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ANA LUCIA HERBERTS
ARQUEOLOGIA DO CAMINHO DAS TROPAS:
estudo das estruturas viárias remanescentes entre
os rios Pelotas e Canoas, SC
Tese apresentada como requisito parcial e último à
obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-
Graduação em História (PPGH) da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Versão revisada e corrigida.
Orientador: Prof. Dr. Arno Alvarez Kern
Coorientadora: Profª Drª Elisabeth Zadora-Rio
Porto Alegre
2009
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Ficha catalográfica elaborada por Simone Naves CRB 1/2271
Herberts, Ana Lucia
H
537a
Arqueologia do Caminho das Tropas: estudo das estruturas
viárias remanescentes entre os rios Pelotas e Canoas, SC. ./ Ana
Lucia Herberts. / Porto Alegre: PUCRS, 2009.
538 f.; 30 cm.
Tese (Doutorado) Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em História, 2009.
Orientador: Prof. Dr. Arno Alvarez Kern.
Coorientadora: Profª Drª Elisabeth Zadora.
Banca Examinadora: ProDrª Silvia Moehlecke Copé, Prof. Dr.
Artur Henrique Franco Barcelos, Prof. Dr. Klaus Peter Kristian Hilbert,
Profª Drª Beatriz Valladão Thiesen.
Referências Bibliográficas: f. 487.
1.Caminhos das Tropas. 2. Estruturas Viárias. 3. Arqueologia
da Paisagem. 4. SIG I. Kern, Arno Alvarez. II. Título.
CDD 981.65
ANA LUCIA HERBERTS
ARQUEOLOGIA DO CAMINHO DAS TROPAS:
estudo das estruturas viárias remanescentes entre
os rios Pelotas e Canoas, SC
Tese apresentada como requisito parcial e último à
obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-
Graduação em História (PPGH) da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS).
Aprovada em 30 de março de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________
Prof. Dr. Arno Alvarez Kern (PUCRS)(Orientador)
________________________________________________
Profª Drª Silvia Moehlecke Copé (UFRGS)
________________________________________________
Profª Drª Beatriz Valladão Thiesen (FURG)
________________________________________________
Prof. Dr. Artur Henrique Franco Barcelos (FURG)
________________________________________________
Prof. Dr. Klaus Peter Kristian Hilbert (PUCRS)
Dedico esta tese ao Zeca, meu amor,
pelo companheirismo ilimitado.
E aos meus pais, Erna e Omar, por
todo o apoio e incentivo.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos são quase como um capítulo da tese, não apenas pelo
volume de páginas escritas, mas, principalmente, pelas inúmeras pessoas e
instituições que contribuíram para que esta pesquisa de doutorado se concretizasse
e que não poderiam deixar de ser mencionadas.
Em primeiro lugar, agradeço ao CNPq por me conceder duas bolsas de
pesquisa, uma de Doutorado no PPGH da PUCRS e outra de Doutorado Sanduíche
na Université François Rabelais de Tours, França, viabilizando os recursos
financeiros necessários para a realização desta pesquisa.
Agradeço ao Prof. Dr. Arno Alvarez Kern, meu orientador, por acreditar na
proposta de pesquisa apresentada, pela confiança nos meus passos, pela liberdade
que tive para desenvolver os estudos e, principalmente, por abrir as portas e
mostrar o caminho que deveria seguir para estudar no exterior.
A Elisabeth Zadora-Rio, minha orientadora na França e coorientadora da
tese. Não palavras suficientes para expressar toda a minha gratidão pela
atenção, carinho e hospitalidade recebida durante a estada no exterior. Agradeço
pelo aprendizado, por me auxiliar na participação de rios cursos e eventos e por
avaliar a tese de forma crítica.
Ao IPHAN, na pessoa do seu Superintendente, o arquiteto Ulisses Munarim,
por oferecer o apoio institucional necessário à execução do projeto de pesquisa,
acreditando na qualidade e na importância desta pesquisa, estabelecendo uma
parceria de trabalho em prol da preservação dos remanescentes do Caminho das
Tropas.
Ao Museu Histórico Thiago de Castro, em Lages, na pessoa da Presidente da
Associação dos Amigos do Museu, Iáscara Almeida Varela, pelo apoio institucional
recebido para guarda da documentação produzida nesta pesquisa.
À Secretaria de Educação de Lages, através de Sirlei Rodrigues e Ivana
Michaltchik, pelo apoio na pesquisa.
Aos amigos, colegas e estudantes que deram uma “grande mão” nas etapas
de pesquisa em campo como pesquisadores voluntários, sem os quais não teria
conseguido realizar a prospecção arqueológica: Adelson André Brüggemann,
Daniella Alves Talarico, Edmara Schuch, Edenir Baggio Perin, Edenir Espindula,
Elaine Arnold, Julia Massuchetti Tomasi, tia Espindula, Letícia Morgana ller,
Felipe Matos, Silvano Silveira da Costa e Yan Sant‟ana Soares, que participou das
sete etapas de campo. Obrigada a todos!!!
Mas, em especial, gostaria de deixar registrado aquele agradecimento à
equipe que abriu picada, desbravou o Caminho das Tropas e percorreu quilômetros
do Caminho sob chuva ou sol, frio ou calor intenso, sem desanimar: Adelson,
Edmara, Silvano e Yan. Pessoal, valeu!!!!
Aos amigos e colegas historiadores e arqueólogos que revisaram e criticaram
a tese quando ainda era um rascunho, dando ótimas sugestões e contribuições que
foram fundamentais para o resultado final: Adelson André Brüggemann, Elisiana
Trilha Castro, Fabiana Comerlato e Sirlei Elaine Hoeltz. O meu muito obrigada a
vocês, minhas conselheiras, e, especialmente, ao meu amigo Adelson, companheiro
de todas as etapas da pesquisa e a quem devo também o exame crítico e minucioso
da tese!
A Julia Massuchetti Tomasi, estagiária e estudante de graduação em
História, por aceitar o desafio de apreender a transcrever os documentos
manuscritos, mostrando-se uma auxiliar muito interessada e dedicada na pesquisa.
Valeu Ju!
Aos arqueólogos e professores do Laboratoire Archéologie et Territoires da
Université François Rabelais de Tours, França:
A Xavier Rodier, pela discussão sobre a espacialização dos dados em SIG;
A Philipe Husi, pela discussão do uso de uma base de dados e da
aprendizagem com o software 4D;
A Elisabeth Lorans, pela oportunidade de participar da escavação do sítio
arqueológico de Marmoutier e pelas aulas de arqueologia urbana;
A Jean Baptiste Rigot, pela discussão e construção do modelo conceitual de
dados e a modelização hipergráfica.
Aos meus colegas do Master Archéomatique, pelo companheirismo e amizade.
Mas um agradecimento muito especial aos nossos queridos amigos franceses: Marie
Queru e Gäel Simon, nas correções dos textos em francês, e Yann Couturier, um
verdadeiro mestre, me ensinando a manusear o software ArcGis e a vencer os
mistérios da informática. Obrigada a todos pelo carinho e apoio durante a nossa
estada prazerosa na França!
Aos colegas do PPGH-PUCRS, que sempre ajudaram com as questões
burocráticas de matrículas, entrega de documentos, relatórios e devolução de livros
na biblioteca, além do companheirismo e da troca de experiências: Paulo Alexandre
da Graça Santos, Clarice Callegari Jacques, Adriana Fraga da Silva, Letícia
Morgana Müller, Gustavo Peretti Wagner e Zelly Company.
Aos funcionários do IPHAN, em especial aos arqueólogos Edenir Bagio Perin e
André Penin Santos de Lima, e aos arquitetos Ulisses Munarim, Marina Cañas
Martins e Fabiano Teixeira dos Santos, além dos demais técnicos e funcionários
com quem trabalhei junto na proposta de tombamento do Caminho de Tropas e
pelas dicas, bibliografias, fontes, imagens, mapas, consulta ao acervo e discussões
sobre o tema que enriqueceram a pesquisa.
Aos inúmeros funcionários dos arquivos e museus que me receberam com
atenção, me instruindo na pesquisa e me dando dicas para encontrar os
documentos, enfim, facilitando a pesquisa nos acervos: Arquivo do Estado de São
Paulo (paleógrafo Aparecido Oliveira da Silva, Elen e Eduardo Verzoni), Arquivo
Histórico Ultramarino (Fernando de Almeida), Arquivo Histórico Militar, Biblioteca
Municipal Mário de Andrade (Ilda), Bibliothèque National de France, Biblioteca
Nacional de Portugal (Maria Joaquina Feijão), Centro de Informação e Biblioteca em
Educação, Direcção de Infra-Estruturas Exército Português, Instituto dos
Arquivos Nacionais - Torre do Tombo e Museu Paulista (Tatiana),
Gostaria de agradecer de uma forma muito especial às pessoas que conheci e
aos amigos que fiz na região de pesquisa, principalmente na Coxilha Rica, e que
sempre foram solícitos e hospitaleiros:
A Dona Salete Camargo de Oliveira e Aldo Correia de Oliveira, Seu “Aldinho”,
da Fazenda Lageado Bonito, pela simpatia em nos acolher em seu lar, nos
oferecendo sempre um pouso muito agradável, sem falar do mate, das roscas de
polvilho, do pinhão na chapa, do café camargo, um lugar para não se esquecer! Seu
Aldo, muito obrigada por guiar-nos na Fazenda das Contentas, na Casa Campos e
no Raposo, mostrando-nos muitos tios arqueológicos e compartilhando muitas
histórias e saberes da região.
A Dona Helena do Amaral Eberle, do Bodeo, sempre atenciosa e muito
hospitaleira, colaborando muito com a pesquisa de campo, seja pelas conversas ou
pela hospedagem muito agradável e confortável, oferecendo pouso e refeições
caseiras deliciosas, um ótimo lugar para se parar e ficar.
A Sebastião, Zaira Wolff e à filha Donizete, a “Zete”, da Estância do Velho
Quilombo no Faxinal, pelos doces de compotas, os cafés, os mates, as frutas, as
informações preciosas, as benzeduras para nos proteger dos perigos dos matos,
enfim, a hospitalidade em nos receber. Zete, muito agradecida por guiar-nos
diversas vezes e passar dicas importantes sobre o Passo Santa Vitória.
A Rui Spuldaro, da Fazenda Santa Maria, por colaborar com a pesquisa
ajudando a arrumar hospedagem sem custo para a equipe de campo e pelas
valiosas dicas sobre a Coxilha Rica.
A Robério Bianchini e Laelio Bianchini, o “Tio Lelo”, por ceder pouso para a
nossa equipe em duas oportunidades na Fazenda Limoeiro, uma das belas fazendas
centenárias da região!
Ao peão Lúcio Xavier, da Fazenda Limoeiro, sempre ajudando a equipe com
os apetrechos de campo e nossa instalação na fazenda.
À família do Seu Antonio Nilton Ribeiro, à esposa Roseli e à filha Ana
Jaqueline, caseiros da Fazenda Negreiro, sempre solícitos e hospitaleiros, nos
aquecendo nos dias de frio intenso com bom mate e café, ajudando na preparação
da pesquisa de campo e na limpeza do Cemitério Negreiro para a coleta de dados.
À família do Sr. Marcelino e Nilda Faccin, da Fazenda das Cotendas, pelo
almoço saboroso, o fantástico café da tarde sempre revigorante, com os
inesquecíveis bolinhos voadores, nas tardes geladas do inverno da região e pelas
informações orais sobre os sítios arqueológicos da região do Raposo.
A Sérgio Arruda, proprietário da Fazenda Cajuru, por nos permitir pousar na
sede da fazenda, um belíssimo casarão de 1865, imperdível de se conhecer.
À família do “Seu Zé”, esposa e filhos, caseiros da Fazenda Cajuru, pelo
carinho e atenção, nunca deixando faltar nada durante a nossa hospedagem. Pelo
saboroso churrasco, pela paçoca de pinhão e pela ajuda nas atividades de campo,
auxiliando na limpeza dos sítios e ao seu filho por ter-nos guiado pela região.
A Antonio Almeida Bueno e esposa, moradores de Vacaria e com propriedade
no Vigia, Capão Alto, por permitirem acessar e pesquisar o trecho do corredor de
pedras e o Cemitério Escurinho, situados na sua propriedade.
À família do Seu Adair Branco, sempre prestativa, fornecendo informações
importantes sobre a região.
A Paulo Broering e seu filho Paulo Broering Jr., da Fazenda Mont Serrat, por
permitir acessar e pesquisar o trecho do corredor de pedras existente na sua
fazenda.
Ao Sr. Lúcio Ataíde Marco, morador do São Jorge, pela entrevista concedida e
pelas informações fornecidas.
E a todos os informantes e entrevistados que colaboraram com a pesquisa
fornecendo dados à pesquisa: Susete de Oliveira, Florinda Garcia, Clóvis Silveira,
Silvio Gabriel Xavier, Marlene Rosa, Davina Abreu de Melo, Nilvo Alves Neto e
outros mais.
Gostaria de agradecer às diversas famílias de Lages que receberam a equipe
de pesquisa, abrindo seus lares e ofertando muito mais que um pouso confortável,
a amizade:
Ao amigo Edenir Erimar Espíndula e a esposa Kátia Espindula, a quem
admiro muito, pelo carinho e dedicação, e que sempre acompanharam e auxiliaram
na pesquisa, mesmo antes de começar o doutorado.
À Iáscara Almeida Varela e aos seus filhos Joana e Augusto, que sempre me
receberam e acolheram em seu lar em Lages. Iáscara, muito obrigado por todas as
fontes e dados de pesquisa que vocompartilhou e as diversas dicas sobre a área
pesquisada.
À família de Elusa Camargo Machado e Elvio Boeira Machado, e às filhas
Gabriela e Mariana, que receberam a equipe de pesquisa com carinho, cedendo
quartos, camas e tudo o mais, quando tivemos problemas com hospedagem e com o
carro. Além de todo o auxílio com informações sobre a Coxilha Rica. Muito obrigada
pela acolhida sempre calorosa!
À colega arqueóloga e doutoranda Adriana Fraga da Silva, pela troca de
dados e materiais bibliográficos sobre o Caminho e pelas conversas sobre o tema.
Ao colega e arqueólogo André Luiz Jacobus, pelas sugestões pertinentes na
elaboração do projeto de pesquisa e à recomendação dos documentos, fontes e
acervos de pesquisa.
Ao amigo e colega Carlos Alberto Santos Costa, “Carlinhos”, obrigada pela
criação da marca do projeto e pelo apoio na pesquisa.
Aos “Anjos da Guarda” da informática: Chico e Patrícia, sempre resolvendo os
problemas com hardware e software (que não foram poucos). Fabiano Valente
Sardá, pelas aulas de Access e pela resolução dos problemas técnicos com a Base
de Dados. Alexsander Dauzeley da Silva, pelas soluções com as tabulações de Excel.
E Ricardo Covolo Bórtoli, que ajudou muito numa hora de muita dificuldade com os
programas.
A Paulo Leal, engenheiro cartógrafo do IBGE, pelas dicas e discussões sobre
sistema de referência espacial cartográfico e questões de conversão do sistema de
projeção dos mapas.
A Ana Glenda Oliveira Correa e Marta Fiss, pela revisão em inglês do
Abstract.
Ao arquiteto Nery Luiz Auler da Silva, pelas indicações dos diversos sítios
arqueológicos na Coxilha Rica e dados compartilhados comigo.
À secretaria do PPGH, em especial à Carla Helena Carvalho Pereira, pela
ajuda com as burocracias e documentos da pós-graduação.
Ao CEPA, em especial à secretária Márcia Lara da Costa, sempre prestativa e
ajudando muito, principalmente no período em que pesquisei na Biblioteca do Pró-
Prata.
Aos amigos de Porto Alegre, João Réus Nascimento da Silva e Claudia Marina
Meira da Silva, “Joãozinho e Kakau”, pela amizade e pela hospedagem por inúmeras
vezes em Porto Alegre, além de “quebrar os meus galhos” com as “coisas” da
PUCRS. Obrigada pela amizade eterna!
Aos verdadeiros amigos de longa data de Santa Cruz, sempre preocupados e
interessados no desenvolvimento do doutorado: Scheila e Alexandre Eidt e o
pequeno grande Matheus (Ahhh Muleque!!!), Marta Luciane Beultke e a graciosa
“Duda”, e Rogério dos Santos Neuwald, o “Peixe”. Obrigada pela amizade
verdadeira!
A Carlos Eduardo Caldarelli e Solange Bezerra Caldarelli, da Scientia
Consultoria Científica, por compreenderem e apoiarem o meu afastamento da
empresa para realizar o doutorado, me desonerando das atividades profissionais e
colaborando com o empréstimo de equipamentos para as atividades de campo.
Ao amigo e colega Rodrigo Lavina, por me emprestar diversos livros, dar
“palpites” importantes para a pesquisa e cuidar do nosso apartamento durante a
nossa permanência na França. Obrigada pela ajuda!
Aos amigos que administraram as contas e cuidaram das coisas que ficaram
no Brasil: Adelson, Elaine, Letícia e Felipe. Muito obrigado pelos favores!
A Ernani Bahia, além de podólogo, um “guru espiritual”, apoiando com
palavras e pensamentos positivos, acreditando, às vezes, mais do que eu na minha
capacidade e no sucesso de vencer os obstáculos.
A Alexandre Girolometto, fisioterapeuta, por manter a minha coluna sob
controle após horas e horas diante do computador, sempre atento às minhas dores,
permitindo que eu continuasse a escrever e desenhar os mapas.
Um agradecimento super especial aos meus queridos “tios” do coração, Maria
Clara Soares Vellinho e Wladimir Amaro Pereira Vellinho, que acompanharam com
carinho todas as etapas do doutorado, oferecendo mais que um lar, mas um lugar
tranquilo e confortável em Porto Alegre durante as minhas idas e vindas semanais
para cursar as disciplinas. Além disso, nos hospedaram por diversos meses em
Jurerê Internacional quando compramos a nossa casa e começamos uma reforma
que parecia não terminar! Em Jurerê, escrevi a qualificação e fiz boa parte dos
mapas. Obrigada por serem esses “tios” maravilhosos!
À minha família, em especial aos meus pais Erna Eugênia e Omar Alceu
Herberts, que sempre me apoiaram e acreditaram no meu esforço, dando suporte
para alçar os voos acadêmicos, compartilhando as minhas angústias e percalços e
compreendendo as minhas ausências. Sem vocês eu não teria chegado lá!
A minha Mathildes Caspari. Quando você partiu, estava na França e não
pude me despedir. Vó, obrigado por sempre me apoiar e olhar por mim!!! A meu
Paulino Caspari que sempre torceu por mim.
Aos pais do Zeca, Adelina e Costa, que sempre rezaram e torceram muito
para que o trabalho terminasse com muito sucesso.
Ao Zeca, meu marido, companheiro e amigo de todas as horas. Me
acompanhou no Doutorado Sanduíche, ajudou na triagem dos documentos, nas
pesquisas nos arquivos da Europa e na revisão da tese. Não há palavras suficientes
para expressar o meu amor: Je t‟adore!
E, finalmente, quero agradecer a todos aqueles que por ventura não estejam
mencionados, mas que também foram importantes nesta etapa da minha vida.
Muito obrigada!
CAMINHO
Era um caminho que de tão velho, minha filha,
já nem mais sabia aonde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!
Mário Quintana
RESUMO
A presente pesquisa estuda o Caminho das Tropas sob o viés da arqueologia
da paisagem, buscando compreender como o Caminho se materializou e formou a
paisagem do Troperismo nos Campos de Lages, em Santa Catarina. Esta estrada foi
aberta no século XVIII com a função de facilitar o transporte das tropas de gado
vacum, cavalar ou muar dos locais de criação para os centros consumidores ou
distribuidores. Nesta pesquisa, cujo recorte geográfico abrange os municípios de
Lages e Correia Pinto, entre os rios Canoas e Pelotas, foram identificados e
analisados os vestígios arqueológicos remanescentes do referido Caminho.
O desenvolvimento da pesquisa foi realizado através da aplicação de
estratégias metodológicas que auxiliaram na análise e interpretação do arcabouço
documental e dos vestígios materiais: pesquisa documental (textual, cartográfica e
iconográfica) em diversos acervos arquivísticos do Brasil e exterior, prospecção
arqueológica sistemática de trechos amostrais do caminho, registro das evidências
arqueológicas do Caminho e das suas estruturas viárias numa ficha de cadastro
especialmente elaborada para esta finalidade, aplicação da fotointerpretação de
imagens de satélite, desenvolvimento de uma base de dados e estruturação de um
Sistema de Informação Geográfica (SIG).
Os resultados obtidos permitiram compreender como o Caminho das Tropas
e os corredores de muros de pedra foram construídos, apontando as variáveis
ambientais, a necessidade, a função e o uso dos corredores, a origem da técnica de
construção, a disponibilidade de matéria prima, a provável mão de obra empregada
e a origem das fontes de financiamento.
Palavras-chave: Caminho das Tropas. Arqueologia da Paisagem. Estruturas Viárias.
SIG.
ABSTRACT
The present research is a study made of the route named the “Caminho das
Tropas”, under the point of view of the landscape archaeology. It aims to
understand how did it materialize and form the landscape of the so-called
“Troperismo” in the fields of Lages, state of Santa Catarina in the south region of
Brazil. This route was opened in the XVIII century with the function of facilitating
the transport of the cattle, horse or mule troops from the places where they were
bred to the consuming or delivering centers. In this research, which geographic
clipping includes the cities of Lages and Correia Pinto, between the Canoas and
Pelotas rivers, the remaining archaeological vestiges of the related road have been
identified and analyzed
The development of the research was carried through the application of
methodological strategies that have given support to the analysis and interpretation
of the documents and of the material vestiges: documentary research (in writing,
cartographic and iconographic) in many archives in Brazil and abroad, systematic
archaeological prospection of sampling from stretches of the route, register of the
archaeological evidences of the “Caminho das Tropas” and of its structures in a
form especially elaborated for this purpose, application of the photo interpretation
of satellite images, development of a database and a Geographic Information System
(GIS).
The results have allowed one to understand how the “Caminho das Tropas”
and the corridors of rock walls have been constructed, pinpointing the
environmental variables, the function and the use of the corridors, the origin of the
construction technique, the availability of raw material, the probable use of payed
workmen and the origin of the financing sources.
Key-words: Caminho das Tropas. Landscape archaeology. Road structures. GIS.
RESUME
Cette recherche étudie le Chemin des Troupeaux du point de vue de
l'archéologie du paysage, en cherchant à comprendre comment le Chemin s'est
matérialisé et a marqué le paysage du « Troperismo » dans la région de Lages, dans
l‟État du Santa Catarina, au sud du Brésil. Cette route a été ouverte au XVIIIe
siècle pour faciliter l'acheminement du bétail, des chevaux ou mules depuis les
lieux d'élevage jusqu'aux centres consommateurs ou distributeurs. Dans cette
recherche, dont le découpage géographique inclut les villes de Lages et de Correia
Pinto, entre les fleuves Canoas et Pelotas, ont été identifiés et analysés les vestiges
archéologiques du Chemin.
Le développement de la recherche a été réalisé à travers l'application de
stratégies méthodologiques mises en oeuvre dans l'analyse et l'interprétation du
corpus documentaire et des vestiges matériels : recherche documentaire (sources
écrites, cartographique et iconographique) dans diverses archives du Brésil et à
l'étranger, prospection archéologique systématique d'un échantillon de tronçons du
chemin, enregistrement des témoins archéologiques du Chemin et de ses structures
routières sur une fiche spécialement élaborée à cette fin, application de la
photointerprétation d'images de satellite, veloppement d'une base de données et
structuration d'un Système d'Informations Géographiques (SIG).
Les résultats obtenus ont permis de comprendre comment le Chemin des
Troupes et les couloirs délimités par des murs de pierre ont été construits, en
indiquant les variables environnementales, la fonction et l'utilisation des couloirs,
l'origine de la technique de construction, la disponibilité de matière principale, la
main d'oeuvre probablement employée et l'origine des sources de financement.
Mots-cléfs : Chemin des Troupeaux. Archéologie du Paysage. Structures Routières.
SIG.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Localização da área de pesquisa no estado de Santa Catarina, sul do Brasil .......................................34
Figura 2 - Exemplo de análise e fotinterpretação de ortofotocarta ................................................................. 106
Figura 3 - Exemplo de estrutura em modo formulário e em modo tabela do registro de Cemitério da BD-
ArqCT ............................................................................................................................................................ 114
Figura 4 - Página inicial de abertura como atalho aos formulários/tabelas criados na BD-ArqCT ..................... 114
Figura 5 - Arquitetura dos relacionamentos entre as tabelas na BD-ArqCT...................................................... 115
Figura 6 - Formalização do Modelo Conceitual dos Dados .............................................................................. 118
Figura 7 - Localização dos caminhos abertos no Brasil Meridional nos séculos XVIII e XIX................................ 125
Figura 8 - “Demonstração do Caminho que vai de Viamão the a Cidade de S. Paulo” de autoria do Sargento João
Baptista, séc. XVIII ......................................................................................................................................... 150
Figura 9 - Vista geral e detalhe do mapa “A Villa da Laguna e Barra do Taramandi na costa do Brasil e America
Portuguesa a 1.ª aos 28°29’31” a 2.ª aos 29°51’5717 de latitud austral”, 1738 ............................................... 154
Figura 10 - Mapa que mostra a Capitania de Goiás e a região ao sul até o rio da Prata, ca. de 1756. .............. 156
Figura 11 - Mapa “Planta do Continente do Rio Grande”, de 1780 .................................................................. 157
Figura 12 - Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina, de 1781 .............. 159
Figura 13 - Mapa e detalhe da planta produzida pelo Alferes Antonio José da Costa, em 1787 ....................... 162
Figura 14 - Mapa Corographico da Capitania de S. Paulo, de 1791 e 1792 ................................................... 164
Figura 15 - Fragmento da “Carta Corographica da Capitania de S. Paulo, de 1793 ......................................... 165
Figura 16 - Fragmento do “Mappa Chrographico da Provincia de São Paulo”, de 1837 .................................... 167
Figura 17 - Visão geral e detalhe do “Mappa Chrografico da Província do Paraná”, de 1863............................ 168
Figura 18 - "Acampamento noturno de Itararé", 1827 .................................................................................... 177
Figura 19 - Acampamento de tropeiro ao relento nos campos na região do Rio de la Plata, em 1821 ............. 178
Figura 20 - Acampamento nas planícies de Guananbi, 1845 ........................................................................ 179
Figura 21 - Acampamento de tropeiros em tendas às margens do rio Sorocaba .............................................. 180
Figura 22 - Acampamento de tropeiros em Bom Jesus em viagem para abastecer o Hotel de Dona Tereza
Baroni, chefiados por Jose Baroni, década de 1920 ........................................................................................ 182
Figura 23 - Registro de pousos em rancho no Caminho entre Santos e São Paulo, 1839 .................................. 183
Figura 24 - Registro de pouso em rancho: Campeiros proprietários de tropas da Província do Rio Grande do
Sul” ............................................................................................................................................................... 184
Figura 25 - Rancho de pousos de tropeiros: “Repos d’ une Caravanne”, 1822/1825 ........................................ 185
Figura 26 - Interior de um “Rancho de Tropeiros”, 1827 ................................................................................. 186
Figura 27 - Aquarela “Der Ranjo von Facanda dos Negros 3 Ml von arêas nach Paulo zu”, 1817/1818 ......... 187
Figura 28 Registro de pouso em rancho: Rancho unweit der Serra do Caraça” ........................................... 188
Figura 29 - Galpão de tropeiros na Casa Campos, em Lages (SC) ..................................................................... 191
Figura 30 - Fragmento do mapa “Província de Santa Catharina” ..................................................................... 204
Figura 31 - Detalhe da “Carta do Sul do Império do Brazil comprehendendo as Províncias Rio Grande do Sul, Sª
Catarina e Paraná” de 1885, indicando a localização do Passo do Pelotas e Santa Vitória ............................... 205
Figura 32 - Caminho dos Órgãos(ca. 1840) ................................................................................................. 211
Figura 33 - Ilustração “Rio Panahyba”, mostrando a travessia de um rio com mercadorias em canoas e as mulas
a nado ........................................................................................................................................................... 212
Figura 34 - Travessia do Rio Mampituba” com auxílio de canoa .................................................................... 213
Figura 35 - Travessia do São Gonçalo para as charqueadas de Pelotas", ca. 1820 .......................................... 213
Figura 36 - Tropa de muares atravessando um rio a nado............................................................................... 214
Figura 37 - Tropa de muares atravessando o rio Chapecozinho a nado, Chapecó (SC), em 1933 ...................... 215
Figura 38 - Travessia de tropas vacum e cavalar a nado no rio Iguaçu, Porto União (SC), no início do culo XX
..................................................................................................................................................................... 215
Figura 39 - Travessia de gado por um rio com auxílio de canoas ..................................................................... 216
Figura 40 - Passagem de tropa de animais a nado no rio Itaj do Sul, em Rio do Sul (SC), década de 1920, local
atual da Ponte Curt Hering ............................................................................................................................ 216
Figura 41 - “Passagem de um rio vadeável”, ilustrando a travessia a pé de um curso de água de nível baixo, com
as mulas atravessando sem a carga e os escravos carregando a mercadoria ................................................... 217
Figura 42 - Ilustração de uma tropa de mulas carregadas atravessando um rio a pé ....................................... 219
Figura 43 - Travessia do rio Pelotas entre os Estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina pela tropa de mulas
do Globo Rural no Passo Santa Vitória ........................................................................................................... 220
Figura 44 - Mapa com a localização dos trechos A, B, C e D analisados do Caminho das Tropas ...................... 248
Figura 45 - Composição do modelo TIN .......................................................................................................... 250
Figura 46 - Modelo em projeção 3D ............................................................................................................... 251
Figura 47 - Mapa em projeção 3D com a localização dos cinco segmentos subdivididos do trecho A ............... 252
Figura 48 - Registro fotográfico no subtrecho A1 ............................................................................................ 253
Figura 49 - Mapa do subtrecho A1 com a localização dos pontos avaliados .................................................... 254
Figura 50 - Registro fotográfico no subtrecho A1 ............................................................................................ 255
Figura 51 - Vista geral e detalhe da área em curva no subtrecho A1 (pt-04) .................................................... 256
Figura 52 - Mapa das estruturas registradas no subtrecho A2......................................................................... 257
Figura 53 - Registro fotográfico do subtrecho A2 ............................................................................................ 258
Figura 54 - Vista de trecho da senda larga e rasa do caminho ......................................................................... 259
Figura 55 - Registro fotográfico no subtrecho A3a .......................................................................................... 260
Figura 56 - Área da curva fechada (pt-22) ....................................................................................................... 262
Figura 57 - Registro fotográfico no subtrecho A3a .......................................................................................... 263
Figura 58 - Mapa dos vestígios materiais do subtrecho A3 e dos dois percursos ............................................. 264
Figura 59 - Registro fotográfico no subtrecho A3b .......................................................................................... 266
Figura 60 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A4 ................................................................................ 267
Figura 61 - Vista geral e detalhe do muro de arrimo na lateral direita do leito do caminho (pt-30) .................. 268
Figura 62 - Registro fotográfico no subtrecho A4 ............................................................................................ 269
Figura 63 - Registro fotográfico no subtrecho do pt-35 ................................................................................... 270
Figura 64 - Mapa em projeção 3D com a localização da parte inicial do segmento do subtrecho A5 ................ 271
Figura 65 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-36 e pt-49 .................................. 272
Figura 66 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-36 e pt-38.............................................. 274
Figura 67 - Registro fotográfico dos pontos pt-41 e pt-42 ............................................................................... 275
Figura 68 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pt-46 e pt-48 ......................................................... 277
Figura 69 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-50 e pt-68 .................................. 278
Figura 70 - Registro fotográfico dos pontos pt-50 e pt-54 ............................................................................... 279
Figura 71 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-56 e pt-68.............................................. 281
Figura 72 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-69 e pt-83 .................................. 282
Figura 73 - Área do anexo ao caminho na Comunidade do Faxinal .................................................................. 284
Figura 74 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-73 e pt-80.............................................. 285
Figura 75 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-84 e pt-94 .................................. 287
Figura 76 - Registro fotográfico do subtrecho A5, pontos pt-84 e pt-86 .......................................................... 288
Figura 77 - Registro fotográfico do trecho entre os pontos pt-85 e pt-94 ........................................................ 289
Figura 78 - Registro fotográfico dos pontos pt-92 e pt-93 ............................................................................... 290
Figura 79 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-95 e pt-102 ................................ 291
Figura 80 - Registro fotográfico do subtrecho A5, pontos pt-98 e pt-99 .......................................................... 292
Figura 81 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-103 e pt-105 .............................. 293
Figura 82 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-103 e pt-104 .......................................... 294
Figura 83 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-106 e pt-110 .............................. 296
Figura 84 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-106 e pt-109 .......................................... 297
Figura 85 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-111 e pt-129 .............................. 299
Figura 86 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-112 e pt-125 .......................................... 300
Figura 87 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-130 e pt-135 .............................. 302
Figura 88 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-136 e pt-141 .............................. 303
Figura 89 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-130 e pt-136 .......................................... 304
Figura 90 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-142 e pt-151 .............................. 306
Figura 91 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-152 e pt-161 .............................. 307
Figura 92 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-162 e pt-165 .............................. 308
Figura 93 - Registro fotográfico do ponto pt-166 ............................................................................................ 309
Figura 94 - Detalhe do mapa “São Sebastião do Arvoredo” apresentando o trecho B...................................... 314
Figura 95 - Registro fotográfico do entroncamento do trecho B ..................................................................... 315
Figura 96 - Vista geral do corredor do trecho B instalado entre as elevações do terreno ................................. 316
Figura 97 - Vista geral do corredor do trecho B com área úmida. .................................................................... 317
Figura 98 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-01 e pt-09.......................................... 318
Figura 99 - Registro fotográfico do trecho B entre os pontos pt-03 e pt-08 ..................................................... 319
Figura 100 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-10 e pt-14 ........................................ 320
Figura 101 - Área alargada no rio Penteado.................................................................................................... 321
Figura 102 - Vista geral do rio Penteado ......................................................................................................... 322
Figura 103 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-15 e pt-19 ........................................ 323
Figura 104 - Registro fotográfico do trecho B entre os pt-15 ao pt-21 ............................................................. 324
Figura 105 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-19 e pt-22 ........................................ 325
Figura 106 - Detalhe do mapa “São Sebastião do Arvoredo” apresentando o trecho C .................................... 329
Figura 107 - Vista geral do Pouso São Jorge .................................................................................................... 330
Figura 108 - Mapa dos pontos avaliados no trecho C entre os pontos pt-01 e pt-13 ........................................ 331
Figura 109 - Registro fotográfico do trecho C, entre os pt-01 e pt-04 .............................................................. 332
Figura 110 - Registro fotográfico do trecho C entre o pt-06 e pt-13 ................................................................ 334
Figura 111 - Registro fotográfico do trecho C entre os pontos pt-16 e pt-17 ................................................... 335
Figura 112 - Mapa dos pontos avaliados no trecho C entre os pontos pt-14 e pt-15 ........................................ 336
Figura 113 - Registro fotográfico do trecho C entre os pontos pt-19 e pt-23) .................................................. 338
Figura 114 - Mapa dos pontos avaliados no trecho C entre os pontos pt-17 e pt-27 ........................................ 339
Figura 115 - Detalhe do mapa “Coxilha Grande apresentando parte do trecho D .......................................... 341
Figura 116 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-01 e pt-03 ....................................... 342
Figura 117 - Registro fotográfico do trecho entre os pontos pt-03 e pt-06 ...................................................... 344
Figura 118 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-02 e pt-06 ....................................... 345
Figura 119 - Registro fotográfico do trecho entre os pontos pt-06 e pt-09 ...................................................... 346
Figura 120 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-07 e pt-15 ....................................... 347
Figura 121 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-10 e pt-12 ................................................... 348
Figura 122 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-14 e pt-15 ................................................... 349
Figura 123 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-16 e pt-20 ....................................... 350
Figura 124 - Registro fotográfico do trecho D entre os dos pontos pt-17 e pt-18............................................. 351
Figura 125 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-19 e pt-22 ................................................... 352
Figura 126 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-22 e pt-26 ....................................... 353
Figura 127 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-23 e pt-26 ................................................... 354
Figura 128 - Muro de pedras no Caminho Novo, trecho entre Ouro Branco e Ouro Preto ............................... 363
Figura 129 - Registros fotogficos de cavalgadas nos corredores ................................................................... 365
Figura 130 - Mapa da área da proposta da APA Coxilha Rica ........................................................................... 366
Figura 131 - Vista geral dos corredores em áreas de campo aberto e sobre as coxilhas onduladas. ................. 368
Figura 132 - Taipa bem elaborada com bom acabamento, com cobertura e alinhamento reto........................ 373
Figura 133 - Taipa com aspecto simples, sem acabamento superior e não muito sólida .................................. 374
Figura 134 - Diferença no uso de blocos rochosos de basalto na taipa ............................................................ 375
Figura 135 - Perfil de uma taipa de pedra ....................................................................................................... 379
Figura 136 - Taipa quanto à técnica construtiva ............................................................................................. 380
Figura 137 - Taipa com uso de grandes blocos na base ................................................................................... 380
Figura 138 - Exemplos da arquitetura de muraria em Portugal: muro autoportante construído em alvenaria de
pedra seca, com função de vedação de terreno ............................................................................................. 383
Figura 139 - Detalhe e vista geral dos cerrados de muros feitos em taipa de pedra na Ilha Terceira, Açores .... 384
Figura 140 - Vista geral das áreas de pastagens cercadas e estrada murada na Ilha Terceira, Açores ............... 385
Figura 141 - Imagem classificada, uso e ocupação do solo da Coxilha Rica ...................................................... 390
Figura 142 - Mapa de solos da Coxilha Rica .................................................................................................... 391
Figura 143 - Mapa de declividade do campo limpo no cambissolo da Coxilha Rica .......................................... 394
Figura 144 - Mapa de declividade do campo sujo no neonitossolo háplico da Coxilha Rica .............................. 395
Figura 145 - Processo erosivo em solo exposto no interior de um corredor .................................................... 396
Figura 146 - Área de alargamento no trecho A, pt-86 ..................................................................................... 400
Figura 147 - Área com alargamento no corredor no trecho A ......................................................................... 401
Figura 148 - Área de alargamento no trecho A, pt-163 ................................................................................... 403
Figura 149 - Cavalgada atravessando um riacho montados a cavalo na região da Coxilha Rica ........................ 407
Figura 150 - Fotos aérea do Passo Santa Vitória ............................................................................................. 410
Figura 151 - Detalhe da área de travessia do rio Pelotas e a foz do rio dos Touros .......................................... 412
Figura 152 - Travessia do arroio Carazinho sobre leito rochoso ...................................................................... 414
Figura 153 - Travessia do arroio Carazinho ..................................................................................................... 415
Figura 154 - Vista geral da área de travessia do arroio Cará, cercada por taipas de pedra, e no centro a ponte de
alvenaria ....................................................................................................................................................... 416
Figura 155 - Travessia do arroio Cará ............................................................................................................. 417
Figura 156 Detalhe da travessia do arroio Cará ............................................................................................ 418
Figura 157 - Comitiva atravessando o espraiado do rio Penteado em período de leito baixo. .......................... 419
Figura 158 - Vista geral do local de travessia do rio Penteado em período de chuvas ...................................... 420
Figura 159 - Área de travessia do rio Penteado .............................................................................................. 421
Figura 160 - Vista geral da área de travessia do rio Penteado com o alargamento do corredor e imagem do
sobrevoo aéreo ............................................................................................................................................. 423
Figura 161 - Travessia do rio Pelotinhas ......................................................................................................... 425
Figura 162 - Tropa de gado atravessando o Passo do rio Pelotinhas ............................................................... 426
Figura 163 - Exemplos de estruturas de drenagem da Estrada (inacabada) do Paraibuna em Minas Gerais ..... 428
Figura 164 - Desenho de um dreno situado no trecho A (pt-136), detalhando a sua construção na taipa ........ 430
Figura 165 - Drenos do trecho A..................................................................................................................... 431
Figura 166 - Drenos do trecho A..................................................................................................................... 433
Figura 167 - Drenos do trecho B ..................................................................................................................... 434
Figura 168 - Drenos dos trechos C e D ............................................................................................................ 435
Figura 169 - Detalhe de interrupção no corredor com muros de taipa de pedra desencontrados para a travessia
de curso de água no pt-19 do trecho B ........................................................................................................... 439
Figura 170 - Detalhe de interrupção no corredor com muros de taipa de pedra desencontrados em área de
banhado, no pt-23 do trecho C ...................................................................................................................... 440
Figura 171 - Exemplos de caminhos calçados no Brasil ................................................................................... 442
Figura 172 - Imagens da Calçada do Lorena .................................................................................................... 443
Figura 173 - “Negros calceteiros” no Rio de Janeiro, em 1824. ....................................................................... 445
Figura 174 - Vista geral e detalhe da área calçada no subtrecho A1 (pt-03) ..................................................... 446
Figura 175 - Vista ampla da curva calçada no acesso entre o rio Pelotas e o Complexo do Registro Santa Vitória,
margem catarinense, no subtrecho A1 (pt-03) ............................................................................................... 446
Figura 176 - Planta baixa da área calçada no subtrecho A1, pt-03 ................................................................... 447
Figura 177 - Exemplos de caminhos com vesgios formados por sendas ........................................................ 449
Figura 178 - Exemplos de sendas no Caminho das Tropas............................................................................... 450
Figura 179 - Croqui do local com sendas e amontoados de pedras no subtrecho A2 ....................................... 452
Figura 180 - Sendas registradas nos trechos do caminho analisados ............................................................... 453
Figura 181 - Detalhe do efeito do pisoteamento do gado no solo com desgaste e evidenciação de blocos
rochosos em um saleiro ................................................................................................................................. 456
Figura 182 - Formas de amontoamento de pedras no leito do caminho .......................................................... 457
Figura 183 - Secção transversal de um caminho, representando corte, desaterro, aterro e arrimo.................. 459
Figura 184 - Exemplos do caminho pré-colombiano na Bolívia em terreno íngreme com o uso de corte e muro
de contenção ................................................................................................................................................ 460
Figura 185 - Detalhe de estrutura de corte e arrimo de pedras no Caminho Novo, segmento Ouro Branco
Ouro Preto .................................................................................................................................................... 460
Figura 186 - Exemplo de corte de talude na Calçada do Lorena no Caminho do Mar ....................................... 462
Figura 187 - Muros de arrimo e corte de barranco nos trechos de caminho analisados ................................... 463
Figura 188 - Muro de arrimo instalado na margem de um córrego, no trecho C (pt-5) .................................... 464
Figura 189 - Trechos com muro de taipa de pedra soterrada, apresentando-se como falso arrimo no subtrecho
A5 ................................................................................................................................................................. 465
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Tipos e quantidade de sítios arqueológicos históricos registrados em Santa Catarina ......................43
Quadro 2 - Número de sítios registrados em Santa Catarina por macro-regiões ................................................43
Quadro 3 - Sítios arqueológicos históricos registrados no interior de Santa Catarina por município ..................44
Quadro 4 - Número e categorias funcionais dos sítios registrados na UHE Pai Querê margem catarinense .....45
Quadro 5 - Sítios arqueológicos históricos registrados no município de Lages...................................................45
Quadro 6 - Acervos pesquisados em instituições brasileiras e estrangeiras ..................................................... 108
Quadro 7 - Relação das fontes da base cartográfica empregada no SIG-ArqCT ................................................ 120
Quadro 8 - Fragmento do “Itinerário da Cidade de S. Paulo para o Continente de Viamão” ............................ 142
Quadro 9 - Fragmento do “Tranzitos por honde Marchou a Infantaria de Voluntarios Reaes desta Cidade de São
Paulo para o Exercito do Sul” ......................................................................................................................... 144
Quadro 10 - Relação comparativa das referências geográficas segundo a produção cartográfica dos séculos XVIII
e XIX .............................................................................................................................................................. 169
Quadro 11 - Relação comparativa das referências geográficas e distâncias de percurso segundo as fontes
primárias ....................................................................................................................................................... 172
Quadro 12 - Lista de locais e condições de pousos segundo as fontes primárias ............................................. 175
Quadro 13 - Comparativo das referências hidrográficas e as suas condições de travessia, no trecho entre os rios
Pelotas e Canoas ........................................................................................................................................... 210
Quadro 14 - Extrato da “Estatística Política e Civil - Estradas” da Província de São Paulo................................. 238
Quadro 15 - Trechos do Caminho das Tropas estudados e quantidade de pontos levantados ......................... 357
Quadro 16 - Relação dos trechos analisados com a respectiva extensão dos trechos e a proporção de corredor
..................................................................................................................................................................... 367
Quadro 17 - Alargamentos de corredor: locais de ocorrência e dimensões (largura máxima e área total) ....... 399
Quadro 18 - Características dos drenos registrados nos trechos A, B, C e D percorridos e analisados .............. 436
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Variação da largura do corredor nos trechos A, B, C e D ................................................................ 369
Gráfico 2 - Medida da largura mínima, máxima e a média dos corredores por trecho ..................................... 370
Gráfico 3 - Variação da altura do muro de taipa entre os trechos estudados................................................... 376
Gráfico 4 - Variação da largura superior do muro de taipa entre os trechos estudados ................................... 377
Gráfico 5 - Variação da largura da base do muro de taipa entre os trechos estudados .................................... 377
Gráfico 6 - Relação entre largura da base e altura da taipa ............................................................................. 378
Gráfico 7 - Diferença entre largura da base e a altura da taipa ....................................................................... 379
Gráfico 8 - Categoria de uso e ocupação do solo a partir da comparação das classes com base em suas áreas 390
Gráfico 9 - Classes de solos e áreas correlacionadas na Coxilha Rica ............................................................... 391
Gráfico 10 - Classes de declividade na Coxilha Rica e áreas ocupadas por classe. ............................................ 393
Gráfico 11 - Classes de declividade x cambissolo na Coxilha Rica .................................................................... 395
Gráfico 12 - Formato dos drenos registrados nos trechos de corredores analisado ......................................... 432
Gráfico 13 - Distribuição do formato dos drenos registrados por trecho estudado .......................................... 432
LISTA DE TABELA
Tabela 1 - Classes de declividade ................................................................................................................... 393
LISTA DE SIGLAS
SIGLA
DEFINIÇÃO
AESP
Arquivo do Estado de São Paulo
AHM
Arquivo Histórico Militar
AHU
Arquivo Histórico Ultramarino
ArqCT
Arqueologia do Caminho das Tropas
BC
Biblioteca Central Irmão José Otão
BD-ArqCT
Base de Dados Arqueologia do Projeto Caminho das Tropas
BMMA
Biblioteca Municipal Mário de Andrade
BN
Biblioteca Nacional
BNF
Bibliothèque National de France
BNP
Biblioteca Nacional de Portugal
BPP
Biblioteca do Pró-Prata
CAC
Cartografia Assistida por Computador
CEPA
Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas
CIBEC
Centro de Informação e Biblioteca em Educação
CNPq
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNSA
Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos
DEM
Digital Elevation Model - Modelo de Elevação Digital
DIEP
Direcção de Infra-Estruturas Exército Português
DSG
Diretoria de Serviço Geográfico
DTM
Digital Terrain Model - Modelo Digital de Terreno
FCC
Fundação Catarinense de Cultura
FUNCITEC
Fundação de Ciência e Tecnologia do Estado de Santa Catarina
GIS
Geographic Information System
GPS
Global Positioning System - Sistema Global de Posicionamento
HBDS
Hypergraph Based Data Structure
IAC
Instituto Açoriano de Cultura
IANTT
Instituto dos Arquivos Nacionais - Torre do Tombo
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICR
Instituto Coxilha Rica
IHGSC
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina
INBI-SU
Inventário Nacional de Bens Imóveis Sítios Urbanos Tombados
IPHAN
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LAT
Laboratoire Archéologie et Territoires
MARSUL
Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul
MCD
Modelo Conceitual de Dados
MFD
Modelo Físico dos Dados
MINC
Ministério da Cultura
MP
Museu Paulista
MU
Museu Universitário Prof. Osvaldo Rodrigues Cabral
MUAE
Museu Universitário de Arqueologia e Etnologia
NUPArq
Núcleo de Pesquisas Arqueológicas
PASAP
Projeto Arqueológico de Santo Antônio da Patrulha
PPGH
Programa de Pós-Graduação em História
PRONAPA
Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas
PUCRS
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RAPM
Revista do Arquivo Público Mineiro
SAB
Sociedade de Arqueologia Brasileira
SENATRO
Seminário Nacional sobre Tropeirismo
SGBD
Sistema de Gestão de Base de Dados
SGBDR
Sistema de Gestão de Base de Dados Relacional
SIG
Sistema de Informação Geográfica
SIG-ArqCT
Sistema de Informação Geográfica do Projeto Arqueologia do Caminho das
Tropas
TIN
Triangulated Irregular Network Rede Irregular de Triângulos
UDESC
Universidade do Estado de Santa Catarina
UFPR
Universidade Federal do Paraná
UFR
Université François-Rabelais.
UFRGS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC
Universidade Federal de Santa Catarina
UnC
Universidade do Contestado
UNIPLAC
Universidade do Planalto Catarinense
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 30
1 ARQUEOLOGIA HISTÓRICA E O ESTUDO DO CAMINHO DAS TROPAS ......... 38
1. 1 AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS EM TIOS HISTÓRICOS EM SANTA
CATARINA ......................................................................................................... 40
1. 2 ESTUDOS DE CAMINHOS NO BRASIL MERIDIONAL: PANORAMA DAS
PESQUISAS HISTÓRICAS E ARQUEOLÓGICAS .................................................. 49
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS PARA O ESTUDO DO
CAMINHO DAS TROPAS ................................................................................... 58
2. 1 APORTES TEÓRICOS PARA O ESTUDO DE PAISAGENS NA ARQUEOLOGIA 59
2. 1. 1 Arqueologia Espacial ............................................................................... 62
2. 1. 2 Arqueologia Ambiental, Geoarqueologia e as ciências paleoambientais ....... 64
2. 1. 3 Arqueologia da Paisagem ......................................................................... 67
2. 2 AS CONTRIBUIÇÕES DA ARQUEOLOGIA PARA O ESTUDO DE CAMINHOS E
ESTRUTURAS VIÁRIAS ...................................................................................... 72
2. 3 PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O ESTUDO DO CAMINHO DAS TROPAS 96
2. 3. 1 Definições iniciais: picadas, caminhos, estradas... .................................... 97
2. 3. 2 Procedimentos metodológicos de campo ................................................. 102
2. 3. 3 Análise e fotointerpretação das imagens de satélite ................................. 105
2. 3. 4 Pesquisa documental textual, iconográfica e cartográfica ........................ 107
2. 3. 5 Estruturação do Sistema de Gestão de Base de Dados Relacional: BD-ArqCT
....................................................................................................................... 111
2. 3. 6 Desenvolvimento do Sistema de Informação Geográfica: SIG-ArqCT ......... 115
3 CANASTRA DE DOCUMENTOS: FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DO CAMINHO
DAS TROPAS A PARTIR DAS FONTES DOCUMENTAIS .................................. 122
3. 1 PANORAMA HISTÓRICO DO CAMINHO DAS TROPAS ................................ 123
3. 2 OS PRIMÓRDIOS DO CAMINHO DAS TROPAS ........................................... 127
3. 2. 1 A abertura da picada e a viagem inaugural ............................................. 127
3. 2. 2 O estado da primeira picada e a retificação do caminho .......................... 131
3. 2. 3 Manter aberto ou fechar o caminho? A importância do caminho .............. 133
3. 2. 4 O ressarcimento das despesas e a cobrança de impostos ........................ 136
3. 3 ITINERÁRIOS, ROTEIROS E MAPAS: A DESCRIÇÃO DO TRAÇADO E DA
REGIÃO........................................................................................................... 138
3. 3. 1 Itinerários e roteiros .............................................................................. 138
3. 3. 2 A representação do caminho na cartografia ............................................ 147
3. 3. 3 Tempo e distância de viagem .................................................................. 170
3. 3. 4 Pousos .................................................................................................. 174
3. 4 PASSAGENS FLUÍDAS: A TRAVESSIA DOS RIOS, A CONFORMAÇÃO DOS
LIMITES TERRITORIAIS E A DEFESA CONTRA OS INIMIGOS ........................... 193
3. 4. 1 A conformação dos limites territoriais ..................................................... 193
3. 4. 2 A defesa do passo contra os inimigos ...................................................... 199
3. 4. 3 Travessias de cursos de água ................................................................. 206
3. 4. 4 Os passos e as formas de travessias ....................................................... 210
3. 5 MANUTENÇÃO E MELHORIAS DO CAMINHO ............................................ 222
3. 5. 1 Ações a cargo dos moradores ................................................................. 223
3. 5. 2 Ações governamentais ........................................................................... 228
3. 5. 3 Recursos para custeio das despesas ....................................................... 237
3. 6 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DOCUMENTOS ANALISADOS ..................... 241
4 PROSPECÇÃO ARQUEOLÓGICA NO CAMINHO DAS TROPAS ...................... 246
4. 1 TRECHO A: ENTRE O RIO PELOTAS E O BODEGÃO .................................. 249
4. 1. 1 Subtrecho A1: senda estreita ................................................................. 253
4. 1. 2 Subtrecho A2: corredor e senda ............................................................. 256
4. 1. 3 Subtrecho A3: dois traçados .................................................................. 258
4. 1. 4 Subtrecho A4: leito de estrada, corte de barranco e arrimo ...................... 266
4. 1. 5 Subtrecho A5: corredor de taipa e estrada municipal .............................. 271
4. 1. 6 Avaliação e considerações do Trecho A ................................................... 310
4. 2 TRECHO B: ENTRE A FAZENDA CIPÓ E A FAZENDA SÃO LUÍS ................. 313
4. 2. 1 Avaliação e considerações do Trecho B ................................................... 326
4. 3 TRECHO C: REGIÃO DE SÃO JORGE ENTRE A CAPELA SÃO JORGE E A
FAZENDA CAPOEIRINHA ................................................................................. 328
4. 3. 1 Avaliação e considerações do Trecho C ................................................... 340
4. 4 TRECHO D: FAZENDA MONT SERRAT RIO PELOTINHAS ....................... 341
4. 4. 1 Avaliação e considerações do Trecho D ................................................... 355
4. 5 CONSIDERAÇÕES DOS TRECHOS ESTUDADOS ....................................... 356
5 ANÁLISE DAS ESTRUTURAS REMANESCENTES DO CAMINHO DAS TROPAS
NA PAISAGEM: DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ....................... 360
5. 1 CORREDOR COM MURO DE TAIPA DE PEDRA.......................................... 362
5. 1. 1 Proposta explicativa dos corredores ........................................................ 383
5. 2 ALARGAMENTO DE CORREDOR ............................................................... 398
5. 3 TRAVESSIA DE CURSOS DE ÁGUA ........................................................... 406
5. 3. 1 Travessia do rio Pelotas: o Passo Santa Vitória ....................................... 409
5. 3. 2 Travessia do arroio Carazinho ................................................................ 413
5. 3. 3 Travessia do arroio Cará ........................................................................ 416
5. 3. 4 Travessia do rio Penteado: um passo no alargamento .............................. 419
5. 3. 5 Travessia do rio Pelotinhas .................................................................... 424
5. 4 ESTRUTURA DE DRENAGEM .................................................................... 427
5. 4. 1 Dreno e vala .......................................................................................... 429
5. 4. 2 Interrupção no corredor para drenagem ................................................. 437
5. 5 ÁREA CALÇADA ........................................................................................ 441
5. 6 SENDA .................................................................................................... 448
5. 7 AMONTOAMENTO DE PEDRAS ................................................................. 454
5. 8 CORTE DE BARRANCO E ARRIMO ............................................................ 458
5. 9 ANÁLISE DO CAMINHO DAS TROPAS........................................................ 466
CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES .................................................... 475
REFERÊNCIAS................................................................................................ 487
APÊNDICES .................................................................................................... 519
APÊNDICE A - Ficha de registro de estruturas físicas do Caminho das Tropas ... 520
APÊNDICE B - Relação dos pontos avaliados nos trechos analisados ................. 523
ANEXOS ......................................................................................................... 531
ANEXO A - Documento: “Projeto de Beneficiamento de 30 léguas do Caminho do
Sertão que ha na Estrada que segue desta Capitania para o Rio Grande” ........... 532
ANEXO B - Planta da Mangueira do Passo Santa Vitória ................................... 537
Fonte: ENDER
30
INTRODUÇÃO
Os nossos caminhos são inumeráveis, mas
incertas são as nossas estadias.
Saint-John Perse
Esta pesquisa tem como objeto de estudo central o Caminho das Tropas sob
o viés da arqueologia da paisagem. Este Caminho foi uma das redes viárias abertas
no século XVIII no Brasil Colonial, estabelecendo a ligação entre as Capitanias de
São Paulo e Rio Grande do Sul, interligando-se com as vias terrestres existentes no
território meridional. A sua principal função foi a de facilitar o transporte das
tropas de gado vacum, cavalar ou muar dos locais de criação para os centros
consumidores ou distribuidores do país.
O interesse pelo tema surgiu no ano de 2004, a partir dos projetos de
pesquisas arqueológicas desenvolvidos no planalto catarinense, como pesquisadora
da Scientia Ambiental, para fins de licenciamento de um empreendimento do setor
de geração de energia elétrica, a Usina Hidrelétrica Pai Querê (CALDARELLI, 2004),
no vale do rio Pelotas.
O contato com a região da Coxilha Rica em Lages permitiu a aproximação e o
conhecimento de um rico patrimônio arqueológico muito bem conservado e
caracterizado pela diversidade de sítios arqueológicos, tanto pré-históricos
(acampamentos, sítios líticos, lito-cerâmicos a u aberto, estruturas escavadas,
oficinas líticas de lascamento, abrigos sob rocha, funerários, etc.), quanto históricos
(registro, taperas, cemitérios, corredores, passos, fazendas, capelas, serrarias, etc.).
A relevância histórica da região da Coxilha Rica é tão grande que uma
proposta no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
tramitando desde 2001 para tombamento junto ao Ministério da Cultura do
Caminho das Tropas no trecho localizado em Lages, sob o título “Remanescente do
Caminho das Tropas em Lages”, conforme o relatório “Cultura no Brasil 2001”
(MINC).
31
O processo de tombamento foi efetivamente iniciado em 2007 com a
execução da “Instrução do Dossiê Preliminar de Tombamento dos remanescentes
dos caminhos das Tropas na Região da Coxilha Rica, Lages/ SC” (PEREIRA, 2007).
Na sequência, foi realizado o primeiro inventário, pesquisa e mapeamento para a
“Introdução de Dossiê de tombamento emergencial do Caminho das Tropas na
Região de Coxilha Rica (Lages/SC)” (SILVA, 2008).
Na esfera municipal, o Registro de Santa Vitória é tombado pelos municípios
de Bom Jesus (RS) e Lages (SC)
1
. Cabe ainda salientar que a instalação da Usina
Hidrelétrica Pai Querê no rio Pelotas provocará, além do impacto ambiental e social
na região da Coxilha Rica em Lages, a inundação do Registro de Santa Vitória,
quando da formação do reservatório. Muito se tem discutido sobre a inserção do
Caminho das Tropas em roteiros turísticos, mas, efetivamente, pouco ainda tem
sido realizado para prodão de conhecimento e preservação dos remanescentes
existentes.
Para área de pesquisa, até 2004 raras eram as pesquisas arqueológicas
realizadas (PIAZZA, 1969; REIS, 1980;) e todas voltadas à ocupação pré-histórica da
região.
Dessa forma, contatou-se a inexistência de investigações arqueológicas
aprofundadas sobre o Caminho das Tropas, contemplando o trecho do Caminho
situado entre o rio Pelotas e o rio Canoas. Igualmente, havia uma lacuna visível nas
pesquisas arqueológicas históricas em Santa Catarina referentes às questões do
planalto catarinense e, sobretudo, relativas às vias de trânsito.
Portanto, a escolha pelo tema justificou-se pelo seu ineditismo, a carência de
pesquisas arqueológicas e a importância dessa questão para a arqueologia histórica
no sul do Brasil.
Sendo assim, partindo do “estado da arte” das pesquisas desenvolvidas na
região, estabeleceu-se a problemática do estudo baseada no Caminho e na
paisagem tropeirística, tendo como pergunta central: Como o Caminho das Tropas
se materializou e formou a paisagem do Troperismo nos Campos de Lages?
A partir da revisão bibliográfica das pesquisas arqueológicas e históricas
realizadas sobre o Caminho das Tropas, verificou-se que os estudos estavam mais
voltados para os aspectos históricos e investigações pontuais em sítios de Registros.
Dentro desse contexto, o recente trabalho de Silva (2006) é exceção, pois analisa a
1
A Prefeitura Municipal de Lages realizou o tombamento municipal em 21 de outubro de 1993.
32
paisagem arqueológica do Tropeirismo, abordando as espacialidades e estratégias
materiais dos Campos de Cima da Serra.
Os estudos arqueológicos de outros caminhos na América do Sul, no
contexto pré-incaico, incaico, pré-colonial e colonial, indicaram novas
possibilidades de estudos referentes ao Caminho das Tropas como um sítio
arqueológico e a suas estruturas viárias como artefatos.
Ao pensar no Caminho como objeto de pesquisa, sob a ótica da arqueologia
da paisagem, muitas perguntas foram suscitadas, algumas primárias e ainda
iniciais numa investigação, porém, fundamentais para compreender a instalação do
mesmo: Quais são os vestígios arqueológicos remanescentes do Caminho das
Tropas? Quais os tipos de estruturas identificadas? Como foram construídas?
Quem foram os autores? Quem financiou as construções? Quando? Por quê? Quais
foram os materiais construtivos empregados? Qual a relação das estruturas com o
ambiente? Qual a função dos corredores de pedra? Por que foram construídos?
Como foram instalados? Por que alguns trechos de caminho apresentam corredores
e outros não? Quais as variáveis ambientais observadas? Quais as modificações
ocorridas ao longo dos séculos nos remanescentes do caminho? Quais as
informações que os documentos textuais, iconográficos e cartográficos oferecem
sobre o caminho e a região?
Assim, o objetivo geral foi compreender como o Caminho das Tropas foi
instalado, através da análise dos vestígios arqueológicos remanescentes. Como
objetivos específicos, foram definidos: a) identificar e descrever as estruturas
remanescentes; b) analisar a construção e/ou a formação das estruturas viárias; e
c) relacionar as estruturas e os aspectos do Caminho comparando com outros
caminhos estudados.
O estudo aborda principalmente o período temporal compreendido pelos
séculos XVIII e XIX. Nessa época, destacam-se os eventos históricos referentes à
abertura do Caminho das Tropas, instalação dos Registros de Santa Vitória e São
Jorge, fundação de Lages, o estabelecimento das primeiras fazendas, a extinção dos
registros e a abertura de novos caminhos para condução de animais na região oeste
do sul do país, abrangendo o período do Brasil Colônia e Império.
A ocupação dos campos sulinos e a introdução da pecuária estão
intimamente relacionadas com a abertura do Caminho das Tropas no planalto
meridional em Santa Catarina, especificamente na região dos chamados Campos de
Lages ou o Sertão das Lagens.
Esta área é delimitada a leste pela barreira natural da Serra Geral, que
33
separa os campos de altitude do interior das planícies litorâneas, e que foi o grande
obstáculo de acesso do litoral para o planalto até fins do século XVIII. Os limites sul
e norte são demarcados pelos formadores do rio Uruguai: os rios Pelotas e Canoas.
A partir das descobertas de ouro em Minas Gerais nos primórdios do século
XVIII, em terras montanhosas, longe do litoral, surgiu a necessidade do
abastecimento de mulas, o meio de transporte mais adequado para a região,
viabilizando a exportação do minério pelos portos litorâneos, distantes das minas
produtoras.
Além disso, a região carecia do abastecimento alimentício de gado. A
conjunção desses fatores promoveu a articulação do comércio interno entre as
regiões periféricas e o centro, desenvolvendo o ciclo econômico do Tropeirismo no
Brasil.
Como o objeto desta investigação estende-se por aproximadamente 1.500
km, atravessando os atuais Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná
e São Paulo, foi necessário delimitar um recorte geográfico para o estudo. Dessa
forma, a área de pesquisa localiza-se na porção do território situado entre os rios
Pelotas e Canoas, abrangendo os municípios de Lages e Correia Pinto, no Estado de
Santa Catarina (ver figura 1). Este território equivale aproximadamente à antiga
região dos Campos de Lages.
O trecho linear escolhido tem como limite, ao sul, o Registro Santa Vitória,
no que se refere à porção situada na margem direita do rio Pelotas, na divisa entre
os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e, ao norte, o rio Canoas, onde
se localizaria, segundo a documentação pesquisada, o Registro de São Jorge,
atualmente município de Correia Pinto. Este trecho perfaz aproximadamente 120
km de Caminho entre os dois Registros, usados como delimitadores para o
estabelecimento da área de pesquisa.
Para responder às perguntas propostas sobre os remanescentes do Caminho
das Tropas e as suas estruturas viárias, realizou-se a prospecção arqueológica
sistemática de uma amostragem de 23,5 km de trechos com e sem corredores de
pedra, com e sem estrada de rodagem atual, em diferentes compartimentos
topográficos e com características ambientais distintas (vegetação, hidrografia, solo,
relevo), procurando avaliar as semelhanças e diferenças nos diversos contextos, em
prol da compreensão material da via e da formação de uma paisagem marcada pelo
Caminho.
34
Figura 1 - Localização da área de pesquisa no estado de Santa Catarina, sul do Brasil
Fonte: Adaptado de Santa Catarina em relevo
2
e Google maps
3
. Arte gráfica: A autora (2009).
O registro das estruturas do Caminho foi executado tendo como modelo uma
ficha de registro adaptada de Vitry (2005) e a partir da avaliação das imagens de
satélite de porções dos trechos do Caminho em pequena escala, que haviam sido
pré-analisadas. As evidências arqueológicas foram mapeadas através de pontos de
avaliação (pt) georreferenciados nas imagens e anotados na ficha de registro.
Os desenhos realizados das estruturas observadas sobre as imagens em
campo permitiram a confecção de mapas detalhados dos trechos analisados. Os
2
Disponível em: <http://www.mapas-sc.com/>. Acesso em: 5 fev. 2009.
3
Disponível em: <http://maps.google.com/maps?ll=-27.213613,-50.212951&z=9&t=h&hl=pt-BR>.
Acesso em: 5 fev. 2009.
Rio Pelotas
Rio Canoas
Coxilha Rica
35
croquis e plantas auxiliaram a compreender melhor determinadas estruturas
através da espacialização das observações.
As fontes de pesquisa foram além do registro dos vestígios arqueológicos
documentados em campo. Utilizaram-se, para tanto, os documentos textuais,
cartográficos e iconográficos, além do uso de imagens de satélite e levantamentos
planialtimétrico através da fotointrepretação.
O presente trabalho foi organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo,
aborda-se a arqueologia histórica em Santa Catarina, apresentando um panorama
das pesquisas em sítios arqueológicos históricos, mostrando a carência de estudos
voltados ao interior, mas também a inexistência de investigações sobre as redes
viárias coloniais na arqueologia regional. Nesse capítulo, faz-se uma revisão da
bibliografia sobre os estudos de caminhos no sul do Brasil, apresentando as
pesquisas históricas e arqueológicas relativas ao tema e também a discrepância das
pesquisas de cunho arqueológico sobre caminhos em relação às investigações
históricas.
Os pressupostos teóricos e metodológicos o tratados no segundo capítulo.
Inicialmente, introduz-se a discussão sobre como estudar as paisagens a partir do
ponto de vista da arqueologia. Em seguida, apresentam-se os aportes teóricos para
o estudo de paisagens na arqueologia segundo as diferentes concepções, os
principais determinantes de cada corrente trica, seus métodos e fontes de
estudos. Por fim, apresenta-se a justificativa sobre a escolha da arqueologia da
paisagem como orientação teórica para o estudo.
A segunda parte do capítulo dois apresenta as contribuições das pesquisas
arqueológicas para o estudo de caminhos antigos e suas estruturas viárias,
destacando trabalhos brasileiros e latino-americanos, sejam em contexto pré-
colombiano ou referentes ao período de colonização européia e ocupação da
América. A partir dessas contribuições e do estado das pesquisas em redes viárias,
apresenta-se a proposta metodológica elaborada ou adaptada para o estudo do
Caminho das Tropas nesta pesquisa.
O estudo foi realizado a partir de diferentes estratégias e análise de diversas
fontes, aliando a coleta de dados de campo através da prospecção sistemática e do
uso de uma ficha de registro com a análise de fontes documentais (escritas,
cartográficas, iconográficas, orais). Desenvolveu-se um Sistema de Gestão de Base
de Dados (SGBD) para organizar e armazenar os dados de diferentes naturezas,
além de facilitar o cruzamento e a consulta às informações. A estruturação de um
Sistema de Informação Geográfica (SIG) propiciou a espacialização dos dados de
36
campo e a interação com as características ambientais da área (relevo, inclinação,
hidrografia, vegetação, etc.), além de editar mapas.
O terceiro capítulo trata das informações históricas, segundo as fontes
textuais, iconográficas e cartográficas sobre o Caminho das Tropas, abordando as
questões referentes à abertura e instalação do Caminho, sua retificação,
importância na época, custos para sua viabilização, ressarcimento dos custos,
itinerários e roteiros, representação na cartografia dos culos XVIII e XIX, tempo e
distâncias de viagem, pousos, travessias de rios, defesa dos passos, formas de
passagem dos rios, manutenção e melhoria do Caminho.
A prospecção arqueológica do Caminho das Tropas é tratada no quarto
capítulo. Apresentam-se os critérios adotados para as escolhas dos trechos
amostrais do Caminho, a localização, suas principais características, a subdivisão
em subtrechos quando necesria e a descrição geral dos pontos avaliados.
O quinto capítulo apresenta o resultado do estudo dos dados arqueológicos
das diferentes estruturas registradas no Caminho das Tropas: os corredores, as
áreas de travessia de cursos de água, a área calçada, os sistemas de drenagem, as
sendas, entre outros. Estas estruturas são analisadas segundo os aspectos físicos
(morfologia, dimensões, forma), características ambientais (relevo, solo, vegetação) e
técnicas construtivas (matéria-prima, técnica empregada).
No final deste trabalho, são apresentadas as considerações finais a respeito
das impressões da pesquisa, avaliando as escolhas e acertos, as limitações e os
desafios enfrentados. As conclusões retomam e sintetizam os principais resultados
do estudo e apontam as propostas para futuras investigações, a fim de dar
continuidade ou de complementar a análise dos remanescentes arqueológicos do
Caminho das Tropas.
37
Fonte: ENDER
38
1 ARQUEOLOGIA HISTÓRICA E O ESTUDO DO CAMINHO
DAS TROPAS
Nunca ande pelo caminho traçado, pois ele conduz
somente aonde outros já foram.
Alexander Graham Bell
Toda investigação científica inicia com a proposição de um projeto de
pesquisa com a apresentação do objeto, delimitação da área de investigação,
formulação de hipóteses, levantamento de questões, definições teórico-
metodológicas e um cronograma. Todavia, a revisão bibliográfica antecede a própria
elaboração da proposta de projeto. Toda viagem tem um começo e um fim, um
ponto de partida e um ponto de chegada.
Portanto, antes de fazer as escolhas teóricas, definir os procedimentos
metodológicos, coletar os dados, analisá-los e interpretá-los, busca-se definir o
ponto de partida. Para tanto, faz-se necessário conhecer o caminho traçado pelos
outros investigadores, conhecer a onde chegaram, quais resultados obtiveram e
de onde começará ou continuará a investigão.
Assim, para justificar o caminho tomado e as escolhas feitas ao longo do
percurso, pretende-se situar o contexto das pesquisas arqueológicas catarinenses e
os estudos realizados sobre o objeto de estudo: o Caminho das Tropas. Ao seguir a
mesma rota sob a ótica arqueológica, mas caminhando de forma diferente daquela
seguida, tem-se a consciência dos desafios e das incertezas da pesquisa.
Ao apresentar o caminho trilhado pelas pesquisas antecedentes, procura-se
não apenas seguir a trajetória dos pesquisadores e dar um passo à frente, mas
encontrar alternativas que conduzam ao alcance dos objetivos desta pesquisa e
apresentem resultados científicos.
Esta pesquisa, pelas suas características, temporalidade, natureza e uso de
fontes históricas, associada ao estudo dos vestígios arqueológicos, insere-se dentro
39
da área de conhecimento da Arqueologia denominada como Arqueologia Histórica, a
partir da divisão cronológica da Arqueologia Brasileira em dois grandes períodos
temporais: a Pré-história e a História.
Não há uma única definição para a Arqueologia Histórica que inclua todas as
possibilidades de investigação e que seja aceita unanimemente entre todos os
arqueólogos. A própria delimitação do campo de estudo e a abrangência da
Arqueologia Histórica Brasileira está em conceituação e discussão, como todo
campo de pesquisa em construção (LIMA, 1989; FUNARI, 1996).
Todavia, na América a Arqueologia Histórica é um campo especificamente
relacionado ao período posterior ao contato entre as populações indígenas e os
europeus chegados ao Novo Mundo. No Brasil, a arqueologia convencionou como o
marco cronológico o período posterior a 1.500 d.C.. Este campo de estudo abarca
desde o período da chegada dos europeus no continente americano e a ocupação
destes territórios, antes habitados estritamente por populações autóctones, para ser
povoado e colonizado por outros grupos étnicos estrangeiros, até os dias atuais.
Charles Orser (2000) considera que a definição de Arqueologia Histórica, que
está atualmente emergindo, se caracteriza por “[…] el estudio arqueológico de los
aspectos materiales en términos históricos, culturales y sociales concretos de los
efectos del mercantilismo y del capitalismo traídos de Europa a fines del siglo XV y
que continúan en acción hasta hoy.” (ORSER, 2000, p. 21-22).
Dentro desta perspectiva, a Arqueologia Histórica busca compreender as
sociedades pretéritas recentes a partir do processo de colonização européia, ou seja,
“[...] la creación de un mundo nuevo a través de la interacción de pueblos, como
resultado de un sistema cultural, tecnológico y económico que propiciaba la
exploración y colonización de nuevas tierras” (ibid., p. 21).
A Arqueologia Histórica Brasileira, segundo o ponto de vista de Lima (1989),
estuda:
[...] as conseqüências da expansão européia do século XV, o impacto desta
expansão sobre as populações indígenas, a dinâmica do contato cultural, a
experiência negra, a formação da sociedade brasileira, bem como os
processos de exploração, colonização e desenvolvimento urbano, através dos
vestígios materiais remanescentes. (LIMA, 1989, p. 96).
Tanto a História quanto a Arqueologia trabalham com objetos de pesquisa
parciais e fragmentados de um tempo e um espaço. Ambas divergem pelo tipo de
fontes que estudam e os recursos que utilizam. Assim, a complementaridade das
duas ciências, considerando as limitações de suas fontes de pesquisa e as
possibilidades teórico-metodológicas de cada uma, pode colaborar para a
40
construção do passado e para o entendimento dos processos e mudanças sociais,
econômicas e culturais ocorridas. Entretanto, outras disciplinas podem contribuir
para isso, tais como a Geografia, a Antropologia, a Cartografia, a Arquitetura, entre
outras, propiciando um caráter multidisciplinar.
Lima (1989, p. 89) destaca que a Arqueologia Histórica não pode ser reduzida
ao uso de um método arqueológico a serviço da pesquisa histórica. A História e a
Arqueologia são ciências complementares. A Arqueologia Histórica tem condições de
fornecer dados que podem comprovar ou refutar os registros escritos, completar
lacunas históricas, ou ir além, apontando dados não abordados na História. Ela
pode alcançar “[...] os aspectos não-conscientes das estruturas tecno-econômicas,
sócio-políticas, ideológicas, etc., que não aparecem nos registro escritos [...] (LIMA,
1989, p. 90).
Assim, a função primordial da Arqueologia Histórica Brasileira não é apenas
fornecer subsídios à História, mas, sobretudo, refazer e reinterpretar a História do
Brasil (ibid., p. 98), pois, os dados recuperados por esta área possibilitam a “[...]
reconstituição e a compreensão dos processos históricos contextuais locais [...]”
(KERN, 1998, p. 47). Ela, portanto, “[...] democratiza o passado, iluminando a vida
quotidiana das pessoas comuns que não são visíveis no registro documental”
(HALL, 1991, p. 78 apud FUNARI, 1996, p. 166).
Uma das principais características desta área é o uso de diferentes fontes de
pesquisa, integrando as fontes históricas (documentos textuais, iconográficos,
cartográficos e informação oral), arquitetônicas (edificações) à análise da cultura
material (artefatos e estruturas).
Este capítulo inicial apresenta, num primeiro momento, o panorama das
pesquisas arqueológicas históricas realizadas no Estado de Santa Catarina e, na
sequência, o histórico do estudo dos caminhos no Brasil meridional. Esta revisão
bibliográfica das pesquisas tem por objetivo indicar o contexto de partida da
presente investigação e a sua inserção na conjuntura das pesquisas regionais.
1. 1 AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS EM SÍTIOS HISTÓRICOS EM
SANTA CATARINA
A primeira pesquisa arqueológica em sítios históricos em Santa Catarina
ocorreu no final da década de 1960, realizada pelos arqueólogos João Alfredo Rohr
e Margarida Andreatta (1969, SCHMITZ et al., 1992) em Florianópolis. Porém, os
41
pesquisadores, naquela ocasião, estavam voltados principalmente para os vestígios
pré-históricos do sítio. Este, denominado, Armação do Sul, foi pesquisado nos anos
de 1969 e 1974 e era composto de vestígios históricos relacionados à instalação da
antiga Armação de Baleia (estruturas de pedras, telhas, tijolos, cerâmica) e de
vestígios pré-históricos de uma ocupação pré-cerâmica datada de 2.670 ± 90 A.P.
(material lítico polido e lascado, ósseo, malacológico, estruturas de combustão,
sepultamentos acompanhados de mobiliário funerários).
No final da década de 1980, as pesquisas em sítios arqueológicos históricos
ganharam relevo. Nesse período, foram registrados e estudados sítios em alguns
municípios litorâneos como Governador Celso Ramos, Florianópolis e Laguna. São
dessa época os registros dos sítios Igreja Nossa Senhora da Piedade (LACERDA,
1987); Igreja da Lagoa da Conceição (LAVINA, 1989), Fortim do Atalaia e Ruínas da
Armação da Piedade.
Dentro desse contexto, iniciaram-se as pesquisas arqueológicas nos sítios
militares, como por exemplo, as fortalezas do sistema defensivo da Ilha de Santa
Catarina, que foram estudadas pela equipe de arqueologia do Museu Universitário
Prof. Osvaldo Rodrigues Cabral (MU) da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), estudos esses que tiveram prosseguimento nas décadas seguintes. Foram
pesquisadas a Fortaleza São José da Ponta Grossa (FOSSARI, 1992), a Fortaleza da
Santa Cruz de Anhatomirim (FORTALEZAS MULTIMÍDIA, 1989) e o Forte Santo
Antônio de Ratones (VIANA, 1994). E, mais recentemente, está em andamento a
pesquisa na Fortaleza Nossa Senhora da Conceição, Ilha de Araçatuba, situada ao
sul da Ilha de Santa Catarina (AMARAL, 2001).
A partir dos anos 1990, intensificaram-se as pesquisas arqueológicas nos
sítios históricos, sendo desenvolvidas intervenções arqueológicas no centro de
Florianópolis em virtude de obras de reforma e engenharia, as quais propiciaram o
estudo dos seguintes sítios: Largo da Antiga Alfândega (AMARAL, 1992), Igreja
Nossa Senhora do Parto (AMARAL, 1999), Residência Oitocentista Casa d‟Itália do
Conjunto Histórico da Praça XV (COMERLATO, 1999a, 2002 e 2004), Igreja Nossa
Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha (SILVA, COMERLATO, 2000 e 2002); Casa
Natal de Vitor Meirelles (COMERLATO, 2001 e 2004), e, mais recentemente, o
Palácio Cruz e Souza (SILVA, 2003).
Este período também é marcado pela realização de trabalhos acadêmicos,
com as defesas das dissertações de mestrado no Programa de Pós-Graduação em
História da PUCRS sobre os engenhos do sul da Ilha de Santa Catarina, por
Osvaldo Paulino da Silva (2007) e as armações do litoral catarinense, por Fabiana
42
Comerlato (1998).
Com o advento das pesquisas arqueológicas no meio empresarial, a partir de
meados da década de 1990, houve também um grande salto na quantidade de sítios
históricos registrados e pesquisados em outras regiões do Estado em decorrência do
licenciamento ambiental de diferentes empreendimentos, tais como: rodovias
(UFSC, 1996; SILVA, 1998; SILVA, HERBERTS, 1999), usinas hidroelétricas e
pequenas centrais hidroelétricas (FARIAS, 2002; CALDARELLI, 2004), complexos e
unidades industriais (CALDARELLI et al., 2000; SILVA, 2001; ALVES, OLIVEIRA,
2001 e 2003), aterro sanitário (BANDEIRA, OLIVEIRA, 2001a), extração de minérios
(BANDEIRA, OLIVEIRA, 2001b); loteamentos imobiliários (COMERLATO, 1999b;
SILVA, 1999a), obras hidráulicas (SILVA, 1999c e 2002; HILBERT, 2001),
complexos turísticos (SILVA, 1999b; OLIVEIRA et al., 2001) e outros (SCIENTIA,
2000).
André Luiz Jacobus (1998b) realizou um levantamento das pesquisas
arqueológicas históricas existentes na Bacia do Prata, cujos dados foram coletados
até 1998. Neste artigo, o autor apresenta, ao todo, sete sítios pesquisados no
Estado de Santa Catarina, sendo seis relativos ao século XVIII os fortes São José
da Ponta Grossa, Santo Antônio de Ratones e Santa Cruz da Anhatomirim, além
dos materiais históricos dos sítios Armação do Sul, Base Aérea e Tapera - e um
referente ao século XIX Largo da Antiga Alfândega de Florianópolis.
No trabalho da arqueóloga Fabiana Comerlato (2003), intitulado
“Retrospectiva da Arqueologia Histórica em Santa Catarina”, reúnem-se os dados
relativos aos sítios arqueológicos históricos catarinenses, apresentando a
bibliografia temática, um histórico das pesquisas realizadas, a situação de proteção
dos sítios e as coleções existentes.
Segundo as informações sintetizadas por Comerlato (2003, p. 4-5), o número
de sítios arqueológicos históricos registrados em Santa Catarina, até o mês de
setembro de 2003, totalizava 60 cadastros classificados em categorias de acordo
com as suas funções (ver o quadro 1).
A autora agrupa os sítios arqueológicos históricos catarinenses em quatro
macro-regiões: litoral norte, entre Itapoá e Penha; litoral central, de Penha a
Garopaba; litoral sul, entre Garopaba e Passo de Torres; e interior do Estado,
incluindo planalto e serra; apresentando o inventário dos sítios e dos municípios
onde estão localizados. Sintetizando estes dados por macro-regiões, conforme a
divisão geográfica adotada pela autora, pode-se constatar a quantidade de sítios
registrados por macro-regiões (ver quadro 2).
43
Tipo de sítio
Quantidade
Acampamento
4
Alfândega
1
Armação
6
Caminho
2
Cemitério
3
Conjunto Arquitetônico
2
Engenho
12
Fonte d‟água
1
Fortaleza
6
Igreja
4
4
Indústria
2
Porto
2
Residência
5
Sesmaria/habitação
9
Total
59
4
Quadro 1 - Tipos e quantidade de sítios arqueológicos históricos registrados em Santa Catarina
Fonte: Comerlato (2003, p. 4-5).
Macro-região de Santa Catarina
. de sítios
Litoral Norte
10
Litoral Central
36
Litoral Sul
8
Interior do Estado
5
Total
59
Quadro 2 - Número de sítios registrados em Santa Catarina por macro-regiões
Fonte: Baseado em Comerlato (2003, p. 5-6).
Ao agrupar os sítios arqueológicos históricos catarinenses por macro-regiões,
podem-se observar as discrepâncias nos números, se compararmos a faixa
litorânea com o interior do Estado. Somando-se os índices entre o litoral norte,
central e sul, o 54 registros, o que representa mais de 90% dos tios históricos
registrados. Este dado confirma que a grande maioria das pesquisas arqueológicas
realizadas em sítios arqueológicos históricos em Santa Catarina situa-se na faixa
litorânea, em maior número no litoral central, somando-se, somente na capital, 27
registros.
Os cinco sítios arqueológicos históricos cadastrados no interior catarinense
4
mero corrigido conforme informação pessoal da autora em outubro de 2004.
44
se localizam nos municípios de Angelina, Irani e Campos Novos (ver quadro 3).
Conforme a categoria função, podemos classificá-los em três sítios domésticos e
dois religiosos, ambos cemitérios.
Nome do sítio
Município
SC-AN-02
Angelina
SC-AN-03
Angelina
SC-AN-05
Angelina
Contestado
Irani
Cemitério das Invernadas dos Negros
Campos Novos
Quadro 3 - Sítios arqueológicos históricos registrados no interior de Santa Catarina por município
Fonte: Comerlato (2003, p. 7).
Acredita-se que a grande quantidade de tios arqueológicos estudados ou
registrados no litoral catarinense está relacionada, inicialmente, ao fenômeno de
ocupação da costa marítima, onde situam-se os sítios históricos mais antigos, e a
localização geográfica da maior parte das instituições e equipes de arqueologia.
O levantamento arqueológico executado no vale do rio Pelotas, em virtude do
licenciamento ambiental para a instalação da futura Usina Hidroelétrica Pai Querê
(CALDARELLI, 2004), que abrangeu os municípios catarinenses de Lages e São
Joaquim, e Bom Jesus, na margem rio-grandense, evidenciou novas estruturas
arqueológicas.
Na área que corresponde à margem catarinense do rio, foram registrados, ao
todo, 91 sítios arqueogicos. Destes, 31 correspondem à ocupação histórica da
área, relativos ao período entre os séculos XVIII e XX.
Os resultados alcançados revelaram “[...] uma extraordinária riqueza
arqueológica, com remanescentes materiais de populações distintas e de épocas
variadas, revelando que a área foi ocupada por milênios, desde a pré-história até os
dias atuais” (CALDARELLI, 2004, p. 236).
De acordo com as categorias funcionais propostas por Lizéte Dias de Oliveira
e Luís Cláudio Pereira Symanski (1999, p. 259-261), podem-se classificar os sítios
arqueológicos históricos registrados no âmbito do projeto arqueológico UHE Pai
Querê conforme o quadro 4.
A categoria “outros” foi criada provisoriamente, pois os sítios relacionados a
esta não se enquadravam nas demais categorias funcionais. No caso dos registros,
estes tinham funções administrativas, comerciais e de trânsito. Desta forma, torna-
se difícil enquadrar somente na categoria comerciais, pois são multifuncionais.
45
Quanto aos passos, estes se caracterizam por locais mais propícios para travessia
de rios, tanto por pedestres quanto por rebanhos. Alguns destes sítios são usados
até hoje pelos moradores locais. Uma proposta de categoria seria empregar o termo
“sítios de trânsito” para os locais com esta finalidade. Contudo, esta é uma
problemática ainda em discussão e a proposta de categorias funcionais encontra-se
em construção na arqueologia histórica.
Categorias
Funções
Lages
São Joaquim
Total
Religiosos
Cemitérios
6
6
12
Outros
1
0
1
Militares
Trincheiras
1
0
1
Outros
1
0
1
Comerciais /
produtivos
Serrarias
0
1
1
Atafonas
0
1
1
Domésticos
Sedes de fazendas
3
0
3
Taperas
0
5
5
Outros
Registros
1
0
1
Passos
0
4
4
Outros
1
0
1
Total
14
17
31
Quadro 4 -mero e categorias funcionais dos sítios registrados na UHE Pai Querê margem
catarinense
Fonte: Baseado em Herberts (2004b, p. 102-201).
Sigla
Nome do sítio
Categoria funcional
SC-PQ-04
Passo Santa Vitória
Trânsito / comercial
SC-PQ-15
Fazenda Sobradinho III
Trânsito / comercial
SC-PQ-19
Fazenda das Bananeiras III
Religioso
SC-PQ-20
Cemitério Grande da Fazenda Guarda Mor
Religioso
SC-PQ-21
Cemitério do Faxinal
Religioso
SC-PQ-22
Cemitério Negreiro
Religioso
SC-PQ-23
Cemitério Fazenda São Sebastião
Religioso
SC-PQ-24
Cemitério São Jorge
Religioso
SC-PQ-27
Cemitério da Tapera
Religioso
SC-PQ-28
Tapera da Dona Clara
Doméstico
SC-PQ-29
Sítio da Trincheira
Militar
SC-PQ-30
Tapera da Fazenda Pinheirinho
Doméstico
SC-PQ-44
Abarracado
Militar
SC-PQ-46
Tapera da Fazenda Potreirinho
Doméstico
Quadro 5 - Sítios arqueológicos históricos registrados no município de Lages
Fonte: Baseado em Herberts (2004b, p. 102-201).
Dos 31 sítios históricos localizados, 14 situam-se no município de Lages,
46
sendo sete religiosos, dois militares, dois de trânsito / comerciais e três domésticos.
A relação dos sítios registrados contendo sigla, nome e categoria funcional é
apresentada no quadro 5.
Na execução do referido projeto, foram levantadas inúmeras outras
indicações de sítios arqueológicos através do levantamento de informação oral
realizado junto aos moradores atingidos ou residentes nas proximidades da área da
UHE Pai Querê. Como o volume de informações com potencial arqueológico foi
muito grande, nem todas as indicações foram verificadas (HERBERTS, 2004a, p.
27-48).
Houve ainda a indicação de um antigo quilombo na região, na propriedade
sugestivamente conhecida por Estância do Velho Quilombo, localidade do Faxinal,
Coxilha Rica, município de Lages, mas sem maiores informações para sua
localização. Outros dados interessantes, com potencial arqueológico, são as
menções de sedes das antigas fazendas construídas no final do culo XVIII e ao
longo do século XIX, como a Fazenda Guarda-mor e a Fazenda das Bananeiras,
situadas na Coxilha Rica, Lages. Estas foram desmontadas nos anos 1960 para dar
lugar a novas residências. Dessas fazendas, são conhecidas ilustrações e registros
fotográficos que demonstram os elementos arquitetônicos e a organização espacial
das demais estruturas que compõem uma fazenda (COSTA, 1982).
Ainda nos dias atuais, encontram-se residências de fazendas com as
estruturas arquitetônicas intactas na região da Coxilha Rica, construídas nos
séculos XVIII e XIX, com possibilidades de estudos arqueológicos históricos voltados
ao espaço estancieiro/rural. Destacam-se as Fazendas São João, Santa Tereza,
Tijolinho, Cadete, Limoeiro, Cajuru, sendo que nesta última havia remanescentes
da senzala.
Na região abrangida pelas bacias hidrográficas dos rios Pelotinhas, Lava-
tudo, Penteado e Caveiras, estão projetados diversos empreendimentos
hidroelétricos de pequeno porte, as Pequenas Centrais Hidroelétricas - PCH‟s. No rio
Pelotinhas, têm-se projetado as PCH‟s: Coxilha Rica
5
, Penteado
6
, Raposo
7
, Rincão
8
e
5
“A pequena Central Hidrelétrica Coxilha Rica localiza-se junto ao rio Pelotinhas, a 36 km de sua foz,
com área de 37,77 hectares previstas para o alagamento. Situa-se no município de Lages, sendo suas
coordenadas: 28° 13‟ 16” Sul e 50° 32‟ 16”” (SILVA, 2006, p. 2).
6
"O aproveitamento hidrelétrico proposto se caracteriza por dois barramentos: um no rio Pelotinhas
(Barragem B1) com área de 98,1 ha e extensão de 7,4 km; o outro no rio Penteado (Barragem B2) com
área de 76,61 ha e extensão aproximada de 5,5 km" (AMARAL, 2008a, p. II).
7
Conforme despacho 3.731, DOU de 13/10/2008, foi transferido para a condição de inativo o
registro para a realização do Projeto sico da PCH Raposo. Disponível em:
<http://www.apmpe.com.br/zpublisher/materias/Diario_Oficial.asp?id=17149>. Acesso em: 28 jan.
47
Santo Cristo
9
. No rio Lava-tudo, as PCH‟s: Gamba
10
, Malacara
11
, Antoninha
12
, São
Mateus
13
, Boa Vista e Painel. No rio Caveiras, as PCH‟s Portão
14
, Itararé
15
, João
Borges
16
e Pinheiro
17
(ANEEL, 2006 apud ICR, 2007, p. 242).
Para estes empreendimentos, estão em andamento os primeiros estudos
ambientais de avaliação da viabilidade, os EIA‟s-RIMA‟s. Os resultados prévios
obtidos referentes ao patrimônio arqueológico histórico serão apresentados a seguir.
Na PCH Coxilha Rica, foram registrados três sítios históricos: a) um sítio de
serraria composta de, além da unidade produtiva, casas, galpões e uma igreja; b)
vestígios do alojamento do Batalhão que construiu a estrada férrea; e c) trecho de
2009.
8
“A PCH Rincão será construída no rio Pelotinhas, a 49,5 km de sua foz, nas coordenadas
28°15‟34.16” de latitude Sul e 50°34‟09.04” de longitude Oeste. O reservatório com área aproximada
de 63,5 ha e cerca de 6 km extensão, inundará áreas rurais dos municípios de Capão Alto e Lages.”
(AMARAL, 2008b, p. II).
9
“A pequena Central Hidrelétrica Santo Cristo localiza-se junto ao rio Pelotinhas, a 10,45 km de sua
foz, com área de 30,8 hectares previstas para o alagamento. Situa-se entre os municípios de Capão
Alto e Lages, sendo suas coordenadas: 28° 17‟ 31” Sul e 50° 39‟ 27”” (SILVA, 2006, p. 2)
10
A PCH Gamba “[...] situa-se no rio Lava Tudo, aproximadamente 68,7 km de sua foz, no município
da Lages, a 43 km a noroeste da sede municipal de o Joaquin, sendo suas coordenadas 280 10‟15”
S e 500 11‟ 549” W”. (FOGOLARI, 2006a, p. 8).
11
A PCH Malacara “[...] situa-se no rio Lava Tudo, aproximadamente 84,8 Km de sua foz, no
município de Lages, a 55 km a sudeste da sede municipal, sendo suas coordenadas 280 08‟42 S” e
500 06‟ 55” W. A PCH Malacara será implantada numa área correspondente a 66 ha e 6,2 Km de
extensão, relativo ao vel d‟água máximo normal e inundará áreas dos municípios de Lages e São
Joaquim” (FOGOLARI, 2006b, p. 8).
12
A PCH Antoninha “[...] situa-se no rio Lava Tudo, aproximadamente 47,80 Km de sua foz, no
município de São Joaquim, a 45 Km a noroeste da sede municipal, sendo suas coordenadas 280
14‟08” S e 500 13‟ 13” W. O acesso ao local se faz a partir da rodovia SC 438, ligação das cidades de
Lages e São Joaquim. Da localidade de Monte Alegre, situada a 16 Km ao norte de São Joaquim,
segue-se para o oeste por 30 Km de estradas secundárias até o rio Lava Tudo, junto a Fazenda
Invernada Velha, onde é o sítio do PCH Antoninha”. (ETS, 2004 apud FOGOLARI, 2006c, p. 8).
13
A PCH São Mateus [...] situa-se no rio Lava Tudo, aproximadamente 30,7 Km de sua foz, no
município de São Joaquim a 40 Km a oeste da sede municipal, sendo suas coordenadas 280 18‟ 46 S
e 500 15‟ 23” W. O acesso ao local se faz a partir da rodovia SC 438, ligação das cidades de Lages e
São Joaquim” (FOGOLARI, 2006d, p. 8).
14
“A Pequena Central Hidrelétrica Portão localizar-seno rio Caveiras, aproximadamente 83 km de
sua foz, entre os municípios de São José do Cerrito, Campo Belo do Sul e Lages, sendo suas
coordenadas 27° 46‟ 16” Sul e 50° 32‟ 33” Oeste. Os municípios que terão parte de suas terras
inundadas pela formação dos reservatórios: São José do Cerrito e Lages.” (SILVA, 2006b, p. 2).
15
“A Pequena Central Hidrelétrica Itararé localizar-seno rio Caveiras aproximadamente 76 km de
sua foz, entre os municípios de São José do Cerrito e Lages, sendo suas coordenadas 27° 43 30” Sul e
50° 35‟ 20” Oeste. Os municípios que terão parte de suas terras inundadas pela formação dos
reservatórios: São José do Cerrito e Lages.” (SILVA, 2006b, p. 2).
16
“A Pequena Central Hidrelétrica João Borges localizar-se-á no rio Caveiras, aproximadamente 54 km
de sua foz, entre os munipios de São José do Cerrito, Campo Belo do Sul e Lages, sendo suas
coordenadas 27° 43‟ 04” Sul e 50° 39‟ 24” Oeste. Os municípios que terão parte de suas terras
inundadas pela formação dos reservatórios: São José do Cerrito, Campo Belo do Sul e Lages.” (SILVA,
2006b, p. 2).
17
“A Pequena Central Hidrelétrica Pinheiro localizar-se no rio Caveiras, aproximadamente 83 km de
sua foz, entre os municípios de São José de Cerrito, Campo Belo do Sul e Lages, sendo suas
coordenadas 27° 46‟ 16” Sul e 50° 32‟ 33” Oeste. Os municípios que terão parte de suas terras
inundadas pela formação dos reservatórios: São José do Cerrito e Lages.” (SILVA, 2006b, p. 2).
48
corredor do caminho (SILVA, 2006, p. 14-15). Salienta-se que este trecho de
corredor foi alvo de estudo nesta pesquisa e trata-se do segmento “D”
18
, existente
entre a Fazenda Mont Serrat e o rio Pelotinhas.
Na área de impacto direto da PCH Santo Cristo, foram identificados somente
vestígios arqueológicos de sítios de matéria-prima para populações pré-históricas.
Na área de influência indireta, foi localizada uma antiga estação de trem desativada
e outra construção que se tratava de uma pensão, segundo as informações orais.
Além disso, a equipe de pesquisa também identificou a presença de uma
antiga estrada que, conforme as informações orais, servia de rota para o
contrabando de arroz que saía de Vacaria (RS) à Lages (SC) (SILVA, 2006, p. 18-19).
As pesquisas arqueológicas na PCH Gamba, indicaram, além de um sítio pré-
histórico lito-cerâmico, um sítio histórico do tipo habitação de madeira com currais
em taipa de pedra do início do século XX (FOLGOLARI, 2006a, p. 48-49).
As PCH‟s Penteado, Rincão, Itararé, Pinheiro, João Borges e Portão ainda não
tiveram as pesquisas arqueológicas realizadas ou concluídas e as demais não
iniciaram o processo de licenciamento. Nos demais empreendimentos, as pesquisas
arqueológicas realizadas ao momento registraram somente a ocorrência de sítios
arqueológicos pré-históricos
19
.
A partir dos dados acima apresentados, pode-se constatar que,
historicamente, a arqueologia catarinense, no que tange ao estudo dos sítios
históricos, tem se concentrado no litoral do Estado, voltada mais para a colonização
portuguesa e açoriana.
Na área proposta do objeto de pesquisa, exceto pelo levantamento
arqueológico executado na área diretamente afetada pela UHE Pai Querê
(CALDARELLI, 2004) e de outros estudos de licenciamento ambiental, não foram
realizadas investigações arqueológicas aprofundadas sobre o Caminho das Tropas,
contemplando o trecho do caminho situado entre o Registro Santa Vitória e a cidade
de Lages.
Dessa forma, a área alvo desta pesquisa possui um grande potencial para o
desenvolvimento de pesquisas arqueológicas históricas no planalto catarinense, seja
pela inexistência de investigações aprofundadas em sítios no interior do Estado de
18
Ver capítulo 4, subcapítulo 4.4.
19
Na PCH Malacara foram registrados três sítios pré-históricos, sendo duas casas subterrâneas e um
lito-cerâmico (FOGOLARI, 2006b, p. 97). Na PCH Antoninha foram cadastrados dois sítios pré-
históricos lito-cerâmicos (FOGOLARI, 2006c, p. 87). Na PCH São Mateus foram registrados cinco sítios
pré-históricos, sendo três cerâmicos, um lito-cerâmico e uma casa subterrânea (FOGOLARI, 2006d, p.
108).
49
Santa Catarina, seja pela diversidade dos remanescentes da ocupação histórica na
região.
1. 2 ESTUDOS DE CAMINHOS NO BRASIL MERIDIONAL: PANORAMA
DAS PESQUISAS HISTÓRICAS E ARQUEOLÓGICAS
O Caminho das Tropas tem sido alvo de muitos estudos, principalmente no
campo da história. Aliado às questões relativas ao tropeirismo, este tema alcançou
grande destaque nos últimos 15 anos, principalmente a partir das edições do
Seminário Nacional sobre Tropeirismo (SENATRO), organizado pela Prefeitura
Municipal de Bom Jesus, com edições bianuais ocorridas desde o ano de 1992; e o
Encontro do Cone Sul sobre Tropeirismo, que vem acontecendo a partir de 1998.
O objetivo geral destes eventos é integrar e divulgar os estudos existentes
sobre esta temática, além de propiciar um espaço para novas pesquisas. Muitos
são os trabalhos de cunho histórico relevante apresentados nestes eventos por
historiadores para o estudo do Caminho das Tropas, mas, também, por
pesquisadores amadores apaixonados pelo assunto, tanto profissionais liberais
quanto funcionários públicos e outros.
Os trabalhos publicados nos anais das edições do SENATRO (SANTOS et al.,
1995; RODRIGUES et al., 2000; SANTOS; BARROSO, 2004) têm destacado o
relevante papel que o caminho e a atividade tropeirística tiveram para a formação
sócio-econômica da região sul do país, sendo responsável pela fundação de muitos
municípios no planalto catarinense, assim como a atual configuração dos principais
centros urbanos no sul do Brasil.
A bibliografia arqueológica relativa ao tema caminhos ainda é pouco
expressiva se comparada à produção de cunho historiográfico no Brasil. Entre as
pesquisas arqueológicas relacionadas ao Caminho das Tropas, os trabalhos de
André Luiz Jacobus (1995, 1997, 1998a e 2000), Lizéte Dias de Oliveira (2002a,
2002b, 2004a, 2004b e s./d.), Claudia Inês Parellada (s./d.), Igor Chmyz (2001 e
2002) e mais recentemente os de Adriana Fraga Silva (2001, 2004a, 2004b, 2004c e
2006).
Ao longo do Caminho das Tropas, foram realizados estudos arqueológicos nos
Registros de Viamão, situado à margem do rio dos Sinos, atualmente no município
de Santo Antônio da Patrulha, e Santa Vitória, localizado à margem do rio Pelotas
em Bom Jesus, ambos no Estado do Rio Grande do Sul.
50
O Registro de Viamão, ou da Guarda, foi alvo de várias pesquisas em
momentos distintos. Primeiro, foram realizadas as prospecções coordenadas por
Eurico Theófilo Miller na década de 1960, proposto pelo Museu Arqueológico do Rio
Grande do Sul (MARSUL), através do PRONAPA. Nos anos 1990, as pesquisas foram
intensificadas com o “Projeto Arqueológico de Santo Antônio da Patrulha PASAP”,
coordenado por André Jacobus, também vinculado ao MARSUL (JACOBUS, DIAS E
THADDEU, 1995).
Além disso, realizou-se a terceira edição do Sítio Escola Internacional de
Arqueologia
20
e a produção de uma dissertação de mestrado (JACOBUS, 1997),
defendida no PPGH da PUCRS. Posteriormente, foram realizadas ainda outras
intervenções neste sítio arqueológico relacionadas à sequência do cronograma de
pesquisas do PASAP.
Jacobus (1997) desenvolveu a dissertação de mestrado intitulada “Resgate
Arqueológico e Histórico do Registro de Viamão (Guarda Velha, Santo Antônio da
Patrulha RS)e publicou vários artigos referentes ao assunto (1995, 1998a, 2000).
O autor buscou apresentar o papel importante que o Registro de Viamão teve para a
história do Brasil dentro do contexto do Caminho das Tropas:
Esta região, em decorrência da instalação deste Registro, foi uma das
primeiras, no sul do Brasil, a ter fixada uma população euro-africana de
maneira permanente. Foi também de grande significado na economia interna
desta colônia do século XVIII português, pois por ali transitava o principal
meio de transporte da época, isto é, o gado muar e cavalar, e que seria
comercializado em São Paulo, abastecendo principalmente a região
mineradora. (JACOBUS, 1997, p. 13).
A partir da contextualização histórica do Registro de Viamão, o autor aborda
o Caminho das Tropas sob uma perspectiva da arqueologia da paisagem,
analisando a origem do registro, a instalação, a função, a importância e a sua
extinção. Busca também compreender a ocupação humana na região, abordando a
questão da cultura material a partir da alise e interpretação das estruturas e dos
vestígios arqueológicos nas diferentes intervenções arqueológicas ocorridas no sítio.
Os vestígios arqueológicos coletados no Registro de Viamão, resultantes das
diversas intervenções realizadas, foram: telhas, massas de barro queimadas,
metais, vidros, artefatos líticos, fragmentos ósseos e artefatos de osso, madeiras
carbonizadas, louças e cerâmicas. Quanto às estruturas arqueológicas, foram
20
O III Sítio Escola Internacional de Arqueologia ocorreu em 1995, organizado pela PUCRS e o
MARSUL, com coordenação do Profº Klaus Hilbert. Na oportunidade, foram escavados dois sítios
arqueológicos históricos: Guarda Velha 2 e a Tapera da Figueira; e prospectadas as localidades de
Campestre e Monjolo.
51
evidenciadas duas fogueiras e perfurações na rocha base formando linhas retas.
No âmbito do projeto “O Povoamento dos Campos de Cima da Serra: Bom
Jesus e São José dos Ausentes, que esteve vinculado ao Núcleo de Pesquisas
Arqueológicas (NUPArq) e ao Museu Universitário de Arqueologia e Etnologia
(MUAE), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Lizéte Dias de
Oliveira e equipe (2002a, 2004a e s./d.) iniciaram em 1998 estudos sobre o
povoamento dos Campos de Cima da Serra, com o objetivo de analisar o processo
de conquista e colonização do extremo nordeste do Rio Grande do Sul,
reconstruindo o contexto histórico-espacial do Caminho da Tropas. A proposta foi
reunir os dados históricos, geográficos, arqueológicos, arquitetônicos e
demográficos e incorpo-los em um Sistema de Informação Geográfica (SIG) do
programa ARC-INFO.
Dentro desta proposta, o Registro de Santa Vitória foi localizado e registrado,
sendo alvo de uma campanha em 1999, na qual foram realizadas intervenções
arqueológicas com o objetivo de evidenciar as diversas estruturas arqueológicas
existentes e estabelecer os limites do sítio (OLIVEIRA et al., 2002b; OLIVEIRA,
2004b). O registro situa-se na confluência do rio dos Touros com o Pelotas, em área
de encosta forte, formado por três terraplenos, compostos por vestígios de
estruturas arquitetônicas.
Na metodologia de campo, empregaram a coleta superficial assistemática do
material arqueológico e a realização de três poços testes de 1 x 1m em áreas
distintas, a fim de evidenciar a estratigrafia e obter amostras do material
arqueológico. Os principais vestígios arquitetônicos detectados foram de áreas
construídas: restos de paredes, uma escada e uma depressão, provavelmente um
porão; além de taipas de pedra. A cultura material proveniente da etapa de campo
foi bastante variável: pregos, vidros, louças, couros, madeira, ossos, dentes, estojos
de projétil, cerâmica e carvão.
Oliveira et al. (2002b) destacam a importância de conhecer os fatos históricos
ocorridos neste tio, pois estes constituem parte no processo deposicional:
A história do Registro de Santa Vitória é uma sucessão de acontecimentos,
história das pessoas que o ocuparam sucessivamente, deixando pistas,
modificando o espaço, etc. Não é possível pretender fazer uma “arqueologia
do Registro de Santa Vitória” sem levar em conta a historicidade, as diversas
ocupações, usos e fatos acontecidos neste palco. (ibid.)
Adriana Fraga Silva (2001 e 2004a, 2004b e 2004c) desenvolveu o projeto de
pesquisa sobre a paisagem arqueológica do tropeirismo no município de Bom Jesus
e o Registro de Santa Vitória como objeto de estudo para sua dissertação de
52
mestrado no PPGH da PUCRS, sob o título “Estratégias materiais e espacialidade:
uma arqueologia da paisagem do Troperismo nos Campos de Cima da Serra / RS”
(SILVA, 2006). A autora buscou compreender como se configurou a organização
espacial produzida na região ao longo dos séculos XVIII e XIX, em função do
Troperismo e da instalação do posto de arrecadação tributária, o Registro de Santa
Vitória, tendo como referencial teórico a arqueologia da paisagem.
Na pesquisa realizada no município de Bom Jesus pela equipe do NUPARq
(COPÉ, 2004), na vigência do projeto de “Levantamento Arqueológico da UHE Pai
Querê”, foram localizados dois novos sítios arqueológicos históricos, além do
Registro de Santa Vitória (RS-PQ-18), os sítios: RS-PQ-34 e RS-PQ-35, ambos
relacionados ao Caminho das Tropas. Os trabalhos executados neste projeto
restringiram-se somente ao registro arqueológico destes sítios.
No sítio RS-PQ-34, foi registrado um complexo de mangueirões, um cemitério
e um trecho do corredor do Caminho das Tropas. Segundo descrição:
Estes mangueirões e o corredor foram construídos no século XVIII como
estruturas para a atividade tropeirística na área. Esta fazenda foi utilizada
como pouso para tropeiros, e os corredores são parte do caminho que segue
até o Registro de Santa Vitória. Quanto ao cemitério, a prefeitura de Bom
Jesus instalou uma placa em homenagem aos soldados farroupilhas que ali
lutaram em 1839. Desta forma, salientamos a intensa ocupação da área
também nos tempos históricos e sua importância estratégica para
estruturação da atividade tropeirística durante os séculos XVIII e XIX.
(COPÉ, 2004, p. 71).
No outro sítio, o RS-PQ-35, foram registrados os mangueirões, o corredor e
os vestígios de uma estrutura de banho de gado. “Nesta região, tem-se cerca de 3
km de corredor em ótimo estado de conservação. Um ponto interessante sobre estas
estruturas está no fato de a mangueira estar situada dentro do corredor, indicando
uma passagem obrigatória” (COPÉ, 2004, p. 72).
Com relação ao sítio Registro de Santa Vitória (RS-PQ-18), a equipe de
pesquisa verificou em sua etapa de 2004 que:
[...] a ruína encontrava-se, em boa parte, coberta de vegetação, embora ainda
pudesse ser bastante visível. [...] Ele é formado por pelo menos três
patamares onde existem ruínas de uma antiga construção de pedra. No seu
entorno também pudemos notar uma série de corredores. (COPÉ, 2004, p.
34).
Segundo a mesma autora, o Registro de Santa Vitória, ou Passo, como é
popularmente conhecido pelos moradores locais:
[...] desempenhou um importante papel no cenário econômico e social do Rio
Grande do Sul durante o período colonial. Funcionou como um posto de
“pedágio” e sua função não ficou limitada a arrecadação de tributos para os
53
cofres da coroa portuguesa, sobre os produtos, principalmente o gado vacum
e muar, que por ele passavam, mas também, através deste posto pretendia-
se controlar o trânsito de pessoas, evitando a passagem de desertores.
(COPÉ, 2004, p. 77-78).
No Paraná, a arqueóloga Claudia Inês Parellada (s./d.) realizou intervenção
arqueológica na restauração da Capela Santarbara do Pitangui, no Caminho das
Tropas, próximo à cidade de Ponta Grossa. A equipe do Centro de Ensino e
Pesquisas Arqueológicas (CEPA) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) realizou
o levantamento e zoneamento arqueológico do Caminho do Itupava (CHMYZ et al.,
2001) e a consultoria arqueológica para as obras de restauro e revitalização do
Caminho da Graciosa (CHMYZ et al., 2002).
Outro trabalho nesta temática, mas na região sudeste, é a monografia de Ana
Cristina Sousa (s./d.) intitulada “Caminhos antigos enquanto artefatos”, que
investiga o Caminho Novo e suas variantes, que ligava o Rio de Janeiro a Minas
Gerais, nos séculos XVIII e XIX, dentro de uma perspectiva reflexiva acerca da
arqueologia da paisagem. A autora aborda os caminhos enquanto vetores de
relações sociais e econômicas, analisando os espaços blicos (pousos / ranchos,
vendas e hospedarias) e os privados (casas e fazendas) no contexto dos caminhos
daquela região.
Dentro de uma abordagem histórica, rios são os artigos, monografias e
comunicações sobre a temática dos caminhos no sul do Brasil relacionados ao
Caminho das Tropas ou ramais destes ou a outros caminhos, como, por exemplo, o
caminho entre a Vila de Desterro, atual Florianópolis, e Lages.
Adelson André Brüggemann (2004) realizou o trabalho de conclusão de
curso, graduação em história na Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), intitulado “Ao Poente da Serra Geral: A abertura de um caminho entre as
Capitanias de Santa Catarina e São Paulo no final do século XVIII”, publicado
posteriormente sob o mesmo título (BRÜGGEMANN, 2008). O autor trabalha a
abertura do caminho entre a Ilha de Santa Catarina (Capitania de Santa Catarina) e
a Vila de Lages (Capitania de São Paulo) nas últimas décadas do século XVIII,
analisando os interesses políticos, econômicos e administrativos que estavam em
jogo na abertura do caminho que se ligava, em Lages, ao entroncamento do
Caminho das Tropas.
Segundo o estudo, as razões que levaram à abertura deste caminho foram
explicitamente interesses militares, que visavam à proteção da Ilha de Santa
Catarina. Havia também a necessidade de trocas comerciais entre a Capitania de
Santa Catarina e a Vila de Lages.
54
O “Projeto Caminho das Tropas” desenvolveu estudos sobre o tema, que
envolveram os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
No Estado de Santa Catarina, este projeto envolveu os técnicos da Fundação
Catarinense de Cultura, que realizaram pesquisas no planalto catarinense durante
o ano de 1986.
Este estudo considerou três eixos de trabalho a partir do município de Lages
(SC): a) saída para Campo Belo do Sul; b) estrada para Coxilha Rica; e c) estrada
para Painel. “Foram feitas pesquisas de campo, observação das fazendas,
entrevistas com antigos tropeiros, com artesãos, além de estudos bibliográficos
[...]”, cujos resultados foram apresentados numa publicação (SANTOS et al., 1988).
Esta pesquisa identificou como marcas do tropeirismo e das atividades
ligadas a pecuária, a fazenda tradicional (a casa sede com galpão, cozinha,
mangueira, jardim, quintal), os cemitérios, as pastagens delimitadas por taipas, os
corredores e o artesanato (em couro e lã) (ibid).
Para o Caminho das Tropas, mais especificamente em relação ao trecho
proposto para estudo nesta pesquisa, foi desenvolvido o projeto de pesquisa
“Levantamento do Patrimônio Histórico, Ambiental e Sócio-econômico do Caminho
das Tropas Trajeto Cajuru/Passo Santa Vitória Lages, SC (SARTORI, VARELA
et al., 2004). Este projeto foi realizado pela Universidade do Planalto Catarinense
(UNIPLAC), em convênio com o Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e financiado pela Fundação de
Ciência e Tecnologia do Estado de Santa Catarina (FUNCITEC), Fundação
Catarinense de Cultura (FCC), Prefeitura Municipal de Lages e UNIPLAC.
O referido projeto é pioneiro na região e vem atuando ativamente desde 2002
dentro de uma proposta multidisciplinar com o objetivo de identificar os conjuntos
arquitetônicos, históricos e ambientais de interesse de preservação.
A pesquisa está dividida em cinco grupos de trabalho: meio ambiente,
história, sócio-econômico, arquitetura, fotografia e vídeo. A metodologia concentrou-
se na pesquisa histórica, levantamento bibliográfico, levantamento fotográfico,
elaboração da carta geográfica dos corredores de taipas, na alise ambiental
através do levantamento florístico, estudo da paisagem e no levantamento
arquitetônico de cinco sedes de fazendas dos séculos XIX e XX.
No extenso levantamento desse trecho, foram identificadas estruturas
remanescentes do caminho, tais como: corredores de taipa, áreas de pouso da
tropa, áreas de guarida d‟água, mangueirões entaipados, fazendas centenárias e,
possivelmente, o que se acredita ser a primeira fundação de Lages. O estudo
55
revelou a existência o somente de um caminho na Coxilha Rica, mas de muitos
outros:
A partir do rio Pelotas, observam-se com nitidez três caminhos distintos. O
levantamento mostrou que um dos caminhos, partindo do Passo Santa
Vitória, toma direção mais a oeste levando o caminho no sentido do hoje
município de Campos Novos, passando antes por Capão Alto e Campo Belo
do Sul, sendo este um dos caminhos que levaria a São Paulo. Partindo do
mesmo ponto, porém, mantendo o sentido norte, foi identificado outro
caminho que corta a Coxilha Rica, passando por Morrinhos, Cajuru,
alcançando a atual região urbana de Lages e seguindo no sentido de
Curitiba, formando assim o “Real Caminho de Viamão”. Além desses, foi
identificado outro percurso em dirão ao litoral do estado, em grandes
trechos também ladeado por taipas, formando um longo corredor, passando
pela Fazenda Boa Vista, seguindo para os municípios de Painel e São
Joaquim. Este caminho serviu para o transporte de charque e couro,
principais produtos comercializados entre o planalto e o litoral. (SARTORI,
VARELA et al., 2004).
O levantamento arquitetônico privilegiou uma investigação inicial acerca das
fazendas na Coxilha Rica, realizando um estudo de caso em cinco unidades: -
Fazendas Santa Tereza, São João, Limoeiro, Tijolinho e Cajuru situados ao longo
do traçado do Caminho das Tropas (SARTORI, VARELA et al., 2004). Para tanto,
empregaram o conceito de unidade produtiva rural para designar o conjunto de
edificações e espaços das fazendas, aliado à análise tipológica, procurando
estabelecer elementos espaciais comuns a ambos (ISHIDA; TEIXEIRA, 2003).
A equipe de pesquisa deste projeto deu prosseguimento à investigação,
englobando outras áreas das rotas dos tropeiros no Estado de Santa Catarina. O
levantamento histórico foi realizado no período de março a julho de 2005 pela
UNIPLAC e a Universidade do Contestado (UnC).
O trabalho foi dividido em duas frentes, sendo a equipe da UNIPLAC
responsável pela execução do trecho Lages a Correia Pinto, no trajeto entre o Passo
Santa Vitória e o Passo do rio Canoas, e a da UnC, por Curitibanos a Mafra. Os
resultados foram publicados no livro “Caminho das Tropas: Caminhos, pousos e
passos em Santa Catarina” (LÖCKS et al., 2006).
Finalmente, cabe ressaltar que o fenômeno dos caminhos e do tropeirismo
não se restringe somente às regiões sul e sudeste do Brasil, mas ocorreu também
em outros países da América do Sul, sendo pesquisado no Uruguai, Argentina,
Paraguai, Chile, Peru, dentre outros (LARRAÑAGA, 2004; MIRANDA, 2004a, 2004b,
2004c; GULINO, 2004a, 2004b; ROCHA, 2004; e outros).
Conforme apresentado neste capítulo, a Arqueologia Histórica iniciada nos
anos de 1960 em Santa Catarina abordou diversos temas de pesquisa ao longo de
sua produção, mudando seu foco desde o estudo de sítios militares (fortalezas) a
intervenções arqueológicas relacionadas às restaurações de edificações (casarios,
56
igrejas, alfândega).
O histórico das pesquisas realizadas no Estado apresentou a defasagem dos
estudos de sítios arqueológicos históricos situados no planalto em relação ao litoral,
onde há a maior concentração destas pesquisas. Também mostrou que as
pesquisas arqueológicas históricas estão essencialmente, com raras exceções,
voltadas para os problemas pontuais e não às problemáticas de investigação em
busca da compreensão dos processos históricos e das transformações vivenciadas
pelas sociedades pretéritas.
Além disso, pesquisas relacionadas à categoria de sítios de trânsito, como
caminhos antigos e rotas comerciais, não foram contempladas. Tais tios podem
fornecer importantes incios para compreender as relações “sócio-econômicas e
das diferentes apropriações do espaço natural” (COMERLATO, 2008, p. 100).
O histórico das pesquisas referentes aos estudos de caminhos no sul do
Brasil destacou as pesquisas históricas e arqueológicas que abordam o tema,
mostrando o “estado da arte”. uma discrepância das pesquisas de cunho
arqueológico sobre caminhos em relação às investigações históricas, voltadas
principalmente às questões relativas ao Tropeirismo. A bibliografia arqueológica
relativa ao tema caminhos é ainda muito pouco expressiva se comparada à
produção de cunho historiográfico no Brasil.
As poucas investigações arqueológicas estavam voltadas ao estudo dos tios
arqueológicos de Registros, a revitalização e restauro de edificações e de caminhos,
a reconstrução do contexto histórico-espacial do Caminho das Tropas e ao cadastro
de sítios relacionados ao fenômeno do Tropeirismo a partir de trabalhos de
contrato.
Dentro de uma abordagem da paisagem arqueológica do Tropeirismo, a
pesquisa de Silva (2006) é precursora, pois estuda as espacialidades e estratégias
materiais que configuraram a organização espacial dos Campos de Cima da Serra.
Estas considerações iniciais foram importantes para situar as pesquisas
realizadas no contexto regional, construir a problemática de pesquisa, definir as
premissas tricas norteadoras do estudo e elaborar a proposta metodológica
empregada para a realização desta investigação, temas que serão abordados no
próximo capítulo.
57
Fonte: RUGENDAS
58
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS PARA
O ESTUDO DO CAMINHO DAS TROPAS
Se dois homens m andando por uma estrada,
cada um com um pão, e, ao se encontrarem,
trocarem os pães, cada um vai embora com um.
Se dois homens m andando por uma estrada,
cada um com uma idéia, e, ao se encontrarem,
trocarem as idéias, cada um vai embora com duas.
Provérbio chinês
Como diz o provérbio chinês citado acima, à medida que se dialoga e se
partilham experiências, algo de novo se acrescenta à ciência. O diálogo entre os
interlocutores e os objetos de estudo, as ideias que cada um tem a respeito deles,
faz com que novas ideias brotem, novas questões surjam, num ato cíclico de
discussão, análise, interpretação, o pensar e o repensar a forma de fazer a pesquisa
e investigar um tema. Não apenas são oferecidos novos dados, mas métodos são
testados, teorias são propostas, modelos explicativos são construídos e novas
perguntas são formuladas.
Dessa forma, neste capítulo serão apresentadas as propostas teórico-
metodológicas que embasaram este estudo sobre o Caminho das Tropas. Na
incerteza da caminhada, as escolhas teóricas e metodológicas foram sendo
realizadas, outras foram adaptadas ou construídas em conjunto com o processo de
coleta, análise e interpretação de dados, buscando-se mecanismos que, ao final da
pesquisa, produzissem resultados.
A afirmação de que “a pertinência e a adequação entre métodos, teorias e
objeto do estudo é o fio condutor que norteia nossas considerações de ordem
metodológica e teórica” (KERN, 1998, p. 35) orientou esta pesquisa. Dessa forma, o
objeto de pesquisa e a sua problemática científica é que determinaram a busca por
uma proposta metodológica para a sua investigação, assim como o referencial
teórico que deu suporte às interpretações e explicações possíveis a partir das
questões propostas.
59
Ao longo da trajetória escolhida para estudar o Caminho das Tropas, muitas
necessidades e dificuldades apareceram, mas principalmente a busca por um
referencial teórico pertinente e um método adequado ao objeto de pesquisa. Esse
foi, sem dúvida, o maior desafio desta investigação científica. Aquilo que todo
investigador teme era evidente, ou seja, como aliar teoria e metodologia para
estudar um objeto de pesquisa tão distinto da maioria das pesquisas arqueológicas
brasileiras: uma via antiga de trânsito.
A carência de estudos sobre redes viárias na arqueologia brasileira, conforme
se constata no primeiro capítulo, também se reflete nas ferramentas metodológicas
empregadas nas pesquisas arqueológicas. A questão que se colocava era como
estudar um caminho dentro dessa conjuntura? Quais são as ferramentas
disponíveis? Como investigar um caminho antigo? Como estudar a paisagem?
Na busca por possíveis ferramentas metodológicas para estudar uma via de
trânsito, buscaram-se aportes teóricos na arqueologia da paisagem e nos estudos
de caminhos pré-incaicos, incaicos e coloniais em outros contextos, principalmente
na arqueologia latino-americana, que tem avançado no estudo de caminhos antigos.
Esta carência reflete-se também no registro arqueológico voltado
essencialmente para sítios pré-históricos e históricos pontuais. O “Cadastro
Nacional de Sítios Arqueológicos” (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) não contempla sítios do tipo linear, como os caminhos
antigos, que apresentam as suas especificidades. Esta ficha padrão apresenta
dificuldades para se registrar este tipo de evidência arqueológica.
Portanto, outro ponto a ser abordado era a consolidação da proposta
metodológica que se adequaria ao objeto de investigação. Sendo assim, apresentar-
se como foi desenvolvida a pesquisa documental, a prospecção arqueológica, o
registro dos trechos do Caminho das Tropas e das suas estruturas viárias, a
aplicação da fotointerpretação na arqueologia, o desenvolvimento de uma base de
dados e a estruturação de um Sistema de Informação Geográfica, enfim as
estratégias metodológicas que auxiliaram na análise e interpretação do arcabouço
documental e vestígios materiais encontrados neste estudo.
2. 1 APORTES TEÓRICOS PARA O ESTUDO DE PAISAGENS NA
ARQUEOLOGIA
Os arqueólogos têm tradicionalmente estudado os tios arqueológicos, que
60
se caracterizam por acampamentos, aldeias, cidades, fortalezas, entre outros
lugares importantes para as sociedades do passado. Entretanto, a paisagem
cultural dos caminhos, das estradas, dos aquedutos, dos muros nos campos, dos
terraços, entre outros vestígios existentes entre os tios tem sido frequentemente
ignorada nas pesquisas arqueológicas.
Partindo do pressuposto de que o Caminho das Tropas e as estruturas
construídas são artefatos históricos organizados dentro de um dado espaço e
tempo, resultado de um ou vários processos sócio-econômicos vivenciados pelas
sociedades pretéritas, procurou-se analisar essas paisagens criadas, construídas ou
modificadas, a partir de um viés arqueológico.
Mas, como estudar a paisagem na arqueologia? Que categoria de análise é
esta? Este questionamento requer primeiro explicar o que se entende por paisagem,
como um termo que designa um objeto de estudo numa área do conhecimento. E,
por consequência, como esta é analisada na arqueologia?
O termo paisagem é polissêmico e, portanto, pode ter várias conotações,
dependendo da área de conhecimento na qual é estudada. Uma paisagem para um
geógrafo pode ser diferente de uma paisagem para um historiador ou, por exemplo,
para a história da arte. o múltiplos olhares para um mesmo objeto. Poder-se-ia,
por exemplo, estudar a maneira como as sociedades contemporâneas veem a
paisagem e criam o objeto que elas observam.
A noção de paisagem por si só sofreu um processo de mudança, evoluindo de
um conceito objetivo, com a caracterização física do meio ambiente ao subjetivo,
como algo construído em contínua mudança e reflexo de um processo vivenciado.
Essas divergências estão mais pautadas na maneira de como se olha o objeto do
que no objeto estudado.
Numa outra abordagem, poder-se-ia apresentar a paisagem como um
patrimônio herdado do passado, ou dentro de um aspecto ecológico, como a
natureza na qual estamos inseridos e pela qual somos responsáveis. Contudo, não é
a proposta desta pesquisa revisar as possíveis abordagens referentes à paisagem,
mas como esta é estudada pela arqueologia.
Lizet e Ravignan (1987, p. 14) apontam que:
[...] le paysage est le miroir des relations anciennes et actuelles de l‟homme
avec la nature qui l‟environne, la plaque photografique sur laquelle il a laissé
une trace plus ou moins précise et profonde, avec tous les phénomènes
possibles de surimpression.
Segundo os autores, a paisagem tem uma história a contar, “[...] apparaît
61
comme une écriture, à savoir ce qui releve des cultures humaines, inscrite sur un
support, la nature acev laquelle il a fallu composer.” (ibid., p. 15).
Por outro lado, Gérard Chouquer (2000, p. 189), entende a paisagem como
“[...] l‟ensemble des formes et des modelés visibles à la surface du sol [...]”. Para este
pesquisador, a paisagem é alguma coisa que vai além da soma dos elementos que a
compõem:
[...] on tente d‟analyser le paysage en soi, comme un produit de son histoire,
c‟est-à-dire d‟interactions qui ne sont pas toutes produites par les faits de
l‟Histoire. On ne cherche plus à y reconnaître obligatoirement et uniquement
des modèles; en revanche on tente den construire qui rendent compte de sa
complexité. On le conçoit comme un objet scientifique en soi, qui soit, pour
reprendre la formule bien connue, quelque chose d‟autre que la somme de
tous les éléments que le composent. (ibid., p. 109).
Para Annie Antoine (2002, p. 45), a paisagem é um objeto e um olhar. O
olhar sobre uma paisagem antiga deve ser orientado de acordo com uma tripla
temática: uma perspectiva diacrônica, um processamento arqueológico e uma
interpretação social. A investigação da relação existente entre a paisagem e a
sociedade contribui para dar um sentido ao conjunto. Segundo a autora explica:
Il ne s‟agit pas de porte un regard régressif sur un paysage contemporain
pour enssayer d‟en reconstituer les caractères antérieurs, mais de le
considérer à un moment de son histoire comme le sultat dune évolution
au cours de lequelle son aspect et ses utilisations n‟ont pas toujours été les
mêmes. Nous tenterons de saisir en même temps son aspect et ses finalités.
(ibid.).
Estudar uma paisagem, como por exemplo, a paisagem de um caminho
usado por tropas de animais, militares e pessoas, requer compreender que a
paisagem é uma construção cultural teórica feita no presente sobre as relações de
uma sociedade e o meio no passado. O tropeirismo foi um ciclo econômico que
deixou suas marcas no passado, construiu uma paisagem formando a atual noção
de paisagem tropeirística.
O estudo de paisagens se desenvolveu nas últimas décadas a partir da
utilização de imagens aéreas ou de satélite, relacionadas principalmente às
necessidades de gestão do território.
A arqueologia da paisagem, uma área da ciência relativamente nova, trata a
paisagem como um artefato que pode propiciar novos dados e detalhes sobre a vida
cotidiana dos povos do passado:
All civilizations, past and present, require an efficient means of
transportation and communication. Societies need to move goods, people,
and information throughout the regions they control. Roads also have
powerful social, political, and sacred functions. Formal roads are major
62
transformations of the environment. Their patterns on the landscape provide
information about the organization of settlements, social interaction, land
tenure, ritual, standards of measurement, and the activities of everyday life.
(TROMBOLD, 1990 apud ERICKSON, 2001, p. 21).
O estudo da paisagem, ou do espaço arqueológico, e da relação do homem
com o meio ambiente é um fenômeno ainda recente nas pesquisas arqueológicas no
Brasil, iniciado, principalmente, a partir de meados da década 1990, onde a
paisagem [...] deixa de ser a tela de fundo, um cenário estático para a ação social,
passando a atuar como integrante ativo e interativo desta ação” (SOUSA, s./d.). No
entanto, essa discussão e reflexão têm início bem antes nos Estados Unidos e na
Europa, sobretudo na França e, mais recentemente, na Espanha.
A paisagem, o meio ambiente ou o espaço m sido estudados na arqueologia
segundo diferentes abordagens teórico-metodológicas. Contudo, pode-se constatar
de forma geral que a terminologia empregada por diferentes autores utiliza distintos
termos, tais como: Arqueologia Espacial, Ecologia Histórica, Geoarqueologia,
Arqueologia Ambiental, Arqueologia Extensiva e Arqueologia da Paisagem. Muitas
vezes, estes termos designam as mesmas coisas, pois possuem objetivos em
comum.
Não considerando a terminologia empregada, mas partindo das fontes e dos
métodos usados nessa categoria arqueológica, poder-se-ia reunir em três grandes
grupos de estudo: Arqueologia Espacial, Geoarqueologia ou Arqueologia Ambiental e
Arqueologia da Paisagem.
2. 1. 1 Arqueologia Espacial
A Arqueologia Espacial tem suas origens nos anos 1940-1950, em diferentes
escolas ou correntes arqueológicas: a anglo-saxã e a francesa. Desenvolveu-se na
década de 1970 com a New archaeology, cujos principais expoentes são as obras de
David Clarke (1977) e Ian Hodder e Clive Orton (1976).
David Clarke (1977), autor de Spatial Archaeology, apresenta as origens das
abordagens espaciais na arqueologia e as diferenças existentes entre as escolas,
definindo a prática da Arqueologia Espacial como sendo:
[...] the retrieval of information from archaeological spatial relationships and
the study of the spatial consequences of former hominid activity patterns
within and between features and structures and their articulation within
sites, site systems ant their environments […]. (CLARKE, 1977, p. 9).
Para tanto, o autor propõe três níveis de abordagem:
63
a) micro: refere-se às estruturas interiores do sítio, destacando-se os
aspectos individuais e os modelos sócio-culturais;
b) semimicro: refere-se ao conjunto de estruturas do interior do sítio e suas
relações como os arredores imediatos; e
c) macro: refere-se à escala regional, as relações entre o sítio e os modelos
econômicos e geográficos.
A obra Spatial analysis in Archaeology de Ian Hodder e Clive Orton publicada
em 1976, cuja versão foi traduzida para o espanhol em 1990, tornou-se uma
referência clássica na análise espacial.
Os autores têm como objetivo principal nessa obra mostrar para os
arqueólogos as grandes possibilidades de um estudo detalhado e sistemático das
estruturas espaciais da informação arqueológica. Abordam a dimensão geográfica
das culturas, as noções de distribuição espacial aleatória e regular, a teoria do
lugar central, a hierarquia dos assentamentos e a noção de correlações entre as
distintas distribuições, a partir do uso de mapas de distribuição e fortemente
calcadas na teoria e técnica da estatística.
Essa linha de pesquisa corresponde à adoção pelos arqueólogos dos métodos
de análise espacial da geografia humana. Os seus principais métodos o a análise
teórica das distâncias (site-catchment analysis, sistema de rede ou reticular,
polígonos de Thiessen, modelo de gravidade), análise de vizinhança, análise de
regressão, análise de superfície de tendências, análise estatística da distribuição de
pontos que representam os sítios e a dispersão dos artefatos arqueológicos para
definir as características da sua distribuição espacial.
Hodder e Orser (1990) concluem, a partir dos estudos e exemplos expostos
em sua obra, que:
[...] las técnicas analíticas espaciales poseen una relevancia general en
arqueología, porque tanto las distribuciones de yacimientos ya artefactos,
como las de variables tales como el porcentaje de un tipo de cerámica,
constituyen dados arqueológicos importantes. (HODDER; ORSER, 1990, p.
260).
Dessa forma, procuram compreender a conduta humana no passado a partir
da análise de mapas e suas relações no espaço. Todavia, os autores apontam os
problemas que pode enfrentar esse tipo de análise: “problemas resultantes de la
naturaleza de los dados arqueológicos, problemas metodológicos particulares
derivados del empleo de las propias técnicas en arqueología, y problemas acerca de
la relación entre forma espacial y proceso.” (ibid.).
Contrariamente à Arqueologia da Paisagem, a Arqueologia Espacial não
64
observa os vestígios empíricos, mas procura compreender por métodos
quantitativos e estatísticos as leis que explicam as distribuições observadas.
Exemplos de propostas dessa natureza, segundo o viés da Arqueologia
Espacial, se referem aos trabalhos de Barcelos (2000) e Comerlato (1998),
relacionados às suas pesquisas acadêmicas junto a sítios históricos. E, mais
recentemente, a aplicação de alguns desses métodos espaciais nas pesquisas
arqueológicas brasileiras são os trabalhos de Saldanha (2005), Copé (2006) e
Teixeira et al. (2007).
A Arqueologia Espacial não fornece aportes teóricos suficientes à análise do
Caminho das Tropas, na medida em que não é possível estudar este objeto de
pesquisa essencialmente linear sob a ótica da distribuição espacial a partir de
“mapas de distribuição” ou através de métodos estritamente estatísticos e
quantitativos.
Outra proposta de trabalho, onde fosse abordada a relação dos sítios
arqueológicos existentes às margens do Caminho com a via de trânsito, seria uma
estratégia pertinente e talvez bastante promissora para compreender a escala de
relações entre os sítios e as redes viárias de um território, através da distribuição
espacial.
2. 1. 2 Arqueologia Ambiental, Geoarqueologia e as ciências paleoambientais
A Geoarqueologia, a Arqueologia Ambiental e as ciências paleoambientais
estudam os impactos antrópicos e as interações entre sociedade e meio, através da
análise, por exemplo, de mudanças na cobertura vegetal, de processos erosivos, das
transformações dos cursos de água, entre outros objetos. Os seus métodos são a
sedimentologia, a palinologia, a carpologia, a antracologia, assim como o uso de
imagens de satélites, foto e cartointerpretação.
Nos anos 1990, as ciências paleoambientais elaboraram novas estratégias e
começaram a se interessar pela ação do homem sobre o meio, buscando
caracterizar as suas atividades. Anteriormente, procuravam reconstituir a história
do clima através da paleoclimatologia.
A Arqueologia Ambiental possui uma definição mais ampla, que inclui a
Geoarqueologia, a Paleobotânica, o estudo da fauna como indicador do meio
ambiente (não com todos os aspectos da Arquezoologia, que trata, principalmente,
da alimentação, mas, por exemplo, da área que estuda a micro fauna), e a
Paleoclimatologia.
65
A Arqueologia Ambiental, em inglês environmental archaeology, segundo a
concepção de Morais (1999, p. 12), pode ser definida como “o campo geral de
aplicação das ciências naturais à arqueologia”.
A Geoarqueologia é um neologismo dos anos 1990 que, no significado stricto
sensu, refere-se à Geologia aplicada à Arqueologia, ou seja, trata mais precisamente
do estudo das interações entre as atividades humanas e os meios a partir do ponto
de vista das ciências da terra, como as sedimentações antrópicas, as atividades
pedológicas, a ocupação do solo e outras.
Morais (ibid., p. 9) explica que o termo Geoarqueologia, Geo-archaeology em
inglês, foi inserido no início dos anos 1970 por Butzer com uma conotação
ecológica:
Geo-archaeology contributes far more than stratigraphic information. In the
ideal case it is basic for the identifications of microenvironments (…). When
the practitioner is sufficiently attuned to and allowed to participate in
excavation strategy and implementation, geo-archaeology can resolve further
aspects at the research interface; burial, preservation, and contextual factors
critical to the recognition of primary, semi-primary or secondary sites. It can
further be argued that a functional classification os Stone Age sites into
categories such as quarry/workshop, kill/butchery, or camp/living can only
be properly made with the close collaboration of a geo-archaeologist. Finally,
the geo-archaeologist can probably contribute significant on the availability
and limitations of environmental resources, or help generate higher-level
interpretations such as cultural adaptations of adaptative radiation.
(BUTZER, 1982 apud MORAIS, 1999, p. 10).
A Geoarqueologia contribuiu para revelar os efeitos pós-deposicionais dos
sítios com fenômenos de sedimentação, coluvião ou erosão, chamada de tafonomia
da paisagem. Esta nova abordagem que, até os anos 1980, objetivava identificar as
modificações climáticas e as mudanças de ocupação do solo, a partir dos anos 1990
passou a estudar as dinâmicas e a continuidade de ocupação, tendo consciência
da relação entre a complexidade das sociedades e seu impacto no meio ambiente.
No Brasil, o fator geo na arqueologia tem sido empregado por José Luiz
Morais (1999, 2000, 2001a e s./d.) no âmbito das investigações arqueológicas
realizadas na bacia do rio Paranapanema, no denominado Projeto Paranapanema,
no Estado de São Paulo. Morais entende que o fator geo é definido pelas relações
entre a Arqueologia, a Geografia, a Geomorfologia e a Geologia, integrando o uso de
geotecnologias. Para tanto, o autor apresenta os dois subcampos da Arqueologia,
onde o fator geo se distribui: a Geoarqueologia e a Arqueologia da Paisagem.
A primeira possui uma característica bem marcada, que é a possibilidade de
interdisciplinaridade entre a Arqueologia e as geociências. A segunda, com duas
correntes: uma americana, relacionada à pesquisa dos antigos jardins, e outra
66
européia, que propõe a interface entre a Arqueologia e a Geografia (MORAIS, 1999,
p. 5). A Arqueologia da Paisagem, enquanto subcampo, tem como postulado, na
maioria dos seus procedimentos, a não intervenção no registro arqueológico (ibid.,
p. 6).
O uso de sensoriamento remoto na Geoarqueologia, através de imagens
captadas (aéreas ou de satélite), tem auxiliado a compreender as culturas do
passado:
Photographs have long been used by geoarchaeologists to document sites
before, during, and after excavation. In the early 1980s, remote sensing
became a tool used to detect human features on the contemporary
landscape. These skills were applied to see ancient landscapes as well.
Students apply remote sensing and map skills to study ancient and
prehistoric sites.
Remote sensing is the use of sensors that detect electromagnetic radiation to
record images of an environment. The sensors, attached to airplanes,
satellites, and other Earth-orbiting objects, collect data to create images of
human and physical features. Some wavelengths of electromagnetic
radiation penetrate clouds, smoke, and vegetation, allowing detection of
features and patterns that could otherwise not be seen. (MISSION
GEOGRAPHY).
O emprego desses campos relacionados à geografia e ao meio ambiente na
arqueologia brasileira e o desenvolvimento de tais disciplinas ainda são
numericamente pouco representativos. Nesse contexto, os poucos trabalhos são
oriundos, principalmente, das pesquisas de mestrado e doutorado realizadas a
partir da década de 1990, mais voltados ao fator Geo, dentro da perspectiva da
Geoarqueologia (AFONSO, 1988, 1995; BITENCOURT, SCHMITZ, 2002; BROCHIER,
2001; CANTO, 2001; FACCIO, 1992, 1998; KAMASE, 2001; KASHIMOTO, 1992,
1998; MELLO ARAÚJO, 1994; LEMES et al, 2003; RUBIN, SILVA, 2007; SCHAAN et
al, 2001; SCHNEIDER et al, 2003).
A linha de estudo voltada essencialmente à integração e à aplicação de dados
das ciências paleoambientais à arqueologia não alcança a proposta da presente
pesquisa de compreender não apenas a relação do homem com o meio ambiente ou
os impactos antrópicos sobre a natureza pelas sociedades pretéritas, mas a
construção de uma paisagem.
Todavia, não significa que não se usem dados dos estudos ambientais, tais
como a geologia, a geomorfologia, a hidrologia, a flora, para auxiliar a entender a
instalação do sítio arqueológico e os processos pós-deposicionais ou de
transformação do terreno ocorridos durante o seu uso e posteriores ao seu
abandono, compreendendo assim o seu estado de conservação.
A questão é a mudaça de foco no uso dos dados ambientais, empregando-se
67
as informações com objetivos estritamente relacionados à compreensão do tio e
não no sentido de entender como a ação humana alterou o meio ambiente, ou quais
os efeitos da abertura do Caminho das Tropas sobre a natureza.
2. 1. 3 Arqueologia da Paisagem
A Arqueologia da Paisagem surge na Inglaterra nos anos de 1970 e 1980, sob
a denominação de landscape archaeology. Também chamada por alguns de
Arqueologia Extensiva, foi uma renovação da geografia histórica a partir dos anos
1970, ampliando as ambições da arqueologia. Ela considera a paisagem como um
todo, onde ostios arqueológicos estão inseridos.
É o estudo dos vestígios físicos, por exemplo, das redes viárias e do
fracionamento dos territórios na Europa. Os seus métodos são a carto e
fotointerpretação, a prospecção aérea, a prospecção terrestre, a observação de
microrrelevos, a análise morfológica, entre outros.
Outra abordagem é a chamada Arqueologia Extensiva, que, em seus
pressupostos metodológicos e no que se refere ao uso das fontes, aproxima-se tanto
da Arqueologia Espacial quanto da Arqueologia da Paisagem, conforme definição de
Barceló (1988, p. 195 apud BARCELOS, 2000, p. 45): “En rigor, la práctica y los
métodos de la llamada arqueología extensiva o espacial son una formalización
refinada de la práctica y métodos desarrollados por la geografía histórica y la
arqueología del paisaje (landscape archaeology)”. Segundo o autor, esta abordagem
procura levantar toda a informação, incluindo-se a escrita, para compreender os
espaços sociais produzidos pelos homens, mas já desaparecidos.
Por outro lado, a Arqueologia da Paisagem de origem britânica landscapes
archaeology é entendida como a união da Arqueologia e Geografia, possuindo um
enfoque interdisciplinar entre rias disciplinas: História, Antropologia, Sociologia,
Arquitetura, Urbanismo, Ecologia, Zooarqueologia, Arqueobotânica e toda a gama
da Geografia (Biogeografia, Geocartografia, Geografia Humana e Econômica,
Geopolítica, Geoarqueologia, etc.) (MORAIS, 1999, p. 11).
Um dos precursores da Arqueologia da Paisagem foi Georges Bertrand (1978),
um dos organizadores de um colóquio internacional sobre a ecologia histórica em
1976, na França, e autor da obra “Pour une histoire écologique de la France rurale”
(BERTRAND, 1975). No artigo publicado nos anais do evento, Bertrand analisa a
arqueologia da paisagem dentro da perspectiva da Ecologia Histórica. Segundo a
explicação do autor:
68
L‟archéologie du paysage doit donc être appréhendée comme une tentative
pour retrouver la trace des rapports historiques établis entre la Sociéte et la
Nature.
[...]
L‟archéologie du paysage doit être, dans un premier temps, englobée dans
une problématique plus vaste qui est celle de l‟écologie historique, c‟est-à-
dire d‟une étude des rapports entre les sociétés successives et les espaces
géographiques qu‟elles transforment pour produire, habiter et rêver.
(BERTRAND, 1978, p. 132).
Bertrand (ibid, p. 137) propôs alguns postulados a partir dos quais a
arqueologia da paisagem poderia se desenvolver: a) uma tentativa sociológico-
ecológica integrada que ultrapassa a análise estrutural agrária; b) a utilização do
método regressivo; c) a reconstituição contínua dos geossistemas; e d) uma
pesquisa espacial que deve analisar as unidades de produção. Dentro desse
contexto, o autor naquela época fazia um alerta:
Isolée, l‟archéologie du paysage ne peut pas se développer car elle ne peut
assurer à elle seule la problématique écologique qui lui est indispensable. Il
lui faut participer à l‟effort théorique et pratique de l‟écologie historique qui
constitue actuellement un cheminent parmi tant d‟autres pour retrouver
l‟unité perdue de l‟Histoire et de la Nature. (ibid.).
A paisagem dentro dos postulados da Ecologia Histórica é resultado e
engloba três níveis que o indissociáveis e únicos: os elementos físicos ou
abióticos, os biológicos e os antrópicos. A partir dessa visão, na definição de
paisagem “[...] il y a encore beaucoup d‟éléments physiques et assez peu de place
faite à l‟activité humaine dont les résultas sont jugés dérisoires en regard de
l‟importance des phénomènes géologiques et structuraux [...]” (ANTOINE, 2002, p.
41).
A conceituação inicialmente proposta evoluiu rapidamente, dando lugar aos
aspectos humanos e sociais do conceito de paisagem e que não podem ser tratados
como ecossistemas, pois: Le plus simple et le plus banal des paysages est à la fois
social et naturel, subjectif et objectif, spatial et temporel, production matérielle et
culturelle, réel symbolique [...]. Le paysage est un système qui chevauche le naturel
et le social.” (BERTRAND, 1978, p. 249 apud ANTOINE, 2002, p. 42). Dessa forma,
a paisagem é definida pela sua evolução e não pela sua existência, nem como um
quadro natural ou um cenário imóvel.
A Arqueologia da Paisagem passa por um momento de profundas
transformações iniciadas ao longo das últimas décadas, relacionadas às mudanças
nos métodos empregados e na maneira de questionar os dados, em decorrência da
mudança dos valores em voga, e pela inserção de novos sistemas de coleta e
69
organização dos dados.
Nos anos de 1960-1970, os arqueólogos na Europa estavam mais voltados
para a Geoarqueologia, para a ocupação do solo e à proposição de cartas
toponímicas. A Arqueologia partilhava dos mesmos pressupostos e da mesma
escala que a Toponímia. A Toponímia tinha como método a evolução dos termos e
sons, a difusão cronológica, a classificação baseada somente no período
cronológico, usando escalas de mapas grandes e como fonte principal a ocupação
do solo. Tratavam a ocupação do solo através da geohistória, baseada nos
vocábulos, por exemplo, de comunidades, paróquias, igrejas, etc. (ZADORA-RIO,
2001).
Nos anos 1980, a paisagem surge como uma nova concepção formada
principalmente por geógrafos e cientistas ruralistas, chamada de Geografia
Histórica, favorecendo o estudo da história da agricultura, o uso das culturas e a
domesticação de animais.
A Arqueologia da Paisagem teve uma grande contribuição com a inserção da
fotografia aérea e, mais tarde, com as imagens de satélite, além do uso de mapas
em escalas maiores.
As modificações do estudo ocorreram sobre as transformações do solo e do
espaço. Foram utilizados outros dados para análise e não somente os vestígios
provenientes dos solos, mas novos objetos, tais como a função dos espaços, o
desaparecimento de construções, além da introdução de novos métodos, como a
prospecção mais intensiva do solo e a sistematização de dados fornecidos pela
fotointerpretação.
Houve uma mudança também na escala de análise, não se fixando apenas
na cronologia do tio, mas na dinâmica de transformação do mesmo, passando,
por exemplo, de um tipo de construção para outro. A visão se ampliou, migrando do
sítio para o território arqueológico, buscando compreender a evolução da ocupação
do solo numa perspectiva diacrônica e reconstituindo as edificações a partir dos
vestígios encontrados.
Nas pesquisas arqueológicas realizadas na Europa, o interesse deslocou-se
do sítio para o território, o novo objeto de investigação. Anteriormente, o objetivo
era comparar o sítio com outros sítios do mesmo tipo e, assim, classificá-lo dentro
de uma mesma série pertencente a um mesmo período cronológico. De agora em
diante, reconstitui-se a evolução dos territórios, procurando analisar a
transformação da estrutura do habitat, as suas relações com a propriedade e a rede
viária, numa perspectiva de longue durée, da proto-história à época pré-industrial.
70
Outro objetivo da Arqueologia da Paisagem é identificar as marcas deixadas
no solo pelas sociedades que se sucederam sobre um mesmo território, postulando
que a organização do espaço é portadora de informações sobre a estrutura das
sociedades que a produziu, sendo reconhecível através dos dados arqueológicos.
José Luis Lanata (1997) analisa os componentes da paisagem arqueológica e
apresenta a variedade de enfoques e contribuições existentes, afirmando que um
dos principais pontos da paisagem arqueológica “[...] es que a través de su análisis
es posible explicar la utilización del espacio por parte del paisaje” (LANATA, 1997,
p. 154).
Segundo o autor, os componentes mais importantes de uma paisagem são: a
estrutura e a mudança; e, do ponto de vista arqueológico, o elemento principal que
compõe uma paisagem é o próprio registro. Dentro desta perspectiva da paisagem,
“[...] el registro arqueológico se encuentra disperso conformando estructuras, las
que son el producto de la acción combinada de procesos naturales y culturales”
(ibid., p. 155).
De acordo com a definição de Lanata (ibid.), a estrutura:
[…] da cuenta de las relaciones espaciales entre diferentes elementos
artefactos, rasgos ecofactos y/o propiedades diversidad, densidades,
distribución del registro arqueológico, considerando tamaño, forma,
cantidad, tipos y configuraciones a lo largo del tiempo.
Por outro lado, a mudança ou el cambio, “[…] hace referencia a las
alteraciones a lo largo del tiempo, en otras palabras, ve la evolución del paisaje”.
Em geral, conforme o autor, os arqueólogos definem uma paisagem arqueológica
baseando-se fundamentalmente no componente da estrutura, e, portanto:
Lo que primero vemos de un paisaje arqueológico es la estructura del
registro arqueológico en un bloque espacio-tempo. Tamaño, forma, cantidad,
tipos y configuraciones del registro arqueológico de sus componentes
conjuntamente con sus propiedades pueden ser traducidos, a través de
nuestro análisis, en término da tácticas y estrategias de esas poblaciones
humanas. (LANATA, 2004, p. 156).
Pierre Gouletquer (1990), que analisa a noção de território imbricado com a
percepção de espaço e duração, fez duas importantes constatações, que a princípio
podem nos parecer evidentes nos dias de hoje, constituindo-se em elementos dos
territórios atuais, a refutar ou aceitar:
[...] d‟une part, le site archéologique est inseparable du paysage dans lequel
il se trouve et ne peut donc en être extrait sans dommage.
D‟autre part, il est indissociable de son inventeur, c‟est-à-dire du contexte
social, culturel, historique et technique auquel celui-ci est soumis.
(GOULETQUER, 1990, p. 476).
71
A partir dos anos de 1990, a Arqueologia da Paisagem passa a ser vista como
um palimpsesto, ou seja, uma modificação que se sobrepunha a outra. As
sociedades sucessivas alteravam as anteriores. Mas os processos têm escalas e
velocidades diferentes.
No fim dos anos 1990, o Sistema de Informação Geográfica (SIG) e o Sistema
de Gestão de Base de Dados (SGBD) trazem alterações na reflexão e na maneira de
realizar e de organizar os dados. A Arqueologia Preventiva também fornece um
incremento às pesquisas, mostrando a grande quantidade de sítios arqueológicos e
buscando utilizar ferramentas de identificação e de gestão.
Dentro do viés da Arqueologia da Paisagem, trabalhos mais recentes têm
buscado abordar e aplicar esta proposta, como os trabalhos de Sousa (s./d.) e Silva
(2006), ambos relacionados ao estudo de caminhos antigos no Brasil colonial e
imperial.
Nos últimos anos, a Arqueologia da Paisagem vem conquistando espaço nas
pesquisas arqueológicas brasileiras, como pôde ser comprovado num rápido
levantamento dos trabalhos apresentados no Congresso da Sociedade de
Arqueologia Brasileira (SAB) (2001, 2003, 2005 e 2007), ampliando assim as
abordagens dos estudos de paisagens arqueológicas (AFONSO, 2001, 2003;
ALBUQUERQUE, 2003; CALI, 2001; CARDOSO, VELOSO, 2001; KASHIMOTO et
al., 2003; MAZZ, MORENO, 2002; MORAIS, 2001a; MORAIS, 2001b; PARELLADA,
2007; TEIXEIRA, 2003; ZARAKIN, 2005).
A partir da perspectiva de analisar o Caminho das Tropas e as estruturas
viárias que compõem a paisagem do tropeirismo, procurou-se compreender as
transformações ocorridas na área de pesquisa, não no sentido das modificações
físicas, mas a partir de uma perspectiva histórica de um processo de conquista e de
ocupação de um território através de uma via antiga, conformando a constituição
do que atualmente denomina-se a paisagem troperística.
Da mesma forma, objetivou-se, através dos pressupostos de Lanata (1997),
identificar os componentes da paisagem arqueológica e assim observar o uso dos
espaços e a continuidade ou alterações ocorridas.
Dentro dos pressupostos da Arqueologia da Paisagem, buscou-se agregar
novos métodos de coleta e análise de dados, como a fotointerpretação, o uso de
imagens de satélite, de um SIG, procurando identificar as alterações ocorridas no
espaço, formando uma paisagem calcada num ciclo econômico.
Trata-se de mudar a forma de olhar o sítio arqueológico sem a realização de
intervenções em subsuperfície, mas com o uso de prospecções sistemáticas das
72
estruturas e vestígios arqueológicos visíveis no solo, aliado à pesquisa documental.
Além disso, a estruturação e armazenamento dos dados de ordem
arqueológica, textual, cartográfica e iconográfica são organizados dentro de um
SGBD, que auxilia o cruzamento de informações e a realização de questionamentos.
Na área pesquisada, a paisagem tropeirística se materializa nas coxilhas, nas
travessias de rios, nos remanescentes dos sítios arqueológicos (doméstico,
produtivo, administrativo, comercial, funerário), tendo o Caminho das Tropas como
o fio condutor do espaço construído e vivenciado pelas pessoas que ali passaram ou
viveram. o as estratégias materiais de uso do espaço que configuram a paisagem
concebida, vivenciada e construída.
A partir do exposto, entende-se que o Caminho das Tropas é o vetor das
relações sociais, da comunicação entre pessoas e lugares, do transporte de bens e
mercadorias, da ocupação e domínio de um território, um símbolo do alcance do
poder imperialista. Toda essa conjuntura de ações e interações humanas, ocorridas
desde o século XVIII nos Campos de Lages, através do tempo, configura a paisagem
arqueológica investigada nesta pesquisa.
Finalmente, concorda-se com Sousa (s./d.), quando a pesquisadora afirma
que “a percepção dos caminhos numa perspectiva de uma arqueologia da paisagem
surge como um instrumental potencialmente fértil para a compreensão da dinâmica
sócio-econômica engendrada nos contextos colonial e imperial brasileiro”.
2. 2 AS CONTRIBUIÇÕES DA ARQUEOLOGIA PARA O ESTUDO DE
CAMINHOS E ESTRUTURAS VIÁRIAS
O estudo de caminhos antigos e suas estruturas viárias é um fenômeno
bastante recente na arqueologia brasileira e latino-americana. Entretanto, alguns
trabalhos nesta área podem ser destacados (ASSIS et al., 2007; ERICKSON, 2000,
2001; JUILLARD, 2007; OSINAGA, 2005; SILVA, 2006; SOUSA, s./d.; VITRY, 1998,
2001a, 2001b, 2004, 2005, s./d. a, s./d. b.; WOFFORD, 2007), trazendo
contribuições relevantes às pesquisas arqueológicas que buscam compreender o
fenômeno das redes viárias, seja no contexto p-colombiano, seja referente ao
período de colonização européia e ocupação da América.
Um trabalho referencial para este estudo foi o de Christian Vitry (1998,
2001a, 2001b, 2004, 2005, s./d. a, s./d. b), que vem desenvolvendo desde 1998
pesquisas arqueológicas em diversos trechos de caminhos pré-incaicos e incaicos
73
em território argentino. Referindo-se aos caminhos, o autor explica que:
Los caminos fueron construidos con una finalidad práctica en función del
tránsito pedestre de hombres y llamas, que fueron utilizadas para el traslado
de minerales y productos de toda índole entre diferentes regiones del
imperio. La arquitectura vial precolombina fue, es y será motivo de
admiración tanto para legos como para científicos abocados a su estudio, ya
que denota un profundo conocimiento del espacio geográfico e ingeniería,
ambos en perfecta comunión y armonía en relación con el paisaje. (VITRY,
2001b).
A pesar de los miles de kilómetros en que se entretejen estos caminos
arqueológicos existen similitudes constructivas que los hacen característicos
y únicos. Donde el terreno era aplanado trazaban una recta perfecta, a veces
de varios kilómetros como el caso de la recta de Tin Tin, actual ruta
vehicular de los Valles Calchaquíes que fuera otrora camino precolombino;
otro elemento distintivo fue el de unir dos puntos o localidades empleando la
menor distancia posible, sin por ello olvidar u obviar la disponibilidad de
agua y la menor inclinación del terreno. Las diferentes técnicas aplicadas a
la construcción de estos caminos se adaptaban sobremanera a los viajeros,
cuyo objetivo se orientaba a reducir a la mínima expresión el esfuerzo y
desgaste físico. (VITRY, 1998).
As características físicas dos caminhos no noroeste argentino, segundo Vitry
descreve:
[...] oscilan entre los 2 y 3 metros de ancho, cuyas características
constructivas varían desde la simples limpieza o despejado del terreno y
amojonado lateral, hasta caminos empedrados, enlajados, con canales y
sofisticados sistemas de desagüe, como también con escalinatas esculpidas
en la roca madre o construidas con piedras trabajadas para tal fin. Existen
caminos que ascienden por pendientes que oscilan entre los 40 y 70 grados
de inclinación, donde los laboriosos constructores debieron cortar la roca de
la ladera o amurallarla para que pase el camino. (VITRY, 2001a).
A partir das pesquisas arqueológicas realizadas, o autor ressalta as
especificidades dos caminhos enquanto sítios arqueológicos, exigindo métodos
distintos de análise e a observação de diversas variáveis:
[...] los caminos, a diferencia de otros rasgos arqueológicos, tienen la
particularidad de haber sido muy bien pensados antes de su construcción
en función de numerosas variables (inclinación del terreno, humedad y
dureza del suelo, proximidad a determinados recursos, grado de erosión,
etc.), que hacen de éstos, elementos prácticos e factibles de ser reutilizados a
través del tiempo. Esta practicidad y estrategia constructiva de los caminos
hacen de ellos un producto multicultural de larga profundidad temporal,
donde cada grupo que ocuun determinado espacio, reutilizó, modificó y
creó vías de comunicación que sirvieron para vincular personas de lugares
distantes, con toda la sinergia que ello implica en el ámbito cultural y social
de los grupos en contacto. (VITRY, 2005, p. 322).
Com base na experiência de pesquisa e na realidade encontrada no estudo
dos caminhos no noroeste argentino, o autor propõe estratégias metodogicas de
investigação e registro de caminhos, chamando a atenção para a possibilidade de
reutilização das vias e as transformações ocorridas no sítio, o que pode influenciar
74
na leitura do registro arqueológico:
La historia de los caminos está marcada por la reutilización, lo que muchas
veces dificulta la identificación cultural y formal de los mismos; sin embargo,
la experiencia en el terreno nos llevó a generar estrategias que están
permitiendo realizar nuevas lecturas del registro arqueológico y empezar e
entender mejor la complejidad de las vialidades. (VITRY, 2005, p. 321).
Para abordar o estudo sistemático das redes viárias, o autor desenvolveu
uma ficha de registro, repensando as categorias até então trabalhadas no cadastro
dos sítios arqueológicos. O objetivo primordial dessa ficha metodológica é “[...] que
sea una herramienta dinámica que contribuya a través de un método al
relevamiento, registro y documentación de tramos de caminos y su relación con los
sitios que vincula y el ambiente.” (VITRY, 2005, p. 323).
A “Ficha para el registro de caminos con componentes inkas” não foi
concebida como uma ferramenta estática, mas foi pensada para ser utilizada antes,
durante e depois do trabalho de campo. Compõe-se de duas partes, sendo a
primeira de caráter geral e a segunda especificamente projetada para ser
trabalhada no percorrimento dos caminhos.
A primeira parte da ficha apresenta dados gerais de identificação da equipe
de investigação, do projeto, da área objeto de investigação e croquis com
informações relativas ao acesso ao local. Portanto, tornam-se relevantes para o
mapeamento dos segmentos de caminhos as informações relativas à localização
precisa, a descrição do acesso e as denominações locais referidas pelos moradores,
como indicativos para ser encontrado:
[...] lo general los tramos de camino arqueológico se manifiestan en lugares
poco transitados, por ello, es indispensable acompañar las coordenadas
geográficas con información complementaria sobre cómo se accede al lugar.
En ese sentido resulta útil da información de los pobladores tales como el
nombre de la finca, paraje, apellido de los puesteros u otro dato que la gente
del lugar utilice con frecuencia. (VITRY, 2005, p. 323).
Outro dado importante relacionado ao local prospectado é a indicação da
existência de informações relacionadas com a cartografia, imagens de satélite e
fotografias aéreas do objeto de prospecção. Na sequência, são anotadas informações
relativas à jurisdição territorial, os proprietários dos terrenos e informantes.
O terceiro item da primeira parte trata ainda do registro detalhado dos dados
ambientais do segmento do caminho, pois são fundamentais para a compreensão
integrada da sua instalação na paisagem:
75
La descripción del entorno natural y social completa los datos relacionados
con la geología, geomorfología, flora, fauna, poblados próximos, actividades
ecomicas principales, canteras de posible extracción de materia prima
para la construcción, toponimia, reconocimiento social del camino y
utilización con fines turísticos o comunales del camino. (VITRY, 2005, p.
323).
Na segunda parte da ficha, que abrange informações mais específicas, o
pesquisador explica que:
Es la parte de la ficha para trabajarla junto con la libreta de campo mientras
se realiza la prospección del camino. Se trata de un cuadro de doble entrada,
en cuyas filas se consigna el punto de GPS o WPT (wai poin to) y sus erros de
lectura si es que el GPS lo brinda. Es importante este número debido a que
cualquier anotación complementaria en la libreta de campo será referenciado
con este número. En las columnas figuran todos los datos relacionados con
el camino y su entorno, ayudando a la descripción morfología de los mismos.
En esta segunda parte centremos nuestra atención, describiendo con el
mayor posible cada uno de los ítems que la componen. (VITRY, 2005, p. 323-
324).
Avaliando a sua proposta metodológica do emprego da ficha, Vitry afirma ser
necessário:
[...] seguir un método de trabajo que ayude a sistematizar los datos del
terreno y los convierta en información cultural útil para un fin social. En
este sentido, la presente propuesta intenta contribuir con ello, nuestra
experiencia nos indica, que si bien se invierte mayor cuantidad de tiempo
mediante el empleo de una ficha bastante completa, los resultados obtenidos
justifican el esfuerzo. (VITRY, 2005, p. 324).
Os resultados obtidos com as estratégias empregadas em campo a partir da
metodologia proposta permitiram:
[...] la identificación formal de dos tipos diferentes de caminos preinkas y de
un camino correspondiente al período colonial con componentes
arquitectónicos inkaicos. Este resultado preliminar abre un nuevo panorama
en el campo de las investigaciones vinculadas con el estudio de los caminos
arqueológicos, ya que permite disponer de herramientas para su
identificación y estudio. (VITRY, 2005, p. 324).
Assim, Vitry (2005, p. 322-23) utiliza alguns elementos diagnósticos no seu
estudo para determinar a filiação inca a um caminho: a) a vinculação de sítios
arqueológicos ao caminho; b) a linearidade dos caminhos, que não utilizam as
linhas retas como norma, mas a adaptação às formas do terreno.
Em outro trabalho, referente ao “Camino de los Diaguitas” e o “Camino del
Inga en Escoipe”, na Província de Salta, Vitry (2004) realiza a intersecção entre as
fontes escritas e as evidências arqueológicas para estudar um segmento dos
caminhos andinos. Neste estudo, o autor parte do achado de um documento inédito
no Arquivo Histórico de Salta para realizar prospecções arqueológicas com a
76
finalidade de encontrar o local do caminho mencionado no texto.
Complementarmente à informação documental, o autor realizou a análise de
fotografias aéreas, imagens de satélite e cartas topográficas, além de entrevistas
com moradores locais.
A lo largo del documento se mencionan detalles descriptivos sobre la
Estancia que sirven para delimitar las tierras, [...] mencionan lugares o
topónimos ya desaparecidos de la memoria popular y cartografía,
relacionados muchos de ellos con sitios arqueológicos y caminos
prehispánicos, algunos de los cuales pudimos localizar en el terreno.
Transcribimos parte del documento donde se encuentra agrupada la
información que nos interesa analizar, [...]. (VITRY, 2004, p. 4).
Como resultados das prospecções arqueológicas efetuadas, foram localizados
alguns segmentos isolados de caminhos com estruturas incaicas na encosta leste
da Cordilheira Oriental, entre Chicoana e San Fernando de Escoipe, na Província de
Salta, Argentina: “[...] ya sea consumidos por la densa vegetación de la selva
montana, o bien, alterados por actividades agrícolas ganaderas actuales y/o
subactuales, en zonas de piedemonte y fondo de valle” (ibid., p. 5).
Com relação ao “Camino de los Diaguitas”, o autor explica que:
Nuestras prospecciones realizadas en el área no pudieron localizar los
caminos diaguitas mencionados en el documento, sin embargo la experiencia
en el tema nos indica que no resulta cil su identificación debido a que el
trazado no es tan evidente como los de filiación inka, pareciéndose más a las
sendas de montañas actuales. (VITRY, 2004, p. 5).
No que tange ao segmento do caminho inca descoberto em San Andrés, no
Departamento de Orán, por investigadores do Museo de Antropología de Salta, Vitry
(s./d. a) destaca a grande quantidade de sítios arqueológicos existentes ao longo do
caminho:
Entre las estructuras se encuentran tambos o tampus
21
, centros
administrativos, depósitos o colcas, minas, corrales, campos de cultivo y una
densa de caminos que unían los diferentes puntos de interés geopolítico para
este estado precolombino. (VITRY, s./d. a).
O “Camino del Inca de San Andrés” se caracteriza por:
21
Tambos ou tampus “eran los alojamientos para el Inca viajeros en misión oficial, funcionaban
también como depósitos de comida, leña, forraje, ropas, armas y otros tantos productos necesarios
para el inca y su sistema de control estatal”. (VITRY, 2001b). Tipo de estrutura arquitetônica inca
(tanpu em quechua) que denominava albergue ou centro de apoio existente a cada 20 ou 30 km do
caminho, distância referente a uma jornada a pé do caminho. Podia abrigar emissários, governadores
ou o próprio inca. Além de hospedar e alimentar os dignitários, os tambos eram centros de
aprovisionamento de alimentos, lã, lenha ou outros materiais básicos para a sobrevivência. Assim, em
épocas de dificuldades climáticas ou desastres naturais, os tambos alimentavam e proviam as aldeias
mais próximas dos materiais para a sua supervivência (WIKIPEDIA, 2008).
77
[...] aproximadamente 500 a 550 años de antigüedad se halla a 2130
m.s.n.m. enmarcado en la transición entre el ambiente selvático y los
pastizales de altura. Su estado de conservación es muy bueno y está
asociado a un sitio arqueológico donde se encontraron en superficie
fragmentos cerámicos pertenecientes a los Incas. Posee características
constructivas y arquitectónicas típicas de los caminos cuzqueños, de sólida
factura y fina terminación. Actualmente tiene un ancho de 1,5 metros
estimándose en 2 m su ancho original. El camino trepa en zigzag por una
abrupta ladera de una terraza aluvial tributaria del río San Andrés; asciende
70 metros de desnivel, posee muros de contención de un metro de altura y
en partes estos muros están reforzados con banquetas. Las rocas que
conforman los muros están en su mayoría canteadas, otorgando al camino
una refinada terminación, propia de los caminos imperiales del
Tahuantisuyu. (VITRY, s./d. a).
Outro aspecto abordado pelo referido autor, foi a toponímia andina. “Los
nombres geográficos que estamos acostumbrados a oír y repetir inconscientemente,
expresan la relación existente entre el hombre y la naturaleza, en el más amplio
sentido del término, atesoran una historia pasada [...]” (VITRY, s./d. b). Se os
investigadores conseguirem entender o significado toponímico, podem inferir
características referentes ao terreno, assim como aspectos básicos das populações
de outrora, como alimentação, domesticação, organização social e religiosa. Desta
forma:
En algunos casos se puede realizar una analogía directa, ya que no existen
dudas respecto a su significado y además lo podemos comprobar
directamente con los sentidos, como cerro overo, camino del inca, agua
cristalina, etc.; otros, en cambio, son más abstractos y representan un sutil
hilo de unión con el pasado [...]. (VITRY, s./d. b).
O pesquisador Gaëtan Juillard (2007) propõe novos aportes metodológicos
para o estudo dos caminhos incaicos a partir da proposta de incluir Qhapac Ñan, a
grande rede viária andina, como patrimônio mundial pela UNESCO. O trecho inca
que ligava Cuzco a Macchu Picchu, no Peru, é o traçado mais famoso e caracteriza-
se como:
[...] un camino empedrado, de dimensiones impresionantes tanto para los
conquistadores españoles venidos desde Tumbes, como para los turistas
actuales, colgado encima de las tumultuosas aguas del Turubamba, y que
conduce hacia uno de los sitios arqueológicos más famosos del mundo.
Vestigios de esta red subsisten en seis estados de la región andina
(Colombia, Ecuador, Perú, Bolivia, Argentina y Chile), y son desde hace
algunos años el centro de estudios de toda índole. (JUILLARD, 2007).
Nesse contexto, o autor considera pertinente questionar a natureza das vias
de comunicação num território tão amplo, sendo necesrio verificar se todos os
segmentos o semelhantes, definir as características dos trechos e determinar
procedimentos de datação. Contudo, Juillard alerta que:
78
[...] entender la evolución de este conjunto plantea numerosos problemas.
En primer lugar, la configuración del terreno, y luego, la erosión, la cual
limita la información arqueológica disponible, al igual que en toda región
montañosa, e impide evidenciar las reutilizaciones sucesivas de los tramos.
(JUILLARD, 2007).
O sistema de vias de comunicação do Império Inca era composto de rotas
propriamente ditas e des constructions, ouvrages et systèmes associés (lieux
d‟hébergement, entrepôts, ponts, chaski, etc.). Il reliait les établissements humains,
les centres administratifs, les zones agricoles et minières, les lieux saints et sacrés”
(JUILLARD, 2007). A análise de aspectos formais desse caminho, como estruturas,
fases de construções, dentre outros, é problemática recente nas pesquisas de redes
de conexão andinas. E ainda mais recentes são os novos aportes que têm como
mote central a interdisciplinaridade. As pesquisas arqueológicas estavam mais
voltadas, até o presente, para os segmentos de fácil acesso, que resistiram aos
processos erosivos e cujos vestígios se encontram em bom estado de conservação.
L‟étude du Qhapac Ñan comme partie intégrante du paysage andin et
témoignage des cultures passées en est à ces débuts. Les voies de
communication peuvent pourtant aider au développement des
connaissances dans de nombreux domaines de recherche : sites organisation
spatiale, zones de production et d‟exploitation du milieu, etc. Le Qhapac
Ñan, utilisé, transfor et reconstruit pendant des milliers d‟années,
témoigne de la variété des diverses constructions des civilisations qui ont
entretenu le réseau. Ainsi, l‟étude des éléments architecturaux du réseau,
dans l‟optique de documenter les phases d‟extension ou des probmatiques
liées à l‟archéologie du paysage, est en plein essor : adaptation du chemin à
la topographie et au climat, technique de constructions, etc. (JUILLARD,
2007).
Retomando o trabalho de Hyslop (1991 apud JUILLARD, 2007), que discute
as possibilidades de datação das vias de comunicação, Juillard debate sobre o
método de datação por associação aos sítios arqueológicos, ou seja, uma datação
relativa dos caminhos:
Les techniques de constructions des routes ont peu changé en 2000 ans. Il
faut attendre la conquête, puis l‟automobile, pour que les techniques de
constructions traditionnelles se transforment afin de répondre aux
contraintes des nouveaux moyens de transport. La datation des chemins est
donc extrêmement complexe. Or, si l‟on ne peut dater un chemin en lui-
même, il est nécessaire de l‟associer à d‟autres éléments (sites, artéfacts,
infrastructures hydrauliques et agricoles, etc.) afin de le situer
chronologiquement. Hyslop est cependant sceptique sur les résultats
obtenus par les méthodes de datation et de sériation utilisées dans la
datation des poteries ou de l‟architecture lorsque celles-ci sont appliquées au
réseau viaire andin. Tout au plus, quelques éléments architecturaux
pourront être daté (Hyslop, 1991). Pourquoi ? Premièrement, parce que les
routes ne sont jamais complètement abandonnées. Mais aussi les chemins
sont utilisés sur de longues périodes, fréquemment entretenus par les
communautés locales. Il est en effet plus simple d‟entretenir un chemin
existant que d‟ouvrir une nouvelle section de voie. (JUILLARD, 2007).
79
Outra possibilidade aventada de datação seria através da metodologia da
archéologie du bâti, datando os trechos de caminhos de forma relativa, uns em
relação aos outros, ou através de métodos absolutos obtidos de alguns trechos.
No entanto, o autor esclarece que o método pode apresentar problemas, à
medida que:
Les régions montagneuses présentent des contraintes environnementales
fortes: neige, gel, pluie, glissement, effondrement, solifluxion, etc. Les
réseaux de communication inca, hérités des civilisations antérieures ont été
soumis à ces contraintes depuis leur création. L‟entretien et la maintenance
du réseau revêtent alors un rôle essentiel afin de permettre au flux de
voyageurs et de marchandises une progression fluide, avec un minimum de
contraintes.
Les voies de communication intégrées à un réseau viaire montagnard
souffrent des réparations multiples, si bien que la construction originale s‟en
trouve fortement altérée. Le chemin n‟est plus alors que le témoin des
réparations et transformations apportées au cours des scles. Les segments
non utilisés s‟érodent lentement en attente d‟une éventuelle utilisation ou
réintégration. (JUILLARD, 2007).
Sendo assim, considerando a antiguidade das vias andinas, a quantidade de
reparações e as ações de manutenção, principalmente em áreas afetadas por
processos erosivos, não se permite mais remontar às estruturas e/ou artefatos
arqueológicos que documentam os períodos mais antigos (JUILLARD, 2007).
A questão da associação dos sítios arqueológicos aos caminhos está
geralmente baseada em critérios de proximidade geográfica. Porém, trata-se de uma
possibilidade bastante problemática :
S‟il est probable que les sites associés ou desservit par un chemin sont
contemporains de celui-ci, la datation du chemin, fondée sur la datation du
site le plus proche est problématique, car un site antérieur à la création d‟un
segment de chemin peut être relié ou traversé par celui-ci longtemps après
sa construction et/ou son abandon. De me, un site peut être implanté
aux environs d‟une voie de communication bien après la création de celle-ci.
Pour associé avec certitude une section de chemin aux sites proches, les
différents niveaux de fonctionnement du chemin et des sites doivent être
corrélés par stratigraphie, lors des travaux de terrain. (JUILLARD, 2007).
Todavia, a arqueologia pode contribuir para a compreensão dos processos de
transformações das vias, pois:
La réalisation de sondages et/ou de tranchées dans le remplissage du
tronçon de chemin offre la possibili de réaliser des datations absolues
(céramique, charbon, etc.), si des artéfacts permettant ce type datations, ont
été piégés en contexte primaire lors de la construction ou du fonctionnement
de la structure. Les niveaux de fonctionnement d‟un chemin s‟accumulent
avec le temps; la préservation de la chaussée dans un état optimal pour la
progression des voyageurs demande des réparations constantes, notamment
en région montagneuse. Ces réparations, accompagnées des éventuelles
transformations (ajout de chaussée empierrée, élargissement;), créent des
niveaux de fonctionnement successifs, décelables lors des sondages.
(JUILLARD, 2007).
80
Outra contribuição mencionada pelo autor é a utilização das possibilidades
de um SIG para realizar análises mais finas ou mesmo como etapa preparatória
para a localização de segmentos:
À l‟aide de modèle numérique de terrain, la programmation du SIG rend
possible la mise en évidence des secteurs visibles depuis un pucara. Dans le
même ordre d‟idée, il est permis de visualiser l‟espacement entre les tampu
et/ou centres administratifs et ainsi que identifier les relais « manquants »
pour préciser les recherches de terrains. Ces outils offrent également aux
chercheurs des modèles de réflexion théoriques pertinents pour certaines
problématiques.
Une autre fonctionnalité de ce type de logiciel-encore peu utilisée; est la
validation théorique d‟hypothèses. L‟identification du tracé d‟un segment de
Qhapac Ñan peut se révéler problématique sur le terrain. Le SIG permet de
définir, a priori les secteurs la construction d‟un chemin peutêtre
considérée comme impossible selon une série de paramètres. Dans l‟étude de
réseaux routiers conçus pour l‟utilisation de véhicules à roue, l‟ordinateur
peut nous indiquer; à grande ou petite échelle; les secteurs impraticables
(Minotti, communication personnelle) les prospections de terrains sont
inutiles. Ce procédé est particulièrement profitable pour une localisation
approximative du tracé des tronçons disparus au sein dun segment plus
important constituer de tronçons plus ou moins conservés. (JUILLARD,
2007).
Outra colaboração importante é o trabalho de Daniel José Gutiérrez Osinaga
(2005), que aborda os avanços da arqueologia de caminhos pré-colombianos na
Bolívia, a partir do estudo do trecho Paria-Tapacarí, destacando os sítios associados
e as características formais da construção do caminho.
O autor (OSINAGA, 2005, p. 95) afirma que a investigação das redes viárias
pré-colombianas teve um grande incremento graças às novas perspectivas
propostas pelos arqueólogos especializados no assunto. Em seu trabalho, apresenta
um panorama geral dos assentamentos associados ao caminho e das características
formais ainda remanescentes em pequenas porções dessa rota pré-hispânica.
Inicialmente, foi realizada uma série de reconhecimentos preliminares e
sistemáticos do caminho pré-colombiano, seguida da descrição das características
geográficas e ecológicas de instalação do caminho, da exposição das informações
das investigações arqueológicas antecedentes e da análise arqueológica dos novos
dados, resultando na descrição dos assentamentos arqueológicos de distintos
períodos localizados e nas informações acerca das características formais do
caminho.
Metodologicamente, a coleta dos dados em campo foi efetuada a partir de
uma série de reconhecimentos pedestres para avaliar o estado atual do caminho e
das instalações associadas a este e, para melhor manejo dos dados, o caminho foi
dividido em trechos.
A análise da rota Paria-Papacarí permitiu elaborar um marco referencial a
81
partir do exame das evidências remanescentes de infra-estrutura formal. O autor
realizou uma descrição detalhada dos trechos que apresentaram resquícios de
arquitetura formal ou simples sendas, elaborando uma proposta de padrão
construtivo.
De acuerdo al análisis general del tramo Paria-Tapacarí podemos colegir que
a lo largo de la ruta se priorizaron sectores específicos para la aplicación de
técnicas constructivas. Esta premisa se basea en los fuertes cambios
altitudinales que la región posee, principalmente encontramos restos de
elementos formales en lugares donde la inclinación del terreno no permite
tener una moderada superficie horizontal. (OSINAGA, 2005, p. 106-107).
Assim, as técnicas construtivas específicas aplicadas estão condicionadas ao
relevo do terreno e foram apresentadas conforme o trecho e suas características
ambientais. O trecho Lagunas Huaylla Tambo Inca Japo, compreende duas
áreas geográficas distintas. Na primeira, caracterizada pela subida e descida do
cerro Wila Apacheta, costeando o sopé sul deste monte e chegando a 4.300 m de
altitude, o caminho foi construído:
[...] sobre un espacio de 2 a 3 m de ancho de la superficie horizontal del
terreno que posee la orilla de la quebrada, por las condiciones del lugar no
se construyeron muros de contención u otros elementos que ayuden a tener
una superficie plana. (OSINAGA, 2005, p. 107).
No segundo setor, no qual foram encontrados remanescente de construção
formal, o trecho do caminho se apresenta empedrado, situado na parte baixa e alta
do Cerro Toroñuño:
En este sector se observa que el camino fue construido utilizando cantos
rodados y piedras provenientes de las orillas del río Incalacaya combinado
con fragmentos de roca que fue extraía de la excavación de la roca madre,
dicho material fue empleado como relleno para lograr obtener una superficie
horizontal. Primero se proceda construir un primer muro de contención,
que en muchos de los casos estaba inclinado en sentido contrario a la
pendiente del terreno, el promedio de la altura del muro oscila entre los 60
cm y 1 m de alto, esto dependiendo de las condiciones del terreno.
Posteriormente, al interior del espacio creado entre el muro de contención e
la superficie inclinada de la roca madre se procedal rellenado del mismo
con piedras, cantos rodados y tierra, el resultado final de este procedimiento
fue una superficie horizontal de 1 a 2 m de ancho. (OSINAGA, 2005,, p. 107-
108).
Esse tipo de estrutura viária utiliza como estratégia a construção de
superfícies horizontais aplainadas através da escavação de rochas, para,
posteriormente, utilizar a matéria extraída no aterro e na construção do muro de
contenção, que varia de 50 cm a 1 m de altura.
No trecho Japo Challa Tambo Nasakara, caracterizado geograficamente
por atravessar pequenos patamares planos, foram registrados alguns segmentos da
82
antiga rota pré-hispânica:
En esta parte es evidente que la superficie del camino ha sido preparada
mediante la limpieza de la vegetación y la remoción de piedras. Por otro lado
al obtener una superficie limpia se delimitó su ancho por medio del
alineamiento de cantos rodados hacia la parte externa del camino y la ladera
con un ancho promedio de 4 m. (OSINAGA, 2005, p. 109).
No trecho Nasakara Tapacarí, o trajeto é caracterizado pela descida quase
vertical a partir de uma altura de 4.300 m de altitude:
Una porción importante del camino se encuentra al llegar a la comunidad de
Tinkullo Abajo, el camino presenta una superficie pavimentada con piedras
con un ancho promedio de 4 m y muros de contención que tienen un alto
promedio de 1 a 3 m. Quizás este sector es el mejor conservado del tramo, ya
que antes de llegar a la quebrada Incuyo el camino que desciende hasta este
punto está muy erosionado y en gran parte de este recorrido el camino ha
desaparecido y tan sólo se conserva una senda. El trazo del camino hasta la
comunidad de Tapacarí sólo es una senda y al finalizar la ruta, el camino se
desplaza sobre el río Chillka. (OSINAGA, 2005, p. 109).
Os padrões construtivos identificados na análise dessa pesquisa foram:
a) Plataformas horizontais:
Debido a la abrupta topografía de pendientes en el terreno, se utilizó la
estrategia de construcción de plataformas de piedra, con las rocas del lugar.
Esto quiere decir que la piedra de construcción se tomaba de las orillas de
los ríos, en caso de estar cerca de estos, o de la excavación de la roca madre,
es decir plataformas simples compuestas de pavimento de piedras grandes, a
manera de soldado, con un ancho de 2 a 4 m. En el segundo caso se
canteaba la roca de la ladera de montaña, extrayendo grandes bloques con
la finalidad de construir plataformas altas que estaban sostenidas con
muros de contención de 30 cm, hasta 1 m, su construcción se realizaba por
acumulaciones de rocas canteadas de la roca madre de la montaña. Estas
plataformas que varían ampliamente de tamaños de acuerdo a la topografía
del terreno, constituyen generalmente plataformas altas sobre las que se
implementaron niveles escalonados para salvar las diferencias de altura y en
casos de pendientes abruptas tienen forma de zigzag y poseen niveles a
manera de gradas. (OSINAGA, 2005, p. 109-110).
b) Muros de Contenção:
Siendo la forma más efectiva de obtener una superficie horizontal en lugares
donde la pendiente es muy abrupta, la construcción de los muros de
contención se a presenta de la siguiente forma: en aquellos puntos donde la
forma natural del terreno era muy irregular se ha construido un muro en el
sector externo de la ladera con un alto promedio de 30 cm y 1 m. Para
conseguir el ancho ideal de la plataforma se ha excavado en considerable
volumen de la roca madre, el que posteriormente fue usado para rellenar el
espacio existente, no sin antes utilizar los cantos rodados más grandes para
construir el muro de contención. En lugares donde había la posibilidad de
obtener las piedras sin recurrir al cavado como en las cercanías de los ríos,
se usaron las piedras allí existentes para el relleno de la plataforma y para la
plataforma misma.
Por otra parte, en los puntos más elevados, a la parte superior del muro de
contención se le colocaban piedras de mediano tamaño que constituían una
especie de muro de protección al viajero con un alto de 30 a 40 cm. No
obstante, es posible que dicha construcción de piedras hubiese formado
83
parte del muro de contención, aunque es posible que ambos procedimientos
hayan sido construidos simultáneamente o individualmente. (OSINAGA,
2005, p. 110-111).
c) Escadas:
Cuando el diseño natural del terreno exigía que la plataforma y el muro de
contención sean dispuestos en sentido perpendicular a las fajas de las
curvas de nivel y el ángulo de inclinación de la plataforma aumentaba. Se
construyeron de manera ocasional un cierto número de escalinatas, las que
no estaban espaciadas regularmente, quizás su uso era salvar el grado de
inclinación de la plataforma. El alto promedio de las escalinatas es de 20 cm.
No hemos identificado restos de sistemas de drenaje quizás su ausencia se
deba a que en la región son muy escasas las precipitaciones pluviales y las
fuentes de agua son muy pocas, en este sentido no era necesario proteger la
plataforma de los rebalses del liquido elemento. (OSINAGA, 2005, p. 111).
Com base no registro arqueológico, o autor pôde afirmar primeiro que a rota
Paria-Tapacarí, com um traçado viário que comunicava o altiplano aos vales
interandinos, foi utilizada desde o período do Horizonte dio
22
, não descartando a
possibilidade dessa via estar em uso nos períodos prévios ao Formativo
23
.
Segundo, o trecho viário compõe parte do sistema de tambos que a administração
inca implementou nessas regiões. Portanto, pelas características arquitetônicas dos
assentamentos identificados e pelos detalhes formais do caminho, pode-se afirmar
que os incas reutilizaram a rota, planificando a organização do espaço através dos
tambos e da construção formal do caminho em pontos específicos do trecho.
Outro trabalho de interesse para o estudo de caminhos, enquanto artefatos
arqueológicos, é o estudo de Clark Erickson (2000 e 2001) referente aos caminhos
pré-colombianos na Amazônia boliviana. O autor analisa a forma, a construção e
as funções dos terraplenos, assim como os custos laborais, a organização social
necessária para a sua construção e manutenção e a relação dessas construções
com a agricultura e com os recursos naturais (ERICKSON, 2000, p. 15).
Los Llanos de Moxos en la Amazonia boliviana están surcados por decenas
de miles de kilómetros lineales de terraplenes o calzadas. Servían para el
tráfico a pie y durante la estación lluviosa cuando las pampas - se inundan,
se combinaban con el tráfico en canoa. Además, durante al menos parte de
la estación seca, las canoas podían aprovechar los canales excavados a uno
o ambos lados de los terraplenes. [...]
Los terraplenes y canales prehispánicos de la Amazonia boliviana son
ejemplos clásicos de caminos producto de la ingeniería y el diseño formal. En
su construcción estaba involucrado un movimiento de tierra considerable
para construir terraplenes bien definidos y muy visibles, que varían en
22
Horizonte Médio, segundo horizonte na arqueologia andina corresponde ao período entre 500 e 1000
d.C., séculos VI e XI, situado cronologicamente entre o Intermediário Temprano e o Intermedrio
Tardio.
23
Formativo, período que se situa entre Período Inicial e o Intermediário Temprano, correspondendo à
cronologia entre 800 e 200 a.C.
84
tamaño y complejidad desde los más simples hasta los verdaderamente
monumentales. (ERICKSON, 2000, p. 15 e 18).
Tecnicamente, os caminhos pré-hispânicos na Amazônia boliviana são
compostos por terraplenos ou calçadas associados a um ou mais canais, que
permitiam o tráfego a pé ou em canoas pelo ambiente da região, formado por
bosques, savanas inundadas em época de chuvas e pântanos.
Los terraplenes de los Llanos de Moxos lucen excepcionalmente bien
conservados, considerando que la mayoría tiene más de 450 años de
antigüedad. Desde el aire, los terraplenes parecen líneas oscuras y rectas
que cruzan la sabana (de colores más claros), y los pantanos. La mayoría de
los terraplenes están cubiertos de árboles y arbustos, y en los canales
adyacentes crecen plantas acuáticas. Los terraplenes fueron levantados con
tierra sacada de los canales en uno o ambos lados. (ERICKSON, 2000, p.
21).
Os questionamentos que se apresentaram imediatamente a partir do
contexto arqueológico da região foram: Como construíram esses caminhos? Quando
construíram? Quem os construiu? O que eles conectam? Porque há tantos
caminhos? (ERICKSON, 2001, p. 24).
As escavações arqueológicas realizadas nos terraplenos e canais buscaram
responder a essas questões, fornecendo informações valiosas sobre a sua forma
original e o período de uso:
Los perfiles estratigráficos muestran que las técnicas de construcción eran
relativamente sencillas. El Horizonte A y parte del Horizonte B del suelo
fueron retirados creando canales de hasta un metro de profundidad. Esta
tierra se usó para construir el terraplén, levantado hasta una altura de por
lo menos 50 centímetros. La construcción se hizo probablemente de una sola
vez. Los terraplenes están protegidos contra inundaciones y los canales eran
lo suficientemente profundos para que pudieran transitar las canoas. La
mayoría de los terraplenes medían de 0,5 a 1,5 metros de altura y de 4 a 6
metros de ancho, pero hemos registrado algunos de hasta 20 metros de
ancho y algunos de hasta 3 metros de altura. La mayoría de los terraplenes
son rectos o formados por una serie de segmentos rectos de varios
kilómetros de longitud, con pequeños cambios de dirección. (ERICKSON,
2000, p. 21-22).
A partir da quantidade expressiva de terraplenos, sua ampla distribuição e o
esforço empreendido para a sua construção, sugeriram-se, segundo proposição do
autor, diversas funções que poderiam ser concomitantes:
1) el transporte de gente y mercancías, 2) el mantenimiento óptimo de
niveles de agua para el tráfico de canoas y el funcionamiento de los
camellones de cultivo, 3) el estímulo para la reproducción de los recursos de
los pantanos, 4) la definición de linderos entre los grupos sociales que
construían y cultivaban los camellones de cultivo, 5) el hacer, alarde de la
capacidad productiva de una comunidad o del sistema de gobierno local,
mediante el despliegue ostentoso de la labor invertida en los movimientos de
tierra, y 6) el servir como alineaciones sagradas para propósitos de
astronomía, calendario y ritual religioso. (ERICKSON, 2000, p. 23).
85
Todavia, a função principal dos caminhos existentes sobre os terraplenos e
em canais era o transporte e a comunicação entre os assentamentos, os rios e as
áreas de cultivo:
Los terraplenes deben haber sido un medio excelente de transporte por las
sabanas inundadas durante la temporada de lluvias, y los pantanos
permanentes de la región. La mayoría de los terraplenes eran lo
suficientemente altos para resistir inundaciones. El ancho de la mayoría de
los terraplenes proveía de espacio suficiente para que el tráfico humano
circulara en ambas direcciones. (ERICKSON, 2000, p. 23).
Para a construção dos aterros, a sociedade moxeña, autora dessa
engenharia, teria utilizado como ferramentas “[...] instrumentos sencillos de madera
dura (palos para excavar y palas tipo paletas) combinados con canastas [...]”
(ERICKSON, 2000, p. 34). A uniformidade dos traçados do início ao fim e o
conteúdo homogêneo dos terraplenos individuais sugere que os mesmos foram
construídos de uma única vez.
A cronologia da construção e uso dos terraplenos foi baseada na datação das
amostras radiocarbônicas, revelando que as estruturas eram pré-hispânicas, sendo
algumas com mais de 1.000 anos de antiguidade, enquanto que outras foram
usadas por centenas de anos.
Conclusivamente, os resultados das pesquisas apontaram que:
Los terraplenes fueron un elemento central de la sociedad moxeña antes de
la llegada de los españoles. Los terraplenes y sus canales asociados
probablemente cumplían muchas funciones. Algunas hipótesis acerca de las
funciones de los terraplenes continúan siendo altamente especulativas
debido a la investigación limitada, a problemas de conservación, y/o falta de
confirmación arqueológica para algunas actividades humanas específicas.
Otras interpretaciones tienen un apoyo firme por parte de evidencias
arqueológicas directas, analogías históricas y etnográficas específicas,
investigaciones experimentales, observaciones del uso contemporáneo de los
terraplenes, y comparación entre culturas. (ERICKSON, 2000, p. 37).
Novas ferramentas tecnológicas estão sendo aplicadas na arqueologia para
mapear caminhos pré-históricos. É o caso dos estudos de Lipo e Hunt (2005) e
Wooford (2007) das estradas pré-históricas para deslocamento dos moai, estátuas
de pedra de Rapa Nui, na Ilha da Páscoa, Chile.
Carl Lipo e Terry Hunt (2005, p. 158) empregaram imagens de satélite com
alta resolução na pesquisa, revelando padrões remanescentes de extensivas
estradas pré-históricas. A análise das imagens de satélite e os resultados do
levantamento de campo acabaram por revelar a rede viária antiga e seus variados
componentes.
86
Os autores explicam o potencial do uso de imagens de satélite nas pesquisas
arqueológicas e o porquê de tal abordagem aparecer tardiamente na arqueologia:
Over the past several decades, satellite imagery has become a powerful and
efficient means for generating information about the structure of the earth‟s
surface over large areas. The potential of satellite images in archaeological
research, however, is only beginning to be recognized. Part of the slow
adoption of satellite-based research in archaeology has been the relatively
low resolution of images that was available from early satellites. Satellites
such as those in the Landsat series, for example, are only able to resolve
features larger than 80m in size. Thus, the earliest uses of satellite images
were limited mostly to the study of landscapes or very large archaeological
features […]. In the past several years, this situation has radically changed
with the availability of declassified military imagery and the establishment of
commercial firms who have launched their own satellites. A new generation
of satellites […] provide high resolution images that are well below 10m and
at low costs. Here we take „high resolution‟ to mean imagery that represents
the earth‟s surface at a resolution of less than 10m across. It is possible in
such images to recognize archaeological features (e.g., structures,
monuments, deposits); their use has spawned a wide variety of applications
in archaeological research. (LIPO; HUNT, 2005, p. 159 -161).
Dessa forma, a utilização de imagens de satélite de alta resolão tem-se
mostrado suficiente para traçar feições lineares pré-históricas, como as estradas e
mesmo trilhas a pé. Esse estudo sugere, assim, que deva ser possível detectar
também as estradas usadas para mover as estátuas na Ilha da Páscoa, que podem
ter cerca de 2 a 5 m, através das imagens fornecidas, desde que não estejam
encobertas pela vegetação ou por outro tipo de cobertura de solo.
Outro dado a ser considerado na pesquisa é a cobertura vegetal e o uso do
solo para análise de imagens de satélite. Na Ilha da Páscoa, a vegetação é mínima,
predominantemente de gramíneas e outras plantas da espécie das ervas daninhas.
A natureza do registro arqueológico faz com que as feições sejam facilmente visíveis
nas imagens.
Além disso, grande parte da ilha está coberta com pastagem para gado e
cavalos, enquanto que uma pequena porção apresenta agricultura. também
áreas na ilha onde foram plantadas árvores de eucaliptos, mas estes bosques são
limitados. As condições de pouca vegetação e quase raro encobrimento do solo
favorecem a identificação do registro arqueológico nas imagens de satélite. Como
resultado, os vestígios arqueológicos, tais como plataformas, fundações da casa, e,
em alguns casos, as estátuas, foram facilmente reconhecidos.
We recognized road features as linear forms on several criteria, often found
in combinations, such as vegetation differences, depressions filled with
cobble scree, banks, trails between statues, erosion patterns and shadow
marks. Vegetation differences appear to have been caused by compressed
sediment that retains greater moisture. The same compressed, U-shaped
roadbeds naturally filled with surface rocks (cobbles) as scree or eroded into
troughs with surface water flow, particularly on slopes. Some roads have
87
curbstones and other structural features, including earthworks that create
shadows in angled light, or are associated with multiple statues. (LIPO;
HUNT, 2005, p. 162).
Dentre os procedimentos seguidos pelos autores na análise das imagens de
satélite, em primeiro lugar houve a identificação dos alinhamentos e das feições
lineares de rochas, anomalias de solo e/ou da vegetação, que medem
aproximadamente 5 m de largura.
As estradas apareceram nas imagens como linhas extensas, de coloração
escura, no caso das imagens pancromáticas, ou com diferenças de cor e de
intensidade, nas imagens multiespectrais. A avaliação foi que as imagens
pancromáticas eram as mais úteis, desde que a sua definição fosse, em ordem de
valor, maior do que a largura média das feições das estradas.
Para a maioria dos trechos, os dados multiespectrais foram de baixa
definição em relação à largura média das estradas. Entretanto, as imagens
multiespectrais forneceram, frequentemente, informações sobre as diferenças da
cobertura de vegetação. As mesmas foram usadas para corroborar o potencial das
estradas antigas reconhecidas nos dados pancromáticos.
Na sequência, os traços lineares identificados nas imagens foram avaliados,
pois incluíam um conjunto de estradas pré-históricas, históricas e modernas. A
partir da observação do solo, foram eliminadas as estradas relativas a uma
atividade mais recente.
Equipes de pesquisa examinaram em campo todas as áreas identificadas
como estradas potenciais nas imagens de satélite e constataram que a presença das
estátuas ao longo dos leitos de estrada, assim como feições lineares construídas,
tais como depressões em forma de “u”, serviram como critério preliminar para
confirmar as estradas pré-históricas.
As feições não eram sempre contínuas, mas agregações lineares que
poderiam ser traçadas na paisagem. O uso desses critérios na pesquisa significou
que o mapa delineava o número mínimo de estradas para os moai, não obstante se
assegure que os padrões observados estejam relacionados à atividade pré-histórica
e não às fazendas de criação de gado ou aos outros tipos de atividades históricas
tardias.
Para distinguir as estradas antigas das históricas e modernas, assim como
outros traçados lineares na paisagem, os pesquisadores deram atenção particular
às feições lineares cruzadas por traçados históricos, tais como estradas de ranchos
ou muros, para estimar a ordem relativa.
88
Eles também mapearam a distribuição das 702 estátuas e de 87 topetes das
estátuas de cinza vermelha vulcânica da cratera de Puna Pau. Finalmente,
prospectaram o solo cobrindo aproximadamente 70 km de estradas potenciais, o
que consistiu em percorrer as áreas identificadas como estradas potenciais (antigas,
históricas ou modernas) e registrar as evidências de modificações p-históricas,
padrões lineares da erosão, e, particularmente, a presença das estátuas.
Como resultado, as investigações dos alinhamentos traçados nas imagens de
satélite conduziram à descoberta de diversas estátuas não documentadas
previamente. As análises e as observações de campo identificaram 32 km de
estradas antigas dos moai, que se originavam como raios a partir da pedreira de
Rano Raraku através da ilha. Essas estradas compreendem um mínimo de quatro
rotas principais que conduzem de norte a noroeste, de norte a oeste, de sudoeste a
oeste e de sul a oeste.
O traçado das estradas das estátuas revela também sua independência das
áreas de alta densidade de ocupação. Os trajetos não conectam as áreas de
habitação umas às outras. Preferencialmente, os caminhos parecem terem sido
construídos, originalmente, para o transporte das estátuas e o para outras
finalidades básicas, tais como viagem e comunicação. Isso pode distinguir, em
algum grau, as vias da Ilha da Páscoa dos sistemas econômicos gerais de transporte
de qualquer outra parte do mundo.
Algumas estradas antigas de estátuas foram modificadas e reutilizadas em
épocas históricas e modernas. Em muitos casos, os caminhos antigos parecem ter
oferecido trajetos ideais para carreiros de cavalos, carros de boi, ou, mais
recentemente, para veículos motorizados. O uso recente das estradas antigas
parece ter seguido o trajeto “de menor resistência”, pois são relativamente livres de
rochas ou de outras barreiras e atravessam uma topografia mínima e distâncias
menores de um ponto a outro.
O trabalho de Gabe Wofford (2007), aprofundando o estudo de Lipo e Hunt
(2005), testa os recursos do software ArcGis e da análise de imagens de satélite. Um
grande progresso foi realizado ao identificar locais potenciais de estradas pré-
históricas. Entretanto, o teste somente apontou os locais possíveis e que requeriam
a confirmação através de prospecções nas visitas futuras à ilha.
Conforme explicação do autor:
Potential road features can be recognized as linear forms on several criteria,
often found in combinations, including vegetation differences, depressions
filled with cobble scree, banks, trails between statues, erosion patterns and
shadow marks. These features tend to display themselves as chromatic
89
variations in the satellite images. Following patterns of statues across the
island with an overlay layer showing moai (statue) locations proved very
useful in furthering the roads survey. The moai can be seen to create a
somewhat linear configuration across the landscape. The location of these
statues away from ahu (ceremonial platforms), indicates they were left en
route, and never completed their journeys, thus lying along the ancient
roadways. (WOFFORD, 2007, p. 93-94).
Para tanto, Wofford (2007, p. 94-95) salienta os procedimentos adotados. Em
primeiro lugar, teve que “acostumar os olhos” a reconhecer cada feição nas
imagens. Começando com uma tela em branco, o autor traçou as estradas
identificadas pelas pesquisas anteriores. Após ter seguido e desenhado as formas
visualizadas, procurou localizar as disposições lineares que se ramificam para fora
da pedreira principal de moai na cratera de Rano Raraku. Um exame sistemático
por transects através da ilha revelou um número maior de locais que o poderiam
ser vistos em relação à pedreira central.
Dentre as dificuldades de análise, o autor (ibid., 95-96) destaca as falsas
feições lineares junto às estradas e os negativos falsos, nos quais as estradas são
obscurecidas ou confundidas com objetos modernos. As estradas históricas e
modernas, assim como os muros de pedra, aparecem claramente como objetos
lineares nas imagens, mas geralmente podem ser eliminadas como possíveis
estradas antigas. Além disso, as trilhas de animais domésticos e os cursos d‟água
perenes e os canais de erosão (não nenhum córrego permanente em Rapa Nui)
apresentam assinaturas cromáticas similares às formas conhecidas para as
estradas.
A sobreposição ocorre em muitas áreas onde as estradas modernas e trilhas
de caminhadas ou carreiros de animais domésticos seguem os percursos pré-
históricos. Quando o desenvolvimento começou na ilha, as rotas mais fáceis para se
viajar eram ao longo das estradas pré-históricas previamente estabelecidas. Na
paisagem rochosa da ilha, ao contrário, os trajetos mais fáceis para jipes e cavalos
eram aqueles limpos para o movimento da estátua. É difícil distinguir os lugares
onde isso ocorre. As estradas são também indetectáveis em áreas desenvolvidas.
Depois da análise inicial, Wofford (2000, p. 96) comparou a imagem de
satélite aos documentos históricos e aos dados existentes de campo. Os
documentos representaram a ilha antes da construção da maioria das estradas
modernas, oferecendo assim indícios a respeito do uso histórico e moderno das
rotas pré-históricas. Entretanto, nessa época, a questão da sobreposição indicou a
necessidade de reconhecer que as trilhas históricas e modernas seguiram
provavelmente as estradas antigas.
90
A partir da discussão dos resultados, a pesquisa propôs a hipótese que:
The roads emerge from the quarry in a radial pattern, suggesting that they
were not necessarily shared, but each region (potentially related to individual
social groups) had its own road for delivery of statues from Rano Raraku.
This apparent independence and lack of cooperation indicates the lack of a
centralized authority. A model of smaller, competing groups is more likely.
(WOFFORD, 2007, p. 96).
No contexto brasileiro, Assis e equipe (2007) realizaram o projeto de pesquisa
“Levantamento Histórico-Arqueológico da Estrada Real, no trecho Ouro Branco-
Ouro Preto / MG”, procurando identificar e registrar o patrimônio arqueológico
remanescente dos caminhos oficiais estabelecidos entre as cidades de Ouro Branco
e Ouro Preto, na região central de Minas Gerais.
Nesse projeto, foram pesquisados três segmentos de caminhos: um segmento
do Caminho Novo e dois segmentos da Estrada de Paraibuna, sendo um deles
inacabado. Buscaram enfatizar a compreensão das “[...] condições de acessibilidade
e deslocamento, recursos técnicos empregados na construção das estradas, infra-
estrutura e, finalmente, o papel das estradas como elementos de integração e
articulação” (ASSIS et al., 2007, p. 2).
Os procedimentos metodológicos adotados pela equipe de pesquisadoras
combinaram a pesquisa documental e bibliográfica, aliada à pesquisa arqueológica
e geoprocessamento de dados
24
. Dentre as atividades executadas:
Foram prospectados cerca de 87 km lineares ao longo dos caminhos e
imediações, permitindo sua delimitação cronológica e o registro de trechos
preservados e estruturas associadas. No conjunto de caminhos abordados
pela pesquisa, foram identificados diferentes tipos de estruturas viárias,
construídas para viabilizar a passagem dos mesmos sobre drenagens, vales
ou terrenos inclinados, bem como para escoar as águas de seus leitos. Para
efeito de sistematização, tais estruturas são aqui designadas como cortes,
arrimos, pontes e estruturas de drenagem (canais, drenos, bueiros e
galerias). (ASSIS et al., 2007, p. 1).
O referido projeto teve como objetivo analisar as estruturas viárias, como
cortes, arrimos, pontes, estruturas de drenagem entre outras, utilizando como
parâmetros os quesitos como função, forma, técnicas e materiais utilizados.
Realizaram também um estudo comparativo entre as estruturas edificadas em
ambas as estradas identificadas pela pesquisa.
24
“Inicialmente, foram preparadas bases cartográficas da área em estudo, a partir do
georreferenciamento das ortofotocartas, dados vetorizados de relevo, hidrografia e outros. Os dados
produzidos em campo foram vetorizados em ambiente digital e incorporados à base cartográfica,
possibilitando o cruzamento de informações. Tal metodologia permitiu a construção digital das
ocorrências de forma abrangente, resguardando seus elementos constituintes e suas correlações com
o entorno.” (ASSIS et al., 2007, p. 2).
91
No contexto dessas estradas, a abordagem arqueológica proposta através do
registro de suas estruturas físicas remanescentes, como o traçado e as estruturas
viárias, mostrou-se como mecanismo mais importante, possibilitando a
identificação e o registro dos vestígios, se considerados os riscos de degradação a
que estão sujeitos. Dessa forma, “[...] o conhecimento adquirido a partir da
pesquisa arqueológica pode ser utilizado como instrumento para implementar
políticas de preservação desse patrimônio” (ASSIS et al., 2007, p. 2).
Esse trabalho aponta a importante constatação de que não houve a
sobreposição das estradas na área estudada. Tal circunstância pode ser explicada,
em parte, pelas condições do relevo acidentado na região. “Para vencer obstáculos
como a Serra do Ouro Branco, foram construídas diversas opções de traçado do
Caminho Novo, transpondo ou contornando a sua encosta” (ibid., p. 7).
Outro dado importante, apontado pelos vestígios arqueológicos e os relatos
dos viajantes nesse estudo, foi a comprovação de que na construção dos caminhos
interurbanos, no século XVIII, não foram empregadas técnicas muito aprimoradas.
Dentre as estruturas viárias construídas, as autoras explicam que:
Embora os relatos apontem para a quase inexistência de estruturas, ao
longo do Caminho Novo, o levantamento arqueológico constatou a presença
de construções nos trechos mais acidentados da área estudada. É o caso dos
dois segmentos que se mantiveram preservados, na encosta sul da Serra do
Ouro Branco, onde se verificou o emprego de recursos de nivelamento e
contenção através de aterros e arrimos, além de sistemas de drenagem de
águas fluviais e pluviais, através de galerias e bueiros de pedra. As
dimensões deste leito remanescente são moderadas, com larguras entre 3,0
e 5,0 m, podendo chegar a 7,0 m nos locais de implantação de bueiros e
galerias. (ASSIS et al., 2007, p. 8).
Os diferentes tipos de estruturas viárias identificadas e registradas no
conjunto dos caminhos abordados nessa pesquisa arqueológica podem ser
relacionados e caracterizados como:
Arrimos e cortes: Os cortes são encontrados em locais onde as estradas
atravessam terrenos inclinados, sendo feitos na terra ou na rocha. Em geral,
nos locais onde ocorrem cortes e desaterros, há, em contraposição, áreas
aterradas para nivelamentos do leito e arrimos para sustentar os aterros. Os
arrimos também são freqüentes nas áreas de transposição de vales ou
drenagens, onde o leito dos caminhos foi elevado por meio de aterros. Esses
arrimos encontram-se em geral associados às pontes e estruturas de
drenagem.
As estruturas de drenagem têm, como objetivo, escoar as águas sobre e/ou
sob o leito das estradas, podendo ser classificadas como canais e drenos,
quando em superfície, e bueiros e galerias, quando subterrâneas.
Canais: Os canais, relacionados com a drenagem das águas pluviais, são
sulcos talhados na superfície das rochas, de secção côncava, que conduzem
as águas das chuvas às demais estruturas do sistema de drenagem. Os
canais identificados no leito do Caminho Novo, talhados diretamente nas
rochas, apresentam traçados sinuosos e desiguais, correndo no próprio leito
ou em suas laterais. Já no caso da Estrada de Paraibuna, os canais
92
localizam-se sempre nas margens da estrada, sendo em geral mais retilíneos.
Drenos: Os drenos são orifícios retangulares, encontrados em peitoris ou
arrimos, destinados ao escoamento das águas pluviais. Freqüentemente
apresentam, junto às faces externas, pedras salientes em forma de calha
as gárgulas- destinadas a jogar as águas a certa distância das paredes, de
forma a protegê-las.
Galerias: Assim como os bueiros, as galerias são estruturas de drenagem
subterrâneas, mas, sua principal função é permitir a vazão das águas de
drenagem naturais atravessadas pelas estradas. Em geral, para a travessia
de uma drenagem, o leito da estrada eleva-se por meio de um aterro
suportado por arrimos de ambos os lados. Em um desses arrimos
localizado no nível mais alto do terreno natural localiza-se a boca (entrada)
da galeria, conformada por um vão regular, implantado ao nível do leito da
drenagem. A partir da entrada, a galeria desenvolve-se em linha reta,
acompanhando a inclinação natural do terreno, de modo a escoar as águas
em direção à outra margem da estrada. Os vãos subterrâneos são definidos
pela disposição de dois arrimos paralelos (de pedra), cobertos com lajes (de
formato achatado), cujas larguras atingem até 1,50m. Do lado oposto à
entrada, encontra-se a saída da galeria, também de formato regular,
geralmente implantada diretamente sobre a superfície natural da drenagem.
Nas galerias, os arrimos que sustentam os aterros podem ser
complementados por parapeitos com drenos e gárgulas. (ASSIS et al., 2007,
p. 9 -12, grifo nosso).
Comparativamente, a pesquisa concluiu que as estruturas viárias que
compõem ambas as estradas apresentam as mesmas tipologias e funções. Contudo,
quando comparados os dois segmentos:
[...] observa-se um grau de aprimoramento mais elevado nas estruturas
componentes da Estrada de Paraibuna. Enquanto as estruturas do Caminho
Novo apresentam modestas dimensões e ocorrem em pequena quantidade,
as Estradas do Paraibuna apresentam maior porte e ocorrem em
praticamente toda a extensão dos trechos registrados. [...]
Quanto aos recursos utilizados para a implantação das estradas, desde os
sistemas mais simplificados utilizados em bueiros e galerias, até os mais
elaborados como as pontes abobadadas, verificou-se o emprego de tipologias
semelhantes em ambas as estradas e que cumprem, via de regra, as mesmas
funções. Evidentemente, desde a construção do Caminho Novo até a
implantação da Estrada de Paraibuna, houve tempo para experimentações e
aprimoramentos que resultaram no completo domínio daquela tecnologia.
Em conseqüência, as estruturas da Estrada do Paraibuna apresentam maior
porte, recursos mais apurados e precisos de construção, além de ocorrerem
em praticamente toda a extensão dos trechos registrados. (ASSIS et al.,
2007, p. 9 e 16).
Com relação aos processos construtivos, as semelhanças encontradas nas
estradas analisadas indicaram que as vias foram construídas como obra num
conjunto, “[...] obedecendo a um projeto ou traço padronizado para as dimensões
das drenagens a serem transportadas” (ASSIS et al., 2007, p. 17).
No contexto do Caminho das Tropas, na poão da rota dos Campos de Cima
da Serra no Rio Grande do Sul, Adriana Fraga da Silva (2006) desenvolveu sua
dissertação de mestrado, onde investigou a paisagem do Troperismo na região de
Bom Jesus (RS), sob a ótica da arqueologia.
A autora procurou identificar a técnica de construção, as fontes de matéria-
93
prima e os recursos naturais utilizados para a condução dos animais e dos
tropeiros, além de procurar compreender a inserção destes elementos na paisagem
e verificar as escolhas topográficas. No que se refere à análise do caminho com
corredores identificados, a autora explique que:
A técnica construtiva empregada nestes corredores foi a mesma utilizada na
estruturação das mangueiras (currais). Trata-se de uma construção em taipa
de pedra com rejunte seco, de base larga medindo em média 1m de largura,
e topo mais estreito, com medidas entre 0,60m e 0,70m. Enquanto a largura
do corredor apresenta as maiores variações entre 13m e 46m, a altura mede
entre 1m e 1,50m.
O Basalto que aflora nos campos foi utilizado como matéria prima e, assim
como na construção dos currais, alguns blocos necessitaram de preparo
prévio. Localizou-se muitas lascas ou blocos menores, resultantes da
atividade de lascamento. Além disso, dentro ou próximo aos corredores
lascas de refugo, oriundas da preparação de blocos e das lascas de encaixe
que compuseram a estrutura.
Um outro aspecto importante na estruturação destes corredores é a
possibilidade de inclusão de elementos presentes na superfície do campo na
composição da própria estrutura, como o que se pode observar no corredor
localizado na atual Fazenda do Costa. [...] nota-se uma rocha localizada
junto a um afloramento situado na parte interna do corredor, onde há
indícios de lascamento para obtenção de matéria-prima. Percebe-se que o
alinhamento longitudinal da rocha foi utilizado no traçado da taipa. (SILVA,
2006, p. 133).
A autora também constatou a ausência de corredores em algumas áreas:
Durante as prospecções percebeu-se a ausência de corredores em
determinadas áreas. O motivo é incerto. No entanto, algumas inferências
puderam ser feitas depois de tê-los percorrido: por um lado, estas estruturas
foram instaladas em áreas de campo aberto, para auxiliar na condução de
animais em locais onde não existem barreiras naturais para evitar a
dispersão do gado. Por outro, a presença de corredores, construídos
provavelmente em meados do século XIX, cruzando propriedades
particulares garantia que tropas não fossem conduzidas sobre os campos e
as plantações das fazendas.
Ao mesmo tempo em que limitava a área de transito, sem causar prejuízos
em pastagens, plantações, e não permitindo que o gado conduzido fosse
misturado com o dos fazendeiros, estes corredores significaram o
disciplinamento na conduta de movimentação do transeunte. Ou seja,
configuraram uma estrutura de poder que representava a imposição de um
caminho oficial, no qual a não existência de aberturas laterais fazia com que,
uma vez dentro do corredor, os tropeiros seguissem por este até o seu final.
Além disso, estas estruturas exercem um forte condicionamento sobre o
olhar do transeunte. (SILVA, 2006, p. 131-132).
Durante o trabalho de campo, Silva (2006, p. 134) observou que a região dos
Campos de Cima da Serra fornece várias alternativas topográficas menos inclinadas
para atravessar o terreno. Todavia, a disponibilidade de água parece também ter
influenciado a escolha dos locais de passagem do Caminho. Assim, a autora explica
a importância de inclusão das áreas de água nos corredores:
Considerando que estas estruturas não apresentam aberturas laterais os
recursos hídricos eram explorados naqueles pontos onde os corredores
cruzavam por áreas alagadas ou pequenos córregos. [...] Percebe-se que,
94
mesmo existindo outras alternativas de passagem, uma grande abertura na
estrutura foi construída de forma que o corredor parece abraçar a área de
terreno alagadiço. (SILVA, 2006, p. 134).
Além da disponibilidade de água, a inclinação do terreno foi outra variável
ambiental observada na instalação do caminho:
[...] as escolhas por passagem em terrenos de média ou baixa encosta, como
forma de evitar o transito por grandes aclives e o desgaste físico dos animais
conduzidos, também foi um dos fatores importantes para a definição das
rotas. Afora este tipo de relevo, as áreas mais planas em pontos de maior
altitude também foram cortadas por corredores. (SILVA, 2006, p. 134-135).
Nessa pesquisa, foi realizada a tentativa de identificar as zonas de trânsito.
Para tanto, a autora selecionou uma área próxima ao Registro Santa Vitória “[...]
por onde cruzaram antigos caminhos, e seguem rotas hoje utilizadas. Após a
escolha do quadrante envolvente, os corredores e as estradas atuais foram
georeferenciados e sobrepostos ao mapa isométrico da área” (SILVA, 2006, p. 137).
O resultado do geoprocessamento aplicado nessa área foi:
De acordo com o que foi observado em campo, os antigos caminhos (em
vermelho) seguem por áreas mais altas e planas, desviando de cursos d‟água
muito caudalosos. Ao cruzar estes dados com as estradas atuais (em cinza),
seguindo a declividade do terreno, se observa possíveis continuidades entre
as antigas rotas e estas. No entanto, a hipótese de que a construção dos
corredores ocorreu somente em área de campo aberto, deve ser repensada.
[...]
Pode-se inferir, para este quadrante envolvente, que os corredores
representam uma iniciativa particular de controle e disciplinamento de
passagem em propriedades privadas. Além disso, as zonas de transito foram
identificadas nas áreas mais claras da imagem, ou seja, junto ou próximas
às estradas atuais, seguindo por maiores altitudes e terrenos
topograficamente regulares. (SILVA, 2006, p. 138-139).
Este subcapítulo forneceu um panorama sobre as pesquisas arqueológicas
referentes aos caminhos e suas possíveis contribuições ao estudo do Caminho das
Tropas e de suas estruturas viárias.
As diversas pesquisas arqueológicas realizadas por arqueólogos latino-
americanos em contexto distintos de caminhos, que abrangem redes viárias pré-
incaicas, incaicas, pré-coloniais e coloniais, mostram o avanço da investigação de
caminhos antigos na arqueologia e as possibilidades de estudos científicos
realizados.
As várias abordagens em diferentes contextos históricos apresentaram um
universo de possibilidades, métodos e resultados promissores para investigar a
construção das vias de trânsito, instalação, função, materiais construtivos,
estruturas viárias, estruturas de apoio, traçado, mas também compreender as
95
relações sociais, econômicas e geopolíticas engendradas nas sociedades pretéritas.
Esses trabalhos auxiliaram na proposta metodológica desta pesquisa,
adaptando aspectos ou elaborando outros. Mas, sobretudo, foram fundamentais
para pensar o Caminho como objeto de análise, como um sítio arqueológico e os
artefatos que o compõem, modificando a forma de olhar para os vestígios
arqueológicos.
Dentre os trabalhos analisados, destaca-se a produção de Vitry, que
desenvolveu uma ficha de registros dos componentes de um caminho, pensando
nas categorias de registro dos sítios arqueológicos e efetuando adaptações ou
modificações necessárias. Assim foi possível sistematizar os dados coletados em
campo e converter em informação útil à pesquisa.
Outra contribuição a destacar foi o trabalho de Osinaga (2005) com a
investigação dos padrões construtivos, o uso do método de prospecção e
reconhecimento terrestre e a subdivisão do caminho em segmentos para melhor
analisar e manejar os dados.
No que se refere ao estudo das estruturas viárias, o trabalho de Assis e
equipe (2007) proporcionaram exemplos importantes no contexto brasileiro dos
caminhos oficiais, sejam coloniais ou imperiais, na região central de Minas Gerais.
O estudo também usou a pesquisa documental aliada à investigação arqueológica e
o geoprocessamento. As estruturas foram abordadas segundo os critérios de forma,
função, técnica construtiva e materiais utilizados.
Os trabalhos apontaram que os caminhos, enquanto sítios arqueológicos,
apresentaram especificidades que devem ser consideradas para o seu estudo,
exigindo metodologias específicas de registro e coleta de dados. Além disso, faz-se
necessário observar distintas variáveis que influenciaram a sua construção, assim
como a conservação dos remanescentes.
Um aspecto bastante recorrente nas pesquisas apresentadas foi o uso de
novas ferramentas tecnológicas e de informática aplicadas à arqueologia para
mapear e estudar os caminhos. Uma ferramenta utilizada é o SIG, para análise de
vários níveis e escalas, mesmo na etapa anterior, auxiliando a localizar os traçados
de caminhos. Pode-se trabalhar com questões de diversas ordens, tais como
espaçamento entre os sítios de apoio, trechos ausentes ou traçado desconhecido,
ocorrência de estruturas e suas distribuições. Com o Modelo Digital de Elevação
(DEM) ou Modelo Digital do Terreno (MDT) é possível trabalhar com questões de
visibilidade e instalação no terreno.
Outro método empregado foi o uso de fontes escritas relacionando-as ao
96
registro arqueológico. O uso de outras fontes de pesquisa também é apontado como
bastante pertinente ao estudo de caminhos, tais como a análise de fotografias
aéreas, imagens de satélite e cartas topográficas. Além destas, citam-se ainda o uso
da informação oral e toponímia.
As imagens de satélite de alta resolução têm alto potencial informativo,
possibilitando a identificação de estruturas arqueológicas e marcas no solo como
sendas, trilhas, caminhos, tanto de estruturas lineares quanto de não lineares.
Todavia, tais recursos são limitados, principalmente em caso de áreas
encobertas pela vegetação densa ou por outro tipo de cobertura de solo,
impossibilitando a visualização da superfície. Outro fator a ser considerado também
é o uso do solo atual como áreas agricultáveis, reflorestamento, edificações e outros
mais que podem dificultar ou impossibilitar o reconhecimento de feições nas
imagens.
As pesquisas latino-americanas mais recentes nas redes viárias mostram
problemáticas mais relacionadas à compreeno de aspectos formais dos caminhos,
como as estruturas que os compõem, as fases de construção, a datação, entre
outros, com abordagens interdisciplinares. Passam de uma escala de região para a
compreensão de aspectos do próprio sítio.
A partir das contribuições da arqueologia para o estudo dos caminhos
antigos, seja no uso de novas ferramentas, novos métodos, novas abordagens ou
nos resultados obtidos, será apresentada na sequencia a proposta metodológica que
foi empregada neste estudo sobre o Caminho das Tropas no contexto histórico do
Brasil meridional e das condições ambientais regionais.
2. 3 PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O ESTUDO DO CAMINHO DAS
TROPAS
A proposta metodológica para o estudo dos remanescentes arqueológicos do
Caminho das Tropas segue diferentes estratégias, de acordo com as especificidades
de cada tipo de fonte utilizada nesta pesquisa.
As ferramentas empregadas para a análise do objeto de pesquisa têm como
eixo central a pesquisa em documentos textuais, cartográficos e iconográficos e a
realização de levantamento arqueológico associado à estruturação de um Sistema
de Gestão de Base de Dados Relacional (SGBDR) e ao desenvolvimento de um
Sistema de Informação Geográfica (SIG).
97
Inicialmente, serão apresentados os conceitos chaves empregados para o
desenvolvimento da pesquisa, buscando definir terminologias e também situar a
discussão de caminhos no contexto historiográfico brasileiro.
2. 3. 1 Definições iniciais: picadas, caminhos, estradas...
As vias de circulação, na documentação textual e cartográfica referente ao
Brasil Colonial, foram denominadas com diferentes termos, tais como caminho,
estrada, itinerário, picada, etc., muitas vezes como sinônimos para uma mesma via,
outras vezes com significados distintos. Nesse sentido, propõe-se, num primeiro
momento, definir as denominações essenciais e aquelas empregadas nesta
pesquisa, para melhor compreender o estudo do Caminho das Tropas.
Muitos são os autores que mencionam a existência de redes de circulação
utilizadas pelas populações silvícolas no território brasileiro e americano quando da
chegada dos europeus ao continente como, por exemplo, o Caminho do Peabiru. Por
este caminho, Álvar Núñes Cabeza de Vaca partiu a da Ilha de Santa Catarina e
seguiu até Assunção, em 1542, guiado por índios Guarani.
Outro dado convencionado na historiografia brasileira foi o uso dessas vias
usadas pelos indígenas como os primeiros caminhos utilizados pela coroa
portuguesa para a abertura ou para a instalação de caminhos e estradas reais. Esta
questão é bastante viável, se considerado que os grupos indígenas se deslocavam
pelo território em busca da subsistência, migravam para outras regiões por diversas
razões, realizavam contatos interétnicos e também guerreavam com outras tribos.
Contudo, após cinco séculos de ocupação, colonização e formação do país,
torna-se praticamente inviável comprovar e distinguir os possíveis caminhos
construídos sobre vias indígenas, em decorrência dos processos de modificação do
espaço, dos usos e reúsos das vias e mesmo pelo estado de conservação dos trechos
dos caminhos antigos remanescentes.
Longe de negar a reutilização de trilhas indígenas, a questão que se coloca é
como se poderia analisar este tema? Quais são os indícios disso? Quais as provas
existentes na documentação? O que a documentação aponta? Partindo destes
questionamentos, a documentação existente sobre a abertura do Caminho foi
analisada em busca dos dados que pudessem indicar tal suposição.
Assim, Botelho e Reis (2002, p. 233) afirmam que os primeiros caminhos
terrestres foram abertos no Brasil pelas populações indígenas. Tratava-se de
picadas existentes no meio da mata, utilizadas pelos colonizadores no escoamento
98
de produtos, como o pau-brasil, para o litoral, onde eram embarcados e enviados
aos centros consumidores. A abertura de estradas está relacionada com o processo
histórico da conquista, da exploração e da manutenção do território.
Com a fundação das primeiras vilas no interior, as do planalto vicentino, a
trilha dos tupiniquins, transpondo a Serra de Cubatão, transformou-se no
“Caminho do Padre José”, ou “Caminho do Mar”. Nas áreas nordestinas
açucareiras, o transporte do produto até os portos deu origem às estradas
percorridas por carros de boi. Ao longo do séc. XVII, as estradas penetraram
nas áreas do Sul e, seguindo rios e abrindo picadas nas florestas, criaram
novas vias no Nordeste e Norte, juntamente com a construção de missões
pelos jesuítas e a exploração das drogas do sertão no Grão-Pará. Com a
pecuária, rotas traçadas pelo gado interiorizavam o povoamento, muito além
do Tratado de Tordesilhas. A descoberta do ouro promoveu a abertura do
Caminho Velho do Rio de Janeiro para as Minas Gerais e do Rio das Velhas
(passando por Parati e Guaratinguetá); o Caminho Novo, de Garcia
Rodrigues Pais, que mais diretamente ligava o Rio de Janeiro a Vila Rica, e
também os dois caminhos da Cidade da Bahia para as Minas do Rio das
Velhas. Para a área da mineração também se dirigiam os muares e cavalos
da Colônia de Sacramento, Curitiba e São Paulo. Os tropeiros, com suas
tropas, procuravam roteiros melhores e mais seguros, transportando cargas
para os sertões. A partir da instalação da Corte Portuguesa no Brasil, as
antigas estradas continuavam a ser usadas, como as que transpunham o
Rio Grande do Sul, chegando ao Rio de Janeiro e São Paulo e passando, no
litoral, por Laguna, Desterro, São Francisco, Paranaguá, Cananéia, Iguape,
Santos e, no interior, por Curitiba e Sorocaba. Em Santa Catarina, a Estrada
Dona Francisca, de São Francisco a Rio Negro. A Estrada da Graciosa, que
ligava Curitiba ao porto de Antonina. Em São Paulo, a que atravessava a
Serra do Mar e chegava ao porto de Parati, no Rio de Janeiro. Com o café,
novas estradas surgiram: as da região do Rio Paraíba e as de Minas Gerais,
destacando-se as da Serra da Estrela, do Comércio, de Sapucaia e a Estrada
União e Indústria, entre Petpolis e Juiz de Fora. (BOTELHO; REIS, 2002,
p. 233-4).
Na América espanhola, o fenômeno de instalação dos “caminos reales”
também ocorreu sobre as vias de comunicação dos aborígines, como Tarazona e
Botero (2005) destacam:
Muchas de las rutas que comunican las regiones del país fueron pensadas
desde tiempos prehispánicos. Un gran número de los "caminos reales" que
abrieron los españoles se hicieron sobre las rutas que ya tenían establecidas
los aborígenes; sobre los caminos reales también se trazaron algunos tramos
de las carreteras de la actualidad. Los caminos reales adquirieron esta
connotación porque tanto su mantenimiento como administración se
realizaba por delegación del rey. Fueron los más empleados durante la
colonia porque servían para unir las provincias. (TARAZONA; BOTERO,
2005, p. 9).
Conceitualmente, um caminho se define como uma “[…] vía formal que posee
algún tipo de evidencia de construcción y planificación” (EARLE, 1991, p. 10-11
apud VITRY, 2005, p. 322). Nesta perspectiva, um caminho se caracteriza pela
existência de dispositivos e estruturas construídas para funcionar como uma via
formalizada. Este aspecto o diferencia de outras vias não construídas como picadas,
trilhas e sendas, que possuem um aspecto mais natural, sem a necessidade da
99
instalação de dispositivos viários para o seu funcionamento.
Todavia, segundo o “Dicionário Cartográfico”, um caminho tem a acepção de
uma “faixa de terreno, destinada ao trânsito de um para outro ponto; trilho, picada,
atalho” (OLIVEIRA, 1980, p. 54). No entanto, emprega-se a definição de caminho
que se distingue de picada, senda ou trilha, como um espaço de trânsito
formalizado no terreno, podendo ser formado em parte por trechos sem estruturas
construídas, ou seja, por sendas.
Conforme Erickson, os caminhos se distinguem de sendas ou trilhas, pois
podem ser definidos como:
[...] estructuras formales, demarcadas claramente, hechas de una variedad
de materiales, que conectan “lugares” definidos culturalmente. En contraste
con los senderos, los caminos son planeados deliberadamente, con límites o
bordes y a menudo son detalles importantes de la configuración del paisaje.
Los caminos pueden tener funciones prácticas tales como transporte y
comunicación o éstas pueden ser poco prácticas, o los caminos pueden
parecer “demasiado construidos” para funciones utilitarias básicas.
(ERICKSON, 2000, p. 17).
Uma via de comunicação pode ser decomposta em duas concepções,
“caminho” e “itinerário”, que são complementares, mas fundamentalmente
diferentes. Segundo a acepção de Juillard (2007):
L‟itinéraire est présent dans l‟esprit du voyageur, c‟est le but, la destination
qui «créé» le chemin. Le chemin, à l‟opposé, est formel. Il représente
matériellement le chemin entre deux point (par exemple, un simple sentier
de terre matérialisé à la suite du passage d‟une multitude de voyageurs).
Le chemin est la représentation concrète d‟un itinéraire. Il en est sa
matérialisation dans l‟espace géographique, mais ne prend pas forcément
l‟aspect d‟un chemin construit.
A noção de estruturas construídas e não construídas proposto por Juillard
(2007) é bastante pertinente ao estudo das vias de comunicação andinas, assim
como para este estudo, o qual apresenta, a seguir, as definições para caminhos
construídos e não construídos:
Si les chemins non construits peuvent être utilisés conjointement par toutes
les civilisations, les chemins construits demandent une planification du
tracé, précédant la construction du chemin et sont le fait de civilisations
possédant une organisation politique plus centralisée.
Le chemin non-construit : n‟est pas une réalisation réfléchie, planifiée. Il se
matérialise par le passage répété des voyageurs sur le même tracé. Les
chemins non-construits se caractérisent par l‟absence de toute construction
anthropique : ils peuvent être non-formalisés [...]; ou être de simples sentiers
set/ou pistes, formalisés par le passage répété des voyageurs sur le même
tracé. Ce dernier type témoigne d‟une utilisation fréquente du me
itinéraire, étendue sur une plage chronologique importante. [...]
Les chemins construits : Ils présentent au moins un élément de
construction anthropique (chaussée, ligne de pierre, poteaux, balises
diverses, ou murs/murets). Le tracé du chemin est planifié, le terrain
préparé, afin d‟offrir le moins d‟obstacles à la progression, tout en répondant
100
aux besoins économiques, politiques, etc. des constructeurs et/ou
aménageurs. (JUILLARD, 2007, grifo nosso).
A senda, designação ainda pouco empregada nas pesquisas, será
amplamente utilizada neste estudo para denominar trechos analisados do Caminho
das Tropas sem estruturas edificadas para a finalidade vria, mas com vestígios
arqueológicos de terem sido usadas como vias de trânsito para animais e pessoas,
deixando marcas no terreno.
Conforme definição de Hyslop (1984, p. 13 apud VITRY, 2005, p. 322):
[...] las sendas y senderos que su formación se debe al tránsito permanente
de personas y animales, están más adaptados al relieve y permanentemente
sufren modificaciones en su recorrido debido a que no existe una
planificación para mantenerlos en caso de derrumbes u otras modificaciones
que pudiera sufrir. Una vía es un curso de tránsito humano que es
físicamente visible en el terreno.
Beck (1991 apud JUILLARD, 2007) define um caminho construído a partir de
três pontos principais: “1) Une altération plane du paysage; 2) L‟intervention de
l‟homme (investissement laboral); 3) Faciliter et contrôler les mouvements des
hommes et des marchandises”. Para Earle (1991 apud JUILLARD, 2007) “les
chemins construits sont le fruit d‟une planification préparatoire à la construction,
de la rectitude du tracé, d‟une absence de chemin double (ou multiples) et de la
présence d‟éléments formels (ouvrages d‟art, pavement, etc.)”.
As estradas oficiais no Brasil, denominadas comumente de “Estradas Reais”
segundo Assis et al. (2007) se caracterizam,
[...] pelo fato de terem sido efetivamente abertas e controladas a partir da
iniciativa da Coroa Portuguesa, no século XVIII. Atualmente, o termo
adquiriu uma conotação mais abrangente, incorporando também estradas
implantadas no século XIX, a partir da iniciativa do Governo Imperial e dos
governos provinciais. A abertura de estradas e seu efetivo controle, no
contexto do Brasil - Colônia, foi uma das medidas adotadas pela coroa para
evitar contrabandos e irregularidades. Para facilitar a fiscalização, a
circulação de pessoas, comboios de tropeiros, ouro, diamante e outras
mercadorias, deveria ser obrigatoriamente feita pelas Estradas Reais. Ao
longo desses caminhos, foram estabelecidos os registros - postos fiscais para
controle do tráfico e recolhimento de tributos devidos à Coroa. no culo
XIX, a iniciativa dos governos para a abertura de estradas decorreu da
necessidade de facilitar a comunicação entre as diversas regiões, tendo em
vista o incremento das trocas comerciais. (ASSIS et al., 2007, p. 1).
Dessa forma, o termo “Estrada Real” na historiografia brasileira pressupõe,
primeiro, a natureza oficial da via e, segundo, a exclusividade de utilização, como o
único caminho oficial e autorizado para a circulação de pessoas e mercadorias no
Brasil Colonial. O tráfego por outras redes viárias não oficiais constituía crime na
época, denominado de “descaminho”, com a denotação de contrabando.
101
Santos (2001) discute o uso do termo “estrada real” ou “estradas reais”,
buscando explicar a sua origem e emprego:
Reforçaram o caráter legal, de caminho obrigatório para pessoas e
mercadorias, agregando o adjetivo “real ao nome tornaram-se estradas
reais. A expressão mais tarde, quando a era mineradora se foi e os caminhos
se tornaram livres e empobrecidos, deve ter adquirido caráter popular mais
genérico, seguramente guardava, quando surgiu forte conotação oficial.
Eram as estradas da Coroa, do rei, as únicas vias autorizadas da imensa
colônia.
As estradas reais, não obstante a expansão da rede viária, continuaram a ser
os troncos principais [...]. O que as distinguia, afora a antiguidade da rota,
era o controle oficial, materializado nos inúmeros registros e contagens
espalhados pelo seu leito.
Um problema, no entanto, se coloca nesta linha de análise. Se é copioso o
acervo documental existente a respeito dos caminhos coloniais, composto
por cartas régias, contratos, provisões e demais peças, o autor deste estudo
não encontrou, por outro lado, nenhum registro oficial que se reporte á
expressão “estrada real”. Ela não parece ter sido utilizada com sentido
oficial, a designar via pública de propriedade da Coroa metropolitana, ou,
depois da Independência, do governo imperial brasileiro. [...]
Por outro lado, abundam as referencias às estradas reais, com este nome,
nos relatos de viagem escritos pelos pesquisadores estrangeiros quem
estiveram no Brasil nas primeiras décadas do século XIX. (SANTOS, 2001, p.
155-157, grifo do autor).
Pelo fato de não terem sido encontrados documentos oficiais que empregam
esse designativo, segundo Santos (2001, p. 159), isso poderia indicar que seria uma
expressão de uso meramente popular e, assim, ter sido usado nos relatos dos
viajantes estrangeiros.
Os caminhos ou quaisquer rotas viárias desempenharam papel importante,
assim como diversas funções nas sociedades pretéritas, igualmente como nas
atuais:
Los caminos juegan un papel político, económico, tecnológico y estratégico
importante en las sociedades del pasado y del presente. Los caminos
también tienen poderosas funciones culturales, sociales, simbólicas y
cosmológicas cuando conectan lugares y gente. Los caminos formalizados
son transformaciones del ambiente de gran importancia y sus huellas en el
paisaje representan a menudo un palimpsesto de instituciones culturales.
que se sucedieron a lo largo de un período de tiempo prolongado. El análisis
estructural de la organización formal de una red de caminos puede hacernos
entender mejor la interacción social, la tenencia de la tierra, los sistemas de
creencias, y la práctica de la vida cotidiana. Los caminos encauzan y dirigen
la actividad humana de una manera cultural apropiada. Los caminos son
“un modelo de” y “un modelo para” una sociedad, puesto que son un
elemento de la fisonomía permanente del ambiente. En este sentido, los
caminos no son un simple “reflejo” de las instituciones sociales, políticas,
económicas y culturales sino que más bien cumplen un papel activo en, la
estructura de la vida diaria de las personas y de los grupos. Los caminos a
menudo se convierten en “lugares” formalizados en sí mismos pues toman el
carácter de rasgos monumentales sobre el paisaje. (ERICKSON, 2000, p. 17).
A extrema importância das vias de comunicação está expressa em um
documento do primeiro quartel do século XIX, referente às estradas públicas da
Província de São Paulo:
102
Sendo as estradas publicas incontestavelmente um artigo de tanto interesse
e importancia é evidente a utilid.
e
não do maior n.° dellas, como da sua
conservação em bom estado; p.
r
q.‟ sem isto não existirîa o commercio, uma
das principais fontes da riqueza Nacional. (AESP, 1822-1825, fl. 1)
25
.
A partir da importância abordada dos caminhos para os povos do passado,
objetivou-se demonstrar as diferentes conotações e terminologias que aparecem nos
documentos de época e nas publicações sobre o tema. Essas designações e
definições dos seus significados auxiliam a entender os termos utilizados ao longo
da pesquisa e a introduzir a discussão em torno do uso de determinadas
nomenclaturas referentes às vias de trânsito.
2. 3. 2 Procedimentos metodológicos de campo
Para a realização de uma investigação no campo da arqueologia, não é
imprescindível e imperativo que sejam efetuadas intervenções arqueológicas, aqui
compreendidas por qualquer atividade que acarrete o desmonte do tio
arqueológico (coleta superficial assistemática ou sistemática, abertura de
sondagem, trincheira, cortes, poço-teste; decapagem, escavação), para ser
considerado um trabalho de cunho arqueológico. Portanto, adotou-se como
princípios metodológicos o que diz a “Carta Internacional de Arqueologia”:
Um dos princípios fundamentais da busca de informações e da pesquisa
arqueológica é a destruição mínima dos solos arqueológicos, para atender
aos objetivos destes estudos científicos a serem feitos. Os métodos pouco
destrutivos (sondagens, amostragens, observação no próprio terreno,
escavão de salvamento, etc.) devem prevalecer sobre as escavações
integrais. (KERN, 1995, p. 29-30).
Além deste princípio, agregam-se outros fatores limitantes como a carência
de financiamentos para as despesas de campo (transporte, alimentação,
hospedagem, entre outros) e a falta de recursos humanos técnicos capacitados.
Dessa forma, “longe de nos desencorajar, esta série de problemas deve nos fazer
refletir sobre os critérios fundamentais que devem dirigir e coordenar as ações de
intervenção arqueológicas, no atual contexto econômico e social em que estamos
inseridos” (ibid., p. 7).
25
Documento manuscrito: ESTATISTICA Política e Civil das estradas públicas da província de São
Paulo apresentando o estado de conservação da 7 estradas principais em um mapa contendo a
identificação da estrada, o inicio, o término, comprimento em léguas, a direção, estado, meio para
consertar e conservar e responsável. AESP, ordem CO 0864, caixa 69, Ofícios Diversos da Capital
1822 1825, pasta 01, documento 07, folhas 01, 01 v.
103
Foram realizadas etapas de campo que empregaram procedimentos
metodológicos específicos e distintos, de acordo com as características da área
objeto de estudo. Inicialmente, fez-se necessário um levantamento arqueológico da
área de pesquisa, objetivando localizar e proceder ao cadastramento dos vestígios
arqueológicos existentes
26
referentes ao Caminho das Tropas.
As atividades de coleta de dados em campo foram orientadas segundo os
procedimentos metodológicos padrões adotados para o registro de sítios
arqueológicos, de acordo com a tipologia dos sítios pesquisados:
a) No caso dos trechos do Caminho das Tropas, estes foram percorridos a
como um grande eixo, um transect orientando o percorrimento, e as estruturas
identificadas sendo registradas;
b) Os sítios arqueológicos localizados foram registrados e cadastrados na
ficha padrão do Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do IPHAN;
c) Todas as evidências arqueológicas foram georreferenciadas com o auxílio
de um receptor de GPS;
d) Foram produzidas plantas baixas em escala dos sítios arqueológicos; e
e) Realizou-se registro fotográfico em máquina digital de todas as atividades
de campo.
A investigação de estruturas viárias requereu uma proposta metodológica
específica, por se tratar de um objeto linear que normalmente apresenta longas
distâncias em seu traçado e variações físicas ao longo do seu percurso.
Por outro lado, os caminhos e estradas carecem de estudos no Brasil que
atendam às particularidades destes sítios lineares. A própria ficha de registro de
sítios arqueológicos do CNSA não contempla este tipo de vestígio. Esta carência
exigiu o desenvolvimento de um método de estudo e o estabelecimento de critérios
de análise para a investigação como, por exemplo, a fotointerpretação das imagens
e a elaboração de uma ficha própria para o registro das estruturas viárias do
caminho.
2. 3. 2. 1 Procedimentos para o registro das estruturas viárias
Para o estudo das estruturas físicas da via, procedeu-se ao levantamento
arqueológico dos trechos selecionados através do percorrimento a do Caminho,
26
Alguns sítios arqueológicos são conhecidos e reconhecidos como patrimônio histórico na região, mas
nunca foram alvo de um cadastro sistemático dos sítios arqueológicos.
104
adotando os corredores ou o leito do Caminho como um grande transect orientando
o percurso percorrido.
Para a seleção dos trechos a serem analisados, adotaram-se os seguintes
critérios:
a) Trecho cujas estruturas entre o platô e margem direita do rio Pelotas eram
desconhecidas;
b) Trechos de corredores com muros de taipa e sem corredores;
c) Trechos com travessias de cursos de água;
d) Trechos com presença de leito de estrada no interior e sem presença;
e) Trechos passando em diferentes compartimentos topográficos.
A equipe de pesquisa foi divida em duas duplas, sendo que cada uma
percorreu uma das margens do traçado do Caminho, seguindo a faixa externa
lateral ao corredor de taipas de pedra. Procedeu-se à identificação, mapeamento e
registro de todos os elementos construtivos e não construídos observados em
campo.
Para registro dos dados de campo, elaborou-se uma ficha, anotando-se os
pontos de verificação determinados por modificações nas estruturas, tais como
trechos sem corredor de taipa, interrupções (porteiras, estradas, etc.), travessias de
cursos d‟água, sítios arqueológicos (taperas, mangueiras, cemitérios, etc.) e
elementos construtivos distintos (drenos, valas, áreas calçadas, curvas em ângulo
reto, taipas com cerca de arame, etc.).
A “Ficha de registro de estruturas físicas do Caminho das Tropas” (ver
Apêndice A) foi elaborada e adaptada a partir das estratégias de investigação e
registro aplicadas por Vitry (2005) para o estudo arqueológico dos caminhos incas
realizado na Província de Salta, na Argentina.
A sistematização das informações foi realizada através do registro no
formulário “Estruturas físicas do caminho” na base de dados BD-ArqCT, que,
posteriormente, foi importado e espacializado no SIG-ArqCT.
Além dos dados obtidos nas etapas de campo, a fonte documental propiciou
informações que complementam e elucidam os resultados da análise arqueológica.
105
2. 3. 3 Análise e fotointerpretação das imagens de satélite
A análise e a fotointerpretação
27
de imagens, a partir de fotos áreas ou de
satélite, pode ser um recurso técnico muito útil à arqueologia. No Brasil, esta
ferramenta ainda é pouca utilizada na arqueologia. Isto se deve, principalmente, à
falta de acesso dos pesquisadores às imagens aéreas produzidas para a cartografia
(aerofotogrametria) ao longo dos anos e, atualmente, ao custo elevado para
aquisição de imagens de satélite de alta resolução, tais como as geradas pelo
satélite QuickBird
28
. A falta de acesso a esse tipo de recurso implicou também no
pouco desenvolvimento da arqueologia da paisagem no Brasil.
Para uma pequena parte da área de estudo, procedeu-se à análise visual das
imagens a partir de ortofotocartas
29
disponíveis. Buscou-se mapear e registrar as
estruturas que podem ser visualizadas nas imagens de satélite e, posteriormente,
confrontar com os vestígios materiais localizados em campo, procurando determinar
os objetos identificados.
A figura 2 ilustra o processo de exame visual da ortofotocarta, onde é
possível visualizar nitidamente duas estruturas não identificadas: a) uma estrutura
quadrangular marcada pelo alinhamento da vegetação de maior porte; e b)
resquícios lineares semelhantes a um leito de estrada que indicavam ser os
remanescentes do Caminho através da diferença de tonalidade da imagem, da
mesma forma como se percebe na área da estrada municipal, com solo exposto.
Na etapa realizada em campo, a área foi vistoriada e constatou-se que a
estrutura quadrangular tratava-se de uma mangueira construída com muro de
taipa de pedra, sendo registrada como o sítio arqueológico “Tapera do Nicanor
Bastos” (SC-LS-05).
27
Conceitualmente, fotointerpretação pode ser definida como a “técnica empregada na interpretação
de fotografias aéreas com o objetivo de realizar mapeamentos” (TEIXEIRA; CHRISTOFOLETTI, 1997, p.
181). Contudo, o exame de imagens pode ter a simples finalidade de identificar objetos e determinar os
seus significados, ou seja, produzir informações.
28
O QuickBird é um satélite de alta precisão desenvolvido pela DigitalGlobe que oferece imagens de
alta resolução da Terra. Foi lançado em órbita em 2001 na base aérea de Vandenberg, na Califórnia,
EUA. As imagens possuem resolução espacial de 61 centímetros no pancromático e 2,5 metros no
multiespectral. Encontra-se em uma altitude de órbita de 450 km, com freqüência média de visita de 1
a 3,5 dias, conforme a latitude. As imagens captadas são de uma faixa de 16,5 x 16,5 km.
29
Ortofotocarta: “Carta que tem por base uma fotografia aérea, na qual foram retificados os
deslocamentos de imagem devidos a inclinação da aeronave e ao relevo. A planimetria é representada
pela própria imagem da foto, sobre a qual é desenhada a informação altimétrica” (TEIXEIRA;
CHRISTOFOLETTI, 1997, p. 173).
106
Figura 2 - Exemplo de análise e fotinterpretão de ortofotocarta: a) ortofoto; b) ortofotocarta com a
sobreposição de layers existentes pelo levantamento aerofotogramétrico com a sinalização em amarelo
de vestígios identificados na análise, cujas estruturas não foram identificadas no mapa; c)
identificação das estruturas após etapa de campo
Fonte: AHE Pai Querê, Folha PQ-30 (CEPAQ) e a autora (2008).
No caso dos resquícios lineares, tratava-se realmente de vestígios
remanescentes do Caminho, demarcados por corte de barranco à direita do leito e
alinhamento de pedras à esquerda.
A diferença na nitidez, textura e contraste das “linhas” na imagem, ou seja,
a)
b)
c)
107
muro de taipa de pedra, corte de barranco e alinhamentos de pedras, pôde ser
usada como parâmetro para outras estruturas reconhecidas e não identificadas.
Mesmo a “linha” da cerca de arame farpado, caracteristicamente retilínea e fina na
imagem, serviu para estabelecer a diferença comparativamente em relação às áreas
demarcadas com muro de taipa de pedra.
2. 3. 4 Pesquisa documental textual, iconográfica e cartográfica
Os documentos textuais, manuscritos ou impressos, os iconográficos
(desenhos, fotografias, etc.) e os cartográficos (mapas, plantas, etc.) constituem-se
em fontes primárias e representativas de informação para o estudo da história do
Brasil Colônia e Império. Em geral, as séries documentais pesquisadas
caracterizam-se por documentos de caráter administrativo, pois referem-se às
correspondências trocadas entre as autoridades locais e a metrópole:
Tratando-se de documentação de caráter administrativo, pois resulta
essencialmente da troca de correspondências entre as autoridades locais e o
poder central na metrópole, ela reflete, de um modo geral, a evolução política
e administrativa dos vários governos. Pelas leis, regimentos, instruções,
correspondência em geral, informações, relatórios e consultas, se conhecem
as diretrizes referentes à administração ao longo de três séculos. Colonização
e povoamento; construção de grandes obras públicas; exploração de minas e
outros recursos naturais; relações comerciais; explorações marítimas e
terrestres; missões científicas; explorações agrícolas; transportes e
comunicações; defesa; ensino e evangelização; relações fronteiriças, pacíficas
ou de guerra; relações diplomáticas; assimilação de comunidades;
exploração industrial; tráfico de escravos; delimitação de fronteiras etc. A
própria vida local, os usos, costumes e tradições se vêem refletidos nesta
documentação. (ABRANTES, 1997, p. 4-5).
Os acervos formados pela coletânea desses documentos referentes ao Brasil
encontram-se de forma esparsa em várias instituições, tanto brasileiras quanto
estrangeiras. Muitos acervos ainda não estão devidamente organizados, catalogados
e arquivados, requerendo um árduo trabalho do pesquisador de “prospeão
arqueológica” para localização e estudo.
A pesquisa documental de espécimes textuais, iconográficos ou cartográficos
foi realizada em diversos acervos de instituições do país e do exterior, conforme
apresentado no quadro 6.
108
SIGLA
INSTITUIÇÃO
LOCAL
SETOR
AESP
Arquivo do Estado de São Paulo
São Paulo (SP)
- Documentação
- Iconográfico
AHM
Arquivo Histórico Militar
Lisboa, Portugal
- Documentos do Brasil
- Mapoteca
AHU
Arquivo Histórico Ultramarino
Lisboa, Portugal
- Cartografia
BC-
PUCRS
Biblioteca Central Irmão José
Otão
Porto Alegre (RS)
- Obras Raras
BMMA
Biblioteca Municipal Mário de
Andrade
São Paulo (SP)
- Obras Raras Especiais
- Setor de Referência
- Mapoteca
BNF
Bibliothèque National de France
Paris, França
- François-Mitterrand Biblio-
thèque de Recherche
- Richelieu - Cartes et Plans
BNP
Biblioteca Nacional de Portugal
Lisboa, Portugal
- Cartografia
- Iconografia
- Reservados
- Fundo Geral
BPP-
PUCRS
Biblioteca do Pró-Prata
Porto Alegre (RS)
-
CIBEC
Centro de Informação e
Biblioteca em Educação
Brasília (DF)
- Obras Raras
DIEP
Direcção de Infra-Estruturas
Exército Português
Lisboa, Portugal
- Mapoteca
IANTT
Instituto dos Arquivos
Nacionais - Torre do Tombo
Lisboa, Portugal
-
MP
Museu Paulista
São Paulo (SP)
- Documentação
UFR
Bibliothèque Universitaire de
l‟Université François-Rabelais.
Tours, França
- Histoire et Histoire de l‟Art
Lettres et Sciences Humaines
- Maison de Sciences de
l‟Homme
Quadro 6 - Acervos pesquisados em instituições brasileiras e estrangeiras
Fonte: A autora (2008).
A pré-seleção dos documentos de interesse foi feita com base na consulta de
fichários físicos e on-line
30
dos acervos de cada instituição, em catálogos publicados
(AESP, 1997; 1999; ARRUDA, 2000; 2002; 2006; ABRANTES, 1997; AHM, 2001a;
2001b; BERWANGER et al., 2001; COSTA, 1955; FRAZÃO; FILIPE, 1995; FARINHA
et al., 1999; FLORES; SERPA, 2000) e em coletâneas de documentos em versão
magnética (CD-ROM) do “Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio
Branco”
31
: a) “Documentos manuscritos avulsos da Capitania de São Paulo (1618
30
Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, “Projeto TT Online”, disponível em:
<http://ttonline.iantt.pt/index.htm>. Biblioteca Nacional de Portugal, disponível em:
<http://www.porbase.org/pesquisa-porbase.html>; e Bibliotèque National de France, disponível em:
<http://catalogue.bnf.fr/jsp/recherche_simple_champ_unique.jsp?nouvelleRecherche=O&nouveaute=
O&host=catalogue>.
31
O “Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco” é o resultado do resgate da
documentação do Arquivo Histórico Ultramarino em Lisboa referente ao Brasil, executado entre 1986 e
109
1823)” (PROJETO RESGATE...); b) “Documentos manuscritos avulsos da Capitania
de São Paulo (1644 1830)” (PROJETO RESGATE...); e c) “Documentos
manuscritos avulsos da Capitania de Santa Catarina (1717-1827)” (PROJETO
RESGATE...). Os documentos manuscritos desta coletânea referentes à Capitania
do Rio Grande de São Pedro foram consultados em sua versão eletrônica
32
disponibilizada pelo Centro de Memória Digital da Universidade de Brasília - UNB.
Os documentos cartográficos foram ainda pesquisados na base de dados on-
line
33
do Projeto SIDCARTA
34
e em catálogos publicados (A NOVA LUSITÂNIA, 2000;
ADONIAS, 1956; 1969; ADONIAS; FURRER, 1993; AHU, 1960; BN, 1883; GARCIA,
2002; IANTT, 1995; MAGALHÃES et al., 1997; PINA, 1960; TAUNAY, 1922).
Os documentos selecionados foram reproduzidos em diversos suportes
(fotografia digital, microfilme ou digitalização em scanner), conforme as
possibilidades oferecidas e permitidas pelas instituições detentoras do acervo,
gerando um grande acervo de cópias de documentos manuscritos, iconográficos e
cartográficos, que serão posteriormente encaminhas ao Museu Histórico Thiago de
Castro, instituição de guarda do projeto.
Os documentos manuscritos reproduzidos foram transcritos em arquivo
eletrônico Word, seguindo a metodologia de transcrição prevista nas “Normas
técnicas para a transcrição e edição de documentos manuscritos”, publicadas em
Berwanger e Leal (1995) e disponíveis em sítios na Internet
35
. Estas normas fixam
as diretrizes e convenções para a transcrição e edição de documentos manuscritos,
objetivando unificar os critérios das edições paleográficas, possibilitando uma
apresentação racional e uniforme.
O uso de abreviaturas nos documentos manuscritos é algo frequente e o
desconhecimento das siglas e do sistema abreviativo dificulta bastante a
2004 pela Comissão de Eventos Históricos do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) (ARRUDA, 2006).
32
Disponível em: <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-pesquisa.jsp>.
33
Disponível em: <http://www.exercito.pt/bibliopac/bin/wxis.exe/bibliopac/?IsisScript=bin/
bibliopac.xic&db=BASEDSE&lang=P&start=>
34
O Projecto SIDCARTA (Sistema de Informação para Documentação Cartográfica: o Espólio da
Engenharia Militar Portuguesa) foi um projeto que envolveu o Exército Português, o Instituto
Geográfico do Exército e o Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Teve como
objetivo o tratamento documental do espólio do Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia
Militar, constituído por cerca de 12.000 documentos, e a sua divulgação na Internet, através de uma
base de dados constituída pela pré-catalogação/catalogação dos documentos, pela sua imagem digital
e por uma descrão sumária da biografia de alguns autores das plantas, cartas e outros documentos.
35
Normas técnicas para transcrição e edição de documentos manuscritos. Disponível em:
<http://www.aab.org.br/normtec.htm>. Acesso em: 18 fev. 2008; Normas de transcrição de fontes
manuscritas ou impressas. Disponível em: <http://www.diacronia.de/Normas.pdf>. Acesso em 15 fev.
2008; e Normas técnicas para transcrição e edição de documentos manuscritos. Disponível em:
<http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/Transcreve.pdf> Acesso em: 18 fev. 2008.
110
transcrição, tornando mais complexa a interpretação dos mesmos. A obra
“Abreviaturas: manuscritos dos séculos XVI ao XIX” de Flechor (1990) e os artigos
de Costa (s.d.) e Cobra (s.d.) foram ferramentas úteis para a transcrição e
identificação das abreviaturas usadas nos documentos do século XVIII e XIX.
Para a identificação dos documentos foi usado o “Glossário das Espécies
Documentais” (BELOTTO, 2000, p. 301-315) como instrumento terminológico das
espécies e tipos documentais para a elaboração dos verbetes
36
. Para cada
documento, elaborou-se um verbete que apresenta e identifica o documento,
arrolando a categoria documental, ou seja, a identificação da função do documento
(carta, oficio, requerimento, contrato, decreto, etc.), o autor, o destinatário, as
respectivas funções, cargos ou títulos, o assunto, a data tópica e a data cronológica.
Ao se tratar de representações cartográficas, faz-se necessário, inicialmente,
definir o que é cartografia
37
e os seus diferentes produtos, tais como cartas, planos,
mapas e outras formas de expressão cartográfica, elaboradas nos séculos XVIII, XIX
e XX, recorte temporal adotado nesta pesquisa.
A cartografia dos séculos XVIII e XIX produziu vários tipos de representações,
entre as quais, têm-se dentro do universo das representações analisadas, os
seguintes tipos: cartas, mapas, plantas, planos, e outras variações, como carta
esférica e geográfica e mapa corográfico. Muitos destes termos encontram-se
atualmente em desuso ou foram substituídos por novos termos, decorrentes do uso
da tecnologia na produção cartográfica.
As expressões “mapas”, “cartas” e “plantas” têm seu uso bastante confuso e
indiscriminado, levando a crer, muitas vezes, que fossem sinônimos. Porém,
uma diferença entre estas expressões. Antigamente o termo “mapa” era usado para
designar as representações terrestres, enquanto “carta” referia-se às representações
marítimas.
Para a definição dos tipos de representações cartográficas, tomou-se como
referência as definições propostas no “Dicionário Cartográfico” de Oliveira (1980),
segundo o qual:
Carta: Representação dos aspectos naturais e artificiais da Terra, destinada
a fins práticos da atividade humana, permitindo a avaliação precisa de
distâncias, direções e a localização geográfica de pontos, áreas e detalhes;
36
No caso da documentação manuscrita do acervo do Arquivo Histórico Ultramarino os verbetes já
haviam sido elaborados, e neste caso, foram utilizados os próprios.
37
Cartografia: ”Vocábulo criado pelo historiador português Visconde de Santarém, em carta de 8 de
dezembro de 1839, escrita em Paris e dirigida ao historiador brasileiro Adolfo Varnhagem. Antes da
divulgação e consagração do termo, o vocábulo usado tradicionalmente era cosmografia” (Oliveira,
1980, p. 62).
111
representação plana, geralmente em media ou grande escala, de uma
superfície da Terra, subdividida em folhas, de forma sistemática, obedecido
um plano nacional ou internacional. Nome tradicionalmente empregado na
designação do documento cartográfico de âmbito naval. É empregado no
Brasil, também como sinônimo de mapa em muitos casos (ibid., p. 57).
Carta corográfica: Denominação obsoleta das cartas de 1:200.000 a
1:500.000 (ibid., p. 58).
Mapa: Representação gráfica, em geral uma superfície plana e numa
determinada escala, com a representação de acidentes sicos e culturais da
superfície da Terra, ou de um planeta ou satélite (ibid., p. 233).
Planta: Carta que representa uma área de extensão suficientemente restrita
para que a sua curvatura não precise ser levada em consideração, que, em
conseqüências, a escala possa ser considerada constante (ibid., p. 308).
Segundo a concepção de Duarte (1994, p. 17),
Os mapas representam uma forma de saber, um produto dos povos, e não
um mero resultado de uma difusão tecnológica a partir de um foco europeu.
Cada cultura exprime sua particularidade cartográfica, enquanto que a
Cartografia, aos poucos, vem se tornando uma linguagem visual muito mais
universal do que antes se pensava.
Para a análise dos elementos formais (moldura, título, legenda, símbolos,
etc..) nos mapas selecionados, consultaram-se os seguintes trabalhos: “Cartografía
General” de Erwin Raisz (1969), “Dicionário Cartográfico” de Cêurio de Oliveira
(1980) e “Fundamentos de Cartografia” de Paulo Araújo Duarte (1994).
Após a análise e/ou transcrição, no caso de manuscritos, os documentos
textuais, cartográficos e iconográficos foram inseridos na “Base de dados
Arqueologia do Caminho das Tropas BD-ArqCT” em formulários específicos,
conforme a sua natureza. Para cada espécime documental foi preenchido um
formulário, gerando um registro único na base de dados. Cada tipo de formulário
possui diversos itens que cumprem o papel de permitir a busca pida das
informações referentes a cada documento inserido, assim como elaborar consultas
e cruzar informações.
2. 3. 5 Estruturação do Sistema de Gestão de Base de Dados Relacional: BD-
ArqCT
O surgimento das bases de dados remonta aos anos de 1960, época em que
se fez necessário a criação de sistemas de informação que organizassem e
estocassem o volume crescente de informações. Comumente utiliza-se a abreviação
BD para designar Base de Dados (do inglês database e no francês base de
données).
112
O Sistema de Gestão da Base de Dados Relacional
38
do Projeto de
Arqueologia do Caminho das Tropas foi denominado BD-ArqCT e desenvolvido
usando o software Microsoft Office Access 2003. Este software permite o acesso a
todos os usuários que trabalham com o Microsoft Office à base de dados e, por sua
popularidade no Brasil, possibilita assim a um mero maior de pessoas o acesso
às informações da base de dados. Esta plataforma tem a vantagem de ser
compatível com o software ArcGIS, empregado para o desenvolvimento do Sistema
de Informação Geográfica.
A BD-ArqCT possibilita o cruzamento das informações documentais
existentes por sítios arqueológicos, ou seja, relaciona os dados de diversas
naturezas em cada sítio registrado, permitindo realizar consultas de diversas
naturezas.
As fontes que alimentam a BD-ArqCT são de quatro naturezas:
a) Arqueológicas: elementos materiais existentes em supercie ou
subsuperfície. A origem dos dados provém de levantamentos arqueológicos,
sondagens ou escavações.
b) Históricas: menções ou descrições escritas (documentos manuscritos ou
impressos) que atestam a existência ou qualificam o vestígio arqueológico. São
disponíveis e acessíveis em Arquivos (Públicos, Históricos, etc.) ou transcritos em
publicações bibliográficas. Podem ser qualificados como fontes primárias ou
secundárias. Independente do tipo de fonte empregada convém criticar a sua
origem, os objetivos, o conteúdo, a fim de estabelecer um grau de confiabilidade da
informação.
c) Iconográficas e cartográficas: representações gráficas (desenhos, pinturas,
vistas panorâmicas, plantas, mapas, fotografias, etc.). Ilustram aspectos materiais
de uma edificação, de uma paisagem e até de um núcleo urbano. Nesta categoria
podem ser inseridos também os planos arquitetônicos elaborados (fachadas,
plantas baixas, etc.) e os registros espaciais arqueológicos (plantas de estruturas,
perfis de vestígios, etc.).
d) Arquitetônicas: dados provenientes dos estudos arquiteturais de
38
Um Sistema de Gestão de Base de Dados Relacional (SGBDR) não se trata meramente de um Banco
de Dados, confusão frequente, mas de um sistema de estocagem, organização e pesquisa de
informações temáticas. Comumente se utiliza sua abreviação BD para designar Base de Dados (do
inglês database e no francês base de données). O entendimento sobre base de dados é geralmente
associado à noção de rede de informações, de onde provém sua designação. E o sistema de informação
é definido por toda a estrutura que reúne todos os meios para compartilhar os dados, cuja estrutura
física poderia ser resumida em: a base de dados (software e o conteúdo), o servidor (hardware) e os
utilizadores (aqueles que acessam a base).
113
estruturas em elevação (construção, materiais empregados, transformações, etc.).
A estrutura da BD-ArqCT está organizada em 11 formulários ou tabelas
principais, conforme o tema ou assunto que contém (ver figura 4), a saber:
a) Sítios Arqueológicos Históricos: sintetiza os dados gerais dos sítios
arqueológicos cadastrados na área de pesquisa, excetuando os referentes ao período
pré-histórico;
b) Documentação Textual: apresenta os documentos, sejam manuscritos ou
impressos, levantados nas instituições arquivísticas pesquisadas, bem como a
transcrição dos mesmos, quando se tratam de manuscritos;
c) Cartografia: reúne as representações cartográficas analisadas relativas aos
caminhos no Brasil meridional;
d) Iconografia: agrupa os registros iconográficos existentes sobre o tema;
e) Referências Bibliográficas: relaciona as obras bibliográficas que tratam do
tema;
f) Cemitérios: sintetiza as características específicas para este tipo de sítio;
g) Sepulturas: apresenta todas as estruturas funerárias registradas em cada
cemitério;
h) Indivíduos: relaciona todos os indivíduos sepultados identificados em cada
sepultura ou cemitério;
i) Ornamentos funerários: apresenta todos os ornamentos registrados em
cada sepultura ou cemitério;
j) Lápides Isoladas: agrupa as informações de lápides isoladas em cada
cemitério;
l) Estruturas Físicas do Caminho: reúne os dados registrados no
levantamento dos remanescentes físicos do Caminho das Tropas.
114
Figura 3 - Exemplo de estrutura em modo formulário e em modo tabela do registro de “Cemitério” da
BD-ArqCT
Fonte: A autora (2008).
Figura 4 - gina inicial de abertura como atalho aos formulários/tabelas criados na BD-ArqCT
composta por eixos temáticos
Fonte: A autora (2008).
Os relacionamentos estabelecidos entre as diversas tabelas da BD-ArqCT
interligam os campos chaves, relacionando os assuntos entre si, conforme a figura
5.
115
Figura 5 - Arquitetura dos relacionamentos entre as tabelas na BD-ArqCT, onde as chaves primárias
aparecem em negrito e os relacionamentos identificados com conectores
Fonte: A autora (2008).
2. 3. 6 Desenvolvimento do Sistema de Informação Geográfica: SIG-ArqCT
Não um único conceito que defina um Sistema de Informação Geográfica
(SIG) ou GIS (do inglês Geographic Information System ou do francês Systéme
d’Information Géographique). Isso se deve ao fato de um SIG ser utilizado por rias
áreas científicas e com diferentes aplicações, como engenharia, gestão ambiental,
planejamento urbano, transportes, agricultura, geologia, telecomunicações, entre
outras.
Dessa forma, utiliza-se neste trabalho o conceito proposto por arqueólogos
franceses, no qual:
Un système d‟information géographique détend le lien de la cartographie et
les bases de dónnés sont susceptibles d‟engendrer une meilleure évaluation
de la documentation disponible et de favoriser la compabilité des
informations. (GALINIÉ; RODIER, 2002).
O Sistema de Informação Geográfica do projeto de pesquisa “Arqueologia do
Caminho das Tropas”, nomeado como SIG-ArqCT, tem como objetivo responder às
questões de análise espacial dos sítios arqueológicos identificados na execução do
116
projeto.
O SIG-ArqCT foi desenvolvido para o referido projeto com o objetivo de
organizar os elementos que compõem os fenômenos de ocupação histórica da região
estudada sob o viés de uma via de circulação e suas relações espaciais. No entanto,
sua estrutura sica se apresenta de forma genérica e flexível, possibilitando a sua
adaptação e aplicação a qualquer outro contexto arqueológico histórico de
caminhos.
A abertura do Caminho das Tropas se insere no processo de ocupação e de
colonização da região por Portugal. É em torno da via que as estruturas urbanas e
rurais se estabelecem, que as estruturas produtivas se desenvolvem, que as
relações humanas interagem. É um processo essencialmente linear.
Para o desenvolvimento do SIG-ARqCT, foi empregada a plataforma de
programas ArcGIS ArcInfo 9.2 (ArcCatalog, ArcMap, ArcGlobe, ArcToolbox e ArcScene)
desenvolvido pela Environmental Systems Research Institute (ESRI).
As informações produzidas pela arqueologia são constituídas de dados de
natureza espacial. O desenvolvimento nos últimos anos de aplicativos de
informática tem facilitado o incremento nos estudos de análise espacial na
arqueologia, proporcionando o acesso dos arqueólogos a ferramentas para a criação
de SIG‟s aplicados aos contextos arqueológicos.
O uso de software para o desenvolvimento de um SIG o representa
necessariamente um avanço tecnológico na arqueologia, mas um instrumento útil
de pesquisa para a espacialização dos dados arqueológicos. Dessa forma, concorda-
se com Rodier (2000):
[...] l‟utilisation de nouveaux outils ne doit pas se borner à automatiser
certaines tâches ou pire à n‟utiliser qu‟une infime partie des capacités des
ces outils pour faire la me chose qu‟auparavant à la main. La mise en
place de nouvelles techniques doit au contraire être l‟occasion d‟une remise
en cause des méthodes que l‟on utilise pour les faire évoluer, les modifier,
quitte à changer pfofondément des étapes du travail (des habitudes) et
surtout des modes de réflexion.
A utilização de SIG oferece acesso às ferramentas metodológicas de gestão e
análise espacial dos dados arqueológicos, permitindo diversas ações num mesmo
sistema, como, por exemplo, o cruzamento de dados tantos quantitativos como
qualitativos e a espacialização de dados de diferentes naturezas e fontes. Conforme
Rodier (2000) „„[...] l‟outil SIG permet de tester des hypothèses, d‟affiner les
résultats, de mettre en évidence des phénomènes importants ou marginaux. En
aucun cas il ne se substitue au raisonnement ni ne remplace l‟interprétation‟‟.
Um SIG não se limita à utilização de programas de informática para a
117
elaboração de produtos cartográficos assistidos por computador (CAC)
39
, mas se
trata:
[...] d‟inventorier ses composants (objets) selon leur niveau de définition, leur
nature, les référentiels sémantiques, spatiaux ou temporels dont ils relèvent,
ansi que les relations qui font de ces composants uns système dont il s‟agit
de saisir le comportement et la dynamique. (SAINT-GERAND, 2005, p. 266).
A estrutura do SIG foi organizada a partir da construção de um Modelo
Conceitual de Dados (MCD)
40
através do método de modelização hipergráfica HBDS
(Hypergraph Based Data Structure)
41
, seguindo as orientações de modelização de
dados empregados pela geografia (PELLE, 2001; PIROT; SAINT-GERAND, 2005). A
criação do Modelo Conceitual de Dados é uma etapa essencial que permite
estabelecer a ligação entre a problemática da pesquisa e a elaboração do Sistema de
Informação Geográfica.
Um modelo é uma imagem simplificada da realidade, onde o objetivo é claro:
“comprendre le fonctionnement du monde réel à travers l‟image qu‟en donne
l‟espace” (SAINT-GERAND, 2005, p. 266). A ideia central é que toda a realidade
complexa, ao ser representada graficamente, pode ser melhor compreendida e
estudada, como por exemplo, um mapa de rodovias representando a rede de
estradas existentes de diferentes grandezas (rodovia federal, estadual, municipal,
secundária, rodovia pavimentada, não pavimentada, etc.).
39
Cartografia Assistida por Computador (Computer Aided Cartography CAC): “Processo em que a
construção de um mapa tem suas etapas executadas por um computador, reduzindo a necessidade de
intervenção humana” (TEIXEIRA; CHRISTOFOLETTI, 1997, p. 65).
40
O Modelo Conceitual de Dados (MCD) em resumo “est um schéma HBDS qui décrit les types
d‟élements HBDS que l‟on peut utilizer pour modéliser les données” (PELLE, 2001). O modelo é
apresentado através de um esquema conceitual dos dados, formalizando, graficamente, as
hiperclasses, as classes, os atributos e as associações que exprimem os fenômenos simples ou
complexos que traduzem o mundo real estudado.
41
O método HBDS usa quatro elementos básicos na sua concepção: classe, objeto, atributo e
associação na sua constituição. A classe é o conjunto de elementos chamados de objetos, idêntico ao
conjunto de classe de feições no programa ArcGIS. As hiperclasses agrupam as classes semânticas que
fazem parte de um mesmo tema. Os objetos de uma classe são caracterizados por atributos e podem
ter relação com objetos da mesma classe e com de outras classes, chamado associação entre classes.
O objeto é um elemento de uma classe, a classe de feição no ArcGIS. Os atributos têm a noção de
especializão ou generalização, caracterizando o objeto. Cada elemento básico do modelo hipergráfico
tem sua representação gráfica num esquema.
118
Figura 6 - Formalização do Modelo Conceitual dos Dados apresentando o esquema das hiperclasses,
das classes, dos atributos e das associações segundo o método HBDS do SIG-ArqCT
Fonte: A autora (2007).
A análise e trabalho no SIG-ArqCT é composta por múltiplas escalas,
conforme o objetivo e está estruturada em três níveis, do macro ao micro:
a) Regional: apresenta a área de pesquisa, ou seja, o trecho do Caminho das
119
Tropas situado na região da Coxilha Rica, em Lages, e os sítios arqueológicos
históricos registrados, segundo diferentes critérios: categoria funcional, tipo de
sítio, período cronológico, critérios ambientais (relevo, altitude, orientação),
localização espacial em relação ao Caminho;
b) Intermediário: apresenta o detalhamento de um trecho da área, um
fragmento do trecho do Caminho das Tropas de interesse do estudo espacial, como
por exemplo, uma área de “praça” da estrada com ampliação lateral, podendo se
trabalhar, por exemplo, com a hipótese de a distância entre as áreas estar
relacionada a jornadas de viagem das tropas. Podem-se observar também os
fenômenos de reocupação dessas áreas após o abandono da função de trânsito de
animais, com a instalação de diferentes estruturas funcionais (habitações, escolas,
armazéns, entre outros);
c) Local: apresenta a escala de estudo detalhada, na esfera de sítio
arqueológico e das estruturas intrassítio, como as plantas baixas com as estruturas
evidenciadas e as intervenções arqueológicas, caso tenham sido realizadas.
Uma etapa importante da constituição do geodatabase é a inserção dos
dados que vão compor o sistema de informações. Para tanto, os dados disponíveis
necessitaram, na maioria das vezes, de uma operação anterior: o tratamento das
informações disponíveis, de modo que estas possam ser incorporadas a
geodatabase, a saber:
a) Definição do sistema de coordenadas projetadas como referencial espacial
nos mapas que não possuem sistema definido;
b) Conversão do sistema de projeção dos mapas de SAD69 para WGS84,
usando a opção 14 (SAD_1969_To_WGS_1984_14) no ArcGIS como parâmetro
correto conforme método proposto pelo IBGE ( DX = + 66,87 m ± 0,43 m / DY = -
4,37 m ± 0,44 m / DZ = + 38,52 m ± 0,40 m);
c) Conversão de arquivos CAD em shapefile;
d) Isolamento de informações específicas em layers temáticos (hidrografia,
redes de transportes, topografia, etc.) de acordo com a representação gráfica (ponto,
linha ou área);
e) Edição de linhas que compõem um mesmo elemento, através da
ferramenta de junção, como por exemplo, diferentes fragmentos de linhas contínuas
que unidas formam um curso de rio;
f) Inserção de anotação (nomes de rios, valores de curvas de níveis, etc.) em
tabelas atributárias dos layers;
g) Aquisição e georreferenciamento de imagens de satélite do Google Earth.
120
Tipo de dado
Características dos dados
Raster - imagens
digitais
Folha PQ29, Ortofotocarta, AHE Pai Querê, 2003, Escala 1:5.000
(CEPAQ)
Folha PQ30, Ortofotocarta, AHE Pai Querê, 2003, Escala 1:5.000
(CEPAQ)
Folha PQ31, Ortofotocarta, AHE Pai Querê, 2003, Escala 1:5.000
(CEPAQ)
Folha SH.22-X-A-II, 1974, Escala 1:100.000 (São Sebastião do
Arvoredo) (ME/DSG)
Folha SH.22-X-A-I, 1973, Escala 1:100.000 (Coxilha Grande) (ME/DSG)
Imagens do Google Earth, 2005-2008, escala variável
Vetorial - cartas
topográficas
vetorizadas
Folha SG-22-Z-C-V, 1973, Escala 1:100.000 (Lages) (ME/DSG)
Folha PQ29, Levantamento aerofotogramétrico, AHE Pai Querê, 2003,
Escala 1:5.000 (CEPAQ)
Folha PQ30, Levantamento aerofotogramétrico, AHE Pai Querê, 2003,
Escala 1:5.000 (CEPAQ)
Folha PQ31, Levantamento aerofotogramétrico, AHE Pai Querê, 2003,
Escala 1:5.000 (CEPAQ)
Levantamento dos corredores de taipa Caminho Viamão. Trecho
Cajuru / Passo Santa Vitória Lages / SC, 2003 (UNIPLAC)
Quadro 7 - Relação das fontes da base cartográfica empregada no SIG-ArqCT
Fonte: A autora (2008).
O sistema de referência espacial utilizado foi o sistema cartográfico plano. O
datum horizontal foi o do sistema geocêntrico World Geodetic System 1984 zona 22
sul (WGS1984UTM–ZONE 22 S), que é compatível com o “Sistema de Referência
Geocêntrico para as Américas” (SIRGAS2000
42
), possibilitando fazer emprego direto
da tecnologia do Sistema Global de Posicionamento (GPS - Global Positioning
System).
Essas foram as estratégias metodológicas que nortearam a realização do
presente estudo, seja na coleta de dados em campo, na análise da documentação
histórica e no uso das ferramentas da Base de Dados e do SIG.
Os resultados obtidos nesta pesquisa com o emprego desses procedimentos
na coleta, tratamento, organização e armazenamento dos dados serão apresentados
nos próximos capítulos.
42
O SIRGAS é o novo sistema geodésico de referencia, que será o único sistema legalizado no Brasil
até 2014.
121
Fonte: LLOYD
122
3 CANASTRA
43
DE DOCUMENTOS: FRAGMENTOS DA
HISTÓRIA DO CAMINHO DAS TROPAS A PARTIR DAS
FONTES DOCUMENTAIS
Existem caminhos para quem quer caminhar.
Existem caminhos para qualquer lugar.
Caminhos escuros, perigosos, trilhas estranhas,
e estradas largas cruzando planícies tamanhas
Que nunca se sonhou poder atravessar.
Daniel Duende
As fontes documentais, sejam textuais manuscritas ou impressas
(correspondências administrativas, relatos de viajantes, relatórios, portarias),
cartográficas (cartas, plantas, mapas, roteiros) ou iconográficas (desenhos,
pinturas, gravuras, imagens, fotografias) constituem-se numa importante fonte
primária de pesquisa para a história do Caminho das Tropas. Todavia, representam
fragmentos documentais sobre um dado aspecto num espaço e num tempo.
Os documentos são resultado de um contexto histórico, político e econômico
da época em que foram produzidos. Portanto, nem sempre os documentos
remanescentes refletem um período em sua íntegra, informando sobre todos os
meandros de uma questão.
Além disso, cada fonte tem a suas particularidades que precisam ser
consideradas na sua análise e interpretação, pois não são isentas de objetivos e
interesses geopoticos. Podem apresentar diferentes visões e pontos de vista do
passado a partir de seu autor.
Todo tipo de corpo documental, se textual ou visual, possui seu próprio
potencial informativo e suas especificidades de produção. Dessa forma, as
iconografias e cartografias utilizadas não serviram somente para ilustrar o texto,
43
Canastra: baú ou arca móvel, caixa rústica de madeira de formato retangular usada para
transportar ou guardar objetos e documentos.
123
mas foram analisadas como fonte documental.
Neste capítulo, apresentam-se os documentos reunidos na pesquisa
documental e as informações obtidas sobre diversos aspectos do Caminho das
Tropas. Todavia, salienta-se que não se pretende narrar a história deste caminho
dentro de um viés cronológico dos acontecimentos. Mas abordar questões
importantes para a compreensão dos vestígios arqueológicos remanescentes deste
caminho. Dessa forma, para melhor compreender e situar os documentos
analisados, inicialmente busca-se situar o Caminho das Tropas dentro do contexto
do Brasil Colonial fornecendo um panorama histórico.
3. 1 PANORAMA HISTÓRICO DO CAMINHO DAS TROPAS
O Caminho das Tropas, segundo a documentação manuscrita textual e as
representações cartográficas analisadas referentes aos séculos XVIII e XIX,
empregam os seguintes designativos
44
e variantes: Caminho do Sertão, Caminho de
São Paulo para o Continente de Viamão, Caminho do Sertão do Rio Grande de São
Pedro para a Capitania de São Paulo, Caminho que vai de Viamão até a Cidade de
S. Paulo, Caminho pª Viaman, Caminho de S. P.
lo
, entre outros.
Atualmente, esta via antiga é conhecida popularmente como Caminho das
Tropas, fazendo alusão ao seu uso principal, ou seja, para a condução das tropas
de animais. Em função disso, ao longo desta pesquisa, esta foi a nomenclatura
utilizada ao fazer referência ao caminho estudado.
A abertura dos primeiros caminhos no sul do Brasil remonta ao final do
século XVII e início do século XVIII. O primeiro caminho utilizado para o comércio
de animais foi o chamado Caminho da Praia, aberto no século XVII. Este seguia
pela costa marítima, ligando a Colônia de Sacramento, no Uruguai, até Laguna e,
deste porto, até as Capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo por via marítima.
Seguindo pelo litoral, o traçado era realizado cruzando o Chuí, o canal de Rio
Grande e atravessando os rios Tramandaí, Mampituba, Araranguá e Tubarão.
Em outra versão do roteiro, o Caminho da Praia ia até São Francisco do Sul
44
A documentação manuscrita e cartográfica analisada referente à época não apresenta o designativo
“Estrada Real” para nomear este caminho. Para ver mais sobre a discussão do emprego do termo
estrada real ver o trabalho de Santos (2001) e o subcapítulo 2. 3. 1 Definições iniciais: picadas,
caminhos, estradas...
124
e, deste ponto, a tropa seguia para os campos de Curitiba pelo Caminho dos
Ambrósios. De Curitiba a Sorocaba, continuava pelo caminho existente desde
pelo menos 1704, conhecido como Estrada de Sorocaba (JACOBUS, 1997, p. 14).
Segundo Roderjan (1991, p. 8), o primeiro gado conduzido até São Paulo era
proveniente dos currais dos Campos de Curitiba e o percurso desta viagem durou
20 dias.
A ligação por terra entre a fronteira sul do território português na América e
a Capitania de São Paulo somente foi efetivada no final da cada de 20 do século
XVIII. Até então, a principal comunicação era realizada somente por rotas
marítimas. Assim, dois novos traçados são abertos buscando acessar São Paulo
pelo interior, seguindo pelo planalto meridional.
O primeiro traçado foi o Caminho dos Conventos, aberto em 1728, pelo
Sargento-mor Francisco de Souza e Faria, que ligou o litoral aos campos de Cima
da Serra, impulsionando as incursões exploratórias na região serrana de Santa
Catarina que na época pertencia à Capitania de São Paulo. Pelo vale do rio
Araranguá, o Caminho dos Conventos partia da Vila de Laguna e ultrapassava a
Serra Geral, penetrava nos Campos de Cima da Serra e seguia em direção aos
campos naturais que se abriam até a Vila de Curitiba, continuando no trecho
existente até a Vila de Sorocaba.
O referido caminho fazia a interligação entre o Caminho da Praia e a Estrada
de Sorocaba, de Araranguá a Curitiba. Este segundo roteiro permitia a ligação entre
São Paulo e a Colônia de Sacramento, estabelecendo assim “[...] uma comunicação
militar mais segura e livre dos azares da navegação marítima de então.” (BARROSO,
1995, p. 37).
O Caminho dos Conventos, por suas dificuldades
45
e distância maiores, foi
abandonado paulatinamente. Outro caminho, com novo traçado, facilitou a
comunicação entre São Paulo e os campos de Viamão. Ao passo que a primeira via
obrigava aos viajantes descer e subir a Serra Geral, a nova comunicação entre a
Cidade de São Paulo e Viamão se fazia toda por Cima da Serra, facilitando muito a
condução do gado para as feiras no sudeste brasileiro.
O Caminho das Tropas, traçado por Cristóvão Pereira de Abreu, em 1731,
alterava o roteiro do litoral dos atuais Estados do Rio Grande do Sul e Santa
45
Os tropeiros queixavam-se das “[...] dificuldades do litoral sulino, especialmente com os obstáculos
da travessia dos rios Tramandaí, Mampituba e Araranguá, que provocavam perdas de animais com a
ação turbulenta das suas águas na direção do mar.” (BARROSO, 1995, p. 37).
125
Catarina para o interior, atravessando os atuais Estados de Santa Catarina e
Paraná pelo planalto.
Figura 7 - Localização dos caminhos abertos no Brasil Meridional nos séculos XVIII e XIX
Fonte: Roderjan (1995, p. 27). Arte gráfica: Ana Lucia Herberts.
Os tropeiros vindos do sul, nas imediações de Palmares, passaram a
enveredar para os Campos de Viamão. A partir deste ponto, o roteiro tomava o
rumo na direção do rio Rolante, afluente do Sinos, para, em seguida, avançar aos
Campos de Cima da Serra. E depois, atravessando o rio Pelotas, chegava aos
Campos de Lages para, finalmente, atingir os Campos de Curitiba e chegar a
Sorocaba (BARROSO, 1995, p. 37-8) (ver figura 7). O Caminho das Tropas tinha
126
aproximadamente 1.500 km de exteno entre o Registro de Viamão, no Rio Grande
do Sul, e o Registro de Sorocaba, em São Paulo.
A abertura dos primeiros caminhos no Brasil meridional, além de estar
relacionada com o estabelecimento de comunicação terrestre entre as capitanias,
estava associada principalmente às necessidades da Coroa Portuguesa com a
exploração dos recursos minerais.
No período de apogeu da extração de ouro e diamante na Capitania de Minas
Gerais, principalmente entre os anos de 1737 e 1750, as atividades econômicas e a
mão-de-obra disponível na região especializavam-se cada vez mais na atividade
mineradora. Isso contribuiu para que se despertasse a necessidade de uma rede de
comunicações terrestres com outras capitanias, as quais teriam, entre outras
funções, a de garantir o abastecimento do mercado interno de mulas, gado e
produtos agrícolas.
Inicialmente, era a região nordeste do Brasil Colônia a responsável pelo
fornecimento de gado à região mineradora. Estes animais eram conduzidos por
picadas ao longo do rio São Francisco. Mas, em razão do contrabando, a Coroa
Portuguesa proibiu o tráfego por este rio, passando então o Rio Grande do Sul a
abastecer o mercado interno de muar e gado vacum (OLIVEIRA et al., 2002a).
As minas auríferas da Capitania de Minas Gerais situavam-se distantes do
litoral e em topografia acidentada, o que exigia um sistema de transporte eficaz
para o efetivo desenvolvimento da atividade mineradora. As tropas de mulas
representavam, desta forma, um importante papel no Ciclo do Ouro, pois o muar
era o meio de transporte mais apropriado para a realidade da região.
Por outro lado, o rebanho de muares era abundante na região sul, o que
garantia o abastecimento das minas. Assim, “a necessidade de abastecer a região
das minas permitiu o desenvolvimento do tropeirismo como atividade econômica
para animais de carga” (FURTADO apud SARTORI, VARELA et al., 2004). Isto
propiciou a integração econômica e o intercâmbio cultural da região sul com o
mercado interno do Brasil Colônia e Império.
O gado muar e vacum era recolhido nos campos da Capitania de São Pedro
do Rio Grande do Sul e seguia este caminho até as feiras de Sorocaba, na Capitania
de São Paulo, onde era comercializado e redistribuído para outras Capitanias,
principalmente para as áreas mineradoras que necessitavam não apenas de gado
para o corte, mas principalmente de animais para o transporte. No início do ciclo do
tropeirismo, o gado vacum não era a principal mercadoria, conforme Barroso (1995,
p. 37) explica:
127
Esse era preado para consumo ao longo do caminho. Portanto, o tropeirismo
do século XVIII teve na mula (animal de tração para transporte pesado em
caminhos penosos), a mercadoria que os mineiros precisavam para animar a
mineração, a principal economia da colônia portuguesa na América,
especialmente ao longo da primeira metade dos anos de 1700.
Partindo deste contexto histórico introdutório dos caminhos meridionais,
procurou-se analisar o Caminho das Tropas segundo as fontes históricas primárias.
Buscou-se assim verificar quais informações a documentação disponível
proporcionaria para o estudo deste caminho antigo ao longo dos séculos XVIII e
XIX.
3. 2 OS PRIMÓRDIOS DO CAMINHO DAS TROPAS
Para efetivar o traçado do Caminho das Tropas, inicialmente foi aberta uma
picada que, com o tempo, buscou os melhores pontos de travessia da região sul,
alterando ou corrigindo o caminho. O percurso era determinado pelas condições do
terreno para a marcha dos animais, dos locais de pastagem da tropa, além dos
pontos de água e de pouso. Estas eram as condições indispensáveis para a
condução de animais em um caminho.
Outra questão levada em consideração para o trânsito do caminho foi a
instalação da infra-estrutura (pontilhões, canoas, etc.) e pontos de pouso certo. Em
determinados locais, foi necessário desmatar trechos de vegetação para cruzar com
a tropa; em outros, construírem canoas para atravessar rios caudalosos e assim por
diante.
3. 2. 1 A abertura da picada e a viagem inaugural
O Coronel Cristóvão Pereira de Abreu iniciou o que seria a viagem inaugural
pela rota aberta por Francisco de Souza e Faria, o Caminho dos Conventos. Não a
encontrando perfeitamente aberta, corrigiu o traçado, retificando o caminho pelos
Campos de Viamão (HAMEISTER, 2002, p. 4). A expedição organizada por ele partiu
da Colônia de Sacramento em 1731, conduzindo uma tropa de 800 cavalgaduras
com 60 pessoas e um prático, levando 13 meses para concluir a expedição,
chegando no seu destino final, a Vila de Curitiba, e de seguiu a o Paulo pelo
128
caminho já existente. Esta viagem é relatada pelo próprio Cristóvão ao Padre
Geógrafo da Companhia de Jesus, Diogo Soares, na “Notícia Prática
46
(ABREU,
2002, p. 1-8).
Na “Notícia 3ª Prática”
47
dada por Cristóvão Pereira de Abreu (1908, p. 255-
259), este escreve informações detalhadas sobre o novo caminho aberto por ele,
desde o sertão até a Vila de Curitiba.
Inicialmente, o autor relata que confeccionou um mapa
48
do caminho e
remeteu ao Governador da Capitania de São Paulo, o Conde de Sarzedas, e que sem
ele em mãos mencionaria as informações que recordara: “Melhor podera fazer esta
deligencia, se me achara aqui com um mappa que fiz do dito caminho, e dei ao
Exm. Sr. Conde de Sarzedas, Governador e capitão general que foi da Capitania de
S. Paulo [...].” (ABREU, 1908, p. 255).
Entre as razões apontadas por Pereira de Abreu para a abertura do caminho,
está a “[...] falta de gados, e principalmente de cavalgaduras, se não tem desfrutado
mais os grandes, e ricos thesouros, com que a providencia divina dotou e
enriqueceu nesta America os vastos dominios que S. Magestade nella possue [...]”
(ibid.). Este é o principal motivo para a abertura do caminho e que pela falta deste
não estavam explorando os tesouros que a terra oferecia, referindo-se à extração de
ouro, diamante e pedras preciosas.
Assim, o Governador da Capitania de São Paulo à época, Antonio da Silva
Caldeira Pimentel, determinou “[...] mandar abrir o caminho para por elle se
introduzirem destas campanhas naquella Capitania, e nas das Minas, gados e
cavalgaduras [...]” (ibid.), necessárias àquela Capitania como à de Minas Gerais,
aumentando também os rendimentos da Fazenda Real.
Contudo, comenta que apesar das grandes vantagens da abertura deste
caminho, havia moradores de algumas vilas que eram contrários a esta empreitada:
“[...] forão sempre opostos varios moradores das ilhas de Santos, Parnaguá, e
Coritiba, e da mesma sorte os da Villa da Laguna, e de Sta. Catharina [...]” (ibid.).
Os moradores destas vilas estavam “[...] receosos de que com a abertura do novo
caminho perderião as suas liberdades, o fazião impossiveis [...]” (ibid.). No caso de
46
Documento copiado por Varnhagen nos Arquivos de Portugal e publicado na RIHGB em 1908.
Acervo: Biblioteca Pública Eborenze d. CV.
47
A Notícia Prática fornecida por Francisco de Souza e Faria, resume a empreitada de abertura do
caminho que durou mais de 3 anos. A 2ª Notícia Prática é dada por José Inácio, piloto da expedição de
Souza e Faria, esta fornece informações mais técnicas, a toponímia, a identificação e a localização dos
acidentes geográficos. (HAMESITER, 2002, p. 3-4).
48
O referido mapa, seja representação cartográfica ou uma relação, é desconhecido.
129
Curitiba, o maior motivo era a possibilidade de perda de valor dos animais criados
nos Campos daquela vila. Além disso, aventavam o argumento que, em se tratando
de terras que faziam fronteira com as missões espanholas, estes poderiam querer
invadi-las.
Apesar destas oposições, o General Antonio da Silva Caldeira deu resolução
favorável à abertura do caminho, determinando:
[...] mandar penetrar o dito Certão, principiando deste Rio Grande de S.
Pedro, e a esta diligencia despachou ao Sargento-mór Francisco de
Souza e Faria, mandando-lhe assistir com todo o necessario por conta da
Fazenda Real, e dando-lhe ordens amplas, para que as Camaras da todas as
Villas, e Capitães-móres dellas lhe dessem toda a gente, e o mais que lhe
pedisse. (ABREU, 1908, p. 256, grifo nosso).
A partir desta notícia, Cristóvão Pereira de Abreu partiu da Colônia do
Sacramento com o objetivo de verificar o caminho:
[...] ver o estado em que se achava esta deligencia, e chegando á Villa da
Laguna achei ao dito Francisco de Souza com alguma gente, mas quasi
impossibilitado a dar a execução ao que se lhe ordenava, porque o Capitão-
mór da dita Villa, ou pelos motivos já ditos, ou por contemplação dos
moradores das Villas de Santos, Parnaguá, e Coritiba, com quem era
aparenteado, simuladamente lhe fazia impossivel, principalmente na gente,
porque tanto se lhe alistava de dia como lhe fugia do noite; e vendo-o eu
neste estado, cuidei em applicar-lhe o remedio, fazendo-o primeiro
congraciar o dito Francisco de Souza, com o Capitão-mór a quem não
fallava, e tive a fortuna de que elle se puzasse a caminho com boa ordem e a
gente necessaria em Feverero de 728. (ibid.).
Depois de ir para Laguna e intermediar a diligência de Francisco de Souza e
Faria, que ali se encontrava impedido de continuar, retornou para Colônia de
Sacramento “[...] cuidando em fazer uma tropa de cavallos, e bestas muares para
metter pelo novo caminho, e na consolidação de que o acharia feito; parti daquella
Praça com 800 cavalgaduras, e cheguei a este porto [Laguna] nos fins d‟Outubro de
1731.” (ibid.).
Durante o percurso encontrou “[...] varias pessoas com um grande numero
de animaes para entrarem ao dito caminho, e sem embargo de haver noticia certa,
que os descobridores tinhão sahido fora, nenhum se animava a isso [...]” (ibid.).
Além disso, corriam rumores da presença de indígenas nos Campos de Cima
da Serra. Cristóvão Pereira averiguou então a informação: “[...] me resolvi a ir em
pessoa examinar levando comigo tres pessoas, confiado em trazer cartas do
Provincial das Missões para o General de S. Paulo, e para quem commandasse o
dito gentio, e chegasse acima da Serra me demorei dois dias, sem ver mais que
campos e gados.” (ibid.).
Mesmo sem nada encontrar nesta diligência, deixou a tropa estacionada na
130
banda do Norte, e resolveu ir a Santos e São Paulo solicitar reforço de armas,
ferramentas, munições e pessoas para a continuação da empreitada, recebendo a
ordem para então fazer a entrada no novo caminho:
[...] seguindo os rumos dos primeiros descobridores entrei pelo Rio
Araranguá com um Piloto, e sessenta e tantas pessoas, occupando muita
parte della no beneficio do caminho, em que gastei dilatado tempo em até
sahir a Serra, por serem mattos muitos espessos, morros, rios, corregos, e
pantanos, em que precisamente se havião de fazer pontes e estivas. (ibid.).
Ao retomar a marcha, tinha agregado à tropa original animais de
particulares, que lhe haviam confiado a condução até São Paulo, pelo novo
caminho. A expedição totalizava em torno de 3 mil cavalos e 130 pessoas.
Inicialmente, averiguou a picada aberta pelos primeiros descobridores, como
denominava a picada aberta por Souza e Faria, constatando que o caminho “[...] a
pouca mais distancia tornava a entrar em grandes asperezas, por se encontrar
sempre a serra, e que precisamente dava uma grande volta pelo rumo que levava
[...]” (ibid.). Determina então buscar alternativa de caminho seguindo mais pelos
campos.
Como receava que esta empreitada demorasse muito tempo, “[...] tomei a
providencia de levar comigo perto de 500 vacas que mandei colher naquelles
campos, e nesta forma fui continuando a minha diligencia [...]” (ibid.). Entretanto,
não deixa claro por onde a expedição passou. Foram 13 meses de marcha,
encontrando em determinados pontos a picada dos novos descobridores.
Ao final da viagem, chegou a Curitiba deixando o caminho com uma série de
infraestruturas e melhorias que o autor destaca: estivas, canoas para a travessia de
rios e mais de 300 pontes. Calculava que a viagem que havia levado 13 meses para
concluir, agora poderia ser realizada em um mês.
Comenta ter achado uma cruz dos Tapes e que nestes campos um “[...]
grande numero do dito gado em campos mui dilatados, que o confinar com uma
grande Serra [...]” (ABREU, 1908, p. 257), território este pertencente às missões
jesuíticas. Tratava-se da Vacaria dos Pinhais nos Campos de Cima da Serra.
Informa ainda que os jesuítas abriram um caminho que ligava este campos às
missões. Este percurso seria conhecido como o Caminho das Missões.
Na continuação de sua notícia, descreve a região destacando os campos
amplos, a bela vista, as águas cristalinas dos rregos que formam grandes rios,
assim como a grande disponibilidade de madeiras e, principalmente, de pinhais.
Elogia que estas terras “são tambem muito farta de todo o genero de caça, mel e
pinhão, e mui ferteis para todo o genero de plantas, como eu experimentei nos
131
campos dos Coritibanos, onde tive alguma demora.” (ibid., p. 258).
Além disso, têm excelentes campos para a criação de gado. Além da fartura
propiciada pela região, se poderiam agregar ainda créditos à Fazenda Real, através
da cobrança de imposto pela passagem dos animais, “[...] pois as cavalgaduras
que entrarão em minha companhia entrarão para a mesma Fazenda mais de 10 mil
cruzados [...]” (ibid., p. 259).
Por fim, o autor destaca que o rei poderia ter grandes vantagens à Real
Fazenda e a seus vassalos com a manutenção do caminho.
3. 2. 2 O estado da primeira picada e a retificação do caminho
Quando da viagem inaugural do caminho aberto inicialmente por Francisco
de Souza e Faria, Cristóvão Pereira de Abreu comenta sobre as dificuldades e
melhorias que realiza para chegar a Curitiba, ratificando o traçado do caminho.
Segundo este, o estado da primeira picada aberta era precário.
Na carta redigida por ele ao Governador da Capitania de São Paulo, Antônio
da Silva Pimentel, em 17/04/1733, que seria, provavelmente, anterior à Notícia
Prática, o comerciante encontrava-se nos “Campos de Pinhais” e escreve prestando
contas sobre a viagem que vinha fazendo. É interessante que esta carta
complementa os dados informados na Notícia Prática anteriormente apresentada.
O autor justifica que tem se prolongado mais na viagem, pois o caminho
encontra-se intransitável:
A minha Viagem se tem demorado porque alem de gastar no Caminho da
Serra mais de sincoenta dias com perto de quarenta pessoas, pondo-o
na ultima prefeissão com atalhos, pontes, e estivas sahindo assima,
mandando ver o que fizerão os primeiros abredores se achou entratavel,
porque alem de se hir meter em hum rincão que faz hua Grande Contra
Serra donde torna a sahir para fora, sam tudo barrocadas e asperezas
com hum Matto grosso mui delatado, e sem comodidade de pastos para
as tropas por cuja cauza, me foi percizo buscar atalho cortando direito a
ponta da Contra Serra, e o tenho conseguido com coatro dias de bom
Caminho, sahindo aos Campos Gerais donde mandey tomar o Sol, e se
achou a entrada delles em vinte e cete graus e sincoenta e oito
minutos, que conresponde a altura da Villa de Santa Catherina, porem as
tropas se achão mais adiante na dos Ratones ao norte da dita Villa com
muita comodidade, asim de pastos como aguadas, Campos Limpos, muita
cassa de toda a <forma>, Mel e Pinhão, donde subindo hum morro se estâ
avistando a ponta da Contra Serra, e pouco mais adiante ficam os Ranchos
que chamão dos Curitibanos, donde espero estar brevemente, e passado
hum matto que me dizem estar mais para diante, concidero vencidas todas
as deficuldades, e o Caminho mui breve, e com muita Conveniencia, sem
mais embaraço que o que se pode temer dos Tapes, e Padres da Companhia
Castelhanos. (AHU_CU_023-01, cx. 10, doc. 1058, 1735, fl. 1 e 1 v.,
132
sublinhado pelo autor, grifo nosso)
49
.
Neste trecho, o autor detalha os problemas enfrentados na subida da serra,
tendo gasto em torno de 50 dias com 40 pessoas para colocar o caminho em
condições de trânsito, construindo pontes e estivas, além de buscar atalhos. E que
averiguando a picada dos primeiros abridores constatou que esta era impraticável,
pois além de dar grande volta, seguia por matos fechados, serras e sem campos
para a pastagem dos animais. Sendo assim, buscou um atalho, que contornava a
ponta da Contra Serra e saia nos Campos Gerais a pouca distância dos ranchos de
Curitibanos.
Cristóvão Pereira de Abreu menciona ainda neste documento que realizou a
viagem com uma tropa composta de 2.000 cabeças de cavalos, mulas e éguas, e
aproximadamente 100 pessoas, mas que perdeu parte dos animais na subida da
serra e outros morreram pelos rigores do tempo.
Na conclusão dessa carta, o autor deixa explícito que a primeira picada era
intransitável e de que se não fosse os seus serviços, o caminho não poderia ser
usado:
bem notorio a todo este povo e aly a publicão em hua vôs que a não
entrar eu pello Caminho nunca se havia de Contenuar, porq alem do Temos
dos tapes, o velho que tinhão feito os primr.
os
alem de ser hua picada hera
intratavel, e incapâs de que por elle entracem 50 Cavalos juntos, e com tais
vol tas e rodeos que tanto a dava hum dia para adiante como outro p.ª atras.
(AHU_CU_023-01, cx. 10, doc. 1058, 1735, fl. 2 e 2 v.)
49
.
Em 1747, a Carta de Mercês concedida a Cristóvão Pereira de Abreu pelo Rei
João V, foram mencionados os serviços prestados a Sua Majestade, destacando-se a
abertura da picada do então chamado Caminho do Sertão, que ligaria a Capitania
do Rio Grande do Sul à de São Paulo:
[...] sendo elle o q pela picada q det.ª m.
do
fazer facilitou, e pos cor.
te
o cam.°
do Certão do Rio de S. P.º pa Cap.
nia
de S. P.
lo
com 60 homens e hu Piloto
pagos a sua custa, gastando nesta delig.
a
13 mezes, em q pasou gr.
des
calamid.
es
, e riscos de vida, seguindosse disso a utilid.
e
q a Faz.ª Real tem na
cobr.
ca
dos dir.
tos
q pagão os gados, e cavalr.ª q entrão na Cap.
nia
de S. P.
lo
p.
lo
d.° caminho [...] (IAN/TT, 1747, fl. 473, grifo nosso)
50
.
Nesta carta, é mencionada a realização da picada, ou seja, um primeiro
49
Documento manuscrito anexo: CARTA (cópia) de (Cristóvão Pereira de Abreu), para o (Governador e
Capitão General da Capitania de São Paulo), Antonio da Silva Caldeira Pimentel, [...]. Campos dos
Pinhais, 17 de abril de 1733. Anexo 2a. AHU_CU_023-01, cx. 10, doc. 1058, fl. 1, 1 v., 2 e 2 v.
50
Documento manuscrito: CARTA DE MERCÊ do Rei D. João V concedendo a Christovão Pereira de
Abreu [...]. São Paulo, 28 de abril de 1747. IAN/TT, Fundo Registro Geral de Mercês: D. João V, livro
13, microfilme 2518, fl. 473.
133
traçado de abertura do caminho, sendo gastos nesta empreitada 13 meses. Sua
equipe era composta de um piloto, provavelmente um prático e 60 homens. As
despesas foram custeadas pelo próprio Cristóvão. A abertura dessa picada, segundo
o documento, tinha como utilidade principal dar passagem de muitos animais para
a região sudeste e, com essa passagem, muitas vantagens poderiam ser obtidas
pela Coroa, pelo rendimento de receitas para a Fazenda Real, através da cobrança
dos direitos dos animais que entravam para a Capitania de São Paulo vindas do sul
por este caminho.
Constata-se pela documentação que a picada aberta por Francisco de Souza
e Faria, a partir do rio Araranguá até os Campos de Curitiba, não estava transitável
e era considerada muito dificultosa pela serra e também em função da falta de
pastos no primeiro trecho que sobe da foz do rio e chega aos campos.
Dessa forma, uma retificação foi realizada por Cristóvão Pereira de Abreu,
naquela que seria a primeira viagem inaugural do Caminho dos Conventos. A
abertura do Caminho das tropas tinha interesses estritamente comerciais, tanto do
próprio explorador quanto da Coroa Portuguesa. Abreu queria comercializar os
animais que eram abundantes no sul, mas que eram escassos em São Paulo e
Minas. Além disso, havia o interesse político de ter acesso por terra à Colônia de
Sacramento e garantir a posse do território a sul.
3. 2. 3 Manter aberto ou fechar o caminho? A importância do caminho
Desde a abertura da picada inicial do Caminho das Tropas, a sua
continuidade é discutida. Conforme Cristóvão Pereira de Abreu menciona na
terceira “Notícia Prática”:
[...] se com a occasião da guerra do Rio da Prata não fôra preciso vedar o dito
caminho para não dividir assim a gente como os cavallos, de que se podia
necessitar, e isto sem experimentarem tanta mortandade nelles, como eu,
e os que forão comigo experimentámos, assim por estar o dito caminho
perfeito, como por se povoarem os campos de viamão, e se descobrir nelles
novo atalho á subida da serra, que é onde se experimentava a maior perda,
sem que possa haver inconveniente algum que o embarece. (ABREU, 1908,
p. 259).
A permanência do caminho aberto nos primeiros anos estava em risco, ou
seja, ele foi aberto num período em que se buscavam várias alternativas para o
abastecimento da região das Minas. O caminho para o sul era mais uma
possibilidade e que poderia deixar de existir, dependendo das circunstâncias.
Assim, trava-se uma discussão entre as autoridades administrativas locais e
134
o Conselho Ultramarino em Portugal, procurando definir entre manter-se o caminho
aberto ou fechá-lo. Dessa forma, a real importância do caminho estava em debate
no período inicial.
Na consulta realizada pelo Provedor da Casa da Fundição e Quinto da
Capitania de São Paulo, Bento de Castro Carneiro, ao Conselho Ultramarino, foi
colocada em dúvida a manutenção do caminho, pela Provisão de 8/08/1733 e
solicitado um parecer:
[...] se ordenou tão bem por Provizão de oito de Agosto do ano de mil
setecentos e trinta e trez ao Governador da mesma Capitania de São Paulo
informasse com seo parecer se seria conveniente conservarse a abertura do
Caminho do Rio Grande de São Pedro para a Villla da Curitiba q mandara
abrir seo antecessor Antonio da Sylva Caldeyra Pimentel, ou mandarse vedar
o dito Caminho [...]. (AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1061, 1735, fl. 1
v.)
51
.
O interessante é buscar compreender em que contexto este questionamento é
feito. Se o caminho seria o importante, por que se faria esta pergunta, colocando
em dúvida a manutenção do caminho?
Ao procurador da Coroa, nesta consulta, parecia que “[...] o caminho da Villa
da Laguna para os campoz de Sima da Serra, não convinha se contenuasse, nem se
conduzissem gados dos Campos da Collonia, porq não acontecesse topar com o
Gentio Tape, q era muito poderozo” [...] (AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1061,
1735, fl. 2 v.)
51
. Assim, a preocupação maior era a possibilidade de ataque por parte
dos índios, ou talvez invasão, a partir das Missões Jesuíticas, pelo caminho aberto,
propiciando um acesso às vilas portuguesas.
O retorno a esta questão levantada foi dada em 7/02/1734 pelo Governador
e Capitão-general da Capitania de São Paulo, o Conde de Sarzedas, António Luís de
Tavora, respondendo que:
[...] parecia muy util conservarse o Caminho q seo antecessor mandara abrir
do Rio de São Pedro para a Villa de Curitiba pelo rendimento q podia ter a
Fazenda Real nas entradas das Cavalgaduras, e das boyadas, e tão bem para
fornecimento das Minaz q por se reconhecer este beneficio, rateficar a
Christovão Perreira as ordens q o dito seo antecessor lhe havia dado para
entrar por elle, achandose este ainda a Ilha de Santa Catharina, despoes de
elle Governador tomar posse daquelle governo lhe ampliara as referidas
ordens para q não encontrasse obstaculo algu e ainda não chegara a
povuado, e entendia q não poderia tardar muito. (AHU_ACL_CU_023-01, cx.
10. doc. 1061, 1735, fl. 1 v e 2)
51
.
51
Documento manuscrito: CONSULTA do Conselho Ultramarino, sobre uma carta do provedor da
Casa da Fundão e Quinto, da Capitania de São Paulo, Bento de Castro (Crasto) Carneiro, [...]. Anexo:
parecer, 4 cartas, certidão. Lisboa Ocidental, 5 de março de 1735. AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc.
1061, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4, 4 v., 5, 5 v., 6, 6 v., 7, 7 v., 8, 8 v. e 9.
135
A sua resposta favorável à conservação do caminho estava baseada no
rendimento que resultaria para a Fazenda Real, ou seja, os ganhos futuros que se
teriam para os cofres reais justificavam a sua continuidade.
Entretanto, o Procurador da Coroa respondeu que seria conveniente que se
obtivessem mais informações sobre o que dizia Antonio da Sylva Caldeyra no seu
parecer. Para o Conselho Ultramarino, esta questão não se achava ainda com
instrução suficiente para ser deliberada. Sendo assim, solicitam em 5/03/1735 que
se mande examinar melhor o caminho para que se pudesse conhecer melhor a sua
situação, sugerindo o Conselho ao rei que este ordenasse que:
[...] hum dos Padrez Jezuitas Mathematicoz q se achão no Brazil passe a
estaz terraz, e dellas tire hum Mappa exacto, e q em companhia do mesmo
Padre va Martinho de Mendonça de Pina, o qual vendo estez papeiz, q se lhe
devem remeter por copia, faça as averiguaçõez q elle julgar necessariaz, e
informe interpondo seo parecer, porq a gravidade desta materia faz precizo
todo este exa me e indagação, pella utillidade, ou inconvenientez q della se
podem seguir. (AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1061, 1735, fl. 3)
51
.
Sobre esta consulta recaiu uma Resolução de D. João V de 22/12/1735,
determinando que um dos padres jesuítas faça a referida diligência.
A sequência desta questão é desconhecida, assim como a resolução do
Conselho Ultramarino e os motivos favoráveis à permanência da abertura do
caminho. Porém, sabe-se que o Caminho das Tropas entrou em uso, perdurando
como principal via de ligação com a fronteira sul até meados do século XIX.
Contudo, houve uma segunda etapa de abertura do caminho a partir de
outra carta anexa a este processo, do Ouvidor de Paranaguá, Antonio dos Santos
Soares, datada de 8/11/1733:
[...] para os Campos de Sima da Serra, e dahi athe a Villa de Curitiba pello
Certão aonde sahirão os abridores no anno de 1730; no prezente de 1733 se
continuou o mesmo caminho fazendose segunda jornada em q. se
conduzirão quantid.
e
de Cavalgaduras tirados dos Campos da Collonia por
varias pessoas particulares, e estas, e os primeyros abridores dão q. nos
Campos de sima da Serra q. caminhão p.ª o Certão, e se alargão athe a Ilha
de Santa Catherina e incostao com a Serra do Mar the quazi altura da Villa
do Rio de S. Francisco, em todos os ditos Campos q. se chegarão a descobrir
acharão immencid.
e
de gado vacum e se aproveitarão de algum [...].
(AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1061, 1735, fl. 9)
51
.
Um documento
52
de 1735 é apontado no seu verbete que pela introdução de
gado e cavalos que entrarão pelo novo caminho, vindos dos campos do Rio Grande
de São Pedro do Sul e Nova Colônia de Sacramento, o preço destes animais de
52
Este documento está com a tinta transpassada e trechos borrados, dificultando a transcrição.
136
Curitiba diminuiria, acarretando prejuízo. Entretanto, a pouca quantidade de
animais existentes nos currais de Curitiba não abastecia a cidade de São Paulo.
Sendo assim, seria conveniente a existência de um caminho que ligasse a Vila de
Curitiba às terras do Sul
53
.
A importância da abertura do caminho que ligaria o Rio Grande do Sul a São
Paulo também foi mencionada em outro documento, o qual apresenta uma relação
de vilas litorâneas existentes em 1726 e 1727, feita pelo Tenente Mestre de Campo,
David Marques Pereira, relacionando, entre outros dados, as utilidades de cada vila.
Para a Villa de “Rio Grande de Sam Pedro”, as utilidades listadas que a Fazenda
Real poderia obter estavam relacionadas à abundância de gado vacum e cavalar:
O gado, e Cavalgaduras, que poderão entrar p.ª toda a Capp.
na
de Sam Paulo
abrindosse o caminho p.ª os Campos de Curuytuva pella piccada que se
acha feyta p.ª os ditos Campos, com que se utillizan â todas as Minas com
tanta abundancia que havendo gente p.ª este exzercissio se poderão muy
bem tirar Milhoiz, e Milhouz de gado pestas Capp.
nas
. (AHU_ACL_CU_023,
cx. 1, doc. 70, 1726-1727, fl. 2)
54
.
Portanto, observa-se a importância que representava abrir o caminho para
ligar por terra a Capitania do Rio Grande à de São Paulo, pelos campos de Cima da
Serra até Curitiba, onde já havia uma estrada até a cidade de São Paulo.
3. 2. 4 O ressarcimento das despesas e a cobrança de impostos
Os investimentos necessários à abertura do Caminho das Tropas foram
realizados em parte com recursos particulares de Cristóvão Pereira de Abreu e seus
sócios. O complemento veio do Governo da Capitania de São Paulo, que contribuiu
principalmente com armas, munições e ferramentas.
Cristóvão menciona o fim da sociedade que tinha nesta empreitada e os
prejuízos que tinha tido e os gastos realizados:
E Sargento Mayor de Santos se excluhyo da Sociad.
e
que tinha Comigo com
mil velhacarias, e faltandome a tudo, e fiquei eu sô nesta delig.
ca
em que não
posso ser bem Livrado porque sobre me emportarem os selarios e gasto athe
hoje 15 p16 mil Mil Cruzados perdi trezentas Cabessas no subir da Serra,
53
Documento manuscrito: CARTA do (governador e capitão-general da capitania de São Paulo),
António da Silva Caldeira Pimentel, para (D. João V), [...]. Lisboa Ocidental, 21 de janeiro de 1735.
Anexo: 2 cartas. AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1058, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4, 4 v., 5, 5
v., 6, 6 v., 7, 7 v. e 8.
54
Documento manuscrito: RELAÇÃO de vilas litorâneas desde o Rio Grande de São Pedro até a praça
de Santos, feita pelo tenente de mestres de campo, David Marques Pereira [...] [São Paulo]. [Post.
1727]. AHU_ACL_CU_023, cx. 1, doc. 70, 1726-1727, folhas 1 e 2.
137
e nos Campos dos Curitibanos. (AHU_CU_023-01, cx. 10, doc. 1058, 1735,
fl. 2 e 2 v., grifo nosso)
53
.
No que se refere às despesas feitas, este sugere que então que lhe seja pago
através da cobrança de um imposto sobre os animais no Registro de Curitiba:
Para as despezas que Sua Mag.
de
por ora fizer, se pode por hum Imposto nas
tropas de gados e cavalladas q pasarem, e de muita boa vontade de o
pagarão os Vassalos ha venda ali hua duzia de Indios com Canoas
sufecientes para ajudar a pasage, e estes tambem podem plantar
mantimentos. Dado este remedio, e o dos tapes, e P.
es
da Comp.ª não teria
duvida a dar a Sua Mag.
de
sesenta mil Cruzados pello Caminho por 6 annos
com condição de que nenhua pessoa sem authoridade minha possa me ter
Cavalhada nem Mulada, e de se me darem livre os direitos do Registo da
Curitiba deixando livre Gados eguas, a quem as quizer me ter, para
estabelecimento de alguas Fazendas. (AHU_CU_023-01, cx. 10, doc. 1058,
1735, fl. 2)
53
.
Em uma consulta feita em 1733 ao Conselho Ultramarino, na qual Bento de
Castro Carneiro, Provedor da Casa da Fundição e Quinto da Capitania de São
Paulo, expôs que o ex-governador dessa Capitania, Antonio da Silva Caldeira
Pimentel, fez despesas da Fazenda Real quando mandou abrir o caminho do Rio
Grande de São Pedro do Sul para a Vila de Curitiba:
[...] expoem a V Mag.
de
q o Governador q foi da mesma Capitania Antonio da
Sylva Caldeyra Pimental quando mandara abrir o Caminho do Rio Grande de
São Pedro para a Villa de Curitiba fizera alguma despeza da Fazenda Real de
munições, e outroz aprestos necessarios para a dita factura, e como lhe
ordenara fizesse naquela Provedoria dos quintos a cobrança dos direitos dos
gados e cavalgaduras q pello dito caminho viessem, attendendo ao zello com
q elle Provedor obrava em tudo o q era do Serviço de V Mag.
de
, lhe era precizo
dar conta a V Mag.
de
para q lhe fizesse merce mandar declarar se daquelle
rendimento se havia de mandar satisfazer â Fazenda Real o dito gasto, e se
despoes de pago havia de remeter a V Mag.
e
o q fosse rendendo com so
quintos, ou se se havia de incorprar a mesma Fazenda Real.
(AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1061, 1735, fl. 1)
51
.
A resposta para esta consulta foi a segunda opção, na qual o valores
recolhidos pelos direitos deveriam ser incorporados a Real Fazenda:
E dandos vista ao Procurador <da> Fazenda respondeo q quanto a satisfação
dos gastos se fizesse justiça, e satisfeitos entendia q a importancia daquelles
direitos se devião, emquanto não houvesse ordem em contrario, incorporar
em a Real Fazenda de V Mag.
de
. (AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1061,
1735, fl. 1 e 1 v.)
51
.
A Carta de Mercês enviada pelo Rei João V em 1747 a Cristóvão Pereira de
Abreu, concede benefícios pelos serviços prestados a Sua Majestade:
Ha S Mg.
e
por bem por resolução de 18 do prez.
te
mes, e an.° em consulta do
cons.° ultr.° fazerlhe m.
e
, alem de outras, em satisfação de todos os seus
serv.
os
q tem feito até o prez
.te
de lhe conceder por tempo de doze an.
s
a
meatade dos dir.
tos
q pagam por entrada em S. P.
lo
os gados, a Cavalgaduras,
138
q vão do Ryo gr.
de
de S. P.° aq.
l
ª Cap.
nia
, os quais dir.
tos
não são estabelecidas
no Rio grande por sahida, porq estes são diferentes, e pertencem ao m.° Rio
grande de q lhe foy pacado Provizão. (IAN/TT, 1747, fl. 473)
50
.
Como recompensa pelos serviços prestados, Cristóvão Pereira de Abreu teve
direito sobre a metade dos impostos cobrados sobre estes animais durante 12 anos.
Portanto, os custos empreendidos com a abertura do caminho eram ressarcidos a
longo prazo através da cobrança de impostos.
A Coroa Portuguesa, por sua vez, lucraria duplamente, pois teria os animais
necessários para o desenvolvimento da mineração, além de recolher impostos com a
entrada dos animais, recebendo metade do arrecadado.
3. 3 ITINERÁRIOS, ROTEIROS E MAPAS: A DESCRIÇÃO DO TRAÇADO E
DA REGIÃO
Ao longo do século XVIII, o Caminho das Tropas passou por correções do seu
traçado, buscando-se as melhores alternativas para percorrer as grandes distâncias
de percursos. Na documentação analisada, foram encontradas descrições do seu
itinerário, distâncias de percursos e até roteiros escritos, mapas elaborados com
informações sobre o caminho e orientações aos viajantes.
Neste subcapítulo, serão apresentadas as informações pertinentes ao ato de
viajar ao longo do Caminho das Tropas e os subsídios fornecidos pela cartografia
dos séculos XVIII e XIX.
3. 3. 1 Itinerários e roteiros
pelo menos três itinerários ou roteiros conhecidos da época: o “Roteiro de
1745”, o denominado “Itinerário da cidade de São Paulo para o Continente do
Viamão”, ambos de autores desconhecidos, e outro intitulado “Tranzitos por honde
Marchou a Infantaria de Voluntarios Reaes desta Cidade de São Paulo para o
Exercito do Sul” de 1775. Estes documentos serão apresentados procurando
abordar aspectos do itinerário e dos locais mencionados referentes à região da
pesquisa.
O “Roteiro que se fez do Caminho do Certão, que principia na Patrulha aonde
se acha o Curral da Contage, pegado ao Rio do Sino, p
a
entrar a subir a Serra, e
139
seguir p
a
Curituba, e o Paulo, anno de 1745”
55
, mais conhecido como o “Roteiro
de 1745”, de autor anônimo, foi publicado parcialmente por Véra Lucia Maciel
Barroso (1995, p. 40-44) e analisado na porção correspondente ao noroeste gaúcho
por Ruy Ruben Rushel (1995, p. 108-120).
A narração da viagem, segundo este roteiro, inicia no dia 28 de fevereiro de
1745 e finda em de fevereiro no ano seguinte. O trecho de interesse à área de
pesquisa, entre os rios Pelotas e Canoas, foi percorrido entre fins de junho e início
de julho:
20 [junho]. Fomos a passar o Rio do Inferno, nome próprio: aquelas decidas
de três quartos de légua que rolando alguns cavalos, se fizeram em pedaços,
e olhando de cima ao Rio senão conhece o que vai passando; o Rio em si é
muito largo, de cachoeiras, no seu natural se passa de cavalo sem
perigo: a subida da parte de é muito perigosa por um alfaque que se
despenha de uma, e de outra parte na largura de duas braças correndo
sempre para ooes‟noroeste: andamos léguas e meia nestas subidas, e
descidas. E por ser estes barrancos do Inferno tão perigosos como em todo o
sentido podemos considerar, fiz eu mesmo a diligência com a minha
gente ver se descobríamos Rio abaixo algum passo para nos livrarmos
deste perigo, e não podemos ver em 7 dias coisa capaz, e apenas outros
comboeiros que se viram precipitados com grande perda, buscaram o
Rio do Inferno Pequeno até sua barra na distância de uma boa légua,
aonde passaram as suas tropas, não é muito alto, mas de muita pedra: O
rio cheio nenhum cachorro o pode vencer, terá 100 braças de largo da
parte de lá, e um paredão de pedras cercando todo o Rio com 4 para 5
braças, na saída por onde os cavalos saem sem perigo, mas quase todos
mancos das pedras, e o que escapa deste passo vai parar ao Uruguai: Logo
se sobe para o campo das Lages distantes uma (?) no Alto correndo a
noroeste paramos.
Julho
1º. Saímos de pé deste morro caminhando aoes‟noroeste até a Bocaina das
Lages, campos mais direitos, alguma faxina, vários arroinhos
pequenos, aqui paramos a descansar, para entrar aos matos andamos 5
léguas, todos estes arroios vão descer Rio das Caveiras abaixo, que vai fazer
barra ao Uruguai.
AGOSTO FALHAMOS ATÉ 17 DE SETEMBRO. (BARROSO, 1995, p. 40-44,
grifo nosso).
Neste roteiro, um grande destaque dado à travessia do rio do Inferno,
atual rio Pelotas, fazendo jus ao seu nome antigo. Atualmente, ainda se constitui
em uma aventura realizada por poucos. O autor enfatiza que estando o rio em suas
condições normais a travessia era feita a cavalo, sem explicitar se montados ou a
nado. Contudo, o mais perigoso representa a descida e a subida das margens deste
rio, sendo necessária gua de marcha. Descreve também que este curso de
água é largo e cheio de corredeiras.
Buscaram então um passo melhor como alternativa de travessia devido às
dificuldades dos barrancos, seguindo rio abaixo por sete dias e percorrendo a
55
Documento pertencente ao acervo da Biblioteca Municipal Mario de Andrade, nº. 50.
140
distância de uma légua. Pelo que se depreende do texto, não se encontra outro
passo, apenas outros “camboeiros”. Realizaram a passagem, ao que parece, próximo
à foz do rio do Inferno Pequeno, não tendo nível de água muito alto, mas repleto de
rochas, dificultando a saída dos animais de água. Sua largura é estimada em 100
braças
56
, o que equivaleria atualmente a aproximadamente 220 m. Descreve que o
rio, na margem catarinense, é cercado por paredões rochosos com 4 a 5 braças de
extensão, em torno de 8 a 11 m.
Após vencerem as dificuldades da subida, os sertanistas, chegaram em áreas
de campos, no lugar chamado de Bocaina das Lages, com grande número de
córregos afluentes do rio Caveiras, onde pararam e descansaram. Depois de
descansarem, seguiram viagem marchando 5 léguas, entrando em área de mata em
1º de julho.
Jacobus (2000, p. 72-76), que teve acesso à íntegra desse documento,
elaborou um quadro comparativo listando as localidades e as características citadas
nos três roteiros e no mapa. No que se refere ao Roteiro de 1745, lista a passagem
entre o trecho dos rios Pelotas e Canoas pelos seguintes locais e situações de
pouso: pouso do defunto Xavier; arroio do morro alto, pouso no campo; bocaina das
Lages, pouso no campo; Ventura da Silveira (campo e arroio), pousaram; Rio das
Caveiras; alto e estreitura dos Tributos, pouso no campo; Arroio do Campo, pouso
no campo; Arroio das Pombas; Arroio dos Porcos; e Rio das Canoas, pouso no
campo.
Nesta relação, percebe-se a toponímia dos cursos de água e da topografia, a
referência a poucos moradores e os pousos realizados, listando pelo menos seis
paradas desta natureza, sendo quatro mencionados em campo aberto, ou seja, ao
relento sem qualquer tipo de abrigo. A menção ao pouso no Ventura da Silveira,
poderia sugerir tratar-se de um rancho ou de um pouso certo com alguma
infraestrutura, assim como o pouso do defunto Xavier.
O Itinerario da Cidade de S. Paulo p.ª o Contin.
te
de Viamão feito por hum
Pratico”
57
, de autor desconhecido, acompanha outro documento
58
datado de 1773,
56
Braça: “Antiga unidade de comprimento equivalente a 2,2 metros; unidade de comprimento do
sistema inglês, equivalente a 1,8 metros” (OLIVEIRA, 1980, p. 44).
57
Publicado também na Revista do IHGSP (MATOS, 1979, p. 154-158), com cópia do documento no
acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB, lata 92, doc. 8. Versão transcrita por Nello
Migliorini.
58
Documento manuscrito: NOTAS feitas pelo Gov.or e Cap.m Gen.al de S. Paulo Dom Luiz Ant.o de
Souza a resposta que deo o Brigadeiro Joze Custódio de e Faria sobre os quatro pontos principais
extrahidos das Reaes Ordens de Sua Magestade. São Paulo, 15 de abril de 1773. AHU_ACL_CU_023,
cx. 66, doc. 5112, folha 1.
141
no qual se encontra a seguinte explicação para o itinerário no anexo: E para mayor
clareza, e confirmação do sistema ideado do mesmo General, e conn hum itinerario
do Caminho de São Paulo té Viamão” (AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5112, 1773,
fl. 1]
58
. Ao final do documento leva a anotação “esta conforme” e a assinatura de D.
Luis Antonio de Souza.
Este itinerário trata da rota utilizada pelos tropeiros para a condução de gado
do sul do país para São Paulo, que viria a ser conhecida como o Caminho das
Tropas. Contudo, o itinerário é apresentado em seu sentido pouco usual para os
tropeiros, ou seja, do norte para o sul, de São Paulo para Viamão. Portanto,
acredita-se que este itinerário serviria para guiar tropas militares que marchavam
para o sul, pois correspondências da época tratam do socorro ao Continente do Sul.
Este documento é composto de um rol de locais a partir de São Paulo e a
Viamão, detalhes da distância percorrida entre cada trecho e a situação de trânsito
e/ou as condições de alojamento encontradas ao longo do percurso. Há uma grande
quantidade de toponímias referenciadas ao longo do itinerário, “[...] demonstrativas
igualmente de caminho suficientemente balisado, em que os pormenores mais
insignificativos (para nós, mas não para os viajantes) se sucedem com
extraordinária freqüência.” (MATOS, 1979, p. 152).
O manuscrito original não está datado, mas que segundo Matos (ibid.) “[...]
de datar dos fins do século XVIII ou talvez do início do culo XIX.”
Entretanto, sugere-se que o mesmo é mais antigo que o proposto por Matos.
Acredita-se que o itinerário seja anterior ao referido documento no qual está anexo,
ou seja, anterior a 1773.
Supõe-se que o mesmo também seja anterior a pelo menos 1766, pois ao
passar pela região dos Campos de Lages não qualquer referência à povoação ou
à Vila de Lages, ou a moradores, onde teriam pouso. Somente menciona existirem
taperas antigas nos tributos e a tapera
59
do defunto Carvalho, além de fazendas de
gado, sem dar maiores informações.
Esta vila não passaria despercebida sem ser mencionada no itinerário, pois
representava um local com moradores, com possibilidades de fazer um pouso
adequado e abastecer-se de gêneros para a viagem. Isto, comparando-se a outros
locais descritos, como por exemplo, os Campos de Cima da Serra, onde é
mencionada a existência da Fazenda Menino Diabo, onde “terá algu comodo”.
Outro dado que fornece uma baliza temporal do documento são os registros
59
Tapera possui a conotação de habitação em ruína pelo abandono.
142
de Santa Vitória e São Jorge, fundados no último quartel do século XVIII e que o
são referidos neste documento. Somente a menção do Registro de Curitiba e da
Guarda de Viamão, ambos datados da primeira metade do século XVIII. Desta
forma, este documento poderia ser cronologicamente situado em meados do século
XVIII.
O “Itinerário da Cidade de S. Paulo para o Continente de Viamão” descreve
um percurso de 311 léguas de viagem, sendo apresentado no quadro 8 o trecho
referente à área entre o rios Canoas e Pelotas:
Descrição
Léguas
Pouso
Acabarão se os matos grd.
es
.
E dahy por diante tudo são Camprestres, e ristingas athe chégar aos
Campos dos Curitibanos, e não pouzo certo; dormece no campo onde
sucede, serão quatro dias de viagem pouco mais ou menos
24
Daqui se passa ate o R.° das Canoas, e tambem não pouzo certo; nem
comodo, tudo deve hir de Curitiba q‟ serão dous dias de viagem
O d.° R.° das Canoas he Grd.
e
passase em Canoas, e succede achare-se no
Porto, porq m.
tas
vezes a leva o R.° e estas costumão ser pouco sufic.
tes
, e
não passa mais q huma so limita de carga de cada vez.
12
Daqui se passa ao Ribeirão, e aos Campos das Pombas, q serão
4
Daqui se vai aos Tributos, Taperas antigas, e têra
5
Daqui se vay ao Rio das Caveiras, ultimo Rio da Capitde Sam Paulo, este
Rio dá vão em muitas partes
6
Daqui se vai a Tapera do defunto Carvalho, q o lemite desta Capitania
nos Campos das Lages, q terão
Achão-se p
.r
aqui m.
tas
fazd.
as
de gado.
5
Vem
234
Daqui se vay ao R. das Pelotinhas
Este rio dá vão
5
Daqui se vai ao Carahá
6
Não
comodo
Daqui ce vai ao R.° das Pelotas
Este Rio hê m.
to
grd.
e
, tem as marge‟s, innacessiveis, e so tem hum pequeno
desfiladeiro, onde com pouca gente se pode fazer a mayor defensa
5
Quadro 8 - Fragmento do “Itinerário da Cidade de S. Paulo para o Continente de Viamão”
Fonte: AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5112, fl. fl. 7 e 7 v.
60
Este itinerário fornece interessantes dados para a área desta pesquisa,
situada entre os rios Pelotas e Canoas. A partir do Espigão
61
, na qual se acabavam
os matos, na área conhecida como os Campos de Curitibanos “tudo são campestres
e restingas”. Destes campos aa travessia do rio Canoas não havia pouso certo e
nem cômodo, sendo necessários dois dias de viagem e 12 léguas de distância
(aproximadamente 66,6 km).
60
Documento manuscrito: ITINERÁRIO da cidade de São Paulo, para o continente de Viamão, feito por
um prático. (s.l./ n.d). AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5112, folhas 5, 5 v., 6, 6 v, 7, 7 v. e 8.
61
Espigão: “Denominação geral dos altos ou dorsos das serras, constituindo penhascos de arestas
vivas, ao longo dos mesmos” (OLIVEIRA, 1980, p. 137).
143
É interessante a observação feita de que tudo deveria vir de Curitiba, ou seja,
não havia moradores para abastecer os viajantes com gêneros alimentícios e outras
necessidades. Assim, o autor do itinerário aconselhava aos viajantes estarem
prevenidos, se abastecendo em Curitiba, antes de prosseguirem a viagem.
Para a travessia do rio Canoas, utilizavam-se as canoas existentes nas suas
margens. Entretanto, nos períodos de cheia, as canoas eram levadas pela
correnteza do rio. Além disso, as embarcações costumavam ser insuficientes e
suportando cargas limitadas, sendo necessárias, portanto, várias viagens para a
travessia completa.
Seguindo o itinerário a partir do rio Canoas, cruzando o Ribeirão e os
chamados “Campos das Pombas”, perfazem-se 4 léguas de viagem
(aproximadamente 22 km), e destes à região dos Tributos, referência provável ao
atual Morro dos Tributos, passando pelas antigas taperas, totalizando mais 5
léguas (cerca de 27 km).
A viagem continuava atravessando o rio dos Cavalheiros que, pela sequência
lógica, seria o atual rio das Caveiras. Este dava vau em muitos pontos, ou seja, era
um lugar pouco fundo para a travessia do rio, permitindo a passagem a ou a
cavalo. Este rio é indicado como sendo o último curso de água da Capitania de São
Paulo, somando mais 6 léguas (perto de 33 km). Deste ponto, seguia-se a a
Tapera do Defunto Carvalho, mais 5 léguas, sendo este indicado como o limite da
Capitania de São Paulo nos Campos de Lages. Nestes campos, é observada a
existência de muitas fazendas de gado, sem, contudo, mencionar o nome de
nenhuma delas.
Na sequência, percorre-se até o rio das Pelotinhas, atual rio Pelotinhas, que
também propicia a passagem a vau, acrescentando mais 5 léguas, seguindo depois
pelo Carahá, que poderia ser o Arroio Cará, com mais 6 léguas. Neste ponto, é
mencionado que não havia cômodo, ou seja, local propício para pouso. E por
último, no que se refere ao trecho de pesquisa, chegava-se ao rio das Pelotas, atual
rio Pelotas, marchando mais 5 léguas. As observações anotadas para esta travessia
fazem referência às margens inacesveis deste rio, ao seu grande tamanho e a um
pequeno desfiladeiro por onde se poderia fazer a defesa.
O terceiro documento existente, intitulado “Tranzitos por honde Marchou a
Infantaria de Voluntarios Reaes desta Cidade de São Paulo para o Exercito do Sul” é
datado de 08/12/1775, tratando-se de uma cópia autenticada por Tómas Pinto da
Silveira.
Este documento relaciona apenas os trechos, a quantidade de dias e as
144
léguas percorridas, não sendo tão rico em informações sobre a região ou em
descrições físicas.
Dias
Legoas
Do Rio dos Cachorros, ao Rio das Canoas
35
6
Do Rio das Canoas passagem / a Villa nova das Lages
ultima desta Capitania de São Paulo
33
6 ½
Quadro 9 - Fragmento do “Tranzitos por honde Marchou a Infantaria de Voluntarios Reaes desta
Cidade de São Paulo para o Exercito do Sul
Fonte: AHU_ACL_CU_023-01, cx. 30, doc. 2716, 1775, fl. 1 v.
62
.
Nesta relação do percurso realizado entre São Paulo e Lages, consta a
informação de que a viagem foi realizada em 33 dias, percorrendo ao todo 95
léguas, aproximadamente 527 km. Contudo, pelo cálculo diário apresentado deveria
ser de 36 dias ou mais, havendo provavelmente um erro de cópia ou grafia no
próprio original.
O trecho do Rio das Canoas passagem a Villa nova das Lages ultima desta
Capitania de São Paulo” totalizou 6 ½ léguas, representando aproximadamente 35
km de percurso.
Informa ainda que, por último, “da dita ultima Villa desta Capitania seguirá
as marchas pelos pouzos que achar estabelecidos, ou como melhor se puder
arumar avancando as mayores distancias que puder vencer” [AHU_ACL_CU_023-
01, cx. 30, doc. 2716, 1775, fl.1 v.]
62
.
Assim, percebe-se neste documento que para realizar a viagem entre São
Paulo e Lages naquela época era necessário um pouco mais de um mês e a
distância de viagem entre o rio Canoas e a Vila de Lages representava um dia de
deslocamento. A partir desta vila, comenta que a marcha seguiria pelos pousos
estabelecidos ou como fosse melhor.
Outro documento do século XVIII que aborda a região pesquisada é o registro
do Alferes José da Costa sobre a expedição de abertura de um caminho entre
Desterro, atual Florianópolis, e Lages.
Na viagem que fez o Alferes Antonio José da Costa, em 1787, da Ilha de
62
Documento manuscrito: RELAÇÃO (Cópia) do percurso feito pela Infantaria de Voluntários Reais da
cidade de São Paulo desde esta cidade até vila Nova das Lages, passando por ponte de Cotia, Cogio,
Sepetuba, Lagoa, Lambaraci posto de Itapetininga, Pesacaria, porto de Apiaí, Ribeirão Fundo, Fazenda
Nova, Rio Verde, Morungaba, Jaguaraíba, Cinta, Piraí, Iapó, Corumbú, encruzilhada do Carrapato,
Fazenda do Lago, Fazenda do Ferrador, Registo da Curitiba, rio dos Patos, Passaquatro, Curralinho,
Pinheiro Seco, Estiva, Rodeio Grande, derradeiro Campestre, Caldeirão, Correntes, Maromas,
Curitibanos, rio dos Cachorros e rio das Canoas. São Paulo, 8 de dezembro de 1775.
AHU_ACL_CU_023-01, cx. 30, doc. 2716, folhas 1 e 1 v.
145
Santa Catarina, explorando e abrindo picada, até o “sertão da terra firme”, este
chega ao Registro do Rio Canoas e a Vila de Lages:
[...] cheguei a avistar no dia 7 o paço, e guarda do referido rio canôas, no
qual dezembarquei no dia 8 de manhão achando naquele Registo o
Admenistrador delle e dois Soldados das tropas da Cid.
e
de S. Paulo. [...]
Em o 8° dia, asima segui á vila das Lagens, q.’ fica daquele rio para o Sul
de 5 p.ª 6. legoas, cuja estrada segue p.
r
meyo de campos the a referida
vila, na qual estive thé o dia 14 do dito ocupando-me em communicar varias
pessoas sobre varios assunptos, tendentes a esta mesma deligencia.
Em 15 de Agosto me retirey daquela vila, seguindo pela estrada, qvay thé
a vila da Laguna beirando, p.
r
tres vezes a denominada Serra
cordilheira, e observey alem de algumas informaçoens q‟ esta mesma Serra
vem de Susudoeste, e fazendo segundo se alcança cotuvêlo, segue p.ª Oeste
findando do pé da referida vila das Lagens na distancia de tres legoas a Leste
daquela vila, a qual se torna a levantar ao Norte na distancia de 15 p.ª vinte
legoas, formando hum espigão, q’ faz fundo ao Certão desta Ilha pelo
qual passa a estrada p.
r
onde tranzitão as tropas de animaes, qpassão
p.
a
S Paulo, de cujo espigão por informação de pessoas praticas se avista
findar a Serra, q.‟ vem do Susudueste, e a q‟ vem do Norte antes de chegar
ao grande Tajahi, cujas cabeceiras descem do sobredito espigão, me dicendo
delle a qual q.
r
as referidas quebradas de 12 the 15 legoaz.
Do cotuvelo da mesma Serra despedem varios morros, q‟ formando huma
especie de Serra vem findar no sobredito morro da Redonda, q‟ a q‟. se
avista quebrar do espigão assima.
Em 23 de Agosto desce a serra, tendo marchado desde a Vila das Lagens,
thé a referida vinte e cindo ou mais legoas por varios rumos, sendo o
principal o Lessueste por ser, ao q.’ se acha daquela Vila da Lagens: a
emtrada da descida p.ª o certão do destricto da Laguna he seguindo pela
referida vargens, e Certão daquela vila por distancia de vinte legoas
pouco mais ou menos thé chegar ao embarque no rio do Tubarao no dia
26. (IAN/TT, 1787, fl. 4 v. e 5, grifo nosso)
63
.
Descendo o rio Canoas, o Alferes e os demais membros de sua equipe
chegam ao passo do rio do Canoas, onde havia o registro e guarda composta pelo
administrador e soldados das tropas de São Paulo.
Quando se deslocou do Registro do Rio Canoas para Lages, o militar seguiu
pelo Caminho das Tropas, observando as condições naturais do terreno,
mencionando que a estrada seguia sempre pelos campos. É interessante observar
que a estrada é mencionada como situada no “fundo do sertão da ilha” e nela
transitam as tropas de animais que vão para São Paulo.
Após ficar alguns dias em Lages, a expedição retorna pela estrada que vai
para Laguna. Segundo sua descrão, essa estrada beira em três pontos a Serra da
Cordilheira. Contudo, este trajeto não é representado no mapa que detalha a
viagem. Mas outros acidentes geográficos são citados, como a Serra do Espigão e o
Morro da Redonda, além do rio Itajaí.
63
Documento manuscrito: PORTARIA (Cópia) passada por Jozé Pereira Pinto, Governador da Ilha de
Santa Catarina ao Alferes Antonio Jozé da [...]. Desterro, 5 de janeiro de 1787. IAN/TT, Fundo do
Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço 600, caixa 703, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4, 4 v.,
5, 5 v., 6, 6 v., 7 e 7 v.
146
Desce a serra em direção a Laguna, que dista cerca de 25 léguas de Lages,
seguindo por rias direções (orientação geográfica), sendo a principal a leste e
sudeste. Depois da descida do sertão, passa por vargens, chegando ao rio Tubarão.
Este documento é acompanhado de um mapa que será abordado no próximo
item, referente à prodão cartográfica.
A existência do chamado Caminho do Sertão é mencionada também nos
documentos referentes a Lages em 1767, quando o Capitão-mor da Vila de Lages
solicita certidões sobre os assassinatos cometidos no sertão de Lages e regiões
circunvizinhas. Antonio Francisco Guimarães, Escrivão da Câmera de Curitiba
certifica que achou “[...] trez devassas de trez mortez feitaz em o Caminho do
Certão vindo de Viamão para esta Villa [Curitiba] [...]”. Destas, foi cometida em
1762 “[...] hua Morte feita a Francisco Bueno Filho de Antonio Bueno feyo Cuja
Morte fora feita [...] nas Lages em a estancia do Capitão Pedro da Silva [...]”,
outra morte ocorreu em 1754, “[...] feita a Manoel Estevis de Mezquita em o
Caminho do Certão que vay para as Misois ao qual Mattarão e Roubarão em o
dito Certão [...]”; e a terceira referida aconteceu em 1746, “[...] feita a Sebastião de
Brito Peixoto No Caminho do Certão na parage chamada as Lagez [...].”
(AHU_ACL_CU_023, cx. 5, doc. 329, 1767, fl. 1 v., grifo nosso)
64
.
Das indicações mencionadas na referida certidão, destaca-se a menção a
duas referências geográficas, sendo uma fazenda em Lages, a Estância do Capitão
Pedro Silva, em 1762, e a paragem das Lages, em 1746. Ambas as cronologias
remontam ao período anterior à fundação de Lages. As mortes, apesar de apenas
uma mencionar a causa latrocínio -, também indicam os perigos existentes para
quem viajava pelos caminhos no sertão pouco habitado.
ainda outro documento intitulado “Jornada do Porto dos Cazaes, e
Viamão para a Cidade de S. Paulo, que está situada na altura de 23 graos e meyo
ao Sul, e Viamão na altura de 30 Graos”, de autoria e data desconhecidas. Este
fornece uma pida relação dos acidentes geográficos e cursos hidrográficos
cruzados no Caminho das Tropas. No que se refere à área de pesquisa, menciona
somente que:
[...] se caminha sempre buscando o Norte, que o rumo que leva esta
Estrada, e se vai passar o Rio das Pelotas; neste se mete o Rio das
Caveiras, que tambem a mesma estrada atravessa; entre hum, e outro
64
Documento manuscrito: REQUERIMENTO do capitão-mor da vila de Lages, Antônio Correia Pinto,
ao rei [D. José I] solicitando certidões sobre os assassinatos cometidos no sertão de Lages e regiões
circunvizinhas. [ant. 6 de março de 1767]. AHU_ACL_CU_023, cx. 5, doc. 329, folhas 1 v. 1, 1 v. e 2.
147
Rio fica o Sittio chamado Lagens, e neste que estava determinado
fazer-se huma Nova Villa. Do Rio das Caveiras se vai passar o Rio das
Canoas, e entre hum, e outro Rio tambem estava projectado fazer-se
huma Povoação; continuando o Caminho se passa o Rio dos Caxorros, e
outros chamado Maroma, e outro chamado Correntes, os quaes quatro Rios,
como tambem o Rio das Pelotas se vão meter no Rio Uruguay.
(AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5075, fl. 1, grifo nosso)
65
.
Cronologicamente, pode-se inferir que este documento situa-se em meados
do século XVIII, anterior à fundação da Vila de Lages, pois o autor faz referência ao
local denominado de Lagens, no qual a intenção e projeto de sua instalação, o
que viria a ser concretizado a partir de 1766, mais efetivamente em 1771, quando é
elevada à categoria de vila. O autor menciona ainda o projeto de instalar uma
povoação entre o Rio Caveiras e Canoas, porém não realizado.
Como se observa nos primeiros roteiros, descreve-se o trecho objeto de
estudo desta pesquisa como um sertão, ou seja, a região dos Campos de Lages era
conhecida como um sertão, pois nos primeiros 35 anos de funcionamento da
Estrada de Viamão a São Paulo nada tinha sido observado ou registrado além da
paisagem, alguns poucos moradores, nenhuma povoação e, ao que tudo indica,
poucos pousos certos e nenhuma estrutura administrativa.
Mas estas ausências também devem ser relativizadas, pois nem sempre se
tinha interesse em divulgar todas as informações de um roteiro, ou melhor, a
minúcia dos detalhes, para preservar o controle da informação.
Esses documentos mostram que, com a abertura do caminho, o passo
seguinte foi explorar e conhecer a região, produzindo verdadeiros guias que
orientassem os viajantes, principalmente os militares em missão para as fronteiras.
3. 3. 2 A representação do caminho na cartografia
As representações cartográficas são frutos da forma de o homem conceber e
representar o espaço conhecido. Os mapas o produzidos dentro de um contexto
histórico e para determinadas circunstâncias e objetivos. Eles não podem ser
considerados neutros ou isentos de interesses, pois destacam ou omitem algo de
65
Documento manuscrito: ITINERÁRIO da jornada do porto dos Casais e Viamão para a cidade de São
Paulo, que está situado na altura de 23 graus e meio ao Sul de Viamão e 30 graus. Descreve os
seguintes rios: Garavataí; dos Sinos, Rolantes; das Tainhas; Camisas; das Antas; das Pelotas; das
Caveiras; das Canoas; dos Cachorros; do Maroma; Correntes; Uruguai; Tapui; Negro; da Varge do
Registo; Pitangui; Yapó; Iguaçu ou Curitiba; Yaguariaiba; Yaguaricatu; Ytavari; Taquari; Piaí;
Paranapa; Capivari; Tapitininga; Serapui; Ipané; Surucabussu; Piraibi; Petirébi; Tiete; Frande do
Paraná; Tamanduati; Ananguai. S.d. AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5075, folhas 1, 1 v. e 2.
148
acordo com os objetivos de quem os elaborou ou de quem os encomendou. É
comum na história os mapas serem usados como verdade para ilustrar um
determinado tema, sem levar em consideração o seu contexto.
As expressões cartográficas produzidas, tanto pela Missão dos Padres
Matemáticos, quanto pelas Comissões Demarcadoras, reúnem o conhecimento mais
técnico da época, representando informações estratégicas, tais como a localização
dos portos, vilas, descrição da topografia, rede hidrográfica, os traçados de
caminhos e estradas.
Os mapas elaborados por estes técnicos destacam-se em relação aos demais,
principalmente em função dos recursos cartográficos empregados: o uso de
coordenadas de latitude e longitude, de escala gráfica e de elementos de orientação
como a rosa-dos-ventos.
O mapa intitulado “Demonstração do Caminho que vai de Viao the a
Cidade de S. Paulo” de autoria do Sargento João Baptista, conforme identificação
existente na moldura do próprio mapa
66
, é datado de meados do século XVIII. Trata-
se do único exemplar que cartografa especificamente o Caminho das Tropas. Em
virtude da sua importância, o mesmo será analisado em detalhe.
Segundo anotação registrada no original do Arquivo Histórico Ultramarino,
esse mapa tem como anexo o documento datado de 1766. Neste ofício, Luís António
de Souza, o Morgado de Mateus, Governador da Capitania de São Paulo, escreve
para Sebastião José de Carvalho e Melo, o Conde de Oeiras, Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios do Reino, relatando as coisas mais notáveis que têm
acontecido na administração de sua capitania depois de 1765. Comenta que
mandou fazer cartas geográficas pela necessidade que há de conhecer bem os
caminhos dos sertões e as passagens e cursos dos rios:
Prevenindo q.‟ sem duvida seria necessario, se abrir Campanha nezte Brazil,
hum individual conhecimento dos Caminhos dos Certões, e pasaje doz Rios
com a noticia do Curço q‟ levão as suas agoas as regiões a donde fazem
Barra em outros Rios, e eztes por donde passão, athé finalm.
te
hirem
dezagoar, depois de dilatadisimas Correntes, no Rio da Prata, tenho
mandado vir a minha prez.
a
muitos praticos deztes Paizes, com os quaiz
tenho tido largas Comferencias, e fazendo deliniar p.
lo
modo possivel certas
ideyas em cartas geograficas, pelas quaiz vou adquirindo, bastante
conhecimento de toda esta vastissima parte do mundo, de q‟ as Provincias
excedem em grandeza as mayores da Europa, sem q delas haja athé gora
mapas exactoz. (AHU_ACL_CU_023-01, cx. 24. doc. 2294, 1766, fl. 6 v.)
67
.
66
A autoria deste mapa tem sido atribuída a José Custódio de e Faria. Ver Jacobus (1997, p. 134)
e Silva (2006, p. 99).
67
Documento manuscrito: OFÍCIO do (governador e capitão-general da capitania de São Paulo) D. Luís
António de Souza (Botelho Mourão, morgado de Mateus), para o (ministro e secretário de Estado dos
Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo), conde de Oeiras, informando das coisas mais
149
O documento acima confirma a carência da administração pela necessidade
de se mapear os caminhos no território português e assim conhecer melhor os
sertões. Os mapas e itinerários representam formas de ação do poder, pois quem
detinha o conhecimento sobre o espaço poderia colonizá-lo e conquistá-lo.
O mapa “Demonstração do Caminho que vai de Viamão the a Cidade de S.
Paulo” (ver figura 8) abrange o território compreendido entre os paralelos 30 e 23,
tendo ao sul o Porto dos Casais (Porto Alegre) no interior e Cidreira no litoral. Ao
norte a cidade de São Paulo e no litoral até a altura da Ilha Queimada. Pelo interior,
as vilas de Aritaguaba e Itú, e rio Tieté.
A porção cartografada na extremidade sul do mapa é inversamente
proporcional à da região de São Paulo, ao norte. Isto denota quão pouco se conhecia
a fronteira sul do território português, excluindo-se assim as áreas das Missões
Jesuíticas e terras sob domínio dos espanhóis. Essas ausências na cartografia
também buscaram omitir informações estratégicas para um espaço em disputa e
com seus limites por definir.
O mapa detalha minuciosamente a rede hidrográfica das bacias do interior,
assim como os rios que deságuam no oceano atlântico. Os principais rios são
desenhados, também, com seus afluentes e naqueles se faz menção dos nomes que
os identificam, porém, os afluentes menores não recebem denominação no mapa.
A costa marítima é bastante detalhada, com a identificação da foz de rios,
barras, ilhas, povoações, vilas, fortalezas, armações de baleia e outros lugares,
afinal, este já era um espaço bastante conhecido e representado no século XVIII.
O relevo, apesar de não ser praticamente desenhado ou simbolizado nesse
mapa, com alguns poucos exemplos de cerros e morros no que tange à porção
meridional do interior, é somente sinalizado. Dessa forma, entre a costa litorânea e
o planalto, o militar situa muito bem o limite natural existente: a serra. O autor
anota que “entre as vertentes dos Rios que cahen para a costa e as dos que entrão
p.
a
a Campanha vay a Serra.” (BAPTISTA)
68
. O espaço ocupado pela Serra Geral é
representado como uma imensa porção vazia, com ausência de informações, pois
realmente era uma área pouco conhecida e explorada nessa época.
notáveis que têm sucedido na dita capitania, depois de Dezembro de 1765. [...]. Santos, 30 de março
de 1766. AHU_CU_023-01, cx. 24, doc. 2294, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4, 4 v., 5, 5 v., 6, 6 v., 7, 7
v., 8, 8 v., 9, 9 v. e 10.
68
BAPTISTA, João. Demonstração do Caminho que vai de Viamão the a Cidade de S. Paulo. culo
XVIII [Ca. 1766]. AHU_ACL_CU_023-01, cx. 24, doc. 2294.
150
Figura 8 - “Demonstração do Caminho que vai de Viamão the a Cidade de S. Paulo” de autoria do
Sargento João Baptista, séc. XVIII
Fonte: AHU_CARTm_023, doc. 1208.
151
Nessa representação cartográfica, as redes viárias são desenhadas com duas
linhas paralelas pontilhadas e contínuas. O caminho de Viamão a São Paulo inicia
no sul a partir de uma bifurcação, na qual uma das vias, a da direita, principia no
Porto dos Casais, passando por Viamão até o Registro de Viamão, onde se junta
com a via que vem da esquerda, o provável Caminho da Praia. Entre os rios das
Antas e das Pelotas, o caminho é atravessado perpendicularmente por outro
caminho, segundo denominão do autor, o “Caminho para as Missões do Uruguay”
(BAPTISTA)
68.
No cartucho que acompanha o título, uma legenda que descreve alguns
pontos identificados no mapa com letras do alfabeto:
A. Lugar donde sequer fundar a nova Villa
B. Rio donde se termina o Governo do Rº Grande
C. Lugar donde a nova Villa ficaria maiz comoda recorrer a Cidade de S.
Paullo.
D. Lugar donde seria util que S. Mag. mandace fundar huã Villa fazendosse
a que se pertende pª o Norte do Rº das Canoas (BAPTISTA)
68
.
Estes pontos mostram que a ocupação do espaço estava sendo planejada,
buscando determinar os lugares estratégicos dentro de um território imenso e
praticamente despovoado. Três destes locais são projetos oficiais de povoações, pois
para garantir o domínio português era necessário colonizar a região, para se ter
vassalos dispostos a defender a sua terra.
No que diz respeito à área de pesquisa, o caminho foi representado por uma
linha que atravessa o rio das Pelotas, o rio das Caveiras e o rio das Canoas, com a
denominação dos principais cursos de água. Neste trecho, são sinalizados ainda
dois pontos como A e B.
O ponto identificado pela letra “A” no mapa está situado entre os rios das
Pelotas e Caveiras, sinalizando o lugar onde seria erigida uma vila. E junto deste
local está escrito Lages, local onde de fato foi fundada Lages. Enquanto que a letra
“B”, localizada junto do rio das Canoas, sinaliza o limite da Capitania do Rio
Grande com a Capitania de São Paulo. O limite entre estas capitanias, nessa época,
estava em constante discussão, sendo ora o rio Pelotas, ora o rio Canoas.
Na análise deste documento cartográfico, pode-se inferir que o mesmo foi
produzido, ou pelo menos, representa o espaço, em meados do século XVIII, pois o
autor cartografa o roteiro do caminho e os registros existentes nessa época: o
152
Registro de Viamão e o Registro de Curitiba
69
, ambos sinalizados com um símbolo
quadrado.
Além disso, as vilas sinalizadas no sul do território são as existentes à época:
Viamão e Curitiba. Mais precisamente, este mapa seria datado de um período
anterior a 1766, quando Lages ainda não havia sido fundada, mas a sua intenção
encontra-se registrada nesta representação cartográfica. Acrescenta-se a isso a
informação registrada no original, fazendo referência a um documento manuscrito
de 1766, conforme comentado anteriormente.
Além desse mapa, há outros documentos cartográficos que fornecem
informações com menor ou maior detalhamento para a região pesquisada. Dentre
as representações cartográficas, destacam-se as seguintes produções que serão
analisadas correspondentes aos séculos XVIII e XIX: “A Villa da Laguna e Barra do
Taramandi [...]” (SOARES, 1738), Mapa que mostra a Capitania de Goiás e a região
ao sul até o rio da Prata (COLOMBINA, ca. 1756 In: ADONIAS, 1969), “Planta do
Continente do Rio Grande” (CÓRDOBA, 1780 In: GUIMARÃES; SCLIAR, s.d. apud
SILVA, 2006); Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa
Catharina” (BULHOENS, 1781), “Planta particular da Viagem que fês da Ilha de
Santa Catarina á guarda e Registro da Vila das Lagens [...]” (COSTA, 1787),
“Mappa Corographico da Capitania de S. Paulo” (MONTEZINO, 1791-1792), “Carta
Corographica da Capitania de S. Paulo” (FERREIRA, 1793), “Mappa Chrographico
da Provincia de São Paulo” (MÜLLER, 1837) e “Mappa Chorografico da Província do
Paraná” [ELLIOTT, 1863].
A partir da segunda metade do culo XVIII, a cartografia produzida para o
Brasil Meridional está mais relacionada com as expedições de demarcação do
território entre Espanha e Portugal, fruto dos diferentes tratados assinados com o
objetivo de se estabelecer as fronteiras.
Em 1729, o rei D. João enviou padres matemáticos com o objetivo de
elaborar cartas geográficas do território brasileiro. A provisão régia
70
encaminhada
aos padres matemáticos Diogo Soares e Domingos Capassi continha instruções
detalhadas sobre o material cartográfico que ambos deviam produzir no Brasil e o
que deveriam assinalar. Dentre o rol de atividades, consta a solicitação de
identificar as vias de comunicação: Também apontareis nos mapas os caminhos e
69
Conforme Jacobus (2000, p. 63-66), ambos os registro são da primeira metade do século XVIII.
70
Provisão Régia de 18 de novembro de 1729. AHU, códice 248, fl. 249 v e 250 (In: ALMEIDA,
1999).
153
estradas que há pelos certões apontando com hûa cor as que se praticão, e com
outras as que vos parecem mais comodas e breves; e a distancia em que estão as
cidades e vilas hûa das outras.” (In: ALMEIDA, 1999, p. 82).
Dessa forma, fica claro o interesse de mapear as estradas e caminhos
existentes, mas também assinalar outros trajetos possíveis que pudessem ser mais
seguros ou mais rápidos. Diogo Soares em seu mapa “A Villa da Laguna e Barra do
Taramandi [...]”
71
, de 1738, procura atender a tal solicitação desenhando parte do
Caminho da Praia, do Caminho das Tropas, do Caminho dos Conventos e de outros
ramais ou rotas.
No relato de um jesuíta da Missão de de Japeiu, consta que o mesmo
teria desembarcado na Lagoa dos Patos ou em Rio Grande e teria seguido o
caminho novo da Serra, conhecido por Viamão. Tinha-se depois dirigido aos
montes situados junto ao rio Tepicari até chegar aos campos da vacaria dos
Pinares. Tomara por fim o antigo caminho dos conventos em direção a S. Paulo”
(ibid., p. 89). É provável que o referido mapa seja um dos produtos elaborados pelo
jesuíta após ter feito este trajeto. Este mapa poderia ser assim aquele solicitado pelo
Conselho Ultramarino em 1735, quando foi ordenado que o Caminho Viamão o
Paulo fosse melhor examinado pelos Padres Jesuítas que estavam no Brasil,
procurando se conhecer melhor a sua situação
72
.
O referido mapa (ver figura 9) abrange a porção do território correspondente
aos Campos de Viamão, aos Campos de Cima da Serra e parte dos Campos de
Lages. E pela costa, entre a barra do rio Tramandaí, ao sul, e, a Vila de Laguna e a
Ponta de Garopaba, ao norte, como o título bem delimita. A vegetação é
representada por alguns grupos de pequenas árvores com sombra esparsas no
território. A rede hidrográfica apresenta os principais rios com afluentes, sendo
alguns nomeados, mas de difícil identificação. O relevo é representado com o
conjunto de pequenas elevações desenhadas em sequência, formando as serras,
com destaque especial a Serra Geral.
71
Mapa pertencente ao acervo do Arquivo Histórico Ultramarino (Cartografia Manuscrita do Brasil,
1215), Lisboa.
72
Ver documento que trata desse assunto na nota de rodapé 9.
Figura 9 - Vista geral e detalhe do mapa “A Villa da Laguna e Barra do Taramandi na costa do Brasil e America Portuguesa a 1aos 28°29‟31” a 2.ª aos
29°51‟5717 de latitud austral”, 1738
Fonte: Diogo Soares (1738 In: ALMEIDA, 1999, p. 89).
uma ampla rede viária representada por linhas pontilhadas, sinalizando vários
caminhos da época. Constata-se uma via partindo da altura do Rio Araranguá, o
Caminho dos Conventos, partes do Caminho da Praia pelo litoral e do Caminho das
Tropas a partir dos Campos de Viamão. É provável que este seja um dos primeiros
mapas a incluir o traçado do Caminho das Tropas.
Apesar de indicar vários lugares, a grafia dos mesmos é praticamente ilegível em
alguns casos, o que dificulta compreender o que simbolizam. Para alguns símbolos, o
há qualquer anotação explicando-as. Pela regularidade do espaçamento, poder-se-ia
aventar a hipótese que fossem locais de parada durante a viagem.
No que tange à região pesquisada, somente pode-se identificar a grafia do rio
Caveiras, o último cartografado no mapa. Contudo, entre este rio e o provável rio Pelotas,
vários lugares sinalizados que, pela qualidade da reprodão e publicação, torna-se
difícil analisar. Todavia, ainda assim trata-se de um exemplar cartográfico que apresenta
os diversos caminhos existentes no Brasil meridional na primeira metade do século
XVIII.
O mapa que mostra a Capitania de Goiás e a região ao sul até o rio da Prata (ver
figura 10) de autoria de Francisco Tosi Colombina (In: ADONIAS, 1969), datado de 1756,
abrange uma vasta área do território português e partes do espanhol, denominado como
Castela.
O autor cartografa principalmente a rede hidrográfica, hierarquizando-a através do
desenho dos grandes rios e afluentes das principais bacias hidrográficas. Pouco
apresenta sobre o relevo, resumindo-se à porção da Serra do Mar na região do litoral
santista e em alguns pontos da Serra Geral. E, quanto à vegetação, parece não ter
nenhuma referência. Todavia, para a parte litorânea o mapa é bastante detalhado,
identificando as diversas povoações existentes, assim como estruturas militares (guardas
e fortalezas) e acidentes geográficos (foz de rios, barras, enseadas, lagoas, ilhas, etc.).
Apesar de sua amplitude, desenha o traçado do Caminho das Tropas partindo da
Guarda de Viamão, atravessando uma série de cursos de água e a área denominada de
Vacaria. Para a área de pesquisa, aparece um imenso vazio, sendo somente identificados
os rios dos Infernos, atual Pelotas, e das Canoas. Nos Campos de Curitiba, também
aparece identificado um registro, tratando-se do de Curitiba.
A “Planta do Continente do Rio Grande” de autoria de Antônio Inácio Roiz de
Córdoba (GUIMARÃES; SCLIAR, s.d. apud SILVA, 2006, p. 79), de 1780, abrange como o
título indica o território da Capitania do Rio Grande (ver figura 11). Este mapa tem como
objetivo marcar os limites do Rio Grande com as terras de Espanha através da
demarcação da linha divisória.
156
Figura 10 - Mapa que mostra a Capitania de Goiás e a região ao sul até o rio da Prata”, cerca de 1756. Em
detalhe a região entre o Registro de Viamão e o rio Canoas
Fonte: Francisco Tosi Colombina (In: ADONIAS, 1969, mapa 799).
157
Figura 11 - Mapa “Planta do Continente do Rio Grande” de 1780 e detalhe da porção entre os rios Pelotas e
Correntes
Fonte: Antônio Inácio Roiz de Córdoba (GUIMARÃES; SCLIAR, s.d. apud SILVA, 2006, p. 79).
158
O mapa apresenta, em termos gerais, a grande rede hidrográfica hierarquizada e
bastante detalhada, mostrando os rios e seus afluentes, assim como os identificando. A
vegetação está ausente e o relevo aparece de forma bastante suave pela nuance das
cores, expressas por elevações contínuas, representando o início do planalto meridional e
a Serra Geral.
A rede viária está praticamente ausente, estando o Caminho da Praia como o
único caminho sinalizado no mapa, representado por uma linha vermelha pontilhada,
entre Castilhos Grandes no Uruguai até a Barra do Araranguá.
Apesar de não desenhar o traçado do Caminho das Tropas, aparece a região dos
campos de Lages sinalizados como “Campos de S. Paulo”, situando o limite com a
Capitania de São Paulo como o rio Canoas. uma anotação textual bastante
interessante neste sentido: “Estes Campos que estão pela Cap.
nia
de S. Paulo pertence ao
cont.
e
do Rio grande”.
O mapa representa muito bem que, além da disputa pelos territórios entre as
coroas ibéricas, no contexto interno também se travam disputas territoriais entre as
capitanias, ora expandindo a jurisdição de Rio Grande até o Canoas, ora recuando ao
rio Pelotas.
Os Campos de Vacaria, ou de Cima da Serra, aparecem como um imenso vazio
desconhecido, somente pontuado pela V. de N.ª S. das Oliveiras, atual município de
Vacarias (RS), concretizando a povoação da região pela fundação da vila projetada para
esta região anos antes no mapa de Baptista (ca. 1766).
Apesar dos caminhos estarem praticamente ausentes, esse mapa sinaliza pela
primeira vez a presença da “G.
da
e Registo de S. Jorge” na margem esquerda do rio das
Canoas, indicando que o mesmo estava atuando na década de 1780. Porém, o curioso
é que está ausente a indicação do Registro Santa Vitória, cuja instalação foi anterior ao
São Jorge.
Além destas estruturas militares e administrativas, a Vila das Lages é situada,
como em todas as demais representações cartográficas, próximo à margem direita do rio
Caveiras.
Este mapa é um exemplo dos interesses geopolíticos que estavam em voga no
século XVIII, onde determinados lugares e coisas são identificadas e outras são
excluídas, num jogo de disputa pela posse dos territórios.
Na mesma década, tem-se o mapa elaborado pelo Ajudante de Infantaria, José
Correia Rangel de Bulhões, Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de
Santa Catharina (ver figura 12), de 1781. Este também é um produto da Comissão da
Demarcação do Sul.
F
i
g
u
Figura 12 - Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina”, de 1781
Fonte: José Correia Rangel de Bulhões, BNP, cota C.C. 877 R.
O autor representa os limites e os descreve em notas textuais. Trata-se de
uma representação cartográfica rica em detalhes e anotações explicativas. A rede
viária desenhada é bastante ampla e completa, contemplando vários caminhos da
época e demonstrando alguns traçados como entroncamentos ao Caminho das
Tropas.
O relevo é desenhado de forma bastante expressiva, demonstrando as áreas
de serras pelas nuanças mais escuras, com efeito de profundidade nos vales e picos
mais elevados. A vegetação é apresentada através de manchas e pelos denotativos
de campos e matos. A rede hidrográfica é bastante minuciosa, mostrando a
hierarquia dos rios principais e afluentes, assim como identificando a nomenclatura
da grande maioria.
Neste mapa, a fronteira entre as Capitanias de São Paulo e Rio Grande do
Sul é restabelecida, indicando-se o limite como sendo o rio Pelotas e ao lado deste a
seguinte explicação: “R. das Pelotas que divide o Governo do R. Grd.
e
da Capitania
de S. Paulo”.
Para a região dos “Campos da Vacaria de cima da Serra” no mapa, Bulhões
inclui também os campos da outra margem do Pelotas, ou seja, os Campos de
Lages, e desses tem-se uma interessante observação: “He excelente e muito fértil
este Terreno todo de Campinas natorais e grossos Mattos porem a dificuldade dos
transportes faz com q‟ os Habitantes se ocupem na criação de Animaes”. Este dado
informa quais serão as riquezas a serem exploradas na área: as pastagens para os
animais e a madeira. Nos séculos seguintes, se tornariam as principais atividades
econômicas da região.
O Caminho das Tropas é mapeado e identificado em anotação como o
“Caminho para a Cid.ª de S. Paulo”. Trata-se de uma linha bastante tênue,
representada por uma linha pontilhada seguindo o traçado como apresentado em
outros mapas. Aliás, outros caminhos da rede viária também o desenhados: o
Caminhos das Missões, como o “Caminho que vai ter as Miçoens do Uruguay”, e o
Caminho Desterro-Lages, como o “Caminho de Santa Catharina p.ª a Villa das
Lagens q. a mandou abrir o Tem.
e
Cor.
l
Joze Pereira Pinto he o mais proprio e util
para facilitar a coperação de cima da Serra”.
Na margem do rio das Pelotas, localiza-se a “Guarda do Rezisto pertencente
ao Governo do R. Grd.
e
de acordo com indicação de Bulhões. Contudo, não
qualquer indicação do registro na margem do rio Canoas. O autor também
cartografa a “Villa das Lagens” como a “ultima da Capitania de S. Paulo para o Sul”,
situada entre os rios Caveiras e Canoas.
161
O mapa produzido pelo Alferes Antonio Jozé da Costa
73
na viagem que fez da
Ilha de Santa Catarina à Guarda e Registro da Vila de Lages, em 1787, compreende
a área geográfica pelo litoral desde a barra do rio de Itajaí até á barra meridional da
Ilha de Santa Catarina e, pelo interior, até a Vila das Lages e o rio Uruguai (ver
figura 13).
Este mapa é rico em detalhamento e informações a respeito da hidrografia,
topografia, cobertura vegetal e toponímia de lugares, mostrando o quanto se
conhecia da região na época.
A rede hidrográfica é mapeada incluindo os seus afluentes e as vertentes do
interior ou do litoral. Os cursos de água são identificados pelos nomes e
hierarquizados segundos as bacias, tanto através do desenho, quanto através dos
nomes (rios, arroios, ribeirões).
A representação do relevo é bastante minunciosa, apresentando morros
isolados ou conjuntos de elevações alinhadas e contínuas, formando serras. Além
das elevações, são sinalizadas também áreas de campos. A vegetação é
representada por pequenas árvores, em conjunto ou isoladas, demonstrando a
grande densidade ou formas esparsas em algumas áreas.
Quanto ao povoamento, este também é nomeado e identificado através de
símbolos gráficos distintos (vila, registro, guarda). Há ainda a toponímia de lugares,
como Pai Garcia e Estância dos Barros.
O traçado do denominado “Caminho das Lagens para S. Paulo” no mapa é
representado por uma linha pontilhada contínua, apresentando somente o trecho
da via que atravessa o atual estado de Santa Catarina
O caminho ao sul atravessa uma imensa região que é representada como
“vazia”, sem acidentes geográficos (morros, serras, etc.), provavelmente se referindo
aos imensos campos abertos existentes na região da Coxilha Rica, além das
raríssimas árvores desenhadas, demonstrando também a pouca vegetação, pois a
área não possui florestas, mas, fitograficamente, extensos campos com capões de
mato e araucárias esparsas, em contraposição com áreas extremamente florestadas
73
PLANTA particular da Viagem que fês da Ilha de Santa Catarina á guarda e Registro da Vila das
Lagens em sima da Serra o Alferes de Aux.
es
Antonio Jozé da Costa em os mezes de Janeiro, Fevereiro,
Março e nos de Junho, Julho e Agosto 1787, prometida pelo Governador Interino O Sargento Mór Jozé
Pereira Pinto, por ordem que para iso teve do Ill
mo
Ex
mo
Sñr Luiz de Vasconcelo e Souza V. Rei deste
Estado; cuja planta compreende desde a barra do Rio de Tajaî até á barra meridional da dita Ilha com
o Certão Competente, até á mesma Vila das Lagens. Nota: A linha de pontinhos tirada da freguesia S.
m
Jozé até ao Lugar do Embarque pasando por sima do Morro das Tacoaras [?], e Campo da boa vista,
indica o Caminho que abrio o dito Alferes. O Signal amarelo junto ao Embarque, representa o Lugar
da g.
da
projetada. As distâncias notadas nesta mesma planta o reputadas pela estimativa do dito
Alferes.
162
indicadas em outros trechos do mapa. Este vazio também deve ser relativizado, pois
não era a área alvo da sua expedição e, por isso, foi pouco detalhado. Talvez,
também, por pouco conhecimento do autor.
Figura 13 - Mapa e detalhe da planta produzida pelo Alferes Antonio Jo da Costa, em 1787,
destacando-se a localização da Vila de Lages (em vermelho) e do Registro São Jorge (em azul)
Fonte: Costa (1787), IAN/TT, maço 600, caixa 703, nº. 07. Arte gráfica: A autora (2008).
O traçado do caminho, no sentido de sul - norte, atravessa o rio Lageado, na
sequência o arroio Caveiras, a Vila das Lages, o rio de Canoas, o ribeirão da Ponta
Alta, arroio do Caxorros, campos de Coretibanos, arroio das Marombas, arroio das
163
Pedras e o rio Correntes, todos afluentes do rio Uruguai. O rio Lageado, no mapa,
pela posição geográfica, pode ser o atual rio Pelotinhas, afluente do rio Pelotas.
A Vila de Lages está situada na margem direita do arroio Caveiras
74
,
aparecendo como afluente do rio do Lageado, localizada exatamente no roteiro da
estrada. Na margem direita do rio de Canoas, está localizado no mapa um registro,
que no texto é referido como “Guarda e Registro da Vila das Lagens”. Na verdade,
trata-se do Registro de São Jorge do Canoas. Nota-se que a simbologia para
representar o registro é semelhante a uma fortaleza, pois é mencionado como uma
guarda, possuindo também a função militar, tendo ali o Alferes encontrado dois
soldados.
No Mapa Corographico da Capitania de S. Paulo, que por Ordem do
Ilustrisimo, e Excelentisimo Senhor Bernardo Jozé de Lorena, Governador, e
Capitão General da Mesma Capitania, levantou o Ajudante Engenheiro Antonio Roiz
Montezinho, conforme suas observaçoes feitas em 1791, e 1792 (MONTEZINHO,
1791-1792)
75
, Antonio Roiz Montezinho, no final do século XVIII (ver figura 14),
apresenta o imenso território abrangido pela Capitania de São Paulo:
A carta de Montesinho é muito detalhada, contendo centenas de
informações, muitas das quais inéditas. Apesar de algumas incorreções, é o
primeiro ensaio completo para uma carta de conjunto da capitania de S.
Paulo, cheio de elementos novos e verídicos, e por isso mesmo, um
inestimável documento para a história da cartografia brasileira,
especialmente para paulista. (ADONIAS, 1956, p. 55-56).
Este mapa indica a divisão dessa capitania com os domínios espanhóis,
segundo o Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, sinalizando, de acordo com a
legenda, com a cor encarnada no original aquarelado e por tracejado (-.-) nesta
cópia publicada. Além disso, apresenta ainda os limites com outras capitanias,
indicando na porção sul, o rio Pelotas como limite com a Capitania do Rio de
Janeiro. Na porção a leste do registro e o restante a oeste, como de domínio da
Espanha.
Apesar de ser um mapa que engloba uma área tão ampla do Brasil, é cheio
de detalhes e informações sobre a hidrografia, o relevo, as redes viárias e a
toponímia. O relevo é marcado por conjuntos de elevações alinhadas. E as redes
viárias formam um emaranhado de linhas. A rede hidrográfica é apresentada e
identificada pelos principais rios. Quanto à vegetação, esta é particularmente
74
O rio Caveiras é afluente do rio Canoas.
75
Mapa reproduzido e publicado na Coleção Taunay (1922), 07, consultado no acervo de obras
raras da Biblioteca Municipal Mario de Andrade, localização física: C981.41, 1622-1837, T226c.
164
referida por termos como campos ou matos e, em alguns casos, representada no
espaço por uma mancha uniforme como o “Mato de S. João”.
Para a área abrangida nesta pesquisa, há indicação do traçado do Caminho
das Tropas e de outro, mas sem nomeá-los. O outro caminho desenhado parte das
proximidades de Lages em direção ao litoral, provavelmente em direção a Laguna,
tratando-se talvez do Caminho Lages-Laguna aberto por Antonio Correia Pinto entre
1768 e 1771.
Figura 14 - “Mapa Corographico da Capitania de S. Paulo” de 1791 e 1792, e detalhe sinalizando a
localização da Vila de Lages, dos registros de Santa Vitória (rio Pelotas) e São Jorge (rio Canoas)
Fonte: Geral: Extraído de Bellotto (1979, p. 239 apud BRÜGGEMANN, 2004). Detalhe: Montezinho
(1791-1792), BMMA, C981.41. Arte gráfica: A autora (2009).
Nesta representação cartográfica, estão localizados os indicativos de
ocupação da região, como a instalação de estruturas militares e vilas. É
interessante observar que estão indicados os locais nos quais se situam os registros
165
da época sem, no entanto, identificá-los. O Registro de Santa Vitória está situado
na margem esquerda do rio Pelotas e o Registro de São Jorge na margem esquerda
do Canoas. A Vila de Lages es localizada no percurso do Caminho das Tropas,
entre os rios Caveiras e Canoas.
A “Carta Corographica da Capitania de S. Paulo”, de João da Costa Ferreira
(ver figura 15), de 1793, assemelha-se muito com o mapa produzido por Montezinho
(1791-92). Porém, o material inclui a localização das “Missões Espanholas”,
sinalizando-as.
Os aspectos ambientais são semelhantes, representando as principais redes
hidrográficas, nomeando os rios maiores. Contudo, o relevo é expresso de forma
simples, sinalizando somente a Serra Geral com um traço hachureado,
simbolizando também a divisão da Capitania de São Paulo com a Capitania do Rio
Grande. No que se refere à vegetação, não foi adotada qualquer simbologia, mas
somente alguns termos que se referem às áreas de campos.
Figura 15 - Fragmento da “Carta Corographica da Capitania de S. Paulo”, de 1793, apresentando a
região entre os rios Pelotas e Canoas
Fonte: Ferreira (1793), BMMN, C981.41.
As redes viárias são representadas por uma linha pontilhada. Diferentemente
do mapa anterior, pelos três caminhos sinalizados neste mapa. Aparece um
166
ramal que segue em direção leste para a Serra Geral, sem, contudo, ultrapassá-la.
Deve se tratar do Caminho Desterro - Lages aberto por Antonio Jose da Costa em
1787. Este possui em seu traçado dois símbolos que, segundo a legenda, significam
vila e o outro registro ou destacamento.
Referente à área pesquisada, o Caminho das Tropas, no sentido sul norte,
atravessa os rios das Pelotas, Caveiras e Canoas e é apresentado da mesma forma
que Montezinho (1791-92), com os registros e a Vila das Lages.
Para o século XIX, analisam-se dois produtos cartográficos já apresentando a
modificação que seria introduzida na cartografia: a impressão tipogfica.
O “Mappa Chrographico da Provincia de São Paulo”, desenhado pelo
Marechal Daniel Pedro Müller
76
, de 1837 (ver figura 16), foi o primeiro mapa
paulista impresso e gravado em Paris. Neste mapa, o autor sinaliza a imensa área
ainda pouco detalhada na cartografia da época: o “Sertão” até a Vila de Lages na
extremidade sul.
A porção do território situado ao sul da Serra do Espigão é assinalada como
sendo terreno pertencente à Província de Santa Catarina, pois o Termo de Lages
havia sido anexado a esta província em 1820. Esta serra passa a ser a baliza que
delimita a jurisdição de atuação entre as Províncias de São Paulo e Santa Catarina.
O Caminho das Tropas é sinalizado por uma linha paralela dupla, a partir da
Vila de Lages, cruzando as áreas dos rios das Canoas, Ponte Alta, dos Cachorros e
os Campos de Curitibanos.
Após a Vila de Lages, não mais a identificação dos registros ou guardas,
ou outras formas de ocupação do espaço. Contudo, neste mapa, um novo caminho
é registrado e denominado de “Estrada para Campo Novos” (MÜLLER, 1837), que
até então não havia sido cartografado. Esta via faz a ligação do Caminho das Tropas
entre os rios dos Cachorros e Marombas. A abertura desta rota havia sido iniciada
naquela época, sendo mencionada a sua construção também na década de 1840.
76
Foi Ajudante de Ordens do Governador e Capitão General Antonio José da Franca e Horta em 1802.
Como Coronel fez parte do governo provisório da Província de São Paulo em 1821 (TAUNAY, 1922, p.
7). Este governador foi o responsável pelo projeto de beneficiamento de 30 léguas do caminho, que
será apresentado no subcapítulo seguinte (ver item 3. 5. 2. 1 Projeto de beneficiamento do caminho).
167
Figura 16 - Fragmento do “Mappa Chrographico da Provincia de São Paulo”, de 1837, apresentando a
região entre Lages e a Serra do Espigão
Fonte: Müller (1837), BMMA, C981.41.
Por último, apresenta-se o “Mappa Chrografico da Província do Paraná”
77
elaborado por João Henrique Elliott (ver figura 17), por volta de 1863. Este
“assinala as estradas e caminhos; as zonas de matas e de campos, e a localização
de grupos indígenas. Rede hidrográfica abundante, principalmente na
representação do Tibaji e Ivaí” (ADONIAS, 1993, p. 299).
Neste mapa, o caminho é representado por uma linha vermelha contínua,
apresentando o Caminho das Tropas, trecho entre Lages (SC) e Itapetinga (SP). Para
a área de pesquisa, somente a porção entre os rios Caveiras e Canoas, sendo
somente sinalizada a localização da Freguesia de Lages.
Os registros parecem desaparecer da cartografia, dando lugar à identificação
da localização dos passos, conforme o apresentado nas figuras 30 e 31.
As formas de representar as redes viárias variam conforme o autor, a escala e
a área abrangida pelo mapa. Mesmo não tendo sido possível analisar todos os
elementos que abrangem a confecção de um mapa, pode-se constatar que as rotas
traçadas do Caminho das Tropas não sofreram alterações consideráveis no seu
itinerário, assim como a localização da Vila de Lages e dos registros ou guardas.
77
Pertence ao acervo da Mapoteca do Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro.
168
Todavia, os documentos existentes apontam que o traçado do Caminho, ao
longo dos séculos XVIII e XIX, não deve ter sofrido grandes mudanças, pois no que
se refere à área de pesquisa entre os rios Pelotas e Canoas, esta é sempre descrita e
representada cartograficamente da mesma forma.
Figura 17 - Visão geral e detalhe do “Mappa Chrografico da Província do Paraná”, de 1863
Fonte: João Henrique Elliott (1863 In: ADONIAS, 1993, il. nº. 222).
O quadro 10 sintetiza as referências geográficas mencionadas pelas
representações cartográficas dos séculos XVIII e XIX. Nesta comparação, constata-
se que muitos locais mencionados se mantêm ao longo de dois séculos.
Por fim, cabe indicar um aspecto não estudado neste trabalho, mas que seria
de grande interesse para a análise dos caminhos antigos do Brasil meridional:
comparar as rotas, as toponímias assinaladas, as redes hidrográficas atravessadas,
os acidentes topográficos mencionados de um mesmo caminho em diferentes
produções cartográficas; buscando identificar semelhanças e diferenças, ou mesmo
a permanência de alguns designativos na cartografia atual.
Soares
(1738)
Colombina
(ca. 1756)
Baptista
(ca. 1766)
Córdoba
(1780)
Bulhões
(1781)
Costa
(1787)
Montezino
(1791-92)
Ferreira
(1793)
Müller
(1837)
Elliot
(1863)
Almeida
(1868)
Desconhecido
(1885)
Rº das
Canoas
Rº das
Canoas
R. das
Canoas
paço do rio
canoas
R. das
Canoas
R. das
Canoas
R. das
Canoas
Rio das
Canoas
R. das
Canoas
R. das Canoas
G.
da
e
Registo de
S. Jorge
guarda e
Registo
Registo
Registo
Lages
V. das
Lages
Villa das
Lagens
vila das
Lagens
Das Lages
Vila das
Lages
Vª das
Lages
Lages
Lages
Lages
Rº d‟
Caveiras
Rº das
Caveiras
Caveiras
R. das
Caveiras
Arroio
Caveiras
R. das
Caveiras
R. das
Caveiras
R. Caveiras
R. Caveiras
R. Caveiras
Rio
Lageado
R.
Lavatudo
R. Lavatudo
Rº do
Inferno
Rio das
Pelotas
R. Pelotas
R. das
Pelotas
R. das
Pelotas
R. das
Pelotas
R. Pelotas
R. Pelotas
Passo do
Pelotas
Passo do
Pelotas
Guarda do
Rezisto
pertencente
ao Governo
do R. Grd.
e
Registo
Registo
S. Victoria
S. Victoria
Quadro 10 - Relação comparativa das referências geográficas segundo a produção cartográfica dos séculos XVIII e XIX
3. 3. 3 Tempo e distância de viagem
Os documentos analisados neste estudo forneceram diversas informações
referentes à distância e ao tempo de deslocamento entre os locais mencionados.
Para a realização desta pesquisa, buscou-se apresentar principalmente aqueles
referentes à área objeto de investigação.
A primeira referência de distância que se tem é de Cristóvão Pereira de
Abreu. Em carta dirigida ao Governador da Capitania de São Paulo, Antônio da
Silva Pimentel, em 14/05/1734, escreveu sobre a viagem que vinha fazendo. Nesta
época, o autor encontrava-se na Vila de Paranaguá e descreveu os chamados
Campos de Curitibanos. Referindo-se às distâncias percorridas, relatou que:
Contando as marchas das Tropas desde a praya em o os Curitibanos
forão 16 dias, e dos Curitibanos as primeiras Fazendas 10, pellas muitas
voltas que dâ, mas aqui hâ pessoas que vierão em minha Comp.ª que
segurão hindo escoteyros, e a por ce na Laguna em menos de 20 dias e
com mais facilidade se ce fizerem alguns atalhos, que depois observei, e o
principal he nos Campos dos Curitibanos, deixar o Caminho, e hir por fora
buscar as Fazendas da Curitiba, que estão mais para fora, que as 1.
as
sera
quando muito 4 dias, e hir entrar no que vai pSam Paulo, 5 ou 6 mais a
diante, da dita Villa, com o que não so se atalha muito, mas sem duvida serâ
melhor Caminho. (AHU_CU_023-01, cx. 10, doc. 1058, 1735, fl. 1 v.,
sublinhado pelo autor)
78
.
O autor do “Itinerário da Cidade de S. Paulo para o Continente de Viamão”
(AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5112) descreve que para percorrer o trecho entre
os rios Canoas e Pelotas, eram 36 léguas de viagem, sem cômodo e local certo de
pouso. Conforme o cálculo do próprio autor deste itinerário, viajava-se diariamente
em torno de 6 léguas. Dividindo a distância total pela média de deslocamento, logo,
esta distância representaria aproximadamente 6 dias de viagem. Segundo Oliveira
Diniz e Villela (2007, p. 1), cada légua equivale a 5.555,55 m ou 5,5 km de
extensão, sendo assim, o trecho de 36 léguas totalizaria 199,9 km.
O Alferes Antonio José da Costa, quando realizou a exploração e abertura da
picada a partir da Ilha de Santa Catarina até o “sertão da terra firme”, chega ao
Registro do Rio Canoas e a Vila de Lages. Deste passo, segundo sua estimativa “[...]
á vila das Lagens, q.‟ fica daquele rio para o Sul de 5 p 6. Legoas [...]”
79
. A
78
Documento manuscrito: CARTA do (governador e capitão-general da capitania de São Paulo),
António da Silva Caldeira Pimentel, para (D. João V), [...]. Lisboa Ocidental, 21 de janeiro de 1735.
Anexo: 2 cartas. AHU_ACL_CU_023-01, cx. 10. doc. 1058, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4, 4 v., 5, 5
v., 6, 6 v., 7, 7 v. e 8.
79
Documento manuscrito: ITINERÁRIO da cidade de São Paulo, para o continente de Viamão, feito por
um prático. (s.l./ n.d). AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5112, folhas 5, 5 v., 6, 6 v, 7, 7 v. e 8.
171
distância entre o rio Canoas e a Vila de Lages representava assim em torno de 27,5
km a 33 km. Atualmente, esta distância é de aproximadamente 30 km.
Em outro documento, encontra-se a referência sobre o tempo necessário para
percorrer o trecho do caminho entre o Registro Santa Vitória, no rio Pelotas, até a
Vila de Lages, que distam atualmente aproximadamente 85 km. Este documento,
datado de 7/12/1817, descreve a marcha realizada no sentido contrário, ou seja,
da Vila de Lages para o referido registro, para a qual foram necessários três dias de
viagem:
Deu parte a V Ex.ª que no dia tres do corrente marchei da Villa de Lages
com o Corpo de meu Comando, e cheguei nesta Gdde Santa Victoria no
dia de ontem [6/12], onde encontro todas as providencias de monicio de
boca, e duas Pipas de Agoas ardentes, settecentos cavalos, que mandou o
Ex.
mo
Snr.‟ Marques de Alegrete aprontar pello Sarg.
tomor
Commandante
deste Registo, e destrictos João Jozé Palmeiro [...]. (AESP, 1817, fl. 1, grifo
nosso]
80
.
Entretanto, deve-se relativizar este dado, pois trata-se da marcha de um
pelotão militar e não de uma tropa de animais arriados ou cargueiros
81
. Porém, é
uma referência ao tempo de viagem neste trecho.
Conforme se constata na comparação realizada entre os diversos documentos
textuais e cartográficos, de acordo com o apresentado no quadro 11, alguns
dados ricos, fornecendo até informações a respeito das distâncias e dos pousos.
Os primeiros e mais antigos registros que se têm sobre o Caminho das
Tropas, fornecem mais informações descritivas, pois naquela época provavelmente
poucos conheciam a região, precisando-se, assim, de mais subsídios para a viagem.
O tempo e a distância estimada de viagem entre os rios Canoas e Pelotas,
pelos documentos de época, conforme apresentado no quadro 11, seria algo em
torno de 36 léguas e 4 dias de percurso. Convertendo-se as léguas em quilômetros,
o percurso representaria aproximadamente 198 km. Atualmente, o mesmo percurso
corresponde a algo em torno de 120 km.
80
Documento manuscrito: OFÍCIO de Felisberto Joaquim de Oliveira Cesar, Capitão Comandante ao
Conde de Palma, Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, [...]. Acampamento da
Guarda de Santa Vitória, 7 de dezembro de 1817. AESP, ordem CO 0352, caixa 102, Ofícios Mogi
Mirim, Goiás, Paraná, Sorocaba, Cunha, Taubaté, Araçoriguara, Iguape, Santa Catarina. 1807-1817,
pasta 04, documento 35, folhas 1, 1 v. e 2.
81
Cargueiro: “animal arreado com cangalha e bruaca” (FLORES, 1998, p. 85), ou seja, animal de
carga.
Roteiro
1745
Jornada
meados XVIII
Mapa
ca. 1766
Itinerário do Prático
ca. 1773
Trânsito
1775
Expedição e mapa
1787
Ofício
1817
Local
Local
Local
Local
Distância
Local
Distância
Local
Distância
Local
Distância
Rio das Canoas
Rio das
Canoas
Rº das
Canoas
R.° das Canoas
4 léguas
Rio das
Canoas
6 ½
léguas
1 dia de
viagem
paço, e guarda do
rio canoas, Registo
5 a 6
léguas
1 dia de
viagem
Arroio dos Porcos
Arroio das Pombas
Ribeirão e Campos
das Pombas
5 léguas
Arroio do Campo
Tributos
Tributos e Taperas
antigas
Morros dos
Tributos
6 léguas
Sittio
chamado
Lagens
Lages
Villa Nova
das Lages
vila das Lagens
Villa de Lages
3 dias de
viagem
Rio das Caveiras
Rio das
Caveiras
Rº das
Caveiras
Rio das Caveiras
Arroio Caveiras
5 léguas
Campo e arroio
Ventura da Silveira
Bocaina das Lages
Tapera do defunto
Carvalho, m.
tas
fazd.
as
de gado
5 léguas
Arroio do Morro
Alto
Pouso do defunto
Xavier
Campos das Lages
R. das Pelotinhas
Rio Lageado
6 léguas
Carahá
5 léguas
Rio Grande do
Inferno
Rio das
Pelotas
Rio das
Pelotas
R.° das Pelotas
Gd.ª de Santa
Victoria
TOTAL
-
36 léguas
Quadro 11 - Relação comparativa das referências geográficas e distâncias de percurso segundo as fontes primárias
Todavia este dado precisa ser comparado e avaliado com outras variáveis. A
condução de animais com carga, ou mesmo de uma grande manada de gado ou
mulas xucras, deveria levar muito mais tempo que uma tropa de militares, que
utilizava animais treinados, como o cavalo por exemplo. Atravessar animais e
cargas nos diversos rios e arroios da região era, sem dúvida, uma atividade que
exigia um tempo considerável para ser executada e que poderia ter contratempos.
Poderia se acrescentar ainda, nessas jornadas, os vários percalços que
poderiam atrasar consideravelmente uma comitiva de animais, tais como chuvas,
rios cheios e áreas de atoleiros. Além disso, as tropas também precisavam
descansar, pastar e beber água. Tais necessidades diárias demandavam tempo e
locais propícios ao longo do percurso.
Segundo Katinski (1980, p. 16): “até meados do século XIX a velocidade
máxima de escoamento da produção se fará pelo ritmo da tropa de burros, ou seja,
de 12 km por hora”. Contudo, este cálculo deve ser relativizado para a rego da
Coxilha Rica, pois as condições ambientais do lugar também influenciavam em
muito o rendimento da marcha e do deslocamento de uma tropa. Encostas com
aclives, áreas brejosas e travessias de rios deveriam consumir muito mais tempo e
energia. Além disso, outro fator da paisagem deve ser considerado: o solo
extremamente pedregoso com afloramentos de rochas expostas, as chamadas lajes
de pedra.
O historiador Aujor Ávila da Luz assim descreveu as longas viagens dos
tropeiros: “É preciso o ter pressa. A caminhada é marcada pelo passo da
alimária, a seis léguas por dia, ou mais lenta ainda, pelo passo pesado do boi gordo
[...]”. (LUZ, 1952, p. 53-54).
No que se refere ao peso da carga transportada por mulas, têm-se duas
indicações de capacidade transportada por muares. Conforme Botelho e Reis (2002,
p. 310), uma mula transportava em média 150 quilos de produtos. E, de acordo
com Diniz e Villela (2007, p. 5), a carga de um burro cargueiro era composta de 2
bruacas
82
, o equivalente a 2 sacos de 60 kg, ou 8 arrobas, ou 120 kg.
O documentário “Os Tropeiros”, realizado pelo programa Globo Rural, da
emissora Rede Globo de Televisão, é bastante ilustrativo sob o ponto de vista
empírico, vivenciando a prática da marcha de uma mulada, pois reviveu uma
82
Bruaca: “Pode ser considerada uma mala ou saco de couro cru, com o pelo para fora, isto protege a
mercadoria da chuva. Usada para transporte de mercadorias em mulas cargueiras.” (VELHO, et al.,
2008, p. 50).
174
tropeada conduzindo 40 mulas de Cruz Alta (RS) até Sorocaba (SP) em 2006
(GLOBO, 2006).
Nesta reportagem, a média de marcha que fizeram nos Campos de Cima da
Serra foi 12 km em 2 horas, porque “[...] o tráfego pela Coxilha Rica foi pesado para
as mulas. Com um terreno pedregoso e lascas alojando-se nos seus cascos, o
trajeto foi desgastante” (RIBEIRO, 2006, p. 63).
A equipe do Globo Rural, do ponto de partida na cidade de Bom Jesus, a
travessia no rio Pelotas (Passo Santa Vitória) e a chegada na cidade de Lages,
precisou de 4 dias de marcha. Finalizada a travessia no trecho da Coxilha Rica, foi
realizada uma parada da tropa em Lages, pois era o momento de checar os cascos
dos animais e ferraduras: “Sobretudo por causa do desgaste no pedregal da Coxilha
Rica, a maioria das ferraduras precisou ser substituída” (ibid., p. 66).
Em outra aventura pelo Caminho das Tropas feita a cavalo (KAISER, 2006, p.
69), no trecho entre as fazendas Limoeiro e São João, “de pouco mais de 20 km, foi
feito em duas horas e meia”. Ou seja, a média de marcha a cavalo era de 7,9 km por
hora, e chegaram ao máximo deslocando-se 50 km num dia. Entretanto, reconhece
que as tropas “[...] avançavam em torno de 30 km por dia [...]”. (ibid., p. 62).
Estas informações, ainda que recentes, nos fornecem alguns referenciais
geográficos e ambientais sobre o que era o percurso da viagem na região dos
Campos de Lages, especificamente no trecho objeto deste estudo.
Apesar de o tropeirismo ter sido uma atividade que atravessou mais de dois
séculos, há mais de 50 anos não passam tropas pela região como outrora; o trecho
localizado na Coxilha Rica, no que tange às condições das suas estradas, continua
em estado precário, sendo um percurso lento e que exige muito tempo de
deslocamento.
3. 3. 4 Pousos
Os pousos eram os locais que os tropeiros utilizavam para descansar homens
e animais, durante as jornadas. As paradas para recomposição da tropa poderiam
ocorrer na metade do dia, para a sesteada, ou à noite, para o pernoite.
Normalmente, os pousos eram realizados em locais que favoreciam a
permanência das tropas: espaços com ou sem acidentes naturais, próximos a fontes
de água, local de pastagem, ou nos alargamentos dos corredores. As paradas para
descanso, principalmente para o pernoite, poderiam ser ao relento, em barracas ou
em ranchos e galpões.
175
Nesta pesquisa, procurou-se também listar quais os dados disponíveis que
indicassem os locais de pouso (ver quadro 12), a fim de saber quanto tempo durava
o percurso pela região. Os pousos representavam o fim de uma jornada vencida, ou
seja, algo equivalente a um dia de percurso.
Este quadro é bastante elucidativo, dando a ideia de que foram oito pousos e,
portanto, pelos menos o mesmo número de dias para percorrer o trajeto entre os
rios Pelotas e Canoas. Conforme menciona o roteiro de 1745, ao chegarem nos
campos de Lages fora feita uma longa parada que durou entre agosto e 17 de
setembro, totalizando em torno de 48 dias.
Diz-se que as atuais cidades existentes na região cresceram em locais de
pousos e que estes lugares estão aproximadamente equidistantes em 30 km, o que
equivaleria a uma jornada de viagem (KAISER, 2006, p. 62).
Roteiro - 1745
Itinerário do Prático Ca. 1773
Local
Condições de pouso
Local
Condições de pouso
Rio das Canoas
Pouso no campo
R.° das Canoas
Não há pouso certo,
nem cômodo, tudo
deve vir de Curitiba
Arroio do Campo
Pouso no campo
Tributos
Pouso no campo
Tributos e Taperas
antigas
Rio das Caveiras
Rio das Caveiras
Campo e arroio
Ventura da Silveira
Pousaram
Bocaina das Lage
Pouso no campo
Tapera do defunto
Carvalho
Arroio do Morro Alto
Pouso no campo
defunto Xavier
Pouso
Campos das Lages
Pousaram
R. das Pelotinhas
Carahá
Não há cômodo
Rio Grande do
Inferno
R.° das Pelotas
TOTAL
8
-
Quadro 12 - Lista de locais e condições de pousos segundo as fontes primárias
Fonte: Roteiro de 1745 (BARROSO, 1995, p. 40-44) e Itinerário do Prático
79
.
Contudo, o trecho entre o rio Pelotas e Lages era uma paisagem que tinha
também outras finalidades. Representava um local abundante em campos e,
portanto, em pastagem. Em função disso, a parada costumava ser maior para
176
descansar e recuperar os animais depois da longa e desgastante travessia do vale
do rio Pelotas, vencendo algumas descidas e subidas a alcançar o planalto
novamente com os campos de altitude. Segundo Kaiser, “[...] os animais precisavam
recuperar forças, havia alguns lugares em que eles faziam pausas mais longas para
recuperar o rebanho, escolhidos porque tinham os melhores campos.” (ibid., p. 62-
63).
A região dos campos de Lages reunia características ambientais importantes
para o Caminho das Tropas: um relevo de amplos campos com suaves coxilhas
onduladas, cobertura vegetal abundante de gramíneas e leguminosas, “capim
mimoso”, propício para a pastagem, e era entrecortada por diversos cursos de água
como banhados, córregos, lajeados e rios que formam a bacia do Rio Pelotas,
fornecendo aguada durante todo o percurso. Nestes campos nativos, os animais
poderiam se recuperar antes de seguirem com a viagem.
Por outro lado, buscaram-se subsídios na iconografia e nos relatos de
viajantes e ex-tropeiros sobre as formas de pousos, os locais, a infraestrutura e a
tralha doméstica, apontando quais seriam os vestígios arqueológicos que poderiam
ser encontrados nestes espaços e como eram estes locais.
Os pousos ao relento e os sob barraca eram realizados em locais que não
dispunham de estruturas construídas para o pernoite, ou quando, por algum
motivo, a comitiva atrasava e não conseguia chegar a um local determinado de
pouso no trajeto.
A aquarela "Acampamento noturno de Itararé" do francês Jean Baptiste.
Debret, realizada em 1827, é uma imagem célebre e bastante ilustrativa (ver figura
18). Juntamente à iconografia, acompanha o seguinte texto explicativo:
Embora exausto por uma penosa marcha sob a influência do excessivo calor,
o viajante no Brasil deve ter ainda força de cuidar atentamente todas as
noites do preparo do pouso no meio das inúmeras florestas, sempre tão
longas para se atravessarem. Terminado o dia, ele acende o fogo, em seguida
constrói uma tenda com os couros que servem para cobrir a cargas das
bestas, reservando alguns, entretanto, para colocar no chão, onde lhe cabe
dormir, envolvido no seu manto. Pode também construir um abrigo feito de
um teto de folhagem prolongado até o chão e cuja parte superior se apóia
num varapau amarrado a duas árvores à altura de quatro e cinco pés; [...].
Junta o viajante, depois, seus animais, formando uma cerca em torno do
pouso; a fogueira, alimentada durante toda a noite, preserva-o dos animais
ferozes e clareia ao mesmo tempo o lugar para a guarda, revezada de quando
em quando.
Mais difícil ainda se faz o acampamento do viajante isolado no meio dos
campos dos confins das províncias de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. Nesses desertos ele é obrigado a acampar atrás das canastras e
dos arreios de seus animais, amarrar seu cachorros nos cantos da fortaleza
e conservar durante toda a noite uma guarda exterior ao pé da fogueira, cujo
clarão a onça teme.
Assim cercado de ameias, e com as armas carregadas, esse comerciante
nômade, protegido da chuva e da umidade do terreno por dois couros de boi,
177
enrolado no seu poncho, esquece um momento as fadigas de uma viagem
longa e não raro perigosa, enquanto os burros pastam em liberdade, a
pequena distância. (DEBRET, 1989, p. 112).
Nesta descrição, fica claro como os tropeiros improvisavam um abrigo no
meio do campo, juntando as bruacas, canastras
83
e jacás
84
, formando um reduto
quadrado, cobrindo-as com couro para protegê-las. Nesta imagem, os animais estão
soltos, pastando nas proximidades do acampamento. A vigilância é realizada por
um sentinela armado sentado junto ao fogo e por cachorros atados nos cantos do
acampamento.
Figura 18 - "Acampamento noturno de Itararé", 1827
Fonte: Jean Baptiste Debret (1989, tomo II, estampa 73, prancha 26).
Na segunda parte do desenho, detalhe do acampamento, o mesmo autor
menciona que:
O desenho número 2 representa o interior do acampamento e mostra a
posição do viajante adormecido. Examinando-se os dois burros, um dos
quais está carregado com quatro canastras e o outro cuja carga está
inteiramente recoberta com o couro destinado a preservá-lo do sul e da
umidade da chuva, tem-se uma idéia exata dos materiais utilizados na
construção do acampamento noturno de um viajante nos campos do Brasil.
(DEBRET, 1989, p. 112-113).
83
Canastra: “Mala de madeira forrada de couro, com duas alças para prendê-la na cangalha da besta
cargueira” (FLORES, 1998, p. 85).
84
Jacá: Cesto “utilizado para transportar mercadorias no lombo de mulas, principalmente grãos. Feito
de taquara trançada”. (VELHO et al., 2008, p. 50).
178
O missionário norte-americano Daniel Kidder (1980), em viagem pela região
sudeste do Brasil, em 1839, também descreveu este tipo de acampamento ao
relento e dá a sua explicação para o seu uso:
É frequente acamparem no relento, à procura de melhores pastagens para as
alimárias. Empilham então em linha, no chão, os jacás de úcar, café ou
qualquer outra carga, cobre-nos com couros e cavam um sulco em volta da
pilha para evitar que seja danificada por algum aguaceiro repentino.
O fato de grande maioria dos que viajam pelo interior do Brasil preferir esta
espécie de acampamento, provém, em grande parte, da escassez de melhores
acomodações. (KIDDER, 1980, p. 196).
Outra gravura com exemplo semelhante é a do viajante inglês Alexander
Caldcleugh que viajou pela América do Sul entre 1819 e 1821. No Brasil, passou
pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais. No Rio da Prata, em 1821, o viajante registrou
um acampamento na área dos pampas ou da campanha em campo aberto,
formando um cercado com a tralha carregada pelos cargueiros como as bruacas e
canastras (ver figura 19).
Figura 19 - Acampamento de tropeiro ao relento nos campos na região do Rio de la Plata em 1821
Fonte: Alexander Caldcleugh (1943, p. 3).
No centro, estão os tropeiros ao redor da fogueira, assando um churrasco à
maneira campeira, no qual os espetos feitos de madeira com pedaços de carne são
fincados em no chão ao redor da brasa da fogueira. Ao fundo da imagem, veem-
se alguns cavaleiros atrás de alguns animais num carroção.
Os pousos com barracas ou toldos eram bastante usados pelos tropeiros na
179
improvisação de um abrigo para pernoitar. Montava-se uma estrutura com estacas
de madeira e a cobertura poderia ser feita de couros, folhas, tecidos e, mais
recentemente, de lonas. Os abrigos eram construídos com poucos materiais, alguns
carregados pelos viajantes e outros obtidos no próprio local do acampamento, o que
facilitava a mobilidade e a montagem conforme as necessidades do pouso.
Na ilustração de Noel Aimée “Acampamento nas planícies de Guananbi” (ver
figura 20), datada de 1845, observa-se um abrigo feito provavelmente de couros ou
com os arreames
85
da própria montaria, usados para encilhar um animal, como o
baixeiro
86
, ou então o ligal
87
, usado sob os cargueiros (peças retangulares), sob o
qual está protegida a carga transportada, mas que também poderia servir de
resguardo noturno para os viajantes.
Figura 20 - “Acampamento nas planícies de Guananbi”, 1845
Fonte: Noel Aimée (In: GLOBO RURAL, II, p. 5).
As redes dos viajantes foram colocadas em estruturas de esteio, formando
um quadrilátero onde estão estendidas. Uma cobertura foi arranjada sobre as
85
Arreame: “Conjunto de peças/aperos usados para encilhar um animal de montaria, de carga e/ou
de tração”. (VELLHO, et al., 2008, p. 50).
86
Baixeiro: “Espécie de manta de usada para proteger o lombo dói animal cavalar ou muar de
pisaduras, usado em baixo da cela, nos animais de montaria ou por baixo da cangalha, nas mulas de
carga.” (VELHO et al., 2008, p. 50).
87
Ligal: “Retângulo de couro cru de bovino ou suíno, [...] usado sobre a bruacas para proteger da
chuva a mercadoria transportada. O pelo do couro deve ficar para fora, isto confere mais proteção
contra a chuva.” (VELHO et al., 2008, p. 51).
180
redes, abrigando os tropeiros durante o pernoite.
Na extremidade direita da ilustração, outro abrigo com um toldo feito de
galhos, provavelmente de alguma palmeira. Na fogueira, uma estrutura de jirau
formada por uma vara horizontal, apoiada em forquilhas, onde está pendurada uma
panela de ferro oval com alça.
Outra ilustração de época é a de Ettore Marangoni, retratando os tropeiros às
margens do rio Sorocaba no município de mesmo nome, em São Paulo, durante
uma feira (ver figura 21). No canto direito desta gravura, três barracas cobertas
com o que parece ser uma peça inteira, um tecido ou couros costurados. À beira de
uma das barracas, estão dois tropeiros preparando uma refeição na fogueira.
Figura 21 - Acampamento de tropeiros em tendas às margens do rio Sorocaba
Fonte: Ettore Marangoni (In: GLOBO RURAL, III, p. 4).
Goulart (1961) descreve em detalhe como era um acampamento, que no
linguajar dos tropeiros era conhecido como bater-estaca. Este tipo era usado
quando a tropa não alcaava o pouso certo no fim do dia, obrigando o grupo a
acampar ao relento e “bater-estaca à beira de algum córrego”:
A serventia das estacas é para prender os animais. Nessas ocasiões as
providências diferem daquelas comuns nos pousos.
Encostada a tropa e descarregada a carga, é preciso evitar a surprêsa de
algum temporal; então, os volumes são arrumados em terreno levemente
inclinado, abrindo-se em derredor de arrumação um rêgo pouco profundo
para escoamento das águas em caso de chuva. Por sôbre a carga extendem-
se os couros ficando os volumes devidamente resguardados.
A precariedade dos caminhos e outros contratempos inesperados, não raro
impediam tropas de alcançar os pousos obrigando-as ao encôsto.
Via de regra nenhum tropeiro encosta sua tropa, ou bate-estaca, sem
181
primeiro atravessar o córrego mais próximo; êsse cuidado era ditado pela
possibilidade de advir chuvas durante a noite e o pequeno fio de água
engrossar e se transformar num obstáculo no dia imediato. Essa
providência, comum a todos os dirigentes de tropas, permitia a quem
observasse os vestígios de um acampamento saber a direção da marcha de
uma tropa.
Quando ocorria o acampamento, ou encôsto, os camaradas eram obrigados a
procurar troncos de árvores, apontá-lo e fincá-los no chão para nêles
amarrar os animais; mesmo que encontrassem estacas fincadas, a
operação se reproduzia. (GOULART, 1961, p. 147).
Quando encontravam um rio cheio no percurso, havia a necessidade de
pousar e aguardar, conforme descreve o historiador Luz:
[...] o pouso é mais demorado. Arma-se as barracas próximo de um capão ou
abriga-se em alguma tapera abandonada, protege-se a carga e solta-se a
animalada. Faz-se o fogo no chão para preparar o café ou a comida e
improvisa-se a cama com a “carona”, os enxergões” e os pelegos, servindo o
duro lombilho de travesseiro. (LUZ, 1952, p. 53-54).
As informações orais obtidas junto de ex-tropeiros mencionam o uso
frequente de barracas nos primórdios dos pousos, característica do tropeirismo no
século XX, conforme informado pelo ex-domador, tropeiro e taipeiro João Vieira de
Araújo
88
, de Lages:
Os pousos (descanso) inicialmente eram barracas de pano que eles próprios
conduziam na carga. Somente mais tarde surgiram os galpões onde era
oferecido o pernoite, o pasto para os animais e a comida [...]. A cobrança do
pouso era feita por cabeça de animal que o tropeiro conduzia e estava tudo
incluído no preço [...]. (SANTOS et al., 1988).
O tropeiro Ernesto Ferreira
89
, de Bom Jesus (RS), também menciona que no
caso de tropas de gado vacum “[...] as mulas transportavam o comboio, levando a
alimentação, alguns levavam barracas, cobertas, isto é, o necessário para o tropeiro
durante a viagem” (In: SANTOS et al., 2004, p. 593). O mesmo entrevistado informa
que “os pousos em geral eram feitos em barracas, nos corredores, e sempre nos
mesmos lugares, a não ser que houvesse algum contratempo. Alguma rês se
extraviasse, ou até mesmo, o mau tempo” (ibid.).
Outra informante, Olga Tietböhl Jacoby
90
, que acompanhava a tropeada de
88
João Vieira de Araújo (João Adão), com 84 anos quando da entrevista em 1986. Nascido em Lages,
começou como madrinheiro aos 7 anos. Fazia o percurso Campo Belo, Coxilha Rica, São Joaquim,
descendo a Serra do Doze. (In: SANTOS et al., 1988).
89
Ernesto Ferreira, nascido em 1920 na Fazenda Nova, atual município de São José dos Ausentes
(RS), morador de Bom Jesus (RS) foi entrevistado em 28/04/2002 por Maristela Paim Lemos de Lemos
e Vera Lúcia Goulart Borges (In: SANTOS et al., 2004, p. 593).
90
Olga Tietböhl Jacoby nascida em 1914 em Capão Alto, Bom Jesus (RS), entrevistada em
28/04/2002 por Maria Luci Castilhos e Anelise Dutra Santos (In: SANTOS et al., 2004, p. 596).
182
seu avô, menciona que “os pousos eram feitos em galpões, em barracas de pano,
armadas, de preferência, perto de rios” (In: SANTOS et al., 2004, p. 596).
Outro tropeiro, Nelson Antunes Osório
91
, que tropeou entre 1917 e 1935,
descreve que “o pouso era em barracas, estas feitas com sacos de farinha de
mandioca [...]” (In: SANTOS et al., 2004, p. 599).
Um dos raros registros fotográficos sobre a utilização de barracas no
descanso de tropeiros foi feito na década de 1920 em Bom Jesus (RS). Nesta foto,
observa-se uma tropa acampada numa clareira com uma barraca no fundo e as
mulas estacionadas ao redor (ver figura 22).
Figura 22 - Acampamento de tropeiros em Bom Jesus em viagem para abastecer o Hotel de Dona
Tereza Baroni, chefiados por Jose Baroni, década de 1920
Fonte: Acervo Museu e Arquivo Público Municipal de Bom Jesus (RS) (In: SANTOS et al., 2004, p.
652).
Outra forma de pouso encontrada na documentação primária, era a realizada
em ranchos, uma espécie de habitação rústica de campo, aberta de todos os lados e
coberta com palha, ou feita “com pilastras de madeira coberto de capim, que
protegia os tropeiros e as mercadorias, num rústico dormitório” (FLORES, 1998, p.
6).
Daniel Kidder (1980) descreveu um rancho encontrado entre o Rio Pequeno e
91
Nelson Antunes Osório nasceu em 1910 na divisa entre Vacaria e Bom Jesus, residente em Lages
(SC), foi entrevistado em 28/04/2002 por Cainara Merci Sgarbi e Inara Borges da Silva Oliveira (In:
SANTOS et al., 2004, p. 599).
183
o Ribeirão Rio Grande, próximo a São Paulo, no caminho de Santos a São Paulo, em
1839:
[...] prosseguimos viagem até o Rio Pequeno e paramos num rancho
construído à margem. [...] O rancho comum nada mais é que uma coberta,
ou antes um teto de sapé, sustentado por moirões, tendo inteiramente
aberto o espaço que lhe fica por baixo. É propositalmente construído para
abrigar os viajantes e suas dimensões dependem da liberalidade dos
habitantes do lugar. Às vezes esses rústicos abrigos medem de 60 a 100 pés
de comprimento sendo a largura proporcional. De raro em raro encontram-
se ranchos fechados. (KIDDER, 1980, p. 195).
Na sequência, o autor detalha como era a organização interna do rancho:
“Descarregam as mulas e empilham a carga e os arreios, às vezes em forma de
quadrado dentro do qual deitam para repousar sobre peles estendidas no chão ou
em redes” (ibid.). Estas características também são registradas na sua ilustração
(ver figura 23), que retrata um rancho simples composto de teto em duas águas
feito de estacas e coberto com sapé. No seu interior, observa-se somente um
viajante descansando numa rede, com seus pertences ao lado. E ao fundo, uma
moradia, com telhado em duas águas, provavelmente do proprietário do rancho.
Observa-se ainda o caminho, que passa na lateral do rancho, por onde passam
cavaleiros.
Figura 23 - Registro de pousos em rancho no Caminho entre Santos e São Paulo, nas proximidades de
São Paulo, 1839
Fonte: Daniel Kidder (1980, p. 195).
Outra característica abordada por este viajante foi a observação da existência
184
de terraplenos elevados do solo, com valas ao redor do rancho, para drenagem do
terreno:
Em torno de nosso rancho no Rio Pequeno, a lama era extraordinariamente
profunda. De fato, o chão tinha sido, aos poucos, cavado a vários pés de
profundidade, de maneira que sob o rancho, o terreno dava a impressão de
uma plataforma elevada. (KIDDER, 1980, p. 196).
Outro registro iconográfico é de Debret em “Campeiros proprietários de
tropas da Província do Rio Grande do Sul” (ver figura 24), mostrando parte de um
rancho com cobertura vegetal onde foram colocadas as cargas e os utensílios de
montaria, como a cela e a cangalha
92
. Na lateral do rancho, observa-se uma meia
parede feita de taquara. Ao fundo, está a tropa de mulas ainda arreada
93
.
Figura 24 - Registro de pouso em rancho: “Campeiros proprietários de tropas da Província do Rio
Grande do Sul”
Fonte: Jean Baptiste Debret, (1971, p. 83).
O pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1998), que viajou no Brasil entre
1822 e 1825, pintou uma aquarela intitulada “Repos d‟ une Caravanne” (ver figura
25). Trata-se de uma iconografia bastante detalhada de um rancho existente entre
tantos que surgiram ao longo dos caminhos.
92
Cangalha: “Armação de madeira na qual se sustenta e equilibra a carga das bestas de um e outro
lado delas”. (FLORES, 1998, p. 85).
93
Mula arreada, que está encilhada com os arreios, e ainda carregada.
b)
185
O rancho da ilustração é uma construção rústica com esteios sustentando
um teto de quatro águas coberto com galhos de folhas secas. No centro estão
colocadas as canastras, bruacas e surrões empilhados, além das celas e arreames.
Ao redor das mercadorias, os tropeiros estão dispostos em cenas de lazer e
descanso. No fundo da construção, à direita do rancho, está disposta uma rede,
mostrando que alguns viajantes dormiam, enquanto que, na extremidade esquerda,
outros estão deitados no chão sobre tecidos e mantas.
Observa-se que ao redor do rancho entre os esteios foram presas várias varas
horizontais, que funcionam como jiraus, sobre os quais estão estendidos tecidos ou
similares, bem como alguns objetos pendurados.
Trata-se de um rico registro do cotidiano de um pouso. São pelo menos 13
pessoas, entre negros e brancos, representadas em diferentes atividades desde o
descansar, dormir, beber e tocar viola. Além disso, retrata também as atividades
habituais de um pouso como ajeitar as mercadorias no rancho, buscar água e
providenciar a refeição.
Figura 25 - Rancho de pousos de tropeiros: “Repos d‟ une Caravanne”, 1822/1825
Fonte: Johann Moritz Rugendas (1998, pl. 19).
presença de escravos negros. uma mulher negra, raro registro em
186
pousos, que parece estar dobrando mantas ou lonas. Outro negro traz uma bacia,
provavelmente com água, e uma panela com tripé.
Ao redor do rancho algumas mulas, sendo duas ainda com os arreios e
comendo no bornal preso ao focinho do animal.
Ao fundo do rancho, observam-se duas moradias, sendo uma com varanda e
telhado de quatro águas, às margens do que parece ser um caminho e na
extremidade direita de um rio. A paisagem na qual a cena está representada é
montanhosa, em área florestada, com uma araucária em primeiro plano.
Do mesmo período é a pintura “Rancho de Tropeiro” do pintor britânico
Charles Ladseer (ver figura 26), que viajou no Brasil entre 1825 e 1827, registrando
cenas cotidianas observadas em viagens realizadas pelo Rio de Janeiro, São Paulo,
Bahia e Pernambuco.
Figura 26 - Interior de um “Rancho de Tropeiros”, 1827
Fonte: Charles Landseer (In: BELLUZZO, 1994, vol. II, p. 47, fig. 400).
Esta imagem retrata o interior de um pouso num rancho feito com esteios de
madeira e cobertura de palha ou capim, com uma meia parede de madeira na
extremidade esquerda, onde estão empilhados fardos de mercadorias. O tropeiro
187
mais abastado, bem trajado, provavelmente o dono, está descansando sentado
sobre uma canastra em primeiro plano. Ao fundo, dois escravos estão
descarregando mulas cargueiras e desencilhando um cavalo. No canto direito, em
primeiro plano,uma cesta de frutas.
No fundo do rancho, observam-se várias mulas e, mais adiante, vê-se um
caminho por onde marcham mulas cargueiras.
O pintor e aquarelista austríaco Thomas Ender pintou paisagens, durante a
missão austríaca no Brasil, em 1817-1818. “O período de cerca de dez meses
passados no Brasil resultou em produção de mais de 600 desenhos documentais e
paisagísticos sobre o país” (BELLUZZO, 1994, p. 179). Dentre os registros
realizados por este pintor, destacam-se duas obras que registraram os ranchos de
pouso ao longo dos caminhos no Brasil.
A aquarela “Der Ranjo von Facanda dos Negros 3 Ml von arêas nach Sº Paulo
zu” retrata um rancho para viajantes no caminho entre o Rio de Janeiro e São
Paulo (ver figura 27).
Figura 27 - Aquarela “Der Ranjo von Facanda dos Negros 3 Ml von arêas nach Paulo zu”,
1817/1818
Fonte: Thomas Ender (In: COSTA, 2005, p. 200).
Trata-se do interior de um rancho bastante amplo e sólido, construído com
188
grandes esteios de troncos de árvores. No rancho, encontra-se a carga dos
viajantes, tais como canastras, caixotes, sacos e equipamentos de cela, como a
cangalha.
Observa-se em primeiro plano uma cama estendida e objetos pessoais como
roupas, par de botas e outros como uma espingarda escorada no esteio. Além disso,
há alguns utensílios domésticos para beber e comer, como canecas e cumbucas.
Ao fundo da imagem, na entrada do rancho, está uma tropa de mulas,
algumas desarreadas, outras com cangalha e carga, e outras com bornal. A
paisagem ao redor é ilustrada como sendo florestada com morros.
A cena parece retratar uma tropa sendo preparada e carregada após o
pernoite para continuar a viagem. Os membros da comitiva estão organizando a
carga nos animais, enquanto que os seus objetos pessoais ainda estão no interior
do rancho.
A outra gravura de Thomas Ender é “Rancho unweit der Serra do Caraça”
(ver figura 28), onde foi desenhado um rancho na região de Caraça, próximo a Ouro
Preto. Provavelmente, o local seria um ponto de apoio aos viajantes junto a algum
povoado, pois há uma habitação com família e crianças à beira da estrada.
Figura 28 - “Rancho unweit der Serra do Caraça”
Fonte: Thomas Ender (In: COSTA, 2005, p. 213).
189
O rancho nessa imagem, é um abrigo anexo à casa, uma simples edificação
em duas águas, construída com esteios de troncos de árvores e coberta com folhas
de alguma palmeira.
A gravura retrata várias atividades no pouso. No centro es um tripé
improvisado com três estacas e uma panela pendurada sobre o fogo, cozinhando a
refeição. Um homem mexe o conteúdo que está na panela, enquanto outros dois
aumentam o fogo, quebrando e colocando galhos na fogueira.
À esquerda desses homens, outros dois que estão consertando ou
substituindo a ferradura do animal. Ao lado deles, encontra-se a bigorna, um dos
instrumentos usados pelo ferreiro para martelar a ferradura e fazer sob medida ao
casco do animal. O homem que está ao lado do cozinheiro parece estar prendendo
algo numa vara longa. Poderia ser uma ferradura que seria aquecida para ferrar o
animal. Ao fundo da imagem, um homem está conduzindo os animais,
provavelmente para um curral. A paisagem representada é montanhosa e com
diversidade de árvores na mata.
Dentro do rancho, homens estão organizando as coisas: um está empilhando
as mercadorias e outro armando uma rede.
À direita na imagem, o homem que está sentando na frente da entrada da
casa, parece ser o dono do local e está recebendo o pagamento em moeda. Na
mesma cena, a mulher negra vem trazendo uma cesta na cabeça, provavelmente
com frutas. Todos representados nesta gravura são negros, exceto o cavaleiro
situado à esquerda da imagem.
No que se refere aos pousos para a área objeto desta pesquisa, são poucas as
informações disponíveis. No Registro Santa Vitória é provável que um rancho tenha
sido construído quando de sua reforma em 1833, pois no orçamento para obra
consta a menção da construção de uma estrutura para pouso dos tropeiros (SILVA,
2006, p. 112). O responsável pela reforma, Miguel Gonçalves dos Santos, indicava
que a economia poderia ser feita nos materiais empregados, na medida que “[...] o
rancho para os tropeiros que deve supor seja coberto de capins sobre esteios [...]”
(AHRGS, FOP, 01, 1833 apud SILVA, 2006, p. 112).
Havia ainda outra forma mais estruturada de rancho: o galpão, mencionado
nas fontes orais dos locais onde havia potreiros de aluguel. Deveriam existir junto
das propriedades e/ou armazéns, e poderiam ser usados mediante o pagamento do
pouso ou da alimentação da tropa e resguardo em curral.
Nos galpões, os tropeiros dormiam protegidos das intempéries. “Estes eram
divididos numa parte assoalhada onde faziam suas camas e guardavam os
190
arreames, outra de chão onde era feito o fogo para aquecer e/ou fazer a janta
(VELHO et al., 2008, p. 36).
Na região da Coxilha Rica, um destes lugares mencionados, segundo os
moradores, localizava-se na região do São Jorge, junto ao início do trecho C
pesquisado neste estudo
94
. No local, havia uma casa de comércio e mangueirões
onde as tropas pousavam. Atualmente, restam somente as áreas entaipadas e um
terraço aplainado onde se localizava o armazém.
Um outro galpão foi localizado na região da antiga Casa Campos, grande
armazém de secos e molhados na localidade do Borel, tratando-se das “ruínas de
galpão de madeira e complexo de mangueiras de pedra” (ver figura 29), cujo
conjunto arquitetônico tinha uso original de moradia, comércio e hospedaria
(SILVA, 2008, cód. 34).
Este galpão situa-se num entroncamento de corredores, na antiga Fazenda
Borel. No local, sobrevivem ainda hoje as mangueiras, “uma pedra onde ficava a
entrada do armazém” e o “Galpão de pouso tropeiro” (ibid.) (ver figura 29).
Segundo o estudo arquitetônico de Silva (2008), a edificação é de madeira
serrada, com fundações em nabos cravados no chão, e os vazios preenchidos com
pedras e barro. Atualmente, a cobertura é de telhas francesas, mas por volta de
1940 era em tabuinhas (madeira lascada). No interior do galpão um espaço de
fogo de chão e outro da tarimba
95
de tábuas serradas, conforme a planta baixa.
Muitos ex-tropeiros e moradores locais entrevistados ainda mencionaram a
existência de pousos em fazendas ao longo do caminho. Esta estada era paga ao
proprietário.
Ao longo do trecho do caminho analisado, desconhece-se a existência de
ranchos construídos por iniciativa do poder público para abrigo durante as viagens,
como os registrados em outros caminhos brasileiros.
As atividades realizadas no pouso resumiam-se a descarregar os animais, os
tratos, a manutenção dos animais, a proteção da mercadoria e a preparação da
refeição, além do descanso.
94
Ver capítulo 4, item 4. 3 “Trecho C: região dE São Jorge entre a Capela São Jorge e a Fazenda
Capoeirinha”.
95
Tarimba: “Local feito de tábuas onde os tropeiros dormiam” (SILVA, 2008, cód. 034).
191
N
MANGUEIRA
2
5
10 20 40m0
MANGUEIRA
MANGUEIRA
ENCERRA
MANGUEIRA
MANGUEIRA
CORREDOR
ESTRADA
CARVALHO
Figura 29 - Galpão de tropeiros na Casa Campos, em Lages (SC)
Fotos e croquis: Nery Luiz Auler da Silva (2008, cód. 034).
Flores (1998, p. 53) menciona os cuidados realizados com animais feito nos
192
pousos:
No fim de cada jornada, alivia-se a carga da besta, dando a cada uma ração
de milho, posta num bornal, suspenso ao pescoço do animal ou, na falta
deste, colocava-se o milho sobre um couro estendido no chão. Enquanto a
mula comia, o arrieiro passava-lhe sobre os pelos a raspadeira, depois
soltava-os no pasto. Cada besta consumia meia quarta de milho, mais a
pastagem natural.
Enquanto os animais comiam, aproveitava-se para inspecioná-los, pois se
tratava da melhor hora para tal tarefa:
As feridas e pisaduras são raspadas e medicadas quase sempre com gordura
de porco quente. Depois, atalham as cangalhas que estejam machucando os
animais, limpam os cascos, assentam uma ferradura frouxa, metem um
cravo em outra prestes a cair. Tropas havia que chegavam a levar pequenas
bigornas para êsses consertos. Enquanto isso, a burrama continuava
triturando o seu milho. (GOULART, 1961, p. 134).
Concluída esta atividade, os animais eram conduzidos até a aguada e em
seguida ao pasto ou ao curral, onde permaneciam durante a noite. Enquanto uns
arrumavam a tropa e as mercadorias, o cozinheiro providenciava a janta, fazendo
uma fogueira e geralmente usando um tripé ou uma trempe
96
.
As camas eram montadas “com pelegos servindo de colchão, a sela ou
lombinhos de travesseiro, a capa ou bichará de coberta, com o ligal forravam o chão
para proteger os arreios” (VELHO et al., 2208, p. 36), ou em redes penduradas.
Quando o pouso não era realizado em local com potreiro fechado, onde os
animais ficavam presos, era necessário fazer a ronda para evitar que os animais se
dispersassem.
Como o apresentando na análise das iconografias e relatos de viajantes e ex-
tropeiros, os pousos em geral não possuíam infraestrutura com conforto como os
galpões. Em geral, eram simples ranchos ou acampamentos improvisados com os
arreames e barracas. Os apetrechos e a tralha doméstica conduzida também se
restringiam ao necessário para a tropeada: barraca, chaleira, panela, prato,
talheres, tripé entre outros.
96
Trempe: Espécie de suporte em arco de ferro sustentado pelo tripé, no qual são colocadas as
panelas que vão ao fogo; ou conjunto de pedras para assentar a panela so fogo.
193
3. 4 PASSAGENS FLUÍDAS: A TRAVESSIA DOS RIOS, A CONFORMAÇÃO
DOS LIMITES TERRITORIAIS E A DEFESA CONTRA OS INIMIGOS
Os rios Canoas e Pelotas são cursos hidrográficos constantemente
mencionados nos documentos, pois se trata de importantes marcos geográficos
para época. Eles delimitaram os territórios das Capitanias de São Paulo e Rio
Grande do Sul, permitiram a travessia das tropas e viajantes nos passos e, por fim,
configuraram-se como locais de defesa, pois eram a “porta” de entrada para o
território português. No último quartel do século XVIII, nas margens destes rios,
foram instaladas as guardas e os registros
97
de cobrança de impostos sobre a
passagem de animais e de controle dos descaminhos.
Neste subcapítulo, será feita uma abordagem sobre a importância que os rios
Canoas e Pelotas representavam no trecho do percurso do caminho estudado, com
suas respectivas peculiaridades: o passo e a travessia, a defesa militar destes locais
e o limite natural entre as capitanias e territórios.
Para tanto, será analisada e apresentada a documentação textual,
cartográfica e iconográfica reunida, que fornece dados para compreender o que
representava a paisagem dos campos de Lages, repleta de cursos hidrográficos,
para o contexto do estudo do Caminho das Tropas e, por fim, apresentar elementos
que auxiliem a entender as estruturas arqueológicas registradas na área de
pesquisa.
3. 4. 1 A conformação dos limites territoriais
Tanto o rio Canoas, quanto o rio Pelotas, foram usados como acidente
geográfico para demarcar a jurisdição administrativa entre as Capitanias de São
Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro durante o século XVIII. A região dos
campos de Lages era alvo de disputa interna e definição dos limites territoriais.
O “Itinerário da Cidade de S. Paulo para o Continente de Viamão”
(AHU_ACL_023, cx. 66, doc. 5112, fl. 7 e 7 v.)
58
, de meados do século XVIII, aponta
97
Os registros e as guardas não serão abordados nesta pesquisa, pelo imenso volume documental
recolhido e pelo fato de que seus vestígios arqueológicos não foram contemplados no levantamento
arqueológico realizado, uma vez que não se tratam de estruturas viárias, mas formas de controle da
Coroa Portuguesa e de cobrança de impostos sobre o caminho.
194
o “rio das Caveiras” como o “[...] ultimo Rio da Capit.ª de Sam Paulo [...]”
98
.
Entretanto, este dado é a única menção ao uso do rio Caveiras como limite entre
capitanias.
Outro roteiro que menciona esta situação é o “Tranzitos por honde Marchou
a Infantaria de Voluntarios Reaes desta Cidade de São Paulo para o Exercito do
Sul”, de 1775, que menciona que o rio Canoas, “passagem a Villa nova das Lages
ultima desta Capitania de São Paulo”, seria o limite entre as capitanias na época
(AHU_ACL_CU_023-01, cx. 30, doc. 2716, 1775, fl. 1 v.)
99
.
Em 1767, D. Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus,
Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, informou ter recebido as
cartas de Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente, nas quais Joze Custódio de
e Faria, Coronel e Governador do Continente de Viamão, solicitou a suspensão
da nova povoação de Lages.
A consequência dessa discussão sobre a legalidade da fundação de Lages foi
a verificação da possibilidade de realizar a instalação dessa povoação nas
cabeceiras do rio Canoas ou nas margens do rio Tajuy ou em outra parte, evitando
perturbações até a resolução desta questão
100
. Assim, Correia Pinto intenta a
segunda fundação da povoação nas margens do rio Canoas.
Paralelo às discussões sobre a jurisdição administrativa, segue-se também a
reclamação das autoridades eclesiásticas, na qual o Vigário da Vara de Viamão
questionou a jurisdição eclesiástica do Sertão
101
.
Os interesses não estavam somente pautados na anexação do território de
Lages a uma das capitanias, mas especificamente nos lucros que poderiam ser
obtidos com as passagens dos rios Pelotas e Canoas. Dessa forma, a alteração entre
98
Documento manuscrito: ITINERÁRIO da cidade de São Paulo, para o continente de Viamão, feito por
um prático. (s.l./ n.d). AHU_ACL_CU_023, cx. 66, doc. 5112, folhas 5, 5 v., 6, 6 v, 7, 7 v. e 8.
99
Documento manuscrito: RELAÇÃO (Cópia) do percurso feito pela Infantaria de Voluntários Reais da
cidade de São Paulo desde esta cidade até vila Nova das Lages, passando por ponte de Cotia, Colégio,
Sepetuba, Lagoa, Lambaraci posto de Itapetininga, Pesacaria, porto de Apiaí, Ribeirão Fundo, Fazenda
Nova, Rio Verde, Morungaba, Jaguaraíba, Cinta, Piraí, Iapó, Corumbú, encruzilhada do Carrapato,
Fazenda do Lago, Fazenda do Ferrador, Registo da Curitiba, rio dos Patos, Passaquatro, Curralinho,
Pinheiro Seco, Estiva, Rodeio Grande, derradeiro Campestre, Caldeirão, Correntes, Maromas,
Curitibanos, rio dos Cachorros e rio das Canoas. São Paulo, 8 de dezembro de 1775.
AHU_ACL_CU_023-01, cx. 30, doc. 2716, folhas 1 e 1 v.
100
Documento manuscrito: OFÍCIO de D. Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus,
Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor
Regente [...]. São Paulo, 7 de abril de 1767. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 138 e 138 v.
101
Documento manuscrito: OFÍCIO de D. Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus,
Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor
Regente, [...]. São Paulo, 10 de novembro de 1768. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folha 143.
195
os limites das capitanias por um rio ou outro era baseada em interesses
geopolíticos e econômicos.
Assim, a Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda, informa a
Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lages, em 1776, que foi
requerido na Junta da Fazenda do Rio de Janeiro a mudança do Registro de Santa
Vitória para o Rio Canoas e o direito sobre os animais criados nas fazendas entre
este registro e o referido rio:
Fazemos saber ao Capitão Mor Regente da Villa das Lagens que havendo se
arrematado no Rio de Janeiro a Manoel de Araujo Gomes os Registos de
Viamão e Santa Victoria por tempo de seis annos, foy esta Junta informada
que o ditto Contractador levado unicam.
te
do seo interesse, sem attenção e
ao prejuizo da Real Fazenda, nem a violencia que se faz a esta Capitania
introduzindo se novo Registro dentro dos seos limites, impretou
obrepticia, e subrepticiamente com requeri mentos dolozos da Junta da
Fazenda do Rio de Janr.
o
que o Registro ate agora cituado em Santa Victoria
se mudasse para o Rio das Canoas, a fim de perceber com lezão
enormissima pela Diminuta quantia de 20$000 C. por anno durante o tempo
de seo Contracto, a utilidade dos Direitos dos animaes criados nas Fazendas
e campanhas, que medião entre o Registro de Santa Victoria e o ditto Rio,
que segundo a demarcação desta Capitania pertencem ja ao nosso
Continente: e porque no cazo dese haverem de cobrar similhantes direitos
deve ser somente em beneficio da Thezouraria Geral desta Capitania
conforme o esperito de repetidas ordens Regias em cazos idênticos [...].
(IAN/TT, 1776, fl. 208)
102
.
Para resolver esta questão e encerrar com a dúvida entre as Capitanias de
São Paulo e Rio de Janeiro, a quem o Rio Grande do Sul está vinculado, sobre a
arrecadação dos direitos de passagens dos animais, a Junta determinou a
instalação de um registro no rio Canoas, em favor a Lages, dentro dos limites da
Capitania de São Paulo, mencionando que Correia Pinto “[...] saberá prudentemente
impedir que se de fraudem os Direitos, e rompão os Limites desta Capitania; [...] e
Concervação dos Limites da Capitania para se lhe dar todo o favor necessário [...]”
(ibid., fl. 208 v.)
102
.
Todavia, esta questão ainda não estava de todo resolvida, como mostra a
correspondência de setembro de 1776, de José Alex.
e
Castelão, Escrivão da Junta
da Administração e Arrecadação da Real Fazenda de Porto Alegre, encaminhando
ofício a Antonio Correia Pinto, informando a determinação do rei:
A Junta da Admenistração, e Arrecadação da Real Fazenda deste Continente
me determina parte a VM. q‟ Sua e Magestade foi servido ordenar á
mesma Junta fizece mudar a Guarda do Registo, que prezentemente se acha
102
Documento manuscrito: INFORMAÇÃO da Junta da Administração e Arrecadão da Real Fazenda,
a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lages, [...]. São Paulo, 20 de julho de 1776.
IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 208 e 208
v.
196
no Rio das Pelotas p.
a
o das Canoas, onde antes era a verdadeira divizão,
[...]. (IAN/TT, 1776, fl. 213)
103
.
Assim, a Guarda do Registro no rio Pelotas deveria ser mudada novamente
para o rio Canoas, onde seria o limite entre as Capitanias. Por fim, solicita que
Correia Pinto dê auxílio necessário ao Comandante da Guarda para o efetivo
estabelecimento do Registro.
Na continuação, Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e
Governador da Capitania de São Paulo, comunica a Antonio Correia Pinto ter
recebidos os:
Documentos sobre a inesperada novidade de se mandar por parte de
Viamam potencioza, e a cauteladamente introduzir hum novo Registo dentro
das terras desta Capitania de S. Paulo, com manifesto rompimento da boa
fé, e vizinhança, e com indisputavel prejuizo da Real Fazenda, e Serviço.
(IAN/TT, 1776, fl. 216)
104
.
O Governador acredita na improbidade de mudar o Registro de Santa Vitória
para o Rio Canoas, assim como na cobrança indevida dos quintos sobre a produção
das fazendas, pois se trata de território da Capitania de São Paulo. Reclama que o
“[...] Brigadr.
o
Governador do R.
o
Pardo, me admiro juntam.
te
, que reconhecendo elle
neste mesmo anno prezente, q‟ a sua Capitania nam passava do Registo de Santa
Vitoria [...]” (ibid.)
104
.
Acrescenta ainda Saldanha que cada governador pagava as tropas das
guardas de seu distrito:
[...] cada hum no seu Destrito, nam as mandasse elle municiar, e pagar
senam de Santa Vitoria por diante, e isto sem duvida por ver, e saber, q‟ essa
Villa foi creada, e estabelecia por esta Capitania, dentro dos limites della,
sem que em algumas duvidas, que se quizessem suscitar na sua creaçam
com meu Antecessor, houvesse Decisam alguma Regia á favor de Viamão,
havendo-a de algum modo a favor desta Capitania de S. Paulo [...]. (ibid.)
104
.
Este governador aponta claramente o interesse econômico em mudar o
registro do rio Pelotas para o Canoas:
[...] pois todo o ponto de vista do orgulhoso Manoel de Araujo Gomes na
inadmissivel diligencia de adiantar Reg. de S. Vitoria p.
a
o nosso R.
o
das
103
Documento manuscrito: OFÍCIO de José Alex.
e
Castelão, Escrivão da Junta da Administração e
Arrecadação da Real Fazenda de Porto Alegre, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila
das Lages [...]. Porto Alegre, 10 de setembro de 1776. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 213 e 213 v.
104
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lajes, [...]. São
Paulo, 14 de novembro de 1776. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço
323, caixa 432, folhas 216 e 216 v.
197
Canoas para perceber os Quintos das producçoens das fazendas das
nossas terras, por tempo de seis annos, com a lezam m.
tas
vezes
enormissima de dar som.
te
cento e vinte mil r.
s
por todos os ditos seis annos,
quando por elles jâ se ofereceo por termo na Junta hum conto de reis, q‟ pelo
julgarmos diminuto, ainda não procedemos á remataçam, e esperamos
lanços mayores. (ibid., p. 216 e 216 v)
104
.
Por fim, ordena que Correia Pinto não auxílios de nenhuma natureza aos
intrusos, nem os deixem cobrar os quintos pretendidos e exija que se retirem do
novo registro e retornem para o de Santa Vitória.
A Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda informa ao
Capitão Mor Regente da Vila das Lages, em 15/11/1776, ter recebido notícias suas
da ereção do Registro no Rio Canoas pelo Alferes Manoel Vaz Pinto, comandando
um destacamento de soldados.
Esta junta declara como justificativa para os limites da Capitania de São
Paulo:
[...] que alem da Villa das Lagens ser criada, e fundada por esta Capitania
que tem governador em paci fica posse de mais de des annos sem
contradão no Civil, e no Ecleziastico os districtos da mesma Villa ate o Rio
das Pelotas, que a devide da de Via mão; foy S. Mag.
e
servido no rrafo 50
das Instruções de 12 de Janeiro de 1775, que deu ao actual Governador e
Capitão e General, Prezidente desta Junta para a despozição de seu Governo
comprehender entre as Villas desta Cappitania a ditta Villa das Lagens: e
que tanto reconhece a Junta da Fazenda Real de Viamão, que os Limites des
ta Capitania se estendem ate o Registo de Santa Victoria, que na proxima
expedição das Tropas que se fes por terra para o Continente do Sul;
havendo-se pacteado que cada huma das Capitanias lhes assistisse com
mantimento ne cessario nos seos respectivos destrictos; não quiz a Junta da
Fazenda de Viamão encarregarse de municiar as Tropas desta Capitania
senão do Registo de Santa Victoria para diante por se estenderem ate ali os
nossos limites. (IAN/TT, 1776, fl. 218 v. e 219)
105
.
Em segundo lugar, a Junta alega que:
[...] he indubitavel que chegando o dominio desta Capitania ate o Registo de
Santa Victoria não podia a Junta da Fazenda de Viamão levantar no Rio das
Canoas, que fica dezanove legoas no interior do nosso continente, hum
Registo para cobrar, e utilizar-se dos Direitos que só pertencem a esta
repartição e nem se podião arrematar os mês mos Direitos fora da Capitania
competende por ser contra as pozitivas, e expressas Ordens de S. Mag.
e
de
12 de Setembro de 1770, e 17 de Abril do Corrente anno. (ibid., p. 219)
105
.
Em consequência disso, a Junta ordena notificar o referido Alferes para que
abandone o posto no Registro e saia dos limites da Capitania de São Paulo. Ordena
ainda que se conserve o Registro do Rio Canoas, que Correia Pinto erga um quartel
105
Documento manuscrito: INFORMAÇÃO da Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda,
a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lages, [...]. São Paulo, 15 de novembro de
1776. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 218,
218 v., 219, 219 v., 220 e 220 v.
198
e nomeie o Fiel e demais pessoas para o destacamento
105
.
Em fevereiro de 1777, esta questão permanecia em aberto, pois a Junta da
Administração e Arrecadação da Real Fazenda da Capitania de São Paulo informou
ter conhecimento de que a Junta da Fazenda de Viamão continuava empreendendo
esforços para manter o Registro de São Jorge no rio Canoas em beneficio do
contratador Manoel de Araujo Gomes
106
.
O Governador da Capitania de São Paulo, Martim Lopes Lobo de Saldanha,
em outra correspondência a Antonio Correia Pinto, datada de 17/02/1777, lamenta
o nível de ofensas e quase uma guerra civil em que chegou esta dúvida dos limites
territoriais entre as capitanias e a disputa pela arrecadação dos impostos no rio
Canoas:
Não tenho q‟ dizer a Vm.
ce
das violencias, com q o Gov.
or
de Viamão intenta
sustentar o Reg.
o
no R.
o
das Canoas como Vm.
ce
me participa nas suas
Cartas de 28 de Novbr.
o
, 6.7.8 e 10 de Janeyro, porq pela Junta da
administração da Real Faz.
da
desta Capitania, nam só mandei responder a
de Viamão, mas tambem dirigir a Vm.
ce
as Ordens, q deve observar, o q
espero Vm.
ce
cumpra com aquelle zello, q lhe hê natural no Serviço de El Rey
N. Senhor, em cuja Real Prezença puz a violencia, q se me fez e agora
segunda vez o faço com a copia das Ordens dirigidas pe lo Gov.
or
daquelle
Contin.
te
ao Alferes Manoel Vaz Pinto, a falta de disciplina deste, ameaçando,
e afrontando com palavras injuriosas a Guarda, q por Ordem minha Vm.
ce
ali portou, a copia das Cartas, com que o referi do Govern.
or
ameaça a Vm.
ce
tão incompetentem.
te
, sendo Vm.
ce
Vassalo de S. Mag.
e
t:, Comand.
e
de huma
terra, q serve de Barreyra a esta Capitania, de q eu sou o unico chefe, e sem
q elle tenha a mais minima jurisdiçam em Vm.
ce
, q deve estar certo, em q o
d.
o
senhor nam me ha de conservar a minha authoridade illeza, mas
satisfazer a Vm.
ce
das violencias, q se lhe tem feito, ou lhe continuarem, as
quaes deve Vm.
ce
evitar, q.
to
possivel lhe for, observando as minhas Ordens
com o mais prudente modo, deixando precipitar os animos dispostos a huma
guerra civil. (IAN/TT, 1777, fl. 224)
107
.
Por fim, comenta que ainda “[...] está pendente da Rezoluçam de S. Mag.
e
, q
Deos g.
de
a duvida de a quem deve pertencer os 24s r.
s
[?], q se arbitraram no gado
vacum p.
a
o sustento do Destacam.
to
de Santa Vitoria [...] (ibid.)
107
.
Em 23/02/1777, a Ilha de Santa Catarina foi tomada pelos espanhóis e,
posteriormente, em 27/08/1777, estes invadiram e saquearam o Iguatemi. Neste
ano, também faleceu o rei Dom José I, em 24/02. Desta forma, esta questão fica
“adormecida”, aguardando uma resolução ao longo do ano de 1777.
106
Documento manuscrito: INFORMAÇÃO da Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lages, [...]. São
Paulo, 15 de fevereiro de 1777. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço
323, caixa 432, folhas 222, 222 v., 223 e 223 v.
107
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lajes, [...]. São
Paulo, 17 de fevereiro de 1777. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço
323, caixa 432, folhas 224 e 224 v.
199
Em julho de 1778, um ofício de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão
General e Governador da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, atesta
que a questão continuava pendente de decisão na Coroa Portuguesa:
Como esta dependencia se acha affecta a Sua Magestade, e julgo, que o
mesmo Senhor à vista dos incontestaveis documentos, que lhe forão
prezentes, não deixará indeciza huma contenda de tanta ponderação, cem
que tanto se interessa a sua Real Fazenda [...]. (IAN/TT, 1777, fl. 272 e 272
v)
108
.
A medida sugerida pelo governador era manter cautela e aguardar: “[...] não
devemos sem a sua ultima determinação alterar couza alguma da nossa parte, mas
sim ir rebatendo somente por meyo da moderação, e da prudencia estes
continuados insultos [...]. (ibid., p. 272 v.)
108
.
O final desta questão se desconhece, pois até 1779 esta situação o estava
resolvida. E para o período posterior tem-se uma lacuna na documentação entre
1779 e 1783, período final da administração de Antonio Correia Pinto, assim como
para os capitães-mores subsequentes.
Esta disputa territorial entre as Capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro, ou
com o Continente de Viamão, é percebida também nas representações cartográficas
do século XVIII, conforme já apresentado anteriormente.
Os mapas que apresentam a divisa entre as duas capitanias representada
pelo rio Canoas são o “Demonstração do Caminho que vai de Viamão the a Cidade
de S. Paulo”
68
, do Sargento João Baptista, de meados do século XVIII, e a “Planta do
Continente do Rio Grande”, de Antônio Inácio Roiz de Córdoba, 1780.
Outros indicam o limite como o rio Pelotas, tais como: o “Plano topografico do
continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina”, de JoCorreia Rangel de
Bulhões, de 1781; o “Mapa Corographico da Capitania de S. Paulo [...]” de Antonio
Roiz Montezinho, 1791-1792; e a “Carta Corographica da Capitania de S. Paulo”, de
João da Costa Ferreira, 1793.
3. 4. 2 A defesa do passo contra os inimigos
Inicialmente, será apresentada a observação feita por Cristóvão Pereira de
108
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lagens, [...]. São
Paulo, 11 de julho de 1778. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço 323,
caixa 432, folhas 271, 271 v., 272, 272 v., 273 e 273 v.
200
Abreu na “Terceira Notícia Prática”, mencionando a importância que tinha a
preservação do passo, referindo-se ao Passo do Pelotas:
Porque o affectado temor, que nos querem introduzir os apaixonados de
sermos invadidos pelos Tapes, se não pode recear em nenhum tempo, assim
pela estreita garganta por onde sabemos entrão naquellas terras, com 50
armas se lhe póde cortar o passo [...]. (ABREU, 1908, p. 259).
Os passos representavam passagens fluídas que poderiam ser transgredidas,
caso medidas não fossem tomadas. Contudo, aponta que a invasão e controle
deveriam ser realizadas na “estreita garganta”, que representava o local de entrada
para uma possível penetração inimiga e que seria difícil de ser tomada pelas
condições topográficas que a conformavam.
O ofício enviado em 1766 pelo Governador e Capitão-General da Capitania de
São Paulo, D. Luís António de Souza, para o vice-rei do Estado do Brasil, o Conde
da Cunha - Morgado de Mateus, em que menciona ter enviando um mapa onde
dois caminhos de São Paulo para Viamão, um pela costa depois de desembarcar em
Laguna, passando o rio Araranguá, e o outro pelo sertão, conforme sua descrição:
Outro he o caminho do Sertão que vay da Curitiba atê os Campos das Lages,
que são os ultimos Confins desta Capitania. Daly atravessando o Sertão que
corresponde a Viamão, entre outros Rios, se passa o Rio chamado das
Pelotas, o qual tem as margens todas guarnecidas de penhascos tão
asperos, e invadiveis que somente em hum unico Sitio admite huma
estreita passage por desfiladeiros, em que meya duzia de homens podem
fazer suspender a qualquer Exercito.
Isto suposto (segundo o que me tem informado) he de advertir, que logo
passado o dito Rio das Pelotas se segue huma Campanha aberta, e raza
que se estende emte Missoens, pela qual a travessa o caminho que por aly
se fez. [AHU_ACL_CU_023-01, cx. 29, doc. 2644, 1766, fl. 1 e 1 v., grifo
nosso]
109
.
No trecho dessa correspondência, constata-se que a passagem do rio Pelotas
merece destaque na documentação da época pelas suas dificuldades, em
decorrência das características acidentadas do terreno, permitindo a travessia deste
rio somente num local. Esta indicação precisava ser observada, a fim de garantir a
passagem pelo caminho para o Rio Grande de São Pedro através da tomada de
providências para a guarda deste local, evitando que o mesmo fosse tomado pelos
inimigos. Assim, uma das providências tomadas foi a nomeação de um Capitão-Mor
para a região, a fim de assumir a responsabilidade de organizar a defesa do sertão:
109
Documento manuscrito: OFÍCIO (Cópia) do mesmo (governador e capitão-general da capitania) de
São Paulo, D. Luís (António) de Souza (Botelho Mourão) para o vice-rei do Estado do Brasil, conde da
Cunha (D. António Alvares da Cunha), [...]. Santos, 2 de mao de 1766. AHU_ACL_CU_023-01, cx.
29, doc. 2644, folhas 1, 1 v., 2 e 2 v.
201
E estando visto nestes termos, o quaes os nossos inimigos não podem
ignorar, discorro, que todas as Tropas que temos em Viamão, e naquellas
partes, se achão em evidente perigo de poderem ser cortadas, e nos todos no
mesmo risco de ficarmos impedidos para as poder socorrer, por que se aos
inimigos lembrar, o mandarem tomar o Porto de Ararangua e sobindo a
Serra ou fazendo descer de Missoens Indios que impidão a passage do
Rio das Pelotas, fica cortada (a meo parecer) toda a passage para
Viamão, e embaracada a praya, e caminho do Sertão por donde
haviamos de mandar todos os Socorros, ficando desta sorte as nossas
Tropas e todo aquelle Contin.
te
a ponto de se Render sem Remedio.
V. Ex.ª ha de achar nessa Cidade algu bom pratico, do qual pode
informarse e examinar melhor a sustancia deste ponto, para lhe dar prompta
providencia, que eu pelo modo que posso, tenho nomeado hum Capitão
Mor para hir congregar a gente que se acha espalhada por aquelle Sertão
do Rio das Pelotaz, com Ordem de o defender de toda a invazão, q por
aly possão intentar os inimigos, e lhe tenho feito comprar polvora, e
expedido as Ordens necessariaz; porem como a distancia he de trezentas
Leguas, receyo eu, que este remedio não chegue a tempo, ou que o dito
Capitão Mor, não execute o que promete, e o que lhe ordeno, depois de se
achar tão remoto, donde não pode receyarlo castigo. [AHU_ACL_CU_023-01,
cx. 29, doc. 2644, 1766, fl.1 v. e 2, grifo nosso]
109
.
Em outra correspondência, de Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o
Morgado de Mateus, Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, ao
Conde de Oeiras, dando conta do estado em que se achava esta capitania,
menciona detalhadamente, em fins de março de 1766, a situação em que se
encontravam os Campos de Lages, descrevendo os seus limites geográficos:
Nos Campos das Lages, q‟ são os ultimos confins, q‟ hoje tem esta Capitania,
da parte do Sul, e se estendem em te ás bordas do Rio das Pelotas, cuja
margem he inaccessivel, e não ha passágem em todo elle mais q’ hum
unico paso, q’ se atravessa com perigo em canoas; se achão retirados
muitos moradores daquelles q‟ vivião em Rio grande ao tempo q‟ o
devastarão os Castelhanos, e passado o dito Rio das Pelotas se seguem os
largos Campos da Vaccarîa, q‟ se estendem por muitas legoas em te Missões.
Considerando eu estas circonstancias julgo ser o passo do Rio das Pelotas
hum posto muito importante, porq‟ pela facilidade, com q‟ podem descer
de Missões pelos Campos da Vaccaria, o podem tomar; e tomandoo nos
fechão a passage, e unico caminho, q temos por sima da Serra p.
a
Viamão: Falei a hum Paulista, q‟ tem Fazendas naquellas vizinhanças com
intento de o fazer mudar com toda a sua Familia p.
a
aquellas terras p.
a
ali
me servir de Capitão mor; e poder ajuntar, e aleitar aquella gente, e tela
prompta p.
a
defender a dita passage do Rio das Pelotas: O tal Paulista está
rezolvido a mudarse com a sua Familia, porem como a distancia q’ ha de S.
Paulo áquele destricto he de trezentas legoas não poço segurar que elle
execute o q‟ eu lhe ordenno, e elle me promete, depois de se ver tão longe
donde não pode recear muito o castigo. (IAN/TT, 1766, fl. 6, grifo nosso)
110
.
Neste documento, obtêm-se informações interessantes para a análise do
trecho do Caminho das Tropas situado nos Campos de Lages. A primeira referência
110
Documento manuscrito: CARTA de Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus,
Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, ao Conde de Oeiras, [...]. Santos, 30 de
março de 1766. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço 600, caixa 703,
folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4, 4 v., 5, 5 v., 6, 6 v., 7 e 7 v.
202
geográfica encontrada versa sobre a divisa sul da Capitania, indicando o rio Pelotas
como marco geográfico natural, cuja margem é mencionada como inacessível, tendo
somente um ponto de passagem, o Passo do rio Pelotas.
Este obstáculo era superado somente com a utilização de canoas e sua
travessia era avaliada como perigosa. Em razão da importância estratégica do
passo, pelo qual se acessava o caminho para Viamão e as missões espanholas, e
pelo qual os espanhóis também poderiam chegar aos Campos de Lages, o mesmo
deveria ser guarnecido e defendido.
O maior receio era a proximidade dos Campos de Lages com o território das
Missões Jesuíticas, de posse da Coroa Espanhola. Assim, pelo passo e pelo
caminho poderiam alcançar as terras portuguesas.
O caminho por cima da serra aViamão é, inclusive, indicado como o único
acesso existente. A distância que havia entre São Paulo e o distrito do sul é
mensurada em 300 léguas, sendo considerada muito distante.
Com o objetivo de defender a passagem do rio Pelotas e organizar as pessoas
que ali moravam, o Morgado de Mateus solicita a um fazendeiro paulista que
possuía terras na região para se mudar para aquele lugar e tornar-se o Capitão-
mor. Este paulista, não mencionado no documento, seria no mesmo ano anunciado
e nomeado em 07/08/1766
111
: Antonio Correia Pinto. Ele foi incumbido de fundar
uma povoação na “Paragem chamada as Lages”, que no futuro viria a se tornar a
Vila de Lages.
Assim, a preocupação com a defesa do Passo do Pelotas foi recorrente desde
o início da ocupação deste território, buscando fortificá-lo e instalar uma guarda:
As noticias que agora recebo por alguns Viandantez dese certão me deixão
no mayor cuidado, por consitirem estas q os castelhanos, com alguns Indios
de Misões, tendo invadido o albardão da Serra q vem dar ao Rio das
Pelotas, se achão já da banda de cá do d.
o
R.
o
, e como as precauçoens para
a Segurança deste Estado são as que fazem o maior estimulo ao meu
cuidado: [...] sempre Vm.
ce
cuide com todo o disvello, e com toda a brevidade
em segurar aquelle passo, forteficando-o p.
a
a nossa deffeza, p.
a
q nos
não achem em descuido em algum acaso, que rependinam.
te
o pretendão
invadir p.
a
o que terá Vm.
ce
alli sempre quem vigie, e lhe dé parte de todo o
movimento, que se observar. (IAN/TT, 1766, fl. 137 e 137 v., grifo nosso)
112
.
111
Documento manuscrito: OFÍCIO de D. Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus,
Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, a Antonio Correa Pinto, Capitão Mor
Regente do Sertão, ordenando que este seja diretor, fundador e administrador da nova povoação. [...].
São Paulo, 7 de agosto de 1766. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Governo Ultramarino, maço
323, caixa 432, folha 130.
112
Documento manuscrito: OFÍCIO de D. Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus,
Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor
Regente, [...]. São Paulo, 15 de dezembro de 1766. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas
do Conselho Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 137 e 137 v.
203
Jozé Custódio de Sá e Faria, Coronel e Governador do Continente de Viamão,
em oficio encaminhado a Antonio Correia Pinto, Capitão-mor de Lages, em 1767,
alerta sobre os cuidados com o passo por onde passavam os desertores,
determinando que: “[...] embaraçasse o passo aos muitos Soldados Desertorez que
desta Prov.
a
se tem metido na Serra, e passao‟ em Corituba, Segurando os, e
remetendo mos se lhe for possivel, o que Servirá de exemplo para os maiz [...]”
(IAN/TT, 1767, fl.141)
113
.
Ainda sobre os passos existentes no rio Pelotas, outro documento de 1775
informa os locais por onde os gentios das missões poderiam invadir o território
português:
[...] sou informado por muitas pessoas, q impossivel intentar o Inimigo
semelhante acçam por essa Villa [Lages], por haver somente dous Passos,
hum chamado á Vacaria, que vay dar a Missoens de Campinas
dilatadissimas com m.
to
Sertão, e defendido dem.
to
Gentio; e o outro, que hé
preciso passar-se por Viamão, e te-lo tomado, e passarem a ganhar a
Sima da Serra, donde dista muitas Leguas até essa Villa. (IAN/TT, 1775,
fl. 200 e 200 v.)
114
.
Desta forma, no último quartel do século XVIII, foram instaladas guardas e
registros, primeiro no rio Pelotas, e depois no rio Canoas, buscando defender a
passagem destes rios, assim como cobrar impostos sobre a passagens de animais.
Umas das medidas tomadas foi o controle da passagem de viajantes por esta
barreira, como informa o documento expedido em 1775 por Martim Lopes Lobo de
Saldanha, Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, a Antonio
Correia Pinto:
Ordeno a Vm.
ce
que logo q receber esta não deixe passar por essa Guarda
pessoa algua‟ desta Capita nia de qualquer qualidade, ou condição q seja,
sem clareza, ou licença, legitimidade pelo Ouvidor desta Comarcar,
rubricada por mim, e sellada com o Sello pequeno das minhas Armas [...].
(IAN/TT, 1775, fl. 192)
115
.
Outro despacho posterior deste mesmo governador, em 1776, informa sobre
113
Documento manuscrito: OFÍCIO de Joze Custódio de Sá e Faria, Coronel e Governador do
Continente de Viamão, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente, [...]. São Paulo, 23 de abril de
1767. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho Ultramarino, maço 323, caixa
432, folhas 141 e 141 v.
114
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila de Nossa Senhora
dos Prazeres das Lajes, [...]. São Paulo, 11 de novembro de 1775. IAN/TT, Fundo do Ministério do
Reino Consultas do Conselho Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 200 e 200 v.
115
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila de Nossa Senhora
dos Prazeres das Lajes, ordena que não deixe passar na Guarda pessoa alguma sem licença selada e
rubricada, para evitar as fugas ao Serviço de Sua Majestade. São Paulo, 6 de julho de 1775. IAN/TT,
Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho Ultramarino, mo 323, caixa 432, folha 192.
204
os passaportes fornecidos aos condutores de tropas de animais, autorizando-os a
passarem na guarda:
[...] permiti, q a alguns homens daquelle continente, que conhecesse hiam a
ajustarse para conduzir Tropas, ou a buscallas, lhes desse elle Passaporte;
assim pode Vm.
ce
ordenar os deixem passar na Guarda desse Limite; porque
seria couza inhumana precizarem se esses pobres homens a virem
despacharse por mim, e pela policia a essa Cid.
e
de S. Paulo [...]. (IAN/TT,
1776, fl. 202)
116
.
Da mesma forma, o governador lhe permite conceder a outros Lageanos o
passaporte: “[...] a Vm.
ce
permito tambem dar semelhante Passaportes aos
moradores dessa Villa, e Termo, q precizarem hir p.
a
do Registro a seus
negocios.” (ibid.)
116
.
No que diz respeito à cartografia, além dos mapas apresentados no
subitem anterior, destacam-se mais dois produzidos no século XIX, datados do
período posterior ao auge do uso do Passo do Pelotas, quando o Registro de Santa
Vitória já havia extinguido suas atividades.
Figura 30 - Fragmento do mapa “Província de Santa Catharina”
Fonte: Almeida (1868, fig. XIX).
116
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila de Nossa Senhora
dos Prazeres das Lajes, [...]. São Paulo, 26 de janeiro de 1776. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino
Consultas do Conselho Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 202, 202 v., 203 e 203 v.
205
No “Atlas do Império Brasileiro”, publicado em 1868 (ALMEIDA, 1868), o
mapa da “Província de Santa Catharinatem cartografado os passos existentes no
rio Pelotas (ver figura 30).
Neste mapa, são representadas as localizações dos diversos passos existentes
na época: o Passo do Pontão, Passo do Borges, Passo do Pelotas, Passo do Chico
Velho. No entanto, constata-se que o local do Passo de Santa Vitória é sinalizado
distante da foz do rio dos Touros. Além disso, não há qualquer referência ao
Caminho das Tropas nesta produção.
Na “Carta do Sul do Império do Brazil comprehendendo as Províncias Rio
Grande do Sul, Catarina e Paraná”, datado de 1885, a indicação da
localização do Passo do Pelotas e Santa Vitória. O Caminho das Tropas é
representado por uma linha vermelha tracejada, que acaba, segundo o mapa, em
Lages (ver figura 31).
Figura 31 - Detalhe da “Carta do Sul do Império do Brazil comprehendendo as Províncias Rio Grande
do Sul, Sª Catarina e Paraná” de 1885, indicando a localização do Passo do Pelotas e Santa Vitória
Fonte: AESP, Setor Iconográfico, Cód. 05.05.11.
Neste mapa, o ponto de travessia é nomeado de Passo do Pelotas e o local do
registro como Santa Vitória, situado a certa distância da foz do rio Touros. É
interessante observar que as terras situadas à direita de Lages, no referido mapa,
são nomeadas como “terras devolutas”, ou seja, terras vagas, sem ocupação.
206
3. 4. 3 Travessias de cursos de água
Os locais de travessias dos rios eram pontos importantes a serem
considerados no percurso do caminho. Os rios não poderiam ser evitados, portanto,
precisavam encontrar os locais mais propícios para cruzá-los.
Em alguns mapas do século XVIII, constata-se a preocupação em mapear
estes pontos e informar a situação do vau, se possuía canoa ou se era passado a pé.
Este é o caso, por exemplo, do “Mappa da Capitania de S. Paulo seu certem que
se vem os descobertos que lhes fortomados para Minas Geraes, como taõ bem o
caminho de Guayases com todos os seos pozos, e passagens; os descobertos
rubricados de vermelho”, posterior a 1720. (In: GARCIA, 2002, p. 182-183). Neste
material, estão assinalados os rios no quais se “denota, q. o ao pe do qual se
passa em canoas porq. os mais ou tem pontes, ou dá vão em tempo de seca” (ibid.).
Em ofício de 1773, do Brigadeiro José Custódio de e Faria, dirigido ao
Governador e Capitão-general da Capitania de São Paulo, D. Luís António de Souza
Botelho Mourão, analisam-se quatro pontos solicitados na carta deste governador.
No que diz respeito ao primeiro ponto, referente à questão “por onde a Provincia do
Rio grande de S. Pedro, pode ser socorrida mais a tempo, e a propozito desta
Capitania de S. Paulo”, menciona que:
A grande distancia de 250 legoas que tantas da Cidade de S. Paulo ao
Registo de Viamão com muito maus Caminhos, e grande numero de Rios,
que atravessar, sendo alguns de qualidade, que em qualquer enchente se
não podem vadear, por cauza da sua rapida corrente, sendo precizo
esperar que baixem as aguas para o poder fazer, sem duvida atrazará
muito qualquer soccorro que V. Ex.ª queira mandar por terra, e aruinará a
Tropa em hua marcha de tanta extenção, e trabalhozissimo tranzito; o
que não sucederá embarcando o ditto soccorro no posto de Santos, e
navegando a Ilha de S. Catherina; ou a Villa da Laguna, pois desta em dés
dias sem grande violencia podem chegar a Viamão com hua marcha suave, e
sem embaraço algum por excelente Caminho de prayas limpas.
Bem reconheço que nas viagens do mar seus contratempos, e demoras,
mas comtudo julgo q com mais promptidão, e facilidade se pode fazer por
elle este socorro, chegando a Tropa em estado de poder operar, sem
mediação de tempo. (AHU_ACL_023-01, cx. 66, doc. 5112, 1773, fl. 1 e 1 v.,
grifo nosso)
117
.
Apesar de o documento não mencionar especificamente um passo ou um rio,
percebe-se pela avaliação que e Faria fez o quanto era difícil e demorado o
deslocamento de uma tropa de militares de São Paulo para Viamão.
117
Documento manuscrito: OFÍCIO do Brigadeiro JoCustódio de e Faria, para o (governador e
capitão-general da capitania de São Paulo, D. Luís António de Souza Botelho Mourão), sobre quatro
pontos contidos na carta do Governador. São Paulo, 17 de abril de 1773. AHU_ACL_023-01, cx. 66,
doc. 5112, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v., 4 e 4 v.
207
Umas das maiores dificuldades mencionadas pelo autor era a grande
quantidade de cursos de água ao longo do caminho. Neste ponto, aponta um dado
interessante: os rios em períodos de chuvas e enchentes não poderiam ser
atravessados, devido a sua grande correnteza. Como solução, seria necessário
estacionar a tropa e aguardar as águas baixarem a haver ponto de vadear de
forma mais segura.
O autor comenta ainda que a marcha era bastante longa e de tfego árduo,
extenuando as tropas militares. Dessa forma, faz a recomendação de que o
deslocamento das tropas seja feito por rota marítima entre o porto de Santos e a
Ilha de Santa Catarina ou a Vila de Laguna, de onde seguiriam por terra pelo
Caminho da praia, estimando o percurso em 10 dias até Viamão.
Posteriormente, há um documento de 1840 que narra a expedição mal
sucedida do Brigadeiro Francisco Xavier Cunha na travessia do Pelotas, durante a
Revolução Farroupilha:
[...] foi portar-se nas margens do Rio Caveiras. Daqui marchou para as
margens do Rio Pelotas; e deixando ahi metade da sua infantaria, marchou
com a outra metade, com 17 homens do seu Piquete e com huns 60
Lageanos montados ao encontro dos rebeldes, sem saber o seu numero.
No dia 14, estando já em presença do inimigo esperou que elle o volteaesse,
e que o attacasse de frente, então encorralou-se em huma Taipa; e depois
de destroçado, veio passar o Rio Pelotas em companhia de hum Alferes
Bueno que se dá como testemunha do seu fim na passagem do mesmo Rio.
(AESP, 1840, fl. 1 v. e 2, grifo nosso)
118
.
Este ofício testemunha historicamente os perigos da travessia do rio Pelotas.
Além disso, é interessante observar a menção que faz sobre a existência de “taipas”,
provavelmente, referindo-se às taipas da mangueira existente na margem
catarinense ou no curral do Registro de Santa Vitória na margem gaúcha, pois o
deixa claro em que margem do rio combateu os rebeldes.
Em outro documento sobre este fato, Thomas Jozé Moniz Coelho, Major de
Brigada da Divisão da Serra, dirigiu oficio a Luis Francisco Jozé de Souza Soares d‟
Andréa, Marechal de Campo e Presidente da Província de Santa Catarina, datado de
06/01/1840, narrando os movimentos realizados pela Coluna da Divisão entre o
Rio Negro e o Registro de Santa Vitória, onde foram derrotados pelas forças
rebeldes. Neste documento, várias referências a pontos geográficos (passos, rios,
118
Documento manuscrito: OFÍCIO de Francisco José de Souza Soares dAndréa a Manoel Machado
Nunes, Presidente da Província de São Paulo, [...]. Palácio do Governo de Santa Catarina, 3 de Janeiro
de 1840. AESP, ordem CO 6144, caixa 20, Ofícios do Estado de Santa Catarina 1832-1891, maço
1840, folhas 1, 1 v., 2, 2 v. e 3.
208
fazendas, etc.) existentes no trecho do Caminho das Tropas entre Lages e o rio
Pelotas:
No dia 13 chegamos ao arroyo do Carahâ, ja com o Corpo Legal da Villa de
Lages composto de sessenta a setenta homens, e commandado pelo seu
respectivo Major Manoel Roiz‟ de Souza, que se tinha reunido ao Snr‟
Brigadeiro pelas immediaçoens da Estancia denominada Escurinho
pertencente ao Alferes Jozé Moreira Branco, para onde o mesmo Luis
Brigadeiro se tinha dirigido tres, ou quatro dias antes, adiantando-se para
isso do Passo Caveiras. Finalmente, depois de ter o referido Snr‟ Brigadeiro,
no resto da tarde d‟esse dia, feito as disposiçoens, que ja communiquei a V.
Eno meu citado officio de 17 do passado, segui pela hora d‟ave Maria ao
passo de Pelotas com o referido Corpo de Lages, Piquete, e sessenta e
quatro pras d‟Infanteria, e ahi pernoitou, ate que raiou o dia 14, em que
depois de faser juncção com o Corpo d‟Emigrados, que constava ja de
tresentos e tantos homens (nelle tambem se achava o Major Candido Pereira
da Silva Alano) entrou em acção na taipa de Pedra com o Registo de Santa
Victoria, na qual tivemos deses destroçados. (AESP, 1840, fl. 6 v., grifo
nosso)
119
.
O Passo do Pelotas, mencionado como local onde acamparam, é o local de
travessia do rio Pelotas, atualmente denominado Passo Santa Vitória. Contudo, a
indicação mais interessante neste documento é a referência à existência de taipa de
pedra junto ao Registro Santa Vitória.
Esta informação apresenta uma referência cronológica sobre a ocorrência de
taipas de pedras nas imediações do Registro Santa Vitória. No entanto, é necessário
avaliar a informação, pois poderia se referir ao local da edificação do Registro Santa
Vitória, que se localiza na margem gaúcha do rio Pelotas, sem, contudo, mencionar
que tenha atravessado o passo.
Além disso, não necessariamente estaria se referindo ao corredor do caminho
que se liga ao registro, mas indicar as estruturas construídas no próprio registro,
como as taipas das mangueiras. Ou ainda, poderia se tratar de parte do corredor
que inicia na mangueira existente no passo, na margem catarinense.
Para ilustrar a quantidade de animais que cruzavam um rio, apresenta-se
um documento de 1842, referente ao imposto pago na Coletoria de Lages, em Santa
Catarina:
As folhas vinte e cinco do Livro em Serviço seja carregado ao actual Collector
a quantia de cem mil reis que pagou o Snr. Ten.
e
Pedro Ribeiro Nardes pela
passagem nos Rios Canoas e Marombas de quinhentas Bestas que fez
exportar da Provincia do Sul, para a Provincia de São Paulo o Snr. David dos
Santos Pacheco. Em fé do que se lhe dá a presente Guia nesta ditta
Collectoria aos 13 de Maio de 1842. (In: TRINDADE, 1992, p. 83, grifo
119
Documento manuscrito: OFÍCIO (cópia) de Thomas Jozé Moniz Coelho, Major de Brigada da Divio
da Serra a Luis Francisco Jozé de Souza Soares d Andréa, Marechal de Campo e Presidente da
Província de Santa Catarina, [...]. Cidade do Desterro, 6 de janeiro de 1840. AESP, ordem CO 6144,
caixa 20, Ofícios do Estado de Santa Catarina 1832-1891, maço 1840, folhas 5, 5 v., 6, 6 v., 7 e 7 v.
209
nosso)
120
.
Referindo-se aos contratempos em função das chuvas e rios cheios, Luz
descreve como era feita a travessia de acordo com o tipo de tropa conduzida:
Com tempo seco a viagem é mais segura, porém com chuva torna-se mais
incerta: os rios se enchem rapidamente, as águas barrentas se avolumam
trazendo na correnteza troncos, madeiras e galhos, e então é preciso esperar
que baixem. [...] Se tropa é de bois, mal o rio começa a vasar, não esperam
que as águas baixem de todo. Mete na correnteza o gado, que nadando,
passa para o outro lado. E lentamente prosseguem a jornada sob o aboio
monótono e grave de “ouu... ouu... ouu...” que reúne o gado e evita
tresmalhar-se [...] Se a tropa é de cargueiros, para não molhar a carga é
necessário que o rio baixe completamente e dê “vão”. (LUZ, 1952, p. 53-54).
Retomando os dados apresentados nos roteiros e itinerários do subcapítulo
3. 3. 1, procurou-se analisar as referências aos cursos de água na área de pesquisa
e a situação de travessia dos mesmos. Desta forma, elaborou-se um quadro
comparativo reunindo as informações disponíveis a este respeito na documentação,
correlacionando-os à rede hidrográfica atual.
Conforme se observa na análise do quadro 13, o rio Pelotas era o maior e
mais difícil de atravessar. Isso se devia também às suas margens, que eram de
difícil acesso, somente alcançadas em um determinado ponto, através de uma trilha
no meio do desfiladeiro.
Os rios Pelotinhas e Caveiras eram vencidos sem maiores dificuldades, pois
davam vau, ou seja, eram atravessados a com nível de água baixo. o rio
Canoas tinha como particularidade ser passado de canoa, porém com os animais
cruzando a nado.
Cabe salientar que na análise dos demais documentos referentes ao trecho
pesquisado neste estudo, quase sempre são mencionados, na mesma sequência, os
cursos de água a serem passados durante o trecho do Caminho das Tropas: o rio
Pelotas, o rio Pelotinhas, o rio Caveiras e o rio Canoas.
Com base nestes relatos, pode-se dizer que no final do século XVIII a
travessia dos rios, especificamente na área objeto de estudo desta pesquisa, era
uma tarefa muitas vezes árdua e demorada.
120
GUIA do imposto pago de cem mil is pelo Tenente Pedro Ribeiro Nardes referente à passagem de
500 mulas nos rios Canoas e Marombas, na Coletoria de Lages, na Província de Santa Catarina,
exportadas pelo Sr. David dos Santos Pacheco, da Província do Sul para Província de São Paulo.
Coletoria de Lages, 13 de Maio de 1842. Publicado em: TRINDADE, Jaelson Britan. Tropeiros. São
Paulo: Editora Publicações e Comunicações Ltda, 1992, p. 83.
210
Cursos
hidrográficos
atuais
Roteiro - 1745
Itinerário do Prático Ca. 1773
Rio Pelotas
Rio Grande do Inferno
Este Rio m.
to
grd.
e
, tem as marge‟s,
innacessiveis, e so tem hum pequeno
desfiladeiro, onde com pouca gente se pode
fazer a mayor defensa
Arroio Cará
Carahá [?]
Arroio Penteado
Rio Pelotinhas
Este rio dá vau
Arroio do Morro Alto
Arroio Ventura da
Silveira
Rio Caveiras
Rio das Caveiras
Este Rio dá vau em muitas partes
Arroio do Campo
Arroio das Pombas
Ribeirão das Pombas
Arroio dos Porcos
Rio Canoas
Rio das Canoas
he Grd.
e
passase em Canoas, e succede
achare-se no Porto, porq m.
tas
vezes a leva o
R.° e estas costumão ser pouco sufic.
tes
, e
não passa mais q huma so limita de carga
de cada vez.
Quadro 13 - Comparativo das referências hidrográficas e as suas condições de travessia, no trecho
entre os rios Pelotas e Canoas
Fonte: Roteiro de 1745 (BARROSO, 1995, p. 40-44) e Itinerário do Prático
79
.
3. 4. 4 Os passos e as formas de travessias
Os passos representavam os locais mais adequados para a travessia de
cursos de água. Além dos dados disponíveis na documentação manuscrita e
cartográfica, é possível obter-se mais dados ilustrativos sobre a forma de como as
travessias de rios eram feitas e os tipos de passos existentes nas representações
iconográficas.
Todavia, salienta-se que não conhecimento sobre a existência de registros
iconográficos da época estudada para a área pesquisada. Em razão disso, procurou-
se analisar os exemplares disponíveis, correlacionando as informações obtidas com
os materias ao contexto da região pesquisada.
A ilustração “Caminho dos Órgãos”, do suiço Johann Jacob Steinmann
(figura 32), que litografou imagens do Brasil entre 1825 e 1833, demonstra uma
tropa de animais muares carregadas que acabaram de atravessar um curso de água
e começam a subir uma trilha na encosta de um caminho.
211
Figura 32 - “Caminho dos Órgãos”, ca. 1840
Fonte: Johan Jacob Steinmann.
A imagem apresenta uma área de relevo montanhoso em meio à floresta
bastante exuberante, provavelmente da mata atlântica. Há grandes blocos rochosos
e paredões, os quais o caminho vai contornando, subindo a encosta, serpenteando,
para vencer o desnível. Os animais seguem praticamente de forma indiana, na
medida em que a trilha se estreita, sendo um animal atrás do outro. Na beira do
rio, permanece um tropeiro aguardando que todos os animais tenham saído de
água e fazendo a retaguarda do final da fila.
Com algumas modificações do contexto ambiental, ter-se-ia uma imagem
bastante próxima da travessia de um grande rio na região pesquisada e a subida da
tropa em trilha para vencer a encosta.
Uma das formas de travessia dos animais era a nado, principalmente nas
situações onde havia rios com leitos profundos, como era o caso da passagem do rio
Pelotas, conhecido como rio do Inferno.
Caso fosse uma tropa de mulas cargueiras, elas precisavam ser
descarregadas e os animais de montaria desarreados. A tralha de montaria e
mercadorias (as canastras e bruacas) era transportada em canoas de uma margem
para outra. Os animais cruzavam a nado.
Este tipo de travessia é ilustrado pelo pintor alemão Johann Moritz Rugendas
212
na década de 20 do século XIX. Nesta gravura, uma tropa de mulas realiza a
passagem do rio Paraíba e as mercadorias são conduzidas em embarcações (ver
figura 33).
Figura 33 - Ilustração “Rio Panahyba”, mostrando a travessia de um rio com mercadorias em canoas e
as mulas a nado
Fonte: Johann Moritz Rugendas (1998, Pl. 16).
Este tipo de travessia, também chamado de “vau de orelha”, é medido pelo
nível de água de um passo, no qual o animal passa com a cabeça de fora, como
se observa nas ilustrações de Debret (ver figuras 34 e 35) e nos registros
fotográficos (ver figuras 36 a 38).
Na ilustração “Travessia do Rio Mampituba” (ver figura 34), Jean Baptiste
Debret demonstrou como era feita a travessia de cavalos pelo rio. Eram conduzidos
ou guiados por homens em canoas, sendo amarrados por corda à embarcação.
Atravessavam assim a nado o rio, mas presos a canoa, talvez pelo próprio freio
121
e
as rédeas
122
. Nota-se na gravura que as celas e apetrechos de montaria foram
transportados nas canoas e estão sendo descarregadas.
121
Freio: “Peça de ferro usada na boca do animal cavalar ou muar para dirigi-lo pelas rédeas.
(VELLHO, et al., 2008, p. 51).
122
Rédea: “Peça de couro traado usado presa ao freio para dirigir o animal cavalar ou muar” (ibid.).
213
Figura 34 - “Travessia do Rio Mampituba” com auxílio de canoa
Fonte: Jean Baptiste Debret (In: COSTA et al., 2004, p. 59).
Na outra ilustração, que apresenta a “Travessia do São Gonçalo para as
charqueadas de Pelotas" (ver figura 35), o autor retrata a travessia a nado de uma
grande manada de gado que seria carneado na charqueada. Nesta imagem, os
cavaleiros colocam-se estrategicamente nas duas margens do canal, uns tocando os
animais para a água, e os encurralando, e os outros, na outra margem, recebendo-
os e balizando o trajeto deles até a charqueada.
Figura 35 - “Travessia do São Gonçalo para as charqueadas de Pelotas", cerca de 1820
Fonte: Jean Baptiste Debret (In: ZATTERA, 1995, p. 140).
Nas fotografias 36 e 37, que registram a travessia de tropas de muares a
nado em rios, -se que geralmente utilizavam a estratégia de puxar primeiro a
214
égua madrinha
123
, assim, os demais animais, sentindo o cheiro da madrinha, se
encorajam e a seguem.
Outro artifício poderia ser o uso do cincerro
124
, badalado por um peão numa
canoa e assim chamando a atenção dos animais no sentido que deveriam nadar.
Em ambas imagens, percebe-se que a travessia a nado é feita na diagonal, sendo os
animais levados pela correnteza do rio, aportando mais abaixo na outra margem.
Figura 36 - Tropa de muares atravessando um rio a nado
Fonte: Autor desconhecido. Acervo: IHGSC.
Em alguns casos, como por exemplo, nas tropas de gado, os animais eram
guiados, geralmente, por homens em canoas, balizando o local de passagem. É o
caso dos registros fotográficos 37 e 38. Este serviço poderia ser feito por canoeiros
que trabalhavam na travessia dos rios ou pelos próprios tropeiros.
123
Madrinha: “Égua ou besta que serve de guia à tropa, levando um cincerro ou guizos no pescoço.
(FLORES, 1998, p. 86).
124
Cincerro: “Pequeno sino de alta ou metal, com badalo de ferro, usado no pescoço da égua
madrinha. O badalar do cincerro servia de guia às tropas”. (VELHO et al., 2008, p. 51).
215
Figura 37 - Tropa de muares atravessando o rio Chapecozinho a nado, Chapecó (SC), em 1933
Fonte: Autor desconhecido. Acervo: CEOM / UNOCHAPECÓ.
Figura 38 - Travessia de tropas vacum e cavalar a nado no rio Iguaçu, Porto União (SC), no início do
século XX
Fonte: Autor desconhecido (In: FRAGA, 2006, p. 143).
A figura 39 é particularmente interessante, pois mostra a tropa de gado
sendo conduzida por quatro canoas. As embarcações estão dispostas em V”,
cercando os animais e os conduzindo, à medida que nadam no rio.
216
Figura 39 - Travessia de gado por um rio com auxílio de canoas
Fonte: Autor desconhecido. Acervo: IHGSC.
Figura 40 - Passagem de tropa de animais a nado no rio Itajaí do Sul, em Rio do Sul (SC), década de
1920, local atual da Ponte Curt Hering
Fotos: Autor desconhecido. Acervo: Museu Histórico de Rio do Sul
125
.
125
Disponível em: <http://www.riodosul.sc.gov.br/portal/index.php>. Acesso em: 15/01/2009.
217
A imagem 40, fotografia referente à década de 1920, exibe uma tropa de gado
cruzando o rio Itajái do Sul, em Rio do Sul (SC), a nado. Neste caso, o vau é mais
curto e não parece haver correnteza, pois os animais atravessam em linha reta.
Nota-se a introdução de uma nova embarcação para a travessia, além das canoas: a
balsa.
No caso dos outros tipos de rios, com níveis de água mais baixos, estes
obstáculos naturais eram cruzados a pé, com as cargas nos animais, quando
fossem mulas cargueiras. Caso contrário, se necessário, as mercadorias eram
retiradas dos mesmos e carregadas pelos homens, a fim de evitar acidentes e a
possibilidade de molhar a mercadoria.
Este tipo de travessia, também conhecido como “vau de cauda”, é retratada
pelo pintor francês Jean Baptiste Debret, que viajou pelo Brasil entre 1816 e 1831.
Em sua aquarela “Passagem de um rio vadeável”, realizada na Província de
Curitiba, Debret retrata uma tropa cargueira cruzando o rio Jaguari Catu (figura
41).
Figura 41 - “Passagem de um rio vadeável”, ilustrando a travessia a de um curso de água de nível
baixo, com as mulas atravessando sem a carga e os escravos carregando a mercadoria
Fonte: Jean Baptiste Debret (1989, tomo II, estampa 94, prancha 47).
A descrição feita pelo autor como complemento a esta prancha, uma
noção bastante clara dos detalhes envolvidos nesta ação:
A passagem de um rio é uma das ocorrências perigosas de uma viagem no
interior do Brasil e exige do guia toda a solicitude, principalmente quando se
atravessam florestas virgens, onde se tem ainda a temer um possível
encontro com os índios. Obrigado a percorrer caminhos sempre difíceis,
principalmente para bestas carregadas, não pode o guia alcançar a margem
escarpada de um rio por entre florestas impraticáveis; deve procurar as
218
ravinas, cujas sinuosidades mais ou menos profundas são, entretanto,
obstruídas pelos ramos das árvores ou por troncos caídos. É preciso que o
viajante conheça exatamente o lugar vadeável dos rios que lhe cabe
atravessar, para que possa aproveitar as picadas preparadas de antemão.
Chegando embaixo, à beira da água, inicia-se o descarregamento das
bagagens e faz-se passar uma das bestas mais acostumadas para
reconhecer o vau, tomando logo depois o cavaleiro a mesma direção. Este,
como uma sentinela, espera do outro lado a chegada dos escravos, que
transportam as bagagens amontoadas em padiolas carregadas à cabeça; os
guias a cavalo os acompanham. Tudo transportado para a outra margem e
guardado por homens armados, transportam-se os animais em fila uns atrás
dos outros, e os senhores, escoltados por seus escravos, fecham a marcha.
Basta em seguida tornar a carregar os animais para continuar a viagem.
A cena se passa no Jaguari Catu, na província de Curitiba. Entretanto, os
outros rios que atravessam os imensos campos dessa mesma província são
tão fáceis de atravessar, que o gaúcho e o tropeiro, encarregados de conduzir
a seu destino certo número de bovinos, efetuam a passagem do rio sem
outra preocupão a não ser a de seguir na frente para indicar o vau ao
rebanho que o acompanha. (DEBRET, 1989, p. 182).
Como se identifica na descrição e na ilustração, esta comitiva era composta
de animais carregados, provavelmente muares, e vários escravos que auxiliavam na
atividade de transportar a mercadoria na travessia de um rio. Neste caso, os
animais cruzavam sem a carga, pois poderiam molhá-la, uma vez que o nível do rio
estava acima de cintura de uma pessoa.
Debret destaca algo que é recorrente entre os tropeiros: a passagem de um
rio é uma atividade tensa e bastante perigosa. Para tanto, faz-se necessário buscar
sempre um lugar mais adequado e o viajante deve conhecer bem o local onde os
rios são vadeáveis.
Quando se chega à beira de água, segue-se o procedimento de passagem: a)
descarregar os animais; b) atravessá-los enfileirados (um atrás do outro), usando-se
a estratégia de levar primeiro o animal mais experiente, como a madrinha, no caso
de mulas; c) atravessar os cavaleiros e as sentinelas, garantindo a segurança na
outra margem do rio; d) atravessar os escravos carregando as mercadorias; e e)
concluir a travessia, montando novamente a carga nos animais para prosseguir
com a viagem.
Este tipo de passagem de rio com animais carregados também pode ser
observada em um desenho de Renato da Silva (figura 42), ilustrando o chamado
“vau de cauda”, com água até, no máximo, o rabo do animal, não sendo necessário
nadar.
Todavia, isto não significa dizer que, apesar de o nível da água ser baixo, a
travessia era cil e sem dificuldades. locais, como em alguns rios e afluentes
menores, que as águas correm sobre laje de basalto, sendo conhecidos como
lajeados ou espraiados, como os existentes na área desta pesquisa.
219
Figura 42 - Ilustração de uma tropa de mulas carregadas atravessando um rio a
Fonte: Renato da Silva (In: GOULART, 1961, p. 65).
Estes pontos se caracterizam pela água correndo sobre o piso de pedra, água
rasa, leito baixo, mas com pedras muito lisas e, algumas vezes, com limo, podendo
ser bastante escorregadias, perigosas, a ponto de machucar a pata do animal. Em
razão disso, as tropas eram passadas com cuidado e lentamente, passo a passo.
Estas são características típicas da travessia dos rios Pelotinhas e Penteado, além
de alguns córregos existentes na região.
O episódio “A travessia” da série de reportagens “Os tropeiros” do Globo
Rural, é particularmente muito didático, pois mostra como os animais faziam a
travessia do Passo Santa Vitória, no rio Pelotas (ver figura 43). A travessia foi
revivida em 12/04/06, vigésimo dia de viagem:
Dia da travessia. Segundo depoimento quase unânime dos que participaram
da tropeada (tanto da comitiva quanto do pessoal de têve), uma data
inesquecível, talvez o ponto alto da marcha.
Foi um dia movimentado e nervoso. Havia muita eletricidade no ar e um
medo difuso de que alguma coisa não desse certo. Desde cedo, havia apoio
nas duas margens do rio, tanto da polícia ambiental quanto dos bombeiros.
[...]
Outro aperitivoforte foi a descida da tropa pelo mato, morro abaixo, até a
margem do rio. Quando a caravana encostou no barranco do Pelotas, no
lado gaúcho, ficou claro de que não se tratava de um fato corriqueiro. Longe
disso!
[...]
220
O medo era que, nesse momento, as mulas refugassem!
Vamos atravessar a Fada [égua] sozinha, no cabresto, ao lado da canoa, com
jeito da Mel [mula] ir vendo. Levamos a Fada até a outra margem, para ela
ver o ponto de saída, e aí voltamos com ela até o meio do rio. Alguém vigia a
Mel, e quando ela der sinal de quer ir ao encontro da Fada, a gente
desencabresta a madrinha, já na direção da outra margem, e solta a mula...
Assim foi feito. Enquanto a canoa ia comboiando a égua Fada pelo rio, a Mel
ficou encabrestada na margem, dando seguidos sinais de que queria ir. [...] A
gente só tirou o cabresto quando o povo da canoa deu a ordem. Foi
instantâneo: a mula tremeu e pulou na água que nem uma capivara. Boa
parte da tropa se jogou atrás, a travessia começava a dar certo.
Alguns animais vacilaram para entrar no rio e a peãozada apertou aos gritos.
Um a um, deixaram o barranco. Dois burros entraram um pouco e tentaram
voltar, mas o pessoal rebateu de novo e aí não teve mais volta: a travessia se
completou.
Quem viu [...] sentiu a beleza da cena: quase 40 animais nadando para
atravessar o histórico Passo de Santa Vitória, com a cabeça de fora,
pegando ar, as ventas dilatadas e os olhos de pavor. (RIBEIRO, 2006, p. 56-
58).
Figura 43 - Travessia do rio Pelotas entre os Estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina pela tropa
de mulas do Globo Rural no Passo Santa Vitória
Foto: Francisco Maffezoli Jr. (In: RIBEIRO, 2006).
Esta descrição de caráter meramente jornalístico é um testemunho vivo que
ilustra a dificuldade vivida ainda no presente para a realização desta travessia. Um
sentimento também compartilhado pelos tropeiros. Entretanto, a dificuldade não
estava vencida por completo: faltava a subida da encosta. Um dos guias da equipe
comentou que a descida até o Passo Santa Vitória era “ferradura na pedra lisa”. Na
subida, era “ferradura molhada na pedra lisa”, indicando o quanto as margens
rochosas deste rio eram difíceis.
221
Historicamente, a travessia neste local sempre foi uma tarefa muito difícil.
Muitos animais foram perdidos. Muitas pessoas morreram. As dificuldades em
cruzá-lo, associadas ao seu histórico de acidentes, fez com que o local ficasse
conhecido como Passo do Inferno. O rio Pelotas tem normalmente 8 m de
profundidade e 70 m de vau e quando está baixo a correnteza não puxa muito.
Portanto, o passo é lugar fundo. Trata-se de um momento tenso da viagem e
um alívio após tê-lo atravessado sem maiores perdas. Para a travessia do Globo
Rural, foram desarreadas as montarias, desencilhados os animais e toda a tralha
foi levada de canoa para a outra margem.
Após a travessia, a chegada deve ser sem atropelos para entrar na
“escadaria” de pedra da margem catarinense. Todavia, faltava subir a ribanceira em
trilha apertada, passando apenas um animal de cada vez. Como dizem os peões, é
uma “garganta funil”. Caindo ali, resta seguir em frente. Ao final desta trilha,
chega-se a um mangueirão feito de taipa que existe no primeiro patamar. Este
deveria servir para reunir os animais e, principalmente, descansar se a tropa fosse
grande, antes de seguir pelo caminho.
Segundo o depoimento do Sr. Sebastião Wolf, que transportava gado de um
lado para o outro, a travessia poderia levar um dia inteiro. Às vezes, era necessário
aguardar, pois havia outra comitiva vindo do Rio Grande
126
.
Os rios, no contexto da época do tropeirismo, como se percebe na análise dos
documentos, representavam um aspecto importante na paisagem de uma região
onde se buscava explorar, conhecer e colonizar.
Estes cursos de água foram pontos estratégicos de defesa de fronteiras,
balizas de divisas e marcadores de limites entre administração das capitanias e
províncias. Foram também referências geográficas para os viajantes ao longo dos
caminhos, locais importantes para a instalação de guardas, registros e coletadoria
de impostos aos cofres reais e públicos, além de passos para a travessia dos
animais, com maior ou menor dificuldade, exigindo ou não infra-estrutura para a
passagem sobre os mesmos.
Para os tropeiros ou viajantes, muitos rios, principalmente os caudalosos e
largos, representavam momentos de apreensão que exigiam atenção e cuidado,
principalmente para os tropeiros, cuja carga em espécie ou em animais poderia ser
extraviada ou danificada.
Os passos eram os melhores locais para a difícil tarefa da travessia,
126
Entrevista gravada no documentário “O Caminho das Tropas” (SARTORI, 2004).
222
especialmente aqueles que tinham sido escolhidos na paisagem formada pelos rios
como os locais mais propícios para esta empreitada. Alguns rios possuíam bons
vaus para cruzá-los sem maiores percalços e sempre eram procurados, pois estes
lugares apresentavam como condição propícia os espraiados ou remansos, com
nível de água pouco profundo, permitindo a passagem a pé, a cavalo, ou com as
mulas carregadas, sem a necessidade de descarregar as bruacas e canastras.
3. 5 MANUTENÇÃO E MELHORIAS DO CAMINHO
Todo caminho aberto ou estrada construída necessita ao longo dos anos de
manutenção para garantir a conservação do seu leito em condições de uso, assim
como de melhorias para se adequar ao crescimento do fluxo ou às novas
necessidades dos viajantes.
A manutenção de um caminho requer inspeção para constatar as carências,
administração da obra e recursos financeiros para manter a via. Enquanto que
melhorias são as ações de beneficiamentos realizadas ao longo da rota, melhorando
o seu estado de conservação e trafegabilidade.
Isto não seria diferente com o Caminho das Tropas durante os séculos XVIII,
XIX e XX, quando não é mais usado para a passagem das tropas de animais e
militares, mas sim com a inserção do leito de rodagem dos veículos motorizados em
trechos do antigo caminho. Esta estrada, ao longo de três séculos, também
necessitou de manutenção. Foram realizadas ações para conserto de avarias e da
instalação de benfeitorias para os usuários.
As informações existentes a este respeito são muito escassas na
documentação analisada. Porém, existem alguns dados de grande importância para
tentar explicar como era feita a manutenção, qual a origem dos recursos financeiros
e quem eram os responsáveis pela empreitada.
Após a abertura da primeira picada, a retificação do caminho e a instalação
das primeiras melhorias de infraestrutura (pontes, estivas, etc.) realizadas por
Cristóvão Pereira de Abreu na década de 30 do século XVIII, ficaram poucos
registros. Foram abertos trechos novos e melhorados alguns segmentos feitos pelos
“primeiros descobridores”. Contudo, pouco se sabe sobre a sua manutenção e
melhorias até o último quartel desse século.
223
3. 5. 1 Ações a cargo dos moradores
Sobre a manutenção do caminho, tem-se um primeiro ofício, datado de 1775,
referente à marcha a ser realizada pelas tropas militares que se deslocam de São
Paulo para o sul. Neste documento, é solicitada a melhoria da via no trecho entre as
localidades de Estiva
127
e Campo Alto
128
, situados no raio de ação da Vila de Lages,
pois a ordem é encaminhada pelo Governador da Capitania de São Paulo a Antonio
Correia Pinto, Capitão-mor de Lages:
indispensavelm.
te
precizo ao Real Serviço para o melhor transito, e
comodo das Tropas de S. Mag.
e
, que ham de marchar p.
a
o Sul, que se faça,
e componha o caminho, que vay desde a Estiva até o Campo alto; Pelo
que ordeno a Vm.
ce
, que com a mayor suavid.
e
, o menor vexame, que possivel
for, ajunte a gente preciza, e com ella faça, e componha o caminho
sobre dito desde o Campo alto até a Estiva, em que ha de ir parar igual
diligencia, que incumbo ao Cap.
m
Jozé dos Santos Roza desde o Campo do
Then
.te
até a d.
a
Estiva, em que Vm.
ce
, e elle ham de concluir esta diligencia,
que m.
to
lhe recomendo, e nam menos toda a possivel brevidade. (IAN/TT,
1775, fl. 194, grifo nosso)
129
.
A mesma ordem é despachada para o Capitão de Curitiba, Jozé dos Santos
Roza, sendo este responsável pela manutenção do trecho seguinte, entre a Estiva e
o Campo do Tenente
130
.
Constata-se neste documento que o caminho precisava ser consertado para
facilitar o trânsito e oferecer comodidades aos militares que iriam se deslocar para o
sul. Contudo, não menciona quais seriam os itens, a serem compostos no referido
trecho, que estavam em mau estado de conservação. Para a realização de tal tarefa,
foi ordenada a convocação da população local, que seria a mão-de-obra necessária
para a empreitada. Entretanto, aconselhava-se que esta convocação deveria ser
feita de forma branda.
Na sequência, no início de 1776, o Governador da Capitania de São Paulo
informa estar ciente da impossibilidade de fazer a melhoria no referido trecho da
estrada e nos passos, para a passagem das tropas:
A respeito da factura dos caminhos, sei q em Curityba se confortaram os
127
Campo da Estiva é atualmente a região dos municípios de Papanduva e Itaiópolis em Santa
Catarina (MOREIRA, 2006, p. 86).
128
Segundo a cartografia do século XVIII, Campo Alto situava-se nas imediações da Serra do Espigão.
129
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila de Nossa Senhora
dos Prazeres das Lajes, [...]. São Paulo, 20 de julho de 1775. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino
Consultas do Conselho Ultramarino, maço 323, caixa 432, folha 194.
130
Município de mesmo nome situado no Estado do Paraná.
224
possiveis passos, e Legoas, e vejo a impossibilidade, q Vm.
ce
me representa
dese fazer por essa villa o caminho, que vai da Estiva p.
a
ella; alem de
que as Tropas principiarão a marchar em 8 do mes passado por
Destacamentos, e som.
te
restão as ultimas Companhias da Casa Maria, q
ficam a expedirse nos proximos dias; assim contentarme-hei, que no transito
dessa Villa sejão municiadas, e assistidas por conta de S. Mag.
e
, na forma
das minhas ordens, q cada Companhia leva, e q se concertem tanto agora,
como depois os mais terriveis Passos, a q dever, e puder chegar a gente
dessa Villa.
[...]
Torno a recomendar a Vm.
ce
, que viva ahi em cautella p.
a
todo o
superveniente movimento dos vizinhos, ainda q m.
tas
pessoas praticas me
informam, q‟ por ahi nenhua’ entrada pertenderiam fazer pelo imenso, e
quaze invencivel caminho, q vem p.
a
Curityba, onde em qualquer Passo
melhor, q nessa Villa, se poderiam impedir, e destruir, e isto se metem feito
ver bem palpavelm.
te
[...]. (IAN/TT, 1776, fl. 202 e 202 v., grifo nosso)
131
.
Após seis meses entre a solicitação e a resposta, o Governador comenta que
em Curitiba os consertos do caminho e dos passos tinham sido providenciados.
Entretanto, no trecho sob a responsabilidade de Lages, a manutenção não tinha
sido feita. Correia Pinto havia enviado uma representação nesse sentido, mas os
motivos são desconhecidos.
As tropas dos militares haviam iniciado a marcha mais de 40 dias e
deveriam ser municiadas quando da passagem pela Vila de Lages, provavelmente
auxiliadas com gêneros alimentícios. Além disso, os passos em mau estado
deveriam ser consertados e isso provavelmente incluiria a construção de pontes,
pontilhões ou a fabricação de canoas para a travessia de rios.
Por fim, faz referência à imensidão e a quase invencibilidade do caminho,
referindo-se a sua grande extensão e as dificuldades para se percorrer esta via.
Após o ataque e tomada da Ilha de Santa Catarina pelos espanhóis, a ligação
existente entre São Paulo e Lages passa a ser muito usada para o envio de tropas
militares em seu socorro e defesa do território português de outros ataques.
Assim, com a finalidade de melhorar as condições dos caminhos, o Capitão-
mor de Lages é encarregado pelo governador da Capitania de São Paulo, Martim
Lopes Lobo de Saldanha, em 10/04/1777, de realizar a inspeção e a manutenção
das estradas do seu distrito:
Para facilitar os transportes dos soccorros que desta Capitania passão para
o continente do Sul, e para que as Tropas, que estou a destacar não
tenhão incomodidades, e sigão regularmente as suas marchar, sem
interrupção, se faz necessario, que vm. sem perda de tempo escolha
algumas pessoas de confidencia, no cazo de se achar legitimamente
131
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila de Nossa Senhora
dos Prazeres das Lajes, [...]. São Paulo, 26 de janeiro de 1776. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino
Consultas do Conselho Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 202, 202 v., 203 e 203 v.
225
impedido em outras occupacoens do Serviço, a quem encarregará a
inspecção do reparo dos Caminhos do destricto dessa Villa, por onde os
ditos transportes Tropas hajão de passar; fazendo ao mesmo tempo
concertar as pontes, e aterrados, e pondo Canoas, ou Jangadas
promptas, se houverem Rios, que para o dito effeito as necessitem.
Neste trabalho ocupará vm. os moradores dessa Villa com a economia, e
moderação, que requer huma deligencia tam importante; e para evitar
quaesquer queixas obrará vm de mam comum com a Camera dessa villa
a quem participará esta determinação destribuindo-se o referido
trabalho de tal sorte, que o povo não seja vexado.
Eu confio da sua actividade e prudencia, que dezempenhará com toda a
satisfação este Serviço. (IAN/TT, 1777, fl. 232, grifo nosso)
132
.
Este documento aponta claramente como deveria ser feita a melhoria do
caminho e as ordens promulgadas para tal finalidade. Os consertos seriam
realizados utilizando-se a mão-de-obra dos habitantes da vila, sem exarcebação, em
comum acordo e com auxílio da Câmara da Vila, que determinaria os responsáveis
pelo trabalho, legitimando assim as ordens.
Entre as melhorias necessárias, constavam o conserto de pontes, a melhoria
dos aterramentos e a colocação de canoas ou jangadas para a travessia dos rios.
Para a inspeção do reparo do caminho, deveria ser realizada a nomeação de alguém
de confiança do Capitão-mor para tal tarefa, caso ele próprio não pudesse executá-
la. Desta forma, estariam garantidas as melhorias necessárias, que seriam
realizadas pelos moradores.
Os reparos do caminho tinham a clara finalidade de facilitar a passagem dos
militares, fazendo com que estes chegassem mais rápido ao seu destino, não
ficassem estacionados aguardando melhores condições ou perdendo tempo em
consertar trechos da via ou passos para passar a tropa e sua tralha militar.
Em outro documento do mesmo ano, o referido Governador da Capitania de
São Paulo elogia o Capitão-mor por ter mandado consertar o caminho: “Fez Vm.
ce
muito bem em mandar pessoas da sua comfiança a concertar o Caminho, deixando
se ficar nesa V.
a
[vila] onde mais util a sua asistencia para providencear tudo o
de que se necesita”. (IAN/TT, 1777, fl. 249)
133
.
No que se refere ao concerto do caminho entre São Paulo e Cubatão, houve
uma representação em 1742 dos Oficiais da Câmera da Cidade de São Paulo para o
132
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lajes, [...]. São
Paulo, 10 de abril de 1777. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folha 232.
133
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lagens, [...]. São
Paulo, 27 de junho de 1777. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 249 e 249 v.
226
Ouvidor-Geral da Comarca de São Paulo, João Rodrigues Campelo, afirmando que o
conserto deveria ser feito pelos moradores de Santos.
Esta carta, enviada ao rei D. João V pelo ouvidor, afirma que a respectiva
representação seria justa, “[...] pois os habitantes do termo da cidade e da serra,
mandavam fazer, todos os anos, o dito caminho, que era da maior conveniência
para os moradores [...]” (AHU_ACL_CU_023-01, cx. 14. doc. 1388, 1742)
134
.
Contudo, menciona que:
[...] moradores da Cidade de São Paulo e os da serra não podiam suportar
termo de mandar os poucos escravos que possuíam, para a construção do
caminho, sendo os que menos o utilizavam a expõe que, nem mesmo
obrigando os habitantes que possuem terras junto a ele, a fazerem as suas
„testadas”, o caminho as conservaria, pelas inundações que recebia e pela
continua cavalaria, conduzindo cargas que por ele passava. Por isso, parece
ao ouvidor que tanto os moradores da serra como os da Vila de Santos
deviam ficar aliviados, mas poderia impor-se a cada carga que as conduzisse
da Vila de Santos à cidade de São Paulo, às vilas da serra ou às minas de
capitania, o imposto de vinte reis, a arrematar-se a construção do caminho,
de três em três anos, obrigando-se o arrematante a conservá-lo em termos
de não haver queixas e de maneira que os caminhantes pudessem viajar sem
incômodos nem experimentar mortandade na cavalaria, o que sucedia várias
vezes, pelas ditas dificuldades do caminho, além de que esse conserto iria
aumentar a Fazenda Real no que respeitava os direitos de entradas.
(AHU_ACL_CU_023-01, cx. 14. doc. 1388, 1742)
134
.
Apesar de este documento ser referente a outro caminho da Capitania de São
Paulo, o mesmo mostra a prática corrente em meados do século XVIII relativa à
obrigação dos moradores, principalmente daqueles que tinham propriedades ao
longo dos caminhos: realização da construção e conservação das vias, utilizando,
para tanto, a sua própria mão-de-obra escrava.
Neste caso específico, os moradores reclamavam de não terem condições de
garantir a realização da compulo a eles imputada, mesmo porque o contínuo
tráfego de cavalos e cargas, somadas às inundações, prejudicavam a conservação
do caminho, além do fato de serem os que menos utilizavam a rede viária.
Sendo assim, o ouvidor entende que estes deveriam ser desonerados da
obrigação, sugerindo para tanto a aplicação de um imposto de 20 réis para cada
carga que fosse conduzida pela referida via e o arremate na construção do caminho
por períodos de 3 anos, obrigando o arrematador a conservar a estrada. Com estas
medidas, seria arrecadada a receita necessária para a manutenção e a construção
do caminho e a determinação de um responsável por este serviço.
134
Documento manuscrito: CARTA do Ouvidor-Geral da Comarca de São Paulo, João Rodrigues
Campelo, informando (D. João V) sobre a representação que tiveram os Oficiais da Câmera da Cidade
de São Paulo, [...]. Anexo: representação, representação (copia). São Paulo, 29 de agosto de 1742.
AHU_ACL_CU_023-01, cx. 14. doc. 1388, folhas 1, 1 v., 2, 3, 3 v. e 4.
227
Outra melhoria mencionada na documentação textual, foi o desmatamento
de duas áreas para facilitar o trânsito no trecho de Lages ao Registro de Curitiba:
Emquanto aos Indios, que se achão nos contorn[os] dessa V.
a
[Vila de
Lages] me parece muito acertado, que della não sayão a se se concluhir o
trabalho para que forão distinados; e igual.
e
o que vm. me propoem na sua
carta de os empregar em des cortinar os dois mattos grandes desse
Certão, visto seguir-se dahi hum grande aumento aos direitos Reaes
pela grande facilidade, e pouco risco com que siguirão as Tropas até o
Registo de Curitiba. (IAN/TT, 1778, fl. 281 v. e 282, grifo nosso)
135
.
A mão-de-obra empregada nesta tarefa era formada pelos índios que haviam
sido trazidos de São Paulo para trabalharem nas roças reais, com o objetivo de
produzirem alimentos para o sustento das tropas militares e sua cavalaria, pois
estes estavam envolvidos em campanhas bélicas na região sul, em função do temor
das ameaças de invasão castelhana após a conquista da Ilha de Santa Catarina, em
1777.
De acordo com a análise deste documento, a ideia de usar mão-de-obra
indígena tinha sido do pprio Capitão-mor, que estes estavam a serviço do rei.
Afinal, nada mais prático que utilizá-los antes do retorno dos mesmos à cidade de
São Paulo, beneficiando-se da disponibilidade destes para os serviços pesados.
O uso dos índios propiciaria ainda o aumento da arrecadação dos tributos
reais, pois à medida que os caminhos fossem menos perigosos e menos animais
fossem perdidos, por consequência, mais impostos seriam pagos na passagem pelo
Registro de Curitiba: “[...] emtanto empregará vm. os ditos Indios naquelles serviços
que contribuhirem para os Reaes Interesses, e augmento desse paiz: pondo todo o
cuidado em que seo tratados com caridade e que se lhe não falte com o sustento,
e vistuario devidos [...]”. (IAN/TT, 1778, fl. 282]
135
.
A presença de matos fechados no caminho representava a iminência do
perigo, havendo a possibilidade de ataques surpresa às tropas ou aos viajantes, à
medida que neles poderiam esconder-se bandidos, mal feitores e a grupos
indígenas selvagens. Logo, a via precisava ser “limpa” em todos os sentidos.
A região dos Campos de Lages atravessada pelo caminho era caracterizada
por espaços abertos, permitindo uma visão panorâmica e também a identificação de
alguém se aproximando. O mesmo não ocorria na área chamada, na época, de
Matos de São João.
135
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lagens, [...]. São
Paulo, 21 de novembro de 1778. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 281, 281 v. e 282.
228
A abertura da comunicação por terra entre a Capitania de São Paulo e Rio
Grande do Sul é referida em um oficio de Martim Lopes Lobo de Saldanha,
Governador da Capitania da São Paulo a Martinho de Melo e Castro, Secretário da
Marinha e Ultramar em 1775:
Tambem por terra caminho desta Cidade para o Continente de Viamão, e
em alguns passo de Sertoens dentro desta Capitania serião infalliveis os
trabalhos, incomodidades, e demoras das Tropas de cavallos, e Infantaria de
Voluntarios Reais; pelo que antes da marcha dellas mandei fazer vinte e
duas Leguas de caminho nos matos. [AHU_ACL_CU_023, cx. 6, doc. 388,
1775, fl. 1 e 1 v.]
136
.
A descrição acima refere-se ao Caminho das Tropas, mencionado neste
documento como Caminho para o Continente de Viamão. Segundo as observações,
o trecho precisa de manutenção, necessitando de recuperação viária em alguns
passos. O Governador informa também que mandou fazer 20 léguas do caminho em
áreas de mata, a fim de facilitar a marcha da Infantaria.
O governo dessa capitania ainda menciona que “todos estes caminhos se
fizerão pelos Povos sem despeza alguma da Real Fazenda, e sem mais custo, que
diligencias, e attençoens minhas, com que se conduzem, e somente se podem
conduzir os desconfiados Paulistas” [AHU_ACL_CU_023, cx. 6, doc. 388, 1775, fl. 1
v.]
136
. De acordo com esta citação, fica caracterizado que não houve despesas para
os cofres reais e que os responsáveis pelos caminhos foram os moradores ao longo
destas vias.
3. 5. 2 Ações governamentais
A Carta Patente expedida a Antonio Correia Pinto pela da Rainha D. Maria I,
concedendo o título de Capitão Mor do Sertão da Curitiba da Capitania de o de
Paulo, em 1779, menciona que a área de seu domínio vai “do Campo da Estiva p.ª o
sul ate as Fronteiras daquella Capp.
nia
”, sendo este nomeado “p.ª vadear e descobrir
os vastos e inpenetraveis Certões q. correm da Coritiba até a Fronteira do Rio Gr.
de
do Sul”. Neste mesmo documento, cita que Correia Pinto havia prestado relevantes
serviços à Capitania na Câmara de Curitiba:
136
Documento manuscrito: OFÍCIO do governador e capitão general da capitania de São Paulo,
Martim Lopes Lobo de Saldanha, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Martinho de Melo e
Castro [...]. São Paulo, 10 de novembro de 1775. Anexo: ofício. AHU_ACL_CU_023, cx. 6, doc. 388,
folhas. 1, 1 v., 2, 3, 3 v. e 4.
229
[...] não purgara aquelles Certoes de malfeitores e criminosos que nelles
se refugiavão impunem.
te
sahindo alguas‟ vezes e a infestar os caminhos e a
invadir os m.
ors
137
dos campos da Coritiba, mas franqueara estradas po
Commmercio principalm.
te
dos animaes q.’ vinhão do sul que até aquelle
tempo o era m.
to
impraticavel comsumindo nestas expedições grd.
e
parte
dos seus bens: que depois de ter asim adientado o Commercio fundara
naquella Fronteira a Villa das Lages que era hoje hua‟ das mais florentes
daquella Capp.
nia
donde percebia a Real Faz.
da
os Rendim.
tos
das passagens
de dois Rios e dos quintos dos couros que se extrahião p.ª a Laguma [...].
(IAN/TT, 1789, Livro 8, fl. 175, grifo nosso)
138
.
Este trecho da patente elogia sua atuação em livrar os caminhos da ação de
criminosos, desimpedindo as estradas para facilitar o comércio dos animais. O
interessante é a menção de que o comércio era impraticável, pois investiam-se
grandes somas financeiras nessas empreitadas.
No ofício que o Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo,
Martim Lopes Lobo de Saldanha, redige ao Capitão-mor Regente da Vila das
Lagens, Antonio Correia Pinto, em 02/06/1779, é mencionado:
[...] como o caminho do Sertão tão laboirozo o seo trabalho, e q se
dilatará tanto tempo, faz Vm.
ce
m.
to
bem em substar esta abertura,
mayorm.
te
sendo preciso gastar hum poucos de mil cruzados, p.
a
o q agora
senão achar a Real Fazenda em termos, e se os tropeiros gratuitam.
te
se
impuzessem hua‟ contribuição em cada animal, e cabeça de gado, se poderia
intentar o referido caminho de tanto beneficio p.
a
elles, o q Vm.
ce
lhes
proporá. (IAN/TT, 1779, fl. 283, grifo nosso)
139
.
Em primeiro lugar, constata-se na alise desta correspondência que o
Caminho do Sertão era considerado uma via que exigia muito trabalho e que este
era bastante árduo, requerendo, portanto, muito tempo e dinheiro para as
melhorias necessárias. Além disso, o Capitão-mor era elogiado por “substar” a
abertura deste caminho, ou seja, adiar as atividades pelo fato de ser necessário
investir recursos públicos da Fazenda Real. Todavia, o montante necessário não
estava disponível para a empreitada.
Apesar disso, o Governador sugere uma saída viável na época para a
efetivação das melhorias no caminho: a contribuição espontânea dos tropeiros,
impondo-se uma taxa por animal conduzido. Afinal, os proprietários de tropas e os
137
Abreviatura significando possivelmente “moradores”.
138
Documento manuscrito: CARTA PATENTE da Rainha D. Maria I concedendo a Antonio Correia
Pinto o titulo de Capitão Mor do Sertão da Curitiba da Capitania de São Paulo. Lisboa, 26 de
novembro de 1779. IAN/TT, Fundo Registro Geral de Mercês: Chancelaria de D. Maria I, Livro 8
1780, período 1778-1799, folhas 175 e 175 v.
139
Documento manuscrito: OFÍCIO de Martim Lopes Lobo de Saldanha, Capitão General e Governador
da Capitania de São Paulo, a Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila das Lagens, [...]. São
Paulo, 2 de junho de 1779. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folha 283.
230
condutores eram os maiores prejudicados pelo mau estado de conservação do
caminho.
Com esta contribuição extra, além dos impostos obrigatoriamente recolhidos,
seria possível angariar as somas necessárias para o reparo do caminho,
beneficiando assim os próprios tropeiros.
As dúvidas que permanecem neste caso são as seguintes: Correia Pinto
realmente fez esta proposição aos tropeiros? Qual foi a reação dos mesmos, uma vez
que estes eram taxados com encargos sobre os animais que conduziam? O certo
é que, caso tivessem que dar mais esta contribuição, ainda que “espontânea”, seus
custos aumentariam.
Outra questão que poderia ser levantada: qual o destino dado aos impostos
recolhidos aos cofres reais? Parte dos recursos poderia ser empregada na execução
de melhorias do caminho, o que, consequentemente, aumentaria a arrecadação.
3. 5. 2. 1 Projeto de beneficiamento do caminho
Para o icio do século XIX, tem-se a proposição de um importante projeto
para o Caminho das Tropas: a construção da Estrada Curitiba Lages.
Antonio José da Franca e Horta, Governador e Capitão General da Capitania
de São Paulo, em ofício de 2/08/1804, solicita que o Tenente Coronel Manuel
Gonçalves Guimarâes se encarregue das obras do Caminho do Sertão no trecho
entre Curitiba e Lages, arrematando esta obra, por considerá-lo o único capaz para
tanto:
He portador deste João [ilegível] de Cordova Sarg.
to
Mor da Villa das Lages
homem de q. forma conflito, assim pelas informaçoens q. delle [ilegível] como
fato q agora provavelmente tanto observado, achandolhe [ilegível] e sobre
tudo zelo para o Real Serviço e bem do Estado. Com elle tudo
circunstanciadam
.te
sobre esta medonha Faixa do Caminho do Sertão de
Curitiba para Lages, cuja obra tão util a Real Fazenda como aos meus
Paulistas, me fez o maior dezejo de lhe dar principio desvanecendo o
prejuizo de sua impossibilidade.
A empreza hé grande, hé dificil, e dispendioza. Sei q ella foi lembrada por
todos os meus Antecessores, e mesmo pelo Ministerio q a dezejo tanto como
os Nacionaes, mas como posso eu temer a [ilegível] a elle quando em
Curitiba hum Vassalo de S. A. R. como Vm
.ce
de quem todos me observão as
qualidades de honrado, Generozo, Zellozo do bem publico, amante do
Servisso de S. A.R? Não eu nada temo, nem hé p.
r
receber, huma vez q Vm.
ce
constante nos seus briozos, sentimentos continue a mostrar o seu
Patriotismo em obzequio do Nosso Augusto Principe. Confiado nestas
virtudes eu conto desde já p.ª com a sua vontade e dispozição, ordenando no
dito Sarg.
to
Mor tratar este objecto com o Ouvidor de Parnaguá, e ambas
ellas com V. M.
ce
e a Camera dessa Villa a fim de q huma vêz se tomem as
medidas necessarias para em tempo competente se dar esta obra
[ilegível] ção, esperando de V M.
ce
, não queira excluir-se durante o meu
governo de se prestar a tudo, o q obrou no dos meus Antecessores p.
r
Serviço
231
de S.A
Dizejo portanto, q. V M.
ce
se rezolva a Aremator esta obra, na Consideração
de q ella deve ser executada com aquella pontualidade, e efeitos q exige o
interesse geral do Estado, circunstancias q nem todos, são Capazes de
dezempenhar, e talvez veja V M.
ce
o unico q a todos lembra, e me notificão,
entrando neste numero o Coronel Joze Vaz de Carvalho, q assim me afirma,
como q.
m
conhece o seu merecim.
to
muitos annos.
Tenho a rogar-lhe, q de tudo o q se lembrar, e lhe parecer mais util p.ª a
execução deste projecto, mo queira participar, deprecando-me quanto p.ª elle
se lhe fizer necessario, q. não possa ser ahi providenciado pelo Ouvidor de
Parnagoá, a quem cometo a fiscalização desta deligencia, como verá das
Cartas e Instruçoens q. lhe remeto, tendo toda a certeza de q. não me
demorarei em dar lhe resposta. [AHU_ACL_CU_023, cx. 62, doc. 4755, fl.
3]
140
.
Neste documento, percebe-se a frequente reclamação sobre o mau estado do
Caminho do Sertão, destacando as péssimas condições em que se encontrava o
trecho entre Curitiba e Lages. Contraditoriamente a sua situação, este caminho era
avaliado como de muita importância para a economia colonial do Brasil, em
especial a da Capitania de São Paulo.
O Governador desta Capitania expõe a sua aspiração de iniciar as obras de
melhorias, acabando com a ideia de ser uma empreitada impossível. Entretanto,
não deixa de reconhecer que a obra é bastante grande, onerosa e difícil.
O Governador ainda menciona que tudo o que lhe for necessário e que não
for fornecido pelo Ouvidor encarregado da fiscalização, lhe deva ser solicitado para
que ele o envie.
Posteriormente, o mesmo Governador da Capitania de São Paulo envia, em
4/03/1806, ao Visconde de Anadia, então Secretário de Estado da Marinha e
Ultramar, um projeto de beneficiar 30 léguas do caminho do sertão que liga a
Capitania de São Paulo ao Rio Grande. O autor reforça a importância da obra:
Nesta ocazião escrevo ao Ex.
mo
Senhor Luiz de Vasconcelos sobre o projeto
que tenho formado de beneficiar 30 Legoas do Caminho do Sertão que ha na
Estrada que segue desta Capitania para o Rio Grande; Obra, e Servisso o
mais importante que pode emprehender para augmeto das Rendas Reaes de
S. A., e Comodidade Geral do Publico, como espero V Ex.
ca
conceitue a vista
das razoens que exponho na Copia junta. [AHU_ACL_CU_023, cx. 27, doc.
1232, 1806, folha 1)
141
.
Este importante documento possui uma cópia de outra correspondência, em
140
Documento manuscrito: OFÍCIO do (governador e capitão-general da capitania de São Paulo)
António José da Franca e Horta ao tenete-coronel Manuel Gonçalves Guimarães [...]. São Paulo, 2 de
agosto de 1804. AHU_ACL_CU_023, cx. 62, doc. 4755, folhas 1, 1 v., 2, 2 v., 3, 3 v. e 4.
141
Documento manuscrito: OFÍCIO do Governador e Capitão General da Capitânia de São Paulo,
Antônio José da Franca e Horta, ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Visconde de
Anadia, [João Rodrigues de Sá e Melo Meneses e Souto Maior] sobre projeto de beneficiar 30 léguas do
caminho do sertão que liga a Capitânia de São Paulo ao Rio Grande. São Paulo, 4 de março de 1806.
Anexos: ofício, ofício (cópia). AHU_ACL_CU_023, cx. 27, doc. 1232, folhas. 1, 2, 3, 3 v. e 4.
232
anexo, que complementa o ofício anteriormente mencionado e que será analisada
na íntegra, pois contém informações extraordinárias para o estudo do Caminho das
Tropas. Trata-se de um raro exemplar manuscrito existente
142
, testemunhando o
estado desta via e da importância da mesma para a economia do Brasil Colônia no
início do século XIX.
Antonio José de Franca e Horta expôs em uma longa missiva as razões do
beneficiamento do Caminho das Tropas, projetado em 1806, detalhando as
necessidades da Capitania e a utilidade pública que tal obra teria.
Um dos primeiros pontos levantados pelo autor é a atenção que deveriam ter
a construção e o conserto de estradas numa nação, pois desempenhavam papel
importante para a economia:
A factura, e Concertos das Estradas, q. tanta atenção mereceu sempre as
Naçoens Cultas, hum dos objectos q. mais asiduamente me tem
occupado, a fim de facilitar o transporte dos Effeitos do interior para a
Marinha, bem como as Mercadorias q. entrão da Marinha po interior [...].
(AHU_ACL_CU_023, cx. 27, doc. 1232, 1806, folha 3)
141
.
No caso da Capitania de São Paulo, as estradas permitiam o transporte das
mercadorias que chegavam aos portos, do litoral para o interior e vice-versa, ou
seja, dos produtos fabricados no interior para a costa, escoando a produção
interna. A razão primeira apontada para a existência de qualquer estrada era o
transporte de gêneros, além do abastecimento das pessoas por “coisas”.
O segundo argumento mencionado, aponta para o estado de conservação em
que se encontravam os caminhos existentes, na primeira década do culo XIX, na
Capitania de São Paulo, onde se situava o Caminho entre São Paulo e Viamão. O
governador foi bastante enfático ao afirmar “[...] nunca servirão no Estado em q.
actualmente se achão [...]” (ibid.)
141
, ou seja, assegurava que, no estado em que se
achavam as estradas na época, elas nunca serviriam para trânsito.
As exceções deste quadro de dificuldades viárias eram “[...] os Caminhos q.
seguem desta Capital para a Villa de Santos, para a de Itú, e para a Cidade do Rio
de Janeiro, q. são os mais concideraveis, pela sua maior, e mais importante
freqüência” (ibid.)
141
. Estas vias estavam razoáveis, pois eram as mais usadas e com
maior tráfego. Todavia, esta situação não se referia ao Caminho das Tropas, estrada
que existia entre esta Capitania e o chamado Continente do Rio Grande:
Não acontece assim com a Estrada que desta Capitanîa p.ª o Continente
142
Ver documento na íntegra no Anexo A.
233
do Rio Grande, Estrada tão interessante ao Publico como a S. A. R., pois
basta dizer-se q. p.
r
ella passão annualmente tantos Mil Animaes Vacuns,
Mulares, e Cavallares q. o Contrato dos Meios Direitos q. pagão na Villa
de Coritiba [...]. (ibid.)
141
.
A importância desta estrada é percebida sob duas óticas, uma de natureza
pública, pelo uso da via pela população. A outra de natureza econômica, em função
da geração de impostos. Horta ressalta muito bem que por este caminho passavam
anualmente milhares de animais vacuns, muares e cavalares. O trânsito destes
animais resultava no pagamento de impostos na entrada de Curitiba, onde, pelo
Contrato de Meios Direitos, a Coroa Portuguesa recebia a metade de toda a renda
arrecadada.
[...] porque a outra metade a percebem os Herdeiros da Caza Doada foi
arematado este ultimo triennio por 39:500$000 r
.s
, sendo isto a bem dizer
nada em comparação do q. os mesmo Animaes vão pagar, entrando para as
Capitanias de Minas Geraes, Goyaz, e Matto Grosso. (ibid.)
141
.
Entretanto, os valores arrecadados em tributos neste trecho não eram
expressivos, principalmente se comparados ao que poderia render em outras
Capitanias, tais como Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Portanto, projetavam-se
os ganhos reais para além daquilo que a Capitania de São Paulo arrecadava
naquele momento.
Após explicitar a importância da estrada, o Governador descreve o estado em
que a via se encontrava e assim justifica a necessidade de melhorias:
Nesta Estrada q. só da Villa de Coritiba até a Serra de Viamão se contão 160
legoas de maus Caminhos, sobre tudo hum Sertão de Mattos Geraes q.
pouco excede a 30 legoas, situado entre a Freguezia de Santo Antonio da
Lapa, e a Villa das Lages na estrema desta Capitanîa [...]. (ibid.)
141
.
O trecho entre a Vila de Curitiba e a Serra de Viamão totalizava 160 léguas,
caracterizadas como de “maus caminhos”. No segmento entre a Freguesia de Santo
Antonio da Lapa, atual município da Lapa (PR), e a Vila de Lages (SC), totalizavam
30 léguas de “sertão de matos”, “[...] em cujo Sertão pelos maus passos q. tem, e
passagens de Rios se calcula morrerem todos os annos a metade dos Animaes q.
nelle entrarão [...]” (ibid.)
141
.
Em virtude disso, a Coroa perdia a metade das rendas que poderia vir a
receber, uma vez que os animais somente recolhiam os tributos quando da
passagem por Curitiba e os principais problemas aconteciam no trecho anterior ao
Registro de Curitiba, “[...] sem fallar no prejuizo q. exprimentão os Condutores
destas Tropas, muitos dos quaes ficão perdidos sem recurso, não chegando a tirar
234
do mesmo Sertão Animaes vivos com q. paguem as despezas do Costeio q. até ali
tem feito” (ibid.)
141
.
De acordo com os lculos feitos na época, recolhiam-se aos cofres reais
somente ¼ da arrecadação total que se poderia ter, o que significava um grande
prejuízo. Além das perdas para os cofres reais, Horta menciona também o prejuízo
que os condutores de tropas tinham.
A ocorrência de perdas justificava a reclamação popular para a “[...] factura
de huma Estrada, q. hé unica, desde o restabelecimento deste Governo até o
prezente” (ibid.)
141
. O autor apresenta um quadro com a realidade da época, em que
o trecho do caminho na região dos Campos de Lages era comparado a uma picada
sem infraestrutura.
Da mesma forma, expõe que a empreitada desta obra requeria um grande
dispêndio de recursos e tempo e que a sua proposta havia sido sugerida e
abandonada por outros governadores que o antecederam.
Sendo assim, o Governador da Capitania de São Paulo propõe a execução
dessa importante obra através de um projeto que não iria onerar a Fazenda Real,
pois, de acordo com a sua proposta, a Coroa não investiria nenhum valor na
empreitada.
Eu vou expor a V Ex.
ca
o rezultado das minhas deligencias. Sabendo q. na
Conformidade da Provizão de 9 de Mayo de 1747 Documento N.° 1.°, tem a
Caza Doada obrigação de Concorrer com a metade de toda a Despeza q.
se fizer a beneficio dos Meios Direitos q. percebe da passagem dos
Animaes naquelle Registo, propuz este objecto em Junta, com o dizignio
de ser ella quem tome Conhecimento da execução desta grande obra, e
Condordando todos em q. de facto assim devia ser pelo proveito q.
igualmente lhe vem a rezultar, entrei a ver por todos os modos como
grangearia o animo dos Negocios, e Tropeiros p.ª a outra a metade v.
to
q
do seu p.
ar
interêsse hera nascido o impenho, e a eficacia com q.
solicitavão a factura ao dito Caminho. (ibid., p. 3 e 3 v., grifo nosso)
141
.
Os recursos financeiros necessários para este investimento viriam, segundo
seus cálculos, de duas fontes: A primeira era prevista por lei. De acordo com a
Provisão Real de 9/05/1747, a Casa Doada tinha a obrigação de financiar a metade
de todas as despesas que fossem feitas em prol dos Meios Direitos recolhidos na
passagem dos animais no Registro de Curitiba.
A outra metade da renda coletada no registro, que não cabia à Coroa, mas
que pertencia por contrato aos herdeiros da Casa Doada, da qual o próprio
Cristóvão Pereira de Abreu teve direito de receber por 12 anos, em decorrência de
uma mercê, deveria custear a metade dos gastos. O raciocínio seguia a seguinte
lógica: estradas melhores, maior trânsito de tropas e aumento na arrecadação, o
235
que permitiria também investir e custear o beneficiamento da própria obra, na qual
tinham o comprometimento por princípio legal.
Entretanto, faltava ainda a segunda fonte dos recursos. A proposição do
Governador era que a outra parte do investimento necessário para realização da
obra ficasse sob responsabilidade dos próprios tropeiros. Como os próprios
negociantes solicitavam melhorias na estrada, havia a justificativa em função dos
interesses de particulares. Faltava apenas conseguir o apoio dos negociantes para
levar o projeto adiante.
Seguindo as disposições legais, Horta mandou fixar na Praça de Paranaguá
as formalidades da construção do caminho para ser arrematado publicamente:
Para bem me segurar das suas disposiçoens. Ordenei Officialmente ao
Ouvidor de Paranaguá Documento N.° 2°, puzesse em Praça a factura do
mencionado Caminho, declarando a formalidade, com q. devia ser feito,
e suposto não houvesse pessoa q. se abalançasse a arematala, Documento
N.° 3.°, o q. eu mais queria sucedeu, porq alvoraçado o Povo com a
Rezolução q. eu mostrava, se inflamou, e passárão os principaes a fazer p.ª
a dita obra o Voluntario offerecimento q. mostra o seu assignado
Docum.
to
N.° 4.° com o qual me inviou a Camera da Villa de Coritiba a
Reprezentação N.° 5.°. (ibid., p. 3 v., grifo nosso)
141
.
Na verdade, o Governador tinha uma estratégia bem planejada: imaginava
que não haveria pessoa naquela vila que se interessasse por arrematar tal obra. O
objetivo não era o de arrematar o serviço, mas sim divulgar a resolução da
construção da estrada e que não havia pessoa interessada de fazê-la, o que
resultaira naquilo que era o seu desejo: a manifestação pública.
São mencionados rios documentos ao longo do ofício a esse respeito, mas,
infelizmente, os anexos não acompanham a referida carta. De acordo com os
comentários sobre os documentos citados anteriormente, a mara da Vila de
Curitiba apresentou uma Representação, o povo manifestou o seu interesse na obra
e algumas pessoas principais fizeram o oferecimento voluntário para a referida
obra.
As estratégias do Governador ainda não haviam se encerrado. Ele tinha
conhecimento de que o Tenente Coronel Manoel Gonçalves Guimarães era o único
com capacidade para executar esta obra e buscou convencê-lo para que
arrematasse a empreitada, por ser ele “[...] todo de hum genio activo,
emprehendedor, e cheio de Patriotismo, eu o tenho muito tempo aliciado [...]”
(ibid.)
141
.
Estando o referido militar em São Paulo, solicita que o mesmo lhe um
panorama completo sobre o Caminho. O Governador precisava de alguém de
confiança para executar o projeto, pois a obra localizava-se mais de 100 léguas
236
de distância da cidade de São Paulo, o que dificultava a ida até o local, pois teria de
se ausentar das atividades na Capital e solicitar autorização para tanto.
O Tenente Coronel apresentara um mapa do Caminho do Sertão, em escala e
verificado em campo, cujo anexo também é documento faltante. Em apenso,
também fora remetido o cálculo feito do prejuízo anual proveniente da mortandade
dos animais, assim como outros documentos que comprovavam a importância e a
necessidade da construção da estrada:
Incluzo tem V. Ex.
ca
o Mappa q. este homem me aprezentou do Caminho do
Sertão Documento N.° 6.° Mappa q. eu lhe havia recomendado, e q. ainda q.
grosseiro tem com tudo o Merecimento da exaptidão por se na
Conformidade da Escala q. o acompanha, verificado sobre o proprio
terreno. Igualmente remeto o Calculo do prejuizo q. annualmente
redunda com a Mortalidade dos Animaes assim a S. A, como ao Comercio,
Documento N.° 7.°, o q. assaz comprova a importancia, e a necessidade
da factura do mesmo Caminho. (ibid., grifo nosso)
141
.
Ao final do documento, menciona estar no aguardo da concordância da
Câmara da Vila de Curitiba para tomar as providências necessárias para a
execução da obra e solicita que Luiz de Vasconcelos e Souza exponha a importância
da mesma ao rei, solicitando a sua aprovação.
Finalmente, encerra afirmando que a utilidade desta estrada não interessa
somente à Capitania de São Paulo, mas ao Brasil, “[...] pois como V. Ex.
ca
sabe
todas ella dependem para as suas Conduçoens dos Animaes do Rio Grande, que
infalivelmente tem de passar pelo dito Caminho” (ibid.)
141
. Além disso, acrescenta a
necessidade e a vantagem de se povoar o sertão, pois a região situa-se próxima às
missões espanholas. Desta forma, haveria uma estrada de comunicação para a
fronteira sul, por onde se poderia transitar sem maiores obstáculos e prejuízos.
Infelizmente, a sequência desse projeto não se conhece, pois não foram
encontrados documentos atestando a continuidade das tratativas sobre as
benfeitorias necessárias para a estrada. Não se sabe também se as mesmas foram
de fato executadas. Todavia, convém ressaltar que este documento forneceu um
referencial cronológico importantíssimo, situando o trecho do Caminho das Tropas
analisado no tempo.
O Caminho era tão ruim no início do século XVIII que parecia mais uma
picada. Percebe-se pelos relatos que não havia corredores de taipa de pedra
delimitando-o. Os corredores eram obras monumentais, que necessitavam de
grandes investimentos de tempo e recurso humanos, o que não passaria
despercebido. Caso contrário, ninguém proporia um projeto de melhoria sem levar
em conta este tipo de estrutura, pois as necessidades eram mais básicas que a
237
delimitação do próprio caminho.
3. 5. 3 Recursos para custeio das despesas
Além da proposta de benfeitoria feita no projeto de 1806 apresentado
anteriormente, têm-se poucos dados para a origem dos recursos para custeio das
despesas com a manutenção e melhoria do caminho que não fossem as imputadas
aos moradores ao longo do caminho e habitantes de Lages.
A “Relação de estradas de comunicação do interior da Província de São
Paulo”, apresenta as estradas situadas ao sul como pertencente a esta província:
“As de Lages a V.ª do Principe, as de Coritiba - Castro, e as de Apiahy a Itapeva”
(AESP, 1819-1822, livro 251, fl. 60)
143
.
É interessante observar que nesse período, o primeiro quartel do culo XIX,
o trecho entre Lages e a divisa com a Província do Rio Grande do Sul não pertence
mais a São Paulo. E de fato, houve o desmembramento da região de Lages da
Província de São Paulo e sua incorporação a Santa Catarina, pelo Alvará de 9 de
Setembro de 1820.
Em outro documento do mesmo período, após a Independência do Brasil,
denominado de “Estatística Política e Civil estradas”, referente às estradas
públicas da Província de São Paulo, apresenta-se o estado de conservação das sete
estradas principais em um quadro que contém a identificação da via, o inicio, o
término, o comprimento em léguas, a direção, estado, o meio para consertar e
conservar e o responsável. Contudo, o marco final da estrada que ligava São Paulo
ao sul é mencionado como o rio Canoas e não mais a Vila de Lages.
É interessante analisar as informações mencionadas nessa estatística
referentes à situação de conservação em que se encontravam as estradas, relativas
ao período de 1822 1825, conforme o reproduzido no quadro 14. Duas são as
razões apontadas para o mau estado de conservação: a) a grande extensão das
estradas; e b) a pouca população ao longo do caminho. Estas duas características,
143
Documento manuscrito: RELAÇÃO de estradas de comunicação do interior da Província de São
Paulo. AESP, ordem CO 0444, caixa 86, Departamento do Arquivo do Estado - Ordens, Legião e Tropa
paga, do Dia, Ref. Guarda de Ajudantes, Casa da Pólvora, Sala de Ordens 1819-1822, livro 251, folha
60.
nos períodos de chuva, deixavam a situação das estradas precária.
Estradas
Onde começão?
Onde terminão?
Comprimento
avaliado em
legoas
Sua direção
Em que estado
se achão?
De q. meios se
esta p.ª as
concertar e
conservar?
A cargo de quem
está a concerto?
7.ª
Na
Cap.
No Rio de
Canôas limite
desta Província
com a de S.
Catharina.
Na Villa nova
do Príncipe.
No Rio de
Canoas 40
légoas adeante
da V.ª nova do
Principe.
112
S.
Apesar ds excell.
es
providencias
dadas p.
lo
Ex.
mo
Conselho do
Governo, já particularm.
e
p
.lo
Ex.
mo
Presid
.e
da Provincia (cujo zelo e
vigilancia p.
lo
bem publico tem sido
infatigavel especialm.
e
sobre este
objecto) todavîa em razão da gr.
e
extensão das estradas, da
mesquinha população quasi toda
indig.
e
, e longas testadas das
propried.
e
agricolas, ficão alguas
vezes em bom ou não estado
sobretudo em tempos de chuvas.
Põi-se em practica o q.
decreta a Lei mandando-se a
q. sejão concertadas pelos
povos dos districtos a q.
toccão, e naq.
les
lugares, em q.
não ha moradores, ou q
havendo-os não o podem
fazer p.
r
causa de sua
pobreza, verifica-se este de
mão commum;
Alem de um Inspector geral,
q está incumbido deste artigo
e quasi sempre tem sido um
off.
l
do Est.º maior do
Exercito, a mor p.
te
das
estradas ten um Inspector
particular, q. de ordinario é a
Command.
e
das Ordenanças
do respectivo districto.
Quadro 14 - Extrato da “Estatística Política e Civil - Estradas” da Província de São Paulo
Fonte: AESP, ordem CO 0864, caixa 69, Ofícios Diversos da Capital 1822 1825, pasta 01, documento 07, folha 01 v.
Quanto aos meios necessários para consertar e conservar as estradas,
mencionados na estatística, deveria ser colocado em prática aquilo que estava
previsto em lei, a qual ordenava que as estradas fossem consertadas pelos
moradores dos distritos em que residiam.
Nos locais onde não houvesse moradores, ou na hipótese de existência dos
mesmos, mas sem as condições financeiras necessárias para a realização da obra, a
mesma seria realizada de “mão comum”. Ainda, segundo este documento, a
responsabilidade do conserto das estradas estaria a cargo do Inspetor Geral, além
do Inspetor Particular do Distrito e do Oficial do Exército.
A estatística das estradas é acompanhada de texto explicativo, cujo teor é
apresentado a seguir:
Deixando pois de tractar sobre este objecto q.‟ tem sido plenam.
e
demonstrado, cumpre (p.ª satisfazer aos diversos quesitos e enunciados no
Elencho) dar 1.° q.‟ tudo uma simples idea do plano, q.‟ se tem de seguir.
Como a mais ordinaria communicação de S. Paulo tanto no seo interior (isto
é de umas V.
as
e Freg.
as
em outras) q.
to
da mesma com as Provincias suas
limitrophes se effeit por meio de 7 estradas, principaes, o Ex.
mo
João
Carlos Augusto de Oepihau feis, General, q.‟ foi desta Povincia p.ª o melhor
exped.
e
das circulares do Governo, e bom concerto dos mesmos caminhos de
baixo da direcção de Inspectores particulares, classificou-as de falsa man.
ra
q.‟ até se combina mais ou menos com as suas direcções ou rumos naturaes,
considerando-se como centro de todas a Capital. (AESP, 1822-1825, fl.
01)
144
.
O trecho apresentado acima explica como o quadro estatístico foi concebido,
mostrando a comunicação viária existente dentro da própria província, bem como
as fronteiras da época. O texto comenta também que a manutenção dos caminhos
está a cargo dos Inspetores Particulares e que as estradas foram classificadas
segundo a orientação geográfica que seguem, tendo como partida a Capital da
Província, neste caso, São Paulo.
Em 1837, período posterior à desanexação da Vila de Lages da Proncia de
São Paulo e anexação à Província de Santa Catarina, um documento que trata
da manutenção da estrada e dos recursos para estas despesas. Trata-se da
resolução do Decreto nº. 55 de 1837 no qual o Presidente da Província de Santa
Catarina, Jozé Joaquim Machado d‟Oliveira, sancionou a cobrança do imposto
sobre o gado vacum, cavalar e muar que passava no Passo do Rio Canoas, no
município de Lages.
144
Documento manuscrito: ESTATISTICA Política e Civil das estradas públicas da província de São
Paulo [...]. AESP, ordem CO 0864, caixa 69, Ofícios Diversos da Capital 1822 1825, pasta 01,
documento 07, folhas 01 e 01 v.
240
Nos artigos e deste decreto, referência à manutenção da estrada, à
conservação das canoas e à origem dos recursos financeiros para as obras.
Artigo O Presidente da Provincia fica authorizado a mandar aperfeiçoar,
pelo rendimento desta Collecta, a estrada que conduz do Rio Canôas, ao
Canoinhas, fazendo conservar as Canôas, e mais misteres que offereção na
passagem as precizas commodidades, e assim mais huã Canôa, no Passo do
Rio Marombas. O aperfeiçoamento acima será feito por administração, ou
contracto, segundo o que mais vantajozo for aos interesses da Fazenda
Provincial.
Artigo O Collector prestacontas d‟este rendimento na mesma occasião
em que o dizer das outras rendas. (AESP, 1837, fl. 4)
145
.
Esta informação refere-se à área na época pertencente a Lages e que
atualmente situa-se entre os municípios de Correia Pinto (SC) e Canoinhas (SC).
Neste caso, os recursos provenientes dos rendimentos dos pagamentos dos
impostos da Coletadoria do Passo do Rio Canoas eram utilizados para a
manutenção da estrada e passagens dos rios. As obras poderiam ser feitas de dois
modos: administração ou contrato, devendo o coletor prestar contas dos
rendimentos gastos.
Este documento é um dos poucos encontrados onde é feita a menção do uso
dos recursos arrecadados nos impostos para a realização de melhorias e consertos
do Caminho. uma inovação, que é a possibilidade de contratar os responsáveis
pela realização das benfeitorias ou executar e administrar os recursos disponíveis.
Outra informação, encontrada na documentação do culo XIX, refere-se à
responsabilidade sobre as estradas estarem a cargo de um Comandante Militar da
vila ou cidade. É o caso do ofício de Antero José de Brito, Presidente da Província de
Santa Catarina, dirigido a Manoel da Fonseca
Lima e Silva, Presidente da Proncia
de São Paulo, mencionando a abertura da estrada de Campos Novos.
Neste documento, o Comandante Militar de Lages é referido como o
responsável pela melhoria das estradas:
[...] reitero estas ordens ás Authoridades de Lages, para que consinta a
continuação dos trabalhos começados, porém somente nos lugares que a
Camara Municipal, e Commandante Militar da quella Villa [Lages] lhes
indicar; visto que este espor mim encarregado do melhoramento das
Estradas geraes que atravessam da Provincia do Rio Grande, pelo
districto das Lages, a essa de S. Paulo [...]. (AESP, 1847, fl. 1 v. e 2, grifo
nosso)
146
.
145
Documento manuscrito: DECRETO do Presidente da Província de Santa Catarina, Jozé Joaquim
Machado d‟Oliveira, sancionando a resolução sobre a cobrança do imposto sobre o gado vacum,
cavalar e muar que passarem o Passo do Rio Canoas no município de Lages. Palácio do Governo da
Província de Santa Catarina, 18 de março de 1837. AESP, ordem CO 6144, caixa 20, Ofícios do Estado
de Santa Catarina 1832-1891, maço 1837, folha 4.
146
Documento manuscrito: OFÍCIO de Antero Jo d Brito, Presidente da Província de Santa Catarina,
241
O autor descreve que a abertura da estrada foi “[...] promovida á custa de
huma subscripção entre os negociantes de tropas soltas da Villa do Príncipe [...]”
(AESP, 1847, fl. 1)
90
. Novamente, fica explícito que a abertura de caminhos no
Brasil, tanto Colonial, quanto Imperial, era iniciativa dos comerciantes de animais,
considerados os maiores beneficiários.
As informações que o Comandante Militar de Lages tinha a respeito eram
que:
[...] ha tempos, apparecem no districto de Lages um grupo de gente vinda da
Provincia de São Paulo, que, atravessando os ditos Campos Novos, deva
principio a humas derrubadas no Passo do Pontão -, que da tranzito para o
districto da Vacaria na Provincia do Rio Grande, sem que áo menos desse
veria áo Commandante Militar de Lages, e nem ás Authoridades policiaes do
lugar, ás quaes se não quiz dar explicação alguma, disendo-se que aquelle
territorio pertencia á Provinvia de S. Paulo. O Commandante Militar
participou-me que mandava tomar conhecimento exacto do que alli se
passava, e que embaraçaria a continuação dos trabalhos até receber ordem
minha [...]. (AESP, 1847, fl. 1 e 1 v., grifo nosso)
146
.
Os dados obtidos posteriomente explicaram que “[...] essa gente era mandada
a expensas dos mencionados negociantes da Villa do Principe, para abrir, e
melhorar varios passos e restingas; que o trabalho já estava adiantado, e por essa
conviria permittir a sua continuação”. (AESP, 1847, fl. 1 v.)
146
.
É importante observar que o Brasil havia mudado a sua condição política a
partir de 1822, não sendo mais uma Colônia, mas um país independente. A partir
desse momento, parte dos recursos arrecadados pelos impostos pagos pelos
usuários seria investido no próprio Caminho.
Percebe-se que a mudança do regime político também afetou a forma do
poder público tratar a questão da manutenção e da melhoria das estradas no país.
Cada Província passou a se organizar de acordo com as suas necessidades,
tomando as providências necessárias dentro da sua jurisdição. Além disso,
passaram a nomear funcionários da província, militares, Inspetor Geral ou Inspetor
Particular, conforme o caso, como responsáveis para o desempenho dessa atividade.
3. 6 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DOCUMENTOS ANALISADOS
A análise da documentação textual, cartográfica e iconográfica apresentada
a Manoel da Fon.ca Lima e Silva, Presidente da Província de São Paulo, [...]. Palácio do Governo de
Santa Catarina, 5 de outubro de 1847. AESP, ordem CO 6144, caixa 20, Ofícios do Estado de Santa
Catarina 1832-1891, maço 1847, folhas 1, 1 v. e 2.
242
neste capítulo forneceu subsídios para compreender melhor alguns aspectos
relativos à abertura do Caminho, os objetivos e interesses envolvidos, as
informações pertinentes ao traçado, questões relativas ao cotidiano da comitiva (a
duração da viagem, os pousos, os passos, as referências geográficas), a importância
da hidrografia num caminho, as travessias de rios e a manutenção e melhorias do
trajeto.
Numa tentativa de resgatar os pontos principais abordados neste capítulo e
sintetizar as ideias para melhor compreensão, serão apresentadas a seguir algumas
considerações referentes aos temas abordados.
A retificação realizada por Cristóvão Pereira de Abreu, três anos depois da
primeira abertura de Souza e Faria do Caminho dos Conventos, melhoraria e
encurtaria substancialmente a viagem, sendo esta feita a partir de Viamão, pelos
Campos de Cima da Serra.
Os custos dessa empreitada envolveram recursos particulares na sua maior
parte, mas também auxílio do governo com munição e armamento. Os gastos
realizados foram compensados com a cobrança de impostos sobre a passagem dos
animais no Registro de Curitiba, sendo o próprio Cristóvão beneficiado com uma
mercê de 12 anos sobre a metade da arrecadação obtida.
No primeiro século de existência do Caminho das Tropas, a documentação
demonstra que o maior interesse estava voltado em descrever o roteiro, sinalizar
áreas de pouso, pastagem, abastecimento e confeccionar mapas. Foi o século para
se conhecer o Caminho e criar “guias de viagem” para auxiliar os viajantes.
Os itinerários, roteiros e mapas forneceram uma ideia do que se conhecia e
como se viajava no culo XVIII pelo Caminho das Tropas. Para a área de estudo
atravessada por esta via, as referências geográficas são relativas, principalmente no
que se refere à relação de cursos de água atravessados, sendo os principais e
maiores sempre mencionados: Pelotas, Pelotinhas, Caveiras e Canoas. Poucos são
os acidentes geográficos ou localidades citadas, como os Tributos e a Paragem das
Lagens.
Da mesma forma, poucos o os habitantes mencionados, pois, de fato,
deveriam ser ínfimos e esparsos numa imensidão de terras devolutas que
representavam os Campos de Lages no século XVIII. As referências a moradores
foram poucas: Estância dos Barros, os defuntos Carvalho e Xavier, além de Ventura
da Silveira.
As distâncias entre os pontos geográficos referenciais e/ou as jornadas de
viagem é outro dado interessante, que apresenta uma noção de tempo de viagem,
243
de percurso e do espaço percorrido. A partir dos dados fornecidos pelos diferentes
documentos, pôde-se estabelecer um quadro comparativo, explicitando as
distâncias e os locais percorridos, resumindo as principais informações obtidas com
a análise da documentação textual e cartográfica.
É interessante observar que todos os roteiros e mapas do século XVIII
indicam o caminho como sendo de Viamão, onde havia uma guarda e,
posteriormente, um Registro, até a Cidade de São Paulo, capital da Capitania de
São Paulo. O termo estrada Sorocaba-Viamão, provavelmente, surgiu mais tarde,
em meados dos séculos XIX, quando a feira de animais de Sorocaba atingiu o seu
apogeu.
O objetivo do Caminho era, além de abastecer com animais o centro do Brasil
Colonial, estabelecer a comunicação com a fronteira sul do território português.
Logo, quem confeccionava os mapas e cartografava o espaço meridional em
constante mudança de definição de limites territoriais, buscava fornecer subsídios
importantes para conhecimento do espaço em disputa. Neste contexto, as redes
viárias terrestres representavam um conhecimento essencial para o deslocamento
das tropas militares, por exemplo.
A denominação do Caminho, objeto deste estudo, não aparece identificado na
representação cartográfica com qualquer substantivo relacionado ao seu principal
uso: condução de tropas de animais. Os designativos assinalaram sempre o trecho
da estrada entre dois pontos, marcando nas extremidades os lugares conectados
pela via, apontando o sentido pelo qual se chegaria a um determinado local.
Constata-se na produção cartográfica referente ao século XVIII que a região
dos Campos de Lages, no trecho do Caminho das Tropas entre os rios Pelotas e
Canoas, está pouco detalhada, resumindo-se principalmente às redes hidrográficas
e ao relevo. Mesmo após a ocupação do espaço, os mapas o aumentaram o seu
detalhamento com mais informações sobre a região.
As melhorias e as manutenções do Caminho mencionadas nos documentos
analisados, referentes aos culos XVIII e XIX, indicam que foram feitas quando da
passagem das tropas de militares que estavam se deslocando de o Paulo para o
sul e não para o reparo da estrada para a passagem dos tropeiros que conduziam
os animais.
Os tipos de manutenção e melhoria mencionados referem-se, principalmente,
aos dispositivos de travessia dos rios, tais como a construção de pontes e
pontilhões, a confecção de canoas e jangadas.
A mão de obra empregada na atividade de reparar trechos do caminho e
244
melhorar os passos sempre recaía sobre os moradores locais. Para garantir a
participação de forma a não criar contrariedades, a ação era planejada em conjunto
com a Câmara de Vereadores da Vila de Lages, que determinava os responsáveis
pelo trabalho.
Somente após a Proclamação da Independência, os recursos empregados
para a melhoria do caminho serão provenientes da cobrança de impostos. Até então
eram os proprietários ao longo do caminho que financiavam com a sua mão de obra
a execução das melhorias.
Um aspecto que deve ser levado em conta é a natureza dos documentos
textuais analisados que, na sua grande maioria, trata-se de correspondência oficial
administrativa e militar, conservada nos arquivos em função do seu caráter legal.
São raros os casos em que se têm dados fornecidos por práticos e, neste
caso, geralmente anexados a um documento oficial. Portanto, dentro deste
contexto, falta a produção textual dos principais sujeitos e usuários do Caminho de
Tropas: os tropeiros. É provável que estes, ou pelos menos alguns deles, fizessem
suas próprias anotações em cadernetas ou algum tipo de diário.
Alguns dos dados documentais aqui apresentados fornecerão subdios para
análise do caminho e a interpretação de suas estruturas viárias a serem abordadas
no quinto capítulo. O próximo capítulo apresenta os vestígios arqueológicos
remanescentes do Caminho das Tropas registrados em campo, a partir da
prospecção arqueológica realizada na área de pesquisa.
245
Foto: HERBERTS
246
4 PROSPECÇÃO ARQUEOLÓGICA NO CAMINHO DAS TROPAS
Pedra a pedra a estrada antiga sobe a colina, passa
diante de musgosos muros e desce para nenhum
sopé; encurva, nas abstratas encruzilhadas;
apaga-se, na realidade.
Fiama Hasse Pais Brandão
Trecho do Poema “Estrada de Fogo”
Neste capítulo, será apresentada a prospecção arqueogica realizada no
Caminho das Tropas, buscando compreender como as estruturas viárias do trajeto
foram construídas e/ou modificadas, bem como identificar os vestígios
arqueológicos das estruturas construídas e não construídas
147
que configuram a
paisagem atual.
O antigo traçado foi percorrido em diferentes oportunidades, para melhor
compreender os objetivos daqueles que no passado construíram e utilizaram essa
via.
Para realizar o levantamento dos vestígios arqueológicos do Caminho das
Tropas, elegeu-se dentro do espaço de pesquisa uma área piloto: a região da
Coxilha Rica, entre o rio Pelotas e a malha urbana de Lages. Esta escolha foi
determinada em função da existência de expressivos conjuntos bem conservados de
remanescentes arqueológicos de corredores e outras estruturas viárias.
Numa primeira avaliação, feita no trecho entre a cidade de Lages e o rio
Canoas (município de Correia Pinto), não foram identificadas estruturas de
corredores construídos no antigo traçado do Caminho, somente a atual estrada não
pavimentada sobre o leito da antiga.
No segmento do Caminho entre o rio Pelotas e a cidade de Lages, foram
147
Por estruturas não construídas, entende-se os vestígios resultantes das atividades realizadas, mas
não edificadas para tal função, como por exemplo, as sendas, depressões no solo, provocadas pelo
tráfego de animais e por ões erosivas, cujos remanescentes não foram escavados para esta atividade.
247
selecionados, como amostra para a prospecção, quatro trechos
148
:
a) Trecho A - entre o rio Pelotas e “O Bodegão”
149
: situa-se entre a margem
direita do rio Pelotas e uma área de alargamento do corredor de taipas de pedra,
formando uma “praça”, perfazendo 13.950 m de extensão. Na maior parte dele, a
atual estrada municipal LGS-050 tem seu traçado instalado dentro do corredor.
A escolha dessa parcela do Caminho justifica-se pela grande variabilidade do
compartimento topográfico e das estruturas existentes (senda estreita, senda larga,
corte de barranco, arrimo, corredores de taipa de pedra, sistema de drenagem, área
calçada).
Neste trecho, foi necessário, num primeiro momento, localizar e identificar o
traçado do Caminho original em uma extensão de aproximadamente 3 km,
encoberto pela vegetação e em abandono completo, cujas estruturas nunca tinham
sido alvo de prospecção científica, sendo desconhecidas das demais pesquisas
realizadas na área.
b) Trecho B - entre a Fazenda Cipó e a Fazenda São Luís: trecho do traçado
do Caminho das Tropas situado entre os acessos às sedes das fazendas Ci e o
Luís, perfazendo aproximadamente 4.089 m de extensão. Este trecho caracteriza-se
pela existência, em toda extensão, de corredores de taipa de pedra, pela travessia de
um curso de água importante, o rio Penteado, e pelas diferenças de relevo,
atravessando uma grande área de planície da bacia deste rio numa área de
“espraiado
150
”.
c) Trecho C - Região de São Jorge: segmento do caminho com corredores e
área somente com poucos resquícios de muros de taipa. O trecho selecionado situa-
se entre a Comunidade de o Jorge, partindo do terreno em frente à igreja, onde
havia um entreposto comercial, até alcançar a estrada local atual, em frente à sede
da Fazenda Capoeirinha, totalizando aproximadamente 1.818 m de extensão.
d) Trecho D - Fazenda Mont Serrat: segmento de corredor com
aproximadamente 3.700 m de extensão, atravessando a referida fazenda até a
margem esquerda do rio Pelotinhas, cruzando áreas úmidas e de drenagem.
148
Os trechos foram nomeados por letras alfabéticas em ordem crescente e os subtrechos
acrescentam, além da letra, o número em sequência crescente.
149
Armazém e bar situado na servidão do Caminho em uma área de alargamento, onde se localiza
também uma pequena comunidade e a Escola Municipal de Ensino Fundamental Visconde do
Araguaia.
150
Ponto do rio em que o leito se alarga, abrindo uma área ampla sobre base rochosa, formando
corredeiras, geralmente com nível de água raso e possível de travessia a pé, em períodos de estiagem.
248
Figura 44 - Mapa com a localização dos trechos A, B, C e D analisados do Caminho das Tropas
Fonte: Folhas Coxilha Grande (DSG, 1973) e São Sebastião do Arvoredo (DSG, 1974). Arte gráfica: A
autora (2008).
249
A escolha dos trechos B, C e D justifica-se pela ausência do leito da estrada
atual, servindo dessa forma como comparativo para o estudo dos efeitos do uso de
estradas dentro dos corredores de taipa de pedra sobre o Caminho antigo.Todavia,
não se afirma e nem se descarta a hipótese de que estes trechos tenham sido
usados como leito de rodagem, além da função de caminho para animais.
4. 1 TRECHO A: ENTRE O RIO PELOTAS E O BODEGÃO
O trecho A tem início na margem direita do rio Pelotas, onde se localiza o
Passo Santa Vitória, ponto de travessia deste rio. Este trecho estudado totaliza
13.950 m de extensão, conduzindo o Caminho desde a travessia do rio até a
abertura do corredor em forma de “praça”, onde se encontram, hoje, o bar e
armazém “O Bodegão” e a Escola Municipal de Ensino Fundamental Visconde de
Araguaia. Salienta-se que este trecho foi percorrido no sentido sul norte,
refazendo o trajeto no percurso mais habitual nos séculos XVIII e XIX, entre o Rio
Grande do Sul e São Paulo. Contudo, o se pode afirmar que o Caminho também
não tenha sido utilizado no sentido contrário.
Em parte desse trecho, foi possível realizar um estudo minucioso em projeção
3D
151
, através da confecção de um modelo TIN
152
, em função de existirem três
folhas de ortofotocartas e levantamentos aerofotogramétricos em escala de 1:5.000
disponíveis para área de pesquisa, produzidas para o estudo de implantação do
Aproveitamento Hidrelétrico Pai Querê (CEPAQ, 2003).
A partir do mapa planialtimétrico, em projeção 2D
153
, usando os layers de
“cotas altimétricas” e “curvas de nível mestras e secundárias”, ambos pontos ou
linhas com valores de “z” relativos à elevação, foi projetado o Modelo Digital de
Elevação (DEM
154
) ou Modelo Digital do Terreno (MDT). No DEM, apresenta-se a
variação de compartimento topogfico da área expressa através do uso de uma
151
Imagem em 3D é um objeto apresentado em duas dimensões e que com o auxílio de recursos de
computação gráfica projeta-se o objeto de modo a ser visualizado tridimensionalmente, mais próximo
da forma real.
152
TIN: Triangulated Irregular Network Rede Irregular de Triângulos. “Estrutura de dados que
descreve uma superfície tridimensional como uma série de triângulos adjacentes formados de maneira
irregular” (TEIXEIRA; CHRISTOFOLETTI, 1997, p. 222).
153
O objeto em 2D possui duas dimensões: o comprimento e a largura. Neste caso, as entidades são
projetadas a partir de coordenadas x e y, que em análise espacial referem-se à latitude e longitude.
154
DEM: Digital Elevation Model Modelo Digital de Elevação. “Representação digital de um modelo
numérico da superfície da Terra, obtido a partir de um conjunto de coordenadas (x, y, z) de pontos
distribdos no terreno” (TEIXEIRA; CHRISTOFOLETTI, 1997, p. 84).
gama de cores gradual, abrangendo desde cores frias, como o azul, que representam o relevo mais baixo, até cores quentes, como
o vermelho, que representam o relevo mais alto (ver figura 45b).
Figura 45 - Composição do modelo TIN: a) mapa planialtimétrico em 2D; b) DET /DTM; c) ortofotocarta
Fonte: Ortofotocarta, folhas PQ29, PQ30, PQ31, AHE Pai Que (CEPAQ, 2003) e a autora (2007).
LEGENDA (em m.)
a)
c)
b)
251
Figura 46 - Modelo em projeção 3D: a) modelo TIN com os principais layers visualizados; b) modelo TIN com sobreposição da ortofotocarta e adição dos layers
Fonte: Ortofotocarta, folhas PQ29, PQ30, PQ31, AHE Pai Que (CEPAQ, 2003) e a autora (2007).
a)
b)
Com base no DEM, projetou-se o modelo em TIN (ver figura 46) em
visualização 3D
155
no software ArcScene do ArcGis 9.2. A ortofotocarta foi então
sobreposta ao TIN, formando a última imagem da figura 46, na qual a ortofotocarta
é visualizada em volume tridimensional. Sobre esta imagem, foram inseridos os
layers relativos à hidrografia, estrada municipal e a outras informações
importantes.
O trecho A foi subdivido em cinco subtrechos (ver figura 47) a partir da
análise dos dados de campo, conforme as suas variáveis, semelhanças construtivas
e características dos pontos avaliados, que foram agrupados e sintetizados para
melhor entendimento.
Figura 47 - Mapa em projeção 3D (modelo em 2,5D) com a localização dos cinco segmentos
subdivididos do trecho A
Fonte: Ortofotocarta, folhas PQ29, PQ30, PQ31, AHE Pai Querê (CEPAQ, 2003) e a autora (2008).
155
Na realidade trata-se de um modelo em 2,5D, ou seja, dimensão “dois e meio”, pois somente a
superfície está em elevação e não há a representação do volume do compartimento topográfico.
Subtrecho A1
Subtrecho A2
Subtrecho A3
Subtrecho A4
Subtrecho A5
253
4. 1. 1 Subtrecho A1: senda estreita
Situado entre a margem direita do rio Pelotas e o primeiro patamar onde
estão localizadas as mangueiras do sítio arqueológico “Complexo do Registro Santa
Vitória”
156
(SC-PQ-04), na margem catarinense, com extensão aproximada de 140
m.
O percurso parte do ponto de travessia do rio Pelotas (pt-01), na margem
direita, em frente à confluência da foz do rio dos Touros, formada por uma área com
afloramentos de blocos de basalto em forma de laje escalonada, como “degraus
naturais” (figura 48a).
Figura 48 - Registro fotográfico no subtrecho A1: a) início do trecho na margem direita do rio Pelotas
com afloramento rochoso escalonado (pt-01); b) senda estreita e profunda “serpenteando” a encosta
(pt-03)
Fotos: A autora. Data: 03/02/2008.
Neste subtrecho, foram avaliados seis pontos que se caracterizam por uma
senda estreita e profunda em encosta íngreme (figura 48b), com um trecho de
156
O sítio “Complexo do Registro Santa Vitória” (SC-PQ-04), na porção situada na margem direita do
rio Pelotas, junto do passo de mesmo nome, é formado por um conjunto de mangueiras, totalizando
uma área aproximada de 6.930 m². Segundo a documentação, foi fundado em 1772 e abandonado em
1848.
a)
b)
254
calçamento (ver figura 50).
Figura 49 - Mapa do subtrecho A1 com a localização dos pontos avaliados
Fonte: A autora (2008).
A altitude variou entre 695 e 738 m, conforme o mapa topográfico, havendo
um desnível total de 43 m nos 140 m de extensão. A senda sobe a encosta em
forma “serpenteada” para vencer o desnível, conforme apresentado no mapa (ver
figura 49). A vegetação do tipo mata ombrófila encobre toda a senda, reduzindo a
claridade e não permitindo a sua visualização em imagens de satélite.
A senda foi formada, provavelmente, pelo desgaste do solo provocado pelo
pisoteamento dos animais, associado à ação da erosão pluvial, o que acarreta o seu
aprofundamento. As rochas, que com o tempo surgem na superfície do solo, foram
m
255
empilhadas na lateral do percurso, em área de declive, formando uma espécie de
“muro de proteção”, ou seja, a ação de “limpar o caminho” produziu um amontoado
de pedras na lateral da senda.
O “muro” não apresenta qualquer cuidado no encaixe das pedras. As rochas
foram somente amontoadas para “limpar” o leito da senda (ver figuras 48b e 50a).
Na lateral contrária ao “muro”, apresenta-se o barranco profundo e vertical,
delimitado pelo uso da senda. O solo é bastante pedregoso e, por isso, muitos
blocos rochosos de basalto ficam soltos no leito da senda.
O aspecto geral do espaço de circulação é bastante estreito, com no máximo
2 m de largura e 1,80 m de profundidade, permitindo a passagem de somente um
animal de cada vez, de forma enfileirada (ver figura 50b).
Figura 50 - Registro fotográfico no subtrecho A1: a) detalhe de acúmulo de rochas formando uma
espécie de muro de proteção(pt-02); b) vista geral da senda estreita e profunda com blocos rochosos
soltos no leito (pt-03)
Fotos: a) A autora; b) Adelson André Brüggemann. Data: 03/02/2008.
Neste subtrecho, encontra-se uma superfície calçada com pedras irregulares
em uma curva aberta (pt-04), com aproximadamente 8 m de extensão e 1,80 m de
largura (ver figura 51). A calçada está situada junto a um grande bloco rochoso,
sendo delimitada por outros menores, pelo barranco e pela margem escarpada, o
que impossibilitava a busca por alternativa de outro percurso.
Ao final, este segmento alcança um primeiro patamar aplainado na encosta e
desemboca no interior de uma grande mangueira, que funcionava como curral para
reter os animais, descansar a tropa e organizar a subida do subtrecho seguinte.
a)
b)
256
Figura 51 - Vista geral e detalhe da área em curva no subtrecho A1 (pt-04)
Fotos: a) Adelson André Brüggemann; b) A autora. Data: 03/02/2008.
4. 1. 2 Subtrecho A2: corredor e senda
Este subtrecho situa-se entre a mangueira, em patamar de encosta suave,
até uma clareira no segundo patamar semiplano, antes do aclive mais íngreme. É
possível percorrer a encosta sem maiores dificuldades.
Neste subtrecho foi encontrado o primeiro trecho de corredor de taipa de
pedra. Dos 660 m de extensão total, aproximadamente 270 m são delimitados por
muro de taipa de pedra. A cota altimétrica variou de 735 m a 835 m.
A densa cobertura vegetal de mata ombrófila dificultou a visualização e o
mapeamento das estruturas. Tal problema acarretou a imprecisão da localização e
do registro dos vestígios arqueológicos no croqui do trecho. O primeiro trecho de
corredor está totalmente encoberto pela vegetação (ver figura 53d), que cresceu no
seu interior depois do abandono, indicando que este não era mais utilizado
muito tempo.
O corredor foi parcialmente destruído quando da construção da estrada
municipal que o cortou perpendicularmente (ver figura 53c). Este é formado por
dois muros paralelos com largura aproximada de 20 m. No seu interior, um
caminho novo aberto de acesso à mangueira (ver figura 53a).
Os muros foram construídos com grandes blocos arredondados e sem
lascamento. Todos os blocos encaixam-se entre si e não somente os das faces
externas.
Há trechos formados por corredores de taipa em ambos os lados, outro
somente à direita, intercalando com trilhas fundas em forma de sendas, ora
a)
b)
257
estreitas ora largas, e ora fundas ora rasas.
Figura 52 - Mapa das estruturas registradas no subtrecho A2
Fonte: A autora (2008).
A área interna do corredor (entre pt-11 e pt13, pt-12 e pt-14) apresentou, na
parte central, um grande acúmulo de pedras, com aproximadamente 27 m de
extensão, e, lateralmente, 3 sendas marcadas no solo pelo trânsito de animais, uma
258
espécie de “vala” ou trilhas à direita ou à esquerda do amontoado de pedras.
Figura 53 - Registro fotográfico do subtrecho A2: a) caminho novo aberto no interior do início do
corredor. Ao fundo a mangueira do registro; b) detalhe do muro de taipa de pedra (pt-07 e pt-09); e)
corredor cortado pela estrada municipal (projeção em tracejado); f) trecho com taipa no interior do
mato (pt-11)
Fotos: A autora. Data: 03/02/2008.
Parte desse trecho, na sequência do traçado, não possui corredor
delimitando o caminho, mas uma sequência de sendas estreitas ou largas, fundas
ou rasas, com ou sem amontoados de pedras. Devido à vegetação, tornou-se
impraticável fazer um registro completo, o que somente seria possível fazendo a
supressão parcial ou total da vegetação (mata ombrófila e capoeira de porte médio)
e usando equipamento que não necessite de conexão com satélites.
4. 1. 3 Subtrecho A3: dois traçados
No subtrecho A3, percorre-se um aclive na terceira encosta que dá acesso a
um patamar em campo aberto. Neste subtrecho, constatou-se a existência de dois
percursos distintos e paralelos:
a)
b)
c)
d)
259
4. 1. 1. 1 Subtrecho A3a: primeiro traçado
Provavelmente, foi o primeiro traçado a ser usado, e, portanto, o mais antigo.
Caracteriza-se por uma mescla de vários vestígios do Caminho: um trecho de senda
larga e rasa, outra de senda profunda e estreita, uma curva fechada e um trecho de
corredor de taipa e corte de barranco (ver mapa figura 58). Todos estes vestígios são
resultado das estratégias e soluções construtivas para vencer o último trecho
íngreme desta encosta. O percurso deste segmento perfaz aproximadamente 360 m
de extensão e a altitude varia entre 845 e 910 m.
Neste subtrecho, o caminho se inicia com uma senda larga e rasa,
prosseguindo com a diminuição da largura (figura 54). À medida que o aclive
aumenta, a senda vai estreitando e aprofundando. Este desgaste está relacionado à
combinação do tipo de solo argiloso e o relevo íngreme que, com o trânsito das
tropas de animais, provocaram a erosão. Somando-se a isto os efeitos erosivos
pluviais, o resultado foi um grande “valo” com mais de 2 m de profundidade ao final
do trecho, quase no topo do platô (ver figuras 55a e c).
Figura 54 - Vista de trecho da senda larga e rasa do caminho (tracejado), situado em área de cobertura
vegetal densa
Fotos: A autora. Data: 03/02/2008.
Esta senda estreita e profunda (pt-21) é formada por um “valão” com,
aproximadamente, 3,80 m de largura, entre barrancos que possuem uma altura de
mais de 2 m. O “valão” possui uma cobertura vegetal de mata ombrófila que o
encobre totalmente e que se soma à presença de samambaias e grande quantidade
260
de musgos. O piso é de afloramento de laje de basalto, com acúmulo de água em
alguns pontos, o que torna o local bastante úmido (ver figura 55d). Esta senda
profunda formou-se pelo desgaste do solo até alcançar o afloramento da laje, o que
impediu um afundamento ainda maior.
Figura 55 - Registro fotográfico no subtrecho A3a: a) detalhe da profundidade da senda (pt-21); b)
curva acentuada em área aberta delimitada por muro de taipa (pt-22); c) senda estreita e profunda,
espécie de um “valão” (pt-21); d) piso do “valão” de laje de basalto (pt-21)
Fotos: A autora. Data: 03/02/2008.
No entanto, ao chegar ao final do “valão” estreito e profundo, constatou-se
um grande desnível, provavelmente provocado pela erosão do local,
impossibilitando, atualmente, a subida ou descida pelo mesmo, ou seja, o “degrau”
a)
b)
c)
d)
261
ficou muito alto para a passagem de pessoas e animais. Este talvez seja o motivo
para que esse segmento tenha sido abandonado e utilizado outro traçado paralelo
para vencer a última encosta para o platô, o trecho A3b.
Na sequência, uma área aberta com capoeira em curva fechada (figura
55b). Este ponto muda completamente o sentido do percurso, que seguia o sentido
nordeste, praticamente em linha reta, desde a mangueira do Registro Santa Vitória.
Agora, o traçado toma o sentido norte para continuar o seu percurso sobre o
planalto entre as coxilhas.
Nessa curva há um trecho demarcado por taipa de pedra com 1 m de altura e
50 cm de largura. O outro trajeto delimita-se com um corte de barranco com
aproximadamente 2 m de altura. A taipa de pedra funciona como muro onde não há
barranco balizando.
A área é ampla no início e afunilada depois pelos percalços existentes (ver
figura 56). Essa grande área em forma de pequena “praça” talvez se explique pela
necessidade de a marcha da tropa ser feita com cautela no trecho em forma de
“gargalo”, limitando a passagem de um animal por vez, em razão dos obstáculos, e,
assim, ser necessária a parada dos animais em um ponto, antes de seguirem
enfileirados.
Nessa área, um afloramento de grandes blocos rochosos e o acúmulo em
um monte no centro, diminuindo o espaço de trânsito para um corredor escalonado
pelas rochas, em forma de degraus, à direita e com desnível. O percurso é ainda
dificultado por um ponto de lama e erosão à esquerda desse amontoado de rochas
(ver figura 56a).
Na sequência do subtrecho A3a, o traçado percorre um último segmento de
encosta (pt-23), num patamar superior, em área de campo aberto. Comem-se
de muro de taipa de pedra à esquerda e duas linhas de amontoados de pedras e
dois cortes de barranco à direita. As estruturas delimitam, pelo menos, quatro
sendas rasas de passagem de animais. A largura máxima deste subtrecho é de 21
m, semelhante ao corredor inicial (subtrecho A2).
Neste subtrecho percebem-se também amontoamentos de pedras para limpar
o leito do caminho. Todavia, neste caso, as rochas foram organizadas em
alinhamentos, distribuindo a área de trânsito (ver figura 57b), que são formadas por
sendas, entre a taipa e os alinhamentos ou entre estes e os cortes de barranco.
262
Figura 56 - Área da curva fechada (pt-22): a) esquema da planta baixa da área em curva fechada; b)
detalhe da área escalonada; c) vista geral da área ampla na curva com taipa de pedra
Fotos: A autora. Data: 03/02/2008.
O muro de taipa tem uma extensão de 115 m e suas dimensões variam de
1,30 m altura xima, de 40 cm a 60 cm de largura superior e 80 cm de largura
inferior. A taipa é construída com o encaixe a seco de blocos irregulares, sendo os
maiores na base e menores na parte superior. Possui acabamento superior com a
colocação de uma rocha alongada e em placa de basalto, funcionando com uma
b)
c)
a)
263
espécie de “telha cumeeira” no muro. O muro de taipa serve também de limite para
o segundo trajeto do caminho, o traçado mais recente, nomeado de subtrecho A3b.
Figura 57 - Registro fotográfico no subtrecho A3a: a) encosta após a curva, com taipa de pedra na
lateral esquerda; b) alinhamentos de amontoamentos de rochas; c) uma senda (tracejado) próxima ao
muro de taipa de pedra; d) detalhe da taipa de pedra numa lateral do caminho
Fotos: A autora. Data: 02/02/2008.
4. 1. 1. 2 Subtrecho A3b: segundo traçado
Considera-se como o traçado mais recente e alternativo em relação ao
traçado do subtrecho A3a, conforme as razões explicitadas para o abandono
daquele percurso. Possui aproximadamente uma extensão total de 350 m. Trata-se
também de um percurso em aclive e em encosta, com a altitude variando entre 845
c)
d)
a)
b)
264
m e 905 m e vegetação aberta do tipo capoeira (ver figura 58).
Figura 58 - Mapa dos vestígios materiais do subtrecho A3 e dos dois percursos
Fonte: A autora (2008).
Nesse itinerário, o trajeto inicia-se por uma senda mais profunda e suaviza
posteriormente, até chegar a ter a aparência de um leito de estrada. A senda
profunda caracteriza-se por uma vala em linha reta no sentido noroeste, situada à
esquerda do subtrecho A3a (pt-24). Percorre aproximadamente 50 m e faz uma
265
curva em ângulo reto, mudando o sentido do percurso para nordeste. O corte de
barranco tem 1,50 m de altura máxima (ver figura 59a).
Num determinado trecho, o caminho formou-se pelo desgaste do solo aliado
ao processo erosivo pluvial (pt-24 e pt-25), resultando numa senda profunda. No
entanto, a linha reta marcada também no registro visual, na análise das imagens de
satélite, implica, provavelmente, a ação antrópica que demarcou o traçado.
Após a curva, o percurso segue por mais 50 m e, então, o trajeto alarga-se,
tomando as feições de um leito de estrada (pt-26). Nesse ponto, a estrada se
caracteriza por corte de barranco à esquerda, na encosta, e alinhamento de pedras
à direita.
O alinhamento demarca o leito da estrada em relação à encosta baixa (ver
figura 59b) e, a princípio, não funcionava como um muro de arrimo. Parece ter se
formado pela acomodação, na lateral da estrada, das rochas evidenciadas no
Caminho. Sua disposição não parece sugerir qualquer tipo de organização.
Nesse subtrecho, constatou-se um alinhamento de blocos rochosos
organizados transversalmente ao leito da estrada (pt-27). Sua aparência sugere
uma espécie de “degrau” no trajeto, em torno de 30 cm de altura (ver figura 59c).
Ao observar a sua constituição, percebeu-se que o mesmo foi construído
com o encaixe de blocos de forma arranjada para funcionar, provavelmente, como
um pequeno muro de contenção. Esta função é apenas uma hipótese para explicar
tal formação, pois se trata de uma encosta com processo de erosão pluvial, onde o
leito da estrada funcionaria como um canal para o carreamento do solo encosta
abaixo.
Ao percorrer aproximadamente 160 m, o traçado muda novamente o rumo
seguindo a encosta superior menos íngreme no sentido nordeste, paralelamente ao
muro de taipa descrito anteriormente no subtrecho A3a. À direita, a estrada é
demarcada pelo corte de barranco. São cerca de 115 m de percurso achegar o
ponto onde se une com o subtrecho A3a.
Nesse subtrecho, as estratégias adotadas buscaram, primeiro, contornar os
obstáculos surgidos no percurso do subtrecho A3a e, mais tarde, com o seu
abandono, procuraram um traçado alternativo para alcançar o platô e vencer o
último trecho de encosta íngreme, o percurso A3b. Dessa forma, os vestígios
arqueológicos sinalizam claramente estes dois percursos constatados e
materializados na ortofotocarta analisada.
266
Figura 59 - Registro fotográfico no subtrecho A3b: a) senda profunda (pt-25); b) leito da estrada e
alinhamento de pedras delimitando o traçado; c) detalhe do “degrau” de blocos rochosos
transversalmente ao leito da estrada (pt-27); d) leito da estrada e muro de taipa à direita
Fotos: A autora. Data: 03/02/2008.
4. 1. 4 Subtrecho A4: leito de estrada, corte de barranco e arrimo
O segmento A4 caracteriza-se pelo leito de estrada com corte de barranco à
esquerda e trechos com muro de arrimo à direita, estruturas marcadas na
paisagem e visíveis nas imagens de satélites. Este subtrecho é percorrido todo em
área de campo aberto.
Na lateral onde há o corte de barranco, este ponto corresponde a uma
elevação topográfica, o que explica o leito estar mais rebaixado que a superfície do
terreno na margem esquerda. Já na lateral direita, ocorre o inverso: a área se
caracteriza por um declive e, em certos trechos, houve a necessidade de construir
um muro de arrimo para manter o leito da estrada nivelado, evitando o
desabamento da mesma.
Nos trechos da lateral direita em que corte de barranco, ocorre a mesma
situação que a explicitada para a margem esquerda, ou seja, leito de estrada entre
a)
b)
d)
c)
267
barrancos (pt-29), pois localiza-se entre elevações em ambas as laterais, não sendo
necessário qualquer tipo de dispositivo de contenção.
Figura 60 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A4
Fonte: A autora (2008).
Conforme se observa no mapa do subtrecho (ver figura 60), o percurso segue
em meia encosta, mantendo, em quase todo o espaço, o mesmo nível altimétrico, ou
seja, em torno de 915 m. Os pontos avaliados variaram somente entre 915 m e 920
m. O leito de estrada contorna um morro com altitude máxima de 955 m à
esquerda e desnível inferior à cota de 905 m à direita do traçado.
268
Figura 61 - Vista geral e detalhe do muro de arrimo na lateral direita do leito do caminho com escala
de 50 cm (pt-30)
Fotos: A autora. Data: a) 03/02/2008; b) 02/02/2008.
Nesse subtrecho, há dois locais (pt-31 e pt-33) que se caracterizam por serem
áreas úmidas (ver figura 62a). Este fenômeno ocorre em função do afloramento na
encosta superior e o acúmulo de água sobre o leito da estrada. Atualmente,
percebe-se o trânsito esporádico de animais neste local, pois o mesmo é usado
como área de pastagem. Devido ao fato de animais ainda passarem neste subtrecho
do Caminho, o solo está bastante pisoteado e com água, havendo trechos de lama.
Dessa forma, não é possível precisar se esse fenômeno de acúmulo de água é
recente, pois não é realizada a manutenção do leito da estrada e nem o uso de
algum tipo de drenagem, afinal esse trecho não é usado como via pelos habitantes
da região, mas pelo gado que pasta no local e circula aleatoriamente pela área.
Possivelmente, quando a estrada era usada para o trânsito das tropas ou
mesmo apropriado ao tráfego de carroças e outros veículos, havia algum sistema de
drenagem que não permitisse o acúmulo de água, evitando assim a formação de
lama, que esta condição de terreno dificultava a passagem dos animais e
veículos, além de aumentar os riscos de acidentes. indícios de blocos de rocha
assentados sobre o leito, mas não foi possível precisar se eram de algum tipo de
calçamento ou se foram evidenciados pelo pisoteamento atual do gado.
Nesse trajeto, no ponto úmido, o muro de arrimo se confunde com o
alinhamento de blocos de rochas, delimitando o leito da estrada. As pedras usadas
são blocos rochosos naturais, com formato irregular, que foram amontoados e que
estão muito bem alinhados e organizados (ver figura 62b).
a)
b)
269
Figura 62 - Registro fotográfico no subtrecho A4: a-b) área úmida com alinhamento de blocos de rocha
e detalhe da organização das pedras enfileiradas (pt-31); c) área com afloramento de água no leito da
estrada (pt-31); d) vista geral do leito da estrada com 3,80 m de largura e corte de barranco à esquerda
com 70 cm de altura (pt-32)
Fotos: A autora. a-b) Data: 02/02/2008; c-d) Data: 03/02/2008.
Quase no final desse subtrecho, na margem esquerda do Caminho, foi
identificada na imagem de satélite uma estrutura geométrica, com formato
retangular. A avaliação realizada em campo constatou que era uma espécie de
curral de taipa de pedra. Foi registrado como sítio arqueológico “Tapera do Nicanor
Alves”
157
(SC-LG-05).
157
O sítio arqueológico “Tapera do Nicanor Alves” (SC-LG-05), segundo informação oral de Adair da
Silva, era a moradia de Nicanor Alves ou de um de seus filhos. Possui uma mangueira em forma
a)
b)
c)
d)
270
No fim do leito de estrada, entre barrancos, inicia-se a taipa de pedra com
cerca de arame farpado (pt-34) encoberta por um capão de mato à esquerda do
leito. Está parcialmente desmontada, com altura média entre 30 e 40 cm.
A partir do local onde inicia o corredor (pt-35), com muros de pedra paralelos
(ver figura 63a) e a estrada municipal passando pelo seu interior, a taipa deixa o
corredor e segue à esquerda no sentido sudoeste, descendo pelo outro lado do
morro até o Passo Santa Vitória.
O muro parece ter sido alterado, não tendo um aspecto muito sólido. Além
disso, possui moirões de cerca de arame farpado colocados no seu interior (ver
figura 63b). Provavelmente, foram introduzidos posteriormente à taipa, pois alguns
estão dentro do muro e outros na lateral deste. A taipa não possui vestígios do
acabamento superior feito na cobertura com uma rocha alongada.
Figura 63 - Registro fotográfico no subtrecho do pt-35: a) vista geral do muro de taipa e leito da
estrada municipal; b) detalhe do muro de taipa, formado pelo encaixe de pedras irregulares com a
presença de moirões de cerca de arame farpado
Fotos: a) Yan Sant‟Ana Soares; b) A autora. Data: 03/02/2008.
Ao analisar o desenho e a orientação do muro no mapa (ver figura 60), o
mesmo es alinhado com a sua continuação no corredor de muros paralelos,
margem esquerda, mas o trecho de taipa que continua está ligado com o muro da
margem direita. O local sugere ter sofrido alguma alteração na continuação da taipa
(pt-35), pois neste ponto foi instalada uma porteira e, em seguida, há o sítio
retangular e cercada parcialmente por taipa. Está situado entre dois topos de morros, protegido do
vento sul. As taipas são formadas por blocos de pedra encaixados, grande quantidade de basalto em
blocos, que parecem terem sido escolhidos ou estourados (não lascados) por temperatura para
apresentar face plana. Altura máxima da taipa é de 1 metro e largura superior de 55 cm.
a)
b)
271
arqueológico “Tapera do Tio Cássio
158
(SC-LG-06), cujas estruturas estão ligadas à
margem direita do corredor do Caminho das Tropas.
4. 1. 5 Subtrecho A5: corredor de taipa e estrada municipal
Este subtrecho, devido à grande extensão e à quantidade de pontos
avaliados, será apresentado de forma agrupada, por segmento de mapa, a fim de
facilitar a compreensão. Serão apresentadas as principais características de cada
segmento levantado e desenhado em mapa, contemplando as informações de todos
os pontos avaliados no Apêndice B.
Figura 64 - Mapa em projeção 3D (modelo 2,5D) com a localização da parte inicial do segmento do
subtrecho A5
Fonte: Ortofotocarta, folhas PQ29, PQ30, PQ31, AHE Pai Querê (CEPAQ, 2003) e a autora (2008).
158
O sítio arqueológico “Tapera do Tio Cássio” (LG-SC-06) caracteriza-se por remanescente de uma
moradia formada por dois terraplenos e mangueiras. O sitio margeia pelo lado sul o Caminho das
Tropas. Segundo informação oral de Dona Zaira Wolff, pertenceu ao Sr. Jozé Cassildo Batista e foi
destruída num vendaval.
Subtrecho A5
272
Figura 65 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-36 e pt-49
Fonte: A autora (2008).
A partir do início do corredor de taipa de pedra com a estrada municipal no
seu interior, considerou-se como um único subtrecho, o A5, pois este possui
273
semelhanças em toda a sua extensão de aproximadamente 11 km.
Os mapas das figuras 64 e 65 demonstram parte do subtrecho do segmento
A5
159
, no qual se observa que o corredor foi instalado na melhor condição
topográfica, ou seja, no planalto com pequenas variações de altitude referentes às
ondulações das coxilhas, variando entre 915 m e 956 m.
Este subtrecho entre os pontos pt-36 e pt-49 perfaz aproximadamente 1 km
de extensão, apresentando segmentos com e sem corredor. Nessa imagem,
observam-se trechos de corredor de taipa assinalados em vermelho escuro, os com
cerca de arame farpado em preto e os muros de pedra com cerca de arame em
vermelho.
Esse segmento inicia com um trecho de corredor, ou seja, muros de taipa de
pedra paralelos tendo a estrada municipal (LGS-050) instalada no seu interior. No
início da margem direita, o muro tem somente 60 m de extensão, sendo que os
últimos metros estão parcialmente desmontados (pt-36). A taipa de pedra foi
construída com grandes blocos irregulares laterais e pedras menores encaixadas no
meio, tendo a base da taipa 1,20 m de largura. (ver figuras 66a e b).
Não foi possível precisar o porquê de a taipa ser interrompida neste ponto,
mas junto deste situa-se o sítio arqueológico “Tapera do Tio Cássio” (SC-LG-06).
Portanto, sugere-se que os blocos retirados da taipa tenham sido reutilizados nas
mangueiras e demais unidades quando da instalação dessa moradia, que deve ser
posterior ao corredor, pois partes das mangueiras utilizam uma das paredes do
próprio muro do corredor.
O muro de taipa da margem esquerda segue por um longo trecho, variando a
sua altura entre 60 cm e 1 m. Em vários pontos ocorrem interrupções, seja em caso
de porteira, estrada de acesso à propriedade (pt-39) ou pelos resquícios de
habitação.
uma interrupção na taipa na margem esquerda (pt-38) com
aproximadamente 4 m e a instalação de arame farpado para fechar o local. Neste
local, foram identificados vestígios remanescentes de uma moradia instalada dentro
do caminho, que foi registrada como o sítio arqueológico “Tapera do Nicanor
Bastos”
160
(SC-LG-07).
159
O segmento A5, por ser muito extenso, será apresentado em diversos mapas detalhando suas
estruturas para melhor visualização.
160
O sítio arqueológico “Tapera do Nicanor Bastos” (SC-LG-07) caracteriza-se por vestígios de uma
moradia situada dentro do corredor do Caminho das Tropas. Parte do muro do corredor está
desmanchando neste ponto. Provavelmente, foram usados os blocos ausentes na taipa dos muros para
os arrimos dos terraplenos, numa espécie de "degraus". Pela cultura material e a efemeridade dos
274
Figura 66 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-36 e pt-38: a-b) muro de taipa de
pedra parcialmente desmontado (pt-36), que foi construída com grandes blocos de rocha nas laterais e
pedras menores encaixadas no meio; c) interrupção na taipa e instalação de cerca de arame farpado
(pt-38), em local onde havia uma moradia (sítio SC-LG-07); d) muro de taipa de pedra na margem
esquerda (pt-37 e pt-38)
Fotos: a-c) A autora; d) Adelson André Brüggemann. Data: 03/02/2008.
Na margem direita, prosseguem aproximadamente 430 m de cerca de arame
farpado sem quaisquer vestígios de muros de taipa de pedra. Esta somente
reaparece numa extensão de 50 m (entre os pt-40 e pt-41). No fim desta taipa,
uma porteira de acesso a um saleiro (pt-41) e, em seguida, outra ausência de 110 m
de extensão no corredor. Nesta porteira situam-se os remanescentes de outro sítio
de habitação, que foi registrado como “Tapera Dona Filomena”
161
(SC-LG-12).
Observa-se um ponto de vértice com taipa de pedra (pt-42) encoberto por
mata ombrófila (ver figura 67c). O muro direito do corredor prossegue então por
materiais, além de usar provavelmente parte dos blocos que compõem o corredor de tropas, sugere-se
que sua datação seja da segunda metade do século XX.
161
A “Tapera Dona Filomena” (SC-LG-12) situa-se nas imediações do Caminho, atrás de uma colina,
em um patamar aplainado. Possui uma mangueira constrda de taipa de pedra, funcionando em um
segmento como arrimo de uma encosta abrupta. Segundo informação oral, seria a residência de Dona
Filomena.
a)
b)
c)
d)
275
mais 1 km de extensão. Não foi possível precisar as causas das ausências
constatadas em rios trechos do corredor.
Figura 67 - Registro fotográfico dos pontos pt-41 e pt-42: a) muro de taipa de pedras (pt-41); b) trecho
sem taipa e a existência de cerca de arame farpado junto da estrada municipal (pt-41); c) vértice
(tracejado) de muro de taipa de pedras (pt-42); d) porteira instalada no corredor (pt-53)
Fotos: A autora. Data: a-c) 04/02/2008; d) 19/04/2008.
Na margem esquerda, o muro de taipa do corredor prossegue por
aproximadamente 740 m, com algumas interrupções. A partir do pt-45, o
taipa sinalizando o corredor, somente cerca de arame farpado delimitando a faixa
da estrada da propriedade por uma exteno de 180 m. Ambos os muros
perpendiculares a oeste estão relacionados à construção do sítio arqueológico
“Tapera da Restinga”
162
(SC-LG-08), formando uma grande mangueira que aproveita
o muro do corredor como parede leste do cercado.
162
O sítio arqueológico “Tapera da Restinga” (SC-LG-08) caracteriza-se por um conjunto de
mangueiras de taipas de pedra e terraplenos. Algumas estruturas estão situadas anexas ao corredor
do Caminho das Tropas. Segundo informação oral pertenceu ao Sr. Martin Bianchini. Tinha galpão,
chiqueiro e casa grande. Foi desmanchada pelo pai do Sr. Adair Branco e remontada na propriedade.
Só restaram as taipas.
a)
b)
c)
d)
276
Ainda relacionado a esse conjunto de estruturas do sítio arqueológico SC-LG-
08, foi identificada uma antiga porteira (pt-53) instalada no corredor com 2,50 m de
largura. Ela permitia o acesso ao tio, sendo possível observar uma senda rasa a
partir do corredor em direção a outra mangueira (ver figura 67d). Observa-se que a
porteira funcionava como acesso lateral em relação à grande mangueira, cuja
estrutura é formada com uma das paredes do próprio corredor (pt-43 e 44).
Na margem direita, identificou-se outra interrupção de 3,60 m no corredor
para a porteira de acesso a um saleiro (pt-46). Neste ponto, a taipa tem uma altura
reduzida para 50 cm. Isto explica porque foi necessário acrescentar moirões e cerca
de arame farpado para delimitar a área, ou seja, a taipa está com a altura bastante
reduzida, o que poderia possibilitar a travessia de animais.
No reinício do trecho de muro de pedra na margem esquerda (pt-47), foram
empregados blocos de basalto arredondados grandes e pequenos, sem a
preocupação com o acabamento da superfície e cobertura (ver figura 68b).
Nessa margem, foi localizada outra abertura na taipa (pt-48) com 2,70 m de
extensão, que se caracteriza por quinas retas bem pronunciadas na face externa do
corredor, semelhante a uma abertura que foi posteriormente fechada, restando a
diferença na espessura do muro (ver figura 68e e f).
Junto desse local, observou-se um rebaixamento no solo, uma espécie de
depressão de uma trilha, ou seja, uma senda. Estes indícios indicaram que poderia
se tratar de uma antiga porteira. De fato, a hipótese foi confirmada quando do
registro do sítio “Tapera do Sebastião Garcia
163
(SC-LG-09), situado a 50 m do
corredor, pois havia um carreiro entre este sítio e a antiga abertura do corredor,
apontando que a mesma teria servido de acesso à moradia.
No final desse segmento, na margem esquerda, identificou-se um muro de
taipa de pedra a oeste, perpendicular ao corredor (pt-49). Possui aproximadamente
26 m de extensão e, devido à proximidade com o sítio SC-LG-09, esse trecho de
muro poderia estar relacionado com o mesmo.
163
O sítio “Tapera do Sebastião Garcia” (SC-LG-09) trata-se de uma unidade residencial com
remanescentes da fundação em pedra e alinhamentos de taipas. Situa-se no alto de uma colina e
possui uma senda e antiga porteira de acesso no corredor. Há um grande carvalho no local.
277
Figura 68 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pt-46 e pt-48: a) muro de taipa de pedras
com cerca de arame farpado (pt-46); b) muro de taipa de pedras (pt-47); c-d) trecho de muro de taipa
de pedras (pt-47 e pt-48); e-f) vestígios de uma antiga porteira na taipa do corredor (pt-48)
Fotos: a, f) A autora. Data: a) 04/02/2008, f) 19/04/2008; b-e) Adelson André Brüggemann. Data:
04/02/2008.
Prosseguindo a análise deste segmento do subtrecho A5 entre os pontos pt-
51 e pt-68, o muro de taipa de pedra da margem esquerda do corredor continua por
cerca de 2 km a chegar à Comunidade do Faxinal. Nessa extensão, ocorrem
pequenas interrupções (acesso de propriedades, porteiras antigas), mas nenhum
trecho sem delimitação de corredor conforme apresentado no mapa (ver figura 69).
a)
b)
c)
d)
e)
f)
278
Figura 69 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-50 e pt-68
Fonte: A autora (2008).
Por outro lado, o muro de taipa da margem direita possui uma extensão de
1.300 m, desaparecendo por completo (pt-61), seguindo um longo trecho, que
279
ultrapassa o Faxinal, sem indícios de muro de pedra nesta margem.
Na margem direita, também ocorrem algumas interrupções pequenas e
pontos com muros ou cercas perpendiculares ao corredor. Nesse segmento (pt-50 e
68), o corredor está orientado em sua maior parte no sentido nordeste, mudando o
rumo, sentido noroeste (pt-64). Em uma área (pt-50) foi observado o uso de pedras
de basalto em forma de placas, assentadas de forma horizontal (ver figura 70a).
Na margem direita, os muros perpendiculares, situados a leste do corredor
(pt-51 e pt-52), formam um mangueira retangular, aproveitando o muro do corredor
como a parede oeste para formar a área cercada. Esta estrutura em taipa foi
registrada como o sítio “Mangueira do Faxinal”
164
(SC-LG-10).
A partir dessa porção do caminho, observam-se estruturas relacionadas a
sistemas de drenagem, anteriormente não identificadas. Foram constatadas duas
valas perpendiculares (pt-54) ao muro da margem esquerda, sendo uma maior e
outra menor (ver figura 70b).
Figura 70 - Registro fotográfico dos pontos pt-50 e pt-54: a) trecho de muro de taipa com rocha de
basalto em placas horizontais (pt-50); b) sistema de drenagem formado por duas valas no relevo (pt-
54)
Fotos: Adelson André Brüggemann. Data: 04/02/2008.
Além das valas, foram identificados, em meio a vegetação, drenos na margem
esquerda do corredor. Porém, na margem direita não foi identificada a presença de
drenos. Em razão da proximidade, a água escorre naturalmente entre a base do
muro do corredor, pois há um desnível entre a margem direita e esquerda.
164
O sítio “Mangueira do Faxinal” (SC-LG-10) se caracteriza por uma área em taipa de pedra de
formato retangular situada junto ao corredor do Caminho das Tropas, usando o muro do corredor
como a parede noroeste. Não foi verificada a existência de edificação, como moradia em anexo, mas
não se descarta essa hipótese. Possui área total de 1.674 m².
a)
b)
280
Outro ponto de drenagem foi observado na sequência (pt-55). Trata-se de um
dreno estreito, construído sob o muro de pedra. Este dreno poderia também estar
relacionado ao banhado existente na margem direita, apesar de se localizar 100 m
distante do mesmo, pois situa-se na mesma cota altimétrica. O mesmo funcionaria
como um sistema para drenagem do acúmulo de água dentro do corredor ou na
margem direita do caminho.
Na interrupção no corredor (pt-56) para a instalação de uma porteira (ver
figura 71a), observa-se que o acabamento no muro foi realizado com o uso de blocos
basálticos talhados sobrepostos e encaixados aos blocos de rocha natural disforme
e argamassados com cimento (ver figura 71b). Outro ponto de interrupção no
corredor, situado na margem direita, acesso à propriedade do Sr. Osvaldo (pt-
57). Ainda nessa margem, o muro de taipa de pedra e a cerca de arame farpado
estendem-se até o pt-61. Depois ausentam-se por um longo trecho.
Na margem esquerda, um muro perpendicular (pt-59) ao corredor com
extensão de 116 m (ver figura 71c) e cerca de arame farpado (pt-60), que formam
uma área cercada de formato retangular, provavelmente de uma antiga lavoura. Ao
lado desse ponto há uma abertura e uma trilha.
Nessa margem, foi constatado um trecho de 300 m de extensão no qual o
muro da taipa somente pode ser visto na parte externa do corredor, pois o leito da
estrada está aproximadamente 30 cm acima do topo do muro, soterrando-o na
margem interna.
O muro neste ponto (pt-62) tem 1,30 de altura, funcionando atualmente
como arrimo (ver figura 71d). O mesmo foi registrado em outros locais (pt-64 e pt-
65), cujo muro do corredor da margem esquerda encontra-se abaixo do nível da
estrada.
Identificaram-se outras aberturas no corredor, que dão acesso a um caminho
abandonado (pt-60 e pt-63) e uma porteira com 3,20 m de largura (pt-67), com
acabamento, mesclando blocos talhados e argamassa (ver figura 71e).
A partir do segmento seguinte, que abrange a Comunidade do Faxinal, entre
os pontos pt-69 e pt-83, não se têm disponíveis ortofotocartas e levantamento
planialtimétrico usados na confecção dos mapas e na análise das variáveis
ambientais na instalação do Caminho, como nos subtrechos anteriores.
Dessa forma, foi necessário utilizar outras fontes para produzir os mapas
detalhados, como imagens do Google Earth georreferenciadas e shapefile (curva de
nível, vias de transporte, hidrografia) do mapa São Sebastião do Arvoredo” (IBGE,
1974), em escala de 1:100.000. Entretanto, a qualidade do detalhamento da
281
implantação ambiental das estruturas ficou limitada, devido à ausência de uma
base cartográfica em escala maior.
Figura 71 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-56 e pt-68: a) interrupção no
corredor devido a uma porteira (pt-56); b) uso de blocos rochosos talhados para acabamento de local
aberto no corredor; c) muro perpendicular ao corredor (pt-59); d) trecho de muro de pedra soterrado
na margem interna do corredor; e) modificação na taipa para uma porteira (pt-67); f) cerca de arame
perpendicular ao corredor (pt-68)
Fotos: Adelson André Brüggemann. Data: a-d) 04/02/2008; e-f) 05/02/2008.
a)
b)
e)
d)
c)
f)
282
Figura 72 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-69 e pt-83
Fonte: A autora (2008).
No trecho do caminho que passa pela Comunidade do Faxinal, várias
alterações e interrupções realizadas no muro de taipa de pedra, na margem
283
esquerda, em virtude de diversas ações antrópicas, tais como a construção e a
instalação de edificações (casas, galpões, escola, igreja, salão de festa) e áreas
cercadas (mangueiras, lavouras, cemitério).
Nessa área, o Caminho parece fazer um alargamento de forma retangular
com ângulos oblíquos e retos, conforme observado na imagem de satélite (figura
73a) e no mapa (figura 72).
Apesar disso, quando da análise do formato dessa área, isso causava certo
estranhamento, comparando-se a outros pontos semelhantes, cujas formas
possuem ângulos suaves em ambas as margens do corredor, que vão abrindo até
formar uma espécie de “barriga”. Isso indicava um processo diferente dos demais
locais de alargamento, que poderia ser compreendido quando da análise em
campo das estruturas.
Numa análise mais detalhada in loco, pôde-se constatar que o local teve o seu
traçado original modificado. Nessa área (pt-76 e 77), a taipa do muro da esquerda
do corredor foi desmanchada e deslocada mais para a esquerda, mudando o
formato e a área do Caminho, como um adendo.
A taipa de pedra reconstruída possui altura inferior a taipa do corredor,
contornando as edificações existentes na comunidade. Entretanto, o traçado
original do muro pode ser observado pela base da taipa ainda remanescente no
local (ver figuras 73b e c).
Originalmente, o caminho nesse segmento era formado por um muro de taipa
de pedra reto, sem qualquer distinção, conforme o sinalizado com uma linha
intermitente no mapa (ver figura 72). Essas modificações foram realizadas para
inserir, junto à faixa de servidão da estrada, equipamentos públicos, como a escola,
a igreja e o salão de festas da comunidade, separando a área privada do tráfego
público.
Destaca-se que todo o trecho do Caminho na Comunidade do Faxinal é
formado atualmente apenas pelo muro de taipa da margem esquerda (ver figura 72).
No entanto, não foram observados vestígios que indicassem a existência do muro de
taipa na margem direita. Atualmente, esta margem é delimitada por moirões e
cercas de arame farpado. Caso existissem vestígios da base do muro, poder-se-ia
levantar a hipótese de que o mesmo tivesse sido desmanchado para uso nas
diversas construções existentes na própria comunidade.
Nesse segmento, uma série de cercas de arame perpendiculares ao muro
(pt-69, pt-71 e pt-72), que formam áreas cercadas na propriedade da Família Wolff,
usando o muro como uma das paredes.
284
Figura 73 - Área do anexo ao caminho na Comunidade do Faxinal: a) imagem de satélite; b)
modificação do traçado do corredor em ângulo oblíquo para esquerda (pt-76); c) detalhe da base da
taipa remanescente do antigo traçado do corredor
Fonte: a) Google Earth (DIGITAL GLOBE, 2006); b-c) Fotos: Adelson André Brüggemann. Data:
05/02/2008.
Na Comunidade do Faxinal, o “Cemitério do Faxinal”
165
(SC-PQ-21) utiliza
165
O Cemitério do Faxinal (SC-PQ-21) foi cadastrado em 2004, situa-se na Comunidade do Faxinal,
a)
c)
b)
285
como delimitação a parede leste (16,55 m) do próprio muro de taipa do Caminho
(pt-77 e 78), ou seja, as demais paredes foram construídas a partir do traçado do
Caminho, tendo um portão de acesso ao sítio aberto na própria via. (ver figura 74c).
Figura 74 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-73 e pt-80: a-b) interrupção do
muro de taipa de pedra em frente as edificações da Família Wolff na Comunidade do Faxinal (pt-73); c)
portão do Cemitério do Faxinal, aberta no muro do Caminho (pt-80); d) Comunidade do Faxinal e área
do Caminho
Fotos: A autora. Data: a) 05/02/2008; b) 04/02/2008; c-d) 17/11/2007.
Nesse trecho, na margem direita, foram identificados os remanescentes de
uma moradia e um armazém, sendo registrados como o sítio arqueológico “Tapera
do Jacob Merk”
166
(SC-LG-13).
datado da segunda metade do século XX. Possui 20 sepulturas registradas em novembro de 2007,
sendo os sepultamentos datados entre 1967 e 2001. Ainda encontra-se em uso pela comunidade. A
grande maioria das sepulturas não apresenta lápide e/ou identificação. Possui a particularidade na
distinção de gênero na posição da lápide: homens nos pés e mulheres na cabeça. O corpo entra com os
pés primeiro e é enterrado de costas para o portão. Trata-se de área cercada com muro de taipa de
pedra, totalizando uma área de 203,56 m².
166
O sítio arqueológico “Tapera do Jacob Merk” (SC-LG-13) é formado pelo conjunto de terraplenos e
fundação de edificação e mangueira de taipa de pedra, edificações, muros de taipa e mangueiras.
Segundo relato oral foi um entreposto comercial tendo casa, galpão e armazém. Supõe-se que sua
a)
b)
c)
d)
286
No segmento seguinte, entre os pontos pt-84 e pt-94, conforme mapa (ver
figura 75), destaca-se uma área de alargamento (ver figuras 76 a e b) junto da qual
situa-se a porteira de acesso à Fazenda Sobradinho (pt-86). É provável que o
objetivo dessa espécie de “praça” fosse o ponto de aguada para os animais, assim
como um local propício para o pouso da tropa. Atualmente, duas edificações de
moradores sem posse de propriedade no interior da faixa de servidão do corredor do
Caminho das Tropas (ver figura 76b).
Na margem esquerda, foi identificada uma base de taipa oblíqua (pt-84) ao
Caminho (ver figuras 76c e d), com extensão de cerca de 106 m e 90 cm de largura
junto ao solo, seguindo no sentido sudeste a noroeste. A análise desta parte do
Caminho suscitou três questões:
a) Trata-se de uma taipa de uma antiga divisa de propriedade que foi
desmontada? Qual seria o motivo?
b) Este era o traçado anterior do corredor? Foi desmontado, sendo alterada a
posição do muro para mais próximo da atual estrada, diminuindo assim o tamanho
da área de alargamento? Observou-se que a sequência atual do muro (pt-84) tem a
aparência de ser mais nova em relação ao trajeto anterior. Outro fato que talvez
corrobore esta segunda hipótese é a questão de haver na paisagem as evidências de
um antigo caminho, formado por uma senda, seguindo praticamente paralelo ao
atual corredor (ver figura 75). Este evita passar por um local úmido e parece
acompanhar a base da taipa. Além disso, quase ao final do traçado da senda (pt-
91), evidências de uma possível base de uma antiga taipa. Outra questão a ser
considerada (pt-84) é ausência de porteira no muro para acessar esse caminho;
função esteja relacionada ao tropeirismo, pois tem uma localização estratégica a beira do corredor de
tropa que vem do Rio Grande do Sul, logo após vencer o trecho de subida da encosta. Possui uma
mangueira quadrangular de grandes dimensões que poderia, hipoteticamente, ter funcionado como
um pouso de tropas. Segundo informação oral de Dona Zaira Wolf, esta tapera pertenceu ao alemão
Jacob Merk. O proprietário anterior foi Otávio Ramos Ataíde. A estrutura era composta por uma casa
de madeira, com galpão e armazém que abastecia a população. Após a morte do Sr. Jacob, o filho
Hugo vendeu a área para Carlinhos Ramos mais de 40 anos, sendo então desativado e
desmontado. Possui área total de 3.840 m².
287
Figura 75 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-84 e pt-94
Fonte: A autora (2008).
c) A base de taipa, assim como a senda, poderiam estar relacionadas às
atividades de uma antiga moradia identificada na área? Foi registrado o sítio
288
arqueológico “Tapera da Angelina Bianchini”
167
(SC-LG-14), instalado sobre a colina
existente neste local.
Figura 76 - Registro fotográfico do subtrecho A5, pontos pt-84 e pt-86: a-b) Vista geral e detalhe do
alargamento do corredor (pt-86); c-d) Vista geral e detalhe de base de antiga taipa (pt-84)
Fotos: a-b) A autora. Data: a) 05/02/2008; b) 22/04/2008; c-d) Foto: Adelson André Brüggemann.
Data: 05/02/2008.
Ainda nessa margem, o conjunto de acesso à Fazenda Sobradinho,
formada por uma porteira e mata-burro (pt-89). Nesse ponto, a taipa foi modificada
construtivamente, sendo utilizados blocos talhados, com faces retas e que foram
argamassadas (ver figura 77a). Mais adiante, registrou-se uma interrupção do muro
com aproximadamente 79 m de extensão (pt-91 e pt-94). Esta interrupção ocorre
em função da existência de uma área brejosa. Nesse trecho, há uma cerca de arame
farpado delimitando a propriedade e a estrada atual (ver figura 77b).
167
O sítio “Tapera da Angelina Bianchini” (SC-LG-14) situa-se na propriedade do Sr. Plínio Letti,
Fazenda Sobradinho. É formado por fundações de edificações situado em um platô à direita da
portaria da Fazenda Sobradinho, distante por volta de 50 metros do corredor do Caminho das Tropas
na margem esquerda. A área possui pinheiros de araucária esparsos. Observam-se fundações
retangulares junto ao solo, não havendo qualquer estrutura em elevação.
a)
b)
d)
c)
289
Na margem direita, após um longo trecho sem evidências de muro de taipa
de pedra e somente a existência de uma cerca de arame, o muro (pt-85) inicia
formando novamente o corredor com muros paralelos (ver figura 77c). Para esta
ausência não foram identificados os motivos ou hipóteses que o explicassem. Talvez
nesse trecho somente existisse muro na margem esquerda.
Figura 77 - Registro fotográfico do trecho entre os pontos pt-85 e pt-94: a) porteira da Fazenda
Sobradinho (pt-89); b) área de brejo sem muro de taipa de pedra na margem esquerda do Caminho (pt-
91 e 94); c) reinício de muro de taipa junto de porteira (pt-85); d) área de potreiro instalada dentro do
corredor (pt-90)
Fotos: a) A autora. Data: 22/04/2008; b) Adelson André Brüggemann. Data: 05/02/2008; c-d) A
autora. Data: 04/02/2008.
Numa área de banhado, registrou-se um trecho sem muro de taipa (pt-87 e
pt-88). também uma porção cercada com formato triangular dentro do corredor,
usada como potreiro pelos moradores que neste local vivem (pt-87 e pt-90).
Segundo informação oral, havia uma bodega nessa área, mas não restam
vestígios visíveis em superfície. Nas imediações dessa área foram localizados os
remanescentes de uma tapera situada na colina, registrado como o sítio
a)
b)
c)
d)
290
arqueológico “Tapera do Faxinal”
168
(SC-LG-26), situado na margem direita do
corredor.
No local onde um córrego que atravessa o corredor, identificou-se uma
pequena interrupção no muro de aproximadamente 1,50 m de extensão (pt-92).
Neste ponto, a atual estrada municipal está aterrada sobre o banhado. Por isso, é
provável que haja, em subsuperfície, a instalação de canalização por onde escoe a
água por baixo da estrada atual.
No córrego, na margem direita do corredor, não foi possível observar se havia
um sistema de drenagem, ou se este desmoronou, ou se é realmente um trecho de
ausência de taipa, pois o solo está erodido pela ação das águas.
Pela margem interna, a taipa está enterrada, mas a margem externa tem 80
cm de altura acima do nível do solo. Neste caso, o trecho de muro abaixo do nível
da estrada municipal funciona atualmente como muro de arrimo (ver figura 78a).
Ainda na margem direita, registrou-se uma interrupção na taipa, em razão
da existência de uma porteira que acesso à propriedade do Sr. João Batista (pt-
93), além de um pequeno trecho de taipa desmoronado (ver figura 78b).
Figura 78 - Registro fotográfico dos pontos pt-92 e pt-93: a) trecho de muro de taipa aterrado na
margem interna do corredor pela atual estrada (pt-92); b) área com o muro desmoronado (pt-93)
Fotos: a-b) A autora. Data: 05/02/2008;
O trecho seguinte, entre os pontos pt-95 e pt-102, inverte a ausência do
muro de taipa da margem direita para a esquerda por um longo segmento,
perfazendo 518 m (ver figura 79).
168
O sítio arqueológico “Tapera do Faxinal” (SC-PQ-26) trata-se de vestígios de uma base de edificação
feita com alinhamento de blocos rochosos. Situa-se em topo de colina com vista panorâmica. A
edificação teria uma área de 22,4 m². Segundo informação oral de moradores locais, foi moradia do Sr.
Martiminio Sales.
a)
b)
291
Figura 79 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-95 e pt-102
Fonte: A autora (2008).
As taipas apresentam-se em pequenos fragmentos: a) entre o pt-94 e pt-96
292
(86 m de extensão); b) pt-98 (14 m de extensão) e c) entre o pt-101 e pt-102 (40 m
de extensão).
É interessante observar a evidência de um antigo caminho, nas proximidades
do pt-98 (figura 80a), justamente em uma área de aclive paralela a atual estrada.
Poderia ter sido um traçado alternativo usado no Caminho das Tropas.
Na margem direita, todo o segmento apresenta, a partir do pt-95, um muro
com taipa de pedra, ora com, ora sem cerca de arame farpado, em decorrência de
sua baixa altura. Registrou-se um trecho com as estruturas situadas abaixo do
nível da atual estrada (pt-95).
Trata-se de um aclive com encosta à direita, sendo que a manutenção da
estrada acaba por depositar o solo nesta margem, soterrando a taipa. Na margem
direita, identificou-se uma interrupção na taipa (pt-99), mas ainda com resquícios
de sua base. No local, foi aberta uma estrada, sendo que atualmente o seu acesso
encontra-se fechado com cerca de arame (ver figura 80b).
Nesse local, funcionava uma antiga serraria e que está desativada
aproximadamente 20 anos. Foi registrado como o sítio arqueológico “Serraria
Camboja” (SC-LG-16). São visíveis na paisagem as estruturas remanescentes das
fundações de alvenaria, a caixa de água, a senda do trilho do vagão e o monte
formado pelo rejeito da serragem de madeira, assim como as áreas terraplenadas
onde estavam instaladas as edificações.
Figura 80 - Registro fotográfico do subtrecho A5, pontos pt-98 e pt-99: a) caminho paralelo a estrada
atual (pt-98); b) interrupção na taipa devido a uma porteira (pt-99)
Fotos: a) Adelson André Brüggemann; b) A autora. Data: 05/02/2008.
O mapa (ver figura 81) do segmento seguinte, entre os pt-103 e pt-105,
continua com o trecho de muro com taipa na margem direita e ausência na margem
esquerda.
a)
b)
293
Registrou-se uma interrupção (pt-103) devido ao cruzamento com uma
estrada que dá acesso atualmente à Serraria Marchetti, às fazendas Capão Redondo
e Cadete, entre outras. É possível observar os resquícios da base da taipa até o leito
dessa estrada, indicando que o muro foi desmontado neste ponto (ver figuras 82a e
b).
Figura 81 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-103 e pt-105
Fonte: A autora (2008).
294
A estrada nova também é o atual acesso ao “Cemitério Guarda-Mor”
169
(SC-
PQ-20).
Outra interrupção de 124 m de extensão no muro dessa margem foi
registrada à beira de uma área de brejo (pt-104 e pt-105). A taipa é bastante baixa
nesse trecho, e, portanto, apresenta moirões e cerca de arame farpado (ver figura
82c). Essa taipa tem um aspecto construtivo mais simples e não a robustez
verificada em outros trechos.
Figura 82 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-103 e pt-104: a) cruzamento de
estradas (pt-103); b) base da taipa que foi desmontada quando da abertura da estrada nova; c) Trecho
de muro de taipa na margem direita
Fotos: A autora. Data: 05/02/2008.
É interessante observar na paisagem dos dois últimos segmentos (ver figuras
79 e 81) que o muro de taipa e a estrada atual contornam uma área de banhados e
169
O “Cemitério Guarda-Mor(SC-PQ-20) foi cadastrado em 2004. Trata-se de uma área cercada de
taipa de pedra com uma área de 245,70 m², com forma quadrangular, instalado sobre topo de colina,
distante cerca de 170 m do corredor do Caminho das Tropas. As sepulturas deste cemitério datam de
meados do século XVIII até 1977, última data de sepultamento segundo o registro nas pides. Possui
25 sepulturas registradas na data de seu cadastro, em novembro de 2007.
a)
b)
c)
295
brejos, “passando sempre entre eles”, nas suas bordas.
Observando o mapa em menor escala, de-se verificar que tais áreas
poderiam ter sido evitadas, caso fosse o objetivo, cruzando em área mais elevada do
terreno. Mas a impressão que se tem é que as regiões brejosas foram buscadas e
aproveitadas, o que não seria difícil de entender, pois representam fonte de água
para as tropas de animais e, portanto, locais importantes durante a jornada pelo
Caminho das Tropas.
O próximo subtrecho estudado, entre os pontos pt-106 e pt-110 (ver figura
83), apresenta-se com corredor, depois de vários quilômetros com muros de pedra
em somente uma das margens.
Inicia na margem esquerda com um vértice formado pelo muro perpendicular
(pt-106) e o muro de taipa do corredor (ver figuras 84a e b). O muro perpendicular
constitui divisa de propriedades, situado junto do Piquete Santa Rita. É
interessante a observação realizada em campo, que tanto o muro perpendicular
quanto a taipa do corredor formam uma construção, sem emendas, com
encaixes entre uma e outra taipa, ou seja, foram construídas ao mesmo tempo.
Na margem direita foram registrados três pontos:
a) um muro perpendicular ao corredor, provavelmente uma divisa de
propriedade (pt-108). Percebe-se que foi construtivamente realizado encostando-se
à lateral do corredor, não havendo um encaixe entre os dois, o que indica que o
muro perpendicular foi construído após o corredor e partindo deste;
b) uma interrupção no corredor para a porteira (pt-110) de acesso à Fazenda
Carazinho;
c) uma provável modificação realizada no traçado do corredor na forma de
um alargamento de sua área interna (pt-109), como pode ser visualizado na imagem
de satélite (ver figura 84c). Conforme o mapa (ver figura 83), pôde-se observar que
se fosse traçada uma linha reta a partir do pt-109, seria projetado o muro
perfeitamente na continuação dessa taipa ao final da área alargada.
A hipótese de modificação do corredor pode ser argumentada pelo ângulo
que o muro da margem direita faz (ver figura 84e) e pela construção feita sobre
grandes blocos existentes no local. Além disso, há moirões de cerca de arame
farpado perfeitamente instalados dentro da taipa. Os blocos possuem tamanho
maior que a largura da taipa, com dimensões em média de 80 cm de altura, tendo
assim uma de suas faces projetada para fora do muro (ver figura 84f).
O local é explorado atualmente como uma espécie de “pedreira”, formado por
uma pequena elevação, da qual ainda resta uma parte como testemunho de onde é
296
retirado material para aterramento de estradas e outras atividades (ver figura 84d).
Figura 83 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-106 e pt-110
Fonte: A autora (2008).
Portanto, para melhor aproveitamento desta matéria-prima, foi necessário
ampliar a área de captação, deslocando o muro do corredor mais para a direita,
pois, caso fosse reto, como se imagina que ele seria nesse local, o morro de onde é
297
retirado o material de aterro seria limítrofe ao corredor e não dentro do mesmo.
Figura 84 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-106 e pt-109: a-b) vértice junto ao
corredor (pt-106); c) imagem de satélite da área alargada usada como pedreira; d) alargamento do
corredor; e) ângulo de abertura do muro de taipa (pt-109); f) grandes blocos de rocha salientes na
taipa
Fotos: a-b) Adelson André Brüggemann. Data: 05/02/2008; c) Google Earth (DIGITAL GLOBE, 2008);
d-f) A autora. Data: 05/02/2008.
c)
d)
e)
f)
a)
b)
298
Nessa área, atualmente alargada, havia uma moradia instalada dentro da
servidão do corredor, na margem esquerda da estrada municipal. Os vestígios da
moradia foram registrados como o tio arqueológico “Tapera da Pedreira
170
(SC-
LG-15).
O subtrecho seguinte ilustrado no mapa (figura 85), entre os pontos pt-111 e
pt-129, apresenta um segmento do Caminho que atravessa dois cursos de água.
Trata-se dos arroios Carazinho e Cará.
Na margem esquerda, ocorre nesse trecho a modificação na aparência da
taipa com melhor acabamento e melhor alinhamento dos blocos (ver figura 86a) e,
portanto, sem a necessidade do uso de cerca de arame.
A margem direita desse segmento segue com um trecho longo sem muro de
taipa de pedra e com um pequeno trecho isolado (entre o pt-112 e 113), costeando
uma grande área brejosa. A delimitação entre a estrada municipal e o muro de
taipa é realizada por uma cerca de arame instalada dentro do corredor, que em
determinados momentos, une-se a taipa (ver figura 86b) construída com blocos
rochosos com placas horizontais (ver figura 86c). Nessa área, em função das
condições alagadiças de uma planície inundável, não foi possível checar melhor o
local.
No ponto de travessia do arroio Carazinho, no que tange à margem esquerda,
o muro de taipa foi construído até a margem do rio, delimitando e fechando a área
de travessia.
Após a travessia do arroio Carazinho, na margem direita, o muro de taipa vai
iniciar somente em um vértice (pt-117) formado com um muro perpendicular à
estrada, com apenas 3 m de extensão. A partir desse ponto, o muro segue
paralelamente à estrada, delimitando o caminho em uma área de encosta em aclive.
Num pequeno trecho de taipa (pt-121), com aproximadamente 33 m de
extensão, em que cerca de arame farpado instalado sobre a taipa, foram
identificados os remanescentes de uma moradia construída no interior do corredor,
registrada como “Tapera do Tanque”
171
(SC-LG-17).
170
O sítio arqueológico “Tapera da Pedreira” (SC-GG-15) trata-se de uma unidade residencial.
vestígios remanescentes de cepos de madeira enfileirados, sobre os quais a moradia estava instalada.
A cultura material (vidros, telha, pstico, metal) abandonada no local sugere que a mesma seja
datada dos últimos 30 anos.
171
O sítio arqueológico “Tapera do Tanque” (SC-LG-17) caracteriza-se por remanescentes de uma
unidade residencial recentemente abandonada, pela quantidade e o tipo de material deixado: garrafa
pet e de vidro, roupas, calçados, latas, colchão, pneu, ossos, embalagens plásticas, tanque de cimento,
brinquedos, etc. Observam-se os cepos de madeira dos pilares da fundação de sustentação do chalé e
parte do material construtivo empregado (telhas, tábuas de madeira). Segundo informação oral de
299
Figura 85 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-111 e pt-129
Fonte: A autora (2008).
moradores locais, a residência foi destruída num vendaval.
300
Figura 86 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-112 e pt-125: a) taipa com
excelente alinhamento dos blocos rochosos; b) cerca dentro do corredor (pt-112); c) taipa construída
com blocos em placas horizontais; d) travessia do arroio Carazinho (pt-116); e) curva no corredor, para
a travessia do arroio Cará; f) área de travessia do arroio Cará (pt-125)
Fotos: a) Adelson André Brüggemann; b-f) A autora. Data: 05/02/2008.
Pela margem esquerda, o Caminho é delimitado naturalmente pela margem
do arroio Carazinho até o ponto em que começa a se distanciar e formar uma
planície (pt-118). O trecho de muro prossegue por aproximadamente 60 m de
extensão, em área encoberta de mata ombrófila, desaparecendo em determinado
segmento (pt-119) e reiniciando em outro (pt-120).
a)
b)
c)
d)
e)
f)
301
Na sequência, a taipa continua na margem esquerda por cerca de 230 m a
chegar à margem do arroio Cará (pt-123), tendo uma interrupção devido a uma
porteira instalada (pt-122). Na planície, às margens desse curso de água e da foz do
arroio Carazinho, um conjunto de taipas que formam uma área cercada, cuja
função não foi identificada. A área entaipada foi registrada como sítio arqueológico
“Mangueira do Arroio Cará”
172
(SC-LG-27).
O muro de taipa do corredor segue na margem direita até se aproximar da
margem do arroio Cará, fazendo uma curva acentuada para a direita, tendo uma
porteira (pt-124) que dá acesso aos remanescentes de uma unidade residencial,
registrada como “Tapera do Arroio Cará”
173
(SC-LG-18).
Após a travessia do arroio Cará, a taipa da margem direita continua na outra
margem do arroio (pt-126), seguindo um trecho costeando o curso de água e depois
mudando o rumo do sentido sudeste para nordeste (pt-127). A partir desse ponto, a
taipa segue com cerca de arame farpado em longo trecho de aclive. Na margem
esquerda ocorre o mesmo: inicia-se com taipa (pt-128) e segue com cerca de arame
(pt-129).
Após a travessia desse arroio, o segmento seguinte do corredor é marcado
por um longo trecho de aclive em encosta com 600 m de extensão, até alcançar um
novo platô com 1017 m de altitude (ver figura 87). A variação altimétrica é de 50 m.
O Caminho segue no sentido norte e noroeste e, na sequência, possui duas curvas
em forma de “cotovelo”, em ângulo fechado, mudando o sentido de noroeste para
leste e logo após para nordeste.
A primeira curva (pt-130), para a direita, tem um ângulo mais fechado no
muro da margem direita, formado por dois vértices, e mais aberto na margem
esquerda (ver figura 89a).
A segunda curva (pt-132), para a esquerda, tem um ângulo de 90° na taipa
da margem direita e menos pronunciada na margem esquerda, formada por dois
172
O sítio arqueológico “Mangueira do arroio Cará” (SC-LG-27) é formado por uma área cercada com
muro de taipa de pedra, com formato disforme, tendo como limite noroeste a margem do arroio Cará.
Trata-se de uma espécie de curral, sem vestígios da existência de outra edificação no local.
173
A “Tapera do Arroio Cará” (SC-LG-18) é um sítio formado pelo conjunto de mangueiras, taipas,
áreas em terraplenos, muros de arrimos, sistema de drenagem e vestígios de uma estrutura
habitacional. A estrutura possui um muro de taipa com terrapleno, costeando o arroio Cará e um
ponto de travessia neste arroio. Há vários drenos constrdos em pedra na parte mais baixa para o
sistema de drenagem. Conforme informação oral, trata-se de uma antiga moradia. taipas com
diversas dimensões, sendo a mais alta com 1,50 m e a média com 1 m e 0,50 m de largura superior.
Não se observou materiais de uso doméstico. a presença de cepos de madeira, terraplenos com
muro de arrimo, drenos, valas de dreno, cepo vertical com seis furos, provavelmente, para a porteira.
Possui uma área total de 9.152 m².
302
vértices (ver figura 89b).
Figura 87 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-130 e pt-135
Fonte: A autora (2008).
Na interrupção do corredor (pt-131), justamente na segunda curva (ver figura
89c), há um caminho que segue até a margem do arroio Cará, tendo outra travessia
nesse curso hidrográfico junto da unidade residencial registrada como o tio
arqueológico “Tapera do Arroio Cará” (SC-LG-18). Nesse trecho, foi identificada uma
modificação na taipa, (pt-133) tratando-se de um ponto de desvio (ver figura 89d).
Na sequência, entre os pt-136 e pt-141, o segmento do corredor continua em
um amplo platô estendido, com altitude média de 1.000 m e áreas de banhado nas
suas margens, onde foram encontrados alguns dispositivos de drenagem instalados
303
ao longo dessa porção do Caminho (ver figura 88).
Figura 88 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-136 e pt-141
Fonte: A autora (2008).
No pt-136, foi identificado um sistema de drenagem formado por um dreno
construído no muro da taipa e por uma vala perpendicular na margem direita. O
dreno foi construído na taipa com uma rocha alongada, sustentando o muro e
permitindo a abertura na base (ver figura 89e). Junto desse ponto, um patamar
construído com um muro de arrimo para contenção, com aproximadamente 20 m
de extensão (ver figura 89f).
304
Figura 89 - Registro fotográfico do subtrecho A5 entre os pontos pt-130 e pt-136: a) primeira curva
fechada (pt-130); b) segunda curva fechada (pt-132); c) porteira (pt-131); d) trecho de desvio da taipa
(pt-133); e) sistema de drenagem (pt-136); f) muro de arrimo constrdo
Fotos: a,d) Adelson André Brüggemann; b-c, e-f) A autora. Data: 05/02/2008.
Outra vala de drenagem (pt-137) perpendicular à taipa foi registrada na
margem esquerda. Há um dreno construído com uma abertura simples na taipa por
c)
d)
a)
b)
e)
f)
305
onde corre a água. Juntamente com o ponto anterior, formaria um sistema de
drenagem integrado que atravessa o corredor, da esquerda para a direita, evitando
o acúmulo de água no seu interior.
Esse sistema de drenagem instalado em ambas as margens de taipa do
corredor, justifica-se em razão da topografia da área, onde a taipa da margem
esquerda está mais elevada que a da margem direita e o conjunto encontra-se em
meia encosta, ou seja, a encosta que drena no sentido noroeste (encosta superior)
para sudeste (encosta inferior). Nesse contexto, as águas escoam passando pelo
corredor.
Os demais pontos registrados nesse segmento referem-se às instalações de
cercas perpendiculares ao corredor (pt-135 e pt-140), interrupções devidas às
porteiras (pt-138 e pt-139) e final de trecho de taipa com cerca de arame (pt-141).
No subtrecho seguinte, do pt-142 ao pt-151 (ver figura 90), o corredor do
Caminho das Tropas segue com muros de taipa de pedra paralelos em ambas as
margens, com dois pontos de drenagem caracterizados pela instalação de drenos na
base da taipa (pt-143 e pt-146).
O primeiro dreno (pt-143) tem forma irregular, como se alguns blocos
tivessem sido tirados da taipa. o segundo dreno (pt-146) foi constrdo a partir
de uma pedra longitudinal instalada na taipa, sustentando o muro e formando a
abertura do dreno.
Vários pontos nesse segmento apresentaram interrupção devido à existência
de porteira (pt-142), cerca de arame instalada na perpendicular em relação ao
corredor (pt-145, pt-147 e 151) e outras não identificadas (pt-144, pt-148 e pt-149),
além de um trecho de desvio da taipa, onde a mesma foi retificada (pt-150).
O corredor do subtrecho seguinte, entre os pt-152 e pt-161 (ver figura 91),
margeia extensas áreas de banhado, sendo que o Caminho passa entre as mesmas.
Da mesma forma que em outros segmentos, foram registrados drenos e valas de
drenagem.
Foram registrados um dreno de forma irregular (pt-152) e outro com vala
perpendicular (pt-159). Este foi construído com uma pedra alongada na horizontal,
sustentando o muro de taipa e permitindo o espaço vazado na base da taipa. Possui
formato quadrangular. Um terceiro dreno (pt-161) foi registrado com características
semelhantes ao anteriormente descrito.
306
Figura 90 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-142 e pt-151
Fonte: A autora (2008).
Observou-se um trecho de desvio da taipa (pt-154 e 155) e reconstrução da
mesma, em consequência do desmoronamento da taipa antiga. Em outro ponto,
um trecho de taipa soterrada (pt-157 e pt-158), com apenas 20 cm acima do nível
do terreno. Trata-se de área na margem esquerda, mais baixa que a estrada
municipal. Percebe-se que o local foi aterrado por deposicionamento natural de solo
devido à movimentação por erosão. Neste trecho, foi instalada uma cerca de arame
307
farpado para compensar a pouca altura no muro.
Figura 91 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-152 e pt-161
Fonte: A autora (2008).
O último segmento do trecho A finaliza com a análise da outra área alargada
do Caminho das Tropas, no local conhecido como “O Bodegão” (pt-163). Trata-se de
uma área situada em um extenso platô, circundado por colinas suaves (ver figuras
93a e b).
308
Figura 92 - Mapa dos pontos avaliados no subtrecho A5 entre os pontos pt-162 e pt-165
Fonte: A autora (2008).
A hipótese mais plausível para essa área de alargamento seria a de um local
de pouso, ou seja, acampamento de descanso da tropa, uma vez que do rio Pelotas
até este local são quase 14 km de marcha.
Ao ultrapassar a área mais alargada do corredor, o Caminho percorre uma
área em declive em direção a uma pequena bacia hidrográfica de um córrego. Logo
após, o corredor inicia a subida da encosta. Esse rrego poderia servir de aguada
para os animais e tropeiros, requisito fundamental para um pouso.
309
Figura 93 - Registro fotográfico do ponto pt-166: a-b) vista panorâmica e detalhe da aérea alargada do
corredor no Bodegão; c) estrada municipal e acesso secundário no interior do corredor; d) interior da
área alargada com edificações
Fotos: A autora. Data: a-b) 17/11/2007; c-d) 22/04/2008.
Atualmente, a área é uma faixa de servidão pública ocupada por alguns
moradores e por dispositivos públicos da Prefeitura Municipal de Lages, onde estão
construídas várias edificações, como um armazém, casas e uma escola.
Nessa área foram registrados ainda quatro pontos de interferência no
corredor:
a) Uma abertura composta de porteira e mata-burro (pt-162), com 14 m de
extensão, realizada no corredor para dar acesso a várias propriedades (Fazenda
Guarda-Mor, Fazenda Rino, Fazenda São João do Cedro, etc.). É possível que
existisse um acesso a essa área quando da construção do corredor, pois nessa
região localiza-se uma das fazendas mais antigas, a Fazenda Guarda-Mor, ou o
acesso era feito por outro ponto. Contudo, a abertura deveria ser de menor
proporções e teve sua extensão alargada para a passagem de veículos de rodagem, o
que deve ter descaracterizado o local. Portanto, é bastante difícil identificar como
era o local anteriormente;
b) Uma porteira (pt-164) instalada no corredor de acesso a uma invernada,
a)
b)
c)
d)
310
que acesso também aos remanescentes arqueológicos do sítio “Tapera da Dona
Clara”
174
(SC-PQ-28) situado num capão de araucária;
c e d) Muros de taipa perpendiculares ao corredor (pt-165 e pt-166).
4. 1. 6 Avaliação e considerações do Trecho A
No trecho A, que perfaz 13.950 m de extensão entre a margem direita do rio
Pelotas e a localidade do Bodegão, foi analisado um total de 166 pontos e foram
registrados 18 sítios arqueológicos ao longo desse segmento.
Pode-se dizer que, dos trechos pesquisados para este trabalho, o trecho A é
um dos mais ricos em termos de ocorrências arqueológicas ao logo do Caminho das
Tropas, pois foram cadastrados diversos sítios arqueológicos (cemitérios,
mangueiras, taperas) e estruturas viárias, construídas ou não (drenos, valas,
sendas, arrimo, corredor).
Além disso, o fato de se registrar a existência das estruturas do Caminho
utilizadas originalmente pelos tropeiros e que na atualidade estão em completo
abandono, no trecho inicial entre o rio Pelotas e o planalto (subtrecho A1 até A4).
Este foi, sem dúvida alguma, um dos pontos altos desta pesquisa, pois se
redescobriu o traçado original utilizado nos séculos anteriores e que se encontrava
“esquecido”, mas que graças ao acesso e utilização de ferramentas tecnológicas da
atualidade, que auxiliaram a detectar as marcas antrópicas na paisagem,
permitindo que sua existência fosse novamente percebida e estudada.
No subtrecho A5 houve uma grande quantidade de sítios arqueológicos
registrados, de unidades residenciais a equipamentos públicos (cemitério), assim
como unidades comerciais e produtivas (armazém, serraria).
Dos 18 sítios, pelo menos dez são estruturas habitacionais. Este dado indica
que a área era muito mais habitada em suas margens e que deveria ter um fluxo
maior de pessoas e coisas, principalmente durante o período do tropeirismo. Os
moradores locais comentam que muitas pessoas moravam na região, mas quando
as tropas pararam de passar a região foi se esvaziando.
174
O sítio arqueológico “Tapera da Dona Clara” (SC-PQ-28) trata-se de remanescentes de uma
estrutura complexa de uma provável sede de fazenda. É formada por áreas em terraplenos,
provavelmente pisos de residências e/ou outra estrutura, como galpão, fundações de edificações e
áreas entaipadas como mangueiras e currais. Algumas dessas mangueiras estão desmoronadas. O
local é conhecido pela populão como a antiga tapera pertencente à Dona Clara. Há um grande bloco
rochoso na parte frontal do terraço, com uma provável data: “ilegível 1871”. O material exposto em
superfície foi vidro, faiança, fragmentos de telha e lítico.
311
Do total de sítios, pelo menos seis têm suas estruturas construídas anexadas
ao muro de taipa de pedra do corredor, inclusive usando-o como uma das paredes
da mangueira, por exemplo. Esta informação sugere que os sítios tenham sido
instalados após a construção do corredor.
Foram registradas três unidades habitacionais situadas dentro do corredor.
Estas são mais recentes, datadas, pela avaliação da cultura material (objetos
domésticos e construtivos) abandonadas no local, como sendo dos últimos 30 anos.
As taperas, localizadas na servidão do corredor, indicam uma ocupação do espaço
público num tempo em que os corredores não estavam mais sendo usados para o
trânsito de animais, ou seja, nos últimos 50 anos.
Este fenômeno de ocupação das áreas vagas dentro do corredor, à margem
da estrada municipal, ainda pode ser observado no percurso desse trecho em pelo
menos dois outros locais: a) o alargamento no pt-86 (duas habitações); e b) no pt-
163 (diversas edificações privadas e públicas). Este dado indica que, além das
grandes fazendas e proprietários, havia uma população à margem do processo de
ocupação das terras, que se instalou nas servidões públicas do antigo Caminho.
Avaliando os segmentos percorridos do trecho A e as subdivisões feitas em
subtrechos, pode-se tecer algumas considerações entre o uso de ferramentas de
análise da paisagem para identificação e o registro de estruturas do Caminho e a
sua aplicabilidade no levantamento arqueológico em campo.
O subtrecho A1, por ser uma encosta florestada na barranca do rio, o
permitiu o uso da imagem de satélite. As estruturas das sendas estão
completamente encobertas pela vegetação, não sendo, portanto, possível visualizá-
las. Também não se constatou diferença marcante na textura da vegetação para
estudar o seu traçado na imagem de satélite.
A vegetação do tipo mata ombrófila encobre toda a senda, reduzindo a
claridade e não permitindo a sua visualização em imagens de satélite. Isto provocou
o aumento na margem de erro do receptor de GPS e a dificuldade na precisão dos
dados coletados nesse trecho.
No subtrecho A2, não foi possível visualizar nenhum tipo de estrutura
construída ou registrada no levantamento da imagem de satélite. O reflorestamento
natural desse trecho de corredor, a ponto de cobri-lo novamente, indica quanto
tempo o mesmo não foi mais usado.
No subtrecho A3a, no que tange ao segmento das sendas, elas também não
são identificadas na imagem de satélite. Visualizam-se claramente todas as
estruturas em elevação, a partir da curva, que estão em áreas de vegetação mais
312
baixas ou campo aberto, que são os muros de taipa, o alinhamento de blocos
rochosos, o amontoamento destes e o corte de barranco.
O outro subtrecho A3b pode ser todo visualizado em imagem de satélite,
ficando bastante nítida a senda inicial, por ser profunda, assim como o leito de
estrada.
Os segmentos de caminho em encosta, como os subtrechos A1, A2 e A3,
estão instalados entre vertentes de água. Seu traçado não atravessa nenhum curso
hidrográfico. Pelo contrário, passa geralmente no divisor de água entre eles. Isto
demonstra o quanto os responsáveis por determinar o percurso conheciam a
hidrografia e o relevo buscando estrategicamente seguir em áreas menos íngremes e
mais secas.
No subtrecho A4, o leito de estrada está delimitado por muro de arrimo e
corte de barranco, estruturas não identificadas nas imagens aéreas, mas
visualizadas formando “linhas” cortando a paisagem nessas imagens. Assim foi
necessário checar em campo a sua identificação.
Por fim, o subtrecho A5. O mais extenso e com as mesmas características de
implantação de corredor ou muro de taipa em uma margem com leito da estrada
municipal no seu interior. Percorre em geral áreas mais elevadas e aplainadas do
planalto, ultrapassando diversos pequenos cursos de água e margeando
propositalmente áreas alagadiças.
Quase todos os segmentos de corredores situam-se em área de campo aberto
ou capoeira, facilitando o seu reconhecimento em imagens de satélite. Isto
propiciou que os muros de taipa do corredor ou de mangueiras e sítios
arqueológicos fossem desenhados em mapas.
Nesse trecho, dentre as estruturas registradas, além dos corredores
extremante nítidos, destacam-se os vestígios de sistemas de drenagem e as áreas
alargadas do corredor, formando espécies de “praças”. Estas estruturas viárias e as
demais serão analisadas no capítulo a seguir.
Nas áreas abertas, foi possível visualizar quase todas as estruturas macro. O
mesmo não se efetivou com as ocorrências menores, como drenos e muros de
arrimo construídos na taipa. Mesmo as estruturas não construídas, como as
sendas, profundas ou largas, podem ser visualizadas em imagens aéreas, desde que
não estejam cobertas por vegetação. .
Dessa forma, a utilização da imagem de satélite aplicada à arqueologia
auxiliou na localização das estruturas além dos corredores, contribuindo para
mapear um contexto maior que o leito do Caminho. Todavia, faz-se necessário aliar
313
o uso dessa tecnologia à prospecção arqueológica de campo, para averiguar e
identificar os vestígios in loco. As ferramentas tecnológicas auxiliam na pesquisa
arqueológica, mas não substituem o trabalho em campo.
Da mesma forma, o uso de projeção em 3D do relevo e análise das condições
ambientais, tais como inclinação, hidrografia e vegetação, auxiliam na compreensão
e na formação da paisagem onde o Caminho das Tropas e os sítios arqueológicos
estão inseridos, bem como no conhecimento sobre os processos pós-deposicionais,
as alterações e/ou reutilizações que o Caminho passou ao longo de sua existência.
4. 2 TRECHO B: ENTRE A FAZENDA CIPÓ E A FAZENDA SÃO LUÍS
O trecho B, situado entre duas estradas, ambas de acesso à Comunidade de
São Jorge, localiza-se entre a entrada das sedes das fazendas Cipó e São Luís. Este
segmento foi percorrido no sentido sudeste noroeste, ou seja, da Fazenda Cipó em
direção à Fazenda São Luís. O trecho possui 4.089 m de extensão total.
Ao observar o mapa “São Sebastião do Arvoredo” (DSG, 1979), o trecho
aparece representado como duas linhas paralelas contínuas, simbolizando uma
estrada o pavimentada denominada na legenda de “rodovia transitável em tempo
bom e seco, revestimento solto”, apresentando a mesma feição simbólica das
demais estradas de rodagens atualmente trafegadas na região (ver figura 94). Esta
classificação, segundo o mapa, diferencia-se do denominado caminho ou trilho.
Entretanto, essa representação não reflete a situação atual do trecho. Assim,
não se descarta a hipótese de que esse trecho poderia ter sido usado para a
passagem de veículos ou carroças. Porém, não foi identificado leito de estrada e/ou
corte de barranco que pudesse indicar isso. Pelo contrário, foram registrados locais
que seriam de difícil passagem, como áreas úmidas de atoleiros e área de mato
fechado dentro do corredor.
Além disso, para cruzar o rio Penteado, não há qualquer dispositivo de
travessia como, por exemplo, ponte. E este poderia ser vencido em períodos
secos com nível baixo, devido à forte correnteza existente no passo. Segundo
informação oral de um morador local, foi indicado que a travessia em tempos secos
é realizada com água na “altura do joelho”.
314
Figura 94 - Detalhe do mapa “São Sebastião do Arvoredo” apresentando o trecho B entre as fazendas
Cipó e São Luís
Fonte: DSG (1974). Arte gráfica: A autora (2008).
No mapa “Caminho das Tropas”, elaborado pelo projeto “Projeto de Pesquisa
Caminho das Tropas Trajeto Cajuru / Passo Santa Vitória” (UNIPLAC), esse trecho
é sinalizado como parte do traçado do Caminho. Contudo, se for analisada a sua
morfologia, poderia ser identificado como um provável ramal do Caminho das
Tropas.
Esta questão é lida, à medida em que o corredor do trecho A segue em
direção à Comunidade de São Jorge, sentido norte, e o corredor do trecho B segue
no sentido noroeste, em direção ao rio Pelotinhas. Portanto, poderia ser um ramal
que ligaria o Caminho a uma determinada área ou vice-versa, ou uma determinada
localidade seria conectada ao Caminho. Esta hipótese foi levantada e investigada na
prospecção de campo.
O trecho B tem início/fim em uma das margens do corredor do trecho A e
dista em torno de 3.330 m do último ponto avaliado no trecho anterior, na área de
alargamento do Bodegão.
O início/fim dos muros de taipa de pedra paralelos, que formam o referido
corredor do trecho B, é formado por um ângulo fechado (esquina) (ver figura 95).
Por conta disso, algumas questões foram levantadas e checadas em campo:
Trecho B
315
a) Qual das taipas dos muros foi construída primeiro? A do corredor
principal e posteriormente a do ramal?
b) Caso fosse um ramal, quais os critérios (morfológicos, dimensões, etc.) que
poderiam ser listados para confirmar esta hipótese?
c) Haveria distinções construtivas ou morfológicas em relação ao chamado
corredor principal?
Figura 95 - Registro fotográfico do entroncamento do trecho B: a) corredor trecho B desembocando no
corredor do trecho A (pt-01 e pt-02); b) detalhe da esquinado corredor do trecho B; c) trecho B a
partir do corredor do trecho A
Fotos: a) A autora. Data: 03/05/2008; b-c) Autor desconhecido. Acervo: ICR. Data: 12/11/2006.
Em função dos questionamentos acima, percorrer esse trecho de corredor e
a)
b)
c)
316
analisar detalhadamente suas estruturas foi muito importante, para comparar com
outros segmentos e buscar responder às dúvidas levantadas.
Ao analisar a questão in loco, a primeira constatação foi que a “esquina” era
perfeita, ou seja, os blocos de ambos os corredores estavam perfeitamente
encaixados. Não havia distinção de qual das estruturas teria sido construída
primeiro. Ambas, ou pelos menos as esquinas, tinham sido edificadas como uma
obra só.
Poderia então se levantar uma segunda hipótese: que o corredor do trecho A
teria sido erigido primeiro e depois uma parte deste teria sido desmanchada e
reconstruída, ligando com o corredor do trecho B. Contudo, esta hipótese não foi
confirmada, pois não foram observados vestígios da base da taipa do trecho A. A
alternativa mais plausível é que ambos os corredores tenham sido edificados
simultaneamente.
Para a análise e detalhamento desse trecho do Caminho, não foi necessário
subdividi-lo em segmentos, pois não apresentava diferenças de instalação ou de
estruturas que justificassem a sua divisão.
Figura 96 - Vista geral do corredor do trecho B instalado entre as elevações do terreno em primeiro
plano e, ao fundo, por entre as colinas observa-se novamente o corredor
Foto: Adelson André Brüggemann. Data: 03/05/2008.
Trata-se de um trecho bastante homogêneo em suas características
317
morfológicas e ambientais, exceto pela área de travessia do rio Penteado e variação
de compartimento topográfico. O corredor neste trecho está assentado na paisagem
de coxilhas, passando entre colinas com suaves ondulações, seguindo o seu curso
em meia encosta, protegido entre as pequenas elevações do terreno.
No trecho B, constata-se uma grande quantidade de áreas úmidas ao longo
do interior do corredor, como brejos, afloramentos de água e córregos. Em alguns
casos, esses pequenos afluentes de água chegam a cruzar o corredor. Em outros, o
corredor atravessa uma extremidade de um lago, anexando uma pequena porção
deste ao seu interior. Isto propiciava pontos de aguada dentro do corredor para o
deslocamento dos animais durante todo o percurso, principalmente em época de
verão e/ou de estiagem prolongada.
Além disso, analisando a paisagem em uma escala menor, principalmente o
trecho posterior ao rio Penteado, entre este rio e a Fazenda São Luís, constata-se a
grande quantidade de áreas de brejos, banhados, afloramentos de água e pequenos
cursos perenes, que o traçado do corredor não teria como evitar em todo o seu
trajeto até alcançar a área mais alta e plana, próximo ao final do percurso.
Figura 97 - Vista geral do corredor do trecho B com área úmida
Foto: A autora. Data: 03/05/2008.
A grande quantidade de áreas úmidas explica e justifica o grande número de
estruturas de drenagem construídas nas taipas registradas nesse trecho,
318
totalizando sete locais de drenagem, sendo seis drenos e três pontos de interrupção
para a passagem de córregos.
Figura 98 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-01 e pt-09
Fonte: A autora (2008).
319
O início do trecho foi percorrido a partir da junção desse corredor com o do
trecho A (pt-01 e 02). Registrou-se uma interrupção na taipa (pt-03), com 2,50 m de
extensão, para a instalação de uma porteira de acesso a um saleiro (ver figura 99a).
Em uma meia encosta, foram identificados quatro drenos, sendo um (pt-04)
na margem direita (ver figura 99b) e outros três (pt-05) na margem esquerda. Este
sistema de drenagem funciona para escoar a água proveniente de um afloramento
situado na margem direita, o lado mais elevado do terreno.
Próximo desses pontos de drenagem, em encosta com declive, observou-se
uma área de erosão com carreamento de solo e exposição de blocos de rochas (pt-
06), resultando numa senda rasa no interior do corredor (ver figura 99b).
Figura 99 - Registro fotográfico do trecho B entre os pontos pt-03 e pt-08: a) porteira (pt-03); b) área
de erosão e senda rasa no interior no corredor; c) área com acúmulo de água no interior do corredor;
d) curva com drenos (pt-08)
Fotos: a,c) A autora; d) Adelson André Brüggemann. Data: 03/05/2008.
Na sequência, foram registrados mais dois pontos de construção de drenos
(pt-07 e pt-08), instalados em uma curva da margem esquerda do corredor, com
distância entre si de 2,80 m (ver figura 99d). Sua construção é semelhante a dos
demais drenos construídos nesse trecho, assim como a morfologia e as dimensões.
a)
b)
c)
d)
320
Depois disso, o corredor de taipa segue descendo a encosta sem qualquer
alteração relevante aa margem esquerda do rio Penteado, onde uma grande
área alargada (pt-10) e um passo de travessia (ver figura 100).
Figura 100 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-10 e pt-14
Fonte: A autora (2008).
Os dois muros de taipa, ao se aproximarem do rio, mudam o sentido, de
norte para noroeste na margem esquerda e para nordeste na margem direita do
corredor, formando uma área de alargamento. Na margem esquerda do rio
Penteado, registrou-se o fim da taipa do corredor, antes da travessia (pt-11 e pt-12).
Na margem direita do rio Penteado, a taipa direita do corredor inicia (pt-13)
alinhada em projeção com o trecho anterior (pt-12), seguindo o curso do rio por
321
aproximadamente 500 m de extensão até iniciar a taipa da margem esquerda (pt-
14) e formar novamente o corredor.
Figura 101 - Área alargada no rio Penteado: a) área alargada em forma triangular a partir da margem
esquerda do rio penteado; b) ângulo de abertura da taipa do corredor na área alargada; c) faixa de
servidão no interior do corredor cercada para instalação de um morador; d) edificação de uma moradia
no interior no corredor; e) passo de travessia do rio Penteado; f) passo de travessia a partir da margem
direita do rio Penteado
Fotos: a-b,d-e) Adelson André Brüggemann; c, f) A autora. Data: 03/05/2008.
O início da taipa na margem esquerda (pt-14) está situado junto de um
córrego afluente do rio Penteado, sendo este o limite natural para o corredor até a
a)
b)
c)
d)
e)
f)
322
beira do rio, costeando-o em determinado trecho e formando uma baliza pelo
paredão rochoso e o desnível do terreno naquele local.
Na sequência, o corredor segue formado por dois muros de taipa paralelos,
começando gradativamente a subir o aclive da encosta entre as coxilhas, variando
de 950 m para até 1.050 m de altitude.
Figura 102 - Vista geral do rio Penteado: a) vista das quedas de água; b) local do passo de travessia a
partir da margem esquerda do rio Penteado
Fotos: Adelson André Brüggemann. Data: 03/05/2008.
No início do corredor desse segmento, entre os pt-15 e pt-19, há uma senda
rasa e larga (pt-15), formada pelo desgaste do solo em área de meia encosta, em
função da inclinação do local, ou seja, aclive da direita para a esquerda no interior
do corredor, resultando numa trilha nivelada com corte de barranco na encosta
direita, a mais elevada (ver figura 104a). Pelas evidências observadas no local,
continua havendo a passagem de animais e a senda continua em processo de
erosão e aprofundamento.
Como esse segmento atravessa vários locais de afloramento de água, brejos e
pequenos córregos, foi necessário construir um sistema de drenagem, para que o
corredor tivesse acesso à fonte de água, mas sem acumular muita água ao ponto de
se formarem áreas com lama, dificultosa para a marcha dos animais.
Em função disso, esse segmento apresenta nos corredores dispositivos
construtivos diferentes daqueles do trecho A, mas semelhantes aos do segmento do
Caminho no trecho C. Trata-se de interrupções no muro de taipa ou desvio do
alinhamento da taipa para propiciar a travessia do córrego, provavelmente pelo
volume de água. Salienta-se que nesse segmento não foram identificadas as
estruturas de drenagens do tipo drenos.
a)
b)
323
Figura 103 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-15 e pt-19
Fonte: A autora (2008).
324
Registram-se interrupções na taipa para a travessia de um córrego em alguns
pontos (pt-17, pt-18 e pt-19). Atualmente, estas áreas estão fechadas com cerca de
arame farpado.
Figura 104 - Registro fotográfico do trecho B entre os pt-15 ao pt-21: a) senda rasa e larga formada no
interior do corredor (pt-15); b) interrupção da taipa para a passagem de um córrego (pt-17); c-d) desvio
da taipa do corredor (pt-19); e) área de passagem de um córrego pelo corredor (pt-18 e pt-19); f) ponto
de entroncamento do corredor com a estrada municipal (pt-21)
Fotos: a-b, c, f) A autora; d-e) Adelson André Brüggemann. Data: 03/05/2008.
a)
b)
c)
d)
e)
f)
325
Figura 105 - Mapa dos pontos avaliados no trecho B entre os pontos pt-19 e pt-22
Fonte: A autora (2008).
O primeiro ponto (pt-17) caracteriza-se por apenas uma descontinuidade da
taipa (ver figura 104b). Os demais (pt-18 e pt-19) funcionam em conjunto para a
drenagem da mesma vertente de água que atravessa o corredor na diagonal (ver
figura 104e). O último ponto (pt-19) apresenta uma variante na interrupção: trata-
326
se do desvio do alinhamento das taipas do muro (ver figuras 104c e d), com
aproximadamente 5 m de largura.
No interior do corredor, observou-se uma cerca de arame farpado (pt-20),
instalada para interromper o acesso ao mesmo. O fim desse corredor ocorre no
entroncamento com a estrada municipal, nas proximidades da sede da Fazenda São
Luís (pt-21 e pt-22). Junto ao pt-21, há uma porteira instalada de acesso ao campo
de pastagem situado nesta margem do corredor (ver figura 104f).
4. 2. 1 Avaliação e considerações do Trecho B
Ao longo do trecho B, não foram registrados sítios arqueológicos, somente
uma ocupação atual, com moradia na servidão do corredor. Nesse segmento, foram
observadas poucas interferências e/ou alterações no corredor, o que também se
reflete em somente 22 pontos avaliados no total.
Talvez por se tratar de um trecho no qual não houve e não tráfego de
veículos e por cruzar área de fazenda, não foram identificados resquícios de
moradias ao longo do trajeto.
Em nenhum segmento desse trecho foi registrada a ausência de muro em
uma das margens do Caminho. O corredor formado pelos muros de taipa de pedra
paralelos está íntegro em toda a extensão analisada.
Apesar de não se ter imagens de satélites em alta resolução e ortoretificadas
para o trecho, as estruturas dos corredores de taipa de pedra são bastante visíveis e
estão nítidas nas imagens do Google earth (DIGITAL GLOBE, 2008). Portanto, o uso
de fotointerpretação é bastante útil para desenhar o traçado dos corredores, a
mudança de sentido do muro, formando ângulos oblíquos, retos ou curvas
acentuadas, assim como a passagem por rios, córregos e áreas de banhado.
A análise do relevo ficou um pouco prejudicada nos mapas, pela falta de
levantamento planoaltimétrico em curvas de nível de pouco espaçamento (5 m),
sendo utilizado somente o disponível pelo IBGE em curva de nível equidistante em
40 m. Dessa forma, a topografia ficou restrita às anotações de campo.
Nesse trecho constatou-se que o mapa produzido pelo DSG (1979), fruto de
levantamento aéreo de 1965, identifica a área como sendo estrada não pavimentada
trafegável em dias secos. Porém, não se obteve informação de que a mesma era
utilizada para tráfego de veículos automotores ou de tração animal. Nem na
avaliação feita em campo registraram-se indícios de qualquer tipo de estrutura que
sugerisse esse uso, como por exemplo, leito de estrada com corte de barranco.
327
Pelo contrário, a maior parte do trecho não teria condições mínimas para
passagem de veículos com quatro rodas: grandes áreas úmidas de atoleiros, a
travessia do Penteado e uma área de mato fechado no interior do corredor.
Portanto, estas características observadas e a configuração no mapa
confundem um trecho de corredor de taipa de pedra com estrada não pavimentada.
Outra questão levantada pelo aspecto morfológico do encaixe desse corredor
como um entroncamento de outro corredor, foi a hipótese de que o trecho B
pudesse ser um ramal. Primeiro, por seguir no sentido noroeste enquanto que o
corredor do trecho A segue em sentido norte em direção à Comunidade de São
Jorge. Segundo, porque é um corredor encaixado de forma perpendicular ao muro
de taipa de pedra, iniciando ou desembocando no corredor do trecho A.
Em função disso, levantou-se a hipótese de que poderia se tratar de um
ramal, ou seja, de um corredor secundário desembocando no corredor principal.
Porém, esta hipótese não foi confirmada. Os dados levantados em campo não
permitiram afirmar isso com segurança.
Pelo contrário, indicaram que a largura média entre o corredor dos trechos A
e B são semelhantes e a forma construtiva também. Há o mesmo tipo de estruturas
no corredor, como área alargada, sistema de drenagem com drenos construídos e a
presença de morador na servidão do caminho. A única diferença constada é a
ausência de sítios arqueológicos e áreas de mangueiras anexas ao longo do
corredor.
Além disso, o encaixe, ou seja, a junção entre as taipas de ambos os muros é
perfeita, em ângulo reto, não indicando que uma tivesse sido feita primeiro e a
outra tivesse sido encaixada posteriormente. Não se observaram também resquícios
da base de uma taipa que tivesse sido desmanchada nesse ponto para encaixar um
corredor. A priori, a partir do exposto, a hipótese mais viável é que ambos os
corredores tenham sido encaixados num mesmo momento da obra, ou seja,
construídos simultaneamente.
Nesse trecho foram constatados diversos pontos de áreas úmidas, ora
atravessando o corredor, ora inserindo a extremidade de um banhado no interior do
Caminho. Isso propiciou vários pontos de água, mas também exigiu dispositivos de
drenagem em alguns pontos para que o Caminho não se tornasse intransitável,
dificultando a passagem pela formação de atoleiros.
Foram identificados vários pontos com sistema de drenagem, seja com
drenos construídos e valas de escoamento, ou, aberturas na taipa para passagem
de córrego.
328
A travessia do rio Penteado é bastante interessante do ponto de vista
morfológico do Caminho, pois neste ponto forma-se uma extensa área alargada,
com forma triangular na margem esquerda do rio. Além de tratar-se provavelmente
de um ponto de pouso ou parada de uma tropa para descanso à beira do rio,
também poderia ser um ponto de espera reunindo os animais e aguardando o
melhor momento para a travessia do rio, caso estivesse acima do nível normal. Por
ser um espraiado, o rio tem uma área mais aberta, facilitando a travessia.
Pela ausência de estrada de rodagem no interior do corredor desse trecho,
não foram encontradas estruturas de corredor soterradas ou abaixo do nível da
estrada, assim como cortes de barranco, leitos nivelados e muros de arrimo.
Pelo pouco fluxo no corredor, assim como também pela ínfima ocupação
antrópica, o trecho de corredor mantém-se bastante conservado, com poucas
modificações ou inserções de porteiras, muros ou cercas no Caminho.
4. 3 TRECHO C: REGIÃO DE SÃO JORGE ENTRE A CAPELA SÃO
JORGE E A FAZENDA CAPOEIRINHA
O trecho C, selecionado para análise dos vestígios arqueológicos, situa-se
entre a Capela São Jorge e o acesso à sede da Fazenda Capoeirinha, na localidade
de São Jorge. Este trecho tem 1.818 m de extensão, todo em área não utilizada
atualmente como estrada de rodagem (ver figura 106).
Segundo informações orais dos moradores, na comunidade de São Jorge
havia um pouso de tropeiros e um armazém, uma espécie de entreposto comercial
de descarga e troca de mercadorias dos cargueiros de mulas.
Este local comercial mencionado situa-se no início do trecho analisado e
apresenta, como vestígios materiais remanescentes, um conjunto de mangueiras e
uma área terraplenada, onde hoje localiza-se a residência do Sr. Lúcio Ataíde
Marcos (ver figura 107).
Segundo informações do Sr. Ataíde
175
, o qual reside 83 anos no local, o
175
O Sr. Lúcio Ataíde Marcos, o “Tio cio” como é conhecido na região, 83 anos, nasceu e sempre
morou na Coxilha Rica. Foi madrinheiro e tropeiro levando tropas de 15 a 20 mulas cargueiras pela
Serra do Rio do Rastro para Orleans e Urussanga. Serra abaixo, as mulas desciam carregadas de
charque e na volta traziam açúcar e sal. Posteriormente, foi condutor de tropa de gado, levando
semanalmente 30 bois gordos da Fazenda Santa Tereza para a charqueada em Lages. Também foi
taipeiro, cuja função foi a de empilhar as pedras. (MORAES, 2008, p. 8-10).
329
galpão de tropeiros estaria situado ao lado de sua casa e o armazém na parte de
trás. De acordo com o entrevistado
176
, todas as taipas existentes estavam
construídas quando ele veio residir nesta propriedade. Nos fundos de sua
residência, no local indicado onde existia o armazém, um bloco de rocha com
uma inscrição, que parece indicar uma data: “A 9 A 66 1953” (?). Estes vestígios
foram registrados como sítio arqueogico “Pouso São Jorge”
177
(SC-LG-25).
Figura 106 - Detalhe do mapa “São Sebastião do Arvoredo” apresentando o trecho C (em vermelho)
situado entre a Capela São Jorge e a sede da Fazenda Capoeirinha, paralelo à estrada atual
Fonte: DSG (1974). Arte gráfica: A autora (2008).
Outra informação mencionada pelo Sr. Ataíde foi o fato de o mesmo ter
trabalhado, no passado, auxiliando no conserto da estrada, que ocorria quando a
via estava ruim e os fazendeiros da região reuniam algumas pessoas, empregados
das fazendas, para realizar o trabalho. Eles retiravam as pedras do meio do
176
Entrevista realizada pela autora em 03/05/2008.
177
O sítio arqueológico “Pouso São Jorge(SC-LG-25) apresenta um conjunto de mangueiras de taipa
de pedra junto do corredor e terrapleno onde havia um armazém.
330
caminho e para isso utilizavam picaretas para quebrar as pedras de grande porte.
Figura 107 - Vista geral do Pouso São Jorge: a) residência do Sr. Lúcio Ataíde, onde conjunto de
mangueiras de taipa e vestígios de terrapleno; b) inscrição em bloco de rocha
Fotos: Adelson André Brüggemann. Data: 01/05/2008.
Além disso, durante a entrevista também foi mencionado que a estrada do
“corredor velho” foi desativada e deslocada há aproximadamente 60 anos, porque ali
havia muitas pedras e a mesma ficava intrafegável. A escolha da outra área foi pelo
fato de ser mais “limpa” e ter o relevo menos acidentado.
O trecho mencionado é a atual estrada que segue da Capela o Jorge, a
partir da direita da encruzilhada, passando pelas fazendas Capoeirinha e Lajeado
Bonito, em direção à região do Escurinho. Esta estrada dista do corredor em torno
de 340 m, tendo o seu traçado paralelo ao referido corredor. Na estrada passavam
carroças, carros de boi e veículos. O Sr. Ataíde comentou também que havia um
pontilhão para atravessar o córrego.
A existência de estrada de rodagem dentro desse trecho de corredor foi
constatada durante a avaliação em campo. Foram identificados remanescentes de
um muro de arrimo, que serviu de fundação para uma ponte no curso de água,
senda fundas com corte de barranco e pista nivelada. Tais vestígios serão
detalhados na descrição dos pontos de avaliação.
No início do trecho C, constataram-se algumas modificações do corredor,
tendo parte de sua estrutura de taipa desmanchada, principalmente na margem
direita, e o acesso ao interior do corredor fechado por uma taipa e cerca de arame
farpado, na transversal, com a presença de um dreno. ainda uma vala aberta
com máquina, para a drenagem da estrada municipal, que desemboca no dreno da
taipa paralela à estrada.
Na imagem de satélite é visível ainda a existência de um caminho do outro
a)
b)
331
lado da estrada atual, que poderia estar ligado a esse corredor. Caracteriza-se por
uma senda larga.
Figura 108 - Mapa dos pontos avaliados no trecho C entre os pontos pt-01 e pt-13
Fonte: A autora (2008).
332
O início do corredor do trecho C (pt-01 e 02) ocorre junto ao fechamento pelo
muro de taipa que dá acesso ao mesmo, paralelo à estrada municipal. Esse ponto
desce em direção à drenagem, atravessa um capão de mato, um córrego e sobe a
colina em direção ao Cemitério São Jorge.
A taipa da margem direita do corredor está parcialmente desmanchada,
tendo, na maior parte da extensão dos seus 237 m, somente a base (ver figuras
109a, b e c), que se caracteriza por blocos grandes na lateral e menores assentados
dentro. Segundo informações do Sr. Ataíde, esta taipa foi desmanchada para
construir uma área cercada de taipa de pedra, a fim de cercar uma porção do
terreno, sendo utilizada para lavoura.
Figura 109 - Registro fotográfico do trecho C, entre os pt-01 e pt-04 a-b) taipa na margem direita do
corredor (pt-01); c) trecho de base de taipa em capão de mato próximo ao córrego, margem direita do
corredor; d) muro de arrimo da margem do córrego
Fotos: A autora. Data: 01/05/2008.
vários muros de taipas na perpendicular da margem esquerda do
corredor, formando mangueiras (pt-02, pt-03, pt-04, pt-07, pt-08 e pt-11). O fato de
o muro, neste lado, estar melhor conservado que o localizado na porção direita
explica-se porque ali o muro do corredor funciona como parede para várias áreas
a)
b)
c)
d)
333
entaipadas.
Identificou-se um muro de arrimo em ambas as margens do córrego (pt-05)
que funcionaria como base de sustentação para uma ponte (ver figura 109d). Tal
vestígio comprovaria a existência de um pontilhão mencionado pelo entrevistado,
conforme citado anteriormente. Junto desse local, observou-se ainda uma senda
lateral na margem direita do corredor, uma espécie de vala. Trata-se de um local
para travessia de animais através do curso de água.
Foi registrada uma senda profunda no meio do corredor (pt-06), em área de
aclive. A mesma possui em torno de 1,70 de profundidade e 3 m de largura. Este
vestígio marcou o terreno, sinalizando o local onde a tropa subia a encosta e que foi
usado como leito de estrada (ver figura 110a e b).
Na margem direita, a base de taipa registrada no início do trecho segue até o
pt-09, tendo 237 m de extensão. Restaram somente os blocos grandes que
delimitam as suas laterais (ver figura 110c e d). Após esse local, uma
interrupção por aproximadamente 30 m, reiniciando mais adiante (pt-10).
Esse trecho segue até a área do Cemitério São Jorge
178
(SC-PQ-24) e, à
medida que se afasta do mesmo, começa gradativamente a aumentar a altura do
muro. Os blocos rochosos localizados nesse ponto do muro do corredor que foi
desmanchado poderiam ter sido utilizados na construção do aumento da área
murada do cemitério, o que explicaria a sua ausência ao longo da margem direita
próxima ao sítio. Junto desse trecho, é possível observar os resquícios do leito de
estrada nivelado (ver figura 110e).
O Cemitério São Jorge situa-se junto à margem direita do caminho, sendo
constituído por uma das paredes da área entaipada deste sítio (pt-12 e pt-13)
pertencentes ao corredor. Seu acesso se faz por uma porteira orientada para o
interior do corredor.
Na continuação desse trecho, segue o corredor com muros de taipa paralelos
(ver mapa, figura 112). A partir do pt-14, a base da construção aumenta
gradativamente sua altura e se transforma em muro de taipa em elevação, seguindo
assim por vários metros, quase até o final desse trecho analisado.
178
O Cemirio São Jorge teve sua área aumentada no sentido sul, acrescentando mais 122 m² ao seu
tamanho original. Este dado foi constatado pela diferença no aspecto dos blocos que constituem as
paredes de taipa de pedra do cemitério. A taipa mais antiga é formada por blocos irregulares,
enquanto que na taipa posterior os blocos apresentam algumas faces talhadas ou escolhidas de modo
a apresentar superfícies retas e planas.
334
Figura 110 - Registro fotográfico do trecho C entre o pt-06 e pt-13: a-b) senda profunda no interior do
corredor (pt-06); c-d) da base da taipa (pt-09); e) leito de estrada no interior do corredor; f) base de
taipa (pt-13)
Fotos: a) Adelson André Brüggemann; b-f) A autora. Data: 01/05/2008.
a)
b)
c)
d)
e)
f)
335
Foi registrado um sistema de drenagem composto de dois drenos instalados
na base da taipa (pt-16). A paisagem ficou marcada com uma vala no solo, por onde
escoa a água do dreno. Trata-se de uma área de declive lateral, escoando a água da
encosta superior, na margem esquerda do corredor, para a margem direita (ver
figura 111a). Os drenos são disformes, pois se tratam de aberturas entre os blocos
de rochas na taipa (ver figura 111b).
Na sequência, o corredor prossegue em platô até uma curva com
alargamento lateral antes da descida da encosta (pt-17). O corredor tem
inicialmente 22 m de largura e, na parte mais dilatada, chega a 36 m de largura,
reduzindo ao final para 18 m. também o leito de estrada junto da taipa da
margem esquerda, contornando uma pequena elevação e um capão de mato (ver
figura 111c). Na descida da encosta, no interior do corredor sendas provocadas
pelo desgaste do solo e erosão, com amontoamentos de blocos de rochas. (ver figura
111d).
Figura 111 - Registro fotográfico do trecho C entre os pontos pt-16 e pt-17: a) local onde situa-se os
drenos; b) sistema de drenagem composto por dois drenos (pt-16); c) curva no corredor e leito de
estrada; d) senda e amontoamento de rochas no interior do corredor (pt-17)
Fotos: A autora. Data: 01/05/2008
a)
b)
c)
d)
336
Figura 112 - Mapa dos pontos avaliados no trecho C entre os pontos pt-14 e pt-15
Fonte: A autora (2008).
Ao final da encosta, na planície, foi localizado na margem esquerda um
conjunto de áreas entaipadas formando mangueirões, registrado como sítio
337
arqueológico “Tapera do Laurentino Camargo
179
(SC-LG-04), sendo que uma das
paredes está ligada ao corredor através de muros de taipas paralelos (pt-18 e pt-19).
Nessa área, o corredor muda o sentido do seu traçado, fazendo um ângulo
fechado para a esquerda, de nordeste para noroeste (ver figura 113a), e com uma
série de modificações antrópicas.
Existe uma cerca de arame farpado perpendicular (pt-19 e pt-21), impedindo
o acesso ao interior do corredor (ver figura 113b). Logo em seguida, há uma porteira
de acesso ao corredor (pt-21), onde foi possível constatar que a base da taipa
permanece no solo, com os blocos grandes de rochas em evidência (ver figura 113c).
Observou-se também a forma trapezoidal do perfil da taipa desmontada para
a instalação da porteira. A largura vai diminuindo da base até o topo, sendo
construída com blocos maiores na base e médios nas laterais, preenchidos com
pedras menores no interior (ver figura 113d).
E junto desse ponto, um muro de taipa oblíqua, unindo-se ao corredor
para delimitar uma propriedade (pt-22).
Na baixa vertente, o corredor atravessa uma área brejosa com acúmulo de
água e cruza um córrego ao final do trecho. A taipa da margem esquerda tem uma
interrupção de 12 m de extensão onde foi instalada uma porteira. Trata-se de uma
modificação, com desvio, na sequência do muro, provavelmente em função da
drenagem do terreno (ver figura 113e).
179
O sítio arqueológico “Tapera do Laurentino Camargo” (SC-LG-04) situa-se junto ao corredor,
próximo da Comunidade de São Jorge. Trata-se de áreas entaipadas formando mangueiras de diversos
tamanhos. Conforme informação oral, teria sido a habitação do Sr. Laurentino Camargo.
338
Figura 113 - Registro fotográfico do trecho C entre os pontos pt-19 e pt-23: a) área na qual o corredor
faz um ângulo fechado (pt-19 e pt-22); b) cerca de arame farpado fechando o acesso ao interior do
corredor (pt-20); c) porteira aberta na taipa (pt-21); d) perfil da taipa; e) desvio de trecho de taipa (pt-
23)
Fotos: A autora. Data: 01/05/2008.
b)
c)
d)
e)
a)
339
Figura 114 - Mapa dos pontos avaliados no trecho C entre os pontos pt-17 e pt-27
Fonte: A autora (2008).
Na margem direita, a taipa prossegue ao ponto pt-24, que sinaliza o fim
desta, restando somente vestígios da sua base, numa extensão de
aproximadamente 50 m até próximo ao capão de mato e ao córrego, onde reinicia
novamente (pt-25) e finda às margens da estrada, próximo à ponte sobre o córrego
(pt-27).
340
Nesse trecho, observa-se na análise dos mapas anteriormente apresentados
que, exceto a passagem pelo córrego, inserção de somente uma área brejosa no
trecho final desse segmento de corredor percorrido. pelo menos 1.500 m de
corredor traçado em área seca.
O trecho de corredor C analisado e descrito acima termina junto à estrada
atual, onde a via continua com o seu traçado no interior do corredor.
4. 3. 1 Avaliação e considerações do Trecho C
No trecho C, que totalizou 1.818 m de extensão, foram registrados ao todo 27
pontos de avaliação e três sítios arqueológicos. Apesar de ser um trecho de corredor
relativamente pequeno, mostrou-se de grande interesse, à medida que foi
identificado o processo de abandono do uso secundário de um trecho de corredor
por uma estrada de rodagem no seu interior.
Uma das informações mais relevantes desse trecho foram os vestígios
abandonados de uma estrada para veículos dentro do corredor, apresentando leito
de estrada nivelado, corte de barranco e muro de arrimo num córrego como
fundação de uma ponte.
Estes dados arqueológicos foram acrescidos da informação oral, que indicou
a mudança do traçado da estrada que passava dentro do corredor para um trajeto
paralelo ao mesmo, mas distante deste em torno de 300 m.
Outro dado de grande interesse foi a informação de que o entrevistado
colaborava na manutenção da estrada, mencionando que os empregados dos
fazendeiros eram reunidos para realizar o conserto da estrada, retirando e/ou
quebrando os grande blocos rochosos que atrapalhavam o trânsito.
Se, sob a ótica arqueológica, o trecho C não é tão rico em estruturas,
comparando-se com o trecho A, pelo menos sob a visão histórica a pesquisa
realizada foi muito rica, principalmente em função da entrevista realizada com o Sr.
Lúcio Ataíde Marcos, que forneceu dados históricos importantes para a melhor
compreensão desse trecho do Caminho das Tropas, em especial no que diz respeito
ao seu uso, funções e construções existentes.
A visibilidade das estruturas arqueológicas nas imagens de satélite foi um
pouco prejudicada pela cobertura vegetal mais alta e densa. Todavia, as estruturas
de taipa de pedra em elevação são nitidamente visualizadas, exceto nas áreas de
capão de mato.
Esse trecho demonstrou também um processo de antropização do local pelo
341
crescimento da comunidade ali instalada, o que influencia também a conservação
dos remanescentes do corredor e de outras estruturas, apresentando assim trechos
de ausência dos vestígios em elevação e alterações significativas em algumas
porções do caminho, principalmente junto da Comunidade de São Jorge.
4. 4 TRECHO D: FAZENDA MONT SERRAT RIO PELOTINHAS
O trecho D, situado entre a Fazenda Mont Serrat e o rio Pelotinhas, tem
3.700 m de extensão. Caracteriza-se também por ser um segmento de corredor
formado por duas taipas de pedra paralelas.
Figura 115 - Detalhe do mapa “Coxilha Grande” apresentando parte do trecho D
Fonte: DSG (1973). Arte gráfica: A autora (2008).
No mapa “Coxilha Grande” (DSG, 1973), esse trecho de corredor é
representado cartograficamente como uma linha simples cruzada por “X”, símbolo
de uma cerca, conforme a legenda (ver figura 115). Enquanto que a trilha ou
Trecho D
342
caminho é representado nesse mapa por uma linha tracejada, e não condiz com a
estrada atual e nem com o caminho antigo.
Figura 116 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-01 e pt-03
Fonte: A autora (2008).
Numa primeira análise desse mapa, tem-se a impressão de que a linha
cruzada por “X” seria um muro de taipa de pedra funcionando como divisa de
343
propriedade. Mas em análise in loco e sobrepondo o trajeto levantado por receptor
de GPS no mapa dos DSG, trata-se nitidamente de um trecho de caminho formado
por corredor, que atravessa uma fazenda. Essa linha possui o mesmo traçado do
trecho de Caminho analisado, não restando dúvida quanto a ser um trecho de
caminho com corredor.
Esse trecho foi percorrido a partir da estrada de acesso à Fazenda Bela Vista,
tendo inicialmente somente muro de taipa de pedra em uma das margens, com
uma extensão de aproximadamente 740 m (pt-01), parecendo ser o limite entre
propriedades. Paralela ao muro, há uma trilha com vestígios de senda e de corte de
barranco em determinados segmentos.
A partir do pt-02, torna-se um corredor com dois muros paralelos. O trecho
inicial do corredor está fechado por uma taipa (pt-02 e pt-03). Tem-se a impressão
de que o corredor faz um vértice em ângulo de 90°, mudando o sentido da taipa, de
norte para oeste. Todavia, a hipótese mais provável é que existia o muro de taipa
da margem direita e, a partir deste ponto, foi construído o muro da margem
esquerda, dando forma ao corredor.
Nesse ponto, distante 2 m da junção entre a taipa da margem esquerda e da
direita, uma porteira com 3 m de largura, interrompendo o muro para dar
acesso ao corredor (pt-03) e vice-versa (ver figura 117a), ligando-se à trilha
anteriormente mencionada. A taipa na margem direita tem altura baixa, 60 cm de
elevação, e por isso possui cerca de arame farpado e moirões concomitantes ao
muro (ver figura 117b).
O segmento de corredor prossegue em amplo platô, na margem direita, junto
da taipa. uma área cercada com arame farpado, usando a taipa do corredor
como uma das paredes e anexando em dois pontos a cerca ao corredor (pt-04 e pt-
05). Esta área cercada é utilizada para plantio de árvores de reflorestamento.
O corredor atravessa uma extensa área úmida com dois banhados (ver figura
117c), sendo um deles situado em alargamento do corredor, de 15 m iniciais para
32 m na parte mais larga. Junto dessa área, na margem esquerda, também um
afloramento de uma extensa laje de basalto (ver figura 117d).
344
Figura 117 - Registro fotográfico do trecho entre os pontos pt-03 e pt-06: a) porteira que acesso ao
corredor (pt-03); b) segmento inicial do corredor com araucárias no interior do corredor; c) área úmida
formando banhado; d) afloramento de laje de basalto
Fotos: a-b) A autora; c-d) Adelson André Brüggemann. 04/05/2008.
Após 580 m de corredor orientado em sentido norte, os muros do caminho
mudam o sentido e fazem um ângulo reto no sentido oeste (ver mapa, figura 118).
Junto deste ponto, há uma interrupção na taipa com 3,50 m de extensão, onde foi
instalada uma porteira de arame farpado (pt-06). Entretanto, a taipa da margem
direita continua como limite de invernada ou propriedade.
A partir do pt-06, o corredor segue em encosta com declive, descendo de 980
m de altitude para 920 m (ver figura 119a), até uma drenagem, onde se altera o
sentido. A taipa da margem direita foi reformada nesse trecho, principalmente entre
os pontos pt-09 e pt-12, observando-se a colocação de novos blocos rochosos com
faces lascadas e planas entre rochas naturais de aspecto disforme (ver figura 119b).
a)
b)
c)
d)
345
Figura 118 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-02 e pt-06
Fonte: A autora (2008).
Na sequência do trecho pesquisado, existem rias modificações. Na margem
esquerda do corredor a taipa está interrompida por aproximadamente 35 m de
extensão, restando somente a base do muro de pedra (pt-07 e pt-08) (ver figura
120).
346
Nessa área, a trilha que existe no corredor sai do seu interior e passa sobre a
base. Na margem direita, uma porteira de madeira (pt-09), com uma trilha que
acesso ao corredor (ver figura 119c). As laterais da porteira, onde a taipa foi
desmanchada, foram reformadas, apresentando blocos rochosos quadrangulares
lascados (ver figura 119d).
Figura 119 - Registro fotográfico do trecho entre os pontos pt-06 e pt-09: a) corredor visto a partir do
pt-06; b) segmento inicial do corredor com cerca de arame farpado; c) porteira (pt-09); d) taipa na
porteira refeita com blocos lascados (pt-09)
Fotos: A autora. Data: 04/05/2008.
Um pouco mais adiante, uns 20 m, o corredor está fechado por uma taipa de
pedra (pt-09) instalada perpendicularmente ao mesmo e com uma porteira (ver
figura 121a). A taipa está acabada na parte superior com argamassa de cimento e
foi construída com blocos lascados, sendo, assim, mais recente que o corredor (ver
figura 121b).
a)
b)
c)
d)
347
Figura 120 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-07 e pt-15
Fonte: A autora (2008).
Na margem esquerda do corredor, a taipa foi reconstruída, a partir do pt-11
até o pt-13, numa extensão de 170 m. E na margem direita um conjunto de
mata-burro e porteira (pt-12), distantes 5 m entre si, que o acesso à sede da
Fazenda Mont Serrat (ver figura 121c). Estes dispositivos possuem 4,60 m e 4,00 m
de extensão, respectivamente. Junto do mata-burro, um muro de taipa oblíquo
ao corredor. Para drenar o mata-burro, foi construída uma canalização e uma vala
paralela à taipa (ver figura 121d).
Ao chegar à baixa vertente, onde cruza um pequeno córrego, o corredor
modifica sua orientação geográfica de oeste e segue no sentido noroeste (ver figura
122a). Nesse ponto, a travessia do curso de água passa livremente através das
interrupções existentes em ambas as margens da taipa do corredor (pt-14 e pt-15).
348
Figura 121 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-10 e pt-12: a) muro de taipa de pedra
fechando o corredor (pt-10); b) taipa feita a partir de blocos lascados (pt-10); c) mata-burro e porteira
(pt-12); d) vala de drenagem do mata-burro, paralelo ao corredor
Fotos: A autora. Data: 04/05/2008.
A abertura da margem direita foi fechada com cerca de arame farpado (ver
figura 122b). Enquanto que a taipa da margem esquerda es desmoronada na
travessia do córrego (ver figura 122e).
Nessa área, ocorre também a interferência da estrada de acesso à fazenda,
que interrompe a taipa da margem esquerda e entra no interior do corredor. Sobre o
curso de água, estão instalados a canalização e o aterro (ver figuras 122c e f). No
trecho da taipa cortado pela estrada, ainda está visível a base do muro de pedra.
Na sequência, o corredor sobe uma encosta suave e segue em patamar com
coxilhas levemente aplainadas, com pouca declividade. No corredor, foram
identificadas interrupções na taipa em decorrência da instalação de porteiras (pt-16
e pt-19) (ver figura 123).
c)
d)
a)
b)
349
Figura 122 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-14 e pt-15: a) corredor em curva,
sendo atravessado pelo curso de água (pt-14); b) abertura na taipa da margem direita para a travessia
do rrego (pt-14); c) estrada no interior do corredor (pt-15); d) abertura na margem esquerda do
corredor para a travessia do córrego (pt-15); e) taipa desmoronada (pt-15); f) canalização e aterro da
estrada no interior do corredor
Fotos: A autora. Data: 04/05/2008.
c)
f)
a)
b)
d)
e)
350
Figura 123 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-16 e pt-20
Fonte: A autora (2008).
Em locais baixos, nos quais o corredor é atravessado por córregos de água
(pt-17 e pt-18), a taipa encontra-se ausente para dar vazão à água (ver figuras 124a
351
e b) ou, parcialmente soterrada, como na margem direita do corredor (ver figura
124c). Nesse caso, pela pouca altura da taipa, foi instalada sobre este segmento
uma cerca de arame farpado (ver figura 124d). Nesse local, o corredor muda o
sentido, de noroeste para nordeste, fazendo uma curva para direita.
Figura 124 - Registro fotográfico do trecho D entre os dos pontos pt-17 e pt-18: a-b) área do corredor
sendo atravessado por curso de água (pt-17); c-d) taipa na margem direita do corredor parcialmente
soterrada pela travessia de um córrego (pt-18)
Fotos: A autora. Data: 04/05/2008.
Além desse tipo de alteração na taipa, registrou-se também uma interrupção
em função da instalação de uma porteira para acessar o corredor (pt-19) (ver figura
125a).
Outros dispositivos registrados entre as coxilhas, na baixa encosta, foram os
sistemas de drenagem compostos por drenos construídos na base das taipas, para
drenar a água de áreas brejosas situadas nas imediações do caminho.
No caso dos drenos localizados (pt-20 e pt-21), ambos paralelos, sendo um
na margem direita e outro na esquerda, estes funcionam em conjunto para drenar a
água dos banhados que atravessam o corredor e/ou se acumulam no seu interior.
Na taipa da margem direita, há dois drenos (pt-21) com formato irregular (ver figura
c)
a)
b)
d)
352
125b) e, na margem esquerda (pt-20), um dreno também disforme (ver figura
125c).
A 400 m adiante, outro dreno (pt-22) na margem direita com as mesmas
características ambientais de instalação na paisagem. Neste caso, as águas escoam
da margem direita para esquerda, no sentido do declive, em direção de uma
pequena vertente que corre na direção do rio Pelotinhas. Este dreno tem formato
retangular e foi construído da maneira tradicional, com uma laje de pedra alongada
longitudinalmente sustentando o vão por onde escoa a água (ver figura 125d).
Figura 125 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-19 e pt-22: a) porteira no corredor (pt-
19); b) conjunto de drenos na margem direita (pt-21); c) dreno na margem esquerda do corredor (pt-
20); d) dreno com formato retangular (pt-22)
Fotos: A autora. Data: 04/05/2008.
Acompanhando o corredor por amplo platô com coxilhas suaves, o traçado do
caminho desce um longo trecho de encosta (ver figura 127a), com aproximadamente
350 m, achegar à estrada municipal, onde as taipas do corredor terminam antes
da planície da margem esquerda do rio Pelotinhas (ver mapa, figura 126).
c)
a)
b)
d)
353
Figura 126 - Mapa dos pontos avaliados no trecho D entre os pontos pt-22 e pt-26
Fonte: A autora (2008).
Nesse segmento de encosta, a única modificação observada foi o trecho final
354
da taipa da margem direita, com moirões e cerca de arame farpado (pt-23). Nos
últimos 100 m de corredor, observa-se um leito de uma estrada no interior do
corredor, formado por corte de barranco com 30 cm em ambas as margens e
largura média de 6 m. Como se trata de área de encosta, o solo encontra-se exposto
(ver figura 127c). Não foi possível precisar se este trecho foi usado como estrada de
rodagem no passado, pois não existem vestígios no restante do corredor que
indicassem isso.
Figura 127 - Registro fotográfico do trecho D entre os pontos pt-23 e pt-26: a) corredor descendo a
encosta em direção ao rio Pelotinhas; b) taipa em encosta; c) leito de estrada no interior do corredor; d)
passo de travessia do rio Pelotinhas
Fotos: a-c) A autora. Data: 04/05/2008; b) Adelson André Brüggemann. Data: 04/05/2008; d) A
autora. Data: 16/11/2007.
Os muros de pedra do corredor (pt-24 e pt-25) acabam no corte de barranco
da estrada municipal. Acredita-se que a taipa tenha sido destruída quando da
abertura ou alargamento da estrada. Como um grande desnível entre o leito da
estrada e o corredor, em razão da grande altura do corte de barranco, não foi
possível encontrar vestígios da continuação do corredor. Provavelmente, o corredor
deveria chegar próximo à beira do rio, no local de travessia desse curso de água.
c)
a)
b)
d)
355
Atualmente, o acesso ao corredor encontra-se fechado por cerca de arame farpado
instalada no interior do caminho.
A travessia do rio Pelotinhas é realizada em dois pontos nesse local, através
da ponte, para os veículos, e no passo, pelos animais que ainda são conduzidos na
região.
4. 4. 1 Avaliação e considerações do Trecho D
No trecho D foram analisados e registrados 26 pontos e não foram
identificados tios arqueológicos ao longo das estruturas viárias. As poucas
estruturas registradas estão relacionadas principalmente às alterações ou
construções realizadas (porteiras, fechamento do corredor com muro e cerca, aterro
e canalização) ao longo do corredor, principalmente nas imediações da sede da
fazenda.
Apesar disso, tem-se um trecho de corredor muito conservado e visível nas
imagens de satélite, com percurso bastante claro e sem alterações de trajeto.
Observam-se nitidamente pontos de mudança brusca do corredor, fazendo curvas
fechadas ou ângulos retos para mudar o sentido do caminho.
Esse trecho não foi usado como estrada de rodagem no interior do corredor,
pelo menos entre a entrada da fazenda e o trecho inicial. Entretanto, nas
proximidades da sede da fazenda, esta é acessada por uma estrada passando no
interior do corredor em um pequeno segmento.
Em outros pontos, devem passar implementos de trabalho de pequeno porte,
tais como tratores, que acessam os campos para transportar sal aos saleiros ou
áreas cultivadas. Apesar disso, esse trecho de corredor não deve ter sido usado
como estrada de rodagem em sua totalidade.
Em campo, constatou-se que o corredor passa por algumas áreas úmidas,
com travessia de córregos, formando áreas propensas a atoleiros, com muita lama.
Em poucos pontos foram observados sistema de drenagem do tipo drenos, para
escoar a água na base do muro de taipa. Observaram-se também pontos
interrompidos na taipa ou soterrados pela passagem desses pequenos cursos de
água.
356
4. 5 CONSIDERAÇÕES DOS TRECHOS ESTUDADOS
A proposta de selecionar segmentos do Caminho das Tropas proporcionou
amostras do universo da rede viária existente na área de pesquisa e das estruturas
que o formam. Exceto pelo trecho A, os demais são fragmentos de corredores que
muitas vezes não têm um início ou fim bem claros, não em termos de delimitação,
mas no que se refere a sua inserção no conjunto viário do Caminho das Tropas.
Ao analisar o traçado dos quatro trechos selecionados, pode-se sugerir a
existência de múltiplos caminhos ou alternativas de percursos de um mesmo
caminho. Esta questão, na esfera regional, poderá ser melhor esclarecida
ampliando as amostras, a fim de mapear os caminhos e corredores existentes em
toda a área de pesquisa. Assim, poder-se compreender como os segmentos de
corredores se articulam, formando o Caminho das Tropas ou uma rota deste, ou
ainda conexões do Caminho com lugares ao longo dele.
O segmento A é orientado no sentido sul norte, formando um eixo do
Caminho, no sentido rio Pelotas Lages. Este traçado é indicado como o principal
que atravessava a região dos Campos de Lages, vindo do Rio Grande do Sul em
direção a São Paulo. Mas os demais fragmentos apontam outra dinâmica da rede
viária local, formando um conjunto de vias, que se ligam a esse eixo, ou subdivisões
do Caminho.
Os trechos B e D parecem ser uma continuação do outro, pela sequência e
alinhamento do traçado no mapa geral, formando talvez outra rota de caminho no
sentido noroeste, ultrapassando o rio Pelotinhas. Este seria talvez outro traçado
que se ligava ao eixo sul-norte ou atravessava o Caminho, seguindo em direção a
Capão Alto e Campo Belo.
Por outro lado, o segmento C é um fragmento de corredor que segue também
no sentido noroeste. Sua relação com o traçado precisa ser melhor investigada,
para se determinar se este seria outra alternativa de caminho ou um ramal ligando
um lugar ao Caminho.
Comparando-se os quatro trechos estudados do Caminho entre si, não se
constatam diferenças construtivas ou de assentamento que poderiam indicar
hierarquia: trecho principal e ramal. Ambos os segmentos apresentam-se de forma
bastante homogênea. Este aspecto de hierarquia da rede viária só poderá ser
analisado numa escala menor, quando os caminhos e/ou corredores estiverem
cartografados.
357
As diferentes estruturas apresentadas que compõem o Caminho das Tropas
também corroboram a ideia de um Caminho com corredores que se apresentam
semelhantes. Contudo, isto não quer dizer que haja um projeto de engenharia ou
alguma planificação na sua construção, como se observa na diversidade de
acabamentos, dimensões e morfologias identificadas.
Não foram constatadas diferenças entre as estruturas viárias dos trechos B e
D, que poderiam se caracterizar como um ramal do Caminho, em relação ao trecho
A, ou que dessem ideia de hierarquia das estruturas construtivas: trecho principal e
ramal. Todos os trechos analisados apresentam variação de largura do corredor, de
estruturas de drenagem, de áreas de alargamento.
O quadro abaixo apresenta, de forma sintética, os trechos do Caminho objeto
desta pesquisa com a sua localização, extensão e quantidades de pontos avaliados
ao longo de cada trecho.
Trecho do
caminho
localização
Extensão
de pontos
avaliados
Trecho A
Rio Pelotas - Bodegão
13.950 m
166
Trecho B
Faz. Cipó Fazenda São Luis
4.089 m
22
Trecho C
Capela São Jorge Faz. Capoerinha
1.818 m
27
Trecho D
Faz. Mont Serrat Rio Pelotinhas
3.700 m
26
total
-
23.557 m
241
Quadro 15 - Trechos do Caminho das Tropas estudados e quantidade de pontos levantados
Fonte: A autora (2008).
Os subtrechos A1, A2, A3 e A4 do trecho A demonstram a escolha por um
terreno sem a passagem de córregos e vertentes de água, o que ocorre em alguns
pontos da estrada municipal na outra face do morro, conforme mapa em 3D (ver
figura 48).
Os trechos B, C, D e o subtrecho A5, assemelham-se na sua instalação,
seguindo o compartimento topográfico menos acidentado nos campos de altitude
ondulado pelas coxilhas, alterado somente pela travessia dos vales ou cursos de
água.
Nos trechos estudados, principalmente no subtrecho A5, as interrupções
originais ou mais antigas, excluindo-se porteiras atuais, geralmente sinalizam a
existência de uma tapera, ou seja, remanescentes de uma unidade residencial
existente ao longo do caminho e, na maioria das vezes, tendo estruturas de
mangueiras ou outras de taipa de pedra, anexas ao corredor.
358
Os tios arqueológicos, ao longo dos corredores de taipa de pedra do
Caminho, funcionavam em conjunto como uma grande teia formada pela rede viária
e os diversos pontos de ocupação, mostrando como esse espaço foi ocupado no
passado.
Constatou-se que os corredores que não apresentaram leito de estrada de
rodagem de veículos motorizados, ou vestígios de terem sido utilizadas para tanto,
não apresentaram áreas de corredores soterrados, com muros de taipa abaixo do
nível da estrada atual. Este é um efeito exclusivo do uso dos corredores com a
instalação de estradas atuais no seu traçado.
Os corredores tinham dupla finalidade no período do tropeirismo: serviam de
cerca e também de cercado. Era fechar as extremidades de um trecho que o
piquete estava pronto. Contudo, atualmente, em muitos casos, os corredores se
confundem com muros que limitam a propriedade privada do espaço público da
estrada.
Este capítulo apresentou e descreveu os vestígios arqueológicos mapeados
referentes aos quatro trechos do Caminho analisados a partir do percorrimento e do
registro dos pontos de avaliação. No capítulo seguinte, dar-se continuidade,
discutindo as estruturas identificadas e confrontando com os dados de cunho
histórico apresentados no capítulo 3, procurando responder às questões referentes
à construção, uso, implantação na paisagem, autoria, cronologia, entre outras.
359
Foto: HERBERTS
360
5 ANÁLISE DAS ESTRUTURAS REMANESCENTES DO CAMINHO DAS
TROPAS NA PAISAGEM: DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Caminhante, não caminho, o caminho é feito
ao andar. Ao andar se faz o caminho e ao olhar
para traz, se vê a senda que nunca se vai voltar a
trilhar. Caminhante não há caminho, somente
rastros no mar.
Antonio Machado
As estratégias adotadas para a abertura, construção e manutenção do
traçado do Caminho das Tropas implicaram um grande conhecimento das
condições ambientais, tais como relevo, hidrografia, dentre outras. Os construtores
conheciam bem o terreno e as necessidades para cada trecho.
A análise dos vestígios materiais do uso do Caminho corrobora essa ideia e
explica que o percurso sofreu alterações em determinados trechos em decorrência
dos obstáculos que impossibilitaram ou dificultaram seriamente a passagem dos
animais.
A fotointerpretação das ortofotocartas e dos levantamentos planialtimétricos
proporcionou uma noção prévia das estruturas viárias e dos vestígios arqueológicos
e arquitetônicos em elevação ainda existentes.
As observações in loco foram decisivas para a identificação das estruturas
visualizadas nas imagens de satélite, cujas tipologias nem sempre eram passíveis
de identificação. Além disso, para as áreas de cobertura vegetal densa não havia
nenhum tipo de informação visual que servisse de referencial.
Um dos primeiros problemas a ser resolvido era a identificação do percurso
original do trecho A, ou seja, o Caminho antigo na porção que ligava o sítio
arqueológico das estruturas de mangueiras do Registro Santa Vitória (SC-PQ-04) ao
platô onde há os corredores de taipa de pedra.
Atualmente, este sítio é acessado pela estrada municipal LGS-050 que,
361
mesmo em suas melhores condições, não é trafegada por veículos de passeio. A via
possui vários trechos longos de encostas íngremes e úmidas, tornando-se
escorregadios e enlameados na maior parte do tempo. Além disso, há curvas
fechadas e longos trechos em aclive ou declive acentuados. Estas características a
tornam praticamente inacessível, somando-se a isto o fato de localizar-se dentro de
uma propriedade privada.
A estrada municipal é raramente utilizada e somente por veículos com tração
4 x 4, como jipeiros que fazem trilhas, pilotos de motocross e pessoas que visitam
ou mesmo atravessam o Passo Santa Vitória, chegando a ou a cavalo. Neste
passo do rio Pelotas, não existe qualquer tipo de balsa ou embarcação similar para
a sua travessia. o também ponte que dê acesso ao município de Bom Jesus
(RS), situado na margem direita do rio Pelotas.
A travessia continua sendo feita como no passado: a nado ou em canoa de
pequeno porte, tais como os caiaques. Isto explica e justifica o pouco uso da atual
via, bem como do antigo Caminho, quando o mesmo entrou em desuso.
Comparando a estrada atual e o trecho do percurso antigo do Caminho das
Tropas no mapa (ver figura 47), percebem-se claramente as diferenças de instalação
e traçado. O segmento do Caminho antigo busca sempre uma encosta menos
íngreme e acidentada, ou seja, tem seu traçado instalado no local mais propício
para o trânsito das tropas de animais. No mapa, pode-se constatar nitidamente a
variabilidade das cotas altimétricas, que oscilam do nível do rio, em 685 m, para o
platô, em 1.000 m. Essa informação era fundamental para vencer a subida da
encosta sem esforços dispendiosos.
O conhecimento do compartimento topográfico facilitou a escolha do melhor
traçado do Caminho entre o local do sítio arqueológico (SC-PQ-04) e o platô,
seguindo o ponto mais apropriado da encosta, pois à medida que a subida/aclive é
menos íngreme, somente uma curva fechada mudando o sentido do percurso.
na estrada municipal há várias curvas bastante acentuadas para vencer o relevo
mais abrupto da outra encosta.
A hidrografia também foi um aspecto observado na abertura do Caminho
antigo neste local, pois este não atravessa nenhum ponto de drenagem na encosta,
seguindo na maior parte do percurso em topo do divisor de águas, passando entre
os cursos de água. Por outro lado, a estrada municipal atravessa pelo menos três
vertentes, o que a torna bastante úmida e com lama.
A análise dos quatro trechos amostrais de corredores ou resquícios do
Caminho das Tropas propiciou o conhecimento detalhado dos vestígios materiais
362
remanescentes, possibilitando a comparação entre os trechos e a busca da
compreensão de como foram construídos, utilizados e/ou modificados, formando a
atual paisagem da região dos Campos de Lages.
Partindo do pressuposto de Juillard (2007), no qual um tio arqueológico
compreende a menor unidade de estudo dos arqueólogos, o Caminho seria un
„complexe‟ architectural constitde différents sites”. Dessa forma, um caminho ou
sítio, pode ser dividido por unidade arquitetônica homogênea. “C‟est l‟agrégation à
l‟ensemble et l‟agencement de ses structures entre elles qui donne son importance
et sa singularité à l‟ensemble.” (JUILLARD, 2007).
Dessa forma, o Caminho das Tropas foi decomposto nas suas unidades
arqueológicas / arquitetônicas, ou seja, nas estruturas viárias que o formam,
buscando analisar o conjunto de artefatos de forma homogênea dentro do contexto
de cada trecho analisado, procurando apresentar suas principais características,
tais como construção ou formação, materiais empregados, morfologias, dimensões,
compreendendo assim a sua instalação na paisagem.
Os vestígios arqueológicos mapeados são resquícios de elementos
construtivos (corredores, drenos, calçada) ou marcas de ações como as sendas ou
trilhas formadas pelo desgaste do solo em função do trânsito das tropas de animais,
dos efeitos erosivos do solo e da ação das chuvas.
Dentre os vestígios arqueológicos existentes identificados e as estratégias
adotadas no percurso do Caminho das Tropas, serão apresentadas e analisadas
neste capítulo as estruturas viárias remanescentes e a sua relação com o ambiente
local, construindo dessa forma a noção da paisagem do Caminho na atualidade.
5. 1 CORREDOR COM MURO DE TAIPA DE PEDRA
Os muros ao longo da História serviram para:
defender / muralhas; proteger / diques; abrigar /
abóbadas; transportar / aquedutos; conter / de
suporte; significar / pirâmides ou arcos de triunfo;
demarcar / vizinhança; decorar / volutas; suportar
/ Schinkel; evocar / Mies; ver por / casa da mãe
do Corbusir; serem vivos / Vila Adriana; receber /
esculturas do Parthenon; subir descer / escadas;
ventilar / chaminés do Palladio; passar / pontes.
(CASELLA, 2003, p. 6).
Os corredores são estruturas formadas por dois muros paralelos construídos
363
em taipa de pedra
180
sem qualquer tipo de rejunte, encaixadas à seco. Segundo
Silva (2006, p. 131), estas estruturas se caracterizam como “[...] uma rota
delimitada por duas linhas paralelas que ainda hoje marcam imponentemente a
paisagem dos espaços onde foram estruturadas”.
O significado da palavra “corredor” remete a uma passagem interna, como
uma galeria, mas em superfície. O corredor tem o papel de permitir a circulação de
pessoas e animais num espaço delimitado, funcionando como uma servidão
pública, ou seja, uma passagem para o uso público num terreno que poderia ser de
propriedade privada. Trata-se de um espaço de transição, de passagem.
Em nenhum estudo de caminhos encontrou-se referência que indicasse a
existência de corredores, exceto no trabalho de Silva
181
(2006) que aborda outro
trecho do Caminho das Tropas, em Bom Jesus (RS). De acordo com a revisão dos
estudos arqueológicos sobre caminhos apresentada no subcapítulo 2.2, somente há
menção ao uso de muros de pedra em caminhos.
Figura 128 - Muro de pedras no Caminho Novo, trecho entre Ouro Branco e Ouro Preto
Fonte: Assis et al. (2007, p. 11, figura 12).
Na pesquisa arqueológica do Caminho Novo foram observadas estruturas de
muros relacionadas a peitoris:
180
Taipa é o nome pelo qual é conhecido popularmente o muro feito de pedras, sem uso de qualquer
outro material para a sua construção. É muito comum na região sul do Brasil, especialmente nos
Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
181
Sobre os resultados da pesquisa de Silva ver o subcapítulo 2.2.
364
Em alguns casos, os arrimos de pedra são complementados por peitoris ou
muros que, excepcionalmente, podem conter drenos. Em um dos trechos
resgatados, os arrimos apresentam cerca de 0,85 m de largura por 0,85 m de
altura, sendo complementados, na parte superior, por muros que atingem
até 2,00m de altura. Estes muros cumpriam a função de proteger as tropas
que circulavam pelos caminhos. (ASSIS et al., 2007, p. 11).
Todavia, esses muros têm relação com a construção de arrimos e corte,
sendo o prolongamento do arrimo sobre a superfície da margem do caminho.
Apesar de os muros de pedra terem morfologicamente a mesma aparência e serem
construídos, ao que tudo indica, também com pedra sobreposta a seco, ou seja,
sem qualquer tipo de material de liga entre as rochas (ver figura 128), possuem
função completamente distinta dos corredores com muros de pedras como os
estudados no Caminho das Tropas na Coxilha Rica. Os muros do Caminho Novo
funcionam como parapeito ou muro de proteção em uma encosta abrupta.
Juillard (2007), referindo-se aos distintos elementos que constituem um
caminho, menciona um importante aspecto relativo à configuração do terreno
atravessado, no que se refere às diferenças funcionais entre muros de contenção e
muros laterais:
[...] lors de la création d‟un chemin sur pente, le mur de soutènement;
retenant le remplissage de la voie de circulation; est indispensable à celui-ci.
Le mur de contention; retenant les déblais projetés de l‟amont sur la voie de
circulation; n‟est qu‟un élément de confort, pour le bien-être des utilisateurs.
Ce même mur de contention peut devenir un élément indispensable lorsque
le chemin traverse une zone de chute de matériaux qui pourrais obstruer la
voie de circulation. De même, les murs latéraux d‟un chemin de plaine sont
superflus à celui-ci; leur utili est à rechercher ailleurs: limitation de
l‟espace dévolu aux voyageurs, évoluant dans un espace semi-domestiqué.
(JUILLARD, 2007).
Tal acepção se ajusta à ideia de que os corredores construídos com muros de
pedra paralelos têm a função de delimitar, conduzir o que transita no seu interior,
separando daquilo que existe nas áreas do seu entorno.
Os corredores na região da Coxilha Rica foram registrados entre o rio Pelotas
e a malha urbana de Lages, porém ausentes no trecho seguinte do estudo, entre
Lages e Correia Pinto. Todavia, os corredores não são observáveis em toda a
extensão do planalto meridional sul brasileiro, atravessado pelo Caminho das
Tropas.
A ocorrência dos corredores tem sido observada somente nas regiões
correspondentes aos Campos de Lages e os Campos de Cima da Serra, em porções
específicas dos municípios de Lages, em Santa Catarina, e em alguns municípios do
Rio Grande do Sul. A questão da existência dos corredores numa área especifica
será abordada mais adiante, na tentativa de se explicar as possíveis razões para tal
365
fenômeno.
Num primeiro momento, serão analisadas as principais características
observadas e registradas em campo, confrontando com os resultados obtidos por
Silva (2006) no estudo dos corredores do Caminho das Tropas em Bom Jesus.
A dimensão e a extensão dos corredores nos campos chamam a atenção e a
sua instalação na paisagem é adaptada à topografia, numa relação perfeita com o
relevo das coxilhas. A exteno dessas imensas servidões pode ser observada num
registro fotográfico feito em cavalgadas que ocorrem na região (ver figura 129).
Nestas imagens, percebe-se que uma comitiva formada por aproximadamente
sete cavaleiros e/ou animais é bastante pequena em relação ao tamanho dos
corredores. As imagens demonstram que a necessidade de corredores tão largos
deve estar diretamente relacionada à quantidade de animais que por ali
transitavam no passado.
Figura 129 - Registros fotográficos de cavalgadas nos corredores: a) Comitiva a cavalo marchando pelo
corredor, no trecho B; b) Marcha por um trecho de corredor na Coxilha Rica
Fotos: Werner Zotz (In: KAISER, 2006, p. 57 e 62).
Os estudos realizados para a proposta de criação da Área de Preservação
Ambiental Coxilha Rica APA, pelo Instituto Coxilha Rica (ICR, 2007), têm como
delimitação a porção do território situada entre os rios Pelotas, Pelotinhas e Lava-
tudo. Este estudo levantou 137 km de corredores com uso de receptor de GPS e do
software Trackmaker, mapeando as estruturas viárias (acessos principais, vias
secundárias, corredores) (ICR, 2007, p. 275-277).
366
Figura 130 - Mapa da área da proposta da APA Coxilha Rica, sinalizando o acesso principal (traço em
azul), as vias secundárias (tro em preto) e os corredores (traço em amarelo), identificando os
corredores estudados nesta pesquisa (tracejado em vermelho)
Fonte: ICR (2007, p. 278). Arte gráfica: A autora (2009).
A figura 130 apresenta o mapa da área da APA Coxilha Rica, com a rede
viária mapeada pelo levantamento. Com relação ao mapa especificamente, foram
identificados os quatro trechos do Caminho investigados nesta pesquisa. Como se
observa na imagem, um corredor com eixo principal, sentido sul-norte, mas não
existe um corredor principal, no qual os demais trechos de corredores desembocam.
Na porção norte, observa-se que o corredor se subdivide em dois, seguindo dois
traçados distintos.
Por outro lado, é importante observar os diversos fragmentos de corredores
espalhados pela área, em direção leste ou oeste, e que, a priori, não estão
Trecho D
Trecho B
Trecho C
Trecho A
367
conectados entre si e nem com um eixo principal, mas que devem se constituir em
segmentos de uma mesma rota.
Apesar disso, esses dados precisam ser relativizados e verificados com
bastante acuidade e precisão, pois o trecho A percorrido e levantado na presente
pesquisa não é formado em toda a sua extensão por um caminho com corredor
delimitado por muros de taipa de pedra em ambas as margens, conforme
apresentado na figura 130.
Nos 23.557 m de caminho analisado, foram registrados, aproximadamente,
16.431 m de corredores, conforme apresentado no quadro 16. Os trechos B e C são
todos compostos por corredores em toda a sua extensão. Por outro lado, o trecho A
possui trechos intermitentes com corredor e outros com muro em apenas uma das
margens.
No caso do trecho A, dos 13.950 m percorridos, 7.564 m apresentaram
corredor, ou seja, quase a metade do segmento não possui o Caminho delimitado
em ambas as margens com muros de taipa de pedra.
No trecho D, o segmento inicial não é todo formado por corredor, tratando-se
de um percurso com muro somente em uma das margens, com extensão de 740 m,
apresentando assim 2.960 m de corredor.
Trecho analisado
Extensão total do
trecho
Extensão de
corredor
Trecho A
13.950 m
7.564 m
Trecho B
4.089 m
4.089 m
Trecho C
1.818 m
1.818 m
Trecho D
3.700 m
2.960 m
Total
23.557 m
16.431 m
Quadro 16 - Relação dos trechos analisados com a respectiva extensão dos trechos e a proporção de
corredor
Fonte: A autora (2009).
As variáveis ambientais que influenciaram as escolhas dos locais de
instalação dos corredores são de duas ordens principais: o compartimento
topográfico com relevo menos inclinado e a disponibilidade de água.
Na maioria das vezes, foi observada a predominância dos corredores em
áreas de campo aberto com relevo mais plano ou suavemente ondulado, buscando
prioritariamente áreas de maior altitude como o topo das coxilhas ou passando
entre elevações do terreno, em meia encosta.
A construção dos corredores acompanha a ondulação do terreno, procurando
368
desviar de aclives/declives muito íngremes, às vezes fazendo curvas bruscas no
traçado para vencer encostas abruptas ou evitar locais de difícil trânsito. A escolha
de trajeto considerou o cruzamento por áreas de melhor trânsito para os animais,
procurando poupá-los do desgaste físico durante a condução pelos corredores.
Figura 131 - Vista geral dos corredores em áreas de campo aberto e sobre as coxilhas onduladas
Fotos: Ricardo Almeida. Data: 21/07/2003. Acervo: 11ªSR/IPHAN/SC.
Muitos corredores seguem por vários quilômetros sem haver uma
interrupção e, consequentemente, sem outra opção de rota. Portanto, ao adentrar
em um corredor só restavam as alternativas de seguir em frente ou retornar. Sendo
assim, esse tipo de caminho precisava necessariamente dispor de locais
fundamentais para as jornadas das tropas de muares, cavalares e vacuns: pontos
de aguada e pastagem, rotas de melhor trânsito e pontos de parada para descanso
ou pouso.
Outro fator determinante na escolha do traçado dos corredores era a
disponibilidade de recursos hídricos, tanto para as áreas de pouso, quanto para a
aguada dos animais em viagem. Dessa forma, muitos corredores anexaram áreas
brejosas ou com acúmulo de água como fonte de abastecimento para os animais em
trânsito. Esta era uma das condições fundamentais para a sobrevivência da tropa e
o êxito da viagem.
Nesse sentido, em vários locais foram observados pontos em que o corredor
passa entre áreas de banhados, não os evitando, o que poderia ser facilmente
contornado subindo o traçado mais para a meia encosta ao invés de passar na
baixa encosta naquela área. Outra opção observada foi a inserção da extremidade
de um banhado no interior do corredor.
Analisando as dimensões registradas nos pontos de avaliação dos corredores,
pode-se inferir e discutir os dados referentes à largura dos corredores, à altura e à
369
base das taipas, assim como à variabilidade encontrada nos diversos trechos de
corredores estudados.
Confrontando os pontos avaliados ao longo dos quatro trechos de corredores,
onde foi medida a largura das construções, pôde-se avaliar a variação das
dimensões obtidas no gráfico 1. Salienta-se que dos 241 pontos de avaliação,
somente 129 apresentaram dimensões consideradas lidas, pois as demais o de
locais sem corredor, de outros tipos de estruturas ou de pontos com somente taipa
em uma margem, motivo pelo qual as demais medidas foram excluídas do cômputo
geral
182
.
Nos trechos de corredores analisados, as estruturas apresentaram uma
largura que variou de 11 m a 34 m, largura mínima e largura máxima
respectivamente, conforme o gráfico 1. Estas medidas excetuam as áreas de
alargamento laterais que serão analisados em detalhe em outro item deste capítulo.
Neste gráfico, constatou-se a grande variação da largura de um corredor dentro de
um mesmo trecho, estando a maioria das medidas das larguras entre 17 m e 21 m.
Gráfico 1 - Variação da largura do corredor nos trechos A, B, C e D
Fonte: A autora (2009).
Apesar disso, analisando-se os trechos individualmente e comparando a
largura mínima, máxima e média
183
dos corredores entre os diversos trechos
estudados, observa-se que pouca variação entre as medidas
184
mínimas e
máximas.
182
As medidas de largura do corredor foram anotadas nos pontos de avaliação dos trechos do
Caminho. Portanto, tratam-se de medidas com freqüência aleatória, sem um espaçamento regular.
183
Largura média foi obtida pela soma das medidas válidas, excetuando-se os alargamentos, dividindo
pelo número de medidas obtidas.
184
O valor das medidas de largura foram arredondadas em meros inteiros para facilitar o estudo e
obtidas com uso da ferramenta métrica do programa ArcGis sobre os corredores visualizados nas
imagens de satélite.
370
Para os corredores situados em Bom Jesus (RS), Silva (2006, p. 133)
constatou que as maiores variações de largura foram entre 13 m e 46 m, sendo que
a largura máxima deve estar relacionada a uma área de alargamento. Portanto, tais
medidas se assemelham às obtidas nesta pesquisa.
Conforme o apresentado no gráfico 2, a largura mínima do corredor
encontra-se entre 11 m e 15 m; a máxima entre 25 m e 34 m; e a média entre 19 m
e 20 m. Portanto, estas medidas demonstram que a grande variabilidade na largura
é constante nos quatro trechos de corredores analisados, mas a dia da largura
tem uma diferença mínima.
Gráfico 2 - Medida da largura mínima, máxima e a média dos corredores por trecho
Fonte: A autora (2009).
Outro dado a ser considerado na análise dos corredores é a maneira como os
muros de taipa foram construídos. Segundo Casella (2003, p.6), “um muro em
senso comum é um conjunto de pedras em altura”. Todavia, os materiais
empregados e as técnicas construtivas podem variar de sociedade para sociedade,
de região para região, segundo diversas variantes a serem consideradas, tais como
a disponibilidade de matéria prima, a tecnologia, o uso e a função, o ambiente, etc.
A técnica de edificação das taipas antigas
185
é a mesma, ou seja, com a
sobreposição de blocos de rochas à seco sem o uso de material aglutinante. Trata-
se de uma tecnologia que exige muita habilidade e técnica de quem a constrói. Esta
tecnologia de construção do muro de taipa de pedra é denominada tecnicamente de
alvenaria de pedra seca, também conhecida em Portugal como alvenaria insossa.
Conforme Casella (2003, p. 27):
185
Atualmente, se observa o uso de argamassa (cimento, areia, etc.) na manutenção de taipas de
pedras e na construção de novas.
371
[...] é uma técnica que dispensa o uso da argamassa na ligação das pedras
entre si, tendo se desenvolvido principalmente nas zonas onde a cal era
escassa. Apesar de se poder aplicar este termo técnico a toda e qualquer
alvenaria de pedra que não utilize argamassas de ligação, vulgarmente ela é
associada à alvenaria de pedra irregular. Para obviar à menor coesão da
parede, conseqüente da falta de argamassa de assentamento, esta técnica
requer uma boa execução no travamento das pedras entre si através do
encaixe cuidado das pedras e da utilização dos escassilhos
186
.
A matéria prima empregada na construção das taipas dos corredores é o
basalto, rocha de origem vulcânica e bastante abundante no planalto meridional,
muito empregada também na construção de outras estruturas na região como
mangueiras, currais e edificações.
De acordo com os estudos apresentados por Casella (2003, p. 17), o basalto,
por ser uma rocha de origem eruptiva, apresenta aderência à argamassa. Talvez
por isso, a técnica original da taipa não utilize qualquer tipo de liga.
Os construtores de taipas eram conhecidos como “taipeiros”
187
. O estudo que
está sendo realizado sobre a cultura imaterial na região tem abordado o ofício do
taipeiro e a maneira tradicional como ainda se constroem as taipas (PEIXER;
VARELA, 2009).
Segundo a pesquisa, os taipeiros coletam os blocos rochosos, pegando tudo o
que no campo, pois a qualidade das pedras é bastante homogênea. Depois de
levar até o local onde será construída, fazem a seleção das pedras por tamanho,
classificando-as.
Conforme o escritor Marcio Camargo Costa
188
, quando necessitavam
transportar as rochas usavam uma zorra
189
puxada a boi ou um couro para
arrastar. Entretanto, de acordo com o estudo, os dados obtidos junto aos taipeiros
atuais não têm indicado o uso desses equipamentos, indicando que pegam as
rochas nas proximidades de onde estão construindo (ibid.). Talvez a zorra ou o
couro fossem usados no passado para transportar grandes blocos rochosos usados
no alicerce das casas-sedes de fazenda, construídas em taipa de pedra.
Seguindo o processo construtivo, as taipas são edificadas diretamente sobre
186
Escasilho é um pequeno fragmento de coisa partida, na alvenaria de pedra seca significa as lascas
de pedras usadas para calçar as pedras de diversos tamanhos, arrumadas umas sobre as outras
(INBI-SU, p. 3).
187
Taipeiro é o nome dado ao ofício do profissional responsável pela construção das taipas. Em estudo
recente sobre a cultura imaterial, nas entrevistas com os taipeiros, oficio ainda exercido na Coxilha
Rica, constataram que o ofício é passado de geração para geração, sendo 90% dos entrevistados
negros. Por isso, acreditam que a atividade tenha sido exercida pelos escravos e ex-escravos na região
(PEIXER; VARELA, 2009).
188
Entrevista no vídeo “Caminho das Tropas” (In: SARTORI, 2004).
189
Zorra: Espécie de forquilha ou tronco bifurcado para arrastar pedras.
372
o solo, sem cavar a terra para fazer um alicerce. Inicialmente, alinham-se as
pedras, colocando-se os blocos maiores e fazendo uma base com largura maior, em
torno de 70 cm. À medida que sobe, a largura vai reduzindo, assim como o
tamanho das pedras, tendo ao final em torno de 50 cm de largura superior e 1 m de
altura.
Quando necessário, lascam o bloco para melhor encaixe. Para alinhar os
blocos, os taipeiros atuais não utilizam qualquer instrumento do tipo prumo ou
esquadro, “alinham no olho” (ibid).
Os instrumentos usados no passado, conforme Costa
188,
eram o marrão
190
, o
avental de couro, o esquadro
191
e a alavanca
192
. Atualmente, os taipeiros somente
utilizam o marrão e uma alavanca feita de qualquer material para erguer ou
consertar as taipas.
Conforme Costa
188
, há dois tipos de taipa de pedra empregadas na região da
Coxilha Rica:
a) Taipa mais simples, de campo, chamada de crivo, feitas de pedras brutas
empilhadas e usadas para delimitar áreas maiores; e
b) Taipa mais trabalhada, nas quais as pedras são cortadas, calçadas,
usadas em mangueiras, nas fazendas ou em limites elaborados.
Partindo dessa classificação, poder-se-ia dizer que as taipas dos corredores
são do tipo taipas de campo. Contudo, na análise dos corredores encontraram-se
diversos tipos de taipa de pedra, segundo o acabamento, solidez e tipo de bloco
usado, mostrando que não há uma uniformidade na construção do muro.
Um mesmo trecho de corredor apresenta taipas com aparências e
acabamentos diferentes. Isso indica que o houve um projeto que uniformiza e
planifica a construção dos corredores. Além disso, é necessário levar em conta que
as taipas dos corredores não foram necessariamente edificadas na mesma época e
pelo mesmo artífice, assim como algumas taipas podem ter sido reformadas.
Dentre os tipos de taipa, aquela mais elaborada, que tem aspecto
bastante lido, bem feita, com blocos assentados sem espaços vagos, com uso de
rochas bem selecionadas e com encaixe quase perfeito, sem, contudo, usar a
técnica de talhar ou lascar a pedra. Na maioria das vezes, possui cobertura de uma
espécie de cumeeira feita com uma rocha alongada e instalada longitudinal sobre a
190
Marrão: Tipo de martelo grande para quebrar pedras.
191
Esquadro:
Instrumento usado para medir ângulos retos e tirar linhas perpendiculares.
192
Alavanca: Barra de ferro ou madeira usada para mover ou levantar pesos.
373
base superior da taipa, cobrindo-a e fechando-a, funcionando com uma espécie de
“telha cumeeira” no muro.
Figura 132 - Taipa bem elaborada com bom acabamento, com cobertura e alinhamento reto: a) trecho
A, pt-59; c) trecho A, pt-153; c) trecho A, pt-139 141 (escala de 1 m)
Fotos: a) Adelson André Brüggemann. Data: 04/02/2008; b) A autora. Data: 05/02/2008; c) Adelson
André Brüggemann. Data: 05/02/2008.
a)
b)
c)
374
Figura 133 - Taipa com aspecto simples, sem acabamento superior e não muito sólida: a) pt-117-120,
trecho A; b) trecho C, pt-01; c) trecho A, pt-107
Fotos: a-b) A autora. a) Data: 05/02/2008; b) 01/05/2008; c) Adelson And Brüggemann. Data:
05/02/2008.
O acabamento superior observado em muros de boa aparência e solidez, nos
corredores prospectados, é denominado de “muro com capeamento” em Portugal
(CASELLA, 2003, p. 65). Este capeamento superior tem a finalidade de proteger a
a)
b)
c)
375
entrada de água no interior da taipa, o que poderia colaborar para danificá-la. Mas
as pedras de grandes dimensões “[...] têm a função de dar estabilidade ao muro,
através da descarga vertical de força que emitem” (ibid., p. 65).
O outro tipo observado é uma taipa mais simples, com blocos assentados
sem muita simetria e elaboração, com aspecto de mal feito, pouco sólida e com
segmentos desmoronados. Empregaram-se blocos de basalto arredondados ou
irregulares, grandes e pequenos, sem preocupação com o acabamento da superfície
e cobertura. Em geral, não possui nenhum tipo de cobertura de finalização.
Observaram-se também taipas confeccionadas com blocos irregulares,
pedras brutas (ver figura 134a) e outras em placas de basalto horizontais de
aspecto alongado (ver figura 134b). Os blocos de basalto o rochas ordinárias,
originárias de afloramentos rochosos naturais espalhados pelos campos da região,
recolhidos nos campos ou diretamente nos locais de afloramento.
Figura 134 - Diferença no uso de blocos rochosos de basalto na taipa: a) blocos irregulares (pt-63-64,
trecho A); c) placas horizontais, (pt-50, trecho A)
Fotos: Adelson André Brüggemann. Data: a) 05/02/2008, b) 04/02/2008.
As rochas em placa caracterizam-se por terem formas retangulares e ambas
as faces planas, originárias de afloramentos de basalto diaclasado
193
. Este tipo de
rocha em placa era também utilizado na construção dos drenos. Taipas com blocos
de basalto vesicular
194
também foram observadas, mas em menor escala.
No estudo realizado por Silva (2006, p. 133), nos corredores de Bom Jesus
193
Basalto com fratura horizontal, desagregando-se em placas, ou colunar, com fratura vertical.
194
Basalto vesicular ou amigdaloidal caracteriza-se por apresentar vesículas ou amígdalas
preenchidas com minerais formados a partir da cristalização de gases, como, por exemplo, os cristais
de quartzo.
a)
b)
376
(RS), a autora descreve que os muros de taipa apresentavam em geral “[...] base
larga medindo em média 1m de largura, e topo mais estreito, com medidas entre
0,60m e 0,70m. Enquanto a largura do corredor apresenta as maiores variações
entre 13m e 46m, a altura mede entre 1m e 1,50m”.
Nos corredores analisados na presente pesquisa, constatou-se que a altura
da taipa varia muito, apresentando entre, no mínimo, 60 cm e, no máximo 1,80 m,
sendo que na dia mede entre 1,05 m e 1,25 m. Tal variação pode ser observada
no gráfico 3, no qual se verifica a diferença de altura entre os trechos de corredores,
não havendo muita semelhança nos dados tabulados.
O trecho A foi o que apresentou maior diferença entre si e em relação aos
demais analisados. Por outro lado, o trecho C apresentou menor variação. Contudo,
este dado deve ser relativizado, pois para este trecho foram coletadas menos
medidas, o que pode ter comprometido os resultados finais.
Gráfico 3 - Variação da altura do muro de taipa entre os trechos estudados
Fonte: A autora (2009).
No gráfico 4, que apresenta a variabilidade da largura superior da base dos
trechos de corredores abordados nesta pesquisa, percebe-se a pouca diferença entre
a largura mínima em todos os trechos, variando entre 40 e 50 cm. A largura
máxima variou entre 70 cm e 80 cm. No caso do trecho “C”, pelas poucas medidas
válidas, somente se têm duas medidas, que acabaram por não evidenciar as
possíveis diferenças existentes. Portanto, devem ser desconsideradas do cômputo
geral.
377
Gráfico 4 - Variação da largura superior do muro de taipa entre os trechos estudados
Fonte: A autora (2009).
As medidas obtidas relativas à largura mínima e máxima da base dos muros
são pouco numéricas, principalmente porque houve poucas oportunidades de
coletar esta medida. Na verdade, era necessário que houvesse uma interrupção na
taipa do corredor para tal finalidade. No caso do trecho C, havia somente uma
medida válida, sendo excluída do cômputo geral. Conforme o gráfico 5, a largura da
base variou no mínimo entre 50 cm e 85 cm e largura máxima entre 90 cm e 1,10
m. A média da base manteve-se bastante próxima, entre 74 cm e 87 cm.
Gráfico 5 - Variação da largura da base do muro de taipa entre os trechos estudados
Fonte: A autora (2009).
378
Cruzando os dados disponíveis
195
para a altura máxima em relação à largura
da base da taipa, observa-se no gráfico 6 que na medida em que a taipa aumenta a
altura sua base é mais larga, ou seja, a largura da base tem relação direta com a
altura que se pretende construir a taipa, uma vez que a base suporta o peso das
pedras empilhadas de acordo com a altura.
Gráfico 6 - Relação entre largura da base e altura da taipa
Fonte: A autora (2009).
Conforme os 16 exemplos apresentados no gráfico 7, a variação entre a
medida da largura da base e da altura da taipa variou desde 5 a 10 cm, diferença
mínima, até 50 cm, diferença máxima. Observa-se que na maioria dos casos a
diferença é proporcional, de 30 cm a 50 cm. Alguns exemplos são bastante
ilustrativos: a) uma taipa com 50 cm de base tem 80 cm de altura, uma diferença
de 30 cm; b) uma taipa com 80 cm de largura tem uma altura de 1 m a 1,3 m,
apresentando uma diferença de até 50 cm; c) uma taipa de 1 m a 1,1 m apresentou
uma altura de até 1,15, com diferença de 10 cm.
195
Foram 16 medidas consideradas válidas para o cálculo deste gráfico.
379
Gráfico 7 - Diferença entre largura da base e a altura da taipa
Fonte: A autora (2009).
Outra diferença observada refere-se à utilização de blocos de pedra com
tamanhos e formatos distintos, resultando em taipas com perfil trapezoidal ou mais
retangular, com pouca diferença entre a largura da base e a altura da taipa, ou
seja, igual ou inferior a 20 cm (≠ 20 cm). A taipa é construída com o encaixe a
seco de blocos irregulares, sendo em geral os maiores na base e menores na parte
superior.
Figura 135 - Perfil de uma taipa de pedra: a) desenho ilustrativo; b-c) foto e desenho do perfil da taipa
do trecho C, pt-21
Fonte: a) Silva (2003, p. 103); b) Foto: A autora. Data: 01/05/2008; c) A autora (2009).
380
Figura 136 - Taipa quanto à técnica construtiva: a) taipa com encaixe de pedras maiores nas laterais e
preenchimento com menores no centro (pt-51-52, trecho A); b) taipa com blocos encaixados
retangulares (pt-131, trecho A)
Fotos: A autora. a) Data: 04/02/2008; b) Data: 05/02/2008.
Em alguns trechos, observou-se o aproveitamento de grandes blocos nas
taipas, provavelmente existentes no próprio local, inserindo-os no corpo da taipa.
Fraga (2006, p. 133) também observou a “[...] inclusão de elementos presentes na
superfície do campo na composição da própria estrutura”, na qual o “[...]
alinhamento longitudinal da rocha foi utilizado no traçado da taipa”. Isso também
foi constatado ao longo do trecho A (ver figura 137).
Figura 137 - Taipa com uso de grandes blocos na base: a) pt-68, trecho A (escala 1 m); b) pt-109,
trecho A
Fotos: a) Adelson André Brüggemann. Data: 05/02/2008; b) A autora. Data: 05/02/2008.
a)
b)
a)
b)
381
Quanto aos autores ou responsáveis pela edificação dos corredores, acredita-
se que tenham trabalhado em uma empreitada particular, pois não foram
encontrados quaisquer documentos oficiais militares ou administrativos que
mencionassem a construção dos corredores e nem o envio de recursos financeiros
para obras nesse trecho do Caminho.
Outro fator que pode ser acrescentado à ideia de trabalho sem cunho oficial é
o fato de a população que habitava as margens do caminho, os proprietários de
terra, ser o responsável pela conservação e manutenção da estrada sem despesas
para os cofres públicos, conforme a documentação manuscrita analisada no
terceiro capítulo.
Na carta de sesmaria concedida a Antonio Correia Pinto, em 1754, de uma
área de duas léguas de comprimento por pouco mais de uma de largura, situada
nos Campos de Cima da Serra, menciona-se que estas:
[...] confrontavão pela parte do Norte com Thomé de Almeida Lara, pela do
Sul com Alferes Antonio Gonçalves dos Reys, pela da Nascente com a
Estrada dos Tropeiros té o passo do Rio das Tainhas; e pela do Poente com
o Capitão Francisco Pereira Gomes, o que tudo constava por documentos
[...]. (RAPM, 1933, p. 51, grifo nosso)
196
.
Nesse documento percebe-se claramente que a referida sesmaria tinha como
limite leste a Estrada dos Tropeiros e que o agraciado, ao tomar posse da
propriedade, tinha alguns deveres para com a Sua Majestade, que incluíam
construir o caminho e realizar melhorias de infraestrutura:
[...] será obrigado a fazer os Caminhos da Sua Thestada com pontes e
estivas honde necessario for, e havendo nellas algum Rio Caudaloso, que
necessite de barca para se atravessar ficará Rezervada e hua das Margens a
terra que baste para a Serventia publica e nesta data não poderá suceder em
tempo algum pessoa eclesiastica ou Religião, e acontecendo será com o
encargo de pagar dizimos, e outro qualquer direito, que S. Mag. lhe impuzer
de novo [...]. (RAPM, 1933, p. 51, grifo nosso)
196
.
Além desses fatores, pôde-se verificar na análise dos dados de campo a
ausência de um projeto de engenharia que planificasse e uniformizasse a
construção dos corredores.
Estas estruturas foram construídas com dimensões variadas, diferenças de
196
CARTA DE SESMARIA de Gomes Freire de Andrade, Governador e Capitão General da Capitania do
Rio de Janeiro, concedendo a Antonio Corrêa Pinto, duas guas de comprimento por pouco mais de
uma de largura, situada nos Campos de Cima da Serra. Villa do Rio Grande de S. Pedro, 21 de junho
de 1754. In: Demarcação do sul do Brasil pelo Governador e Capitão General Gomes Freire de
Andrada: 1752 1757. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas
Gerais, ano/vol. 24, mero 1, 1933, p. 50-52. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.
mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=679>. Acesso em: 29/01/2009.
382
acabamento e construção das taipas em diversos fragmentos de corredores, não
necessariamente conectados entre si. Alguns trechos apresentam lacunas extensas
de corredores num mesmo trecho, ou, então, a presença de muro em somente uma
margem.
A diversidade registrada em campo demonstra a inexistência de um
planejamento integrado na construção dos corredores. Sugere-se a hipótese de que
os mesmos foram construídos pelos proprietários de terras às margens do
Caminho, cada um a sua maneira, onde e como melhor fosse e de acordo com a
habilidade técnica do taipeiro.
As ausências de corredores detectadas na prospecção em campo em
determinados locais podem ser explicadas por diferentes motivos, alguns
relacionados à existência de sítios arqueológicos e a reutilização dos blocos em
edificações; outros relativos às barreiras naturais (banhados, rios, encostas
íngremes, etc.), ou seja, locais que não necessitariam de corredores.
Por outro lado, onde realmente não foram encontrados vestígios de sua
existência, isso talvez indicasse que não fosse necessária esta estrutura delimitando
a passagem dos animais naquele segmento do Caminho.
Para os outros pontos de interrupção do corredor, não foi possível propor
uma hipótese explicativa. Mas, na maioria dos casos, foram identificados trechos
com muro de taipa de pedra em somente uma das margens. Dessa forma,
sugerem-se os seguintes argumentos explicativos, baseados nas circunstâncias
analisadas:
a) Havia barreiras naturais (rios, brejos, lagos, penhasco) que foram
aproveitadas, tornando-se desnecessário construir em ambas as margens do
corredor;
b) A necessidade de se ter interrupções dos corredores para dar acesso às
áreas de pastagem para os animais;
c) Por se tratar de uma empreitada privada e individual, realizada pelos
fazendeiros da região, cada proprietário construiu dentro da sua propriedade ou no
limite da mesma mas nem todos os trechos foram construídos interligados; e
d) Alguns segmentos, dependendo das condições do terreno, poderiam ter
somente um muro como baliza, onde os condutores das tropas encurralavam os
animais contra esta barreira, formando a retaguarda do outro muro ausente.
383
5. 1. 1 Proposta explicativa dos corredores
Interpretando os dados obtidos na análise dos corredores, aliada à
bibliografia consultada, pretende-se explicar a existência dos corredores a partir de
um conjunto de razões: a origem da técnica, a função e o uso, a cronologia e as
condições ambientais entre outras.
A técnica construtiva que utiliza o empilhamento de pedra é proveniente da
Europa, encontrada, principalmente, nas regiões mediterrâneas, mas também na
Irlanda, no oeste da Inglaterra, Portugal e França, especialmente na região da
Normandia.
Para fins de estudo nesta pesquisa, em função do processo de colonização do
Brasil, buscou-se o exemplo comparativo do uso da técnica da taipa de pedra em
Portugal, onde é bastante empregada na chamada arquitetura de muraria.
Em Portugal, tanto na porção continental, quanto na área insular,
empregam-se pedras assentadas a seco na construção de muros e edificações. O
uso desta técnica pode ser constatada no “Inventário do Patrimônio Imóvel dos
Açores” (IAC-AZORES) e em publicações sobre o tema (CALDAS, 1999; CASELLA,
2003).
O emprego da muraria na porção continental de Portugal ocorre
principalmente nas regiões do Baixo Alentejo, Algarve e Estremadura (ver figura
138). No arquipélago dos Açores, destaca-se nas ilhas Terceira e do Pico.
Figura 138 - Exemplos da arquitetura de muraria em Portugal: muro autoportante construído em
alvenaria de pedra seca, com função de vedação de terreno: a) Região do Baixo Alentejo, Conselho de
Mourão, Freguesia de Aldeia da Luz; b) Região do Algarve, Conselho de Portimão, Freguesia de Alcalar
Fonte: Casella (2003, p. 63 e 81).
a)
b)
384
A técnica conhecida como muro autoportante
197
é utilizada para a função de
vedação dos terrenos, delimitação de limites de propriedades e como espaços
entaipados. Caracteriza-se por “[...] espaço com dez ou doze metros de diâmetro,
confinados por um muro com cerca de um metro de altura, para os animais em
aleitamento, laboriosamente construído pelos pastores numa alvenaria seca de
pedras pequenas, apanhadas do campo”. (VARANDA, 2003, p. 267).
Figura 139 - Detalhe e vista geral dos cerrados de muros feitos em taipa de pedra na Ilha Terceira,
Açores
Fotos e acervo particular: Fabiano Teixeira dos Santos. Data: 31/03/2008.
197
Muro autoportante é um muro que se auto-sustenta, auto-suporta, que não possui viga e que o
tem a utilização de argamassa.
385
Tomando como exemplo os muros de pedras existentes na Ilha Terceira dos
Açores, Portugal (ver figura 139), percebe-se a grande semelhança desse tipo de
arquitetura de muraria com as encontradas na região que compreende esta
pesquisa, seja na aparência, na técnica construtiva, na função e na forma.
No caso da Ilha dos Açores, os muros são construídos para dividir o terreno
em porções, para o rodízio de áreas cultivadas com forragens utilizadas para a
pastagem, formando uma paisagem com aspecto quadriculado (ver figura 139). Os
cercados são conhecidos como cerrados
198
para pastos e cultivos, podendo ser
ocupados também por plantação de milho ou outro tipo de cultura.
Nas áreas de pastagens demarcadas por muros de pedras, observa-se
também o emprego dessas estruturas para cercar as vias de circulação. A figura
140 ilustra a formação de estradas cercadas com muros entre as propriedades
rurais, delimitando o espaço público de trânsito.
Figura 140 - Vista geral das áreas de pastagens cercadas e estrada murada na Ilha Terceira, Açores
Fonte: Caldas (1999, p. 305).
Em outros exemplares de áreas quadriculadas, a muraria é empregada para
198
Cerrado: “Área de terreno originariamente destinada ao cultivo de cereais, cercada por muros de
alvenaria de pedra seca de baixa altura” (IAC-AZORES).
386
o plantio dos vinhedos ou mesmo para o cultivo de figueiras para a produção de
figo. Mas, neste caso, os muros são mais baixos. Estes complexos de pequenos
cercados são denominados de currais de vinha ou curraletes
199
.
Esses espaços, muitas vezes com tamanho bastante reduzido, propiciaram a
[...] criação de um microclima de ar seco propício ao crescimento da videira em
condições excepcionais, protegida dos ventos e das gotículas de água salgada e
aquecida pelos muros de pedra negra absorvente da água e irradiante de calor”
(CALDAS, 1999, p. 208).
Esses exemplos são bastante pertinentes para se fazer uma correlação entre
as técnicas construtivas empregadas em Portugal e as utilizadas na área de
pesquisa. Dessa forma, objetiva-se demonstrar que a ocupação histórica da região
dos Campos de Lages teve forte relação com os portugueses ou seus descendentes,
que trouxeram consigo a tecnologia dos muros de taipa de pedra.
Alguns povoadores que adquiriram terras e se estabeleceram nos Campos de
Lages, no século XVIII e princípios do XIX, eram portugueses e açorianos ou
descendentes destes que vieram para o Brasil.
Este é o caso de, por exemplo, Antonio Correia Pinto
200
, português que tinha
terras no sul do território português na América em 1754 e que foi fundador de
Lages em 1766, sendo provavelmente proprietário de duas fazendas na região, a
Cruz de Malta e a Guarda-Mor.
Outro exemplo é Laureano José de Ramos
201
, descendente de açorianos que
haviam emigrado dos Açores para o litoral catarinense e que chegou à região por
volta de 1812. Laureano foi proprietário das fazendas Guarda-Mor e Bananeiras.
A arquitetura luso-brasileira em Lages, edificada ao longo dos séculos XVIII e
XIX, tanto nas habitações urbanas como nas implantadas no meio rural,
caracteriza-se por construções originárias de modelos tradicionais portugueses
199
Currais de vinha: “O mesmo que curraletas ou curraletes. Reticulado de pequenas divisórias
agrícolas formadas por muros de pedra solta e destinadas ao cultivo da vinha.” (IAC-AZORES).
200
Antonio Correia Pinto de Macedo, nasceu na Freguesia de São Thomé da Correlhã, Conselho de
Ponte de Lima, Província de Minho, Arcebispado de Braga, norte de Portugal, em 1717 (COSTA, 1982,
p. 121).
201
Laureano José de Ramos era filho de Mateus José Coelho e Maria Antônia de Jesus, emigrantes da
Vila de Angra do Hersmo, da Ilha Terceira do Arquipélago dos Açores. Nasceu em 1777 na Freguesia
de São Miguel da Terra Firme, atual município de Biguu (SC). Exercia o ofício de marceneiro. Até se
estabelecer em Lages, morou na Vila de São Francisco do Sul (SC), depois na Vila de Santo Antonio da
Lapa (PR), onde se casou com Maria Gertrudes de Moura, permanecendo até 1807, quando se mudou
para a Vila de Santo Antônio da Patrulha (RS). Por volta de 1812, chegou aos Campos de Lages onde
requereu terras devolutas à Câmara de Lages, tendo recebido despacho favorável em 1819. Contudo a
posse foi legitimada com título de propriedade em 1861. Faleceu em 1862. (RAMOS, 2002, p. 44-
54).
387
(SANTOS, 2006, p. 1-2).
Com a abertura de caminhos ligando a Vila de Lages ao litoral no final do
século XVIII, os caminhos Lages-Laguna por volta de 1770 e Desterro-Lages em
1787, fomentou-se a ocupação do “Sertão das Lagens”. Este fato “aliado a
concessão de inúmeras sesmarias, estimulou o estabelecimento de novos
moradores, entre eles portugueses do Continente e açorianos, resultando na
ocupação efetiva do território” (ibid., p. 2).
O autor comenta ainda a semelhança construtiva da arquitetura encontrada
em Lages com as edificações erguidas no litoral catarinense, devido a uma matriz
comum, que remete à arquitetura tradicional portuguesa” (ibid., p. 6).
A partir do exposto, pôde-se perceber claramente a origem da técnica da
taipa empregada nos muros nos campos do planalto meridional dos três estados do
sul do Brasil, provenientes dos colonizadores portugueses e açorianos.
Embora essa ideia seja clara, a questão que se coloca é explicar por que na
região da Coxilha Rica, entre o rio Pelotas e Lages, existem os corredores, enquanto
que entre os municípios de Lages e Correia Pinto e o rio Canoas (VARELA
202
), este
tipo de estrutura não se evidencia
203
. Conforme Mattos (2008, p. 12) em São
Joaquim há a indicação da existência de corredores. Da mesma forma, foram
identificados corredores nos campos dos municípios gaúchos de São Francisco de
Paula (SANTOS
204
), Bom Jesus e Jaquirana (SILVA, 2006; SANTOS
205
).
A construção dos corredores deve estar relacionada com a efetiva ocupação
da região e com o aumento das fazendas de criação de animais, principalmente
gado vacum, relativo à primeira metade do século XIX.
Nesse contexto, de campos povoados pela pecuária extensiva e loteados por
propriedades privadas, os corredores tinham a função de servidão para a condução
202
Informação oral da pesquisadora Iáscara Almeida Varela, que desenvolve pesquisas sobre o
Caminho das Tropas em Santa Catarina desde 1985. Data: 28/01/2009.
203
Todavia não se afirma que não possam existir corredores em outros locais dos campos de altitude
catarinenses, como por exemplo, nos municípios vizinhos de Painel, Capão Alto ou Campo Belo do Sul.
Contudo até o presente se desconhece este tipo de ocorrência.
204
Informação oral do arquiteto Fabiano Teixeira dos Santos a partir das atividades de campo que vem
realizando para a sua pesquisa de mestrado. Data: 21/01/2009.
205
Informação oral da pesquisadora Lucila Maria Sgarbi Santos, que desenvolve pesquisas sobre o
tropeirismo em Bom Jesus desde 1990. Data: 28/02/2009. Segundo a pesquisadora, há corredores
em Bom Jesus e Jaquirana, municípios vizinhos. Em São José dos Ausentes não há corredores, há os
mangueirões de taipa, que ainda hoje têm sua finalidade discutida, mas a opinião mais aceita é que
tenham sido construídos pelos tropeiros, com a finalidade de fechar tropas, ou parte delas, para não
perdê-las na cerração, que é muito densa nessa região. Acredita-se que os corredores de tropeiros de
Jaquirana, Bom Jesus e Lages, sejam contínuos entre si, ou seja, são hoje partes do que foi um
todo. Estes seguem do Passo do Matemático, no rio das Antas, mais para o Leste, e levam ao Passo de
Santa Vitória e dpara Lages.
388
dos animais, impedindo a mistura e a condução ilegal daqueles pertencentes aos
fazendeiros locais com os dos tropeiros.
Além disso, os corredores facilitavam a tarefa dos tropeiros na condução dos
animais, permitindo um controle maior sobre a tropa, evitando animais
desgarrados. Segundo informações pessoais de Santos:
[...] ao que tudo indica, eram espaços muito abertos, o que facilitava para as
tropas se espalharem, o que dificultava a sua condução. Outro aspecto a ser
considerado é que durante os “pousos”, ou seja, os pernoites dispensava
rondas, permitindo que os tropeiros pudessem descansar com mais
tranqüilidade. Segundo antigos tropeiros que entrevistei, um homem em
cada ponta do corredor era suficiente, pois amarravam laços formando
“cercas de couro” e outras artimanhas que sem esses corredores seriam
impossíveis. (SANTOS)
206
.
Os documentos textuais manuscritos referentes aos séculos XVIII e XIX não
mencionam a existência dessas estruturas lineares no Caminho das Tropas. Até
pelos menos o início do século XIX, não registro de muros de taipa de pedra,
baseando-se nos relatos dos viajantes, militares e usuários do Caminho entre Lages
e o Registro Santa Vitória. Portanto, as ausências também são balizas cronológicas
para situar os corredores no tempo e no espaço.
Silva (2006), na pesquisa referente aos caminhos nos Campos de Cima da
Serra no Rio Grande do Sul, também não encontrou “[...] quaisquer referências em
bibliografia, ou fontes primárias, sobre a construção destas estruturas” (SILVA,
2006, p. 132).
A autora aponta que a historiadora Lucila Sgarbi dos Santos, moradora de
Bom Jesus (RS), a partir de informação oral, informa que os corredores foram
construídos por volta de 1850. “Esta pesquisadora chegou a esta provável data
através das histórias que ouvia de seu avô, que foi tropeiro, de seu pai e através das
muitas entrevistas que realizou com moradores de diferentes faixas etárias”. (SILVA,
2006, p. 132, nota 106).
Em recente entrevista, Santos mencionou que sua estimativa seria a primeira
metade do século XIX: Ouvindo meus informantes chegamos a primeira metade de
1800, na base do meu avô contava, que seu avô contou, que por sua vez ouviu do
avô” (SANTOS
206
).
Uma questão não abordada nesta pesquisa, mas de grande relevância, seria
mapear o traçado geográfico dos corredores e a localização das sedes de fazendas
mais antigas, segundo a provável data de edificação. Verificar-se-ia qual a relação
206
Informação oral de Lucila Maria Sgarbi Santos através da entrevista realizada em 29/02/2009.
389
espacial existente entre ambos.
Numa primeira avaliação superficial do mapa Levantamento dos corredores
de taipa Caminho Viamão” (UNIPLAC), as sedes de fazendas mais antigas parecem
estar situadas ao longo dos corredores e, à medida que se afastam destes, surgem
as sedes mais recentes.
A hipótese que se propõe é que o Caminho seja o precursor da ocupação da
região e que, ao longo do seu trajeto, foram distribuídas terras, ocupando
efetivamente o espaço. Contudo, os corredores são posteriores a esse período, mas
relacionados ao desenvolvimento das fazendas.
Na busca de explicações para a ocorrência dos corredores, analisaram-se as
condições ambientais (relevo, pedologia, cobertura vegetal, uso e ocupação do solo),
correlacionando com os locais de ocorrência dos corredores, buscando explicar a
sua inserção na paisagem atual.
Os dados ambientais são provenientes do diagnóstico do meio físico realizado
na área proposta para a criação da APA Coxilha Rica (ICR, 2007), abrangendo as
bacias hidrográficas dos rios Pelotas, Pelotinhas e Lava-tudo. Nesta porção do
território dos Campos de Lages, situam-se vários trechos de corredores de pedra,
incluindo os quatro segmentos estudados nesta pesquisa.
Portanto, tais dados ambientais foram aproveitados, retirando as principais
informações pertinentes, à investigação e cruzados com as informações
provenientes do registro arqueológico de campo.
O levantamento do uso e ocupação atual do solo foi executado a partir da
interpretação de imagem de satélite e das observações de campo. Conforme
apresentado no mapa (ver figuras 141) e no gráfico 8, a maior parte das terras
(61,61%) são de categorias relativas às áreas de campos nativos (campo limpo e
campo sujo), usados para a pecuária de corte e produção leiteira, sendo majoritária
a classe “campo limpo”, com 44,05% da área total. A agricultura ocupa somente
1,64% das terras.
Neste mapa, constata-se também que os corredores percorrem, sobretudo, as
áreas de campo limpo e, na porção sul do caminho, áreas de mata nativa e campo
sujo. Contudo, percebe-se também o avanço das áreas de reflorestamento,
representado 1,62% do total, inclusive com algumas situadas em locais limítrofes
aos corredores.
Este tipo de vegetação exótica (Pínus e Eucalipto), além de ser danosa ao
meio ambiente, provoca a perda de referenciais espaciais, pois transformam-se em
barreiras verdes em áreas que antes eram “campos a perder de vista”. Numa região
390
cuja paisagem cultural tem proposta de tombamento, os corredores e sua paisagem
panorâmica desaparecem nesse contexto.
Figura 141 - Imagem classificada, uso e ocupação do solo na Coxilha Rica com a sobreposição dos
corredores (traçado em preto)
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 172). Arte Gráfica: A autora (2009).
Gráfico 8 - Categoria de uso e ocupação do solo na Coxilha Rica a partir da comparação das classes
com base em suas áreas
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 173).
391
Quanto à origem e composição dos solos, esse estudo indicou a
predominância de solos pobres em nutrientes. A pobreza química seria,
provavelmente, um dos condicionantes para o favorecimento do estabelecimento de
vegetação campestre com pouco enraizamento (ICR, 2007, p. 176-7).
Nesta região, a classe de solos dominante foi a cambissolo, representando
63% da área total, conforme apresentado no mapa (ver figura 142) e gráfico 9.
Figura 142 - Mapa de solos da Coxilha Rica com a sobreposição dos corredores (traçado em vermelho)
Fonte: Embrapa Solos (2007) adaptado por SDR de Lages, Projetos Especiais, 2007 (ICR, 2007, p.
176). Arte Gráfica: A autora (2009).
Gráfico 9 - Classes de solos e áreas correlacionadas na Coxilha Rica
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 179).
Cambissolo são “solos com horizontes B incipiente que ocorrem em relevo
392
predominantemente ondulado, forte ondulado ou montanhoso, geralmente
profundo” (ICR, 2007, p. 179). Apresenta como limitações: a) a deficiência de
fertilidade; b) deficiência de água de forma indireta para as plantas, devido ao o
aprofundamento das raízes de plantas sensíveis à acidez do solo; c) excesso de
água, podendo apresentar problemas com vertentes temporárias; d) suscetibilidade
à erosão, com alta chance de ocorrência, relacionada principalmente ao relevo
ondulado; e e) impedimento à mecanização, não permitindo a moto mecanização em
áreas extensas (ICR, 2007, p. 183-4).
Conforme se observa no mapa, os corredores estão instalados,
predominantemente, em solos do tipo cambissolo, e, em menor escala, em solos do
tipo neossolo
207
litólico e nitossolo
208
háplico.
Comparando-se os dados referentes ao solo do tipo neossolo, pode-se fazer a
correlação com o traçado da porção sul do Caminho, especificamente o segmento
inicial do trecho A estudado (A1, A2 e A3), onde foram identificados em campo
vários pontos com processos erosivos, resultando em sendas profundas.
Esse é o caso do subtrecho A1, com uma senda funda e estreita, e de outras
ocorrências no subtrecho A3a, onde a senda profunda e a erosão inviabilizaram o
traçado. No subtrecho A3b também há uma senda bastante funda.
Por se trataram de solos rasos, a partir do momento que são expostos
quando se tornam uma trilha, sem cobertura vegetal, frequentemente pisoteados,
aliado à pouca permeabilidade do terreno e à declividade, acabam por potencializar
a erosão, provocando sendas profundas, sendo que em alguns locais foram
abandonadas, pois se tornaram inviáveis para a passagem de animais e pessoas.
Com relação ao tipo nitossolo, no qual esinstalado o corredor do trecho D,
observa-se a grande quantidade de áreas encharcadas, com o acúmulo de
banhados ao longo do corredor e dentro deste. Outra característica bastante
marcante é a existência de uma extensa área de afloramento rochoso, em forma de
207
“Solos pouco desenvolvidos normalmente ocorrem em relevo ondulado ou muito movimentado. É
solo raso, e geralmente a soma dos horizontes A-Cr-R ou do horizonte A sobre a rocha não ultrapassa
há 50 cm” (ICR, 2007, p. 190). Caracterizam-se por solos ácidos, com grande risco de erosão, pequena
profundidade, limite de infiltração de água e declive acentuado.
208
“A grande maioria dos solos referidos a esta classe apresenta séria restrição quanto à fertilidade: na
sua grande maioria álicos, são bastante desprovidos de nutrientes para as plantas. Os altos teores de
alumínio trocável requerem, em virtude do elevado poder tampão da camada superficial, rica em
matéria orgânica, elevadas doses de corretivos, o que onera o aproveitamento destes solos. Por outro
lado, ocorrem em relevo ondulado a forte ondulado e tem permeabilidade um tanto restrita: essa
condição torna-os muitos suscetíveis a erosão. Segundo as circunstâncias do relevo, podem
apresentar sérias limitações à mecanização, e que se torna eventualmente maior por ser comum
ocorrerem associados a solos litólicos, onde é costumeira a presença de pedregosidade sobre o terreno
ou no seu interior” (ICR, 2007, p. 190).
393
laje, sem camada de solo, relacionada à alta presença de pedregosidade.
Com relação à declividade da região, o gráfico 10 demonstra que a área
predominante apresenta-se com pouca declividade, ou seja, classe A
209
de 0 a 3%
representando 39% do território total estudado, seguida da categoria D
210
, de 11 a
25% de inclinação, correspondente ao forte ondulado que totalizou 23% do total.
Gráfico 10 - Classes de declividade na Coxilha Rica e áreas ocupadas por classe.
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 197).
Tabela 1 - Classes de declividade
Classes
Declive (%)
Plano
0 a 3
Suave Ondulado
3 a 7
Ondulado
7 a 11
Forte Ondulado
11 a 25
Montanhoso
25 a 45
Escarpado
>45
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 200).
Portanto, apesar de a maior parte do terreno ser do tipo plano ou quase
plano, também quase ¼ da área em situação de relevo ondulado. É interessante
constatar a classe hidromórfica
211
(<3%), representada por áreas de banhado,
computando 7% do território total.
209
Classe A (0-3%) “Compreende áreas planas ou quase planas, onde o escoamento superficial
(deflúvio) é lento ou muito lento. Esta classe não oferece dificuldade ao uso de máquinas agrícolas. A
erosão hídrica não é significativa, exceto em vertentes muito longas e com solos altamente suscetíveis
à erosão” (ICR, 2007, p. 195).
210
Classe D (11-25%) “Compreende terrenos inclinados em relevo ondulado. Geralmente o
escoamento superficial é rápido para a grande maioria dos solos. O uso de máquinas agrícolas é
parcialmente prejudicado. A erosão hídrica compromete o cultivo intenso” (ibid.).
211
Áreas Hidromórficas (<3%) “As áreas com predomínio de solos hidromórficos tornaram-se objeto
de identificação específica no mapa de Classes de declive, pois representam áreas encharcadas planas
ou quase planas (declividade menor que 3%) e constituem unidade específica de capacidade de uso da
terra (Banhado)” (ibid., p. 196).
394
Essa situação de pouca declividade, com relevo ondulado e aplainado, se
observa na maior parte dos trechos de corredores instalados, mormente nos
campos de altitude.
Todavia, em algumas porções, com menor ocorrência, há grande declividade
com aclive/declive mais acentuado nas encostas, usando-se a estratégia de vencê-
las com um traçado mais serpenteado e com várias curvas abruptas ou em ângulo
fechado. Trata-se dos vales encaixados mais próximos aos rios e de formações de
alguns morros mais altos.
Figura 143 - Mapa de declividade do campo limpo no cambissolo da Coxilha Rica, com a sobreposição
dos corredores (traçado em preto)
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 208). Arte Gráfica: A autora (2009).
No cruzamento dos dados das classes declividade, tipo de solo e uso atual,
encontram-se informações bastante pertinentes ao presente estudo. No mapa de
declividade do campo limpo no cambissolo, ou seja, no uso do solo, vegetação e tipo
de solo (ver figura 143) onde se situam a maior parte dos corredores, observa-se
uma declividade que variou de 0 a 11%, de plano a ondulado, com média
declividade. Estas características resultaram em corredores acompanhando a
ondulação do terreno, formando a paisagem mais característica da região que são
os corredores nas coxilhas.
395
Gráfico 11 - Classes de declividade x cambissolo da Coxilha Rica
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 206).
No mapa (ver figura 144) referente ao segmento inicial do trecho A, que
apresenta a declividade com o uso e ocupação do solo campo sujo com solo do tipo
neonitossolo háplito, percebe-se que uma predominância de uma declividade
maior que vai da graduação de forte ondulado a montanhoso. Isto é o resultado das
encostas abruptas do vale do rio Pelotas, trecho no qual o caminho precisa vencer a
subida, buscando encostas menos íngremes até chegar ao platô.
Figura 144 - Mapa de declividade do campo sujo no neonitossolo háplico da Coxilha Rica, com a
sobreposição dos corredores (traçado em preto)
Fonte: SDR de Lages, Projetos Especiais (ICR, 2007, p. 214). Arte Gráfica: A autora (2009).
396
A partir dos dados ambientais expostos, pode-se concluir que o solo da região
é bastante pobre, superficial e muito pedregoso em função dos afloramentos de
rochas, cuja condição natural deu origem ao nome da região: “Lagens”.
Neste solo, majoritariamente, têm-se campos nativos, com vegetação do tipo
gramínea de pequeno porte, mais adequada à região. Além disso, levando-se em
consideração a declividade, o uso do solo (campos) e a grande probabilidade de
erosão, resulta um solo bastante frágil. A existência de pastagens oferece uma boa
cobertura vegetal ao solo, sendo eficaz no controle à erosão.
O efeito do pisoteamento constante dos animais tem um resultado prejudicial
no solo e na vegetação de pastagens naturais. Além disso, estes campos possuem
suporte baixo para a pecuária. A média de animais na região da Coxilha Rica é de
0,5 cabeça de gado por hectare, em razão da baixa capacidade de suporte dos
campos nativos.
No passado, na região da Coxilha Rica, a época do ano com maior circulação
das tropas de animais era, provavelmente, no verão, em função de ser um período
com clima mais ameno e abundância de pastagem para a engorda dos animais,
aumentando consideravelmente nesse período o pisoteamento do solo, tornando
difícil a sua recuperação imediata.
Figura 145 - Processo erosivo em solo exposto no interior de um corredor
Foto: Ricardo Almeida. Acervo: 11ª SR/IPHAN/SC. Data: 02/02/2007.
397
Um aspecto, que deve ser considerado, refere-se ao fato de que as tropas
poderiam não necessariamente cruzar somente no caminho aberto, mas atravessar
os campos mudando o trajeto originalmente previsto, em função de algumas
adversidades encontradas ao longo da jornada, tais como obstáculos, atoleiros,
pastagens, etc. O efeito disso seria extremamente danoso para os campos naturais,
podendo ser desde o extermínio da vegetação até o favorecimento da ocorrência de
processos erosivos.
Dessa forma, acredita-se que determinar por onde os animais iriam transitar
evitaria danificar uma área extensa de campo. Portanto, os corredores poderiam
facilitar também a manutenção e a conservação das áreas de pastagens nativas
para a pecuária local.
Atualmente, esse conhecimento empírico é respeitado na região. Quando se
cruzam os campos em locais onde não estrada, os fazendeiros sempre solicitam
que o veículo trafegue sobre o carreiro ou a trilha existente, buscando não danificar
o campo.
As características ambientais apresentadas anteriormente, contudo,
precisam ser verificadas e confrontadas com outras regiões de ocorrência dos
corredores, buscando identificar as similaridades encontradas na região da Coxilha
Rica.
Os Campos de Cima da Serra e os Campos de Lages possuem as mesmas
características quanto ao ambiente e à paisagem: campos nativos abertos de
altitude (entre 850 m e 1.000 m); com visão panorâmica; compartimento topográfico
predominante com relevo ondulado composto de colinas amplas e declividade
suave; bacias hidrográficas encaixadas com abundância de afluentes hídricos,
formando a bacia hidrográfica do rio Pelotas; solos formados por rocha de origem
vulcânica, o basalto; profusão de afloramentos rochosos, propiciando a abundancia
da matériaprima para as taipas.
Portanto, acredita-se que os corredores de muros de taipa foram estruturas
construídas num espaço geográfico com características ambientais específicas,
como as que se apresentam nas regiões do Planalto Meridional, com padrão de
implantação similar e dentro de uma mesma conjuntura histórica local, periférica à
administração colonial e imperial no Brasil.
398
5. 2 ALARGAMENTO DE CORREDOR
O alargamento de corredor é uma estrutura peculiar e singular, registrada ao
longo do Caminho das Tropas ladeado por muro de taipa de pedra. Trata-se de
locais onde os corredores são alargados lateralmente, formando uma espécie de
“barriga” no traçado linear do corredor. Em geral, os muros de ambas as margens
mudam o sentido do seu traçado, abrindo o ângulo de curvatura em direção
externa, formando uma grande “praça”.
Não conhecimento sobre a ocorrência desse tipo de estrutura em outros
caminhos, mas acredita-se que devam existir áreas dessa natureza, com sistemas
construtivos e formas diferentes, para o descanso dos animais e pousos em casos
de caminhos com trilhas estreitas. Contudo, os alargamentos estão relacionados
especificamente à existência do corredor.
Na medida em que os corredores disciplinam e obrigam a passagem da tropa
de animais num percurso balizado e fechado por muros, sem acessos laterais e em
trechos de longa extensão, haveria a necessidade de se ter áreas de descanso
suficientemente vastas para, no caso de grandes manadas, estacionar a comitiva,
seja para o descanso ou para suprimento das necessidades diárias de alimentação e
aguada.
Salienta-se que esses espaços, apesar das suas grandes dimensões, não
dariam suporte para a pastagem dos animais, em função da baixa recomposição
vegetal da região e área exígua para esta função.
Dessa forma, as estruturas lineares dos corredores deveriam comportar
“praças” inclusas, caso não houvesse alternativa de sair do corredor, espaços
amplos que comportassem grandes tropas de animais, que podiam chegar a 500
cabeças, considerando as dimensões observadas na mangueira do Passo Santa
Vitória (SC-PQ-04)
212
.
Estas áreas entaipadas dentro dos corredores tinham a facilidade de serem
locais propícios e preparados para um pouso, pois, à medida que estavam cercados,
não haveria dificuldade de manter os animais reunidos, evitando o extravio dos
mesmos. O local funcionava como uma espécie de curral no corredor. Bastava
fechar as extremidades que a mangueira estava pronta.
Os alargamentos de corredores foram registrados em alguns segmentos dos
212
A mangueira do Passo Santa Vitória possui uma área fechada em muros de taipa de pedra de
6.930 m².
399
trechos percorridos neste estudo, mas sabe-se da ocorrência de outros locais ao
longo do Caminho das Tropas. Constataram-se dois tipos de alargamento, que
podem ser classificados como locais de “praça”, em áreas secas, e em locais de
travessias de cursos de água. Estes últimos serão discutidos no item referente às
passagens de rios, pela sua natureza e especificidades, contudo poderiam ter a
mesma função dos locais de pouso nos alargamentos.
Na área de pesquisa, referente aos trechos do Caminho analisado, foram
registrados três locais de alargamento, excluindo modificações mais recentes que
alteraram a forma do corredor e acabaram por acrescentar espaços à servidão
pública, como é o caso dos pt-76 e pt-109 no subtrecho A5, apresentados no
capítulo anterior.
Conforme o apresentado no quadro 17, pode-se verificar as dimensões e o
tamanho dos alargamentos de corredor identificados nesta pesquisa.
Trecho
Ponto
Largura máxima do
corredor
Área total
213
A
Pt-86
43 m
9.876
Pt-163
80 m
19.103 m²
B
214
Pt-10
200 m
16.180 m²
Quadro 17 - Alargamentos de corredor: locais de ocorrência e dimensões (largura máxima e área total)
Fonte: A autora (2009).
A área de alargamento do pt-86 no trecho A ocorre em uma baixada”, ponto
de altitude mais baixa, cercada de elevações. Nesta área, um banhado formado
pelo afloramento de água e o represamento natural desta na topografia do terreno.
O alargamento do corredor totaliza uma área de 9.876 (ver figuras 146, 147a e
b).
O muro do corredor da margem direita começa a aumentar o ângulo de
abertura, de forma suave, em vez de acompanhar a curva formada pela margem
esquerda, mudando o sentido de norte para nordeste. A largura inicial do corredor é
de 16 m, chegando à largura máxima de 43 m e, ao final, retorna para 18 m de
largura, antes de iniciar um trecho de aclive.
213
A área total corresponde ao perímetro calculado, a partir da ferramenta métrica do software ArcGis,
do espaço interno do alargamento
214
Os dados deste alargamento em travessia de rio foram inseridos neste quadro a título de
comparação, mas as suas características serão analisadas no item “Travessia de cursos de água”.
400
Figura 146 - Área de alargamento no trecho A, pt-86: a) imagem de satélite; b) desenho do
alargamento com a instalação de diferentes estruturas
Fonte: a) Digital Globe (2009); b) A autora (2009).
a)
b)
401
Figura 147 - Área com alargamento no corredor no trecho A: a-b) vista geral e detalhe do alargamento
do corredor no pt-86; c-d) vista geral e detalhe do alargamento do pt-163; e-f) área do bar e armazém
“O Bodegão”, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Visconde de Araguaia e de habitões
construídas dentro do alargamento do corredor
Fotos: A autora. Data: a) 05/02/2008; b) 22/04/2008; c-d) 17/11/2007; e-f) 22/04/2008.
O segundo alargamento no trecho A situa-se no pt-163. Trata-se de uma área
em um extenso platô circundado por colinas suaves. Inicialmente, o corredor tem
20 m de largura e, na parte mais alargada, chega a cerca de 80 m, diminuindo no
final para 28 m de largura, totalizando uma área de 19.103 m² (ver figura 148).
Ao ultrapassar a área mais alargada do corredor, este tem um declive em
a)
b)
c)
d)
e)
f)
402
direção a uma pequena bacia hidrográfica de um córrego. Logo após, o corredor
inicia a subida da encosta. Esse córrego poderia servir de aguada para os animais e
tropeiros, requisito fundamental para um pouso.
Em ambas as áreas de alargamento, tanto no trecho A, quanto no trecho B,
atualmente edificações de moradores que habitam as servidões públicas, num
fenômeno de ocupação das áreas vagas, quando do fim do tropeirismo, por
habitantes sem acesso à propriedade privada.
Os principais locais de ocorrência desses lugares são os espaços planos com
a disponibilidade de recursos hídricos, condição fundamental para um pouso.
Outro ponto importante a ser considerado, relativo à instalação dos alargamentos, é
a distância entre as estruturas, que reforçam a hipótese da função de pouso por
uma regularidade de espaçamento entre si.
Todavia, esta questão somente pôde ser avaliada no trecho A, o mais extenso,
com 14 km de comprimento. No itinerário entre o rio Pelotas e a entrada da
Fazenda Sobradinho, onde se situa o alargamento do pt-86, percorrem-se 6 km de
extensão, sendo pelo menos 1/3 em aclive. Ao longo do trajeto, o nenhum
local de aguada, apesar de cruzar áreas úmidas.
O segundo alargamento no trecho A, o pt-136, situa-se aproximadamente a 8
km de distancia do pt-86. Portanto, a hipótese que se sugere é que este local
poderia ser uma parada intermediária no percurso de uma jornada, a chamada
“cesta do meio-dia”, e, a segunda, parada para o pouso, o local de pernoite.
Para tanto, duas questões a serem consideradas e correlacionadas a esta
possibilidade aventada para os alargamentos: a distância percorrida por uma
comitiva em uma jornada e os hábitos diários de pouso.
O ritmo de marcha e a distância percorrida por uma tropa são discutidos
entre os diversos autores consultados, além de depender de inúmeras variáveis,
como o tipo de tropa conduzida (mulas xucras, cargueiros, gado) e as
características do terreno (pedregoso, encostas abruptas, travessia de rios, áreas
brejosas, etc.).
A medida de percurso variava muito, sendo mencionada segundo Flores
(1998, p. 5) uma jornada de 7 léguas para mulas arreadas, equivalente a
aproximadamente 38 km por dia. Para Katinski (1980, p. 16), 12 km por hora para
uma tropa de muares. Trindade (p. 124) menciona que faziam quase 30 km por dia,
às vezes menos. Todas estas inferências precisam ser relativizadas de acordo com
as condições locais.
403
Figura 148 - Área de alargamento no trecho A, pt-163: a) imagem de satélite; b) desenho do
alargamento com a instalação de diferentes estruturas
Fontes: a) DIGITAL GLOBE (2007); b) A autora (2009).
a)
b)
404
Para o deslocamento de manadas de gado, Hemetério da Silveira (1909 In:
TRINDADE, 1992, p. 59) informa que as mulas são animais de carreira e que “a
tropa de muares pode vencer uma distância quase três vezes maior que a da
boiada”. Sendo assim, o tempo gasto para o deslocamento de uma tropa de gado era
muito superior ao de muares, pois poderiam levar atrês vezes mais tempo para
um mesmo percurso. Por exemplo, se uma tropa de muares percorresse um
determinado trajeto em 1 hora, a boiada percorreria o mesmo percurso em 3 horas.
No que se refere à média de deslocamento diário de uma tropa, Goulart
(1961) informa que:
As caminhadas variavam de acôrdo com a procedência das tropas, umas
vencendo maiores distâncias diárias que outras. [...]
Com os cargueiros o escopo é outro. Não ultrapassam as marchas de três a
quatro léguas por dia. [...]
Caminhavam légua e meia ou duas léguas na fresca da manhã. Na calma do
meio-dia, descarregavam à beira de uma aguada, para recomeçar o avanço
de tardinha, até as quatro ou cinco horas. E assim, semanas, durante as
quais percorriam de três a quatro léguas por marcha. (GOULART, 1961, p.
102).
Para as mulas arreadas, outra condicionante a ser avaliada era o peso da
carga transportada. Assim, Goulart (1961) menciona que:
A questão do pêso da carga a ser transportada às costas de cada animal era
de grande importância, pois repercutia no rendimento da viagem e nas
condições físicas dos cargueiros. Não se pode dizer que houvesse um peso
rigidamente determinado; mas as variações eram de pouca monta e isso
mesmo na dependência das possibilidades específicas do animal. (GOULART,
1961, p. 97).
Com relação ao peso da carga transportada por mulas, têm-se várias
indicações de capacidade transportada por muares. Conforme Botelho e Reis (2002,
p. 310), uma mula transportava em média 150 quilos de produtos. De acordo com
Diniz e Villela (2007, p. 5), a carga de um burro cargueiro era composta de 2
bruacas
215
, o equivalente a 2 sacos de 60 kg, ou 8 arrobas, ou 120 kg. Segundo
Filipak (2008, p. 115) as mulas arreadas carregavam “no lombo duas bruacas de
couro cru as quais, comportavam cada uma 45 quilos de mercadorias”, totalizando
90 kg de carga total. Conforme Goulart (1961, p. 97), no sul “um bom animal
suporta bem de 8 a 12 arrôbas de quinze quilos”, o que equivaleria uma carga de
120 a 180 kg por animal. Flores (1998, p. 5) também afirma que uma “mula fazia a
215
Bruaca: “mala de couro cru para transportar louças, alimentos, ferramentas, presas na cangalha
do cargueiro. Duas bruacas levavam mais ou menos cinco arrobas ou 75 quilos” (FLORES, 1998, p.
85).
405
jornada de sete léguas, carregando 60 quilos de cada lado”, o que totalizaria uma
carga de 120 kg.
As entrevistas com antigos tropeiros revelam como era o cotidiano das
paradas e pousos, mostrando que faziam normalmente, duas paradas numa
jornada de viagem: uma menor na metade do dia e outra no fim do dia, o pernoite.
Segundo Goulart (1961, p. 173), “de quando em quando a tropa fazia uma
parada para um breve descanso, quase sempre à beira de fontes de água, onde os
animais se dessedentavam, aliviados dos fardos e das cangalhas”.
Segundo o tropeiro Antônio Mello
216
(In: TRINDADE, 1992, p. 125):
“Quando a gente tava andando, diz, só pensava na sesteada. Na sesteada, só
pensava no pouso”, hora de jantar e dormir. A sesteada “as vezes era meio-
dia, 11 horas ou 1 hora da tarde”, conforme o lugar que encontravam para
abastecer a tropa, esperar o calor atenuar: uma parada curta de mais ou
menos hora e meia, “pra mulada encher”.
O ex-tropeiro Manoel Vieira de Liz
217
, em entrevista de 1986, (In: SANTOS et
al., 1988) explica que, “no final da mano gado já começa a cansar da caminhada
e é necessário que se procure um lugar para o gado pastar”.
Considerando os dados apontados por diversos autores e correlacionando
com as informações coletadas em campo, haveria uma parada 6 km após a
travessia do rio Pelotas e outra mais à frente, a 14 km deste ponto. Todavia, esta
distância é pouca para uma parada ou pouso, considerando-se o que foi citado
pelos autores. Entretanto, as duas paradas poderiam não ser utilizadas
necessariamente numa mesma jornada, mas conforme o ritmo da viagem, em uma
parada ou na outra.
Deve-se levar em conta outras informações, como por exemplo, o tempo gasto
na travessia do rio Pelotas, que era uma tarefa demorada e perigosa. Em que
momento do dia ela teria sido executada? Qual o ponto de partida do local do
pernoite anterior? Qual a quantidade de animais conduzidos?
Além disso, deveria se considerar o ritmo de marcha da tropa. Assim, uma
parada intermediaria no pt-86 seria perfeitamente plausível, considerando que a
tropa teria feito a travessia na metade da manhã, por exemplo.
Os pousos nos locais de alargamento poderiam ser realizados em
acampamentos ao relento, sob barracas ou em ranchos, conforme apresentado
216
Antônio Gonçalves de Mello, entrevistado em 18/10/1989 em Santo Ângelo (RS) por Jaelson
Trindade.
217
Manoel Vieira Liz, ex-tropeiro com 66 anos quando da entrevista em 1986, morador da região do
Cajuru em Lages (SC).
406
anteriormente no capítulo 3, subcapítulo 3.3.4.
Pela natureza do tipo de pouso, a principal característica do acampamento
era a sua efemeridade, com poucos vestígios remanescentes e produzindo um
registro arqueológico discreto.
Por outro lado, os pousos localizam-se em áreas onde atualmente
ocupação antrópica. Assim, torna-se bastante difícil localizar tais vestígios
arqueológicos remanescentes nos locais de pouso ou das estruturas utilizadas,
exceto os alargamentos.
5. 3 TRAVESSIA DE CURSOS DE ÁGUA
A travessia de cursos de água, muitas vezes, exigia um grande esforço para
os tropeiros manejarem a tropa para cruzar um rio ou um córrego, como em rios
caudalosos ou profundos. Eram ocasiões de bastante atenção e apreensão por parte
da comitiva. Tratava-se de uma atividade que requeria prática e conhecimento e
representava um momento perigoso durante o percurso, no qual animais podiam
ser perdidos, o que causaria prejuízos para a empreitada. O tipo de rio, se fundo ou
raso, exigia estratégias diferentes e modos distintos de travessia.
Os locais de travessia de cursos de água eram chamados de passos, ou seja,
os pontos mais adequados para a passagem. Geralmente, eram procurados os vaus
ou espraiados dos rios, por serem os locais mais propícios para serem cruzados.
Um dos exemplos de dificuldades e perdas foi a viagem empreendida pelo
tropeiro Reinaldo Silveira em 1891 e contada por Ribas da Silveira. Este tropeiro
havia saído de Ponta Grossa (PR) em direção a Cruz Alta (RS), onde foi buscar 550
mulas. Na viagem de volta, percorreu o Caminho das Missões, passando por Passo
Fundo, Mato Castelhano e atravessando o rio Pelotas pelo Passo do Pontão:
Em de outubro, Silveira acampava próximo ao rio Forquilha. Logo que
atravessaram o rio, começou a chover copiosamente. Depois do pouso da
Porteira, caiu copiosa chuva que interrompeu a viagem por dois dias.
Continuara a viagem debaixo de chuva, parando num campo alugado no dia
10 de outubro, esperando que as águas do rio Pelotas baixassem.
Às dez horas de 18 de outubro tentou a travessia, mas as mulas refugiaram
o rio por causa da forte correnteza. Depois de uma hora de descanso, tocou
a tropa, separada em pequenos grupos, com relho, pedradas e gritos. A
travessia completou-se ao por do sol. Doze mulas morreram afogadas. Os
animais subiram uma estreita picada, com atoleiros, rampas de pedras e
margeando grotas. Peões ficaram na outra margem arrebanhando mulas
extraviadas. (SILVEIRA. In: FLORES, 1998, p. 39).
Conhecer a hidrografia local era fundamental na busca das alternativas mais
407
viáveis, à medida que não havia a possibilidade de escapar da travessia ou
contornar os rios, especialmente em uma região como a área de pesquisa, marcada
pelos diversos rios, arroios, ribeirões e córregos que atravessam a zona de estudo,
bem como pela diversidade hidrográfica, apresentando afluentes pequenos ou
grandes, fundos ou rasos.
Portanto, a escolha dos locais ideais para cruzar um rio exigia conhecimento
empírico topográfico e hidrográfico na busca das melhores soluções. Duas eram as
principais condicionantes a serem consideradas para a escolha: o relevo e as
características do curso de água.
Era importante avaliar as condições de acesso ao rio, buscando um
compartimento topográfico menos acidentado, uma encosta menos íngreme que
facilitasse a descida ou a subida das margens, sem maiores percalços para os
animais conduzidos. Contudo, nem sempre tais locais ideais existiam de fato. A
realidade do planalto meridional apresenta-se, em alguns casos, com vales de rios
bastante encaixados e encostas rochosas abruptas, como o caso do rio Pelotas.
Nesse contexto, a opção foi buscar os locais mais favoráveis para cruzar o rio, numa
conjuntura desfavorável, buscando a alternativa melhor possível para um passo.
Figura 149 - Cavalgada atravessando um riacho montados a cavalo na região da Coxilha Rica
Foto: Werner Zotz (In: KAISER, 2006, p. 67).
O tipo de condição hidrográfica era outra questão importante que deveria ser
avaliada, buscando os locais com aspectos mais favoráveis para uma passagem,
como locais abertos (espraiados), pontos de remanso com menos correnteza,
408
lugares com nível de água mais baixo e menos profundo, lugares estes que
oferecessem mais segurança na travessia.
Os rios com vau baixo, que correm sobre lajeado de pedra, podem ser
considerados numa primeira avaliação como de fácil travessia. Contudo, podem ser
traiçoeiros para os desavisados, pois o seu leito de rocha pode ser bastante
escorregadio pelo limo sobre as pedras. Assim, estes locais poderiam provocar
acidentes e machucar os animais. Mesmo assim, eram os lugares mais favoráveis
para se cruzar um rio, observados os cuidados necessários.
Outra situação observada na região e que precisava ser considerada durante
a marcha era a ocorrência de fortes chuvas, que podiam modificar a condição de
travessia de um rio pelo aumento drástico do seu volume. Os pequenos arroios e
ribeirões, com baixo nível de água, tornavam-se cheios. Sem canoas, a travessia
poderia ser retardada. Os rios maiores poderiam se tornar caudalosos e com forte
correnteza, e assim, sem condições de nado.
O efeito destruidor dos grandes volumes de água em rios encaixados ainda
pode ser constatado na região em vários locais, onde havia pontes que foram
arrastadas pelas enxurradas, restando os seus escombros no leito dos rios.
O viajante francês Auguste Saint-Hilare, que viajou pelo Caminho das Tropas
em 1820, atravessando os Campos Gerais, vivenciou esta condição de travessia de
rios após as chuvas, como no caso do Rio Jaguaricatu, um dos afluentes do Itararé:
Esse rio, de pouca largura, é vadeável na época da seca, mas após chuvas
prolongadas ele se torna tão caudaloso que os cavalos e burros não podem
atravessá-lo a nado sem o risco de serem arrastados pela corrente. Durante
o tempo que permaneci em Morangava vários despachos urgentes tinham
ficado retidos nessa propriedade porque não se podia atravessar o rio com
segurança. Quando cheguei à sua beira, as águas tinham baixado um pouco
de volume; minha bagagem foi transportada numa canoa e os burros
atravessaram a corrente a nado. Não se pegava pedágio pela travessia do
Jaguaricatu porque na maior parte do tempo o rio é vadeável. A canoa na
qual fizemos a travessia pertencia a um agricultor, que geralmente a
mantinha escondida (1820) para evitar que fosse roubada pelos índios
selvagens. (SAINT-HILAIRE, 1978, p. 33).
Os locais onde se cruzavam os rios, conforme Filipak (2008, p. 115), eram
classificados em dois tipos: o vau de cauda e o vau de orelha, de acordo com o nível
do rio atravessado, o que consequentemente caracterizava a dificuldade do passo.
Os “vaus de cauda eram passos, onde os animais cruzavam andando com a
água atingindo-lhes a cauda ou a barriga” (ibid.), portanto locais cruzados a pé,
com ou sem risco de molhar a carga. Enquanto que os “vaus de orelha eram passos
em que os muares ou eqüinos atravessavam o rio nadando, com a água até às
orelhas” (ibid.). Estes locais requeriam o uso de canoas para a travessia das
409
mercadorias ou apetrechos de viagem.
Conforme abordado no capítulo 3, no item “Os passos e as formas de
travessias”, e ilustrado na iconografia analisada, cada tipo de rio exigia uma ou
outra forma de cruzá-lo, assim como infraestrutura de canoas, pontes ou não, além
das atividades que envolviam a organização da passagem dos animais e a travessia
das mercadorias e equipamentos de viagem.
Na região em que se realizou esta pesquisa se desconhece a construção de
pontes ou o uso de balsas relacionados à atividade do tropeirismo. Os rios eram
atravessados a pé ou a nado e em canoas ou embarcações similares.
Nos trechos avaliados do Caminho, foram identificados cinco pontos de
travessia com estratégias materiais para facilitar a passagem dos rios. A travessia
de cada curso de água e suas estruturas registradas ao longo dos trechos do
Caminho estudado serão analisadas particularmente, aborda
ndo as suas especificidades.
5. 3. 1 Travessia do rio Pelotas: o Passo Santa Vitória
O rio Pelotas nasce no município de Bom Jardim da Serra, no Parque
Nacional de São Joaquim, na Serra Geral. É a divisa natural entre os estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina. Juntamente com o rio Canoas, forma o rio
Uruguai, a maior bacia hidográfica do interior no planalto meridional.
Esse rio corre sobre leito rochoso, possui águas volumosas e margens em
paredões de pedra, formado tanto por remansos, quanto por corredeiras. Suas
margens são, na maior parte no trecho do alto vale, altamente florestadas,
caracterizando-se como uma área de transição entre a floresta ombrófila mista e
estacional e os campos naturais.
A passagem do rio Pelotas é o ponto de partida do trecho A, localizado no
primeiro ponto avaliado, o pt-01. A travessia é realizada no Passo Santa Vitória,
situado junto à foz do rio dos Touros com este rio, na divisa entre os estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina:
O Passo Santa Vitória é um local privilegiado de acesso para ambas as
margens do Rio Pelotas. Possui lajes de pedra em forma de suave escadaria
desde a água, em ambas as margens, além do que o represamento do Pelotas
pelo ingresso do Rio dos Touros forma o poço onde se dava a passagem das
tropas. (LOCKS et al., 2006, p. 20).
As condições de represamento de água formam um local mais propício e
410
calmo para a travessia do rio Pelotas, onde existem diversas corredeiras ao longo de
seu curso, como se pode observar na foto aérea (ver figura 150a).
Figura 150 - Fotos aérea do Passo Santa Vitória: a) área de travessia do rio Pelotas, em primeiro plano
a margem gaúcha e em segundo plano margem catarinense; b) margem catarinense em degraus”
rochosos naturais
Fotos: Ricardo Almeida. Acervo: 11ª SR/ IPHAN/SC. Data: 03/02/2007.
Além disso, as margens caracterizadas por escarpas rochosas abruptas
também dificultam o cruzamento desse curso de água, na medida que o acesso ao
a)
b)
411
rio, assim como a saída deste para alcaar a margem, se tornam inviáveis. Dessa
forma, o passo reunia condições propicias para a passagem do rio Pelotas: remanso
de água e margem em degraus de pedra naturais para a saída do rio (ver figura
150b).
No passado, o rio Pelotas era conhecido com o designativo de “rio dos
Infernos”, conforme as representações cartográficas da época, em virtude das
dificuldades de transposição enfrentadas pelos viajantes.
Segundo a documentação textual apresentada no terceiro capítulo, este rio,
pelas suas características de pouca acessibilidade devido às margens em penhascos
e um único local estreito de transposição, tinha papel importante na defesa do
território português frente às possíveis invasões espanholas pelas Missões.
Portanto, desde os primórdios do Caminho, havia planos de instalação de
uma guarda para a guarnição do passo e posteriormente a fundação de um registro
para a cobrança de impostos. Essa passagem era estratégica, tanto para as tropas
de animais conduzidas do Sul para São Paulo, quanto para o acesso por terras de
tropas militares na defesa da fronteira meridional.
Pelas próprias características ambientais do Passo do rio Pelotas, não foi
construída nenhuma estrutura para a travessia do mesmo, até porque talvez não
houvesse de fato a necessidade da mesma, ou, talvez, pela grande dificuldade
imposta pelo terreno.
Assim, ao analisar a imagem de satélite desse local e o mapa detalhado das
evidências arqueológicas (ver figura 151), percebe-se a própria interação entre o
homem e o meio ambiente no que se refere à paisagem neste ponto de travessia.
Nas margens do rio Pelotas, observam-se lajes de basalto que formam uma
espécie de “degraus” naturais, que, ao mesmo tempo em que facilitavam a saída por
ser um terreno firme e não barrento, também impunham dificuldades, pois os
animais poderiam machucar-se nas pedras e/ou até mesmo escorregar com as
ferraduras sobre as pedras molhadas. Além disso, as margens em forma de
escadarias rochosas conservam as margens dos processos erosivos, como acontece
com os barrancos quando o nível de água sobe muito.
Os vestígios das sendas existentes nas margens do rio Pelotas são o
resultado natural do próprio ir e vir, subindo ou descendo a encosta, marcando
profundamente o relevo e demarcando o caminho a ser seguido.
O percurso da trilha serpenteando a encosta foi a melhor estratégia e a única
viável para vencer a encosta abrupta neste local. Neste caso, além de facilitar a
subida, reduzindo longos trechos em aclive com forte grau de inclinação e
412
diminuindo o esforço para uma subida forçada, colaborava para reduzir a ação
erosiva pluvial sobre a senda. Caso a mesma fosse uma linha reta, acabaria
facilitando a formação de uma imensa vala, pela facilidade de escoamento das
águas.
Figura 151 - Detalhe da área de travessia do rio Pelotas e a foz do rio dos Touros: a) ortofotocarta; b)
mapa em detalhe da área de travessia do Rio Pelotas
Fonte: a) Folha PQ31 (CEPAQ, 2003); b) A autora (2008).
a)
b)
413
Na margem direita desse rio, logo após a primeira etapa da encosta, num
primeiro patamar, há um conjunto de áreas entaipadas, o sítio arqueológico SC-PQ-
04 (ver planta no anexo B), com uma grande mangueira com área de 6.930,29 m² e
outra menor com 56,66 m²
218
.
Esse curral poderia funcionar para reter a tropa num espaço fechado as a
subida, uma vez que a trilha comporta somente a passagem de animais enfileirados
e, assim, descansar a tropa e organizar a continuação da viagem.
No caso de impossibilidade de travessia do rio em função das cheias, a tropa
deveria ficar estacionada na margem esquerda, junto de alguma estrutura existente
na edificação do registro. Caso a viagem fosse no sentido contrário, de Santa
Catarina para o Rio Grande do Sul, a tropa poderia ficar acampada nessas
mangueiras, aguardando a baixa das águas e a melhor oportunidade para cruzar o
passo.
Esse local poderia funcionar também como ponto de pouso, em caso de uma
passagem tardia, ou ocorrência de imprevistos, como a impossibilidade de alcançar
outro pouso mais adiante, ou ainda como reduto para a espera de um momento de
travessia mais favorável.
Nas mangueiras existentes, poderiam fazer a contagem dos animais e avaliar
as perdas, caso houvesse, assim como tratar os eventuais machucados ocorridos.
Além disso, poderia ser um local adequado para uma sesteada e reorganização do
carregamento, em caso de tropa cargueira.
Portanto, o local situado logo após a travessia do rio Pelotas poderia ser um
espaço multifuncional e exercer assim diversas funções pela sua implantação
estratégica, servindo de apoio para a passagem deste rio.
5. 3. 2 Travessia do arroio Carazinho
A travessia do arroio Carazinho situa-se no trecho A, no ponto pt-116. Trata-
se de um curso de água de pequeno porte, com nível de água baixo, do tipo vau de
cauda, em geral facilmente cruzado. Este é afluente do arroio Cará. Distante deste,
no percurso do Caminho, somente em torno de 700 m.
218
Segundo levantamento topográfico executado por Gerônimo Lima e Julio Niero em 20/07/2004.
414
O arroio Carazinho corre da
direita para esquerda, ou seja, no
sentido de leste para oeste, cruzando o
Caminho das Tropas. Atualmente,
uma ponte de madeira construída para
a travessia de veículos sobre o arroio,
mas a passagem dos animais, que por
ventura são conduzidos nesta estrada,
ainda é feita na lateral da ponte, na área
onde o curso de água é mais aberto e
raso, correndo sobre uma laje de pedra.
Figura 152 - Travessia do arroio Carazinho sobre
leito rochoso
Foto: A autora. Data: 05/02/2008.
Conforme se observa na imagem de satélite e no mapa detalhado (ver figura
153), na margem esquerda do Caminho, um muro de taipa que prossegue até a
margem direita desse arroio. Na margem direita do Caminho, a área é formada por
uma planície alagadiça e banhado. Povavelmente, em função da barreira natural,
não tenha sido construído muro na margem direita.
O ponto de travessia no local é delimitado e fechado por um muro de taipa de
pedras, balizando a passagem e, provavelmente, impedindo o extravio de animais.
Nesse ponto, o Caminho parece aumentar sua largura, formando um espaço maior.
Entretanto, pela ausência de muro de taipa na outra margem, não é possível
considerar como alargamento de corredor.
Na margem direita do Caminho, não foi possível verificar, em campo, se
taipa delimitando a área. No entanto, na análise da imagem de satélite percebe-se
uma “linha” marcada pela vegetação, que pode estar encobrindo o trecho de taipa,
ou, então, tratar-se de outro tipo de delimitação do terreno, como cerca de arame.
Essa possível estrutura foi mapeada como “não identificada”.
A provável estrutura poderia se unir à taipa (pt-116), que se situa
perpendicularmente à estrada e costeia a margem direita do arroio, formando um
espaço retangular. Dessa forma, a travessia do arroio estaria fechada e delimitada.
No mapa, observa-se também a ausência de muro demarcando o trajeto em
ambas as margens em aproximadamente 120 m de extensão. Na margem esquerda,
constata-se uma faixa de mata ciliar no arroio, assim como o leito deste e que
415
poderiam funcionar como barreiras naturais para o traçado do Caminho.
Figura 153 - Travessia do arroio Carazinho: a) imagem de satélite; b) mapa em detalhe da área de
travessia
Fonte: a) Google Earth (DIGITAL GLOBE, 2008); b) A autora (2008).
Pelos vestígios arqueológicos remanescentes mapeados, faz-se necessário
averiguar melhor o local, avaliando a possível função das taipas de muro
encontradas, assim como acessando a área não examinada no levantamento inicial,
a)
b)
416
buscando compreender melhor como os muros e o ambiente estão relacionados à
demarcação do Caminho e a definição das estratégias de travessia do arroio
Carazinho.
5. 3. 3 Travessia do arroio Cará
A travessia do arroio Cará também se localiza no trecho A, no ponto pt-125.
É um curso de água com nível baixo, do tipo vau de cauda, em geral facilmente
cruzado. É afluente do rio Pelotinhas e, próximo desse local, está a foz do seu
tributário Carazinho. Suas margens são fechadas pela mata ciliar e seu leito é
formado por laje de basalto, correndo da direita para esquerda, ou seja, de leste
para oeste.
Figura 154 - Vista geral da área de travessia do arroio Cará, cercada por taipas de pedra, e no centro a
ponte de alvenaria
Foto: A autora. Data: 05/02/2008.
Acima do ponto de travessia, o arroio é formado por diversas pequenas
quedas de água, que impedem a sua passagem facilmente, enquanto que no local
onde é cruzado dentro do corredor, o local onde o corredor cruza o arroio, ele é
espraiado e largo, o que forma um lugar de fácil passagem.
417
Na imagem de satélite e no mapa detalhado da área (ver figura 155),
constatam-se diversas estruturas de taipa de pedra construídas, além do corredor
propriamente dito. A área de travessia do arroio Cará é delimitada em ambas as
margens por um muro de taipa, formando o corredor com uma extensa área
alargada para a margem direita. O arroio tem em seu ponto mais largo 16 m de
largura. Esta grande área poderia ter duas funções: a) área de parada para
descanso da tropa; e, b) área de aguada dos animais.
Por se tratar de um curso de água com nível baixo, assim como o do seu
afluente, o arroio Carazinho, a travessia era feita a pé. Logo, poderiam aproveitar
para matar a sede.
Figura 155 - Travessia do arroio Cará: a) mata ciliar as margens do arroio; b) quedas de água vista em
sentido da montante; c) local de travessia em área espraiada, vista em sentido a jusante
Fotos: a) A autora. b) Adelson André Brüggemann. Data: 05/02/2008.
a)
b)
b)
418
Figura 156 Detalhe da travessia do arroio Cará: a) imagem de satélite; b) mapa em detalhe da área
de travessia
Fonte: a) Google Earth (DIGITAL GLOBE, 2008); b) Arte gráfica: A autora (2008).
Da mesma forma que outros cursos de água, atualmente o arroio Cará
possui uma ponte de alvenaria para a travessia de veículos, e há também resquícios
de uma ponte anterior no leito do arroio, além de uma área ainda usada para os
animais atravessarem o local.
neste local três sítios arqueológicos, conforme o apresentado no capítulo
a)
b)
419
anterior, formados por áreas entaipadas, uma tapera na servidão e o complexo de
uma unidade residencial constituída por conjunto de mangueira e áreas cercadas,
muros de taipa de pedra, sistema de drenagem, áreas de terraplenos, um ponto de
travessia do arroio a jusante, entre outras evidências remanescentes.
A riqueza e quantidade de vestígios nesta área devem estar efetivamente
relacionadas ao Caminho e à estrutura de passagem do mesmo. Todavia, pela
natureza do levantamento arqueológico e coleta de dados realizados, não foi
possível abordar esta questão. Futuras pesquisas neste sentido poderiam buscar
mais subsídios, na tentativa de compreender a interrelação entre os sítios
arqueológicos e o Caminho das Tropas.
5. 3. 4 Travessia do rio Penteado: um passo no alargamento
O rio Penteado é afluente do rio Pelotas e um dos seus principais formadores
O ponto de travessia situa-se no trecho B estudado nesta pesquisa, no meio de um
corredor que atravessa o vale desse rio, identificado como pt-10. O seu leito
também é rochoso, com nível de água geralmente baixo, sendo atravessado a em
determinado ponto onde o rio forma um espraiado (ver figura 157).
Figura 157 - Comitiva atravessando o espraiado do rio Penteado em período de leito baixo. Ao fundo
parte do corredor
Foto: Werner Zotz (In: KAISER, 2006, p. 57).
420
Entretanto, nos períodos de chuva seu volume torna-se grande e as águas
caudalosas, formando enchentes e correntezas que impossibilitam a sua travessia
segura, assim como transpondo-se sobre as pontes existentes ao longo de seu
percurso. Na figura 158, observa-se o mesmo ponto da travessia fotografado na
imagem 157, mas em ângulos diferentes: a anterior a partir da margem direita do
rio e a seguir a partir da margem esquerda do rio, em circunstâncias de cheias após
um período chuvoso.
Figura 158 - Vista geral do local de travessia do rio Penteado em período de chuvas
Foto: A autora. Data: 03/05/2008.
O passo desse rio encontra-se em local estratégico, numa área de espraiado
onde o rio se abre, com corredeira sobre laje de basalto, e com o nível de água mais
baixo, facilitando a sua travessia. Como se observa na imagem de satélite (ver figura
159a), logo abaixo do ponto de passagem, há uma queda de água com forte
correnteza, o que não permitiria a passagem. Enquanto, mais acima, antes do
passo do rio, a área é bastante brejosa.
Dessa forma, esses dois elementos naturais influenciaram na escolha do
passo, delimitando o local da passagem das tropas, associados às áreas entaipadas
pelo alargamento do corredor.
421
Figura 159 - Área de travessia do rio Penteado: a) imagem de satélite; b) mapa em detalhe das
estruturas arqueológicas
Fonte: a) Google Earth (DIGITAL GLOBE, 2008); b) Arte gráfica: A autora (2008).
Observando-se o mapa (ver figura 159b) em detalhe, constata-se que o
corredor muda drasticamente o seu traçado, formando um alargamento às margens
a)
b)
422
do rio Penteado.
Os dois muros de taipa, ao se aproximarem do rio, mudam o sentido de norte
para noroeste na margem esquerda e nordeste na margem direita do corredor.
Dessa forma, ambas as taipas fazem um ângulo de abertura de aproximadamente
45° para cada lado, seguindo até a margem do rio. O corredor tem 19 m de largura
antes do alargamento e, no seu final, na beira do rio, tem 200 m de largura. O
alargamento tem a forma de um triângulo e uma área total de 16.180 m².
No interior da servidão desse alargamento, um habitante com sua
moradia construída e uma pequena lavoura, instalado em uma área triangular
demarcada com cerca de arame farpado.
Na margem direita do rio, a área mantém-se alargada também, conforme se
observa no mapa (ver figura 159b). Esta porção forma uma grande área alargada às
margens do rio, demarcada por um muro lateral de taipa de pedra. A área de
alargamento do corredor, na margem direita, perfaz 24.163 m². A área total da
travessia do rio totaliza 10.973 e, no total, ambos alargamentos acrescidos da
travessia somam 51.316 m².
Pelo formato do muro de taipa de pedra do alargamento do corredor, que
delimita a área alargada em ambas as margens do rio Penteado, sugere-se que a
travessia era feita na diagonal, ou seja, da margem esquerda do rio em sentido de
sul a oeste para a margem direita, ou vice e versa, de acordo com o sentido da
marcha.
Esta hipótese justifica-se no caso de haver um nível de água mais elevado e,
portanto, com muita correnteza para que a passagem do rio fosse feita em linha
reta. Assim, os animais cruzariam o rio na diagonal, pois a força da correnteza da
água acabaria por carregar o animal no sentido da jusante do rio a partir de uma
das margens, chegando ao outro lado bem abaixo do ponto de partida.
Observando-se a delimitação do alargamento e as condições do rio, pode-se
inferir que a passagem poderia ser realizada em dois pontos. Um deles, o mais
aberto, e, portanto, mais habitual, sinalizado com o pt-12. Neste ponto, o trecho de
travessia do rio seria maior, porém mais rasa. O outro identificado pelo pt-11, onde
a passagem seria mais curta, porém mais profunda.
É interessante notar que, na margem direita do rio, o muro de taipa somente
foi construído onde não havia uma barreira natural. O córrego, pequeno afluente do
Penteado, funciona como limite para o traçado do Caminho. O corredor com largura
normal somente será formado novamente em torno de 150 m após/antes do rio.
Acredita-se que esse local teve a função de pouso, ou seja, descanso da
423
tropa, pernoite, pastagem e aguada, pois possui uma grande área espaçosa, tanto
numa margem quanto na outra, além do rio como fonte de água.
Figura 160 - Vista geral da área de travessia do rio Penteado com o alargamento do corredor e imagem
do sobrevoo aéreo
Fotos: Ricardo Almeida. a) Data: 26/11/2004 (In: LOCKS, 2006, p. 30); b) Acervo: 11ª SR/ IPHAN/SC.
Data: 03/02/2007.
Além disso, outro fator que deve ser considerado é o fato de poder usar esse
a)
b)
424
espaço como ponto de parada em períodos de chuva e, consequentemente, grande
volume de água no rio. Portanto, além do pouso corriqueiro, os tropeiros poderiam
estacionar a tropa e aguardar as melhores condições para cruzarem o rio.
Conforme o mencionado por Goulart (1961, p. 147), normalmente uma
comitiva, ao realizar um pouso às margens de um curso de água, em situações
normais, efetuava primeiro a travessia e depois realizava o pouso, para não serem
surpreendidos à noite com chuvas que inviabilizariam a travessia no dia seguinte.
Am disso, pelos vestígios do acampamento, sabia-se o rumo que seguia a
comitiva, se de um lado ou de outro do rio.
No caso do rio Penteado, o pouso poderia ser realizado tanto numa quanto na
outra margem, não havendo a necessidade de fincar estacas para prender os
animais. O conjunto do próprio alargamento do corredor, que parece “abraçar” o rio
e as barreiras naturais, funciona como um grande curral, sendo necessário
somente fechar as extremidades mais estreitas do corredor.
Assim sendo, esse local seria um espaço multifuncional, um alargamento de
pouso com estratégia material de travessia.
Até hoje o local é usado para o acampamento de pescadores, caçadores e
aventureiros, fato constatado pelos resquícios encontrados no interior do
alargamento, sobre o capão de mato existente.
5. 3. 5 Travessia do rio Pelotinhas
O rio Pelotinhas é afluente do rio Pelotas e formado, principalmente, pelo rio
Penteado, que desemboca na sua margem esquerda, além de outros tributários
pequenos, como riachos e arroios. Suas nascentes estão no município de Painel
(SC) e ele atravessa toda a região da Coxilha Rica.
Segundo os dados hidrológicos disponíveis, o mês de maior vazão é setembro,
enquanto que os índices de menor vazão estão entre os meses de janeiro e abril
(ICR, 2007, p. 145). “Por ser um rio encaixado, quando de precipitações muito
intensas, o nível de água torna-se muito elevado” (ibid.).
A travessia do rio Pelotinhas situa-se no final do trecho D, pt-26, junto da
estrada municipal LGS-050. Todavia, convém salientar que o Caminho das Tropas
também atravessa este rio em outro ponto, no sentido sul-norte.
No final do traçado do Caminho no trecho D, o mesmo está cortado pela
atual estrada, formando um grande corte de barranco. Por isso é bastante
425
complicado compreender a organização do espaço, diante de tantas alterações
realizadas.
Figura 161 - Travessia do rio Pelotinhas: a) imagem de satélite; b) desenho com detalhamento das
evidências
Fonte: a) Google Earth (DIGITAL GLOBE, 2008); b) A autora (2009).
a)
b)
426
A travessia do rio Pelotinhas situa-se à esquerda da ponte, em local de fácil
acesso ao rio, onde o curso de água forma um espaço amplo, um espraiado, com
nível de água baixo, permitindo a passagem a pé. Observando-se a imagem de
satélite (ver figura 161a), o traçado do Caminho após cruzar a estrada municipal
está bastante evidente na paisagem. O ponto de travessia está sinalizado em ambas
as margens do rio e está orientado segundo o corredor, dando ideia de
continuidade. A volta que o Caminho faz para atravessar o rio é visível nas imagens
de satélite, muito bem marcado na paisagem.
Atualmente, o rio Pelotinhas é atravessado por uma ponte de madeira
amarrada por cabos de aço presos no leito rochoso do rio, indicando a violência de
suas enxurradas e o quanto o seu volume de água sobe. Muitos moradores
comentam que, frequentemente, o nível do rio alcança índices elevados, passando
muito acima da ponte, inclusive com a ocorrência de casos de veículos que foram
arrastados ao tentarem cruzar o rio cheio.
Figura 162 - Tropa de gado atravessando o Passo do rio Pelotinhas
Foto: A autora. Acervo: Scientia Ambiental/Nuparq/UFRGS. Data: 19/05/2004.
O passo ainda hoje é usado para a travessia das tropas de animais, como se
pôde verificar nos registros fotográficos realizados em 2004 (ver figuras 162), onde
aparece uma tropa de bezerros sendo levada de uma fazenda a outra. Observa-se
que um condutor puxa a frente da boiada e os demais fazem uma baliza na lateral
427
do rio, como uma espécie de corredor, sinalizando o percurso de passagem dos
animais. Outra pessoa fica na retaguarda empurrando o gado para o rio.
Este local, às margens do rio, também é usado como área de camping e
balneário por frequentadores, assim como acampamento para pescadores e
caçadores, além de área de descanso para viajantes.
Finalmente, no que tange à travessia de rios, é importante ressaltar que a
maior parte das estruturas nessas áreas são visíveis nas imagens de satélite, desde
que estejam sem cobertura vegetal. Os documentos textuais e cartográficos fazem
referências aos rios Pelotas e Canoas, os maiores e principais rios da região, em
função da importância estratégica e papel desempenhado ao longo da história do
Caminho das Tropas, como limite territorial e defesa do território português,
conforme o abordado no terceiro capítulo. Os demais rios, eventualmente são
mencionados em algum roteiro, sem maiores descrições do que a sua simples
identificação.
5. 4 ESTRUTURA DE DRENAGEM
Estrutura de drenagem é o dispositivo ou o conjunto de sistemas que
realizam o escoamento das águas dos terrenos encharcados, facilitando a saída de
água das chuvas e evitando o acúmulo dessas em terrenos propensos a enchentes.
Um sistema de drenagem pode ser natural (rios, córregos) ou artificial
(construído pelo homem), sendo composto de canais ou dispositivos que atuam
interligados drenando as águas superficiais, geralmente provenientes de chuvas.
Este tipo de estrutura é importante em estradas e rodovias, pois tem a
função de eliminar as águas do leito, captando-as e conduzindo-as para locais mais
afastados. Para a drenagem de estradas, podem-se usar estruturas superficiais
(canais, valetas) ou subterrâneas (bueiros, galerias).
Na pesquisa arqueológica realizada na Estrada do Paraibuna, em Minas
Gerais, foram registrados diversos tipos de estruturas de drenagem como sistema
de escoamento de águas pluviais e fluviais, tais como canais, drenos, bueiros e
galerias.
Os canais observados na referida pesquisa “[...] são sulcos talhados na
superfície das rochas, de secção ncava, que conduzem as águas das chuvas às
demais estruturas do sistema de drenagem” (ASSIS et al., 2007, p. 11). Apresentam
traçados sinuosos e desiguais, correndo no próprio leito ou nas laterais, no caso do
428
Caminho Novo, e nas margens da estrada com trajeto mais retilíneo, como na
Estrada do Paraibuna.
As estruturas de drenagem subterrâneas, como bueiros e galerias, não foram
identificadas nos trechos estudados nesta pesquisa. Contudo, este tipo de estrutura
de escoamento foi identificado na região em um tio arqueológico, a “Tapera do
Arroio Cará” (SC-LG-18).
Outro dispositivo, bastante frequente nos drenos registrados nos trechos de
caminhos pesquisados entre Ouro Branco e Ouro Preto, é a presença de gárgulas,
“[...] pedras salientes em forma de calha [...] destinadas a jogar as águas a certa
distância das paredes, de forma a protegê-las.” (ASSIS et al., 2007, p. 11) (ver figura
163).
No entanto, nos segmentos pesquisados do Caminho das Tropas esse tipo de
complemento ao dreno não foi encontrado. A ausência dos mesmos é justificável, à
medida que os drenos ocorrem em áreas onde não a necessidade e nem a
possibilidade de escoar ou lançar as águas a certa distância da parede, pois os
dispositivos situavam-se no mesmo nível da superfície do terreno.
Figura 163 - Exemplos de estruturas de drenagem da Estrada (inacabada) do Paraibuna em Minas
Gerais: a) dreno com gárgula; b) saída de bueiro e gárgula
Fonte: Assis et al. (2007, p. 11, figuras 16 e 19).
Nos muros de taipa de pedra construídos em Portugal, também são
empregados dispositivos de drenagem com o objetivo de escoar as águas de
terrenos:
A drenagem dos terrenos que os muros confinam é feita por simples
perfurações tornou-se comum a utilização de tijolos furados colocados de
través na alvenaria do muro ou expressões mais cuidadas, tais como
pequenos arcos em pedra.
Estes drenos podem eventualmente ligar-se a regos ou canais compondo
esquemas de irrigação exteriores aos muros. (VARANDA, 2203, p. 268).
b)
a)
429
Ao longo dos trechos estudados do Caminho, foram identificadas estruturas
de drenagem que se caracterizam por dispositivos superficiais do tipo drenos e
valas. Contudo, também se registrou outra estratégia de deságue adjacente ao
Caminho: interrupções no muro de taipa para facilitar ou conduzir a travessia de
um pequeno curso de água, que pode variar o seu volume conforme o regime de
chuvas. Os drenos estão relacionados ao escoamento de águas pluviais e fluviais,
enquanto que as interrupções da taipa são para a passagem de água fluvial.
As estruturas de drenagem têm dupla função no caso dos corredores:
permitir o escoamento das águas, evitando o acúmulo de água e a formação de
lama e, consequentemente, atoleiros no interior do corredor; e auxiliar na
conservação da própria taipa, evitando os riscos de comprometimento da sua
estrutura, resultando, por exemplo, num desmoronamento.
5. 4. 1 Dreno e vala
Um dreno é qualquer tipo de estrutura construída ou dispositivo instalado
com a função de fazer escoar efluentes ou interceptar e conduzir a água em uma
área pavimentada. Geralmente é um tubo enterrado sob o solo.
Todavia, o tipo de estrutura de dreno registrado ao longo dos corredores
caracteriza-se por uma abertura construída na base do muro de taipa de pedra,
permitindo o escoamento de água de uma margem para a outra do Caminho ou
evitando o acúmulo de água no interior do corredor.
Trata-se de orifícios nas taipas de pedra com diversos formatos (retangular,
quadrangular, triangular e disforme), deixando um vão livre na taipa de pedra para
a passagem de água.
A vala ou valeta de drenagem é uma estrutura usada para conduzir o
escoamento de água em área de rzea ou baixadas, recebendo as águas que
escorrem do terreno adjacente ou conduzindo-as para um determinado local. Trata-
se de uma escavação linear no terreno, apresentando normalmente maior
profundidade que largura.
As valas observadas ao longo dos corredores não foram necessariamente
cavadas. Algumas possuem aparência natural, formada pelo próprio escoamento de
água e desgaste do solo. As valas naturais têm, em geral, forma da seção côncava e
revestida de vegetação, tais como as gramíneas.
Todavia, em alguns casos, percebe-se que as valas são “limpas”, existe a ação
de desobstrução do sedimento na vala para melhor escoamento de água,
430
principalmente em locais de menor caimento do terreno. As valas que foram
cavadas apresentam, geralmente, uma seção retangular.
Figura 164 - Desenho de um dreno situado no trecho A (pt-136), detalhando a sua construção na
taipa
Fonte: A autora (2008).
Valas e drenos o estruturas diferentes, mas que atuam em conjunto num
sistema de drenagem superficial. Os drenos e valas funcionam por gravidade,
escoando a água do ponto mais alto para o mais baixo, fazendo a drenagem natural
do terreno. Constituem dispositivos importantes no processo de drenagem de uma
área.
O sistema de drenagem do pt-54, subtrecho A5, é formado por duas valas
perpendiculares ao muro da margem esquerda, sendo uma maior e outra menor, e
por drenos. Analisando-se a paisagem no entorno imediato, observa-se que a
drenagem está situada em terreno de declive suave a oeste, o que favorece o
escoamento da água e contribuiu para formar as valas no relevo. Contudo, este
volume de água é proveniente de um banhado formado pela retenção de água em
431
uma superfície plana na margem direita, acarretando, no caso de haver muita água,
que a mesma acabe por escoar através do corredor para o ponto de maior declive.
Figura 165 - Drenos do trecho A: a) dreno com forma quadrangular em corredor com desnível (pt-159);
b) dreno (pt-161); c-d) dreno quadrangular com vala com seção retangular (pt-136), escala de 50 cm
Fotos: a-b) Adelson André Brüggemann; c-d) A autora. Data: 05/02/2008.
Os drenos foram construídos com a mesma técnica da taipa de pedra. Uma
característica é marcante na maioria dos drenos registrados: a abertura sob o muro
foi obtida através da colocação de uma pedra alongada ou uma placa rochosa com
formato horizontal, empilhada sobre outras verticais, sustentando as demais pedras
que formam o muro, e, assim, formando o vão de passagem livre de água no muro.
A pedra horizontal encontra-se em estado natural, não tendo sido executado
a)
b)
c)
d)
432
nenhum tipo de entalhamento para obter a forma retangular, tratando-se de uma
pedra selecionada pelo seu formato.
O uso dessa pedra horizontal resulta, normalmente, num dreno com formato
mais ou menos geométrico, retangular ou quadrangular (ver figura 165), variando a
altura e a largura em função dos blocos rochosos usados, conforme se pode
constatar no apresentado no quadro 18 e no registro fotográfico (ver figuras 166,
167 e 168).
Entretanto, outros formatos também foram observados, como drenos
triangulares, tendo maior largura superior que inferior, como um triângulo com a
base invertida (ver figuras 167b e d). Outros drenos têm forma irregular, ou seja,
disforme, construídos da maneira não geométrica, usando os blocos rochosos
disponíveis. Nestes casos, têm-se a impressão de que alguns blocos foram “tirados”
da taipa (ver figura 166c e d, 167 a-c).
Gráfico 12 - Formato dos drenos registrados nos trechos de corredores analisado
Fonte: A autora (2009).
Gráfico 13 - Distribuição do formato dos drenos registrados por trecho estudado
Fonte: A autora (2009).
A variação do formato dos drenos, conforme os gráficos 12 e 13, demonstra
433
que o tipo triangular é o de menor ocorrência, encontrado somente no trecho B.
Enquanto que os geométricos, quadrangular e retangular, são os mais recorrentes,
por serem a forma mais comum de construção numa taipa de pedra. O modelo
disforme segue a mesma técnica construtiva dos drenos geométricos, contudo o vão
não tem uma forma definida, pois a maior pedra que sustenta o muro sobre o
orifício não tem uma forma retangular achatada e horizontal.
Figura 166 - Drenos do trecho A: a) dreno (pt-55); b) dreno (pt-137); c-d) dreno disforme (pt-143),
escala de 50 cm; e-f) ) dreno construído com uma pedra longitudinal (pt-146), escala de 50 cm;
Fotos: a-b) Adelson André Brüggemann. a) Data: 04/02/2008; b) Data: 05/02/2008; c-f) A autora.
Data: 05/02/2008.
a)
b)
c)
d)
f)
e)
434
Em todos os trechos analisados do Caminho, foram identificadas e
registradas estruturas de drenagem com drenos e valas, conforme o quadro 18, que
sintetiza as dimensões máximas e as principais características observadas. As
dimensões ximas variam de 20 cm a 80 cm de largura e de 20 cm a 60 cm de
altura.
Figura 167 - Drenos do trecho B: a) dreno quadrangular (pt-04); b) conjunto de drenos na taipa (pt-
05); c) dreno (pt-07); d) dreno com formato triangular (pt-08), escala com 1 m
Fotos: a) A autora; b-d) Adelson André Brüggemann. Data: 03/05/2008.
Entre as principais características de instalação dos drenos e valas na
paisagem, estão os locais próximos das áreas úmidas como brejos, banhados,
afloramentos de água e compartimento topográfico em encosta (baixa encosta ou
meia encosta), preferencialmente em relevo com inclinação lateral ao corredor, ou
seja, não em aclive ou declive, mas o corredor cortando uma encosta
transversalmente. Somente em três casos os drenos situavam-se em superfície
aplainada.
Outra característica marcante relacionada aos drenos é o desnível observado
entre as margens dos muros do corredor (ver figura 165a), ou seja, um dos lados
a)
b)
c)
d)
435
está situado mais acima no terreno que o outro, propiciando um caimento que
naturalmente conduz a água de uma margem à outra. Esse desnível poderia
ocasionar o acúmulo de água no interior do corredor, formando, consequentemente,
áreas lodosas e até mesmo colocar em risco a conservação da taipa, caso não
houvesse um dispositivo de escoamento. Observou-se também a ocorrência de
conjuntos de mais de um dreno juntos, em dois casos, funcionando com uma rede
de drenagem. No caso do pt-05 do trecho B, trata-se de três drenos de passagem de
água proveniente de uma nascente existente na margem direita do corredor (ver
figura 167b). O interessante é que cada dreno possui um formato distinto. No outro
caso, o pt-16 do trecho C, o sistema é composto por dois drenos (ver figura 168a).
Figura 168 - Drenos dos trechos C e D: a) conjunto de dois drenos disformes (pt-16C); b) dreno
disforme (pt-20D); c) dreno disforme (pt-21D); d) dreno quadrangular (pt-22D0, escala 1 m
Fotos: A autora. a) 01/05/2008; b-d) Data: 04/05/2008.
No trecho C (pt-07 e pt-08), registraram-se dois pontos de drenos instalados
em uma curva da margem esquerda do corredor, com distância entre si de 2,80 m.
Sua construção é semelhante à dos demais drenos desse trecho, assim como a sua
morfologia e as suas dimensões.
a)
b)
c)
a)
TRECHO
PT
FORMA
LARGURA
ALTURA
DETALHES
A
Pt-55
Retangular
-
-
Dreno construído com uma placa alongada de rocha sob o muro, formando
um vão livre de forma retangular. Possui mais largura e pouca altura.
Pt-136
Quadrangular
80 cm
60 cm
Dreno construído com uma rocha alongada sustentando o muro. Possui
uma vala perpendicular.
Pt-137
Quadrangular
-
-
Sistema de drenagem com vala profunda.
Pt-143
Disforme
30 cm
50 cm
Tem forma irregular como se alguns blocos foram tirados da taipa, 90 cm
de profundidade
Pt-146
Disforme
60 cm
30 cm
Pedra longitudinal sustentando o muro de taipa e formando uma abertura.
Pt-152
Disforme
-
-
-
Pt-159
Quadrangular
-
-
Dreno construído com uma pedra longitudinal na horizontal sustentando
o muro da taipa e permitindo um espaço vazado na taipa.
Pt-161
Retangular
-
-
-
B
Pt-004
Quadrangular
40 cm
47 cm
Possui uma vala perpendicular à taipa.
Pt-005
Disforme
-
-
Composto por 3 drenos de passagem de água proveniente de uma
nascente existente na margem direita.
Triangular
-
-
Retangular
-
-
Pt-007
Retangular
60 cm
30 cm
Dreno instalado próximo a curva fechada.
Pt-008
Triangular
-
-
Dreno instalado em curva fechada.
C
Pt-016
Disforme
-
-
Composto por 2 drenos instalados na taipa. Na paisagem ficou marcada
uma vala no solo onde escorre a água do dreno.
Disforme
-
-
D
Pt-020
Disforme
20 cm
40 cm
-
Pt-021
Disforme
60 cm
20 cm
-
Pt-022
Quadrangular
35 cm
30 cm
Dreno constrdo com uma laje de pedra longitudinal sustentando o vão
por onde escoa a água.
Quadro 18 - Características dos drenos registrados nos trechos A, B, C e D percorridos e analisados
Fonte: A Autora (2009).
437
Em todos os segmentos avaliados do Caminho das Tropas, constatou-se a
existência de estruturas de drenagem para escoar águas pluviais acumuladas ou
que vertem de uma margem mais alta sobre o leito do caminho, ou ainda, fluviais
que atravessam os corredores.
Dentre as estruturas de drenagem, foi identificada somente a tipologia de
estruturas sobre a superfície, os drenos e as valas. Os drenos se caracterizam como
uma abertura com aparência, em geral, retangular ou quadrangular na base do
muro de taipa de pedra e construídos com blocos rochosos basálticos, segundo a
mesma técnica que o restante da taipa.
Nas imagens de satélite, não é possível visualizar esse tipo de estrutura, pois
as mesmas encontram-se embutidas na taipa de pedra do corredor. Contudo, as
características ambientais do levantamento planialtimétrico, em conjunto com
fotointerpretação de áreas úmidas, podem indicar os possíveis locais de ocorrência
de estruturas de drenagem.
Os principais indícios para a existência dessas estruturas são: desnível entre
as margens do corredor, preferencialmente em meia encosta, e a existência de
locais com acúmulo de água. Estes aspectos ambientais são fortes indicativos da
existência de sistemas de drenagem do tipo valas e drenos.
A documentação textual manuscrita e iconográfica não forneceu qualquer
tipo de informação para análise desse tipo de estrutura de drenagem.
5. 4. 2 Interrupção no corredor para drenagem
As interrupções nos muros de taipa do corredor para a travessia de córregos
apresentam-se de forma bastante diferenciada, usando a estratégia de desencontrar
a sequência do muro. Esse tipo de abertura no corredor tem a função de permitir
uma maior vazão do volume de água que cruza o caminho.
Quando o corredor foi construído, provavelmente tinham o conhecimento de
que o volume de água seria maior do que um muro de taipa poderia suportar e que
drenos instalados no local não teriam capacidade suficiente para escoar e permitir
que o curso de água cruzasse o caminho.
A partir das análises in loco, constatou-se que não houve nenhum tipo de
processo de desmoronamento da taipa ou reconstrução nos locais onde estão
situadas. Confirmou-se, no entanto, que a taipa foi construída propositalmente com
muros desencontrados, formando um vão livre, geralmente oblíquos ao corredor.
438
Além disso, analisando os mapas apresentados no capítulo anterior, observa-
se a intencionalidade do Caminho em atravessar cursos de água pela necessidade
de trazer áreas de aguada para o seu leito, uma vez que o corredor fecha
completamente o acesso da tropa de animais para o que está às margens, por vários
quilômetros.
Em outras situações, não havendo como construir o corredor numa encosta
sem cruzar por nenhum córrego, a solução encontrada foi adaptar a construção do
muro de taipa, ultrapassando o ponto úmido sem maiores prejuízos para o
Caminho.
Este tipo de abertura oblíqua ao eixo do muro do corredor foi registrado em
dois locais: a) pt-19 do trecho B: a continuação da taipa está deslocada em torno de
5 m para a direita em relação ao eixo. A passagem da água ocorre em vala
perpendicular ao corredor e no interior deste na diagonal; e b) pt-23 do trecho C:
abertura de 12 m de extensão, estando o corredor da margem esquerda com o eixo
do muro deslocado em torno de 8 m do eixo normal.
No entanto, outros pontos de abertura no corredor para a travessia de
córregos foram observados nos trechos analisados. Mas trata-se, nesses casos, de
pequenas interrupções na taipa de pedra, sem qualquer tipo de modificação no eixo
do traçado do corredor. Este é o caso de vários pontos, nos quais a travessia de
um pequeno córrego.
Como em alguns casos, torna-se difícil avaliar se realmente o corredor foi
construído originalmente com essa interrupção simples na taipa. Em função das
bordas da taipa estarem desmoronadas, não se analisará esse tipo de ocorrência.
Em algumas situações, poderiam ser taipas com drenos que ruíram e
tombaram; em outras, a abertura foi aumentada pelo efeito destrutivo dos grandes
volumes de água. Assim, torna-se difícil deduzir qual era a morfologia original.
Para fins ilustrativos, apenas computou-se e listou-se a quantidade de locais
com interrupção da taipa de pedra com a passagem de pequenos córregos:
a) Trecho A: ponto pt-92;
b) Trecho B: pontos pt-17 e pt-18;
c) Trecho C: pontos pt-05 e pt-25;
d) Trecho D: pontos pt-14 e pt-17.
Nesta lista, foram excluídos os locais de travessia de cursos de água maiores,
como rios e arroios, que foram analisados a apresentados anteriormente.
Em geral, os locais de abertura no corredor encontram-se, atualmente,
fechados com o auxilio de cerca de arame farpado, mantendo assim o cercado para
439
entrada dos animais que pastam nos campos das imediações do corredor.
Figura 169 - Detalhe de interrupção no corredor com muros de taipa de pedra desencontrados para a
travessia de curso de água no pt-19 do trecho B
Fonte: a) Foto: A autora. Data: 03/05/2008. b) Autora (2009).
As aberturas oblíquas no muro de taipa de pedra do corredor são visíveis em
imagens de satélite de alta resolução e de grande escala, auxiliando muito na sua
localização e interpretação das características ambientais, tais como hidrografia e
b)
a)
440
topografia.
Figura 170 - Detalhe de interrupção no corredor com muros de taipa de pedra desencontrados em
área de banhado, no pt-23 do trecho C
Fonte: a)Foto: A autora. Data: 01/05/2008. b) Autora (2009).
Na documentação iconográfica e textual analisada não qualquer tipo de
menção à ocorrência desse tipo de estrutura, assim como também não foi
b)
a)
441
encontrado registro em outras pesquisas arqueológicas realizadas sobre caminhos.
5. 5 ÁREA CALÇADA
Uma área calçada se caracteriza por ser lajeada ou empedrada por rochas
selecionadas e ajustadas umas às outras por um calceteiro, a fim de melhorar o
trânsito, geralmente, em áreas úmidas, nas subidas e descidas. É um tipo de
pavimentação usada no passado para revestir ruas e estradas, pela justaposição de
pedras. Atualmente, a técnica ainda é utilizada para pavimentar ruas com blocos
rochosos talhados, como, por exemplo, os paralelepípedos.
Revisando a bibliografia existente sobre caminhos, constata-se que outros
foram pavimentados no passado, usando a técnica de calçamento com pedras
irregulares:
Pavimento feito com pedras irregulares. Foi muito usado nas ruas estreitas
das cidades brasileiras no período colonial. Sua técnica de execução é
bastante rudimentar. As pedras são assentadas uma por uma com um
martelo sobre o leito de terra regularizada. Em seguida espalha-se mais terra
e com um soquete manual procede-se à compactação. (INBI-SU, p. 26).
No caso das estradas, usavam-se, preferencialmente, pedras grandes e com
superfícies mais planas, permitindo um maior rendimento da técnica e melhor
aproveitamento para o trânsito, sendo o assentamento realizado diretamente sobre
o chão. Dessa forma, a face mais irregular da pedra fica para baixo, facilitando a
fixação sobre o solo.
Segundo Júlio Roberto Katinsky (1994, p. 75 apud ASSIS et al., 2007, p. 8)
um dos poucos caminhos coloniais pavimentados foi o Caminho Novo. Conforme o
depoimento de Robert Walsh (1985, p. 97 apud ASSIS et al., 2007, p. 8) sobre esse
calçamento: “Uma estrada pavimentada saía outrora da cidade [imperial] e se
estendia por vários quimetros, mas fazia muito tempo que se desmantelara, e as
pedras que a haviam pavimentado jaziam espalhadas por toda parte”. A pesquisa
arqueológica realizada no Caminho Novo, no trecho entre Ouro Branco e Ouro
Preto, “identificou vestígios de calçamento em pontos isolados e preservados do
percurso, entretanto, nenhum deles em boas condições de integridade” (ASSIS et
al., 2007, p. 8).
Outros exemplos de caminhos calçados no Brasil Colônia e Império são a
Calçada do Lorena no Caminho do Mar, o Caminho de Itupava entre Curitiba e
Morretes no Paraná, e em Santa Catarina, o Caminho Desterro Lages.
442
Figura 171 - Exemplos de caminhos calçados no Brasil: a) Caminho do Diamante no Parque Estadual
do Rio Preto (MG); b) Caminho Desterro Lages, localidade de Pinheiral, município de Rancho
Queimado (SC)
Fotos: a) Instituto Estrada Real (In: SANTOS, 2006, p. 57); b) A autora. Data: 06/01/2008.
O Caminho do Mar, que passava pela chamada Serra de Paranapiacaba,
“fora calçado e seu traçado melhorado a fim de assegurar a circulação entre o Porto
de Santos e São Paulo(MENDES; GONÇALVES, s.d.), no final do século XVIII, por
determinação do governador da Capitania de São Paulo, Bernardo José Maria de
Lorena, fazendo a ligação viária entre o litoral e o planalto paulista.
A construção da Calçada não se restringiu apenas à colocação de pedras
sobre uma trilha na mata. As obras proveram o caminho de parapeitos nos
precipícios e de uma inclinação que permitia a passagem de animais (mulas
e burros) carregados com toda a sorte de mercadorias, pousos, oratórios,
além de toda uma preocupação em sua preservação estrutural em um local
muito instável e inóspito: a Serra do Mar. (MENDES; GONÇALVES, s.d.).
Muito interessante é a descrição que fez o Frei Gaspar da Madre de Deus a
Bernado de Lorena, em sua carta datada de 06/03/1792, descrevendo as
características da Calçada do Lorena:
Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras por onde se sobe com pouca
fadiga, e se desce com segurança. Evitou-se a aspereza do caminho com
engenhosos rodeios, e com muros fabricados junto aos despenhadeiros se
desvaneceu a contingência de algum precipício. Por meio de canais se
preveniu o estrago, que costumavam fazer as enxurradas; e foram abatidas
as árvores que impediam o ingresso do sol, para se conservar a estrada
a)
b)
443
sempre enxuta, na qual em conseqüências destes benefícios se não vêem
atoleiros, não há lama, e se acabaram aqueles degraus terríveis. (In:
MENDES, 1994, p. 9, grifo nosso).
Figura 172 - Imagens da Calçada do Lorena: a) calçamento no planalto; b) calçamento da descida da
serra; c) percurso em zigue e zague recuperados pela EMAE
Fonte: Fotos: a-b) Mendes; Gonçalves (s.d.); c) EMAE (In: SANTOS, s.d.).
Esta descrição aponta claramente a razão de o caminho ter sido
pavimentado, evitando os processos erosivos que formavam grandes degraus. Esta
a)
b)
c)
444
mesma observação é valida para o caso do calçamento investigado nesta pesquisa,
apontando a principal razão para calçar uma pequena porção do caminho na
encosta íngreme: evitar a formação do degrau, que inviabilizaria a passagem.
As primeiras evidências arqueológicas do pavimento irregular de pedras
foram encontradas nos primeiros levantamentos topográficos realizados na região
do Caminho do Lorena em 1980 (ZANETTINI, 1998).
O calçamento possui largura de 1,5 a 2 metros, em forma abaulada,
conforme o padrão de pavimentação das estradas da época, apresentando
diferenças construtivas em área de planalto e na descida da serra:
[...] a descida íngreme da Serra do Mar, a Calçada procura acomodar-se
longe de qualquer nascente ou afluente, evitando transposição de cursos
d‟agua, o que barateou a obra e a preservou. Os seus executores também
tomaram o cuidado de locá-la em um espigão divisor de águas, onde as
declividades são menores e, à medida do possível, no lado norte do mesmo,
onde está acomodada do vento Sul e melhor insolação. (MENDES;
GONÇALVES, s.d.).
Além disso, a calçada assume um perfil diferenciado daquele encontrado no
planalto, abaulado. Agora tem a forma em “V”, fazendo com que a água escoe pelo
centro da calçada. Essa medida, tomada pelos construtores, evita a erosão da borda
da calçada promovida pela grande velocidade que a água adquire e, para tal,
uma diferenciação marcante no tamanho das rochas utilizadas. Ao centro, são de
maior dimensão e resistência. Nas bordas, menores (MENDES; GONÇALVES, s.d.).
A imagem “Negros calceteiros” de Debret (1971, p. 61), apesar de retratar o
calçamento de uma rua do Rio janeiro em 1824 - um espaço urbano -, é bastante
ilustrativa, pois demonstra a maneira como as pedras eram colocadas e quais as
ferramentas utilizadas nesse ofício.
Nesta aquarela (ver figura 173), observa-se o uso de pelos menos três
ferramentas:
a) espécie de socador manual, empregado por dois escravos (primeiro plano),
para compactar o solo;
b) martelo de calceteiro (segundo plano, escravo à esquerda), tipo de martelo
com cabeça de dois gumes, sendo um rombudo (quadrado ou redondo) de um lado
para martelar as pedras e no lado oposto um gume agudo, em forma de cunha para
arrancar;
c) enxada ou encurvo.
Além desses equipamentos, na extremidade esquerda da aquarela aparecem
encostadas na mureta uma pá de cavar e uma picareta para quebrar pedras.
445
Figura 173 - Negros calceteiros” no Rio de Janeiro, em 1824
Fonte: Jean Baptiste Debret (1971, p. 61)
O texto que acompanha a gravura informa como a pavimentação era
realizada:
Emprega-se no calçamento um granito cinzento, bastante mole, única pedra
de rocha que se encontra no Rio. As calçadas são lajeadas e o leito das ruas
pavimentado com pedaços de pedra irregulares, cujos interstícios são
enchidos com pequeninos fragmentos. São os negros ainda que se
encarregam desses trabalhos e eles os executam sob a fiscalização de
feitores brancos. (DEBRET, 1971, p. 60).
De todos os segmentos do Caminho percorridos, somente no trecho A
encontrou-se um ponto de calçamento, cuja superfície foi construída usando a
técnica do calcetamento, sendo lajeada com pedras irregulares. As pedras
empregadas foram selecionadas, com uma das faces planas ou aplainadas,
formando a superfície calçada. A matéria prima utilizada foi a rocha basáltica,
bastante comum e abundante na região.
A área se caracteriza por ser uma curva em encosta com extensão de
aproximadamente 8 m por 1,80 m de largura e inclinação de 25º graus. O local é
adjacente a grandes blocos rochosos e a uma laje de pedra no piso, sendo
delimitado por outras rochas menores, pelo corte do barranco e pela margem
escarpada, o que impossibilitava a busca por outra alternativa de percurso na
encosta.
A área calçada foi uma solução adotada para impedir o fechamento total da
446
senda estreita formada pelo aprofundamento da vala e o soterramento por grandes
blocos rochosos, somando-se a isso o fato de não haver outra alternativa de
percurso naquele trecho de escarpa.
Figura 174 - Vista geral e detalhe da área calçada, no subtrecho A1 (pt-03)
Fotos: A autora. a) Data: 23/08/2008; b) 03/02/2008.
Figura 175 - Vista ampla da curva calçada no acesso entre o rio Pelotas e o Complexo do Registro
Santa Vitória, margem catarinense, no subtrecho A1 (pt-03)
Foto: Ricardo Almeida (In: LÖCKS et al., 2006, p. 21). Data: 07/05/2006.
A hipótese inicial é de que se tratava de um ponto íngreme em encosta úmida
que necessitava, portanto, ser calçado para que os animais não resvalassem na
subida. No entanto, o fato de ser o único ponto calçado num trecho com uma
a)
b)
447
extensão de 13.950 m percorridos e haver outros pontos de encosta úmida
encoberta pela vegetação com características semelhantes, tornou necessário
analisar outras variáveis ambientais para tentar compreender a estratégia adotada.
De fato, somente com a avaliação em campo foi possível constatar a real
situação da área calçada e propor uma hipótese mais adequada ao uso do
Caminho: a área calçada foi construída para que o pisoteamento dos animais não
afundasse mais o leito do caminho, pois devido à proximidade de um bloco rochoso
em forma de laje no piso, isso produziria um grande degrau com o tempo,
dificultando a passagem dos animais, o que poderia impossibilitar a subida das
tropas.
Figura 176 - Planta baixa da área calçada no subtrecho A1, pt-03
Fonte: Desenho: Adelson André Brüggemann. Arte gráfica: A autora (2008).
O calcetamento de superfície com pedra foi uma técnica não utilizada nos
segmentos amostrais estudados no Caminho das Tropas, salvo a única exceção
apresentada anteriormente. Isso se deve a outras soluções naturais do terreno, não
construtivas, que não necessitavam de maiores investimentos, alterando-se um
trecho do trajeto apenas quando o comumente utilizado tornava-se inviável para o
a)
b)
448
trânsito. Além disso, calcetar uma superfície requeria disponibilidade de tempo,
recursos financeiros e humanos para a obra, empregando muita energia para a sua
execução.
A calçada o possui sistema de drenagem como, por exemplo, um sulco ou
rebaixamento no centro da via que serviria como calha para o escoamento das
águas pluviais, pois não havia a necessidade desse tipo de dispositivo em função da
declividade do local, não permitindo o acúmulo de água e garantindo o seu
escoamento natural. Entretanto, o local é arborizado com mata fechada, não
permitindo a incidência solar e, portanto, favorecendo a presença de musgos.
Esta área não é visível em imagens de satélite, pois se encontra encoberta
pela vegetação de mata ombrófila. Como não se localizou esse tipo de vestígio em
outras áreas, não foi possível inferir a visibilidade desse tipo de estrutura em
imagens aéreas.
Da mesma forma, não referências na documentação escrita relativa ao
Caminho das Tropas que tratem da construção de calçadas. Ao que tudo indica, foi
uma ação isolada no contexto regional.
5. 6 SENDA
Senda é uma trilha, uma depressão marcada no solo pela passagem de
pessoas, animais e veículos. É a evidencia material primeira de um caminho,
formando sulcos na paisagem pela corrosão do terreno.
Tecnicamente, trata-se de estruturas não construídas, formadas
naturalmente pelo desgaste do solo e materializadas pela passagem repetida de
viajantes num mesmo traçado, testemunhando a utilização frequente de um mesmo
itinerário durante um período cronológico amplo (JUILLARD, 2007). As sendas
estão mais adaptadas ao relevo e por isso sofrem constantemente modificações em
seu traçado
Na maior parte dos caminhos antigos, observa-se esse tipo de fenômeno. É o
primeiro vestígio que marca o espaço pela passagem constante de pessoas ou
animais, desde que o terreno seja formado por solo e não um caminho talhado em
rocha. A senda resiste à ação do tempo, como vestígio físico do passado, em
segmentos abandonados onde as estradas atuais não foram assentadas sobre o
traçado de rotas antigas.
As sendas foram registradas em diversos trechos de caminhos antigos no
449
contexto latino americano, como por exemplo: no caminho pré-colombiano na
Bolívia, em vários trechos com simples traçado em senda (OSINAGA, 2005); no
Camino del Inca na Argentina, na Quebrada de Escoipe (VITRY, 2001a), na
Quebrada de las Conchas (VITRY, 2001b), em Salta (VITRY, 1998); no Caminho do
Peabiru (LANGER, 2005) e no Caminho das Tropas em Mafra (SC) (MOREIRA,
2006).
O testemunho do missionário americano Daniel Kidder, que em 1839 viajou
no caminho de Santos a Sorocaba, ilustra bem esse tipo de vestígio arqueológico
registrado na região de pesquisa:
Continuando nossa viagem, deixamos Campinas por um caminho que, em
diversos lugares, apresentava aspectos bastante singulares. Pela ação
combinada do tráfego e das grandes chuvas, tão comuns nessa altitude, o
leito da estrada havia sido de tal forma corroído, que em alguns lugares
apresentava depressões de 10 a 20 pés de profundidade (de 3 a 6 metros).
A passagem era tão estreita que dificilmente dava para dois animais, lado a
lado. (KIDDER, 1980, p. 239).
Figura 177 - Exemplos de caminhos com vesgios formados por sendas: a) Caminho do Peabiru; b)
Caminho Desterro Lages, Invernadinha, Rancho Queimado (SC)
Fotos: a) Clemente Gaioski (In: LANGER, 2005, p. 20); b) A autora. Data: 24/11/2006.
Resquícios das trilhas caracterizados por uma depressão abaulada no
terreno ainda podem ser identificados em trechos do próprio Caminho das Tropas,
em outros locais, como nos campos de Santo Antônio da Patrulha (RS) e em áreas
de campo e matas de Mafra (SC).
No trecho norte do Caminho das Tropas, que atravessa o estado de Santa
Catarina, Moreira (2006) registrou em Mafra (SC) diversos locais com esse tipo de
fenômeno marcando o solo da região e que o autor chamou de “caminho fundo,
com profundos sulcos no solo: a) “Na localidade de Augusta Vitória, em propriedade
de Gabriel Ulricht, os vestígios são visíveis através dos caminhos fundos [...]
a)
a) a)
b)
450
serpenteia toda a região de Mafra, por onde passaram as tropas.” (MORREIRA,
2006, p. 89); b) “Na cabeceira do rio Guabiroba em Augusta Vitória, na propriedade
da família Portela, encontra-se um caminho fundo com aproximadamente 1000
metros de extensão, 1,5 metros de profundidade por 1,5 metros de largura” (ibid., p.
90); c) na localidade de Avencal do Saltinho, “[...] numa extensão de 300 metros. Ali
encontram-se muito bem preservados os vestígios do caminho, com sulcos de mais
de 1,5 metros de profundidade, com taipas construídas para evitar o
desmoronamento das barrancas, feitas em pedra [...]”(ibid., p. 91).
Figura 178 - Exemplos de sendas no Caminho das Tropas: a) marcas profundas nos campos de Santo
Antônio da Patrulha (RS); b) caminho fundo, localidade de Augusta Vitória, Mafra (SC); c) caminho
fundo, localidade de Avencal do Saltinho, Mafra (SC); d) caminho fundo, localidade de São Lourenço,
Mafra (SC)
Fonte: a) Anamaria Teles (In: ZH, 1996, p. 12); b-d) Ricardo Almeida (In: MOREIRA, 2006, p. 89, 92 e
96).
Os sulcos foram formados naturalmente pelo trânsito das tropas de animais,
a)
b)
c)
d)
451
aliado ao processo erosivo de carreamento do solo afrouxado em direção à baixa
vertente, com a ação de erosão pluvial. As chuvas mais fortes arrastam consigo o
solo solto, deixando os blocos de rocha em evidência. No Caminho das Tropas,
quando alguém limpava as sendas removendo os blocos soltos que atrapalhavam a
marcha e os empilhava no centro da trilha ou nas laterais, retirava os obstáculos
que auxiliavam a manter o solo, deixando a senda livre para que as águas das
chuvas escoassem em direção ao nível mais baixo, funcionando como valas de
drenagem. Esse tipo de erosão pluvial contribuía para o aprofundamento da senda
ao longo do tempo.
As sendas foram registradas em áreas de encosta, sendo geralmente
observadas depressões mais profundas em encostas mais íngremes. Sugere-se uma
relação entre a profundidade da senda e a inclinação da encosta, apesar de não se
dispor de dados técnicos para comprovar esse fenômeno.
Observaram-se sendas estreitas e fundas em encostas íngremes; e sendas
largas e menos profundas em encostas suaves. Percebeu-se que a largura estreita
da senda, permitindo a passagem de somente um animal por vez, foi uma estratégia
adotada em terrenos de grande declive, como a subida do vale do rio Pelotas.
Esse tipo de evidência foi identificada em diversos trechos do Caminho
analisado, excetuando-se os segmentos nos quais a estrada municipal, que foi
responsável pelo apagamento das sendas, em decorrência do processo de
terraplanagem e nivelamento do leito para o tráfego de veículos automotores.
No interior do segmento A5, não foi possível inferir a existência de sendas,
pois todo o trecho é formado por leito de estrada de rodagem nivelada, o que acaba
por extinguir o negativo desse tipo de vestígio.
O local de maior ocorrência de sendas é o trecho A, onde foram registradas
sendas nos subtrechos A1, A2 e A3, decorrente do longo trecho de encosta entre o
rio Pelotas e o platô onde se situam os campos de altitude nas coxilhas.
Nos demais trechos, também foram identificadas sendas, mas em menor
número, em função do terreno caracterizar-se, principalmente, por coxilhas com
relevo suavemente ondulado. Os locais de ocorrência das sendas, nestes casos, são
as encostas, em pontos de aclive/declive de ondulações esporádicas mais
pronunciadas (ver figura 180).
No trecho C foi registrada uma senda profunda no meio do corredor (pt-06),
em área de aclive. A mesma possui em torno de 1,70 m de profundidade e 3 m de
largura. Esse vestígio marcou o terreno, sinalizando o local onde a tropa subia a
encosta, e foi usado como leito de estrada (ver figura 180).
452
No trecho A, subtrecho A2,
correspondente à subida da segunda
encosta a partir da margem do rio
Pelotas, observou-se a ocorrência de
sendas combinadas com
amontoamentos de rocha, delimitando o
espaço de trânsito nesta área do
Caminho.
Pela riqueza de informações
propiciada pelo subtrecho A2, o mesmo
será analisado em particular, como
exemplo piloto para as demais áreas.
A partir do croqui feito em campo
(ver figura 179), que ilustra os diferentes
vestígios arqueológicos observados,
de-se constatar o fenômeno de mais
de uma senda num longo trecho, com e
sem corredor, que se apresentam de
diversas formas: largas, rasas, estreitas,
e profundas.
As sendas são resultantes da ação
de desgaste do solo, evidenciação das
rochas, erosão pluvial e consequente
limpeza da superfície e amontoamento
de rochas, ocasionando o surgimento de
obstáculos físicos no trajeto. A limpeza
de superfície melhorarava o trânsito dos
animais.
Os obstáculos de pedras
conduzem à formação de áreas de
circulação (sinalizada pela flecha na
figura), constituindo-se, em alguns
trechos, em até três sendas paralelas no
traçado.
Figura 179 - Croqui do local com sendas e
amontoados de pedras no subtrecho A2
Fonte: Desenho e arte gráfica: A autora (2008).
453
Figura 180 - Sendas registradas nos trechos do caminho analisados: a) subtrecho A1, pt-03; b)
subtrecho A1, pt-05; c) trecho B, pt-15; d) trecho C, pt-06; e) senda com amontoado de pedras, trecho
C, pt-17; f) trecho B, pt-06
Fotos: A autora. Data: a-b) 23/08/2008; c,f) 03/05/2008; d-e) 01/05/2008.
a)
b)
c)
d)
e)
f)
454
Nos trechos A, B e C, nota-se a relação entre as áreas de ocorrência das
sendas e o solo predominantemente do tipo cambissolo, suscetível à erosão, com ph
de acidez elevada, sem cobertura vegetal, e que quando exposto pode agravar o seu
grau de erosão.
Esse tipo de ocorrência pode ser facilmente identificado nas imagens de
satélite, em locais de exposição, sem cobertura vegetal encobrindo a senda. Como
geralmente se trata de solos expostos, muitas vezes ainda em processo erosivo,
essas áreas apresentam grandes chances de apresentarem sendas.
Todavia, não se pode afirmar que todas as áreas de solos expostos
apresentem sendas, mas este é um indicativo nas imagens de satélite que
contemplam caminhos antigos.
Em alguns casos, nos quais as sendas estão encobertas por vegetação e esta
apresenta diferença de coloração ou textura, principalmente formando feições
lineares e não em forma de manchas, também se pode ter indicativo da ocorrência
de sulcos profundos em trilhas.
Por se tratar de estrutura não construída ocasionada por processos erosivos,
não foi encontrada qualquer menção a esse tipo de ocorrência, ou a problemas
causados aos usuários do Caminho, na documentação avaliada.
5. 7 AMONTOAMENTO DE PEDRAS
O amontoamento de pedra constitui-se em uma ou várias aglomerações de
rochas intencionais existentes no leito do caminho ou às margens do mesmo. Esse
tipo de ocorrência é comum na região, sendo usado para “limpar” os campos
extremamente pedregosos como, por exemplo, em áreas destinadas ao plantio.
Os montes de pedra amontoada também foram registrados em Portugal,
assim como no Arquipélago de Açores, na mesma área de ocorrência das taipas,
devido à profusão de afloramento rochoso vulcânico, sendo denominados de
"maroiços" ou "moroiços".
Nesses locais, havia a necessidade de aproveitar as terras e torná-las
agricultáveis, o que obrigou a “remoção das pedras soltas, normalmente de pequena
dimensão, que não podendo ser arrumadas num sistema de muros, tiveram de ser
acumuladas no local” (MARTINS, 2006, p. 1). Dessa forma, na Ilha do Pico, nos
Açores:
[...] produziu-se uma paisagem monumental, dominada por grandes montes
de pedra (maroos), de formas grosseiramente cónicas, piramidais,
455
frequentemente escalonadas, ou então com a estrutura de maciço alongado,
mais ou menos extenso.
Os maroiços têm paramentos laterais de aparelho irregular, construído com
pedras maiores, enquanto o enchimento interno e a parte superior convexa
são feitos com pedra miúda amontoada. Estes grandes maciços organizam-
se no espaço e articulam-se com muros de vedação, delimitando e abrigando
os terrenos de cultivo. Nas zonas de vinha, quando as paredes não
arrumavam a pedra toda, também se ergueram maroiços que, neste caso,
são um elemento paisagístico secundário. (MARTINS, 2006, p. 1).
Os montes de pedra poderiam, além de ter a função de aglomerar as rochas
ao limpar o terreno, ser usados, em alguns casos, como fonte de blocos rochosos
para a construção das taipas dos corredores ou dos limites de propriedades, ou
ainda, de estruturas entaipadas.
A evidência arqueológica do uso de amontoados de pedras foi constatada
somente na pesquisa arqueológica realizada em antigos caminhos pré-incaicos na
Argentina.
O segmento do caminho pré-incaico que atravessa o sítio arqueológico de
Santa Rosa de Tastil, compreendendo o trecho entre o sítio e a quebrada de La
Quesera, na Argentina, ainda conserva sua forma pré-inca, serpenteando a ladeira
da montanha, tendo em alguns casos taludes de reforço ou muros de contenção, os
quais não foram construídos por rochas selecionadas por suas faces planas. Estas
“poseen en algunos casos rocas a los costados a modo de amojonamiento lateral,
pero las mismas son de diferentes dimensiones - predominando las de gran tamaño
- y por lo general no forman muros”. (VITRY, 2004, p. 5-6).
Essa indicação remete às características das sendas, com amontoamento de
rochas laterais na trilha que não chegam a formar muros de pedras, mas uma
espécie de delimitação improvisada da área de trânsito, conforme o apontado pelo
autor.
Conforme apresentado no subcapítulo 2.2, não se tem conhecimento de
outros estudos que apresentaram amontoamentos de pedra, o que impossibilita
comparar as informações extraídas na observação do Caminho com outros estudos.
No caso dos remanescentes do Caminho das Tropas, estudados nesta
pesquisa, os amontoamentos de pedra situam-se sobre o leito do Caminho ou nas
margens deste, tendo a função de remanejar as pedras soltas no leito e,
consequentemente, facilitar o trânsito pela via.
Esse dado pode ser atualmente constatado em locais com grande trânsito de
animais, como, por exemplo, os saleiros, cochos cobertos ou a u aberto
distribuídos nos campos e utilizados para tratar o gado com sal mineral.
A figura 181 demonstra um exemplo desse tipo de ocorrência, apesar de o
456
terreno apresentar-se plano, os blocos rochosos são evidenciados pelo pisoteamento
constante na área ao redor do saleiro. A partir disso, pode-se inferir qual seria o
resultado e a proporção da ação do trânsito de animais em áreas de encostas, onde
o efeito seria potencializado pela erosão, provocando com rapidez o aparecimento de
blocos rochosos no leito do Caminho.
Figura 181 - Detalhe do efeito do pisoteamento do gado no solo com desgaste e evidenciação de blocos
rochosos em um saleiro
Foto: A autora. Data: 03/02/2008.
Os amontoamentos de pedras ao longo dos segmentos do Caminho foram
registrados no trecho A e, especificamente, na encosta entre o rio Pelotas e o platô,
nos subtrechos denominados senda estreita (A1), corredor e senda (A2) e dois
traçados (A3). Trata-se, na verdade, de vários pontos com estas características.
Na figura 179, referente ao subtrecho A2, apresentado no item referente à
análise das sendas, pode-se observar a sequência e multiplicidade de sendas num
segmento com corredor, assim como vários acúmulos de rochas. O maior chega a
medir aproximadamente 27 m de exteno.
O empilhamento de pedras, que formam montes ou “muros” improvisados e,
em certos casos, alinhamentos de pedras, resultou das atividades constantes sobre
o leito do Caminho, principalmente nos primeiros trechos de subida da encosta.
Tais ações faziam parte da estratégia utilizada para limpar” o traçado do Caminho
e permitir melhores condições de trafegabilidade para as tropas, assim como
menores riscos de acidentes para os animais.
No restante do trecho A, referente ao segmento composto por corredor e
estrada municipal no seu interior, esse tipo de estrutura não foi observada, uma
vez que, caso a mesma tivesse existido, o atual leito da estrada de rodagem apagou
qualquer vestígio, pela ação de terraplanagem do leito.
a)
b)
457
Para o trecho C, têm-se as informações orais do Sr. Ataide
219
, de que,
segundo o entrevistado que trabalhava na manutenção daquele trecho de estrada
situada dentro do corredor, havia a necessidade de tirar as pedras que afloravam no
solo com o trânsito.
Figura 182 - Formas de amontoamento de pedras no leito do caminho: a) pedras empilhadas na lateral
da senda; b) alinhamento de blocos de pedra no leito do caminho
Fotos: A autora. Data: a) 23/08/2008; b) Data: 02/02/2008.
As encostas, onde os amontoamentos foram observados, se caracterizam por
áreas íngremes e úmidas, propícias ao desgaste do solo provocado pelo
pisoteamento e pelo efeito da erosão pluvial, resultando no carreamento do solo
afrouxado e o evidenciamento de blocos de rochas.
Portanto, os amontoamentos de pedras sempre estão situados em áreas de
encostas, em sendas mais profundas, com afloramento de blocos rochosos. A
relação entre o relevo íngreme e a existência desse tipo de vestígio é clara: onde as
sendas são mais profundas há o amontoamento de blocos de pedra.
Esse tipo de estrutura pode ser reconhecida nas imagens de satélite, como
manchas escuras, no caso de montes, ou linhas, no caso de alinhamentos de pedra.
219
Ver capítulo 4, subcaítulo 4.3 “Trecho C: região do São Jorge - entre a Capela São Jorge e a
Fazenda Capoeirinha”.
b)
a)
458
Mas a visibilidade dessas ocorrências é limitada pelas áreas de vegetação mais
baixa, como campo limpo ou campo sujo com capoeira. Em áreas florestadas, a
visibilidade é nula para qualquer tipo de estrutura do Caminho.
Como se trata de uma atividade ordinária, executada esporadicamente em
áreas de encosta, sem maior planejamento por aqueles que amontoam as pedras
em determinado local, não nenhum registro escrito entre a documentação
textual pesquisada.
5. 8 CORTE DE BARRANCO E ARRIMO
Corte de barranco é a ação de cortar uma encosta, retirar o solo, resultando
num perfil vertical plano ou inclinado, sem o talude natural. Os cortes, na terra ou
na rocha, o recursos usados para obter uma área nivelada em locais de terrenos
inclinados. Trata-se, por exemplo, da marca do negativo de onde o solo foi retirado
na encosta superior para ser aterrado na encosta inversa, na porção mais baixa
Arrimo é um tipo de muro, também conhecido por muro de contenção,
construído geralmente em alvenaria, para segurar um barranco. A função do muro
de arrimo é substituir a terra que foi removida ou colocada para a realização de um
platô, que consiste numa área plana. Os muros de arrimo previnem o deslizamento
do solo em locais de corte de barranco (desaterro) ou em locais de deposição do solo
(aterro).
No caso dos caminhos antigos, usava-se como arrimo o tipo mais simples: o
muro de alvenaria de pedra seca. Este tipo de muro de pedras é formado pelo
encaixe manual dos blocos rochosos sem rejunte, as taipas de pedra, cuja
resistência encontra-se somente no imbricamento dos blocos de pedras.
A grande vantagem desse tipo de estrutura é a facilidade na construção e a
dispensa do uso de estruturas de drenagem internas, pois o muro é autodrenante,
ou seja, drena naturalmente entre os blocos. Além disso, pode-se utilizar como
matéria prima os próprios blocos rochosos existentes na região.
Geralmente, os cortes de barranco ocorrem associados com os muros de
arrimo, pois nos locais onde foram realizados cortes e desaterros, há, em
contraposição, a necessidade de áreas aterradas para nivelar o solo e o muro de
contenção para sustentar o aterro (ASSIS et al., 2007, p. 9).
Esse tipo de evidência arqueológica foi uma estratégia muito utilizada em
caminhos que atravessavam encostas ou áreas de transposição de vales e
459
drenagens, nos locais onde foi necessário elevar o leito da estrada através da
execução de aterros.
Figura 183 - Secção transversal de um caminho, representando corte, desaterro, aterro e arrimo
Fonte: Assis et al. (2007, p. 10, figura 9).
Em vários caminhos pré-incaicos, incaicos e coloniais, o recurso foi usado
para obterem-se caminhos com leito nivelado em terrenos inclinados. Alguns
exemplos são o trecho do caminho pré-colombiano Paria-Tapacarí, na Bolívia, e, no
contexto brasileiro, a Calçada do Lorena no Caminho do Mar, na transposição da
Serra do Mar (SP), e o Caminho Novo na Serra do Ouro Branco (MG).
No estudo do caminho pré-colombiano Paria-Tapacarí, foram identificados
muros de contenção que proporcionavam uma superfície horizontal nivelada em
encostas com inclinação abrupta. Neste caso, foram construídos arrimos com altura
entre 30 cm e 1 m na área externa da ladeira (ver figura 184). Em compensação,
para obter-se uma plataforma com largura ideal, escavaram a rocha e usaram o
volume de material desterrado para preencher os espaços, terraplenando o aterro
(OSINAGA, 2005).
Na pesquisa arqueológica do Caminho Novo em Minas Gerais, nos trechos de
ascensão da Serra do Ouro Branco, também foram identificadas estruturas de corte
e arrimo, com “a realização de cortes na rocha que, em geral, são acompanhados
por arrimos de pedra para conter os aterros necessários ao nivelamento dos
caminhos” (ASSIS et al., 2007, p. 11) (ver figura 185). Em alguns casos, os arrimos
460
nesse caminho estão relacionados à construção de pontes e estruturas de
drenagem.
Figura 184 - Exemplos do caminho pré-colombiano na Bolívia em terreno íngreme com o uso de corte
e muro de contenção: a) Cerro Toroñuño; b) Sítio Huaylla Tambo Inca
Fonte: Osinaga (2005, p. 108 e 110, fig. 13 e 15).
No Caminho do Mar, no trecho da Calçada do Lorena, Zanettini (1998)
abordou os padrões de manufatura nas obras de infraestrutura, especialmente nos
cortes, aterros, tratamento de sub-bases, estruturas de proteção, contenção, e
drenagens, como no calçamento.
Figura 185 - Detalhe de estrutura de corte e arrimo de pedras no Caminho Novo, segmento Ouro
Branco Ouro Preto
Fonte: Assis et al. (2007, p. 11, figura 11).
No trecho do planalto situado entre o rio das Pedras e o Monumento do Pico,
o caminho foi construído por cortes e aterros de menores dimensões, “com a
a)
b)
461
finalidade de proteger a estrada de inundações e suavizar seu traçado. Possui perfil
abaulado e largura entre 3,20 a 4,20 metros e a diferença de nível entre os bordos
da estrada e seu centro está entre 10 e 125 centímetros” (MENDES; GONÇALVES).
Nos trechos de serra foram construídos “muros de contenção de até 15
metros de comprimento e parapeitos nos precipícios” (ibid.). Nas áreas muito
íngremes, os construtores utilizaram profundos cortes, parapeitos nos precipícios e
muros de arrimos. “O arrimo mais notável é dividido em vários níveis, com 15
metros de comprimento e 4 metros em sua maior altura. Outros arrimos foram
executados para aterro em curvas, sendo o maior de 9 metros de extensão” (ibid.).
Como se observa nas descrições acima, o tamanho e a proporção dos cortes e
dos muros de arrimo estavam relacionados ao grau de inclinação do terreno a ser
vencido pela construção do caminho, apresentando trechos de caminho com
diversas variantes: cortes bilaterais, corte de talude em uma das laterais e corte
com arrimo (ver figura 186). O uso de um ou outro dispositivo dependia das
condições do local: tipo de solo, relevo e drenagem.
Na área objeto desta pesquisa, a construção de corte de barranco e de arrimo
foi empregada em trechos de estrada situados em encostas da seguinte forma:
numa margem da estrada, a encosta superior e, na outra, a encosta inferior. Assim,
a margem em que a encosta foi cortada, a estrada foi aterrada no sentido contrário,
formando assim um leito com superfície maior e nivelada.
Os cortes de barranco servem para planificar e aumentar o leito de uma
estrada instalada em terrenos íngremes. Por outro lado, os muros de arrimo
construídos com a técnica da taipa, com rochas empilhadas à seco, servem para
conter o volume de terra no aterro, proveniente do corte de barranco, geralmente
situada na margem contrária ao corte. Estão relacionados à ação de nivelamento do
solo, formando um leito de estrada aplainado e aumentando a sua largura. Trata-se
de uma função que se refere ao uso de segmentos do caminho como estrada de
rodagem para veículos com rodas (carroças, carro de boi, charrete, etc.) ou
motorizados.
Todavia, no Caminho das Tropas, esse tipo de dispositivo de engenharia, com
piso nivelado, não era necessário para a circulação das tropas de animais, pois
poderiam marchar em meia encosta. Com o passar do tempo e em função do seu
uso constante, o resultado da passagem dos animais na encosta seriam as sendas
rasas ou profundas, com leito desgastado e em forma abaulada.
462
Figura 186 - Exemplo de corte de talude na Calçada do Lorena no Caminho do Mar: a) Calçada entre
cortes bilaterais; b) Talude em trecho a meia encosta no setor planalto da Calçada do Lorena; c)
Talude com muro de arrimo; d-e) Desenhos da seção da Calçada do Lorena na região do planalto e na
serra
Fotos: a-b) Mendes; Gonçalves (s.d.); c) Tchô Mioli; d-e) Desenhos: Toledo (1981, p. 130-131 In:
MENDES; GONÇALVES, s.d.).
Acredita-se que o uso de cortes de barranco e arrimo esteja relacionado com
a)
b)
c)
d)
e)
463
o período em que determinados trechos do Caminho das Tropas passaram a ser
trafegados por veículos automotores. Na verdade, para esse tipo de transporte,
havia a necessidade de superfícies aplainadas. Convém salientar que se desconhece
sobre o uso de meio de transporte com tração animal no Caminho, tais como
carroças, carros de boi e similares em períodos anteriores a abertura de estradas de
rodagem.
Corte de barranco e arrimo, associados ou não, foram observados no trecho
A e C relacionados ao nivelamento do leito ou a infraestruturas (muros de
contenção, pontes) para a rodagem de veículos. Porém, este tipo de estrutura não
foi identificado nos trechos B e D, pois ambos não deveriam ter funcionado com
estradas no interior dos corredores.
Figura 187 - Muros de arrimo e corte de barranco nos trechos de caminho analisados: a-b) muro de
arrimo no leito do caminho no trecho A, subtrecho A4 (pt-30), escala de 50 cm; c) leito da estrada com
corte de barranco à esquerda (subtrecho A4, pt-32); d) muro de arrimo construído (subtrecho A5, pt-
136)
Fotos: A autora. Data: a,c) 03/02/2008; b) 02/02/2008; d) Data: 05/02/2008.
No trecho A, subtrecho A4, que apresenta leito de estrada, corte de barranco
e arrimo (pt-30), o muro de arrimo observado tem a função de conter e nivelar o
a)
b)
c)
d)
464
leito da estrada em relação à margem íngreme, situada à direita. A estrutura foi
construída com o empilhamento de rochas enfileiradas na lateral do caminho.
Possui aproximadamente 40 cm de altura e compõem-se, em geral, de duas
camadas de rochas (ver figura 187) posicionadas de forma inclinada para dentro da
estrada, de modo que não tombem no sentido do declive.
Neste mesmo subtrecho, também foi registrado leito da estrada com 3,80 m
de largura e corte de barranco à esquerda, com 70 cm de altura (pt-32) (ver figura
187)
Junto de uma área de drenagem (pt-136), um patamar construído com
um muro de arrimo para a contenção, com aproximadamente 20 m de extensão (ver
figura 187d). A estrutura encontra-se afastada do muro de taipa e sua função está
relacionada à sustentação da estrada na encosta.
No trecho C, identificou-se um muro de arrimo instalado para a travessia de
um córrego (pt-05), funcionando como base de sustentação para uma ponte (ver
figura 188). Este vestígio arqueológico comprovaria a existência de um pontilhão,
segundo informação oral. Ao lado, ainda, há uma senda por onde os animais
cruzavam o córrego. A ponte era usada para a travessia somente por veículos.
Figura 188 - Muro de arrimo instalado na margem de um córrego, no trecho C (pt-5)
Foto: A autora. Data: 01/05/2008.
Saliente-se que, em vários pontos do trecho A5, registraram-se locais nos
quais a taipa do muro de pedra encontra-se aterrada pela manutenção da estrada
municipal, muitas vezes abaixo do nível da atual estrada na margem externa do
c)
465
corredor. Contudo, esses locais não devem ser confundidos com muros de arrimo,
pois originalmente estavam em elevação.
Não se acredita que no início esses muros tenham sido construídos para
cumprir a função de contenção, mas que sejam resultados do processo pós-
deposicional acarretado pelo uso da estrada municipal e pelas atividades de
manutenção, como por exemplo, o acúmulo de terra nas margens da estrada por
motoniveladora (patrola).
Figura 189 - Trechos com muro de taipa de pedra soterrada, apresentando-se como falso arrimo no
subtrecho A5: a) pt-62; b) pt-65; c) pt-92
Fotos: a-b) Adelson André Brüggemann. Data: a) 04/02/2008; b) 05/02/2008; c) A autora. Data:
05/02/2008.
Outra questão a ser considerada, é o fato de se tratar de uma zona de aclive,
numa encosta, onde uma das margens está altimetricamente mais baixa do que a
outra margem do corredor. A diferença topográfica explicaria o fato de a terra se
c)
b)
a)
b)
466
acumular somente numa das margens da estrada. Por estar soterrado, foi
necessário instalar moirões e cercas de arame para separar a propriedade da faixa
da estrada.
É o caso identificado no subtrecho A5, no pt-62, que tem 1,30 m de altura,
funcionando atualmente como arrimo para a atual estrada municipal. O mesmo
fenômeno ocorre em outros locais (pt-64 e pt-65), cujo muro do corredor da margem
esquerda encontra-se abaixo do nível da estrada, assim como no pt-92, situado na
margem direita do corredor.
Pela margem interna, a taipa está enterrada, mas a margem externa tem 80
cm de altura acima do nível do solo. Neste caso, o trecho de muro abaixo do nível
da estrada municipal funciona atualmente como muro de arrimo (ver figura 189a).
Os cortes de barranco e muros de arrimo podem ser observados em imagens
de satélite das áreas o arborizadas, com boa visibilidade do terreno. Geralmente,
apresentam-se como uma linha (uma margem) ou linhas paralelas (ambas as
margens), cortando a imagem, ou como uma depressão do leito, em virtude da
diferença de textura ou de tonalidade.
Apesar da clareza nas imagens, as feições identificadas devem ser verificadas
em campo, pois podem representar outras estruturas ou somente se configurar em
leito de estrada. Neste estudo, houve esta preocupação e as evidências apontadas
nos mapas foram confirmadas através da verificação in loco.
Finalmente, uma observação que deve ser feita refere-se aos documentos
manuscritos analisados relativos ao Caminho das Tropas, pois estes não
mencionam o tipo de estrutura analisada neste subcapítulo.
5. 9 ANÁLISE DO CAMINHO DAS TROPAS
Os caminhos são redes de transporte e comunicações planificados, como as
estradas, e não trilhas e picadas que se alteram, apesar de poderem incorporá-las
no seu trajeto ou serem formados também por estruturas dessa natureza.
As vias antigas construídas no Brasil Colonial, provavelmente, aproveitaram
o conhecimento indígena do espaço, usando trilhas e picadas utilizadas pelas
populações autóctones, abrindo-as e alargando-as, transformando-as assim em
caminhos oficiais.
A reutilização de trilhas indígenas pelos portugueses e espanhóis para a
abertura de caminhos na América deve ser considerada, uma vez que as populações
467
indígenas detinham o conhecimento do espaço, pois os mesmos se deslocavam pelo
território por diversas razões (subsistência, guerra, contatos interétnicos, migração,
etc.).
Esta questão, no caso do Caminho das Tropas, pode ser levantada, pois
determinados locais, como pontos de travessia de rios e traçados em encostas
abruptas, necessitavam de um conhecimento prévio do espaço geográfico na busca
pelas melhores alternativas. Em algumas situações, como por exemplo, a travessia
do rio Pelotas, não há outro local mais adequado para esta tarefa em vários
quilômetros.
Atualmente, a dificuldade está em encontrar indícios disso, que ajudem a
corroborar esta hipótese. Apesar de o Caminho não ter sofrido grandes modificações
em seu traçado, o processo de alteração do leito foi grande em função da erosão. A
dificuldade maior reside em encontrar ferramentas que possam auxiliar a
arqueologia na interpretação da ausência de evidências tangíveis.
Portanto, a análise da documentação histórica (manuscritos, iconografias e
cartografias) existente poderia fornecer indícios mais concretos para esta hipótese.
Todavia, no estudo do Caminho, nenhuma evidência concreta foi encontrada na
análise documental. Como a apreciação dos documentos não foi esgotada nesta
pesquisa, esta questão poderia ser abordada à luz de novos dados.
O tipo de caminho e as suas características (tamanho, tipo de leito,
pavimentação, arrimo e corte de barranco, entre outras) estão relacionados ao seu
uso, se para trânsito de animais e pedestres, passagem de carroças puxadas por
animais ou tráfego de veículos automotores.
Contudo, a maioria dos caminhos brasileiros dependia do tipo de uso e
importância que tinham para a administração pública, a fim de que fossem
investidos recursos para a sua abertura, melhoria e manutenção. O que
efetivamente não aconteceu no Caminho das Tropas.
Além disso, os caminhos brasileiros dependiam das características do
ambiente, como relevo e hidrografia, para a realização das obras de infraestrutura,
tais como sistemas de drenagem, pontes e pavimentação, entre outras estruturas
viárias necessárias para o seu bom funcionamento.
Sendo assim, conforme Assis et al. (2007, p. 7) explicam:
Os caminhos brasileiros utilizados durante o século XVIII e a primeira
metade do século XIX, [...] não eram exatamente estradas construídas.
Assentadas diretamente sobre o solo e, por vezes, cortadas na rocha, as
estradas transpunham os obstáculos naturais pelos locais mais acessíveis
como passagens à vau sobre rios, transposições de serras através de
gargantas ou rodeios. Desse modo, os percursos eram tortuosos, marcados
468
por desvios que atrasavam as viagens.
Algumas perguntas poderiam ser levantadas nesse sentido: Como diferenciar
caminhos para tropas de animais de caminhos para carroças ou veículos? Quais os
vestígios materiais que os diferenciam entre si? Há diferenças morfológicas, ou seja,
diferenças quanto à forma, dimensões (largura) e marcas visíveis para reconhecer
um caminho de condução de animais ou de carroças/veículos?
No caso dos remanescentes do Caminho de Tropas, as respostas para estas
questões são bastante complicadas, à medida que, em alguns trechos, a atual
estrada de rodagem situa-se dentro dos corredores e/ou sobre os vestígios do
caminho usado pelos tropeiros. Nos locais onde a presença dos corredores, as
evidências do Caminho são bastante concretas e nítidas, não restando dúvida do
seu traçado. Portanto, os corredores o ótimos demarcadores do espaço usados
para a condução das tropas e para a análise dos vestígios arqueológicos do
tropeirismo existentes na região.
Entretanto, existem locais onde somente havia evidências no solo, pois os
caminhos foram utilizados ao longo do tempo para a passagem de carroças e
veículos automotores. Os vestígios arqueológicos foram desaparecendo, sendo
bastante difícil reconhecer o caminho usado pelos tropeiros.
Este é o caso do trecho do Caminho das Tropas entre a malha urbana de
Lages e Correia Pinto e o rio Canoas, de aproximadamente 30 km de extensão, onde
parte do traçado está asfaltado ou pavimentado e a outra porção da estrada de
rodagem não está pavimentada. Este trecho sofreu um processo de
descaracterização, que pela ausência de marcadores espaciais, como é o caso dos
corredores, pode ser confundido como uma estrada qualquer. Neste caso
específico, o traçado do antigo Caminho é apontado através da informação oral.
Nos segmentos do Caminho das Tropas que apresentam atualmente estradas
no seu interior, como é o caso de alguns corredores da Coxilha Rica e dos Campos
de Cima da Serra no Rio Grande do Sul, têm-se um processo impar, no qual o leito
da estrada atual se sobrepõe ao antigo leito usado pelas tropas. Nestes casos, pode-
se avaliar o impacto do uso e da manutenção das estradas atuais sobre a
conservação dos corredores.
Porém, nem todos os corredores foram usados como estrada de rodagem de
veículos. Alguns ainda conservam, pelo menos, parte do seu leito com os vestígios
da passagem das tropas de animais conservados, marcados por sendas no seu
interior.
469
O que diferencia um caminho que foi usado para a passagem somente por
tropas de animais de um caminho ou de uma estrada usado por carroças ou
veículos é, na prática, a característica do leito da via, pois a largura não é uma
variável segura a ser considerada. Afinal, nos trechos do Caminho com corredores,
estes possuem largura muito superior a atual estrada, com média de 20 m,
enquanto que as estradas no seu interior medem aproximadamente 5 m.
Dessa forma, a presença de um leito com superfície plana e não côncava e o
emprego de corte barranco e arrimo são os indicativos que um caminho antigo foi
usado para a passagem de carroças e veículos e não somente por animais e
pedestres. Contudo, o se pode afirmar, neste caso específico, que a estrada não
tenha sido usada anteriormente como caminho de tropas.
No caso dos trechos do Caminho Novo, onde o percurso segue uma espécie
de trilha estreita talhada na rocha, situados na transposição da Serra do Ouro
Branco (ASSIS et al., 2007, p. 8), nitidamente a determinação do seu uso para a
exclusiva passagem de animais e pedestres. As dimensões e as características de
instalação no terreno excluíram a possibilidade de u-la como via de rodagem, o
que também possibilitou a sua preservação e a definição do uso original.
Comparando os resultados obtidos na análise dos remanescentes
arqueológicos estudados no Caminho das Tropas, verificam-se as principais
diferenças com relação a outros caminhos usados no Brasil Colonial ou na América
Incaica, tornando este Caminho, no que tange aos vestígios dos corredores, um
fenômeno único.
As dimensões do leito remanescente do Caminho Novo (séc. XVIII), no trecho
pesquisado entre Ouro Branco e Ouro Preto, “são modestas, com larguras entre 3,0
e 5,0 m, podendo chegar a 7,0 m nos locais de implantação de bueiros ou galerias”
(ASSIS et al., 2007, p. 8). As grandes dimenes dos corredores construídos no
Caminho das Tropas, indicam que deveria haver uma grande quantidade de
animais conduzida no seu interior. Caso contrário, por que se explicaria a
necessidade de construção de caminhos balizados com tamanha largura?
No que se refere às estruturas de apoio e administrativas, a equipe de
pesquisa mineira verificou que:
Com relação à infra-estrutura, as estradas contavam com diversos tipos de
apoio ao viajante, como ranchos, vendas, hospedarias ou fazendas, além dos
registros para controle de viajantes e de cargas transportadas. No trecho
pesquisado [do Caminho Novo entre Ouro Branco e Ouro Preto] não
referências à existência de registros, mas são inúmeras aquelas que
remetem a ocorrências de estruturas para hospedagem. (ASSIS et al., 2007,
p. 9).
470
Nos trechos analisados do Caminho das Tropas, não foram identificadas
estruturas do tipo hospedarias, mas foram registrados resquícios de vendas ou
armazéns, como entreposto comercial, e estruturas de mangueira para animais, que
poderiam servir de apoio ao tropeiro.
Além disso, ao longo do Caminho, diversas fazendas antigas que
ofereciam pouso aos viajantes. Em locais onde não havia parada com
infraestrutura, o pouso poderia ser realizado nos alargamentos dos corredores. Este
tipo de estrutura garantia uma espécie de praça, com cerramento dos animais em
local propicio ao descanso e com presença de água.
O trecho pesquisado é delimitado em suas extremidades pela existência de
dois registros de controle e cobrança de impostos: o Santa Vitória, no rio Pelotas, e
o São Jorge, no rio Canoas. Destes registros, se conhece apenas a localização e os
remanescentes arqueológicos do Registro Santa Vitória. Do São Jorge, quase nada
se sabe sobre suas estruturas remanescentes, somente a possível localização, tendo
poucos vestígios em elevação devido à realização de atividades de terraplenagem e à
existência de uma plantação de pínus no local
220
, sendo necessária uma prospecção
no subsolo para mapear os possíveis vestígios arqueológicos existentes.
Todavia, os vestígios administrativos e de infraestruturas não foram alvo da
presente pesquisa, que abordou, particularmente, as estruturas viárias do Caminho
e a sua instalação no espaço, formando a paisagem atual.
A Estrada do Paraibuna, pesquisada no trecho entre Ouro Branco e Ouro
Preto (ASSIS et al., 2007), foi construída com base em preceitos técnicos muito bem
definidos, a partir da Lei 18, de 1º de abril de 1835. Segundo esta lei, no que se
refere às suas determinações,
[...] (Art. 5º) determinava que no alinhamento das Estradas seriam preferidas
as linhas retas às curvas. A largura dos leitos foi determinada em trinta e
cinco palmos23 (7m), compreendidos os canais, fossos, muros, ou socalcos
necessários para sua segurança e duração (Art. 6º). O formato deveria ser
abobadado para facilitar o escoamento das águas das chuvas (Art. 9º) e o
calçamento seria constituído de pequenas pedras de dimensões máximas de
duas polegadas de diâmetro (Art. 9º). A pesquisa arqueológica evidenciou
que a largura da estrada aproximou-se daquela determinada pela Lei,
apresentando cerca de 8,0m, em média, ao compreender as estruturas
viárias complementares. Não foi possível confirmar o formato original e o tipo
de calçamento, dado que, mesmo o segmento mais íntegro, passou por
ações de manutenção com uso de máquinas pesadas, alterando sua
configuração original. Entretanto, foi constatado o formato abobadado no
leito de uma das pontes além de um tipo de calçamento de pedra em um
220
Informação oral da pesquisadora Iáscara Varela Almeida que percorreu o trecho do Caminho das
Tropas entre Lages e o rio Canoas, tendo visitado o local do Passo do Canoas, onde estaria situado o
Registro de São Jorge, segundo informações de moradores locais.
471
pequeno trecho preservado. (ASSIS et al., 2007, p. 9).
Analisando-se o traçado do Caminho das Tropas, pôde-se constatar, num
primeiro momento, que o Caminho não segue um desenho regular, não uma
planificação ou um trajeto retilíneo. O Caminho segue o seu percurso de acordo
com o relevo e a inserção de áreas de interesse (aguadas, pousos). O trajeto é
marcado por diversas curvas e voltas, mudando o sentido algumas vezes de forma
brusca e em ângulo fechado, seja para vencer um aclive ou declive, seja para mudar
completamente a direção em sentido do ponto desejado.
No sobe e desce das coxilhas, o Caminho parece cruzar pelos campos
serpenteando pelo relevo ondulado, sumindo atrás de uma colina mais elevada e
reaparecendo quilômetros depois entre outros morros, numa espécie de “simbiose”
perfeita entre os corredores e o ambiente, formando a paisagem do tropeirismo.
A visão panorâmica de alguns trechos é outra constante em uma paisagem
marcada por campos a perder de vista”, pontilhada por capões de matos esparsos.
Não obstante, a paisagem cultural está ameaçada pelo constante avanço das áreas
de cultivo de espécies arbóreas exóticas invasoras na região, como o pínus.
Vitry (2004), referindo-se à prospecção arqueológica realizada nos segmentos
da rede viária dos caminhos inca entre Chicoana e San Fernando de Escoipe, na
Argentina, descreve suas características construtivas e as evidências arqueológicas
registradas:
Los segmentos estudiados poseen diferentes técnicas constructivas,
destacándose el tipo de camino con talud, caracterizado por estar trazado
sobre las laderas montañosas con diferentes grados de inclinación y
poseer muros de contención donde se asienta el camino. En partes s o
menos aplanadas, especialmente en los filos de las serranías próximas al
paraje Encañan, registramos la presencia de segmentos de camino tipo
despejado y amojonado, observando en algunos casos un patrón similar al
de la Quebrada del Toro. (VITRY, 2004, p. 5, grifo nosso
221
).
Os segmentos descritos pelo autor possuem técnicas construtivas observadas
em outros caminhos em área montanhosas, como corte de barranco (“talud”) e
muros de arrimos para a contenção de áreas niveladas em encostas. Por outro lado,
em áreas mais planas, a existência de áreas dilatadas (“despejado”) e demarcadas
com algum tipo de baliza (“amojonado”).
Nesse sentido, o Caminho as Tropas apresentou espaços onde os corredores
se alargam lateralmente, ou seja, formam amplas superfícies fechadas, como
221
Relativo aos termos empregados na citação, cabe algumas explicações que elucidam bastante o
referido caminho: a) “despejadodo espanhol significa uma área dilatada ou espaçosa; b) amojonado
denota limites com balizas.
472
espécies de “praças ao longo do percurso. A hipótese apresentada para tal
ocorrência é que sejam locais onde as tropas paravam para beber, descansar e
passar a noite, conhecidos como pontos de pousos.
Pode-se ainda levantar a hipótese de que a distância entre esses espaços
corresponderia à distância percorrida num dia de viagem das manadas. Entretanto,
tal hipótese precisa ser melhor averiguada, não havendo muitos exemplos que
permitam confirmar isso nos trechos estudados do Caminho, além de serem apenas
fragmentos de segmento. Para tanto, haveria a necessidade de aumentar a
amostragem, analisando longos segmentos e avaliando a distribuição espacial dos
alargamentos num mesmo trecho.
Nesses locais, observou-se também a reocupação dos espaços após o fim do
trânsito dos animais, com a instalação de diferentes estruturas funcionais
(habitações, escolas, armazéns, etc.). Trata-se de antigos lugares que tiveram a
função e o uso alterados após o abandono da atividade do tropeirismo. É o
fenômeno de ocupação das terras às margens dos caminhos, dos espaços públicos,
às margens das grandes propriedades privadas.
Outra observação conclusiva das pesquisas de Vitry (2004) e de grande
interesse para pensar a instalação do Caminho das Tropas, preferencialmente em
área aplainadas e altas como se observou no subtrecho A5 (ver figura 64), menciona
que a:
Respecto de la ocupación del espacio geográfico para la construcción de
caminos preinkas e inkas, el tramo estudiado refuerza lo que observamos en
otros lugares, es decir que su trazado se realiza preferentemente en las
serranías y zonas altas, donde los agentes erosivos actúan con menor
fuerza que en las quebradas y fondos de valles, además de tener una
mejor visibilidad y control del entorno. Esta concepción diferenciada
respecto a la ocupación del espacio, sugieren una regularidad que la
tenemos en cuenta para nuestras prospecciones, con muy buenos
resultados hasta el momento. (VITRY, 2004, p. 6, grifo nosso).
Os platôs sobre as coxilhas onduladas se caracterizam como o melhor relevo
para o trânsito do Caminho, por serem áreas menos acidentadas e potencialmente
menos atingidas por processos erosivos, por exemplo. No entanto, outro aspecto
ambiental pode ser levantado também como hipótese explicativa: o tipo de
cobertura vegetal. As encostas, fundos de vales e áreas próximas aos cursos de
água possuem vegetação mais fechada na região, tais como área de mata ciliar e
mata ombrófila.
Dessa forma, na área pesquisada, o traçado do Caminho em trechos do
planalto, nos campos de altitude, excetuando a travessia dos vales de drenagens,
buscou sempre a instalação sobre os pontos mais elevados e de menor inclinação
473
do compartimento topográfico, passando em áreas com boa drenagem de solo, como
divisores de água, ou em meia encosta das elevações mais íngremes.
Nos campos altos, o predomínio dos vegetais de espécies de pastagem,
formados pelos campos nativos de gramíneas e leguminosas, tais como o capim
mimoso e os capões esparsos de mata ombrófila mista e de araucária. Esta
condição de cobertura vegetal apresenta duas vantagens: a) áreas livres para a
circulação de animais, não necessitando, quando da instalação do Caminho, de
atividades de abertura de picada com o corte da mata nativa; e b) áreas de
pastagens para alimentação dos animais.
Aliás, os Campos de Lages o conhecidos atualmente pelas excelentes
pastagens de campos naturais, propiciando invernadas, e que eram usadas pelos
tropeiros para a recuperação dos animais após a travessia do Vale do rio Pelotas,
assim como foi o propulsor da instalação de fazendas de pecuária extensiva.
Neste capítulo, buscou-se analisar os aspectos formais deste caminho desde
a sua implantação na paisagem, abordando as evidências arqueológicas das
estruturas viárias construídas (corredores, sistema de drenagem, calçamento, muro
de arrimo) ou não construídas (sendas, amontoamento de rochas) que compõem o
Caminho das Tropas, a sua instalação na paisagem, a construção e/ou a formação
destas, os aspectos físicos (morfologia, dimensões, forma), as características
ambientais (relevo, solo, vegetação) e as técnicas construtivas (matéria-prima,
técnica empregada).
474
Fonte: WIED-NEUWIED
475
CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
Ao longo do tempo, o que se tem mostrado é que os
caminhos, mais que condutores de veículos,
mercadorias, passageiros, são condutores de
história e memórias. Caminhos são testemunhos
de cultura e de vida; são espaços que permitem a
troca e a reflexão, o trabalho e o lazer.
Márcio Santos (2001).
O projeto original intitulado “Arqueologia do Caminho das Tropas: estudo
espacial dos sítios históricos no trecho entre os rios Pelotas e Canoas, SC”,
aprovado pela banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em História da
PUCRS, em 2004, sofreu alterações ao longo dos quatro anos de doutorado,
principalmente de cunho metodológico, com a inserção de novas ferramentas de
análise e interpretação, sob o viés teórico da arqueologia da paisagem, além da
readequação da delimitação do objeto de pesquisa.
A coleta de dados em campo forneceu um corpo documental arqueológico
rico em informações, tanto em quantidade, quanto em qualidade, com uma grande
variabilidade tipológica de sítios arqueológicos que não poderiam ser analisados em
uma única tese.
Seguindo os conselhos da banca examinadora de qualificação realizada em
2008, uma escolha deveria ser tomada: investigar o Caminho das Tropas e sua
inserção na paisagem ou realizar um estudo espacial dos diversos sítios
arqueológicos existentes ao longo das margens do Caminho (taperas, fazendas,
cemitérios, registros, olarias, serrarias).
Ambas as propostas tinham potenciais, assim como problemáticas de
pesquisa específicas e temas bastante promissores. Porém, estudar o Caminho
enquanto um sítio arqueológico linear e peculiar parecia a escolha mais adequada.
O Caminho das Tropas, enquanto artefato arqueológico, tinha um papel
secundário na proposta inicial, mas, a partir das leituras realizadas sobre estudos
476
de caminhos latino-americanos e pela experiência vivenciada em campo, a decisão
tomada foi por investigar um objeto ainda pouco estudado na arqueologia
brasileira: as redes viárias antigas no sul do Brasil.
No início do estudo, não havia muita noção de onde se poderia chegar e nem
qual o rumo tomar ao longo dessa caminhada. O orientador desta pesquisa tinha
razão quando falou que “o caminho se faz ao caminhar”. Assim, esta investigação
científica foi norteada pelo Caminho das Tropas e a proposta metodológica foi sendo
construída ou adaptada à medida que a pesquisa avançava. Dessa forma, as
decisões tomadas pautaram-se pela elaboração de estratégias que auxiliassem a
responder às questões levantadas.
Ao longo dessa caminhada, outro aprendizado foi fundamental: “ver o
caminho de cima”, seguindo assim o conselho da coorientadora da pesquisa.
Inicialmente, esta forma de análise não havia sido pensada, o que ocorreu a partir
da realização do Doutorado Sanduíche na França. A proposta do projeto inicial era
cruzar os dados arqueológicos de campo com os dados das fontes históricas, tais
como documentos textuais manuscritos, relatos de viajantes, cartografia e
iconografia da época.
Entretanto, ao ver o objeto de pesquisa através das imagens captadas no
espaço aéreo, mudou também a forma de olhar o sítio arqueológico. Na verdade,
tratava-se de uma nova possibilidade de análise sob outro ângulo e em outra escala
investigativa.
O sítio arqueológico era visto antes num mesmo plano, onde o arqueólogo
registrava e analisava os vestígios a partir das suas observações in situ e daquilo
que poderia ser encontrado na superfície e no subsolo, ou seja, inserido dentro do
universo do sítio. A partir dessa nova ótica de análise, há o distanciamento
necessário para a observação do objeto de estudo em várias escalas.
Dessa forma, pesquisar um vestígio arqueológico que se estende por vários
quilômetros exigiu certo distanciamento para reconhecer, numa esfera mais macro,
o seu traçado num conjunto de redes viárias.
Porém, também foi necessária uma aproximação numa escala mais micro
para registrar, analisar e interpretar as distintas estruturas construídas ou não
construídas que compõem um caminho e que fazem uma rota viária desempenhar
as suas funções básicas: servir de comunicação entre pessoas e lugares e facilitar o
transporte de bens e mercadorias.
Nos países como o Brasil, onde essas ferramentas aplicadas à arqueologia
não se desenvolveram paralelamente ao uso da fotografia aérea para a produção
477
cartográfica, os arqueólogos têm uma visão muito mais intrassítio com o uso de
análise espacial, enquanto que, extrassítio, os resultados são mais restritos,
fazendo com que se olhe e se reflita mais em relação ao sítio do que em relação ao
contexto maior, onde o mesmo está inserido.
Ao trabalhar com essas diferentes dimensões em um mesmo vestígio
arqueológico, muitas limitações e dificuldades surgiram, principalmente de ordem
técnica, em relação às diferenças de resolução e escalas dos mapas
planialtimétricos e das imagens de satélite. O resultado desse processo foi a
existência de áreas melhor documentadas do que outras, com diferentes precisões
nos dados.
Para realização desta pesquisa, utilizaram-se ortofotocartas, mapas e
levantamentos planialtimétricos disponíveis de outros estudos realizados na região,
pois havia alguns exemplares em escala grande (1:5.000) para uma pequena
parcela do Caminho. Para as demais áreas, que correspondiam à porção maior da
área de pesquisa, havia mapas com escalas médias (1:100.000), muitas vezes em
suporte impresso ou em imagem raster, dificultando a sua inserção e tratamento
dentro de um SIG. Esse tipo de dado geográfico dificultava as ações de
reconhecimento das feições e desenho dos vestígios identificados na região do
Caminho.
Em função da natureza acadêmica desta pesquisa e a indisponibilidade de
recursos financeiros, não foi possível adquirir imagens de satélite ortorretificadas de
alta resolução ou locar receptores de GPS RTK
222
ou estação total. Apesar de estas
limitações dificultarem a coleta de dados em campo, seja em virtude da precisão
dos dados, seja pelo tempo necessário para execução do trabalho, os resultados
finais não foram prejudicados. Em uma área piloto, onde havia levantamentos em
escala grande (1:5.000), foi possível desenvolver o Modelo Digital de Elevação e a
modelização espacial em projeção 3D.
Dessa forma, fez-se necessário utilizar outros recursos para realização do
trabalho. As imagens captadas a partir do Google Earth e os croquis feitos em
campo foram as alternativas possíveis e viáveis. A limitação técnica não inviabilizou
a análise pretendida, apenas não forneceu dados com maior precisão e agilidade.
Nesse sentido, o aprendizado das ferramentas de inserção, aquisição,
222
RTK - Real Time Kinematic é uma técnica de navegação por satélite associada a um rádio-modem
ou a um telefone GSM para obter correções que permitem posicionamento cinemático em tempo real,
com um nível centimétrico de acurácia. É utilizada em levantamentos cadastrais e hidrográficos,
mineração, monitoramento de veículos, controle preciso de maquinário, entre outras aplicações.
478
geração, conversão, manipulação, edição, cruzamento e questionamento do SIG,
bem como a modelização dos dados espaciais e o SGBD, foram fundamentais para a
realização desta pesquisa. O conhecimento adquirido só foi possível graças ao
estágio realizado no Laboratoire Archéologie et Territoires (LAT) e às disciplinas
realizadas no Master Archéomatique da Université François Rabelais de Tours,
França.
Avaliando as ferramentas de análise utilizadas e as fontes de pesquisa
disponíveis, considera-se que essa nova abordagem pode contribuir para a
arqueologia na busca de uma melhor compreensão sobre como as sociedades
pretéritas viviam e produziam. As técnicas de geoprocessamento, foto e
cartointerpretação, oferecem novos indícios e variáveis ambientais para a análise
arqueológica.
Os procedimentos metodológicos aplicados na coleta de dados em campo
mostraram-se muito adequados, à medida que foram realizadas prospecções
sistemáticas através de reconhecimentos pedestres para avaliar o Caminho e suas
estruturas, munidos com imagens de satélite em mãos. Para tanto, foram utilizadas
fichas para registro das informações observadas, e a inserção destes na base de
dados.
Além disso, a escolha dos trechos amostrais e a posterior adoção de
subdivisões auxiliaram na manipulação dos dados e na compreensão das diferenças
e/ou semelhanças entre os segmentos. Dessa forma, os subtrechos são decorrentes
das estruturas construtivas ou não construídas condicionadas ao relevo e outras
características ambientais, e não meramente de uma subdivisão arbitrária da
pesquisa.
Avalia-se que esta pesquisa se insere dentro da proposta da arqueologia da
paisagem, pois se evidenciou a instalação do Caminho e das estruturas como
corredores na paisagem, seja sob o ponto de vista técnico-construtivo, seja do ponto
de vista social (aspectos fiscais, iniciativa do estado, obrigação dos proprietários), e
a sua utilização e funcionamento por diferentes usuários e meios de transporte ao
longo de quase três séculos: tropas de animais, militares e veículos.
Outra dificuldade encontrada foi a de lidar com as lacunas cronológicas
existentes na documentação analisada, principalmente nos documentos textuais
manuscritos. Esta é uma tarefa árdua para qualquer investigador: transpor os
hiatos e ligar as diferentes peças de um grande quebra-cabeça histórico. Havia uma
grande quantidade de documentos, principalmente para o período entre as
primeiras décadas do século XVIII, com a abertura do Caminho, e meados dos
479
séculos XIX, mas praticamente nada para os períodos posteriores.
Outra limitação refere-se à natureza dos tipos de documentos analisados,
sendo a grande maioria de cunho oficial: cartas, ofícios, certidões, provisões, entre
outros de caráter administrativo e militar. Este tipo de documento fornece um
ponto de vista sobre uma realidade, faltando aquela vivenciada pelos sujeitos ativos
no processo, que, neste caso, são os usuários e os construtores do Caminho:
tropeiros, viajantes, taipeiros, fazendeiros e moradores locais. Para compreender
como estas relações se engendravam dentro do contexto da época, faz-se necessário
analisar outros documentos.
A partir das considerações sobre o desenvolvimento da pesquisa e das
avaliações sobre o método utilizado e fontes empregadas, serão apresentadas a
seguir as conclusões deste estudo.
Os documentos textuais analisados apontam claramente que o Caminho das
Tropas, diferente das outras estradas da Capitania de São Paulo, o teve
investimentos de recursos da Coroa Portuguesa ou mesmo do Império.
Este pressuposto foi levantado a partir da constatação obtida nas fontes
escritas sobre os projetos de melhorias ou manutenção do Caminho e que sempre
contavam com o apoio de dois segmentos da população: os tropeiros e os moradores
ao longo do trajeto.
Os tropeiros, sem dúvida, eram os mais interessados, pois dependiam da
estrada para o seu sustento. Além disso, representavam a principal fonte
arrecadadora de receitas nos registros, onde parte dos recursos arrecadados deveria
ser empregada nas melhorias do próprio meio gerador dos tributos. A segunda fonte
de recursos vinha dos próprios moradores, que tinham obrigação para com a Coroa
Portuguesa por terem recebido terras.
No caso dos Campos de Lages, as terras foram distribuídas através da
concessão de sesmarias a partir da fundação de Lages. Em 1773, Antonio Correia
Pinto, Capitão-mor da Vila de Lages, recebe a incumbência do Governador da
Capitania de São Paulo de regularizar a situação dos moradores da região e dos
novos proprietários que receberam terras, enviando os requerimentos de sesmarias
(IANTT, 1773, fl. 178)
223
.
Os moradores às margens do Caminho, dessa forma, eram os responsáveis
223
Documento manuscrito: OFÍCIO de Thomas Pinto da Silva, Secretário da Capitania de São Paulo, a
Antonio Correia Pinto, Capitão Mor Regente da Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lajes, [...]. São
Paulo, 15 de junho de 1773. IAN/TT, Fundo do Ministério do Reino Consultas do Conselho
Ultramarino, maço 323, caixa 432, folhas 178 e 178 v.
480
pelas Paradas, a remessa da correspondência oficial, espécie de correio na época,
assim como pela conservação da estrada. Muitos o os documentos remetidos ao
Capitão-mor de Lages solicitando que este mande a população realizar a
manutenção do Caminho, quando do envio das tropas militares que marchariam
para o sul, na segunda metade do século XVIII, em função das ameaças de invasões
castelhanas na fronteira sul.
Para explicar a condição diferenciada do Caminho das Tropas em relação aos
demais caminhos da Colônia, principalmente no trecho do extremo sul nas porções
correspondentes aos atuais Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina,
poderiam ser mencionados alguns argumentos bastante pertinentes que devem ser
analisados dentro do seu contexto histórico:
a) No século XVIII, a região dos Campos de Lages e dos Campos de Cima da
Serra e Vacaria representa a fronteira da Coroa Portuguesa na América. Este
território estava sob constante ameaça, pela proximidade das Missões Jesuíticas
Espanholas, assunto que é constantemente mencionado na correspondência oficial.
Além disso, os limites territoriais entre as Coroas Ibéricas estavam em processo de
demarcação. Vale ressaltar que o último tratado que define os limites no sul do
Brasil foi assinado em 1801, o Tratado de Badajoz, determinando que os territórios
das Missões e parte do atual Rio Grande do Sul pertenciam a Portugal, fixando a
fronteira sul do Brasil na linha Quaraí-Jaguarão-Chuí. A instabilidade da fronteira
e a posse do território durante todo o século XVIII poderiam ter influenciado na
falta de investimentos com recursos dos cofres reais no trecho sul do Caminho das
Tropas, pois não havia a garantia de posse da região.
b) Apesar de ser um Caminho importante para levar as tropas de animais, a
região sul não tinha riquezas minerais como a região sudeste e centro-oeste, que
precisavam escoar ouro, diamante e pedras preciosas para as áreas portuárias.
Para tanto, necessitavam de estradas transitáveis. A exploração desses recursos foi
responsável por impulsionar a economia colonial e fazer com que a Coroa investisse
na construção e na melhoria das redes viárias de escoamento dos locais das jazidas
para os portos, por onde o produto interno era remetido para a Europa. Dentro
desse contexto, a região sul desempenhou um papel periférico na economia
brasileira: fornecedora dos meios de transporte e alimentos para a região
mineradora, mas não fonte de exploração, onde realmente haveria investimentos.
Todos esses fatores contribuíram para que a região sul fosse tardiamente ocupada e
colonizada, e para que o Caminho não tivesse investimentos reais.
Mesmo quando o Caminho das Tropas foi aberto, quase nenhum recurso dos
481
cofres reais foi empregado para a realização da empreitada. Cristóvão Pereira de
Abreu, que realizou a viagem inaugural da picada e retificou o traçado do Caminho,
empregou recursos próprios e de particulares nessa expedição. Depois de executado
o trabalho, o militar pleiteou a compensação pelo investimento feito, ou seja, uma
Mercê, pela qual recebeu a metade da arrecadação dos animais que passavam no
Registro de Curitiba, por doze anos.
Dessa forma, o próprio Caminho “se pagou”, retornando os investimentos aos
particulares. A Coroa Portuguesa, que praticamente nada investiu, ainda teve a
vantagem de receber a outra metade da arrecadação dos impostos sobre animais
naquele registro, além das receitas de outros postos de arrecadação.
A fundação de Lages, na segunda metade do culo XVIII, a crescente
demanda de gado e mulas nas regiões consumidoras do centro do país e os campos
ideais para pecuária, com abundância de pastagens e aguadas, incentivaram a
ocupação da região, com a distribuição de sesmarias e o estabelecimento de
fazendas de criação de gado bovino e ovino, a partir da abertura do Caminho.
A instalação do Caminho das Tropas demonstrou um conhecimento profundo
do espaço geográfico e o uso de soluções construtivas, por vezes simples, com
materiais disponíveis, como o basalto, muitas vezes ao alcance das mãos,
evidenciando uma harmonia da sua instalação com o terreno.
A prospecção arqueológica realizada nos trechos amostrais do Caminho
revelou uma rie de estruturas viárias, construídas e não construídas, além dos
corredores de pedra até então reconhecidos, mas que desempenharam uma
importância fundamental na formação da paisagem do Caminho das Tropas, bem
como para a funcionalidade da via de trânsito: as travessias de rios, os sistemas de
drenagem, os alargamentos, o calçamento, as sendas, os amontoamentos de
pedras, os corte de barranco e os muros de arrimo.
As estruturas como sendas e amontoamentos de rochas não são estruturas
construídas com a finalidade de servirem ao Caminho, mas são fruto do seu
contínuo e frequente uso como via de trânsito, marcando o relevo.
Os alargamentos de corredor formam “praças fechadas”, com a função de
oferecer um local de descanso, de água e de pouso para as tropas. Os pousos
nestes locais podiam ser ao relento, com abrigos improvisados com os arreames e
as cargas, ou em barracas ou em ranchos, caso existissem.
As travessias de rios ocorriam em locais estratégicos para a passagem do
curso de água, como espraiados, locais de nível de água baixo ou áreas de remanso.
As estruturas arqueológicas associadas indicaram a presença de muros de taipa de
482
pedra restringindo a passagem ou demarcando o local para a travessia. Assim como
locais para acampamento, caso o rio não estivesse em condições de ser cruzado.
As estruturas de drenagem, formadas por drenos e interrupções no muro,
eram construídas juntamente com o corredor e tinham a função de melhorar as
condições de trânsito no interior dos corredores
Observou-se uma similaridade na maneira de construir os corredores de
pedra, os drenos e outras estruturas, em alvenaria de pedra a seco. Por outro lado,
constatou-se também a grande variação morfológica, mostrando não haver um rigor
de projeto ou planejamento, adaptando o Caminho às formas do terreno. Na
realidade, o Caminho buscava o melhor trajeto possível para o deslocamento de
animais, não considerando, essencialmente, a menor distância, mas o melhor
percurso baseado na redução do esforço e desgaste físico.
Há, em alguns trechos, a primazia por traçados sinuosos, com curvas
fechadas e mudança de sentido brusco. Isso demonstra o quanto o percurso a ser
vencido era mais importante que um projeto linear, sem esquecer-se da inclusão de
locais de extrema importância, tais como pontos de água e descanso, além da busca
por menores inclinações do terreno e locais favoráveis à travessia dos rios.
A análise dos remanescentes arqueológicos da amostragem de 23,5 km do
Caminho das Tropas evidenciou que não havia um projeto de engenharia que tenha
planificado e uniformizado a edificação das estruturas. Ao contrário, a análise da
construção das taipas dos corredores, da morfologia e do traçado, indicou variações
e diferenças. O muro de taipa de pedra não se apresenta construído de forma
homogênea, apesar de usar a mesma técnica construtiva, apresentando pequenas
diferenças, seja no acabamento, seja nas dimensões.
Percebeu-se também a variação na largura dos corredores, constantemente
entre 15 m e 30 m, exceto nas áreas de alargamento. Há trechos em que o Caminho
é composto por um corredor formado por dois muros paralelos, enquanto que em
outros segmentos há somente um muro em uma das margens e nenhum vestígio de
que houvesse construção na outra margem.
A instalação do Caminho mostra que, além de se ter um conhecimento sobre
as condições ambientais dos locais, foi um espaço pensado também no sentido das
escolhas realizadas de traçado e a necessidade ou não de construir corredores ou
outras estruturas. Houve uma reflexão sobre onde instalar, como e por que
construir. Havia muitas circunstâncias a serem observadas: inclinação do terreno,
existência de hidrografias, tipo de solo, grau de erosão e a proximidade de recursos
como água e pastagem, ou pontos de pouso.
483
Pensando na ocupação cronológica do Caminho, têm-se duas fases distintas:
a primeira para tráfego de animais e pessoas a pé ou montadas; a segunda para
uso como estrada de rodagem pelos meios de transporte com roda e/ou
motorizados. Poder-se-ia ainda mencionar um uso anterior a estes dois períodos,
como trilhas utilizadas pelas populações indígenas. Contudo, para esta hipótese,
não há dados e argumentos seguros para a sua explanação.
As transformações ocorridas no Caminho ao longo dos séculos, seja na
reutilização da via como estrada de rodagem, seja nas modificações de suas
estruturas, assim como no abandono e consequente processo de degradação dos
vestígios arqueológicos, acabaram influenciando a identificação, a leitura e a
interpretação do registro arqueológico.
A reutilização de alguns trechos do Caminho das Tropas como estradas de
trânsito atuais impactou, em alguns casos, a conservação do Caminho antigo, bem
como alterou o registro arqueológico, podendo comprometer a interpretação dos
dados. Este aspecto precisou ser observado durante a coleta em campo. Um
exemplo claro disso foi o caso dos muros de corredores que, em alguns pontos, se
tornaram muros de arrimo, pelo efeito de deposição do solo do leito da estrada
municipal. Neste caso, a estrutura não alterou a sua forma, mas sim a função para
a qual tinha sido construído originalmente.
Na tentativa de compreender como os corredores de pedra foram construídos
ao longo do Caminho, os resultados apontaram para as seguintes explicações:
a) As variáveis ambientais: as escolhas dos locais de instalação dos
corredores observaram o compartimento topográfico, com relevo menos inclinado e
a disponibilidade de água;
b) A disponibilidade de matéria prima: os blocos de basalto de afloramentos
rochosos empregados na confecção das grandes extensões dos muros de taipas de
pedra são bastante abundantes na região;
c) A função e uso dos corredores: delimitação do local de passagem dos
animais, buscando separar o espaço público do privado, evitando a condução ilegal
de animais das fazendas e facilitando a passagem pela região sem extravios na
imensidão dos campos;
d) A manutenção dos campos: sugere-se que os corredores demarcavam o
trajeto no espaço, evitando que outras áreas fossem degradadas pela passagem
constante de tropas de animais, em virtude do tipo de solo espesso, da fragilidade
de recomposição vegetal e do potencial de erosão, mantendo e conservando as áreas
de pastagens nativas para a pecuária local;
484
e) A origem da técnica: a técnica de construção da taipa em alvenaria de
pedra a seco é proveniente da Europa, sendo bastante utilizada em Portugal e no
arquipélago dos Açores;
f) A mão-de-obra empregada: o ofício de taipeiros, pelas pesquisas mais
recentes, tem apontado que a profissão é passada de geração para geração,
apresentando a predominância de negros na atividade. Por isso, acredita-se que a
construção das taipas tenha sido executada por escravos e ex-escravos na região;
g) A cronologia: devido aos poucos dados disponíveis, sugere-se como
provável a primeira metade do século XIX para o aparecimento dos corredores;
h) A iniciativa particular: acredita-se que a edificação dos corredores tenha
sido uma empreitada particular, pois não foram encontrados quaisquer
documentos oficiais, militares ou administrativos, que mencionassem a construção
dos corredores e nem o envio de recursos financeiros para obras nesse trecho do
Caminho.
Com relação à datação dos corredores, os documentos manuscritos
analisados sugerem um marcador cronológico que indica a não existência das
estruturas de corredores de muros de taipa até, pelo menos, o início do século XIX.
Este fato aponta que, possivelmente, no primeiro século de existência do Caminho
das Tropas não havia as estruturas de muros de pedra como delimitadores do
espaço de trânsito.
Todavia, esta é uma questão que precisa ser melhor investigada à luz de
novos dados, pois os documentos consultados não mencionaram a existência dos
corredores. Estas informações precisam ser relativizadas, na medida em que os
dados são parciais. O fato de não mencionarem as construções não comprova a sua
não existência, apenas sugere. Por outro lado, não qualquer documento que
mencione a existência dos corredores.
No entanto, algumas questões ainda pairam no ar, faltando argumentos
conclusivos, mas levando à formulação de algumas hipóteses: Por que existem
corredores de muros de pedra em áreas específicas do Caminho das Tropas, como
nos Campos de Lages e nos Campos de Cima da Serra? Quais as particularidades,
semelhanças e diferenças destas áreas em relação aos outros locais atravessados
pelo Caminho e sem corredores?
A explicação mais plausível, até o momento, -se em função do conjunto de
características ambientais (campos de altitude, amplos, relevo ondulado de
coxilhas) que formam estes locais, diferenciando-os de outras regiões do sul do país
atravessadas pelo Caminho das Tropas.
485
Todavia, esta explicação precisa ser confirmada através de pesquisas mais
aprofundadas sobre as características ambientais e a instalação em outros lugares,
assim como entre os diferentes locais de ocorrência dos corredores, buscando
identificar quais são os fatores que se assemelham em ambos os lugares.
A partir de meados do século XIX, o Caminho entre Viamão e Lages começa a
ser a rota menos usada, declinando em prol do Caminho das Mises. Pelos campos
de Lages não mais passavam tropas de animais vindos do sul, como anteriormente.
A partir desse momento, passavam a ser conduzidos pelo Caminho das Missões,
nova rota mais a oeste, encurtando e facilitando o percurso.
Todavia, o Caminho não é abandonado, pois continuam passando pelo trecho
do rio Pelotas a Lages os animais criados nos Campos de Cima da Serra e nos
Campos de Lages.
Na Coxilha Rica, os corredores passam a ser usados pela dinâmica interna
da região sul, abastecendo as cidades litorâneas de Laguna e Desterro de gado,
couro e charque, trazendo no retorno sal, farinha, entre outras mercadorias e
produtos. Lages chegou a possuir diversas charqueadas, que funcionaram a
meados do século XX.
As pesquisas futuras apontam em pelos menos três direções:
a) A complementação da investigação a respeito dos corredores de pedra,
aumentando a amostragem na região pesquisada e confrontando com outros locais
de ocorrência dos mesmos;
b) O estudo espacial dos diversos sítios arqueológicos registrados às margens
do Caminho das Tropas, procurando compreender suas relações de instalação e
distribuição, reconstruindo as diferentes atividades exercidas por uma sociedade no
passado, ocupando as margens ao longo de uma rede viária (habitação, comércio,
produção, administração, funerário, religioso, etc.); e
c) A investigação da fundação de Lages e dos Registros de Santa Vitória e São
Jorge, para os quais há uma imensa documentação textual levantada nos acervos e
que não foi estudada nesta pesquisa, em função do recorte estabelecido.
Outro aspecto que precisa ser melhor desenvolvido e que também não foi
abordado, refere-se à investigação das consequências da instalação do Caminho
sobre a paisagem e sobre os sítios no seu contexto mais próximo. Nesse sentido,
uma questão a ser averiguada seria avaliar o plano da cidade de Lages numa
grande escala e verificar os traços de planificação iniciais da vila desde a sua
fundação, procurando analisar de que maneira o plano da vila se articulou com o
Caminho das Tropas e as possíveis alterações do trajeto da passagem dos animais
486
pelo espaço urbano.
Houve uma tentativa inicial de registrar os fracionamentos do espaço através
da identificação dos limites das propriedades ou dos espaços de atividades
específicas, tais como currais, lavouras, invernadas demarcadas por muros de
pedras ou cercas de arame farpado encaixadas nos corredores do Caminho. Tais
vestígios evidenciaram um processo de ocupação e fragmentação do espaço a partir
do Caminho. Contudo, tal aspecto precisaria ser melhor desenvolvido, o que exigiria
um tempo demasiado, excedendo o objeto desta tese.
O Caminho das Tropas insere-se no contexto das redes viárias do Brasil
Colonial e Imperial, sendo uma das vias usadas numa época em que o existiam
estradas pavimentadas ou trilhos de trem, onde os rios eram atravessados a pé ou
nado e a produção local era transportada entre os locais produtores e os centros
consumidores ou distribuidores no lombo de animais cargueiros ou a pé.
Finalmente, a paisagem é uma construção humana que cristaliza
determinados aspectos guardando resquícios do passado, mas que está em
processo contínuo de mudança, pois é produto da interação social do homem com o
meio em que vive e produz.
A paisagem arqueológica do Tropeirismo deixou nos Campos de Lages, nas
suas coxilhas e nos diversos cursos de água, inúmeros vestígios arqueológicos de
uso e ocupação do espaço, seja nas estruturas arquitetônicas em elevação,
construídas para delimitar e dividir, tais como os corredores de pedra, mangueiras
e cemitérios edificados em taipa de pedra, seja nos resquícios não construídos, tais
como os negativos das ações de desgaste do solo e alteração do ambiente, como as
sendas e trilhas, bem como os passos das travessias dos rios.
487
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CALDCLEUGH, Alexander. [sem título]. 1 gravura, 1821. In: CALDCLEUGH,
Alexander. Viajes por América del Sur: Rio de la Plata - 1821. Buenos
Aires: Solar, 1943, 259 p. 3.
DEBRET, Jean Baptiste. Travessia do São Gonçalo para as charqueadas de Pelotas.
1 gravura, aquarela, color, c. 1820, Col. Sanrig, Porto Alegre. In: ZATTERA, Véra
Beatriz Stedile. Gaúcho: iconografia (séculos XIX e XX). Porto Alegre: Palotti, 1995,
p. 140.
______. Passagem de um rio vadeável. 1 gravura, aquarela, color. In: DEBRET, Jean
Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989,
tomo II, estampa 94, prancha 47.
______. Negros calceteiros. 1 gravura, aquarela, color, 1824. In: DEBRET, Jean
Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1816-1831). São Paulo:
Melhoramentos, 1971, p. 61.
______. Acampamento noturno de Itararé. 1 gravura, aquarela, color, 1827. Col.
Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. In: DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca
e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989, tomo II, estampa 73, prancha
26.
______. Campeiros proprietários de tropas da Província do Rio Grande do Sul. 1
gravura, aquarela, color. In: DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica
ao Brasil (1816-1831). São Paulo: Melhoramentos, 1971, p. 83.
______. Travessia do Rio Mampituba. 1 gravura, aquarela, color. Coleção Museu
Júlio de Castilhos, Porto Alegre (RS). In: COSTA et al.. História Ilustrada do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: RBS Publicações, 2004, p. 59.
ENDER, Thomas. Rancho unweit der Serra do Caraça. In: COSTA, Antônio Gilberto
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______. Der Ranjo von Facanda dos Negros 3 Ml von arêas nach Paulo zu. In:
COSTA, Antônio Gilberto (Org.). Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. Belo
Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005, p. 200.
______. Ansicht vom Gebirg Bey Mandioka. 1 gravura, aquarela, color, 19,5 x 28,3
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KIDDER, Daniel Parish. [sem título]. 1 gravura, p&b, 1839. In: KIDDER, Daniel
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LANDSEER, Charles. Rancho de Tropeiros. 1 Óleo sobre madeira, 45 x 60 cm, 1827.
Coleção Particular, Rio de Janeiro. In: BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil
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MARANGONI, Ettore. [sem título]. 1 gravura. In: GLOBO RURAL. Os Tropeiros. III
518
A Jorna Final. São Paulo, Editora Globo, p. 4. (Fascículo)
RUGENDAS, Johann Moritz. Repos d‟ une Caravanne. 1 gravura, aquarela, color,
1822/1825. In: RUGENDAS, Johann Moritz. O Brasil de Rugendas. Coleção
Imagens do Brasil. Vol 1. S.l.: Itatiaia, 1998, pl. 19.
______. Rio Panahyba. 1 gravura, aquarela, color, 1822/1825. In: RUGENDAS,
Johann Moritz. O Brasil de Rugendas. Coleção Imagens do Brasil. Vol 1. S.l.:
Itatiaia, 1998, pl. 16.
______. Serra das Orguas. 1 gravura, aquarela, color, 1822/1825. In: RUGENDAS,
Johann Moritz. O Brasil de Rugendas. Coleção Imagens do Brasil. Vol 1. S.l.:
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STEINMANN, Johann Jacob. Caminho dos Órgãos. Souvenirs do Rio de Janeiro. 1
águas tintas, colorida, 11,7 x 16,7 cm, ca. 1840. Gravado por Friedrich Salathé
Disponível em: <http://www.joaodorio.com/Arquivo/pix/steinmann-10.jpg> Acesso
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TELES, Anamaria. [sem título]. 1 fotografia, color. In: Zero Hora. Origens do Rio
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WIED-NEUWIED, Princípe. Zug einer beladennern Tropa. 1 gravura. Reise nach
Brasilien. In: COSTA, Antônio Gilberto (Org.). Os Caminhos do Ouro e a Estrada
Real. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005, p. 201.
519
APÊNDICES
520
APÊNDICE A FICHA DE REGISTRO DE ESTRUTURAS FÍSICAS DO
CAMINHO DAS TROPAS
521
FICHA DE REGISTRO DE ESTRURAS FÍSICAS DO CAMINHO DAS TROPAS
Informações gerais do ponto de avaliação:
Nº. do ponto: ________ Margem: ( ) esquerda ( ) direita ( ) centro ( ) não aplicado
WPT (Way Point) nº.: __________ UTM: _________________ / _________________
ME (margem de erro): ________m. Datum: ___________________________________
Descrição sumária do trecho / ponto:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Instalação na paisagem:
Orientação geográfica: ( ) Norte ( ) Sul ( ) Leste ( ) Oeste
( ) Nordeste ( ) Noroeste ( ) Sudeste ( ) Sudoeste
Azimute: ____°. ( graus a direita do Norte) Altitude: __________m.
Relevo: ( ) Encosta ( ) Encosta superior ( ) Meia encosta ( ) Baixa encosta
( ) Patamar em encosta ( ) Planície ( ) Platô ( ) Topo de colina
Inclinação: ( ) Aclive ( ) Declive ____°. Umidade: ( ) área úmida ( ) área seca
Tipo de solo: ( ) argiloso ( ) pedregoso ( ) ____________________________________
Cobertura vegetal do entorno: ( ) área aberta de campo ( ) mata ombrófila
( ) capoeira encobrindo ( ) parcialmente encoberto com áreas abertas
Tipo de estrutura:
Estrutura física: ( ) senda ( ) corredor com barranco ( ) área de corredor
( ) área calçada ( ) estrutura cercada / mangueira ( ) área alargada
( ) entroncamento ( ) área escalonada (em degraus naturais)
( ) travessia de curso de água ( ) leito de estrada com corte de barranco
( ) ___________________________________________________________
Características físicas: ( ) encerrado entre murros de pedra ( ) corte de barranco
( ) encerrado entre murros de pedra e cerca de arame
( ) sem delimitação ( ) delimitação física natural
( ) desgaste do solo ( ) alinhamento de pedras
Construção: ( ) rocha natural (disforme) ( ) rocha talhada (angulosa)
( ) empedrado (calçado por rochas selecionadas e ajustadas uma as outras)
( ) outra: ________________________________________________________________
522
Sistema de drenagem: ( ) vala perpendicular ( ) vala paralela ( ) dreno ( ) outra:
_______________________________________________________________
Forma: ( ) quadrangular ( ) retangular ( ) circular ( ) forma complexa ( ) disforme
( ) outra: __________________________________________________________________
Entroncamento de ramal: ( ) perpendicular (ângulo reto) ( ) ângulo agudo
Descrição do sistema construtivo: ______________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Toponímia: _________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Dimensões máximas:
Largura do caminho: _________m. Profundidade do caminho: _________m.
Altura da taipa: _________m. Largura da taipa: superior _________m.
inferior _________m.
Conservação do caminho / estrutura:
Estado de conservação: ( ) Conservado ( ) Parcialmente conservado ( ) Destruído
( ) Desaparecido
Fatores de destruição: ( ) natural ( ) vandalismo ( ) erosão pluvial ( ) reutilização
( ) construção de estrada ( ) uso em outra obra
( ) outra ________________________________________________
Observações:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Registro fotográfico:
Fotos realizadas: sequência: ___________________ quantidade: _____________
Autor: _______________________________________________________________
Registro da ficha:
Data do registro: ___/___/_____
Responsável: ________________________________________________________
523
APÊNDICE B RELAÇÃO DOS PONTOS AVALIADOS NOS TRECHOS
ANALISADOS
524
PONTOS AVALIADOS NO TRECHO A
Pt.
UTM
Alt.
Margem
Características
01
549139 / 6857019
695
Margem do rio, área escalonada.
02
549123 / 6857038
710
Senda estreita com acumulo de rochas em
forma de “muro”.
03
549130 / 6857050
720
Senda estreita com acumulo de rochas em
forma de “muro”.
04
549149 / 6857051
725
Senda estreita com área calçada.
05
549147 / 6857062
732
Senda estreita com barranco.
06
549087 / 6857088
738
Senda estreita com barranco.
07
549085 / 6857136
738
Direita
Início de corredor margem direita.
08
549080 / 6857155
738
Início de corredor margem esquerda.
09
549122 / 6857151
742
Direita
Interrupção do corredor margem direita.
10
549121 / 6857171
742
Interrupção do corredor margem esquerda.
11
549123 / 6857166
745
Direita
Reinício do corredor - margem direita.
12
549138 / 6857183
744
Reinício do corredor - margem esquerda.
13
549213 / 6857193
758
Direita
Final do corredor - margem direita.
14
549224 / 6857220
760
Final do corredor - margem esquerda.
15
549263 / 6857231
765
Direita
Início de muro de taipa - margem direita.
16
549324 / 6857269
775
Direita
Final de muro de taipa - margem direita.
17
549399 / 6857321
790
Duas sendas e amontoado de pedras.
18
549529 / 6857419
820
Senda rasa e larga.
19
549615 / 6857506
835
Final da senda. Clareira
20
549636 / 6857621
855
Direita
Senda estreita e rasa, com corte de barranco
à esquerda e amontoado de pedras
alinhadas com cerca de arame farpado à
direita.
21
549647 / 6857688
870
Senda estreita e profunda com barranco em
ambas as laterais.
22
549668 / 6857739
885
Curva fechada com taipa de pedra.
23
549603 / 6857774
906
Muro de taipa à esquerda, dois
alinhamentos de pedras e dois cortes de
barranco
24
549593 / 6857545
845
Senda profunda com barranco em ambas as
laterais.
25
549559 / 6857578
853
Curva em ângulo reto e senda profunda.
26
549590 / 6857620
870
Direita
Leito de estrada com barranco à esquerda e
alinhamento de pedras à direita.
27
549617 / 6857676
880
Alinhamento de pedras transversal ao leito
da estrada, provável muro de conteão.
28
549604 / 6857646
895
Direita
Leito de estrada com barranco à esquerda e
muro de taipa de pedra à direita.
29
549587 / 6857926
915
Leito de estrada entre corte de barranco.
30
549601 / 6858006
920
Direita
Leito de estrada com corte de barranco à
esquerda e murro de arrimo à direita.
31
549555 / 6858089
920
Direita
Leito de estrada em área úmida com corte de
barranco à esquerda e alinhamento de
pedras à direita.
32
549410 / 6858218
915
Direita
Leito de estrada em área seca com corte de
barranco à esquerda e alinhamento de
pedras à direita.
525
33
549363 / 6858285
915
Direita
Leito de estrada em área úmida com corte de
barranco à esquerda e alinhamento de
pedras à direita.
34
549332 / 6858362
918
Início de taipa de pedra com cerca de arame.
35
549305 / 6858420
918
Início do corredor de taipa e a estrada
municipal.
36
549251 / 6858521
915
Direita
Fim do trecho de taipa de pedra.
37
549293 / 6858440
918
Esquerda
Início de taipa de pedra.
38
549080 / 6858576
920
Esquerda
Interrupção do muro moradia.
39
548856 / 6858798
922
Esquerda
Interrupção do muro para acesso a
propriedade.
40
548979 / 6858819
922
Direita
Início de taipa de pedra.
41
548984 / 6858868
920
Direita
Fim do trecho de taipa de pedra.
42
548985 / 6858989
915
Direita
Taipa de pedra com muro perpendicular.
43
548957 / 6858820
920
Esquerda
Taipa de pedra com muro perpendicular.
44
548960 / 6858919
915
Esquerda
Taipa de pedra com muro perpendicular.
45
548961 / 6859019
915
Esquerda
Fim do trecho de taipa de pedra.
46
548972 / 6859107
920
Direita
Interrupção do muro porteira.
47
548927 / 5859191
930
Esquerda
Início de taipa de pedra.
48
548949 / 6859583
955
Esquerda
Interrupção do muro porteira antiga.
49
548965 / 6859615
956
Esquerda
Taipa de pedra com muro perpendicular.
50
549114 / 6859849
964
Esquerda
Corredor com blocos de pedras em placas.
51
549140 / 6859887
968
Direita
Taipa de pedra com muro perpendicular.
52
549155 / 6859945
968
Direita
Taipa de pedra com muro perpendicular.
53
548910 / 6858764
921
Esquerda
Interrupção do muro porteira antiga.
54
549160 / 6860166
968
Esquerda
Sistema de drenagem valas
perpendiculares.
55
549155 / 6860273
967
Esquerda
Sistema de drenagem dreno.
56
549193 / 6860543
968
Esquerda
Interrupção do muro porteira.
57
549217 / 6860541
968
Direita
Interrupção do muro para acesso a
propriedade.
58
549229 / 6860561
968
Direita
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular.
59
549202 / 6860550
968
Esquerda
Taipa de pedra com muro perpendicular.
60
549231 / 6860649
970
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular
61
549309 / 6860814
975
Direita
Fim do trecho de taipa de pedra com cerca
de arame farpado.
62
549285 / 6860819
975
Esquerda
Taipa soterrada na margem interna do
corredor.
63
549294 / 6860827
976
Esquerda
Interrupção do muro para acesso a caminho
abandonado.
64
549350 / 6860910
980
Esquerda
Taipa soterrada na margem interna do
corredor. Trecho de muro com cerca de
arame.
65
549341 / 6861048
985
Esquerda
Taipa soterrada na margem interna do
corredor. Trecho de muro com cerca de
arame.
66
549334 / 6861081
988
Esquerda
Taipa em elevão.
67
549325 / 6861120
990
Esquerda
Interrupção do muro porteira.
68
549296 /6861242
998
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular
69
549249 / 6861422
1037
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
526
perpendicular.
70
549255 / 6861461
1019
Esquerda
Interrupção do muro porteira.
71
549257 / 6861469
1016
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular.
72
549210 / 6861453
1020
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular.
73
549255 / 6861500
1020
Esquerda
Interrupção no muro - moradia
74
549253 / 6861509
1019
Esquerda
Reinicio do muro do caminho.
75
549248 / 6861509
1024
Esquerda
Taipa de pedra com muro na perpendicular.
76
549212 / 6861517
1021
Esquerda
Alteração do traçado do muro. Base do muro
original.
77
549223 / 6861586
1016
Esquerda
Fim da base da taipa do muro original
78
549227 / 6861628
1017
Esquerda
Taipa de pedra com muro na perpendicular.
Cemitério do Faxinal.
79
549279 / 6861640
1018
Esquerda
Taipa de pedra com muro na perpendicular.
Cemitério do Faxinal.
80
549237 / 6861631
1018
Esquerda
Interrupção no muro portão do Cemitério
do Faxinal.
81
549290 / 6861713
1015
Esquerda
Taipa de pedra com muro na perpendicular.
82
549310 / 6861734
1010
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular e interrupção do muro
porteira.
83
549282 / 6861786
1015
Esquerda
Taipa de pedra com cerca de arame na
perpendicular.
84
549355 / 6861974
1010
Esquerda
Base de taipa de pedra oblíqua.
85
549377 / 6861986
1014
Direita
Reinicio de muro de taipa de pedra.
86
549378 / 6862165
1000
Centro
Área de alargamento do corredor.
87
549401 / 6862160
1000
Direita
Fim do muro da taipa.
88
549471 / 6862191
1000
Direita
Reinicio de muro de taipa de pedra com
cerca de arame farpado.
89
549421 / 6862242
1001
Esquerda
Interrupção no muro porteira.
90
549595 / 6862258
985
Direita
Taipa de pedra com cerca de arame na
oblíqua.
91
549660 / 6862321
988
Esquerda
Fim do muro da taipa.
92
549672 / 6862325
986
Direita
Interrupção no muro travessia de curso de
água.
93
549712 / 6862372
964
Direita
Interrupção no muro porteira.
94
549643 / 6862352
979
Esquerda
Reinicio de muro de taipa de pedra.
103
550337 / 6862926
1080
Direita
Interrupção na taipa cruzamento de
estrada.
104
550439 / 6863306
1036
Direita
Fim de trecho de taipa.
105
550509 / 6863418
1000
Direita
Reinicio do trecho de taipa.
106
550831 / 6863746
1010
Esquerda
Reinicio da taipa e vértice com muro na
perpendicular.
107
550920 / 6863848
995
Esquerda
Interrupção na taipa porteira.
108
550999 / 6863894
1016
Direita
Corredor com muro e cerca de arame
farpado perpendicular.
109
551005 / 6863912
1010
Direita
Alargamento e modificação do corredor
110
551132 / 6864072
1056
Direita
Interrupção na taipa porteira.
111
551139 / 6864146
980
Esquerda
Inicio da taipa sem cerca de arame.
112
551266 / 6864244
997
Direita
Inicio da taipa, cerca de arame entre o muro
e a estrada.
113
551262 / 6864337
921
Direita
Corredor com muro perpendicular.
527
114
551305 / 6864418
975
Esquerda
Reconstrão de taipa.
115
551376 / 6864698
960
Esquerda
Fim de trecho de taipa e travessia de curso
de água.
116
551368 / 6864717
893
Direita
Travessia do arroio Carazinho e taipa
perpendicular a estrada costeando o arroio.
117
551329 / 6864818
901
Direita
Inicio de muro de taipa com vértice.
118
551269 / 6864895
961
Esquerda
Inicio de muro de taipa.
119
551221 / 6864974
960
Esquerda
Fim de trecho de taipa.
120
551238 / 6864995
967
Esquerda
Inicio de muro de taipa.
121
551316 / 6865080
978
Direita
Trecho de taipa com cerca de arame.
122
551277 / 6865138
956
Esquerda
Interrupção na taipa porteira.
123
551355 / 6865185
963
Esquerda
Fim de trecho de taipa e travessia de curso
de água.
124
551393 / 6865142
972
Direita
Interrupção na taipa porteira.
125
551332 / 6865144
950
Centro
Travessia do arroio Cará.
126
551437 / 6865168
945
Direita
Inicio taipa após o arroio Cará.
127
551408 / 6865184
952
Direita
Vértice e taipa com cerca de arame.
128
551362 / 6865210
958
Esquerda
Inicio taipa após o arroio Cará.
129
551386 / 6865221
953
Esquerda
Trecho de taipa com cerca de arame.
130
551321 / 6865434
934
Centro
Curva fechada.
131
551411 / 6865432
983
Direita
Interrupção na taipa porteira.
132
551424 / 6865433
1017
Centro
Curva fechada.
133
551417 / 6865462
998
Esquerda
Desvio da taipa.
134
551460 / 6865561
1000
Esquerda
Interrupção na taipa porteira.
135
551518 / 6865594
1000
Esquerda
Cerca de arame na perpendicular.
136
551618 / 6865651
1042
Direita
Sistema de drenagem.
137
551609 / 6865654
998
Esquerda
Sistema de drenagem.
138
551801 / 6865771
1041
Direita
Interrupção na taipa porteira.
139
551774 / 6865803
1011
Esquerda
Interrupção na taipa porteira.
140
551801 / 6865798
1000
Esquerda
Cerca de arame na perpendicular.
141
551998 / 6865914
1014
Esquerda
Fim de trecho de taipa com cerca de arame.
142
552063 / 6866093
1019
Esquerda
Interrupção na taipa porteira.
143
552116 / 6866127
1004
Direita
Sistema de drenagem.
144
552108 / 6866163
1029
Esquerda
Interrupção na taipa.
145
552111 / 6866149
1000
Direita
Cerca de arame e porteira na perpendicular.
146
552153 / 6866495
1070
Direita
Sistema de drenagem.
147
552190 / 6866557
1071
Direita
Interrupção na taipa porteira.
148
552180 / 6866697
1053
Esquerda
Fim de trecho de taipa.
149
552194 / 6866736
1048
Esquerda
Reinicio de trecho de taipa.
150
552207 / 6866748
1044
Esquerda
Trecho com desvio de taipa.
151
552311 / 6866849
1064
Direita
Cerca de arame e porteira na perpendicular.
152
552526 / 6866679
1063
Direita
Sistema de drenagem.
153
552575 / 6867015
1055
Direita
Cerca de arame na obliqua.
154
552644 / 6867176
1034
Esquerda
Inicio de trecho com desvio de taipa.
155
552624 / 6867216
1029
Esquerda
Fim de trecho com desvio de taipa.
156
552629 / 6867346
1071
Direita
Cerca de arame na perpendicular.
157
552598 / 6867380
1015
Esquerda
Inicio de trecho de taipa soterrada.
158
552602 / 6867422
1000
Esquerda
Fim de trecho de taipa soterrada.
159
552593 / 6867420
1015
Esquerda
Sistema de drenagem.
160
552630 / 6867618
1016
Direita
Cerca de arame e porteira na perpendicular.
528
161
552625 / 6867689
989
Esquerda
Sistema de drenagem.
162
552498 / 6867961
1000
Esquerda
Interrupção acesso.
163
552507 / 6868047
1000
Centro
Área alargada.
164
552444 / 6868058
1010
Esquerda
Interrupção porteira.
165
552457 / 6868093
1000
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
166
552503 / 6868179
980
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
PONTOS AVALIADOS NO TRECHO B
Pt.
UTM
Alt.
Margem
Características
01
553977 / 6871088
1004
Direita
Inicio de taipa junto ao trecho A.
02
553967 / 6871069
1028
Esquerda
Inicio de taipa junto ao trecho A.
03
553799 / 6871191
1008
Direita
Interrupção porteira.
04
553470 / 6871606
964
Direita
Sistema de drenagem dreno.
05
553455 / 6871594
1005
Esquerda
Sistema de drenagem dreno.
06
553439 / 6871625
1000
Centro
Senda com erosão.
07
553408 / 6871658
995
Esquerda
Sistema de drenagem dreno.
08
553408 / 6871667
991
Esquerda
Sistema de drenagem dreno.
09
553410 / 6871689
996
Esquerda
Cerca de arame na perpendicular.
10
553407 / 6872371
960
Centro
Área alargada.
11
553356 / 6872441
955
Esquerda
Fim da taipa a beira do rio.
12
553546 / 6872474
1029
Direita
Fim da taipa a beira do rio.
13
553612 / 6872626
960
Direita
Inicio da taipa a beira do rio.
14
553129 / 6872593
967
Esquerda
Inicio da taipa a beira de um afluente do
rio.
15
553082 / 6872655
980
Centro
Senda no interior do corredor.
16
552970 / 6872691
990
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
17
552685 / 6873283
995
Direita
Sistema de drenagem interruão na
taipa.
18
552465 / 6873474
1000
Esquerda
Sistema de drenagem interruão na
taipa.
19
552430 / 6873528
1085
Direita
Sistema de drenagem desvio da taipa.
20
551973 / 6874025
1050
Centro
Cerca de arame no interior do corredor.
21
551956 / 6874058
1094
Direita
Fim da taipa no entroncamento com a
estrada municipal.
22
551938 / 6874054
1049
Esquerda
Fim da taipa no entroncamento com a
estrada municipal.
529
PONTOS AVALIADOS NO TRECHO C
Pt.
UTM
Alt.
Margem
Características
01
556070 / 6874953
978
Direita
Inicio da taipa na estrada municipal.
02
556051 / 6874944
1035
Esquerda
Inicio da taipa na estrada municipal e
muro de taipa na perpendicular.
03
556051 / 6874969
1030
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
04
556023 / 6875033
1020
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
05
556031 / 6875039
1020
Centro
Muro de arrimo de base de ponte e local de
travessia de córrego.
06
556013 / 6875113
1038
Centro
Senda profunda no corredor.
07
555991 / 6875133
1037
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
08
556000 / 6875169
1038
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
09
556019 / 6875162
1024
Direita
Fim de trecho de base de muro.
10
556028 / 6875211
1029
Direita
Reinicio de trecho de base de muro.
11
556024 / 6875233
1034
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
12
556055 / 6875297
1050
Direita
Muro de taipa na perpendicular.
13
556057 / 6875320
1052
Direita
Muro de taipa na perpendicular.
14
556014 / 6875438
1050
Direita
Fim do trecho de base de taipa.
15
556007 / 6875500
1059
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
16
555953 / 6875772
1026
Direita
Sistema de drenagem dois drenos.
17
555903 / 6876170
1040
Centro
Curva com alargamento de corredor e
sendas com amontoamento de rochas.
18
555895 / 6876334
1017
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
19
555917 / 6876466
1005
Esquerda
Muro de taipa na perpendicular.
20
555978 / 6876497
995
Centro
Cerca de arame na perpendicular no
interior do corredor.
21
555976 / 6876491
990
Direita
Interrupção na taipa porteira.
22
555984 / 6876495
990
Direita
Muro de taipa na obliqua.
23
555962 / 6876564
988
Esquerda
Interrupção na taipa porteira e desvio.
24
555991 / 6876580
980
Direita
Inicio de trecho de base de taipa.
25
555990 / 6876634
980
Direita
Fim do trecho de base de taipa.
26
555968 / 6876608
980
Esquerda
Fim do trecho de base de taipa.
27
556005 / 6876693
964
Direita
Fim do trecho de corredor.
530
PONTOS AVALIADOS NO TRECHO D
Pt.
UTM
Alt.
Margem
Características
01
549052 / 6876163
997
Não
aplicado
Inicio da taipa em estrada de acesso a
fazenda.
02
549130 / 6876896
990
Esquerda
Inicio da taipa do corredor e vértice em
ângulo reto.
03
549156 / 6876895
986
Direita
Inicio da taipa do corredor e porteira.
04
549159 / 6877171
985
Direita
Cerca de arame na perpendicular do
corredor.
05
549121 / 6877457
980
Direita
Cerca de arame na perpendicular do
corredor.
06
549122 / 6877475
985
Direita
Interrupção na taipa porteira.
07
548968 / 6877514
966
Esquerda
Base da taipa.
08
548926 / 6877530
960
Esquerda
Reinicia taipa em elevação.
09
548865 / 6877568
940
Direita
Interrupção na taipa porteira.
10
548838 / 6877572
935
Centro
Muro de taipa perpendicular no interior do
corredor.
11
548834 / 6877564
935
Esquerda
Taipa reconstruída
12
548677 / 6877612
930
Direita
Interrupção na taipa mata burro e
porteira.
13
548659 / 6877586
937
Esquerda
Reinicio de taipa original.
14
548507 / 6877612
925
Direita
Interrupção na taipa travessia de córrego.
15
548480 / 6877616
929
Esquerda
Interrupção na taipa travessia de córrego
e acesso a fazenda.
16
548439 / 6877690
935
Esquerda
Interrupção na taipa porteira.
17
548375 / 6877787
922
Esquerda
Travessia de córrego.
18
548394 / 6877793
920
Direita
Muro de taipa parcialmente soterrada.
19
548529 / 6878019
920
Direita
Interrupção na taipa porteira.
20
548534 / 6878096
931
Esquerda
Sistema de drenagem dreno.
21
548560 / 6878084
922
Direita
Sistema de drenagem dois drenos.
22
548577 / 6878486
904
Direita
Sistema de drenagem dreno.
23
548462 / 6879131
880
Direita
Taipa com cerca de arame farpado.
24
548421 / 6879191
889
Esquerda
Fim de taipa junto à estrada municipal.
25
54843 / 6879226
889
Direita
Fim de taipa junto à estrada municipal.
26
548405 / 6879302
880
Não
aplicado
Travessia do rio Pelotinhas.
531
ANEXOS
532
ANEXO A DOCUMENTO: PROJETO DE BENEFICIAMENTO DE 30
LÉGUAS DO CAMINHO DO SERTÃO QUE HA NA ESTRADA QUE SEGUE
DESTA CAPITANIA PARA O RIO GRANDE”
533
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO AHU
Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania de São Paulo 1644-1830
Grupo de arquivos: Administração central - ACL
Fundo: Conselho Ultramarino CU
Série: 023
Caixa: 27
Documento: 1232
Folhas: 1, 1 v., 2, 2 v. e 3
Transcrição: Julia Massucheti Tomasi
Revisão: Ana Lucia Herberts
Data: 20/08/2008
Ortografia original
OFÍCIO do Governador e Capitão General da Capitânia de São Paulo, Antônio José
da Franca e Horta, ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Visconde de
Anadia, [João Rodrigues de e Melo Meneses e Souto Maior] sobre projeto de
beneficiar 30 léguas do caminho do sertão que liga a Capitânia de São Paulo ao Rio
Grande. São Paulo, 4 de março de 1806. Anexos: ofício, ofício (cópia).
[fl. 1] Ill.
mo
e Ex.
mo
Snr‟
Nesta ocazião escrevo ao Ex.
mo
/ Senhor Luiz de Vasconcelos sobre o projeto
que tenho formado de beneficiar / 30 Legoas do Caminho do Sertão que ha na
Estrada que segue desta Capi- / tania para o Rio Grande; Obra, e Servisso o mais
importante que pode em- / prehender para augmeto das Rendas Reaes de S. A., e
Comodidade / Geral do Publico, como espero V Ex.
ca
conceitue a vista das razoens
que exponho / na Copia junta.
Deos Guarde a V Ex.
ca
S. Paulo 4 de Março de 1806
.
/
.
Ill.
mo
e Ex.
mo
Snr‟ Visconde de Anadia
Antonio Joze da Franca, e Horta
[fl. 2] Anno de 1806 / N.° 11 2.ª V
Ill.
mo
e Ex.
mo
Senhor.
Nesta ocazião escrevo ao Ex.
mo
Snr. / Luiz de Vasconcellos e Souza sobre o
projecto que tenho formado de benefi- / ciar 30 Legoas de Caminho do Sertão que
na Estrada que segue desta / Capitanîa para o Rio Grande: obra, e serviço o
mais importante que / pode emprehender-se para augmento das Rendas Reaes de
534
Sua / Alteza, e Commodidade geral do Publico, como espero V. Ex.ª concei- / e a
Vista das razoens que exponho na Copia junta.
Deos Guarde a V. Ex
.ca
S.
m
Paulo 4 de Março de / 1806
.
/
.
Ill.
mo
e Ex.
mo
Snr‟ Visconde de Anadia
Antonio Joze de Franca, e Horta
[fl. 3] Copia
Ill.
mo
e Ex.
mo
Snr‟. Estendendo continuamente as minhas vistas a tudo q.
to
/
directa, ou indiréctamente pode prosperizar a Agricultura, Comercio, e Navegação
desta / Capitanîa, não obstaculo, ou deficuldade, q. eu sem uzar de
Constrangimento deixe de / providenciar, e remover por todos os meios q. me são
possiveis, podendo felizmente glo- / riarme de haver ja concluido no meu tempo
muitas obras de Conhecida utilidade / para o Publico, e para o Estado. A factura, e
Concertos das Es- / tradas, q. tanta atenção mereceu sempre as Naçoens Cultas,
hum dos objectos q. / mais asiduamente me tem occupado, a fim de facilitar o
transporte dos Effeitos do / interior para a Marinha, bem como as Mercadorias q.
entrão da Marinha p.ª / o interior, e posso segurar a V. Ex.
ca
q. nunca servirão no
Estado em q. actualmente / se achão, os Caminhos q. seguem desta Capital para a
Villa de Santos, para a de Itú, / e para a Cidade do Rio de Janeiro, q. são os mais
concideraveis, pela sua maior, e mais / importante frequencia. Não acontece assim
com a Estrada que / desta Capitanîa p.ª o Continente do Rio Grande, Estrada
tão interessante ao Pu- / blico como a S. A. R., pois basta dizer-se q. p.
r
ella passão
annualmente tantos / Mil Animaes Vacuns, Mulares, e Cavallares q. o Contrato
dos Meios Direitos / q. pagão na Villa de Coritiba / porque a outra metade a
percebem os Herdeiros da / Caza Doada / foi arematado este ultimo triennio por
39:500$000 r
.s
, sendo isto a bem / dizer nada em comparação do q. os mesmo
Animaes vão pagar, entrando para as / Capitanias de Minas Geraes, Goyaz, e Matto
Grosso. Nesta Estrada / q. da Villa de Coritiba até a Serra de Viamão se contão
160 legoas de maus Caminhos, / há sobre tudo hum Sertão de Mattos Geraes q.
pouco excede a 30 legoas, situado entre / a Freguezia de Santo Antonio da Lapa, e
a Villa das Lages na estrema desta Capitanîa, / em cujo Sertão pelos maus passos
q. tem, e passagens de Rios se calcula morrerem todos / os annos a metade dos
Animaes q. nelle entrarão, em consequencia do q. vem S. A. R. a / perder a metade
dos Direitos q. delles perceberia, sem fallar no prejuizo q. exprimentão / os
Condutores destas Tropas, muitos dos quaes ficão perdidos sem recurso, não
chegando / a tirar do mesmo Sertão Animaes vivos com q. paguem as despezas do
535
Costeio q. até ali / tem feito. A continuada série destas perdas, faz q. o Povo Clame,
e re- / queira a factura de huma Estrada, q. unica, desde o restabelecimento
deste Governo até / o prezente. Sei q. muitos dos Meus predecessores, conhecendo
a sua importan- / cia se propuzerão a factura desta obra maz pensando no grande
dispendio q. exigia nos / muitos Artigos q. primeito se devem prontificar, e sobre
tudo no tempo q. levaria a comple- / tarse todos elles dezistirão desta empreza, pelo
poucos ajustado principio de não trabalha- / rem hum para gloria de outros. Eu
porem q. só cuido em preencher os me- / us deveres e ter a satisfação de q. no meu
tempo não deixei de promover tudo aquillo q. pode / concorrer p.ª augmentar os
Reaes interesses, havendo desde o principio do meu Governo dado / ouvidos a
quantas propoziçoens se me fizerão tendentes a beneficiar o dito Caminho, tenho fi-
/ nalmente concebido o projecto da sua execução, de modo tal, q. a Real Fazenda
de S. A. / não venha a dispender coiza alguma em tão interessantissima obra. Eu
vou expor / a V Ex.
ca
o rezultado das minhas deligencias. Sabendo q. na
Conformida- / de da Provizão de 9 de Mayo de 1747 Documento N.° 1.°, tem a Caza
Doada o- / brigação de Concorrer com a metade de toda a Despeza q. se fizer a
beneficio dos Meios / [fl. 3 v.] dos Meios Direitos q. percebe da passagem dos
Animaes naquelle Registo, propuz / este objecto em Junta, com o dizignio de ser
ella quem tome Conhecimento da execu- / ção desta grande obra, e Condordando
todos em q. de facto assim devia ser pelo proveito / q. igualmente lhe vem a
rezultar, entrei a ver por todos os modos como grangearia / o animo dos Negocios, e
Tropeiros p.ª a outra a metade v.
to
q do seu p.
ar
interêsse hera nascido / o impenho,
e a eficacia com q. solicitavão a factura ao dito Caminho.
Para bem me segurar das suas disposiçoens. Ordenei Officialmente ao
Ouvidor de / Paranaguá Documento N.° 2°, puzesse em Praça a factura do
mencionado Cami- / nho, declarando a formalidade, com q. devia ser feito, e
suposto não houvesse pessoa / q. se abalançasse a arematala, Documento N.° 3.°,
o q. eu mais queria sucedeu, porq / alvoraçado o Povo com a Rezolução q. eu
mostrava, se inflamou, e passárão os principa- / es a fazer p a dita obra o
Voluntario offerecimento q. mostra o seu assignado Docum.
to
/ N.° 4.° com o qual
me inviou a Camera da Villa de Coritiba a Reprezentação N.° 5.°
Ora como em todo aquelle Destricto apenas se acha o Tenente Coronel /
Manoel Gonçalves Guimaraes, q. seja capaz de dezempenhar a execução desta
grande obra / tanto em razão das suas possibilidades, e estabelecimentos q. ali tem,
como p
.r
ser do todo / de hum genio activo, emprehendedor, e cheio de Patriotismo,
eu o tenho muito tempo / aliciado, e de prezente se acha nesta Capital a donde o
536
atrahy p.ª me dar huma completa / Noção do mesmo Caminho, e sobre tudo p.ª o
reduzir a q. seja elle o Arematante, visto / não haver outro de iguaes predicados, e
ficar-me a obra a mais de 100 Legoas de distan- / cia, onde não posso hir sem
expressa permissão de S. A. Incluzo tem / V. Ex.
ca
o Mappa q. este homem me
aprezentou do Caminho do Sertão Documen- / to N.° 6.° Mappa q. eu lhe havia
recomendado, e q. ainda q. grosseiro tem com tu- / do o Merecimento da exaptidão
por se na Conformidade da Escala q. o acompanha, / verificado sobre o proprio
terreno. Igualmente remeto o Calculo do prejuizo q. an- / nualmente redunda com a
Mortalidade dos Animaes assim a S. A, como ao Comercio, / Documento N.° 7.°, o q.
assaz comprova a importancia, e a necessidade da factura do mesmo / Caminho.
Depois de repetidas Conferencias q. com este homem tenho tido, / nas quaes se tem
ampliado em parte, e em parte restringido [?] as reflexoens a principio feitas / p.ª a
abetura do Caminho, afinal o tenho disposto a lançar mão delle, e fazer este assig- /
nalado servisse ao Estado maz porq. elle me ponderou, e de facto conheço ser precizo
reforça- / rem os Negociantes a impozição de q. trata o seu Assignado N.° 4.°, me
deliberei absorver / a Camera da Villa de Coritiba o Officio constante N.° 8.°, e logo q.
ella / como espero condescen- / da com a minha propozição, mando pôr a Obra em
Praça, e dou todas as providencias necessa- / rias p.ª q. sem perda de tempo se
entre na sua execução. Dezejo q. V. Ex.
ca
dando com as / suas grandes Luzes, e
Conhecimentos praticos a esta Obra o Valor que ella merece haja de expor / na Real
Prezença de Sua Alteza a sua importancia para que dignando-se / o mesmo Senhor
aprovala, possa eu ter a satisfação de haver dado principio a / huma empreza, de
que tantas utilidades vão rezultar, não só a esta Capitanîa, / maz geralmente a todas
as do Brazil, pois como V. Ex.
ca
sabe todas ella dependem / para as suas
Conduçoens dos Animaes do Rio Grande, que infalivelmente tem / de passar pelo
dito Caminho. Sendo por Outra parte de igual, ou ainda ma- / ior ponderação, e
Vantagem para o Estado, que aquelle Sertão se povoe, pois q. para / ali
confrontamos com as Missoens Hespanholas, e deste modo se consegue haver huma
/ Estrada de Comunicação para o dito Rio Grande, pela qual sem obstaculo possa /
[fl. 4] possa marchar qualquer soccorro precizo em tempo de Guerra. Deos guade / a
V. Ex.
ca
S.
m
Paulo de Março de 1806. Ill.
mo
e Ex.
mo
Snr Luiz / de Vazconcellos e
Souza.... Antonio Joze da Franca e Horta
.
/
.
Conforme / Luiz Antonio Souza de Carvalho
Arquivo Digital AHU_SP_20
537
ANEXO B PLANTA DA MANGUEIRA DO PASSO SANTA VITÓRIA
538
539
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