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ALESSANDRA NAVARRO FERNANDES
O TEMA DA MORTE NA POESIA ROMÂNTICA
BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Letras, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Alamir Aquino
Corrêa
Londrina
2005
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, por todo o conhecimento partilhado, pelo meu crescimento
pessoal nestes dois anos, pelo seu incentivo e crença na realização deste trabalho;
À minha mãe, a razão dos meus dias;
À minha irmã, alma gêmea, e ao meu irmão, herói, incansáveis no auxílio e
compreensão;
Ao CNPq;
À professora Adelaide César Caramuru, por todo seu ensinamento e incentivo;
Aos meus bons amigos da universidade.
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“A morte é o revelador metafórico do mal de viver”.
Michel Vovelle
4
Fernandes, Alessandra Navarro. O tema da morte na poesia romântica
brasileira. Londrina, 2005. Dissertação (Mestrado em Letras – área de
concentração em Estudos Literários) – Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo verificar o tema da morte na poesia
romântica brasileira visando conhecer, através das mentalidades literárias,
algumas práticas sociais oitocentistas e suas razões. A tradição historiográfica da
literatura brasileira relaciona o tema à biografia dos poetas e ao ambiente
romântico carregado de melancolia. Mas, partindo da idéia da literatura como uma
possibilidade de registro do pensamento social de uma época, buscou-se uma
outra forma de compreensão daquele motivo literário. Neste sentido, contribuíram
leituras interdisciplinares como os estudos de Philippe Ariès, Edgar Morin e
Mário Praz, que elucidam o panorama da morte na sociedade do século XIX,
inclusive no que se refere à presença de uma estética peculiar ao tema. A beleza, o
amor e o erotismo passam a ser associados à morte devido a mudanças na
sensibilidade romântica. Estas transformações no domínio sensível, assim como
as práticas sociais, provêm de longas e lentas descobertas e revisões morais do
homem. Através da análise da morte no romantismo europeu, pôde-se constatar
algumas daquelas mentalidades presentes no romantismo brasileiro, que sofreu
suas influências culturais. O objeto deste trabalho compõe um corpus de setenta e
dois poemas de oito poetas, elencados na obra Grandes Poetas Românticos do
Brasil, de Frederico da Silva Ramos. Os poemas foram organizados segundo a
tipologia de vozes do eu poético sobre a morte, os significados expressos pelas
várias representações da morte e as categorias estéticas da morte de acordo com a
proposição de Michel Guiomar na obra Príncipes D’Une Esthétique de la Mort.
Os significados encontrados relacionam-se intimamente às vozes sobre a morte,
uma vez que cada voz representada possui uma atitude ou consciência específica
perante ela. Durante a classificação, observaram-se determinados veis de
comprometimento do eu poético com a morte que variavam entre a aceitação e a
recusa da idéia. A percepção destes estágios auxiliou no levantamento das atitudes
diante da morte, reveladoras das principais preocupações do romântico em morrer
bem.
Palavras-chave: poesia brasileira, morte, romantismo.
5
Fernandes, Alessandra Navarro. The subject of death in romantic Brazilian
poetry. Londrina, 2005. Dissertação (Mestrado em Letras área de
concentração em Estudos Literários) – Universidade Estadual de Londrina.
ABSTRACT
The goal of the essay here presented is to discuss the subject of death in
romantic Brazilian poetry, aiming to know, through literary mentalities, some of
the social practices in the XVII century and their reasons. The historiographic
tradition of Brazilian literature relates this theme to the biography of poets and to
the romantic environment, full of melancholy. However, starting from the concept
of literature as a possible record of the social thinking of a given period, another
form of comprehension of that literary motive was brought up. In this sense, there
were strong contributions from interdisciplinary readings, as from Philippe Ariès,
Edgar Morin and Mário Praz, elucidating the panorama of death in the XIX
century, regarding as well the presence of a peculiar aesthetics related to this
theme. Beauty, love, and erotism start being associated to death due to changes in
the romantic sensibility. These were transformations in the sensitivity domain and
in the social practices which came from long ending and slow human moral
discoveries and reviews. Through the analysis of death in the European
romanticism, some of those mentalities could be also found in the Brazilian
romanticism, due to cultural influences. The subject of this essay composes a
corpus of seventy two poems from eight poets, selected from the title Grandes
Poetas Românticos do Brasil, written by Frederico José da Silva Ramos. The
poems were organized following the typology of voices from the poetic-self about
death, their meanings expressed by the various death representations and the
aesthetic death categories, according to Michel Guiomar in Príncipes D’Une
Esthétique de la Mort. The meanings found in this research relate intimately to the
voices about death, once each represented voice has an specific attitude or
consciousness before it. In the course of the classification, there were observed
specific levels of commitment from the poetical-self to the death, ranging from its
acceptance to its rejection. The perception about these levels guided the research
about the attitudes before death, revealing the main concerns of the romantic
about dying well.
Keywords: Brazilian poetry, death, romanticism.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................1
CAPÍTULO I
A literatura como registro da história de mentalidades
1.1 As atitudes diante da morte registradas pela literatura.................................6
1.2 Visões da morte no romantismo...................................................................8
1.2.1 Sobre as atitudes diante da morte........................................................9
1.2.2 Sobre a estética da morte...................................................................24
1.2.3 Sobre a melancolia romântica...........................................................31
CAPÍTULO II
Morte nas histórias da literatura romântica brasileira
2.1 Introdução dos Gêneros..............................................................................35
2.1.1 Drama................................................................................................37
2.1.2 Romance............................................................................................40
2.1.3 Poesia................................................................................................43
2.2 Temas românticos associados à morte......................................................59
2.3 Uma revisão dos poetas não reconhecidos na temática da morte..............62
CAPÍTULO III
Análise de corpus
3.1 Tipologia de vozes e significados..............................................................68
3.2 A “morte do eu”.........................................................................................72
3.2.1 A recusa da morte.............................................................................74
3.2.2 A melancolia diante da morte...........................................................75
3.2.3 A ânsia de eternidade........................................................................76
3.2.4 Figurações do “eu” expressando ânsia de eternidade.......................78
3.2.5 A fuga da vida...................................................................................83
3.2.6 A resignação à morte.........................................................................84
7
3.2.7 A redenção da morte.........................................................................86
3.2.8 Figurações do “eu” representando o desejo de redenção..................90
3.2.9 A revolta diante da idéia da morte....................................................91
3.3 A “morte do meu”......................................................................................93
3.3.1 A melancolia diante da “morte do meu”...........................................94
3.3.2 A purgação da morte.........................................................................98
3.3.3 As figurações do “eu” lutuoso.........................................................101
3.3.4 A heroicização da morte..................................................................106
3.3.5 Figurações dos mortos heroicizados...............................................109
3.3.6 A “morte do meu” percebida com resignação.................................110
3.3.7 A revolta diante da “morte do meu”...............................................113
3.4 A morte reificada.....................................................................................114
3.5 A voz da Morte.........................................................................................118
3.6 A morte do índio......................................................................................122
3.7 A morte do escravo..................................................................................124
3.8 Categorias estéticas da morte...................................................................127
3.8.1 A impressão crepuscular.................................................................129
3.8.2 A impressão lúgubre.......................................................................131
3.8.3 A impressão insólita........................................................................132
3.8.4 As impressões fantásticas................................................................134
3.8.5 As impressões metafísicas...............................................................136
CONCLUSÃO.....................................................................................................138
OBRAS CITADAS..............................................................................................145
ÍNDICE DE POEMAS CITADOS......................................................................150
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho debruça-se sobre o tema da morte na poesia romântica
brasileira, visando conhecer, por meio do registro literário, algumas das práticas
sociais sobre o assunto. A literatura é um dos registros das formas de pensar de
uma sociedade; pode-se, através dela, inferir algumas das mentalidades
concernentes à morte no período oitocentista. Trata-se de historiar a literatura pelo
reconhecimento de motivos e, por extensão, saber as origens destes e as razões
pelas quais um determinado tema se repete. A morte no século XIX, por exemplo,
era um tema literário recorrente representado por uma estética própria. Destarte, já
se cantava a morte de maneira sistemática em séculos anteriores, quando se
pensava muito mais no exercício do seu impacto sobre o intelecto. Mas, na época
romântica, o referido tema passa a atuar sobre a sensibilidade literária, tornando-
se aceitável pela nova percepção de beleza. O quadro de recorrência temática da
morte, além do aspecto estético, desenvolve-se devido às próprias noções sociais e
históricas do período. Essas noções expressam-se nas visões coletivas diante da
morte, que revelam a preocupação do homem em morrer bem.
Surgido na Europa, o romantismo influenciou, posteriormente, outros
países com seus modelos culturais, entre eles o Brasil. Portanto, o primeiro
capítulo parte de uma investigação mais geral sobre a morte, tendo em vista que o
movimento romântico brasileiro sofreu a importação de parâmetros europeus.
Para tanto, recorreu-se a estudos sobre a morte na civilização ocidental a fim de se
conhecer a origem das práticas sociais do século XIX. As principais obras
utilizadas as de Philippe Ariès (1975; 1977) e de Braet & Werneck (1996)
9
elucidam as origens das práticas funéreas elementares: a preocupação com a
memória do morto expressa pela presença do túmulo, do cemitério e do
testamento; o desespero pela perda do outro, expresso pelo luto; a aflição em se
deixar a vida remido dos pecados; e a valorização da morte de pessoas ilustres.
Buscou-se, nesse capítulo, verificar o percurso destas práticas algumas oriundas
do período medieval e outras efetivadas na época romântica de modo a
contextualizar as visões encontradas na literatura romântica.
Outro levantamento necessário foi o das razões oitocentistas para a
fluência de uma estética da morte naquele período. É no século XIX, que a
associação de idéias entre beleza, erotismo e morte, adquire certas
particularidades, especialmente a de ser experimentada no nível sensível. Mário
Praz (1930) é quem analisa o trajeto desta estética, observando suas origens e o
que a diferencia das mesmas tentativas estéticas de séculos anteriores. Nestes, a
junção entre amor, beleza e morte pretendia-se mórbida pela excitação do jogo de
contrários. Já no romantismo, a sublimação daqueles aspectos desvelava uma
espécie de revisão moral, na qual a sensibilidade predominava sobre o intelecto. O
segundo passo desse capítulo foi, portanto, verificar o trajeto da referida estética
que parte de uma série de transformações conceituais nas mentalidades artísticas.
Assim, na arte, foi-se burilando um sentimento de impressões opostas como o
belo associado ao triste, ao horrível, à doença, à corrupção e à decomposição
orgânica.
A partir desse exame, tornou-se pertinente no trabalho buscar as razões da
melancolia romântica, presentes não no aspecto estético do romantismo, mas
também no modo de se conceber o mundo. A visão idealista chocava-se com o
contexto insatisfatório do período, no qual operou-se uma profunda modificação
10
de valores advinda do desenvolvimento capitalista apontada por Löwy e Sayre
(1993). Tal percepção catalisava a natureza melancólica do homem, influenciando
seu pensamento sobre a morte.
Após a pesquisa sobre a morte no romantismo, em suas origens européias,
partiu-se para o fato mais específico: a morte na literatura brasileira romântica. O
levantamento foi feito nas histórias da literatura brasileira, mediante o
reconhecimento dos gêneros em que a morte se apresenta. Passando pelo drama,
pelo romance e aprofundando-se na poesia, verificou-se que os historiadores
quase sempre relacionam a morte com o dado biográfico dos poetas e o ambiente
melancólico daquele período. Os infortúnios que sofreram e a melancolia por que
passava o século eram as razões atribuídas ao cantar a morte, fosse pelo aspecto
de lamentação ou pelo louvor a ela. Dessa forma, existiria uma inclinação do
romântico em morrer, o que Mário de Andrade em seus Aspectos da Literatura
Brasileira (1943) compara a uma espécie de suicídio, que os poetas
entregavam-se àquele desejo.
Observando-se que os historiadores associam as mesmas temáticas ao
motivo da morte, houve a necessidade de se registrar esses temas para a
compreensão do ponto de vista historiográfico. Assim, aspectos como a beleza, o
amor, a ironia, a imaginação sobre os aspectos sombrios e o byronismo, por
exemplo, relacionavam-se aos ideais românticos. Durante a revisão do tema da
morte na historiografia, verificou-se a menção de alguns poetas considerados
menores e seus poemas temáticos dos aspectos fúnebres. Optou-se, então, pelo
reconhecimento de alguns desses escritores a fim de se revisar o cânone romântico
sobre a morte e reconhecer outras noções acerca do tema.
11
O terceiro capítulo examina a morte na poesia brasileira romântica a partir
de um corpus composto por setenta e três poemas de oito poetas: Araújo Porto
Alegre, Maciel Monteiro, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Castro Alves. Realizou-se um
trabalho de sistematização dos poemas de acordo com as seguintes unidades de
trabalho propostas por Corrêa (2004): a) a tipologia de vozes sobre a morte a
voz do eu poético preocupado com sua morte ou com o falecimento do outro que
lhe é próximo e afetuoso; b) os significados que a morte apresenta nos poemas – o
que expressam suas representações; c) as categorias estéticas da morte elencadas
por Michel Guiomar (1967).
Após a organização dos poemas nestas três unidades, os mesmos foram
analisados segundo o sentimento de angústia do eu poético em relação à morte.
Kübler-Ross
1
propõe uma escala de aceitação e recusa da proximidade fatal,
observada em pacientes moribundos. Mediante o sentimento de morte presente
nos poemas, desejou-se fazer uma equivalência dos estados emocionais,
limitando-os a: recusa, melancolia, revolta e resignação. Procurou-se, portanto,
verificar esses estados expostos pelo eu poético diante da idéia da morte.
A seguir, partiu-se dos significados encontrados, delimitados a:
heroicização, purgação, redenção, ânsia de eternidade e fuga da vida. Destes,
tentou-se depreender algumas das atitudes diante da morte que sinalizam a
preocupação em morrer bem, como a conservação do morto na memória, o luto, o
testamento, entre outros. Trata-se de aspectos recorrentes nas diversas vozes
expressas pelo eu poético; diante disso, julgou-se oportuno examinar a
especificidade daquelas sobre a morte, ou seja, as representações de pai, filho,
1
In: José de Souza Maranhão. O que é a morte? 3ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987 p.45
12
mãe, filha, amante, poeta, moribundo e pecador. Logo, as diferentes figurações do
eu poético corroboram a delimitação dos significados, uma vez que as várias
vozes por exemplo, as de filho, amante, poeta podem falar de um mesmo
aspecto.
A última coordenada da análise dos poemas foi a percepção das categorias
estéticas da morte que Guiomar analisa na obra Principes d’Une Estéthique de la
Mort, ainda sem tradução para o português. O que se tentou fazer, neste sentido,
foi compreender as noções contidas em cada impressão estética por ele elencada e
entrevê-las nos poemas. Trata-se de uma busca por aproximação de conceitos,
salvaguardadas as devidas proporções. O interesse, nesta parte final, reside no fato
de que as categorias refletem diferentes estados de consciência da morte,
dialogando com as questões estéticas já levantadas.
13
CAPÍTULO I
A LITERATURA COMO REGISTRO DA HISTÓRIA DE MENTALIDADES
1.1 As atitudes diante da morte registradas pela literatura
A história de mentalidades não é episódica, pois pretende referir-se a um
período de longa duração, na medida em que as mentalidades coletivas
modificam-se lentamente. Ela investiga o comportamento social diante de
determinados temas como a família, o medo, o amor e a morte, partindo das
mentalidades coletivas, diferentemente do que ocorre com a história episódica,
que se debruça sobre as ações de determinados sujeitos históricos. A história de
longa duração utiliza variadas fontes para pesquisar seus temas como, por
exemplo, a iconografia no que se refere às várias manifestações artísticas ou não
artísticas. Estas últimas se exemplificam em documentos de cunho objetivo; as
primeiras podem ser exemplificadas através da literatura. Corrêa (2004) afirma
que a escritura ficcional, por não apresentar comprometimento com os segmentos
sociais que tradicionalmente constroem a história de episódios, pode registrar as
diversas mentalidades que efetivamente formam a história sincrônica
2
. Michel
Vovelle (1998: 66) cita Marx: “os homens fazem a história mas ignoram que a
fazem”, referindo-se à permanência do conceito tradicional de história. Ou seja,
todo aquele que se encontra inserido em um meio social também participa das
2
Aqui entendida como uma história que não se conduz essencialmente pela cronologia dos fatos
históricos, mas sim guia-se pela percepção de uma determinada mentalidade social ocorrida
vagarosa e duradouramente.
14
construções históricas de seu tempo, ainda que não se destaque por uma ação
histórica datada e promovida ao reconhecimento nacional.
O texto literário pode registrar as visões de determinada época sobre
determinado assunto, levando-se em conta que o escritor é parte integrante de uma
sociedade e que escreve segundo sua época. Machado de Assis refletia sobre
essa questão mesmo antes da percepção dos historiadores sobre a história
sincrônica: “O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento
íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de
assuntos remotos no tempo e no espaço” (1959: 135).
O registro das preocupações
da coletividade (com a morte, por exemplo),
principalmente o artístico, é revisto
por Vovelle (1998), um dos grandes historiadores das mentalidades ao lado de
Philippe Ariès, naquilo que se convencionou chamar de história de longa duração
isto é, as circunstâncias (ou as práticas sociais) que são mantidas ao longo de
largo período, sobre as quais os episódios têm pouca ou nenhuma influência. Os
estudos deste dois autores fundamentam a compreensão das visões da morte no
Ocidente, ao especularem sobre as mentalidades utilizando-se de diversos
registros, incluindo o literário.
Ainda não uma história da morte no Brasil como um todo; o que são
estudos sobre a morte em determinadas regiões, como no estudo de João José Reis
(1999) sobre a morte na Bahia do século XIX. No entanto, apesar da localização
espacial contida na obra, não se deve esquecer que as mentalidades sobre a morte
podem possuir variações regionais, mas não se afastam de alguns paradigmas
centrais que a polarizam quase uniformemente devido ao caráter de longa duração
da história.
15
Este trabalho intenta contribuir com a história de mentalidades literárias,
especificamente sobre o tema da morte na poesia romântica brasileira. Através da
absorção do conceito de história das práticas sociais e sua transposição para a
literatura é possível uma outra forma de historiá-la, diversa ao modo anacrônico
que privilegia autores, obras e datas.
1.2 Visões da morte no romantismo
Diante da nítida influência das mentalidades européias no Brasil devido à
colonização, deve-se considerar o fenômeno de importação de modelos “mentais”
sobre a morte que vigoraram no século XIX. Neste trabalho traçou-se o percurso
destes modelos euro-culturais a fim de se compreender as visões da morte
encontradas na análise da poesia romântica brasileira. O romantismo europeu tem
um importante papel sobre o ideário romântico brasileiro, que pode ser entrevisto
em dois aspectos: o social os anseios e as atitudes diante da morte, reflexo de
suas construções históricas e o estético o modelo do tratamento temático na
literatura.
Os estudos sobre a história das mentalidades da morte mais significativos
aqui utilizados foram os de Philippe Ariès e aqueles coligidos por Herman Braet e
Werner Verbeke que fundamentam sua importância no resgate das visões da
morte a partir de um período bem anterior ao oitocentista, de modo a verificar e
justificar as mudanças nas mentalidades – e o de Mário Praz, estudioso da estética
romântica. Interessa a este trabalho o específico período do século XIX, onde, não
por acaso, efetivaram-se algumas destas mudanças. A obra de Braet e Verbeke
consta de uma seleção de ensaios em que vários autores estudam a morte na Idade
16
Média segundo variadas perspectivas. É importante se ter em mente que a origem
de algumas das mentalidades românticas sobre a morte iniciaram-se por volta do
período medieval. Praz observa a trajetória da mudança na sensibilidade da
época, o que justifica a presença de uma estética da morte na arte romântica.
Seguindo o percurso histórico da morte no século XIX, aqui se recompôs
alguns fatores decisivos na configuração mental do ocidente sobre a morte, e que
se tornaram os parâmetros desejáveis na visão coletiva romântica. Estes
parâmetros referem-se às atitudes do romântico perante a morte encontradas na
análise do corpus deste trabalho. Em síntese, estas atitudes são: a heroicização, a
purgação, a ânsia de eternidade e redenção; trata-se de modos românticos de
conceber a morte registrados pela literatura.
1.2.1 Sobre as atitudes diante da morte
Das modificações lentas na mentalidade sobre a morte que Ariès analisa,
este trabalho se centrará em duas para a compreensão das imagens da morte no
romantismo: a descoberta da “morte do eu” e a descoberta da “morte do outro”.
Estes dois aspectos, desdobrados, demonstram o porquê das mentalidades
oitocentistas sobre a morte.
Até o século XII, havia uma consciência mais socializada da morte; isto
significa que os homens a aceitavam como um desígnio gico ou divino que
arrebatava a todos igualmente, sobrepondo-se à idéia de individualidade. Esse fato
gerava uma familiaridade dos homens com a morte, a ponto de não haver
temeridade, e sim uma resignação coletiva, segundo Ariès: “A familiaridade com
a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza, aceitação ao mesmo
17
tempo ingênua na vida quotidiana e sábia nas especulações astrológicas” (2003:
46). A não existência do temor é discutida por Norbert Elias, que concorda com a
familiaridade e a resignação à morte naquela época, mas não sem medo, aspecto
não desvinculável para o autor. Para ele, morria-se resignadamente, segundo a
noção de destinação coletiva da morte, mas não tranqüilamente:
O nível social do medo da morte não foi constante nos muitos
séculos da Idade Média, tendo se intensificado notavelmente
durante o século XIV. As cidades cresceram. A peste se tornou
mais renitente e varria a Europa em grandes ondas. As pessoas
temiam a morte ao seu redor (...) Morte pacífica no passado? Que
perspectiva mais unilateral! (2001: 21)
Contudo, Ariès debruça-se sobre a noção de aceitabilidade da morte
destacando dois aspectos que faziam o homem da época pensar assim: o caráter de
socialização, em que todos os homens partilhavam da mesma conduta e
mentalidade para com a morte; e a própria noção, contida nesta mentalidade
coletiva, de que a morte era uma lei da natureza sobre a qual não se podia intervir.
A partir do século XII, porém, começava-se a desenvolver uma noção dramática e
individual da morte devido a “modificações sutis” e graduais. Estas mudanças,
enumera Ariès, são: “a representação do Juízo Final, no final dos tempos; o
deslocamento do Juízo para o fim de cada vida, no momento exato da morte; os
temas macabros e o interesse dedicado às imagens da decomposição física; e a
volta à epígrafe funerária e a um começo de personalização das sepulturas” (2003:
47). A representação do Juízo Final, até o século XII, compunha-se de uma crença
da ressurreição dos bons cristãos, que ocorreria somente no final dos tempos.
Acreditava-se que os mortos, tendo sido bons ou maus na vida, dormiam o sono
da morte, e que acordariam para uma nova vida aqueles que tivessem boa
18
conduta quando vivos. “Nesta concepção não lugar para uma responsabilidade
individual, para um cômputo das boas e más ações. Sem dúvida, os maus –
aqueles que não pertenciam à Igreja não sobreviveriam à sua morte, não
despertariam” (Ariès 2003: 48).
A partir do século XIII, começava-se a crer num saldo de pecados
computados no momento do Juízo Final: “O Juízo (...) mesmo se passando numa
grande ação cósmica, no final dos tempos, era particular a cada indivíduo;
ninguém conhecia sua sorte antes que o juiz tivesse decidido, após a avaliação das
almas e a defesa dos intercessores” (2003: 52).
No século XV, a representação do Juízo apura-se ainda mais: Deus, que
antes era imaginado como um “juiz”, responsável pela decisão final quanto à alma
do homem, passa a ser árbitro, ou seja, a responsabilidade da salvação da alma do
morto passa a estar nas mãos do próprio. “Acredita-se, a partir de então, que cada
homem revê sua vida inteira no momento que morre, de uma vez” (Ariès 2003:
53). Pensava-se a morte como uma prova final das ações do homem, podendo ele
salvar sua alma mesmo se tivesse sido mau em vida; para isso, teria que
demonstrar desprendimento material e arrependimento no momento do
passamento. O contrário também seria possível, ou seja, o bom homem em vida
poderia não obter salvação de sua alma caso demonstrasse apego material e
nenhum arrependimento na hora da morte.
Esta noção de responsabilidade do homem em relação à salvação de sua
alma muda conforme se apura a percepção do que se tem a perder com a morte: a
riqueza e a individualidade. Ariès analisa que, enquanto se possuía a noção
familiar da morte, o homem acreditava que não podia alterar seu destino. O
contexto social nesse mesmo tempo corroborava esta forma de pensar, uma vez
19
que “a riqueza era rara. Cada vida de pobre foi sempre um destino imposto, sobre
o qual ele não tinha poder” (1989: 147). Se a biografia do homem “era constituída
de início apenas de atos bons ou maus, submetidos a julgamento global: de ser”, a
partir do século XII “também, foi constituída de coisas, de animais, de pessoas
apaixonadamente amadas e também de uma reputação: de possuir” (Ariès 1989:
147). Era difícil, portanto, para o homem portador desta nova consciência de sua
individualidade, de sua riqueza, separar-se dela.
Se seguirmos o rastro desta noção até o culo XIX veremos que a
representação da salvação da alma através do livre arbítrio na hora da morte
quando anjos e demônios esperavam pela decisão final do moribundo tornou-se
uma forma de resgatar o homem pecador que já não conseguia abandonar seus
interesses terrestres, como aponta Ariès:
Sob a ação da Reforma católica, os autores espirituais lutarão
contra a crença popular segundo a qual não era de tal forma
necessário esforçar-se em viver virtuosamente porque uma boa
morte resgatava todos os erros. Entretanto não se deixou de
reconhecer uma importância moral na conduta do moribundo e nas
circunstâncias de sua morte. (2003: 54)
Disto se deve tirar duas conclusões: a de que a morte poderia resgatar o
homem do erro e a de que, mediante a percepção de riqueza, o homem descobriu a
“morte de si” enquanto indivíduo, abandonando a antiga noção coletiva de que
todos morriam igualmente. A primeira conclusão refere-se ao caráter redentor da
morte, que para tanto requeria a disposição própria do homem em redimir-se,
arrependendo-se de seus pecados e desprendendo-se de seus apegos materiais na
hora final. Este acerto de contas com o domínio divino tinha lugar no leito do
20
moribundo. A morte no leito, historicamente, carrega a imagem de placidez e
segurança representada pela idéia de casa, pátria e mãe. Morin analisa que:
A morte bela é a morte na cama, nos recônditos íntimos da nossa
casa (...) A casa natal, fulgurante com a presença imensa da mãe,
poderá sobrepor-se à tumba, à casa da morte onde nos reunimos à
nossa mãe. Porque o túmulo é uma casa, por vezes até a casa
ocupada pelo morto quando vivia. (1970: 117)
A segunda conclusão desdobra-se em maiores conseqüências, uma vez que
havia a consciência de que a morte aniquilava toda uma individualidade (a “morte
do eu”). Isto trouxe vagarosamente às mentalidades dos séculos seguintes a
preocupação em reverter essa noção de fim total, preservando o morto na memória
dos vivos.
Verificou-se, até aqui, a mudança na representação do Juízo Final
intrinsecamente relacionada à descoberta da “morte de si”; deve-se verificar agora
os referidos desdobramentos desta descoberta, e que são perpassados pelos outros
fatores que Ariès julga como responsáveis pela percepção da individualização da
morte. São eles: “os temas macabros e o interesse dedicado às imagens da
decomposição física” e “a volta à epígrafe funerária e a um começo de
personalização das sepulturas” (2003: 47).
Os temas macabros surgem a partir de uma consciência da morte como
“ruptura” conceito abordado por Ariès, aqui entendido como a separação
inevitável do morto e sua pertença em vida surgida por volta do século XVI.
Tais temas representam a morte em imagens de decomposição cadavérica e
esqueletos. À consciência da “morte de si”, que vinha se depurando desde o
século XII devido à noção de que com a morte se perde a riqueza e a
21
individualidade somou-se a noção de ruptura”, advinda da associação entre
fracasso e morte:
A morte macabra assume o seu sentido verdadeiro quando a
situamos na última etapa de uma relação entre a morte e a
individualidade, movimento lento que começa no século XII e que
atinge o século XV num ápice lento que depois jamais será
alcançado. (Ariès 1989: 148)
Ariès observa que a representação macabra da morte representava, em
verdade, o desespero da perda de tudo o que o homem considerava riqueza, e que
este desespero assemelhava-se lhe a um fracasso individual. Se a morte, até o
século XII, era familiar em uma noção coletiva e socializada – e a partir daí, passa
a ser dolorosa pelo início de uma noção individual no século XVI a revisão
iconográfica da decomposição do corpo morto passa a desvelar, na consciência do
homem, a noção de que a morte é uma ruptura das conquistas da vida. Neste
sentido, ela é um fim violento porque inesperada, separando o homem de suas
paixões terrenas e deixando-o incerto quanto à permanência de si na memória dos
vivos. Pode-se entender este encadeamento de idéias como o advento da reflexão
sobre a miséria humana, o fim ao qual todo homem está condicionado. Esta
descoberta acentua a preocupação do homem em não morrer de todo, fazendo-o
adotar novas condutas para com a morte no sentido de preservar-se na memória
dos vivos.
O retorno da epígrafe funerária e da personalização das sepulturas assinala
algumas destas condutas. Retomemos um breve percurso do histórico dos túmulos
para entender este fato. Ariès faz a seguinte cronologia, a partir de uma
iconografia selecionada para sua análise: até o século V, registra-se a presença de
túmulos; a partir daí eles rareiam, mais ou menos até o século XII, quando
22
retornam. Neste espaço de tempo, em que não são freqüentes, a ausência deles
justifica-se pela crença de que o túmulo não importava e sim a proximidade do
local (onde se depositaria o corpo morto) ao lugar onde estivesse enterrada
alguma figura santa ou mártir. Este local constituía-se na primeira concepção de
cemitério; posteriormente, com as mudanças históricas, o enterro passou a ser
feito na Igreja. Ariès argumenta: “Isso começou não tanto com o Cristianismo,
mas com o culto dos mártires, de origem africana. Os mártires eram enterrados
nas necrópoles extra-urbanas, comuns aos cristãos e aos pagãos” (2003: 38).
A seguir, com a prática católica de se enterrar os clérigos no terreno
paroquial, passou-se a desejar a proximidade ad sanctos com a mesma intenção
protetora. Os túmulos voltam a partir do século XII, por conta da revalorização do
corpo morto devido à descoberta da importância individual na “morte do eu”. O
túmulo próprio assinala esta noção de individualização, a preocupação de que seu
corpo tenha sua “casa própria” e não se misture a outros corpos, como ocorria no
enterro ad sanctos. Anne Martin-Fugier afirma: “O túmulo desenvolve o
sentimento de continuidade na família, e o cemitério, o sentimento de
continuidade na cidade e na humanidade, escreve Pierre Laffitte em 1874” (1991:
226). Esta atitude permanece até o século XIX, quando ambos, túmulo e
proximidade ad sanctos, interessam ao homem, revitalizando a antiga noção de
proteção da alma devido à retomada da voga cristã (que historicamente
confrontara-se com a Reforma, reassegurando-se através da Contra-Reforma).
A volta da epígrafe funerária feita nas placas de inscrição se por volta
do século XVIII; antes disto, porém, placas ainda mais simples se instalavam
nos túmulos. “No século XVIII, as placas de inscrição simples tornam-se cada vez
mais numerosas, ao menos nas cidades onde os artesãos, essa classe média da
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época, empenhavam-se, por sua vez, em sair do anonimato e em conservar sua
identidade após a morte” (Ariès, 2003: 62). Estas placas foram se especializando,
principiando por informar o nome do morto e a data da morte, para a seguir
informar as ações pelas quais o morto desejava ser lembrado.
Todos estes elementos elencados por Ariès delineiam o processo de
descoberta da “morte do eu”, que no século XIX constituía-se numa das grandes
preocupações do homem pertencente a uma sociedade cujo contexto histórico
desenvolveu as primeiras noções de individualismo, ou seja, a importância do
homem como um ser único, e não como integrante anônimo de uma coletividade.
A próxima verificação sobre a morte na sociedade romântica que deve ser feita é a
origem da exacerbação da “morte do outro”.
Ariès afirma que a “morte do outro” foi uma descoberta do século XIX,
que neste período uma série de exacerbações nas atitudes para com esta categoria
da morte ilustravam uma nova mentalidade, diferente do que vinha acontecendo
até então. Ele afirma:
A partir do século XVIII, o homem das sociedades ocidentais tende
a dar à morte um sentido novo. Exalta-a, dramatiza-a, deseja-a
impressionante e arrebatadora. Mas, ao mesmo tempo, se ocupa
menos de sua própria morte, e assim, a morte romântica, é antes de
tudo a morte do outro –o outro cuja saudade e lembrança inspiram,
nos séculos XIX e XX, o novo culto dos túmulos e cemitérios.
(2003: 64)
Portanto, a preocupação com o túmulo e com o lugar a ser enterrado não
advém apenas da consciência da morte própria, mas da “morte do outro”
igualmente. Ariès agrupa os vários fatores da percepção aguda da “morte do
outro” em torno de um aspecto fundamental: o progresso do sentimento familial.
Esta mudança é que desencadearia as novas atitudes para com a morte, como a
24
exacerbação do luto e a valorização do túmulo e do cemitério. Deve-se, então,
resgatar o histórico do sentimento familiar anterior ao século XIX para a
compreensão dessa evolução conceitual.
A primeira questão a ser analisada é a mudança na relação entre o
moribundo e sua família. Ariès afirma: “Até o século XVIII, a morte dizia respeito
àquele a quem ameaçava, e unicamente a este. Também cabia a cada um expressar
suas idéias, seus sentimentos, suas vontades. Para isso, dispunha-se de um
instrumento: o testamento” (2003: 69). A invenção do testamento foi uma medida
que visava a assegurar as vontades do moribundo e, nesse sentido, pode-se
relacioná-la à descoberta da “morte de si”. Ou seja, quando o homem passou a ter
percepção de riqueza e individualidade, passou a necessitar de um instrumento
que garantisse a manipulação póstuma de ambas como desejasse. Isso porque,
antes da invenção testamentária, os bens do morto iam naturalmente para a
família, para a Igreja ou para aquilo que Ariès denomina fabrique (2003:69). Os
familiares não possuíam o hábito de prestar qualquer homenagem ao morto, nem
mesmo o de acompanhar seu enterro ou permanecer em longo luto social por
ocasião de sua morte. A paixão que o homem do fim da Idade Média adquiriu por
seus bens, não desejando deles se desfazer, e a angústia de ser esquecido
posteriormente à morte, obtiveram no testamento o meio de reverter a perda de
ambos (bens e imagem pessoal) a seu favor. O testamento foi, portanto, o meio
religioso e quase sacramental de ganhar as aeterna sem perder completamente as
temporalia, de associar as riquezas à obra da salvação” (1989: 203).
Como intentava a salvação de sua alma e a glorificação de sua reputação
terrestre, o morto poderia deixar seus bens para a Igreja a troco de numerosas
missas em favor de sua alma e, ao mesmo tempo, da redenção pelo pecado do
25
acúmulo, uma vez que doando estaria se desprendendo materialmente. Jacques
Chiffoleau, sobre a prática testamentária dos séculos XII e XIII, afirma:
Assim, pouco a pouco é o medo de morrer sem fazer testamento,
mais do que o temor escatológico do Juízo Final (...) A afirmação
da fragilidade diante de Deus, do qual a morte é o sinal universal,
progressivamente cede lugar à evocação da fraqueza humana
diante dos múltiplos e concretos ataques da morte: evoca-se a
‘miséria do mundo’, o ‘estado instável’ em que se encontra o
homem, a vida considerada como ‘um vale de lágrimas’. (1996:
120)
E é pela mudança na atitude testamentária que Ariès observa o progresso
do sentimento familial. Ele historiciza que o conceito de família, por longo tempo,
não foi este que conhecemos: o de laços sanguíneos e formados por casais.
“Família” englobava os amigos e essencialmente o senhor da terra onde
habitavam essas agregações; assim configurava-se, porque a noção de
socialização era maior. Norbert Elias afirma: “Em épocas mais antigas, morrer era
uma questão muito mais pública do que hoje (...) Nascimento e morte como
outros aspectos animais da vida humana eram eventos mais públicos e, portanto
mais sociáveis, que hoje; eram menos privatizados” (2001: 24). Se o testamento,
na origem, possuía uma preocupação com a salvação da alma, e no século XVIII
passa a registrar a entrega de seu corpo para os familiares, diante desta mudança é
que Ariès conclui: passa a haver uma confiança do moribundo nos seus parentes.
Ele relaciona esta adição na preocupação com a morte a dois fatores: uma
mudança na escatologia comum, em que houvera a “diminuição do temor do Juízo
e do Inferno, ou do Além” (2003: 189) e a mudança no sentimento familial, que
Ariès denomina de “afetividade moderna”. Essa noção de afetividade ocorreu
gradualmente com a inserção da família nos assuntos cotidianos, algo que
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começou apenas no século XVIII. Inserindo-se na “cotidianidade” devido às
lentas e novas mudanças na atitude de socialização do homem, pode-se concluir
que, por extensão, ela o ficaria de fora do assunto “morte”: “A partir do século
XVIII, a família entrou na ‘quotidianidade’ e ocupou-a quase inteiramente” (Ariès
2003: 192).
Outro fator que determinava o progresso do sentimento familial era a
vontade de ser enterrado junto aos parentes. Ariès, analisando testamentos dos
séculos XVI e XVII, destaca que ser enterrado junto aos seus era ser enterrado nas
mesmas circunvizinhanças, e não no mesmo jazigo. A idéia de jazigo de família,
em toda sua variação conceitual (área, câmara, sepultura), é efetivada no século
XIX. “... vamos nos ater aqui a outro aspecto da evolução que libera os mortos do
anonimato e os reúne no que se tornará, nos séculos XIX e XX na França, o
‘jazigo de família’: trata-se da história de um túmulo coletivo individual
familial, ‘a capela funerária’” (2003: 193). A essa verificação de prática funerária
deve-se a acentuação da afetividade familial na morte. A afetividade que vinha se
estabelecendo cotidianamente em vida estende-se para a morte, como bem analisa
Ariès:
O enterro na ‘catacumba’ reservada a uma família se opõe ao
enterro comum, solitário e anônimo. A necessidade de reunir
perpetuamente, em lugar preservado e fechado, os mortos da
família corresponde a um novo sentimento que se estendeu em
seguida a todas as classes sociais do século XIX: a afeição que une
os membros vivos da família é transferida para os mortos. Assim o
jazigo de família é talvez o único lugar que corresponde a uma
concepção patriarcal da família, onde são reunidos sob o mesmo
teto várias e várias gerações e vários casais. (2003:198)
Diante da confirmação da noção de afetividade familial a partir do século
XVIII, deve-se destacar que esta noção transformou a atitude de luto para com o
27
morto no século XIX. Ariès analisa que, do século XII ao culo XVIII, o luto
ritualizou-se, ou seja, passou a se expressar através de determinada indumentária e
determinado comportamento social (período de isolamento social, de viuvez),
além da expressão emocional que envolvia. Até o século XVIII, o luto possuía
seus limites convencionados pela sociedade, mas no século seguinte ocorria a
seguinte transformação histórica:
no século XIX, este limite não foi mais respeitado, o luto se
desenrola com ostentação além da usual. Simulou até não estar
obedecendo a uma obrigação mundana e ser a expressão mais
espontânea e mais insuperável de uma gravíssima dor: chora-se,
desmaia-se desfalece-se e jejua-se como outrora os companheiros
de Roland ou de Lancelot. É como um retorno às formas
excessivas e espontâneas ao menos na aparência da Alta Idade
Média, após sete séculos de sobriedade. (Ariès 2003: 71)
No romantismo, o luto, tido como uma das manifestações de culto aos
mortos, exacerba-se não só pela grande dificuldade do homem em separar-se
daqueles que em vida lhe foram caros, mediante a nova noção de afeto em família.
Adquire grande expressão, também, pelo intento de homenagear a memória do
ente perdido:
‘O homem prolonga para além da morte aqueles que sucumbiram
antes deles... institui, com sua lembrança, um culto (notem bem:
um culto) em que seu coração e seu espírito se esforçam em
assegurar-lhes a eternidade’. Esse culto dos mortos e dos túmulos é
signo disto, é um ‘elemento constitutivo da ordem humana’, ‘um
laço espontâneo entre as gerações e a sociedade e a família’. (Ariès
2003: 210)
Como bem afirmou Ariès, não o luto integrava a necessidade afetiva de
culto aos mortos, como também o culto aos túmulos e ao cemitério. se situou
brevemente a prática de enterro em solo sagrado visando a proteção dos santos.
28
Com o século das Luzes e os primeiros desvendamentos científicos sobre a morte
física, ou seja, a decomposição de cadáveres, a noção higienista começa a vigorar
nas atitudes para com a morte. Cogita-se o impedimento da prática de se enterrar
em área habitável e de grande visitação, como o eram a Igreja e os cemitérios
dentro das cidades. Esse impedimento feria a crença religiosa da época, gerando
grandes polêmicas e lutas que se estenderam até o século XIX, objetivando a
permanência das práticas tradicionais. Além da noção religiosa, esse plano de
mudança atingia também a noção de socialização entre vivos e mortos. Otto
Gerhard Oexle afirma: “Trata-se muito mais de uma desocialisation, uma
dissolução de determinados vínculos sociais, processo que determinou e
modificou radicalmente a esfera social, isto é, para além de controvérsias
religiosas (...)” (1996: 73).
Lentamente, a prática de enterro ad sanctos foi sendo substituída pelo
enterro em cemitério. Segundo Ariès, a preocupação ainda era a de manter os
cemitérios existentes nos limites da cidade, como uma forma de reunir a cidade
dos mortos à cidade dos vivos. Esse abandono da antiga prática religiosa originou-
se do fato de que, a partir do século XVIII, desejava-se intensamente a
individualização do túmulo, prática possível somente nos cemitérios. “Os túmulos
tornavam-se o signo de sua presença para além da morte. Uma presença que não
supunha necessariamente a imortalidade das religiões de salvação, como o
Cristianismo” (Ariès 2003: 74). A valorização do túmulo, por conseqüência,
gerava uma valorização do cemitério. Ariès historiciza, através da França do
século XVIII, a preocupação em se planejar os cemitérios como paisagens
agradáveis para a visitação. O único descarte consciente das mentalidades era em
29
relação ao afastamento do cemitério da cidade. Essa repulsa surgiu, segundo
Ariès, com o culto positivista em voga:
Uma nova representação da sociedade nasce neste fim do século
XVIII, tendo se desenvolvido no século XIX e encontrado sua
expressão no positivismo de Augusto Comte, forma erudita do
nacionalismo. Pensa-se, e ao mesmo tempo sente-se que a
sociedade é composta ao mesmo tempo de mortos e vivos, e que os
mortos são tão significativos e necessários quanto os vivos (2003:
76).
Essa noção de valor dos mortos (que para os positivistas cunhava-se no
nacionalismo) foi absorvida pela cultura católica do século XIX, que atribuía o
mesmo valor ao caráter sacro dos mortos e à noção de perpetuação afetiva. “O
culto dos mortos é hoje uma das grandes formas ou uma das expressões do
patriotismo” (Ariès 2003: 77). Daí se pode abstrair uma das razões da atitude
romântica de heroicização de determinados mortos. O pensamento positivista
valorizava a construção histórico-nacional das nações e o romantismo afirmava-se
pela noção patriótica, requerendo a presença, ainda que dentre os mortos, de
grandes heróis, homens tidos como modelos de virtude, honra e nobreza. Essa
ascensão de modelos desejáveis pontuava lentamente o desejo de glorificação da
morte, ainda que num status menor. Ou seja, nem todos tinham a projeção
(econômica ou social) necessária para adquirir essa glorificação pós-morte, mas
passou-se a desejar, mediante o modelo de “morte heroicizada” vigente, um
destaque semelhante, ainda que em menor alcance social. Isso pode ser
comprovado pela crescente busca em se construir túmulos grandiosos, com
suntuosas inscrições e com a preocupação em deixar, depois de morto, uma
reputação terrestre. “A sobrevivência do morto não devia ser apenas assegurada
no plano escatológico por oferendas e sacrifícios; dependia também do renome
30
que era mantido na terra, fosse pelo tumulo com os seus signa, e suas inscrições,
fosse pelos elogios dos escrivães” (Ariès 1989: 218).
Pelo resgate histórico da atitude heroicizante da morte nota-se também
que, desde a Idade Média, o túmulo (e por que não pensar em formas de
heroicização do morto?) era valorizado como símbolo necessário da boa reputação
terrestre para alcançar a eternidade. Sobre os túmulos, Ariès afirma:
Expressam a convicção de que existe uma correspondência entre a
eternidade celeste e o renome terrestre, convicção talvez restrita
então a alguns super- homens, mas que foi em seguida estendida e
se tornará um dos traços da baixa Idade Média... para ressurgir nos
séculos XIX e XX com os positivistas e românticos ao mesmo
tempo. (1989: 228)
Observando-se a permanência desta correspondência na mentalidade
oitocentista, conjuntamente à prática de valorização do individual, cogitava-se a
possibilidade da equivalência entre nome glorioso e alma gloriosa. Isto porque a
consagração de um “renome terrestre” implicava em alguma espécie de virtude,
elevando o morto ao mérito de alcançar a “eternidade celeste”.
Através das duas principais descobertas do homem sobre a morte
elucidadas por Ariès – a “morte do eu” e a “morte do outro” – buscou-se, até aqui,
verificar as atitudes diante da morte mais significativas em termos de
conhecimento das construções históricas realizadas ao longo dos séculos até o
XIX. A percepção do romântico sobre a “morte de si”, com todas as implicações
demonstradas (relacionadas ao corpo, à alma e à memória que ansiavam em
deixar), é fruto de um processo que teve raízes por volta do século XII. a
percepção romântica sobre a “morte do outro” é uma construção mental efetivada
no século XIX (com as particularidades do luto e do culto aos mortos).
31
1.2.2 Sobre a estética da morte
O processo de conscientização da morte do indivíduo na sociedade
ocidental, ocorrido por volta do século XII, foi se desenvolvendo lentamente e
revelando ao homem todo a sua perda potencial ao morrer. Diante desse
conhecimento indesejável formularam-se as práticas, ou seja, as atitudes diante da
morte, guiadas pelas noções metafísicas (de religião), pelas noções econômicas e
pelas noções afetivas do homem. Para ele, a morte representava uma angústia pelo
fim de si (“a morte do eu”) e pelo fim dos seus (“a morte do outro”). A progressão
deste conhecimento no século XIX manifestava a severidade desta angústia, como
se pôde comprovar pelas mentalidades historicizadas por Ariès: atitudes que
objetivavam fundamentalmente a proteção. Proteção do morto na memória,
através dos vivos; proteção dos vivos, através do reconforto individual e da
reorganização coletiva; proteção da alma contra a “perdição”.
A literatura romântica registra estas práticas, permitindo ao leitor a
percepção dessa dolorosa noção da morte que se tinha na época. Surge, porém, o
registro de outra noção, contrária àquela: a morte como beleza e erotismo, e por
isso mesmo desejável, constituindo-se numa impressão mórbida se comparada à
noção de rejeição vigente nas práticas sociais. Ariès analisa que a nova concepção
surgiu no “mundo dos fatos artísticos”, o se estendendo para “o mundo dos
fatos reais”:
A nova sensibilidade erótica do século XVIII e do começo do
século XIX, de que Mário Praz foi o historiador, retirou a morte da
vida habitual e lhe reconheceu um novo papel no domínio do
imaginário, papel esse que persistiatravés da literatura romântica
32
até o surrealismo. Este deslocamento para o imaginário introduziu
nas mentalidades uma distância que anteriormente não existia entre
a morte e vida quotidiana. (2003: 151)
Ariès atenta para o fato de que, até o século XIX, a morte estava imersa
nos assuntos cotidianos e, mesmo sem a antiga noção familiar e diante do novo
conhecimento de não-aceitação, ela era vivenciada. Concomitantemente, a arte
vivenciava a idéia da morte de acordo com a noção que se experimentava na
realidade. Por exemplo, a inserção de temas macabros em determinados séculos
objetivava mostrar a “frágil condição humana” que deveria se preparar para o
Além (no caso da primeira aparição do macabro) e que começava a notar a
aniquilação do homem representada pela decomposição física (na segunda
aparição do macabro). Porém, nos fins do século XVIII, a idéia da morte no
imaginário passa a ser representada de uma forma diversa à da prática,
apresentando uma visão erótico-macabra onde figurava a beleza, o encanto. Esta
visão, por sublimá-la, por apreciá-la, na verdade recusa a idéia de seu tradicional
retrato – de ser algo feio, podre, indesejável:
A morte deixou de ser considerada como um evento sem dúvida
temível, mas suficientemente inseparável do universo quotidiano,
para não ser familiar, nem aceita. Ainda que familiar e aceita na
prática diária da vida, deixou de sê-lo no mundo do imaginário,
onde se preparavam as grandes mudanças da sensibilidade. (Ariès
2003: 151)
Portanto, de maneira genérica, pode-se concluir que no século XIX a
concepção da morte ainda era perturbadora, mas vivenciada em todos os seus
aspectos reais de degradação, ou seja, não se evitava o envolvimento no assunto.
na arte, a morte era um conceito mais aceitável, justamente por transformar
aqueles mesmos aspectos em noções agradáveis como a beleza e o sentimento.
33
Mário Praz, na obra A Carne, A Morte e o Diabo na Literatura Romântica,
observa o percurso da sensibilidade romântica quanto a estes três elementos por
serem recorrentes no romantismo e por apresentarem certa conexão de idéias:
amor e morte, morte e diabo, amor e diabo. Praz, então, analisa as razões do
romântico pela correspondência sublinhada entre beleza e morte; entre o mal e a
morte, pela figura do diabo reinterpretando as ações mortíferas do homem; entre a
mulher e a morte, com a representação das figuras femininas fatais, que levam à
morte. Interessa aqui a primeira associação de idéias, visto a necessidade de se
compreender a presença de imagens de amor e morte na poesia romântica. É
importante se ter em mente que o amor referendado remete à idéia de beleza: ama-
se o que é belo, e a morte, tendo sido percebida em sua beleza, passa a ser amada.
Esse amor, portanto, engloba a imagética de cadáveres de entes queridos; de
pessoas cujo infortúnio aparente remeta à idéia de decadência; da própria figura
da morte como uma noiva a ser desposada, como um anjo belo, entre outras
metáforas.
É preciso entender, então, como o conceito de belo se transformou no
século romântico a ponto de cobrir a noção degradante da morte. Praz observa a
trajetória daquilo que ele denomina a “beleza do horrível”, iniciada muito antes do
século XIX. Ele afirma que essa estética atingira “consciência plena” apenas no
século XVIII, tendo se formado muito antes com os literatos medievais, chegando
a Goethe e aos Iluministas: “A nova sensibilidade tinha começado a delinear com
componentes como Ode to fear, de Collins, e Castle of Otranto, escrito por
Walpole como divertimento de medievalista diletante” (1996: 45). Ou seja, a
escritura transbordava a noção macabra da época, sem refletir sobre a prática. Nos
séculos posteriores, também se exercitou a estética da beleza do horrível: “A
34
beleza do horrível não pode certamente considerar-se como uma descoberta do
século XVIII, ainda que somente a idéia alcançasse a consciência plena” (1996:
45). Portanto, essa “nova” noção de beleza do século XIX não era nova afinal,
tendo se iniciado por volta do período medieval, atingindo a “consciência plena”
no século XVIII e o apogeu no século XIX.
A estética da beleza do horrível consistia na associação entre quaisquer
impressões tradicionalmente associadas ao belo, como prazer, amor, beleza, vida,
bondade, e entre impressões relacionadas à idéia do horrível, como dor, morte,
vício, crueldade. “Para os românticos, a beleza recebe realce mesmo daquelas
coisas que parecem contradizê-la: coisas horrendas; é beleza tanto mais apreciada
quanto mais triste e dolente” (Praz, 1996: 45). Praz percebe um apuramento dessa
noção no romantismo, em relação às outras épocas, devido à beleza do horrível ter
se tornado o foco quando, anteriormente, teria sido apenas integrante de uma
atmosfera horrível que se desejava retratar. Na literatura romântica, desejava-se
representar as sensações que aquela estética transmitia, e não apenas habilitá-la
como exercício intelectual de impressões contrárias – visando a obter outro ângulo
do tema. Praz esclarece esta noção bipartindo-a nas concepções intelectual e
emotiva. A partir disso, ele analisa que em muitas obras a beleza do horrível era
apenas exercício do intelecto: “Muitos desses temas de beleza ofuscada
reaparecem nos românticos, mas aquilo que no século XVII era freqüentemente
apenas atitude do intelecto, torna-se, nos românticos atitude da sensibilidade”
(1996: 56). Nos séculos anteriores, esta referência era apenas intelectual; no
século XIX passa a ser experimentada em suas sensações, ou seja, o homem
deseja entregar-se a uma nova ordem de sentimentos, tais como o desvario, a
corrupção:
35
Um romântico procurará, ao contrário, viver os desvios da fantasia
ou, pelo menos, dar a entender um fundo de experiência. Além
disso, se no século XVII, a aparição daqueles temas era esporádica
e marginal, e os escritores chegam ali mais por uma elevação do
engenho que por uma curiosidade dos sentidos (...) nos românticos
os mesmos temas se inseriam naturalmente no gosto geral da época
que levava ao desordenado, ao macabro, ao terrificante e ao
estranho (Praz 1996: 57).
A idéia de beleza da morte no romantismo, devido à experiência da
sensação, carregava a noção de volúpia. Ariès analisa que, do século XVI ao
século XVIII, reintroduziu-se na arte a associação entre Tanatos e Eros,
ilustrando-a pela presença da dança macabra nas artes e do teatro barroco que
“multiplica as cenas de amor nos cemitérios e nos túmulos(2003: 147). Praz,
analisando fragmentos da poesia de Torquato Tasso, reflete sobre essa preferência
estética. Escritor amado pelos românticos, Tasso representou em vários de seus
poemas aquela associação de idéias, segundo a qual o sofrimento seria capaz de
enobrecer o sentimento, pois: “Também aos seus olhos a dor parecia dar relevo à
beleza e o martírio exprimir suas mais comoventes notas” (Praz 1996: 50).
A beleza do horrível ensaiou-se em diversas correspondências de
sensações que culminariam no experimento de beleza e morte. Desta forma, os
poetas românticos cantaram a “beleza ofuscada”, por exemplo, pela mendicância,
pela doença, pela deficiência física e pela velhice. Todos esses aspectos remetem
à idéia de decadência, fim, sofrimento e, por conseguinte, à idéia de morte. Praz
ilustra esse fato citando um trecho dos Goncourt:
A paixão das coisas não vem da bondade ou da beleza pura dessas
coisas, mas, sobretudo de sua corrupção. Ama-se loucamente uma
mulher por sua prostituição, pela maldade de seu espírito, pela
vulgaridade de sua cabeça, de seus sentidos; tem-se um gosto
desregrado por uma ração através de seu odor avançado e que fede.
36
No fundo, o que o apaixona: é a decomposição dos seres e das
coisas. (1996: 63)
Diante deste gosto pela decomposição, que representa um antagonismo em
si, pode-se tentar justificá-lo pela seguinte percepção: a decomposição é vista
como perda, a priori, e como ganho experimental (dos sentidos), a posteriori. A
ânsia romântica centrava-se nas sensações que a beleza da morte poderia acrescer
ao espírito diferenciado. Baudelaire argumenta: “Para certos espíritos mais
curiosos e mais entediados, o gozo da feiúra provém de um sentimento ainda mais
misterioso, que é a sede do desconhecido e o gosto pelo horrível” (Praz 1996: 61).
Desta afirmação se pode depreender o seguinte encadeamento da estética da morte
romântica: o melancólico espírito do homem romântico leva ao tédio, e este ao
anseio de novas experiências. A seguinte afirmação corrobora esta síntese: “O
grande objeto da vida é a sensação, sentir que existimos, mesmo em sofrimento”,
teria escrito o poeta Byron, ícone do romantismo, à sua esposa, segundo Praz
(1996: 85). O romântico, então, mergulha na estética da vida que perecerá e na
vida perecida (a própria morte), buscando o “desconhecido” que contém o “novo”.
É como se a morte tivesse sido redescoberta. Praz, em análise do discurso do
poeta Shelley sobre seu fascínio pela imagem da Medusa (tida comumente como
assustadora pela feição monstruosa), nota que, nas palavras dele
A dor e o prazer combinam numa única impressão nesses versos;
dos mesmos motivos que deveriam gerar aversão o vulto lívido
do busto, o emaranhado das víboras, o rigor da morte, a luz
sinistra, os animais asquerosos, o sardão e o morcego brota um
novo sentido de beleza traiçoeira e contaminada, um novo calafrio.
(1996: 44)
37
Com base nessas assertivas, pode-se entrever no romântico uma espécie de
natureza entediada, melancólica e, por isso, desejosa de outras descobertas.
Procurou-se neste trabalho pensar em que consistiria essa busca pela morte e sua
conseqüente descoberta – a peculiar estética da morte:
O conflito entre a limitação do real e a infinitude do ideal é
constitutivo do movimento romântico e permite compreender o
sentido da exigência de unidade. Estrutura, podemos dizer, a
polaridade dentro da qual se movimenta a alma romântica, a fonte
que a alimenta. A reconquista da unidade, do infinito sempre
distante, determina a nostalgia romântica. (2002: 92)
Esta afirmação de Gerd Borheim remete a uma questão que aflige o
romântico: o real limitado e o ideal infinito que, segundo ele, “polarizam” a alma
romântica. Dentro dessa perspectiva, poder-se-ia pensar a morte apreendida nos
limites do real e percebida no ilimitado ideal do imaginário. O motivo da beleza
da morte, evocada pela sensibilidade atormentada do romântico, poderia visar ao
sentido de unidade (transpostas as significações do autor a esta idéia), o valor de
síntese da morte. Praz, analisando versos de Baudelaire, afirma:
Suprema potência de abstração de um lado (‘Eu amo a ti como à
abóbada noturna’), e de outro aquele gosto de imundice que sugere
imagens de um mundo subterrâneo, putrescente (‘Como um coro
de vermes a um corpo sem vida’): a grande síntese, diria Flaubert.
(1996: 63)
A morte e seus aspectos horrendos, revitalizados pela beleza que lhes foi
descoberta, poderiam representar, nesse sentido, a síntese da vida, e eis uma
possível busca romântica.
38
1.2.3 Sobre a melancolia romântica
Para a compreensão das mentalidades românticas sobre a morte,
inicialmente é necessário buscar a origem do sentimento melancólico vigente no
século XIX. Tendo sido uma época de várias transformações no contexto sócio-
econômico, interligadas à prática capitalista, pode-se entender que essas mudanças
estendiam-se até as preocupações funéreas, e que por isso mesmo adicionavam
uma noção monetária às concepções da morte, alterando os habituais parâmetros e
lançando ao romântico duas visões. Uma primeira, a dos novos padrões sociais
sobre a morte, que se organizavam coletivamente configurando-se nas práticas
desejáveis guiadas pela noção de “morrer bem”; e uma segunda, a de nostalgia do
passado, quando as práticas mortuárias pareciam valorizar mais o homem e sua
alma do que sua posição social no mundo capitalista.
Löwy e Sayre, na obra Romantismo e Política, analisam as transformações
histórico-econômicas do período como influentes na visão romântica do mundo:
“... o fenômeno romântico deve ser compreendido como resposta a essa
transformação mais lenta e mais profunda de ordem econômica e social que é
o advento do capitalismo” (1993: 18). Este último, com suas transformações sobre
os valores sociais e culturais do homem, levam-no a uma “reação de hostilidade à
realidade atual, uma recusa quase total, e freqüentemente, de grande intensidade
afetiva, do presente” (1993: 20). Os autores, então, correlacionam esta reação
hostil com aquilo que denominam “romantismo anticapitalista”, que percebe
negativamente a “fragmentação social”, “o isolamento radical do indivíduo na
sociedade” e “a concorrência que separa os indivíduos em nômades egoístas,
hostis e indiferentes aos outros” (1993: 22). Poderia-se inferir que estas novas
39
características do capitalismo refletem-se também na relação da sociedade com a
morte, como se verificará ao longo deste trabalho, acentuando a percepção daquilo
que os autores chamam de “perda”:
A visão romântica caracteriza-se pela dolorosa convicção de que
faltam ao real presente certos valores que foram alienados. Sentido
aguçado, portanto, da alienação no presente, uma alienação vivida
freqüentemente como exílio (...) (1993: 22).
As transformações na conduta com a morte veiculavam exatamente novas
construções da mentalidade capitalista burguesa. A resposta àquela necessidade de
fuga da “nova realidade” teria sido então a retomada, através da imaginação, de
valores que se consideravam perdidos, como afirmam os autores: “aspecto
importante do romantismo, portanto, é o ‘reencantamento’ do mundo pela
imaginação” (1993: 21). Na implicação de que a representação literária da morte
se dá, em grande parte, pela escritura poética, pode-se observar a poesia como um
expoente da mentalidade utópica a respeito da morte. Nessa visão literária, eis a
amargura da desilusão observada por Edgar Morin:
o contributo da sensibilidade mágica, na literatura, não é tomado à
letra: a estética crê nos seus mitos, sem neles crer. Daí essa
amargura e essa felicidade que, ao mesmo tempo, consolam,
entristecem, encorajam e desencorajam, que fazem viver
simultaneamente melhor e pior. Daí o caráter próprio da arte, que é
ópio que não adormece, mas que abre os lhos, o corpo e o coração
à realidade do homem e do mundo. (1970: 163)
Esta afirmação sobre a visão estética peculiar à era romântica remete-nos à
análise conduzida por Mário Praz. Para extrair a beleza da morte, e daí seu
encanto que leva ao sentimento erótico, transformou-se aos olhos românticos a
noção de repulsa e sofrimento. Pelo prisma literário, a poesia romântica exprimiu
40
esta noção exacerbada da sensibilidade. Paulo Prado, em análise do romantismo
europeu e brasileiro, corrobora esse argumento afirmando que: “O romantismo foi
de fato um criador de tristeza pela preocupação absorvente da miséria humana, da
contingência das coisas, e sobretudo pelo que Joubert chamava o insuportável
desejo de procurar a felicidade num mundo imaginário” (1981: 127). A morte, a
grande miséria humana, atormentava a natureza romântica alterando a relação do
homem com o seu sofrimento: “O romântico adora a própria dor. É a fonte mais
abundante de sua inspiração. ‘Homem, exclamava o autor de Atala, tu existes
pela tristeza de tua alma e pela eterna melancolia do teu pensamento’” (1981:
127).
Antonio Candido analisa a melancolia romântica do poeta como uma
inadequação da expressão artística à realidade. A dificuldade em exprimir esta
nova qualidade de sentimentos, exaltados através da palavra, que parece
insuficiente para tal demonstração, gera no poeta o que Candido denomina de
“consciência de desajuste”. Ele afirma:
Boa parte do mal do século provém desta condição estética:
desconfiança da palavra em face do objeto que lhe toca exprimir.
Daí o desejo de fuga, tão encontradiço na literatura romântica sob a
forma de invocação da morte, ou ‘lembrança de morrer’; nela
uma corrente pessimista, para a qual a própria vida parece o mal.
(1997: 29)
O pessimismo poderia ainda propiciar outras expressões do espírito, como
o “satanismo” e a “revolta” devido à revisão moral ocorrida no romantismo, que
questionava antigos valores. Pela sensibilidade peculiarmente romântica, estas
expressões incorporaram-se como naturais ao homem:
41
Pessimismo e sadismo condicionam a manifestação mais
espetacular e original do espírito romântico o satanismo, a
negação e a revolta contra os valores sociais, quer pela ironia e o
sarcasmo, quer pelo ataque desabrido. Aquelas gerações assistiram
a uma tal liquidação de valores éticos, políticos e estéticos, que não
poderiam deixar de exprimir dúvida ante os valores em geral, e
curiosidade por tudo quanto fosse exceção ou contradição das
normas. O crime, o cio, os desvios sexuais e morais, que a
literatura do século XVIII começara a tratar com cinismo ou
impudor, entram de repente em rajada para o romance e a poesia,
tratados dramaticamente como expressões próprias do homem,
tanto quanto a virtude, a temperança, a normalidade. (1997:30)
O modo romântico de sentir, então, alterava-se em face dessa revisão do
mundo; donde se pode inferir que a idéia da morte, sob um renovado ponto de
vista, apresentava-se na poesia como uma “expressão própria” dos poetas. O
romântico parece ver a idéia da morte (ou de fim das coisas) como uma solução
estética para seu desacordo com as práticas reais.
42
CAPÍTULO II
MORTE NAS HISTÓRIAS DA LITERATURA ROMÂNTICA BRASILEIRA
2.1 Introdução dos Gêneros
A morte é um tema recorrente na literatura romântica brasileira, figurando
nos diferentes gêneros discursivos. Escritores obstinados ou reflexo da obsessão
de uma sociedade? Do ponto de vista lítero-historiográfico brasileiro, a insistência
temática originava-se de dois fatores básicos: a) a própria natureza debilitada dos
poetas, que eram frágeis fisicamente e portavam alguma das doenças fatais da
época, ou que, se eram saudáveis, perdiam a saúde física e emocional
experimentando uma vida desregrada; b) o ambiente melancólico que se
configurou no século XIX, fixando um ar de perenidade a tudo. na visão de
alguns historiadores e estudiosos da história de mentalidades, através da literatura
pode-se compreender as visões coletivas do período oitocentista sobre o tema da
morte. um grande número de histórias literárias brasileiras em que se pode
consultar aquela constatação; em contrapartida, poucos estudos sobre a morte
no século XIX, especificamente na sociedade brasileira.
43
As histórias literárias brasileiras não trabalham com motivos ou temas, a
princípio; antes, se estruturam semelhantemente em sistematizações cronológicas
e diacrônicas que privilegiam a apresentação de datas, períodos, autores e obras.
No entanto, as obras historiográficas diferem na abordagem da literatura brasileira
com os seguintes enfoques, fundamentalmente: o social, o histórico, o estético e o
psicológico este último associado a algum dos outros. A partir desses enfoques,
algumas das histórias literárias apresentam o estudo de determinadas temáticas,
desde que inseridas na sistematização. Assim se tem a divisão dos autores e obras
em períodos com características próprias: religiosidade, indianismo, subjetivismo,
condoreirismo, entre outras. A historiografia recorre a esses mesmos temas,
ocorrendo assim uma cristalização de valores temáticos relacionados à formação
da nação. Por exemplo, observa-se a abordagem do nacionalismo na linha
indianista que, através da figura do índio, apresenta valores como a grandeza, o
heroísmo, a nobreza, a honra.
Assim, com base na premissa do não envolvimento das histórias literárias
com motivos que fogem aos motivos clássicos de caracterização da identidade do
país eis a razão de prestigiar aquelas temáticas –, fez-se um levantamento do
tema da morte na literatura romântica a partir de algumas histórias literárias. O
intuito foi identificar os registros do assunto e compreender o mecanismo das
histórias literárias em relação ao tema proposto. As histórias literárias escolhidas
foram as seguintes: História da Literatura Brasileira (1888) de Sílvio Romero,
História da Literatura Brasileira (1916) de José Veríssimo, Pequena História da
Literatura Brasileira (1919) de Ronald de Carvalho, Aspectos da Literatura
Brasileira (1943) de Mário de Andrade, História da Literatura Brasileira (1955)
de Antonio Soares Amora, Quadro Sintético da Literatura Brasileira (1956) de
44
Alceu Amoroso Lima, A Literatura no Brasil (1956) de Afrânio Coutinho,
Formação da Literatura Brasileira (1959) de Antonio Candido, O Romantismo
(1967) de Antonio Soares Amora, Do Barroco ao Modernismo (1967) de Péricles
Eugênio da Silva Ramos, História Concisa da Literatura Brasileira (1970) de
Alfredo Bosi. A historiografia de maior monta começa com Sílvio Romero; as
premissas por ele identificadas em relação ao romantismo mantêm-se até mesmo
na História Concisa da Literatura de Bosi. As pequenas diferenças de tratamento
devem-se ao estilo ou à amplitude da análise. Estas histórias são as percebidas
como caminhos mais sólidos e aceitos pela crítica acadêmica.
2.1.1 Drama
O gênero dramático no romantismo não é abordado por todas as histórias
literárias; as que tratam desta questão analisam autores, obras e alguns traços
temáticos característicos. As obras historiográficas em que se encontrou a menção
da morte neste gênero foram as de Sílvio Romero, História da Literatura
Brasileira; de Antônio Soares Amora, O Romantismo; e de Mário de Andrade,
Aspectos da Literatura Brasileira.
Leonor de Mendonça, peça de Gonçalves Dias, tem na morte da
protagonista, esposa infeliz e submissa, um motivo social arraigado à trama,
investigado por alguns dos historiadores da literatura. Romero, a fim de explicitar
a intenção moralizante, transcreve a fala do próprio escritor sobre a referida obra:
“A ação do drama é a morte de Leonor de Mendonça por seu marido...” (Romero
1960: 3, 936). Gonçalves Dias prossegue explicando as razões da escolha deste
destino funesto para a personagem: Leonor de Mendonça, inocente e castigada,
45
será infeliz, desesperada ou resignada. Ora o remorso é mais instrutivo do que o
desespero e do que a resignação, como o crime é mais dramático do que a virtude:
pena é que assim seja, mas assim é” (Romero 1960: 3, 937). E conclui afirmando
a escolha da razão moral da morte: “Porque então segui o pior? É porque tenho
para mim que toda a obra artística ou literária deve conter um pensamento severo:
debaixo das flores da poesia deve esconder-se uma verdade incisiva e áspera,
como diz Vítor Hugo, em cada mulher formosa sempre há um esqueleto” (Romero
1960: 3, 937). Gonçalves Dias ainda justifica sua escolha afirmando que desejou
representar uma fatalidade condicionada pela mentalidade da época. A morte da
mulher submissa ao homem, ou seja, a submissão dessa mulher como prática
social, condiciona o destino fatal a ela. “Aqui está a fatalidade, que é filha de
nossos hábitos. Se a mulher não fosse escrava, como é de fato, D. Jaime não
mataria sua mulher. Houve nessa morte a fatalidade, filha da civilização que foi e
que ainda é hoje” (Romero 1960: 3, 938). Soares Amora e Bosi também expõem
trechos desta mesma fala de Gonçalves Dias, a fim de ilustrar a opção final do
autor pela fatalidade.
Soares Amora se debruça ainda sobre a peça de Casimiro de Abreu
Camões e Jaú, sublinhando o desejo do protagonista poeta de morrer na pátria ou
a vontade de eternizar a lembrança desta, na impossibilidade de realização. O
historiador entrevê nesta atitude literária do jovem escritor a extensão de um
pensamento biográfico, no qual considera importante morrer em solo pátrio, um
valor unânime no romantismo. Pode-se aludir aqui a “Canção do Exílio” poema
dividido em vários fragmentos que o tornam mais longo que o poema de
Gonçalves Dias em que o autor demonstra preocupação em morrer jovem e
longe de seu país. Morin, em análise da importância dada ao ato de se morrer na
46
pátria, atribui uma explicação psicanalítica em que a terra possui uma conotação
materna, de acolhimento: “Seja como for, é provável que a partir do regresso, do
cadáver ou esqueleto ao elemento terrestre as analogias cosmo-mórficas de morte-
renascimento tenham ligado a morte com a terra bastante cedo: a terra, onde a
morte se irá transmutar em nascimento, evoca a determinação materna” (1970:
114).
Outro elemento verificado na historiografia constitui-se na morte amorosa
enquanto opção estética para os próprios conflitos sentimentais da dramaturgia
romântica. Dessa forma, Mário de Andrade analisa a morte de amor no drama de
Gonçalves Dias como uma concepção interna ao próprio autor, que assim preferia
o amor: ligado à morte. Numa análise um tanto psicológica da natureza de
Gonçalves Dias, ele argumenta que o autor possui uma filosofia pessimista sobre
as mulheres, que causaria uma certa incerteza em relação ao amor. O ensaísta,
então, observa no dramaturgo uma “concepção ansiosa de aniquilamento”, na qual
ele prima pela morte ao invés da realização do amor. (19??: 216). Essa escolha
pela “morte de amor” é verificada nos dramas Patkull, Leonor de Mendonça,
Beatriz Censi e Boabdil. Mário de Andrade examina ainda que, por trás desse
“aniquilamento”, haveria na verdade o que ele denomina de “tema medroso do
morrer no amor”. E afirma: “Assim na concepção pessimista que Gonçalves Dias
tem do amor, ele foge sintomaticamente da realização, não quer a ‘minha amante
enfim’ de Castro Alves” (19??: 217). Ou seja, esse tipo de aflição sentimental
romântica tem seus reflexos no drama, cuja solução estética é a preservação do
ideal de amor que se tinha e que, afastando a possibilidade de realização, poderia
ao menos se sublimar na morte.
47
2.1.2 Romance
A morte no romance romântico carreia a mesma espécie de condição
moralizante que o drama, visto anteriormente. Além do tema da fatalidade tida
como punição ou enobrecimento, desenvolve-se a temática da cortesã coibida em
viver seu amor, a exemplo dos célebres romances europeus. Desse modo, em
análise das diferenças sociais enquanto características nos romances de José de
Alencar, Antonio Candido (1997: 2, 206) considera em Lucíola o processo de
autopunição da protagonista por não se encaixar nos padrões morais de seu par
romântico. Com ele concorda Heron de Alencar (1986: 3, 303) ao ressaltar a
morte como purificação dos pecados da heroína prostituta, no que ele denomina a
“redenção da mulher perdida”.
Ainda no raciocínio da morte como elemento organizador dos fatos da
história, Candido examina obras de outros dois romancistas: Teixeira e Sousa e
Visconde de Taunay. Em relação ao primeiro, Candido analisa que em três de seus
romances (A Providência, A Fatalidade de dois Jovens e o Filho do Pescador) a
morte é uma “fatalidade”, que possui a função de reordenar certos fatos
reconduzindo a moral na história. Sobre estes romances, ele afirma: “daí a função
muito especial do elemento preponderante dos seus livros, que engloba os demais:
– a fatalidade geralmente mostrada como providência, isto é, supeordenação dos
acontecimentos por algo que promove a pena e retribuição dos atos” (1997: 2,
216). no romance Inocência, de Visconde de Taunay, Candido observa certos
“tipos” românticos – os que morrem de amor – remetendo-os a Tristão e Isolda. A
temática do amor impossível ou interrompido pela morte é analisado na obra de
48
Coutinho (1986), onde Heron de Alencar enumera uma série de argumentos de
ordem social e moral que impediriam a união de determinados pares românticos.
O autor examina que o amor era um conceito fundamental para o
romântico, no sentido de que somente este poderia unir duas almas, a despeito do
nível social ou vontade dos pais, por exemplo. Estes dois impedimentos eram
responsáveis pela não realização do amor, tanto pelo preconceito existente em
uma união entre pessoas de classes diversas, como pelo imperativo da vontade dos
pais sobre a união amorosa de seus filhos. E afirma:
Contra essa moral burguesa é que lutam os românticos, heróis ou
heroínas, defendendo os direitos do sentimento e do coração. Essa
luta é feita de sofrimentos e provações, servindo-lhe de
contraponto a permanente idéia de que a união de duas almas, pelo
amor, poderá ser conseguida na morte, caso os conflitos não se
resolvam romanticamente, como ocorre quase sempre. (1986: 3,
302)
Quando a morte separava dois amantes, o sofrimento permanecia sobre o
vivo, que desejava perpetuar a memória do ente morto. O romance Encarnação,
de José de Alencar, exemplifica a situação analisada por Heron de Alencar
afirmando que a ocorrência da relação amor e morte na literatura romântica era
uma necessidade:
No estudo do amor romântico, há um aspecto que merece particular
atenção: é a permanente vinculação do amor à idéia da morte. E
não somente à idéia ou à consciência da morte, mas, muita vez, à
própria necessidade da morte. A partir do gesto desesperado de
Werther, o Romantismo, na vida real ou na literatura, foi
inundando de suicídios e de mortes. (1986: 3, 304)
Esta afirmação remete à noção de experimento sensível entre os contrários,
de que fala Mário Praz. Ele se refere, por exemplo, à aparente oposição entre amor
49
e morte que, no romantismo, passa a convergir os dois aspectos, tornando-os
indissociáveis. O romântico, se não procurar vivenciar esta noção, vai expressá-la
na literatura de tal forma a exaltar a sensibilidade, a transmitir a sensação contida
na experiência.
Outra questão levantada pelo estudioso para explicar a voga do binômio
amor e morte no romantismo centra-se na idéia de que o amor triunfa sobre os
males da vida, através da morte:
É possível que, no desenvolvimento desse tema, a bela história dos
amantes de Verona tenha exercido influência poderosa; carregado
sempre de violenta paixão e de subjetivismo extremo, o amor
romântico, que independe do objeto amado, encontra na morte a
forma mais pura de realização. (1986: 3, 304)
Em outros romances Jerônimo Corte Real, de Pereira da Silva, e Tardes
de um pintor, de Teixeira e Sousa Heron de Alencar observa a tendência de se
levar ao extremo a vertente “amor e morte”, com a presença de mortes simbólicas
além das reais aniquilações. A linguagem utilizada para expressar a fatalidade
desejável também se apresentaria carregada no sentido dramático, como em certas
falas no romance de Joaquim Manuel de Macedo examinadas por Heron de
Alencar. Ao partir para a análise da obra de José de Alencar, o historiador o faz
contrapondo-a com outras duas obras: Inocência, de Taunay e O Cabeleira, de
Távora. Sobre estes, ele reflete que a presença de elementos realistas
combinados com a morte romântica a despiria do triunfo final, o de realizar-se
além da vida. Ou seja, naqueles romances, as mortes “não implicam a união dos
dois amantes” (1986: 3, 305); porém, na obra de Alencar, “Álvaro e Isabel, Peri e
Ceci, Martin e Iracema, todos esses são pares românticos marcados pela morte
redentora” (1986: 3, 305). Ou seja, nestes últimos, a alma libertada da opressão
50
das forças de impedimento em vida poderá seguir livre para vivê-lo em outro
plano.
A figura da mulher fatal, aqui entendida como ameaça de levar o homem à
morte que representa a realização da paixão, constitui-se em outro aspecto
abordado por Heron de Alencar ainda dentro da relação amor e morte. Os
arroubos mortais da paixão partiriam da associação da figura da mulher ao diabo,
à conseqüência malévola. Ele exemplifica essa ocorrência com o romance
Vicentina, de Macedo.
Um outro romance de Casimiro de Abreu relacionado ao tema da morte é
Carolina, no qual há um trágico desfecho de morte. Soares Amora analisa a
atmosfera passional da obra como condutora do caminho fatal dos personagens.
Ao analisar o romance Iracema, de Alencar, comparando-o à obra Átala, do poeta
Chateaubriand, em diversos aspectos verifica a semelhança do drama feminino,
carreador da morte, presente nas duas obras: “Semelhantes são ainda as duas obras
no drama que desenvolvem: virgens índias, dotadas de raros atributos de bondade
e de sedução gentil, vêm a ser vítimas do amor, que lhes violenta o estado de
ingenuidade e as conduz, não importa que por caminhos diversos, à morte...”
(1969: 276). Soares Amora ainda verifica o romance O Seminarista, de Bernardo
de Guimarães, no qual observa o tema do fatalismo no amor, argumentando que
este, entre outros temas, ainda estava em voga para o público da época.
2.1.3 Poesia
A poesia, por ser o gênero literário mais freqüente no romantismo, torna-se
uma fonte eficiente do tema da morte, merecendo uma menção mais extensa dos
51
historiadores da literatura, que a dividem segundo períodos temáticos. Quanto aos
outros gêneros, por serem menos freqüentes são agrupados não por períodos, mas
por autores. A propósito da poesia romântica brasileira, os historiadores da
literatura abordam as clássicas temáticas religiosidade, indianismo, subjetivismo
e condoreirismo para citar as recorrentes, devido à tradição estabelecida de
estudar os autores que representam estes temas. O tema da morte, apesar de estar
intrinsecamente ligado à produção poética do romantismo, não é abordado por
todas as histórias; as que o mencionam, ou relacionam-no à biografia dos poetas
ou dispensam poucas linhas a especulações insuficientes. Porém, em algumas
histórias literárias, há uma preocupação maior em encará-lo como temática
essencial deste gênero romântico.
Na tradição literária historiográfica brasileira advinda de lvio Romero,
o tema da morte nos poetas românticos associa-se à “biografia enfermiça” dos
poetas; outras histórias literárias corroboram tal idéia, mesmo apresentando
perspectivas de trabalho diferentes da de Romero. Veríssimo, por exemplo,
concorda com Romero em relação ao dado biográfico e conclui ainda que a
influência de poetas estrangeiros, cuja obra reflete fundos melancólicos e
deprimentes, colabora para este estado de enfermidade que leva o romântico a
cantar a morte. Um aprofundamento da abordagem do tema da morte na literatura
romântica verifica-se nas histórias literárias de Candido, Coutinho e Soares
Amora, que o apresentam como motivo poético, propondo argumentos que
efetivam a importância desta discussão.
Sílvio Romero dedica dois volumes ao estudo do romantismo. Sabe-se
que o autor utiliza o enfoque sócio-político em sua análise da literatura, dentro de
52
uma visão positivista que se estabelecia quando da realização da obra. Benedito
Nunes, sobre Romero, afirma que:
Mas o meio (...) e a raça (...) não lhe bastaram para explicar a vida
espiritual do povo brasileiro de que a literatura seria a expressão
mais completa. Figurando em terceiro lugar, numa hierarquia
oscilante de causas, os fatos políticos e econômicos, bem assim
como a instigação das correntes estrangeiras, influiriam tanto ou
mais, na conformação da literatura e de suas tendências, quanto os
fatores mesológico e étnico. (1998: 227)
Dessa forma, a poesia romântica na história literária de Romero é
analisada pela ótica que observa o poeta como produto de seu meio: “meu fito é
fazer a história das idéias de preferência à simples apreciação estética” (Romero
1960: 3, 843). Ele não aborda o tema da morte enquanto motivo; suas observações
a respeito do assunto limitam-se a fatos biográficos da vida dos poetas
românticos. Pode-se verificar essa conduta em afirmações como “sucumbiram
pela mor parte por debilidade natural, ou por descalabros produzidos pelo vício”
(1960: 3, 857) ou, ainda, sobre Álvares de Azevedo: “Sua poesia sentimental e
aérea não resistiria aos embates do tempo. Produto enfermiço, deveria durar um
momento, e assim aconteceu” (1960: 3, 762). É feita uma breve referência ao
tema da morte, referindo-se a três composições poéticas de autores distintos
Araújo Viana, Laurindo Rabelo e Tobias Barreto como sendo as mais
representativas acerca do tema. Sobre elas, Romero faz a seguinte afirmação:
“Representam o pensamento da morte em três fases diversas da literatura
brasileira” (1960: 3, 716). Ele cita trechos dos poemas e neles analisa brevemente
o sentimento da morte. Além destes registros, ele cita um ou outro aspecto da
morte presente em poemas de autores menos consagrados sem, contudo,
desenvolvê-lo.
53
O motivo da morte na literatura romântica é reconhecido pela História da
Literatura Brasileira de José Veríssimo, que analisa a poesia romântica de um
ponto de vista mais estético, emitindo comentários sobre cada autor e suas obras:
“Com os poetas da segunda geração romântica, nomeadamente com Álvares de
Azevedo, entra um novo motivo da poesia brasileira, a morte” (1963: 217). Ele
analisa que o tema surge primeiramente com Gonçalves Dias, que seria um poeta
melancólico a exercer tal influência temática sobre os outros poetas daquele
período. Porém, associa-o ainda à doença e fragilidade dos poetas e ao desacordo
com que se confrontavam em suas vidas:
À natureza débil e doentia desse poetas juntaram-se em todos eles
circunstâncias pessoais de desacordo com o seu ambiente
doméstico ou meio social que lhes agravaram o triste estado d’alma
para o qual os predispunha a sua astenia. Também passara a
época dos grandes entusiasmos e vastas esperanças criada pelos
sucessos conseqüentes à Independência e ao 7 de abril. A nação
entrava na sua existência sossegada e pouco estimulante de
quaisquer energias. (1963: 217)
Veríssimo observa que a idéia da morte era uma obsessão nos seguintes
poetas: Álvares de Azevedo em que esta fixação era, por vezes, a entrada para
falar de outro tema, o amor; Junqueira Freire, cuja inadequação na carreira
religiosa exacerbava-lhe a natural angústia romântica; e Casimiro de Abreu, cuja
melancolia extremada, somada ao “pressentimento de sua morte”, levava-o a fazer
versos fúnebres. Apesar de verificar, ainda que brevemente, a temática como
motivo literário, Veríssimo não se estende na análise necessária à compreensão do
tema. E, semelhantemente a Romero, ressalta fatos na biografia dos poetas
românticos como razões da melancolia, do desespero e da doença, que leva à
morte. O historiador estrutura a sua obra em um fundamento estético, afastando-se
54
da perspectiva de Romero; no entanto, não aplica ao motivo da morte tal método
investigativo, com o qual buscasse explicar a mudança na sensibilidade estética da
época.
Outro possível indicador das razões românticas em cantar a morte é
desvelado na obra de Ronald de Carvalho, onde ele examina a poesia romântica
por uma visão estética (a questão do gosto) e por um enfoque social (as condições
sanitárias e os recursos da medicina), semelhantemente a Romero. Ao concordar
com ele sobre o caráter patológico dos escritores, que os faz “apreciar a
enfermidade”, Carvalho reflete sobre o que ele denomina de “sofrimento moral”
como sendo o fator comum que agrupa a segunda geração romântica de poetas nos
temas mórbidos. Esse sofrimento pode ser entendido como o conflito interior
vivenciado pelos jovens escritores, divididos entre o prazer do desregramento em
viver e o desejo de não se macular. A exemplo dos que se atiraram a idéias de
morte, ele cita Junqueira Freire – levado pelo desespero da falta de vocação
celibatária e Álvares de Azevedo sequioso pelos aspectos mórbidos da carne.
A intenção de constituir uma breve história literária leva Carvalho a priorizar a
descrição dos poetas e suas biografias, apresentando curtos ensaios estéticos de
poemas.
Tal aspecto de aflição moral referido por Carvalho é retomado e
desenvolvido por Soares Amora, que, em análise da poética de Álvares de
Azevedo, observa a relação problemática de vida e pecado. Do desvario em que
viviam os poetas da geração azevediana originava-se o arrependimento, a culpa
moral que só poderia ser redimida pela morte. Amora examina esse fator de
redenção enumerando aspectos já decantados por outros críticos sobre a
55
recorrência temática da morte em Azevedo; pela relevância, pretende-se aqui
sublinhar apenas três deles:
b) que o sentimento da morte e mesmo seu desejo, eram naturais
num jovem que experimentava a ‘febre da vida juvenil’ e
conseqüentemente o sentimento do nojo da vida e da exaustão de
todas as suas energias (...) c) que tal exaustão e nojo o levariam,
como levaram, fatalmente, ao arrependimento e ao anseio de
salvação pela Misericórdia de Deus (...) d) que em face do
arrependimento dos pecadores, a morte dos inocentes e dos
virtuosos (...) apesar de seus aspectos tétricos e dolorosos para os
vivos, era morte aparente, porque suas almas imaculadas iriam para
o seio de Deus. Evidentemente tudo isto não se pode deixar de
repetir, pois é indispensável à compreensão das fontes literárias do
Poeta, neste gênero de poesia, bem como à compreensão dos
sentimentos com que ele realizou esta poesia. (1969: 158)
O historiador conclui esta breve dissecação questionando-se qual seria a
razão de tal tema alcançar êxito naquele poeta. Haveria uma identificação do
público com essa sensibilidade da morte, porque este alcançava o “sentimento
profundo e dramático” referido na poesia de Azevedo antes mesmo de quaisquer
implicações mais complexas envolvidas. Aliás, Amora analisa que o poeta “soube
traduzir esse sentimento feito de autenticidade emotiva, em realidades e em idéias
ao alcance da emotividade e da reflexão do comum das pessoas” (Amora, 1969:
158). Ele observa ainda, em outro autor, a morte como um estado de espírito
transposto para os poemas. Trata-se de Castro Alves e suas Espumas Flutuantes
(1969: 185).
em outra obra historiográfica da literatura, História da Literatura
Brasileira (1963), Soares Amora trata da poesia romântica da mesma forma que
Alceu Amoroso Lima (1959), em caráter de concisão, dedicando poucas páginas a
seu estudo. Em seu Quadro Sintético da Literatura Brasileira, Lima dedica
poucas ginas aos poetas românticos, apresentando-os concisamente nos fatos
56
que se destacam na sua biografia e no contexto romântico. Desta maneira, não
menção a motivos literários nem à análise estética de poemas. O autor privilegia a
apresentação de autores e obras que considera representativos.
Uma das razões atribuídas por Soares Amora a tal redução é a seleção
representativa do cânone romântico, o que eliminaria referências dispensáveis e
que, segundo ele, estariam preenchendo ginas nas longas histórias literárias
anteriores. Ele afirma que:
As histórias de nossa literatura, muitas delas escritas mais com o
caráter de inventário bibliográfico que com espírito crítico,
aparecem atulhadas de nomes de autores e de títulos de obras
completamente esquecidos do público, o que quer dizer, à margem
do nosso vivo patrimônio espiritual. (1963: 53)
Desse modo, não menção a motivos literários. Sobre a poesia
romântica, o historiador afirma ser possível analisá-la pelo dado estético por
acreditar haver um “potencial lírico” nos poetas. Atribui esse potencial à raça,
assemelhando-se, nesse ponto, à concepção positivista de Romero. Amora
considera a existência de uma “escola de morrer moço”, à qual pertenceriam
Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu diante do presságio de suas mortes.
Nesse sentido, o historiador dialoga com Veríssimo ao reconhecer que a frágil
condição física e emocional daquela segunda geração levava muitos deles a termo:
Além das heranças ancestrais e das influências deprimentes do
ambiente e de poetas estrangeiros nimiamente admirados e
seguidos, contribuiu para a sua tristeza e desalento a sua fraqueza
física congênita ou sobrevinda, atestada pela existência enfermiça e
morte prematura de todos eles. (1963: 217)
Pôde-se entrever, até aqui, o percurso inicial traçado pelos historiadores da
literatura na tentativa de explicar as razões da morte na poesia. O trajeto apontado
57
centrou-se principalmente no fenômeno da morte precoce dos poetas. A esse
argumento somou-se posteriormente a observação de um espírito ou natureza
românticos, mais vinculados a elementos generalizantes como a imaginação e a
percepção estética, do que somente ao dado biográfico dos escritores. A exemplo
desta revisão na temática, os estudos de Candido e Coutinho. Sob uma
perspectiva histórica e estética, Candido associa a temática da morte na poesia ao
espírito romântico, tido como desajustado ao mundo em certos aspectos, entre os
quais a incompatibilidade entre vocação poética e uma carreira oficial a ser
seguida. Ele também analisa a morte como motivo estético associado à beleza e ao
amor, que seriam característicos do homem romântico. O historiador, portanto,
renova a idéia de busca do tema no dado biográfico dos escritores, ampliando-a
para a percepção de um espírito e de um tipo de homem representativos da era
romântica.
sob outra perspectiva, Coutinho examina a morte na poesia como
oriunda de um individualismo intrínseco à natureza do homem do século XIX
que remete à idéia de um espírito romântico, como em Candido. O
individualismo, responsável pela evasão da realidade, encontraria no romântico o
instrumento perfeito para realizar-se: a imaginação. Esta produziria, então,
imagens definidoras desse individual que, repleto de sentimentos circundantes da
melancolia e do mistério, culminaria na expressão da morte no romantismo.
Relatando uma série de aspectos ligados à imaginação, e que definem uma
característica romântica em oposição à corrente literária anterior, Coutinho
associa a idéia da morte a uma sensibilidade estética que cultivava o gosto
romântico pela “pluralidade de emoções”:
58
Para o romântico, mais seduzido pela complexidade da vida, é em
obediência a essa complexidade e à sua aparente desordem que se
impõe a mistura dos gêneros, aparecendo lado a lado a prosa e a
poesia, o sublime e o grotesco, o sério e o cômico, o divino e o
terrestre, a vida e a morte. (Coutinho 1986: 3, 11)
Assim é que nos poetas da segunda geração é ressaltado o elemento
imaginário presente na preocupação com a morte. Em Álvares de Azevedo, o
tema da morte é atribuído a sua “imaginação crepuscular”, ligada a um estado de
espírito próprio e a um individualismo típico dos românticos da segunda geração.
“Álvares de Azevedo, absorto no pensamento da morte, se preocupava com o
lado noturno: as sombras, o crepúsculo, a noite, os túmulos(Gomes 1986: 3,
142). Sobre Junqueira Freire, a morte é percebida conjuntamente ao excesso de
figuras retóricas em sua poesia, agravando o ambiente melancólico em que o autor
se encontrava. Segundo Eugênio Gomes, “o sentimento de morte o leva a desviar
os olhos da paisagem estuante de vida para os túmulos, que se enfileiravam entre
os claustros” (1986: 3, 159).
Para verificar esse desdobramento da imaginação no poeta Casimiro de
Abreu, Emanuel de Morais analisa primeiramente a sua exacerbação da juventude,
expresso em grande parte de sua obra. Deste modo, ao escrever sobre a morte, o
poeta reflete essa sua predileção pelos aspectos de ser jovem, demonstrando
grande lamentação em ter a mocidade e não a vida como um todo
interrompida:
Esse deslumbramento pela mocidade transformava-se, em
Casimiro de Abreu, na própria essência da vida. Viver significaria
fundamentalmente ser moço. E se a idéia da morte se lhe afigurava
dolorosa, a verdadeira dor não estaria em deixar a vida, mas na
circunstância de perder a mocidade. (Morais 1986: 3, 165)
59
Nesse aspecto, Fagundes Varela assemelha-se a Casimiro de Abreu ao
cantar as perdas sofridas com a morte, dividido, porém, entre viver intensamente e
dispendiar-se nesta entrega. O desregramento da vida, muito cantado por Byron e,
sob sua influência, por Azevedo, é explorado por Varela, embora estivesse
gasto pela segunda geração conforme argumenta Waltensir Dutra:
O byronismo de Varela reduz-se como em quase todos os
românticos a uma temática pobre, presa a pretextos na época
bastante explorados: a solidão, voluntária ou forçada; o desejo de
morrer, que se manifesta nas constantes invocações e chamamentos
da morte, a noiva, a incompreendida; prazer em ostentar
desperdício da vida, o que não impede que se lamente (e não
poucas vezes) de tê-la desperdiçado. (1986: 3, 191)
Assim, o componente imagético aproxima-o de Azevedo, com a utilização
do elemento sombrio expresso, por exemplo, na personificação da morte. “Se a
aparente ingenuidade de Casimiro de Abreu transparece nas cenas de roça e nas
descrições bucólicas, o pessimismo violento, o desejo de morte, a amargura e o
sofrimento sombrios mais o aproximam de Álvares de Azevedo” (Dutra 1986: 3,
190).
Conforme se afirmou anteriormente, a percepção de uma estética da morte
na poesia romântica brasileira é proposta por Candido, que examina aquela
através do que ele denomina de “máscaras”. Estas seriam as diferentes
representações estéticas expressas pelos poetas e muitas vezes antagônicas, como
a presença do bem e do mal, da pureza e da corrupção, da vida e da morte. E,
semelhantemente ao pensamento de Praz, que a morte romântica como
exercício da sensibilidade, Candido argumenta que esta opção estética era
realmente vivenciada pelos poetas:
60
Por isso parecem-nos definitiva e irremediavelmente românticos,
pois vivem no espírito e na carne um dos postulados fundamentais
do movimento – a volúpia dos opostos, a filosofia do belo-horrível.
E os mais característicos dentre eles, – Junqueira Freire, Álvares de
Azevedo, Varela – vivem perenemente do contraste e dele morrem.
(1997: 2, 133)
Ele observa ainda que a obsessão pela morte na poesia romântica
configurava-se como uma solução estética para o que ele denomina de “desajuste”
do poeta diante de seu instrumento, a palavra. Ao analisar o movimento de revisão
de idéias e valores no romantismo, afirma que diante da nova posição do homem
frente à natureza a sua dificuldade de expressar sentimentos frente a um
elemento supremo ocorreria uma consciência de deslocamento. Esta consciência
é que levaria o romântico ao devaneio e, conseqüentemente, à idéia de morte.
Candido analisa ainda as manifestações decorrentes desse pessimismo a relação
entre amor e morte como influência de Leopardi, exemplificada em poema de
Joaquim Manoel de Macedo, e o byronismo de fundo sarcástico e contraventor.
Macedo figuraria como um poeta menor, mas influenciado por autores maiores
como Gonçalves Dias e os da segunda geração, e possuiria apuração lírica e
recorrência de gostos temáticos por exemplo, o motivo estético romântico da
beleza da morte.
Ao estudar os poetas da segunda geração, Candido examina a influência
fatal dos contrastes sob os quais viviam:
Pessimismo, ‘humor negro’, perversidade, de mãos dadas com
ternura, singeleza, doçura, nestes poetas é que os devemos
procurar. Considerados em bloco, formam um conjunto em que se
manifestam as características mais peculiares do espírito
romântico. Inclusive a atração pela morte, a autodestruição dos que
não sentem ajustados ao mundo. (1997: 2, 134)
61
Ele atribui esse desajuste, entre outras oposições do romantismo, a uma
incompatibilidade entre a vocação poética e a carreira oficial que deveriam trilhar.
Por exemplo, em Junqueira Freire, sentimentos desencadeados pelo erro
vocacional ao celibato teriam desaguado na obsessão pela morte. Outra oposição
que Candido verifica é a da sede de viver intensamente, impossibilitada pela
inexperiência intrínseca à juventude, presente em Álvares de Azevedo. Nele, outra
vertente que se interliga ao tema da morte é a fantasia, o mundo imaginário, mais
forte que a realidade para o poeta, segundo o historiador. Já em Fagundes Varela,
Cândido analisa o poder das imagens poéticas associadas à essência da morte,
presentes no poema Cântico do Calvário”. Por refletirem grandiosidade e
esperança, estas imagens – “estrela, raio, luz”, por exemplo – justaporiam a dor da
morte e o consolo da mesma:
A importância do “Cântico do Calvário” não vem apenas do
impacto emocional, mas do cunho simbólico, onde se fundem a
experiência imediata (perda do filho) e a vista por ela aberta sobre
o mistério da criação poética, surgindo entre ambos a morte como
intercessor. (1997: 2, 237)
Aspectos da Literatura Brasileira, de Mário de Andrade, é uma obra
ensaística com estudos referentes a diferentes momentos da literatura; por tratar de
poesia romântica, justifica-se a sua inclusão entre as histórias literárias. Seu ensaio
sobre a poesia romântica brasileira é intitulado “Amor e Medo”. Eis a idéia central
que ele pretende focalizar nesse estudo, através de uma análise baseada no dado
estético e psicológico. Para ele, esta temática é recorrente por toda a poesia
romântica, e ocorreria inerentemente devido ao fato de os poetas serem todos
jovens como se pode perceber descontado o seu biografismo: “Assim é agradável
a gente buscar na poesia deles os temas preferidos da mocidade, e entre eles
62
escolho, pela sua importância, o do medo do amor” (Andrade, 19??: 200). O tema
da morte é abordado por Andrade, no início do ensaio, como sendo um assunto
apreciável pelos poetas em razão do fato de se morrer jovem, na impossibilidade
de se desfrutar a vida. O estudioso analisa essa questão da morte prematura como
oriunda de uma tendência ao suicídio e não de um infeliz acaso em que se morria
a contragosto. Trata-se de um argumento interessante, que desloca o sujeito
romântico da passividade em relação à sua morte e coloca-o frente ao seu gosto
pela mesma. Seguindo esse raciocínio, Andrade analisa:
O que me parece incontestável é que, assim como existe pandemia
de suicídio, de tempo em tempo tomando uma cidade, um país, o
mundo: certas outras formas aparentemente naturais de morte, são
suicídios também. (19??: 199)
Pode-se pensar, portanto, que a idéia de morte para os românticos consistia
em um processo natural e inevitável, mediante a melancolia e a doença. Na
realidade, porém, não havia naturalidade alguma nesse processo, e sim indícios de
um suicídio velado e não evitado já que a morte seria, de acordo com esse
raciocínio, ideária do fenômeno romântico. A observação de Andrade sobre a
temática da morte encontra justificativa na temática do amor medroso, irrealizado,
aspecto psicológico no qual se focaliza seu estudo. Os autores por ele elencados
nesta perspectiva são Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo. Sobre o primeiro,
analisa que a morte, em alguns de seus poemas, seria a alternativa escolhida pelo
escritor temeroso da completude do amor. Em relação ao segundo, Mário de
Andrade argumenta que não só o mesmo medo permeou seus poemas, como
incorporou-se à vida real de Azevedo, tornando-o obcecado pela idéia de morte.
63
Péricles Eugênio da Silva Ramos, a propósito da geração ultra-romântica,
entrevê nesse grupo o que ele denomina de “tema do sepulcro”. Em sua obra Do
Barroco ao Modernismo, utiliza a análise estética, incluindo aspectos formais
como versificação e composição. Nota-se diversas referências à Faculdade de
Direito de São Paulo, aos acontecimentos a ela ligados, aos escritores que
estudaram, o que parece se tratar de um critério geográfico de aspectos
selecionados dentro da obra. Por exemplo, a menção constante à influência de
Byron e seus temas poéticos para a segunda geração de autores ligados, em sua
grande maioria, à Sociedade Filomática formada na referida faculdade.
Alfredo Bosi reconhece haver uma temática da morte; ele enumera temas
com elementos opostos, como amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio,
todos provenientes da vertente subjetivista. Inicialmente, porém, vincula o tema
da morte a Gonçalves Dias; este teria como influência Alexandre Herculano, entre
outros autores. A seguir, ao tratar da segunda geração romântica, associa o tema
da morte ao individualismo característico dos jovens poetas, mortos
precocemente. Em Álvares de Azevedo, mesmo havendo outras vertentes
poéticas, como a erótica, a morte seria sempre uma constante herdada de poetas
ingleses como Byron e Blake. Bosi analisa essa sobreposição do eu no que ele
denomina romantismo egótico:
Ora, a oclusão do sujeito em si próprio é detectável por uma
fenomenologia bem conhecida: o devaneio, o erotismo difuso ou
obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da
morte, a depressão, a auto-ironia masoquista: desfigurações todas
de um desejo de viver que não logrou sair do labirinto onde se
aliena o jovem crescido em um meio romântico-burguês em fase de
estagnação. (1970: 120)
64
Diante desse pensamento, o historiador procurará observar como certas
imagens poéticas recorrentes na obra de cada poeta expressam determinados
traços psicológicos característicos, como a evasão, o sonho, a fuga, a existência
desregrada e o presságio da morte.
A partir da verificação proposta no início deste estudo, que pressupôs a
leitura integral de capítulos pertinentes ao romantismo e à poesia romântica nas
onze histórias literárias selecionadas, pode-se inferir algumas conclusões:
a) À exceção de Aspectos da Literatura Brasileira, de Mário de Andrade,
as outras histórias literárias aqui analisadas seguem uma visão diacrônica,
estruturando-se em uma cronologia de fatos históricos anteriormente estabelecida
por Sílvio Romero. Em sua História da Literatura Brasileira, ele avalia a
historiografia literária anterior àquela época, isto é, aquela iniciada pelo
romantismo, e estabelece a sua ordem histórica. No caso do romantismo, esta
ordem posiciona os escritores românticos em gerações, sistema que permanecerá
ao longo da historiografia literária. Pouco irá diferir o número de gerações e de
escritores elencados em cada uma.
b) As histórias literárias brasileiras elegem o cânone romântico que
represente a identidade nacional, corroborando com o conceito de nação que se
deseja estabelecer para o país. Desse modo, verifica-se que têm em comum a
discussão do fato nacional e o instinto de nacionalidade presentes no período
romântico a guiar as outras temáticas abordadas. Pode-se pensar que, por essa
razão, o cânone literário romântico pouco difere de uma história para outra e as
temáticas abordadas e relacionadas aos escritores são quase sempre as mesmas.
Não se pode deixar de observar, no entanto, um número maior de escritores
65
românticos registrados por Romero, Candido e Coutinho. Isto se deve,
naturalmente, ao maior número de páginas dedicadas ao assunto (volumes
inteiros) e à proposta analítica que estes historiadores possuem: Romero, uma
proposta documental, mais abrangente do que a escritura literária; Candido, uma
análise detalhada da formação da literatura brasileira, que se configura, segundo
ele, justamente no período romântico; e Coutinho, uma proposta periodológica, de
enfoque estilístico, que vai analisar determinadas recorrências.
c) Desta forma, a morte, por ser considerada um tema exclusivamente
subjetivo, fugiria da priorizada temática nacionalista e seus temas: indianismo,
condoreirismo, culto à natureza, entre outros. Pode-se, então, pensar que esse seja
um dos motivos pelos quais o tema da morte, apesar de ser constante e intrínseco
ao romantismo, é preterido pelas histórias literárias. Quase todos os historiadores
ao menos mencionam o tema ou a idéia presente na vida dos escritores
românticos; os que não fazem menção são aqueles cujas histórias literárias são
mais reduzidas em número de páginas.
d) Algumas histórias literárias, no entanto, apresentam uma preocupação
maior com o tema da morte. Veríssimo introduz o tema na história literária
nacional enquanto motivo; Amora observa sua tipologia temática. Candido e
Coutinho analisam o tema principalmente gerado em seu aspecto de desajuste com
o mundo. E Bosi reafirma uma idéia anterior na história literária, a da morte
ligada ao aspecto individualista do homem romântico. As histórias literárias aqui
elencadas não abordam a idéia da morte na poesia romântica enquanto motivo,
mas sim inserem-na no quadro de temáticas e características do romantismo.
e) O cânone literário associado à morte é quase sempre o mesmo, com
alguma variação: Álvares de Azevedo e Junqueira Freire são os autores mais
66
associados à temática morte. Alguns historiadores, no entanto, entrevêem traços
de angústia e melancolia que levam ao interesse pela morte nos escritores
Fagundes Varela e Casimiro de Abreu.
2.2 Temas românticos associados à morte
Na poesia, a estética da morte é construída em associação com
determinadas temáticas recorrentes que incorporam a idéia à peculiaridade do
espírito romântico. A historiografia literária brasileira levanta alguns destes temas,
como a ironia, o satanismo, a evasão, o sobrenatural, a beleza, o amor e a religião,
de uma maneira sintética. Alguns deles, melhor desenvolvidos por determinados
poetas, acabam por tornar-se característicos em cada um. Dessa forma, tem-se a
exemplo a ironia na percepção da morte em Álvares de Azevedo. Veríssimo a
analisa como oriunda do processo advindo de um embate interior entre o vigor da
juventude e a tristeza pelo presságio da morte:
Aos homens doentes e desconsolados pela idéia da morte, máxime
se são poetas, acontece recolherem-se em si mesmos e viverem de
uma vida interior (...) Alegrias e tristezas chocam-se-lhe na alma
jovem, ardente e ambiciosa, produzindo a ironia por vezes amarga
de alguns de seus poemas (...) os gritos de descrença e
desesperança desses e outros... (1963: 119)
Ele argumenta ainda que o tema da morte nesse poeta por vezes flui
inconscientemente, dada a obsessão temática, e, neste caso, secundariza-se diante
de outro tema que lhe seja mais recorrente, como o amor: “A idéia da morte é uma
obsessão em Álvares de Azevedo. Direta ou indiretamente, intencional ou
67
inconscientemente, aparece ou insinua-se-lhe nos versos como a que, com a do
amor, lhe é mais familiar” (1963: 220).
Soares Amora concorda com Veríssimo quanto ao desenvolvimento de
uma veia irônica em Álvares de Azevedo, presente em alguns poemas temáticos
da morte Um cadáver de poeta” e “Spleen e Charutos”, por exemplo. Essa
ironia refletiria sentimentos diversos entre a aflição e a satisfação, como afirma
Soares Amora: “Álvares de Azevedo desenvolveu a sua visão irônica e às vezes
sarcástica da existência, vivida por ele ou pelas personagens de seus ‘contos’ e
‘peças’, em termos de prazer e de cinismo, ou de angústias e revoltas, de gozos
materiais ou de delírios poéticos” (1969: 159). O historiador registra ainda a
influência do culto do byronismo em alguns poemas temáticos da morte escritos
por Fagundes Varela (“Sobre um túmulo”, “Fragmentos”). Neste poeta,
argumenta haver uma vertente religiosa nos versos à morte, que restaurava o
desequilíbrio da dor e da angústia: “a religiosidade lhe dava, a par de um
sentimento profundo de Deus, que via em tudo (...) uma extraordinária força de
resignação (...) e uma (ver “Cântico do Calvário”), que acabaram por levá-lo a
superar suas crises de desespero...” (1969: 181).
O tema da morte e sua relação com a temática do amor e medo é
examinada por Andrade com o argumento de que os jovens poetas românticos
eram receosos em relação ao amor e, por conseqüência, à mulher. A experiência
lírica da morte alimentaria esse receio, seja resolvendo-o pelo caráter de
purificação do amor pela morte, seja apresentando-se como solução que põe fim a
esse dilema. Assim, em Gonçalves Dias, ele entrevê um pessimismo em relação à
figura da mulher, pois este diz que “acaso ela corresponde sinceramente ao amor,
em vez de preferir que este se realize, deseja, ou acha preferível morrer de amor”
68
(19??: 215). Na rica de Azevedo, o medo do amor leva-o a ousar um contato
carnal com a amada enquanto ela dorme ou se estiver morta: “a mais bonita e mais
medrosa criação que Álvares de Azevedo inventa (...) está sim na imagem da
amante dormida. Que libertação! O poeta pode gosar o seu amor, junto com a
amada e ao mesmo tempo sozinho, fugido dos pavores que o perseguem” (19??:
225).
Essa preferência pela visão da mulher amada morta é ressaltada por
Antonio Candido ao analisar o poema “O poeta moribundo”, no qual verifica
elementos gubres como o “noivado macabro com a morte” (1997: 2, 162). Essa
associação entre amor e morte como tema explora também aspectos da necrofilia
o contato físico amoroso com a noiva morta os quais Candido verifica na
prosa Noite na Taverna e “Poema do Frade”. Em “O poeta moribundo”, o
historiador da literatura ainda observa a tonalidade satírica da morte, contrapondo-
a à sobriedade presente em outro poema temático, “Lembrança de Morrer”.
Em análise da lírica de Joaquim Manuel de Macedo, Candido observa
algumas características do romantismo relacionadas à morte: “a beleza da morte, o
seu caráter de fatalidade na vocação artística, libertando o poeta da incompreensão
do mundo” (1997: 2, 88). Ele relaciona, portanto, dois temas intrínsecos à morte
romântica: a beleza e a fatalidade. Esta última pode se referir ao amor (um
impedimento de vivê-lo que a morte resolveria), ao citado desajuste vocacional
que culmina na morte ou à fatalidade moral de que fala Gonçalves Dias (na qual
os próprios valores da sociedade causam a morte).
Os temas da fuga da realidade para um mundo próprio criado pela
imaginação são desenvolvidos por Coutinho e Bosi, que os analisam como
característica comum aos poetas da segunda geração. Dessa forma, conforme se
69
verificou anteriormente, Coutinho busca as origens do tema da morte
conjuntamente com outros temas afins “desolação, ruínas, túmulos, o gosto das
orgias e o ‘mal do século’” – e afirma que estes provêm da necessidade de fuga da
realidade, de “evadir-se do mundo, graças à imaginação, para uma época passada
ou um universo sobrenatural” (1986: 3, 8). Daí pode-se estipular uma razão para a
recorrência temática na geração subjetivista, adepta dos temas relativos à própria
dor de inadequação à realidade. Já Bosi, ao examinar as imagens poéticas
utilizadas por Azevedo, relaciona-as com os diferentes estados de espírito e
preocupações da alma do poeta. Dessa forma, elenca imagens que remetam ao
sonho, à depressão, a decadência, ao tédio, aos arroubos e também ao instinto de
morte.
2.3 Uma revisão dos poetas não reconhecidos na temática da morte
Como se viu até aqui, Álvares de Azevedo e Junqueira Freire são os poetas
freqüentemente elencados no tema da morte. Dessa forma, nomes como
Gonçalves Dias, Araújo Porto Alegre, Maciel Monteiro e Castro Alves costumam
ser associados a outras temáticas, respectivamente o indianismo, o retrato
histórico (em uma tentativa de síntese temática), o amor cortês, galanteador e o
condoreirismo, em que se destacam os temas sociais. Outros poetas como
Casimiro de Abreu e Fagundes Varela não são incluídos na veia lírica da morte
com a mesma freqüência que Álvares de Azevedo e Junqueira Freire, os dois mais
citados. Todos esses, no entanto, possuem poemas significativos sobre a morte,
como se verá adiante em análise do corpus.
70
Na historiografia literária, ainda a menção a outros poetas não
consagrados e que possuem poemas representativos sobre essa temática. Romero
cita os seguintes escritores como representativos do “pensamento” da morte:
Laurindo Rabelo e sua Saudade Branca”; Tobias Barreto e os “versos gravados
no túmulo de D. Hermina de Araújo” (1960: 3, 716); e Araújo Viana com versos
escritos à filha morta. Sobre este último, classificado na transição entre clássicos e
românticos, Romero argumenta que em seu poema “a simplicidade da linguagem
deixa ver em toda a força a verdade do sentimento” (1960: 3, 716). Sobre os
versos do citado poema de Rabelo, o historiador afirma:
estão bem retratados o talento e o pesar do poeta proletário e
sofredor, que viu seu irmão assassinado, sua irmã louca e morta. Aí
está o homem ainda crente e meio fantástico; está o delírio do
romantismo; mas o delírio sincero; crenças e dúvidas travam-se
n’alma do poeta. (1960: 3, 717)
Desse poeta, Romero ainda destaca outro poema, “Adeus ao mundo”,
escrito sob as circunstâncias da perda de um ente e do presságio da morte. Outro
historiador que também o considera temático da morte é Veríssimo. Para ele,
Rabelo teria sido um poeta muito suscetível à onda melancólica em voga no
romantismo, pois:
A desventura, o sofrimento, aumentou-lhe, porém, a tristeza dos da
sua geração e exacerbou-lhe a sensibilidade, e como a aqueles
criou-lhe a angústia da morte, que atormentava o poeta da Lira
dos Vinte Anos”, afligia a Junqueira Freire, a Casimiro de Abreu e
a outros da mesma família literária. (1963: 221)
Analisando os versos da citada poesia de Tobias Barreto, Romero verifica
haver “desalento e rebeldia ao mesmo tempo; uma certa resignação cheia de
amargor, a nulidade da vida esmagada pela cegueira estúpida da morte” (1960: 3,
71
718). Ele cita outros poemas de Barreto, considerado o iniciador da escola
condoreira no romantismo um deles escrito por ocasião da morte de um homem
heróico: “basta ouvir estas magoadas palavras, postas na boca de um filho do
bravo Capitão Pedro Afonso, quando no Recife se promoveu, em 1867, um
espetáculo em favor da família daquele digno oficial, reduzida à miséria com a
morte de seu heróico chefe” (1960: 4, 1222). Um dos poemas, escrito para um
companheiro morto, trata-se de uma ode à morte de J. Macário: “é um misto de
audácia e piedade, irreverência e prece, digna de atenção e estudo” (1960: 4,
1252).
também outros poetas mencionados: José Maria do Amaral, Dutra e
Melo, Luis Gama e Antonio Augusto de Mendonça. Do primeiro, são citados os
poemas “Desengano” e “Tristeza Amarga”. Tido por Romero como poeta de
transição entre clássicos e árcades, no primeiro poema expõe um “desfolhar de
suas esperanças, ao anoitecer de suas crenças, ao desmoronamento de suas
fantasias” e, no segundo, “o poeta apesar de sua antiga esperança, vê diante de si a
figura gélida e pavorosa do nada eterno, e apesar do seu ânimo forte, segundo sua
própria expressão, sente-se amargamente apavorado” (1960: 3, 773). Um outro
poema citado é “A que vim?”, no qual Romero observa uma clara fase de
descrença no poeta.
Em relação a Dutra e Melo, poeta classificado na primeira fase do
romantismo a fase emanuélica o historiador não se detém em poemas
específicos da morte, mas argumenta haver no poeta uma grande preocupação
com o Além expressa literariamente. Seguindo esse raciocínio:
A poesia de Dutra e Melo ressente-se do estado de seu espírito, do
caráter de sua individualidade. No moço escritor predominava a
72
reflexão mórbida, travosa de melancolia, de desalento, de desgosto
pela vida e pelo mundo. Juntava-se a isto uma fervente fé religiosa,
um singular desejo de morrer para gozar do infinito... (1960: 3,
861)
Romero cita o poema A Saudade do Sepulcro”, de Antonio Augusto de
Mendonça, poeta classificado como integrante da terceira fase do romantismo,
observando que “não as agitações, os estertores dos desesperados; o poeta
encarava a vida melancolicamente, mas havia resignação em sua tristeza” (1960:
1037). Sobre Luis Gama, Romero o considera um poeta da quinta fase romântica,
ao lado de Fagundes Varela e outros, destacando seu poema “No Cemitério de S.
Benedito em São Paulo”, sobre a sepultura de um escravo (1960: 4, 1166).
José Aderaldo Castelo (1986) aborda outros dois autores: Domingos
Borges de Barros e Frei Francisco de São Carlos, ambos considerados como
pródromos do romantismo. Sobre este último, observa que a propósito do tema
religioso, a morte figuraria como “refúgio, consoladora, num mundo de pecados”
(1986: 3, 48). A idéia de morte como refúgio, presente nesse autor, é amplamente
desenvolvida por outros escritores do cânone nacional romântico. Barros
apresentaria a chamada “literatura dos túmulos”, advinda da influência da
temática européia. A seguinte descrição sobre sua produção poética nos indica um
desdobramento interessante do tema da morte, ao ressaltar o aspecto de reflexão
envolvido, e não somente o experimento estético das imagens e da dor:
de toda essa produção poética a que mais sobressai é o poemeto
‘Os túmulos’, com o primeiro canto, como vimos, divulgado em
1825, tendo sido o segundo editado somente em 1850. O autor
transfere para a literatura brasileira, pela primeira vez, uma das
correntes de inspiração mais intensa dos albores do Romantismo
europeu, a chamada ‘literatura dos túmulos’. No caso dele é
motivada pela morte do filho, poesia realmente sentida, subjetiva,
não obstante a tendência reflexiva, certo conteúdo filosófico, o
73
desencanto total da vida e a volta para a morte, embora ligados à
idéia de Deus. (Castelo 1986: 3, 52).
O introdutor desta tendência literária seria, no entanto, Gonçalves de
Magalhães, com sua poesia fúnebre e de cunho religioso. Já Fausto Cunha (1986)
examina José Bonifácio de Andrada e Silva como precursor do tema da morte
explorado pelos poetas da segunda geração romântica: “José Bonifácio é um
legítimo precursor de Azevedo e Casimiro com seu livro ‘Rosas e Goivos’ (...) Os
temas da saudade da infância, da ‘valsa da perdição’ e da morte surgem de
permeio com ainda acentuados resíduos arcádicos, ou melhormente, pré-
românticos, devidos talvez à sugestão de Américo Elísio” (1986: 3, 205).
Antonio Candido acrescenta dois novos nomes à temática da morte:
Joaquim Manuel de Macedo e Bernardo Guimarães, mais conhecidos pelas
atividades romancistas. Em análise do primeiro, destaca as imagens tipicamente
românticas presentes no poema “Nebulosa” a paixão fatal, o sonho, o drama, a
morte, a noite e o cemitério. Alguns aspectos da morte se apresentam nesse
poema, segundo a descrição: “O suicídio do trovador, abraçado à mulher que não
ama” ou, em relação a outra personagem, uma mulher: “quando vem se unir ao
poeta para a morte, é como se presenciássemos a um noivado além da vida”
(1997: 2, 89). O historiador se debruça também sobre o poeta Laurindo Rabelo,
em cuja obra “falou espontânea e doloridamente das mágoas de amor, da solidão
no mundo, do desejo de morrer, da saudade dos familiares” (1997: 2, 146).
Embora explore outros vieses da obra do poeta, Candido cita o poema Saudade
Branca”, temático da morte.
Péricles Eugênio da Silva Ramos considera um poema de Bernardo
Guimarães no qual figura a morte como libertação, “A Sepultura de um Escravo”,
74
constante da obra Cantos da Solidão (1852). Ramos afirma que, nesse poema, o
autor “trata o africano como um desventurado que a morte liberta” (1967: 67).
Esse importante aspecto da morte romântica do escravo é desenvolvido
posteriormente por Fagundes Varela e Castro Alves. O historiador analisa que o
tema advém de influências européias que cultuavam o espírito libertador. Assim:
“Como a sombra de Byron (e Musset) cai sobre essa geração, nela se cultua a
liberdade e portanto urge o tema “negro” e prepara o abolicionismo” (1967: 67).
75
CAPÍTULO III
ANÁLISE DE CORPUS
3.1 Tipologia de vozes e significados
A seguinte lista de poemas provém da leitura da dissertação de Mestrado
intitulada O motivo religioso na poesia romântica brasileira, escrita por Abigail
da Silva (2000) e apresentada à UEL. Fez-se uma revisão do corpus levantado
pela autora a partir da obra Grandes Poetas Românticos do Brasil, de Frederico
José da Silva Ramos, acrescentando e excetuando outros poemas representativos.
Recorreu-se também à leitura de outra dissertação, a de Elizabeth Fiori (1999),
intitulada A poesia romântica brasileira: corpus e canonizadores, também
apresentada à UEL, procurando-se reconhecer um método de sistematização no
trabalho com os poemas. Portanto, o presente texto é o terceiro de uma linha de
pesquisa a debruçar-se sobre a poesia romântica brasileira.
Foram identificadas e recolhidas, no corpus escolhido, as seguintes
quantidades de poemas em que predomina o tema da morte: Araújo Porto Alegre,
um poema; Maciel Monteiro, um; Gonçalves Dias, 18; Álvares de Azevedo, 13;
Casimiro de Abreu, 5; Junqueira Freire, 14; Fagundes Varela, 9; Castro Alves, 12.
76
Araújo Porto Alegre: (1) “À Sentidíssima Morte do Senhor Major
Carlos Miguel de Lima”. (Ramos 1959: 1, 13)
Maciel Monteiro: (1) “No Cenotáfio de D. Luísa de França
Arcanjo Ferreira”. (Ramos 1959: 1, 29)
Gonçalves Dias: (1) “Epicédio”; (2) “Visões”: ‘I – Prodígio, II – A
Cruz, III Passatempo, IV O Presbítero, V A Morte’; (3) “A
Vila maldita, Cidade de Deus”; (4) “Canto Inaugural memória
do Cônego Januário da Cunha Barbosa)”; (5) “Se se Morre de
Amor!”; (6) A Morte é Vária”; (7) “Nênia à Morte Sentidíssima
do Sereníssimo Príncipe Imperial o Senhor D. Pedro Sua
Majestade o Imperador)”; (8) “Sobre o Túmulo de um Menino”;
(9) “O meu Sepulcro”; (10) “Fortificai-me, ó Deus!”; (11) “À
Morte Prematura (Da Ilma. Sra. ....)” (12) “Espera”; (13)
“Desalento”; (14) “Velhice e Mocidade”; (15) “Fantasmas”; (16)
“I-Juca- Pirama”; (17) “Deprecação” (18) “Canção do Tamoio”.
(Ramos 1959: 1, 50- 220)
Álvares de Azevedo: (1) “No túmulo do meu amigo João Batista
da Silva Pereira Júnior”; (2) “O Pastor Moribundo”; (3) “Virgem
Morta”; (4) “Lembrança de Morrer”; (5) “Um Cadáver de Poeta”;
(6) “Spleen e Charutos”: ‘O Poeta Moribundo’; (7) “Glória
Moribunda”; (8) “Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro
do seu Irmão”; (9) “Se eu Morresse Amanhã”; (10) “Agonia do
Calvário”; (11) “Anjinho”; (12) “Hinos do Profeta”; (13) “12 de
Setembro”. (Ramos 1959: 1, 233- 316)
Casimiro de Abreu: (1) “À Morte de Afonso de A. Coutinho
Messeder”; (2) “Berço e Túmulo”; (3) “No Túmulo dum Menino”;
(4) “No Leito”; (5) “Canção do Exílio”. (Ramos, 1959: 1, 356-
380)
Junqueira Freire: (1) “Aos Túmulos”; (2) “A Morte no Claustro”:
‘Por ocasião da morte do venerando ancião, Frei Manoel da
Piedade Borba’; (3) “Canto Fúnebre Recitado na Ocasião de
Sepultar-se o Cadáver do meu Amigo Luís da França Rebouças a
16 de abril de 1853”; (4) “Poema Fúnebre Dedicado a meu Irmão
Frei Henrique de Santa Rosa Ribeiro”: ‘Por ocasião da morte de
seu Irmão Raimundo Álvares Ribeiro, (Sucedida a 23 de abril de
1853)’; (5) “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na
Cidade de Mariana”; (6) “Os Dous Cadáveres”: ‘aos manes do
venerando ancião o Dr. Fr. José de Santa Escolástica e Oliveira,
falecido a 22 de março, e do meu jovem amigo Fr. Henrique de
Santa Rosa Ribeiro, falecido a 24 do mesmo mês’; (7) “Ai!”: ‘Pelo
falecimento do venerando ancião Frei Marcelino do Coração de
Jesus, acontecido em junho de 1854 no Mosteiro do Rio de
Janeiro’; (8) “Mais um Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando
ancião Frei José de São Bento Damásio, a 10 de setembro de
77
1854)’; (9) “Morte”; (10) “A Morte de Garret”; (11) “O Arranco da
Morte”; (12) “O Suicídio”: ‘Canção de Béranger sobre a morte dos
jovens Escousse e Augusto Lebras, em fevereiro de 1832’; (13)
“Desejo”; (14) “Temor”. (Ramos 1959: 2, 38-68)
Fagundes Varela: (1) “Sobre um Túmulo”; (2) “Cântico do
Calvário”: ‘À memória de meu filho morto a 11 de dezembro de
1863’; (3) “Desejo”; (4) “A Morte”; (5) “Oração Fúnebre”; (6)
“Fragmentos”; (7) “O Escravo”; (8) “A Pena”; (9) “Elegia”.
(Ramos 1959: 2, 95- 265)
Castro Alves: (1) “Mocidade e Morte”; (2) “Quando eu Morrer”;
(3) “Pesadelo”: ‘IV A Entrevista no Túmulo, V Os Dois
Cadáveres’; (4) “Epitáfio”: ‘Para um Túmulo de Mãe’; (5) “A
Visão dos Mortos”; (6) “Mater Dolorosa”; (7) “A Cruz da
Estrada”; (8) “A Órfã na Sepultura”; (9) “É Tarde!”; (10)
“Fatalidade”; (11) “A Balada do Desesperado”; (12) “O Fantasma
e a Canção”. (Ramos 1959: 2, 280-355)
Os poemas foram analisados em três aspectos: a voz do eu poético sobre a
morte, o significado da morte e as categorias estéticas que perpassam o
significado. A partir de colocações de Corrêa (2004), pôde-se reconhecer que a
morte está representada através destas vozes: a voz do próprio eu poético que fala
sobre a morte de si, na condição de vivo ou morto; a voz de um eu poético
relacionado a alguém que morreu; e a voz de um eu poético que fala sobre a
“reificação” da morte nas categorias economicamente desprivilegiadas. Uma outra
voz verificada nos poemas é a voz da Morte, que, personificada, fala de um ponto
de vista ficcional sugestionado pelo próprio eu poético que a vê, sente e dirige-lhe
palavras.
O significado da morte que interessou a este trabalho refere-se à expressão
dos valores sociais a ela relacionados, expressando as preocupações funéreas da
mentalidade coletiva. Foram encontrados seis tipos de significados: a) a
heroicização, que consta da exaltação das virtudes do morto, visando a efetivar
sua importância social; b) a purgação, que relata a expressão das dores dos vivos
78
diante da separação com os mortos; c) a redenção, que se refere à salvação dos
pecados perante o fim da vida; d) a ânsia de eternidade, que é a angústia gerada
pela incerteza de permanecer na memória dos vivos; e) a ironia que reflete a
revolta diante da inevitabilidade e da desigualdade da morte; f) a fuga da vida que
demonstra uma desilusão com o viver, tornando a morte a única solução cabível.
Em segundo lugar, a análise primou pela observação das categorias
estéticas da morte elencadas por Michel Guiomar (1967); trata-se das impressões
fornecidas pelas imagens funéreas, divididas pelo autor na seguinte forma: a)
categorias naturais cuja consciência de morte é mais simples ou natural; b)
fantásticas cuja consciência envolve suas representações fantásticas; c)
metafísicas cuja consciência é mais complexa, preocupando-se com questões da
existência humana. Nos poemas foram encontrados exemplares constantes das três
consciências.
Após terem sido definidas as unidades de trabalho, os poemas foram
submetidos a uma sistematização na qual se buscou verificar os padrões comuns
àquelas unidades ou a disparidade das mesmas, mediante algum aspecto
dissonante. A interpretação desses resultados partiu da necessidade de se
compreender as razões de tão vasta exploração do tema, convencionalmente
reconhecido como verdadeira “obsessão” romântica. Como se viu no capítulo
anterior, Mário de Andrade analisa que esse era um assunto apreciável pelos
poetas em razão do fato de se morrer jovem, na impossibilidade de se desfrutar a
vida, tecendo uma série de comentários assumidamente cínicos sobre o gosto pela
morte prematura.
Pode-se pensar que a idéia de morte para os românticos consistia em um
processo natural e inevitável, mediante a melancolia e a doença. Porém, como
79
Mário de Andrade postula, não havia naturalidade alguma nesse processo, e sim
indícios de um suicídio velado e não evitado. Ou seja, o poeta, se não consegue
opinar no seu destino nas escolhas acerca da sua morte “burla pelo menos a
sua própria boa-intenção” simulando, assim, a aceitação mental. A idéia, porém,
não é aceita, conforme a presença dos eus poéticos portadores de melancolia,
revolta e resignação. Em contrapartida, a simulação evidencia-se pelos eus
poéticos desejosos por livrarem-se de suas aflições no encontro com a morte;
nesse sentido, os significados da morte encontrados nos poemas refletem a
tentativa de aceitação do eu poético, a saber: da “morte de si” e da morte do
outro”. Os significados encontrados relacionam-se intimamente às vozes sobre a
morte, uma vez que cada voz representada possui uma atitude ou consciência
específica perante ela.
O presente trabalho analisa a tipologia das vozes que assumem o tema da
morte nos poemas românticos. Na análise constatou-se a presença, em alguns
poemas, de duas ou mais vozes. Trata-se de um recurso que possibilita o diálogo
sobre a morte com a emissão de diferentes pareceres ou, ainda, evocando uma
mesma idéia. Pretende-se, a seguir, analisar literariamente as vozes acima
conceituadas, discutindo os significados da morte pertinentes a cada uma delas.
3.2 A “morte do eu”
Falar sobre a morte de si mesmo é tarefa de um eu poético que,
representando variadas figurações do sujeito, sinaliza uma preocupação egótica,
podendo também se referir à morte de um eu que ele deseja representar. Foram
80
encontrados 30 poemas a respeito da “morte do eu”
3
, sendo que este está
representado nas vozes de filho, amante, moribundo, poeta e pecador.
Procurou-se, neste trabalho, observar os estados de proximidade emocional
da idéia de morrer, dimensionados pelo eu poético ao tratar da “morte do eu”. O
eu poético romântico não aceita esta idéia; ao contrário, mostra-se sempre
melancólico ou inconformado. A morte dos que lhe são caros, do jovem que lhe
parece inesperada –, dos necessários à pátria os heróis e a de si próprio são
sentidas sempre com grande emotividade e demonstradas com forte expressão.
Em nenhum dos poemas analisados consta qualquer atitude diferente desta em
relação à morte. Não se encontra a sua negação; ao contrário, depara-se com uma
certeza sobre o seu “porvir”. Tampouco, se encontra uma aceitação plácida da
idéia de morrer mesmo quando o eu poético sublinha o seu desejo em
concretizá-la, ele não parece fazê-lo por um sentimento de placidez. Trata-se de
uma obrigatoriedade de aceitação mental, dada a consciência da inevitabilidade.
Por exemplo, num poema de Junqueira Freire intitulado “Morte”, o eu lírico
personifica a morte, dirigindo-se a ela. Ele declara não ver nenhum dos habituais
traços pavorosos, nem na imagem física, nem na personalidade que lhe atribui;
sendo assim, ele deseja o fim de sua própria vida, a fim de encontrarem-se. O
poema todo é um vultoso elogio à Morte; mas, longe de ser a obsessão que parece,
3
1) “O meu Sepulcro”[43], 2) “Fortificai-me, ó Deus!”[35], 3) “Espera”[31], 4) “Desalento”[22],
5) “Fantasmas”[33], 6) “I-Juca-Pirama”[39], 7) “No Túmulo do meu Amigo João Batista da Silva
Pereira Júnior”[53], 8) “O Pastor Moribundo”[57], 9) “Lembrança de Morrer”[40], 10) “Spleen e
Charutos”: ‘O Poeta Moribundo’[66], 11) “Glória Moribunda”[37], 12) “Se eu Morresse
Amanhã”[62], 13) “Hinos do Profeta”[38], 14) “12 de setembro”[1], 15) “Berço e Túmulo”[13],
16) “No Leito”[52], 17) “Canção do Exílio”[15], 18) “Morte”[46], 19) “O Arranco da Morte”[11],
20) “Desejo”[24], 21) “Temor”[68]; 22) “Desejo”[23], 23) “A Morte”[45], 24) “Fragmentos”[36],
25) “A Pena”[58], 26) “Mocidade e Morte”[44], 27) “Quando eu Morrer”[61], 28) “É Tarde!”[26],
29) “O Fantasma e a Canção”[32], 30)“A Balada do Desesperado”[12].
81
nos versos finais acaba-se por desmascarar a sua não-aceitação, atribuindo-a a um
desgosto pela vida:
Não achei na terra amores
Que merecessem os meus
Não tenho um ente no mundo
A quem diga o meu – adeus.
4
[46]
Aceitar a morte é aceitá-la em seu processo natural, e não tê-la como
solução de problemas. A morte do eu poético, portanto, é por ele manifestada
através de recusa, melancolia, revolta e resignação. Trata-se de alguns estágios da
consciência a ela relacionados, estudados por Elizabeth Kübler-Ross
5
. A autora
os observa em seus pacientes, cujo quadro clínico de doença representa uma
ameaça fatal. Interessou-lhe, portanto, traçar um panorama psicológico da idéia de
morte nos doentes com os quais trabalhava. Considerando-se o contexto histórico
do século XIX, cujas epidemias, deficiências sanitárias e hospitalares
comprometiam a perspectiva de vida, torna-se viável a observação daqueles
estágios de consciência no pensamento romântico.
3.2.1 A recusa da morte
“Recusar” a idéia da morte não é negar sua ocorrência; é, antes, não querer
esta ocorrência para si. O poema “Canção do Exílio”, de Casimiro de Abreu,
ilustra tal afirmativa na seguinte passagem: “Se eu tenho de morrer na flor dos
anos / Meu Deus! Não seja já”
[15]
. O próprio título do poema, ao transformar o
significado original que seu antecedente, Gonçalves Dias, atribuíra ao conceito de
4
Estes versos apresentam-se originalmente alinhados à direita das estrofes anteriores.
5
Vide página 4 deste trabalho.
82
exílio, recusa a morte por considerá-la também um exílio, a saber: do convívio
entre os vivos e do desfrute da vida.
3.2.2 A melancolia diante da morte
A melancolia do eu poético pode associar-se a um desejo de morte ou de
continuação da vida. Exemplares do primeiro caso, os eu poéticos que analisam as
suas mortes por um viés melancólico revelam a consciência da inevitabilidade:
Quem há no mundo que aflições não passe,
Que dores não suporte?
Mais ou menos d’angústia cabe a todos,
A todos cabe a morte.
[31]
E a desilusão para com o mundo:
Indolente Vestal, deixei no templo
A pira se apagar – na noite escura
O meu gênio descreu.
Voltei-me para vida... só contemplo
A cinza da ilusão que ali murmura:
Morre! – tudo morreu!
[38]
Esses aspectos da melancolia podem direcionar o eu poético para um
desejo de morte. O “querer morrer” romântico, neste sentido, parece provir da
falta de alternativas e respostas para as questões da vida e da morte, configurando-
se como solução única. Deseja-se a morte, mas em verdade, não se a quer: passa-
se a querê-la devido àquelas reflexões sobre a relação vida e fim. Para entender
esse raciocínio dual, deve-se buscar as razões pelas quais o homem romântico,
carregado de melancolia, deseja a morte para si. A ânsia de eternizar-se para além
83
da vida, o fim de valores essenciais como a virtude, a nobreza e o sonho, e a
possibilidade de redimir os pecados da vida foram as razões encontradas.
3.2.3 A ânsia de eternidade
A morte gera grande preocupação em todos os seus aspectos: a separação
entre vivos e mortos operacionalizada pelo luto, o desejo de glorificação
convertido em heroicização dos mortos, a ansiedade pela remissão dos pecados
convertida na súplica redentora. Verificou-se, porém, outro aspecto da aflição
gerada por ela: a ânsia de eternidade, concernente à permanência do morto na
memória de todos.
A ânsia de eternidade ocorre pela futurição da morte; nela, o eu poético,
consciente de que irá morrer, angustia-se pela incerteza de que será lembrado após
a morte. Morin afirma:
O horror da morte, é portanto, a emoção, o sentimento ou a
consciência da perda da individualidade. Emoção-choque, de dor,
de terror, ou de horror. Sentimento que é o de uma ruptura, de um
mal, de uma catástrofe, isto é, sentimento traumático. Consciência,
enfim, de um vazio, de um vácuo, que se cava onde havia plenitude
individual, isto é, consciência traumática. (1970: 32)
Esse conhecimento traumático pode apresentar-se sob uma consciência
melancólica que teme morrer ou sob uma consciência revoltosa que utiliza a
ironia para expressar-se. A angústia em morrer deve ser entendida como angústia
ocasionada pela perda da identidade terrestre que individualiza o “eu”; a morte
finaliza toda a composição de elementos pessoais do homem, sob a ameaça de
apagá-la. Norbert Elias analisa esse receio por meio do que ele denomina o
84
“motivo do morrer isolado”. Ele o associa à ascensão do “individualismo” nas
sociedades, sinalizador de uma autoconsciência portadora de uma amarga
percepção:
(...) com a nossa morte o pequeno mundo de nossa própria pessoa,
com suas memórias exclusivas e sentimentos e experiências só
conhecidos por nós mesmos, com seus próprios conhecimentos e
sonhos, desaparecerá para sempre (...) ao morrer, somos deixados
sós por todas as pessoas a que nos sentimos ligados. (2001: 69)
Conformando estas constatações à análise da “morte do eu”, percebe-se no
romântico a ânsia de imortalizar-se na memória dos vivos. Para conseguir tal
intuito, ele planeja antecipadamente as providências acerca de sua morte. Ariès
analisa a angústia da perda da individualidade ocorrida com a morte, equiparando-
a ao sentimento de fracasso que irrompe no homem quando da descoberta da
“morte de si” subentendida como fim do ser e de suas realizações: “Este
sentimento de si mesmo amadureceu e resultou neste fruto do outono, para citar
Huizinga, em que o amor apaixonado pelas coisas e seres, a avaritia, é corroído e
destruído pela certeza de sua brevidade” (Ariès 2003: 156). Naturalmente,
algumas considerações devem ser feitas para a correta conexão desse pensamento
com a voz do “eu” sobre sua própria morte. Ariès propõe um estudo do
pensamento ocidental e baseia-se essencialmente no instrumental europeu; no
entanto, a proposição do conhecimento da morte como perda, ocasionando um
“envenenamento” do viver, conforma-se à mentalidade do eu poético romântico
brasileiro. Este “eu” teme-a fundamentalmente pela preocupação em não ter
assegurado seu espaço para além dela, na memória dos que ficam.
Justapondo-se a tal angústia, expressa-se a amargura em abandonar o
espaço que o “eu” ocupava no mundo onde encontra-se inserida a avaritia. Ao
85
morrer o “si”, perde-se: a) a juventude e os prazeres vividos no tempo presente;
b) a glória proclamada para o futuro; c) as realizações construção do passado.
Nesse conjunto, desintegra-se a individualidade feita de passado, fazendo-se no
presente e projetando-se em continuação no futuro. Nos seguintes versos, o “eu”
descreve a imagem de um futuro glorioso para, em seguida, anunciar a valiosa
perda que sofrerá inevitavelmente:
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! Brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete – avante! –
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após – um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.
E a mesma voz repete funerária:
Teu Panteon – a pedra mortuária!
[44]
Silva (2000: 117), após cuidadosa análise da relação amor e morte nesse
poema, conclui que a sede de viver do eu poético sobrepõe-se à noção de pecado
que também o atormenta, afastando-o do motivo religioso. Nota-se, então, que
prevalece o lamento da perda terrestre sobre o arrependimento.
3.2.4 Figurações do “eu” expressando ânsia de eternidade
Foram encontrados 12 poemas a respeito da “morte do eu”
6
, sendo que
este está representado nas vozes de filho, amante, moribundo e poeta. A principal
preocupação encontrada nessas vozes é justamente a ânsia de eternidade: o desejo
6
1) “O Pastor Moribundo”[57], 2) “Lembrança de Morrer”[40], 3) “Se Eu Morresse
Amanhã”[62], 4) “Hinos do Profeta”[38], 5) “12 de Setembro”[1], 6) “Berço e Túmulo”[13], 7)
“No Leito”[52], 8) “Canção do Exílio”[15], 9) “Desejo”[23], 10) “Mocidade e Morte”[44], 11)
“Quando eu Morrer”[61], 12) “O Fantasma e a Canção”[32].
86
de manter-se na memória dos vivos após a morte, assegurando-se, assim, de que
não serão esquecidos.
A “morte do eu” como filho está representada em “Lembrança de Morrer”,
“Se Eu Morresse Amanhã” e “No Leito”. O eu poético preocupa-se em
permanecer na memória de seus pais, dirigindo-se a eles como forma de obrigá-
los, pela emotividade das palavras, a não se esquecerem dele:
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
[62]
A “morte do eu” como amante está representada em “O Pastor
Moribundo”, “Lembrança de Morrer”, “No Leito”, “Mocidade e Morte” e “É
Tarde!”. Trata-se de um “eu” frustrado pela não realização do amor em vida,
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
[40]
ou ainda, queixoso pelo fim dos prazeres do amor:
Ai! Morrer – é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher – no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.
[44]
O amante que morre também se preocupa em permanecer na memória da
amada e, para isso, utiliza o mesmo recurso de obrigação afetiva de que se utiliza
o filho:
Mas eu bendigo estas dores,
87
Mas eu abençôo o leito
Que tantas mágoas me dá,
Se me jurares, querida,
Que meu nome no teu peito
Morto embora – viverá!
[52]
A “morte do eu” como moribundo apresenta-se nos poemas: “O meu
Sepulcro”, “O Pastor Moribundo”, “Spleen e Charutos”: O Poeta Moribundo’;
“Glória Moribunda”, “Hinos do Profeta”, “12 de Setembro” e “No Leito”. O
moribundo aflige-se com a possibilidade de ser esquecido; preocupa-se em
testamentar suas últimas vontades, daí alguns poemas se assemelharem a um
testamento. Estas vontades do testador referem-se essencialmente à sua
preservação na memória coletiva, exigindo cuidados que vão desde o enterro o
local da sepultura, a inscrição até a demonstração de luto desejada. Portanto, a
ânsia de eternidade do eu poético requer o marco material da morte para garantir
sua perpetuação, não somente diante dos que lhe eram caros, mas também perante
os desconhecidos que passassem por seu local de sepultamento. A valorização da
sepultura viabiliza a valorização do corpo e, neste caso, a angústia é atenuada pela
esperança de que o corpo não será esquecido se estiver no lugar certo:
Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo.
[61]
a preocupação com a inscrição na lápide pretende valorizar e perpetuar
a glória do poeta, como nos famosos versos:
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz e escrevam nela:
– Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
[40]
88
O luto desejado pelos moribundos, ou mesmo por aqueles que apenas
vislumbram a sua morte, parece ter a função de atenuar a dolorosa consciência de
busca pelo sentido da vida. Esta encontra seu sentido na perpetuação do homem
para além da morte, ou seja, a existência torna-se válida quando é lembrada na
posteridade, sublinhando-se como um marco:
Quando eu morrer, adornem-me de flores,
Descubram-me das vendas dos mistérios,
E ao som dos versos que compus carreguem
Meu dourado caixão ao cemitério.
[23]
À “morte do eu” como poeta,
7
duas atitudes se desdobram: a lamentação
de deixar a vida em plena juventude, no sentido de não desfrutar as experiências
terrenas (já exemplificado em trecho de “Mocidade e Morte”) e a dor de não
colher as futuras glórias de vate:
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
[62]
Assim sendo, o poeta, como as outras figuras representadas na “morte do
eu”, também teme cair no esquecimento:
É cedo ainda! – quando moça fores
E percorreres deste livro os cantos,
Talvez que eu durma solitário e mudo
– Lírio pendido a quem ninguém deu prantos!
[13]
7
1) “O meu Sepulcro”[43], 2) “O Pastor Moribundo”[57], 3) “Lembrança de Morrer”[40], 4)
“Spleen e Charutos”: ‘O Poeta Moribundo’[66], 5) “Glória Moribunda”[37], 6) “Se Eu Morresse
Amanhã”[62], 7) “Hinos do Profeta”[38], 8) “12 de Setembro”[1], 9) “Berço e Túmulo”[13], 10)
“No Leito”[52], 11) “Desejo”[23], 12) “A Morte”[45], 13) “Fragmentos”[36], 14) “A Pena”[58],
15) “Mocidade e Morte”[44], 16) “Quando eu Morrer”[61].
89
A figura do poeta é representada, em alguns poemas, como transgressora
das regras racionais e morais do homem por viver seu íntimo subjetivo e sonhador
mais que a realidade e, conseqüentemente, pela aura de despojo racional,
associado à loucura. O poeta seria, então, alguém à parte da ordem obediente da
sociedade; diante desse desenquadramento social, ele apresenta dois lados da
mesma consciência. A auto-valorização (a crença na missão profética do poeta)
que o exalta; e o contrário, a desvalorização desta. No primeiro caso, o poeta
moribundo, lamentando o que deixará no mundo ao morrer, auto-afirma seu amor
pelo status da poesia:
Meu amor foi o sonho dos poetas
– O belo – o gênio – de um porvir liberto
A sagrada utopia.
E à noite pranteei como os profetas,
Dei lágrimas de sangue no deserto
Dos povos à agonia!
[38]
No segundo caso, o poeta, sentindo a reprovação do mundo, afirma ser um
incompreendido:
E o mundo? não me entende. Para as turbas
Eu sou um doudo que se aponta ao dedo.
A glória é essa. Pr’a viver um dia
Troquei o manto de cantor divino
Pelas roupas de insano. – Os sons profundos
Ninguém os aplaudia sobre a terra.
Para um pouco de pão ganhar da turba,
Como teu corpo no bordel profanas,
– Fiz mais ainda! – prostituí meu gênio.
[37]
Neste poema, “Glória Moribunda”, nota-se no “eu” um sentimento dúbio
de inadequação: o poeta tem que vender seu gênio para sobreviver, mas esta troca
90
macula sua pureza, fazendo-o sentir impuro e ímpio, logo, maldito por escolha
própria. O poeta, então, carregará a maldição para sua morte, morrendo como um
maldito que não teve outra alternativa. Para atenuar essa consciência de erro fatal,
o eu poético prefere ver sua morte por um prisma irônico: a única pessoa a lhe dar
alguma assistência nesse momento é uma prostituta, uma mulher também impura.
Ele a aceita como forma de protestar contra a falta de glória da poesia em vida: ao
lado da pecadora, experimentará a glória moribunda de profanar o caráter sacro do
passamento.
3.2.5 A fuga da vida
Foram encontrados 5 poemas
8
sobre a “morte do eu”, cuja voz uníssona
expressa seu desejo de morte como fuga de uma vida insatisfatória. Soares Amora
discorre sobre a razão pela qual o poeta Álvares de Azevedo busca, na morte, a
saída para a desilusão com a vida:
(...) o sentimento da morte e mesmo seu desejo, eram naturais num
jovem que experimentava a ‘febre da vida juvenil’ e
conseqüentemente o sentimento do nojo da vida e da exaustão de
todas as suas energias (...) que tal exaustão e nojo o levariam, como
levaram, fatalmente, ao arrependimento e ao anseio de salvação
pela Misericórdia de Deus (...) que em face do arrependimento dos
pecadores, a morte dos inocentes e dos virtuosos. (1969: 157)
Ele atribui esta face da insatisfação à noção prazerosa de redenção dos
pecados, exatamente o que ocorre em “Hinos do Profeta”. No entanto, situação
contrária ocorre com o eu poético descrente desta promessa de um além melhor
que a morte:
8
1) “Desalento”[22], 2) “Hinos do Profeta”[38], 3) “Morte”[46], 4) “Fragmentos”[36], 5) “A
Balada do Desesperado”[12].
91
Mas o homem doudeja entre martírios,
Fecha os olhos às glórias do presente
E caminha, – e caminha ! – Uma esperança
Douda e sem termos lhe alumia a estrada,
Mas no fim da jornada acha um abismo,
Entretanto é bem tarde!...
[36]
O eu poético parece defender o carpe diem; angustiado pela certeza da
morte, defende que o homem deve aproveitar o presente sem esperanças etéreas,
para não cair no abismo que ela reserva. Mais adiante, revela as razões de seu
ceticismo:
Por mim que o mundo bafejou de escárnios,
Por mim que a sorte circundou de angústias,
Creio na taça que meus lábios tocam,
Creio nos raios que meu rosto crestam,
Creio nas sombras que meu ser envolvem,
E creio nos sepulcros!
[36]
Para o eu poético desiludido, valores como a virtude, os sonhos e a
juventude são esperanças que acabaram por se tornar ilusões. Como a morte é a
única certeza que não se desvanecerá, é nela que o “eu” ansioso deposita sua
esperança, passando a cultivá-la:
Minha hora derradeira soe em breve,
A só esperança que aos mortais não falha!
Morrerei tranqüilo;
Bem como a ave, ao pôr do sol, deitando
Debaixo d’asa a tímida cabeça,
Da noite o sono aguarda.
[22]
3.2.6 A resignação à morte
92
A resignação constitui-se em aceitação da morte por parte do eu poético,
devido à esperança de que sua alma tenha melhor destinação que seu corpo na
terra:
Ah! É chegada a minha hora extrema!
Vai o meu corpo dissolver-se em cinza;
Já não podia sustentar mais tempo
O espírito tão puro.
É uma cena inteiramente nova.
Como será? – Como um prazer tão belo,
Estranho e peregrino, e raro e doce,
Vem assaltar-me todo!
[11]
A morte é associada a um “prazer, raro e doce”; o aspecto da
decomposição não é o foco de preocupação do narrador, que pressente a
proximidade da morte. Em outro exemplo, o eu poético afirma não se importar
com a transformação do corpo. Trata-se, porém, de uma indiferença resignada,
oposta à indiferença da revolta que se afirma perante a negação do senso de
preservação da vida. A indiferença resignada refere-se à individualidade do “eu”,
à relação dele com a morte:
Em poucos meses far-me-ei poeira,
Porém que importa, se mais pura e bela
Minha alma livre dormirá sorrindo
Talvez nos raios de encantada estrela.
[11]
A resignação para com a idéia da morte não se atém à relação corpo e
alma, ou seja, à ansiedade do encontro fatal que libertará a alma; ela pode
originar-se também da consciência de inevitabilidade da morte enquanto fim
coletivo. A certeza da morte, racionalizada, levaria então a uma resignação que
93
valoriza a vida e, conseqüentemente, o ato de viver, beirando a idéia de carpe
diem:
Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olha que a terra
Não sinta o nosso peso.
[68]
O conceito de resignação não se desvincula de outros sentimentos diante
da morte. No exemplo acima, é notável o receio do “eu” de que a morte o
descubra, prevalecendo, entretanto, a atitude de aproveitar a vida e não uma
atitude de recolhimento, recusa, revolta e melancolia. Sobretudo, a resignação da
“morte do eu” está vinculada à esperança de redenção dos pecados, que se
constitui em uma das preocupações com o morrer bem.
3.2.7 A redenção da morte
A redenção na morte romântica abrange ao menos dois significados
relacionados ao anseio de liberdade e à purificação dos pecados. A redenção pode
ser definida como “ação de remir, de resgatar (...) auxílio, proteção que livra
alguém de transe aflitivo, salvação (...) o resgate do gênero humano por Jesus
Cristo” (Aulete 1958: 4155). Para o romântico, a morte oportunizava a remissão
de seus pecados, aspecto fundamental para a consciência cristianizada,
preocupada com a salvação da alma. A redenção na morte romântica, então, parte
da consciência de que o pecado permanece mesmo diante da purgação. Por esta
razão, a redenção nos poemas é preocupação, em grande maioria, do eu poético
94
em relação à “morte de si”; apenas em 4 poemas
9
registra-se a preocupação do
“eu” em remir a morte dos seus. O “outro”, quando morre, tende a receber a
purificação de sua imagem pelos seus entes, apagando-se quaisquer pecados; em
contraposição, quando da “morte do eu”, revela-se uma consciência exacerbada de
si mesmo, na qual não é possível ocultar suas impurezas.
Quando não há a preocupação material em eternizar-se na memória dos
vivos, testamentando as desejadas providências funerárias, o “eu” moribundo
preocupa-se com a hora do passamento, o momento exclusivo do morto em que a
vida dele é inteiramente revista, culminando na conclusão.
Foram encontrados 13 poemas
10
sobre a redenção da morte. A noção de
pecado contida na mentalidade cristã do culo XIX segrega o puro do
pecaminoso, a alma do corpo, o terrestre do etéreo. Reis afirma: “A morte era tida
como uma passagem, motivo por que a idéia de deslocamento espacial e viagem
estava sobremaneira presente nos ritos que a cercavam” (1999: 96). Para o
romântico, ela era um marco intermediário entre a vida e o Além; para passar ao
estágio seguinte, era preciso estar redimido: eis a importância do momento fatal.
Seu advento poderia trazer a desejada remissão, desde que o moribundo se
portasse com desprendimento terrestre, não se importando em deixar seu corpo e
9
“O Suicídio”: ‘Canção de Béranger sobre a Morte dos Jovens Escousse e Augusto Lebras, em
Fevereiro de 1832’[67] e “Oração Fúnebre”[55]. Em ambos os poemas o eu poético reflete sobre a
morte do outro; a preocupação em redimi-los sobrepõe-se ao sentimento de luto pelas
circunstâncias especiais da morte: no primeiro poema, o suicídio, tido como caminho para a
condenação eterna; no segundo poema, a noção “emprestada” dos Rig-Vedas, de uma
espiritualidade que requer a remissão do morto para sua “volta” à terra. Já nos poemas “Visões”: ‘I
Prodígio, II A Cruz, III Passatempo, IV O Presbítero, V A Morte’[73], “A Vila Maldita,
Cidade de Deus”[70], o eu poético narra a morte da coletividade pecadora perante a hora da justiça
divina.
10
1) “Visões”: ‘I Prodígio, II A Cruz, III Passatempo, IV O Presbítero, V A Morte’[73],
2) “A Vila Maldita, Cidade de Deus”[70], 3) “Fortificai-me, ó Deus!”[35], 4) “O meu
Sepulcro”[43], 5) “Espera”[31], 6) “No Túmulo do meu Amigo João Batista da Silva Pereira
Júnior”[53], 7) “Hinos do Profeta”[38], 8) “O Arranco da Morte”[11], 9) “O Suicídio”: ‘Canção
de Béranger sobre a Morte dos Jovens Escousse e Augusto Lebras, em Fevereiro de 1832’[67], 10)
“A Morte”[45], 11) “Oração Fúnebre”[55], 12) “Mocidade e Morte”[44], 13) “É Tarde!”[26].
95
sua vida mundana na hora do passamento. Padre Antônio Vieira, anteriormente ao
século XIX, alertava para a necessidade de redenção dos pecados antes da
morte, como a única forma de viver e morrer tranqüilo: “Acabar a vida antes de
morrer, e ser pó por eleição, antes de ser pó por necessidade” (Vieira 2000: 71). À
influência de Vieira sobre o século XIX juntam-se outros autores que, na mesma
linha cristã religiosa, dissertam sobre o que é a boa morte nessa concepção vide
Bossuet e Fénelon. Alain Corbin afirma:
Os missionários da Restauração, infatigáveis evocadores das
torturas do inferno, inspiram-se no tom dramático dos pregadores
de outrora. O romântico, fascinado pela morte, vibra com as
terríveis entonações de Tertuliano ou São Bernardo; com toda a
naturalidade, a meditação sobre os fins últimos ingressa nas novas
encenações da melancolia. (1991: 475)
Os seguintes versos ilustram a preparação de um eu poético a remir-se
diante do reconhecimento de seus pecados: “Perdão, meu Deus, se a nica da
vida/ Insano profanei-a nos amores”
[53]
. Trata-se de um “eu” centrado em sua
condição de pecador, cujas palavras referem-se a ele exclusivamente; a
descentralização deste eu” leva-o a descobrir o pecado no outro, denunciando os
excessos das providências funerárias tão valorizadas pelo romântico
(...) Que m’importa
Que mão d’hábil artista me não talhe
Mentiroso epitáfio em preto mármor!
O moimento faustoso, que se erige,
Arranco da vaidade, sobre a campa
De um corpo transitório, acaso empece
Aos que ali pascem, vermes esfaimados
De roerem-lhe as vísceras?! (...)
[43]
e o apego à vida mundana,
96
Os felizes do mundo acobardados
Ante a imagem da morte, que os assalta,
Temem deixar a terra, onde tranqüila,
Quase livre de dor, entre delícias,
Como um rio caudal lhes corre a vida
[43]
passando pela crítica à diferenciação hierárquica social das sepulturas e optando
pelo caráter de humildade. Isto reflete a angústia pela valorização do rito material
da morte em detrimento do rito afetuoso, por um desacordo com a
heterogeneidade social nos enterros e, ainda, pela certeza de que o esquecimento
será inevitável:
Hei de ser mais feliz porque me cobre
Pomposo mausoléu, em vez da pedra
Sem nome, em vez do túmulo de céspedes,
Que se ergue junto à estrada, e ao viandante,
Ao que ali passa, uma oração suplica?
[43]
O eu poético condena o apego material que se manifesta na vida e até na
hora da morte por considerá-lo vaidade inútil, incapaz de salvar o homem, visto
que ela atinge qualquer condição social. A reflexão deste “eu” sobre a “morte do
outro” revela, em verdade, o desejo de afirmar o seu desprendimento, que se
constitui no caminho para ser redimido: “Mas eu, que vago solto, como a folha,/
Como o fumo sutil; que não limito/ Nos términos da terra os meus desejos”
[43]
.
Silva (2000) debruça-se detalhadamente sobre esses aspectos do poema,
argumentando ainda que a origem desta noção de valorização da alma advinha da
crença em missão poética que “era tão dolorosa e exigente que fazia o vate
romântico enxergar a vida através da alma e colocava-o tão distante dos ‘felizes
do mundo’ e ‘das delícias da vida’” (2000: 93).
97
3.2.8 Figurações do “eu” representando o desejo de redenção
A morte do eu poético como pecador
11
configura uma redução da
consciência do morrer à preocupação única com o Além: é preciso redimir-se
diante de Deus para alcançar o reino dos céus ou, pelo menos, o descanso eterno
sob a forma de sono. O romântico distingue corpo e alma, reservando a esta a
missão de purificá-lo das más condutas daquele. Nestes versos, o “eu” se dirige à
personificação da morte, encomendando-lhe sua alma:
Mas quebra-me certeira o imundo vaso
Que oculta o eterno ser;
Quebra-o de um golpe, toma-me nos braços,
Não me deixes sofrer!
45]
Nota-se nos poemas que a noção de pecado para o eu poético canalizava-se
pelo amor carnal e pelo apego material em detrimento do espiritual.
Associada à remissão de pecados, figura outra preocupação com o morrer
bem: a morte no leito. Tida como ideal, primeiramente pela familiaridade que o
local invoca, assume dimensões religiosas uma vez que representa o local de
acerto de contas individual com o domínio divino, segundo Áries (2003: 101).
Morrer fora do recanto familiar do leito era arriscar-se a não ter tempo de redimir-
se, de receber as bênçãos religiosas; neste sentido, outros espaços tidos como
maculados constituem-se em “leito pavoroso”:
Ó meus amigos, deve ser terrível
Sobre as tábuas imundas, inda ebrioso,
Na solidão morrer!
Sentir as sombras dessa noite horrível
11
1)“O meu Sepulcro”[43], 2) “Fortificai-me, ó Deus!”[35], 3) “Espera”[31], 4) “Fantasmas”[33],
5) “No Túmulo do meu Amigo João Batista da Silva Pereira Júnior”[53] 6) “Hinos do
Profeta”[38], 7) “12 de Setembro”[1], 8) “A Morte”[45], 9) “Mocidade e Morte”[44].
98
Surgirem dentre o leito pavoroso...
Sem um Deus para crer!
[38]
poemas em que a figura do poeta também é apresentada como sendo a
de pecador. Além dos pecados comuns a todos os homens, o poeta acredita
carregar em si uma maldição inerente a sua condição de poeta. Morin, sobre o
século romântico, afirma: “O verdadeiro poeta é um não-adaptado, não-
especializado daí sua infelicidade e glória, os seus atributos ambivalentes de
poeta maldito e sagrado, ‘amado pelas musas’ e ‘odiado pelo destino’” (1970:
158). Nestes versos, o poeta revela sua sina:
Eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste qu’inda mesmo florido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo – que vaga sobre o chão da morte,
Morto – entre os vivos a vagar na terra.
Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito!
[44]
Nota-se o agravo na consciência do eu poético que, por acreditar no peso
da suposta maldição, vive como um morto, ameaçado de morrer a qualquer
momento e temeroso de perpetuar sua desgraça, vagando sozinho após a morte.
3.2.9 A revolta diante da idéia da morte
A angústia atinge a consciência moribunda que lamenta o “morrer jovem”,
ocasionando um sentimento de revolta contra o Criador, tendo em vista a doutrina
cristã vigente no século XIX. O eu poético, ao analisar a idéia de sua morte com
99
revolta, expressa as seguintes atitudes: o desejo de deparar-se com o inferno ao
invés do céu; a percepção irônica da relação entre vida e morte, feita através da
indagação acerca do sentido da criação; o uso de ironia na linguagem,
subentendendo sua revolta.
No primeiro caso, a consciência de revolta permeia a interrupção definitiva
do exercício poético com a morte. Nos seguintes versos de Fagundes Varela, o
poeta, angustiado pela idéia da morte que finalizará suas atividades de escritor
conseqüentemente, sua carreira e glória compete à sua pena, instrumento de
trabalho do qual ele se considera inseparável, a missão de rebelar-se contra o fim,
ironizando o desígnio fatal:
Mas não! Se te ordena a sina,
Se o destino assim te manda,
De pé sobre a própria ruína
Canta, oh! alma miseranda!
Pede ao inferno uma lira,
Toma os guizos da loucura,
Dança, ri, folga e delira
Mesmo sobre a sepultura!
Brinda a morte e as agonias,
Canta as cóleras bravias
Dos precitos eternais;
Sobre túmulos e berços
Escreve ainda, e teus versos
Sejam banhados, imersos,
Nos prantos de Satanás!
[58]
Nesse poema, o escárnio não ilustra uma tentativa de atribuir leveza à
morte, sorrindo-se dela; demonstra, antes, uma atitude de arrogância que confere a
ela um peso de inferno e desventura.
Com o advento da morte, revela-se a aparência irônica da vida: “A vida é
um escárnio sem sentido / Comédia infame que ensangüenta o lodo”
[37]
. A
percepção da morte, neste caso, se dá pela concepção da vida: ao “eu parece mais
100
inaceitável viver do que morrer. Esse sentimento de não aceitabilidade, e que
denota a revolta, perpassa a indagação em relação ao sentido da vida:
Sublime Criador, porque enjeitaste
A pobre criação? Porque a fizeste
Da argila mais impura e negro lodo,
E a lançaste nas trevas errabunda
(...)
O egoísmo! Eis a voz da humanidade.
Foste sublime, Criador dos mundos!
[37]
A morte tratada com ironia em “O Poeta Moribundo”, de Álvares de
Azevedo, revela a atitude de revolta em relação à idéia de morrer:
Poetas! Amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda, e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!
(...)
Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
[66]
Candido observou a atitude irônica nesse poema, contrapondo-o ao poema
“Lembrança de Morrer”, cujos versos considera mais sentimentais, propondo uma
antinomia entre a leveza e o desespero.
3.3 A “morte do meu”
A “morte do meu” é representada por um eu poético que conhece o morto,
tendo com ele uma proximidade afetiva direta ou indireta, através da admiração.
Não é necessária, portanto, a identificação do morto referido no poema, tampouco
a exata relação deste com o eu poético. O que delimita a definição de meu” é a
101
importância atribuída ao morto, a noção de afeto que atinge de uma forma direta
ou indireta o eu poético. Assim, no poema “Epicédio”
[28]
, de Gonçalves Dias,
não é mencionada a identidade da virgem que morreu e nem qual é a relação dela
com o eu poético. No entanto, sua morte é particularizada através da relação do
luto expresso no poema. Já no poema “À Morte de Garret”
[3]
, de Junqueira Freire,
sabe-se tratar do poeta português, mas não se expressa a relação deste com o eu
poético senão, novamente, pela expressão do luto.
Dessa forma, o eu poético dirige-se ou refere-se não ao morto, como
também aos que lhe eram caros e necessitam de consolo. Trata-se de uma morte
intensamente lamentada, e não desejada ou futurizada. Com a morte de alguém
próximo, o eu ressente-se sobretudo pela separação definitiva com a perda sofrida.
Chiavenato afirma:
“O homem não tem experiência pessoal da morte – a morte que ele
conhece e “experimenta” é a morte do outro: a sua consciência é a
da morte alheia. (...) O que temos é a experiência da morte e não a
experiência pessoal da nossa morte. (...) O sentimento mais
marcante que temos em referência à morte é a sensação de perda
tanto daquele que morreu quanto daquilo que, durante a nossa
vivência do morrer, sabemos que vamos perder”. (1998:105)
O eu poético lida, em quase toda a totalidade de poemas, com a perda do
outro em dois níveis de consciência da morte: a melancolia e a resignação. Apenas
em um poema verificou-se a expressão da revolta permeada pela ironia.
3.3.1 A melancolia diante da “morte do meu”
A melancolia perpassa todos os poemas, observando-se a perda de
parâmetros para o futuro com a concentração no “eu” que perde alguém; e a
102
atenuação da angústia pela purgação, pela expressão livre da dor através da
reconstrução do “eu” que utiliza parâmetros convencionais para esse fim:
Não chorem! que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!
[8]
Ou seja, trata-se do consolo através da idéia de que a morte é um chamado
de devolução ao seio do guardião. Um outro exemplo de expressão de consolo
observa-se nos seguintes versos:
Choremos todos: que partiu tão breve
Da terra aos céus um coração de amigo.
Mas foi unir-se àquela Essência eterna,
Donde seu puro espírito partira.
[60]
E aqui o consolo se através da integração coletiva que valoriza uma
determinada pessoa. Já a perda de parâmetros lutuosos do eu poético leva ao
desejo de morte, de unir-se ao morto imediatamente, não aceitando a separação
imposta,
E’ tarde! e quando o peito estremecia
Sentir-me abandonado e moribundo!
É tarde! é tarde! ó ilusões da vida,
Morreu com ela da esperança o mundo!...
[71]
configurando a morte como único consolo possível,
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, – se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam;
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!
[63]
103
e apelando para a inevitabilidade da morte como forma de reunião futura dos
separados:
Descansa! se no céu há luz mais pura,
De certo gozarás nessa ventura
Do justo à placidez!
Se há doces sonhos no viver celeste,
Dorme tranqüilo à sombra do cipreste...
– Não tarda a minha vez!
[2]
A idéia da “morte do meu”
12
é mais difícil para o eu poético do que a idéia
da “morte de si”, pois a primeira apresenta-se mentalmente como seu próprio fim,
diferente da segunda, que se constitui num ser arrancado da vida. Para o
romântico, a morte mais sentida é a do outro, que o vivo é quem carregará o
fato na lembrança. A morte é um fim para o morto, mas a recuperação da perda
deste termina com a própria morte. A certeza de que todos morrerão um dia
consola um amigo da perda do irmão:
Consola-te! Nós somos condenados
À noite da amargura: o vento norte
Nossos faróis apaga...
Iremos todos, pobres naufragados,
Frios rolar no litoral – da morte,
Repelidos da vaga!
[9]
No anseio melancólico, ocorre ainda outra expressão do eu romântico
inconformado com a “morte do meu”. Trata-se do motivo ubi sunt, que significa:
Onde estão aqueles que foram antes de nós? Ariès, sobre a morte nos séculos XII
e XIII, afirma: “(...) os ascéticos autores do contemptus mundi, não deixaram de
12
Neste trabalho, serão usadas duas nomenclaturas para ilustrar a morte de alguém relacionado ao
eu poético: a “morte do meu” definida por Corrêa (2004) e a “morte do outro” utilizada por Ariès
(2003).
104
evocar a destruição à qual estavam destinados os corpos mais belos, as carreiras
mais gloriosas: ubi sunt (2003: 141).
O motivo, então, denota a inevitabilidade da morte que atinge a todos, não
importando qual o valor social que uma pessoa tenha. No poema “Canto
Inaugural”, o eu” melancólico utiliza o motivo para evocar a memória do amigo
morto, um ilustre cônego, indagando-se para onde terá ido seu esforço em vida:
Onde essa voz ardente e sonora,
Essa voz que escutamos tantas vezes,
Polida como a lâmina dum gládio,
Essa voz onde está?
[19]
Neste outro poema, ao motivo ubi sunt atribui-se um responsável pela
evanescência dos grandes poetas; o eu poético ressente-se de ter perdido tantos
amigos da poesia, tão sucessivamente e num curto espaço de tempo. Culpa então o
tempo pela rapidez com que mata, sendo “comparsa” da morte:
Tempo, tempo voraz, pára um momento!
Concede ao gênio o respirar ao menos!
(...)
– O que fizeste deles? Onde ocultas
Desses grandes talentos os tesouros,
Comparsa horrendo da sombria morte?
[27]
105
Foram encontrados 41 poemas a respeito da “morte do meu”
13
. O eu
poético procura atenuar a difícil dor gerada pela perda do outro através de um
processo de catarse, no qual a expressão de sua dor é o recurso depurador.
Verificou-se três formas de expressá-la – a) a elevação da morte à heroicização, b)
a purificação da lembrança do morto afirmando somente suas características
positivas e c) a crença em uma agradável destinação pós-morte para o ente
perdido –, porém todas elas permeiam a mesma intenção: a de perpetuação do
morto na memória, coletiva ou individual.
3.3.2 A purgação da morte
Purgar uma morte significa extirpar dela tudo o que for impuro à
consciência dos vivos: o pecado, as más recordações, a visão da decomposição, o
13
1) “`A Sentidíssima morte do Senhor Major Carlos Miguel de Lima”[5], 2) “No Cenotáfio de D.
Luísa de França Arcanjo Ferreira”[51], 3) “Epicédio”[28], 4) “Visões”: ‘I Prodígio, II A Cruz,
III Passatempo, IV O Presbítero, V A Morte’[73], 5) “A Vila Maldita, Cidade de Deus”[70],
6) “Canto Inaugural memória do Cônego Januário da Cunha Barbosa)”[19], 7) “Se se Morre de
Amor!”[63], 8) “Nênia à Morte Sentidíssima do Sereníssimo Príncipe Imperial o Senhor D. Pedro
Sua Majestade o Imperador)”[50], 9) “Sobre o Túmulo de um Menino”[64], 10) “À Morte
Prematura (Da Ilma. D. ....)”[4], 11) “Velhice e Mocidade”[69], 12) “I-Juca-Pirama”[39], 13)
“Deprecação”[21], 14) “Canção do Tamoio”[16], 15) “Virgem Morta”[71], 16) “Um Cadáver de
Poeta”[14], 17) Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro do seu Irmão”[9], 18) “Agonia
do Calvário”[6], 19) “Anjinho”[8], 20) “À Morte de Afonso de A. Coutinho Messeder”[2], 21)
“No Túmulo dum Menino”[54]; 22) “Aos Túmulos”[10], 23) “A Morte no Claustro”: ‘Por ocasião
da Morte do Venerando Ancião, Frei Manoel da Piedade Borba’[48], 24) “Canto Fúnebre Recitado
na Ocasião de Sepultar-se o Cadáver do meu Amigo Luís da França Rebouças a 16 de abril de
1853”[18], 25) “Poema fúnebre dedicado a meu Irmão Frei Henrique de Santa Rosa Ribeiro”: ‘Por
Ocasião da Morte de seu Irmão Raimundo Álvares Ribeiro, (Sucedida a 23 de abril de 1853)’[60],
26) “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, falecida na cidade de Mariana”[49], 27) “Os Dous
Cadáveres”: ‘aos manes do venerando ancião o Dr. Fr. José de Santa Escolástica e Oliveira,
falecido a 22 de março, e do meu jovem amigo Fr. Henrique de Santa Rosa Ribeiro, falecido a 24
do mesmo mês’[25], 28) “Ai!”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião – Frei Marcelino do
Coração de Jesus, acontecido em junho de 1854 no Mosteiro do Rio de Janeiro’[7], 29) “Mais um
Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei José de São Bento Damásio, a 10 de
setembro de 1854)’[41], 30) “A morte de Garret”[3], 31) “O Suicídio”: ‘Canção de Béranger sobre
a Morte dos Jovens Escousse e Augusto Lebras, em Fevereiro de 1832’[67]; 32) “Cântico do
Calvário”: ‘À memória de meu filho morto a 11 de dezembro de 1863’[17], 33) “Elegia”[27], 34)
“Oração Fúnebre”[55], 35) “O Escravo”[30], 36) “Pesadelo”: ‘IV A Entrevista no mulo, V Os
Dois Cadáveres’[25], 37) “Fatalidade”[34], 38) “Epitáfio”: ‘Para um Túmulo de Mãe’[29], 39) “A
Visão dos Mortos”[72], 40) “Mater Dolorosa”[42], 41) “A Órfã na Sepultura”[56].
106
choque da perda, da separação. Por esta razão a purgação parte dos vivos, embora
se refira também ao morto; a imagem deste é purificada para ser aceita na
memória vivente. Os mortos podem, então, permanecer harmoniosamente em
pensamento, portadores de boas auras, talhadas cuidadosamente pela visão
romântica. Trata-se das imagens comuns lançadas nos poemas: o tornar-se anjo, o
ser buscado por um anjo, a beleza de “repouso” contida no cadáver, a destinação
celestial devido a um caráter imaculado. Foram encontrados 26 poemas
14
contendo a noção de purgação da morte.
A purgação encontra seu modo de expressão no luto, que pode ser definido
como “profundo sentimento de tristeza causado pela perda de qualquer pessoa que
nos era cara” (Aulete 1958: 3045). O luto, então, consiste na manifestação
sentimental em que o vivo expõe sua dor da perda e na manifestação ritual
um período de comportamento lutuoso para com o morto. Em qualquer destas
expressões, objetiva-se tornar ainda mais harmônica a imagem daquele. Ou seja,
se a morte é muito lamentada denota a perda de uma pessoa insubstituível,
valorizando o morto e, conseqüentemente, perpetuando-o na memória como ser
único.
14
1) “No Cenotáfio de D. Luísa de França Arcanjo Ferreira”[51], 2) “Epicédio”[28], 3) “Se se
Morre de Amor!”[63], 4) “A Morte é Vária”[47], 5) “Sobre o Túmulo de um Menino”[64], 6) “À
Morte Prematura (Da Ilma. Sra. ....)”[4], 7) “Velhice e Mocidade”[69], 8) “Virgem Morta”[71], 9)
“Um Cadáver de Poeta”[14], 10) Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro do seu
irmão”[9], 11) “Agonia no Calvário”[6], 12) “Anjinho”[8], 13) “À Morte de Afonso de A.
Coutinho Messeder”[2], 14) No Túmulo dum Menino”[54], 15) “Aos Túmulos”[10], 16) “A
Morte no Claustro”: ‘Por ocasião da morte do venerando ancião, Frei Manoel da Piedade
Borba’[48], 17) “Mais um Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei José de São
Bento Damásio, a 10 de setembro de 1854)’[41], 18) “Cântico do Calvário”: ‘À memória de meu
filho morto a 11 de dezembro de 1863’[17], 19) “Oração Fúnebre”[55], 20) “O Escravo”[30]; 21)
“Pesadelo”: ‘IV A Entrevista no Túmulo, V Os Dois Cadáveres’[59], 22) “Epitáfio”: ‘Para um
Túmulo de Mãe’[29], 23) “Mater Dolorosa”[42], 24) “A Cruz da Estrada”[20], 25) “A Órfã na
Sepultura”[56], 26) “Fatalidade”[34].
107
A purgação da morte, então, torna-se o meio de homenagear os mortos
sagrando-os à memória, sendo por isso necessária aos vivos e desejável àquele
que morre. A imagem purgada da morte ajuda os vivos a se recuperarem da dor da
perda de seus mortos. Segundo Maud, “o trabalho do luto consiste, assim, num
desinvestimento de um objeto, ao qual é mais difícil renunciar na medida em que
uma parte de si mesmo se perdida nele. A nostalgia do objeto vem relembrar o
apego ao ser amado desaparecido” (1995: 91). Já se observou que
o romântico
sente a “morte do outro” com intensidade vide a recorrente imagem de
“arranque” que esta tem nos poemas e o drama da separação entre vivos e mortos:
Se a morte crua nos arranca o amigo,
Se damos prantos à memória dele,
E’ que de nós p’ra sempre separou-se
Um coração que concluía o nosso,
E o gozado prazer não mais gozamos.
[60]
O processo de “desinvestimento”, porém, não se refere apenas ao eu
poético que sofreu a perda, mas a toda uma sociedade na qual ele se insere e a
qual dita os parâmetros de processo purgativo. Morin afirma: “Depois dos ritos de
imortalidade e da terminação do luto, depois de um ‘penoso trabalho de
desagregação e de ntese mental’, então a sociedade, ‘retomando a sua paz,
pode triunfar da morte’” (1970: 75). Ou seja, as regras de conduta para com o
luto são essenciais para a permanência da ordem; neste sentido, o processo de
recuperação para o romântico se através da demonstração coletiva da dor. O eu
poético valoriza a exposição eloqüente, singularizando a morte de um jovem
príncipe ao convocar uma nação inteira para chorar as dores do pai que sofrera a
perda:
108
Se a dor do pai não absorve inteiro
O peito augusto do Monarca excelso,
Enxuga as lágrimas que vertes!
Melhor, talvez que o trono é ver chorando
Um povo inteiro em torno de um sepulcro
[50]
É igualmente notável que a morte nesses versos pareça trazer mais provas
de prestígio do que o trono, em vida, poderia trazer, confirmando a intenção de
valorização da “morte do outro”.
3.3.3 As figurações do “eu” lutuoso
O eu poético expressa as vozes lutuosas da mãe, pai, filho, amado, amada,
amigo e poeta. No poema “Velhice e Mocidade”
[69]
, é representada a voz de um
velho pai que perde sua jovem filha. Diante da desventura dessa perda, o “eu”
revela-se inconformado por não ter morrido antes dela, alterando uma suposta
ordem natural do ciclo de morrer. Agravando-lhe a consciência de restar no
mundo, o “eu” menciona ter conhecimento da morte de muitos dos seus que
partiram antes, indistintamente:
“Eu tive tantos no mundo
Quantos se pode chorar;
Perdi todos, tudo; ai, triste,
Só eu não pude acabar!
15
O próprio tulo do poema confirma esta idéia: o adjetivo “velhice”
antecede a “mocidade”, numa clara alusão de quebra na ordem cronológica, pois a
última é a que ocorre primeiro. A morte do jovem, porém, potencializa a angústia
do velho que vê tardar a sua.
15
Estes versos encontram-se originalmente centralizados na página em relação às estrofes iniciais.
109
Em relação à morte da mãe, o eu poético dedica-lhe apenas uns poucos
versos, redigidos em epitáfio.
16
Em outro poema, a morte da mãe escrava
desampara sua filha também escrava, fazendo-a desejar a união com a mãe em
segurança e liberdade. O único poema em que a voz da mãe expõe seu luto,
intitulado “Mater Dolorosa”
[42]
, também retrata a morte do filho nascido escravo
e morto para sua libertação. Trata-se de outro significado além do luto que será
tratado posteriormente.
A morte do amigo, retratada em vários poemas
17
, conserva a atitude de
luto (com a dignificação de seus atos):
Quem sabe ser amigo em si resume
As virtudes do céu e os bens divinos.
Ele foi meu amigo – único e último –
Que tinha uma alma conformada à minha.
[18]
Pode apresentar também a angústia pela morte do mancebo: a idéia de que
este morreu sem completar sua tarefa, sem desfrutar a vida, sem ser reconhecido
no futuro:
Era bem cedo! – Tanta glória ainda
O esperava, meu Deus, na aurora linda
Que a vida lhe dourou!
[2]
16
“Epitáfio”: Para um Túmulo de Mãe.[29]
17
1) “À Morte Prematura (Da Ilma. Sra. ....)”[4], 2) “Canto Inaugural (À Memória do Cônego
Januário da Cunha Barbosa)”[19], 3) Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro do seu
Irmão”[9], 4) “À Morte de Afonso de A. Coutinho Messeder”[2], 5) A Morte no Claustro”: ‘Por
ocasião da morte do venerando ancião, Frei Manoel da Piedade Borba’[48], 6) “Canto Fúnebre
Recitado na Ocasião de Sepultar-se o Cadáver do meu Amigo Luís da França Rebouças a 16 de
abril de 1853”[18], 7) “Poema Fúnebre Dedicado a meu Irmão Frei Henrique de Santa Rosa
Ribeiro”: ‘Por ocasião da morte de seu irmão de seu irmão Raimundo Álvares Ribeiro, (sucedida a
23 de abril de 1853)’[60], 8) “Os Dous Cadáveres”: ‘aos manes do venerando ancião o Dr. Fr.
José de Santa Escolástica e Oliveira, falecido a 22 de março, e do meu jovem amigo Fr. Henrique
de Santa Rosa Ribeiro, falecido a 24 do mesmo mês’[25], 9) “Ai!”: ‘Pelo falecimento do
venerando ancião – Frei Marcelino do Coração de Jesus, acontecido em junho de 1854 no
Mosteiro do Rio de Janeiro’[7], 10) “Mais um Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião
Frei José de São Bento Damásio, a 10 de setembro de 1854)’[41].
110
A voz de luto do próprio eu poético expressa seu sentimento pela morte da
criança. Há três poemas sobre esta morte
18
, dois deles compostos de poucos
versos; sintomaticamente, esta estrutura revela a atitude redutora da purgação ao
essencial, sem a interferência melancólica do luto para adultos. Isto se deve a dois
aspectos: ao fato de a criança não ser considerada como pessoa social e ao fato de
que a morte infantil era sentida menos traumaticamente pelos vivos. Reis afirma:
“A criança, sobretudo o recém-nascido, ainda não era considerada parte da
sociedade civil, por isso transformava-se logo em anjo ao morrer, desde que fosse
batizada” (1999: 123).
Segundo Glória Kok (2001), esta melhor aceitação da morte infantil
relacionava-se com a crença de que a criança, por uma circunstância natural de
pureza e inocência, morria sem pecados, indo certeiramente para o céu, a exemplo
de uma boa morte. Nos poemas não identificação da criança morta, nem de
suas ações; menciona-se somente sua existência imaculada na terra e, por
conseqüência, seu angelical destino no Além:
– Rosa tocada do cruel granizo –
Cedo finou-se e no infantil sorriso
Passou do berço p’ra brincar no céu!
[54]
Outro poema que tematiza essa morte estende-se mais que os outros dois
por se tratar de uma criança conhecida do eu poético:
Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No frio da facezinha!
[8]
18
“Sobre o Túmulo de um Menino”[65], “Anjinho”[8], “No Túmulo dum Menino”[54]
111
Não difere, no entanto, na estrutura de purgação, corroborando a idéia da
morte imaculada na epígrafe
19
: And from her fresh and unpolluted flesh/ May
violets spring.
Na literatura romântica brasileira, a morte amorosa tem uma gênese
bastante peculiar ao período, sensibilizada pelo macabro e o belo. A morte dos
amantes viabiliza a realização do amor não completado em vida, quer tenha sido
por um impedimento alheio (o assassínio do amado por outro homem em
“Pesadelo”: ‘IV A Entrevista no Túmulo’
[59]
) quer tenha sido por um
impedimento moral (a noção de pecado presente no desejo, o que dissocia o corpo
da alma). Essa divisão acarreta a noção de sublimação do amor pela morte, em
que o amor ideal confinar-se-ia à alma, livre dos pecados mundanos. Alguns
poemas
20
de Álvares de Azevedo contêm essa noção; paralelamente, outro gênero
da literatura romântica brasileira, o romance, veicula esta idéia, como por
exemplo, em Lucíola. Dante Moreira Leite, em análise do romance, afirma: “o
autor não conseguiu unir corpo e alma da mulher amada, pois os dois aspectos
deveriam permanecer isolados; tanto é verdade que nunca seriam percebidos na
mesma pessoa”. E ressalta: “em Lucíola, a conciliação entre ideais antagônicos
seria impossível, e a heroína morre”. Na lírica, esta antítese pode ser
exemplificada por um eu poético que chora a morte de sua amada, oscilando entre
o desejo de amor físico não consumado e a preservação da pureza do amor que
dorme enquanto espera o encontro das almas:
Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei e dormes pura:
19
Texto de Hamlet, presente no poema “Anjinho”[8]. Pode-se traduzir como: “E de sua carne
fresca e imaculada/ Violetas talvez floresçam”.
20
“Virgem Morta”[71], “Lembrança de Morrer”[40], “Um Cadáver de Poeta”[14], “Glória
Moribunda”[37], “12 de Setembro”[1].
112
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar apenas na ventura.
[71]
Nesse poema, o eu poético entrevê o encontro de suas almas, chegando a
desejar a morte para unir-se a ela. Ele chora a perda de sua amada diante do corpo
dela revelando um desejo profano de beijá-la, mesmo morta, como ocorre em
Noite na Taverna. Esse desejo pode ser explicado pela novidade na sensibilidade
romântica que evoca a beleza da morte. O poeta admite não se importar com a
aparência da amada morta:
Que importa que ela durma descorada,
E velasse o palor a cor do pejo?
Quero a delícia que o amor sonhava,
Nos lábios dela pressentir num beijo.
[71]
A transferência do exercício moral do intelecto para o sensível, apontado
por Praz (1996: 56), permite ao romântico jogar com suas sensações, revezando-as
com um sentimento de culpa. Mas não se pode afirmar que se trate somente do
domínio moral; trata-se também de novas associações de imagem que o romântico
faz, desencadeado talvez por sua visão melancólica das coisas. Se no poema
acima o desejo amoroso beira o gosto pelo macabro, no poema seguinte a beleza
da morte mencionada participa do processo de purgação da dolorosa imagem:
E bela assim, como um lírio
Murcho da sesta ao ardor,
Teve a inocência dos anjos,
Tendo o viver de uma flor.
[28]
113
A epígrafe do poema
21
, ao associar a morte a uma sesta, encontra nesta o
elemento purificador da morte que a embeleza: “Passa la bella donna e par che
dorma”. A purgação exacerbada da “morte do meu” encontra na mulher a figura
fundamental ao propósito de dramatizar a morte do homem, seja ele esposo, filho
ou irmão. Ariès afirma:
A presença da mulher, aliás, em nada mudava a reclusão do luto:
inteiramente coberta de negro, mater dolorosa, aparecia aos olhos
do mundo apenas como o símbolo da dor e do desconsolo. Contudo
a reclusão fora transferida do plano físico para o plano moral.
Menos para proteger os mortos do esquecimento do que para
afirmar a impossibilidade dos vivos em esquecê-los, e em viver
como antes de sua partida. (2003: 249)
Dessa forma, a mulher, simbolizando o lado emotivo, exerce papel
fundamental no imaginário do bem morrer: a exibição do pranto feminino parece
valorizar a partida do morto, justamente através da citada imagem de desconsolo.
O morto adquire, então, o desejável status de pessoa insubstituível. O eu poético,
representando a dor da esposa, afirma:
(...) – mas enquanto a vida
Na terra me durar, contínuo e sempre
Chorarei pelo amor que dele tive,
E com meu pranto copioso e ardente
A lamentá-lo ensinarei a todos...
[60]
A mulher figura não como voz do eu poético; é também citada como
parte fundamental na hora da morte:
– Tancredo!... vêde! é o trovador Tancredo!
Coitado! assim morrer! um pobre moço!
Sem mãe e sem irmã! E não o enterram?
21
Texto de Tasso no poema “Epicédio”[28]. Na obra de Mário Praz (1996: 52), há a seguinte
tradução para estes versos advindos do poema “A Morte de Clorinda”: “E desta forma a bela
mulher resta, como se repousasse em sua sesta”.
114
Neste mundo não teve um só amigo?
[14]
3.3.4 A heroicização da morte
Heroicizar uma morte é torná-la heróica; o termo “herói” define “o homem
notável pelas suas qualidades extraordinárias, pelo seu valor e coragem acima do
vulgar, pelas altas qualidades guerreiras, atos de bravura, magnanimidade, denôdo
(...) O que se distingue pelas suas virtudes, nobreza de alma e caráter
irrepreensível (...)” (Aulete 1958: 2569). Um homem, por ocasião de sua morte,
pode ser heroicizado por essas diferentes instâncias citadas, que vão desde as
realizações em combate físico ou intelectual até as características morais,
como a virtude e a nobreza, esta última referindo-se à atitude e à origem social do
homem. Nos poemas encontrados a heroicização se de forma explícita,
referindo a celebridade do morto, e de forma implícita, delineando seu prestígio
através do caráter de humildade, como nos poemas de Junqueira Freire.
Foram encontrados 10 poemas
22
com esse significado, sendo três temáticos
da morte indianista, que será tratada em tópico à parte. A heroicização da morte
nos poemas românticos pode relacionar-se: a) ao aspecto de construção dos
valores patrióticos da nação; b) à constatação de que esta heroicização não se
somente diante da nação, mas também diante da relação particular do eu poético
com o morto. A seguir, serão racionalizadas as concepções contidas em cada área.
22
1) “`A Sentidíssima Morte do Senhor Major Carlos Miguel de Lima”[5], 2) “Canto Inaugural (À
Memória do Cônego Januário da Cunha Barbosa)”[19], 3) “I-Juca-Pirama”[39], 4)
“Deprecação”[21], 5) “Canção do Tamoio”[16],
6)
Nênia à Morte Sentidíssima do Sereníssimo
Príncipe Imperial o Senhor D. Pedro (À Sua Majestade o Imperador)”[50], 7) “A Morte no
Claustro”: ‘Por ocasião da morte do venerando ancião, Frei Manoel da Piedade Borba’[48], 8)
“Canto Fúnebre recitado na ocasião de sepultar-se o cadáver do meu amigo Luís da França
Rebouças a 16 de abril de 1853”[18], 9) “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na cidade
de Mariana”[49], 10) “A Morte de Garret”[3].
115
No século XIX, fermentavam os anseios de construção de uma identidade
brasileira, a identidade da nação. No campo literário, igualmente buscava-se a
representação nacional; na lírica, evidenciavam-se os sentimentos patrióticos,
através do louvor a imagens típicas do país: avultavam antigos heróis, verdadeiros
pilares para a construção de uma nação que também se pretendia heróica. A rica
instrumentalizava-se das figuras heróicas do passado para revelar uma concepção
politicamente edificante da morte: a heroicização.
Tal assertiva pode ser verificada no poema “À Sentidíssima Morte do
Senhor Major Carlos Miguel de Lima”, de Araújo Porto Alegre. À heroicidade da
morte do major, é enumerada uma lista de nomes valorosos como o dele:
A Providência quis que do teu astro
A órbita incompleta se apagasse
Nesse berço de bravos e de heróis!
Que teus dias tão curtos, tão saudosos,
Se submergissem nesse solo ovante,
Nessa terra invencível, de altos fastos,
E pra mais avultar-se a jovem glória
Tuas cinzas mesclou na mesma terra
Onde dormem Abreus, Marques e Câmaras,
Onde os Cantos, Manecos e Bandeiras,
Os Barretos, Medeiros e Fontouras
Com o insuperável gladio do mundo deram
Mais de uma vez rude prova da ousadia
Do braço brasileiro nos combates.
[5]
Destaca-se aqui a terra brasileira como genitora de heróis, ou seja, a idéia
do valor patriótico que se desejava demonstrar, e não somente o valor daquele
herói morto, especificamente.
A heroicização nos poemas românticos, por conter a relação do eu poético
com a pessoa falecida de quem trata e não puramente a relação do herói morto
com a pátria, constitui-se não somente em apontamento de valores nacionais, mas
116
também em exaltação do morto na particularidade de sua pessoa, no
relacionamento com o eu poético que o canta. Neste sentido, a heroicização
dialoga com outro significado: a purgação. Percebe-se no eu poético sentimentos
purgativos da morte como:
Lamento –
Nunca mais te verei honrado Carlos;
(...)
Mas agra sorte derramou seu tóxico
Neste alegre delírio; e n’áurea página
Da falaz epopéia do meu peito
As lágrimas da dor correndo súbito,
Tudo desvaneceram para sempre!;
[5]
Saudade –
A par de um gênio , do fiel amigo,
Que junta a sua voz ao côro lúgubre
Que te chora, meu Carlos, que saudoso
Sempre e sempre será, enquanto errarmos
Neste ergástulo escuro, neste exílio!
(...)
Mas quem minha saudade dolorosa
poderá consolar; quem este vácuo
No trono do meu peito, onde eras círio,
Poderá preencher?
[5]
3.3.5 Figurações dos mortos heroicizados
Os eus poéticos que heroicizam a morte são homogeneamente amigos dos
mortos célebres, não apresentando qualquer particularidade no processo de
heroicização daqueles. Dessa forma, o processo é praticamente o mesmo para
todos os tipos de herói, deslocando-se o foco do eu poético lutuoso para a
117
peculiaridade de cada morto: o que os torna os modelos de conduta e virtude a
serem seguidos e, portanto, dignos de perpetuação.
A heroicização da morte participa das preocupações com a “boa morte”,
dividindo-se entre a encomenda da alma ao domínio celestial e a realização de
obras em vida. Reis, analisando o pensamento oitocentista que preza as pompas
cerimoniais na morte, afirma: “A saída triunfante do mundo dos vivos anteciparia
uma entrada equivalente no Além” (1999: 124). Portanto, pode-se pensar que a
morte como heroicização relacionava-se às duas preocupações: atingir o reino dos
céus por grandes méritos que superiorizavam o herói e defender a memória na
terra, livrando-se do risco do esquecimento. Neste sentido, morrer bem era ser
glorificado por ocasião de sua morte, sendo que nos poemas é mencionada a
destinação celestial ao morto herói como uma associação natural:
Lá – ele, o justo, o virtuoso, o amigo
A vida que de Deus tomou, nascendo,
Foi a Deus entregá-la, e unir-se a ele.
[18]
A outra preocupação com a boa morte, a de “deixar” realizações em vida,
expressa a atitude de heroicização. Morrer bem, neste sentido, era perpetuar-se
além da morte através de um nome reputável. Tratava-se de um modelo de morte
desejável por muitos, mas alcançados por poucos; era preciso ter a condição de
herói um nome elevado seja no sacerdócio (“Canto Inaugural”), seja no
militarismo (“`A Sentidíssima Morte do Senhor Major Carlos Miguel de Lima”),
seja na caridade (“A Morte no Claustro”: ‘Por ocasião da morte do venerando
ancião, Frei Manoel da Piedade Borba’, “Canto Fúnebre recitado na ocasião de
sepultar-se o cadáver do meu amigo Luís da França Rebouças a 16 de abril de
1853”, “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na cidade de Mariana”,
118
seja na família (“A Morte no Claustro”: ‘Por ocasião da morte do venerando
ancião, Frei Manoel da Piedade Borba’, “Canto Fúnebre recitado na ocasião de
sepultar-se o cadáver do meu amigo Luís da França Rebouças a 16 de abril de
1853”, “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na cidade de Mariana”),
seja na literatura (“A Morte de Garret”). A heroicização da morte nos poemas
sempre particulariza o morto, dizendo quem é, o que fez e delineando sua nobreza
de caráter.
3.3.6 A “morte do meu” percebida com resignação
Trata-se de uma resignação obrigatória, como ocorre com a representação
da “morte do eu” diante da consciente inevitabilidade, e que se constitui em um
meio de consolo para o eu poético vivo: a) pela possibilidade de unir-se
simbolicamente ao morto no status da morte, como nos famosos versos de
“Cântico de Calvário”, onde o pai consola-se em crer que se unirá ao filho
novamente:
Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Por onde asinha subirá minh’alma.
[17]
b) pela possibilidade de uma nova “vida” no mundo das almas, segundo a
doutrina cristã. Vários poemas de Junqueira Freire ilustram esta consciência: o eu
poético, geralmente amigo do morto ou amigo de um parente que o perdeu,
procede o consolo da concepção de haver um Além que acolha os mortos pela sua
dignidade na terra:
119
Ah! Não devo chorar. Além dos mundos
Eu vejo o céu, vejo o infinito, o imenso:
E’ o trono sem fim do Deus-Eterno:
E a Deus lá em cima vão juntar-se os justos.
[18]
O que se nota nos poemas românticos é um processo de dupla perda para o
“eu”: a perda pessoal correspondente à dor pessoal; e a perda coletiva
correspondente ao processo de partilha da dor pessoal com o coletivo. Neste
último sentido, a partilha da dor se através da heroicização de uma morte
evocadora da perda coletiva, por acreditar-se tratar da morte de um ser “único”;
em contraposição, ocorre também o relato de um eu poético inconformado com o
não reconhecimento da individualidade do morto. Exemplarmente, no poema de
Junqueira Freire “Nênia à Filha de São Vicente de Paulo, Falecida na cidade de
Mariana”, é expressa a indignação pelo não reconhecimento em vida das virtudes
da moça; o poema, então, vem a individualizar a sua perda compensando a falta
de um processo indispensável ao homem romântico: o de integração coletiva na
hora da morte.
Nem caiu-te no féretro uma lágrima,
– Nem uma só de sentimento grato:
Lágrima à preço de ambição comprada
Não na tiveste desse povo ingrato.
[49]
Na “morte do outro”, ocorre uma preocupação com a ritualização material,
em que o luto é expresso através de consolações funéreas como epicédios, nênias
e cenotáfios
23
, sendo os dois primeiros canções executadas ou escritas para um
23
“`A Sentidíssima Morte do Senhor Major Carlos Miguel de Lima, Araújo Porto Alegre”[5], “No
Cenotáfio de D. Luísa de França Arcanjo Ferreira”[51], “Epicédio”[28], “Canto Inaugural
Memória do Cônego Januário da Cunha Barbosa)”[19], “Nênia à Morte Sentidíssima do
Sereníssimo Príncipe Imperial o Senhor D. Pedro (À Sua Majestade o Imperador)”[50], “Nênia à
Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na cidade de Mariana”[49].
120
morto célebre e, o terceiro, o memorial de pedra do morto que não contém o
corpo. Esta celebração material e cerimonial do morto, no entanto, era privilégio
somente dos mortos considerados ilustres, acabando por constituir-se no exemplo
ideal de morte. Diante desse fato, alguns poemas ilustram uma posição crítica,
como se pode observar na seguinte epígrafe de Bossuet: “Se ela fora mais
afortunada, sua história seria mais pomposa: mas suas obras seriam menos cheias,
e com títulos soberbos teria talvez aparecido vazia diante de Deus”.
24
Ocorre
também uma posição favorável (lembrando-se de que o fervor de perpetuação do
ente morto exige da consciência romântica grandes demonstrações de luto), como
na seguinte epígrafe de Tácito: “Choraram Germânico, até os desconhecidos”.
25
Outro fator de homenagem lutuosa ao morto presente nos poemas é a menção ao
nome completo dele ou da pessoa que o perdeu, e à data e local do falecimento,
tornando extenso o título dos poemas. Esse fator acaba sendo um “epitáfio verbal”
ou, antes, um “cenotáfio”, que perpetua a identidade do morto sem estar diante
dele.
3.3.7 A revolta diante da “morte do meu”
Ainda que haja a noção de revolta contida na dificuldade de aceitação da
“morte do meu”, não a expressão direta desta consciência, acusadora ou
maledicente. Verificou-se, porém, em um poema o uso de uma linguagem irônica
para criticar a desvalorização da morte do poeta. Desta forma, em “Um cadáver de
poeta”, um rico percurso crítico em relação ao tratamento indigno dispensado
24
No poema “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na cidade de Mariana”[49]
25
Em “Poema Fúnebre dedicado a meu irmão Frei Henrique de Santa Rosa Ribeiro”: ‘Por ocasião
da morte de seu irmão de seu irmão Raimundo Álvares Ribeiro, (sucedida a 23 de abril de
1853)’[60].
121
ao falecimento do poeta Tancredo. Após uma série de estrofes relatando que o
poeta morrera de fome, que seu corpo fora abandonado, que não tivera a audiência
do passamento, que não recebera cruz sobre o peito, o eu poético culpa o mundo
por seu egoísmo e falta de sensibilidade extrema, que não sente a morte de um
vate. A epígrafe do poema resume esse ressentimento: “Levem ao túmulo aquele
que parece um cadáver! Tu não pesaste sobre a terra: a terra te seja leve!”. Ou
seja, o morto não teve importância em vida: o “eu” intenta purgá-lo com a
afirmação de que a morte porá fim aos seus sofrimentos, dignificando-o com a
leveza purificadora da terra.
O recurso da ironia é utilizado para expressar o sentimento de revolta com
a desvalorização da figura do poeta. Nestas instâncias irônicas, critica a excessiva
racionalidade do mundo que despreza a poesia:
Deixem-se de visões, queime-se os versos.
O mundo não avança por cantigas.
(...)
Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de gaiola...
E’ prazer de um momento, é mero luxo.
Contente-se em traçar nas folhas brancas
De um Álbum da moda umas quadrinhas.
Nem faça apelações para o futuro.
O homem é sempre o homem. Tem juízo:
Desde que o mundo é mundo assim cogita.
[14]
E condena a ordem religiosa por assistir à morte dos ricos que lhe pagam
bem por isso e desprezar a morte dos pobres como Tancredo. Após relatar que a
caravana de um bispo passara pelo corpo abandonado do poeta, amaldiçoando-o, o
eu poético ironiza a postura do religioso com a morte, desprovido do caráter
religioso:
122
Leve-te Deus, Apóstolo da crença,
Sem padres como tu que fora o mundo?
E’ por ti que o altar apóia o trono!
E teu olhar que fertiliza os vales
Fecunda a vinha santa do Messias!
Leve-te Deus... ou leve-te o Demônio!
[14]
Conclui-se, então, que a desvalorização da morte do poeta projeta a idéia
de perda dos valores sensíveis e dos valores morais acerca da mesma.
3.4 A morte reificada
Foram encontrados 2 poemas
26
em que as circunstâncias da morte tornam-
se reificadas. Entende-se por reificação o processo desvalorativo da morte, no qual
se perdem ou se ausentam todos os elementos fundamentais da concepção de
morrer bem. O morto é visto como objeto, e não reconhecido em sua
individualidade, em razão de sua posição social desfavorecida. No culo XIX, a
principal categoria de pessoas desvalorizadas era a de escravos, principalmente
escravos pagãos, sendo que estes morriam sem qualquer assistência ritual ou
afetiva, chegando mesmo a terem seus corpos abandonados ao ar livre. Reis
afirma: “o enterro de africanos pagãos equivalia, sem meias palavras, a remoção
de lixo. A preocupação em enterrá-los bem não objetivava dar-lhes sepultura
decente, mas evitar a disseminação de doenças” (1999: 196). A outra categoria
desprivilegiada era a da pobreza, cujos mortos eram igualmente negligenciados.
Pobres e escravos não importavam à sociedade, que jamais chegava a ter
conhecimento de suas identidades e, por conseguinte, a morte desses grupos
tornava-se anônima a todos. Morin
analisa que:
26
“A Morte é Vária”[47], “A Cruz da Estrada”[20].
123
a dor, a obsessão e o terror da morte provêm igualmente da
valorização da individualidade, que a morte ameaça. Ele afirma: “A
dor provocada por uma morte só existe se a individualidade do
morto tiver sido presente e reconhecida: quanto mais o morto for
chegado, íntimo, familiar, amado ou respeitado, isto é, único, mais
a dor é violenta... (1970: 31)
A morte dos escravos, então, seria sentida dentro da comunidade deles,
a despeito de muitas famílias viverem segregadas. Nos poemas, esta circunstância
familiar está representada na “morte do meu”; fora do âmbito comunitário do
negro, portanto, o escravo não era reconhecido como indivíduo. No seguinte
poema, a morte escrava é descrita por um eu poético que não a identifica, que a
desconhece, mas que deseja representar o descaso no intento de criticá-lo:
Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.
[20]
O corpo enterrado na estrada, sem inscrição, denuncia o desfavorecimento
desta morte já que, para o romântico, ritual e localização funerários eram
fundamentais. A mesma natureza de crítica é igualmente retratada no poema “A
morte é vária”, que se debruça sobre a desigualdade hierárquica da morte.
Referindo-se aos mortos como vassalos da morte, uma vez submetidos a ela, o eu
poético revela:
Nem todos os seus vassalos são poeira
No ressalto de pedra adormecidos
Por sob as arcarias;
A pálida libré nem todos vestem,
Nem sobre todos jaz murada a porta
Nas criptas sombrias!
Diversas a natureza é doutros mortos:
124
Nestes que a sânie e podridão consomem,
Vê-se o nada palpável;
[47]
Aludindo ao abandono de corpos à decomposição, o poema inicia-se pela
crítica à morte desassistida dos pobres, relatando a valorização ritual oitocentista
que visa, pelo status cerimonial, a individualização memorial dos mortos. O
caráter oposto, ou seja, o anonimato da morte, é associado, a seguir, à falta de luto
afetivo – o esquecimento dos mortos:
Cabe a outros porém que sem dor vemos
Passar, girar no turbilhão dos vivos,
De carne inda vestidos,
O nada inda encoberto; cabe a interna
Morte, que ninguém sabe, nem chora,
Nem mesmo os mais queridos!
[47]
O esquecimento dos mortos é a entrada para o cerne do poema: a falsa
assertiva de que a morte é igual para todos, sendo o título do poema “A morte é
vária”. O fenômeno da morte acomete igualmente a todos, manifestando-se,
porém, em formas diferentes; o tratamento desse fenômeno é que varia de acordo
com a valorização social do morto. O tratamento é importante porque atribui valor
ao indivíduo pela ocasião da morte. O agravo da agonia, então, é deslocado da
preocupação com a individualização dos favorecidos para as dores horrorosas
causadas pela falta de cuidados na morte:
Há contudo pungentes agonias
Nunca sabidas, dores horrorosas
Mais do que se não crê;
Almas há que têm cruz e passamento,
Sem auréola d’oiro e a mulher pálida
E desgrenhada – ao pé.
[47]
125
Uma ocorrência muito peculiar na verificação da morte como reificação
nos poemas é a maldição postada a um morto em seu túmulo. No poema “Sobre
um Túmulo”
[65]
, de Fagundes Varela, o eu poético se dirige a um túmulo sem
identificação e amaldiçoa o morto nele contido a não descansar o corpo no sono
da terra e, sua alma, a não alcançar o reino divino. Nesse estado, o morto sofrerá
por presenciar sua decomposição e por não possuir a esperança de redimir-se. As
palavras de agravo que são lançadas ao morto delineiam o ódio do eu poético, que
não se importa com o fim da figura desafeta. A noção macabra contida nesse
poema pode ser relacionada, segundo Soares Amora, ao culto do byronismo,
iniciado em São Paulo, em 1945, pelos poetas da Sociedade Epicuréia” (1969:
177). O culto ao poeta inglês Lord Byron, conhecido por seus poemas de cunho
macabro e satânico, explorava imagens semelhantes a esta do poema citado, como
a decomposição cadavérica, a maldição e a profanação da paz tumular.
3.5 A voz da Morte
Foram encontrados 3 poemas contendo a voz da morte personificada como
aparição. Essa voz não figura única nos poemas, associando-se às outras vozes
descritas. A personificação verificada é uma materialização figurativa: de um ente
enviado, de um mensageiro. Essa concretização da criação opõe-se à idéia de
ciclo, de fenômeno natural ocasionado pela falência orgânica: a mentalidade
oitocentista recusava a idéia do natural “acabar-se” sem demanda de fenômeno.
Nos poemas, esta figuração da morte como “enviado” é desdobrada nas imagens
de anjos brancos ou negros, bons ou maus, noiva, esqueleto, sombras, espectros,
personificando-se, por fim, em um ente imaginário de exclusiva função e
126
aparência, como no poema “Morte”, de Junqueira Freire. No poema, o “eu” revela
que a morte é sua amiga e não possui nenhuma destas imagens citadas.
Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dous fantasmas que a existência formam,
– Dessa alma vã e desse corpo enfermo.
[46]
A “Morte” é, então, uma concepção original de “ente” físico ou pelo
menos de fenômeno metafísico, destinada a buscar o indivíduo, a convocar-lhe, a
devolver-lhe ao Criador, a fazê-lo se arrepender de seus pecados, a retomar da
terra um morto que era apenas vivo “emprestado” à terra pelo seu valor de virtude.
A personificação dada à “Morte” nos poemas encontrados segmenta-lhe a
imagem em dois caracteres: piedade e crueldade, dependendo do tipo de eu
poético que a invoca. Dessa forma, a imagem da morte cruel é recorrente no
tratamento da “morte do outro” porque o “eu” nunca espera ou futuriza esta perda.
Em contraposição, “a morte do eu” pode apresentar a imagem piedosa da
ceifadora porque a utiliza, por vezes, como a solução de seus problemas na terra,
livrando o homem do fardo de viver. Os três poemas encontrados registram as
duas faces da morte, em se tratando da representação da “morte do meu” em
“Mais um Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei José de São
Bento Damásio, (a 10 de setembro de 1854)’; “Visões” e da “morte do eu” em “A
Balada do Desesperado”.
O primeiro poema expõe o drama do eu poético diante de seu amigo
morto; ele gostaria de cantar alguns versos para celebrar a morte como fim do
sofrimento daquele que partiu. Subitamente, o eu poético é transportado para uma
imagética do Além, no qual a “Morte” domina. Diante da dúvida do que seja a
127
“Morte” – “Quem és? – arcanjo ou fada?” – revela-se a indefinição de sua
natureza. Resta ao “eu” a criação de um “ente” próprio da morte: “Anjo, demônio,
deusa, encanto ou fada, / Ah! Dize-me o que vejo”. A personificação da Morte,
então, mostra-lhe seu domínio (o reino da decomposição e da agonia dos que
morreram) lembrando-lhe que aquele será seu destino:
Que crânio imundo em desespero apontas,
Demônio, deusa, arcanjo!
Não reconheço-o não. A pátria minha
Não é aqui. A região dos mortos,
(...)
Não me pertencem ainda.
Outra nação, aqui, de essência estranha,
Este lugar ocupa.
Deixa-me, pois, voltar, demônio ou anjo.
Transporta-me outra vez ao ser que tinha.
Não tenho ainda meu dever completo.
Minha missão me chama.
[41]
O eu poético mostra-se preocupado em retornar ao mundo real para
homenagear o amigo necessitado da canção lutuosa: “Não cantarás” é a única fala
da “Morte no poema, mas de vital importância para ilustrar que o eu”, em
verdade, foi “contaminado” pela idéia da inevitabilidade da morte presente em
todo aquele lugar: nos crânios, cadáveres, espectros... A personificação, então,
parece ter a função de lembrar ao eu poético que sua hora está próxima, não
concedendo ao monge sequer o tempo para uma canção.
“A Balada do Desesperado” apresenta um diálogo entre o eu poético e a
“Morte”, sendo que aqui ela foi visitá-lo, ao invés de ele ter sido levado a ela
como no primeiro poema. Não havendo uma identificação inicial de quem seja o
visitante, nem para o eu”, nem para o leitor, trava-se então longo diálogo antes
128
que seja permitida a entrada da estranha visita no recinto. Diante da hesitação do
“eu”, a “Morte” finalmente identifica-se:
– Se tu não abres teus lares
Senão a quem diz seu nome
Sou a morte! trago alívio
P’ra cada dor que consome!
Podes ver, trago na cinta
Ruidosas chaves fatais...
Abrigarei teu sepulcro
Do insulto dos animais.
[12]
A aura protecionista da “Morte” convence o “eu” a recebê-la, revelando a
razão de sua presença no poema: a preocupação com a integridade físico-moral do
morto. Norbert Elias, em análise das sociedades modernas, considerando-se
inclusive a sociedade do século XIX, teoriza que nestas o modo de morrer é igual
ao modo de se viver. Ele afirma que: “Sob esse ponto de vista também a imagem
de nossa própria morte está intimamente ligada à imagem de nós mesmos, de
nossa própria vida, e da natureza dessa vida” (2001: 70). Diante desta assertiva,
pode-se pensar que no poema acima o eu poético desfavorecido economicamente
objetivava obter, na morte, a dignidade que em vida lhe faltou: a morte para o
pobre, então, personificava-se na imagem piedosa:
– Entra, estrangeira funérea...
Perdoa à mendicidade,
Porque é no lar da miséria
Que tens hospitalidade.
Entra; cansei-me da vida
Que nada tem que me dar...
Há muito eu tinha desejos
(Não força) de me matar!
[12]
129
no poema “Visões”, a “Morte” não dialoga com o eu poético em
questão, limitado a narrar seu testemunho; à personificação atribui-se o último
canto para que o desfecho justifique suas razões. Os quatro primeiros cantos
ilustram os domínios da morte; a ceifa se abate sobre: a) a grande massa de
pecadores, indistintamente (a morte do outro, conforme dissemos); b) sobre
indivíduos selecionados de uma amostragem diversa mancebo, donzela e ancião
com o intuito de confirmar o caráter de indistinção com que atua; c) sobre o
campo do fantástico (com a fala de um espectro que, por ter pecado em vida, vaga
solitário na terra, amedrontado). À narração dos desmazelos, das dores, tristezas e
medos causados pela “Morte”, soma-se, no último canto, a justificativa para tal,
ou seja, a versão dela sobre sua missão:
– E’ meu poder quem apura
Os vícios que a mente encerra,
Ao fogo da minha dor;
Sou quem prendo os céus à terra,
Sou quem ligo a criatura
Ao ser do seu Criador.
[73]
A epígrafe desse canto, ao atribuir sentimentos à “Morte”, revela uma
consciência atenuadora do medo da morte através da mentalidade de que ela seja
um mal indispensável: Dans sa douleur elle se trouvait malheureuse d’être
imortelle.
27
A preocupação presente nesse tipo de poema é representar a
consciência das diferentes vozes a respeito da morte, efetivando assim a imagem
de missionária que dela se tem. A “Morte”, então, adquire o significado da
redenção.
27
Epígrafe de Fénelon no poema “Visões”[73]. Pode-se traduzir como “Em sua dor, ela se
encontrava infeliz de ser imortal”.
130
3.6 A morte do índio
Foram encontrados três poemas indianistas temáticos da morte. A morte
indianista, por representar valores e crenças diversos das constatações feitas a
respeito das vozes, requer observações especiais. Em “I-Juca-Pirama”
[39]
, a voz
da “morte do eu” alterna-se com a voz sobre a “morte do outro” em estrutura
semelhante ao poema “Velhice e Mocidade”
[69]
; “Deprecação”
[21]
entoa a voz
sobre a morte de todos, ou seja, da comunidade, da região onde vive; em “Canção
do Tamoio”
[16]
, o eu poético convoca seu filho para a morte, não se tratando,
portanto, da “morte do meu”.
Conseqüentemente a estas peculiaridades das vozes, particulariza-se
também o significado da morte indianista, coberto de valores imaginados pelo eu
poético. A vertente indianista desenvolve-se na literatura romântica brasileira a
propósito de caracterizá-la com elementos próprios do país: o índio, habitante
original, não corrompido pelas idéias européias colonizadoras, à maneira do bom
selvagem de Rousseau. O processo de independência literária no Brasil defendia a
noção de patriotismo: era preciso exaltar as características locais, atribuindo a elas
valores de nobreza e virtude com que se orgulhasse o romântico. A figura do índio
conformou-se a esse objetivo, sendo representado na lírica como homem bravo,
destemido e honrado até na hora da morte, a qual, aliás, não temia. Ao analisar-se
a morte do índio na poesia denominada indianista, deve-se levar em conta a visão
do homem branco sobre o outro o índio que é a ótica do autor. Soares Amora
afirma, a propósito de Gonçalves Dias, poeta que deu vazão ao indianismo:
Como indianista, embora falsificasse o índio, pelo sentimento
patriótico e pela idealização, criou no Brasil o mito poético da vida
131
edênica no seio da civilização indígena, e o símbolo da grandeza
moral do herói índio, e da perfeição sentimental do homem em
“estado natural” (“Canção do Tamoio”, Leito de Folhas Verdes”,
“I-Juca-Pirama”, “Timbiras”). (1963: 58)
No poema “I-Juca-Pirama”, a representação da morte é abordada,
essencialmente, por duas perspectivas: a do próprio índio diante da idéia de
morrer e a do pai deste índio, diante da hesitação do filho perante o cumprimento
de seu destino. A bravura de um índio em face da morte na tribo inimiga é tida
como uma morte respeitável no ambiente retratado no poema. A hesitação diante
desse confronto traduz um receio de morrer, o que denota a não respeitabilidade
do grupo. A decisão de confrontar-se com a morte, adiada em princípio, é
executada quando a auto-afirmação ou a afirmação diante do grupo prevalecem
para o índio: ele escolhe obter o mérito da heroicização, pela dignidade que a
morte traz. De outra parte, o pai, representando os valores de toda uma tribo,
também deseja para seu filho a honra indígena, ainda que sob o preço da morte.
Trata-se então de uma morte “aceitável” do outro, também ilustrada pelo poema
“Canção do Tamoio”.
no poema Deprecação”, a morte honrada mescla-se com o temor da
morte enviada por Tupã, entendido como deus vingativo. O eu poético canta com
nostalgia as bravuras de seu povo no passado e ressente-se da perda de vários dos
seus, mencionando que houve uma mudança na ordem natural desencadeada por
Tupã:
Tupã ó Deus grande! Descobre o teu rosto:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
Teus filhos que choram tão grande mudança.
[21]
132
Na consciência imaginária da morte indianista, desejava-se antes um
confronto heróico que dignificasse o índio do que o mesmo ser colhido pela ira do
deus. O significado da morte nesse poema, então, parece ser a preocupação
indígena em perder seus valores e sua cultura, baseados na integração comunitária
já comprometida pela dizimação.
3.7 A morte do escravo
Foram encontrados 5 poemas
28
temáticos da morte do escravo. Este possui
voz própria em dois poemas: “A Órfã na Sepultura”
e “Mater Dolorosa”, tratando-
se das vozes lutuosas sobre a morte da mãe e do filho, respectivamente. Os demais
poemas são referências à figura do escravo ou à sua morte, nos quais o eu poético
expressa indiretamente sentimentos de luto, justamente através da crítica à falta
deste. À semelhança da morte indianista, a morte escrava reflete os valores do
homem branco sobre aquela comunidade. Por esta razão é que encontramos os
seguintes estereótipos nos poemas: a menina escrava que perdeu a mãe cerca-a de
orações e imagens típicas da religião cristã,
Sentei-me junto ao teu leito,
Estava tão frio o teu peito,
Que eu fui o fogo atiçar.
Parece então que me viste
Porque dormindo sorriste
Como uma santa no altar.
[56]
28
“O Escravo”[30], “A Visão dos Mortos”[72], “Mater Dolorosa”[42], “A Cruz da Estrada”[20],
“A Órfã na Sepultura”[56].
133
e repete a oração da mãe: “O Santa Virgem Maria/ Sê mãe da pobre infeliz”
[56]
. O
escravo comparado à figura religiosa:
Tu suspiraste como o hebreu cativo
Saudoso do Jordão,
Pesado achaste o ferro da revolta,
Não o quiseste, não!
[30]
E a mãe culpada pela morte do filho, rogando perdão a Deus: “Perdão, meu filho...
se matar-te é crime.../ Deus me perdoa... me perdoa já”
[42]
. Mas mesmo sob o
ponto de vista cristão, o eu poético retrata fielmente a dura vida nas senzalas e o
sonho de liberdade de cada escravo que morreu ou foi morto.
A liberdade, aliás, constitui-se no significado central da morte escrava.
Silva (2000: 114), analisando a temática da mulher que chora a morte do filho
(uma imagem de origem religiosa, segundo a autora), observa o tema da liberdade
dos escravos em alguns poemas. Outros significados aparentes relacionados à voz
do eu poético circundam a idéia de que a morte é o único meio de um escravo
adquirir liberdade. Assim, tem-se a imagem purgativa da “morte do eu”,
representada pela voz da mãe que perde o filho, da filha que perde a mãe (nos
poemas “Mater Dolorosa” e “A Órfã na Sepultura”) e do eu poético que intenta
redimir o pecado de um escravo suicida; tem-se a imagem heroicizante da “morte
do meu”, representada pela menção de grandes heróis da história brasileira mortos
e suas realizações, no poema “A Visão dos Mortos”; tem-se a imagem da
desigualdade social na hora da morte, criticada por um eu que analisa a
desvalorização da morte escrava, nos poemas “O Escravo” e “Cruz na Estrada”.
Porém, todas estas vozes ressaltam univocamente a libertação de uma vida
134
sofrível pela morte. A voz materna admite a separação de seu filho, contanto ele
seja livre:
Não me maldigas... Num amor sem termo
Bebi a força de matar-te... a mim...
Viva eu cativa a soluçar num ermo...
Filho, sê livre... Sou feliz assim...
[42]
A voz filial, recordando o desejo da mãe morta de que a filha fosse livre: “Que
minha filha algum dia/ Eu veja livre e feliz!...”
[56]
. A voz dos heróis mortos, que
despertando da terra, entristecem-se ao ver que suas vitórias passadas não
vingaram no presente (a libertação da pátria da influência colonizadora e a luta
contra a escravidão):
Então no meio de um silêncio lúgubre,
Solta este grito a legião da morte:
“Aonde a terra que talhamos livre,
Aonde o povo que fizemos forte?
Nossa mortalhas o presente imunda
No sangue escravo, que nodoa o chão.
[72]
A voz do “eu”, advertindo aos visitantes da humilde sepultura de um escravo que
não o perturbem, proporcionando-lhe ao menos na morte uma paz que lhe foi
negada em vida:
Caminheiro! Do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.
[20]
E a revelação de que o suicídio é uma arma “contra o direito, contra a natureza”:
Pesado achaste o ferro da revolta,
Não o quiseste, não!
Lançaste-o sobre a terra inconsciente
135
De teu próprio poder!
Contra o direito, contra a natureza
Preferiste morrer!
[30]
No século XIX, não era incomum que a morte fosse calculada pelo escravo
como único meio de libertar-se da vida opressora. Assim, escravos suicidavam-se
sendo que alguns, mais persistentes na luta contra a opressão, rebelavam-se e
fugiam das senzalas, dos navios e quando mortos, não tinham direito a uma
boa morte, dignamente assistida, segundo relato de Reis: “Na trilha da revolta
muitos cometeram suicídio, como Baltasar e Cípio de modo que, se não fossem
parar no Campo da Pólvora
29
como rebeldes ou pagãos, teriam ido como suicidas”
(1999: 197).
3.8 Categorias estéticas da morte
Os poemas também foram analisados quanto às categorias estéticas que
perpassam os significados da morte verificados. As categorias estéticas
constituem-se nas impressões sobre a morte que o eu poético apresenta. Estas
foram delimitadas por Michel Guiomar em sua obra Principes d’Une Estéthique
de la Mort, ainda sem tradução para o português. Guiomar define três principais
categorias estéticas da morte: as naturais ou imediatas; as fantásticas; e as
metafísicas. Elas se subdividem de acordo com a especificação de cada impressão
da morte contida em uma obra. Esta especificação parece se dar por um grau
progressivo da idéia de morte; assim, a primeira categoria, a “imediata” e suas
“subdivisões”, apresenta uma impressão da morte mais simples, mais natural,
29
Tratava-se de um cemitério utilizado somente para o enterro de certas categorias
desprivilegiadas socialmente, pagãs etc; esta segmentação lhe dava uma conotação negativa e,
conseqüentemente, aos seus mortos.
136
relacionada à idéia de fim e de perda. A segunda categoria, a fantástica”, com
suas subdivisões, revela um grau mais apurado da idéia de morte por preocupar-se
com a personificação das imagens comumente relacionadas ao Além espectro,
fantasma, alma penada, cadáver ambulante e à própria morte personificada. A
terceira categoria, a “metafísica”, eleva a impressão da morte ao conjunto de
abstrações acerca da vida e da morte e às imagens a isto relacionadas, como Deus,
Diabo e suas atuações.
Foram encontradas impressões das três categorias nos poemas. Guiomar as
subdivide em categorias mais específicas de acordo com a expressão gradativa da
morte, que vai desde o simples reconhecimento da idéia – a aceitação – até
especulações mais complexas no caso das subcategorias metafísicas.
Respeitantes à primeira categoria, a natural, verificou-se a presença: a) da
consciência crepuscular; b) da consciência lúgubre; e c) da consciência insólita.
Pertencentes à segunda categoria, verificou-se a presença da consciência
fantástica na especificidade generalizada e na especificidade macabra; por fim,
concernentes à terceira categoria, verificou-se a presença das consciências
apocalíptica e demoníaca.
3.8.1 A impressão crepuscular
O termo crepuscular remete à idéia de um estado intermediário na natureza
entre a luz e a ausência dela. Pode-se definir o adjetivo como: “(...) Saudade
parte crepuscular da nossa alma quer se dói com a relembrança e pena do
afastamento...” (Aulete 1980: 890). Tendo em vista estas noções de saudade,
memória, pode-se pensar na categoria crepuscular como portadora de uma
137
consciência melancólica da morte, em que a mesma não é aceita facilmente.
Mediante esta conclusão, cogita-se também analisar o contraste claro e escuro que
o crepúsculo contém, metaforicamente, como uma divisão estabelecida na
consciência da morte entre a aceitação e a não-aceitação. A despeito de
apresentar-se subentendida na voz do eu poético que fala sobre a “morte de si”,
observou-se uma maior ocorrência da concepção crepuscular nos poemas em que
o eu poético fala sobre a “morte do outro”. Isto se deve à difícil aceitação dessa
perda e, conseqüentemente, relaciona-se ao processo de purgação desta morte.
Neste sentido, a consciência crepuscular do eu poético opera-se pela idéia de
separação entre vivos e mortos. Foram encontrados 26 poemas
30
contendo a noção
crepuscular da morte, que envolve perda, saudade, decadência emocional
(expressa pelo luto), enfim, todos aspectos remetentes ao ocaso da alma do eu
poético. No questionamento dos escolhidos para morrer,
Meu Deus! tu que és tão bom e tão clemente,
P’ra que apagas, Senhor, a chama ardente
Num crânio de volcão?
Pr’a que poupas o cedro já vetusto
30
1) “`A Sentidíssima morte do Senhor Major Carlos Miguel de Lima”[5], 2) “No Cenotáfio de
D. Luísa de França Arcanjo Ferreira”[51], 3) “Epicédio”[28], 4) “Canto Inaugural (À memória do
Cônego Januário da Cunha Barbosa)”[19], 5) “A Morte é Vária”[47], 6) “Nênia à Morte
Sentidíssima do Sereníssimo Príncipe Imperial o Senhor D. Pedro Sua Majestade o
Imperador)”[50], 7) “Sobre o Túmulo de um Menino”[64], 8) À Morte Prematura (Da Ilma. Sra.
....)”[4], 9) “Desalento”[22], 10) “Velhice e Mocidade”[69], 11) “Anjinho”[8], 12) “À Morte de
Afonso de A. Coutinho Messeder”[2], 13) “Berço e Túmulo”[13], 14) “No mulo dum
Menino”[54], 15) “A Morte no Claustro”: ‘Por ocasião da morte do venerando ancião, Frei
Manoel da Piedade Borba’[48], 16) “Canto Fúnebre recitado na ocasião de sepultar-se o cadáver
do meu amigo Luís da França Rebouças a 16 de abril de 1853”[18], 17) “Poema Fúnebre dedicado
a meu irmão Frei Henrique de Santa Rosa Ribeiro”: ‘Por ocasião da morte de seu irmão de seu
irmão Raimundo Álvares Ribeiro, (sucedida a 23 de abril de 1853)’[60], 18) “Nênia à Filha de S.
Vicente de Paulo, falecida na cidade de Mariana”[49], 19) “Os Dous Cadáveres”: ‘aos manes do
venerando ancião o Dr. Fr. José de Santa Escolástica e Oliveira, falecido a 22 de
março, e do
meu jovem amigo Fr. Henrique de Santa Rosa Ribeiro, falecido a 24 do mesmo mês’[25], 20)
“Ai!”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei Marcelino do Coração de Jesus, acontecido
em junho de 1854 no Mosteiro do Rio de Janeiro’[7], 21) “Mais um Túmulo”: ‘Pelo falecimento
do venerando ancião Frei José de São Bento Damásio, a 10 de setembro de 1854)’[41], 22) “A
Morte de Garret”[3], 23) “Temor”[68]; 24) “Cântico do Calvário”: À memória de meu filho
morto a 11 de dezembro de 1863’[17], 23) “Elegia”[27], 25) “Epitáfio”: ‘Para um Túmulo de
Mãe’[29], 26) “Fatalidade”[34].
138
E, sem dó, vais ferir o pobre arbusto
Às vezes no embrião?!...
[2]
no esvaecimento da glória contida no motivo ubi sunt,
Mancebos de ontem e sepultados hoje!
Molières das letras brasileiras,
Oh! Pena! o que fizeram de teu nome?!
O que é feito de ti?...
[27]
na amargura em que se declina um pai tendo perdido seu filho,
Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo!
Pouco tenho de andar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
[17]
na afirmação heroicizante do morto, que o torna insubstituível acentuando o
caráter de perda do “eu”,
Nos áureos fastos da poesia pátria
Há de seu nome se inscrever eterno.
Desse-lhe Deus mais dias de existência,
– Fora seu nome o sol para os mais astros!
[19]
pode-se perceber a introdução crepuscular da idéia da morte, com as intrínsecas
noções de incerteza, dificuldade de aceitação e prevalência da melancolia.
3.8.2 A impressão lúgubre
Segundo a leitura da obra de Guiomar, a impressão lúgubre seria uma
espécie de exacerbação da consciência da morte. Esta ocorreria devido à angústia
causada pelas circunstâncias imaginadas acerca da morte vindoura. Esse agravo
139
na consciência do eu poético, levando-o a futurizar a morte, explicita a referida
ânsia de eternidade que o aflige. A idéia de que vai morrer leva o eu poético ao
desejo de assegurar sua permanência na memória dos vivos, através da
manifestação verbal desta vontade. Ocorre também a preocupação com a
destinação de sua alma após a morte, expressa pela necessidade de redenção dos
pecados. Uma outra representação do lúgubre se na manifestação verbal da
revolta do eu poético, que a faz através do tratamento irônico da morte. Foram
encontrados 23 poemas
31
contendo a referida impressão.
A consciência gubre também ocorre para o eu poético que fala sobre a
“morte do outro”, por exemplo, em alguns poemas em que ele se considera
parcialmente morto ou a caminho da morte, pela impossibilidade de viver sem os
que partiram. Encontra-se, então, um agravo da idéia neste eu desejoso de morrer.
Portanto, o luto, além da consciência crepuscular, pode apresentar-se sob uma
forma lúgubre; no poema seguinte, o eu poético desvela a morte como alívio para
um amante que sofre a perda de seu amor:
Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, – às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que a dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!
[63]
31
1)
“Se se Morre de Amor!”[63], 2) “O meu Sepulcro”[43], 3) “Fortificai-me, ó Deus!”[35], 4)
“Desalento”[22], 5) “O Pastor Moribundo”[57], 6) “Virgem Morta”[71], 7) “Lembrança de
Morrer”[40], 8) “Um Cadáver de Poeta”[14], 9) “Spleen e Charutos”: ‘O Poeta Moribundo’[66],
10) “Glória Moribunda”[37], 11) “Se Eu Morresse Amanhã”[62], 12) “Hinos do Profeta”[38], 13)
“12 de Setembro”[1], 14) “No Leito”[52], 15) “Canção do Exílio”[15], 16) “Aos Túmulos”[10],
17) “Morte”[46], 18) “Desejo”[23], 19) “Desejo”[24], 20) “Fragmentos”[36], 21) “Mocidade e
Morte”[44], 22) “Quando eu Morrer”[61], 23) “É Tarde!”[26].
140
3.8.3 A impressão insólita
Trata-se de um agravo maior do que o lúgubre na consciência da morte,
envolvendo ações deliberadas que rompam com a ordem habitual dos fatos. O
próprio termo insólito carrega esta conotação em um de seus significados: “que
não acontece habitualmente” (Aulete 1980: 1982). A consciência insólita da
morte, então, pode manifestar-se através da ruptura da ordem, rejeitando esta pelo
desacordo com a inevitabilidade da morte. Pode-se pensar, então, que a ativação
de uma consciência melancólica ou revoltosa pela futurição da morte ou do luto é
a responsável pelo rompimento com a passividade, ocasionando desordem numa
ação futura. Supõe-se que a idéia de ruptura possa ser representada, entre outras
ações, pelo ato de suicídio. O suicídio, por recusar a determinação da morte num
tempo específico e desconhecido, rompe com a aceitação natural da mesma, sendo
sempre algo inesperado.
Esta representação da ação insólita foi observada em três poemas. “Um
Cadáver de Poeta” de Álvares de Azevedo, relata o desprezo para com a morte de
um poeta que jaz na estrada sem assistência. Várias pessoas ilustres passam e o
ignoram, com exceção de um misterioso jovem que decide enterrá-lo. Os versos
finais do poema insinuam o suicídio do mancebo que, tendo cumprido sua missão,
quis unir-se ao poeta na morte:
Na tumba dormem os mistérios d’ambos;
Da morte o negro véu não há erguê-lo!
Romance obscuro de paixões ignotas,
Poema d’esperança e desventura,
Quando a aurora mais bela os encantava,
Talvez rompeu-se no sepulcro deles!
[14]
141
Um outro poema, “O Suicídio”: ‘Canção de Béranger sobre a Morte dos
Jovens Escousse e Augusto Lebras, em Fevereiro de 1832’, de Junqueira Freire,
ilustra um eu poético inconformado com o suicídio de dois jovens. A clara
demonstração da desordem que o ato representa se dá, por exemplo, na seguinte
passagem:
Infantes! Insultar assim a vida!
Somente os velhos por inveja a insultam.
Vossa alma entusiástica de jovens,
Esvaziando-se a taça dos prazeres,
Não viu o amor no fundo?
[67]
O eu poético considera a ação suicida como algo que vai contra a lei
divina; ele esclarece que, segundo aquela, o homem não pode dispor de sua vida,
pois esta não pertence só a ele:
Deus criador, perdoa-lhes a demência.
De um louco entusiasmo os sons seguindo,
No anel do mundo, infantes, não sabiam
Que não só para nós nascemos nele.
Segui a lei da humanidade, ó filhos:
Faltam na terra apóstolos que o digam.
Amar, amar, é ser a si profícuo;
Fazer-se amar, é ser profícuo aos outros.
[67]
O suicídio é figurado no poema “Pesadelo”: IV A Entrevista no Túmulo,
V Os Dois Cadáveres’, de Castro Alves. Trata-se do assassínio do amante de uma
mulher que, desesperada, enlouquece, matando o responsável: seu próprio marido.
Após o ato de vingança, a mulher procura o mulo do seu amante e abraça o
morto, contando a ele que agora poderão estar juntos. A causa da morte dela não é
142
explícita, mas assemelha-se a um suicídio pelo fato de ela ter se entregue à morte
pelo desvario:
E depois quando a aurora ergueu-se linda,
Viu a louca a embalar no seio o amante,
Cantando mil cantigas e o beijando
Sempre amorosa, triste e delirante...
Mas a lua co’os raios desmaiados
Viu dois mortos unidos, abraçados...
[59]
Pode-se ainda especular que nesse poema haja duas ações insólitas na
consciência sobre a morte: o suposto suicídio da amante e o assassinato do marido
por vingança, o que também representa uma transgressão à ordem social.
3.8.4 As impressões fantásticas
Segundo Guiomar, esta impressão envolve a consciência a respeito das
figurações do Além oriundas da imaginação. Para melhor compreendê-las, o autor
ainda subdivide esta categoria de acordo com o tipo de imagem representada. Das
representações que ele analisa, foram encontradas nos poemas duas delas: a do
macabro e a do fantástico generalizado. As impressões do primeiro referem-se à
personificação da morte, sendo que foram encontrados 13 poemas
32
contendo essa
noção do macabro. Nestes, a morte foi personificada como noiva a ser desposada,
como anjo e como fada, imagens que remetem ao erotismo desenvolvidas no seu
32
1) “Epicédio”[28], 2) “Visões”: ‘I Prodígio, II – A Cruz, III Passatempo, IV O Presbítero,
V – A Morte’[73], 3) “Spleen e Charutos”:O Poeta Moribundo’[66], 4) “No Leito”[52], 5) “Mais
um Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei José de São Bento Damásio, a 10 de
setembro de 1854)’[41], 6) “Morte”[46], 7) “Sobre um Túmulo”[65], 8) “A Morte”[45], 9)
“Mocidade e Morte”[44], 10) “Quando eu Morrer”[61], 11) “A Visão dos Mortos”[72], 12) “É
Tarde!”[26], 13) “A Balada do Desesperado”[12].
143
auge pela estética romântica. Pode-se exemplificar essa constituição de idéias nos
seguintes versos:
Que tem a morte de feia?!
Branca virgem dos amores,
Toucada de murchas flores,
(...)
Oh! virgem das sepulturas,
Teu beijo mata as venturas
Da terra, mas rasga o véu
Que a eternidade nos vela
[52]
As impressões do fantástico generalizado, verificadas em 3 poemas
33
,
revelam-se nas figuras de espectros e fantasmas que aparecem personificadas,
com voz própria, semelhantes à personificação da morte. A exemplo desta
figuração, o eu poético, representado pelo fantasma de um homem que fora ilustre
em vida, pede abrigo a uma mulher após ter sido desprezado em tantos outros
pedidos anteriores. Esquecido de seu prestígio e solitário a vagar pela terra, ele
espera encontrar o consolo de uma última canção:
“Bati a todas portas
Nem uma só me acolheu!...”
– Entra! – : Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
“ – Entra pois! Sombra exilada,
Entra! O verso – é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe – é a púrpura extrema,
Último asilo – a Canção!...”
[32]
3.8.5 As impressões metafísicas
A categoria mais complexa da consciência sobre a morte debruça-se sobre
a relação entre vida e morte, na busca pelo sentido das coisas e pela revelação de
33
“A Vila maldita, Cidade de Deus”[70], “Fantasmas”[33], “O Fantasma e a Canção”[32].
144
respostas. Guiomar observou nuances dessa noção, segmentando-a nas impressões
“demoníaca”, “infernal” e “apocalíptica”. Foram encontradas representações das
impressões apocalíptica, em 9 poemas
34
, e demoníaca, em 4 poemas
35
. O termo
apocalipse em seu teor bíblico, significando revelação, aponta para a figura de um
Deus onipotente e responsável pela criação e pelo fim do ser humano. a noção
infernal subverte esta mesma busca de sentido para a morte, atribuindo-a à figura
do Diabo. Em contraponto à idéia de morte como um bem que resgata o homem e
o leva para o paraíso, haveria a noção do mal que permanece no homem
eternamente, diante da concepção de pecado no inferno. Pode-se relacionar a
presença destas impressões nos poemas devido aos valores cristianistas vigentes
no século XIX, que associavam a morte à figura de Deus e à do Diabo. Nos
poemas, esta noção abstrata relaciona-se intimamente ao seu aspecto redentor de
pecados. Essa idéia, discutida anteriormente, culmina na própria auto-análise
que dela faz o eu poético romântico:
Creiamos, sim, ao menos para a vida
Não mergulhar-se numa noite escura...
E não enlouquecer...
Utopia ou verdade, a alma perdida
Precisa de uma idéia eterna e pura
– Deus e Céu... para crer!
[9]
34
1) “Visões”: ‘I Prodígio, II A Cruz, III Passatempo, IV O Presbítero, V – A Morte’[73],
2) “A Vila Maldita, Cidade de Deus”[70], 3) “O meu Sepulcro”[43], 4) “Fortificai-me, ó
Deus!”[35], 5) “No Túmulo do meu Amigo João Batista da Silva Pereira Júnior”[53], 6) “Ao meu
Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro do seu Irmão”[9], 7) “Agonia do Calvário”[6], 8) “Hinos
do Profeta”[38], 9) O Suicídio”: ‘Canção de Béranger sobre a Morte dos Jovens Escousse e
Augusto Lebras, em Fevereiro de 1832’[67].
35
Spleen e Charutos”: ‘O Poeta Moribundo’[66], “Glória Moribunda”[37], Desejo”[24], “A
Pena”[58].
145
Nesses versos, o eu poético deixa claro a necessidade desta noção
metafísica para a compreensão da relação entre vida e morte, ou seja, criação e
fim.
CONCLUSÃO
A recorrência do tema da morte na literatura do século XIX expressa uma
visão estética peculiar ao período. O motivo fora tratado anteriormente, em
diversas formas, mas no romantismo exprime-se por uma sensibilidade nova,
146
apurada de tal maneira que atinge um ápice histórico único. Transformações
lentas nas visões literárias sobre a morte, oriundas da percepção social do
romântico, efetivam-se nas imagens funéreas próprias a ele. Estas podem ser
compreendidas por meio do conceito de história de mentalidades, que investiga as
atitudes e preocupações do homem utilizando, entre outras fontes de pesquisa, a
literatura. O presente trabalho pretendeu a absorção desse conceito para que,
diante da mentalidade literária romântica, pudesse se entrever como a morte era
vista e sentida no referido período.
Através do estudo realizado no primeiro capítulo, pôde-se observar o
aspecto de construção histórica da morte: algumas das principais atitudes
oitocentistas perante a questão originam-se a partir de mudanças na mentalidade,
algumas, configuradas no período medieval. Estas transformações relacionam-se
intimamente ao contexto histórico que “organiza” os valores vigentes de uma
sociedade e sua visão de mundo. A melancolia que permeia o espírito romântico, a
nostalgia por um passado contraposto ao avanço capitalista apontado por Löwy
e Sayre e a relativização de valores morais e estéticos são algumas das
interferências contextuais que atuaram no pensamento sobre a morte. Trata-se, no
entanto, de aspectos efetivados no século XIX; outras mentalidades vinham se
moldando a partir de descobertas cruciais como a “morte do eu” e do “outro”. O
lento processo de individualização da sociedade, convergindo para o aumento da
riqueza, da importância pessoal, faz o homem reavaliar sua posição no mundo,
desenvolvendo assim a noção de que perde algo mais com a morte. A valorização
do indivíduo o impele à aflição de que sua identidade na terra esmoreça com o
falecimento. Outra revisão feita com base na valorização pessoal é a de cunho
religioso: se o homem passa a se enxergar como indivíduo único, aos olhos da
147
ordem cristã assim também será visto. Não será mais julgado pelas suas ações,
homogeneamente, como se acreditava; passará a ser responsável pelos seus atos e
culpas, preocupando-se então em resgatar sua alma; se não em vida, em uma
última chance – na morte.
Esse conhecimento foi gradualmente pontuado até seu auge, no
romantismo; já no século XVIII, começa-se a acentuar a preocupação com a
“morte do outro” aquele com que se tem algum tipo de proximidade afetiva.
Delineada a partir de mudanças na sensibilidade familiar, esta valorização do
indivíduo alheio revitaliza algumas práticas de homenagem ao morto, como o luto
que adquire um significado mais emotivo e moral no século XIX e o culto ao
local de sepultamento, com as expressões da lápide, do epitáfio, da sepultura. O
desejo de perpetuação daquele que morreu parte de anseios valorativos da pátria e
do pater famílias: a agregação de parentes no mesmo túmulo constituía-se na
requerida imagem de cuidado com os mortos. A importância dedicada a falecidos
ilustres também compunha um quadro de valor nacional, desejável para a
construção memorial nacionalista.
Somada a estes dois principais parâmetros que guiaram as atitudes para
com a morte – heroicização, perpetuação, purgação, redenção, entre algumas delas
verificou-se também que a fluência estética do tema originou-se de
modificações na sensibilidade. A morte, que antes era vista em seus aspectos
negativos no romantismo, passou a ter uma perspectiva de beleza e cunho
amoroso-erótico. Tal revisão de padrões estéticos iniciou-se com a percepção de
uma filosofia do belo horrível: começava-se a apreciar elementos que remetessem,
por exemplo, a melancolia, dor e sofrimento. Trata-se de expressões que se
adequavam bem ao espírito romântico, profundamente melancólico. A morte,
148
neste sentido, afigurava-se a um enobrecimento da alma; somente o espírito
sensível poderia vislumbrá-la em sua beleza e, por extensão, em seu potencial
erótico. A associação destas idéias, anterior ao século XIX, era motivada por
várias razões, definidas por Praz como sendo parte do exercício do intelecto. Por
exemplo, a dor, os sofrimentos físicos, a humilhação moral e a morte, associados
ao amor, constituíam-se em “pares” que remetiam a uma idéia “impressionante” e
inovadora, capaz de provocar reações no leitor. Já no período romântico, esta
junção elementar estende-se do intelecto para o sensível: ela não é apenas
racionalizada, é também sentida como parte natural do homem, tornando-se um
exercício da sensibilidade.
Esse panorama da morte foi traçado a partir do romantismo ocidental, em
suas origens européias. Tendo recebido suas influências, o movimento romântico
brasileiro expressa formas e ideais semelhantes àquele. A historiografia literária
brasileira debruça-se sobre a questão, analisando o predomínio de determinados
escritores europeus na inspiração romântica de nosso país. A exemplo disso,
diversas correntes temáticas se formaram em torno de certos modelos literários da
morte: o byronismo vertente do satanismo e da ironia; o erotismo, relacionado
ao amor idealizado por Theophile Gautier em A Morte Amorosa; o fatalismo da
obra de Garret e Chateaubriand aqui entendido como solução romântica dos
dramas amorosos –, entre outros. Desta forma, no segundo capítulo deste trabalho
verificou-se que as histórias literárias examinam o tema da morte na literatura
romântica como oriunda da referida influência européia e, também, proveniente
de fatos particulares à vida dos escritores, refletidos em suas obras, no caso dos
poetas mortos precocemente. Como a temática se apresenta em diferentes gêneros,
fez-se necessário pesquisar o drama e o romance, além da poesia, objeto deste
149
estudo. Nos dois primeiros, observou-se a noção moral da morte de uma maneira
geral, ou seja, como uma espécie de salvação a todos os tipos de conflitos
terrenos. Não podendo haver outra solução, devido à carga dramática dos embates
românticos, a fatalidade era a condição mais redentora ou mais corretiva dos
percalços humanos.
Já na poesia, certas noções cunhadas pelos historiadores da literatura,
como a presença de uma “escola de morrer de moço” ou de uma “poesia dos
sepulcros”, retiram a morte do papel objetivamente moral e a transferem para a
intenção estética dos poetas. Diante de um pressentimento do fim da vida –
referente ao fato comum de se morrer cedo e da sensibilidade estética que se
apurava com as influências culturais européias apontando para a sublimação da
morte , os poetas a versejavam através de lamento ou júbilo. Muito mais do que
a ilustração moral ou a correção factual presentes nos outros gêneros, a poesia põe
em relevo a problematização do eu romântico, ou seja, quais as suas aflições
perante a questão. Outro fato importante examinado neste levantamento
historiográfico da literatura romântica foi a verificação de poetas não consagrados
ao lado do cânone oficial, o que possibilita a ampliação investigativa do tema da
morte e corrobora a importância literária e efetiva do mesmo.
De outro lado, buscando-se depreender não o aspecto de construção
histórica da morte, percebeu-se que as descobertas do homem a ela relacionadas e
seus desdobramentos nas práticas sociais aliam-se intrinsecamente aos estágios de
consciência localizados entre aceitação e não-aceitação. Desta forma, melancolia,
revolta e resignação expressam a sensibilidade romântica perante a questão.
Diante da proposta de verificação das mentalidades literárias presentes nos
poemas, no terceiro capítulo deste trabalho constatou-se a intrínseca ligação entre
150
a consciência da morte e as atitudes perante ela e vozes que a representam. Ou
seja, a melancolia envolta na expressão da ânsia de eternidade do eu poético; a
resignação exprimindo-se por meio da purgação do morto, realizada por uma voz
poética que o lamenta; a revolta do eu, que não aceita a morte facilmente e apela
para a ironia e o deboche como expressões questionadoras dos valores sociais
envolvidos, podem exemplificar algumas das constatações mais homogêneas.
Observou-se, porém, que as unidades de trabalho também se apresentavam
mescladas, como por exemplo, analisando-se a redenção da morte. Este, um
aspecto quase exclusivo da preocupação egótica, também se manifestou na
denominada “morte do meu”: o eu poético lutuoso, diante da noção de pecado
presente no outro, anseia por redimi-lo. Outro exemplo importante é o da
heroicização da morte, essencialmente concebida para a “morte do outro” dos
ilustres –; e que ocorre também, na ilustração da morte do eu indígena. Trata-se da
prevalência de valores como a honra, a coragem e a nobreza, desejados pelo
próprio eu poético que os vislumbra alcançar no ato de morrer. O anseio pela
morte, geralmente desejado por um eu poético desgostoso da vida, foi registrado
na “morte do outro”, como uma necessidade para o morto. Aqui se pode remeter
ao falecimento de escravos, em que a morte é a única solução libertadora da
condição opressiva em que viviam. A classe escrava, aliás, participa de outra
tipologia encontrada: a morte reificada, referente ao desprezo com que são
tratados os cadáveres de certas camadas sociais desfavorecidas.
A análise final dos poemas decorreu do exame das categorias estéticas da
morte segundo Michel Guiomar podendo-se observar sua correlação com os
estágios de consciência da mesma. As impressões estéticas da morte, divididas
segundo o grau de agravo na consciência, são exprimidas por imagens artísticas
151
correspondentes. No caso da literatura, especificamente da poesia romântica
brasileira, procurou-se analisar o nível de sensibilidade expresso pelas imagens da
morte e que equivaleriam às definições principais de cada categoria, elencadas por
Guiomar. Desta forma, as metáforas de purgação do morto, utilizadas no processo
de luto, continham o rastro melancólico e de difícil aceitação da idéia da morte
apresentado na impressão “crepuscular”. A ânsia de eternidade, exprimindo-se por
meio de preocupações preventivas, da morte como o testamento, remete ao
conceito lúgubre em que a consciência, tendo se agravado, submete-se a medidas
antecipativas. Dentro das categorias fantásticas, a personificação da morte,
encontrada em alguns poemas, aponta para a impressão macabra; já a figuração de
fantasmas, cadáveres e espectros revela parte do processo imaginário oitocentista,
destacando a interação entre vivos e mortos em meio a diálogos e expressões
emotivas.
Através de toda a pesquisa realizada sobre o tema da morte no romantismo
desde a teoria concernente ao romantismo europeu, passando pela conjetura
sobre o romantismo brasileiro proveniente da historiografia literária e culminando
na parte prática, a análise de poemas românticos brasileiros tentou-se
depreender algumas das práticas sociais coletivas, segundo as mentalidades
literárias. A importância de se fazer tal trabalho, fundamenta-se no entendimento
de que se faz necessário conhecer o passado para a melhor compreensão e atuação
da sociedade no presente.
152
OBRAS CITADAS
Alencar, Heron de. “José de Alencar e a ficção romântica”. In Coutinho, Afrânio.
A Literatura no Brasil. Vol III. 3. ed. 6 vols. Rio de Janeiro: José Olympio;
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153
Amora, Antonio Soares. História da Literatura Brasileira. 4. ed. São Paulo:
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---. O Romantismo. Vol. II de A Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1969.
Andrade, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, [19??].
Ariès, Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
---. O Homem diante da Morte. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
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Aulete, Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Vols. I, III.
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Carvalho, Ronald de. Pequena História da Literatura Brasileira. 11 ed. Rio de
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154
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ministrada em 2004 na UEL.
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Elias, Norbert. A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
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155
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Lima, Alceu Amoroso. Quadro Sintético da Literatura Brasileira. 2. ed. Rio de
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---. “O Cotidiano da Morte no Brasil Oitocentista”. In: Alencastro, Luiz Fellipe de
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Romero, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Tomos III e IV. 6. ed. 5 vols.
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157
Silva, Abigail da. O Motivo Religioso na Poesia Romântica Brasileira.
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Veríssimo, José. História da Literatura Brasileira. 4. ed. Brasília: Editora
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Vieira, Padre Antônio. “Sermão da Quarta-Feira de Cinza Ano de 1673, aos 15
de Fevereiro, dia da trasladação do mesmo Santo”. In Pécora, Alcir (org.). A Arte
de Morrer. São Paulo: Nova Alexandria, 2000.
Vovelle, Michel. “A História e a Longa Duração”. In Jacque LeGoff. A História
Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 65-96.
ÍNDICE DE POEMAS CITADOS
158
Todos os poemas citados foram retirados da obra Grandes Poetas Românticos do Brasil,
organizada por Frederico José da Silva Ramos. A documentação da fonte seguirá o seguinte
padrão: poema, autor, volume, página.
[1] “12 de Setembro”, Álvares de Azevedo 1: 277
[2] “À Morte de Afonso de A. Coutinho Messeder”, Casimiro de Abreu 1: 377
[3] “À Morte de Garret”, Junqueira Freire 2: 63
[4] “À Morte Prematura (Da Ilma. Sra. ....)”, Gonçalves Dias 1: 65
[5] “À Sentidíssima Morte do Senhor Major Carlos Miguel de Lima”, Araújo
Porto Alegre 1:13
[6] “Agonia do Calvário”, Álvares de Azevedo 1: 316
[7] “Ai!”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei Marcelino do Coração de
Jesus, acontecido em junho de 1854 no Mosteiro do Rio de Janeiro’, Junqueira
Freire 2: 47
[8] “Anjinho”, Álvares de Azevedo 1: 233
[9] “Ao meu Amigo J. F. Moreira no Dia do Enterro do seu Irmão”, Álvares de
Azevedo 1: 287
[10] “Aos Túmulos”, Junqueira Freire 2: 38
[11] “Arranco da Morte”, Junqueira Freire 2: 65
[12] “Balada do Desesperado”, Castro Alves 2: 320
[13] “Berço e Túmulo”, Casimiro de Abreu 1: 378
[14] “Cadáver de Poeta”, Álvares de Azevedo 1: 253
[15] “Canção do Exílio”, Casimiro de Abreu 1: 356
[16] “Canção do Tamoio”, Gonçalves Dias 1: 131
[17] “Cântico do Calvário”: ‘À memória de meu filho morto a 11 de dezembro de
1863’, Fagundes Varela 2: 135
[18] “Canto Fúnebre Recitado na Ocasião de Sepultar-se o Cadáver do meu
Amigo Luís da França Rebouças a 16 de abril de 1853”, Junqueira Freire 2: 40
[19] “Canto Inaugural (À memória do Cônego Januário da Cunha Barbosa)”,
Gonçalves Dias 1: 90
[20] “Cruz da Estrada”, Castro Alves 2: 353
[21] “Deprecação”, Gonçalves Dias 1: 50
[22] “Desalento”, Gonçalves Dias 1: 155
[23] “Desejo”, Fagundes Varela 2: 139
[24] “Desejo”, Junqueira Freire 2: 60
[25] “Dous Cadáveres”: ‘aos manes do venerando ancião – o Dr. Fr. José de Santa
Escolástica e Oliveira, falecido a 22 de março, e do meu jovem amigo Fr.
Henrique de Santa Rosa Ribeiro, falecido a 24 do mesmo mês’, Junqueira Freire
2: 46
[26] “É Tarde!”, Castro Alves 2: 303
[27]“Elegia”, Fagundes Varela 2: 265
[28] “Epicédio”, Gonçalves Dias 1: 60
[29] “Epitáfio”: ‘Para um Túmulo de Mãe’, Castro Alves 2: 237
[30] “Escravo”, Fagundes Varela 2: 147
[31] “Espera”, Gonçalves Dias 1: 97
[32] “Fantasma e a Canção”, Castro Alves 2: 282
[33] “Fantasmas”, Gonçalves Dias 1: 178
[34] “Fatalidade”, Castro Alves 2: 315
159
[35] “Fortificai-me, ó Deus!”, Gonçalves Dias 1: 220
[36] “Fragmentos”, Fagundes Varela 2: 123
[37] “Glória Moribunda”, Álvares de Azevedo 1: 282
[38] “Hinos do Profeta”, Álvares de Azevedo 1: 248
[39] “I-Juca- Pirama”, Gonçalves Dias 1: 126
[40] “Lembrança de Morrer”, Álvares de Azevedo 1: 252
[41] “Mais um Túmulo”: ‘Pelo falecimento do venerando ancião Frei José de
São Bento Damásio, a 10 de setembro de 1854)’, Junqueira Freire 2: 47
[42] “Mater Dolorosa”, Castro Alves 2: 349
[43] “Meu Sepulcro”, Gonçalves Dias 1: 159
[44] “Mocidade e Morte”, Castro Alves 2: 159
[45] “Morte”: Fagundes Varela 2: 150
[46] “Morte”, Junqueira Freire 2: 62
[47] “Morte é Vária”, Gonçalves Dias 1: 102
[48] “Morte no Claustro”: ‘Por ocasião da morte do venerando ancião, Frei
Manoel da Piedade Borba’, Junqueira Freire 2: 39
[49] “Nênia à Filha de S. Vicente de Paulo, Falecida na Cidade de Mariana”,
Junqueira Freire 2: 43
[50] “Nênia à Morte Sentidíssima do Sereníssimo Príncipe Imperial o Senhor D.
Pedro (À Sua Majestade o Imperador)”, Gonçalves Dias 1: 134
[51] “No Cenotáfio de D. Luísa de França Arcanjo Ferreira”, Maciel Monteiro 1:
29
[52] “No Leito”, Casimiro de Abreu 1: 380
[53] “No túmulo do meu amigo João Batista da Silva Pereira Júnior”, Álvares de
Azevedo 1: 244
[54] “No Túmulo dum Menino”, Casimiro de Abreu 1: 379
[55] “Oração Fúnebre”, Fagundes Varela 2: 192
[56] “Órfã na Sepultura”, Castro Alves 2: 355
[57] “Pastor Moribundo”, Álvares de Azevedo 1: 244
[58] “Pena”, Fagundes Varela 2: 188
[59] “Pesadelo”: ‘IV A Entrevista no Túmulo, V Os Dois Cadáveres’, Castro
Alves 2: 308
[60] “Poema Fúnebre Dedicado a meu Irmão Frei Henrique de Santa Rosa
Ribeiro”: ‘Por ocasião da morte de seu Irmão Raimundo Álvares Ribeiro,
(Sucedida a 23 de abril de 1853)’, Junqueira Freire 2: 41
[61] “Quando eu Morrer”, Castro Alves 2: 304
[62] “Se eu Morresse Amanhã”, Álvares de Azevedo 1: 288
[63] “Se se Morre de Amor!”, Gonçalves Dias 1: 102
[64] “Sobre o Túmulo de um Menino”, Gonçalves Dias 1: 138
[65] “Sobre um Túmulo”, Fagundes Varela 1: 95
[66] “Spleen e Charutos”: ‘O Poeta Moribundo’, Álvares de Azevedo 1: 266
[67] “Suicídio”: ‘Canção de Béranger sobre a morte dos jovens Escousse e
Augusto Lebras, em fevereiro de 1832’, Junqueira Freire 2: 68
[68] “Temor”, Junqueira Freire 2: 65
[69] “Velhice e Mocidade”, Gonçalves Dias 1: 141
[70] “Vila Maldita, Cidade de Deus”, Gonçalves Dias 1: 72
[71] “Virgem Morta”, Álvares de Azevedo 1: 248
[72] “Visão dos Mortos”, Castro Alves 2: 348
160
[73] “Visões”: ‘I – Prodígio, II – A Cruz, III – Passatempo, IV – O Presbítero, V
A Morte’, Gonçalves Dias 1: 51
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