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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS
DEPARTAMENTO DE SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
MESTRADO ACADÊMICO
MARCUS VINICIUS SILVA MENEZES
ORGANIZAÇÃO DA ATENÇAO BÁSICA À SAÚDE DE
JEQUIÉ-BA: UMA AGENDA A SER CONSTRUÍDA
FEIRA DE SANTANA
2006
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1
MARCUS VINICIUS SILVA MENEZES
ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE DE
JEQUIÉ-BA: UMA AGENDA A SER CONSTRUÍDA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), para obtenção
do título de Mestre em Saúde Coletiva.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO Políticas,
Planejamento, Gestão em Saúde.
LINHA DE PESQUISA Estudo de Políticas,
Programas e Práticas de Saúde.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marluce Maria Araújo Assis
FEIRA DE SANTANA
2006
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2
Menezes, Marcus Vinícius Silva
M512o Organização da atenção básica à saúde de Jequié-BA:
uma agenda a ser concluída / Marcus Vinícius Silva
Menezes. – Feira de Santana, BA, 2007.
118f.
Orientadora: Profª Dra. Marluce Maria Araújo Assis
Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual
de Feira de Santana, 2006.
1. Atenção Básica à Saúde Jequié, BA 2. Sistema Único de
Saúde. I. Assis, Marluce Maria Araújo. II. Universidade Estadual
de Feira de Santana. III. Título.
CDU: 614(814.22)
3
MARCUS VINICIUS SILVA MENEZES
ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE DE JEQUIÉ-BA:
UMA AGENDA A SER CONCLUÍDA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Saúde Coletiva.
Feira de Santana-BA, 20 de Dezembro de 2006.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof.
a
Dr.
a
Marluce Maria Araújo Assis
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS
_____________________________________________
Prof.
a
Dr.
a
Carmen Fontes Teixeira
Universidade Federal da Bahia – UFBA
______________________________________________
Prof.
a
Dr.
a
Maria José Bistafa Pereira
Universidade de São Paulo - USP
4
DEDICATÓRIA
“Nas asas do vento vivo a flutuar, posso ver o mundo de
qualquer lugar. Do ponto onde sento sempre a
perscrutar, posso estar tranqüila sem me afobar.
Quando eu caminhava com os próprios pés e me
limitava por qualquer revés. Hoje flutuando ao sabor de
Deus, graças vou alcançando vivo os sonhos meus.
Assim eu prefiro não mais me afobar, em prece sugiro,
vivo a suspirar. Sem raiar do dia vai anoitecer, tendo
Deus por guia não há o que temer”.
Cleuza da Silva Menezes (minha mãe)
Este trabalho é dedicado à memória de minha
mãe Cleuza Amante da poesia, da música e
da arte. Era a minha maior torcedora. Ainda que
o estivesse viva quando iniciei as atividades
do mestrado, a lembrança de seus afetos, a
saudade constante, e a recordação de sua luta
cotidiana pela vida, ajudaram-me a manter
sempre aceso o farol da esperança.
5
AGRADECIMENTOS
"Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores, valeu a sombra das
folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção das sementes.”
Henfil
Concordando com Henfil, eu gostaria de agradecer a todos aqueles que contribuíram direta ou
indiretamente com a construção deste trabalho, e, mesmo correndo o risco de esquecer alguém
que fez parte desta caminhada, gostaria de destacar algumas pessoas que o me deixaram
sozinho.
À minha família, meus irmãos Jéferson e Cássia e meu pai Roque que, mesmo algumas
vezes distantes, sempre torceram junto comigo.
A toda a turma do mestrado que acompanhou e contribuiu para minha formação. Foram
muitos os conflitos, porém permanece a certeza de que as diferenças não fazem diferença
quando nos abrimos para uma convivência.
Às colegas Ana Claudia, Vilara e Mariluce, pelo carinho, atenção, disponibilidade e
solidariedade que sempre se fizeram presentes.
À Prof.
a
Dr.
a
Maria Angela Alves do Nascimento, por tudo que representa para todos nós.
Não foram poucos os momentos que demonstrou o quanto possui de sensibilidade social,
conhecimento e sabedoria.
À Prof.
a
Dr.
a
Creuza Maria Brito Queiroz, pelos momentos de partilha.
À Prof.
a
Ms. Erenilde, pela experiência no estágio docente.
Aos colegas Márcio, Washington, João Rocha, Juliana e Antonia, pelo acolhimento e pela
partilha do tempo na hora do almoço.
6
Ao companheiro Charles, pelo incentivo e motivação. Que Deus ilumine sua jornada
também.
A todos os bolsistas do NUPISC, em especial para Tairone, Gabriella, Danilo e Chaider,
que gastaram um pouco do tempo que dispunham, contribuindo na coleta dos dados.
À Secretaria Municipal de Saúde de Jequié-BA, por ter permitido o acesso às fontes
documentais que viabilizaram a produção do trabalho.
Às enfermeiras da Secretaria Municipal de Saúde Adriana Galdino, Luciene e Patrícia que
me dispensaram toda a atenção na garantia da disponibilidade dos documentos.
Aos colegas de trabalho que, possibilitando minha presença nas aulas, viabilizaram uma
escala flexível e adequada à conciliação do tempo. Em especial quero agradecer a Leandro,
Diba e Joilson por terem tolerado minhas restrições.
À Profª Vanda, ex-aluna, que deixou marcas no mestrado. Obrigado pela revisão do meu
projeto e pela disponibilidade do material teórico.
Ao grande amigo e colega Gilmar, pela assessoria de informática.
Aos amigos Roque, Raquel e Rita, por terem irradiado em minha direção a confiança e o
otimismo que sempre estiveram presentes em suas vidas.
Aos professores do mestrado, pelos momentos de discussão e aprendizagem.
À Secretaria do Mestrado, pelo apoio institucional
Ao Departamento de Saúde da UEFS, pelo apoio material.
7
Às professoras da banca examinadora:
Maria José Bistafa Pereira, que se deslocou de tão longe para contribuir com nossa
construção, dividindo humildemente conosco sua sabedoria, suas práticas e seu enorme
carinho.
Carmen Fontes Teixeira, pela atenção, disponibilidade e competência. Que essas qualidades
sempre caminhem contigo.
8
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A Deus, pelo nascimento da minha filha Samira que abrilhantou minha vida e acalentou
minha caminhada.
À minha esposa Milena, pelo amor, carinho e por tantas renúncias as quais teve que passar
nesse longo percurso de dois anos, partilhando minhas frustrações, meu cansaço, minhas
noites perdidas e minhas alegrias. Muito obrigado pelo apoio e pelas contribuições.
Ao grande amigo e colega Jair Magalhães, que através de sua assessoria especial, incentivo e
solidariedade possibilitou meu acesso no processo seletivo do mestrado da UEFS.
À Prof.
a
Dr.
a
Marluce Maria Araújo Assis, pela tolerância, paciência, incentivo e,
sobretudo, por apostar na concretização do meu trabalho. Nossos diálogos constantes e
discussões acaloradas oxigenaram minha esperança na viabilidade do SUS. Foram dois anos
que contamos com o seu apoio na causa da melhoria do mestrado e na defesa dos discentes.
Por tudo isso, muito obrigado.
9
RESUMO
Estudo que pretende refletir sobre a estratégia de organização da atenção básica à saúde
adotada no município de Jequié-BA, no período de 1998 a 2006, tomando-se a oferta de
serviços, a capacidade instalada, a política de recursos humanos e o fluxo de atendimento
como eixos de análise. Tem por objetivos específicos: descrever a capacidade instalada da
atenção básica a saúde, analisar os serviços ofertados pela rede de atenção básica à saúde
(consultas médicas por especialidade básica
1
, consultas de enfermagem, procedimentos
médicos, odontológicos e de enfermagem), avaliar a política de Recursos Humanos para o
SUS na rede básica de saúde local e discutir o fluxo de atendimento da rede de atenção à
saúde do município supracitado. Trata-se de um estudo documental que utilizou dados
quantitativos, através de informações tabuladas no DATASUS e dados qualitativos, conforme
análise dos documentos que tratam da organização dos serviços da SMS de Jequié-BA. O
estudo revela que, apesar de o processo de municipalização ter possibilitado a ampliação da
rede básica de serviços do referido município, ainda persistem obstáculos para a expansão da
estratégia de saúde da família enquanto política de reorganização da atenção básica. um
predomínio de estabelecimentos de saúde que ofertam serviços de atenção primária seletiva,
que representaram, em 2005, aproximadamente 40% do total de unidades existentes na rede.
A oferta de consultas médicas no município de Jequié-BA teve uma retração considerável, ao
contrário das consultas de enfermagem que tiveram um incremento significativo entre 1998 e
2005, de modo que essa situação sugere uma demanda reprimida para as consultas médicas
nesse período. A melhoria das relações de vínculo trabalhista entre os profissionais de saúde
não foi aprofundada pela instituição de um Plano de Cargos Carreira e Salários (PCCS),
apontando um cenário pouco atrativo para o desenvolvimento na carreira por esses
profissionais. A qualificação para o trabalho teve maior intensidade nos anos 2000, 2001 e
2002, correspondendo à implementação da gestão plena da atenção básica e da gestão plena
do sistema municipal, enquanto que os anos seguintes foram marcados pela redução das
atividades de formação dos recursos humanos não obstante as demandas crescentes por
conhecimentos relativos à implantação de programas e práticas assistenciais no âmbito
municipal. A organização do fluxo de atendimento foi marcada por dois momentos: o
primeiro momento aponta uma rede fragmentada, com um fluxo de atendimento em uma
única direção, e no segundo visualizou-se uma aproximação do sistema com a rede integrada,
apresentando uma dinâmica de referência e contra-referência. Esse cenário, entretanto, não foi
suficiente para alterar o quadro de segmentação do sistema de saúde, embora se apresente
como esforço da gestão municipal em direção a constituição de um complexo regulatório,
definido como conjunto de estabelecimentos de saúde que se articula em caráter
complementar na oferta de atenção ao projeto terapêutico dos usuários.
Palavras-Chave: rede de atenção básica, oferta de serviços de saúde, recursos humanos em
saúde, capacidade instalada e fluxo de atendimento.
1
São consideradas especialidades básicas, neste estudo, as consultas nas áreas de saúde da criança, mulher e
adulto.
10
ABSTRACT
Study that considers the strategy of organization of the basic attention to health accepted in
the city of Jequié-BA, in the period of 1998 -2006, taking the offer of services, the capacity
installed, the politics of human rescourses and the fluent of treatment like axis of analysi. It
has for specific objectives: to characterife the public net of establishments of basic attention to
the healt, to describe the production of the services offered for the basic attention to the health
(medical appointments for basic specialty, appointments of nursering, medical, nursering and
odontologyc procedures), indicate the politic of Human Recourses to SUS in the basic net of
local health and to argue the fluent of treatment of the net of attention to the health of the city
reported. It is about a documentary study that it used quantitatives datas, through informations
tabulated in the DATASUS and qualitative datas, as the analysis of document that treat of
organization of services of the SMS of Jequié-BA. The study show that although of the
municipalizarion process having allowed the amplification of the basic net of services of the
city reported, still persist obstacles for the expansion of the strategy of health of family as
while politics of reorganization of the basic attention. There is a predominance af health
stablishments that offer services of selective primary attention, that represented in 2005
aproximately 40% of the total of existing units in the met. The offer of medical appountments
in the city of Jequié (BA) had a considerable retraction in contrast of the nursering
appointments that had a significant increment enter 1998 to 2005, bung that this sitrations
suggestes a restrained demand for the medical appointments in this period. The improvement
of the relations of working bond among the health professionals, was not gone deep for the
institution of a Plan of Functions Career and Salaries (PCCS), pointing a little attractive scene
to the development in the career for these professionals. The qualification for the work had
greater intensity in yers 2000, 2001 and 2002, corresponding the implementation of the
complete administration of the municipal system, while that the years subsequent were
marked for the reduction of the activities of formation of the human recourses in spit of the
crescent lawsuits for knowledges relativeto the implantion of programs and practical
attendance in the city ambit. The organization of the attendance flow was marked by two
moments that pointed unitially a net broken up with a flow of attendance in a only direction
and in second moment visualized an approad of the system with the integrated net, presenting
a dynamics of reference and against-reference. This scene, however, was not enough to
modify the picture of segmentation of the health system, even so if presents as effort of the
municipal administration in direction the constituiion of a regulatoric complex, defined as
whole of health establishments that articulate in complementary charater in the offer of
attention to the therapeutical project of the users
Keywords: net of basic attention, offers of services of health, human resources in health,
installed capacity and flow of attendance.
11
LISTA DE SIGLAS
AIS Ações Integradas de Saúde
AMS Pesquisa de Assistência Médico Sanitária
APS Atenção Primária à Saúde
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CERAJE Centro de Regulação da Assistência de Jequié
CEREST Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador
CSJ Centro de Saúde de Jequié
DATASUS Departamento de Assistência Técnica do SUS
DEGERTS Departamento de Gestão da Regulação do Trabalho em Saúde
DEGES Departamento de Educação da Saúde
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública
FAPESB Fundação de Apoio à Pesquisa da Bahia
FIOCRUZ Fundação Osvaldo Cruz
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
NOAS Norma Operacional Básica de Assistência à Saúde
NUPRFJ Núcleo de Prevenção e Reabilitação Física de Jequié
NUPISC Núcleo de Pesquisa Integrada em Saúde Coletiva
NOB Norma Operacional Básica
PAB Piso de Atenção Básica
PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PSF Programa de Saúde da Família
PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no
Nordeste
PCCS Plano de Carreira, Cargos e Salários
PDR Plano Diretor de Regionalização
PROMED Programa de Incentivo à Mudança Curricular nos Cursos de Graduação
em Medicina
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios
SES Secretarias Estaduais de Saúde
12
SESAB Secretaria de Saúde do Estado da Bahia
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SGTES Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde
SIA Sistema de Informações Ambulatoriais
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
USF Unidade de Saúde da Família
TDF Tratamento Fora do Domicílio
13
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Oferta de Serviços da rede básica de Jequié, 2000-2006 72
14
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Fluxograma de organização das informações a partir das fontes de dados
qualitativos e quantitativos
57
Figura 2: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano
2000.
96
Figura 3: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano
2001.
97
Figura 4: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano
2002.
99
Figura 5: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano
2005.
100
15
LISTA DE MAPAS
Mapa I: Delimitação das Microrregiões de Saúde da Bahia, segundo PDR 2005 52
Mapa II: Delimitação das Microrregiões da Macrorregião Sul da Bahia, conforme
PDR 2005
52
Mapa III: Delimitação dos municípios da Microrregião de Jequié(BA) 53
16
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Ciclo de Expansão da rede básica de serviços de saúde ao longo do
século XX
44
Quadro 2: Síntese da análise documental dos Planos de Saúde da SMS de
Jequié(BA), em relação à oferta de serviços, capacidade instalada,
política de recursos humanos e organização do fluxo de atendimento
58
Quadro 3: Síntese da análise documental dos relatórios de gestão da SMS de
Jequié(BA), em relação à oferta de serviços, capacidade instalada,
política de recursos humanos e organização do fluxo de atendimento
59
Quadro 4: Síntese horizontal dos Planos Municipais de Saúde referentes a oferta de
serviços na atenção básica
70
Quadro 5: Síntese horizontal dos relatórios de gestão referente a Oferta de Serviços
na Atenção Básica
71
17
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Número de Equipes e Cobertura Populacional do PSF em Jequié-BA
(2000-2005)
63
Tabela 2: Rede de Atendimento Básico à Saúde em Jequié-BA (1998-2003) 65
Tabela 3: Distribuição e Comparação das Unidades de Atenção Básica à Saúde da
Macrorregião Sul com o Município de Jequié-BA (1998-2005)
67
Tabela 4: Percentual de Consultas por Especialidade Médica em relação ao total de
Consultas realizadas na rede básica pública em Jequié-BA (2000-2005)
74
Tabela 5: Distribuição de consulta básicas por médicos e enfermeiros (2000-2005) 76
Tabela 6: Oferta de Serviços de nível médio da rede básica de Jequié-BA (1998-
2005)
78
Tabela 7: Oferta de Serviços Odontológicos Realizados em Jequié-BA (2000-2005) 80
Tabela 8: Distribuição por Categoria/Cargo e Vínculo dos trabalhadores de Saúde
que atuam na atenção à saúde da rede pública municipal nos anos 2000 e
2005.
84
Tabela 9: Distribuição e Vínculo profissional de trabalhadores da administração
direta e indireta da SMS de Jequié-BA, 2000/2004.
88
Tabela 10: Atividades de formação e de desenvolvimento de Recursos Humanos em
Saúde (RHS) da SMS de Jequié(BA), no período de 2000-2005
91
18
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
20
2. OBJETIVOS
25
2.1 OBJETIVO GERAL 26
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 26
3. FUNDAMENTAÇAO TEÓRICA
27
3.1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA
À SAÚDE
27
3.2 A ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE COMO ORGANIZAÇÃO SELETIVA DE
PRÁTICAS DE SAÚDE
30
3.3
ATENÇÃO BÁSICA Á SAÚDE COMO INSTRUMENTO DE AMPLIAÇÃO
DO ACESSO PELA “PORTA DE ENTRADA”
32
3.4 A ATENÇÃO BÁSICA COMO INSTRUMENTO DE ORGANIZAÇÃO DA
GESTÃO DO SISTEMA DE SAÚDE
36
3.5 O IMPASSE DA OFERTA DE SERVIÇOS NA ATENÇÃO BÁSICA À
SAÚDE
38
3.6 O IMPASSE DA ORGANIZAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS DA ABS E A
CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE INSTALADA
42
3.7 O IMPASSE DA POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS PARA O SUS 44
4. METODOLOGIA
50
4.1 TIPO DE ESTUDO 50
4.2 CAMPO DE ESTUDO 50
4.3 FONTE DE COLETA DE DADOS 54
4.4 COLETA DE DADOS 55
4.5 ANÁLISE E TRATAMENTO DO MATERIAL COLETADO 56
4.6 QUESTÕES ÉTICAS 60
19
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
61
5.1 CAPACIDADE INSTALADA DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE EM
JEQUIÉ-BA: AMPLIAÇÃO DA REDE NO PERÍODO DE 1998 A 2005
62
5.2 A OFERTA DE SERVIÇOS NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE DE
JEQUIÉ-BA
69
5.3 POLÍTICA DE “RECURSOS HUMANOS” PARA O SUS NA REDE DE
SERVIÇOS SAÚDE DE JEQUIÉ-BA
83
5.4 A ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE ATENDIMENTO DA REDE DE
SERVIÇOS DE JEQUIÉ-BA
92
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
104
REFERÊNCIAS
110
APÊNDICES
115
20
1 INTRODUÇÃO
Os estudos que utilizam a atenção básica como eixo de investigação (ASSIS et al,
1996; MERHY, 1997; CAMPOS, 2003; GIOVANELLA; ESCOREL e MENDONÇA, 2003;
RODRIGUES, 2004; SILVA, 2004, entre outros), procuram debater e aprimorar os
conhecimentos relativos ao modelo de atenção hegemônico no Brasil, questionando seus
pressupostos e apontando caminhos que orientem a reorganização da atenção à saúde, tendo
em vista a ampliação do acesso e a resolubilidade dos serviços, o que pressupõe a existência
de desafios a serem superados pelo sistema público de saúde, com a efetivação dos princípios
2
que orientam suas práticas.
A rede básica de saúde constitui um espaço de discussão e elaboração de estratégias de
atenção à saúde que foi impulsionado a partir da década de 80, quando, de modo efetivo, esta
forma de intervenção começou a exercer um papel fundamental na articulação das práticas
(individual e coletiva) e na construção de uma nova lógica de produção dos serviços,
fundamentada na ampliação do acesso aos usuários e na tentativa de melhorar a qualidade das
ações ofertadas, ainda que tais finalidades não tenham sido concretizadas no interior das
experiências que são vivenciadas nos espaços de gestão local dos serviços de saúde (MERHY,
1997).
Neste contexto, o debate sobre a organização dos serviços localizados no nível mais
próximo dos usuários recoloca a atenção básica como tema relevante que acumula um
conjunto de questões a serem respondidas, sobretudo quando se evidencia a escassez de
produção acadêmica sobre o assunto.
No Brasil, os estudos recentes que tomam a atenção básica como objeto de estudo têm
sua origem nos núcleos de pesquisas em saúde coletiva, em diferentes instituições de ensino
superior, a exemplo da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Osvaldo Cruz
(FIOCRUZ), onde se destacam os estudos de Bodstein (2002) e Giovanella, Escorel e
Mendonça (2003); da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), através das
investigações de Merhy (1997), Cecílio (1997) e Franco, Bueno e Merhy (2003); e da
2
Os princípios que orientam o sistema de saúde brasileiro foram regulamentados com a aprovação da Lei
Orgânica da Saúde em 1990 e referem-se a um conjunto de recomendações ético-políticas que devem
fundamentar a execução das ações de saúde. A universalidade é definida como a garantia de acesso da
população aos serviços de saúde em todos os níveis de complexidade do sistema (BRASIL, 1990). A
integralidade significa que a atenção à saúde deve ser capaz de incorporar a totalidade das necessidades dos
usuários o que implica reconhecimento da articulação entre a macro e a micropolítica na organização dos
serviços de saúde (PINHEIRO; MATTOS, 2003). A equidade é entendida como igualdade nas condições de
acesso sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. (BRASIL, 1990).
21
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), entre outras instituições, de modo que
esta, além de apresentar as investigações de Assis, Villa e Nascimento (2003), Gonçalves
(2005), Santos (2005), Santana Júnior (2004) e Rodrigues (2005), possui, atualmente, um
projeto de pesquisa, apoiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa da Bahia (FAPESB), que
trata da organização dos serviços de Atenção Básica no processo de descentralização da
Bahia, no período de 1998 a 2005, realizado pelo Núcleo de Pesquisa Integrada em Saúde
Coletiva (NUPISC), o qual tem possibilitado o desenvolvimento da presente investigação.
Para Merhy (1997), a rede básica de saúde deve ser compreendida como terreno de
construção de uma nova abordagem nas formas de produção de serviços de saúde,
constituindo-se como “porta de entrada” ao sistema de saúde que redefine não apenas o lugar
deste nível na organização da atenção, mas também o espaço conferido aos demais níveis de
complexidade tecnológica (média e alta).
Cecílio (1997) traz uma outra discussão sobre o papel da atenção básica como “porta
de entrada”, apresentando argumentos que apontam que o acesso dos usuários ao sistema de
saúde poderia ocorrer a partir de diversos espaços. O autor apresenta o hospital como espaço
que tem sido a principal forma de acesso dos usuários, sobretudo através de seus serviços de
urgência/emergência, ainda que a procura por tais serviços seja motivada pelo atendimento às
demandas passíveis de serem resolvidas em nível das unidades básicas de saúde.
De acordo com Campos (2003), o interesse pela atenção básica, enquanto espaço de
intervenção, está relacionado com a capacidade que este campo de atenção possui em
responder por 80% dos problemas de saúde da população, considerando a existência de um
modelo hierarquizado de atenção.
A definição da atenção básica como eixo de organização dos serviços apareceu,
inicialmente, como estratégia defendida, principalmente, no interior do movimento sanitário,
mas foi incorporada pelos formuladores de políticas em função do caráter racionalizador que
este modelo apresentava, sob a ótica dos interesses conservadores, tendo como pano de fundo
a defesa de políticas focalizadas para a área de saúde (MERHY, 1997).
Nesse sentido, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) com o advento da
Constituição de 1988, ao definir a saúde como resultado das condições de vida ampliou o
debate sobre a transformação do modelo de saúde vigente, estabelecendo a descentralização
como uma das diretrizes centrais de reformulação do sistema, viabilizando a proposta da
atenção básica como estratégia reorientadora das ações de saúde.
A descentralização da saúde tem sido apontada como uma estratégia política que
impõe mudanças no modelo de atenção e nas relações de poder entre as esferas de governo
22
União, Estados e Municípios. (ASSIS, 1998 e MENDES, 1998). Assim, um elenco de
responsabilidades sobre as ações de saúde, antes concentradas no nível federal, foi sendo
transferido para os estados e, principalmente, para os municípios.
A importância atribuída à descentralização, enquanto estratégia de organização do
sistema de saúde ocorre no mesmo espaço de discussão que destaca a rede básica de serviços
como campo de intervenção, tendo em vista a garantia da promoção, prevenção e proteção da
saúde, cujos critérios foram definidos com a aprovação da Lei Orgânica da Saúde nº 8080/90,
que regulamenta o SUS.
Com a edição das Normas Operacionais Básicas (NOB’s), a preocupação dos
formuladores de políticas se orienta em direção à operacionalidade do sistema de saúde, que
depende de um conjunto de recomendações específicas para viabilizar o desempenho das
ações definidas pela Lei 8080/90 (BRASIL, 1996).
A NOB 96 decorre desta necessidade e apresenta as bases para a composição de um
novo modelo de atenção, fundamentado na concretização do direito à saúde e estabelecido na
perspectiva de garantir a efetividade das ações tendo em vista a qualidade gerencial. Para
tanto, o Ministério da Saúde estabeleceu fatores de incentivos destinados às ações básicas,
como o Piso de Atenção Básica (PAB)
3
fixo e variável, Programa de Agentes Comunitários
de Saúde (PACS), Programa de Saúde da Família (PSF), entre outros (BRASIL, 1996).
A aprovação da Norma Operacional Básica de Assistência à Saúde (NOAS), em 2001,
teve como escopo a instituição de mecanismos que pudessem normatizar a ampliação do
acesso ao sistema de saúde, elegendo a atenção básica, a regionalização da oferta e a
organização dos serviços como eixos programáticos. Estes elementos visavam o alcance da
melhoria da qualidade e o fortalecimento da capacidade da gestão dos Estados e Municípios
(BRASIL, 2002a).
Nesse contexto, o movimento desencadeado pela implementação da NOAS procura
diminuir as desigualdades no uso do sistema de saúde, cujos serviços disponíveis à população
refletem a estratificação da sociedade brasileira, onde os indivíduos que procuram
atendimento às suas necessidades possuem chances diferenciadas de realizarem a satisfação
dos seus interesses.
3
Piso de Atenção Básica consiste em um montante de recursos financeiros destinados ao custeio de ações
básicas de saúde, de responsabilidade do gestor municipal e transferida pela União. A parte fixa do PAB é
definida pela multiplicação de um valor per capita nacional pela população de cada município. O PAB variável
refere-se a um acréscimo de recursos destinados às ações básicas na medida em que os municípios forem
implantando programas específicos recomendados pelo Ministério da Saúde. Atualmente, o valor do PAB fixo
varia entre 13,00 a 18,00 reais por habitante/ano.
23
Uma análise mais detalhada (CARVALHO, 2001; BUENO e MERHY, 2005) sobre a
edição das NOB, enquanto dispositivos reguladores do sistema de saúde, revela a fragilidade
destes instrumentos diante dos obstáculos que impedem a organização dos serviços em
consonância com as necessidades da população, traduzida na defesa da vida (individual e
coletiva) de seus usuários. Nesta perspectiva, as NOB não passariam de ferramentas
burocratizantes que repetem o conteúdo expresso das Leis Orgânicas da Saúde (8080 e 8142)
e que não necessitariam de regulamentação. Pelo seu caráter restrito, imprimiriam um
pequeno impacto sobre a regulação da oferta de serviços à saúde da população.
Nesse cenário, não obstante os impasses presentes na regulação da Lei 8080/90, o que
estava na pauta da reforma do setor saúde era a garantia do acesso pleno ao sistema, através
da cobertura universal e do estabelecimento de ações integrais que considerassem todas as
necessidades do indivíduo, ou seja, a prioridade era induzir a ampliação da oferta, através de
incentivos financeiros e apoio técnico oriundos do nível nacional.
No tocante a oferta de serviços, convém salientar a análise de Travassos (1999), para
quem esse mecanismo de acesso ao sistema está relacionado à disponibilidade, o tipo e a
quantidade de recursos destinados à saúde.
No campo da atenção básica, na qual a oferta é regulada pela demanda (PINHEIRO e
MATOS, 2003), a disponibilidade de serviços destinados à população é caracterizada por um
conjunto de ações de caráter individual e coletivo, estruturados em três eixos programáticos:
Atenção à Saúde, Vigilância à Saúde e Assistência Farmacêutica (BAHIA, 2004).
Apesar da importância atribuída a Vigilância à Saúde e a Assistência Farmacêutica
como componentes estruturantes do sistema de atendimento da rede, o que se deseja enfatizar
é a organização da atenção à saúde, cujos serviços são estratégicos para concretizar os
princípios do SUS.
No Brasil, a organização da oferta de serviços de saúde obedece a um desenho
institucional que caracteriza tais serviços em públicos e privados (ELIAS, 1996), no entanto,
o setor privado, ainda que tivesse sido integrado ao SUS, atuando de forma complementar na
atenção aos usuários, não será tratado nesta investigação.
A oferta de serviços e a composição da rede básica de atenção à saúde devem ser
compreendidas num contexto nacional, regional e municipal, enquanto desdobramentos de
conquistas institucionais defendidas e acumuladas pelo movimento sanitário.
Nesse sentido, o processo de municipalização desencadeado ao longo dos últimos 20
anos tem sido um movimento significativo na reestruturação do poder no âmbito do SUS,
com redefinição técnica, política e administrativa de suas ações (ASSIS, 1998).
24
A diversidade e complexidade com as quais os diferentes municípios vêm assumindo a
responsabilidade pela gestão e oferta de serviços, ou seja, pela prestação direta da maior parte
dos programas de saúde dirigidos à população, sem a devida contrapartida financeira
correspondente pelas ações assumidas, compromete a capacidade de organização da rede de
atendimento destes sistemas de saúde (BODSTEIN, 2002).
Nos últimos anos, o campo da saúde coletiva tem produzido uma série de estudos que
analisam o impacto da atenção básica no processo de organização dos serviços
implementados pelos municípios, considerando-se esse espaço de intervenção como o maior
potencial de oferta de ações da saúde à população. A maioria dessas investigações foi
identificada, catalogada e analisada por Assis (2007) em sua tese de titular que apresenta a
(re)construção do conhecimento sobre a atenção básica à saúde: sujeitos, saberes, práticas e
relações.
Contudo, mesmo a par de extensa produção acadêmica sobre o tema, evidencia-se a
necessidade de revisão e atualização de conhecimentos referentes à adoção da atenção básica
como estratégia de implementação do SUS nos municípios da Bahia, onde os estudos que
foram produzidos até o momento ainda são insuficientes.
Diante do exposto, recorta-se como objeto de investigação a organização da atenção
básica à saúde de Jequié-BA, no período de 1998 a 2006, tomando como eixos de análise
quatro dimensões. A primeira dimensão situa a evolução histórica da rede de
estabelecimentos que compõe a atenção básica na esfera pública do município de Jequié-BA.
Na segunda dimensão, foram investigados os serviços disponíveis na rede de atenção básica
do referido município. Neste caso, considerou-se, para fins de análise, as consultas médicas
por especialidade básica (criança, mulher e adulto); consultas de enfermagem e os
procedimentos odontológicos e de enfermagem. A terceira dimensão examinou o perfil dos
recursos humanos existentes na rede de serviços de Jequié-BA. A quarta dimensão procurou
construir um desenho organizacional do fluxo de atendimento no período recortado.
A diversidade e heterogeneidade com as quais se apresentam os diferentes contextos
locais de saúde imprimem uma gica diferenciada na capacidade dos municípios em
assumirem com responsabilidade as ações de saúde dos seus munícipes. Este quadro amplia a
preocupação com o tema, sobretudo quando a situação dos municípios da Bahia reproduz esta
mesma tendência, o que revela a existência de diferentes realidades sanitárias convivendo
num mesmo espaço territorial.
Neste caso, a município de Jequié foi escolhido para representar o recorte geográfico
do estudo, considerando-se sua capacidade de ilustrar a composição dos serviços de saúde na
25
Macrorregião Sul do Estado, inserindo-se nesse espaço como pólo comercial e de serviços,
apresentando-se, ainda, como referência para encaminhamentos de usuários do SUS, oriundos
de diversos municípios da Região do Rio de Contas.
O tema é instigante na medida em que a situação da saúde no Brasil é representada por
profundas contradições que atingem diferentes dimensões (econômica, política e técnica) e
encontra suas raízes na forma como os serviços de saúde foram se estruturando e se
organizando para atender determinada demanda. A insuficiência de recursos para o
financiamento das ações, a ineficiência dos serviços prestados e a má qualidade da assistência
comprometem o acesso e a integralidade como compromissos que resultam de uma
racionalidade do sistema em que a atenção básica se insere de forma estratégica para a
construção de um novo fazer em saúde.
Cabe salientar que a oferta de serviços e a composição da rede básica de saúde, a
política de recursos humanos e a organização do fluxo de atendimento servem como padrões
comparativos e como fontes de informações que poderão ser utilizadas para o planejamento
dos serviços e para formulação de políticas de saúde, contribuindo para a redefinição das
práticas e reorganização do setor, tendo em vista a promoção de uma verdadeira reengenharia
humanizada dos serviços de saúde.
Dessa forma, é necessário enfatizar que o estudo tem com questionamento central:
como está organizada a atenção básica à saúde em Jequié-BA, a partir de 1998 até 2006?
26
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
- Analisar a organização da atenção básica à saúde em Jequié-BA, de 1998 a 2006.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Descrever a capacidade instalada da atenção básica à saúde.
- Analisar os serviços ofertados pela atenção básica à saúde (consultas médicas por
especialidade básica
4
, consultas de enfermagem, procedimentos médicos, odontológicos e
de enfermagem).
- Avaliar a política de Recursos Humanos para o SUS na rede básica de saúde local.
- Discutir o fluxo de atendimento da rede de atenção à saúde do referido município.
4
São consideradas especialidades básicas. Neste estudo, as consultas nas áreas de saúde da criança, mulher e
adulto.
27
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para desenvolver o conjunto de conceitos e revisões que compõem a fundamentação
teórica, foram resgatadas as discussões mais recentes sobre os fundamentos históricos e
teóricos da Atenção Primária à Saúde, destacando-se os três enfoques principais utilizados
para APS, considerando-se nesse cenário a sua (re)tradução, no contexto atual do SUS, como
campo de intervenção da Atenção Básica à Saúde. Assim, foi analisada a atenção básica como
organização seletiva de práticas, como instrumento de ampliação do acesso pela porta de
entrada e como organização da gestão do sistema de saúde. Em seguida, procurou-se
estabelecer uma reflexão sobre os impasses que persistem na trajetória da construção da
atenção básica no sistema público de saúde, enfatizando aqueles concernentes à oferta de
serviços na atenção básica; a organização da rede básica de atenção à saúde, através da
constituição da capacidade instalada e a efetivação de uma política de recursos humanos para
o SUS.
3.1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À
SAÚDE
Os princípios que fundamentam a Atenção Primária à Saúde (APS), cuja evolução
conceitual culminou na moderna concepção sobre atenção básica no Sistema Único de Saúde,
tiveram sua origem na implantação dos Centros Comunitários dos Estados Unidos na década
de 10 e no Relatório Dawson sobre o sistema de saúde inglês, modelando sua definição
original no texto sobre os cuidados primários de saúde elaborado na Conferência de Alma-
Ata, realizada em 1978 (MENDES, 2002).
Nos Estados Unidos, a proposta dos Centros Comunitários de Saúde foi implementada
com o objetivo de aproximar os serviços de saúde das populações residentes numa
determinada área de abrangência definida em função da capacidade de atendimento do poder
local. Essa experiência de delimitação da demanda populacional por serviços de saúde
estabeleceu o Centro de Saúde como foco de administração dos recursos físicos, materiais e
da força de trabalho encarregados de garantir a atenção no nível primário, organizando a
prestação de serviços para uma população pertencente a um território delimitado
(ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006).
28
A experiência dos Centros Comunitários de Saúde difundiu-se por diversos países em
desenvolvimento, tais como o Brasil que obteve financiamento da Fundação Rockfeler para a
implantação e manutenção desses centros de matriz americana. O modelo da Fundação SESP
(Serviço Especial de Saúde Pública) constituiu a versão brasileira da proposta original, que,
embora tivesse sido configurada com o propósito de transformar uma dada maneira de
organização do atendimento, ampliando o acesso dos serviços à população, não se consolidou
enquanto estratégia de transformação do modelo de saúde, até então centrada no atendimento
médico e na focalização da assistência, transferindo para a população a maior
responsabilidade pelo seu estado de saúde.
A versão mais aproximada da APS surgiu na Inglaterra, ainda em 1920, quando o
então ministro de saúde, Lord Dawson, instituiu o Centro de Saúde como espaço destinado a
oferecer atendimento dico primário, preconizando a organização do sistema de saúde em
três níveis de atenção, diante dos quais os Centros de Saúde estariam localizados no primeiro
nível (MENDES, 2002 e ANDRADE; BARRETO e BEZERRA, 2006).
A contribuição de Dawson para a organização do sistema de saúde inglês foi
emblemática para a conformação de um sistema público e universal, à medida que
responsabilizava o Estado pela ampliação do acesso da população aos serviços básicos de
saúde e propunha uma transformação do modelo, através do primeiro contato da população no
Centro de Atenção Primária, cuja organização deveria ser flexível em função da
complexidade das necessidades locais e da situação de saúde da população.
Os Centros de Saúde que surgiram no Brasil em 1924, sob a influência do sanitarista
Geraldo de Paula Souza, foram inspirados tanto na proposta dos centros comunitários
americanos, quanto nos sistemas ingleses criados por Dawson e tinham como finalidades
principais: a focalização na promoção da saúde, a prática de educação sanitária e prevenção
de doenças infecciosas (MENDES, 2002).
No plano internacional, esses dois movimentos históricos associados à crise da saúde
que caracterizava a situação da maioria dos países do globo naquele período, conforme
análise de Ferreira e Buss (2001) convergiram para a conformação da Conferência
Internacional sobre os Cuidados Primários de Saúde realizada em Alma-Ata, em 1978, sob a
coordenação da Organização Mundial de Saúde (OMS), estabelecendo a base conceitual da
APS como proposta a ser apreciada pelos países que se dispuseram a ampliar a meta de
garantir o direito à saúde dos povos.
A Declaração de Alma-Ata sintetizou as discussões que se estabeleceram em torno das
estratégias que deveriam ser adotadas pelos chefes de Estado a fim de proporcionar um nível
29
de saúde para todos os povos e nações, propondo uma nova abordagem na organização e
racionalização dos recursos disponíveis através da atenção primária. Tal estratégia foi
instituída como tecnologia de transformação do processo de cuidar, capaz de contemplar as
necessidades mais complexas que fazem parte do contexto social, político e econômico das
populações, introduzindo a participação comunitária como estratégia essencial desse modelo.
A APS foi então definida como:
Cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas,
cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance
universal de indivíduos e da comunidade, mediante sua plena participação e a um
custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu
desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automediação (....) Representam o
primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema
nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente
possível aos lugares onde as pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro
elemento de um processo continuado de assistência a saúde (OMS, 1978).
Essa abordagem propôs uma compreensão sobre cuidados fundamentais que deveriam
ser garantidos a todas as pessoas, como primeiro momento do processo de assistência à saúde,
cuja apreensão ultrapassaria os limites do setor saúde, à medida que tais métodos e
tecnologias seriam implementados através dos serviços de proteção, prevenção e reabilitação,
níveis de assistência que demandam a atenção de vários setores sociais.
Tais cuidados expressavam a necessidade de ação urgente de todos os governantes de
nações e demais atores envolvidos com o setor saúde, no sentido de promoverem um
ambiente de justiça social a ser concretizado no ano 2000, período estabelecido como limite
para a garantia do acesso a saúde para todas as pessoas, constituindo a APS, como primeiro
nível de contato com os serviços de saúde (BRASIL, 2001).
Mendes (2002) e Starfield (2004) resgatam os princípios de APS enfatizando o
primeiro contato, a longitudinidade, a integralidade, a coordenação, a focalização na família e
a orientação comunitária como elementos constitutivos que devem ser apreendidos em sua
totalidade para a conformação de um sistema de saúde voltado para a atenção primária com
efetividade.
De acordo com esses autores, o primeiro contato é o princípio que traduz a capacidade
de garantir o acesso e a utilização dos serviços de saúde pelos indivíduos que demandam
atenção e implica na maior proximidade possível entre os estabelecimentos de saúde e a
comunidade. A longitudinidade estabelece um processo continuado de atenção através do
provimento de recursos e de estratégias em longo prazo. A integralidade enfatiza a
responsabilidade pela prestação de serviços, para que se possa atender o conjunto de
30
necessidades de uma população numa área delimitada, apreendendo de forma ampliada os
determinantes biológicos, psicológicos e sociais das doenças. A coordenação prioriza os
mecanismos e gestão tendo em vista a manutenção e garantia da continuidade dos serviços. A
focalização na família refere-se a uma nova abordagem sobre o sujeito do processo
saúde/doença, em que a família é compreendida como ator principal e unidade social que deve
ser considerada como eixo de intervenção no processo do cuidado. Por fim, a orientação
comunitária propõe o reconhecimento do contexto econômico, social e cultural em que vivem
as famílias, cujas necessidades ocorrem em função desse ambiente, o qual deve orientar as
ações de saúde (MENDES, 2002 e STARFIELD, 2004).
No Brasil, esses princípios foram incorporados aos diferentes projetos de organização
dos serviços, enfatizando a atenção básica como estratégia principal e como modelo de
intervenção que revisa conceitualmente a proposta da APS.
Conforme análise de Mendes (2002), não existe consenso sobre a interpretação do
conceito da Atenção Básica no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) e nos diversos
sistemas de saúde espalhados pelo mundo. Este autor destaca três enfoques principais que são
utilizados como objeto de análise nos diversos espaços de produção de serviços de saúde: a
atenção básica à saúde como atenção primária seletiva; a atenção básica como nível primário
do sistema de serviços de saúde e a atenção básica como estratégia de organização do sistema
de saúde.
Essas abordagens podem traduzir três campos de atuação da atenção básica: como
organização seletiva de práticas, como ampliação do acesso pela porta de entrada e como
instrumento de organização da gestão do sistema de saúde.
3.2 A ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE COMO ORGANIZAÇÃO SELETIVA DE
PRÁTICAS DE SAÚDE
A noção da atenção básica como atenção primária seletiva está relacionada à
organização seletiva de práticas de saúde que estabelece, conforme enfatiza Mendes (2002), a
disposição de um conjunto de serviços de baixa densidade tecnológica, com pessoal de baixa
qualificação profissional, baixo custo financeiro e sem possibilidade de referência a outros
níveis de complexidade, seu foco de atuação seria destinada às populações e regiões pobres.
A matriz ideológica dessa abordagem se fundamenta no ideário neoliberal, o qual
propõe a descentralização, a privatização e a focalização de políticas sociais como estratégias
31
doutrinárias de ajuste econômico a serem recomendadas para os países do globo por
organismos financeiros internacionais, a exemplo do Banco Mundial (SOARES, 2000).
No Brasil, conforme problematiza Soares (2000), as políticas de ajuste econômico
implementadas ao longo da década de 90 provocaram um grande impacto nas políticas sociais
das esferas federal, estadual e municipal, que tiveram seus orçamentos reduzidos e suas ações
focalizadas diretamente para os segmentos pobres da população, criando situações sociais de
exclusão e de desigualdades crescentes, agravados ainda pela pequena capacidade de pressão
e de poder de decisão da maioria daqueles que demandam por serviços sociais.
Nesse período, o setor saúde, embora amparado por uma legislação favorável à
ampliação dos recursos a serem empregados para garantir o acesso necessário ao atendimento
das demandas crescentes que se acumulavam em direção ao SUS, teve suas ações reduzidas e
limitadas em decorrência do cumprimento de diretrizes recomendadas pelas políticas de
ajustes, gerando a redução do financiamento dos serviços e a conseqüente estagnação do
sistema público de saúde.
Travassos (1999), analisando o documento do Banco Mundial que propunha as
diretrizes a serem adotadas para o investimento em saúde na década de 80, discute a
abordagem neoliberal que preconiza a redução do papel do Estado no provimento das ações
de saúde destinadas à população, definindo o conjunto desses recursos, devido ao seu caráter
limitado, de cesta básica de serviços. A partir da ntese da autora, é possível deduzir que a
adoção de práticas restritas a um pacote mínimo de serviços essenciais apenas se justifica pela
contenção de gastos e redução dos custos, principal bandeira defendida pelas políticas de
ajuste de corte neoliberal.
Bech (2002) acrescenta que a APS, interpretada como um conjunto de cuidados
seletivos é incompatível com os princípios fundamentais que orientam o SUS, sobretudo
quanto à universalidade, à eqüidade e à integralidade. Para o autor, essa versão reducionista
resultaria numa concepção de um programa para população marginal, com recursos escassos
destinados às regiões mais pobres, aprofundando as desigualdades regionais e locais
existentes. Andrade, Barreto e Bezerra (2006) divergem da concepção simplificada que toma
a atenção sica como um conjunto de serviços para pobres. De acordo com os autores, a
Atenção sica é o tipo que se propõe para organizar e racionalizar todos os recursos de
saúde, visando a garantir a promoção e a resolução dos problemas de saúde de uma dada
população.
Mendes (2002) concorda com esse argumento destacando que a atenção básica
ultrapassa a oferta de serviços restritos e tem como um de seus papéis resolver a maioria dos
32
problemas de saúde demandados pela população. A esse papel intrínseco, segundo esse autor,
se associam outros dois, que se traduzem na organização e na responsabilização.
A capacidade resolutiva da atenção básica é evidenciada quando se analisam os
estudos realizados no plano internacional que associam os indicadores de saúde aos sistemas
de saúde orientados para a APS. Vários estudos destacam uma relação positiva entre esses
sistemas de saúde e o impacto na qualidade de vida das pessoas (STARFIELD, 2004).
A introdução do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) no sistema de
saúde brasileiro como estratégia de redução da mortalidade infantil foi um exemplo
emblemático da eficácia e eficiência da atenção básica no impacto dos indicadores sanitários,
sobretudo em Regiões e segmentos populacionais pobres. O PACS teve uma participação
estratégica na diminuição da mortalidade infantil em áreas marginalizadas do Nordeste
brasileiro, onde reside grande contingente da população de baixo poder aquisitivo do país. O
período compreendido entre 1991 e 2000 marca esta tendência, no qual a mortalidade infantil
foi reduzida de um percentual de 47,8 para 29,6 crianças que morreram antes de completar um
ano de idade para cada mil nascidas vivas (THOMAS, 2005).
As ações de organização da comunidade e informação sobre cuidados básicos de saúde
proporcionaram algumas alterações no comportamento destas famílias que passaram a contar
com encaminhamentos para as unidades de saúde e orientações sobre a prevenção de um
conjunto de agravos à saúde, porém não modificaram a lógica excludente do acesso deste
grupo ao atendimento integral de suas necessidades.
Assim, o PACS, não obstante ter se expressado como dispositivo fundamental de
aproximação da população aos serviços de saúde, contribuindo para a melhoria da situação de
saúde dos setores excluídos da população, foi concebido como mais um programa de caráter
seletivo, focalizado e marginal.
3.3 ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE COMO INSTRUMENTO DE AMPLIAÇÃO DO
ACESSO PELA “PORTA DE ENTRADA”
Ao problematizar os diferentes enfoques sobre a ABS, tomando como eixo a evolução
da atenção primária, é necessário compreender como o sistema de saúde brasileiro organiza
seus serviços para atender às necessidades demandadas pelos usuários.
33
Em uma análise sobre os modelos de atenção à saúde no Brasil, Cecílio (1997) destaca
o modelo piramidal para representar o projeto de atendimento defendido pelo movimento
sanitário ao longo do processo de implementação do atual sistema de saúde.
O autor apresenta esse modelo em sua estrutura verticalizada, em que os serviços de
saúde seriam organizados de maneira hierárquica, em ordem crescente de complexidade
tecnológica, tendo na base da pirâmide um conjunto de estabelecimentos básicos de saúde
com a missão de servir como “porta de entrada” do sistema e garantir a integralidade da
atenção, a partir da referência aos níveis superiores de assistência (CECÍLIO, 1997).
Assim, o vértice da pirâmide seria representado pelos serviços de maior densidade
tecnológica, onde estariam localizados os Hospitais Regionais, Estaduais ou Nacionais. No
nível intermediário, estariam localizados os serviços de atenção secundária, representados
pelo atendimento ambulatorial, com especialidades clínicas, cirúrgicas e apoio diagnóstico.
A base desse modelo hierarquizado de atendimento à saúde seria constituída pela
atenção básica que compreende toda uma rede de serviços, articulados para atender as
necessidades no nível primário de saúde.
Bech (2002) complementa a análise de Cecílio (1997) sobre o modelo piramidal
apontando que no nível primário haveria a articulação de dois subníveis (1 e 2). Um mais
básico que compreende as equipes de saúde da família e os postos de saúde que devem
responder por 70% dos problemas de saúde de uma população adstrita. E outro subnível
composto por policlínicas, ofertando ações em especialidades básicas como pediatria, gineco-
obstetrícia, pequenas cirurgias e clínica geral, além de garantir o atendimento de urgência e
emergência em regime de plantão de 24 horas, contemplando o atendimento de 80 a 90% das
necessidades de saúde da população.
O modelo piramidal tem sido defendido pela racionalidade gerencial hegemônica no
SUS por apresentar certa viabilidade econômica, ao estabelecer fluxos de referência e contra-
referência aos níveis mais complexos do sistema de saúde, a partir do nível primário que
cumpre o papel de garantir o principal acesso aos serviços de saúde pela porta de entrada do
sistema, constituindo-se como estratégia de concretização dos princípios de universalidade,
eqüidade e integralidade.
Cecílio (1997) questiona a hegemonia do modelo piramidal no interior dos diversos
espaços de produção dos serviços. Além de propor uma substituição do modelo de saúde
centrado na pirâmide de atenção pelo modelo do círculo que atribui rias portas de entradas
no sistema de saúde. O autor enfatiza que a realidade vivenciada no cotidiano das práticas de
34
saúde revela que a rede básica de serviços, enquanto principal “porta de entrada” do sistema
público de saúde foi superada pelos hospitais públicos e privados.
Nessa perspectiva, os pacientes que demandam atendimento para suas necessidades,
não incorporam qualquer racionalidade técnica idealizada pelo setor saúde, mas, sobretudo,
procuram resolver seus problemas por onde é possível, o que resulta numa superlotação dos
setores de urgência e emergência das unidades hospitalares espalhadas pelo país.
Em que pesem os questionamentos apresentados pelo autor sobre os dilemas que
persistem na constituição do modelo piramidal, em seus limites como modelo ideal de
atenção, o que se expressa como discurso bastante difundido no campo da saúde coletiva é a
constituição da rede básica como “porta de entrada” do sistema de saúde.
A concepção da ABS como “porta de entrada” foi bastante problematizada por
Starfield (2004) quando definiu a acessibilidade e o primeiro contato do paciente com os
estabelecimentos de saúde como fatores que possibilitam a redução dos quadros de morbidade
e mortalidade dos indivíduos que procuram pelos serviços de saúde. A autora enfatiza que o
ponto de entrada do sistema de saúde deve ser de fácil acesso, possibilitando a organização do
atendimento no nível primário através de um profissional médico generalista, capaz de
garantir o acompanhamento contínuo dos usuários.
A constatação sobre os benefícios da atenção básica na resolução dos problemas de
saúde é evidenciada, sobretudo, na redução da mortalidade infantil, conforme revela Starfield
(2004). Porém, as vantagens dos sistemas de saúde que organizam seus serviços a partir dessa
estratégia podem ser comprovadas pela melhoria da qualidade da assistência, através do
vínculo estabelecido entre o paciente e os serviços e pela redução dos gastos em saúde, o que
justifica a incorporação da APS aos projetos de caráter racionalizante que perseguem a
redução dos custos da saúde e atribuem a crise do setor ao uso inadequado dos recursos
financeiros investidos no sistema público ao longo dos anos.
No Brasil, a atenção básica foi incorporada como “porta de entrada” pelo ideário
sanitário a partir da década de 80, com a proposta dos sistemas locais de saúde, mas foi na
década de 90, com a implantação do Programa de Saúde da Família (PSF), que a estratégia
política de organização da demanda pela constituição de uma “porta de entrada” se
consolidou, estabelecendo a Unidade de Saúde da Família (USF) principal via de acesso ao
sistema público.
O PSF, conforme análise de Mendes (2002) foi instituído com o propósito de
colaborar decisivamente para a organização do SUS, através da reorientação do modelo
assistencial e priorização do atendimento da população excluída do sistema, a qual
35
representava 32 milhões de brasileiros. No entanto, na perspectiva do autor, a focalização da
assistência estabelecida pelo PSF, apesar de significar uma tentativa de combater as
desigualdades evidenciadas no acesso aos serviços de saúde, tem gerado uma distorção no
interior do sistema, por violar o princípio de universalidade.
O PSF significou uma profunda alteração na forma de organização dos serviços de
atenção básica, constituindo-se como “porta de entrada” ao sistema (GIOVANELLA,
ESCOREL; MENDONÇA, 2003), através da vinculação da população a uma equipe mínima
de profissionais (um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e aproximadamente
seis agentes comunitários de saúde), que é responsável pelas ações de saúde de um conjunto
de famílias localizadas em território definido, sobre as quais são estabelecidos o diagnóstico
das necessidades e a organização da demanda local, prestando assistência integral à saúde de
indivíduos, famílias e comunidade (BODSTEIN, 2002).
A constituição da rede básica como proposta de organização da demanda dos serviços
pela “porta de entrada” tem respondido às necessidades da população de maneira insuficiente,
na medida em que garante apenas atendimento restrito e simplificado para os segmentos
marginalizados, com ações de baixa resolubilidade, gerando uma demanda crescente por
atendimento especializado (COSTA; MAEDA, 2001).
A grande demanda que continua a ser referenciada da rede básica para os níveis
intermediário e terciário do sistema de atenção à saúde revela o paradoxo que envolve o
modelo piramidal.
Enquanto que esse modelo foi constituído como proposta de racionalização do
atendimento pela redução da demanda para os níveis de maior densidade tecnológica, a fim de
reduzir os custos da saúde através da resolução das necessidades no nível básico, sua
implementação tem provocado uma elevação das demandas para os níveis intermediário e
terciário, evidenciando de um lado, o baixo impacto das ações básicas para garantir a
integralidade e, de outro, a grande demanda reprimida que era excluída do sistema pela
ausência de uma porta de acesso.
Esse cenário aponta para a necessidade de revisão da rede sica, tendo em vista a
conformação de um modelo capaz de incorporar as diretrizes e princípios do SUS, de forma
que a sua implementação leve em conta as necessidades populacionais e a situação sanitária
do contexto local.
36
3.4 A ATENÇÃO BÁSICA COMO INSTRUMENTO DE ORGANIZAÇÃO DA GESTÃO
DO SISTEMA DE SAÚDE
Ao repensar o papel da rede básica no SUS, o que se põe em evidência é a expressão
da atenção básica como uma rede de serviços localizada em um determinado espaço
territorial, com características capazes de efetivar a reorientação do modelo de atenção à
saúde.
Nesse cenário, o sentido mais amplo da conformação da rede básica é defendido por
Merhy (1997) como resultado de um processo social que expressa mudanças nas relações
entre o Estado e a Sociedade, redefinindo ações que interferem na formulação de políticas
sociais, sobretudo no campo da saúde.
Assim, o autor elabora uma tipologia explicativa que define a conformação da rede
básica em distintos momentos na história das políticas de saúde do Brasil, desenhadas a partir
de posições conservadoras, reformadoras e transformadoras.
As abordagens mais conservadoras enfatizam a noção da rede básica em seu caráter
focalizado, destinado às pessoas que estariam fora do sistema de saúde. Neste caso, as ações
de saúde destinadas à população estariam reduzidas a um pacote mínimo de serviços,
compreendendo atividade de saneamento, vacinação, assistência individual e coletiva.
As posições reformadoras definem a rede básica, ora como “porta de entrada” do
sistema, ora como constituição que mantém a dicotomia entre assistência médica e saúde
pública (MERHY, 1997). Como “porta de entrada”, esta posição enfatiza o papel da rede
básica no processo de hierarquização dos serviços, imprimindo uma marca significativa na
entrada ao sistema de saúde, enquanto primeiro nível de atendimento, no qual esta rede
dispõe-se com baixa incorporação tecnológica, baseada na teoria da História Natural da
Doença
5
.
Por outro lado, as posições reformadoras procuraram romper com a dicotomia entre a
saúde pública e assistência médica, enfatizando a incorporação destas duas dimensões ao
modelo de rede básica, com capacidade tecnológica para resolver os problemas de saúde.
Com o advento da Conferência Nacional de Saúde, a incorporação do ideário da
Reforma Sanitária no campo das ações da saúde, favoreceu a acepção da rede básica como
5
A história natural da doença corresponde a teoria desenvolvida por Leavel e Clark em 1976 para explicar o
desenvolvimento da doença que foi definido em dois períodos seqüenciados: o período epidemiológico (pré-
patogênese) e o período patológico (patogênese). Sendo que o primeiro era constituído pelas relações suscetível-
ambiente, enquanto que no segundo, interessavam as modificações que se passavam no organismo vivo.
ROUQUAYROL e ALMEIDA FILHO (1999).
37
opção transformadora, não apenas pelo seu caráter estratégico em se constituir como “porta de
entrada” ao sistema, mas, sobretudo, pelo potencial que ela exerce na reorientação das
práticas de saúde, com vistas à integralidade da atenção e da melhoria da qualidade dos
serviços prestados à população.
A organização da atenção básica adquiriu importância significativa na agenda setorial
nos últimos anos, contando com uma série de mecanismos indutores que viabilizaram
diversas propostas de implementação dos princípios constitutivos do SUS.
A partir de 1998, o processo de descentralização sofreu um forte impulso motivado
pelas medidas de incentivos financeiros incrementados pelo Ministério da Saúde, a fim de
consolidar as transformações no modelo de saúde vigente.
A instituição do Piso de Atenção Básica, através da Portaria GM/MS n. 1882 de 1997,
foi o principal instrumento indutor da mudança do foco de atenção à saúde. Por esse
mecanismo, os municípios que assumissem qualquer modalidade de gestão, prevista na NOB
96 (Plena da Atenção Básica ou Plena do Sistema), contariam com adicional financeiro um
valor per capita que atualmente varia entre R$13,00 e R$18,00 por ano – destinado a
financiar um elenco de procedimentos e ações estratégicas, definidas prioritariamente
(BODSTEIN, 2002). Essa iniciativa traz uma inovação para a gestão em saúde, ao alterar a
lógica de repasse destes recursos, que passaram a ser transferidos de forma regular e
automática, diretamente da União para os municípios através de fundo municipal de saúde.
Outro mecanismo indutor da atenção básica foi a destinação de recursos financeiros
para incentivar os municípios a implantarem o Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF).
As estratégias do PACS/PSF foram implantadas com o aval de vários sujeitos
envolvidos na construção do projeto de reforma sanitária, constituindo em um verdadeiro
consenso sobre a efetividade de suas práticas na transformação do modelo de saúde vigente.
No entanto, em que pese a existência de diretrizes solidárias, no sentido de contemplar as
populações marginalizadas, a reorientação do modelo pretendida pela implementação destes
programas, encontrou seus limites na gica de organização da oferta e de garantia do acesso,
cuja programação e o potencial resolutivo seguem em descompasso com as necessidades de
saúde dos indivíduos e das famílias.
Em tal cenário, uma análise mais profunda sobre a estruturação da rede de serviços de
atenção básica pode apontar as dimensões que estão presentes na discussão sobre a
efetividade das práticas de saúde no contexto de reorganização dos serviços, tendo em vista a
resolubilidade das ações e a satisfação das necessidades individuais e coletivas.
38
3.5 O IMPASSE DA OFERTA DE SERVIÇOS NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE
A constituição da ABS como elemento estratégico de investigação, remete a
necessidade de apreensão das formas de organização da oferta de serviços que compõem a
rede de estabelecimentos de saúde no Brasil, a fim de que se possa compreender a
conformação deste espaço no processo de reorientação do modelo assistencial.
No Brasil a lógica de organização dos serviços de saúde está pautada pela gestão da
oferta (oferecimento), em detrimento da demanda gerada pelos usuários. Esta tendência
dificulta o acesso dos indivíduos aos serviços prontos e eficientes, na medida em que, muitas
vezes, não considera as reais necessidades dos usuários do sistema público de saúde.
Os mecanismos criados para normalizar o SUS acolheram e consolidaram, através de
incentivos financeiros, os municípios com maior capacidade de oferta, causando prejuízos
institucionais para aqueles que precisavam organizar seus sistemas de saúde, mas que não
dispunham de estrutura compatível (MENDES, 2004).
Contudo, essas limitações não impediram a expansão da rede pública de saúde no país
que, conforme análise feita sobre os dados da Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária
realizada pelo IBGE em 1999, teve um crescimento de 272,2%, atingindo sua maior variação
para os municípios que naquele período eram responsáveis por 92% dos estabelecimentos
públicos de saúde, distribuídos nas esferas administrativas (ALMEIDA, GIOVANELLA;
MATOS, 2002).
Além da expansão da rede de estabelecimentos de saúde no período de 1992 a 1999,
Almeida et al (2002) destacam que o aumento da oferta de serviços foi significativo no
mesmo período, sobretudo na produção ambulatorial que entre 1997 e 2000 teve um
crescimento de 23%, tendo sido impulsionado por incentivo do Piso de Atenção Básica
(PAB).
Em 2005, a Secretaria Estadual de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) elaborou o
Manual de orientação para a Programação da Atenção Básica, definindo a avaliação e a
programação como importantes instrumentos na organização deste nível de atenção à saúde,
dispondo de metas mínimas a serem assumidas pelos gestores municipais, no que se refere à
execução e acompanhamento das ações de saúde (BAHIA, 2005).
A Programação da Atenção Básica utiliza os parâmetros da Norma Operacional
Básica de Assistência à Saúde (NOAS) nas versões 2001 e 2002. A SESAB definiu as
seguintes áreas a serem priorizadas na oferta e avaliação do processo de organização das
ações e serviços: Saúde da Criança (vigilância nutricional, imunização, atenção à saúde da
39
criança); Saúde do Adolescente; Saúde da Mulher (melhoria da qualidade da assistência Pré-
Natal, detecção precoce do câncer de mama e prevenção do câncer de colo de útero, melhoria
da qualidade da assistência ao planejamento familiar, atenção às mulheres vítimas de
violência doméstica e sexual, prevenção e controle da DST/AIDS); Vigilância Alimentar e
Nutricional (controle da hipertensão e diabetes); Saúde do Idoso; Controle da Tuberculose;
Eliminação da Hanseníase; Saúde Bucal e Saúde da Família.
Estas ações estão sendo avaliadas através de planilhas de programação, diante das
quais é possível acompanhar o processo de execução das ações: consultas realizadas por
profissionais médicos e enfermeiros, procedimentos realizados por profissionais (enfermeiros,
médicos, odontólogos, auxiliares de enfermagem, entre outros).
A análise destas ações pode ser realizada tomando como referência o Cadastro
Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde, que identifica, descreve e
avalia a estrutura da rede de serviços no Brasil, classificando estas informações por tipo de
serviço (atenção básica, média complexidade e alta complexidade) (BRASIL, 2002c).
Com base nestas informações, constatou-se que 67,5% dos estabelecimentos
cadastrados eram classificados como serviços de atenção básica, representando uma razão de
um estabelecimento de saúde para cada 3.636 pessoas. A razão entre os estabelecimentos de
atenção básica para os de média complexidade ficou em torno de 2,2.
Apesar da ampliação da rede básica, com o crescimento expressivo destes
estabelecimentos na esfera pública, o acesso aos serviços de saúde no âmbito do SUS
continua reproduzindo a segmentação da sociedade brasileira, com a exclusão de grande
quantidade de usuários do atendimento às suas necessidades.
Os estabelecimentos de saúde, incapazes de atender a totalidade da demanda
crescente, quer seja pela persistência de práticas ineficazes e insuficientes, quer pela falta de
estrutura da rede, produzem uma demanda reprimida que aumenta as filas nos ambulatórios e
hospitais, provocando a exclusão de parcelas da população no acesso à totalidade dos serviços
de saúde, sobretudo nos níveis de maior complexidade tecnológica do sistema (média e alta
complexidade).
A superação das barreiras existentes no acesso ao sistema de saúde pode ser
concretizada através da articulação entre recursos, serviços, demandas e necessidades dos
usuários, para a qual a rede básica seria encarregada de garantir o provimento de ações e
serviços necessários, com tecnologias adequadas, cujas intervenções contemplassem não
apenas a promoção e a prevenção da saúde, mas também a cura e a reabilitação no nível
individual e coletivo (COSTA; MAEDA, 2001).
40
Decorridos quinze anos desde a regulamentação do SUS cumpre indagar sobre os
resultados acumulados pelos esforços implementados para garantir a universalização do
acesso aos serviços básicos de saúde, o que pode ser analisado a partir de indicadores da
situação de saúde no Brasil.
Com base em índices apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra em
Domicílios (PNAD), 24,60% da população brasileira estava coberta por planos de saúde em
2003, sendo evidenciada uma acentuada desigualdade no acesso a esta modalidade
assistencial, entre os segmentos da sociedade. Na classe que possuía rendimento familiar
inferior a um salário mínimo, a cobertura era inferior a 2,9%, enquanto que a classe que
possuía renda de 20 salários mínimos ou mais, atingia 83,8% de cobertura (IBGE, 2005).
A participação do setor privado no conjunto de 20 milhões de internações hospitalares
ocorridas em 2001 representava 37,43 % do total, o que demonstra a hegemonia deste setor
na oferta destes serviços em âmbito nacional (IBGE, 2002).
Em contrapartida, no mesmo ano houve avanços significativos na oferta de
procedimentos da atenção básica no setor público, que responderam por 96% do total de
procedimentos realizados, contra 4% do setor privado. Além disso, do total de 1,9 bilhões de
procedimentos ambulatoriais realizados nos diferentes níveis de complexidade, o setor
público foi responsável por 47% para os procedimentos de média complexidade e 78% para
os procedimentos de alta complexidade (IBGE, 2002).
Apesar dos avanços, o quadro é relativamente insatisfatório quando a análise destes
indicadores é inserida na perspectiva das desigualdades regionais.
Segundo o Censo do IBGE de 2002, a população de mulheres gestantes com mais de 7
consultas pré-natal era de 46% do total, sendo 56% no Sudeste e 25,8% no Norte. No
Nordeste, estas gestantes representavam 32,9% do total, quadro semelhante ao Estado da
Bahia que segue com o mesmo índice (IBGE, 2002).
Além disso, alguns indicadores de promoção da saúde apresentados pelo IBGE
refletem a mesma lógica de disparidade regional, o que pode ser constatado pela cobertura do
esgotamento sanitário, que corresponde a 70% da população urbana nas regiões Sul e
Sudeste, enquanto que nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, menos de 50% da
população têm acesso a algum tipo de saneamento básico (IBGE, 2002).
A universalização do acesso aos serviços de saúde, teoricamente possibilitada pela
gratuidade do SUS, a fim de se evitar a barreira econômica, pressupõe a igualdade de
oportunidades na utilização destes serviços (CAZELLI; BRITO e ORMELI, 2002). Essa
discussão, apontada pelas autoras, remete ao princípio de eqüidade enquanto fundamento
41
ético que sentido ao funcionamento do SUS, na medida em que as diferenças dos
indivíduos não devem justificar as desigualdades no acesso ao sistema de saúde, traduzindo o
aumento da pobreza e de miséria dos segmentos populacionais de menor nível de renda.
No Brasil, as iniqüidades no acesso aos serviços de saúde colocam em questão o
princípio da universalidade e redirecionam o foco da atenção para os estudos que procuram
analisar os mecanismos de superação deste dilema, apontando a urgência de adoção de
políticas sociais mais justas e redistributivas (LIMA et al, 2002).
Nesta perspectiva, a intervenção do setor saúde deve considerar as situações de
desigualdade social, sobre a qual o estudo de Lima et al (2002) é representativo, denunciando
a exclusão de um terço da população brasileira no acesso ao serviço de saúde de uso regular.
Considera-se ainda, que a natureza dessa exclusão seja desfavorável à população de
baixa renda, o que impõe a urgência na elaboração de alternativas que visem a minorar as
distorções apresentadas, reafirmando o papel privilegiado do nível macro do sistema de saúde,
cujo espaço de formulação contempla os pontos mais polêmicos da reforma do setor saúde
(financiamento, descentralização, regionalização, entre outros), possibilitando o respaldo legal
das decisões e o potencial resolutivo dos conflitos.
Esta análise é problematizada por Lima et al (2002) que consideram a necessidade de
incrementação de recursos financeiros para favorecer a redução das desigualdades no acesso e
utilização dos serviços de saúde, aprofundando o debate sobre os critérios na alocação desses
recursos sem o qual a sua má distribuição pode, até mesmo, acentuar as distorções existentes.
O debate sobre a distribuição de recursos financeiros para a saúde sempre provocou
polêmica entre os entes da Federação (União, Estados e Municípios) e os diversos atores
envolvidos no projeto de Reforma Sanitária.
Teixeira (1992) discutia esta problemática na década de 80, destacando que a lógica
de redução de gasto público adotada pelos formuladores de políticas, frustrou a expectativa de
universalização dos direitos sociais e de saúde, distorcendo os interesses da reforma sanitária,
cujos idealizadores apostaram na descentralização como instrumento de concretização do
direito à saúde.
Atualmente, os limites existentes no financiamento dos serviços de saúde aprofundam
a discussão sobre as propostas descentralizadoras de organização dos serviços com foco na
atenção básica. A inviabilidade destas metas pelo estrangulamento financeiro põe em risco a
implementação de estratégias que pretendam transformar o modelo de atenção vigente, tendo
em vista a consolidação do SUS como sistema justo e solidário.
42
3.6 O IMPASSE DA ORGANIZAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS DE ABS E A
CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE INSTALADA
A organização da rede de serviços de saúde no cenário constituído pelo SUS obedece a
um desenho institucional que caracteriza a natureza desses serviços em públicos e privados
(ELIAS, 1996), de forma que o setor privado ainda que tivesse sido integrado ao SUS,
atuando em caráter complementar, não será tratado nesta investigação.
Os serviços públicos, conforme apresentado por Elias (1996), compreendem uma rede
de estabelecimentos de atendimento básico, classificados em: Posto de Saúde (determinado
pelo atendimento primário à população, valendo-se de procedimentos realizados por
profissionais de baixa qualificação profissional, com um elenco de atividades que incluem
vacinação e curativo); Centro de Saúde (incorpora um elenco de atividades realizadas por
alguns profissionais de nível superior, a exemplo de médicos e enfermeiros, com atuação no
nível primário e secundário); Policlínicas (que incorpora certo padrão de tecnologia, capaz de
ofertar serviços ambulatoriais especializados) e Unidade Mista (que associa atendimentos
ambulatoriais, comuns aos centros de saúde, com a incorporação de leitos para internação de
pacientes com enfermidades, nas áreas de Pediatria, Obstetrícia, Clínica Médica, Cirurgia e de
Emergência).
Além destes estabelecimentos, vem sendo incorporada no campo da saúde coletiva
6
, a
Unidade de Saúde da Família
7
(USF), enquanto espaço de intervenção que faz parte de um
componente estratégico de reorientação do modelo de atenção à saúde. A adoção de
incentivos federais para a implementação do PSF pressupõe a priorização desta estratégia na
transformação do modelo assistencial, elegendo a atenção básica como foco de intervenção
(GIOVANELLA; ESCOREL; MENDONÇA, 2003).
A organização de unidades de saúde a partir da classificação apresentada por Elias
(1999) corresponde a diferentes modalidades de atendimento, mas atende a uma lógica de
distribuição geográfica bastante semelhante, o que consiste na implantação desses
estabelecimentos em aglomerados urbanos, com o objetivo de garantir atendimento ao
conjunto de pessoas que vivem em um determinado território.
6
Campo de Saúde Coletiva é apreendida neste estudo como articulação de saberes e práticas em saúde que
privilegia o social como espaço de intervenção e como eixo político e ideológico que recoloca o papel do Estado
como responsável pelas necessidades da população (CAMPOS, 2003).
7
No Programa de Saúde da Família cada Unidade de Saúde da Família deve contar com uma equipe básica de
profissionais de saúde responsáveis pela atenção à população adstrita. Um médico, um enfermeiro, um auxiliar
de enfermagem e agentes comunitários de saúde fazem parte da equipe mínima inicial para o funcionamento do
PSF, responsáveis pelo atendimento de 800 famílias, em média.
43
Assim, o sentido mais amplo que a rede básica de serviços de saúde adquire no
processo de descentralização das ações de saúde no âmbito do SUS tem como propósito: a
garantia da ampliação da cobertura, possibilitada pela expansão da rede em todo território
nacional, a integralidade da assistência, através da referência a outros estabelecimentos que
possuem maior densidade tecnológica, a regionalização dos serviços e a racionalidade das
ações (SILVA et al, 2001).
Esse desenho representativo sobre as unidades que compreendem a rede básica de
saúde não esgota a totalidade de estruturas físicas existentes nos diferentes sistemas locais de
saúde, apontando apenas para um cenário que se aproxima da maioria dos espaços de
produção de serviços de atenção básica nos municípios brasileiros.
A expansão da política da atenção básica pelo Ministério de Saúde como estratégia de
implementação dos princípios que orientam o SUS, possibilitou a implantação de inovações
tecnológicas de atenção da rede básica de serviços que colocaram no cenário do sistema
público novas modalidades de estabelecimentos de saúde que redesenharam o perfil da
capacidade instalada no âmbito do SUS. As equipes matriciais de referência, os centros de
atenção psicossocial, entre outros tipos de estabelecimentos são alguns exemplos da
capacidade de revisão da rede básica, no tocante ao desempenho de seu papel estratégico de
garantir a universalidade da atenção.
Essa capacidade de revisão da rede de estabelecimentos de saúde na atenção básica
está relacionada a ampliação da cobertura do acesso aos serviços, possibilitado pelo
crescimento de unidades de saúde na esfera pública, sobretudo no plano municipal que
acumulou um conjunto de experiências bem-sucedidas de planejamento e execução de
estratégias de saúde, condizentes com as diferentes situações sanitárias locais.
Mendes (2002) acrescenta que no processo de construção histórica do SUS, a evolução
da rede básica aconteceu em 5 ciclos de expansão ao longo do século XX. Assim, esse
movimento de ampliação da quantidade de estabelecimentos de saúde teria ocorrido de forma
articulada com as estratégias de extensão da cobertura assistencial através das experiências do
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), a partir da Fundação Rockfeler; do PIASS
(Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste), em 1976; das
AIS (Ações Integradas de Saúde), na segunda metade da década de 80 que transferiu recursos
da previdência social para estados e municípios; do processo de municipalização da saúde,
que foi induzido depois da instituição do SUS, e da implantação do PSF na década de 90, que
alavancou a expansão da rede através da criação de ESF em milhares de municípios.
44
Quadro 1: Ciclos de Expansão da rede básica de serviços de saúde ao longo do século XX
Período
histórico
Políticas de Saúde
articuladas
Ampliação da rede
Ciclo de Expansão
da rede básica
Início dos anos
40 até a década
de 70
SESP, Criação das
SES, ações restritas
ao campo materno-
infantil.
Criação de unidades
básicas de saúde,
articulando ações
preventivas e curativas.
Ciclo de Expansão
da rede básica
A partir da
década de 70
até os anos 80
PIASS
Crescimento de 1.255%
de unidades básicas de
saúde em uma década
que passou para 13.739.
Ciclo de Expansão
da rede básica
Início dos anos
80
AIS
Elevação das ações
básicas 112 municípios
para 2500 municípios.
Ciclo de Expansão
da rede básica
A partir da
década de 90
Implantação do SUS,
municipalização das
ações de saúde.
Criação de uma ampla
rede de unidades de
saúde pelos municípios.
Ciclo de Expansão
da rede básica
Final da década
de 90
Implantação e
Implementação do
PSF
Criação de ESF nos
diferentes municípios do
país.
Fonte: Mendes (2002)
O quadro 1 revela que o movimento de expansão da rede básica teve início a partir da
década de 40, com forte impulso após a década de 70, até se consolidar enquanto estratégia de
organização da rede de serviços na cada 90, através da instituição do SUS. Contudo, é
necessário ressaltar, ainda de acordo com Mendes (2002), que essa dinâmica de extensão da
rede básica não sofreu modificações apenas no plano físico pela expansão quantitativa das
unidades básicas de saúde (UBS), mas, sobretudo, provocou uma transformação significativa
nas práticas assistenciais dessas unidades. À medida que acumulava o conjunto de princípios
e diretrizes do SUS, a nova configuração da rede básica superava a concepção de uma rede
básica que servisse apenas para garantir práticas seletivas ou como uma “porta de entrada” do
sistema, passando a se constituir como espaço de concretização da integralidade em saúde.
3.7 O IMPASSE DA POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS PARA O SUS
Ao proceder uma análise sobre a organização dos serviços de saúde na atenção básica,
destacando a oferta de serviços e a capacidade instalada, faz-se necessário discutir a Política
de Recursos Humanos para o SUS, como estratégia institucional que adquire um sentido mais
45
amplo quando as transformações em curso no processo de implementação do SUS sofrem
retrocessos importantes no cotidiano das práticas de saúde vivenciadas na maioria dos
estabelecimentos públicos de saúde, em âmbito nacional.
Convém ressaltar que a escolha pela terminologia “Política de Recursos Humanos para
o SUSnão está relacionada a uma opção conceitual considerada adequada, e sim como uma
abordagem reconhecidamente questionável, hegemônica na prática social dos
estabelecimentos de saúde, cuja contestação merece um amplo debate sobre o tema tendo em
vista a superação dos dilemas que persistem na concretização de uma prática sanitária
humanizada.
Saliente-se, portanto, que o título deste capítulo expõe o uso da expressão e o seu
questionamento, à medida que evidencia, conforme assinala Jaeger, Ceccim e Machado
(2004), que os recursos humanos são igualados às estruturas materiais que não possuem
natureza biológica. Não obstante haver consenso entre os referidos autores de que essa
conotação simplificada sobre os recursos humanos representa uma idéia fragilizada, sobretudo
a partir do arcabouço jurídico-institucional desenhado pelo SUS, o estudo procurou preservar
a coerência com os documentos que foram analisados pelo presente objeto de investigação, os
quais utilizam o termo de maneira tradicional.
Assim, a formação e o desenvolvimento de Recursos Humanos para o SUS têm uma
trajetória política que merece ser resgatada e analisada à luz do atual contexto sanitário
brasileiro, cuja reforma do setor nos últimos anos proporcionou avanços significativos na
gestão e na educação dos trabalhadores de saúde na esfera pública, visando não mais
considerá-la como “atividade-meio” do setor, mas como ação “finalística”.
Entretanto, faz-se necessário resgatar a análise de Bourguignon et al (2003) segundo
os quais a Política de Recursos Humanos para o SUS constitui um dos principais gargalos que
impedem a sua implementação, cujos enfrentamentos não têm causado grandes impactos na
reversão da ineficiência das práticas e da assimetria nas relações que se estabelecem entre
usuários e profissionais de saúde.
Os autores ressaltam, ainda, a prevalência de uma concepção burocratizante sobre os
recursos humanos que tem prevalecido nas instituições de saúde, recortando os trabalhadores
como insumos que precisam ser otimizados para atender determinado padrão produtivo em
coerência com as recomendações do mercado, conforme preconiza a Lei de Responsabilidade
Fiscal.
Nesse cenário, urge a necessidade de respostas ante as indagações que se fazem
prementes no cotidiano dos serviços de saúde, sobre o qual ocorrem o exercício das práticas
46
sanitárias e a tentativa de efetivação dos princípios do SUS. Nos diferentes espaços de
produção de serviços de saúde, os recursos humanos constituem os principais atores capazes
de responder aos dilemas que persistem na efetivação do sistema público e do longo caminho
a ser percorrido para a concretização do direito à saúde. Como garantir a incorporação do
ideário sanitário no interior dos espaços de produção de serviços se as práticas de saúde
reproduzem o modelo assistencial hegemônico, centrado na doença, no hospital e na
medicalização? Como superar as abordagens inadequadas sobre os recursos humanos que
tratam os trabalhadores como insumos que devem atender aos padrões de produtividade
adequados aos imperativos do capitalismo? É possível apontar novos modelos de
desenvolvimento e formação de trabalhadores em saúde que possam obedecer a padrões
contra-hegemônicos em meio às estruturas que se cristalizaram no sistema público vigente?
Além dos questionamentos apontados acima, convém ressaltar que o tratamento
inadequado sobre os trabalhadores que compõem o que se convencionou chamar de recursos
humanos, não os tornaram apenas vítimas de um processo predatório oriundo da exploração
capitalista que predomina no mundo do trabalho. Não obstante serem vitimados por esse
modelo, os trabalhadores de saúde são responsáveis pelo estrutura corporativa que provoca a
manutenção de status quode algumas categorias profissionais e impedem as mudanças que
se fazem necessárias para a democratização do trabalho em saúde.
Tais evidências têm provocado mudanças significativas na política de
desenvolvimento e formação de recursos humanos em saúde, sobretudo com a indução
estratégica do Ministério da Saúde, que vem protagonizando um papel importante na reforma
da gestão da força de trabalho no SUS.
Nos últimos anos o Ministério da Saúde estabeleceu novas abordagens sobre a política
de recursos humanos, assumindo a responsabilidade pela formulação de estratégias
orientadoras de qualificação e regulação do trabalho em saúde. Um fato que marcou essa
opção da gestão central do SUS foi a instituição da Secretaria de Gestão e Educação na Saúde
(SGTES) que faz parte do arcabouço ministerial e é responsável pela planejamento e
formulação de uma agenda de formação e educação permanente em saúde, articulada através
de dois departamentos: um de gestão e da regulação do trabalho em saúde (DEGERTS) e
outro de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) (JAEGER, CECCIM e MACHADO, 2004).
Os autores assinalam a responsabilidade assumida pelo gestor federal em transformar
a abordagem vigente da política de recursos humanos em uma estratégia política de gestão do
trabalho e da educação na saúde. Para isso, a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação
na Saúde se encarregou de formular o conceito da Educação Permanente em Saúde como
47
ferramenta de revisão das práticas de “formação, atenção, gestão, controle social” e
planejamento das ações de saúde, procurando humanizar os trabalhadores de saúde.
Nesse contexto, a educação permanente em saúde, que traduz uma prática contínua de
formação dos trabalhadores do SUS, possui público multiprofissional e um enfoque sobre os
problemas de saúde da população, tem a missão de substituir a formação tradicional dos
trabalhadores, ancorada na capacitação que envolve uma qualificação temporária, destinada a
uma categoria profissional específica (SAKAI et al, 2001).
Dessa forma, conforme apontam Jaeger, Ceccim e Machado (2004), foram criados, em
âmbito nacional, os Pólos de Educação Permanente em Saúde, num esforço de parceria entre
as instituições de ensino, estudantes, gestores estaduais, municipais e federal, organizados de
forma regionalizada, a fim de adequar as estratégias de formação e educação permanentes em
saúde ao projeto do SUS.
Assim, os autores enfatizam que os Pólos de Educação Permanentes, organizados em
todo o território nacional, devem mobilizar a formulação de políticas de educação, formação,
qualificação, envolvendo distintos atores da sociedade (dirigentes de serviços), estudantes,
usuários entre outros; provocar o processo de transformação das práticas de saúde tendo em
vista a articulação com o conceito ampliado da saúde que induz uma atenção humanizada, os
problemas de saúde da população e o controle social; considerar as demandas regionais e a
distribuição geográfica das ações na formulação de políticas de formação e educação
permanente em saúde e contribuir para a criação de redes de capacitação em todas as esferas
de governo (municipal, estadual e federal), estabelecendo a parceria com outros pólos de
capacitação, tendo em vista a ampliação do acesso ao saberes e tecnologias adequadas às
demandas da população.
A educação permanente em saúde não constitui a única forma de transformação das
relações entre as instituições e trabalhadores de saúde. Além dessa estratégia, a política de
formação de profissões de saúde vem adquirindo visibilidade cada vez maior ante a gestão
federal do SUS.
De acordo com Carvalho e Ceccim (2006), em 2002 foram aprovadas as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em saúde, rompendo com uma
noção predominante que estabelecia um currículo mínimo para a organização dos cursos de
graduação. Essa novidade induziu a incorporação da compreensão do sistema de saúde
vigente, do trabalho em equipe e da atenção integral à formação profissional em saúde,
excetuando algumas categorias profissionais (medicina veterinária, psicologia, educação
física e serviço social).
48
Os autores assinalam que o Ministério da Saúde reforçou o escopo da reforma
curricular ao lançar ainda no mesmo ano o Programa de Incentivo à Mudança Curricular nos
Cursos de Graduação em Medicina (Promed), através de um edital de seleção dos melhores
projetos a serem financiados como forma de incentivo financeiro para a implementação das
DCN.
Em 2004, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde o AprenderSUS, como
política de interação do Ministério da Saúde com o ensino de graduação para as profissões da
área de saúde, que teve a participação dos estudantes e dos movimentos sociais ligados ao
setor saúde.
O AprenderSUS contribuiu para a revisão da educação universitária articulando ações
de ensino, extensão, pesquisa e integração comunitária, e foi reforçado um ano mais tarde
pelo Pró-saúde, que atuando como política de governo em 2005, estava dirigido às profissões
de enfermagem, medicina e odontologia, através de ações de adequação do currículo
universitário às demandas de efetivação do SUS.
Contudo, é necessário atentar para as evidências de que as iniciativas de reforma
curricular e de educação permanente na área de saúde são insuficientes para garantir a
transformação das práticas sanitárias, capazes de assegurar ações humanizadas, com foco na
integralidade da atenção.
A proposta de regulação do trabalho em saúde, através do Departamento de Gestão do
Trabalho do Ministério da Saúde, assumiu um debate abrangente no que concerne à
valorização da força de trabalho pela mediação entre os entes federados e os trabalhadores,
visando a desprecarização das relações laborais e pactuação do controle social com os
usuários.
Para que os profissionais de saúde possam atuar decisivamente em suas práticas, tendo
em vista a transformação do modelo vigente em direção a concretização do SUS, faz-se
necessária uma nova práxis. Uma nova ética profissional que contemple o compromisso com
a defesa da vida individual e coletiva, superando o corporativismo e descompromisso
profissional e assumindo os dispositivos da integralidade como ferramenta de transformação
da práxis social dos trabalhadores em saúde.
Atualmente, a partir de novos arranjos políticos que se estabeleceram na esfera federal
com alterações significativas na composição dos agentes políticos que dirigem o Ministério da
Saúde, questiona-se a capacidade de ação dessas instâncias de regulação do trabalho em
saúde, uma vez que o planejamento dos programas e projetos no âmbito governamental nem
49
sempre se mantém inalterado quando ocorrem mudanças de direção na gestão do sistema
público de saúde.
Tal questionamento pode ser aprofundado quando se analisa o quadro político que se
desenhou a partir de 2005, no âmbito do Ministério da Saúde, quando novos atores entraram
em cena no espaço governamental do setor, alterando a tendência de implementação das
políticas definidas pela SGETS.
A nova equipe que assumiu a direção máxima do SUS em 2005 deixou paralisadas
algumas ações e definições estratégicas construídas pelos Pólos de Educação Permanente
espalhadas pelo país e que foram apoiadas na gestão anterior, provocando um retrocesso nas
discussões em torno do tema e no esforço coletivo que foi constituído até então.
Essa nova conjuntura impõe a adoção de novas estratégias para que possam ser
resgatadas as conquistas que se forjaram ao longo dos últimos anos em torno da gestão do
trabalho e da educação na saúde e que tiveram como escopo principal construção de uma
política transformadora do perfil e da capacidade dos trabalhadores para atuarem no SUS.
50
4 METODOLOGIA
4.1 TIPO DE ESTUDO
Trata-se de um estudo documental com abordagem quanti-qualitativa, pois procurou
agregar dois enfoques de análise, a partir das diferentes fontes de dados disponibilizadas na
pesquisa. A superação da dicotomia entre quantitativo e o qualitativo em pesquisas sociais é
salientado por Deslandes e Assis (2002) quando reconhecem a complexidade que envolve
avaliação de serviços de saúde, o que impõe a incorporação de diferentes atores no processo
de organização das práticas de saúde. Embora esse estudo não se constitua numa pesquisa
avaliativa, mas numa proposta de investigação sobre organização de serviços, as
considerações das autoras reforçam a necessidade de ruptura paradigmática de abordagens
essencialmente quantitativas na análise de serviços de saúde.
Para Pádua (2005), o estudo documental é aquele que se realiza a partir de documentos
autênticos (não fraudados), contemporâneos ou retrospectivos, e tem sido utilizado com uma
larga freqüência em ciências sociais como ferramenta de descrever e comparar fatos sociais.
Barros (1986) acrescenta que o estudo documental facilita a apreensão de
conhecimentos a partir de informações advindas de material gráfico, o que conferiu à
investigação uma fonte privilegiada de dados necessários para o aprofundamento das idéias.
4.2 CAMPO DE ESTUDO
A presente investigação teve como campo de estudo o município de Jequié-BA, cujo
recorte temporal (1998-2005) representou o processo de implementação da municipalização
da saúde, impulsionada pela habilitação do município na gestão plena do sistema municipal
em 2001.
O município de Jequié-BA possui uma população estimada de 148.997 habitantes,
uma área geográfica de 3035,423 Km
2
e localiza-se na região de transição entre o sul e o
sudoeste da Bahia, com uma distância de aproximadamente 365Km de Salvador-BA.
Constitui um importante pólo comercial e de serviços e é considerada como cidade
universitária, uma vez que concentra uma extensa rede de instituições de ensino superior da
51
rede pública e privada, a exemplo de UESB e FTC que oferecem cursos nas áreas de
Humanas, Exatas, Agrárias e de Saúde.
Atualmente o município encontra-se na gestão plena do sistema municipal,
gerenciando recursos da ordem de 12 milhões de reais/ano para atender a uma demanda
regional de atenção, em média e alta complexidade.
No processo de regionalização dos serviços de saúde da Bahia, estabelecido pela
NOAS 01/02, o município de Jequié-BA foi incorporado na Macrorregião Sul, constituindo
uma das 32 microrregiões do Estado.
Com a edição da Norma Operacional Básica de Assistência à Saúde (NOAS), que
ampliou as responsabilidades dos municípios para com a atenção básica, foi definida a
regionalização da saúde como estratégia de organização dos serviços. A Portaria 373 do
Ministério da Saúde, de fevereiro de 2002, que atualiza a NOAS, ampliou a participação dos
estados na organização do SUS, induzindo-os a elaborarem o Plano Diretor de Regionalização
(PDR), a fim de ordenar os municípios em regiões delimitadas (Macrorregiões, Microrregiões
e Módulos assistenciais), com o objetivo de organizar hierarquicamente os serviços, visando à
integralidade da atenção e a eqüidade na distribuição de recursos (BAHIA, 2004).
Dessa forma, as Macrorregiões compreendem um conjunto de municípios que se
dispõe de um núcleo polarizador de serviços de saúde de alta complexidade, tais como
atendimento a gestação de alto risco, Unidade de Terapia Intensiva UTI e sistema
organizado de urgência e emergência. As Microrregiões são constituídas pelo conjunto de
módulos assistenciais, sendo responsáveis pela atenção integral à saúde da população de sua
área de abrangência. Os Módulos Assistenciais representam o primeiro nível de referência que
deve garantir a oferta de serviços de laboratório, radiologia simples, ultra-sonografia
obstétrica, psicologia, fisioterapia, odontologia especializada e leitos hospitalares nas
especialidades básicas (clínica médica, cirurgia geral, pediatria e obstetrícia com parto
normal) (BAHIA, 2004).
O Estado da Bahia foi delimitado em oito (08) Macrorregiões, a partir de critérios
geográficos, demográficos e socioeconômicos, tomando-se como referência os municípios
polarizadores de diversas atividades em cada região. No que compete à gica organizacional
e programática que orientaram a delimitação das regiões, foi definido que o critério utilizado
seria constituído pelo conjunto de serviços de alta complexidade que estes municípios
comportam e sua capacidade de ofertar às demandas de cada localidade.
A Macrorregião Sul é composta por seis microrregiões que comportam 22 módulos
assistenciais e possui 78 municípios, com uma população total de 1.921.074 habitantes.
52
O desenho geográfico desta região abrange a zona agropecuária de Jequié e a zona
cacaueira, onde se situam as cidades de Ilhéus e Itabuna e está delimitado pela área destacada
em cor vermelha, conforme mapa abaixo.
Mapa I – Delimitação das Microrregiões de Saúde da Bahia, segundo PDR 2005.
Fonte: Brasil (2006)
Os municípios destacados no mapa II (Valença, Itabuna, Ilhéus, Itapetinga, Ipiaú e
Jequié) compreendem as Microrregiões que fazem parte da Macrorregião Sul, onde estão
localizados três módulos assistenciais.
Mapa II Delimitação das Microrregiões da Macrorregião Sul da Bahia, conforme PDR
2005.
Fonte: Brasil (2006)
53
O mapa III representa o desenho geográfico da Microrregião de Jequié(BA) que
compreende 17 municípios, atendendo a uma cobertura populacional de 372.972 habitantes, o
que corresponde ao segundo maior número de pessoas entre todas as Microrregiões da
Macrorregião Sul.
Mapa III – Delimitação dos municípios da Microrregião de Jequié (BA)
Fonte: Brasil (2006)
A escolha deste recorte territorial reflete a importância atribuída à Macrorregião Sul
pelo papel estratégico que este espaço ocupa no processo de desenvolvimento econômico do
Estado da Bahia, potencializado pelo turismo, e por sua capacidade de produzir serviços de
saúde em condição superior a outras regiões, o que pode ser constatado em recente análise da
Secretaria Estadual de Saúde do Estado da Bahia, que compara a concentração de leitos
hospitalares e a realização de consultas realizadas pelos profissionais de nível superior em
diferentes macro-territórios da Bahia (BAHIA, 2005).
O município de Jequié-BA tem sido um espaço representativo da Macrorregião Sul,
visto que apresenta uma estrutura de produção dos serviços bastante sedimentada pela
implementação da municipalização da saúde, a partir de 1998.
54
4.3 FONTE DE COLETA DE DADOS
Para a obtenção das informações referentes à oferta de serviços, o perfil dos recursos
humanos e a evolução da rede pública de atenção básica à saúde no período de 1998 a 2005,
foram utilizados dados secundários levantados a partir das Bases do Sistema de Informação
do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), da
Pesquisa de Assistência Médica Sanitária (AMS), e do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Estas informações foram complementadas com a utilização de outros
bancos de dados, através dos Sistemas de Informações da Secretaria Estadual de Saúde
(SESAB), das Diretorias Regionais de Saúde (DIRES) e da Secretaria Municipal de Saúde de
Jequié-BA.
Além dessas informações, foram utilizados como fonte de coleta de dados os
documentos que tratam da organização dos serviços de atenção básica no processo de
descentralização dos serviços de saúde de Jequié-BA Planos Municipais de Saúde (1998-
2002 e 2002-2006) e Relatórios de Gestão do Município (2000-2005), que foram organizados
e numerados conforme sistematização discriminada abaixo:
- Documento 1 - Plano Municipal de Saúde de Jequié (1998-2002).
- Documento 2 - Plano Municipal de Saúde de Jequié (2002-2006).
- Documento 3 - Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié – 2000.
- Documento 4 - Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié – 2001.
- Documento 5 - Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié – 2002.
- Documento 6 - Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié – 2003.
- Documento 7 - Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié – 2004.
- Documento 8 - Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié 2005.
Além dos documentos descritos acima, ressalta-se a utilização do Plano Diretor de
Regionalização da Bahia PDR como fonte documental que orientou a caracterização do
município de Jequié-BA, no contexto da implementação da NOAS 01/02, possibilitando o
desenho do contexto regional da pesquisa.
A pesquisa de Assistência Médico-Sanitária foi criada pelo Ministério da Saúde e,
posteriormente, incorporada ao elenco de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), tendo em vista as crescentes demandas por informações em saúde no
âmbito nacional. Atualmente este banco de dados foi incorporado ao DATASUS e possui um
55
cadastro nacional que reúne informações sobre as características dos serviços e dos
estabelecimentos de saúde, utilizando-se dois formulários para a coleta de informações
hospitalares e para serviços oficiais de saúde pública, gerando indicadores para subsidiar
novas políticas de saúde.
O DATASUS reúne informações tabuladas a partir de outros bancos de dados do
Ministério da Saúde, a exemplo do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS)
referentes à rede de serviços de saúde, além de informações sobre a situação de saúde no
Brasil. Este banco de dados possui um Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES) que fornece conhecimentos sobre a realidade existente na rede assistencial,
orientando no planejamento de ações que possibilitem o aproveitamento de suas
potencialidades. Neste caso foram coletadas informações sobre a produção de serviços de
atenção básica e as características destes atendimentos, além da distribuição dos
estabelecimentos de saúde no município de Jequié (BA).
4.4 COLETA DE DADOS
As estratégias adotadas para reunir o conteúdo produzido sobre a organização dos
serviços de atenção básica no município de Jequié-BA incluíram a coleta de informações
junto ao banco de dados do DATASUS e de documentos fornecidos pela Secretaria Municipal
de Saúde do Município (SMS)
Assim, os dados foram coletados e organizados em quatro momentos.
No primeiro momento foi oferecido um curso de capacitação sobre base de dados em
DATASUS, ministrado pelo coordenador do Centro de Referência de Informações em Saúde
(CRIS) da UEFS, com o objetivo de proporcionar suporte técnico no processamento e análise
dos dados coletados.
Esta atividade foi realizada nos meses de julho e agosto de 2005 e teve como público
participante os pesquisadores e bolsistas do NUPISC que fazem parte do Projeto de Pesquisa
financiado pela FAPESB, o qual foi citado anteriormente, proporcionando, assim, um
momento oportuno para aquisição de conhecimentos relativos à coleta e organização de dados
quantitativos da pesquisa.
No segundo momento foram levantadas as informações “brutas” a partir dos bancos de
dados dos principais sistemas de informações em saúde existentes no Brasil (DATASUS, e
IBGE-AMS).
56
No terceiro momento foram complementadas as informações que não constavam nos
bancos de dados principais, através dos sistemas de informações em saúde da Secretaria
Estadual de Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde de Jequié-BA.
No quarto momento foi desenvolvida uma coleta de informações, através dos
principais documentos oficiais, citados, que tratam da organização dos serviços de saúde,
no referido município.
O acesso aos documentos utilizados no presente estudo foi possibilitado através de
uma solicitação oficial do Núcleo de Pesquisa Integrada em Saúde Coletiva (NUPISC) da
UEFS, dirigida à SMS de Jequié-BA, a qual foi prontamente atendida e acatada pela
Secretaria Municipal de Saúde, que encaminhou o ofício para a Diretoria de Planejamento da
Gestão Descentralizada, autorizando a entrega dos documentos para serem examinados no
processo investigativo.
Neste momento da coleta, procurou-se identificar os documentos em que foi
registrado o maior número de informações referentes à organização dos serviços de atenção
básica no processo de municipalização dos serviços de saúde de Jequié-BA, considerando-se
que tais documentos fossem elaborados no recorte iniciado em 1998 e terminado em 2005.
É necessário salientar que entre os documentos disponibilizados pela SMS de Jequié
(BA) foram obtidos os planos municipais de saúde que correspondiam ao recorte do estudo,
porém não foram disponibilizados os relatórios de gestão referentes aos anos de 1998 e 1999.
4.5 ANÁLISE E TRATAMENTO DO MATERIAL COLETADO
A perspectiva de análise do presente trabalho se aproxima da proposta da análise de
conteúdo de Triviños (1987), que, conforme sugere o autor, enquanto conjunto de métodos
pode ser aplicado tanto em pesquisa qualitativa quanto em trabalhos quantitativos.
Assim, Triviños (1987) sistematiza a análise de conteúdo em: pré-análise, descrição
analítica e interpretação inferencial.
A pré-análise, descrita por Minayo (1999) como ordenação dos dados, é definida por
Triviños (1987) como momento de organização do material. Nessa etapa foi realizada uma
leitura geral dos dados quantitativos e qualitativos que foram articulados para responder ao
questionamento da pesquisa.
A figura 1 apresenta o esquema de tratamento do material coletado, destacando a
organização inicial das fontes de dados da pesquisa, permitindo, assim, uma leitura de como
57
ocorreu o processamento das informações, tendo em vista a coerência com o questionamento
central do estudo.
Figura 1: Fluxograma de organização das informações a partir das fontes de dados
qualitativos e quantitativos.
O segundo momento da análise é a descrição analítica que corresponde aos
procedimentos de classificação, codificação e categorização das informações e resultam de
uma articulação da fundamentação teórica, e os objetivos propostos pelo estudo.
A classificação dos dados ocorreu a partir dos documentos descritos anteriormente, os
quais permitiram a identificação de núcleos de sentidos que se constituíram como eixos de
análises e orientaram a sistematização das informações. Essa sistematização foi desenhada
conforme esquema de análise descrito nos Quadros 2 e 3.
Dados
Quantitativos
Fontes de Dados
- DATASUS
- Pesquisa de
Assistência Médica
Sanitária – MAS.
Dados Qualitativos
Fontes de Dados:
- Plano Municipal
de Saúde de Jequié
(1998-2002)
- Plano Municipal
de Saúde de Jequié
(2002-2006)
- Relatórios de
Gestão da SMS de
Jequié (2000, 2001,
2002, 2003, 2004 e
2005).
Como está organizada a atenção básica à
saúde de Jequié-BA, a partir de 1998 até
2006?
Oferta de Serviços
Capacidade instalada
Recursos Humanos
em Saúde
- Descrever a capacidade instalada da atenção básica à saúde.
- Analisar os serviços ofertados pela atenção básica à saúde (consultas médicas por especialidade
básica
1
, consultas de enfermagem, procedimentos médicos, odontológicos e de enfermagem).
- Avaliar a política de Recursos Humanos para o SUS na rede básica de saúde local.
- Discutir o fluxo de atendimento da rede de atenção à saúde do referido município.
58
O Quadro 2 apresenta a sistematização dos documentos 1 e 2, que correspondem aos
Planos Municipais de Saúde referentes a 1998-2002 e 2002-2005, esquematizando a coleta de
dados a partir dos seguintes núcleos de sentidos que constituíram os eixos de análise: oferta
de serviços, capacidade instalada, política de formação de recursos humanos e organização do
fluxo de atendimento.
A partir dos referidos cleos de sentido, foi realizada uma síntese horizontal, com a
identificação das convergências e divergências que se constituíram em todos os documentos
analisados.
Quadro 2: Síntese da análise documental dos Planos de Saúde da SMS de Jequié (BA), em
relação à oferta de serviços, capacidade instalada, política de recursos humanos e organização
do fluxo de atendimento.
Núcleos de sentido Documento 1 Documento 2 Síntese Horizontal
Oferta
Capacidade Instalada
Política de formação de
recursos humanos
Organização do Fluxo de
Atendimento
Síntese Vertical
O Quadro 3 ilustra o esquema de análise dos relatórios de gestão da SMS de Jequié,
referente aos anos 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005, sistematizando a coleta de
informações, a partir dos núcleos de sentido descritos anteriormente.
A síntese horizontal, a exemplo do Quadro acima, representa as divergências e
convergências identificadas nos referidos documentos.
59
Quadro 3: Síntese da análise documental dos relatórios de gestão da SMS de Jequié (BA),
em relação à oferta de serviços, capacidade instalada, política de recursos humanos e
organização do fluxo de atendimento.
Núcleos de sentido Doc. 3 Doc. 4 Doc.5 Doc. Doc.8 Síntese
Horizontal
Oferta
Capacidade
Instalada
Política de
formação de
recursos humanos
Organização do
Fluxo de
Atendimento
Síntese Vertical
O terceiro momento da análise é a interpretação referencial que corresponde à análise
final dos dados. Triviños (1987) descreve essa fase alertando sobre os riscos que qualquer
pesquisa apresenta ao se deter exclusivamente no “conteúdo manifesto” dos documentos,
excluindo-se, dessa forma, as possibilidades de aprofundamento das idéias, o que seria
proporcionado pela apropriação do “conteúdo latente” contido nos instrumentos da pesquisa.
Nesse momento da pesquisa, foi possível estabelecer uma articulação da
fundamentação teórica, discutida pelos autores que realizaram estudos sobre a temática
contida nos dados e o conjunto de informações colhidas pelo estudo, possibilitando assim uma
síntese analítica que aponta alguns cenários de discussão sobre o questionamento central do
estudo.
60
4.6 QUESTÕES ÉTICAS
A presente investigação atende aos princípios e diretrizes da Resolução 196, de 10
de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde CNS, que regulamenta os critérios e
cuidados para a execução de trabalhos de pesquisas envolvendo seres humanos, e preserva os
direitos e deveres da comunidade científica e dos atores envolvidos, assegurando o pleno
desenvolvimento do conhecimento científico sem riscos ou danos para os sujeitos. A pesquisa
não envolve o contato direto com seres humanos, ocasionando baixo risco para a população,
uma vez que a coleta de informações será realizada a partir de dados secundários,
disponibilizados pelos bancos de dados do IBGE; DATASUS e documentos complementares,
cujo conteúdo encontra-se sob domínio público, com acesso livre on line.
As informações produzidas com o trabalho podem contribuir para a formulação de
políticas de saúde nas esferas federal, estadual e municipal que visem a minimizar as
dificuldades no acesso aos serviços de saúde, proporcionando benefícios diretos à população
através da construção de novas práticas e ações de saúde, em coerência com as necessidades e
demandas da população, e atendendo aos princípios do SUS.
61
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este capítulo trata da análise e discussão dos dados trabalhados pela pesquisa, obtidos
através das sínteses dos documentos (planos de saúde e relatórios de gestão) e do banco de
dados do DATASUS, referentes às características dos serviços e dos estabelecimentos que
compreendem a atenção básica, tabulados na Pesquisa de Assistência Médica Sanitária
(AMS).
A primeira parte da análise apresenta a capacidade instalada da rede de serviços que
compõe a atenção básica, através de um recorte temporal (1998-2005) que compreende o
processo de descentralização da saúde no município de Jequié, evidenciando o perfil de
distribuição desses estabelecimentos no contexto do sistema de saúde local.
A segunda parte compreende a oferta de serviços de atenção básica no plano
municipal, enfatizando o perfil de produção e distribuição das ações de saúde, que perfazem o
elenco de atividades mais comuns no âmbito da atenção básica, considerando-se o recorte
citado anteriormente. A relação entre oferta e demanda foi contemplada através da produção
global dos serviços, visando a analisar a capacidade do sistema local de saúde em atender as
necessidades da população.
A terceira parte da análise provoca a discussão sobre a política de recursos humanos
para a atenção básica no âmbito do SUS. Essa problemática foi analisada à luz da Pesquisa de
Assistência Sanitária através do perfil da força de trabalho que compõe o quadro de
profissionais da rede pública municipal. Além disso, a leitura dos documentos possibilitou
uma análise sobre a política de formação e valorização dos trabalhadores no contexto de
organização dos serviços de atenção básica e as possibilidades de transformação do modelo
assistencial através da implantação do PSF.
Na quarta parte, que encerra o capítulo, foi discutida e analisada a organização do
fluxo de atendimento da rede de saúde de Jequié, ressaltando-se nesse processo o sistema de
referência e contra-referência. Essa dinâmica foi necessária para a ampliação dos objetivos do
trabalho, que procurou tomar como objeto de análise a organização da rede básica no
município de Jequié. Nesse sentido, considerou-se que a política de atenção básica se insere
numa estratégia mais ampla de organização dos serviços em redes de atenção. Embora as
fontes de dados não tenham permitido uma análise sobre as características dos serviços de
atenção básica, se estão organizados em rede ou não, foi possível estabelecer uma
aproximação dessa análise através das informações que evidenciam a organização do fluxo de
atendimento.
62
5.1 CAPACIDADE INSTALADA DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE EM JEQUIÉ-BA:
AMPLIAÇÃO DA REDE NO PERÍODO DE 1998 A 2005
Este capítulo corresponde à análise dos estabelecimentos de saúde que compõem a
rede básica do município de Jequié-BA, a qual tem importância significativa na capacidade
física de produção dos serviços de saúde, representados nesse caso pelos equipamentos
assistenciais públicos da rede municipal.
A ampliação da rede básica de serviços foi visualizada a partir da implantação do PSF
no município, mas a adequação da oferta-demanda ainda precisa ser elucidada, considerando-
se que o ritmo de crescimento dos estabelecimentos da rede básica do referido município
manteve-se lento durante todo o período do recorte estudado.
A tabela 1 apresenta a cobertura do PSF no município de Jequié-BA, ao longo de
2000-2005, representando o espaço de inserção do programa no decurso do processo de
descentralização da saúde.
Observa-se que a cobertura do PSF manteve-se quase inalterada durante todo o
período estudado, com uma variação pouco expressiva nos anos de 2003-2004 e uma
considerável ampliação dessa estratégia em 2005.
Assim, a cobertura populacional do PSF no sistema de saúde do referido município
atingiu 28,84% da população em 2000, ano que marcou a implantação dessa estratégia, com a
manutenção da capacidade instalada de 10 equipes de saúde da família até 2003. A partir
desse ano, foram implantadas mais 7 ESF, sendo 1 (uma) em 2003, 1 (uma) em 2004 e 5
equipes em 2005, com uma ampliação da cobertura em 8,56% da população no período de 5
anos.
Entretanto, é necessário questionar se essa ampliação do PSF tem sido capaz de
reorientar as ações de saúde do município, possibilitando o acesso a outros níveis de atenção à
saúde. Este questionamento se sustenta nos estudos de Nery (2006) que apreende as
necessidades de saúde na estratégia de saúde da família no município de Jequié-BA, onde a
autora constata que PSF ainda mantém um padrão de oferta focalizado, o que pode ser ainda
mais agravado pela insuficiência de serviços da rede local para atender a demanda por
serviços de média densidade tecnológica, comprometendo assim, o princípio da integralidade.
Outro questionamento que emerge do contexto da análise dos dados refere-se aos
aspectos que estão impedindo a ampliação efetiva do PSF no município, considerando-se que
essa era uma prioridade estabelecida pelo gestor municipal como estratégia de organização da
63
atenção básica, viabilizada pela habilitação do município na gestão plena da atenção básica,
em 1999, e na gestão plena do sistema municipal, em 2001.
Nesse sentido, o Doc.1 estabelece como estratégia de transformação do modelo
assistencial vigente a reestruturação do PACS e a implantação do PSF de forma progressiva,
com a meta de alcançar 16 equipes no período de 04 anos. (JEQUIÉ, 1997). O que deveria ser
atingido em 2002 foi concretizado apenas em 2005, quando o PSF do município atingiu 16
equipes.
Tabela 1: Número de Equipes e Cobertura Populacional do PSF em Jequié-BA (2000-2005).
Fonte: JEQUIÉ (2001); JEQUIÉ (2002); JEQUIÉ (2003); JEQUIÉ (2004); JEQUIÉ (2005) e JEQUIÉ (2006)
Mendes (2002) apresenta um modelo de análise do processo de implantação do PSF
no Brasil, superando a dicotomia predominante na avaliação dessa estratégia organizacional,
que reduz essa discussão à constatação ou não da existência do PSF.
Em contrapartida a essa tendência, o autor propõe um modelo analítico composto por
quatro momentos diferentes: o momento de transição incipiente, o momento de transição
intermediária, o momento de transição terminal e o momento de consolidação do PSF.
Nesse contexto, o momento de transição incipiente representaria uma cobertura
compreendida entre 10 a 25%, o que resultaria numa grande instabilidade e baixa legitimidade
institucional. A transição intermediária ilustraria uma cobertura entre 25 a 50% da população,
ainda representando uma pequena institucionalização. A transição terminal seria definida em
função de uma cobertura de 50 a 70% e com relativa legitimidade institucional. E por fim, a
consolidação do PSF ocorreria quando houvesse um alcance de mais de 70% de uma dada
população, sobre a qual existisse uma grande institucionalização do programa no interior da
arena sanitária (MENDES, 2002).
O modelo explicativo de Mendes é elucidativo na priorização da cobertura -
representada pela “dimensão horizontal de extensão” - como critério de análise da inserção e
evolução do PSF nos espaços de gestão da atenção à saúde, independente da esfera de
governo ao qual pertença (municipal, estadual ou federal).
Entretanto, para o autor, esse modelo de análise não se esgota na concepção de um
critério numérico estabelecido pela quantidade de equipes implantadas, que correspondem a
Período 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Nº de
Equipes
10 10 10 11 12 18
Cobertura
Populacional
28,84% 28,84% 28,84% 28,84% 28,84% 42%
64
uma determinada cobertura populacional; mas incorpora a complexidade social, política e
simbólica do cenário que envolve a atenção básica, concebida como “dimensão vertical de
profundidade”, que evidencia a existência de uma dinâmica de institucionalização do PSF no
interior dos espaços sociais (político, dos serviços de saúde, educacional, corporativo e de
representação da população).
Ao analisar a implantação do PSF no município de Jequié-BA, tomando-se como eixo
orientador o modelo explicativo proposto por Mendes (2002), é concebível admitir que
atualmente a composição do PSF no sistema local de saúde encontra-se no momento de
transição intermediária, à medida que a última cobertura registrada aponta uma taxa menor do
que 50%.
Essa fase de implantação revela o longo caminho que o sistema local de saúde do
município precisa percorrer a fim de consolidar o PSF como estratégia de reorientação do
modelo assistencial e como principal estratégia de organização dos serviços de atenção
básica; tendo em vista que o PSF foi incorporado ao discurso dos gestores e encontra
legitimidade social nas arenas decisórias de participação social (conselhos e conferências de
saúde) e nos espaços de produção de conhecimentos.
Nessa direção, a consolidação do PSF no processo de organização local da atenção
básica poderia ocorrer através de um esforço dirigido em dois sentidos: um que implica lutas
cotidianas capazes de incorporar a participação de diversos atores sociais (estudantes,
usuários, trabalhadores de saúde), para que se possa legitimar os anseios da população pela
ampliação do PSF como garantia de atendimento à demanda por serviços básicos de saúde, e
outro que, partindo da vontade política dos gestores, possa dar seguimento à implantação e
implementação do PSF como política estratégica de concretização do direito de acesso ao
SUS, viabilizando esse espaço como principal “porta de entrada” no sistema público de saúde.
Giovanella, Escorel e Mendonça (2003) investigaram a constituição do PSF como
“porta de entrada” no sistema de saúde, apontando nesse processo de conformação os
seguintes requisitos: a acessibilidade do PSF para a população, a procura regular pelos
serviços ofertados e a percepção dos profissionais sobre essa estratégia enquanto ponto de
entrada ao sistema de saúde.
O estudo das autoras evidenciou que a existência do PSF não é suficiente para
imprimir uma nova orientação do modelo de atenção à saúde, ou até mesmo sugerir essa
estratégia como “porta de entrada” no sistema, embora a presença das equipes possa gerar
mudanças que caminhem nessa direção.
65
No caso do município de Jequié, a implementação do PSF, considerada em seu
momento incipiente, com uma cobertura de 42% da população, dificilmente teria
possibilidade de se constituir como “porta de entrada” principal do sistema, ainda que se
admita a insuficiência de estudos capazes de fundamentar essa afirmação.
A existência de uma extensa rede de Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais, a
centralidade do hospital público de porte regional e a rede conveniada privada concorrem com
o PSF de Jequié, diminuindo a predominância dessa estratégia como principal espaço de
atenção e de organização do fluxo de atendimento. Dados do DATASUS (BRASIL, 2006)
confirmam essa análise ao constatar que a produção ambulatorial básica do hospital e do setor
privado no referido município representou 39,81% do total registrado em 2006.
A Tabela 2 apresenta a distribuição dos estabelecimentos de saúde do município de
Jequié, conforme tipo e quantidade a partir de 1998, quando o município deu início ao
processo de municipalização dos serviços, até 2003, ano que representa a última fonte de
dados disponíveis no sistema DATASUS.
Tabela 2: Rede de Atenção Básica à Saúde em Jequié-BA (1998-2003)
1998 1999 2000 2001 2002 2003
Tipo Unidade
N % N % N % N % N % N %
Posto de Saúde 1 4,5 2 7,1 15 48,4 15
48,4
15 48,4 15
40,5
Centro de Saúde 21 95,5 26
92,9 7 22,6 6 19,4
5 16,1 5 13,5
Policlínica 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 3,2 7 18,9
Unidade de Saúde da Família 0 0,0 0 0,0 9 29,0 10
32,3
10 32,3 10
27,0
Total 22 100 28
100 31 100 31
100
31 100 37
100
Fonte: DATASUS (BRASIL, 2006).
O perfil dos estabelecimentos de saúde descrito na Tabela 2 revela que no final da
década de 90 (1998), quando foi impulsionada a municipalização dos serviços de saúde do
município, a rede básica de serviços contava com 22 unidades, com uma predominância quase
majoritária dos Centros de Saúde sobre os demais tipos de unidades. Nesse período, 95% da
capacidade instalada da rede básica de saúde foi classificada como Centros de Saúde e apenas
4,5% foram definidos como Postos de Saúde.
Esse quantitativo expressivo de Centros de Saúde no início do recorte estudado revela
a existência de uma capacidade instalada bem significativa para o período, considerando-se a
complexidade desses estabelecimentos que, conforme relata Elias (1999), compõem uma
equipe multiprofissional, incluindo trabalhadores de nível superior, e atuam nos níveis
66
primários e secundários do sistema de atenção. Entretanto, o número quase insignificante de
Postos de Saúde existentes na rede revela um quadro bastante incomum nos sistemas
municipais de saúde.
Nesse cenário, questiona-se a precisão dessas informações, de onde se supõe a
possibilidade de ter havido uma confusão na classificação da rede básica do município, com a
inclusão de algumas unidades que detém características organizacionais de Postos de Saúde
na descrição quantitativa do conjunto de Centros de Saúde. Essa discussão, entretanto, indica
a necessidade de estudos mais direcionados, tendo em vista o aprofundamento da análise
sobre a conformação dessas unidades no referido período.
A Tabela 2 revela ainda que houve um incremento de 68,2% do número total de
unidades na rede básica, no decurso de 1998 até 2003, com uma participação maior desse
crescimento do número de Postos de Saúde, Unidades de Saúde da Família (USF) e
Policlínicas de Saúde. Do total de estabelecimentos existentes em 2003, 40,5% eram Postos
de Saúde, 13,5% Centros de Saúde, 18,9% Policlínicas e 27% eram unidades de USF.
Em 2003 evidencia-se, na Tabela 1, o predomínio dos Postos de Saúde como espaço
que representa o maior número de unidades de saúde, contemplando 40,5% de todas as
unidades registradas naquele ano.
De acordo com o doc. 8, em 2005 ainda existiam no município de Jequié 21 Postos de
Saúde para um total de 43 unidades, o que traduz um cenário bastante semelhante àquele
registrado em 2003.
Nesse sentido, o perfil dos estabelecimentos da rede pública da atenção básica de
Jequié vai se configurando como espaço predominantemente de atenção primária seletiva, na
medida em que essa rede é composta em sua maioria por Postos de Saúde, os quais
incorporam procedimentos que exigem baixa qualificação profissional e baixo custo.
Elias (1999), em estudo que realizou sobre a estrutura dos serviços de atenção em
saúde no Brasil, acrescenta a essa análise que a partir do desenho organizacional da rede de
estabelecimentos de saúde, é possível deduzir que o padrão de distribuição de serviços de
saúde para o setor público foi se constituindo de forma excludente e iníqua, reproduzindo uma
lógica do Estado em responsabilizar-se por estabelecimentos que ofertam serviços de baixo
custo, voltados para a atenção primária, enquanto que o setor privado assume as ações mais
especializadas.
O registro de 7 policlínicas na rede pública de saúde de Jequié em 2003, pela Pesquisa
de AMS, também precisa ser elucidada à luz do contexto sanitário vivenciado pela população
do referido município, até mesmo porque esses estabelecimentos de saúde, na análise de Elias
67
(1999), ofertam ações ambulatoriais especializadas no nível secundário e, embora estejam
concentradas em municípios de médio e grande porte, são mais comuns em regiões
economicamente mais desenvolvidas.
Quando se compara a distribuição dos estabelecimentos de saúde de Jequié-BA com a
Macrorregião Sul, conforme análise da Tabela 3 verifica-se que essa região sanitária teve
melhor desempenho na ampliação da rede de Postos de Saúde e de USF do que o município
de Jequié, que, por sua vez, avançou consideravelmente no número de Policlínicas.
O incremento de unidades da rede básica da Macrorregião Sul no período foi de
68,2%, um desempenho quase semelhante ao registrado por Jequié-BA. Porém, esse
incremento teve sua maior ampliação através da implantação das equipes de saúde da família,
que passaram a representar 28,9% do total dos estabelecimentos que faziam parte da rede em
2003.
Observa-se que tanto na Macrorregião Sul quanto no município de Jequié-BA, além da
ampliação da rede pela aquisição de novas unidades básicas, ocorre uma transferência de
estabelecimentos, que passaram a assumir novas responsabilidades. Esse movimento foi
representado pela incorporação dos Centros de Saúde à Estratégia de Saúde da Família, que
passou a ocupar esses espaços e a se responsabilizar pela organização dos serviços até então
ofertados pelos respectivos Centros de Saúde.
Tabela 3: Distribuição e Comparação das Unidades de Atenção Básica à Saúde da
Macrorregião Sul com o Município de Jequié-BA (1998-2003).
1998 1999 2000 2001 2002 2003
TIPO DE
UNIDADE
Espaço
geográfico
N % N % N % N % N % N %
Jequié 1 4,5 2 6,9 15 48,4 15 46,9 15 45,5 15 39,5
Posto de
Saúde
Macro Sul 114 35,6 144 37,5 191 44,2 196 43,4 169 36,5 194 36,6
Jequié 21 95,5 26 89,7 7 22,6 6 18,8 5 15,2 5 13,2
Centro de
Saúde
Macro Sul 176 55,0 202 52,6 177 41,0 166 36,7 147 31,8 137 25,9
Jequié 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 3,0 7 18,4
Policlínica
Macro Sul 15 4,7 18 4,7 11 2,6 13 2,9 14 3,0 17 3,2
Jequié 0 0,0 0 0,0 9 29,0 10 31,3 10 30,3 10 26,3
Unidade de
Saúde
da Família
Macro Sul 0 0,0 0 0,0 22 5,1 42 9,3 102 22,0 153 28,9
Jequié 0 0,0 1 3,4 0 0,0 1 3,1 2 6,1 1 2,6
Unidades
não
Especificada
Macro-Sul 0 0,0 1 0,3 11 2,6 16 3,5 15 3,2 12 2,3
Fonte: DATASUS (BRASI, 2006).
A Tabela 3 revela ainda que, a partir de 2000, a Macrorregião Sul teve uma ampliação
significativa do número de equipes de saúde da família, com uma evolução progressiva a
68
2003. Em 2000 foram implantadas 22 ESF na Macrorregião Sul. Em 2001, 42 ESF; em 2002,
102 ESF, enquanto que em 2003, esse número foi ampliado para 153 ESF. Nesse mesmo
período, o quadro de ESF de Jequié-BA manteve-se inalterado com um padrão de 10 USF.
Assim, o recorte histórico evidencia o impacto que o processo de municipalização dos
serviços de saúde imprime na organização da atenção básica, sobretudo induzindo a
ampliação da capacidade instalada da rede, através da transferência de unidades de saúde para
os municípios e do apoio à criação de novas unidades.
Oliveira e Moysés (2000), em estudo que analisa a capacidade instalada, a força de
trabalho e os empregos na saúde no decurso do processo de municipalização no país,
salientam que o impacto desse processo é maior no setor público, à medida que a
transferência de atribuições e responsabilidades pelas ações de saúde ocorre entre as esferas
de governo no âmbito do SUS, o que resulta na ampliação da rede municipal, ao mesmo
tempo em que as redes estadual e federal diminuem sua participação sobre o conjunto de
estabelecimentos existentes.
Os autores constataram ainda que o setor público municipal na década de 90 expandiu
sua capacidade instalada em 13%, passando a absorver 92% dos serviços existentes. Essa
expansão manteve-se presente na década seguinte com a implementação de estratégias de
organização da gestão da atenção à saúde, no decorrer do processo de descentralização das
ações de saúde, tendo em vista a concretização das diretrizes estabelecidas pelo SUS.
Bodstein (2002) alerta para esse processo de descentralização acelerada, o que resulta
em vários arranjos de organização dos sistemas locais de saúde, estabelecidos não apenas em
função dos aspectos sócio-econômicos, mas também por imposição do jogo político local.
De fato, as experiências possibilitadas pela descentralização com a transferência da
capacidade instalada para os sistemas locais de saúde têm permitido identificar um conjunto
de experiências bem sucedidas de gestão dos serviços de saúde, que apontam para uma
melhoria do desempenho gerencial e da responsabilização social como ferramentas de
fortalecimento do SUS, no âmbito municipal.
Porém, essa descentralização em direção aos municípios nem sempre resulta numa
organização gerencial compatível com uma distribuição eqüitativa das ações e serviços de
saúde, porque o cenário político que envolve o acesso a esses serviços está delimitado pela
disputa do poder local, que interfere diretamente no ritmo de organização do sistema de
saúde, antecipando decisões e deliberações que por esse motivo se tornam ineficientes. Isso
ocorre quando os municípios procuram habilitar-se na gestão plena do sistema municipal sem
concluírem o processo de implementação da gestão plena da atenção básica.
69
5.2 A OFERTA DE SERVIÇOS NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE DE JEQUIÉ-BA
A proposta de discussão da oferta de serviços de saúde no âmbito da atenção básica
procurou enfatizar a produção desses serviços na rede pública do sistema municipal,
evidenciando suas características e sua distribuição por categorias de profissionais de saúde,
de nível básico e de nível superior. Essa análise estabeleceu um recorte temporal de 1998-
2005, tomando-se como referência o processo de descentralização dos serviços de saúde que
teve forte impulso nesse período.
A Pesquisa de Assistência Médica Sanitária (AMS) forneceu informações referentes à
produção de procedimentos realizados por profissionais de nível médio, tais como
nebulização, curativo, vacinação, visitas domiciliares, administração de medicamentos e
educação em saúde. Para os profissionais de nível superior foram coletadas informações sobre
a produção de consultas, procedimentos e visitas domiciliares por categoria profissional
(médico, enfermeiro, odontólogos e outros profissionais de nível superior).
Os documentos foram organizados e classificados em núcleos de sentidos, conforme
referido na metodologia. Tomando-se a oferta de serviços como um desses núcleos, foram
sintetizados todos os documentos, procedendo-se uma síntese horizontal final que permitiu o
estabelecimento de convergências e divergências.
Assim, para os planos de saúde do primeiro período (1998-2002), do segundo período
(2002-2006), e os relatórios de gestão (2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005), foram
sintetizadas as informações contidas em cada documento referentes à oferta de serviços. As
sínteses horizontais destes documentos estão demonstradas nos Quadro 3 (Planos Municipais
de Saúde) e Quadro 4 (Relatórios de Gestão), que constam a seguir:
70
Quadro 4: Síntese horizontal dos Planos Municipais de Saúde referentes à oferta de serviços na atenção básica
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
DM – Diabetes Mellitus.
DT – Doenças Transmissíveis.
HA - Hipertensão Arterial.
PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher.
PF – Planejamento Familiar.
DST – Doença Sexualmente Transmissível
PROSAD – Programa de Atenção à Saúde do Adolescente
NÚCLEO DE
SENTIDO
DOCUMENTO 1: PLANO DE SAÚDE 1998-2002.
DOCUMENTO 2: PLANO DE SAÚDE DE 2002-2006.
Oferta
Propõe a ampliação da cobertura do PACS; ações dos centros de saúde
e postos de saúde; implantação do PSF, com estimativas de 16 ESF para
o período de 4 anos. Ampliação da cobertura do Paim, com o aumento
de cobertura do pré-natal e garantia de no mínimo 3 consultas pré-natais
a 100% das gestantes. Atenção à saúde do idoso, através da implantação
e implementação das atividades de controle de DM e HÁ em todos os
centros e postos de saúde da rede. Atenção do adolescente, através da
implantação do programa de atenção ao adolescente num centro de
saúde de referência. Atenção à saúde mental, através do
estabelecimento de um centro de saúde como unidade de referência em
atenção à saúde mental. Atenção aos portadores de deficiência pela
promoção de ações a grupos prioritários. Atenção à saúde bucal pela
cobertura de bochechos fluorados em 100% da população e fluoretação
no serviço de abastecimento de água. Controle de DT. Implementação
do programa de planejamento familiar pelo estabelecimento de um
centro de saúde como referência em PF. Implementação de ações de
combate a doenças transmissíveis pelo aumento de cobertura da
vacinação para 100% da população e ampliação das estratégias de
notificação, investigação e busca ativa dos casos.
Propõe a garantia da oferta de serviços de atenção integral a gestante e a
criança. Manutenção da cobertura de vacinação de crianças e idosos.
Implementação dos programas de combate às endemias e doenças
transmissíveis. Implantação de ações de combate a DST/AIDS.
Implementação de ações de diagnóstico e tratamento de HA e DM.
Ampliação de ações de combate ao câncer cérvico-uterino.
Implementação das ações de saúde bucal. Implementação de ações de
controle da mortalidade por causas externas (central de leitos, UTI).
Aumento da oferta de consultas médicas nas especialidades básicas.
Implantação do PROSAD em 100% dos Centros de Saúde. Implantação
do programa de atenção integral à saúde do idoso e mental. Aumento da
oferta de serviços de média complexidade pela criação do centro de
referência municipal para a média complexidade. Garantia do acesso dos
usuários ao tratamento fora do domicílio. Ampliação da oferta de
procedimentos odontológicos e coletivos na faixa etária de 0 a 14 anos.
71
Quadro 05: Síntese horizontal dos relatórios de gestão referente à Oferta de Serviços na Atenção Básica
NÚCLEO
DE
SENTIDO
DOCUMENTO 1:
RELATÓRIO DE
GESTÃO - ANO 2000
DOCUMENTO 2:
RELATÓRIO DE
GESTÃO – ANO 2001
DOCUMENTO 3:
RELATÓRIO DE
GESTÃO - ANO 2002
DOCUMENTO 4:
RELATÓRIO DE
GESTÃO - ANO 2003
DOCUMENTO 5:
RELATÓRIO DE
GESTÃO - ANO 2004
DOCUMENTO 6:
RELATÓRIO DE
GESTÃO - ANO 2005
Oferta
Implantação de 1 ESF.
Melhoria da cobertura
vacinal (13% em relação ao
ano anterior). Implantação
o PROSAD em duas ESF.
Implantação do programa
DST-AIDS no CSAL. Em
relação às atividades
programadas foi alcançada
65% da meta de cobertura
de consultas médicas, 99%
dos procedimentos
odontológicos, 53,89% das
consultas de enfermagem,
52,98% das consultas da
assistência social e de
psicologia, 185% das
consultas de nutrição e
112% dos procedimentos
laboratoriais. Campanhas
de vacinação: infantil e
idoso.
Persiste a oferta de
ações programáticas em
especialidades básicas
nas áreas: atenção à
saúde da criança,
atenção à saúde da
mulher, atenção saúde
do adulto, saúde do
adolescente, saúde do
trabalhador, expresso
saúde, atenção saúde
bucal, atenção à saúde
mental e reabilitação de
portadores de
deficiência. A produção
dos serviços de atenção
básica contemplou
71,67% do programado
para consultas médicas
e 88,94% para as
consultas de
enfermagem.
Realização de 40% das
consultas básicas
programadas em 2002.
Os serviços de atenção
básica foram
distribuídos em: saúde
da criança saúde da
mulher, atenção à saúde
do adulto, atenção a
saúde bucal, atenção a
saúde do adolescente,
expresso saúde e saúde
da família. Implantação
dos seguintes serviços:
ultra-sonografia,
eletrocardiograma,
prevenção de DSTs em
profissionais do sexo.
Oferta de Ações
Programáticas,
contemplando grupos
com maior risco de
adoecer: criança
(vigilância nutricional,
imunização, atenção a
doenças típicas da
infância, mulher (pré-
natal, prevenção de
câncer de colo de útero
e planejamento
familiar), adulto
(controle da HÁ,
controle de DM,
controle da TP,
eliminação de HÁ)
Atenção à saúde bucal.
Atenção à saúde do
adolescente. Atenção à
saúde mental (CAPS).
Atenção a DST e AIDS,
obedecendo às
recomendações da
NOAS 2001\02.
Oferta de ações
programáticas a partir de
grupos específicos:
criança, mulher, adulto.
Atenção aos portadores
de diabetes, de
tuberculose, de
hanseníase. Atenção à
saúde bucal. Atenção à
saúde do adolescente.
Além de procedimentos
que compõe o elenco da
atenção básica ampliada,
obedecendo as
recomendações da
NOAS. oferta de
ações básicas nas
unidades móveis,
denominadas de Expresso
Saúde.
Ações programáticas
com prioridade para
grupos específicos:
saúde da criança
(vigilância nutricional,
imunização, doenças
típicas da infância),
saúde da mulher (pré-
natal, prevenção de
câncer de colo de útero
e planejamento
familiar). Ações de
Controle da Hipertensão
Arterial. Ações de
controle da Diabetes
mellitus. Controle da
tuberculose. Eliminação
da hanseníase. Atenção
a Saúde do Adolescente.
Atenção a Saúde Bucal
e Saúde Escolar.
72
A análise sobre a oferta de serviços de atenção básica em Jequié-BA revela um cenário
que oscila consideravelmente quando esses serviços são distribuídos por categorias ou
segmentos profissionais. Nesse contexto, a partir do Gráfico 1, considerando-se o recorte
temporal de 2000-2006, é possível identificar que a produção de serviços no referido
município possui um padrão de distribuição quase inalterável para as ações médicas básicas,
com picos de produção para as ações de odontologia em 2003 e de enfermagem em 2005.
Gráfico 1: Oferta de Serviços da Rede Básica de Jequié-BA (2000-2006)
Fonte: DATASUS, 2006.
O Gráfico 1 revela o predomínio absoluto do padrão de produção das ações de
enfermagem sobre as ações de odontologia, ações médicas básicas e ações desenvolvidas por
outros profissionais de nível superior. Em 2003, ocorreu um aumento de produção para as
ações de odontologia, que passou a representar mais de 40% das ações produzidas. Em 2006,
essa elevação atingiu as ações de enfermagem, que alcançaram sua maior marca de produção,
representando quase 80% de todas as ações produzidas até o momento da coleta, apesar de
não terem sido disponibilizadas junto ao DATASUS todas as informações da rede municipal,
sobretudo quando se considera que ainda encontra-se em exercício o registro e a produção
dessas atividades que não foram concluídas.
Apesar do processo de municipalização ter viabilizado a ampliação da oferta de
serviços básicos de saúde para os municípios que implementaram o SUS, a análise do Gráfico
1 revela que a produção das ações médicas básicas não sofreu qualquer alteração significativa
nesse período, mantendo-se num patamar de quase 20% sobre o total de ações realizadas em
2000, no início do recorte, e em 2006, no final do recorte.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Percentual
Ações Enfermagem
Ações Médicas Básicas
Ações Básicas Em Odontologia
Ações Executadas P/Outros Prof.
Nível Superior
73
Nesse contexto, o melhor resultado da participação das ações médicas sobre o
conjunto ocorreu em 2005, quando esse percentual atingiu quase 30% do total da oferta
verificada no referido recorte temporal apresentado.
As ações realizadas por outros profissionais de nível superior também registraram uma
alteração pouco expressiva, com exceção de 2005, quando essas atividades correspondiam a
quase 40% do total realizado.
As ações de odontologia registraram uma retração progressiva a partir de 2003,
quando esse percentual representava mais de 40%, sofrendo uma queda abrupta em 2006,
quando passou a representar menos de 5% do total das ações realizadas. Em 2000 essa
participação representava mais de 10% das ações.
Assim, a dinâmica de utilização dos serviços básicos de saúde no município de Jequié
ocorre, com exceção das ações de enfermagem, em descompasso com o processo de
descentralização dos serviços viabilizados pelo SUS, à medida que a transferência dos
estabelecimentos de saúde e dos recursos financeiros para os municípios deveria possibilitar
uma maior capacidade de garantia de acesso pela população, ao menos, às ações que
compõem o elenco de serviços da atenção básica.
Entretanto, Hortale, Pedrosa e Rosa (2000) advertem que a viabilidade de recursos que
possibilitem a disponibilidade de serviços para a população nem sempre se traduz em
utilização dessas ações pela população, pois existem outros obstáculos que os usuários
enfrentam para fazer uso de um determinado serviço que não se limitam à garantia de oferta
pelo setor público.
Esses obstáculos constituem o cenário que Giovanella e Fleury (1995) denominaram
de barreiras econômicas, políticas e geográficas que precisam ser superadas para que a
organização do sistema de saúde possa contemplar o acesso da população a esses serviços,
além de viabilizar o princípio da eqüidade que tem a prerrogativa de instituir a igualdade no
acesso e na utilização do sistema de saúde pelo conjunto da sociedade brasileira.
Ainda que as informações reveladas pelo gráfico não possibilitem uma leitura mais
ampla, capaz de sugerir uma análise detalhada sobre os determinantes que limitam a
utilização das ações disponibilizadas pelo DATASUS, é possível considerar os
condicionantes sociais como um fator relevante nesse processo, o que pressupõe a existência
de desigualdades no acesso e na utilização dos serviços de saúde que ocorre na contramão das
demandas da população, conforme vêm sendo denunciadas por estudos como de Lima et al
(2002) que apontam dificuldades em acessar e utilizar os serviços, justamente para os grupos
que apresentam maiores necessidades de saúde.
74
A estratificação das consultas médicas por especialidades básicas, retratadas na Tabela
4, permite a visualização do perfil de oferta desses serviços no sistema municipal de saúde de
Jequié-BA.
É possível constatar que as consultas realizadas por profissionais médicos na
especialidade de clínica médica representam o maior potencial de oferta em âmbito municipal,
com uma participação sobre o total que variou de 48,2% em 2000 para 40% em 2005.
As consultas em pediatria tiveram uma oscilação moderada, representando a segunda
posição no quadro de oferta de consultas básicas realizadas pelo município, com percentual
que variou de 29% em 2000 para 33,7% em 2005. A oferta de consultas em gineco-
obstetrícia teve a maior variação no conjunto desses serviços, com uma diminuição
significativa da produção ambulatorial em 2001, teve uma recuperação progressiva até 2005,
quando ocupou a proporção de 15,6% do total de consultas médicas realizadas no referido
município.
As consultas em gineco-obstetrícia constituíram o menor percentual de oferta do total
de consultas ofertadas nas especialidades médicas básicas entre 2000 e 2005, com percentuais
que oscilaram de 9,1% em 2000 para 8,7% em 2005. Nesse período a maior participação das
consultas em gineco-obstetrícia ocorreu em 2003, com o registro de 20,5% sobre o total de
consultas médicas básicas realizadas naquele ano.
As consultas em ginecologia representaram o terceiro maior potencial de oferta sobre
o conjunto das consultas médicas básicas realizadas no período descrito na Tabela 4, com
percentuais que variaram entre 13,5% em 2000 e 15,6% em 2005, sendo que a maior variação
negativa ocorreu em 2001, quando essa especialidade médica participou com 8,1% do total de
consultas realizadas.
Tabela 4: Percentual de Consultas por Especialidade Médica em relação ao total de Consultas
realizadas na rede básica pública de Jequié-BA (2000-2005).
CONSULTAS MÉDICAS POR
ESPECIALIDADES
2000 2001 2002 2003 2004 2005
Consulta em clínica médica 48,4% 54,5% 50,9% 38,5% 48,5% 40%
Consulta em gineco-obstetrícia 9,1% 16,5% 15,4% 20,5% 7,1% 8,7%
Consulta em ginecologia 13,5% 8,1% 14,1% 14,7% 15,5% 15,6%
Consulta em pediatria 29,0% 20,8% 19,6% 26,3% 28,9% 33,7%
TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: DATASUS (BRASIL, 2006).
75
O cenário apresentado na Tabela 4 define o padrão de distribuição de serviços
médicos, reproduzindo a mesma gica da oferta de ações de saúde a grupos prioritários,
definidos como critérios de acompanhamento e avaliação do sistema de atenção da rede
básica dos serviços na esfera municipal.
É necessário salientar que, no âmbito da organização dos serviços das unidades de
saúde, as consultas em clínica médica priorizam o atendimento de atenção e controle da
Diabetes, Hipertensão Arterial, Hanseníase e Tuberculose, além de uma extensa demanda de
serviços médicos que podem ser resolvidos por um profissional generalista. As consultas em
gineco-obstetrícia atendem as demandas de mulheres em condições gestacionais que
implicam a assistência pré-natal e o puerpério. As consultas em ginecologia respondem a um
conjunto de necessidades de saúde das mulheres que compreendem o planejamento familiar, a
prevenção ao câncer de colo de mama e a detecção precoce do câncer de útero. Em pediatria,
as consultas médicas correspondem ao atendimento dos serviços de crescimento e
desenvolvimento das crianças e atenção às doenças típicas da infância.
Na prática, a conformação da oferta de consultas médicas da rede básica de saúde de
Jequié possui uma relação concreta com os programas verticais de saúde pública que, de
acordo com Teixeira (2003), foram definidos pelo nível central de governo como pacotes
tecnológicos de serviços a serem incorporados no interior dos estabelecimentos públicos de
saúde, sem qualquer análise crítica da viabilidade dessas ações nos diferentes contextos locais
de saúde.
A autora destaca as Ações Programáticas de Saúde como modelo tecno-assistencial,
que teve como proposta a superação dos programas especiais de saúde pública, ao
incorporarem a epidemiologia crítica como ferramenta de reflexão sobre a programação em
saúde, a partir das necessidades sociais de saúde que servem de parâmetro para a definição
dessas ações programáticas (TEIXEIRA, 2003).
A Tabela 5 representa a distribuição de consultas básicas realizadas pela rede de
serviços no município de Jequié, no período compreendido entre 2000 a 2005, destacando a
produção desses serviços entre profissionais médicos e enfermeiros.
Observa-se que em 2000 as consultas básicas realizadas por profissionais médicos
representavam 30,2% do total de consultas produzidas naquele período, enquanto que as
consultas de enfermagem respondiam por 69,8% dessas consultas no mesmo ano.
Quando são analisados os números absolutos da Tabela, constata-se que a redução da
participação das consultas médicas sobre o total de consultas produzidas entre os profissionais
médicos e enfermeiros sofreu uma redução bastante expressiva entre os anos 2000 e 2005. Em
76
2000, a produção de consultas médicas atingiu o patamar de 136.560 consultas. Em 2005,
essa produção diminuiu para 115.403 consultas.
Durante o recorte temporal, foi verificado um aumento significativo na participação
das consultas de enfermagem sobre o conjunto de consultas produzidas pela rede assistencial
do município de Jequié, o que resultou numa proporção de 76,5% das consultas realizadas em
2005. Em conseqüência dessa dinâmica, as consultas médicas básicas tiveram sua
participação reduzida para 26,5% no referido ano.
Entre os anos 2000 e 2005 houve um incremento expressivo de 59.195 consultas de
enfermagem na rede básica de atenção à saúde de Jequié (BA), constituindo um cenário que
traduz a ampliação da oferta dessas consultas a partir da ampliação do PSF no município,
onde foram implantadas 18 ESF, atingindo uma cobertura de 42% da população.
Desse modo, a experiência da descentralização dos serviços de saúde no sistema
público municipal de Jequié-BA, iniciado ao longo da década de 90 e em fase de
implementação durante todo o período do recorte temporal, revela que a oferta de consultas de
enfermagem teve maior incremento - entre os anos 2000 e 2005 - do que a oferta de consultas
médicas, ainda que a dinâmica de serviços médicos tivesse sido crescente, sobretudo quanto
às especialidades de maior densidade tecnológica, conforme enfatiza Nery (2006).
Tabela 5: Distribuição de consultas básicas por médicos e enfermeiros (2000-2005)
CONSULTAS
ANO
CONSULTAS
MÉDICAS
CONSULTAS
DE ENFERMAGEM
TOTAL
N
136.560 316236 452.796
2000
%
30,2 69,8 100
N
111.163 309503 420.666
2001
%
26,4 73,6 100
N
107.372 315572 422.044
2002
%
25,4 74,6 100
N
106.022 331996 438.018
2003
%
24,2 75,8 100
N
102.279 283635 385.914
2004
%
26,5 73,5 100
N
115.403 375431 490.834
2005
%
23,5 76,5 100
Fonte: DATASUS, 2006.
Embora os dados acima não sejam capazes de sugerir a ocorrência de demanda
reprimida para consultas médicas básicas no âmbito municipal, a situação ilustrada pela
77
Tabela 4 demonstra que a evolução da produção dessas consultas ao longo de 2000 até 2005
foi pouco expressiva se forem consideradas, não somente, a relação estabelecida entre essas
ações e as ações de enfermagem, mas também a produção absoluta dessas consultas que
sofreram uma diminuição progressiva no período estudado.
Entretanto, esses dados são insuficientes para avaliar os determinantes que interferem
nas limitações da oferta de ações médicas no referido município, lacuna que pode ser
preenchida através de outros estudos que possam avaliar a gestão da oferta e as concepções
dos usuários, a fim de que se possa apresentar uma análise mais consistente.
A Tabela 6 apresenta as informações sobre a produção dos serviços desenvolvidos por
profissional de nível médio, no município de Jequié-BA, revelando a proporção dos principais
procedimentos realizados por este segmento profissional.
Assim, foi constatado que a aplicação de vacinas representa a maior proporção de
ações desenvolvidas em relação ao conjunto dos procedimentos disponibilizados para a
população. Entretanto, não houve registro desse procedimento junto ao DATASUS em 2004 e
2005, o que denuncia a ocorrência de sub-registro dessas informações, visto que as atividades
de vacinação fazem parte da rotina e do calendário anual das unidades básicas de saúde do
referido município. A realização de curativos também representa uma participação bastante
relevante, com um percentual que oscilou de 29,6% em 2000 para 48,2% do total de
procedimentos realizados em 2005.
A administração de medicamentos para pacientes portadores de Tuberculose teve uma
participação pouco expressiva entre os procedimentos descritos na Tabela 6, sobretudo a
partir de 2001 quando houve uma redução progressiva desse tipo de serviço de saúde, o que
pode ser justificado pela transformação do perfil epidemiológico da população de Jequié
(BA), diminuindo a demanda por estes serviços.
As atividades de inalação/nebulização aumentaram sua participação sobre o conjunto
dos procedimentos realizados, passando de 5,1% em 2000 para 8,8% em 2005. Apesar desse
aumento percentual, houve uma diminuição do número absoluto desses procedimentos no
mesmo período.
As atividades de educação em saúde na comunidade e nos estabelecimentos de saúde
tiveram um incremento nesse período, porém os dados da Tabela permitem supor que, no
município de Jequié-BA, ainda persiste uma lógica de produção de serviços, centrada nas
ações curativas em detrimento das atividades preventivas e promocionais.
78
Tabela 6: Oferta de Serviços de nível médio da rede básica de Jequié-BA (1998-2005).
2000 2001 2002 2003 2004 2005 SERVIÇOS DE
NÍVEL MÉDIO
N % N % N % N % N % N %
Aplicação de
vacinas
5.058 39,6
4.674
34,6
4.895
49,1
5.818 40,0
0 0,0 0 0,0
Administração de
medicamentos
1.795 14,1
2.287
16,9
1.246
12,5
2.734 18,8
1.687 42,2
2.416
36,6
Administração
medicamento
p/ tuberculose
64 0,5 198 1,5 78 0,8 125 0,9 0 0,0 1 0,0
Curativo 3.772 29,6
3.401
25,2
2.965
29,7
4.698 32,3
1.753 43,8
3.185
48,2
Inalação /
Nebulização
653 5,1 698 5,2 421 4,2 573 3,9 365 9,1 578 8,8
Educação em Saúde na
Comunidade
6 0,0 11 0,1 70 0,7 25 0,2 1 0,0 108 1,6
Educação em Saúde no
Estabelecimento
108 0,8 108 0,8 67 0,7 66 0,5 10 0,2 237 3,6
Visita domiciliar 1.308 10,2
2.121
15,7
228 2,3 498 3,4 186 4,6 79 1,2
Total 12.764
100 13.498
100 9.970
100 14.537
100 4.002 100 6.604
100
Fonte: DATASUS, 2006.
A administração de medicamentos e as visitas domiciliares representam quase 25% do
total de procedimentos realizados em 2003, oscilando para quase metade desses
procedimentos em 2005. A elevação progressiva da participação dessas ações sobre o
conjunto também foi impulsionada pelo aumento absoluto do número de atividades que
registraram a produção máxima em 2003, com a realização de 2743 administrações de
medicamentos. Nesse ano, também foi registrada uma elevação significativa do número de
curativos realizados.
Nota-se que a partir de 2001 ocorre uma diminuição progressiva do número de visitas
domiciliares realizadas pelos profissionais de nível médio, com alteração significativa da
representação dessas atividades sobre o total de atividades realizadas por estes profissionais,
passando a responder por 1,2% destas atividades em 2005; enquanto que em 2001, atingiu a
proporção máxima quando essas atividades representavam 15,7% de todas as atividades
desenvolvidas pelo segmento profissional referido.
Embora não seja possível estabelecer os determinantes que justificam essa diminuição
progressiva na proporção de visitas domiciliares realizadas por profissionais de nível médio a
partir de 2001, esse cenário aponta para a coexistência de um modelo de atenção centrado nas
atividades curativas em detrimento das atividades promocionais. Essa situação é agravada
pela baixa cobertura do PSF, cujo modelo de intervenção, conforme enfatizam Macinko,
79
Almeida e Oliveira (2003), incorpora em suas dimensões a orientação para a comunidade e a
centralidade na família.
Em estudo realizado por estes autores enfocando as dimensões da atenção básica no
município de Petrópolis-RJ, foi constatado que as unidades do PSF, entre outros aspectos,
oferecem mais visitas domiciliares e realizam mais trabalhos intersetoriais na comunidade do
que as unidades tradicionais, representadas pelos Postos e Centros de Saúde.
Entretanto, mesmo diante da análise deste estudo, não é possível estabelecer quais
aspectos estão relacionados à diminuição do número absoluto de visitas domiciliares
realizadas pelos profissionais de nível médio no sistema local de saúde do município de
Jequié-BA, visto que a cobertura do PSF manteve-se estável neste município, ou até mesmo,
foi ampliada durante o recorte temporal apresentado.
A produção de serviços odontológicos realizado pelo município de Jequié-BA, no
período referido anteriormente, conforme apresenta a Tabela 7, demonstra uma oscilação
intensa com um quadro bastante complexo, se forem consideradas as variações que ocorreram
em 2002 e 2003.
Em 2002, houve uma redução acentuada do número total de procedimentos
odontológicos registrados pelo referido município que atingiu a quantidade mínima de 470
ações desenvolvidas. No ano seguinte, houve uma recuperação da oferta de serviços
odontológicos para a população, com a produção de 4.681 procedimentos.
A estratificação da Tabela 7 revela ainda que a exodontia
respondia em 2000 pela
maior parte da oferta dos serviços odontológicos realizados pelo município de Jequié-BA com
a participação de 32,1%, enquanto que a primeira consulta odontológica representava 24,9%
do total. Essa proporção foi alterada em 2005, quando a primeira consulta passou a responder
por 31,7% das ações realizadas, seguida pela exodontia, escariação por dentes e pela
restauração, que participaram respectivamente com 20%, 18,9% e 13,8% do total de ações
desenvolvidas.
80
Tabela 7: Oferta de Serviços Odontológicos Realizados em Jequié-BA (2000-2005)
2000 2001 2002 2003 2004 2005
Serviços Odontológicos
N % N % N % N % N % N %
Primeira consulta
odontológica
programática
756 24,9 1.003
35,2 147 31,3 1.251
26,7
955 28,2 852 31,7
Aplic. terapêut.
intensiva c/fluor-p/sessão
39 1,3 74 2,6 14 3,0 361
7,7 204 6,0 241 9,0
Controle da placa
bacteriana
1 0,0 9 0,3 2 0,4 58 1,2 177 5,2 177 6,6
Escariação por
dente
556 18,3 485 17,0 115 24,5 991
21,2
751 22,2 507 18,9
Restauração 711 23,4 481 16,9 127 27,0 961
20,5
702 20,7 371 13,8
Exodontia 976 32,1 797 28,0 65 13,8 1.059
22,6
595 17,6 536 20,0
Total 3.039
100,0
2.849
100,0
470 100,0
4.681
100,0
3.384
100,0
2.684 100,0
Fonte: DATASUS, 2006.
Essas informações permitem verificar que a produção ambulatorial básica dos serviços
de odontologia do sistema de saúde do município de Jequié-BA mantém a tendência
verificada para outras ações básicas realizadas no mesmo período, reproduzindo um cenário
bastante complexo, uma vez que a diminuição da oferta de serviços segue em descompasso
com os recursos viabilizados pela implementação do SUS.
Essa situação é ainda mais complexa quando se observa que a atenção básica vem
adquirindo, os últimos anos, um papel bastante relevante na organização dos serviços, tendo
suas ações potencializadas pelos mecanismos indutores criados pelo Ministério da Saúde, a
exemplo do Piso de Atenção sica (PAB) variável, que conta com incentivos financeiros
para a implantação de equipes de saúde bucal no PSF, ampliando o elenco de
responsabilidades dessas equipes, ao incorporarem ações e cuidados básicos de odontologia
para os usuários do SUS.
Neste caso, o cenário apresentado pelo sistema de atenção básica de Jequié, a partir
dos documentos discutidos anteriormente, aponta para a disposição de um conjunto de ações
de caráter individual e coletivo que abrange grupos prioritários (criança, mulheres,
adolescentes e idosos), áreas estratégicas (saúde bucal, saúde da família) e agravos que
oferecem maior risco para a população (Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Hanseníase,
Tuberculose, DST/AIDS, Câncer de Colo de útero e de mama).
Nesse sentido, ainda que se considere a convergência das prioridades discutidas
anteriormente, é possível estabelecer algumas diferenças na priorização da oferta de serviços
definida pelos documentos 1 e 2, o que pode ser elucidado à luz do recorte temporal que
abrangeu a elaboração dos referidos planos de saúde.
81
O documento 1 foi elaborado em 1998, num contexto político-institucional
representado pela implementação da NOB/96, que instituiu duas formas de habilitação no
sistema de saúde, a gestão plena da atenção básica e a gestão plena do sistema municipal.
Naquele período, a programação das ações do plano municipal de saúde de Jequié teve como
objetivo geral a habilitação do sistema municipal de saúde na gestão plena da atenção básica.
Embora a NOB/96 não tivesse definido o elenco nimo de ações a serem transferidas para a
responsabilidade dos municípios, a instituição da referida NOB criou o PAB como
mecanismo de indução financeira para que os municípios, uma vez habilitados em qualquer
modalidade de gestão, assumissem as ações básicas de saúde (BRASIL, 1996).
O município de Jequié definiu como prioridades, neste período, a ampliação do PACS
e a implantação do PSF, propondo um novo papel para as unidades de saúde para que fossem
capazes de incorporar as ações assumidas a partir da NOB, a maioria das quais estavam
compactadas em programas de atenção integral em saúde da mulher, da criança, do
adolescente e do idoso, além de contemplar as ações de saúde bucal, saúde mental e
ampliação da cobertura vacinal.
Entretanto, o documento 2 foi elaborado em 2002, no contexto de implementação da
NOAS 01/2002. Essa norma, além de ampliar as ações básicas a serem assumidas pelos
municípios, definiu um elenco mínimo dessas ações como referência para a programação da
atenção que deveria ser pactuada entre as esferas de governo (BRASIL, 2002).
Assim, o documento 2 propôs a ampliação da oferta das ações e serviços de saúde
referida no documento 1, incorporando a esse elenco mínimo a implantação de programas de
atenção à DST/AIDS, ações destinadas ao combate às mortalidades provocadas por causas
externas e a oferta de serviços especializados como mecanismo de referência à rede básica de
serviços.
Dessa forma, os documentos 1 e 2, ao apresentarem a programação operativa das
ações de saúde, com a disposição da ampliação da oferta de serviços para os usuários do
sistema municipal, revelam que a descentralização da saúde, instituída como diretriz
organizacional e como estratégia fundamental de implementação do SUS, tem contribuído
para a universalização do acesso aos serviços de saúde, à medida que proporciona para os
municípios uma maior disponibilidade de recursos capazes de orientar a organização local do
sistema de serviços de saúde.
Tal análise é confirmada por Hortale, Pedrosa e Rosa (2000), quando salientam que se
um sistema de saúde é descentralizado, certamente vai permitir maior acesso dos usuários ao
sistema de atenção. Entretanto, essa tendência nem sempre é concretizada na prática do
82
cotidiano dos serviços, haja vista a existência de obstáculos que, conforme discutido
anteriormente, tanto impedem a utilização dos serviços pelos usuários, quanto dificultam a
implementação dos serviços que foram oferecidos como compromisso institucional, mas que
ainda carecem de serem operacionalizados.
Os documentos 3, 4, 5, 6, 7, 8 descrevem as atividades desenvolvidas pela Secretaria
Municipal de Saúde de Jequié no tocante à programação e execução das ações e serviços de
saúde, bem como estabelecem uma avaliação do desempenho gerencial dessas ações, ao longo
de 2000, 2002, 2003, 2004 e 2005.
Esses relatórios de gestão convergem para o estabelecimento da oferta de ações
básicas pelo enfoque de grupos prioritários que servem como eixos estratégicos de
intervenção e desenvolvimento de atividades a serem disponibilizadas para a população local.
Além dessa tendência, anteriormente verificada na análise sobre os planos municipais
de saúde, os relatórios de gestão evidenciam divergências acentuadas entre a oferta
programada e a cobertura realizada, o que implica numa restrição dos usuários do sistema
municipal no acesso a esses serviços que tiveram baixa cobertura da população.
O documento 3 revela que a estimativa de cobertura das ações programadas por
categoria profissional contemplou 65,4% para as consultas médicas, 99,26% para os
procedimentos odontológicos e 53,89% para as consultas de enfermagem.
Entretanto, em 2001, de acordo com o documento 4, as estimativas de cobertura
atingiram 71,67% para as consultas médicas e 88,94% para as consultas de enfermagem.
No documento 5, as estimativas apresentadas revelam um quadro ainda mais
desfavorável com a redução da cobertura de ações médicas básicas para 47,71% da
população, 75,1% para as ações de enfermagem e 111,19% de cobertura das ações básicas em
odontologia.
Diante desse cenário, impõe-se a reflexão sobre os aspectos que determinam a baixa
cobertura das ações básicas no contexto vivenciado pelo sistema de saúde de Jequié-BA.
Em estudo realizado no município de Aracaju-SE, com o objetivo de avaliar a
capacidade de oferta da rede assistencial básica, Santos (2006) demonstrou que a insuficiência
da oferta em atender a demanda daquele município estava relacionada à baixa cobertura da
capacidade instalada do sistema de atendimento, cujos recursos disponíveis pela rede
assistencial respondia por apenas 50% das demandas da população.
De acordo com o autor, a análise da relação oferta e demanda do município, através de
parâmetros estabelecidos pelo pacto de atenção básica, permitiu a definição do plano de
investimento de unidades de saúde, tendo como eixo principal a ampliação do PSF, com a
83
experimentação das equipes ampliadas de saúde da família, incorporando novas modalidades
de processo de trabalho que não fazem parte das equipes tradicionais.
Assim, no município de Jequié, persiste uma lógica de organização da oferta de ações
e serviços limitada pela insuficiência da capacidade instalada, considerando-se que a baixa
cobertura do PSF contribui significativamente para esse quadro, situação agravada pela
extensa demanda por serviços de apoio diagnóstico e terapêutico que se acumula no interior
das UBS, gerando iniqüidades provocadas pelas filas e pela repressão da demanda.
5.3 POLÍTICA DE “RECURSOS HUMANOS” PARA O SUS NA REDE DE SERVIÇOS
DE SAÚDE DE JEQUIÉ-BA
Ao tomar a Política de Recursos Humanos para o SUS como eixo de análise neste
momento, foram abordados dois aspectos que emergiram dos dados trabalhados na pesquisa.
Inicialmente, foi analisada a distribuição dos trabalhadores de saúde do município que atuam
na assistência a saúde e o vínculo desses profissionais no contexto do sistema local de saúde.
Posteriormente, foram apresentadas as atividades de formação e capacitação dos recursos
humanos existente em Jequié no processo de implementação do SUS, ressaltando o
desenvolvimento de atividades pedagógicas que tiveram registro nos documentos utilizados
como fontes de dados.
A Tabela 8 apresenta a distribuição dos trabalhadores de saúde que atuam diretamente
na atenção à saúde da rede pública de Jequié-BA, ressaltando o tipo de vínculo profissional
que regula as relações de trabalho entre esses profissionais e a secretaria municipal de saúde,
comparando as situações evidenciadas em dois períodos: 2000 e 2005.
No que diz respeito ao vínculo trabalhista dos profissionais existentes na rede
municipal que atuam diretamente na atenção à saúde, foi constatado que em 2000 havia 213
(duzentos e treze) profissionais, entre os quais 60 (sessenta) eram efetivos, 46 (quarenta e
seis) cedidos e 107 (cento e sete) contratados. Já em 2005 foi registrada a existência de 204
(duzentos e quatro) profissionais de saúde efetivos, 52 (cinqüenta e dois) cedidos e 18
(dezoito contratados). Nota-se que, de acordo com os documentos 1 e 8, houve uma alteração
significativa no regime de contratação do quadro desses trabalhadores da rede pública de
saúde.
84
Em 2000, a maioria dos trabalhadores que atuavam na atenção à saúde era vinculada a
algum regime temporário de contratação, o que representava naquele período quase a metade
dos trabalhadores que faziam parte desse segmento na rede municipal.
Esse cenário foi modificado em 2005 quando 204 trabalhadores de saúde tornaram-se
efetivos e 52 cedidos, o que evidencia a ausência absoluta do registro de contratos
temporários de trabalho na rede de saúde de Jequié-BA entre os profissionais que trabalhavam
na atenção à saúde.
A garantia de vínculo trabalhista do quadro de pessoal que faz parte dos Recursos
Humanos de saúde da rede municipal foi acompanhada de uma pequena elevação na
quantidade dos trabalhadores que atuavam na atenção à saúde de Jequié-BA. No ano 2000
eram 213 trabalhadores na rede de saúde, e, em 2005, foram registrados 274 pessoas.
Cumpre questionar se essa ampliação de pessoal é capaz de responder às necessidades
de saúde acumuladas ao longo dos anos, as quais refletem uma elevação progressiva na
procura por atenção à saúde, exigindo a disposição de pessoal qualificado e em quantidade
suficiente para atender as demandas crescentes.
Tabela 8: Distribuição por Categoria/Cargo e Vínculo dos trabalhadores de Saúde que atuam
na atenção à saúde da rede pública municipal nos anos 2000 e 2005.
Situação em 2000 Situação em 2005
Categoria/Cargo
Efetivo Cedido Contratado Total Efetivo Cedido Contratado
Total
Atendente /
Auxiliar Saúde
23 24 40 87 110 21 - 131
Fisioterapeuta 03 - 03
Enfermeiros 12 03 29 44 48 02 - 50
Enfermeiro do
PSF
02 01 08 11 16 - 16
Odontólogos 05 06 10 21 21 03 - 24
Médicos 18 10 08 36 16 07 - 23
Médico do PSF 11 11 - - 18 18
Nutricionista 02 02 01 03 - 04
Psicólogo 01 01 05 - 05
Total 60 46 107 213 204 52 - 274
Fonte: JEQUIÉ (2001) e JEQUIÉ (2006).
Este cenário torna-se ainda mais complexo, se forem consideradas as ações e políticas
implementadas pelo município, nesse intervalo de tempo, na perspectiva de garantir a
ampliação da oferta de serviços, através da implantação de programas e estratégias de atenção
85
à saúde, gerando a necessidade de contratação de pessoal capacitado para assumir as novas
funções.
A Tabela 8 revela ainda que, entre 2000 a 2005, houve uma redução considerável do
número de médicos que atuavam no sistema de atenção à saúde da rede municipal, que passou
de 47 profissionais para 41, no referido período. Em contrapartida é possível observar, em
contraste com o que foi observado na categoria dos médicos, no mesmo período, que houve
uma elevação do número de enfermeiros, que passou de 55 em 2000 para 66 profissionais
existentes em 2005.
Essa tendência de redução do número de profissionais médicos que atuam na atenção
à saúde da rede pública de serviços de Jequié, entre os anos 2000 e 2005, foi bem diferente
para outros trabalhadores de saúde de nível superior, a exemplo dos odontólogos,
nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e para os de nível médio.
Em 2000 eram 21 odontólogos, 02 nutricionistas e 01 psicólogo existentes na rede
municipal de saúde. Esse quantitativo foi ampliado para 24 odontólogos, 04 nutricionistas e
05 psicólogos, em 2005. Nesse ano foi registrada, ainda, a existência de 03 fisioterapeutas.
Quanto ao número de trabalhadores de nível médio representados na Tabela 8,
observa-se que houve um incremento bastante significativo da participação desses
trabalhadores no sistema de atenção à saúde, que passaram de 87 profissionais, em 2000, para
131, em 2005. A maior participação do crescimento desses profissionais ocorreu com o
aumento do número de auxiliares, atendentes de enfermagem e atendentes de consultório
dentário.
A elevação do número de atendentes de consultório dentário, acompanhando a mesma
tendência verificada para o aumento da quantidade de odontólogos no período observado,
pode ser justificada pela ampliação do Programa de Saúde Bucal no município de Jequié,
onde foram implantadas 09 ESB (Equipes de Saúde Bucal) nas Equipes de Saúde da Família,
e instalados 13 consultórios dentários em diversas unidades da rede básica de saúde, conforme
registro constante no doc. 8.
Nota-se que a participação do número de trabalhadores cedidos para a Secretaria
Municipal de Saúde de Jequié (SMS - Jequié-BA) sofreu uma elevação significativa em 2005,
com a existência de 52 trabalhadores que se encontravam naquela condição. Em 2002 este
quantitativo representava apenas 46, o que pressupõe que houve uma incorporação de mais
trabalhadores para o quadro da SMS.
A Tabela 8 demonstra dois cenários diferentes (representados pelos anos 2000 e 2005)
para a composição do quadro de trabalhadores que trabalham na atenção à saúde e atuam
86
diretamente nos serviços ofertados pela rede. Convém salientar que o quadro de trabalhadores
da SMS é mais amplo do que o registrado na Tabela 8, pois, nesse caso, não foram
considerados todos os trabalhadores que atuam no setor administrativo, direta ou
indiretamente, ou ainda aqueles que prestem serviços de apoio diagnóstico, ou que atuam no
planejamento das ações, na auditoria do SUS, na vigilância à saúde ou na assistência
farmacêutica, e conseqüentemente, não lidam diretamente com a atenção à saúde dos usuários
do sistema de saúde de Jequié-BA.
Assim, a análise dos dois cenários distintos acerca do quantitativo dos trabalhadores
que atuam na rede e da situação de vínculo ao qual pertencem constitui um instrumento de
avaliação da adequação dos recursos humanos existentes no sistema local de saúde a partir
das necessidades da população de Jequié-BA.
Nesse caso, é necessário constatar que o provimento de pessoal para atuar na atenção à
saúde de Jequié revela os limites presentes na ampliação do quadro de pessoal, o que ocorre
em descompasso com as necessidades da população e, até mesmo, em desacordo com o
planejamento da gestão local, o qual estabeleceu ainda em 1998 quando o município estava
pleiteando a habilitação na gestão plena da atenção básica que era necessário ampliar o
quadro de funcionários da SMS, a fim de adequar os recursos humanos existentes às
necessidades da população.
[...], Para adequar tais recursos às necessidades assistenciais da população pretende-
se a médio prazo abrir concurso público para adequar o quadro de necessidades de
recursos humanos da saúde levando em consideração a existência de pessoal das
Unidades Básicas de Saúde Estaduais (JEQUIÉ, 1998, Doc.1).
Além do concurso público referido no Doc. 1, a gestão local destacou a necessidade da
formulação de uma política de recursos humanos adequada ao contexto de implementação do
SUS, priorizando a elaboração e aprovação do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS)
para os trabalhadores de saúde que compõem o quadro de funcionários, a ser submetida à
aprovação pelo poder legislativo e apreciada pelo Conselho Municipal de Saúde (CMS)
(JEQUIÉ, 1999).
O concurso público para provimento das vagas da SMS no município de Jequié foi
realizado em 2002. Entretanto, nos documentos analisados, não houve qualquer registro de
elaboração ou implantação do Plano de Carreira, Cargos e Salários para os trabalhadores de
saúde da rede pública municipal, o que sugere que tais trabalhadores ainda encontram-se em
87
regime de trabalho e condições salariais pouco atrativas, no tocante à progressão na carreira e
à realização profissional.
A instituição do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) está em consonância
com a legislação da saúde consubstanciada na Constituição Federal, na Lei Federal
8080/90 e na Lei 8142/90. Essa última lei aprofunda a discussão e a responsabilidade dos
gestores municipal, estadual e distrital no tocante a política de recursos humanos, ao impor a
criação da comissão de elaboração do PCCS como critério de repasse das transferências da
União para o setor saúde (JAEGER, CECCIM e MACHADO, 2004).
Desde sua criação na década de 90, a Lei 8142/90 não foi implementada em sua
totalidade, desvinculando-se desse aparato jurídico a imposição da elaboração do PCCS como
condição para o repasse de recursos da União, o que favoreceu a omissão dos gestores em
cumprir as recomendações da lei.
Atualmente, conforme salientam Jaeger, Ceccim e Machado (2004), o Ministério da
Saúde vem retomando as discussões sobre a criação de carreiras, cargos e salários no âmbito
do SUS, instituindo parâmetros e diretrizes para a elaboração de uma Política de Carreira que
atenda as características locais e ou regionais, e seja capaz de promover a valorização
profissional, ao mesmo tempo em que atenda as necessidades da população.
Em setembro de 2006 por ocasião da IV Conferência Municipal de Saúde de Jequié-
BA, foi aprovado, no relatório final, a implantação imediata do PCCS da SMS do município,
cujos participantes subscreveram uma monção de repúdio contra a gestão local, em
decorrência do atraso no cumprimento desta deliberação até aquele momento. Tal cenário tem
gerado conflitos que estarão na pauta da arena local ao longo de anos.
A Tabela 9 ilustra a distribuição de trabalhadores que atuam na administração direta
da secretaria municipal de saúde de Jequié, incluindo os serviços de apoio diagnóstico, a
assistência farmacêutica, além do quadro técnico e de apoio que compõe o núcleo estratégico
da Secretaria e ocupam cargos e funções de direção, coordenação e assessoramento das
políticas, programas e práticas de saúde.
88
Tabela 9: Distribuição e Vínculo profissional de trabalhadores da administração direta e
indireta da SMS Jequié (2000 e 2004).
Situação em 2000 Situação em 2005
Categoria/
Cargo
Efetivo Cedido Contratado Total Efetivo Cedido Contratado
Total
Agente/Assistente
Administrativo
26 20 50 96 130 05 135
Fiscal de Vig.
Sanitária
03 03 07 07
Assistente Social 01 01 01 03 07 01 08
Bioquímico 01 01 02 03 03
Contador 01 01 01 01
Coordenadores de
Núcleos e
Serviços
03 06 01 10 10 10
Médicos /
Coordenação de
serviços
07 07
Enfermeiros/Coor
denação de
Serviços
04 04 08
Gerente
Odontólogo
01 02 03
Diretores de
Departamentos
06 06 05 05
Veterinário 01 03 04 04 04
Operário 04 04 03 03
Tec. Nutrição 01 01 01 02 03
Tec.Laboratório 03 02 05 07 07
Telefonista 01 01 04 04
Motoristas 05 07 12 09 03 12
Vigilante 06 10 16 06 01 22 29
Gari 03 03
Total 51 33 80 164 189 10 53 252
Fonte: Jequié (2000) e Jequié (2005).
A situação verificada na Tabela 9 demonstra que houve um incremento mais
significativo do número de trabalhadores que atuavam na administração direta entre os anos
2000 e 2005, que o cenário verificado na Tabela 8, que representou um leve aumento de
trabalhadores que atuavam diretamente na atenção à saúde. Em 2000, o quadro geral do teste
segmento de trabalhadores da SMS era composto de 164 profissionais. Entretanto, em 2005,
esse quadro foi ampliado para 252 trabalhadores, incluindo os profissionais de nível
fundamental, de nível médio e superior.
Quanto ao perfil do vínculo profissional, observa-se que houve uma dinâmica
semelhante ao que ocorreu com os trabalhadores descritos na Tabela 8. Em 2000, a maioria
dos trabalhadores que atuavam na administração direta da SMS de Jequié fazia parte de algum
89
regime de contratação temporária (80), enquanto que os Trabalhadores efetivos (51)
representavam a segunda posição, seguida pelos profissionais cedidos (33). Em 2005, esse
cenário foi completamente alterado, sendo que os trabalhadores efetivos (189) passaram a
representar a grande maioria do quadro de funcionários da administração direta da referida
secretaria, enquanto que o regime de contratação temporária (53) ficou na segunda posição,
seguida pelos trabalhadores cedidos que correspondiam a um quantitativo quase insignificante
(10), entre os tipos de vínculos trabalhistas existentes.
A tabela 9 revela ainda que o número de trabalhadores que atuavam na coordenação
de núcleos e serviços de saúde manteve-se inalterado com um padrão de 10 servidores. Neste
caso, o que foi modificado foi o perfil de contratação, que, em 2000, a maioria deles era
cedida e em 2005 eram todos contratados.
Entretanto, se forem considerados os trabalhadores que atuam na direção de
departamentos responsáveis pela implementação das Políticas de Saúde estabelecidas pela
SMS, constata-se que houve uma diminuição pouco expressiva, que em 2000 existiam 6
diretores e em 2005 apenas 5 funcionários atuavam nessa área.
É possível observar, na Tabela 9, que os trabalhadores que tiveram a maior
participação na ampliação do quadro de pessoal da administração direta da SMS de Jequié no
período verificado foram, sobretudo, os trabalhadores que não atuavam no planejamento,
acompanhamento e execução das ações de saúde do município, possuíam baixa qualificação
profissional e eram representados pelos agentes e assistentes administrativos, agentes de
serviços gerais, vigilantes, motoristas e operários. Essa parcela de trabalhadores teve um
incremento considerável entre os anos 2000 e 2005.
Contudo, ainda que a dinâmica de ampliação dos Recursos Humanos da administração
direta da SMS tivesse ocorrido com mais expressão em direção a esses trabalhadores, foi
constatado um movimento de ampliação do quadro de pessoal de nível superior - médicos,
enfermeiros e odontólogos, entre outros - que passaram a ocupar funções de coordenação,
supervisão e auditoria de serviços e programas do referido sistema local de saúde.
Em 2000 não houve qualquer registro de pessoal de nível superior atuando na
coordenação/supervisão de serviços de saúde, enquanto que em 2005 existiam 08
profissionais médicos, 07 enfermeiros e 03 odontólogos ocupando tais funções.
A comparação das tabelas 8 e 9 demonstra que entre 2000 e 2005 houve um
movimento dissonante na composição do quadro de RH da SMS de Jequié (BA) no que diz
respeito à distribuição do pessoal que trabalha na atenção à saúde da população e àqueles que
atuam na administração direta do sistema municipal de saúde.
90
Esse cenário revela que no período recortado pelas referidas tabelas, a administração
direta e as atividades de apoio da SMS tiveram maior incremento de servidores do que os
serviços de saúde que são responsáveis diretamente pelo atendimento às necessidades de
atenção à saúde da população. Enfatiza-se ainda que o quadro geral dos referidos servidores
da administração direta ou indireta tem uma composição maior do que os servidores da
atenção à saúde, sugerindo uma situação bastante divergente daquela evidenciada por Oliveira
e Moysés (2000), quando constataram em estudos realizados no ano 2000 que, naquele ano,
apenas 28% dos empregos da saúde, no território brasileiro, eram exercidos por trabalhadores
que atuam em atividades não ligadas diretamente aos cuidados dos pacientes, a exemplo das
atividades administrativas e de apoio.
Entretanto, a situação verificada em 2000 não foi a mesma que em 2005, que
naquele ano a minoria dos trabalhadores da SMS eram vinculados a atividades administrativas
ou de apoio, enquanto que a maioria trabalhava diretamente na prestação dos cuidados de
saúde, configurando-se assim que a evolução positiva do quadro de pessoal ocorreu,
contraditoriamente, em direção aos trabalhadores que não prestam serviços e ações de saúde
diretamente para a população.
Analisando as estratégias de desenvolvimento e formação de recursos humanos
oferecidos pela SMS de Jequié, constata-se através do doc.2 que um dos objetivos gerais da
programação operativa da gestão municipal para o período 2002-2006 foi o fortalecimento da
política de capacitação de recursos humanos no SUS, para o qual se apresentaram como
metas: a implantação do Núcleo de Educação Permanente/Pesquisas e Estudos em Saúde,
realização de educação continuada para o manejo clínico de agravos prioritários (Diabetes e
Hipertensão Arterial) e a articulação da rede de serviços para o desenvolvimento de eventos e
projetos de pesquisa em parceria com as universidades e escolas técnicas (JEQUIÉ, 2002).
A Tabela 10 apresenta as principais atividades de qualificação dos trabalhadores de
saúde de Jequié, no período de 2000 a 2005, incluindo as ações desenvolvidas pela própria
SMS e aquelas realizadas em parceria com outras entidades.
91
Tabela 10: Atividades de formação e de desenvolvimento de Recursos Humanos em Saúde
(RHS) da SMS de Jequié (BA), no período de 2000-2005.
Principais
Atividades
2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total
Capacitações e
Treinamentos em
serviço
23 23 36 11 04 08 105
Eventos Técnico-
científicos
05 08 05 11 02 05 36
Formação de Pós-
graduação
01 01 01 03
Outras atividades 04 05 02 03 - 08 22
Total 32 37 44 25 06 22 166
Fonte: JEQUIÉ (2000); JEQUIÉ (2001); JEQUIÉ (2002); JEQUIÉ (2003); JEQUIÉ (2004) e JEQUIÉ (2005).
Assim, observa-se que o ano de 2002 registrou maior volume dessas atividades de
formação com 44 eventos realizados. Enquanto que em 2004, tais registros demonstraram um
volume bem abaixo da média do que foi verificado nos demais anos, com um produto final de
06 atividades.
A Tabela 10 demonstra ainda que nos três primeiros anos do recorte temporal
apresentado havia uma dinâmica crescente de participação dos RHS em atividades de
capacitação e formação para o SUS, enquanto que nos anos subseqüentes esse movimento foi
decrescente com uma queda abrupta em 2004.
Dois movimentos podem ter concorrido para a manutenção de um volume
considerável de eventos de formação de trabalhadores para atuarem no SUS nos primeiros
anos do recorte temporal apresentado na tabela 10. O primeiro refere-se à habilitação do
município na gestão plena do sistema municipal em 2001, induzindo a gestão local a assumir
um conjunto de responsabilidades pela ampliação das ações de saúde, de acordo com os
parâmetros estabelecidos pela NOB 01/96.
O segundo movimento teria sido impulsionado por novos arranjos institucionais que
entraram em cena a partir de instituição da NOAS 2001/01 e 2001/02, o que gerou uma
demanda crescente por conhecimentos e informações técnicas que pudessem subsidiar a
implantação e implementação de serviços e programas de saúde.
Esses dois movimentos podem justificar uma demanda maior de iniciativas de
formação de trabalhadores para desenvolver as ações e serviços de saúde, num cenário
complexo como foi aquele representado pela implementação do SUS, sobretudo nos anos
2000, 2001 e 2002. Porém, tais movimentos não explicam quais aspectos estão envolvidos na
diminuição dessas iniciativas no contexto ilustrado pelos anos seguintes, sobretudo quando se
92
considera que as demandas pela incorporação e aplicação de conhecimentos relativos ao
planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de programas e serviços de saúde
continuam crescendo e gerando novos desafios para os gestores do SUS, sugerindo a
necessidade de um conjunto de esforços visando a ampliação da capacidade operativa dos
sistemas locais de saúde.
A Tabela 10 revela ainda que a maioria dos eventos de formação dos trabalhadores da
SMS de Jequié era classificada como treinamento e capacitações em serviços, com a
realização de 105 eventos. Os eventos técnico-científicos ocuparam a segunda posição do
conjunto de todos os eventos, com o registro de 36 atividades, enquanto que as outras
atividades de formação ocuparam a terceira posição. O menor volume destas atividades de
formação ocorreu no âmbito das pós-graduações lato senso com o total de 03 eventos
realizadas no período de 2000 a 2005.
5.4 ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE ATENDIMENTO DA REDE DE SERVIÇOS DE
SAÚDE DE JEQUIÉ-BA
A organização do sistema de serviços de saúde de Jequié vem sendo conformada
como resultado de desdobramentos desenhados pelo processo de municipalização da saúde
iniciada a partir de 1998 - quando o município adquiriu a habilitação na gestão plena da
atenção básica - e impulsionada em 2001, ano que marcou a incorporação de Jequié na gestão
plena do sistema.
Esses dois cenários foram determinantes para a constituição de dois momentos que
ilustram a organização do fluxo de atendimento dos serviços de saúde no âmbito municipal, a
partir dos recursos disponibilizados para a estruturação do sistema local de saúde, tendo em
vista a implementação das políticas, programas e práticas de saúde no contexto da
descentralização das ações em direção aos municípios.
O primeiro momento é representado pelo recorte temporal de 1998-2001, que constitui
o período estratégico de implementação da gestão plena da atenção básica e da
implementação da gestão plena do sistema municipal, como resultado do processo de
municipalização da saúde, desencadeado pela NOB 01/96 e impulsionado pela instituição da
NOAS 01/01.
O Doc. 1 enfatiza a reorganização do modelo de atenção do sistema local de saúde,
através da criação de uma rede hierarquizada com várias portas de entrada no sistema, além
93
de propor uma redefinição do papel dos Centros de Saúde da zona rural e urbana, o que
poderia possibilitar o pleno funcionamento destes estabelecimentos, com o incremento de
ações e serviços de complexidade crescente, conforme demanda da população (JEQUIÉ,
1997).
Convém ressaltar os objetivos que foram delineados naquele momento histórico de
elaboração do Plano Municipal de Saúde (PMS), que teria priorizado a proposta de
estabelecer mudanças estruturais na forma de gestão do sistema de saúde, com o escopo de a o
atender às demandas da população. Assim, a organização local dos serviços de saúde naquele
período tinha como propostas:
Analisar criticamente os serviços de saúde existentes, correlacionando-os com as
necessidades de uma população com a dimensão e constituição de Jequié.
Propor as modificações estruturais tanto no que diz respeito aos aspectos físicos da
rede, quanto aos aspectos políticos, administrativos e assistenciais, de modo a
habilitar o município de Jequié na qualidade de gestor do próprio sistema de saúde.
Traçar as metas a serem cumpridas para cada aspecto do novo modelo assistencial;
Propor mecanismos de acompanhamento do cumprimento das ões propostas no
plano (Doc.1, p.1).
A concepção de uma rede de serviços com várias entradas no sistema foi bastante
discutida por Cecílio (1997, p. 470), quando contextualizava o modelo piramidal de atenção à
saúde enquanto proposta defendida pelo movimento sanitário.
De acordo com o autor, o modelo piramidal seria caracterizado pela disposição de “um
conjunto de unidades de saúde responsáveis pela atenção primária a grupos específicos,
localizados numa área de cobertura”, constituindo assim, num ponto de entrada do sistema de
saúde, através da atenção básica, capaz de ordenar o fluxo de atendimento através do
encaminhamento a outros níveis de densidade tecnológica, configurando desse modo um
sistema de atenção integral à saúde. (1997).
Ainda segundo Cecílio (1997), o modelo piramidal, embora tivesse como vantagens a
regionalização e hierarquização dos serviços, constituindo-se em instrumento de
racionalização dos recursos, expansão da cobertura, aproximação dos usuários aos serviços,
estabelecimento de vínculos, levantamento de prioridades, entre outros aspectos que
reforçaram sua legitimidade diante do ideário de construção do SUS, tal modelo encontrou
obstáculos para sua conformação no contexto atual do sistema público de saúde, na medida
em que os estabelecimentos que ocupavam outros níveis de atenção (secundário e terciário)
assumiram o papel de “porta de entrada” ao sistema de saúde, a exemplo do hospital e dos
serviços de pronto-atendimentos espalhados pelo país.
94
Bech (2002) sintetiza o modelo piramidal estabelecendo os princípios da
territorialidade, cobertura, estratégia única e resolutividade por nível de complexidade de
recursos, como requisitos para a organização da rede de serviços e garantia da atenção à
saúde.
De acordo com o autor, a territorialidade implica o estabelecimento e
responsabilização por unidades “demográfico-geográficas” mínimas de grupos humanos que
demandam atenção à saúde. A cobertura seria a garantia de atendimento assistencial a
famílias e indivíduos que vivem situações em comum. A estratégia única refere-se à
concepção de uma direção única, em todos os níveis de atenção dentro de um território
sanitário, respeitando-se as peculiaridades locais, enquanto que a resolutividade por nível de
complexidade consistiria na utilização eficiente e eficaz dos recursos disponíveis,
possibilitando assim o atendimento às necessidades da população (BECH, 2002).
As indagações de Cecílio (1997) e Bech (2002) suscitam a análise sobre a organização
do fluxo de atendimento que o sistema local de saúde de Jequié (BA) vivenciou no início do
processo de municipalização dos serviços, quando um conjunto de responsabilidades pelas
ações de saúde foi transferido para o referido município.
A Figura 2 apresenta o fluxograma de atendimento em Jequié no ano 2000,
apresentando a lógica da demanda populacional por serviços de atenção básica à saúde e de
atenção especializada.
Figura 2: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano 2000.
Fonte: MENEZES, Marcus Vinicius Silva. Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié
no ano 2000, conforme Jequié (1999).
DEMANDA ESPONTÂNEA / OFERTA ORGANIZADA
Posto de Saúde
PS
F
Centro de Saúde
PACS
Serviço de Apoio
Diagnóstico
Hospital Prado
Valadares
95
A partir da Figura 2, observa-se que a “porta de entrada” ao sistema de saúde de
Jequié (BA) era representada pelos Postos e Centros de Saúde, PACS, PSF e pelo Hospital
Prado Valadares, com um fluxo de atendimento dinamizado pela disposição de serviços de
apoio e diagnóstico referenciados pela atenção básica.
Assim, a atenção básica, constituída pela rede de Postos, Centros de Saúde, PSF e
PACS, respondia pela oferta de ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da
saúde dos usuários da rede pública de Jequié, encaminhando para o hospital Prado Valadares
os casos que necessitavam de internação e acompanhamento e para os serviços de apoio e
diagnóstico às demandas por exames complementares de saúde.
Verifica-se que nesse período não houve qualquer registro de organização de serviços
em sistema de referência e contra-referência, configurando um acesso restrito e focalizado no
atendimento às necessidades de grupos específicos nas áreas de saúde da criança, mulher,
adulto e saúde bucal, conforme verificado no Doc. 3 (JEQUIÉ, 2001a).
Em 2001, o sistema local de saúde assumiu a gestão plena do sistema municipal,
estabelecendo uma política de ampliação da oferta de serviços de saúde de média
complexidade, através da pactuação direta com a rede privada complementar ao SUS,
pressupondo o entendimento, pela gestão, de que a rede pública não dispunha de capacidade
instalada suficiente para atender as necessidades de saúde da população sob sua área de
abrangência. (JEQUIÉ, 2002a, Doc. 2).
A figura 03 apresenta o fluxograma de referência para atendimento especializado em
2001, a partir da demanda espontânea e organizado da rede pública de Jequié.
Nota-se que o fluxo de atendimento dos usuários do sistema de saúde de Jequié, em
2001, sofre variações em relação ao ano anterior devido à implantação de estratégias de
organização e implementação de serviços, como conseqüência da habilitação do município na
gestão plena do sistema municipal, o que teria contribuído para a ampliação do aporte de
recursos financeiros que garantiram a capacidade de investimentos necessários para a
extensão da cobertura da média complexidade, no referido período.
Assim, naquele ano, o município registrou a implantação da CERAJE Central de
Marcação de Consultas de Jequié como esforço de organização da demanda por serviços de
média complexidade, centralizando nesse espaço a distribuição da oferta de consultas,
procedimentos e serviços de apoio diagnóstico, além de permitir certa racionalidade na
compra de procedimentos, segundo necessidades da população e parâmetros assistenciais
estabelecidos pelo nível central.
96
A regulação dos serviços de média complexidade tecnológica vem sendo induzida
pelo Ministério da Saúde (MS), com o intuito de aperfeiçoar e de organizar a relação entre a
oferta e a demanda, tendo em vista a qualificação do acesso pela população aos serviços do
SUS.
A implantação da CERAJE constitui um marco importante na racionalização do fluxo
de pacientes para a atenção especializada, na medida em que os usuários do SUS que entram
pela “porta de entrada” do sistema Posto de Saúde, Centro de Saúde, PSF e PACS e
demandam serviços de maior densidade tecnológica, são encaminhados para a CERAJE, que
obedece aos princípios e diretrizes que buscam promover a eqüidade no acesso, através da
adequação da oferta assistencial às necessidades imediatas da população.
Convém ressaltar que a implantação do CERAJE não constitui necessariamente uma
solução para os problemas existentes no acesso aos diferentes serviços da rede de atenção à
saúde de Jequié-BA. De fato, os desafios que são colocados pela regulação da oferta de
serviços, conforme salienta Campos (2003), incluem a elucidação dos gargalos que impedem
a garantia do acesso dos usuários aos hospitais e centros especializados incorporando a
integralidade da atenção, como princípio básico.
O Doc. 4 constata a implantação da referência em pré-natal de alto risco, o exame de
mastologia no Centro de Saúde Almerinda Lomanto, o Programa de Tratamento Fora do
Domicílio e a Unidade de Referência em Especialidades no Centro de Saúde de Jequié, com a
implantação do serviço de oftalmologia (JEQUIÉ, 2002b).
A implantação do serviço de referência em pré-natal de alto risco constitui a primeira
iniciativa da gestão local em possibilitar a implantação de um sistema de atenção em média
complexidade ambulatorial, a partir da disponibilidade de um conjunto de Recursos Humanos
especializados e de recursos tecnológicos para o apoio diagnóstico e tratamento, com o
enfoque para o atendimento de usuárias que possuem risco no período gestacional.
O Tratamento Fora do Domicílio (TFD) foi instituído no Brasil através da Portaria da
Secretaria de Atenção à Saúde, 055 de 24/02/99 e implantado em Jequié (BA) através da
Lei municipal n° 1.540/01, consistindo na garantia de recursos e apoio financeiro aos usuários
que procuram acesso aos serviços de saúde de outros municípios, na medida em que o
município de origem não disponha de tais serviços. (JEQUIÉ, 2003, Doc. 5).
Assim, conforme consta no Doc. 5, a SMS de Jequié (BA) possui a responsabilidade
de conceder aos usuários do SUS a ajuda de custo para alimentação, transporte (terrestre e
aéreo) e hospedagem para acompanhantes e pacientes que possuem condições e agravos
97
prioritários, tais como doença renal grave, neoplasias malignas, cardiopatias graves, traumas
de acidentes e doenças ocupacionais (JEQUIÉ, 2003, Doc.5).
Figura 3: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano 2001.
Fonte: MENEZES, Marcus Vinicius Silva. Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié
no ano 2001, conforme Jequié (2000).
Dessa forma, o sistema municipal de saúde de Jequié, a partir de 2001, adquire uma
lógica de organização de serviços hierarquizada, dando início a uma rede de referência de
atenção à saúde de complexidade crescente. Contudo, essa dinâmica não estabelece, em
sentido contrário, um sistema de contra-referência como garantia da integralidade em saúde.
O segundo momento que ilustra a composição do fluxo de atendimento da rede de
serviços de saúde de Jequié é representado pelo recorte temporal de 2002-2005, que
corresponde à vigência do Plano Municipal de Saúde que teve início em 2002 e o rmino
programado para 2005.
Esse período é marcado pela implantação de uma extensa rede de serviços de média
complexidade e pela ampliação do PSF, representando esforços de implementação da NOAS
Postos de
Saúde
PSF
Centros de
Saúde
PACS
CERAJE - Central de
Regulação de Jequié
Unidade de Referência
em Especialidades –
Centro de Saúde de
Jequié (CSJ)
TFD -
Tratamento Fora
do Domicílio
Rede particular
conveniada
Hospital
Prado
Valadares
DEMANDA ESPONTÂNEA/OFERTA ORGANIZADA
Referência em pré-
natal de alto risco e
mastologia
98
01/02, que havia sido instituída no ano anterior, mas que sofreu alterações, sendo revisada e
editada em uma nova versão no ano seguinte.
O Doc. 5 destaca a opção da SMS de Jequié em estabelecer uma política de ampliação
do elenco de serviços de média complexidade, visando a composição de uma rede
hierarquizada de atenção à saúde da população com a priorização da garantia do acesso.
(JEQUIÉ, 2003).
Neste contexto, foram implantados: o Núcleo de Saúde do Trabalhador, o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) e o Núcleo de Prevenção e Reabilitação Física de Jequié-BA,
além da tentativa de implantação dos serviços de ultra-sonografia, endoscopia,
eletroencefalograma, eletrocardiografia, raio x, patologia clínica e consultas médicas
especializadas (cardiologia, ortopedia e urologia), na rede pública municipal.
O conteúdo expresso no Doc.5 aponta para um incremento de ações de saúde em
direção à ampliação da capacidade instalada da rede de serviços de média complexidade como
referência para a rede de atenção básica de Jequié-BA.
Entretanto, ainda que seja destacado o papel da rede estadual, através do Hospital
Prado Valadares e do Centro de Referência para Doenças Endêmicas Pirajá da Silva, como
espaços de convergência das ações de saúde desenvolvidos pelo município, o documento
alerta para a insuficiência da capacidade da rede pública em atender a população, o que
implica na necessidade de complementar as ações através da rede privada.
(....) mesmo assim, com a implantação dos serviços e ações citadas acima a rede
municipal própria demonstrou ter capacidade instalada insuficiente para atender a
demanda, tornando necessário portanto a participação da rede privada própria de
forma complementar ao sistema único de saúde, conforme previsto na lei orgânica
da saúde (....) (JEQUIÉ, 2003).
A Figura 4 demonstra a organização do fluxo de atendimento da rede de atenção à
saúde de Jequié-BA, a partir da implantação de ações de média complexidade que
possibilitaram uma ampliação do elenco desses procedimentos para o conjunto da população.
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) foi criado para prestar assistência às
pessoas portadoras de transtornos mentais, através de uma equipe multiprofissional, composta
por pessoal de psiquiatria, enfermagem, psicologia, terapia ocupacional, assistente social,
nutricionista e clínica médica.
99
Figura 4: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano 2002.
Fonte: MENEZES, Marcus Vinicius Silva. Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié
no ano 2002, conforme Jequié (2001).
O CAPS foi implantado em Jequié em 2002, obedecendo às portarias do Ministério da
Saúde 336/02 e da Secretaria de Atenção à Saúde 189/02, na condição de CAPS tipo II,
oferecendo atendimento médico, de enfermagem, de psicologia, de terapia ocupacional,
visitas domiciliares, oficinas terapêuticas individuais ou em grupo, além da dispensação de
medicamentos, entre outros.
O Núcleo de Prevenção e Reabilitação Física de Jequié-BA foi implantado em 2002
com o objetivo de prestar assistência médica especializada, atendimento de enfermagem,
assistência social, acompanhamento psicológico, terapia ocupacional, fisioterapia e visitas
domiciliares aos portadores de deficiência física de Jequié (BA).
O Doc. 6 descreve a integração do PSF com o Núcleo de Prevenção e Reabilitação
Física de Jequié, o que ocorre através da identificação dos portadores de deficiência física
pela equipe de saúde da família, que encaminha esses pacientes para serem acompanhados
através do Núcleo de Prevenção e Reabilitação Física, o qual comporta uma equipe de um
médico ortopedista, um enfermeiro, uma assistente social, 02 fisioterapeutas e um terapeuta
ocupacional (JEQUIÉ, 2005).
DEMANDA ESPONTÂNEA/OFERTA ORGANIZADA
Postos de
Saúde
PSF
Centros de
Saúde
PACS CAPS
Unidade de Referência em
Especialidades - CSJ
Rede particular conveniada
TDF - Tratamento Fora do
Domicílio
Referência em pré-natal e
mastologia
Núcleo de Prevenção e
Reabilitação de Física de
Jequié
Centro de Referência para
doenças endêmicas Pirajá da
Silva – PIEJ
CERAJE - Central de
Regulação de Jequié
Hospital Prado
Valadares
100
Essa dinâmica de referência, através do encaminhamento dos usuários para o núcleo
de reabilitação, produz um refluxo desses usuários para as USF, caracterizando assim a
contra-referência.
No que se refere ao funcionamento do NUPRFJ, o Doc. 6 foi o primeiro relatório de
gestão a abordar o sistema de referência e contra-referência como instrumento de organização
do fluxo de atendimento, pois era comum no sistema local de atenção à saúde um movimento
de referência dos serviços básicos em direção aos serviços de apoio diagnóstico e consultas
especializadas, numa dinâmica de “mão única”, sem um movimento em sentido contrário.
A Figura 5 representa a organização do fluxo de atendimento da demanda dos
pacientes para o atendimento especializado na rede de atenção à saúde de Jequié(BA).
Figura 5: Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié no ano 2005.
Fonte: MENEZES, Marcus Vinicius Silva. Fluxograma de referência para atendimento especializado em Jequié
no ano 2002, conforme Jequié (2001).
Centro de Atenção
especializada - CAE
Centro de Saúde
Almerinda Lomanto
Rede particular
conveniada
TDF - Tratamento Fora do
Domicílio
Referência em pré-natal e
mastologia
Núcleo de Prevenção e
Reabilitação Física de
Jequié
Centro de Referência para
doenças endêmicas Pirajá
da Silva – PIEJE
CEREST - Centro de
Referência Regional de
Saúde do Trabalhador
CTA/SAE - Centro de
Testagem e Aconselha-
mento
CERAJE – Central de
Regulação de Jequié
DEMANDA ESPONTÂNEA / OFERTA ORGANIZADA
Centros de
Saúde
PSF
Postos de
Saúde
PACS
CAPS I
CAPS - AD
Hospital Prado
Valadares
101
Esse fluxograma revela que a rede de serviços de média complexidade teve um
incremento na oferta dessas ações, através da implantação do Centro de Referência Regional
em Saúde do Trabalhador CEREST–; criação do Centro de Testagem e Aconselhamento
(CTA), e pela implantação do Centro de Atenção Especializada (CAE).
O CEREST foi implantado em Jequié-BA como parte da estratégia de Vigilância em
Saúde do Trabalhador, visando à promoção de atividades que produzissem impacto nas
situações de morbi-mortalidade ocupacional, através de ações de assistência especializada aos
usuários portadores de doença ocupacional, prevenção de doenças ocupacionais, vigilância
dos casos suspeitos através da notificação das doenças e acidentes de trabalho; controle social,
através do acompanhamento das ações pelo conselho gestor e capacitação dos trabalhadores
de saúde, visando a qualificar o quadro de pessoal (a equipe do CEREST é multiprofissional,
composta por um enfermeiro, um assistente social, um médico do trabalho e um
fisioterapeuta) (JEQUIÉ, 2005, Doc.7).
Atualmente, conforme consta no Doc. 7, o Centro de Atenção Especializada CAE
reúne procedimentos de atenção secundária da rede pública municipal, ofertando ações e
procedimentos nas áreas de cardiologia, urologia, ortopedia, endoscopia digestiva,
oftalmologia, ultra-sonografia, eletroencefalografia, eletrocardiografia, radiologia e cirurgias
ambulatoriais.
A gestão da SMS refere os limites na capacidade física das instalações da CAE,
salientando a necessidade de implantação da Central de Imagem e Apoio Diagnóstico, com
propósito de reunir todos os serviços de média complexidade de Jequié-BA, a qual se
encontra em fase de construção, viabilizada através de recursos do Ministério da Saúde
(JEQUIÉ, 2005).
A participação dos serviços conveniados do Estado foi referida pela identificação do
Hospital Regional Prado Valadares como uma unidade de referência da rede de serviços da
SMS, a qual estabelece, através da CERAJE, as cotas de vagas para serem agendadas pelas
USF, conforme demanda apresentada pelos usuários.
O Hospital Prado Valadares possui um quadro de pessoal especializado, ofertando
serviços ambulatoriais de psiquiatria, oncologia, ortopedia e urologia, além de garantir um
pronto atendimento de urgência e emergência como porta de acesso para serviços de
internamento, cirurgia e atenção ao parto. Esse acesso facilitado pressupõe a conformação
desse espaço como mais uma “porta de entrada” da rede local, dissociando o modelo de
hierarquização do atendimento.
102
O Doc. 7 aponta, ainda, que a regulação do fluxo de oferta de serviços estava sendo
exercida pelo CERAJE, mas o agendamento das consultas e procedimentos de média
complexidade teria sido descentralizado para as equipes de saúde da família que dispunham
de cotas de serviços de atenção secundária para serem utilizadas de forma racional, conforme
agendamento na própria unidade.
Essa estratégia de descentralização das ações secundárias era concebida como uma
ferramenta de integração das equipes de saúde da família pela central de regulação de Jequié-
BA, à medida que possibilitava o uso racional dos recursos disponíveis e garantia a eqüidade
no acesso aos serviços, determinando uma lógica hierárquica na organização do fluxo dos
usuários no sistema de serviços de saúde (JEQUIÉ, 2005).
Assim, o cenário descrito na figura 3 aponta para a configuração de uma rede
assistencial que não se organiza sob a forma de pirâmide, mas se aproxima daquilo que foi
denominado por Santos (2006) como complexo regulatório, ou seja, as unidades da rede
assistencial constituem um conjunto de estabelecimentos de saúde que possuem um papel
bem definido e complementar, cujas ações transitam nesses espaços a partir das demandas
terapêuticas de cada usuário.
Esse complexo regulatório seria gerido pela CERAJE, que funcionaria como
ferramenta de articulação e integração dos serviços de saúde, visando a garantir a eqüidade no
acesso e a integralidade da atenção.
Entretanto, a partir das informações disponibilizadas nos documentos, não é possível
concluir que a conformação da CERAJE como ferramenta de gestão dos espaços de produção
de saúde de Jequié-BA, ainda que obedeça a uma lógica de organização do acesso aos
serviços da rede, se apresente com a capacidade operativa de garantir a integralidade da
atenção, à medida que a regulação realizada por esta central tem sido reduzida pela adequação
da demanda à oferta dos serviços disponíveis.
Assim, vão se acumulando desafios que persistem na constituição da rede de atenção
da SMS de Jequié-BA, os quais se apresentam na constituição de dois modelos de
organização do fluxo de atendimento que foram forjados ao longo dos anos do recorte do
estudo.
O primeiro modelo de organização do fluxo de atendimento da SMS de Jequié pode
ser definido como rede fragmentada, caracterizada como um conjunto de unidades de saúde,
que se justapõem e não se comunicam entre si, mas que se interagem pela mediação da gestão
central, admitindo um sistema de referência de usuários aos serviços especializados, porém,
sem garantir o movimento contrário e a continuidade da atenção através da contra-referência.
103
O segundo modelo de organização do fluxo de atendimento é denominado de rede
integrada, o que pressupõe que a organização da oferta de serviços dessa rede se articula aos
sistemas integrados de saúde, os quais possibilitam uma intercomunicação entre os
estabelecimentos e admitem a existência de um movimento de referência e contra-referência
no processo de encaminhamento das demandas no interior dos espaços de produção de saúde.
É possível constatar que a SMS de Jequié-BA oscilou entre esses dois modelos de
organização do fluxo de atendimento, tendo variado de uma rede fragmentada nos primeiros
anos de implementação do SUS, representado pelo recorte temporal de 1998-2002, até se
aproximar de uma rede integrada com aprofundamento das ações em 2005.
104
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os desafios que motivaram a construção deste trabalho ainda persistem no imaginário
individual do pesquisador e no ideário coletivo dos atores que contribuíram direta ou
indiretamente com a investigação, manifestando suas crenças no processo de mudanças que
vem ocorrendo no âmbito das políticas de saúde desenhadas pelo SUS e na conformação de
novas práticas assistenciais que fazem parte da agenda daqueles que defendem um novo
modelo de atenção para o sistema de saúde brasileiro.
Nesse contexto, os desafios traduzem os obstáculos que precisam ser superados para
consolidar os avanços necessários ao processo de implementação do SUS, a partir de seus
princípios e diretrizes proeminentes (universalidade, integralidade, eqüidade, descentralização
e participação social), cujos arranjos dão o contorno de uma política de saúde justa e solidária,
à medida que estabelecem elementos estratégicos para a concretização do direito à saúde.
O primeiro obstáculo que ameaça a concretização do SUS está ancorado na
persistência do modelo médico hegemônico como modo de produzir serviços de saúde, o qual
se articula através do hospital como principal forma de acesso às demandas e necessidades da
população.
Esse cenário pode ser evidenciado a partir da constatação, na presente investigação, de
que a rede básica de saúde de Jequié-BA, embora tivesse uma expansão considerável com a
ampliação de estabelecimentos de saúde no período recortado entre 1998 e 2005, ainda não se
constituiu como “porta de entrada” ao sistema de saúde, o que seria viabilizado pela política
de implementação do PSF como estratégia principal de transformação do modelo de atenção,
conforme enfatiza o Doc. 1 (JEQUIÉ, 1997).
Ao alcançar o momento de transição intermediária no processo de implantação do
PSF, conforme modelo explicativo proposto por Mendes (2002), a rede básica de Jequié-BA
se apresenta muito distante de estabelecer essa política como principal estratégia de
concretização do acesso ao sistema público de saúde, ainda que essa temática tivesse sido
incorporada pelo discurso dos gestores e nas arenas decisórias (conselhos e conferências de
saúde) em âmbito municipal.
Dessa forma, com a cobertura municipal do PSF em 42%, a porta de entrada no
sistema de saúde de Jequié-BA também vai sendo ocupada pelo hospital público, o qual
adquire centralidade, à medida que garante o pronto atendimento às demandas que não são
acolhidas na rede básica.
105
Além disso, o espaço ocupado pela rede básica de saúde de Jequié-BA precisa ser
revisado, pois o conjunto de estabelecimentos que compõem o sistema público local ainda
incorpora uma parcela significativa de Postos de Saúde 48,9 % das unidades existentes em
2005 eram representadas por este tipo de unidade –, os quais confluem para uma “atenção
primária seletiva” que não é capaz de responder às necessidades de saúde da população.
Entretanto, ao identificar a baixa cobertura do PSF e o elevado número de unidades
que representam atenção simplificada no sistema público de saúde de Jequié-BA, não se
deseja apostar, conforme salienta Paim (2006), que o fortalecimento da estratégia do PSF
constitua em única e necessária medida de superação da segmentação do sistema público de
saúde, a qual, de acordo com autor, reproduz as desigualdades no acesso e na qualidade da
atenção à saúde.
Esses dados apenas permitem reafirmar as considerações de Elias (1999) quando
discute o desenho organizacional do sistema de saúde brasileiro, apresentando a tendência de
conformação da distribuição desses serviços como iníqua e excludente, caracterizada pela
desresponsabilização do Estado com ações que requerem incremento tecnológico.
No município de Jequié-BA, a predominância dos Postos de Saúde sobre o total de
unidades de saúde da rede básica revela que uma tendência de persistência do quadro
apresentado por Elias (1999), à medida que a gestão municipal ocupa muitos espaços de
produção de serviços com estabelecimentos que ofertam atenção primária seletiva.
Além dessas considerações, a identificação da produção de serviços de saúde da rede
básica de saúde permitiu a visualização do perfil de oferta desses serviços, cuja insuficiência
constitui o segundo obstáculo apontado nesta investigação.
Nesse sentido, o acesso aos serviços de saúde de Jequié-BA encontra as barreiras
descritas por Giovanella e Fleury (1995), ao traduzir a restrita produção dos serviços de
atenção básica diante das crescentes demandas da população.
Esse quadro é mais grave para as consultas médicas, cuja evolução da oferta ao longo
do processo de descentralização da saúde, desenhado no recorte do estudo, foi pouco
expressiva no período, oscilando para mais ou para menos, porém, consolidando um saldo
negativo no final de 2005 (JEQUIÉ, 2006).
Em contrapartida a esse cenário estabelecido para as consultas médicas, verifica-se
que a produção de consultas de enfermagem, no período citado anteriormente, teve um
aumento significativo no decorrer do processo de descentralização dos serviços de saúde de
Jequié-BA, com um incremento que traduz o papel da implantação do PSF na ampliação da
oferta de ações de enfermagem para a população local.
106
No que tange às ações desempenhadas pelos profissionais de nível médio, verifica-se
que as atividades preventivas, representadas pela educação em saúde nos estabelecimentos da
rede pública e na comunidade, tiveram um aumento significativo no período, porém ainda
apresentam uma participação pouco expressiva no quadro geral da oferta de serviços
executados por esses trabalhadores.
Ao definir grupos prioritários (criança, idoso e mulher) para organizar a oferta de
consultas médicas da rede básica de saúde Jequié-BA, a gestão local reproduz os programas
verticais de saúde pública que foram incorporados ao sistema municipal de saúde antes
mesmo da implantação do PSF, porém que ainda persistem até mesmo no interior desses
espaços.
As considerações de Teixeira (2003) sobre os programas verticais de saúde pública,
propondo a superação desse modelo pela programação das ações de saúde, através da
incorporação do enfoque crítico da epidemiologia, constituem importante referencial para a
reorganização da atenção básica à saúde de Jequié-BA, ainda que se admita que essas ações
não esgotam o debate sobre os limites que persistem na conformação desse espaço no referido
município.
É necessário enfatizar que o sistema municipal de saúde de Jequié ainda convive com
limitações pontuais manifestadas pela insuficiência da oferta de serviços, diante de um
conjunto de necessidades de saúde acumuladas ao longo do tempo, cujas demandas não foram
atendidas, conforme expressa o Doc. 5 (JEQUIÉ, 2003).
Ainda que a ampliação da oferta de serviços tenha sido viabilizada nos últimos anos
pela implantação e implementação de novas ESF, o que se manifesta nesse cenário é o
predomínio de uma demanda reprimida para as ações básicas de saúde, considerado-se como
relevantes na análise em questão, as ações programadas pelo nível central, através do pacto da
atenção básica estabelecido anualmente entre os gestores do SUS, que não foram cumpridas
pelo nível local.
Assim, as considerações de Santos (2006) merecem destaque, pois partem de uma
análise da gestão da atenção básica em um município de grande porte, onde se identifica uma
relação indissociável entre capacidade instalada e oferta de serviços de saúde destinadas à
população.
É a partir dessa relação que é possível estabelecer nesse estudo a constatação de uma
associação entre capacidade instalada insuficiente e baixa oferta de serviços da rede
assistencial, ressaltando-se que a principal estratégia de organização da atenção básica de
107
Jequié-BA o PSF encontra-se com uma baixa cobertura assistencial, tornando-se incapaz
de se consolidar como estratégia principal de implementação do SUS.
Uma terceiro obstáculo identificado neste estudo diz respeito a inadequação da
Política de Recursos Humanos em Saúde da rede assistencial do município de Jequié-BA
diante do processo de mudanças desencadeado pela implementação da Atenção Básica à
Saúde no referido município,frente a consolidação do SUS na esfera municipal.
O sistema municipal de saúde de Jequié-BA tem apresentado avanços consideráveis
no que diz respeito à situação de vínculo trabalhista dos profissionais da rede pública local.
Essa afirmação deriva da constatação, através dos Doc. 3 (JEQUIÉ, 2001) e Doc. 8 (JEQUIÉ,
2005), que entre os anos 2000 e 2005 houve uma mudança significativa no perfil de vínculo
dos trabalhadores da SMS, com uma redução de trabalhadores contratados e cedidos e em
contrapartida a ampliação do número de trabalhadores efetivos.
Entretanto, essa situação referida nos documentos não é suficiente para atestar a
melhoria das condições de trabalho para os profissionais de saúde da rede municipal, pois o
reajuste da remuneração e a progressão na carreira ainda se constituem como principais
desafios a serem superados pela gestão local, cujos interesses confluem na implantação do
Plano de Cargos e Carreira e Salários – PCCS – proposta que ainda não foi incorporada como
compromisso da gestão municipal.
A distribuição dos trabalhadores de saúde pela SMS de Jequié - BA também suscita
algumas indagações, pois evidencia que entre 2000 e 2005 houve uma redução significativa
do número de médicos que atuavam no sistema de atenção à saúde da rede de serviços,
enquanto que outros trabalhadores de nível superior tiveram um incremento considerável no
mesmo período, a exemplo de psicólogos, enfermeiros e fisioterapeutas.
Esse quadro pode potencializar a insuficiência da oferta de serviços de saúde, em
descompasso com as necessidades da população e sugerir existência de uma demanda
reprimida para consultas médicas que se acumula no interior dos estabelecimentos de saúde
da rede pública municipal, cujas determinações precisam ser elucidadas.
A política de formação e qualificação dos trabalhadores de saúde da SMS de Jequié-
BA é revelada pelos documentos como prioridade da gestão local a ser fortalecida e
implementada ao longo da vigência do Plano Municipal de Saúde, referente ao interstício
2002-2006.
Entretanto, o maior volume das atividades de formação e qualificação desses
trabalhadores ocorreu entre os anos 2000 e 2002, como resultado de uma estratégia de
operacionalização dos arranjos institucionais que foram sendo incorporados pela gestão local
108
da saúde, e que se conformaram na implementação da gestão plena da atenção básica e na
gestão plena do sistema municipal, através da NOB 01/96 e NOAS 01/01 e 01/02.
É necessário salientar que a diminuição das atividades de formação e qualificação dos
trabalhadores de saúde a partir de 2002, no contexto evidenciado pela dinamização
permanente das estratégias de implementação de serviços de saúde no âmbito do SUS, revela
um refluxo na apreensão do papel privilegiado que os trabalhadores de saúde exercem no
cotidiano dos serviços, em direção a concretização do SUS.
Nesse sentido, a proposta de implantação de um Núcleo Permanente de Educação /
Pesquisa e Estudos em Saúde, estabelecido no Doc. 2 (JEQUIÉ, 2002), foi um dos objetivos
mais abrangentes de fortalecimento da política de educação permanente para os Recursos
Humanos da SMS de Jequié-BA, embora não foi efetivado no referido período.
O quarto obstáculo problematizado pelo estudo está relacionado à necessidade de
reorganização das práticas de saúde, adotando-se nesse processo de constituição a estratégia
de implantação/implementação de redes integradas de saúde, em substituição às redes
fragmentadas de saúde.
Na presente investigação, o período recortado para a análise evidenciou a
predominância de uma rede fragmentada de atenção à saúde, com a disposição de um fluxo de
atendimento em nível básico, médio e alto, produzindo uma hierarquização da atenção à saúde
que se moldou enquanto justaposição de serviços desarticulados entre si, sem garantir o
movimento de referência e contra-referência.
Entretanto, é possível visualizar uma nova configuração da organização dos serviços
de saúde, em que o fluxo de atendimento estabelece ainda de maneira incipiente um
movimento de referência e contra-referência, constituindo uma rede integrada de atenção à
saúde.
Essa configuração vem sendo possibilitada pela implementação da regulação da oferta
de serviços possibilitada pela implantação da Central de Regulação de Jequié e pela
ampliação da rede de atenção à média complexidade, através da oferta de um elenco de ações
e serviços distribuídos na rede própria existente, na rede conveniada privada e na constituição
de novos espaços para compor a rede de atenção à saúde. Ainda nesse cenário, é possível
identificar uma aproximação dessa rede de atenção com um modelo definido por Santos
(2006) como “complexo regulatório”, o qual consiste na articulação de um conjunto de
estabelecimentos de saúde que atuam de forma complementar na oferta de atenção ao projeto
terapêutico dos usuários.
109
Os fluxogramas que representaram a conformação do atendimento em dois momentos
distintos de implementação das políticas e estratégias oriundas do processo de
descentralização da saúde revelam um movimento positivo de organização da rede de
serviços, com uma expansão progressiva das ões de média complexidade. Esse cenário
pode significar esforços da gestão local em constituir uma rede de serviços capaz de garantir o
acesso dos usuários em todos os níveis de atenção. Porém, tais esforços não traduzem,
necessariamente, a conformação dessa rede como um espaço de consolidação da integralidade
à saúde e da organização da atenção básica.
Essa afirmação é pertinente, à medida que, concordando com as indagações de Paim
(2006), talvez não seja possível “(...) fortalecer os processos de organização da atenção
básica, mantendo o padrão de desigualdades e a segmentação do sistema de saúde por tempo
indeterminado”. Ou seja, mantendo o padrão de exclusão de segmentos populacionais pobres
do acesso a todas as suas necessidades de saúde não será possível concluir o processo de
implementação de um sistema de saúde integral, justo e solidário, que vem sendo desenhado
por milhares de atores sociais ao longo de mais de um século de história das políticas de
saúde pública no Brasil.
110
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