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próprias da realidade dos Estados Unidos, incutindo costumes e comportamentos nocivos,
podendo levar à degradação moral da juventude. Essas críticas não surtiram maiores efeitos já
que, durante a ditadura do Estado Novo, não houve nenhuma mobilização do governo contra
os quadrinhos, os quais chegaram a ter a confiança de Getúlio Vargas. Os quadrinhos
chegaram a ser defendidos pelo DIP, vide a seguinte transmissão radiofônica divulgada pelo
programa A Voz do Brasil:
Os homens que dirigem os destinos dos povos, nesta confusão crescente, leram, com
certeza, Júlio Verne, na idade em que as realidades ainda não aprisionam o espírito e
as fugas pelas páginas de um livro são possíveis. Os editores do grande mercado de
idéias sabem que a criança que leu as façanhas da fada Morgana será, na
adolescência, a leitora de milhares de livros de aventuras. Depois virá a idade da arte
e da sabedoria, e os bons livros contarão com a sua preferência, porque a leitura é
um hábito. O que os editores não compreenderiam é a publicação de O príncipe, de
Maquiavel, no Suplemento Juvenil, e As aventuras do Pequeno Polegar numa
revista literária para adultos. Não nos alarmemos com a quantidade extraordinária de
livros de aventura que a nossa juventude devora. Ela está lendo as histórias de sua
idade e adquirindo o louvável vício da letra de fôrma. Amanhã, esses milhares de
leitores inveterados farão a glória póstuma de alguns de nossos mestres, provocando
a reedição de obras que os contemporâneos condenaram a tiragens dolorosamente
limitadas. (GONÇALO JUNIOR, 2004, p. 80-81)
O mercado das revistas em quadrinhos entrava em expansão: em 1939, Aizen lançou o
primeiro comic book nacional: Mirim. Logo Assis Chateubriand, dono da rede de jornais
Diários Associados, percebeu a potencialidade desse segmento e, em 1940, lançou O Guri.
Posteriormente, a editora Abril, de propriedade de Vitor Civita, publicaria Pato Donald e
outros personagens da Disney no Brasil nos anos 50. Em São Paulo, a editora La Selva se
especializaria na publicação de histórias de crime, mistério e terror. Ampliava-se assim, da
mesma forma como estava ocorrendo nos Estados Unidos, toda uma cultura ligada ao
consumo de revistas em quadrinhos.
Tanto quanto os filmes de aventura e os seriados semanais, as revistinhas ilustradas
de heróis e mocinhos se integravam em definitivo no imaginário infanto-juvenil
brasileiro. As publicações de Adolfo Aizen, Roberto Marinho e, agora, Assis
Chateaubriand difundiam entre seus leitores uma mania que seria o grande barato
das duas décadas seguintes: o saboroso hábito de colecionar revistas, prazer
comparável apenas ao de completar álbuns de figurinhas, que fazia estrago no bolso
da meninada brasileira desde o século anterior. O ritual de juntar gibis envolvia
troca, compra e venda de exemplares nas tardes dos fins de semana, nas portas dos
cinemas, antes das disputadas matinês dos seriados de aventura que passavam