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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
Departamento de Economia e Contabilidade
Departamento de Estudos Agrários
Departamento de Estudos da Administração
Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
AIRTON RIBEIRO DA SILVA
ECONOMIA DE MERCADO E DESENVOLVIMENTO HUMANO:
POSSIBILIDADE OU UTOPIA?
Ijuí (RS)
2008
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1
AIRTON RIBEIRO DA SILVA
ECONOMIA DE MERCADO E DESENVOLVIMENTO HUMANO:
POSSIBILIDADE OU UTOPIA?
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Curso de Pós-Graduação Stritu Sensu -
Mestrado em Desenvolvimento, área de
concentração Gestão e Políticas de
Desenvolvimento, Linha de Pesquisa Direito,
Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
Orientador: Professor Doutor Argemiro Luís Brum
Ijuí (RS)
2008
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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
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elaborada por
AIRTON RIBEIRO DA SILVA
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Argemiro Luis Brum (UNIJUÍ): _________________________________________
Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo (UFSM): __________________________________
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________
Ijuí (RS), 25 de agosto de 2008.
A meu pai, João Antonio (falecido)
homem simples, mas de visão longa, que
resolveu mudar domicílio para o bem da
educação de seus filhos e sucessores.
A minha companheira, amiga e parceira,
Maria Helena, por ter acreditado em mim e ter
dado o ponta-pé inicial no mestrado, somado
as noites de estudos, de comunhão e da
coragem com que demonstrou no período,
quando enfrentou sérios problemas de saúde.
A meus filhos Airton Junior e João Paulo,
pelo comportamento e compreensão em face
das necessárias ausências, e Luiz Eduardo, um
presente concebido durante o mestrado, todos
verdadeiros motivos de nossa caminhada.
A minha mãe e meus irmãos, à nossa
história de mudança de paradigmas.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Argemiro Luis Brum, pela sincera e dedicada
orientação, pelas sugestões e pela competência na transferência de conhecimentos,
sem os quais, não teríamos sucesso, e principalmente, pelo apoio e incentivo,
justamente quando ele próprio enfrentava momento cirúrgico delicado.
A Profª Dra. Raquel Fabiana Sparenberger, pelo acolhimento e incentivo,
quando do ingresso na primeira aula da academia.
Ao Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin, pela simplicidade e excelência no transmitir
dos conhecimentos, sem os quais, dificilmente teríamos concluído com sucesso
nossa caminhada cientifica.
A Profª Dra. Odete Maria de Oliveira, pela sua obra, qualificação intelectual e
dedicação à produção científica.
Ao Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo, pela confiança, sabedoria e
amizade, qualidades que nos fizeram mais digno da transformação.
Aos demais professores do Mestrado, que com seus qualificados
conhecimentos, fizeram mais fácil o abrir de novos e desconhecidos horizontes.
Aos colegas de Mestrado, pela amizade e pelos momentos agradáveis os
quais brindamos juntos, em especial, a colega Alexandra, que fazia das viagens,
verdadeiro embate de conhecimentos, e principalmente, a amiga, companheira de
6
todas as horas, Maria Helena, pelo equilíbrio, dedicação e apoio em nossa
caminhada.
Aos meus amigos e colegas de escritório, pela compreensão e pelas
ausências na atividade diária, as quais, pelo comprometimento, não atrapalharam o
andamento e a qualidade dos trabalhos na advocacia.
A Profª Tânia Rubin Deutschmann, pelo desprendimento, qualificação e
competência demonstrada na correção das normas da ABNT, sem as quais o
trabalho não teria caráter cientifico.
A UNIJUÌ, pela importância do Mestrado em Desenvolvimento, e pela
oportunidade que concebe através do corpo docente altamente qualificado.
RESUMO
A presente pesquisa teve como escopo averiguar o desenvolvimento do
homem no mundo, seu transcurso através do tempo, incrementado pela
globalização, e sua escolha pelo capital, face sua dignidade humana, e sua inserção
no contexto econômico, filosófico, biológico e jurídico. Para elaboração dessa
pesquisa, observou-se o método dedutivo e a cnica da pesquisa bibliográfica,
visando a construção de um referencial teórico de modo a contribuir para uma
melhor reflexão critica sobre o tema. Dentro deste contexto, fez-se uma análise da
globalização humana desde seus primórdios, suas origens e estruturas, passando
pelo período realista, idealista e contemporâneo, suas vantagens e desvantagens e
seus efeitos na atualidade. A seguir, faz-se analise das teorias clássicas do
mercado, trabalho e valor, e das bases teórica do neoliberalismo, e seus efeitos no
mundo e nas economias nacionais, e sua implementação no contexto jurídico
constitucional interno. Por fim, adentrou-se no estudo da dignidade humana, tendo
como base a moral kantiana, através da reflexão filosófica, biológica e jurídica,
perpassando sua efetividade ou não pelo direito judiciário, de modo à saber se é
possível seu desenvolvimento na economia de mercado.
Palavras-chave: Desenvolvimento Humano. Globalização. Economia de
Mercado. Dignidade Humana.
RESÚMEN
La presente pesquisa tuvo como finalidad averiguar el desarrollo del hombre
en el mundo, su transcurso en el tempo, incrementado por la globalización, suya
opción por el capital contraste la dignidad del hombre y suya inserción en el contexto
económico, filosófico, biológico, y jurídico. Para la elaboración de esa pesquisa
utilizase el método deductivo y la técnica de pesquisa bibliografiíta, buscando la
construcción de un referencial teórico para contribuir para una mejor reflexión crítica
acerca el tema. En ese contexto, hizo-se una analice de la globalización del hombre
desde sus primordios, sus orígenes y estructuras, pasando por el período realista,
idealista y contemporáneo, sus ventajes y desventajas, y sus efectos en la
actualidad. Siguiendo, hizo-se una analice de las teorías clásicas del mercado,
trabajo y valor, y de las bases teóricas del neoliberalismo y sus efectos en el mundo
y en las economías nacionales, y su implementación en el contexto jurídico
constitucional interno. Finalizando, pesquisó-se el estudio de la dignidad humana,
tiendo como base la moral kantiana, por la reflexión filosófica, biológica y jurídica,
pasando su efectividad o no por el directo judiciario, para saber si es posible su
desarrollo en la economía del mercado.
Palabras-clave: Desarrollo humano. Globalización. Economía de mercado.
Dignidad del hombre
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Indicadores da globalização comercial e financeira ................................26
Tabela 2: Produção de trigo .....................................................................................79
Tabela 3: Vantagens comparativas (horas de trabalho/unidades produzidas) ........81
Tabela 4: Vantagem comparativa .............................................................................81
Tabela 5: Desvantagem comparativa .......................................................................81
Tabela 6: O encerramento nos Estados Unidos e na União Européia em
1997 .......................................................................................................................119
Tabela 7: Diferencial de encarceramento entre negros e brancos (incluindo latinos)
em número de detentos para cada 100.000 adultos .............................................121
LISTA DE ABREVIATURAS
CE - Comunidade Européia
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
GATT- Acordo de Tarifas e Comércio
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDS - Índice de Desenvolvimento Social
INAE - Instituto Nacional de Altos Estudos
IPRS - Índice Paulista de Responsabilidade Social
NEPP - Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
OECD - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU - Organização das Nações Unidas
OMC - Organização Mundial do Comércio
PAEs - Planos de Ajuste Estrutural
PIB - Produto Interno Bruto
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................13
1 A GLOBALIZAÇÃO ATUAL....................................................................................21
1.1 A evolução da globalização até nossos dias: uma rápida análise.......................34
1.2 Sistema imperial globalizador – um viés interessante........................................36
1.3 Globalização pós-guerra ....................................................................................38
1.4 Globalização no período idealista ......................................................................40
1.5 A globalização imperialista e colonialismo ..........................................................47
1.6 A globalização no período realista ......................................................................51
1.7 Globalização – vantagens e desvantagens.......................................................61
2 A ECONOMIA DE MERCADO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO ATUAL.....75
2.1 O mercado produtivo e a globalização ...............................................................75
2.1.1 A teoria de David Ricardo................................................................................77
2.1.1.1 Teoria do valor – trabalho ............................................................................77
2.1.1.2 Teoria da distribuição e da renda .................................................................78
2.1.1.3 Teoria do comércio internacional .................................................................80
2.1.1.4 Princípio da vantagem comparativa .............................................................80
2.2 Marx e sua teoria.................................................................................................83
2.2.1 Método da extração da mais-valia absoluta....................................................88
2.2.2 Método da redução do tempo necessário – “mais valia relativa”.....................88
2.3 Fundamentos teóricos do mercado.....................................................................89
2.3.1 A base teórica do neoliberalismo .....................................................................91
2.3.1.1 A primeira dicotomia de Hayek .....................................................................92
2.3.1.2 Da segunda dicotomia de Hayek ..................................................................93
2.3.1.3 Da terceira dicotomia de Hayek ...................................................................94
2.3.1.4 A quarta dicotomia de Hayek .......................................................................95
2.3.1.5 A quinta dicotomia de Hayek ........................................................................97
2.4 A economia de mercado – neoliberalismo - na globalização atual.....................99
2.4.1 Nasce o Estado Mínimo .................................................................................103
2.4.1.1 O desemprego estrutural e o fantasma da inutilidade ................................103
2.4.1.2 Da favelização neoliberal – uma sinopse parcial ......................................109
2.4.1.3 Os pobres e o Estado Mínimo Policial Americano – um viés esclarece
-dor .........................................................................................................................116
2.5 A globalização atual e seus efeitos no mundo .................................................122
2.6 O lado positivo da economia de mercado na atual globalização.......................127
2.6.1 O trabalho – fonte de valor............................................................................128
12
2.6.2 Os rendimentos – os salários, os lucros, e a renda da terra .........................129
2.6.3 A divisão do trabalho, e o aumento da produção e produtividade.................131
2.6.4 A função do Estado.......................................................................................134
2.6.5 Mas a nível global, quais seriam os pontos positivos?..................................135
3 O DESENVOLVIMENTO HUMANO PODE PROSPERAR NO QUADRO DE UMA
ECONOMIA DE MERCADO?..................................................................................147
3.1 Conceito de dignidade humana........................................................................150
3.1.1 A dignidade humana – uma reflexão filosófica..............................................154
3.1.2 Dignidade humana – uma reflexão biológica.................................................158
3.1.3 Desenvolvimento humano no mercado.........................................................161
3.1.3.1 O que é desenvolvimento humano .............................................................168
3.2 Elementos jurídicos e a eficácia do principio da dignidade humana no merca-
do ............................................................................................................................179
3.2.1 Direitos legais reais e direitos legais potenciais e sua garantia de fruição.....181
3.2.2 O direito e a moral a partir de Kant ................................................................183
3.2.3 O princípio da dignidade, o desenvolvimento humano e sua concretização na
atualidade sob a ordem jurídica e o estado de direito.............................................187
3.2.3.1 É possível?..................................................................................................193
3.2.3.2 O princípio da reserva do possível – um viés à parte .................................197
3.2.3.3 E o papel do judiciário na efetividade do humano.......................................200
3.4 O desenvolvimento humano pode prosperar na economia de mercado? .........203
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................216
REFERÊNCIAS.......................................................................................................223
13
INTRODUÇÃO
Em pleno século vinte e um, enquanto assistimos à consolidação do
capitalismo no mundo e sua acelerada implementação global, o homem, como
artífice de sua liberdade, ainda especula sobre qual será o seu futuro.
Vivemos dias de insegurança e medo, enquanto temos a certeza de que
evoluímos de forma espetacular, na medida em que nos comparamos com aqueles
que habitavam o tempo medieval.
Nesse período, até hoje, fomos escravos, proprietários, patrícios, servos,
artesãos, clérigos, vassalos, soldados, nobres, comerciantes e, em especial, - como
os defensores do existencialismo
1
, - “o próprio arquiteto e construtor” de nosso
próprio destino.
Um “paradoxal” e contraditório “destino”, nas exatas significações
kierkegaardianas
2
.
Dentro desta ótica, pretendemos estudar o homem e sua dignidade, ele como
fim e não meio, e sua escolha pelo “capital”, que se de um lado produziu as
maiores riquezas no mundo, de outro, não podemos negar, produziu na mesma
intensidade enorme dimensão de deserdados e excluídos, isto sem falar nas guerras
que dizimaram povos às centenas de milhares.
1
Movimento que teve como precursores Sören Kierkegaard, Miguel de Unomano e Martin Heidegger
e pensadores importantes como Jean-Paul Sartre, Karl Jaspers, Gabriel Marcel.
2
Sören Aabye Kierkegaard nasceu em Copenhague, em 5 de maio de 1813, e morreu em 11 de
novembro de 1855.
14
Deste modo, o paradoxo atual reside no fato de que não como negar o
capital, pois ele, como escolha da humanidade, está consolidado, e não restam
dúvidas de seu império na existência, tendo produzido a queda de outros
paradigmas, como foi a derrubada do muro de Berlin e a derrocada da “cortina de
ferro”. Porém, é ele, o capital, por sua existência e mobilidade, introdução e higidez,
que consegue transformar o homem, influindo inclusive no seu conceito de
“dignidade”, confundindo seu criador, no momento de sua aplicação, minimizando na
prática sua eficácia e, porque não dizer, aeventualmente chegando a negá-la ao
longo do tempo.
Tomando como exemplo o jovem Kierkegaard, que se sentia atraído pelo
problema do homem no mundo (FARAGO, 2006), buscaremos entender o paradoxo
do desenvolvimento humano pelo capital (ou no capital), em face da globalização
econômica em relevo.
Hoje, na falta de paradigmas de igual potencialidade, o “capital” é singular,
enquanto movimento econômico, como era o homem na filosofia existencialista, do
filósofo dinamarquês. Ambos existem no plano universal, e apresentam-se na
realidade concreta. Enquanto isto, embora também exista, por ser inerente ao
homem, a “dignidade” se mostra abstrata, quando esbarra na realidade e na falta de
eficácia de seus princípios. Vale dizer: ela existe, mas não se aperfeiçoa ante o
existencialismo indomável do capital, ao menos em sua plenitude, e dele é
dependente muitas vezes.
Por outro viés, caracterizado pelo incremento a partir do fim da segunda
guerra mundial, e o início do culo XXI, ressalta-se o incremento do liberalismo e o
aprofundamento da “globalização”. Embora hoje mais visível se apresenta a
globalização econômica e financeira, ocorre cada vez mais a aproximação política,
jurídica e cultural entre os povos.
Nesse contexto, não se pode deixar de anotar também que o paradigma do
realismo político incrementou-se sobremaneira, com o fim da Segunda Grande
Guerra, estendendo-se até os anos sessenta, justamente em época que vicejou a
guerra fria entre as maiores potências confrontando, de um lado o socialismo e de
15
outro o capitalismo. Alicerçados pelos princípios maquiavélicos de que “os fins
justificam os meios”, na conquista e manutenção de um Estado forte e hobbesiano,
“no qual os homens vivem em constante guerra, na competição, desconfiança e
glória” (OLIVEIRA, 1998, p. 46), o período idealista foi suplantado. Movimento este
que caracterizou o período, Pós-Primeira Grande Guerra. O mesmo inspirava-se em
regras éticas, que transformadas em princípios jurídicos, padronizavam as relações
entre nações.
Posteriormente, na alvorada da Guerra Fria, exatamente em 1948, Hans J.
Morgenthau
3
, conhecido como o Novo Maquiavel, defendia que “o poder e a procura
do poder é o fundamento de toda relação política”. Como tal, isto não era bom, pois
conferia a todos os homens um ardente desejo de poder, ou “animus dominandi”,
fazendo-os agir como ave de rapina em nível de relações entre grupos sociais e
entre si (OLIVEIRA, 1998, p. 48).
Nesse contexto, por ter trabalhado com o governo dos EUA, a obra de Hans
Morgenthau influenciou profundamente a formulação da política exterior norte-
americana, instigando, outrossim, o brilhante pensador francês Raymond Aron
4
que,
por sua vez, acabou fortalecendo a teoria da Razão de Estado, prevalecendo as
questões de poder e de segurança, desenvolvendo-se a tese ideológica da
segurança nacional, chamado de alta política e os problemas internos como a
economia, chamada de baixa política (OLIVEIRA, 1998).
3
Filho único de uma família judia, nasceu em 1904, em Coburgo, pequena cidade ao Norte da
Bavária e faleceu em 1980, em Nova York. Em 1923, ingressou na Universidade de Frankfurt,
transferindo-se, posteriormente, para a Universidade de Munich, onde estudou Direito e Filosofia
Política, dirigindo-se, então à Suíça, realizou trabalhos de pós-graduação no Instituto de Estudos
Internacionais de Genebra, lecionando Direito Público na mesma Universidade. Após uma estadia
como docente em Madrid (1935-1936), emigrou definitivamente para os Estados Unidos, em 1937.
Sem patrocinadores e amigos, nesse país, desenvolveu intensae influente carreira acadêmica, onde
foi professor e investigador em Brorryn (1937-1939), na Universidade de Chicago (1943-1971), no
City College de Nova York até 1980, quando faleceu (OLIVEIRA, 1998).
4
Nasceu em 1905, em Paris e faleceu em 1983. Doutorou-se na Alemanha. Por trinta anos
secretariou o Centro de Estudos Sociais da Escola Normal Superior. Em Londres foi colega de Jean
Paul Sartre durante a Segunda Guerra Mundial, participou da direção de Combat e La France Libre.
Na carreira jornalística, foi colunista do Le Figaro e do L’Express. Nos idos de 1955 lecionou na
Universidade de Paris, e a partir de 1970, no Colége de France. Considerado um dos filósofos
políticos mais respeitados do século XX (OLIVEIRA, 1998).
16
Na verdade, buscava-se a contenção do expansionismo soviético no plano
externo e o combate aos movimentos de esquerda com inspirações socialistas no
plano interno.
A importância de estudar esse fenômeno paradigmático na presente
pesquisa, está justamente no fato de que o poder e o uso da força constituem-se no
traço forte do Paradigma Realista que, por sua vez, evoluiu sob a influência da
hegemonia bipolar da economia capitalista, representado pelos EUA, e a economia
planificada, representada pela URSS.
Esses dois pólos, de inegável confronto ideológico, com a criação, de um
lado, da OTAN, que aglutinou os países da Europa Ocidental e os EUA, e de outro,
o PACTO DE VARSÓVIA, que reuniu a Europa Oriental e a URSS, dividiram o
mundo capitalista do mundo socialista.
Dessas duas correntes, que traduzem dois ideais diferentes de concepções
ideológicas, ainda fazem vicejar discussões acaloradas na academia, e fazem da
presente pesquisa, aliada à aplicação da dignidade humana no mercado, seu maior
desafio, mormente quando ainda há, na atualidade, alguns Estados Nacionais
arvorando-se contrários à ordem mundial capitalista, sem, contudo, divorciar-se
dela
5
.
O Paradigma Realista perdeu força entre os anos de 1960 e 1980, com o
surgimento do Paradigma da Dependência e da Interdependência, época em que
surgiram os chamados países de “centro” (países ricos) e os países periféricos” (os
países pobres), o que sempre se salientou foi exatamente a discussão entre
capitalismo e socialismo, na medida em que, para alguns, o subdesenvolvimento
5
Falamos de Hugo Chávez e sua proposta de implantar o Socialismo Bolivariano, sem, contudo,
deixar de ser um dos maiores exportadores de petróleo. Socialismo Bolivariano é uma expressão
utilizada pelos impulsionadores do nascente Partido Socialista Unido da Venezuela. É uma expressão
utilizada pelo presidente da Venezuela, para designar sua visão de socialismo que se diferencia, pela
sua característica, ao se basear nos trabalhadores e não numa classe operária. Hugo Chávez
declarou o que o marxismo-leninismo é um dogma e não assumiria suas bandeiras. O Socialismo
Bolivariano se declara defensor das causas democráticas e socialistas bem como se declara
progressista.
17
dos países pobres e ou do chamado Terceiro Mundo se deu justamente porque a
política capitalista é imperialista, na visão do paradigma da dependência.
Vale dizer, à luz do conceito ideológico marxista, que o capitalismo explora a
periferia, e, com isto, tendo em vista que sua sobrevivência se dá pela exploração da
mão-de-obra barata, acaba por infligir séria baixa na eficácia da dignidade humana,
na razão de que, ao exportar seu capital e parte de sua produção com a finalidade
de obter maiores taxas de lucros, acaba por negligenciar o próprio conceito de
dignidade humana, valor intrínseco da humanidade.
Asseveram tais correntes que os países capitalistas, com o incremento da
globalização econômica, através das empresas multinacionais, transnacionais, ao se
manterem acima e por sobre os Estados, retiram dele a capacidade de atender as
necessidades do homem na sua integralidade, descumprindo, pois, algumas
essenciais soluções sociais, das quais o homem não pode prescindir para
consecução de sua “dignidade”, fazendo de seus princípios constitucionais,
verdadeira falácia jurídica, no âmbito nacional.
Merecedores de atenção, todavia, encontram-se os que defendem o ideal
capitalista, como única forma de realização humana e dignidade no plano da
eficácia. E não poderia ser diferente, afinal, nessa quadra da história. Dificilmente
em tempo curto, caberia uma reversão.
Nesse contexto, indaga-se: É possível o desenvolvimento humano, pelo
mercado, em tempos de globalização econômica?
Há quem diga que o seu desenvolvimento vem quando o homem der a
merecida importância ao “capital social”, conforme lembra Monastério (2006)
relembrando Robert Putnam.
também os que defendem que tais avanços podem ser efetivados através
de normas e princípios constitucionais aplicáveis, aparelhando o Estado de
instrumentos jurídicos eficazes. Há os que defendem que o Estado deve estar
18
preparado, e ser competente
6
, agindo como organizador e uma espécie de gestor
das demandas, diante do mercado, e não tentar dominá-lo.
Existem ainda os que defendem que a mão de obra, o poder público, enfim,
todos os agentes devem estar capacitados e qualificados. Afinal, o capital é, além de
seletivo, competitivo, e por esta razão, cada um deve estar apto aos desafios. A par
da transição paradigmática, defendida por Santos, Bedin (2001) sugere a construção
de uma ordem mundial justa e solidária e Hawkwn, Lovins e Lovins (2007) defendem
a criação da próxima revolução industrial pelo capitalismo natural.
Democratização do capital, fortalecimento do Estado, União dos Estados em
blocos (BRUM, 2002), comprometimento social (SEN, 1999), ética nas relações,
comportamento humano e democracia, capitalismo natural, todas essas exigências,
uma vez implementadas, podem trazer possibilidades de desenvolvimento humano.
Da mesma forma, parafraseando Sen (2000), afirma-se que o
desenvolvimento poderá ocorrer quando o processo considerar a expansão das
liberdades reais que as pessoas venham a desfrutar. Ou, quem sabe, tenha razão
Giddens (2005), que acredita que a social-democracia pode não sobreviver, mas
também prosperar, tanto num nível ideológico quanto num nível prático. Embora
esse autor tome por base a política implementada na Grã-Bretanha, a “terceira via”
tem por escopo a renovação social-democrática e seu esforço de repensar a política.
Embora Veiga (2005) acredite numa nova utopia, Costa (2006), por sua vez,
entende que a dignidade e a plena cidadania podem ser asseguradas através da
educação, a qual, no Brasil, foi recentemente inserida como direito constitucional
fundamental.
Tudo isto deve ser considerado. Todavia, além destes fatos materiais, de
natureza positiva, devemos buscar entender os fundamentos do modelo que
orientou a gica do mercado, com o fito de melhor o situarmos na cientificidade
6
Dentre outros, destaca-se: BRUM, Argemiro Luis. A economia internacional na entrada do
século XXI – transformações irreversíveis. 2. ed. Ijui: UNIJUÍ, 2002.
19
teórica que o ampara, e sua influência nos direitos do homem, ao longo do tempo e,
agora, da globalização econômica e financeira (BEDIN, 2002).
Por sua vez, a inclusão do estudo da dignidade humana, por seu fundamento
jurídico, tem por sucedâneo, “abrir um espaço novo”, no conflituoso terreno da
política e da economia, da prática social e do jurídico, em face da crise generalizada
do direito no contexto de um novo paradigma (STEIN, 2007).
Como veremos no desenrolar do tema, o Estado, como obrigado pelas
promessas que tinha, não consegue cumprir com o mínimo necessário, em que
pese sua responsabilidade positivada nos textos constitucionais internos.
Importa dizer, por fim, que o principio da dignidade humana não pode ser
apenas um conceito vago e inexpressivo, mas ao contrário, encerrar toda a sua
essência no próprio ser humano, e no “ser” do dever “ser”.
Anote-se que devemos buscar a alegria da descoberta no equilíbrio da
análise. Afinal, como defendia Smith (apud SEN, 2000, p. 333), “a diferença entre os
caracteres mais dessemelhantes, entre um filósofo e um carregador comum, por
exemplo, parece emergir, não tanto da natureza quanto do hábito costume e
educação”
7
.
Assim, o capítulo 1, tratará da globalização, com ênfase no momento atual. O
mesmo abordará aspectos políticos e econômicos do homem, suas experiências no
período idealista, realista e de dependência e interdependência, até a
contemporaneidade. Nesta análise serão inseridas as diversas opiniões, prós e
contras, à globalização, suas vantagens e desvantagens. No capítulo 2 será
analisada a economia de mercado no contexto da globalização atual, seus
fundamentos teóricos e seus reflexos na humanidade. No final deste capítulo, faz-se
7
Explica Adam Smith (apud SEN, 2000, p. 333) que: “A disparidade de talentos naturais em homens
diferentes é, na realidade, bem menor do que nos damos conta; e o talento muito diverso que parece
distinguir os homens de diferentes profissões, quando atingem a maturidade, com grande freqüência
não é tanto a causa, mas o efeito da divisão do trabalho. A diferença entre os caracteres mais
dessemelhantes, entre um filósofo e um carregador comum, por exemplo, parece emergir, não tanto
da natureza quanto do hábito, costume e educação. Quando vêm ao mundo, e durante os primeiros
seis ou oito anos de sua vida, eles terão sido, talvez, muito parecidos, e nem seus pais nem seus
colegas de brincadeiras conseguiriam perceber alguma diferença notável.”
20
uma breve análise da “globalização liberal ou econômica”, e seu impacto na
economia, desde sua gênese, inclusive com viés informativo do maior representante
do capitalismo atual, e seus resultados penais, culminando na análise dos pontos
positivos defendido pela doutrina liberal, do livre mercado.
O capítulo 3, por sua vez, busca respostas para a seguinte questão: pode o
desenvolvimento humano prosperar no quadro de uma economia de mercado?, e,
em que hipóteses isto pode ocorrer. Dentro desse tema, verificar-se-á se existem
elementos jurídico-econômicos que permitem construir um desenvolvimento humano
em uma economia de mercado, e quais seriam esses elementos e a possibilidade de
sua implementação, sempre com a visão voltada ao futuro da humanidade e das
gerações seguintes.
Enfim, serão apresentadas as considerações finais, visando sintetizar as
lições obtidas com esse estudo.
21
1 A GLOBALIZAÇÃO ATUAL
A globalização parece ser o destino irremediável do mundo, sendo seu
processo, indiscutivelmente, irreversível, pois afeta a todos de uma maneira ou de
outra, embora com multiplicidade de efeitos. Segundo Bauman (1999), a
globalização tanto divide como une; divide enquanto une, e as causas da divisão são
idênticas às que promovem a uniformidade do globo.
Após a segunda grande guerra, o mundo percebe que ela caminha, em ritmo
acelerado e consistente. Porém, nem sempre foi assim. Visto sob o ângulo do
desenvolvimento evolutivo do homem, no sentido de transpor seus próprios limites,
ela se caracteriza como fenômeno de complexa longevidade, com fluxos e refluxos.
Percebe-se que desde os primórdios da idade antiga, passando pelo período
medievo, até a modernidade e, por último, na idade contemporânea, ela vem
ocorrendo sempre ligada a interesses de diferente natureza, como político, religioso,
comercial, econômico, entre outros.
Embora no presente estudo, interesse-nos mais a globalização na dimensão
econômica e financeira, posto que mercado e dignidade humana constituem-se no
núcleo da pesquisa, é de suma importância a análise sob o ponto de vista de sua
origem, mormente quando na atualidade ela é chamada de globalização econômica
neoliberal, que se caracteriza pela extraordinária inclusão econômica de um lado e
deploráveis exclusões políticas e sociais de outro. Ou seja, nos primórdios, as
ondas
8
de globalizações, em face de seus avanços e retrocessos, fluxos de
continuidades e descontinuidades, podem caracterizar-se justamente em períodos
de paz, quando o homem experimentou desenvolvimento e prosperidades, e
respectivamente, em épocas de guerras, crises e conflitos, quando ocorriam as
denominadas por Oliveira (2005a) “desglobalizações”, caracterizadas pelos refluxos
e paralisações.
8
Termo utilizado por OLIVEIRA, Odete Maria de. Teorias globais. Elementos e estruturas. Ijuí:
UNIJUÍ, 2005a.
22
Dal Ri Junior (2003) observa, porém, que a primeira onda dentro do fenômeno
histórico da globalização se deu, com mais precisão, no Império Romano, seja na
articulação política, seja nas práticas de construções de estradas, aquedutos,
proteção ao comércio, uso de moeda, entre outras coisas.
Já, a segunda onda teria ocorrido entre os séculos XIV, XV e XVI, com as
conquistas das grandes descobertas dos novos continentes e dos caminhos para a
Índia e China.
A terceira onda global veio com o liberalismo, movimento acontecido no
decorrer do século XIX, no qual incrementou-se a liberação do comércio, a
colonização européia na África e na Ásia, obtendo-se novas fontes de rendas e
riquezas.
A quarta e última onda, segundo Oliveira (2005a), configura o processo global
que se estabeleceu após a Segunda Guerra Mundial, motivada pelo surgimento das
organizações internacionais Organização das Nações Unidas (ONU), Organização
Mundial do Comércio (OMC), Comunidade Européia (CE) e o grande incremento de
empresas transnacionais, ocasionando aumento de fluxos de investimentos e a
redução das barreiras comerciais. Esse critério de ondas ou de plataformas, noções
utilizadas por Lester Thurow na observação de Roland Robertson, é lembrado por
Oliveira (2005a), que comporta distintas fases:
a) Embrionária: situada na velha Europa, com início no século XV e
atingindo a metade do século XVIII, com a fase inicial da estrutura estatal e o
rompimento do sistema político-social e econômico do feudalismo,
provocando o novo conceito de individuo e sua relação com a humanidade;
b) Incipiente: também no culo XVIII nos anos de 1870, consolidando os
conceitos de Estado e cidadania, com ênfase no agenciamento e regulações
das crescentes relações interestatais e nos problemas dela resultantes;
c) Decolagem: ocorrida entre 1870 a 1920, marcada pelas tendências
globais emersas na sociedade internacional, originado pelo Estado moderno e
pelo desenvolvimento de perspectivas nos avanços do campo de
comunicação e marcas da Primeira Guerra Mundial;
23
d) luta pela hegemonia: entre a década de 20 e a década de 60 do século
XX, sob a égide da Organização das Nações Unidas, o início da Guerra Fria,
a mudança da produção do processo econômico, a referência dos conceitos
de império nuclear e de potência nuclear, a divisão Norte-Sul, - países
desenvolvidos e subdesenvolvidos;
e) incerteza: da década de 60 até a atualidade, voltada às conseqüências
da mundialização, ao fim da Guerra Fria, ao mundo multicêntrico e
interdependente, à tecnologia avançada, à informatização, aos problemas
com o meio ambiente, à acirrada guerra comercial das empresas
transnacionais.
No entanto, é Ianni (apud OLIVEIRA, 2005a) que analisa a globalização
ligando-a ao capitalismo e divide em três fases históricas: a primeira fase, iniciada
com as grandes navegações - séculos XV e XVI - culminando com as descobertas
de várias regiões e continentes, expandindo o capitalismo pelo mundo, integrando-o
num sistema de produção e consumo de mercadorias. A segunda fase, ocorrida
com o registro da Revolução Industrial do século XVIII, quando o capitalismo
europeu tinha mercado consumidor em todo o mundo, ocupando-se então com o
desenvolvimento de tecnologias que permitissem aumentar a produção a fim de
atingir maior quantidade de mercadorias, porém com menor numero de
trabalhadores, preços mais baixos e maiores lucros. A terceira fase, localizada nos
anos 50 do século XX, depois da Segunda Guerra Mundial, com a reconstrução da
Europa destruída pelos dois grandes conflitos e configurada pelo impulso e domínio
das empresas transnacionais e de seu controle sobre os mercados mundiais.
O Estudo da Globalização como fenômeno global também ganhou impulso
com as chamadas Ordens Mundiais, merecendo destaques as viagens dos grandes
navegadores - às Américas e às Índias - cujos cinco culos mudaram as direções
das forças operantes de formação do sistema planetário (OLIVEIRA, 2005a).
Segundo Oliveira (2005a), tais transformações permitiram identificar várias
etapas da globalização, compreendendo a seguinte progressão:
24
a) Primeira Ordem Mundial, abrangendo o período compreendido pelas
viagens de Cristóvão Colombo e Vasco da Gama até o ano de 1800, tendo ali
se registrado o início da expansão ultramar dos povos cristãos da Europa
liderados por potências atlânticas.
b) A segunda Ordem Mundial, tendo como marco dominante a Revolução
Industrial, etapa que se estende desde 1800 até 1914, findando no início da
Primeira Guerra Mundial. O período compreendido entre 1914 e 1945, tendo,
neste período, ocorrido uma desglobalização
9
.
c) Terceira Ordem Mundial, ocorrida no período atual, iniciando-se na
segunda metade do século XX, compreendendo os desafios e mutações do
contexto globalizante, dos presentes dias.
É bem verdade que durante esses períodos que caracterizam as ordens
mundiais, houvera enormes transformações como a Revolução Tecnológica,
Revolução Industrial, que provocaram, além de extraordinário aumento de produção,
crescentes oportunidade de desenvolvimento, levando as relações de comércio
global a atingir resultados, sem precedentes na história econômica
10
, ampliando as
redes de globalização da Terceira Ordem Mundial.
Nessa ordem de coisas, o Relatório de Pesquisa Política do Banco Mundial
de 2003
11
observa que o crescimento global, historicamente, pode ser expresso por
meio de três ondas significativas, anotando que os processos anteriores a 1870 não
apresentaram fluxos econômicos de destaque. Dessa forma, a primeira onda global
teria avançado de 1870 a 1914, período em que os fluxos de bens, capital e mão-de-
obra aumentaram surpreendentemente. As exportações, decorrentes de renda
mundial, praticamente dobraram, atingindo índice aproximado de 8%, e o capital
estrangeiro havia triplicado em relação à renda nos países em desenvolvimento da
América Latina, África e Ásia. Nessa época, 60 milhões de pessoas haviam
emigrado da Europa para a América do Norte e outras regiões do mundo, enquanto
9
Oliveira (2005a) explica que desglobalização é chamada neste período em face de que as forças
integradoras do sistema global transitoriamente foram interrompidas - retrocesso - plataforma de
refluxo.
10
Ver mais detalhes: In: OLIVEIRA, Odete Maria de. Relações comerciais globais e o império dos
mercados globais. Ijuí: UNIJUI, 2003, p. 838-951.
11
Ver: GLOBALIZAÇÃO: CRESCIMENTO E POBREZA. Relatório de Pesquisa Política do Banco
Mundial, 2003. p. 18.
25
que o deslocamento de mão-de-obra havia sido de 10% da população do mundo
(OLIVEIRA, 2005a).
Nesse particular, Ferguson (2007, p. 344) afirma que:
no Reino Unido, a emigração líquida total entre 1881 e 1890 ultrapassou
os 3,2 milhões, cerca de 7% da média populacional. A emigração alemã
1,3 milhões neste período atingiu em 1854 e 1881 picos anuais de 0,7% e
0,5% da população, ou quase 3% na década de 1880 como um todo. A
Irlanda foi, é claro, a campeã: ao todo, 14% da população emigraram na
década de 1880.
Caracterizando refluxo, ou como Oliveira (2005a) denomina de
desglobalização, o período compreendido entre 1929 e 1933, fez com que a aquela
renda per capita global em franca evolução, tivesse significativo retrocesso,
justamente após a Primeira Guerra Mundial, durante a denominada Grande
Depressão e após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, segundo Ferguson
(2007, p. 343),
não há consenso entre os historiadores econômicos sobre se a globalização
é ou não maior hoje do que na década que precedeu à Primeira Guerra
Mundial. A resposta a esta pergunta depende dos indicadores usados e
também, quem sabe, do país a que se referem.
À primeira vista, as razões, dívida externa/PNB de grandes devedores
internacionais como a Índia e Rússia, apontam uma estranha semelhança
do passado com o presente: as razões anteriores a 1913 oscilam entre 25%
e 30%, como voltou a ocorrer em 1997.
Anota Ferguson (2007, p. 343) que essa falta de consenso entre os
historiadores econômicos sobre a globalização ser ou não maior hoje do que na
década que precedeu à Primeira Guerra Mundial, dá-se:
À primeira vista, as razões dívida externa/PNB de grandes devedores
internacionais como Índia e Rússia apontam uma estranha semelhança do
passado com o presente: as razões anteriores a 1913 oscilam entre 25% e
30%, como voltou a ocorrer em 1997. No entanto, são poucas as grandes
economias de hoje com dependência tão acentuada de capitais externos
como a Argentina antes de 1914, quando cerca de metade do estoque de
capitais era proveniente do exterior e os déficits em conta corrente
chegavam a 10% do PIB. Entre 1870 e 1890, o ingresso de capitais na
Argentina aproximava-se dos 20% do PIB, contra apenas 2% na década de
1990.
A segunda onda global, afirma Oliveira (2005a), situou-se entre os anos de
1950 e 1980, quando a Europa, América do Norte e Japão, passaram a restaurar
26
relações comerciais entre si, por meio de diversificadas liberações comerciais
multilaterais, sob a égide do Acordo de Tarifas e Comércio (GATT). Nesse período, a
maioria dos países em desenvolvimento, continuou atrelada às exportações de
produtos primários, permanecendo isolados dos fluxos de capital, tudo em função de
suas políticas internas, enquanto os países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OECD) obtinham taxas de crescimento inéditas.
Ferguson (2007) afirma que da exportação de capitais foi de fato a Primeira
Guerra Mundial, quando a conta corrente média chegou a cerca de 5% do PIB, em
comparação com o piso mínimo de 1,2% no período 1932-39. O percentual do
período 1989-96 foi de apenas 2,3%.
Veja a tabela abaixo, adotada pelo autor.
Tabela 1: Indicadores da globalização comercial e financeira
Exportações de mercadorias
em relação ao PIB mundial (%)
Ativos externos em
relação ao PIB mundial (%)
1870 6,9
1890 6,0
1900 18,6
1913 9,0 17,5
1930 8,4
1945 4,9
1950 7,0
1960 8,0
1970 10,0
1980
1990 13,8
1995 56,8
Fonte: CRAFTS (apud FERGUSON, 2007, p. 344).
27
Conforme a tabela 1, fica evidente que a abertura dos mercados globalizados
de mercadorias e de capitais nunca foi tão grande como é hoje. A rigor, leciona
Ferguson (2007, p. 343):
em 1913 as exportações de mercadorias chegavam no máximo a 9% do
PIB mundial; em 1990 este percentual era de 13% e esta hoje quase
certamente mais alto. Isto é um reflexo do fato de que as barreiras tarifárias
internacionais são hoje menores do que no início do século XX: o comércio
antes de 1914 foi mais impulsionado pela redução nos custos do frete que
pelo liberalismo econômico. Em 1913, os ativos externos equivaliam a cerca
de 18% do PIB mundial. Em 1995, este percentual subira para assombrosos
57%.
A tabela também mostra que, na década de 1930 à de 1960, as exportações
de capitais caíram de modo mais drástico do que as exportações de capitais de
mercadorias. No seu menor piso registrado, em 1945, os ativos externos
representavam menos de 5% do PIB mundial.
Para Oliveira (2005a), a terceira onda global teria surgido no inicio da década
de 80, tendo continuado seu percurso até o momento presente, provocada pelos
avanços tecnológicos nos transportes e comunicação e pelo especial
desenvolvimento nos âmbitos do comércio e investimento, servindo-se estes da
abundante mão-de-obra barata dos países em desenvolvimento no que diz respeito
a produtos manufaturados e de serviço. Tais países tiveram bem elevadas suas
exportações de produtos manufaturados: em 1980, a um índice de 25%; e em mais
de 80% em 1998. Entre esses países em desenvolvimento globalizado estão Brasil,
Índia, México e Hungria.
A característica marcante da terceira onda, em relação as anteriores,
encontra-se no fato de que certos países em desenvolvimento entraram no mercado
mundial de produtos manufaturados e de serviços, posto que antes, apenas
comercializavam produtos primários em virtude de possuírem terras, matérias primas
e mão-de-obra, abundantes.
À luz do que foi exposto, verifica-se que a gênese da globalização encontra
registros em tempos longínquos, caracterizando-se em longo, complexo e desigual
percurso, com movimentos de fluxos e refluxos - avanços e retrocessos - como
afirma Oliveira (2005a).
28
Afora o fato de que a globalização envolve vários âmbitos de variadas
disciplinas acadêmicas, sob o ponto de vista da história da Sociologia, foi
identificado em cinco estágios por Martin Albrow (apud OLIVEIRA, 2005a):
universalismo, sociologia nacional, internacionalismo, indigenização e globalização:
a) No primeiro estágio – universalismo – o autor evidencia idéias do
Iluminismo, ressaltando propostas humanistas e a necessidade de buscar
uma ciência da humanidade para a humanidade, alicerçada em princípios
atemporais e em demonstrações empíricas.
b) No segundo estágio sociologia nacional volta-se o autor a avaliar a
produção intelectual nacional das academias da Alemanha, França, Estados
Unidos, Itália, Inglaterra, Espanha, e de países não ocidentais, como o Japão,
observando que tais produções apresentam marcas de suas culturas
referências nacionais mas com resíduos de universalismo, produzindo uma
busca de exclusiva hegemonia.
c) No terceiro estágio internacionalismo o autor centra sua atenção
nas conseqüências desastrosas das duas grandes guerras mundiais e nas
dificuldades que as mesmas legaram às sociologias nacionais. Com
referência ao internacionalismo e ao universalismo, o autor afirma que o
primeiro rompe com os limites do provincianismo e das tradições, enquanto o
segundo vincula-se ao crescimento das cidades, corporações mercantis,
universidades e ao surgimento das economias e da moeda.
d) No quarto estágio indigenização preocupa-se, o autor, com a
questão do Terceiro Mundo, pontuando duas características predominantes
do seu desenvolvimento nos anos setenta. Uma refere-se à oposição ao
exterior quanto à adoção das teorias e métodos ocidentais.
12
Outra ênfase
à tradição nacional-cultural,com inclinação ao modelo marxistas. Não
12
A teoria da dependência até certo ponto representa justa tentativa de rompimento da importação de
conceitos estruturais e paradigmas externos, como também a emancipação do conhecimento latino-
americano no sentido mais estreito, objeto em si mesmo, de conteúdo analítico-interpretativo dos
problemas de suas sociedades e os reflexos dos seus processos globais, como também de outros
paises e regiões dependentes do mundo.A teoria da dependência pode ser entendida como a
declaração de independência da sociologia latino-americana. Para mais detalhes, ver: OLIVEIRA,
Odete Maria de. O paradigma da dependência. In: BEDIN, Gilmar Antonio et al. Paradigmas das
relações internacionais: realismo - idealismo - dependência interdependência. 2. ed. rev. Ijuí:
UNIJUI, 2004. p. 159-243.
29
obstante, essa década registra autores latinos
13
que rejeitaram temas, teorias
e métodos estrangeiros, ao fito de ser entendida a problemática da
dependência em nível cultural autóctone, estendendo também à literatura de
forma geral.
e) No quinto estágio – globalização o autor refere-se à fase presente do
seu modelo, mas não necessariamente à última, entendendo que a
globalização é resultado diverso da interação entre o nacionalismo e o
internacionalismo e indiretamente representa os estágios anteriores.
Embora Martin Albrow tenha se voltado mais à preocupação dos
relacionamentos dos sociólogos em âmbito mundial, em vez do processo global em
si, não estabeleceu distinção entre a globalização das Ciências Sociais com a
Sociologia da Globalização. No entanto, pode-se precisar que na primeira metade do
século XIX, o movimento filosófico europeu foi caracterizado na Alemanha pelo
evoluir do idealismo transcendental e sua conseqüente elaboração critica: na
Inglaterra, pelo empirismo, e na Itália e França pela ascendência do espiritualismo
em confronto com o próprio idealismo e com o empirismo. Na segunda metade do
século XIX, esse quadro alterou surgindo o movimento denominado de positivismo.
Adote-se nesta fase positivista a interpretação unilateral do criticismo de Kant.
À positividade da experiência confunde-se ciência com Filosofia, o mundo humano
com o físico, o espírito com a matéria. Embora o positivismo tenha concepção
religiosa, entre as principais características observam-se as seguintes: a) Repor e
investigar a verdade dos fatos positivos propiciados pela experiência; b) considerar
as próprias experiências como fonte única do saber e critério último da verdade; c)
acordo e quase identidade entre cognição filosófica e cognição cientifica, de modo
que os problemas filosóficos e as eventuais conclusões tenham a objetividade dos
problemas científicos; d) atitude agnóstica ou negativa diante dos problemas da
metafísica, que levam, além da experiência, aos devaneios e a criticas dos
elementos apriorísticos do conhecimento; e) concepção mecanicista da natureza e
determinismo dos fatos naturais e humanos; f) monismo, mesmo que alguns
13
Entre outros: Darcy Ribeiro, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Celso Furtado, Maria da
Conceição Tavares (OLIVEIRA, 2004).
30
positivistas não neguem a distinção entre matéria e espírito; g) gênese, explicação e
justificação dos valores espirituais, consoante a evolução biológica e a leis da
psicologia empírica; h) importância de como crítica da experiência (dos fatos sociais,
morais, psíquicos, religiosos, etc.) (SCIACCA,1966).
Foi exatamente dentro do positivismo que se destacaram alguns pioneiros da
globalidade, como Saint-Simon
14
, precursor do socialismo. O autor concebe a
sociedade futura dominada pelos industriais e pelos cientistas. Foi um dos
expoentes do positivismo ao apresentar, de um lado, o programa pioneiro
denominado positivismo social, projetando futuro governo mundial para a
humanidade mediante estudos científicos e de outro, buscando a sociedade
globalizada. Segundo Oliveira (2005a) o pensamento simoniano prendia-se à
proposta de unificação da humanidade. Essa postura influenciou Karl Marx, cuja
visão do capitalismo como o modo determinante de produção enseja buscar alicerce
na universalização em escala global. Previa ele que a difusão internacional do
industrialismo levaria ao crescimento da globalização e à mudança da natureza das
Ciências Sociais, quando então a Sociologia se tornaria a ciência do novo
industrialismo. Criou o lema: a cada um segundo sua capacidade, a cada
capacidade segundo o seu trabalho, chave da doutrina saint-simonista. Ao dar
preponderância à Ciência e à indústria sobre as classes e grupos sociais e políticos,
tornou-se o profeta dos tecnocratas do século XX. O Pensamento econômico de
Saint-Simon defendia que a crise dos trabalhadores somente poderia ser resolvida
pelos homens de ciência e pelos grandes industriais. Segundo ele, o processo
histórico é dominado pela lei infalível das épocas orgânicas - fundadas sobre
concreto sistema de crenças - e das épocas críticas, abarcadas pela decadência.
14
Claude de Rouvroy, conde de Saint-Simon, nasceu em Paris (1760), onde também faleceu (1825).
Lutou na Guerra da Independência dos Estados Unidos e na volta aderiu à Revolução, abandonando
seu título de nobre, passando quase um ano na prisão. Aos quarenta anos retornou aos estudos,
escrevendo vários livros sobre política, Filosofia e Economia, criando o grupo de adeptos chamados
de saint-simonistas. O autor entende que cada sistema social constitui um passo adiante na História
da humanidade e que o sistema escravista, como também, o sistema feudal, significavam um
progresso pois um sistema decadente substitui outro em ascensão, salientando que as mudanças
sociais são determinadas pelo avanço da Ciência, da moral e da religião. Entre suas obras destacam-
se o estudo Introdução aos Trabalhos Científicos do Século XIX. Nesse estudo encontra-se o germe
de outra doutrina político-filosófica surgida de suas idéias: o positivismo. Ainda escreveu Memórias
sobre a Ciência Humana e o Sistema Industrial; Reorganização da Sociedade Européia; A Indústria;
Sistema Industrial; O Novo Cristianismo. Em 1819 fundou a Revista Lorganisateur (O Organizador),
onde publicou As Palavras de Saint Simon (OLIVEIRA, 2005a).
31
Nesse entendimento, observava que os cientistas deveriam substituir o clero e os
industriais a nobreza no que concerne ao efeito econômico.
Destaca-se Augusto Comte
15
, pois seu pensamento está diretamente ligado
ao movimento positivista cientifico, e ao compromisso com uma análise lógica,
racional e universal da sociedade. Ele também defendeu a tese do universalismo e
de uma nova religião da humanidade, com ritual, santos, calendário e os credos do
cristianismo, mas com o espírito do positivismo. O caminho da unificação da
humanidade como primeira medida de integração de uma Europa pacífica, foi
seguido em movimentos posteriores, tanto em estudos e propostas de Fustel de
Coulanges como Émile Durkheim, entre outros.
Da mesma forma, destaca-se ainda Georg Simmel
16
, autor voltado à questão
da humanidade, elaborou pensamentos baseados nas proposições de Kant e
Nietzsche, afirmando que entre as formas de analisar a humanidade, apreendendo
sua cultura e a sociedade e seus indivíduos, está a experiência humana. Esta por
sua vez, difere dos valores sociais, pois estes observam os efeitos das ações
individuais e aqueles a existência imediata do homem. Segundo Georg Simmel
(apud OLIVEIRA, 2005a), a humanidade não é considerada apenas a soma de todas
as sociedades, mas sim, a síntese, inteiramente diferentes dos mesmos elementos,
que em outras sínteses resultam em sociedade. Em suma, encontram-se na obra
simmeliana destacadas preocupações com as categorias do mundo e da
humanidade e das suas circunstâncias globais com a questão da globalização.
Nesta plêiade, destaca-se ainda Émile Durkheim
17
, autor da questão do fato
social e das regras do método social, focaliza o problema da Sociologia global sob
outro ponto de vista, apresentando o indivíduo como ser social inteiramente
15
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu em Montpellier (1798) e morreu em Paris
(1857). Casou-se com Caroline Masin, separando-se em 1844, quando conheceu Clotilde de Vaux.
Em 1818 começou suas relações intelectuais com Saint-Simon, do qual se dizia aluno e colaborador,
sofendo profunda influência desse mestre e amigo (OLIVEIRA, 2005a).
16
Georg Simmel nasceu em Berlim (1858) e morreu em Strasbourg (1918), tendo influenciado
fortemente a obra de Karls Marx, Max Weber e outros autores (OLIVEIRA, 2005a).
17
Émile Durkheim nasceu em Épinal (1858) e morreu em Paris (1917). É tido como um dos
fundadores da moderna teoria sociológica. Em suas idéias e obra teve influências intelectuais de
Descartes, Rousseau, Saint-Simon, Auguste e Fustel de Coulanges, que foi seu professor
(OLIVEIRA, 2005a).
32
desenvolvido. Na sua análise de sistema social, introduziu o conceito de
solidariedade orgânica, relacionando-a com o que denominou de consciência
coletiva, classificando-a como entidade variável, e Max Weber
18
, que em sua obra,
registra-se tendência voltada à história mundial, na qual o mundo é arena de luta
entre nações, dentro de uma economia mundial crescente e singular.
Segundo Oliveira (2005a), assim pensando, esse autor tinha uma imagem da
compreensão do mundo, a qual veio a ser identificada mais tarde como
globalização, principalmente ao afirmar que a luta entre as nações visava valores
societários. Certamente, dessa forma podia perceber que a cultura é valor
importante no campo global
19
. A peculiaridade alemã do século XVIII com suas
pequenas cidades e seus localismos tinham deitados raízes em desenvolvimento de
cultura global por parte dos representantes da burocracia - mestres e representantes
do clero - existindo, pois, cenário e atores para a cultura universalista, mormente,
quando não havia cultura nacional, tampouco público nacional, levando os alemães,
à reflexão sobre a humanidade como um todo. Anota a autora que somente após a
Revolução Francesa, a elite alemã passou a direcionar atenção ao modelo do
liberalismo inglês e continuou a desenvolver-se em torno do cultivo do
individualismo, dos valores estéticos, das práticas políticas e auto-educadoras.
Ainda, Immanuel Kant
20
, que confere significativa contribuição ao fenômeno
da globalização, visto como unidade do mundo e da humanidade, ao desenvolver
reflexões dentro da história universal, relativamente às implicações globais da
passagem das sociedades humanas do barbarismo à sociedade civil da paz
perpétua, assuntos também focalizados pelos filósofos do Iluminismo. Esse
conhecido filósofo da paz perpétua reforçou o movimento dos ideais da unidade do
18
Max Weber, sociólogo alemão, nasceu em Erfur (Turíngia) em 1864 e morreu em Munique em
1930. Era filho de grande industrial têxtil, pertencente ao partido liberal-conservador, cuja mãe
descendia de professores liberais e humanistas (OLIVEIRA, 2005a).
19
Ver WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Régis Barbosa. Brasília, Unb. 2000. v. 2.
20
Immanuel Kant, filósofo alemão, nasceu em Konigsberg (1724) e morreu na mesma cidade (1804).
De saúde muito delicada, foi preceptor e professor secundário, começou a carreira universitária na
Prússia em 1755, ensinando ciências naturais, sendo nomeado professor catedrático em 1770, na
sua cidade de origem, levando ali vida pacata, da qual nunca saiu, dedicando-se a estudos
filosóficos.Deixou numerosa obra sobre Física, Matemática e Ciência. Entre seus livros destacam-se:
Critica da Razão Pura; Critica da Razão Prática; Critica do Juiz; Fundamentos da Metafísica dos
Costumes, Antropologia; Lições de Lógica (OLIVEIRA, 2005a).
33
mundo através do destino solidário dos povos e das nações, mediante a criação de
federação universal de Estados e de governo global, eficientes e democráticos,
como mandamento primeiro da autonomia da razão e da lei moral sobre a violência
do homem sobre o homem (OLIVEIRA, 1999).
Não poderemos esquecer de Friedrich Hegel
21
, para o qual, segundo Oliveira
(2005a) a história do mundo nada mais é do que o desenvolvimento da idéia de
liberdade, por meio de uma rie de disputas dialéticas pela auto-realização. Hegel
tornou-se o filósofo da razão absoluta, o grande “sistematizador” do “idealismo pós-
kantiano”, uma das mentes mais profundas da humanidade. Afirma o grande
pensador que, como somente o infinito é a substância de toda a coisa, a unidade se
realiza na Filosofia, uma vez que não é intuição, nem sentimento, mas pensamento
lógico, ou melhor, ciência do absoluto.
Ainda, Karl Marx
22
, brilhante e polêmico, tratou o marxismo na forma de uma
teoria política que explica a história universal como a história de lutas de classes -
materialismo histórico - aponta o fim do capitalismo pelas suas contradições
econômicas internas que culminariam na revolução do proletariado. Segundo
Oliveira (2005a, p. 197), o marxismo pode ser também considerado teoria
sociológica - embora muitos marxistas rejeitem a Sociologia - ao tratar da alienação
do homem pelo mecanismo da produção e pela divisão do trabalho. A preocupação
de Marx concentrava-se no homem economicamente interpretado. Segundo ele, o
capitalismo (tesis) tem dado origem ao proletariado (antítese), e a contraposição das
21
George Wilhelm Firedrich Hegel, filósofo alemão, nasceu em Stuttgart (1770) e morreu em Berlim
(1831). Entre suas obras destacam-se: A Fenomenologia do Espírito; Ciência da Lógica; Lições de
Filosofia da Religião; Lições sobre a História da Filosofia; Lições sobre a Filosofia da História; Lições
sobre a Estética. O filósofo tributa a construção de seu pensamento hegeliano à Filosofia grega, ao
racionalismo cartesiano e ao idealismo alemão. De Heráclito herdou a idéia dialética; de Aristóteles,
as noções do universal, razão e a experiência; de Kant absorveu a distinção entre o entendimento e a
razão, entre outros ensinamentos (DURAN 1960 apud OLIVEIRA, 2005a).
22
Karl Marx nasceu de família judia, em Trier (1818), e morreu em Londres (1883). Economista,
filósofo e socialista alemão, estudou em Berlim, principalmente a filosofia hegeliana. Em 1844
conheceu em Paris Friedrich Engels, iniciando ali uma amizade profunda que duraria toda a vida.
Expulso de Paris em 1845, fixou-se em Bruxelas. Em 1848, quando estourou a Revolução, publicou
com Engels o polêmico Manifesto Comunista, primeiro esboço da teoria revolucionária mais tarde
chamada marxismo. Em 1867, publica o primeiro volume de sua grande obra: O Capital, estudo
principalmente econômico, tratando da teoria do valor, da mais-valia, da acumulação do capital, etc.
Os volumes dois e três da obra foram editados por Engels em 1884 e 1885. Outros textos, como o
volume quatro, foram publicados entre 1904 e 1910 por Karl Kantski (GONZALEZ apud OLIVEIRA,
2005a).
34
classes, originado a luta que desembocará na revolução proletária, da qual surgiria o
socialismo (síntesis). Por isso, entendia em avivar a luta de classes, uma vez que: a)
a existência de classes está ligada unicamente, a determinadas fases do
desenvolvimento histórico da produção; b) a luta de classes conduz,
necessariamente à ditadura do proletariado; c) tal ditadura constitui unicamente o
trânsito até a definitiva supressão de todas as classes. Voltará então a sociedade a
ser natural, em que o livre desenvolvimento de cada um será o desenvolvimento de
todos.
O marxismo, segundo Oliveira (2005a), pode ser entendido como o conjunto
de teorias filosóficas, econômicas, sociológicas e políticas elaboradas por Karl Marx,
com a colaboração de Friedrich Engels, e após desenvolvidas por seus adeptos, em
parte, ortodoxos e em parte, dissidentes, reunidas em três partes principais: a
Filosofia idealista alemã de Hegel, o materialismo filosófico francês do século XVIII e
a economia política inglesa do começo do século XIX.
Anota Oliveira (2005a) que, em suma, as preocupações teóricas iniciais, em
torno da globalização como objeto de conhecimento propriamente dito, encontram-
se centradas em idéias sobre a humanidade e sobre o mundo como totalidade - uma
globalidade - evidenciadas por vários autores e tendo como resultado singular
abertura às Ciências Sociais, Políticas e Filosóficas, somando-se o conjunto de
teorias de pensadores notáveis de diversas épocas, que, evoluindo mediante
destacadas discussões, vieram a enriquecer a construção do que hoje se denomina
fenômeno da globalização.
1.1 A evolução da globalização até nossos dias: uma rápida análise
Revelam-se aparentes as dificuldades em definir o fenômeno da globalização,
exatamente pelo fato de seu processo estar caracterizado por variáveis bem
diversificadas, cuja origem apresenta-se remota, mas que em seu ressurgimento
mais recente confere peso a dimensões e especificidades econômicas, como
assevera Oliveira (2005a).
35
Historicamente, nesse longo percurso, os processos políticos globais foram
conduzidos sob égides de impérios e de seus poderes militares na arte de fazer e
vencer guerras, que iam assim sinalando corredores e rotas, que foram
estratificando estruturas em redes, característica determinante do fenômeno de
todas as globalizações. Exemplo disso foi a globalização política do Império de
Roma, que só veio a atingir o status de Estado Mundial ao vivenciar a experiência do
período de Pax Romana.
Segundo Oliveira (2005a), também os processos religiosos globais motivados
pelas unidades universais - cristianismo, islamismo, budismo - foram expandindo-se
além dos limites das sociedades que as haviam criado - extrapolando,
transgredindo, transformando - pontilhavam estrutura em redes entre distantes
regiões do mundo.
Diferente não foram, em tempos bem antigos, os processos comerciais
globais e de permuta de bens, expandindo-se geograficamente em dimensões
intercontinentais. Essa circulação de comércio a grandes distâncias, ao motivar
fluxos de interações dinâmicas, em certos momentos alcançaram dimensão mundial,
deslocando-se em estruturas de possantes redes - Rota das Sedas - tanto por terra
como por mar, iam unindo Ocidente com o Oriente.
No período compreendido pelas Idades Clássica e Medieval, o fenômeno da
globalização caracterizou-se por elementos de fluxos inter-regionais e
intercontinentais e estruturas em sistema de redes de inúmeras ramificações e sub-
ramificações - corredores e rotas -, alcançando regiões longínquas, unindo partes da
Europa, Ásia, índia, Japão e África, conectando Impérios do Ocidente com Impérios
do Oriente, como o exemplo do Império Romano com o Império Han Chinês
(OLIVEIRA, 2005a).
A mobilidade dos fluxos globais desse tempo, considerado por Oliveira
(2005a), como período global iniciante, apresenta-se baixa, porque dependente da
estrutura dos corredores, rotas e redes, da domesticação dos animais - cavalos,
bois, elefantes, camelos - e do restrito número de barcos a vela. Assim, no período
histórico iniciante da globalização, era o poder dos impérios políticos, religiosos e
36
comerciais que determinava seu alcance, dependendo do transporte, rapidez de
animais domesticados, barcos a vela, definição de limites das fronteiras e segurança
das rotas e estradas exigidas pelos bens valiosos nela transportados Rotas das
Sedas - fatores que tornavam mais lenta a intensidade dos fluxos globais.
Quanto ao período denominado por Oliveira (2005a) como Período Global
Intermediário, espaço que medeia o século XV até a Segunda Guerra Mundial,
enquanto consolidava a instituição do Estado-nacional, ia apresentando elementos
globais cada vez mais densos de fluxos comerciais e fluxos de economia colonial
mediante as companhias de comércio inglesas, holandesas e das Índias Orientais.
Dos séculos XVI a XVIII o comércio de ouro e prata das Américas e do tráfico
triangular de escravos da África registrou seu ponto culminante de fluxos
transatlânticos.
Para Ferguson (2007), no entanto, a primeira era da globalização presenciou
duas ondas migratórias maciças: a primeira por coação, a segunda voluntária. Em
1820, cerca de 8 milhões de africanos haviam sido levados como escravos para as
Américas e o Caribe. No século seguinte, pelo menos 60 milhões de europeus
emigraram, três quintos para os Estados Unidos.
1.2 Sistema imperial globalizador – um viés interessante
Neste contexto globalizador da humanidade, à luz da presente pesquisa, nos
parece bastante interessante a denominada “biota portátil”
23
, citada por Crosby,
(2000, p. 87), na qual afirma “que o cavalo, um dos aliados dos europeus, mais
valioso dessa família ampliada, foi crucial ao êxito de dominação impostas nas Ilhas
Canárias”. Segundo esse autor, “os organismos” que tinha “funcionado” em ilhas
mediterrâneas como Creta, Sicília e Maiorca, funcionaram da mesma forma nas
23
Termo utilizado por Crosby (2000, p. 238), que significa “Conjunto formado por homens, animais,
plantas, vírus, germes e parasitas, quando os Europeus, com êxito absoluto da expansão
implementada na América do Norte, no sul da América do Sul, na Austrália, Nova Zelândia, etc...”
37
Canárias. O exemplo mais óbvio foi o cavalo. Os guanchos
24
tinham grande
familiaridade com animais menores de criação – cabras e porcos, por exemplo -
mas jamais haviam visto outros tão grandes como o cavalo, ou que
carregassem homens às costas e obedecessem às suas ordens nas
batalhas. Os soldados montados desempenharam um papel vital na
conquista das duas últimas das Canárias a cair e, provavelmente nas outras
também. O centauro europeu valia vinte ou mais, de seus irmãos pedestres.
(CROSBY, 2000, p. 87).
Como efeito provável da globalização colonizadora, pegamos como exemplo
os europeus e sua biota portátil”, que mudaram irreversivelmente o ambiente
australiano:
Os britânicos que chegaram a Nova Gales do Sul em 1788 para fundar uma
colônia levaram consigo, intencionalmente, muitas espécies de plantas
mais de duzentas em março de 1803. E, como era de esperar,
transportaram outras sem querer. Algumas dessas plantas levadas de
propósito seguiram imediatamente o caminho das ervas a beldroega, por
exemplo e seu êxito demonstra a vulnerabilidade da flora australiana à
invasão do Velho Mundo. O trevo-branco teve dificuldades na região
original, e seca, de seu plantio Sydney. Mas avançou rapidamente no
clima úmido de Melbourne, “destruindo com freqüência, outras formas de
vegetação.” A serralha parecia florescer em todos os lugares, dentro e fora
de Melbourne, e crescia até mesmo nos telhados. Outras plantas
espalharam-se rapidamente em Victoria, inclusive a sanguinária e a azeda
vermelha, expulsando de algumas pastagens relvas menos agressivas. A
Tasmânia, cujo clima é muito parecido com o do Noroeste da Europa, foi
também hospitaleira para as novas plantas, e a sanguinária e a bistorta
avançaram no mesmo passo dos humanos colonizadores. (CROSBY, 2000,
p. 147).
Por conseqüência, a globalização à época, não se fazia apenas no
colonialismo e na sufocação das culturas dos povos dominados, mas também, na
implantação e avanço de novas culturas e plantas, hoje denominadas plantas
exóticas.
24
Os guanchos, com a possível exceção dos aruaques das Antilhas, eles foram o primeiro dos povos
levados à extinção pelo imperialismo moderno. Seus ancestrais tinham chegado às Canárias,
procedentes do continente africano, ao longo de um período de muitos séculos, iniciado a partir do
segundo milênio antes da era cristã. Os últimos chegaram o mais tardar nos primeiros séculos depois
de Cristo. Eram povos marítimos, contemporâneos dos grandes navegadores polinésios. Mas, ao
contrário destes, esqueceram tudo o que sabiam do mar, depois de sua primeira expedição em água
salgada. Como os tentilhões de Darwin, nas ilhas Galápagos, eles eram, muito provavelmente, os
descedentes de uns poucos ancestrais e tinham evoluído independentemente, em ilhas separadas.
OS tentilhões sobreviveram à chegada dos europeus e deram aos biólogos uma grande oportunidade
de aprender sobre a evolução biológica divergente. Sabemos pouco a respeito dos guanchos. De
acordo com os primeiros relatos, alguns eram grosseiros e outros graciosos, alguns eram escuros e
outros claros. A maioria era evidentemente aparentada com os berberes das regiões adjacentes.
Tecidos retirados de suas múmias ressecadas informam que poucos deles, ou talvez nenhum,
apresentavam o sangue tipo B. Nisso eles eram como os ameríndios, os aborígenes, os polinésios e
alguns outros povos historicamente isolados (CROSBY, 2000).
38
Além disso, elementos mais específicos dessa globalização são observados a
partir do século XIX. Com o surgimento das economias capitalistas industrializadas,
os fluxos globais se tornaram extensos e cada vez mais dinâmicos. Os vários
elementos que caracterizam a globalização moderna, como os fluxos de expansão
do Império europeu - poder político-militar, poder econômico-colonial, poder
comércio triangular - criaram uma especifica estrutura de comércio transatlântico das
Américas, uma rede de interconexões verdadeiramente global, rompida, entretanto
pelas rivalidades de Estados do Império Europeu, que levaram à conflitos e guerras
entre si, culminando no fechamento de fronteiras e em anexações,
consequentemente originando as denominadas, s-globalizações (OLIVEIRA,
2005a).
1.3 Globalização pós-guerra
Segundo Oliveira (2005a), a conflagração da Primeira Guerra Mundial
culminou na interrupção do fenômeno da globalização moderna, e seus efeitos,
somado a grande depressão dos anos 30, formaram uma nova dês-globalização. O
colapso econômico dessa época veio conferir ao mundo uma evidente fratura,
mostrando como o sistema da economia havia se fragilizado, debilitando-se
completamente com as conseqüências da bem próxima Segunda Guerra Mundial,
fazendo surgir nova unidade hegemônica formal e informal, sob elementos de poder
unilateral de força militar e, nas novas tecnologias, o conhecido império de
ingerências americanas.
Quanto ao Período Global em Consolidação, assim denominado por Oliveira
(2005a), após a Segunda Guerra Mundial, superadas suas nefastas conseqüências,
o mundo ingressou em diferente momento histórico - fase de enorme e acelerada
transformação tecnológica - o denominado período contemporâneo.
Este período marca denso poder econômico neoliberal versus poder
estatocêntrico, fragilizado das unidades estatais. Paradoxalmente, enquanto o
Estado territorial fixava e delimitava fronteiras soberanas transformando-se então
em organização política com governo político constituído – também fragmentava, em
decorrência dos fluxos globais fluidos e volatilizados em rede, os quais,
39
desconhecendo nacionalidades e limites de territórios e fronteiras estatais,
transnacionalizavam-se.
Segundo Brum (2005, p. 73), em seu “breve olhar retrospectivo”, com efeito, o
processo de globalização teve grande impulso após o segundo grande conflito, com
a bipolarização do poder mundial (EUA X URSS ou capitalismo x socialismo) e com
a expansão das grandes corporações econômicas transnacionais através da
instalação de subsidiárias em diferentes países e da intensificação do intercâmbio
comercial. Assevera o autor que:
o boicote do petróleo (OPEP), elevou substancialmente os preços do
produto na década de 1970, fez uma grande quantidade de dinheiro mudar
de mãos no mundo, elevou os depósitos nos grandes bancos privados dos
países ricos e levou-os a realizar grandes empréstimos para países em
desenvolvimento, dando um forte impulso rumo à globalização financeira.
(BRUM, 2005, p. 73).
É a prova do capital volátil e sua rapidez de movimento, inserindo-se e
influindo em geografias e mapas distintos e distantes. Anota, ainda, Brum (2005) que
a elevação das taxas de juros nos EUA e uma onda especulativa desencadeada por
pesados investidores japoneses, no início dos anos de 1980, confirmaram essa
tendência. De qualquer sorte, com o fim da Guerra Fria, a dissolução da União
Soviética - uma das ultimas estruturas imperiais existentes no planeta - cedeu
espaço a uma potência hegemônica de poder único, uma potência global: o império
dos Estados Unidos.
As novas tecnologias - telefonia, computadores, satélites globais,
microeletrônica, internet, televisão, telefonia celular, rádio, invenções que se
diferenciam dos períodos iniciante e intermediário - transformaram o alcance dos
fluxos e estruturas do atual processo global e estão modelando todos os âmbitos de
vida dos indivíduos, que de uma forma, ou de outra, encontram-se conectados em
redes de telecomunicações globais.
40
1.4 A globalização no período idealista
Embora a globalização, como visto, tem suas raízes, nos primórdios da
humanidade, com acentuado incremento, a partir da segunda grande guerra, o
período idealista, como paradigma das relações internacionais dos Estados, embora
tenha se desenvolvido durante a trajetória do mundo moderno, configurou-se mais
acentuado na década de vinte do século XX, tendo sido concebido como modelo
teórico-interpretativo durante o período entre-guerras (BEDIN, 2001). Segundo Bedin
(2001), o paradigma idealista, também chamado de racionalista, tem seus
ensinamentos no sentido de contrapor-se às idéias realistas, questionando a
inevitabilidade dos conflitos e guerras, procurando descobrir pontos de
convergências entre os Estados, a partir dos quais, instituições e regras de
comportamentos estáveis podem ser fundadas no sistema internacional.
O problema filosófico central do idealismo político, segundo Bedin (2001, p.
220),
é propor maneiras de articular, na sociedade internacional, instituições que
superem o estado de natureza hobbesiano, sem que, a soberania seja
diminuída, estabelecendo-se formas de contenção, internas e externas,
para comportamento dos Estados.
Entre os defensores desse paradigma, como alude Bedin (2001), apesar de
numericamente inferior àqueles que defendem o realismo, se destacam Marsílio de
Pádua, Thomas More, Abade de Saint Pierre, Hugo Grotius e Imannuel Kant.
Foi a partir das conseqüências trágicas da Primeira Grande Guerra Mundial
que os pesquisadores e práticos da área das relações internacionais passaram a
construir uma perspectiva de análise dos temas deste campo que estivesse
fundamentada numa concepção humanista, voltada para buscar condições e
possibilidade de construção de uma ordem mundial democrática e mediada pelo
respeito aos direitos do homem (BEDIN, 2006a). Dentro destas concepções, com a
liderança do Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, articulou-se a
criação da Sociedade das Nações, cujo objetivo era reunir todas as nações
civilizadas do planeta, com a perspectiva de resolver os problemas internacionais e
41
criar um conjunto de instrumentos jurídicos para a solução pacifica dos conflitos
(BEDIN, 2001).
Segundo Bedin (2001), a Sociedade das Nações foi, portanto, além da
primeira organização de alcance mundial, o resultado do predomínio das idéias
idealistas no primeiro pós-guerra. Por esse motivo é que o Pacto da Sociedade das
Nações, constitutivo da primeira parte do Tratado de Paz de Versalhes, de 28 de
junho de 1919, estrutura-se a partir de vários pressupostos humanistas. Estes
pressupostos estabelecem que, para o desenvolvimento da cooperação entre as
nações e para a garantia da paz e da segurança internacionais, é necessário: a)
aceitar a obrigação de não recorrer à guerra; b) manter relações internacionais
fundadas sobre a justiça e a honra; c) observar rigorosamente as prescrições do
Direito Internacional, reconhecidos doravante como norma efetiva de procedimento
dos governos; d) fazer reinar a justiça e respeitar escrupulosamente todas as
obrigações dos tratados nas relações mútuas dos povos organizados (BEDIN,
2006a).
Anote-se que com esses pressupostos, tem-se o reconhecimento institucional
dos pressupostos do paradigma humanista e de sua crença fundamental de que é
possível delinear um sistema internacional articulado não a partir da noção de poder,
mas do predomínio do Direito. Com isto, assevera Bedin (2006a), é possível se
reconhecer, também, que o núcleo fundamental das relações internacionais pode
ser regulamentado por normas jurídicas e padrões éticos de conduta aceitos por
todos os povos (Estado de Direito).
Por sua vez, Santos Junior (2006) alude que o projeto de paz kantiano propõe
a constituição de normas e instituições públicas internacionais que garantam, pelo
Direito, a estabilidade política e a cidadania cosmopolita. Tais regras, acordadas
pelos federados, teriam a capacidade de instituir padrões de comportamento para os
indivíduos de cada Estado e a conduta das próprias coletividades estatais. Esse
autor afirma que a proposta de Kant não se reduz a um inventário idealista em que
se arrolam os elementos predominantes na constituição de uma possível federação
de Estados soberanos para administrar a paz, mas traça os fundamentos morais
balizadores da ação interessada daqueles que prezam pelo desenvolvimento
42
humano e pelo fim da anarquia internacional, daí que ajuíza as bases morais e
legais capazes de alterar os pilares em que, na sua época, as relações
internacionais estavam assentadas. Dentro dessa ótica, Saint-Pierre e Kant
apresentaram alternativas ao sistema de Estado consolidado com a assinatura do
Tratado de Paz de Vestfália, em 1648 (SANTOS JUNIOR, 2006) colocando fim a
Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que envolvia seis grandes potências e resultou
em 2.071.000 mortos em combate, com 69.033 mortos por ano, e que diminui 0,44%
da população mundial (FERGUSON, 2007).
Ao mesmo tempo em que punha fim às guerras religiosas na Europa,
Vestfália instituiu uma estrutura política internacional descentralizada, em que os
Estados soberanos atuavam na arena internacional conforme interesses autóctones.
Como afirma Santos Junior (2006, p. 717),
nesse caso, os Estados pautavam as ões na busca de ganhos e
vantagens nacionais, muitas vezes recorrendo à força, de modo que, ao
invés de valores humanistas, as relações internacionais priorizavam
elementos como: território, forças armadas, recursos naturais e população,
ratificando, a principio, a morfologia do sistema estatal, defendida pelas
premissas da teoria realista.
Como se percebe, humanistas como Saint-Pierre e Kant se confrontaram
drasticamente com a doutrina e as práticas realistas, naquela distante época. A
paz, então, não resultaria de atos voluntários, capitaneados por governos nacionais,
como propunham Saint-Pierre e Kant, mas principalmente do equilíbrio de poder:
“Só a força poderia controlar a força”.
Sob o aspecto da “autodeterminação” dos povos, em dezembro de 1914,
Woodrow Wilson havia exposto a inexequibilidade do modelo de Mazzini
25
,
quando afirmou que qualquer acordo de paz, “deveria beneficiar as nações
25
Giuseppe Mazzini, em 1857, havia desenhado o mapa ideal da Europa, baseado na língua e na
etnicidade, quando o mapa da Europa era dominado por quatro impérios multinacionais – o britânico,
o russo, o Habsburgo e o otomano; sete monarquias de porte médio França, Prússia, Espanha,
Portugual, Holanda, Bélgica, Dinamarca/Suécia; uma confederação republicana Suíça; e uma
pletora de Estados menores na Alemanha, Itálica e Bálcãs. Antes disso, no Tratado de Perpetual
Peace [Paz Perpétua], em 1712, Charles de Saint-Pierre, havia dealizado a “União Européia”, por
vinte quatro Estados, que incluíam Savóia, Veneza, Gênova, Florença, e o Papado, além da Baviera,
Lorena, Courland, Saxônia, Hanover, o Paladinado e os eleitorados eclesiásticos do Sacro Império
Romano (FERGUSON, 2007).
43
européias consideradas Povos e não qualquer nação que submeta povos estranhos
ao seu arbítrio governamental” (FERGUSON, 2007, p. 442).
Wilson (apud FERGUSON, 2007, p. 442) foi ainda mais longe em seu
pronunciamento à League to Enforce Peace [Liga para Garantir a Paz] em maio de
1915, quando declarou inequivocamente que “todos os povos têm o direito de
escolher a soberania sob a qual irão viver". Em janeiro de 1917, essa tese foi
reiterada por Wilson (apud FERGUSON, 2007, p. 442): “Todos os povos deveriam
ter a liberdade de determinar a sua própria forma de governo”. Os pontos cinco a
treze, dos quatorze pontos de Wilson, discorrem sobre as implicações desse
princípio, o que permite Ferguson (2007, p. 442) concluir que a finalidade da Liga
das Nações não era simplesmente garantir a integridade territorial dos seus
Estados-membros, mas também acomodar futuros ajustes territoriais, “consoante o
princípio da autodeterminação”.
Exemplo recente de equilíbrio de poder, na ordem internacional foi a Guerra
Fria, entre os Estados Unidos e a União Soviética, após a Segunda Guerra Mundial.
Outro componente importante dessa época era a questão étnica. Quando Werner
Sombart
26
escreveu em 1911, The Jews and Economic Life [Os Judeus e a Vida
Econômica], o que estava em jogo, segundo Ferguson (2007, p. 439), “era se certas
raças, para o bem ou para o mal, se ajustavam melhor que outras ao capitalismo.”
Recente levantamento da Freedom House
27
sugere que países onde não
etnia predominante são menos bem-sucedidos do que países etnicamente
26
Werner Sombart (nascido a 19 de janeiro de 1863 em Ermsleben e falecido a 18 de maio de 1941
em Berlim) foi sociológo e economista alemão, muito influente do século XIX e XX, que influenciou
nas idéias de Weber (FERGUSON, 2007).
27
Freedom House é uma organização independente não-governamental que apóia a expansão da
liberdade no mundo. A liberdade só é possível em sistemas políticos democráticos em que os
governos são responsáveis perante os seus próprios cidadãos; o Estado de Direito prevalece; e das
liberdades de expressão, de associação, e de crença, bem como o respeito pelos direitos das
minorias e das mulheres, estão garantidos. Liberdade, em última análise, depende das ações do
empenhada e corajosos homens e mulheres. Nós apoiamos iniciativas cívicas não violenta nas
sociedades onde a liberdade é negada ou sob ameaça e que estamos na oposição ao idéias e
forças que desafiam o direito de todas as pessoas a serem livres. Freedom House funciona como um
catalisador para a liberdade, da democracia e do Estado de direito através da sua análise, advocacia
e de ação (FERGUSON, 2007).
44
homogêneos (definidos como países em que dois terços da população pertencem a
um único grupo étnico) no estabelecimento de sociedade abertas e democráticas.
Dos 114 países do mundo onde uma étnica dominante, 66 - mais da
metade - são livres. Ao contrário, dos 77 países com etnias múltiplas, apenas 22 -
menos de um terço - são livres (FERGUSON, 2007). Argumenta Ferguson (2007)
que este dado não pode ser lido como argumento a favor da criação de Estados
Homogêneos, mas principalmente porque, talvez, na maioria dos Estados com
múltiplas etnias, a unidade pode ser mantida por regimes não liberais. Alude que
uma das teorias é de que um jogo de compensações atuando entre as
economias de escala que propiciam a criação de grandes Estados nacionais e a
alienação a que os grupos geograficamente periféricos são submetidos quando
estão muito distantes do centro do governo.
Afirma esse autor que isto pode ter ocorrido na entreguerra, qual seja, o
período idealista, quando se verificou uma correlação relativamente próxima (mas
não exata) entre o fracasso da democracia e a presença de grandes minorias
étnicas em paises como a Polônia, Romênia e Iugoslávia. Na Polônia, quase 30% da
população não eram considerados poloneses, mas bielo-russos (5%), ucranianos
(14%), judeus (8%) e alemães (2%).
Na Romênia, quase um quinto da população não era de romenos, mas de
húngaros (8%), alemães (4%) e ucranianos (3%). Na Espanha e Albânia,
aproximadamente 20% das populações também eram representados por minoria.
Na Turquia, cerca de dois quintos da população correspondiam a minorias.
Argumenta-se que, sem pulso forte do autoritarismo, as forças de autodeterminação
sempre acabarão por levar esses Estados com múltiplas etnias a fragmentar-se em
“pequenos Estados” homogêneos.
Não obstante, quando deflagrou-se a Segunda Guerra Mundial, ao final do
período considerado de maior incremento idealista, se analisarmos sob o aspecto da
extensão da mobilização militar, “nunca em toda a história os exércitos foram tão
grandes em termos absoluto: a maior força militar da história foi provavelmente a
45
União Soviética em 1945, com cerca de 12,5 milhões – na Guerra dos Cem Anos, os
exércitos raramente ultrapassavam os 12 mil.” (FERGUSON, 2007, p. 52-53).
Segundo Ferguson (2007), no auge da mobilização, a população mantida em
serviço chegou a mais de 13% na França e na Alemanha, a mais de 9% na Grã-
Bretanha, a mais de 8% na Itália, a pouco mais de 7% na Áustria-Hungria, e a pouco
menos de 7% na Rússia.
No século XVIII, quando, além da guerra com as colônias norte-americanas, a
Grã-Bretanha também guerreava com a França, Espanha e Holanda, a população
em armas alcançou o pico máximo de 2,8% em 1780 - nos anos mais pacíficos, este
percentual não chegava a 1%. Também no século XVIII, o percentual de homens
que a França empregava nas forças armadas entrou em declínio - recuando de 1,8%
em 1710 para 0,8% em 1790. Ainda no XVIII, entre 1 e 2% da população da Áustria
foi permanentemente mantida em armas; na Prússia este percentual foi muito
superior, tendo chegado a 4,1% da população em 1760.
Em todos os países, a “revolução das guerras” de Napoleão aumentou o
percentual da população que precisou ser mobilizado. Em 1810, o percentual da
população mantido em armas chegava na Grã-Bretanha a mais de 5% na Prússia a
3, 9% na França a 3,7%, e na Áustria a 2,4%. Todavia, com exceção da Rússia na
Guerra da Criméia, dos Estados Unidos na Guerra Civil, e da França e Prússia na
guerra de 1870-1, nenhuma grande potência mobilizou militarmente mais de 2% da
sua população entre 1816 e 1913. Se é certo que, no período inicial de entre
guerras, caíram os índices de participação militar, caíram substancialmente em
todas as principais potências
28
, depois da redução forçada acordada em 1919 pelo
Tratado de Versalhes, nesta, incluindo a Alemanha, que só tornou a superar a marca
de 1% da população, após 1938 (FERGUSON, 2007).
Vale reconhecer, por óbvio, que tudo isto ocorreu em pleno período idealista.
Surpreendentemente, a França foi o país, cujas forças armadas mobilizaram o maior
28
“Em média, apenas a França manteve mais de 1% da população mobilizada, na Grã-Bretanha, em
meados da década de 1930, o percentual caiu a meros 0,7% , e na União Soviética, em 1932, abaixo
de 1%. Também nos Estados Unidos a desmobilização militar retornou aos veis do século XIX
(FERGUSON, 2007, p. 53).
46
percentual entre 1939 e 1945 (pouco menos de 12% em 1940). A Alemanha atingiu
o pico de 8,3% em 1941, inferior ao da Grã-Bretanha em 1945 (10,4%). Note-se
ainda que o percentual soviético (7,4%) foi inferior ao dos Estados Unidos (8,6%).
Segundo Ferguson (2007), é quase certo que a Alemanha manteve número
excessivo de homens engajados no exército, o que prejudicou a mão-de-obra
industrial, fato que não ocorrera na Segunda Guerra Mundial. Eis que esta teria sido
mais equilibrada.
Para Ferguson (2007), as agudas flutuações acima de uma linha
relativamente estável nos índices de mobilização militar e por seu caráter de
descontinuidade, acíclico, que a guerra teve uma influência decisiva no
desenvolvimento das instituições financeiras e políticas.
A propósito, Ferguson (2007) afirma que enquanto a Guerra da Sucessão
Espanhola (1701-13) matou 1,2 milhão de pessoas, e cem anos mais tarde, as
Guerras Napoleônicas mataram 1,9 milhão. Novamente, cem anos mais tarde, a
Primeira Guerra Mundial custou a vida de mais de 9 milhões de militares. Mas até
isto parece insignificante frente a mortandade provocada pela Segunda Guerra
Mundial. Só de militares, excluídas as baixas civis, o total de mortos foi mais ou
menos o dobro da Primeira Guerra Mundial. Estima-se em 37,8 milhões o total de
baixas civis, o que eleva o total de baixas da Segunda Guerra Mundial para quase
57 milhões de pessoas.
Acrescenta Ferguson (2007, p. 58): “A Primeira Guerra Mundial causou, em
quatro anos e três meses, um número de baixas cinco vezes superior ao de todas as
Guerras Napoleônicas, que duraram doze anos”
29
.
Talvez por isto, Ferguson (2007, p. 30) comenta que a Primeira Guerra
Mundial não aumentou o gasto com a defesa como também ampliou
29
“Também é possível expressar isto pelo lculo aproximado da taxa anual de óbitos das várias
guerras, que saltou de pouco mais de 69 mil na Guerra dos Trinta Anos para cerca de 104 mil nas
Guerras Napoleônicas e 2,2 e 3,2 milhões, respectivamente, nas duas Guerras Mundiais (ou 9,5
milhões, caso se inclua as baixas civis da Segunda Guerra Mundial) . Em suma, o morticínio
causado pelas guerras multiplicou-se, entre o século XVII e o XX, por um fator próximo a 800.De
Napoleão a Hitler nascidos com um intervalo de apenas 120 anos o aumento foi superior a 300
vezes” (FERGUSON, 2007, p. 58-60).
47
significativamente o leque de atividades governamentais de caráter não-militar. Na
Grã-Bretanha, criaram-se novos ministérios: além de Munições e Aeronáutica, os da
Alimentação (1916), Trabalho (1916), e Saúde (1919), sem falar nos departamentos
do Serviço Nacional e da Reconstrução, de curta existência. Apesar de os
ambiciosos planos do s-guerra visando a oferecer “moradias condizentes com os
heróis” ter fracassado devido à retração, foi impossível reverter o Estado à situação
do pré-guerra
30
. Na realidade, os governos viram-se em geral obrigados a gastar
mais dinheiro, por mais que se esforçassem em evitá-lo, devido ao desemprego sem
precedentes do “entre-guerras”.
Por fim, nesta diapasão, quem melhor esclarece o declínio experimentado
pela Europa, de um lado, e a ascensão do EUA e do Japão, por outra, é Brum e
Heck (2005), quando apresentam três efeitos provocados sobre a economia
européia, no período de 1914-1918, data do primeiro grande conflito: a) a produção
parou, obrigando os europeus a comprarem no estrangeiro os bens necessários (a
Europa se torna devedora de seus antigos devedores); b) destruição de seus bens,
obrigando-a a reconstruir e levando à perda dos meios para criar novas riquezas
para comercializar; c) a morte de milhares de homens, provocando o esgotamento
de uma fonte de energia e vitalidade, isto é, da mão-de-obra produtiva.
Para Brum e Heck (2005), por sua vez, analisando o fenômeno econômico da
época, em 1921 tem-se a segunda crise na medida em que o mundo se depara com
as dificuldades em retornar à fase anterior à guerra. O principal mecanismo dessa
crise, segundo Brum e Heck (2005, p. 337), “foram as necessidades nascidas da
guerra e o desejo de voltar à situação de antes da guerra”.
1.5 Globalização imperialista e colonialismo
Como foi dito, a globalização ao longo do tempo, caracterizou-se por fluxos
e refluxos, avanços e retrocessos, impostos muitas vezes, em face da resistência às
30
“Os mecanismos de seguro compulsório do pré-guerra não resistiram a um desemprego tão
elevado e sustentado (e, nos países atingidos pela hiperinflação, os seus fundos foram em grande
parte rapados). Os governos foram forçados, ou a pagar um auxilio-desemprego aos desempregados,
ou a usar fundos publicois para emprega-los, sendo esta segunda alternativa a mais dispendiosa”.
Ver mais, FERGUSON, 2007, p. 130-131.
48
conquistas e guerras de conquistas. Embora Oliveira entenda que no período de
entre guerras se verificou uma desglobalização”, se analisarmos sob o aspecto das
conquista, em especial, o conhecido “colonialismo”, essa desglobalização, não
nos parece aparente, mormente como “refluxo”. Se as grandes descobertas foram
frutos do acaso - o que não é nossa convicção -, a colonização que dela resultou,
tornou-se rapidamente um empreendimento sistemático e gigantesco (MERLE,
2004). Neste aspecto, como empreendimento, se podem notar deslocamentos,
viagens e apropriações, como processo globalizante ou globalizador. Ou seria uma
das conseqüências da globalização? É o que nos parece, afinal, os efeitos são
tantos quantos os que contemporaneamente se tem como tais.
Analisemos, então, esse período, sob o ângulo das conquistas - aos nossos
olhos - como um dos efeitos da globalização. Essas “conquistas”, na verdade, vistas
pela forma capitulada pela história da humanidade, inequivocamente, além de seu
aspecto imperialista, deixaram seqüelas que jamais serão recuperadas. Dentre
tantas, destacamos algumas, como a eliminação e extermínio da nação aborígine da
Austrália.
O povo aborígine foi maciçamente assassinado, violado, mutilado e
desapossado de suas terras tribais e, hoje, constituí-se na fração mais pobre do
país: mais pobre na saúde, mais pobre na educação, com índice de desemprego
mais elevado, sendo que é seu o maior índice de detentos do mundo (DAVIDSON,
2004).
Nem pedido de desculpas
31
lhe devolverá a dignidade roubada, afinal, aquele
povo renunciou à sua cultura, teve sua sociedade aborígine destruída, e ainda foi
privado de suas terras, ao longo dos dois séculos posteriores a 1788, com fome,
miséria e doenças como a varíola e as afecções venéreas e alcoolismo, provocados
pela colonização dos brancos britânicos (DAVIDSON, 2004). Aos autóctones
resistentes ao processo “civilizador”, significava a morte. Isto durou até, pelo menos,
1928, em pleno período idealista, tendo no inicio do Século XX, iniciado uma política
31
O Primeiro Ministro da Austrália, Kevin Rud, pediu desculpas aos aborígines, da chamada
"geração roubada", onde 100 mil crianças e jovens aborígines seqüestrados de suas famílias pelo
Estado para serem educados com valores ocidentais. Terça-feira, 19 fev. 2008.
49
de assimilação forçada, contribuindo para destruição das comunidades autóctones,
se intensificando nas décadas seguintes
32
. A primeira forma de “assimilação”
consistia em obrigar os aborígines a sedentarizar-se e a cultivar a terra como os
brancos. Praticou-se nesse tempo, a política da separação, tendo durado até 1970,
embora seu apogeu tenha sido em 1920 em pleno período idealista, no qual
incrementou-se uma espécie de “seleção biológica” destinada a eliminar o “sangue
de cor”, quando as crianças “mestiças” eram afastadas, ou melhor, “arrancadas” de
suas famílias para serem educadas em instituições ou em famílias brancas as quais
lhes ensinavam apenas o grosso das tarefas servis
33
.
Os efeitos psicológicos do colonialismo, diga-se, aqui adotado por nós de
“Globalização Imperial”, permanece vivo no fundo da alma, porquanto praticamente
destruiu a sociedade aborígine ao longo do tempo, inclusive, dentro do próprio
período considerado idealista, conforme pode ser visto no quadro de Russel
Thornton (apud DAVIDSON, 2004):
Quadro 1: Recenseamento dos aborígenes em 30 de junho de 1939: população
aborígene australiana e população aborígene de mestiços de 1921 a 1939
Aborígenes de “sangue puro”
Mestiços
30 de
junho
Adul-
tos
Crian-
ças
Total % pop.
Aboríg
.
Adultos Crian-
ças
Total %pop.
Aboríg
.
Pop.
Abor.
Total
1921 46.723 12.048 58.771 82,31 7.931 4.699 12.630 17,69 71.401
1928 48.044 12.619 60.663 78,29 9.763 7.055 16.818 21,71 77.481
1929 49.078 12.723 61.801 78,80 9.450 7.179 16.629 21,20 78,430
1930 49.167 12.567 61.734 77,62 10.213 7.584 17.797 22,38 79.351
1931 46.676 12.225 58.901 75,60 10.923 8.091 19.014 24,50 77,915
1932 47.345 12.374 59.719 75,68 10.891 8.305 19.196 24,32 78.915
1933 47.321 12.780 60.101 75,53 10.999 8.468 19.467 24,47 79.568
1934 42.955 11.893 54.848 71,93 12.040 9.359 21.399 28,07 76.247
1935 42.492 11.886 54.378 70,44 12,800 10.017 22.817 29,56 77.195
1936 41.950 11.748 53.698 69,59 13.137 10.324 23.461 30,41 77.159
1937 41.306 11.529 52.835 69,81 13.596 10.354 23.950 31,19 76.785
1938 40.487 10.892 51.379 67,52 13.988 10.730 24.718 32,48 76.097
1939 40.482 11.075 51.557 66,72 14.275 11.437 25.712 33,28 77.269
Fonte: DAVIDSON, 2004, p. 81.
32
Aconselha-se ver filme geração roubada.
33
Ver filme geração roubada.
50
No início dos anos 1930, o protetor geral dos aborígines do Território do
Norte, o doutor Cecil Cook (apud DAVIDSON, 2004, p. 96), declarou:
Todos os esforços são feitos para eliminar o sangue de cor, elevando os
padrões de conduta dos mestiços do sexo feminino à altura daqueles dos
brancos, a fim de fazer absorver tais mulheres pela população branca
mediante o cruzamento com esta.
Diferente não foi o tratamento dispensado aos negros, quando, após centena
de anos em covarde atividade, mesmo que proibido o tráfico na Grã-Bretanha em
1807, e na França, em 1815, ele não deixou de ocorrer, tendo inclusive
incrementado sua atividade para o Brasil e Cuba. Embora se possa apontar 1848,
como ano do fim da escravidão nas possessões francesas do Oeste da África, tal
decreto atrapalhava a política de conquista colonial dos franceses e sua anexação.
Para que outras potências não os substituíssem, era preciso manter e permitir que
as populações que possuíam escravos não com eles permanecesse, como
poderiam “situar-se” com eles e sob a dependência da França. Para tanto, dava-se a
eles a denominação de “súditos” e não de “cidadãos franceses”, deixando-os assim,
fora das disposições do decreto de 1848, conservando-se, no mais, com o direito de
ter escravos. Eram então chamados de “cativos”, “criados”, em vez de escravos.
Assim, se por acaso for concedida alforria ao cativo, surgia novo problema:
regulamentar o trabalho livre, do contrário, o escravo libertado “se tornaria um
vagabundo” (FERRO, 2003, p. 131). Adstrito ao trabalho forçado, a partir de 1914,
muito ex-escravos senegaleses se alistaram entre os tirailleurs
34
, tendo adentrado tal
violência no período considerado idealista, mantendo-se a quase a metade do
século XX.
Nos Estados Unidos, após a Guerra da Secessão, foram dois séculos de
escravidão, a qual ocupou posição central na sociedade e na sua economia.
Particularmente no Sul do País, em especial nas plantações de tabaco, cana-de-
açúcar, arroz e algodão, a mão-de-obra era escrava. Embora a partir do século
XVIII, as brutalidades mais atrozes se tivessem feito mais raras, foi somente a partir
do início do século XIX que passaram a existir leis que proibiam os maus tratos. Era
34
Literalmente, “atiradores”. Neste contexto, o termo se refere aos soldados de infantaria recrutados,
da segunda metade do século XIX à primeira do Século XX, entre autóctones dos territórios franceses
do ultramar (FERRO, 2003).
51
sinal de que não eram aceitáveis, embora não fossem seguidas de efeitos
práticos. Nos anos de 1950, Stanley Elkins comparava os escravos aos deportados
nazistas, porquanto, infantilizados e dóceis, eles teriam sido privados de toda a
capacidade de defesa, e a comunidade negra teria sido arruinada e despedaçada de
dois séculos de escravidão. Foi preciso esperar o momento s-Segunda Guerra
Mundial para que os afro-americanos, conduzidos por algumas figuras carismáticas
como a de Martin Luther King, se livrassem do jugo da segregação, nisso auxiliados
por uma Corte Suprema recém afeita à igualdade dos direitos (NDIAYE, 2003). Ledo
engano daqueles que acreditavam nisto, afinal, quando por ocasião da Conferência
Mundial de Durban, contra o Racismo, realizada em setembro de 2001, momento
em que se encaminhou um reconhecimento de que a escravidão foi um crime contra
a humanidade, exprimindo um “pesar” dos países que se beneficiaram dela, os
Estados Unidos se recusaram a subscrever a declaração final.
Anote-se que a escravidão, deu-se não em função do colonialismo
imperial, mas principalmente, quando a globalização incrementou-se com as viagens
marítimas que abriram novas frentes de trabalho e de produção (THOMAS, 1997).
1.6 A globalização no período realista
A história tem demonstrado fartamente que de nada valem os tratados e
acordos firmados se o conseguirem ser defendidos e não tenham em sua
retaguarda um aparato militar equivalente às suas pretensões. É isto que Antônio
Gramsci, pensador marxista, atribui como caminho encontrado pelos países que se
converteram em grandes potências (MIYAMOTO; SCHERMA, 2006).
Fica claro, portanto, que política e poder sempre caminharam de mãos dadas
ao longo da história da humanidade. Pensadores como, Thomas Hobbes (1588-
1679) e outros mais recentes como Hans Morgenthau (1904-1980) e Raymond Aron
(1905-1983)
35
, entre outros, influenciaram fortemente o modo de interpretar o
relacionamento entre os diversos Estados-Nacionais (MIYAMOTO; SCHERMA,
35
Conferir: HOBBES, T. O leviatã., 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983; ARON, R. Paix et guerre
entre s nations. Paris: Calmman-Levy, 1962; MORGENTHAU, H. Politics among nations: the
struggle for power and peace. New York: Alfred Knopf, 1978.
52
2006). Segundo Miyamoto e Scherma (2006), Hans Morgenthau pode ser visto como
precursor da corrente realista nos Estados Unidos, mas os princípios dela encontram
raízes mais profundas, em Thomas Hobbes e também em Maquiavel e Max Weber.
Essa teoria pode ser descrita em três pontos:
Primeiro: o sistema internacional é anárquico. Cada Estado é soberano de si
mesmo, mas não um soberano dos diversos Estados. Eles coexistem sem uma
entidade que os regule, numa situação de “estado de natureza” hobbesiano, e a
guerra é uma ameaça constante. Esse é um pressuposto imutável para os realistas.
Segundo: os estadistas sempre procuram maximizar seus ganhos,
demonstrando que o Estado pensa em si próprio, de forma exclusiva, sem pensar
que o seu agir poderá prejudicar outros. Como afirma Miyamoto e Scherma (2006, p.
669), “poderíamos dizer que se trata de uma ausência de valores morais”.
Terceiro: o amoralismo é condizente com o pressuposto que “percebe a
política como esfera autônoma de ação” (MIYAMOTO; SCHERMA, 2006, p. 669).
Os homens são, na visão Hobbesiana, racionais, egoístas e anti-sociais por
natureza, afirma Souza (2006). Enquanto Aristóteles, em sua obra Política retrata o
homem como um animal político e atribui ao homem uma aptidão natural para a vida
em sociedade e para o bem, Hobbes (1983), ao contrário, realça que os homens não
têm prazer na companhia dos outros, e só admitem a vida em sociedade como uma
resposta indispensável à ameaça de morte violenta e mútua. Segundo esse autor,
toda associação duradoura, na perspectiva hobbesiana, pode ter como origem o
medo recíproco. Na ausência do medo, a natureza humana impeliria os homens à
tentativa de dominação, e não à associação ou colaboração mútua.
Na análise da natureza humana e sua condição, Hobbes propõe um outro
postulado que divergiria da posição de Aristóteles: a igualdade natural dos homens,
lembra Souza (2006).
36
Essa igualdade é invocada por Hobbes para fundamentar o
36
A questão de decidir quem é o melhor homem não tem lugar na condição de simples natureza, na
qual todos os homens são iguais.. Bem sei que Aristóteles, no livro primeiro de sua Política, como
fundamento de sua doutrina, afirma que por sua natureza alguns homens têm mais capacidade para
53
medo recíproco entre os homens, em razão do potencial de causarem danos uns
aos outros.
Dentro deste contexto e das proposições básicas do pensamento hobbesiano,
foram endossadas e desenvolvidas pela perspectiva Realista posteriormente e, a
partir delas, sugeriu-se uma tendência estrutural no comportamento dos Estados no
plano internacional. O racionalismo realista é politicamente objetivo e se orienta pelo
interesses nacionais definidos em termos de poder (MORGENTHAU, 1978). O
Realismo prevê três padrões de comportamento para os Estados no sistema
internacional: o primeiro é a ação inspirada pelo medo; o segundo é a conduta
movido pelo objetivo de auto-ajuda ou auto-preservação, na medida em que os
Estados se conscientizem de que a sua sobrevivência está somente em suas os.
O terceiro, seria guiada para a maximização do poder (Realismo Ofensivo) ou para a
segurança própria do Estado (Realismo Defensivo) (SOUZA, 2006).
Na visão de Aron (2002), a ordem do sistema internacional é um reflexo da
relação potencial ou real de forças entre os Estados (ou distribuição de poder), dos
atributos geopolíticos dos Estados, e dos seus valores, princípios e estruturas
domésticas básicas. A identidade entre Aron e Hobbes residiria na adoção da tese
da anarquia em estado de natureza e em situar o conflito ou a guerra como o
elemento fundamental das relações internacionais, definindo, por exemplo, o
conceito de sistema internacional como o “conjunto constituído pelas unidades
políticas que mantêm relações regulares entre si e que são suscetíveis de entrar
numa guerra geral” (ARON, 2002, p. 154-155).
Kissinger (apud SOUZA, 2006), Aron (2002) e outros realistas compartilham
com Hobbes o entendimento de que as instituições internacionais ou regimes
normativos não exercem um papel fundamental na composição da ordem mundial.
Hobbes (1983, p. 77) chega a afirmar que:
Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é
conseqüência: que nada pode ser injusto. As noções de bem e de mal, de
mandar... e outros têm mais capacidade para servir... como se senhor e servo não tivessem sido
criados pelo consentimento dos homens, mas pela diferença de inteligência, o que não é contrário
à razão, mas é também contrário a experiência”. (HOBBES, 1983, p. 91).
54
justiça e injustiça, o podem ter lugar. Onde não poder comum não
há lei, e onde não há lei não há injustiça.
O realismo, segundo Miyamoto e Scherma (2006, p. 688), “continua sendo o
eixo condutor das políticas assumidas pela maioria dos Estados, que entendem
segurança vinculada apenas com seu componente militar”. Tal comportamento pode
ser observado pelas medidas unilaterais, tomadas principalmente pelo EUA, como a
Guerra do Golfo de 1991, as intervenções na guerra civil da antiga Iuguslávia e mais
recentemente com os ataques aos Afeganistão e novamente ao Iraque.
São inúmeros os fatos internacionais que dão conta, a partir da análise deste
paradigma, dando azo a concluir que as grandes potências utilizam-se de vários
instrumentos de conquista e de poder. Como exemplo, poderemos anotar o que fala
Perkins (2005), que publicou a maior e mais contundente “verdade inconveniente”
37
,
relacionada ao agir hobbesiano - podemos dizer assim - e até criminoso das
corporações americanas:
Assassinos econômicos (AEs) são profissionais altamente remunerados
cujo trabalho é lesar países ao redor do mundo em golpes que se contam
aos trilhões de dólares. Manipulando recursos financeiros do Banco
Mundial, da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional
(USAID), além de outras organizações americanas de “ajuda” ao exterior,
eles os canalizam para os cofres de enormes corporações e para os bolsos
de algumas famílias abastadas que controlam os recursos naturais do
planeta. Entre os seus instrumentos de trabalho incluem-se relatórios
financeiros adulterados, pleitos eleitorais fraudulentos, extorsão, sexo e
assassinato. Eles praticam o velho jogo do imperialismo, mas um tipo de
jogo que assumiu novas e aterradoras dimensões durante este tempo de
globalização.
Eu sei do que estou falando: eu fui um AE
38
.
Segundo Perkins (2005), em 1971, a determinação dos Estados Unidos, de
afastar a Indonésia do comunismo cresceu porque o resultado da guerra do Vietnã
estava parecendo muito incerto. O presidente Nixon começara uma rie de
37
Termo usado por Al Gore, na luta em face do Aquecimento Global.
38
Nesta obra de fôlego, Perkins (2005, p. 9) confessa: “Escrevi este texto em 1982 como as palavras
iniciais para um livro ao qual atribui o titulo provisório de Conscience of na Economic Hit Man
(Consciência de um Assassino Econômico. (N. do T.), O livro era dedicado aos presidentes de dois
países, homens que haviam sido meus clientes, a quem eu respeitava e considerava com
consciências semelhantes à minha Jaime Roldós, presidente do Equador, e Omar Torrijos,
presidente do Panamá. Ambos acabavam de morrer em desastres aéreos. A morte deles não foi
acidental. Eles foram assassinados porque se opunham àquela fraternidade de chefes de
corporações, de governos e de bancos cuja meta é o império mundial. Nós, os AEs, fracassamos no
nosso trabalho de cooptar Roldós e Torrijos, e os outros tipo de matadores, os chacais a serviço da
CIA que vinham imediatamente depois de nós, entraram em ação”.
55
retiradas de tropas no verão de 1969 e a estratégia americana assumia uma
perspectiva mais mundial. A estratégia concentrava-se em impedir um efeito dominó
de um país após o outro caindo sob o domínio comunista, e concentrava-se em dois
países; A Indonésia era a chave. O projeto de eletrificação da MAIN
39
era parte de
um plano abrangente para assegurar o domínio americano no Sudeste Asiático. A
premissa da política externa americana era a de que Suharto serviria a Washington
de maneira semelhante ao do Irã. Os Estados Unidos também esperavam que a
nação servisse como um modelo para outros países da região. Washington baseou
parte de sua estratégia no pressuposto de que os ganhos obtidos na Indonésia
poderiam ter repercussões positivas por todo o mundo islâmico, especialmente no
explosivo Oriente Médio. E se isso não fosse incentivo suficiente, a Indonésia ainda
tinha petróleo. Ninguém conhecia ao certo a magnitude ou a qualidade das suas
reservas, mas os sismologistas das companhias petrolíferas eram superlativos
quanto às possibilidades (PERKINS, 2005).
Essa forma de expandir os domínios comerciais e extremamente imperialista
não deixa de ser importante aos estudos da globalização nas Américas, pelos norte
americanos, na construção de uma economia poderosa, senão vejamos Perkins
(2005, p. 149), no tocante ao interesse na Colômbia:
Embora a Arábia Saudita, o Irã e o Panamá propiciassem estudos
fascinantes e perturbadores, também permaneciam como exceções à regra.
Em razão das enormes jazidas de petróleo nos primeiros dois e o Canal no
terceiro, eles não se encaixavam na norma. A situação da Colômbia era
mais típica, e a MAIN era a empresa de engenharia que desenvolvia e
conduzia o gigantesco projeto hidrelétrico no país.
Um professor de faculdade colombiano que escrevia um livro sobre a
história das relações pan-americanas uma vez me disse que Teddy
Roosevelt compreendera a importância do país dele. Indicando em um
mapa, o presidente americano, também fundador do Regimento Rough
Rider
40
, segundo consta teria qualificado a Colômbia como a pedra angular
que fecha o arco da América do Sul”. Eu nunca fui conferir essa história; no
entanto,, sem dúvida é verdade que num mapa da Colômbia, situada no
ponto dominante do continente, parece ser a peça responsável pela união
do resto do território. Ela interliga todos os países do sul ao istmo do
Panamá e, portanto, as Américas Central e do Norte. Se Roosevelt
qualificou a Colômbia nesses termos ou não, ele foi apenas mais um dentre
muitos presidentes que compreenderam a sua posição estratégicamente
central. Por quase dois séculos, os Estados Unidos consideraram a
39
MAIN - Chas. T. Main, Inc. “Empresa de consultoria internacional encarregada dos Estudos ao
Banco Mundial nos empréstimos Internacionais.” (PERKINS, 2005, p. 32).
40
Regimento de voluntários da cavalaria organizado por Theodoro Roosevelt e Leonardo Wood para
servir na Guerra Hispano-Americana de 1898 (N. do T.) (PERKINS, 2005).
56
Colômbia como uma pedra angular ou talvez mais precisamente, como
um portal para o hemisfério sul tanto para os empreendimentos comerciais
como para a política.
Dentro desta concepção hobbesiana e neoliberal, de cunho imperialista, a
economia americana deu longos passos à sua buscada hegemonia, sob as lições
estratégicas de seus idealizadores, dentre eles, o citado Hans J. Morgenthau, de
longeva data, caracterizando-se, nitidamente o período realista, superando o
idealistas, ao longo do tempo.
De longa data alguns autores denunciavam como imperialista as intenções
dos Estados Unidos em buscar o domínio mundial a todo custo (MOREL, 1989), pois
assim manifestavam-se alguns lideres, como William Taft, Presidente dos Estados
Unidos, que em 1909, dizia “in litteris”:
Não está longe o dia em que três bandeiras de estrelas e listras (a norte
americana) assinalem em três locais eqüidistantes a extensão do nosso
território: uma no Pólo Norte, outra na Canal do Panamá e a terceira no
Pólo Sul. Todo o hemisfério será nosso, que em virtude de nossa
superioridade racial é nosso moralmente. (MOREL, 1989, grifo nosso).
Por sua vez, dizia Jefferson (apud MOREL, 1989, p. 27), um dos
fundadores dos Estados Unidos, “nossos Pactos com a América Latina o como os
do leão com o cordeiro: mantenhamo-los”. Ou como dizia Adams (apud MOREL,
1989, p. 27, grifo do autor), “o cidadão comum do nosso país está pronto a opinar
acerca dos latino-americanos, como sendo todos mestiços degenerados, vaidosos,
ineptos e incapazes de manter um governo próprio”.
Aqui no Brasil, tempos atrás, sentiu-se também os efeitos dessa Política
“expansionista”. Não obstante a resposta negativa das Forças Armadas Brasileiras e
de 150 milhões de brasileiro, com o surgimento de alguns movimentos ecologistas
que custaram a vida de centenas de trabalhadores rurais de alguns sacerdotes e de
sindicalistas como Chico Mendes, ainda assim, confirmava-se o equívoco anterior
havido em Estocolmo, pois aqui professava Juracy Magalhães (apud MOREL, 1989,
p. 12), enquanto Ministro da Justiça do Brasil, “O que é bom para os Estados Unidos
é bom para o Brasil”. Capitalismo imperialista, via globalização neoliberal, se fez
apenas veículo para a implantação do Império, segundo Mireille (2003, p. 10), que
afirma que “o exemplo recente mais conhecido é o que invoquei no Irã, das leis
57
americanas impedindo o comércio com Cuba (Lei Holmes-Burton, de 12 de março
de 1966) e Líbia (Lei Amato-Kenedy, de 5 de agosto de 1996)”. Malgrado a
aplicação da “extraterritorialidade”, posto que além do território nacional americano,
o que importa salientar na realidade è a mensagem subliminar que significou a ação,
eis que no caso do Irã, bem como naquele da Líbia, a lei americana proíbe
investimentos futuros superior a quarenta milhões de dólares por ano para o
desenvolvimento do setor de petróleo e de gás, e não importa qual a empresa do
mundo. Além disso, as “sanções vão, da negação de crédito por um banco
americano à interdição de toda exportação de tecnologia, passando pela interdição
de importação dos bens produzidos pela pessoa jurídica sancionada.” (MIREILLE,
2003, p. 11).
Cita ainda, Mireille (2003, p. 15), o chamado colonialismo pós-moderno, “que
remete a idéia da venda explicita (explicit selling) do direito americano pelo mundo
inteiro”, esta possível sem invasão territorial e sem investimentos fundos no
desenvolvimento econômico e social, conseguem “determinar a forma de cultura e
de economia de outras nações, levando a elas o sistema jurídico que comandará a
organização social”. Anota Mireille (2003), ainda, que é a penetração menos visível,
mas igualmente eficiente, pela qual, empresas multinacionais obtêm, de modo mais
pontual, uma adaptação jurisprudencial ou mesmo legislativa da regra do direito
nacional, como foi o caso da rede Mac Donald na França, “passando em quinze
anos de 12 para 323 restaurantes abertos sob sua franquia, após ter triunfado num
processo relativo ao controle dos estabelecimentos franqueados.” (MIREILE, 2003,
p. 15).
Desenha-se uma forma de hegemonia ainda mais brutal: a decomposição do
sistema jurídico pelo mercado, com a aparição de zonas de não-direito, submetidas
somente ao capital internacional. Assim, o “mercado substitui a nação, impõe-se ao
Estado, torna-se direito” (MIREILLE, 2003, p. 17). Lembramo-nos que Morel (1989,
p. 27), denunciava a chamada Doutrina de Monroe, lançada em dezembro de
1823, afirmando ainda que Wilson foi mais longe, prosseguindo a política de assalto,
com o desembarque de fuzileiros navais em Cuba, Nicarágua, xico, Haiti, São
Domingos, Honduras, etc, dizendo claramente: “Um país é possuído e dominado
58
pelo capital que nele se achar empregado. À proporção que o capital estrangeiro
assume e toma ascendência.” (grifo do autor).
Com efeito, agora fica mais claro, mormente porque, a obra de Perkins (2005,
p. 17), os denuncia:
Em 2003, parti de Quito numa caminhonete em direção a Shell em uma
missão como nenhuma outra que havia assumido. Esperava acabar com
uma guerra que eu mesmo tinha começado. Como é o caso em muitas
coisas pelas quais nós, os AEs*,
41
devemos nos responsabilizar, aquela era
uma guerra virtualmente desconhecida em qualquer lugar fora do país onde
ela era travada. Eu estava a caminho para encontrar os shuars, os quíchuas
e seus vizinhos, os achuars, zaparos e os shiwiars tribos determinadas a
impedir que nossas companhias petrolíferas destruíssem suas casa,
famílias e terras, mesmo que isso significasse que devemos morrer. Para
eles, aquela era uma guerra pela sobrevivência de seus filhos e culturas,
enquanto para nós significava poder, dinheiro e recursos naturais. Era
apenas uma parte da batalha pela dominação do mundo e do sonho de uns
poucos homens gananciosos pelo império mundial. Isto é o que nós AEs
fazemos melhor: construímos um império mundial. Somos um grupo de
elite de homens e mulheres que utilizam organizações financeiras
internacionais para tornar outras nações subservientes a corporatocracia
42
e
fazer funcionar as nossas maiores corporações, o nosso governo e os
nossos bancos. Como os nossos equivalentes na Máfia, os AEs, fazem
favores. Estes são em forma de empréstimos para desenvolver a infra-
estrutura – usinas e geração de eletricidade, estradas, portos, aeroportos ou
parques industriais. Uma condição desses empréstimos é que as
companhias de engenharia e de construção do nosso próprio país
construam todos esses projetos. Na essência, grande parte desse dinheiro
nunca deixa os Estados Unidos: é simplesmente transferido das agências
bancárias de Washington para escritórios de engenharia de Nova York,
Houston e São Francisco.Apesar do fato de que esse dinheiro é devolvido
quase imediatamente para as corporações que integram a corporatocracia
(os credores), o país recebedor é requisitado a pagar todo o dinheiro de
volta, o principal mais os juros. Se um AEs for completamente bem-
sucedido, os juros são tão altos que o devedor é forçado a deixar de honrar
os seus pagamentos depois de alguns anos. Quando isto acontece, então,
como a Máfia, cobramos nosso pagamento com a violência. Isso inclui uma
ou mais formas como: controle sobre os na Organização das Nações
Unidas, a instalação de bases militares ou o acesso a preciosos recursos
como o petróleo ou o Canal do Panamá. É claro que o devedor ainda
continua nos devendo dinheiro e assim outro país é agregado ao nosso
império mundial.
No Brasil, conforme foi dito acima, esse império vem de longe. Veja-se,
como exemplo, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a entrega de
terras brasileiras a americanos, entre outros, que teve como Relator o Deputado
Haroldo Velloso, que em 3 de junho de 1968, entregou seu relatório “e logo depois,
41
Assassinos Econômicos - Termo usado pelo autor para designar os executivos que alteram
planilhas de custos para conseguir em contratos astronômicos, individarem os países em
desenvolvimento.
42
Termo usado pelo autor para designar o grupo de credores que compõe a máfia capitalista.
59
foi vítima de um atentado a bala, no interior do Pará, tendo falecido após.(MOREL,
1989, p. 155).
O caso da lavagem de dinheiro da Arábia Saudita e a Comissão Conjunta
também estabeleceram novos precedentes para a jurisprudência internacional, o
que ficou evidente no Caso de Idi Amimm. Embora ele tenha sido considerado “um
déspota assassino”, responsável pela morte de 100 mil pessoas, aposentou-se com
uma vida luxuosa, - com carros e criados domésticos, fornecidos pela Casa de
Saud, com o apadrinhamento dos Estados Unidos, - em virtude dos arranjos com os
sauditas. Além disso, os Estados Unidos o escondia o seu desejo de que a Casa
de Saud patrocinasse a guerra afegã de Osama Bin Laden, contra a União
Soviética, durante a década de 1980, e Riad e Washington juntas, contribuíram com
cerca de 3,5 bilhões para os mujahideen (PERKINS, 2005).
Segundo Perkins (2005, p. 125-126),
depois dos ataques de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono, mais
evidências surgiram sobre as relações encobertas entre Washington e Riad.
Em outubro de 2003, a revista Vanity Fair revelou informações que o
tinham chegado ao público, num artigo em profundidade intitulado “Saving
the Saudis”. A história que surgiu sobre o relacionamento entre a família
Bush, a Casa de Saud e a família Bin Laden não me surpreendeu. Eu sabia
que esses relacionamentos remontavam pelo menos à época do Caso da
Lavagem de dinheiro da Arábia Saudita, que começou em 1974, e a
indicação de George H. W. Bush como embaixador americano nas Nações
Unidas (de 1971 a 1973) e depois com chefe da CIA (de 1976 a 1977). O
que me surpreendeu foi o fato de que a verdade finalmente chegara à
imprensa.
Vanity Fair (apud PERKINS, 2005) assim concluía:
A família Bush e a Casa de Saud, as duas mais poderosas dinastias do
mundo, tiveram estreitos laços pessoais, empresariais e políticos por mais
de 20 anos...No setor privado, os sauditas apoiaram a Harken Energy, uma
tumultuada companhia petrolífera em que George W Bush foram um
investidor. Mais recentemente, o ex-presidente George H. W. Bush e o seu
aliado de longa data, o ex-secretário de Estado James ª Baker III,
apareceram perante os sauditas em levantamentos de fundos para o Carlyle
Group, discutivelmente a maior empresa patrimonial privada do mundo.
Hoje, o ex-presidente Bush continua a atuar como conselheiro graduado
para a empresa, cujos investidores supostamente incluem um saudita
acusado de laços com grupos de apoio ao terrorismo.. Poucos dias depois
do 11 de setembro, abastados sauditas, incluindo integrantes da família Bin
Laden, foram retirados dos Estados Unidos em jatinhos particulares.
Ninguém admite ter autorizado os os, e os passageiros não foram
60
interrogados. Será que o antigo relacionamento da família Bush com os
sauditas permitiu que isso acontecesse?
De tudo o que aconteceu no mundo, envolvendo a “Globalização Econômica”,
em especial essa globalização de conquistas imperiais levada a efeito pelos Estados
Unidos no mundo, a exemplo daquela sobre o Canal do Panamá e as emblemáticas
mortes de dois deres como Omar Torrijos e Roldôs - Panamá e Equador - líderes
estes que poderiam fazer frente à vontade do Império com a chamada “Política dos
Hidrocarbonetos”, não sobrou senão noticias verberando “Assassinos da Cia”. A
invasão do Panamá pelos Estados Unidos e a deposição de Noriega - amigo da CIA
– o mundo assiste estupefato em 20 de setembro de 1989, ao maior ataque
aerotransportado sobre uma cidade desde a Segunda Guerra Mundial, matando
civis e gente do povo, estimando o número de mortos entre 3 mil e 5 mil, com outros
25 mil desabrigados. Foi um massacre, a favor da ganância da Maior Potência do
Mundo, esta mesma que lidera a “globalização econômica” e que atrai para si os
olhos desconfiados do mundo.
Embora, como afirma Bedin (2001, p. 208), “no mundo real, a guerra não é
um ato isolado, que ocorre bruscamente, sem conexões com a vida no interior do
Estado”, é preciso contrapor-se a tal assertiva como natural, escudados pelos
ditames do Humanismo, em face da dignidade da pessoa humana. O autor, citando
Aron, alude que “A guerra é um processo social”. “Ela não consiste numa decisão
única ou em várias decisões simultâneas e não implica uma decisão completa em si
mesmo” (BEDIN, 2001, p. 210-211). E conclui:
Por isso, a instituição da guerra é um instrumento político tão importante
como a diplomacia e o sistema de alianças. Além disso, não possui uma
natureza diferente: é um ato político de um Estado dirigido à vontade de
outra comunidade política soberana, com o objetivo de submetê-la à sua
vontade. Essa é a verdadeira natureza da guerra: é um ato político, de
política internacional, de política de poder (BEDIN, 2001, p. 210-211).
Ocorre que, muito embora isso, pela visão das relações internacionais, possa
ser visto como normal, tal política está intimamente vinculada às conquistas e à
acumulação do capital econômico das grandes potências, e à dominação dos fortes
contra os mais fracos. Porém, não mais lugar a essa forma de agir no mundo,
em face da crescente humanização e absoluta necessidade global de mundializar a
61
solidariedade e harmonização do globo terrestre ao fito de permanecer-mos a viver
na terra.
1.7 Globalização - vantagens e desvantagens
O ser humano milhões de anos está sendo construído e ainda não
terminou o seu processo. nele uma tendência de expansão para todos
os recantos da terra. Em razão disso soube adaptar-se a todos os
ecossistemas, desde as geleiras do Ártico até as regiões tórridas do Saara.
É o triunfo biológico da espécie homo. A globalização está presente na
dinâmica desta tendência ancestral. (BOFF, 2002, p. 25).
Segundo Boff (2002), esta vontade de “globalizar” se mostrou tecnicamente
possível a partir de 1521, quando Fernão de Magalhães fez o périplo ao redor da
Terra. De lá para cá, teria ocorrido a ocidentalização do mundo, com a cultura
ocidental impondo aos povos sua forma de acercar-se da natureza mediante a
tecnociência, sua maneira de organizar a sociedade, através da democracia
representativa, e sua visão da pessoa humana, com cidadãos com direitos
inalienáveis e a maneira de entender e cultuar Deus, posto que o cristianismo, como
religião, é hegemônico.
Se para Boff (2002) isto parece ser positivo, sob um aspecto; por outro, é
inegável seu lado ignóbil. Afinal, durante esse processo, ocorreram enormes
atrocidades, como o maior etnocídio da história por ocasião da invasão do México e
do Peru. Em 70 anos, onde havia 25 indígenas, restou apenas um. A África foi
colonizada e totalmente desestruturada. O Oriente sofreu enorme impacto de força
militar e econômica do Ocidente. Veneráveis tradições espirituais foram debilitadas
pela penetração religiosa e cultural da Europa. É a assim chamada a idade de ferro
da globalização. Mas ela criou bases para a mundialização, hoje extremamente
acelerada e diversificada.
A rigor, um dos principais aspectos da globalização, que tem merecido
veemente critica, é o fato de que ela alterou significativamente a matriz das relações
sociais intra e entre países, afirma Baquero (2006). É de tamanha dimensão esta
influência da globalização na administração política dos Estados, principalmente
daqueles considerados periféricos, que Baumam (1999) chega a decretar a
62
irrelevância e morte gradativa do Panóptico de Foucault. Bil Clinton tinha razão
43
.
Mais razão tinha Thomas Mathiesen (apud FOUCAULT, 1984, p. 173) quando afirma
que a introdução do Panóptico representou uma transformação fundamental: “de
uma situação em que muitos vigiam poucos para uma situação em que poucos
vigiam muitos”.
Dizia Bauman (1999, p. 60), que “não duvidas que Bill Clinton detém o
poder do panóptico, com vigilância e controle global, principalmente das nações
periféricas”, e dita:
Considere-se, porém, o seguinte. O Panóptico, mesmo quando sua
aplicação era universal e quando as instituições que seguiam os seus
princípios abrangiam o grosso da população, era por sua natureza um
estabelecimento local: tanto a condição com os efeitos da instituição
panóptica consistiam na imobilização dos seus súditos – a vigilância estava
para barrar a fuga ou pelo menos para impedir movimentos autônomos,
contingentes e erráticos. O Sinóptico é, por sua natureza, global; o ato de
vigiar desprende os vigilantes de sua localidade, transporta-os pelo menos
espiritualmente ao ciberespaço, no qual não mais importa a distância, ainda
que fisicamente permaneçam no lugar. Não importa mais se os alvos do
Sinóptico, que agora deixaram de ser os vigiados e passaram a ser os
vigilantes, se movam ou fiquem parados. Onde quer que estejam e onde
quer que vão, eles podem ligar-se e se ligamna rede extraterritorial que
faz muitos vigiarem poucos. O Panóptico forçava as pessoas à posição em
que podiam ser vigiadas. O Sinóptico não precisa de coerção – ele seduz as
pessoas à vigilância. (BAUMAN, 1999, p. 60).
Como lembra Bauman (1999, p. 20), “quem manda não tem problemas, pois
não pertence ao local. Os proprietários, acionistas e demais influenciadores da
decisão, não estão preso ao local, no mesmo espaço local”. Livrar-se das
responsabilidades pelas conseqüências é o ganho mais cobiçado e ansiado que a
nova mobilidade propicia ao capital sem amarras locais, que flutua livremente.
Extrair o “produto excedente” era o único interesse que os proprietários ausentes
tinham na vida da terra que possuíam. Contrariamente, os capitalistas de agora da
era moderna, graças à mobilidade dos seus recursos agora líquidos, não enfrentam
limites reais o bastante, que o obriguem ao respeito, liberdade de movimento e
autoconstituição das sociedades. As distâncias não importam, ao passo que a
idéia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no mundo real.
43
“Parece ter sido essa também a razão pela qual Bill Clinton, o porta voz da mais poderosa elite do
mundo atual, pode declarar recentemente que pela primeira vez não diferença entre a política
doméstica e a política externa”. (BAUMAN, 1999, p. 20).
63
Razão por que Bill Clinton teria declarado que não mais diferenças entre
política doméstica e política externa. Com a interface dos computadores e monitores
de vídeos, as distinções entre aqui e lá não significam mais nada. Com a nova
velocidade, nova polarização, as distâncias não significando mais nada, as
localidades, separadas por distâncias, também perdem seu significado, e as
informações fluem independente dos seus portadores. As fortificações construídas
pela elite e a autodefesa através da agressão praticada por aqueles deixados de
fora das muralhas têm um efeito mutuamente reforçante previsto com clareza pela
teoria das “cadeias cismogenéticas” de Gregory Bateson (BAUMAN, 1999).
Por tudo isto, indaga Bauman (1999, p. 62), “depois da Nação-estado, o quê?”
“Numa geração anterior, a política social baseava-se na crença de que as nações e,
dentro delas, as cidades podiam controlar suas riquezas; agora, abre-se uma divisão
entre Estado e economia”, observa Richard Sennet (apud BAUMAN, 1999, p. 63). O
capital é mais rápido, mais veloz que o tempo do estado. O que se move com tal
velocidade é praticamente livre de restrições, seja do território que partiu, seja pelo
território que atravessa, seja naquele ao qual se dirige. A nação-estado está se
desgastando, definhando, enquanto as forças erosivas do capital transnacional
crescem e se incrementam. Tudo isso, alude Bauman (1999), cerca o processo em
curso, de “definhamento” das nações-estados de uma aura de catástrofe natural. A
nova desordem mundial causa sensação de pasmo e perplexidade. O significado
mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o caráter indeterminado,
indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro
de painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo.
A globalização é a “nova desordem mundial” de Jowitt com um outro nome.
Uma explicação plausível é a crescente experiência da fraqueza, mesmo da
impotência, dos agentes ordenadores habituais, tidos como seguros. Isso só poderia
ser realizado com a aquisição do veículo estatal ou com a captura da direção do
Estado Existente. Com sua base material destruída, sua soberania e independência
anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de
segurança para as “megas-empresas”.
64
A economia é progressivamente isenta do controle político. A única tarefa
econômica permitida ao Estado e que se espera que ele assuma é a de garantir um
“orçamento equilibrado”, policiando e controlando as pressões locais por
intervenções estatais mais vigorosas na direção dos negócios e em defesa da
população face às conseqüências mais sinistras da anarquia de mercado. Quase-
Estados, Estado fracos podem ser facilmente reduzidos ao (útil) papel de distritos
policiais locais que garantem o nível médio de ordem necessário para a realização
de negócios, mas não precisam ser temidos como freios efetivos à liberdade das
empresas globais.
Anota Bauman (1999, p. 62) que:
segregados e separados na terra, os habitantes locais encontram os globais
através de transmissões regulares do céu, pela TV. Os ecos do encontro
reverberam globalmente, abafando todos os sons locais mas refletidos
pelos muros locais, cuja impenetrável solidez de presídio é assim revelada e
reforçada.
Esse autor denuncia, em função da hierarquia da mobilidade, que a
globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro
mais pido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar
largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e espetacular com
eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas
dos pobres do mundo (BAUMANN, 1999).
De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos,
mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial. A mentira da
promessa do livre comércio é bem encoberta; a conexão entre a crescente miséria e
desespero dos muitos “imobilizados” e as novas liberdades dos poucos com
mobilidade é difícil de perceber nos informes sobre as regiões lançadas na ponta
sofredora da “glocalização”. As riquezas são globais, a miséria é local.
Citando Ricardo Petrella, Bauman (1999, p. 87) diz que “a globalização
arrasta as economias para a produção do efêmero, do volátil, e do precário.”
Lembrando Jeremy Seabrook, a exemplo de Petrella, Bauman (1999, p. 87)
relembra suas lições de forma convincente:
65
a pobreza não pode ser curada, pois não é um sintoma da doença do
capitalismo. Bem ao contrário,: é a evidência da sua saúde e robustez, do
seu ímpeto para uma acumulação e esforços sempre maiores... Mesmo os
mais ricos do mundo se queixam sobretudo de todas as coisas de que se
devem privar ... Mesmo os mais privilegiados são compelidos a carregar
dentro de si a urgência de lutar para adquirir ...
A cultura da sociedade de consumo, envolve, sobretudo, o esquecimento o
o aprendizado. O consumidor é uma pessoa em movimento e fadada a se mover
sempre. Os habitantes do Primeiro Mundo vivem no tempo; o espaço não importa
para eles, pois transpõem instantaneamente qualquer distância.
Para os habitantes do Segundo Mundo, os muros constituídos pelos controles
de imigração, as leis de residência, a política de “ruas limpas” dos locais de desejos
e da sonhada redenção ficaram mais profundos, ao passo que todas as pontes,
assim que se tenta atravessá-las, revelam-se pontes levadiças. O vagabundo é o
alter ego do turista. Ele é também o mais ardente admirador do turista. Os turistas
têm horror dos vagabundos pela mesmíssima razão que os vagabundos encaram os
turistas como gurus e ídolos.
Afinal, a maioria dos empregos é temporário, as ações podem tanto cair como
subir, as habilidades continuam a ser desvalorizadas e superadas por novas e mais
aperfeiçoadas habilidades, os bens de que hoje nos orgulhamos e gostamos tornam-
se logo obsoletos. Um mundo sem vagabundos é a utopia da sociedade dos turistas.
São imensas marginalidades e ninguém sabe lidar com elas. Leis globais, ordens
locais (BAUMAN, 1999).
Falk (1999) ainda, mais pessimista, a respeito da globalização, chega a
questionar como ficaria a cidadania, porque a influência da globalização tende a
minimizar as diferenças políticas, no seio do próprio Estado. A banalização dos
rituais eleitorais entre os diversos partidos políticos em disputa, e os cidadãos,
principalmente os 80% das classes pobres, estão a perder terreno nas opções
ofertadas, e o resultado é a passividade.
Anota esse autor, que diante da passividade, desespero e alienação, os 20
por cento privilegiados, sentem-se cada vez mais desligados dos infortúnios dos
66
seus concidadãos. Os laços de solidariedade - que não o fortes - tendem a se
esfumaçar por revelarem-se tardiamente:
Os cidadãos carentes: de um lado, uma massa humana confusa e inerte, de
outro, uma minoria revoltada e tribalista erroneamente orientada, que insufla
uma nova vitalidade às políticas de extrema direita. E em terceiro lugar,
“uma minoria visionária e ativista, que se organiza apenas no plano “local” e
“transnacional” mas não no plano nacional –, abrindo caminho a
construção de uma sociedade civil global com ares de democracia
cosmopolita.
[...]
A cidadania, nesse ambiente, enquanto componente do Estado, parece
mais adaptações psicológicas à desterritorialização dele Estado. (FALK,
1999, p. 265).
Considerando a força exercida pela disciplina do capital global para reorientar
e apropriar-se da perspectiva do Estado, estas tentativas marginalizam o papel e a
função do cidadão.
Alude Falk (1999, p. 271) como alternativa, a Globalização ascendente:
Relaciona-se com a interdependência notória da vida contemporânea e com
a oportunidade para o estabelecimento de sistema de articulação e de redes
disponíveis e sustentáveis, está a ascensão de forças sociais transnacionais
como uma forma de política inovadora e diversificada.
[...]
É elucidativo contrastar estas forças sociais transnacionais como meios de
criar uma globalização alternativa, a globalização ascendente, para
combater a cooptação dos governos pelas forças orientadas par ao
mercado associado à globalização descendente.
[...]
A conseqüência mais evidente, é que o futuro do ativismo transnacional em
nome da agenda social dos bens públicos apresenta poucas probalidades
de obter o aval ou os auspícios Estados-cêntricos e as instâncias das
Nações Unidas.
[...]
A possibilidade de se criarem modalidades igualmente eficazes de ativismo
transnacional irá depender do fato de as investidas contra os métodos e
objetivos tradicionais dos cidadãos serem reformuladas com sucesso. O
rótulo de “cidadão transnacional” não é merecedoramente aplicável a o
ser que existam os meios necessários para uma participação efetiva.”
No que tange às conjecturas sobre o futuro da cidadania e à democracia,
apesar da globalização econômica, a contribuição dos cidadãos, para salvaguardá-
la, e a implementação dos direitos humanos continua a constituir uma fonte de
esperança em relação ao futuro, frente ao declínio do Estado territorial soberano e a
do vigor demonstrado pelas forças globais de mercado.
67
A noção de cidadania como base dos direitos e deveres em relação ao
Estado, continua a fornecer fundamento legítimo para implementação de políticas de
reforma e oposição nos mais variados contextos nacionais. A globalização está a
gerar esse interesse em implementar direitos econômicos e sociais a nível interno,
como parte do pacote dos direitos humanos. Como é evidente, numa competição
crescente ao nível de emprego, surge uma tendência para traçar linhas de
separação rígida entre cidadãos residentes e não cidadãos residentes, negando-se
a estes últimos, proteção social e acesso a saúde, educação, etc. É suscetível
apenas através de acordos negociados no plano regional, como é o caso da Europa,
na Carta Social. Com o tempo, esse quadro de ação mais amplo poderá revestir um
caráter global por meio de um contrato social global que garanta o respeito dos
direitos econômicos e sociais.
Afirma Falk (1999, p. 275), que “em virtude das enormes desigualdades e
desuniformidades, uma dessas tentativas é a proposta da OIT para realizar uma
nova convenção internacional que proíba as formas extremas do trabalho infantil”.
Leciona a necessidade de uma renovação normativa, afirmando que em face
da desigualdade das circunstâncias materiais, da orientação cultural e da
disponibilização de recursos torna particularmente difícil, e até mesmo suspeita, a
tentativa de universalizar aspirações e de apresentar uma imagem da governação
humanística susceptível de ser ratificada por todos os povos do mundo. As
perspectivas, como exemplo positivos, é a descolonização e os direitos humanos:
No caso da descolonização, os valores de autodeterminação e a ideologia
de nacionalismo muito haviam questionado a legitimidade e a
estabilidade da organização colonial.
[...]
A II Guerra Mundial não enfraqueceu a moral como também diminuiu as
capacidades das principais potências coloniais. Seguiu-se um novo fluxo
histórico que se revelou impossível de prever, mesmo poucas décadas
antes de ocorrer.
[...]
O segundo exemplo, envolve direitos humanos, internacionalmente
protegidos. A legitimidade dos direitos humanos como um aspecto central
da governação humanista deve as suas origens modernas fundamentais à
Revolução Francesa, embora isso não signifique exatamente conceder à
comunidade internacional a capacidade de julgar os processos internos de
governação de um determinado Estado soberano. (FALK, 1999, p. 281).
68
O contrato social que constitui a base das Nações Unidas é explícito no seu
propósito de refrear as intervenções em assuntos “essencialmente pertencentes à
jurisdição interna” dos Estados (FALK, 1999, p. 281). Disso, podemos dizer que
embora os Estados o tenham levado a sério o compromisso formal para
cumprimento das obrigações referente aos direitos humanos, foram perturbados
pela ascensão de organizações transnacionais da sociedade civil para a defesa dos
direitos humanos, como as ONGS, bem como, quanto ao sucesso da campanha -
apartheid. Além disso, dois outros fatores: a dependência interna das exigências
internacionais relativas aos direitos humanos particularmente na Europa na década
de 1980 e a conjunção da reivindicação de direitos civis e políticos com a defesa da
liberalização econômica na nova geopolítica de globalização (FALK, 1999).
No mais, Falk (1999) denuncia que o texto do artigo 51 - Carta da ONU -
deixa a impressão de que, mesmo numa situação de auto-defesa, a principal
responsabilidade recai no Conselho de Segurança e não na vítima do ataque.
Segundo o artigo 33, as disputas que coloquem em risco a paz e segurança nacional
devem procurarem uma resolução pacifica. Todavia, como podemos verificar, esta
promessa normativa nunca foi consistentemente cumprida. Algo fez com que a ONU
fosse incapaz de garantir os mecanismos coletivos de segurança que protegeriam
um determinado Estado contra as ameaças de agressão.
Um segundo obstáculo foi que os membros permanentes do Conselho de
Segurança não buscavam a base de suas respostas nas forças e considerações da
Carta mas nos alinhamentos ideológicos e questões geo-políticas.
Um outro fator é a recusa por parte dos principais Estados em transferirem o
controle político para a ONU em situações que envolvem o uso da força. A atitude
dos EEUU é decisiva e reveladora a este respeito.
As pretensões, no sentido da utilização de forças, têm estado associadas ao
longo dos anos à resposta aos ataques terroristas financiados ou patrocinados por
Estados (o ataque norte-americano à líbia em 1986, o apoio concedido pelos
Estados Unidos aos guerrilheiros contras - membros de uma organização militar que
lutou contra o governo da Nicarágua durante os anos 80) na guerra contra os
69
sandinistas na Nicarágua; os ataques israelitas periódicos contra o Líbano, às
ameaças de proliferação de armas nucleares (ataques israelita a Osirak, no Iraque,
em 1981), às violações dos direitos humanos e às práticas genocidas (Tanzânia
contra Uganda, Vietname contra Camboja em 1979, EUA contra o Panamá em
1989) (FALK, 1999).
No que tange aos direitos humanos, Falk (1999) alude que se analisados na
sua globalidade, os níveis de sucesso são impressionantes, apesar de a crueldade e
os abusos continuarem a ocorrer de forma generalizada, e de haver ainda um longo
caminho a percorrer para se alcançar um consenso ou acordo completo.
Potenciar-se-ia igualmente o contexto global para a promoção dos direitos
humanos se os Estados principais, em particular os Estados Unidos, se
abstivessem de utilizar fundamentações racionais relativas aos direitos
humanos como pretextos para impor sanções a Estados em relação aos
quais apresentam diferenças ideológicas acentuadas (por exemplo, CUBA).
(FALK, 1999, p. 291).
Quanto ao desenvolvimento sustentado, Falk (1999, p. 293) afirma que:
apresentado inicialmente no Relatório da Comissão Mundial Brundtland
para o Ambiente e o Desenvolvimento publicado sob o título Our Common
Future, revelou-se fácil invocar a linguagem mas sem se implementarem as
alterações necessárias ao nível das práticas.
George Busch, então presidente dos Estados Unidos, anunciou ante do Rio
92, “que o padrão de vida norte-americano não era negociável”.
Com efeito, se os países ricos não estivessem preparados para
considerarem algumas limitações aos seus estilos e níveis de vida
abastados, revelar-se-ia impossível induzir os países pobres a recusarem
oportunidades de desenvolvimento, à curto prazo, ainda que
ambientalmente prejudiciais, como é o caso das industrias madeireira e do
arroteamento de florestas.
[,,,]
Um dos principais desafios que os defensores da governação humanista
terão de enfrentar consiste em identificar os meios que servirão para
fomentar o desenvolvimento sustentado em termos práticos e concretos à
escala do Estado, da região e do planeta.
No que tange aos bens comuns globais, aos oceanos, às regiões polares, à
diminuição da camada de ozônio, ao clima, à biodiversidade, existe consciência de
que apenas regimes de cooperação global detentores de perspectivas a longo prazo
poderão evitar a ocorrência de desastres no plano dos bens comuns. Quanto à
responsabilidade, afirma que o regime legal é responsabilidade pessoal
70
[...] está consignado na carta das Nações Unidas, sendo desenvolvida em
algumas resoluções cruciais da Assembléia Geral como é o caso da
Declaração de Princípios de Direito Internacional e Relações de Amizade
entre Estados.
[...]
Os padrões legais não são aplicados uniformemente pelas Nações Unidas,
fato que propicia as acusações de critérios duplos. Os paises mais
importantes reservam-se o direito de controlarem arbitrariamente o recurso
a força.
Às reparações de injustiças, nos últimos anos, assistimos a uma miríade de
reivindicações associadas a acontecimentos do passado, por vezes,
distante. (ler exemplos pág. 298)
Isto significa que o passado encerra questões não resolvidas de equidade e
ainda, feridas por sarar.
Contudo, reflete uma procura de equidade intergeracional que complementa
de várias formas a defesa crescente da responsabilidade em relações às
gerações futuras. (FALK, 1999, p. 299).
No que tange à democracia global, a carta da ONU foi o início, afirma Falk
(1999, p. 299), “as propostas para criação de uma Assembléia Popular Global no
âmbito das Nações Unidas constituem um elemento da tentativa por parte das forças
democráticas transnacionais de maximizarem o seu papel na estrutura global de
autoridade”. A perspectiva de democracia global continua a ser o objetivo geral e
primordial de todos aqueles que se encontram empenhados em construir uma
governação humanista para todos os povos do planeta.
Uma perspectiva positiva e promissora para o futuro depende do fato de se
apoiar e aprofundar a influência da sociedade civil global e de se colaborar
sempre que possível com outros intervenientes políticos, incluindo os
Estados e os agentes do setor privado. O futuro permanece aberto a um
amplo espectro de possibilidades, incluindo às diretamente relacionadas
com a governação humanista global. A história internacional recente,
associada ao final pacífico da Guerra Fria e a luta bem sucedida contra o
colonialismo, confirmou que os desfechos positivos ou desejáveis ocorrem
mesmo quando maioria dos instrumentos de análise, nos fazem crer que
esses resultados são praticamente impossíveis. (FALK, 1999, p. 301).
Gueheno (1999), por sua vez, chega a questionar ao tempo da queda do
comunismo, se efetivamente a democracia continuará existindo após o término do
segundo milênio? E afirma: o ano de 1989 não fecha uma época que começou em
1945, nem em 1917. Ele põe fim àquilo que foi institucionalizado graças a 1789. Ele
marca o final dos Estados-nação. É que, em épocas anteriores – na ótica do autor –,
na idade da penúria, a posse era único verdadeiro poder e não se distinguia entre
poder econômico e poder político: ser poderoso era acima de tudo, escapar da
miséria geral. Para compreender, impõe raciocinar que democracia, política e
liberdade, embora definiu por muito tempo definiu nosso horizonte mental, somos
71
herdeiros amnésicos, posto que as leis se tornaram receitas, o direito um método e
os Estados-nação, um espaço jurídico. Seria isto, hoje, suficiente para garantir a
idéia de democracia?
Pode haver democracia sem nação? A essas indagações, afirma
peremptoriamente: “O grande edifício da idade institucional perdeu as fundações e
está flutuando, livre de qualquer amarra, abandonado, como casas de madeira
levadas pela enchente” (GUEHENO, 1999, p. 9). Como Roma, “caminhamos a um
novo império”, em que pese às lamúrias de hoje, como foi a deles. O ano de 1989,
marca o crepúsculo de uma época histórica, na qual o Estado-nação surgiu dos
escombros do Império Romano. Por isso, entende o autor de chamar a idade que
se aproxima de “imperial”, posto que sucede ao Estado-nação como o Império
sucedeu à Republica Romana: a sociedade dos homens tornou-se grande demais
para formar um corpo político. Seus cidadãos o cada vez menos uma entidade
capaz de expressar uma soberania coletiva: são meros sujeitos jurídicos, titulares de
direito e submetidos a obrigações num espaço abstrato onde os limites territoriais
são cada vez menos precisos. É o surgimento do quarto império, e ele nasce dos
escombros da ideologia, e desse império soviético que uma vez quis ser a terceira
Roma.
Anota Gueheno (1999, p. 14) o fim das Nações, afirmando que se “a idéia da
equação liberdade e independência da a idéia de nação, aquelas que foram
descolonizadas - liberaram-se do jugo colonial - caíram para outra servidão impostas
as organizações internacionais como Banco Mundial, FMI, etc.” Ora, mas se
comprovados que essas instituições estão na realidade a proteger o capital das
nações poderosas, não estariam ainda sob o jugo colonial dos poderosos? A
similaridade com o século 19, das reivindicações dos paises, dito de terceiro mundo,
identifica a democracia. Ora, mas se a nação necessita de um estado - espaço
político nacional - para tornar-se democrática, onde está o Estado na África? A
legitimidade da luta pela independência desapareceu sem ser substituída por outra.
Afinal, o que vem a ser nação? Primeiro, ela se define por aquilo que ela não é: ela
não é um grupo social, não é um grupo religioso, ela não é um grupo racial... ela é,
na realidade, produto de um encontro único de circunstâncias históricas e não se
reduz a uma única dimensão social, religiosa ou racial. Ela junta os homens não pelo
72
que eles são, mas sim pela memória daquilo que eles foram. É o lugar de uma
história em comum. É, antes de mais nada, um lugar, um território.
Cada vez mais raros o os países onde a genealogia histórica ou o contrato
social são tais que o território como evidência é suficiente para definir a nação.
Porém, o essencial hoje não é mais dominar um território, mas sim, pertencer a uma
rede. É que os movimentos de capitais, por serem móveis e escassos, o desejo de
atraí-los torna difícil o controle de capitais nacionais. Para não provocar a fuga dos
capitais e dos talentos, o Estado não pode se dar o luxo de aumentar seus impostos
acima do nível dos países similares. O espaço comum da política vem perdendo sua
legitimidade, arrastando junto na crise a noção de solidariedade nacional, sem
sabermos se essa perda de legitimidade deve-se aos fracassos do Estado-nação, ou
a uma dúvida mais profunda quanto à comunidade nacional que ele pretende
administrar. A “evidência territorial” foi ultrapassada, sem que uma visão utilitarista,
funcional, do Estado possa substituí-la (GUEHENO, 1999).
Além disso, esse autor afirma que:
[...] o desaparecimento da nação implica a morte da política.
A política não existe como simples resultado de interesses privados, mas
sim, pressupõe um contrato social, o qual precede e ultrapassa todos os
contratos particulares. Se abandonar-mos esse postulado, reduzindo a
política a uma função de mercado, onde se determina o valor dos interesses
presentes, o espaço da política é imediatamente ameaçado de
desaparecimento, pois o mercado que possa estabelecer o “valor” do
interesse nacional ou delimitar o espaço da solidariedade.
[...]
Nenhuma lei econômica consegue substituir a evidência territorial e histórica
da nação.
[...]
O cidadão dos tempos modernos, sendo um ser duplo, porém conservando
em cada uma das duas facetas de sua vida, uma certa unidade interior.
Com o abandono do postulado da preeminência do político, essa fenda
entre o público e o privado o desaparece, ela se banaliza, e esta
banalização pulveriza a própria idéia de sujeito, o qual é a outra base da
democracia liberal.
O homem político sonhado pelos filósofos da idade da razão era para ser “a
parteira” da verdade de uma sociedade. Tendo sido dotado tanto da palavra
quanto do raciocínio, ele devia contribuir para revelar, na cerimônia
parlamentar, a transcedência social.
[...]
A polidez então substitui a política. Ela não é mais o verniz colocado sobre a
realidade social, ela é a própria realidade. (GUEHENO, 1999, p. 33).
73
Gueheno (1999, p. 72) questiona: “O que vem a ser a liberdade num mundo
sem regras? Como se limita o poder num mundo sem princípios?” Primeiro, a
liberdade representou o direito de uma coletividade de tomar em suas mãos o seu
destino e adotar um governo que expressaria sua vontade coletiva; segundo,
representa o direito de cada homem de se proteger contra os excessos de poder e,
portanto, a garantia de que as minorias não seriam esmagadas. Com o advento da
idade imperial, fica claro que a primeira concepção da liberdade está em vias de
morrer, e que a idade imperial nos promete, na melhor das hipóteses, a limitação do
poder. Na medida em que a idade imperial progride, o do advogado muda: o gestor
de conflitos torna-se o de relacionamentos, e essa transformação muda
completamente a idéia que possamos ter de liberdade.
Aqui estamos tão longe da idade institucional do poder, a qual
institucionaliza o conflito, quanto da idade patrimonial, onde o triunfo dos
fortes leva à absorção dos fracos.
Na idade imperial, os fortes tem força suficiente, desde que os fracos
saibam reconhecer seu lugar. Uma certa geografia social se impõe
naturalmente.
O sistema produz, só regras, nunca princípios.
Nada de surpreendente então essa liberdade, que se manifesta através
do irrisório, contribui a desabonar a política; esta ultima, ao perder sua
autonomia, também perdeu a capacidade de produzir decisões de verdade.
[...]
Na idade imperial não coloca em lugar muito elevado na sua lista de
prioridades a necessidade de uma sociedade se constituir de homens livres.
(GUEHENO, 1999, p. 75).
Por tudo isto, talvez, Baquero (2006) busca a atenção para as duas
dimensões que devam ser consideradas na discussão do processo de globalização
e a alteração na matriz das relações sociais. De fato, para esse autor, o impacto da
globalização nas estruturas internas de cada país tornou-as mais vulneráveis às leis
de mercado, e por isto, alteram inclusive seus comportamentos e posicionamento,
diante das políticas internacionais dos Estados, bem como, da mesma forma, no
respectivo declínio do capital social exatamente quando se exige a valorização da
sociedade e do cidadão. É realmente contraditório, na medida em que alguns países
como o Brasil, que se de um lado apresenta índices moderados de crescimento
econômico, e até aumento de produtividade industrial, de outro, no campo social, as
condições se agravam, as diferenças sociais se aprofundam, e o conflito social
cresce, e as pessoas se afastam da política.
74
Assim, nesse contexto, onde Gueheno (1999) assegura que o sistema produz
regras e nunca princípios, onde a difusão do poder elimina conflitos como um
bloco de granito que se transforma em areia, embora a estabilidade social possa
ganhar com isto, perde-se a clareza do debate, perde-se a liberdade que se
manifesta através do irrisório, e tudo isto, contribui a desabonar a política, pois ela
ao perder autonomia, perde sua capacidade de produzir decisões de verdade. Por
força disso, ciente de que, conforme afirma Gueheno (1999, p. 108), “os homens de
negócio, ao trazer sua colaboração a um poder público que perdeu a auto-estima,
não tornam o Estado uma empresa, mas consagram a idéia de que o Estado
merece respeito se ele se assemelha a uma corporação”.
Ingressamos no capítulo 2 fazendo uma análise do mercado na globalização
atual.
75
2 A ECONOMIA DE MERCADO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO ATUAL
Para melhor compreensão deste capitulo, ao fito de um olhar crítico da
economia de mercado no contexto atual, enfatizado pela globalização econômica e
financeira, é preciso conhecer alguns dos fundamentos teóricos da economia
neoliberal e sua tensão com o Estado. Também é preciso verificar seu contraponto
na história da humanidade, no sentido de se diagnosticar o nível do debate
atualmente quanto à clássica dicotomia capital x socialismo e se, em contrário, qual
é a temática que o substitui nesta quadra da história. Sempre tendo como pano de
fundo a preocupação com os direitos do homem, sua dignidade humana ao longo de
sua evolução.
É certo que a luta pelo reconhecimento e pelo respeito aos direitos do homem
trilhou exaustivo caminho na história da humanidade. Mas neste século, em face
dos problemas contemporâneos assume gigantesca expressão, mormente pelo
aumento das desigualdades econômicas e sociais, em especial, a superpopulação
do planeta, a favelização das grandes metrópoles, as dificuldades de efetivação das
necessidades básicas do homem, como saúde, emprego, saneamento básico,
educação. etc. Assim, buscar-se-á a reflexão desses problemas, sob o ângulo
humanístico, e a crise do Estado, na efetivação desses direitos.
2.1 O mercado produtivo e a globalização
Embora o contexto e as circunstâncias fossem outras, o termo globalização,
mercado e produção, nos remete a épocas longínquas do progresso da
humanidade. Para Brum e Heck (2005), globalização designa o intenso processo de
integração e abertura econômica na qual se encontra a economia mundial
atualmente, e tal abertura econômica vem ao encontro da Teoria das Vantagens
Comparativas, de Ricardo, segundo a qual, o incremento do comércio internacional
favorece a geração de emprego e renda, com as seguintes principais características:
a) as transações econômicas que se formalizam em tempo real;
b) os mercados bursáteis que se convertem em permanentes;
c) os mercados monetários passam a ser mundiais e em tempo real;
76
d) o mundo inteiro passa a falar o mesmo idioma econômico;
e) é um processo irreversível.
Esse fenômeno da globalização não é novo, como afirma Brum e Heck
(2005), porém ganha velocidade cada vez maior graças aos avanços científicos.
Todavia, é difícil falar em globalização e mercado sem deixar de re-visitar as teorias
econômicas de David Ricardo
44
, como se fará com os fundamentos do socialismo,
que ganhou notoriedade pela teoria de Marx, via Internacional Socialista,
repousando, após, nas lições de Hayek, afinal, aquelas duas, - ao fito desta
pesquisa -, embora concebidas em tempos distintos, estão imbricadas no contexto
do capitalismo e no chamado neoliberalismo, tendo-o subsumido e o consolidado
por este último.
44
David Ricardo nasceu em Londres a 18 de Abril de 1772. Terceiro de 17 filhos de uma família
holandesa de classe média, descendentes de judeus expulsos de Portugal. Pouco tempo antes de
David nascer, o seu pai migrou da Holanda para Inglaterra onde negociou na Bolsa de Valores e foi
bem sucedido. David viveu durante alguns anos na Holanda com outros familiares, onde completou
parte da sua instrução primária. Na bolsa inglesa, demonstrou grande aptidão, tornando-se mais
tarde um corretor bem sucedido. Aos 21 anos converteu-se ao protestantismo unitarista e casou-se
com uma jovem quacre originando desentendimentos familiares. Prosseguiu suas atividades na bolsa
e em poucos anos ficou rico, dedicando-se a partir daí, aos estudos, especialmente a matemática,
química e geologia e adquiriu uma propriedade rural. Em 1799, após ter lido a Riqueza das Nações,
de Adam Smith passou a interessar-se por questões de economia. Entre 1809 e 1815 publicou
alguns panfletos sobre a questão do preço do ouro, protecionismo na agricultura e os seus efeitos
sobre os preços agrícolas, os lucros do capital e o crescimento econômico. A partir de então dedicou-
se a escrever um tratado teórico geral sobre a economia, os Princípios, tendo sido publicado em
1817, constituindo-se assim um marco teórico decisivo para o desenvolvimento da economia política
clássica. Em 1815, David Ricardo já era considerado o economista mais importante de toda a Grã-
Bretanha, graças ao seu conhecimento prático sobre o funcionamento do sistema capitalista. Foi
muito influente na polêmica discussão sobre a questão das corn laws, isto é, da importação de trigo
estrangeiro pela Inglaterra. David Ricardo, como eterno defensor do livre comércio internacional, era
a favor da importação. Foram várias as divergências com economistas mais conservadores, como
Malthus, os quais temiam ver o sustento dos trabalhadores britânicos sob o poder de países
estrangeiros, potenciais inimigos. Neste mesmo ano, publicou sua tese liberal em Ensaio sobre a
Influência do Baixo Preço do Cereal sobre o Lucro do Capital”. Em 1817 publicou a sua grande obra
Princípios de Economia Política e Tributação “. Este livro consagrou Ricardo como o grande nome da
Economia Política Clássica, junto com Adam Smith, dominando a economia não apenas de Inglaterra,
mas de todo o mundo ocidental por muitas décadas, até o aparecimento do marxismo e do
marginalismo, (os quais foram muito influenciados pela obra de David Ricardo). Ricardo também se
envolveu em questões políticas, tendo sido representante do distrito irlandês de Portalington na
Câmara dos Comuns do Parlamento do Reino Unido. Ali defendeu um conjunto de posições liberais
tanto em matérias políticas (o voto secreto, o sufrágio universal) como em temas econômicos (a
liberdade de comércio). Morreu prematuramente a 11 de Setembro de 1823, tendo deixado
incompleta uma obra em que trabalhava. As suas obras atingiram vastas áreas da economia, tais
como: política monetária, teoria dos lucros, teoria da renda fundiária e da distribuição, teoria do valor
e do comércio internacional, sendo que muitas destes temas permanecem actuais nos dias de hoje
(CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007).
77
Como na época de Ricardo, o avanço técnico, a partir da Revolução
Industrial, com a introdução de máquinas no processo produtivo, provocou enormes
alterações no nível de relacionamento social, como na transformação do artesão em
proletário e a mudança radical entre o meio urbano e o meio rural inglês.
Mudanças também se fizeram presentes na economia, política e social?
Haveremos de averiguar.
2.1.1 A teoria de David Ricardo
Segundo se deduz das lições de Brum e Heck (2005), à luz da teoria de David
Ricardo, a aplicação conjunta de trabalho, maquinaria e capital, no processo
produtivo gera um produto. Este divide-se, pelas três classes da sociedade:
proprietários de terra (sob a forma de renda da terra); trabalhadores assalariados
(sob a forma de salários) e os arrendatários capitalistas (sob a forma de lucros de
capital). Para Ricardo (apud BRUM; HECK, 2005), o papel da ciência econômica
seria determinar as leis naturais que orientassem essa distribuição, e o equilíbrio
poderia ser alcançado com a aplicação das seguintes teorias:
2.1.1.1 Teoria do valor - trabalho
Enquanto para Adam Smith o valor da mercadoria era determinada pela
quantidade de trabalho que essas mercadorias poderiam comprar
45
, para Ricardo o
valor da troca das mercadorias eram determinadas pela quantidade de trabalho
necessário à sua produção. Não dependia da abundância, mas sim do maior ou
menor grau de dificuldade na sua produção, ficando assim, conhecida por teoria do
valor do trabalho incorporado. Os preços das mercadorias são, então, proporcionais
ao trabalho nelas incorporados. A teoria dos preços não é mais do que uma teoria
de preços relativos, ou simplesmente de razões de troca entre diferentes
mercadorias. David Ricardo considerava como fontes do valor de troca a escassez e
a quantidade de trabalho. A escassez explica o valor de troca não reprodutíveis,
45
Teoria do Valor do Trabalho Comandado.
78
enquanto que a quantidade de trabalho explica o valor de troca de mercadorias
reprodutíveis. Para Ricardo (apud CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007), a
economia deveria preocupar-se com as mercadorias reprodutíveis, por serem estas,
esmagadora maiorias das mercadorias que se troca em economia. Em virtude deste
pensamento, a escassez deixa de ser importante para a economia.
2.1.1.2 Teoria da distribuição e da renda
Estas teorias estão diretamente imbricadas e devem ser analisadas a partir
dos dois questionamentos, a seguir:
a) Como se determina a prestação a pagar ao proprietário fundiário pela
disponibilidade do uso da terra?
b) Qual é o papel da renda fundiária na economia?
Pois bem, enquanto a primeira questão é a principal relativamente a renda
“diferencial”, conquanto resulta das diferentes fertilidades das terras e das
concorrências dos empresários para a sua exploração, a segunda questão encontra-
se relacionada com ela, e sua resposta permite uma melhor compreensão dos
mecanismos econômicos da sociedade capitalista. Para responder a essas
questões, Davi Ricardo (apud CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007) elabo-
rou três leis de repartição de rendimentos:
- A lei dos rendimentos decrescentes: reflete que, para conseguir quantidades
adicionais iguais de um bem, a sociedade tem de utilizar quantidades crescentes de
fatores. Se existirem rendimentos decrescentes na produção de um bem, o custo de
oportunidade de produzir unidades sucessivas do mesmo bem é cada vez maior.
Suponhamos uma experiência que consiste em adicionar unidades
excessivas de trabalho a uma quantidade fixa de terra.
79
Tabela 2: Produção de trigo
Emprego na
produção de trigo
Produção de trigo Variação na
produção
0 0
1 4 4
2 7 3
3 9 2
4 10 1
Fonte: CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007, p. 6.
Daqui concluímos que, ao adicionar unidades de trabalho a uma quantidade
fixa do fator Terra, os aumentos que se obtêm na produção de trigo são cada vez
menores.
- A Lei malthusiana da população: A população cresce ou diminui de acordo
com a disponibilidade de alimentos. Dessa forma, os salários tendem a permanecer
no nível de subsistência. Sempre que eles se afastam desse nível, verifica-se a lei
do crescimento demográfico, aumentando ou diminuindo a oferta de trabalhadores.
Atualmente, tal problema vem sendo repensado. Afinal, a falta de alimentos
no mundo populacional crescente, é proporcionalmente contrária à ordem dos
fatores, e com isto, atinge sem dúvida a camada populacional mais pobre, pois o
alimento mais raro chegará a mesa deste mais caro, quando chegar.
- O móbil do crescimento do produto: O móbil do crescimento do produto e,
assim, dos investimentos no lucro por unidade de capital investido.
Para David Ricardo (apud CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007), a
seqüência e, correlação destas três hipóteses, ocasionaram o aparecimento do
estado estacionário, em que a produção na economia deixa de crescer. Ou seja, a
pressão demográfica leva à utilização de mais terras, sendo as mais férteis as,
inicialmente, mais cultivadas pelos empresários, o que leva a que estas se tornem
cada vez menos rteis, com conseqüências de tal fato, a taxa de lucro torna-se
cada vez menor e a renda cada vez mais elevada. Desta forma, cultivando novas
terras - menos férteis -, tem que se aumentar a quantidade de trabalho para se
80
produzir os mesmos bens, aumentando assim o seu valor e consequentemente o
salário natural também. Os proprietários das melhores terras, vendem os produtos a
um preço superior ao seu custo de produção, constituindo a diferença, a renda
diferencial. Frente a esta situação, David Ricardo combate todo este pessimismo
com a sua idéia de liberdade de comércio. A importação traria com que os
empresários não fosse obrigados a utilizar terras menos produtivas e, deste modo, a
um aumento de renda e redução da taxa de lucro. Desta forma, a taxa de lucro não
desceria e o estado estacionário poderia ser evitado. Note-se que esta liberdade de
comércio não conviria aos proprietários fundiários que veriam os seus rendimentos
reduzirem-se.
2.1.1.3 Teoria do comércio internacional
Esta teoria diz respeito as vantagens do comércio entre as nações e,
certamente, vem da experiência do autor que, na sua época, participara da polêmica
sobre se a Inglaterra praticaria ou não o livre-cambismo - liberdade de trocas
internacionais com eliminação de direitos alfandegários protetores - ou protecionis-
mo, com supressão de impostos sobre importações e com a exclusão de entraves
administrativos à liberdade de comércio entre as nações. Além de defensor dos
empresários, David Ricardo se notabilizou pela defesa do livre-cambismo.
2.1.1.4 Princípio da vantagem comparativa
David Ricardo foi o primeiro economista a argumentar que o comércio
internacional poderia beneficiar dois países, mesmo que um deles produzisse todos
os produtos de forma mais eficiente. Um país não precisa ter uma vantagem
absoluta na produção de um determinado produto, podendo dois paises beneficiar-
se do comércio mútuo se cada um tivesse uma vantagem comparativa na produção
de qualquer produto. Para isto, David Ricardo (apud BRUM; HECK, 2005) explica
sua teoria usando um exemplo entre Portugal e Inglaterra, com dois produtos, quais
sejam vinho e roupa, e seus respectivos custos relativos de produção em horas de
trabalho.
81
Tabela 3: Vantagens comparativas (horas de trabalho/unidades produzidas)
TÊXTEIS VINHO
Inglaterra 63 70
Portugal 120 80
Fonte: CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007, p. 7.
Analisando a tabela 4, conclui-se que a Inglaterra é mais eficiente que
Portugal em ambas as produções. A Inglaterra tem uma vantagem absoluta quer na
produção de vinho, quer na de tecido. Mesmo assim, Davi Ricardo provou que o
comércio internacional continua a ser rentável. As unidades de trabalho necessárias
à produção de qualquer dos produtos em Portugal, em termos percentuais das
necessidades de trabalho correspondentes para a Inglaterra são:
Tabela 4: Vantagem comparativa
Vinho Tecido
80h= ,14 120h=,90
70h 63h
Fonte: CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007, p. 7.
Apesar da desvantagem absoluta de Portugal em ambos os bens, o país tem
uma vantagem comparativa na produção de vinho e uma desvantagem comparativa
na produção de tecido. No caso da Inglaterra, uma vantagem comparativa na
produção de tecidos e uma desvantagem comparativa na produção de vinho
(0,525<0,875).
Tabela 5: Desvantagem comparativa
Vinho Tecido
70h= ,075 63h=,025
63h=,025 120h
Fonte: CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007, p. 8.
A partir deste estudo, David Ricardo provou que cada país seria beneficiado,
caso se especializassem no produto no qual detém maior vantagem comparativa. O
82
produto total global de cada bem aumenta, melhorando a situação de todos os
países envolvidos nas trocas internacionais, pois menores seriam os custos de
produção, os salários de subsistência dos trabalhadores e em conseqüência os
lucros seriam os maiores possíveis (CARDOSO; GONÇALVES; FERREIRA, 2007).
Para Brum e Heck (2005), quando estas razões são diferentes, um país tem
uma vantagem comparativa na produção de um dos dois bens e o outro tem uma
vantagem comparativa na produção do outro bem. Os dois países ganham
comercializando, não importando o fato de que um deles possa ter desvantagem
absoluta em ambas as linhas de produção. Tal prática oferece a possibilidade da
especialização em um produto, a realocação de seus fatores de produção para a
linha de produção que oferece vantagem comparativa e a maior exportação do seu
produto e importação de outro, incrementando o comércio.
Embora Davi Ricardo enumere as principais hipóteses
46
, que defendem o
livre-comércio entre nações, é Karl Marx quem contesta tal otimismo, afirmando que
o comércio internacional não reduz as desigualdades entre as nações, mas as
perpetua, sobretudo pelo mecanismo da “troca desigual”, pois o comércio é
desigual
47
.
Para Marx (apud BRUM; HECK, 2005), finalmente, o livre-comércio se torna
instrumento de dependência em favor das nações mais desenvolvidas. O livre-
comércio entre países desiguais conduz à dependência do mais fraco (o menos
produtivo, o menos competitivo) em favor do mais forte. Tal fato provoca uma divisão
internacional do trabalho conforme os interesses dos paises ricos, arruinando, nos
países subdesenvolvidos, as atividades industriais ou artesanais concorrentes.
46
Para melhor compreensão das hipóteses de Davi Ricardo, ler BRUM, Argemiro Luis; HECK,
Claudia Regina. Economia internacional - uma síntese da análise teórica. Ijuí: UNIJUÍ, 2005, p. 38 a
42.
47
Em contrapartida do ganho imediato que cada nação retira do comércio, a troca pode se mostrar
desigual se consideradas as quantidades de trabalho incorporadas pelas mercadorias negociadas,
quantidades que dão a verdadeira medida do esforço produtivo, isto é, dos verdadeiros sacrifícios
dispendidos por cada país. Em outras palavras, os termos de troca fatoriais” (relação das
quantidades de trabalho exigidas respectivamente pelas exportações e pelas importações) o então
desfavoráveis ao país menos desenvolvido, que é assim “explorado” ao nível das prestações mutuas
em trabalho (BRUM; HECK, 2005).
83
Além disso, o princípio das vantagens comparativas de Ricardo, assume a
existência de diferenças, mas nunca se tenta compreender ou identificar as razões
que poderão explicar as diferenças existentes, frente aos preços mundiais ou termos
de troca neste modelo que são indeterminados.
Outro fato que deve ser analisado é que o modelo alude a um único fator
produtivo, qual seja o trabalho empregado, e não é possível analisar os efeitos
distributivos dos rendimentos. Todos os países ganham quando existe uma
liberdade de comércio, no entanto, pode haver alguns indivíduos, empresas e
fatores de produção que ficam prejudicados e teriam rendimentos maiores, se
existissem restrições ao comércio e, por este motivo, buscam defender-se do
inimigo internacional”, surgindo então “o protecionismo”, que é uma política
comercial que tenta proteger as indústrias nacionais das importações a preços
reduzidos.
É lógico que o protecionismo se opõe ao livre comércio e com isto, à própria
globalização que, segundo Brum e Heck (2005), é irreversível.
De qualquer sorte, a teoria da vantagem comparativa é uma das verdades
mais profunda da economia e, por que não dizer, do comércio internacional, que tem
por veículo, hoje, a globalização incrementada pelo surgimento das corporações
multinacionais, transnacionais, etc.
2.2 Marx e sua teoria
Karl Marx, como aluno do Direito, nos idos de 1836 a 1837, teve dois Ilustres
Professores, de tendências contrárias, sendo Karl von Savigny
48
, conservador, e
Eduardo Gans
49
, cuja discordância entre eles, não era simplesmente de natureza
48
Ferdinand Karl von Savigny, Professor de Direito Romano de Marx, fundador e principal teórico da
escola histórica de Direito. Refutava o direito natural como uma “abstração carente de sentido”.
Considerava o direito uma coisa concreta que nascia do espírito e da história de uma nação. Esse
conceito o levara a considerar sagradas e invioláveis as instituições herdadas do passado
(CHIERICATI, 1975, p. 12).
49
Eduardo Gans, Professor de Direito Penal, de Marx, ao contrário de Savigny, opunha a este
conceito do Direito a libertação do homem através da reconstrução da sociedade. No ensaio Paris em
1830, escrevia: “Antigamente se opunham o senhor e o escravo; depois, o nobre e o plebeu; hoje se
contrapõem o trabalhador e o que não trabalha... Acaso não é escravidão explorar o homem como
84
especulativa, como observa Auguste Cornu, no livro Karl Marx, o Homem e a Obra,
sendo que as divergências eram de ordem política: o conflito entre os princípios
liberais nascidos da Revolução Francesa e as “tendências conservadoras e contra-
revolucionárias” (CHIERICATI, 1975, p. 11).
Nessas circunstâncias, num ambiente onde a filosofia de Hegel
50
,
considerada arma de dois gumes à época, Marx, partindo das oposições hegelianas
entre “capitalismo” e “proletariado”, entenderá que elas serão resolvidas (através da
luta de classes) na unidade superior da “sociedade sem classes” (CHIERICATI,
1975, p. 11).
Até chegar em sua grande obra, dedicou-se ao jornalismo, em setembro de
1841, tornando-se redator do Rheinische Zeitung (“Gazeta Renana”), - órgão dos
radicais burgueses da Renânia -, o jornal que era o porta-voz do liberalismo renano
(em oposição ao católico Kolmische Zeitung “Gazeta de Colônia”), tendo revelado
excelentes qualidades de jornalista, dando ao jornal, notável impulso, atraindo, em
face de suas afirmações ideológicas, a censura oficial. Em 17 de novembro de 1842,
o presidente da Dieta Renana, von Schaper, enviava aos Ministros o relatório sobre
os artigos face aos furtos de lenhas
51
, (CHIERICATI, 1975) de modo a instituir um
processo contra o articulista pela sua descarada e desconsiderada critica às
instituições estatais, fato que segundo Engels, Marx se torna socialista, ocupando-se
das condições de vida dos camponeses do Mosela, ele passa da política pura ao
estudo da economia e, consequentemente, ao socialismo.
um animal, quando esta pessoa não tem outra escolha a não ser morrer de fome?” (CHIERICATI,
1975, p. 12).
50
Segundo Hegel, George Wilhelm Friedrich colocava na base de sua filosofia a Idéia, cujo
desenvolvimento, através da superação dos opostos, constitui a realidade de todas as coisas. A
célebre “dialética” de Hegel consiste na antinomia entre dois termos (tese e antítese), oposição que
se resolve numa unidade superior, a síntese. Por exemplo, a idéia de “ser” implica a de “não-ser”, e
esses dois opostos se conciliam no conceito de “vir-a-ser”. Segundo esse processo concluía Hegel
em 1820 em política, o Estado é a mais perfeita encarnação da Idéia porque a síntese mais alta, a
conciliação entre os múltiplos fins subjetivos dos homens (lucro, ambição etc.) e os valores éticos,
objetivos, da comunidade humana (justiça, paz, etc). (CHIERICATI, 1975, p. 11).
51
“Uma desavença entre camponeses e proprietários de terra, no vale do Rio Mosela, ofereceu a
Marx a oportunidade de pôr os pés na terra, ocupando-se dos problemas do povo. Os camponeses
pobres reivindicam o antigo direito de cortar lenha, caçar e fazer os animais pastar em terras dos
patrões. Os proprietários se opunham a isso. A lei sobre “furtos de lenha” emanada do Parlamento
Provincial (Dieta Renana), defendia a propriedade privada. Em cinco artigos publicados em seu
jornal, Marx pôs-se ao lado dos camponeses, exigindo que fossem mantidos em beneficio dos
pobres, os direitos decorrentes do costume” (CHIERICATI, 1975, p. 18).
85
Sustentado por Engels, seu amigo capitalista
52
, em 16 de agosto de 1867,
Marx cabo a os três volumes de sua obra, que após, tornar-se-á a bíblia do
movimento operário internacional, batiza-o de “O Capital”. É o testamento espiritual
de Marx, que terá como herdeiro universal a classe operária. Não poderia ser
diferente, afinal, o proletariado europeu no século XIX, em face do estudo das
condições de vida dos operários das indústrias inglesas nos primeiros anos desse
século foi decisivo, porquanto, “[...] às duas, às três, às quatro da manhã, crianças
de nove a dez anos são tiradas de seus leitos imundos e obrigados a trabalhar até
às dez, onze, doze da noite por uma remuneração de pura subsistência”
(CHIERICATI, 1975, p. 103).
Por sua vez, não menos importante salientar que, na época, as manufaturas
eram frequentemente situadas em zona agrícolas, onde os baixos salários
53
eram
integrados com os frutos do cultivo de pequenos lotes de terra. Todavia, descoberta
a força motriz daquina a vapor, esta “separou” os pequenos estabelecimentos da
força motriz dos cursos d’ água, que atravessavam os campos e concentrou-os junto
da cidade, em novos centros industriais. “Os operários ficaram assim, desvinculados
de sua economia agrícola. A urbanização, constrangendo-os a pagar à vista, tornou
sempre mais absoluta sua dependência em relação ao salário em dinheiro”
(CHIERICATI, 1975, 61), isto tudo sem falar do desemprego que grassou entre os
ingleses na prolongada crise econômica por volta de 1850, durante a qual, nem os
mais hábeis conseguiam colocações.
52
“Engels era tão amigo, que inclusive sacrificou-se por ele, fingindo ser pai do filho de Marx, com
Helene Demuth, sua governanta e amante, nascido em 23 de junho de 1851, chamado Freddy.” Esta
notícia está inserida num documento do Arquivo Marx-Engels, do Instituto Internacional de História
Social de Amsterdã, publicado em 1962 por Werner Blumenberg, membro do citado Instituto. Trata-se
de uma carta de Louise de Freyberger, endereçada ao revolucionário August B, e datada de 2 de
setembro de 1898 (CHIERICATI, 1975, p. 51).
53
Imagine-se uma família em que o pai, mãe e um menino de dez a doze anos recebam salários
ordinários. Esta família (se não tiver sido molestada pela doença de algum de seus membros ou pelo
desemprego) terá num ano: o pai, na base de 30 soldos por jornada de trabalho .....fr 450 – a mãe, na
base de 20 soldos por jornada de trabalho.....fr 300 –o filho, na base de 11 soldos por jornada de
trabalho...165: Total de fr. 915. Com despesa da casa, em geral, ocupando apenas um cômodo, uma
espécie de sótão, um quarto pequeno, o aluguel cobrado por mês, ou semanalmente, custa
ordinariamente na cidade entre 40 e 80 francos. Tomemos a média de 60 francos. O alimento, cerca
de 14 soldos diários, para o marido= 255,12; a mulher, = 219,9; o filho=164, o que da um total de 638
francos. Mas dado que sempre há várias crianças, ponhamos 738, o que significa, somando aluguel e
alimento, 798 francos. Consequentemente, para a manutenção da mobília, roupa branca, roupa de
cima, lavagem, fogo, luz, utensílios profissionais, etc., não sobram mais que 117 francos. Item obra
citada acima.
86
A teoria econômica de Marx parte da análise de algo de que todos têm
experiência diária: a mercadoria. Tudo que é trocado, vendido e comprado, é
mercadoria. Para Marx, tudo que se compra, é útil a uma necessidade do “espírito”
ou do “corpo”, e o que é útil, possui valor de uso, e somente o que tem valor de uso
pode ser trocado, comprado ou vendido. Aqui, a primeira objeção, pois nem tudo
que é produzido é trocado, exemplo disso é, nas sociedades primitivas, que a
produção é exclusivamente para o uso, inexistindo ainda a troca. A explicação é
simples, pois tudo o que é trocado, todas as mercadorias tem um valor de uso, mas
nem tudo o que tem valor de uso foi produzido em função da troca. Além disso,
produz-se unicamente para o uso nas sociedades em cujo seio não divisão de
trabalho ou em que esta divisão é embrionária. Que sentido teria para um produtor
de trigo trocar o cereal com outro produtor de trigo? Mas quando se introduz a
divisão do trabalho, quando os diversos grupos sociais produzem valores de usos
diversos, então se verifica a troca. Isto tudo tem em comum, uma coisa: são
produtos do trabalho humano. Segundo Marx (apud CHIERICATI, 1975), “como
valor, as mercadorias são apenas medidas determinadas de tempo de trabalho
solidificado”. Mesmo quando diferentes habilidades, o tempo de trabalho é o
tempo necessário em média para produzir determinada mercadoria. É justamente
desta análise de valor, que Marx constatou que a economia é, na realidade, o
mundo do homem da política.
O dinheiro, por sua vez, usando Marx a expressão shakespeariana, é o mais
alto produto do desenvolvimento da troca. Todavia, é ao mesmo tempo, o
reconhecimento de que tudo nasce do trabalho dos homens. Uma determinada
quantidade de dinheiro é usada para comprar uma mercadoria que, revendida,
mais dinheiro. Tal movimento, para Marx, é absurdo, se a segunda soma de dinheiro
não se revelar superior à primeira. Marx chama de mais-valia a esse acréscimo da
primeira soma de dinheiro posta em circulação. Para obter a mais-valia, o possuidor
do dinheiro tem de encontrar no mercado uma mercadoria cujo próprio valor de uso
tenha propriedade peculiar de ser fonte de valor: uma mercadoria tão estranha que,
sendo usada, cria novo valor. Essa mercadoria é a força-trabalho, isto é, a
capacidade produtiva, a energia física e mental do homem. Seu uso é o trabalho e o
trabalho cria o valor (CHIERICATI, 1975).
87
E conclui que a mais-valia não é produzida pela troca de mercadoria, mas
pela exploração do trabalho, sendo por isso, o produto do trabalho não pago pelo
capitalista ao operário. Ou seja, “como toda mercadoria, a força de trabalho é
trocada por um valor equivalente em dinheiro” (MARX apud CHIERICATI, 1975, p.
115). Este valor é determinado pelo tempo socialmente necessário para sua
produção, isto é, pelo custo da manutenção do operário e de sua família. O valor da
força-trabalho é dado, em ultima análise, por uma certa soma de meios de
subsistência. Essa soma de meios de subsistência necessária à continua produção
e reprodução da força-trabalho dos operários, expressa em dinheiro, se chama
salário. Ressalta, que o operário renano produz mais que o simples valor dos meios
de subsistência, pois em quatro horas, por exemplo, produz uma quantidade de
bens igual a seu salário diário, contudo, tem de trabalhar outras quatro horas: sua
força-trabalho cria mais valor que seu próprio custo e, por outro lado, o possuidor do
dinheiro que a comprou tem o direito de consumi-la por inteiro, por outras quatro
horas.
A mais-valia é, portanto, produto do mais-trabalho realizado pelo operário
além do tempo necessário para compensar seu salário. Assim, no pensamento de
Marx, o aumento do capital deriva essencialmente da mais-valia. A mais-valia é a
parte do esforço humano que faz aumentar os lucros do possuidor do capital.
Portanto, não se trata apenas de uma relação econômica entre coisas, mas sim, de
uma relação social, de uma relação que envolve homens. Ao capital preocupa
acrescer o capital. “A fome da mais-valia não conhece saciedade” (MARX apud
CHIERICATI, 1975, p. 122). Sob o ponto de vista do processo produtivo, é preciso
distinguir duas partes: o capital investido em meios de produção (maquinário e
matérias-primas) e, o capital variável, investido na compra de força-trabalho,
operários e assalariados, em geral.
Para implementar sua crítica ao capitalismo e amparar de forma
fundamentada a sua teoria, Marx (apud CHIERICATI, 1975) induz de maneira
enfática, quanto à mais-valia, as seguintes teses, que chamou de métodos:
88
2.2.1 Método da extração da mais-valia absoluta
Consiste, substancialmente, no aumento da jornada de trabalho. Quanto mais
o operário trabalha, além das quatro horas de trabalho pagas, tanto mais aumenta o
trabalho não pago, a mais-valia. Para obter esse resultado, o possuidor do capital
não hesitaria em fazer os operários trabalharem 24h por dia, mormente quando
havia concorrência com outros capitalistas. Porém, a resistência humana tem limite,
e o operário tende a reduzir a duração da jornada de trabalho para defender sua
saúde.
2.2.2 Método da redução do tempo necessário – “mais valia relativa’”
Consiste em reduzir o tempo de trabalho necessário à retribuição da força-
trabalho, abreviando-o com vantagem para o mais-trabalho. Isto é conseguido
mediante a aceleração dos ritmos produtivos; produz-se em menos tempo o
correspondente ao que o operário necessita para viver. Sua força-trabalho vale
então, por exemplo, três horas, em vez de quatro, enquanto a mais-valia sobe de
quatro para cinco. A mais-valia relativa pressupõe uma contínua renovação e
melhoria das instalações. A mais-valia conseguida não é usada, completa e
principalmente, para satisfazer as necessidades e caprichos dos detentores de
capital. Grande parte da mais-valia é investida em nova produção (CHIERICATI,
1975)
54
. Nesse ponto, entendemos que Marx defende que, no conjunto da massa do
capital, a parte investida em maquinaria e matérias-primas, o capital constante,
aumenta mais rapidamente do que a parte de capital investida em salários, ou seja,
o capital variável. Segundo ele, o capital não se reproduz simplesmente, como
antes, mas cresce, alarga-se continuamente. Usa cada vez mais capital constante,
representado por máquinas e matérias-primas e utiliza, cada vez mais, capital
variável, valendo-se cada vez mais do trabalho humano. Exatamente por isso, o
capital, segundo Marx (apud CHIERICATI, 1975, p. 128), “é uma espécie de monstro
animado”: uma relação social que, de um lado, consigna aos capitalistas, seu capital
54
“Nesse ponto, Marx refuta toda a precedente economia política clássica (a começar de Adam
Smith, o autor da Riqueza das Nações). Smith sustentava que toda a mais-valia era investida em
contratar novos trabalhadores, isto é, em aumentar a massa dos salários”. (CHIERICATI, 1975, p.
126).
89
aumentado e, de outro, multiplica nas mãos dos operários, a miséria de sua continua
indigência, que os constrange a “vender-se”
55
.
Quando os economistas clássicos davam uma interpretação diversa do
desenvolvimento capitalista, pois, segundo eles, o capital teria origem na renúncia
voluntária dos capitalistas em utilizarem seus lucros e não no trabalho não pago dos
operários, Marx objetava que às vezes no aumento do capital não entra somente o
trabalho “normal” não pago, mas também, a abstinência dos operários, os quais,
recebendo um salário inferior ao valor da força-trabalho, o pagos abaixo do nível
de subsistência
56
.
2.3 Fundamentos teóricos do mercado
Mesmo com os fundamentos de David Ricardo e Marx, os quais fundam suas
teses em mercadoria, trabalho, tempo e valor, não se pode estudar o mercado, sem
antes, voltar os olhos para o passado, novamente, ao fito de buscar a nese desse
antagonismo, averiguar sobre suas origens e fundamentos, na visão de seus
principais teóricos.
Para tanto, o primeiro ponto, ressaltado por Bedin (2002, p. 19), é que a
“idéia de que os homens possuem direitos é uma invenção moderna, tendo surgido
e se institucionalizado no decorrer do século XVIII, constituindo-se numa verdadeira
ruptura com o passado”. Isso se deve ao fato de que a figura deôntica originária é o
dever e não o direito, esclarece. Com esta ruptura, o modelo de sociedade
denominada de organicista ou holista
57
, que permaneceu nas sociedades dos
séculos XVII e XVIII, possuía como tese central a crença de que o todo (Estado) era
anterior e superior às partes (os indivíduos).
55
Sob esse ponto de vista, Marx defende que toda a polêmica dos burgueses é uma falsificação da
realidade, pois o capitalista que defende sua propriedade dos meios de produção, defende, ao
mesmo tempo, a absoluta falta de propriedade da esmagadora maioria da população. A propriedade,
para o possuidor de capital, é na verdade, o direito de apropriar-se do trabalho de outrem, não pago,
ou de seu produto. Para o operário, ao contrário, é a impossibilidade de apropriar-se do próprio
produto (CHIERICATI, 1975).
56
Regra geral, “o capitalista paga os salários ao nível de subsistência, isto é, na medida estritamente
necessária para viver” (CHIERICATI, 1975, p. 130).
57
Modelo também chamado de aristotélica devido à importância de seu primeiro expoente:
Aristóteles. Neste sentido, ver BOBBIO, Norberto. Sociedade e Estado na filosofia política
moderna. São Paulo: Brasiliense, 1987.
90
Segundo Bedin (2002), seus primeiros expoentes foram Aristóteles e Platão.
Posteriormente, com o surgimento do modelo denominado de jusnaturalista ou
hobbesiano
58
, surgido a partir dos séculos XVII e XVIII, também conhecida como
individualista ou atomista, que tem como tese central o fato de considerar as partes
(indivíduos) anteriores e superiores ao todo (Estado), teve como grandes teóricos
Hobbes, Locke e Rousseau.
É importante o entendimento desta “inversão”, entre o Estado e os indivíduos,
porquanto, a partir deste período, os homens passam a ser vistos como seres iguais,
pelo menos em dignidade e direitos.
O Estado passa a ser compreendido não mais como sendo o resultado do
desdobramento de comunidades menores, mas sim, de um acordo entre indivíduos
(ARISTÓTELES apud BEDIN, 2002). um deslocamento do poder, que antes
provinha de Deus e, agora, passa a ser oriundo da nação.
Para Bedin (2002), os direitos civis ou de primeira geração (século XVIII), os
direitos políticos ou de segunda geração no século XIX, os direitos econômicos e
sociais ou de terceira geração no início do século XX e os direitos de solidariedade
no final da primeira metade deste século. Os de primeira geração, abrangem os
chamados direitos negativos, ou seja, os direitos estabelecidos contra o Estado.
Esses direitos estabelecem um marco divisório entre o público e o privado, e, como
ressalta Bedin (2002, p. 43), “é essa uma das características fundamentais da
sociedade moderna, e é a partir dela que se estrutura o pensamento liberal e o
pensamento democrático.”
Os de segunda geração processaram-se na esteira dos direitos civis, mas se
distinguem pelo fato de serem direitos positivos, ou seja, direitos de participar do
Estado.
58
Assim conhecido devido a influência de seu primeiro grande expoente: Thomas Hobbes. Neste
sentido, ver BOBBIO, Norberto. Sociedade e Estado na filosofia política moderna. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
91
Para fins de melhor entendermos esse ponto, adotaremos a classificação de
Bedin (2002, p. 57), que assim está posto:
“a) direito ao sufrágio universal;
b) direito de constituir partidos políticos;
c) direito de plebiscito, referendo e de iniciativa popular.”
Os de terceira geração compreendem os chamados direitos de créditos, pois,
segundo Bedin (2002, p. 62),
são os direitos que tornam o Estado devedor dos indivíduos,
particularmente dos indivíduos trabalhadores e dos indivíduos
marginalizados, no que se refere à obrigação de realizar ações concretas,
visando garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem-estar social.
Diferentemente dos direitos “contra o Estado” e também dos direitos de
“participar no Estado”, estes se caracterizam pelos direitos garantidos “através ou
por meio do Estado”.
Feitas essas considerações, que reputamos importantes aos buscarmos o
entendimento contra que tipo de sociedade se posiciona o neoliberalismo,
poderemos concluir, como afirma esse autor pesquisado, ela seria contra
“sociedades comunistas, contra sociedades nazistas e fascistas e contra as
sociedades democráticas contemporâneas, ou seja, contra todos os tipos de
sociedades modernas em que esteja presente algum tipo de intervenção do Estado.”
(BEDIN, 2002, p. 84).
2.3.1 A base teórica do neoliberalismo
A base teórica do Neoliberalismo encontra ressonância nas obras de Mises,
Hayek e Friedman, sendo Friedrich August Von Hayek, à luz das lições de Bedin
(2002, p. 86)
59
, o seu grande expoente e seu melhor representante, acrescentando,
59
Mises, Hayek e Friedman, portanto, formam, quando vistos em conjunto, o que, em sentido amplo,
poderíamos chamar de a base teórica dessa nova direita. Mas, no que se refere a esta pesquisa,
escolhemos Friedrich August Von Hayek como o seu grande expoente e seu melhor representante e
a partir da análise de suas obras tentaremos desvendar quais são os pressupostos teóricos que
sustentam o neoliberalismo” (BEDIN, 2002, p. 85).
92
que a obra dele é perpassada por várias dicotomias fundamentais, as quais seriam
as seguintes:
a) racionalismo evolucionista/racionalismo construtivista;
b) ordem resultante da evolução(kosmos)/ordem feita (táxis);
c) normas de conduta justa (nomos)/normas de organização(thesis);
d) ordem de mercado (catalaxia)/justiça social;
e) sociedade abertas/sociedade planificadas.
2.3.1.1 A primeira dicotomia de Hayek
60
Segundo Bedin (2002), o ponto de partida da análise de Hayek é, sem dúvida,
a idéia de que o mundo moderno e o mundo contemporâneo estão impregnados de
uma crença comum, porém errônea, sobre como surgiram e como funcionaram as
instituições sociais, qual seja a de que elas seriam criações deliberadas pelos
homens e, portanto, funcionariam segundo a sua vontade (racionalismo/constru-
tivista).
Para Hayek (apud BEDIN, 2002), nada mais falso do que isso, pois, segundo
ele, as instituições sociais são os resultados da ação humana, mas não dos
desígnios dos homens e, como tais, funcionariam de acordo com uma lógica própria,
estabelecida pela sua evolução, independentemente da vontade humana
(racionalismo evolucionista).
Assim seria para Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 87), porque os homens, por
mais sábios que sejam, são sempre ignorantes “dos fatos particulares que
determinam as ações de todos os diversos membros da sociedade humana” e isto,
conclui ele, “é a razão pela qual, a maioria das instituições sociais, assumiram a
forma, que realmente têm”.
As instituições sociais foram colocadas, como regra, desde a Antiguidade, - e
ainda o são -, de forma preponderante, entre os fenômenos artificiais. Isso, no
entanto, para Hayek (apud BEDIN, 2002), é um profundo equívoco, pois se é
verdade que as instituições sociais não o um fenômeno natural, também é
verdade que elas não são um fenômeno inteiramente artificial. Elas pertencem,
60
Racionalismo evolucionista e racionalismo construtivista.
93
argumenta Hayek (apud BEDIN, 2002), apoiado em Bernard Mandeville e David
Hume, a uma terceira categoria de fenômenos, denominados por Adam Ferguson de
fenômenos resultantes da ação humana, mas não das intenções humanas. “Algo,
em síntese, colocado entre a natureza e a convenção e lapidado pela evolução”
(HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 87).
Mas estas reflexões, segundo Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 87), “foram
sufocadas nos séculos XVI e XVII pela ascensão do racionalismo construtivista, com
René Descartes e Thomas Hobbes”, significando, pois, para o autor, um retrocesso
ao modo de pensar das eras anteriores antropomórficas. Todavia, não foram estes
autores os únicos a compreenderem as instituições sociais como criações humanas.
Segundo a lógica de Hayek (apud BEDIN, 2002), todos os reformadores sociais
comunistas, nazistas, fascistas, bem como os democratas modernos podem ser
colocados entre eles, vale dizer, todos aqueles que acreditam que as instituições
sociais foram, são criadas e podem ser modificadas pela vontade humana.
Para Hayek (apud BEDIN, 2002), a prevalência do racionalismo construtivista
sobre o racionalismo evolucionista, pelo fato de ter dominado o mundo moderno e o
mundo contemporâneo é extremamente ruim, pois tem levado o homem à tirania e,
portanto, propugna ele que se reconheça que as instituições sociais não são
criações deliberadas dos homens, apesar de serem o resultado da sua ação.
2.3.1.2 Da segunda dicotomia de Hayek
61
No que tange a segunda dicotomia
62
, deveria prevalecer a concepção do
racionalismo evolucionista juntamente com a ordem
63
espontânea, ao fito de, através
do tempo, de forma infra-sistêmica, as instituições sociais serem construídas
61
Ordem resultante da evolução (Kosmos) e Ordem Feita (Taxis)
62
Ordem Resultante da Evolução (Kosmos) e Ordem Feita (Taxis), Sendo “Kosmos, ordem surgida
dentro do sistema de forma quase natural, de forma não-intencional, a qual, segundo Hayek, nunca
aparece ligada ao conceito de propósito, são ordens não-dirigidas” e “Taxis, refere a ordem
intencional, artificial, e segundo Hayek, aparece sempre ligado ao conceito de propósito, sendo
ordens dirigidas a determinados fins” (BEDIN, 2002, p. 89).
63
Ordem, para Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 89), é “[…] uma condição em que múltiplos elementos
de vários tipos se encontram de tal maneira relacionados entre si, que, a partir de nosso contato com
uma parte especial ou temporal do todo, podemos aprender a formar expectativas corretas em
relação ao restante ou, pelo menos, expectativas que tenham probalidades de se revelar corretas”.
94
espontaneamente, devendo ser respeitada pelos homens, sob pena de estes
destruírem suas instituições e palmilharem com isto o caminho da servidão (BEDIN,
2002).
O racionalismo construtivista adota a concepção de ordem feita, ou seja,
criada pelo homem, de forma intencional e artificial (táxis). Enquanto isto, no
racionalismo evolucionista adota-se a ordem surgida de dentro do sistema de forma
não-intencional e quase natural (Kosmos).
2.3.1.3 Da terceira dicotomia de Hayek
64
A terceira dicotomia - normas de conduta justa (Nomos) e normas de
organização (Thesis) - dentro do racionalismo construtivista e racionalismo
evolucionista, está intimamente ligada com a primeira conseqüência, ou seja, com a
dicotomia entre ordem espontânea e ordem feita. Interessante alusão, faz o autor,
como ideal de partida na análise desta dicotomia, é a diferença nuclear entre direito
e legislação.
Enquanto “Direito” é visto como um conjunto de normas de conduta justa, por
ser antigo como a sociedade humana, a “legislação”, ao contrário, é vista como um
conjunto de normas de organização, sendo, pois, “um invento relativamente recente
na história da humanidade” (HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 90). Além disso, o
“direito” é oriundo de um processo evolutivo da sociedade e, como tal, não é criado
intencionalmente pelo homem, e a “legislação”, ao contrário, é criada
intencionalmente pelo homem, e sendo uma construção artificial, como tal, possui
propósitos específicos, como regra promover a justiça social.
Segundo Bedin (2002, p. 90) “nas sociedades nas quais é dominante o
racionalismo evolucionista, com sua ordem resultante da evolução, deve prevalecer,
segundo Hayek, a idéia de direito como um conjunto de normas de conduta justas,
pois estas não são criações deliberadas dos homens”
65
. Por sua vez, “nas
64
Ordem de Conduta Justa (Nomos) Normas de Organização (Thesis).
65
Para Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 90), a idéia do direito como conjunto de condutas Justas, pois
são “descobertas, seja no sentido de simplesmente enunciarem práticas já observadas, seja no
95
sociedades nas quais domina o racionalismo construtivista”, com sua ordem feita,
deve prevalecer, ao contrário, segundo Hayek (apud BEDIN, 2002), a idéia do
direito, como legislação, pois esta é uma construção deliberada do homem e, como
tal, visa alcançar determinados objetivos específicos. Além disso, direito e legislação
estão ligados à distinção entre “direito público” e “direito privado”, sendo aquele,
identificado como norma de organização, e este, com normas de condutas justas.
Ao interpretar-se que o “direito público”, como regra, é aquele que serve ao
bem estar-social, e o direito privado, o que serve ao bem estar-individual, segundo
Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 90-91),
é uma completa inversão da verdade, pois é um erro acreditar que as
ações que visam deliberadamente a propósitos comuns servem às
necessidades comuns. Ao contrário, o que a ordem espontânea da
sociedade nos proporciona é mais importante para todos e, portanto, para o
bem-estar geral, do que a maioria dos serviços que a organização
governamental pode prestar, excetuando-se apenas a segurança conferida
pela aplicação das normas de conduta justa.
Propugnando a supremacia do direito privado ou das normas de conduta
justa, Bedin (2002, p. 91) alude da denuncia de Hayek, que o surgimento da
legislação social nos últimos cem anos, tem destruído o atributo característico das
normas universais de conduta, qual seja, o da igualdade de todos perante as
normas, pois a legislação social estransformando, aos poucos, o direito privado
em público e, com isto, quer garantir, não aquela igualdade formal - segundo o autor,
extremamente saudável -, mas sim a igualdade material.
2.3.1.4 A quarta dicotomia de Hayek
66
Quanto à quarta dicotomia, Ordem de Mercado (Catalaxia) e Justiça Social,
está ligada ao “problema justiça” e ordem de mercado. Segundo Bedin (2002),
citando Eamonn Butler (1987), o termo justiça é usado de dois modos diversos, que
podemos denominar de justiça formal (comutativa) e justiça social (distributiva).
Justiça, para Hayek, é justiça formal, pois resulta não da vontade de alguém, ma
sim, da aplicação das normas abstratas de conduta justa, válida para todos e
sentido de se revelarem complementos necessários às normas reconhecidas, indispensáveis ao
funcionamento desembaraçado e eficaz da ordem que dela se fundamenta.”
66
Ordem de Mercado (catalaxia) e Justiça Social
96
estabelecidas pelo processo evolutivo da sociedade, característica das sociedades
liberais.
Por sua vez, para esse autor, justiça social, ao contrário da formal, não aplica
as regras jurídicas abstratas, mas sim, refere-se à distribuição eqüitativa da riqueza
ou da renda, ou de outros bens entre os vários membros da sociedade, típica das
sociedades planificadas, como as comunistas, nazistas, fascistas e sociedades
democráticas contemporâneas.
Dito isto, segundo Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 93), ordem de
mercado/catalaxia, por sua natureza espontânea, qual seja, “um tipo especial de
ordem espontânea produzida pelo mercado, mediante a ação de [várias] pessoas
dentro das normas jurídicas da propriedade, da responsabilidade civil e do
contrato”
67
é, para ele, o mercado como ordem global, superior a qualquer
organização deliberada
68
. Anota Bedin (2002), que para Hayek esta espontaneidade
da ordem de mercado ou catalaxia, é um jogo gerador de riqueza e não o que a
teoria dos jogos chama de um jogo de soma zero, pois produz aumento de fluxo de
bens e das perspectivas de todos os participantes de satisfazerem suas
necessidades, conservando, entretanto, o caráter de um jogo no sentido em que o
termo é definido pelo Oxford English Dictionary
69
.
Assim colocado, a relação entre justiça formal e ordem de mercado é
harmoniosa e de plena compatibilidade, pois consiste na observação das regras do
jogo, determinadas pela evolução da própria sociedade, às quais, ordem de
mercado - catalaxia estão adaptadas, ou mais que isto, que ela - a ordem de
mercado ou catalaxia - as tem como sua condição de existência, pois não podemos
esquecer que a ordem de mercado exige não uma justiça de resultados, mas uma
67
Rede de muitas economias interligadas e não [...] governada por uma escala ou hierarquia única de
fins, pois a ordem de mercado ou catalaxia serve a uma multiplicidade de fins distintos e
incomensuráveis de todos os seus membros individuais.” (HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 92-93).
68
“[...] Como ordem global, é tão superior a qualquer organização deliberada, que nela os homens
embora voltados para seus próprios interesses, seja eles totalmente egoístas ou altruistas
favorecerão as finalidades de muitos outros, que em sua maioria jamais conhecerão: na Grande
Sociedade os diversos membros se beneficiam dos esforços mútuos não apesar de seus vários
fins serem diferentes, mas, com freqüência por isso mesmo.” (HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 92).
69
“Uma competição disputada segundo normas decidida pela maior habilidade, força ou boa sorte.”
(HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 93).
97
justiça de meios, sendo aqueles somente determinados pela habilidade e pela sorte
de cada participante do jogo.
Enquanto isto, ao contrário, a relação que existe entre justiça social e ordem
de mercado é conflituosa ou de incompatibilidade, devido ao fato de que a justiça
social não é de aplicação de regras abstratas, mas de distribuição de bens entre as
pessoas e, como tal, segundo esse autor, é uma justiça de fins e não de meios,
como é a justiça formal. Assim, Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 93) insiste em
descaracterizá-la como um conceito oco ou como uma miragem
70
, que conduz, à
medida que for reconhecida, “necessariamente as [sociedade] a uma crescente
aproximação com o sistema totalitário”
71
.
Dito isto, qualquer interferência nesta ordem é vista como um ato destrutivo e
desagregador, pois desorganiza o mercado e, em conseqüência, causa mais
sofrimento e pobreza do que se tivesse deixado o mercado funcionar livremente
72
.
Para Hayek (apud BEDIN, 2002), justiça é justiça formal (observação das
regras de conduta justa) e justiça social e ordem de mercado ou catalaxia são
incompatíveis, pois a justiça social exige a intervenção do Estado no mercado e,
com isso, argumenta o autor, destruição do mesmo e, como conseqüência, a
construção do caminho da servidão.
2.3.1.5 A quinta dicotomia de Hayek
73
Quanto à quinta dicotomia - Sociedades Abertas/Sociedades Planificadas -
para Hayek, as primeiras são aquelas sociedades liberais que surgiram no decorrer
dos séculos XVII e XVIII, por exemplo, na Inglaterra, na França e nos Estados
70
Primeira tese - “A justiça social é uma miragem, deve-se ao fato de que, a justiça propriamente dita
é uma justiça de meios e não de fins, e como tal, fica claro que nenhum sistema de normas de
conduta individual [...] poderia produzir resultados que correspondessem a qualquer principio de
justiça distributiva “.(HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 93).
71
Segunda tese - “A segunda tese, a de que o reconhecimento da justiça social conduz a sociedade
ao totalitarismo, pode ser vista como uma conseqüência da primeira e tem como pressuposto a
crença de Hayek na idéia de que o mercado é uma ordem espontânea e, como tal, é resultante, o
dos desígnios dos homens, mas da evolução da sociedade” (HAYEK apud BEDIN, 2002, p. 94).
72
Tese do efeito perverso de Hirschman (apud BEDIN, 2002, p. 94).
73
Sociedades Abertas/Sociedade Planificadas.
98
Unidos, as quais possuem como valores fundamentais a idéia de liberdade, de
mercado e de Estado limitado ou Estado de direito. A segunda, ao contrário, são as
sociedades socializantes, como as comunista, nazista, fascista e as democráticas
contemporâneas, surgidas a partir das ultimas décadas do século passado e das
primeiras décadas do século XX, em países como a Alemanha, ssia e Itália, as
quais possuem como valores centrais a idéia de igualdade, a idéia de Estado
intervencionista e, em alguns casos, a idéia de justiça social (BEDIN, 2002).
Dessas duas, prefere Hayek (apud BEDIN, 2002, p. 95), as sociedades
abertas, pois para ele, são as únicas que conseguem, com um mínimo de coerção,
proporcionar “a esperança remota de uma ordem universal de paz”
74
. No que diz
respeito às sociedades planificadas, além de fomentarem a discórdia, antes
mencionada, não implicam apenas um rompimento definitivo com o passado
recente, mas com toda a evolução da civilização ocidental e isso se torna claro
quando [as] consideremos não em relação ao século XIX, mas numa perspectiva
histórica mais ampla. Estamos abandonando não as idéias de Cobden e Bright,
de Adam Smith e Hume, ou mesmo de Locke e Milton, mas também uma das
características mais importantes da civilização ocidental que evoluiu, a partir dos
fundamentos lançados pelo cristianismo e pelos gregos e romanos.
Renunciamos progressivamente não ao liberalismo dos séculos XVIII e
XIX, mas ao individualismo essencial que herdamos de Erasmo e Montaigne, de
Cícero e Tácito, de Péricles e Tucídides (HAYEK apud BEDIN, 2002). Com isto,
propugna Hayek a supremacia das sociedades abertas, com a preponderância do
individualismo, da liberdade, do mercado, da divisão de poderes e do Estado de
Direito.
74
“Nas sociedades abertas, todos [nós] contribuímos, de fato, não para satisfação de
necessidades que não temos conhecimento, mas por vezes para a consecução de fins que
desaprovaríamos se os conhecessemos. Não podemos evitá-lo... porque ignoramos com que
propósito os demais utilizarão os bens ou serviços que lhes oferecemos. O fato de auxiliarmos na
consecução dos objetivos de outras pessoas sem compartilhá-los ou mesmo conhecê-los, e no intuito
exclusivo de alcançar nossos próprios objetivos, é a fonte de coesão da grande sociedade e a
condição para a paz, pois ao contrário, na medida em que a colaboração pressupõe propósitos
comuns, pessoas com diferentes objetivos são necessariamente inimigas, capazes de lutar entre si
pela posse dos mesmos meios, segundo Hayek” (BEDIN, 2002, p. 95)
.
99
Feitas essas considerações em volta das teorias que, inicialmente, com David
Ricardo, davam base ao mercado internacional e seu contraponto nas teorias de
Marx, que deu azo a discussão da mais valia e o ferimento do direito do homem
através do socialismo internacional e, por final, nesta teoria que basificou o
neoliberalismo, agora, nossa analise passará pela globalização estudada - e
seus efeitos contemporâneos.
2.4 A economia de mercado - neoliberalismo - na globalização atual
Como foi visto nas teorias de Davi Ricardo e dos fundamentos teóricos de
Hayek, apesar de o neoliberalismo se apresentar atualmente como um vocábulo
novo, encontra raízes em ideais liberais e hoje embora o termo reúna conotações
bem diversificadas, tal doutrina vem sendo usada desde o Consenso de
Washington
75
, cuja agenda foi adotada pelo FMI e pelo Banco Mundial, fazendo
ressurgir aquelas idéias liberais, impregnando e monopolizando o debate
acadêmico, influenciando currículos e grandes universidades marcadas por
problemas financeiros, mostrando vantagens que os setores empresariais
esperavam obter, principalmente nas áreas de reformas tributárias.
Esses doutrinadores liberais pregavam que a solução para as políticas
nacionalistas equivocadas estava nas diretrizes do Consenso de Washington, e que
aquelas, de caráter radicais, adotavam desenhos autoritários e fechados. Desta
forma, sugeriam aos investidores americanos e europeus, que assumissem a defesa
das indústrias, instaladas nos países da América Latina por meio de políticas
neoliberais, jamais de políticas nacionalistas radicais, as quais ainda
desmoralizavam o desenho “cepalino” de desenvolvimento implantado na América
Latina (OLIVEIRA, 2005b).
75
“Surgido no pós-guerra, o Consenso de Washington encontra-se ligado a uma reunião histórica
ocorrida em novembro de 1989 na capital dos Estados Unidos, entre funcionários do governo norte-
americano e dos organismo internacionais sediados Banco Mundial, Banco Internacional do
Desenvolvimento (BID) e Fundo Monetário Internacional (FMI) convocada pelo Institute for
Internacional Econimics, conhecida como Latin American Adjustment: How Much Hás Happened?,
com a finalidade específica de elaborar um conjunto de reformas econômica para os países latino-
americanos em desenvolvimento. As conclusões desse famoso encontro ficaram conhecidas
informalmenete de Consenso de Washington” (OLIVEIRA, 2005b, p. 207-208).
100
Segundo Oliveira (2005b), como noção mais especifica, o Consenso de
Washington pode ser considerado um conjunto de princípios voltados ao sucesso do
mercado livre, elaborado pelo governo dos Estados Unidos e pelas instituições
financeiras por ele comandadas, posto em execução de diversas formas por essas
instituições.
Segundo Robert McChesney (apud OLIVEIRA, 2005b), o neoliberalismo pode
ser observado como o paradigma econômico que define nossa era mediante uma
série de processos e políticas que permitem a um número relativamente pequeno de
interesses particulares - minoria - controlar os interesses da maioria.
Por sua vez, Maria da Conceição Tavares (apud OLIVEIRA, 2005b) entende
que o Consenso de Washington é um conjunto de doutrina cada vez mais
padronizado aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e
econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais.
De acordo com Silva (1998), “o neoliberalismo econômico” recupera o
pensamento dos liberais clássicos do Século XIX - Adam Smith, David Ricardo e
John Stuart Mill -, em torno de metáforas como mão invisível”, “mercados livres” e
“sociedade aberta” enquanto pressupostos para o desenvolvimento social que
levariam ao equilíbrio econômico.
O pensamento de Adam Smith caracterizou-se pela superação da contradição
da filosofia política de Thomas Hobbes (o homem é intrinsecamente mau, sendo o
lobo do próprio homem) e John Locke (o homem é naturalmente bom), em torno do
dualismo do ser humano, que contém o bem e o mal. Smith atribuía um papel
positivo ao egoísmo ao centrá-lo como um elemento de ordem e desenvolvimento,
desde que ninguém, na busca de seu interesse, impeça aos demais a obtenção de
seu próprio interesse, baseado numa ética de justiça e não no direito natural (SILVA,
1998).
De qualquer sorte, para obter tais objetivos, tão bem anotados pelos autores
citados, é preciso atentar-se para o documento produzido pelo Consenso de
Washington, de cujas regras básicas, destacam-se algumas: a) a liberação do
101
mercado e do sistema financeiro; b) a fixação de preços pelo mercado por meio do
sistema de ajuste; c) fim da inflação com o objetivo de garantir estabilidade
macroeconômica; d) privatização (OLIVEIRA, 2005b).
Todavia, Oliveira (2005b) que afirma que a proposta do Consenso de
Washington, na realidade, buscava a redução drástica do Estado - Estado mínimo
76
- culminando na corrosão dos conceitos de nação e soberania, bem como a xima
abertura à importação de bens e serviços, à entrada de capitais de risco, à adoção
do princípio de mercado auto-regulável nas relações econômicas internas e
externas.
Anota Oliveira (2005b) que o crescimento econômico e desenvolvimento, via
abertura de mercado e mercado regulável, receita do Consenso de Washington,
modelo neoliberal, dependendo fundamentalmente do comércio internacional e da
exportação, porque um fim em si mesmo, não tem demonstrado o sucesso
esperado, conquanto, no Brasil, o crescimento econômico interno é que leva ao
aumento posterior das exportações e, na Ásia, o sucesso econômico, mesmo com
suporte na iniciativa privada, ao contrário do Estado mínimo, as exportações de
Taiwan e Coréia do Sul contaram com forte estímulo das seus Estados.
No Brasil, tais postulados foram recepcionados pelo Governo de Fernando
Collor de Mello, principalmente nas questões sobre tecnologia e propriedade
industrial, tendo inclusive enviado ao Congresso Nacional, projeto de lei que não
aceitava as reivindicações dos EUA, atendendo às recomendações do Banco
Mundial, como sugeria profunda liberalização no regime de importações e de
abertura de mercado. Daí para frente, a política macroeconômica brasileira, posto
que definida pelas condições dos credores neoliberais, viria a repetir-se no governo
de Fernando Henrique Cardoso, conforme coloca Oliveira (2005b).
76
Proposta neoliberal delimitadora das competências do Estado, com o objetivo aparente de torna-lo
mais eficiente, na verdade pretendia reduzi-lo ao vel mínimo, porque entendia que mesmo uma
micro-física de poder estatal poderia comprometer a segurança e ameaçar os interesses do
desenvolvimento lucrativo das corporações transnacionais. Ver mais: OLIVEIRA, Odete Maria de.
Teorias globais. Fragmentações do mundo. Ijuí: UNIJUÍ, 2005b. p. 212.
102
Porém, as políticas de ajustes surgidas na década de 80 do século XX, fazem
parte de um ajuste global bem mais amplo, iniciado com a crise do padrão monetário
internacional e a crise do petróleo da cada de 70, com implicações na
reordenação das relações do centro hegemônico do capitalismo e dos demais
países capitalistas, culminando no avanço da política neoliberal nos países
periféricos, iniciados na América Latina, atingindo a África e o Leste Europeu, e
depois, com a desintegração da União Soviética, atingiu também países nascidos da
eclosão russa (OLIVEIRA, 2005b).
Foi assim, pois, que se implantou no contexto da globalização financeira, de
uma forma extraordinariamente dinâmica, a denominada política de ajuste
neoliberal. Segundo Oliveira (2005b), a proposta central desta doutrina decorreu de
uma elite transnacional, que iniciou a operar nos Estados Unidos e, a partir dele e da
Grã-Bretanha, camuflados pelo Consenso de Washington, as economias dos países
subdesenvolvidos se ajustariam naturalmente e sem regulação num universo de
taxas de câmbios flutuantes e de enormes massas de capital circulando
especulativamente pelo planeta, sem controle dos bancos centrais e de outros
controles e ou regulações.
Todavia, esses programas de estabilização para o desenvolvimento, impostos
pelo FMI e Banco Mundial, sob orientação do Consenso de Washington, não foram
bem sucedidas nos Estados da América Latina, em face dos diferentes estágios de
desenvolvimento de uns e de outros, como o do Chile e do México, que acabaram
impedindo a privatização de suas empresas estatais.
Além disso, as complexidades de ajustamentos dos Estados endividados
trouxeram surpresas aos inventores das regras do projeto de Washington. Daí,
passaram a adotar novo entendimento de que a divida externa exigira esquema
específico de refinanciamento de seu débito, na qual, ao final, verificar-se-ia em tais
escalonamento, o odioso anatocismo, ou dito de outra forma, de dívida produzindo
mais dívida (OLIVEIRA, 2005b).
103
2.4.1 Nasce o Estado Mínimo
Foi exatamente essa doutrina neoliberal, de um lado privatizadora, de outro
liberalizante, que criou o Estado Mínimo, quando o projeto de estabilização,
mediante reformas estruturais dos Estados em desenvolvimento, obrigava ao ajuste
fiscal, e ao mesmo tempo, dissolvia o sistema de proteção social, conduzindo a
população ao desemprego, pobreza e miséria: Segundo Oliveira (2005b, p. 225),
“um tipo de morte simbólica e prolongada que cai dizimando aos poucos”.
2.4.1.1 O desemprego estrutural e o fantasma da inutilidade
Esse grave e perverso problema da globalização econômica neoliberal, o
desemprego, derivado do avanço e riqueza das empresas transnacionais, motivado
pela política do maior lucro pelo menor custo, que para atingir esse objetivo,
emprega o menos possível de matéria-prima e de mão-de-obra (a mais barata do
mercado), diminui sensivelmente o número de empregos e causa o denominado
desemprego estrutural, oriundo, não de crise econômica passageira, mas do próprio
sistema capitalista globalizante, que utiliza avançadas tecnologias no modo de
produção com o fim de aumentar a quantidade e qualidade do produto e de vencer a
concorrência, eliminando também grande contingente de trabalho não-qualificado e
menor quantidade de trabalho qualificado, causando a marginalização de imenso
potencial de trabalhadores (OLIVEIRA, 2005b).
Segundo Oliveira (2005b), os dados são aterradores e revelam a gravidade
do problema desses desempregados. Embora por exemplo, o Japão envolveu-se em
projeto para eliminar totalmente o trabalho manual de suas indústrias, até o final
deste século passado, enquanto os EEUU apresentava grau de desemprego em
torno de trinta e cinco milhões, e o Canadá oscilava em um índice de 25%.
Em 1985, havia uma estatística que apontava que, em Nova York, um em
cada três indivíduos aptos ao trabalho estava desempregado. Em Chicago, de dois,
um não tinha emprego. Em 1993, o desemprego na Alemanha chegava a 7%; na
França e Itália, a 10%;no Reino Unido, a 11%; na lgica e Dinamarca, a 12%; na
104
Irlanda a 18% e na Espanha a 22%. Chegava então a um bilhão o número de
pessoas que vivia, em absoluto estado de pobreza, no mundo (OLIVEIRA, 2005b).
Bauman (1999, p. 8) alude que:
todos nós estamos, a contragosto, por desígnio ou à revelia, em
movimentos. Estamos em movimento mesmo que fisicamente estejamos
imóveis: a imobilidade não é uma opção realista num mundo em
permanente mudança. E, no entanto, efeitos dessa nova condição são
radicalmente desiguais. Alguns de nós, tornam-se plena e verdadeiramente
“globais”; alguns se fixam na sua localidade - transe que não é nem
agradável nem suportável num mundo em que os “globais” dão o tom e
fazem as regras do jogo da vida.
Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social.
[...]
Uma causa especifica de preocupação é a progressiva ruptura de
comunicação entre as elites extraterritoriais cada vez mais globais e o
restante da população, cada vez mais “localizada”.
Exemplo disso traz Oliveira (2005b, p. 228-229), citando John Cage, diretor
da empresa americana de computadores Sun Microsystems, quando revelou, em um
grupo de debate sobre a questão da tecnologia e trabalho na economia global, no
encontro
77
realizado em 1995,
que sua firma recebia de todas as partes do mundo solicitações de emprego
pela Internet e, dessa forma, sua empresa tanto empregava como demitia
por computador. Afirmava ainda que empregava apenas quem exatamente
ele precisasse e nos momentos certos, preferindo os bons cérebros da
Índia. Por final, declarava, em boa e alta voz, que governos, suas normas e
relações trabalhistas já teriam perdido qualquer significado.
Por isso, sua poderosa empresa Sun Microsystems havia elevado o
faturamento de zero para seis bilhões de lares em treze anos. Para esse
resultado, necessitava apenas de seis a oito empregados, ficando claro, pois, que as
conseqüências do desemprego em massa eram oriundos da globalização neoliberal,
fatos, neste encontro, vistos com naturalidade (OLIVEIRA, 2005b).
Na questão do desemprego, o exemplo da Alemanha é significativo, visto que
em 1996, mais de seis milhões de indivíduos aptos às relações laborais não
encontravam trabalho. Esse foi o maior índice encontrado desde sua unificação em
77
Evento ocorrido em São Francisco-Califórnia, no Hotel The Fairmont, patrocinado por Mikhail
Gorbachev, que teve a presença de Georg Bush, George Shultz e Margareth Thatcher, entre outros.
Ver: OLIVEIRA, Odete Maria de. Teorias globais. Fragmentações do mundo. Ijuí: UNIJUÍ, 2005b. p.
228-229.
105
1990, e o rendimento médio dos alemães vinha caindo há cinco anos, projetando-se,
para o início do século XXI, um corte de um milhão e quinhentos mil emprego.
Enquanto as indústrias alemãs passaram a criar postos de trabalho em países
de mão-de-obra barata, com política de nivelamento por baixo, o programa
neoliberal de reduzir gastos públicos, diminuir salários, cortar despesas com a
educação, saúde, assistência social, encontrava-se igual ao da Suécia, Áustria,
Espanha, etc. As conseqüências são as piores possíveis aos Estados nacionais,
pois, enquanto nesse cenário o desemprego estrutural tornou-se questão endêmica,
o globalismo busca fazer crer que se trata de conseqüência natural, resultante de
um processo mais amplo da ordem econômica e impossível de ser definido, filosofia
básica que se expressa na afirmação de que o mercado é bom, mas a interferência
do Estado é negativa e desastrosa para o mundo, como defende um dos maiores
expoente da escola neoliberal, o economista americano, Milton Fridman (OLIVEIRA,
2005b).
Afora o desastre do desemprego, que não vem sozinho, embora essa questão
já se afigure um enorme golpe nas pessoas, estas tem que, muitas vezes, no âmbito
da comunidade e da família, conviver com o temor psicológico da perda do emprego
(OLIVEIRA, 2005b), e com o pior ainda: o fantasma da inutilidade, como afirma
Senett (2006). Conforme esse autor,
uma das imagens marcantes da Grande Depressão da década de 1930
eram as fotografias de homens amontoados em frente aos portões das
fábricas fechadas, esperando trabalho, apesar da evidência que tinham
diante dos olhos. Essas fotografias ainda perturbam porque o fantasma da
inutilidade não teve fim; seu contexto mudou. É grande nas economias ricas
da América do Norte, da Europa e do Japão a quantidade de pessoas que
querem trabalho mas não o encontram. (2006, p. 81).
Segundo Senett (2006, p. 82), “o fantasma da inutilidade, assumiu sua
primeira forma moderna, no desenvolvimento das cidades, cujos migrantes, não
tinham terras para trabalhar sob os pés”. Os indivíduos transferiam-se para as
cidades na qualidade de refugiados agrícolas desapossados, na esperança de que
as fábricas mecanizadas pudessem provê-los. E afirma:
106
Mas o fato é que em Londres, em 1840, para tomar um exemplo
representativo, havia disponibilidade de seis trabalhadores do sexo
masculino para cada emprego fabril não especializado. Davi Ricardo e
Thomas Malthus foram os primeiros teóricos modernos da inutilidade,
examinando o primeiro a maneira como os mercados e as máquinas
industriais reduziam a necessidade de mão-de-obra, enquanto o segundo
sopesava as conseqüências perversas do crescimento populacional.
Nenhum dos dois, descortinava, que os cérebros pudessem ser um remédio
para o excesso de oferta de mãos.
[...]
Como Adam Smith antes e John Ruskin depois, Malthus encarava o
trabalho nas fábricas como um embotador cerebral. Desse modo, à medida
que as cidades se iam agigantando, a inutilidade passava a ser encarada
como uma conseqüência necessária, ainda que trágica, do crescimento.
(SENETT, 2006, p. 82).
Assim, o desemprego vai contribuindo inexoravelmente sempre mais para o
alargamento da pobreza e da miséria. No mundo inteiro o desemprego passou a
constituir um tipo de mal-estar dos indivíduos, uma espécie de doença psicológica,
generalizada pelo “fantasma do desemprego”, o medo tanto de perder o emprego
como o temor daqueles que, por terem idade superior a cinqüenta anos, não
poderão mais encontrar outra ocupação
78
.
Aliás, Sennett (2006, p. 84) fala que são três as forças que configuram a
moderna ameaça do fantasma da inutilidade: a oferta global de mão-de-obra, a
automação e a gestão do envelhecimento. Conta esse autor, referindo-se à
“economia das capacitações”, que a máquina econômica pode ser capaz de
funcionar de maneira eficiente e lucrativa contando apenas com uma elite cada vez
menor, aludindo que o capitalismo, embora também procure mão-de-obra mais
barata, coloca à sua disposição uma espécie de “seleção cultural”, de tal maneira
que os empregos abandonam países de salários altos como os Estados Unidos e a
Alemanha, migrando para economias de salários baixos, dotados de trabalhadores
capacitados e, às vezes, mesmo super-preparados, a exemplo dos centros de
telemarketing da Índia:
Os empregos nesses centros, são preenchidos por pessoa no mínimo
bilíngües, e elas aperfeiçoaram sua capacitação lingüística de tal maneira
que o cliente não fica sabendo, se se formaram em Hartford ou Bombaim.
Muitos trabalhadores de centros de telemarketing, fizeram dois ou mais
anos de estudos universitários.
78
Ao lado dos desempregados, constituindo o chamado exército de reservas, encontram-se aqueles
que vivem em situação de extrema pobreza, excluídos socialmente de qualquer tipo de ocupação que
proporcione algum tipo de sustento. Ver: OLIVEIRA, Odete Maria de. Teorias globais.
Fragmentações do mundo. Ijuí: UNIJUÍ, 2005b. p. 233.
107
[...].
Os salários por esse trabalho são simplesmente abomináveis,
considerando-se que são pagos a pessoas altamente capacitadas.
O mesmo fenômeno manifesta-se de certa maneira em determinados
empregos industriais que migraram para o Sul do planeta. Um exemplo
eloqüente, aqui, são as fábricas de sub-montagem de automóveis na
fronteira norte do México. As pessoas ali executam formas, extremamente
rotineiras de trabalho são muitas vezes mecânicos altamente capacitados
que deixaram oficinas menores para trabalhar na linha de montagem.
(SENETT, 2006, p. 85).
Embora com tudo isto, Senett assevera que essas pessoas não podem ser
consideradas vitimas, pois participam ativamente do sistema e nele estão inseridas,
e que este mundo não é aquele referido por Ricardo, pois, tratando-se das
maquiladoras
79
mexicanas, depois de alguns anos de trabalho com salários fixos,
podem abrir uma linha de crédito que lhes permite obter empréstimos nos bancos
para abrir um pequeno negócio.
O fantasma da inutilidade, neste caso, repousa no medo dos estrangeiros, o
qual, por baixo da camada de puro e simples preconceito étnico ou racial, está
impregnado da angústia de que os estrangeiros estejam mais bem equipados para
as tarefas da sobrevivência e que a globalização designa, entre outras coisas, a
percepção de que as fontes da energia humana estão sendo transferidas e que, em
conseqüência, podem ficar de fora os que estão no mundo já desenvolvido.
O segundo fantasma da inutilidade está na área da automação. Esse medo já
é antigo, e o exemplo vem do surgimento dos primeiros teares movidos a vapor, o
que provocou a revolta dos tecelões franceses e britânicos. Hoje, a automação
efetivamente proporciona ganhos de produtividade e economia de mão-de-obra
80
.
Significa dizer que os operários modernos estão enfrentando o fantasma da
inutilidade automatizada. Como observa Jeremy Rifkin (apud SENNETT, 2006), o
reino da inutilidade se vai expandindo à medida que as máquinas passam a fazer
coisas de valor econômico de que os seres humanos não são capazes.
79
Ver mais SENNETT, 2006, p. 84-85.
80
Entre 1998 e 2002, a Sprint Corporation aumentou a produtividade em 15%, utilizando avançados
programas de computação de reconhecimento de voz, e elevou sua renda em 4,3% ao mesmo tempo
em que diminuía em 11.500 trabalhadores em sua folha de pagamento ao longo desses quatro anos.
Na Industria pesada, entre 1982 e 2002, a produção de aço nos Estados Unidos aumentou de 75
milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas, embora o numero de operários metalúrgicos
caísse de 298.000 para 74.000. Esses empregos não forram exportados, mas substituídos por
máquinas sofisticadas (SENNETT, 2006).
108
Por sua vez, o envelhecimento é a área mais abrangente do fantasma da
inutilidade. A organização de ponta, efetivamente tende a tratar os empregados mais
velhos como pessoas acomodadas, mais lentas, com pouca energia. Nas
publicidades e nas comunicações, o preconceito com a idade, converge com certos
pontos de vista em matéria de gênero: as mulheres de meia-idade costumam ser
particularmente estigmatizadas como carentes de vigor; este duplo preconceito
também se manifesta nos serviços financeiros.
No mundo inteiro a questão do desemprego passou a constituir um tipo de
mal-estar dos indivíduos, um tipo de doença psicológica, generalizada pelo
“fantasma do desemprego”, principalmente o temor daqueles que, por terem idade
superior a cinqüenta anos, não poderão mais encontrar ocupação. Posicionam-se ao
lado dos desempregados, constituindo o chamado exército de reservas, situação em
que se encontram aqueles que vivem em extrema pobreza, excluídos socialmente
de qualquer tipo de ocupação que proporcione algum tipo de sustento (OLIVEIRA,
2005b).
Segundo os levantamentos dos Relatórios do Banco Mundial e da OCDE,
pode-se chegar à conclusão de que nos próximos dez anos mais de quinze milhões
de indivíduos poderão perder seus empregos de tempo integral. Na Alemanha, por
exemplo, a taxa de 9,7% de desemprego relativa a 1996 tenderá a chegar a 21% e,
na Áustria, a subir de 7% para 18%. Nesse período, eventualmente muitos desses
empregos perdidos serão substituídos por atividades autônomas, serviços
temporários, serviços de meio período, ou pelo subemprego (OLIVEIRA, 2005b).
Entende Oliveira (2005b) temores desses como o fantasma do desemprego,
bem como da falta de projetos de vida, se alastram, rompendo com o tecido social,
os quais, seriam conseqüências do sistema de acumulação e da mais-valia, do
máximo lucro pelo menor custo, da ganância neoliberal os quais transitam com
tranqüilidade e com aparência inocente diante da certeza de que no império do
mercado mundial, nenhum emprego se apresentará seguro. Sintetizando, trata-se de
uma exclusão social global, que transcende todos os limites, eliminando empregos,
desestabilizando moedas nacionais, fortalecendo conflitos étnicos e guerras civis.
109
Trata-se de uma crise estrutural complexa, com implicações sociais e geopolíticas
de longo alcance.
Como a globalização afeta principalmente a gerência estatal, que perde poder
político e as rédeas econômicas. Isso se reflete nas políticas sociais, formando um
círculo vicioso e ineficiente em cujo jogo os indivíduos deixam de ter segurança de
um futuro melhor. O desemprego não gera mais centenas de excluídos, como
influi diretamente nas condições de vida e de moradia, incrementando-se as
moradias sem nenhuma estrutura sanitária, na medida em que crescem os cinturões
de miséria nas grandes cidades, empobrecendo mais ainda os pobres e seus
desígnios humanos. Nascem as favelas e, com elas, crescem as indignidades e
indignações, sob os olhos de todos nós, turistas e vagabundos (BAUMAN, 1999). O
Estado, antes moderno, transmuda-se de providência à penitência, sob os olhos
expertos dos donos do mundo.
2.4.1.2 Da favelização neoliberal - uma sinopse parcial
Ao mesmo tempo em que o capitalismo entrava neste novo ciclo, a
globalização das economias nacionais era marcada pelo aprofundamento da
denominada terceira revolução tecnológica, em face da crise do petróleo e do
padrão internacional dos anos 70, citados, e regionalização dos blocos
econômicos a exemplo da União Européia, dos Tigres Asiáticos ou da Nafta – com
nítida reação à competição econômica contemporânea, pela produção da
fragmentação social no mundo dos trabalhadores, caracterizado pela passagem da
sociedade industrial para a sociedade informacional (SILVA, 1998).
Segundo Silva (1998), projetando-se esta nova ideologia forjada no interior do
mundo acadêmico norte-americano e austríaco - notadamente nas Escolas de
Chicago e Austríaca de Economia - chamada de neoliberalismo, e já vindo com força
total devastadora, derrotando, pois, o Estado Providência Europeu, o Comunismo
Soviético, traduzindo-se em Estado Mínimo e eficiente, no plano econômico, pelo
capitalismo oligopolista, e no plano cultural, pelos valores ocidentais.
110
Mas nem sempre foi assim, pois, como lembra Ferguson (2007, p. 131), o
Estado Previdenciário não teria sido inventado, nem por Wiliam Beveridge
81
, nem
pelo governo trabalhista de 1945, que implantou as recomendações do celebre
relatório, pois a maioria dos elementos-chaves da política econômica desse governo
- tributação progressiva, seguro nacional, ensino público, e indústrias cruciais de
propriedade do Estado - era anterior à década de 1940
82
.
Obviamente que a concepção de previdência do nacional-socialismo era
singular, até por excluir as “etnias estrangeiras” e incentivar uma ética ambicionada
81
William Henry Beveridge, lo Barão Beveridge, nasceu em 5 de março de 1879 em Rangpur, Índia,
atualmente Bangladesch, e morreu com 84 anos, em Oxford, na Inglaterra, 16 de março de 1963,
economista britânico e reformador social, conhecido pelo relatório 1942 do Seguro Social e Serviços
Afins, conhecido como o Relatório Beveridge, que serviu de base para o pós-Segunda Guerra
Mundial, do Governo Trabalhista e fundação do Estado-Providência. O Relatório apresentado ao
Parlamento Europeu relativa à Segurança Social e Serviços Aliada foi publicado em 1942. Ele propôs
que todas as pessoas em idade de trabalho semanal deve pagar uma contribuição nacional de
seguros. Em contrapartida, os benefícios seriam pagos às pessoas que estavam doentes,
desempregados, aposentados ou viúvos. Beveridge alegou que este sistema irá prestar um padrão
mínimo de vida "abaixo do qual ninguém deve ser deixado cair". Recomendou que o governo deve
encontrar formas de combater os cinco "Giant males" do Deseja, doença, ignorância, a miséria e a
ociosidade. Isso levou à criação do moderno Estado-Providência com um Serviço Nacional de Saúde
(NHS). Obras bibliográficas: Desemprego: Um problema da indústria,1909; Preços e salários, na
Inglaterra a partir da décima segunda para o século XIX, 1939; Aliado do Seguro Social e
Serviços,1942. (Relatório Beveridge) - disponível a partir de excertos Modem History Sourcebook; O
Pleno emprego numa sociedade livre, 1944; A Economia do pleno emprego, 1944; Porque eu sou
um Liberal, 1945; Plano para a Grã-Bretanha: uma coleção de Ensaios preparados para a Fabian
Society por GDH Cole, Aneurin Bevan, Jim Griffiths, LF Easterbrook, Sir William Beveridge, e Harold
Laski J (Não ilustrado com 127 páginas texto) (WIKIPÉDIA, 2008).
82
“A Primeira Guerra Mundial não só aumentou o gasto com a defesa como também ampliou
significativamente o leque das atividades governamentais de caráter não-militar. Na Grã-Bretanha,
criaram-se novos ministérios: além das Munições e Aeronáutica, os Alimentação (1916), Trabalho
(1916), e Saude (1919), sem falar nos departamentos do Serviço Nacional e da Reconstrução, de
curta existência. Apesar do de os ambiciosos planos do pós-guerra visando a oferecer “moradias
condizentes com os heróis” terem fracassado devido à retração, foi impossível reverter o Estado à
situação do pré-guerra.Na área de construção e entrega de novas moradias, o setor público superou
o privado em 1921 e 1922, recuou em seguida, mas depois tornou a recuperar a dianteira, crescendo
ano a ano de 1941 a 1959. Na realidade, os governos viram-se obrigados a gastar mais dinheiro, por
mais que se esforçassem em evita-lo, devido ao desemprego sem precedentes do entreguerra. Os
mecanismos de seguro compulsório do pré-guerra não resistiram a um desemprego tão elevado e
sustentado (e, nos países atingidos pela hiperinflação, os seus fundos foram em grande parte
rapados). Os governos foram forçados, ou a pagar um auxilio-desemprego aos desempregados, ou a
usar fundos públicos para emprega-los, sendo esta segunda alternativa a mais dispendiosa. A no
poder da ortodoxia do Tesouro para resistir a pressão pela elevação dos gastos públicos durante a
Depressão era grande. Mas antes de 1939 o Tesouro perdeu muito terreno na área dos gastos
públicos com transferências e obras públicas variadas.
[...]
Mesmo antes de Hitler assumir o poder, os nazistas já se preocupavam com a previdência. Goebbels
encampou a Associação Previdenciária do Povo Nazista, sediada em Berlim, que depois de maio de
1933 expandiu a sua área de cobertura a todo o Reich, absorvendo nesse processo instituições de
caridade privadas. Em 1939, a Associação dava cobertura a mais de metade de todos os domicílios
e, em numero de segurados, perdia para a Frente Trabalhista Alemã” (FERGUSON, 2007, p. 130-
131).
111
por Hitler. Mas, em outros aspectos, havia no Estado Previdenciário nazista
características “modernas”, como a dedução compulsória do Auxilio de Inverno no
contracheque, o abatimento por filho, que estimulava a procriação, os subsídios aos
cruzeiros de lazer e acampamentos de férias, a exemplo da “Força através da
Alegria”.
Se por um lado, como comenta Ferguson (2007, p. 345), para muitos
analistas, a globalização é uma força do bem que promete nada menos que “Um
Futuro Perfeito”, o Sociólogo Anthony Giddens apóia a maneira como a globalização
econômica subverte não o Estado nacional, mas também as culturas
“tradicionais” e até mesmo a “família”, por outro lado, é também Ferguson (2007, p.
345) que afirma que é
Inquestionável que o livre-comércio e a movimentação de capitais sem que
haja um volume proporcional de migrações internacionais estão levando o
mundo inteiro a veis de desigualdades sem precedentes. Em 1999, as
Nações Unidas estimaram que os ativos dos três maiores bilionários do
mundo superavam o PIB somado dos países mais pobres do mundo,
totalizando 600 milhões de habitantes. Na década de 1960, a renda total
dos 20% mais ricos da população mundial era trinta vezes maior que a dos
20% mais pobres; em 1998, esta razão saltara para 74:1. Segundo o Banco
Mundial, cerca de 1,3 bilhões de pessoas vivem hoje em um nível de
pobreza abjeta, ou seja, com uma renda inferior a um dólar por dia.
O que é pior, como afirma Davis (2006, p. 144), em face do crescimento
desordenado e o incremento da globalização neoliberal nas megas cidades,
crescem também os problemas estruturais e sociais, pois afirma:
que na India contemporânea, onde estimados 700 milhões de pessoas o
obrigados a defecar ao ar livre, apenas 17 de 3.700 cidades médias e
grandes têm algum tipo de tratamento primário de esgoto antes da
disposição final. Um estudo de 22 favelas da Índia encontrou 9 delas sem
nenhuma instalação sanitária; em outras 10, havia apenas 19 latrinas para
102 mil pessoas.
Em Gana, a tarifa pelo uso de banheiros públicos foi instituída pelo governo
militar em 1981; no final da década de 1990, os banheiros foram privatizados e, hoje,
são descritos como mina de ouro” de lucratividade. Em Kumasi, por exemplo, onde
membros da Assembléia ganense venceram as lucrativas concorrências, o uso
privativo do banheiro por família custa, por dia, cerca de 10% do salário básico.
112
Do mesmo modo, em favelas quenianas como Mathare cada visita a um
banheiro privatizado custa seis centavos de dólar: caro demais para a maioria dos
pobres, que preferem defecar a céu aberto e gastar o seu dinheiro em água e
comida. Esse também é o caso em favelas de Kampala, como Soweto e Kamwokya,
onde os banheiros públicos custam, espantosos “cem xelins” por visita, enfatiza
Davis (2006, p. 146).
Conforme publicou Los Angeles Times, em 04/8/2004,
na favela gigante de Cidade Sadr, em Bagdá, as epidemias de hepatite e
febre tifóide fogem ao controle. O bombardeio norte-americano destruiu a
infra-estrutura já sobrecarregada de água e esgoto, e em conseqüência
o esgoto in natura escorre para o suprimento de água domiciliar. Dois anos
depois da invasão dos Estados Unidos, o sistema continua arruinado e
podem-se perceber a olho nu filamentos de excrementos humanos na água
das torneiras. No calor de 45 graus do verão não fonte de água
disponível pela qual os pobres possam pagar. (DAVIS, 2006, p. 148).
Ou seja, a reestruturação neoliberal das economias urbanas do Terceiro
Mundo, ocorrida a partir do final da década de 1970, teve impacto devastador sobre
a prestação publica de assistência médica, principalmente no caso de mulheres e
crianças (DAVIS, 2006).
Como destaca a Womes`s Global NetWork for Reproductive Rights, os Planos
de Ajuste Estrutural (PAEs) por cujos protocolos os países endividados cedem ao
FMI e ao Banco Mundial a sua independência econômica, “costumam exigir cortes
dos gastos públicos, inclusive os gastos com saúde (mas não os gastos militares)”
(DAVIS, 2006, p. 151).
O economista Michel Chossudovsky atribui o famoso surto de peste de 1994
em Surate à “piora da infra-estrutura urbana sanitária e de saúde pública que
acompanhou a compressão dos orçamentos nacional e municipal durante o Plano
de Ajuste Estrutural patrocinados em 1991 pelo FMI e Pelo Banco Mundial” (DAVIS,
2006, p. 151).
Afora os fundamentos teóricos do mercado, acelerado pela globalização
predadora e seletiva, caracterizador de um capitalismo irrestrito, com face, em geral,
113
inaceitável, o Estado corrupto, que em geral age em favor dos mais poderosos, é
ainda pior.
Hoje, um quinto da população mundial dispõe de menos de um dólar por dia
para se manter vivo, vivendo de miséria e morrendo no anonimato, provocando o
mais impactante índice de exclusão social conhecido nos países em
desenvolvimento (GLOBALIZAÇÃO: CRESCIMENTO E POBREZA, 2003).
A comprovar o acima descrito, basta verificar o Relatório de Pesquisa Política
do Banco Mundial de 2003, no qual se destaca que uma das mais preocupantes
tendências globais das duas últimas décadas do século XX, manifestou-se em
países com aproximadamente dois bilhões de indivíduos
83
.
A complexidade da globalização e do neoliberalismo econômico está
justamente no fato de que as nações mais pobres, com uma população de mais ou
menos dois bilhões de pessoas, têm sido deixadas de fora desse processo,
enquanto as novas ações globalizadas, mesmo nas nações mais ricas, com cerca
de dois bilhões de pessoas, estão se tornando marginalizadas (GLOBALIZAÇÃO:
CRESCIMENTO E POBREZA, 2003). Para se ter uma idéia, na atual situação
83
O Jornal “On Line” da BBC (2008) publica: “O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, pediu
nesta quarta-feira na reunião da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação), em Roma, o fim das barreiras comerciais às exportações, que estimulam os aumentos
de preços dos alimentos e afetam as populações mais pobres do planeta. "Temos que fazer uma
convocação mundial para que as restrições e as barreiras alfandegárias às exportações sejam
eliminadas. Estes controles estimulam o aumento dos preços e afetam as populações mais pobres do
planeta que lutam pelos alimentos", declarou Zoellick. [...] "A decisão aqui em Roma é clara. Ou
milhões de pessoas têm o que comer ou não têm nada", disse Zoellick. Ontem, Zoellick disse que os
governos e as agências da ONU reunidos no evento devem assumir o compromisso de ajudar os 20
países mais vulneráveis do planeta a lidar com a alta nos preços dos alimentos. "Nós já estimamos
que essa crise pode empurrar 100 milhões para a pobreza, 30 milhões apenas na África", disse. [...]
No mês passado, a FAO divulgou um relatório em que mostra que a atual crise dos alimentos coloca
em situação particularmente perigosa 22 países. O documento classifica esses países como
vulneráveis à crise devido aos problemas de fome crônica, que são ainda forçados a importar comida
e combustíveis. A Eritréia, segundo a FAO, tem 75% de sua população sofrendo com subnutrição,
seguido por Burundi (66%), ilhas Comores (60%), Tadjiquistão (56%) e Libéria (50%). O Haiti tem
46% de sua população nessa situação. Com exceção do Tadjiquistão e da Coréia do Norte, todos os
outros países importam 100% do petróleo que utilizam (os dois países importam 99% e 98%
respectivamente do petróleo que utilizam). O relatório diz ainda que o mundo precisa se preparar
para mais aumentos expressivos e mais volatilidade no mercado mundial. "Esperamos que os líderes
que vierem a Roma concordem com as medidas urgentes que são necessárias para impulsionar a
produção agrícola", disse o diretor-geral da FAO.
114
global, basta atentar-se para o que disse Zoellick, atual presidente do Bird, no último
evento em Roma
84
:
Nós estimamos que essa crise pode empurrar 100 milhões de pessoas
para a pobreza, 30 milhões apenas na África. Isso não é uma catástrofe
natural, é algo feito pelo homem e que nós podemos consertar. Não exige
pesquisas complexas. s sabemos o que precisa ser feito. Nós
precisamos de ão e recursos em tempo real. O presidente do Bird
defendeu que os presentes no evento que começou nesta terça-feira elejam
como prioridades oferecer programas de apoio aos países mais vulneráveis,
disponibilizar sementes e fertilizantes para pequenos agricultores e emitir
uma declaração internacional apoiando o fim das restrições à exportação de
alimentos. Pelo menos 28 países com problemas de abastecimento interno
impuseram restrições à exportação de alimentos, que acabaram
estimulando o aumento do preço dos alimentos e prejudicando os mais
pobres. Se nós tomarmos apenas essas três medidas, aqueles reunidos
aqui em Roma podem fazer a diferença entre milhões terem comida na sua
mesa ou não tê-la. A escolha é clara. (GLOBALIZAÇÃO: CRESCIMENTO E
POBREZA, 2003).
Segundo Zoellick, um trabalho conjunto do Banco Mundial e da FAO
identificou 20 países que precisam de ajuda imediata, afirmando que isso pode ser
feito por meio do Programa Mundial de Alimentos, Unicef, FAO e bancos de
desenvolvimento. Depois da assistência alimentar direta do Programa Mundial de
Alimentos, é para esses lugares que o financiamento deve ir (JORNAL BBC, 2008).
Completa Jacques Diouf, atual Diretor-Geral da FAO, na última terça-feira,
que “serão necessários US$ 3 bilhões anuais para garantir a alimentação de 862 de
milhões de pobres”. Também advertiu que, se "as decisões valentes que as
circunstâncias atuais exigem" não forem tomadas rapidamente, as medidas
restritivas à exportação adotadas por alguns países produtores, as repercussões da
mudança climática e a especulação no mercado futuro "colocarão o mundo em uma
situação perigosa". A crise alimentícia atual vai além da dimensão humanitária
tradicional e agora afeta também os países desenvolvidos, disse o diretor-geral da
FAO (JORNAL BBC, 2008).
Segundo Diouf (2008), trata-se de encontrar, em um contexto de crescimento
forte e acelerado do PIB (Produto Interno Bruto) dos países emergentes, soluções
globais e viáveis para cobrir o valor entre a oferta e a demanda mundial de produtos
84
Conferência da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação),
realizada em Roma, na terça-feira, dia 03 junho de 2008.
115
alimentícios. Além disso, é "urgente" manter, apesar da alta dos preços, o volume
das atividades de ajuda alimentícia que beneficiam 88 milhões de pessoas. Essa
notícia lembra que 862 milhões de pessoas em todo o mundo que não têm
acesso a alimentos suficientes, que precisam melhorar suas condições de vida com
dignidade, trabalhando com os recursos existentes na época em que vivem. Para
isso, são necessários investimentos em infra-estruturas rurais. criticou o fato de, no
auge da luta contra o aquecimento global, os países desenvolvidos terem
disponibilizado US$ 64 bilhões para tentar conter as emissões de carbono, mas, por
outro lado, não concederam financiamentos para evitar o desmatamento nos países
em desenvolvimento. Também "não entende" como algumas doações que vão de
US$ 11 a US$ 12 bilhões em 2006, assim como políticas tarifárias, tenham tirado
cerca de 100 milhões de toneladas de cereais da população a fim de garantir o
abastecimento de veículos (JORNAL BBC, 2008).
Hoje, o cenário mundial da pobreza permite descrever o seguinte:
- são 186 milhões de desempregados no mundo;
- dentre os desempregados, 78 milhões (42%) são mulheres;
- a renda média das mulheres é geralmente de 50% inferior a dos homens;
- são 550 milhões de trabalhadores pobres;
-- metade da população mundial vive com menos de US 2 por dia;
- três quartos dos que vivem na pobreza extrema estão no campo;
- trabalhadores informais crescem em todo o mundo;
- aumenta o número de trabalhadores sem qualquer proteção social;
- 20% da população mundial é analfabeta e a maioria vive em PMD;
- mais de 115 milhões de crianças em idade escolar não vão à escola (56%
feminino);
- Em 2000, uma entre cada 6 crianças entre 5 e 14 anos realizava alguma
atividade econômica;
- 111 milhões de crianças exerciam alguma atividade considerada perigosa
pela OIT.
Esta é uma visão parcial da atualidade, cuja fotografia não é das mais
animadoras. Aliás, o incremento do desemprego, favelização - a qual também
116
conhecida nos países ricos como “guetização” - não é mais produto apenas dos
países considerados periféricos.
2.4.1.3 Os pobres e o Estado Mínimo Policial Americano - um viés esclarecedor
Atualmente, quando se discute segurança pública, penalidade, “há um
inegável paradoxo: “remediar um “mais Estado” policial e penitenciário, o “menos
Estado” econômico e social, que é a própria causa da escalada generalizada da
insegurança objetiva e subjetiva em todos os países do Primeiro Mundo e do
Segundo Mundo (WACQUANT, 2001, p. 7).
O autor reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção
da ordem pública – simbolizada pela luta contra a delinquência de rua – no momento
em que o Estado afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do
trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-
a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira.
Dentro dessa realidade, também incrementa-se a globalização da “tolerância
zero
85
”, instrumento de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza, que
incomoda - a que se vê, a que causa incidentes e desordens, no espaço público,
alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação de insegurança, ou
simplesmente, de incômodo tenaz e de inconveniências - propagou-se através do
globo, a uma velocidade alucinante.
Todavia, enquanto esta política da tolerância zero era globalizada, em virtude
da morte de um imigrante da Guiné, de 22 anos, que foi abatido por 41 balas de
revólver por quatro policiais, membros da “Unidade de Luta contra os Crimes de
85
“Do domínio policial e penal, a noção de “tolerância zero” se espalhou segundo um processo de
metástase para designar pouco a pouco e indistintamente a aplicação estrita da disciplina parental no
seio das famílias: expulsão automática dos estudantes que tenham levado arma para a escola,
suspensão dos esportistas profissionais culpados por violências fora dos estádios, controle minucioso
do contrabando de drogas e prisões, mas também o rechaço sem tréguas dos estereótipos racistas, a
sanção severa dos comportamentos incivilizados dos passageiros de avião e a intransigência em
relação a crianças que não estão usando seu cinto de segurança no banco traseiro dos carros, do
estacionamento em fila dupla ao longo das avenidas de comércio e da sujeira nos parques e jardins
públicos. Estendeu-se até às relações internacionais: assim, Ehud Barak exigia recentemente de
Yasser Arafat que mostrasse a eficácia da “tolerância zero” a qualquer desordem nas ruas de
Prístina” (WACQUANT, 2001, p. 34).
117
Rua” e de um imigrante haitiano, vítima de tortura sexual em um posto policial de
Manhattan, no ano precedente, desencadeou a mais ampla campanha de
desobediência civil nos Estados Unidos.
Segundo Wacquant (2001, p. 35), ao longo de dois meses, manifestações
cotidianas foram realizadas em frente ao escritório da direção da policia municipal,
quando 1.200 manifestantes pacíficos - entre eles, uma centenas de políticos afro-
americanos locais e nacionais, entre os quais, o antigo prefeito de Nova York, David
Dinkins, presidente da National Associations for teh Advancement of. Colored
People (NAACP), e policiais negros aposentados - foram presos, algemados e
acusados de “distúrbios à ordem pública”.
Depois desses acontecimentos, as práticas agressivas dessa tropa de choque
de 380 homens (quase todos brancos), que constitui a ponta de lança da política de
“tolerância zero”, são objeto de diversos inquéritos administrativos e dois processos
por parte dos procuradores federais sob suspeita de proceder a prisões “pelo
aspecto” (racial profiling) e de zombar sistematicamente dos direitos constitucionais
de seus alvos. Segundo a National Urban League, em dois anos essa brigada, que
roda em carros comuns e opera à paisana, deteve e revistou na rua, 45.000
pessoas, sob mera suspeita baseada no vestuário, aparência, comportamento e
acima de qualquer outro indício a cor da pele. Mais de 37.000 dessas detenções
se revelaram gratuitas e as acusações sobre metade das 8.000 restantes foram
consideradas nulas e inválidas pelos tribunais, deixando um resíduo de apenas
4.000 detenções justificadas: uma em onze. Uma investigação levada a cabo pelo
jornal New York Daily News sugere que perto de 80% dos jovens homens negros e
latinos da cidade foram detidos e revistados pelo menos uma vez pelas forças da
ordem (WACQUANT, 2001).
É verdade que os Estados Unidos e, depois deles, o Reino Unido e a Nova
Zelândia reduziram fortemente seus gastos sociais, virtualmente erradicaram os
sindicatos e podaram vigorosamente as regras de contratação e, sobretudo, de
demissão, de modo a instituir o trabalho assalariado flexível como verdadeira norma
de emprego, até mesmo de cidadania, via a instauração conjunta de programas de
trabalho forçado (work fare) para os beneficiários de ajuda social. Embora os
118
partidários das políticas neoliberais de desmantelamento do Estado-providência
gostem de frisar que esta “flexibilização” estimulou a produção de riquezas e a
criação de empregos, estão os mesmos desinteressados em abordar as
conseqüências sociais devastadoras do dumping social que elas implicam: no caso,
a precariedade e a pobreza de massa, a generalização da insegurança social no
cerne da prosperidade encontrada e o crescimento vertiginoso das desigualdades, o
que alimenta a segregação, criminalidade e o desamparo das instituições públicas
(WACQUANT, 2001).
Embora essas políticas, a exemplo do Consenso de Washington, tenham se
originado dos Estados Unidos, e que estes passem a imagem de opulentos e ricos,
impõe-se dizer que eles contam oficialmente com mais de 35 milhões de pobres,
para uma taxa de pobreza duas ou três vezes maior que a dos paises da Europa
ocidental, e que atinge, sobretudo, as crianças - para cada cinco crianças
americanas de menos de seis anos, uma cresce na miséria e uma em duas entre a
comunidade negra. A população oficialmente considerada como “muito pobre”, ou
seja, sobrevivendo com menos de 50% da quantia do “limite de pobreza” federal
(limite regularmente reduzido ao longo dos anos), dobrou entre 1975 e 1995 para
atingir 14 milhões de pessoas, e o fosso econômico que as separa do restante do
país não cessa de alargar.
Segundo Wacquant (2001, p. 78):
Esses americanos “de baixo”, não podem contar com o sustento do Estado,
uma vez que as verbas sociais destinadas às famílias pobres são as
menores dos grandes países industrializados (depois da Austrália e da
África do Sul) e alcançaram seu mínimo desde 1973. Assim, a principal
ajuda social (AFDC, subsídio para as mães solteiras) caiu 47% em valor real
entre 1975 a 1995, ao passo que sua taxa de cobertura se reduziu a menos
da metade das famílias monoparentais, contra os dois terços que abrangia
ao início do período.
[...]
Quarenta e cinco milhões de americanos (dos quais 12 milhões de crianças)
estão desprovidos de cobertura médica, embora o país gaste mais do que
todos os seus rivais em matéria de saúde. Trinta milhões sofrem de fome e
desnutrição crônicas. Sete milhões vivem na rua ou sem abrigo adequado,
depois que as verbas federais alocadas para o âmbito social foram
reduzidas em 80%, desprezando a inflação da década de 80.
Contrariamente à imagem cor-de-rosa projetada pelas mídias nacionais e
suas sucursais no exterior, os americanos desafortunadas tampouco podem
se apoiar no mercado de trabalho para melhorar suas condições de vida.
119
...Os índices de desemprego efetivos, segundo a própria declaração do
Ministério do Trabalho, estão mais próximos de 8 do que de 4%, e
ultrapassam comodamenet5e 30 a 50% nos bairros segregados das
grandes cidades. Além disso, um terço dos assalariados americanos ganha
muito pouco para transpor o “limite de pobreza” oficial, ou seja, 15.150
dólares por ano, para uma família de quatro pessoas.
[...]
De fato, os frutos do crescimento americano das duas últimas décadas
foram abocanhados por uma minúscula casta de privilegiados: 95% do
saldo de 1,1 trilhões de dólares gerado entre 1979 e 1996 caíram nas
algibeiras dos 5% mais ricos dos americanos. Daí a desigualdade dos
salários e dos rendimentos, como dos patrimônios, encontrar-se hoje em
seu nível mais alto desde a Grande Crise. Em 1998, o diretor de uma
grande firma norte-americana típica ganhava 10,9 milhões de lares
anuais, ou seja, seis vezes mais do que em 1990, ao passo que, mesmo
com a prosperidade alcançada, o salário operário médio não aumentou no
período senão 28%, isto é, apenas ao ritmo da inflação, para estacionar em
29.267 dólares. Como conseqüência, os diretores de empresas ganham
hoje, 419 vezes mais do que os trabalhadores braçais, contra “apenas” 42
vezes uma década atrás (essa defasagem eleva-se atualmente a 20 contra
um e 35 contra um no Japão e na Grã-Bretanha, respectivamente).
Nesse cenário de desigualdades, desemprego, subemprego, menos estado
social, mais estado penal, economia neoliberal e globalizante, os Estados Unidos
são mau exemplo da política carcerária, anotando-se 1,5 milhão de encarcerados
em 1995, para roçar os dois milhões em final de 1998. Caberia aos Estados Unidos,
estar bem mais à frente do que as outras nações avançadas, na medida em que
seus índices de encarceramento - perto de 650 detentos para cada 100.000
habitantes em 1997 - são seis vezes superiores aos dos seus países da União
Européia, ao passo que se situavam em um espectro de um a três, há 30 anos.
Apenas a Rússia, cujo índice dobrou desde a derrocada do império soviético para se
aproximar de 750 para cada 100.000, está hoje em condições de disputar com os
Estados Unidos o título de campeão mundial do encarceramento (WACQUANT,
2001).
Tabela 6: O encarceramento nos Estados Unidos e na União Européia em
1997
País
Quantidade de
prisioneiros
Índice para cada
100.000 habitantes
Estados Unidos 1.785.079 648
Portugal 14.634 145
Espanha 42.827 113
Inglaterra/Gales 68.124 120
França 54.442 90
120
País
Quantidade de
prisioneiros
Índice para cada
100.000 habitantes
Holanda 13.618 87
Itália 49.477 86
Áustria 6.946 86
Bélgica 8.342 82
Dinamarca 3.299 62
Suécia 5.221 59
Grécia 5.557 54
Fonte: WACQUANT, 2001, p. 82.
Segundo Wacquant (2001, p. 82) “na Califórnia
86
,o número de detentos
consignados apenas nas prisões do Estado passou de 17.300 em 1975 para 48.300
1985, para, 13 anos mais tarde, ultrapassar os 160.000”. Se lhes acrescentarmos os
efetivos das casas de detenção - a do condado de Los Angeles, o maior
estabelecimento penal do mundo, contém cerca de 23.000 reclusos - atinge-se o
total assombroso de 200.000 almas, ou seja, quatro vezes a população penitenciária
da França para apenas 33 milhões de habitantes.
O assombroso crescimento do número de presos na Califórnia, como no resto
do país, explica-se pelo encarceramento de condenados pelo direito comum, por
negócios com drogas, furto, roubo, ou simples atentados à ordem pública em geral,
oriundos das parcelas precarizadas da classe trabalhadora e, sobretudo, das
famílias do sub-proletariado de cor das cidades atingidas diretamente pela
transformação conjunta do trabalho assalariado e da proteção social. Nas prisões
dos condados, seis penitenciários em cada 10, são negros ou latinos; menos da
metade tinha emprego em tempo integral no momento de ser posta atrás das grades
e dois terços provinham de famílias dispondo de uma renda inferior à metade do
“limite de pobreza” (WACQUANT, 2001, p. 83).
86
“Conhecida como líder nacional em matéria de educação e saúde pública”.
121
Tabela 7: Diferencial de encarceramento entre negros e brancos (incluindo
latinos) em número de detentos para cada 100.000 adultos
1985 1990 1995
Negros 3.544 5.365 6.926
Brancos 528 718 919
Diferenças 3.016 4.647 6.007
Proporção 6,7 7,4 7,5
Fonte: WACQUANT, 2001, p. 94
Segundo Wacquant (2001), os Estados Unidos optaram pela criminalização
da miséria como complemento da generalização da insegurança salarial e social. É
a transformação do pobre desempregado, em detento, numa tentativa de controle
social.
E não poderia ser diferente à luz das modificações econômicas, sociais e
políticas que o neoliberalismo impõe aos Estados. Nesse sentido, Oliveira (2005b)
alude que a grande força de trabalho dos países avançados vem se dedicando à
economia de serviços e a setores não-materiais. Desse modo, a força de trabalho de
produção de bens materiais declinou vertiginosamente.
Nas últimas décadas do século XX, o crescimento extraordinário da alta
tecnologia, da informatização e da engenharia de produção constitui a razão
fundamental do processo de transferência de indústrias para países cuja mão-de-
obra apresentava-se barata. Enquanto as políticas de ajuste e de reformas
estruturais foram proporcionando benefícios ao acelerado desenvolvimento
econômico global e ao livre mercado dos países centrais, ao mesmo tempo
ocasionaram crescente quadro de desigualdade e de aumento de pobreza
extremada no mundo. Hoje um quinto da população mundial dispõe de menos de um
dólar por dia para se manter, vivendo na miséria e morrendo no anonimato,
provocando o mais impactante índice de exclusão social já conhecido nos países em
desenvolvimento.
122
2.5 A globalização atual e seus efeitos no mundo
Após longa e exaustiva análise desta temática, outra não é a conclusão,
senão a de que o fenômeno da globalização econômica neoliberal implica o
surgimento de duas classes distintas: ganhadores e perdedores. Usando as palavras
de Oliveira (2005b, p. 250), “países ricos ganhadores apresentando uma
economia liberalizada e altamente competitiva, e países pobres – perdedores –
marginalizados e excluídos.”
Singer (2006, p. 7) também refere as figuras de competidores “ganhadores”,
lecionando que:
o capitalismo se tornou dominante tanto tempo que tendemos a tomá-lo
como normal ou natural. O que significa que a economia de mercado deve
ser competitiva em todos os sentidos: cada produto deve ser vendido em
numerosos locais, cada emprego deve ser disputado por numerosos
pretendentes, cada vaga na universidade deve ser disputada por
numerosos vestibulandos, e assim por diante.
Segundo o autor:
a competição é boa de dois pontos de vista: ela permite, a todos nós
consumidores, escolher o que mais nos satisfaz pelo menor preço; e ela faz
com que o melhor vença, uma vez que as empresas que mais vendem são
as que mais lucram e mais crescem, ao passo que as que menos vendem
dão prejuízos e se não conseguirem mais clientes, acabarão por fechar. Os
que melhor atendem os consumidores são os ganhadores, os que não
conseguem são os perdedores. (2006, p. 7).
Embora Singer (2006), ao explicar as diferenças do capitalismo e da
economia solidária, tenha referido em “ganhadores” e “perdedores”, guardadas as
proporções, tais afirmações podem ser adotadas no presente estudos, todavia, com
uma especial advertência: não se pode mais resumir tal discussão na clássica
questão do capitalismo x socialismo. Os tempos são outros. As empresas
transnacionais, de economia global, com a globalização financeira, por serem
capitais volatilizados, escapam até mesmo do controle Estatal dos países centrais,
minimizando suas atenções ao social.
123
Como visto, com os dados de encarceramento nos Estados Unidos, dando
razão a Oliveira (2005b, p. 250),
a globalização tem se revelado tanto força poderosa e potencial para
aumentar riquezas para a classe neoliberal ganhadores – como força
geradora de sérias preocupações em torno do uso e da distribuição
eqüitativa dessas riquezas à classe não-neoliberal perdedores que vive
em opressiva situação de pobreza e da fome, falta de educação e saúde,
com doenças devastadoras como a Aids, entre muitas outras. Enfim,
vivendo a miséria crônica no mundo.
Segundo Bauman (1999, p. 78), comentando a descoberta feita pelo último
Informe da ONU sobre o Desenvolvimento de que a riqueza total dos 358 maiores
“bilionários globais” equivale à renda somada dos 2,3 bilhões mais pobres (45 por
cento da população mundial), Victor Keegan (apud BAUMAN, 1999, p. 78) chamou o
reembaralhamento atual dos recursos mundiais de “uma nova forma de roubo de
estradas”. Com efeito, 22 por cento da riqueza global pertencem aos chamados
“países em desenvolvimento”, que respondem por cerca de 80 por cento da
população mundial.
E esse não é de forma alguma o limite a que deve chegar a atual polarização,
uma vez que a parcela da renda global que cabe atualmente aos pobres é ainda
menor: em 1991, 85 por cento da população mundial recebiam apenas 15 por cento
da renda global. Não admira que os esquálidos 2,3 por cento da riqueza mundial,
possuídos por 20 por cento dos países mais pobres trinta anos atrás, caíram ainda
mais no abismo: para 1,4 por cento. Também a rede global de comunicação,
aclamada como a porta de uma nova e inaudita liberdade, e, sobretudo, como
fundamento tecnológico da iminente igualdade, é claramente usada como muita
seletividade trata-se, na verdade, de uma estreita fenda na parede, não de um
portal. Poucas (e cada vez menos) pessoas têm autorização para passar. “Tudo o
que os computadores fazem atualmente para o Terceiro Mundo é a crônica mais
eficiente de sua decadência”, diz Keegan (apud BAUMAN, 1999, p. 78).
E conclui Bauman (1999, p. 79): “Se os 358 decidissem ficar cada um com
US$ 5 milhões para se manter e distribuir o resto, praticamente dobrariam a renda
anual de quase metade da população da Terra. E os porcos voariam”.
124
Bauman (1999, p. 79) refere Jonh Kavanagh, do Instituto de Pesquisa Política
de Washington, que traduz bem a questão da globalização neoliberal:
A Globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar
dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia
para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema
rapidez e espetacular com eficiência cada vez maior.
Infelizmente, a tecnologia não causou impacto nas vidas dos pobres do
mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para
muitos poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população
mundial.
Com efeito, a pobreza extremada no mundo decorre também desse cenário
de precipitações e extrações de funções provocadas pelas grandes corporações no
final da década de 80, motivando o surgimento de nova geração de agências
financeiras e tornando seu sistema financeiro global altamente instável e volatilizado.
Nesse processo as funções dos bancos comerciais se conectaram com os bancos
de investimentos e com as corretoras de ações, globalizando-se (OLIVEIRA, 2005b).
Segundo Oliveira (2005b), nesse sistema, os administradores dos poderosos
mercados financeiros encontram-se cada vez mais afastados da economia real, do
próprio modo de vida e da exclusão que provocam. Suas atividades escapam ao
controle e à regulamentação do Estado e de qualquer outro tipo de instituição, tanto
incluindo transações como manipulações especulativas no mercado monetário, além
de se envolverem nos denominados depósitos de hot money nos mercados
emergentes da América Latina e do Sudoeste asiático. Trata-se de dinheiro de
caráter especulativo, que entra e sai com muita rapidez nos mercados
87
.
Paralelamente a esses depósitos transita a modalidade conhecida por lavagem de
dinheiro, uma criação de bancos privados e especializados em oferecer assessoria a
clientes ricos, que ocorre nos chamados paraísos bancários do exterior, ou paraísos
fiscais, desconhecendo, por isso, instâncias e jurisdições (OLIVEIRA, 2005b, p.
251)
88
.
87
“O movimento diário de transações com divisas estrangeiras é de US$ 1 trilhão por dia, do qual
apenas 15% corresponde efetivamente ao comércio de comodities e fluxo de capital” (OLIVEIRA,
2005b, p. 251).
88
Ver sobre crime organizado nas atividades bancárias e financeiras em: LABROUSSE, A.; VALLON,
A. (Eds.). La planete dês drogues. Paris: Seuil, 1993.
125
Como afirma Oliveira (2005b, p. 253),
a constituição de mercados globais pelas corporações transnacionais
fragmenta e destrói os mercados da economia doméstica, o crédito torna-se
desregulamentado, as barreiras para o comércio e para a movimentação de
dinheiro e mercadorias são removidas, as terras e os bens dos Estados são
assumidos pelo capital internacional.
E o pior, as empresas transnacionais, geradas pela economia capitalista
global, apresentam crescente tendência a concentrações monopolistas e
oligopolistas da produção e distribuição de bens e serviços em escala mundial
89
(OLIVEIRA, 2005b).
Oliveira (2005b, p. 263), citando Adriano Benayon, registra que:
das duzentas maiores empresas do mundo, cujo faturamento conjunto
equivalia a 31,2% do Produto Interno Bruto mundial, 96,5% eram
corporações com sede no Japão, EUA, Alemanha, França, Grã-Bretanha,
Suíça, Países Baixos, Coréia do Sul e Itália, concentrando 85% dos lucros e
94,7% do faturamento.
Segundo Menezes (2005, p. 86),
com o acúmulo de capital por parte dessas empresas, elas têm adquirido
uma importância maior no contexto internacional, maior e mais influente que
a maioria dos Estados do cenário internacional contemporâneo, a ponto de
alguns autores colocarem-nas com sujeito de Direito Internacional.
Esse acúmulo de capital em meio à ordem econômica internacionalizada faz
com que as pessoas e as corporações passem a influenciar nas relações
internacionais e, utilizando seu poder de influência e mecanismos de pressão,
opõem regras aos Estados que atendam aos seus interesses econômicos e
mercadológicos (MENEZES, 2005).
89
“Um estudo realizado pela OCDE, denominado Interfuturos, mostra que a produção-extração de
seis dos vinte e um minerais estratégicos necessários ao desenvolvimento normal da economia
nacional encontram-se, bem mais de 15%, da produção mundial, por uma empresa transnacional.
Cinco das empresas extrativas desses minerais centravam 48,2% no caso da bauxita e 96,5% no
caso da platina do total da produção mundial. O mesmo ocorrendo com o mercado mundial do trigo,
diretamente controlado por cinco empresas transnacionais: Cargil, Bunge, Continental Grain, Louis
Dreyfus e Cook Industries” (CERVERA, 1991, p. 329).
126
Conforme Menezes (2005, p. 87-88),
as empresas transnacionais podem sim, operar sem qualquer controle
estatal e entre fronteiras sem que, principalmente os Estados mais carentes
política e economicamente, consigam se opor a sua vontade. Na maioria
das vezes sob o escudo do poder do seu Estado, que em sua grande
maioria são potências industriais desenvolvidas financeiramente e com
muita influência no cenário internacional.
Utilizado o termo “mercantilismo reprocessado”, Menezes (2005) assevera
que o capital é mais do que nunca, circulante, volátil, virtual, opondo-se no cenário
internacional como um ator tão poderoso e ativo quanto os próprios Estados que
muito pouco podem fazer, ou se opor a ele.
Assim, passa-se da teoria de David Ricardo, que serviu de base às defesas
do comércio internacional, com o contraponto de Marx, com sua teoria da mais valia,
que serviu de alicerce a internacionalização do socialismo e que buscava na luta de
classe as correções das injustiças, discussão esta hoje limitada, o apenas pelo
declínio do socialismo, com a derrota do modelo adotado pela União Soviética e a
reconversão chinesa a uma economia de mercado, a um incremento desta nova
economia transnacional, de caráter globalizante, chamada de “globalização
neoliberal”, que não respeita Estado, nem fronteiras, minimizando a atuação dos
Estados Nacionais, em detrimento de políticas sociais. Aumenta o desemprego
estrutural, marginalizando enorme massa humana, nos países em desenvolvimento
e até mesmo, em países considerados de centro, como os EEUU, incrementando
hordas de favelados e excluídos, os quais, por políticas imorais e preconceituosas,
como aquelas que adotam as lições da “tolerância zero”, ou da teoria “das vidraças
quebradas” - a exemplo do presunçoso prefeito de Nova Iorque Rudolph Giuliani
90
-,
acabam por transformar, o Estado Providência, em Estado Penitência e Policial,
encarcerando exatamente as vitimas diretas desse novo modelo, que não respeita
nem seu “criador”.
90
Que escreve sua autobiografia, como mais famoso prefeito de Nova York, apresentando-se como
“O Líder” (GIULIANI, 2003).
127
2.6 O lado positivo da economia de mercado na atual globalização
O que no mercado - com suas variadas nuances e cores - que chegou a
seduzir até mesmo Marx, em certa ocasião? Precisamente, buscaremos saber.
Doravante, podemos entender que o capitalismo, pela sua natureza, seu signo, é
como o próprio homem e seus segredos. Ele existe onde existe a vida humana em
enérgica efervescência. Ele existe onde o homem produz e reproduz seus
interesses. Anote-se, pois, que seus pontos - talvez se possa dizer - positivos
residem exatamente no mesmo ideal que residem os interesses dos homens, pelo
poder e riqueza. Exemplo disso, veja-se que, em 4 de junho de 1864, Marx
escreveu a Friedrich Engels, seu colaborador da vida inteira, dizendo ter feito uma
festa na Bolsa de Valores de Londres”. “Voltou a época em que, com tino e
pouquíssimo dinheiro, para ganhar dinheiro em Londres”. Segundo o seu mais
recente biógrafo, Marx talvez tenha se sentido tentado a especular por influência do
socialista alemão Ferdinand Lassalle, que se gabara das suas especulações no
mercado de ações quando os dois se conheceram em 1862. Três semanas mais
tarde, Marx discorreu de modo mais alentado sobre as suas atividades para um
outro correspondente:
Tenho me dedicado, o que não deixará de surpreendê-lo, à especulação
em parte com fundos americanos, mas sobretudo, com ações inglesas, que
este ano parecem cogumelos, de tanto que se multiplicam (mais que
qualquer sociedade por ações, verdadeira ou imaginária), subindo a
patamares inteiramente despropositadas para em seguida, na sua maioria,
entrar em colapso. Com isso, ganhei mais de 400 libras e, agora que a
complexidade da situação política está ampliando as oportunidades, vou
começar tudo de novo. É um tipo de operação que demanda pouco tempo;
vale a pena correr um certo risco para tomar o dinheiro do inimigo.
(FERGUSON, 2007, p. 376).
Segundo Ferguson (2007), se em meados da era vitoriana, o mercado de
ações foi capaz de seduzir o mais influentes de todos os críticos do capitalismo, é
porque de fato tinha poderosos encantos.
Certamente, Adam Smith
91
, considerado o “pai da economia política”, poderá
nos responder, através da análise de sua obra - A riqueza das nações: investigação
91
Adam Smith nasceu em Kirkaldy, na Escócia, em 1723,. Estudou filosofia em Glasgow e teologia
em Oxford. Em 1752, tornou-se professor de Filosofia na Universidade de Glasgow. Graças a seu
renome, tornou-se o preceptor do jovem duque de Baccleugh, com a missão de percorrer a Europa
128
sobre sua natureza e suas causas - a qual constitui, sem sombra de dúvida, uma
ruptura na história do pensamento econômico.
Segundo Drouin (2008), Smith indaga acerca dos fundamentos da riqueza,
rejeitando as teses mercantilistas que consideram como fonte da riqueza a posse de
metais preciosos. Opõe-se também aos fisiocratas, que associam a riqueza apenas
ao trabalho da terra. Para Smith, a riqueza das nações se funda na divisão do
trabalho e na liberdade econômica. A partir do postulado do laisser-faire e da
existência de uma ordem natural que não deve ser contrariada, a busca das
ambições e dos interesses individuais pode se conjugar muito bem com o
enriquecimento da coletividade. Adam Smith formula a teoria da repartição, quando
investiga as origens dos bens e a formação do preço do trabalho.
2.6.1 O trabalho – fonte de valor
Primeiramente, fica bem claro em sua obra
92
, a distinção entre o valor de uso
e valor de troca. É bom que se diga que, antes de Smith, o valor dos bens eram
definidos, sobretudo, por sua utilidade, tendo esse autor, subvertido essa visão,
quando ressalta, principalmente com seu paradoxo, sobre a água e o diamante,
afirmou que não existe necessariamente uma relação entre o valor de uso e o seu
valor de troca.
Não existe nada mais útil do que a água, mas ela não permite comprar
praticamente nada; não se consegue praticamente nada em troca. Um
diamante, pelo contrário, não tem praticamente nenhum valor de uso, mas
muitas vezes é possível trocá-lo por uma grande quantidade de outras
mercadorias. (DROUIN, 2008, p. 11).
Como se vê, o valor do uso de um bem está ligado à sua utilidade; o valor de
troca de um bem se baseia na capacidade de seu detentor em obter outros bens no
mercado. Vale dizer, que a moeda, na forma de peças ou notas, o tem nenhum
valor de uso, mas, por outro lado, possui um forte valor de troca (DROUIN, 2008).
em companhia de seu jovem aluno, para lhe apresentar os grandes espíritos da época. Foi assim que
Smith conheceu os enciclopedistas (DÀlembert, Helvétius) e os economistas da escola fisiocrata,
como François Quesnay e Turgot. Foram estes que o conduziram à economia política. Então
começou a escrever sua obra central, A riqueza das nações, publicada em 1776. No fim da vida, em
1778, foi nomeado comissário das alfândegas em Edimburgo. Faleceu em 1790
(DROUIN, 2008).
92
“A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas (1776)”.
129
Dissertando sobre a teoria de Smith, Drouin (2008) afirma que numa
sociedade pouco desenvolvida em termos econômicos, o valor de troca de um
produto é essencialmente definido pela quantidade de trabalho necessário para sua
realização. Por exemplo
93
, o caso de um povo de caçadores:
se o ato de matar um castor leva o dobro do tempo empregado para matar
um cervo, o castor será trocado por dois cervos. Numa sociedade mais
desenvolvida, isso se passa de maneira totalmente diversa. O preço ou o
valor de troca de uma mercadoria não deriva apenas do trabalho humano
incorporado ao produto, pois outros fatores de produção intervêm na
fabricação das várias mercadorias, como a terra, as matérias-primas e,
sobretudo, o capital. O preço das mercadorias, então, é determinado pelo
nível dos salários, pelo lucro do capitalista e pela renda do proprietário
fundiário. (DROUIN, 2008, p. 12).
Trabalho e troca formam então um par inseparável, pois é a propensão inata
dos homens à troca e à barganha que origem à divisão do trabalho. Troca e
trabalho são apresentados, então, como os princípios básicos a partir dos quais a
imensa variedade de fenômenos econômicos pode ser explicada.
2.6.2 Os rendimentos – os salários, os lucros, e a renda da terra
O salário corresponde ao rendimento necessário ao trabalhador de custear as
condições de existência dele e de sua família, no mínimo, com alimentação, moradia
e vestuário. Ele é determinado pela natureza do trabalho e pela demanda de
trabalho dos empreendedores. Drouin (2008, p. 12) estabelece cinco características
que permitem determinar o nível do salário:
- o caráter agradável ou desagradável que se liga ao trabalho considerado
(certos serviços são muito penosos, por isso, a remuneração deve ser
maior);
- o tempo de aprendizagem exigido pelo ofício em questão, bem como os
custos de formação assumidos pelo assalariado;
- a estabilidade do emprego e a intensidade do esforço despendido;
- a responsabilidade e a confiança que o empresário deposita no
trabalhador;
- por fim, o risco, isto é, a maior ou menor probabilidade de sucesso na
atividade profissional, o que supõe um prêmio de eficiência em função das
tarefas a ser executadas em benefício do empreendimento.
93
Exemplo adotado pelo próprio Adam Smith.
130
Segundo Drouin (2008), o salário também é condicionado pela situação do
mercado de trabalho, que reúne a oferta de trabalho
94
e a demanda de trabalho
95
.
Se a oferta de trabalho é superior à demanda, os salários devem baixar
“naturalmente” e, ao contrário, se a oferta é inferior à demanda, os salários
aumentam.
Smith (apud DROUIN, 2008, p. 14) considera que a “demanda de homens”
regula necessariamente a “produção de homens”, pois a flexibilidade dos salários se
torna, pois, um instrumento regulador, inclusive no plano demográfico. O aumento
da oferta de trabalho diante da demanda constante ou em baixa reduz os salários e
gera desemprego, pois esse fenômeno deve acarretar uma baixa da fecundidade.
Inversamente, uma demanda de trabalhadores superior à população ativa disponível
leva a uma lata dos salários, permitindo às famílias aumentar a descendência.
O lucro do capital representa a parcela do preço de venda do produto que se
destina a quem arriscou seu capital na indústria. O valor que os operários
acrescentam à matéria-prima se divide em duas partes: os salários e os lucros. Essa
análise continua atual, pois coloca a famosa questão da repartição do valor
acrescido no empreendimento entre os salários e os lucros, entre o trabalho e o
capital.
A renda da terra
96
é a diferença entre o valor da colheita, de um lado, e os
salários e o produto ligado ao uso do capital de exploração
97
, de outro. Segundo
Drouin (2008), para Smith, o proprietário fundiário se beneficia de um verdadeiro
monopólio, na medida em que a quantidade de terra é obrigatoriamente limitada e
sempre existem fazendeiros que procuram arrendar a terra para obter um
rendimento.
94
“Trabalhadores em busca de emprego”.
95
“Os patrões que precisam de mão-de-obra”.
96
“rendimento da propriedade da terra”.
97
“ferramentas e máquinas agrícolas”.
131
2.6.3 A divisão do trabalho e o aumento da produção e produtividade
Adam Smith mostra que o princípio da divisão do trabalho é uma das fontes
da riqueza das nações, pois está na base do aumento da produção das empresas e
do tecido econômico nacional, valendo o mesmo para o campo internacional, no
comércio entre nações. A divisão do trabalho é a repartição das tarefas produtivas
necessárias à fabricação dos bens e serviços úteis à sociedade entre vários
indivíduos ou grupos de indivíduos, sendo pois, fenômeno universal.
Para explicar a divisão do trabalho e o aumento da produção e produtividade
na empresa, Adam Smith parte de um exemplo concreto, inspirado no artigo
“Alfinetes” da Enciclopédia de Diderot e D”Alembert, publicado em 1755. Nessa
empresa, a fabricação dos alfinetes está dividida em dezoito operações distintas,
confiadas a diferentes operários. O resultado do processo produtivo é incontestável:
se cada operário trabalhasse de maneira independente, nunca a produção seria tão
prolífica. A divisão do trabalho aumenta a eficiência do fator trabalho, isto é, sua
produtividade (DROUIN, 2008).
Para Adam Smith (apud DROUIN, 2008), os efeitos positivos da divisão do
trabalho, que gera aumento da produtividade, se dá da seguinte forma
98
:
1. A divisão do trabalho aumenta a habilidade de cada trabalhador, na
medida em que ele se especializa numa única tarefa.
2. A divisão do trabalho permite eliminar o tempo que normalmente se
perde com a passagem de uma atividade a outra, de uma ferramenta a outra.
3. A divisão do trabalho leva à criação de novos instrumentos de
produção, de novas máquinas que também economizam tempo, ao reduzir a
dificuldade do exercício profissional
99
.
98
“Em todos os ofícios e manufaturas, os efeitos da divisão do trabalho são os mesmos que
acabamos de observar na fabricação de um alfinete, embora muitos deles o trabalho não possa ser
tão subdividido nem reduzido a operações de tanta simplicidade. Todavia, em cada ofício, a divisão
do trabalho, até onde pode ser levada, gera um aumento proporcional na capacidade produtiva do
trabalho. É essa vantagem que parece ter dado origem à separação dos diversos empregos e
ocupações”. (DROIN, 2008, p. 15).
99
“A especialização de cada operário o leva a conhecer melhor seu posto de trabalho e, por isso
mesmo, a conceber melhores instrumentos para executar sua tarefa e o surgimento de uma categoria
de ‘pesquisadores’ ou ‘teóricos’, cuja função consiste em observar o desenrolar da produção, com o
132
É claro que Adam Smith tinha consciência dos riscos da divisão do trabalho,
se levada ao extremo, quando afirma que:
a inteligência da maioria dos homens é necessariamente formada por suas
ocupações habituais. Um homem que passa toda a sua vida executando um
pequeno número de operações simples, cujos efeitos, talvez, são também
sempre os mesmos ou muito parecidos, não tem ocasião de desenvolver
sua inteligência, nem de exercer sua imaginação procurando expedientes
para afastar dificuldades, que nunca surgem; portanto, ele perde
naturalmente o hábito de utilizar ou exercer suas faculdades e se torna, em
geral, tão obtuso e ignorante quanto pode chegar a ser uma criatura
humana. (DROIN, 2008, p. 17).
Além disso, Adam Smith entende que a divisão do trabalho é salutar sob o
ponto de vista nacional, pois os indivíduos em função de suas capacidades, se
orientam para a profissão e, uma vez estabelecidos, venderão os produtos de sua
atividade. Os ganhos auferidos permitirão obter bens e serviços que não produzem e
que lhes sejam necessários. Os agentes produtivos, com vistas a satisfazer seu
consumo pessoal, não devem se lançar a outros serviços fora de sua atividade
principal (DROUIN, 2008)
100
. No entanto, alude esse autor, que a divisão do
trabalho, fonte da riqueza das nações, pode existir numa sociedade que tenha
institucionalizado a troca entre agentes produtivos, isto é, uma sociedade que
disponha de um mercado. A especialização, a excelência numa atividade produtiva
pode surgir a partir do momento em que cada indivíduo tem a possibilidade de
vender produto de seu trabalho, a fim de comprar o que lhe é necessário e que ele
não produz. Como mostra Smith, cada homem se torna uma espécie de
comerciante, e a própria sociedade é, caracteristicamente, uma sociedade mercantil.
Da mesma forma, entende Smith que a aplicação dos princípios da divisão do
trabalho, fundada na especialização, também pode ser aplicada nas relações
econômicas internacionais, na medida dos interesses da troca entre nações. É a
teoria da vantagem absoluta, na medida em que cada nação tem interesse em se
objetivo de aperfeiçoá-la, sobretudo com a invenção de novos equipamentos produtivos” (DROIN,
2008, p. 17).
100
“A máxima de todo chefe de família prudente é nunca tentar fazer por si a coisa que lhe custaria
menos comprar do que fazer. O alfaiate não procura fazer seus sapatos, mas compra-os ao
sapateiro; o sapateiro não se põe a fazer suas roupas, mas recorre ao alfaiate; o agricultor o tenta
fazer nem um, nem outro, mas se dirige a esses dois artesãos para faze-los trabalhar. Não um
entre eles que o veja que é interesse seu utilizar toda a sua atividade no tipo de trabalho em que
possui alguma vantagem sobre seus vizinhos e comprar todas as outras coisas que podem lhe ser
necessárias com uma parte do produto daquela atividade, ou, o que vem a ser a mesma coisa, com o
preço de uma parte desse produto” (DROIN, 2008, p. 17).
133
especializar na produção de bens em que ela possui vantagem absoluta em relação
às outras nações, isto é, que ela executa a custos menos elevados do que no
exterior. Os bens que seriam produzidos a custos mais altos do que no exterior são
simplesmente importados (DROUIN, 2008)
101
.
Vale dizer, “cada um troca o que produz por aquilo que lhe é necessário e que
não pode produzir por si, através do mercado, tem-se o local da troca” (DROUIN,
2008, p. 19). O mercado se torna, assim, o instrumento regulador da atividade
econômica.
Além disso, segundo Drouin (2008), o mercado smithiano vai muito além de
um simples espaço de troca, pois ao se tornar o epicentro de uma regulação que
transcende o econômico, é fator de consenso social, na medida em que permite a
harmonia dos interesses contraditórios dos indivíduos. Cada indivíduo, motivado
pela busca de suas aspirações pessoais, é incentivado a responder à demanda dos
outros, com o objetivo de extrair de sua atividade o maior beneficio possível. A esse
fenômeno, Adam Smith chama de “mão invisível” do mercado, que guia os
interesses e as paixões individuais na direção mais favorável aos interesses de toda
a sociedade.
O homem tem necessidade quase constante do auxílio de seus
semelhantes, e é inútil esperar esse auxílio apenas da benevolência alheia.
É muito mais provável consegui-los se invocar os interesses pessoais deles
[...] Não é da benevolência do ougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que
esperamos nosso jantar, e sim do cuidado que eles dedicam a seus
interesses. Não nos dirigimos à seu humanitarismo, e sim a seu egoísmo, e
nunca lhes falamos de nossas necessidades, mas sempre de suas
vantagens. (DROUIN, 2008, p. 22).
Segundo Drouin (2008), a livre concorrência, na medida em que se traduz na
presença de vários vendedores num mesmo mercado, contribui para o surgimento
do preço justo, de forma que os vendedores ávidos demais vão se arruinar ou terão
101
“O que é prudência na conduta de cada família particular não pode ser insensatez na de um
grande império. Se um país estrangeiro pode nos fornecer uma mercadoria a preço mais baixo do
que temos condições de estabelecer, mais vale compra-la com uma parcela do produto de nossa
industria, empregada no gênero em que temos alguma vantagem. As vantagens naturais de um país
sobre outro para a produção de certas mercadorias às vezes são tão grandes que, por um sentimento
unânime, seria insensato querer lutar contra elas. Com estufas aquecidas, camas de terra e esterco,
e vidraças, pode-se cultivar na Escócia uvas muito boas, com as quais pode-se fazer também um
vinho muito bom, talvez com despesas trinta vezes maiores do que custaria um igualmente bom no
estrangeiro” (DROUIN, 2008, p. 20).
134
que se alinhar, sendo pois, este, o milagre da “mão invisível”: é ela que permite
conciliar o egoísmo individual e o interesse geral.
2.6.4 A função do Estado
Alude Drouin (2008, p. 24) à luz das lições de Adam Smith,
que o Estado deve cumprir três funções em relação à sociedade civil: a)
defesa do território com a manutenção das forças armadas; b)
administração da justiça, consistente em proteger os membros da
sociedade contra injustiças ou opressão de outros membros da sociedade;
c) a criação e manutenção de certas atividades econômicas que não podem
ser realizadas pelo setor privado, na medida em que sua produção não é
geradora de lucro suficiente, ao passo que seu desenvolvimento é
necessário par ao bem-estar da coletividade.
Assim, mesmo que a última função citada abra uma polêmica sobre os limites
do intervencionismo do Estado numa economia liberal, Adam Smith (apud DROUIN,
2008, p. 24-25) justifica o financiamento de certos serviços coletivos por meio dos
impostos, bem como, em relação ao ensino:
O Estado pode facilitar a aquisição desses conhecimentos, estabelecendo
em cada paróquia ou distrito uma pequena escola em que as crianças
sejam ensinadas a um pagamento tão módico que mesmo um simples
operário possa desembolsá-lo, sendo o professor pago em parte, mas não
totalmente, pelo Estado.
No mais, Adam Smith concebe uma tributação que não penalize a atividade
econômica, através da igualdade fiscal e da racionalização da arrecadação, sem
restringir as liberdades econômicas, bem como entende que o Estado deve defender
o mercado e a concorrência, opondo-se aos monopólios, sendo, pois, a regra
comum o da concorrência, que aparece como elemento essencial numa economia
de mercado, quando assim afirma:
Com um monopólio perpétuo, todos os outros cidadãos se vêem muito
injustamente onerados por dois diferentes fardos: o primeiro resulta do alto
preço das mercadorias que, no caso de um livre comércio, comprariam a
preço muito mais baixo, e o segundo resulta da exclusão total de um ramo
de negócios ao qual muitos deles poderiam se dedicar com lucro e prazer.
(SMITH apud DROUIN, 2008, p. 25).
135
Por sua vez, Joseph Alois Schumpeter (apud DROUIN, 2008, p. 144)
102
,
teórico da inovação, salienta outro dos pontos positivo do capitalismo, qual seja, de
ser “um processo de destruição criadora”, posto que, sendo um sistema econômico
em movimento incessante, sua essência é a evolução permanente que revoluciona
constantemente a estrutura econômica em seu interior, destruindo continuamente
seus elementos velhos e criando continuamente elementos novos
2.6.5 Mas a nível global, quais seriam os pontos positivos?
Milton Friedman
103
, economista liberal, defende o laisser-faire das forças
espontâneas do mercado, para que se atinja um estado de equilíbrio. Estas teses
serviram de orientação aos Governos de Ronald Regan, nos Estados Unidos, a
primeira-ministra Margaret Thatcher, no Reino Unido (DROUIN, 2008).
Talvez, o ponto mais positivo da globalização e do mercado liberal tenha sido
afirmado muito tempo antes, pelo próprio Kant, em Paz Perpétua, quando afirma que
o “espírito do comércio” era “incompatível com a guerra” (FERGUSON, 2007, p.
460). Disso, compartilha François Quesnay (apud FERGUSON, 2007, p. 460),
quando afirma que “a guerra pode ter enriquecido alguns povos da Antiguidade, mas
aos povos da era moderna ela traz mais pobreza e misérias”. Neste particular,
não destoava Adam Smith (apud FERGUSON, 2007, p. 460), quase ao final de A
Riqueza das nações, quando afirma que as guerras “afugentaram o grande comércio
de Antuérpia, Ghent, e Bruges [...] As revoluções comezinhas da guerra e do
governo facilmente fazem secar as fontes dessa riqueza que emana do comércio”
102
Joseph Alois Schumpeter, nasceu em Triesch, na Moravia, em 1883 ano da morte de Marx e do
nascimento de outro gigante do pensamento econômico: Keynes. Em Viena, estudou sociologia e
depois economia, seguindo os cursos de Eugen von Bohm-Bawerk, um dos fundadores da ecola
neoclássica austríaca. Tornou-se professor da Universidade de Czernowitz e, mais tarde, de Graz.
Após a Primeira Guerra, teve uma rápida carreira política como ministro das Finanças, e a seguir
passou para a iniciativa priada, assumindo a direção de um grande banco, que viria a falir em 1924.
Retonrou ao ensino universitário, primeiro em Bonn e depois em Harvard, nos EUA, onde lecionou de
1932 até sua morte em 1950. A obra de Schumpeter é fortemente marcada pela sociologia alemã
(Max Weber) e pela economia de Karl Marx (DROUIN, 2008).
103
Milton Friedman nasceu no Brooklyn, em 1912, numa família judaica de origem modesta. Graças a
diversas bolsas, ele pode financiar seus estudos superiores, principalmente na Universidade de
Chicago, onde estudou matemática, orientando-se a seguir para a economia. Em 1946, ano da morte
de Keynes, Friedman obteve seu doutorado e iniciou carreira docente na mesma universidade. Em
abril de 1947, ao lado de Friedrich von Hayek, Milton Friedman participou da fundação da Sociedade
de Mont-Pélerin reunindo economistas ligados à defesa dos valores próprios do liberalismo
econômico – à qual viria presidir de 1970 a 1972 (DROUIN, 2008).
136
(grifo do autor). Ferguson (2007) comenta que foi com base nisso que Smith criticou
as políticas mercantilistas que subordinavam as forças do mercado a uma estratégia
superior. E não era uma posição isolada, pois essa posição atraiu muitos adeptos no
Século XIX:
Comte, mesmo admitindo que em séculos anteriores os esforços [ ..] para
descobrir e aprimorar o aparato militar ... não eram inteiramente destituídos
de valor para o progresso da indústria”, via a subordinação da guerra ao
desenvolvimento industrial como marca distintiva da sua própria época.
Para Richard Cobden, paz e prosperidade reforçavam-se mutuamente: daí
o titulo do seu panfleto de 1842, Free Trade as the Best Human Means for
Securing Universal and Permanent Peace {Livre Comércio, Humanamente o
Melhor Meio de Assegurar a Paz Universal e Permanente]. The Great
Illusion (1910-1911) [A grande ilusão],De Norma Engell, é um monumento à
persistência dessa crença. Para Angell, a guerra é economicamente
irracional: armamentos excessivamente taxados, dificuldades de cobrar
indenizações de potências derrotadas, colônias que não dão lucro. “O que
de fato garante o bom comportamento entre os Estados?, indaga Angell. “É
a complexa interdependência que, não no sentido econômico mas em
todos os sentidos, faz com que a agressão injustificável de um Estado a
outro atinja os interesses do agressor.” (FERGUSON, 2007, p. 460).
Thomas Friedman (apud FERGUSON, 2007, p. 460) afirma que:
a globalização aumenta os incentivos para não entrar em Guerra e aumenta
os custos de fazer a guerra em mais sentidos do que em qualquer época
anterior da história moderna. A Teoria Arcos Dourados de Prevenção de
Conflitos, que postula jamais ter havido guerra entre dois países que não
tenham cada um pelo menos uma franquia do McDonald’s.
Embora o livro de Friedman tenha sido publicado em 17 de maio de 1999,
menos de dois meses depois de iniciada a guerra dos Estados Unidos com o
República da Iugoslávia, aparentemente alheio à conspícua presença do
McDonald`s em Belgrado, afirma Ferguson (2007, p. 461), “isto não significa que
Friedman e Norma Angell estejam errados”, afinal, ambos compartilham da crença
de que a racionalidade econômica deveria ser um desestímulo à guerra.
Isto permitira, por óbvio, encarar a globalização - apesar dos pesares - como
fato positivo no desenvolvimento da humanidade. Ela poderá, como condição
subjetiva fundamental das transformações estruturais, ir ao encontro de um mundo
mais solidário, pacífico e de cooperação entre povos, superando até mesmo os
antagonismos e conflitos decorrentes da competição decorrente, por sua vez, das
economias entre nações. A necessária formação de uma consciência social, via
poder político global, emerge do fato em que, nesta quadra da história, uma
137
regressão no atual avanço da globalização poderia levar a regressão a regimes
políticos burocráticos e autoritários, senão, ao isolacionismo fundamentalista, com
conseqüente perda de vantagens proporcionadas pela tecnologia. Neste aspecto,
Ferguson (2007, p. 461) é categórico, quando afirma que:
muitas vezes no século XX os Estados entraram em guerra ignorando o
apelo liberal ao racionalismo econômico. Mesmo sabendo que a derrota
acarretaria custos potencialmente gigantescos; e até mesmo que a vitória
acarretaria custos potencialmente elevados. Isso pode ser explicado
simplesmente pela miopia uma espécie de “racionalidade confinada” que
costuma subestimar os custos e superestimar as vantagens da guerra. Mas
talvez seja mais convincente a explicação de que, para um regime não-
democrático, a guerra pode significar custos agregados e de longo prazo
irrelevantes. Se os benefícios imediatos da guerra afluírem para as elites
governantes e os custos recaírem sobre as massas sem direito de voto, a
guerra pode ser uma opção política perfeitamente racional.
Mesmo que se admita que os gastos de guerra tragam retorno palpável nas
pilhagens e indenizações pagas por Estados ou territórios derrotados, como já
ocorreu na história da humanidade
104
, na verdade, como alude Ferguson (2007, p.
463), “tais lucros - mesmo no caso de ‘reparações’, para usar um termo que foi
adotado no século XX para acrescentar à noção de ônus financeiro a da culpalidade
dos perdedores - em geral foram superados pelos custos das guerras que lhes
deram origem”. Mesmo os lucros das guerras da Revolução Francesa e das guerras
napoleônicas foram, em ultima instância, consumidos pelos altos custos da derrota
da França entre 1812 e 1815. Segundo estimativa recente, a indenização e demais
custos que os aliados vitoriosos impuseram à França depois de Waterloo - cerca de
1,8 milhões de francos - representaram cerca de um quinto do PIB anual da França.
Esta quantia, embora alta, representou apenas uma fração dos custos de guerra
incorridos nas duas décadas anteriores pelos inimigos da França. Convertida na
104
A Revolução Francesa instituiu um novo regime em que a exploração dos territórios passou a ser
uma das principais fontes de renda. No últimos anos, um quarto da receita do Diretório era
proveniente dos tributos cobrados da Holanda ocupada; entre 1795 e 1804 os holandeses pagaram
aos franceses um total de aproximadamente 229 milhões de guilders, o equivalente a mais de um ano
da renda nacional holandesa. As campanhas napoleônicas de 1806-7 não se autofinanciaram como
cbriram pelo menos um terço da despesa ordinária do governo francês. Entre 1805 e 1812 o erário
francês embolsou integralmente metade dos impostos arrecadados na Itália. A Grã-Bretanha também
soube ganhar dinheiro com a guerra no século XIX: em 1842 algo como 40% do orçamento total de
defesa vieram da indenização de 5,8 milhões de libras imposta à China pelo Tratado de Nanquim;
Palmerston chegou a gabar-se para a Câmara dos Comuns dos lucros da guerra. Os sucessivos
acordos de paz de 1829, 1878 e 1882 permitiram à Rússia extorquir da Turquia quantias cada vez
maiores, que representaram respectivamente 9%, 42% e 115% dos gastos de defesa russos. Este
ultimo percentual parece irrisório se comparado com a indenização que o Japão arrancou da China
em 1895 mais que o triplo do total dos gastos militares do Japão no ano e mais ou menos o dobro
do custo da guerra” (FERGUSON, 2007, p. 463-464).
138
moeda britânica ela equivale a 78 milhões de libas esterlinas, não muito mais do que
os 66 milhões de libras que a Grã-Bretanha teve que pagar em subsídios aos seus
aliados na Europa continental entre 1793 e 1815.
Quanto às reparações, segundo Ferguson (2007, p. 463-464), aquelas
exigidas depois das vitórias no século XX,
elas nem de longe se aproximam dos custos da guerra. A indenização que a
Alemanha impôs à Rússia pelo Tratado de Brest-Litovsk em 1918 foi de
cerca de 1,4 bilhões de dólares, quantia que mesmo elevada representa
apenas uma fração dos cerca de 20 bilhões de dólares que a guerra custou
ao todo para a Alemanha. Do total de 31 bilhões de dólares que, conforme o
ultimato de Londres de 1921, a aliança vitoriosa decidiu afinal cobrar a
Alemanha a título de reparações, os realistas, como Keynes, o contava
receber mais que 12 bilhões de dólares o que equivalia a mais de 80%
do PIB da Alemanha. De novo, essas quantias não passam de uma fração
do total de 58 bilhões de dólares que a guerra custou aos países vitoriosos.
Embora nem sempre o vitorioso receba integralmente a indenização
imposta
105
, nem mesmo a experiência do entre-guerra conseguiu dissuadir
Alemanha, Japão e Itália de lançar-se em novas e predatórias incursões territoriais e
financeiras nas décadas de 1930 e 1940. A ocupação da Manchúria pelo Japão e
posteriormente a da maior parte da Europa continental pela Alemanha, foram das
mais ferozmente extorsivas de toda a história. A receita extorquida dos territórios
ocupados saltou de 3% do PNB alemão para o pico de 16% em 1943, o que de novo
é muito menos do que a guerra custou para a economia alemã. Conforme afirma
Ferguson (2007, p. 465)
para as democracias, a lição da história é claríssima: a guerra não
compensa. Invariavelmente, o mais provável é que o seu custo econômico
seja superior aos subseqüentes benefícios das reparações.
O fiasco das reparações na década de 1920 serviu de lição para as
potências ocidentais, que em 1945 limitaram-se a exigir das potências
derrotadas do Eixo um total de apenas 7 bilhões de dólares – vale comparar
isto com os 275 bilhões de dólares dos EUA e os 91 bilhões de dólares da
Grã-Bretanha gastos na guerra.
Embora se reconheça que a inferência somente do liberalismo econômico,
por si só, talvez não seja suficiente, para por fim à guerra, conforme afirma Ferguson
(2007, p. 471), talvez seja necessária a democratização dos Estados, e a imposição
105
O total pago pelos alemães entre 1919 e 1932, quando os pagamentos foram congelados, não
chegou a mais de 4,5 bilhões” (FERGUSON, 2007, p. 464).
139
dessa situação aos Estados autocráticos. Esse argumento remonta ao Iluminismo,
pois segundo Kant (apud FERGUSON, 2007, p. 470),
caso..., a anuência dos cidadãos [de uma república] seja necessária para
decidir se é o caso ou não de declarar guerra, significaria atrair para si todas
as misérias da guerra, tais como envolvimento pessoal na luta, custeio de
guerra com os próprios recursos, laboriosa reconstrução da devastação
subseqüente, e... obrigação de assumir uma carga de dívidas que irá
contaminar a própria paz e nunca poderá ser integralmente resgatada
devido à constante ameaça de novas guerras.
Por sua vez, o liberalismo econômico, e, a democracia, parece que andam
juntas - o que não deixa de ser importante -, afinal, é muito difícil a guerra entre duas
nações democráticas. Como afirmou em 1918, o presidente dos Estados Unidos
Woodrow Wilson (apud FERGUSON, 2007, p. 422),
a democracia parece prestes a prevalecer universalmente... A difusão das
instituições democráticas.... promete reduzir a política a uma forma única...
reduzindo todas as formas de governo à Democracia. Embora tenha
efetivamente mais que dobrado de 1916 a 1922, veio a cair.
Como afirma Ferguson (2007, p. 424),
a primeira vista, a afirmação de Francis Fukuyama de que existe uma
correlação positiva entre democracia e crescimento econômico talvez
pareça óbvia.
Em termos econômicos, o triunfo da democracia é mais impressionante que
qualquer medida focalizada anteriormente. Hoje, as democracias
concentram uma parcela gigantesca da riqueza mundial. Para as cinqüenta
maiores economias do mundo, a nota média do quesito democracia
(segundo o parâmetro do Polity III) é 8,8. Destas cinqüentas, as
democracias nota dez representam quase exatamente 75% do PNB mundial
sendo que, se todos os países com nota dez fossem incluídos, este
percentual subiria acima dos 80%.
É interessante notar que Karatnycky (apud FERGUSON, 2007, p. 424) faz
eco à ênfase que Fukuyama atribui aos “vínculos entre liberdade econômica e
liberdade política”:
A liberdade econômica não só contribui para estabelecer a liberdade política
promovendo o crescimento de uma próspera classe média e trabalhadora,
como a liberdade política também parece necessária ao êxito de uma
economia de mercado como barreira contra conchavos econômicos, busca
de ganhos improdutivos e outras práticas ineficientes e anticompetitivas.
140
Sociedades e economias abertas e democraticamente imputáveis também
se revelaram capazes de enfrentar reveses econômicos
106
.
Alude Ferguson (2007) que em 1959 o cientista político americano Seymour
Martin Lipset, apontou a correlação entre a democracia e a riqueza, industrialização,
urbanização e educação. No seu entender, a legitimidade das instituições
democráticas dependia tanto do contexto cultural, do desenvolvimento da sociedade
civil e da experiência passada (sobretudo colonial) do país quanto do desempenho
econômico. A análise do economista Robert Barro em cima de dados de cerca de
cem países entre 1960 e 1990 sugere que vários parâmetros de padrão de vida (PIB
per capita real, expectativa de vida, e a extensão da brecha entre o nível
educacional dos homens e das mulheres) estimulam sim o desenvolvimento de
instituições democráticas.
Em ambicioso estudo focalizando a taxa em vez do nível de crescimento,
Benjamin Friedman (apud FERGUSON, 2007 p. 429) também sustenta que “o
vínculo... entre a elevação do padrão de vida e uma sociedade democrática aberta”
se confirma. Em sua versão para a regra, “uma sociedade tem mais probalidade de
tornar-se mais aberta, tolerante e democrática quando o padrão de vida dos seus
cidadãos está melhorando, e vice-versa quando o padrão de vida está estagnado”,
comenta Ferguson (2007, p. 429). Em proposição inversa, a esta altura, a noção de
que os regimes socialistas não-democráticos pós-1917 não conseguiram no longo
prazo gerar o mesmo crescimento sustentável que o capitalistas democráticos, seus
inimigos declarados, não deveria mais suscitar controvérsias. Conforme alude
Ferguson (2007, p. 429),
Até mesmo a velha crença de marxista como Eric Hobsbawm de que as
políticas de coletivização forçada e planejamento industrial de Stalin foram
necessárias, para a economia russa, dificilmente se sustenta quando se
contrapõem os custos humanos e aos aumentos da produção física na
época. No frigir dos ovos, para cada dezenove toneladas de aço produzidas
na era Stalin pelo menos um cidadão soviético morreu de fome, deportado,
encarcerado no gulag, ou executado. poderosas evidências de que o
sistema comunista desperdiçou tantos recursos e foi tão perverso em sua
estrutura de incentivos que acabou por destruir a si mesmo. Segundo
106
Karatnycky, “Decline of lliberal Democracy”, p. 123. Um outro estudo realizado pelo Freedom
House sobre países pós-comunistas mostra que, em “democracias consolidadas e economias de
mercado, a média d, a média de crescimento foi de 1,4%; e[nas] autocracias consolidadas e
economias estatizadas da região, o PIB caiu em média cerca de 3%” (KARATNYCKY apud
FERGUSON, 2007, p. 424).
141
recente estimativa, levando em conta novos investimentos e capital
humano, o crescimento soviético foi o “pior do mundo” entre 1960 e 1989.
Dez anos após “O fim da história”, Fukuyama continua a confiar em “uma
duradoura evolução progressiva das instituições políticas da humanidade rumo à
democracia liberal”, quando conclui o seu livro The Great Disruption (A grande
ruptura), afirmando que “na esfera política e econômica, a história parece ser
progressiva e direcional, tendo em fins do século XX culminado na democracia
liberal como única alternativa viável para sociedade de teconologia avançada”.
(FERGUSON, 2007, p. 408).
O prêmio Nobel Amartya Sen “também apóia a noção de que a democracia é
benéfica para a economia” (FERGUSON, 2007, p. 409). Sen (1999) alega que a
liberdade, desejável em si mesma, também se justifica como instrumento
econômico. É bem verdade, admite Sen (1999), que a falta de democracia não
impediu que China, Cingapura e (até recentemente) Coréia do Sul, apresentassem
nessas duas ultimas décadas um rápido crescimento econômico. Mas o
O exemplo desses “tigres autoritários não é suficiente para derrubar a tese
econômica pró-democracia. É possível contrapor a ele o da Botsuana, na
África, um oásis democrático que vem apresentando um rápido
crescimento. De modo ainda mais flagrante, as democracias são superiores
às autocracias no que tange a evitar desastres econômicos. (FERGUSON,
2007, p. 409).
“Jamais houve uma grande epidemia de fome”, argumenta Sen (apud
FERGUSON, 2007, 409) em Development as Fredom (Desenvolvimento como
Liberdade), “em um país democrático - por mais pobre que ele fosse..., porque, em
uma democracia pluripartidária com eleições e liberdade de imprensa, o governo
tem fortes incentivos políticos para tomar medidas preventivas contra a fome”.
Por outro lado, não se tem mais dúvida de que a globalização econômica, em
tese, vem acompanhada da globalização política. Basta averiguar que o crescimento
de blocos comerciais supranacionais, como União Européia e o NAFTA, e a
crescente influência da Organização Mundial do Comércio (o ex GATT) dão a
entender que o número de países pequenos economicamente viáveis é agora maior
do que na época das políticas nacionais de protecionismo comercial (FERGUSON,
2007).
142
Aliás, quem aborda esse assunto, é Brum e Heck (2005), quando analisam a
política macroeconômica em economias abertas, no décimo capítulo, salientando, no
capítulo onze, o movimento dos fatores de produção, as migrações de mão-de-obra,
o capital e o seu deslocamento mundial. Nessa obra, afirma de saída, que o
comércio passa a ser um mecanismo poderoso à saída do isolamento nacional e à
integração econômica entre os povos.
Citando Nême, Brum e Heck (2005) analisam a teoria da economia
internacional e a luta contra a raridade dos recursos nacionais, que se traduz, pela
dissociação da produção limitada em sistema de economia fechada, pela utilização
dos fatores de produção e do consumo mais variado graças ao comercio
internacional.
Abordando o processo de integração econômica, como ponto positivo da
globalização no estágio atual, Brum e Heck (2005, p. 261-262) citam a União
Européia como exemplo do único bloco que conseguiu chegar no último estágio
107
,
citando, pois, as vantagens gerais da integração econômica, que podem ser
adotadas aqui nesta pesquisa, à luz da indagação do capítulo. São elas:
a) - economias de escala;
b) - intensificação de competitividade;
c) - atenuação dos problemas de pagamentos internacionais;
d) - possibilidade de desenvolver novas atividades difíceis de serem
empreendidas isoladamente;
e) - aumento de poder de negociação;
f) - formulação mais coerente da política econômica nacional;
g) - transformações estruturais (maior mobilidade dos fatores de
produção);
h) - aceleração do ritmo de desenvolvimento e possibilidade de um
maior nível de emprego.
Este conjunto formado pela união entre países mais a sua integração
econômica, segundo Brum e Heck (2005, p. 262), reflete o atual cenário global, em
que inúmeros acordos de liberalização de comércio surgem na ótica de aumento da
produção e da riqueza nacional, visando atingir um alto grau de desenvolvimento
socioeconômico”, o que não deixa, por certo, de ser ponto positivo à globalização
em relevo. Sim, pois quando afirma Brum e Heck (2005, p. 350), “que não se trata
107
Os estágios seriam: a) Zona de Tarifa Preferencial; b) Zona de Livre Comércio; c) União
Aduaneira; d) Mercado Comum “e” e) União Econômica e Monetária.
143
somente de uma questão de divisão ou de igualdade entre países ricos e pobres, -
como se acreditava nos anos 60 -, mas sim, de reduzir e de eliminar as disparidades
de bem-estar no plano mundial e dentro de cada país”, esta ratificando que,
evidentemente, deve ser investido mais no desenvolvimento humano, na medida em
que, “tantos países ricos como os pobres, pecam a esse respeito”. Afinal, como
afirma esse autor,
nos Estados Unidos, por exemplo, em 1992 havia 38 milhões de pessoas
que viviam abaixo do limite de pobreza. Em 1993 este número subiu para
39,4 milhões de pessoas, representando 15,1% da população
estadunidense. Tal realidade não se modificou até o início do século XXI.
Com isso, a transferência de fundos dos países ricos para os países pobres
diminuiu consideravelmente nos últimos anos. É tempo de se repensar o
desenvolvimento como tal, de forma que ele integre, tanto no âmbito
individual de responsabilidade de cada país como no plano multilateral,
todas as outras políticas econômicas. (BRUM; HECK, 2005, p. 350-351).
O ponto positivo deste capitalismo contemporâneo está justamente na
possibilidade de um novo rosto, “um rosto humano”, como afirmado por Brum e Heck
(2005, p. 352) que, estaria em gestação no mundo, como defendem correntes
analistas ligadas a socioeconomia. Incrementa-se, com isto, a cooperação
internacional, a qual passa a ser incentivada pelas nações industrializadas. Além
disso, como positivo,
[...] uma maior abertura comercial tende a diminuir as pressões
inflacionárias; redefine salários, com sua adequação ao ambiente geral;
reduz ou elimina o chamado “efeito deslocamento” (crowdng out) do
investimento privado previsto para ocorrer como resultado de crescimento
indevido dos déficits no orçamento; torna a economia interna vulnerável às
turbulências iniciadas no exterior, mas, ajuda a dissipar as turbulências
originárias no interior do país; afeta a política fiscal na medida em que esta,
assumindo um caráter expansionista, será transferida a outros países via
maiores importações; e permite construir uma economia mais diversificada e
adaptável às alterações da oferta e demanda, assimilando melhor o
chamado ciclo de negócios prosperidade-recessão. (BRUM; HECK, 2005, p.
357).
Asseguram esses autores, que:
com isso, a vantagem de se enfrentar a concorrência internacional, por
intermédio do comércio, é que a mesma coloca os setores produtivos
nacionais diante dos melhores concorrentes, fato que tende a otimizar a
performance das empresas locais, desde que preparadas para tal
concorrência. (BRUM; HECK, 2005, p. 357).
144
Podemos afirmar, assim, que longo prazo, a globalização atual, mais humana,
tende a proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento sustentável e à
democratização política, permitindo também o equacionamento e a solução racional
de problemas que transbordam as fronteiras geográfica dos países, tais como a
questão da poluição dos mares, ar, rios, o controle e tratamento dos resíduos
nucleares, a expansão das redes de comunicação e a aproximação e cooperação
entre inúmeros movimentos sociais não governamentais, recuperando assim, o rumo
e o sentido da história, em prol do humanismo. Com isto, a exemplo da União
Européia, o abandono gradativo das barreiras tarifárias, que protegem a produção
dos países da concorrência estrangeira, abrindo-se ao fluxo internacional de bens,
serviços e capitais, beneficiando-se a todos os consumidores.
Contudo, Bedin (2001), mais cauteloso, sem entrar no mérito com maior
profundidade, no que concerne aos fatores positivos e negativos da atuação das
empresas transnacionais na globalização do capital, citando Esther Barbé, comenta
que “os fatores positivos e negativos são em número bastante significativo e, por
isso, nem sempre é fácil resumi-los em um quadro sintético”. Anota, pois, os
seguintes fatores positivos:
a) aumenta o volume do comércio mundial; b) acumula capital para o
desenvolvimento; c) financia crédito; d) fomenta o .livre comércio e
desmonta as barreiras comerciais; d) favorece o desenvolvimento
tecnológico; e) transfere tecnologia aos países em desenvolvimento; f)
reduz os custos aproveitando as vantagens comparativas; g) gera
empregos; h) incentiva a qualificação de trabalhadores; i) amplia a
possibilidade de compra de novos produtos através da internacionalização
da produção; j) mundializa o marketing e os métodos publicitários; k)
potencializa o crescimento nacional e facilita a modernização dos paises em
desenvolvimento; l) gera bem-estar e riqueza; m) favorece as relações
pacíficas entre os Estados que desejam preservar uma ordem que os ajude
a produzir riquezas e comércio; n) rompe as barreiras nacionais e acelera a
globalização da economia e regras. (BEDIN, 2001, p. 318).
Ratificando alguns desses fatores, Sachs (2004, p. 111) afirma que “o Brasil
entrou no século XXI com um aparelho industrial moderno e diversificado e um setor
de agronegócios que lhe confere a liderança mundial em vários campos”, dos quais
anotamos como positivos, os seguintes exemplos: “a) o Brasil vende 29% de todo o
açúcar; b) 28,5% do café em grãos; c) 43,6% do café solúvel consumido no mundo;
d) assumiu a liderança em vendas de carne bovina, em 2003, com 19% de
145
participação no mercado mundial; e) é o primeiro em vendas de carne de frango,
com exportações de 1,9 bilhão de lares; f) detém 38,4% do mercado mundial de
soja em grão; g) vende 23,1º tabaco consumido no mundo; h) 81,9% do suco de
laranja”. Embora com inegável aspecto negativo, é bom lembrar que as exportações
a níveis elevados, em sistema de capital aberto, significam mais divisas ao país, e
com isto, mais condições de o Estado proporcionar bem-estar ao seu povo.
quem diga que o neoliberalismo, ao tempo de sua implantação, refreou a
inflação, como é o caso de Anderson (2008), que assim se manifesta:
Poder-se-ia perguntar qual a avaliação efetiva da hegemonia neoliberal no
mundo capitalista avançado, pelo menos durante os anos 80. Cumpriu suas
promessas ou não? Vejamos o panorama de conjunto. A prioridade mais
imediata do neoliberalismo era deter a grande inflação dos anos 70. Nesse
aspecto, seu êxito foi inegável. No conjunto dos países da OCDE, R taxa de
inflação caiu de 8,8% para 5,2%, entre os anos 70 e 80, e a tendência de
queda continua nos anos 90. A deflação, por sua vez, deveria ser a
condição para a recuperação dos lucros. Também nesse sentido o
neoliberalismo obteve êxitos reais. Se, nos anos 70, a taxa de lucro das
indústrias nos países da OCDE caiu em cerca de 4,2%, nos anos 80
aumentou 4,7%. Essa recuperação foi ainda mais impressionante na
Europa Ocidental como um todo, de 5,4 pontos negativos para 5,3 pontos
positivos.
Embora tenha esse articulista anotado também alguns fatores negativos como
o crescimento das taxas de desemprego, importa salientar, que não deixa de ser um
fator positivo o fato da redução da inflação, devido a sua inequívoca e nefasta
influência negativa nas economias nacionais. Não destoa Anderson (2008) de
importantes autores na questão da inflação, a exemplo de Brum e Heck (2005), na
medida em que, paralelamente, uma maior abertura comercial, tendem a diminuir
as pressões inflacionárias; redefine salários, com sua adequação ao ambiente geral;
reduz ou elimina o chamado “efeito deslocamento” (crowding out) do investimento
privado previsto para ocorrer como resultado do crescimento indevido dos déficits no
orçamento; torna a economia interna vulnerável às turbulências iniciadas no exterior,
mas, ajuda a dissipar as turbulências originárias no interior do país; afeta a política
fiscal na medida em que esta, assumindo um caráter expansionista, será transferida
a outros países via maiores importações; e permite construir uma economia mais
diversificada e adaptável às alterações da oferta e demanda, assimilando melhor o
chamado ciclo de negócios prosperidade-recessão. Nesta lógica, afirmam esses
autores (BRUM; HECK, 2005, p. 357), “aumentar preços internos se revela mais
146
difícil, pois o consumidor pode buscar produto similar no exterior, implicando que a
expansão econômica pode não acarretar riscos inflacionários”.
Como já foi dito, os tempos são outros, embora sejamos os mesmos a
perpassar as eras até aqui. Hoje, o ponto de divergência, em face do capital e
trabalho, diz respeito a velhas-novas preocupações. No Brasil, por exemplo, não é
difícil encontrar, de um lado, os neoliberais, donos do capital, que buscam de todas
as formas a total flexibilização do contrato de trabalho. De outro lado, os defensores
dos assalariados, que trazem à baila, junto ao Congresso Nacional, a ratificação da
Convenção nº 158, de 1982, a qual, basicamente, veda a demissão sem justa causa,
pois a mesma elenca apenas três motivos para a dispensa: a) se a empresa
demonstrar que passa por dificuldades financeiras; b) se houve mudança
tecnológica; c) se ficar comprovado que o empregado não tem mais condições de
exercer suas funções, embora qualquer delas não retire a possibilidade do
empregado discuti-la na justiça do trabalho. Os defensores da ratificação da
Convenção nº 158, argumentam que é importante frear a rotatividade do mercado de
trabalho considerada excessiva, e a estratégia de muitas empresas dispensar
empregados com custo maior para contratar outros com menores. Além disso, a
proteção à dispensa sem justa causa eleva a qualidade de vida dos trabalhadores e
da sociedade. Por sua vez, os empresários argumentam que a convenção nº 158, de
1982, é retrógrada, e não pode ser instrumento de atraso num mundo globalizado,
que requer inovações e renovações em face do constante ajuste tecnológico, e
porque, se for ratificada, inibirá a geração de novos empregos, sendo pois, tal
assertiva, muito danoso para os jovens e adultos que querem entrar no mercado de
trabalho, cada vez mais competitivo. Sem dúvida nenhuma, como até aqui a
Humanidade se caracterizou por contínua e incansável luta que grassou o tempo,
parece que mesmo tendo ruído o socialismo, tal guerra vem com nova roupagem
discutir o mesmo objeto.
147
3 O DESENVOLVIMENTO HUMANO PODE PROSPERAR NO QUADRO DE UMA
ECONOMIA DE MERCADO?
Enganam-se aqueles que defendem que o “debate clássico, em que o
racismo é um produto derivado da colonização e da escravidão” (NDIAYE, 2003, p.
138)
108
está fora de moda. Nesse sentido, Ndiaye (2003), ao concluir sua
participação na obra “O Livro Negro do Colonialismo”, adverte que o “debate não
estava encerrado”, posto que na Conferência Mundial de Durban contra o Racismo,
realizada em setembro de 2001, os Estados Unidos se recusaram a subscrever a
declaração final, na qual era reconhecido que a “Escravidão foi um crime contra a
humanidade.” Enganam-se também os que buscam outros fundamentos para os
ataques às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, ao World Trade Center e ao
Pentágono, que não é uma resposta a intromissão dos EEUU e sua forma imperial
de globalizar e ampliar os seus mercados
109
, pica globalização chamada por
Chomsky (2005, p. 15) de “direitos do investidor”. Exemplo triste desse modus
operandis foi nos anos 1980, com violentos ataques, conduzido pelo EUA à
Nicarágua
110
, e as atrocidades cometidas em nome do mercado. Ou quem sabe,
108
“[...] No início, a relação de dominação não era rígida, mas progressivamente a segregação racial
se endureceu, para transpor uma etapa importante no fim do século XVII, quando um arsenal de leis
definiu a condição dos negros e isolou-os da sociedade colonial branca. Por volta de 1750, a
escravidão representava o principal sistema de trabalho das colônias do sul dos Estados Unidos.
[...]
São numerosos os relatos de escravos que evocam as terríveis lembranças da separação familiar,
dos comboios terrestres, pés acorrentados, em direção aos mercados de escravos de Nova Órleans
ou Montgomery no Alabama” (NDIAYE, 2004, p.138).
109
“O Governo dos Estados Unidos não controla o projeto de globalização corporativa, embora, é
claro, tenha um papel preponderante nele. Esses programas tiveram contra si uma enorme oposição,
principalmente no Sul, onde os protestos em massa poderiam, em grande parte dos casos, ser
reprimidos ou ignorados. Nos últimos anos, os protestos também atingiram países ricos e, em
conseqüência, tornaram-se o foco de grandes preocupações por parte dos poderosos, os quais agora
se sentem na defensiva, e não sem motivo. Há razões bastante substanciais para a oposição
disseminada em todo o mundo contra a forma, típica de globalização, de “direitos do investidor” que
vem sendo imposta” (CHOMSKI, 2005, 15).
110
“Dezenas de milhares de pessoas morreram. O país sofreu uma substancial devastação e jamais
pôde se recuperar . O ataque terrorista internacional foi acompanhado por uma arrasadora guerra
econômica, que um pequeno país, isolado do mundo por uma vingativa e cruel superpotência
dificilmente poderia enfrentar, como revelaram em detalhes os principais historiadores que estudam a
Nicarágua, como Thomas Walker, por exemplo. Os efeitos sobre o país foram muito mais severos do
que a tragédia ocorrida recentemente em Nova York. E eles o retaliaram bombardeando
Washington. Eles recorreram à Corte Mundial, que deliberou em seu favor, ordenando aos EUA que
voltassem atrás e pagassem uma reparação substancial. Os EUA desdenharam da Corte Mundial e
de sua sentença, respondendo com uma nova onde de intensificação dos ataques à Nicarágua. O
país, então, recorreu ao Conselho de Segurança, que em conseqüência passou a discutir uma
resolução determinando aos Estados que observassem as leis internacionais. Os EUA, e tão-
somente eles, vetaram a resolução. A Nicarágua foi então à Assembléia-Geral, que discutiu uma
resolução similar, com a oposição, por dois anos seguidos, apenas dos EUA e de Israel (tendo certa
148
pouco mais atrás, em 1965, com a Indonésia, num massacre que a própria CIA
comparou aos crimes de Hitler, Stalin e Mao (CHOMSKI, 2005)
111
.
Reconhecidamente, exemplo de maior expressão, o ocorre no momento,
todavia, não se pode deixar de reconhecer que o mercado até hoje, no mundo
globalizado, está mais para a teoria de Hobbes que para o sonho da Paz Perpétua
de Kant. E como foi colocado no capítulo anterior, poucos são os que deliberam
os canais econômicos neoliberais.
O que fazer com a grande massa de desempregados, deserdados e suas
insignes dignidades. Onde, e como faremos para preservá-la, defendê-la e até
incrementá-la, se os caminhos estão fechados para esse desiderato. Quais são
esses caminhos?
É da banalização do mal, a exemplo o que foi dito acima, que se buscará no
presente trabalho, um caminho oposto que se possa concluir que ainda podemos
buscar o que Chomsky (2005, p. 137) lembrou:
Se, ao contrário, o objetivo desses ativistas sociais for reduzir a
possibilidade de futuras atrocidades e viabilizar as esperanças de liberdade,
direitos humanos e democracia, então deveriam intensificar os seus
esforços para investigar os fatores de fundo e o retrospecto que esta por
trás deste e de outros crimes, e devotarem-se cada vez mais energia para
as causas nobres com as quais firmaram compromissos. Deveriam dar
atenção quando o bispo da parte sul da Cidade do México, San Cristobal de
las Casas, que, tendo junto à si tantas misérias e opressão, insta os norte
americanos a “refletir por que são tão odiados”, uma vez que os EUA
vez a adesão de El Salvador). É assim, que um Estado deve proceder. Se a Nicarágua fosse
suficientemente poderosa, poderia ter convocado uma outra corte criminal. Essas seriam medidas
que os EUA deveriam tomar, sendo que no caso ninguém teria como bloqueá-las. É isso que todo
mundo esta pedindo que os EUA façam, incluindo aí seus aliados.” (CHOMSKY, 2005, p. 27-28).
111
“Um exército apoiado pelos EUA assumiu o controle da Indonésia em 1965, efetuando a matança
de centenas de milhares de pessoas, a maioria camponeses, num massacre que a CIA comparou
aos crimes de Hitler, Stalin e Mao. O massacre, detalhadamente noticiado, ensejou um incontrolável
euforia no Ocidente, na mídia nacional e em outros centros. Os camponeses indonésios não nos
causaram nenhum mal. Quando a Nicarágua finalmente Sucumbiu ao ataque dos EUA, a grande
imprensa louvou o êxito dos métodos adotados para “arruinar a economia e proceder a uma
prolongada e mortal guerra por procuração, até que os nativos, exauridos, derrubaram o governo por
eles mesmos”, com um “custo mínimo para o EUA, deixando as vítimas “com pontes desabadas,
estações de energia sabotadas e fazendas arruinadas”, e ainda fornecendo ao candidato pró-EUA um
slogan vencedor”: “Vamos por fim ao empobrecimento do povo de Nicarágua” (Time) Ficamos “todos
deliciados” com este resultado final, é o que proclamou o New York Times. É fácil prosseguir com
esta argumentação. Muitas poucas pessoas pelo mundo celebraram os crimes em Nova York; uma
maioria esmagadora deplorou-os com veemência, mesmo em lugares onde a população foi
praticamente esmagada pelas botas de Washington, sofrendo por um longo período essa situação”
(CHOMSKY, 2005, p. 76).
149
“geram tanta violência para proteger seus interesses econômicos” (Marion
Lloyd, México City, Boston Globe, 30 de setembro).
O que sobra aos países conhecidos como periféricos?
Veja o que ocorre aqui no Brasil, mais especificamente na capital gaúcha, -
comprovadamente uma das melhores capitais no item de qualidade de vida -
deparamo-nos com semelhante, morando num terreno baldio, que matava cães para
alimentar-se?
112
Indaga-se: Isto é exercício de dignidade? Ora, mesmo admitindo-
se que em países da Ásia, como Coréia do Sul, China, o consumo de carne de
cachorro é tolerado como iguaria, esses animais não exercem o papel afetivo que
desempenham aqui no Ocidente. O certo é que o melhor amigo do homem não era
devorado pelo humano seu amigo, mas sim, pelo absolutismo da fome que o
consumia. E das “crianças tartarugas ninjas” que habitavam os subterrâneos de
Porto Alegre, há pouco mais de dez anos, por falta de projeto social subjacente? E
das dezenas de mortes na candelária, Rio de Janeiro, promovida, ao que se sabe,
pelo próprio “stableshmt” da segurança pública? Alguém já esqueceu?
Cínico é quem não reconhece a atualidade de Bandeira (1947, p. 201-202),
quando se recita “O BICHO”:
Vi ontem um bicho. Na imundície do pátio. Catando comida entre os
detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade. O bicho não era um cão. Não era um gato. O
bicho, meu Deus, era um homem.
Diante desse pequeno e fragmentado panorama, não se pode falar em
eficácia de um desenvolvimento humano com respeito a dignidade, quando o
capitalismo, principalmente como motor da globalização econômica, produz ao longo
de sua existência, riquezas para poucos e misérias para muitos, de forma crescente,
atingindo, nessa virada do século XXI, 20% de pobreza, tendente em aumentar o
percentual.
112
“Fome foi a justificativa dada por um homem no sábado para se alimentar da carne de vira-latas na
Capital. Lauro Pereira Ribeiro, 28 anos, admitiu ter abatido pelo menos quatro cachorros em pouco
mais de 10 dias em um terreno baldio da Zona Sul. Moradores e comerciantes da Avenida Cavalhada
chamaram a polícia chocados com a situação” (O HOMEM QUE MATAVA CÃES PARA SE
ALIMENTAR, 2005, p. 30).
150
Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948,
estabelecia em seu e artigos que “todas as pessoas nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em
relação umas às outras com espírito de fraternidade” e da “não discriminação”,
esses valores tendem a relativizar-se frente à “globalização” orientada pelas grandes
potências econômicas, que, concentrando as riquezas do mundo, buscam, não
apenas o lucro, mas sim, pelo capitalismo, o mercado mundial monopolizado, agindo
com atos imperialistas, subjugando outros povos - periféricos - “adonando-se” - não
raro as muitas vezes - de sua cultura, conhecimento tradicional, impingindo-lhes as
mais variadas formas de jugo, mas chegando ao extremo de dizimar centenas de
milhares de vidas.
Resta saber, e este é o propósito do presente trabalho, se é possível concluir
que nesse contexto de globalização econômica financeira, de globalização
neoliberal, valores como dignidade e desenvolvimento humano, podem ser
observados na sociedade contemporânea, ou se tais princípios não passam de
sonho, ilusão, ou quem sabe, de uma eterna “busca”, digna do ser humano como ser
contraditório, ou estamos rumo ao hoje chamado “ultracapitalismo”? (BANDEIRA,
2005).
Da mesma forma, ao trabalhar com o princípio da dignidade humana e seu
desenvolvimento, buscaremos entender seu espaço, seus efeitos e sua observação
com o desenvolvimento econômico, posto que, imbricados, podem ou o ser
aplicados.
3.1 Conceito de dignidade humana
Mirandola (apud JOAQUIN, 1999)
113
, no início do Séc. XV, havia afirmado
que a
idéia que o homem pode ascender na cadeia dos seres pelo exercício de
suas capacidades intelectuais foi uma profunda garantia de dignidade da
existência humana na vida terrestre. A raiz da dignidade reside na sua
firmação que somente os seres humanos podem mudar a si mesmos pelo
113
Giovanni Pico della Mirandola, erudito, filósofo neoplatônico, humanista do Renascimento Italiano
(Mirandola, 24 de fevereiro de 1463 - Florença, 17 de novembro de 1494) (JOAQUIN, 1999).
151
seu livre-arbítrio. Ele observou na história humana que filosofias e
instituições estão sempre evoluindo, fazendo da capacidade de auto-
transformação do homem a única constante.
Essas idéias teriam elevado o status de escritores, poetas, pintores e
escultores como Leonardo da Vinci e Michelangelo, de meros artesãos medievais a
um ideal renascentista de artistas considerados gênio que persiste até os dias atuais
(JOAQUIN, 1999).
Estas reflexões sobre o conceito de dignidade humana, desenvolvimento
humano e suas transformações de vida na atual fase do capitalismo de mercado e
globalização neoliberal, e suas implicações a nível de futuro da humanidade, seu
desenvolvimento em face da necessária solidariedade e equidade com os seres que
habitam a Terra, se faz importante, mormente quando estamos inseridos nesse
movimento, queiramos ou não, como afirma Bauman (1999). A questão da dignidade
e do desenvolvimento humano, encontra-se no cerne desta pesquisa, que tal
reflexão passará, mesmo que de forma resumida, pelos princípios fundamentais,
porquanto, ao não podermos aplicar aqui aquele da “beneficência”, posto que o
“mercado” tem seus princípios de autonomia, ao menos devemos aplicar então a
“teoria da não-maleficência”, além de outros valores mais atuais da ética e do
princípio da justiça e do respeito à vida humana, fundamental para a construção de
uma cidadania social e econômica, tendo como valor central o homem e seus
direitos.
A noção de dignidade humana, que pode variar consoante os povos, cultura e
suas épocas, é atualmente uma idéia força que possuímos e respeitamos na
civilização ocidental, que é a base dos textos fundamentais sobre Direitos Humanos.
Basta ver que no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, que assim está vazada: “Os direitos humanos são a expressão direta da
dignidade da pessoa humana, a obrigação dos Estados de assegurarem o respeito
que decorre do próprio reconhecimento dessa dignidade” (JOAQUIN, 1999, p. 4).
Esta noção de dignidade como característica comum a todos os seres
humanos é relativamente recente, sendo por isso difícil fundamentá-la senão como
reconhecimento coletivo duma herança histórica de civilização, colocando-se a
152
questão de saber se a dignidade humana não será o modo ético como o ser humano
se vê a si próprio, afirma Joaquin (1999).
Como o Humanista Pico de La Mirandolla via a vida humana, seu conceito e a
imagem de si com os outros seres humanos, na relação com o mundo que habitam,
vê-se que a questão é mais de ética nas relações e do respeito aos seres humanos,
da mesma forma que defende Folladori (2001).
Ora, para entender o homem e sua trajetória global, face sua dignidade
extrínseca, é necessário também que entendamos aquilo que Hannah Arendt
chamou de “banalidade do mal”. Essa experiência foi após a trágica vivência nazi,
quando então, essa capacidade de simbolização o pode deixar de questionar o
que é dignidade. A banalidade do mal, também o foi quando e por ocasião das
bombas em Hiroshima e Nagasaki, onde os corpos humanos aniquilados foram
também o rosto da humanidade que se desfez, diante da aparente indiferença de
quase todos moradores do planeta terra.
A abordagem atual da dignidade humana e seu desenvolvimento deve ser
feita, sobretudo, pela negativa, pela negação da banalidade do mal, justamente
quando se está confrontando com situações de indignidade ou de ausência de
respeito à vida, ao humano.
Nesse mundo globalizado e tecnizado, é preciso buscar a ligação de um
mundo mais sensível, que novamente venha a se horrorizar com atos indignos
contra a vida, alargando, pois, o conceito de dignidade de modo a assegurar a
continuidade do humano na terra, numa ética de maior responsabilidade pelo futuro
da humanidade.
Como alude Boaventura Sousa Santos (apud JOAQUIN, 1999, p. 6):
que assenta no cuidado, que nos põe no centro de tudo o que nos acontece
e que nos faz responsáveis pelo outro, o outro que pode ser um ser
humano, ou um grupo social, um objecto, um patrimônio, a natureza, o outro
que pode ser o nosso contemporâneo, mas que será cada vez mais um
outro futuro cujas possibilidades de existência temos que garantir no
presente.
153
Voltando à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, adotaremos
alguns tópicos aplicados à Bioética, tendo em conta este alargamento do conceito
de dignidade que buscamos, referindo os princípios que lhe estão associados
(JOAQUIN, 1999, p. 5):
- o da não-discriminação (nomeadamente em função da raça)
- o direito à vida
- a proibição de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
- o respeito pela vida privada e familiar
- o direito à saúde.
Quando falarmos de dignidade humana e mercado, não estamos diante de
outra noção do humano e da dignidade que lhe é devida, como de uma outra noção
de comunidade, que, quanto mais se aprofundou o que é a dignidade humana, mais
se “abriu”, deu lugar ao encontro do que era considerado “não-humano”, tornando-se
mais humana e libertando-se de um poder totalitário, que também o oprime e
destrói. Iremos ao encontro de uma ética que será
a salvaguarda em si e nos outros de uma certa idéia de humanidade,
apesar de todos os desmentidos que lhe infligiu a experiência pública e
privada. Humanidade não sem desumanidade, mas apesar da
desumanidade. Humanidade, embora ferida, sempre renascendo.
(JOAQUIN, 1999, p. 7).
Mas, como agir para preservar esta humanidade na desumanidade, que se
compromete de cada vez uma decisão que não releva nenhuma regra a priori e que
não está suspensa de nenhuma sanção.
Como o próprio Santos (2007, 23-24) afirma:
Não parece que faltem no mundo de hoje situações ou condições que nos
suscitem desconforto ou indignação e nos produzam inconformismo. Basta
rever até que ponto as grandes promessas da modernidade permanecem
incumpridas ou o seu cumprimento redundou em efeitos perversos. No que
respeita à promessa de igualdade os países capitalistas avançados com
21% da população mundial controlam 78% da produção mundial de bens e
serviços e consomem 75% de toda a energia produzida. Os trabalhadores
do Terceiro Mundo do sector têxtil ou da eletrônica ganham 20 vezes menos
que os trabalhadores da Europa e da América do Norte na realização das
mesmas tarefas e com a mesma produtividade. Desde que a crise da dívida
rebentou no início da década de 80, os países devedores do Terceiro
Mundo têm vindo a contribuir em termos líquidos para a riqueza dos países
desenvolvidos pagando a estes em média por ano mais de 30 bilhões de
dólares do que o que receberam em novos empréstimos. No mesmo
período a alimentação disponível nos países do Terceiro Mundo foi reduzida
em cerca de 30%. No entanto, só a área de produção de soja no Brasil daria
154
para alimentar 40 milhões de pessoas se nela fossem cultivados milho e
feijão. Mais pessoas morrem de fome, no nosso século, que em qualquer
dos séculos precedentes. A distância entre países ricos e, países pobres e,
entre ricos e pobres, no mesmo país, não tem cessado de aumentar.
Todos esses breves apontamentos que certamente nos causam indignação e
desconforto são suficientes para nos obrigar a reflexão crítica sobre o mercado,
dignidade e desenvolvimento humano, na procura de um caminho ético, que respeite
a condição humana.
Para isto, analisaremos a dignidade humana com os fundamentos filosóficos
e biológicos, na busca das respostas às nossas indagações para, após, avaliarmos
se condições de o Direito atender os anseios fundamentais e seus princípios,
para a finalidade e eficácia a que foi engendrado.
3.1.1 A dignidade humana - uma reflexão filosófica
A História, desde a Antiguidade Oriental até à Idade Contemporânea,
demonstra que nem sempre houve reconhecimento do primado do ser humano.
Desde a escravatura, reinante nas civilizações orientais, clássicas e européias, até
às perseguições da Inquisição, a discriminação social foi notória e pacificamente
aceite pelos filósofos coevos. Já Aristóteles (384-322 a. C.) e S. Agostinho (354-430)
se tinham debruçado sobre a distinção entre coisas, animais e seres humanos.
Deve-se a Immanuel Kant (1724-1804), através das suas críticas e análises
sobre as possibilidades do conhecimento, nomeadamente a partir das questões: o
que posso conhecer?, o que posso fazer? e o que posso esperar? na Crítica da
Razão Pura, na Crítica da Razão Prática e na Fundamentação da Metafísica dos
Costumes, uma das contribuições mais decisivas para o conceito de dignidade
humana.
No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade”. Quando uma coisa
tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como
equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto
não permite equivalente, então ela tem dignidade. (KANT apud JOAQUIN,
1999, p. 8).
155
Como o próprio Kant reconheceu, as respostas às questões colocadas
dependiam do nosso conhecimento da natureza do próprio ser humano. O que
posso conhecer, fazer ou esperar, depende, em última análise, da minha própria
condição humana. “Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa
como na do outro, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente
como um meio” (JOAQUIN, 1999, p. 8). "Para [Kant], o ser humano é um valor
absoluto, fim em si mesmo, porque dotado de razão. A sua autonomia, porque ser
racional, é a raiz da dignidade, pois é ela que faz do homem um fim em si mesmo."
(JOAQUIN, 1999, p .8).
Devemos ainda pensar em dois conceitos: em Kant é, principalmente, o
conceito de respeito que é sublinhado e em Hegel o conceito de reconhecimento,
mais básico do que o de respeito. Para ser humano é preciso ser reconhecido
enquanto tal e não somente como organismo biológico. É na relação com o outro
que se é reconhecido como ser humano. A dignidade é, neste sentido, o efeito deste
reconhecimento é a sua fundamentação e, neste reconhecimento recíproco o ser
humano torna-se capaz de liberdade. Aprendemos com Hegel que todo o processo
da cultura é um processo no qual procuramos ascender a níveis cada vez mais
profundos de reconhecimento da igualdade. Neste sentido, enquanto o outro não for
totalmente livre, eu não sou livre. Em resumo, a dignidade do ser humano repousa
sobre o seu ser real, enquanto esta realidade é capacidade daquilo que ele pode
ser, e não apenas sobre o que ele faz efetivamente desta capacidade. Depois da
capacidade de autonomia, de autenticidade e de liberdade mediante o
reconhecimento do outro, um outro momento da fundamentação da dignidade: o
ser humano é capaz de se elevar acima das circunstâncias imediatas do seu
ambiente para colocar questões sobre o sentido do real.
Nas raízes filosóficas do conceito de dignidade humana, somos obrigados a
referir John Stuart Mill (1806-1873), de cuja obra citamos pequena passagem de seu
livro sobre a Liberdade:
Não é procurando reduzir à uniformidade o que é individualidade, mas
cultivando esta, dentro dos limites impostos pelos direitos e interesses
de terceiros, que os seres humanos se tornam dignos da sua condição. Nos
trabalhos que produzem, contribuem para o enriquecimento da própria
sociedade de que fazem parte. Assim tornarão esta mais útil e profícua, e
eles próprios mais orgulhosos de dela fazerem parte. Nesta medida, em
156
proporção com a respectiva contribuição, cada pessoa sentir-se-á mais
válida para consigo mesma e, nessa medida, mais útil para os outros.
(JOAQUIN, 1999, p. 9).
Segundo Sarlet (2005), o próprio Dworkin, ao tratar do conteúdo da dignidade
da pessoa humana, acaba reportando-se direta e expressamente à doutrina de Kant,
ao relembrar que o ser humano não podejamais ser tratado como objeto, isto é,
mero instrumento para realização dos fins alheios, destacando, todavia, que tal
postulado não exige que nunca se coloque alguém em situação de desvantagem em
prol de outrem, mas sim, que as pessoas nunca poderão ser tratadas de tal forma
que se venha a negar importância distintiva de suas próprias vidas.
Nesse contexto, vale registrar que mesmo Kant, nunca afirmou que o homem,
num certo sentido, não possa ser “instrumentalizado” de tal sorte que venha a servir,
espontaneamente e sem que com isto venha a ser degradada na sua condição
humana, à realização de fins de terceiros, como ocorre, de certo modo, com todo
aquele que presta um serviço a outro (SARLET, 2005).
Em resumo, o termo Dignidade Humana é o reconhecimento de um valor. É
um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e o na sua utilização
como um meio. Isso quer dizer que a Dignidade Humana estaria baseada na própria
natureza da espécie humana a qual inclui, normalmente, manifestações de
racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, que fazem do ser humano um ente
em permanente desenvolvimento na procura da realização de si próprio.
Sarlet
(2005) assevera que o critério decisivo para a identificação de uma violação da
dignidade passa a ser do objetivo da conduta, isto é, da intenção de instrumentalizar
(coisificar) o outro. E conclui:
Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade
intrínsica e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e
da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2005, p.
36).
157
Vale lembrar novamente a lição de Santos (2007), ao sustentar que o
conceito corrente de direitos humanos e a própria noção de dignidade da pessoa
assentam num conjunto de pressupostos tipicamente ocidentais, quando em
verdade, todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, muito
embora nem todas elas a concebam em termos de direitos humanos, razão pela
qual se impõe o estabelecimento de um diálogo intercultural, no sentido de uma
troca permanente entre diferentes culturas e saberes, que será viabilizado pela
aplicação de uma “hermenêutica diatópica”, que por sua vez, não pretende alcançar
uma completude em si mesma inatingível, mas sim, ampliar ao máximo a
consciência da incompletude mútua entre diversas culturas por meio do diálogo.
Em resumo, o conceito de dignidade é apresentado por Kant na
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde ele afirma que a "dignidade é
reconhecida como o valor de uma maneira de pensar" (JOAQUIN, 1999, p. 8, grifo
do autor), isto é, segundo o filósofo, “coloca-se acima dos valores de mercado ou
sentimento por constituir-se um valor absoluto” (JOAQUIN, 1999, p. 8). Esse sentido
de valor absoluto é atribuído, por um lado, a tudo aquilo que não admite ser
substituído por qualquer coisa equivalente.
Segundo Kant (apud JOAQUIN, 1999, p. 8, grifo do autor), infinitamente
acima do sentido de valor de mercadoria, o sentido de valor absoluto representa "o
que está acima de todo preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente,
(isto é) o que tem uma dignidade". Colocado acima do sentido de valor de
sentimento, o valor absoluto representa "o que constitui a condição capaz de
fazer que alguma coisa seja um fim em si" (JOAQUIN, 1999, p. 9, grifo do autor).
Para Kant (apud JOAQUIN, 1999), se alguma coisa não é exclusivamente meio para
obtenção de outra coisa, então esta coisa é também um fim em si mesmo. Ora, diz
Kant (JOAQUIN, 1999, p. 9, grifo do autor), o que tem "um fim em si mesmo não tem
apenas valor relativo, isto é preço, mas sim um valor intrínseco, (ou seja) uma
dignidade". Nestas afirmações de Kant, averiguamos a supremacia do valor
absoluto, porquanto, distingue ele preço e dignidade. Preço, é um valor relativo,
enquanto o sentido do valor resulta da maneira de pensar na utilidade ou na
agradabilidade que determinadas coisas tem para todos nós. Dignidade é um valor
158
intrínsico, e seu sentido resulta da maneira de pensarmos em determinadas coisas
que possuem valor absoluto.
Cabe perguntar, portanto, em que condição a vontade de uma pessoa pode
dispor de uma outra pessoa? Ou seja, em que condições uma pessoa deverá ser
sempre respeitada como um fim em si?
Certamente, que para respondermos a esta questão - aliás, necessário ao fim
deste trabalho -, é preciso averiguarmos o conceito kantiano de vontade boa” e ou,
de “vontade livre”, pois é na concepção de liberdade da vontade que encontramos o
respeito à dignidade dos seres racionais. Isso, faremos na conclusão.
3.1.2 Dignidade humana – uma reflexão biológica
Infere-se da obra de Capra (2002) que todas as formas de vida desde as
células mais primitivas até as sociedades humanas, suas empresas, estados
nacionais e a mesmo a economia global organizam-se segundo os mesmos
princípios básicos: o padrão de redes, com unidades e sistemas interconectados.
Para ele, o planeta, os seres humanos e ecossistemas estão ligados à teia da vida
e, nesse sistema, as redes são auto-geradoras, ou seja, vivas, criam e recriam-se,
substituindo seus componentes.
Capra (2002) afirma que nossa visão fragmentada do mundo, seja
urgentemente abandonada em favor de um novo paradigma baseado na ecologia
profunda e na parceria e que o dinheiro não seja o único sustentáculo das crenças e
valores que regem as organizações humanas. A mudança de atitude para uma
economia ecologicamente sustentável e socialmente justa é, na visão de Capra,
fundamental para a própria sobrevivência da humanidade. Embora com a teoria
Darwiniana se possa afirmar que a dignidade humana é uma característica de
cada ser humano na medida em que é a característica fundamental de toda a
humanidade, a dignidade está na totalidade do humano e cada ser emerge com a
sua própria dignidade dessa totalidade do humano. Daí a importância fundamental
do processo de individualização de cada ser. A capacidade de exprimir uma
representação simbólica de tudo o que vê, conhece ou faz, foi-se estruturando ao
159
longo das várias etapas que trouxeram a humanidade até à etapa biogenética atual.
quem diga, com suporte nesta teoria, que poderá também ser na diferença de
dignidade e de respeito existente entre o ser humano e o animal que radica o
conceito de Dignidade Humana. Essa diferença não se fundamenta na afetividade,
uma vez que o ser humano também a partilha com grande parte dos animais e
possivelmente basear-se-á na qualidade específica que ele possui de simbolizar,
capaz de representar e projetar no exterior os conteúdos da sua consciência e usá-
los na criação da cultura humana. Todavia, lendo Capra, parece existir, sim, uma
diferença radical ao nível da manifestação do inconsciente no consciente do ser
humano. Onde é que o inconsciente se enraíza biologicamente? Ou é um construto
cultural e, portanto, exclusivo do ser humano? A capacidade para a simbolização
tem ou não um fundamento biológico? Tem ou não uma explicação neuro-biológica?
Pelo aspecto biológico ligado à teoria da evolução não se encontram suportes que
fundamentem um estatuto especial para o ser humano. Nesse sentido, torna-se
difícil definir o conceito de Dignidade Humana, sobretudo quando, objetivamente, se
refere a um determinado ser humano: quando tem início o ser humano? No
momento da fecundação do óvulo? Durante a gestação, quando se manifestam as
primeiras ondas elétricas no encéfalo do feto ou os primeiros batimentos cardíacos?
No momento do nascimento completo? Quando o indivíduo adquire consciência de
si mesmo? E quando termina a dignidade do ser humano: quando é verificado o
óbito? Quando entra em estado vegetativo persistente? Ou o ser humano deve ser
sempre respeitado na sua dignidade, independentemente da respectiva condição
biológica? Será possível aceitar sem dignidade humana a pessoa que padece de
grave perturbação mental ou deficiência física profunda? E os mais capazes, os
mais inteligentes e mais cultos, serão biologicamente mais dignos? Poderá existir
uma dignidade biológica? Pode-se ser biologicamente indigno ou, pelo contrário, não
qualquer indignidade na forma como existimos? Pode-se ser mais ou menos
biologicamente digno? Existe um determinismo biológico para a dignidade ou
indignidade?
Vale dizer, como afirma Sarlet (2005), que a dignidade como qualidade
intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento
que qualifica o ser humano como tal de dele não pode ser destacado, de tal sorte
que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma
160
pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Está, portanto, compreendida como
qualidade integrante e, em princípio, irrenunciável da própria condição humana,
pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo,
contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora
possa ser violada), que existe ou é reconhecida como tal e, cada ser humano
como algo que lhe é inerente. Portanto, todo e qualquer ser humano é portador à
nascença da sua própria dignidade pelo fato de ser pessoa. A dignidade humana
é pois, um valor que se baseia nas capacidades originais da pessoa e supera a
estrutura biológica do ser humano.
E, por isso, talvez se possa dizer que a qualidade biológica de uma vida
humana não altera a sua dignidade. O demente, o doente terminal que está
inconsciente ou em estado vegetativo persistente têm a mesma dignidade que outro.
Como alude Sarlet (2005) mesmo o maior dos criminosos é igual em dignidade, no
sentido de ser reconhecido como pessoa ainda que não se porte de forma
igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo
mesmo. Neste sentido, todo o biológico humano é assumido pela pessoa e, nessa
medida, toda a violência contra o corpo biológico se pode assumir como violência
contra a pessoa, e toda a instrumentalização do corpo biológico significa
instrumentalização da pessoa. A dignidade humana é sentida e expressa através do
corpo humano como suporte biológico da existência. Nem a pessoa é o seu corpo,
tampouco é proprietária do seu corpo. A pessoa é um sistema psicossomático que
toda a vida humana nos torna cada vez mais presente. Como se disse, a diferença
fundamental entre o ser humano e os animais não radica na afetividade mas sim na
sua capacidade de pensar simbolicamente, de representar e projetar no exterior os
conteúdos da sua consciência e usá-los na criação da cultura humana. Ou seja, na
esfera do cognitivo. A consciência de si mesmo como pessoa e dos outros, também
como pessoas, conseqüente dessa capacidade simbolizadora do ser humano, será
condição sine qua non para a reflexão ética. Por consequência, a natureza biológica
do corpo humano não é mais do que o substrato, suporte ou mediação da pessoa,
que está subjacente em toda a reflexão sobre a dignidade humana.
Existe pois uma
dimensão ética na existência humana, isto é, a pessoa existe enquanto pessoa
somente quando é reconhecida por outras pessoas. uma ética para a pessoa
que vive no seu corpo. O corpo não é portador de dimensão ética, mas é a pessoa
161
no seu corpo que é portadora desta dimensão. Para o corpo humano isolado, não há
ética.
Sarlet (2005), por sua vez, atribui dimensões ao principio da dignidade
humana, a respeito da dimensão ontológica, mas não, necessariamente biológica.
Explica o autor que:
o reconhecimento da dignidade como valor próprio de cada pessoa não
resulta, pelo menos não necessariamente (ou mesmo exclusivamente), em
uma biologização da dignidade, no sentido de que esta seria como uma
qualidade biológica e inata da natureza humana, geneticamente pré-
programada, como por exemplo, a cor dos olhos ou dos cabelos, entre
tantos outros, bem como o sustentou Jurgen Habermas. (SARLET, 2005, p.
22).
Resta claro, portanto, a importância de tais entendimentos, principalmente
quando abordaremos o desenvolvimento humano, na medida em que não se pode
admitir a concepção apenas biológica, eis que, reducionista, destoa a nosso ver, da
natureza humana, posto que esta, eminentemente relacional.
3.1.3 Desenvolvimento humano no mercado
Segundo Capra (2002), é possível identificar, neste início de milênio, dois
fenômenos que terão grande impacto no futuro da humanidade: o crescimento do
capitalismo global e a criação de comunidades sustentáveis baseadas na
alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes
ecológicas de fluxos de energia e matéria. Todavia, esses dois movimentos estariam
em plena rota de colisão, propondo Capra, uma revisão do modelo de globalização
de forma a tornar compatíveis a dignidade humana e o desenvolvimento econômico
sustentável, afirmando que, nas três últimas décadas, surgiu um modo de
organização do capitalismo diferente do que existia no período que vai do término da
Segunda Guerra Mundial até o final dos anos 60, centrado em atividades
econômicas globais, competitividade como inovação e numa economia baseada em
rede financeira, que popularmente conhecemos como globalização, e como o capital
corre em tempo real, temos um cassino operado eletronicamente pelo sistema
financeiro que não segue uma lógica.
162
Para Capra (2002), o capitalismo global em sua forma atual é insustentável e
precisa ser revisto o quanto antes, pois, baseado no princípio de que ganhar
dinheiro deve ter precedência sobre todos os outros valores, criam-se exércitos de
excluídos e gera-se um ambiente econômico social e cultural que não apóia a vida,
mas a degrada, tanto no sentido social quanto no ecológico. Segundo esse autor, o
modo de ver a sociedade está sendo mudado, com o surgimento de ONGs e
atores políticos da sociedade civil global, a exemplo dos três grandes fóruns em
Porto Alegre, onde foram discutidas políticas sociais alternativas. Outras propostas
estão sendo formuladas, como os projetos de designer industrial ou ecodesigner
que podem ser aplicadas em pais com base em economia orientada para fluxos: a
energia solar e a tecnologia de separação do hidrogênio a partir da água do mar, o
hipercarro, com chassi de fibra de carbono, etc.
Para isto, a transição ao futuro sustentável é um problema de valores e
liderança política, e a chave da sobrevivência vai depender dessa consciência de
que a vida não assumiu o planeta através do combate, mas de redes de
cooperação.
Mas afinal, o que é desenvolvimento? Qual é o conceito possível a ser
aplicado ao desenvolvimento? Ele é possível, nesta quadra da história da
humanidade? Como ele é concebido em nossa realidade jurídica? Estaria ele
assentado como direito fundamental? Tem ele eficácia, ou o passa de mais uma
regra inaplicável? É possível o Poder Judiciário assegurar o seu cumprimento pelo
Estado, num ambiente de competição capitalista e em franca globalização
financeira? É possível um desenvolvimento humano no mercado? Todas essas
duvidas deverão ser respondidas, a seguir, de modo a nos aproximar da conclusão
da nossa pesquisa, sempre com esse fio tênue a nos ligar às eras passadas, razão
por que nos colocou diante de tão complexa circunstância contemporânea.
- O que é desenvolvimento
Segundo Siedenberg (2004), a par de ser um conceito ambíguo, difuso, o que
se observa no contexto dos projetos de desenvolvimento implementados nas últimas
décadas, os fatores econômicos sobressaem sobre os fatores sociais, ambientais.
163
Anota o autor ainda que “no mundo acadêmico a proliferação de estudos que
apontam e esmiúçam as mais diferentes nuances do desenvolvimento praticamente
inviabilizam uma visão geral do problema” (2004, p. 10), a ponto de Sachs (apud
SIEDENBERG, 2004, p. 10) referir-se ao conceito da seguinte forma:
Entrementes desenvolvimento tornou-se uma palavra amorfa, semelhante a
uma ameba. O termo não significa nada, porque seus contornos se
esvaem... Quem utiliza este termo não identifica absolutamente nada, mas
preserva para si todas as boas intenções deste mundo. Apesar de não ter
conteúdo, o termo tem uma função: em nome de um objetivo superior [a
utilização do conceito] consagra toda e qualquer proposta ao direito de ser
consumada. Desenvolvimento é um termo tão vazio quanto um mero plus.
Conforme Siedemberg (2004, p. 11),
Assim, não é de admirar que Sérgio Boisier, por exemplo, ao se referir aos
processos de desenvolvimento local, pergunte de forma lapidar: de qué
estamos hablando?” (BOISIER 2000). Outros optam por adjetivar o conceito
(desenvolvimento sustentável, por exemplo), imaginando estar definindo o
termo com maior precisão através deste recurso. Amartya Sen arrisca
vincular o conceito ao processo de expansão das diferentes dimensões de
liberdade que as pessoas desfrutam (SEN 2000), inovando na tentativa de
definir desenvolvimento, ao propor uma configuração substantivo-
substantivo (desenvolvimento como liberdade). Porém, o que se observa é
que todas essas abordagens e conjunções não são suficientes para auxiliar
na explicitação definitiva do conceito. Desenvolvimento continua sendo um
conceito ambíguo, difuso, ou seja, um conceito cujos contornos não estão
nitidamente definidos.
Alude Siedenberg (2004) que da Antigüidade até o limiar da Idade Moderna, o
conceito de desenvolvimento esteve circunscrito num forte cunho antropológico e
teológico
114
, e que, em meados do Século XVII, a partir de Leibnitz, os conceitos
evolutio e développement passaram a receber um significado de direção e foram
associados a uma espécie de mudanças seqüenciais que ocorrem em estágios pré-
definidos e inevitáveis. Somente a partir dos culos XVIII e XIX, no contexto das
filosofias progressista é que o desenvolvimento passou a significar também
“movimento, processo, mudança e libertação”, embora, como assevera Siedemberg
(2004, p. 12).
as doutrinas que embasaram o imperialismo deram ao conceito de
desenvolvimento mais um significado: o de transição, na qual as chamadas
“sociedades tradicionais” foram sendo “ocidentalizadas” pela imposição
114
“Durante a maior parte deste período, o conceito referia um processo de revelação gradual,
semelhante ao broto de uma flor que desabrocha aos poucos, o desenrolar de algo envolto, algo
presente, mas ainda encoberto” (SIEDENBERG, 2004, p. 11).
164
inescrupulosa de valores e modelos culturais, econômicos e políticos, com o
quais se buscava o progresso e a modernização
115
.
Não como negar, realmente, que foi a partir das novas políticas
implementadas pelos Estados Unidos que se instauraram as bases de um novo
paradigma mundial
116
. Lembra Siedenberg (2004), colhendo as lições de Donovam,
que neste discurso Truman teria se referido à maior parte do mundo como
“subdesenvolvida”, ao anunciar um pacote de ajuda técnica, administrativa,
econômica e militar dos E.U.A., para os países menos desenvolvidos da África, Ásia
e América Latina.
Afora os planos imperialistas dos EUA, salientes após a Segunda Guerra
Mundial, cuja matéria não seja aqui, objeto de estudos, é preciso concordar com
Siedenberg (2004, p. 15) que foi
a partir de meados da década de 70, quando o substantivo desenvolvimento
começou a ser associado com maior freqüência com adjetivos como
humano, social, eco- e sustentável (BRASSEUL, 1989; SACHS, 1986;
BRUNDLAND 1987; COY e KOHLHEPP 1998), reconfigurando mais uma
vez o conceito, estabeleceram-se relações até então ignoradas, como por
exemplo a relação entre desenvolvimento e meio ambiente,
desenvolvimento e a governança global, ou ainda, desenvolvimento e os
modelos de médio alcance. Em função disso, o termo voltou a ocupar um
lugar de destaque nas políticas públicas, na academia, na mídia e em
projetos de diferentes grupos e organizações.
115
“De uma maneira em geral, o “processo de ocidentalização do mundo” (LATOUCHE, 1994),
nitidamente perceptível até por volta de 1950, colocou sociedades tradicionais e países menos
desenvolvidos que as emergentes economias urbano-industriais diante de um enorme dilema: buscar
o ajustamento aos conceitos, parâmetros e modelos ocidentais de desenvolvimento, ou manter-se
atrelado às tradições, culturas e costumes milenares, ignorando as idéias ocidentais, a tecnologia e o
progresso. Nos últimos 50-60 anos a maior parte dos países acabou se enquadrando com maior ou
menor ênfase entre estes dois extremos, representados de um lado por Japão e Turquia, economias
que abraçaram a ocidentalização, e de outro lado, por Albânia, Iêmen e Tibet, países que se
fecharam completamente em si mesmos ou mesmo desapareceram (CAIDEN; CARAVANTES, 1985)”
(SIDENBERG, 2004, p. 12-13).
116
“Para além dos diferentes significados e ênfases do conceito no decorrer da história, o
desenvolvimento da humanidade pode ser constatado de forma incontestável nos inúmeros e
enormes avanços sociais, econômicos, políticos e técnicos que diferenciam as sociedades primitivas
das sociedades pós-modernas, e que continuam ocorrendo com velocidade e abrangência cada vez
maior. Porém, é necessário reconhecer que o conceito de desenvolvimento, considerado aqui,
sobretudo, em sua dimensão sócio-econômica ocidental capitalista, tem ‘data de nascimento’: há
certo consenso entre pesquisadores e cientistas sociais de que o discurso de posse de Harry
Spencer Truman, ao assumir seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos da
América, proferido no dia 20 de janeiro de 1949, instaurou as bases de um novo paradigma mundial”
(SIEDENBERG, 2004, p. 11-12).
165
Durante as cinco décadas (1950-2000), o “mundo moderno” ingressou
gradativamente na ‘pós-modernidade’ da globalização ou da incerteza,
reconfigurando, novamente um conjunto de crenças ou paradigmas consolidados em
diversas áreas, como sintetiza o quadro abaixo:
Estratégia básica Período Principais elementos Ênfase
Modernização Década de
50
Industrialização (substituição
das importações e fomento
das exportações), revolução
verde, pólos setoriais e
regionais
Setorial, econômica,
orientada para o
crescimento
Dissociação Década de
60
Desenvolvimento do mercado
interno, self reliance
Política
Equacionamento das
necessidades básicas
Década
de70
Orientação para a miséria e
grupos marginalizados
específicos, inclusão e
participação
Regional e social
Ajuste Estrutural Década de
80
Desregulamentação,
flexibilização, desestatização,
equacionamento da dívida,
balanço de pagamentos e
controle da inflação interna
Econômica
Desenvolvimento
sustentável
Década de
90
Desenvolvimento
socioeconômico participativo e
preservação do meio ambiente
e recursos naturais
Regional, ambiental e
socioeconômica
Governança Global Fim dos
anos 90
Novas formas da regulação
global, Conferência Mundiais,
Agenda 21
Global, política e
ambiental
Modelos de médio
alcance
Primórdios
do Século
XXI
Regiões emergentes, clusters,
arranjos produtivos, pacto
sócio-territorial, aprendizagem
Setorial, sócio-territo-
rial
Quadro 2: Principais estratégias de desenvolvimento implementadas após 1950
Fonte: SIEDENBERG, 2004.
Outro fato que ainda precisa ser destacado é que essa transição ou mutação
constante de um paradigma a outro evidencia as enormes dificuldades dos países
em efetivamente viabilizar ou concretizar o almejado desenvolvimento. Por outro
viés, enquanto o alerta para a gravidade ambiental do planeta tinha chegado “a
quase ao ponto, de não retorno se fosse uma empresa estaria à beira da falência,
pois dilapida seu capital, que são os recursos naturais, como se eles fossem
eternos” (MILARÉ, 2004, p. 48). O poder de auto purificação do meio-ambiente está
chegando ao limite. O Brasil, em pleno regime militar autoritário, liderou um grupo de
países que pregavam tese oposta, - a do crescimento a qualquer custo” (MILARÉ,
166
2004, p. 48). Fundava-se tal perspectiva equivocada, na idéia de que as nações
subdesenvolvidas e em desenvolvimento, por enfrentarem problemas socioeconô-
micos de grande gravidade, não deveriam desviar recursos para proteger o meio
ambiente. A poluição e a degradação do meio ambiente eram vistas como um mal
menor (MILARÉ, 2004).
Embora a teologia de mercado, que faz hoje a cabeça de muitos economistas,
tenha avançado ao longo do tempo com a mesma velocidade da globalização
econômica, devemos reconhecer, como afirmara Siedenberg (2004) que foi em
1972, em Estocolmo, na “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano” promovida pela ONU, a qual participaram 114 países, que se
internacionalizou a preocupação com a degradação ambiental causada pela
industrialização e seu modelo de crescimento econômico com progressiva escassez
de recursos naturais. Foi a partir do Relatório Brundtland, que se verifica a
interligação entre economia, tecnologia, sociedade e política e chama também
atenção para uma nova postura ética, caracterizada pela responsabilidade tanto
entre as gerações quanto entre membros contemporâneos da sociedade atual, no
qual, com o advento da RIO-92, o conceito de “desenvolvimento sustentável” teve
uma conotação extremamente positiva: “Desenvolvimento sustentável é
desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem arriscar que futuras
gerações não possam satisfazer as necessidades delas.” (VEIGA, 2005, p. 196).
No entanto, após dezenas de obras e autores sobre “desenvolvimento
sustentável”, é Veiga (2005) quem melhor analisa o que significa “o substantivo
desenvolvimento e o adjetivo sustentável”, desafiando-nos a uma “nova utopia,” em
seu livro “Desenvolvimento Sustentável o desafio do culo XXI”. Segundo Veiga
(2005, p. 17), existem três tipos básicos de resposta à indagação “o que é
desenvolvimento?” A mais freqüente é tratar o desenvolvimento como sinônimo de
crescimento econômico. Este amálgama das duas idéias também simplifica bastante
a necessidade de se encontrar uma maneira de medir o desenvolvimento, pois basta
considerar a evolução de indicadores bem tradicionais, como por exemplo, o
Produto Interno Bruto per capita. A segunda resposta fácil é de afirmar que o
desenvolvimento não passa de reles ilusão, crença, mito, ou manipulação
ideológica. Importa dizer, nas palavras de Veiga (2005, p.18), que:
167
é muito importante assinalar que essas duas correntes – a do crescimento e
a da ilusão preferem a expressão “desenvolvimento econômico” em vez
de fórmula sintética, e mais correta, “desenvolvimento”, pois, no fundo,
pensam que são simples sinônimos.
Afirma, no entanto, Veiga (2005, p. 18), que:
muito mais complexo é o desafio enfrentado por pensadores menos
conformistas, que consiste em recusar essas duas saídas mais triviais e
tentar explicar que o desenvolvimento nada tem de quimérico e nem pode
ser amesquinhado como crescimento econômico.
Esse “caminho do meio” é o mais desafiador, pois é bem mais difícil de ser
trilhado (VEIGA, 2005). Um dos autores que mais se dedicaram ao assunto ao longo
das últimas décadas, desde o início da controvérsia internacional sobre a distinção
entre desenvolvimento e crescimento, um dos que melhor conseguiram evitar
simultaneamente as tentações enganosas do otimismo ingênuo e do pessimismo
estéril é Ignacy Sachs. Salienta Veiga (2005) que em trabalhos recentes, Sachs
critica essas duas correntes extremas, antes de expor sua própria visão.
A renúncia à idéia de desenvolvimento deve-se ao fato de ter funcionado
como armadilha ideológica inventada para perpetuar as assimétricas
relações entre as minorias dominantes e as maiorias dominadas, nos países
e entre países. Essa corrente se propõe a passar a um estágio de pós-
desenvolvimento, sem explicar o seu concreto conteúdo operacional.Eles
estão certos, é claro, em desafiar a possibilidade de crescimento indefinido
do produto material, tendo em vista a finitude do planeta. Esta verdade
óbvia, porém não oferece sugestões sobre o que deveria ser feito nas
próximas décadas para superar os dois principais problemas herdados do
século XX, apesar de seus progressos científicos e técnicos sem
precedentes: desemprego em massa e desigualdades crescentes (SACHS
apud VEIGA, 2005, p. 79).
os fundamentalistas do mercado, nas palavras de Veiga (2005),
implicitamente consideram o desenvolvimento como algo redundante. O
desenvolvimento viria como decorrência natural do crescimento econômico graças
ao efeito cascata (tricke-dowm-effect). “Não há necessidade de uma teoria do
desenvolvimento. Basta aplicar economia moderna, disciplina ahistórica e
universalmente válida” (VEIGA, 2005, p. 80). Afirma Veiga (2005, p. 80-81),
que, ao contrário dos fundamentalistas e dos pós-modernistas, Ignacy Schs
está cada vez mais convicto de que o desenvolvimento pode permitir que
cada indivíduo revele suas capacidades, seus talentos e sua imaginação na
busca da auto-realização e da felicidade, mediante esforços coletivos e
168
individuais, combinação de trabalho autônomo e de tempo gasto em
atividades não econômicas.
No entanto, é de Celso Furtado (apud VEIGA, 2005, p. 81-82), a melhor
fórmula sintética para dizer o que é desenvolvimento:
o crescimento econômico, tal qual conhecemos, vem se fundando na
preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de
modernização; o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social
subjacente. Dispor de recurso para investir está longe de ser condição
suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas,
quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida
dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento.
3.1.3.1 O que é desenvolvimento humano
Amartya Sen e Mahbud (apud VEIGA, 2005, p. 85), ambos imbuídos de
procurar uma medida simples como o PIB, porém não tão cega em relação aos
aspectos da vida humana, entendiam que:
só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à
ampliação das capacidades humanas, entendidas como o conjunto das
coisas que as pessoas podem ser, ou fazer, na vida. E são quatro as mais
elementares: ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos
recursos necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da
vida da comunidade.
Assim, conseguem chegar com certo consenso no IDH. O Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) admite que o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) é o ponto de partida, pois pode ser completado por
meio da análise de dados e de outros indicadores que lhes são subjacentes (VEIGA,
2005). De qualquer forma, importante assinalar que o IDH permite ilustrar com
clareza a diferença entre rendimento e bem-estar, posto que “a exemplo da Bolívia,
com um PIB per capita muito inferior o da Guatemala, atingiu um IDH mais alto,
porque fez mais para traduzir esse rendimento em desenvolvimento” (VEIGA, 2005,
p. 88, grifo do autor).
Assevera ainda Veiga (2005, p. 88) que a A Tanzânia, um dos países mais
pobres do mundo, tem um IDH comparável ao da Guiné, um país quase quatro
vezes mais rico”. Entre outros exemplos, coloca em xeque a medida única do PIB
169
renda per capita, para medir o desenvolvimento, na medida em que embora se
tenha a ídéia de que o Estado de maior riqueza é São Paulo, não é ele o mais
“desenvolvido”, senão vejamos:
Apesar de ser o estado mais rico do Brasil, São Paulo não é o mais
desenvolvido. A divulgação do índice de Desenvolvimento Municipal de
2000 (IDH-M) revelou que é tão forte a superioridade dos catarinenses e
dos gaúchos nas duas outras dimensões relevantes longevidade e
escolaridade que eles superam os paulistas no torneio de
desenvolvimento promovido pelo PNUD. Por isso, dar atenção às diferenças
de desempenho entre esses três estados pode ser muito elucidativo,
particularmente para quem ainda acredita que crescimento e
desenvolvimento sejam sempre sincrônicos. (VEIGA, 2005, p. 88-89).
Mesmo com o PIB renda per capita, IDH, IDH-M, e as complexidades de
medir na plenitude o verdadeiro desenvolvimento, criaram-se novos “indicadores”
chamados de “terceira geração”, como o Índice Paulista de Responsabilidade Social
(IPRS), que classifica entre outras coisas, os municípios em grupo qualitativamente
distintos, em vez da precariedade de “ranqueá-los” pela média aritmética, como se o
processo de desenvolvimento fosse um turfe e o Gaúcho IDESE. Outrossim, criado
pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Unicamp, veio a lume
como de quarta geração, o “DNA Brasil”, que embora seja chamado de índice, na
verdade, usa 24 indicadores referentes a sete dimensões: bem-estar econômico,
competitividade econômica, condições socioambientais, educação, saúde, proteção
social básica e coesão (VEIGA, 2005).
Por fim, coincidentemente, quando o DNA-Brasil era lançado em Campos do
Jordão, foi lançado um outro índice de quarta geração, na cidade do Rio de Janeiro,
por Roberto Cavalcanti de Albuquerque, diretor técnico do Instituto Nacional de Altos
Estudos (INAE), o chamado Índice de Desenvolvimento Social - IDS - que tem cinco
componentes e pesos iguais: a) saúde, com indicadores de expectativa de vida ao
nascer e taxa de sobrevivência infantil (o complemento para 1 da taxa de
mortalidade infantil); b) educação, com taxa de alfabetização e indicadores da
escolaridade dia, medida por anos de estudo; c) trabalho, com taxas de atividade
e de ocupação; d) rendimentos, com PÍB per capita e coeficiente de Gini); e)
habitação, com disponibilidade domiciliar de água, energia elétrica, geladeira e
televisão (VEIGA, 2005).
170
Quanto ao adjetivo “sustentabilidade”, Sachs (1993) considera que a
abordagem fundamentada na harmonização de objetivos sociais, ambientais e
econômicos, primeiro chamada de ecodesenvolvimento, e depois de
desenvolvimento sustentável, não se alterou substancialmente nos vinte anos que
separaram as conferências de Estocolmo e do Rio. E acredita que permanece válida
na recomendação de objetivos específicos para oito das suas dimensões: social,
cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica, política nacional e política
internacional.
Quanto ao que se refere às dimensões ecológicas e ambientais, anota Veiga
(2005, p. 171), referindo Sachs,
que os objetivos de sustentabilidade foram um verdadeiro tripé: 1)
preservação do potencial da natureza para a produção de recursos
renováveis; 2) limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito e
realce para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais.
A sustentabilidade ambiental é baseada no duplo imperativo ético de
solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as
gerações futuras. A dificuldade pois, a exemplo do desenvolvimento, é conseguir um
índice para medir a sustentabilidade, que se torne tão útil quanto tem sido o IDH,
apesar de todas as suas limitações. É certo que sem um bom termômetro de
“sustentabilidade”, o mais provável é que todo mundo continue a usar apenas
índices de desenvolvimento (quando não de crescimento), deixando de lado a
dimensão ambiental (VEIGA, 2005). Lembremo-nos do dilema de Mahbud ul Haq e
Amartya Sen quando discutiam a criação de um índice de desenvolvimento que não
fosse “cifra cega” como era o PIB per capita até chegar no IDH.
Como assevera Veiga (2005, p. 174):
Se o próprio desenvolvimento “tout court” não pode ser representado por
um único número, o que dizer, então, sobre o desenvolvimento sustentável?
Como foi dito, tanto quanto um piloto precisa estar permanentemente
monitorando os diversos indicadores que compõem seu painel, qualquer
observador do desenvolvimento sustentável será necessariamente obrigado
a consultar dezenas de estatísticas, sem que seja possível amalgamá-las
em um único índice. Muitos desses argumentos nessa direção podem ser
encontrados em Sachs (1991) e Ryten (2000).
171
Contudo, foi apresentado em 2002, no Fórum Econômico Mundial, por um
grupo de trabalho formado por pesquisadores das duas Universidades americanas,
Yale e Columbia, o ESI-2002, que, a par de ser possível calcular para 142 países,
considera 68 variáveis referentes a 20 indicadores essenciais. Esse índice considera
cinco dimensões: sistemas ambientais, estresses, vulnerabilidade humana,
capacidade social e institucional e responsabilidade global.
Anota Veiga (2005), que diante do ESI 2002, a dimensão sócio-ambiental do
Índice DNA-Brasil, chega a parecer irrisória. Apenas três indicadores fazem parte
dessa dimensão:
a) instalações adequadas de esgotamento sanitário;
b) destino adequado do lixo urbano;
c) tratamento do esgoto sanitário.
Por fim, Veiga (2005) expõe evidências, procurando mostrar a necessidade
de se colocar o qualificativo “sustentável”, em face do crescente esgotamento de um
dos principais valores dos tempos modernos, e não uma mera insuficiência da noção
de desenvolvimento. Apesar de todo este desgaste conceitual, à luz do que propõe
Capra, o que melhor propõe mudanças no comportamento coletivo, à luz do
desenvolvimento humanizado e atual, ficaremos com a estudada por Siedenberg
(2004), a qual, numa abordagem epistêmico-sistemática, parece lhe dar um sentido
mais claro, como se pode observar na figura a seguir:
172
Figura 1: Desenvolvimento epistêmico-sistematico
Fonte: SIEDENBERG, 2004, p. 19.
Regras
Coisas Espécies
Apropriação
&
Incorporação
Assimilação
&
Adaptação
Escolha
&
Mudança
mais do
mesmo
melhor que
antes
PROCESSOS DE MUDANÇA
TAMANHO
(quantidade
)
CARACTERÍSTICAS
(qualidade)
O conceito de desenvolvimento num contexto epistêmico-sistemático
Variação
Alteração
Indivíduo População Indivíduo
População
CRESCIMENTO DESENVOLVIMENTO EVOLUÇÃO
Reprodução
Transformação
Substituição
ACUMULAÇÃO EXPANSÃO TRANSIÇÃO
CONTINUAÇÃO
Repetição
Desdobramento Inovação
AMPLIAÇÃO CAPACITAÇÃO MODERNIZAÇÃO PROGRESSO MUTAÇÃO
AUMENTO MELHORAMENTO
173
Conforme se vê, Segundo Siedenberg (2004, p. 17), numa visão mais natural,
os termos desenvolvimento, crescimento e evolução são integrantes de uma família
de conceitos onde cada um deles explicita processos de mudança perfeitamente
distintos entre si, onde tais diferenciações dizem respeito:
a) às características da mudança, que pode ser de ordem quantitativa
(número, tamanho, abrangência) ou de ordem qualitativa (tipo, composição,
estado);
b) aos seres ou objetos submetidos a estas mudanças, que dizem
respeito tanto a indivíduos quanto a populações ou coletividades;
c) às formas de como estas mudanças se processam, que ocorrem
exclusivamente mediante determinadas combinações objetos/aspectos.
Conforme se vê, excluindo os processos de deterioração, diminuição,
redução, decadência ou regressão, pode-se distinguir nitidamente os processos de
crescimento, desenvolvimento e evolução.
Ao analisarmos a ramificação quantitativa dos processos de mudança, vamos
constatar que tanto indivíduos quanto populações estão sujeitas ao crescimento,
embora os mecanismos pelos quais se esse processo sejam de natureza
diferenciada: indivíduos crescem pela apropriação de matéria de seu meio formando
células, tecidos e órgãos, enquanto que populações crescem pela incorporação de
indivíduos, compondo grupos ou coletividades maiores. Portanto, para que haja
crescimento (dimensão quantitativa), é absolutamente necessário que os
mecanismos individuais de apropriação e coletivos de incorporação sejam acionados
(SIEDEMBERG, 2004).
O que importa da proposição desse autor, é que desenvolvimento é a
mudança natural da capacidade individual no decorrer de sua biografia, como
conseqüência da aplicação de mecanismos de assimilação e adaptação de
habilidades pré-existentes, uma espécie de upgrade de habilidades, que aparecem
frente a situações adversas em cada fase, vividas por cada indivíduo ao longo do
seu tempo. Neste sentido, o desenvolvimento significa o desdobramento de
habilidades existentes, que capacitam o indivíduo a atuar com uma variedade de
requisitos de forma sustentável num contexto que para ele é obscuro, difuso,
inconstante ou adverso.
174
Cabe destacar também uma diferença entre o desenvolvimento somático
(relativo ao corpo) e o desenvolvimento cognitivo (relativo ao conhecimento).
Enquanto o ramo somático do desenvolvimento individual conduz a um conjunto
normativo típico da espécie em relação à estrutura corporal, antes que se instale um
processo de envelhecimento, o ramo cognitivo do desenvolvimento individual é
muito mais influenciável por demandas e ingerências contextuais, que não
envelhece, mas que pode se tornar obsoleto (SIEDENBERG, 2004).
a evolução, segundo Siedenberg (2004), entendida no contexto de
mudanças qualitativas que envolvem populações ou coletividades, se baseia
fundamentalmente em mecanismos de “escolha e mudança”, ou seja, na
substituição de elementos precursores por elementos sucessores no decorrer de
gerações. Trata-se de um processo contínuo, onde inovações não ocorrem
exclusivamente no decorrer de biografias individuais, mas marcam as mudanças nas
características próprias de populações, onde a faculdade ou capacidade de uma
nova geração diverge das faculdades e capacidades observadas em gerações
anteriores. Nas populações bióticas este processo leva, no decorrer do tempo, à
mutação das espécies, sobretudo quando tais mudanças, melhorias ou qualificações
são incorporadas pelas novas gerações.
Lembrando do Humanista Pico de La Mirandola (apud JOAQUIN, 1999, p. 3,
grifo do autor) em seu texto - não te dei nem rosto nem um lugar que te seja
próprio, [...] não te fiz nem celeste nem terrestre” -, com o desígnio de a tarefa mais
humana ser a de fazer-se eticamente o rosto, isto no final do Século XIV. Chegamos
na virada do Século XX para XXI, com Capra (2002), a partir de uma visão sistêmica
e unificada, poderemos acreditar que se pode mudar a forma de ver e vivenciar o
mundo, pois, como a atual forma de globalização econômica foi projetada
conscientemente pelo humano, pode, por essa mesma razão, ser reprojetada.
Por estas razões, adotamos as proposições de Siedenberg (2004, p. 21),
posto que ao
considerar as inovações ou mudanças qualitativas de coletividades que
ocorrem nas dimensões extra-somáticas, observa-se o surgimento de novas
regras (processos, instâncias) ou de novas coisas (ferramentas,
175
equipamentos). Assim, no surgimento de novas regras e coisas transparece
o princípio de que inovações são introduzidas como decorrência do
envelhecimento e desgaste de modelos existentes, em cujos substitutos se
manifestam as mudanças na forma de modernização organizacional ou
progresso técnico, respectivamente. Além disso, devemos considerar que o
desenvolvimento e a evolução se diferenciam também nos seguintes
aspectos: a) enquanto a mutação das espécies, o progresso técnico e a
modernização organizacional podem ser considerados como ‘respostas’ do
meio às ‘perguntas (ou demandas) de uma população, a capacitação
individual deve ser considerada como uma resposta’ do indivíduo às
‘perguntas’ (ou desafios) do meio; b) enquanto a mutação, o progresso e a
modernização (enquanto processos coletivos) muitas vezes sacrificam
temporariamente sua própria robustez para fazer frente a um amplo
espectro de adversidades, a capacitação (enquanto processo individual)
normalmente torna o indivíduo mais forte quando tem sucesso na
adversidade e c) enquanto o desenvolvimento individual segue um esquema
típico da espécie e tem resultados perfeitamente previsíveis, na maior parte
dos processos evolutivos não é possível identificar com grande precisão
esquemas e processos de mudança pré-concebidos.
Folladori (2001), embora dentro dessa concepção biológica, sente-se mais
próximo da corrente “fenogenética”, que sustenta que o fenótipo adapta (dentro de
suas limitações genéticas) o meio a suas necessidades e, com isso, afeta o destino
da sua evolução. Afirma o autor, que os seres humanos, como organismos
biológicos e sociedades equipadas com determinadas bagagens culturais, possuem
um comportamento e um instrumental para transformar o meio-ambiente de forma
qualitativamente diferente daquela usada pelo restante dos seres vivos. Nesse
sentido, as peculiaridades humanas provocaram transformações qualitativas nas
relações sociais, que passaram a governar não somente, como seria natural, as
relações entre homens, mas também as relações com outras espécies e com todo o
mundo abiótico.
A capacidade da fala é um resultado biológico da evolução, enquanto ler e
escrever seriam produto da cultura. Mesmo assim, essas coisas não podem ser
separadas. As crianças não nascem nem caminhando nem falando, mas
desenvolvem essas capacidades se crescerem em um meio adequado. Mas ao
fazê-lo, desenvolvem modificações, adaptam seu organismo a tais efeitos. Não há
prática cultural alguma que não tenha repercussões físicas no próprio organismo.
Para caminhar basta o contexto, para falar também, mas para andar de bicicleta, ou
para ler ou escrever, fazem falta bicicleta, livros, folhas de papel, lápis,
computadores. Com a fabricação de instrumentos começaram a existir os meios de
produção, que podem ser passados de geração para geração, incrementando as
176
relações sociais entre os congêneres. A luta pela sobrevivência deixou de ter como
resultado a sobrevivência do mais apto, como acontece com os outros seres vivos.
Os sobreviventes passaram a ser os que conseguiram a posse dos melhores meios
de produção (FOLLADORI, 2001).
No entanto, com Foladori (2001), conclui-se que a principal revolução que
ocorreu como resultado do surgimento do gênero Homo foi não tanto o fato técnico
de haver possibilitado uma transformação formal da natureza mais profunda e
ampla, mas o fato social de o ser humano haver transformado a si mesmo, gerando
relações entre congêneres que condicionam todo o comportamento posterior com o
meio ambiente. As relações do ser humano com seu entorno podem ser
desagregadas em três níveis: com o mundo abiótico, com os outros seres vivos e
com seus congêneres. As relações com o mundo abiótico e com os outros seres
vivos são relações técnicas. As relações entre congêneres são relações sociais.
Folladori (2001) compartilha da opinião de que um dos pólos, o das relações
sociais, é o atrativo que governa, ainda que de maneira intrincada e nem sempre
visível, as relações técnicas, ainda que consideremos que as próprias relações
técnicas têm um grau de independência (e, portanto, de responsabilidade) que
requer maior atenção. A revolução mais importante operada com o surgimento do
gênero Homo não foi a fabricação de instrumentos, mas a conseqüência que isso
trouxe para as relações entre congêneres. A regulação das relações entre
congêneres se realizou cada vez mais com base na distribuição de coisas materiais
e cada vez menos a partir de leis biológicas. Não existe relação técnica alguma que
não esteja marcada pelo tipo particular de relações sociais de produção. As
diferenças dependem do tipo de propriedade dos meios de produção e não
aparecem de maneira visível. O grau de desenvolvimento técnico é um indicador de
um nível de divisão social do trabalho que tende a se reproduzir. O trabalho se
cristaliza em coisas externas ao próprio ser. Essa objetivação ou exteriorização
coloca a possibilidade de que as coisas produzidas se coloquem ante o ser humano
como um poder independente. À medida que isso ocorre, o ser humano aparece
alienado em face das forças que ele mesmo liberou. Nesse entendimento, a “divisão
social do trabalho”, a propriedade privada”, o “intercâmbio de mercadorias” são as
categorias-chave da alienação. A medida que se incrementou a produtividade do
177
trabalho humano, criaram-se as bases para uma divisão social do trabalho mais
profunda e, com ela, a possibilidade de que certos grupos ou classes sociais se
apropriassem, de forma eventual a princípio, mas regular definitivamente, do
trabalho de outras classes.
Para Folladori (2001), o avanço tecnológico no capitalismo tem sido uma
moeda de duas faces: uma, mostra um aumento de produtividade do trabalho, da
eficiência no uso dos materiais e energia. A outra face mostra o aumento de
desemprego e da população alijada do acesso aos recursos naturais e aos bens
produzidos. Dessa maneira, a sociedade humana estabelece regras de
comportamento com o entorno derivadas de e subordinadas às regras que
estabelece em seu interior, entre classes e grupos sociais. Portanto, para responder
à crise ambiental, que se entender, primeiro, quais são as contradições das
relações sociais de produção que a provocaram. Ao insistir nos limites físicos,
desvia-se a atenção do problema central, que a crise ambiental, ainda que possa
ser visível ou explicite um desajuste entre o ser humano e a natureza, é
“essencialmente uma crise das relações sociais entre os seres humanos.” O
Capitalismo tem no mercado o instrumento pelo qual se estabelece tal organização
econômica. A hipótese sustentada por Foladori (2001) é que as leis econômicas que
regulam a produção capitalista não são alheias à relação do ser humano com seu
ambiente, mas a condicionam. Sustenta que o é possível entender os problemas
de depredação e poluição sem prestar atenção às tendências econômicas.
Voltando à questão do desenvolvimento na visão de Siedenberg (2004), este,
por sua vez, alude que, em diversos sentidos, se observa uma correlação entre os
processos de crescimento, desenvolvimento e evolução, mas a diferenciação
estabelecida no mundo biótico comprova que atribuir a ocorrência destas mudanças
a um mecanismo único, simplificado, é uma conclusão precipitada. A observação
destas diferenciações é de crucial importância não apenas quando se objetiva
descrever processos de mudança, mas, sobretudo, quando se pretende influenciar
processos de mudança, seja no mundo biótico, seja no contexto social. Com base
no exposto acima, podemos concluir que, no contexto social, a discussão e a
formulação de estratégias ou políticas de crescimento, desenvolvimento ou evolução
tem como pressuposto sico a definição precisa daquilo que se entende em cada
178
caso. Enquanto não ocorrer esta explicitação conceitual, toda e qualquer ação pode
ser apresentada como uma contribuição ao desenvolvimento sócio-econômico sem
correr o risco de ser refutada e independente de sua real contribuição para a
melhoria das condições de vida de indivíduos ou populações. Não é difícil imaginar,
que neste cenário de indefinições e imprecisões, ocorram absurdos, utopias e ações
totalmente inócuas, mesmo que, muitas vezes, se pareçam com processos de
desenvolvimento, crescimento ou evolução.
Siedenberg (2004) conclui que o desenvolvimento sócio-econômico, um termo
que muitas vezes também é utilizado como sinônimo de crescimento e de evolução,
ou também como um processo de mudanças subentendido automaticamente em
suas mais diversas concepções e conotações, ocorre quando os mecanismos de
apropriação e incorporação, de assimilação e adaptação, de escolha e mudança
estão presentes e são acionados. Mas, como é possível constatar se realmente
ocorreu um processo de desenvolvimento sócio-econômico, entendido aqui como
melhoria quantitativa e qualitativa das condições de vida de indivíduos e
sociedades? Ora, é evidente que qualquer política ou estratégia de desenvolvimento
social e econômica precisa definir de antemão três aspectos fundamentais: as
características, a dimensão e o prazo em que estas mudanças pretendidas deverão
se realizar. A avaliação de políticas de desenvolvimento e a avaliação do
desempenho dos responsáveis por sua implementação, passa, indubitavelmente,
pela observação destes parâmetros. Além disso, podemos extrair do exposto até
aqui que os processos de desenvolvimento social e econômico que se referem
exclusivamente às mudanças quantitativas estão fadados ao esgotamento, em
função da dimensão finita de recursos naturais existentes em nosso planeta. Apesar
de todos os avanços genéticos e técnicos que a humanidade tem experimentado, a
característica deste ramo do processo de mudanças é a insustentabilidade.
aos processos de mudança social e econômica que preconizam aspectos
qualitativos estão garantidos enormes campos de ação; é absolutamente necessário
buscar avanços neste sentido. Por fim, é necessário considerar que, se por um lado
o desenvolvimento social e econômico de determinadas sociedades ou regiões pode
ser creditado a uma série de estratégias, políticas e mecanismos implementados
com sucesso; por outro lado, o desenvolvimento sócio-econômico também é, em
179
boa parte, decorrência de uma série de coincidências favoráveis que ocorrem de
forma aleatória, desordenada e abundante num determinado espaço físico e
intervalo temporal, como comprovam inúmeros exemplos da dimensão biótica e
abiótica. Por analogia poderíamos pressupor que tanto o crescimento de uns, quanto
o de outros, isto é, de indivíduos e coletividades, é concebível quando os
respectivos mecanismos são acionados, isto é, não crescimento sem que
estejam presentes e atuantes as condições de apropriação ou incorporação. Da
mesma forma, a assimilação e a adaptação são fatores essenciais ao
desenvolvimento de indivíduos ou organizações, assim como a escolha e a
mudança são de importância capital para que haja evolução de populações ou
coletividades.
3.2 Elementos jurídicos e a eficácia do princípio da dignidade humana no
mercado
Delmas-Marty (2003) afirma que o direito à vida, por mais precioso que seja,
não é suficiente, pois é o direito à igual dignidade de cada ser que consagra a
humanidade do homem, sacralizando a humanidade em cada um de nós e contribui
para o movimento de hominação. Alude que o inumano não é civil nem político nem
econômico nem social nem cultural, mas pode revelar alternada ou
simultaneamente, cada um das cinco determinantes.
Afirma ainda essa autora que a timidez dos estados nesses campos não é
suficiente para justificar o injustificável, como o escândalo permanente da fome no
mundo, pudicamente denominada de “má nutrição” (DELMAS-MARTY, 2003).
Já, a luz dos escólios colhidos no Desenvolvimento como liberdade, de Sen
(1999) conduz à reflexão que o desenvolvimento requer que se removam as
principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços
públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. Assevera
Sen (1999, p. 18) que:
180
a despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo
atual nega liberdades elementares a um grande numero de pessoas
talvez até mesmo a maioria. Às vezes a ausência de liberdades
substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba
das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória
ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar
de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico.
Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à
carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo a
ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de
assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a
manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da
liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis
por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar
da vida social, política e econômica da comunidade.
Para Sen (1999, p. 20), a liberdade é central para o processo de
desenvolvimento humano e sua eficácia, mormente em função de que, para esse
autor, “a capacidade do mecanismo de mercado de contribuir para o elevado
crescimento econômico e o progresso econômico global tem sido ampla e
acertadamente reconhecida na literatura contemporânea sobre desenvolvimento”.
Seria um erro ver o mecanismo de mercado apenas como um derivativo, afinal,
“como observou Adam Smith, a liberdade de troca e transação é ela própria uma
parte essencial das liberdades básicas que as pessoas têm razão para valorizar”.
(SEN, 1999, p. 21).
Todavia, é o próprio Sen (1999, p. 262) quem nos traz as três preocupações
que os críticos tendem a apresentar com respeito ao edifício intelectual dos direitos
humanos.
Primeiro, o receio de que os direitos humanos confundam conseqüências de
sistemas legais, que conferem às pessoas, direitos bem definidos, com
princípios pré-legais que não podem realmente dar a uma pessoa um direito
juridicamente exigível. Essa é a questão da legitimidade das reivindicações
de direitos humanos: como os direitos humanos podem ter qualquer status
real exceto por meio de pretensões
117
que sejam sancionadas pelo Estado,
como suprema autoridade legal? Nessa concepção, os seres humanos
nascem na natureza sem direitos humanos tanto quanto nascem sem
roupa; os direitos teriam de ser adquiridos por meio da legislação, como as
roupas são adquiridas de alguém que as faz. As roupas não existem antes
de serem feitas, do mesmo modo como não existem direitos pré-legislação.
117
O termo pretensões está sendo usado neste contexto como tradução para entitlements,
significando “direitos supostos e reivindicados”; ver nota da p. 53, capitulo 2, onde entitlement,
empregado por Sem em outra acepção, foi traduzido por “intitulamento” (N. T). (SEN, 1999, p. 262).
181
De fato, o ceticismo de Sen tem razão de ser, porquanto, se direitos são
pretensões que requerem deveres correlatos
118
. Não sendo reconhecido esse dever,
afirma Sem, os direitos alegados, segundo esse ponto de vista, só podem ser
vazios. Assevera Sen (1999, p. 262):
Julga-se que isso representa um problema formidável para que os direitos
humanos cheguem a ser considerados direitos. Pode ser muito bonito, diz
esse argumento, afirmar que todo ser humano tem direito a alimento ou a
serviços médicos, mas, se não houver sido caracterizado nenhum dever
especifico de um agente, esses direitos o podem realmente “significar”
grande coisa. [...] Dessa perspectiva, essas pretensões seriam mais
adequadamente vistas não tanto como direitos, e sim como nós na
garganta.
Com efeito, segundo as leituras de Sen, a linha do ceticismo não assume
exatamente uma forma legal e institucional, embora veja os direitos humanos como
pertencentes ao domínio da ética social e dependem de cada cultura anotando que,
para justificar sua denominação, os direitos humanos requerem universalidade.
Todavia, a partir da cultura asiática, não existem esses valores universais, segundo
seus críticos.
3.2.1 Direitos legais reais e direitos legais potenciais e sua garantia de fruição
A luz das lições de Sen (1999, p. 263), denominado de “Crítica da
Legitimidade”, sobre questões éticas baseadas no direito, ela tem uma longa
história, existindo semelhanças e diferenças interessantes: por um lado, a afirmação
categórica de Karl Max, de que os direitos não podem realmente preceder a
instituição do Estado (em vez de o suceder). Por outro lado, afirma Sen (1999, p.
263) temos as razões que Jeremy Bentham apresentou para designar os “direitos
naturais” por “absurdo” e o conceito de “direitos naturais e imprescritíveis” por
“absurdo em pernas de paus”. Em função dessas duas linhas críticas, anota esse
autor que, em comum, encontra-se a insistência em que os direitos sejam vistos em
termos s-institucionais como instrumentos em vez de como uma pretensão ética
prévia. E isso colide fundamentalmente com a idéia básica dos direitos humanos
universais.
118
Diz Sen (1999, p. 262) que: “Se a pessoa A tem direito a certo X, deve existir algum agente,
digamos, B, que tenha o dever de fornecer x a A”.
182
Por força disso, embora avisando que “não se pode afirmar que as
pretensões morais pré-legais, se vistas como aspirantes a entidades legais, que
conferem direitos juridicamente exigíveis em tribunais ou outras instituições de
imposição de leis” (SEN, 1999, p. 263), não se pode rejeitar os direitos humanos
com esse argumento, sob pena de o ter compreendido a questão, pois a
reivindicação de legalidade é apenas isso, uma reivindicação, justificada pela
importância ética de reconhecer que certos direitos constituem pretensões próprias
de todos os seres humanos.
Nesse sentido, os direitos humanos podem representar pretensões, poderes e
imunidade (e outras formas de garantias associadas ao conceito de direitos)
sustentados por juízos éticos que atribuem importância intrínseca a essas garantias.
De fato, os direitos humanos também podem ultrapassar a esfera dos direitos legais
potenciais, em oposição aos direitos legais reais (SEN, 1999, p. 264)
119
.
Segundo Sen (1999, p. 264),
é melhor conceber os direitos humanos como um conjunto de pretensões
éticas, as quais não devem ser identificadas com direitos legais legislados.
Mas essa interpretação normativa não precisa anular a utilidade da idéia de
direitos humanos no tipo de contexto no qual eles são comumente
invocados. As liberdades que são associadas a direitos específicos pode
ser o ponto de enfoque apropriado para debate. Temos de julgar a
plausibilidade dos direitos humanos como um sistema de raciocínio ético e
como a base de reivindicações políticas.
Contudo, fica a indagação, no concernente à questão da efetividade desses
direitos, e sua eficácia constitucional de aplicabilidade. Sen (1999, p. 264),
abordando essa indagação, - é possível ser coerente ao falar em direitos sem
especificar de quem é o dever de garantir a fruição dos direitos? Ou: como podemos
ter certeza de que os direitos são realizáveis se eles não forem relacionados a
deveres correspondentes? alude que “existe uma abordagem muito influente
119
“Pode-se invocar efetivamente um direito humano em contexto nos quais até mesmo sua
imposição legal pareceria muito imprópria. O direito moral de uma esposa participar plenamente,
como igual, das decisões familiares importantes independentemente do quanto seu marido seja
machista – pode ser reconhecido por muitos que, não obstante, não desejam que essa exigência seja
legalizada e imposta pela polícia. O “direito ao respeito” é outro exemplo no qual a legalização e a
tentativa de imposição seriam problemáticas, e até mesmo desconcertantes” (SEN, 1999, p. 264).
183
segundo a qual os direitos podem ser formulados sensatamente em combinação
com deveres correlatos”.
Assim, para evitar que esses direitos e suas respectivas reivindicações não
passem de simples “conversa mole”, Sen (1999, p. 265) alude que, na verdade, “há
quem o veja sentido nenhum em um direito se este não for associado ao que
Immnauel Kant denominou uma ‘obrigação perfeita’, um dever específico de um
agente especifico de realizar esse direito”. No entanto, mesmo anotando o
argumento principal de Sen (1999) em favor das chamadas liberdades básicas e das
formulações associadas ao direito, as quais baseiam-se em: sua importância
intrínseca; seu papel consequencial de fornecer incentivos políticos para a
segurança econômica; e, seu papel construtivo na gênese de valores e
prioridades
120
, no contexto contemporâneo, é preciso ressaltar que tais direitos
humanos, nele certamente incluído o princípio da dignidade humana, deve ser
possível a sua aplicação e até mesmo, sua exigência como direito constitucional.
Nessas circunstâncias, haveremos de buscar o entendimento, a partir da idéia de
princípio, e não apenas de liberdade e o direito como derivativo dela, nas lições de
Sem (1999).
3.2.2 O direito e a moral a partir de Kant
Segundo Diniz (1995), no universo kantiano, há separação de caráter
meramente formal entre moral e direito, que essencialmente idênticos os seus
fundamentos, pois se resumem na autonomia racional. Eis, a respeito, a lição de
Diniz (1995, p. 39-40):
Na teoria kantiana, processa-se a separação entre direito e moral, sob o
prisma formal e não material, isto é, a distinção depende do motivo pelo
qual se cumpre a norma jurídica ou moral. No ato moral, o ato pode ser a
própria idéia do dever, mesmo que seja diretamente dever jurídico e
indiretamente dever moral. Porém, no mesmo ato jurídico, o motivo de agir
pode ser, além do motivo moral de cumprir o dever, o da aversão à sanção,
seja ela pena corporal ou pecuniária. Kant identifica o direito com o poder
de constranger. Para o jusnaturalismo de Kant, sendo racional e livre, o
homem é capaz de impor a si mesmo normas de conduta, designadas por
normas éticas, lidas para todos os seres racionais que, por sua
120
O argumento vale tanto para a Ásia como para qualquer outro lugar, e descartar essa asserção
alegando uma natureza especial dos valores asiáticos não sobrevive a um exame crítico atento (SEN,
1999).
184
racionalidade, são fins em si e não meios a serviço de outros. Logo, a
norma básica de conduta moral que o homem se pode prescrever é que em
tudo o que faz deve sempre tratar a si mesmo e a seus semelhantes como
fim e nunca como meio. Aplicada à conveniência jurídico-social, essa norma
moral básica transmuda-se em norma de direito natural. A obediência do
homem à sua própria vontade livre e autônoma constitui, para Kant, a
essência da moral e do direito natural. As normas jurídicas, para tal
concepção, serão de direito natural, se sua obrigatoriedade for cognoscível
pela razão pura, independente de lei externa ou de direito positivo, se
dependerem, para obrigarem, de lei externa. Mas, nesta hipótese, deve-se
pressupor uma lei natural, de ordem ética, que justifique a autoridade do
legislador, ou seja, o seu direito de obrigar outrem por simples decisão de
sua vontade. Tal lei natural, que é o princípio de todo direito, deriva da
liberdade humana, reconhecida por intermédio do imperativo moral
categórico.
Embora a partir da premissa de que na "Fundamentação da metafísica dos
costumes" Kant visou à formulação de raciocínios no campo da filosofia moral, para
compreender como os seres humanos formulam seu arcabouço axiológico - ainda
que não dotado de coerção -, na "doutrina do direito", ele procurou demonstrar como
e por que devem ser formulados preceitos jurídicos, estes sim dotados de coerção
para viabilizar a convivência social. A distinção, ainda que tênue como se verá
adiante –, entre as dimensões moral e jurídica na obra de Kant, vem bem delineada
nas palavras de Berger (2001, p. 48):
[...] Kant, negando o fundamento metafísico de todas as morais
transcendentes, tira a regra moral da vontade autônoma dos homens.
Assim, segundo ele, a moral procede apenas da ‘voz interior’ de cada qual e
não de um mandamento exterior, enquanto o direito é uma regra de vida
traçada e aplicada sob a coerção social. Do mesmo modo, para Kant, o
direito se interessaria apenas pelas ações, pelo ‘foro exterior’, e não pelos
móbeis que as inspiram, ao passo que a moral só se concentraria nas
intenções e nos motivos do homem, em seu ‘foro interior’ e não em suas
ações.
Embora idênticos os pilares do universo moral e do universo jurídico para
Kant, em matéria de dignidade da pessoa humana, nem sempre se mostram
afinadas a "Fundamentação da metafísica dos costumes" e a "Doutrina do direito".
Serve sua análise à revisão das bases teóricas do princípio da dignidade da pessoa
humana, tendo por premissa o sempre oportuno reconhecimento da primazia do ser
humano para o universo jurídico, como leciona Reale (1989, p. 168):
Partimos dessa idéia, a nosso ver básica, de que a pessoa humana é o
valor-fonte de todos os valores. O homem, como ser natural biopsíquico, é
apenas um indivíduo entre outros indivíduos, um animal entre os demais da
mesma espécie. O homem, considerando na sua objetividade espiritual,
enquanto ser que só se realiza no sentido de seu dever ser, é o que
chamamos de pessoa. Só o homem possui a dignidade originária de ser
185
enquanto deve ser, pondo-se como razão determinante do processo
histórico. A idéia de valor, para nós, encontra na pessoa humana, na
subjetividade entendida em sua essencial intersubjetividade, a sua origem
primeira, como valor-fonte de todo o mundo das estimativas, ou mundo
histórico-cultural. Quando Kant dizia – "Sê uma pessoa e respeita os demais
como pessoas" dando ao mandamento a força de um imperativo
categórico, de máxima fundamental de sua Ética, estava reconhecendo na
pessoa o valor por excelência.
Embora Kant, em matéria de direito, tenha quase sempre se referido ao ser
humano na condição de titular de direitos patrimoniais (direitos reais e pessoais) e
em suas relações familiares e com seus empregados, relativamente ao que hoje se
poderia chamar de uma teoria geral dos direitos da personalidade, Kant se limitou a
tratar do direito à liberdade. Para efeito de transposição da idéia de liberdade,
impregnada de sua filosofia moral, Kant (1993, p. 46) acabou enunciando como
princípio universal do direito, que “é justa toda a ação que por si, ou por sua
máxima, não constitui um obstáculo à conformidade da liberdade do arbítrio de todos
com a liberdade de cada um segundo leis universais”.
Kant (1993, p. 47) buscou,
portanto, conciliar, no plano jurídico, a liberdade de cada um com a liberdade de
todos, ao afirmar que:
o direito estrito, pode também ser representado como a possibilidade de
uma obrigação mútua, universal, conforme com a liberdade de todos
segundo leis gerais. Esta proposição equivale a dizer que o direito não deve
ser considerado como constituído de duas partes, a saber: a obrigação
segundo uma lei e a faculdade que possui o que, por um arbítrio, obriga a
outro obrigar-se ao cumprimento dessa obrigação; exceto que se pode
imediatamente fazer consistir a noção do direito na possibilidade de
conformar a obrigação geral recíproca com a liberdade de todos.
No que tange a existência de um direito natural ou inato, Kant (1993, p. 67)
reconheceu apenas o consistente na liberdade
121
, enquanto ao que ele chamava de
“Direito Privado” - indelével - da entender que revelava posicionamento incompatível
com a idéia de dignidade humana que se verifica atualmente, na medida em que
admitia que seres humanos podiam ser objeto de dominação, quando assim se
manifesta:
121
“A liberdade (independência do arbítrio de outrem), na medida em que possa subsistir com a
liberdade de todos, segundo uma lei universal, é esse direito único, primitivo, próprio de cada homem,
pelo simples fato de ser homem. A igualdade natural, isto é, a impossibilidade moral de ser obrigado
pelos demais a mais coisas do que aquelas a que estão obrigados com respeito a nós; [...]” (
KANT,
1993, p. 55).
186
Assim, posso chamar de meus uma mulher, uma criança, um criado, e em
geral qualquer outra pessoa, sobre quem exerço mando, não porque
formam parte de minha casa, ou porque se encontrem sob minhas ordens,
sob meu poder e em minha posse, mas também mesmo quando tivessem
iludido meu poder, minha força, e por conseguinte já não os possuísse
(fisicamente), posso dizer, contudo, que os possuo por minha simples
vontade, enquanto e onde quer que existam. Neste caso estou de posse
simplesmente jurídica; forma parte de meu haver somente enquanto e à
medida que posso afirmar deles essa circunstância.
Interessante manifestação de Kant (1993, 106-107) é quanto ao direito
doméstico, em particular do casamento, que chega a admitir expressamente que
homem e mulher podem ser tidos como coisas, em certa situação, senão vejamos:
Porque o uso natural que um sexo faz dos órgãos sexuais do outros é um
gozo (fruitio) para o qual uma das partes se põe à disposição da outra.
Neste ato, o próprio homem se converte em coisa, o que repugna ao direito
de humanidade em sua própria pessoa. Isto somente é possível sob a
condição de que quando uma das duas pessoas é adquirida pela outra,
como pudesse sê-lo uma coisa, a aquisição seja recíproca; porque encontra
nisto sua vantagem própria e restabelece assim sua personalidade. Mas a
aquisição de um certo membro no homem equivale à aquisição de toda a
pessoa – porque a pessoa forma uma unidade absoluta. De onde se conclui
que a cessão e a aceitação de um sexo para uso de outro, são não somente
permitidas, sob condição de matrimônio, como também não são possíveis
senão sob essa única condição. Este direito pessoal é também real; porque
se um dos esposos se afasta, ou se põe à disposição de uma pessoa
estranha, o outro tem sempre o direito incontestável de fazê-lo retornar ao
seu poder, como uma coisa.
Quanto aos direitos do amo (patrão) sobre os seus criados, Kant (1993, p.
113) refere que uma das partes - o criado - abre mão, por meio de contrato, de sua
liberdade e, por conseqüência, até mesmo de sua pessoa -, para submeter-se à
dominação da outra (patrão), quando afirma que “[...] o servidor somente está
submetido ao seu poder por um contrato e um contrato no qual uma das partes
renunciara a sua liberdade inteira em proveito alheio, cessando, por conseguinte, de
ser uma pessoa [...]”. Importante salientar, ainda, que o filósofo alemão acentuou em
seus estudos o caráter real (ainda que em parte) dos contratos que regem tais
relações, mesmo que tendo por objeto a prestação de serviços por parte de um ser
humano, como se esta pudesse ser tratada como coisa e, portanto, suscetível, por
exemplo, de reivindicação: “há um direito pessoal-real (o do amo sobre os criados),
visto que estes podem ser reduzidos ao poder daquele e reivindicados como sua
coisa exterior contra todo possuidor.””( KANT, 1993, p. 114).
187
Se assim fosse, poderíamos dizer que uma nítida distância, senão uma
incompatibilidade entre a enunciação teórica da dignidade da pessoa humana em
Kant e a sua aplicação no campo do direito, ao menos no que diz dos direitos
domésticos, porquanto, ao cuidar da matéria jurídica desses direitos, Kant, embora
tenha assinalado a premissa da liberdade, afirmou também que o ser humano pode
ser tratado como coisa, tal como ocorre com aqueles que estão sob a dominação do
poder do dono da casa ou do chefe de família, quais sejam as esposas, filhos e os
criados, e o fez reconhecendo nessa relação a de direito real.
3.2.3 O princípio da dignidade, o desenvolvimento humano e sua concretização
na atualidade sob a ordem jurídica e o estado de direito
Para ultrapassarmos a noção de mera liberdade racional, primeiro, gize-se
que deveremos aceitar e entender, que o princípio da dignidade humana encontra
raízes profundas no pensamento de Kant. Todavia, deveremos compreender que,
nos dias atuais, esse princípio deve ter como premissa que o ser humano, como fim
de tudo, é um ente real, cujas necessidades mínimas concretas não podem estar
sujeitas aos modelos abstratos tradicionais. Nesse aspecto, importante trazer a
lume, as lições de Miranda (1993, p. 169), a princípio, vez que,
em primeiro lugar, a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida
real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a
mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e
insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e
protege. Em todo o homem e em toda a mulher estão presentes todas as
faculdades da humanidade.
Por outro lado, e o menos importante, sem prejuízo das lições de Amartya
Sen, no tocante à questão legal, é abordar e caracterizar o fenômeno Estado de
Direito em seu sentido jurídico-institucional, tão bem elucidado por Bedin (2006b, p.
226), que a afirmação do Estado de Direito pressupõe uma clara distinção entre
direito e poder e uma subordinação do poder ao direito”.
Segundo Bedin (2006b, p. 227), a primeira dimensão essencial do Estado de
Direito é que ele é um Estado subordinado ao Império do Direito”, o que significa,
concretamente, três coisas: a) o Estado está sujeito ao Direito, em especial a uma
188
Constituição
122
; b) o Estado atua por intermédio do Direito; c) o Estado está sujeito a
uma idéia de justiça. Por força disso, leciona que o Estado está sujeito ao Direito,
significando que o poder político não é um poder livre, desvinculado, transcendente
a toda e qualquer legislação, mas ao contrário: quer dizer que o Direito conforma o
poder, o organiza e o sujeita a um conjunto de regras e princípios. “Em outras
palavras, quer dizer que o Direito curva o poder, colocando-o sob o Império do
Direito
123
(BEDINb, 2006, p. 227).
Para tanto, esse autor, ao defender que o Estado está sujeito a uma idéia de
justiça - significa que o Estado de Direito está subordinado a pressupostos
axiológicos reconhecidos por uma Constituição - e traz à lume dez dimensões
essenciais, senão vejamos:
a) - o aspecto da legalidade das normas jurídicas (aspecto formal) deve
estar sempre referido ao aspecto legitimidade (aspecto material, de justiça) no
processo de produção legislativa
124
;
b) - que o Estado de Direito é um Estado de direitos fundamentais
125
;
c) - que o Estado de Direito é um Estado que observa o princípio da
razoabilidade, ou seja, é um Estado de justa medida porque se estrutura em torno
do princípio chamado normalmente de princípio da proibição do excesso
126
;
d) - que o Estado de Direito é um Estado que estabelece o principio da
legalidade da administração pública em todas as suas esferas, isto é, um Estado
que estabelece a idéia de subordinação à lei dos titulares dos órgãos, funcionários e
agentes do Estado;
122
“Por isso é possível definir a Constituição como sendo o estatuto jurídico do político e o Direito
Constitucional como um direito do político, para o político e sobre o político” (BEDIN, 2006b, p. 227).
123
Ver Bedin (2006b, p. 227): “Assegurar que o Estado atua ou age por intermédio do Direito significa
afirmar que o exercício do poder se pode efetivar por meio de instrumento jurídicos
institucionalizados pela ordem jurídica em vigor”.
124
“Sem essa dimensão de legitimidade, as normas não se constituem Direito em sentido técnico
específico, configurando muito mais o uso da força (simbólica ou material) dos grupos detentores do
poder do que propriamente a materialização da consciência jurídica de uma sociedade num
determinado momento histórico, em sua manifestação mais plena de normatividade jurídica” (BEDIN,
2006b, p. 228).
125
“Isto é, um Estado que reconhece e, como regra, constitucionaliza um conjunto de direitos, que se
constituem um dos princípios estruturantes, de sua conformação institucional (BEDIN, 2006b, p.
228).
126
“Este princípio tem o objetivo de acentuar a importância das garantias individuais e de proteger os
direitos adquiridos contra medidas excessivamente agressivas, restritivas e coativas dos poderes
públicos nas esfera-jurídico-pessoal e jurídico-patrimonial dos indivíduos” (BEDIN, 2006b, p. 228-
229).
189
e) - que o Estado de Direito é um Estado que responde por seus atos, ou
seja, é um Estado civilmente responsável pelos danos que provoca e que atingem a
esfera jurídica dos particulares;
f) - que o Estado de Direito é um Estado que garante a via Judiciária, ou
seja, o acesso ao poder judiciário no caso de ameaça ou de lesão de direitos do
cidadão
127
;
g) - que o Estado de Direito é um Estado de segurança e de confiança
das pessoas, isto é, um Estado de certeza da aplicação da lei, de clareza e
racionalidade do trabalho legislativo e de transparência no exercício do poder;
h) - que o Estado de Direito é um Estado estruturado a partir da divisão de
poderes, isto é, do fracionamento do poder do Estado e da independência de seus
três poderes - Legislativo, Executivo e Judiciário;
i) - que o Estado de Direito é um Estado de liberdade e de igualdade, ou
seja, é um Estado que, por um lado, respeita e incentiva os processos de autonomia
dos cidadãos, seja em sua esfera privada ou na esfera pública, e, por outro lado, é
um Estado que pressupõe um status legal e material razoavelmente isonômico, de
igualdade dos pontos de partida
128
;
j) - que o Estado de Direito é um Estado democrático e republicano, ou
seja, alicerçado na soberania popular e na defesa e no cuidado com o bem público,
com a coisa pública.
Em suma, Bedin (2006b, p. 230, grifo do autor) conceitua Estado de Direito
como sendo,
um Estado subordinado ao Direito, que defende os direitos fundamentais e
a segurança de seus cidadãos e que tem por base o princípio da
razoabilidade, da responsabilidade por seus atos e do respeito da via
judicial. Além disso, estrutura-se a partir da divisão dos poderes, e da
descentralização de suas atividades, sendo a sua administração orientada
pelo princípio da legalidade e voltada à supremacia dos princípios da
liberdade e da igualdade, sem nunca afastar o fundamento popular do poder
e a defesa do bem público.
127
“Esse princípio é complementado, entre outros pressupostos, pela garantia de um juízo regular e
independente, pela observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, pela
institucionalização do direito de escolher um defensor e pelo reconhecimento do direito do cidadão ter
a assistência obrigatória de um advogado quando processado pelo próprio Estado” (BEDIN, 2006b, p.
229).
128
“Em conseqüência, é também um Estado social” (BEDIN, 2006b, p. 230).
190
havíamos referido, em trabalho de autoria nossa e de Fabrício Weiblen, no
qual foram citados autores contemporâneos, “que no decorrer da história, uma
alteração contínua no conteúdo dos direitos humanos, onde novos anseios são
transformados em direitos para acolher necessidades que se tornaram mais
intensas” (AMARAL apud SILVA; WEIBLEN, 2007, p. 43). Esse movimento,
chamado de “gerações” de direitos, consiste em verdadeiras dimensões dos direitos,
como preleciona Bonavides (1997), uma vez que a mudança não se apenas com
o nascimento de outras formas de amparo, mas também com a releitura dos direitos
e garantias já antes adotados. Tais direitos não se superam, mas sim coexistem.
A primeira “geração” consiste nos direitos de liberdade, surgidos como uma
proteção ao poder do Monarca, até então absoluto. Posteriormente, observou-se
que a proteção voltada contra o Estado não mais era suficiente, tendo em vista que
havia abuso e exploração também no âmbito privado. Dessa forma, foram
reconhecidos os chamados direitos de segunda “geração”, ou direitos sociais,
aqueles voltados contra a opressão do homem em face do próprio homem. Assim,
enquanto os direitos de liberdade exigem, para sua efetividade, uma abstenção do
Estado, os direitos sociais, por outro lado, carecem da ação estatal. Bobbio (1992, p.
72) traz lição esclarecedora sobre tais distinções:
É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita,
além do problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem
mais difíceis de resolver no que concerne àquela prática de que falei no
início: é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do
estado, que o é requerida pela proteção dos direitos de liberdade,
produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu a
mesmo uma nova forma de Estado, o Estado Social. Enquanto os direitos
de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o
objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização
prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua
proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes
do Estado.
Nesse quadro, os direitos de liberdade são freqüentemente tratados como
direitos negativos, uma vez que, teoricamente, não necessitam da atuação estatal,
enquanto os direitos sociais são chamados também de direitos positivos, visto que
exigem uma prestação por parte do Estado. Na lição de Bonavides (1997), tem-se a
separação entre direitos de liberdade, que sendo negativos, têm sede constitucional
191
e direitos sociais, que seriam positivos e dependeriam de meios materiais e, assim,
de mediação legislativa e orçamentária.
Afirmamos na ocasião que:
embora reconhecidos os direitos sociais, a real problemática reside no
atinente à eficácia de tais direitos positivos. Nesse diapasão, podem-se
considerar três correntes doutrinárias divergentes: aqueles que têm os
direitos sociais como equivalentes aos direitos individuais, aqueles que
negam eficácia aos direitos sociais, uma vez que a carga positiva depende
de mediação do legislador e de meios materiais, e uma terceira, que os
direitos sociais sujeitos à reserva do possível, visto que a concretização
exige emprego de meios financeiros.
Os direitos sociais são previstos na Constituição pelas chamadas normas
programáticas. Tais normas consistem em disposições que indicam os fins
sociais a serem alcançados pelo Estado, tendo em vista a concretização e o
cumprimento dos objetivos basilares previstos na Constituição. Em verdade,
são normas vagas, com baixa efetividade social e jurídica, o gerando, em
sentido estrito, direitos subjetivos públicos para a população. (SILVA;
WEIBLEIN, 2007, p. 45).
Krell (2002, p. 20), abordando o tema, afirma que:
que as normas programáticas sobre direitos sociais que hoje encontramos
na grande maioria dos textos constitucionais dos países europeus e latino-
americanos definem metas e finalidades, as quais o legislador ordinário
deve elevar a um nível adequado de concretização. Essas “normas-
programa” prescrevem a realização, por parte do Estado, de determinados
fins e tarefas. Elas não representam meras recomendações ou preceitos
morais com eficácia ético-política meramente diretiva, mas constituem
Direito diretamente aplicável.
Com efeito, cabe indagar se um direito ainda pode ser chamado de “direito”
quando o seu reconhecimento e sua real proteção são adiados por tempo
indeterminado, além de confiados à vontade de sujeitos cujo comprometimento em
executar um “programa” é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política
(BOBBIO, 1992, p. 78). A previsão de instrumentos de efetivação foi deixada em
segundo plano, na medida em que o legislador apenas tratou de positivar os fins
sociais de forma vaga, como se a presença no texto legal por si bastasse. De
fato, conforme afirma Keith Rosenn (1998 apud KRELL, 2002), considera-se como
resolvido tudo que é promulgado como lei, sem devidas reflexões a respeito de sua
exeqüibilidade ou eficácia. Pouca atenção é dirigida à apreciação de como as
normas se comportam na prática.
192
Todavia, conforme o artigo 5º, §da Constituição de 1988, que determina
que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”, não foi feita diferenciação no tratamento dos direitos fundamentais, sejam
eles negativos ou positivos. Portanto, os direitos sociais, a princípio, teriam eficácia
equivalente à das demais garantias fundamentais, e caberia ao operador do direito o
dever de tornar esses direitos efetivos, através de um esforço hermenêutico
inovador. Contudo, consoante Canotilho (apud SILVA; WEIBLEIN, 2007), o
postulado da aplicabilidade imediata dos direitos sociais prestacionais, não pode
resolver-se de acordo com a dimensão de tudo ou nada, razão pela qual o seu
alcance dependerá do exame da hipótese em concreto, isto é, da norma de direito
fundamental em pauta. A aplicabilidade imediata dos direitos positivos pode ser
analisada apenas como uma presunção, de maneira que eventual recusa de sua
aplicação deverá ser necessariamente justificada.
Segundo Sarlet (2000, p.157),
a inviabilidade de uma eficácia ‘absoluta’ e a necessidade de se adotarem
soluções diferenciadas decorre, em verdade também (e principalmente) da
estrutura normativa e da natureza eminentemente principiológica das
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.
Porém, segundo o referido autor, a problemática reside menos no grau de
completude da norma do que no aspecto da alegada ausência de legitimação dos
tribunais para a determinação do objeto e do quantum da prestação, na medida em
que a decisão sobre a aplicação de recursos blicos incumbiria precipuamente ao
legislador, questões que serão abordadas mais adiante (SARLET, 2001).
Além disso, em virtude de que hoje o Estado nacional encontra-se abalado
em suas bases, e o direito positivo do Estado não é mais o sistema jurídico central,
em comparação com o domínio jurídico das companhias transnacionais e a
globalização da sociedade capitalista, que, ao promover a mercantilização das
relações sociais e dos campos jurídicos nacionais, vem abalando a ordem jurídico-
política e as diferentes instituições estatais e civis que a regulam, afetando a própria
face do Estado. Indaga-se: é possível a efetivação desses direitos fundamentais e o
desenvolvimento humano, hodiernamente?
193
3.2.3.1 É possível?
Segundo Klaes (1998, p. 191), “a reestruturação econômica, financeira e
política, que ocorreu com o processo da globalização ensejou a criação de uma
nova realidade jurídica”. o é somente a prática legal que se redimensiona. O
direito em si mesmo ganha novas proporções no momento em que a desintegração
social, a multiplicação de crimes violentos e a dificuldade que inúmeras pessoas
encontram, especialmente nos países do Terceiro Mundo, em exercer os direitos
que lhes são inerentes, crescem paulatinamente, ao mesmo tempo em que a
flexibilização do processo produtivo enseja a supressão dos direitos sociais e a
democracia e a cidadania resumem-se ao seu aspecto puramente formal, estando
completamente desprovidas de vida e conteúdo no seio da globalização, tornando-
se preciso, então, reconceber estas questões dentro da realidade do mercado, que
hoje prepondera, sobre todas as outras realidades.
Segundo a autora,
A transformação do modo de produção do direito europeu pela
internacionalização do modo de produção do direito americano, não é, em
última instância, mais do que um reflexo do processo global de
internacionalização de mercados, que criou novas realidades
administrativas, financeiras e trabalhistas, ensejando a criação de novas
estruturas jurídicas, levando ao surgimento de novos atores no campo do
direito, a mundialização de um novo modo de produção do direito, a criação
de novas figuras jurídicas e modalidades de contratos, e, indiretamente, a
partir do momento em que se considera a formação de blocos políticos-
econômicos como uma reação ao processo da globalização econômica, ao
surgimento de um direito supranacional, um direito intergovernamental e ao
redimensionamento do direito comercial. (KLAES, 1998, p. 197-198).
Com flagrante pessimismo, Klaes (1998) afirma que atualmente o direito pode
ser considerado mais como um mecanismo criador de estruturas econômicas e
comerciais do que propriamente um instrumento da Justiça Social. A prática legal é
cada vez mais definida em função do mercado e em razão da instrumentalização de
formas que possibilitam o uso tático das estruturas jurídicas pelas elites econômicas,
que depauperam os regimes democráticos nacionais, convertendo a sociedade em
uma massa por elas controlada legalmente, tornando visível e presente a existência
de um superpoder econômico transnacional por trás das organizações políticas
nacionais.
194
Por sua vez, com mais contundência, Streck (2007), citando J. E Faria, afirma
que o Direito e a dogmática jurídica (que o instrumentaliza), preparado/engendrado
para o enfrentamento dos conflitos interindividuais, não conseguem atender as
especificidades das demandas originadas de uma sociedade complexa e conflituosa.
Alude esse autor, que o paradigma (modelo/modo de produção de Direito) liberal-
individualista-normativista esta esgotado. Revive esse autor Interessante questão,
com apoio em Eros Roberto Grau, entre texto jurídico e norma jurídica e passa a
explicar a teoria da significação, na medida em que se faz necessária a elaboração
de uma critica à hermenêutica jurídica tradicional ainda (fortemente) assentada no
paradigma objetificante da filosofia da consciência através dos aportes
aproximativos da semiótica e da hermenêutica filosófica, com ênfase na segunda, o
horizonte do sentido é dado pela compreensão (Heidegger) e ser que pode ser
compreendido é linguagem (Gadamer), onde a linguagem não é simplesmente
objeto, e sim, horizonte aberto e estruturado e a interpretação faz surgir o sentido.
Para Streck (2007, p. 18),
Com Eros Roberto Grau, faço a distinção entre texto (jurídico) e norma
(jurídica). Isto porque o texto, preceito ou enunciado normativo alográfico.
Não se completa com o sentido que lhe imprime o legislador. Somente
estará completo quando o sentido que ele expressa é produzido pelo
intérprete, como nova forma de expressão. Assim, o sentido expressado
pelo texto é algo novo, diferente do texto. É a norma. A interpretação do
Direito faz conexão entre o aspecto geral do texto normativo e a sua
aplicação particular: ou seja, opera sua inserção no mundo da vida. As
normas resultam sempre da interpretação. E a ordem jurídica, em seu valor
histórico concreto, é um conjunto de interpretações, ou seja, um conjunto de
normas. O conjunto das disposições (textos, enunciados) é uma ordem
jurídica apenas potencialmente, é um conjunto de possibilidades, um
conjunto de normas potenciais. O significado (ou seja, a norma) é o
resultado da tarefa interpretativa. Ver, para tanto, La doble desestruturacion
y la interpretación del derecho. Barcelona, Editorial M J. Bosch, SL, 1998, p.
67 e sgs. (grifos do autor).
A crítica de Streck (2007) vem justamente em suas palavras de que a
globalização neoliberal-pós-moderna coloca-se justamente como contraponto das
políticas do walfare state
129
, aparecendo com nova face/roupagem do capitalismo
129
A lógica geral da competição globalizante é inequivocamente concentradora. Daí não apenas
fusões, mas, sobretudo, a exclusão de grandes massas de trabalhadores da possibilidade de
inserção apta no mundo econômico, o desemprego e a precarização do trabalho, a desigualdade
social crescente mesmo nos países em que o desemprego é comparativamente reduzido, e os
indicadores exibem saúde e pujança econômica em suma, aquilo que alguns têm chamado de
“brasilianização” do capitalismo avançado. No caso brasileiro, acresce o fato de que nos inserimos
195
internacional. Nesse contexto, afirma Streck que Arruda Jr. chama a atenção o fato
de que estamos diante de um frenesi teórico e prático representado pelos discursos
apocalípticos antimodernos, em que a globalização neoliberal é vista como sinônimo
de modernização, mas na verdade, o que nos é vendido como prova da
modernidade os claros sinais de uma barbárie, a barbárie neoliberal que, a tulo
de guardar identidade com a filosofia pós-moderna, traz como resultado sinais de
retorno à pré-modernidade, perigo para o qual também alerta André-Noel (apud
STRECK, 2007), ao denunciar que a globalização nos empurra rumo a um modelo
de regulação social neofeudal, através da constatação do debilitamento das
especificidades que diferenciam o Estado moderno do feudalismo: a) a distinção
entre esfera privada e esfera pública; b) a dissociação entre o poderio político e o
econômico; e c) a separação entre as funções administrativas, políticas e a
sociedade civil.
A minimização do Estado em países que passaram pela etapa do Estado
Providência ou welfare state tem conseqüências absolutamente diversas da
minimização do Estado em países como o Brasil, onde não houve o Estado Social
(STRECK, 2007).
Bonavides (apud STRECK, 2007, p. 24), baseado em Kagi, In Die
Verfassungsals Rechtliche Grundoránung de Staats, esclarece que:
sendo o Estado social a expressão política por excelência da sociedade
industrial e do mesmo passo a configuração da sobrevivência democrática
na crise entre o Estado e a antecedente forma de sociedade (a do
liberalismo), observa-se que nas sociedades em desenvolvimento, porfiando
ainda por implanta-lo, sua moldura jurídica fica exposta a toda ordem de
contestações, pela dificuldade em hamonizá-la com as correntes copiosas
de interesses sociais antagônicos, arvorados por grupos e classes, em
busca de afirmação e eficácia. Interesses ordinariamente rebeldes,
transbordam eles do leito da Constituição, até fazer inevitável o conflito e a
tensão entre o estado social e o Estado de Direito, entre a Constituição dos
textos e a Constituição da realidade, entre a forma jurídica e o seu conteúdo
material. Disso nasce o raro a desintegração da Constituição, com
sacrifício das normas a uma dinâmica de relações políticas instáveis e
cambiantes.
mais precariamente no jogo, não porque somos o Brasil da pesada herança escravagista e do
fosso social, mas também, porque nossas fragilidades nos tornam vítimas preferenciais, sempre
prontas a surgir como “bola da vez” nas perversidades da dinâmica transnacional” (REIS; IANNI,
apud STRECK, 2007, p. 23).
196
Embora reconhecidamente o Estado Democrático de Direito represente a
vontade constitucional de realização do Estado Social, conforme visto nas
palavras de Bedin e tendo, na mesma Constituição, o modo instrumental de
consegui-los, concordamos com Streck (2007, p. 37), em afirmar que, em sendo
assim, “é porque o contrato social - do qual a Constituição é a explicitação - há uma
confissão de que as promessas da realização da função social do Estado não foram
(ainda) cumpridas”. Portanto, de fato, estamos com um sério problema:
de um lado temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de
outro, uma Constituição Federal que garante estes direitos da forma mais
ampla possível. Este é o contraponto. Daí a necessária indagação: qual é o
papel do Direito e da dogmática jurídico neste contexto? Segundo Morais, o
Estado Democrático de Direito, teria (tem?) a característica de ultrapassar
não só a formulação do Estado Liberal de Direito, como também a do
Estado Social de Direito vinculado ao Welfare State neocapitalista
impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de
transformação da realidade. O Estado Democrático de Direito, ao lado do
núcleo liberal agregado à questão social, tem como questão fundamental a
incorporação efetiva da questão da igualdade como um conteúdo próprio a
ser buscado garantir através do asseguramento mínimo de condições
mínimas de vida ao cidadão e à comunidade. Ou seja, no Estado
Democrático de Direito a lei passa a ser, privilegiadamente, um instrumento
de ação concreta do Estado, tendo como método assecuratório de sua
efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela ordem
jurídica. (STRECK, 2007, p. 37, grifo do autor).
Bedin (2006b, p. 232) assevera que:
o Brasil é um dos campeões mundiais das desigualdades (os 10% mais
ricos da população ganham 47 vezes mais do que os 10% mais pobres,
conforme Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), daí que é possível
perceber que a riqueza produzida no país não tem sido transformada em
bem-estar para a maioria dos brasileiros pobres.
Denuncia esse autor que a falta de eficácia da esfera jurídica permite, de um
lado, o surgimento de poderes paralelos, de outro, a falta de efetividade das regras
em vigor, e o pior, esses fatos impedem que o Direito cumpra o seu papel de
mediador de conflitos sociais, ficando, pois, forte sentimento de que o Direito vale
mais para uns do que para outros, chamando isto de desvirtuamento da cidadania.
O dilema brasileiro, diz Streck (2007), é porque não sufragamos a tese
substancialista, porque o judiciário, preparado para lidar com conflitos
interindividuais, próprios de um modelo liberal-individualista, não está preparado
para o enfrentamento dos problemas decorrentes da trans-individualidade, próprio
197
do (novo) modelo advindo do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição
promulgada em 1988
130
. Sustenta esse autor que é possível afirmar que no Estado
Democrático de Direito, há - ou deveria haver - um sensível deslocamento do centro
de decisões do Legislativo e do Executivo para o plano da justiça constitucional.
Para tanto, anota o seguinte:
Pode-se dizer, nesse sentido, que no Estado Liberal, o centro de decisão
apontava para o Legislativo (o que não é proibido é permitido, direitos
negativos); no Estado Social, a primazia ficava com o Executivo, em face da
necessidade de realizar políticas públicas e sustentar a intervenção do
Estado na economia; no Estado Democrático de Direito, o foco de tensão
se volta para o Judiciário. Dito de outro modo, se com o advento do Estado
Social e o papel fortemente intervencionista do Estado o foco de
poder/tensão passou para o Poder Executivo, no Estado Democrático de
Direito uma modificação desse perfil. Inércias do Executivo e falta de
atuação do Legislativo passam a poder ser suprida pelo Judiciário,
justamente mediante a utilização dos mecanismos jurídicos previstos na
Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito
.
(STRECK,
2007, p. 54, grifo do autor)
Por força disso, defendemos que após longo período de ditadura militar, no
qual direitos eram lesados e a sociedade vivia sob a sombra da censura e da tortura,
a Constituição de 1988 surgiu como o marco de uma nova era de democracia,
voltada aos direitos do cidadão, dando atenção especial à consolidação dos direitos
fundamentais, de forma a assegurar garantias sicas à pessoa, proporcionando
uma vida digna à população (SILVA; WEIBLEN, 2007). Incrementou-se, desde
então, a procura pelo judiciário, e os meios econômicos, ditos escassos, passaram a
fazer parte da defesa do Estado, sob o argumento contemporâneo do principio da
reserva do possível, como argumento limitador das prestações estatais, em
detrimento dos direitos sociais consolidados constitucionalmente.
3.2.3.2 O princípio da reserva do possível – um viés à parte
Como referimos com as leituras de Amartya Sen, mesmo que haja um
mandamento legal inserido no próprio Texto Constitucional, ele somente poderá
obter sua real efetividade na presença das condições fáticas e jurídicas capazes de
130
“Por outro lado, em face da democracia delegativa que vivemos, de cunho hobbesiano
(O´Donnell), no interior do qual o legislativo é atropelado pelo decretismo do Poder Executivo,
também não temos garantidos o acesso à produção democrática das leis e dos procedimentos que
apontam para o exercício dos direitos previstos na Constituição” (STRECK, 2007, p. 54).
198
lhe conferir esta eficácia. Chamados por Sen (1999) de deveres correlatos”, Kant
(apud SEN, 1999) aludia de “uma obrigação perfeita”.
Em caso contrário, na ausência deste contexto, por mais nobre que fosse o
objetivo da norma, ninguém poderá ser obrigado a cumprir suas diretrizes. Dessa
forma, a escassez de meios econômicos pode limitar a plena satisfação dos direitos
sociais. Assim, a implementação destes direitos se torna dependente da existência
de condições materiais que permitam sua atendibilidade (SILVA; WEIBLEN, 2007).
A teoria do princípio da reserva do possível, originário de decisões proferidas
pela Corte Constitucional Federal da Alemanha, surgiu justamente deste
posicionamento - encontrado na apreciação de um famoso caso (BverfGE apud
KRELL, 2002). No citado caso, verifica-se uma ação judicial proposta, visando obter
uma decisão que permitisse um certo estudante cursar o ensino superior público,
com base na Lei Federal alemã de livre escolha de trabalho, ofício ou profissão,
tendo em vista que não havia disponibilidade de vagas em número suficiente para
todos em freqüentarem as universidades públicas (SARLET, 2001). Neste caso,
ficou estabelecido que se pode exigir do Estado o atendimento de um
interesse, ou a execução de uma prestação em benefício do interessado,
desde que observados os limites da razoabilidade, destacando ainda a
Suprema Corte Germânica que os intitulados direitos sociais “estão sujeitos
à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira
racional, pode esperar da sociedade. (KRELL, 2002, p. 52).
Tal entendimento inviabilizaria que fossem requeridas providências do Estado
acima de um patamar logicamente razoável de exigências sociais, razão pela qual
restou afastada a lógica de que o Poder Público estaria obrigado a disponibilizar um
número ilimitado de vagas, para acolher todos os interessados em ingressar nas
universidades públicas. Em outras palavras, o Poder Judiciário, por mais que tenha
como objetivo conferir a devida aplicabilidade às normas inseridas na Carta Magna,
não pode almejar suprir todas as carências sociais mediante a expedição de ordens
judiciais, pois estas não obterão a efetividade pretendida, haja vista que faltam
condições materiais suficientes para a sua concretização. Além disso, a satisfação
de uns implica negar o direito a outros, em face da escassez de recursos.
199
Sobre o tema, Amaral (2001, p. 146-147) adverte que:
Diante de um quadro como esse, a tendência natural é fugir do problema,
negá-lo. Esse processo é bastante fácil nos meios judiciais. Basta observar
apenas o caso concreto posto nos autos. Tomada individualmente, não
situação para a qual não haja recursos. Não tratamento que suplante o
orçamento da saúde ou, mais ainda, aos orçamentos da União, de cada um
dos Estados, do Distrito Federal ou da grande maioria dos municípios.
Assim, enfocando apenas o caso individual, vislumbrando apenas o custo
de cinco mil reais por mês para um coquetel de remédios, ou de cento e
setenta mil reais para um tratamento no exterior, não se a escassez de
recurso, mormente se adotado o discurso de que o Estado tem recursos
nem sempre bem empregados.
Porém, mesmo que os custos de tratamento na saúde tenham se tornado
enormes, para o Estado - quando tomados como um todo - a questão vai além da
simples discussão financeira, há recursos não financeiros, como órgãos, pessoal
especializado e equipamentos, que o escassos em comparação com as
necessidades. Nesse quadro, defendemos que:
os direitos sociais não devem ter tratamento diferenciado de outros direitos
fundamentais, mas os recursos para o atendimento das demandas são
finitos, surgem os conflitos, nos quais se torna imperioso decidir sobre o
emprego de recursos escassos através de escolhas disjuntivas (o
atendimento de uns e o não-atendimento de outros). Tal conflito não é, em
geral, tratado pela doutrina e mesmo o critério de ponderação se revela
insuficiente quando se trata de prestações positivas. (SILVA; WEIBLEIN,
2007, p. 47).
Krell (2002) afirma que o princípio da reserva do possível consiste em uma
falácia, decorrente de um Direito Constitucional comparado equivocado, na medida
em que a situação social brasileira não pode ser comparada àquela dos países
membros da União Européia. Segundo o autor, no que diz respeito ao campo da
saúde, a solução seria satisfazer todos os casos,
se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas
(transportes, fomento econômico, serviço da dívida) onde sua aplicação não
está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem: sua
vida, integridade e saúde. Um relativismo nessa área poderia levar a
ponderações perigosas e anti-humanistas do tipo ‘por que gastar dinheiro
com doentes incuráveis ou terminais? (KRELL, 2002, p. 53).
Segundo Silva e Weiblen (2007), se não se pode compelir o “Estado Social” a
garantir um padrão “ótimo” de bem-estar social, não significa que a otimização do
bem-estar social não possa ser uma meta a ser alcançada, mesmo quando se
200
esbarra na escassez de recursos, para às exigências mínimas em saúde, educação,
assistência social, segurança, etc. Em outras palavras, o seu cumprimento pode ser
negado por parte do Estado somente temporariamente em virtude de uma
impossibilidade material evidente e comprovável (BARROSO, 1996), todavia, como
defende Espindola e Saldanha (2006) e Streck (2007) é preciso fazer com que a
Constituição se constitua, fazendo funcionar a justiça constitucional. Além disso, e
mais ainda, é preciso analisar sob o enfoque da necessidade, ou essencialidade, da
prestação, a excepcionalidade da situação concreta, uma vez que, por exemplo, um
cataclismo, natural ou social, pode momentaneamente tornar inexigível algo que
pouco antes o era. O grau de essencialidade está ligado ao mínimo existencial, à
dignidade da pessoa humana e, em conseqüência, quanto mais essencial for a
prestação, mais excepcional deverá ser o motivo para que ela não seja acolhida.
Dessa forma, haverá uma ponderação dessas duas variáveis. Se o grau de
essencialidade superar o de excepcionalidade, a prestação deve ser entregue, caso
contrário, como afirma Amaral, “a recusa estatal será legítima” (AMARAL, 2001, p.
214 ).
3.2.3.3 E o papel do judiciário na efetividade do humano
Segundo Streck (2007, p. 296-297, grifo do autor), “no topo do ordenamento,
está a Constituição, Lei Maior que deve ser entendida como algo que constitui a
sociedade, é dizer, a constituição do país e a sua Constituição”. Nesse sentido,
assumindo uma postura substancialista, para o qual o Judiciário (e, portanto, o
Direito) assume especial relevo, esse autor propõe:
[...] o que Garcia Herrera magnificamente conceitua como resistência
constitucional”, entendida como o processo de identificação e detecção do
conflito entre princípios constitucionais e a inspiração neoliberal que
promove a implantação de novos valores que entram em contradição com
aqueles: solidariedade frente ao individualismo, programação frente a
competitividade, igualdade substancial frente ao mercado, direção pública
gente a procedimento pluralistas
131
.
Esse novo modelo constitucional supera o esquema da igualdade formal
rumo à igualdade material, o que significa assumir uma posição de defesa e
suporte da Constituição como fundamento do ordenamento jurídico e
expressão de uma ordem de convivência assentada em conteúdos
materiais de vida e em um projeto de superação da realidade alcançável
131
Consultar HERRERA, Garcia; ANGEL, Miguel. “Poder Judicial Y Estado Social: Legalidad Y
Resistência Constitucional”. In: Corrupción Y Estado de Derecho el papel de la jurisduccion.
Perfecto Andrés Ibanes (Editor). Madrid,: Trotta, 1996, p. 83.
201
com a integração das novas necessidades e a resolução dos conflitos
alinhados com os princípios e critérios de compensação constitucionais
(STRECK, 2007, p. 297, grifo do autor).
Por força disso, e mesmo que a aplicação e destinação de recursos públicos,
inclusive no que tange às prioridades na esfera das políticas públicas, com reflexos
diretos na questão orçamentária, seja reconhecida como tarefa que cabe
precipuamente ao legislador ordinário, razão pela qual alegações de que se trata
de problema de natureza competencial (SARLET, 2001), é preciso buscar a
efetividade constitucional desses princípios ainda não efetivados.
Mesmo que essa postura existe uma crítica recorrente à utilização da via
judicial para a efetivação dos direitos prestacionais de que tal meio consistiria em
uma violação ao princípio da Separação de Poderes - visto que a matéria
dependeria de mediação orçamentária e, portanto, estaria dentro dos limites de
competência dos Poderes Executivo e, principalmente, Legislativo, o judiciário,
conforme leciona Streck (2007), tem legitimidade e jurisdição de suprimir tais
lacunas. Tais alegações, segundo Silva e Weiblein (2007) ilustram o freqüente uso
do princípio idealizado por Montesquieu como fundamento que dificulta cada vez
mais as reivindicações sociais. Assim, o referido princípio deve também evoluir e,
através de uma nova leitura necessária, poder continuar servindo ao seu objetivo
inicial de assegurar os Direitos Fundamentais contra o arbítrio estatal.
Citando Canotilho e Krel, lembram Silva e Weiblein (2007, p. 49) que este
“sempre viu a realização dos direitos sociais muito mais na dependência da
participação política da população do que numa atuação significativa dos tribunais”.
Porém, para Krell (2002), esta posição dominante no constitucionalismo alemão não
é transponível para o Brasil sem as devidas alterações. Assim, “na medida em que é
menor o nível de organização e atuação da sociedade civil para participar e
influenciar na formação da vontade política” o que é notório na situação brasileira,
“aumenta a responsabilidade dos integrantes do Poder Judiciário na concretização e
no cumprimento das normas constitucionais, especialmente as que possuem uma
alta carga valorativa e ideológica” (KRELL, 2002, p. 70).
202
Em verdade, o que se encontra no Brasil é uma oposição ao controle judicial
do mérito dos atos do Poder Público, aos quais se reserva um vasto espaço de
atuação autônoma, discricionária, em que as deliberações do órgão ou do agente
público são definitivos quanto à sua conveniência e oportunidade. Nesse quadro,
parece incorreto ignorar a realidade e se negar a possibilidade de soluções mais
práticas para o bem geral em decorrência de um apego excessivo e radical ao
princípio como sugerido em uma realidade passada. Assim, a invocação da teoria da
Separação dos Poderes em tais situações é resultado de uma atitude conservadora
da doutrina constitucional tradicional, a qual necessita da devida atualização de
velhos dogmas, fato que se tornou imperativo em face das condições diferenciadas
do moderno Estado Social (KRELL, 2002).
Para Barroso (1996, p. 155), o “padrão mínimo” no cumprimento das tarefas
estatais poderia, sem maiores problemas, ser ordenado por parte do Judiciário, o
que deixa de acontecer devido apenas a motivos ideológicos e não jurídico-
racionais. No mesmo sentido se manifesta Sarlet (2001), ao demonstrar que, no
caso da negação de prestações de serviços básicos por parte do estado, não
conseguem convencer os argumentos comuns da falta de verbas e da ausência da
competência do Judiciário para decidir sobre a aplicação dos recursos blicos,
mormente na área da saúde, o bem maior da vida humana. Para o autor, “negar ao
indivíduo, os recursos materiais mínimos, para manutenção de sua existência pode
significar, em última análise, condená-lo à morte por inanição, por falta de
atendimento médico, etc.” (SARLET, 2001, p. 323).
Nesse diapasão, cabe ao Judiciário assumir um papel mais politizado, de
forma que não apenas julgue o certo e o errado conforme a lei, mas sobretudo
examine se o poder discricionário de legislar está cumprindo a sua função de
implementar os resultados objetivados pelo Estado Social. Ou seja, não se atribui ao
Judiciário o poder de criar políticas públicas, mas sim a responsabilidade de
compelir a execução daquelas estabelecidas nas leis constitucionais ou
ordinárias. Dessa forma, exige-se um Judiciário “intervencionista” que realmente
ousa controlar a falta de qualidade das prestações dos serviços básicos e exigir a
concretização de políticas sociais eficientes, não podendo as decisões da
Administração Pública se distanciarem dos fins almejados pela Constituição.
203
Seguindo esse entendimento, Krell (2002, p. 98) afirma:
Num Estado Social, modelo adotado pela Carta Brasileira de 1988, o Poder
Judiciário é exigido a estabelecer o sentido ou a completar o significado da
legislação constitucional e ordinária que nasce com motivações distintas
às da certeza jurídica, o que o o papel de legislador implícito”. Dessa
maneira, a agenda da igualdade redefine a relação entre os três Poderes,
adjudicando ao Poder Judiciário funções de controle dos poderes políticos.
Dessa forma, na chamada “eficácia vertical” dos direitos fundamentais, na
qual os vinculados à solução de litígios, que abordem os direitos e garantias
fundamentais, incumbem, também ao Judiciário, a tarefa de conferir eficácia aos
direitos sociais (SARLET, 2000). A decisão sobre a aplicação dos recursos públicos,
por sua direta implicação orçamentária incumbe precipuamente ao legislador, porém
deve o Juiz, na medida em que entender que o critério adotado pela administração
não é o ideal para o caso concreto e justificar tal entendimento, prestar a tutela
imediata, de tal sorte que as posições jurídicas fundamentais na esfera social
possam ser asseguradas.
3.4 O desenvolvimento humano pode prosperar na economia de mercado?
Em resposta a essa questão, encontra-se em Giddens (2005, p. 109-110) a
idéia de que uma nova economia mista, através da política da terceira via, possa ser
um encaminhamento positivo. Pela mesma “[...] buscar-se-ia uma nova sinergia
entre setores público e privado, utilizando o dinamismo dos mercados mas tendo em
mente o interesse público”. Para Giddens (2005, p. 109-110), existiram duas versões
da velha economia mista:
[...] Uma envolvia a separação entre Estado e os setores privados, mas com
boa parte da indústria em mãos públicas. A outra era e é o mercado social.
Em cada uma delas, os mercados são mantidos amplamente subordinados
ao governo. A nova economia mista busca, em vez disso, uma nova
sinergia entre setores públicos e privados, utilizando o dinamismo dos
mercados mas tendo em mente o interesse público. Ela envolve um
equilíbrio entre regulação e desregulamentação, num nível transnacional,
bem como em níveis nacional e local; e um equilíbrio entre o econômico e o
não econômico na vida da sociedade. O segundo é pelo menos tão
importante quanto o primeiro, mas alcançado em parte por meio dele.
Anota o autor que “a questão da igualdade precisa ser pensada
cuidadosamente, de ponta a ponta” (GIDDENS, 2005, p. 110). Igualdade e liberdade
204
individual podem entrar em conflito e de nada adianta fingir que igualdade,
pluralismo e dinamismo econômico são sempre compatíveis. Movida como é por
mudanças estruturais, a desigualdade em expansão não é de fácil combate.
Defende Giddens (2005) que o modelo de igualdade neoliberal - igualdade de
oportunidade, ou meritocracia - não é sustentável. Primeiro, porque, fosse ela
alcançável, numa sociedade radicalmente meritocrática, geraria profundas
desigualdades de resultados, que iriam ameaçar a coesão social
132
. “Quando
margens mal perceptíveis fazem a diferença entre o sucesso ou o fracasso de um
produto, os riscos para um negócio são enormes”.
E assevera:
[...] uma meritocracia plena criaria um exemplo extremo de uma tal classe,
uma classe de parias. Pois não só grupos de pessoas estariam na parte
mais baixa, como eles saberiam que sua falta de capacidade torna sua
situação correta e apropriada: é difícil imaginar algo mais deprimente.
De todo modo, uma sociedade plenamente meritocrática não é apenas
irrealizável; é uma idéia contraditória em si mesma [...] uma sociedade
meritocrática tende a ser extremamente desigual no nível do resultado.
Numa ordem social, os privilegiados serão fatalmente capazes de conferir
vantagens a seus filhos destruindo assim a meritocracia. (GIDDENS,
2005, p. 112).
Não obstante, Giddens (2005, p. 112) alerta que isto “não implica que
princípios meritocráticos sejam irrelevantes para a igualdade, mas significam de fato
que esses princípios não a exaurem, nem podem ser usados para defini-la.”
É o caso que muitos devem descer para outros subir. Para Giddens (2005, p.
111),
igualdade, pela nova política, é inclusão e a desigualdade é a exclusão,
sendo a primeira, em seu sentido amplo, a cidadania, direitos e obrigações
civis e políticos, que todos os membros de uma sociedade devem ter, não
apenas formalmente, mas como uma realidade de suas vidas, e seu
envolvimento no espaço público.
132
“Considere por exemplo, o fenômeno ‘o vencedor-leva-tudo’, um efeito demonstrável nos
mercados de trabalho. Uma pessoa que é marginalmente mais talentosa que outra pode fazer jus a
um salário maior. Um jogador de tênis ou um cantor de ópera de primeiro naipe ganham muitíssimo
melhor do que aquele que não é tão bom, e isso acontece por causa do fato de um princípio
meritocrático estar em operação, e não apesar dele” (GIDDENS, 2005, p. 111).
205
Numa sociedade em que o trabalho permanece essencial para a auto-estima
e o padrão de vida, o acesso ao trabalho é um contexto principal de oportunidade,
assim como a educação. Nesta esteira, quanto à exclusão, segundo Giddens (2005),
na sociedade contemporânea, duas formas vêm se destacando: a dos que estão em
baixo, excluídos do fluxo principal de oportunidades, do que a sociedade tem a
oferecer.
No topo, há a exclusão voluntária, chamada de “revolta das elites”: um
afastamento das instituições públicas por parte dos grupos mais afluentes,
que optam por viver em separado do resto da sociedade, em comunidades
fortificadas e a se retirar da educação pública e dos sistemas de saúde
públicos. (GIDDENS, 2005, p. 113).
Além disso, o preconceito étnico pode reforçar ainda mais os processos de
exclusão, a exemplo das cidades americanas, que criaram novos pobres em
Londres, Paris, Berlim, Roma e outras áreas urbanas (GIDDENS, 2005).
[...] A exclusão econômica é assim freqüentemente também física e cultural.
Em áreas em declínio, as habitações se deterioram, e a falta de
oportunidades de emprego produz desestímulos à educação, conduzindo à
instabilidade e à desorganização sociais. Mais de 60% dos inquilinos de
uma série de habitações subdivididas pelo governo em torno da cidade de
Londres, o mais rico metro quadrado da Grã-Bretanha, são desempregados.
No entanto, o City Airport, muito próximo dali, não consegue encontrar
trabalhadores habilitados em número suficiente para suas necessidades.
(GIDDENS, 2005, p. 114).
Alude Giddens (2005) que a exclusão no topo é tão ameaçadora para o
espaço público quanto a exclusão na base, e limitar essa exclusão das elites é
central para a criação de uma sociedade mais inclusiva na base. As desigualdades
de rendimento parecem estar crescendo, por exemplo, nos EUA. Sessenta por cento
dos ganhos de rendimento ao longo do período de 1980 a 1990 foram para a fração
de 1% mais bem situada da população, ao passo que o rendimento real dos 25%
mais pobres permaneceu estático, por mais ou menos trinta anos.
Citando Mickey Kaus, um jornalista político do EUA, Giddens (2005, p. 116)
alude que aquele sugere uma distinção entre “liberalismo econômico” e “liberalismo
cívico”, asseverando que o esvaziamento do espaço público pode ser revertido e
enfrentar a exclusão no topo não é só uma questão econômica.
206
O “liberalismo cívico”, ou seja, a retomada do espaço público deve ser uma
parte básica de uma sociedade inclusiva, através do cultivo bem-sucedido da nação
cosmopolita: melhorar a qualidade da educação pública, manter um serviço de
saúde adequadamente financiado, promover benfeitorias blicas seguras, controlar
níveis de criminalidade, não devendo, pois, a reforma do Welfare State, reduzir-se a
uma rede de segurança. Somente um sistema de welfare state, que beneficie a
maior parte da população gerará uma moralidade comum de cidadania (GIDDENS,
2005). Nos EUA, onde o “Welfare” assumiu conotação negativa - é dirigido em
grande parte aos pobres os resultados são divisórios, e por isto, nessa sociedade,
a pátria do individualismo competitivo, o nível de desigualdade econômica é bem
maior (GIDDENS, 2005). O novo mantra para os políticos social-democratas, a
exemplo de Tony Blair, é “educação, educação, educação”. O investimento em
educação é um imperativo de governo hoje, como uma base essencial da
“redistribuição de possibilidades”.
Sentencia Giddens (2005, p. 127, grifo do autor) que:
a diretriz é o investimento em capital humano sempre que possível, em vez
de fornecimento direto de sustento econômico, ou seja, no lugar do welfare
state, deveríamos considerar o Estado do investimento social, operando no
contexto de uma sociedade de welfare positivo.
Quanto à educação, Costa (2006, p. 1724) faz coro a Giddens, na medida em
que afirma que “a educação é um dos instrumentos mais importantes para a
consolidação da cidadania”, anotando a importância de redefinir-se o papel da
educação, como direito social fundamental, imprescindível à pessoa humana, no
sentido de realizar-se e tornar-se capaz de construir vínculos fortes e estáveis entre
os membros de sua comunidade, tendo por fundamento a unidade social, a
aceitação, a solidariedade e o senso de destino comum.
Prossegue a autora dizendo que:
Kant define a importância da educação para a definição do ser humano,
afirmando que o homem não pode se tornar um verdadeiro homem, senão
pela educação”. “Ele é aquilo que a educação dele faz”.
[...]
O papel da educação no mundo globalizado é indiscutível e às evidências
científicas sobre suas contribuições para o desenvolvimento econômico e
social do mundo moderno têm sido freqüentemente apontadas.
207
A educação não deve objetivar apenas uma suposta qualificação do
trabalhador. Seu principal papel é constituir-se numa ferramenta que
contribua para a formação de uma consciência crítica, capaz de dotar o
cidadão de um saber que lhe permita ultrapassar as ideologias, conhecer
seus direitos, lutar por eles e superar seus problemas. (COSTA, 2006, p
1724).
Veiga (2005, p. 187), por sua vez, defende que:
a sustentabilidade ambiental do crescimento e da melhoria da qualidade de
vida é um imperativo global que chegou para ficar, em virtude da percepção
de que a biosfera, em níveis global, regional, nacional e local, está sendo
submetida a pressões insuportáveis e prejudiciais para o próprio
desenvolvimento e às condições de vida.
Nesse caso, a noção de desenvolvimento sustentável, de tanta importância
nos últimos anos, procura vincular estreitamente a temática do crescimento
econômico com a do meio ambiente. Apesar do nevoeiro - ambiguidades, derrota
devido ao fim da guerra fria etc. - o generalizado emprego da expressão
“desenvolvimento sustentável” constitui sinal bastante auspicioso. Indica, entre
outras coisas, a extensão da tomada de consciência de boa parte das elites sobre a
problemática dos limites naturais. Começa a penetrar a idéia de que não se deve
perseguir o desenvolvimento tout court, mas que ele deve ser qualificado: precisa
ser ecologicamente sustentável. Por isso, a pergunta que não pode ser evitada é a
seguinte: quais são as razões que nos levam a julgar necessária essa qualificação
do desenvolvimento? Trata-se simplesmente de um aperfeiçoamento da noção de
desenvolvimento ou, ao contrário, estaríamos reconhecendo a necessidade de sua
negação/superação?
Veiga (2005) expôs evidências em favor desta última perspectiva. Procura
mostrar que a necessidade de se colocar o qualificativo “sustentável” reflete, em
última instância, o crescente esgotamento de um dos principais valores dos tempos
modernos, e não mera insuficiência da noção de desenvolvimento. E essa questão
pode ser sintetizada em resposta a três perguntas: Por que o desenvolvimento é
uma utopia? Por que a utopia do desenvolvimento é insustentável? Se que a
noção “desenvolvimento sustentável” aponta para o surgimento de uma nova
utopia? Em seu entendimento mais comum, utopia” é algo de fantasioso ou
quixotesco. Os dicionários a apresentam como antônimo de “realidade” e sinônimo
de “ilusão” ou “sonho”. Não é, evidentemente, neste sentido que se pode considerar
208
o desenvolvimento como utopia. “Emprega-se aqui, o termo utopia em seu sentido
filosófico contemporâneo: a visão de futuro sobre a qual uma civilização cria seus
projetos, fundamentando seus objetivos, idéias e suas esperanças”. (VEIGA, 2005,
p. 193, grifo do autor).
De Marx a Hayek, passando por todas as nuances socialistas e liberais,
dificilmente se encontrará uma esperança mais consensual do que o
desenvolvimento. Lembra esse autor, que em 1867, no primeiro prefácio de
O capital, Marx advertia que o país mais desenvolvido mostra aos que o
seguem a imagem de seu próprio futuro. Quase um século depois, o
balanço feito por Hayek foi o seguinte: mesmo que se possa deplorar alguns
traços do desenvolvimento, como certos valores estéticos e morais, sob o
prisma do padrão de vida das amplas maiorias desprivilegiadas não resta
dúvida de que a tendência foi para muito melhor. (VEIGA, 2005, p. 193, grifo
do autor).
Alude Veiga (2005) que o liberalismo e o socialismo foram as duas faces
ideológicas da mesma moeda.
É esta a utopia que entrou em crise depois de ter prestado grandes
serviços, por dois séculos, aos mais diversos tipos de formações sociais. No
chamado Norte, a crise da utopia industrializada é profunda, mesmo que
nos países do Sul, ela certamente ainda possa ter muito futuro. E é crucial
conhecer as razões de seu desabamento nos países do chamado núcleo
orgânico. A indústria não poderia ter se firmado sem a crescente
racionalização do trabalho. Não faz mais do que uns duzentos anos que o
trabalho é considerado simultaneamente um dever moral, uma obrigação
social e caminho natural da realização pessoal. Essa chamada “ética do
trabalho”, que impregnou todas as sociedades modernas, tem três grandes
alicerces: (a) quanto mais um indivíduo trabalha, mais ajuda a melhorar a
vida da coletividade; (b) quem trabalha pouco ou não trabalha, prejudica a
comunidade e não merece respeito; (c) quem trabalha direito acaba tendo
sucesso e quem não o alcança é por sua própria culpa. Afirma Veiga, que
“esta ética está caducando”. Deixou de ser verdade que, para produzir mais
é necessário trabalhar mais. (VEIGA, 2005, p. 194).
No chamado Primeiro Mundo, foi rompida essa ligação entre mais e
melhor. As necessidades básicas dessas populações estão fartamente atendidas, e
muitas das necessidades ainda insatisfeitas não exigem que se produza mais, mas
sim, que se produza menos. Isso se deve, evidentemente, à tremenda mutação
técnica que tem sido chamada de “revolução microeletrônica”. Ela está engendrando
uma enorme redução das necessidades de trabalho e aumentando brutalmente o
tempo disponível. Paradoxalmente, é no momento em que se começa a vislumbrar
essa superação do tão falado “reino da necessidade” que se pode também enxergar,
com muita nitidez, que o planeta Terra está ameaçado e que é preciso “salvá-lo”. Ao
mesmo tempo, essa operação de salvação entra em choque com a utopia
209
desenvolvimentista. “O lixo pode ser reciclado, a água despoluída e recuperada,
bem como certos solos, mas é dificil evitar agressões à Terra a menos que
abandonemos o progresso como meta desejada por todos” (GOLDENBERG, 1989
apud VEIGA, 2005, p. 194-195).
Adverte Veiga (2005), no entanto, que vários estudiosos mostraram que os
recursos naturais do planeta não durariam muito se o mundo inteiro alcançasse o
padrão de vida dos norte-americanos. É esta a contradição que está na base da
noção de desenvolvimento sustentável. Procura-se uma solução de compromisso
entre o industrialismo ainda exigido pela periferia e o pós-industrialismo
inaugurado no centro. Sejam quais forem os termos desse compromisso, uma coisa
é certa: a velha utopia industrializada não é mais sustentável. Todavia, a publicação
do Relatório Brundtland, se não dirimiu, pelo menos minimizou a confusão que
reinava até ali.
Enfatizou que a humanidade será capaz de tornar o desenvolvimento
sustentável, garantindo as necessidades do presente sem comprometer a
possibilidade de gerações futuras também o fazerem. Os otimistas partidários do
relatório acreditam que uma vez restabelecida a igualdade entre os custos privados
da firma e os custos que sua atividade inflige à sociedade, voltaria a haver
coincidência entre o ótimo individual e o ótimo coletivo. Assim, a procura do lucro
continuaria a ser a melhor alavanca do bem-estar social e a lógica do mercado
permaneceria e salva. quem duvide das virtudes reguladoras dos preços para
a preservação ambiental.
Alude Veiga (2005) que é preciso reconhecer que as teorias econômicas
tenderam a iludi-la ao longo dos 150 anos que separam Malthus das sombrias
previsões do Clube de Roma. Anotam-se, pois, duas tendências: os que acreditam
que o arsenal econômico pode ser aperfeiçoado para responder ao “novo” desafio e
os que consideram que a problemática ambiental coloca em xeque os próprios
fundamentos da ciência econômica. A valoração econômica dos elementos do meio
ambiente tem sido tentada como se fosse o único caminho possível para que se
alcance um planejamento de ações governamentais compatíveis com a aspiração a
um desenvolvimento sustentável.
210
E pergunta Veiga (2005, p. 205), cheio de reticências: “será que o avanço do
conhecimento cientifico provocará em tempo útil, uma nova ‘onda’ que supere o
industrialismo?” E responde: “Só é possível responder a esta pergunta com muitas
outras perguntas. No caso da economia, a chamada mudança de paradigma
científico está, no máximo, engatinhando. É isso que permite, finalmente, tentar
responder à terceira pergunta formulada no início da conclusão de Veiga em sua
obra: até que ponto a “noção de desenvolvimento sustentável” aponta para o
surgimento de uma nova utopia?”
No capitalismo passado, afirma Veiga (2005, p. 205) “uma taxa de
crescimento econômico como a “era do ouro” (1948-1973) certamente teria
consequências irreversíveis e catastróficas para o ambiente natural do planeta,
incluindo a humanidade que é parte dele. Não destruiria a terra, nem a tornaria
inabitável, mas certamente mudaria o padrão de vida da biosfera, e poderia muito
bem torná-la inabitável para espécie humana”.
Contudo, no final do século XX, os defensores das políticas ecológicas
tinham razão, fossem eles ricos ou não. A taxa de desenvolvimento devia
ser reduzida ao “sustentável” em médio prazo. Ninguém sabe e poucos
ousam especular como se deve fazer isso. Em que níveis de população,
tecnologia e consumo tal equilíbrio se tornaria possível? Uma coisa porém,
Hobsbawm (1995, apud Veiga, 2005, p. 207) considera inegável. Tal
equilíbrio seria incompatível com uma economia mundial baseada na busca
ilimitada do lucro por empresas econômicas dedicadas, por definição, a
esse objetivo, e competindo uma com as outras num mercado livre global.
Ou seja, segundo ele, do ponto de vista ambiental, o futuro da humanidade
com certeza não será capitalista. Mas isto não significa, como muitos ainda
pensam, que esse futuro não-capitalista deva ser identificado com a utopia
socialista. (VEIGA, 2005, p. 207).
Segundo Veiga (2005), é bem possível que o debate que contrapôs
capitalismo e socialismo como pólos opostos, mutuamente excludentes, seja visto
por gerações futuras como uma relíquia das guerras frias de religiões ideológicas do
século XX. Ao mesmo tempo, as diversas versões sobre o “desenvolvimento
sustentável” parecem estar, muito longe de delinear, de fato, o surgimento dessa
nova utopia de entrada do terceiro milênio. Este é o enigma que continua à espera
de um Édipo que o desvende. Como afirma Veiga (2005, p. 208), “nos últimos três
ou quatro decênios, houve uma intensa ressurreição do pensamento utópico”.
211
Seria, pois, utópico, o que defende Hawken, Lovins e Lovins (2007), de que a
solução está no reconhecimento da humanidade que o sistema capitalista
implementado até aqui o deve prosseguir, consumindo o pouco que ainda possui
a Terra, de recursos naturais, sugerindo que a próxima revolução industrial seja a do
“capitalismo natural”? Afirmam esses autores, que “o reconhecimento desse lado
sombrio do sucesso da produção industrial desencadeou a segunda das duas
guinadas intelectuais do final do século XX(p. 4). O fim da Guerra Fria e o colapso
do comunismo foi a primeira mudança. A segunda, que atualmente emerge
discretamente, é o fim da guerra contra a vida na Terra e a conseqüente ascensão
do que denominamos capitalismo natural. Afirmam que:
o capitalismo, tal qual vem sendo praticado, é uma aberração lucrativa e
insustentável do desenvolvimento humano.
O
que se pode designar como “capitalismo industrial” não se ajusta
cabalmente aos seus próprios princípios de contabilidade. Ele liquida seu
capital e chama de renda. Descuida de atribuir qualquer valor ao mais
importante capital que emprega: os recursos naturais e os sistemas vivos,
assim como os sistema sociais e culturais que são a base do capital
humano. (HAWKEN; LOVINS; LOVINS, 2007, p. 4-5).
Segundo Hawken, Lovins e Lovins (2007, p. 8-9), “o capitalismo natural e a
possibilidade de um novo sistema industrial alicerçam-se em uma mentalidade e em
uma escala de valores muito diferentes das do capitalismo convencional”, anotando
oito fatores básicos entre seus pressupostos
133
, além de apresentar quatro
estratégias centrais do capitalismo natural, as quais são meios de habilitar os
países, as empresas e as comunidades a operar comportando-se como se todas as
formas de capital fossem valorizadas, garantindo uma anuidade perpétua de
133
“a) - O meio ambiente não é um fator de produção sem importância mas ‘um invólucro que
contém, abastece e sustenta o conjunto da economia’; b) - Os fatores limitadores do desenvolvimento
econômico futuro são a disponibilidade e a funcionalidade do capital natural, em particular dos
serviços de sustentação da vida que não têm substitutos e, atualmente, carecem de valor de
mercado; c) - Os sistemas de negócio e de crescimento populacional mal concebidos ou mal
projetados, assim como os padrões dissipadores de consumo, são as causas primárias da perda do
capital natural, sendo que as três coisas devem tentar alcançar a economia sustentável; d) O
progresso econômico futuro tem melhores condições de ocorrer nos sistemas de produção e
distribuição democráticos baseados no mercado, nos quais todas as formas de capital sejam
plenamente valorizadas, inclusive o humano, o industrial, o financeiro e o natural; e) Uma das
chaves do emprego mais eficaz das pessoas, do dinheiro e do meio ambiente é o crescimento radical
da produtividade dos recursos. f) – O bem-estar humano é mais favorecido pela melhora da qualidade
e do fluxo da prestação de serviços desejáveis que pelo mero aumento do fluxo total de dólares; g)
A sustentabilidade econômica e ambiental depende da superação das desigualdades globais de
renda e bem-estar material; h) A longo prazo, o melhor ambiente para o comércio é oferecido pelo
sistemas de governo verdadeiramente democrático, que se apóiam nas necessidades das pessoas,
não nas das empresas” (HAWKEN; LOVINS; LOVINS, 2007, p. 8-9).
212
valiosos processos sociais e naturais a fim de servir uma população em crescimento
de forma sensata. Desta forma, para “evitar a escassez, perpetuar a abundância e
estabelecer uma base sólida para o desenvolvimento social da administração
responsável e da prosperidade no próximo século e além” (2007, p. 9). Todavia,
interpretando a contemporaneidade, Santos (2007, p. 15) afirma que:
a partir de meados do século XIX, com a consolidação da convergência
entre o paradigma da modernidade e o capitalismo, a tensão em regulação
e emancipação entrou num longo processo histórico de degradação
caracterizado pela gradual e crescente transformação das energias
emancipatórias em energias regulatórias.
Com o colapso da emancipação na regulação, o paradigma da modernidade
deixa de poder renovar-se e entra em crise final. E, entre as ruínas que se
escondem atrás das fachadas, pode-se pressentir os sinais, por enquanto vagos, da
emergência de um novo paradigma, pois, segundo Santos (2007, p. 16),
vivemos um tempo de transição paradigmática”: A transição paradigmática
tem várias dimensões que evoluem em ritmos desiguais. Distingo duas
dimensões principais: a epistemológica e a societal. A transição
epistemológica ocorre entre o paradigma dominante da ciência moderna e o
paradigma emergente que designo por paradigma de um conhecimento
prudente para a vida decente. A transição societal menos visível ocorre do
paradigma dominante sociedade patriarcal; produção capitalista;
consumismo individualista e mercadorizado; identidades-fortaleza;
democracia autoritária; desenvolvimento global desigual excludente para
paradigma ou conjunto de paradigmas de que por enquanto não
conhecemos senão as “vibrations ascendantes” de que falava Fourier. [...]
No que respeita à transição epistemológica concentro-me nos seus
aspectos teóricos e metodológicos dando menos atenção às condições
sociológicas que têm sido identificadas pelos estudos sociais e culturais das
ciências das últimas três décadas. No que respeita à transição societal sigo
o conselho de Durkheim e tomo o direito e suas articulações com o poder
social como um indicador privilegiado dos dilemas e das contradições que
alimentam a transição paradigmática.
O autor propõe uma “dupla ruptura epistemológica como forma de superar
este beco-sem-saída” (SANTOS, 2007, p. 107, grifo do autor). A expressão dupla
ruptura epistemológica significa que, depois de consumada a primeira ruptura
epistemológica (permitindo, assim, à ciência moderna diferenciar-se do senso
comum), um outro ato epistemológico importante a realizar: romper com a
primeira ruptura epistemológica, a fim de transformar o conhecimento científico num
novo senso comum. Por outras palavras, o conhecimento-emancipação tem de
romper com o senso comum conservador, mistificado e mistificador, não para criar
213
uma forma autônoma e isolada de conhecimento superior, mas para se transformar
a si mesmo num senso comum novo e emancipatório. Como afirma Santos (2007, p.
107), “o conhecimento-emancipação tem de converter-se num senso comum
emancipatório:impondo-se ao preconceito conservador e ao conhecimento
prodigioso e impenetrável, tem de ser um conhecimento prudente para a vida
decente”. Além disso, afirma Santos (2007) que na era tecnológica, o conhecimento-
emancipação pressupõe uma nova ética, uma ética que, ao contrário da ética liberal,
não seja colonizada pela ciência nem pela tecnologia, mas parte de um princípio
novo. A meu ver, este princípio novo é o princípio da responsabilidade proposto por
Hans Jonas (1985). Explica Santos (2007, p. 111), “que o princípio da
responsabilidade a instituir não pode assentar-se em seqüências lineares, pois
vivemos numa época em que é cada vez mais difícil determinar quem são os
agentes, quais são as ações e quais as conseqüências”.
Diz ainda Santos (2007, p. 111-112):
Esta é uma das razões por que a neo-comunidade deve ser definida numa
relação espácio-temporal, local-global e imediata-diferida. O risco do
colonialismo surge, assim, numa nova escala e o mesmo sucede com as
oportunidades para a solidariedade. O novo princípio da responsabilidade
reside na Sorge, na preocupação ou cuidado que nos coloca no centro de
tudo o que acontece e nos torna responsáveis pelo outro, seja ele um ser
humano, um grupo social, a natureza, etc.; esse outro inscreve-se
simultaneamente na nossa contemporaneidade e no futuro cuja
possibilidade de existência temos de garantir no presente. A nova ética não
é antropocêntrica, nem individualista, nem busca apenas a responsabilidade
pelas conseqüências imediatas. É uma responsabilidade pelo futuro.
Como foi dito, a nova ética deve mirar o futuro, e ser responsável por seus
atos no presente. Decerto por isso propunha Bedin (2001, p. 364-365), “a
construção de uma ordem mundial justa e solidária”, afirmando que essa hipótese
[...] depende de uma inovadora opção da humanidade pela solidariedade,
pela democracia e pela paz, como sendo, por um lado, a hipótese ético-
política mais legitima para a solução dos conflitos humanos e, por outro, o
mais eficiente instrumento de contenção das atuais forças destrutivas da
humanidade, da relativização dos fluxos econômicos que atualmente
destacam as relações de consumo como sinônimo de felicidade e de
flexibilização do mercado como único e exclusivo critério válido da alocação
e distribuição dos recursos econômicos produzidos pela sociedade.
214
Além disso, pressupõe também uma opção por um projeto de paz positiva
134
e, em conseqüência, pelo afastamento da violência, como recurso legítimo, nas
relações entre os diversos atores internacionais (BEDIN, 2001). No mais, afirma
esse autor,
deve-se indicar também o surgimento de uma nova variável, que tornou
essa possibilidade ainda mais provável: a formação de um consenso ético-
global mínimo, com a realização da Convenção sobre Direitos Humanos,
que deu origem à Declaração e ao Programa de Ação de Viena. Com efeito,
estes instrumentos legais transformaram os direitos humanos num tema
global. (BEDIN, 2001, p. 365).
Assim, defende Bedin (2001), que a superação de três problemas básicos
135
,
somados às transformações da sociedade internacional das últimas décadas, tem-se
as condições objetivas de delinear esse novo projeto de ordem mundial, restando
apenas a necessidade de uma opção positiva da humanidade pela paz, pela cultura
da não-violência e pela solidariedade entre os povos, para trilhar esse novo e
aguardado caminho.
E por isto, acredita o autor que:
a utopia do passado pode transformar-se, para o conjunto da humanidade,
numa realidade concreta em um futuro bem próximo e configurar-se num
134
Sobre a distinção entre paz positiva e negativa ver BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a
filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução de Daniela Beccacia Versini. Rio de Janeiro:
Campus, 2000. Ainda, ler mais, BEDIN, 2001.
135
“a) a afirmação do relativismo cultural. A afirmação do relativismo cultural sustentou
tradicionalmente que “uma vez que tantas culturas diferentes no mundo, cada qual com uma
concepção potencialmente original sobre o que é a moralidade, jamais será possível chegar a um
acordo acerca de uma única concepção de justiça”. Com o reconhecimento dos direitos humanos
como tema global, essa afirmação torna-se insustentável, pois com esse fato criou-se um consenso
ético global mínimo;
b) o argumento de que o compatriota tem prioridade. Argumento que refletiu tradicionalmente “a
crença amplamente difundida de que somente em relação aos membros da própria sociedade
existem deveres de prestar auxílio”. Com a ampliação da noção de que a Terra é um espaço de todos
e um lugar da convivência humana coletiva, esse argumento não mais se sustenta e, em
conseqüência, ter-se-á, cada vez mais, a integração entre diversos povos do Planeta;
c) a ausência de um poder superior aos Estados individuais ou de vinculações abrangentes mais
consistentes. A ausência desses dois fatores tornou tradicionalmente a adesão de cada um dos
Estados a qualquer acordo internacional algo puramente instrumental à realização dos objetivos
nacionais.” Com a crescente interdependência e como formação dos blocos regionais e de regimes
internacionais específicos, essa instrumentalização dos acordos tornou-se cada vez mais difícil e, em
conseqüência, um dos pressupostos fundantes do Direito Internacional Público pacta sunt servan-
da - , bem como transformou-se em um princípio ainda mais efetivo, assumindo feições de um
pressuposto reitor ou dirigente das relações e das interconexões entre os diversos atores da
sociedade internacional contemporânea” (BEDIN, 2001, p. 367-368, grifo do autor).
215
momento especial da humanidade em sua realização mais plena e mais
humana em sua longa trajetória. (BEDIN, 2001, p. 369).
Como observa Bedin (2001, p. 369),
não se pode perder a esperança e deixar de apostar na possibilidade de
construção de uma ordem mundial justa e solidária, pois aqueles que
acreditam na hipótese de construção de um mundo melhor têm o dever
ético, como diz Celso Lafer, lembrando Toqueville, de velar e combater.
Portanto, a resposta a este sub-capítulo é complexa, complicada, e de
inegável dificuldade, quando se analisam todos os pontos e referências do difícil
emaranhado a que se lançou o ser humano em sua longa caminhada na história.
Sim, pois o capital é móvel, é tenaz e insensível, mas não é “vida”. É criação
humana.
Ele existe porque, engendrado pelo homem, para o homem, e seu desfrute de
interesses e poder. Serve de base para o sucesso econômico e do próprio poder do
homem sobre a espécie, e ao mesmo tempo, para o fracasso do homem, como
gênero, na medida em que, a exemplo da entropia no desenvolvimento do motor
propulsor, produziu energia perdida, deixou de ser analisado sob o aspecto do
desenvolvimento humano. Assim, é certo que se haverá de buscar um capitalismo
mais humano, mais sensível, porém, para isso deveremos, certamente, nos
desenvolver e reinventarmos. Do contrário, as afirmações de Maquiavel e Hobbes
serão sempre de atualidade, nunca saindo de cena.
216
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quem é esse homem que perpassa sua própria existência, desenvolve-se e
transmuda seu ambiente, transporta-se globalmente por centenas de anos,
moderniza-se e avança de forma fantástica na guerra, no comércio e no
conhecimento, e ainda vive inseguro, com medo, com ódio, com amor, com
sentimentos contraditórios, e ainda não sabe absolutamente nada do seu futuro?
O estudo da globalização que realizamos nos indicou que o homem dotado de
inteligência e livre arbítrio, pelo próprio princípio da sua dignidade, não pode ser
visto apenas e a partir de sua animalidade, mas sim de sua humanidade, em
especial porque é ele artífice de seu próprio destino. É a única criatura que pode
mudar o curso da história, que ele mesmo produziu e está construindo no presente e
para o futuro. Decidiu-se pelo capital e a liberdade de mercado, quando poderia, por
outra razão, ter seguido outro caminho. Implementou seu destino e pode, a qualquer
tempo, modificá-lo. Por força disso e porque o mundo hoje é uma aldeia global,
mercado, dignidade humana e Estado são todos, invenção humana, estão
indissociáveis.
Uma viagem material, cultural e econômica, de inegável sucesso, essa do
homem, que perpassou centenas de eras, atravessando o globo e a partir dele,
provando que ele - o homem - não nasceu apenas para domesticar (no sentido de
doméstico) e ser domesticado, mas sim, para dominar os obstáculos, avançar
circunstancialmente, em seu caminho, para o qual, não respeita divisas nem sua
imaginação, pois, ao transcender a própria época, o fez pela cultura, conhecimento,
desenvolvimento e evolução, calcados em seu livre arbítrio, qualidade natural
217
intrínseca, que o qualifica superior aos outros animais, e que sempre o acompanhou
transcendentalmente.
O mercado, por ser um ente despersonalizado em face de ser uma criação
humana, fomenta o comércio entre nações, o qual, por si só, em nada prejudica as
relações harmoniosas entre Estados independentes.
É claro que a globalização, pelo seu viés colonizador, e demandas
imperialistas, de conquistas e domínios, demonstram o lado mais repulsivo do
homem, não do mercado, pois a busca de maior poder e ampliação desse poder, é
do homem, e não de sua criação. Nessa conclusão, basta lembrarmos das
colocações de Smith, que elogiava o comportamento dos “autênticos homens de
negócio”, em detrimento dos comerciantes que ele chamou de “empresários de
segunda classe”. Os primeiros, entendia Smith, embora buscassem a própria
vantagem e o lucro nos negócios, eram guiados por uma “mão invisível” na direção
do bem comum. Por óbvio, voltaremos a esse assunto, mais adiante, quando
tratarmos do assunto do capital, objeto do segundo capítulo. Todavia, neste
particular, como âncora, pego para concluir, salvo as circunstâncias e os conceitos,
que tais diferenças se podem conceber dos capitalistas globais, como os
“empresários de segunda classe”, de Smith, que não respeitando o mínimo da
dignidade humana, em nome do lucro sem ética, acabam dominando nações, como
foi o povo aborígine, da Austrália, os escravos, e outros exemplos ainda vivos,
atingindo no âmago, exatamente as relações interespécie, deteriorando-as. É, pois,
o incremento da globalização chamada por nós de imperialista, fundada no poder e
na riqueza, na busca na ampliação e aumento do capital, pela força, aniquilando e
subjugando raças e culturas, num autêntico crime contra a humanidade, mas
essencialmente, uma das mais torpes decisões humanas. Portanto, queremos dizer
que não é o mercado que decide os rumos da humanidade, mas os homens que a
ele comandam.
E assim chegamos à sociedade em redes, às empresas transnacionais e
globais e ao fenômeno da comunicação eletrônica via internet, a partir da década de
80, numa transcedental evolução tecnológica, que facilitou de forma absoluta a
velocidade e o tempo das coisas e das pessoas, veiculando um capital volátil
218
indomável, minimizando o absolutismo do Estado Moderno que, domesticado, já não
consegue dirigir seus comandos, nem as mínimas necessidades sociais internas,
descumprindo suas promessas de previdência e providência, e liberando os globais
ao mando e comando mundial.
O século XXI foi de inegável sucesso econômico global, tecnológico e cultural,
onde as nações, de uma maneira ou de outra, unem-se em blocos, alianças e
parcerias, na tentativa de manter-se no mercado, ao bem do povo, na procura de
divisas, na competição internacional, e verifica-se um aumento fantástico de
produção, comércio e conhecimento. A crítica, que se faz disso é que o lucro,
absorvido por essa fantástica criação, se faz em face da distribuição dele: de um
lado, para poucos, cada vez menor, e de outro lado, para muitos, um enorme
crescimento de desempregados, favelados e deserdados das comodidades que a
vida moderna lhes pode e deveria oferecer.
Chegamos ao século XXI globalizados mental e espiritualmente, época em
que a cultura do mercado e do consumo é o padrão midiatizado em massa,
deixando para trás, inclusive, os primeiros movimentos globais incrementados pelas
religiões como foi o cristianismo, budismo e protestantismo. Essa globalização, na
verdade, é humana, não apenas por transportar o homem no tempo e no seu próprio
desenvolvimento, mas principalmente, porque demonstrou, através dos
pensamentos dos filósofos, sociólogos e estudiosos passados, que ela é um produto
da própria atividade humana criadora, que, em busca da superação de seus limites
intrínsecos e extrínsecos, o fez assim.
Através do mercado, o homem desenvolveu-se, evoluiu, ampliou seus
conhecimentos e globalizou-se. Se o abstrairmos, fica em nossa mente uma
profunda indagação: como seria hoje o mundo, sem o mercado? Dificilmente,
poderíamos concluir que teríamos o pão quentinho diário e o café com leite na
mesa, apenas por solidariedade, bondade e ou por troca, se não fosse a divisão do
trabalho, e os interesses do produtor na venda de suas mercadorias, tão bem
anotada por Smith. O veículo, que usamos, a par do conforto tecnológico, é
diretamente proporcional à velocidade do tempo e de transporte desse tempo
moderno, e isto, devemos ao mercado. Defendemos que jamais teríamos
219
motivações de progredir e desenvolver a medicina, se não pudéssemos remunerar
dignamente os humanos protagonistas de tais benefícios que, com seus esforços,
buscam cada vez mais minimizar as dores dos doentes e vitimas das seqüelas
humanas.
A simples troca, embora plausível de gerar uma comunidade possível, gera
uma situação estacionária. Pensamos que é difícil de conceber motivação para o
novo, para a evolução e próprio crescimento humano. O que faz a geração de novos
inventos e novos conhecimentos, ao nosso ver, é, justamente, seus resultados, que
não nascem apenas, e tão somente, no reconhecimento, mas principalmente,
porque o homem, por sua natureza, busca a recompensa de seus esforços.
Mas por que a humanidade, ou, como visto, boa parte dela, critica o
mercado? Concluímos, em face de nossos estudos, que crítica, para ser procedente,
depende da análise e do ponto de partida ou de referência. Para os que analisam
essa questão, a partir do mercado, como se ele fosse elemento vivo, natural, e não
uma criação do homem, pensamos que a análise pode chegar a uma conclusão
equivocada. Afinal, o mais importante, neste aspecto, é que tal analise deve partir do
homem e pelo homem, porque o mercado, como criação humana e, por
conseqüência, fruto de suas decisões, pode ser recriado, e essa recriação poderá
melhorar seus resultados e, por conseguinte, os resultados mirados pelo homem. O
lucro, não é filho natural do mercado. É também um engenho humano, maior
responsável pelo desenvolvimento econômico e humano, pois o homem, por sua
natureza e como foi concebido, busca incansavelmente a satisfação pessoal, e essa,
não rara vezes, vêm pelos resultados que se traduzem em espécie, em lucro. A
critica, então, (pensamos) devemos fazer contra o sentimento humano do lucro, e
tão somente a dele e seus efeitos maléficos que o originam. Lembremos, em
conclusão, a lição de Adam Smith, quando fala da distinção entre valor de uso e
valor de troca.
Paralelamente fica claro que, se de um lado temos uma tradição liberal, de
outro lado temos o utilitarismo. Essas concepções estão marcadas pela dicotomia:
de um lado, o indivíduo, procurando sempre maximizar os resultados e sua
satisfação e de seus desejos, ou seja, o gozo da melhor e mais importante
220
liberdade, de outro, aqueles que buscam, muitas vezes pelo próprio Estado/governo,
sob o argumento do bem comum, interferir na livre ação do indivíduo. Portanto, não
devemos - ao nosso ver - fixar-nos apenas e especificamente no lucro e fazer sobre
ele um juízo ético. É preciso, pois, discutir os valores básicos da sociedade, e neles
inserir o homem, com todas suas virtudes e negatividades da própria natureza
humana. Não é a análise do bem e do mal, distintamente, como se fosse possível
distingui-la e extraí-la, como uma cirurgia simples, do ser humano. É a análise do
humano com essas qualidades intrínsecas que se fazem necessárias, como ponto
de partida, à nossa conclusão ao fito desse estudo.
Não queremos e nem podemos retornar ao tempo do feudo. Nem podemos
admitir que a riqueza, como “dom natural”, esteja destinada, como assim era, aos
senhores e ao clero, nem permitir, por óbvio, como no tempo longevo, o que durou
séculos, que a figura do comerciante era considerada desprezível. Aqui, é
importante salientar, colecionamos não apenas dois entendimentos, que nos
parecem o cerne das questões colocadas pelas lições de Adam Smith e
posteriormente, pela teoria de Marx. É justamente o conceito do valor de uso e o
valor de troca. Também o é a ética humana e o lucro. Para Marx, o valor de uso é
essencial ao produto e tem caráter basicamente subjetivo e qualitativo. Busca-se
com esse conceito, demonstrar a essencialidade do produto seja do ponto de vista
material, e de outro, sob o ponto de vista espiritual, meramente subjetivo. O valor de
troca, por sua vez, é meramente quantitativo e se insere na objetividade pura das
relações sociais.
Nesse contexto, portanto, o capital não é de todo negativo, e sua
implementação facilitou as relações internacionais e os negócios entre nações, em
contraposição às idéias planificadas, apoiadas na prática das economias fechadas,
ou quase.
Assim, chegamos ao século XXI! Nesse quadro, é possível o desenvolvimento
humano no (ou pelo) mercado, em sociedade de economias abertas?
Embora se tenha esboçado a resposta ao problema, objeto do presente
trabalho, a primeira certeza que temos é que de fato a resposta a tal pergunta tem
221
muitas facetas. Para nós, a resposta mais conveniente, embora não definitiva,
encontra-se em Kierkegaard (apud SANTOS, 2007, p. 17): “A maioria das pessoas
são subjetivas a respeito de próprias e objetivas algumas vezes terrivelmente
objetivas a respeito dos outros. O importante é ser-se objetivo em relação a si
próprio e subjetivo em relação aos outros”.
As desigualdades humanas são naturais, sendo os europeus, brancos,
superiores aos outros, estabelecendo uma hierarquia que teria no piso os negros.
Todavia, Delgado (2006) cita que Kant passa a reconsiderar essas diferenças
culturais, isto é, que os homens têm a mesma capacidade racional, intelectual e
moral, contudo, alguns não fazem uso da sua razão por preguiça ou desinteresse. .
Colocadas, pois, essas considerações, percebe-se que a humanidade, em
sua essência, peca pela sua dicotomia, estando, pois, ao longo de seu
desenvolvimento, impregnada de pré-conceitos e definições, que aos olhos dos
menos atentos, podem gerar contradições.
Foi assim durante o estudo da globalização, das teorias que envolvem o valor
do trabalho, preço da mercadoria, tempo e produção, causando sempre discussões
alongadas no espaço que medeia o conhecimento humano. Portanto, a primeira
crise a ser superada, é a da ética, nas relações de mercado, sempre tendo a pessoa
humana como ponto de referência, para que se possa dar a resposta positiva à
indagação principal.
A segunda questão que se pode apresentar, ante a complexa sociedade
humana, é a de que o lucro, não pode ser o fim único do capital, de modo que a
desconsideração venha de algum modo, “coisificar” o homem, produzindo enorme
lesão aos seus valores intrínsecos, à luz do principio da dignidade humana a partir
dos valores consagrados por Kant.
A terceira questão, é que o Estado, como ordenador e detentor do monopólio
dos direitos, deve ser forte, para que possa efetivar na sociedade humana os
princípios constitucionais que norteiam a dignidade humana, tornando eficazes seus
222
instrumentos de distribuição da justiça eqüitativa, suprindo as desigualdades,
através de cláusulas sociais compensatórias.
A quarta e principal questão à guarda do princípio da dignidade humana, é
fazer com que hajam freios inibitórios globais, de modo que uma nação de maior
potencial financeiro e hegemônico, respeite a outra, pelos princípios internacionais
da não agressão, evitando o choque armado e as guerras que tanto agridem a
humanidade, em nome do mercado e do lucro. Portanto, para a conclusão deste
trabalho o princípio da dignidade humana e seu desenvolvimento, que adotaremos,
é o mesmo que nos informa os princípios constitucionais de igualdade, assentada
em nossa carta magna, com as fundamentações filosóficas e biológicas
exaustivamente estudados, contando que tais princípios, frente ao mercado e os
princípios neoliberais que os conduzem, possam ser efetivados através destes, e ou
através de elementos jurídicos existente.
Todavia, sabemos que nem tudo é perfeito. Até os mais ilustres filósofos e
mestres da história, demonstram a dubiedade de suas interpretações. De forma que
as teorias estudadas, o mercado, o capital e o direito estarão sempre em crise,
dependendo do olhar do intérprete, na medida em que a interpretação é ato
humano, e consolida-se através da cultura e do olhar do julgador.
Precisamos sim, diante da minimização dos Estados Nacionais, da
convivência solidária, da força do constitucionalismo, achar sentido e consolidarmos
o direito, pela cidadania, pelo desenvolvimento e pela dignidade, através de um novo
e sólido contrato social, que minimize a solidão contemporânea e nos devolva a
liberdade de bem viver, princípios básicos da felicidade, ordem e desenvolvimento
sustentável, com segurança, reestruturando a lógica do mercado como um fim, para
colocá-la como um meio para que o homem alcance uma real cidadania nesse
mundo globalizado.
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