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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
RONALDO TADEU DE SOUZA
ANÁLISE DA TEORIA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA:
UM ESTUDO CRÍTICO SOBRE JOSEPH SCHUMPETER.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2008
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2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
RONALDO TADEU DE SOUZA
ANÁLISE DA TEORIA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA:
UM ESTUDO CRÍTICO SOBRE JOSEPH SCHUMPETER.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência
parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais Área
de Concentração em Ciência
Política pela Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, sob a orientação do Prof.
Doutor Cláudio Gonçalves
Couto.
SÃO PAULO
2008
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3
Banca Examinadora
_____________________
_____________________
_____________________
4
Para minha esposa Andréia e minha
filha Laís. Por tudo...
5
AGRADECIMENTOS
Meu pai Getúlio Machado e minha Mãe Maria da Graça são responsáveis por
este trabalho. Agradeço ao meu orientador Cláudio Gonçalves Couto por ter conduzido
este trabalho com generosidade e rigor intelectual. Agradeço ao Cláudio também por ter
me introduzido no mundo acadêmico desde a época de iniciação científica.
Mônica de Carvalho foi quem primeiro me incentivou a empreender uma
pesquisa de mestrado e tentar construir carreira acadêmica: agradeço a ela
inestimavelmente. A professora Teresinha Bernardo sempre foi solicita e afetuosa nos
momentos em que tive dificuldade para seguir adiante, obrigado.
Na disciplina de Seminário de Pesquisa Carmem Junqueira me ensinou a
penetrar na complexa teia de exposição de um trabalho acadêmico, sou grato a ela.
Cristiane, Marcos e Thalita da secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais sempre foram atenciosos nos momentos em que precisei. Agradeço ao sociólogo
Cristian Castillo da Universidade de Bueno Aires e da Fração Trotskista por me
fornecer materiais importantes sobre a história política dos Estados Unidos.
Meus sinceros agradecimentos a dona Leonilda e Lilian R. Fonseca por tudo o
que fizeram e fazem por mim e minha família.
Valdemar e Ermeli foram interlocutores importantes para a realização desta
pesquisa.
Ao CNPQ pelo financiamento de pesquisa sem o qual a mesma não teria sido
possível.
Para Renan, Jacqueline e Robson, meus irmãos: que este trabalho lhes sirva de
estimulo e esperança.
Eximo a todos de minhas limitações.
6
Resumo
O presente tem como objetivo o estudo da teoria democrática contemporânea,
especificamente, o estudo da teoria elitista da democracia de Joseph Schumpeter. A
teoria democrática após e Segunda Guerra Mundial foi influenciada decisivamente pelas
concepções de democracia de Joseph Schumpeter. Isto significa dizer que a disciplina
de ciência política foi influenciada também, pelas concepções da democracia elitista de
Schumpeter. A teoria de Schumpeter sobre a democracia buscou resolver à questão de
como limitar a participação e intervenção do homem do povo nas decisões de Estado.
Para responder isto Schumpeter recorre a algumas variáveis. Dentre estas destacamos os
parâmetros do regime parlamentar inglês e a funcionalidade dos partidos social-
democratas. Estas duas variáveis permitiram a Joseph Schumpeter a definir democracia
como um método institucional que permite a seleção de lideres através da luta pelos
votos do povo.
Diversos autores e correntes democráticas haviam criticado a teoria restrita de
democracia do economista austro-americano, como por exemplo: os participativistas
Carole Pateman e Peter Bachrach e o deliberativista Jürgen Habermas; mas todas se
mostraram insuficientes. Por isso escolhemos empreender este estudo crítico a partir da
teoria política marxista, mais precisamente da teoria marxista que foi contemporânea a
Joseph Schumpeter, ou seja, a teoria marxista do começo do século XX. Isto se justifica
também pelo fato de que o próprio Schumpeter em sua obra “Capitalismo, Socialismo e
Democracia” empreende uma crítica ao socialismo marxista para construir sua teoria da
democracia baseada na liderança e na exclusão do povo da política.
Nosso método consistiu em analisar os pontos principais do texto central de
“Capitalismo, Socialismo e Democracia”, a saber, o texto da Parte IV - “Socialismo e
Democracia”. Também utilizamos como método investigações histórico-político que
serviram ao próprio Schumpeter para construir sua teoria. Nossa hipótese é que a teoria
da liderança democrática de Joseph Schumpeter era uma tentativa de elaborar uma
estrutura conceitual que permitisse a manutenção do equilíbrio instável do regime de
dominação burguês.
Palavras Chaves: Democracia, Teoria Democrática, Liderança, Marxismo.
7
Abstract
This aims at studying the contemporary democratic theory, specifically, the study
of theory elitist democracy of Joseph Schumpeter. The democratic theory and after
World War II was decisively influenced by the ideas of democracy of Joseph
Schumpeter. This means that the discipline of political science was also influenced by
the ideas of democracy elitist of Schumpeter. The theory of Schumpeter on democracy
sought resolve the question of how to limit the participation and assistance from the
man of the people in the decisions of state. To answer this Schumpeter draws on some
variables. Among those highlighted the parameters of the English parliamentary system
and functionality of the social democrat parties. These two variables allowed Joseph
Schumpeter to define democracy as an institutional method that allows the selection of
leaders through the fight for votes of the people.
Several authors and democratic currents had criticized the theory of limited
democracy in the Austro-American economist, for example: the participativistas Carole
Pateman and Peter Bachrach and deliberativista Jürgen Habermas, but all were
inadequate. So I chose undertake this critical study from the Marxist political theory,
more precisely the Marxist theory that was contemporary with Joseph Schumpeter,
namely the Marxist theory of the beginning of this century. This is also justified by the
fact that Schumpeter himself in his work "Capitalism, Socialism and Democracy"
undertakes a critique of Marxist socialism to build his theory of democracy based on
leadership and the exclusion of people from politics.
Our method was to analyse the main points of the central text of "Capitalism,
Socialism and Democracy", namely the text of Part IV - "Socialism and Democracy."
We also use as a method historical research-politician who served on Schumpeter to
build their own theory. Our hypothesis is that the theory of democratic leadership of
Joseph Schumpeter was an attempt to develop a conceptual structure that would allow
the continuation of the unstable equilibrium of the bourgeois domination.
Keywords: Democracy, Democratic Theory, Leadership, Marxism.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO I Joseph Schumpeter: A teoria do procedimento democrático
transforma-se em teoria da Democracia. 13
CAPÍTULO II: Para uma Teoria que Critique Joseph Schumpeter: dos
participativistas à contribuição marxista. 35
CAPÍTULO III - Joseph Schumpeter e o Equilíbrio Instável na Democracia
Inglesa. 59
CAPÍTULO IV - A Social-Democracia na Teoria Democrática de Schumpeter: a
outra figura o equilíbrio instável. 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS 98
BIBLIOGRAFIA 101
9
“... Ensinamentos arcanos chegam até os cavalheiros. São eles os herdeiros.”
Perry Anderson
“Somos todos obrigados, para tornar a realidade suportável, a alimentar dentro em
nós algumas pequenas loucuras.”
Marcel Proust
10
Introdução
A presente pesquisa tem como objetivo uma análise da teoria democrática
contemporânea. Seu enfoque específico é o estudo da concepção elitista da democracia
contida na obra “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, de Joseph Schumpeter,
publicada em 1942. Após a Segunda Guerra Mundial a democracia ou o regime
democrático tornou-se um fato consumado
1
. O ponto comum da maioria dos que
participaram do conflito contra a Alemanha nazista e a Itália fascista era: o de que antes
de tudo estava-se lutando contra regimes políticos (o totalitarismo) que combatiam a
democracia e seus valores e que no pós-guerra a mesma deveria ser uma “profissão de
fé”. Assim tanto quanto a democracia e seus valores aparecem como um “lugar comum”
para as estruturas de governo e poder, as teorias que informam e interpretam o que é ou
deveria ser esta democracia também ganham, em quantidade e qualidade.
A quantidade de livros, textos e pesquisas sobre o que seria uma teoria
democrática correta e cientificamente comprovada publicados na segunda metade do
século XX era grandiosa. Citemos dentre estes: “Democracia e Totalitarismo” de
Raymond Aron, “A Democracia Liberal” de C.B. Macpherson, “Um Prefácio à Teoria
Democrática” de Robert Dahl, “A Invenção Democrática” de Claude Lefort e “La
Vision del Mundo Aristocrática y la Democrática” e La Tareas de la Filosofia
Marxista em la Nueva Democracia” de Georg Lukács. Dentro desta constelação de
escritos sobre teoria da democracia a mais influente, sem duvida, é a elaborada pelo
economista austro-americano Joseph Schumpeter. E não a mais influente, mas
também a que havia demolido suas competidoras. Assim,
Por algum tempo depois da Segunda Guerra Mundial, travou-se um
debate entre aqueles que, na linha clássica, definiam democracia
segundo fonte ou propósito e o crescente número de teóricos que
aderiam ao conceito processual de democracia, à maneira
schumpeteriana. Nos anos 70 o debate tinha terminado e Schumpeter
vencera (HUNTINGTON, 1994, P.16).
Meu objetivo é analisar criticamente esta teoria vencedora e seu núcleo
fundante, que vem a ser o seguinte: “o método democrático... é o arranjo institucional
1
Deve-se observar que ainda que consumada a democracia como credo após a Segunda Guerra Mundial
existiram países que mantiveram e aplicaram regimes militares, o os casos respectivos de Portugal,
Espanha e os golpes ditatoriais na América Latina.
11
para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decidir
através de uma luta competitiva pelos votos do povo” (SCHUMPETER, 1984, p....).
A influência da teoria democrática de Joseph Schumpeter não se restringe
apenas à teoria da democracia. Ela passou a ocupar um lugar preponderante na
disciplina de ciência política. Com efeito, compreender, analisar e criticar a teoria
schumpeteriana da democracia é, em alguma medida, compreender, analisar e criticar a
disciplina de ciência política. A preponderância da teoria democrática de Schumpeter na
ciência política é tanto maior, na medida em que ocorre de maneira direta e indireta. Da
maneira direta e explicita pode ser verificado através das obras de David Truman,
Bernard Berelson, Paul Lazarsfeld, William Kornhauser, Robert Dahl, Giovanni Sartori
e Norberto Bobbio
2
. De maneira “indireta” e “subterrânea” pode ser observado em
autores como Wright Mills
3
, Hannah Arendt, Claude Lefort e Cornélio Castoriadis
4
.
O elemento mais importante da teoria schumpeteriana e que merecerá nossa
atenção principal é: o papel vital da liderança no regime democrática a partir da
incapacidade política do povo em tomar decisões governamentais. É em torno desta
questão que Joseph Schumpeter irá construir todo o arcabouço conceitual de seu
pensamento democrático. Efetuar, portanto, uma análise crítica deste elemento é
oferecer ao mesmo tempo uma alternativa às proposições do economista austríaco, ou
ao menos fornecer variáveis para a consecução deste objetivo. Concernente ainda à
problemática acima na teoria democrática de Schumpeter deve-se notar que o autor é
um intelectual austríaco escrevendo e pesquisando no mundo norte-americano, vale
dizer, Joseph Schumpeter herda a cultura político-intelectual do mundo germânico e a
leva para o ambiente político norte-americano ele olha a mecânica política norte-
americana a partir daquela perspectiva.
Minhas hipóteses de trabalho são que: 1) Joseph Schumpeter influenciado pela
problematização da democracia presente em autores como Max Weber e Carl Schmitt
no contexto de transformação social decorrência das revoluções socialistas reelabora a
construções daqueles no âmbito da mecânica política dos Estados Unidos e Inglaterra;
2) a teoria da democracia de Schumpeter não é reelaborada no contexto americano e
inglês, mas é impactada por estes, e, observa-se uma resolução para algumas
indagações presentes na problematização da democracia no contexto de transformação
social; 3) a teoria da liderança democrática schumpeteriana apresenta uma
2
Cf. David M. Ricci Democracy Attenuated: Schumpeter the Process Theory, and American Democratic
Thought in The Journal of Politics, v.32 nº 2 1970.
3
A influência da teoria elitista de Schumpeter em Wright Mills é sugerida por Peter Bachrach em seu
Crítica de la Teoria Elitista de la Democracia p.91 a 104 ed. Amorrortu 1967.
4
Cf. João Quartim de Moraes A Universalidade da Democracia: esperanças e ilusões in Revista Ad
Hominen tomo 1 1999.
12
condicionante de funcionamento através dos partidos social-democrata como elementos
de contenção do movimento de massas e 4) estes pontos, disponibilizados pela teoria
democrática de Joseph Schumpeter, têm como objetivo, a manutenção do equilíbrio
instável ou da estabilidade relativa do regime de domínio burguês.
Meu esforço nesta pesquisa é comprovar estas hipóteses de trabalho e contribuir
para o debate em torno da teoria democrática contemporânea no que concerne aos seus
limites e possíveis alternativas.
13
CAPÍTULO I Joseph Schumpeter: A teoria do procedimento democrático
transforma-se em teoria da Democracia.
Antes de reconstruir as variáveis que formam a teoria democrática de Joseph
Schumpeter e apresentar a crítica, no presente capítulo examinarei o que é a concepção
schumpeteriana de democracia, especificamente, o conceito que organiza e estrutura o
conjunto da teoria. O modelo de análise e exposição neste momento irá privilegiar o
tratamento meramente “textual” da teoria de Schumpeter, vale dizer, abordar a
configuração interna dos pontos centrais da democracia de liderança schumpeteriana.
Este procedimento é fundamental para entendermos o que Schumpeter queria realmente
dizer, e isto na medida mesma em que é imprescindível na discussão acerca do
significado e do destino do modelo de democracia elaborado pelo economista e cientista
político autro-americano, tanto na ciência política como no mundo propriamente
político.
É na parte IV de “Capitalismo, Socialismo e Democracia” intitulada
“Socialismo e Democracia” que Schumpeter constrói a mais influente teoria
democrática do século XX. É apenas em quatro capítulos distribuídos em pouco mais de
70 páginas (no interior de um livro com mais de 500), que Schumpeter vai
disponibilizar para a ciência política contemporânea, um corpo conceitual interpretativo
acerca do que seja a democracia. Quatro elementos dão conteúdo à sua concepção de
democracia: 1) a crítica à relação ortodoxa e até então vigente entre democracia e
socialismo; 2) a construção mental hipotética de procedimentos não-democráticos com
ações democráticas (e o inverso: procedimentos democráticos com ações não-
democráticas); 3) a crítica a uma teoria clássica da democracia e 4) a criação de uma
outra teoria democrática. Schumpeter vai formular, ainda, os condicionantes para o
funcionamento da democracia de liderança.
I
Para construir sua teoria da democracia com plena “legitimidade” e alcançar
seus objetivos conceituais Schumpeter necessitava discutir prioritariamente uma teoria
que fosse antípoda à sua e que possuísse ao mesmo tempo profunda penetração no
mundo intelectual e político no período. Surge aqui, seu diálogo com o marxismo e a
ditadura do proletariado – com a teoria socialista da democracia. Nesta abordagem
Schumpeter coloca-se numa posição que apresenta três características: primeiro, até um
14
determinado momento histórico seria praticamente impossível negar que os socialistas
faziam parte do “clube democrático”; e mais, que o movimento socialista apresentava-se
ao povo como único defensor de uma democracia verdadeira, e que, por corolário,
segundo os socialistas, as outras concepções de democracia eram apenas simulacros
para enganar os cidadãos uma imitação burguesa. Schumpeter ainda mostrava que a
teoria socialista da democracia partia do pressuposto de que, uma vez que os meios de
produção da vida material estão em posse da burguesia com o intuito de explorar a força
de trabalho, a possibilidade de administração blica dos negócios tendo em vista a
comunidade era obstaculizada; ou seja, os socialistas inferem daí que a relação entre
democracia e posse privada dos meios de produção ocorre em detrimento substancial da
primeira. Segundo, dado o esquema marxista da relação entre democracia e meios
privados de produção, Schumpeter avalia que os socialistas efetivariam qualquer
empreendimento para superar as mazelas provocadas pelos meios de produção,
inclusive negar a democracia. Tratando do “Manifesto Comunista” e da revista alemã
Neue Zeit, Schumpeter é explicito ao afirmar que Marx e seus seguidores não
tergiversariam sobre os procedimentos para se alcançar o prometido mundo livre e
verdadeiramente democrático. Assim, a
Revolução o significa, necessariamente, uma tentativa da maioria
de impor seus desejos a um povo recalcitrante; pode significar apenas
a remoção de obstruções opostas à vontade do povo por instituições
desgastadas, controladas por grupos interessados em sua preservação.
A ditadura do proletariado pode ter uma interpretação semelhante.
Em apoio a isso, posso mais uma vez apontar para a terminologia das
passagens relevantes do Manifesto Comunista, onde Marx fala de
arrancar as coisas da burguesia gradativamente e do desaparecimento
das distinções de classe ”no curso do desenvolvimento” expressões
que a despeito da ênfase na “força”, parecem apontar para um
procedimento que se pode inserir no significado de democracia, tal
como ordinariamente entendido ... uma impressão baseada numa
olhada nos volumes do Neue Zeit, devo admitir a possibilidade de que
se tivesse de escolher Marx poria o socialismo acima da observância
aos procedimentos democráticos (SCHUMPETER, 1984, p. 296,
297).
Dessa forma, a reconstrução da teoria política marxista efetuada por Schumpeter
oferece uma transformação importante na relação entre democracia e socialismo, de tal
modo que a força e essência programática do socialismo levariam à indiferença
concernente ao procedimento democrático, ou seja, segundo Schumpeter a disposição
do movimento socialista em realizar seu programa de superação do modo capitalista de
15
produção (prejudicial para a igualdade e a democracia mesmo) os tornaria contrários aos
métodos democráticos.
A terceira posição de Schumpeter, a partir dos dois pontos acima expostos pelo
autor, era inevitável: a relação construída historicamente pelos marxistas e o movimento
socialista entre a democracia e o socialismo não passava de argumento propagandístico,
que “um exame da experiência dos partidos socialistas, é inevitável surgirem duvidas
acerca da validade de suas declarações de que uniformemente defenderam o credo
democrático.” (SCHUMPETER, 1984, P. 298). Após esta abordagem categórica
concernente ao sistema teórico socialista e sua relação “insincera” com o credo
democrático dando origem a uma incompatibilidade entre a democracia e o socialismo,
Joseph Schumpeter historiciza as causas do agora presente antagonismo entre a
democracia e o socialismo perscrutando a experiência política dos partidos socialistas.
A prática dos partidos socialistas na compreensão de Schumpeter, sempre foi de
flexibilização e placidez com relação ao processo democrático. A evidência que mais
fundamentalmente corrobora esta formulação de acordo com Schumpeter é o partido
Bolchevique na Rússia. Nesta constelação de inimigos da democracia, pode-se observar
que um grupo partidário minoritário oferece ao povo um programa sem discussões
alternativas (competição entre programas), e o que mais denota a recusa ao clube de
democratas é a “eleição com candidato único, complementada pelos julgamentos
exemplares e pelos métodos da G.P.U.” (SCHUMPETER, 1984, p. 298). Aqui, fica
claro que para a concepção de democracia schumpeteriana, que começa a se configurar,
a inexistência de discussões competitivas entre programas, bem como a incapacidade de
se instaurar eleições com candidatos também em competição é o que qualifica a
experiência socialista na Rússia como avessa à democracia, ou mais especificamente, ao
procedimento democrático.
A crítica de Schumpeter ao seu principal antípoda acontece até quando alguns
partidos socialistas defendem com relativa veemência a democrática. Os exemplos
elencados por Schumpeter neste ponto são: os partidos socialistas da Inglaterra, Suécia e
Alemanha. Deste modo, a adesão histórica destes partidos à democracia deve-se à
circunstância política de serem constrangidos por seu ambiente social de existência a
proclamar a profissão de democrática, ou seja, na medida em que os partidos
socialistas da Inglaterra, Suécia e Alemanha atuam em contextos de forte tradição
democrática, mesmo pautados pelo esquema marxista das coisas, são obrigados a
renderem reverência, e até praticarem, ações procedimentais democráticas. Entretanto,
16
não fosse esta situação particular, esses partidos abdicariam da metodologia
democrática em favor do socialismo. Outro fator de pressão para que os partidos
socialistas acabem transigindo à democracia é o combate a regimes políticos não-
democráticos. Quando no interior de uma celeuma histórica entre uma não-democracia e
uma democracia, os socialistas de todos os matizes convergem, vitalmente, para o credo
democrático, mas passado o torvelinho retornam à sua crença inabalável no socialismo.
Citando argumento de Fritz Adler e documentos do partido húngaro, Schumpeter
corrobora sua análise historicizada da incompatibilidade entre democracia e socialismo;
Os socialistas austríacos aderiram a democracia em 1918 e em 1919,
quando essa ainda não era, como logo depois se tornou, uma questão
de autodefesa. Mas durante os poucos meses em que a
monopolização do poder pareceu a seu alcance, a posição de muitos
deles não foi inequívoca. Nessa ocasião, Fritz Adler referiu-se ao
princípio da maioria como o fetichismo da fantasia da aritmética e
muitos outros deram de ombros às regras democráticas de
procedimento... na Hungria, a questão do caminho ... a visão do
partido era ‘não apreciamos particularmente a perspectiva de ter de ir
para a esquerda [= adotar métodos soviéticos]. Mas se tivermos de
fazê-lo, então todos nós teremos de ir’ (SCHUMPETER, 1984, p.
301).
Agora fica claro que o diálogo desenvolvido por Schumpeter com os socialistas
e o pensamento marxista, era não desconstruir a relação orgânica que estes
propugnavam entre democracia e socialismo, mas mobilizar argumentos para começar a
formação do procedimento democrático como algo indubitável no mundo político.
Entretanto, havia outros elementos para a teoria procedimental da democracia
transformar-se em democracia. Irrompe aqui, o experimento mental schumpeteriano.
II
Transfigurar o método democrático em Democracia para Schumpeter seria
manipular de tal maneira a arquitetura conceitual fazendo-a mostrar a impossibilidade
de duvida quanto ao objeto propagandeado. Claro está que uma penetração absoluta no
mundo empírico perturbaria o escopo a ser atingido, que aquele reserva não raro
surpresas incontroláveis e um volume incomensurável de evidências – tanto as que
comprovem a armação teórica, como as que a desaprovem. Assim, Joseph Schumpeter
após construir teoricamente a incompatibilidade entre democracia e o movimento
17
socialista, necessitava edificar os pressupostos de sua teoria da democracia. Seu recurso
só poderia ser um construto mental
5
.
Antes de empreender a análise do experimento mental schumpeteriano, uma
breve observação relacionada à empiricidade ou não do recurso. Disse acima que para
conseguir lograr sua teoria procedimental em Democracia livre de duvidas, Schumpeter
recorreu a uma “negação” do mundo empírico absoluto, ou seja, ele apresenta seu
construto mental como uma questão configurada apartada de elementos materiais da
vida social. Todavia, Schumpeter, na formação das variáveis que sustentam seu
experimento mental, utilizou (com perspicaz indiferença), de elementos empírico-
históricos. A característica desta utilização, no entanto, era a de uma falácia do mundo
empírico. Em outras palavras, Schumpeter manipula certos fatos da realidade histórica
para manter em pé seu construto mental. O que então nos informa o experimento
democrático schumpeteriano?
Se, o movimento socialista é, a partir de sua lógica interna de argumentação,
antagônico à democracia, de acordo com a crítica de Schumpeter isto significa que nem
sempre (e para o autor quase nunca) a política ou “estratégia política” que adere ao povo
ou às suas reivindicações substanciais
6
culmina em democracia. No decurso histórico,
invariavelmente, ocorrem circunstancias especificas em que para se chegar à essência
democrática, tendo em vista, a necessidade do povo, vale-se de procedimentos não-
democráticos
7
. Alem disso, e isto é o mais fundamental na configuração do experimento
mental do cientista político austro-americano. O governo, ao longo da história, para
5
Toda teoria pode ser uma construção mental. A teoria da democracia de Joseph Schumpeter não
poderia diferenciar-se disto. Entretanto, a ênfase dada a um construto mental como recurso demonstrativo
do procedimento democrático como livre de duvidas e incertezas revela em Schumpeter o quanto o
recurso mesmo era impreterível para a consecução dos seus objetivos, ultrapassando assim, o
convencionalismo de toda teoria como um construção mental. Nota-se também neste ponto especifico
uma ambigüidade em Schumpeter, pois ele próprio se coloca como um autor no campo da analise realista;
o que significa dizer que por coerência lógica a utilização de um construto mental seria um equívoco.
6
É certo que nem sempre o movimento socialista e seus idealizadores apresentaram estratégias e
programas políticos que articulassem substancialmente vontade do povo e democracia, exemplo disto é o
posicionamento de Rosa Luxemburgo após a revolução russa quanto à autodeterminação das
nacionalidades russas e distribuição de terra entre os camponeses. Nos dois casos Rosa apresentava um
programa-estratégia contrário ao dos Bolcheviques, ou seja, apresentava um programa que naquele
momento especifico em alguma medida era contra aos desejos dos povos das nacionalidades e dos
camponeses na Rússia, mas não deixa de ser verdade histórica que foram os socialistas que melhor
representaram o desejo do povo. E mais: mesmo a democracia burguesa (em termos substanciais) foi mais
advogada pelos oponentes da burguesia do que pela classe burguesa mesma. Cf. sobre esta discusão,
Rosa Luxemburgo A Revolução Russa ed. Vozes1991, Max Beer História do Socialismo e das Lutas
Sociais p.522 a 576 ed. Centro do Livro Brasileiro s/d. e Leo Kofler Contribuicion a la Historia de la
Sociedad Burguesa p. 444 a 480 ed. Amorrortu 1997.
7
Nota-se que Schumpeter ao longo de sua construção contra os socialistas não especifica o que são
procedimentos não-democráticos do ponto de vista da vida política. Podemos deduzir que sejam:
revoluções, democracia direta e participação (não no sentido dos participativistas: “controle” dos
representantes e Accountability) da maioria do povo nas principais decisões do “governo”.
18
satisfazer a opinião pública, praticava (e pratica) coisas indesejáveis tendo como
parâmetro o processo democrático. Neste ponto Schumpeter serve-se de três exemplos:
as primitivas execuções dos cristãos eram certamente aprovadas pela
opinião pública e provavelmente não seriam mais se Roma fosse uma
democracia pura ... A caça às bruxas nos outro exemplo. Cresceu
da própria alma das massas e era qualquer coisa menos uma invenção
diabólica dos padres e príncipes que, pelo contrário, suprimiram logo
que se sentiram capazes de fazê-lo... No final do século XVII e no
século XVIII ou seja, quando o absolutismo monárquico estava
plenamente estabelecido no continente –, as proibições
governamentais acabaram por prevalecer. A maneira curiosamente
cuidadosa com que uma regente tão forte quanto a Imperatriz Maria
Tereza procedeu na proibição dessa prática mostra claramente que ela
sabia estar lutando contra o desejo de seu povo (SCHUMPETER,
1984, p. 302 E 303).
Isto posto, fica patente que nesta variável de sustentação do experimento mental
de Schumpeter, a substância democrática oferece uma dupla inversão: por um lado
aquilo que ortodoxamente é tido como processo democrático não o é; vale dizer, em
diversos momentos da história dos homens atitudes políticas tomadas a partir do desejo
da maioria, de acordo com Schumpeter, não combinam com a democracia; por outro
lado, o povo, que seria o bastião da democracia e imputaria a mesma a seus
governantes, apresenta atitudes políticas não-democráticas. Em síntese: neste ponto,
mediante este construto mental, Schumpeter procura consolidar a observação de que
estruturas e procedimentos políticos que se assentam ingênua e idealmente na opinião
do povo são antidemocráticas. Dessa forma, Joseph Schumpeter nos transporta para o
núcleo referencial do seu experimento mental.
A experiência hipotética que o autor nos propõe esta assentada por uma simples
e “descomprometida” indagação. O sentido mesmo da pergunta efetuada por
Schumpeter já começa a estabelecer o credo dos democratas. Diz ele;
Transportemo-nos a um país hipotético que de maneira democrática,
pratica a perseguição dos cristãos, a queima de feiticeiras, o massacre
dos judeus. Certamente não aprovamos essas práticas apenas porque
foram decididas de acordo com as regras do procedimento
democrático. Mas a questão crucial é: preferiríamos a própria
constituição democrática que produziu tais resultados a uma não-
democrática que os evitasse? Se não preferirmos, estaremos nos
comportando exatamente como os socialistas fervorosos, para quem o
19
capitalismo é pior que a caça as bruxas e que, portanto, estão
dispostos a métodos antidemocráticos que o suprimam
(SCHUMPETER, 1984, p.303).
A construção mental de Joseph Schumpeter é explicita: a conformação de uma teoria
democrática deve ser, antes de medidas substanciais pautadas pelo desejo da maioria,
um conjunto de regras e normas procedimentais. Com efeito, a resolução efetiva de
problemas candentes na ordem social pode ser colocada sob as normas processuais: de
acordo com o experimento, o desejo da maioria seria é indiferente. Assim, a
democracia é um método político, ou seja, certo tipo de arranjo
institucional para se alcançarem decisões políticas legislativas e
administrativas –, e portanto não pode ser um fim em si mesma, não
importando as decisões que produza sob condições históricas dadas
(SCHUMPETER, 1984, p. 304).
O ponto de partida da teoria schumpeteriana da democracia erigida a partir do
experimento mental acima, estabelece duas situações insubstituíveis para o arcabouço
geral do sistema democrático de liderança: a primeira é que se a democracia é um
método indiferente quanto às resoluções efetivas a serem tomadas na vida social ela,
inevitavelmente, não pode ser um fim em si mesmo que neste caso, se confundiria
com a opinião do cidadão comum, na medida em que a democracia tornar-se-ia um
valor realmente substancial, de tal modo que poderia resolver positivamente questões
importantes do convívio social ; segundo, a noção de que a conformação de um valor ou
ideal pode ser uma meta da democracia entra em conflito com o procedimento
democrático, isto ocorre porque em um dado ambiente social a multiplicidade de
valores e os rios momentos da história em que determinados valores foram discutidos
pode distorcer a efetivação do valor e do ideal como fenômenos absolutos – para
Schumpeter o método para se chegar a decisões políticas deve se colocar
indiferentemente frente a estas questões
8
.
8
“Se concordamos que uma adesão incondicional à democracia pode dever-se apenas a uma adesão
incondicional a certos valores ou ideais a que a democracia pode servir, nossos exemplos também
excluem a objeção de que, embora a democracia não seja um ideal absoluto em si própria, é, entretanto,
um ideal delegado, pois necessariamente, sempre e em todas as partes, servirá a certos interesses ou
ideais pelos quais desejamos lutar e morrer incondicionalmente. Obviamente, isso não pode ser
verdade. Assim como qualquer outro método político, a democracia não produz sempre os mesmos
resultados nem promove os mesmos interesses ou ideais.”(grifo meu) Joseph Schumpeter Capitalismo,
Socialismo e Democracia p. 304 e 305 ed. Zahar 1984. É característica da ciência política pós-
20
Schumpeter ainda nota a problemática que seu construto mental ocasiona e para
se prevenir de incoerências argumentativas, subsidia uma solução teórica. Quando
infere de sua construção que o procedimento democrático não se articula por meio de
resoluções efetivas da vida social e da conformação de um valor (substantivo),
Schumpeter desloca sua análise para a interação entre o conjunto de procedimentos e a
capacidade do eleitorado dar origem ao governo. Se, a negação da resolução efetiva das
necessidades sociais e a conformação de um valor ou ideal estabelece um procedimento
democrático que observa com indiferença e neutralidade os problemas vigentes no
ordenamento social e que são de interesse do cidadão comum , fica claro que o processo
de formação do grupo (neste caso o processo o as eleições) que tomará as decisões
pode excluir parcelas da população do instrumento de voto. A resposta fornecida por
Schumpeter à problemática que aparece no interior de sua própria argumentação é
reafirmação do procedimento democrático, ou seja: na vigência de distorções quanto ao
acesso ao instrumento eleitoral que persistiu ao longo da história nas sociedades
humanas, baseado na insuficiência de aptidões – deve-se resguardar a definição do
modus operandi da democracia. Com isto, à pergunta “Há um tipo de atitude religiosa
para a qual um herético parece pior que um louco... se segue daí que o herege deva ser
excluído da participação em decisões políticas, tal como lunático?” a resposta lógico-
operacional da construção schumpeteriana é que uma: “... conclusão inescapável é
normalmente evitada introduzindo-se suposições adicionais na teoria do processo
democrático...” (grifo meu) (SCHUMPETER, 1984, p. 307). Com efeito, o que está
consolidado até este momento na teoria política de Schumpeter por intermédio do
construto mental é a identificação do método democrático como Democracia. Mais à
frente discutirei com precisão esta identificação operada por Schumpeter, assim como
os primeiros elementos do que entendo como democracia.
III
O movimento socialista era, na compreensão de Schumpeter, incompatível com
a democracia. Porém, o que dizer do vínculo orgânico entre o Bem comum e a
schumpeteriana nos Estado Unidos a abdicação de valores e ideais em favor de discussões
excessivamente cientificistas, ou seja, discussões que utilizam em alto grau dados empíricos, fórmulas
geométricas e gráficas bem como construções lógico-argumentativa com caráter de “neutralidade”. A
utilização de dados empíricos é uma conquista insubstituível nas ciências sociais, o próprio movimento
socialista não seria tão contundente e importante em suas análises se não fosse a utilização de pesquisas
empíricas, exemplo maior disto é o livro de Lênin “Imperialismo Fase Superior do Capitalismo” em
Lênin comprova a existência da nova fase do capitalismo através de dados empíricos e numérico.
Entretanto, a exclusão de valores e ideais como destituídos de cientificidade (segundo a ciência política
elitista) é que torna a ciência político pós-schumpeteria nos Estados Unidos excessivamente cientificista
deturpando, inclusive, seus próprios objetivos. Cf. Peter Bachrach “Critica de la teoria elitista de la
democracia”, p. 55 nota 5 ed. Amorrortu Editores 1967.
21
democracia defendido por alguns dos teóricos clássicos da política. Pois, a característica
nuclear da teoria clássica da democracia apresentava a esta como lugar privilegiado para
a realização da vontade coletiva do povo. Schumpeter, que havia respondido
criticamente à teoria socialista, e sua convicção quanto à possibilidade de resolver as
mazelas humanas através da superação do modo de produção burguês (o que para o
cientista social autro-americano implicava colocar o socialismo em primeiro plano em
detrimento da democracia), teria que responder, agora, à disposição da vontade comum
dos cidadãos em alçar-se à esfera decisória da política e realizar a democracia.
Schumpeter aborda a teoria democrática clássica tendo em vista a relação lógica
entre as demandas da coletividade e a vontade racional do povo. De acordo com a
leitura de Schumpeter
9
a teoria clássica apresentava um consenso concernente às
demandas políticas mais necessárias baseado na racionalidade do povo. Com isto,
ocorreria, ainda segundo a leitura proposta por Schumpeter da democracia clássica, o
fenômeno político de inequivocabilidade da administração pública, ou seja; na medida
em que, segundo Schumpeter, a vontade geral (e suas demandas mais essenciais) deve
ser transferida (imperativamente) para a conduta das instituições governantes, e estas
não facultariam a possibilidade de mitigar de forma negativa aquela, pois a vontade
geral está pautada pelo principio consensual da razoabilidade comum presente em
todos os cidadãos (individuais). Mas a refutação de Schumpeter a esta teorização é:
categórica. O ponto de partida da crítica de Schumpeter é irremediável. Diz ele,
“Em
primeiro lugar, não existe algo que seja um bem comum unicamente determinado, sobre
o qual todas as pessoas concorrem ou sejam levadas a concordar através de argumentos
racionais” (SCHUMPETER, 1984, p. 314).
Para Schumpeter a dinâmica societária não representa o desejo particular de
cada indivíduo em que todos buscam impor sua vontade aos outros –, mas o
entendimento variado do que é ou seria uma demanda social em circunstâncias
específicas. Deste modo, aquilo que se patenteia por demanda comum de toda a
coletividade diluí-se na corrente infindável das múltiplas demandas sociais a serem
escolhidas.
Valendo-se de uma micro-análise, o cientista social austro-americano, coloca
outra indagação quanto à existência ou não do Bem comum. Se, eventualmente, poderia
haver demandas públicas comuns no contexto social, a incerteza quanto ao momento e
9
“Leitura de Schumpeter...” já que Carole Pateman afirma que Joseph Schumpeter cria e analisa um mito
da democracia clássica. Cf. Carole Pateman Participação e Teoria Democrática p. 28, 29 e 30 ed. Paz e
Terra 1992.
22
ao elemento empírico em tensão a ser satisfeito e resolvido entraria em evidencia.
Schumpeter, esta convicto de uma descontinuidade política entre o Bem comum e os
pontos constitutivos isolados e parciais dele mesmo.
Através dos dois elementos acima expostos da crítica de Schumpeter à
democracia clássica, pode-se verificar que a impossibilidade para a existência da
vontade do povo e sua transfiguração em Bem comum ocorre porque os diversos pontos
de formação das sociedades humanas, suas demandas comuns e as partículas isoladas
que as formam, criam um obstáculo incomensurável para a consecução de um núcleo
político determinado e “estável” em torno do qual possam girar as atividades da
administração governamental. Assim, “a não ser que exista um centro, o bem comum
em torno do qual, ao menos no longo prazo, todas as vontades individuais gravitem, não
chegaremos àquele tipo particular de volonté générale natural” (SCHUMPETER, 1984,
p. 316).
Ainda que os argumentos críticos acima bastassem para transformar a teoria
clássica da democracia em pó, pois retiram seus fundamentos básicos de sustentação
vontade comum, bem comum, razoabilidade e consenso da demandas –, Schumpeter vai
construir a partir de agora o quadro de referencia central da teoria da liderança
democrática
10
. Ele vai criticar, com alta intensidade, a incapacidade do homem comum
em tomar decisões políticas. Sua abordagem aqui é radical e intransigente.
Em seu primeiro movimento relacionado à incapacidade do homem comum
governar, Schumpeter parte do pressuposto de que não e razoável considerar a vontade
comum do povo, aquém e além das imposições condicionadas por fatores externos, de
tal modo que aquilo que os cidadãos entendam como bem comum seja interpretado
como suas próprias competências intelectuais. O volume das evidências, diz
Schumpeter, fornece-nos, justamente o contrario. A teoria do método democrático,
portanto, no seu metamorfosear em Democracia, deve atentar para que,
10
A literatura, invariavelmente, entende que o aspecto mais importante da teoria democrática de Joseph
Schumpeter reside no momento em que ele forja uma “outra teoria da democracia” a partir do seu método
de seleção de lideranças pelo voto do povo nas eleições. Se é verdade que toda a armação teórica
elaborada por Schumpeter confluem para o método institucional de seleção de lideranças, o que significa
a evidência mesma da liderança no conjunto do sistema democrático, o é menos verdade que o ponto
central de sua teoria, também pode ser encontrado em outro lugar. Meu ponto de argumentação sugere
que o núcleo da teoria schumpeteriana da democracia encontra-se quando o autor, decisiva e
ofensivamente, demonstra a incapacidade do cidadão comum tomar “atitudes grandiosas” nas altas esferas
da política governamental o passo seguinte da conceituação do autor era um “simples”
condicionamento. Minha argumentação diferencia-se neste ponto também, daquelas que afirmam que
Schumpeter objetivava na verdade atacar o socialismo em sua teoria do procedimento democrático. Esta
análise pode ser encontrada em Tom Bottomore As Elites e a Sociedade ed. Zahar 1965.
23
Em particular, ficamos ainda com a necessidade prática de atribuir à
vontade do indivíduo uma independência... Para podermos
argumentar que a vontade dos cidadãos per se é um fator político
merecedor de respeito, ela primeiro deve existir. Ou seja, ela deve ser
algo mais que um feixe indeterminado de impulsos vagos que
volteiam em torno de palavras de ordem ou de impressões
equivocadas. Todos teriam de saber precisamente o que desejam.
Essa vontade definida teria de ser implementada pela capacidade de
observar e interpretar corretamente os fatos... E tudo isso o cidadão
típico teria de dizer por si mesmo e independentemente de grupos de
pressão e da propaganda... (SCHUMPETER, 1984, p. 317).
O tipo de compreensão que o cidadão comum tem da política é
significativamente tecido a partir de uma convivência (realística) desequilibrada. A
formação das necessidades sociais não tem sua gênese no preciso momento em que o
cidadão começa a discutir quais as causas de suas mazelas e quais os instrumentos
disponíveis para conformar as resoluções devidas. Schumpeter esclarece que no
fundamento primevo das necessidades existentes, ocorre uma imputação ao homem do
povo daquilo que é facultativamente passível de ser uma demanda importante numa
dada quadratura histórico-social. Para Schumpeter ainda, mesmo quando eventualmente
o cidadão típico participa da política e mostra quais são as suas demandas mais
prementes, existe um aspecto de fundo que o faz intervir de maneira singular.
A formação da incapacidade do homem comum participar da política tendo em
vista uma imputação externa da demanda era complementada por fatores internos aos
indivíduos. Se, a teoria da democracia clássica assenta-se na razoabilidade do
consentimento do homem simples e consegue tornar palpável a vontade comum (algo
que Schumpeter demoliu e transformou em pó...) a teoria do procedimento
democrático demonstra ao contrário que o povo guia-se na política por construções
extra-racionais e irracionais. Deste modo, a postura do povo concernente à política
democrática é: infantil, primitiva e de propensões criminosa. Deve-se notar que a
premissa da teoria da liderança democrática de Schumpeter, neste ponto, não argumenta
sobre a incapacidade absoluta de o povo vivenciar a política; o fulcro da teorização aqui
encerra a questão de qual é o cunho desta vivência política. Com constância a
capacidade do homem do povo em participar da democracia, resume-se em ações
destemperadas e a cuidar com zelo, das coisas politicamente diminutas
11
. Cabe então a
11
Este elemento da teoria da liderança democrática está forte e organicamente articulado com a política
de Estado (razão de Estado) das nações, sobretudo das grandes potências. Pois o método democrático está
24
pergunta: o que do ponto de vista schumpeteriano são ações políticas destemperadas e
coisas politicamente diminutas? Para ele,
fenômenos da psicologia das multidões... aparecem de maneira tão
clara na turba, em particular um reduzido senso de responsabilidade,
um vel mais baixo de energia de pensamento e uma sensibilidade
maior às influencias não-lógicas (SCHUMPETER, 1984, p. 322).
E mais, a política para o homem comum é,
decisões da vida diária que se inserem no estreito campo que a mente
individual do cidadão alcança com um senso pleno de sua realidade.
De maneira geral, tal campo consiste nas coisas que diretamente se
referem a ele, sua família, seus negócios, seus passatempos, seus
amigos e inimigos, sua cidade ou bairro, sua classe, igreja,
sindicato... as coisas sob sua observação pessoal, as coisas que lhe
são familiares, independentemente do que o jornal lhes diz, que ele
pode influenciar ou dirigir diretamente e pelas quais ele desenvolve
um tipo de responsabilidade induzida por relação direta com os
efeitos favoráveis ou desfavoráveis de determinado curso de ação
(SCHUMPETER, 1984, p.323 e 324).
Com isto, Joseph Schumpeter sepulta qualquer vislumbre quanto às
possibilidades do homem comum ter uma atividade política com relação às grandes
questões da política nacional. A formulação do procedimento democrático e sua
transfiguração em regime político, de acordo com Schumpeter definem-se pelo
entendimento exato da insuficiência (e/ou inexistência) da faculdade política do cidadão
comum.
Assim o fato da democracia clássica acreditar na disposição do povo em exercer
sua vontade política é o motivo de sua falta de sustentação argumentativa como mostra
a construção conceitual de Joseph Schumpeter acima referida. Deste modo,
diagnosticada a atimia mental do povo no campo da política a quem resta a condução
do governo democrático? Condução do governo democrático para Schumpeter é antes
fundamentalmente ligado às grandes decisões políticas; por isso o cidadão típico não possui estrutura
mental suficiente para agir na esfera governamental. O que vêm a serem para Schumpeter grandes
decisões políticas tem que ser compreendido no quadro da relação entre as estruturas de Estado e a fase
histórico-política do conceito de imperialismo. Cf. Giacomo Marramao – O Político e as Transformações:
Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e trinta p. 11 a 71 ed. Oficina de Livros
1990.
25
de tudo a formulação “artificial” de demandas e, conseqüentemente, a tomada de
decisão sobre as mesmas. Quando as necessidades surgem na vida social,
artificialmente, expressam a circunstância de que um conjunto restrito de profissionais
as impulsionaram de tal modo que a solução das mesmas fique no interior do grupo
(limitado) que as criou. É por isso que na teoria da democracia de Schumpeter,
a vontade do povo é o produto e não o motor do processo político. As
maneiras pelas quais os temas e a vontade popular a respeito de
qualquer tema são manufaturadas... é exatamente análoga às da
publicidade comercial (SCHUMPETER,1984, p. 329).
A utilização de terminologia técnica da economia, do comercio e do mercado
por Schumpeter demonstra mais uma vez que o método democrático tem que,
impreterivelmente tornar-se uma Democracia indiferente frente aos desejos mais
essenciais dos cidadãos, vale dizer, tanto quanto o socialismo e a democracia clássica
são teorizações da substancialidade da democracia baseada na visão de uma vida melhor
para a humanidade; a teoria democrática de Schumpeter tem como resposta para eles em
seu combate, o reconhecimento da democracia como um procedimento que se funda na
incompetência política do cidadão que de forma bucólica age na política com a
indiferença de quem vai ao mercado e compra, ora a pasta de dente, ora a carne para o
churrasco no fim de semana e ora a calça jeans para o trabalho em um escritório e ainda
passa em um botequim e discute com seus amigos sobre o que farão no sábado tudo
isto produzido previamente. A teoria da liderança chega neste momento a seu ápice,
pois toda a armação construída por Schumpeter leva à seguinte postulação fatal: a
conformação das demandas político-democráticas como conseqüência inevitável da
abordagem acima ficará a cargo de: homens com vontade política; com objetivos
racionalmente definidos; com desejo de governar e com aguçado senso de
responsabilidade. Com efeito, o procedimento democrático ou Democracia é na teoria
schumpeteriana a existência de indivíduos vocacionados para a complexa vida política.
Joseph Schumpeter chega assim à demolição completa da teoria clássica da
democracia; ele está quase na definição do que é, verdadeiramente, uma teoria
democrática. Mas faltava ainda a derradeira e precisa configuração conceitual a partir
das argumentações anteriores.
26
IV
Joseph Schumpeter apresenta agora a síntese de toda a sua desconstrução, e,
feito isto, resta apenas para a Democracia,
o método democrático... o acordo institucional para se chegar a
decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão
através de uma luta competitiva pelos votos da população
(SCHUMPETER,1984, p.336).
A anterior definição da teoria democrática como um procedimento, não importando a
qualidade ou tipo de ação tomada daí em diante, era a primeira variável no sistema de
democracia apresentado por Joseph Schumpeter em substituição ao projeto socialista de
rendição da humanidade e da democracia clássica (vontade do povo, vontade comum,
consenso público e bem comum); mas estavam ausentes ainda três variáveis para a
formação completa do procedimento democrático. Primeiro, estava claro para
Schumpeter que a fraqueza teórica e a incoerência lógica da democracia clássica
fundavam-se na ingênua e incomprovada preponderância histórica do povo nas decisões
do governo, ou seja, no interior da teoria clássica existia um acordo (tácito ao menos)
quanto ao grau de importância do cidadão comum na construção da política
governamental. Agora, o acordo deveria ser invertido. Dessa forma, não mais uma
aceitação sobre a legitimidade do povo na política, mas a configuração de um acordo
institucional que conduzisse a vida política através de um conjunto complexo de regras
e normas de atuação no modo de formulação da política democrática. Schumpeter assim
cinge decisivamente – e aqui uma de suas inovações para a ciência política –, a
democracia à institucionalidade. Qual o significado schumpeteriano de acordo
institucional? É que na medida em que a democrática passa a ser um procedimento, a
comunidade política teria a necessidade impreterível de produzir as “discussões” e
resoluções políticas no interior das instituições, e isto deveria ser um acordo impositivo
e não contestado pelas principais forças político-partidárias de um dado país. Mais uma
vez: de democracia como vontade do povo à sua superação pelo procedimento
institucional como órgão de manufaturação de demandas e resoluções é a proposição
desta variável da teoria schumpeteriana de democracia.
Em seguida Schumpeter agrega a legitimidade quanto aos que promovem o
procedimento. Se, o procedimento cria a noção de institucionalidade acordada na
27
direção da democracia, haveria que se legitimarem os indivíduos que passariam a
decidir, no interior da instituição, a política ai lograda. O que Schumpeter pretende com
isto é dotar os homens vocacionados alçados ao governo de uma estrutura de proteção
contra eventuais agressões concernentes às atitudes tomadas na dinâmica da vida social
e política. É esta a essência mesma da frase “... os indivíduos adquirem o poder de
decisão.” Qual a força motriz desta engrenagem política e qual o instrumento que a
daria vida? A última variável que forma o procedimento democrático é uma resposta a
isto.
Joseph Schumpeter introduz nesta ultima variável a luta competitiva pelos votos
do povo travada pela liderança política. A distinção mais patente entre as teorias
socialista e clássica da democracia e a concepção schumpeteriana de democracia reside
na teoria da luta competitiva pelos votos do povo travada pela e no interior da liderança
política. O desdobramento da estrutura argumentativa de Schumpeter não deixava outra
alternativa com respeito ao mecanismo que colocaria em o procedimento. Quando o
autor apresenta o movimento socialista e seus divulgadores como incompatível com a
democracia e a teoria clássica da democracia como irrealizável face à insuficiência
intelectual do povo, busca não a crítica mesma dessas abordagens tradicionais; busca
sim a reunião plausível de evidências que dêem coerência gica e legitimação à teoria
da liderança, vale dizer, Schumpeter procura (obviamente) a construção de um edifício
teórico coerente e sustentável. Assim, sua única possibilidade era fornecer a luta
competitiva pelo voto do povo como instrumento para criar a democracia
procedimental. Note-se que enquanto o instrumento dos socialistas e da democracia
clássica na formação substancial da democracia ficavam assentados no desejo do povo,
na teoria schumpeteriana de democracia, o instrumento para originar o procedimento
democrático (não a democracia e as ações democráticas) estava, fortemente, vinculado à
restrita e indiferente luta entre lideranças no âmbito do processo eleitoral. A luta
competitiva das lideranças fornecia a diferenciação mais lógica e consistente em relação
à democracia do povo e a uma não-democracia.
Fica explicito para este arranjo procedimental que o seu componente principal
era: a liderança política. Se o povo não governa e decide por incapacidade intelectual, se
os socialistas são antagônicos a democracia, se a vontade comum é manufaturada, em
outras palavras, se tanto o primeiro como o segundo são destituídos de disposição
política, vontade para governar, racionalidade de ação, objetivos sensatos e ativo senso
de responsabilidade um setor social seria capaz de trazer todos esses atributos
28
políticos para a esfera do regime democrático; este setor era a liderança política dotada
para governar. Diz Schumpeter,
a teoria incorporada nessa definição nos todo o espaço necessário
para um adequado reconhecimento do fato vital da liderança. A teoria
clássica não fazia isso; como vimos, atribuía ao eleitorado um grau
completamente irrealista de iniciativa, que praticamente significa
ignorar a liderança... os coletivos agem quase que exclusivamente
através da aceitação da liderança – esse é o mecanismo dominante em
praticamente qualquer ação coletiva que seja mais que um reflexo. As
proposições sobre o fundamento e os resultados do método
democrático que levam isso em conta são infinitamente mais realistas
do que as que não a fazem (SCHUMPETER, 1984, p.337).
O resultado a que chega nossa análise até este ponto da teoria da liderança de
Schumpeter é que o procedimento democrático ganha vida, mantém-se e governa a
partir da relação entre lideranças em luta competitiva pelo voto e a demolição do
socialismo e da democracia clássica. Democracia e vontade (de decisão) da liderança
são, portanto, uma simbiose inescapável para Schumpeter e os democratas.
Como Schumpeter passa a apresentar uma teoria da liderança competitiva com
uma abordagem mais realista do mecanismo político democrático, ao contrário do
utopismo da democracia clássica, a coerência do argumento postulava uma aplicação
empírica do principio desenvolvido. Com isto “A teoria esboçada na seção precedente
será agora experimentada em alguns dos mais importantes aspectos da estrutura e
funcionamento da máquina política em países democráticos” (SCHUMPETER, 1984,
p.341).
A democracia de liderança se era indiferente quanto à essência mesma do povo
nas decisões de governo, não era no que concerne ao diagnóstico sobre quais países
avalizava a aplicação do principio. Com efeito, a diferenciação da maquina política
americana e inglesa possuía uma importância fundamental para Schumpeter, se não
substancial, ao menos instrumental na afirmação do procedimento democrático. A
aplicação do principio democrático efetuado por Schumpeter, tem como característica
uma oscilação analítica entre a história político-institucional dos Estados Unidos e da
Inglaterra e o valor intelectual do líder em impor sua vontade no interior do seu partido
e ao conjunto da nação. A descrição da mecânica política anglo-saxônica como padrão
empírico da teoria procedimental da democracia acontece porque é nestes dois países
29
que Schumpeter encontra o arranjo que proporcionará a competição das lideranças.
Deve ficar claro que o que seduz Schumpeter, sobretudo, é a aptidão da mecânica
político-institucional produzir um líder, diretamente, através do voto popular, ou ainda,
dar qualificação ao partido vitorioso e que conseqüentemente obtenha a maioria das
cadeiras a escolher a liderança nacional (e esta seu gabinete ministerial). Atinente ao
princípio do impulso intelectual do líder, Schumpeter, o corporifica, narrando os feitos
políticos de Gladstone na Inglaterra do inicio do século XX. A rigor, Gladstone não
ergue o partido liberal em meio a disputas acirradas (desvantajosas) contra outras
portentosas forças partidárias, como consegue num átimo conduzir e reerguer a nação
inglesa em torno de sua liderança. É assim que, esse exemplo muito ensina acerca do
funcionamento do método democrático” Gladstone, “é o espécime gigantesco de um
gênero normal. Os casos de ambos os Pitt, Peel, Palmertson, Disraeli, Campbell,
Bannermam e outros diferem apenas em grau” (SCHUMPETER, 1984, p. 344). Vale
dizer, Gladstone possui, “um chicote cujo estalo poderá jogar de joelhos seguidores
insatisfeitos ou conspiradores, mas que também açoitará a mão que não souber usá-lo”
(Idem, 1984, p.346). É notável a convicção de Schumpeter sobre as capacidades de
condução da democracia pela liderança política como resposta ao movimento socialista
e à ingenuidade da teoria clássica.
Dessa forma Joseph Schumpeter fecha o círculo de aço do procedimento
democrático, pois, apresentando à ciência política o princípio e sua aplicação padrão
(através dos modelos americano e inglês), ele encerra a demolição do socialismo e da
democracia clássica e, no mesmo movimento lógico, cria a teoria da liderança
democrática – transfigurando-a em Democracia. Para analisar o núcleo da problemática
de Schumpeter quando apresenta sua teoria procedimental da liderança democrática
como Democracia, apresentarei antes o que entendo por democracia; uma teorização
sobre o que pode ser uma democracia i nos auxiliar no entendimento do que
Schumpeter desejava transmitir com sua abordagem para a ciência política e os
políticos.
Uma “democracia” pode ser compreendida, plausivamente, não como um
regime político que realizaria todas as necessidades do “gênero humano
12
, pois estas
poderão ser eventualmente satisfeitas no momento em que a existência do Estado
fundado nas classes sociais começar a ser colocada em plano secundário, mas como um
12
Os discípulos de Georg Lukács invariavelmente quando abordam esta questão apresentam uma junção
orgânica e imanente entre “valores genéricos humanos” e a democracia como valor universal. Os mais
destacados entre aqueles são Carlos Nelson Coutinho e Agnes Heller. Para uma crítica desta posição cf.
João Quartim de Moraes – A Canonização da Democracia in Crítica Marxista nº. 12 2000.
30
conjunto de ações que possibilitem à grande maioria das massas trabalhadoras
reduzirem os elementos de desproporção
13
que vigora em qualquer representação
política de Estado. Os elementos de desproporção que apresentam todos os regimes de
representação política são originados pela abstração, presente na relação entre os
representantes e a maioria da população. E na medida em que a abstração parlamentar
se intensifica, mais a possibilidade da “democracia” diluir-se aparece. Assim, a
existência ou não de uma “democracia”, que não seja um procedimento institucional (ou
seja, o fetichismo parlamentar levado ao seu grau mais elevado), esta determinado pela
combinação de ações que dêem aos populares a capacidade de diminuir os pontos de
desproporção da representação de Estado
14
com atitudes políticas que impulsionem
efetivamente a diminuição dos elementos mesmos de desproporção
15
. Somente assim,
de meu ponto de vista, é que teremos condições de discutir e reivindicar a
“democracia”, não por sobre todos os outros valores existentes na sociedade e que
foram construídos historicamente, mas como um regime que poderá potencializar em
determinadas condições históricas nossos próprios valores.
Deste modo, a transfiguração do procedimento democrático em Democracia que
Schumpeter realiza em sua teoria efetua um mecanismo contrário do acima exposto.
Disto decorrem duas situações problemáticas: primeiro Schumpeter apresenta elementos
que reforçam os pontos de desproporção no sistema de representação; segundo, mesmo
não pretendendo apresentar uma democracia como regime político em si mesmo
superior, e sim uma teoria científica baseada na realidade da existência da liderança
política em competição pelo voto, no conjunto de sua argumentação existe uma
transformação do método institucional de seleção de lideranças em Democracia. Isto
fica evidenciado quando o autor fornece quatro condicionantes para a operação com
êxito benéfica do procedimento institucional. Ora! Porque uma teoria democrática que
parte da desqualificação de outras duas por apresentarem condicionantes para a
realização da democracia e que se funda como um método institucional realista
13
Sobre o conceito de representação como elemento de desproporção em qualquer regime político, cf.
Leon Trotsky História da Revolução Russa v.1 p. 194 e 299 ed. Saga 1967.
14
Uma das insuficiências dos teóricos participativistas em sua análise da teoria da liderança democrática
é não observar a questão do Estado. Tanto Carole Pateman como Peter Bachrach acabam por atribuir em
ultima instância as funções mais importantes de administração das estruturas de Estado às elites, deixando
para o cidadão comum uma participação ativa apenas no mundo cotidiano da fabrica e da pequena
localidade. Estes vistos ainda como um longo processo de Educação cívica.
15
Não é possível elencar nesta pesquisa muitas das ações e atitudes para se diminuir a desproporção do
regime de representação, mas três delas podem ser ditas: 1) o deslocamento da liderança política em
conjunto com a “instauração” da dualidade de poderes, 2) a “intervenção direta” no Estado da população
para a discussão e resolução dos principais problemas que a afligem (em nossa contemporaneidade o
desemprego, a guerra imperialista, a questão das nacionalidades, a saúde e a educação são os mais
candentes) e 3) mecanismos efetivos para a elevação cultural dos cidadãos trabalhadores. Deve-se atentar
que para a consecução destas ações e atitudes haveria a necessidade de um novo ordenamento social.
31
necessitaria de condicionantes operativos? Schumpeter discute uma teoria da
democracia como um método institucional cientificamente comprovado ou um regime
político de Estado? Seu objetivo resultou em apresentar à ciência política uma teoria
que poderia se transformar em uma conduta política de Estado, uma Democracia. A
problemática se agrava na medida em que ao encerrar a transfiguração Schumpeter, por
motivos que tentarei analisar nos capítulos à frente, não toca, intencionalmente, na
questão da desproporcionalidade presente no regime de representação política.
V
Ao método democrático como arranjo institucional para selecionar lideranças
que tomarão decisões legitimadas pelo voto da população, Schumpeter, advoga uma
série de condicionantes para avalizar o seu funcionamento. Ainda que o círculo do
procedimento democrático esteja completamente fechado, a inexistência destes
condicionantes tornaria o empreendimento inovador do economista autro-americano,
inoperante do ponto de vista institucional. Antes de analisar os quatro condicionantes
16
para a vitória da Democracia (o credo democrático) e concluir o capitulo, farei uma
observação quanto à aceitabilidade das condicionantes em relação ao cenário de
movimentação da teoria da liderança democrática.
A construção da Democracia como um procedimento indiferente à essência
mesma da política e dos cidadãos e suas necessidades lograda por Schumpeter ao longo
de sua teorização, prescinde de uma ancoragem societária. Aqui, a coerência
argumentativa do autor é explicita, pois seu objetivo primeiro é formular uma teoria
democrática destituída de “comprometimento” com dinâmica social.
Entretanto,
curiosamente no ponto final da elaboração quando Schumpeter oferece os
condicionantes da vida democrática, surge a determinação social para o funcionamento
positivo de todo o processo democrático. A determinação que Schumpeter adiciona à
teoria finca-se nas adequações favorecedoras das grandes nações industrializadas à
operacionalidade da democracia, ou seja, após uma exposição sobre o que significa
verdadeiramente a democracia Schumpeter assevera que esta tem a necessidade de estar
assentada em uma sociedade industrial desenvolvida
17
. Qual o sentido da articulação
deste argumento com os condicionantes propriamente ditos, dada a sua complexidade
16
Schumpeter desloca o quinto condicionante de êxito do método democrático para outro subtópico. Nele
consta não a figura institucional da operatividade, mas a introdução fundamental do socialismo no
arranjo democrático. Tratarei este ponto, dada sua importância para a estrutura do conceito
schumpeteriano de democracia, bem como para a presente dissertação, diretamente na parte da crítica.
17
Cf. Joseph A. Schumpeter – Capitalismo, Socialismo e Democracia pág. 361 ed. Zahar 1984.
32
para a teoria de Schumpeter, ficará evidenciado no momento da crítica ao conjunto
do sistema democrático do autor; pelo momento basta a observação descritiva.
Isto posto, as condições para a operacionalidade da teoria da liderança
democrática são: 1) um grupo minoritário de indivíduos que possuam alto grau de
vocação política, em outra palavras, profissionais da política que sejam dotados de
inspiração criativa e energia; 2) as decisões políticas têm que ser impreterivelmente
“técnicas”
18
“não deve estender-se muito longe” (SCHUMPETER, 1984, p.363); bem
entendido, os lideres políticos quando rezarem a Democracia, não obstante serem
legítimos, têm que limitar sua ações; 3) a presença de um competente corpo burocrático,
menos como setor técnico treinado para a administração pública do que com status de
tradição social e 4) o autocontrole democrático, no sentido schumpeteriano quer dizer
que o procedimento democrático não permite que destemperados tomem decisões
políticas. Em suma, a junção dos quatro condicionamentos vislumbrando a vida
Democrática e não o método institucional de seleção de lideranças pelo voto do povo
como teoria científica, pode ser definida como um recurso para o equilíbrio político
como “contra-ofensiva” ao radicalismo infantilizado das massas populares.
Qual o significado da teoria do procedimento democrático de Joseph
Schumpeter a partir da exposição feita? O que Schumpeter queria realmente transmitir
para a posteridade?
Tratar a teoria democrática de Joseph Schumpeter como mais uma abordagem
elitista sobre a política é, dentre inúmeros equívocos, subestimar a abrangência que
ganhou, bem como seu impacto na ciência política contemporânea. Schumpeter em um
espaço conceitual único crítica as duas principais correntes de teoria política e
democrática até aquele momento. A análise crítica que faz da incompatibilidade entre o
movimento socialista e a democracia por um lado e, por outro, a ingenuidade
argumentativa da teoria clássica concernente ao Bem comum e a capacidade política do
povo em governar possuía como feição uma rígida intransigência. Não bastaria explanar
convincentemente os benefícios e a superioridade da democracia dirigida e comandada
por uma abnegada liderança; era necessário fazer o obituário de qualquer alternativa
teórica e política que almejasse resoluções que trouxessem para a dimensão de governo
o povo e suas necessidades. A mesma intransigência analítica estaria presente no
alijamento da substantividade do procedimento democrático e do regime político que o
encarnasse. A na Democracia, portanto, significava uma depreciação intensa das
18
O fim das ideologias.
33
capacidades substanciais do povo tomar as decisões mais importantes da política e suas
mãos.
O caminho para a liderança vocacionada para a política estava, agora, à sua
absoluta disposição. Mais do que fornecer uma teoria política que afirme a
preponderância das elites na democracia, Schumpeter, deliberadamente faz convergir
toda sua arquitetura conceitual para a configuração de uma área impenetrável onde a
liderança política governe e decida, com equilíbrio e estabilidade. O significado disto é
que na medida em que o povo não dispõe de capacidade intelectual para a grande
política e por isso não deve “participar” dela, a liderança política absorveria para si
todas as faculdades de condução do governo e suas decisões (não importando quais
sejam...) no quadro da representação altamente desproporcional promovido pelo método
institucional. O líder, no espaço abstrato impenetrável da luta competitiva pelo voto,
realiza os feitos mais grandiosos, incontestável e legitimamente.
Assim, a teoria democrática de Schumpeter, pode ser entendida como um
“credo” que deveria ser rezado e transposto para o regime político vigente dos Estados,
e os lideres democratas com responsabilidade e intransigência deveriam aprender esta
verdadeira realidade com “Capitalismo, Socialismo e Democracia”.
A exposição que realizei acima foi rústica, pois queria apenas salientar os pontos
fundamentais da teoria democrática de Joseph Schumpeter (mais uma vez: a principal
teoria democrática do pós-Segunda Guerra Mundial). Isto foi feito para apresentar o
significado geral da teoria política schumpeteriana. Espero que tenha conseguido.
A reconstrução crítica da teoria da liderança que realizarei nos capítulos a seguir
procurará responder e discutir a seguinte problemática: como Schumpeter chegou à sua
definição de democracia? E porque Joseph Schumpeter o fez? Antes disso, porém, farei
uma análise da literatura crítica à teoria da liderança democrática de Schumpeter, bem
como, o referencial teórico e conceitual que irá conduzir a presente pesquisa.
35
CAPÍTULO II: Para uma Teoria que Critique Joseph Schumpeter: dos
participativistas à contribuição marxista.
Os estudos críticos sobre o pensamento democrático elitista desde a publicação
de “Capitalismo, Socialismo e Democracia” são inúmeros. Eles não só partem de
cientistas políticos, sociólogos e escritores políticos contrários à formulação de Joseph
Schumpeter, como também daqueles que em alguma medida se encontram no quadro
referencial schumpeteriano. Dentre estes, dois autores se destacam: os cientistas
políticos Robert Dahl
19
e Giovanni Sartori. Grosso modo, Robert Dahl afirma em “Um
Prefácio a Teoria Democrática” que mesmo o processo eleitoral sendo um dos pilares
formativos da democracia, ou seja, a capacidade da elite competir pelo voto da
população dentro de espaço de tempo determinado, a existência de diversos grupos
políticos e sociais que interfiram no jogo político no decurso de tempo entre uma
eleição e outra é imprescindível para caracterizar a presença ou não de democracia em
um regime político
20
. Giovanni Sartori por sua vez argumenta que a teoria realista da
democracia elaborada por Schumpeter deve ser combinada com um “ideal democrático”
à democracia real como comprovação cientifica do que encontramos no cotidiano
político, ou seja, a incapacidade do homem comum governar e o não cumprimento de
todos os ideais democráticos haveria a necessidade de se agregar certos valores
democráticos que vislumbrassem certas promessas e garantias
21
. Estes estudos,
malgrado a admissão da perspectiva elitista de Schumpeter, preocupam-se com a
intransigência deste e mais do isto: problematizam o funcionamento institucional e
valorativo das democracias contemporâneas.
Entretanto, a crítica mais importante contra as proposições da teoria da
liderança democrática desenvolvida por Schumpeter acha-se nos teóricos da
participação política. São os primeiros a se debruçarem, com crítica decisiva, sobre a
visão restritiva da democracia de Joseph Schumpeter. A teoria deliberativa de Jürgen
Habermas e a contribuição marxista para o debate são correntes democráticas que
também contribuem para a compreensão do cânone schumpeteriano, ainda que em
menor medida até aqui. Tratemos primeiro do significado geral da teoria participativista
e de alguns de seus principais estudiosos como Carole Pateman e Peter Bachrach; após
19
É importante observar que ainda que Dahl esteja no quadro referencial schumpeteriano sua obra teórica
é qualificada por diversos comentadores como pluralista. Dentre os comentadores que assim qualificam
Dahl está David Held em “Modelos de Democracia” ed. Paidéia s/d. O próprio conceito de poliarquia de
Dahl é uma demonstração de sua perspectiva pluralista e que o afasta neste aspecto de Joseph
Schumpeter.
20
Cf. Robert A. Dahl – Um Prefácio à Teoria Democrática ed. Jorge Zahar 1989.
21
Cf. Giovanni Sartori – A Teoria da Democracia Revisitada v.1 ed. Ática1994.
36
isto discutirei suas limitações na crítica a Schumpeter. No segundo momento analisarei
as contribuições de Habermas e da sociologia marxista de Tom Bottomore, bem como
suas limitações frente à democracia de liderança. Após rever a literatura crítica sobre a
teoria democrática de Joseph Schumpeter, apresentarei o referencial teórico que
conduzirá minha abordagem. Desde faço notar que este referencial é o marxismo
clássico, mas um referencial do marxismo clássico pouco utilizado no debate sobre
democracia pelos próprios marxistas e teóricos socialistas contemporâneos. O conceito
que pretendo utilizar na construção desta análise crítica sobre a teoria democrática de
Joseph Schumpeter é o de equilíbrio instável ou estabilidade relativa.
O fundamento da teoria participativista em sua abordagem a Joseph
Schumpeter e à democracia de liderança é uma crítica à intolerância do economista
austríaco em aceitar procedimentos políticos que permitam a “intervenção” mínima do
cidadão comum nas decisões político-governamentais. Pode-se dizer que os
participativistas conduzem sua crítica não às condicionantes teórico-políticas que
fizeram Schumpeter elaborar a teoria da liderança democrática, mas em tentar alterar a
percepção dos teóricos elitistas quanto a seu exagero analítico. Para eles as afirmações
de Schumpeter são problemáticas em três aspectos: 1) Schumpeter apresenta uma
formulação que não apresenta os elementos proponentes a afastarem o cidadão comum
das decisões políticas governamentais; 2) em decorrência disto, não vislumbra
mecanismos para remediar a situação de apatia política e 3) Joseph Schumpeter oferece
um ponto de partida metodológico limitado para qualificar como e onde são tomadas as
principais decisões políticas que afetam a vida da coletividade. Qual o significado
destas três questões apresentadas pelos teóricos da participação na crítica a Joseph
Schumpeter?
Pode-se dizer que o sentido da crítica participativista é demonstrar que a teoria
da liderança democrática desenvolvida por Schumpeter é uma compreensão equivocada
das causalidades que tornam o cidadão típico incapaz de tomar decisões político-
governamentais. Isto, portanto, conduz Schumpeter a desprezar os pontos em que
poderia existir participação política. Com efeito, a teoria democrática da liderança não
discute se seria possível ou não, através da educação cívica, tornar o homem do povo
apto a tomar algumas decisões governamentais. O que os participativistas asseveram
por meio do eixo analítico da educação cívica é que tanto quanto Joseph Schumpeter
aceita e corrobora com sua teoria restritiva da democracia o estado de coisas vigentes, a
teoria da participação deve compreender este estado de coisas e fornecer coordenadas
que permitam à democracia ser ampliada a diversos espaços da sociedade – e esta
37
ampliação deve ser conseguida por meio da instrumentação da educação política.
Assim, qual é a abordagem especifica dos dois participativistas acima elencados?
A.I- Carole Pateman e a Participação Possível.
Uma das mais importantes teoria da participação foi formulada pela teórica
política inglesa Carole Pateman em “Participação e Teoria Democrática”. Pateman
formula sua crítica a Schumpeter e seus seguidores da seguinte maneira:
os críticos aceitaram a formulação do problema feita por Schumpeter.
Eles tendem a aceitar a caracterização da teoria ‘clássica’ feita pelos
escritores que eles estão criticando ... eles não questionaram a
existência dessa teoria, embora discordem quanto a sua natureza... Do
que nem críticos nem os defensores se deram conta é que a noção de
uma teoria clássica da democracia é um mito (Pateman, 1992, p.28).
Pateman atinge deste modo um dos núcleos da concepção democrática de Joseph
Schumpeter: a análise realista da teoria clássica da democracia. De acordo com Pateman
um dos equívocos de Schumpeter é mesclar em um único sistema conceitual teorias
divergentes; tão divergentes como as de Rousseau e Jeremy Bentham. A autora ainda
faz notar que o argumento crítico central de Schumpeter contra a teoria clássica é
quanto à inexistência de racionalidade do cidadão comum na vida política, ou seja, sua
capacidade de agir por “regras de inferência lógica nas tomadas de decisões
governamentais. Mas Pateman neste ponto diz que;
Schumpeter, não apenas faz uma falsa representação daquilo que os
assim chamados teóricos clássicos tinham a dizer, como também não
se dá conta que podem se encontrar duas teorias bem diferentes sobre
democracia nos textos deles (Pateman, 1992, p.30).
Com isto, Carole Pateman mostra não a incorreção de Schumpeter em formular uma
teoria clássica da democracia unificada; como também a incorreção em atribuir aos
teóricos clássicos o que eles não disseram quanto à racionalidade ou não do homem
comum na política. Deste modo, as análises políticas de Mill e Bentham, segundo
Pateman eram justamente o inverso daquilo que o economista austríaco lhes atribuía. A
preocupação central de Mill e Bentham era com a seleção qualitativa de representantes e
não com a disposição racional ou irracional do eleitorado médio.
Junto com a observação acima, Pateman agrega uma distinção que foi negada
por Schumpeter e seus seguidores. A diferenciação entre governo representativo e
38
sistema de participação. Para os autores da democracia de liderança, a participação”
ocorre não como um momento em que os cidadão conseguem determinar e “deliberar”
efetivamente políticas governamentais, mas quando garantem um dispositivo de
proteção (quando ocorre a representação em potencial). Diz Pateman:
Como vimos, os formuladores da teoria da democracia
contemporânea também encaram a participação exclusivamente como
um dispositivo de proteção. Segundo eles a natureza “democrática”
do sistema, reside em grande parte na forma dos arranjos
institucionais nacionais, especificamente na competição dos lideres
(representantes potenciais) pelos votos, de modo que os teóricos que
sustentam tal visão do papel da participação são, antes de mais nada
teóricos do governo representativo (Pateman, 1992, p. 32).
Os teóricos da democracia contemporânea influenciados por Schumpeter, e ele mesmo,
mais uma vez diluem as diferenças entre as teorias clássicas da democracia, no mito de
uma democracia clássica. Pois, “deve-se notar que a teoria do governo representativo
não representa toda a teoria democrática como sugerem muitas obras recentes”
(Pateman, 1992, p. 33). Com isto, Carole Pateman estabelece a crítica da teoria
schumpeteriana da democracia. O núcleo desta avaliação negativa das proposições de
Schumpeter, é que ele “dissimulou o fato de que nem todos os autores que gostariam de
ser chamados de teóricos clássicos da democracia adotaram o mesmo ponto de vista”
concernente aos mesmos objetos: o governo, o eleitorado e a racionalidade ou não do
povo na política (Pateman, 1992, p. 33).
É com o quadro referencial teórico da democracia clássica que Pateman
constrói sua alternativa participativista. Com as teorias de J. S. Mill e Rousseau que a
autora inglesa busca inspiração conceitual para demonstrar aos elitistas que por meio de
mecanismos políticos específicos é possível dotar o cidadão comum de aportes para
participar de alguns aspectos da “vida política”. Ela diz que,
Nas teorias de J. S. Mill e Rousseau, por exemplo, a participação
revela funções bem mais abrangentes... farei referências a teóricos, a
exemplo de Rousseau, como teóricos da democracia participativa.
Davis dizia que a teoria clássica (ou seja, a teoria da democracia
participativa) tinha um propósito ambicioso, “a educação de todo um
povo ao ponto em que suas capacidades intelectuais, emocionais e
morais tivessem atingido o auge de suas potencialidades e ele tivesse
se agrupado, ativa e livremente, numa comunidade genuína” e que a
estratégia para alcançar este objetivo seria por meio do uso da
“atividade política e do governo com vistas à educação publica”. É
justamente isto que se pode ver nas teorias do que se escreve sobre a
democracia participativista: uma serie de prescrições especificas e
planos de ação necessários para se atingir a democracia política. E
isto se efetua por meio da “educação pública” a qual, no entanto,
depende da participação em muitas esferas da sociedade na “atividade
39
política” entendida num sentido bastante abrangente (Pateman, 1992,
p. 33).
Assim, os elitistas erram ao não investigarem quais os processos sociais que permitiriam
a instauração de uma democracia política “abrangente”. A educação política e a
atividade eram os processos pelos quais, a população poderia conseguir competência
política e potencializar suas possibilidades de tornar decisões governamentais. O que
Pateman aventa aqui é: a interação entre atividade, educação cívica e participação
política como instrumentos sociais para diminuir a distância entre a democracia das
elites enquanto tal, e a vida cotidiana do cidadão comum.
Havia outra influência na construção teórica de Pateman, além de Mill e
Rousseau. Era a de G. D. H. Cole. Socialista liberal e membro da Fabian Society Cole
estava preocupado não com a atividade política no âmbito do Estado moderno, mas com
a atividade política que preparasse o homem do povo para eventualmente (e, claro,
numa perspectiva gradualista) participar com qualidade na vida política. Cole, afirma
Pateman, observava que na indústria moderna é que o homem comum pode educar-se
com vistas a melhorar sua ação política, pois,
a indústria fornecia a importantíssima arena para que se revelasse o
efeito educativo da participação; pois é na indústria que, excetuando-
se o governo, o individuo mais se envolve em relações de
superioridade e subordinação e o homem comum gasta grande parte
de sua vida no trabalho. O que mais interessa a nossos propósitos no
plano especifico de Cole para o autogoverno na oficina e em outras
esferas, o socialismo de guilda, é que ele nos fornece uma noção
bastante detalhada de como seria uma sociedade participativa
(Pateman, 1992, p.55 e 58).
O modelo sugerido por Cole de educação político-participativa no interior das
indústrias, onde o individuo comum passa grande parte de sua vida na modernidade é
apropriado por Pateman como evidencia abrangente das possibilidades de participação
política. Em síntese: a teoria participativa da democracia elaborada por Pateman a partir
dos “clássicos” Rousseau e Mill e do socialismo liberal de Cole oferece como recurso
para combater a apatia política (que para Schumpeter e os schumpeterianos leva à
preponderância da liderança na tomada de decisões governamentais) um projeto social
que combinaria a atividade educacional cívico-política com a vida ativa e participativa
no interior da indústria onde os indivíduos passam a maior parte do tempo. Qual a
contribuição de Carole Pateman para a compreensão da teoria democrática de
Schumpeter e quais seriam suas limitações?
Existe entre a contribuição de Pateman e suas limitações uma curiosa dialética,
pois no decurso mesmo dos elementos apresentados para a alternativa crítica à teoria da
40
liderança democrática, surgem as limitações e insuficiências da autora. A contribuição
de Pateman esta assentada em duas proposições, a saber: 1) um levantamento do mito
da democracia clássica e 2) a resolução do problema da apatia política através de um
processo de educação cívico abrangente. Quanto à primeira proposição é fundamental,
para qualquer crítica a Joseph Schumpeter, a percepção analítica de que ele em
inúmeros momentos de sua teoria cria experimentos mentais tanto no que diz respeito
aos teóricos que confronta para erigir sua visão elitista e mostrar o equivoco daqueles,
como no que concerne à realidade empírica. Pateman fornece-nos uma argumentação
pautada pelos próprios textos clássicos e a pluralidade de significados que entre eles
quando o assunto é democracia, o eleitorado e a racionalidade na ação política do
homem do povo. Junto à observação da pluralidade de significados, Carole Pateman
extrai a noção teórica da educação política abrangente que está disposta em alguns
teóricos da democracia clássica neste caso Rousseau e J. S. Mill. Quanto à segunda
proposição, a escritora inglesa agrega a seu corpo conceitual o socialismo liberal de G.
D. H. Cole, que propugnava a educação participativa no interior da indústria moderna
como instrumento para superar a apatia política e gradualmente oferecer ao cidadão
comum, instrumentos intelectuais para atuar na vida política geral. Aqui o essencial é:
Schumpeter não restringe o que seria uma democracia, como restringe o conceito de
política e o lugar em que a “política” poderia ocorrer. E mais: na teoria da liderança
democrática não espaço para um processo educacional que permita ao povo
vislumbrar a participação na política. Com efeito, é fundante verificar que a gigantesca
erudição do maior economista do século XX, ao lado de John Keynes, sequer
apresentou (nem em uma nota de rodapé...) soluções paliativas para atenuar seu
pessimismo político-social. Assim, Pateman alerta que, malgrado a realidade
diagnosticada por Schumpeter, havia (e há) esperança da educação política abrangente
no combate à apatia do cidadão típico; e isto nem a intransigência da teoria
schumpeteriana da democracia poderia retirar daqueles insatisfeitos com a ordem
política vigente. Entretanto, no interior deste mesmo quadro conceitual a teoria da
participação de Pateman limita-se.
Pateman não questiona em nenhum momento da sua argumentação porque
Schumpeter cria um mito da democracia clássica, em outras palavras, porque
Schumpeter dilui autores não diluíveis em uma construção irreal. Joseph Schumpeter,
tinha como objetivo não um tratamento exaustivo da teoria de Jean-Jacques Rousseau,
Jeremy Bentham e J. S. Mill, mas sim uma crítica à intervenção do homem comum na
tomada das grandes decisões governamentais. Schumpeter sequer analisa, o contrato
social, o estado de natureza, a moralidade utilitarista etc. Em Capitalismo, Socialismo
41
e Democracia” são claros seus objetivos. A limitação de Pateman reside em não
verificar isto na construção schumpeteriana. A explicação para isto é que Pateman parte
dos teóricos clássicos para formular sua alternativa crítica; era natural, portanto, Carole
Pateman verificar justamente este elemento na obra de Schumpeter e não seus objetivos
de fundo. Quanto à educação política sugerida por Pateman como ponto positivo na
alternativa à teoria democrática elitista, transfigura-se em seu contrario. Na medida em
que Pateman propõe como objeto político para a diminuição do fato real das elites a
educação cívica, implicitamente admite que a proposição schumpeteriana sobre o que é
o homem comum é correta. Pois se o homem do povo necessita de educação política
22
prévia para conseguir tomar decisões governamentais, é verdade então que ele, no atual
estágio de desenvolvimento intelectual, não possui atributos para política. A limitação
neste ponto agrava-se, que Pateman aponta, através de G. D. H. Cole, a participação
no interior da indústria como o lócus onde a educação irá ocorrer. Assim, o problema
presente em Schumpeter, a tomada de decisão no quadro das grandes estruturas de
Estado fica fora do debate proposto pela autora. Esses são os pontos contributivos e
limitadores da abordagem participativista de Carole Pateman.
A.II- Peter Bachrach: o Elitismo Participativista.
O estudo de Peter Bachrach é, particularmente, uma importante contribuição à
crítica da teoria elitista da democracia. Em “Crítica de la Teoria Elitista de la
Democracia” Bachrach formula questões imprescindíveis para a teoria da liderança
democrática. A crítica do autor aos schumpeterianos começa com o entendimento da
justaposição feita pelos elitistas entre teoria das elites e teoria democrática. Dessa
forma, a
obra se funda en el supuesto de que existe una distinción básica, em
el sentido normativo, entre las teorías democráticas y las teorías de la
elite; en consecuencia, importa aclarar desde el comienzo la índole de
la diferencia entre ambas (Bachrach, 1973, p. 19).
O interesse de Peter Bachrach é dissociar o que os elitistas e a ciência política
contemporânea buscaram fundir e ecoar como uma perspectiva inexorável. Para
conseguir efetivar seu programa de pesquisa, Bachrach utiliza como metodologia a
investigação sobre o que constitui o interesse público tanto para os elitistas como para
os democratas. Verificando qual o sentido e os objetivos do interesse público, segundo
22
Existe no marxismo uma discussão concernente à educação política das massas. Mas aqui o processo é
combinado com a própria atividade política e também a educação política não visa apenas a participação
cívica do cidadão e sim a educação para a tomada de decisão no âmbito do Estado.
42
Bachrach, poderíamos esclarecer o que é a política democrática nos elitistas e o que
significa na democracia. Diz Bachrach,
la diferencia fundamental entre elitistas y demócratas no se refleja
únicamente en sus opuestos enfoques de la cuestión siguiente: Quien
debe ser el responsable de determinar cuáles son los problemas
básicos del cuerpo político, sino también, y en grado tal vez más
significativo, en sus diversos enfoques de lo que constituye el
interese público. Las teorías de la elite conciben esto último em
termos unidimensionales: se alcanza el interés general... con la
opinión de la elite. La teoría democrática clásica, en cambio, concibe
el interés público en dos dimensiones: de acuerdo con los fines y con
los medios (Bachrach, 1973, p. 25).
Trata-se para o autor de entender que em face do mesmo problema, o interesse público,
a resolução dos elitistas e da democracia diferenciam-se. Concebida como resultado da
imaginação de um grupo esclarecido de homens preparados, o interesse público, no
âmbito da teoria das elites é determinado pelas elites mesmas; o que vale dizer que, o
interesse público transforma-se no interesse da pequena elite governante e a vontade do
povo termina sucumbindo daí, seguindo Bachrach, a não viabilidade de participação
do povo nas grandes decisões políticas. Assim, os meios e os fins para se alcançar os
interesses públicos (se é que se possa, ou se deseje alcançar) não importam para os
teóricos das elites. Para os teóricos da democracia: os meios e os fins estão articulados
na busca em se alcançar o interesse público; por isso é imprescindível “una amplia
participación pública en el proceso político.” E mais: “la interacción de medios y fines –
del proceso y de las medidas adoptadas estimula y fomenta el autodesarrollo de la
gente libre” (Bachrach, 1973, p. 25).
Quando Peter Bachrach fornece um plano de abordagem da teoria da liderança
democrática distinguindo a teoria das elites da teoria democrática ele ativa em sua
argumentação crítica um dos caracteres mais essenciais da democracia schumpeteriana:
a noção de equilíbrio político. A negativa dos elitistas quanto à presença do homem
comum na formulação e do interesse público está baseada na necessidade de se proteger
o sistema político das massas ignorantes e irracionais. De acordo com Bachrach o fim
da estabilidade no diagnóstico dos elitistas, levaria ao surgimento de demagogos
antidemocráticos. Eis aqui mais uma vez o fato vital da liderança democrática para os
elitistas.
Sobre Schumpeter especificamente, Peter Bachrach nos diz que ele projetou
sua crítica ao fenômeno ideológico presente na ciência social até aquele momento, e
que, prejudicava o entendimento do que era a democracia.
Deste modo, “Fue contra este
43
concepto de democracia concebida como una ideología que comprendía medios y
fines a la par – que Schumpeter centró su ataque” (Bachrach, 1973, p. 42).
O objetivo de Joseph Schumpeter, segundo Bachrach nesta crítica à ideologia
democrática era duplo: 1) construir uma análise realista da democracia, o que
significava fazer soçobrar os ideais ético-morais (ideologia) e 2) fundar uma democracia
que estivesse além das constrições ideal-valorativas, uma democracia aberta a
modificações constantes e dotada da capacidade de impor limites mesmo que em
prejuízo do ideal moral em voga numa circunstância histórica dada. É por isso, portanto,
que o método político ou a democracia como um método institucional irrompe como
solução para o enigma schumpeteriano. Peter Bachrach faz notar com sua abordagem
que a teoria democrática de Schumpeter pressupõe que uma sociedade livre deve
preferir um método político democrático que eventualmente permita a perseguição
social de grupos específicos a uma democracia efetiva pautada por valores éticos que
obstaculize ações políticas importantes para o ordenamento social. Com efeito, o
método político democrático confina a liberdade individual e a livre escolha ainda que
permita a perseguição religiosa, racial ou de grupos especiais. Mas para Bachrach,
lo irónico del asunto es que la famosa pregunta hipotética de
Schumpeter se basada en una concepción errónea de los
procedimientos democráticos: en el supuesto falaz de que la
persecución de los cristianos, la condena a la hoguera de las personas
acusadas de brujería y la matanza de judíos podrían llevarse a cabo
em forma democrática y de acuerdo con los procedimientos
democráticos...aun cuando la democracia se concibiera únicamente
como un método, cualquiera de estas acciones la violaría. Las
persecuciones religiosas, raciales o a de la libertad de discusión y de
asociación, esenciales para que opere el principio del gobierno de las
mayorías. El dilema planteado por Schumpeter es pues, falso
(Bachrach, 1973, p. 44).
Como Carole Pateman, Bachrach demonstra que Joseph Schumpeter criou um mito,
mas agora na abordagem do eminente cientista político da participação: o mito sobre a
garantia de liberdade e livre escolha que o método democrático oferece mesmo com
resultados antidemocráticos. Qual a alternativa de Peter Bachrach então, frente ao
método político e à justaposição entre teoria elitista e teoria democrática?
O interesse de Peter Bachrach dirige-se para uma interpretação particular do
conceito de política. Ampliar este conceito para além das estruturas de Estado onde se
formam e se tomam as grandes decisões seria necessário para se criar novas bases,
visando uma democracia mais participativa. Na construção do autor, não haveria porque
não estender o conceito de política para as esferas privadas do cidadão comum. Deste
modo, no conceito de política de Bachrach incluem-se,
44
a las organizaciones privadas, al menos a los más poderosas de ellas
– sobre la base de que son organismos que participan de modo
regular en la asignación autoritativa de valores para la sociedad
habría, en términos del principio democrático de la igualdad de
poder, un fuerte motivo para expandir dentro de esas organizaciones
la participación en la toma la decisiones (Bachrach, 1973, p. 149 e
150).
Do mesmo modo que o Estado moderno a partir de um dado momento histórico
concentrou em seus diversos organismos as resoluções sobre os problemas mais
importantes presentes na sociedade, as grandes indústrias, na compreensão de Bachrach
representam um corpo institucional com designação essencial na vida do cidadão
comum. O que a alternativa do autor defende é o aumento de participação “política” em
instancias em que haja a possibilidade para tal participação. Não se trata de apresentar
aos elitistas evidências que demonstrem o erro que cometem no que diz respeito à
atividade política do homem comum na grande política, mas sim, de debater a
viabilidade de fornecer nichos específicos almejando o treino “político” daqueles, bem
como, recorrer a expedientes estratégicos de participação no interior dos grandes
conglomerados empresariais, já que estes sim afetam efetiva e cotidianamente a vida do
povo.
Observe-se ainda que quando Peter Bachrach crítica os elitistas por não
distinguirem a teoria das elites da teoria democrática, seu intuito era resguardar a teoria
democrática como um guia ético e moral da democracia. Pois sua questão implícita era
como medir as ações humanas que preservam a democracia, e conseqüentemente, o
ordenamento social, se não dispomos de critérios de avaliação ético-morais
(normatização). Diz ele:
Si se despoja a la teoría política inclusive a la democrática de
fines normativos, no podrá cumplir con su función crucial de orientar
las acciones humanas. De todos modos, el problema fundamental no
es si la democracia debería o no tener un objetivo general, sino más
bien si su objetivo debería estar consagrado tácitamente a la
viabilidad de un sistema democrático elitista, o apuntar
explícitamente al autodesarrollo do individuo (Bachrach, 1973, p.
156).
Peter Bachrach traz para o debate a noção de que uma democracia – inclusive a
democracia elitista estaria mais bem segura, na medida em que, os indivíduos
procuram ganhar auto-estima e tenham a seu dispor um regime político que favoreça
àquela. A alternativa de Bachrach em ntese é a participação política no interior dos
grandes aglomerados industriais combinado com critérios ético-morais de mensuração
da democracia.
45
O aporte de Peter Bachrach para uma análise crítica da teoria democrática de
Schumpeter reside em três aspectos: primeiro, a diferenciação analítica entre teoria
elitista e teoria democrática; segundo, a observação da ineficácia do método político
sugerido pelo autor como instrumento que permita a garantia aberta da liberdade e da
livre escolha e a possibilidade de se operar modificações, já que o mesmo método não
esta centrado em idéias morais fechadas, e, terceiro, a inovação quanto ao conceito de
política.
que os elitistas democráticos entendem a democracia e o elitismo como
coisas similares e justapostas, Bachrach recorre a um procedimento investigativo
pertinente na construção da crítica à democracia schumpeteriana. É fundamental,
compreender que a existência da democracia elitista não inviabiliza uma dissociação
analítica que procure melhor entender o que é uma teoria das elites e o que é uma teoria
democrática. Uma análise dicotomizada da sociologia elitista e da democracia permitir-
nos-ia observar o que realmente ocorre no mundo cotidiano das pessoas comuns e quais
os elementos ideais que podem nos conduzir ao melhor funcionamento das
democracias. A primeira sugestão de Peter Bachrach demonstra que Joseph Schumpeter
foi não um pessimista concernente à sociedade de seu tempo, como um defensor de
seu próprio pessimismo ao conformar uma teoria elitista-realista da democracia. Quanto
ao método político, a crítica de Peter Bachrach aproxima-se de Pateman. O instrumento
forjado por Schumpeter recorre à indagação sobre a preferência entre, de um lado, um
método político que pressupõe a liberdade e a livre escolha mesmo que no decurso do
tempo se pratiquem perseguições a grupos minoritários e, de outro lado, uma política
democrática pautada por valores e objetivos, mas que feche as possibilidades de
modificação quando a necessidade exigir. Novamente cria um mito, pois um método
político-democrático que “faculte” a perseguição de grupos minoritários é
fundamentalmente antidemocrático. Joseph Schumpeter cria um método-mito para
alcançar seus objetivos: Peter Bachrach como Carole Pateman fazem-nos perceber as
falácias desenvolvidas pelo economista austro-americano.
O terceiro aspecto da crítica de Bachrach movimenta-se em torno da
ampliação do conceito da política. A predisposição imperialista de Joseph Schumpeter o
leva a abordar a política sempre a partir das grandes decisões dos Estados-nação mais
desenvolvidos, ou seja, sua teoria democrática qualifica o homem do povo como
incapaz de exercer a vida política justamente porque sua noção de política está atrelada
à operacionalização das gigantescas estruturas estatais que ao longo do século XX
tornaram-se maiores e mais fetichizadas (Trotsky), na medida em que houve um
crescimento e aprimoramento do executivo via o aperfeiçoamento da burocracia
46
decorrente das alterações na economia internacional e do Estado, bem como a
necessidade de redução do debate e representação parlamentar em favor da razão de
Estado
23
. Bachrach rompe com este conceito restrito da política que, de fato, elimina a
participação do cidadão típico da política. Para ele a ampliação do conceito de política
conduz-nos ao espaço da vivência cotidiana no interior dos grandes conglomerados
industriais e seu peso relativo na política atinge as sociedades. Pois é este peso relativo
na política das sociedades que transforma as grandes indústrias em palco para a
participação daqueles que ali trabalham, convivem diariamente e são afetados por suas
decisões principais. Compreender isto como política é, para Bachrach, fundamental na
conformação de um programa de pesquisa crítico-participativista; do mesmo modo que
auxilia-nos na observação das restrições presentes na teoria política de Joseph
Schumpeter.
Dois pontos parecem limitar a contribuição da teoria participativa do autor em
tela. Bachrach, como Pateman, debate com Schumpeter num plano analítico que não
atinge verdadeiramente a estrutura interna da argumentação do autor de “Capitalismo,
Socialismo e Democracia”. A “insistência” do autor em demonstrar o método
democrático como um “mito” ou “falácia”, não lhe permite observar que o economista
autro-americano pretendia não dar vida a um “instrumento seguro” que o capacitasse a
mostrar as inconsistências de uma democracia fundada sobre ideais éticos e morais.
Como afirmei acima, os objetivos de Schumpeter eram reunir premissas que
construíssem uma teoria que fosse contraria a qualquer possibilidade do homem comum
tomar decisões políticas no âmbito do governo do Estado. Peter Bachrach não dedica
sua atenção para este aspecto essencial da teoria da liderança democrática.
A outra limitação refere-se ao conceito ampliado de política formulado pelo
autor. É preciso notar antes que, ao contrario de Carole Pateman que deixa implícita a
incapacidade do povo no que diz respeito à grande política, Bachrach é categórico e
taxativo;
la teoría clásica... no llega a constituirse en una teoría política viable
para la sociedad moderna, ya que si bien subraya la importancia de
una amplia participación en la toma de decisiones políticas, no ofrece
pautas realistas en cuanto a la manera de cumplir con sus preceptos
en las grandes sociedades urbanas (Bachrach, 1973, p. 154).
E mais,
23
Esta abordagem baseia-se no estudo do economista inglês John A. Hobson - Estudio del Imperialismo
ed. Alianza Editorial 1981 especificamente o capítulo 8.
47
La intolerancia y la propensión antidemocrática del hombre común es
un hecho innegable que debemos enfrentar, pero enfrentarlo con
realismo no implica... apoyarse en las elites para el mantenimiento
del sistema (Bachrach, 1973, p. 164).
É por isso que Peter Bachrach deixa intocada a questão central para Schumpeter, a
tomada de decisão no interior do Estado moderno. Ele e Pateman (explicita e
implicitamente, respectivamente), “reservam a política em nível nacional aos elitistas”
(Finley, 1988, p.52). A participação política, deste modo, deve ser antes, uma
participação nas estruturas dos conglomerados industriais. Assim, Peter Bachrach nos
apresenta um elitismo de baixa intensidade e ofensividade, em outra palavras, Bachrach
mesmo apresentando uma critica à concepção elitista da democracia entende que a
participação do homem comum na grande política seria deletéria para a democracia e
que a presença das elites no jogo político dada a situação das sociedades
contemporâneas é um fenômeno inevitável. Surge assim em Bachrach: um elitismo
participativista.
B- Da Teoria Deliberativa da Democracia à Contribuição Marxista.
Discutirei conjunta e brevemente o programa de pesquisa de Habermas para a
problemática da democracia e a sociologia marxista concernente às elites de Tom
Bottomore. Os estudos de referência aqui serão: “Três Modelos Normativos de
Democracia” e “As Elites e a Sociedade”.
A pergunta básica de Habermas é: como fundar uma democracia que seja
assentida pela ética dos discursos políticos? Para responder a esta indagação, Habermas
recorre à análise dos dois modelos de democracia que estão em voga no debate
acadêmico-político americano. Os modelos são: 1) a concepção liberal e 2) a concepção
republicana. Abordarei somente a concepção liberal que, seguindo os pontos centrais da
argumentação do autor, pode-se identificar com a concepção elitista da democracia de
Joseph Schumpeter. São três os aspectos abordados por Habermas na teoria liberal-
elitista: a) o sentido da concepção liberal, b) o conceito de cidadão e c) o processo
político.
O significado da concepção liberal entende o Estado como mecanismo
estruturado que privilegia a relação entre as pessoas privadas e seus interesses
particulares. Vale dizer, na concepção liberal o que importa acima de tudo é como o
Estado democrático dará configuração sistemática (proteção da propriedade privada
capitalista) à vontade particular e individual. Com isto, “A política... tem a função de
agregar e impor os interesses sociais privados perante um aparato estatal especializado
48
no emprego administrativo do poder político para garantir fins especializados”
(Habermas, 1995, p. 39). Habermas assevera, então, que a concepção liberal-elitista
alicerça sua postura democrática na proeminência dos valores privados no contexto do
poder político estatal. Mas, para compreender o significado da concepção liberal,
Habermas mobiliza o conceito de cidadão no liberal-elitismo.
Assim,
De acordo com concepção liberal, o status dos cidadãos define-se
pelos direitos subjetivos que eles têm diante do Estado e dos demais
cidadãos. Na condição de portadores de direitos subjetivos os
cidadãos gozam da proteção do Estado na medida em que se
empenham em prol de seus interesses privados dentro dos limites
estabelecidos pelas leis (Habermas, 1995, p. 40).
O núcleo desta abordagem liberal do cidadão, seguindo Habermas, é o direito subjetivo
dos cidadãos. Por direito subjetivo na teoria liberal da democracia Habermas entende
que seja a manifestação mesma da vontade dos indivíduos através de seus interesses
particulares, produzindo algo de tal modo que os (mesmos) direitos subjetivos alcancem
proteção do Estado. A conexão interna dos elementos acima abordados conduz Jürgen
Habermas a criticar o processo político-democrático da concepção liberal. Se, o sentido
liberal esta arraigado na conduta manifesta dos interesses privados e estes ganham
legalidade por intermédio do direito subjetivo, a possibilidade que ambos têm de ganhar
corpo institucional se dá na conformação do processo político. Habermas faz notar que a
concepção liberal-elitista pode ganhar corpo institucional com a quantificação do
numero de votos obtidos através de disputas eleitorais promovidas pelos partidos
políticos. Com efeito, avaliar o processo político da concepção liberal-elitista para
Habermas é compreender o fato da competição entre partidos políticos como
instrumentos que viabilizam sistematicamente, os interesses privados e, única e
exclusivamente, os interesses privados. É a preponderância do privatismo sobre a
comunidade que preocupa Habermas, portanto.
Na compreensão da teoria deliberativa de Habermas é somente a partir de uma
teoria do discurso que poderemos almejar uma democracia que vazão ao público
enquanto tal. Diz ele:
O conceito de política deliberativa somente exige uma referencia
empírica... a pluralidade de formas de comunicação na quais uma
vontade comum pode se formar, não somente pela via de uma
autocompreensão ética mas também mediante o equilíbrio de
interesses e compromissos... O terceiro modelo de democracia...
apóia-se... nas condições de comunicações (Habermas, 1995, p. 45).
49
O que Habermas busca é: projetar para o estrutural legal de proteção dos interesses
privados e o processo político que os institucionaliza, a comunicação racional comum.
Para isto, vida à “rede de comunicação dos espaços públicos políticos” (Habermas,
1995, p. 48). E mais: estes terão que ser capazes de “com base no meio do direito...
afirmar-se também contra os outros dois poderes o dinheiro e o poder administrativo”
(Habermas, 1995, p. 48).
Ainda que distante, a “filiação” marxista de Habermas o condiciona a
contribuir com a crítica à teoria de Schumpeter em pontos não tocados pela teoria
democrática participativista de Carole Pateman e Peter Bachrach. A construção
deliberativa habermasiana observa atentamente que o edifício da concepção liberal-
elitista é sustentado pelo interesse privado (propriedade privada), ou seja, Habermas
qualifica a teoria liberal democrática como um expediente de validação da
competitividade – por vezes atroz – para imposição dos valores particularistas do
dinheiro em detrimento da solidariedade pública. Isto, por conseguinte, impulsiona
Habermas a problematizar a discussão acerca do Estado moderno de direito. Dessa
forma, busca uma alternativa não em âmbitos estruturais que sejam externos ao Estado
(e suas instituições), mas em procedimentos que ao menos criem um contrapeso nas
esferas estatais povoadas pelas elites via os partidos políticos e os cargos da
administração burocrática. Os espaços públicos autônomos por meio do assentimento do
ordenamento jurídico seriam campos de opinião racional-comunicacional onde
encontraríamos os elementos de contraposição ao processo político liberal-
schumpeteriano.
Alguns pontos, entretanto, ficam obscuros na construção deliberativa de
Habermas. O ponto cego do projeto habermasiano
24
está na formação da rede de
comunicação dos espaços públicos políticos. Pois, quem conduzirá a comunicação
racional (o discurso) e a transferirá do espaço público para “o meio do Direito”, em
outras palavras, quais os mecanismos “representativos” que a configuração
comunicacional terá que percorrer até a disputa com as elites do dinheiro? Outro ponto
de limitação em Habermas refere-se ao tratamento ambíguo dispensado pelo autor ao
Estado de direito. Para ele a comunicação racional não entende “como algo secundário a
estruturação em termos de Estado de Direito” (Habermas, 1995, p. 47). Qualquer crítica
à teoria da liderança democrática de Joseph Schumpeter que não problematize, hoje, a
questão do Estado, inclusive o Estado de direito, deixa pontos de sua crítica não
resolvidos; já que uma das variáveis principais da democracia de liderança é saber quem
24
Esta expressão é o tulo do livro organizado por Paulo Arantes e Otília Arantes Um Ponto Cego no
Projeto Moderno de Jürgen Habermas Arquitetura e Estética Depois das Vanguardas e Duas Conferencias
ed. Brasiliense 1992.
50
toma as grandes decisões políticas no Estado moderno e qual a sua amplitude
concernente às estruturas econômico-sociais e se estas são passíveis de contrapeso
efetivo ou não. A teoria da deliberação de Habermas poderia ter-nos sugerido algo a
este respeito, mas infelizmente não o fez.
“As Elites e a Sociedade”, livro de tom Bottomore, oferece-nos, talvez, a
primeira crítica marxista da teoria democrática de Joseph Schumpeter. A inovação deste
estudo consiste em seu aporte sociológico e ideológico para o debate. A chave da
elaboração de Bottomore é a relação entre teoria das elites, classe social (no sentido
marxista) e o socialismo. Bottomore demonstra em seu livro que uma das variáveis que
constituem a sociologia política elitista é a critica ao pensamento de Marx. Assim, “Seu
antagonista inicial e mais importante era de fato o socialismo, especialmente o
socialismo marxista” (Bottomore, 1965, p. 18 e 19). Mas qual a motivação sociológica e
ideológica que Bottomore identifica no sistema conceitual da teoria da liderança
democrática?
Sociologicamente, a crítica de Tom Bottomore apresenta a teoria da liderança
democrática como um conjunto de proposições que verifica a sociedade a partir de
noções de hierarquia social e da fundação de obstáculos contra a propagação de ideais
democráticos. Desse modo a teoria das elites não se propõe apenas a demonstrar a
preponderância do pequeno número organizado e capaz frente à maioria desorganizada
e inepta para a política: seu núcleo formativo é o retorno no século XX de valores
sociais assentados em uma “radical” hierarquia feudal, bem como a resistência teórico-
sociológica contra projetos políticos que discutissem o alargamento da democracia e a
extinção das classes sociais como o marxismo o faz. Ideologicamente, a teoria da
liderança na avaliação de Tom Bottomore é um severo combate contra o socialismo. A
noção de uma elite com qualidade superior transmitida pela sociologia da liderança era
uma tentativa de conter o avanço dos movimentos de massa, no momento mesmo em
que estes ganham em visibilidade e corpo político após a Comuna de Paris e as
revoluções no inicio do século na Rússia, Alemanha e Itália
25
. Para Bottomore a teoria
das elites:
surge no pensamento social em uma época e em circunstâncias que
imediatamente lhe conferem relevância ideológica na disputa entre
liberalismo econômico e socialismo, e se propaga amplamente entre
doutrinas possuidoras de um propósito ideológico declarado
(Bottomore, 1965, p. 21).
25
Sobre este caráter ideológico da teoria da liderança democrática conferir também, Luis Felipe Miguel
A democracia domesticada: bases antidemocráticas do pensamento democrático contemporâneo – Revista
Dados, 2002 v. 45 nº. 3.
51
Quanto à teoria democrática de Joseph Schumpeter, Bottomore deixa entender
que ela é um rearranjo da sociologia política elitista surgida no inicio do século XX.
Como esta a concepção política schumpeteriana verifica a impossibilidade de mudança
social, e, insiste na solução, agora rearticulada com democracia política, na luta
competitiva entre lideranças organizadas em partidos políticos. Do ponto de vista
ideológico Bottomore argumenta que o entrelaçamento da sociologia elitista e a
democracia política no quadro institucional da luta competitiva pelo voto fornecido por
Schumpeter tinha o intuito de mobilizar evidências para a construção de uma teoria
política que formulasse uma concepção estática da democracia, na medida em que, esta
fosse sancionada apenas através de eleições periódicas. A divulgação da teoria
democrática de Schumpeter na avaliação de Bottomore ocorre no contexto ideológico-
político de rivalidade internacional, com o desenvolvimento de novas nações: é a força
hegemônica dos Estados Unidos e seu sistema político de competição partidária
26
contra
os Estados unipartidários (sobretudo a URSS), que avaliza a teoria da liderança
democrática de Joseph Schumpeter – em outras palavras, que “legitima” a concepção de
democracia entendida apenas como uma luta competitiva de lideranças no ambiente
eleitoral.
Depreende-se da teoria social de Tom Bottomore que antes de ser uma ciência
política neutra
27
diante de constatações históricas e sociais da presença de um grupo
minoritário de governantes que através da competição eleitoral dirigem e decidem sobre
26
A relação entre a hegemonia dos Estados Unidos e a propaganda da democracia podem ser estudos nos
artigos de Perry Anderson Força e Consenso in Contragolpes: seleção de artigos da New Left Review
ed. Boitempo 2006 e Idéias e Ação Política na História Revista Margem Esquerda 2003 nº. 1. Neste
ultimo artigo Perry Anderson afirma que “em meados do século, o início da Guerra Fria, trazendo a
ameaça de uma guerra total entre dois blocos antagônicos, exigiu uma aceleração ideológica do capital até
um nível completamente novo de eficácia e intensidade. O resultado foi a conversão ocidental dos termos
do conflito: não mais o capitalismo contra o socialismo, mas a democracia contra o totalitarismo, o
Mundo Livre contra o de 1984.”
27
Todos os teóricos da democracia de liderança, capitaneados pelo credo schumpeteriano, arrogam-se o
direito intransferível para outras correntes de pensamento, sobretudo o marxismo, de estarem fazendo
ciência e não ideologia. Os teóricos da democracia elitista raramente desenvolvem com clareza analítica o
que seria uma teoria ideológica da democracia e da sociedade, e o que entendem por ideologia. Afirmam
recorrentemente que projetar um mundo ideal e igualitário com uma democracia que atenda à maioria das
demandas e valores sociais é um utopismo que não condiz com uma ciência política (verdadeiramente
científica) e não leva em consideração a realidade social vigente. É certo que a não compreensão
cientifica da realidade social vigente pode comprometer um projeto social de superação da democracia
elitista e do Estado moderno. É verdade também que após a Revolução Russa de 1917 os socialistas
foram acometidos de algumas surpresas resultantes talvez de um grau exagerado de idealização na
superação da sociedade capitalista como resolução imediata dos problemas políticos e sociais. O estudo
de Trotsky “Questões do Modo de Vida” ed. Antídoto 1979 em que examina o impacto da vida cotidiana
na política pode ser lido neste registro. Mas o que os teóricos da democracia elitista têm que responder é
como um autor poder ser destituído completamente do “véu” ideológico, pronunciando uma conferência
na Escola de Aperfeiçoamento do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos em 1936, como Joseph
Schumpeter. Do mesmo modo, como um teórico marxista e socialista pode ser destituído completamente
do “véu” ideológico pronunciando uma conferência na Escola de preparação de quadros do partido de
qualquer país. Ou, em alguma medida, “todas” as correntes de pensamento político moderno e
contemporâneo fazem ciência ou ninguém a faz.
52
e para um grande número (de indivíduos comuns) desorganizados, a teoria elitista da
democracia é um sistema ideológico construído contra a teoria das classes sociais de
Marx e suas implicações – a possibilidade por meio da revolução de se alterar a
estrutura social no âmbito das relações internacionais hegemonizadas pelos Estados
Unidos em luta frente ao “socialismo” soviético. Esta contribuição da sociologia
marxista de Tom Bottomore é fundamental, para a compreensão da teoria democrática
de Schumpeter.
Seguindo a lógica argumentativa do presente capítulo, a restrição ao estudo de
Bottomore se na análise que propõe sobre o antagonismo da democracia
schumpeteriana ao socialismo e à teoria social de Marx no contexto das relações
internacionais hegemonizadas pelos Estados Unidos. É certo que a teoria
schumpeteriana da democracia, como é sobejamente conhecido, carrega em sua
articulação interna a mecânica política norte-americano e, conseqüentemente uma
repulsa ao “projeto socialista” para a sociedade. Mas a obra de Joseph Schumpeter é
mais que uma simples crítica à teoria das classes sociais de Marx e à “democracia”
unipartidária da União Soviética. Existiam outros fins, e, mais complexos que a teoria
política e democrática de Schumpeter buscava responder. Eles estavam além da mera
contraposição ao socialismo marxista e da defesa simplista da democracia americana
(ainda que estes fatos observados por Bottomore sejam verdadeiros).
Todas as concepções apresentadas até aqui fornecem subsídios analíticos
imprescindíveis para qualquer estudo crítico da teoria democrática de Schumpeter.
Carole Pateman e Peter Bachrach nos chamam a atenção para as mitologias falaciosas
construídas pelo economista austríaco, Habermas oferece-nos um programa de pesquisa
que aborda a influência da propriedade privada (poder do dinheiro) em detrimento da
solidariedade comum presente no processo político da democracia liberal-elitista; e Tom
Bottomore discute o combate ideológico travado pelos teóricos da liderança contra o
socialismo. Em alguma medida estas contribuições estarão contempladas no decorrer de
meu trabalho. Entretanto, as limitações destas teorias que acima foram discutidas, fazem
necessária a constituição de hipóteses de trabalho diferenciadas e de um conceito que
permita conduzir a análise crítica da democracia schumpeteriana e que comprove as
mesmas hipóteses. Na introdução havia apresentado as hipóteses de trabalho a serem
respondidas. Discutirei agora o conceito que irá conduzir a análise da teoria da liderança
democrática de Joseph Schumpeter.
53
C- Joseph Schumpeter e o Equilíbrio Instável.
David Held e William Scheuerman afirmam sobre Schumpeter
respectivamente que:
Como ocorre com Weber, sua obra tem claras dimensões normativas.
Parte de um grande projeto que examina a gradual superação do
capitalismo pelo socialismo no Ocidente, a teoria da democracia de
Schumpeter se concentrou em uma faixa altamente delimitada de
questões e defendeu um conjunto muito particular de princípios sobre
a forma adequada de governo popular (grifo meu) (Held, s/d., p. 150).
E,
Schumpeter ofrece una descripción provocadora ante el declive
inevitable no solo del capitalismo, sino también de la democracia
representativa. La civilización capitalista racional genera demandas
de igualdad política y social que inconscientemente subvierte el
espíritu racional del gobierno representativo-liberal. Ambos, el
liberalismo económico y el político, se caracterizan por una dialéctica
explosiva, de acuerdo a la cual se producen movimientos políticos de
masas hostiles a toda forma de jerarquía política y social. La
democratización implica “caos” y desintegración, porque significa
darle a las masas irracionales y políticamente incompetentes un poder
político sin precedentes. Por lo tanto, “el socialismo gradual”,
generado, por la entrada de las masas a la escena política, facilita de
manera inevitable la decadencia de la democracia parlamentaria
(Scheuerman, 2001, p. 244, 245 e 246).
Portanto, a compreensão crítica da teoria democrática de Schumpeter tem que ser
abordada no interior de um portentoso projeto político-social em que o núcleo de
formação é a passagem do sistema capitalista para o socialismo. A democracia de
liderança no quadro analítico de problematização da democracia representativa-
parlamentar é um “subproduto” programático da estrutura geral da teoria política de
Joseph Schumpeter. O próprio Schumpeter nos prefácios que escreveu para as edições
de “Capitalismo, Socialismo e Democracia” afirmava que sua obra era;
em forma coerente, quase quarenta anos de pensamentos, observções
e pesquisas sobre o socialismo. O problema da democracia forçou
sua entrada no lugar em que hoje ocupa neste volume porque
verificamos ser impossível expressar as nossas opiniões sobre as
relações entre a ordem socialista da sociedade e o método
democrático de governo sem uma análise um tanto longa deste
ultimo. Na segunda parte Poderá Sobreviver o Capitalismo?-
procuramos demonstrar que uma forma socialista de sociedade
surgirá inevitavelmente da decomposição, igualmente inevitável da
sociedade capitalista (grifo meu) (Schumpeter, 1961, p. 3 e 4).
A frente diz;
54
A comunicação de que um navio vai a pique nada tem de derrotista.
A tripulação pode sentar-se confortavelmente e começar a beber. Mas
pode correr também para as bombas. Se os tripulantes simplesmente
se recusarem a aceitar a comunicação, embora devidamente
comprovada, eles serão, então, escapistas (grifo meu) (Schumpeter,
1961, p. 9).
E mais;
A possibilidade de socialização ou não através do aparelhamento da
democracia parlamentar foi suficientemente provada, assim também
como o método da socialização gradual. O início do processo pode
ser apenas esse e indicar nada mais do que uma tendência a longo
prazo. Não obstante, indica claramente o que devemos entender não
apenas como socialização democrática, mas também como
socialismo democrático. Sugere que o socialismo e a democracia
podem ser compatíveis contanto que a ultima seja definida da
maneira proposta no Capítulo XXII do presente trabalho
(Schumpeter, 1961, p.12 e 13).
Os termos que organizam a teorização de Schumpeter nas passagens acima são:
decomposição inevitável da sociedade capitalista; navio que vai a pique e socialização
gradual através do aparelhamento da democracia parlamentar. Joseph Schumpeter, que
não era economista marxista, mas que tinha conhecimento dos estudos de Marx e dos
estudos socialistas sobre as contradições da economia capitalista, sobretudo na
passagem do século XIX para o XX, e que vivenciou as conturbações resultantes
daquelas contradições
28
, estava atento para o ressurgimento das mesmas conturbações
decorrentes da decomposição e decadência do sistema capitalista. A decomposição da
economia capitalista para Schumpeter tinha como característica o crescente processo de
monopolização-socialização da economia via Estado que no decorrer dos tempos
desembocaria numa economia socialista. Mas a decomposição inevitável da economia
burguesa poderia também apresentar outra configuração. Qual seja?
Lênin em “Imperialismo fase Superior do Capitalismo” diagnosticava que a
decomposição e decadência da economia capitalista levariam à
ruína mundial, fruto da guerra ... à crise revolucionária mundial, que
por mais longas e duras que sejam as vicissitudes que atravesse, o
poderá terminar senão com a revolução proletária e a sua vitória
(Lênin, 1986, v.1 p. 583).
Ou seja, o outro aspecto da teoria da decomposição capitalista de Schumpeter, que se
pode deduzir, além da tendência inevitável para o socialismo, eram as guerras, as crises
28
É importante observar que Schumpeter foi professor da Universidade de Bonn, na Alemanha na década
de 20; sendo colega de departamento de Carl Schmitt na mesma Universidade. Presenciou junto com este
o processo revolucionário alemão de 1918 a 1923.
55
e a revolução. Para um teórico político conservador, isto não poderia significar outra
coisa que aquilo que Scheuerman afirmava acima o “caos” e a “dialética explosiva”.
Se, a inevitabilidade da decadência capitalista era fato presente no mundo e sua teoria
(segundo o próprio Schumpeter a entendia) se colocava como uma descrição científica
do mundo real, quais os elementos teórico-políticos e qual o sistema de governo que
poderiam fornecer uma transição gradual, pacifica e equilibrada para o tipo de
socialismo em que Schumpeter acreditava?
Esta possibilidade surgia no projeto schumpeteriano com uma teoria
democrática que fosse assentada na função primordial das lideranças políticas que,
competindo entre si, conseguissem controlar as principais decisões de Estado
legitimadas pelo voto do povo e que, ao mesmo tempo, formulassem proposições que
não permitissem a participação do mesmo (caos e explosão) na política. Era claro para
Joseph Schumpeter a necessidade de uma teoria democrática que mantivesse o
equilíbrio instável do regime político e, por meio deste, a garantia da passagem gradual
e pacífica para o socialismo, que na sua visão era inevitável. O que é o equilíbrio
instável e como ele se articula com a teoria da liderança democrática de Joseph
Schumpeter?
O conceito de equilíbrio instável ou estabilidade relativa foi desenvolvido
pelos teóricos marxistas no âmbito dos debates da III Internacional entre 1919 e 1923 e
no contexto em que se anunciava o fim da Republica de Weimar
29
e o surgimento do
regime político hitleriano. O conceito de equilíbrio instável quer dizer ou significa que o
regime político de dominação encontra-se em um espaço temporal intermediário entre
uma situação eminentemente pacífica e uma situação revolucionária. Para os marxistas
deste período e para o presente pesquisador, o equilíbrio instável identificava-se e
identifica-se com a qualidade das democracias burguesas a partir de determinado
momento do desenvolvimento político no curso do século XX. Se as democracias
modernas representativas que surgiram após as Revoluções Burguesas possuíam um
sólido e estável equilíbrio, na era imperialista ou, como afirma Schumpeter, na era de
“decomposição do capitalismo” ou “do navio que vai a pique” a configuração das
29
Os principais teóricos da III Internacional até a morte de Lênin que estudaram e difundiram o termo
equilíbrio instável ou estabilidade relativa foram Leon Trotsky e Antonio Gramsci. Após 1924 e a
destruição do legado de Lênin pelo stalinismo, o conceito não foi mais utilizado na III Internacional. O
conceito pode ser encontrado nos seguintes trabalhos: de Trotsky “En camino: consideraciones acerca
del avance de la revolución proletaria” in La Teoría de la Revolución Permanente (Compilación) Centro
de Estúdios, Investigaciones y Publicaciones Leon Trotsky Argentina 2000, “La Situación Mundial” in
Naturaleza y dinâmica del Capitalismo y la Economia de Transición (Compilación) Centro de Estúdios,
Investigaciones y Publicaciones Leon Trotsky Argentina 2000. (Estes artigos podem ser encontrados
também na compilação “Los Cinco Primeros Años de la Internacional Comunista (1919-1921)” de Leon
Trotsky ed. Pluma 1974 presentes em algumas bibliotecas brasileiras); Revolução e Contra-Revolução na
Alemanha, ed. Ciências Humanas 1979 e de Gramsci Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, ed.
Civilização Brasileira 1980.
56
estruturas democráticas não poderiam se manter as mesmas, apesar do regime
democrático ainda permanecer e ser o melhor regime político para o exercício do poder
pelas classes dominantes (ou as elites, caso se prefira...). Com efeito, o equilíbrio
instável
30
é o momento em que o regime democrático, em decorrência do quadro
referencial histórico, econômico e social não pode se manter com solidez institucional,
mas se mantém e torna possível por isso a permanência, ainda que precária (booms e
crises) da economia capitalista. Mas deve-se observar, ainda de acordo com os
marxistas deste período, que o equilíbrio instável para ser compreendido em
profundidade requereria um estudo da funcionalidade dos partidos social-democratas no
interior dos regimes democráticos. Pois era a este partido que convergiam as
possibilidades de manutenção do precário equilíbrio da democracia e, por conseguinte,
da sociedade burguesa. Isto porque os partidos social-democrata naquele período e seus
congêneres na seqüência histórica do século XX dirigiam parte significativa do
movimento operário e dado o processo de burocratização (Lênin, Rosa Luxemburgo) e
oligarquização (Robert Michels) que sofreram, abandonaram a teoria da revolução em
favor da teoria democrática
31
. Eram e são poderosos os elementos de contenção
32
do
descontentamento das massas trabalhadoras face à profunda carestia que sofrem em
virtude da decadência econômica e social do capitalismo que possuíam (e possuem) os
partidos social-democrata. Este elemento de contenção fornecido pelos social-
democratas é a força motriz do equilíbrio instável e/ou do regime democrático
contemporâneo
33
. Na presente pesquisa este conceito de equilíbrio instável irá
30
O conceito de equilíbrio de instável também foi utilizado nos congressos da III Internacional para se
analisar a situação das relações internacionais. Neste aspecto o conceito se amplia, pois incorpora a
relação entre os Estados, a subjetividade dos trabalhadores e sua relação de força frente à classe
dominante e a conjuntura econômica. Na presente pesquisa é utilizado o conceito de equilíbrio instável
apenas no que concerne ao regime político no interior dos Estados.
31
Isto não que dizer que a teoria da revolução (no marxismo) não contenha em si uma teoria democrática.
Uma teoria da revolução que não apresente uma discussão sobre formas superiores de democracia não é
uma teoria da revolução; o mesmo não se com a teoria democrática, pois tem que excluir se quiser ser
uma democracia política e formal a teoria da revolução de seu corpus teórico. Este ponto pode ser
estudado verificando-se o clássico debate entre Lênin e Kautsky em 1918 com a relação ao método
democrático e o método revolucionário. Cf. Karl Kautsky/Vladimir Lênin – A Ditadura do Proletariado/A
Revolução Proletaria e o Renegado Kautsky ed. Ciências Humanas 1979.
32
Dois exemplos históricos podem nos auxiliar nesta questão: o governo Ebert e Noske na Alemanha, que
restringiu o processo revolucionário do período de 1918 a 1923 e o governo do PT no Brasil de 2002 até o
presente momento, que dentre outras coisas canalizou para as instituições democráticas a profunda
insatisfação popular com os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Sobre o governo
Ebert/Noske na Alemanha conferir Isabel Loureiro A Revolução Alemã (1918-1923) ed. UNESP 2005;
sobre o governo Lula especificamente, conferir a entrevista de Francisco de Oliveira publicada na Revista
Margem Esquerda . 10 2007. É interessante notar ainda que dois estudos clássicos sobre transição de
regimes ditatoriais para regimes democráticos, os de Samuel Huntington A Terceira Onda: a
democratização no final do século XX ed. Ática 1994 e de Robert Dahl Poliarquia: participação e
inclusão ed. EDUSP 1997 apresentam como condicionante para a passagem à democracia que a esquerda
abra mão de posições políticas e sociais radicalizadas.
33
Um dos aspectos da teoria da frente única de Trotsky e seu desdobramento na teoria da hegemonia de
Gramsci no contexto da III Internacional era retirar da influência social-democrata os trabalhadores e com
57
“incorporar” também como força motriz o sistema político bipartidário norte-americano
que não constava naqueles debates. Dessa forma, não a social-democracia é a força
motriz do equilíbrio relativo; também a “estável” mecânica do sistema político
americano surge como tal. O fato de que o fenômeno social-democrata não possa se
reproduzir em determinadas circunstâncias históricas e políticas relevância e
projeção ao “sólido” sistema bipartidário norte-americano como uma das variáveis do
equilíbrio instável. E não só isto: o bipartidarismo americano poderia ser farol-guia para
os próprios social-democratas como forma de operatividade da democracia. E Joseph
Schumpeter assim pensava
34
.
A construção da teoria da liderança democrática de Joseph Schumpeter não era
e simplesmente um combate conceitual contra o socialismo de Marx como afirmam
Tom Bottomore e David Ricci
35
; era um diálogo complexo com setores específicos do
movimento socialista e das principais lideranças políticas de então. Não é ocasional que
o titulo de sua obra não seja “Capitalismo e Democracia”
36
, mas Capitalismo,
Socialismo e Democracia”, sendo a seqüência: capitalismo, socialismo e democracia,
“consciente” e planejada. Schumpeter, como acima demonstrei, tinha clara para si a
inevitável decomposição da economia capitalista e sua transfiguração em economia
socialista. No entanto, o economista austríaco estava preocupado com a forma
especifica de transição para o socialismo, que este poderia surgir por forma
revolucionaria (o bolchevismo) ou por profundas reformas estruturais da economia (que
também em sua perspectiva trariam a possibilidade do caos via a participação do povo
no governo). Schumpeter, assim, constrói uma teoria democrática que, fundada num
arranjo institucional em que a liderança política compete entre si pelo voto do povo seja
capaz de manter ainda que precária e instavelmente (por isso o esvaziamento do
conteúdo substancial da democracia) o equilíbrio do regime político e permita uma
longínqua transição para a economia socialista. É por isso que a dupla força motriz do
equilíbrio instável: a mecânica do sistema político bipartidário americano e a
isto romper a estabilidade relativa em favor destes. Cf. Perry Anderson As Antinomias de Gramsci in
Afinidades Eletivas ed. Boitempo 2002.
34
“... existem atualmente, sem duvida, grupos socialistas coerentemente comprometidos com o que nos
Estados Unidos se entende por Ideais Democráticos; incluem, por exemplo, a maioria dos socialistas
ingleses, os partidos socialistas da Bélgica, Países-Baixos e países escandinavos... e os grupos alemães no
exílio.
35
David Ricci afirma em seu estudo Democracy Attenuated: Schumpeter, the Process Theory, and
American Democratic Thought in The Journal of Politics, v. 32 nº. 2 1970 que a democracia de liderança
“it was especially hostile, in fact, to the notions of Marxists who, as Schumpeter himself pointed out, tend
to be so preoccupied with the ideal goals of socialism…”.
36
Neste ponto Schumpeter se distingue de alguns de seus contemporâneos na área de economia como
Hayek e Milton Friedman que não travaram nenhum debate sério e aprofundado com o movimento
socialista. O primeiro escreveu “O Caminho da Servidão” e o segundo “Capitalismo e Liberdade”. O
socialismo para eles era destituído de qualquer sentido histórico e político como demonstram o conteúdo
de suas obras e seus projetos políticos.
58
funcionalidade de contenção dos partidos social-democratas ganham projeção e dão o
conteúdo à teoria da liderança democrática de Schumpeter, sendo ambos expressados no
método institucional de seleção de lideres através da luta competitiva pelo voto do
povo.
Outro aspecto da teoria política de Joseph Schumpeter é que do mesmo modo
que ela se coloca como problema as possibilidades de ruptura equilíbrio instável e o
surgimento da revolução decorrência das contradições da economia capitalista mundial;
também se põem como questão (implícita, aqui) a ruptura do equilíbrio instável que
termina em ditaduras militares e em regimes autoritários como o nazista e fascista.
Neste ponto é importante observar também o debate subterrâneo de Schumpeter com
Max Weber e Carl Schmitt no âmbito das prerrogativas para se manter ou não o
equilíbrio relativo e o regime democrático adaptado às novas condições históricas e
econômicas. No capítulo a seguir analisarei brevemente a relação entre os teóricos
alemães, a democracia e o problema da ruptura do equilíbrio instável articulado ao
projeto de Schumpeter. Nos outros capítulos estudarei a interação entre a mecânica
política bipartidária norte-americana e inglesa e a teoria da liderança democrática e a
funcionalidade dos partidos social-democratas na construção schumpeteriana de
democracia. Mais uma vez a análise crítica será conduzida pelo conceito de equilibro
instável e suas conseqüências. Nas considerações finais tentarei esboçar uma alternativa
“democrática” à teoria da liderança do economista austro-americano conectada aos
problemas atuais da vida política.
59
Capítulo III - Joseph Schumpeter e o Equilíbrio Instável na Democracia Inglesa
Chegamos até a presente exposição a verificar que a teoria da liderança
democrática de Joseph Schumpeter significava: a) a construção de mecanismos políticos
a manutenção do equilíbrio instável do regime de domínio burguês e b) para a
consecução disto haveria a necessidade formular uma teoria que pressuponha a não
intervenção do homem do povo nas grandes decisões do Estado e a preponderância da
liderança política na condução do governo. Mas Schumpeter almejava, ainda, a
aplicação do seu princípio democrático. Sem este seu empreendimento ficaria
incompleto, pois, o próprio Schumpeter se auto-qualificava como um estudioso realista-
científico do mundo da política. E mais, Schumpeter queria apresentar a seus leitores
(os vocacionados para a política) um modelo de regime democrático que pudesse servir
de parâmetro para sua atuação. É justamente aqui que surge na teoria da liderança
democrática a experiência política anglo-saxão; precisamente o regime
parlamentarista
37
. Deste modo é sobre este modelo de democracia que Schumpeter vai
aplicar seu princípio teórico. Diz Schumpeter:
A teoria esboçada na seção precedente será agora experimentada em
alguns dos mais importantes aspectos da estrutura e funcionamento d
maquina política em países democráticos... Numa democracia como
disse, a função primária do voto do eleitor é produzir o governo.
Isso pode significar a eleição de um conjunto completo de
funcionários. Em geral, entretanto, essa prática é um aspecto do
governo local e será negligenciada daqui por diante. Considerando
apenas o governo nacional podemos dizer que a produção do governo
significa, na prática decidir quem será a pessoa na liderança... Vamos
chamá-la de Primeiro-Ministro (Schumpeter, 1984, p. 341).
A democracia de liderança para Schumpeter, portanto, confinava com a ascensão e
preponderância do Primeiro-Ministro. Mais especificamente, na aplicação do princípio
teórico, Joseph Schumpeter faz observar que o voto do eleitor não produz diretamente o
governo, ele estabelece apenas um grupo de indivíduos que reconhecerão pro sua vez a
capacidade de um homem exercer a função de liderança e com isto conduzir o país ( de
37
É recorrente nos estudos sobre a teoria democrática de Joseph Schumpeter a afirmação de este
estabeleceu como modelo de democracia, a democracia norte-americana. Dentre estes estudos estão os de
João Quartim de Morais - A universalidade da democracia: esperanças e ilusões in Ensaios ad Hominem
1 1999, Contra a canonização da democracia in Crítica Marxista 12 2001 e em menor medida o de
William Scheuerman - Carl Schmitt: una fuente desconocida em la teoria elitista de la democracia de
Joseph Schumpeter in Graciela Medina y Carlos Mallorquín (coordenadores) Hacia Carl Schmitt:
irresuelto ed. Universidad Autônoma de Puebla/Instituto de ciências Sociales y Humanidades 2001.
Entretanto na aplicação do princípio Schumpeter o faz referencias substâncias sobre democracia
americana; apenas refere-se a esta com caráter informativo.
60
maneira inconteste). Qual a configuração, bem como o arranjo institucional que produz
e da vida ao Primeiro-Ministro? Na análise de Schumpeter assim ocorre:
o voto do eleitorado não produz diretamente o governo, mas um
órgão intermediário, daqui por diante chamado de parlamento, ao
qual cabe a função de produzir o governo... Como um parlamento
produz um governo? O método mais óbvio é Elegê-lo ou, mais
realisticamente, eleger o primeiro-ministro e então referendar a lista
de ministros que ele apresenta. Esse método raramente é usado. Mas,
melhor que os outros, mostra a natureza do procedimento. Alem
disso, todos os outros podem ser reduzidos a ele, pois o homem que
se torna primeiro-ministro é, em todos os casos normais, aquele que o
parlamento elegeria (Schumpeter, 1984, p. 342).
Com isto,
A prática inglesa clássica é a que se segue. Após uma eleição geral, o
partido vitorioso normalmente comanda uma maioria de cadeiras no
Parlamento e, portanto, fica em posição de apresentar um voto de
desconfiança em qualquer pessoa, exceto seu líder, o qual, dessa
maneira negativa, é designado “pelo Parlamento” para a liderança
nacional. Ele recebe sua delegação do monarca – “beija-lhe as mãos–
e apresenta-lhe sua lista de ministros, da qual a relação de ministros
de gabinete é uma parte (Schumpeter, 1984, p. 342).
Com efeito, a configuração e o arranjo institucional do modelo apresentado por
Schumpeter como democracia de liderança tinha como objetivo produzir três níveis de
lideres políticos: 1) os lideres parlamentares, após a disputa eleitoral resultando em um
partido vitorioso com maioria de cadeiras; 2) um líder, escolhido por aqueles lideres
parlamentares vitoriosos, que decidirá pela vida do país e 3) a produção por este de um
gabinete de sua confiança e garantia. Para entendermos por que Schumpeter escolhe o
modelo inglês de democracia visando à aplicação do princípio é necessário fazermos
uma digressão histórico-político sobre o regime parlamentar britânico e seu significado
geral, para depois compreendermos seu significado específico na construção da teoria
da liderança democrática do economista austro-americano e sua busca pelo equilíbrio
instável.
Pensar o arranjo institucional que forma o parlamento, o gabinete e acima de
tudo o líder democrático inglês é pensar a história político-institucional da Inglaterra. O
país que primeiro consolidou a economia burguesa foi também o primeiro a estabelecer
as linhas mestras do regime democrático-parlamentar. Dessa forma, não é possível
estudar a Inglaterra sem estudar seu regime parlamentar. Tem razão o historiador
George Macaulay Trevelyan quando avalia que,
61
en el curso de su larga hegemonia las aristocracias whig y tories
habian perfeccionado una nueva forma de mecanismo gubernamental,
a base de gabinete y primer ministro, que preto eficiência al goberno
del parlamento. Con ayuda de este sistema la Cámara de los Comuns
inglesa surgió triunfante de uma sucesión de guerras com monarquías
despósticas, y bayo Pitt y Castlereagh derroto el mismo Napeleón,
Dio paz a Europa y ganó um centena de anos de seguridad para la
Gran Bretaña... La tarea que aguardaba a sus sucesores... era adaptar
este sistema de gobierno de gabinete y parlamento... Esto resultó
implicar primero la admisión de la clase media y luego de la clase
trabajadora como partícipes em el control de la máquina político.
Dejar de hacer estes ajustes haberia llevado al derrubamiento del
sistema parlamentario y uma guerra de clases (Trevelyan, 1943,
p.445).
O mecanismo político inglês não tinha que organizar a vida social no interior do país
como tinha (e teve) que organizar e conduzir a vida internacional da Inglaterra e da
Europa. Mas qual era a origem histórica deste mecanismo político e por que ganhou
tamanha projeção na vida política e social inglesa?
A formação do sistema parlamentar, da política de gabinete e da supremacia do
líder tem dois momentos específicos na história da Inglaterra: o primeiro é o que se
inicia no período da monarquia feudal à monarquia limitada e o segundo dá-se no
período da monarquia limitada ao regime parlamentar propriamente dito. A passagem
da monarquia feudal para a monarquia limitada significa histórica e politicamente a
restrição dos poderes hereditários por uma assembléia representativa. No interior da
Idade Média haviam surgidos os primeiros indícios da restrição da monarquia
hereditária com a reunião dos vassalos com o rei. A composição dos vassalos era
formada pela nobreza e o clero, agregando depois os burgueses das cidades. Esta
evolução ocorreu tanto na Inglaterra quanto na França, no entanto, a particularidade do
regime britânico era que o rei possuía grande poder sobre os nobres, algo que não
sucedeu na França. Contraditoriamente, entretanto, a força do rei na Inglaterra foi a
fonte de sua fraqueza no futuro, pois, obrigou a burguesia e o povo a construírem uma
aliança junto com a nobreza contra a monarquia. Um dos impulsos que permitiu a
conformação das restrições ao reinado hereditário e de aliança entre a burguesia, o povo
e a nobreza foi a política de impostos do rei. Assim,
a Inglaterra insular... não tinha necessidades militar-financeira; por
isso, o parlamento jamais concordou em conceder o direito de
levantar o imposto... o que obrigava a convocá-lo cada vez que
faltava dinheiro: daí provém a periodicidade do parlamento britânico.
Muito habilmente alías, o dito Parlamento desenvolveu seu poder de
Conselho, ligando-o ao poder financeiro: adquiriu o habito de
apresentar ao rei petições (bills) antes de votar os subsídios, o que
62
constituía um meio de pressão considerável sobre o monarca
(Duverge, 1966, p.66).
Mas é na passagem da monarquia limitada para o regime parlamentarista que o sistema
político inglês traça a natureza efetiva de suas instituições para a posteridade. Vimos
acima o controle do parlamento na política de impostos da Coroa; através deste
procedimento os parlamentares ou os Comuns começaram a propor acusações aos
ministros ou grandes oficiais da Coroa decorrente do mal exercício do cargo público, o
que resultava em determinadas circunstancias no processo de Impeachment. Neste
ponto ainda, a tática do Impeachment apresentava apenas um arranjo técnico-jurídico,
mas com o desenvolvimento do sistema no decurso dos anos tornou-se um expediente
essencialmente político. Este foi um dos aspectos da formação inicial do regime
parlamentar na Inglaterra; o outro foi a incompetência intelectual e a ineficiência
decisória do rei. Após 1714 houve alterações significativas no arranjo institucional
inglês. Na medida em que a incompetência e ineficiência do rei combinada com o
fortalecimento do parlamento se tornavam patentes, começou-se a estabelecer uma
dinâmica política em que para suprir a ausência do rei foi-se obrigado a instituir um
corpo responsável (gabinete) pela política geral na nação. Assim,
no lugar deixado pelo obscurecimento do rei, muito naturalmente
surgiu um chefe escolhido no meio do Gabinete e encarregado de
presidir-lhe as deliberações e dirigir-lhe a política de conjunto: o
primeiro ministro (Duverge, 1966, p.77).
A rigor: esta longa evolução histórico-política encerrou “Três grandes categorias de
orgãos... as molas essenciais do sistema: a Coroa, o Gabinete, o Parlamento” (Duverge,
1966, p 77). Com efeito, o sentido histórico da decadência do rei e da monarquia
hereditária foi a preponderância no Estado inglês do Gabinete este é o organismo
fundamental do sistema político britânico construído historicamente. Mas qual o
significado do regime parlamentar inglês enquanto tal? Qual o sentido de sua atividade?
No interior do Gabinete a figura principal é o primeiro ministro, é ele que após a
produção do parlamento fruto do escrutínio eleitoral irá conduzir a política nacional.
Concernente especificamente ao Gabinete ele é na maioria das vezes,
homogêneo, isto é, formado dos membros de um partido; os
Gabinetes de coalizão só se vêem em circunstâncias gravíssimas,
coisa de que a Inglaterra não gosta. No interior do Gabinete, o
primeiro ministro exerce uma função muito importante: sua
autoridade é infinitamente maior do que a do Presidente do Conselho
Francês (Duverge, 1966, p. 72).
63
Ainda sobre o Gabinete, Arend Lijphart afirma que:
o Reino Unido tem um sistema de governo parlamentarista, o que
significa que o gabinete depende da confiança do Parlamento.
Teoricamente, como a Câmara dos comuns pode destituir o gabinete,
ela o controla. Na realidade, a relação é invertida. Como o gabinete é
composto pelos lideres de um partido majoritário coeso, na Câmara
dos Comuns normalmente ele é apoiado pela maioria daquela Casa e
pode, confiantemente, contar com a sua permanência no poder e com
a aprovação da suas propostas legislativas. O gabinete claramente
prevalece sobre o Parlamento (grifo meu) (Lijphart, 2003, p. 29).
Pode-se verificar com as análises acima que no regime parlamentarista inglês o
parlamento possui um posicionamento institucional especifico no interior do Estado,
mas a partir dele é o Gabinete quem constitui o ponto principal do sistema político ou o
vértice da construção do todo o regime de dominação inglês. Uma vez produzido o
parlamento, no interior deste o partido vitorioso nas eleições e que detém, portanto, a
maioria das cadeiras é que escolhe o primeiro-ministro e este por sua vez monta se
gabinete da forma que melhor convier a ele e ao seu partido. Com isto, na medida em
que o primeiro-ministro é escolhido pelos membros do partido que alcançaram a
maioria das cadeiras no parlamento e é possuidor da confiança daqueles, manifesta-se
efetivamente, aqui, um grau altíssimo de autoridade e poder, de tal modo que se origina
no sistema político inglês aquilo que Lijphart chama de: “executivo-partido”. Dessa
forma, o que aparenta fraqueza frente ao parlamento, transfigura-se no elemento de
força e poder quase que incomensurável, pois nesta configuração institucional, em que o
gabinete tem uma maioria ampla e confortável, o parlamento pode apenas controlar as
ações daquele; conforme nos diz Maurice Duverge “o Gabinete dirige, o parlamento
controla... na maquina política britânica o Gabinete representa o motor e as Câmaras, os
freios” (Duverge, 1966, p. 74).
Três aspectos devem ser abordados ainda sobre o sistema parlamentar inglês: 1)
a ilusória divisão dos poderes, 2) a competição decorrente do sistema bipartidário e suas
conseqüências e 3) a aceitação dos partidos de esquerda do arranjo institucional vigente.
O equilíbrio de poderes foi analisado na filosofia política primeiro por Montesquieu;
sua referencia histórica era jovem Inglaterra. No entanto, os estudos no século XX e o
próprio desenvolvimento histórico demonstraram que o clássico equilíbrio de poderes
(os pesos e contrapesos e as compensações) no sistema inglês era uma ilusão. O
equilíbrio de poderes só existiria no sistema estatal britânico se houvesse efetiva e
verdadeiramente um “conflito” de grau médio entre o ministério-gabinete e os membros
64
do parlamento como árbitros de toda a coletividade, mas como tal “conflito” é inviável
decorrente do fato de que o ministério-gabinete é formado a partir da homogeneidade do
parlamento, a clássica divisão de poderes na Inglaterra fica substancialmente
prejudicada tornando-se um equilíbrio de adereço. Assim, “o regime inglês é totalmente
o contrário de um sistema de contrapesos” (Duverge, 1966, p. 77). Ligado
organicamente ao primeiro aspecto está o sistema de dois partidos ou o bipartidarismo.
É ele quem estabelece as bases de operação do regime parlamentar inglês. Pois “a
existência de dois partidos com o resultado conseqüente de um deles dispor
necessariamente da maioria absoluta no Parlamento, tem efeito conferir a êsse
partido e a seu chefe, que é precisamente o Chefe do Governo, podêres ilimitados”
(Duverge, 1966, p.77). E mais “é o sistema disciplinado bipartidário, e não o
parlamentarismo, que dá origem ao predomínio do Executivo” (Lijphart, 2003, p. 30). O
terceiro aspecto do sistema político-parlamentar inglês é a incorporação do “terceiro
partido” ao mecanismo bipartidário, vale dizer, a aceitação por parte do principal
partido político de esquerda do arranjo institucional que da origem ao regime
parlamentar e à política de Gabinete. É interessante observar que no sistema bipartidário
americano a presença de um “terceiro partido” que represente os grupos sociais de
esquerda nunca foi consolidado ao longo da história
38
. O terceiro partido nos Estados
Unidos é tragado pela força do segundo partido derrotado no pleito eleitoral que o faz
figurar na arquitetura do sistema como o opositor principal do partido vencedor, com
isto:
el sistema no funcion para destruir al segundo partido porque este es
capaz de retener el monopólio de la oposicion. El punto crítico es el
de relación del último com el tercer partido o com qualquier minor
com pretensiones de alcançar el estrato superior; lo decisivo es que el
espacio existente entre ambos es insalvable –. El segundo partido
obtien todos o casi todos los escanos no ganados por el partido
triunfador. Hay uma firme posibilidad de que uma suma de esfuergos
de los partidos em la poder y, debido a esta certeza, es muy probable
que pueda reunir a su alrededor casi todos los elemento del país,
seriamente opuetos al partido em el poder, e interesados em su pronto
38
O historiador argentino Pablo Pozzi diagnostica que apesar de ao longo da história os Estados Unidos
serem palco de importantes lutas sociais e até operárias, como por exemplo, o movimento da nova
esquerda na década de 60, o movimento antiimperialista, a luta contra a guerra do Vietnã, a mobilização
estudantil nos 60 e a lendária resistência dos negros, jamais a esquerda conseguiu constituir um
importante partido socialista e/ou comunista. A explicação, dentre as outras possíveis, se deve ao fato de
as lutas por conquistas sociais e até transformações sócias serem apropriadas pelo partido democrata junto
com os grupos que as reivindicam. Assim o partido democrata (burguês moderado e representante da
classe média americana progressista ao contrário do radicalismo dos republicanos que sempre representou
o setor financeiro e a alta burguesia industrial e rural) sempre foi o lugar daqueles que procuravam um
meio de se organizar para alcançar suas demandas políticas e sociais. Conf. Pablo Pozzi - La Izquierda
Norteamericana ante la crisis in Lucha de Clases 1 1997 Argentina; sobre os partidos democrata e
republicano ver Richard Hofstadter - Os partidos políticos in Ensaios Comparativos sobre a História
Americana ed. Cultrix 1972.
65
derroque. El monopólio de la oposición es la major carta com que
cuenta el segundo major party (Schattscneider, 1964, p. 109 e 110).
Na Inglaterra a dinâmica do sistema alterou-se significativamente desde o seu advento.
Aqui o “terceiro partido”, a saber, o partido trabalhista foi não relevante para a
evolução do arranjo político como transformou-se, no interior mesmo do sistema, no
segundo ou primeiro partido que forma o equilibrado bipartidarismo britânico. O
trabalhismo inglês mais do que migrar da posição de “terceiro partido” para a de
segundo (ou primeiro), aceita, sustenta e da legitimidade ao establisment político. Além
disso, “Tendo sido admitidas no clube político quase tão logo o trabalhismo inglês
fundou organizações próprias, os lideres da classe trabalhadora têm observado as regras
do jogo parlamentar” (Lipset, 1966, p.241). Assim, o que encerra a presente descrição
histórico-político das instituições formadoras do Estado burguês na Inglaterra?
Essencialmente o regime parlamentar inglês apresenta como característica uma
forte concentração no Executivo, o que significa afirmar uma preponderância do
primeiro-ministro sobre o conjunto do arranjo institucional, bem como a restrição da
participação das massas populares nas principais decisões de Estado. O núcleo
formativo desta característica é a fusão do poder Legislativo com o poder Executivo. Na
avaliação do filósofo Domenico Losurdo:
na Inglaterra, às vésperas da segunda reforma eleitoral, Bagehot
celebra o sistema político do seu país por ser baseado não sobre a
divisão dos poderes e sobre a teoria dos pesos e contrapesos”, como
comumente se crê, mas sobre a concentração e a indivisibilidade do
poder soberano nas mãos do primeiro-ministro. O segredo da eficácia
da Constituição inglesa pode ser definido como a união íntima, como
fusão quase completa entre poder executivo e legislativo. Tal
personalização se revela necessária depois da notável extensão do
sufrágio que se verifica em 1867 (Losurdo, 2004, p. 67 e 68).
Podemos verificar que no regime parlamentar inglês não surge apenas a estruturação
que dá origem à política de gabinete, mas configura-se também um procedimento
político que funde a instância Legislativa com a instancia Executiva, de tal modo que o
resultado é a concentração extrema do poder no Executivo, e o mais importante: a
personalização do poder na figura do primeiro-ministro (o líder), que ele é o rtice
da junção das duas instâncias do Estado inglês. Era este o quadro referencial político
que Joseph Schumpeter identifica com a sua teoria da liderança democrática. No entanto
como ele se apresenta na construção do economista americano?
A análise precedente nos levou a caracterizar o regime parlamentar inglês que
identifica-se com a teoria da liderança democrática de Schumpeter, aplicação do
princípio , como substancialmente personalista e concentrado na instancia Executiva
66
do Estaco. Isto porque haveria uma fusão entre o legislativo (onde o partido vencedor
das eleições detém a maioria das cadeiras) e o governo (constituído pelo primeiro-
ministro, uma vez este sendo alçado ao poder pelo partido vencedor, que é também o
seu partido). Joseph Schumpeter apresenta o sistema parlamentar inglês como modelo
de democracia de liderança destacando, a função inexorável do primeiro-ministro.
Partindo de Gladestone “modelo... do grande gênio capaz de subjugar e domesticar as
massas...” (Losurdo, 2004, p. 69) Schumpeter nos diz:
Ele é o espécime gigantesco de um gênero normal... Em primeiro
lugar, quanto à liderança política do Primeiro-Ministro. Nosso
exemplo mostra que ela é composta de três elementos diferentes que
não devem ser confundidos e que em todos os casos se mesclam em
diferentes proporções, onde a mistura determina a natureza do
governo de cada Primeiro-Ministro. A julgar pela aparência, ele
assume o cargo como o principal homem de seu partido no
parlamento. Entretanto, logo que se instala no cargo, ele se torna, em
certo sentido, o chefe do parlamento, diretamente da Casa de que é
membro, mas também indiretamente da outra. Isso é mais que um
eufemismo oficial, mais também do que o que está implícito no
controle que ele tem de seu próprio partido. Ele adquire influência
sobre outros partidos e seus membros –e lhes desperta as antipatias –,
e isso faz muita diferença em relação a suas possibilidades de êxito.
No caso limite, exemplificado pela prática... ele pode coagir seu
próprio partido com a ajuda de outro. Finalmente, embora em todos
os casos normais ele também seja o chefe de seu partido no país, o
espécime bem desenvolvido da espécie dos primeiros-ministros terá
no país uma posição distinta da que automaticamente adquire ao
encabeçar a organização partidária. Ele liderara criativamente a
opinião partidária será responsável por sua formação e por fim
ascenderá a uma liderança em termos de formação da opinião pública
além das linhas do partido, no sentido de uma liderança nacional que
poderá, ate certo ponto, tornar-se independente da mera opinião
partidária. É desnecessário dizer quão pessoal é tal conquista e quão
grande é a importância de tal apoio externo ao partido e ao
Parlamento. Coloca na mão do chefe um chicote cujo estalo poderá
jogar de joelhos seguidores insatisfeitos ou conspiradores, mas
também açoitará a mão que não souber usá-lo (grifo meu)
(Schumpeter, 1984, p. 344, 345 e 346).
Na descrição do regime parlamentar britânico que fizemos acima pode ser observado,
ainda que desequilibradamente, o intercambio entre o parlamento, o gabinete e o
primeiro-ministro; é certo que o dinamismo desta conformação institucional permite
uma função especifica e vital ao primeiro-ministro e ao Executivo (concentrado), mas
permite também funções de relevância para o parlamento os partidos políticos e o
gabinete. A teorização de Joseph Schumpeter sobre a democracia de liderança não
incorpora o padrão do conjunto das instituições políticas inglesas, como intensifica
traços particulares da conformação estrutural do Estado, a saber, a personalização da
67
política em torno da figura do primeiro-ministro. A alta disposição governativa, a
habilidade com a grande política, a capacidade de condução da opinião pública e dos
subalternos e a força de convicção do primeiro-ministro inglês eram (e são...) uma áurea
mística o colocava dirigindo o Executivo por sobre o conjunto das instituições
políticas vigentes. É por isso que na teoria d liderança democrática de Joseph
Schumpeter a estrutura parlamentar é destituída de significação jurídica, uma vez esta
entendida como representação da personalidade jurídica do povo. Sobre isto
Schumpeter afirma que o parlamento “é um órgão do Estado, exatamente como
Executivo” (Schumpeter, 1964, p.310). Em síntese e de acordo com Domenico Losurdo:
“segundo Schumpeter, em vez de remeter à vontade popular, como na concepção
clássica da democracia, o Parlamento é um órgão do Estado e dada a atual tendência à
extrema personalização do poder... Schumpeter indica um líder mais ou menos
carismático” na condução e direção da democracia (Losurdo, 2004, p. 253 e 255).
Na atividade política do primeiro-ministro inglês Joseph Schumpeter encontra
evidências para sua concepção de democracia baseada no papel vital da liderança. Se, o
primeiro-ministro é o condutor do Executivo (personalização e concentração do
poder)
39
, fica claro que, no jogo das instituições políticas na Inglaterra e, sobretudo,
para a teoria democrática de Schumpeter que se identifica com aquelas e vai além, é a
ele que cumpre a função ativa em todos os negócios do governo. Vale lembrar aqui que
o que caracteriza o homem do povo na teoria da democracia do economista austro-
americano é justamente o fato de não ter função ativa ou mais precisamente ser passivo
frente à disputa das lideranças (e quando muito tem uma “atividade política
destemperada e irresponsável). Ele é o ponto de convergência e o impulsionador da
maquina estatal; é sua ação que cria o gabinete e origem às políticas e os projetos
para discussão no interior do parlamento. Dessa forma,
quanto à natureza e ao papel do gabinete. Este é algo curiosamente
dúbio produto do Parlamento e do Primeiro-Ministro em conjunto. O
Primeiro-Ministro designa os membros daquele que deverão ser
indicados, como vimos, e o Parlamento aceita, mas também
influencia na escolha... Do ponto de vista do Primeiro-Ministro, é
uma reunião não apenas de camaradas de armas, mas de homens de
partido que têm de considerar também seus próprios interesses e
perspectivas – um Parlamento em miniatura. Assim, o gabinete... tem
função de liderança intermediário (Schumpeter, 1984, p. 347).
39
Um dos estudos mais importantes no campo da teoria política contemporânea, o do filósofo italiano
Giorgio Agambem, enfatiza o caráter concentrado do poder na esfera Executiva em detrimento do “livre”
jogo parlamentar e democrático. Conf. Giorgio Agambem - Estado de Exceção ed. Boitempo 2004.
68
Ainda que a exposição possua nuanças, a construção mesma do processo que da origem
ao Gabinete funda-se no fato vital de que é o primeiro-ministro que com estabilidade e
segurança escolhe os indivíduos para compor este micro-ministério. Quanto ao
parlamento Schumpeter mantém o mesmo estilo de exposição; fornece uma atuação do
primeiro-ministro co dubiedade, na medida em que o parlamento exerce atividade
legislativa e também de administração e controle do Executivo. Na análise de
Schumpeter sobre a formação do orçamento é onde pode ser observado, por um lado, a
dubiedade de sua compreensão quanto à relação do parlamento com a ação do primeiro-
ministro (como líder) que conduz a Estado e as massas populares na estrutura geral da
teoria da liderança democrática. Aqui fica evidenciado que a teoria democrática de
Joseph Schumpeter é essencialmente uma identificação (reelaborada) co a atividade
centralizada do primeiro-ministro inglês que detém o chicote cujo estalo faz os
“subalternos” caírem de joelhos. Tomemos o texto schumpeteriano:
O orçamento é o exemplo mais importante. Elaborá-lo é uma função
administrativa... Mesmo onde ele é feito pelo ministério da fazenda,
com a aprovação do gabinete como é o caso da Inglaterra –, o
Parlamento deve votá-lo e através de seu voto ele se torna um ato do
Parlamento... o primeiro e principal objetivo da cada partido político
é sobressair-se em relação aos outros para chegar ao poder ou se
manter nele. Como a conquista da fatia de terra ou da colina, a
decisão sobre os temas políticos é, do ponto de vista do político, não
o fim, mas apenas o material da atividade parlamentar... portanto, a
produção corrente de decisões parlamentares sobre questões
nacionais é o próprio método pelo qual o Parlamento mantém ou
recusa manter no poder um dado governo, ou pelo qual o Parlamento
aceita ou recusa aceitar a liderança do Primeiro-Ministro.
Mas como personalidade ativa,
É o Primeiro-Ministro que seleciona, da incessante corrente de
problemas cotidianos, aqueles que ele vai transformar em questões
parlamentares, ou seja, aqueles sobre os quais seu governo se propõe
a legislar, ou, caso não esteja muito seguro do terreno, pelo menos
tomar resoluções... Em qualquer caso, entretanto, a escolha ou
orientação do governo, seja livre ou não, é fator que domina a
atividade parlamentar (grifo meu) (Schumpeter, 1984, p. 348 e 349).
Com efeito, no primeiro-ministro ou líder democrático “Há uma coisa muito importante
que ele conhece profissionalmente: conduzir homens(grifo meu) (Schumpeter, 1984,
p. 360) e instituições do Estado. Assim, como se apresente o equilíbrio instável
pretendido por Schumpeter tendo em vista a identificação construída por ele entre a
teoria da liderança democrática e o regime parlamentar inglês?
69
Retomemos para isto algumas formulações que compõem a teoria da liderança
democrática do economista de Bonn e Harvard. Sobre as massas populares
especificamente quando entram na política, diz ele:
o desaparecimento súbito, em estado de excitação, de restrições
morais e de modos civilizados de pensar e sentir, a súbita erupção de
impulsos primitivos, de infantilismos e de propensões criminosas...
fatos repulsivos... que dá um serio golpe no quadro da natureza
humana subjacente a doutrina clássica da democracia e ao folclore
democrático acerca das revoluções... O que mais me choca e me
parece ser o âmago do problema é o fato de se perder tão
completamente o senso de realidade... Desse modo, o cidadão pico
mais baixo de desempenho mental assim que entra no campo
político... em certas circunstâncias isso pode ser fatal para a nação...
simplesmente... ao fato de a massa eleitoral ser incapaz de ação que
não seja o estouro da boiada (grifo meu) (Schumpeter, 1984, p. 321,
326, 328 e 353).
Podemos inferir das passagens precedentes que a teoria democrática de Joseph
Schumpeter possui como variável central a preocupação com a participação/intervenção
do povo na política, particularmente nas grandes decisões do Estado moderno. Até
mesmo uma leitura parcial da obra de Schumpeter não pode negar que sua teoria
democrática estava preocupada com a complexa relação entre o processo
revolucionário, o Estado e suas ações no contexto de profundas alterações nas
sociedades burguesas ocidentais. As fortes expressões: folclore acerca das revoluções, a
perda do senso de realidade e o estouro da boiada permitem compreender as
preocupações de Schumpeter sobre a questão acima referida. Mas a que registro
histórico e político o autor da principal teoria democrática contemporânea tinha como
parâmetro? Do ponto de visto do equilíbrio instável dois eram os registros históricos e
políticos que incidiram sobre a formulação da teoria da liderança democrática e sua
aplicação ao regime parlamentar inglês: 1) os processos revolucionários que ocorrem na
Europa na primeira metade do século XX e 2) a forte concentração no executivo que
ocorre com a passagem do século XIX para o século XX no contexto do imperialismo.
O processo revolucionário na Europa tem seu início com a primeira revolução
russa em 1905 e consolida-se com a Revolução Russa de 1917 que instaura
efetivamente pela primeira vez na historia um governo dos trabalhadores. A ruptura do
equilíbrio instável nesta situação histórica que levou à conquista do poder as massas
trabalhadoras tinha características singulares, a saber: a presença de elementos
ecumênicos e o surgimento da democracia direta de massas. Quanto ao universalismo
de outubro de 1917:
70
a Revolução... se via menos como um acontecimento nacional que
ecumênico. Foi feita não para proporcionar liberdade e socialismo à
Rússia, mas para trazer a revolução do proletariado mundial... A
Rússia, madura para a revolução social, cansada da guerra e à beira
da derrota, foi o primeiro dos regimes da Europa Central e Oriental a
ruir sob as pressões e tensões da Primeira Guerra Mundial
(Hobsbawn, 1999, p. 63 e 66).
Deste modo, mais do que um evento histórico circunscrito à Rússia, a Revolução de
outubro de 1917 foi um acontecimento que se estendeu por toda a Europa, tanto a
Ocidental quanto a Oriental suas conquistas, virtudes e estratégias políticas de ação
foram, portanto disseminadas e captadas por todos os que desejavam a superação da
velha ordem européia e mundial; do mesmo modo foi sentida por aqueles que
desejavam a manutenção desta mesma ordem social, não era ocasional que Carl Schmitt
dissesse nas intensas polêmicas que travou no contexto de Weimar que “nós na Europa
Central vivemos sous l’oeil des russes” (Schmitt, apud Anderson, 2002, p. 320) e que
Max Weber discursasse sobre o socialismo para o oficialato alemão
40
. Assim o fim
temporário da estabilidade relativa decorrente da Revolução de 1917 era percebido por
todos naquele momento tanto para os favoráveis como para os adversários. A
experiência russa que mais impactou os observadores foi o surgimento da democracia
direta, os sovietes. Era a primeira vez que os populares puderam através de um regime
político intervir efetivamente nas grandes questões de Estado. Os sovietes apresentavam
para o mundo, uma possibilidade real para findar com o governo das elites e lideranças
políticas. Sobre isto Lênin afirmava que:
Por primera vez em el mundo, el poder del Estado há sido organizado
em Rusia de manera que únicamente los obreros y los campesinos
trabajadores, excluídos los exploradores, constituyen los sovietes,
organizaciones de masas a que se transfiere todo el poder publico... la
palavra “Soviet” no solo se hecho comprensible em todo el
mundo, sino popular, entrañable para los obreros, para todos los
trabajadores (Lênin, 1977, p.377).
Ate o processo revolucionário de outubro de 1917 era consideração comum dizer que as
classes populares não possuíam condições subjetivas e objetivas de participar
ativamente nas decisões de Estado. Quando na Rússia apareceram as primeiras
40
O historiador Perry Anderson nota que as conferências de Weber “Ciência como Vocação” e “Política
como Vocação” foram proferidas respectivamente em 07 de novembro de 1917 dia em que os
bolcheviques conquistaram o poder na Rússia e em 28 de janeiro de 1919 dia em ocorria a revolução
Bávara. Segundo Anderson os pontos mais problematizados por Weber nestas conferências foram as
questões da vocação e da violência em relação com a política tudo sob a égide da responsabilidade e do
chamamento em contraposição ao diletantismo e ao literati tipificado na figura dos bolcheviques. Cf.
Perry Anderson - Zona de Compromisso p. 99 a 121 ed. UNESP 1996.
71
experiências de democracia direta através dos conselhos de trabalhadores, soldados e
camponeses, ainda que muitos se colocassem veementemente contrários à nova forma
de organização do Estado inclusive setores da esquerda foram contrários aos
conselhos como demonstra a ação de Ebert, Noske e a social democracia no curso da
revolução alemã como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto, Max Weber e Carl Schmitt,
todos passaram a “admitir” a “possibilidade” das massas populares atuarem na vida
política. Cabe enfatizar aqui novamente, que uma importante variável de conformação
da ciência política contemporânea, sociologia das elites, de Mosca e Pareto ganha corpo
teórico neste ambiente histórico e político
41
. Com isto ficava estabelecida a temporária
ruptura do equilíbrio instável dos regimes políticos burgueses na Europa decorrentes por
um lado da universalização da Revolução de Outubro e pro outro da impactante
experiência que esta forneceu por intermédio da democracia soviética.
O acontecimento revolucionário descrito acima era produto da, entre outros
fenômenos, etapa imperialista do sistema capitalista. Uma das características do
imperialismo como vimos no capitulo precedente era a propensão à guerra, às crises
políticas e às revoluções. Outra característica do imperialismo, portanto, eram os meios
de obstaculizar as vias políticas que levassem àqueles. Dessa forma era necessário um
realinhamento das estruturas de Estado para alcançar o objetivo de obstaculização das
causas de ruptura da estabilidade relativa (sobretudo no aspecto das crises políticas e
dos processos de revolução). Vejamos o que nos mostra um estudioso da relação entre
imperialismo e política no período indicado:
El imperialismo, com su política de altos vuelos em la que está
comprometidos el honor y la seguridad del Estado, exige el primer
puesto y, a medida que crece el Império, la cantidade y la
complejidad de sus problemas que exigen atención inmediata,
continua y profunda, obsorbiendo el tiempo goberno y del
Parlamento. Cada vez resulta más difícil encontrartiempo em la
cámara legislativa para debatir lenamente y sin interrupciones
temas de la mayor importancia para la marcha del país, o para
poner em práctica cualquier reforma de envergadura... están
luchando por evitar que las masas utilicen de verdad y eficazmente
este poder para el estabelecimiento de uma auténtica igualdade de
oportunidades econômicas... Esta subordinacion del poder
legislativo al ejecutivo em uma autocracia, son el resultado necesario
de la preponderância de la politica exterior sobre la interior (grifo
meu) (Hobson, 1981, p. 145 e 148).
Sobre a política inglesa especificamente o autor em tela nos diz que:
41
Sobre a relação entre a sociologia das elites e a revolução ver Norberto Bobbio - Ensaios sobre Ciência
Política na Itália ed. UNB/Imprensa Oficial-SP 2002.
72
En las deliberaciones de la Cámara de los Comunes cada vez se han
ido obstaculizando más, y de manera más grave, las facultades de la
oposicion para actuar como tal: en parte, mediante uma modificación
de las normas de la Cámara, que reducido el derecho al debate
completo de los Comunes, em especial el derecho a debatir la quejas
sobre los créditos y a interrogar a los ministros respecto a la
administración de sus respectivos departamentos... Este recorte de las
facultades de la oposición no es más que el primero de uma serie de
procesos de concentración del poder... De esta forma el gabinete
absorbe los poderes de la Cámara de los Comunes, y al mesmo
tiempo, el próprio gabinete ha aumentado de tamanõ deliberada y
conscientemente com objeto de concentrar o auténtico poder em
manos de um gabinete interior informal... Este proceso de
centralización del poder, que tiende a destruir el gobierno
representativo, y que há reducido a la Cámara de los Comunes a poço
más que uma máquina para el registro automático de los decretos de
um gabinete interior no elegido, es imputable fundamentalmente al
imperialismo (Hobson, 1981, p. 151).
Tais alterações nas estruturas de Estado no contexto do imperialismo, em particular, as
alterações nas estruturas e principais instituições do Estado inglês ( que sem estas
alterações apresentam graus consideráveis de restrição do debate parlamentar face ao
arranjo que leva à concentração na esfera do Executivo), são primordiais para a
compreensão da democracia e mais precisamente, da teoria da liderança democrática de
Schumpeter (entendida como ciência politica real e científica) como construção do
equilíbrio instável.
O que fica comprovado com exposição acima é a necessidade política de
concentração no Executivo. Isto ocorre como corolário da complexa, intricada e
efervescente situação social que aparece com as mudanças da economia internacional
produto do desenvolvimento capitalista no início do século XX e que colocavam como
expectativa a criação e/ou readaptação das instituições de Estado ao novo panorama
histórico-político se se quisesse manter o vital equilíbrio relativo do regime de
dominação. É por isso que o regime parlamentar inglês em si mesmo, bem como as
transformações que sofre para suportar as perturbações revolucionárias (o estouro da
boiada e o folclore...) e econômicas (responsabilidade e decisão rápida) cumpre tarefa
essencial na teoria democrática de Joseph Schumpeter, pois é com a blindagem dos
negócios do Estado, que confina conseqüentemente com o afastamento decisivo e
indelével das massas trabalhadoras, através da concentração no Executivo conduzido
pelo líder personalista, que a teoria democrática de Schumpeter busca a manutenção do
equilíbrio instável e por meio disso, a “permanência” da economia capitalista ou se este
feito não fosse factível, ao menos a possibilidade de uma “transição” lente e longínqua
para o socialismo, este entendido como o economista austríaco projetou. Mas havia
ainda outra questão que programa teórico de Schumpeter deveria responder concernente
73
à teoria da democracia e a conformação do equilíbrio instável: como dialogar com o
movimento socialista (seu real objetivo como demonstramos no capítulo anterior),
especificamente com o movimento social-democrata e sua responsabilidade no que
tange ao Estado e à democracia contemporânea? Em outras palavras qual a
funcionalidade dos partidos social-democratas para a teoria da liderança democrática de
Schumpeter?
O próximo capítulo será dedica ao estudo da relação entre as proposições
schumpeterianas e a social-democracia.
74
Capítulo IV - A Social-Democracia na Teoria Democrática de Schumpeter: a outra
figura o equilíbrio instável.
havíamos observado que o Magnus Opus de Joseph Schumpeter era uma
extensa e exaustiva discussão com o socialismo; particularmente da relação entre
movimento socialista, democracia e economia capitalista. Analisamos acima também
que a teoria da liderança democrática elaborada pelo economista austro-americano era
uma configuração conceitual que, essencialmente, visa formular elementos políticos
para a manutenção do equilíbrio instável do regime de domínio burguês e
conseqüentemente manter ainda por longo período de tempo a frágil economia
capitalista que na sua teorização estava destinada ao desaparecimento –, ou senão
disponibilizar formas de transição que não perturbasse diretamente a dinâmica da
sociedade burguesa. O entendimento de porque Joseph Schumpeter atribui uma posição
específica e inarredável para o movimento social-democrata na teoria elitista da
democracia, somente se explica pela articulação interna de operatividade do método
institucional vale dizer das condições para que a seleção de lideres que por intermédio
da luta competitiva pelo voto do povo adquirem poder de decidir, funcione efetivamente
– e pelo destino da social-democracia no interior das sociedades capitalistas.
Para compreendermos o aspecto acima aventado é fundamental incursionarmos
por dois pequenos capítulos de “Capitalismo, Socialismo e Democracia”. Os capítulos
“Paredes em Desmoronamento” e “Hostilidade Crescente” (Parte II - Poderá Sobreviver
o Capitalismo?).
À construção conceitual de que o capitalismo tenderia no curso da historia à
decomposição, o que inevitável e inexoravelmente conduziria ao socialismo, Joseph
Schumpeter agrega uma análise na qual apresenta-nos o quadro institucional e político
da decadência da economia burguesa. No entanto, Schumpeter realiza uma abordagem
“heterodoxa”: analisa “não” os pontos que caracterizam o quadro institucional da
dominação política burguesa; ele estuda a evolução do sistema feudal e sua função no
âmbito da transfiguração do quadro político feudal para o quadro político burguês.
Joseph Schumpeter notava que do ponto de vista estritamente econômico a ascensão da
burguesia ao primeiro posto de comando havia produzido alterações significativas no
ordenamento social, de tal modo que a burguesia ao realizar esta empreitada
transformadora conseguia dois feitos: 1) deslocar a forte influencia do arranjo feudal na
economia e 2) romper as barreiras que limitavam seu desenvolvimento. Assim,
75
A evolução capitalista destruiu, em primeiro lugar, ou fez destruir o
possível para destruir, o sistema institucional do mundo feudal...
Juntamente com a velha organização econômica desapareceram os
privilégios econômicos e políticos de classe e grupos que outrora nele
desempenhavam papel de destaque, particularmente as isenções de
impostos e prerrogativas políticas da nobreza latifundiária, gentis-
homens e clero... Economicamente tudo isso significou o rompimento
de muitas cadeias e a demolição de outras tantas barreiras para a
burguesia (Schumpeter, 1961, p. 169 e 170).
Deste modo, o processo de constituição da economia capitalista rompeu com o
ordenamento político-institucional d vida feudal. Entretanto, até que ponto as cadeias e
barreiras que o quadro institucional feudal apresentava eram boas ou não para a classe
burguesa. Pois conforme Schumpeter avalia: “as cadeias não apenas limitavam, mas
também protegiam” (Schumpeter, 1961, p. 170).
De fato no estudo de Schumpeter concernente ao quadro institucional e político
feudal e as alterações decorrentes da ascensão da classe burguesa ele enfatiza não a
completa destruição dos arranjos políticos feudais, mas um complexo processo de
interação e de troca de funções entre os setores do mundo feudal e a burguesia
ascendente. Com isto, a experiência que surge a partir da interação e intercambio entre o
sistema feudal e o sistema capitalista é uma simbiose que Schumpeter qualifica como
armação de aço. Esta simbiose diagnosticada por Joseph Schumpeter como estrutura de
aço só foi possível, na medida em que a evolução histórica capitalista permitiu a
sobrevivência relativa de setores da classe feudal nos espaços políticos mais importantes
da arquitetura do nascente Estado moderno. A ocorrência deste fenômeno segundo a
análise de Schumpeter se deve ao fato de o primeiro aspecto que toma o Estado
moderno, a monarquia absoluta, possuir significativa influência e prestígio frente a
nobreza latifundiária; porem traço particular desta influência e prestígio era a concessão
de empregos e pensões para os membros desta nobreza, bem como para o clero, fazendo
com que a nascente maquina estatal fosse administrada e conduzida por estes mesmos
membros da nobreza e em menor medida pelos do clero. Outro aspecto levantado pro
Schumpeter é que, na medida em que a monarquia absoluta configurava-se como
estrutura política da nova ordem capitalista, ao menos em seu início, isto significava que
parte da sua renda ou manutenção econômica provinha dos rendimentos da classe
capitalista, ou seja, indiretamente os setores da nobreza que tinham sido empregados na
maquinaria de Estado pela monarquia absoluta, a despeito de terem visto esfacelarem
seu mundo pela ascensão da burguesia, interessavam-se, sobremaneira, pelas conquistas
deste novo setor social e econômico. A conseqüência desta dinâmica era clara: a
simbiose ou,
76
A armação de o desta estrutura consistia ainda de material humano
da sociedade feudal, material êsse que ainda se comportava de acordo
com normas pré-capitalistas. Congestionava as repartições públicas,
fornecia os quadros do exército, formulava política, funcionava,
enfim, como uma classe dirigente, e, embora levando em conta os
interesses burgueses, procurava, deles se diferenciar... Tratava-se de
uma simbiose ativa de duas camadas sociais, uma das quais sem
dúvida apoiava a outra economicamente, mas por seu turno era
apoiada polìticamente (Schumpeter, 1961, p. 174).
Mas Schumpeter necessitava responder à pergunta efetuada no parágrafo precedente:
era boa ou ruim para a classe burguesa a presença da camada feudal nos postos mais
relevantes da estrutura de Estado?
A resposta a esta pergunta, como é peculiar em toda construção teórica de
Schumpeter era dada como conseqüência de uma avaliação do estatuto da nobreza
feudal na direção do Estado moderno nascente a partir da insuficiência de outras
variáveis dos fracassos da classe burguesa na administração do Estado e na própria
maneira de lidarem com a dimensão política.
Contrariando a análise realista e empirista da política que iefetuar na Parte-IV
de “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, Schumpeter, aqui, entende a política ou
como conduzir a política através de dois termos que na sua exposição e,
especificamente, no que diz respeito à classe burguesa, são vagos; a saber: vestígio de
aureola místico e prestígio. (De passagem é importante conectar esta compreensão de
Schumpeter com a posição do primeiro-ministro personalista que conduz o gabinete, o
parlamento e o Estado com o chicote o Whip que faz os súditos dobrar o joelho por
ele desenvolvida na teoria democrática propriamente dita). O fato de o industrial e o
comerciante não os possuírem é que os levou em determinadas circunstâncias históricas
ao fracasso e os impossibilitarem de dirigir decisivamente a política nacional. Lidar com
diários de contabilidade e cálculos de custo, para Schumpeter, não autorizam ninguém a
ser chefe político de nenhum Estado nacional (mais uma vez: é isto o que importa para o
economista austríaco e sua teoria da democracia...). Inversamente a isto, o senhor
medieval e sua profissão,
Não apenas o qualificava admirávelmente para a defesa dos seus
próprios interesses de classe, pois era capaz de defendê-los até
fisicamente, mas também porque o envolvia com uma aureola e o
tornava líder. A segunda era importante, mas muito mais ainda era o
encanto místico e o ar senhorial, aquela habilidade e hábito de
comandar e ser obedecido, envolvido num prestígio reconhecido por
todas as classes da sociedade e em cada estação da vida. Esse
prestígio era tão grande e a atitude tão útil, que a posição da classe
77
sobreviveu às condições sociais e tecnológicas que produziram e se
mostrou adaptável, através de uma transformação da função da
classe, as condições econômicas e sociais inteiramente diferentes.
Com a maior facilidade e graças, os lordes e cavaleiros se
metamorfosearam em cortesãos, administradores, diplomatas,
políticos e funcionários de um tipo que nada tinha a ver com o
cavaleiro medieval. E, fenômeno extraordinário quando nele
pensamos, um resto daquele velho prestígio sobreviveu até hoje e
impressionava não apenas as mulheres (grifo meu) (Schumpeter,
1961, p. 172).
A capacidade de exercer o domínio (fisicamente inclusive) e de conduzir homens
(condottiere) é que diferenciava o setor feudal da “quase patética” classe burguesa que
se habituou no decurso do tempo a apenas administrar tecnicamente a economia
capitalista. Assim, era uma vantagem insubstituível para as pretensões da burguesia a
permanência das camadas feudais nas estruturas do Estado moderno decorrência da
simbiose que por sua vez poderia (e pode) formar o círculo de aço do quadro
institucional e político. Se, a classe burguesa era incapaz de conduzir os negócios de
Estado, inclusive quando esses negócios tornavam-se problemáticos (com
enfrentamentos internos com o surgimento de revoluções, guerra civil e perturbações
sociais de toda natureza e com enfrentamentos externos em face da disputa por espaço
na geografia do mundo), era vantajoso para ela deixar intacta a estrutura protetora que
lhe fornecia a aristocracia feudal. Além disso, esta situação vantajosa proporcionada
pela estrutura de aço tornava-se tanto mais benéfica para a dominação burguesa tanto
mais que era algo que “As massas também o percebiam claramente”, permitindo
ademais que a burguesia não restrinja sua atuação politica somente a um defensivismo
moderado “mas também uma ofensiva, especialmente na oposição” (Schumpeter, 1961,
p. 174). Com efeito:
sem a proteção da um grupo-não burguês, a burguesia é
politicamente inerme e incapaz não apenas de liderar a nação, mas até
mesmo de defender seus próprios interêsses de classe, o quer dizer
que ela necessita de um senhor (Schumpeter, 1961, p. 174).
E o trágico e dramático para a própria classe burguesa e que,
O processo capitalista, no entanto, em vista tanto de sua mecânica
econômica como de seus efeitos sócio-psicológicos, desembaraçou-se
dêsse protetor... a política capitalista levou a destruição muito além
do que seria inevitável (Schumpeter, 1961, p. 174).
78
Ou seja, as paredes desmoronaram-se. E com seu reinado indefeso a classe burguesa é
um convite à agressão: especialmente se o botim é rico” (Schumpeter, 1961, p. 179).
Neste ponto, Schumpeter apresenta a hostilidade crescente ao capitalismo.
A formação da cultura da hostilidade crescente ao capitalismo surge no estudo
de Schumpeter como conseqüência necessária do esfacelamento da armação de aço que
protegeu a classe burguesa durante um período de sua existência. Diz ele, “a hostilidade
se espalhou, com o desmoronamento das paredes protetoras” (Schumpeter, 1961, p.
180). Entretanto, a característica da hostilidade crescente ao capitalismo na teoria
politica schumpeteriana possui aspecto singular: não era a constatação daquilo que
Marx no “Manifesto do Partido Comunista” diagnosticava como a luta de classes; luta
de classes esta que a partir da própria constituição subjetiva dos trabalhadores no
processo mesmo dos conflitos (com vitórias, derrotas, conquistas sociais, repressão de
Estado e frustrações) tornaria-se mais “aguda” e violenta chegando até a estágios
decisivos de guerra civil aberta, mas a predisposição do grupo de intelectuais a fazerem
criticas cada vez mais radicais ao sistema capitalista e à dominação burguesa.Ainda que
os miseráveis fossem extremamente revoltosos contra a ordem do capital e que esta
mesma ordem proporcionasse fenômenos sociais diários que justificassem a rebeldia
daqueles, não seria suficiente para ensejar uma hostilidade política que perturbasse
extraordinariamente o equilíbrio instável do regime de estado, ou seja:
nem a oportunidade do ataque nem a real ou imaginada queixa são
em si mesmas suficientes para provocar, embora possam afetar
fortemente, o surgimento de uma hostilidade ativa contra a ordem
social. Para que surja tal atmosfera é necessário que haja grupos que
tenham interesse em estimular e organizar o ressentimento,
acalentá-lo, expressá-lo e liderá-lo... Até que possamos descobrir os
grupos sociais com capacidades para desempenhar êsse papel, nossa
teoria de atmosfera de hostilidade ao capitalismo continuará
incompleta (grifo meu) (Schumpeter, 1961, p. 182).
O grupo social que fomenta a hostilidade ativa contra a classe burguesa e seu
sistema econômico na abordagem de Schumpeter são os intelectuais
42
. É a eles que cabe
(ou não) a função de: estimular a revolta irracional para usarmos um termo caro a
Schumpeter contra a ordem capitalista. Neste ponto Joseph Schumpeter constrói uma
sociologia dos intelectuais. Podemos destacar dois pontos na sociologia do intelectual
42
É interessante observar que Jean Paul Sartre define o papel do intelectual na sociedade, justamente
como o de fomentador e divulgador da revolta social contra o sistema vigente. É daí que surge a clássica
noção do intelectual engajado com a luta dos oprimidos. Recentemente o legado de Sartre foi apropriado
por Pierre Bourdieu em textos de intervenção contra a ordem econômica neoliberal. Cf. Jean Paul Sartre -
Em defesa dos intelectuais ed. Ática 1994 e Pierre Bourdieu - Contrafogos: táticas para enfrentar a
invasão neoliberal ed. Jorge Zahar 1998.
79
apresentada por Schumpeter: 1) a expansão da cultura crítica decorrente do advento do
humanismo juntamente com o capitalismo a 2) o dueto opinião publica/liberdade de
expressão.
No interior da Idade Média surgiram os primeiros traços da cultura intelectual-
acadêmica, foi que germinaram efetivamente as instituições universitárias européias.
Não é ocasional que neste período o pensamente de Aristóteles foi introduzido no
Ocidente por, dentre outros pensadores, Tomas de Aquino. Entretanto é com o
humanismo que a atividade intelectual ganha corpo e significação politica e cultural. Se,
na Idade Média a função do intelectual, ainda que lançando as bases para os séculos
vindouros concernente ao que seria a vivência universitária e acadêmica, era restrita,
pois muitos eram considerados como hereges, no humanismo o trabalho intelectual foi
amplamente disseminado. A motivação para isto era o próprio caráter da crítica que
neste momento pautava-se pela abordagem filológica dos textos e das escrituras. Da
crítica dos textos políticos, religiosos e filosóficos para a crítica da sociedade o
caminho foi fácil e muito mais curto do que se poderia imaginar, foi assim que o
humanismo (que também era ativado pela nascente cultura capitalista que começava a
propagandear a liberdade comercial, necessidade de universalização das fronteiras
européias para a expansão dos negócios e as crescentes inovações no processo
industrial) propiciou aos intelectuais a possibilidade de atitude crítica que com o passar
do tempo tornou-se mais forte e categórica. Para a completa formação do grupo de
intelectuais hostis ao sistema capitalista faltava outro elemento de não menos
importancia que a relação entre o humanismo e a crítica da sociedade, precisava-se da
construção da opinião publica e da liberdade de expressão. Sempre dinamizado pela
força irresistível do capitalismo, de acordo com a análise sociológica de Joseph
Schumpeter, que foi fundamental para o processo de urbanização, vale dizer, para o
aumento do público citadino que fruto deste mesmo processo de urbanização estava
desejoso de informação (e por vezes informação crítica), a opinião pública necessitava
de instrumentos de disseminação para atender a demanda acima. Assim é que o livro, o
jornal e o panfleto apareceram como mecanismos de divulgação da crítica intelectual à
sociedade. Com efeito, a própria necessidade do capitalismo e da classe burguesa de se
estabelecerem social e culturalmente frente a outros sistemas econômicos e a outros
sistemas de valores é que subsidiou a opinião pública e o grupo intelectual como
principal representante da burguesia e de seus valores sócias e culturais. Na sociologia
dos intelectuais de Schumpeter, o exemplo típico daquele intelectual que defenderia os
valores da nova classe foi o filósofo francês Voltaire. Historiador erudito, filósofo
irreverente, escritor crítico e propagandista por excelência da cultura burguesa Voltaire
80
era o protótipo do intelectual crítico; sua obra “Candido ou o Otimismo” em que
mostrava que o mundo (burguês) era o melhor dos mundos possíveis pode ser entendido
como a confirmação disto. Mas o grupo intelectual tornou-se por demasiado
independente e incontrolável pela ordem capitalista. Não foi por mero acaso que a
violenta irrupção da Revolução Francesa tinha como principais condutores: um grupo
de advogados liberais radicalizados que liam Rousseau, Montesquieu e seguiam
Robspierre. A incapacidade de controlar o grupo intelectual se deve ao fato de que para
realizar isto a burguesia ter que limitar, restringir e até acabar com a liberdade de
expressão, porem isto significava acabar com sua própria liberdade de classe; pro conta
disto a burguesia ficou de: mãos atadas frente à crítica hostil dos intelectuais. Dessa
forma, da “crítica à crise” (Reinhard Koselleck)
43
era questão de tempo; da crítica aos
valores que restringiam a evolução cultural burguesa à crítica-crise do desenvolvimento
contraditório da economia capitalista e do Estado moderno era algo inexorável e aqui: é
que residia o perigo para Schumpeter. Pois, paradoxalmente, a crítica intelectual em si
mesma ficava inofensiva o perigo real surgiria quando o grupo intelectual se
propusesse a organizar os amplos setores dos queixosos irracionais das mazelas do
capital:
a hostilidade do grupo intelectual, naturalmente (importando na
condenação moral da ordem capitalista), é uma coisa e outra muito
diferente a atmosfera de geral hostilidade que cerca o sistema . Esta
última é o fenômeno realmente importante, e não simplesmente o
produto da primeira. Baseia-se, parte, em fontes independentes,
algumas das quais foram mencionadas acima. Na medida que o faz, é
a matéria-prima de que se nutre a camada intelectual... Os
contornos gerais dessa análise, todavia, estão suficientemente claros.
Por isso mesmo, pensamos que é seguro repetir que o papel do grupo
intelectual consiste, primàriamente, em estimular, revigorar,
verbalizar e organizar êsse material, e apenas segundariamente
ligar-se a ele... A evolução capitalista produz um movimento
trabalhista que não é òbviamente criação de um grupo intelectual...
Ao ouvir o intelectual, o trabalhador torna-se quase invariavelmente
consciente da existência de um abismo intransponível, se e que não
sente desconfiança total (grifo meu) (Schumpeter, 1961, p. 192).
Portanto: ao ouvir o grupo intelectual os trabalhadores, que ao mesmo tempo são
organizados e estimulados por estes, transfiguram as verbalizações e discursos em
43
De um ângulo diferente de Schumpeter o importante estudo de Reinhard Koselleck estabelece do
ponto de vista da história dos conceitos que no desenvolvimento interno da crítica do Iluminismo à falta
de liberdade surgiram os elementos de crise. Koselleck afirma que, a crise se deu justamente porque a
crítica contra o ordenamento estatal, supostamente opressor, ficou incontrolável. A conseqüência foi que
os pensadores começaram a apregoar a necessidade de controle do Estado para que o mesmo não
restringisse a sua liberdade e a da sociedade civil. Esta é uma das explicações para a Revolução Francesa.
Cf. Reinhard Koselleck - Crítica e Crise: uma contribuição a patogênese do mundo burguês ed.
Eduerj/Contraponto 1999.
81
plataformas político-partidárias, e mais, fazem o possível para que as plataformas se
tornem medidas realmente políticas. Este é o resultado da hostilidade crescente ao
capitalismo após o desmoronamento da estrutura de aço segundo a teoria política de
Joseph Schumpeter. Antes de apresentarmos a problemática schumpeteriana
concernente a este ponto e ao anterior e sua teoria da democracia é interessante notar
que neste ponto Joseph Schumpeter demonstra sua visão sobre o homem do povo.
Para Schumpeter a classe trabalhadora que vale lembrar, para o marxismo seria o
sujeito revolucionário da história a ponto de Marx afirmar que “a libertação da classe
operária e tarefa da própria classe operária” – era destituída de total capacidade de ação
política sendo necessário a intervenção do grupo intelectual para motivá-la e estimulá-la
para atitudes contestatórias. Schumpeter leva seu argumento neste ponto da elaboração
ao extremo, algo que retomará com mais intensidade na Parte IV de sua obra, ao afirmar
que o trabalhador sequer tem condições de avaliar: se seu salário tem condições de
comprar um saco de batata ou uma casa confortável para ele sua família
44
. É este o
sentido da expressão “o trabalhador” com o grupo intelectual “torna-se quase
invariavelmente consciente da existência do abismo intransponível”– sem o grupo
intelectual é uma matéria inorgânica. Assim, quais eram então as possibilidades de
manutenção do equilíbrio instável do regime de domínio capitalista uma vez que a
classe burguesa necessita de um grupo de proteção não-buguês para manter a evolução
de seu sistema agravado pelo fato de que o grupo não-burguês que antes protegia a
burguesia foi destruído (com a própria dinâmica do capitalismo) e que o outro grupo
não-burguês (os intelectuais) tendem a se tornarem críticos hostis da ordem social
vigente e disseminar esta mesma crítica ao movimento dos trabalhadores?
A teoria da liderança democrática no seu segundo aspecto de construção do
equilíbrio instável era a resposta que Schumpeter autoformulou. Os partidos social-
democrata deveriam na conformação teórica de Joseph Schumpeter ser o grupo não-
burguês que reergueria as paredes de proteção do reinado da classe burguesa, na medida
em que como grupo de intelectuais com influência no movimento operário poderia
conter este no marco institucional do método de seleção de lideres através da luta
competitiva pelo voto bem como poderiam (como o exemplo do partido trabalhista)
adaptar-se à mecânica política do regime parlamentar inglês. É por isso que a Parte IV
44
Do fato de que os trabalhadores não instaurem a cada ano seu próprio poder político através de
processos revolucionários não significa que não possuam conhecimento e consciência de sua degradante e
por vezes humilhante situação em que vivem sob a égide do capitalismo. Se fosse assim, o marxismo
enquanto tal seria uma farsa. O próprio Schumpeter não teria escrito “Capitalismo, Socialismo e
Democracia” se acreditasse categoricamente nisto. As ambigüidades de sua obra, particularmente, na
Parte IV que é o ponto alto da mesma, deve-se ao fato de que Schumpeter ora entende, ora não entende, o
homem do povo com capacidade para intervir na política.
82
de “Capitalismo, Socialismo e Democracia” pode (e deve) ser estudada na chave
interpretativa de um longo dialogo com o movimento social-democrata
45
. No entanto
quais eram as coordenadas teórica, política e histórica que subsidiavam as esperanças de
Joseph Schumpeter e sua teoria democrática baseada na função vital da liderança? Para
respondermos esta questão é necessário aqui estudarmos o duplo estatuto da social-
democracia no curso da história e depois retomarmos o estudo do texto de Schumpeter e
articulá-lo com esta análise.
Tomemos uma passagem de Walter Benjamin e depois de Trotsky para
entendermos o duplo estatuto da social-democracia do ponto de vista político, histórico
e teórico. Diz Walter Benjamin nas teses IX e XIII do “Sobre o Conceito de História”:
O conformismo, que sempre esteve em seu elemento na social-
democracia, não condiciona apenas suas táticas políticas, mas
também suas idéias econômicas... Nada foi mais corruptor para a
classe operaria alemã que a opinião de que ela nada com a
corrente... A teoria e, mais ainda, a pratica da social-democracia
foram determinadas por um conceito dogmático de progresso sem
qualquer vinculo com a realidade. Segundo os social-democratas, o
progresso era, em primeiro lugar, um progresso da humanidade em si
e não das suas capacidades e conhecimentos (Benjamin, 1986, p.
227e 229).
Mas tanto a ideai de progresso da humanidade como o convencimento da classe
operária quanto participante da corrente era conseqüência de uma evolução política e
histórica descrita assim por Trotsky:
A parte mais podre da Europa capitalista é constituída pela burocracia
social-democrata. Ela entrou no caminho da história sob a bandeira
de Marx e Engels. Tinha como fim a destruição da dominação
burguesa. Poderoso surto do capitalismo apoderou-se dela e
acorrentou-a à sua cauda. Primeiramente nos fatos e em seguida
também nas palavras, renunciou à revolução em nome das reformas.
Na verdade, Kautsky continuou ainda muito tempo com a fraseologia
da Revolução, adaptando-a às necessidades do reformismo. Em
compensação, Bernstein exigiu a renúncia à revolução: o capitalismo
45
Como movimento social-democrata entendo, sobretudo o partido social-democrata alemão, não por
ser até o momento em que Schumpeter escreve sua obra o principal partido socialista junto com os
bolchevique como também por ser o partido que melhor tipificou a estrutura de um partido de esquerda
que se adaptou ao mecanismo da democracia liberal-parlamentar. Entretanto, devemos acrescentar à
categoria de “movimento social-democrata” o trabalhismo inglês e alguns aspectos do stalinismo. Este
último ponto é controverso, mas alguns historiadores e teóricos da política como Carl Schorske e Ralph
Miliband apresentam similitudes entre o modo de atuação da social-democracia alemã e o stalinismo.
Para Carl Schorske era possível uma comparação entre as figuras de Ebert e Stalin pelo fato de os dois
apresentarem: “sua sensaboria, frieza, determinação, capacidade de trabalho e forte espírito prático”
(Schorske apud Loureiro, 2005, p. 38). Para um estudo detalhado ver Carl Schorske - German Social-
Democracy: 1905-1917 ed. Harvard University Press 1983. Miliband por sua vez afirma que com o fim
da guerra e com a participação dos comunistas nos governos da Itália e França houve uma “certa social-
democratização dos partidos comunistas” (Miliband, 1979, p. 166 e 167).
83
representava a época da revolução pacífica, sem crises e sem guerra...
Poderia parecer que entre Kautsky e Bernstein existia uma
contradição irreconciliável. Na realidade, completavam-se
simetricamente um com o outro, como a bota esquerda e a bota
direita do reformismo. A guerra arrebentou. A social-democracia
apoiou a guerra em nome da prosperidade futura. Em lugar da
prosperidade, veio o declínio. Agora, a tarefa não consiste mais em
deduzir da insuficiência do capitalismo a necessidade da Revolução,
nem tampouco em conciliar os trabalhadores com o capitalismo por
meio da reformas. A nova política da social-democracia passou a
consistir em salvar a sociedade burguesa à custa da renuncia às
reformas (grifo meu) (Trotsky, 1979, p. 136).
Estes são os lineamentos políticos e históricos do duplo estatuto da social-democracia.
Entretanto é preciso deixar a teoria política e a história falarem por si para dar mais
consistência e imparcialidade à nossa análise e compreendermos o elo entre o
movimento social-democrata e a teoria da liderança democrática de Joseph Schumpeter.
Teoricamente dois eram os conceitos que constituíam a estratégia política dos
partidos social-democrata: o movimento ao socialismo e o gradualismo. Seus
representantes mais importantes, conforme diz Trotsky acima, são Eduard Bernstein e
Karl Kautsky. Bernstein foi um dos primeiros teóricos do socialismo a esquematizar em
categorias uma pratica que havia se disseminado pelo partido social-democrata e em
alguma medida pela Segunda Internacional. Na avaliação de Bernstein a compreensão
que Marx forneceu do capitalismo, compreensão esta que tinha como conseqüência a
necessidade da revolução socialista e da ditadura revolucionaria do proletariado face ao
caráter contraditório da economia burguesa, tinha sido superada pela própria evolução
do sistema capitalista. Assim, a social-democracia deveria, sob o peso de se tornar
anacrônica, alterar sua teoria política e econômica e com novas bases divulgar uma nova
estratégia para os trabalhadores como via para o socialismo. As alterações que o
capitalismo havia sofrido atingiram irresistivelmente, na avaliação de Bernstein, a
doutrina revolucionária de Marx, sobretudo, na sua teoria do valor e na sua teoria da
tendência à queda da taxa de lucro que poderia levar a crises e abrir brechas para a ação
revolucionária do proletariado. Esta teoria catastrofista tinha que ser substituída por uma
teoria econômica e uma estratégia política mais balizada pela realidade capitalista
vigente, bem como pelos novos setores sociais (aristocracia operária, classe média,
pequeno empresário, comerciantes médios e trabalhadores não ligados a produção) do
sistema capitalista. “Apoiando-se” em Engels, Bernstein afirmava que:
os seus números exemplos revelam, ainda superestimava de certo
modo o ritmo do processo evolutivo, exprimia a sua crença num
método bem diferente da teoria catastrofista. Alguém nós dirá que ele
abandonou também a conquista do poder político pelos trabalhadores,
84
só porque desejou evitar que o firme crescimento da democracia
social, garantido por meios legais, pudesse ser interrompido pro uma
revolução política?... então ninguém poderá considerar-se ofendido se
se declarar que a tarefa da democracia social é, ainda por muito
tempo, em lugar de especular sobre um grande desastre econômico,
organizar politicamente as classes proletárias e desenvolvê-las como
força democrática; lutar por todas as reformas no Estado que se
adaptem a erguer as classes obreiras e transformar o Estado na
direção da democracia... o objetivo fundamental... é por oposição ao
que resta ainda do modo utópico de pensamento na teoria socialista,
reforçar igualmente os elementos realistas e idealistas do movimento
socialista (grifo meu) (Bernstein, 1997, p. 26 e 29).
A nova teoria socialista de Bernstein não mais abordava as contradições do capital e
suas conseqüências devastadoras para os trabalhadores, ela agora tinha como base de
atuação a democracia social – era através desta que se conseguiria chegar ao socialismo.
Com efeito, a democracia social configurada na estratégia de reformas e conquistas no
interior do Estado, o movimento ao socialismo, estava em franca oposição à ditadura do
proletariado. Dessa forma, Bernstein com sua nova teoria socialista inverte os termos do
debate desenvolvido por Marx, não mais a luta de classes e o processo revolucionário,
mas a negação destes tendo em vista que a democracia e seu movimento e que eram os
sujeitos da mudança (gradativa) da ordem vigente. Esta inversão foi completada por
Kautsky em clássico debate com Lênin.
Em Kautsky a construção teórica possui um aspecto mais político, pois aqui, o
debate esta no âmbito da tomado de poder pelos bolcheviques na Rússia em 1917.
Kautsky, respondendo ao livro “O Estado e a Revolução” de Lênin publicado alguns
meses antes da insurreição de outubro, estabelece que no movimento socialista
internacional existem duas tendências e conseqüentemente dois métodos: a
tendência/método da ditadura e a tendência/método da democracia. A teorização de
Kautsky contra o livro de Lênin tinha como objetivo criticar a concepção errônea que
argumentava que a democracia era inviável e incompatível para se atingir o socialismo.
O fato de que a classe dominante, no momento em que os trabalhadores ganham força
através da atividade democrática, procura impedir (inclusive por meios repressivos) a
realização mesma da democracia, de acordo com Kautsky, não inválida o método
democrático enquanto tal para a realização do socialismo; isto (e aqui a resposta de
Kautsky a Lênin) na medida em que, quanto mais a classe dominante tentasse combater
a democracia, mais estará consignado que a mesma é uma estratégia proveitosa para os
trabalhadores, pois estes não defenderiam custe o que custar a democracia, como a
expandiriam mais e mais para diminuir o ímpeto reacionário da burguesia e solidificar
suas conquistas até o momento do socialismo. Para Kautsky,
85
o proletariado inglês... conseguiu ampliar consideravelmente o direito
de voto... não podemos prever em que medida a democracia
influenciará... o desenvolvimento da tomada do poder político pelo
proletariado, nem até que ponto deixará, de uma parte e de outra de
recorrer a métodos violentos, substituindo-os por meios pacíficos. Em
todo caso, a existência da democracia não deixa de ter importancia.
Em uma república democrática onde os direitos do povo estão
enraizados desde decênios, e mesmo séculos, direitos que o povo
conquistou recorrendo à revolução, que tem mantido ou expandido,
obrigando também a classe dominante a respeitar a massa do povo, as
formas de transição serão, certamente, diferentes do que num Estado
ou tirania militar que até o presente tenha empregado, sem restrições,
os mais violentos instrumentos de repressão... A importância da
democracia numa etapa pré-socialista não se limita a influenciar as
formas de transição para o regime proletário. Para nós, ela é da mais
alta importância durante essa etapa, por sua influencia sobre o
processo de amadurecimento do proletariado (Kautsky, 1979, p. 9).
Conquanto a classe burguesa ter imensas possibilidades de colocar-se
frontalmente contra à democracia e aos trabalhadoras impedindo a progressão dos
direitos, a democracia ou o método democrático é para Kautsky de uma função
insubstituível; não como expediente instrumental para as estratégias e táticas de
transição, mas como estatuto primeiro e prévio para o amadurecimento do movimento
operário. Deste modo, a democracia fornece gradualmente (e antes que qualquer outra
conformação política) os fundamentos para a conquista do socialismo.
Em síntese, e do ponto de vista estritamente teórico, tanto Bernstein como
Kautsky como lideres da social-democracia internacional não mais advogavam a luta de
classes, a revolução e a ditadura do proletariado como coordenadas políticas para a
realização do socialismo agora a democracia social e o método democrático por
intermédio do movimento ao socialismo e do gradualismo é que levariam os
trabalhadores ao socialismo. Neste sentido deve ser observado que com este primeiro
estatuto, malgrado estarem se formando os primeiros elementos do equilíbrio
instável, a social-democracia através de seus dois principais baluartes ainda tem
claramente em seus programas teórico e político a transição para ao socialismo, o que
em outras palavras pode ser entendido como a superação do modo de produção burguês
de produção. Entretanto, as determinações históricas e os próprios lideres social-
democratas, migrariam para o segundo estatuto. Aqui, é a história e as experiências
políticas dos partidos social-democratas é que devem corroborar a assertiva de
Benjamin e Trotsky.
Na experiência histórica do processo revolucionário alemão de 1918 a 1923 e da
constituição de Weimar podemos verificar a evolução social-democrata para o segundo
86
estatuto. À onda de oposição a Primeira Guerra Mundial (votada pelos social-
democratas no Reichstag em agosto de 1914) juntou-se na Alemanha a onda expansiva
da revolução após a conquista do poder pelos trabalhadores na Rússia em 1917. Assim,
o forte e organizado operariado alemão começa a sua revolução. Em 28 de janeiro de
1918 cerca de quatrocentos mil operários através de assembléias começam uma greve
em Berlim através destas dão vida aos comitês de greve que tinham como escopo a
organização independente e direta dos trabalhadores por oposição às instituições da
democracia parlamentar. Mas de acordo com a filósofa e historiadora Isabel Loureiro (a
quem recorreremos nesta parte da análise),
como em todos os movimentos grevistas, neste também os sindicatos
são passivos, coniventes com o poder político.E os social-democratas
majoritários, Ebert à frente, entram no movimento com objetivo
declarado de controlá-lo (Loureiro, 2005, p. 50).
Não obstante, os trabalhadores no clima favorável em que estavam
empreendendo sua política reivindicativa superam o controle e a perspectiva
democrática da social-democracia
46
e aumentam o número e a intensidade das greves no
período em tela. No mês de novembro de 1918 a rápida evolução política dos
trabalhadores alemães se torna irresistível e a onda revolucionária atinge a capital do
Império, Berlim. Aqui o movimento de massas alemão começa a seguir o exemplo russo
e a dar vida à democracia direta de todo o povo por intermédio dos conselhos de
trabalhadores. Se na Rússia com todo o seu complexo desenvolvimento econômico e
político que combinava progresso e atraso, de tal maneira que a classe operária era
numericamente inferior a outros setores sociais e destituída de cultura socialista a
inovação dos conselhos operários foi altamente impactante; na Alemanha onde a
indústria pesada ocupava os primeiros lugares da economia internacional e o
operariado possuía uma cultura política e socialista superior à de outros operários
europeus (e aqui seja feita uma observação: fruto da própria ação do partido social-
democrata e seus lideres) o significado da experiência dos conselhos e da democracia
direta e conseqüentemente da revolução seriam mais intensos, e incontroláveis. A
46
É importante observar que no momento da revolução alemã em 1918-1923 o partido social-democrata
não era algo unitário. A facção que se opôs veementemente à revolução não era a de Kautsky e Bernstein;
estes naquele momento preciso compunham o USPD (social-democracia independente) e por diversas
circunstâncias tinham posição ambígua sobre a revolução. Apesar de serem os protagonistas do
movimento de revisionismo e reforma do marxismo como demonstramos acima e por isso serem partes
do elo que liga a social-democracia à teoria schumpeteriana de democracia, seria injusto e desonesto
intelectualmente colocá-los como terminantemente contrários à revolução e culpados pelas atrocidades
que cometeram a facção majoritária de Ebert, Noske e Scheidemann como, por exemplo, o assassinato de
Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, bem como a permissão para a criação dos Freikorps (corpos
francos) que depois exerceriam um papel fundamental na constituição do regime nazista.
87
própria social-democracia alertava as classes dominantes alemãs sobre isto. Segundo
Isabel Loureiro:
Para eles, atmosfera insurrecional que se espalha pelo país exige a
abdicação do Kaiser, a fim de evitar que as massas passem para o
campo dos revolucionários. É o que diz Ebert no dia 6 de novembro,
numa reunião de majoritários e sindicalistas com o general Groener
(que havia substituído o demissionário Ludendorff no dia 26de
outubro). Os majoritários ensistem até o último momento em salvar a
monarquia... No dia 7, nova reunião de Ebert e do deputado social-
democrata majoritário David com o príncipe Max de Bade... Ebert
teria dito a famosa frase, reportada pelo próprio príncipe nas suas
memórias: “Se o Kaiser não abdicar, a revolução social é inevitável.
eu não quero essa revolução: odeio-a como odeio o pecado”
(Loureiro, 2005, p. 65).
Mas qual era o motivo elementar que balizava este violento ataque da social-democracia
à revolução socialista? O motivo era que:
décadas o objetivo de Ebert, da maioria da direção e da maioria
dos membros do SPD, era o sistema parlamentar alcançado em
outubro de 1918. Ao participarem do governo, todos eles
acreditavam ter atingido suas metas: a democracia parlamentar e a
igualdade de direitos do movimento operário. Viam a revolução não
como um equívoco... mas também como um perigo a conjurar...
Uma vez as massas na rua, a grande preocupação dos lideres do SPD,
e de Ebert em particular... é liderar o movimento revolucionário para
contê-lo dentro das vias legais, bem como levá-lo das ruas às urnas
(grifo meu) (Loureiro, 2005, p.56).
Deste modo, era a partir da expectativa em torno do sistema parlamentar, e dele, é
que fez com que a social-democracia alemã se transfigurasse em um elemento de
contenção do movimento revolucionário e mantivesse o equilíbrio instável do regime
estatal burguês
47
. Além do ideário, o que fornecia a possibilidade da social-democracia
servir como elemento de contenção era seu posicionamento organizativo. A social-
democracia atuava organicamente junto à classe operária e suas organizações
(sindicatos, cooperativa, associações culturais, escolas de formação política e comitês
de fábrica), o que vale dizer, ela: organizava e “estimulava” o trabalhador e assim
poderia servir como ponto de contenção dos mesmos. Com isto, ela tornava-se o grupo
47
O grau de contenção da social-democracia alemã e seu comprometimento com a democracia
parlamentar chegou a estágio tal que permitiu que os Freikorps assassinassem Rosa Luxemburgo e Karl
Liebknecht em nome daquela e da ordem vigente. Norbert Elias em “Os Alemães: a luta pelo poder e a
evolução do habitus nos séculos XIX e XX” ed. Jorge Zahar 1997, narra que os corpos francos na ação
não assassinaram simplesmente Luxemburgo e Liebknecht; estes antes foram capturados, espancados e
mortos com tiros na nuca e lançados em um rio isto tudo sob o consentimento dos social-democratas
que segundo Norbert Elias estavam impregnados do conservadorismo alemão mesmo sendo um partido
de esquerda.
88
não-burguês, tão fundamental para criar e armação de aço contra as hostilidades
crescentes ao capitalismo conforme Schumpeter entendia nos capítulos que estudamos
acima. Se no agudo processo revolucionário a social-democracia agiu moderadamente
em favor da estabilidade relativa, como foi sua ação no interior das instituições legais?
Para respondermos esta questão é necessário estudarmos o contexto da constituição de
Weimar em 1919.
A revolução alemã convergiu para a Assembléia constituinte, ante-sala da
constituição de Weimar. Após nove meses de irrupção revolucionária e do estágio
provisória ficava estabelecido que o Estado Alemão seria uma República democrática,
este estabelecimento era o resultado da Constituição de weimariana aprovada por larga
maioria. Antes desta proclamação, porem, deve ser salientado que como afirmamos
acima, a revolução aledeu vida aos conselhos de trabalhadores e soldados como
figuração de um Estado baseado na democracia direta de massas, ou seja, previamente à
instauração da Assembléia Constituinte que votaria a Constituição de Weimar a
discussão na Alemanha estava concentrada nos conselhos operários. Mas a tática de
assembléia era um instrumento eficaz para os que não desejavam o avanço da
revolução. Paradoxalmente foi o próprio congresso dos conselhos do Reich que decidiu
acerca da Assembléia Constituinte; o motivo da atitude lembremos novamente, é que os
conselhos estavam permeados por social-democratas adeptos da politica democratista de
Ebert, o que significa dizer que a oposição entre conselhos por um lado e o sistema
parlamentar por outro era em determinados aspectos: uma ficção. No contexto
específico da Assembléia Constituinte a atuação do partido social-democrata, ou seja,
na arena institucional que os próprios lideres do movimento afirmavam ser o lugar por
excelência para as conquistas dos trabalhadores (no que concerne a direitos sociais e
igualdade, não foi substancialmente diferente do que quando o processo estava
inspirado pelas barricadas e pelas ruas. Sobre isto o historiador social alemão Reinhard
Rürup diz que:
La política de los delegados populares había sido confirmada en sus
líneas fundamentales... por la mayoría del Congresso, el Derecho
Constitucional de la época de transición no sufrió ya más
modificaciones substanciales. En el marco de esta política se había
pronunciado enérgicamente desde um principio sobre todo Ebert por
um sistema parlamentário sobre la base de una Constituición nova,
democrática (Rürup, 192, p. 132).
Fica claro que nem no âmbito democrático-institucional a social-democracia altera sua
perspectiva programática de contenção dos ânimos dos trabalhadores. Ademais dois
89
fatos devem ser destacados. Primeiro, a Constituição de Weimar começa a ser
desenhada antes da convocatória da Assembléia Constituinte, com a reunião de um
seleto grupo de juristas e especialistas em direito público e constitucional sob a
liderança do liberal de esquerda Hugo Preuß
48
que fora colocado à frente do Ministério
do Interior; entre os especialistas estava Max Weber responsável direto pela introdução
na constituição do controverso e polêmico artigo 48.
49
Realce-se aqui que entre os
membros do grupo não havia nenhum social-democrata, não obstante serem os lideres
do Estado alemão naquele momento
50
. Segundo, e de suma importância para os
objetivos desta pesquisa, a social-democracia era a única força capaz de conduzir com
eficácia a constituição weimariana (após o aborto da revolução). O liberalismo jamais
foi uma força politica na Alemanha, não haviam nunca desempenhado decorrente da
complexa evolução do Estado Alemão um papel político independente e decisivo; os
conservadores e o partido católico (Zentrum) também não tinham estatura política para
ser a principal força no contexto da Constituição de Weimar; somente o movimento
social-democrata, um grupo não-burguês, teve força política, social e moral para
conduzir o processo constituinte que daria forma a uma constituição tipicamente
burguesa. Assim a força motriz e coluna vertebral da constituição,
quería concretamente... la instauración del sistema parlamentario, um
fortalecimiento de la autogetión y la imposición del derecho electoral
democrático. Em todos los demás puntos socialización, reforma del
Reich, nueva organización de la administración y del ejército,
reforma de la justicia y de la educacion había gran diversidade de
pareceres, que em ningún caso se condensaban em concepciones
claras y menos em proyectos detallados (Rürup, 1992, p. 133).
E mais:
Es cierto que persitían los debates sobre a socialización, pero... se
estabilizo el orden económico de capitalismo privado. En lugar de la
lucha de clases aparecia uma cooperación social... los funcionários
seguieran trabajando, los organismos administrativos quedaron
48
Um dos juristas a qual Carl Schmitt dirige suas críticas em Teologia Política é Hugo Preuß. Cf. Carl
Schmitt Teologia Política especialmente p.23 e 24 ed. Del Rey 2006.
49
O artigo 48 da Constituição de Weimar estabelecia que em momentos de crise social e política (Estado
de Exceção) o presidente esta autorizado a suprimir algumas garantias constitucionais. Basicamente as
garantias de liberdade civil. Parte da teoria política de Carl Schmitt é baseada na interpretação deste artigo
defendido por Weber no momento de elaboração da Constituição de Weimar. Sobre o papel de Weber na
elaboração da Constituição de Weimar ver Jacob Peter Mayer - Max Weber e a Política Alemã ed. UNB
1985 e sobre o artigo 48 e Carl Schmitt ver Eckard Bolsinger - El ejercicio del poder estatal em tiempos
de crisis política: uma aproximación teórica a partir de Carl Schmitt y la Republica de Weimar in Graciela
Medina y Carlos Mallorquín (coordinadores) Hacia Carl Schmitt: irresuelto ed. Universidad Autônoma de
Puebla/Instituto de ciências Sociales y Humanidades 2001.
50
É preciso ressaltar por justiça que o único artigo da Constituição de Weimar que não foi aprovado pelos
social-democratas foi o artigo 48, pois anteviam que este era a base para uma ditadura.
90
intactos... La justicia permaneció intocada de principio (Rürup, 1992,
p. 133).
O depreende-se desta avaliação é que a atuação da social-democracia na Constituição de
Weimar foi apenas no sentido de canalizar, com responsabilidade, as energias da
revolução proletaria para a fria institucionalidade e dar a esta solidez moral e política,
pois, no que concerne à real alteração da ordem vigente mesmo dentro da via legal –,
a social-democracia sequer colocou seu próprio programa, que havia revisado Marx,
visando as reformas moderadas a partir dos direitos sociais e da igualdade, em prática.
Mais importante era a manutenção das instituições parlamentares e o Estado por meio
do equilíbrio instável, aqui os social-democratas estão conscientes da necessidade de
manter o equilíbrio (Trotsky), conseguido com a contenção das massas insurretas e da
abdicação, inclusive, de medidas legais que pudessem perturbar o ordenamento burguês.
Com efeito, o segundo estatuto da social-democracia já esta esboçado; agora não mais a
democracia social e o método democrático garantidos previamente para depois de um
largo período de tempo, transitar para o socialismo, mas a necessidade inexorável de
administrar as instituições democráticas e parlamentares, e claro: o Estado. Este é o
resultado do fenômeno histórico da social-democracia conseqüência da convicta
“decisão de participar” (Adam Przeworski). Joseph Schumpeter possuía este quadro de
referência teórico, político e histórico para elaborar a segunda figura da teoria da
liderança democrática.
O elo fica claro aqui. Na medida em que o grupo não burguês representado pela
aristocracia feudal constituía a estrutura de aço par a proteção da classe capitalista
contra os inimigos desta, pois era dotada de vocação politica ao passo que a burguesia
era politicamente inócua e pueril; na fase seguinte da economia capitalista (o
imperialismo), que na teoria politica de Schumpeter estava em decomposição e estaria
fadada a ser substituída pelo “socialismo”, somente um grupo que tivesse vocação
politica e capacidade de organizar e estimular as multidões trabalhadoras (os algozes do
capitalismo e do Estado) é que poderia substituir a aristocracia feudal. O novo grupo
não-burguês deveria ter uma profunda penetração para conter a efervescência dos
trabalhadores revoltos, ou na expressão de Schumpeter o “folclore das revoluções...”, de
tal modo que a mecânica institucional da democracia de liderança (a competição pelos
votos do povo) não fosse perturbada co elementos exteriores às regras do jogo
democrático (Norberto Bobbio). Além disso, este novo grupo não burguês deveria
incorporar (ou adaptar) no conjunto da sua politica a configuração institucional do
regime parlamentar inglês (e similares) e sua implicações como acima demonstramos. A
social-democracia de acordo com as coordenadas que se apresentavam a Joseph
91
Schumpeter reuniam todos estes condicionantes. Quais são os nexos na obra de
Schumpeter, particularmente na parte em esta pesquisa se debruça que podemos
identificar e verificar os pontos acima? Para introduzir este ponto de nosso estudo três
passagens do capítulo XXIII da Parte IV nos auxiliarão:
1) A teoria da liderança competitiva mostrou-se uma interpretação
satisfatória dos fatos do processo democrático... 2) Vamos assim,
naturalmente, usá-la em nossa tentativa de deslindar a relação entre a
democracia e uma ordem socialista da coisas... 3) Nossa análise,
nesta parte do livro e nas anteriores, prontamente nos a resposta.
Entre o socialismo tal como o definimos e a democracia tal como a
definimos, não qualquer relação necessária: um pode existir sem o
outro. Ao mesmo tempo, não qualquer incompatibilidade: em
condições apropriadas do ambiente social, a maquina socialista pode
ser controlada por princípios democráticos (grifo meu) (Schumpeter,
1964, p. 354).
Mais uma vez a teoria da liderança democrática é um longo dialogo com o movimento
socialista. É importante observar que a análise que empreendemos nos capítulos 1 e 3 da
pesquisa (e a própria teoria de Schumpeter) “poderia” nos levar a extirpar qualquer
aproximação substantiva entre democracia e socialismo, mas não é o que ocorre: as
inferências de Schumpeter são outras. Seu objetivo, como descrito na passagem acima,
é estabelecer uma compatibilidade necessária e imprescindível para o método
institucional (como democracia) entre o socialismo e os princípios democráticos. A
crítica categórica que Schumpeter faz no primeiro capítulo da Parte IV de “Capitalismo,
Socialismo e Democracia” tem como intuito uma advertência para o movimento social-
democrata com quem dialoga ao longo desta parte para que abandonem qualquer
aproximação política e programática com o socialismo bolchevique.
Especificamente o ponto de conexão entre a teoria da liderança democrática e a
social-democracia esta presente em dois aspectos fundamentais na construção
conceitual de Schumpeter sobre democracia: 1) a profissionalização da política e 2) os
condicionamentos de operatividade do método democrático. Vejamos o primeiro
aspecto: a profissionalização da política.
Max Weber já havia abordado em Parlamento e Governo num Alemanha
Reconstruída” e Política como Vocação” o fato primordial para a democracia e para o
Estado, da política como vocação
51
. Joseph Schumpeter recupera este importante
51
Como Schumpeter anos depois um dos objetivos de Weber em Parlamento e Governo numa
Alemanha Reconstruída” e “Política como Vocação era travar um dialogo com os lideres da social-
democracia alemã quanto às suas responsabilidades no momento conturbado da vida política da
Alemanha no contexto da Primeira Guerra Mundial a decisão de fazer o que não se quer como estatuto
da política e a ética da responsabilidade era um dos registros do debate de Max Weber com a social-
democracia. Para um estudo detalhado da relação entre Max Weber e a social-democracia ver a
92
legado teórico de Weber e agrega outros elementos. Para o funcionamento harmônico e
perene da democracia o economista argumenta que é necessário indivíduos que não
exerçam atividade paralela sob o prejuízo de a administração estatal perder em
qualidade de ação e decisão. O político profissional, na medida em que ele exerce
apenas a atividade partidária e governativa adquiri todos os pré-requisitos para tomar as
decisões mais fundamentais do Estado; somente se dedicando exclusivamente à luta
política, à discussão de programas nos tensos debates partidários, enfrentando outros
partidos e seus principais dirigentes, estudando com dedicação relatórios e informes dos
subalternos e avaliando com precisão as atividades a serem tomadas no âmbito do
Estado é que um político torna-se um profissional da política. Assim,
Se desejamos enfrentar os fatos de frente, devemos reconhecer que
em modernas democracias de qualquer tipo que o o suíço, a
política será inevitavelmente um carreira... por sua vez, significa
reconhecer um interesse distinto no político individual e um interesse
distinto de grupo na profissão política enquanto tal... Entre outras
coisas, logo percebemos pro que tantas vezes os políticos deixam de
servir aos interesses de sua classe ou dos grupos a quem estejam
ligados pessoalmente (Schumpeter, 1964, p. 355 e 356).
Não a atividade específica do político ganha “representação” quando se distancia e
até nega os desejos de sua classe e de com quem diz estar comprometido, mas, e por
isso deve efetuar a ão acima, quando os interesses do Estado estão em jogo. Muito
mais que a mera disputa democrática em si mesma travada pela liderança, para
Schumpeter são as decisões no âmbito do Estado é que devem ser pesadas com
responsabilidade pelo profissional da política. Pois se não fosse isto como justificar o
afastamento do político de sua própria classe e dos grupos a que está ligado.
Schumpeter, muito provavelmente leu a “Metafísica” de Aristóteles, mas certamente
como teórico realista da política, não deveria ser nenhum propagandista da teoria do
ser-enquanto-ser, em nosso caso: do político-enquanto-político.
Nota-se que foi nos partidos social-democrata que se conformou e consolidou a
idéia da profissionalização da política. A sociologia dos partidos políticos de Robert
Michels, um clássico e talvez insuperável estudo (dentro desta sub-disciplina da ciência
política) sobre o funcionamento da maquina partidária social-democrata alemã
apresentava como característica fundamente destes partidos a intensa e elevada
profissionalização das atividades políticas, resultante do processo combinado de
crescente e sistemática oligarquização dos dirigentes com um cada vez maior
dissertação de mestrado PUC-SP de Marly Cavalcanti - Max Weber e a Social-Democracia: um estudo
sobre os fundamentos da teoria da legitimidade 1992 PUC-SP.
93
afastamento dos lideres das demandas materiais da base do partido
52
. O próprio Ebert,
assim como Noske e Scheidemann tornaram-se governantes da Alemanha
weimariana face ao processo de profissionalização política. Deste modo, a conexão
entre a teoria da liderança democrática e social-democracia neste aspecto da
profissionalização da política permite-nos verificar o quanto a experiência dos partidos
social-democrata determinaram a construção democrática de Schumpeter. A
compatibilidade da ordem socialista com os princípios democráticos tornava-se possível
e necessário no ponto em que a profissionalização da política era um fenômeno
“inerente” à democracia de liderança tanto quanto era o principal modo de organização
dos partidos social-democrata ou do novo grupo não-burguês.
O segundo aspecto para compreendermos o outro ponto de conexão entre a
teoria da liderança democrática e a social-democracia são os condicionamentos para a
operatividade do método democrático. É preciso antes disso abordarmos a formulação
de Joseph Schumpeter no que diz respeito à relação entre o Estado (regime
democrático) a sociedade capitalista e (supostamente) entre o Estado e a sociedade
socialista ou nos termos do autor; ordem socialista das coisas. Para Schumpeter é
preciso,
conhecer as aptidões da sociedade capitalista para a tarefa de fazer
funcionar o método democrático que ela criou. No que diz respeito à
última questão, é claro que a sociedade capitalista se qualifica bem
num aspecto. A burguesia tem uma solução que lhe e peculiar para o
problema de como a esfera da decisão política pode ser reduzida a
proporções manejáveis pelo método da liderança competitiva. O
esquematismo burguês das coisas limita a esfera política limitando a
esfera da autoridade pública, sua solução está no Estado
parcimonioso que existe basicamente para garantir a legalidade
burguesa e promover uma estrutura firme para o esforço individual
autônomo em todos os campos... A autocontenção democrática é
mais fácil para uma classe cujos interesses são mais bem servidos se
deixados em paz do que para classes que naturalmente tentam viver
do Estado (grifo meu) (Schumpeter, 1984, p. 375 e376).
52
Este é o ponto débil da análise de Robert Michels. Pois seu estudo sobre a vida interna dos partidos
políticos socialistas restringe-se na quase totalidade a: 1) historia e à politica da social-democracia alemã
e 2) apresenta uma abordagem excessivamente endógena das causas do processo de oligarquização dos
partidos políticos. Ademais nem toda “profissionalização” da política leva e implica na destruição da
democracia dentro do partido; o partido leninista é uma comprovação de que a profissionalização da
política pode servir a outros fins que não o estrangulamento da livre e democrática discussão no interior
do partidoa revolução russa não teria acontecido se um fluxo intenso de discussões não fosse permitido
e levado a termo no interior do partido bolchevique, em que os próprios profissionais da política
colocaram a sua profissionalização a serviço dos que desejavam uma nova ordem social. Sobre a relação
entre o partido leninista e a livre discussão democrática no partido conf. Pierre Broué - El Partido
Bolchevique ed. Ayuso 1973.
94
Dessa forma, a característica da economia capitalista em si mesma favorece a relação
entre democracia de liderança e sociedade burguesa. No capitalismo quanto menos o
Estado intervir nas questões de ordem econômica mais as instituições democráticas
ganham em harmonia e estabilidade, devolvendo na mesma dinâmica a harmonia e a
estabilidade para os negócios burgueses. No entanto, a economia capitalista está em
decomposição segundo Schumpeter e mais importante a classe burguesa é inepta para a
dominação política. Haveria a necessidade n interior da construção de Schumpeter de
um grupo não-burguês exercer a liderança política. Além disso, este grupo não-burguês
teria que orientar suas ações políticas no registro da periclitante economia capitalista,
vale dizer, permitir o funcionamento autônomo das relações de mercado. Assim, a
social-democracia como grupo não-burguês que administraria o Estado teria que pautar
sua atuação pela autocontenção política e democrática; tanto de si mesma como partido,
como dos trabalhadores a qual dirige e formam sua base material. Na avaliação de
Joseph Schumpeter os social-democratas não deveriam estender o método democrático
(e este foi construído pelo economista autro-americano justamente para isto) para além
das fronteiras institucionais como lideres responsáveis. E os social-democratas sérios de
fato assim agiram como demonstra Schumpeter:
num espírito responsável... uma ilustração interessante, tirada das
deliberações da Comissão Alemã sobre Socialização. Em 1919,
quando o Partido Social Democrata alemão se pôs definitivamente
contra o bolchevismo, os mais radicais de seus membros ainda
acreditavam que alguma medida de socialização era iminente, como
questão de necessidade prática, e dessa forma foi designada a
comissão para definir objetivos e recomendar métodos. Tal comissão
não era composta apenas por socialista, mas a influência socialista
era dominante. Karl Kautsky era o presidente. E ele só fez
recomendações definidas a respeito do carvão, e mesmo essas, a que
chegou sob as carregadas nuvens do sentimento anti-socialista, não
são muito interessantes. Muito mais interessantes são os pontos de
vista que emergiram na discussão à época em que ainda prevaleciam
esperanças mais ambiciosas. A idéia de os administradores das
fábricas serem eleitos pelos trabalhadores das mesmas era franca e
unanimemente condenada. Os conselhos de trabalhadores que
cresceram nos meses de colapso universal era objeto de desagrado e
suspeita. A comissão, tentando afastar-se tanto possível das idéias
populares sobre Democracia Industrial, fez o que pôde para
conformá-las num molde inócuo, pouco ligando para o
desenvolvimento de suas funções. Preocupou-se muito mais em
fortalecer a autoridade e em salvaguardar a independência do pessoal
administrativo (grifo meu) (Schumpeter, 1984, p. 373).
Este procedimento de Karl Kautsky e dos membros da Comissão Alemã sobre
Socialização descritos por Schumpeter “não difeririam muito de seus predecessores
capitalistas e, em muitos casos, os mesmos indivíduos teriam sido indicados” pelos
95
mesmos capitalistas para gerenciar as medidas nas fábricas e no Estado (Schumpeter,
1984, p. 373). Esta engrenagem, na verdade, era a transfiguração prática dos
condicionamentos de operatividade do método democrático de seleção de lideres
apresentados conceitualmente por Schumpeter estes condicionamentos por sua vez
eram necessários para que a engenharia institucional que Schumpeter construiu
funcionasse plenamente. E os social-democratas poderiam realizar esta tarefa, que
vale lembrar, era dada por sua capacidade de conter a ação dos trabalhadores em
benefício da estabilidade relativa do Estado burguês. Porem quais eram as
condicionantes que deveriam na prática permitir que a mecânica institucional
funcionasse?
Teoricamente Schumpeter distribui estas condicionantes em quatro coordenadas
política. A primeira coordenada esta relacionada ao material humano. A teoria de
liderança democrática tem que priorizar sob possibilidade de paralisação nas decisões d
e Estado, os indivíduos, mais argutos e preparados para o exercício das atividades
políticas; as altas exigências feitas pelas complexas, e por vezes perturbadoras,
necessidades sociais e econômicas não permitiria a presença na condução das principais
instituições de Estado de indivíduos médios e inocentes concernentes à matéria bruta da
política. Os códigos internos da esfera política exigem homens com a mais alta grandeza
intelectual e política para serem decifrados. A segunda coordenada determina que os
homens com qualidade política que formam o núcleo administrativo do Estado como
acima dissemos, tem que estar consciente de que suas decisões não devem tocar todas as
questões do ordenamento social, pois quanto mais a liderança política se auto-desgastar
na resolução da teia infindável de problemas sociais, mais a sua capacidade e
legitimidade para decidir as questões verdadeiramente o Estado tem que responder a
atitude de Ebert e Kautsky aqui é a mais indicada. No terceiro ponto das condicionantes
de operação do método democrático, Joseph Schumpeter retoma um tema que havia
feito parte do corpus sociológico de Max Weber: a burocracia de Estado. Tanto quanto
um dos ethos de funcionamento dos partidos social-democrata é a crescente
burocratização das atividades partidárias por necessidade organizativa, o método
democrático requer também uma burocracia altamente sofisticada, com tradição e
arraigado espírito de corpo que permitiria às estruturas de Estado uma auto-manutenção
permanente e a dar respostas precisas quando solicitadas. O último ponto para as
condições de operatividade do método democrático é o autocontrole democrático. Nesta
coordenada é fundamental a observância quanto ao fato do método institucional
necessitar ser legitimado pelas principais forças políticas da não. A coordenada é
especificamente direcionada para aqueles que se encontram diretamente fora das
96
instituições de decisão do Estado. O indício de que Schumpeter esteja dialogando com
os social-democratas na Parte IV de seu trabalho é corroborado nesta coordenada. É
claro que os partidos tipicamente burgueses e defensores orgânicos do sistema
capitalista não teriam nenhum tipo de problema quanto ao método democrático e com
isso agiriam tendo em vista o autocontrole para a preservação das instituições e da
ordem social vigente, mas os partidos de esquerda poderiam recusar a aceitar tal ordem
e buscar maneiras alternativas de fazer política que não pelo mecanismo seletivo do
voto e até radicalizando as críticas ao governo no marco da institucionalidade. Por isso
Schumpeter chama a atenção para que, uma vez estando fora do governo os partidos
social-democrata deviam pautar-se pelo autocontrole democrático e agir para que sua
base política aceite as medidas tomadas (qualquer que seja e independente das
circunstâncias) pelo grupo que naquele momento determinado esteja da posse do poder
político. O autocontrole democrático deve fazer com que a intensidade das críticas à
política governamental não ultrapasse os parâmetros técnicos da decisão tomada, bem
como deve conter os ânimos da base que deseja de seus representantes posturas mais
radicalizadas e até extra-institucional. Assim, o autocontrole democrático presente na
teoria da liderança de Joseph Schumpeter é a aceitação daquilo que um neo-
schumpeteriano, o filósofo político italiano, Norberto Bobbio denominou de as regras
do jogo democrático
53
.
Com efeito, a profissionalização da política e as condicionantes de
funcionamento do método democrático forneciam a conexão necessária para
Schumpeter entre a teoria da liderança democrática e os partidos social-democratas. Isto
não pelo fato da conexão ser feita por um elemento químico que Schumpeter não
controlava, em outras palavras, pela estrutura da teoria construída pelo economista
austríaco levar inevitavelmente para a conexão que apresentamos; mas também porque
o próprio Schumpeter formulou a teoria da liderança democrática buscando esta
conexão. Foi justamente esta conexão junto com o regime parlamentar inglês (que
deveria ser incorporado pelos social-democratas, e os indícios históricos mostravam que
iria ser incorporado eram mais que suficientes) é que permitiria a manutenção do
equilíbrio instável do regime estatal e por meio disso da permanência decadente da
53
Parte da obra de Norberto Bobbio é um diálogo com a esquerda italiana do prisma de democracia de
liderança e do mecanismo do voto. Bobbio foi um crítico contumaz de setores da esquerda italiana que
permanecia presa ao legado revolucionário de Marx e Lênin, bem como um admirador do nascente
eurocomunismo Enrico Berlinguer por adaptar-se às regras do jogo democrático. Portanto alguns
trabalhos de Bobbio são um importante referencial para o estudo da relação entre o elitismo-
schumpeteriano e o movimento socialista. Cf. Norberto Bobbio - O Futuro da Democracia: uma defesa
das regras do jogo ed. Paz e Terra 2001, Qual Socialismo?: discussão de uma alternativa ed. Paz e Terra
1983 e As Ideologias e o Poder em Crise: pluralismo, democracia, socialismo, comunismo, terceira via e
terceira força Ed. Universidade de Brasília 1988.
97
economia capitalista ou senão uma longa e estável transição para o socialismo de
gabinete.
A teoria da liderança democrática de Joseph Schumpeter que tanto prestígio
ganhou e ainda ganha na ciência política contemporânea foi erigida com a convicção de
que realizaria esta tarefa. E talvez tenha conseguido.
98
Considerações Finais
O presente estudo demonstrou que a teoria da liderança democrática
desenvolvida por Joseph Schumpeter foi formulada com o intuito de apresentar a
incapacidade do homem do povo em participar das grandes decisões de Estado.
Entretanto, Schumpeter não apenas a incompatibilidade entre o regime
democrático e a possibilidade do cidadão comum tomar decisões políticas importantes,
Schumpeter propõe em sua teoria, formas institucionais para obstaculizar a entrada do
cidadão comum na política. Nota-se, portanto, que a teoria democrática de Schumpeter
opera em dois níveis de abordagem: por um lado ele pauta seu estudo por aquilo que se
convencionou chamar de ciência política realista, esta tinha como característica uma
análise descritiva da sociedade e da política; por outro seus estudo é uma observação
parcial buscando mecanismos políticos para impedir que o cidadão comum adentre nas
questões de Estado. Nosso estudo, claramente, se debruçou sobre o segundo nível da
teoria da liderança democrática.
Para demonstrarmos isto, mais do que empreender um estudo sobre a construção
na qual a teoria de Schumpeter ganhou prestígio acadêmico, construção esta que dizia
que: “o método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões
políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta
competitiva pelos votos da população”, empreendi um estudo que explicasse as
variáveis que Schumpeter criou para chegar a esta definição restrita de democracia. Fiz
isto para na seqüência do trabalho apresentar aos leitores quais eram as conseqüências:
1) das variáveis que Schumpeter criou para chegar ao método democrático de seleção de
lideres e 2) do próprio método democrático em si. Ficou claro que a teoria da liderança
democrática do economista austro-americano que tanto prestígio ganhou na ciência
política contemporânea, postulava que a sobrevivência do regime de dominação burguês
dependeria de três fatores: primeiro, o afastamento dos trabalhadores da política, e, do
Estado conseqüentemente, bem como de toda e qualquer possibilidade de oposição
extra-parlamentar e intensamente radicalizada, segundo, a democracia para realizar
estas tarefas teria que operar de acordo com a mecânica institucional do regime
parlamentar inglês que acima verificamos ser baseado na concentração no Executivo e
no personalismo do primeiro-ministro e terceiro, a classe burguesa se quisesse
sobreviver teria que passar o bastão da dominação para um grupo o-burguês que
controlasse e disciplinasse o setor mais hostil ao sistema capitalista, este setor era o
movimento dos trabalhadores e o grupo não-burguês uma vez não existindo a
99
aristocracia feudal, será a social-democracia. A síntese destes três fatores é que
conteúdo à teoria da liderança democrática de Joseph Schumpeter. A teoria democrática
schumpeteriana, almejava, portanto, a manutenção do equilíbrio instável do regime
estatal, tal como definimos aquele n capítulo 2. Mas uma vez chegado a esta conclusão
quais as alternativas para a consecução de outra teoria da democracia que dentre outras
coisas possa servir como resposta concepção elitista-schumpeteriana. E mais: como
vislumbrar uma resposta alternativa a Schumpeter tendo em vista a insuficiência da
democracia participativista de Carole Pateman e Peter Bachrach e da democracia
deliberativa de Jürgen Habermas conforme vimos também no capítulo 2. Retomando
em linhas gerais nossa crítica a estas correntes da democracia, podemos observar que
eram insuficientes tanto na crítica a Schumpeter como no aventar de outra democracia
porque não confrontavam nosso autor no campo onde ele deve ser confrontado: no
campo das decisões de Estado e quem são os que devem tomá-las nas sociedades
burguesas. Assim, que alternativa nos resta?
A muito o marxismo tornou-se um pensamento tido como obsoleto pelas
ciências humanas, sobretudo, na ciência política contemporânea permeada pelo espírito
da ciência política anglo-saxão. O marxismo em geral e particularmente na área política
foi caracterizado como antidemocrático chegou-se a esta conclusão pelas atrocidades
cometidas pelo stalinismo. Quanto isto a resposta que podemos dar é a mesma do
historiador norte-americano Moshe Lewin para aqueles que comparam ou afirmam ser
continuidade o stalinismo do marxismo: fazer isto diz Lewin é como “Se alguém
insistisse que um hipopótamo era uma girafa...” (Lewin, 2007, p. 41). A partir desta
resposta de Lewin e nossa podemos afirmar que a teoria marxista tem muito a contribuir
para com a teoria da democracia e sobre o que seria uma democracia. Claro que para o
pensamento marxista uma democracia era, literalmente, inverso do que Schumpeter
entendia por democracia.
A alternativa a Schumpeter deve ser assim buscada no campo que autor negou e
criticou ao longo de sua obra, a saber: a alternativa real à democracia de liderança é a
democracia direta de massas. Alternativas intermediárias como as de Pateman,
Bachrach e Habermas corroboram, infelizmente, a teoria de Schumpeter. A democracia
direta é a única alternativa, por isso Schumpeter a combateu implicitamente em
“Capitalismo, Socialismo e Democracia” e chamava a atenção dos lideres e dos lideres
social-democratas para o perigo do “estouro da boiada...” e do “folclore das
revoluções...”. Os lineamentos da democracia direta são os mesmos onde se configurou
com maior nitidez: são os dos sovietes na Rússia. Os lineamentos gerais são: capacidade
de fazer as massas populares decidir sobre a política, revogabilidade dos representantes
100
a todo o momento, amplos debates por meio de conferencias e congressos para se
discutir os problemas reais da nação, direito igual a todo cidadão de participar da
administração pública, punição para os políticos que cometam desvios a partir da
decisão do povo e nenhuma resolução que for contrário aos desejos da maioria do povo
trabalhador deve ser implementada. A conseqüência disto é uma transformação do
Estado atual em outra estrutura de poder. Com efeito, é somente assim que se pode
confrontar a teoria da democracia de Joseph Schumpeter – é apresentando uma inversão
completa de seu conteúdo e fim. Em outras palavras: à uma teoria democrática em que a
liderança tem papel vital só se pode apresentar uma teoria em que a massa do povo tem
papel vital.
Duas objeções podem ser feitas à nossa proposta alternativa: 1) que retomar a
idéia de democracia direta do marxismo é ultrapassado e 2) o povo não teria condições
reais de tomar decisões de Estado. Quanto à primeira objeção é uma retórica vazia de
sentido, pois, os participativistas Pateman e Bachrach que legitimam Schumpeter
constroem sua alternativa a partir de Rosseau e J. S. Mill e a deliberação de Habermas
nos apresentam uma versão remodelada do Iluminismo do século XVIII – não são
autores e correntes de pensamento tão recentes assim pelo que se saiba. Ademais
Tocqueville, Max Weber e Carl Schmitt são autores recorrentes para se pensar a política
contemporânea a despeito de serem autores de um passado quase longínquo; sendo
assim porque não o marxismo, contemporâneo a todos estes autores e pensamentos. A
segunda objeção apresenta uma “formulação behaviorista”, ou seja, discute mais o
comportamento do homem comum em seu cotidiano (que obviamente não é puramente
político) do que se as determinações históricas e as tensões subjetivas num dado
momento das relações sociais impulsionariam ou não a capacidade do povo a tomar
decisões políticas.
Mesmo que as objeções estejam corretas e que a realidade descrita por
Schumpeter seja incontestável: seriamos obrigados (os que desejam uma alternativa...)
para tornar a realidade suportável a imaginar pequenas ou grandes “loucuras”. E na
concepção marxista a democracia direta de massas pode ser uma dessas loucuras que
necessitamos para enfrentar, verdadeiramente, a democracia de liderança de Joseph
Schumpeter.
101
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