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RSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
Álvaro Viera Pinto: massas, nacionalismo e cultura na realidade nacional.
Renato Ramos Martini
UNESP
Araraquara
Dezembro de 2008
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
Álvaro Viera Pinto: massas, nacionalismo e cultura na realidade nacional.
Renato Ramos Martini
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação
em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
– UNESP, sob a orientação do Prof. Dr. Milton Lahuerta.
UNESP
Araraquara
Dezembro de 2008
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Resumo
Título do trabalho: Álvaro Vieira Pinto, massas, nacionalismo e cultura na realidade nacional
O presente trabalho procurou analisar e elucidar alguns aspectos da obra teórica do pensador brasileiro Álvaro
Borges Vieira Pinto.O estudo se concentra principalmente, na análise das obras do período (1955-1964) em que
o filósofo foi membro atuante do Instituto Superior de Estudos Brasileiros ( ISEB) , embora não este período
de produção tenha sido usado como parâmetro para o entendimento de elementos cruciais de sua obra.
Como intenção maior do trabalho, buscou-se entender os conceitos que são peculiares na obra do autor. Em um
primeiro momento (cap. 1), fez-se uma discussão sobre o conceito de massas para o intelectual em análise,
mostrando a valorização que o autor empreende para o conceito, desdobrando-se disto uma valorização da
própria idéia de democracia. Em um segundo momento (cap.2), apreciou-se o conceito de nacionalismo do
pensador, caracterizado por um componente não isolacionista e sim integrativo dos países não desenvolvidos. No
terceiro capítulo foi feito um exame da relação entre o estudioso do ISEB, com a esfera da cultura no país,
mostrando-se a importância que ele atribui a esta, como esfera de transformação da realidade nacional.
Por fim na última parte (cap.4) procurou-se analisar o papel desempenhado pelos intelectuais do ISEB, que com
uma dinâmica específica de atuação, tentaram influenciar, em parte, as esferas da política e da cultura para
adesão em relação as suas tese.
Palavras-chaves:VieraPinto,massas , nacionalismo, cultura, desenvolvimentismo,ISEB
ABSTRACT:
Title of the Work: Álvaro Vieira Pinto, the masses, nationalism and culture in the national reality.
The present work tried to analyze and to elucidate some aspects of the theoretical work of the Brazilian thinker
Álvaro Borges Vieira Pinto. The study is mainly concentrated on the analysis of the work from the period when
the philosopher was an acting member of the Higher Institute of Brazilian Studies (ISEB), from 1955 to 1964,
but not only this period of production was used as a parameter for the understanding of the crucial elements of
his work.
As the greatest intention of the work, we searched to understand the concepts which are peculiar to the author’s
work. In the first moment (chapter 1) the masses concept for the intellectual being analyzed is discussed by
showing the valorization that the author outlines for the concept, developing from this, a valorization of the
democracy idea itself. In the second place (chapter 2), the thinker’s concept of nationalism is appreciated, not
being characterized by an isolationist component but an integrative component of the undeveloped countries. At
last (chapter 3) , it is done an exam of the relation between the studious man from ISEB and the cultural sphere
in the country, so showing the importance attributed to it by him, as being the transformational sphere of the
national reality.
Keywords: Vieira Pinto, masses, nationalism, culture, development, ISEB.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 0
0
Sumário
Introdução ................................................................................................... 01
I – Massas e Democracia ............................................................................ 08
1.1 – Temor e desprezo pelas massas ......................................................... 13
1.2 – Álvaro Vieira Pinto e a democratização pelas massas ................... 37
II O Nacionalismo no Brasil: as peculiaridades do pensamento de Álvaro
Vieira Pinto. .................................................................................... 73
2.1 – Nacionalismo: um termo de múltiplas determinações .................... 74
2.2 O nacionalismo no pensamento social brasileiro e o inusitado caso de
Álvaro Vieira Pinto .................................................................................... 78
III Álvaro Vieira Pinto e a cultura na realidade
nacional........................................................................................................ 102
IV – Álvaro Viera Pinto e os intelectuais do ISEB................................... 122
V- Considerações Finais............................................................................. 147
VI- Posfácio- notas biográficas sobre Álvaro Viera Pinto....................... 151
Referências .................................................................................................
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 1
1
Introdução
Alcançar uma compreensão, por mínima que esta seja, das idéias e das
proposições de um autor do pensamento social brasileiro, não é tarefa fácil para
ninguém. Embora estejam entrelaçadas, é possível apontar duas questões
fundamentais que rondam, como um espectro o trabalho daqueles que se debruçam
sobre a obra de um expoente do pensamento brasileiro.
Primeiramente a questão da atualidade do autor, isto quer dizer, verificar se
existem elementos em suas obras que ainda são capazes de empreender um
diálogo com a realidade atual. Em segundo lugar, se coloca a questão da validade
de suas interpretações, ou melhor dizendo, teria conseguido o autor, no período em
questão, estabelecer uma confabulação rigorosa e pertinente com as questões de
seu tempo?
Tomando como parâmetro a obra de Álvaro Vieira Pinto, não como fugir
desse espectro, nem mesmo é possível enganá-lo oferecendo-lhe saídas atraentes,
pois simplificadoras, como se contentar em reproduzir simplesmente as idéias do
autor. Trata-se pois de enfrentá-lo, caso contrário o espectro poderá lançar a velha
máxima “decifra-me ou te devoro” como dizia a esfinge grega.
Quando alguém se põe a estudar a obra de um pensador social, mais do que
digerir as idéias expostas em seus escritos é preciso tentar entender o que está por
traz daquilo explicitado em suas palavras.
Buscar entender uma produção intelectual, como um fim em si mesmo, ou
seja, sem refletir sobre o fato de esta produção estar associada a determinados fins
específicos, os quais são muitas vezes circunstanciais, pode representar a criação
de um imenso obstáculo para o desvendamento da autenticidade de um
pensamento.
É importante asseverar que inegavelmente, quem escreve uma obra na área
de ciências humanas, busca dialogar com os atores existentes no seu contexto de
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 2
2
experiência e com as reflexões estatuídas sobre a realidade histórica de seu tempo,
ou ainda de um tempo pretérito.
Não basta, portanto, fazer uma leitura das idéias do autor em questão,
contentando-se em reproduzi-las e debatê-las, mas é também preciso um esforço de
contextualizá-las na especificidade da sociedade em que foram produzidas, para
logo poder transportá-las para a realidade do presente.
Esse entendimento toma como referência a proposta de Quentin Skinner
(1996) para o estudo dos clássicos do pensamento político. Skinner ressalta que é
preciso ir muito além da mera leitura dos textos dos autores chamados clássicos, é
necessário entender os fatores que os movem ao normatizarem determinadas
idéias:
Compreender as questões que um pensador formula, e o que ele faz com
os conceitos a seu dispor, equivale a compreender algumas de suas
intenções básicas ao escrever e, portanto, implica esclarecer exatamente o
que ele pode ter querido significar com o que disse ou deixou de dizer.
Quando tentamos situar desse modo um texto em seu contexto adequado,
não nos limitamos a fornecer um quadro” histórico para a nossa
interpretação: ingressamos já no próprio ato de interpretar (SKINNER, 1996,
p. 13).
Além disso, a despeito de poder parecer obvio, não é supérfluo afirmar que só
se escreve sobre “O capital”, por exemplo, após a emergência do sistema capitalista
ou, ainda, que não se escreve sobre “nação” na alta idade média.
Assim, como os analistas da sociedade têm um compromisso com o contexto,
quando o veloz trem da história ultrapassa a estação momentânea daquele período,
toda e qualquer obra se não olhada com a acuidade de seu tempo histórico poderá
ser desqualificada.
Por outro lado, inverter completamente a equação e afirmar que toda obra
tem importância por ser filha de seu tempo, seria relativizar demais o problema e
justificar toda e qualquer produção intelectual, perdendo de vista, por fim, a
atualidade e pertinência dos argumentos, nas tentativas mais recentes de
interpretação da sociedade.
Desde esse prisma, portanto, na análise de uma obra é importante encontrar
o calibre exato para tentar perceber a importância da obra pelo significado, o
alcance, os interlocutores e as questões mais relevantes daquele período,além
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 3
3
transportar os argumentos para a contemporaneidade e daí concluir se lastros
em relação a estes quesitos.
Para facilitar, uma pergunta que pode permear a análise de um autor e sua
obra é se sua teoria conseguiu, com razoável densidade, dialogar com as questões
de seu tempo, e se muitas destas questões ainda permanecem. Se a resposta for
positiva e ainda se somar a isto, como parece ser o caso de Álvaro Vieira Pinto, a
permanência de questões que se desdobraram no futuro e permanecem atuais, a
análise da obra não só é pertinente como profundamente necessária.
No caso de Álvaro Vieira Pinto, bem como de outros isebianos, deve-se frisar
que uma das dificuldades apresentadas para que os autores sejam estudados no
contexto de sua época e de fato se vislumbrar se tem uma contribuição valiosa para
o pensamento social no Brasil, foi à substituição dos paradigmas universitários
brasileiros, ocorridos entre os muros universitários no início dos anos 70, e a própria
emergência de uma talentosa geração mais nova, a qual passa a marcar sua
posição teórica em sentido contrário ao que havia sido produzido por uma geração
mais antiga.
Se nos anos cinqüenta, os cânones interpretativos resvalavam para questões
como dependência, subdesenvolvimento, crescimento econômico, nacionalismo,
terceiro mundismos e outros, nos anos setenta, o modelo que conquista a
hegemonia acadêmica passa a ser o estruturalismo, o qual não via para o país um
destino singular, mas pelo contrário, via sim destino inserido em uma “estrutura”
econômica mais universal. Como bem pontua Norma Côrtez:
[...] foi porque adotaram a abordagem estruturalista, ignorando a
especificidade temporal e histórica, que o puderam enxergar a
positividade ontológica da nacionalidade e nem identificar qualquer ator
social capaz de expressar os interesses locais e valores nacionais, crença
propagada pela geração de Álvaro Vieira Pinto. Afinal, se a experiência
civilizacional brasileira não possui um sentido histórico singular, pois se
resume a um movimento de expansão do sistema capitalista, então, o
melhor modo de se compreender a constituição identitária, as atitudes
políticas e a formação dos atores e das classes sociais se cinge a uma
perspectiva supranacional pensada estruturalmente [...] (CORTEZ, 2003, p.
28-29).
Em síntese, a obra dos isebianos não foi ultrapassada pelo tempo, mas
relegado por outro paradigma científico, que vitorioso passou a servir de referência
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 4
4
para as novas gerações de intelectuais que foram formando outra geração a qual foi
aprendendo que entre outros erros cometidos pelos nacionalistas isebianos, estes
mistificavam as diferenças de classes pela valorização do primado do nacional.
Um outro empecilho para o devido entendimento do pensamento de Álvaro
Vieira Pinto e de outros isebianos, diz respeito a uma tendência de se entender o
Instituto como um bloco homogêneo no qual os autores comungavam ou das
mesmas posições teóricas, ou dos mesmos interesses políticos, sempre claros e
bem definidos.
1
Existe na teoria de Vieira Pinto, toda uma gama de conceitos originais e
carregados de especificidades que se perdem ao se fazer uma discrição
homogeneizada do Instituto. Conceitos como o de massa, ganham em Álvaro Vieira
Pinto contornos inéditos, não em relação ao pensamento brasileiro, mas também
em relação ao que de mais marcante foi produzido universalmente.
Apenas para exemplificar a riqueza e originalidade do autor segue abaixo um
trecho do denso, importante e ainda pouco estudado Consciência e realidade
nacional:
[...] a ideologia do desenvolvimento tem de proceder da consciência das
massas. [...] É à medida que a consciência do povo vai esclarecendo em
número crescente de indivíduos, que se manifesta de forma nítida a
realidade social. A verdade sobre a situação nacional não deriva da
inspeção externa feita pôr um clínico social, historiador, sociólogo ou
político, mesmo supondo-se geniais esses homens. Essa verdade será
dita pela própria massa, pois não existe fora do sentir do povo, como
proposição abstrata, lógica, fria. Não é uma verdade enunciada sobre o
povo, mas pelo o povo. É função da consciência que atingiu, e da
representação que faz dos seus problemas. O que compete aos sociólogos,
na ordem teórica, e aos políticos, na ordem prática, é fazerem-se arautos
dessa verdade, recolhê-la nas suas origens e interpretá-la com o auxílio do
instrumento lógico-categorial que devem possuir, sem distorcê-la, sem
violentá-la, sem mistificá-la. Assim, estarão construindo precisamente o
projeto de desenvolvimento requerido pelo estado social do momento, o único
viável na execução e autêntico na ideologia (PINTO 1960a, p. 34).
1
Um exemplo de obra que tende a analisar o I.S.E.B como “bloco” é -
ISEB: Fábrica de Ideologias
(TOLEDO, 1978).É justo que se diga que neste livro clássico sobre o ISEB, existe todo um esforço de
distinção entre a produção dos variados autores isebianos. Tanto é verdade que o termo ideologia
está no plural, pois seus autores o produziam uma única ideologia. No entanto, no livro existe uma
forte tendência entre cindir ciência e ideologia e neste caso todos os isebianos não faziam mais do
que produzir ideologias, em oposição a verdadeira ciência, que seria a marxista.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 5
5
Por meio desse trecho, verifica-se que o autor não pretendia falar em nome
das massas, como em geral são acusados os integrantes do ISEB, mas pelo oposto,
as massas deveriam “falar” através da voz do estudioso da realidade.
Fica evidente também que, diferentemente do que comumente se pensou,
não há um temor de uma “rebelião das massas”, como havia entre alguns
importantes pensadores internacionais, como será visto ao longo deste trabalho
Portanto, nesta pequena amostra, se percebe em Vieira Pinto, uma validade e
atualidade de pensamento, pois naquele período em que escreveu a discussão
sobre as massas estava posta, e ainda hoje se faz pertinente a discussão
específica do papel social e político das mesmas.
2
Assim, definir categoricamente o ISEB seria como afirmar que o pensamento
de esquerda é homogêneo ou o de direita é “monolítico”. E sendo as linhas de
pensamento definíveis como espessuras impermeáveis e distintas, assim como
água e óleo que não se mesclam, nos diversos campos teóricos não haveria
nuances, divergências e conflitos e até simbioses de conceitos aparentemente
antagônicos.
Aqui é apropriado utilizar-se das palavras de Antonio Cândido ao prefaciar o
livro sobre Plínio Salgado, mostrando a importância de se estudar um autor
particularizado, em relação ao movimento do qual participou, e é justamente a
distinção proposta por ele, que deve orientar um trabalho de entender a validade e
atualidade de um autor e sua obra:
Distingo, logo penso – poderia ser o lema para as discussões sobre a
atividade da inteligência. Com efeito, por vezes as generalizações
desfiguram e corre o risco de ser um ocultamento da realidade; e
desconhecimento dos traços particulares pode abrir caminho para a
confusão, porque corresponde ao veso de explicar tudo por cima, numa
penumbra onde todos os gatos do mundo e da mente são confortavelmente
pardos [...] (CANDIDO, 1978, p. 13).
Dois aspectos parecem ser bastante originais na obra de Álvaro Borges Vieira
Pinto. Por um lado esta originalidade está presente na valorização do papel a ser
desempenhado pelas massas, o que acaba desdobrando-se em uma defesa
2
Massa para A. V. P. diz respeito a todos os trabalhadores que utilizam as próprias mãos, para
transformar a realidade, tendo portanto uma dimensão mais ampla que do classe social.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 6
6
intransigente da democracia, rompendo-se com qualquer perspectiva teórica anti-
elitista ou antidemocrática.
De outro lado, Vieira Pinto se coloca para a confecção de sua obra sob a
égide de uma perspectiva nacionalista, mas o nacionalismo que serve de cobertura
para sua obra tem característica altamente peculiar, embasada na perspectiva de
quem fala a partir da realidade do terceiro-mundo.
A proposta deste trabalho é intentar empreender uma análise destes
aspectos, buscando clarificar pontos importantes para o entendimento da obra do
filósofo fluminense como um todo.
Sendo assim, na primeira parte do trabalho, capítulo1 com o título: Massas e
democracia, é feita uma discussão em relação ao aspecto da valorização das
massas no pensamento de Viera Pinto. Quais teriam sido as motivações que o
teriam levado a valorizar as massas? Esta é uma questão crucial que nesta parte
tenta-se resolver.
A princípio na elaboração do projeto de doutorado três hipóteses permeavam
a questão da valorização das massas no pensamento de Álvaro Viera Pinto.
Hipótese primeira: ao privilegiar e exaltar as camadas populares em suas
obras, Vieira Pinto, teria sofrido a influência ou incorporado categorias de teorias de
“esquerda” como a marxista.
Segunda hipótese: ao se remeter as massas Vieira Pinto, nada mais fazia que
condicionar sua teoria, a uma prática existente em termos de política, que era
privilegiar no discurso as massas, para se encontrar respaldo para as ações
públicas. Ou em outras palavras, deve-se examinar até que ponto Vieira Pinto
incorporou o discurso político populista em sua teoria, criando uma espécie de
“populismo teórico”.
Terceira hipótese: percebendo Álvaro Vieira Pinto que no momento que
refletia sobre a realidade do país, era realmente o surgimento das massas urbanas a
grande novidade em termos sociais, entendia assim que estas eram agentes de
mudanças e que se necessitava de alguma maneira, incorporá –las aos estudos
teóricos.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 7
7
Perceber-se-á ao longo do trabalho que estas hipóteses foram ultrapassadas
no decorrer da pesquisa, e que a valorização das massas decorre de outros fatores
como será explicitado no capítulo 1.
Na segunda parte (capítulo 2 - O nacionalismo no Brasil: as peculiaridades do
pensamento de Álvaro Viera Pinto.
)
a discussão desloca-se para a análise do
nacionalismo. Aqui será visto como sofrendo a influência de uma concepção
terceiro-mundista,onde Viera Pinto constrói uma acepção de nacionalismo bastante
original, que longe de se constituir em um nacionalismo isolacionista, propõe um
modelo integrativo aos países no mesmo patamar de desenvolvimento.
No capítulo 3, entendendo-se a valorização que alguns isebianos e
principalmente Vieira Pinto, faziam da esfera cultural (entendida como conjunto de
manifestações artísticas) como elemento que poderia contribuir para a difusão de
uma consciência crítica, pois tal esfera poderia aproximar, de certa maneira, os
brasileiros da realidade do país e neste caso contribuir com o ideário de
desenvolvimento. O capítulo procura por em questão a “cultura” daquele momento e
mostrar a visão de Álvaro Vieira Pinto, sob aquele tema.
Por fim, no último capítulo do trabalho ( capítulo 4 ) se empreende uma
análise do papel intelectual desempenhado pelos isebianos, especificamente o de
Álvaro Viera Pinto, no âmago dos meios pensantes da sociedade brasileira, ao
utilizarem o instituto como centro divulgador dos seus ideários.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 8
8
I- Massas e Democracia
Existe uma tradição no que se refere à história política do Brasil. Tal tradição
se assenta na ausência de participação popular nos episódios marcos de nossa vida
social. Até certo ponto é compreensível que o “povo” tenha se feito ausente nos
momentos cruciais de nossa história, uma vez que por nossa tradição de país
colonizado por séculos, tenha havido para usar a linguagem gramisciniana uma
hipertrofia da sociedade política em relação à sociedade civil.
Deve-se dizer até certo ponto, pois de fato em alguns períodos como no
colonial toda “organização da cultura” se restringia ao monopólio da metrópole que
controlava até mesmo a publicação de livros e jornais.
Mesmo após a independência, ainda que surgindo a necessidade de maior
autonomia na organização da sociedade civil, com jornais, livros peças de teatro etc,
a escravidão provocando um vazio entre as duas classes fundamentais (senhores x
escravos) o predomínio da grande propriedade rural acabam por impedir a formação
de uma população que se organize autonomamente.
3
A proclamação da república não deixa de consagrar a tradição de ausência
popular e vem reforçar as expressões “mudança pelo alto”, “via prussiana” dentre
outras.
Entretanto, no período republicano, apesar das instituições criadas não
estimularem o fortalecimento da sociedade civil o país começa a vivenciar a
introdução de práticas capitalistas nacionais e nos anos vinte, temos o prelúdio de
industrialização e urbanização
4
. Assim: “a introdução do capitalismo, com o início
3
Sobre a tendência centrípeta do latifúndio que impede a criação de um ambiente “democrático” ver o
vigoroso estudo de VIANNA (1987).
4
Sobre as mudanças provocadas pela industrialização e urbanização e suas conseqüências sociais e
políticas no Brasil ver FAUSTO (1977b).
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 9
9
das lutas operárias e com as agitações das camadas médias, um germe do que se
poderia chamar de sociedade civil” (COUTINHO, 2000).
Nas décadas subseqüentes, o país terá que lidar com uma mesma questão
posta para todas as instituições políticas das nações ocidentais, que é como lidar e
incorporar as massas urbanas?
Fazendo um parêntese, deve-se afirmar que reconhecer esta realidade não
significa afirmar que “as massas”, a partir de então, terão um papel preponderante
na condução no jogo político nacional. Mas significa sim, afirmar que o exercício da
política não poderá ausentar-se de dialogar com estas populações que emergem
nas cidades.
Antes da emergência das massas urbanas as vicissitudes da política
brasileira eram decididas no âmbito das localidades, numa espécie de jogo de cartas
marcadas. Este jogo caracterizado pela imposição da vontade do grande proprietário
de terra foi denominado de coronelismo, que faz sentido em ambiente rural,pois
nas cidades como os jogadores são outros tais regras não fazem sentido.
Victor Nunes Leal é enfático em relação à preponderância do meio rural para
o fenômeno classificado de coronelismo:
Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário
desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um
lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe
prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação
econômica e social de dono de terras [...]
Esta ascendência resulta muito naturalmente da sua qualidade de
proprietário rural. A massa humana que tira a subsistência das suas terras
vive no mais lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono. Diante
dela o “coronel” é rico [...] Além do mais, no meio rural, é o proprietário de
terra ou gado quem tem meios de obter financiamentos. Para isso concorre
seu prestígio político, pelas notórias ligações dos nossos bancos [...]
(LEAL, 1986, p.23-23).
De certa maneira, e apenas de certa maneira, Nunes Leal é um continuador
das teses de Oliveira Vianna (1987) de Populações Meridionais do Brasil que
demonstra o predomínio do rural sobre o urbano, e a colonização da esfera pública
pela privada.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 10
10
Afirma-se, apenas de certa maneira Victor Nunes Leal como dando seqüência
as teses de Vianna, pois em Coronelismo parece estar se ressaltando uma crise
eminente do elemento rural da sociedade, levando os senhores de terras, vulgo
coronéis a “inventarem’’ formas de trocarem relações com a esfera pública em
fortalecimento como decorrência da esfera privado-rural em enfraquecimento.
Em Vianna por outro lado escrevendo em contexto diferente, percebe-se o
predomínio inconteste dos clãs rurais sobre a esfera pública.
A bem da verdade não é esta discussão que interessa ao desenvolvimento
deste trabalho
5
·. Entretanto, se fez este minúsculo prelúdio referente a história
brasileira,somente para se afiançar a importância que a emergência das massas
urbanas representou para o nosso desenvolvimento histórico.
Indubitavelmente o fenômeno da massificação das cidades se constituiu uma
preocupação teórica universal do século vinte, uma vez que a atividade intelectual
deve a partir de então, entender, lidar e organizar sociedades que passam a
congregar um contingente populacional até então inédito na história.
O desenvolvimento e consolidação do capitalismo entre o turbilhão de
conseqüências que gerou, fez emergir sociedades urbanas e povoadas,
ressalvando-se as devidas peculiaridades de cada região, país, etc. Industrialização
não acirra a contradição campo-cidade como faz pender a balança da população
para o lado das cidades.
Evidentemente as ressalvas o são poucas, primeiramente deve-se ser
assertivo em relação às contradições ocorridas nos países de desenvolvimento
tardio, como é o caso do Brasil entre muitos outros. Aqui como acolá, onde o
processo de desenvolvimento se deu em boa medida por influência externa, as
contradições entre as estruturas da cidade e do campo, e entre o arcaico e moderno,
se fizeram bastante visíveis e acentuadas. Como bem pontua Gino Germani:
5
Sobre a possível relação teórico-metodologica entre Oliveira Vianna e Victor Nunes Leal pode –se
consultar o fundante artigo de BOTELHO ( 2007 )
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 11
11
[...]
as sociedades que iniciaram, prematuramente, a transição de uma
estrutura tradicional para uma estrutura industrial, conheceram-no, e ainda
em etapas avançadas de desenvolvimento incluem em suas respectivas
áreas zonas de “subdesenvolvimento” relativo (como os casos do sul dos
Estados Unidos, sul da Itália etc.), porém, onde se tem apresentado com
caráter de uma oposição radical é, sobretudo, nos países de
desenvolvimento tardio, e onde o processo tem sido induzido a partir de
fora” e não internamente, como no caso dos países do Ocidente. Daí, o
surgimento de conceitos como os de “economia dualistas “, formulado por
BoeKe, ou a imagem de “os dois Brasis”, empregada por Lambert, a
propósito desta nação. Estes fenômenos, além disto, se havia imposto à
atenção dos estudiosos do século passado e, por exemplo, a oposição
central, nas análises de Sarmiento, entre civilização e barbárie, cidade e
campo, possui o mesmo sentido de coexistência das estruturas “arcaicas”
com outras “modernas”. (Germani, 1973, p.44).
Em segundo lugar, o crescimento das cidades no Brasil esteve intimamente
relacionado ao desenvolvimento do aparelho estatal, não se devendo simplesmente
ao crescimento das indústrias como classicamente se deu em muitos países do
hemisfério norte.
Diferentemente, aqui também contribuíram além do Estado, as atividades
comerciais e dos setores ligados á exportação, em suma, não se criou um tipo de
operário homogêneo nas cidades, mas uma massa de trabalhadores bastante
heterogênea, muitos vivendo de atividades consideradas marginais.
De qualquer forma, o superpovoamento urbano que aglutina indivíduos das
mais diversas origens e atividades laborais, e todas as implicações deste processo,
independente das especificidades de cada região, passa a ser alvo do olhar dos
analistas da sociedade em todas as partes do globo, pois é necessário refletir desde
como se deve organizar o dia a dia de cidades populosas até as implicações de
participação cada vez maior em termos numéricos para o exercício da política.
Se no século XIX a preocupação em relação à política era com a emergência
da democracia liberal que expandia direitos e colocava em xeque-mate o que
restava da antiga ordem, a qual definia a função dos indivíduos na sociedade pelo
nascimento, especificamente após o primeiro quartel do século XX, a preocupação
passará a ser com a possibilidade da manutenção do regime democrático face ao
fenômeno cada vez mais intenso da chamada “massificação” da sociedade.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 12
12
Autores das mais diversas origens e matrizes ideológicas refletirão sobre a
sociedade de massa e suas implicações para a manutenção do regime democrático.
Este capítulo está constituído pela exposição das idéias de alguns autores
reconhecidos que de alguma forma problematizaram a participação e a influência
das massas nos destinos políticos das sociedades. No geral por razões detalhadas a
seguir, estes autores resvalam para certo elitismo.
Primeiro porque, em certa medida, acreditam que o poder das massas deve
ser contrabalançado por mecanismos que impeçam a sua incidência sobre todos os
assuntos. E segundo porque, vislumbram que apesar da emergência das massas
ser um fato marcante da história recente, de fato estas pouco decidem politicamente,
em virtude de alguns mecanismos inatos ao exercício do poder político.
Ainda neste capítulo foi exposta uma tradição de pensamento brasileiro de
grande influência na história das idéias no Brasil, a qual, denominada de
pensamento autoritário, não trabalhou com a hipótese da participação das massas
no destino político da nação, mesmo porque este pensamento se gestou
anteriormente a gênesis da sociedade de massas no país.
Neste caso, as transformações políticas e sociais para esta vertente seria
obra de um estado demiurgo. Vale dizer que o fato desta “escola” de pensamento
surgir antes da industrialização e urbanização do país, não significa afirmar que suas
influências nos períodos posteriores foram poucas.
Poderá se perceber que a exposição do pensamento autoritário se deu no
mesmo momento que se empreendia a análise da obra de Álvaro Vieira Pinto
naquilo que trata especificamente de sua interpretação sobre a atuação das massas.
A tese é que sua obra é constituída por uma originalidade ímpar, pois defende ser a
participação das massas imprescindível para um projeto de país que deveria se
lançar ao desenvolvimento.
Será importante notar que sua apologia das massas e da democracia
extrapola argumentos meramente políticos e adentram ao campo filosófico. A
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 13
13
tradição de pensamento autoritário foi incorporada, naquela altura do texto, para
contrastar com a concepção radicalmente assimétrica de Viera Pinto.
Assim, a estrutura do capítulo foi assentada sobre dois itens. No primeiro
(Temor e desprezo pelas massas) estão encaixados autores “internacionais” de
diversas correntes e épocas históricas, mas que podem ser aproximados pela
desvalorização que explicitam sobre a atuação das massas.
No segundo item, intitulado: Álvaro Viera Pinto e a democratização pelas
massas, está inserida uma discussão do pensamento brasileiro e o contraste entre
Álvaro Vieira Pinto e os chamados autoritários.
1.1 - Temor e Desprezo pelas massas
Um dos expoentes do pensamento político no século vinte e que centrará
suas análises nas conseqüências nefastas da participação da massa na vida
pública, é o espanhol Ortega y Gasset.
Partindo de um viés “aristocrático” e, podendo-se dizer até elitista, Gasset
escreverá o propalado A Rebelião das Massas, no qual o cerne parece ser o
fenômeno da hiperdemocracia, resultante de um crescimento do igualitarismo,
desbancando o poder da autoridade tradicional.
A preocupação maior de Gasset parece ser com a vulnerabilidade que as
pressões da massa causam para o exercício do poder político, por parte da elite.
Para o autor, igualdade e liberdade são antípodas, pois inviável seria o exercício da
autoridade com igualdade.
José Ortega y Gasset, logo nas primeiras páginas de seu livro, começa
mostrando que no momento em que escreve (anos vinte do século passado), o
aparecimento das massas será o fato mais marcante da vida pública européia. E é
bom que se frise da vida pública, pois as massas se apropriam não do exercício
da política, mas também influenciam nas esferas intelectual, moral, econômica,
religiosa, etc...
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Alargando ao extremo sua presença em todos os espaços públicos ou
privados, a multidão passa ser a novidade para a visão dos homens que cultivam a
inteligência.
A multidão, de repente, torna-se visível, e instalou-se nos lugares
preferentes da sociedade. Antes, se existia, passava inadvertida, ou
ocupava o fundo do cenário social, agora se adiantou até ás gambiarras, ela
é o personagem principal. não protagonistas: coro. (GASSET
2002, p.8)
O autor deixa claro em seu texto, a importância de não se confundir massas
ou multidão com classe social. Massa seria todo o homem médio que não consegue
pensar diferente de seu semelhante.
Para Gasset, massa define-se muito mais pelo seu aspecto psicológico,ou
seja, são aqueles que se sentem como todo mundo é o coro que não desafina ou
para usar metáfora do próprio autor, “bóias que vão à deriva”.
E quais as implicações disto para a sociedade? É que este homem
massificado, de alma vulgar sente-se à vontade para impor suas vontades e
aspirações, não só na esfera da política, como nas outras esferas.
O homem massificado sente-se não á vontade, como tem meios para
impor-se, fazendo triunfar o que o autor denomina hiperdemocracia, neste caso
diferentemente da democracia liberal em que democracia e lei eram sinônimas ou
pelo menos indissociáveis, a massa impõe diretamente por meio de pressões
materiais suas aspirações atropelando tudo o que diferenciado, seleto, individual.
Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa atua
diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas
aspirações e seus gostos (....) O característico do momento é que a alma
vulgar, sabendo-se vulgar, tem o denodo de afirmar o direito de vulgaridade
e o impõe por toda parte. Como se diz na América do Norte: ser diferente é
indecente. A massa atropela tudo que é diferente egrégio, individual,
qualificado e seleto. Quem não seja como todo o mundo, quem não pense
como todo mundo, corre o risco de ser eliminado. (GASSET, 2002, p.23).
A preocupação de fundo para o filósofo madrileno, assim como para muitos
outros analistas da democracia que partem de viés aristocratizante, é com a perda
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da qualidade que o exercício da política estará sujeito a partir da participação da
maioria.
Quando apenas uma minoria exercia o poder decisório, esta minoria se
obrigava a ser qualificada para se diferenciar da maioria, e com a extensão
quantitativa de homens exercendo o poder essa exigência qualitativa cai por terra.
Hoje a maioria a exercer a pressão política o não exige de si mesmo
qualificação, como também despreza e suplanta os desígnios da minoria. Seguindo
a linha de raciocínio do autor, a sociedade sempre dependeu de uma minoria
qualificada, a qual se destaca perante o todo do corpo social e que, portanto, cria um
enorme senso de responsabilidade.
Gasset, antes que o acusem de defensor de uma sociedade aristocratizada,
ataca:
....eu não disse nunca que a sociedade humana deva ser aristocrática, mas
muito mais que isso. Eu disse e continuo crendo, cada dia com mais
enérgica convicção, que a sociedade humana é aristocrática sempre, queira
ou não, por sua própria essência, até o ponto que é sociedade na medida
que seja aristocrática, e deixa de sê-lo na medida em que se
desaristocratize.(GASSET 2002, p.34).
A questão que emerge neste momento é de tentar diagnosticar os
fenômenos que teriam engendrado a existência deste homem-massa a colocar em
risco a existência da própria sociedade.
Antes de começar a dissecação do homem-massa, Gasset se refere a uma
causa muito simples: rapidamente o mundo cresceu e as regiões se interligaram, e
isto pode ser vislumbrado estatisticamente, pois se em doze culos de história da
Europa ela alcança a cifra de 180 milhões de habitantes, em pouco mais de um
século, de 1800 a 1914, sua população mais que dobrará, passando de 180 para
460 milhões.
Assim, inegavelmente os espaços se ocupam e torrencialmente uma massa
humana passa a viver ao largo da influência da cultura tradicional. Entretanto este
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fenômeno por si só não é capaz de explicar tudo, a ele se soma a democracia liberal
e a evolução da técnica.
Tanto a democracia liberal quanto o desenvolvimento tecnológico foram
responsáveis por instituir um tipo de indivíduo que o pensador classificará de
“mocinho satisfeito” ou “criança mimada”, um indivíduo que vive o presente e para
satisfação imediata, sem aperceber-se que sua época é desdobramento de
conquistas passadas.
As transformações políticas, jurídicas e sociais advindas da emergência da
democracia liberal, foram capazes de legar uma série de direitos, que para as
massas aparenta ser algo mais que natural, e por outro lado, a experimentação
científica e o industrialismo produziram a sensação de uma existência garantida,
ainda que isto tenha sido conquista dos esforços geniais de muitos homens.
Entretanto, o homem massa apenas usufrui as conquistas, numa radical atitude de
inércia reflexiva.
Isto nos leva a apontar no diagrama psicológico do homem-massa atual
dois primeiros traços: a livre expansão de seus desejos vitais, de sua
pessoa, e a radical ingratidão a tudo quanto tornou possível a facilidade de
sua existência. Um e outro traço compõe a conhecida psicologia da criança
mimada [...]
Minha tese é, pois, esta: a própria perfeição com que o século XIX deu uma
organização a certas ordens da vida, é origem de que as massas
beneficiárias não a considerem como organização, mas como natureza.
Assim se explica e define o absurdo estado de ânimo que essas massas
revelam: não lhes preocupa mais que seu bem-estar e ao mesmo tempo
são insolidárias das causas desse bem-estar. Como não vêem nas
vantagens da civilização um invento e construção prodigiosos, que com
grandes esforços e cautelas se pode sustentar, crêem que seu papel se
reduz a exigi-la peremptoriamente, como se fossem direitos nativos.
(GASSET 2002, p 40).
Assim sendo, existe uma tendência, bastante acentuada, do homem massa
em sentir que tudo está perfeito, não só em relação ao mundo ao redor, mas
também em relação a si mesmo.
Aliás, um dos alerta constantes no livro de Gasset é justamente de chamar
atenção de que enquanto o homem especial, o minoritário exige muito de si e se
preocupa com uma infinidade de questões, o homem massa é aquele que se por
satisfeito e julga ter o conhecimento de tudo.
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Imperioso se faz notar que neste sentido, a especialização científica, também
contribui para uma vaidosa comodidade, uma vez que ao tratar de temas
específicos, a ciência não tem a amplitude que têm, que a filosofia ao inquietar-se
com as mais diversas e até aparentemente inúteis questões. O especialista homem
de ciência conhece o que é específico, micro e, no entanto julga saber sobre todas
as coisas que existe entre o céu e a terra.
O caldo de cultura da sociedade massificada, em que o homem comum nada
sabe e não se interessa por saber, e o homem de ciência que pouco sabe e julga
tudo saber, leva a uma conjuntura, em que amesmo as pessoas mais cultas de
hoje, sofram de uma ignorância histórica crônica,que afeta os dirigentes políticos
que deixam de exercer a política olhando pelo retrovisor da história, para não
cometerem erros do passado.
Neste sentido, fascismo e bolchevismo nada mais seriam que movimentos
anti-históricos, que não levam em conta experiências pretéritas e contribuem para
exacerbação da mediocridade, e isto sem precisar levar em conta os respectivos
conteúdos ideológicos de tais doutrinas.
Gasset ao criticar o fascismo e o comunismo deixa claro com toda fieza que
tem na democracia e no liberalismo como responsáveis pela evolução da
sociabilidade, que não é possível combater o liberalismo proclamando-se antiliberal,
pois o anti liberalismo era o que existia antes do liberalismo, seria imprescindível
assim propor algo para além do liberalismo, caso contrário, o risco seria cair em uma
vaga e vazia negação do presente.
Bolchevistas e fascistas não seriam desta forma contemporâneos ao que
nossa época exige, mas medíocres e românticos passadistas, confirmando uma das
principais teses do filosofo o homem trivial que antes era governado, resolveu dirigir
o mundo.
Uma outra grande ameaça para civilização atual, e certamente a maior delas
para Gasset é o Estado. Como não poderia deixar de ser, o autor de “A rebelião das
massas” não deixa de reconhecer a importância histórica do desenvolvimento do
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Estado, sendo produto clarividente e inegável da civilização, assim como também é
o desenvolvimento da ciência.
Entretanto, esta fantástica invenção histórica se tornou tão eficiente e
poderosa, que acaba por sufocar a sociedade,porque nivelou-se o poder da
sociedade com o poder público e conseqüentemente tornou-se impossível
revoluções de ordem social. Para Gasset, com o findar das revoluções só há o golpe
de Estado. Eis o alerta de Ortega y Gasset:
Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatificação da vida,
o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social
pelo Estado; quer dizer, a anulação da espontaneidade histórica, que em
definitivo sustenta, nutre e impele os destinos humanos...
O resultado desta tendência será fatal. A espontaneidade social ficará
violentada uma vez e outra pela intervenção do estado; nenhuma nova
semente poderá frutificar. A sociedade terá de viver para o Estado; o
homem para a máquina do governo. (GASSET, p. 65).
Com este abissal alerta em relação à Hipertrofia do estado, inclusive
demonstrando que este próprio corre o risco de se torna esquelético, pois se
alimenta da sociedade e com o enfraquecimento desta, o próprio Estado se torna
desnutrido, finda a primeira parte do inquietante livro de José Ortega y Gasset.
Com a pergunta: Quem manda no mundo? inicia-se a segunda parte do livro
de Gasset. A questão colocada é que a Europa, e por Europa entenda-se a trindade
Alemanha, França e Inglaterra, teria deixado de ser a referência para as outras
nações do planeta, ou em outras palavras teria deixado de mandar no mundo. Mas
então, que país estaria dando as cartas em termos de referencia para os outros? Eis
a questão! A resposta categórica de Gasset: nenhum.
Na verdade o autor demonstra que não é que a Europa perdeu sua força, é
que acredita que perdeu e os outros povos acompanhando o raciocínio, ficam sem
referência, gerando-se uma desmoralização total, sem continente ou país poder
servir como apontador dos rumos civilizatórios. Poder-se-ia tomar como paradigma
de um novo mundo, Moscou e Nova York, mas estes não passariam de elementos
do velho mundo que dissociado dele perdem totalmente o sentido.
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Assim existiria um vácuo histórico de instituições a serem seguidas, e tudo
parece por demais provisório, situação em haveria uma solução para crise
vivenciada, a Europa cumprir seu papel histórico de dar sentido a um novo princípio
de vida, ancorada na unidade Européia. Destarte surpreende, como Gasset antecipa
em várias décadas, a necessidade do feito da união européia.
Os europeus não sabem viver se não se lançam numa grande empresa
unitiva. Quando esta falta, envilecem-se, afrouxam, desconjunta-se lhes a
alma. Um começo disto oferece-se hoje a nossos olhos. Os círculos que até
agora se chamaram nações chegaram há um século ou pouco menos ‘a sua
máxima expansão. não se pode fazer nada com eles a não ser
transcendê-los. não são senão passado que se acumula em torno e
debaixo do europeu, aprisionando-o, lastrando-o. Com mais liberdade vital
que nunca sentimos todos que o ar é irrespirável dentro de cada povo,
porque é um ar confinado. Cada nação que antes era a grande atmosfera
aberta, arejada, transformou-se em província e “interior”. Na supernação
européia que imaginamos, a pluralidade atual não pode nem deve
desaparecer. Enquanto o estado antigo aniquilava o diferencial dos povos
ou o deixava inativo fora ou em suma o conservava mumificado, a idéia
nacional, mais puramente dinâmica, exige a permanência ativa desse plural
que sempre foi a vida do Ocidente. (GASSET 2002, p 93).
Nesta linha de apelo em relação à necessidade da unidade européia, Ortega
y Gasset finaliza o seu livro discorrendo sobre os perigos da influência das massas
nos destinos da condução da sociedade e para os objetivos deste trabalho, cabe
ressaltar a idéia básica de haver uma incompatibilidade entre liberdade e a
crescente igualdade entre as pessoas.
As massas seriam para o autor espanhol sinônimo de uniformidade e de
banalidade que se oporiam a diversidade ordenada conduzida por elites
esclarecidas, colocando em risco, sobretudo à prática da liberdade. Em síntese,
incompatíveis parecem ser liberdade e exercício da autoridade com igualdade.
Outro importante pensador a levantar alguns problemas em relação ao
processo de democratização da política e da sociedade e portanto, do fenômeno da
massificação destas esferas, foi o húngaro Karl Mannheim.
Evidentemente, as inquietações de Mannheim não vão no mesmo sentido do
que Gasset, pois diferente do espanhol, o sociólogo nascido em Budapeste era
menos pessimista que aquele em relação à massificação, além de vislumbrar
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possibilidades de aperfeiçoamento da democracia, além de prever um papel mais
fundamental da camada dos intelectuais nas sociedades.
Em capítulo específico do seu livro Sociologia da Cultura (2004) intitulado A
democratização da cultura, o autor procurará compreender as implicações do
processo de democratização da cultura, mas para tanto partirá das implicações do
processo de democratização na esfera política.
Para Mannheim, o processo de democratização da esfera política e também
da intelectual e cultural representa um processo inexorável, não restando outra
alternativa ao pensador se não a de examinar tais implicações.
Mannheim vivenciou a instauração de regimes altamente autoritários, valendo
lembrar que o texto em questão foi escrito em 1933, momento em que a Europa e
especificamente seu país de origem assistia uma escalada autoritária.
O fenômeno do autoritarismo poderia levar a sugestão de uma contradição na
marcante afirmação de Mannheim de que a democratização era inevitável.
Justamente a relação entre democracia e autoritarismo constituía-se no primeiro
problema: o autoritarismo brota justamente da democracia.
Apesar de não descartar que o autoritarismo pode surgir alheio a
democracia, a ditadura não é o contrario da democracia, mas sim uma forma como
uma sociedade democrática encontra para tentar resolver seus impasses. Segundo
o que vaticinou Mannheim:
Uma ditadura plebiscitária pode ser caracterizada como a autoneutralização
de uma democracia política. Na medida em que a democracia política se
amplia e novos grupos entram na arena política, o ímpeto de sua atividade
pode gerar crises e impasses ante os quais os mecanismos de decisão
política de uma sociedade ficam paralisados. O curto-circuito do processo
político pode entrar numa fase ditatorial. Esse é um perigo que ameaça
exatamente as sociedades nas quais a democracia política repentinamente
atinge seu desenvolvimento pleno. (MANNHEIM 2004, p.142).
O processo político pode entrar em curto-circuito, seguindo o raciocínio de
Mannheim e descambar em uma ditadura.
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Isto pode acontecer precisamente pela falta de preparo político das massas
emergentes, que provocam uma fratura na homogeneidade da elite dirigente, a qual
passa então a ter que dividir espaço com pessoas que estão vivenciando seu
primeiro tirocínio na vida pública, e deste modo ainda não conseguiram formatar
uma avaliação condizente com a realidade da sociedade, mesmo porque, a perda da
homogeneidade da elite significa que a sociedade se complexificou de tal forma que
os processos decisórios passam também a exigir mais preparo.
Problematizando ainda mais o processo de democratização, Mannheim
demonstra que a prática da democracia desmentiu a tese de que na democracia
prevaleceria o império da razão, ou seja, a democracia muitas vezes longe de levar
ao impulso da razão contribuiria, muitas vezes, para levar aos impulsos mais
instantâneos dos sentimentos.
Por outro lado, a bela tese da liberdade do indivíduo que autonomamente
pode expressar seus anseios, também é colocada em xeque pelo processo de
democratização, uma vez que os indivíduos acabam por perder sua identidade no
turbilhão das massas:
A democracia também desenvolve poderosos mecanismos sociais para
induzir o indivíduo a renunciar à sua autonomia. Quando certas camadas
ainda imaturas para a responsabilidade política são admitidas de repente na
participação do poder, é mais provável que façam uso de mecanismos
desse tipo ao invés de estimular a liberdade individual. Oficialmente, a
democracia emancipa o indivíduo; na prática, entretanto, este a abdicar do
direito de orientar-se por sua própria consciência e buscar refúgio no
anonimato da massa. (MANNHEIM, 2004, p 144).
Alertando para estas contradições que de um estagio de democracia a
sociedade pode chegar a um estagio não democrático, Mannheim parte para o
trabalho de tentar entender os princípios fundamentais da democracia.
Evidentemente que o autor de Sociologia da Cultura, se impõe este trabalho
para chegar ao entendimento das implicações no campo da cultura, mas demonstra
que as esferas estão indissocialmente relacionadas pelo menos no que diz respeito
aos seus princípios relativos à democratização.
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Assim, a tarefa a que o autor se impõe, passa ser o do entendimento da
democracia como um fenômeno estrutural e sociológico capaz de ser entendido
tanto na estrita esfera da política como na ampla esfera do processo cultural.
Neste sentido, iniciando pela esfera política pode-se dizer que um primeiro
princípio estruturante da democracia é que esta postula a participação de todos os
indivíduos, rejeitando qualquer tipo de hierarquização da sociedade entre estratos
inferiores e superiores.
Ideologicamente a crença na igualdade de todos os homens derivaria de um
ideal cristão de que todos são criações oriundas do mesmo deus e, portanto,
rigorosamente iguais em essência.
Por outro lado esta crença na igualdade fraterna de uma sociedade irmanada
na filiação de um mesmo ser superior, só foi possível se viabilizar em virtude de uma
mudança na estrutura da sociedade que permitiu que amplos estratos dios e
inferiores pudessem fazer valer suas reivindicações.
Aqui é importante frisar que Mannheim não quer dizer com isto que todos
devam ser rigorosamente iguais e nivelados totalmente como poderia se supor.
Alguns poderão se revelar superiores a outros, mas devem partir de condições
iguais, pois personificariam o mesmo pressuposto ontológico de humanidade.
Um segundo princípio essencial da democracia seria a admissão da
autonomia individual, investido nas pessoas que compõe a sociedade, ou seja, a
vontade coletiva é imposta segundo a somatória das vontades individuais que
compõe uma espécie de organismo, distinto, portanto, da estrutura das sociedades
pré-democráticas, em que a vontade social era imposta por cima, segundo as
determinações de um rei ou camada “iluminada”.
Esta segunda característica segundo o texto em análise acabaria por gerar
por um lado uma função revitalizadora da sociedade, mas por outro a colocaria à
beira de um abismo caótico devido ao impulso concedido à pujança de todas as
vontades individuais.
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Ao ter que libertar as possibilidades das vontades individuais o poder teria
então que lidar com uma força oriunda da mobilização das massas, fato não ocorrido
em sociedade pré-democrática, onde o poder contava com a submissão natural do
homem comum, e assim a democracia não afasta a possibilidade da arquitetura de
ditaduras, mas apenas muda à maneira em que são montadas, haja visto que no
estágio democrático, para se atingir poderes ditatoriais é preciso mobilizar primeiro
as massas.
Como enfatiza Mannheim:
As ditaduras modernas pós-democráticas diferem essencialmente de
regimes autoritários anteriores. Para os últimos obter obediência das
massas não era problema, dado que podiam sempre contar com a
docilidade do homem comum. As ditaduras modernas, entretanto,
precisam primeiro mobilizar as massas para conquistar poder, e
então tomar medidas drásticas para contrabalançar os efeitos
potencialmente adversos da ampla difusão de energia vital por toda a
sociedade. (MANNHEIM, 2004, p 147).
Assim sendo, segundo Mannheim a democracia viveria uma constante
contradição, pois para manter a coesão da sociedade é preciso estimular as
energias vitais de todos os indivíduos ao mesmo tempo em que é preciso encontrar
uma formula para conter estas mesmas energias, de modo que os indivíduos
abdiquem de influenciarem constantemente as decisões políticas na sua totalidade.
Em outras palavras, assim como em outros sistemas as decisões na
democracia também cabem a uma elite, nesta mesma democracia o critério de
seleção deixa de ser por nascimento ou algo similar. E mais do que isto, na
democracia existem mecanismos desta elite ser forçada a tomar decisões segundo
os interesses da maioria.
A pergunta que se pode fazer é que se o critério de seleção das elites muda,
então qual seria este critério? Mannheim não responde de prontidão, e segue por
algumas páginas analisando as implicações da democratização para a esfera da
cultura, passando inclusive pela análise no campo educacional e jurídico.
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Somente em páginas posteriores é que Mannheim retoma esta discussão
sobre as elites sem muito aprofundar a questão, apenas lança idéias para possíveis
estudos sobre o tema. Para a finalidade deste trabalho, inclusive para não se perder
de foco a discussão que aqui interessa, que é justamente a massificação e a relação
desta com as relações de poder, cabe ressaltar alguns pontos importantes
retomados no texto por Mannheim.
Primeiramente a idéia de que democracia não implica um nivelamento total a
ponto de derrubar barreiras entre governantes e governados, e por isso mesmo a
democracia não significa ausência de estratos de elite como exposto acima.
O que muda com a democratização além do critério de seleção, é à distância
ente elite e massa, e mais ainda, a elite é oriunda das próprias massas. Ouçamos o
sociólogo:
O que fundamentalmente muda no processo de democratização é a
distância entre elite e massa. A elite democrática tem antecedentes de
massa; desse modo, ela pode significar algo para a massa. Ora, pode
ocorrer que, após algum tempo, esta elite novamente abdique de seu papel.
A massa mobilizada procurará então trazer de volta essa elite
experimentadora, e ao invés de lançar-se em direção a uma existência mais
plena, regressará a um nível primitivo. Se, por outro lado, a vanguarda
conseguir transmitir novas descobertas, primeiro para grupos intermediários
e finalmente para a própria massa, a democratização da cultura será um
processo de nivelamento antes que uma tendência à mediocridade
igualitária. (MANNHEIM 2004, p 167).
Pelo que foi desvendado até este ponto, a democracia e a massificação para
Mannheim, seriam acontecimentos inevitáveis em todos os âmbitos da sociedade, e
trariam algumas perspectivas positivas, mas também muitos perigos e incertezas,
principalmente em relação à autoneutralização da própria democracia.
A questão fundamental para finalidade deste trabalho é a de saber como
Mannheim se posiciona em relação a fenômeno da massificação. E não existe
dúvida que o autor tem uma visão inquieta, vislumbrando o risco eminente que a
massificação traz, por ter grande probabilidade de descambar em sistemas
altamente autoritários, e assim sendo, apesar de bem menos pessimista, partiria de
uma ótica liberal a exemplo de Gasset, e alertaria para elaboração de mecanismo
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que impedisse a completa massificação, o que nos levaria a um retrocesso similar à
fase de solidariedade mecânica descrita por Durkheim.
6
Como um dos pontos básicos da discussão deste trabalho é o de se tentar
entender como os intelectuais se relacionam com o povo, para tentar se entender a
proposta elaborada por Álvaro Vieira Pinto como algo bastante incomum nesta
relação intelectual-povo, nunca é demais lembrar que Mannheim dedicou muitos
esforços para pensar o papel do intelectual na sociedade.
Se é que se pode sintetizar conclusão final mannheimiana, após ter se
originado do marxismo e migrado para outras correntes teóricas, a conclusão é que
os intelectuais poderiam constituir uma camada desvinculada de interesses
classistas e assim assumir um papel de guardiões dos interesses da sociedade
como um todo.
No limite desta interpretação não são os trabalhadores, as massas, o povo
que devem com suas aspirações propor um rumo para a sociedade, mas pelo
contrário os intelectuais que capazes de vislumbrara e entender os diversos pontos
de vistas sociais, seriam capazes de iluminadamente e neutramente direcionar os
destinos de determinada sociedade.
Pouco antes de eclodir a primeira guerra mundial o alemão Robert Michels
publica uma obra intitulada Sociologia dos partidos políticos (1982), que apesar de
todas as limitações impostas pela época, se tornará uma obra de referência para
quem deseja estudar partidos políticos e suas relações com a sociedade.
Tendo em vista que o foco do trabalho em questão não diz respeito á análise
partidária, a obra de Michels é mencionada por aquilo que extrapola a mera análise
partidária, ressaltando-se os aspectos filosóficos e sociológicos da relação
governantes e massas.
6
Sobre as características das sociedades compostas por soliedariedade mecânica, ver RODRIGUES
(ORG) 1998., ou o próprio DURKHEIM (2008)
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26
A tese principal do autor parece ser existência de uma tendência inevitável á
oligarquização da sociedade, no que diz respeito aos processos decisórios mesmo
sobre a égide de um sistema apontado como democrático.
A primeira forte argumentação de Michels neste sentido, é que a democracia
por mais que consista no selt-government (autogoverno) necessita de organização,
e para haver organização é necessário haver lideranças, chefes, delegados ou algo
que o valha, pois existe inquestionavelmente uma impossibilidade mecânica,
técnica, espacial, temporal de que todos decidam tudo todo o tempo.
Sendo assim, faz-se imperioso a necessidade no interior das organizações
partidárias, quanto a escolha de representantes que falem em nome das massas, e
por mais democrático que seja o partido é preciso confiar muitas funções á alguns
poucos homens.
A princípio, o chefe é apenas o representante servidor das massas e, portanto
qualquer um seria capaz de exercer tal função, desde o mais humilde trabalhador
até o intelectual melhor preparado.
Entretanto quanto mais às organizações se tornam complexas seja um
partido, uma liga ou até mesmo o Estado, passa-se a necessitar, para o melhor
funcionamento, de pessoal mais preparado, e assim as ligas, partidos, sindicatos
passam a dar voz o só aos mais preparados como estimular a qualificação
através de cursos, escolas preparatórias, etc. e consequentemente, aos poucos, o
poder decisório é retirado das massas e passa a se concentrar nas mãos dos mais
especializados.
A especialização técnica, esta conseqüência inevitável de qualquer
organização mais ou menos extensa, torna necessário o que chamamos
direção dos negócios. Daí resulta que o poder de decisão, considerado
como um dos atributos específicos da direção é pouco a pouco retirado das
massas e concentrado exclusivamente nas mãos dos chefes. E estes, que
antes não eram senão os órgão executivos da vontade coletiva, em breve
se tornam independentes das massas, frustrando-se ao seu controle.
(MICHAELS, 1982, p.21).
Com o correr do tempo, conforme as organizações vão se fortalecendo ainda
mais e estas vão necessitando de um comando minoritário e qualificado, pois uma
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organização forte segundo Michaels, tanto na parte técnica, como na parte tática
necessita de uma direção forte.
No final das contas toda organização passa a se constituir de uma
hegemonia dos representantes sobre os representados, colocando em xeque o
império da vontade da maioria tal como se constitui o princípio básico da
democracia.
Uma outra argumentação que a seqüência do livro de Michels invoca é que o
partido moderno, como organização de combate que visa ganhar reputação e estima
perante ‘a sociedade, precisa de decisões ágeis, que são possíveis de viabilidade
com uma disciplina rigorosa via uma extrema centralização. Em suma, rapidez nas
resoluções só é possível com um “cesarismo” preciso.
Após estas diretas argumentações sobre as necessidades técnicas e
administrativas sobre a necessidade de delegação, o autor partirá então para a
discussão dos fatores de ordem psicológica que levam a esta delegação.
Sob um primeiro prisma vislumbrado pelo lado dos representantes, o fato é
que estes quando escolhidos para funções de mando, tendem a desejar e usar
todas as energias para se perpetuar no poder. Como vaticina Michels:
Da delegação de fato nasce o direito moral à delegação Os delegados
eleitos uma vez ficam no cargo sem interrupção, a não ser pela observância
excepcionalmente escrupulosa de disposições estatuárias ou por
acontecimentos completamente extraordinários. A eleição realizada para ter
uma duração determinada torna-se um cargo para o resto da vida. O bito
se transforma em direito. O indivíduo regularmente delegado para um certo
período acaba pretendendo que a delegação constitui sua propriedade.
(MICHELS 1982, p 31).
Posta a questão sobre o prisma dos representantes que desejam se
perpetuarem no poder, o texto fluirá para tratar de um aspecto importante para
finalidade deste trabalho, a impossibilidade da democratização, em virtude da
“fraqueza” psicológica das massas que renunciam voluntariamente ao exercício dos
direitos democráticos e sentem necessidade incessante de possuírem chefes que as
dirijam.
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Segundo Michels, para a maioria, e inclusive a maioria dos trabalhadores,
constitui-se um alívio encontrar indivíduos que guiem e decidam seu destino político.
As massas para o autor, se interessariam pelos eventos “espetaculares” do dia-a
dia, tendo uma atração por aquilo que impressiona os olhos.
As discussões teóricas, imprescindíveis para o exercício democrático são
tratadas como um fardo que passa incompreendido ou indiferente pelas massas.
Assim por estes fatores é que é tão fácil desmobilizar movimentos de massas, como
movimentos grevistas, bastando para isto se atingir os líderes, que
consequentemente todo o movimento se perde em uma desorganização
irrecuperável.
Um outro fator corrobora mais ainda para a necessidade dos chefes, pois
além das massas renunciarem espontaneamente ao exercício da política, estas não
têm uma gratidão para com relação aos seus líderes como sentem necessidade
de venerá-los.
Por outro lado, como o alvos de intensa adoração e se tornam mais
importantes do que o próprio ideal que representam, isto acaba por provocar
tendências megalomaníacas nos grandes líderes. Eis aqui portanto, uma descrição e
análise aguda de Robert Michels em relação à impossibilidade de uma plena
democracia em virtude da incompetência das massas.
A análise da incompetência das massas não finda nestes pontos, o próximo
passo da interpretação de Michels, diz respeito não mais a fatores de ordem
psicológica, mas de ordem intelectual, mostrando como o aparecimento de uma
direção profissional acaba naturalmente pressupondo uma maior capacidade
intelectual por parte daqueles que dirigem, e esta direção acaba por acentuar
esta situação.
Na qualidade de relatores e de homens competentes, conhecendo os
pormenores mais secretos dos assuntos a serem tratados, muitos
deputados sabem, com a ajuda de digressões, de perífrases e de sutilezas
terminológicas, fazer da questão mais simples e mais natural do mundo um
mistério sagrado cujas chaves eles possuem. Com tudo isso, estejam de
boa ou de má-fé, eles reduzem as grandes massas das quais eles deveriam
ser os intérpretes teóricos” à impossibilidade de segui-los, de compreendê-
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 29
29
los e, por uma razão mais forte, de exercer sobre eles um controle técnico
qualquer. Eles são os verdadeiros donos da situação, no sentido mais
completo da palavra. (MICHAELS 1982, p 55).
Assim, pela própria incompreensão de todos os mecanismos do jogo político
não cabe alternativa, senão a de crer em seus líderes e em suas determinações, por
parte das massas apartadas do efetivo exercício do poder.
É interessante notar como a democracia na leitura do autor alemão tem uma
tendência à aristocratização, sendo importante chamar atenção, por exemplo, da
diferença da leitura que Gasset faz da democracia, em que o grande perigo para a
liberdade consistiria na equalização que as mesmas tenderiam a provocar na
sociedade, ou seja, o perigo dos governos das massas seria a ausência de uma
camada que se prepararia para exercer as funções de mando.
Enquanto em Gasset o problema da democracia é a substituição de
mecanismos aristocráticos por uma “hiperdemocracia”, para Michels a democracia é
incompleta justamente por fazer um retorno a um estilo aristocrático de governo.
Para Michels:
A democracia acabaria, desse modo, transformando-se numa forma de
governo dos melhores, numa aristocracia. Os chefes seriam tanto do ponto
de vista objetivo como do ponto de vista moral, os mais capazes e os mais
maduros; por isso eles teriam não só o direito, mas o dever de colocarem-se
à testa da massa, e isso não como representantes de um partido, mas
como indivíduos fielmente conscientes de seu próprio valor pessoal.
(MICHELS 1982, p 57).
Seguindo na tarefa de demonstrar como existe um sentido de oligarquização
das estruturas partidárias, Michels expõe como existe uma estabilidade dos
dirigentes do partido que formam uma espécie de “cartel” decisório, mostrando o
poder financeiro que passam a deter os mandatários das organizações partidárias,
exibindo como os chefes estabelecem relações com a imprensa formadora de
opinião e assim por diante.
Em síntese fatores de ltiplas determinações levam ao sentido de
oligarquização, inclusive fatores de ordem psicológica, tanto das massas como dos
chefes, pois ao mesmo tempo em que as massas desejam ser dominadas, os guias
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 30
30
também se sentem na obrigação de dominar, hipnotizados pela idéias de são
imprescindíveis.
Enfim, em Michels temos mais um autor que enxerga aspectos negativos na
soberania das massas, aqui não pelos riscos que a massificação poderia gerar como
ressaltaram Gasset e Mannheim, mas simplesmente pela impossibilidade prática das
massas decidirem os destinos políticos.
Vale ressaltar, que o alemão Robert Michels, parte da premissa que a
democratização passaria pelo crescimento das organizações de esquerda e mesmo
e principalmente nestas, a elitização é inevitável.
Pode-se afirmar, que de certa forma, a obra de Robert Michels tem uma
afinada relação com a o obras de Vilfredo Pareto (1848- 1923) e Gaetano Mosca
(1858-1941) que precederam à obra do alemão e são considerados os pais
fundadores da teoria das elites. Alguns chegam a levantar a hipótese inclusive
de
que Pareto teria bebido indevidamente na obra de Mosca, ou seja, Pareto teria se
inspirado na obra de mosca que foi precedente a dele, mas o a teria citado
devidamente.
7
O fato é que existe diferença na obra destes autores, por exemplo, Pareto
recorre muito mais a psicologia para tentar entender as diferenças entre as classes
na sociedade do que Mosca, e, portanto as possíveis congruências na obra de
ambos podem se dever a fontes em comum que ambos alicerçaram seu
pensamento.
Em Pareto temos uma dicotomia em relação à conduta humana, por um lado
os homens usam a razão e por outro embasam sua ações em condutas
sentimentais. Aqueles que têm maior influência política e maior riqueza se
impulsionam na maior parte de suas ações por condutas racionais, enquanto a
grande maioria da população, a massa que existe para ser governada se pauta por
ações não – racionais.
7
Aron esmiúça a polemica situação em nota de seu livro no capítulo sobre Pareto ( Aron 1993 )
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 31
31
O interesse de Pareto é de se estudar os estratos compostos por homens de
qualidades superiores, a elite, que está subdividida e se distingue do restante da
população. Em síntese para Pareto:
Temos então dois estratos numa população: 1) um estrato inferior, a
não elite, cuja influência no governo não nos interessa aqui; 2) um estrato
superior, a elite dividida em dois; a) a elite governante; b) a elite não-
governante. (PARETO 1966, p. 73).
Longe de fazer um juízo de valor, destas divisões dentro da sociedade, Pareto
procura demonstrar que esta divisão é inevitável e foi assim desde tempos remotos.
O que muda nas sociedades é natureza de suas elites, pois sempre no mundo
haveria uma distribuição bastante desigual entre bens materiais e honrarias e
prestígio na população.
Assim, sempre uma minoria detém a maior parte dos bens materiais ou do
prestígio social e político ou ainda de ambos. Ora, a pergunta que poderia surgir, é
de que se sempre as elites comandam, porque as sociedades estão em constante
transformação e as elites muitas vezes são apartadas do poder violentamente?
Responderia Pareto, obra das próprias elites. Como as elites não são
homogêneas estas estão em constante disputa e prontas para substituir a detentora
do poder, assim a maioria da população cumpriria um papel de coadjuvante. Ora
sendo persuadidas por um ou outro estrato das elites, as massas vão à batalha, mas
uma vez que esta é vencida, passam a ser comandadas e se manifestam em
outro momento de crise.
Pareto, também demonstra que algumas vezes às elites no poder, avaliam
erroneamente a situação e facilitam a própria queda quando deixam, por exemplo,
de usar a força militar que possuem a seu dispor.Arquétipo típico foram os vacilos da
aristocracia pré-revolução francesa que preferiu acreditar no poder do
convencimento em vez do poder da força física.
Pelo exposto, não fica difícil perceber que um dos interlocutores que Pareto
procura chamar para o debate é o marxismo e sua crença na força revolucionária de
determinada classe social.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 32
32
Para Pareto, ainda que o proletariado vença a disputa contra o capital, outras
formas de divisão surgirão e a sociedade será distinguida por comandados e
comandantes. Sobre as críticas a teoria de Marx, o francês, que viveu a maior parte
de sua vida na Itália é enfático:
Muitas pessoas acreditam que se fosse possível encontrar uma receita para
fazer desaparecer o conflito entre o trabalho e o capital, a luta de classes
desapareceria também. Trata-se de uma ilusão da classe muito numerosa
dos que confundem a forma com o fundo. A luta de classes não passa de
uma modalidade da luta pela vida, e o que conhecemos como ‘conflito entre
o trabalho e o capital’ não é mais do que uma forma da luta de classes. Na
Idade Média, ter-se-ia podido acreditar que se desaparecessem os conflitos
religiosos não eram senão uma forma de luta de classes; desapareceram,
pelo menos em parte, e foram substituídos pelos conflitos socialistas.
Suponhamos que o coletivismo esteja estabelecido, que o capita não exista
mais; esclaro que nesta hipótese ele não poderia mais entrar em conflito
com o trabalho. Contudo, apenas uma forma da luta de classes terá
desaparecido, e será substituída por outras. Surgirão conflitos entre os
diferentes tipos de trabalhadores, no Estado socialista; entre os ‘intelectuais’
e os ‘não-intelectuais’; entre estes e seus administrados, entre os
inovadores e os conservadores. Haverá realmente quem imagine com
seriedade que a instituição do socialismo secará completamente a fonte das
inovações sociais? Que a fantasia dos homens não dará a luz a novos
projetos, e que os interesses não induzirão certas pessoas a adotar esses
projetos, na esperança de alcançar um lugar preponderante na
sociedade?(Pareto apud Aron 1993, p. 429-430).
Além disto, mesmo quando se fala em tomada de poder pelos trabalhadores,
não são os próprios trabalhadores que ascendem ao poder, mas uma minoria que
fala em nome destes trabalhadores. Aqui em Pareto, o motor da história não é a luta
de classes, pois a história nada mais seria do que a gênese, maturação e ocaso das
elites detentoras do poder ou das aristocracias. Assim não democracia, mas uma
‘pluto-democracia’ para usar a expressão do autor do Tratado de sociologia geral.
Em conclusão as massas não são mais que agentes bastante secundários na
história da humanidade.
A exemplo de Pareto, o italiano Gaetano Mosca irá analisar as funções de
comando na sociedade, e chegará a conclusões bastante próximas das propagadas
por Pareto.
Como Pareto, o autor irá demonstrar que a sociedade seria cindida por duas
espécies de pessoas, uma majoritária que sempre é controlada e não goza dos
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 33
33
benefícios do poder e uma outra composta pela minoria das pessoas que exerceria
as funções políticas e monopolizaria o poder.
A distinção que se pode fazer entre os dois grupos acima mencionados, em
outras palavras entre a maioria e a minoria, é que o segundo grupo é mais coeso no
sentido de sua organização enquanto a minoria é atomizada em uma imensa
desarticulação e desorganização.
A minoria também se destacaria por possuir atributos especiais valorizados
socialmente, ora detinha o privilégio do contato direto com as divindades, ora o
saber, a riqueza e etc.
Neste sentido a exemplo de Pareto, as mudanças ocorreriam na sociedade
não por força da pressão popular, mas por declínio da própria elite dirigente.
Para Mosca, entretanto, as mudanças ocorreriam em decorrência da própria
mudança dos valores da sociedade, assim sendo os detentores desses novos
valores, estariam fadados ao sucesso. Por exemplo, se determinada sociedade está
estruturada principalmente em valores religiosos e uma nova religião nasce e passa
a se sobrepujar sobre uma antiga, a elite vinculada a esta nova tende a se
sobressair.
No final das contas as proximidades entre Mosca e Pareto são evidentes, e,
portanto um dos cernes da crítica do italiano é a utopia marxista de uma sociedade
sem classes, pois estas inevitavelmente existirão em qualquer sociedade. Se não
houver exploração econômica de uma classe sobre outra, haverá outra formula que
irá opor governantes e governados.
Em relação ao sistema político democrático, na maturidade de sua vida
Mosca reconhece que este é o menos mal para os indivíduos, pois pelo menos
neste regime a elites estão mais divididas e limitadas na possibilidade de ação sobre
a liberdade de restrição da liberdade individual.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 34
34
Entretanto, não se deve ter ilusão com relação à autonomia das massas, pois
estas sempre devem estar subordinadas a um comando maior de uma elite
dirigente.
[...] é impossível que uma democracia funcione bem sem que a ação das
massas populares seja coordenada e disciplinada por uma minoria
organizada, ou seja, também por uma classe dirigente (MOSCA 1968, p.
307).
Até este ponto do texto verificou-se uma série de problemas políticos e sociais
em relação às possibilidades de incorporação das massas e sua real capacidade e
possibilidade de ser um expressivo ator político.
Tal problematização não ficou restrita a autores que se tornaram clássicos na
história do pensamento social, pelo contrario, também entre os contemporâneos a
preocupação com massas enquanto ator político e social serve como ponto de
partida de muitas produções teórica da atualidade, pois certamente a sociedade se
tornou muito mais complexa em virtude até mesmo da emergência da necessidade
de incorporação de um número muito maior de indivíduos percebidos até o
momento.
Em alguns autores como o francês Jean Baudrillard, o pessimismo deixou ser
velado, muitas vezes sutil, para se tornar explícito.
A massificação levada ao extremo, talvez característica principal da
modernização contemporânea possa significar nesta concepção inclusive o fim, de
qualquer possibilidade de interlocução teórica entre intelectuais e povo. Baudrillard
não disfarça o tremendo mal-estar que este verdadeiro buraco negro da teoria social
representaria.
Recorrendo as suas próprias palavras,em relação às massas:
Tudo as atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se dilui sem deixar traços.
E na realidade o apelo às massas sempre ficou sem resposta. Elas o
irradiam, ao contrário, absorvem toda irradiação das constelações
periféricas do estado, da História, da Cultura, do sentido. Elas são a inércia,
a força da inércia, a força do neutro.
É nesse sentido que a massa é característica da nossa modernidade, na
qualidade de fenômeno altamente implosivo, irredutível a qualquer prática e
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 35
35
teoria tradicionais, talvez mesmo irredutível a qualquer prática e a qualquer
teoria simplesmente. (BAUDRILLARD 2004, p. 9).
Inútil, portanto a tentativa de alçar uma definição teórica sobre o conceito
massas,pois dizer “as massas trabalhadoras” constituir-se-ia um erro segundo o que
expõe Baudrillard, massas não seria um sujeito social, mais o inumerável, o fluído,
sem característica definida, sem designação.
Interessante notar, ainda que se guardando ilimitadas proporções como existe
certa aproximação com Gasset, na inutilidade de definição de massa. Somente que
em Gasset massa seria todo indivíduo incapaz de se distinguir na multidão, o perigo
para Gasset era com o autoritarismo da maioria, e em Baudrillard nem isto existe,
uma vez que a as massas representam o que é fluído, aquilo que é incapaz de
incorporar qualquer discurso que leve a ação, não o perigo do autoritarismo mais o
nada de todos os referenciais. Se em Gasset a massa é a maioria “perigosa”, em
Baudrillard é a “maioria silenciosa”.
Em qualquer esfera, tarefa vã seria tentar elevar o nível das massas,
improfícuo seria tentar politizar, educar, fazê-la incorporar a reflexão artística
cultural. Nem uma conversação racional com elas se faria possível, as massas
desejam o espetáculo e o espetacular. As massas dizem um sonoro não ao
conteúdo, o que veneraram é apenas o estereotipo, os signos, jamais o sentido.
Neste caso, as massas não são manipuladas, não são enganadas, apenas
estão indiferentes a qualquer mecanismo de comunicação racional. Para
manutenção do poder, portanto não é preciso a manipulação, que a indiferença
das massas permite aos executores do poder sua livre ação.
Segundo o autor francês se a partir do século XVIII, principalmente após a
revolução francesa, uma inflexão da esfera política e o jogo político passa então
a ter um sentido inédito, se tornando o centro da constelação das outras esferas,
levando a um salutar equilíbrio correspondendo à áurea época dos sistemas
representativos da burguesia, após a emergência da teoria marxista inicia-se uma
preeminência determinante do social e do político.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 36
36
Entretanto, o social triunfante chega ao nível de saturação que se volatiliza a
exemplo do político, e o próprio social deixa de poder ser denominado e
caracterizado, e o único indicativo que pode ser denominado é o das maiorias
silenciosas:
O social triunfou. Mas a esse nível de generalização, de saturação, em que
só há o grau zero do político, a esse nível de referência absoluta, de
onipresença e de difração em todos os interstícios do espaço e mental, o
que se torna o próprio social? É o sinal de seu fim: a energia do social se
perde, sua qualidade histórica e sua idealidade desaparecem em benefício
de uma configuração em que não o político se volatilizou, mas em que o
próprio social não tem mais nome. Anônimo. A MASSA. AS MASSAS.
(BAUDRILLARD 2004, p 21).
Baudrillard quer demonstrar após este ponto como finda até mesmo os
mecanismos de representação, que são substituídos pela sondagem estatística, não
sendo mais plausível se tratar de representação, mas somente de simulação, e
assim ninguém pode mais afirmar que expressa os sentimentos das massas,pois
estas são silêncio, ultrapassando as categorias de outrora a quem os clássicos
da sociologia faziam referência como as classes ou o povo.
O que está sendo colocado em xeque é a qualquer tipo de possibilidade de
revolução, pois as massas não representam mais o perigo de “detonação”, mas
apenas uma esfera de absorvimento, ao invés da explosão revolucionária temos a
implosão silenciosa do político e do social.
O principal problema da atualidade seria justamente o de perpetrar formas de
expressividade para as massas, uma vez que estas estão caladas indiferentes a
qualquer forma de participação, inercialmente silenciosas sem a mínima energia
social, eis o semióforo maior do nosso tempo.
Neste caso, não adianta tentar reanimar a energia social das massas com
mais informação, pois a quantidade de informação atirada pelos meios de
comunicação só faz atomizar ainda mais a já molecularizada massas humanas.
Na verdade não são as massas que são manipuladas pelos meios de
comunicação, são elas próprias que engendram um ritmo a este processo,como
mostra taxativamente Baudrillard:
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 37
37
Sempre se acreditou que são os meios de comunicação que enredam as
massas- o que é a própria ideologia dos mass media. Procurou-se o
segredo da manipulação numa semiologia que combate os mass media.
Mas se esqueceu, nessa lógica ingênua da comunicação, que as massas
são um meio muito mais forte que todos os meios de comunicação, que são
elas que os enredam e os absorvem- ou pelo menos não nenhuma
prioridade de um sobre o outro. O processo da massa e o dos meios de
comunicação é um processo único. (BAUDRILLARD, 2004, p. 39).
O problema maior é que segundo Braudillard, as palavras acima
mencionadas teriam validade para inúmeras outras esferas, o mesmo teria
acontecido com o cinema, com a técnica, com a ciência, com o saber, com o
consumo e até mesmo com a medicina. Em síntese não foram estas esferas que
fizeram de refém as massas, mas estas é que aprisionaram tais esferas segundo a
sua própria lógica de inesgotável consumo.
O mais grave de tudo, mostra o francês pessimisticamente é que o único
fenômeno que parece ter uma relação de afinidade com as idiossincrasias das
massas seria o terrorismo, uma vez que este constiui-se não uma mobilização para
transformação, mas simplesmente uma negação de todas e qualquer instituição, não
que um seja causa de outro, mas ambos são marcados por uma implosão
arrebatadora dos preceitos representativos. É a negação pela negação, sem
projetos definidos que silenciam perante as respostas propostas institucionalmente.
Portanto ainda que se reúnam todos os esforços, para se evitar uma implosão
da sociedade, esta parece ser inevitável, implosão lenta e gradual, ou violenta e
catastrófica, eis as alternativas postas às gerações contemporâneas.
Em síntese, para não se ir além das questões que este trabalho se propõe, as
massas para o autor francês, não são os agentes de transformações políticas que
possam levar a algum outro modelo de sociedade. Talvez as massas
representem o ocaso da própria política e quem sabe da própria sociedade.
1.2 - Álvaro Vieira Pinto e a democratização pelas massas.
Até este momento do texto, percebe-se que autores de diferentes períodos e
matrizes ideológicas vislumbraram com pessimismo a participação política das
massas.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 38
38
Cada autor citado, ao seu modo, enxerga efeitos maléficos no processo de
massificação das sociedades. Para uns o efeito negativo vem pela perda da
qualidade de diretrizes para a sociedade, pois as massas não teriam a mesma
qualificação que uma elite preparada, como seria para Gasset e Mannheim.
Para outros, na prática o poder sempre retorna para as mãos de uma elite
preparada como em Michels, Pareto e Mosca. Ou ainda, por uma visão mais pós-
moderna como em Braudillard, porque a massificação representaria o próprio fim da
política e dos canais institucionais.
Diferentemente de todas estas interpretações, em Álvaro Vieira Pinto as
massas são olhadas pelo avesso do que até agora exposto, estas são saudadas
com otimismo e mais do que isto, seriam as massas o agente sobre o qual se
assentaria um projeto de desenvolvimento nacional e somente da participação ativa
delas seria possível se consolidar uma verdadeira democracia.
É importante ressaltar aqui, que principalmente a influência de Ortega Y
Gasset foi muito acentuada na formação teórica de muitos isebianos.
Apesar do fato de que na fase específica do ISEB a maioria irá desvencilhar
se de muitas concepções do autor de A rebelião das massas, principalmente em
ralação aos argumentos relativos ao elitismo e o temor pelas massas, esta
influência não foi zerada totalmente, e no limite, se muitos não levaram adiante dos
anos cinqüenta esta influência, antes daquela década isto está patente.
Assim sendo, vale destacar que uns mais que outros, ainda no início da
década de cinqüenta, estarão incorporando em seus trabalhos teóricos, os principais
argumentos da filosofia Orteguiana. É o caso, por exemplo, de Roland Corbisier.
Vanilda Paiva nos mostra que no ano de 1952, em conferência no Instituto
Brasileiro de Filosofia, Corbisier ainda estará influenciada pela idéia do perigo e
insurgência das massas, influencia está visível em outros futuros isebianos como
Helio Jaguaribe.
Mostra Paiva ao referir- se a Corbisier:
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 39
39
A influência de Ortega é notória: Corbisier apóia toda a sua
argumentação fundamentalmente sobre dois livros mais conhecidos do
filósofo espanhol, exatamente os que haviam lastreado também a
especulação de Jaguaribe, ou seja, Ideas y creencias e La rebelión de lâs
massas.ao referia-se às massas, ele repete o raciocínio de Ortega: elas
irrompiam na História, insubmissas e agressivas, reivindicando a fruição do
bem –estar e conforto modernos para cuja a construção não contribuíram (
já que era resultado do esforço de uma elite ) (PAIVA 2000 p 64 )
O problema da massificação será um tema pungente na filosofia e ciências
sociais, no Brasil dos anos 30, 40, e 50. Toda tradição de pensamento advinda de
um arco de influência que vai do cristianismo ao existencialismo, refletirão sobre tal
problemática.
Ortega y Gasset parece ser o expoente máximo desta influência sobre o
pensamento brasileiro, mas outros autores que certamente inspiraram as mentes
isebianas como Mannheim e Karl Jasper, mergulharam neste tema.
Sobre a contundência do tema no período Mostra Paiva:
O tema da massificação(...) constitui entre os anos 30 e 50 um dos
temas prediletos de muitos autores existencialistas e cristãos preocupados
com “a ascensão das massas” e com os efeitos sociais e políticos do
desenvolvimento da técnica no século XX, bem como com os regimes
totalitários que , a partir dos anos 20, dominaram países como a Itália e
Alemanha e com a dominação stalinista na União Soviética. O tema foi
abordado, por exemplo, por Gabriel Marcel e Simone Weil, mas o livro que
maior ressonância encontro ao tratar do assunto foi, sem dúvida, La
rebelión de las masas, de Ortega y Gasset, publicado no início dos anos 30
e que se tornou um ponto de referência de primeira importância para toda a
literatura posterior sobre o assunto, alimentando não apenas a reflexão dos
autores citados na fase anterior, mas também a de Mannheim e de Karl
Jasper. Seguindo a tradição iniciada com Gustave Le Bon no final do século
passado ( a de uma “fenomenologia descritiva da massa”), Ortega marca,
com seu livro, a identificação da “rebelião das massas” com os movimentos
totalitários ( IDEM p 120 )
No que pese Vieira Pinto também ter empreendido uma trajetória advinda da
direita, pois ingressou as fileiras do integralismo, mudando pouco a pouco suas
concepções teóricas
8
,na cada de cinqüenta a teoria do filósofo está bem
distante de qualquer concepção elitista e autoritária.
Em princípio, Vieira Pinto não confiava que eram os intelectuais e, portanto
uma elite esclarecida que detinha a verdade sobre a autoconsciência da nação, no
8
Sobre a trajetória política pessoal de Álvaro Vieira ver FREITAS (1998)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 40
40
que pese ser justamente esta uma das principais acusações sobre os isebianos, que
estes pretendiam falar em nome do povo
9
. Viera Pinto sugere em diversas
passagens de consciência e realidade nacional e deixa clarividente em aula
inaugural do curso regular do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, pronunciada
em 14 de maio de 1956 intitulada “Ideologia e Desenvolvimento Nacional”, que a
verdade sobre a situação nacional pode ser dita pelo próprio povo e jamais pelo
intelectual:
A verdade sobre a situação nacional não deriva da inspeção externa feita
por um clínico social, historiador, sociólogo ou político, mesmo supondo-se
geniais esses homens. Essa verdade será dita pela própria massa, pois
não existe fora do sentir do povo, como proposição abstrata, lógica, fria.
Não é uma verdade enunciada sobre o povo mas pelo povo. É função da
consciência que atingiu, e da representação que faz dos seus
problemas.O que compete aos sociólogos, na ordem teórica, e aos políticos,
na ordem prática, é fazerem-se arautos dessa verdade, recolhe-la nas suas
legítimas origens e interpretá-la com o auxílio do instrumento lógico-
categorial que devem possuir, sem distorcê-la, sem violentá-la, sem
mistificá-la. ( PINTO 1960(a), p.34 )
O trecho acima é apenas uma amostra de uma concepção que permeia todo
o texto, que a ideologia do desenvolvimento deve provir das massas e jamais ser
imposta por uma elite intelectual, e isto parece ser uma característica original em
relação à idéia de uma tradição que se pode chamar de liberal-aristocrática,
expressada, por exemplo, no pensamento de Gasset que acredita que um perigo
em as massas serem portadoras da verdade, pois estas massacram a diferença e
põe em risco a diversidade, que deve imperar em sistemas democráticos.
10
Mesmo nos escritos posteriores de Vieira Pinto, em décadas subseqüentes e
no ocaso da vida, uma visão na contramão do formulado pela tradição de
pensamento crítica das massas, na qual Gasset não deixa de ser um expoente,
continuou vigorando com intensidade na obra do filósofo ex-isebiano.
Ainda quando Pinto se propõe a analisar outro tema que não o
desenvolvimento, mesmo ali está contida uma visão diferenciada em relação às
massas e o processo de massificação. Ao se propor por exemplo, discutir a questão
da tecnologia, Vieira Pinto reafirmará as antigas teses de valorização das massas.
9
Sobre o quadro de acusações aos isebianos ver PECUAT (1990) e TOLEDO (1978).
10
Sobre a expressão liberal-aristocrática e sua caracterização ver BARBOSA (1978).
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 41
41
Em O conceito de tecnologia, Pinto demonstrará novamente ser pretensiosa a
tese de que as massas são um bando inerte, sem consciência, que precisa ser
iluminadamente dirigidas pelo pensador, o sábio, o artista, etc.
Em oposição à idéia de que as massas representam a quantidade sem a
qualidade, e, portanto, deveriam se conformar em aceitar pacificamente, o
movimento e o caminho histórico que lhes é indicado, o filósofo nos indica, que o
agregado de pessoas pode constituir-se em uma consciência dos seus reais
interesses e impulsioná-los se portarem como condutores do processo história.
Para clarificar esta questão nada melhor que dar voz ao próprio autor que
escreve no sentido de dizer que a verdade vai ao sentido oposto dos pseudos
iluminados e guias geniais, ao reverso da visão dos ditadores, as massas teriam
consciência e ao invés de comandadas poderiam comandar. Diz Vieira Pinto:
A verdade, porém situa-se na compreensão diametralmente
oposta à dos iluminados, dos ditadores, dos “guias geniais” de todos os
tempos. O autêntico significado do fato social chamado “massa” consiste
no valor humano adquirido pelo agregado de consciências individuais, cada
qual dotada de uma compreensão da realidade, de finalidades que movem
a luta para obter as condições de existência que vislumbram poder
conquistar e na coesão desse feixe de forças sociais no movimento por uma
objetivo comum, que transforma o suposto rebanho inerme e na
dependência de caudilhos ou empresários que lhe usurpam a direção em
uma formidável unidade de ação histórica.Em certos momentos, com a
infabilidade de uma lei do processo social as massas, ou seja, a
esmagadora maioria dos contingentes da humanidade em determinada área
política da distribuição da espécie, manifestam a qualidade real de sua
consciência geral, assumem o papel predominante que lhes é imanente e
se impõem pela prática de ações “dirigentes” aos dominadores que, cândida
ou violentamente, imaginavam conduzir o processo. É a consciência das
massas, por obscura como á primeira vista possa parecer, que num ato
fornece a força de impulsão e a direção manifestada em sua progressão
histórica (PINTO, 2005 p.483 V2 )
Gasset, retomando o que foi expresso anteriormente, via na massificação
um sistema para além de democrático, hiperdemocrático caracterizado por perdas
na liberdade, existente na possibilidade da expressão de idéias divergentes. A
massa tudo equaliza e acabrunha as diferenças.
Para Vieira Pinto, em contrapartida a Ortega y Gasset, as massas expressam
o contexto real de determinada sociedade e sua expressividade em termos de
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 42
42
participação pública, ainda que equivocada muitas vezes, conteria sempre um
componente pedagógico e possibilitaria um aprendizado capaz de provocar
melhoras na própria autoconsciência de nação.
Ora, importante mencionar que a crença na capacidade de expressão da
verdade pela consciência das massas e portanto, o papel não preponderante do
analista da sociedade, contraria não toda uma tradição no pensamento político
em geral, como também e principalmente, toda uma tradição de pensamento
brasileiro.
Quando se faz referência a uma tradição de pensamento brasileiro, esta
referência diz respeito a uma tradição calcada na idéia de que caberia ao homem
esclarecido conduzir os destinos da nação, pois a partir da idéia de que havia um
povo em formação ainda imaturo para conduzir o seu próprio destino, seria
necessário um estado forte, tutelar e autoritário, conduzido por esclarecidos e
preparados.
Cabe aqui situar um pouco a discussão sobre a tradição autoritária no
pensamento social brasileiro, para na seqüência se retomar o pensamento de Viera
Pinto, podendo-se assim fazer a comparação e por contraste perceber-se todas
suas características originais.
Nos anos vinte e trinta, no cenário teórico brasileiro, resplandece uma
geração talentosa que percebendo as mazelas advindas de uma arquitetura política
calcada em um artificialismo altissonante, pois imitativo de modelos exógenos ao
país, passam a propor um outro modelo sob égide de um estado forte e
reorganizador das instituições.
Wanderley Guilherme dos Santos (1978) cria a categoria de “autoritarismo
instrumental” para explicar essa corrente de pensamento dos anos 20 e 30. Santos
toma como parâmetro de suas análises a obra de Oliveira Vianna.
De forma sintética a idéia desenvolvida por Santos é que Oliveira Vianna
percebeu que no Brasil existia um dilema liberal, pois o liberalismo não poderia ser
implementado adotando-se simplesmente uma constituição liberal. o existia uma
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 43
43
sociedade liberal, mas sim uma sociedade parental e clânica a impedir o liberalismo
institucional de frutificar.
Nas palavras do próprio Wanderley Guilherme dos Santos ao interpretar o
pensamento de Oliveira Vianna:
Não existe um sistema político liberal dirá ele, sem uma sociedade
liberal. O Brasil continua, não possui uma sociedade liberal, mas ao
contrário, parental, clânica e autoritária. Em conseqüência, um sistema
político liberal não apresentará desempenho apropriado, produzindo
resultados sempre opostos aos pretendidos pela doutrina (SANTOS 1978,
p.93).
Neste caso, para se chegar ao liberalismo seria necessário a adoção de outra
prática, a qual Santos denomina de autoritarismo instrumental.
Este autoritarismo não se constitui um fim em si mesmo, mas um mecanismo
de transformação da sociedade parental e clânica, para se criar finalmente as
condições para adoção de um sistema político liberal. Assim sendo, para Oliveira
Vianna e os pensadores que se vinculam a esta corrente:
O Brasil precisa de um sistema político autoritário cujo programa econômico
e político seja capaz de demolir as condições que impedem o sistema social
de se transformar em liberal. Em outras palavras, seria necessário um
sistema político autoritário para que se pudesse construir uma sociedade
liberal. (SANTOS, 1978, p.93).
Portanto, para se chegar a uma situação de liberalismo é necessário a ação
dinâmica do Estado, como agente educador e civilizatório, que seria um promotor
das liberdades individuais.
Por outro lado, a classificação de “autoritários instrumentais” ou de
“autoritários esclarecidos”, pois possuidores de uma visão realista da sociedade
brasileira, desprendidos do juridicismo formal e conhecedores dos verdadeiros
problemas nacionais é recusada por Bolívar Lamonieur, que propõe um outro
modelo explicativo para corrente de pensamento que se contrapõe ao modelo
institucional de 1891.
Para Lamounieur a obra dos mais notáveis pensadores autoritários como a de
Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos.
[...] deve ser entendida basicamente como a formação de um sistema
ideológico orientado no sentido de conceituar e legitimar a autoridade de
Estado como princípio tutelar da sociedade”. (LAMOUNIER, 1985, p.356).
Neste caso, esses pensadores longe de buscarem instaurar uma ordem
liberal burguesa, desejam responder a problemas específicos de organização do
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 44
44
poder; se afastando das respostas dadas pelos liberais clássicos e diferenciando-se
das orientações autoritárias “importadas”:
O modelo da ideologia de Estado, (...) pretende apreender a inflexão
do pensamento brasileiro no início deste século como uma resposta
bastante específica aos problemas da organização do poder no país.
Entendida desta maneira, não necessitamos diluir a problemática numa
‘ordem liberal burguesa’ abstrata, pois a questão se torna exatamente a de
compreender a específica dissociação que a ideologia então nascente
opera no pensamento liberal clássico, tanto quanto nas orientações
autoritárias importadas nas primeiras décadas deste século.(LAMOUNIER,
1985, p.385 ).
Sucintamente, as características do modelo da ideologia de Estado seriam: 1)
“predomínio do princípio estatal” sobre o princípio de “mercado” (no que se refere às
relações políticas e não econômicas); 2 “visão orgânica coorporativa da
sociedade” (sociedade análogo aos organismos necessitando de centro condutor, no
caso das sociedades o Estado; 3) objetivismo tecnocrático (os pensadores
defensores do autoritarismo observariam a realidade do país de forma realista e
saberiam quais instituições se adequariam melhor a nossa realidade, crítica explícita
às instituições de 1889 como resultante de um dedutivismo jurídico formal); 4)
visão autoritária do conflito social (em virtude das características do povo e do país o
conflito social deverá se manter baixo, desde que o Estado saiba agir com precisão);
5) não organização da “sociedade civil” (resulta da característica anterior, em que os
conflitos devem ser resolvidos dentro do Estado, pois fora dele não existiriam
instituições tradicionais importantes); 6) não mobilização política (a ideologia de
Estado visa à integração política social sobre a égide tutelar do Estado sendo
contrária a uma integração mobilizadora); 7) elitismo (cabe a uma elite esclarecida
organizar a sociedade) e 8) Leviatã benevolente (o Estado é a força vital da
sociedade). (LAMONIEUR 1985).
Ao propor tal caracterização Lamounieur se atém em um arcabouço de idéias
comuns entre esses pensadores, principalmente de maiores expressão: Alberto
Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos.
Realmente não é difícil perceber a semelhança de pensamento entre esses
intelectuais, fundamentalmente por terem se colocado na corrente oposta aos que
defendiam o modelo institucional de 1891.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 45
45
Estes pensadores alertavam para a oligarquização da política que o modelo
de 1891 nos estava legando:
Estavam, acima de tudo, desiludidos com a República, não por ela ter
arruinado a influência das oligarquias, mas, ao contrário, por ter permitido que
essa influencia se prolongasse indefinidamente no quadro das transações
regionais. Aspirando a organização da nação pelo poder, reagiram contra
“oligarquização” das instituições.(PECAUT, 1990, p.21).
Ademais, criticavam a constituição de 1891, enquanto obra ficcional, incapaz
de colocar no mesmo compasso realidade e teoria
11
.
Alberto Torres, em 1914 denuncia a artificialidade da nova ordenação
política. Em “O problema nacional brasileiro: introdução a um programa de
organização nacional”, publicado naquele ano, consta uma crítica áspera da
separação entre a política e a vida social. Para o autor:
A separação da política e da vida social atingiu em nossa Pátria, o
máximo da distância. A força de alheação da realidade a política chegou ao
cúmulo do absurdo, constituindo em meio de nossa nacionalidade nova,
onde todos os elementos se propunham a impulsionar e fomentar um surto
social robusto e progressivo, uma classe artificial, verdadeira superfetação,
ingênua e francamente estranha a todos os interesses, onde, quase sempre
e com maior boa fé, o brilho das fórmulas e o calor das imagens não
passam de pretextos para as lutas de conquista e a conservação de
posições. (TORRES, 1933, p.182).
Também Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos, criticavam a
inadequação das instâncias jurídico-políticas com a realidade do país. Basta nesse
caso, lembrar que Campos como teórico da Constituição de 1937 pretendia colocar
no mesmo compasso o “país legal” e o “país real”. (MEDEIROS, 1978).
11
É interessante que o alerta para que a constituição americana não fosse transplantadas para a
realidade de povos que o tivessem interesses comuns e laços vicerais de coesão tivesse sido
dado por Alexis de Tocqueville em 1840 com a publicação da Segunda parte da Democracia na
América: “Quando se examina a Constituição dos Estados Unidos, a mais perfeita de todas as
Constituições federais conhecidas, causa admiração, entretanto, a imensidão de conhecimentos
diversos e de discernimento que ela supõe naqueles que ela rege. O governo da união repousa
quase todo em ficções legais. A união é uma nação ideal que só existe, por assim dizer, nos espíritos,
e da qual só a inteligência descobre a extensão e os limites. (...) Tudo é convencional e artificial
nesse tipo de governo, e só pode convir a um povo a muito tempo habituado a dirigir, por si só, seus
negócios e no qual a ciência política desceu até os derradeiros extratos da sociedade (...). A
Constituição dos Estado Unidos assemelha-se a essas belas criações da indústria humana, que
cobrem de glória e bens os que a inventam, mas restam estéreis em outras mãos. (...) O pacto federal
não poderia ter existência longa se não encontrasse nos povos a que se aplica certo número de
condições que lhes tornem fácil a vida comum, simplificando a tarefa do governo. Desse modo, o
sistema federal não tem somente necessidade de boas leis para ser bem sucedido, é preciso ainda
que as circunstâncias o favoreça. Todos os povos que vimos confederar-se tinha um certo número de
interesses comuns, que formavam como que laços intelectuais de associação”. (TOCQUEVILLE,
1973, p. 217,218)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 46
46
Se se empreender uma análise isolada e comparativa da obra de cada um
desses autores, chegaremos a vários denominadores comum, que em grande
medida foram competentemente ressaltados por Bolívar Lamounieur.
Autoritários instrumentais ou autoritários doutrinários, neste momento não
importa, mas sim a pecha de autoritários, ou seja, por um motivo ou por outro não
acreditavam em mudanças da sociedade por uma via democrática com participação
popular.
Manifesto é, portanto, que em Vieira Pinto estão presentes outras concepções
de política, mas a pergunta que se pode fazer é a do por que retomar uma tradição
de pensamento dos anos vinte e trinta, se os isebianos estão inseridos em outro
contexto político e social, e seria claro portanto, que Vieira Pinto, não se escoraria
no mesmo arcabouço dos chamados autoritários.
Primeiramente, foi naquela tradição inegavelmente, que a maioria dos futuros
isebianos iniciaram a sua formação teórica, basta lembrar o dado de que Rolando
Corbisier, Guerreiro Ramos , Vieira Pinto e outros foram integrantes da ação
brasileira integralista (ABI), que sem exagero fundamentam muitas de suas teses
naqueles autores e em toda aquela tradição.
Somente com o intuito de confirmar esta hipótese, pode –se usar as palavras
de Marcos Cezar de Freitas, em seu livro sobre Álvaro Vieira Pinto, que em nota
afirma :
Embora não haja nenhuma citação que confirme isso em sua obra,
após entrevistar vários interlocutores de Vieira Pinto, não é exagero supor
que ele- assim como vários integralistas- tenha sido leitor de Alberto torres.
Torres marcou profundamente o debate cultural brasileiro do início do
século até os anos 40. Sua obra foi citada por inúmeros autores e recolhida
por tendências políticas variadas. Era inegavelmente um pensador
autoritário (...) e consumido a granel na Aliança Integralista, chamou a
atenção de Vieira Pinto. Torres defendia a “vocação agrária do país”(...) e o
papel relevante da pequena propriedade rural. Contudo, dois de seus
postulados permaneceram no debate intelectual até os anos 50: a
construção da Nação brasileira dar-se-ia pela combinação da rejeição ao
imperialismo e da dependência externa, com um desenvolvimento pautado
na idéia de cultura autóctone. Se Vieira Pinto jamais defendeu qualquer
vocação agrária para o país, por outro lado, a rejeição ao imperialismo e a
questão da dependência marcaram toda sua obra. (FREITAS , 1998 P 46 ).
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 47
47
Além do mais, é sabido que se até os anos trinta, a questão que estava posta
era da organização da nação, após quarenta e cinco o que se coloca é o
desenvolvimento da nação e da soberania nacional.
Se antes de trinta, muitos pensadores justificavam o viés autoritário pela
ausência de povo, os teóricos de quarenta e cinco em diante, terão que lidar com o
advento do povo, enquanto sujeito político.
Deixando claro estas diferenças Pécuat escreve sobre o período pós quarenta
e cinco:
Ninguém mais duvidava da existência de uma nação brasileira, e não era
mais preciso buscar seus sinais no “caráter” ou no “temperamento” da
população, nem apelar ao estado para forjar a sociedade. A nação estava
ali, constituída em torno de seus interesses econômicos, de sua cultura e de
sua vontade política. Ela se experimenta a si mesma, afirmando-se dia a dia
contra as nações dominantes. O sentimento de identidade é substituído pelo
de confronto; o advento do povo como sujeito político liga-se à sua
mobilização a serviço da soberania nacional [...] (PECAUT, 1990, p 99).
No que pese, as novidades teóricas presente na geração pós quarenta e
cinco e, portanto também nos isebianos, em virtude de mudanças na estrutura social
e econômica da nação, não é desmedido se afirmar que há algumas concepções
que enlaçam as concepções dos anos trinta e dos anos cinqüenta, principalmente a
aspiração de se pensar a nação a partir de um modelo próprio e autônomo e na
pretensão de criar um modelo de desenvolvimento eminentemente nacional.
Além disso, ainda que tenha findado o Estado Novo e consequentemente
tenha ocorrido uma desvalorização do pensamento eminentemente autoritário, a
cultura política de determinada corrente não se esvaí totalmente apenas pela
mudança de governo e ainda após a democratização do país, em quarenta e seis,
outro período autoritário seria vivenciado e bem mais extensa seria sua duração, e
neste caso ao menos a influência de um teórico dos anos trinta se faz notar, no caso
Francisco Campos, vivo ainda em sessenta e quatro.
Mas para além da cultura política e do pensamento político, não se deve
desprezar a presença de uma concepção autoritária nas próprias instituições que
perduraram no pós estado novo. Sobre isto nos chama a atenção Boris Fausto:
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 48
48
[...] Deixando de lado as marcas de uma cultura política autoritária,
anterior e posterior ao regime de 37, podemos dizer que a permanência das
instituições nascidas ou consolidadas durante o Estado Novo ocorreu
principalmente no campo da organização sindical e das relações entre
capital e trabalho. Apesar do caráter democrático-liberal da Constituição de
1946, a estrutura corporativa manteve-se nessa área, chegando em parte a
nossos dias.Os legisladores mantiveram as características do sindicato,
como um organismo representativo, ao mesmo tempo, de trabalhadores e
empresários, e como auxiliar do estado. Perduraram também o regime de
sindicato único e o imposto sindical - um instrumento destinado a sustentar
o sindicato sem depender fundamentalmente da contribuição de seus
associados (FAUSTO, 2001, p 69).
Sobre o ISEB especificamente, críticas o faltaram a uma tendência
continuísta em relação ao pensamento autoritário,sendo que muitos não pouparam
críticas ao instituto ser uma espécie de departamento elitista que pretendia falar em
nome do povo.
Em geral, uma série de acusações feita pelas gerações de intelectuais que
emergem no cenário intelectual nas décadas posteriores contra os isebianos, e a da
acusação de certo elitismo-autoritário é uma das mais marcantes. Daniel Pécaut
(1990) sintetiza o rol de acusações e chama atenção para esta última acusação:
Última peça do auto de acusação: foram considerados suspeitos de
reivindicar, como intelectuais, um direito natural de falar em “nome das
massas e, por isso mesmo, de se incluírem na linha dos pensadores
autoritários. Não é preciso remontar muito longe para encontrar, nos
escritos de alguns deles, os vestígios do elitismo à moda de 1930 e à
maneira do integralismo (PECAUT, 2000 p.122).
Existem críticos das idéias de Álvaro Vieira, que enxergam em sua obra,
expressivos elementos de certo “autoritarismo esclarecido” e que por mais que o
filosofo afirmasse que a ideologia do desenvolvimento deveria advir da consciência
das massas, na verdade ele apenas estava corroborando uma espécie de populismo
teórico ou indutivista, pois de antemão sabia que a massa acertava, desde que
acatasse o projeto de desenvolvimento em curso.
Como o projeto de desenvolvimento no país estava sendo levado por um
governo democraticamente eleito, as “massas” estavam servindo para confirmar a
tese desenvolvimentista do autor de ideologia e desenvolvimento nacional.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 49
49
Ademais, por mais que tentasse dar uma coloração mais a esquerda da
maioria dos isebianos, acusado por isto de confeccionar uma obra carregada de
ambigüidades e ecletismo, as tese o as mesmas dos primeiros isebianos e dos
autoritários dos anos trinta, os intelectuais romanticamente tem um papel
preponderante na organização do futuro da nação, e eles, acima de todos os
interesses, entendem verdadeiramente a sociedade.
Para se ter a dimensão da espécie de crítica feita a obra de Viera Pinto,
recorre-se as palavras de Vanilda Paiva, que na obra :Paulo Freire e o nacionalismo
desenvolvimentista, aproxima a obra de Freire da do autor de Consciência e
realidade nacional, fazendo das críticas a Pinto as mesmas que faz a Freire.
Vê-se a seguir, a impressão que se tem da obra do filosofo isebiano:
Embora CRN possa ser vista como um desdobramento de IDN, esta
obra foi mais que mera justificação do autoritarismo esclarecido” ofertado à
burguesia industrial nacional, com forte apelo indutivista.Ao passar um texto
de pouco mais de quarenta páginas como o que encontramos em IDN para
as mais de mil páginas de CRN, Vieira Pinto se verá preso nas malhas do
seu ecletismo e da ambigüidade própria de quem, em pleno período de
revisão de suas posições políticas, realizando em razão delas novas
leituras, pretendia ainda justificar teoricamente as idéias antigas sem
abdicar da incorporação de novas e pouco digeridas influências. As teses
de CRN o as teses do isebianismo dos anos 50, tratadas de forma
análoga à de IDN. Mas se aquela cumpre a tarefa de justificar o populismo
tradicional, como o conjunto das obras dos isebianos, ela abre também
caminho para o que podemos designar como um populismo indutivista”, ou
seja, para um tipo de posição em que o apelo ao povo se libera da função
de legitimar a dominação da burguesia e deixa entrever um conteúdo
progressista e radical como o que estava presente na idéia de soberania
popular na Europa no começo do século XIX e que sobreviveu durante boa
parte daquele século em pensadores ligados ao romantismo. Na obra de
Vieira pinto, parece que o circuito se completa: ela começa por apelar para
o povo com uma perspectiva “indutivista”, que é absorvida da direita
européia, que foi utilizada no movimento através do qual se degradou a
idéia de soberania popular e que, na Europa, aos poucos assumiu um
caráter mítico- irracional e se associou a argumentos biológicos até
desembocar no fascismo
12
(PAIVA 2000 , p.229-230 )
Uma crítica que faz ao caráter da filosofia de Vieira Pinto, no sentido de ser
indutivista, ou seja, extrair da própria realidade a verdade e não de projetos
abstratos desenraizado da sociedade, e que pode ocorrer certa tendência a encaixar
o real na teoria.
12
A autora se refere à Consciência e realidade nacional com a sigla CRN e a Ideologia e Desenvolvimento
Nacional com a sigla IDN.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 50
50
Em outras palavras, se existe um pressuposto de que é necessário fomentar
uma ideologia do desenvolvimento entre os isebianos, levado ao extremo por Vieira
Pinto, isto quer dizer que o real, tem que se manifestar nesta tendência. Vale a
questão : como se determina a verdade, como se sabe se o que se induziu de fato é
a verdade, se aqui nem ao menos é feita a distinção entre ideologia e ciência?
Os isebianos defendem a idéia de que a ideologia do desenvolvimento é
autêntica e isto gera a seguinte questão levantada por TOLEDO:
Para Vieira Pinto, o que se busca alcançar através da aplicação dos
“esquemas formais aos fatos” é a correta interpretação destes. Ninguém
poderia discordar de tal empresa. Mas aqui são os critérios que irão nos
convencer e persuadir de que se chegou a tal intento? Aqui não se vacila:
se as conclusões da pesquisa são favoráveis à sorte dos subdesenvolvidos,
então acolha-se a interpretação da realidade e, conseqüentemente , ficam
legitimadas as categorias induzidas do processo histórico. Porém, se as
conclusões forem impróprias-impliquem a manutenção da dominação e da
“posição servil” da comunidade- reneguem-se as categorias e busquem-se
outras mais “convinientes”[...]
A objetividade científica fica, assim, na inteira dependência de um
projeto que determinará se o conhecimento produzido contribuirá (ou não)
para a libertação nacional...
Para o autor, e para os demais isebianos, esta determinação do
cientifíco pelo ideológico não se constitui em problema ou em qualquer
espécie de objeção. Afinal, a ideologia do desenvolvimento nacional é
autêntica ( verdadeira, na sinonímia isebiana), na medida em que exprime
os interesses gerais da nação...( TOLEDO 1978 p.68-69)
Em relação à obra do filósofo Álvaro Vieira Pinto, pode-se afirmar, após uma
análise atnta que o tipo de qualificação de elitista ou antidemocrático, no mínimo se
constitui um grande mal entendido.
Ao se ler as obras de Viera Pinto o que se percebe são fortes argumentações
em sentido oposto, ou seja, está colocada explicitamente uma crítica a pretensão de
intelectuais se comportarem como porta vozes do povo, e também está posto uma
profunda crença na democracia.
Um primeiro ponto que talvez coloque as idéias do filósofo no sentido da
democracia e da valorização das massas em detrimento da especulação muitas
vezes descolada da realidade feita pelos acadêmicos, pode ser toda uma formação
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 51
51
e influência teórica de correntes de pensamentos que buscam suprimir ou pelo
menos diminuir a distância entre o mundo das idéias e o mundo real.
No momento não irá se explorar as influências teóricas do pensador
fluminense, mas é importante ressaltar que os seus prediletos na filosofia são os
teóricos que propõe a análise a partir dos fenômenos concretos da vida.Correntes
como do existencialismo de Karl Jasper ou a fenomenologia Hurssel o
identificadas com um pouco de atenção em suas obras cruciais como Consciência e
realidade nacional. Além de Jasper, e Hurssel alguns comentadores da obra de
Viera Pinto chamam a atenção para a influência de Sartre, Heeideger do “Ser e o
tempo”e outros.
13
No sentido de aproximar idéias e prática, percebe-se que Vieira Pinto
acreditava que não somente era possível ao homem comum que estava acolá à
existência universitária poder pensar a realidade de seu país, e não poder
pensar, como a partir dessa impressão da realidade feita pela pessoa leiga é que
poderia se construir uma ideologia do desenvolvimento nacional.
Assim sendo, ao confeccionar a obra marcante de sua produção, Consciência
e realidade nacional, Vieira Pinto procurou escreve - lá de forma acessível ao
trabalhador manual e não destinada apenas ao trabalhador intelectual.
Aliás, Vieira Pinto alertava que uma das características da consciência
ingênua que se opõe a uma consciência crítica era justamente o pedantismo
intelectual, ou seja, uma forma de expor as idéias de modo a excluir o entendimento
do homem comum.
Evidente que o autor de Consciência e realidade nacional sabia da
impossibilidade de atingir toda a massa de população com suas palavras, mas
achava possível atingir um tipo de leitor medianamente esclarecido. Norma Cortez
13
Sobre as influências teóricas de Vieira Pinto ver RTEZ (2003) principalmente à segunda parte
do livro e Freitas (1998) especificamente o CAP. V.Também sobre as influências teóricas sobre
Álvaro Vieira e os isebianos em geral ver PAIVA (2000) que diz que a influência sobre Vieira Pinto
vem de uma tríade:fenomenologia-existencialismo-culturalismo e TOLEDO (1978) .
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 52
52
(2003) nos chama atenção para o público que Vieira Pinto queria atingir com
Consciência e realidade nacional:
[...] CRN não se dirigia apenas aos pares intelectuais de Álvaro
Vieira Pinto. Ele queria se dirigir a um grande número de leitores, mesmo
que fossem pouco familiarizados com a linguagem técnica do discurso
filosófico. Pode-se afirmar, em um sentido geral, que CRN foi escrito e
destinado para o grande público. Isto não significa, naturalmente, ter sido
orientado para a leitura de lazer das grandes parcelas da população, as
ditas massas incultas. O texto se destinava a um público composto por um
tipo de homem comum e difusamente espalhado pela sociedade cujos
amplos e imprecisos interesses intelectuais denotariam algum nível de
aprimoramento cultural. (CORTEZ, 2003, p.74)
Deve se supor que a pretensão principal de Consciência e realidade era, em
um primeiro plano, tentar a superação entre o “artificialismo” acadêmico e a vida
concreta do dia –a dia da população brasileira, e mais do que isso a consciência
filosófica deveria ser extraída da própria realidade concreta.
Aqui cabe um importante parêntese para lembrar-se da incursão do filosofo
do desenvolvimento no campo pedagógico. No mínimo houve um intenso diálogo
entre o pensador isebiano e o pedagogo Paulo Freire, e indubitavelmente verifica-se
uma contribuição do primeiro, no sentido de se criar um método pedagógico menos
formalista e mais próximo da realidade concreta do trabalhador brasileiro.
14
Da mesma forma que procede teoricamente na interpretação do campo
pedagógico, procede interpretação da esfera política e social, em outras palavras,
também o modelo de desenvolvimento do país deveria ser extraído da consciência
das massas, pois são estas que no dia –a-dia sentem os efeitos das determinações
dos poderes públicos, e falar em nome das mesmas pressupondo suas
necessidades, ocorreria o mesmo que com o professor que pretende passar um
conteúdo ao aluno como se este fosse uma espécie de papel em branco, a ser
preenchido pela sabedoria do docente.
14
Sobre a relação de Vieira Pinto com o método Paulo Freire, PAIVA (1986) tem um enfático estudo.
Vale lembrar também que Paulo Freire se referia ao filósofo isebiano como “meu Mestre”. FREITAS
(2005)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 53
53
Em síntese uma postura formalista não seria capaz de ser eficiente no campo
educacional, como não seria capaz de formular precisamente uma ideologia do
desenvolvimento no campo econômico-político.
Vale ouvir Vieira Pinto para clarificar melhor esta questão:
No país subdesenvolvido em esforço de desenvolvimento, são as
massas que detém o critério da práxis social. O risco mais grave que correm
estes países é que suas elites intelectuais, quase sempre privilegiadas, ou
clientes e beneficiárias delas, se arroguem o direito exclusivo de pensar a
tarefa de transformação da realidade em termos da prática que é sua, e na
qual a dos outros, a das classes desfavorecidas, entra apenas como dado
de percepção ou motivo de compaixão moral. [...] Com efeito, é admissível
que seus representantes sejam capazes de se inclinar intelectualmente
sobre o estado das populações atrasadas, de se transferir a elas em
espírito, mas sempre lhes faltará alguma coisa, aquilo que transmuda a
simples comunhão simpática em verdadeira identificação ontológica porque
a prática é intransferível (PINTO 1960(b) p.56-57 ).
Com estas palavras, impossível não se desfazer o equívoco da crítica de
elitista aos teóricos do ISEB, pelo menos no que diz respeito Álvaro Vieira Pinto, a
proposta é justamente a de criticar uma postura elitista, não existe vestígio do
elitismo à moda da geração de vinte e trinta que clamavam por um grande líder para
conduzir a organização da nação. No final da cada de sessenta o que está em
pauta é o desenvolvimento da nação, mas o projeto de desenvolvimento o deve
ser obra de uma elite que não leve em conta as circunstâncias reais em que vive a
população.
O anti-elitismo de Vieira Pinto não é obra de uma espécie de boa vontade do
filósofo, não se trata de verborragia populista de exaltação da qualidade das massas
e do povo, Viera Pinto vislumbrou que os grandes arcabouços teóricos eram fruto de
uma realidade oposta as nossas e por mais que “bebesseem diversos mananciais
teóricos nenhum era capaz de se enquadrar completamente na nossa conjuntura.
15
15
A originalidade do pensamento de Álvaro Vieira Pinto vem em boa medida da sua capacidade de
mesclar o repertório filosófico de diversas matrizes, usando-o de acordo com que achava viável para
análise do país . Como mostra Marcos Cezar Freitas : Na circunstância em que se encontrava, Vieira
Pinto proclamava estar à vontade para “misturar” o repertório de Heiddegger e Husserl com o de
Marx, afirmando ser isso uma decorrência e uma necessidade de quem “fala de outro lugar” que não
a Europa. Esse outro lugar é o mundo subdesenvolvido. (FREITAS, 2006).
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54
O filósofo brasileiro não tinha direito ao tédio, a náusea, mas deveria se ater
a tarefa do tudo ainda por fazer. o por acaso alguns o acusam de disfarçar o
marxismo e outros de utilizar-se erroneamente das categorias marxistas.
16
Por exemplo, a categoria de consciência alienada, que é o mesmo que
consciência ingênua têm uma concepção original e procura designar aquela forma
de pensamento que não leva em conta a verdadeira situação da realidade de um
país desenvolvido.
17
Em oposição ao conceito de consciência ingênua ou consciência alienada,
Álvaro Viera Pinto desenvolve o conceito de consciência crítica.Para melhor delinear
o termo o isebiano utilizou-se da caracterização a partir de sete elementos : 1)
objetividade, 2) historicidade, 3) racionalidade, 4) totalidade, 5) atividade, 6)
liberdade, 7 ) nacionalidade.
A primeira característica a objetividade, desempenharia um papel
preponderante na atividade intelectual do pensador crítico, pois o exercício da
objetividade o impediria de acreditar que o real, o objetivo é mera extensão do
intelectual, ou seja, do subjetivo.
Exercer a objetividade seria reconhecer a anterioridade da realidade exterior,
cabendo assim uma relação de “docilidade como real”, em outros termos, não cabe
ao pensador “ditar” regras ao real, mas compreende-lo como espaço concreto, e só
assim transformá-lo.
16
Sobre o mal uso do marxismo ou sobre uma crítica marxista aos isebianos ver TOLEDO (1978 ).
Sobre o disfarce de o marxismo ver MELO (1963) Diz Vieira de Melo: São teses facilmente
reconhecíveis e identificáveis em toda uma literatura de inspiração marxista e são igualmente teorias
essenciais ao sistema de idéias do grupo desenvolvimentista. Colonialismo econômico é a expressão
que as consagra. Associadas a elas, encontraremos ainda uma outra idéia, a que queremos dar
relevo especial porque se trata de uma noção chave e que nos deixa perceber mais do que qualquer
outra as origens marxistas da concepção desenvolvimentista da cultura. Quero referir-me à noção de
consciência alienada.”
17
Não se deve desconsiderar a hipótese da utlização da linguagem marxista por muitos isebianos em
virtude da adesão que estes termos tinham nos meios intelectuais. Assim este uso pode ser
entendido com forma de ganhar adesão e respaldo de determinado público. Mas não são usados no
seu sentido original. Sobre o estreitamento da terminologia marxista com a obra de Álvaro Vieira
Pinto , ver PEREIRA 2002.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 55
55
Em síntese a consciência crítica, por ser, sobretudo objetiva, não pode se
contentar com proposições idealizadoras da realidade.
Em vez de conceber-se como processo de autopercepção, a consciência
crítica é referencial ao existente exterior a ela, sua conduta natural é a
docilidade ao real.Não procede assim por mera convicção teórica, mas
porque, sendo crítica, não a realidade externa com exclusivo objeto de
representação, mas como espaço concreto, onde, além da possibilidade de
conhecer, se lhe impõe a necessidade de agir, a fim de modificá-lo de
maneira a fazê-lo mais propício à satisfação das exigências humanas. Não
poderia, porém, ter esta conduta se partisse do suposto de que lhe compete
ditar leis à realidade, ou pelo menos oferecer a esta algo que a completa,
para torná-la inteligível. As leis do mundo não são as leis da consciência,
quem a elas obedece são os próprios fenômenos, não o nosso pensamento,
que apenas as descobre e representa. ( PINTO 1960b, v.2 p 16 )
A segunda noção ou característica a fundamentar a perspectiva intelectual
embasada em uma postura de consciência crítica é a noção de historicidade.
Utilizar-se da historicidade significa pensar a realidade como processo, entender que
a realidade é sempre transição e mudança.
Entender a realidade como processo implica uma atitude de não resistência à
novidade, e assim o desenvolvimento do real é que deve condicionar o método de
análise e não ao contrário como se o estudioso da realidade pudesse “enquadrar’’
esta realidade em sua metodologia aprioristicamente.
Portanto, cabe ao pesquisador social propor o melhor método tendo como
referencia o real existente, pois o que é válido para se entender o presente, não
necessariamente é válido para compreensão do futuro e nem do passado.
É bom que se esclareça que a proposta de Álvaro Vieira Pinto, não caminha
no sentido da abolição e uso de referências teóricas, mas alerta para validade
relativa de referenciais.
Utilizando-se das palavras do autor de consciência e realidade nacional é
possível clarificar melhor este conceito de historicidade, quesito tão necessário para
o estabelecimento da consciência crítica :
O processo, no seu movimento real, deve condicionar o método que, em
cada período, permite formar as idéias necessárias a compreende-lo.Como
proposição constantemente válida apenas esta, de ordem metalógica,
suprametodológica: a que o método é variável; aquele que se mostrou útil
no passado nem por isso tem assegurada a vigência futura. Cabe aos
filósofos e aos sociólogos, interpretando o real do momento, propor o
melhor método para chegar às idéias que apreendam as transformações
correntes de que são observadores interessados. A prática social dirá se a
proposta feita era correta. (PINTO 1960b, p29 )
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 56
56
Na seqüência o filósofo isebiano nos apresenta outro predicado da
consciência crítica, a racionalidade. Racionalidade aqui não significa entender o
mundo apenas a partir da inteligência racional, significa também tentar entender as
motivações emocionais de nossas condutas, sem desconsiderá-las, mas tentando
abranger os seu motivos causadores.
Em um panorama de realidade “atrasada”, como o vivenciado por Vieira Pinto,
seriam inevitáveis atitudes apaixonadas em sentido contrário a situação de miséria
de país subdesenvolvido.
A lamentação contra a situação dada de subdesenvolvimento e atitudes de
sensibilidade social, não seriam sintomas de irracionalidade, mas pelo contrário
resultaria, de certo desenvolvimento das condições materiais objetivas que
permitiria vislumbrar uma mudança em curso, que entretanto ainda estava
incompleta, por isto geraria indignação e lamúrias.
A racionalidade da consciência consistiria em ver o mundo a partir daquele
conteúdo de objetividade, descrito anteriormente, como a primeira característica da
consciência crítica, sendo não o produto da própria mente, mas como a situação
real.
Assim, a consciência racional, estaria possibilitando se pensar o real em suas
possibilidades de transformação, em sentido contrário da consciência ingênua que
não seria pro positiva para a transformações da realidade.
A racionalidade obrigaria o pensador a examinar o mundo, a sociedade, pelo
prisma da sua realidade circundante. Neste caso, pelo prisma racional seria
inevitável a tarefa de entendimento da conjuntura do local em que se vive, ou em
outros termos seria preciso se entender como membro de uma totalidade chamada
nação.
Portanto, Álvaro Vieira Pinto, propõe o uso de um método dialético, que não o
incentiva a ver a realidade por uma dialética que concebe a contradição maior da
realidade a luta de classes. Na realidade brasileira a contradição maior adviria da
oposição entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Sabe-se que esta interpretação que resulta na presunção de um clamor de
união nacional frente à ameaça imperialista, é uma tese crucial para o entendimento
das opções políticas nos anos cinqüenta e sessenta. Diz Vieira Pinto :
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 57
57
O desenvolvimento brasileiro atravessa a etapa em que se evidencia ser a
oposição entre fatores econômicos de origem autóctones e os de
procedência exterior, ou seja, entre capital nacional nascente e o capital
estrangeiro dominante, em uma palavra, o imperialismo, a contradição
principal que o entrava. Patenteteando-se à consciência pública, sem
sombra de vida, ser essa a oposição culminante, é claro que os setores
oprimidos, no caso, a indústria nacional legítima e as massas obreiras, que
necessariamente só podem ter interesses coincidentes com os interesses
gerais do país, se convertem em forcas objetivas, atuando no sentido de
romper a contradição predominante. Constitui-se, assim, uma imensa
atividade prática, uma práxis social, visando superar a contradição principal
da realidade e nessa práxis é que tem origem a reflexão intelectual onde se
delinea o conceito de razão que atende às necessidades dessa mesma
práxis, justifica-a e encoraja-a.( PINTO 1960b, 79 v.2 )
Com o clamor de se colocar a análise da realidade nacional como categoria
fundamental de sua análise pelo predicado de racionalidade, fica nítido e é admitido
por Vieira Pinto, que sua teoria substitui o princípio dialético do “tudo que é real é
racional “, pelo princípio “tudo que é nacional é racional”.
Uma outra categoria que distingue a consciência crítica da consciência
ingênua e o atributo da totalidade.
Este quarto atributo em essência e síntese para não adentrar-se em todos os
pormenores que o autor ressalta e sobretudo para não apenas reproduzir o que
escreveu, parte do princípio que é preciso na apreensão do real não fragmentá-lo e
sim tenta-lo entender como um todo articulado as partes.
Para Vieira Pinto o engano da consciência ingênua é crer que propondo
soluções específicas para um problema específico sem contextualizá-lo em uma
esfera mais global, bastaria, chegando –se a soluções condensadas para problemas
que seriam mais abrangentes que o aparente. Na realidade utilizando-se o prisma
ingênuo apenas no máximo se atenuaria o problema.
Para clarificar mais o atributo de totalidade, deve-se perceber que na óptica
de Álvaro Vieira Pinto esta resvala sempre para o âmbito da nação. Nesta lógica é a
nação que deve ser encarada como totalidade para a resolução de problemas
específicos do país, por exemplo, as desigualdades regionais serão resolvidas
tomadas pelo prisma nacional e nunca pelo seu aspecto regional.
desenvolvimento regional atrelado ao nacional.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 58
58
Os problemas brasileiros deste momento são em essência um só: a
superação do subdesenvolvimento. Se não aparecem imediatamente na
sua unidade real, é porque corresponde ao estágio primário do curso
histórico dar a impressão de serem múltiplas e desconexas as dificuldades
da existência. Havendo largas diferenças de riqueza, regime de trabalho
educação, acrescidas, em nosso caso, de falta de comunicações entre
populações distantes, cada círculo sente a sua dificuldades como peculiares
à sua área e não é levado a perceber o entrelaçamento delas com os
outros. Seria grave erro de julgamento sociológico confundir a consideração
parcelada dos problemas nacionais, necessária enquanto exigência prática,
com um princípio metódico..(PINTO 1960b 128
).
Elevando as questões específicas e regionais para o âmbito nacional, Vieira
Pinto conseguiu perceber que havia um processo histórico em curso, A que o autor
chamou de tempo histórico unificado.
Se se quiser ser mais ousado pode-se admitir que Vieira Pinto vislumbrou no
final dos anos cinqüenta o inexorável processo de globalização, onde cada nação
começa a perceber que participa de um processo da humanidade como um todo.
A grande circulação de informações deste processo faz despertar o
sentimento de disparidade entre diversas regiões e nações do planeta.
Sem quere abusar das citações, mas apenas com o intuito de evidenciar a
percepção do autor, pode-se recorrer a suas palavras:
Estamos vivendo o que já se chamou a fase do tempo histórico unificado.
Quer isto dizer que cada nação começa a ter consciência mais viva da sua
existência histórica e por isso se sente, mais intensamente do que nunca,
participa do processo da humanidade como um todo.Desperta para a
compreensão da sua existência enquanto membro de uma totalidade de
comunidades, o que a conduz a se comparar às demais e se avaliar tendo
em conta o conhecimento do estado das outras. A tendência à unidade da
história, cujas causas materiais o é o momento de analisar, conduz à
consciência, surgida em país pobre, que faz perceber os níveis a que
chegaram outros e a meditar sobre a condição de marginalidade onde se
encontra. A circulação das informações põe aos olhos de todos os povos da
terra o espetáculo dos modos de vida das regiões mais adiantadas (PINTO
1960b p164)
Após as considerações feitas sobre o atributo da totalidade chega-se
imediatamente para as considerações acerca do quinto atributo que é o da atividade.
Este atributo parte do preceito que de que “pensar é agir”. A formula “pensar é
agir”significa exatamente o oposto da crença da consciência ingênua, que acredita
que a verdadeira maneira de compreender o real é meramente sobre a forma de
contemplação intelectual, assim mais perfeito será o conhecimento quanto mais
inativo for o sujeito pensante.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 59
59
A não atividade ou a passividade para o pensar ingênuo seria a forma perfeita
de conhecimento. Pela ótica ingênua a submissão do ser pensante ao dado concreto
é a lei de ferro da postura filosófica.
O Princípio da submissão simples e pura do ser pensante ao dado concreto é
rejeitado com veemência pela consciência crítica, a partir do seu atributo da
atividade, pois a postura crítica encara a consciência como fundamentalmente ativa
e o processo cognoscitivo só se completa pela ação do sujeito.
Assim a realidade só é compreendida porque o homem atua sobre as coisas
exteriores e sua consciência, além do mais é pela ação por parte do sujeito que o
mundo, fora dele se abre para a possibilidade de ser compreendido.
existe, portanto, uma representação excelente do real pela atuação sobre
ele, e isto é importante até para o entendimento da valorização das massas no
pensamento de Vieira Pinto, pois quem atua sobre o real e aquele que o trabalha,é o
agente principal da transformação do real.
Quando Vieira Pinto se refere à ação, não está se referindo a uma ação
voluntarista, quixotesca, mas a uma ação decorrente inevitavelmente da elaboração
teórica, que se traduz na ação cotidiana, nas modificações quase imperceptíveis que
só o olhar atento do cientista pode perceber e desencadear na elaboração de
projetos.
Assim vaticina Álvaro Vieira:
O pensamento crítico não se deixa iludir pela aparente estabilidade do real.
Sabe, ao contrário, que este, por essência, é correnteza, onde a novidade
se produz a todo instante como conseqüência do estado anterior, e onde, se
nem sempre é perceptível o surgimento do original, é porque vivemos
habitualmente na pauta da consciência desatenta. nos emocionamos
com os saltos catastróficos, quando devíamos considerar os pequenos
impulsos que os determinam. O novo de cada dia se torna visível algum
dia.
Desta forma, o conceito de revolução e o verídico espírito revolucionário
nada têm de comum com a impetuosidade, a indignação, o protesto, o
quixotismo, próprios da consciência ingênua. São, no seu sentido severo,
fruto de rigorosa compreensão do processo da realidade, decorrem da
posse exata da teoria revolucionária, induzida da história. ( PINTO 1960b
p251)
A sexta categoria atrelada ao pensar crítico, é a categoria de liberdade. A
liberdade é entendidao somente como a possibilidade de praticar atos livres, mas
também atos libertadores, liberdade assim sendo está relacionado ao poder de
libertar.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 60
60
A liberdade não constitui-se apenas em conceito de ordem teórica, mas,
sobretudo ato relacionado a pratica. O comportamento em relação a determinada
situação concreta é que nos possibilita o exercício da liberdade ou não.
Segundo Álvaro Viera é a descrição dos comportamentos humanos em face
da realidade, que conduz as pessoas à convicção da liberdade mais que as teorias
abstratas do conhecimento.
Seguindo esta linha de raciocínio Viera Pinto nos alerta, que o ato livre está
relacionado a determinada prática imposta, e neste caso relaciona-se a uma
característica comentada anteriormente, que é a historicidade. É no contexto
histórico real que o ato livre se concretiza, como elucida o próprio Álvaro Viera Pinto:
O ato livre é um ato público, social, e como tal deve ser definido por
critério que a prática social impõe. Deste modo, o conceito de liberdade
deixa de ser o mistério ontológico diante do qual se esfalfa a literatura
existencialista contemporânea, para se revelar como noção de ordem
sociológica, política e histórica, que compete à reflexão filosófica
estabelecer e dilucidar. Se a liberdade é concreta está ligada a determinada
situação, aquela que permite a prática de atos livres. Logo, se pode
pensar a liberdade a partir de dado contexto histórico; do contrário, a via
especulativa levaria a constituir à liberdade á parte de atos livres
reais.(PINTO 1960b, p266-267 )
Assim o ato de liberdade é primeiramente reconhecer “ estar no mundo”, estar
inserido em determinada realidade,e admitir estar inserido nesta determinada
realidade, para o pensador brasileiro, nada mais é que admitir estar no Brasil e
pensar o mundo a partir deste pressuposto. Por isto mesmo o exercício da liberdade
coincide para o filosofo de consciência e realidade nacional,com uma decisão
existencial em favor do Brasil.
Para ser mais explícito, são atos livres os atos praticados que atuem sobre
o curso do processo histórico nacional e que contribuem para uma intervenção
modificadora da realidade nacional.
Dito isto, Álvaro Viera Pinto vai desenvolvendo sua teoria em um dos sentidos
mais cruciais da sua obra, que o aproxima de outros isebianos que é a necessidade
de o pensador ajudar a fomentar o desenvolvimento nacional, pois não existe
liberdade política individual em um país não desenvolvido e atrelado
economicamente e culturalmente a outros países
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 61
61
[...]a condição suprema para a possibilidade de exercício da
liberdade é iniciar-se o processo libertador do País, é desenvolvê-lo. É lícito,
pois, dizer que não liberdade sem desenvolvimento. Este se produz pela
série de atos libertadores das pressões que acorrentam a economia e a
cultura da nação, os atos que chamamos livres, cuja execução transfere e
outorga ao sujeito o predicado de livre. Compreendemos, agora, porque
dizíamos que o homem se faz livre ao praticar atos livres; é porque estes
são libertadores do seu país, e portanto criadores de situações históricas
superiores, nas quais se tornam reais os modos e os direitos legítimos e
superiores, que em conjunto formam a a sociedade democrática.( PINTO
1960b, p272)
Neste sentido, toda vez que o governo pratica um ato que contribui para
fraturar determinada situação de dependência, esse ato repercute
consideravelmente na consciência das massas, alavancando nestas, idéias e
práticas libertadoras.
O desenvolvimento desperta no povo uma situação de esclarecimento das
reais condições de desenvolvimento, contribuindo para um processo multiplicador da
consciência de liberdade.
De acordo com a concepção de liberdade, desenvolvida por Álvaro Vieira
Pinto, é nas massas que a necessidade de liberdade se impõe com mais rapidez,
uma vez que em virtude dos privilégios sociais e econômicos das classes
abastadas, estas tendem a participar com menos afinco do projeto libertador da
nação.
Em outras palavras, as massas obreiras têm menos a perder ou nada a
perder no processo de desenvolvimento, enquanto as abastada podem perder
determinadas situações de privilégios.
Na direção de que o existir autêntico, segundo as concepções do filosofo
está na capacidade de alteração do mundo, uma vez que a realidade precede a
consciência, são as massas que possuem um existir autêntico que mais se afasta do
idealismo, em comparação as elites e classes abastadas.
O último predicado que caracteriza o pensar crítico é o da nacionalidade. Para
além da aparente tautologia da afirmação de que a realidade nacional é por
definição nacional, esta afirmação decorre para a categorização do significado de
nacionalidade como elemento que demonstra que a consciência do mundo não pode
ser meramente individual.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 62
62
Utilizando-se a categoria de nacionalidade, se percebe, a necessidade de um
pensar conjunto, isto é , será necessário e desejável pela nacionalidade o
estabelecimento de um convívio humano intelectual que desfaça a armadilha dos
equívocos do pensar solitário, quando este acredita poder ter com o mundo uma
relação intima entre o mundo e a própria consciência, entretanto para os
pressupostos da consciência crítica só é possível pensar o mundo de forma pública.
A partir deste pressuposto Vieira Pinto faz uma análise do nacionalismo como
fenômeno histórico, dividindo a sua interpretação em dois momentos ou duas fases.
A primeira relativa ao período colonial, no sentido puro ( no próprio período
colonial ) ou de forma disfarçada após a independência. O outro momento, aquele
que estava escrevendo denominado pelo autor de período inicial de autonomia.
Em virtude da conjunção histórica, o primeiro momento é caracterizado por
uma luta nacionalista que se concentra mais nos aspectos jurídicos, é a fase em que
o beletrismo dos advogados desempenha papel preponderante na configuração do
pensamento nacional.
Naquele momento o juridicismo não deixou de exercer um papel positivo,
entretanto no momento inicial de autonomia, vivenciado pelo autor, tal atitude
passaria a ser anacrônica e nociva.
A atitude da consciência crítica deveria naquele momento concentrar-se em
torno dos aspectos econômicos, e questão determinante que seria a dialética países
explorados versus país exploradores.
O primeiro momento do nacionalismo é marcadamente emocional e este
segundo nacional. Era preciso desarmar-se dos predicados emocionais e lançar-se
em um plano nacionalista estratégico, plano este que deveria ter como traço
determinante o aspecto lógico, técnico e objetivo.
Ademais o suporte do nacionalismo na primeira fase era feito pela elite e o
suporte deste segundo momento seria feito pelas massas que como visto
anteriormente, representam agora o “real” interesse da nação.
Enquanto os suportes econômicos do pensar nacionalista são
fracos, permitindo apenas subsistir a título de projeto ideal, o número
daqueles a cuja consciência se incorpora é por natureza pequeno. É A fase
do nacionalismo como fenômeno de elite. Em tal fase, não o
nacionalismo se apresenta como manifestação de elite, mas,
reciprocamente, a elite se define, então, pelo nacionalismo que professa. As
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 63
63
elites autênticas, nessa época, são aquelas que revelam consciência
nacionalista. Hoje, porém, mudados os suportes objetivos, a situação é
inversa. Na fase atual, o nacionalismo é, e não pode deixar de ser,
fenômeno de massa. Exatamente por isso o nacionalismo define agora a
massa e não as elites.Atualmente estas, enquanto grupo social que a si
próprio se define como tal, são constituídas por quantos se demonstram
incapazes de assumir o ponto-de-vista nacionalista, se rebelam contra ele,
criticam-no, ridicularizam-no (PINTO 1960b p.323-324 )
As motivações para a inversão histórica dos agentes encarregados de
suportar o ideário nacionalista foram às transformações do processo histórico da
realidade nacional. No período anterior os articuladores de um pensar nacional eram
exíguos, pois a maioria da massa trabalhadora com certa qualificação estava sob a
égide do capital estrangeiro.
Naquele contexto tinham aqueles primeiros empresários de lutar pelo
reconhecimento do direito de exercerem as suas atividades e nacionalizarem o
capital. Travando uma disputa com o capital externo, o previam que no momento
posterior seriam as massas despertadas pelo processo de desenvolvimento e tornar-
se-iam as condutoras do processo nacionalista.
Segue Viera Pinto alertando que a teoria do nacionalismo, seguindo á gica
de uma das características anteriores de que “pensamento é ação”, não é uma
teoria pronta e acabada que se deve impor a realidade, mas uma teoria que emerge
da própria prática.
Não é possível pensar o desenvolvimento nacionalista do país sem uma
teoria para tanto, mas tal teoria não deve estar pronta e acabada, pois deve ser um
processo oriundo da prática, pois se estivesse “acabada” estaria no limiar de iniciar o
seu processo de declínio histórico.
Um elemento importante na concepção crítica ao utilizar-se o conceito de
nacionalidade é a percepção da educação como instrumento de dominação
internacional..
Vieira Pinto demonstra como não passa de mistificação, a propalada idéia de
que o problema maior dos países não desenvolvidos deve-se a ausência de
educação formal ou analfabetismo.
A idéia para a consciência ingênua é que somente depois de educar o povo e
que seria possível empreender melhorias materiais para a população,ou seja,
quando o povo alcançar um patamar aceitável de educação segundo a mente
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 64
64
ingênua, os países desenvolvidos seriam solícitos com os subdesenvolvidos e todas
as questões sociais e econômicas seriam resolvidas.
O ideal de tal discurso político é uniformizar a educação de todos os países e
a missão dos povos inseridos em determinado patamar de progresso seria ensinar
os povos retardatários a pensar, acreditando que se os atrasados compartilharem
das mesmas idéias científicas, sociais, políticas e culturais, o mundo se tornará um
mundo sem conflito.
Esquecem-se, lembra Álvaro Vieira que o trabalho estafante, dolorido do povo
sem educação formal é tão educativo quanto à escola, pois o faz aprender a
situação de sua própria realidade, em que o sofrimento é uma constante.
Viera Pinto chama atenção para o fato de que a escola segundo a concepção
de nacionalismo não pode estar descolada da situação real do trabalhador
18
, e
mesmo o analfabetismo não deixa de ser uma forma de educação. Sobre o
analfabetismo alerta Vieira Pinto:
O pedagogo alienado jamais compreenderá que o analfabetismo é
um grau do processo de educação, e não ausência de educação, grau que
é preciso evidentemente superar, sendo para isso o primeiro requisito
entende-lo na sua verdade. O analfabeto é um individuo educado nas
condições que a realidade nacional lhe oferece. Sabe numerosas coisas de
que necessita para subsistir, e só não sabe ler e escrever porque nas
condições de trabalho estas não são exigências de subsistência(...) Na
verdade, porém, tais indivíduos estão de posse de uma educação suficiente
para as condições de vida que levam, e portanto se quisermos alterar-lhes a
educação, o que de fazer não é simplesmente infudir-lhes
conhecimentos, mas transformar-lhes as circunstâncias gerais da vida, o
modo de trabalho, para que em nova situação tenham necessidade do
saber que a instrução superior lhes deve conferir ( PINTO 1960b p.383 )
Outra contribuição do predicado de nacionalismo é a superação da alienação,
pois é fato muito comum nos países subdesenvolvidos se tomar como verdade
idéias produzidas em situações reais oposta destes países. Nas condições de
subdesenvolvimento o nacionalismo serve para quebrar o espelho que toma como
sua própria imagem, que é apenas imagem alheia a esta realidade.
Por fim tomando-se ainda a concepção de nacionalismo, o autor de
consciência e realidade nacional irá discutir densamente o desenvolvimento e os
problemas regionais.
18
Sobre a relação Pinto-Freire ver PAIVA ( 2000 )
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 65
65
Com uma afirmação consistente, Vieira Pinto nos mostra como os problemas
regionais não podem ser pensados desligados do problema nacional. Entender que
existe soluções específicas para regiões específicas sem entendimento do processo
histórico nacional contribui para um falseamento da questão que favorece somente
uma parcela da população, as classes abastadas.
Nada melhor do que dar voz as contundentes afirmações do autor, para
entender-se em que nível ele coloca o problema regional:
É corrente a afirmação de existirem em nossa realidade nacional “dois
Brasis”. de fato dois Brasis, mas não no sentido em que pretendem
apresenta-los os portadores da consciência simplista. Não são dois Brasis
separados no espaço, um no centro sul, supostamente desenvolvido, e
outro atrasado, no norte –nordeste. Os dois Brasis estão separados no
tempo social e não no espaço geográfico. Estão ambos no sul como na
região nordestina. São grupos sociais corporificando fases diferentes de um
processo histórico, e de fato coexistem, um ao lado do outro, separados
pelos respectivos fundamentos no processo da realidade, embora unidos na
composição da mesma nação.
Os dois Brasis acham-se tanto nas metrópoles do sul como nas regiões
pobres do norte, e não formam dois pedaços do corpo nacional, divididos
por fronteiras regionais, mas dois momentos do processo nacional em toda
parte. O Brasil atrasado está tanto no sul como no norte, está onde existem
forças sociais retrógradas, grupos empenhados em manter a velha
estrutura de produção.( PINTO 1960b p.419)
Ou ainda bastante enfaticamente:
Não consciência regional senão como aspecto e componente de uma
consciência nacional. É justamente porque a última constitui um fundamento
unitário que dentro dela se distinguem modalidades regionais. Estas se
caracterizam como tais porque representam diversamente, em virtude dos
condicionamentos locais, a mesma consciência nacional. Não há, portanto,
oposição entre consciência regional e nacional; entre elas existe somente
mediação dialética. A consciência nacional se define mediante uma
manifestação regional, e esta por sua vez reconhecida com esse caráter
se, através dele, exprime a totalidade da consciência da nação. (PINTO
1960b p 430)
Na realidade o que muitos dos isebianos no geral e Álvaro Vieira Pinto
especificamente faziam, era se apropriar de categorias sociológicas e filosóficas
conceituais em determinados aspectos que servissem pontualmente para explicar a
realidade brasileira, ou seja, a situação do Brasil em seu aspecto de
subdesenvolvimentismo, não utilizando –se destas categorias em sua totalidade
metodológica.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 66
66
Assim, ainda que se utilizasse de categorias marxistas outras matrizes
ideológicas estruturavam a obra e o pensamento de Álvaro Vieira Pinto. Como
mostra Pereira:
É curioso como a relação de alguns intelectuais do ISEB com o marxismo é
próxima e, ao mesmo tempo, distante. Eles se utilizam de categorias
marxistas, como totalidade, contradição, alienação e práxis para citar
algumas delas. Suas conclusões e posições estavam próximas das teses
revolucionárias. Mas como a matriz continuava a ser a filosofia da
existência, a proximidade com o marxismo permanecia presa àquelas
categorias ( PEREIRA 2002, p.179-180 )
Parece que, quando Álvaro Vieira Pinto usa expressões aparentemente
extraídas do marxismo, ele sabe deliberadamente que não as está usando no
mesmo sentido que seus autores originais.Não se trata talvez nem de ingenuidade e
nem de mistificação proposital. Apenas e simplesmente o autor não quis
empreender uma análise exclusivamente marxista da realidade nacional. Ora,
passados quase cinqüenta anos da produção de suas principais obras, no debate do
dia ainda não se coloca com tanta contundência a questão nacional?
Não se debate a todo o momento hoje nos meios acadêmicos e intelectuais
como se dará a inserção de países em desenvolvimento como Brasil, México e Índia
dentre outros no concerto das nações desenvolvidas?
Examinando com acurada observação a realidade das sociedades naquele
instante e hoje, o que induz o pensador a acreditar que a análise da luta de classes
seja discussão mais pertinente, verdadeira, cientificamente mais correta que a
questão das nações? de fato elementos que confirmem a tese da união
internacional dos proletários, sejam eles alemães, brasileiros ou japoneses?
19
Usar os termos filosóficos, com o mesmo sentido que é usado nos países
desenvolvidos não constituiria em tarefa filosófica e neste caso o pensador nacional
constituir-se-ia apenas em reprodutor de um ideário que serviria apenas para destilar
19
O texto de CARVALHO FRANCO, MARIA SYLVIA (1978) O tempo das ilusões é exemplo
contundente de uma crítica marxista a uma obra que não é marxista. O texto é muito importante e
relevante em várias questões colocadas mas quando a autora levanta hipótese da falta de rigor de
Álvaro Vieira Pinto na leitura de Marx, de deslocamento dos conceitos do seu campo específico,
incompreensão dos fundamentos filosóficos do marxismo,ou principalmente a crítica que se distrai da
exploração sobre a classe operária ao ressaltar a questão nacional, pode estar deixando de perceber
que Vieira Pinto tentava colocar a discussão para outro patamar teórico.
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67
erudição, ou melhor, dizendo ganhar o reconhecimento dos meios acadêmicos e
eruditos, mas sem de fato desvendar ou contribuir para o desvendamento de nossa
própria realidade.
O pensador nativo que se propõe a tarefa de apenas reproduzir o que os de
fora criaram seria apenas portador de uma grife filosófica respeitada, mas improfícuo
para a realidade nacional.
O apelo para que o filosofo ou o pensador do mundo subdesenvolvido tivesse
um comportamento diferenciado do mundo desenvolvido acompanhou Vieira Pinto
por toda a vida acadêmica, até nos livros publicados após sua morte o apelo está
presente.
No ocaso da vida, em plena maturidade o autor se torna mais enfático e seu
texto é carregado de belas metáforas e expressões bastante sugestivas. Nos dois
extensos volumes de O conceito de tecnologia (2005), publicado recentemente após
a descoberta de suas 1.410 laudas datilografadas em máquina de escrever por seus
familiares o tema é muitas vezes reposto, apesar desta questão não ser a principal
do livro, pois este trata profundamente da questão da técnica e da tecnologia não do
ponto de vista da economia, como é usual, mas a partir de uma interpretação
filosófica.
No tratado, o velho apelo ao papel do pensador no subdesenvolvimento está
presente. Nada melhor do que ler o próprio Álvaro Vieira Pinto, ainda que o trecho
escolhido seja longo:
No mundo subdesenvolvido e na maior extensão analfabeto, o filósofo, para
pensar autenticamente a realidade, precisa ser analfabeto. Não que,
evidentemente, ignore a habilidade de ler e escrever mas, sabemos bem
não ser exclusivamente esta falta que constitui o analfabetismo-, e sim
porque coloca em primeiro lugar, na tentativa de conceber e interpretar o
mundo as condições reais dele, entre as quais se inclui a de ser um mundo
de analfabetos [..] terá de aprender muito mais com o que do que com o
que lê.A consciência filosófica será legítima se explicar o estado do seu
meio, não por um reflexo passivo exterior, mesmo verídico, mas pela
apreensão da essência do ser social do qual o pensador é parte. O filósofo
tem de identificar-se com as massas analfabetas, constituir a figura
aparentemente paradoxal do analfabeto alfabetizado, para alcançar as
bases nas quais fundar seu pensamento com máxima possibilidades de
legitimidade.Tal como têm sido redigidos até hoje os poucos, confusos e
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68
irrelevantes ensaios designados no país atrasado pelo nome de “filosofia”,
são uma modalidade de alienação cultural em forma praticamente pura.O
filósofo, não tendo nada de próprio a pensar, satisfaz-se em respirar os
zéfiros divinos provinientes das regiões ocidentais cultas, ricas, pensantes
por direito natural. Algumas conseqüências bizarras, e até cômicas, derivam
desta situação. No país subdesenvolvido, o filósofo, como registra o que
foi pensado e dito nos centros metropolitanos, pode ser chamado de
tabelião de idéias (PINTO 2005, p.45-46).
A inadequação entre as teorias dos centros desenvolvidos e a realidade dos
centros não desenvolvidos, não se circunscreve apenas às questões da filosofia,
mas valem também para questões de economia, política, demografia
20
, etc. Por
exemplo, a “fria” análise científica da questão demográfica feita por um analista de
país exógeno a um país subdesenvolvido, concluiria que deve haver certo controle
da população, principalmente na reprodução das pessoas pobres. O clínico social do
país desenvolvido costuma levar em conta parâmetros que seriam universais, tais
como a relação entre renda familiar e quantidade de filhos.
A partir de um outro prisma, Vieira Pinto tentando cumprir sua tarefa de
pensador de uma realidade específica de país subdesenvolvido alerta que no
contexto do subdesenvolvimento:
As famílias miseráveis o mais fecundas em virtude de um mecanismo
natural de defesa contra a inclemência do ambiente social, que explora sem
piedade o trabalho humano.Em tal ambiente, ter muitos filhos, ainda
sabendo que grande número ou a maior parte deles vão perecer por falta de
recursos de subsistência, constitui uma inversão existencial positiva, é,
poderíamos dizer quase com crueldade, se não fosse uma tristíssima
verdade, um ‘bom negócio’, toda vez que os filhos sobrevivem se
empregam desde a mais tenra idade como mão-de-obra nos labores
domésticos, e, em seguida, como fonte de recursos e força de trabalho
assalariado. Quando uma mãe famélica toma nos braços uma criatura de
meses de idade e vai mendigar, é porque sabe que por este expediente
despertará mais vivamente a piedade pública, está convertendo o recém-
nascido num trabalhador [...] a procriação indiscriminada representa uma
aposta existencial feita sobre a alternativa que apresenta possibilidades
mais favoráveis: a rigor, é a única inversão de capital que a família na
miséria pode realizar. (PINTO apud ROUX, 1990 p.222).
20
Por força das circunstâncias, Vieira Pinto teve que se aventurar por outras “áreas’’do
conhecimento, isto se deveu ao fato de o golpe militar ter interrpompido sua trajetória acadêmica.
Primeiramente Vieira Pinto migrou para Iugoslava, país em que não consegui adaptar-se.
Posteriormente a estada no leste europeu foi para o Chile por sugestão de seu amigo Paulo Freire,
nos primeiros meses a adaptação também foi difícil e Vieira Pinto esteve isolado no ostracismo. O
quadro se altera quando é convidado pelo Centro Latino-Americano de Demografia, órgão da
ONU, para escrever um trabalho sobre o tema da demografia, publica então El pensamiento crítico
em demografia, obra que se constitui em paradigma sobre o assunto na América Latina. (CORTEZ,
2003 ).
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69
Pois bem, clarificado está, portanto, que não como por parte do intelectual
qualquer possibilidade de pretensão de se falar em nome das massas, pois o
mesmo não pode ter pelos motivos expostos, uma conduta de viés oligarquizante.
Não como supunham autores dos centros europeus como Gasset,
Mannheim, Pareto, Mosca e outros, uma preparação específica para quem deve
exercer o poder, não porque temer as massas, porque estas se manifestam
segundo a lógica que as circunstâncias
objetivas possibilitam se manifestar. Assim,
propor a ação de intelectual livre de vínculos que por sua sabedoria sabe o que é
mais profícuo à sociedade, seria um grande disparate teórico.
O que restaria, portanto ao intelectual possuidor de uma consciência crítica
seria uma crença profunda nas democracias que podem expressar à vontade
popular. Neste sentido, Vieira Pinto propõe também uma trilha diferente daquela
proposta pelos chamados pensadores autoritários brasileiros.
A apologia da democracia na obra de Álvaro Vieira Pinto constitui-se num
aspecto bastante original do seu pensamento, o por sua defesa da democracia,
mas pelos motivos pelos quais a defende. Vemos em sua arquitetura teórica a
exaltação do sistema democrático por motivos que extrapolam meramente as
questões da política e que invadem o campo da filosofia.
Pelo método filosófico que emprega, o autor de ideologia e desenvolvimento
nacional (1960) se vê entusiasmado com o fenômeno democrático como mecanismo
a possibilitar despertar a autoconsciência da nação, ou como gostava de utilizar a
consciência crítica.
Explicando melhor, a consciência crítica é aquela que é capaz de fazer os
nexos relacionais entre teoria e prática, entre o mundo das idéias e o mundo
concreto, em oposição à consciência ingênua que utiliza-se de uma parafernália
filosófica completamente descolada do real.
Aproximação dos dois níveis seria fundamental para o fomento de um projeto
de desenvolvimento, que deveria estar atrelado à realidade da nação, realidade está
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 70
70
pautada por uma caracterização de subdesenvolvimento. Assim as idéias deveriam
exprimir exatamente aquilo que os homens sentem.
Como seria possível saber qual era a expressão real da nossa verdadeira
condição de país? A resposta é dando voz ao homem comum, ao homem que
trabalha, e que é capaz de modificar a realidade ao seu redor com o suor de seu
trabalho. É este quem de fato está inserido nas reais condições do país.
21
O jogo democrático e o seu ganhadores expressariam de fato todo o sentido
das massas, ou seja, representariam as reais condições da nação, ou expressariam
as verdadeiras acepções do homem comum trabalhador.
Neste caso, é mais do que importante frisar que o filósofo isebiano, não
defendia a democracia, pelo motivo de que os melhores, ou mais bem preparados
seriam os escolhidos, mas pelo sentido oposto, porque os vencedores expressariam
aquilo que realmente somos, uma elite “preparada” não deveria estar no poder se
não fosse o espelho daquilo que é determinada sociedade.
Ainda que não fossem eleitos “os melhores” do ponto de vista de uma
racionalidade do homem letrado, era importante a ascensão dos o melhores ao
poder, pois serviriam para mostrar as massas à responsabilidade que tinham em
suas escolhas. Como vaticina Norma Cortez:
[...] ainda que os debates partidários pudessem favorecer a ascensão de
demagogos, líderes carismáticos, pelegos populistas e retóricos em geral
todos sempre prontos a manipula a ingênua credulidade do povo -, seu
caráter transformador residia no fato de as massas se tornarem
verdadeiramente responsáveis pelos efeitos públicos dos seus próprios atos
políticos e escolhas eleitorais. (CORTEZ 2005, p 158-159).
Em outros termos, como o pensamento de Vieira Pinto e sua proposição
metodológica, está em voltar-se para a realidade em si mesma, não seria salutar
nenhuma espécie de proposição política, ou mesmo em outras esferas, como a
econômica, a demográfica e até cultural, que não fosse expressão da realidade em
si mesma.
21
Escreveu Vieira Pinto: “O modo pelo qual o homem o mundo tem como uma das causas
condicionadoras, a natureza do trabalho que executa e a qualidade dos instrumentos que emprega
(PINTO, 1960b ).
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71
Neste caso, certamente os intelectuais vivenciariam uma contradição, se a
eles não cabem serem os propositores de projetos vanguardistas, se não modificam
a realidade a partir do mundo das idéias, então a eles qual a tarefa que restaria
realizar? Seriam seres supérfluos cuja existência seria desnecessária?
Evidentemente que para Álvaro Viera Pinto, ao intelectual está posta uma
missão, e tal missão justamente é de se colocar como porta voz da realidade, pois
quando o homem estudioso se coloca em consonância com a realidade,
expressando o que de fato a realidade é, este está empreendendo uma atitude
segundo os parâmetros de uma consciência crítica, e assim está ajudando a
transformar a realidade.
Vieira Pinto, não deixou de acreditar nas forças pedagógicas da razão,
mesmo porque suas obras são modelos de esforço teóricos de grandelego,
somente o seu Consciência e realidade nacional (1960b) constitui-se em tratado de
mais de mil páginas.
Em ideologia e desenvolvimento nacional está explicita logo de início a
primeira tese do texto de que: “Sem ideologia do desenvolvimento não
desenvolvimento nacional.’’(PINTO,1960a) O que de fato Viera Pinto desprezava
eram os sistemas teóricos encastelados em uma torre de marfim, completamente
desconectados da realidade.
Para Álvaro Vieira Pinto a realidade é pedagógica, expressar o real é função
do intelectual, e quem de fato está em contato com o real e pode expressá-lo melhor
são as próprias massas, e é por isso que a tese decisiva de Ideologia e
desenvolvimento nacional é a de que: “a ideologia do desenvolvimento tem de
proceder da consciência das massas’’(PINTO 1960a). O intelectual pode neste caso
ser um fio condutor do processo de desenvolvimento, porém que de fato constitua-
se em protagonista sejam as próprias massas.
Vieira Pinto é um crente no poder pedagógico da realidade, e neste caso não
poderia deixar de ser um crente esperançoso em relação ao poder educativo da
democracia e das próprias massas, pois são mais que sintomas da realidade é a
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72
própria realidade, ainda que não sejam a realidade ideal, se chegará a uma outra
circunstância de realidade ideal no caso de desenvolvimento, a partir não de
projetos mirabolantes de futuro, mas do patamar atual de nossa realidade.
Em conclusão, existe toda uma tradição de pensamento que desvaloriza ou
teme o papel a ser desempenhado pelas massas e ao mesmo tempo por
conseqüência se inquieta contra os possíveis excessos das democracias.
Para Álvaro Vieira Pinto, entretanto, a democracia como expressão da
vontade da maioria não deve ser jamais temida, ela é necessária como verdadeira
consciência do real e pelos aprendizados que pode despertar na população que
participa da sua construção.
Enfim, pode-se arrematar tais considerações com o poder explicativo das
palavras de Norma Cortez, ao tratar da questão democrática em Álvaro Vieira Pinto:
O principal aspecto da democracia residia no fato de ela oferecer ao povo
uma experiência verdadeira, absolutamente real -isto é, uma vivência –
capaz de conformar e constituir modos de inteligência e de percepção sobre
a realidade nacional.O filosofo não previu a necessidade de uma paidéia
especialmente orientada para esclarecer as massas incultas porque
acreditava que só a experiência ensina.
São os fatos reais (e não os modelos idealizados por uma elite bem
intencionada) que transformam a consciência e a realidade. Com efeito, as
eleições ofereciam ‘as massas uma experiência política que em si mesma
desencadeava um processo de alteração da consciência cândida o
estatuto discursivo de CRN, e não por coincidência, pretendia oferecer
exatamente isso. Em suma, os mecanismos institucionais da democracia
eram os caminhos do aprendizado e do esclarecimento político das massas.
Uma vez que a inteligência nasce do ativo enfrentamento com o real, caso
se retire do povo o exercício e a prática da escolha política, alienando-o dos
seus direitos de autodeterminação, então jamais estariam dadas as
possibilidades de se alterarem os traços irrefletidos e inconseqüentes da
mentalidade ingênua. A política dispensa qualquer pré-requisito intelectual
(CORTEZ 2003, p.195-196).
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73
II - O nacionalismo no Brasil : as peculiaridades do pensamento de Álvaro
Viera Pinto.
Na história do pensamento social, não existe uma definição reluzente sobre o
conceito de nacionalismo, embora quando se mencione tal conceito
automaticamente os iniciados ou não nas ciências sociais, imaginam mais ou menos
do que se trata.
Entretanto, o nacionalismo pode apresentar múltiplos significados, e ao longo
do século XX, serviu de embasamento para atuação de movimentos que foram
classificados da esquerda à direita, no rol de opções políticas.
Neste capítulo se pretendeu discutir e qualificar um pouco mais o conceito de
nacionalismo, ainda que não se apontando para uma definição conclusiva sobre o
tema.
Foi feita uma discussão do nacionalismo em geral com o intuito de ao
adentrar-se na caracterização do nacionalismo brasileiro, perceber-se as
idiossincrasias que permearam sua defesa teórica nestas plagas.
Assim sendo, o capítulo estruturou-se em dois itens, sendo o primeiro
intitulado : Nacionalismo, um termo de múltiplas determinações,no qual se realiza
uma discussão conceitual do termo, ainda que de forma a não esgotar o problema.
O segundo item (O nacionalismo no Pensamento social Brasileiro, e o
inusitado caso de Álvaro Vieira Pinto),traz a discussão para uma tradição de
pensamento nacionalista no Brasil.
O segundo item irá desembocar na análise do nacionalismo apregoado por
Vieira Pinto, com o intuito de ressaltar a originalidade do nacionalismo do autor, que
têm uma proposição valorativa das massas e de unidade de trilhas a serem
seguidas pelos países naquele momento, qualificados como de terceiro mundo.
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74
2.1 - Nacionalismo, um termo de múltiplas determinações.
Poucos conceitos apresentam tanta dificuldade para definição, como os de
nação ou nacionalismo. Além disso, nenhum outro termo sofreu tantas variações
como este, no decorrer do tempo. Muitos obstáculos atalham e obscurecem o
apropriado entendimento do termo.
Primeiramente, na literatura sociológica clássica não existe uma definição
exata do termo, como a existente, por exemplo, para algumas categorias como
classes sociais, divisão do trabalho, racionalização e muitas outras.
Isto se deve, em parte, ao impacto provocado pela emergência da sociedade
industrial observada de perto pelos construtores da sociologia clássica como Marx,
Weber e Durkheim, ficando relegadas para segundo plano, noções como pátria,
língua, patriotismo e outras que se constituiriam elementos estruturantes do conceito
de nacionalismo.
22
Em segundo lugar, na prática em nome do nacionalismo e das nações,
ocorreu uma gama tão grande de acontecimentos históricos em pelo menos no
último século e meio, que o termo quando mencionado pode atingir uma significação
extremamente negativa ou inversamente positiva.
Episódios históricos de libertação de países que viviam sob o julgo colonial,
bem como a arquitetura de regimes altamente autoritários, a exemplo do nazismo
alemão escoraram-se totalmente num ideário nacionalista. Percebe-se, assim, que
em nome da “questão nacional” pode-se implementar tanto práticas imperialistas,
como defender-se do próprio imperialismo.
No consagrado Dicionário de Política, organizado por Bobbio, Mateucci e
Pasquino, define-se o termo nacionalismo da seguinte maneira:
22
Sobre a ausência de uma sistematização do nacionalismo pela sociologia clássica ver Guibernau
(1997).
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75
Em seu sentido mais abrangente o termo nacionalismo designa a ideologia
nacional, a ideologia de determinado grupo político, o Estado nacional, que
se sobrepõe às ideologias dos partidos, absorvendo-as em perspectiva. O
Estado nacional gera o Nacionalismo, na medida em que suas estruturas de
poder, burocráticas e centralizadoras, possibilitam a evolução do projeto
político que visa a fusão de Estado e nação, isto é a unificação, em seu
território, de língua, cultura e tradições. (LEVI, 1986, p 779).
É inegável que esses conceitos ganham contornos mais definidos após os
acontecimentos que Hobsbawm (1989) classifica de “Dupla Revolução”. Sobre a
conseqüência da revolução industrial para o fortalecimento do papel do estado,
assim escreve o historiador:
a Revolução Industrial quebra as pequenas unidades produtivas agrícolo-
artesanais e as limitadas comunidades quase naturais e tradicionais, que
representam os horizontes de vida da grandíssima maioria da população, e
amplia enormemente o contexto econômico social a que o indivíduo
pertence. Consequentemente ligou-se ao Estado um número crescente de
comportamentos, uma vez que os indivíduos passaram a exigir a
intervenção deste a fim de garantir a evolução ordenada das relações
sociais no âmbito nacional.(LEVI, 1986, p 802).
Se em termos econômicos e sociais a revolução industrial rompe com as
unidades tradicionais de produção local, elevando-as para o âmbito nacional, em
termos políticos o princípio nacional foi se afirmando durante a Revolução Francesa,
na medida em que o objetivo daquela luta era entregar o poder de Estado ao
controle popular nos moldes propostos por Rousseau, isto é, a idéia de que o Estado
pertence ao povo substitui a idéia de que o Estado é domínio pessoal do Rei. Assim
se substituiria a visão do povo como súditos pela de povo como cidadãos.
A princípio, o conjunto de idéias que embasam o conceito de nação se reúne
em dois enfoques. Um dos enfoques toma como elemento fundamental na
constituição da nação a “cultura”. Nesta perspectiva, entende-se o nacionalismo
como continuidade do passado, no sentido do nacionalismo visar fundamentalmente
a construção simbólica da nação.
Assim, a nação seria o resultado do seu próprio desdobramento interno, ou
seja, a nação seria o produto natural de determinada comunidade. Neste sentido, se
valoriza o papel desempenhado pelas crenças, raça e língua na formação da
nacionalidade. (OLIVEIRA 1990).
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76
Aliás, parece inegável que estes fatores, principalmente o lingüístico, são de
crucial importância, bastando verificar que a “revolução nacionalista” do culo XIX,
foi acompanhada de uma revolução filológica, sendo um povo coeso que se entende
e se identifica por determinada língua, daí o surgimento dos idiomas nacionais em
substituição ao latim como língua oficial; sendo este o exemplo do Estado da
Austria-Hungria, que substitui o latim na década de 40, do culo XIX, pelo alemão.
(ANDERSON 1990). Como corrobora Duroselle, esta seria:
Uma primeira escola, principalmente alemã, considera a nacionalidade
como um produto dos fenômenos inconscientes e involuntários:
essencialmente a língua materna e as tradições populares. A língua é a
única que se aprende “involuntariamente”. Se a nação se define pela língua,
todos os que falam francês devem pertencer à França, os que falam alemão
à Alemanha, quer queiram ou não. (DUROSELLE, 1976, p. 23)
Se por um lado temos, portanto, a valorização dos elementos culturais em
relação à constituição da nacionalidade, do outro, temos o enfoque político,
entendendo que na constituição da nação, o Estado e seu conjunto de leis devem
desempenhar papel preponderante, valorizando, assim, a ação do legislador
(OLIVEIRA 1990).
Além da valorização do papel do legislador, essa segunda vertente, composta
basicamente de pensadores franceses, acredita que a nacionalidade é um fenômeno
consciente e voluntário:
A Segunda escola é francesa. “Considera que a nacionalidade se funda
sobre um fenômeno consciente e voluntário: o desejo de pertencer a tal
nação e não a outra, desejo expresso em diversas formas: plebiscitos,
eleições, votos dos representantes da população”. (DUROSELLE, 1976, p.
23)
Torna-se importante ressaltar que, apesar das diferenças desses dois
enfoques sobre os quais o nacionalismo se assenta, ambos se filiam a uma tradição
Iluminista de pensamento. No caso do nacionalismo de enfoque cultural, podemos
citar os Iluministas alemães, como Goethe e Herder, e no que privilegia a ação do
legislador, temos os franceses, Rousseau, Voltaire, Montesquieu, entre outros.
No final do século XIX, mais especificamente após 1870, e nas primeiras
décadas do século XX, começou-se a verificar uma acentuada mudança no
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 77
77
entendimento do termo nacionalismo. Até então, apesar das diferenças de matrizes
(cultural e política), o termo se filiava à concepção Iluminista.
O projeto de modernidade Iluminista trabalhava com a concepção de que:
[...]o desenvolvimento de formas racionais de organização social e de
modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades
do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder,
bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana. Somente
por meio de tal projeto poderiam as qualidades universais, eternas e
imutáveis de toda a humanidade ser reveladas.
O pensamento Iluminista [...] abraçou a idéia do progresso que buscou
ativamente a ruptura com a história e a tradição esposada pela
modernidade. Foi, sobretudo, um movimento secular que procurou
desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social para
libertar os seres humanos de seus grilhões (HARVEY, 1993, p 23).
O sonho Iluminista de libertar os seres humanos de seus grilhões a partir de
uma razão universal, transforma-se em pesadelo kafkaniano com a racionalização e
a burocratização da vida capitalista. Desperta totalmente do devaneio otimista do
iluminismo com a entrada em cena do militarismo, e com o turbilhão em que as
cidades se transformam e, principalmente, em virtude da percepção de que um
capitalismo benevolente que se organizaria pela mão invisível do mercado como
queria o “iluminista” Adam Smith não era capaz de incorporar as classes sociais
prontas para a luta, como vaticinava o Manifesto Comunista de 1848.
A concepção Iluminista começou a ser contraposta com a entrada em cena de
idéias que entendem que nem tudo pode ser explicado totalmente de forma racional.
É o caso do darwinismo social, que entende que a hereditariedade e o meio são
variáveis mais importantes da conduta humana do que a escolha racional.
Além disso, como mostra Mayer:
O darwinismo social se adequava à mentalidade elitista, onde a idéia de
desigualdade estava profundamente enraizada. Em sua concepção, os
homens eram desiguais por natureza, e o mesmo ocorria quanto a estrutura
da sociedade, para sempre destinada a ser dirigida pela minoria dos mais
aptos a governá-la (MAYER, 1987, p 276).
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78
Também se enquadra nesta linha de pensamento, a psicologia social de Le
Bon com seu pavor das multidões, o qual acaba levando a exacerbado elitismo. A
esse respeito, Boris Fausto observa que Le Bon:
Sustentava, em síntese, que em decorrência da natureza humana o homem
isolado pode ser civilizado, mas em multidão retorna à barbárie,
caracterizado pela espontaneidade, pela ferocidade e pelo heroísmo. Diante
desse quadro, Le Bon enfatizava o papel das elites na organização da
sociedade, tanto mais que as massas combinavam a irracionalidade com
uma grande e perigosa capacidade de ação. (FAUSTO, 2001, p 50)
Compartilham da idéia de irracionalidade das massas e do papel das elites,
outros influentes teóricos como Taine, Mosca e Pareto. Além destes, temos outros
pensadores que criaram sistemas de idéias bastante preponderantes, no período em
questão.
São idéias que fogem à “razão iluminista”, como as que advêm da filosofia
“nieztcheniana”. No caso de Nietzche:
Não obstante as contradições e elipses propositadamente provocadoras em
seus textos, seu pensamento era coerente e consistentemente antiliberal,
antidemocrático e anti - socialista, e isto se intensificou ainda mais com o
correr do tempo. Embora viesse a desprezar o progresso, em particular no
delírio trágico de seus últimos anos, não foi menos crítico quanto a ele nos
anos de extraordinária sanidade. Nietzche de certo recuou em relação a
Darwin, no sentido de que rejeitou os postulados progressistas da teoria da
evolução. Mas era um social- darwinista inveterado, e do tipo pessimista e
brutal (MAYER, 1987, p 276)
As influências teóricas do período, advindas do cientificismo levam os autores
a valorizarem as questões relativas tanto ao plano biológico abrangendo aí o
aspecto racial quanto ao econômico onde problematizam a questão do imperialismo.
2.2 - O nacionalismo no Pensamento social Brasileiro, e o inusitado caso de
Álvaro Vieira Pinto.
No Brasil, nas primeiras décadas do século XX, começa a tomar feição um
vigoroso pensamento nacionalista que se centra, sobretudo, na questão econômica,
mas também, que reclama da nossa artificialidade cultural pautada em modelos
imitativos da Europa.
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Dentre os pensadores brasileiros, Alberto Torres pode ser tomado como
exemplar genuíno desta tradição, uma vez que em sua obra, existe uma pujante
crítica à situação cultural e econômica do país.
Verifica-se no nacionalismo apregoado por Torres, um viés fortemente
econômico como tentativa de impedir o domínio das riquezas naturais do país por
“sindicatos estrangeiros”, expressão que bem pode ser trocada pela atual “empresas
multinacionais”.
Nas palavras iniciais do autor, no capítulo intitulado Nacionalismo, do livro
Problema Nacional Brasileiro, fica nítida essa preocupação:
Neste caso de renúncia nacional, agravado pela apropriação, por empresas
e sindicatos estrangeiros, por estrangeiros recentemente imigrados, por um
comércio sem sede no país, e estrangeiros em transito ou com
estabelecimento passageiro pelo tempo preciso para enriquecer, de vastas
regiões do nosso solo, das melhores das nossas estradas de ferro, das
nossas fontes naturais de riqueza, de grande número de propriedades
privadas, dos mais importantes instrumentos de crédito, de comércio e de
indústria, levada até ao projeto de uma rede continental de estradas de
ferro, que deve talhar o país em zonas de influência estrangeira; - é
impossível dissimular espanto que provoca o contraste entre a gravidade
dos fatos e a singular atitude dos que têm governado o país e dirigido a sua
opinião (TORRES, 1933, p 235).
Para além das discussões conceituais sobre o nacionalismo, este termo -
conforme a concepção que dele tinha Alberto Torres - deve ser entendido no simples
sentido de defender a nação contra a impossibilidade de dirigir o seu próprio destino.
A situação político-econômica internacional incentivava manifestações de oposição
ao que vinha do estrangeiro. É bem verdade que este nacionalismo em parte é resultado
de um momento histórico específico, o qual é caracterizado por transformações na
dinâmica capitalista internacional, acompanhada por um processo de industrialização e
urbanização no interior da sociedade brasileira e de uma intensificação das relações
capitalistas de produção na agricultura agro-exportadora.
Assim sendo, o objetivo da manifestação nacionalista nas regiões dependentes,
ocorre no sentido de romper um estado de tensão, criado no interior das relações internas
- externas, ou seja, torna-se importante pensar o nacionalismo brasileiro relacionando à
estrutura capitalista da economia internacional.
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Especificamente no Brasil, como mostra Carone (1970), entre 1889 e 1910, são
fundadas 41 sociedades anônimas brasileiras e 160 firmas estrangeiras que retiram
imensos lucros. Isto em conseqüência de uma associação entre o capital estrangeiro e as
classes dirigentes, da qual a política econômica do Presidente Rodrigues Alves é
exemplo, ao priorizar moeda e câmbio estável como estímulo à entrada de capitais e
braços estrangeiros
23
.
Do começo da República até 1919 se estabelecem no Brasil 15 bancos
estrangeiros:
A função deste ramo do capitalismo estrangeiro é a de intermediário entre
as praças comerciais estrangeiras e o Brasil, numa época em que a
correspondência e as comunicações são lentas e demoradas, em que os
bancos brasileiros o tinham filiais fora do país; assim, todo controle da
exportação está nas mãos daqueles bancos. Também recebem os
depósitos feitos pelas colônias estrangeiras, além de servirem como
intermediários para os empréstimos federais e estaduais.
Porém é o câmbio um dos elementos que lhe dão maior margem de lucros.
Desde o Império eles se servem deste tipo de especulação (CARONE,
1970, p 132).
Também os empréstimos estrangeiros aumentam significativamente durante a
Primeira República:
De 1889 a 1930, as dívidas crescem e se estendem do campo federal para
o estadual, e até municipal. A Constituição de 1891 regulamenta esta
possibilidade, que se torna tanto uma fórmula financeira como uma arma
política. Os empréstimos federais somam 127 264 334 libras, 325 000 000
de francos e 176 500 000 dólares; as dívidas estaduais são de quase todos
os Estados, exceção do Acre, Mato Grosso, Goiás e Piauí, e totalizam 43
578 711 libras, 196 195 000 dólares e 438 663 465 francos. Os
empréstimos municipais, como os das cidades de Salvador, Belém, São
Paulo, Santos, etc., perfazem uma quantia menor. (CARONE, 1970, p 136).
A característica internacional na economia a partir de 1870, corresponde a uma
série de transformações, caracterizada por um processo de concentração de capitais.
Esta concentração de capitais que caminha junto a transformações na esfera da
circulação e investimentos, tende a se restringir aos grandes centros mundiais em
23
- Sobre o assunto: MELLO (1991) PRADO JÚNIOR (1973).
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 81
81
detrimento das regiões periféricas. Este aspecto é realçado pelo próprio Alberto Torres no
prefácio de “A Organização Nacional”:
Em sua última expressão, a vida do nosso país está apresentando, em
grande escala e em crise aguda, o problema mundial da nossa época: o
problema do desequilíbrio da circulação. Paris, Londres, Nova York, Berlim
e algumas outras cidades tendem a formar bacias de concentração da vida
mental e da riqueza econômica do mundo. É a pletora do espírito e da
Fortuna em meia dúzia de grandes centros. O Rio de Janeiro não é mais
que um órgão secundário, por onde a riqueza passa e muito mais rápido
que se Presume – para acumular-se nos grandes empórios do mundo.
(TORRES 1933, p 56)
Estas transformações representam à dinamização das áreas desenvolvidas
economicamente, como também das áreas dependentes, acompanhada da transferência
de contingentes populacionais e aparelhos institucionais para garantir a efetivação dos
investimentos, marcando a passagem do capitalismo da etapa livre concorrencial para a
etapa monopolista.
Desta maneira, é solapada a idéia de um desenvolvimento econômico, como
previsto pelos economistas clássicos, em moldes liberais competitivos. As práticas
monopolistas acabaram por abalar a fé na capacidade auto-reguladora do mercado, o que
levou muitos teóricos a se preocuparem com as conseqüências que aquele tipo de
capitalismo estava levando, tais como: corridas armamentistas, rivalidades internacionais,
colonialismo, exploração de trabalho nas áreas imperialistas, entre outras.
Muitos teóricos passam a defender a ação do Estado, no plano interno, no sentido
do alargamento das questões sociais e no plano externo com os Tribunais de Arbitragem
e Conferências de Paz. Não faltaram, portanto, teorias que tentavam contrabalancear o
poder das grandes empresas com o apelo a um Estado regulador.
No país, sabe-se que na década de trinta ascenderá uma nova forma de
organização política e administrativa que atribuirá ao estado um papel muito mais ativo e
centralizador. Um papel que este organismo ainda não tinha assumido após a
independência e a proclamação da República.
A questão nacional a partir de então estará posta na ordem do dia, e após a era
Vargas estará ecoando com mais vigor nas mentes intelectualizadas do país, uma vez
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 82
82
que na década de cinqüenta a discussão do nacionalismo ganhará o centro de todas as
discussões políticas, sendo o objeto principal das polarizações partidárias.
Como resultado disto, muitas dessas mentes pensantes do país se empenharão,
com uma intensidade progressiva, na formulação de planos para se criar um
desenvolvimento em bases verdadeiramente autônomas.
Seduzidos por estas aspirações um vasto grupo de intelectuais buscará
institucionalizar tal projeto. Em 1955, levando adiante a idéia de se entender o país em
bases realmente concretas e não se tomando como referencial teorias importadas, cria-se
por decreto presidencial do Presidente Juscelino Kubitchek o Instituto Brasileiro de
Estudos Superiores (ISEB), justamente com o objetivo de lançar as bases de um
pensamento brasileiro autêntico ou não alienado
24
.
Nunca é demais ressaltar, que a proposição de se entender o país em bases
autênticas ou concretas não é uma aspiração institucional do instituto e nem mesmo,
pode-se dizer que havia um consenso neste sentido, mas para que a afirmação do
parágrafo acima não transpareça um exagero, é fato que esta preposição estava em
germe nas inquietações de muitos isebianos, dentre eles pode-se citar tranquilamente,
Alberto Guerreiro Ramos, Roland Corbisier e o próprio Álvaro Viera Pinto.
25
Cabe neste momento, se fazer uma menção a natureza do agrupamento intelectual
denominado ISEB. Como poderíamos caracterizar tal grupo ?
Em primeiro lugar, até obviamente, deve-se admitir que o fator aglutinador das
personalidades do instituto eram os problemas de seu tempo e esta constatação pode ser
remetida ao conceito de geração de Karl Mannheim.
24
O conceito de alienação não corresponde aqui ao conceito marxista relativo à exploração de
classes, diz respeito no caso do ISEB à idéia de um pensamento que não corresponde a bases
sociais e concretas da realidade do país. Todavia é necessário avaliar até que ponto foi uma
adaptação de um conceito marxista.
25
Indo a origem e formação teórica dos três mencionados vê-se em comum um passado integralista,
que certamente advém do interesse pela compreensão do país, e a leitura e incorporação atenta de
autores como Alberto Torres.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 83
83
Segundo Mannheim ( 1982 ) indivíduos da mesma época estariam condicionados a
vivenciarem uma situação histórica em comum e isto acabaria por definir uma geração, na
medida em que compartilhariam, por assim dizer, os problemas e questões de sua época,
e portanto isto lhes proporcionaria possuir uma determinada identidade como grupo
social.
A definição de geração é diferente por exemplo da definição de classe social que
está atrelada a uma dada condição econômica e social, enquanto a de geração é mais
universalizante uma vez que congrega indivíduos de uma época independente da
condição econômica e social.
Entretanto o conceito de geração ainda é tênue para definir o ISEB, uma vez que
nem todos intelectuais ou pessoas daquele período histórico faziam parte do ISEB ou
compartilhavam das mesmas proposições oriundas do grupo.
Neste caso, um outro conceito desenvolvido pelo autor alemão em seu texto
clássico sobre O problema sociológico das gerações , auxilia muito mais para o
entendimento do significado do ISEB.
O conceito em questão é o de “unidade de geração” que se distingue de geração a
partir das motivações que congregam ou afastam os indivíduos que vivenciam o mesmo
período histórico.
Nada melhor que as próprias palavras do sociólogo alemão para clarificar a
diferença de geração e unidade de geração:
A unidade de geração representa um vínculo muito mais concreto
que a geração real enquanto tal. Pode-se dizer que os jovens que
experienciam os mesmos problemas históricos concretos fazem parte da
mesma geração real, que elaboram o material de suas experiências comuns
através de diferentes modos específicos, constituem unidades de geração
separadas.( MANNHEIM 1982, p 87 )
Pode-se admitir portanto, que o ISEB se constituiu em uma unidade de
geração na medida da existência de uma afinidade de pensamento em relação aos
problemas do país no período.Esta afinidade passava necessariamente pela
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 84
84
elaboração de um projeto nacional,ou pelo menos se afirmava no sentido de pensar
e estudar o país.
É bem verdade, que a unidade neste caso se dava pelo prisma de se colocar
o país como objeto principal das inquietações dos integrantes do ISEB, mas não se
deve deixar de perceber que as motivações pessoais dos integrantes do instituto
podem ter sido bem particulares,configurando cisões e divergências no instituto.
É inegável assinalar também, que em sua curta trajetória 1955-1964 de
existência o ISEB não conheceu uma linha teórica retilínea de pensamento e ação.
26
Todavia os temas que se colocavam como mais relevante no cenário intelectual do
instituto, dizia respeito à questão nacional, o desenvolvimentismo, nacionalismo,
cultura, ideologia do desenvolvimento, e toda uma rie de inquietações que
acabavam por desembocar na “ideologia’ do nacional- desenvolvimentismo.
Em síntese, havia alguns elementos que unia o pessoal do ISEB, mas que
não servia para unir todos aqueles que vivenciaram o mesmo momento histórico,
afinal não se pode deixar de reconhecer as afinidades e motivações individuais dos
pensadores, e indubitavelmente pelo menos em seus momentos iniciais, cabe notar
grande amplitude conceitual no interior do instituto. Provavelmente as inquietações
de um Roberto Campos mais se desencontrava do que confluía com um Werneck
Sodré.
Cabe aqui fazer um ligeiro parênteses, para o reconhecimento de que nos
anos 50, ha uma inflexão acentuada no pensamento social brasileiro, como foi dito
acima, ao introduzir-se o tema do desenvolvimento por exemplo, mais ao mesmos
tempo, revigorando-se alguns temas postos em décadas anteriores como a
26
IANNI ( 2004 ) por exemplo, divide em duas fases a história do instituto : de 1954 -1958 da criação
até a cisão com a polêmica entre Jaguaribe e Guerreiro Ramos sobre o caráter do nacionalismo,
Ianni denomina como fase mais homogênea, caracterizada por aquilo que ele denomina de
neobismackismo em referência a OTTO VON BISMARCK primeiro-ministro do governo prussiano
entre 1962-1890.Neste período a Alemanha consolida sua unificação graças ao intenso
desenvolvimento industrial. Segundo Ianni o primeiro momento do ISEB tem como figura central Hélio
Jaguaribe e o projeto de nacionalismo desenvolvimentista.O segundo momento seria mais
heterogêneo e teria como figuras de destaque : Roland Corbisier, Nelson Werneck Sodré e Álvaro
Veira Pinto.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 85
85
(re)descoberta do Brasil, com a temática da questão nacional ou a busca de
identidade nacional, em vários campos do saber como o econômico e o cultural.
Dando fecho ao parêntese, o que fica claro é que os anos 50 são sim anos de
mudanças na forma de compreender o país, cristalizando pretéritas raízes de
pensamento social e político , mas também inaugurando novos olhares e novas
dimensões.
27
Outro aspecto relevante sobre a natureza do ISEB, pode ser remetido ao
próprio desenvolvimento das ciências sociais no Brasil
28
.
Em São Paulo, os intelectuais da sociologia e áreas afins encontram na
universidade espaço para a atuação, pois desde a década de trinta foi se
consolidando tanto no departamento de ciências sociais da USP como na Escola
livre se Sociologia e Política um time de intelectuais de primeira estirpe.
Vale lembrar que no início da década de sessenta o departamento de ciências
sociais da USP, está mais do que firmado com a presença de trabalhos
determinantes para as ciências sociais brasileira como os de Florestan Fernandes,
Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso e outros.
27
É interessante perceber que no crucial trabalho de BRANDÂO ( 2007 ) ao competente mente
tentar entender as linhagens do pensamento político brasileiro, reconhece que os anos cinqüenta
foram anos de inflexão no pensamento político e após reconstruir uma constelação de pensamento
reconhece o autor :” Estabelecidas tais hipóteses principais , convém reconhecer não apenas que tais
constelações predominaram ou decaíram alternativamente ao longo do tempo, mas sobretudo que os
anos 1950 representam um notável ponto de inflexão nesse processo de gestação, ou cristalização,
das formas de pensar. Neles ocorre tanto a rotinização das “inovações tecnológicas do pensamento
social dos anos 1930 ( redescoberta do Brasil, absorção da sociologia como método de abordagem
da realidade, reflexão sobre a natureza e a estrutura do Estado, reconhecimento da questão social,
etc . ) , como uma mudança de ênfase, estilo e problemáticas intelectuais, derivada em parte da
consolidação da universidade como principal lócus da produção intelectual, e marcada dessa vez não
apenas pela construção do Estado, mas pela emergência da sociedade e de sua transformação como
problema. Nesses termos, a idéia- força, organizadora do campo intelectual, é a do desenvolvimento,
e a questão subjacente é a democracia. Prefigurado quanto a necessidade de modernização do
Estado ocupava o primeiro palno, o problema teórico da estrutura e dinâmica da sociedade tal como
se está constituindo torna-se determinante e logo, projetos distintos, aliados e opostos de “ superação
do atraso “ lutam para imprimir à mudança social, direção.Este é um momento que não apenas novos
sujeitos sociais e políticos emergem como é mais discernível a relação continuidade e
descontinuidade – entre novos e velhos atores ( intelectuais tanto quanto políticos ) p. 36
28
Sobre o desenvolvimento das ciências no Brasil existe uma ampla bibliografia, ver principalmente: ,
(MICELLI (Org) 1995) e (MICELLI (org) 2001.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 86
86
No Rio de janeiro o caso é bem outro, a primeira pós graduação em ciências
sociais é criada fora dos marcos universitários ( no Museu Nacional) e somente em
1968, o que não contribuiu para a formação de uma intelectualidade que atuasse
intra-muros acadêmicos e que pautasse a sua atuação por uma atitude
exclusivamente de pesquisa científica.
Não se está afirmando aqui que a intelectualidade paulista se desinteressasse
da atuação política, mas somente que o caso do Rio de Janeiro na história da
institucionalização das ciências sociais no Brasil, favoreceu muito mais a formação
de uma intelectualidade que vislumbrava, por via de elaboração de projetos para o
Estado, contribuir para um papel de transformação da sociedade.
Caberia, segundo a perspectiva fluminense, aos intelectuais um papel
marcante de influência decisiva na esfera blica. Como sugere Luiz Werneck
Vianna :
Sem escoras institucionais na sociedade civil, com uma ligação
superficial com a vida universitária, com um departamento de Ciências
Sociais dedicado quase que exclusivamente ao ensino, sem pesquisa e
estudos pós-graduados, no Rio de Janeiro, a Sociologia não tem como
credenciar um ator que, a partir de sua posição no campo da ciência
institucionalizada, interpele a arena pública. Ela se torna a expressão de
uma intelligentzia mannheimiana, que, consciente de que porta uma síntese
nova para a divisão da sociedade entre o atraso e o moderno, assume a
representação em geral dos temas da modernização e da mudança social.
Sem a mediação da academia, propões-se a intervir diretamente como
estrato social na vida pública, quer em instituições extra-universitárias, quer
em instituições para universaitárias, como foi o caso do ISEB,
provalvelmente a sua melhor e mais consistente manifestação (
VIANNA1997, p195 )
Também neste sentindo, de argumentar que o ISEB possuía uma concepção
que caminhava para além dos moldes institucionais e universitários, e portanto se
aproximando bastante da atuação dos intelectuais no Rio de Janeiro, lócus em que a
atividade teórica e a atividade política possuíam um grau forte de vinculação, está à
proposição de Alexsandro Eugenio Pereira em tese de doutorado sobre o ISEB :
Uma análise da experiência isebiana parece indicar que os intelectuais que
participaram dela propuseram um modelo diferente de institucionalização,
adaptado às condições de atuação dos praticantes das Ciências Sociais no
Rio de Janeiro, fortemente marcado pela proximidade com a política e com
o Estado.Esse modelo institucional para as Ciências Sociais, proposto pelo
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 87
87
ISEB, escapa dos padrões universitários e desvincula-se, também, da idéia
de pesquisa e de investigação. Ou seja, no cerne do modelo institucional
consubstanciado no ISEB está contida uma vinculação entre problemas de
natureza política e problemas de natureza intelectual. Tal vinculação é
produto de uma opção deliberada dos intelectuais pelo seu envolvimento
nos problemas concretos (PEREIRA 2002, P.168)
Ao mencionar a polêmica entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes,o
primeiro defendendo uma sociologia mais “aplicada” e segundo um padrão científico
mais acentuado para esta, Ortiz (2006) também entende, que de uma forma ou de
outra no Rio de Janeiro acabou se criando uma escola política mais engajada Ao
tratar da sociologia em São Paulo, o autor de A moderna tradição brasileira , lembra:
A Sociologia, particularmente em São Paulo (USP e Escola de
Sociologia e Política), ao se definir como uma esfera de bens restritos,
marcada por uma “ideologia acadêmica”, se afastado destino que o
pensamento sociológico teve no Rio de Janeiro com uma escola engajada
como o ISEB . É portanto, nos anos 40 que ela se torna propriamente
científica, saber racional que se volta para a interpretação e a pesquisa da
sociedade, distanciando-se da forma ensaística que a havia caracterizado
no passado, e das demandas políticas que lhes eram exigidas pelo presente
(Ortiz 2006, p.27)
A proposta de Florestan era de constituir um padrão cientifico, próximo ao
modelo norte-americano de pesquisa científica, e parece ter encontrado
ressonância, no contexto paulista, estado da federação que no âmbito da
inteligência não comprou o pacote de medidas modernizantes, proposta, pelo estado
novo. Em São Paulo, o desejo parecia ser a profissionalização e a formação de
quadros políticos, mas para a atuação na esfera regional.
Nada parece mais distante da visão paulista de ciências sociais do que a
fluminense, ainda caudatária dos resquícios de capital do Brasil, em que a esfera
publica e os serviços públicos que esta pode oferecer, motivam a figura do
intelectual a buscar seu espaço de intervenção na realidade por via da esfera
estatal.
29
29
Na linha de raciocínio dos autores anteriormente citados CARVALHO (2007) corrobora a percepção
de um espaço diferenciado de atuação do cientista social no Rio de janeiro : “Sem a mediação da
academia, pensadores sociais no Rio de Janeiro conhecerão, então, lugares de intervenção política e
de animação da esfera pública em instituições extra-universitárias, para-universitárias, das quais o
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) foi a melhor e mais consistente experiência , ou, ainda,
em movimentos influenciados pelo Iseb, como o Centro Popular de Cultura da União dos Estudantes
(CPC-UNE) ou o movimento de alfabetização popular idealizado por Paulo Freire (Paiva, 1986 ).
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 88
88
Neste sentido, não se pode deixar de refletir sobre o denso espírito público
que paira sobre os isebianos, animados com a possibilidade que a esfera estatal
pudesse colaborar para a construção de uma sociedade com alma nacional e
moderna, para além dos interesses específicos das classes.
Aos intelectuais que se propuseram integrar o ISEB, estava colocado um
sentido de missão. Tal missão caracterizava-se, sobretudo, pela tentativa de
elaborar argumentação teórica com o objetivo de se desvendar e descobrir o país. A
teoria seria posta a serviço de levar a conscientização de nossa realidade e a partir
daí, pode-se constituir as bases de um país emancipado. As palavras do isebiano
Roland Corbisier bem expressam a natureza do pensamento dessa instituição:
Compreendemos que o problema da cultura brasileira é um problema
nosso, um problema pessoal, e que a nossa existência será dependente e
inautêntica enquanto for dependente e inautêntica a existência do País.
Não nos parece ser outra a missão das novas gerações brasileiras.
Descobrir o País, tomar consciência de sua realidade, de seus problemas, e
forjar a ideologia capaz de configurar o seu futuro, promovendo o seu
desenvolvimento e a sua emancipação. Não temos outra coisa a fazer,
senão inventar o nosso destino, construindo uma cultura que seja a
expressão, a forma adequada do novo Brasil que devemos criar.
(CORBISIER, 1956, p 217).
Parece certo que o desejo de emancipar o país economicamente e
culturalmente, era um desejo que vinha de tempos pretéritos, desde o Visconde do
Uruguay (1807-1866), passando por Silvio Romero (1851-1914), Alberto Torres
(1855-1917), Euclides da Cunha (1866-1909) e outros.
A ressalva que faziam os isebianos, era a de que no momento que homens
como Torres, Euclides da Cunha e outros escreveram, o país se encontrava em fase
semicolonial e a tarefa de inventar e conduzir o destino do país se tornava
irrealizável, o objetivamente como subjetivamente, no sentido de extinguir a
influência de culturas inautênticas.
Somente após o surto industrial que os isebianos vivenciavam, ocorrido
principalmente no segundo governo Vargas, é que teria se tornado possível
Concebidos sob a cultura do nacional-desenvolvimentismo, nada estranho que esses movimentos
tivessem seu início ou seu desfecho em alguma agência do estado, como ocorreu com a
alfabetização popular e o CPC, cujos principais dirigentes ocupavam posições destacadas no
Ministério da Educação quando do golpe militar de 1964 .” CARVALHO ( 2007 ) p. 8
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 89
89
desvencilhar-se da transplantação de modelos e agir sob uma ótica de uma
ideologia autêntica e genuína: a ideologia do desenvolvimento nacional.
Para falar como um isebiano, a percepção de aspectos negativos da
sociedade brasileira existia esporadicamente, mas o se formava uma
consciência crítica porque o momento histórico não era favorável:
A percepção dos aspectos negativos da atual sociedade brasileira é indício
positivo, é sintoma de que nela existem os suportes objetivos de uma
consciência crítica. Na verdade essa consciência crítica da realidade
nacional, de longa data, vinha sendo assinalada em manifestações isoladas.
O visconde do Uruguay (1807-1866), o Barão de Ma(1813-1889), Silvio
Romero (1851-1914), Euclides da Cunha (1866- 1909), Alberto Torres
(1865-1917), Pandiá Calógeras (1870- 1934) são momentos esporádicos
dessa crítica.
Mas em nossos dias começa a generalizar-se. É que a consciência crítica
de uma nação é também produto histórico. surge quando é
historicamente necessária. Quando a nação possui as condições que lhe
permitem apoderar-se do seu destino. (RAMOS, 1956: 30-31).
Neste caso, para Guerreiro Ramos e os isebianos, era no momento histórico
em que escreviam que se poderia propor a constituição de uma teoria autêntica, não
alienada. Esta teoria autêntica visava dar suporte aos intelectuais que passavam a
ter uma importante missão de superar o subdesenvolvimento ou fomentar o
desenvolvimento.
A partir desse momento histórico, a despeito das nuances diferenciais
existente entre as idéias dos pensadores do ISEB, todos tem no foco de suas
análises o conceito de dependência da nação em relação aos países desenvolvidos.
Dependência esta, vista como responsável pelos principais problemas estruturais do
país. Por conseguinte, com raras exceções, estes intelectuais podem, de início, ser
adjetivados pelo rótulo de intelectuais que defendem o nacionalismo.
É conveniente aqui lembrar que o caráter nacionalista do instituto foi sendo
construído ao longo dos anos, pois em sua gênese, ele reunia intelectuais das mais
diversas tendências, como é o caso de Roberto Campos, notório defensor da
abertura econômica e da utilização do capital estrangeiro.
Pode-se ousar dizer ainda que a publicação do livro intitulado O nacionalismo
na atualidade brasileira (1958) de Hélio Jaguaribe concretiza de fato uma tendência
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 90
90
que estava em germe no ISEB desde o seu nascimento, desfraldar a bandeira do
nacionalismo, não como parâmetro para se pensar o país, mas também para
posicionamento em relação às questões políticas mais relevantes.
30
Cabe aqui se fazer ressalvas sobre dois aspectos relativos à ideologia
desenvolvimentista explícita nos principais autores integrantes do ISEB, que na
prática, ou seja no momento de aplicação da política econômica pelo principal
governo “desenvolvimentista”, o de JK, se verificou destoante do que propugnavam
os autores isebianos.
Como foi visto, aqueles autores defendem o nacionalismo por entenderem ser
contraditórias as relações entre os paises desenvolvidos e os subdesenvolvidos,
fazendo uma analogia entre a exploração de classes para com a de exploração
entre os países.
Também os ideólogos do desenvolvimentismo acreditam que no geral a
maioria das classes sociais se beneficia de um projeto de desenvolvimento, sendo
prejudicadas, apenas aquelas que se beneficiam do subdesenvolvimento como o
setor exportador de produtos de primeira necessidade. Haveria, como ressaltado
portanto, uma convergência de interesses de diversas camadas sociais na
possibilidade de desenvolvimento do país.
Primeiramente, a implementação de uma política econômica dita
desenvolvimentista, principalmente no governo JK, jamais se propôs a fomentar uma
política de confronto ou de defesa dos interesses do país subdesenvolvido contra os
desenvolvidos, mas pelo contrário, entendeu-se que o desenvolvimento nacional,
dependia da manutenção de uma ordem internacional capitalista, cabendo ao Brasil
se inserir, da melhor maneira possível dentro dessa ordem.
Como Mostra Miriam Limoeiro Cardoso :
30
É bem verdade que o livro de Jaguaribe foi bastante polêmico e gerou até mesmo certa cisão
dentro do ISEB. Entre outros pontos polêmicos, levantados pelo autor está o fato de não achar
necessário para a política nacionalista do país que o petróleo fosse explorado monopolisticamente
pela Petrobrás, poderia segundo Jaguaribe ser explorado por companhia estrangeira, desde que
servindo aos interesses do país.Jaguaribe também pondera no livro sobre a viabilidade de se manter
uma política internacional de “terceira opção” para os países subdesenvolvidos distante do bloco
socialista e capitalista.Segundo os questionamentos do autor poder-se-ia até pensar em alinhamento
com os americanos.Estes pontos polêmicos inclusive levou a sérios questionamentos pela união
nacional dos estudantes, entidade até então bastante afinada com o Instituto.Sobre a polêmica UNE x
Jaguaribe ver FREITAS ( 1998)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 91
91
O que Juscelino pretende é aumentar a parcela de vantagens que
a economia do Brasil possa auferir. Como dado o beneficiamento
diferencial, parece que áreas com economias mais dinâmicas podem
aproveitar mais com a expansão do sistema, decorre a necessidade de
impulsionar a economia do Brasil, com o objetivo de aumentar a sua
participação no sistema, ou ampliar os benefícios da sua participação.
Fundamentalmente, o desenvolvimentismo visa uma integração mais
dinâmica no sistema capitalista. (CARDOSO , 1978,p.410)
Em segundo lugar, em relação ao desenvolvimento favorecer todas as
classes ou camadas, tal concepção deve ser observada e estudada, levando-se em
conta uma análise do período em que se implementou uma dita política do
desenvolvimento no governo JK. Deve-se levantar a hipótese do beneficiamento
maior de apenas alguns setores do grande capital e da grande indústria, ou seja, o
desenvolvimentismo pode ter beneficiado apenas setores das camadas dominantes
que desalojaram da hegemonia econômica do país, outros setores privilegiados.
Como sugere Miriam Limoeiro Cardoso :
O desenvolvimento se propõe como fortalecimento de uma
mudança de hegemonia, mas apenas interclasse dominante. De acordo
com o que se pode depreender de suas proposições mesmas, esta
ideologia representa as frações ascendentes das classes dominantes e as
representa no seu núcleo mais representativo; inclusive em termos de
tendência : o grande capital e a grande industria, trabalhando juntos para
tornar viável num tempo não muito distante a sua capacidade de
reprodução no próprio país – o que Juscelino entende como autonomia
econômica. (CARDOSO , 1978, p.429 )
Muitos outros estudiosos perceberam as contradições do discurso
nacionalista quando aplicado a prática no país. Octávio Ianni,por exemplo, não
exclusivamente com preocupações no âmbito econômico , mas sobretudo com as
conseqüências advindas do discurso e prática dos isebianos na área da
configuração do pensamento social brasileiro naquele período, sugere algumas
questões.
Assentando –se principalmente nas propostas de Helio Jaguaribe, Ianni
demonstra como se cria uma espécie de “partido do desenvolvimento”, que fala em
nome de todos os estratos , mas na verdade é liderado pelo estado, visando
favorecer sobretudo a burguesia industrial.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 92
92
Ao referir-se ao modelo de desenvolvimento proposto pelo ISEB, que seria
levado a cabo por um verdadeiro estado autoritário, diz Ianni, fazendo menção as
propostas de Jaguaribe :
Essas características do modelo isebiano de desenvolvimento
político e econômico estão bastante explícitas e articuladas em alguns
escritos de Hélio Jaguaribe. Nesse modelo, que ele denomina às vezes
neobismarckiano, outras vezes nacional-desenvolvimentista, ou
nacionalismo desenvolvimentista, o que sobressai é o Estado, forte e ativo,
a serviço da burguesia empresarial, isto é , industrial; ou a serviço do capital
monopolista. Ao mesmo tempo, os termos do modelo mostram como se
compreendem os outros estratos sociais, ou as massas, e as suas
reivindicações, sempre em conformidade com as exigências do
desenvolvimento econômico capitalista, sob liderança do estado.Para
articular-ou submeter-os interesses das massas aos da burguesia, cabe
organizar, ou instituir, um partido do desenvolvimento” ( IANNI, 2004 p.
256 ).
Feitas estas ressalvas, cabe fazer outra de maior relevância. Inversamente
do que usualmente tende-se a compreender a estratégia nacionalista não é unívoca,
entre os pensadores isebianos, e se é fato que o nacionalismo tende sempre a
desconsiderar as especificidades de classes, “unido-as” em um projeto de nação,
sendo um fator de convergência de interesses tanto da burguesia, como dos
trabalhadores e das classes médias, não é menos verídico que existem
peculiaridades acentuadas no conceito de nacionalismo dos pensadores do instituto.
No sentido das peculiaridades e nuances, chamam a atenção às concepções
nacionalista do filosofo fluminense Álvaro Vieira Pinto. Se for inconteste para os
isebianos haver uma convergência de interesse entre as classes na questão do
desenvolvimento nacional, para Vieira Pinto sem negar que haja o interesse comum
entre as classes, demonstra que a ideologia autêntica ou ideologia do
desenvolvimento nacional se encontra na “consciência” das massas, cabendo ao
intelectual extrair dessa referida consciência das massas a ideologia autêntica.
Para Álvaro Vieira Pinto, compete ao estudioso da realidade, extrair da
consciência das massas a verdade, sem distorcê-la ou mistificá-la.
Segundo as palavras do próprio Vieira Pinto:
[...] a ideologia do desenvolvimento tem de proceder da consciência das
massas. [...] É à medida que a consciência do povo vai esclarecendo em
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número crescente de indivíduos, que se manifesta de forma nítida a
realidade social. A verdade sobre a situação nacional não deriva da
inspeção externa feita por um clínico social, historiador, sociólogo ou
político, mesmo supondo-se geniais esses homens. Essa verdade será
dita pela própria massa, pois não existe fora do sentir do povo, como
proposição abstrata, lógica, fria. Não é uma verdade enunciada sobre o
povo, mas pelo o povo. É função da consciência que atingiu, e da
representação que faz dos seus problemas. O que compete aos sociólogos,
na ordem teórica, e aos políticos, na ordem prática, é fazerem-se arautos
dessa verdade, recolhê-la nas suas origens e interpretá-la com o auxílio do
instrumento lógico-categorial que devem possuir, sem distorcê-la, sem
violentá-la, sem mistificá-la. Assim, estarão construindo precisamente o
projeto de desenvolvimento requerido pelo estado social do momento, o
único viável na execução e autêntico na ideologia. (PINTO 1960a: 34).
Posteriormente à publicação do texto acima, Álvaro Vieira Pinto retomará e
embasará a idéia de que a consciência autêntica ou consciência do desenvolvimento
encontra o seu principal vetor na expressão ideológica das camadas populares, pois
seria as massas resultante principal do momento histórico vivenciado, momento
este, propício para a tomada de consciência da necessidade de transformação
econômica e social do país.
Ouçamos Vieira Pinto em suas próprias palavras escritas em Consciência e
Realidade Nacional:
De fato, somente a coincidência com os motivos existenciais das camadas
populares dará autenticidade ao pensamento que visa transformar a
realidade. São numerosas, no seio de uma comunidade, as possibilidades
de constituição de um pensamento ideológico. Muitos grupos ou
pensadores isolados chegam, pela meditação sobre a realidade, a elaborar
uma visão do processo nacional e a apontar soluções para as indagações
que sugere; mas, para que seja reconhecida como verdadeira teoria do
desenvolvimento, e desencadeie as ações eficazes, é preciso que tal
elaboração ideológica traga o selo da derivação popular[...]
é no seio das massas populares que encontram seu ponto de aplicação os
vetores do desenvolvimento. Por isso, a elas compete a tarefa de exprimir
ideologicamente o pensamento do país em sua empresa de superação do
estado econômico atrasado. (PINTO 1960b, 134-135).
Neste sentido, o pensamento de Vieira Pinto destoa em relação aos outros
isebianos, principalmente de Jaguaribe, que insiste em um caminho inverso para
fomentar a ideologia do desenvolvimento, não sendo das massas ou de sua
“consciência” que se deve extrair tal ideologia, pois estas devem ser conquistadas
para o projeto desenvolvimentista a partir de um empenho de educação e
organização feitas pelos intelectuais, em sintonia com os interesses da burguesia
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industrial. Como mostra Caio Navarro de Toledo ao comparar as propostas de Vieira
Pinto e de outros isebianos:
Para H. Jaguaribe, G. Ramos, C. Mendes (...) Não são as massas que
comandam, mas são comandadas; não detêm o conhecimento de seus
próprios interesses, devem, isto sim, ser conscientizadas” através da
“política ideológica” conduzida por outros grupos “mais esclarecidos”.
(NAVARRO 1978, p. 48).
Outro ingrediente para apimentar a reflexão sobre o nacionalismo de Álvaro
Vieira Pinto, que quase que consensualmente é considerado um dos maiores
representantes do nacionalismo do instituto, é que este pode ser pensado e
proposto a partir de uma conjuntura internacional que não vislumbra uma saída
nacional para o país isoladamente, mas somente em associação com outros países
que se encontrariam na mesma fase de desenvolvimento.
Após a segunda guerra mundial, entre outros motivos, pelo enfraquecimento
das “antigas” potências européias que haviam partilhado quase toda a extensão do
continente africano e grande parte do continente asiático, inicia-se um processo de
descolonização, em alguns casos por guerras de libertação, em outros, por
negociações pacíficas de inúmeros países da África e da Ásia.
Tal processo que se desenvolve em uma conjuntura de guerra fria, resultante
da divisão política do globo em dois blocos que procuram aumentar e consolidar
suas áreas de influência, acaba criando um caldo de cultura de não alinhamento ou
neutralismo.
Este neutralismo, longe de significar um não desejo de participação das
tomadas de decisões no cenário internacional, significa justamente o oposto, o
desejo de afirmação de uma identidade própria dos países que estão emergindo no
cenário internacional e não se contentam com as propostas das duas vias impostas
por americanos ou soviéticos.
Neste sentido, condensando uma atmosfera pró integridade e independência
de povos e nações e ante emprego da força e coação sobre países não
considerados potências militares é realizada, em 1955, a Conferência de Bandug na
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Indonésia, constituindo-se um primeiro passo na direção de delinear uma proposta
própria e em conjunto dos países o desenvolvidos, que integrariam o grupo do
terceiro mundo, em contraste com o primeiro de países desenvolvidos e capitalistas
e do segundo de países socialistas.
Evidentemente que se a luta vai tomando uma configuração anticolonial e
antiimperialista, o socialismo pôde também no pós Bandug se consolidar como
bandeira de luta, haja vista que este possui um viés antiimperialista tendo inclusive
que moldar suas concepções internacionalistas às questões nacionais específicas.
Na realidade para os teóricos do ideário terceiro mundista, o caminho para os
países subdesenvolvidos seria uma trilha alternativa, entre a proposta capitalista do
primeiro mundo e a saída socialista vislumbrada pelos países do chamado segundo
mundo.
Ainda que compartilhassem simpatias pela alternativa socialistas, teóricos de
respaldo do terceiro Mundo como Franz Fanon, serão incisivo na busca de uma
saída autônoma para além do capitalismo versus socialismo:
De modo geral chegou-se a pensar que chegara para o mundo, e
particularmente para o Terceiro Mundo, a hora de escolher entre o sistema
capitalista e o sistema socialista. Os países subdesenvolvidos, que se
valeram da competição feroz existente entre os dois sistemas para garantir
o triunfo de sua luta de libertação nacional, devem agora recusar instalar
nesta competição. Não deve o Terceiro Mundo contentar-se com definir-se
em relação a valores que lhes sejam próprios, métodos e um estilo que lhes
sejam específicos. O problema concreto diante do qual nos achamos não é
o da escolha custe o que custar entre o socialismo e o capitalismo, nos
moldes em que foram definidos por homens de continentes e épocas
diferentes. (FANON 1979 p.78)
O que vai neste sentido, para além do capitalismo e socialismo é a questão
nacional, questão esta que os teóricos que habitavam países não desenvolvidos
deveriam voltar toda sua energia. Olhar para o próprio país e buscar soluções de
desenvolvimento e independência nacional.
Totalmente envolvido neste clima do período é que Álvaro Vieira reivindicará
a formulação de uma filosofia do subdesenvolvimento. Filosofia esta que sem
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desconsiderar os conceitos gastados e consolidados nos centros desenvolvidos,
deveria levar em conta o “nosso universal”,
oriundo da nossa própria realidade.
A filosofia do subdesenvolvimento que tem como proposta central o
desenvolvimento em termos nacionais, leva em conta a situação dos países nas
mesmas condições de desenvolvimento, vaticinando uma saída em comum para os
países periféricos, o que, de certo modo, ratifica o ideário terceiro mundista.
Tendo em vista portanto esta nossa realidade o surgimento de um novo
homem adepto da consciência crítica iria aparecer em oposição ao homem de
mentalidade ingênua –colonizado, também com o desaparecimento do colonizador.
É bem verdade que politicamente o país é independente, mas a circunstância
existencial do homem brasileiro é muito próxima do homem africano e asiático, que
empreende a sua luta de libertação nacional, naquele momento da história.
A independência brasileira seria para os Isebianos apenas relativa, o que nos
aproximaria muito mais nossa circunstância de existência do Homem africano e
asiático do que do Homem europeu.
Discutindo a questão da cultura brasileira e o significado da estrutura e da
situação colonial, Roland Corbisier demonstra que :
Não somos, pois, a rigor, uma colônia, no sentido em que o Congo é
colônia da Bélgica ou Madagascar da França. Todavia, ainda não dispomos
da auto-suficiência que caracteriza as nações cuja existência não entraria
em colapso na hipótese de se verem privadas do contato com o exterior.
Sabemos que a noção de independência é relativa, que comporta toda uma
série de gradações e que, em princípio, tomando a palavra com rigor
absoluto, nenhuma nação, em todos os planos ou aspectos da existência,
se pode bastar plenamente a si mesma. O que chamamos de auto-
suficiência é apenas um grau superior de autonomia, e o que chamamos de
situação colonial um grau mais acentuado de dependência ( CORBISIER
1960 , P.22
)
É esta similaridade que acaba aproximando a teoria de Pinto ao de
reconhecidos teóricos da descolonização como Fanon.
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Talvez sem nunca terem se lido reciprocamente, mas olhando o mundo pelo
mesmo prisma e bebendo nos mesmos mananciais teóricos, eles estão bastante
próximos. Como percebeu Ortiz :
As convergências de pensamento entre Fanon e Viera Pinto são
interessantes. Bons leitores de Hegel, ou de seus comentadores, intérpretes
dos movimentos políticos que vivenciam, eles não se limitam a discutir a
possibilidade que existe de um”novo” homem brasileiro ou argelino. Pelo
menos filosoficamente a superação do colonialismo implica não somente o
desaparecimento do senhor, mas abre perspectiva para que uma nova
humanidade se concretize. Interessa-lhes assim descobrir o homem por trás
do colonizador, este homem que é simultaneamente ordenador e vítima de
um sistema de opressão. A superação remete portanto a um universal, à
humanidade. Torna-se, assim. Comum dizer que a morte do colonizador é
também a morte do colonizado. Fanon leva esta perspectiva ás ultimas
conseqüências e chega inclusive a pensar o Terceiro Mundo como matriz
de libertação do homem universal.( ORTIZ 1994 p 61)
Porém é necessário ressaltar que existem acentuadas diferenças entre Fanon
e os Isebianos. A principal delas diz respeito à questão da violência.
Enquanto para Fanon o uso da violência é legítimo e necessário para levar a
uma situação de não dependência, os pensadores do ISEB propunham a
transformação pela conscientização, pela “ideologia do desenvolvimento”, e o
máximo que isto pode levar foi a uma estética artística-cultural violenta, uma
violência traduzida em simbologia para mostrar o grau de subdesenvolvimento de
nossa nação.
A partir desta concepção, o nacionalismo proposto, não quer ser um
nacionalismo que ressalta as qualidades e a soberania específicas de uma nação,
que procurará solitariamente uma inserção soberana no concerto das nações.
Não propomos um nacionalismo de isolamento, mesmo porque o
nacionalismo não se confina em considerar o processo histórico particular
do país, mas o inclui no processo mais geral, o da totalidade áreas
subdesenvolvidas que buscam melhor modo de existência (PINTO,
1960b,p. 123).
Assim o nacionalismo de Vieira Pinto, por mais contraditório que possa
parecer, respirando os ares do período, tem como cerne um internacionalismo
explícito, como se pode constatar pelo trecho a seguir:
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As nações da periferia devem se constituir agora como um único centro de
ação. Antes, o boicote econômico era fácil de decretar por parte das
potências dominadoras. Na fase em que nos encontramos, nosso conceito
de nacionalismo tem de ser interpretado como procedimento pelo qual nos
integraremos num internacionalismo autêntico, o das nações em luta pela
humanização da vida de suas populações. (PINTO, 1960b: 136).
Neste caso,como se percebe Álvaro Viera Pinto não está propondo jamais um
nacionalismo que obrigue a subordinação de outros países, nem vislumbra a
excepcionalidade da nação, ressaltando a superioridade nacional, em detrimento a
realidade de outros povos.
31
O nacionalismo aqui é um nacionalismo pacifista que estreita a relação com
os outros povos, inversamente de exemplos históricos, como o da Alemanha
nazista, que buscava a sobrepujança sobre as outras nações.
Parece ser importante aqui, se fazer uma referência a certa influência
econômica que os isebianos receberam, como por exemplo, do economista sueco
Gunnar Myrdal, que teve obra publicada pelo ISEB.
32
31
Interessante notar que em virtude de ser um nacionalismo, que tem como meta um universalismo
ou uma igualdade internacional, pode-se inclusive incluir muitos destes dos adeptos deste
nacionalismo como personagens de esquerda ou vinculados a uma trajetória de esquerda. Por isto
CHACON (1981) consegui incluir Álvaro Vieira Pinto e outros nacionalistas do período em sua
História das idéias socialistas no Brasil, eis o argumento de Chacon: pode o Nacionalismo ser uma
etapa rumo ao Universalismo-meta, lutando por um Igualitarismo Internacional, e interno dentro de
cada Estado. Um não exclui, nem precede, o outro. Eles se completam dialeticamente, incentivando-
se de modo recíproco e articulando a Revolução Brasileira com a mais vasta Revolução Mundial,
onde todos os povos, raças, classes e religiões se integrarão, num futuro cada vez mais próximo.
Daí, podemos abordar, numa História das idéias socialistas, alguns nacionalistas recentes, também
preocupados com o igualitarismo “ . p. 231
32
Grande parte dos trabalhos sobre o ISEB, desconsidera a obra dos economistas, seja aqueles
vinculados ao instituto seja aqueles que mesmo não fazendo parte do instituto tiveram grande
ascendência sobre ele. Por exemplo a importante obra de TOLEDO(1978 ) Iseb :frábicas de
ideologias não leva em conta os economistas com a seguinte justificativa do autor : “não levamos em
conta as publicações de Economia editadas pelo ISEB. Duas razões explicam nosso corte: 1) boa
parte dessas obras tem como autores economistas que não pertecem aos quadros oficiais da
instituição ( caso típico, por exemplo de Celso Furtado e de Gunnar Myrdal); 2) tais estudos, bem
como as análises econômicas propriamente “isebianas” ( de Ignácio Rangel e de Gilberto Paim ), são,
em realidade, “trabalhos solitários. A nosso ver, m eles uma quase inteira autonomia dentro da
produção do ISEB, não se refletindo nem orientando os demais trabalhos onde se formulam as
ideologias nacional-desenvolvimentistas.”p.27.Pelo propósito do livro em questão trata-se de um
argumento pertinente, entretanto não podemos desconsiderar a influência que os economistas
tiveram nas obras dos Isebianos. As idéias econômicas sobre o subdesenvolvimento no mínimo
tiveram imensa circulação no período ecoando na obra dos principais autores como Álvaro Viera
Pinto.
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Myrdal que em outubro de 1955, proferirá no Cairo, a convite do Banco
Nacional do Egito, conferência comemorativa do seu aniversário,a publicará em livro
com o título: Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas, onde em certa altura
defenderá um ideário nacionalista bem próximo ao pregado por Pinto, o que nos
permite pensar que possivelmente o autor de Consciência e realidade nacional, deva
ter lido o autor Sueco.
Escreve Myrdal a propósito do nacionalismo dos países subdesenvolvidos:
um país subdesenvolvido procede, acertadamente, ao tomar toda e
qualquer medida que, à luz do bom-senso, seja capaz de melhorar seu
próprio bem-estar econômico, mas deve evitar, cuidadosamente, medidas
políticas que não sejam benéficas à nação em seus efeitos totais e remotos.
E, culturalmente, razões para aprender em todo o mundo.Levantar
barreiras contra a civilização e os valores do mundo mais rico é política
derrotista que um país pobre, de modo algum, pode adotar.
Dou este conselho ao nacionalismo racional com a consciência
tranqüila, porque estou convencido de que o êxito real das políticas
econômicas nacionalistas dos países subdesenvolvidos de deixar-nos
mais próximos e não distantes, da etapa em que possa tentar efetivar uma
política mundial integrada, que se fundamente na solidariedade
internacional (MYRDAL 1972 p108-109)
Seguindo esta linha de raciocínio, mas indo além dela, na interpretação de
Vieira Pinto, é mais real e salutar a união das diversas nações que estão em um
mesmo grau de dominação, do que a união dos proletários de todo o mundo, que se
encontra em grau de desenvolvimento dessemelhante.
Segundo o autor de consciência e realidade nacional, existem nações em três
estágios de desenvolvimento em suas relações internacionais. Tem-se
primeiramente as nações completamente subjugadas pelos centros desenvolvidos,
as quais o possuem ainda nada que lhes caracterize como nação, são
praticamente extensões dos países que a dominam. Não existe aqui pensamento,
cultura ou instituições próprias.
Em outra situação, existem aquelas nações que estão em situação de
dependência, mas conheceram certo grau de desenvolvimento, este é o caso do
Brasil. Nestas já existe um sentimento nacional, percebendo-se claramente, por
parte do estudioso da sociedade que a contradição principal fica aqui entre
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elementos que contribuem para a consolidação da nação e os elementos que
contribuem para a fragilização da nação, estes últimos são os elementos da anti-
nação.
Exemplificando, a cultura e a educação popular contribuiriam para a
solidificação da consciência crítica e assim favoreceriam o desenvolvimento,
constituindo-se em elementos favoráveis a nação. Em oposição a arte mimetista e a
educação elitista contribuiriam para a mistificação, seriam elementos da consciência
ingênua, elementos da anti-nação.
Em uma terceira situação estariam as nações desenvolvidas a subjugarem as
subdesenvolvidas. Ora, é justamente aqui que entra a dialética proposta por Vieira
Pinto. A contradição principal no mundo que o autor vivia seria entre as nações que
dominam e as que são dominadas.
Sendo assim, o nacionalismo proposto necessariamente tem que ser um
antídoto contra a dominação externa, mas que tem sentido se colocado como
forma de solidariedade internacional com todas as nações em luta pela libertação
política e econômica
33
Como enfatiza Álvaro Vieira Pinto, demonstrando a espécie de nacionalismo
que propõe, ao fazer-se muito solidário entre as nações na mesma situação:
De momento, incumbe-nos compreender que cada vez mais
precisamos entrelaçar relações de amizade e ação comum com os povos
asiáticos, africanos e os do nosso próprio continente que se encontram em
situação semelhante a nossa. Com este movimento quebraremos o
esquema de dominação imperialista, que só funciona a contento com o
parcelamento da polaridade entre o centro e a periferia como que um único
“centro” de ão fortalece-se a tal ponto a área antes dispersa e por isso
débil, que fica sem sustento o principal estratagema de que lançava mão a
potência exploradora (IDEM p.513)
Ou ainda na seqüência:
Na fase em que nos encontramos, nosso conceito de nacionalismo
tem que ser interpretado como o procedimento pelo qual nos integraremos
33
É aliás solidariedade internacional com toda as nações em luta pela libertação política e
econômica um subtítulo do capítulo ”Principíos de uma política nacionalista” do livro Consciência e
realidade nacional.
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101
num internacionalismo autêntico, o das nações em luta pela humanização
da vida de suas populações (IDEM p. 513)
Para Viera Pinto qualquer nacionalismo exaltado que proponha a
subordinação de outras nações não cabe nas circunstâncias históricas de nossa
nação, pois esta precisa adotar práticas nacionalistas com o intuito de se defender
da exploração externa e gerar assim o tão desejado desenvolvimento.
Esta necessidade não é única do Brasil sendo, portanto desejável que outras
nações também se afirmem no cenário internacional.
Álvaro Vieira Pinto escreve sobre as características do nacionalismo que
propõe e sobre ele desmitifica os argumentos que procuram invalidá-lo:
Um (...) argumento que tentaria invalidar o ponto-de-vista
nacionalista, seria o de que a partir de um esquema deste tipo estamos
obrigados a ver o Brasil como entidade excepcional no conjunto mundial, a
representá-lo como nação privilegiada, e de certo modo a pensar
implicitamente que todas as demais lhe devam ser subordinadas, existir
para atender aos interesses dele. Sendo evidentemente simplória tal
suposição, se o nacionalismo a abrigasse seria de fato um argumento para
desvalorizá-lo. A excessiva importância por nós atribuída à idéia de
nacionalidade ao considerar os problemas sociais introduziria um fator
perturbador do julgamento histórico, um dado apto a tomar sempre colorido
emocional, restringindo o campo perceptivo, dando em resultado o
desconhecimento de numerosas relações de entrelaçamento entre os
povos, ocultadas ou sumariamente repudiadas em nome do quimérico
conceito de independência nacional (...) O nacionalismo seria o
estreitamento do campo visual político ao ponto de vista de uma única
nação, fazendo os interesses destas, o que só pode ser levado a cabo no
domínio da imaginação, numa comovente amostra de ingenuidade. O
nacionalismo seria a doença infantil da nacionalidade. (PINTO 1960b p.366-
367 )
Destarte, em conclusão evidenciam-se no nacionalismo de Vieira Pinto,
elementos totalmente inusitados em relação ao paradigma em questão, pois se em
geral o nacionalismo tende a “mascarar” as diferenças de classes, uma vez que é
posta a questão da unidade nacional para o autor de Consciência e realidade
nacional, isto não está validado, uma vez que clama pela atuação das massas.
Por outro lado, se no modelo do nacionalismo existe uma tendência política
do país a se ensimesmar, em Vieira Pinto o clamor por um internacionalismo que
unisse os países de similares situações econômicas, o que caracteriza um
nacionalismo no mínimo bastante original.
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III- Álvaro Vieira Pinto e a Cultura na realidade Nacional.
A finalidade do presente capítulo é de empreender uma análise da relação
estabelecida entre os intelectuais do ISEB e a cultura.O capítulo centra ás analises
nomeadamente na concepção de Álvaro Vieira Pinto sobre a cultura, personagem
que sem desprezar a influência que o intelectual poderia desempenhar ao exercer
atividade relacionada a cargo público, parece ter vislumbrado naquela esfera um dos
principais difusores da consciência crítica.
Entendendo que a cultura no sentido de um conjunto de manifestações
artística, conjuntamente com a atividade educacional, pudesse aproximar a massa
da população a realidade do país, esta esfera passou a ser paulatinamente realçada
e estimulada por vários isebianos e centralmente por Viera Pinto.
Nunca é demais lembrar, que o próprio ISEB foi gestado como instituto no
interior do ministério da cultura, e nesse sentido sem desconsiderar a atividade
política como necessário como mecanismo eficiente e necessário na implementação
do desenvolvimentista, o pensamento hegemônico entre os isebianos, parece ter
sido em uma aposta que o instituto pudesse desempenhar um papel de bastante
autonomia em relação ao Estado.
Inegavelmente entre indas e vindas no Instituto, entre cisões e disputas,
mudanças de rumo, o Instituto funcionou autonomamente até ser fechado pelo
governo autoritário dos militares em 1964.
Sintomático em relação à natureza do instituto, é o fato de que no que pese
muitos dos seus integrantes, terem flertado com a política, e engrossado a fileira de
partidos políticos, o Instituto nunca assumiu de fato uma relação dependente com a
política, e na opção entre o exercício blico e a atividade intelectual, a escolha
sempre pendeu para o lado da segunda opção.
Como fato ilustrativo da opção dos isebianos pela cultura, cita-se episódio
ocorrido, ainda no governo JK, quando este se sentindo em débito com os isebianos,
procura abrir as portas para atuação daqueles estudiosos componentes do instituto:
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103
É certo que JK se considerava em débito com os isebianos, especialmente
pelo apoio dado a ele na campanha presidencial e na posse. Isso fez com
que ele fosse receptivo às demandas colocadas por Roland Corbisier, por
exemplo: o presidente endossa as mudanças realizadas nos estatutos do
ISEB por esse intelectual. Além disso, JK concede ao ISEB uma existência
concreta ao alugar e reformar a mansão da rua das Palmeiras que abrigaria
as atividades do instituto. Por razões de natureza política, portanto, os
intelectuais do ISEB, devido ao apoio dado a JK, poderiam ocupar funções
políticas, mas eles rejeitaram: em nome (i) da sua manutenção dentro de
um espaço construído por eles na esfera da cultura ou (ii) por defenderem
uma atuação mais autônoma em relação ao Estado. ( PEREIRA , 2002 p
210 )
Pertinente parece ser se fazer uma discussão sobre a importância da esfera
da cultura para os isebianos e especificamente para Álvaro Vieira Pinto.
Evidentemente cultura aqui não é entendida somente em seu sentido antropológico,
de toda produção humana de determinada sociedade, mas principalmente em seus
aspectos que engloba também as manifestações artísticas.
Para os intelectuais do ISEB e principalmente para Álvaro Vieira Pinto, a
cultura funcionaria como elemento difusor da consciência crítica.
Primeiramente porque o clamor pelo nacionalismo, em muitos isebianos,
passa pela crítica ao artificialismo imitativo, característica da consciência ingênua,.
usando a linguagem de Vieira Pinto.
A dependência do país na dialética fundamental estabelecida por Pinto, entre
nações desenvolvidas e subdesenvolvidas não se restringe ao âmbito econômico, se
traduzindo como foi realçado anteriormente, em problemas além do econômico,
políticos, culturais e até demográficos.
Especificamente em relação à questão cultural, para os isebianos ela deveria
ser encarada como projeto. Um projeto transformador, que não procura romper
com as características imitativas e artificiais da realidade cultural brasileira, mas que
ao romper com aquelas características contribuísse também para transformações
econômicas e sociais.
Assim os pensadores do ISEB acabam por colocar a cultura brasileira em um
novo patamar interpretativo. Aqui a cultura não basta ser expressão autêntica de seu
povo, ela precisa ser concebida também como um projeto de transformação. Tem se
aqui a idéia de cultura como um vir a ser.
34
34
Evidentemente deve-se lembrar que no seu início O ISEB se constitui em um instituto bastante
heterogêneo, e provavelmente nem todos os seus membros voltavam suas preocupações para a
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Inegavelmente serão os isebianos que introduzirão no debate cultural
brasileiro conceitos como de “autenticidade cultural” versus “cultura alienada”, ou
colonialismo cultural versus nacionalismo.
Somente para mencionar um exemplo neste instante, o que seria a estética
da fome proposta pelo movimento cinema-novista, senão uma contundente tentativa
de mostrar a situação de colonialismo e cultura alienada que vivenciava o país
naquele momento.
Na concepção do cinema novo está posta toda uma tradição de pensamento,
que opõe colonizado a colonizadores, no estilo mais contundente da proposta da
violência como forma de libertação nacional nos moldes proposto, por exemplo, por
Franz Fanon (1979) ou Albert Memmi (1977).
35
Em 1965 em congresso cinematográfico em Genova, criticando o
paternalismo do europeu em relação ao terceiro mundo e mostrando que o europeu
se interessava pela arte do subdesenvolvimento, quando esta satisfazia a
nostalgia do primitivismo do homem de país desenvolvido, Glauber Rocha propõe
uma estática da fome.
36
Em oposição ao primitivismo idealizado e nostálgico do primeiro mundo,
destacam-se alguns trechos do texto manifesto de Glauber:
A fome latina (...) não é somente um sintoma alarmante: é o
nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do cinema
novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa
maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.
De Aruandas a Vidas Secas, o cinema novo narrou, descreveu,
poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens
comendo terra, personagens comendo raízes, personagens roubando para
comer, personagens sujas, feias, desencardas, morando em casas sujas,
“cultura”, mas é inegável que pelo menos em sua última fase, a questão cultural passa a ser focada
de forma hegemônica no seu interior. Uns mais outros menos resvalam para esta questão, e como
deve ficar nítido neste trababalho, Álvaro Vieira Pinto se enquadra entre aqueles que mais se
preocupam , se não for de fato o que mais “mergulha” na discussão.
35
O livro de Fanon (1979) Os condenados da terra, bem como o livro de Albert Memmi (1977)
Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador animaram corações e mentes de toda
uma geração na luta contra o colonilaismo, inclusive vale lembrar que o livro de Memmi tem como
tradutor e prefaciador o isebiano Roland Corbisier
36
Como se introduz aqui como um elemento a mais de discussão a questão cinematrográfica,
Glauber Rocha e o movimento do cinama novo é importante entnde-lo como um movimento mais
amplo no interior da sociedade brasileira:” O cinema novo é parte de uma corrente mais larga e
profunda que se exprimiu igualmente através da música, do teatro, das ciências sociais e da
literatura. Essa corrente- composta de espíritos chegados a uma luminosa maturidade e enriquecida
pela explosão ininterrupta de jovens talentos foi por sua vez expressão cultural mais requintada de
um amplíssimo fenômeno histórico nacional” (GOMES 1996 p 100 ).
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feias, escuras; foi esta galeria de famintos que identificou o cinema novo
com o miserabilismo tão condenado pelo Governo, pela crítica a serviço dos
interesses antinacionais, pelos produtores e pelo blico- este último não
suportando as imagens da própria miséria (...) O que faz do cinema novo
um fenômeno de importância internacional foi justamente seu alto vel de
compromisso com a verdade; foi seu próprio miserabilismo, que, antes
escrito pela literatura de 30, foi agora fotografado pelo cinema de 60; e , se
antes era escrito como denúncia social, hoje passou a ser discutido como
problema político...
Nós compreendemos esta fome que o europeu e o brasileiro na
maioria não entende. Para o europeu é um estranho surrealismo tropical.
Para o brasileiro é uma vergonha nacional. Ele não come mas tem
vergonha de dizer isto; e sobretudo, não sabe de onde vem esta
fome.Sabemos nós- que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes
gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto- que a
fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos
do tecnicolor não escondem mas agravam seus tumores.assim, somente
uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se
qualitativamente : e a mais nobre manifestação cultural da fome é a
violência. (Rocha, 2004 p 65-66)
Ora, esta concepção da arte tal como posto pelo longo trecho acima, que
entretanto é apenas uma parte do manifesto, está centrado na necessidade de
induzir a arte da própria realidade, portanto buscando uma autenticidade, em
oposição a uma arte alienada, como também opõe colonizadores a colonizados.
Todos estes elementos não deixam de ser elementos presentes na
concepção Isebiana sobre o problema da cultura, que não fica para os isebianos
somente restrito ao campo da cultura, mas permeia a discussão sobre economia,
sociedade, política e outros elementos da realidade.
Não se pode afirmar categoricamente que todos os artistas “engajados”
tenham tido uma relação intrínseca com o Instituto, nem mesmo que, por exemplo,
Glauber tenha travado diálogos com os pensadores do Iseb, hipótese que também
não pode ser desconsiderada, porém inquestionavelmente as idéias estavam em
circulação e o ISEB era certamente um grande reprodutor de ideais, senão um
próprio fabricante, ainda que muitos o considerassem fabricante de ideologias ou de
mistificações.
37
Compartilhando o argumento de que os isebianos refundam a discussão
cultural no Brasil e passam a desempenhar papel balizador neste quesito, escreve
Ortiz:
37
Sobre a crítica aos isebianos como fabricadores de “ideologias” ou de “ilusões” ver: TOLEDO (1978
) e CARVALHO FRANCO ( 1978 )
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 106
106
Quando, nos artigos de jornais, nas discussões políticas ou acadêmicas,
deparamos com conceitos como “cultura alienada”, “colonialismo” ou
“autenticidade cultural”, agimos com uma naturalidade espantosa,
esquecendo-se de que eles foram forjados em um determinado momento
histórico, e creio eu, produzido pela intelligentsia do ISEB. Penso que não
seria exagero considerar o ISEB como matriz de um tipo de pensamento
que baliza a discussão cultural no Brasil dos anos 60 até hoje (ORTIZ 1994
p.46)
Foi Vieira Pinto indiscutivelmente uns dos intelectuais do período dos anos
cinqüenta-sessenta a mais apostar na luta “cultural”.
Quando Vieira Pinto está elencando os predicados da consciência crítica e
discorre sobre o último e talvez o mais forte deles o de nacionalidade, estabelece um
sub-item intitulado: a nação como origem de significações e a fundação da cultura
brasileira (PINTO1960b, p.404).
Naquele sub-item se mostra como o desenvolvimento econômico pode
alcançar o país em um plano do universal, e que sua arte também pode se colocar
de igual para igual a outros países, por que caso contrário a arte nativa é encarada
como pitoresca e exótica e o país subdesenvolvido acaba se reconhecendo na
arte dos outros países:
Enquanto a sociedade não tem recursos materiais que lhe sirvam de
fundamento para elaborar a sua percepção geral da realidade, não se
pensa a si própria como ser universal, e por isso não dispõe de perspectiva
sobre a totalidade, não tem meios para alçar os produtos da sua criação
primitiva, os estilos originais dos artistas nativos, à condição de modalidade
de arte diferenciada e independente. Nesse período tudo o que o seu gênio
nacional cria constitui mero objeto de curiosidade para o gosto
metropolitano. Para existir cultura nacional em grau superior é preciso haver
consciência configuradora da totalidade da realidade. assim cada objeto,
cada fato natural ou produto da invenção artística recebe dessa fonte
sentido e intenção (PINTO 1960 b p.406-407).
Vieira Pinto continua o raciocínio mostrando que tão logo a nação
hegemônica perde o seu domínio econômico sobre a dominada passa a reconhecer
também nela uma “maioridade” cultural que ainda não reconhecia.
De alguma forma, portanto a autonomia cultural parece estar relacionada a
certo nível de desenvolvimento econômico, pois em momento de extrema
dependência econômica, acaba-se por ter-se uma ânsia imitativa mais acentuada,
ou seja, quanto maior o grau de dependência econômica maior também é grau de
“dependência” cultural.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 107
107
Por este motivo, o de associar desenvolvimento econômico e independência
cultural, é que um isebiano como Rolando Corbisier ao proferir conferência sobre
Formação e problema da Cultura Brasileira, vai afirmar categoricamente que antes
da semana de arte moderna de 22, tínhamos no Brasil uma pré-história, não nos
vendo com nossos próprios olhos, mas com o olhar do estrangeiro.
Acentuando nossa condição de subalternidade até 22, enfatiza Corbisier:
Permanecemos assim até 22, nessa posição subalterna, de colonos, de
meros consumidores dos produtos industrais e culturais estrangeiros, na
condição de “proletário externo”, para usar a expressão de Toynbee. A partir
de 22, porém, e especialmente a partir de 30, que também foi
prolongamento de 22 no plano político, o Brasil começou a despertar e a
tomar consciência dele próprio. Ao processo de industrialização e de
criação do mercado interno, que se deveria intensificar especialmente
durante a última guerra mundial, acrescentou-se, paralela e
simultaneamente, todo um trabalho de pesquisa e de conhecimento da
realidade e dos problemas brasileiros. E também o que temos de autêntico,
em arquitetura, em pintura, em romance, em poesia, data de 30, da crise e
da revolução de 30. (CORBISIER 1960 p.46-47)
.
Para falar de nossa “maioridade” cultural que acompanha certo
desenvolvimento econômico do país, não se pode deixar de mencionar, vários
movimentos culturais que emergem no país nos anos cinqüenta, como o teatro
oficina e o teatro de arena, o cinema novo, os centros populares de cultura (CPCs)
ligados a UNE, o MPC, movimento de cultura popular em Pernambuco. Estes,
para não mencionar os movimentos musicais como a bossa nova e posteriormente o
Tropicalismo.
38
Estes movimentos parecem estar relacionados de uma forma ou de outra a
um processo de industrialização no país acompanhados de uma crítica ao poder das
oligarquias e escorado em uma esperança em um movimento de massas que ao
menos se coloca o país em outro patamar econômico.
Não se pode deixar de perceber que existe em todos eles um conteúdo
acentuadamente crítico ao sistema ainda vigente no país coroado pelo ainda
domínio de velhas oligarquias, e de alguma maneira estava colocado certo
engajamento do artista e a arte encarada como instrumento de politização.
38
Pereira (2002) mostra a partir de depoimento de Carlos Estevam Martins, como se gestou a relação
do CPCs com o ISEB. O desejo maior dos cpcs era estabelecer uma relação direta com as massas
populares por meio do teatro. Quando resolveram montar um espetáculo mostrando de forma didática
como funcionava a exploração capitalista intutulado A mais valia vai acabar, seu Edgarresolveram
consultar alguém do ISEB para obter explicações necessárias para a montagem da peça.A partir
deste epsódio houve uma troca dinâmica ente CPC e ISEB.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 108
108
Em alguns movimentos emergentes nos anos cinqüenta existia uma proposta
muito próxima dos Isebianos, no sentido de propor uma independência em relação
ao Imperialismo, principalmente ao Imperialismo “cultural”.
No caso dos movimentos artísticos relacionados ao movimento estético do
nacional e do popular, o qual podemos tranquilamente incluir o movimento dos
CPCs e o teatro de Arena nos mostra Ridenti:
Certos críticos, já distanciados muitos da ebulição cultural brasileira da
década de 60, entendem que o movimento estético do nacional e do
popular, que se autoproclamava revolucionário, na verdade não propunha a
ruptura com o capitalismo, mas a independência do imperialismo cultural”.
Isto é propunha-se o desenvolvimento autônomo da tradição do povo”
brasileiro, o que implicaria, ao menos num primeiro momento, o
funcionamento au tóctone do capitalismo brasileiro, sustentado por um
mercado interno em que a riqueza tivesse uma distribuição eqüitativa.
(RIDENTI, 1993)
Haveria, naquilo que se convencionou chamar de nacional-popular uma
opção “realista” por mostrar as reais condições da gente mais desfavorecida,que
retrata o homem do interior, o camponês, o trabalhador urbano, o favelado, e muitas
outras figuras representativas do povo brasileiro.
As formas das manifestações artísticas relacionadas ao nacional-popular
eram muitas vezes afrontosa e direta como forma de esclarecer o público classe
média a verdadeira situação do homem brasileiro, e ao esclarecer a verdadeira
situação do povo, poderia pelo menos levar ao homem da classe média a sair de
sua condição de cúmplice daquele sistema e o levar a atitudes mais criticas.
A concepção dos movimentos de características engajadas era de que o
artista, não seria um ser vivente fora da sociedade, ou pairando acima dela, mas
uma pessoa que vivia no interior da sociedade e que portanto, deveria produzir e se
orientar pela realidade daquela sociedade da qual fazia parte.
Neste sentido para o homem das artes caberia a opção de alguma forma
tentar interferir nesta realidade e contribuir para sua transformação ou conformar-se
em ser existencialmente amorfo, distante da possibilidade da transformação histórica
e social, que poderia estar em curso.
Não bastava, para os que radicalizavam esta concepção popular somente
mostrar a realidade da sociedade se não fosse de forma explícita e de alguma forma
convidando o espectador à ação.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 109
109
Assim sendo, o intelectual engajado na arte popular deve tomar uma posição
ao invés de manter-se a distância. Mesmo que a obra artística esteja cumprindo um
papel desalienante e mostre a realidade como é, seria preciso ir além, ser o mais
didático possível, afim de que as classes menos abastadas tenham compreensão do
que está sendo retratado.
O jovem intelectual na época, Carlos Estevam Martins, parece ter sido um dos
que mais acreditaram nesta empreitada, valendo lembrar que Martins juntamente
com Wanderley Guilherme dos Santos, foram assistente de Álvaro Vieira Pinto no
ISEB, a convite do próprio Viera Pinto e certamente influenciaram o filosofo nesta
discussão.
É importante ressaltar as boas relações que Carlos Estevam tinha com o
movimento estudantil, principalmente com a edificação do CPC da UNE. Da mesma
forma Vieira Pinto, não deixou de ter uma grande influencia e respeito de parte do
público universitário.
Lembrando o que escreveu Martins, mostrando que apesar dos méritos da
arte desalienada, ou seja, aquela que mostra o real, ela ainda era limitada, pois não
caminhava no sentido do engajamento e muitas vezes apenas insinuava ao invés de
ser explícita:
A atitude que estamos condenando e que é um vício de uma
posição em princípio correta, freqüentemente leva à idéia de que a cultura
pode exercer a função de testemunho dos males sociais, a ela
competindo, portanto o papel passivo de contemplar o que se passa na
sociedade e de registrar suas impressões num livro de ocorrências à
disposição dos interessados. Esse equivoco é ainda levado ao extremo
quando o artista e o intelectual resolvem superestimar a lei segundo a qual
a infra-estrutura da sociedade não pode ser reproduzida em termos culturais
sem sofrer um processo de tradução que transplante para uma outra
linguagem, o modo como os fenômenos materiais se apresentam em sua
realidade crua. Nesta recriação cultural de processos materiais o artista e o
intelectual, que exageram sua fidelidade aos princípios que regem seu
“métier”, procuram ocultar o mais que podem sua própria posição diante do
contexto que estão traduzindo. Acreditam que é preferível manter-se à
maior distância possível e se esforçam por atingir uma imparcialidade tão
absoluta que apague da obra qualquer vestígio capaz de denunciar a
existência do autor. (MARTINS 1963 p 22-23)
A cultura popular, segundo Carlos Estevam, tem que ir muito além de mostrar
os fatos, deve contribuir para a conscientização política, que deságua na própria
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 110
110
ação política, feita pelo próprio povo, no movimento de tomada do poder na
sociedade de classes. Como explicita o autor :
A cultura popular, essencialmente, diz respeito a uma forma
particularíssima de consciência: a consciência política, a consciência que
imediatamente deságua na ação política. Ainda assim, não a ão política
em geral, mas a ação política do povo. Ela é o conjunto teórico-prático que
co-determina, juntamente com a totalidade das condições materiais
objetivas, o movimento ascensional das massas em direção à conquista do
poder na sociedade de classes (IDEM p 28-29)
Para os artistas adeptos dos movimentos populares, que talvez tenham nos
CPC seu maior representante enquanto movimento estético, tem sentido se falar
em arte se esta, de alguma maneira, se relaciona diretamente com a estrutura da
sociedade.
O artista livre de fato seria aquele que consegue se posicionar sobre as
questões sociais da sociedade a que pertence. É um ser livre e ativo, pois,
esclarecido sobre o mundo que vive consegue esclarecer a outrem. Por mostrar as
pessoas à verdadeira realidade, estes artistas se consideram construtores de uma
arte revolucionária.
Este ideário artístico está contundentemente demonstrado no Anteprojeto do
manifesto do Centro Popular de cultura de 1962. No trecho, transcrito abaixo, se
percebe o grau da necessidade de tomar posição, e mostrar as reais condições de
existência do povo além da crítica que se faz ao artista que adota perspectivas
estéticas sem conexão com sua realidade:
A arte revolucionária desqualifica toda e qualquer arte que leva ao
público o desentendimento dos quadros reais da existência, que em lugar
de fornecer a definição das verdadeiras forças motrizes que em em
movimento os povos e sua história, que em lugar detectar tudo que é ação
decisiva operando no sentido de transformações globais, tem a oferecer,
como sucedâneo da própria perplexidade em que está afundada, a mentira
vital e as alucinações da imaginação que não têm suas raízes fincadas em
solo concreto. Para esta arte, fora do inconseqüente borboletear em torno
do efêmero e do irrelevante, não existe outra porta além daquela que abre
para fora do mundo e oferece uma saída à custa da voluntária renúncia
ávida, da reclusão do artista no interior do seu próprio eu, condenado daí
por diante a só saber dizer o que se passa em um outro mundo
transcendente ao nosso, menos importante ainda que seu mundo interior. (
Manifesto do Centro Popular de Cultura IN HOLLANDA 2004 P.165 )
Existia a idéia, para muitos intelectuais e artistas, que o desenvolvimento e a
independência econômica trariam condições melhores de vida para os brasileiros.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 111
111
Entretanto, este desenvolvimento não ocorreria por acaso, mas incluía um
grandioso esforço, por parte das camadas intelectualizadas, para fomentar-se um
ideário que contribuísse para tal empreitada.
Neste sentido não são casuais as relações entre estes movimentos culturais e
os isebianos. Na realidade alguns movimentos são decorrência direta de propostas
isebianas. Especificamente os CPCs da Une, e o movimento de Cultura popular, no
Recife beberam muitas de suas propostas no manancial isebiano, sem mencionar a
influência direta, que algumas personalidades do ISEB, tiveram sobre estes
movimentos. A relação entre o ISEB e estes movimentos culturais é ressaltada
categoricamente por Ortiz:
No início dos anos 60 dois movimentos realizam, de maneira
diferenciada, é claro, os ideais políticos tratados teoricamente pelo ISEB.
Refiro-me ao Movimento de Cultura Popular no Recife e ao CPC da UNE.
Se tomarmos, a título de referência, dois intelectuais proeminentes desses
movimentos, Paulo Freire e Carlos Estevam Martins, observamos que as
relações co o ISEB são substanciais. Carlos Estevam foi assistente de
Álvaro Vieira Pinto e trabalhava no ISEB no momento em que assume a
direção do CPC. As filiações do pensamento de Paulo Freire e o ISEB são
conhecidas.(ORTIZ , 1994 p 48)
A influência do ISEB extrapola os movimentos para o público específico dos
CPCs e da Cultura Popular, em Recife. Pode-se dizer, sem exagerar que a
influência isebiana envereda para todas as áreas da cultura brasileira.
A partir do momento em que, por exemplo, as áreas do teatro ou do cinema
brasileiro buscam ter um componente mais crítico ou engajado, em contraposição a
uma arte mais alienada ou não crítica, no teatro se traduzindo a uma oposição a
teatro de comédia e no cinema na proposta de um cinema novo, que se opõem a um
cinema acrítico sobre a situação de subdesenvolvimento, o diálogo com a teoria do
ISEB se torna inevitável. Recorrendo-se novamente a Ortiz, vê-se que:
[...]a influência isebiana ultrapassa o terreno da chamada cultura
popular, ela se insinua em duas áreas que o palco permanente de debate
sobre a cultura brasileira: o teatro e o cinema. É suficiente ler os textos de
Guarnieri e de Boal sobre o teatro nacional para se perceber o quanto eles
devem aos conceitos de cultura alienada, de popular e de nacional (...) em
algumas passagens, figuras de expressão do ISEB, como Guerreiro Ramos,
são explicitamente citadas nos textos. Não se deve esquecer que esses
textos analíticos formaram a base de um pensamento que informa toda uma
dramaturgia que se desenvolve na época. Na área cinematográfica dois
documentos situam de maneira exemplar a influência isebiana: Uma
situação Colonial, de Paulo Emílio Salles Gomes, e uma Estética da Fome,
de Glauber Rocha. O diagnóstico de Paulo Emílio sobre a alienação do
cinema brasileiro marca toda uma série de análises sobre a problemática do
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 112
112
cinema nacional. Ele ressurge, por exemplo, na proposta de realização de
um cinema novo. ( IDEM p.48-49)
Acusados por muitos de estarem do outro lado dos CPCs, Do MCP, do teatro
de Guarnieri e Boal ou dos manifestos de cinema Uma situação colonial e Uma
estética da Fome, estariam os denominados “vanguardistas” ou “formalistas”por
esquecerem-se das reais condições de existência do povo e desviarem o foco para
o progresso técnico e conseqüentemente com conteúdo social reacionário.
Em um ensaio escrito, mais ou menos, no calor dos acontecimentos em
1969, Roberto SCHWARZ (1978), além de defender a tese de que existia, apesar de
ditadura de direita, uma relativa hegemonia cultural de esquerda, vai separar o joio
do vanguardismo e sua concepção reacionária do trigo do nacional popular,
autêntica expressão das nossas reais condições ou pelo menos com conteúdo mais
afinado com o pensamento de esquerda.
Schwarz valoriza movimentos como o M.C.P. (movimento cultura popular de
Pernambuco), o Centro de Cultura Popular da UNE, e apesar de algumas críticas o
Teatro Opinião. Contrapõe a estes movimentos o Tropicalismo e o Teatro Oficina de
Zé Celso Martinez Correa.
O tropicalismo ele acusa de combinação esdrúxula entre modernidade e
arcaísmo, síntese e fórmula perfeitas da própria ditadura. O Oficina acusa de
parecer libertário, mas no fundo apenas provocar “dessocialização” na platéia e de
exercer apenas o cinismo da cultura burguesa.
Sobre o tropicalismo vaticina Schwarz:
O veiculo é moderno e o conteúdo é arcaico, mas o passado é
nobre e o presente é comercial; por outro lado, o passado é iníquo e o
presente é autêntico; etc. Combinaram-se a política e uma espécie de
exibicionismo social (SCHWARZ 1978 p 74)
Ou ainda na seqüência:
...para obter o seu efeito artístico e crítico o tropicalismo trabalha a
conjunção esdrúxula de arcaico e moderno que a contra- revolução
cristalizou, ou por outra ainda, com o resultado da anterior tentativa
fracassada de modernização nacional (IDEM p.76)
Em relação ao Teatro Oficina diz o crítico de Arte:
O espectador é tocado para que mostre o seu medo, não seu
desejo. É fixada a sua fraqueza, e o o seu impulso. Se acaso não ficar
intimidado e tocar uma atriz por sua vez, causa desarranjo na cena, que não
está preparada para isto (...) parte da platéia identifica-se ao agressor, às
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 113
113
expesas do agredido (...) A dessocialização diante do massacre, a
deslealdade criada no interior da platéia são absolutos, e repetem o
movimento iniciado no palco. Por seu conteúdo, este movimento é
desmoralizante ao extremo; mas como estamos no teatro, ele é também
imagem, donde sua força crítica. O que nelê se figura, critica e exercita é o
cinismo da cultura burguesa diante de si mesma (IDEM p.88)
Para o autor do ensaio Política e Cultura, expressão de movimentos
representativos da autêntica intelectualidade de esquerda seria a “Estética da Fome”
criada por Glauber Rocha, pois ali esta posta a necessidade de libertação do
colonizado perante o colonizador e o romance Quarup de Antonio Callado. Em
Quarup está posta a necessidade da integração do intelectual com a luta social do
povo. Escreve assim Schwarz ao referir-se a Quarup:
Em Quarup, o romance ideologicamente mais representativo para a
intelectualidade de esquerda recente (...) um intelectual, no caso um padre,
viaja geográfica e socialmente o país, despe-se de sua profissão e posição
social, á procura do povo, em cuja luta irá se integrar- se com sabedoria
literária- num capítulo posterior ao último do livro (IDEM p92)
Também Ferreira Gullar procura ser questionador da adoção de posturas
vanguardistas em nossa arte, como por exemplo, o concretismo no campo da
literatura, uma vez que ao imitar-se o que ocorre demais novo na realidade exterior
esqueceriam nossos artistas que não existe uma perfeita equivalência cultural entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos, e pelo contrário estes podem estar a
em situação de antagonismo.
Nada melhor que transcrever o próprio autor para o entendimento do seu
argumento:
O concretismo reflete, da parte de seus teóricos e promotores, a
ignorância de um fato básico: que não uma equivalência cultural perfeita
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, uma vez que o processo
de formação e desenvolvimento destes países não é idêntico e que suas
problemáticas respectivas diferem, não obstante uma série de fatores gerais
comuns que definem a atualidade internacional. Essa identidade que pode
ser vista como a soma de problemas comuns, é quase sempre a expressão
de antagonismos no plano econômico e ideológico. Se é certo que esses
antagonismos não se transferem para o plano da literatura e da arte, é certo
também que a arte e a literatura-esta mais que aquela- guardam
peculiaridades nacionais que estão na origem. Nos países
subdesenvolvidos, essas exigências nacionais são particularmente
atuantes. Razão por que não tem sentido pretender levar às últimas
conseqüências o formalismo vanguardistas europeu, uma vez que se trata
de uma problemática alheia à nossa realidade, decorrente de uma visão
histórica insubsistente num país como o nosso e que, mesmo nos países
capitalistas desenvolvidos, pertence ao passado. (GULLAR, ¨2006 p.198)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 114
114
De alguma maneira parece que ser de esquerda naquele momento, é
denunciar o colonialismo e o imperialismo cultural, é tomar partido do nacional e do
povo, e estar ao lado da soberania. A arte deve ser engajada, esclarecedora e
nunca alheia a realidade nacional.
Em um contexto de descolonização são muitos os autores que vão propor
uma conjugação da luta de libertação nacional e uma luta pela soberania cultural.
Autores como Franz Fanon, por exemplo, que olham para as mazelas da
colonização sobre a África, e se aproximam muito das propostas de uma arte
nacional e de se pensar a realidade a partir da questão nacional, assim estão
próximos da proposta dos isebianos, ainda que estes não tenham lido o autor
frânces, mais interessante ainda se faz aproximação pois seriam personagens
distantes geograficamente, mas próximos pelo contexto de suas épocas.
Escreve Fanon no seu celebre Os condenados da Terra:
A responsabilidade do homem de cultura colonizado não é uma
responsabilidade perante a cultura nacional mas uma responsabilidade
global perante a nação global, da qual, no fim das contas, a cultura não é
senão um aspecto. Não deve o homem de cultura colonizado preocupar-se
com escolher o nível de seu combate, o setor em que resolve travar o
combate nacional. Bater-se pela cultura nacional é em primeiro lugar bater-
se pela libertação da nação, matriz material a partir da qual a cultura se
torna possível. Não um combate cultural que se desenrole ao lado do
combate popular (FANON 1979 p194)
Mas no Brasil será que o “autêntico” nacional-popular, e os movimentos
vanguardistas como o concretismo na palavra e o tropicalismo na sica estariam
assim em campos tão assimetricamente opostos? Não existe entre eles um diálogo
que usa como mediação a questão do desenvolvimento?
Afinal saudar o progresso e o avanço industrial pode ser também uma forma
de criticar ralações sociais pautadas ainda por uma visão de capitalismo dependente
que agregou acúmulo de capital com relações pretéritas de dominação, pautadas
por personalismo e ausência de competitividade.
Quando Tom Zé, por exemplo, considerado de certa maneira vanguardista
por ser uma importante referência no quadro do tropicalismo, compõe Parque
industrial e canta que: “o avanço industrial vem trazer nossa redenção”, para além
da ironia, não há de fato alguma esperança de que a introdução de elementos
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 115
115
“modernos” na realidade brasileira possa mudar de alguma forma, pelo menos o
panorama cultural brasileiro?
Parece haver por parte de ambos os lados, vanguardistas ou nacional-
popular, uma crença nas possibilidades de mudanças que o desenvolvimento
nacional pudesse trazer. Ainda que esta crença pudesse estar equivocada na
medida que o subdesenvolvimento aparentava ser uma etapa prestes a ser
superada, ambos os movimentos esperavam contribuir para superar o
subdesenvolvimento e o atraso.
Heloisa Buarque De Hollanda em trabalho sobre movimentos culturais na
década de sessenta nos alerta sobre o concretismo que nitidamente é classificado
de vanguardista, mostrando que ali também havia uma certa utopia
desenvolvimentista:
A utopia desenvolvimentista marcou profundamente a atuação do
concretismo. Seu movimento era o de atualizar a modernização, trazer para
o processo cultural brasileiro informações dos grandes centros, divulgar
alguns de seus principais teóricos, escritores, poetas. Mas ainda que
movida por um equívoco- a suposição de que esta informação estaria
atuando para uma atualização do desenvolvimento, para a formação de
uma ambiente cultural adequado à realidade de um país prestes a tornar-se
desenvolvido -, a ação da vanguarda concretista foi fundamental para o
debate cultural brasileiro. O concretismo, como preocupação e produção
teórica, abriu um espaço de discussão inédito, interditado, inclusive, pelo
populismo. (HOLLANDA 2004 p. 47)
Não fica em campo oposto a visão de Renato Ortiz, ao desmistificar a idéia de
que os poetas concretistas tivessem abraçado idéias de internacionalismo sem
nenhuma preocupação com o país. Para o autor de A moderna tradição brasileira,
está presente no movimento a questão nacional, bem como a necessidade de
projeto, elementos que na verdade são ressaltados pela primeira vez pelo
movimento modernista da década de vinte:
Muitas vezes, a discussão entre os poetas concretistas e os setores
ditos nacionalistas é apresentada como se os primeiros fossem realmente
os críticos da questão nacional, abraçando a causa da internacionalização.
Esquece-se, porém, que a própria idéia de “vanguarda construtiva e
planificada” encerra em si a noção de um movimento cultural; como este
Plano Piloto da Poesia de Décio Pignatari, que nos lembra tanto as
exigências da época, a construção de Brasília e seu Plano Piloto. O próprio
Haroldo de Campos, inspirando-se no conceito de redução sociológica de
Guerreiro Ramos, propõe um “nacionalismo crítico” no campo da arte, onde
seria possível reinterpretar, numa situação nacional, o dão técnico e a
informação universal (ORTIZ, 2006 p.109)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 116
116
Percebe-se assim que existiam muito mais elementos a aproximar,
vanguardistas e nacionalistas bem como os pensadores do ISEB do que muitas
vezes se ressalta.
Além do mais, nem os nacionalistas populares e nem os vanguardistas estão
isentos de críticas em virtude de suas concepções e crenças. Existem equívocos e
ingenuidades em ambos os campos.
São bem conhecidas as críticas que se fazem aos nacionalistas, seja no
pensamento ou na arte de escamotearem as relações de classes, os conflitos
sociais e fazerem da questão nacional uma panacéia que resolveria todas as
mazelas da sociedade brasileira.
Aos nacionalistas além de se imputar a culpa por esconder as diferenciações
sociais sobre o manto do nacional, também se acusa de valorizar qualquer tipo de
manifestação desde que fossem realistas e mostrassem a verdade, assim o talento,
o sutil e o belo ficam relegados a segundo plano. Também se crítica nos
nacionalistas o sentimentalismo e o ufanismo em relação à nação.
Mas em relação aos vanguardistas, também não se constituiria enorme
ingenuidade crer que as suas descobertas estéticas estão á frente da sociedade?
Não haveria aqui entre os vanguardistas uma miopia, ao supervalorizar –se as suas
descobertas, como se estas também, de alguma maneira, não estivessem
direcionadas a interesses específicos nem que fosse o próprio mercado ?
Cantada em verso e prosa a crítica feita ao pensamento nacionalista de
escamotear as relações de classe, e sendo assim muitos artistas que focam esta
questão nacional entraram neste rol de acusações. Por outro lado muitos
vanguardistas ao substituírem a questão nacional, pelos ícones do mercado, como a
propaganda, não estariam fazendo o mesmo de forma ainda mais acentuada ?
Enio Squeff, tomando como exemplo os argumentos do concretista Décio
Pignatari em favor da obra-publicidade mostra que:
Compreende-se que Decio Pignatari defendesse a propaganda
como uma vendedora de ilusões que pressionariam o sistema. A visão de
um produto inacessível, o trabalhador exigiria mais de seu patrão. O
raciocínio é, em tudo, igual ao de um ministro da fazenda que, ao descartar
a hipótese de agravar o capital, afirmava ser fundamental a existência de
uma classe abastada e intocável ao lado dos assalariados cada vez mais
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 117
117
premidos por impostos: a emulação subsistiria na sociedade de mercado
pelas diferenças abismais entre as classes; seria a sua razão de ser. O
mesmo com a propaganda. Na medida em que colocasse a possibilidade de
alcançar o produto a ser consumido, ela também seria democratizante. O
poeta Decio Pignatari nunca questionou o fato de que não é preciso a
publicidade para desencadear a luta de classes e que, pelo contrário, ao
colocar a hipótese da ascensão sem questionar o sistema, a propaganda
faz exatamente o inverso: tentar escamotear a realidade de que o acesso a
certos bens é impossível a quem ganha o salário mínimo (Squeff & WisniK
2004 p.85)
Ao valorizarem em demasia o papel da propaganda, também poderiam cair
em outra armadilha contraditória, que adviria do fato de então estarem não na
vanguarda da sociedade, mas caudatária desta, uma vez que a explosão da
publicidade seria de uma forma ou de outra, resultado do próprio desenvolvimento
econômico da sociedade. Como continua mostrando Squeff:
[...]persistiria o fato de que foi a publicidade, ou antes, o papel que
certos intelectuais passaram a desempenhar no processo a razão de sua
posição ideológica, e não o contrário. Mas vem daí que o equívoco da
vanguarda literária e musical radica precisamente na confusão dos termos
de seu próprio papel nas sociedades. Por não questionar sobre sua função
no processo desenvolvimentista- o que redundaria certamente numa
avaliação do desenvolvimentismo juscelinista em si mesmo- a vanguarda
brasileira da década de 50 e inícios de 60 deixou-se levar pelo entusiasmo
de sua própria perspectiva algo reducionista. Se a arte acompanhasse pari
passu o progresso na sua mecânica de inventiva compulsória, Poe este
mesmo caminho viria a reboque a sociedade; a verdade da vanguarda não
estaria na mensagem nova que lançasse, mas na própria dinâmica da
sociedade, que teria sido identificada pela vanguarda e que os países por si
mesmos descobririam no instante que trilhassem o caminho do progresso
(IDEM p.86)
Colocada esta discussão sobre as concepções artísticas do período, e
percebendo que havia elementos de aproximação, mas também de distanciamento
entre vanguardistas e adeptos do nacional popular, e por outro lado que ambas
correntes carregavam para além daquilo que havia de pertinente e inovador
fragilidades no modo de conceber a atividade cultural parece ser claro que Viera
Pinto mais do que qualquer isebiano vislumbrou na cultura popular um caráter
emancipátorio.
Vieira Pinto compartilhava com outros isebianos, principalmente com Roland
Corbisier a concepção de que de traços como a imitação, a transplantação, o desvio
das questões relativas ao país, e a incorporação de estéticas metropolitanas,
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 118
118
foram e continuavam sendo passível de superação com o próprio desenvolvimento
econômico.
Assim é possível se vislumbrar uma cultura e arte autêntica, após alguns
graus de desenvolvimento e neste caso, Vieira Pinto provavelmente assinaria em
baixo a tese de Corbisier que antes de 22 tínhamos uma pré-história da cultura
brasileira. A idéia é de que quanto mais dependente o país é economicamente, mais
inautêntica são suas formas de manifestações artísticas e culturais.
A sociedade em desenvolvimento começa a se mostrar ávida por cultura, e se
em um primeiro momento passa a buscar inspiração em cenários alienígenas ao
seu, logo passa a buscar inspiração dentro de si, e os estilos, literários,
arquitetônicos, cinematográficos e até mesmo filosóficos entram em ebulição e
assumem um caráter púbere e inédito, olhando e dizendo respeito à nação.
Entretanto, se a própria realidade nacional trata de deixar superada a obra
daqueles que praticavam o mimetismo cultural, buscando inspiração no que
produziam as classes abastadas das regiões metropolitanas, pois a seleta cultura
nacional resulta da realidade nacional, Veira Pinto nos chama atenção, que é com
olhar dialético que se deve enxergar esta questão.
É necessário olhar dialeticamente, pois ao mesmo tempo em que a cultural
nacional e resultado da realidade nacional, esta cultura também pode e deve
desempenhar um a papel ativo sobre o processo de desenvolvimento. Assim como a
filosofia do desenvolvimento pode contribuir para o desenvolvimento a arte nacional
também tem uma extrema colaboração neste sentido.
Faz-se importante dar voz ao autor ainda que em longo trecho para se
perceber quão contundente ele é nesta dialética da cultura:
A cultura nacional o deve ser entendida apenas como expressão
resultante das condições da existência nacional, pois constitui fator
eminentemente ativo do processo de desenvolvimento pelo qual se
engendra essa própria existência. Sendo autêntica, nela se refletem, nas
modalidades e estilos que assume, as reivindicações populares, nela se
manifestam os projetos de ação social que a comunidade sugere, nela vêm
a luz os novos valores, os ideais nascentes que começam a reclamar
vigência na consciência coletiva. Neste sentido deflui da cultura um efeito
positivo sobre o processo do desenvolvimento, o qual é decisivamente
influenciado pelas representações ideológicas, pelas teorias, idéias e
exigências artísticas que esse mesmo processo permite se produzirem. Há,
pois, uma relação dialética de ação recíproca entre os aspectos espirituais
do desenvolvimento, representados pelas idéias e produtos da criação
cultural, e os aspectos materiais em que se corporificam as transformações
da realidade. Será tanto mais rica, extensa e original a cultura do povo
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 119
119
quanto mais adiantado o desenvolvimento das suas condições materiais de
existência; mas, reciprocamente, quanto mais consciência adquirir da sua
personalidade cultural, mais identificado se sentir com os objetos da sua
criação científica ou artística, melhores recursos terá para compreender a
sua realidade, e portanto mais eficazes instrumentos para nela intervir,
modificando-a em seu proveito. Com o progresso do desenvolvimento, vai
surgindo a consciência crítica mais rigorosa, exigente e exata (PINTO
1960b p. 506)
É justamente a cultura do povo, que exprime e unifica esta consciência crítica.
A cultura popular exprimindo a consciência crítica ao mesmo tempo em que resulta
do desenvolvimento contribui para que este ocorra em grau mais acentuado, esta é
aposta do autor de Consciência e realidade nacional.
Enquanto alguns do ISEB, como Roland Corbisieir, filiavam-se a partidos
políticos (Corbisier disputou eleição pelo PTB) e logo se desiludiam com o partido,
ou como outros que criticavam a incapacidade de renovação de métodos no partido
trabalhista que o afastava da massa trabalhadora, caso de Guerreiro Ramos, Vieira
Pinto ao invés de vislumbrar no partido o agente de transformações aposta e se
aproxima da UNE e dos CPCs, defendendo vigorosamente a importância da cultura
popular para a “libertação’’ dos grilhões de dependência, o que, aliás, o levou a
experimentar um sentimento que poucas vezes tivera na vida, o sentimento de
importância e reconhecimento:
Havia também um aceso debate sobre o caráter, alienante ou
emancipatório, da cultura popular. Vieira Pinto tornou-se reconhecido, aliás
fato raro em sua vida, como teórico do caráter emancipatório contido na
cultura popular. Ganhou as graças da UNE e de seu veículo de intervenção
cultural, o Centro Popular de Cultura, O CPC. (FREITAS 1998 p.30-31)
É inegável que a luta “cultural” bem como a “educacional” buscando
popularizar a educação tem como finalidade incorporação de parâmetros
“ideológicos” (entendendo aqui como arcabouço de idéias e não mistificação) que
contribuísse para a aceleração do tempo ou para uma passagem ao
desenvolvimento. O empenho e o contexto da luta cultural e educacional são
ressaltados por Freitas, ao mostrar como ocorreu a projeção intelectual de Álvaro
Viera Pinto:
Isso se deu a partir do seu empenho público em buscar um roteiro cognitivo
capaz de historiar e instrumentalizar as idéias necessárias à aceleração do
tempo. Naquele contexto, muitos intelectuais supunham que a intensificação
das reformas de base haveria de pôr em questão a própria estrutura de
poder político montada sobre compromissos locais, através dos quais o
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 120
120
mais atrasado continha o mais moderno. A expressão revolução brasileira,
herdada do tenentismo, a partir dos anos 50 foi retomada assumindo outros
significados. A mudança de sentido (teórico, político, partidário, etc.) dava-
se pela incorporação de novos parâmetros para a análise econômica, o que
influenciava o entendimento acerca da expectativa de se fazer uma
revolução brasileira (FREITAS 1998 p. 31)
Talvez seja no binômio cultura e educação que se assentam os pilares da
consciência crítica de Viera Pinto. A educação é ressaltada várias vezes por Vieira
Pinto, como tendo alta prioridade no tema do desenvolvimento nacional. Educação
entendida não como processo formal desligada da realidade do trabalhador, daí sua
proximidade com Paulo Freire.
Além de o processo educacional ter sido elaborado a partir da realidade social
do educando, este processo deveria focar-se principalmente nas massas
trabalhadoras e no setor popular. Denunciando que a escola e principalmente a
universidade, naquele momento, em grande medida eram um reprodutor de
privilégios, pois continham um viés altamente elitista, Vieira Pinto clama:
[...]a educação, consistindo no processo pelo qual se expande e
multiplica a consciência social útil, tem de ser fundamentalmente popular. O
desenvolvimento implica o progresso da consciência, e este se acelera pela
educação, mas para que isto aconteça faz-se preciso que a educação vise à
totalidade das massas trabalhadoras e se descaracterize cada vez mais
como privilégio das elites. A elaboração da teoria educacional exigida pelo
presente como uma das mais difíceis tarefas das forças de vanguarda do
nacionalismo (PINTO 1960b p 502)
E inegável a preocupação de Vieira Pinto com a educação como precipitador
da consciência crítica e a insistência em que esta tinha um caráter social e histórico.
Neste sentido, o educador possuía uma missão e esta ao transformar as
pessoas trazendo-lhes um conteúdo crítico, tinha também como finalidade
transformar a própria nação.
Tal ideário está contido em quase os textos isebianos de Álvaro Vieira Pinto,
mas pode ser também comprovada pela elaboração do texto Sete lições de
educação de adultos (1991). Do Vale nos mostra ao comentar o livro :
Ele insistiu de início, que a educação tinha caráter social e, portanto,
histórico; se a sociedade fosse democrática, os interesses dominantes
teriam de ser os do povo. Assim educação era um fato humano, encontro
entre consciências livres, encontro dos educadores entre si e com os
alunos. Em preparação permanente o educador-junto com o filosofo e o
sociólogo necessitava possuir noção critica do próprio papel, refletir sobre
o significado da vida profissional, as circunstâncias que determinavam a sua
missão e a finalidade de sua ão. Tal finalidade tinha de ser nacional:
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 121
121
transformar a nação. O educador, como o pedagogo, era chamado a
produzir o saber e não a imitar o que em outras nações se produzia. A
alienação do mimetismo ou da transplantação não mais se justificava depois
de a sociedade ter adquirido suficiente consciência de si
Do ponto de vista antropológico-sociológico, Viera Pinto falava ainda do
educador de adultos: como formador da consciência crítica, e o adulto
crítico por sua vez, não aceitaria largar o próprio meio para apenas
satisfazer-se em ser técnico. Na verdade, a atividade educadora,
eminentemente social, era válida se o educando admitisse participar dos
acontecimentos no seu meio vital.(DO VALE 2006 p.119-120)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 122
122
IV- Álvaro Viera Pinto e os intelectuais do ISEB
Nesta parte do trabalho, a finalidade é de se chegar a um entendimento do
papel desempenhado pelo intelectual Álvaro Viera Pinto em particular, e pelos
Isebianos em geral, nas relações que estes travaram no interior da sociedade
brasileira, ao utilizarem-se do instituto como centro divulgador de seus ideários.
A pergunta motivadora deste capítulo, talvez diga respeito à tentativa de
elucidação do tipo de intelectual que eram aqueles integrantes do ISEB que
ousavam refletir sobre a realidade nacional daquele período, ao mesmo tempo em
que propugnavam formas de ações que colaborassem para o desenvolvimento e
autonomia nacional.
Até este momento do trabalho percebeu-se, que os intelectuais que
compunham as hostes do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, de uma forma
mais contundente ou de maneira mais branda, tinham uma nítida proposição de
interferência na realidade nacional, ou dito de outra maneira, acreditavam ser
portadores de uma capacidade de colaborar para fomentar o desenvolvimento
nacional.
Neste sentido, estes intelectuais não cumpriam meramente um papel de
cléricos que se limita a observar a realidade á distância encastelados nos seus
postos de pensadores diletantes.
Tal situação acaba por remeter a uma delicada discussão, que diz respeito ao
papel que o intelectual deve exercer ao analisar a sociedade.Deve este se manter
em um posicionamento de distanciamento, ou deve procurar interferir ao máximo na
realidade exercendo inclusive atividade pública, ou mesmo atividade diretamente
relacionada as “diabólicas forças da política”?
Ao enveredar-se para esta delicada discussão tomando como parâmetro a
questão acima, logo pode vir à mente uma tradição crítica a postura do intelectual
que estaria se desviando de sua posição desinteressada, ao exercer posições
públicas ou políticas.
Esta postura crítica em relação ao exercício de poder por parte do intelectual,
parece ter em Julien Benda, um dos principais expoentes. Em seu clássico texto A
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 123
123
traição dos intelectuais a crítica aos intelectuais que fogem a sua função esta posta
de forma pormenorizada.
Para início de contenda, a própria definição do autor de intelectual remete
ao caráter não prático de tal atividade. Ao introduzir o assunto mostrando que vai
analisar a atividade do intelectual, diz Benda:
[...]estou falando desta classe de homens a que chamarei de intelectuais,
designando assim todos aqueles cuja atividade, na sua essência, não
perseguem fins práticos, mas que procurando satisfação no exercício da
arte ou da ciência, ou da especulação metafísica, enfim, na aquisição de um
bem não temporal, dizem de certo modo: “Meu mundo não é deste mundo”
(BENDA 1999, p.66 in BASTOS E REGO orgs).
Nesta linha de raciocínio, o autor mostra que ao longo de dezenas de séculos,
filósofos, literatos, artistas e cientistas, cumpriam o papel de intelectuais, pois se
opunham formalmente ao realismo das multidões, ficando simplesmente alheios a
paixões políticas, ou por estarem debruçados sobre valores opostos as paixões
políticas, como a questão da natureza humana, da justiça, etc.
Benda mostra que no final do século XIX é que uma mudança crucial
acontece e então os intelectuais desvinculam-se de sua função desinteressada e
passam a fazer o jogo das paixões políticas.
Naquele momento os intelectuais passam a achar legítimo contribuir com sua
sensibilidade artística, se este for alguém que tenha talento para tanto , ou com sua
força argumentativa se este for um pensador, para as causas políticas dos leigos.
Tal postura contribui para o intelectual descer juntamente com o leigo para a
praça pública e além de participar do jogo das ações políticas, pretender ser o porta-
voz das causas dos leigos.
Agindo assim, ocorre a traição da sua função desinteressada de clérico, por
que inclusive este intelectual, passa a ser crítico com aqueles que se fecham dentro
da esfera artística ou científica e se desinteressam pelas paixões da política da
cidade.
Na realidade Julien Benda é originário de uma tradição de pensadores que
enxerga como mais que possível, necessário, fazer uma distinção entre razão e
emoção, o intelectual deve ser nesta concepção um racionalista absoluto, que acima
de qualquer motivação passional coloca os valores do justo, belo, etc.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 124
124
A época que vivenciava o autor de A traição dos cléricos percebeu se tratar
de um período em que a razão teria sido colonizada pela emoção, em outras
palavras, uma época de prevalência de irracionalismos, não sem sentido, ele cita
autores como Nietzche, Bergon, de forma crítica por serem expoente deste
pensamento não racional.
De forma sintética para não se perder de foco a retomada com o diálogo e a
concepção teórica e prática dos isebianos, especificamente de Álvaro Viera, para
Benda os intelectuais estariam acometidos de um espírito de traição por se deixarem
levar pelas paixões.
Indubitavelmente a paixão primordial a contaminar os corações e mentes dos
intelectuais era a paixão política, e quando esta se torna preponderante acaba por
subordinar valores universais a valores específicos, como de uma classe, grupo ou
nação. Carregado de pessimismo, Benda escreve :
E então os intelectuais adotam as paixões políticas. Ninguém de
negar que hoje, por toda a Europa, a imensa maioria de literatos, artistas,
um grande número de cientistas, de filósofos, de “ministros do divino” têm a
sua parte no coro do ódio entre raças, das facções políticas; menos ainda,
haverão de negar que adotam paixões nacionais (IDEM p 67).
Antes mesmo de se iniciar um diálogo crítico com as teses de Benda, por
ora, tomando-se como argumento sólido que ao se moverem por paixões políticas
os intelectuais traem sua função, sendo isto motivo de consternação, cabe perguntar
se os isebianos seriam traidores de suas funções ao descerem a esfera blica e
política da participação no poder político.
É sabido, que de uma forma ou de outra, os isebianos não propunham uma
teoria “desinteressada”, sendo nítida a proposição de um engajamento para
transformação da realidade nacional.
No caso de Álvaro Viera Pinto, como visto no capítulo anterior, este
engajamento vinculava-se muito mais em uma luta na esfera cultural e educacional.
Alguns outros isebianos foram mais explícitos na ânsia de intervenção política
candidatando-se a cargos eletivos, caso de Roland Corbisier candidato a deputado
pelo PTB, ou mesmo Guerreiro Ramos que mesmo não se candidatando,
empreendia um íntimo diálogo com este mesmo partido.
Ora, acautelando-se para não impor-se uma outra acusação aos isebianos,
além daquelas que pesam sobre os membros do instituto, é preciso tentar
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 125
125
compreender que tipo de engajamento estavam propondo e que tipo de intervenção
vislumbravam antes da imposição da pecha de traidores do saber.
Primeiramente para usar a linguagem de Weber(1993) ao analisar a política
como vocação , não se encontra nem mesmo a possibilidade de classificarmos os
isebianos como homens da política, uma vez que não vivem para a política e nem da
política, ou das duas formas ao mesmo tempo como é próprio dos homens
“políticos”, segundo a interpretação weberiana.
Sem querer alçar vôos mais altos e assim se perder vista o solo pelo qual se
deve estruturar este trabalho, mas para completar-se o raciocínio, se usarmos a
concepção Weberiana tentando uma classificação do ISEB, este seria colocado
próximo aos sábios de um estágio anterior da “profissionalização” da política.
Weber mostra que os políticos profissionais surgem após a luta do príncipe
contra as ordens feudais, e que este buscou apoio nas camadas que não tinham
compromisso com estas ordens e que estavam politicamente disponíveis.
Pertenciam as categorias politicamente disponíveis e descomprometidas em
primeiro lugar os cléricos, dos países cristãos europeus como de muitos países
orientais como a Índia, a China, Mongólia e Japão. Em segundo lugar estavam os
letrados com formação humanística.
A utilização da análise de Weber, para o Iseb pode ser imprecisa, imperfeita
e deslocada de contexto, mas aqui vale a argumentação no sentido de se entender o
instituto como órgão não político e sim consultivo e neste caso o intelectual isebiano
não estaria desempenhando um papel completamente desvinculado do papel de
clérico e a “traiçãonão parece ser tão contundente, tomando-se como parâmetro a
acusação de Benda contra o intelectual contemporâneo.
Mais vale para a classificação ou qualificação do Instituto, ir além de algum
adjetivo e se compreender que os isebianos aproveitando-se de uma conjuntura
específica dos anos cinqüenta, conseguiram talvez realizar duas façanhas.
A primeira a despeito do amplo espectro, de concepções ideológicas que
configurava-se no interior do ISEB, tinham uma atuação que os unia na divergência,
pelo menos até certo momento, tendo como ponto básico o entendimento do país e
fomentação de uma ideologia do desenvolvimento.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 126
126
O segundo aspecto e que de fato aqui interessa para o propósito do capítulo,
é que os isebianos parecem ter conseguido, com relativo sucesso, fazer a transação
entre a política e a cultura, nem mergulhando de cabeça nos propósitos da primeira
e nem se desvinculando completamente da segunda, ou seja, não perdendo a
especificidade da produção acadêmica.
É bom ressaltar, que nos anos cinqüenta, alguns intelectuais que mais tarde
comporiam o ISEB, foram chamados a atuar na esfera do estado exercendo funções
técnicas, como Helio Jaguaribe, Rômulo de Almeida e outros.
Em síntese, muitos intelectuais tiveram papel operacional na esfera estatal
antes de cinqüenta e cinco, mas a criação do instituto naquele ano garantiu a
institucionalização de um espaço com acentuado grau de autonomia política.
Evidente que a pretensão dos isebianos era a modificação da estrutura social
e política do país, mas a tarefa que se impunham era meramente pensar a realidade
e contribuir para que os que faziam a política se incumbissem de implementar
transformações. Por esta razão, os isebianos parecem ter tido mais sucesso nos
círculos das artes e da educação do que nos círculos da política.
Para fechar este argumento, oriundos de campos ideológicos diversos
39
,
conseguiram conhecer relativa unidade e propor um projeto coletivo, ao mesmo
tempo em que conseguiam se manter com certa autonomia em relação ao exercício
do poder político.
Sobre a origem e diferenças entre os isebianos no diz Pereira:
De origens sociais diversas, com orientações ideológicas e
políticas distintas, conseguiu reunir-se e formular um projeto coletivo e
39
Para se ter uma idéia da heterogeniedade do grupo isebiano pode –se recorrer a panorama
elaborado por Miglioli : “intelectualmente, essas pessoas formavam um grupo bastante heterogêneo,
não só por suas especializações profissionais, mas também por suas orientações teóricas. Álvaro
Viera Pinto fez toda a sua carreira como professor de Filosofia, lecionando na Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil ( atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro ) e depois
também no ISEB; originalmente eclético, foi –se especializando em Hegel e acabou aproximando-se
de Marx moderadamente. Candido Mendes era dono da Faculdade que leva seu nome e incluía-se
entre pensadores católicos. Roland Corbisier, sem ligação específica com qualquer departamento,
mas articulador político com as esferas governamentais, era um enigma intelectual. O sociólogo Júlio
Barbosa não deixou traços. Nelson Werneck Sodré era coronel do Exército e não escondia sua
filiação marxista. Os dois economistas, sem destaque, talvez se aproximassem da corrente da
CEPAL na época ou simplesmente eram independentes, também circulava Gilberto Paim, mas,
embora sem pertencer aos quadros do ISEB, os economistas admiradores eram Celso Furtado e
Ignácio Rangel. Guerreiro Ramos também sempre foi professor, enquanto Helio Jaguaribe foi
professor, advogado praticante e homem ligado a negócios, é difícil identificá-los por suas ligações
teóricas, mas pelo menos tinham em comum: a não-aceitação do marxismo. Em suma, o ISEB não
seguia uma linhagem teórica única” MIGLIOLI 2005 P.63-64) .
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 127
127
abrangente visando alterações na estrutura econômica e social do país, por
um lado, e modificações nas condições da educação e da cultura
brasileiras, por outro. Esse projeto teve mais sucessos no campo da
educação e da cultura do que na intervenção política no campo econômico.
Tratava-se de um grupo que conseguia extrair das diferenças internas
propósitos coletivos e articulados com os interesses e motivações de cada
um. (PEREIRA in TOLEDO (org) 2005 p 125)
Parece, portanto, que os isebianos conseguiam realizar uma síntese bastante
interessante, qual seja a de conciliar o origens e interesses divergentes em um
projeto teórico comum como também de empreender uma enriquecedora
experiência capaz de conciliar atividade intelectual e tentativa de influenciar as
esferas da cultura e política no sentido de desvendar os enigmas nacionais e
fomentar o desenvolvimento.
É interessante notar que mesmo conseguindo institucionalizar-se por decreto
governamental em 1954, o instituto manteve quase que inteira independência e
autonomia frente à esfera da política, apesar de grande dependência orçamentária
vinculada ao ministério da educação e cultura.
Tal fato é comprovado pelo não exercício de cargos nos governos, por parte
dos componentes do ISEB, nos anos de existência do instituto.
Assim, ainda que desejando influenciar o exercício do poder político estes
não o exerciam de fato e pode se dizer, como mencionado em outra parte deste
trabalho que nem se quer conseguiram influenciar em demasia a aplicação de uma
política concreta vinculada as teses do Instituto, uma vez que principalmente no
governo JK, em muitos aspectos o que se aplicava era oposto ao que apregoavam
os isebianos, principalmente na questão da aplicação do capital estrangeiro.
40
Tanto parece ser verídico o mote de que a ação dos intelectuais do ISEB foi
muito restrita, que seus membros longe de perderem a sua aureola de pensadores
humanistas, permaneceram muito mais vinculados a estas características, do que
homens da ação com componentes de experts, de técnicos. Nesta linha de
argumento que Alzira Alves de Abreu ao analisar a ação políticas dos isebianos,
conclui :
40
Sobre a política econômica do Governo JK ver CARDOSO 1978
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 128
128
O ISEB, embora tenha conseguido atingir amplos setores da opinião
pública e tenha tido acesso a setores da burocracia civil e militar, não logrou
influenciar os centros de tomada de decisão na dimensão necessária à
adesão ao seu projeto de desenvolvimento. As razões desse insucesso
devem ser relacionadas à posição ocupada pelos membros do grupo no
conjunto da intelectualidade brasileira, às condições sociais do país e à
etapa em que se encontrava a industrialização. No momento mesmo em
que se constituía o ISEB, ocorriam mudanças na sociedade que levaram à
imposição da voz do técnico, do especialista, do expert, em detrimento do
intelectual humanista, na definição do tipo de desenvolvimento a ser
implementado. ( ABREU in TOLEDO 2005 p 115 )
No caso de Álvaro Vieira Pinto, que restringe as suas atuações e preferências
para pensar e dialogar com os atores do âmbito da cultura e educação, tem-se que
tentar pensar uma outra classificação para que espécie de intelectual ele seria.Ou
colocado de outra forma estaria Álvaro Vieira Pinto tão contaminado por suas tese
que se esquecendo de um Juízo crítico teria traído sua condição de intelectual?
É importante sempre lembrar, e aqui mais uma vez vale a menção que o autor
de Consciência e realidade nacional se aproxima dos artistas dos movimentos da
cultura popular como o do Centro Popular de Cultura (CPC) da Une se colocando a
disposição para o debate e esclarecimento sempre sobre questões que
contribuíssem para o esclarecimento crítico da população sobre aspectos da
realidade brasileira, ao mesmo tempo em que escreve e debate sobre educação e a
questão da universidade no país.
41
Neste sentido, não se pode dizer que ocorreu uma traição categórica sobre a
condição do intelectual nos moldes do próprio Benda uma vez que as esferas em
que Viera Pinto envereda não são aquelas especificas da posição pública ou
política.
É verdade que muito provavelmente Julien Benda, condenasse o extremo
engajamento do autor brasileiro com as teses do nacionalismo, do desenvolvimento
etc, mas mesmo neste extremado autor que reflete sobre a condição do intelectual,
existe certa abertura para a alguma militância
42
.
41
se mostrou em capítulo anterior a aproximação entre AVP e a cultura e educação, mas sobre
esta aproximação pode –se consultar VALE (2006 ) e FREITAS 1998.
42
O diálogo com Benda é empreendido o por considerar-se suas teses corretas ou irrefutáveis,
mas apenas por ser se colocar como modelo de intelectual que repudia a o enjamento político, ou
seja, toma-se aqui Benda como tipo ideal de intelectual crítico a participação política. O próprio Benda
se classifica como sectário em relação aos valores que entende ser os valores dignos da atividade
intelectual.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 129
129
Benda admitia a condição de engajamento ou militância do intelectual desde
que tivesse consciência da ineficiência da sua atuação perante a possibilidade de
transformação do mundo e que esta militância estivesse pautada pelos nobres
valores do bem, do belo, do justo etc.
O autor de A traição dos cléricos prefere os contempladores, mas não
descarta os militantes. Como mostra BOBBIO:
Benda não pretendia condenar indiscriminadamente os intelectuais
militantes. Aceitava-os desde que respeitassem essas duas condições: a)
pregar a religião do justo e do verdadeiro (e não aquela do interesse do
próprio grupo), b) pregá-la com a consciência da sua ineficiência prática
(não com a pretensão de salvar o mundo). ( BOBBIO 1997 p 47 )
Com relação à primeira preposição pregar a religião do justo e do verdadeiro,
em detrimento do interesse do grupo, pode se dizer que os isebianos e
especificamente Álvaro Vieira Pinto, colocavam uma causa na dianteira de suas
atuações, que era o nacionalismo e o desenvolvimento, podendo se argumentar das
limitações e equívocos desta causa, mas ela de alguma forma transcendia os
interesses individuais dos componentes do grupo.
Por outro lado, é inconteste que não havia uma consciência da sua
ineficiência prática, os isebianos pretendiam “salvar o mundo” entendendo
evidentemente este “mundo” como o mundo brasileiro, ou seja, era possível com a
contribuição teórica dos isebianos colocar o país em outro nível de desenvolvimento
e possibilitar a libertação da dominação estrangeira.Neste caso, os isebianos
destoam bastante da proposição de Benda.
Entretanto, designadamente em relação a Álvaro Vieira algo a aproximá-lo
de uma classificação do tipo de intelectual proposto por esta tradição racionalista
que culmina no pensamento de Benda.
A aproximação referida diz respeito à defesa intransigente da democracia. Em
Benda, como em Viera Pinto, tal questão está colocada. Ambos acreditam ser a
democracia o único regime digno de ser defendido com todo ardor pelos intelectuais,
neste caso para os dois, o intelectual jamais pode vacilar com relação à defesa dos
valores da democracia.
No primeiro capítulo deste trabalho viu-se como o autor brasileiro
desvincilhando-se de toda uma tradição elitista enxerga a filosoficamente na
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 130
130
democracia o sistema ideal, pois expressa o grau de desenvolvimento da nação,e
logo a democracia seria o auto-esclarecimento da nação, necessária e educativa.
O autor francês também empreende uma defesa sem transigência da
democracia, ainda que por motivos diversos daqueles do autor brasileiro. Benda
está muito mais próximo de uma tradição elitista, mas enxerga na democracia a
possibilidade de defesa dos valores do belo, do justo e da liberdade.
Vale lembrar que uma preocupação acentuada de Benda era com a ascensão
de regimes totatiltários como o nazismo. Assim defende sem vacilos a democracia,
pois:
A democracia é para ele, o único regime digno de um clérico, pois é
o único regime que: a) na ordem espiritual, proclama a supremacia dos
valores absolutos da justiça e da verdade, ao passo que os regimes
“pragmáticos” não reconhecem outro critério do justo e do verdadeiro que
não a utilidade da classe dominante; b) na ordem política, proclama o
princípio fundamental do respeito à pessoa humana. Com sua paixão pelas
distinções claras, vê dois fins fundamentais a que visam as sociedades
históricas: a liberdade e a organização. A democracia tende ao primeiro, os
Estados autocráticos, ao segundo. E como os dois fins são compatíveis,
democracia e autocracia estão destinadas a se confrontarem. De resto, os
inimigos da democracia- seja esta aversão derivada da sede de conquistar
o poder ou de literatos que vêem na democracia o sufocamento das fortes
emoções de que necessitam são sempre representantes daquela luta da
paixão contra a inteligência, daquela revolta do instinto contra a razão,
objeto constante de sua obstinada e desesperada polêmica ( IDEM p 48 )
A longa citação deve ser desculpada, mas esta se fez necessária, pois se
utilizando das palavras de Norberto Bobbio, pode-se demonstrar com exatidão o
pensamento do autor em relação à necessidade de defesa da democracia, como
fundamento da salvaguarda da razão.
Assim percebe-se que, por caminhos ainda que muito distintos, o francês e o
brasileiro chegam mais ou menos no mesmo local, que seja a defesa intransigente
da democracia.
Porém, esta discussão sobre a racionalidade, neutralidade do intelectual
contribui para se pensar uma outra questão relativa ao questionamento de aque
ponto o autor de Consciência e realidade nacional, não acabou por se deixar seduzir
em demasia por suas teses nacionalistas e deturpou a análise do real, deixando a
paixão se sobrepor a razão.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 131
131
Em outros termos é preciso analisar agora se os conceitos como os de
consciência nacional, realidade nacional e mesmo cultura nacional não teriam sido
sobrevalorizados , chegando perto de certo xenofobismo e ocorrendo uma espécie
de mistificação que contribuiria para deturpar o papel exercido pelo intelectual do
ISEB , que aí sim poderia estar próximo de um fabricante de ideologias.
O que contribui favoravelmente para a defesa do autor, é que como foi visto
no capítulo segundo deste trabalho, ao confeccionar o seu conceito de nacionalismo,
Álvaro Viera Pinto toma todo um cuidado para mostrar a distância que têm de um
nacionalismo xenófobo ,e como foi mostrado apregoa uma espécie de
“nacionalismo-internacionalista” terceiro mundista, vislumbrando que não teria
condições do país se desenvolver e conseguir de fato independência econômica
solitariamente sem vislumbrar-se uma saída em conjunto para os países
dependentes.
Partindo-se dos pressupostos desenvolvidos no capítulo segundo, não se
poder-se-ia cair agora na tentação de classificar-se o nacionalismo de Viera Pinto
de xenófobo e portando apaixonado, assim precipitando-se para uma traição da
razão contaminada pela emoção.
Conceitualmente voltando-se o olhar para o capítulo segundo, parece não ser
possível a crítica de nacionalista exacerbado para Álvaro Vieira Pinto, entretanto a
sua construção semântica deu margem para que alguns vissem em sua obra este
defeito.
Dando voz ao autor brasileiro, talvez fique mais fácil julgar se suas palavras
contêm exageros que podem danificar a interpretação de sua obra:
A consciência crítica (...) serve-se da lógica que induz da própria
realidade onde se oferece tal problema. Ora, essa lógica, como tivemos
ocasião de indicar, não é nem formal nem abstrata, antes é a forma e a lei
da reflexão que abrange e exprime o mundo a partir de um contexto
histórico e social definitivo, mas concretamente definido, mais
concretamente ainda, de um ponto de vista nacional, aquele a que pertence
o pensador. Por conseguinte, a lógica em função da qual certo estado da
realidade, que aparece como problema, eventualmente receberá solução, é
parte dos modos de inserção do homem no seu âmbito circunstancial,
nacional. ( PINTO 1960(b) p.175 )
Perfeitamente compreensível, como foi demonstrado em partes anteriores
do trabalho que em virtude de um contexto intelectual nacional, cheio de lacunas em
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 132
132
relação à interpretação da nação, houvesse um forte apelo de entendimento do país
sob o prisma da sua própria realidade.
Entretanto, a pergunta que se faz necessária neste momento é que pelo
sentido das palavras acima estaria vetado então o entendimento do país, por
pesquisadores que não submergissem da própria realidade nacional?
Se tanto o problema a ser sanado e sua solução, como fica clarificado no
trecho acima pelas palavras de Viera Pinto, se circunscreve à realidade nacional, ou
é induzida dela própria, mesmo um competente intelectual oriundo de outro centro
de saber, não poderá desvendar a realidade nacional, bem como um brasileiro
poderia interessar-se por objetos relativos a problemas específicos de outras
nacionalidades.
O que contém de perigoso nestas afirmações de Álvaro Viera é que ela pode
levar ao questionamento da própria objetividade da ciência, pois sempre a verdade
transparece da própria realidade nacional, segundo parece sugerir a lógica proposta
por Viera Pinto.
É mais ou menos neste sentido, o de questionar o ato científico na obra do
autor, que vai a preocupação de alguns teóricos leitores da obra do filósofo
brasileiro.
O pensador francês Gerard Lebrun coloca algumas críticas para a leitura de
Consciência e realidade nacional que merecem ser ouvidas, a partir do pressuposto
do saber circunscrito ao âmbito nacional:
Se o autor pretende dizer que o ato científico é inseparável das
condições sociais, materiais e até mesmo nacionais que o motivam, que
“consideramos a nação como o continente de todas as condições de minha
realidade social”, esta frase exprime uma verdade de bom senso. Se
pretende dizer, todavia, que o próprio conteúdo do enunciado teórico não é
inteiramente inteligível sem a referência à inserção social e nacional do
sábio, nega a especificidade da ciência ou, ao menos, não nos permite
instituir uma diferença de natureza entre o produto ideológico, como a obra
de arte, e o produto científico, como a teoria física( LEBRUN in TOLEDO
(Org ) 2005 p 176 )
É bem verdade, que em algumas passagens Álvaro Vieira Pinto alerta para a
diferença entre as áreas do conhecimento, assim, por exemplo, leis da física como a
inércia independe do local histórico em que os fenômenos ocorrem, obviamente a lei
da inércia, por exemplo, tem um componente universal, segundo reconhece o
próprio Álvaro Viera.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 133
133
Mas mesmo fazendo a distinção, talvez ainda haja certa fragilidade em
relação à questão da objetividade que parece estar na concepção do filosofo muito
mais próxima da idéia de autencidade, ou seja, daquilo que é autenticamente
nacional e se opõe a uma consciência ingênua contaminada pelo conhecimento
estrangeirado e importado.
Neste caso, pode soar nebulosa certa e necessária objetividade, pois parece
ser quase sinônimo nas palavras do autor de Consciência e realidade nacional, a
idéia de consciência e ciência, não haverá algo que distinga estes termos?
Esta questão relativa à objetividade levanta muitos elementos para a reflexão,
e Viera Pinto não passou incólume aos possíveis equívocos que a sua obra poderia
sugestionar.
Como mostra Lebrun empreendendo um diálogo com a obra de Vieira Pinto e
procurando elencar alguns possíveis equívocos, o trecho abaixo se faz importante
neste momento :
Não pretendemos que a palavra objetividade” possua o mesmo
conteúdo em física e em sociologia, mas a) que deve conservar um
conteúdo em ambos os domínios , b) que uma coisa é ciência e outra, a
mera tomada de consciência. Ora, parece-nos que o autor confunde estas
duas coisas no caso das ciências humanas e, quando se trata das ciências
da natureza, acaba até mesmo por subordinar a ciência à tomada de
consciência. Pois : ) a ciência física é apresentada como mera tomada
de consciência das leis da matéria; ) a objetividade que lhe é própria
adquiriria sentido em última análise graças à sua inserção na “racionalidade
imanente à existência histórica como validade para toda ordem de fatos
empíricos, naturais e sociais”; 3º) A lógica como a ética não pode ignorar
a circunstância existencial”. Esta maneira de situar a ética e a lógica no
mesmo nível já é incômoda. ( IDEM p 177 )
É preciso refletir sobre tais argumentos, pois se trata de um autor formado no
arcabouço teórico da filosofia dialogando com outro autor de mesma formação e
ainda que árida a discussão, parece ser pertinente, ao pontuar a questão da
objetividade da obra consciência e realidade nacional.
Entretanto parece ser importante ressaltar que possíveis deslizes e erros do
autor brasileiro, não inviabiliza a concepção geral daquela obra e muito menos de
toda uma trajetória construída ao longo do seu processo de produção,o que coloca
Álvaro Vieira Pinto em local privilegiado no que diz respeito a sua originalidade na
história do pensamento social brasileiro.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 134
134
Na caso a originalidade parece proceder justamente da pretensão de se
entender a especificidade da realidade nacional, que sob o prisma de alguns
analistas conduziria a obra de Vieira Pinto a uma falta de rigor científico, que o
encaminharia para um subjetivismo e para uma ausência de componentes de
universalismos.
Lebrun é contundente na crítica da fragilidade do universalismo na obra de
Vieira Pinto e mencionando Marx e outros autores, mostra que estes teóricos
elaboram seus conceitos a partir de certa realidade dada, mas com pretensões
universais. Diz Lebrun ao criticar a possível fragilidade de Álvaro Viera ao desejar
adaptar conceitos universais ao que é específico da realidade nacional:
Se agora se afirma que as categorias do pensamento universalista
devem ser adaptadas a cada realidade nacional e a cada um de seus
momentos, então é preciso dar exemplos desta adaptação; distinguir, antes
de tudo, os conceitos heurísticos das ciências humanas e os conceitos
ideológicos puros. (IDEM p.179)
Para Lebrun a ausência de distinção desta adaptação sem referencia ao
conceito e autor que se deseja adaptar a realidade nacional, leva a um subjetivismo,
e pode –se dizer também por esta linha de raciocínio, a perda da dimensão de
universalismo e totalidade dos conceitos.
No entanto se tentarmos exercitar a hipotética resposta de Viera Pinto a tal
colocação, provavelmente este mencionaria que está partindo sim de um paradigma
de objetividade, pois analisa a realidade nacional e induz dela própria o que é real e
objetivo. A subjetividade neste caso consistiria em tentar usar conceitos elaborados
em outras realidades e tentá-los forçosamente adequá-los a situação nacional.
Na realidade o que Álvaro Viera Pinto procura fazer é um caminho inverso de
raciocínio do autor francês, chamando atenção, em várias de suas obras de que
como muitas vezes sob a áurea de objetividade, totalidade, o que se faz é impedir o
país de pensar por si mesmo, e conseqüentemente se reduz a possibilidade de o
país buscar caminhos alternativos de desenvolvimento, de organização de suas
instituições e de sua própria cultura.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 135
135
Muitas vezes a totalidade a que se referem os teóricos dos países
desenvolvidos o é senão, uma totalidade´técnica” e científica, a impor as outras
regiões um padrão econômico , cultural, educacional, único.
Ora , não seria justamente rompendo com certo modelo de objetividade, de
totalidade, que muitos autores na história do pensamento social brasileiro,
conseguiram dar uma extrema colaboração na interpretação do país e passaram a
ser referenciados inclusive internacionalmente.
Para exemplificar pode-se mencionar o caso de Paulo Freire, pensador
bastante próximo do arcabouço e trajetória teórica de Álvaro Vieira Pinto. É sabido
que aquele pensador conseguiu elaborar uma teoria pedagógica , bastante original
e com componentes de universalidade, mas que possivelmente poderia ser
elaborada em centros não desenvolvidos, como no Brasil, onde a opressão sobre
certos extratos sociais era muito mais nítida e visível.
Não foi preciso apenas reproduzir o que a teoria pedagógica consagrada nos
grandes centros com sua áurea cientifica e de objetividade, poderiam propor, foi –se
buscar especificidades de uma realidade nacional vivenciada.
Viera Pinto mostra, em grande parte de sua obra, que temos que pensar que
o que caracteriza a nossa totalidade é de ela ser uma totalidade em conflito, pensar
objetivamente é pensar no conflito entre a totalidade da realidade nacional,
caracterizada pela exploração em oposição a uma totalidade de nações que nos
impõe dominação.
Quando Vieira Pinto se interessa por exemplo em investigar o conceito de
tecnologia ele volta a colocar a questão da universalidade dos conceitos, e
novamente mostra a necessidade de relativização da questão da totalidade. Diz o
pensador brasileiro:
Não devemos renunciar ao conceito de totalidade, pois somos os
que mais dele necessitam, só nos sendo lesivo nos termos que nos é
imposto. Apenas não o empregamos, à maneira dos teóricos do “mundo
alto”, para envolver numa massa amorfa elementar povos e indivíduos
inteiramente diversos, com interesses antagônicos, a maior parte dos quais
têm por projeto de existência, justamente para que entrem a participar da
“era tecnológica”, abrir luta contra a condição subalterna. É preciso
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 136
136
denunciar as disparidades, ou seja, romper o círculo infernal de uma falsa
totalidade em que dominadores nos querem encerrar, sob o pretexto de
participarmos todos do mesmo mundo, unificado pela ciência e pela técnica,
chegada agora a um grau de progresso tal que ninguém as pode recusar
mas também não tem o direito de nem dar-se ao devaneio de criá-las por
conta própria, sem possuir a vantagens de potência maior. O corolário deste
sofisma consiste em estarmos todos obrigados a aceitar as condições a nós
impostas, único meio de participarmos da civilização. Contra essa errônea e
insidiosa uniformização é que nos pronunciamos.
A totalidade por nós referida, e que constitui um dos conceitos
fundamentais de nossa concepção do mundo, é de ordem objetiva.
Pertence a um processo histórico, expresso em categorias dialéticas. É uma
totalidade feita de contrários em conflito. A menção e o exame desse
conflito constituem o fator imprescindível para compreender-se o verdadeiro
caráter do nosso tempo. ( PINTO 2005 p 47 )
O trecho citado acima, está contido em uma obra do ocaso da vida do
autor, publicado inclusive postumamente, mas se for retomada toda a trajetória de
desenvolvimento do pensamento do autor, se perceberá que desde de suas
primeiras exposições teóricas como Isebiano, sempre está colocada a necessidade
de se pensar o conjunto, de se pensar universalmente.
Pensar a questão da totalidade, do conjunto, não se esquecer do universal
perdendo –se na especificidade do objeto, não nunca deixou de ser reiterado,
como em alguns momentos de sua produção passa a ser um dos principais objetivos
filosóficos, pelo menos no que diz respeito à fase isebiana em diante.
Um dos clamores do autor de consciência e realidade nacional, sempre
esteve atrelado a uma crítica a opacidade e nebulosidade da visão de nós mesmo,
que para Viera Pinto decorria da falta de um arcabouço universalizador em nossa
consciência de país dependente.
Para Álvaro Viera Pinto, seria fundamental que utilizássemos instrumentos da
filosofia para superar a nossa finitude de visão, pois segundo o autor,havia ausência
de elementos de reflexão na nossa realidade que nos permitisse olhar para além de
análises elementares da nossa realidade, meramente reprodutoras de um olhar
pré –fabricado.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 137
137
Logo em aula inaugural do Curso regular do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros, pronunciado em 14 de maio de 1956, no Auditório do Ministério da
Educação e Cultura, em suas primeiras palavras tal questão está colocada.
Abaixo se reproduz mais um trecho sobre a questão, mesmo correndo –se o
risco de excesso e extensão nas citações, mas o intuito é de ficar nítido como o
autor está não só ciente da visão não parcial de suas teses, como coloca a busca do
conjunto e da universalidade isto como aspecto crucial, em seu ideário. Disse Viera
Pinto :
Não tivemos filósofos que desempenhassem o que seria o seu
papel natural, o de sugerir aos diferentes especialistas, críticos dos fatos,
artistas e reformadores das instituições, a superação dos próprios campos
de pensamento ou de ão, e a formulação dos problemas nacionais no
âmbito da visão histórica do conjunto. E porque não tivemos filósofos que
nos ensinassem a pensar em termos de universalidade, ficamos cantonados
em uma compreensão de nós mesmos produzida a partir de ângulos
parciais, embora às vezes amplos e ricos, como na obra de alguns grandes
sociólogos. Faltou, porém, ao Brasil, para entender-se a si mesmo, aquilo
que Leibnitz chamava o ponto de vista do infinito. ( itálicos meus. PINTO
1960 (a) p 12 – 13 )
Neste momento, talvez seja importante fazer-se algumas ponderações, para
se vislumbrar qual o sentido que se encaminha a discussão desta parte do trabalho.
Verifica-se que no fundo o que está sendo colocado é a relação estabelecida pelos
intelectuais do ISEB com a sociedade de seu tempo e com o seu objeto de estudo,
ou melhor, dizendo a relação estabelecida por um intelectual específico do ISEB,
mas que pode ser a chama para o entendimento do papel do instituto como grupo
intelectual, a partir desta questão.
O litígio em pauta seria perceber se Álvaro Viera Pinto- e pode se ampliar a
questão para outros isebianos- teria traído a sua condição de intelectual ao tentar
propor ações de caráter prático ou político, ou seja, intentando dar uma
caracterização mais prática ao mero pensar do intelectual e se por outro lado teria
sido consumido de tal intensidade por suas teses, que teria perdido completamente
a objetividade do pensar, e se vinculado a um saber meramente apaixonado.
Parecem estas questões pelo que foi demonstrado anteriormente, se
encaminharem no sentido da negativa. Primeiramente tomando como modelo de
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 138
138
crítica a traição dos intelectuais referida por Benda, percebe-se evidentemente que
os isebianos de certa forma contradizem o pressuposto do autor, entretanto, ainda
assim, não se pode dizer que fizeram a opção deliberada pela ação em detrimento
do pensar, ou da política em detrimento da atividade intelectual.
43
Tomando –se como parâmetro a atuação de Viera Pinto, percebe-se que sua
opção orientou-se muito mais pelo campo da cultura e educação do que
propriamente a tentativa de influência política direta. Ademais se verificou pelo
desenrolar do trabalho, que as influências na prática política dos isebianos foram
muito limitadas, para não se dizer quase nulas. Além disto, ao se aproximar do
ideário de Benda empreendendo uma defesa extremamente intrasigente da
democracia, verificando-se que sua conduta não foi totalmente destoante de um
autêntico intelectual.
Entretanto também fica evidente, que não é o modelo de intelectual de Benda
que pode nos auxiliar a explicar o papel dos intelectuais atrelados ao instituto. É
preciso recorrer a algum outro autor que tenha pensado o papel da intelligentsia e
que possibilite compreender melhor a ação de Álvaro Viera Pinto e outros isebianos.
Talvez ao se recorrer as ferramentas utilizadas pelo alemão Karl Mannheim
que dedicou parte de suas obras a tentar compreender o papel dos intelectuais no
mundo moderno, possa-se encontrar uma direção para trilhar um caminho o
controverso, quanto o entendimento do papel desempenhado pelos isebianos como
Álvaro Viera Pinto.
Em seu livro Sociologia da Cultura ( 2004), Mannheim dedica uma parte
extensa desta sua obra a tentar entender O problema da “intelligentsia”: um estudo
de seu papel no passado e no presente, sendo que nesta sua reflexão pode-se
encontrar alguns elementos pertinentes para a discussão em questão.
Não se pretende aqui resenhar esta parte do livro, mas alavancar alguns
aspectos que tragam contribuição ao debate. Por exemplo, é interessante notar,
43
Sempre é necessário esclarecer que não está se tomando as teses de Julien Benda de forma à -
critica, como modelo inquestionável do verdadeiro intelectual, mas apenas como um exemplo quase
tipo-ideal das críticas a um modelo de intelectual engajado.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 139
139
como o alemão vislumbra para os intelectuais um papel diferenciado no interior da
sociedade, pois para ele o intelectual foi “treinado” para encarar a realidade social,
sob um prisma que vai além de um único ponto de vista.
Diferentemente de outros extratos sociais, o intelectual pode ter uma conduta
que o situe para além das questões especificas de partidos ou classes sociais. O
intelectual não está no caso, além e acima dos partidos ou mesmo das classes, não
está completamente desvinculado, ele está de alguma forma relacionado a estes,
mas consegue ao mesmo tempo ir além deles e não se restringe a ser porta-voz de
interesses específicos, uma vez que esta camada desenvolve motivações inéditas e
peculiares.
Por estas peculariedades, os intelectuais sentem-se menos compelidos a
defender, sempre e inalteralvemente, a mesma posição, pois não se constituem em
uma classe. Existe na vocação do intelectual motivações especiais e atitudes
particulares, em outras palavras os intelectuais não reagem como os proletários,
segundo a concepção de Mannheim de forma tão coesa, tendo a possibilidade de
utilizar-se de olhares sociais distintos e muitas vezes experimentar certas
incoerências.
Pode-se resumir as características essenciais desse grupo do
seguinte modo: é um agregado situado entre e não acima das classes.O
membro individual da intelligentsia pode ter, como frequentemente ocorre,
uma orientação particular de classe, e em conflitos reais ele pode alinhar-se
com um ou outro partido político.Mais ainda, suas posições podem revelar
uma clara posição de classe. Mas além e acima dessas afiliações, ele é
motivado pelo fato de que seu treinamento o equipou para encarar os
problemas do momento a partir de várias perspectivas e não apenas de
uma, como faz a maioria dos participantes de controvérsias. Dissemos que
ele está equipado para encarar os problemas de sua época a partir de mais
de uma única perspectiva, ainda que em diferentes casos ele possa atuar
como partidário e alinhar-se como uma classe. O membro da intelligentsia
pode mais facilmente mudar seu ponto de vista e está menos rigidamente
engajado num lado do conflito, pois ele é capaz de experimentar
concomitantemente várias abordagens conflitantes da mesma coisa. Essa
propensão pode ocasionalmente entrar em conflito com os interesses de
classe da mesma pessoa. ( itálicos do autor MANNHEIM 2004 p 81 )
O trecho exposto acima se constitui em apenas um aspecto de toda uma
profunda discussão que o autor de sociologia da cultura empreende para analisar o
problema dos intelectuais no mundo moderno, pois em dezenas e dezenas de
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 140
140
páginas ele vai não só esboçar toda uma história do intelectual, seu papéis, os tipos,
enfim um esboço de toda uma teoria sociológica da “intelligentsia”.
Entretanto a partir desta limitada exposição do papel atribuído por Mannheim
aos intelectuais, se pode fazer uma reflexão sobre muitos aspectos do ISEB,
contribuindo em muitos elementos para o entendimento da natureza e especificidade
do Instituto.
Primeiramente chama a atenção o ecletismo de pensamento que está posto
deste de o momento de fundação da instituição, pois intelectuais das mais diferentes
trajetórias teóricas acabam por se encontrar é constitui um grupo que de certa
maneira desempenhou um papel importante na história do pensamento social no
Brasil.
Exemplificando, nos momentos iniciais do instituto, enquanto Roland Corbisier
é diretor geral do ISEB, e Vieira Pinto responsável pelo departamento de filosofia,
quadros que iniciaram sua trajetória intelectual no integralismo, Nelson Werneck
Sodré adveio e manteve-se fiel a uma trajetória intelectual oriunda do marxismo.
Esta aparente incoerência, principalmente se focada a análise
especificamente na trajetória de Viera Pinto e Roland Corbisier, que oriundos de um
arcabouço político identificado como sendo de direita, e que na década de sessenta
estão muito mais próximos de movimentos culturais e políticos de esquerda, a luz
dos argumentos de Mannheim se explica perfeitamente.
A condição específica do intelectual que sem um vínculo definitivo atrelado a
classe, partido ou causa é permitido a façanha de transitar e muitas vezes transigir
entre certas posturas, e por este argumento Mannheiminiano, levado as últimas
conseqüências, é possível desenvolver uma trajetória pouco linear, caso especifico
de Álvaro Viera Pinto em como é possível explicar a experiência do ISEB, na medida
em que o Instituto pode ser entendido como um aglutinador de causas que estavam
para além de classes e partidos.
Outra questão que pode ser vislumbrada tomando-se como parâmetro a
discussão sobre o papel e características do fazer intelectual, e especificamente a
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 141
141
esta idéia mannheiminiana de que os pensadores podem agir livremente ou
desinteressadamente de certos vínculos, pois tem uma conduta mais livre em
relação aos estratos sociais, diz respeito à questão do engajamento político ou
ausência de engajamento do instituto.
Antes de adentrar-se nesta discussão é crucial ressaltar que Mannheim
chama a atenção sempre ressaltando que os intelectuais não se constituem em um
a camada acima das classes, mas que eles podem ter outras motivações para além
do interesse de sua classe.
O interesse por questões do mundo teórico, é uma importante mina de
motivação para o comportamento dos indivíduos classificados de intelectuais, e é
aqui que se pode inserir a discussão do papel político do ISEB.
Ora, se os intelectuais movem-se por interesses que vão além da política,
estes interesses podem ser meramente de ordem intelectual, podem se motivar por
incluir-se em questões atreladas ao mundo da cultura, isto pode explicar, a
dificuldade do Instituto de adentrar-se na arena política, como parece ser verídico
como mostrado anteriormente no trabalho, pois muitas vezes acaba por existir
inadequação entre a lógica da política e a lógica da cultura.
Percebe-se que mesmo nos momentos de maior intensificação e polarização
da luta política o Instituto ainda preserva a sua índole de Instituto fomentador do
conhecimento e atrelado muito mais a causas culturais.
Com o intuito de corroborar a constatação de que o ISEB, jamais mergulhou
nas profundezas do mar agitado da política, e permaneceu muito mais ativo no
oceano da luta pela cultura, evidentemente tendo-se em conta que ações pontuais e
individuais dos membros do instituto foram em alguns casos de encontro à política,
usa-se as palavras de PEREIRA, em sua tese sobre: O ISEB na perpesctiva de seu
tempo:
O ISEB continua sendo uma instituição de intelectuais, um centro
de estudos e de difusão da cultura, mesmo no contexto da polarização
ideológica que marca os anos sessenta. Seu papel permanece vivo e
fundamental no espaço da cultura e sua eficácia permanece considerável
nesse terreno. Esse espaço não é abandonado pelos isebianos. Ao
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 142
142
contrário, ele tendeu a ser preenchido de forma preponderante nos anos
sessenta ( PEREIRA 2002 p. 170 )
Por acaso, o período de maior efervescência política e cultural e de
polarização ideológica acontece justamente no período entre 1961-1964, período o
qual a instituição é presidida por Álvaro Viera Pinto, após assumir em virtude ao
veto dos nomes de Roland Corbisier e Candido Mendes.
44
No que pese todas as dificuldades do período para o funcionamento do
instituto, principalmente dificuldades de ordem financeira, vale lembrar que o
Instituto ficou sem a dotação orçamentária para o ano de 61
45
, sem dizer as
dificuldades políticas com as vitórias eleitorais de Jânio Quadros e Carlos Lacerda,
que não viam com nenhuma boa vontade o funcionamento do Instituto, para não
dizer que eram inimigos políticos de muitos dos isebianos. Sabe-se da adesão dos
componentes do ISEB, a candidatura do Marechal Teixeira Lott, derrotado por Jânio
Quadros, e na realidade o fato é que o instituto vivenciou o momento de maior
intensidade e agitação de sua história, justamente neste período.
Esta intensidade e efervescência acabam por comprovar a tese da opção pela
cultura no Instituto. Pessoalmente Álvaro Viera Pinto preferia muito mais esta esfera
de atuação, mas esta opção aqui não se deve é bom que se reconheça, apenas á
vontade de seu presidente, mesmo por que foi o momento em que mais o instituto
tomou uma feição de um grande colegiado impulsionado por motivações em
comum.
46
44
foi ressaltado em outra parte do trabalho que Corbisier foi impedido de presidir o ISEB, pois
eleito deputado estadual, a legislação vigente o impedia de exercer tal função. No caso de Candido
Mendes , o fato de ser advogado de empresas estrangeiras, gerou tamanha controvérsia no interior
do instituto, que a solução encontrada foi entregar o exercício da presidência a Álvaro Viera Pinto.
45
Provavelmente o corte de verbas para o ISEB, esteja inserido em um plano mais amplo de corte
orçamentário a partir de uma perspectiva ortodoxa de estabilização econômica em virtude das
condições econômicas adversas em que o governo Jânio assume. Somente em relação ao déficit no
orçamento para 1961, este superava em um terço a receita previstas para aquele ano. Sobre o
assunto ver FAUSTO 1994 e SKIDMORE 1982.
46
Como mostra Pereira: “o ISEB do quarto período é dirigido por Álvaro Vieira Pinto, mas é uma obra
coletiva desenhada a partir das determinações de diferentes trajetórias individuais agrupadas em
torno de princípios mais ou menos comuns e da defesa de bandeiras igualmente comuns. São
partícipes dessa construção, isebianos históricos como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto –
sem deixar de considerar Ignácio Rangel- e isebianos da última hora” como Osny Duarte Pereira,
Wanderley Guilherme dos Santos e Carlos Estevam Martins.” PEREIRA 2002
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 143
143
Aqui deve-se se retomar a idéia de Mannheim que os intelectuais fazem
opções para além da tomada de posições atreladas meramente ao aspecto político.
Em uma época de intensa polarização política, a opção dos intelectuais isebianos,
escorou-se muito mais no âmbito da cultura, com o engajamento no teatro via CPC,
além das conferências, seminários, cursos, organizados pelo ISEB. Ainda que a
finalidade última fosse à conscientização política, a luta não se travou via partido
político.
É interessante como justamente no último período, sob a presidência de
Álvaro Viera Pinto o Instituto ganha ao mesmo tempo a simpatia de muitos e por
outro lado a oposição contundente de parte da opinião pública. Em fase de luta
ideológica o Instituto ganha maior reconhecimento.
Naquele momento como afirma o isebiano Nelson Werneck Sodré é que:
Por toda parte vinham convites para conferências, debates,
seminários, cursos. Se quiséssemos atender a todos- falo assim porque eu
não era o único assediado, naturalmente não faríamos senão viajar. As
entidades estudantis, então, queriam nossa presença e empenhavam-se
nisso; tenho dezenas de telegramas, cartas, cartões, convidando, insistindo,
marcando datas, reclamando. A curiosidade, o desejo de aprender, a
insatisfação com os conhecimentos fornecidos na rotina da faculdade, eram
notas corrente. De todos os recantos do país vinham solicitações. Quanto
maior a hostilidade ao ISEB, por exemplo, maior era o seu prestígio (
SODRÉ, 1992 p 193-194 ).
Pelo o que ao momento pode-se perceber, portanto, nesta controversa e
escorregadia discussão sobre intelectuais, especificamente sobre o papel deles na
constituição e consolidação do ISEB e sua relação com a sociedade brasileira, que
alguns aspectos são inegáveis, como a heterogeneidade de linhagens teóricas do
grupo formador do Instituto que mesmo perante as divergências teóricas consegue
ter um importante papel de disseminador de idéias a ponto de merecer ser estudado
até os dias de hoje.
Como explicar o fenômeno alinhavado acima, em meio à heterogeneidade
teórica como pode existir uma unidade para ação? Outra vez, pode-se invocar a
interpretação de Mannheim sobre o papel dos intelectuais. Talvez seja por este viés
que possa se chegar a alguma conclusão.
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144
Retroagindo a interpretação de Karl Mannheim, tentando-se esquivar do risco
da redundância, lembra-se que os intelectuais modernos constituim-se em uma
camada diferenciada, e que a estes é dada a possibilidade de fazer a síntese de
diversas visões de mundo, pois o intelectual pode, mesmo pertencendo a
determinada classe ou estrato, valer-se de outro ponto de vista, o argumento é que
não necessariamente o pensador deve sempre defender determinado ponto de vista.
Mannheim não deixa de reconhecer as influências dos valores individuais e
de classes na interpretação da realidade por parte do intelectual, pelo contrário, a
plena objetividade seria impossível pelo prisma do pensador húngaro.
Entretanto ao chocar-se com outros pontos de vista os homens do saber, em
virtude da educação adquirida e valorização da cultura e conhecimento, poderiam
chegar a um acordo, a uma conclusão geral, ou seja, a um conhecimento objetivo.
Deixa claro Mannheim que esta conclusão ou síntese não significa a média
geral das diversas aspirações das camadas incluídas em determinada formação
social, mas vem no sentido de reter parte das melhores energias despendidas nas
lutas culturais e políticas.
Aliás, a possibilidade de uma perspectiva mais ampla de interpretação da
realidade, seria não uma possibilidade, como também uma missão depositada
nos ombros dos intelectuais no mundo moderno. Sob condição de liberdade de
pensamento o intelectual estaria obrigado a perceber um conjunto de visões e extrair
a síntese mais apropriada para a sociedade do qual faz parte.
Dando voz a Mannheim confirma-se que:
O ponto-de-vista político de um grupo, cuja posição de classe esteja
mais ou menos definitivamente fixada, se encontra por tal posição
definido. Quando isso não sucede, como no caso dos intelectuais, existe
uma área mais ampla de escolha e uma correspondente necessidade de
orientação total e de síntese. Esta última tendência, oriunda da posição dos
intelectuais, existe, ainda que a relação entre vários grupos não conduza à
formação de um partido integrado. Anàlogamente, os intelectuais
permanecem capazes de chegar a uma orientação total mesmo depois de
ingressarem em um partido. A capacidade de adquirir um ponto-de-vista
mais amplo deveria ser considerado meramente um ônus? Não se trataria,
pelo contrário de uma missão? aquele que realmente pode escolher é
que tem interesse em perceber o conjunto da estrutura social e política.
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145
Somente no período de tempo e no estágio de investigação que é dedicado
a deliberação é que se poderá encontrar a localização sociológica e lógica
do desenvolvimento de uma perspectiva sintética.( MANNHEIM 1972 p 186
)
Ora, retomando a questão da heterogeneidade do grupo, no sentido
proposto por Mannheim isto não se constituía um problema uma vez que no caso do
ISEB, mesmo advindo de diversas correntes os isebianos puderam fazer uma
síntese, colocar um ponto em comum com o qual todos poderiam se identificar sem
prejuízo das perspectivas individuais.
47
Parece que o ponto a unir os isebianos era a questão nacional, era o
nacionalismo e o desenvolvimento. Em outras palavras, de todas as perspectivas
defender a nação, ou para usar a linguagem da época, se colocar em uma posição
anti-imperalista, ou anti-colonialista, era capaz de fomentar um consenso que não
causava uma incoerência nem daqueles que originavam-se do marxismo como
Sodré e nem aqueles que eram defensores do capitalismo.
A idéia predominante no ISEB , aquela capaz de criar uma síntese era
justamente a de formular um modelo de país livre e autônomo, politicamente e
economicamente livre de determinações externas.
É verdade que existiam divergências internas sobre a forma de se atingir esta
autonomia, para uns seria via a preponderância de empresas publicas, para outros
como Jaguaribe a autonomia se daria pela mescla de empresas públicas e
privadas.
48
O fato é que havia um fator de unidade para o grupo em uma esfera geral,
nomeadamente as concepções dos autores sobre o país são sui-generis, tanto é
verdade que vale estudar os isebianos de forma individualizada, entende-los nas
suas especificidades, como é o caso do pensamento de Álvaro Viera Pinto.
47
Muitos isebianos certamente foram leitores de Karl Mannheim, e utilizavam-se da leitura do autor
para criar a auto-imagem. Como mostra MIGIOLI : “Um autor parece ter exercido influência sobre
alguns membros do ISEB. Trata-se de Karl Mannheim ( 1893- 1947) com sua concepção de
intelligentsia formulada em seu livro Ideologia e Utopia (...) Essa concepção agradava ao pessoal do
ISEB ou pelo menos a alguns; primeiro porque isso eximia suas idéias da acusação de serem ligados
a interesses de classes, em particular da burguesia ( MIGLIOLI 2005 p.64 )
48
Alias a contenda sobre a forma de desenvolvimento nacional gerou uma cisão no grupo, depois da
publicação do livro de Jaguaribe ( 1958 ) O nacionalismo na atualidade brasileira.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 146
146
Notou-se ao longo do trabalho, que a riqueza, por exemplo, do pensamento
de Álvaro Viera Pinto, vem de concepções originais capazes de mesclar conceitos
de diversas matrizes de pensamento, o que o leva a inéditas avaliações, como
aquela demonstrada ao longo do trabalho que o desenvolvimento nacional deve
provir da consciência das massas, ou mesmo a forma original como empreende a
sua defesa da democracia.
Assim sendo, tentou-se avaliar neste capítulo o papel desempenhado pelo
grupo de intelectuais que compunham o ISEB, sempre tendo como foco principal o
autor, objeto da pesquisa em questão, o filósofo Álvaro Viera Pinto.
Uma das questão posta foi se entender até que ponto teriam os pensadores
do ISEB, teriam ingressado em arenas que extrapolariam o mero fazer intelectual,
como a política, e se estas atividades teriam corrompido a atividade teórica dos
pensadores.
Parece que os isebianos estiveram muito mais próximos da luta intelectual, no
campo da cultura, fazendo valer seu papel de pensadores, que conseguiam ir muito
além dos vínculos de classes e partidos.
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 147
147
Considerações Finais
Na introdução deste trabalho, se procurou levantar questões em relação à
complexidade oriunda do específico da obra de um autor. Uma das questões mais
saliente nesta empreitada, relaciona-se ao tênue limite de separar a especificidade
do autor em sua produção e o contexto histórico em que a mesma está inserida.
Para qualquer dos lados que penda a balança da interpretação, seja para o
lado da sobrevalorização das idéias do tempo histórico em que viveu o autor, seja
para a sobrevalorização das especificidades do pensamento do autor sem levar em
conta o seu contexto, acaba havendo um grande risco de deturpação de
interpretação da teoria em estudo.
Uma das premissas a orientar a confecção deste trabalho, advém da hipótese
de que no que pese toda a importante produção sobre análise do período e dos
pensadores daquele momento e principalmente dos que integraram as hostes do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o Iseb, provavelmente ainda existam
lacunas teóricas a serem exploradas.
O encargo teórico que talvez ainda esteja por ser feito como crucial, possa ser
o de análise individualizada de muitos pensadores, pois a se fazer isto, pode-se
contribuir para ao mesmo tempo em que se distingue a obra de um autor, percebe-
se o que tem de comum com outros de sua época.
Somente para recorrer a um singelo exemplo em relação ao risco de
generalizações, o período entre 1946-1964, é denominado por uma considerável
bibliografia historiográfica como período populista. São expoentes de uma literatura
sobre o assunto os livros de IANNI (1989) e Weffort (1980).
49
Correndo-se o risco de simplificar em demasia a tese daqueles autores, o
que parecem estar afirmando é que o populismo é basicamente um fenômeno
político oriundo da transição de uma sociedade tradicional para uma sociedade
49
É necessário ressaltar, que existe uma gama de trabalhos que rediscutem o conceito de
populismo.Pode –se citar os importantes trabalho de DEBERT(1979 ) e BARBOSA( 1980 ).
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148
industrial, e de fato isto parece ser verídico em relação à análise da sociedade
brasileiro no momento em que, por exemplo, os isebianos escrevem.
Neste caso, ao estar-se imbuído da visão sobre o populismo, e se fazer uma
leitura pouco atenta da obra de Álvaro Vieira Pinto, se concluirá apressadamente
que esta se inclui em certo populismo teórico, principalmente se for feito um recorte
nas inúmeras passagens que o autor se refere a questão das massas.
Em oposição a esta simplificação, uma das conclusões do trabalho é que a
valorização das massas, no pensamento do autor, é construída por um ideário e
arcabouço teórico mais complexo, como se tentou demonstrar no capítulo 1, e que
somente uma análise atenta da obra específica do autor, suas influências e suas
opções públicas possam nos dar compreensão do problema. O que se quer
corroborar com esta afirmação é a importância do estudo individualizado da obra do
pensador.
Muito comum também ao se estudar o período e ler-se generalizadamente os
autores do ISEB é compreende-los como fabricantes de uma ideologia que visa
favorecer uma classe social específica que seria a burguesia industrial.
Tal argumento não é desconsiderável, entretanto, o que se desdobra deste
estudo sobre Álvaro Vieira Pinto em especificidade, é que também esta questão
possui alguns elementos, complicadores em oposição a esta simplificação, e como
decorrência disto pode-se perceber, por exemplo, como o nacionalismo fomentando
pelo autor, bebia em fontes inclusive externas, adeptas de um nacionalismo terceiro-
mundista, que a tese de um nacionalismo defensor da burguesia, acaba por não
vislumbrar.
Ademais, a leitura não pormenorizada da obra de autores do período e
singularmente de Álvaro Vieira Pinto, pode nos levar a compreensão equivocada do
lado para que tendiam ideologicamente. Por posições nacionalistas e atrelados ao
desenvolvimentismo de JK, poderiam e o foram por muitos classificados de
pensadores que iam no sentido oposto a posições de esquerda.
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149
Ora, neste sentido como explicar o extremo engajamento do autor em
movimentos de luta pela cultura popular, como o CPC da Une, que nitidamente
tomava posição para o arco da esquerda? A relação e a concepção do autor com a
cultura ficou explicitada no capítulo terceiro do trabalho, e mostra uma ânsia do autor
na aposta da cultura e da educação como esferas de transformação da realidade
nacional.
Além disto, se vislumbrou no último capítulo, que em relação aos intelectuais
que compunham o ISEB, foi possível, pelo prisma das concepções sobre
Intelligentsia, de Karl Mannheim, que aqueles pudessem estar unidos, mesmo na
adversidade de opinião, pois puderam flutuar para além das concepções políticas e
classistas.
Por fim, deve–se ressaltar que a análise individualizada do autor e sua obra
pode nos levar a compreensão mais ampla de sua trajetória intelectual, na medida
em que existe a possibilidade de confrontar seus escritos em diferentes períodos
históricos e perceber o que foi mantido e alterado, e assim percebe-se que
elementos da obra do autor não foram ultrapassados pelo transcurso da história.
Um elemento que indiscutivelmente perdurou na obra do autor da celebre
Consciência e realidade nacional, e o apelo de estudar-se o Brasil, tomando como
pressuposto a sua própria realidade, ou seja, é mantida por Álvaro Viera Pinto a
concepção de se usar elementos teóricos de outras realidades, apenas na medida
de um determinado possível, pois a realidade nacional exigiria do pensador um
esforço e intuição que estava para além, de teorias transplantadas.
O filósofo fluminense faleceu em 1987, e parece ter mantido as suas
concepções da diferenciação entre a realidade desigual dos países em âmbito
global, e conseqüentemente admite que não um único e mesmo caminho para o
desenvolvimento e para a teorização.
Ainda em meados da década de setenta, após o colapso do populismo e o
esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentismo, seu apelo para olhar o país,
a partir dele mesmo, continua e no seu vigoro estudo sobre tecnologia, as chaves
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150
para a interpretação teórica ainda são as mesmas, como fica vaticinado pelas
próprias letras de Álvaro Vieira Pinto:
A cultura, em conjunto, constitui o cartório dos conhecimentos
alheios. Obrigado a colecionar e registrar os produtos do pensamento de
origem externa, o filosofo na verdade nunca chega a ser escritor; o passa
de escrevente. Realmente, não escreve, porque não consegue ter nada de
original para deixar escrito. Apenas lavra uma escritura do que os outros, os
sábios estrangeiros, declaram perante ele. No país subdesenvolvido é
impossível o surgimento de verdadeiros livros de filosofia. A verdade não
consiste na descoberta de algum novo aspecto de ser, mas na
fidedignidade das cópias e traslados dos documentos recebidos. A cultura é
o conjunto dos registros dos bens intelectuais fielmente reproduzidos,
fabricados por pensadores de fora e apenas adquiridos por nativos com
especial inclinação e suficiente tempo vago para se dedicarem a este
gênero de dissipação espiritual. Não é preciso acrescentar que fazem dessa
prerrogativa um valioso título de destaque social. A alienação torna-se o
melhor sinal da capacidade intelectual. Brilha com mais nitidez esse papel
egrégio se o estudioso não se limitar à exclusiva atividade manducadora,
mas se revelar um legítimo expoente do meio desprovido de
autoconsciência, engendrando livros, artigos de toda espécie de
publicações destinadas a difundir o pensamento dos outros, o que é feito
com grande satisfação pelos ressoadores indígenas, pois com esses
documentos fica comprovado em registro compública seu convívio com a
ciência, as letras e as artes. (PINTO, 2005 p 46 vol. I)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 151
151
Posfácio- notas biográficas sobre Álvaro Vieira Pinto
Em 11 de novembro de 1909, na cidade de Campos - RJ nascia Álvaro
Borges Vieira Pinto. Ainda no período da infância, a família muda-se para a cidade
de São Paulo, mas retorna ao estado do Rio de Janeiro, local em que Vieira Pinto
conclui seus estudos secundários, no colégio Botafogo na capital onde moravam
naquele momento.
Logo após a formação secundária a família retorna novamente para a cidade
de São Paulo e Álvaro Vieira começa a decidir seu futuro profissional. Embora
aparentemente não disposto a seguir para área das humanidades, o próprio Vieira
Pinto reconheceria mais tarde, que o ano que ficou em São Paulo, na transição do
secundário para o curso superior teria sido decisivo para sua formação.
Naquele período, o futuro médico e intelectual, aproveitaria o tempo livre para
dedicar-se a literatura e filosofia, ao mesmo tempo em que respira na cidade o clima
do pós semana de arte moderna, entrando em contato cotidianamente com
intelectuais paulistanos nas suas idas aos cafés do Largo do Ouvidor.
50
Volta para o Rio e passa nos vestibulares na Faculdade Nacional de
Medicina, na Guanabara, onde obtém sucesso, e cursa a faculdade com sérias
dificuldades financeiras, sendo obrigado a trabalhar para custear seus estudos.
Como solução emprega-se em colégio religioso, ministrando aulas de física e
filosofia para o ensino médio.
Ainda como estudante de medicina, participa de movimento político,
assumindo a vice-presidência da Ação Universitária Católica do Rio de janeiro
(AUC), corria o ano de 1931.
Torna-se dico no ano de 1932, mas opta pela área de laboratorista ao
invés de clinicar. Tenta instalar-se profissionalmente na cidade de Aparecida no
estado de São Paulo e não conseguindo se firmar profissionalmente e retorna ao
Rio.
50
Álvaro Vieira Pinto menciona estes momentos nas páginas iniciais do seu livro Sete lições para
educação de adultos ( 1991)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 152
152
Começa a se aproximar dos temas nacionais, sob a inquietação de pensar a
“identidade nacional” misturada a sua formação católica se seduzido pelas
proposições da Ação Integralista Brasileira (ABI), movimento em que se inscreve em
outubro de 1934.
Futuramente Viera Pinto, mudaria o seu rumo político, se aproximando de
concepções políticas mais a esquerda, mas o que pareceu, de fato, animar o jovem
médico de então era o próprio nacionalismo posto em questão, e o país como objeto
de estudo.
51
Ao mesmo tempo em que se interessa pelas questões teóricas e políticas do
país, em que sua entrada na ABI, não deixa de ser um sintoma, forma-se em física e
matemática, demonstrando desde daquele momento a erudição e capacidade para
transitar pelas diversas áreas do conhecimento.
Por indicação de Alceu Amoroso Lima, inicia a carreira universitária como
quadro da Faculdade Nacional de Filosofia (FNIi) em 1939, ocupa a cadeira
destinada a História da filosofia. Na realidade apesar de ser da cátedra de história
da filosofia, ministrava disciplina de lógica matemática, por carência de profissionais
para esta disciplina.
Na FNIi tentou indicar como assistentes Wanderley Guilherme dos Santos e
Alberto Coelho, sem sucesso, pois os nomes destes personagens estavam
associados ao movimento estudantil, o que se tornava um obstáculo para ocupação
dos cargos. Indica então, com sucesso o nome de José Américo Pessanha.
Como nome identificado ao avanço da ciência no país, passa a partir de 1941
a assinar uma coluna mensal na revista Cultura política, revista esta que como se
sabe reunia expoentes da vida acadêmica identificados com o Estado Novo. O mote
de seus artigos era divulgar as realizações dos cientistas brasileiros, mostrando o
avanço das ciências experimentais no país.
51
Muitos intelectuais iniciaram sua trajetória sob a égide do movimento integralista, o que não parece
ser um absurdo desmedido uma vez que foi um dos primeiros movimentos políticos a olhar para o
pais, no que pese sue nefasto conteúdo autoritário, o próprio CANDIDO ( 1995) reconhece que
apesar de tudo o integralismo : também era, aos trancos e barrancos, uma grande aspiração de
pesquisar e definir a identidade do país “ p.13
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 153
153
Em 1949, obtém licença para estudar no exterior, passando um ano na
Sorbonne, momento em que se aprofunda nos estudos de filosofia, principalmente a
filosofia platônica, o que lhe assegura elementos para a tese de livre-docente em
1950 intitulada: Ensaio sobre a dinâmica na cosmologia de Platão.
Em 1995, com a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros o iseb, é
convidado por Roland Corbisier para chefiar o Departamento de filosofia do recém
instituto, e aceita o convite.
Durante o período isebiano, será o momento da trajetória do intelectual em
que experimentará de fato o reconhecimento público, principalmente quando
assume a presidência da instituição em 1962, pois o então diretor executivo Roland
Corbisier é eleito deputado estadual pelo então Partido Trabalhista Brasileiro. Vale
lembrar que um ano antes Vieira Pinto havia publicado a sua maior obra em
densidade e reconhecimento intitulada: Consciência e realidade nacional.
Viera Pinto naquele momento trava excelentes relações com os estudantes e
suas instituições como a UNE, apoiando a” luta cultural no país”, além de
estabelecer possante relações com jovens promissores das ciências sociais no
Brasil como Wanderley Guilherme dos Santos e Carlos Estevam Martins, que
tornam-se assistentes de Veira Pinto no Instituto.
Em 1964 com o golpe militar o instituto é fechado, intelectuais perseguidos e
naquele contexto Álvaro Vieira é obrigado a exilar-se. Em 1964 é aceito formalmente
seu exílio na Iugoslávia, mas aos 55 anos apesar da erudição que o possibilitou um
rápido aprendizado do sérvio e do croata, a adaptação foi dolorosa.
Um ano depois em trabalho, acata a sugestão do amigo Paulo Freire e ruma
para o Chile, e sai da situação de retraimento e tristeza , quando o Centro Latino
Americano de demografia (CELADE) lhe encomenda um estudo, que posteriormente
é publicado sob o título El pensamiento crítico em demografia.
Não suportando o exílio decide retornar nas vésperas do pior momento do
regime militar, e chega ao Brasil em dezembro de 1968, a partir de então vive
recluso em seu apartamento, com aposentadoria precoce e realizando trabalhos
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 154
154
pontuais, principalmente de tradutor para editora vozes, com assinatura sob
pseudônimos.
Quando o ocaso total da vida intelectual parece se aproximar, conhece um
grande sucesso editorial com a publicação em 1982 do livro: Sete lições sobre
educação de adultos. O livro foi confeccionado tendo como base anotações de aula
que ofereceu no Chile ainda no ano de 1966.
Em junho de 1987 falece, após infarto, na cidade do Rio de Janeiro.
Recentemente foi publicado seu trabalho sobre tecnologia, O conceito de
tecnologia que foi escrito nos anos setenta e veio a publico recentemente em virtude
dos originais datilografados cedidos pela esposa.
Talvez nada melhor que encerrar-se este minúsculo opúsculo sobre a vida de
Vieira Pinto do que dar voz a quem com ele conviveu.
Em site sobre as memórias do movimento estudantil, que colhe depoimentos
sobre várias personalidades que contribuíram e foram referências para o movimento,
encontra-se depoimento de Carlos Estevam Martins, que assim respondeu quando
foi feita a pergunta, “Quem foi Álvaro Vieira Pinto”:
Álvaro Vieira Pinto foi a pessoa mais erudita que conheci em toda a
minha vida. Ele se formou em medicina e nunca exerceu. Começou a fazer
pesquisa em biologia. Inclusive, me mostrou uma foto dele com um rato de
laboratório na mão em uma revista científica inglesa relatando uma
pesquisa que ele tinha feito e os resultados. Ele tinha um amigo que era
físico, da faculdade de filosofia do Rio, e, uma vez, ele foi conversar com
o amigo, que estava ocupado. Álvaro achou um livro de matemática
enquanto esperava o amigo e brincou de fazer exercício de matemática. Foi
indo, foi fazendo. O Álvaro Vieira pinto morava sozinho com a tia, ele foi
criado por ela. Então, ele tinha pouca convivência, a principal convivência
que ele tinha era com esse professor de física, esse SusseKind, da
Faculdade Filosofia. Com o passar do tempo, quando bateu o olho, ele tinha
feito três volumes desse livro de exercício de matemática. O Plínio
Sussekind viu e disse: “Por que você não faz vestibular lá para a faculdade?
Você vai poder ter a chance de estudar mais física, matemática”. Ah, mas
sou biólogo, sou biologista”, o Álvaro respondeu. “Mas vai lá, a gente pode
conviver mais, você conhece outras pessoas”. Aí, ele pegou e fez de
brincadeira o vestibular e foram quatorze candidatos e foi o único que
passou. Então, se criou um problema na faculdade: ou ele freqüentava o
curso, coisa que não era a intenção dele, ou teria um problema de
defasagem, que iria ter um ano que não teria nenhum aluno. Então, ele
pegou e fez o tal curso. Continuou trabalhando como biólogo. Quando
terminou o curso, o Padre Leonel Franca, que era do departamento de
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 155
155
filosofia, começou na matemática para saber se havia algum matemático
promissor que pudesse dar aula de lógica matemática. Indicaram o Vieira
Pinto. Ele foi lá e começou a dar aula de lógica matemática no curso de
filosofia, porque ele dava só lógica aristotélica e queria introduzir a lógica
matemática no departamento de filosofia. que, com o passar dos anos,
ele começou a fazer uma tese. Ia ter um concurso para professor
catedrático, ele resolveu fazer uma tese. Nessa altura, ele era uma pessoa
que sabia medicina, biologia, matemática, física, latim, grego, e uma outra
língua, inglês, alguma coisa assim. Eu sei que a tese dele foi sobre a
cosmogonia de Platão. Era impossível montar uma banca para examinar
aquela tese, o sujeito sabia um pedaço, mas não sabia outro. Ele citava
todo o original. Se era latim, ele metia latim. Se era grego, ele metia grego.
E assim por diante. Então, a banca teve que aprovar e ponto final. Ao
mesmo tempo que ele fazia todas essas coisas, ele também tocava violino.
Ele fez nove anos de violino, com a tia ali em cima. Era uma pessoa
completamente reclusa, tinha praticamente esse amigo. Era um
problema terrível. No ISEB, por exemplo, para dar aula para os alunos que
não sabiam quase nada de coisa nenhuma, tinha dias que ele tinha
dificuldade de entrar na sala de aula, tinha medo dos alunos. “Eles podem
perguntar alguma coisa que eu não sei”, ele dizia. “Impossível. Primeiro,
porque você sabe tudo. Segundo, porque não vão perguntar nada, só ouvir”,
eu disse. Mas era uma pessoa nesse grau de timidez. Ele foi demitido por
justa causa da faculdade pelo Eremildo Viana, que era da direita, era
diretor. Houve o golpe e ele não apareceu mais na faculdade.Ele morria de
medo de tudo. Ele não saia de casa sem guarda-chuva, porque podia
chover, e assim por diante. Era uma pessoa extremamente difícil, mas
profundamente culta e preparada. Foi acrescentando as línguas todas,
entrou alemão, entrou russo, diabo de língua. Quando ele foi exilado, foi
para a Iugoslávia. Almino Afonso me contou que ele passou uns quinze,
vinte dias no hotel que estavam exilados os brasileiros. E, sentado no salão
do hotel, o Álvaro Vieira Pinto lia os jornais em sérvio e croata. Com quinze,
vinte dias, ele dominou o sérvio e o croata e estava traduzindo para eles.
Era uma pessoa assim. Extremamente preparada e, ao mesmo tempo com
uma psicologia de uma criança de quatro, cinco anos de idade. Acabou
casando com a secretária dele, que era a única mulher que ele conseguiu
ter algum tipo de relacionamento na vida toda, a Dona Maria. Bom, Vieira
Pinto era isso aí. (MARTINS in WWW.memoriaestudantil.org.br/main.asp.)
Renato Ramos Martini Álvaro Vieira Pinto: massas, democracia e nacionalismo na realidade nacional 156
156
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