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Não era insensibilidade da parte
de Jerome, como foi interpretado pelo sr.
Wordsworth ao falar com seus colegas
sobre o caso (ele chegou a discutir com
eles se, talvez, Jerome ainda servia para
ser inspetor). Jerome estava apenas
tentando visualizar a cena estranha para
entender os detalhes direito. Nem
Jerome era um garoto que chorasse, ele
era um garoto que ruminava as coisas, e
nunca lhe ocorrera no tempo da escola
primária que as circunstâncias da morte
de seu pai fossem cômicas – elas eram
parte do mistério da vida. Foi mais tarde,
no primeiro ano do ensino médio,
quando ele contou a história para seu
melhor amigo, que ele começou a se dar
conta de como a história afetava os
outros. Naturalmente, depois dessa
abertura de sua intimidade, ele passou a
ser conhecido, de modo nada razoável,
como Porco.
Infelizmente sua tia não tinha
nenhum senso de humor. Havia uma
fotografia ampliada de seu pai sobre o
piano; um homem grande e triste num
terno escuro impróprio, posando em
Capri com um guarda-chuva (para
protegê-lo contra uma insolação), as
pedras Faglione ao fundo. Aos dezesseis
anos de idade, Jerome sabia bem que o
retrato estava mais para o autor de Sol e
Sombra e Caminhada nas Ilhas Baleares
do que para um agente do Serviço
Secreto. Mesmo assim, ele amava a
memória do pai: ele ainda possuía um
álbum de cartões postais (os selos
haviam há muito sido retirados para
juntar-se à sua outra coleção) e lhe doía
quando sua tia embarcava com
estranhos na história da morte de seu
pai.
- Um acidente chocante, ela
começava.
O estranho tratava de arrumar a
cara de modo a transparecer interesse e
comiseração. Ambas as reações,
obviamente, eram falsas, mas era
terrível para Jerome ver o quão
repentinamente, no meio da fala
interminável, o interesse se tornava
genuíno.
- Não consigo conceber como
essas coisas podem ser permitidas num
país civilizado, sua tia costumava dizer.
Suponho que se possa considerar a Itália
civilizada. A gente se prepara para todo tipo
de coisas no exterior, claro, e meu irmão
era um grande viajante. Ele sempre
carregava um filtro d’água consigo. Era
bem menos caro, sabe, do que comprar
todas aquelas garrafas de água mineral.
Meu irmão sempre dizia que seu filtro
pagava pelo vinho do jantar. Você pode ver
daí que homem cuidadoso ele era, mas
quem poderia dizer que, quando ele
estivesse caminhando ao longo da Via
Dottore Manuele Panucci, a caminho do
Museu Hidrográfico, um porco cairia sobre
ele?
Esse era o momento em que o
interesse se tornava genuíno.
O pai de Jerome não tinha sido um
escritor importante, mas sempre parece
chegar o tempo, depois da morte de um
autor, em que alguém pensa que vale a
pena escrever uma carta para o
Suplemento Literário do Times anunciando
a preparação de uma biografia e pedindo
para consultar cartas e documentos ou
receber quaisquer histórias dos amigos do
homem morto. A maioria das biografias,
claro, nunca aparecem – pode-se perguntar
se tudo não passou de uma forma obscura
de chantagem e se muitos biógrafos em
potencial não fazem uso dessa estratégia
para poder terminar sua formação em
Kansas ou Nottingham. Jerome, no entanto,
como perito-contador, vivia muito distante
do mundo literário. Ele não se dava conta
do quão pequena a ameaça era de fato, ou
que a fase perigosa para um escritor
obscuro como seu pai tinha passado há
muito tempo. Às vezes, ele ensaiava
maneiras de recontar a morte de seu pai de
modo a reduzir o elemento cômico às mais
ínfimas proporções – não adiantaria nada
sonegar informação, pois nesse caso o
biógrafo indubitavelmente visitaria sua tia,
que estava alcançando uma idade muito
avançada, mas sem sinal de
esmorecimento.
Parecia a Jerome que havia dois
métodos possíveis – o primeiro conduzia
sutilmente ao acidente, de modo que,
quando ele era finalmente descrito, o
ouvinte estava tão preparado que a morte
chegava como um verdadeiro anti-clímax.
O maior perigo de riso de uma história
assim era sempre a surpresa. Quando