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Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Lingüística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp/Araraquara, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Lingüística e
Língua Portuguesa.
Linha de pesquisa: Lingüística Funcional;
Variação e Mudança Lingüística
Orientador: Profª Drª Rosane de Andrade
Berlinck
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RARAQUARA
S.P.
2008
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Tese de Doutorado, apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Lingüística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras
Unesp/Araraquara, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em
Lingüística e Língua Portuguesa.
Linha de pesquisa: Lingüística Funcional;
Variação e Mudança Lingüística
Orientador: Profª Drª Rosane de Andrade
Berlinck
Data da defesa: 1º/10/2008
M
EMBROS COMPONENTES DA
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ANCA
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XAMINADORA
:
Profª. Drª. Rosane de Andrade Berlinck, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara -
Unesp
Presidente e Orientador
Profª. Drª. Maria Aparecida Correa Ribeiro Torres Morais, Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas - USP
Profª. Drª. Maria Beatriz do Nascimento Decat, Faculdade de Letras, Universidade Federal
de Minas Gerais - UFMG
Prof. Dr. Roberto Gomes Camacho, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de
São José do Rio Preto - Unesp
ads:
Profª. Drª. Beatriz Nunes de Oliveira Longo, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
- Unesp
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
Àqueles a quem meu amor não tem nada de relativo:
À Mariá
À Natália
À Luísa
Ao Tarso
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª Drª Rosane de Andrade Berlinck, com a admiração de quem
queria ter dela a mesma serenidade.
À minha mãe, que me permitiu a vida.
A todos os meus amigos.
A todos que de alguma forma me fizeram o que sou.
À vida.
A Deus.
RESUMO
Este trabalho, de interesse teórico, analisa as construções relativas, variantes não-padrão do
português do Brasil (PB) sob uma perspectiva funcional. Entende-se por “oração relativa”
aquela construção lingüística que determina um núcleo nominal (um pronome ou mesmo uma
outra oração que valha por uma nominalização) no qual ela se encaixa por meio do pronome
relativo. A oração relativa prototípica tem seu predicado com operador de tempo. No que toca
ao aspecto funcional, esse tipo de oração faz parte da estratégia de identificação do referente.
A abordagem encaminhada neste trabalho propõe uma descrição teórica de formas
discutidas em trabalhos anteriores e de estruturas que, com base nos dados levantados, não
haviam sido descritas ainda. Em alguns casos, propomos uma interpretação estrutural
diferente da que pode ter sido proposta em outros estudos. Um aspecto central considerado
nos estudos de relativização tem sido a questão da posição correferencial dentro da oração
relativa. O conjunto de dados sobre o qual nos debruçamos inclui sentenças típicas de outros
estudos e sentenças em que ou não vemos possibilidade de se postular uma variável anafórica
ou não necessidade disso. A descrição proposta procura priorizar fatores pragmáticos, uma
vez que esse tipo de construção parece não ser regulado por restrições hierárquicas e
gramaticais, mas por fatores discursivos. O material analisado constituiu-se de enunciados
coletados de fontes diversas: entrevistas publicadas em jornal, artigos da Internet, programas
televisivos, telenovelas, textos publicitários da televisão e da imprensa escrita, entrevistas no
rádio, redações escolares (Ensino Médio e Ensino Superior) e inquéritos do NURC, do
VALPB e do PEUL e esporadicamente ocorrências de falas espontâneas. Conforme a
descrição aqui apresentada, as construções não-padrão são, de fato, relativas porque ajudam a
identificar um determinado referente que o falante julga de difícil acesso ao interlocutor; elas
são introduzidas por um pronome relativo (mantivemos o estatuto de pronome relativo do
“que”) e são antecedidas de um SN, com o qual elas mantêm algum tipo de relação codificada
anaforicamente ou inferida com base na informação pragmática do interlocutor. A diferença
fundamental entre a relativa de Tema e a relativa padrão é o tipo de relação existente entre o
antecedente e a oração: nesta, há conectividade sintática, marcada no pronome relativo;
naquela, há conectividade semântica e, sobretudo, pragmática.
Palavras – chave: Lingüística; Língua Portuguesa; Mudanças Lingüísticas.
ABSTRACT
This paper, of a theoretical interest, analyses relative constructions, vernacular variants in
Brazilian Portuguese (BP) under a functional perspective. One must understand “relative
clause” as that linguistic construction which determines a nominal nucleus (a pronoun or even
another clause whose value is the same of a nominalization) in which it’s embeded by means
of a relative pronoun. The prototipical relative clause has a predicate with a tense operator.
Concerning the functional aspect, this kind of clause takes part of referent’s identification
strategy. The approach we advance in this paper brings a theoretical description of forms
already analysed en previous papers and of structures which, based on data, hadn’t been
described yet. In some cases, we’ve suggested a structural interpretation diferent from that
one which may have been proposed in other aproaches. A central aspect in the relativization
papers has been the matter of correferential position inside the relative clause. The set of data
which we’ve analised includes tipical sentences of other works and sentences in which one
could not see the possibility of postulating an anaphorical variable or there is no need for that.
The description we propose here gives priority to pragmatical factors, once this kind of
construction seems not to be regulated by hierarchical and gammatical constraints, but by
discoursive factors. The material we’ve analysed involves utterances from various sources:
interviews published in newspapers, Internet articles, television shows, soap operas,
mershandising texts in television and in newspapers and magazines, interviews in the radio,
scholar compositions (high school and college) and interviews from NURC, VALPB AND
PEUL and sometimes spontaneous speech. According to the description presented here,
vernacular constructions are, in fact, relative clauses because they help identifying a certain
referent which the speaker judges of dificult accessibilitt to the hearer, but they’re introduced
by means of relative pronoun (we’ve maintained the status of relative pronoun for the
morpheme “que”) and have an NP as an antecedent; with this one they keep some kind of
relation which is anaphorically mapped or infered in terms of the interlocutor’s pragmatic
information. The fundamental diference between the Theme relative and the pattern relative is
the kind of relation between the antecedent and the clause: in the latter there is syntactical
conection, marked by a relative pronoun; in the former, there is a semantical conection and,
above all, pragmatic conection..
Keywords : Linguistics; Portuguese Language; Linguistic Changes.
SUMÁRIO
1 FIXANDO AS BALIZAS................................................................................................... 11
1.1 As relativas conforme a Gramática Tradicional.......................................................... 11
1.2 As variantes não-padrão: o objeto dos lingüistas......................................................... 13
1.3 O tipo de relativas que se analisa aqui ......................................................................... 15
1.4 Sobre o material para análise e a metodologia do trabalho........................................ 17
1.5 O roteiro do trabalho ..................................................................................................... 18
2 PRELIMINARES TEÓRICAS......................................................................................... 20
2.1 A propósito de paradigmas ............................................................................................20
2.2 Uma visão panorâmica dos paradigmas da lingüística moderna.................................21
2.3 A perspectiva funcional da linguagem............................................................................23
2.4 Os diferentes tipos de funcionalismo...............................................................................32
2.5 Preocupações epistemológicas e metodológicas..............................................................35
2.6 A caminho da contemporização.......................................................................................38
3 AS CONSTRUÇÕES RELATIVAS CONFORME ESTUDOS TIPOLÓGICOS.........40
3.1 Keenan & Comrie ............................................................................................................41
3.1.1 As estratégias de relativização ....................................................................................42
3.1.2 A Hierarquia de Acessibilidade do SN à relativização...............................................45
3.2 O enfoque funcionalista de Givón....................................................................................48
3.2.1 Estratégia do não-encaixamento ..................................................................................52
3.2.2 Estratégia do pronome anafórico.................................................................................53
3.2.3 Estratégia do pronome relativo................................................................................... 54
3.2.4 Estratégia da lacuna............................................................. .........................................56
3.2.5 Estratégia da ordem de palavras..................................................................................57
3.2.6 Estratégia de nominalização.........................................................................................58
3.2.7 Estratégia de equivalência de caso...............................................................................59
3.2.8 Estratégia de parênteses................................................................................................59
3.3 O enfoque funcionalista de Dik........................................................................................60
3.3.1 O problema da identificação do participante..............................................................64
3.3.2 A posição do RV relativamente ao núcleo nominal....................................................66
3.4 Discussão das teorias sobre relativas...............................................................................69
4 ALGUMAS ANÁLISES DE RELATIVAS DO PORTUGUÊS DO BRASIL................72
4.1 O trabalho de Tarallo.......................................................................................................72
4.1.1 A estratégia da lacuna....................................................................................................72
4.1.2 A estratégia do pronome cópia (a copiadora)..............................................................74
4.1.3 A estratégia cortadora de sintagmas preposicionados (cortadora)...........................75
4.1.4 A estratégia padrão........................................................................................................76
4.1.5 Estratégias padrão vs estratégias não-padrão.............................................................76
4.2 A interpretação de Kato...................................................................................................82
4.3 O trabalho de Corrêa........................................................................................................87
4.4 O trabalho de Assis...........................................................................................................91
4.5 Avaliação dos estudos das relativas do PB......................................................................93
5 RELATIVIZAÇÃO E FUNÇÕES PRAGMÁTICAS......................................................96
5.1 As funções pragmáticas de Dik........................................................................................97
5.1.1 A organização do discurso.............................................................................................99
5.1.1.1 Tema...........................................................................................................................101
5.2 Outras abordagens da função Tema.............................................................................106
5.2.1 Li & Thompson............................................................................................................106
5.2.2 Chafe.............................................................................................................................109
5.2.3 Gregory & Michaelis...................................................................................................110
5.2.4 Pontes............................................................................................................................114
5.3 As funções pragmáticas e as orações relativas.............................................................117
5.3.1 A posição sintática dentro da relativa em correferência com o antecedente..........119
5.3.2 O papel do antecedente em relação à oração relativa...............................................125
5.3.3 A classificação do morfema introdutor da relativa...................................................129
5.4 Aplicando a descrição.....................................................................................................131
5.5 Balanço final....................................................................................................................135
6 A RELATIVIZAÇÃO E A QUESTÃO DA ACESSIBILIDADE.................................137
6.1 Acessibilidade..................................................................................................................137
6.1.1 As restrições intrínsecas..............................................................................................138
6.1.2 As restrições hierárquicas...........................................................................................139
6.1.3 As restrições funcionais...............................................................................................140
6.1.3.1 A Hierarquia da Acessibilidade de acordo com Keenan & Comrie.....................141
6.1.3.2 A Hierarquia da Acessibilidade à luz da Gramática Funcional...........................143
6.1.3.2.1 Sujeito......................................................................................................................144
6.1.3.2.2 Objeto Direto..........................................................................................................146
6.1.3.2.3 Objeto Indireto.......................................................................................................146
6.1.3.2.4 Oblíquo....................................................................................................................147
6.1.3.2.5 Genitivo...................................................................................................................147
6.1.3.2.6 Objeto de Comparação..........................................................................................148
6.2 As duas hierarquias........................................................................................................150
6.3 A relativização e fatores pragmáticos...........................................................................151
6.3.1 A atribuição de função pragmática ao Termo-alvo..................................................154
6.4 Últimas considerações.....................................................................................................157
7 CONCLUSÃO....................................................................................................................159
REFERÊNCIAS....................................................................................................................162
1 FIXANDO AS BALIZAS
Elegem-se como objeto de análise deste trabalho as ricas e misteriosas construções
relativas, variantes não-padrão do português do Brasil (PB). De fato não são poucos os
pesquisadores que se debruçaram sobre esse mesmo objeto na tentativa de desvelar-lhe os
maravilhosos mistérios. Como achamos, entretanto, que ainda havia o que investigar (e
certamente este trabalho nem sonha em abarcar os vários aspectos sondáveis), dispusemo-
nos a fazer esta pesquisa.
É denominado “oração relativa” aquele objeto lingüístico que determina um núcleo
nominal (um pronome ou mesmo uma outra oração que valha por uma nominalização) no
qual ele se encaixa por meio do pronome relativo. A oração relativa prototípica tem seu
predicado na forma finita, isto é, com operador de tempo. No que toca ao aspecto funcional,
esse tipo de oração faz parte da estratégia de identificação do referente. Essa definição
preliminar será expandida e discutida ao longo do trabalho.
Dado que as relativas são tradicionalmente subdivididas em restritivas e explicativas,
ou apositivas, conforme seu propósito comunicacional, precisaríamos delimitar o enfoque a
um dos dois grupos. Contudo, em vez de dar exclusividade a um deles, o que fizemos foi
concentrar o enfoque nas restritivas, sem deixar de examinar casos de relativas explicativas
quando entendíamos que serviam bem ao propósito de explicitar aspectos estruturais em que
não há diferenças importantes entre um e outro tipo.
1.1 As relativas conforme a Gramática Tradicional
As orações relativas são, de um modo geral, tratadas pela Gramática Tradicional como
subordinadas adjetivas. Essa nomenclatura radica-se na compreensão de que se vinculam a
um núcleo nominal (ou pronominal) de uma outra oração, classificada como principal,
funcionando como seu adjunto adnominal. As orações relativas fazem, portanto, as vezes de
adjetivo.
A essa concepção, todavia, Bechara (1983, p. 119) acrescenta que a oração adjetiva
assume outros sentidos, além do qualificativo: pode exprimir, por exemplo relação de fim e de
causa, como em:
12
(1) O general mandou parlamentares que pedissem tréguas (relação de fim)
(2) Tu, que és bom, deves ajudar-me nesta campanha (relação de causa)
Para Bechara, a marca da subordinação está no pronome relativo (PR), que exerce
função sintática na oração a que pertence. E essa função sintática nada tem a ver com a do
antecedente, mas é indicada pelo papel que desempenha na oração adjetiva (BECHARA, op.
cit., p. 119-125).
Essa visão é partilhada com Cunha e Cintra (2001), que afirmam que
...os pronomes relativos assumem um duplo papel no período com
representarem um determinado antecedente e servirem de elo subordinante da
oração que iniciam. Por isso, ao contrário das conjunções, que são meros
conectivos, e não exercem nenhuma função interna nas orações por elas
introduzidas, estes pronomes desempenham sempre uma função sintática nas
orações a que pertencem.
(CUNHA e CINTRA (op. cit.., p. 344))
Para Rocha Lima (1979, p. 239), as relativas são orações que valem por adjetivos
que funcionam como adjunto adnominal. Subordinam-se a qualquer termo da oração anterior
cujo núcleo seja substantivo ou equivalente de substantivo. O gramático acrescenta, ainda,
que as relativas constituem um recurso para juntarmos ao substantivo características mais
complexas, para as quais, muitas vezes, não há adjetivos léxicos.
Bechara (2000, p. 465-466) entende as relativas restritivas como um processo de
transposição de oração independente a oração subordinada com valor de adjunto adnominal.
Como conseqüência dessa interpretação, o PR é visto como um transpositor relativo.
Visto o fenômeno da perspectiva da Gramática Tradicional, a construção relativa em
português é descrita como aquela que se inicia por um PR, o qual cumpre, a um tempo, o
papel de relativizador e de anafórico, retomando o sintagma nominal (SN) antecedente e
projetando-o na oração relativa, com uma função sintática específica (Sujeito, Objeto Direto,
Objeto Indireto, Complemento Nominal, Adjunto Anominal, Adjunto Adverbial, Predicativo
e Agente da Passiva):
(3) Quero ver do alto o horizonte, / Que foge sempre de mim. (Sujeito)
(O. Mariano)
(4) Já não se lembra da picardia que me fez? (Objeto Direto)
(A. Ribeiro)
13
(5) Eu aguardava com muita ansiedade medonha esta cheia de que tanto se falava.
(Objeto Indireto) (J. Lins do Rego)
(6) Não conheço quem fui no que hoje sou. (Predicativo)
(F. Pessoa)
(7) pessoas cuja aversão e desprezo honram mais que os seus louvores e
amizade. (Ajunto Adnominal) (Marquês de Maricá)
(8) Lembrava-me de que deixara toda a minha vida ao acaso e que não pusera ao
estudo e ao trabalho com a força de que era capaz. (Complemento Nominal)
(Lima Barreto)
(9) Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava.
(Adjunto Adverbial) (Mário Quintana)
(10) _Sim, sua adorável pupila, a quem amo, a quem idolatro e por quem sou
correspondido com igual ardor!
1
(Agente da Passiva) (A. Azevedo)
1.2 As variantes não-padrão: o objeto dos lingüistas
Importantes trabalhos foram feitos no Brasil sobre as construções relativas não-
padrão, como por exemplo, Mollica (1977), Tarallo (1983) e Kato (1996), além de vários
estudos em que elas figuravam como tema secundário, como Lemle (1978) e Assis (1988). De
um modo geral esses estudos consideram, além da variante padrão, a existência de duas outras
formas, a variante copiadora e a variante cortadora do sintagma preposicionado:
(11) eu tenho meus irmãos rapazes que o que eu estiver contando pra você... você é
minha grande amiga... eu conto pra eles até as minhas... vamos dizer... as minhas
mais íntimas experiências... (NURC/RJ D2 147)
Variante copiadora
(12) eu sei que pra dormir eu tive que: alugar um quarto na casa de um casal... que a
filha tinha casado há umas duas semanas... um troço assim... (NURC/RJ D2
158)
Variante cortadora do sintagma preposicionado
1
Os exemplos de 3 a 10 são de Cunha e Cintra (2001, p. 344-345).
14
A variante copiadora normalmente é apontada como último recurso ou para salvar a
gramaticalidade da sentença ou para desambiguar sentidos. Mas em compensação é também
apontada como socialmente estigmatizada, ou seja, como uma forma avaliada negativamente
por muitos falantes (cf. Tarallo (1983) , Lemle (1978) e Corrêa (1998)). Já a variante
cortadora é vista como uma forma quase-padrão, isto é, uma forma de esquiva, que, se não
cumpre os preceitos da norma culta, ao menos livra o falante da forma estigmatizada.
Bechara (1983, p. 125-126) faz concessão à variante copiadora, apresentando seu
elemento introdutor como um “relativo universal”:
Freqüentes vezes a linguagem coloquial e a popular despem o relativo de
qualquer função sintática, tomando-o por simples elemento conectivo
oracional. A função que deveria ser exercida pelo relativo vem mais adiante
expressa por substantivo ou pronome.
Bechara (op. cit.), aliás, é um dos poucos gramáticos contemporâneos que apresenta
(constrangido, é verdade) um tipo de construção relativa que se combina com uma
substantiva:
(13) Ali está o homem que eu pensei que tivesse desaparecido.
(14) Não faças a outrem o que não queres que te façam.
2
O autor explica assim a ocorrência:
o pronome relativo que inicia as orações que eu pensei, que não queres,
dando-lhes o caráter de adjetivas, mas não exerce nelas função sintática;
pertence, isto sim, às orações substantivas que tivesse desaparecido ou que te
façam, das quais é o sujeito (na 1ª) e objeto (na 2ª).
(BECHARA (op. cit. , p. 123))
Bechara ressalva ainda que essa construção, sendo “correta e corrente, resiste a um
enquadramento nos processos normais de análise sintática” (sic). Para se fugir a anormalidade
e para se corrigir o estilo, o gramático a sugestão: “Pode-se evitar a repetição dos quês
substituindo-se o verbo da oração substantiva por um infinitivo”. Mas ele só “corrige” a
primeira construção:
2
O destaque foi acrescentado aos exemplos originais de Bechara (op. cit., p. 123).
15
(15) Ali está o homem que eu pensei ter desaparecido.
Mesmo com o enfoque normativista, o resultado é uma construção em que o relativo
fica sem função sintática na relativa; ele tem função anafórica. Continua a resistência ao
enquadramento nos processos sintáticos.
Kury (1985) também lembra esse tipo de construção, valendo-se do mesmo exemplo
de Bechara, citado acima como (14), e informa:
É um cruzamento sintático, não exclusivo do português (Cf., por exemplo, o
francês “Ne fais à autrui ce que tu ne vaudrais pás qu’on te fît à toi-même.”.),
que nos mostra o entrelaçamento estreito das orações e o artificialismo da
partição que delas se costuma fazer.
(KURY (op. cit., p. 85))
1.3 O tipo de relativas que se analisa aqui
Conforme ficou dito acima, analisa-se aqui a relativa, denominada variante não-padrão
do PB. Todavia, a abordagem encaminhada propõe uma descrição teórica de formas
discutidas em trabalhos anteriores e de estruturas que, com base nos dados levantados, não
haviam sido descritas ainda. Em alguns casos, ainda, propomos uma interpretação estrutural
diferente da que pode ter sido proposta em outros estudos. A pedra angular das construções
relativas e que mobiliza maior parte deste trabalho é a questão da posição correferencial
dentro da oração relativa. Assim, o conjunto de dados sobre o qual nos debruçamos inclui
sentenças típicas de outros estudos e sentenças em que ou não vemos possibilidade de se
postular uma variável anafórica ou não necessidade disso. Apresentamos, de (16) a (20),
alguns exemplos do tipo de estrutura a que estamos nos referindo.
(16) ...Lineu representa aquele brasileiro que ainda não desacreditou das
instituições, mas convive com a amoralidade de Agostinho que, só de olhar a cara
dele, o telespectador tem vontade de rir. (OESP, 12/2005)
(17) Se for o rapaz que eu penso, ele é muito correto. (CORRÊA (1998, p. 23))
(18) Conheço um cara que você nunca viu ninguém mais engraçado do que ele. (ec)
16
(19) É um curso que você precisa ter um conhecimento bom primeiro.
3
(ec)
(20) ...e por ultimo [chegou] um rapaz (bandido), que o garçom deixou a carteira
encima da mesa que o bandido sentou. (CORRÊA (op. cit., p. 80 e 152))
A primeira relativa de (16) representa um daqueles casos em que, conforme Tarallo
(1983), temos uma forma superficialmente idêntica à variante padrão, situação que se repete
quando temos relativização de Sujeito (como é o caso aí) ou de Objeto Direto com lacuna na
posição sintática canônica da oração relativa. Embora uma ocorrência como essa aceite a
descrição que vamos propor, não é nosso objetivo discuti-la. A segunda relativa do mesmo
texto traz à tona parte do problema que discutiremos especialmente nas seções 5 e 6. Trata-se
de uma relativa explicativa cuja configuração sintática aparece em várias relativas restritivas
examinadas. Postula-se normalmente uma posição anafórica dentro da relativa em
correferência com o antecedente. Nesse caso, o antecedente está em correferência com “a cara
dele” e possivelmente com a posição de argumento do predicado “rir”. Mas o problema é que
a posição argumental pode estar também em correferência com a cara dele”. Por essa última
interpretação não teríamos correferência propriamente.
Em (17), parece mais difícil postular uma posição em correferência com o
antecedente. A posição onde se daria a correferência seria a posição de complemento do
predicado “pensar”. Entretanto, parece-nos, esse predicado não predica um argumento
nominal, mas uma proposição (ou uma oração). A interpretação mais adequada não seria “eu
penso no rapaz”, mas “eu penso que ele é”. Essa situação complica a interpretação de
correferência porque as duas entidades (o termo “o rapaz e a proposição) são de níveis
diferentes.
O exemplo (18) traz um caso de relativização da posição a que Keenan & Comrie
(1977) chamam de Objeto de Comparação. Não se trata de um caso problemático de
correferência; é, isto sim, um caso que mostra que não os mesmos laços sintáticos ligando
a relativa ao antecedente. Prova disso pode-se obter tentando uma versão do mesmo exemplo
em norma culta – que é mais orientada para a sentença que para o discurso.
em (19), que é uma recriação de um exemplo de Pontes (1987, p. 13), volta o
problema da correferência. Fora de contexto, uma sentença como essa pode admitir a
interpretação de uma posição correferente ao antecedente (você precisa ter um conhecimento
3
Essa frase recria exemplo de Pontes (1987, p. 13), para discutir construções de Tópico: “As cadeiras optativas,
precisa ter um conhecimento bom primeiro”. A autora explicou, a propósito da correferência nesse tipo de
17
sobre esse curso...), mas, conforme explicou Pontes no exemplo original, pode-se interpretar
que não há anáfora.
Em (20), temos duas orações relativas: (i) “...um rapaz (bandido) que o garçom
deixou a carteira encima da mesae (ii) “...mesa que o bandido sentou”. O elemento
correferente ao antecedente “rapaz (bandido)” só ocorre na segunda relativa. Na primeira, não
correferência. É claro que a retomada da referência na segunda relativa, contribui para a
interpretação da sentença como um todo, na medida em que ela abre um slot para o elemento
correferente. Na primeira oração relativa não cabe tal elemento, ou ele não é necessário. E
essa oração não deixa de ser interpretável. Sua interpretabilidade é assegurada por algum
processo de inferência do ouvinte com base em seu envolvimento com a situação do discurso.
Essa relação de ordem pragmático-discursiva entre o antecedente e a oração relativa
será explorada, como dissemos, nas seções 5 e 6.
1.4 Sobre o material para análise e a metodologia do trabalho
O material analisado para verificação das hipóteses deste trabalho constituiu-se de
enunciados coletados de fontes diversas. Assim, recolhemos casos de construções relativas de
entrevistas publicadas em jornal, artigos publicados na Internet, programas televisivos
(debates em canais de esporte e entrevistas em programas jornalísticos) telenovelas, textos
publicitários divulgados na televisão e na imprensa escrita e entrevistas no rádio. Valemo-nos
também de material recolhido de redações escolares (de alunos de Ensino Médio, de Ensino
Superior, e de vestibulares da Funepe Fundação Educacional de Penápolis). Além disso,
tomamos também diversas ocorrências de inquéritos do NURC, do VALPB e do PEUL;
eventualmente registramos ocorrências de falas espontâneas que testemunhamos. Por fim,
aproveitamos diversos exemplos de trabalhos que trataram do fenômeno das relativas.
Como se trata de um trabalho de cunho teórico, lidamos qualitativamente com os
dados, isto é, as construções relativas relacionadas foram analisadas com o propósito de
fundamentar uma proposta funcional de descrição desse tipo de estrutura. Não intentamos
provar implementação de mudança lingüística por meio de quantificação de ocorrências, uma
vez que se o sistema passa a acolher determinadas formas é porque ele mudou. Dada a
construção, que, no contexto em que a frase foi enunciada, o sentido não era “conhecimento bom das cadeiras
optativas”, mas “conhecimento bom”. Não havia, então, correferência (Cf. PONTES (op. cit., p. 14)).
18
ocorrência de determinadas estruturas, a preocupação era com alojá-las numa descrição
teoricamente válida.
As referências teóricas que serviram ao desenvolvimento do trabalho são de base
funcionalista, centrada na concepção de linguagem de Givón (1979, 1990, 1995 e 2002), e
Dik (1989 e 1997), sendo que deste último foram usados vários instrumentais de análise.
Estritamente com relação às construções relativas, o trabalho de Keenan & Comrie (1977),
além dos anteriores, foi de importância central.
Entre os trabalhos já feitos no Brasil sobre o mesmo tema, tomamos como contraponto
os de Tarallo (1983), de Kato (1996) e de Corrêa (1998). Este último é uma tese em que a
autora aplica a descrição proposta por Kato orientadora do trabalho a relativas produzidas
por falantes de diferentes faixas de escolaridade.
Como a hipótese central deste trabalho aproxima as construções relativas das
construções de Tópico (ou construções de Tema, conforme a perspectiva teórica aqui
adotada), muitos achados de Pontes (1987) tiveram papel precioso na pesquisa. Sobre o
mesmo tema, guiamo-nos por trabalhos como Chafe (1976), Li & Thompson (1976) e
Michaelis & Gregory (no prelo).
1.5 O roteiro do trabalho
Na seção dedicada às preliminares teóricas (Seção 2), uma apresentação dos
principais aspectos epistemológicos e metodológicos dos dois quadros teóricos mais
importantes no atual cenário da pesquisa lingüística, isto é, do Funcionalismo e do
Formalismo. Procurou-se também situá-los no percurso histórico dessa ciência, com base nos
traços de uma e de outra vertente que sempre estiveram presentes em diferentes épocas.
A seção seguinte (Seção 3) trata das construções relativas conforme os estudos
tipológicos, principalmente Keenan & Comrie (1977), Givón (1979 e 1990) e Dik (1989 e
1997). Aí, vemos a conceituação desse objeto, conforme cada convicção teórica assumida
pelos lingüistas em foco e levantamento dos tipos de relativas ao redor do mundo.
Depois da abordagem tipológica das relativas, fecha-se o foco no PB, na Seção 4.
vemos, na versão de Tarallo (1983), como se distribuem no PB as três variantes vernaculares:
a variante da lacuna (restrita às posições Sujeito e Objeto Direto); a variante copiadora, assim
chamada por causa da presença de um pronome resumptivo na posição canônica correferente
19
ao antecedente e a variante cortadora de sintagmas preposicionados, estratégia
sociolingüisticamente de esquiva. A variante da lacuna e a cortadora deixam uma lacuna
anafórica (interpretada como elipse) na posição do constituinte relativizado e, por isso,
conforme Tarallo, está estruturalmente mais próxima da estratégia padrão. É muito valiosa a
contribuição do trabalho de Tarallo no tocante ao aspecto diacrônico, especialmente por
documentar o nascimento da variante inovadora no PB: a estratégia cortadora. Discutimos em
seguida o trabalho de Kato (1996) apresentado como revisão teórica da análise de Tarallo.
Kato, propõe, basicamente, que se vejam a estratégia padrão e as não-padrão como realizadas
a partir do mesmo processo sintático, o movimento de constituintes. Na estratégia padrão o
constituinte relativizado seria movido a partir da posição sintática dentro da oração; na outra
(havendo preenchimento da posição canônica ou havendo lacuna), a extração se daria a partir
da posição não-canônica adjunta à sentença, Left Dislocated. As conseqüências teóricas dessa
interpretação original estão resenhadas na seção 4. Tratamos, ainda, da tese de Corrêa, que,
fazendo aplicação da descrição teórica de Kato, demonstra que a variante padrão tem
sobrevivido no sistema do PB graças à intervenção da escola. Por fim, resenhamos o
interessante trabalho sociolingüístico de Assis (1988), que mostra como falantes rurais da
região de Januária (MG) e alunos do Ensino Fundamental da periferia de Belo Horizonte
processam as variantes de relativas.
A Seção 5 é dedicada ao aspecto central deste trabalho. Com base nos postulados de
Dik (1989 e 1997) sobre as funções pragmáticas, e nos estudos sobre Tópico, referidos acima,
em 1.4, elaboramos a descrição das construções relativas desviantes do padrão, propondo dar
primazia a fatores semânticos e pragmáticos na relação entre antecedente e oração. Vendo-se
dessa forma as relativas, não há a necessidade de se postular correferência entre o antecedente
e alguma posição interna à oração. O elemento de articulação entre as duas porções essenciais
da construção relativa, o antecedente e a oração, também assume papel diferente, embora não
perca propriamente o estatuto de pronome relativo.
Por fim, na Seção 6, confrontamos a hierarquia da acessibilidade de SNs à
relativização proposta por Keenan & Comrie (1977) às hierarquias sintática, semântica e
pragmática propostas por Dik (1997). A partir dessa última proposta, fundamentamos
teoricamente o fato de as relativas não-padrão superarem restrições intrínsecas, hierárquicas e
funcionais, normalmente cerceadoras da variante padrão.
2 PRELIMINARES TEÓRICAS
Apresentam-se aqui, em linhas gerais, alguns dos principais conceitos que constituem
o que podemos chamar de orientações teóricas dentro dos estudos lingüísticos: o Movimento
Neogramático, o Estruturalismo, o Formalismo e o Funcionalismo. Como este trabalho
assume um ponto de vista funcional sobre a linguagem, é natural que essa orientação mereça
especial atenção. Assim, inicialmente situamos o modelo teórico funcional entre os demais da
lingüística moderna, em seguida discutimos alguns pressupostos , bem como alguns tipos de
funcionalismos e, por fim, apresentamos alguns princípios metodológicos que devem guiar a
pesquisa em lingüística funcional.
2.1 A propósito de paradigmas
A propósito de paradigmas científicos, aliás, convém lembrar Kuhn (1975), para quem
o progresso científico não é um processo cumulativo, mas uma sucessão de períodos de
estabilidade (de ciência normal), interrompidos por períodos de convulsões (em que se produz
ciência extraordinária). É nos períodos estáveis que a ciência é governada por paradigmas,
que são “realizações científicas universalmente reconhecidas e que, durante algum tempo,
fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes da ciência”
(KUHN, 1975, p. 13). Enquanto é aceito, o paradigma determina o critério de escolha de
problemas, a metodologia de investigação e o padrão de respostas. Qualquer problema que
não possa ser enunciado nos termos compatíveis com os instrumentos e conceitos fornecidos
pelo paradigma será recusado como parte de outra disciplina.
Aos períodos de estabilidade sucedem os de crise, situação em que a realidade parece
ter violado as expectativas que governam a ciência normal. Períodos de crise motivam uma
série de produções que formam o que Kuhn chama de ciência extraordinária, em que teorias
divergentes competem entre si para impor seu próprio modelo como paradigma. Num
contexto de crise, (i) o paradigma resolve a anomalia que gerou a crise, voltando ao estado de
21
ciência normal; ou (ii) posterga-se o problema porque não há instrumentos eficientes à
disposição; ou, ainda, (iii) a crise provoca uma revolução, que redundará na superação do
paradigma antigo e na emergência de um novo.
Feitos esses breves esclarecimentos, passemos a uma visão panorâmica dos principais
modelos teóricos nos estudos lingüísticos modernos.
2.2 Uma visão panorâmica dos paradigmas da lingüística moderna
De acordo com Camacho (1994, p. 18), no estudo da linguagem dois problemas
cruciantes: a delimitação do objeto de estudo e a definição de sua natureza. Não seria tão
penoso o trabalho de delimitar o objeto científico e definir-lhe a natureza se esse não se
entrecruzasse com outros fenômenos sociais que, inevitavelmente, influenciam-no e são por
ele influenciados. Torna ainda mais árida essa missão do cientista da linguagem a dificuldade
de formular e aplicar os procedimentos metodológicos mais adequados para abordar o objeto.
Vistas assim, a linguagem e as possibilidades de sua abordagem científica, percebe-se que as
tensões entre modelos teóricos concorrentes têm a ver com a medida com que cada modelo
aceita a cooperação de outras disciplinas. Em que pese o risco de superficialização,
poderíamos dizer que a lingüística moderna, depois da superação do paradigma Neogramático
pelo paradigma estruturalista, tem vivido um contexto de crise epistemológica.
O esquema abaixo procura apontar as características mais salientes de cada modelo de
análise. Conforme o conceito de paradigma, em Kuhn (op. cit.), o Movimento
Neogramático e o Estruturalismo podem ser considerados paradigmas, pois a partir dos
primeiros trabalhos de Chomsky instaurou-se o que poderíamos identificar, com Kuhn (op.
cit.), como ciência extraordinária:
1. O Movimento Neogramático: pode ser resumido em três pontos principais: (i)
interpretação psicológica da linguagem; (ii) teoria das leis fonéticas e oposição a
elas baseada na analogia; e (iii) princípio de que a lingüística deveria ser uma
teoria científica da evolução histórica da linguagem (CÂMARA JR., 1975, p. 79,
apud CAMACHO, 1994, p. 21).
2. O Estruturalismo: uma diversidade de vertentes abrigadas sob esse rótulo
(Glossemática, do Círculo Lingüístico de Copenhague; Funcionalismo, do Círculo
22
Lingüístico de Praga; Funcionalismo de Martinet; Estruturalismo norte-americano,
de Bloomfield, Hockett e Harris), por partilharem o ponto de vista epistemológico
de que, num dado sistema, um conceito tem seu significado determinado pelas
relações mantidas com outros conceitos desse mesmo sistema, ou seja, um
conceito nada significa por si próprio.
3. O Formalismo: teve como marco a publicação de Estruturas Sintáticas, por
Chomsky, em 1957. Nesse contexto de contribuição interdisciplinar, que na
verdade sempre envolveu a pesquisa sobre fenômenos da linguagem, os trabalhos
de descrição das estruturas lingüísticas seguem uma tendência à matematização
das ciências humanas; os trabalhos que visam à definição do objeto epistemológico
(a linguagem) vão se aproximar de correntes da filosofia positivista do Século XX
e da biologia evolucionista.
4. O Funcionalismo: concebendo a língua como instrumento de comunicação, o
funcionalismo não admite que ela seja um objeto autônomo e imune às pressões da
situação concreta de uso; vê-a como estrutura maleável, determinada justamente
pelas contingências comunicativas. Ainda no plano teórico, o funcionalismo põe
em dúvida uma série de postulados chomskyianos, como o inatismo, o poder
criativo das regras gramaticais, a centralidade do componente sintático etc. No
plano metodológico, passa-se a desconfiar tanto da eficácia e da extensão das
regras inflexíveis, quanto da validade científica dos dados fornecidos pela intuição
do falante/pesquisador.
2.3 A perspectiva funcional da linguagem
A propósito de uma polêmica entre Votre & Naro (1989) e Nascimento (1990),
Dillinger (1991, p. 396) considera que o que determina as principais diferenças entre o
programa de pesquisa formalista e o funcionalista é a extensão do objeto (a linguagem). Com
efeito, o formalismo, como modelo de análise lingüística, seria decorrente da concepção de
que a forma lingüística era observável cientificamente. Em outras palavras, o estudo da
forma seria a condição indispensável para garantir à lingüística o estatuto de ciência. Nessa
perspectiva, a função seria o não-observável, portanto não estaria o real objeto da
lingüística. Assim recortado o objeto de observação, a lingüística ganharia autonomia (quanto
23
ao objeto e quanto ao método, enfatize-se) em relação a outras disciplinas, como a psicologia
e a lógica, que estudariam o significado, e a sociologia, que estudaria o papel da língua na
comunicação e na interação social. Dessa forma, a lingüística, propriamente dita, estudaria a
gramática, que não é objeto de nenhuma outra ciência.
Por essa linha de raciocínio, as pesquisas de orientação funcionalista romperiam a
autonomia conquistada pela lingüística desde Saussure, uma vez que incluiriam em seu campo
de observação fenômenos pertinentes a outras ciências, como a psicologia e a sociologia. Já as
pesquisas de cunho formalista restringiriam seu escopo à forma lingüística compreendendo
a fonética, a fonologia, a morfologia e a sintaxe –, às suas características internas e às relações
entre seus constituintes, o que lhes atribuiria o direito de serem consideradas lingüística
propriamente dita, sem a necessidade de qualquer epíteto.
Há, todavia, teóricos que se negam a postular a um dos quadros teóricos o direito
exclusivo de ser considerado ciência. De acordo com Leech (apud, DILLINGER, 1991, p.
400), por exemplo, as divergências entre os dois pontos de vista concentram-se em quatro
aspectos:
a) os formalistas tendem a ver a linguagem precipuamente como um fenômeno
mental, enquanto os funcionalistas tendem a considerá-la um fenômeno social;
b) para os formalistas, os universais lingüísticos são dados geneticamente a toda a
espécie humana, os funcionalistas consideram-nos como derivados da
universalidade das condições de uso da linguagem;
c) os formalistas explicam a aquisição da linguagem como uma capacidade inata do
ser humano; para os funcionalistas, em contrapartida, o processo de aquisição
acompanha a evolução das necessidades comunicativas da criança e suas
habilidades de interação social;
d) por fim e principalmente, os formalistas vêem a linguagem como um sistema
autônomo em relação a fatores externos ao sistema, enquanto os funcionalistas
estudam-na em sua função social.
Ainda que seja possível delinear um espectro da vertente funcionalista tomando-se o
formalismo como contraponto ou como complemento, não é rara a observação de estudiosos
de que as teorias lingüísticas que se identificam pela abrangente nomenclatura de
“funcionalismo” são variadas e, com relação a alguns conceitos, até controversas (Votre &
Naro, (1989), Neves (1994 e 1997), Foley & Van Valin Jr (1984) e Newmeyer (1998) são
alguns exemplos). Chegou-se até a formular uma imagem caricata de tal falta de consenso: “o
24
funcionalismo é como o Protestantismo: é um grupo de facções que concordam apenas na
rejeição da autoridade do Papa” (BATES, apud NEWMEYER, op. cit., p. 13).
4
De acordo com o próprio Newmeyer (op. cit., p. 13) podem-se apontar duas possíveis
causas para a grande variedade de concepções funcionalistas: (i) considerando que essas
concepções representam um antagonismo à abordagem formalista, há muito mais maneiras de
ser contrário a uma concepção teórica do que de ser favorável a ela; (ii) falta aos
funcionalistas uma figura central como é a de Chomsky para a Gramática Gerativa.
Sem buscar o mesmo efeito sarcástico, poder-se-ia dizer inicialmente que o que une os
trabalhos inseridos no modelo funcionalista é a rejeição à noção de formalismo como
explicação, mais ou menos nos moldes do que afirma DeLancey ( 2001):
A diferença básica entre as pesquisas lingüísticas funcionalista e formalista é
quanto ao lugar em que se alojam as explicações e quanto ao que conta como
explicação. A lingüística formal gera explicações a partir da estrutura – tal que
uma categoria estrutural ou relação, como comando ou Subjacência (...) pode
legitimamente contar como uma explicação para certos fatos sobre várias
estruturas sintáticas e construções. Muitas teorias formais contemporâneas,
certamente a Gramática Gerativa em todas as suas manifestações, fornecem
terreno ontológico para suas explicações numa faculdade lingüística universal
biologicamente baseada, hipotética, mas inexplorada e inexplicada.
(DELANCEY, 2001)
5
Arremata o mesmo autor:
Os funcionalistas, ao contrário, buscam explicações na função, e nos processos
diacrônicos que são em sua maior parte funcionalmente determinados. Em
outras palavras, eles vêem a linguagem como uma ferramenta, ou melhor,
como um conjunto de ferramentas cujas formas são adaptadas a suas funções,
e portanto só podem ser explicadas em termos dessas funções.” (DELANCEY,
2001)
6
O problema de se procurar definir o funcionalismo à luz de oposições radicais com o
formalismo é o risco de se cair num reducionismo tanto de um modelo quanto do outro. Esse
4
“functionalism is like Protestantism: it is a group of warring sects which agree only on the rejection of the
authority of the Pope”.
5
“The basic difference between functionalist and formalist linguistic frameworks is in where explanations are
lodged, and what counts as an explanation. Formal linguistics generates explanations out of structure –so that a
structural category or relation, such as command or Subjacency (...) can legitimately count as an explanation
for certain facts about various syntactic structures and constructions. Most contemporary formal theories,
certainly Generative Grammar in all its manifestations, provide ontological grounding for these explanations in
a hypothesized, but unexplored and unexplained, biologically-based universal language faculty.”
25
ponto de vista maniqueísta redunda numa compreensão ingênua da linguagem e, em última
instância, da própria ciência, a qual não pode repelir o complexo, o ambíguo, o dinâmico. A
propósito dessa propensão reducionista, Givón (1995, p. xvi, prefácio) enumera uma série de
atitudes que devem ser refutadas, dentre as quais mencionamos algumas quanto a:
arbitrariedade e motivação: o dogma da arbitrariedade de Saussure e Chomsky é
insustentável; a gramática não é 100% autônoma e arbitrária. Portanto ela deve ser
100% icônica e motivada;
o controle de regras: a gramática não é totalmente governada por regras, como
sustentaria a Gramática Gerativa. Então, a gramática deve ser totalmente flexível e
circunstancial;
categorialidade: se as categorias gramaticais não são 100% formais e discretas, então
devem ser 100% flexíveis e não discretas;
significado e contexto: se o significado não é 100% literal e não-contextual, então
deve ser 100% metafórico e contextual;
variação e mudança: o dogma da “competência” idealizada, tanto em Chomsky
quanto em Saussure, é insustentável, pois a gramática não é 100% invariante.
Portanto ela deve ser 100% variante e emergente
As origens do formalismo de orientação chomskyiana remontam às idéias de filósofos
como Platão, René Descartes, Rudolf Carnap
7
, bem como à tentativa empreendida pela
“Gramática de Port-Royal” (Século XVII) de apresentar uma teoria da gramática visando a
apreender as propriedades universais da linguagem humana. Da lingüística moderna, a
6
“Functionalists, in contrast, find explanations in function, and in recurrent diachronic processes which are for
the most part function-driven. That is, they see language as a tool, or better, a set of tools, whose forms are
adapted to their functions, and thus can be explained only in terms of those functions.”
7
No tocante à tese inatista da aquisição da linguagem, retoma-se o “paradoxo de Platão”: um descompasso
entre os estímulos lingüísticos recebidos pela criança e sua capacidade para reconhecer e produzir sentenças bem
formuladas; de maneira semelhante, Platão acreditava que nosso conhecimento atual de mundo (complexo e
sofisticado) não é resultado do contato precário que temos com ele, mas é, na verdade, despertado por estímulos
na forma de lembranças de uma “pré-vidaque nossa alma conheceu no mundo das Idéias ou dos Protótipos. O
inatismo liga Chomsky também a filósofos racionalistas do Século XVII, como Descartes e Leibniz, para os
quais o ser humano tem conhecimentos anteriores a qualquer experiência. Já dentre as correntes fortemente
formais da lógica moderna, considerável importância tiveram as idéias do positivismo lógico de Rudolf Carnap.
26
Gramática Gerativa busca inspiração especialmente em Bloomfield (1933) e Harris (1951),
embora rejeite o behaviorismo presente nesses trabalhos.
8
O ponto de vista funcional, costuma-se apontar em trabalhos de historiografia
lingüística, pode ser encontrado nos trabalhos de Sapir (1921, 1949) e seus seguidores na
tradição antropológica americana, na teoria tagmêmica de Pike (1955), em Hymes (1972), na
Escola Lingüística de Praga (desde os anos 20 do Século XX), em Firth (1957), em Halliday
(1970, 1973, 1985) e na tradição filosófica da teoria dos atos discursivos de Austin (1962) e
Searle (1969). (DIK, 1989, p. 3).
Todavia, esse modo de olhar a linguagem tem uma história tão longa quanto a do
formalismo. Com efeito, conforme Givón (1995, p. 1), os antecedentes do funcionalismo
lingüístico atual devem, na verdade, ser buscados no trabalho dos antropólogos, psicólogos,
sociólogos, biólogos (para esse lingüista, a biologia é a ciência mais consistentemente
funcionalista) e, muito antes, no trabalho dos filósofos. Assim, ele apresenta uma longa lista
de citações, as quais criam uma imagem interessante da concepção funcionalista de
linguagem. Reproduzimos essa lista abaixo:
1. Edward Sapir:
... a Linguagem é um método puramente humano e não-instintivo de
comunicar idéias, emoções e desejos por meio de um sistema de símbolos
voluntariamente produzidos...
9
(SAPIR, 1921, p. 8, apud GIVÓN, op. cit., p.
1).
... Dessa forma, não temos outro recurso a não ser aceitar a linguagem como
um sistema funcional dentro da constituição psíquica ou “espiritual” do
homem. Não podemos defini-la como uma entidade apenas em termos psico-
físicos, mas muito de sua base psico-física é essencial para o seu
funcionamento...
10
(ibid., p. 10-11, apud GIVÓN, op. cit., p. 1).
8
A esse respeito, veja-se, por exemplo, Newmeyer (1998).
9
... Language is a purely human and non-instinctive method of communicating ideas, emotions and desires by
means of a system of voluntarily produced symbols...
10
... Hence we have no recourse but to accept language as a fully formed functional system within man’s psychic
or “spiritual” constitution. We cannot define it as an entity in psycho-physical terms alone, however much the
psycho-physical basis is essential to its functioning...
27
2. Otto Jespersen:
... A essência da linguagem é atividade humana atividade da parte de um
indivíduo para fazer-se entender por outro, atividade da parte desse outro para
entender o que estava na mente do primeiro...
11
(JESPERSEN, 1934, p. 17,
apud GIVÓN, op. cit., p. 2).
3. George Zipf:
... a linguagem é primeiramente uma representação da experiência. Ela pode
representar experiência como um relato da experiência perceptual direta, como
num placar de um jogo de futebol ou numa descrição de uma cena ou de um
evento. Ou ela pode representar tendências para agir e pode ser vista como
representativa de atividade potencial, como numa oração para persuadir
outrem a modificar seu comportamento de acordo com os desejos do falante...
uma função da representação lingüística é preservar ou restaurar o equilíbrio.
Esse equilíbrio pode ser de dois tipos: (a) inter-pessoal e (b) intra-pessoal...
12
(ZIPF, 1935, p. 294-5, apud GIVÓN, op. cit., p. 2).
4. Michael Halliday:
...Uma abordagem funcional da linguagem significa, antes de tudo, investigar
como a língua é usada: tentando descobrir a que propósitos a linguagem serve,
e como somos capazes de atingir tais propósitos falando e escutando, lendo e
escrevendo. Mas também significa mais do que isso. Significa procurar
explicar a natureza da linguagem em termos funcionais: ver se a linguagem
ganha tal forma pelo uso, e se sim, de que modo como sua forma é
determinada pela função a que ela serve...
13
(HALLIDAY, 1973, p. 7, apud
GIVÓN, op. cit., p. 2).
11
... The essence of language is human activity –activity on the part of one individual to make himself
understood by another, activity on the part of that other to understand what was in the mind of the first...
12
... language is primarily a representation of experience. It may represent experience as a report of direct
perceptual experience, such as in an account of a football game or in a description of some scene or event. Or it
may represent tendencies to act and may be viewed as representative of potential activity, such as in an oration
to persuade others to modify their behavior in accord with the wishes of the speaker... a function of the linguistic
representation is to preserve or restore equilibrium. This equilibrium may be of two types: (a) interpersonal and
(b) intra-personal...
13
... A functional approach to language means, first of all, investigating how language is used: trying to find out
what are the purposes that language serve for us, and how we are able to achieve these purposes through
speaking and listening, reading and writing. But it also means more than this. It means seeking to explain the
28
5. Simon Dik:
... uma língua é concebida em primeiro lugar como um instrumento de
interação social entre seres humanos, usada com o objetivo primário de
estabelecer relações comunicativas entre falantes e destinatários...
14
(DIK,
1978, p. 1, apud GIVÓN, op. cit., p. 2).
6. Dwight Bolinger:
... A condição natural de linguagem é preservar uma forma para um
significado e um significado para uma forma...
15
(BOLINGER, 1977, p. x,
apud GIVÓN, op. cit., p. 2).
7. C. S. Peirce:
... Na sintaxe de toda língua ícones lógicos do tipo que são possibilitados
por regras convencionais...
16
(PEIRCE, 1940, p. 106, apud GIVÓN, op. cit., p.
2).
8. Aristóteles:
... Agora os sons falados (= palavras) são símbolos de manifestações da alma
(=pensamentos), e os sinais escritos são símbolos dos sons falados. E
exatamente como os sinais escritos não são os mesmos para todos os homens
(são peculiares a cada ngua), também não o são os sons falados. Mas aquilo
de que esses sons são sinais, em primeiro lugar disposição da alma é
comum a todos (= é universal); e aquilo de que essas disposições espirituais
são semelhança coisas reais também são comuns...
17
(De interpretatione,
trad. e ed. por J. L. Ackrill, 1963, apud GIVÓN, op. cit., p. 3).
nature of language in functional terms: seeing wether language itself has been shaped by use, and if so, in what
ways – how the form of language has been determined by the function it has evolved to serve...
14
... a language is conceived of in the first place as an instrument of social interaction between human beings,
used with the primary aim of establishing communicative relations between speakers and addressees...
15
... The natural condition of language is to preserve one form for one meaning and one meaning for one form...
16
... In the syntax of every language there are logical icons of the kind that are aided by conventional rules...
17
... Now spoken sounds [= words] are symbols of affections of the soul [= thoughts], and written marks are
symbols of spoken sounds. And just as written marks are not the same for all men [= are language specific],
29
Como síntese desse mosaico de pontos de vista, podemos dizer que o funcionalismo
concebe a linguagem sobretudo como instrumento de interação social entre seres humanos
socio-culturalmente constituídos. Essa concepção obriga assumir que as necessidades
comunicativas interferem de alguma maneira nas formas lingüísticas, e é nesse sentido que
alguns lingüistas têm confinado a linguagem ao uso, a ponto mesmo de postularem a
inexistência de estrutura gramatical estável. Sobre esse aspecto trataremos melhor abaixo.
Em termos de motivação funcional com relação à estrutura formal das línguas, convém
asseverar que, embora as necessidades a comunicar possam ser as mesmas nas diferentes
coletividades, isso não leva às mesmas respostas em termos de linguagem, conforme se pode
inferir do comentário de Aristóteles, transcrito acima. Ou seja, cada coletividade responde de
maneira diferente às mesmas necessidades e, por isso, as línguas naturais são diferentes entre
si.
Entendendo a linguagem precipuamente em sua função de pôr indivíduos em situação
de interação, todo trabalho funcionalista persegue, conforme Dik (1989, p. 1-2), a seguinte
questão cruciante: “Como funciona o usuário de língua natural? Dessa questão tiram-se
alguns desdobramentos: “Como falantes e ouvintes logram comunicar-se mutuamente por
meio de expressões lingüísticas?”. “Como lhes é possível, com esses mesmos meios, fazer-se
entender, influenciar reciprocamente o acervo de informação e sobretudo o comportamento
prático?”.
A interação social por meio da linguagem é definida por Dik (op. cit., p. 3) como uma
forma de atividade cooperativa estruturada. Ser estruturada significa ser governada por regras,
normas e convenções, e ser cooperativa significa que são necessários pelo menos dois
participantes. Desse modo, trabalhar com a lingüística funcional significa lidar com as regras
semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas, que governam a constituição das
expressões e com as regras pragmáticas, que governam os padrões de interação verbal nas
quais as expressões são usadas.
O primeiro sistema de regras é visto como instrumento para se atingir os propósitos do
sistema pragmático. Assim, as expressões lingüísticas devem ser descritas e explicadas dentro
da moldura fornecida pela interação verbal.
neither are spoken sounds. But what these are in the first place signs of affections of the soul are the same
for all [= are universal] and what these affections are likenesses of – actual things – are also the same...
30
Em contraponto com os dois paradigmas científicos que o antecederam, poderíamos
dizer que o funcionalismo analisa a estrutura gramatical como o fazem a gramática
estruturalista e a formalista, mas ele também analisa a situação comunicativa inteira: os
propósitos do evento discursivo, seus participantes, a situação. E mais: o funcionalismo
postula que a situação comunicativa motiva, restringe, explica ou determina a estrutura
gramatical. (NICHOLS, 1984, p. 97, apud NEWMEYER, 1998, p. 10).
Os estudos que assumem a perspectiva funcional preocupam-se em responder as
seguintes questões a respeito da natureza e do funcionamento das línguas naturais, conforme
Dik (1989, pp. 4-7):
1. O que é uma língua natural? É um instrumento de interação social, que, como tal,
só faz sentido em virtude de seu uso para algum propósito.
2. Qual é a principal função de uma língua natural? Sua principal função é
estabelecer comunicação entre seres humanos. Comunicação, aqui, deve ser
entendida como um conjunto de atividades interativas por meio do qual os
interlocutores efetivam certas trocas de informação pragmática, e não apenas a
troca de informação factual. (“Informação pragmática é o conjunto total de
conhecimentos, crenças, preconceitos, sentimentos etc. que constitui o conteúdo da
mente de um indivíduo num dado momento.” (DIK, op. cit., pp. 4-5))
18
3. Qual é o correlato psicológico de uma língua? O correlato psicológico de uma
língua natural é a competência comunicativa do usuário da língua, ou seja, é a sua
habilidade para realizar a interação social por meio da linguagem.
19
Enfatize-se
que a competência comunicativa difere da competência gramatical postulada pela
Gramática Gerativa em que esta se refere à habilidade de construir e interpretar
expressões lingüísticas, enquanto aquela compreende a habilidade de construir e
interpretar expressões lingüísticas, mas também a habilidade de usar tais
18
“Pragmatic information is the full body of knowledge, beliefs, preconceptions, feelings, etc. which together
constitute the content of mind of an individual at a given time.”
19
Esse conceito está formulado em Hymes (1972), conforme citado em Dik (op. cit., p. 5) e conforme
comentamos acima.
31
expressões de modo apropriado e efetivo de acordo com as convenções acerca da
interação verbal na comunidade lingüística em questão.
20
4. Qual a relação entre o sistema de uma língua e seu uso? Conforme Givón (2002, p.
2), desde Aristóteles o princípio que governa a relação forma-função é o do
isomorfismo, que se traduz da seguinte maneira: a um certo instrumento é possível
a realização de certas funções graças à matéria e à forma que lhe dão existência.
Considerando-se, então, sua instrumentalidade, uma língua natural só pode ser
devidamente estudada se levarmos em conta as razões por que ela é estruturada da
maneira que é, dadas as funções comunicativas que ela preenche. A abordagem
funcional procura entender as expressões lingüísticas como formas co-
determinadas por regras internas ao sistema e por fatores situacionais.
5. Como as crianças adquirem uma língua natural? O ponto de vista funcional não
atribui aos fatores genéticos o mesmo peso que o paradigma formal atribui.
Prefere-se estudar a aquisição da linguagem como ela se desenvolve na interação
comunicativa entre a criança e o ambiente; aos fatores genéticos são atribuídos
aqueles princípios que não podem ser explicados como adquiridos por meio dessa
interação. Nesse balanço, o processo de aquisição de linguagem seria fortemente
co-determinado por um input de dados lingüísticos altamente estruturado,
apresentado à criança em cenários naturais, e adaptado ao seu nível de
competência comunicativa em desenvolvimento gradual.
6. Como podem ser explicados os universais lingüísticos? Devem ser considerados os
seguintes fatores: (i) o tipo de relação comunicativa estabelecida entre os
interlocutores; (ii) as propriedades biológicas e psicológicas dos usuários da língua
natural e (iii) o ambiente e circunstâncias em que as línguas são usadas para
propósitos comunicativos. Desse modo, os universais lingüísticos devem ser
explicados a partir de considerações das restrições comunicativas, biológicas e
pragmáticas da linguagem.
20
Neste ponto, Dik enfatiza que, na verdade, a competência comunicativa compreende até a habilidade de usar [e
interpretar] expressões gramaticalmente mal formadas com bons resultados comunicativos.
32
7. Qual é a relação entre pragmática, semântica e sintaxe? A pragmática é vista como
a moldura dentro da qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas. A semântica
é vista como instrumento da pragmática, e a sintaxe, por sua vez, é instrumento da
semântica.
2.4 Os diferentes tipos de funcionalismo
Considerando a diversidade de abordagens funcionalistas, Kato (1998, p. 145-168)
duas grandes famílias: uma direcionada a um modelo abstrato de uso da língua, e outra
direcionada à língua tal qual ela se manifesta no uso efetivo. Assim, Kato afirma que
mesmo na visão funcionalista temos os correlatos da ngua-I e da Língua-E
de Chomsky (1986), para quem Língua-I é a representação da competência
sintática do falante e Língua-E é o objeto gramatical externo, observável. A
diferença é que na visão-I (interna, individual e intensional) do funcionalista, o
que se estuda são os processos mentais que entram em jogo no uso da língua e
não apenas o conhecimento estrutural dos enunciados, e na visão-E (externa e
extensional), leva-se em conta a Língua-E em contexto.
Nichols (1984, apud NEVES, 1997, p. 55-58) e Van Valin (1990 apud NEVES, op.
cit., loc. cit.) classificam os autores que se identificam com os postulados básicos do
paradigma funcional como funcionalistas conservadores, funcionalistas moderados e
funcionalistas extremados.
Os primeiros apontam inadequações das análises estruralistas ou formalistas, mas não
propõem propriamente análises funcionais da estrutura. Nesse tipo se enquadra Kuno, que
apresenta uma sintaxe funcional, a qual deve ser integrada às teorias formais já existentes.
Dentre os moderados, elencam-se os modelos propostos por Halliday, por Dik e pelo
próprio Van Valin. Esses reconhecem que a noção de estrutura é central para o entendimento
das línguas –como o fazia o Estruturalismo e o faz o Formalismo –, mas não a vêem como
imune às injunções comunicativas. Por isso, enfatizam a importância da semântica e da
pragmática para a explicação das formas lingüísticas.
33
Modelos funcionalistas extremados seriam aqueles que negariam a realidade da
estrutura como estrutura, considerando que as regras não sofreriam restrições sintáticas, mas
se baseariam na função (NEVES, 1997, p. 56). Representantes desse funcionalismo seriam os
seguintes trabalhos: On understanding grammar, de Givón, 1979, That-deletion from a
discourse perspective, de Sandra Thompson, 1987; Emergent grammar de Paul Hopper, 1987
e Discourse without syntax de Erica Garcia, 1979.
quem veja entre os funcionalistas maior diversidade e divergências de abordagens
do que as existentes entre os modelos de análise gerativistas. Esse é o caso de Newmeyer
(2000), que, acolhendo sugestão de Croft (1995), divide os trabalhos funcionalistas em três
vertentes, conforme o modo como integram a estrutura lingüística (aspectos formais da
linguagem) aos componentes semântico e pragmático. Conforme essa perspectiva, teríamos
um funcionalismo externo (onde se incluiriam também trabalhos de lingüística cognitiva), um
funcionalismo integrado e, por fim, o funcionalismo extremado.
Além da lingüística cognitiva de George Lakoff, Ronald Langacker, Fauconnier,
Talmy e outros, arrolam-se na vertente chamada funcionalismo externo os modelos teóricos
propostos pela “Role and Reference Grammar” (FOLEY & VAN VALIN, 1984),
“Competition Model” (BATES & MACWHINNEY, 1989), Functional Grammar (DIK, 1989
e 1997) e “Systemic (Functional) Grammar (HALLIDAY, 1985) (apud NEWMEYER, op.
cit., p. 13-14). Os representantes dessa vertente negam-se a descrever os elementos
gramaticais independentemente de suas propriedades semânticas e pragmáticas. Entendem a
gramática como um sistema semiótico em que os elementos formais às vezes são
determinados por suas propriedades semântico-pragmáticas. Conforme Newmeyer (op. cit., p
16), a ênfase que esses lingüistas dão às propriedades sistemáticas da linguagem como um
todo deixa-a com um pé no estruturalismo.
21
os lingüistas da vertente “funcionalismo integrado” têm uma visão mais imanente
da estrutura gramatical do que os funcionalistas externos. Para eles, os fenômenos lingüísticos
são considerados sistemáticos e podem ser parcialmente arbitrários, mas eles envolveriam
uma interação tão estreita dos fatores cognitivos com os fatores sociais externos que não se
poderia descrever o sistema cognitivo interno como auto-suficiente. Em outras palavras: os
funcionalistas integrados não duvidam da existência de sistematicidade (entenda-se:
21
The stress laid by external functionalists on the systematic properties of language as a whole leave it with one
foot in the structuralist door.
34
gramática) na linguagem, mas refutam o axioma saussuriano que separa a “língua” da “fala”,
a “sincronia” da “diacronia” (NEWMEYER, op. cit., p. 16).
A síntese desse ponto de vista, encontramo-la em Hopper (1987), para quem a
gramática é totalmente flexível, sempre negociável para cada ocasião, dependente da situação
comunicativa. É de Hopper (op. cit.) o conceito de “Gramática Emergente”:
A noção de Gramática Emergente deve sugerir que a estrutura, ou
regularidade, sai do discurso e é modelada pelo discurso tanto quanto ela
modela o discurso num processo permanente. A gramática o é, então,
entendida como um pré-requisito para o discurso, uma propriedade prévia
atribuída de modo idêntico ao falante e ao ouvinte. (...) Além do mais, o termo
Gramática Emergente aponta para uma gramática que não é abstratamente
formulada e abstratamente representada, mas sempre ancorada na forma
concreta e específica de um enunciado.
22
(HOPPER, op. cit., p. 141)
A terceira vertente, o funcionalismo extremado, é representada pelos trabalhos da
“Columbia School”, de Erica Garcia, principalmente. Esse tipo de funcionalismo advoga que
toda a gramática pode ser motivada por fatores semânticos e discursivos, havendo
arbitrariedade no léxico. Essa posição radical tem sido acatada por poucos lingüistas; ainda
assim tem provocado, entre os gerativistas, uma imagem caricata do funcionalismo.
Dada a fluidez e imprecisão dessa tentativa de categorização dos trabalhos
funcionalistas, Newmeyer acha viável identificar como funcionalista qualquer abordagem que
manifeste as três posições: (i) relação tão estreita entre as propriedades formais da gramática
e suas funções semânticas e pragmáticas que não se analisa isoladamente a forma; (ii) em boa
medida, as propriedades formais da gramática são motivadas pelas funções da linguagem,
especialmente a de veicular significados e estabelecer comunicação; (iii) articulando a
explicação funcional com a investigação tipológica, pode-se verificar por que certos traços
gramaticais são mais comuns do que outros e por que, em certas línguas, o surgimento de
determinados traços leva ao surgimento de outros.
23
22
The notion of Emergent Grammar is meant to suggest that structure, or regularity, comes o ut of discourse
and is shaped by discourse as much as it shapes discourse in an on-going process. Grammar is hence not to be
understood as a pre-requisite for discourse, a prior possession attributable in identical form to both speaker
and hearer. (...) Moreover, the Emergent Grammar points to a grammar which is not abstractly formulated and
abstractly represented, but always anchored in the specific concrete form of an utterance.
35
2.5 Preocupações epistemológicas e metodológicas
Faz-se notar entre os funcionalistas de diferentes escolas a mesma consciência de que
para criar uma teoria epistemológica e metodologicamente válida é preciso cuidado para que
não se crie um objeto de especulação puramente ficcional, não encontrável em nenhum
ambiente real, fazendo-se generalizações exageradas, mas é preciso cuidado também para não
oferecer descrições presas demais às contingências do uso e infrutíferas como explicação do
fenômeno lingüístico mais abrangente.
Nesse sentido, Dik (1989), por exemplo, postula que uma teoria deve ser tão concreta
quanto possível para ter aplicação descritiva e explanatória: ela deve estar o mais próxima
possível dos fatos lingüísticos como esses se apresentam em qualquer língua. Isso, na
verdade, situa a teoria num ponto equilibrado de abstraticidade, entendo-se esse conceito
como “a distância (medida em termos de regras e operações aplicadas) entre as expressões
lingüísticas reais de uma língua, por um lado, e as estruturas subjacentes em termos das quais
essas expressões são analisadas, por outro” (DIK, op. cit., p. 15). Dik lembra, ainda, que a
abstraticidade e a adequação tipológica (característica também necessária para uma teoria
legítima) relacionam-se na medida em que, quando uma teoria é concreta demais na descrição
de línguas particulares, as noções usadas não podem ser transferidas para a descrição de
outras línguas. Quando, porém, a teoria é muito abstrata, ela extrapola as generalizações mais
significativas entre as línguas, perdendo, assim, a relevância empírica de descrição e
explicação.
Uma teoria concreta demais é uma teoria fraca demais, que, ao descrever fatos
particulares de uma língua particular, sequer é capaz de fornecer uma explicação válida para
essa mesma língua ou para qualquer outra. Uma teoria abstrata demais, por sua vez, é uma
teoria forte demais, que falha porque cria uma gramática (sistema de regras abstratas que
governa as combinações das formas lingüísticas) que extrapola os tipos de língua existentes.
Givón (1995 e 2002) também revela preocupação com a validade dos modelos teóricos
fornecidos pelas escolas funcionalistas. Lembra, por exemplo, uma lista de premissas
defendidas orgulhosamente por lingüistas desse paradigma: a linguagem é uma atividade
sócio-cultural; a estrutura está a serviço da função comunicativa ou cognitiva; a estrutura é
23
Evidente que essa terceira posição não é uma característica necessária à identificação de um trabalho como
funcionalista. Os estudos funcionalistas buscam, sim, adequação tipológica, mas como respaldo para a
explicação que propõem.
36
não-arbitrária, é motivada, icônica; mudança e variação estão sempre presentes; o significado
é dependente do contexto e não-atômico; as categorias não são discretas; a estrutura é
maleável, não rígida; as gramáticas são emergentes; as regras da gramática permitem algumas
falhas. E assevera que, sendo esses princípios válidos, devem ser circunscritos por outros
princípios em competição que interagem com eles e restringem sua aplicabilidade. A teoria de
uma gramática funcional deve levar em conta essa complexidade interativa em sua
metodologia, e não só degenerar-se num programa de slogans e acenos ideológicos.
Com relação ao que chama de funcionalismo ingênuo, Givón (1995 e 2002) critica o
iconismo idealizado e radical que preconiza a correlação um para um entre forma e
significado e a correlação entre forma gramatical e função semântica ou pragmática. Nesse
sentido, evoca Haiman (1992), para quem o processo de gramaticalização –emergência da
estrutura morfossintática é inerentemente um processo de parcial enrijecimento ou
ritualização. Por meio desse processo, a estrutura gramatical emergente torna-se em certa
medida emancipada da motivação funcional que lhe deu origem. Assim, o surgimento e a
subseqüente mudança da estrutura gramatical é funcionalmente motivada, icônica, mas a
forma que daí resulta assume sua própria realidade, comunicativamente, cognitivamente e
neurologicamente.
No arcabouço maior em que insere os seus trabalhos, relacionando a lingüística com a
biologia evolutiva, Givón propõe que a gramática seja vista como um sistema de dispositivos
(morfológico, fonológico, sintático...) desenvolvido pela espécie humana adaptativamente. A
vantagem adaptativa que a gramática, assim vista, asseguraria aos humanos seria a
automatização e conseqüente aceleração da comunicação. É evidente o aspecto funcional
desse tipo de interpretação: a gramática é um recurso ótimo no sentido de se buscar a eficácia
da comunicação lingüística; ela propicia baixo custo cognitivo e até vocal e um desejável
(talvez máximo) benefício no processamento (produção e recepção) de informações.
Givón condena posições radicais que ele identifica em Chomsky e em Hopper, e isso
evidentemente reflete nos procedimentos metodológicos que recomenda.
Em trabalho posterior àquele em que postula a “Gramática emergente”, conforme
citação acima, Hopper (1991) elabora a gica de sua posição sugerindo que, se as fronteiras
entre as mudanças gramaticais, semânticas e fonológicas não são absolutas, elas não existem.
Tal visão redunda na concepção de que não existe a gramática como relações estruturais
estáveis:
37
...A definição mais extensa de gramaticalização implícita neste trabalho
levanta a questão se, quando a gramaticalização cumpre seu serviço, sobra
espaço para a noção de gramática no sentido de relações estruturais
estáticas...
24
(HOPPER, 1991, p. 18-19, apud GIVÓN, 2002, p. 32)
Na abordagem minimalista da gramática, conforme proposta por Chomsky (1992),
Givón enxerga uma correspondência ao sentimento de Hopper quanto à irrealidade da
gramática sincrônica:
... [A velha gramática gerativa propunha que] cada língua é um rico e
complexo sistema de regras que são, tipicamente, particulares a construções e
a línguas... A abordagem de princípios-e-parâmetros que se tem desenvolvido
nos últimos anos e que eu assumo aqui, rompe radicalmente com essa
tradição... A noção de construção gramatical é eliminada, e com ela as regras
particulares a certas construções. Construções como sintagma verbal, oração
relativa, passiva etc., são consideradas artefatos taxonômicos, coleção de
fenômenos explicados através da interação dos princípios da GU, com os
valores dos parâmetros fixados...
25
(CHOMSKY, 1992, p. 3, apud GIVÓN, op.
cit., p. 32).
Do que se pode inferir dos dois autores, conforme Givón, tanto Hopper quanto
Chomsky caem na mesma falácia platônica de que as regras não devem admitir exceções:
a) nos termos de Chomsky:
as regras da gramática não são 100% flexíveis
então devem ser 100% rígidas
b) nos termos de Hopper:
as regras da gramática não são 100% rígidas
então devem ser 100% flexíveis
24
... The more extensive definition of grammaticalization implicit in this work raises the question of whether,
qhen grammaticalization has done its work, ther would in the end be any room left for the notion of grammar in
a sense of static structural relationships...
25
... [Early generative grammarj proposed that] each language is a rich and intricate system of rules that are,
typically, construction-particular and language-particular... The principlesn-and-parameters approach that has
developed in recent years, and that I assume here, breaks radically with this tradition... The notion of
grammatical construction is eliminated, and with it, construction-particular rules. Constructions such as verb
38
É importante que o lingüista reconheça no seu objeto teórico relativa flexibilidade e
relativa rigidez. Ora, a flexibilidade, aí, tem a ver com o quanto a gramática é dependente do
contexto, o quanto ela é concreta. Rigidez, por sua vez, tem a ver com o quanto a gramática é
independente, autônoma, em relação ao contexto, o quanto ela é abstrata. Assim, pode-se ligar
a orientação metodológica de Givón àquela, mencionada há pouco, de Dik.
2.6. A caminho da contemporização
Um dos sustenculos teóricos do funcionalismo é a refutação de um artefato teórico-
metodológico como sintaxe, ou sentica ou pragmática (discurso), ou mesmo o confinamento
da observão científica em uma perspectiva exclusivamente sincrônica ou diacrônica. A
perspectiva funcionalista ambiciona articular sintaxe, semântica e pragtica, sincronia e
diacronia, am da análise e explicação baseadas em aspectos filo e ontogenéticos.
Se a linguagem é um fenômeno maravilhosamente complexo que garante ao ser humano
a primazia sobre os seres vivos, ela o deve ser um domínio de pesquisa restrito à observação
de seus aspectos instrumentais (“a linguagem é instrumento de comunicação”), tampouco de seus
aspectos puramente formais abstratos. A linguagem humana não é, com efeito, simplesmente um
dispositivo de representação e identificação de objetos e eventos no mundo. É, antes, um sistema
de ferramentas para comunicar nossa experiência do mundo, e sua estrutura é fundamentalmente
codeterminada por nossa experiência. Experiência, aqui, inclui a teoria de mundo que
formulamos, mas também a teoria que formulamos da própria experiência conforme o modelo
cultural em que estamos inseridos.
o certamente um ponto de vista monotico no que se convenciona como
funcionalismo, mas o que podemos apontar como elemento unificador das escolas funcionalistas
é o fato de procurarem explicar a linguagem por meio das funções, isto é, ao verem a linguagem
como um conjunto de instrumentos, descrevem tais instrumentos como adaptações às funções a
que se destinam.
A lingüística formal, prototipicamente, procura gerar as explicações a partir da própria
estrutura Daí justifica-se recorrer a categorias teóricas estruturais como “subjacência”,
“comando”, “regência”, “ligão” etc. Enfim, de acordo com a lingüística formal, um fenômeno
phrase, relative clause, passive etc., are taken to be taxonomic artifacts, collection of phenomena explained
througu the interaction of the principles of UG, with the values of parameters fixed...
39
é explicado se a ele pode ser reservado um lugar numa teoria formal da linguagem. Mas a
lingüística forma tamm extrapola o ponto de vista da imanência, isto é, centrada na estrutura.
A lingüística formal, em diversos de seus estudos e orientões teóricas, têm buscado
explicações no âmbito da biologia e da neurologia quando procura desvelar a faculdade da
linguagem. Nesse sentido, é que podemos dizer, que não é exclusividade dos funcionalistas gerar
explicações dos femenos lingüísticos fora dos domínios da estrutura da linguagem.
Ademais, e finalmente, quanto ao design das descrições propostas, não o raros os
modelos funcionalistas que “formalizam” e “matematizam” a descrição ou hipotetizam
categorias teóricas como “estruturas subjacentes”, vejam-se, por exemplo as descrições do
modelo funcionalista a partir de Dik; modelos funcionalistas que operam com conceitos em
princípio formais: constate-se que Givón, Thompson, DeLancey etc. baseiam a explicação de
rios fenômenos no processo de movimento de constituintes. Ao extrapolar a cidadela da
lingüística, alguns funcionalistas também buscam explicações na biologia, caso de Givón.
3 AS CONSTRUÇÕES RELATIVAS CONFORME ESTUDOS TIPOLÓGICOS
Nesta seção, apresentamos algumas definições das construções relativas, à luz de
diferentes modelos teóricos. Todos os trabalhos aqui resenhados procuram levantar as
propriedades universais das orações relativas, por isso comparam sua forma sintática em
grande número de línguas. Esse levantamento transistêmico, apontando, evidentemente,
identidade em diversos aspectos e outros tantos de divergência no modo como se entende
esse tipo de construção, independentemente da teoria adotada, permitirá discutir os tipos de
construções que encontramos no PB rotuladas como relativas.
3.1 Keenan & Comrie
Keenan & Comrie (1977) num artigo seminal e, de fato, extremamente profícuo para a
interpretação das relativas oferecem uma definição semanticamente baseada:
Consideramos qualquer objeto sintático como uma oração relativa se ele especifica um
conjunto de objetos (talvez um membro de um conjunto) em dois passos:
especifica-se um conjunto maior, chamado domínio de relativização, restringe-se,
então, esse vasto conjunto a um subconjunto do qual uma certa sentença, a restritiva, é
verdadeira. O domínio da relativização é expresso na estrutura de superfície pelo SN
nuclear, e a sentença restritiva, por meio da oração restritiva, que pode parecer mais ou
menos como uma sentença de superfície dependendo da língua.
Por exemplo, na oração relativa the girl (that) John likes, o domínio de relativização é
o conjunto de garotas e o SN nuclear é girl. A sentença restritiva é John likes her e a
oração restritiva é (that) John likes. Obviamente, para um objeto ser corretamente
codificado por the girl that John likes, o objeto deve estar no domínio de relativização
e a sentença restritiva deve ser verdadeira a seu respeito. (KEENAN & COMRIE (op.
cit., p. 63-64)
26
Essa definição persiste em trabalhos posteriores desses autores (ver, por exemplo,
Comrie, 1981 e Keenan, 1994), embora passem a argumentar sobre aspectos não tocados ou
não desenvolvidos na primeira definição.
26
“We consider any syntatic object to be an RC if it specifies a set of objects (perhaps a one-member set) in two
steps: a larger set specified, called the domain of relativization, and then restricted to some subset of which a
certain sentence, the restricting sentence, is true. The domain of relativization is expressed in surface structure
by the head NP, and the restricting sentence by the restricting clause, which may look more or less like a surface
sentence depending on the language.
“For example, in the relative clause the girl (that) John likes the domain of relativization is the set of girls and
the head NP is girl. The restricting sentence is John likes her and the restricting clause is (that) John likes.
Clearly, for an object to be correctly referred to by the girl that John likes, the object must be in the domain of
relativization and the restricting sentence must be true of it.”
41
Esquematicamente, vemos que os autores formulam quatro conceitos definidores desse
tipo de construção: (1) a oração relativa, que, idiossincraticamente, inclui o antecedente; (2) o
domínio de relativização ao qual remete o SN girl; (3) a sentença restritiva John likes her e
(4) a oração restritiva that John likes. Note-se que esse tipo de definição das relativas leva a
inferir que uma transformação da sentença restritiva (3) em oração restritiva (4) para
acomodar a proposição que ela veicula na estrutura sintática.
Enfatize-se também que os autores chamam a atenção para o fato de que, para um
objeto ser codificado por uma oração relativa, esse mesmo objeto deve estar no domínio de
relativização – no caso acima, precisa referir-se a uma garota –, além disso a sentença
restritiva deve ser verdadeira. Se isso significa que o conteúdo da sentença restritiva é
independente da avaliação subjetiva do falante, então uma oração relativa prototípica não
admite operadores de modalidade epistêmica, ou expressões de conteúdo subjetivo atitudinal,
como em
(1) a- *Estou procurando uma pessoa que possa provavelmente me ajudar.
b- *Estou procurando uma pessoa que possa talvez me ajudar.
c- *Estou procurando uma pessoa que, eu acredito, possa me ajudar.
27
(Exemplos traduzidos a partir de Dik (1997, p. 28))
A partir de critérios mais morfossintáticos do que semânticos, Keenan (1994, p. 141-
3), enfatiza esse tratamento das orações relativas como constituintes de SNs plenos, como se
pode ver pelo exemplo, traduzido do texto referido acima:
(2) Eu apanhei duas toalhas que estavam no chão
28
O SN que constitui a oração relativa, nos termos de Keenan (op. cit), é formado por um
determinante, “duas”, um substantivo comum, “toalhas” e por uma sentença restritiva, “que
estavam no chão”. Ao substantivo comum que determina a classe de objetos, o autor chama
de domínio de relativização.
27
a) *I’m looking for a person who can probably help me. b) *I’m looking for a person who allegedly can help
me. c) *I’m looking for a person who, I believe, can help me.
28
I picked up two towels that were lying on the floor. (KEENAN, op. cit. p. 141)
42
Dentre esses elementos, o único necessário para definir um objeto lingüístico como
uma oração relativa é a sentença restritiva. O autor considera dispensável a presença de
determinantes, como em
(3) Pessoas que falam demais não são confiáveis.
bem como do substantivo que especifica o domínio de relativização, como em
(4) Quem fala demais dá bom dia a cavalo.
Mesmo admitindo essas possibilidades de realização das relativas, para efeito de
classificação tipológica, Keenan restringe-se àquela em que um substantivo que especifica
o domínio de relativização. Nesse sentido, sua classificação não é muito diferente da de
Keenan & Comrie (1977).
3.1.1 As estratégias de relativização
Em um corpus de aproximadamente 50 línguas, Keenan & Comrie (daqui por diante K
& C), distinguem estratégias de formação de relativas de acordo com dois parâmetros. O
primeiro é a posição do SN nuclear com relação à oração restritiva: à esquerda (relativa pós-
nominal); à direita (relativa pré-nominal); e dentro da própria oração restritiva (relativa
interna). O segundo parâmetro é a presença ou ausência de um morfema (preposição ou
pronome, por exemplo) que expresse o caso da posição relativizada, possibilitando recuperar
a sentença restritiva.
Para demonstrar as diferentes estratégias conforme o primeiro critério, apresentam os
seguintes exemplos, tirados do alemão (os dois primeiros) e do bambara (língua africana,
falada na região da bacia do Níger):
(5) der Mann, der in seinem Büro arbeitet
pós-nominal
o homem que em seu escritório trabalha
‘o homem que está trabalhando em seu escritório’
43
(6) der in seinem Büro arbeitende Mann
pré-nominal
o em seu escritório trabalhando homem
‘o homem que está trabalhando em seu escritório’
(7) tye ye ne ye so min ye san
interna
homem Pret. eu Pret. cavalo que ver comprar
‘o homem comprou o cavalo que eu vi’
(K. & C., op. cit., p. 64-65)
Para ilustrar o segundo critério (marcação de caso da posição relativizada), os autores
comparam o inglês e o russo:
(8) a. the girl who John likes -caso
a garota quem João gosta
‘a garota de quem João gosta’
b. the girl who likes John -caso
a garota quem gosta João
‘a garota que gosta de João’
(9) a. Devuska, kotoruju Dzon ljubit +caso
garota quem (acusativo) João gosta
‘a garota de quem João gosta’
b. Devuska, kotoraja ljubit Dzona
garota quem (nominativo) gosta João
‘a garota que gosta de João’
Keenan (1994, p. 143-5) afirma que há uma tendência entre as línguas de favorecer as
orações restritivas pós-nominais, mais precisamente com a seguinte distribuição: em línguas
cujo padrão sintático posiciona o verbo mais à esquerda, a ocorrência da construção pós-
nominal é quase absoluta; em línguas do tipo SVO, embora se possa encontrar construção pré-
nominal, a pós-nominal é, de longe, a mais produtiva, na medida em que é a que possibilita a
relativização de mais posições sintáticas; em línguas com verbo mais à direita que o tipo
mais produtivo (ou o único tipo) é a restritiva pré-nominal.
44
Levando em conta esses dois parâmetros sugeridos (posição do SN relativamente à
sentença restritiva e marcação de caso da posição sintática relativizada), a língua portuguesa
forma relativas pós-nominais, ou seja, a oração restritiva segue o SN antecedente, e, conforme
o segundo parâmetro, teríamos as duas estratégias de relativização: a de marcação de caso
(+caso) e aquela em que não se nota dentro da oração restritiva um morfema ou expressão
indicativa de caso da posição relativizada (-caso). Como estratégia marcadora de caso,
teríamos a relativa padrão de todas as posições sintáticas (com caso marcado no pronome
relativo), exceto Sujeito e Objeto Direto, e a relativa não-padrão com pronome anafórico (ou
SN pleno) na posição relativizada dentro da oração restritiva. Como estratégia de não-
marcação de caso, teríamos todas as relativas que se introduzem pelo morfema “que” neutro:
a relativa padrão das posições Sujeito e Objeto Direto e a relativa não-padrão com lacuna na
posição sintática relativizada:
(10) a. a garota de quem o João gosta +caso (padrão)
b. a garota que o João gosta dela
+caso (não-padrão)
c. a garota que o João gosta -caso (não-padrão)
Com base no parâmetro de marcação de caso, temos, então, uma estratégia em que o
papel do referente do antecedente dentro da oração restritiva é dado morfologicamente pelo
pronome relativo ou também sintaticamente, situação em que se usa um anafórico. E outra
estratégia em que o papel do referente do antecedente dentro da oração restritiva não é
informado morfologicamente, mas sua depreensão é dependente das propriedades sintáticas e
semânticas do predicado envolvido e da situação comunicativa. O que temos de problemático
nessa divisão dicotômica é que ela deixa de revelar a diferença de complexidade cognitiva
tanto do ponto de vista da produção quanto da recepção entre informar o caso do referente
por meio de um pronome relativo, que introduz a oração restritiva (a garota de quem o João
gosta), e informar o caso por meio de um anafórico na própria posição relativizada (a garota
que o João gosta dela), ou ainda por meio de alguma preposição órfã, como é comum
acontecer no inglês (the girl who John bought flowers for)
29
.
29
Este é um exemplo de Maxwell (1979, p. 356), que teria a seguinte tradução literal: “a menina quem João
comprou flores para”.
45
3.1.2 A Hierarquia de Acessibilidade do SN à Relativização
Com base em dados de aproximadamente 50 línguas, K. & C. (1977) argumentam que
as línguas variam quanto às posições ocupadas por SN acessíveis à relativização e que há uma
dependência entre as posições relativizáveis, i. é, dado que uma certa posição seja
relativizável, pode-se prever que outras posições o serão. A partir desse levantamento, os
autores postulam a Hierarquia de Acessibilidade dos Sintagmas Nominais à relativização:
(11) SU > OD > OI > OBL > GEN > OCOMP
Da esquerda para a direita, vai-se da posição mais freqüentemente relativizável até a
menos acessível a qualquer estratégia de relativização. SU = Sujeito; OD = Objeto Direto; OI
= Objeto Indireto; OBL = Oblíquo
30
; GEN = Genitivo
31
e OCOMP = Objeto de Comparação.
Comrie (op. cit., p. 155-6) reduz o número de posições universalmente relativizáveis: SU >
OD > O não-Direto > Possuidor, hierarquia que ele estende às sentenças complexas do tipo
(12) o garoto que eu disse que pegou o dinheiro
enfatizando que nunca é mais fácil relativizar uma posição de uma sentença complexa em
relação a essa mesma posição de uma sentença simples (cf. Comrie, op. cit., p. 160-2).
Keenan (1994, p. 147-8) reapresenta a Hierarquia considerando as seguintes
posições: SU > OD > OI > Obj de Pré ou Posposição > Possuidor.
Apesar dessas variantes, as considerações que seguem tomam como objeto a
Hierarquia “original” apresentada no artigo de 1977 (K. & C., op. cit.), a partir da qual os
autores formulam três restrições lógicas:
1. Uma língua deve ser capaz de relativizar Sujeitos;
2. Qualquer estratégia de relativização deve aplicar-se a um segmento contínuo da
Hierarquia, i. é, jamais uma estratégia de relativização “pulará” posições da
30
Com relação a essa posição, os autores fazem um esclarecimento: referem-se àqueles SNs que funcionam
como argumentos do predicado principal e não aos que funcionam como advérbio. Mesmo que esse
esclarecimento fosse de fato esclarecedor, ficaria a questão de como tratar as funções semânticas que são
codificadas como adjuntos adverbiais. Sobre esse ponto trataremos com mais detalhe no capítulo sobre
acessibilidade à relativização.
31
Essa posição, assim como OBL, identifica, na verdade, um caso. Esse caso codifica diferentes funções
semânticas, como possuidor (a única identificada pelos autores), recipiente e beneficiário ou afetado.
46
Hierarquia: em uma dada língua não se relativizará, por exemplo, o Objeto Indireto,
se não se relativiza o Objeto Direto;
3. As estratégias aplicadas a um certo ponto da Hierarquia podem cessar em qualquer
outra posição abaixo. (K. & C., op. cit., p.67)
Assumindo, então, que relativização é um universal lingüístico, os autores postulam
que toda língua tem uma estratégia principal (primary strategy), uma que relativize pelo
menos Sujeitos. Apenas essa estratégia primária, ou principal, é necessária. A partir dela,
formulam-se outras três restrições:
1. Uma língua deve ter uma estratégia principal de formação de construções relativas;
2. Se uma estratégia principal numa dada língua pode ser aplicada a uma posição baixa
da Hierarquia, então ela poderá ser aplicada a posições mais altas;
3. Uma estratégia principal pode-se interromper em qualquer ponto da Hierarquia.
(K. & C., op. cit., p. 68)
K. & C. fazem, ainda, importantes observações do ponto de vista cognitivo das
estratégias de relativização (p. 93-94). Tais estratégias formulam-se com o precípuo objetivo
de facilitação do processamento de informações. Assim, apontam uma coincidência entre a
Hierarquia de Acessibilidade e uma “hierarquia psicológica” segundo a qual é mais fácil
relativizar Sujeito do que Objeto Direto, Objeto Direto do que Objeto Indireto etc. Uma
explicação provável para essa coincidência, oferecida pelos próprios autores, seria a maior
freqüência, em qualquer tipo de sentença, das funções sintáticas dispostas na Hierarquia, da
esquerda para a direita. Os autores hipotetizam a existência de uma estratégia de
reconhecimento universal do tipo:
“se um SN de uma dada oração desempenha algum papel em outra
oração, deve-se interpretá-lo como sujeito dessa outra oração, a menos
que haja evidência de não o ser; nesse caso, deve-se interpretá-lo como
OD, e assim sucessivamente até o diagnóstico correto”
32
.
Em se tratando do português, aplicando-se cegamente as estratégias e as restrições de
K. & C., cria-se uma incoerência com os postulados dos próprios autores: uma das restrições
32
“If an NP plays a role in another clause, interpret it as a subject unless there are indications to the contrary,
otherwise try the OD slot, etc.” (K. & C., op. cit. , p. 94.)
47
quanto às estratégias de relativização é a de que nenhuma estratégia “pula” posições da
Hierarquia, i. é, uma estratégia não se aplica a OI, por exemplo, se não se aplica a OD e SU
(conforme se pôde ver acima, tratando-se da Hierarquia), ou por outro ponto de vista: se uma
dada estratégia relativiza posições baixas da Hierarquia, então ela poderá relativizar todas as
posições mais altas. Entretanto, a estratégia de marcação de caso por meio do pronome
relativo, possível às posições de OI a GEN, não se aplica às duas posições mais altas, OD e
SU. Isso é o que se pode ver pelos exemplos abaixo:
(13) a. a garota que gosta de você relativização do SU (-caso)
a’. a garota que ela gosta de você relativização do SU (+caso)
b. a garota que você beijou relativização do OD (-caso)
b’. a garota que você beijou ela relativização do OD (+caso)
33
c. a garota de quem você gosta relativização de OI (+caso)
c’. a garota que você gosta dela relativização de OI (+caso)
c’’. a garota que você gosta relativização de OI (-caso)
d. a garota com quem você falou relativização de OBL (+caso)
d’. a garota que você falou com ela relativização de OBL (+caso)
d’’. a garota que você falou relativização de OBL (-caso)
e. a garota cujos olhos são azuis relativização de GEN (+caso)
e’. a garota que os olhos dela (os seus olhos) são azuis relativizão de GEN
(+caso)
e’’. a garota que os olhos são azuis relativização de GEN (-caso)
Como tentativa de se superar a contradição apontada, pode-se considerar que o PB,
sendo língua de ordem canônica SVO, não marca morfologicamente Sujeito nem Objeto
Direto nominais e tende a não-marcação dos pronominais, mas explicita essas duas funções
sintáticas por meio da posição relativamente ao verbo. Por isso, haveria uma neutralização dos
casos nominativo e acusativo, o que favorece a que o mesmo morfema que marca a
relativização da posição SU, marque também a relativização da posição OD. Daí teríamos
oposição entre a neutralização de casos nas duas posições e a marcação de casos diversos nas
posições mais baixas. De qualquer forma, esse fato indica que essa restrição (ou a própria
33
Consideramos a ocorrência do pronome anafórico nas posições SU e OD como determinantes da estratégia
+caso por coerência com os autores em tela, embora reconheçamos que tal pronome se realize na mesma forma.
48
divisão dicotômica das estratégias de formação de relativas, como ficou assinalado acima)
deve merecer mais refinamento.
3.2 O enfoque funcionalista de Givón
Givón (1990, p. 645) entende que as orações relativas são subordinadas encaixadas
como modificadores do nome dentro do SN. Funcionalmente, elas participam da gramática
de referência anafórica e de identificação referencial. São superficialmente semelhantes aos
complementos de nomes e, uma vez encaixadas como parte integrante do SN, aparecem sob o
mesmo contorno entonacional do sintagma nuclear.
De acordo com esse lingüista, a oração relativa restritiva é tipicamente usada quando o
falante deduz que a identidade do referente é acessível pelo ouvinte, mas não o é facilmente;
se o fosse seria usado um pronome ou um zero. Assim, para ajudar o ouvinte a identificar o
referente, o falante faz uma proposição que codifica um evento ou estado do qual o referente é
participante – como Sujeito, Objeto Direto, Objeto Indireto etc.
Do ponto de vista discursivo, como se pode perceber, a relativização é motivada pelo
princípio da cooperação entre os interlocutores, fato, aliás, percebido por K. & C. (1977).
Pode-se inferir que, na interação, o falante deduz ser o evento ou estado codificado na relativa
conhecido também pelo ouvinte, ou, ao menos, acessível a ele. Assim, a proposição contida
na construção relativa codificaria sempre conteúdo pragmaticamente pressuposto, fato
necessário para facilitar a acessibilidade ao referente do antecedente.
Em outras palavras, se no nível semântico pode-se entender a oração relativa (tanto a
restritiva quanto a não-restritiva) como codificação de uma proposição em que um dos
participantes é correferente com o Sintagma Nominal modificado por ela, no nível
pragmático, uma oração relativa restritiva envolve uma proposição que o falante supõe que o
ouvinte conheça ou possa acessar com base em seu conhecimento de mundo.
Esquematicamente, teríamos a seguinte definição de orações relativas restritivas:
Com efeito, K. & C. (op. cit., p. 65) esclarecem que consideram estratégia +caso se um elemento na oração
restritiva que inequivocamente expressa qual posição de SN está sendo relativizada.
49
(14)
a. Semântica: Uma oração relativa codifica uma proposição em que um dos
participantes é correferente com o núcleo que é modificado por ela;
b. Pragmática: Uma oração relativa restritiva envolve uma proposição que o falante
supõe ser conhecida pelo ouvinte ou acessível a ele.
(GIVÓN, 1990, p. 646).
A título de ilustração, traduzimos um exemplo do próprio autor:
(15) O cara que se casou com minha irmã é um picareta.
34
a. oração principal: o cara é um picareta
b. proposição subordinada: o cara se casou com minha irmã
No exemplo acima, o Sujeito da oração principal, “o cara”, é correferente com o
Sujeito da oração encaixada. Mas essa correferência poderia dar-se entre diferentes funções
sintáticas, como, por exemplo, (16) abaixo, em que o Sujeito da oração principal é
correferente do Objeto Indireto da oração subordinada:
(16) O cara com quem minha irmã se casou é um picareta
35
a. oração principal: o cara é um picareta
b. proposição subordinada: minha irmã se casou com o cara
Ao tratar de pressuposição e da coerência temática da oração relativa, Givón faz um
reparo no aspecto pragmático dessa definição: o SN a ser modificado pela restritiva não é
necessariamente definido (portanto não é necessariamente dado, ou pressuposto), mas pode
ter referente indefinido, o que lhe atribui o estatuto informacional de “novo”, i. é, baixa
topicalidade. Quando acontece, então, de o falante supor que o referente do SN não é
conhecido do ouvinte ou não é facilmente acessado naquele momento, a proposição
codificada pela relativa pode não fazer parte da informação pragmática do ouvinte: o falante
não pode esperar que o ouvinte identifique um evento cujo participante crucial (o
correferente) não é pragmaticamente pressuposto. Como ilustração, considerem-se os
exemplos, também dados pelo próprio autor:
34
The man who married my sister is a crook (GIVÓN, op. cit., pág. 646).
35
The man whom my sister married is a crook (GIVÓN, op. cit. , p. 646).
50
(17) a. conheço um cara que você devia conhecer
b. uma mulher que você conheceu no ano passado acabou de ligar
c. a mulher que você conheceu ontem à noite acabou de ligar
36
Em (a) o SN relativizado tem referente indefinido, codificando uma entidade com
status informacional de “totalmente novo, ancorado”, para o ouvinte, nos termos da
familiaridade presumida de Prince (1981). Em (b) o SN relativizado codifica entidade que se
enquadraria no que Prince chama de “nova não-usada” (new – unused), por isso o acesso a ela
não é imediato, nem cil (registre-se que, nesse caso, Givón (1990, p. 647) afirma que o
falante codifica o SN como se fosse informação totalmente nova: totally new information”).
Diante da expectativa de que o acesso ao referente seria difícil, codificar o antecedente como
definido seria contraproducente. Já em (c), temos um SN definido, codificando entidade
“dada”, pressuposta, então o grau de pressuposição também da relativa nesse caso é maior que
nos dois anteriores, já que um dos participantes da proposição é acessado facilmente.
Se o status informacional do SN relativizado é assim variável, poder-se-ia concluir
que não qualquer correlação entre relativização e pressuposição. Todavia convém lembrar
que, dentro de uma perspectiva funcional, as construções sintáticas são motivadas pelas
necessidades comunicativas dadas na interação dos interlocutores. Coerentemente com esse
ponto de vista, deve-se postular que, de qualquer modo, a relativa restritiva está relacionada
com o fundo (background) discursivo, e, nesse sentido, é sempre mais pressuposta do que a
oração principal. Sendo assim, se o falante supõe que a identidade do referente é facilmente
acessível ao ouvinte, não recorre à relativização por considerá-la comunicativamente
redundante. Em (17c) teríamos simplesmente: “A mulher acabou de ligar” ou “Ela acabou de
ligar”.
Givón considera que em ambos os casos, (b) e (c), o falante está obviamente tratando
de um evento codificado na oração relativa que é familiar ao ouvinte. Em (17b), o evento
é tão remoto que o falante não espera que o ouvinte identifique o referente em questão com
facilidade. É essa expectativa negativa que o impede de codificar o referente como definido;
por outro lado, o SN “mulher” é introduzido como indefinido, como se fosse totalmente novo,
significando instrução para o ouvinte abrir um novo arquivo de referência”. A combinação
“referente indefinido + oração restritiva” não instrui o ouvinte a buscar a identificação desse
referente em experiências do passado, mas alerta-o como se o referente em questão fosse
36
a) I know a man you should meet; b) a woman you met last year just called e c) the woman you met last night
just called (GIVÓN, op. cit., p. 647).
51
novo. Assim, a oração relativa estabeleceria na cabeça do ouvinte uma relação de coerência
catafórica com o novo referente. em uma construção como (17c), em que o SN é
apresentado como informação velha (“dado”) e o evento codificado na relativa é mais
recente e mais imediatamente acessível ao ouvinte – a oração relativa estabelece na cabeça do
ouvinte uma relação de coerência anafórica, visto que remete a experiências passadas.
Vale salientar essa relação da anáfora/catáfora com o traço semântico [+/-definido] e
com o status informacional da entidade novo/velho. Quando o SN é apresentado como
indefinido, a oração relativa é catafórica no sentido de que antecipa informação do discurso
ainda por vir. É anafórica a relativa quando o antecedente é velho, ou seja, retoma informação
pragmaticamente pressuposta.
Sobre essa questão de pressuposição da relativa restritiva, o lingüista arremata:
Em suma, o núcleo modificado por uma oração relativa restritiva certamente
“se refere” a algum participante na oração relativa. Num certo sentido, a
oração relativa, portanto, serve para “identificar” o referente para o ouvinte.
Mas tal “identificação” não aponta necessariamente para a experiência velha
anafórica– do ouvinte (“informação pressuposta”). A referência
especialmente quando o núcleo é indefinido pode ser catafórica, pode ser
antecipatória. (GIVÓN, 1990, p. 648; grifo no original.)
37
Como ficou assinalado quanto ao aspecto sintático, a relativa restritiva é uma oração
subordinada (dependente) que modifica um nome. Como marca comum dessa dependência, a
relativa, pode-se dizer, perdeu um argumento, aquele que é correferencial com o núcleo.
Devido a essa correferência, a identidade referencial do argumento ausente é recuperável a
partir do núcleo, pois o nome correferente na relativa pode manifestar uma variedade de casos
diferentes do caso do SN. Cruzando dados de várias línguas naturais, Givón (1979 e 1990)
supõe que as estratégias de relativização se devem à tentativa de resolver esse problema de
recuperação de caso. Para demonstrar como as línguas resolvem tal problema, ele enumera
diversas estratégias de relativização – cada uma nomeada de acordo com a propriedade
superficial particular que apresenta para recuperar o caso do SN, como se vê abaixo.
37
“In sum, the head noun modified by a restrictive relative clause indeed ‘refers’ to some participant in the
REL-clause. In some sense, the REL-clause thus serves to ‘identify’ the referent for the hearer. But such
‘identification’ does not necessarily point to the hearer’s old anaphoric– experience (‘pressuposed
information’). The reference –especially when REF-indefinite – may be cataphoric, it may be anticipatory.”
52
3.2.1 A estratégia do não-encaixamento
Para introduzir o primeiro tipo sintático de relativa, Givón (op. cit., p. 651) tece
interessante comentário extensivo a qualquer construção. Segundo ele, pode-se ver a criação
de uma construção gramaticalizada, sintaticamente bem amarrada e articulada em um só
contorno de entonação, como uma estratégia de automatização e aceleração do processamento
discursivo. É tipicamente nessa estratégia sintática que o argumento correferente tende a
desaparecer, como medida para ganhar tempo. A contrapartida disso é o problema quanto à
recuperação de caso do mesmo argumento ausente.
Entretanto, uma oração relativa pode-se concretizar na forma de uma construção
paratática, apresentando as seguintes características: (i) a proposição subordinada mantém sua
estrutura de oração principal; (ii) não é encaixada; (iii) tem contorno prosódico próprio; (iv) o
nome correferente não se apaga; e (v) o nome correferente preserva sua marcação de caso
característica como na oração principal.
Givón acrescenta, ainda, que, se a relativa segue a principal, o nome correferente pode
ser codificado como um pronome anafórico; caso contrário, o correferente realiza-se como um
SN pleno na oração relativa – e como pronome anafórico na oração principal.
Essa estratégia é marginal em muitas línguas e usada principalmente em registro
coloquial, informal, como no inglês
38
:
(18) a. paratática posposta:
... well, that man is a crook, y’know, like, you met him yesterday, right?...
‘... bem, esse cara é um picareta, entende, tipo, você conheceu ele ontem,
certo?...’
b. paratática preposta:
... well, that, uh, you met that guy yesterday, y’know? Well, I tell you, he
sure is a crook...
38
Na verdade, como se pode notar pelos exemplos oferecidos por Givón, as construções em inglês não
equivalem a relativas, tampouco se assemelham propriamente com as construções em bambara. Nessa língua
africana, o antecedente faz-se seguir por um morfema relativizador “min”; o que se pode ver é um
desgarramento sintático entre a oração relativa e a oração principal, sendo que a oração relativa configura Tópico
ou anti-Tópico da principal, dependendo se ocorre antes ou depois dela.
53
‘... bem, esse, ahn, você conheceu esse cara ontem, entende? Bem, eu te
digo, ele certamente é um picareta...’
(GIVÓN, 1990, p. 652)
Em outras línguas, como o bambara, essa estratégia é a principal:
(19) a. posposta:
n ye o ye, ce min ye muru san
eu PRET ele-Ac ver homem REL PRET faca comprar
‘eu o vi, o homem que comprou a faca’
b. preposta:
ce min ye muru san, n ye o ye
homem REL PRET faca comprar eu PRET ele-Ac ver
‘o homem que comprou a faca, eu o vi’
(GIVÓN, op. cit., p. 653)
3.2.2 Estratégia do pronome anafórico
Essa estratégia é usada em orações relativas realmente encaixadas, normalmente pós-
nominais. O começo dessas orações é sempre marcado por um morfema subordinador
invariante. O nome correferente é expresso na relativa por meio de um pronome anafórico
com marcação de caso de acordo com a sintaxe local. A correferência, nesse caso, é tratada
como numa conjunção de orações (coordenação). Isso pode explicar a necessidade de ocorrer
o subordinador invariante: a oração relativa se identificaria com uma oração principal com
pronome anafórico se não fosse pelo morfema relativizador. Givón enfatiza a importância
dessa estratégia de recuperação de caso do SN, do ponto de vista do processamento de
informação: não há necessidade de nenhum outro procedimento de processamento além dos já
existentes em contexto de coordenação ou oração principal. Além do mais, a ordem preferida
é mantida.
Essa estratégia é a principal no hebraico, como se pode ver:
54
(20) a. Sujeito:
ha-isha she-ba-a hena etmol...
a-mulher REL-veio-ela aqui ontem
‘a mulher que ela veio aqui ontem’
b. Objeto Direto:
ha-isha she-Yoav ohev ot-a...
a-mulher REL-Yoav ama Ac-ela
‘a mulher que Jeová ama ela’
c. Objeto Indireto:
ha-isha she-Yoav natan l-a et-ha-sefer...
a-mulher REL-Jeová deu-ele a-ela Ac-o-livro
‘a mulher que Jeová deu a ela o livro’
(GIVÓN, op. cit., 655)
3.2.3 Estratégia do Pronome Relativo
Em primeiro lugar, conforme diversos estudos tipológicos compulsados
39
, o Pronome
Relativo (PR) é um morfema que reúne as seguintes propriedades:
a. de natureza morfológica: (i) codificação de caso da posição sintática relativizada e
(ii) marcação de gênero e número do SN antecedente
40
;
b. de natureza sintática: (i) marcação do processo de relativização e (ii) indicação de
fronteira entre o SN que codifica o universo possível de referentes para a
relativização e a oração relativa propriamente, ou sentença restritiva, nos termos de
K. & C. (1977), conforme discutido acima;
c. de natureza semântica: (i) compartilhamento de índice de referência com o
antecedente e com a posição sintática dentro da relativa; (ii) por isso, anáfora e
catáfora
41
e (iii) possibilidade de marcação de traço semântico +/-humano e
39
Dentre os trabalhos considerados, estão Givón (1979, 1990 e 1995), Keenan & Comrie (1977); Maxwell
(1979), Keenan (1985), Comrie (1989), Dik (1989 e 1997) e De Vries (2001).
55
d. de natureza discursivo-pragmática: indicação de que o falante vai apresentar uma
informação relevante para facilitar ao ouvinte o acesso a um dado referente.
Acresce ainda que o PR teoricamente repele o elemento anafórico (pronominal ou
nominal), é exclusivo às relativas pós-nominais e diacronicamente é derivado, em muitas
línguas, ou de pronomes demonstrativos ou de palavras interrogativas. Classificando o PR em
termos dessas propriedades, nota-se que esse morfema fica num ponto intermédio entre as
categorias mais lexicais, como o nome, por exemplo, e as categorias mais funcionais, como as
preposições, por exemplo.
A estratégia de relativização que envolve o uso de PR tem nesse morfema o
mecanismo de explicitação de caso do elemento relativizado, o que se dá no início da oração e
não na posição como seria em oração principal. Nesse sentido, essa estratégia se distingue
daquela que usa o pronome anafórico. Os exemplos de Givón são os seguintes:
(21) a. Nominativo:
der Mann der Kam...
o/Nom homem que/Nom chegou
‘o homem que chegou’
b. Acusativo:
der mann den ich schon lange kenne
o/Nom homem que/AC eu já muito tempo conheço
‘o homem que eu conheço há muito tempo’
c. Dativo:
der mann dem ich das buch gegeben habe...
o/Nom homem que/Dat eu o/Ac livro dado tenho...
‘o homem a quem eu dei o livro’
(GIVÓN, op. cit., p. 657-8)
40
Em português o PR GEN “cujo” concorda em gênero e número não com o antecedente, como os demais PRs,
mas com o SN que o segue dentro da relativa.
56
3.2.4 Estratégia da lacuna
O correferente do SN relativizado pode ser apagado da oração relativa sem deixar
vestígio, ainda assim o caso do argumento ausente pode ser recuperado sem qualquer
mecanismo morfológico. É o que acontece na estratégia da lacuna, estratégia em que se supõe
que o ouvinte recupere o caso do argumento ausente por algum tipo de inferência, com base
nos seguintes conhecimentos: (i) estrutura de caso do verbo subordinado; (ii) a identidade
lexical do antecedente e (ii) o caso dos demais argumentos da oração relativa. Por essa razão,
tal estratégia é mais comum em línguas cuja ordem de constituintes é rígida, uma vez que
nessas línguas a inferência se processa mais facilmente, bastando ao ouvinte seguir a trilha
sintática e preencher mentalmente a posição em que se dá a lacuna.
Os exemplos dessa estratégia são tirados do japonês, uma língua rigidamente SOV:
(22) a. Sujeito:
onna-ni tegami-o kaita otoko-wa...
mulher-DAT carta-AC mandou homem-TÓP
‘o homem que mandou a carta para a mulher’
b. Acusativo:
otoko-ga onna-ni kaita tegami-wa...
homem-SUJ mulher-DAT mandou carta-TÓP
‘a carta que o homem mandou para a mulher’
c. Dativo:
otoko-ga tegami-o kaita onna-wa...
homem-SUJ carta-AC mandou mulher-TÓP
‘a mulher que o homem mandou uma carta’
(GIVÓN, op. cit., p. 659)
41
Nesse sentido é bem adequada a classificação sugerida por De Vries (2001). Para esse autor, o PR é um
constituinte pivot, já que é partilhado semanticamente pela oração principal e pela relativa.
57
3.2.5 Estratégia da ordem de palavras
Conforme se viu na estratégia da lacuna, acima, seu uso depende em grande proporção
de uma sintaxe rígida. É assim por razões cognitivas: infere-se qual argumento está ausente,
pela observação dos argumentos presentes em suas posições previsíveis, de modo que a
presença dos constituintes em suas posições fixas constitui informação redundante sobre o
argumento ausente.
Em línguas em que Sujeito e OD não o morfologicamente marcados, a ordem de
palavras desempenha papel fundamental na recuperação de caso em relativização. Em inglês,
por exemplo, na relativização dessas duas posições, é usual dispensar-se qualquer marcador
de relativização:
(23) a. Sujeito:
The guy married my sister is a crook
O cara casou minha irmã é um picareta
‘O cara que se casou com minha irmã é um picareta’
b. Objeto Direto
The book John read is terrific
O livro John leu é maravilhoso
‘O livro que John leu é maravilhoso’
(GIVÓN, op. cit., p. 663)
Givón pondera que, presumivelmente, a entonação tem papel mais importante em (23
a) que em (23 b), pois na construção (a) temos a seqüência SN-V-SN comum em orações
principais; em (b), a ordem SN-SN-V, por não ser usual, é importante pista perceptual para se
identificar uma oração relativa de OD (combinada com a entonação). Em inglês, então, a
ordem de palavras serve para distinguir uma construção relativa de outro tipo de construção; e
distinguir a relativa de uma principal. Mas a eficácia dessa estratégia depende crucialmente da
rigidez da ordem SVO de constituintes.
58
3.2.6 Estratégia de nominalização
Em muitas nguas, só orações principais têm sintaxe finita; as subordinadas, inclusive
as relativas, são todas nominalizadas. Tais línguas costumam distinguir morfologicamente
nominalizações de Sujeito e Objeto. Tal distinção pode servir como estratégia de recuperação
de caso em relativização. Givón ilustra essa estratégia com o turco, uma língua V-final, com
orações relativas pré-nominais. Dois sufixos de nominalização alternativos (Suj-NOM e Obj-
NOM) podem marcar o verbo. Na relativização de Objeto, o Sujeito é marcado com o sufixo
de caso genitivo, como nas orações nominalizadas de um modo geral e o verbo deve carregar,
além do sufixo nominal, um pronome possessivo concordando com o Sujeito. Em outras
palavras: o verbo é tratado como se fosse possuído pelo Sujeito:
(24) a. Oração principal:
adam ev-i gör-dü
homem casa-AC ver-PRET
‘o homem viu a casa’
b. Relativa de Sujeito:
ev-i gör-en adam
casa-AC ver-S/NOM homem
‘o homem que viu a casa’
c. Relativa de Objeto:
adam-nin gör-düg-u ev
homem-GEN ver-Obj/NOM-3SPOSS casa
‘a casa que o homem viu’
(lit.: ‘ a casa do homem dele ver’)
(GIVÓN, op. cit., p. 664)
59
3.2.7 Estratégia de equivalência de caso
O uso dessa estratégia como mecanismo exclusivo de recuperação de caso reduziria
drasticamente a força expressiva da relativização. Ela é possível quando o caso do
argumento correferente na oração relativa é idêntico ao caso do SN relativizado. Entretanto
essa estratégia é usada em algumas línguas como estratégia alternativa, como se pode ver no
caso do hebraico:
(25) l-a-ish she- Yoav natan (l-o) et-ha-sefer eyn kesef
para-o-homem REL-Yoav deu/ele (para-ele) AC-o-livro NEG/ser dinheiro
‘o homem que Yoav deu o livro para ele não tem dinheiro’
(lit.: para o homem que yoav deu para ele o livro não tem dinheiro)
3.2.8 Estratégia de parênteses
Para se formarem orações relativas por essa estratégia, o nome correferente é sempre
expresso duas vezes: uma vez no começo da oração relativa, com marcação do caso que
desempenha na oração relativa; e a segunda vez depois do verbo da oração relativa, com a
marca de caso da oração principal. Os exemplos abaixo são da língua hewa (falada por
algumas tribos da Nova Guiné):
(26) a. Sujeito:
an-a möfi-lë wipe m-ié-m-e möfi-le m-ei-y-e
1S-Suj homem-1S/Suj porco Indic-atirar-Remoto-Real homem-Obj Indic-ver-
Recente-Real
‘Eu vi o homem que atirou no porco’
(lit.: ‘eu, o homem atirou no porco, (eu) vi o homem’)
60
b. Objeto:
yau-lopa amau ma-lë nap-ëe mo-nó-m-e amau m-a-y-e
cão-3pl/Suj comida mãe-3s/suj nós-Dat Real-dar-Remoto-Real comida Indic-
comer-Rec-Real
‘os cães acabaram de comer a comida que mamãe nos deu’
(lit.: ‘os cães, a comida que mamãe nos deu, (eles) acabaram de comer a comida’)
(GIVÓN, op. cit., p. 668)
Givón ainda se estende em casos de línguas que combinam estratégias ou que, diante
de restrições, realizam operações promovendo o argumento em questão de um caso a outro
para possibilitar a relativização. Por exemplo, dada uma língua que relativiza Sujeito, o
argumento a ser relativizado deve ser promovido a Sujeito por uma operação de passivização;
se uma língua relativiza até a posição OD, procede-se à promoção a OD do argumento em
posição mais baixa a ser relativizado e posteriormente à relativização.
42
3.3 O enfoque funcionalista de Dik
Levando em conta que toda gramática deve propor descrições válidas para todas as
línguas naturais ou para a maioria delas –, Dik (1997, pp. 23-92) situa as orações relativas
entre os restritores
43
, especificamente o subtipo restritores verbais. Para ele, a noção de
restritor verbal permite levantar princípios gerais sobre um vasto número de construções
sintáticas que servem ao propósito de “identificar participantes num dado Estado de Coisas”.
Os restritores podem ser divididos inicialmente em três categorias:
(i) os “primeiros restritores” são os Nomes, que representam feixes de
propriedades a partir dos quais uma categorização projeta-se sobre um grupo
de referentes potenciais;
42
Consideram-se aqui as posições sintáticas elencadas na Hierarquia de Keenan & Comrie, da mais alta à mais
baixa na escala da relativização: SU > OD > OI > OBL > GEN > OCOMP
43
Givón (1990, p. 645-650) inclui essas relativas entre os modificadores restritivos”, categorização semelhante
à proposta por Dik.
61
(ii) os Adjetivos são os “segundos restritores”: acrescentam mais detalhes sobre o
que fora definido por meio do Nome, e desse diferem pelo fato de que
podem ser usados na função predicativa;
(iii) o terceiro tipo são os predicados-termos, os quais, restringindo a referência
potencial do termo, trazem à cena alguma entidade; variam de acordo com o
tipo de relação que estabelecem com o núcleo nominal.
A título de ilustração, consideremos a seguinte expressão:
(27) o carro novo de Pedro
em que “carro” é o primeiro restritor; “novo”, o segundo; e o genitivo “de Pedro” é o terceiro
restritor. É ao especificar uma determinada entidade para ocupar um papel como termo ou
como satélite na predicação que o Substantivo cumpre sua função de restritor. Já o Adjetivo
justifica-se como restritor na medida em que ajuda a identificar o referente apresentado,
acrescentando alguma propriedade, no caso: ser “novo”. O sintagma preposicionado,
finalmente, restringe ainda mais a classe de potenciais referentes estendendo a predicação
através do papel possuidor. Assim, a estruturação do termo acima pode ser vista como uma
seqüência de instruções para o ouvinte buscar a identidade do referente na interseção entre
“carro”, “novoe “de Pedro”. Nesse sentido também contribui o fato de o termo ser definido,
o que instrui o ouvinte a ativar seu arquivo de entidades conhecidas.
Além desses três tipos de restritores não-verbais, Dik apresenta restritores de termos
que se estruturam em torno de predicados verbais, a que ele chama de restritores verbais. É
esse o caso das orações relativas, recurso último de restrição da referência potencial do termo
que elas integram. Lembremos que o conceito de termo, nesse modelo teórico, deve ser
entendido, semanticamente, como qualquer expressão usada para se referir a alguma entidade
ou entidades em algum mundo. Sintaticamente, o termo é expressão que entra no slot de um
dos argumentos ou satélites do predicado (para mais detalhes, cf. DIK, 1989, p. 111-135).
Dik usa o seguinte exemplo (28a) para dar a descrição da estrutura subjacente (28b)
dos restritores e a paráfrase (28c):
62
(28) a. the girl’s black dress which John ruined
44
b. (d1 x
i
: dress [N]: black [A]: {(the girl)
poss
}:
[Past e: ruin [V] (John)
AgSubj
(x
i
)
GoObj
])
c. ‘entidade x
i
definida singular tal que x
i
tem a propriedade “vestido” (dress),
tal que x
i
tem a propriedade “preto” (black), tal que x
i
tem a propriedade “da
garota” (the girl’s), tal que x
i
tem a propriedade “que João estragou x
i
(which John ruined x
i
).
(DIK, 1997, p. 23)
Como glosa da descrição acima, vale acrescentar que temos em (28) quatro restritores:
o primeiro restritor é “vestido”, que delimita o feixe de referentes potenciais do termo; ao
nome acrescenta-se o segundo restritor “preto”; a esse soma-se, ainda, da menina”, como
mais um recurso para facilitar a identificação do referente apresentado pelo primeiro restritor;
por fim, restringe-se a referência do termo por meio da oração relativa “que João estragou”.
Os restritores verbais, como se pode ver em (28), têm em comum com o segundo e
terceiro restritores não-verbais a característica de ajudar na identificação do referente de um
SN. A diferença está em que, estruturando-se a partir de um predicado verbal, esse tipo de
restritor especifica um Estado de Coisas (EsCo) do qual o referente participa.
Como esclarecimento terminológico, entenda-se que o EsCo é designado pela
predicação nuclear como uma entidade conceptual que pode ser localizada no tempo-espaço
de algum mundo (real ou criado mentalmente). Dik (1989, p. 46-7) esclarece o conceito a
partir da seguinte relação:
(29) a. dada a seguinte predicação:
dar(João)(o livro)(à bibliotecária)
b. pode-se localizar o EsCo no tempo-espaço, da seguinte maneira:
Pret[[dar(João)(o livro)(à bibliotecária)](na biblioteca)]
Um elemento como um morfema de pretérito representa um meio gramatical para localizar o
EsCo no intervalo temporal anterior ao momento da fala. Um constituinte como “na
biblioteca” representa um recurso lexical para localizar o EsCo designado pela predicação no
espaço.
44
Tradução literal: “o vestido preto da garota que João estragou”.
63
Considerando que a oração relativa restringe o potencial feixe de referência de um
certo SN, especificando um EsCo do qual o referente desse SN é participante, a interpretação
de Dik reduz consideravelmente o número de construções que outros autores rotulam como
relativas. Com efeito, e conforme se viu acima, o EsCo é uma entidade de segunda ordem,
especificada pela predicação. Essa, por sua vez, “pode ser construída numa estrutura de ordem
superior : a proposição, que designa um ‘conteúdo proposicional’ ou um ‘fato possível’”
(Dik, 1989, p. 48). Os fatos possíveis designados pela proposição podem ser encaixados em
verbos como “pensar”, “saber”, “achar”, “acreditar”, “dizer”, “duvidar”, “lembrar” etc.
Assim é que nos termos de Dik não seria possível classificar como uma oração relativa
restritiva uma construção como esta:
(30) a menina que eu acho que gosta de você
E a razão para isso é que achar toma proposições, e não predicações, como segundo
argumento.
No modelo teórico de descrição das expressões lingüísticas em camadas, proposto por
Dik (1989 e 1997), predicação, que especifica o estado de coisas, e proposição, que designa
fato possível, são unidades estruturais diferentes, como se pode ver pela tabela abaixo,
adaptada de Dik (1989, p. 50):
(31)
Unidade estrutural Tipo de entidade Ordem
Oração Ato de fala 4
Proposição Fato possível 3
Predicação Estado de coisas 2
Termo Entidade 1
Predicado Propriedade/relação
Quadro 1: A estrutura da oração em camadas, conforme Dik (1989)
3.3.1 O problema da identificação do participante
A “identificação de participante” é, segundo Dik, um problema pragmático universal
que pode ser resolvido pelos restritores verbais e descrito da seguinte forma:
64
O falante deseja apresentar alguma entidade x
i
ao destinatário, onde x
i
pode ser
identificada como sendo participante em algum EsCo. (DIK, op. cit., p. 24)
Essa correlação entre os restritores verbais (RVs) e o problema universal da
Identificação de Participante é importante por três razões:
(i) pode-se entender melhor as propriedades dos RVs em termos das estratégias
universais de interação verbal;
(ii) pode-se entender melhor as propriedades dos diferentes tipos de RVs e
(iii) os outros meios disponíveis para resolver o problema de Identificação de Participante
podem lançar luz sobre as fontes de que se teriam originado os RVs.
A partir da definição de RV, Dik propõe uma definição mais precisa deoração
relativa”. Retoma, por exemplo, a definição semântica proposta por Comrie (1981, apud DIK,
1997, p. 25):
Uma oração relativa é uma proposição
45
encaixada dentro de uma construção
com um núcleo nominal, que restringe o conjunto de referentes potenciais
daquele núcleo nominal a um subconjunto do qual a proposição é (também)
verdadeira,
46
e faz uma ressalva quanto à abrangência desse conceito. De fato uma oração relativa restringe
o conjunto dos referentes potenciais do termo, todavia uma definição como a que fica citada
acima não exclui construções como as que seguem:
(32) a. o vestido estragado por John
b. só crianças inteligentes podem ir àquela escola
c. a escola no centro da cidade não é muito boa
47
45
Dik observa que, na terminologia da Gramática Funcional, “predicação” é mais adequado que “proposição”. Já
tratamos brevemente da diferença entre proposição e predicação acima, mas para aprofundar tal discussão
sugerimos leitura dos capítulos 4, 5 e 12 de Dik, 1989.
46
“A relative clause is a proposition embedded within a construction with a nominal head, which restricts the
set of potential referents of that nominal head to a subset of which the proposition is (also) true.”
47
Os trechos em destaque equivaleriam a expressões alternativas de orações relativas, de acordo com a definição
de Comrie.
65
Esses exemplos evidenciam que aquilo a que Comrie chama de “oração relativa”
equivale ao que Dik define como restritor de termo. Pode-se arriscar que essa concepção do
lingüista norte-americano se deva a algum tipo de influência das versões da Gramática
Gerativa, já que era usual ver nesse tipo de construções uma redução de oração relativa, o que
consiste em apagar o pronome relativo e a cópula. Acrescente-se que numa língua como o
inglês, em que a posição preferida pelo Adjetivo é à esquerda do Substantivo ao passo que a
oração relativa é pós-nominal, precisa-se postular ainda a inversão da posição do Adjetivo
relativamente ao Nome modificado (i. é: “children who are intelligent” > “children
intelligent” > “intelligent children”).
Tais regras transformacionais, de apagamento e de movimento, não são aceitas no
quadro teórico da Gramática Funcional. Daí a proposta de classificação das relativas entre os
RVs, o que nos leva a partir de Dik (op. cit.) a fazer a seguinte distinção: um restritor
verbal é aquele que contém um predicado verbal, podendo esse predicado ser verbal desde a
estrutura subjacente ou ser formado pela aplicação de “Copula Support”. uma oração
relativa é um RV cujo predicado é um verbo finito, entendendo-se como finito o verbo que
manifesta Tempo.
Por essa distinção, dentre os RVs abaixo, só (33 c) é uma oração relativa restritiva:
(33) a. crianças desaparecidas antes de completar 12 anos
b. crianças desaparecendo antes de completar 12 anos
c. crianças que desapareceram antes de completar 12 anos
Dik define os restritores verbais como predicação estendida. Como tal, os RVs não
admitem elementos modalizadores de atitude subjetiva como “provavelmente”, “talvez”,
“acredito” etc, pois essa predicação especifica o EsCo em que uma entidade deve estar
envolvida para precisar um referente potencial do termo em questão.
Na verdade, os RVs são predicações abertas, que são usadas como propriedades de
especificação de variáveis de termos.
48
Assim, se considerarmos uma predicação fechada
48
A expressão “predicação aberta” pode ser usada para qualquer estrutura de predicado que tenha pelo menos
uma posição de termo não preenchida com uma estrutura de termo. Assim, quando um predicado tem todas as
suas posições de termos preenchidas, falamos em “predicação fechada”. Todas as estruturas de predicado são
predicações abertas por definição, mas também predicações parcialmente abertas, ou seja, todas as posições
argumentais estão preenchidas por termos, exceto uma pelo menos. Nesse caso, chamamos de predicação aberta
em x
i
, em que x
i
se refere à posição aberta.
66
como em (34), poderemos ter as seguintes variantes abertas dessa predicação (34a, 34b, 34c e
34d) funcionando como restritores nas respectivas estruturas de termos:
(34) O garoto deu o livro à garota na biblioteca.
a. o garoto que deu o livro à garota na biblioteca
b. o livro que o garoto deu à garota na biblioteca
c. a garota a quem o garoto deu o livro na biblioteca
d. a biblioteca onde o garoto deu o livro à garota
Uma das variáveis de termo no RV mantém relação anafórica com a variável do termo
em que ele (o restritor) ocorre, conforme se pode ver abaixo, pela glosa de (35):
(35) a mulher a quem dei flores
‘a mulher tal que dei flores para ela
3.3.2 A posição do RV relativamente ao núcleo nominal
De acordo com a posição em relação ao cleo, o RV pode ser Pré-nominal
(ocorrendo antes do cleo, posição a que Dik chama de prefield) ou Pós-nominal (ocorrendo
no posfield, i. é: depois do núcleo).
49
Apesar dessas possibilidades, conforme Dik, as nguas
que têm RVs preferem colocá-los no posfield. Essa preferência pode ser explicada por dois
princípios funcionais:
(i) o prefield é universalmente menos acessível a material complexo do que o
posfield;
(ii) constituintes complexos como os RVs tendem à última posição na sentença.
Além dessa preferência universal, parece haver pressões sobre os RVs em prefield
para que mudem para posfield. E mesmo nas ocorrências pós-nominais, parece haver pressões
para avançarem para a posição mais próxima possível do final da sentença.
49
Dik considera, ainda, a existência de um tipo em que o núcleo “parece ocorrer” dentro do RV; é o que ele
chama de “RV circumnominal” (DIK, op. cit., p. 45).
67
O quadro proposto por Dik é especialmente interessante na medida em que classificar
os RVs com base na posição de ocorrência obriga a levantar uma série de características
freqüentes em cada tipo:
Quando falamos de RV-N e N-RV como fizemos até aqui, a impressão que se
cria facilmente é a de que RVs pré-nominais e pós-nominais são pássaros de
uma plumagem, e que a única diferença crucial entre eles reside na ordem
do RV e do N. Tal impressão, todavia, é bem enganadora. RVs pré-nominais e
pós-nominais tipicamente apresentam propriedades bastante diferentes. (DIK,
op. cit., p. 46)
50
A partir da posição do RV, constatam-se as seguintes características distintivas:
(36)
Restritores Pré-nominais Restritores Pós-nominais
Apresentam verbo não-finito
Verbo
Apresentam verbo finito
Marcador final, se ocorrer
Marcador de relativização
Marcador inicial, se ocorrer
Não há
Pronome Relativo
Pode haver
Ocorre raramente
Expressão pronominal
Ocorre freqüentemente
Quadro 2: as propriedades dos RVs conforme a posição
Conforme os critérios de Dik, então, as orações relativas são exclusivamente os RVs
pós-nominais, o que contrasta com a interpretação, por exemplo, de Keenan & Comrie (1977)
e vai ao encontro da visão mais tradicional sobre esse tipo de construção. Mais
especificamente, o quadro acima distingue as orações relativas dos demais RVs na medida em
que aquelas apresentam verbo finito (com marcação de tempo) e podem apresentar algum tipo
de marcador de relativização (sempre inicial) ou pronome relativo.
A propósito de recursos formais de identificação das construções relativas, Dik (1997,
p. 48) fala em três tipos de marcadores de relativização:
(i) marcador invariável de relativização (MR), comparável aos morfemas subordinantes
como that inglês, ou como que português; esse tipo de marcador dá informação
50
“When we speak of VR-N and N-VR as we have done so far, the impression is easily established that
prenominal and postnominal VRs are birds of one feather, and that the only crucial difference lies in the order of
VR and N. This impression, however, is quite misleading. Prenominal and postnominal VRS typically have quite
different properties.”
68
explícita do estatuto da oração relativa (subordinada), mas não informação sobre a
natureza da variável relativizada;
(ii) pronome pessoal, no contexto da oração relativa, informa a natureza da variável
relativizada, mas não presta informação quanto à natureza da oração relativa;
(iii) pronome relativo (PR), como who, whom, whose do inglês e como o qual, quem, cujo
do português; esse mecanismo contém informação tanto do estatuto da oração relativa
quanto da natureza da variável relativizada.
É a partir desses elementos que se desenham as possíveis estratégias de relativização,
pelo modelo teórico da GF, como se pode ver no esquema abaixo:
(37)
Posição P1
51
Posição-Padrão
52
a. Ø Ø
b. MR Ø
c. Ø pronome pessoal
d. MR pronome pessoal
e. MR + pronome pessoal Ø
f. PR ___________ Ø
Para ilustrar esses diferentes padrões disponíveis, consideremos as seguintes
construções:
51
P1 é uma posição sintática postulada pelo modelo de descrição lingüística da Gramática Funcional, posição
reservada a funções pragmáticas como Tópico ou Foco, ou ainda a constituintes especiais como Pronome
Relativo, Marcador de Relativização, Pronome interrogativo etc (Cf. DIK, 1989 e DIK, 1997).
52
Trata-se da posição de termo na construção relativa em relação anafórica com o antecedente.
69
(38)
a. the book Ø John read Ø
o livro John leu
b. the book that John read Ø
o livro que John leu
c. the book Ø John read it
o livro John leu ele
d. the book that John read it
o livro que John leu ele
e. the book that it John read Ø
o livro que ele John leu
f. the book which John read Ø
53
o livro o qual John leu
É bom salientar que as línguas naturais não dispõem de todas essas possibilidades. Em
inglês, por exemplo, língua em que os exemplos foram formulados, são gramaticais as
construções (a), (b), (d) e (f); em PB são gramaticais como orações relativas (b), (d) e (f).
Quanto ao uso do pronome relativo, note-se que, universalmente, ele repele a expressão
pronominal da variável relativizada, pois, além, de ser manifestação do operador de
relativização, é a expressão da variável relativizada. Isso equivale a dizer que nem o operador
de relativização, nem a variável relativizada são expressos duas vezes.
3.4 Discussão das teorias sobre relativas
Os autores considerados acima concordam entre si quanto à função da relativa
restritiva no plano da interação verbal, que é a de facilitar o acesso a um determinado
referente tido como desconhecido do interlocutor ou de difícil acesso. Concordam também
quanto ao fato de que o antecedente compartilha o índice referencial com um dos elementos
da estrutura argumental do predicado da construção relativa.
53
Reproduzimos os exemplos de Dik (1997, p. 49). Pensando em construções similares em PB, sugeriríamos
“que” como equivalente de “that”.
70
A despeito do consenso quanto à importância pragmática e à característica semântica
desse tipo de construção, divergências entre esses mesmos autores e às vezes incoerências
dentro das respectivas explicações teóricas. Apontamos algumas.
Como se pôde ver, conforme a concepção de Keenan & Comrie e Givón, uma
determinada construção sintática poderá ser tipologicamente classificada como oração relativa
restritiva se tiver um antecedente nominal (ou pronominal) à sua esquerda, ou à sua direita,
ou ainda internamente, correferente com um argumento ou satélite do predicado verbal, razão
por que os autores classificam a oração relativa como subordinada ou encaixada. Dik, todavia,
entende que as relativas restritivas são restritores verbais que seguem o SN cujo referente será
especificado, ou seja, conforme o lingüista holandês só as construções pós-nominais são
orações relativas. Portanto línguas cujos restritores verbais se alojam à esquerda do SN não
têm construções relativas restritivas.
Além disso, K. & C. e Givón não distinguem as construções conforme o predicado
verbal ser finito ou não-finito. Para Dik só são relativas restritivas as construções cujo
predicado verbal se realiza em sua forma finita (com operador de tempo).
No caso específico de Givón, mesmo tendo definido as orações relativas como
“orações subordinadas encaixadas como modificadores do nome no sintagma nominal”
(cf. GIVÓN, 1990, p. 645), esse estudioso inclui em seu levantamento sintático-tipológico de
relativização a estratégia do não-encaixamento (the non-embedding strategy), que produz uma
relativa com características de uma oração paratática, conforme visto acima, em 4.2.1.
Dik, ao conceber a descrição em camadas dos enunciados, distingue predicação de
proposição e de oração: a primeira designa estado de coisas; a segunda, fato possível; a
última, ato de fala. A construção relativa é, para ele, uma predicação encaixada que designa
um estado de coisas do qual o referente do SN antecedente é participante. Ora, essa definição
de relativas deixa de fora todas aquelas construções encaixadas em verbos que tomam
proposições (fatos possíveis) ou orações (atos de fala) como argumentos e não predicações.
A título de ilustração, considerem-se os exemplos em (39):
(39) a. uma pessoa que você conhece
b. uma pessoa que eu acredito que você conhece
c. uma pessoa que eu disse que você conhece
Dessas três formulações, em (a) teríamos construção relativa encaixada, uma vez que o
antecedente é termo da predicação subseqüente (você conhece essa pessoa). Em (b), o
71
antecedente é termo da predicação que se encaixa numa estrutura de nível mais alto: a
proposição (eu acredito que você conhece essa pessoa). Em (c), o antecedente é termo da
predicação que se encaixa numa oração, ou num ato de fala (eu disse que você conhece essa
pessoa).
A interpretação das orações relativas restritivas postulada neste trabalho, tal qual
ocorrem no português do Brasil, estará respaldada mais consistentemente na explicação
teórica funcionalista de Dik, sem, contudo, refutar a definição semântica de K & C (1977).
4 ALGUMAS ANÁLISES DE RELATIVAS DO PORTUGUÊS DO BRASIL
Neste capítulo, discutem-se alguns trabalhos sobre o tema desta tese. Inicialmente,
analisa-se a tese de Tarallo (TARALLO,1983), a partir da qual uma série de outros trabalhos
foram produzidos, ora refinando alguns aspectos então levantados por esse autor, ora
confirmando empiricamente outros aspectos que ele apontara. Em seguida, resenha-se a
inovadora interpretação de Kato (1996) e Kato et alii (1996), que propõem alguns reparos ao
estudo de Tarallo, adotando para isso a perspectiva de Princípios e Parâmetros e a teoria de
Roberts (1993) e de Clark e Roberts (1992) sobre aquisição e mudança sintática (KATO,
1996, p. 254). Por fim, apresentam-se os trabalhos de Corrêa (1998), uma tese sobre aquisição
de estruturas relativas por escolares, e de Assis (1988), um estudo de variação lingüística
desenvolvido com alunos das “camadas populares” de Belo Horizonte e com falantes sem
escolaridade da zona rural de Januária.
4.1 O trabalho de Tarallo
Em seu consagrado estudo de relativização no PB, Tarallo (1983) elenca três tipos de
orações relativas presentes na fala de indivíduos da cidade de São Paulo: variante da lacuna
(gap-leaving variant), variante copiadora (resumptive pronoun variant) e variante cortadora
do sintagma preposicionado (p(repositional) p(hrase)-chopping variant).
54
4.1.1 A estratégia da lacuna
Essa primeira estratégia, sendo restrita à relativização de Sujeito e de Objeto Direto,
identifica-se superficialmente com a variante encontrável na variedade padrão escrita. O
exemplo desse tipo de estratégia, oferecido pelo autor, é o seguinte:
54
Em seu corpus, de língua falada, Tarallo não registrou a ocorrência da estratégia padrão abaixo da posição
OD, estratégia em que, conforme o modelo teórico que adota, haveria movimento de constituintes
preposicionados.
73
(1) Tem as
i
que (e
i
) não estão nem aí, não é?
Conforme essa descrição, uma lacuna dentro da oração relativa, na posição padrão
relativizada. Tarallo considera duas possibilidades de interpretação da lacuna: seria
conseqüência de movimento do sintagma-qu ou de apagamento do pronome cópia na posição
da lacuna. A decisão por uma ou outra possibilidade estaria vinculada à gramática em que se
realize a construção relativa. Trata-se de variante não-padrão, se se aplica regra de
apagamento da variável relativizada na posição original. Essa lacuna fica co-indexada
diretamente com o SN núcleo e o morfema relativizador, por sua vez, tem o estatuto de mero
preenchedor de COMP (posição sintática inicial semelhante à que Dik chama de P1). Se o que
temos é uma variante padrão, postula-se movimento do sintagma-qu da posição canônica
relativizada para a posição de COMP, deixando um vestígio na posição original. Nessa
variante, teríamos o compartilhamento do índice referencial entre o antecedente, o Pronome
Relativo e o vestígio deixado na relativa. De qualquer modo, como se pode notar, haveria uma
lacuna, como decorrência de apagamento de constituinte (variante não-padrão) ou de
movimento de constituinte (variante padrão).
A interpretação segundo a qual a lacuna na posição SU ou OD, na relativa, decorre de
movimento ou apagamento respalda-se na explicação teórica proposta em Chomsky (1977) e,
sobretudo, no estudo transistêmico de Keenan & Comrie (1977) onde propõem a Hierarquia
de Acessibliddade de um dado SN ao processo de relativização SU > OD > OI > OBL >
GEN > OCOMP. Segundo K. & C., uma dada estratégia pode ser interrompida em qualquer
ponto da Hierarquia, ou seja, essa estratégia pode-se aplicar às duas primeiras posições, por
exemplo, e não às demais, mas nenhuma estratégia pode começar a ser aplicada num certo
ponto da Hierarquia se ela é vetada nas posições mais altas: não há estratégia que relativize só
de OI para baixo, por exemplo. Assim, em nome da coerência tipológica, não se poderia
postular regra de apagamento só para as posições abaixo da de OD.
Ademais, Tarallo relaciona essa estratégia à aplicação da regra de pro-drop. Sendo
esse um processo produtivo da língua, que afeta também outros tipos de construções, o seu
avanço seria análogo ao desenvolvimento de tal estratégia.
74
4.1.2 A estratégia do pronome cópia (copiadora)
A segunda variante, a estratégia copiadora, é aquela que apresenta um pronome-cópia
na oração relativa, em correferência com o SN relativizado na oração-matriz.
55
Em contraste
com a estratégia da lacuna, que ocorre só nas duas posições mais altas da Hierarquia, essa
estratégia, conforme o autor, ocorre ao longo de toda a escala sintática, com se pode ver
abaixo:
(2) a. Você acredita que um dia teve uma mulher
i
que ela
i
queria que a gente
entrevistasse ela pelo interfone.
a’. Você acredita que um dia teve uma mulher que (e) queria que a gente a
entrevistasse pelo interfone.
b. Aí esse rapaz aí que eu conheci ele, ele estava lá na festa também.
b’. Aí esse rapaz aí que eu conheci (e), ele estava lá na festa também.
c. O André, que eu gosto dele, é mais bonito.
c’.O André, de quem eu gosto (de e), é mais bonito.
d. E um deles foi esse fulano aí, que eu nunca tive aula com ele.
d’. E um deles foi esse fulano aí, com quem eu nunca tive aula (com e).
e. Tem uns lá que eu não saio da casa deles.
e’. Tem uns lá de cuja casa eu não saio.
(TARALLO, 1983, pp. 2-3)
Note-se que o autor, em sua exemplificação de posições relativizáveis no PB, segue a
Hierarquia de Acessibilidade à relativização de Keenan & Comrie referida acima. Com
efeito, de (a) a (e), tem-se a relativização das seguintes posições: Sujeito, Objeto Direto,
Objeto Indireto, Oblíquo e Genitivo. Todas as ocorrências têm sua respectiva contraparte na
estratégia-padrão, dada em (n’) conforme o próprio Tarallo.
Analisando os fatores de processamento sintático, o autor considera que o pronome-
lembrete é um recurso para aqueles ambientes estruturais mais complexos onde o falante
supostamente poderia perder a trilha sintática da sentença. O uso do pronome-lembrete seria
55
O autor não menciona, nesse trabalho, a possibilidade de preenchimento da lacuna na oração relativa por um
SN, como, por exemplo: Você acredita que um dia teve uma mulher que a folgada queria que a gente
entrevistasse ela pelo interfone. Esse tipo de ocorrência será considerado por Kato (1996).
75
favorecido pelo morfema “que”, o qual representaria um “simples indicador de outra oração
independente a ser processada” (op. cit., p. 101-2). Nesse sentido, essa variante favorece a
reprodução da ordem preferida de constituintes na língua.
4.1.3 A estratégia cortadora de sintagmas preposicionados (cortadora)
A última variante, e mais freqüente, no PB falado é a variante cortadora de sintagmas
preposicionados. Essa consiste em apagar, na oração relativa, o sintagma preposicionado
correferente do núcleo. Ela tem em comum com a primeira variante acima (a variante da
lacuna, aplicada a Sujeito e Objeto Direto) o fato de que também deixa uma lacuna; a
diferença está apenas no fato de que aqui o sintagma apagado é preposicionado. Confiram-se
os exemplos, com as respectivas versões na variante padrão:
(3) a. É uma pessoa que essas besteiras que a gente fica se preocupando (com) (e), ela
não fica esquentando a cabeça.
a’. É uma pessoa que essas besteiras com que a gente fica se preocupando, ela não
fica esquentando a cabeça. (sic)
56
b. O dedo indicador é o dedo que você dá bronca (com) (e).
b’. O dedo indicador é o dedo com que você dá bronca.
c. Uma mulher que nós batemos na porta (de) (e).
c’. Uma mulher em cuja porta nós batemos.
(TARALLO, 1983, p. 3-4)
56
Na verdade, a forma padrão elaborada por Tarallo não está propriamente em conformidade com as prescrições
gramaticais: ele mantém a cópia na posição de Sujeito da primeira relativa (é uma pessoa
i
que (...) ela
i
não fica se
preocupando). Mantendo a ordem dos constituintes como se teria dado na fala, teríamos como variante padrão a
improvável: “é uma pessoa [que [com essas besteiras [com que
a gente fica se preocupando]], não fica
76
4.1.4 A estratégia padrão
Quanto à estratégia prescrita pela gramática normativa, e quase exclusiva da variedade
escrita, haveria a aplicação do processo de movimento do sintagma-qu, conforme visto em
5.1.1 acima, em caso de relativização de Sujeito e Objeto direto. Na relativização das demais
posições, ocorreria o movimento do sintagma maior no qual se encontra o sintagma-qu,
processo chamado na tradição desse paradigma teórico de piedpiping”, uma alusão ao
flautista de Hamlin (os constituintes de sintagmas nominais maiores seguem um sintagma
nominal específico quando ele se desloca, como as crianças de Hamlin seguiram o flautista
(pied piping) para fora da cidade). Fique claro, então, que esse processo é restrito a sintagmas
preposicionados.
57
4.1.5 Estratégias padrão vs estratégias não-padrão
Com instrumental teórico da Gramática Gerativa, Tarallo reduz o quadro todo das
construções relativas do PB à competição entre dois tipos de regras transformacionais:
movimento ou apagamento de constituintes. Ele flagra duas alternativas de análise gramatical
das relativas e faz a seguinte opção: considera que às estratégias não-padrão aplica-se regra de
apagamento; as estratégias padrão dão-se por movimento do sintagma-qu (ou do sintagma-qu
acompanhado de constituintes menores). Na descrição das relativas não-padrão, ele postula
aplicar-se o processo de apagamento: (i) na estratégia da lacuna, haveria apagamento do
sintagma relativizado na posição de Sujeito ou de Objeto Direto; (ii) na estratégia cortadora,
o apagamento envolveria um sintagma preposicionado relativizado; (iii) na estratégia
copiadora, por sua vez, a lacuna deixada pelo apagamento da variável relativizada seria
esquentando a cabeça].” Mais aceitável, parece, seria: “é uma pessoa [que não fica esquentando a cabeça com
essas besteiras [com que a gente fica se preocupando]]”.
57
Em inglês, por exemplo, a alternativa a esse processo é a ocorrência da preposição desgarrada, conforme se
pode ver abaixo:
a. This is the book which I have proofread the preface of. (preposição desgarrada)
b. This is the book the preface of which I have proofread. (piedpiping) (Cf. RIEMSDIJK/ WILLIAMS, 1991,
p. 24)
Em português, a propósito, não ocorrência de preposição desgarrada, exceto algumas com mais valor lexical,
como “contra”, “embaixo”, “em cima”, “a favor” etc.
77
preenchida por um pronome cópia, o qual se faria, evidentemente, acompanhar de preposição
quando necessário marcar caso.
Enxergando forte relação entre relativização e processos de pronominalização, o autor
insere o sistema de relativização num processo amplo de aplicação de regra de apagamento
pro-drop. Assim, a alternância lacuna / pronome nas relativas seria análoga à alternância
lacuna / pronome em orações principais e nas demais orações relativas além das relativas (cf.
Tarallo, op. cit., p. 16). Considerando que o pronome lembrete é um recurso universal para se
superar dificuldades comunicativas, Tarallo demonstra, também, em sua análise diacrônica
das duas estratégias não-padrão, que a copiadora deve ter sempre existido na ngua
portuguesa, e afirma que registros da ocorrência de pronome lembrete desde documentos
medievais, sendo esse fenômeno herdado do Latim, via romance. a estratégia cortadora
seria a variante inovadora do PB, tendo uso produtivo a partir da segunda metade do Séc. XIX
(cf. TARALLO, op. cit., p. 68 e p. 213-247).
Uma diferença fundamental entre os dois padrões de relativas, importante para a
produtividade de cada um, seria a seguinte: as relativas não-padrão, justamente por não serem
decorrentes de movimento, não conhecem as restrições que governam as relativas padrão.
Essas, produzidas a partir do processo de movimento de constituintes, estariam sujeitas a
restrições de ilhas sintáticas – configurações estruturais a partir das quais a extração de
elementos resultaria em sentenças agramaticais. São os seguintes os exemplos de Tarallo (op.
cit., p. 17) para ilustrar o fato de que as relativas não-padrão não estão sujeitas a esse tipo de
restrição:
(4) a. O homem que eu acredito no fato que Maria viu (e), veio me visitar.
b. O homem que eu sei quando Maria viu (e), é meu primo.
Explica o autor que (a) viola a restrição de SN complexo, e (b) viola a restrição de
ilha-qu (wh-island constraint).
A propósito de restrições de ilha, Haegeman (1991, p. 364-5) ensina que pesquisas
iniciadas por J. R. Ross na década de 1960 (ROSS, 1967) demonstram que movimento-qu não
é, de fato, livre de restrições. Seus exemplos da atuação dessas restrições são os seguintes:
(5) a. Poirot told me [CP when
i
[IP he had seen Miss Marple t
i
]].
‘Poirot me disse quando ele tinha visto Miss Marple.’
b. Poirot told me [CP who
i
[IP he had seen t
i
last week]].
78
‘Poirot me disse quem ele tinha visto na semana passada.’
c. [CP Who
i
did [IP Poirot tell you [CP that [IP he had seen t
i
]]]]?
‘Quem Poirot lhe disse que ele tinha visto?’
d. *[CP Who
i
did [IP Poirot tell you [CP when
j
[IP he had seen t
i
t
j
]]]]?
* ‘Quem Poirot lhe disse quando ele tinha visto?’
A autora explica que em (d) who é extraído de uma interrogativa indireta que, por sua
vez, é introduzida por um elemento movido, when. Assim, comparando-se a construção
agramatical com a construção gramatical em (c), pode-se inferir que é a presença do
elemento-qu when que veta o movimento. É esse tipo de contexto sintático que leva Ross a
concluir que a extração de dentro de perguntas-qu deve ser bloqueada. Com efeito, perguntas-
qu são ilhas para o movimento.
Restrição similar a autora ilustra por meio da comparação de exemplos que
reproduzimos abaixo:
(6) a. [CP Who
i
did [IP he see t
i
last week]]?
‘Quem ele viu na semana passada?’
b. [CP Who
i
did [IP Poirot claim [CP that [IP he saw t
i
last week]]]]?
‘Quem Poirot alegou que viu na semana passada?
c. *[CP Who
i
did [IP Poirot make [NP the claim [CP that [IP he saw t
i
last
week]]]]]?
?‘Quem Poirot fez a alegação de que ele viu na semana passada?’
Quanto à agramaticalidade de (c), a autora a atribui ao fato de que o sintagma-qu é
extraído de dentro de um SN complexo, ou seja, um SN cujo núcleo (claim) toma um
complemento sentencial. Conforme a descrição original de Ross, não se autoriza movimento
de constituinte a partir de SN complexo, restrição que entrou para a tradição dos estudos
formalistas como “restrição do SN complexo” (complex NP constraint).
58
Nos exemplos dados por Tarallo e transcritos acima, em (4), teríamos respectivamente
relativização a partir do SN complexo o fato (de) que Maria viu o homem” e a partir da
58
Conforme Haegeman (op. cit., p. 365), Chomsky (1973 e trabalho posterior) avançou proposta de dar
tratamento mais geral para as restrições de ilha de Ross, por meio de modelo teórico que especifica quão distante
um elemento pode ser movido. Assim, propõe a “condição de subjacência”, segundo a qual o movimento não
pode atravessar mais do que um nó (bounding node), entendo-se por nó qualquer Sintagma Flexionado e
qualquer Sintagma Nominal.
79
pergunta indireta “quando Maria viu o homem”. Sendo vetado o movimento a partir de tais
estruturas sintáticas, mas sendo bem formadas as construções relativas exemplificadas,
justifica-se a interpretação do autor de que a relativização do PB dá-se por meio de
apagamento.
Desse modo, conforme a descrição de Tarallo, esquematicamente teríamos, na
verdade, duas estratégias de relativização no PB:
(i) estratégia-padrão aplicação do processo de movimento;
a lacuna fica co-indexada com o sintagma-qu na
posição de COMP;
o sintagma-qu na posição de COMP marca o caso
da variável relativizada.
(ii) estratégia não-padrão aplicação do processo de apagamento;
a lacuna pode ser, ou não, preenchida por um
pronome anafórico, diretamente co-indexado ao
SN da matriz;
o sintagma-qu deixa de marcar caso, passando a
mero preenchedor de COMP.
Colocando as duas estratégias não-padrão numa perspectiva mais abrangente do
próprio sistema lingüístico, Tarallo faz importantes achados e formula hipóteses que lançam
luz sobre o mecanismo de relativização e o processo de mudanças lingüísticas.
Sobre a copiadora, por exemplo, ele enumera vários fatores sintáticos e semânticos de
retenção pronominal, dos quais mencionamos alguns:
(i) a não codificação de caso no marcador relativo, o que torna o pronome-
lembrete um meio de estabelecer correferência entre o SN da oração relativa e
o SN da matriz;
(ii) distância entre o núcleo nominal relativizado e a lacuna;
(iii) o tipo de relativa: a não-restritiva favorece a ocorrência da cópia;
80
(iv) os traços semânticos: humano, singular e definido favorecem a cópia;
(v) o Sujeito favorece a retenção pronominal, mais que Objeto Direto, e
(vi) a posição da relativa em relação à matriz: o preenchimento da lacuna é
favorecido se a relativa segue a matriz.
Cruzando fatores sintáticos e fatores semânticos como determinantes da retenção
pronominal, Tarallo conclui que aqueles são mais decisivos do que estes a favor da relativa
copiadora. Nesse sentido, o argumento apresentado pelo autor é de base funcional:
... os pronomes-lembrete tendem a ocorrer quando o falante supostamente
perde a trilha do processamento sintático, i. é, quando essa adquire uma
configuração tão anti-natural (...) que o falante recorre à retenção pronominal
para restaurar a sintaxe. ... a retenção pronominal transforma aquela estrutura
complicada novamente em uma estrutura sintática normal, e o marcador de
relativização que torna-se mero indicador de que outra oração independente
será processada.
59
(TARALLO, op. cit., p. 101-2)
A respeito da cortadora, o autor constata que ela predomina sobre a variante copiadora
e postula que o fator determinante é extra-lingüístico: a retenção pronominal é estigmatizada
socialmente e, por isso, marginalizada. Diacronicamente, o autor explica o surgimento dessa
estratégia a partir de uma regra de apagamento que surgiu no sistema lingüístico como
resultado de uma mudança no sistema pronominal ocorrida no século XIX. Até esse século, só
SU podia ser apagado de orações principais: a redundância pronominal na posição SU era
altamente condenada pelas prescrições gramaticais; a retenção pronominal na posição OD, em
compensação, era estimulada como recurso de bom estilo. O apagamento pronominal em
sintagmas preposicionados (SPs) não ocorria, ou seja, o referente de um SN, mencionado
no discurso, seria obrigatoriamente retido nas declarações posteriores se nesses contextos
houvesse a realização superficial de SP. A partir do séc. XIX, começava a ocorrer mais
retenção pronominal na posição SU ao passo que decrescia a retenção em OD e SPs (cf.
59
...resumptive pronouns tend to occur when the speaker supposedly loses track of the syntactic processing path,
i. e. when the latter acquires such unnatural, or deviated configuration (...) that the speaker resorts to
pronominal retention in order to restore the syntax. ...the retention of the pronoun turns that convoluted
81
TARALLO, op. cit., p. 42). É esse cenário de mudança do sistema pronominal que leva
Tarallo a vincular o nascimento da estratégia cortadora ao desaparecimento de clíticos do PB.
As tabelas abaixo, adaptadas de Tarallo (op. cit., p. 206-7) mostram a freqüência de
uso das três estratégias de relativização em quatro períodos; a primeira tabela considera todas
as posições sintáticas da Hierarquia mencionada acima, a segunda exclui SU e OD, uma vez
que é pertinente falar em estratégia cortadora na relativização de sintagmas
preposicionados:
TIPO DE
ESTRATÉGIA
1725 1775 1825 1880
PADRÃO 95,7% 96% 96,9% 67,1%
COPIADORA 4,0% 3% 2,6% 5,0%
CORTADORA 0,3% 1% 1,5% 27,9%
Tabela 1: freqüência de uso das três estratégias de relativização em quatro períodos, considerando
todas as posições sintáticas, adaptada de Tarallo (1983, p. 206)
TIPO DE
ESTRATÉGIA
1725 1775 1825 1880
PADRÃO 89,2% 88,1% 91,3% 35,4%
COPIADORA 9,9% 7,9% 1,3% 5,1%
CORTADORA 0,9% 4,0% 7,5% 59,5%
Tabela 2: freqüência de uso das três estratégias de relativização em quatro períodos, considerando
só SPs, adaptada de Tarallo (1983, p. 207)
Como se pode ver, pela primeira tabela, até o terceiro período basicamente duas
estratégias: a estratégia padrão e a copiadora. Essa situação muda a partir do quarto período,
quando há um crescimento consistente na freqüência de uso da estratégia cortadora, lançando-
a como forte concorrente da estratégia padrão. Abstraindo-se as posições SU e OD (segunda
tabela), nota-se tímido crescimento da freqüência da estratégia cortadora ao longo dos três
períodos iniciais, mas o último período é prova evidente do sucesso dessa variante.
Se considerarmos o embate travado inicialmente entre a estratégia padrão e a
copiadora como um embate entre processo de movimento e processo de apagamento, veremos
structure back into a normal phrase structure, and the relative marker que becomes a simple indicator of
82
que, com a entrada em cena da variante cortadora, continuaremos com a mesma competição
entre processo de movimento (estratégia padrão) e processo de apagamento (estratégia
cortadora). Essa interpretação é dada por Tarallo com as seguintes palavras:
... a análise apresentada aqui, sugere que a velha competição entre dois tipos
de relativas –uma claramente envolvendo análise de movimento (a estratégia
padrão piedpiping) e a outra, processo de apagamento (a estratégia do
pronome-cópia) produziu um outro paradigma acrescentando outra
estratégia concorrente, mas o processo alternante continuou o mesmo:
movimento (piedpiping) vs apagamento (cortadora).
60
(TARALLO, 1983, p. 209)
4.2 A interpretação de Kato
Passamos agora a tratar da interpretação original de Kato, apresentada basicamente em
Kato (1996, p. 223-261) e em Kato et alii (1996, p. 303-368). Esses trabalhos, como se verá,
divergem em alguns pontos da interpretação de Tarallo (op. cit.) discutida acima, dos quais se
destacam os seguintes: o processo sintático que a relativização envolve, o lugar de onde se
extrai a relativização e a categoria do morfema relativizador.
De acordo com o quadro teórico formalista que suporte à interpretação dos
referidos trabalhos, as orações relativas fazem parte das construções-q (wh-constructions),
“por conterem palavras do paradigma morfológico dos pronomes-Q” (KATO, et alii, op. cit.,
p. 303). As autoras explicam que tais pronomes, em muitas nguas, movem-se para o início
da sentença, deixando um vazio em seu lugar. Esse vazio é interpretado, sintaticamente, como
um vestígio da palavra-q movida e, semanticamente, como uma variável lógica cujo valor é
interpretado pelo elemento movido, a que chamam de operador lógico. Reproduz-se, abaixo,
o exemplo das autoras, com a respectiva representação:
(7) A cerveja de que
i
[o Pedro gostava v
i
]
operador variável
another independent clause about to be processed.
60
... the analysis presented here suggests that the old competition between two types of relatives one clearly
involving a movement analysis (the standard piedpiping strategy) and the other, a deletion process (the
resumptive pronoun strategy) only produced another paradigm by adding another competing strategy, but the
processes in alternation remained the same: movement (piedpiping) vs. Deletion (PP-chopping).
83
Constituindo a categoria sintagmática CP (Complementizer Phrase: Sintagma
Complementizador), a oração relativa é um adjunto do nome, em relação ao qual ela tem a
função de modificador. A sentença dentro de CP e introduzida pelo operador-q é representada
por IP (Inflectional Phrase: Sintagma Flexional), que equivale superficialmente a Sentença.
Assim, representa-se a estrutura sintática de (7) da seguinte forma:
(8) A cerveja [
CP
de que
i
[
IP
Pedro gostava v
i
]]
Note-se que o pronome relativo em CP, ligado à variável v em IP, exibindo o caso
atribuído a essa, constitui, segundo o modelo teórico adotado nessa descrição, prova
contundente de movimento do elemento relativizado de dentro da sentença encaixada relativa
para o início da subordinada.
Como bem salientam Kato et alii (op. cit. , p. 306), a estrutura descrita acima não é a
única disponível nas línguas. “O inglês, por exemplo, permite que o pronome relativo nem
apareça.” Outras línguas valem-se de um relativizador invariável e podem ter a posição
relativizada ocupada por um pronome pessoal (estratégia tratada por Tarallo, acima, como
copiadora) ou por um vazio (tratada por Tarallo como cortadora). O português brasileiro
falado apresentaria essas duas últimas formas:
(9) a. O livro que as folhas dele estão rasgadas (copiadora)
b. O livro que as folhas estão rasgadas (cortadora)
(KATO et alii, op. cit., p. 306)
É para essas duas estratégias de relativização que Kato (1996) formula sua hipótese de
descrição sintática, cujos principais pontos discutimos abaixo.
Propondo uma revisão do estatuto do “que” em COMP
61
, Kato (op. cit.) interpreta a
diferença entre a estratégia de relativização padrão e a não-padrão como decorrente da
posição a partir da qual se a relativização. Nas relativas padrão, a relativização se a
partir da posição canônica, ou seja, o morfema subordinante que ela chama de operador
relativo-Q está co-indexado com a variável relativizada na posição canônica de Sujeito, OD,
OI, algum Oblíquo ou Genitivo. nas estratégias não-padrão (tanto a copiadora quanto a
cortadora), esse mesmo operador relativo-Q é sempre sintaticamente ligado a uma posição
61
Conforme postulado da teoria formalista, Comp é uma posição sintática em adjunção à sentença, ou IP. Não se
pode deixar de ver semelhança com a posição P1, sugerida por Dik (1989 e 1997).
84
vazia v –variável – na sentença. Essa posição não-canônica de onde se extrai a relativização é
a mesma que a tradição dos estudos formalistas consagrou como Left Dislocated (LD),
posição fora de IP, mas em correferência com uma posição sintática dentro de IP.
Se a posição em correferência com LD, dentro de IP, pode ser preenchida por um
pronome-lembrete, ou mesmo por um item lexical, como bem prova a autora, LD deve ser,
então, gerada na base. Se o pronome relativo, por sua vez, é extraído de LD, sendo portanto
decorrente da regra de movimento-q, então essa posição deve ficar vazia, porque lacuna
decorrente de movimento não pode ser preenchida.
Para comparar as duas possibilidades de relativização – a estratégia padrão e as
estratégias não-padrão – a autora exemplifica:
(10) a. a moça [
CP
com quem
i
[
IP
eu falei [
PP
t
i
] ontem]]
b. a moça [
CP
que
i
[
LD
t
i
] [
IP
eu falei com ela
i
/ ø
i
] ontem]
62
Nesse postulado da relativização a partir de LD é que se tem o ponto cruciante de
contraste com a explicação de Tarallo, especialmente para a estratégia copiadora. Segundo
Tarallo, a falta de efeito de ilha
63
nas relativas com pronome-cópia deve-se ao fato de que essa
estratégia não se vale de movimento. Para Kato, todavia, o que torna tal estrutura imune a essa
restrição sintática é o fato de uma variável em LD poder manter uma relação de correferência
com pronomes distantes, atravessando barreiras, uma vez que correferência, ao contrário de
ligação, não se submete à subjacência (cf. KATO, op. cit., p. 228). Com efeito, a relação do
operador-q com LD é de ligação; a relação de LD com a posição sintática dentro de IP é de
correferência. De qualquer modo, trata-se de compartilhamento do mesmo índice de
referência.
Kato teria encontrado, então, nessa nova posição de relativização, a explicação formal
para as estratégias vernaculares do PB e para as estratégias de rias outras línguas naturais.
Sendo LD uma posição gerada na base, podendo ser co-indexada com qualquer posição no
interior da sentença – mesmo dentro de ilhas – seria a posição que ofereceria o maior leque de
possibilidades de relativização (op. cit., p. 229).
A linha de raciocínio de Kato leva-a a propor também que o morfema invariante “que”
que introduz as relativas não-padrão é pronome relativo em caso acusativo, e não um
62
A possibilidade de anáfora zero, representada por ø, foi uma inclusão nossa.
85
complementizador de estatuto conjuncional: outro ponto em conflito com a interpretação de
Tarallo. A atribuição de caso a esse pronome relativo é um postulado teórico, que ele não
refletiria o caso da posição sintática em IP, mas o caso da variável em LD à qual está ligado,
que é acusativo.
Com base em postulados do quadro teórico adotado, a autora explica que o SN
sozinho em LD não teria caso, mas para realizar-se fonologicamente precisa tê-lo. Para ser
lícita a realização do morfema, portanto, propõe-se para essas situações a atribuição de caso
acusativo por um núcleo nulo, o mesmo caso que é atribuído por uma preposição como
“sobre”, ou por uma locução como “quanto a”, ou ainda por algum verbo como “falando de”.
Desse modo, a variável em LD sempre seria regida por um núcleo (lexical ou nulo)
responsável por atribuir-lhe caso acusativo (cf. KATO, op. cit. p. 234).
Compartilhando esse postulado teórico, Kato et alii (1996, p. 307) reconhecem que o
elemento posto em LD (a que chamam DE) apresenta a mesma forma, independentemente da
posição do elemento correferente dentro da sentença, seja Sujeito, Objeto Direto, Objeto
Indireto, algum Oblíquo ou Genitivo:
Quando um elemento preposicionado na sentença tem um correferente na
posição de DE, este aparece sem preposição, isto é, a forma do Top [tópico] é
a mesma para quando seu co-referente é o sujeito, o objeto ou um elemento
oblíquo. (KATO et alii, op. cit., p. 307)
Para demonstrar a invariância de LD, as autoras dão os seguintes exemplos:
(11) a. aquela pessoa
i
, ela
i
é minha amiga de longe
b. aquela pessoa
i
, todo mundo adora ela
i
c. aquela pessoa
i
, todo mundo gosta dela
i
As autoras argumentam, ainda, que a possibilidade de ocorrer um resumptivo lexical
dentro de IP em construções relativas, assim como ocorre em construções de tópico, é uma
evidência de que está correta a proposta de descrição da relativa não-padrão como
relativização a partir de LD:
(12) a. Aquele político eu sempre esqueço o nome do safado.
63
Nas relativas com pronome-lembrete, não restrição de ilha; i. é, essa estratégia permite relativizar a partir
de dentro de ilhas sintáticas como em: “(a moça
i
(
CP
que
i
(
LD
t
i
(eu penso (
CP
que o moço (
CP
que falou com ela
i
))
esteve ontem aqui)...”. (sic; KATO, 1996, p. 228)
86
b. O político que eu sempre esqueço o nome do safado...
(KATO et alii, op. cit., p. 307)
Ainda na esteira dessa relação entre construções de tópico e relativas no PB, as autoras
afirmam que Kato (1996) “combina suas intuições com os achados sincrônicos e diacrônicos
de trabalhos anteriores sobre esses dois fenômenos”. Dentre esses trabalhos citam Pontes
(1987), para quem o PB é uma língua de proeminência tanto de sujeito quanto de tópico, o
que, conforme as autoras, significa “que as sentenças básicas incluem a posição adjacente de
tópico” (KATO, et alii, op. cit., p. 313).
Assim, seria coerente derivar relativas de construções de tópico, no sentido de que as
mesmas posições sintáticas em IP que partilham índice referencial com LD em construções de
tópico também podem fazê-lo em construções relativas. Desse modo, para cada sentença de
(11), acima, poder-se-ia ter uma construção relativa como:
(13) a. tem uma pessoa que
i
[ t
i
[(ela
i
) é minha amiga de longe
b. tem uma pessoa que
i
[t
i
[todo mundo adora (ela
i
)
c. tem uma pessoa que
i
[t
i
[todo mundo gosta (dela
i
)
(KATO et alii, op. cit., p. 307).
Comparando-se a construção de tópico e a relativa, ressalte-se que, por essa
interpretação, a função de tópico migra do SN à esquerda da sentença (na construção de
tópico) para a variável (na relativa). Além disso, na relativa, o índice referencial do SN
antecedente é compartilhado com o pronome relativo, com a variável e com a posição
sintática dentro de IP. Esses detalhes podem ser vistos em (14) abaixo:
(14)a. [
TOP
Essas pessoas
i
[
IP
a gente tem mais intimidade (ø)/ com elas
i
]]
b. ... pessoas
i
[
CP
que
i
[
TOP
V
i
[
IP
a gente tem mais intimidade (ø)/ com elas
i
]]
(KATO et alii, op. cit., p. 313)
A interpretação de Kato nos trabalhos apresentados acima cria um problema teórico,
salvo engano. Se a relativização é extraída da posição não-canônica de tópico (LD, nos termos
da autora), então essa posição deve permanecer vazia, como vimos acima, de acordo com a
descrição formalista. A despeito dessa regra, que é um postulado clássico do modelo teórico, é
possível que haja o preenchimento, como a própria autora exemplifica:
87
(15) a. Esse país, que o presidente o povo não acredita mais nele, parece que saiu do
marasmo. (KATO, op. cit., p. 240)
b. Esse país, [
CP
que
i
[
LD
o presidente
i
[
IP
o povo não acredita mais nele
i
]]]
parece que saiu do marasmo.
64
Além disso, considerando que pode haver preenchimento de LD, é possível que nesses
casos nem sempre ocorra partilhamento do índice referencial entre o antecedente e LD. No
caso acima, é possível falar em co-indexação se considerarmos que se trata de “o presidente”
de “esse país”, o que seria expresso pelo caso genitivo (esse país cujo presidente).
65
Quanto ao
exemplo que segue, todavia, não é possível tratá-lo como caso de identidade referencial entre
o antecedente e o constituinte em LD, tampouco entre o pronome-lembrete e o pronome
relativo:
(16) a. Eu tenho um amigo que esses livros do Monteiro Lobato ele já leu tudo.(FE)
b. Eu tenho um amigo [
CP
que
i
[
LD
esses livros do Monteiro Lobato
i
[
IP
ele leu
tudo
i
]]]
c. Eu tenho um amigo
i
[
CP
que [
LD
esses livros do Monteiro Lobato
*
i
[
IP
ele
i
leu
tudo]]]
d. Eu tenho um amigo [
CP
que
*
i
[
LD
esses livros do Monteiro Lobato [
IP
ele
*
i
leu tudo]]]
4.3 O trabalho de Corrêa
66
Acatando o ponto de vista e os achados de Kato (1996) e Kato et alii (1996), Corrêa
(1998) realiza um estudo sobre a aquisição de construções relativas por falantes do PB.
Considerando a existência de dois tipos variantes de relativas (aquela que extrai o termo a ser
relativizado de alguma posição sintática de dentro da sentença, a relativa padrão, e aquela que
64
Essa descrição foi acrescentada por nós.
65
Não nesse caso o mesmo tipo de relação que se vê em (14 b), em que de fato relação anafórica entre o
antecedente e a variável. Em (15), há, na verdade um tipo de relação em que o segundo elemento, o SN “o
presidente”, seria restringido pelo primeiro, o SN “esse país”, o que seria expresso pelo genitivo “o presidente
desse país”; não há, portanto, identidade referencial propriamente entre “presidente” e “país”.
66
Trata-se de tese para obtenção do título de Doutor em Lingüística, sob orientação da Profª Drª Mary A. Kato e
co-orientação da Profª Drª Shana Poplack, defendida na Unicamp, em 1998.
88
extrai o termo a partir de uma posição deslocada à esquerda da sentença, a relativa não-
padrão), a autora comprova empiricamente que depois de anos de escolaridade é que o
falante passa a usar produtivamente a estratégia padrão.
Assim resume a autora o tema central do trabalho:
...o fator classe social tem influenciado o uso de formas de relativização, com
as classes mais favorecidas apresentando uma variedade maior de construções.
Pressupondo que os falantes de classe social privilegiada são os que têm
melhores condições de manter seus filhos na escola e pressupondo também
que é pela escrita que muitas formas lingüísticas se mantêm numa língua,
mesmo depois de já terem sido banidas da fala, este estudo investiga, entre
outros de ordem social e lingüística, o fator escolaridade como um
determinador relevante da variação nas relativas, na crença de que entre as
relativas do português falado no Brasil, para uma vasta parcela da população,
uma delas tem de ser aprendida formalmente: a que apresenta preposição.
(CORRÊA, 1998, p. 07)
Para corroborar a interpretação de Kato, apresentada acima, a autora lembra o fato de
que o PB é uma língua de proeminência de Sujeito e de Tópico, conforme Pontes (1987).
Lembra, também, que línguas enquadradas nesse tipo usam produtivamente a relativa com
pronome lembrete e com pronome lembrete nulo. Isso é demonstrado com exemplos de uma
variedade do inglês falado na África do Sul (o South African Indian English) e com um
exemplo do francês do centro-sul de Montreal:
(17) I was a girl that I always used to read in the bus
‘Eu era uma garota que eu sempre costumava ler no ônibus’
(18) I’m very well versed with Afrikans, but there’s nobody I can speak
‘Eu sou bem versado em línguas africanas, mas não ninguém (com quem) eu
possa falar’
(19) J’ai une de mes amies que je suis amie avec elle depuis l’âge de 11 ans
‘eu tenho uma de minhas amigas que eu sou amiga dela desde os 11 anos’
67
(CORRÊA, op. cit., p. 10-11)
O estudo em questão constituiu-se de quatro diferentes corpora: (i) narrativas de
estudantes do Ensino Fundamental, (ii) dados de informantes do Ensino Médio (iii) dados da
fala culta e (iv) narrações orais de não escolarizados.
67
Adota-se a tradução da própria autora, nos três exemplos.
89
As narrativas orais e as narrativas escritas, produzidas por estudantes do Ensino
Fundamental de uma escola pública do Estado de São Paulo, foram motivadas a partir da
apresentação de uma peça de teatro mudo; aos informantes era solicitado que contassem
oralmente (para gravação) o que haviam visto, e depois solicitava-se que escrevessem o
mesmo relato. A estratégia era comparar as relativas na fala e na escrita, conforme a faixa de
escolaridade.
Adotou-se a mesma estratégia para coletar dados junto a estudantes universitários e a
falantes não escolarizados. O objetivo com isso era estabelecer um contraponto com os textos
dos alunos do Ensino Fundamental.
com relação aos dados coletados de estudantes do Ensino Médio, a autora explica
que foram aplicados noventa exercícios, após estudo sistemático sobre orações relativas.
Justifica-se essa estratégia porque o uso das relativas padrão de posições preposicionadas é
bastante escasso na fala espontânea, o que demandaria uma coleta muito grande de material
para se chegar a uma quantidade relevante das variantes que se pretendiam analisar:
O controle de produção dos dados esperados foi feito através de um exercício
de aula, composto de duas partes: preenchimento de lacunas e produção livre
em forma de paráfrase. Na primeira parte, o aluno já tinha um contexto
preestabelecido, uma narrativa que continha orações com relativização de
sintagmas preposicionais. Na segunda, ele deveria parafrasear o texto
livremente, procurando obedecer às convenções da escrita.
(CORRÊA, op. cit., p. 62)
Por fim, quanto ao terceiro corpus, todos os dados foram obtidos do Projeto NURC.
Numa etapa, compararam-se os dados de falantes cultos da cidade de São Paulo com os dos
escolares. Em outra etapa, compararam-se os dados da cidade de São Paulo com os de outras
localidades em que se desenvolveu o mesmo Projeto.
A autora considera que duas variáveis dependentes por meio das quais se pode
estudar a variação em relativas no PB: (i) a presença ou a ausência do pronome cópia nas
posições sintáticas relativizadas ou (ii) a presença ou a ausência da preposição à esquerda do
relativo. Lembra também que o estudo de Tarallo considerou a primeira variável. Sendo
assim, ela optou por analisar as relativas pela presença ou ausência da preposição no início da
relativa.
Depois do referido levantamento de dados, cruzamento de fatores externos e fatores
internos, a autora chega à conclusão de que até a sexta série, os falantes têm um uso
categórico da variante vernacular, do morfema “que”, sem preposição. A partir dessa faixa de
90
escolaridade começa a aparecer a estratégia padrão, com preposição antecedendo o pronome
relativo. Entre falantes cultos, com nível universitário, a autora constatou um uso categórico
da estratégia padrão em sintagmas preposicionados.
Apesar dessa constatação do uso categórico da estratégia padrão entre falantes de nível
universitário, a autora relata a dificuldade de professores em identificar com precisão a
estratégia padrão. Para se verificar o conhecimento que tinham dessa variante, passaram-se
dez enunciados com relativas não-padrão e duas perguntas: 1) se julgavam tais ocorrências
compreensíveis para falantes do português e 2) se as consideravam aceitáveis na variedade
escrita culta, caso contrário deveriam reescrevê-las conforme a prescrição gramatical.
Transcrevem-se abaixo os enunciados:
(20) a. Este é um trabalho que me dediquei de corpo e alma.
b. É aquela a moça que o garçom deixou a carteira (=bolsa) em cima da mesa
que ela sentou.
c. No momento que ele chegou os policiais já tinham ido embora.
d. O centro de lazer que sempre vamos fica lotado aos domingos.
e. É um caso que todos estão interessados.
f. Esses professores que a gente vai entrar em contato com eles são novos.
g. Uma boa causa é aquela que você faz parte dela.
h. Xadrez é um jogo que nunca pude aprender suas regras.
i. Língua extinta é aquela que não possuímos prova de sua existência.
j. Como é que fazem um banheiro que as portas não fecham?
(CORRÊA, op. cit., p. 102-3)
O interesse maior desse teste está, sem dúvida, na segunda pergunta, uma vez que, no
tocante à primeira, todos os informantes deveriam considerar todas as sentenças
compreensíveis para os falantes. Entretanto, o “sim” como resposta à primeira pergunta não
foi categórico; duas frases foram consideradas incompreensíveis por problemas de
interpretação de itens lexicais ou por suposta questão de coerência, mas não pela opção
estrutural. Quanto à segunda questão, só duas ocorrências foram categoricamente tidas como
inaceitáveis na escrita culta: a (b) e a (f). Nenhuma das sentenças foi reescrita adequadamente
conforme a estratégia padrão por todos os professores
68
. De um modo geral, os informantes
68
Observe-se, com efeito, que as sentenças (h) e (i) são tidas como aceitáveis na norma padrão por algumas
gramáticas, conforme apontamos em 1.2, p. 14-15.
91
que não chegaram à forma prescrita pela gramática normativa esquivaram-se da estratégia do
pronome-cópia, ficando na estratégia cortadora. Isso leva a autora a concluir, usando as
palavras de Mollica:
Dentre os fenômenos variáveis da fala, há aqueles que são mais “audíveis” que
outros, isto é, mais perceptíveis pelo falante, mais salientes quanto ao grau de
estigmatização social e mais “escolhidos” pela tradição normativista para
submeter-se à avaliação comumente adotada do tipo “certo/errado”.
(MOLLICA, 1995, apud CORRÊA, op. cit., p. 106)
4.4 O trabalho de Assis
Num artigo de cunho sociolingüístico altamente engajado em aspectos sociais e
ideológicos envolvendo a relação entre escola e demandas das camadas populares, Assis
(1988) procura verificar as implicações da tensão entre variantes morfossintáticas padrão e
variantes não-padrão, no ensino e no processo comunicacional. Seu trabalho parte da asserção
de que “uma das grandes causas (senão a maior) do tão decantado fracasso escolar incide-se
basicamente em questões de linguagem” (ASSIS, op. cit., p. 59). Um dos fenômenos variáveis
tratados por ela é a relativização.
Seus informantes totalmente sem escolaridade são de ambos os sexos, têm idades
variadas e o comportamento lingüístico que constitui o que a autora chama de “dialeto rural”.
A região pesquisada está na micro-região sanfranciscana de Januária no alto-médio São
Francisco, em Minas Gerais.
Respaldada em Lemle (1978) a autora afirma existir no PB três formas variantes de
relativas modificadoras de um SN regido por preposição:
(21) Ganhei um sabonete do qual não gostei (padrão)
(22) Ganhei um sabonete que não gostei dele (não-padrão)
(23) Ganhei um sabonete que não gostei ø (não-padrão)
(ASSIS, op. cit., p. 62)
A estratégia preferida e legitimada pela escola, apresentada em (21), não não ocorre
nessa comunidade rural, como não é facilmente decodificada, uma vez que, conforme a
autora, traz “problemas ou de ordem gramatical, pois dificulta a recuperação do referente,
e/ou de ordem social, na medida em que é avaliada como sendo uma ‘fala deferente’” (ASSIS,
92
op. cit., p. 64). Das duas variantes não-padrão, a apresentada em (23), cortadora, conforme
Tarallo (1983), é de longe a mais usada, representando 83,5% de um corpus de 85
construções relativas. A autora chega, assim, a uma constatação semelhante à de Tarallo (op.
cit.) e, como se verá, apresenta resultados também muito parecidos com os de Corrêa (1998),
conforme se viu acima.
Como contraponto aos dados colhidos de língua oral (de informantes da região do
alto-médio São Francisco), a autora trabalha com um corpus de 80 redações de alunos do
Ensino Fundamental, pertencentes às “camadas populares” de Belo Horizonte. Nesse corpus,
ela encontra 256 construções relativas, sendo 13 na forma padrão, 97 com pronome-cópia e
146 com sintagma preposicionado apagado. Das 243 não-padrão, curiosamente 57 foram
consideradas erros pelos professores e foram corrigidas. Note-se como esses dados remetem
novamente às conclusões de Corrêa (op. cit.), acima.
Numa segunda etapa da pesquisa, a autora verifica a compreensão dos falantes diante
de ocorrências das diferentes variantes. Sua constatação é de que
os informantes sempre reagem com incerteza e insegurança quanto ao
conteúdo semântico de orações relativas padrão, o que nos leva a concluir que
é realmente uma variante que prejudica a interação comunicacional, ou seja, as
relações de troca, as relações no nível interpessoal e intersubjetivo.
(ASSIS, 1988, p. 65)
com relação às relativas não-padrão, em suas duas versões (cortadora e copiadora),
nenhuma delas oferece qualquer problema de processamento, embora, do ponto de vista da
produção, a estratégia cortadora tenha se revelado mais freqüente. Isso é demonstrado pela
autora por meio de exemplos como os que seguem:
(24)_ Seu Miguel, o milho com o qual o senhor trabalha é bom, é novinho?
_ Cumé que é? Se o mio é bão, é novinho?
_ O senhor não entendeu o que eu perguntei?
_ É porque às veiz oceis têm uma fala deferente...
(25) _Seu Zé, essa enxada que o senhor está trabalhando com ela num está cega
não?
_ Ah, qué vê! Corta até pescoço de boi...
93
(26)_ A dona Mariazinha me falou que a mulher que o senhor casou foi embora, não
está aqui mais não?
_ É. Ela foi embora mais o cumpadre. O cumpadre vivia rudiano, rudiano...
(ASSIS, op. cit., p. 64)
4.5 Avaliação dos estudos das relativas do PB
Num trabalho com o fôlego de uma tese acadêmica, Tarallo lança um olhar
sociolingüístico para as operações de relativização no PB, com vários instrumentais da
Gramática Gerativa, i. é, recorre à concepção formalista para a realização de uma pesquisa
variacionista. Nessa perspectiva híbrida, por assim dizer, produz uma análise cujo raio de
observação tenta apreender múltiplos aspectos do fenômeno lingüístico em questão. O modo
como descreve a estrutura sintática das relativas do PB corrobora o ponto de vista de que a
relativização se por meio de dois processos alternativos: movimento de constituinte e
apagamento/preenchimento. Seu levantamento diacrônico sugere que, em língua falada,
houve a seguinte mudança na configuração do quadro das formas concorrentes, com o
surgimento da variante que apaga o constituinte preposicionado dentro da oração relativa: até
o séc. XIX havia concorrência entre movimento (manifesto na variante padrão, piedpiping) e
preenchimento (o que se dava na relativa copiadora); a partir do final do referido século
passaria a haver a perda de movimento para construir relativas, então a concorrência se daria
entre duas estratégias com um mesmo processo subjacente (copiadora = preenchimento,
cortadora = apagamento).
Em oposição relativa ao estudo de Tarallo, situa-se o artigo de Kato (1996), seminal
para vários outros trabalhos, dentre os quais Kato et alii (1996) e Corrêa (1998), vistos acima.
Em tal artigo a autora se propõe a recontar “a história das relativas em uma perspectiva
paramétrica”. Assim, sua análise busca suporte teórico entre os pressupostos de orientação
formalista da teoria gerativa, com o escopo de formular uma descrição inovadora válida para
as construções relativas de língua falada no PB.
Kato postula que o que diferencia a estratégia padrão das estratégias não-padrão não é
o processo subjacente –para ela tanto uma quanto as outras se realizam por meio de
movimento de constituintes.
A diferença entre a estratégia-padrão e as o-padrão estaria na
posição da qual se extrai o elemento relativizado: na estratégia padrão, a extração se daria a
94
partir da posição canônica relativizada (SU, OD, OI etc), e por isso o pronome relativo marca
o caso respectivo; na estratégia não-padrão, a extração se daria da posição não-canônica a que
a tradição formalista tem chamado LD, uma posição postulada teoricamente à esquerda e fora
da oração relativa. Nessa configuração estrutural, o morfema invariante “que” seria pronome
relativo, sim, manifestando o mesmo caso (acusativo, conforme Kato (1996) ou nulo,
conforme Kato et alii (1996)) de LD. O vestígio postulado em LD seria coindexado com a
posição sintática dentro da relativa, posição que pode ser preenchida com alguma forma
resumptiva (pronominal ou nominal).
Diferenças à parte, tanto Tarallo quanto Kato vêem uma relação necessária de
correferência entre o antecedente e alguma posição sintática no interior da relativa. Para o
primeiro a relação pode dar-se diretamente da posição sintática com o antecedente; para a
última, o mesmo índice é compartilhado com LD e com o pronome relativo. É esse
compartilhamento da referência que permite falar-se, conforme o ponto de vista, em
movimento de constituinte ou apagamento/preenchimento.
Corrêa (op. cit) e Assis (op. cit.), em trabalhos variacionistas, mostram que a
sobrevivência da variante padrão está ligada à atuação da escola. Ambas as autoras mostram
ainda que, justamente por não ser a variante adquirida naturalmente, a aquisição dessa forma
de prestígio não é perfeita, que diante de algumas ocorrências de sentenças com relativas
não-padrão, os professores, muitas vezes, deixam de notar o fato.
Quanto às estratégias não-padrão, elas confirmam Tarallo (1983), na medida em que
ambas provam a maior freqüência da relativa cortadora. Quanto à explicação desse fato pela
via extra-lingüística, esses estudos permitem levantar um problema interessante: tem sido bem
aceita a hipótese levantada por Tarallo de que a estratégia cortadora representa uma atitude de
esquiva do falante em relação à estratégia da cópia, estigmatizada socialmente, i. é, apagar o
sintagma preposicionado ou o pronome lembrete significa ficar a meio caminho entre a forma
de prestígio e a forma estigmatizada. Entretanto, os informantes dos respectivos corpora de
Assis e Corrêa não revelam consciência lingüística como supostamente os informantes de
Tarallo, para tomarem uma atitude de esquiva, fruto de avaliação das formas lingüísticas. Tal
constatação empírica pode ser vista como evidência de um peso muito maior de pressões do
próprio sistema lingüístico do que de fatores de ordem sociolingüística.
De resto, Corrêa e Assis vêem as relativas vernaculares como um tipo de construção
em que o antecedente mantém relação de correferência com alguma posição no interior da
oração relativa. Nesse sentido, para elas também, as vernaculares não são diferentes das
relativas padrão, o que torna natural postular, para todos os dados levantados por elas (assim
95
também para Tarallo), a existência de uma contraparte na estratégia padrão. Corrêa (1998, p.
80), todavia, apresenta uma construção para a qual não acha equivalência na estratégia
padrão:
...uma aluna da 4ª série produziu uma interessante seqüência de dois sintagmas
preposicionais relativizados cuja contraparte padrão senti dificuldade em
elaborar. Deixo aos leitores que forem pacientes a sugestão dessa tentativa.
(27) ...e um rapaz (bandido), que o garçom deixou a carteira [=bolsa] encima da
mesa que o bandido sentou.
(CORRÊA, op. cit., p. 80)
Em outro momento de seu trabalho aparece uma outra construção em que fica difícil ver o
fenômeno da correferência:
(28) Se for o rapaz que eu penso, ele é muito correto
(tradução de exemplo francês, CORRÊA, op. cit., p. 23)
Esses e outros dados serão considerados no capítulo em que propomos uma
interpretação para esse tipo de construção.
5 RELATIVIZAÇÃO E FUNÇÕES PRAGMÁTICAS
Vimos até aqui que o que poderíamos chamar de duas orientações de interpretação
das relativas do PB. A primeira, a partir de Tarallo (1983), considera a existência de dois
processos sintáticos variantes: movimento de constituinte de uma posição sintática dentro da
relativa para a posição de COMP, ou apagamento/preenchimento da posição sintática dentro
da relativa. O processo de movimento caracterizaria a estratégia padrão; o processo de
preenchimento ou elipse da posição sintática caracterizaria as estratégias não-padrão. A
segunda orientação, que vem determinando algumas análises do mesmo fenômeno, é baseada
em Kato (1996). Conforme essa autora, a diferença entre variante padrão e não-padrão não
estaria no processo subjacente a cada uma que as duas são decorrentes de movimento –,
mas na posição de extração: a estratégia padrão extrairia da posição canônica dentro da
relativa, enquanto a estratégia não-padrão extrairia de LD, posição não-canônica adjunta à
relativa.
As duas análises propostas, então, não divergem quanto à variante padrão; a
divergência dá-se na descrição das variantes do pronome lembrete e da lacuna. Mostramos
essa diferença descritiva no exemplo abaixo, retirado de Corrêa (1998, p. 50):
(1) ... pessoas que a gente tem mais intimidade (ø)/com elas
... pessoas
i
[
CP
que [
IP
a gente tem mais intimidade (ø)/com elas
i
]] conforme
Tarallo
... pessoas
i
[
CP
que
i
[
LD
(t)
i
[
IP
a gente tem mais intimidade (ø)/com elas
i
]]]
conforme Kato
Note-se que, no primeiro modelo, correferência direta entre a posição de
complemento nominal do SN intimidade e o antecedente da relativa (pessoas); o morfema
“que” não tem índice de referência. no segundo modelo, o índice de referência do
antecedente e da posição de complemento nominal é partilhado também com o morfema
“que”, que agora tem estatuto de Pronome Relativo, e com o vestígio do elemento deslocado à
esquerda. Conforme a segunda descrição, ainda, convém esclarecer que a posição interna
estaria em correferência com LD, mesmo atravessando barreiras, o que se configuraria em
97
construções como “... pessoas que a gente acha que tem mais intimidade (ø)/com elas”. A
posição relativizada em LD (variável), por sua vez, estaria ligada
69
com o antecedente da
relativa.
Em comum nos dois modelos o fato de postularem a existência de uma posição
sintática interna em correferência com o antecedente da relativa, o que induz a concluir que é
sempre possível a ocorrência de um pronome lembrete (ou algum nome anafórico) e a
elaboração de uma sentença equivalente na variedade padrão, com exceção, no segundo caso,
para construções em que um encaixamento mais profundo. Como a estratégia padrão seria
resultante do processo de movimento de constituinte, esse tipo de estrutura seria sensível à
condição de subjacência, regra formal segundo a qual o movimento de constituintes não pode
atravessar mais de uma barreira sintática (HAEGEMAN, 1991, p. 365). E, de fato, como se
viu na resenha dos trabalhos de Tarallo (1983) e Corrêa (1998), os autores propõem para cada
variante não-padrão uma contraparte padrão.
Mediante ocorrências de construções estruturalmente semelhantes às relativas não-
padrão, mas que não pareciam se enquadrar nos modelos de descrição propostos, propomos
aqui um modelo que pretende dar conta de tais fatos. O arcabouço teórico que fundamenta
essa descrição são os postulados sobre as funções pragmáticas de Dik (1989 e, sobretudo,
1997, p. 379-407).
5.1 As funções pragmáticas de Dik
Por função pragmática entendem-se funções que especificam a categoria
informacional dos constituintes em relação à amplitude comunicativa e em relação à posição
em que são colocados. A Teoria da Gramática Funcional distribui essas funções, inicialmente,
conforme se posicionem interna ou externamente à oração. Como funções internas, Dik
especifica Tópico – entidade sobre a qual se diz alguma coisa – e Foco – a parte mais
importante ou saliente daquilo que dizemos sobre as coisas, que são Tópicos (DIK, 1989, p.
263 e NEVES, 1997, p. 95).
69
A ligação, conforme Apothéloz (2003, p. 55), é uma relação sintática em que a forma ligada ao antecedente
não tem valor referencial em si mesma. Assim, o vestígio em LD seria posição estritamente sintática, e sua
interpretação referencial seria dependente do SN antecedente.
98
Tópico é um conceito discursivo, ou seja, é pertinente falar em tal constituinte
pragmático levando-se em conta concretamente o discurso. Todo discurso trata
necessariamente de entidades; as entidades sobre as quais trata o discurso é o que se denomina
Tópico. Dik propõe uma hierarquia entre os tipos de Tópico baseada na centralidade de cada
um. Tal hierarquia organiza-se da seguinte forma: em primeiro lugar, considere-se que um
discurso contém um “estoque de tópicos”, vazio no início, e que se vai gradualmente
preenchendo com Tópicos-Discursivos, conforme são introduzidos no discurso; alguns
Tópicos têm vida curta e desaparecem, outros persistem ao longo do discurso. Assim,
conforme surgem, persistem ou são retomados, classificam-se os Tópicos-Discursivos como
(i) Tópico Novo: apresentado pela primeira vez, (ii) Tópico Dado: entidade que foi
introduzida em segmento anterior do discurso, (iii) Sub Tópico: entidade de alguma forma
associada a um Tópico apresentado e (iv) Tópico Retomado: reativação de uma entidade
que havia sido abandonada por algum tempo (DIK, 1989, p. 267).
Deve-se ressaltar que o Tópico é um constituinte pragmático interno à predicação, ou
seja, pode ser um dos argumentos do predicado ou um satélite. Como tal, acumula, ao lado da
função pragmática, funções sintáticas e semânticas.
Quanto às funções pragmáticas externas, Dik tem-nas em muito maior número:
(i) controle da interação: cumprem essa função aqueles constituintes que criam
e mantêm as condições interacionais que devem ser preenchidas para a
implementação do discurso;
(ii) especificação de atitude: manifesta-se por meio dos constituintes que
marcam o tom emocional/atitudinal em que se conduzirá o discurso;
(iii) organização do discurso: revestem-se dessa função aqueles constituintes
que organizam, estruturam ou apresentam o conteúdo do discurso; e
(iv) execução do discurso: essa função está concentrada nos constituintes que
participam da expressão do conteúdo real do discurso (DIK, 1997, p. 384).
Esses constituintes extra-oracionais (CEOs) podem preceder, seguir, interromper a
oração, ou podem ocorrer isoladamente. São assim chamados porque mantêm com a oração
99
propriamente dita uma relação formal bem frouxa, e não podem, por isso, ser descritos a partir
de regras sintáticas, internas da oração, mas devem ser entendidos em termos de regras e
princípios pragmáticos. O fato de serem imunes às regras gramaticais não impede esses
constituintes de manterem com a oração relações de anáfora, correferência, paralelismo ou
antítese.
A despeito da prevalência das regras pragmáticas, é evidente que os CEOs são
relevantes no nível sintático: eles podem co-determinar a interpretação pretendida da oração
propriamente; podem interagir com a estrutura interna da oração e podem, diacronicamente,
ser assimilados na estrutura sintática da oração.
70
Das funções pragmáticas enumeradas acima, interessa a este trabalho a terceira,
“organização do discurso”, que passamos a apresentar.
5.1.1 A organização do discurso
Uma vez que o cenário esteja preparado para a realização do discurso, o falante pode
adotar uma série de medidas para assegurar a organização do discurso adequada para sua
melhor recepção. Essas medidas são divididas por Dik (op. cit., p. 386-405) em três grupos de
funções pragmáticas: marcação de fronteira, orientação e cauda.
A marcação de fronteira inclui todos os meios usados para sinalizar o começo, o final
e a articulação interna do discurso como um todo, seus episódios e os diversos ‘movesque
possam constituir os episódios. Quanto aos constituintes que se incluem no grupo de funções
que Dik chama de ‘Cauda’, esses representam, geralmente, uma estratégia de esclarecimento
ou de reparo com relação ao conteúdo da sentença ou a uma parte dela. Por isso, tais
constituintes ocorrem à direita da oração ou à direita do elemento que carece de
esclarecimento
71
.
Em termos da função Orientação, ou grupo de funções, é que poderíamos descrever o
comportamento do antecedente das construções relativas não-padrão. Por isso, tratamos dela
mais detidamente.
70
Dik observa que esse processo caracteriza o que Givón (1979) chamou de mudança do modo pragmático para
o modo sintático de organização da linguagem (DIK, op. cit., p. 380).
71
“Cauda” é a tradução mais literal de tail. Justifica-se tal opção em vez de “Antitema”, por exemplo, em virtude
das possibilidades de posicionamento do constituinte ao qual é atribuída essa função. “Antitema” faria supor
uma posição simétrica em relação à posição reservada ao Tema; e não é esse o caso. O constituinte com a função
de Cauda pode seguir a oração toda, ou um dos termos do predicado, ou mesmo o próprio Tema (Cf. DIK, 1997,
p. 401-405).
100
Se o conteúdo de um enunciado deve ser interpretado como uma contribuição para um
discurso coerente, então ao ouvinte deve ser possível integrar tal conteúdo na representação
mental dinâmica que faz do discurso, à medida que o discurso se processa. Desse modo, cada
nova contribuição deve ser ancorada na representação do discurso feita até aquele ponto, e
para que isso seja efetivo é preciso que as coordenadas de tempo, espaço, tópicos do discurso
ou participantes, e as circunstâncias tenham sido fixadas.
Os CEOs imbuídos da função pragmática Orientação podem ajudar o ouvinte a fixar
tais parâmetros, ou seja, podem orientá-lo quanto à identidade das coordenadas essenciais
para o conteúdo da proposição. Um constituinte que tenha a função Orientação apresenta
informação que orienta o ouvinte para a informação a ser apresentada na oração.
Dik (1997, p. 388) usa o termo Orientação como sendo uma espécie de super-função
pragmática sob a qual diversos tipos mais específicos de orientação podem ser distinguidos.
Esses podem se diferir uns dos outros quanto à forma, bem como quanto à função, e incluem
pelo menos os seguintes tipos:
(i) Tema
(ii) Condição
(iii) Localização, com relação a
a) tempo
b) espaço
c) outros Estados de Coisas (EsCos) circunstanciais
Uma vez que a Orientação aponta para a informação que se segue, os constituintes
com essa função tipicamente precedem a oração propriamente dita.
Para a análise que se pretende desenvolver neste trabalho, vamos considerar a
função Tema.
101
5.1.1.1 Tema
Um constituinte com função de Tema especifica um conjunto de entidades com
relação ao qual a oração seguinte apresenta alguma informação relevante. Os constituintes
iniciais em construções como estas têm função de Tema:
(2) Os livros, eles estão em cima da mesa.
(3) Esse buraco, menina, taparam ele outro dia
72
.
(4) Quanto aos políticos, eles não pensam no povo.
Em cada caso, Dik assume que é possível entender a estrutura da expressão lingüística
em termos das seguintes estratégias do falante:
(i) aqui está alguma coisa (por exemplo: os políticos) com relação à qual eu vou
produzir alguma informação;
(ii) e aqui está o que eu quero dizer sobre essa coisa (por exemplo: eles não pensam no
povo).
Assim, o constituinte Tema orienta o ouvinte a respeito dos tópicos do discurso, em termos
dos quais o conteúdo da oração seguinte deve ser interpretado.
Dentre as propriedades do Tema, a mais saliente é que ele se posiciona fora da
estrutura da oração propriamente. Tal propriedade identifica, conforme Dik, essa função
pragmática com o tipo de constituinte que anteriores vertentes da Gramática Tansformacional
cunharam como LD
73
. Mas o autor ressalva que o ponto de vista transformacionalista postula
para essa construção alguma sentença básica que seria a fonte natural a que se aplicaria
alguma regra de transformação para chegar a essa estrutura. E vários casos em que a
formulação de regra de transformação não é possível. Pontes (1987) formulava ressalva
semelhante quanto ao enfoque transformacional de sentenças que a autora analisou como
construções de tópico.
72
Os exemplos (2) e (3) são de Pontes (1987, p. 12 e p. 16, respectivamente).
73
Na verdade, e como se perceberá ao longo da descrição do constitiunte Tema, essa função assemelha-se em
alguns aspectos configuracionais com LD (em que o elemento deslocado à esquerda é gerado na base); em
outros, com Topicalização (em que o elemento à esquerda é deslocado por uma regra de movimento a partir da
posição sintática original dentro da oração).
102
Quanto à ocorrência desse tipo de construção nas diversas línguas do mundo, há
diferença na freqüência com que o usam. Li & Thompsom (1976), investidos do objetivo de
estabelecer a validade de uma tipologia de línguas baseada nas noções de proeminência de
sujeito e de proeminência de tópico, propuseram reunir as línguas em quatro grupos: “línguas
de proeminência de Tópico”, “ línguas de proeminência de Sujeito”, “línguas de proeminência
de Sujeito e de Tópico” e “línguas sem-proeminência de Tópico ou Sujeito”. Considerando-se
que o que Li & Thompsom chamam de “Tópico” inclui Tópico e Tema da Gramática
Funcional, em que é feita uma distinção entre Tema (fora da oração) e Tópico (dentro da
oração), Dik pondera que, ao se avaliar línguas com relação à proeminência de Tema, deve-se
ter o cuidado de comparar os registros falados dessas línguas com os de outras. Esse
procedimento mostrará que a proeminência de Tema é uma questão de grau em vez de
caracterizar variedade ou tipo de língua. Em outras palavras: todas as línguas fazem uso
desse tipo de organização, mas algumas o fazem mais do que outras.
Conforme o modelo funcionalista, construções do tipo Tema+Oração não podem ser
adequadamente descritas por regras que extraiam um Tema da estrutura de uma dada oração.
Opta-se por descrevê-las de modo que o Tema seja produzido independentemente da oração
seguinte. Isso, conforme o autor, não proporciona uma melhor descrição das
características gramaticais dos Temas, mas, acima de tudo, permite compreender a
funcionalidade pragmática desse tipo de constituinte.
A independência do Tema com relação à oração que o segue é confirmada pelas
seguintes propriedades:
(i) O Tema usualmente precede a oração completa, inclusive seu componente
ilocucionário. Não é comum o Tema ocorrer em posições parentéticas;
(ii) O Tema pode ter seu próprio status ilocucionário, diferente daquele da oração
seguinte (convém lembrar que uma oração não pode ter dois valores
ilocucionários ao mesmo tempo);
(iii) O Tema freqüentemente é apresentado de forma absoluta, isto é, ou
completamente sem marcas de qualquer tipo de função semântica ou sintática,
ou na forma de caso mais não-marcada na língua considerada (tipicamente o
caso nominativo e o absolutivo). Todavia, o Tema pode, também, ser
103
produzido com a marca de caso que assumiria se ocupasse de fato uma posição
dentro da oração, situação em que o ponto de vista funcionalista assume que o
constituinte antecipa e expressa formalmente a função que desempenhará na
oração seguinte.
(iv) Em se tratando do comportamento do falante, finalmente, parece correto dizer
que ele freqüentemente produz um Tema antes de ter formado uma idéia clara
de que tipo de oração irá produzir sobre ele. Uma evidência desse aspecto é o
fato de que é muito comum encontrar hesitação entre o Tema e a oração, o que
dificulta a explicação por alguma regra de transformação.
(Cf. DIK, op. cit., p. 391-393)
Essas propriedades corroboram a tese de que o Tema tem origem fora da oração, que
se ajusta a ele; ela a ele, e não o contrário. Embora o Tema e a oração sejam, então,
relativamente independentes um do outro, isso não significa que qualquer termo e qualquer
oração possam ser combinados em uma construção Tema+oração. No que diz respeito às
relações possíveis entre Tema e oração, dois subcasos devem ser distinguidos, os quais podem
ser representados como:
a. (x
i
)
Tema
, (...(x
i
)...)
Oração
b. (x
i
)
Tema
, (...........)
Oração
No primeiro subcaso, o tema é retomado dentro da oração, por meio de um pronome pessoal
ou demonstrativo correferente com o Tema. O exemplo de Dik é o seguinte:
(5) As for John, he is crazy about bronze statues.
‘Quanto ao John, ele é louco por estátuas de bronze.’
(DIK, op. cit., p. 393)
Note-se que Dik deixa de considerar a possibilidade de o anafórico do Tema, dentro da
oração, ser um SN, situação comum no PB:
(6) Quanto ao João, o cara é louco por estátua de bronze.
104
Nessa configuração, com retomada dentro da oração, as restrições que pesam sobre a
combinação Tema+Oração podem ser descritas em termos semânticos e sintáticos. Ora, o
Tema deve ser tal que poderia ocupar a posição a ele correspondente na oração. Assim é que,
por exemplo, a combinação abaixo é bem formada:
(7) Quanto às estátuas de bronze
i
, o João é louco por elas
i
.
Mas não o é a seguinte combinação:
(8) *Quanto às estátuas de bronze
i
, elas
i
são loucas pelo João.
Se aduzirmos o argumento de que (8) não é um caso de agramaticalidade, mas de
incoerência conforme o tipo de conhecimento de mundo que temos ou conforme o tipo de
mundo que conhecemos, estaremos reforçando essa concepção funcionalista de que o Tema é
uma função pragmática. Com efeito, pode-se imaginar um mundo em que estátuas de bronze
ficam enlouquecidas por alguém.
A relação selecional dessa estrutura Tema+Oração não ocorre com o segundo subcaso,
aquele em que o Tema não é retomado dentro da oração. Aqui, não se exige que o constituinte
Tema seja tal que possa ocupar uma posição dentro da oração. Aqui, não relação
semântico-sintática entre o Tema e a oração; a relação entre o Tema e a oração é mediada
exclusivamente via condição pragmática. A aceitabilidade do enunciado, com efeito, está
condicionada à teoria de mundo dos interlocutores e não ao conhecimento lingüístico. Mais
um argumento para se sustentar que Tema é função pragmática.
O segundo subtipo de Tema+Oração pode ser exemplificado conforme Ross (1970, p.
231, nota 20, apud DIK, 1997, p. 394):
(9) a. As for the students, adolescents almost never have any sense.
‘Quanto aos alunos, adolescentes quase nunca têm bom senso’
b. *As for the students, hydrogen is the first element in the periodic table.
(10) a. As for Paris, the Eiffel Tower is really spectacular.
‘Quanto a Paris, a Torre Eiffel é realmente espetacular.’
b. *As for Albuquerque, the Eiffel Tower is really spectacular.
‘Quanto a Albuquerque, a Torre Eiffel é realmente espetacular.’
105
Com esses pares de exemplos, Ross mostra convincentemente o peso de critérios pragmáticos
na avaliação da estrutura Tema+Oração.
Glosando o princípio pragmático da Relevância de Grice (1975), Dik formula a
seguinte condição:
“Para cada par de Tema T e oração O fazer sentido, é necessário ser relevante enunciar
O a respeito de T.”
74
(DIK, op. cit., p. 394.)
Dik explica que os julgamentos da Relevância variarão conforme o alcance da informação
pragmática do falante e do ouvinte. Assim, por exemplo, para alguém que acredita que
Albuquerque tem sua própria Torre Eiffel, (10 b) acima é perfeitamente aceitável.
Para uma concepção de linguagem funcionalmente orientada, como a que adotamos
neste trabalho, é coerente postular que as funções pragmáticas intra ou extraoracionais
são propriedades universais das línguas. Nesse sentido, Dik adverte que não se deve montar
uma tipologia das línguas com base nessas funções que uma observação sistemática nos
registros falados de diversas línguas, seguida de uma comparação entre elas, revelará que a
proeminência de tais funções é mais uma questão de grau do que de classificação tipológica
(cf. Dik, op. cit., p. 390).
Alocando-se as funções pragmáticas no padrão funcional de sentença a Gramática
Funcional postula, para cada língua, um ou mais padrões, conforme o esquema geral:
(11) P2, P1 (V) S (V) O (V), P3
Esse esquema pode ser traduzido da seguinte forma: P2 é a posição reservada ao constituinte
com alguma das funções pragmáticas extra-oracionais (pode ser Tema, conforme visto
acima); entre vírgulas, têm-se todas as possibilidades da predicação completa; P3 é a posição
reservada para a função antitema. Dentro da predicação, note-se a posição P1: posição
universalmente reservada para propósitos especiais como receber palavras-qu, conectores e
pronomes relativos ou para receber constituintes com funções pragmáticas de Tópico ou Foco.
O PB teria como padrão não marcado a seguinte configuração:
(12) P2, P1 S V O, P3
74
“For any pair of Theme T and clause C to make sense, it must be relevant to pronounce C with respect to T.”
106
Conforme Pezatti (1998, p. 136), um enunciado que ficaria muito próximo de preencher todas
essas posições previstas seria:
(13) Bebida alcoólica, ele gosta muito, o Pedro.
P2 P1/S V X P3
Esse esquema de ordenação de constituintes deixa um problema mal resolvido, pelo
menos no tocante ao PB. Se conjuntores e pronomes relativos são posicionados em P1, qual o
lugar dos constituintes com função pragmática interna à oração na subordinada? Para efeito de
ilustração, considere-se o seguinte enunciado:
(14) Você jurou que suas contas você pagava.
Nesse exemplo, temos dois candidatos a preencher P1: a conjunção “que” e o constituinte
com função Tópico “suas contas”.
5.2. Outras abordagens da função Tema
Na lingüística de vertente funcional do Século XX não são raros os estudos sobre a
dimensão pragmática da língua, especialmente sobre funções que recobrem algumas
propriedades apontadas por Dik na superfunção ‘Orientação’, em que se inclui Tema. Alguns
conceitos serão apresentados brevemente, conforme os interesses deste trabalho.
5.2.1. Li & Thompson
Conforme salientamos acima, Li & Thompson (1976), em seu estudo, abordam Tópico
com vários pontos em sintonia com o conceito de Tema conforme Dik. Nesse trabalho, os
autores propõem uma tipologia lingüística conforme a freqüência de construções que chamam
de Construções de Tópico. Tomando como contraponto a noção de Sujeito, os autores
entendem que assim como nguas em que a estrutura básica da sentença apresenta a
relação Sujeito-Predicado, também aquelas em que a estrutura básica é Tópico-
Comentário. Isso mostraria também que as línguas podem diferir em suas estratégias de
107
construir sentenças levando em conta a proeminência da noção de Sujeito ou da noção de
Tópico.
De acordo com esse estudo, apontam, então, quatro tipos de língua:
(i) línguas de proeminência de Sujeito;
(ii) línguas de proeminência de Tópico;
(iii) línguas em que Sujeito e Tópico são proeminentes e
(iv) línguas em que não há proeminência de Sujeito ou de Tópico.
As línguas classificadas em (i) favorecem a descrição em que a relação gramatical
Sujeito-Predicado desempenha papel preponderante; as línguas em (ii) favorecem uma
descrição em que a relação gramatical (sic) Tópico-Comentário é predominante; as línguas
em (iii) apresentam os dois tipos de construção como igualmente importantes; em (iv) não
se distinguem os dois tipos de estruturas: Tópico e Sujeito fundiram-se. Os autores assinalam
que todas as línguas investigadas apresentam a construção Tópico-Comentário, mas nem
todas têm a construção Sujeito-Predicado (Li & Thompson, op. cit., p. 459).
Para ilustrar os dois padrões de construções, os autores dão os seguintes exemplos:
(15) a. John hit Mary.
Sujeito Predicado
‘O João bateu na Maria.’
b. As for education, John prefers Bertrand Russel’s ideas.
Tópico Comentário
‘Quanto à educação, o João prefere as idéias de Bertrand Russel.’
(Li & Thompson, op. cit., p. 459)
Os autores elencam uma extensa lista de propriedades distintivas entre Sujeito e
Tópico:
108
(i) A definitude Seguindo Chafe (1976, p. 26-55), afirmam que o SN na função de
Tópico precisa ser definido, o que não acontece com a função Sujeito. O conceito
de definitude também acompanha Chafe: um SN é apresentado como definido se o
falante supõe que o ouvinte conhece e é capaz de identificar seu referente.
(ii) As relações selecionais O Tópico não precisa ter relação selecional com o verbo
da oração, isto é, o Tópico não precisa ser um argumento do predicado verbal. O
Sujeito, por outro lado, sempre mantém relação selecional com algum predicado
dessa sentença.
(iii)O verbo determina o Sujeito, mas não o Tópico. Essa é uma propriedade
decorrente de (ii); devido à relação do Sujeito com o predicado. Dado um tipo de
verbo, o Sujeito poderá ser previsto. Já a seleção do Tópico é independente do
verbo, o que leva a supor que as restrições do discurso é que pesarão na escolha do
falante quanto a um certo Tópico.
(iv) O papel funcional Aqui também citam Chafe: “O que o Tópico parece fazer é
limitar a aplicabilidade da predicação principal a um certo domínio restrito... O
Tópico estabelece uma estrutura espacial, temporal ou individual dentro da qual se
a predicação principal.” (CHAFE, op. cit., apud. LI & THOMPSON, 1976, p.
464). Acrescentam os autores que o Tópico é o “centro de atenção”; ele anuncia o
tema do discurso, razão pela qual ele precisa ser definido. Observando-se o papel
funcional do Sujeito, constatam-se dois aspectos interessantes. Primeiro que esse
não precisa ter função semântica, prova disso é a existência de Sujeito dummy em
muitas línguas. O segundo aspecto é que o papel funcional do Sujeito pode ser
definido com base nos limites da frase, sem precisar recorrer ao discurso.
(v) A concordância verbal – Sabe-se que, em muitas línguas, o verbo obrigatoriamente
concorda com o Sujeito da sentença. A concordância Tópico-predicado, contudo, é
bem rara. Os autores informam que não conhecem língua em que esse tipo de
concordância seja obrigatória. Essa não obrigatoriedade da concordância do
Tópico com o predicado certamente deve ter a ver com a relativa independência
109
que ele tem com relação à sentença e com o fato de ser um constituinte de
funcionalidade pragmática e não sintática.
(vi) A posição inicial O Tópico, e não o Sujeito, deve ocupar a posição inicial da
sentença. Os autores inferem que isso se deve à estratégia discursiva de introduzir
o Tópico antes de qualquer outra coisa.
(vii) Os processos gramaticais O Tópico não é envolvido em processos gramaticais
como reflexivização, passivização, apagamento etc., por que passa normalmente o
Sujeito. A razão postulada para isso é, novamente, o fato de que o Tópico é
sintaticamente independente da sentença.
Além dessas características, à medida que definem cada tipo lingüístico, os autores
apresentam outros traços do Tópico. Um deles está relacionado com a correferência: numa
construção de Tópico é o Tópico e não o Sujeito que controla a correferência. É o que se pode
ver pelo exemplo abaixo, traduzido de um exemplo em mandarim, dos próprios autores (LI&
THOMPSON, op. cit., p. 469):
(16) Aquela árvore as folhas são grandes, então eu não gosto ø.
O objeto elíptico da segunda oração é interpretado como correferência do Tópico “aquela
árvore” e não do Sujeito “as folhas”.
Numa língua de proeminência de Tópico, não restrição quanto ao tipo de
constituinte que pode desempenhar esse papel. Isso seria uma decorrência de a estrutura
Tópico-comentário constituir o tipo básico de sentenças.
5.2.2 Chafe
A definição de Chafe (1976, p. 26-55) tem guiado muitos trabalhos sobre o tema, seja
para avançar o ponto de vista aí apresentado, seja para levantar pontos de divergência. O autor
110
reproduz os seguintes exemplos fornecidos por Li & Thompson (1976, op. cit.) para explicitar
o conceito de Tópico:
(17) nèi-xie shùmu shù-shen dà.
aquelas árvore árvore-tronco grande
‘aquelas árvores os troncos são grandes’
(18) nèi-ge rèn yang mìng George Zhang.
aquela pessoa estrangeiro nome George Zhang
‘aquela pessoa o nome estrangeiro é George Zhang’
(CHAFE, op. cit., p. 50)
A partir dos exemplos, ele define Tópico da seguinte maneira:
“O que os tópicos parecem fazer é limitar a aplicabilidade da
predicação principal a um certo domínio restrito. A grandeza (bigness)
dos troncos aplica-se dentro do domínio daquelas árvores. George
Zhang ser seu nome estrangeiro aplica-se dentro do domínio daquela
pessoa. Tipicamente, parece, o tópico estabelece uma estrutura espacial,
temporal ou individual dentro da qual se a predicação principal”
75
(Chafe, op. cit., p. 50).
5.2.3. Gregory & Michaelis
Gregory & Michaelis (no prelo), numa revisão dos achados de Prince (1997),
investigam a oposição funcional entre Topicalização (Top) e Left Dislocation (LD), aceitando,
portanto, o fato de que essas duas construções não se distribuem casualmente, mas são
controladas por restrições sintáticas ou pragmáticas. Aceitam a diferença formal entre um e
outro tipo de construção, conforme apontada por Ross (1967): Top tem uma lacuna na oração
que corresponde a uma posição argumental que poderia ser preenchida pelo SN preposto;
LD tem um pronome na posição argumental em correferência com o SN preposto:
75
What the topics appear to do is to limit the applicability of the main predication to a certain restricted domain.
The bigness of trunks applies within the domain of those trees. George Zhang being his foreing name applies
within the domain of that person. Typically, it would seem, the topic sets a spatial, temporal, or individual
framework withi which the main predication holds.
111
(19) a. Este ritmo
i
eu não gosto ø
i
= Top
b. Esse cara
i
eu não confio nele
i
= LD
Divergindo de Prince (op. cit.), para quem Top é uma construção mais especializada
do que LD (qualquer contexto em que ocorre Top poderia ter recebido também LD, mas não o
contrário), as autoras apresentam o seguinte exemplo para mostrar que nem sempre que
ocorre Top poderia ter ocorrido LD:
(20) a. That I’m not so sure about ø.
‘Isso eu não estou muito certo.’
b. *That I’m not so sure about it.
* ‘Isso eu não estou muito certo sobre isso.’
As autoras explicam que no exemplo acima, o SN preposto é um pronome anafórico.
No caso de Top, esse pronome é correferente com a posição argumental que ficou vazia; (b)
mostra que o caso de LD é agramatical porque um anafórico não pode preencher lacuna da
posição argumental. Dessa situação, infere-se que as condições de boa formação de Top não
são as mesmas de LD.
Prince distingue três tipos de LD, conforme as funções que desempenham:
(i) LD1 (simplificadora): serve para simplificar o processamento discursivo de
entidades novas, movendo-as para fora da posição sintática hostil a entidades
novas e criando uma unidade de processamento separada para elas (Prince, 1997,
apud Gregory & Michaelis, op. cit., p. 06). Casos típicos de LD simplificadora é
quando o SN preposto, representando uma entidade nova, tem como correferente a
posição Sujeito, a qual não é receptiva a entidades novas.
(ii) LD2 (poset relation): aciona uma inferência da parte do ouvinte de que a entidade
representada pelo SN corresponde de alguma maneira a alguma entidade ou
entidades já evocadas no discurso. Na verdade, incluem-se nesse caso vários tipos
de relações entre o denotatum do SN e referentes previamente evocados: membro
de, parte de, subtipo de, atributo de e igual a. A esse conjunto de possibilidades a
que as autoras têm chamado de partially-ordered set relation (poset relation) nós
112
chamaremos de relação de pertença, mesmo sob risco de não traduzir
adequadamente a relação.
(iii)LD3: trata-se de um mecanismo para superar as restrições sobre movimentos de
longa distância.
Para as estruturas de Topicalização, Prince (1985 e 1997 apud GREGORY &
MICHAELIS, op. cit.) aponta as seguintes funções simultâneas: uma idêntica à de LD2, e
outra que consiste em marcar uma proposição aberta como se esta estivesse completa na
consciência do ouvinte no momento da recepção do enunciado.
No corpus analisado pelas autoras a ocorrência de LD concentrou-se nos dois
primeiros tipos, o que determinou que suas conclusões se restringissem a LD1 e LD2,
fazendo-se contraponto com Top. De 187 construções de LD, 167 apresentavam pronome
correferente do SN na função Sujeito. Esse achado, comentam as autoras, sugere que LD
desempenha, de modo geral, a função atribuída por Prince a LD1 apenas.
Essa estratégia de otimização do processamento discursivo evoca o “Princípio de
Separação de Referência e Papel” de Lambrecht (1994, p. 185, apud GREGORY &
MICHAELIS, op. cit., p. 10). Lambrecht enuncia esse princípio como uma máxima: “Não
introduza um referente e fale sobre ele na mesma oração.”
76
A estrutura com LD possibilita
ao falante apresentar um referente numa posição extra-oracional, de modo que o que seria
uma entidade discursiva nova seja prontamente expressa por meio de um pronome, ao qual é
atribuída a função canônica de Sujeito na configuração oracional.
Notando a tendência de os falantes usarem LD como artifício para posicionar o SN
correspondente à entidade nova num lugar reservado a Tópicos, as autoras resumem as
funções de LD a uma apenas: a de promover entidades a Tópicos (topic promotion),
entendidos apenas no nível da sentença (op. cit., p. 10). Concordando com vários autores que
trataram do mesmo tema (Strawson , 1964, Reinhart, 1981, Gundel, 1988 e Lambrecht, 1994),
as autoras ilustram sua compreensão de Tópico citando as seguintes definições:
76
Do not introduce a referent and talk about it in the same clause.
113
(21) a. Um referente é interpretado como o tópico de uma proposição se num dado
discurso a proposição é entendida como sendo a respeito desse referente.
77
(Lambrecht, 1994, p. 127, apud op. cit., p. 11)
b. Uma entidade E é o tópico de uma sentença S, se ao usar S o falante pretende
incrementar o conhecimento do destinatário a respeito de E, pedir
informação a respeito de E ou, de outra maneira, levar o destinatário a agir
com relação a E.
78
(Gundel, 1988, p. 210, apud op. cit., p. 11)
Toma-se, assim, o Tópico como uma relação pragmática, e, como tal, distinto da
função gramatical Sujeito, que repousa sobre a relação de um argumento particular com um
verbo particular. Com efeito, podem ser Tópicos tanto Sujeitos quanto Objetos. Acatando-se
pressupostos teóricos da Teoria da Gramática Funcional (DIK, 1989), entende-se que a
atribuição da função Sujeito a uma dada entidade significa atribuir a ela a perspectiva a partir
da qual se apresenta o evento; a atribuição da função pragmática Tópico a uma certa entidade
implica atribuir a essa entidade a perspectiva a partir da qual se estrutura o discurso, é a
perspectivização contextual. Daí podermos dizer que o Sujeito é estruturante da sentença, é
estruturante do nível gramatical; já o Tópico é estruturante do discurso. Assim, quando
coincidência entre as funções Tópico e Sujeito num mesmo constituinte, temos a expressão da
perspectiva discursiva no nível da gramática.
Da mesma forma como o Tópico se distingue da função gramatical, distingue-se
também do status informacional (novo/dado): pode ser atribuída a função de Tópico a uma
entidade dada ou a uma entidade nova. A propósito dessa correlação entre função pragmática,
status informacional e função gramatical, diversos estudos no Brasil, como por exemplo
Braga (1984 e 1988), Braga e Machline (1984) e Berlinck (1989). No contexto da Teoria da
Gramática Funcional, uma boa discussão sobre o mesmo tema podemos ver em Moya (2006,
p. 09-28).
Comparando a relação anafórica do antecedente de um e outro tipo de construção com
o restante do texto em que ocorrem, as autoras constatam que o referente do SN preposto em
Top tende a ter antecedentes no discurso, diferentemente do que acontece em LD. Em 62% de
77
A referent is interpreted as the topic of a proposition if in a given discourse the proposition is construed as
being about this referent.
114
todos os casos de LD, o denotatum do SN não tinha sido previamente mencionado; ao passo
que nas construções de Top, só 25% dos SNs não haviam sido mencionados previamente.
Outra constatação interessante das autoras é o fato de que o denotatum do SN em LD é
muito mais persistente no discurso (persistência tópica) do que o denotatum de Top.
Os resultados da pesquisa podem, enfim, ser esquematizados da seguinte forma:
1. O SN em Top tem antecedente e não persiste no discurso.
2. O SN em LD não tem antecedente e persiste no discurso.
3. O padrão LD é usado para fixar novos Tópicos no discurso.
5.2.4 Pontes
No Brasil, importante trabalho que se insere nessa tradição dos estudos das funções
pragmáticas de constituintes da sentença é o de Pontes (1987). Adotando nomenclatura
sugerida por Li & Tompson (1976), a autora define o PB como uma língua de proeminência
de Tópico e de Sujeito. É a partir do trabalho dessa autora e da classificação tipológica,
segundo ela, do PB que Kato (1996) formula sua interpretação das relativas não-padrão como
relativização da posição não canônica adjunta à oração chamada por Pontes de Tópico e
chamada por Kato de LD.
A autora encontra no PB várias construções estruturalmente muito semelhantes aos
exemplos do mandarim apresentados por Li & Thompson (1976):
(22) Essa bolsa as coisas somem, aqui dentro.
(23) Essa bolsa aberta aí, eu podia te roubar a carteira.
(24) A última prisão dele, sabe o que que ele fez?
(25) As cadeiras optativas, cê precisa ter um conhecimento bom primeiro.
(26) Eu agora, cabô desculpa de concurso, né?
(27) O Mardônio pifou o freio de mão do carro e ele foi levar na oficina.
(PONTES, op. cit., p. 13)
78
An entity E is the topic of a sentence S, iff in using S the speaker intends to increase the addressee’s
knowledge about, request information about, or otherwise get the addressee to act with respect to E.
115
Ela evoca a definição de Tópico conforme Chafe (1976) e Li & Thompson (op. cit.),
para os quais o que caracteriza o Tópico é ele estabelecer um quadro de referência para o que
vai ser dito (cf. PONTES, op. cit., p. 13-14) e 5.2.1 e 5.2.2 acima). Em todos os casos acima,
o SN preposto lança o Tópico, sobre o qual se faz um comentário através de uma sentença
completa, com Sujeito e predicado. A autora ressalta que, nessas construções, “a relação que
se estabelece entre o comentário e o tópico é puramente semântica, não se pode dizer que um
elemento da sentença-comentário foi ‘topicalizado’.” Sua argumentação segue levantando
ressalvas quanto a um tratamento formal que postularia o deslocamento de algum elemento
para a posição adjunta à sentença. A única construção, conforme a autora, que poderia admitir
a análise segundo a qual teria havido o deslocamento de um elemento para a esquerda da
sentença é a (27). Essa poderia ser vista como derivada de “Pifou o freio de mão do carro do
Mardônio e ele foi levar o carro na oficina”, mas essa análise “ignora totalmente a função da
construção de tópico no discurso.” Conforme a autora, essa construção ocorreu numa
conversa em que o Tópico era “o Mardônio”; a frase dada seguia a pergunta “O que houve
com o Mardônio?” (PONTES, op. cit., p. 14).
Os dados de Pontes levam-na a concluir que as “construções de tópico” não podem
introduzir um tópico novo. A autora lembra que quando vamos apresentar um tópico novo
recorremos a estratégias como Lembra do Fulano?”, “Sabe o Fulano”, estratégia que muito
se parece com LD1, conforme Prince, acima. Por essa estratégia cria-se uma unidade de
processamento separada para a entidade nova, com o objetivo de simplificar o processamento
discursivo. Ressalve-se que em nenhum dos exemplos de Pontes o SN é correferente do
Sujeito, posição hostil para a entidade nova, da oração-comentário. De todo modo, atende-se a
máxima de Lambrecht, acima, de que não se deve apresentar o tópico e falar-se dele numa
mesma oração.
Além de LD1, a autora enumera ocorrências que se podem identificar com o que
Prince classificou como LD2, a estrutura que indica relação de pertença entre o SN preposto e
uma entidade na oração:
(28) A grande maioria desse pessoal
i
, gente, as mulheres
i
são verdadeiras heroínas.
(29) Aqueles livros da coleção Syntax & Semantics
i
, eu comprei um deles
i
por 40
dolares.
(PONTES, op. cit., p. 18)
116
Ela também enumera casos que se pode identificar com LD3, como se pode ver no
exemplo:
(30) Esse moço
i
parece que ele
i
é da Colômbia.
(PONTES, op. cit., p. 24)
Há, ainda, casos que se podem identificar com Top:
(31) Washington
i
a neve é pouca ø
i
.
(PONTES, op. cit., p. 18)
É bom ressaltar que a autora não vê, no PB, clara distinção entre LD – tipo de
construção gerada por regra de deslocamento à esquerda (sic) – e Top – construção gerada por
regra de topicalização (sic). Dado que a diferença formal entre essas construções seria o fato
de que em LD aparece um pronome anafórico dentro da oração, e em Top não há tal pronome,
a autora aponta como grande dificuldade de se distinguir entre LD e Top ser a elipse, em
nossa língua, muito mais livre do que em inglês, língua em que se baseia essa distinção.
Uma evidência dessa opcionalidade do pronome em contextos anafóricos, conforme a
autora, seria o fato de que nas orações relativas também é possível ocorrer o pronome ou não.
“E ninguém até hoje, (...), propôs considerá-las duas construções diferentes.” (PONTES, op.
cit., p. 66.)
“A opcionalidade do pronome faz com que haja duas possibilidades para a
análise dessas construções de tópico:
a) que exista uma construção só, sendo o pronome opcional. Sua ocorrência
seria devida a fatores como: eliminar ambigüidades, tornar mais claro o
sentido;
b) que existam duas construções diferentes, com o pronome sendo opcional
numa e na outra ausente.” (PONTES, op. cit., p. 65-66)
A autora conclui apenas que a elipse do pronome em certos casos não é possível e que
sobre o uso do pronome há restrições, que precisam ser estudadas.
117
5.3 As funções pragmáticas e as orações relativas
A proposta de se relacionar função pragmática com orações relativas no PB não é
nova, de fato. Como se viu acima, à exaustão, Kato (1996) foi quem primeiro teve o insight.
Sua análise, servindo-se de referencial teórico gerativista, aproveita achados de Pontes (1987)
como argumentos empíricos para se fundamentar.
Ela afirma que a autora atestou no PB, registro oral, a presença maciça de construções
de LD com pronome (exemplo (32 a)), LD correferente a objeto nulo (exemplo (32 b)), LD
identificado com um locativo (exemplo (32 c) e LD correferente a um complemento nominal
(exemplo (32 d)):
(32) a. Esse buraco
i
, taparam ele
i
outro dia.
b. Essa cerveja
i
eu não gosto ø
i
.
c. O seu regime
i
entra muito laticínio ø
i
?
d. As cadeiras optativas
i
, cê precisa ter um conhecimento ø
i
bom primeiro.
(KATO, op. cit., p. 230)
Como se pode ver, Kato entende existir sempre uma posição em correferência com o
SN preposto à oração, correferência manifesta por meio de alguma expressão anafórica, (31
a), ou por meio de anáfora zero. De fato, desconsiderando-se o contexto em que se teriam
dado tais enunciados, é essa uma interpretação bem plausível. Aceitando-se, contudo, o
testemunho de Pontes (1987) sobre tais exemplos, fica menos aceitável a sugestão de Kato:
“(...) O importante é que o comentário é feito através de uma sentença
completa, com sujeito e predicado. Observe-se que nas construções (...) a
relação que se estabelece entre o comentário e o tópico é puramente
semântica, não se pode dizer que um elemento da sentença comentário foi
‘topicalizado’. A frase (12) [neste trabalho: frase (31 d)], por exemplo, não
deve ser entendida como se o SN ‘as cadeiras optativas’ tivesse sido
deslocado para a esquerda a partir de algo como ‘Você precisa ter um
conhecimento bom primeiro das cadeiras optativas’, mas sim como ‘As
cadeiras optativas, ce precisa ter um conhecimento bom primeiro, antes de
cursá-las’. No contexto em que foi dita, ficou evidente esse sentido. Parece-me
impossível formular uma transformação de topicalização para esse tipo de
construção.” (PONTES, op. cit., p. 14)
118
Note-se que a questão referida por Pontes não é simplesmente o apagamento do
complemento do nome “conhecimento”, complemento nulo que seria correferente do SN
preposto. A questão é que não haveria um constituinte correferente ao SN; o sentido da
expressão é algo como conhecimento geral”, e não “conhecimento das cadeiras”. A autora
tem outras ocorrências do que chama de “construção de tópico” que não abonam a análise
baseada na correferência. Uma bem interessante comentada por ela é a seguinte:
(33) A última prisão dele, sabe o que que ele fez?
(Pontes, op. cit., p. 13)
Desprezando-se a situação de realização desse enunciado, poder-se-ia postular uma
anáfora zero que retomaria “a última prisão” como circunstância de tempo:
(34) A última prisão dele, sabe o que que ele fez (nessa ocasião)?
Mas a autora explica que no contexto em que essa frase foi produzida, significava “Sabe o que
que ele fez para ser preso, da última vez?” (PONTES, op. cit., p. 14). Não há, portanto uma
posição dentro da oração em correferência com o SN preposto, haveria, sim, mais uma oração
implícita:
(35) A última prisão dele, sabe o que que ele fez para ser preso?
O que parece bem claro é que há uma diferença de compreensão de um fato lingüístico
do PB. O conceito de LD, em Kato, pressupõe uma posição em correferência com o elemento
deslocado à esquerda; o conceito de Tópico, em Pontes, lida com ocorrências bem mais
variadas e identifica-se com o conceito de Tema, conforme Dik (1997) apresentado acima.
Quanto às relativas correspondentes às construções de Tema, Kato também postula
sempre a existência de uma posição sintática dentro da oração em correferência com o
vestígio do elemento deslocado à esquerda. Essa correferência necessária é o primeiro ponto
de divergência entre a proposta de descrição das relativas neste trabalho e a descrição dada
por Kato. Para o exemplo de Pontes (op. cit.) citado acima como (32 d), Kato propõe uma
relativa equivalente, reproduzida em (36):
119
(36) As cadeiras optativas que cê precisa ter um conhecimento bom primeiro...
(Kato, op. cit., p. 230)
Dentro da oração propriamente “que precisa ter um conhecimento bom primeiro”,
com base no que afirmou Pontes, acima, não é possível postular uma posição em
correferência com o SN “as cadeiras optativas”, que seria ligado ao vestígio em LD. Para
aquele sentido contextual informado por Pontes, não seria adequada a leitura dada em (37)
com base no modelo teórico de Kato:
(37) As cadeiras optativas que (
LD
essas cadeiras optativas)
i
precisa ter um
conhecimento bom *(sobre elas)
i
primeiro...
No conjunto de dados que temos, tirados de fontes diversas
79
, encontram-se
ocorrências em que não uma posição sintática disponível dentro da oração relativa em que
se possa ver correferência com o SN antecedente. Esse tipo de construção levou-nos a propor
um outro modelo de estrutura que descrevesse as construções relativas, a qual passamos a
apresentar agora.
5.3.1 A posição sintática dentro da relativa em correferência com o antecedente
Na versão da gramática tradicional, as construções relativas são introduzidas por um
pronome relativo, que se define como um morfema com funções anafóricas, na medida em
que retoma o referente do SN à sua esquerda, projetando-o na oração relativa, com alguma
função sintática. Consoante a função sintática desempenhada dentro da relativa é a forma do
pronome relativo; casos especiais são as funções Sujeito, predicativo e Objeto Direto, que se
realizam por meio de uma forma homônima “que”, em caso nominativo. As demais funções
são marcadas por alguma conjunção que antecede o pronome relativo ou são visibilizadas por
meio da forma genitiva “cujo” e demais formas flexionadas: “cuja”, “cujos”, “cujas”. O
79
Conforme já ficou dito na introdução deste trabalho, os dados que dão subsídio à análise proposta foram
extraídos de inquéritos do NURC, do VALPB, e do PEUL, de redações de alunos do Ensino Médio e de
vestibulandos, de artigos e entrevistas publicados em jornais, de anúncios impressos e televisivos, de gravações
de programas televisivos como telenovelas, debates esportivos e de textos da Internet. Além desses,
esporadicamente também nos valemos de exemplos já discutidos em outros trabalhos, por outros autores.
120
pronome relativo, de todo modo, além de conectar a oração relativa à principal por meio de
sua propriedade anafórica, indica a natureza da variável relativizada, o que torna necessária a
existência de uma posição sintática dentro da relativa.
Tomamos aqui os exemplos de Rocha Lima (1979) para demonstrar as diversas
funções que o pronome relativo representa:
(38) Ele fitava a noite que cobria o cais. (Jorge Amado) (que: Sujeito de “cobria”)
(39) As idéias, que tanto amavas, já não são tuas companheiras de toda hora?
(Drummond) (que: Objeto Direto de “amavas”)
(40) Vai pioneiro e solitário o Arcebispo, como santo e desacompanhado / que ele é,
neste mundo vazio ... (Augusto Meyer) (que: predicativo)
(41) Pálidas crianças / A quem ninguém diz: / Anjos, debandai!... (Manuel Bandeira)
(a quem: Objeto Indireto de “diz”)
(42) As terras de que era dono / valiam mais que um ducado. (Cecília Meireles) (de
que: adjunto adnominal de “dono”)
(43) Morreu cego o famoso Afonso Domingues, / por quem foi construído o Mosteiro
da Batalha. (sem fonte) (por quem: agente da passiva)
(44) Esses eram momentos / em que ela sofria / mas amava seu sofrimento. (Clarice
Lispector) (em que: adjunto adverbial de “sofria”)
(ROCHA LIMA, op. cit., p. 240-1; o destaque foi acrescentado ao original)
Conforme Tarallo (1983), discutido na Seção 4, esse tipo de construção explica-se por
meio de um processo de movimento a que a tradição gerativista chamou de pied-piping. O
pronome relativo assume uma certa forma em função da posição sintática de onde teria sido
movido o constituinte-qu. São correferentes a lacuna de onde saiu a relativização, o pronome
relativo e o antecedente.
As construções não-padrão não dariam visibilidade à função sintática relativizada
através do morfema de relativização, o qual assumiria a forma invariante de um “que”
conjuntor, de mesmo estatuto da conjunção integrante das orações completivas. Nesse caso, a
posição sintática seria preenchida por um pronome anafórico ou se daria uma anáfora zero,
contando para isso com o conhecimento lingüístico do ouvinte/leitor. A correferência, aliás,
dar-se-ia diretamente entre a posição relativizada e o antecedente.
Adaptando-se (42), podemos demonstrar essa relação:
121
(43) As terras
i
que ele era dono [ ø / delas]
i
valiam mais que um ducado.
Na interpretação de Kato (1996), a cadeia anafórica da construção acima seria a
seguinte:
(44) As terras
i
que
i
(
LD
t
i
) ele era dono [ø / delas]
i
valiam mais que um ducado.
A autora explica que, no caso das relativas com pronome-lembrete (e também no caso das
relativas de lacuna, como se ao longo de seu texto), a falta de efeito de ilha se deve ao fato
de que o vestígio em LD mantém relação de correferência com pronomes mesmo distantes
mais de uma barreira, pois “correferência, ao contrário de ligação, não se submete à
subjacência” (KATO, 1996, p. 228).
Dessa forma, os três modelos de descrição das relativas o modelo da Gramática
Tradicional, o modelo proposto por Tarallo (op. cit.) e o proposto por Kato (op. cit.)
pressupõem a existência de posição sintática, dentro da oração relativa propriamente, em
correferência com o SN na cabeça da construção. A existência desse tipo de correferência é,
na verdade, parte da própria definição de orações relativas, conforme se pôde constatar pelos
estudos tipológicos apresentados na Seção 3.
Conforme Keenan & Comrie (1977), Givón (1979 e 1990) e Dik (1997), a construção
relativa apresenta um antecedente que compartilha o índice referencial com um dos elementos
da estrutura argumental do predicado da oração. A retomada anafórica do SN à esquerda,
aliás, é o que o define como “antecedente”; se ele não mantiver uma relação anafórica com
algum dos participantes da predicação, ou da oração, à direita, ele não é “antecedente”
80
.
Tendo encontrado construções em que ou não é tão evidente essa relação de
correferência, ou ela simplesmente parece não existir, ficamos instigados a qualificar o tipo de
relação anafórica entre antecedente e posição argumental dentro da oração. Em primeiro
lugar, é preciso deixar claro que “anáfora” é um conceito mais abrangente do que
“correferência”. Diz-se que correferência quando duas unidades léxicas referenciais têm o
mesmo referente, designam a mesma entidade (DIK (op. cit., p. 216); APOTHÉLOZ (2003, p.
61) e MILNER (2003, p. 112-113)); a anáfora inclui diversos casos em que o elemento
80
Dik (1997, p. 215), em nota, informa que, de acordo com Cornish (1986, p. 6) relativum como em pronomen
relativum seria tradução latina de anaphorikos, grego, e que portanto, um nexo entre relativização e anáfora é
uma propriedade desse tipo de construção desde sempre.
122
anafórico não é estritamente correferente de seu antecedente. Ilustre-se isso por meio dos
exemplos abaixo:
(45) Certos elefantes vivem até os 90 anos, mas, em geral, eles vivem menos tempo.
(46) Nós reprovamos mais estudantes do que eles esperavam.
(47) Nós raspamos a cabeleira de Sansão, mas ela cresceu novamente.
(MILNER, op. cit., p. 116)
(48) A festa estava tolerável, mas a música era horrível.
(49) Uma senhora foi assaltada na Rua... ontem. O assaltante... a vítima...
(DIK, 1997, p. 217)
Em cada um desses exemplos temos um tipo diferente de anáfora, mas em nenhum
temos propriamente correferência uma vez que não identidade perfeita de referente. Em
(45), a disjunção entre dois grupos de indivíduos: é evidente que o grupo de elefantes que
vive até os 90 anos não inclui os que vivem menos tempo; em (46), pode haver interseção ou
inclusão do primeiro grupo no segundo, mas não identidade; em (47), a identidade do
referente do pronome anafórico é totalmente diferente da do SN anaforizado; em (48) e (49),
por fim, os anafóricos nominais “a música” e assaltante” / “vítima” são identificados por
inferência como subtópicos das respectivas entidades antecedentes: “a festa” e toda a
predicação dada na oração anterior.
Nas construções relativas também encontramos um quadro complexo de referências
anafóricas que está bem longe de poder ser simplificado por meio da noção de
correferência.
(50) Aquele diretor que você gosta é sem dúvida aquele que você espera pelo próximo
filme. (Net, 06)
Não parece tão satisfatória, nem necessária, a solução de defender a existência de um
elemento anafórico integrando o constituinte “próximo filme” e em correferência com o
antecedente “aquele”. Coerentemente com o quadro funcionalista, prefere-se analisar o que se
tem realmente produzido. Assim, vamos propor que o próximo filme” está em relação de
anáfora com o antecedente “aquele”, mas não em correferência, pois não identidade de
referência ; “aquele”, por sua vez, está em correferência propriamente com “aquele diretor
que você gosta”. A interpretação do anafórico, sem dúvida é contextualmente dependente do
123
antecedente, mas cada um tem uma referência própria. O tipo de relação entre os respectivos
referentes é identificado na base da inferência. Convém lembrar que qualquer expressão
anafórica é usada para fazer referência a alguma entidade e não ao antecedente; se a
entidade da expressão anafórica for a mesma do antecedente é que se poderá falar em
correferência.
(51) pessoas que não demonstram ciúmes (...) outras que a vida gira em torno
deste sentimento. (redvest)
Nesse exemplo, no trecho em destaque, a relação anafórica dá-se entre “a vida” e
“outras”. Para se falar em correferência precisaríamos ter a mesma referência, e não é o que
vemos aí. Uma descrição que forjasse a correferência não seria possível sem risco de se forçar
um sentido que poderia não ser o pretendido. Se a descrição sintática propuser que a posição
seja preenchida por “para elas” (“para elas a vida gira em torno deste sentimento”), a
construção relativa teria um sentido de não comprometimento do falante com relação à
proposição, sua interpretação seria de atitude subjetiva acerca da proposição; se a descrição,
por outro lado, propuser o preenchimento com “delas” (“a vida delas gira em torno deste
sentimento”), o sentido seria factivo. O modelo de descrição deve deixar margem para uma ou
outra interpretação conforme a situação.
Outro tipo de relação anafórica é o que se estabelece no exemplo abaixo:
(52) Ainda tem as amigas que sempre há uma que tem a opinião pré-formada...
(redvest)
Aí, a relação anafórica instaura-se na base da inclusão; o anafórico “uma” está incluído no
conjunto designado por “as amigas”.
Nas ocorrências de construções relativas mostradas entre (50) e (52), é forçoso
reconhecer que é possível formular variantes correspondentes da variedade culta escrita:
(53) a. ... aquele cujo próximo filme você espera
b. ... outras cuja vida gira em torno deste sentimento
b’ ... outras para quem a vida gira em torno deste sentimento
c ... as amigas entre as quais sempre há uma
124
Mas temos também casos em que fica muito difícil postular que tenha havido
apagamento de algum termo dentro da oração relativa:
(54) A grande motivação que eu acho é o seguinte, é preferível ter gente que te ame,
isso eu quero dizer pra você telespectador que tá ouvindo ... (Sptv, 2003)
(55) Se for o rapaz que eu penso, ele é muito correto.
81
(56) Tinha um japonesinho que a gente fazia bicicrós juntos, e eu troquei com ele
uma BMX que minha mãe tinha me dado. (FE)
Em (54) e (55), considerando-se o significado dos verbos das relativas, a posição de
Objeto seria preenchida por uma proposição (um sintagma oracional) e não um termo simples
(um SN) em correferência com o SN cabeça da construção. Numa interpretação artificiosa até
se poderia propor que (54) fosse uma reordenação de “eu acho que a grande motivação é o
seguinte...”, mas levar a sério essa transformação significa desprezar a importância
pragmática de construções do tipo da ocorrida, em que se posiciona o SN fronteando a
predicação para orientar o ouvinte sobre o conteúdo proposicional que se seguirá. em (54),
a interpretação de que há elipse de um anafórico na posição de segundo argumento do
predicado forçaria a correferência com o SN “o rapaz”, mas não respeitaria o sentido do
enunciado, que parece ser “se for o rapaz que eu penso que ele é, ele é muito correto”.
(56) é uma evidência irrefutável de que a relação do antecedente com a predicação que
o segue é semântica e pragmática, muito mais do que sintática. Com efeito, infere-se que o
referente de “um japonesinho” está incluído na forma “a gente”, mas não identidade de
índices referenciais entre os dois termos.
As pesquisas (por exemplo: Tarallo (1983), Kato (1996), Corrêa (1998), Assis (1988),
Lemle (1978) etc.) que têm como tema as construções relativas lidam com ocorrências que
podem ter contrapartida na variante padrão, na variante copiadora ou na variante cortadora,
porque sempre consideram a existência de uma posição sintática interna à relativa em
correferência com o SN antecedente.
a proposta original deste trabalho é a de um modelo teórico de descrição que acolha
as construções relativas com anáfora ou sem anáfora, pois entende-se que nem sempre há uma
posição sintática dentro da predicação para ser preenchida pelo mesmo referente do SN
antecedente. O pressuposto subjacente a essa proposta é o de que o nexo que se estabelece
81
Trata-se de um exemplo de Corrêa (1998, p. 23), traduzido do francês, a partir de Bouchard (1982). De acordo
com o quadro teórico adotado pela autora, postula-se uma elipse na posição de complemento do predicado.
125
entre a predicação e o SN preposto é de natureza semântica e pragmática, e não sintática. Se é
plausível o que estamos argumentando, não é possível formular contrapartidas de 54-56:
(57) a grande motivação
i
que
i
eu acho *(ela / ø)
i
(58) se for o rapaz
i
que
i
eu penso* (nele / ø)
i
(59) tinha um japonesinho
i
que
i
*(ele / ø)
i
fazia bicicrós juntos
Além desses casos, um muito interessante quanto à anáfora na relativa é o que vemos
em (60) abaixo:
(60) o Opala É um carro que você sente o carro na mão. (PEUL, Amostras... F25, p.
51)
Não há dúvida de que o SN “um carro” é anaforizado em “o carro”, todavia não parece
haver identidade de referente. O segundo SN parece ser mais bem interpretado num sentido
mais abstrato, algo como “dirigibilidade”, “desempenho”. Assim teríamos um caso
semelhante aos enumerados de (57) a (59).
5.3.2 O papel do antecedente em relação à oração relativa
Tomando como referência as considerações teóricas acerca do papel do antecedente
em relação à predicação que o segue na forma de uma relativa, vemos que, para todos autores,
o referente do antecedente participa de alguma maneira do Estado de Coisas codificado.
Considerando também as posições que são tradicionalmente relativizadas, devemos entender
da maneira mais lata possível essa participação do referente do antecedente, pois ele pode ser
um dos protagonistas (Sujeito ou Objeto), pode ser um elemento do cenário (o lugar, por
exemplo), pode ser um instrumento, pode ser membro ou parte de um dos participantes
propriamente etc. É o modo de participação do referente do antecedente na predicação que
determinara o tipo de termo
82
que o codificará o antecedente não terá participação como
termo no caso em que a relativização se expressa por meio de um genitivo, pois o que se
82
Tomamos o conceito de termo no sentido atribuído pela Teoria da Gramática Funcional (Dik (1989) e (1997)),
ou seja, como qualquer um dos argumentos ou satélites do predicado.
126
relativiza é um atributo de termo e não o termo propriamente. Na estratégia padrão, a
marcação morfológica do pronome relativo antecipa o papel que o referente do antecedente
tem dentro da predicação; na estratégia padrão o pronome relativo marca fronteiras de
orações, retoma o referente do SN e explicita morfologicamente como é a participação desse
mesmo referente na predicação à direita. Vejamos um caso de explicitação antecipada do
papel do antecedente:
(61) O entendimento do texto do aluno como um trabalho sobre a linguagem está
associado à própria língua ou seja a que é ensinada nas instituições através de
livros didáticos para cujo manuseio / para o manuseio dos quais muitas vezes os
professores e alunos não estão preparados.
Note-se que num caso como esse e isso não é raro; só se excetuam casos em que o
referente do antecedente participa como Sujeito da relativa a ordem preferida dos
constituintes é forçosamente preterida em benefício da marcação de caso do antecedente, o
que pode causar dificuldades de processamento discursivo numa língua de ordem preferida
SVO
83
.
A versão original desse enunciado, num texto de uma aluna de último ano do curso de
Letras foi a seguinte:
(62) O entendimento do texto do aluno como um trabalho sobre a linguagem está
associado à própria língua ou seja a que é ensinada nas instituições através de
livros didáticos que muitas vezes os professores e alunos não estão preparados
para o manuseio. (redlet)
Nas estratégias não-padrão, como se pode ver em (61), o antecedente torna-se
sintaticamente muito mais independente em relação à oração relativa, tanto é assim que se ele
desempenha função sintática dentro da predicação, essa não é dada antecipadamente, mas por
meio de algum elemento anafórico (anáfora nominal, pronominal ou elipse), na devida
posição sintática da predicação. Essa configuração respeita mais a ordem preferida da língua
ou a ordem menos marcada em orações absolutas, declarativas e afirmativas.
83
A propósito da ordem de constituintes no PB, ver Pezatti e Camacho (1997)
127
Dada a natureza da relação do antecedente com a oração relativa não-padrão, ele pode
ser visto como Tema. Na sentença matriz em que se encaixa a relativa, esse antecedente
desempenha função sintática (Sujeito, OD, OI etc.) e semântica (Agente, Meta, Recipiente
etc.), mas é encetado na construção relativa pelo morfema “que” como Tema da predicação
subseqüente. E, como tal, deve ser descrito a partir das propriedades discutidas acima, que
articulamos agora com as relativas:
(i) Como Tema, o SN antecedente é externo à predicação; ele antecede uma
predicação completa, como mostram os exemplos abaixo.
(63) Existe aquela pessoa que você daria tudo para ficar com ele, mas ele não te
muita importância... (redvest)
(64) Conheço um cara que você nunca viu ninguém mais engraçado do que ele. (FE)
(65) tive uma viagem num trenzinho especial que o dono do trem era eu... saí de
Campinas... trouxe o trem até Barra do Piraí... (NURC/RJ D2 158)
(66) em Salvador eu andei em ruas que eu não podia virar de uma esquina pra
outra sem manobrar o carro... (NURC/RJ D2 158)
(ii) O constituinte revestido da função Tema é apresentado geralmente na forma
absoluta, ou na forma menos marcada morfologicamente. Isso se comprova no fato
de que o morfema introdutor da relativa não marca caso. Os exemplos (54)-(56) e
(63)-(66) demonstram isso.
(iii) Por ser externo à predicação codificada na relativa, o antecedente, como Tema,
não tem necessariamente uma posição em correferência:
(67) Ontem na rua, eu vi uma cena
i
que
i
eu nunca dei tanta risada. (FE)
(iv) Como Tema, o antecedente da relativa especifica um domínio ou um conjunto de
entidades a respeito do qual a oração relativa apresenta alguma informação
relevante. Sendo a relação entre Tema e predicação uma relação pragmática, sua
interpretação é baseada na inferência, no conhecimento de mundo e na
interpretação das pistas situacionais do discurso. Veja-se isso pela construção
128
(68a) a partir da qual somente com base nos dados situacionais é possível chegar a
uma interpretação aceitável:
(68) a. a menina que eu falei chegou
b. a menina que eu falei sobre ela chegou
c. a menina que eu falei com ela chegou
d. a menina que eu falei que ela vinha chegou
84
Construções relativas com lacuna como (68 a) levaram Lemle (1978) a advogar em favor da
tese da funcionalidade da estratégia copiadora como recurso de desambiguação de enunciados
e superação de restrições formais. Tal funcionalidade talvez explique a longevidade da
variante copiadora.
A independência do Tema em relação à predicação pode ser evidenciada também pela
segunda propriedade apontada em 5.1.1.1: o Tema tem seu próprio status ilocucionário. No
caso de Tema+Relativa, não encontramos ocorrências que dessem a certeza de estarmos
diante de forças ilocucionárias diferentes, mas encontramos enunciados em que o falante, ao
inserir material interveniente imediatamente após o SN antecedente, a impressão de
produzir dois atos de fala:
(69) E esses ingressos aí, não é? Que venderam para os estrangeiros, não é? E [não]
não chegaram não tinha mais lugar pra ficar, não é? (PEUL, Amostras...
F25, p. 55)
(70) Mas eu gostava muito de dançar caipira, sabe? Mas agora- mas não tem mais
aquela emoção, rapaz! que você tinha antes. (PEUL, Amostras... F25, p. 56)
Em (69) parece que a pergunta, propriamente, é feita na primeira oração. A segunda
oração parece prestar-se a um esclarecimento. Em (70), a oração do antecedente é convertida
em exclamação por meio da expressão “rapaz!”; a relativa, aí também, parece prestar-se a um
esclarecimento.
84
Parece que é a ocorrência do antecedente como Tema, em termos de processamento lingüístico, que licencia a
ocorrência de uma proposição encaixada.
129
5.3.3 A classificação do morfema introdutor da relativa
Conforme vimos até aqui, a estratégia padrão de relativização é introduzida por um
morfema que, além de anaforizar o antecedente, explicita por antecipação a função sintática
da variável relativizada. Quanto à classificação desse morfema introdutor da relativa padrão,
um consenso: trata-se de pronome relativo. O mesmo não acontece com o que introduz a
relativa não-padrão.
Para Tarallo (1983), trata-se de um conjuntor do mesmo estatuto do morfema que
introduz orações completivas. Para ele, o “que” invariante das relativas é uma conjunção
integrante, que perdeu o valor anafórico e antecipatório; não tem índice referencial,
portanto não pode nem retomar o antecedente nem antecipar a função sintática da variável
relativizada. É palavra meramente gramatical.
Kato (1996) resgata para tal morfema o estatuto tradicional de pronome relativo. Ela
baseia essa classificação na descrição teórica que propõe para as relativas não-padrão.
Segundo ela, o “que” é pronome relativo extraído da posição não-canônica adjunta à
predicação (LD). Ela afirma também que “sempre a ligação do operador relativo-Q com
uma posição vazia v variável na sentença.” (KATO, op. cit., p. 227) A diferença entre o
pronome relativo da estratégia padrão e o pronome relativo da estratégia não-padrão seria o
lugar de onde se daria a extração: o pronome relativo da estratégia padrão extrairia o
constituinte relativizado da posição sintática dentro da relativa e explicitaria essa variável por
meio de caso morfológico; o pronome relativo da estratégia não-padrão extrairia de LD. A
classificação desse morfema como pronome relativo deve-se, então, ao fato de ser uma
indicação formal de ter havido movimento de constituinte.
No modelo descritivo que estamos propondo, o “que” deve ser visto como pronome
relativo, ainda que esteja quase reduzido à categoria puramente relacional, aliás, ainda que
tenha perdido as propriedades nominais de gênero, número e caso. O que justifica
fundamentalmente a manutenção da classificação tradicional é o fato de ele preservar a
propriedade essencial de pronome relativo: a propriedade anafórica, uma vez que ele carrega
o referente do antecedente para a oração seguinte. Carregando o referente “para a frente”, o
morfema passa a fazer as vezes do próprio SN, isto é, sua interpretação fica totalmente
dependente deste
85
.
85
Conferir as propriedades do pronome relativo apontadas em 3.2.3.
130
Diferentemente do pronome relativo das construções-padrão, que articula funções
sintática e semântica (que o antecedente desempenha na oração matriz) com funções sintática
e semântica (que o referente do antecedente vai desempenhar na oração relativa), o pronome
relativo das orações não-padrão articula função sintática e semântica (que o antecedente
desempenha na oração matriz) com função pragmática (Tema) que seu referente desempenha
com relação à oração relativa. Assim, o “que” continuaria anafórico e antecipatório
(catafórico), na medida em que retoma o antecedente e indica a função pragmática desse
antecedente para a predicação que segue; ele projeta um SN de uma oração em outra e faz
uma espécie de comutação de níveis lingüísticos: do nível gramatical para o nível discursivo.
Vejamos essa correlação pelos exemplos:
(71) Encontre uma pessoa em quem você confie.
(72) me sinto realizada quando eu saio e compro um perfume caro... é... eu compro
uma bolsa que meu marido vai me matar depois pelo preço... mas eu acho que
aquilo... me realiza... (NURC/RJ D2 147)
Em (71), o pronome relativo “quem” retoma o SN “uma pessoa”, que tem como
função sintática Objeto Direto e como função semântica Meta, projetando-o na oração
subseqüente com a função sintática Objeto Indireto e função semântica Beneficiário. É a
preposição que explicita a função semântica do pronome relativo. Note-se, ainda, que nessa
estrutura, o pronome relativo também funciona como uma espécie de comutador, mas a
comutação dá-se dentro do mesmo nível (nem sempre a entidade desempenha funções
diferentes ao passar da oração principal à encaixada).
Em (72), o pronome relativo retoma “bolsa”, que tem função sintática Objeto Direto e
função semântica Meta, promovendo a comutação do nível gramatical para o nível discursivo,
na medida em que e o referente de “bolsana posição de Tema para a oração “meu marido
vai me matar depois pelo preço”.
Essa correlação pode ser um pouco diferente em casos como (73) – (75):
(73) Sabe aquele cara que a mulherada muda de calçada quando vê, de medo?
(“Malhação”, Rede Globo, em 15/02/2006)
(74) Existem coisas que você só percebe os benefícios quando usa. (Anúnc instalação
equip gás natural veicular, FSP, 02/07/2006)
131
(75) Lembra aquela goiabada que a gente desceu pra comprar do lado do hotel? (...)
Tô com vontade de comer aquela goiabada. (Propagtv, Sedex, julho de 2004)
talvez não fosse possível falar em comutação de níveis. A construção relativa trata
de entidades apresentadas em construções existenciais, ou apresentativas, que constituem
recursos de introdução de entidades novas que deverão dominar o discurso subseqüente.
Segundo Franchi et alli (1998, p. 113), tais antecedentes teriam a função de “foco
apresentativo”. O que parece mais saliente nesse tipo de construção é de fato a dimensão
pragmática a fixação de uma entidade que deverá orientar pelo menos parte do discurso
subseqüente. Uma vez apresentada a entidade na construção existencial, ela segue como
Tema, representada pelo “que”, na oração relativa.
Poder-se-ia refutar a classificação do “que” como pronome relativo com base em
alguns estudos tipológicos que sugerem que a ocorrência do pronome relativo repele o uso de
anafóricos na construção relativa (cf. DIK, 1997, p. 48-49, por exemplo). Essa questão no PB,
todavia, merece outro tratamento. Nesse sentido, Comrie (1989, p. 151) propõe que em
línguas em que pronomes correferentes com sintagmas nominais são requeridos ou permitidos
livremente, independentemente da relativização, em orações absolutas, por exemplo, a
ocorrência de pronomes em contextos anafóricos não deve ser tratada como retenção
pronominal. Em línguas em que legitimamente teríamos relativização com retenção
pronominal, essa configuraria um recurso necessário para explicitar a posição da variável
relativizada. Se o PB fosse exatamente esse tipo, ocorrências de lacuna não teriam
aceitabilidade e, mais, a retenção pronominal seria um mecanismo exclusivo da relativização:
não teríamos, por exemplo, ocorrência de pronome pessoal anafórico, Sujeito, imediatamente
após um SN pleno em construções de Tema.
5.4 Aplicando a descrição proposta
Em 6.1.1.1 vimos que o constituinte com a função de Tema ocupa, na estrutura
subjacente da sentença, a posição P2. Se estamos considerando o pronome relativo “que”
como retomada do antecedente, com a função de Tema da predicação, então é natural que o
posicionemos em P2, embora Dik (1989) reserve para elementos como conjunções e
pronomes relativos a posição P1. O problema, salvo engano, da descrição de Dik é que não
considera, assim, a possibilidade de a oração encaixada ter um constituinte com função de
132
Tópico ou de Foco, às quais Dik reserva também a posição P1. Dessa forma, posicionando o
“que” relativo em P2 estamos respeitando a prescrição estrutural de se reservar essa posição
ao constituinte Tema e estamos deixando livre P1 para a lexicalização de um constituinte
Foco ou Tópico. Confira-se isso pelos exemplos:
(76) Eu tenho um amigo que esses livros do Monteiro Lobato ele já leu tudo. (FE)
P2 P1 S X V O
(77) A vizinha que o carro dela o pneu furou...
P2 P1 S V
Salientemos aqui que a diferença mais marcante entre o constituinte Tópico e o
constituinte Tema é a posição relativamente à oração: a função pragmática Tópico é interna à
oração, é função atribuída ao SN que designa a entidade sobre a qual se predica algo; a função
pragmática Tema é externa à oração, é função atribuída ao SN que designa a entidade, ou
conjunto de entidades, que orienta a interpretação de toda a oração subseqüente. Convém
lembrar, com Dik (1997, p. 395), que em línguas que admitem anáfora zero de um dos termos
da predicação (caso do PB) a distinção entre uma construção Tema+Oração e uma construção
de Tópico (com a entidade tópica preposta) pode reduzir-se a mera diferença de entonação.
Feita essa observação, passemos à glosa dos exemplos.
Em (76), o relativo “que” ao anaforizar o SN “um amigo”, colocando-o numa relação
de orientação quanto à interpretação do conteúdo da oração seguinte, assume a posição de
Tema da oração. Ao SN “esses livros de Monteiro Lobato” preposto e em relação anafórica
com o segundo argumento do predicado atribui-se a função de Tópico
86
, uma vez que
especifica entidade que faz parte da predicação. Quanto ao pronome na posição Sujeito da
predicação, trata-se de correferência com o pronome relativo e com o antecedente; a sentença
poderia ser interpretada como malformada caso não houvesse essa anáfora.
em (77), a entidade representada pelo SN antecedente é anaforizada pelo pronome
relativo em P2, mas não participa do EsCo codificado na predicação à sua direita. O índice de
“a vizinha” é partilhado por “dela”, que é um atributo do Tópico. Em termos de correferência,
podemos esquematizar (76) e (77) assim:
86
Não alteraria na essência a descrição aqui proposta se esse SN fosse interpretado como cumprindo a função de
Foco, mas cumpre dizer que na situação em que se deu o enunciado não havia intenção de dar algum tipo de
133
(78) a. Eu tenho um amigo
i
[
T
que
i
] [
Tóp
esses livros do Monteiro Lobato
j
] ele
i
já leu tudo
j
.
b. A vizinha
i
[
T
que
i
] [
Tóp
o carro
j
dela
i
] o pneu (dele /ø)
i
furou...
87
Repare-se que, conforme essa descrição, a única relação de correferência necessária é
entre o antecedente e o pronome relativo, como se pode ver pelo exemplo abaixo:
(79) Esse país
i
, [
T
que
i
] [
Tóp
o presidente
j
] o povo não acredita mais nele
j
, parece que
saiu do marasmo.
88
Ao postular uma posição para o Tópico numa oração subordinada, o que também é
mostrado por Kato (op. cit., p. 237-240), essa descrição contempla engenhosas construções
como a seguinte:
(80) a. É uma pessoa que essas besteiras que a gente fica se preocupando, ela não fica
esquentando a cabeça. (Tarallo, 1983, p.03)
b. É uma pessoa
i
[
T
que
i
] [
Tóp
essas besteiras
j
[
T
que
j
] a gente fica se preocupando
(com elas/ø)
j
], ela
i
não fica esquentando a cabeça.
Note-se que nesse caso temos uma relativa encaixada em outra. A segunda encaixada
estrutura-se como uma predicação que se abriu na posição de Tópico da primeira relativa.
Esquematicamente, teríamos:
(i) É uma pessoa
i
que
i
ela
i
não fica esquentando a cabeça com essas besteiras
(ii)
É uma pessoa
i
que
i
[
Tóp
essas besteiras]
j
ela
i
não fica esquentando a cabeça ø
j
(iii) É uma pessoa
i
que
i
[
Tóp
essas besteiras que a gente fica se preocupando]
j
ela
i
não
fica esquentando a cabeça ø
j
.
ênfase (contraste, por exemplo): comentário de um espectador diante de uma matéria televisiva sobre a obra de
Monteiro Lobato.
87
T= Tema; Tóp= Tópico; as letras subescritas identificam os elementos correferentes.
88
Este exemplo e o (76) foram extraídos de Kato (1996, p. 240 e 230, respectivamente).
134
Certamente Tarallo não interpretou essa sentença do mesmo jeito, conforme se pode
inferir analisando a contrapartida padrão que ele propõe:
(81) É uma pessoa que essas besteiras com que a gente fica se preocupando, ela não fica
esquentando a cabeça. (Tarallo, op. cit., p.03)
Com efeito, é impossível propor uma reformulação (variante padrão) dessa sentença
sem eliminar a função de Tópico que ela apresenta, sem apagar os efeitos comunicativos que
tal configuração evidentemente criou. Veja-se como ficaria uma possível versão como
variante padrão:
(82) É uma pessoa que não fica esquentando a cabeça com essas besteiras com que a
gente fica se preocupando.
Podemos levar a cabo a argumentação em defesa do modelo de descrição apresentado
aqui, dizendo, então, que estratégia padrão e estratégia não-padrão não se equivalem
semântica e pragmaticamente; por isso, precisam ser descritas como fatos diferentes. A
propósito, que chance haveria de termos uma contrapartida padrão para a seguinte ocorrência?
(83) Eu queria agradecer os patrocinadores... aquelas pessoas que se não fosse elas
eu não estaria aqui. (Rádio, 04/2007)
Nesse caso, a relação Tema+Oração é interrompida por um satélite de condição cuja
função, conforme o modelo proposto em Dik (1997, p. 395-396), é a de restringir a validade
da informação subseqüente a um mundo em que a condição seja verdadeira. A condição faz
parte da superfunção Orientação, assim como o Tema. Desse modo, teríamos nessa
construção uma associação das duas funções pragmáticas extra-oracionais, Tema e Condição,
antes da oração propriamente. Todavia, o modelo prevê a possibilidade de integração de
constituintes extra-oracionais à oração, o que os torna intra-oracionais. Em (82) temos, então,
o constituinte com a função Condição integrado à oração, como um satélite condicional. Uma
das marcas de sua integração, conforme Dik, seria a ausência do elemento resumptivo “então”
(Cf. DIK (op. cit., p. 396)).
135
5.5 Balanço final
Por fim, impõe-se o risco de assumir uma posição teórica com relação a uma questão
latente desde o início desta seção: “Afinal, essas construções são mesmo relativas?”
Consideremos alguns pontos já tratados acima.
Numa síntese do que se viu em 5.2 e 5.3, sobre construções de Tema, conforme o
modelo teórico adotado, ou construções de Tópico, conforme a tradição a partir de Li &
Thompson (1976), pode-se dizer que elas permitem aos falantes ativar um referente sem
incluí-lo necessariamente no escopo da oração à sua direita. Do ponto de vista do
processamento, trata-se de uma estratégia de separar a entidade da asserção, ou qualquer outro
ato de fala, que se faz dela; isto é, primeiro o falante faz referência à entidade, depois faz a
asserção acerca dessa entidade. A colocação de uma entidade como Tema diz respeito ao
status informacional presumido dessa entidade na representação mental do discurso da parte
do ouvinte, então a ativação dessa entidade é essencial para a interpretação da oração, mas
não é ou não precisa ser um componente da predicação. Se o Tema especifica uma variável
como componente da predicação, essa variável pode ser lexicalizada ou não; se o tema não
especifica tal variável, então, conta-se com a capacidade de o interlocutor relacionar, com
base em sua informação pragmática, o Tema com a predicação subseqüente.
As construções de que estamos tratando antepõem esse tipo de constituinte à oração, e
é o relativo “que” que o converte em Tema dessa predicação. Como Tema, esse constituinte
estabelece um frame, um domínio semântico dentro do qual se a predicação. Nesse tipo de
construção, não são mais relevantes as relações gramaticais, ou seja, não há qualquer restrição
de natureza sintática sobre a relativização não-padrão.
Essas construções não-padrão são, de fato, relativas porque
(i) elas cumprem a função discursiva básica das relativas, que é ajudar a identificar um
determinado referente que o falante julga de difícil acesso ao interlocutor, mesmo
que essa entidade não participe diretamente do EsCo codificado na relativa;
(ii) elas são introduzidas por um pronome relativo e
136
(iii) são antecedidas de um SN, com o qual elas mantêm algum tipo de relação
codificada anaforicamente ou inferida com base na informação pragmática do
interlocutor.
A diferença fundamental entre a relativa de Tema e a relativa tida como variante
padrão é, salvo engano, o tipo de relação existente entre o antecedente e a oração: nesta,
conectividade sintática, visibilizada por meio do caso do pronome relativo; naquela, há
conectividade semântica e, sobretudo, pragmática. Essa diferença não nos parece suficiente
para que se postule tratar-se de outro fenômeno que não seja relativização.
6 A RELATIVIZAÇÃO E A QUESTÃO DA ACESSIBILIDADE
Os estudos lingüísticos que se abrigam no quadro teórico do funcionalismo concebem
a linguagem sobretudo como instrumento de interação social entre seres humanos
socioculturalmente constituídos. Decorre dessa visão o entendimento de que as necessidades
comunicativas interferem de alguma maneira nas formas lingüísticas. Convém asseverar, a
esse respeito, que, embora as necessidades a comunicar possam ser as mesmas nas diferentes
coletividades, isso não leva às mesmas respostas em termos de linguagem. Ou seja, cada
coletividade responde de maneira diferente às mesmas necessidades e, por isso, as línguas
naturais são diferentes.
A interação social, que se dá por meio da linguagem, é definida por Dik (1989, p. 3)
como uma forma de atividade cooperativa estruturada. Ser estruturada significa ser governada
por regras, normas e convenções, e ser cooperativa significa que são necessários pelo menos
dois participantes. Assumindo isso, a lingüística funcional lida com dois tipos de sistemas de
regras:
(i) regras semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas, isto é, aquelas que
governam a constituição das expressões lingüísticas;
(ii) regras pragmáticas, isto é, aquelas que governam os padrões de interação
verbal em que tais expressões são usadas.
O primeiro sistema é visto como instrumento para se atingirem os propósitos do
sistema pragmático. Assim, as expressões lingüísticas devem ser descritas e explicadas dentro
da moldura fornecida pela interação verbal. Nesse sentido, o funcionalismo postula que a
situação comunicativa motiva, restringe, explica ou determina a estrutura gramatical.
De acordo com essas linhas gerais esboçadas acima, Dik (1997) faz uma revisão
crítica da Hierarquia de Acessibilidade dos Sintagmas Nominais de Keenan & Comrie, K &
C, (1977), levando em conta, para isso, principalmente as Funções Sintáticas e as Funções
Semânticas da linguagem. Quanto à dimensão pragmática, o lingüista holandês não chega a
desenvolver propriamente o modo como as Funções Pragmáticas atuam na acessibilidade de
137
termos à relativização, mas abre perspectiva para se verificar que funções como Tópico e
Foco podem desempenhar papel importante na acessibilidade a diversas operações sintáticas
(op. cit.: 376-377).
Discutir a proposta de Dik em contraponto com o instrumento original de K & C,
levando em conta as diferenças de postulados teóricos, é o objetivo desta seção. No contexto
deste trabalho, justifica-se essa discussão pelo fato de que a Hierarquia de K & C considera
como relevantes as posições sintáticas na operação de relativização, isto é que função sintática
o referente do SN vai desempenhar na oração relativa, mas conforme vimos na Seção 5 a
condição básica para um determinado termo poder ser relativizado é ser uma entidade tópica
com função pragmática Tema na oração relativa.
6.1 Acessibilidade
O conceito de acessibilidade, originalmente usado por Keenan (1972) e K & C (1977),
num sentido estrito relacionado à relativização, é definido por Dik (1997, p. 357) como “a
capacidade de uma posição de termo ser alvo de alguma operação gramatical.”
89
. Diz-se que
uma posição de termo T é acessível a uma dada operação O quando esta pode ser aplicada
àquela.
Na teoria da Gramática Funcional, o conceito de “termo” aplica-se a expressões que
designam entidades e compreende argumentos e satélites. Os argumentos são termos da
predicação nuclear, são essenciais para a integridade do EsCo, tanto que se os deixamos de
fora a propriedade/relação designada pelo predicado não se completa. Os satélites, por sua
vez, não se relacionam com o predicado, mas com a predicação, com a proposição ou com a
oração. Assim é que os satélites dão informação adicional quanto aos traços do EsCo (nível
1), quanto à localização do EsCo (nível 2), quanto à atitude do falante com relação ao
conteúdo proposicional (nível 3) ou quanto ao tipo de ato de fala (nível 4). Embora em termos
de esquema tudo aí pareça cristalino, na aplicação nem sempre se distingue facilmente
argumento de satélite de nível 1 ou de nível 2, e mesmo os satélites entre si.
89
No original, em inglês: accessibility can (...) be defined as the capacity of a term position to be the target of
some grammatical operation.
138
Um termo poderá ser alvo de uma certa operação conforme as restrições que regulam
tal operação. As restrições podem ser de diversas naturezas, conforme veremos abaixo:
restrições intrínsecas, restrições hierárquicas e restrições funcionais.
6.1.1 As restrições intrínsecas:
As restrições intrínsecas envolvem propriedades intrínsecas ao termo-alvo (T).
Entendam-se propriedades intrínsecas como propriedades semânticas independentes das
relações que se estabelecem entre os constituintes; não se confundem com papéis semânticos.
Imaginemos uma língua em que a termos definidos pode ser atribuída a função Sujeito:
nesse caso, a definitude é uma propriedade intrínseca ao termo como tal.
Os fatores intrínsecos mais relevantes são apresentados, conforme a Gramática Funcional,
na forma de hierarquias: a hierarquia de pessoa, segundo a qual tendem a dar mais
acessibilidade a operações a primeira e segunda pessoas (que designam os participantes do ato
de fala) do que a terceira pessoa (do não participante); a hierarquia de animacidade, em que se
sucedem as categorias “humano”, “outros animados”, “força inanimada”, “outros
inanimados”; a hierarquia de gênero, em que o “masculino” tem a primazia, seguido do
“feminino” e “outros”; por fim a hierarquia de definitude, que atribui maior acessibilidade a
termos “definidos”, a “outros específicos” e a “não-específicos”, sucessivamente.
Dik representa as restrições intrínsecas assim:
(1) O (T: <P>)
‘a operação (O) só pode ser aplicada a termos (T) com a propriedade intrínseca P’
Aplicando-se esses fatores às construções relativas, a hierarquia de pessoa não seria
relevante porque sendo a relativa um mecanismo de identificação do referente não é usual
uma relativa seguir um termo de primeira ou segunda pessoa, a não ser para algum efeito
especial. Quanto às outras três hierarquias, pode ser relevante saber se no PB a prioridade para
a relativização se dá conforme elas prevêem.
139
6.1.2 As restrições hierárquicas.
Essas envolvem a posição hierárquica do termo-alvo (T) dentro da estrutura da oração
em que ele ocorre. A GF dá a seguinte representação para as restrições hierárquicas:
(2) O [
x
... (T) ...]
‘a operação (O) pode ser aplicada a termos (T) que fazem parte de um
constituinte do tipo X’
A GF não o mesmo tratamento que estudos do paradigma formal dão às restrições
hierárquicas. Esses discutem tais restrições em termos de restrições a operações
transformacionais de movimento ou de apagamento, processos que essa teoria funcional não
abona.
Pensando nas orações relativas do PB, as restrições hierárquicas são bom instrumento
para marcar diferenças entre a estratégia padrão e as variantes não-padrão, uma vez que estas
(com uma posição sintática em relação anafórica com o antecedente ou não) são bem mais
generosas que aquela (estratégia em que o pronome relativo marca a posição sintática da
variável relativizada) na medida em que permitem a relativização de muito mais posições.
90
pela estratégia padrão, um termo não será acessível à relativização se fizer parte de uma
estrutura coordenada como em (3 a), ou se fizer parte de um sintagma nominal complexo
como em (4 a) e (5 a), diferente do que acontece com as estratégias não-padrão, (3 b), (4 b) e
(5 b) .
(3) a. *o homem com quem você conversava e com o irmão...
b. o homem que você conversava com ele e com o irmão dele/?(e)...
(4) a. *a moça com quem eu penso que o moço que falou esteve ontem aqui...
91
b.a moça que eu penso que o moço que falou com ela/*(e) esteve ontem aqui ...
90
Para se evitar contradição: na verdade, estamos propondo que a relativa não-padrão relativiza uma só posição,
o Tema. Acontece que a qualquer constituinte se pode atribuir tal função, até a um constituinte que não tenha
representação dentro da oração.
140
(5) a. * esta é a estrada que eu não sei aonde leva.
92
b. esta é a estrada que eu não sei aonde ela/?(e) leva.
6.1.3 As restrições funcionais.
Essas têm a ver com o status funcional do termo-alvo (T) da operação gramatical (O) e
podem ser representadas como em (6):
(6) O (T)
F
‘a operação (O) só pode ser aplicada a termos (T) com a função F’
Saliente-se que a relação entre acessibilidade e função do termo-alvo da operação
gramatical foi inicialmente percebida por Keenan (1972) e K & C (1977). Esses trabalhos,
todavia, limitavam-se a descrever a acessibilidade à relativização com base nas funções
gramaticais (como Sujeito, Objeto Direto, Objeto Indireto etc.) dos termos-alvo. A GF, por
sua vez, leva em conta, além das Funções Sintáticas reduzidas, na verdade, a Suj e Obj –, as
Funções Semânticas e as Funções Pragmáticas, entre as quais se postula uma interação. As
três hierarquias funcionais, conforme a GF, apresentam-se assim:
(7) Hierarquia das Funções Semânticas
Arg-1 > Meta > Rec > Ben > Instr > Loc
(8) Hierarquia das Funções Sintáticas
Suj > Obj > não-Suj, não-Obj
(9) Hierarquia das Funções Pragmáticas
Tópico > não-Tópico
Foco > não-foco
91
Esse exemplo foi tomado de empréstimo de Kato (1996: 228).
92
Trata-se aqui de uma tradução de um exemplo em inglês de Comrie (1981: 140): “*this is the road which I
don’t know where leads”.
141
6.1.3.1 A Hierarquia de Acessibilidade de acordo com Keenan-Comrie
Consideremos inicialmente que um pressuposto básico em todo o trabalho de K &
C (1977): a acessibilidade das posições à relativização não é independente da estratégia de
formação de relativas. Assim, postulam uma relação entre funções gramaticais e possibilidade
de relativização, o que se expressa por meio da hierarquia abaixo:
(7) SU > OD > OI > OBL > GEN > OCOMP
‘SU é mais acessível à relativização do que OD; OD é mais acessível à relativização do
que OI etc’
Os autores postulam também que essa escala de facilidade de relativização (de Sujeito
a Objeto de Comparação) reflete a facilidade de processamento das respectivas posições. Mas
advertem que a hierarquia (HA) não significa postular para todas as nguas todas essas
posições, seja em termos de formação de construções relativas seja em termos de outras
operações sintáticas. Exemplificam com o caso de línguas que tratam OCOMP como meros
objetos de preposição ou de posposição, situação em que se devem tratar tais SNs como
OBLs. Lembram, também, o caso de uma língua banto em que o OD e o OI não se distinguem
sintaticamente. Por fim, consideram a possibilidade da existência de alguma língua em que se
distingam dois tipos de ODs. Ainda assim, enfatizam a importância da hierarquia como um
feixe de distinções gramaticais ao qual a formação de relativas pode ser sensível (K & C, op.
cit.: 66).
Para demonstrar a HA, citamos exemplos de Dik (1997: 366), com as respectivas
versões da variante padrão e da não-padrão do PB:
(8) a. the man who (SUJ) killed the chicken
‘o homem que (SUJ) matou a galinha’
‘o homem que ele / ø matou a galinha’
b. the chicken which (OD) the man killed
‘a galinha que (OD) o homem matou’
‘a galinha que o homem matou ela
/ ø’
142
c. the man to whom (OI) the boy gave the chicken
‘o homem a quem (OI) o garoto deu a galinha’
‘o homem que o garoto deu a galinha para ele / ø’
d. the knife with which (OBL) the man killed the chicken
‘a faca com a qual (OBL) o homem matou a galinha’
‘a faca que o homem matou a galinha com ela / ø’
e. the man whose (GEN) chicken the boy killed
‘o homem cuja (GEN) galinha o garoto matou’
‘o homem que a galinha dele / ø o garoto matou’
‘o homem que o garoto matou a galinha dele / ø’
f. the man taller than whom (OCOMP) nobody in the village was
‘*o homem mais alto do que quem (OCOMP) ninguém no bairro era’
‘o homem que ninguém no bairro era mais alto do que ele / ?ø’
Aceitando-se todas as posições postuladas nessa HA, vê-se que, no PB, sua aplicação
está reduzida a mostrar diferenças entre estratégia padrão e estratégia não-padrão. Se a
estratégia não-padrão atinge até a última posição da HA, devemos esperar que haja outro
critério, não a escala sintática, para avaliar o alcance da relativização.
Mas tomando a HA como um instrumento de comparação das línguas do mundo
(virtualmente todas), e considerando-se diferentes estratégias de relativização, os autores
formulam as restrições:
93
(i) todas as línguas têm uma estratégia principal de relativização que se pode aplicar
pelo menos ao Sujeito;
(ii) as estratégias, além da principal, podem começar a aplicação em qualquer ponto da
HA;
(iii) qualquer estratégia deve aplicar-se a um segmento contínuo da HA, ou seja, uma
dada estratégia não “pula” posições da HA;
143
(iv) qualquer estratégia que se aplica a um ponto da HA pode, em princípio, cessar em
qualquer posição mais baixa, exceto a estratégia que expressa a posição
relativizada por meio de um pronome anafórico, haja vista que uma vez começada
essa estratégia continua até a última posição relativizável na língua em questão e
(v) se as estratégias de relativização deixam uma lacuna na HA, então as posições
“puladas”, que não podem ser diretamente relativizadas, podem ser “promovidas”
a posições a partir das quais possam ser relativizadas.
94
6.1.3.2 A Hierarquia de Acessibilidade à luz da Gramática Funcional
De acordo com Dik (1997), os postulados de K & C (1977) criam problemas teóricos e
empíricos em termos de estudos tipológicos.
Do ponto de vista empírico, o obstáculo para a validação da HA como um universal
lingüístico está em que nem todas as línguas possuem relativização. Assim, ela deve ser
postulada àquelas línguas em que se realiza tal operação sintática. Já do ponto de vista teórico,
o problema está em se criar um instrumento de análise baseado em termos como Sujeito,
Objeto Direto, Objeto Indireto etc, pressupondo gramáticas em que essas noções têm um
status bem definido e pressupondo uma teoria gramatical geral que inclua tais noções em seu
vocabulário, e ofereça critérios para determinar quando essas noções são aplicáveis a dados
termos.
Nem as funções gramaticais elencadas hierarquicamente são universalmente válidas,
nem K & C formulam uma tal teoria gramatical, embora eles mesmos, como se vê em
6.1.3.1., já façam essa ressalva de que as relações gramaticais da HA não são universais. Eis o
problema, por que Dik propõe uma reinterpretação de cada posição da HA.
93
Essas restrições estão “filtradas” a partir de K & C (1977), Comrie (1981) e Keenan (1985).
94
Nesse sentido, Comrie (1981: 160) postula que restrições pesadas sobre relativização tendem a correlacionar-
se com a existência de um rico sistema de vozes verbais: One can (...) venture the further observation that
heavy restrictions on relativization tend to correlate with the existence of a wide range of voices, so that
144
6.1.3.2.1 Sujeito
Essa função tem importante papel nas restrições funcionais (tanto nos termos de K &
C (op. cit.) quanto nos termos da Gramática Funcional) à acessibilidade. Dado que o Sujeito
não é relevante a todas as línguas naturais e que, nas línguas em que o é, pode-se distinguir
uma série de funções semânticas subjacentes, a Gramática Funcional (GF) postula a
necessidade de se levar em conta essas funções.
Aqui convém ressaltar que, de acordo com a GF, a função Sujeito só é relevante em
uma língua se essa língua tem uma oposição sistemática entre construções ativas e passivas
correspondentes (DIK (1989, p. 219-221)). Resumidamente pode-se dizer que a atribuição de
Sujeito é relevante numa língua cujas construções passivas apresentam as seguintes
propriedades: (i) constituem um meio alternativo de expressão do mesmo EsCo da
correspondente ativa e (ii) dispõem de um não-primeiro argumento com algumas propriedades
de codificação (formais) e de comportamento em comum com o primeiro argumento da
construção ativa (a posição, o caso nominativo, a reflexivização, o alçamento são alguns
exemplos de propriedades de codificação e de comportamento).
As línguas naturais costumam atribuir a função gramatical Sujeito às seguintes
funções semânticas:
(9) “Primeiro Argumento” (A
1
)
95
> Meta > Recipiente > Beneficiário > Instrumento
> Locação
o que permite derivar uma hierarquia do Sujeito:
(10) A
1
Suj > MetaSuj > RecSuj > BenSuj > InstrSuj > LocSuj
Essa concepção de que os Sujeitos diferem quanto à função semântica subjacente tem
sua operacionalidade na medida em que permite entender a razão de uma certa operação
aplicar-se com maior freqüência e com maior facilidade a certos Sujeitos do que a outros.
positions that are not relativizable directly can be made more accessible by using a different voice.” O sistema
supriria de alguma maneira a necessidade de relativização.
145
6.1.3.2.2 Objeto Direto
As mesmas observações feitas a propósito do Sujeito aplicam-se ao Objeto Direto. Em
primeiro lugar, o OD, de acordo com a GF não é relevante em todas as línguas naturais, mas
naquelas em que o é certamente tem importância na determinação da acessibilidade. Por outro
lado, onde ele o é relevante, o papel de determinação da acessibilidade fica a cargo da
Meta, como parte da hierarquia de Função Semântica.
Em segundo lugar, Objetos podem ser distinguidos quanto às funções semânticas
subjacentes:
(11) Meta > Recipiente > Beneficiário > Instrumento > Locação
Daí se pode derivar a seguinte hierarquia do Objeto Direto:
(12) MetaObj > RecObj > BenObj > InstrObj > LocObj
De acordo com Camacho (1996, p. 256), a reinterpretação de Sujeito e Objeto dada
por Dik vincula-se à Teoria dos Casos de Fillmore (1968 e 1977) e à Hipótese do Fluxo de
Atenção de DeLancey (1981).
Explica o autor que, para Fillmore, assim como para Dik, a verbalização de um evento
não abrange a descrição de todos os seus aspectos relevantes, mas apenas uma parte deles. Ou
seja, qualquer enunciado que se construa para verbalizar um aspecto particular de um evento
requer a seleção de uma perspectiva particular. Essa escolha refletirá a atibuição das funções
gramaticais de sujeito e objeto. O Sujeito sinaliza o primeiro ponto no grau de relevância das
entidades a selecionar para verbalizar determinado estado de coisas e o Objeto, o segundo.
Daí poder-se falar de Sujeito e Objeto como funções de perspectivização, em vez de funções
sintáticas propriamente.
É de DeLancey (apud Camacho, op. cit., p. 257) um conceito capital para a
compreensão das funções de perspectivização: Fluxo de Atenção (FA). Esse determinaria a
linearidade dos SNs, mapeando a ordem como o falante deseja que o ouvinte lhes preste
atenção. Assim, ordens alternativas, como Construções de Tema (ou Topicalização e LD) ou
95
Na verdade, A
1
é um feixe de funções semânticas pelas quais o primeiro argumento pode ser caracterizado:
Agente, Posicionador, Força, Processado e Zero.
146
Focalizações e variações de voz, seriam mecanismos de controle do FA. Desse modo, o FA
dos eventos enunciados não recriaria necessariamente o FA envolvido no evento real. Com
efeito, o FA natural é a própria ordenação temporal das fases do evento; o FA lingüístico
pode ser motivado por uma força especial que o distancia da representação fiel do evento real.
6.1.3.2.3. Objeto Indireto
Na GF, essa é uma função que não tem status independente. A noção tradicional de
Objeto Indireto é reinterpretada como codificação de uma Função Semântica Recipiente ou
Beneficiário, ou como uma combinação das duas funções Recipiente/Beneficiário + Objeto,
conforme os exemplos:
(13) a. João deu o livro(MetaObj) para mim(Rec)
b. João deu-me(RecObj) o livro(Meta)
(14) a. Compre uma jóia(MetaObj) para mim(Ben)
b. Compre-me(BenObj) uma jóia(Meta)
Como mostram os exemplos, o que é tradicionalmente chamado de Objeto Indireto
comporta-se como um Oblíquo, que tem apenas Função Semântica, ou como um OD. O inglês
tem construções que explicitam isso melhor do que o português:
(15) a. The customer gave some tip(MetaObj) to the bellboy(Rec)
b. The customer gave the bellboy(RecObj) some tip(Meta)
c. The bellboy(RecSuj) was given some tip(Meta) by the customer(Ag)
d. Some tip(MetaSuj) was given to the bellboy (Rec) by the customer(Ag)
96
A dupla possibilidade de passivização parece contar a favor desse postulado da
complexidade do constituinte. Veja-se acima que o termo “the bellboy”, se considerado
segundo argumento do verbo (construção (b)) é acessível a passivização – característica típica
do OD, ou da Meta, no caso acima “some tip”.
96
A construção (a) traduz-se assim: “o cliente deu uma gorjeta ao mensageiro (de hotel)”. Além de (a), o
português só parece aceitar a construção (d): “uma gorjeta foi dada ao mensageiro pelo cliente.”
147
Os próprios autores da HA explicitam esse problema de classificação de tal posição:
A posição objeto indireto é talvez a mais sutil na HA. Para fins de formação
de oração relativa, parece que muitas línguas ou assimilam objetos indiretos
aos outros casos oblíquos (...) ou a objetos diretos ... (K & C (1977, p. 72))
97
Em trabalho posterior, Comrie (1981, p. 156) apresenta a HA da seguinte forma: Suj >
OD > O não-D > Possuidor, deixando, portanto, de fora o que vinha chamando de OI. Em
outro capítulo, discutindo a valência de verbos causativos, explica que adota o rótulo “Objeto
não-Direto” para enfeixar Objeto Indireto e Objeto Oblíquo. Keenan (1985, p. 147)
praticamente preserva a antiga Hierarquia: Suj > OD > OI > O de pre ou posposição >
Possuidor.
98
6.1.3.2.4 Oblíquo
Assim como o “Objeto Indireto”, e conforme ficou assinalado, o Oblíquo não tem
status independente em termos de relações gramaticais ou funções sintáticas. A constituintes
desse tipo bastam as funções semânticas. Com efeito, os Oblíquos são prontamente
identificados como termos com função semântica que não receberam função Sujeito ou
função Objeto.
Dik (op. cit., p. 371) explica que naqueles casos em que diferentes Oblíquos
apresentam diferentes comportamentos, tais diferenças podem-se imputar às Funções
Semânticas desses termos. Dessa forma, esses termos devem ser discriminados assim como
suas respectivas Funções Semânticas.
6.1.3.2.5 Genitivo
Ainda mais problemática do que as noções anteriores parece ser a de Genitivo”. Em
primeiro lugar, essa função gramatical não está no mesmo nível das demais consideradas na
97
No original: The indirect object position is perhaps the most subtle one on the AH. For purposes of relative
clause formation, it appears that many languages either assimilate indirect objects to the other oblique cases
(...) or to direct objects ...
98
Essa e outras questões concernentes a relações gramaticais, funções semânticas e pragmáticas podem ser
aprofundadas em Comrie (1981: 57-85).
148
Hierarquia. Aquelas relações gramaticais ou são argumentos ou o satélites do predicado
principal, podendo, assim, ser diferenciadas por suas propriedades funcionais. No caso do
Genitivo, entretanto, as restrições de acessibilidade não se referem precipuamente à função do
termo em questão, mas à sua posição hierárquica dentro da estrutura oracional. Excluindo-se
algumas raras exceções, o Genitivo não é argumento nem satélite do predicado principal, mas
um atributo dentro do termo que é, este sim, argumento ou satélite do predicado principal.
Isso significa que a acessibilidade do genitivos não deve ser monitorada só por fatores
funcionais, mas também por fatores hierárquicos, conforme aprendemos acima.
Fique claro, então, que qualquer operação sintática que se vá aplicar a esse atributo –o
possuidor – deve penetrar o termo em que ele se encontra.
Em segundo lugar, “Genitivo” é nome de um caso que pode codificar diferentes
Funções Semânticas, como por exemplo Beneficiário, Recipiente e Possuidor. Com base no
elenco de relações gramaticais disposto na HA e considerando a intenção da nomenclatura,
Dik propõe que se substitua tal função gramatical por “Possuidor”.
6.1.3.2.6 Objeto de Comparação
Para Dik, é inadequado incluir essa noção entre os critérios de caracterização
tipológica de operações sintáticas porque essa é uma noção tipologicamente oscilante, ou seja,
diferentes línguas naturais costumam adotar diferentes formas de construções comparativas.
De certo modo, Keenan-Comrie (op. cit.) estão cientes dessa “instabilidade” do Objeto de
Comparação. Em experiência conduzida por Hawkins e Keenan (1974, apud Keenan-Comrie,
op. cit., p. 88-89), entre crianças de 10-12 anos, falantes nativos do inglês, para testar a
validade psicológica da Hierarquia, os próprios pesquisadores colocaram o OComp na mesma
posição do Oblíquo, e os informantes também trataram Oblíquos e Objetos de Comparação
como se tivessem as mesmas propriedades. Ademais, convém lembrar a nova Hierarquia de
Comrie (1981, p. 156): Suj > OD > O não-D > Poss e a nova Hierarquia de Keenan (1985, p.
147): Suj > OD > OI > O de pre ou posposição > Poss.
De acordo com Dik (1997, p. 374), as construções comparativas nas línguas podem
assumir diferentes feições:
(16) a) João é mais alto do que Pedro.
149
b) João é alto, supera Pedro.
c) João supera Pedro em altura.
d) João é alto, Pedro não é.
99
Fica claro, explica Dik, que, dependendo da construção comparativa adotada, o Objeto
de Comparação (“Pedro”, de a-d) terá diferentes propriedades estruturais e funcionais. Em (a),
“do que Pedro” é comparável a um termo Oblíquo; em (b) e em (c), “Pedro” funciona como
Obj ou como Meta do predicado “supera” e em (d) Pedro é Suj da oração coordenada.
Se em uma língua há construções como (a), podem-se esperar formas como:
(17) a) I saw a boy than whom John is taller.
‘*Eu vi um menino do que quem o João é mais alto.’
b) I saw a boy who John is taller than.
‘*Eu vi um menino quem o João é mais alto do que.’
Dik compara essas construções com as que envolvem outros Oblíquos, ou seja, termos que
têm Função Semântica.
É inevitável pensar em como ficam tais construções em PB, conforme o modelo de
Dik. São usuais as construções comparativas como (16 a), mas não são gramaticais as formas
que Dik prevê em (17), uma vez que ele apresenta formas com o pronome relativo pleno e
sem qualquer anafórico na posição da variável relativizada. Em PB, analogamente à
construção (16 a), parece-nos, seria alguma construção como a que estamos propondo como
relativização de Tema, em que o SN antecedente pode ser anaforizado dentro da relativa e o
pronome relativo é um “que” destituído das propriedades nominais (caso, gênero e número).
Temos registro de uma ocorrência que ilustra esse caso:
(18) ...pra mim até hoje o Romário ainda é aquele centroavante
i
que
i
dentro da área
ninguém é mais eficiente do que ele
i
.
(Sportv, 09/2004)
99
Dik exemplifica em inglês: a) John is taller than Peter; b) John is tall, exceeds Peter; c) John exceeds Peter in
tallness; d) John is tall, Peter is not. Isso cria problemas para propor construções relativas análogas.
150
Seguindo com coerência os pressupostos dessa teoria funcional, essa situação do
OComp sugere que não basta dispensar a ele o mesmo tratamento dos outros Oblíquos,
vendo-o como portador só de Função Semântica; os outros Oblíquos, portadores só de Função
Semântica, admitem, no PB, relativização pela estratégia padrão. Esse constituinte não. Essa
situação sugere, ainda, que sobre esse constituinte pesam as restrições hierárquicas, pois é
acessível à relativização pela mesma estratégia que relativiza um referente de um sintagma
nominal complexo e de uma estrutura coordenada, conforme visto acima, em 6.1.2.
Outra previsão a partir do OComp é que se uma língua tem construções como (16b) e
(16c), permitirá relativas como:
(19) I saw a boy whom John exceeds in tallness.
‘Eu vi um menino a quem João supera em altura’
Coerentemente uma construção dessa se equipara com a relativização de qualquer Objeto ou
Meta.
Quanto àquelas línguas que têm construções comparativas como (16d), pode-se
prognosticar que o padrão de comparação não é acessível à relativização, uma vez que o que
temos é uma coordenação (ou justaposição) de duas estruturas mais ou menos
independentes, na qual se deixa a comparação para o interlocutor inferir.
6.2 As duas hierarquias
Considerando-se esse refinamento da HA proposta por K & C (1977) é que Dik (1997)
propõe que ela seja decomposta em duas, com base em funções semânticas e sintáticas:
(20) a) Hierarquia de Acessibilidade segundo as Funções Semânticas:
A
1
> Meta > Rec > Ben > Instr > Loc
b) Hierarquia de Acessibilidade segundo as Funções Sintáticas:
Suj > Obj > não-Suj, não-Obj
O autor explica como devem ser interpretadas essas hierarquias e a interação entre
elas:
151
se um termo possui uma Função Semântica, então a Hierarquia de
Função Semântica pode co-determinar sua acessibilidade; se um termo
tem também uma Função Sintática, então ele será, por essa razão, mais
acessível do que termos com Função Semântica, sua acessibilidade
sendo determinada pela Hierarquia de Função Sintática. Nesse caso, sua
função semântica subjacente pode co-determinar sua acessibilidade,
novamente de acordo com a Hierarquia de Função Semântica.” (DIK,
1997, p. 376)
100
6.3 A Relativização e fatores pragmáticos
A Gramática Funcional ainda não tem muitas evidências da importância das Funções
Pragmáticas na acessibilidade das posições de termos às operações sintáticas. Entretanto, com
base em alguns estudos e conforme o conjunto dos postulados comprovados é coerente,
dentro dessa opção teórica, esposar a idéia de que as Funções Pragmáticas têm sua
importância numa série de operações. Dik aponta alguns estudos que assim argumentam:
Kuno (1976), Allwood (1976), Grosu (1981) e Maling & Zaenen (1982).
Kuno (op. cit., apud DIK (1997, p. 376)), por exemplo, diante de diversas ocorrências
de relativização em japonês, de termos que não são usualmente relativizados em outras
línguas, hipotetiza que, para ser relativizado, um termo T deve ser um potencial Tópico ou
Tema para a predicação. O caso que chama a atenção de Kuno é o da relativização de
posições de termos dentro de relativas (a relativa dentro da relativa):
(21) Syuppansita kaisya ga toosansite-simatta hon o yonda
publicou companhia Suj falência-entrado livro ir ler
‘Eu li um livro que a companhia que publicou (ele) foi à falência’
Esse tipo de ocorrência não é estranha no PB:
100
“If a term possesses only a Semantic Function, then the Semantic Function Hierarchy may co-determine its
accessibility; if a term also has a Syntactic Function, then it will for that reason be more accessible than terms
with only a Semantic Function, its accessibility being determined by the Syntactic Function Hierarchy. In that
case, its underlying semantic function may co-determine its accessibility, again according to the Semantic
Function Hierarchy.”
152
(22) num é pra falá da vida dos outro, may eu tem uma sobrinha que :: é farinha,
viu? É farinha que o porco chia :: e num come. É, é (inint) a mãe num agüentô
ela aí. (VALPB, vol. 1, p. 29, linhas 33-35)
(23) É, você lembra de algum filme que vo assistiu que você lembra até hoje?
(VALPB, vol. 2, p. 74, linha 8)
registros desse tipo de ocorrência em outras línguas. O nome que se a esse tipo
de construção, no contexto da Gramática Funcional, é “empilhamento de restritores” ou
“empilhamento de relativas”. Dik (1997, p. 35), sugere que duas restrições ao
empilhamento de relativas: a primeira diz respeito à não-identidade das variáveis
relativizadas; a segunda é que as duas posições de termos relativizadas não podem ter a
mesma função sintática. Note-se que, na verdade, então, esse tipo de construção estaria
condicionado primariamente a fatores semânticos e sintáticos, e secundariamente a fatores
pragmáticos.
Examinemos os fatos.
Considerando a tradução de (21), vê-se que é uma sentença bem formada no PB. As
variáveis relativizadas são “um livro” e “companhia”. Não portanto identidade referencial
entre elas. A primeira posição relativizada é Genitivo (“companhia do livro”); a segunda
posição é Obj. Comprovam-se as restrições.
Em (22), não identidade das variáveis relativizadas: a primeira variável é
“sobrinha” e a segunda variável é “farinha”. Quanto à segunda restrição, a questão é mais
sutil. Não há dúvida de que os termos não têm a mesma função sintática. A primeira
relativização é feita sobre o Suj, mas em seguida temos, na verdade, duas relativizações
coordenadas, com a mesma variável: ... farinha (
1
que o porco chia) e (
2
num come). A função
do termo do predicado “come” está mais evidente; é Obj. A função do termo do predicado
“chia” é não-Suj e não-Obj; é termo que só tem função semântica, e essa não está clara.
Se (21) e (22) confirmam as restrições sobre o empilhamento de relativas, (23) não
parece ser bem o caso. identidade das variáveis relativizadas: as duas relativas têm como
variável “algum filme”. Os dois termos têm a mesma função sintática: Obj. Ainda assim, a
análise mais adequada parece ser a que trata essa sentença como ocorrência de empilhamento
e não de justaposição de relativas. Essa interpretação parece ser adequada tomando por base a
seguinte paráfrase:
153
(24) Você assistiu algum filme que você lembra até hoje?
Situação mais clara de empilhamento de relativas é o que vemos no exemplo abaixo:
(25) Não é no mesmo dia que eles chegam que eles vão para as celas.
(Exemplo de LONGO et al. (1994, p. 175))
Não dúvida de que a variável de relativização nas duas relativas é “dia” e que os
termos relativizados têm a mesma função.
Estando certa, essa interpretação de (23) e de (25) sugere que deve haver outro tipo de
restrição sobre a relativização dentro da relativa, ainda que ocorrências como essas não sejam
mesmo tão freqüentes quanto às que confirmam as restrições apresentadas acima.
Maling & Zaenen (1982, apud Dik (op. cit., p. 377)) também argumentam que fatores
pragmáticos têm importância na relativização de línguas escandinavas. Essas línguas são bem
liberais com relação às restrições hierárquicas que afetam a relativização e outras operações.
Elas permitem, por exemplo, atribuição de Tópico dentro de construções relativas, como se
pode ver no exemplo sueco:
(25) De blommorna känner jag en man som säljer.
Estas flores conhecer eu um homem que vende
‘Estas flores eu conheço um homem que vende’
Em Pontes (1987 (p. 69)), encontramos um exemplo sob medida para mostrar que o
PB também admite esse tipo de operação:
(26) Este chapéu eu conheço o menino que estava usando.
101
Caso mais curioso do que esse é o de (27), que já comentamos na seção anterior:
(27) É uma pessoa que essas besteiras que a gente fica se preocupando, ela não fica
esquentando a cabeça.
(TARALLO (1983, p. 3))
154
teríamos a atribuição de Tópico a “essas besteiras”, constituinte que é correferente
à posição de satélite do predicado “esquentando”. O Tópico, por sua vez, recebe também um
restritor, “que a gente fica se preocupando”, e fica correferente à posição de segundo
argumento do predicado “se preocupando”.
6.3.1 A atribuição de Função Pragmática ao Termo-alvo
Schachter (1973), num artigo em que analisa semelhanças entre construções de foco
(clivadas) e relativização fornece boas evidências da relevância das funções pragmáticas na
constituição e no funcionamento das construções relativas. Em ilongo
102
, por exemplo, ele
encontra vários exemplos que mostram que o antecedente de uma oração relativa deve sempre
corresponder ao Tópico da sentença subjacente:
(28) a. Nag-dala ang babayi sang bata
Agt-traz Tóp mulher Obj criança
‘A mulher trouxe uma criança’
b. Babayi nga nag-dala sang bata
mulher Rel Agt-traz Obj criança
‘(uma) mulher que trouxe uma criança’
c. *Bata nga nag-dala ang babayi
criança Rel Agt-traz Tóp mulher
*‘(uma) criança que trouxe a mulher’
(29) a. Gin-dala sang babayi ang bata
Obj-traz Agt mulher Tóp criança
101
Trata-se de tradução de exemplo dado originalmente em inglês, por Ross (1967), que a autora usa para
argumentar que as construções de Tópico no PB (como Topicalização ou LD) não são sensíveis à restrição do
Sintagma Nominal Complexo. A versão em inglês é agramatical: *This hat I know the boy who was wearing.
155
‘Uma / A mulher trouxe a criança’
b. Bata nga gin-dala sang babayi
criança Rel Obj-traz Agt mulher
‘(Uma) criança que uma / a mulher trouxe’
c. *Babayi nga gin-dala ang bata
mulher Rel Obj-traz Tóp criança
*‘(Uma) mulher que trouxe a criança’
(SCHACHTER (1973. p. 24-25))
Como se pode ver, a condição de gramaticalidade de uma oração relativa é seu
antecedente corresponder ao Tópico da sentença subjacente. Nos termos da Gramática
Funcional, diríamos que o antecedente deve ser interpretado como o Tema da oração relativa,
não esquecendo que o constituinte Tema designa um conjunto de entidades (tópicas) sobre as
quais a oração subseqüente apresentará alguma informação relevante.
Quanto ao valor pragmático do antecedente da construção relativa, Schachter (op. cit.,
p. 44) sugere que especial proeminência comunicativa sobre ele. Essa proeminência
comunicativa conferida a uma entidade, no sentido de conferir-lhe saliência perceptual, é o
que a alça à função de Tema.
O que parece diferenciar as relativas padrão do PB das não-padrão é justamente o peso
dos fatores sintáticos, hierárquicos e pragmáticos sobre cada tipo. Com relação à variante
padrão, é condicionada por restrições hierárquicas, sintáticas e pragmáticas. Mesmo para as
relativas padrão é possível postular que o antecedente funciona como o Tema da predicação,
mas, dado que o pronome relativo marca o caso desse antecedente, se ele for correferente com
uma função sintática inacessível, ou se for correferente com uma posição hierárquica
inacessível, a relativização será vetada. Nas relativas não-padrão, uma hierarquia de
acessibilidade à relativização com orientação exclusivamente sintática deve ter validade para
mostrar um ranking de ocorrências, mas as funções sintáticas assim como as restrições
hierárquicas – não têm força de condicionamento, isto é, de aprovação ou refutação da
construção. Nesse padrão de relativização, a condição de aceitabilidade da construção é o
antecedente ser Tema.
102
Conforme informa o autor, trata-se de uma língua malaio-polinésia falada nas Filipinas.
156
Regulada, então, muito mais por questões discursivas do que gramaticais, a construção
relativa pode mais livremente refletir de forma icônica o evento que apresenta sobre seu
antecedente:
(30) O Zidane é um jogador que quando a bola chega pra ele, ele cai daqui, cai
dali, e cria um latifúndio pra armar a jogada. (Sportv, 06/2006)
(31) Na realidade, na realidade isso não é relacionado à coleta... É exatamente
aquele lixo que a pessoa varrendo a calçada joga dentro do bueiro que é
muito comum. (Sptv, 2003)
(32) Fui fazer esse exame numa clínica que, por coincidência, toda vez em que
passava na frente, eu fazia o sinal da cruz. (Socialite, FSP, 09/2006)
As relativas desses exemplos respeitam a seqüência natural do evento codificado. Em
(30), ao falar de Zidane, o comentarista preferiu salientar a ordem cronológica natural e para
isso acomodou a sintaxe da sentença (1. a bola chega; 2. ele cai daqui, cai dali; 3. cria um
latifúndio). Seguindo o padrão sintático, e não o padrão pragmático, as orações “ele cai daqui,
cai dali” teriam de anteceder a localização temporal “quando a bola chega...”, apagando-se o
anafórico “ele”. Na ordem em que está, mais orientada para o discurso, apagar o anafórico
poderia criar dificuldade de processamento da sentença.
Em (31), o falante primeiro apresenta a entidade “aquele lixo”, depois, na mesma
seqüência do evento natural, o EsCo. Para comprovar o vínculo semântico e pragmático, e
não sintático, entre o antecedente e a oração, veja-se que não conectividade sintática entre
“varrer a calçada” e “lixo”. Seriam necessários um torneio de palavras e alteração de ordem
para adequar a sentença ao padrão sintático: “é exatamente aquele lixo que a pessoa joga
dentro do bueiro quando está varrendo a calçada que é muito comum”. Nesse exemplo, como
em (21), (22), (23) e (25), empilhamento de relativas: “... aquele lixo
i
que
i
a pessoa (...)
joga ø
i
dentro do bueiro que
i
ø
i
é muito comum”.
Em (32), também, a ordem das orações “toda vez em que passava na frente”
103
e “eu
fazia o sinal da cruz” recupera iconicamente a ordem do evento. Para isso, uma
103
É possível que a ocorrência da preposição antecedendo o pronome relativo tenha sido intervenção de alguma
revisão gramatical, uma vez que se trata de entrevista publicada em imprensa escrita (Folha de São Paulo,
24/09/2006, p. B6).
157
interrupção entre o pronome relativo e a retomada da oração relativa em “eu fazia o sinal da
cruz”.
O fato relevante desse tipo de relativa em que o antecedente se projeta como Tema é
que os laços sintáticos entre a relativa propriamente e a predicação em que ela se aloja ficam
muito mais frouxos. A principal conseqüência disso é que a relativização torna-se uma
operação muito menos controlada por restrições formais.
6.4 Últimas considerações
Argumentando em favor da descrição da relativização não-padrão do PB, como um
processo orientado primariamente para o discurso, procuramos, a partir de Dik (1989 e 1997),
apresentar e discutir o conceito de Acessibilidade e os tipos de fatores que controlam a
aplicação de certas operações sintáticas – sobretudo a relativização – a posições de termos.
levantamos os três tipos de restrições: as restrições intrínsecas (ou semânticas) dos termos-
alvo; as restrições hierárquicas, que têm a ver com a posição estrutural dos termos-alvo; e as
restrições funcionais, relacionadas com as Funções Sintáticas e as Funções Semânticas
subjacentes aos termos-alvo. Esses três tipos de restrições, embora descritos como se
operassem independentemente, na verdade atuam solidariamente na determinação do grau de
acessibilidade.
É no terceiro tipo de restrições à Acessibilidade que a abordagem de Dik avança, de
fato, a proposta original de Keenan-Comrie (op. cit.). Levando em conta as Funções
Semânticas que cada termo pode codificar, Dik permite rever a validade das Funções
Sintáticas anteriormente elencadas por Keenan-Comrie na Hierarquia e, assim, o modo como
estas se articulam com aquelas. Mas o lingüista holandês é pouco elucidativo no que tange à
aplicação das restrições funcionais do nível pragmático às operações sintáticas. Nesse âmbito,
procuramos acrescentar alguns pontos, especificamente, relacionados à relativização.
7 CONCLUSÃO
Neste trabalho procuramos analisar uma das variáveis sintáticas mais estudadas e
ainda muito controversas, as orações relativas. Do conjunto desse tipo de construções
mereceram nossa atenção as realizações desviantes. O ponto de vista que adotamos para
capturar aspectos que julgávamos relevantes nesse fato lingüístico foi a teoria funcional da
linguagem, com maior destaque para Dik (1989 e 1997) e Givón (sobretudo 1979, 1985 e
1990).
Como se trata de uma pesquisa de interesse teórico, não houve controle estatístico dos
dados. Esses serviram como material para fundamentar a descrição teórica proposta das
relativas do PB, dentre as quais, algumas manifestam traços que nos parecem inovadores, por
exemplo a falta de uma posição em correferência com o antecedente.
Este texto desenvolveu-se do seguinte modo: inicialmente avaliaram-se alguns
aspectos das teorias normalmente em jogo para a análise lingüística; após avaliação de
estudos transistêmicos que tratam do tema em foco, discutiram-se importantes trabalhos feitos
por pesquisadores brasileiros sobre a variável sintática em questão. Na seqüência dessa
investigação e avaliação das propostas disponíveis é que se passou a tratar da parte mais
relevante do trabalho: uma proposta de descrição funcional das construções relativas. Essa
parte central do trabalho está nas Seções 5 e 6.
constatou-se que face à estratégia de relativização considerada padrão, as variantes
não-padrão têm um comportamento muito mais flexível porque elas, na verdade, não são
reguladas por restrições de natureza hierárquica, e funcional sintática, mas por restrições de
ordem pragmática.
Nessa descrição funcional, fez-se uma revisão de papéis do núcleo da oração relativa,
do morfema que faz a articulação entre esse núcleo e a oração e, finalmente, discutiu-se a
posição anafórica em relação ao antecedente. Com base no suporte teórico adotado e no
conjunto de sentenças relativas analisadas, chegou-se à seguinte descrição estrutural: o SN
antecedente apresenta uma entidade ou conjunto de entidades que orientará a interpretação da
oração subseqüente; esse referente é projetado na construção relativa pelo “que”, que ocupa a
posição estrutural de Tema da oração. Como introdutor da relativa, então, esse morfema não
marca uma relação gramatical, como é o caso na estratégia padrão; esse morfema pode ser
visto como um marcador de função pragmática Tema, com estatuto gramatical de pronome
160
relativo. Justificamos a classificação do “que” como pronome relativo com base nas seguintes
propriedades pronominais que ele ainda carrega:
(i) marcação do processo de relativização e indicação de fronteira entre o SN
antecedente e a oração propriamente;
(ii) compartilhamento de índice de referência com o antecedente e, às vezes, com uma
posição sintática dentro da relativa, o que o mantém como elemento virtualmente
anafórico e catafórico;
(iii)sinalização para o ouvinte de que o falante vai apresentar uma informação
relevante para facilitar o acesso a um dado referente.
Note-se que esse morfema mantém propriedades sintáticas, indicadas em (i),
semânticas, indicadas em (ii) e propriedades de ordem pragmática, indicadas em (iii).
Acrescentamos ainda a propriedade de projetar um referente de uma oração na outra,
causando nessa entidade uma alteração de nível lingüístico, do nível gramatical, sintático,
para o nível pragmático. Na oração em que a relativa se encaixa, o SN antecedente
normalmente tem função sintática; na oração relativa, o “que” converte-o a Tema, que é
função pragmática.
Se o que nós temos num contexto de relativização é Tema+oração, a gama de
possibilidades é muito mais abrangente. Como se viu na Seção 6, as restrições hierárquicas e
as restrições funcionais não têm sobre esse tipo de relação o mesmo peso que têm sobre a
relação entre um constituinte de função gramatical e a oração relativa.
Para explicar a participação do referente do antecedente da relativa como Tema,
recorremos a Dik, que formula esse conceito com os seguintes traços fundamentais:
(i) faz parte do conjunto de funções pragmáticas ligadas à organização do
discurso e, nesse sentido, é uma estratégia para assegurar maior eficácia no
processamento discursivo;
(ii) orienta o ouvinte para a informação que vem em seguida, apresentando a
entidade ou conjunto de entidades que, de alguma maneira, será tratada na
oração;
161
(iii) realiza-se na forma absoluta, ou seja, não tem marcação de caso
morfológico;
(iv) pode ter seu próprio status ilocucionário e
(v) não precisa ter uma posição em correferência na oração subseqüente.
Com a análise de alguns exemplos, procuramos mostrar como essas características
estão presentes na forma como o antecedente se relaciona com a oração relativa.
Como o fulcro dessa relação é a correferência postulada entre um cleo e uma
posição de termo dentro da relativa, procuramos mostrar que nem sempre se tem
propriamente compartilhamento de índice referencial. demonstramos diferentes tipos de
anáfora, que não devem ser interpretadas propriamente como correferência por não haver
compartilhamento do índice referencial. Demonstramos também que, outras vezes, é
questionável mesmo que haja algum tipo de anáfora.
Na medida em que aproximamos estruturalmente a construção relativa da construção
de Tema, confirmamos, na verdade, a constatação de Pontes (1987) de que o PB é uma língua
de proeminência de Tópico e de Sujeito, e a constatação de Negrão e Viotti (2000) e Kato
(1998) que o PB, sendo orientado para o discurso, primazia às funções discursivo-textuais,
tratadas no modelo de Dik como funções pragmáticas.
Pela proposta aqui apresentada, o sistema de relativas no PB fica, então, com a
seguinte configuração: variante padrão e variante não-padrão. E as diferenças entre essas
formas variantes estão concentradas justamente no fato de que uma é regulada por fatores
gramaticais; a outra, por fatores discursivos. Por essa razão é que a primeira variante é
interpretada em termos de gramaticalidade; mas a segunda, em termos de coerência
pragmática.
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(13), Amsterdam: John Benjamins Publishing Co., 2001.
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