelo trabalhador no decorrer do processo de
trabalho, o que importava era a experiência laboral adquirida durante o processo de
trabalho, resultando em uma preferência aos trabalhadores que já a tinham adquirido.
Acompanhando essa tendência, os cursos de formação profissional eram baseados na
supremacia do conhecimento prático sobre o conhecimento teórico, exigindo pouca ou
nenhuma escolaridade, haja vista ser mais importante a experiência.
Diferentemente, a nova relação entre trabalhador e processo de trabalho na
acumulação flexível passou a ser mediada pela microeletrônica. Na base
microeletrônica, cuja tecnologia se torna mais complexa, embora o processo de
trabalho seja simplificado, não é suficiente ao trabalhador a posse da experiência,
passou a ser imprescindível a articulação dos “conhecimentos tácitos e científicos
adquiridos ao longo da história de vida, através das experiências de formação escolar e
profissional e da experiência laboral” (KUENZER, 2003
,
p. 4). Atendendo a essas novas
características do processo de trabalho, passou a ser exigido do trabalhador o
desenvolvimento de novas habilidades tais como a interpretação de problemas, tomar
atitudes, liderança e outras habilidades inexistentes na rigidez dos processos de
produção do fordismo.
Esse contexto de mudanças de várias ordens impôs aos estudiosos da relação
educação e trabalho a necessidade de conhecer radicalmente essas mudanças que se
operavam na sociedade para se capacitarem a participar da construção de um modelo
educacional que pudesse melhor se adequar a essa etapa tão singular da acumulação
capitalista. Porém, apesar das mudanças no setor produtivo ditarem o tom do diálogo, as
preocupações que perpassavam as discussões destes estudiosos do campo educacional
tinham como horizonte a luta histórica da classe trabalhadora. Entendida como a
construção de um modelo de ensino que estivesse comprometido com a formação
omnilateral, na perspectiva gramsciana de escola unitária, este modelo de educação não
seria subordinado as necessidade de caráter imediato emanadas do mercado, mas estaria
comprometida com uma formação para a vida.
60
2.1.2 A reforma educacional a ação das agências internacionais de financiamento
e os intelectuais brasileiros
Os organismos multilaterais são constantemente apresentados como
determinantes das políticas públicas desenvolvidas nos países que recorrem aos seus
financiamentos para implementarem projetos, todavia, tais organismos acabam, a nosso
ver, quase sempre representados como sujeitos unicamente determinantes nos textos que
tratam dessas questões. Ainda que não queiramos isentá-los, até porque acreditamos
que esses organismos não se guiam por interesses humanitários na relação que travam
com seus credores, os países da periferia do capitalismo, achamos pertinente focarmos
também a função desempenhada pelos intelectuais brasileiros que trabalham
diretamente com esses organismos, o que configura uma mediação entre o que é
prescrito pelos organismos multilaterais e implementação nos países por eles
financiados, nos permitindo questionar sobre a organicidade de alguns intelectuais
nessas relações internacionais desiguais.
Em uma análise da relação existente entre o Banco Mundial e os intelectuais
brasileiros que assumem funções de consultores, Cunha (apud FERRETI, 2000, p.92)
enfatiza que:
tratando-se do Brasil, as relações entre políticas educacionais e as
recomendações (do Banco Mundial) e de outras agências internacionais
podem ser compreendidas em suas complexas mediações com o
protagonistas internos, individuais e institucionais, de modo que se possa
pesquisar até mesmo o caminho inverso: a atuação de intelectuais orgânicos
brasileiros no desenho das políticas das agências internacionais.
E cita, em seguida a intensiva atuação de renomados intelectuais do campo
educacional tais quais, Cláudio Moura Castro e João Batista de Araújo e Oliveira, nos
remetendo dialeticamente a série de mediações existentes entre educação e trabalho,
organismos internacionais e instituições nacionais, e finalmente entre política e
economia.
Não se trata, portanto, de reformas cujo conteúdo seja imposto pronto e acabado.
São na verdade reformas pensadas e implementadas no modelo de parcerias, as
negociações acontecem entre equipes dos organismos financiadores internacionais,
através de seus técnicos, e técnicos e assessores das equipes dos próprios governos Silva
(2004, p. 7-8) nesse contexto de negociação “temos técnicos e intelectuais brasileiros a
61
serviço do Banco Mundial, que utilizam a grande imprensa para fazer apologia da
privatização dos espaços escolares, juntando-se aos empresários ávidos para explorar
comercialmente o ensino presencial ou a distância”.
E, ainda esclarece que essa estreita aproximação entre os intelectuais brasileiros
e agências internacionais, como o Banco Mundial, escamoteiam as relações
“intervenção/consentimento” e “dominação/consentimento”, onde percebemos um jogo
de esconde e mostra, nem sempre sendo possível saber em que medida se trata de
imposição ou de atrelamento intelectual (SILVA, 2004, p. 12).
As formas de controle utilizadas pelo Banco Mundial, para lograr êxito em suas
investidas adotam um modelo de gestão que se fundamenta em uma estreita ligação com
os intelectuais do país “favorecido” pelo empréstimo, através de unidades de
representação no país. À exemplo:
Do escritório de representação do Banco Mundial, em Brasília, instalado no
edifício Coporate Finance Center, W3 norte, a gerencia sobre os projetos é
mantida e intensificada para garantir o cumprimento das metas físicas e
financeiras definidas e a introdução dos princípios de racionalidade,
produtividade, eficiência e competitividade (SILVA, 2004, p. 12).
Tendo presente como a relação entre organismos internacionais e alguns setores
nacionais é determinante na criação de políticas públicas para a educação no Brasil, nos
remeteremos ao caso particular do desmonte das escolas públicas no estado do Paraná,
por meio do PROEM, cujo projeto foi desenvolvido através de uma parceria entre o
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Secretária de Estado da
Educação do Paraná. Contando para este programa com um orçamento de 222 milhões
de dólares, sendo que 100 milhões provinham do BID e 122 milhões seria a
contrapartida do Estado do Paraná. Esse montante deveria ser alocado ao longo de cinco
anos.
Foi no contexto de reformas educacionais em âmbito nacional e das discussões
referentes à relação entre educação e trabalho que se processavam em meados da década
de 1990, que o Estado do Paraná deu início às mudanças em seu Sistema Estadual de
Ensino. Essa reforma foi possível através de acordos entre o Banco Interamericano
Desenvolvimento e o MEC, que possibilitou o financiamento direto entre as Secretarias
de Educação Estaduais e o BID. Essa parceria entre o BID e a Secretaria de Estado da
Educação foi possibilitada depois da redefinição dos papeis da União, dos Estados,
62
Municípios, Setor Produtivo e Sociedade Civil constante na Lei nº. 9394/96, e de
acordos entre MEC e BID.
Antecipando-se tanto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em trâmite no
Congresso, quanto do Decreto Nº. 2.208/97, ainda em 1995 a Secretaria de Estado da
Educação do Paraná iniciou os trabalho que culminaram no PROEM Programa de
Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná. Este programa objetivou
atender às necessidades decorrentes das alterações ocorridas na base produtiva,
mudanças essas que passaram a demandar novas formas de trabalhar o conhecimento a
serviço do capital. O documento base argumenta que: “a melhoria da qualidade da
educação é questão central para a retomada do desenvolvimento estadual sob novas
bases, visando à reestruturação produtiva eficaz com igualdade de oportunidade”
(PARANÁ, 1996, p. 10-11). Por esse motivo, o PROEM expressa a preocupação geral
com a adequação do ensino às necessidades emanadas do setor produtivo em tempos de
reestruturação produtiva e inovação tecnológica, mas não podemos afirmar o mesmo
sobre sua relação com um modelo de educação que responda as necessidades da classe
trabalhadora.
Atendendo ao reordenamento das instituições cuja atuação é a área social, e
confirmando a tendência de racionalização, este programa consubstancia um modelo de
administração pública comprometida com a política de descentralização de serviços sem
a reforma financeira, visto retirar da alçada do Estado a oferta da Educação Profissional
repassando-a, em grande parte, para o setor privado onde o aluno para estudar necessita
pagar, passando a arcar com um custo de formação, em nível de Ensino Médio, que
deveria ter a oferta garantida pelo poder público.
E, antecipando-se a Lei nº. 9694/96 e ao Decreto nº. 2208/97, o Estado do
Paraná lança o PROEM, dando início a reorganização do Ensino Médio, em cujos
documentos fica explicito o atrelamento às prescrições dos organismos financiadores
internacionais. Essas prescrições vêm embaladas em forma de competências a serem
desenvolvidas nos alunos de modo que os capacite para o exercício da cidadania,
conceito que compreende o trabalho.
O problema de financiamento do ensino médio foi temporária e parcialmente
reduzido com os acordos entre o MEC e o BID. Temporariamente porque se trata de
empréstimos que deverão ser pagos, ainda que um pouco mais a frente, parcialmente
por se tratar de programas que impõe às secretarias estaduais que o executarem o
compromisso de arcar com uma grande montante do custo total do projeto, além de
63
repasses desses custos para outros setores da sociedade
16
. O caráter permanente da
descentralização quando contrastado com o caráter provisório do programa, visto os
recursos terem um prazo para serem investidos, ficando depois cada estado da federação
responsável por assumir os custos, revela a precariedade com que são resolvidas
questões referentes aos recursos destinados à educação. Essa precariedade confirma a
ausência de um projeto orgânico e contínuo para a educação brasileira.
Seguindo esse ideário, os acordos firmados pelo governo brasileiro
possibilitaram aos estados da federação a construção de projetos educacionais
articulados aos interesses internacionais. Os organismos financiadores passam a impor
modelos e parâmetros como condição direta para liberação dos recursos, visto serem
financiadores diretos. Nesse contexto que o Paraná construiu o PROEM identifica-se
como objetivo, tal qual a LDB 9.394/96 e o PL 1603/96, a adequação da realidade
educacional ao mercado. Essa “adequação” implicou em mudanças pedagógicas e
estruturais significativas para o alcance das metas de “eqüidade, eficiência e eficácia”
estabelecidas pelo BID (PARANÁ, 1996).
O PROEM, portanto, foi um programa criado pela Secretaria de Estado da
Educação do Paraná, com os objetivos específicos de “ampliar a eficiência, a eficácia e
a igualdade de oportunidade de acesso à educação média e profissionalizante”,
objetivando a expansão deste nível de ensino com qualidade (BARROS, p. 4). E, Tal
qual às demais reformas, intentadas no marco de políticas de um Estado comprometido
com o grande capital, o PROEM pretendeu combinar expansão e melhoria da qualidade
sob a lógica da racionalidade financeira e organizacional. Atendendo a essa
necessidade, a extinção dos cursos profissionalizantes da rede regular de ensino
impactou significativamente nos custos da educação básica, já que os cursos técnicos
requeriam custos mais altos tanto para sua implantação quanto para sua manutenção
devido à necessidade de laboratórios destinados às formações específicas que
ofertavam.
Os organismos internacionais, no caso do PROEM o BID, estabeleceram as
metas e as normas de implantação. O que explica a presença dos termos flexibilidade,
eqüidade, ajustes econômicos, eficiência, entre tantos outros que são requeridos por
esses organismos nos projetos e programas que serão realizados via convênios. O não
16
Esse repasse passaria a ser feito na forma de parcerias e de prestações de serviços tendo como objetivo
angariar recursos para o desenvolvimento deste programa de educação profissional, no caso do PROEM.
64
cumprimento das metas e objetivos às normas estabelecidas por esses organismos
implicaria na cessação do financiamento dos recursos para manutenção do convênio.
Os princípios de racionalidade, eficiência, eficácia e eqüidade visaram
operacionalizar as questões pedagógicas sob a lógica mercantil, impondo concepções,
objetivos e finalidades à educação no intuito de atender ao objetivo de adequar a
educação, nesta etapa singular do capitalismo, às demandas de acumulação no âmbito
da reestruturação flexível.
Dados esses princípios, que não vêm por si só à realidade brasileira impor-se, os
intelectuais brasileiros alinhados com esse projeto societário fazem as mediações,
porque orgânicos as instituições dessa sociedade. Identifica-se, nesse sentido, a
Secretaria de Educação do Estado do Estado do Paraná como um intelectual coletivo
orgânico no campo da educação, sendo que alguns sujeitos em específico, como aqueles
que redigiram o PROEM guiados pelos princípios estabelecidos pelos organismos
multilaterais, objetivam as subjetivações desse intelectual em termos de planejamento,
execução e avaliação.
2.2 PROEM IMPACTO DA REFORMA NO CURRÍCULO
2.2.1 Concepção de ensino médio e de educação profissional: implicações práticas
Os princípios que acompanham as reformas educacionais são “eficiência”,
“eficácia” e “eqüidade”, e encontram abrigo no interior do neocolonialismo, que
procura impor ao campo educacional os mesmos parâmetros e princípios que regem o
mercado, evidenciando-se um reposicionamento da relação trabalho educação.
Divergente do posicionamento dos teóricos críticos deste campo nos anos 1980 que,
comprometidos com as reivindicações da classe trabalhadora, se empenhavam em
construir uma proposta educacional que contemplasse os conhecimentos necessários à
inserção no mercado de trabalho e, mais que isso, que contemplasse o conhecimento
sócio-histórico que integrado aos conhecimentos científicos e tecnológicos
possibilitariam a mediação necessária, porém insuficiente se tomada isoladamente, para
contribuir no processo de emancipação humana.
65
No texto do PROEM (versão preliminar de três de setembro de 1996) a
SEED/PR apresenta os três princípios que nortearam a proposta de implantação deste
programa:
- I permanência do aluno na escola, assegurando-lhe melhor aproveitamento
escolar e maior qualidade e relevância das aprendizagens;
- II bons professores, proporcionando-lhes permanente capacitação e
incentivos ao desempenho profissional;
- III participação da comunidade na condução do processo educativo,
privilegiando o processo de formação de alianças e parceiras (SEED/PR,
1996, p.3).
No que se refere ao primeiro princípio, a qualidade do ensino ofertado tem
compromissos “compatíveis com as exigências econômicas e com as normas modernas
de exercício da cidadania” (p. 3). Ao que se questiona: quais seriam essas normas
modernas de exercício da cidadania? Talvez se possa responder com o terceiro princípio
deste mesmo programa, que indica responsabilizar a sociedade por parte dessa
formação, que prevê parcerias, e que devido a um reposicionamento da Teoria do
Capital Humano, que entende o conhecimento como meio de produção, por isso capital,
tornando todos indistintamente capitalistas em potencial, atribui a cada qual adquirir e
cuidar como lhe convier do seu capital, ou seja, seu conhecimento.
O segundo princípio que norteia o programa revela o caráter meritocrático do
programa, ao estabelecer “incentivos ao desempenho profissional”, no ponto
denominado Componente Desenvolvimento de Recursos Humanos, no item 3.2.3.3 A
Atividade Incentivos para o Desenvolvimento da Competência Profissional, o programa
estabelece:
Desenvolvimento de formas de premiação dos profissionais do Ensino
Médio, individualmente ou em equipe; Concessão do Vale Saber e Vale
Ensinar para os profissionais cujos estudos e/ou pesquisas foram
selecionados; Desenvolvimento de sistema de gerenciamento e avaliação do
processo de incentivo à competência profissional (PARANÁ, 1996, p. 38)
A reforma do ensino médio no Paraná iniciou seus trabalhos com seminários
abarcando discussões que foram das tendências mundiais deste nível de ensino às
contribuições das Instituições de Ensino Superior, com o objetivo de aprofundar debates
para a construção do novo currículo do ensino dio no Paraná. Estas atividades foram
executadas pelo Departamento do Ensino de 2º Grau, executor responsável do PROEM.
O PROEM, pretendendo inovar, lançou a separação total entre a formação
acadêmica e a formação profissional, repondo em outro patamar a histórica dualidade
66
estrutural do ensino brasileiro no Estado do Paraná, haja vista retirar a equivalência
entre a educação profissional e o ensino médio. Evidente fica que a concepção que este
programa trouxe de ensino médio não pode ser considerada inovadora, mas o contrário,
visto nos remeter à constituição das Leis Orgânicas nos anos de 1940, que determinou
dois sistemas paralelos de formação destinados aos estudantes atendendo a suas origens
de classe.
Apesar de ainda não promulgada na ocasião, a nova Lei de Diretrizes e Bases
favoreceu a definição do novo perfil do currículo. Pois, apesar de propor também a
modalidade de formação profissional na mesma grade curricular do ensino médio como
uma das articulações possíveis entre educação geral e educação profissional, a nova lei
educacional expressa preocupação em relação às mudanças ocorridas no setor produtivo
e a repercussão destas mudanças na educação. Diante disso o novo currículo deveria ser
pautado no conceito de flexibilidade, capacitando instituições escolares e professores a
uma melhor adequação aos imperativos vindos da reestruturação produtiva,
materializadas nas exigências do mercado de trabalho.
Esse novo currículo foi concebido ignorando a perspectiva possível de uma
grade que comportasse a formação profissional juntamente com a educação geral
passando, portanto, a contemplar separadamente a formação acadêmica e a formação
profissional, que se constituíram na forma de sistemas paralelos sem vinculação entre si,
sem, portanto, garantia de equivalência, o que significou a perda desta conquista. O
Ensino Médio passou a ter um caráter acadêmico, expressando a intenção da SEED/PR
de assegurar “um padrão de qualidade do ensino geral comum a todos” (SEED/PR,
1996, p. 4), indistintamente da classe social do aluno. Essa conformação curricular fazia
parecer que nas escolas as condições materiais e culturais desiguais de cada classe
social pudessem ser superadas idealmente pela via legal. O discurso da igualdade
defendido através da “qualidade de ensino geral comum a todos” ocultava o seu
contrário, a desigualdade via formalização legal do ensino para os trabalhadores em
oposição ao ensino para os capitalistas e seus representantes.
Para Ciavatta (2005, p. 93) essa concepção de currículo que segmenta em
sistemas distintos educação geral e educação profissional termina “cerceando uma
formação integrada do conhecimento que embasa a técnica e as tecnologias, sedimenta
uma política curricular equivocada do ponto de vista da educação omnilateral.” Mais do
que isso, a organização do currículo no eixo das competências, ao propor a eliminação
das disciplinas para o desenvolvimento de projetos como veículo da aprendizagem, na
67
acepção de Ramos (apud CIAVATTA, 2005, p.94), interdita uma educação nos moldes
da escola unitária que “exige que se busquem os alicerces do pensamento e da produção
da vida além das práticas de educação profissional e das teorias de educação
propedêutica que treinam para o vestibular”.
Ainda nos reportando à desvinculação entre acadêmico e geral, o PROEM toma
como justificativa para essa separação, além é claro das discussões em âmbito nacional
que envolve o trâmite da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do PL
1603/96, o fato de a “oportunidade de emprego para os egressos desses cursos estarem
virtualmente esgotadas” (PARANÁ, 1996, p.9). Lança-se mão de argumentações desse
tipo como se a nova proposta - cuja essência é a desvalorização do ensino médio,
entendido hoje como indispensável para o exercício de qualquer ocupação no mercado
de trabalho - fosse compatível com as demandas originadas pela acumulação flexível, e
não uma sólida base geral, que permita a continuidade dos estudos em nível superior ou
em uma formação técnica.
Por isso é importante discutir esta característica desse novo currículo, sua
organização privilegiando o desenvolvimento de competências. Segundo Kuenzer
(2002) o conceito de competência está presente nas discussões do trabalho desde 1970
e, estando essa categoria sujeita ao desenvolvimento histórico das forças produtivas,
refere-se à habilidades que são determinadas por formas peculiares de divisão social e
técnica do trabalho. Na década de 1970 a divisão técnica do trabalho estava pautada no
paradigma fordista onde “competência assume o significado de um saber fazer de
natureza psicofísica, antes derivado da experiência do que de atividades intelectuais”. A
autora defende que a competência aproxima-se do conceito de “saber tácito”,
apropriação de diversos tipos de conhecimento ao longo da trajetória laboral, típica de
uma base técnica cujo predomínio era a eletromecânica.
A alteração da base técnica fordista para a toyotista, sob o domínio da
microeletrônica, passou a demandar do trabalhador novas habilidades e novos
conhecimentos, não mais possíveis de serem desenvolvidos totalmente no âmbito do
processo de trabalho. Esses novos conhecimentos demandados, em grande parte são os
conhecimentos adquiridos através de relações sistematizadas especificamente
pedagógicas, adquiridos singularmente no processo de escolarização. E como
construção histórica, portanto, sujeita à mudanças, a categoria competência nesse novo
paradigma refere-se para Kuenzer (2002,) à “capacidades cognitivas complexas, em
particular as relativas a todas as formas de comunicação, ao domínio de diferentes
68
linguagens e ao desenvolvimento do raciocínio lógico-formal”, daí a importância do
processo de escolarização como base para o desenvolvimento técnico.
Ocorre que o desenvolvimento de competências, nesse momento histórico, migra
do interior dos processos produtivos para o interior das escolas determinando os
conteúdos a serem trabalhados objetivando uma formação adequada ao novo estágio de
desenvolvimento das forças produtivas e, sob o modo de produção capitalista a
formação pretendida é a formação dimensionada para o desempenho do trabalho.
Em texto datado de 1985 Kuenzer (2002) demonstra que o processo
pedagógico no qual o trabalhador está submetido no processo de trabalho tem sempre
uma função educativa, que atende a dimensões técnicas e políticas, sendo que está
última quase nunca é explicitada, o que não significa que não esteja cumprindo sua
função de impor a ideologia da classe dominante e sua concepção de mundo. E é
justamente essa função que se observa sendo repassada para a educação escolar, de
formar comportamentos e atitudes como o domínio das diferentes linguagens,
capacidade de adaptação rápida, resolução de problemas, liderança e etc.
Considerando a função de hegemonia da escola no âmbito da sociedade de
classes
17
. a singularidade do trabalho educativo desenvolvido por esta instituição dever
ser cuidadosamente pensado, uma vez que compartilhamos o mesmo entendimento que
Saviani da natureza e sentido da educação:
o homem não se faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo ser
homem,vale dizer, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para
saber pensar e sentir, para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o
que implica o trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interessa à
educação é aquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem,
como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para se chegar a esse
resultado a educação tem que partir, tem que tomar como referência, como
matéria-prima de sua atividade, o saber objetivado produzido historicamente
(SAVIANI, 2000, p. 11-12).
E mais, o fundamental para esse autor sobre o que o indivíduo precisa adquirir
para se tornar ser humano é o quanto o ser humano conseguiu desenvolver-se ao longo
do processo histórico de sua objetivação. Este é o parâmetro para o objetivo da
17
Não aprofundaremos a questão referente à natureza e a função da escola na sociedade capitalista, pois
entendemos que diversos autores deram conta muito bem desta tarefa. E partimos do pressuposto,
fundamentos em Frigotto (A produtividade da escola improdutiva), que a escola ocupa uma posição
mediadora na sociedade capitalista, podendo tanto reproduzir esta sociedade, quanto contestá-la, por esse
motivo a vinculamos a luta história da classe trabalhadora, cientes, no entanto, dos seus limites, mas
apostando em suas possibilidade de contribuição para a superação da sociedade de classes.
69
educação da humanidade, ou seja, transmitir o conhecimento historicamente produzido
pela sociedade humana, dotar as novas gerações dos conhecimentos construídos não
as limitando ao recomeçar contínuo.
Não basta a existência do saber sistematizado, é necessário haver a viabilização
das condições necessárias à transmissão e assimilação do saber. Atendendo a isso o
currículo é o instrumento que organiza, dispõe o tempo, os agentes e os instrumentos
necessários para que o conhecimento sistematizado e acumulado objetive-se em
aprendizado nos alunos. Saviani ainda se refere aos conteúdos considerados curriculares
e extracurriculares e o conceito ampliado de currículo, onde tudo cabe, no caso o
desenvolvimento de competências, levando a perda da finalidade prepcípua desta
instituição, que de “agência destinada a atender os interesses das população em ter
acesso ao saber sistematizado, a escola se torna uma agência a serviço de interesses
corporativistas ou clientelista” (SAVIANI, 2000, p. 21-22).
Demarcando a inversão do que seria a função da escola, no âmbito da sociedade
capitalista, esta se encontra subsumida às relações de produção próprias de uma
sociedade cindida em classes, ou seja, a educação tal qual a realidade se concretiza
dual. E, atendendo a essa característica essencial desta sociedade, “estas formas de
organização do trabalho dividido aparecem como função do capital e são determinadas
pelas relações de produção; por sua vez, elas determinam requerimentos de qualificação
e de conduta a partir dos quais se define o processo de educação da força de trabalho”.
(KUENZER, 2002, p.13)
Segundo Kuenzer (2002) esse processo pedagógico cumpre a função de impor a
ideologia dominante e sua concepção de mundo. Deste modo constroem-se em vel de
superestrutura ideologias que intentam justificar e legitimar a realidade. Neste contexto,
o termo competências, originada no interior dos processos de trabalho, ao invadir os
processos pedagógicos escolares tem como compromisso adequar o sistema educacional
às exigências de produtividade, competitividade e inovação tecnológica do sistema
produtivo.
O compromisso de adequar a educação às necessidades da esfera produtiva e aos
requisitos para essa nova etapa da acumulação capitalista se apresenta, portanto,
passível de ser conhecido se considerarmos as relações de produção em sua totalidade.
Ou seja, além do desenvolvimento técnico necessário para levar adiante o modo de
produção capitalista, constroem-se também ideologias que intentam legitimar essas
relações de produção como naturais, únicas e, portanto, eternas. Assim, a disseminação
70
do conceito competências cumpre a função de fazer acreditar que o problema do
trabalhador não é a ausência de vagas no mercado de trabalho, mas sim o não
desenvolvimento de seu perfil de empregabilidade.
O conceito de competências, ao ser transplantado para as instituições escolares
impacta imediatamente no currículo. Confirmando, vejamos que modelo de currículo foi
contemplado pelo PROEM.
O PROEM estabelece que na elaboração dos conteúdos deve ser contemplada
uma “concepção de ensino onde a interdisciplinaridade se privilegiada, o que
pressupõe novas formas de organização do conhecimento, adequada às exigências
requeridas atualmente para a formação do cidadão” (SEED/PR, 1996, p. 26).
Confirmando a prescrição do programa, a Secretaria de Estado da Educação
defende, através da Instrução nº. 01/98, além das finalidades previstas na Lei nº.
9394/96, que “a Estética da Sensibilidade; a Política da Igualdade; a Ética da
Identidade”, deveriam ser os princípios e valores a orientar as propostas pedagógicas
das instituições. E a organização do currículo do ensino médio teria como linha
norteadora “os princípios pedagógicos da Identidade, Diversidade, Autonomia,
Interdisciplinaridade e Contextualização” (PARANÁ, 1998).
Este documento estabelece ainda que os princípios de “Identidade, Diversidade
e Autonomia” referem-se à organização da escola, e a comunidade onde está inserida.
Enquanto os princípios da “Interdisciplinaridade e Contextualização” devem incidir
sobre o currículo, convertendo-se em eixos a serem seguidos para sua elaboração.
As disciplinas, neste novo currículo passariam a ser organizadas segundo as três
grandes áreas do conhecimento, esboçadas pelo PROEM e depois prescritas pela
Instrução nº. 01/98 - Ensino Médio, quais sejam, Linguagens e Códigos e Suas
Tecnologias, Ciências da Natureza e Matemática e Suas Tecnologias e Ciências
Humanas e Suas Tecnologias (PARANÁ, 1998).
Nessas três grandes áreas encontram-se distribuídas as disciplinas “potenciais”,
indicando que nem todas as disciplinas precisam ser contempladas. O currículo deveria
ser organizado tendo como foco não mais os conteúdos a serem trabalhados em sala de
aula, mas sim as competências e habilidades a serem desenvolvidas nos alunos, o que
sugere que nem todos os conteúdos precisaram ser contemplados. Isso não parece gerar
nenhum problema para o MEC, pois, de acordo com os PCNs na sociedade atual o
crescimento constante do volume de informações produzidos pelas novas tecnologias
71
coloca novos parâmetros para a formação do cidadão, concluindo que “Não se trata
mais de acumular conhecimentos” (BRASIL, 1998, p. 3).
Evidente fica que diferentemente da concepção defendida por Saviani (2000), o
novo modelo de organização curricular não mais necessitaria primar pela transmissão
do conhecimento produzido e acumulado pela humanidade. Podendo, então a escola se
dedicar a desenvolver competências e habilidades necessárias ao processo produtivo,
restringindo o processo educativo à formação de alunos com os requisitos necessários a
reprodução da sociedade capitalista.
Observa-se nitidamente a inflexão das poucas conquistas da década de 1980,
cuja perspectiva do projeto de educação para o país tinha como horizonte a luta histórica
da classe trabalhadora que buscava a ampliação das vagas e condições de permanência
dos seus filhos em uma escola pública de qualidade, como uma das formas de
resistência ao caráter destrutivo da sociedade capitalista. Indicando que, diferentemente
do que se pretendia ainda nos anos 1980, com uma educação omnilateral comprometida
com a emancipação humana, nos anos 1990 o que se vê é uma educação reducionista,
atomizada e vinculada aos interesses do grande capital, que são impressos nos modelos
educacionais ditados pelas elites conservadoras.
2.2.2 A dicotomia: educação geral x educação profissional no PROEM
A reforma do ensino médio no Paraná, proposta pela SEED no PROEM, tem
como principal ação a separação em sistemas paralelos a educação geral e a educação
profissional. Recoloca-se em pauta a velha dualidade estrutural, com perspectivas
educacionais diferenciadas para quem se destina ao ensino superior ou ao mercado de
trabalho. Aparentemente estamos voltando à velhas questões, mas de fato são as velhas
questões que se colocam como problemas novos de tempos em tempos, que
historicamente a sociedade brasileira não foi capaz de resolver esse problema que marca
o ensino médio.
Sabemos que a dualidade estrutural tem como determinante central a divisão e a
organização do trabalho na sociedade brasileira, tensionada pela contradição
fundamental entre capital e trabalho. A relação entre ciência e o desenvolvimento das
forças produtivas tem levado a um constante revolucionar dos processos e organizações
72
do trabalho e atualmente incide sobre a classe trabalhadora na forma de exigências de
novos requisitos, necessários ao desempenho de alguma atividade laboral no âmbito da
reestruturação produtiva, atendendo pela denominação de “empregabilidade”.
Os processos de trabalho nas sociedades contemporâneas, sob o paradigma da
produção flexível, demandam cada vez mais do trabalhador uma série de conhecimentos
que são possíveis a quem passou pelos bancos escolares ao menos pela educação
básica. Um conhecimento de caráter técnico-científico é considerado indispensável nos
novos moldes de produção. Os cursos de formação profissional que formavam o
trabalhador para o desempenho de uma única função, requerendo conhecimento
predominantemente técnico passaram a não mais ser suficiente para o bom desempenho
profissional, que o tipo de formação por eles ofertado não mais atende as mudanças
que se processaram na esfera produtiva, que por ser flexível exige um profissional que
possa atuar em diferentes tarefas, um trabalhador “polivalente”.
A LDB de 1996, ainda em trâmite no período de constituição do PROEM,
propõe ao ensino médio que, “atendida a formação geral do educando, poderá prepará-
lo para o exercício de profissões técnicas” (Art. 36), o que pressupõe que o aluno possa
cursar o ensino médio técnico. Ademais, no capítulo da educação profissional a LDB
9394/96 estabelece que esta poderia ser “integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia” (Artg. 39). O que significa que não houve no texto da
LDB 9.394/96 restrições acerca das formas através das quais se dariam a articulação
entre a educação geral e profissional, apesar desta lei não especificar objetivamente
como se daria essa articulação.
No entanto, ainda que a LDB 9.394/96 não faça essa restrição, o PROEM,
pautado nas discussões que envolviam o PL nº. 1603/96, vem justamente impor aos
estabelecimentos de ensino, e consequentemente aos que nele buscam uma formação
condizente com a atual etapa de desenvolvimento capitalista, a dissociação entre a
educação geral e educação profissional, segmentando o conhecimento em conhecimento
acadêmico e conhecimento tecnológico ao criar um sistema paralelo para os cursos
técnicos.
Essa separação se coloca no sistema estadual de ensino do Paraná, e segundo
Silva (1998, p. 11) logo em sua proposição inicial recebe inúmeras críticas e tentativas
de impedimento de implantação, críticas essas que se referiam ao seu caráter excludente
e seletivo. Considerando às necessidades demandadas pelo processo de reestruturação
produtiva, tem-se cada vez mais a necessidade de uma educação básica sólida que
73
abarque conhecimentos cientifico - tecnológicos, dentro de uma perspectiva sócio-
histórica, que possibilite ao trabalhador a constituição de um perfil de adaptação às
rápidas mudanças do mercado de trabalho. Ademais e principalmente, se considerarmos
as necessidades históricas da classe trabalhadora, veremos que apenas permitir uma
variedade de cursos desvinculados da equivalência com o ensino médio caracteriza essa
proposta como mais inapropriada ainda.
Desta forma, a dicotomia educação geral e educação profissional no PROEM,
permitindo ao aluno cursar a educação profissional, em nível médio somente após a
conclusão do ensino médio geral, diminuí acentuadamente a possibilidade de alunos
trabalhadores fazerem um curso profissionalizante.
Dados, apontados no próprio documento do PROEM (PARANÁ, 1996, p. 10),
revelam uma concentração de 66,3% das matrículas do ensino médio, da rede estadual
de educação, no período noturno. A mesma fonte de dados indica ainda que, dos alunos
que estão na faixa etária dos 15 aos 19 anos, um total de 64,7% estão inseridos no
mercado de trabalho
18
, indicando o grau de necessidade que a classe trabalhadora tem
de trabalhar durante o processo de escolarização. Para os alunos trabalhadores, estar
empregado quase sempre é a condição de poderem continuar na escola, visto não
poderem contar financeiramente com os pais para sua permanência na escola.
E, negligenciando esses dados citados no próprio documento base, o PROEM
determinou que o ensino técnico profissional passasse a ser ministrado em onze
estabelecimentos de ensino médio transformados em Centros de Educação Técnica
Profissional (CETEPs). Esses CETEPs, localizados em cidades pólos do
desenvolvimento econômico do Estado, contaram com a construção de infra-estrutura
adequada, bem como aquisição de equipamentos, materiais didáticos e contratação de
professores qualificados. No que se refere à organização destes cursos, o documento da
SEED/PR, atendendo aos imperativos de inovação, estabeleceu que as áreas do
conhecimento específico fossem organizadas em uma grade curricular de concepção
modular, visto essa forma de organização permitir uma maior flexibilidade na formação
profissional.
Organizados nessas localidades o ensino cnico profissional, antes disponível à
classe trabalhadora em toda escola pública da rede estadual de ensino em nível médio,
18
Dados do PNDA de 1990, não há informação quanto a inserção ser no mercado formal ou informal de
trabalho.
74
passou a ser ministrado somente nos CETEPs
19
Centros de Educação Técnica
Profissional –, significando que somente onze municípios do estado contariam com
centros profissionalizantes, determinando que a imensa maioria da classe trabalhadora
ficasse impossibilitada de fazer a opção por uma formação profissional. Haja vista
constatação já enfatizada, que a família não tem como manter seus filhos estudando por
muitos anos, sendo necessário que eles próprios se mantenham financeiramente na
escola. Deste modo, o que restou à grande maioria foi a busca por ofertas de formação
específica no setor privado, demonstrando o caráter excludente e discriminatório dessa
proposta endereçada à classe trabalhadora.
A citada organização curricular em módulos é de extrema importância nesta
análise dos cursos profissionalizantes Pós-Médios. Os conhecimentos específicos
técnicos de um determinado curso são divididos em módulos, que podem ser cursados
separadamente, e com a conclusão de todos os módulos do curso, tendo o ensino médio
geral, recebe-se o certificado de Técnico Pós-Médio. No caso de se cursar módulos
isolados, recebe-se certificados de qualificação profissional sem equivalência com o
ensino médio.
Em decorrência da separação da educação profissional do sistema regular de
ensino, prolifera-se a oferta de cursos profissionalizantes sem exigências de
escolaridade. Se por um lado isso possibilita a qualquer trabalhador passar por um
processo de qualificação, por outro temos que verificar no que implica essa
possibilidade. Ou seja, sem a exigência de escolaridade e sem a possibilidade de estar
cursando de forma articulada também o ensino médio, tem-se, primeiramente, que o
conhecimento isolado de um conjunto de técnicas específicas não será mediado pela
compreensão da totalidade histórica onde tal conhecimento é gerado e utilizado; em
segundo lugar, o que se é uma série de cursos profissionalizantes inadequados em
relação às próprias demandas do mercado de trabalho. Pois, considerando até mesmo
uma formação voltada explicitamente para atender este mercado, esta seria insuficiente,
haja vista serem consideradas imprescindíveis os conhecimentos adquiridos de forma
sistematizada no processo de escolarização.
Organizado em três subprogramas (Melhoria da Qualidade do Ensino Médio,
Modernização da Educação Técnica Profissional e Fortalecimento da Gestão do Sistema
Educativo) o PROEM justifica a separação acreditando que o problema da educação
19
De forma geral, pois houve algumas exceções em escolas públicas do Estado que mantiveram seus
cursos profissionalizantes, notadamente aqueles voltados à formação de professores.
75
profissional está no fato de ela estar organizada na mesma grade da educação geral. E
que “a focalização na educação geral nas três séries do Ensino Médio e a concentração
das habilitações em nível Pós-Médio em instituições regionalizadas constitui alternativa
para garantir distribuição mais eficiente da oferta” (PARANÁ, 1996, p. 5).
Não discordando da necessidade de elevação da escolaridade da classe
trabalhadora, a separação da educação geral do ensino profissional proposto pelo
PROEM contempla, como observado por Ferretti (2000), a inclusão dos incluídos,
posto que atende à seguinte racionalidade:
para os que passassem pelo crivo da seletividade um Ensino Médio
acadêmico, vinculado ao trabalho de forma ampla, assegurando a formação
indispensável para o exercício da cidadania e tendo em vista a continuidade
dos estudos. Para os que não conseguissem, o ensino profissionalizante,
integrado às diferentes formas de educação para o trabalho, por meio do qual
o jovem receberia alguma formação para inserir-se no mercado, diminuindo
assim a pressão sobre o ensino público oferecido pelas universidades, com o
que se cumpriria a função de representar a demanda (FERRETTI, 2000, p.
83
).
Esta tese é reforçada por Kuenzer ao identificar um movimento, do ponto de
vista do processo educativo do trabalhador, o qual chamou de “inclusão excludente”, o
que indica o surgimento de
estratégias de inclusão nos diversos níveis e modalidades da educação escolar
aos quais não correspondem os padrões de qualidade que permitam a
formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capaz de
responder e superar as demandas do capitalismo (KUENZER, 2005 p. 92).
Nesse movimento podemos ainda identificar os cursos profissionalizantes
introduzidos na década de 1990, exemplificando no caso desta pesquisa o PROEM,
cujas matrículas independem de escolarização prévia, resultando em cursos que no geral
se apresentam como alternativas de qualificação e requalificação, mas, no entanto pelo
caráter aligeirado e compensatório remetem aos alunos uma “certificação vazia”, posto
que não atendam aos requisitos exigidos pelo mercado de trabalho, promovendo uma
falsa idéia de inclusão para os que procuram esse tipo de formação, tornando-os
excluídos do conhecimento efetivo.
A concepção dos organismos internacionais que financiam a educação e outros
projetos de caráter “humanitário”, a exemplo do BID no caso do PROEM, infere que na
humanidade nos deparamos com pessoas que não nasceram capacitadas para o
desenvolvimento das ditas competências cognitivas superiores o que significa um
76
desperdício de dinheiro público insistir para que essas pessoas passem por um longo
processo de escolarização. Até porque sob a lógica da flexibilização temos uma
simplificação do trabalho ao longo das cadeias produtivas que indica não haver
demanda para uma formação de alto nível para todos os trabalhadores, sendo necessário
ao capital um fração bastante grande de trabalhadores para ocupar os postos de trabalho
precarizados e uma fração igualmente grande para manter como exército de reserva,
forçando os que estão empregados formalmente a aceitarem as condições de contratação
num momento de flexibilização dos contratos de trabalho.
A necessidade de racionalizar o uso dos recursos públicos, que serão investidos
para sanar as bancarrotas das empresas falidas
20
, sobrepondo os interesses econômicos
aos interesses sociais, tais como educação, saúde, saneamento básico e outras tantas
necessidades da classe trabalhadora. Assim, a educação profissional deixando de constar
como parte integrante da educação básica permite um grande avanço do capital, pois
transfere à iniciativa privada, empresas, e individualmente a cada trabalhador a
responsabilidade pela qualificação profissional necessária a inserção no mercado de
trabalho.
Nessa gica, o Decreto nº. 2208/97 viabiliza e torna possível materializar essa
racionalização, pois foi o instrumento legal que promoveu a reforma da educação
profissional em âmbito nacional e tornou legítimo o PROEM. Essa legalidade permitiu
o fechamento dos cursos técnicos de nível médio em todo o país, inclusive nos CEFETs,
reconhecidos pela qualidade dos cursos ofertados, que levou intelectuais ligados ao
Banco Mundial e BID, como Moura Castro a considerar que o investimento para a
formação profissional juntamente como a educação geral, em nível médio, é um gasto
inútil de dinheiro público, que grande parte dos estudantes dos CEFETs o utilizam
como via de acesso ao ensino superior, que não se cogita, em tempos de
racionalização financeira, que o problema, neste caso, não é a boa qualidade dos cursos
dos CEFETs e sim a má qualidade das demais escolas públicas.
Diante deste quadro, o que se procura do ponto de vista da classe trabalhadora é
a continuidade de políticas educacionais que se aproximem o máximo possível das
propostas pedagógicas que têm como horizonte a emancipação humana, àquelas que
possibilitem a essa classe as condições necessárias para sua formação integral. Essa
formação integral deve ser entendida no sentido de uma formação que busque em curto
20
Mészáros (2002) e Harvey (2000) mostram a intervenção do Estado para salvar a economia
capitalista, transferindo consideráveis montantes de dinheiro público para a esfera privada.
77
prazo possibilitar a inserção no mercado de trabalho, mas que, em longo prazo, esteja
comprometida com a superação de uma sociedade cujas relações de produção separam
trabalho manual e trabalho intelectual, prática e teoria, trabalhadores e capitalistas.
Nesse sentido, julgamos necessária a luta por uma educação que congregue em uma
mesma matrícula a educação geral e a educação profissional no sentido de uma
formação omnilateral, que embora não seja suficiente para a transformação da
sociedade, tenha uma importante contribuição a dar.
Dando continuidade a essa argumentação o terceiro e último capítulo apresenta
os resultados da pesquisa de campo, que são os instrumentos de que dispomos para
apreender o movimento do real em uma sua particularidade, que analisados no decorrer
do capítulo procuram dar respostas ao problema que se levantou no início desta
pesquisa, o atual ensino médio, na modalidade integrada, está efetivamente
possibilitando a integração entre a educação profissional e a educação geral?
3. ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO PARANÁ
O Estado do Paraná tem apresentado uma tendência a se adiantar em relação às
deliberações do Governo Federal. O atual modelo de ensino médio, que retoma a
possibilidade de articulação entre a educação profissional e a educação geral na
modalidade integrada no âmbito do sistema regular de ensino tem início quando da
realização do primeiro encontro para tratar dos fundamentos e princípios curriculares
que fundamentaram a política da SEED Secretaria de Estado da Educação em 2003.
Outro encontro foi realizado no ano de 2004 com o mesmo objetivo. Esses dois
encontros “demarcaram a publicização da concepção de organização curricular
integrada que vinha sendo debatida e assumida internamente pelo Departamento de
Educação Profissional” (PARANÁ, 2005, p. 7). Em 2004 essa proposta de integração
encontraria respaldo legal com o Decreto nº. 5.154/04 e a conseqüente revogação do
Decreto nº. 2.208/97.
Este capítulo se constituiu a partir da fundamentação teórica que sustenta a
proposta do atual modelo de educação da Secretaria de Educação do Estado do Paraná,
que toma o trabalho como princípio educativo para o desenvolvimento de uma educação
politécnica na tentativa de “se não a superação da dualidade estrutural, o que
demandaria a superação do capitalismo, pelo menos o seu enfrentamento, considerando
os limites e as possibilidades da escola” (PARANÁ, 2005, p. 11). Deste modo, a
coleta de dados de nossa pesquisa de campo procurou dar resposta para ao problema
enunciado no início deste trabalho, qual seja, a necessidade de um modelo de
educação profissional comprometido com a superação da dualidade estrutural que
permeia a educação brasileira, em especial em seu nível médio.
A análise dos dados colhidos por meio de entrevistas cumpre a função de melhor
conhecer como as escolas têm se organizado para implementar o Ensino Médio
Integrado, por meio da integração entre conhecimento geral e conhecimento específico.
Esta pesquisa procura, portanto, conhecer quais são, efetivamente, as bases concretas
sob as quais essa reforma está se processando, levando-se em conta a capacitação dos
docentes para trabalharem tendo um novo modelo de educação, que trás consigo uma
outra concepção de educação profissional. Essas entrevistas também objetivam
conhecer as dificuldades e limites encontrados pelo corpo docente nesse processo de
implantação do Ensino Médio Integrado. Pois, sabemos que entre a proposta originada
79
no âmbito da SEED, concebida por intelectuais ainda que tenha havido iniciativas de
discussões mais amplas com as comunidades escolares –, e a sua implantação, a
proposta percorre um longo caminho, sempre implicando uma adaptação do que é
prescrito legalmente, nunca ocorrendo a transposição do que foi proposto. Do texto
legal à prática pedagógica percorre-se um caminho mediado por inúmeras instâncias,
sendo que a concepção nem sempre chega ao chão da escola e a prática decorre sem
consideráveis alterações.
O curso contemplado na nossa investigação é o Técnico em Administração
Integrado, trata-se de uma modalidade em que o aluno por meio de uma única matrícula
cursa integradamente a educação geral e a educação profissional, ambas em nível
médio. A análise que nos propomos a fazer tem como objetivo, conhecer quais são as
condições que as instituições têm, considerando seu corpo docente, de efetivamente
possibilitar a integração curricular na perspectiva defendida por seus idealizadores no
documento Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional do Estado
do Paraná. Nesse intuito elegemos algumas categorias norteadoras desse trabalho.
Contemplando os objetivos dessa pesquisa trabalhamos com as categorias: trabalho
como princípio educativo; integração entre ciência e conhecimento na grade curricular e
integração entre educação geral e educação profissional.
Deste modo foi elaborado um questionário para entrevistas com os docentes e
equipe pedagógica da instituição. Esse questionário procurou contemplar questões
referentes ao conhecimento do documento base da educação profissional; a existência
de cursos de capacitação, tendo em vista a necessidade de tornar conhecido os
fundamentos teórico-metodológicos da nova concepção de educação profissional; como
os professores efetivam em sua prática diária a “integração” entre as disciplinas da Base
Nacional Comum e as disciplinas específicas do curso técnico, tendo em vista uma
formação de caráter omnilateral, que tem o trabalho como princípio educativo como
fundamento da proposta; a relação entre teoria e prática, onde abordamos a questão do
estágio.
3.1 FUNDAMENTOS POTICOS E PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL DO ESTADO DO PARANÁ: O QUE PROPÕE O DET/SEED-PR
80
A proposta da SEED-PR representa uma sincronia com os debates em contexto
nacional sobre uma fundamental dificuldade encontrada no ensino brasileiro, o caráter
dual que o ensino médio vem assumindo historicamente. O DET Departamento de
Educação e Trabalho – no âmbito da SEED-PR, se adiantando à legislação nacional em
vigência, constrói a proposta de integração entre a educação geral e a educação
profissional no seu sistema estadual de ensino. Essa proposta ganharia respaldo um
pouco depois com a revogação do Decreto nº. 2.208/97, que desintegrou a formação em
nível médio no país.
As concepções que demarcam a proposta do DET/SEED-PR estão expostas no
documento intitulado Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional
do Estado do Paraná. A construção desse documento contou com a participação de
professores pesquisadores da área de Educação e Trabalho
21
, e se incumbiu de oferecer
respaldo teórico para que a reforma fosse possível.
A proposta de integração foi assumida pelo DET/SEED-PR, na gestão
2003/2006, por considerar que o modelo de educação profissional desta secretaria não
era condizente com o seu compromisso na construção da efetivação de uma escola
pública estadual de qualidade (PARANÁ, 2005, p. 5), pois, o quadro encontrado foi
preocupante:
em 2003 o Paraná apresentava um quadro precário de oferta da Educação
Profissional, sob o ponto de vista quantitativo, representado pelos dados de
matricula, que apontavam um total de 13.429 alunos matriculados até 2002.
(...) Resta destacar que os cursos da área agropecuária e de formação de
professores mantiveram-se em atividade pela persistência de seus diretores,
docentes, técnicos e funcionários, os quais não aderiram ao PROEM, o que
significou também não receberem apoio financeiro para a melhoria dos
estabelecimentos de ensino, conforme os critérios definidos pelo Programa
(PARANÁ, 2005, p. 6).
Estes dados revelaram o abandono da educação profissional por parte da
iniciativa pública, haja vista o objetivo maior do PROEM, depois ratificado pelo
Decreto nº. 2.208/97, que era justamente retirar das escolas regulares a responsabilidade
pela educação profissional, pois entendido era que dessa forma haveria uma melhoria na
qualidade do ensino médio. O subprograma Modernização da Educação Técnica
Profissional do PROEM teve como meta alocar os cursos de Educação Profissional em
centros específicos distribuídos pelo Estado. Segundo o próprio documento do PROEM,
21
O documento destaca a participação de Gaudêncio Frigotto, Acácia Z. Kuenzer, Marise N. Ramos,
Lucília Machado, Domingos Leite Lima Filho.
81
o atendimento em educação profissional nas escolas regulares, de 185.718 alunos antes
do PROEM, passaria a ser de 13.000 quando os CETEPs – Centros de Educação
Técnica Profissional estivessem atendendo em capacidade plena, indicando uma
diminuição acentuada das vagas ofertadas para a formação profissional nas escolas
públicas do Paraná, conduzindo à cursos na iniciativa privada grande parte dos jovens
paranaenses, haja vista a reduzida oferta nos CETEPs. Devemos enfatizar ainda, que
essas vagas ofertadas não seriam em cursos com grade curricular que comportaria
educação geral e educação profissional, mas sim cursos técnicos desvinculados do
ensino regular, deixando de oferecer elevação de nível a quem os cursasse.
Reforçando a dualidade estrutural da educação brasileira, o PROEM significou
um retrocesso na constituição de uma teoria pedagógica que atendesse às necessidades
educacionais da classe trabalhadora. Este programa, inclusive, não permitia à classe
trabalhadora nem mesmo uma formação profissional direcionada às demandas do
mercado de trabalho. Ou seja, nem mesmo se qualificar em cursos técnicos para ocupar
postos de trabalho na base da hierarquia ocupacional passou a ser possível à classe
trabalhadora nas escolas de ensino regular.
Assumindo uma pretensa crítica à dualidade estrutural, o PROEM apresentou
como necessidade da classe trabalhadora o acesso a uma sólida formação geral, seguida
de uma formação técnica específica, diante das necessidades oriundas das mudanças
provocadas pela reestruturação produtiva, e não como necessidade da própria
reestruturação da base produtiva, que ao se reorganizar em outras bases tecnológicas e
organizacionais passou a demandar outro tipo de formação para os trabalhadores.
Atendendo a esse objetivo o programa, coadunado às mudanças na rede nacional do
ensino, passou a construir seus currículos privilegiando as competências a serem
desenvolvidas nos alunos como estratégia de enfrentamento das alterações da base
produtiva.
Neste sentido, o Parecer 15/98, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, reafirma o caráter de formação geral do ensino médio, fazendo
apenas observações que a educação geral seja articulada ao mundo do trabalho. Essa
articulação se daria através do conhecimento das tecnologias que presidem a produção
contemporânea, sendo que a apropriação dos conhecimentos científico-tecnológicos,
potencialmente, desenvolveria nos estudantes a apropriação dos conhecimentos
necessários à inserção profissional na produção moderna, o que levaria a superação da
82
dicotomia entre educação geral e profissional e, consequentemente, da dualidade
estrutural do sistema de ensino no âmbito de um ensino de caráter propedêutico.
Tendo em vista a relação de caráter imediato que tem se estabelecido entre
educação e trabalho se faz necessário conhecer a compreensão vigente da relação
estabelecida no capitalismo entre a ciência e a produção. Vasquez, ao abordar a relação
entre ciência e produção, ressalta a variação desta relação em formações econômico-
sociais diferentes, e reitera que no capitalismo “o progresso do conhecimento científico-
natural, que se traduz na constituição da ciência moderna, converteu-se numa
necessidade de primeira ordem” (VASQUEZ, 1968, p. 217), confinando o
conhecimento científico ao âmbito das necessidades de produção e reprodução do
capital. Ao passo que a ciência vai se subsumindo à lógica da produção capitalista ela
vai se distanciando do que historicamente pode ser entendido como seu objetivo
primeiro, ou seja, a satisfação das necessidades humanas através do desenvolvimento,
sistematização e transmissão dos conhecimentos acerca do domínio da natureza.
Nesta perspectiva, a concepção de ciência é traduzida na forma de currículos que
enfatizam o desenvolvimento de competências voltadas ao aumento da produtividade,
uma das necessidades da produção capitalista que permite intensificar a extração de
mais-valia. Os currículos construídos sob esta abordagem e, portanto, sob a lógica do
capital, apresentam limitações na luta pela superação do pensamento hegemônico que
define a educação como mercadoria. Embora fosse alardeada a superação da dualidade
estrutural do ensino médio, por força da lei, a pergunta a ser feita é: o ensino médio
geral, enquanto única opção de formação, é acessível aos estudantes de qual classe
social?
A retomada da educação profissional em nível médio abre a possibilidade da
construção de modelo de educação profissional que além dos horizontes estreitos do
mercado de trabalho. A formação integrada, na perspectiva assumida durante o percurso
de revogação do Decreto Nº. 2.208/97, estava relacionada à noção de completude, de
totalidade social, visto dever abarcar as múltiplas mediações históricas que concretizam
os processos educativos (CIAVATTA, 2005).
Foi no acompanhamento das discussões em âmbito nacional que o DET/SEED-
PR formalmente rompeu com a pedagogia das competências e com a concepção de
educação profissional direcionado ao atendimento das demandas do mercado de
trabalho e sua instalação em sistema paralelo à educação regular. A partir daí tem início
83
o processo de transição para uma nova legislação estadual para esse nível de ensino,
cuja concepção integra educação profissional à grade curricular do ensino médio.
Atendendo a esse posicionamento, a política adotada no Paraná:
a partir de 2003, assume uma concepção para essa modalidade que rompe
com a dimensão que articula diretamente ao mercado de trabalho e a questão
da empregabilidade e laboralidade, assumindo compromisso com a formação
humana dos alunos, a qual requer a apreensão dos conhecimentos científicos,
tecnológicos e históricos sociais pela via da escolarização pública
(PARANÁ, 2005, p. 12).
O documento base dessa proposta se fundamenta na Lei nº. 9.394/96 a SEED-PR
para recuperar a dimensão integrada da educação profissional, pois entende que ao
incorporar todas as modalidades de educação organicamente, esta lei não permitiu a
segmentação de formas paralelas de comprometeria a integração esboçada. Este
documento expressou que na Lei nº. 9.394/96:
é a educação básica que assegura a organicidade da Educação Nacional,
através do princípio da integração; por conseqüência, a educação profissional
a ser desenvolvida através de ações intencionais e sistematizadas sobre uma
sólida base de educação geral, científico-tecnológica e cio-histórica, por
concepção e por norma, é parte integrante e indissociável da Educação
Nacional (PARANÁ, 2005, p.13).
Esse ponto do documento apresenta certa incoerência, haja vista ter sido
propriamente a indefinição constante na Lei nº. 9394/96 que permitiu uma legislação
específica para a educação profissional. Saviani considera que essa “indefinição ter-se-
ia dado em função de se deixar espaço aberto para a lei relativa ao ensino profissional e
técnico, cujo projeto, de iniciativa do governo federal se encontra tramitando no
congresso” (SAVIANI, 2003, p. 216). Projeto esse que mais tarde se transformou no
Decreto nº. 3308/97 e deu legitimidade ao PROEM no Estado do Paraná.
Diante de uma concepção de educação integrada, o que se pretendeu no Estado
do Paraná foi justamente retomar o modelo de educação tecnológica que fundamentou o
projeto original da Lei nº 9.394/96, relatado pelo deputado Octávio Elísio, que depois de
inúmeras mudanças foi aprovado com a versão de Darcy Ribeiro. O projeto original de
Octávio Elísio tomava um modelo que primava pela superação da dualidade histórica,
propondo uma formação comprometida com a superação do modelo burguês de
educação, fundada na dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e entre
formação geral e formação profissional.
84
No interior dessa proposição do DEP/SEED-PR a educação tecnológica assume
o caráter de educação politécnica, ou seja, de uma formação cujos conhecimentos
associados às tecnologias utilizadas nos processos de trabalho devem se constituir no
eixo do currículo, porém, sem a intencionalidade de desenvolver competências para a
ocupação específica na divisão social do trabalho. Segundo Saviani, uma educação
politécnica é aquela na qual o conceito de:
Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes
técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está
relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem
como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem
ser garantidos pela formação politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando
esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador está em condições de
desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do
seu caráter, sua essência (SAVIANI, Apud Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005,
p. 41-42).
Tomada a favor da luta histórica da classe trabalhadora, a educação de caráter
politécnico, embora saibamos não ter o poder de revolucionar a sociedade, pode
contribuir para a formação que privilegie o desenvolvimento das potencialidades físicas,
mentais, culturais, políticas e científico-tecnológicas necessárias num primeiro
momento para a inserção da classe trabalhadora nas diversas ocupações cnicas
requeridas pela produção moderna e posteriormente como condição sine qua non para a
organização do trabalho auto-gestado. A contribuição efetiva das instituições de ensino
em direção a um outro modelo de sociabilidade é possível, pois, se “Por um lado é
preciso uma mudança das condições de ensino para criar um sistema de instrução novo;
por outro lado, é preciso um sistema de instrução novo para poder mudar as
condições sociais. Por conseguinte, é partir da situação atual” (MARX E ENGELS,
apud KEUNZER, 2002, p.19). De modo que a tentativa de integração iniciada no
Paraná encontra respaldo nos textos históricos que defendem a educação politécnica. E
representa, ainda, a retomada do debate em nível conceitual da necessidade de um
modelo de educação que tenha como objetivo atender às demandas da classe
trabalhadora frente às imposições do mercado de trabalho.
E, ao tomar o trabalho como princípio educativo, o DEP/SEED-PR o faz sob
uma concepção mais ampla de educação. Entendendo que as sociedades, segundo seus
modos de produção, dispõem de formas próprias de educar, correspondentes a cada
classe que a compõe, e que na sociedade capitalista:
85
a dualidade estrutural se manifesta de modo a separar claramente, a educação
geral da educação profissional nos modos de organização da produção, em
que a distinção entre dirigentes e trabalhadores era bem definida, a partir das
formas de divisão social e técnica do trabalho (PARANÁ, 2005, p. 10).
Essa nova proposta traz, então, potencialidades abandonadas no currículo
dualista, contradizendo o que se tem efetivamente, ou seja, um modelo educacional que
reproduz em sua organização curricular a dicotomia entre conhecimento intelectual e
conhecimento manual, teoria e prática. Partindo dessa característica do ensino médio
brasileiro, o DEP/SEE-PR propõe um currículo que visa à integração dessas duas
dimensões do trabalho humano.
Entendendo a limitação própria imposta pela sociedade capitalista à escola
22
,
essa proposta intenta assumir uma nova postura ao pensar em projetos educativos que,
embora atendendo as demandas do setor produtivo, considerem a exploração na qual se
encontram os trabalhadores neste modo de produção, comprometendo-se com a
construção de projetos que ofereçam alternativas aos que necessitam se qualificar para o
trabalho, porém não através de um processo educativo cuja formação seja
predominantemente voltada a constituição de um perfil de empregabilidade.
A proposta de integração da educação profissional à educação geral tem como
fundamento a Escola Unitária de Gramsci. Este autor considera a importância da
organização da escola como elemento que pode contribuir ou não para a consolidação
da hegemonia da sociedade capitalista. Isso porque, sendo a escola ela mesma uma
instituição cultural produtora e difusora de ideologia, na medida em que ela se mantenha
propedêutica, com a função de preparar o aluno para o nível superior ela é destinada à
classe dominante, seus conteúdos são direcionados à classe dominante e não à classe
trabalhadora em geral. (Gramsci, 2000).
Entendido assim, ainda que haja a universalização do ensino médio ela será
efetiva na medida em que concepção, organização e finalidades estejam coadunadas às
necessidades formativas da classe trabalhadora. Ou seja, na medida em que, além do
conhecimento tecnológico historicamente acumulado pela humanidade, esta escola
ainda ofereça espaço para o conhecimento da sociedade capacitando o educando a
intervir na transformação da realidade.
22
Considerando a criação da escola como um elemento da superestrutura incumbida de educar o homem
adaptando-a às necessidades de uma sociedade que estava em constituição, a sociedade capitalista, ainda
que entendendo-a por meio da categoria contradição, temos que enfatizar os limites que ela trás desde sua
criação, não pelo que ela é em si, mas pela função que ela tem em uma sociedade dividia em classes.
86
E a proposta da SEED-PR ao adotar o trabalho como princípio educativo, nos
moldes idealizados por Gramsci, assume:
O compromisso com uma educação profissional adequada aos interesses dos
que vivem do trabalho (...) implica em desenvolver um percurso educativo
em que estejam presentes e articuladas as duas dimensões, a teórica e a
prática, em todos os momentos da formação, contemplando ao mesmo tempo
uma sólida formação científica e a formação tecnológica de ponta, ambas
sustentadas em um consistente domínio das linguagens e dos conhecimentos
sócio-históricos (PARANÁ, 2005, p. 12).
A proposta de integração objetivada pelo DEP/SEED-PR pretende ser uma
crítica ao modelo dual constituído na sociedade capitalista. Tendo essa meta,
compreendermos não ser possível avançar muito sem considerar que:
na civilização moderna todas as atividades se tornaram o complexas, e as
ciências se mesclaram de tal modo à vida, que cada atividade prática tende a
criar uma escola para os próprios dirigentes e especialistas (...) Pode-se dizer,
aliás que a crise escolar que hoje se difunde liga-se precisamente ao fato de
que estes processos de diferenciação e particularização ocorre de modo
caótico, sem princípios claros e precisos, em um plano bem estudado e
conscientemente estabelecido (...) A divisão fundamental da escola em
clássica e profissional era um esquema racional: a escola profissional
destinava-se às classes instrumentais, enquanto a clássica destinava-se às
classes dominantes e intelectuais (GRAMSCI, 2000, p. 32-33).
Daí a perspectiva gramsciana ser reivindica na proposta do ensino médio
integrado, pois a educação integrada seria um meio de oferecer resistência à hegemonia
da escola de modelo burguês, dividida em escola propedêutica ou de educação geral e
escola profissional, não fazendo a opção entre uma e outra e sim fazendo a integração
entre as duas dimensões da educação, separadas para atender às necessidades da
sociedade dividida em classes. Uma alternativa a essa dicotomia se constitui em uma
forma de resistência ao atual modelo se sociabilidade, que articulada a outras ações no
âmbito da sociedade representa possibilidades de contribuir na produção de
instrumentos de uma outra hegemonia que faça frente à disseminação e perpetuação da
hegemonia burguesa.
Para Gramsci (2000), o modelo de escola unitária assume uma concepção que
abarca tanto a formação intelectual quanto a formação profissional. Ele propõe que a
escola esteja comprometida com uma formação humanista, sendo que ele mesmo faz
ressalvas na interpretação deste termo, considerando importante que seja entendido
“humanismo”, em seu sentido amplo e não apenas em seu sentido tradicional. Trata-se
87
de uma escola “desinteressada”, que no legado gramsciano se refere à não vinculação
direta, imediata dos processos educativos no atendimento das exigências dos setores da
produção. Porém, que ela tenha a incumbência de uma formação que articule às
necessidades de conhecimento técnico e de conhecimentos de caráter humanista, haja
vista ele reconhecer a necessidade histórica do ser humano ter acesso ao conhecimento
científico e tecnológico, pressuposto para a produção material da vida em qualquer
modelo de sociedade.
A proposta do Paraná, portanto, ao apreender o princípio educacional de
Gramsci, defende que a todas as pessoas estejam possibilitadas a formação para
trabalhos intelectuais e manuais, tendo a perspectiva de uma formação integral do
homem para o ensino médio integrado. Assim o fizeram por compreenderem, como
Gramsci evidenciou, que:
a dualidade estrutural, à medida que separa a escola dos trabalhadores da
escola dos dirigentes, opera uma cisão entre estas duas dimensões do trabalho
humano, propondo trajetórias educativas ou centradas nas atividades teóricas,
para a formação dos dirigentes, ou centradas nas práticas laborais, para a
formação dos trabalhadores (PARANÁ, 2005, p. 17).
Neste sentido, pensar a educação em sua dimensão mais ampla, uma formação
comprometida organicamente com a classe trabalhadora significa que:
Apenas enfocando o trabalho na sua particularidade histórica, nas mediações
específicas que lhe dão forma e sentido no tempo e no espaço, podemos
apreendê-lo ou apreender o mundo do trabalho na sua historicidade, seja
como atividade criadora que anima e enobrece o homem, ou como atividade
histórica que pode ser aviltante, penosa ou que aliena o ser humano de si
mesmo, dos outros e dos produtos do trabalho na forma mercadoria
(FRIGOTTO. CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 92).
A distinção do trabalho enquanto atividade ontológica e na particularidade da
sociedade capitalista, enquanto profissão e emprego, oferece possibilidades concretas de
pensar a educação como o desenvolvimento de capacidades de conhecer a realidade,
interpretar suas leis e atuar intencionalmente com o objetivo de transformá-la. Neste
sentido, o trabalho como princípio educativo se torna o eixo norteador das ações
desenvolvidas com o intuito de construir um currículo que privilegie a unidade entre
teoria e prática, atendendo a finalidade de articular a técnica do trabalho às bases
científicas que a sustentam, caminhando para a construção de uma educação realmente
tecnológica e comprometida com uma formação de base unitária.
88
No entanto, a construção de uma proposta de escola integrada necessita mais que
dispositivos legais parta sua efetivação. Essa proposta deve estar articulada a construção
de um projeto de transformação social, onde a escola integrada seja realmente possível.
Por isso, Gramsci (2000) defendeu que a aproximação entre educação e trabalho
ocorresse ainda na escola elementar, permitindo a construção de uma nova concepção
de mundo, o que permitiria aos educandos uma nova forma de relacionar a escola e a
vida, considerando que essa nova visão poderia ocasionar uma participação mais ativa e
comprometida com as lutas necessárias à superação da sociedade capitalista.
Retomando a legislação educacional vigente Lei de Diretrizes e Bases Nº.
9394/96 –, vê-se que o ensino médio, nessa etapa de desenvolvimento do capitalismo,
assume a perspectiva de educação tecnológica. Pois estabelece como uma das
finalidades do ensino médio, no Art. 35, inciso IV, proporcionar aos estudantes a
compressão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”. E esta finalidade
dever ser alcançada através do domínio dos princípios científicos e tecnológicos que
presidem a produção moderna” (BRASIL, 1996, Art. 36, § 1º, inciso IV).
Partindo dessa determinação, e fundamentado na proposta de formação unitária
de Gramsci, o documento base refere-se à integração entre ciência e tecnologia como
pressuposto para a integração entre educação geral e educação profissional. Pois,
“o trabalho mais se simplifica enquanto mais se tornam complexas a ciência e a
tecnologia; em decorrência, ao se exigir menos conhecimento sobre o trabalho do
trabalhador, mais ele se distancia da compreensão e do domínio das tarefas que
executa”. E nesse contexto, ciência e tecnologia constituem “uma nova cultura, criando
novas formas de comportamento, ideologias e normas [...] estabelecem-se novas formas
de relação entre conhecimento, produção e relações sociais, que passam a demandar o
domínio integrado dos conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos”
(PARANÁ, 2005, p.32).
Considerando a polarização da produção capitalista, em seu caráter desigual e
combinado, e as conseqüências para a formação humana, em países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento, como o Brasil, essa repercute em uma demanda baixa para as
áreas que exigem os domínios científicos, tecnológicos e sócio-históricos, enquanto a
maior demanda é por força de trabalho com baixos níveis de apropriação científica e
cultural. Historicamente os requisitos do primeiro pólo foram sendo desenvolvidos em
formação de nível superior, elitizando esses conhecimentos, que foram sendo
89
destinados aos filhos das elites. Enquanto os requisitos do segundo pólo direcionados à
classe trabalhadora como constituição de um perfil de força de trabalho cuja demanda é
por um baixo nível de conhecimento.
Dessa forma, efetivar formalmente a universalização da educação geral e não
tornar acessível o conhecimento, através da articulação com outras ações
potencialmente emancipatórias, não contribui para o rompimento com esse modelo
social. Contrariamente, contribui para sua perpetuação, na medida em que não
disponibiliza o conhecimento necessário para a compreensão e intervenção na realidade.
Desta forma a SEED-PR sinaliza como necessária “a participação efetiva dos que vivem
do trabalho na construção das propostas educativas e das formas de sua organização e
gestão” (PARANÁ, 2005, p.25), como meio de romper com o modelo dominante de
educação.
Um ponto interessante e que merece uma observação, ao mesmo tempo em que
o próprio documento base da reforma indica a necessidade da ação-participativa dos
trabalhadores na construção de um modelo de educação voltado às necessidades dessa
classe, o próprio órgão propositor dessa reforma, não horizontalizou efetivamente as
discussões acerca dessa reforma, isso se evidenciou em nossa incursão pela escola,
quando nos deparamos com um corpo docente que desconhece os fundamentos teórico-
metodológicos que norteiam a implantação do ensino médio integrado.
Mas a de uma reforma que implica mais em continuidade com a dualidade que
rompimento, se evidencia também em âmbito nacional, pois na medida em que o
decreto nº. 5.154/04 ao retomar a educação técnica em vel médio, reitera o caráter
tecnológico atribuído à educação profissional na LDB. Todavia, a modalidade integrada
passa a ser considerada apenas uma das formas de articulação possíveis entre educação
profissional e educação geral. Este decreto não faz nenhuma ressalva ou consideração
que determine a predominância desta modalidade à subseqüente ou à concomitante. De
forma que não houve por parte dos legisladores a intenção de permitir um ensino médio
de base unitária, indicando a resistência das forças conservadoras nos embates por
questões centrais da educação brasileira.
Contrariando a reivindicação da unitariedade como concepção de ensino, ao se
estabelecer a modalidade integrada apenas como mais uma das formas de articulação, o
decreto estabelece que esta deve ser desenvolvida observados “os objetivos contidos nas
diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação”.
Porém, estas diretrizes, construídas para atender ao decreto nº. 2208/97 não sofreram
90
alterações para adequar-se ao que foi disposto no decreto nº. 5154/04, impondo limites à
implementação de um modelo de ensino médio cuja organização curricular se pretende
integrada.
De fato o decreto nº. 5154/04 revogou o anterior, nº. 2208/97, mas, foi
concebido no interior de uma correlação de forças não favorável à classe trabalhadora.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 52-53) se referem a ele como “sinal da persistência
de forças conservadoras no manejo do poder de manutenção de seus interesses”. E
ainda, afirmam que a aprovação do decreto nº. 5154/04 “não muda o desmonte
produzido na década de 1990. a necessidade de as instituições da sociedade, direta
ou indiretamente relacionadas com a questão do ensino médio, se mobilizarem para as
mudanças efetivas”, considerando a possibilidade retomada com o novo decreto.
Muller & Surel afirmam que pelo caráter flexível que incorporou nas disputas de
interesses contraditórios, o decreto nº. 5154/97 não garantiu:
o desenvolvimento de um currículo único para todo o ensino médio,
revelando que as forças políticas, que defendem a formação integral do
indivíduo para o exercício da cidadania, não se configuram como
hegemônicas, portanto, o Decreto não traduz mudanças substanciais de ação
política que envolva o oferecimento de um ensino médio integrado com o
ensino técnico, numa visão de escola única e politécnica (MULLER &
SUREL apud, GUIMARÃES, 2005, p.9).
No que se refere ao ensino médio, a possibilidade de integração da educação
profissional a este é o único avanço contido no decreto . 5.154/04, o que podemos
considerar extremamente limitado do ponto de vista da luta histórica da classe
trabalhadora, porém um grande avanço se considerado no âmbito do capitalismo. A
articulação entre ciência, tecnologia e cultura, tomadas no interior das propostas criadas
nos Estados da federação, talvez possam permitir algo além do que a simples
possibilidade retomada de cursar juntamente a educação geral e a educação profissional.
A reforma empreendida no Paraná, intenta enfrentar a questão da dualidade estrutural e
está retomando a educação profissional no âmbito do ensino médio em uma perspectiva
integrada indicando um movimento na direção da superação do modelo de ensino de
caráter dual.
Atento a este processo de críticas e respaldado pelas minutas divulgadas no
período que antecedeu à revogação, a gestão 2003/2006 de Roberto Requião, no ano
seguinte à posse deu início a um amplo processo cujo objetivo era a retomada da
91
educação profissional articulada à educação geral na modalidade integrada (PARANÁ,
2005).
O primeiro passo tomado pelo Governo Requião foi a criação do Departamento
da Educação Profissional, hoje denominado DET Departamento de Educação e
Trabalho, no âmbito da própria Secretaria de Educação, e a concomitante desativação
da PARANATEC, que era o órgão responsável pelo gerenciamento da educação
profissional durante a vigência do PROEM.
Essa primeira iniciativa possibilitou “reassumir, no âmbito da educação pública
estadual, gestão administrativa e pedagógica necessária para afirmar o compromisso
com a educação pública de qualidade, principalmente pela política de expansão e
manutenção dos cursos e de reestruturação curricular dos mesmos” (PARANÁ, 2005, p.
7). O objetivo central desta ação seria a integração entre as disciplinas da Base Nacional
Comum e as disciplinas específicas dos cursos técnicos atendendo a concepção de
integração que norteou a reforma. No entanto as Secretarias de Ensino Médio e de
Educação Profissional são independentes, não sendo orientadas pelos mesmos objetivos.
Foi realizada, também, pelo DEP/SEED-PR uma investigação com o intuito de
conhecer o quadro situacional da educação profissional no Paraná, cujo resultado
apontou para a quase extinção dos cursos profissionalizantes em nível médio
23
. O
levantamento executado contou, ainda, com a coleta de informações referentes às
necessidades e tendências sócio-econômicas das diversas regiões do Estado no intuito
de se ofertar cursos técnicos que estivessem em consonância com a vocação sócio-
econômica de cada região, possibilitando uma melhor inserção do jovem formado nas
atividades econômicas da sua região (PARANÁ, 2005, p.6).
Durante a vigência do PROEM – 1996-2002 – a perspectiva assumida pela
educação profissional no Estado do Paraná apresentou uma concepção de viés
mercadológico, cuja formação era determinantemente influenciada pelo mercado de
trabalho tendo como objetivo o desenvolvimento de um perfil de empregabilidade nos
alunos. Os cursos se restringiam a ofertas na modalidade pós-médio (ou subseqüente),
destinados a quem tivesse concluído o ensino médio, ou, ainda, cursos de
qualificação ou requalificação que não ofereciam a elevação do nível de escolaridade,
23
Convém lembrarmos que não se extinguiu devido à resistência exercida por algumas instituições de
ensino, que trabalharam sob retaliações na forma de não acesso a verbas, não contratação de funcionários
e total desinteresse público estadual com as demandas oriundas dos cursos profissionalizantes. Segundo
dados da própria Secretária, tiveram continuidade apenas 14 cursos na modalidade Formação de Docentes
e 13 cursos na área de Agropecuária.
92
não impactando diretamente na melhoria das condições do trabalhador para pleitear uma
vaga no mercado de trabalho, haja vista o ensino médio ser considerado como pré-
requisito para qualquer ocupação no mercado formal.
De acordo com dados levantados pela própria SEED-PR:
no contexto da reforma, na rede estadual a política foi a desativação dos
1080 cursos profissionalizantes existentes até 1996 [...] sob o ponto de vista
quantitativo, representado pelos dados de matrícula, que apontavam um total
de 13.429 alunos matriculados até 2002 (PARANÁ, 2005, p. 5).
Ainda em 2003 foram iniciadas discussões para a criação de uma nova proposta
de educação profissional. Essa proposta se respaldava no avanço, no âmbito do governo
federal, dos trabalhos que objetivaram na revogação do decreto n.º 2208/97, que
intentava recuperar a possibilidade de oferta da educação profissional em ensino médio
na rede regular de ensino.
Essa integração se faria em uma perspectiva educacional que articularia os
conhecimentos científicos, tecnológicos e históricos sociais, tendo como objetivo uma
formação de caráter omnilateral (PARANÁ, 2005). Esses conhecimentos foram
elencados devido à necessidade de se articular ciência e técnica sob a luz da cultura, que
significa atribuir-lhes a historicidade necessária às suas compreensões como produto do
próprio homem em seu processo de trabalho, posto em prática devido à necessidade de
produzir materialmente sua existência.
Diante deste pressuposto, a ineliminável necessidade da humanidade de produzir
sua existência materialmente, esta proposta tem no trabalho como princípio educativo o
norteador geral das políticas voltadas para a educação profissional. O documento base
da reforma estadual da educação profissional, Fundamentos Políticos e Pedagógicos
para a Educação Profissional do Paraná, reconhece que tomar o trabalho como
princípio educativo “implica buscar, se não a superação da dualidade estrutural, o que
demandaria a superação do capitalismo, pelo menos seu enfrentamento, considerados os
limites e possibilidades da escola” (PARANÁ, 2005, p. 16).
O Estado do Paraná tem um histórico de política educacional marcada pela
descontinuidade devido às mudanças no panorama político. Com a gestão Requião
(2002-2006) a pedagogia das competências é eliminada formalmente da Secretaria de
Educação, de forma que um novo currículo básico passou a ser construído. Segundo
93
documentos da SEED-PR, a reforma curricular foi organizada em seis fases, abaixo
relacionadas:
A fase, ocorrida em 2003, foi a discussão e levantamento da situação
concreta das diretrizes curriculares da Rede Estadual de Ensino do Paraná, a
partir de seminários promovidos pela SUED/SEED, acrescida da produção de
documentos referenciais [...]
Na fase, ocorrida em 2003 e 2004, discutiram-se propostas pedagógicas
das áreas de ensino, por meio de diversos cursos, eventos e reuniões técnicas
que passaram a analisar com o coletivo dos professores os desafios
curriculares para as áreas de ensino de todos os níveis e modalidades de
ensino e dos cursos específicos da Educação Profissional [...]
Concomitantemente, vem a 3ª fase, ainda em 2004 e na continuidade de
2005, com um processo coletivo de reformulação curricular, a partir das
bases escolares, em que o protagonista das reflexões e encaminhamentos é o
próprio professor da rede estadual [...]
A fase, que se iniciou em 2004 e ainda está se concretizando em 2005,
constituiu-se na sistematização das propostas curriculares por disciplina,
níveis e modalidades de ensino [...]
Em paralelo à discussão curricular, encontra-se a fase, de preparo,
elaboração, efetivação e avaliação do Projeto Político Pedagógico das
Escolas da Rede Pública de Ensino do Paraná [...]
Por fim, a 6ª fase, permanente e contínua, é a de avaliação e
acompanhamento das propostas que estão sendo implementadas. (PARANÁ,
2008).
A aprovação das propostas pedagógicas dos cursos tornou possível a abertura em
2004 de 15 cursos do setor primário da produção, 05 no secundário e 06 no terciário,
além de mais 45 cursos de Formação de Docentes em Nível Médio (PARANÁ, 2008).
Segundo dados do INEP
24
em 2003 o Estado do Paraná contava com 13.322
25
matrículas na educação profissional, ao passo que nos anos de 2004, 2005 e 2006
passou a contar respectivamente com 28.343, 51.634 e 62.040 matrículas. O que indica
uma relevante ampliação da oferta da educação profissional em nível médio, articulando
profissionalização e escolarização.
O quadro
26
abaixo apresenta a evolução da Educação Profissional no Estado do
Paraná:
24
Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.com.br/portals/portal/censo/index.php# Acessado em 05
de novembro de 2007.
25
O que significa que a gestão anterior cumpriu muito bem seus compromissos com as agências
internacionais financiadoras do PROEM, que era a diminuição rápida dos cursos integrados, destinando
os recursos ao ensino médio geral. Coerentemente, eram pouco mais de 13.000 vagas que seriam
ofertadas pela rede pública estadual após a reforma posta em ação pelo PROEM.
26
O quadro foi elaborado pela autora tendo como base informações contidas no site da própria
SEED/PR, http://www.diaadiaeducacao.com.br/portals/portal/censo/index.php# Acessado em 05 de
novembro de 2007.
94
ANO
QUANTIDADE
ALUNOS
QUANTIDADE
DE CURSOS
MUNICÍPIOS
ATENDIDOS
2003 13.322 86 56
2004 28.243 117 82
2005 51.634 223 128
2006 62.040 266 147
Não podemos negar que houve uma evolução quantitativa muito grande nos
primeiros anos do ensino médio integrado no Estado do Paraná, haja vista a ampliação
do número de vagas para os cursos técnicos de nível médio. No entanto, nossa pesquisa,
além de dados quantitativos sobre a integração, está interessada em apresentar dados
qualitativos desse percurso de integração, visto considerarmos que os meros
demonstram que formalmente a integração está ocorrendo. Porém, eles não podem nos
fornecer respostas sobre as bases em que essa proposta está sendo implementada, quais
são os avanços e os retrocessos que essa proposta traz. E, considerando o tempo em que
está proposta está em curso, consideramos ser cedo para buscarmos dados sobre sua
efetivação. Consideramos relevante, então, nos debruçar sobre as condições concretas
sobre as quais essa proposta tem sido levada a cabo pelas escolas e pelos educadores
com ela envolvidos.
3.2 A RETOMADA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO PARANÁ:
INVESTIGAÇÃO DO CURSO TÉCNICO EM ADMINSTRAÇÃO INTEGRADO
Antes de tratarmos especificamente a questão dos cursos profissionalizantes,
onde abordaremos especificamente o curso cnico em Administração na modalidade
integrada, faremos uma breve contextualização da instituição, procurando situá-la em
relação à criação, localização, público e vocação sócio-econômica da região.
A escola que por nós escolhida tem suas origens na necessidade de formação de
professores de ensino fundamental para uma região em franco desenvolvimento.
Instalado em Maringá, uma cidade que foi fundada oficialmente em 1947. Por esse
motivo esta instituição nasceu na forma de duas escolas normais, criadas pelo decreto
95
nº. 12.532 de 13/12/1955, sendo denominadas de Escola Normal Secundária e Regional
de Maringá. A partir do Decreto nº. 17.763 de 01/07/1958 recebem a denominação de
Escola Normal Colegial e Escola Normal Ginasial.
No ano de 1975, como reflexo das reformas
27
efetuadas no sistema nacional de
ensino após o golpe militar de 1964, a instituição amplia a área de atendimento,
passando a ofertar outras modalidades de ensino. Essa reorganização se deu com a
incorporação do Colégio Comercial, o que originou a vertente profissionalizante dos
cursos de Técnico em Administração e Contabilidade. Esses cursos foram amplamente
ofertados até a promulgação do decreto nº. 2.208/97, quando teve início o processo de
fechamento dos cursos de educação profissional integrado ao ensino médio.
Essas mudanças ocorridas na década de 1990 estão coadunadas, como
anteriormente tratamos, com a implementação das políticas de cunho neoliberal, de
modo que esta instituição conseguiu manter, a custo de muita resistência e persistência,
o curso de Magistério, que após esta reforma passou a ser denominado Formação de
Docentes. As reformas educacionais dos anos 1990, que em âmbito estadual foram
efetivadas pelas duas gestões de Jaime Lerner (1995-2002), evidenciaram o alinhamento
do governo paranaense com as prescrições dos organismos internacionais
28
, fundadas
em medidas de privatização e terceirização dos cursos profissionalizantes.
Entre estes organismos tem destaque especial o Banco Mundial, através de
documentos prescritivos, notadamente: A Declaração de Jontiem e o Relatório Jacques
Dellors. A Declaração de Jomtien tem suas prescrições baseadas nos princípios de
eficiência, eficácia e eqüidade, não por acaso os mesmos princípios que direcionaram a
implementação do PROEM, na gestão Lerner. Essa declaração ainda prevê a
consecução de alianças “entre organizações governamentais e não-governamentais, com
o setor privado, com as comunidades locais, com os grupos religiosos e com as
famílias” (DECLARAÇÃO DE JONTIEM, 1990, p. 10), que no PROEM se traduz em
alguns parâmetros institucionais que deveriam reger os CETEPs Centros de Educação
Técnica Profissional –, que inclui a criação de mecanismos de recuperação de custos,
estendendo à sociedade civil parte da manutenção destes centros.
Ainda na perspectiva de demonstrar a aproximação entre as políticas
implementadas pela gestão Lerner, recorremos às mudanças operadas na concepção e na
27
Expressas nas Leis: Nº. 5.540/68 e 5.692/71
28
Em especial o Banco Mundial, através dos documentos prescritivos: Relatório Jacques Dellors,
Declaração de Jomtien.
96
organização do currículo dos cursos profissionalizante e do ensino médio. Esses cursos
passaram a ser orientados pelo que ficou conhecido como “pedagogia das
competências”, fundamentada nas prescrições criadas pela Comissão Internacional
sobre a Educação para o Século XXI divulgadas como Relatório Jacques Delors.
Questionando a utilidade dos conhecimentos ensinados nas escolas esse relatório
entende que as qualidades de se comunicar bem, saber trabalhar em grupo, gerir
conflitos, gostar de correr riscos são as competências necessárias de serem
desenvolvidas pelas escolas, indicando um atrelamento radical da educação às
demandas do mercado de trabalho. Segundo entende essa comissão os empregadores
exigem “uma competência que se apresenta como uma espécie de coquetel individual,
combinando a qualificação, em sentido estrito, adquirida pela formação técnica
profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade
de iniciativa e gosto pelo risco” (RELATÓRIO JACQUES DELORS, 1994). E,
considerando a necessidade de uma formação sólida, fundamentada em um currículo
criado para o desenvolvimento de competências, o PROEM propunha a segmentação
em sistemas paralelos o ensino médio e a educação profissional. Essa medida retirou
das escolas regulares a oferta de cursos técnicos de nível médio, impossibilitando que os
filhos de trabalhadores pudessem cursar uma qualificação profissional ao mesmo tempo
em que cursavam o ensino médio.
Na instituição de ensino que nos serviu de base empírica houve resistência, no
entanto, conseguiram manter durante a vigência do PROEM o curso de Formação de
Docentes, sendo que a instituição foi forçada a cessar a oferta dos cursos técnicos,
embora houvesse demanda para esses cursos. Com a retomada da educação profissional,
no âmbito da Secretaria de Estado da Educação, no ano de 2003, esta instituição voltou
a ofertar o curso Técnico em Administração, agora na modalidade integrada.
Atualmente a instituição é a única do município que oferta todos os níveis e
modalidades de ensino que compõem a Educação Básica, quais sejam, Educação
Infantil; Ensino Fundamental - séries iniciais e finais -, Ensino Médio, modalidade
integrada e subseqüente nos cursos de Formação de Docentes e Técnico em
Administração e Educação Especial. Trata-se de uma instituição de grande porte, tendo
capacidade física para atender mais de 5 mil alunos.
O horário de funcionamento da instituição, os cursos ofertados e a localização
são determinantes de um público bastante diversificado, que abrange alunos de variadas
idades e situação sócio-econômica. A instituição está localizada na região central da
97
cidade, e seu público é oriundo, além da comunidade do entorno, de diferentes bairros
da cidade e de municípios limítrofes, visto ser a maior cidade da região e pólo
econômico. O quadro a seguir ilustra a diversidade de cursos da instituição e os horários
de atendimento
29
.
Matutino
7:30 às 11:55
Vespertino
13:15 às 17:30
Noturno:
19:00 às 23:00
Educação Infantil
Educação Especial
Ensino Médio Regular
Ensino Médio Educação
Profissional Formação de
docentes
Educação Infantil
Educação Especial
Ensino Fundamental
etapa
Ensino Fundamental-5ª a
séries
Ensino Médio Regular
Ensino Médio Educação
Profissional (Formação de
Docentes), Integrado e com
Aproveitamento de
Disciplinas.
Ensino Médio Educação
Profissional
(Técnico em Administração)
Integrado e Subseqüente
Considerando a educação profissional, as características sócio-econômicas do
município explicam os cursos ali ofertados. O município de Maringá está localizado na
região Noroeste do Estado, tem como principal atividade econômica a agricultura de
característica latifundiária, resultando em um tímido parque industrial. Apesar da
atividade agrícola, trata-se de uma cidade tipicamente urbana, com grande parte da
população trabalhando no setor de serviços, mais precisamente no comércio. Por esse
motivo os cursos profissionalizantes ofertados pela rede pública estadual são
predominantemente do setor terciário da economia.
Os cursos destinados à educação profissional, na modalidade integrada ou
subseqüente, a exceção do curso Formação de Docentes, são ofertados exclusivamente
no período noturno, o que indica o predomínio de um público denominado aluno-
trabalhador, ou seja, o aluno que está inserido em alguma atividade remunerada
29
Quadro criado pela autora com o objetivo de melhor caracterizar a oferta de modalidades e segmentos
da ofertados pela instituição pesquisada.
98
durante o dia, restando o período noturno para se dedicar à formação escolar e
profissional.
Os alunos matriculados nesses cursos, quase a totalidade, desempenham alguma
atividade remunerada, poucos estudam no período noturno por “opção pessoal”, pois
suas possibilidades de escolha para estudar não vão além do único horário em que não
estão trabalhando. A fala de uma professora traduz bem isso: segundo ela, o emprego é
o fator determinante mesmo para a continuação ou não do curso, eles chegam e dizem:
- Arrumei um emprego e não consigo mais estudar... - Arrumei trabalho e
tem que ficar até as 19 horas e quando chego não mais para acompanhar...
[...] Então, é essa nossa maior dificuldade: fazer com que o aluno-trabalhador
entenda que ele tem condições de trabalhar e estudar ao mesmo tempo (Prof.
H)
No caso específico da instituição que nos serviu de base empírica os alunos
matriculados no curso de educação geral, distribuídos em 24 turmas contam com apenas
6 turmas no período noturno, o restante das turmas está alocada no período da manhã.
Distribuição parecida acontece nos cursos de Formação de Docentes. Já, em se tratando
dos cursos profissionalizantes as turmas, tanto o integrado quanto o subseqüente,
encontram-se todas no período noturno. Segundo informações obtidas em uma das
visitas à instituição, no ano de 2008 haveria uma turma de ensino médio integrado no
período da manhã, do curso Técnico em Administração, no entanto isso não ocorreu,
devido à ausência de demanda.
A visão de que basta a vontade para estudar foi bastante pontuada na fala dos
professores, apesar de também enfatizarem a necessidade que seus alunos têm de
trabalhar. Muitas vezes também deram mais ênfase a aspectos ligados ao
comportamento e a falta de vontade, que aos determinantes materiais, visto que muitos
alunos residem em outros municípios, trabalham em Maringá, e levam de uma a duas
horas para chegarem às suas residências. E, consequentemente, no outro dia o itinerário,
pela manhã, também começa uma ou duas horas mais cedo.
Como se pode observar, os cursos profissionalizantes em nível médio, ao serem
dispostos quase que exclusivamente, no período noturno revelam a quem são destinados
historicamente. A classe trabalhadora e os seus filhos caso queiram estudar o fazem sob
circunstancias bastante precárias.
A instituição é considerada pela SEED-PR uma instituição de grande porte. Sua
estrutura física tem passado por algumas reformas e para o ano de 2008 estava prevista
99
o término da reforma do laboratório de informática, a escola possui laboratórios das
disciplinas de biologia, física, química e matemática, porém carece de reformas e
melhorias me suas instalações e equipamentos. O quadro de professores, em sua grande
maioria, é bastante antigo na instituição, muitos deles estão em processo de
aposentadoria, sendo que iniciaram a atuação no magistério nesse mesmo colégio.
Por ser um colégio grande, além da direção geral, o colégio conta com dois
diretores auxiliares, sendo um responsável pelos cursos de Formação de Docentes, e o
outro pelo curso Técnico em Administração. Além de um pedagogo responsável por
cada modalidade e segmento de ensino.
Os cursos da área de serviços, juntamente com o antigo magistério, são as duas
opções de formação integrada existentes no colégio. O magistério, pelo próprio
nascimento da instituição como Escola Normal, e o técnico em Administração, pela
incorporação do Colégio Comercial e demanda da região que se concentra na área de
serviços.
A proposta pedagógica do curso Técnico em Administração na modalidade
integrada recupera o poder normativo da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, no que se
refere às formas de articulações possíveis entre a educação geral e a educação
profissional. Esta proposta, assim como a de outros cursos, foi elaborada e aprovada
ainda no ano de 2003, permitindo a criação de uma nova organização curricular para
esses cursos, para que se iniciasse a implantação no ano de 2004, embora fosse
encontrar respaldo legal em julho de 2004, com o Decreto Nº. 5.154.
A reforma efetuada no Estado do Paraná, como as demais, encontra
justificativa nas mudanças ocorridas no mundo do trabalho, sendo que seus
idealizadores entendem como necessária uma formação técnica integrada, que articule
conhecimentos gerais e conhecimentos específicos. Deste modo, a educação
profissional deve assumir uma concepção “que rompe com a dimensão que a articula
diretamente ao mercado de trabalho e a questão da empregabilidade e laboralidade,
assumindo compromisso com a formação humana dos alunos, a qual requer a apreensão
dos conhecimentos científicos, tecnológicos e históricos sociais pela via escolarizada
pública” (PARANÁ, 2005, p. 12).
100
3.2.2 A questão da grade curricular integrada
A proposta pedagógica do curso Técnico em Administração, na modalidade
integrada, tem como foco a área de Gestão. Isso significa que o curso deve preparar o
educando para atuar em atividades de administração e de suporte logístico à produção.
Ela prioriza uma formação que além dos requisitos técnicos de sua área também procura
formar profissionais flexíveis às demanda do setor produtivo. Esta proposta estabelece
como perfil final desse curso que o profissional esteja “capacitado para avaliar e auxiliar
na tomada de decisões nas áreas pessoal, financeira, econômica, patrimonial e outras
afins, devendo buscar constante atualização em sua formação profissional atendendo às
exigências de um mercado globalizado” sem, contudo, que se direcione estritamente ao
mercado de trabalho. Esta proposta intenta direcionar para uma dimensão de totalidade
ao indicar a necessidade de proporcionar uma educação que “propicie ao educando à
aquisição do conhecimento tecnológico, científico, sócio-cultural, político e econômico,
tornando-o apto a enfrentar os desafios” (PARANÁ, 2003, p. 6).
Atendendo a essa concepção, a educação profissional no Paraná toma a
perspectiva gramsciana do modelo da escola unitária, visando uma “formação Técnica,
a qual articule trabalho, cultura, ciência e tecnologia como princípios que devem
transversalizar o desenvolvimento curricular” (PARANÁ, 2003). Atendendo a esse
pressuposto a proposta curricular deveria ser organizada de modo a cooperar para o
processo de integração entre as disciplinas da base nacional comum e da formação
específica.
O curso Técnico em Administração, no Instituto de Educação, na modalidade
integrada conta com uma carga horária de 4000 horas, sendo 1120 horas destinadas às
disciplinas profissionalizantes especificas e 2880 às disciplinas da base nacional
comum. A distribuição das disciplinas na grade se encontra mesclada, sendo que o
primeiro ano conta com duas disciplinas técnicas, o segundo ano com apenas uma. O
que indica que o curso, embora devesse ser organizado de forma a integrar os
conhecimentos da base nacional comum e os conhecimentos técnicos específicos,
apresenta uma organização com predominância da parte geral nos primeiros anos e da
parte específica nos últimos anos, aproxima-se bastante do modelo de educação
profissional anterior ao decreto nº. 2208/97.
101
A grade curricular, assim organizada, não nos permite afirmar a impossibilidade
da integração entre o conhecimento da ciência básica e o conhecimento aplicado, pois
segundo o documento base da reforma a integração se daria na medida em que processo
de trabalho e as relações sociais sejam os eixos definidores do currículo, isso significa
que ciência e tecnologia que fundamental os processos de trabalho e as relações sociais
devem compor o novo currículo. No entanto nos permite inferir que ela pode dificultar a
relação entre teoria e prática, na medida em que distancia a formação geral e a formação
técnica específica no currículo, dificultando ao educando a apropriação desta relação.
Dando respaldo à proposta curricular deste curso, o documento base reitera a
necessidade da “articulação entre conhecimento básico, conhecimento científico e
conhecimento das formas de gestão e organização do trabalho, contemplando os
conteúdos científicos, tecnológicos, sócio-históricos e das linguagens” (PARANÁ,
2005, p. 33) para assegurar a integração curricular. Organizada de modo a contemplar
no primeiro momento o conhecimento geral seguindo do conhecimento técnico
específico, a grade curricular apresentando um ordenamento do currículo no período de
quatro anos em que a justaposição das disciplinas das duas áreas apresenta-se como o
princípio organizativo, apresentando se não uma incoerência, pelo menos uma limitação
entre o que está estabelecido no documento base e na proposta e a forma como foi
organizada a grade curricular do curso.
No âmbito da escola, a proposta pedagógica do Técnico em Administração na
modalidade integrada, procura estabelecer os conteúdos, objetivos, perfil profissional e
organização curricular deste curso. Desta forma, a proposta encaminhada objetivando o
aperfeiçoamento do currículo estabelece que “trabalho, cultura, ciência e tecnologia”
serão os princípios que deverão transversalizar o currículo, considerando as constantes
mudanças decorrentes do mundo do trabalho, indicando ainda que esse modelo de
currículo deverá oportunizar trabalhar conhecimentos gerais e conhecimentos
específicos numa formação profissional em nível Médio. (PARANÁ, 2008, p. 1)
Mesmo os professores, embora não tenham demonstrado entrevista
conhecimento teórico dos fundamentos da proposta, relatam que a grade curricular
assim organizada tem contribuído para a desistência, isso porque os alunos não têm
suas expectativas atendidas durante o curso, consideram os quatro anos muito tempo.
Ademais, enfatizam que o distanciamento entre formação geral e formação técnica,
devido a verem predominantemente nos primeiros anos as disciplinas da Base Nacional
Comum, dificultam aos educandos estabelecerem a relação do curso que fazem com o
102
mundo do trabalho. Isso ocorre somente mais tarde, no terceiro e quarto ano, que é
quando se concentram as disciplinas técnicas específicas. Isso fica evidente na fala de
um professor:
vejo que nossos alunos não estão vendo com bons olhos o curso ter 4 anos
de duração. Ficam desanimados porque o Educação Geral são 3 anos, e
como muitos não atuam ainda na área, ficam cansados tendo poucas
disciplinas cnicas no início do curso, daí estamos tendo um grande número
de desistência. A evasão é muito grande ( Prof. J).
A evasão é um elemento muito importante a ser considerado. No caso desta
instituição, no ano de 2005 foram criadas 3 turmas, contabilizando 66 matrículas no
curso Técnico em Administração Integrado. No decorrer do tempo houve um grande
índice de desistência, apesar da instituição não ter sistematizado esses dados, o fato é
que neste ano, 2008, quando as primeiras turmas concluirão o curso, na instituição
pesquisada resta uma turma de quarto ano esta conta com somente 17 matrículas.
Esses números indicam uma evasão de 74, 75% , ou seja, apenas 25, 25% dos alunos
matriculados no primeiro ano do curso Técnico em Administração Integrado continuam
cursando o último ano do curso
30
.
Complementando, segundo os professores, além da grade curricular pouco
atrativa e a duração de 4 anos, colaboram para compor esse índice outros fatores:
A evasão é muito grande, mas não é no integrado o, no geral ela é
grande em todos os primeiros anos... no terceiro e quarto ano ela é
insignificante, quase não acontece. Mas no integrado é um pouco maior
mesmo... Mas no primeiro ano é muito difícil para a gente segurar... uns
acham que é muito puxado, até porque têm uma base geral fraca e têm
dificuldade de acompanhar o ritmo de uma escola muito grande como essa. É
muito aluno, não temos como controlar... Eles fazem o que querem a hora
que querem... se não tem concentração e determinação começam a faltar.
Vão para os barzinhos, tem vários aqui perto, tem a pracinha do pátio da
escola, e quando percebem não conseguem mais acompanhar, aí desistem.
Outro fator muito importante é o emprego. Nossos alunos do noturno são
trabalhadores. E quando trocam de emprego e compromete o horário da
escola, ou quando no mesmo emprego mudam de horário... é sempre a escola
que eles deixam. Eles precisam trabalhar, não tem como... A nossa grande
dificuldade é essa, criar meios de manter esse aluno-trabalhador na escola
(Prof. H)
Como se vê, além das questões individuais a materialidade é determinante na
“opção” do jovem continuar estudando. No geral, são eles próprios que arcam com as
despesas dos seus estudos, além é claro de arcarem também com parte das despesas da
30
Esses dados foram retirados do site da própria SEED.
103
família, de modo que manter o emprego é indubitavelmente prioridade frente à escola,
pelo caráter imediato das necessidades básicas de um ser humano, alimentação, moradia
e vestuário. Sem contar é claro com todas as necessidades criadas para os jovens por um
mercado ávido em vender.
Ainda nos remetendo à questão do currículo, outro elemento que nos chamou a
atenção foi a ausência do estágio, enquanto disciplina obrigatória. O Ensino Médio
Integrado traz um avanço ao justificar a “necessidade de uma formação que propicie ao
educando à aquisição do conhecimento tecnológico, científico, sócio-cultural, político e
econômico”, sendo necessário a articulação de todos esses conhecimentos se a pretensão
é uma formação de caráter integrado. Esse caráter é reiterado pela necessidade da
articulação entre teoria e prática, tendo essa articulação como pressuposto para a
aquisição dos fundamentos científicos e tecnológicos do processo produtivo. Tal
pressuposto encontra respaldo no documento base da última reforma do ensino médio
no Paraná, considerando que a integração entre o conhecimento básico e o
conhecimento aplicado só se dá pela mediação do processo produtivo.
Os próprios professores do curso nas entrevistas relataram sua preocupação com
a ausência do estágio. Em um dos trabalhos de campo pudemos observar a visita de uma
equipe do Núcleo Regional de Educação à escola com o intuito de fiscalizar o currículo
do curso. Nesta ocasião me foi relatado o questionamento quanto a questão do estágio,
junto à equipe do DET/SEED-PR. A necessidade do estágio é unânime na opinião dos
professores, eles reivindicam o estágio
porque o aluno precisa fazer estágio, o magistério tem isso. Eu acho que
na teoria.... acho que é por isso que o aluno se decepciona... ele entra
achando que é uma coisa... E Ensino Médio prepara para o vestibular e o
profissionalizante não está preparando para entrar no mercado de trabalho.
No Administração eles só vêem teoria... o curso está totalmente cru ainda. Eu
acho que tinha que ter o estágio, materiais necessário para que o aluno tenha
uma visão do que vai trabalhar... a parte estrutural mesmo (Prof. G)
Consideram que a inexistência do estágio compromete a relação teoria e prática,
pois os alunos saem do curso desconhecendo a rotina de uma empresa. Essa
preocupação, com a questão da relação teoria e prática vai além para alguns professores,
haja vista perceberem que “muitos professores o tem a menor noção do que seja uma
empresa, nunca nem entraram numa empresa, os alunos em sua maioria não trabalha
em nada ligado à área do curso” (Prof. B). Por isso reivindicaram, junto a essa equipe
que esteve fiscalizando o currículo na escola, a necessidade do estágio como uma
104
melhoria na estrutura curricular do curso, tendo em vista a busca da integração entre às
áreas gerais e específicas.
Dando continuidade à análise do currículo, com auxílio dos dados colhidos nas
entrevistas, outro fator importante diz respeito à especificidade do trato com o
conhecimento no curso Técnico em Administração Integrado a dificuldade da dimensão
de totalidade. Esse é um ponto que preocupa os professores, o fato de eles não saberem
exatamente porque e quais são os conteúdos e/ou metodologias direcionadas ao curso
Técnico em Administração na modalidade integrada. Muito embora a proposta
pedagógica do curso faça essa especificação, de acordo com relato da equipe
pedagógica, não é raro o professor dar a mesma aula, tanto no integrado como na
educação geral, evidenciando que apesar de a proposta fazer essa distinção do
professores não terem conhecimento da que ela traz. E isso se evidencia na fala dos
professores:
Tanto no Ensino Médio quanto no Administração.... quer dizer é o mesmo
currículo, o mesmo conteúdo. O que modifica é o nome do curso. A
diferenciação é da minha parte. Eu é quem tenho que olhar com um olhar
administrativo no Administração, no Educação Geral com outro e no EJA
com outro ( Prof. F).
Eu também acho que deveria ser específico... mas é o que o curso propõe.
Mas a gente trabalha igual no Ensino Médio e no Administração Integrado,
não há diferenciação” (Prof. G)
Focalizando a fala dos professores de que a diferenciação entre conteúdo e
metodologia depende deles, o relato dos seguintes professores vem confirmar esse fato
:
Quando eu comecei, no ano passado, era uma proposta que era mais ou
menos comum para o Integrado e para o EM (...) e o alunos mesmo acharam
que não era viável uma parte do que veriam em português. Então eu
conversei com a orientação e nós fomos mudando (...) assim colocamos toda
uma parte de redação apropriada ao curso. Eles passaram a estudar
memorando, cartas comerciais, ofícios, atas... Coisas que eles precisariam
diariamente para estar trabalhando. (...) Então nós fomos organizando as
aulas de acordo com as necessidades que eles tinham. (...) Peguei uma
apostila de Administração e fui percebendo o que tinha na apostila e o que
eles ainda não tinham estudado. Então nós trocamos algumas matérias por
outras até que deu certo. E o que ficou interessante é que foi auxiliando em
outras matérias que eles precisavam escrever, porque eles precisavam
escrever relatórios e não sabiam fazer. Já esse ano, como eu já estou o
segundo ano trabalhando com este curso, eu estou organizando de uma
maneira mais dividida (Prof. B).
Dentro da disciplina de artes eu procuro enfocar o que é mais útil na parte da
administração. Como a administração é a parte de organizar, administrar
105
empresas coisa e tal, dentro da artes eles trabalham basicamente com a
propaganda. Que é um meio que eles terão mais influência .... Eu sei que eles
não são responsáveis por essa área, que haverá profissionais qualificados
específicos. Mas eles m que ter pelo menos uma noção do que vai ver, para
saber se está sendo bem feito. A minha preocupação é eles saberem uma
geral de história da arte (...) não é profunda, realmente é uma geral, a
evolução dos homens, das artes, como é que caminhou (...) e depois passo
para a parte de propaganda. Eles vêm a história da arte toda em um bimestre
e meio, o que no ensino médio eu dou em dois anos
(Prof. C).
Esses relatos indicam um desconhecimento, por parte do corpo docente, da
proposta pedagógica do curso em que atuam e também do documento base da reforma,
que reinseriu na rede regular de ensino a educação profissional. Quando questionados
sobre este documento somente 20% dos professores afirmaram conhecer o documento,
muitos não souberam distingui-lo da proposta do curso,
Olha, eu tenho conhecimento de uma apostila que veio da SEED... onde
consta todas as disciplinas, todos os conteúdos que serão necessários para
cada série. A primeira série, quais são os conteúdos propostos, a
metodologia. Então, esse a gente teve acesso, a escola disponibilizou o
material, a gente leu tudo (Prof. H).
No caso da equipe pedagógica a visão que tem do documento é que este é
bastante idealista, haja vista as condições da escola e do corpo docente:
Muito lindo, perfeito... É uma pena que a gente não consiga ver na prática os
aspectos. Na teoria é muito bom, seria ideal se a gente conseguisse na prática
estar colocando ele para funcionar realmente, mas.... infelizmente não é o que
a gente tem no dia a dia do professor.... Aquela corredia, entrou na sala ele
não se lembra que tem determinados parâmetros para seguir (Equipe
Pedagógica A).
Em relação às mudanças na estrutura curricular com a retomada do ensino
técnico, o que se ouviu com mais freqüência foram relatos da ausência de mudanças
significativas na proposta curricular da instituição, tendo em vista criar meios para que a
integração acontecesse, e relataram que:
O Instituto sempre trabalhou com os cursos profissionalizantes. Na verdade
as mudanças... elas não aconteceram. A gente tem hoje basicamente a mesma
estrutura do cnico em administração de dez anos atrás. A mudança mais
significativa... agora a escola possui computadores para as disciplinas que
exigem esse tipo de acessório né... mas de uma forma geral os mesmo
argumentos... métodos são utilizados desde que o Instituto oferece o curso
Técnico em Administração Integrado... (Prof. H)
Ela foi refeita, mas não mudou muito não sabe. Ela mudou o nome de
algumas disciplinas, o conteúdo não teria muito o que mudar. E como nós
106
ficamos apenas 2 anos sem fora... então, para nós foi muito pouca a
mudança... (Prof. I).
Outro professor ainda, respondendo sobre as mudanças efetuadas na estrutura
curricular no intuito de integrar parte geral e parte específica considera que “não teve
muita não. Já tinha o Administração... não tinha o subseqüente né.. (...) a única mudança
que houve foi o subseqüente... que são outra clientela...” (Prof. J). Esses dados
sugerem que as mudanças ocorridas no interior das escolas para adequar a grade
curricular ao propósito da integração não provocaram mudanças significativas.
Acreditamos que o fato da escola já ter ofertado cursos profissionalizantes na mesma
área, antes do decreto nº. 2208/97, e os professores em sua grande maioria continuarem
os mesmos, a mudança necessária se apresenta como difícil e limitada, ainda que haja
uma nova grade curricular e novos pressupostos teórico-metodológicos.
Se por um lado os professores da Base Nacional Comum seguem um mesmo
currículo tanto para o Ensino Médio quanto para o Administração integrado, a situação
não é muito diferente em relação à modalidade integrado e subseqüente do curso
Técnico em Administração. Desse modo, evidenciou-se que a nova proposta não tem
encontrado as condições estruturais necessárias no chão da escola para que possa ser
efetivada. Em relação às questões estruturais encontramos alguns elementos que,
segundo os próprios professores tem dificultado demasiadamente eles tomarem
conhecimento e poderem se capacitar para empreender a reforma.
3.2.3 Espaço e tempo de formação dos professores do ensino médio integrado
Partindo do pressuposto que uma reforma da profundidade desta que está em
implantação, devido à mudança de concepção que a permeia, não se constitui tarefa de
fácil, tão pouco rápida; e, considerando ainda, que por se tratar de uma reforma que
busca mudanças estruturais, intentando um enfrentamento da dualidade que acompanha
a história do ensino médio no Brasil, foi de nosso interesse conhecer quais os
mecanismos que o DET/SEED-PR tem utilizado para capacitar os docentes a essas
mudanças projetadas.
107
O documento Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional
do Paraná estabelece algumas linhas de ação necessárias de serem trilhadas visando
atender a nova concepção curricular que tem o trabalho como princípio educativo e um
modelo de ensino médio, na perspectiva gramsciana, de escola unitária. As ações
traçadas incluem “a instituição de quadro próprio de professores para essa
modalidade, a formação continuada do seu quadro docente e técnico, a melhoria da
estrutura física e material necessária dos estabelecimentos e sua manutenção”, pois,
esses requisitos são considerados pelo próprio DET/SEED-PR como “estratégias
indispensáveis para a melhoria da formação assumida pelo DEP/SEED
31
(PARANÁ,
2005, p. 9 sem grifos no original).
Diferentemente dessas estratégias traçadas tendo em vista garantir a integração
curricular, os entrevistados relataram a inexistência de cursos cuja intencionalidade seja
capacitá-los para a nova concepção de educação profissional assumida pelo
DET/SEED-PR. Anunciaram a existência de diversos cursos de capacitação, porém,
relataram que esses cursos são ofertados por área, ou seja, segundo um professor
entrevistado:
eles estão fazendo alguma coisa, mas tudo muito solto. Essa integração, de
reunir todo mundo, não tem. Eles oferecem para a gente Faxinal do Céu, que
é um lugar específico para formação, e Curitiba, mas em cursos por área. Eu
ministro aulas no Administração subseqüente e integrado, no Ensino Médio e
no Formação de Docentes e eu só posso ir em um dos cursos. E como
professora de Artes eu vou ao curso do Ensino Médio. Mas, como fica a
Artes para o Administração? Como fica a Artes para o Formação de
Docentes? Eu não posso ir nesses cursos específicos. Então, professores
específicos da área de Administração eles têm o encontro deles. E como é
que eu posso trabalhar junto, se eu não conheço, não tenho noção do que eles
estão fazendo, desconheço a área administrativa. As formações são
específicas por áreas e não por cursos, ou por áreas do curso. E eu posso
optar por uma. E a formação da área de Artes é no contexto do Ensino
Médio, porque é a única que eles oferecem (Prof. C).
Muitos dos professores, quando questionados sobre a capacitação, a referência
são os dias no início do ano letivo e depois no início do segundo semestre quando
ocorrem as semanas pedagógicas:
Temos os cursos de aperfeiçoamento que a SEED manda... tipo, começo do
ano que a gente tem aquela semana pedagógica, em julho a gente tem mais
uma semana pedagógica e . E tem as pessoas que vão para Faxinal, mas
31
O DEP – Departamento de Educação Profissional foi substituído pelo DET – Departamento de
Educação e Trabalha em 2007.
108
não é nada assim para isso não tem essa função até porque vêm os textos
que devem ser trabalhados (Prof. H).
Dos entrevistados, um único professor disse existir essa capacitação:
Existe, ela ocorre lá em Faxinal do Céu. Eu estive uma semana lá, fazendo a
integração da minha disciplina com outras . Eles pegam o professor de
química e chamam, por exemplo, todos os professores de marketing e eles
vão até ver o que o professor de química pode está dando e se existe
alguma possibilidade (Prof. I).
No entanto, em sua fala observa-se que, caso esses cursos tenham ocorrido eles
não atenderam ao princípio de integração entre o conhecimento básico e o aplicado, de
acordo com o que está disposto na proposta do ensino médio integrado. Isso porque,
segundo esse professor, é chamado um grupo de professores da área administrativa de
uma disciplina específica e juntamente são chamados um professor de química, ou de
biologia ou ainda um outro, e o curso consistiria em saber se existe possibilidade dos
professores dessas disciplinas subsidiarem o trabalho dos professores das áreas
específicas de formação profissional.
Porém, o princípio de integração curricular delineado na proposta é possível na
medida em que os processos de trabalho e as relações sociais passem a ser considerados
eixos definidores dos conteúdos, além do conhecimento que compõe as áreas do
conhecimento. E não se resume a uma relação onde as disciplinas da Base Nacional
Comum têm a função de subsidiar os conhecimentos de caráter técnico, aproximando o
objetivo do ensino médio aos estreitos limites do mercado de trabalho e atribuindo uma
dimensão utilitarista para o conhecimento, de onde é possível deduzir que se poderia
então eleger os conteúdos que podem contribuir de forma imediata à habilitação
pretendida no curso técnico.
Consultando o site da SEED-PR constatamos que houveram realmente cursos
voltados para a educação profissional, incluindo a temática da integração. E, apesar de
terem como público alvo professores da base nacional comum, professores da área
profissionalizante e equipe pedagógica, as vagas eram irrisórias frente ao número de
professores que atuam na educação profissional. No ano de 2007, por exemplo, os
cursos ofertados, cujo público alvo eram aceitos professores dos cursos
profissionalizantes, eram destinados aos CEEP Centros Estaduais de Educação
Profissional. Esses cursos foram realizados para os CEEPs de Cascavel, Londrina e
109
Irati. Outros eventos e cursos que trataram especificamente do Ensino Médio Integrado
tiveram como público alvo diretores e auxiliares. Por exemplo, o III Seminário Gestão
Pública da Educação Profissional, realizado entre os dias 27/11 e 29/11 de 2007, em
Curitiba, ofereceu para o Núcleo Regional de Ensino de Maringá apenas 3 vagas
32
.
Os temas tratados nesses eventos/cursos incluem: o trabalho como princípio
educativo; as mudanças no mundo do trabalho; as relações entre ciência, tecnologia e
educação profissional; dimensões teóricas e metodologias da educação profissional; e
currículo integrado. No entanto esses cursos são inacessíveis aos professores, fato que
se confirma nos relatos colhidos em nossas entrevistas. Não podemos afirmar a
inexistência de cursos voltados para a questão da integração tendo como objetivo a
capacitação dos docentes, no entanto podemos e devemos ressaltar a ineficácia desses
cursos até então. A ineficácia não se resume ao conteúdo destes cursos, mas sim em sua
não acessibilidade aos professores, que são os executores desse grande tarefa que
instituir no cotidiano das escolas uma outra concepção de educação profissional, que
para eles ainda permanece desconhecida.
No caso específico do curso Técnico em Administração, a fala de um professor é
ilustrativa para termos uma noção exata da implicação da ausência de cursos de
capacitação para todos os professores que atuam nos cursos cujo currículo é integrado:
os professores das disciplinas específicas, se eles não tiverem formação
constante, que ainda é a dificuldade maior, porque se a formação é técnica
mesmo não permite a visão de um trabalho pedagógico. Então isso acaba
dificultando. E se não tiver um bom acompanhamento, uma boa equipe
pedagógica, ele vai ter dificuldade, porque em sala de aula ele vai ser muito
tecnicista, não dando um tratamento pedagógico, ele não vai saber amarrar
com as outras disciplinas. E o professor da área geral também. Se ele não
tiver conhecimento sobre a área técnica do curso fica difícil. Daí a
necessidade de ser um curso integrado, e para isso precisa de formação para a
gente possa entender melhor a questão da integração (Prof. C).
A necessidade da capacitação coloca-se, portanto, como pressuposto para que a
concepção de educação profissional construída no interior do DET/SEED-PR possa, de
fato, chegar ao chão da escola. Não se fazem mudanças dessa proporção sem um corpo
docente que tenha ao menos conhecimento dos fundamentos teóricos e metodológicos
que subsidiam a nova concepção de educação. Ainda mais considerando que os
“executores”, nas escolas, dessa nova proposta foram os mesmos “executores” da
proposta anterior, cujo direcionamento era o mercado de trabalho.
32
Os dados de todos os cursos realizados pelo DET/SEED-PR se encontram no site
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/ccpe/.
110
Apesar de distantes do centro onde essas reformas são decididas, os professores
dentro de suas escolas indicam conhecer como se faz uma reforma. Eles consideram
como um fator que dificulta a implantação da reforma “é que o professor é o mesmo.
Então ele já tem aquela cabeça, já tem aquela noção... Então... de outros anos que estava
trabalhando com a mesma disciplina, então segue aquela linha. Não há mudança, nós
vemos isso aqui.” (Prof. F).
Consideram ainda mais um percalço na implantação dessa integração a não
possibilidade de se optar em dar aulas nos cursos técnicos. Alguns consideram que o
fato de o mesmo professor dar aulas tanto no Ensino Médio quanto no Administração
incorre em uma dificuldade, pois no dia a dia, a quantidade de aulas e pouco tempo para
prepará-las faz com que o professor não tenha as condições necessárias para fazer a
necessária distinção.
Eu acho que o ideal seria assim, se fosse por opção mesmo. Porque quando é
por opção o professor sabe que a forma que ele tem de trabalhar deve ser
diferente. Ele não vai mais trabalhar naquela perspectiva que ele tinha da
Educação Geral. Porque ele sabe que o objetivo do Ensino Médio é um e do
profissionalizante é outro. Eu acho que sem isso é inviável, de se fazer a
opção, o professor fazendo... é ele optando por esse quadro, teria ao menos
que ter formação (Prof. D)
Ao que nos remete ao texto base da desta proposta, quando ele cita como
indispensável para seu sucesso a “instituição de quadro próprio de professores para essa
modalidade” (PARANÁ, 2005, p. 9), o que sem dúvida nenhuma impactaria
favoravelmente no processo de implantação do ensino médio integrado. Considerando o
fato dos cursos de educação profissional serem direcionados por um departamento
específico o DET –, enquanto o Ensino Médio está sob a tutela do DEB
Departamento de Educação Básica e sabendo que a adoção da nova concepção de
educação profissional se limita ao DET, não podemos afirmar que haja uma
aproximação teórica entre os dois departamentos. Essas observações evidenciam o
caráter fragmentado, ainda no âmbito da SEED-PR, do curso analisado. Levando-se em
consideração a necessidade da integração dos conhecimentos, avaliamos que a
integração entre as disciplinas fica comprometida, o que, por sua vez, reproduz e reforça
a segmentação do trabalho dentro da escola.
Outro fator que os professores consideraram pertinente é a dificuldade que a
instituição tem em proporcionar melhores condições para que a integração possa
ocorrer. Desde a ausência da estrutura básica necessária ao curso, pois “a reforma já está
111
em processo, mas nós ainda não recebemos verbas para as melhorias necessárias,
esperamos no próximo ano concluir o laboratório de informática” (Equipe Pedagógica
B). Ainda no que se refere às condições básicas para o sucesso da implantação, os
professores se queixam da rigidez do calendário da SEED-PR. Devido à ausência de
tempo/espaço, no dia a dia da escola, pois o calendário é apertado, o que acontece são
“ações individualizadas, de caráter interpessoal”, onde os professores quase não se
comunicam, sempre contando com pouquíssimo tempo como o do intervalo, do lanche e
da troca de aulas. E apontam o calendário como dificultador dos debates e discussões
dentro da instituição.
Outra coisa que dificulta é o calendário, a escola tenta implantar espaços de
discussão. Mas não tem como, porque cada professor tem o seu horário, e o
horário de hora-atividade não bate para que todos sentem para uma
conversa... o calendário da SEED... aqui eles até tentam aqui na escola,
temos que dar a mão à palmatória. A direção da escola se esforça para tentar
deixar os professores das mesmas disciplinas juntos, para que pelo menos
possam estar conversando. Mas é muito difícil, não são todos os professores
que podem vir, tem professor que trabalha em outras escolas...(Prof. F)
.
As semanas pedagógicas de fato são três dias que ocorrem a cada início de
semestre, são quase sempre os únicos momentos de “formação continuada” aos quais
todos os professores têm acesso. Porém vem pronto da SEED-PR os textos que
norteiam o trabalho a ser desenvolvidos com corpo docente e pessoal técnico
administrativo. Esse fato não permite espaço para que se debatam temas divergentes do
que foi encaminhado, como Poe exemplo abordarem o tema do ensino médio integrado.
Os textos são indicados por segmento, no caso é um texto para as séries iniciais do
ensino fundamental, um para as séries finais e um para o ensino médio.
Algumas escolas ocupam parte desses três dias para o Projeto Político
Pedagógico, porque também não existe dentro do calendário da SED/PR tempo/espaço
para essa discussão. O resultado disso, quase sempre, é uma justaposição de
descrições, objetivos e ementas de disciplinas, onde cada professor faz e entrega a sua
para que uma ou duas pessoas da equipe pedagógica transformem uma série desses
pequenos textos, divergentes entre si, em um único documento que é o Projeto Político
Pedagógico, como foi por nós observado ao nos debruçarmos sobre o Projeto Político
Pedagógico da instituição pesquisada.
A ausência de espaço-tempo no calendário escolar é apontada pelos professores
como um grande dificultador, posto que, não permite que as próprias instituições criem
112
opções de formação para seus professores, haja vista as existentes no âmbito da SEED-
PR não serem suficientes por não serem acessíveis a o todos os professores.
Apesar da proposta de integração proveniente do DEP/SEED-PR apresentar uma
concepção avançada, considerando as reformas da educação profissional levadas a cabo
anteriormente no Brasil, esta, porém, não tem se efetivado em um determinante
essencial, o corpo docente. Os documentos legais que fundamental a proposta do ensino
médio integrado, entre os quais o documento base Fundamentos Políticos Pedagógicos
da Educação Profissional do Paraná, são quase desconhecimentos. A equipe
pedagógica chegou a trabalhar com esse documento, aos professores foi distribuída a
proposta curricular com carga horária, ementa e metodologia de todas as disciplinas. O
documento base, entretanto, ficou a disposição de quem quisesse tirar pia e lê-lo, o
que indica que nenhum trabalho foi desenvolvido com os professores dentro da
instituição para que de fato os professores tivessem acesso aos fundamentos teóricos e
metodológicos dessa reforma.
Aqueles que tiveram contato com o documento base, no geral gostaram muito,
fizeram elogios, mas, no entanto, afirmam que não conseguem enxergar a viabilidade do
que está proposto ali. Consideram a proposta muito boa, mas indicam a apreensão de
que o que o conteúdo da proposta não se efetivará na escola, devido às inúmeras
limitações que se originam da falta de estrutura, de formação, nas precárias condições
de trabalho dos professores.
Muito lindo perfeito. É uma pena que a gente não consiga ver na prática os
aspectos. Na teoria é muito bom, seria.... seria ideal se a gente conseguisse na
prática estar colocando ele pra funcionar realmente. Mas infelizmente não é o
que a gente tem no dia a dia do professor. Aquela correria... entrou na sala e
não lembra que tem determinados parâmetros para seguir... não. Ele dá a aula
dele, ali dentro abre a caixinha de matemática, agora fecha e vem a de
português e assim que a coisa funciona (Equipe pedagógica)
.
Apesar de os professores tomarem para si a responsabilidade por fazer as coisas
acontecerem, ou seja, sabem que depende da ação de cada um no cotidiano da escola
para que a integração ocorra. Seus relatos mostram que os professores têm um
conhecimento dos aspectos da realidade. No entrecruzar da teoria com a empiria, a
prática social mostra os aspectos que o professor intui e exterioriza, embora não teorize
com os conceitos e categorias. E reivindicam, acertadamente, a existência de cursos de
capacitação, haja vista eles estarem levando a cabo um projeto de educação profissional
cuja construção eles não participaram, sendo, portanto, estanho a eles. Pois pensada e
113
gestada no âmbito de um departamento, o DEP, essa proposta ainda não se apresenta
como uma concepção para seus “executores", os professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa atendeu ao objetivo de conhecer como se o processo de
integração entre disciplinas da base geral e de cunho profissionalizante, caminhando por
questões como o que os docentes da instituição pesquisada conhecem acerca da
proposta do DEP/SEED-PR. Esta proposta de Educação Profissional, ao se fundamentar
na concepção de escola unitária de Gramsci, reivindicou um currículo norteado pelo
trabalho como princípio educativo e implantou, novamente, na rede pública estadual a
educação profissional em nível médio. Essa retomada da Educação Profissional no
âmbito da rede regular de ensino, no entanto, foi intentada em outras bases, ou seja, na
tentativa de enfrentamento da característica mais significativa do nível médio de ensino
brasileiro, a dualidade estrutural. Dualidade essa que segmenta a oferta da educação
atendendo a distinção de formas diferenciadas de acesso ao conhecimento tendo como
critério a origem de classe.
Ao buscar os determinantes históricos da dualidade que permeia o nível médio
de ensino observamos que, na história da educação brasileira, foram várias as tentativas
de se superar essa dualidade. No entanto, no âmbito da organização política de uma
sociedade de classes, essas tentativas não lograram êxito, e ainda reforçaram essa
característica, como foi o caso do PROEM Programa de Expansão, Melhoria e
Inovação do Ensino Médio do Estado do Paraná –, que além de não fazer o
enfrentamento dessa questão central que é a dualidade reforçou-a ao segmentar em
sistemas paralelos Educação Profissional e Educação Geral, ao retirar da rede regular de
ensino a oferta dos cursos técnicos de nível médio.
Dessa forma observamos que a oferta de uma formação profissional no âmbito
da rede regular de ensino tem sido marcada por uma descontinuidade, o que resultou em
um abandono dessa formação pela esfera pública, fato esse verificado em âmbito
nacional, através da literatura específica da área.
No caso do Estado do Paraná, essa descontinuidade foi ainda mais evidente, pois
as reformas educacionais efetivadas pelos diversos governos tiveram vigência e foram
executadas como uma política própria, de governo, ignorando às necessidades de se
construir uma política que subsista além da gestão de cada um deles e que estivesse
comprometida com um projeto a longo prazo.
115
Confirma essa tendência, a nova reforma da Educação Profissional do Estado do
Paraná. Neste sentido, mais uma vez as escolas foram sacudidas por uma nova
concepção de educação e passaram a por mudanças em suas estruturas tendo em vista
atender às prescrições do DEP/SEED-PR. Diante desse quadro é que se objetivou, com
a nossa pesquisa de campo, conhecer o percurso que as escolas estão fazendo para
garantir a integração curricular das disciplinas de conhecimentos gerais com as
disciplinas de cunho profissionalizante. E, de forma muito especial, conhecer qual
concepção de integração o corpo docente tem, já que de fato os professores são os
executores da proposta de currículo que reivindica uma relação de integração entre a
Educação Geral e a Educação Profissional.
No aspecto conceitual essa proposta em diferentes momentos fez referências à
integração necessária entre formação geral e formação técnica, haja vista ser essa a
concepção que fundamenta essa reforma. No entanto observamos também que,
resguardada a sua concepção de educação, existe uma preocupação quanto à
flexibilidade do profissional formado nesse curso, indicando uma predominância das
questões ligadas ao desenvolvimento das competências exigidas pela reestruturação
produtiva, por exemplo, na capacidade de adaptação para atender às rápidas mudanças
do mundo do trabalho, independência intelectual e moral, saber lidar com imprevistos.
Sobre essas competências, ditas necessárias ao exercício profissional, nas ementas das
disciplinas não há indicação de como relacioná-las à formação específica do curso.
Ao nos remetermos à questão da organização curricular, haja vista essa ser o
ponto central da reforma, com a integração curricular entre formação geral e formação
específica, observamos que a organização do currículo não atende criteriosamente aos
requisitos da integração. De fato o que se tem apresentado é a reposição do que se tinha,
em termos de currículo, com a lei nº. 5692/71, ou seja, estão dispostas algumas
disciplinas Fundamentos Psicossociais da Administração e Teoria Geral da
Administração no primeiro ano do curso e no segundo ano Teoria Econômica
juntamente com as disciplinas da Base Nacional Comum. As demais disciplinas da parte
da formação específica ficaram concentradas nos últimos dois anos, sendo que a
concentração maior se no último ano do curso. Assim, podemos inferir que o
currículo não apresenta de fato uma integração curricular, o que se tem é um curso cujo
currículo está organizado de modo a contemplar primeiramente a formação geral e
depois a formação específica, ou seja, a organização está mais para uma justaposição
entre disciplinas do núcleo comum e as disciplinas do núcleo específico que para a
116
integração necessária pra que a proposta tenha maior potencialidade de ser implantada
com sucesso.
Esse fato nos permite considerar que o curso Técnico em Administração
Integrado está atendendo à integração apenas formalmente, pois apesar de estarem no
mesmo currículo, as disciplinas da Base Nacional Comum e as disciplinas da Formação
Específica, elas não estão efetivamente organizadas de modo a indicar uma integração
curricular. Consideramos que a preparação do aluno, tendo como objetivo que ele
compreenda os fundamentos científicos e tecnológicos do processo produtivo ao mesmo
tempo em que tenha atendida sua formação profissional pressupõe criar condições para
que ele possa relacionar teoria e prática nas disciplinas cursadas.
Consideramos também o comprometimento da relação teoria e prática na
organização curricular deste curso devido a não existência do estágio enquanto
componente obrigatório do currículo. A fala dos professores expressou uma
preocupação pertinente ao considerarem que muitos dos seus alunos desconhecem o
ambiente de uma empresa, e a ausência do estágio não permite a eles relacionarem as
disciplinas específicas com as atividades a serem desenvolvidas por eles depois de
formados. Extrapolamos essa preocupação de caráter imediato e vamos além, nos
remetemos aos cursos profissionalizantes anteriores ao decreto nº. 2.208/97, quando a
crítica à formação era devido a natureza iminentemente prática da formação. No caso
atual do curso Técnico em Administração Integrado, em contra partida, observa-se a
predominância de uma formação iminentemente teórica. Inferimos que isso pode ser
decorrência das mudanças ocorridas nos processos de trabalho, onde o conhecimento de
uma tarefa não basta, daí a formação prática ser substituída pelo desenvolvimento de
competências, que contemplariam habilidades e atitudes a serem desenvolvidas,
resultando na predominância de uma teoria esvaziada, sem relação com a prática.
Outro fator que tem limitado a potencialidade dessa proposta é o
desconhecimento, por parte do corpo docente, dos fundamentos políticos e pedagógicos
que norteiam a proposta do ensino médio integrado. A situação na qual nos deparamos
na escola foi de quase total desconhecimento do documento base do DEP/SEED-PR.
Segundo nossas estimativas em torno de 20% apenas conhecem o documento, no
entanto revelaram terem lido inteiro, com o cuidado necessário. O que nos leva a
questionar: quais as possibilidades de implantação no chão da escola, na prática, de uma
proposta cuja teoria é desconhecida dos professores?
117
Neste contexto verificou-se que uma das grandes falhas da proposta talvez seja
essa, fazer uma reforma sobre as velhas bases sem que haja a preocupação em se
capacitar seus executores, os professores, dos conhecimentos mínimos necessários.
Tanto que para a grande maioria dos professores a escola simplesmente voltou a ofertar
o que já ofertará, um curso de educação profissional. Inclusive chegando a afirmar que a
grade é a mesma, que biblioteca tinha e que para os professores não houve
dificuldade já que uma boa parte deles já dava aulas nesse curso.
Esse desconhecimento decorre dos limites da própria estrutura da escola na
sociedade capitalista, cujo trabalho fragmentado subentende o professor como mero
executor de políticas gestadas por intelectuais que estão fora da escola. Consideramos,
dessa forma, que entre o Departamento de Educação Profissional, no âmbito da SEED-
PR, e a escola existe uma distância muito grande, levando os professores a não se
apropriarem dos princípios e fundamentos da reforma. Essa não apropriação, entretanto,
não pode ser atribuída a um caráter subjetivo de falta de vontade dos professores, e isto
pode ser afirmado após termos buscado as formas de capacitação que foram e estão
sendo ofertadas aos professores da rede estadual, abordando a problemática da
integração entre as disciplinas de formação geral e formação profissional. Retomando
um pouco o esforço feito nos dois primeiros capítulos de relacionar o desenvolvimento
da legislação educacional no Brasil em suas mediações com a estrutura produtiva
predominante, podemos lembrar uma reflexão de Mészáros (2006) para fundamentar
nossa apreciação sobre as limitações estruturais da escola na atualidade:
Pela primeira vez na história o capitalismo é confrontado globalmente
por seus próprios problemas, que não podem ser ‘adiados’ por muito tempo,
nem transferidos pára o plano militar, a fim de serem ‘exportados’ na forma
de guerras totais. Tanto as instituições quanto a ideologia do capitalismo
monopolista são estruturalmente incapazes de resolver esse problema
radicalmente novo. A intensidade e a gravidade da crise educacional-
ideológica do capitalismo de hoje é inseparável desse grande desafio
histórico (MÉSZÁROS, 2006, p.282).
Considerando que a oferta de cursos, conforme discutido no terceiro capítulo,
tem sido voltada para os diretores e auxiliares, salvo quando são ofertados para os
Centros Estaduais de Educação Profissional, constatamos a ineficácia das ofertas, haja
vista não estarem capacitando todos os professores atuantes nessa modalidade de
ensino.
118
Considerando que a capacitação, ao privilegiar os diretores e auxiliares, está
sendo feita para que estes possam atuar como multiplicadores, conclui-se que essa
intencionalidade fica interditada por um outro limitador da estrutura das escolas
estaduais do Paraná, a ausência de tempo/espaço no calendário escolar. Essa foi uma
das maiores dificuldades encontradas pelas escolas em oportunizar possibilidades
efetivas para que o corpo docente possa discutir e debater questões referentes a
integração entre as disciplinas de formação geral e de formação específica. Esse
limitador impede até mesmo que os professores que dão aula no curso se conheçam.
Um elemento importante desse limitador é o fato que a questão do tempo/espaço
reitera um problema bastante antigo na educação brasileira, a excessiva carga horária
que os professores têm, que é um limitador da qualidade do ensino. As escolas da rede
pública federal apresenta, sem dúvida alguma, o que de melhor existe em termos de
qualidade no nível médio de ensino na realidade brasileira. O que nos lembra o fato de
que os professores nessas escolas têm uma condição de trabalho infinitamente melhor
que os professores das escolas da rede estadual, onde quase sempre o contrato de
trabalho de 40 horas corresponde a 20 horas em sala de aula, permitindo a esses
professores, por exemplo, desenvolverem pesquisa, reunirem-se para discutir questões
pedagógicas, refletirem detidamente seus planejamentos, ter um contato mais efetivo
com a comunidade atendida e etc.. Esse fato, por exemplo, é evidenciado pela grande
quantidade da produção científica das instituições federais, inclusive abordando a
questão da educação profissional, como é o caso dos CEFETs.
Outro limitador levantado por um professor entrevistado, de muita pertinência, é
a situação dos professores que trabalham com as disciplinas da Base Nacional Comum
que não podem fazer a opção de trabalhar ou não no Ensino Médio Integrado. Ele é
lotado em uma escola e, necessariamente, precisa assumir as aulas nas turmas
disponíveis na escola. Coisa que não acontece nos Centros de Educação Profissional
do Estado do Paraná. Em nossa primeira tentativa de buscar uma escola para essa
pesquisa conhecemos um CEEP, e constatamos que os professores que ali trabalhavam
tinham feito essa opção, pudemos também, nessa oportunidade conhecer a estrutura
física da instituição, que se assemelha muito à estrutura dos CEFETs e, em
contrapartida, se distância consideravelmente das escolas regulares da rede estadual de
ensino.
Embora tenhamos salientado uma série de limitadores no processo de
implantação do ensino médio integrado, havemos de nos ater também aos avanços
119
contidos nessa iniciativa inovadora que foi proposta pelo DEP/SEED-PR. Nesse
sentido, apontamos aqui o caráter limitado de nossa pesquisa, que nos propomos a
analisar uma política voltada para a educação profissional ainda muito recente. E
sabemos que podemos conhecer cientificamente um fato histórico quando este foi
concretizado, pois no momento de seu ir acontecendo podemos apenas captar tendências
e traços gerais, que podem ou não se confirmar no devir.
Diante disso, apesar dos grandes limitadores identificados nessa pesquisa para
que possa ocorrer a integração entre conhecimento geral e específico, podemos inferir
que embora esta integração esteja acorrendo até o momento de forma parcial, devido
aos inúmeros fatores relatados, que se considerar o avanço que essa proposta traz.
Esse avanço, apesar de ainda não ter efetivamente chegado ao chão da escola, é muito
importante. Acreditamos que sua maior relevância se localize na retomada, ainda em
nível conceitual, de um modelo de educação profissional que busca romper com a
dualidade estrutural do ensino brasileiro, modelo esse que foi abandonado no trâmite da
última lei da educação do nosso país, quando ficou evidente a hegemonia conservadora
que preside as instâncias onde políticas decisórias são criadas. Neste sentido
acreditamos que embora, de fato pouco se tenha avançado com essa proposta no interior
das escolas, ela tem uma grande contribuição para a construção de possibilidades de
educação profissional que tenham como horizonte a formação humana em suas
múltiplas potencialidades e comprometida com superação do modelo societário vigente.
Tal discussão, da educação situada a partir dos interesses históricos da classe
trabalhadora, não se esgota em si mesma. Ela carrega consigo, enquanto particularidade,
a discussão mais abrangente, como expressão da totalidade, da necessidade de se repor a
discussão e a busca pela superação prática da própria sociedade capitalista, condição
sine qua non para que uma escola unitária possa oferta uma educação que atenda a
omnilateralidade humana. Segundo, uma vez mais, as assertivas contundentes do
filósofo húngaro: “O sistema educacional formal da sociedade não pode funcionar
tranqüilamente se não estiver de acordo com a estrutura educacional geral isto é, com
o sistema específico de interiorização efetiva da sociedade em questão”
(MÉSZÁROS, 2006, p.275). Por isso o indicativo de que a escola unitária que objetiva
a formação omnilateral se realizará somente com a superação dos imperativos
incontroláveis do sociometabolismo do capital, motivo pelo qual a discussão recolocada
pela reforma do ensino médio profissional no Paraná, para se tornar profundamente
significativa e possivelmente exeqüível, necessita estar associada à discussões mais
120
gerais e sendo significada por movimentos, grupos, associações e outros ligados à classe
trabalhadora, situados além dos muros escolares. Por mais que manter a discussão da
luta de classes possa parecer anacrônico no contexto em que alguns ideólogos defendem
o fim das classes na sociedade pós-industrial, e fora de lugar ao tratar-se de uma
instituição como a escola, concordamos, ao fim e ao cabo, com o pensamento de
Gramsci ao explicar as necessidades de todo “movimento cultural” que pretende
substituir o senso comum:
1) não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (variando
literalmente a sua forma): a repetição é o meio didático mais eficaz para
agir sobre a mentalidade popular; 2) trabalhar de modo incessante para
elevar intelectualmente camadas populares cada vez mais vastas, isto é, para
dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa trabalhar na
criação de elites intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e
que permaneçam em contato com ela para se tornarem seus ‘espartilhos’
(GRAMSCI, 2004, p. 101).
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negociações coletivas entre os metalúrgicos paulistas.
Trabalho a ser
apresentado no XXI Congresso Internacional da Latin American Studies Association -
The Palmer House Hilton Hotel Chicago Illinois 24 a 26 de setembro de 1998.
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ANEXOS
Roteiro de entrevistas para a equipe pedagógica.
1) Como se dá a matrícula no ensino médio integrado? (O aluno já se matricula no 1º
ano no curso técnico integrado?
2) 2) Como se a integração entre educação geral e educação profissional, entre as
disciplinas da base nacional comum e as disciplinas da parte técnica específica? (Na
proposta e na prática).
4) Que mudanças ocorreram no curso, caso a escola já possuísse o curso técnico
anteriormente? (o curso técnico antes e após a LDB de 1996).
5) Em relação à infra-estrutura, espaço físico, materiais, corpo docente, bibliografia e
estágios. São satisfatórios para a formação profissional pretendida?
6) A demanda é plenamente atendida ou faltam vagas? Há evasão, em que proporção ela
existe?
7) cursos de formação continuada para os docentes, tendo em vista à integração
entre as disciplinas da educação geral e as disciplinas específicas da educação
profissional? Como ela ocorre? A formação tem possibilitado uma integração efetiva?
8) Que outras ações têm ocorrido tendo em vista possibilitar a efetiva integração entre
as disciplinas da educação geral e da educação profissional?
9) Você conhece o documento “FUNDAMENTOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS
PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO PARANÁ”? Caso conheça, o que você
teria a dizer sobre esse documento?
10) Você gostaria de fazer mais algum comentário acerca do ensino médio integrado?
Roteiro para entrevista com corpo docente
1) Existe um documento denominado Fundamentos Políticos Pedagógicos da Educação
Profissional do Estado do Paraná, que estabelece os princípios teóricos norteadores da
proposta dos cursos de ensino médio na modalidade integrada do Estado. Você tem
conhecimento deste documento? Ele já foi utilizado por vocês na escola?
2) “a oferta do Curso Técnico em Administração Integrado justifica-se, posto que a
globalização e conseqüente quebra de fronteiras têm novos paradigmas e uma visão das
relações de mercado. Isto aponta para a necessidade de uma formação que propicie ao
educando à aquisição do conhecimento tecnológico, científico, sócio-cultural, político e
econômico, tornando-o apto a enfrentar os desafios” (Paraná, 2003, p.)
Considerando tratar-se de um curso profissionalizante, cujas disciplinas devem formar o
educando tanto para atual profissionalmente quanto para o prosseguimento nos estudos,
como você faz a integração entre a parte geral e a parte específica do currículo? Ou seja,
como você faz a integração entre conhecimento geral e conhecimento específico em
suas aulas? Se possível exemplifique.
3) “A educação profissional deve articular conhecimento básico e conhecimento
específico, a partir dos processos de trabalho e da prática social, concebidos enquanto
“lócus” de definição dos conteúdos que devem compor o programa, contemplando as
diversas áreas cujos conhecimentos contribuem para a formação profissional e cidadã
derivada do perfil profissional” (PARANÁ, 2005)
Como você trabalha no sue dia a dia, em sala de aula os conteúdos necessários para que
o aluno adquira o conhecimento tecnológico, científico, sócio-histórico, político e
econômico, levando-se em consideração a integração entre a educação geral e a
educação profissional?
4) O DEP/SEED-PR ao propor a integração entre a educação geral e a educação
profissional em nível médio estabeleceu linhas de ação para que a proposta tivesse
sucesso, deste modo “a expansão e a reestruturação curricular, a instituição de quadro
próprio de professores para essa modalidade, a formação continuada do seu quadro
docente e técnico, a melhoria da estrutura física e material dos estabelecimentos”
(PARANÁ, 2005, p. 9).
A SEED está ofertando formação continuada aos docentes que atuam no ensino médio
integrado, tendo em vista capacitá-los a integração curricular? E a estrutura física da
instituição tem recebido melhorias?
5) Quais fatores dificultam e quais facilitam a integração entre a formação geral e a
formação profissional? Fale sobre eles.
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