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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO EM HISTÓRIA
COLÔNIAS DE FÉRIAS: A FORMAÇÃO DO ESTUDANTE IDEAL NO
RIO GRANDE DO SUL (1938 -1945)
Frederico Brittes Nordin Garcia
Porto Alegre
2009
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FREDERICO BRITTES NORDIN GARCIA
COLÔNIAS DE FÉRIAS: A FORMAÇÃO DO ESTUDANTE IDEAL NO
RIO GRANDE DO SUL (1938 -1945)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em
História, área de concentração Sociedades
Ibéricas e Americanas
Orientador: Professor Doutor René Ernaini Gertz
Porto Alegre
2009
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Responsável: Salete Maria Sartori, CRB 10/1363
G216c Garcia, Frederico Brittes Nordin
Colônias de férias: a formação do estudante ideal no
Rio Grande do Sul (1938-1945) / Frederico Brittes Nordin
Garcia. – Porto Alegre, 2009.
147 f.
Diss. (Mestrado em História – Área de Concentração:
Sociedades Ibéricas e Americanas) – Fac. de História,
PUCRS
Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz
1. Brasil História – Estado Novo. 2. Educação.
3. Eugenia. 4. Saúde. I. Gertz, René Ernaini.
II. Título.
CDD 981.0622
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço ao Senhor Jesus Cristo, a ele seja dada toda
a honra, glória e louvor. Agradeço tamm a minha família, em especial minha
esposa Camila e meu pai Gilson pela compreensão e apoio incondicional.
Devo também meus sinceros agradecimentos ao meu orientador Re
Ernaini Gertz, por acreditar em meu trabalho, por sua paciência e por sua
orientação. Faço também referência ao Programa de Pós Graduação em História da
Pucrs e ao CNPq que me proporcionaram totais condições para o bom
desenvolvimento de meu trabalho. o posso esquecer-me de alguns professores
que, de alguma maneira, também colaboraram, em especial as professoras Márcia
Andrea Schmidt e Maria José Barreras bem como o professor Luciano Aronne
Abreu.
Por fim, agradeço a meus colegas de pós-graduação Bruno, Luis e Bianca
por nossa agradável e salutar convivência.
Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando
envelhecer não se desviará dele.
Provérbios 22.6
RESUMO
O presente trabalho aborda a realização de Colônias de Férias no estado do
Rio Grande do Sul entre os anos de 1938 e 1945. Colônias essas que fizeram parte
de uma vasta gama de práticas adotadas no âmbito escolar ao longo do regime
estado-novista. Através de um trabalho de caráter descritivo tentaremos demonstrar
quais os objetivos, o público alvo, os resultados e como se desenvolveram as
referidas colônias.
Palavras-chaves:Estado Novo-Saúde-Educação
ABSTRACT
This dissertation treats about the implementation of Summer Camps in Rio
Grande do Sul state between the years 1938 and 1945. These camp fires were part
of a wide range of practices adopted by the school system all long the Estado Novo
period. Through a descriptive study we try to demonstrate that the goals, the target
audience, the results and how they developed these camps.
Keywords: Estado Novo-Health-Education.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Atividades no Campo de Pólo do Instituto Porto Alegre referentes a
Semana da Pátria de 1943........................................................................................87
Figura 2 – Jovem moça e o pavilhão Nacional..........................................................89
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................9
1 A BUSCA PELO APRIMORAMENTO DA RAÇA: A EUGENIA E SEUS
DESDOBRAMENTOS...............................................................................................17
1.1 A CIÊNCIA DE FRANCIS GALTON....................................................................19
1.2 A ESCOLA: UM ESPAÇO DE PROPAGAÇÃO DA EUGENIA............................26
1.3 RIO GRANDE DO SUL: A ESCOLA COMO NÚCLEO DE
HIGIENIZAÇÃO/EUGENIZAÇÃO..............................................................................35
2 O ESTADO NOVO E A FORMAÇÃO DO NOVO BRASILEIRO ...........................47
2.1 O HOMEM NOVO ...............................................................................................49
2.2 FORMAR A INFÂNCIA E A JUVENTUDE...........................................................60
2.3 ESTADO NOVO E A EDUCAÇÃO......................................................................72
3 COLÔNIAS DE FÉRIAS: INSTRUMENTO NA FORMAÇÃO DO ALUNO IDEAL 79
3.1 ESTADO NOVO E A EDUCAÇÃO FÍSICA..........................................................79
3.2 COLÔNIAS DE FÉRIAS NO/DO ESTADO NOVO..............................................93
3.3 ORIGENS: ALGUMAS OBSERVAÇÕES............................................................94
3.4 COLÔNIAS DE FÉRIAS NO ESTADO NOVO: O CASO GAÚCHO..................100
3.5 COLÔNIAS DE FÉRIAS: ESTADO DO RIO DE JANEIRO ...............................125
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................131
ANEXOS.................................................................................................................139
9
INTRODÃO
No decorrer do Estado Novo, é possível perceber uma gama de medidas que
refletem traços do discurso eugenista e que visavam ao controle e à sistematização
de bitos cujo objetivo, em última análise, era a homogeneização da sociedade
brasileira, traço fundamental para a implantação do projeto estado-novista. Dentro
dessa perspectiva, fazia-se necessária para um Estado de caráter autoritário a
formação e a imputação de uma série de condutas e valores para a população.
Logo, é evidente a enorme preocupação com medidas relacionadas ao campo da
saúde, pois, além de valores morais, o regime de Vargas via a necessidade de
constituir indiduos fisicamente dotados e com condições de engrandecer a nação
para assim levar adiante seu plano modernizador.
Portanto, nota-se, nesse momento, uma crescente preocupação com a
formação física, sobretudo de jovens e crianças, pois nada mais interessante e
objetivo do que iniciar essa construção desde cedo, com os elementos que viriam a
se tornar os futuros homens da nação.
1
Assim, a saúde infanto-estudantil torna-se
um dos campos mais importantes, desencadeando diversas ações nesse sentido.
Campanhas de alimentação, como a sopa escolar, palestras, filmes, pelotões de
saúde, entre outras práticas, passaram cada vez mais a fazer parte do universo dos
educandos. É dentro desse contexto que podemos inserir a realizão de Colônias
de Férias, instituições que visavam ao aperfeiçoamento sico e mental da clientela
escolar.
Entretanto, antes de iniciarmos uma abordagem acerca dos objetivos de
nossa pesquisa, julgamos necessária a realizão de uma retrospectiva que, de
alguma maneira, possa demonstrar o caminho pors percorrido, caminho esse que
nos fez chegar até esta dissertação. No ano de 2005, ao realizarmos a disciplina de
História do Brasil III, fomos incumbidos pelo professor René Gertz a desenvolver
uma apresentação em sala de aula. Como naquele momento participávamos de um
trabalho na Biblioteca do Hospital Parque Belém, optamos por abordar alguns
aspectos a respeito dessa instituição.
2
Ao empreendermos nossa pesquisa, nos
1
Uma das principais medidas nesse sentido foi a obrigatoriedade da Educação
Física escolar.
2
O Hospital Parque Belém, localizado em Porto Alegre, foi inaugurado pelo regime
estado-novista no ano de 1942, como Sanatório Belém, sendo parte da campanha
então empreendida no combate à tuberculose.
10
deparamos com alguns relatos sobre pessoas que ali permaneceram durante um
longo período em busca de sua reabilitação física.
3
Pessoas que, por meio dos
mecanismos então vigorantes, tiveram suas vidas e seus cotidianos drasticamente
alterados em função de normas e procedimentos adotados no então Sanatório
Belém. Infelizmente, nosso trabalho não teve a merecida seqüência, resumindo-se
apenas em nossa breve apresentação. Contudo, algumas questões permaneceram,
sobretudo as vinculadas ao poder exercido pelas instituições, neste caso de sde,
na vida particular dos indivíduos.
Michel Foucault, ao analisar o nascimento da medicina social, afirma que a
noção do corpo como objeto socializado tem sua origem na expansão capitalista
entre finais do XVII e inicio do XIX, observando sempre esse corpo como força de
trabalho, força de produção
4
:
O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente
pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi
no biológico, no somático, no corporal que antes de tudo investiu a
sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é
uma estratégia biopolítica.
5
A partir desse momento e com questionamentos de tal ordem, procuramos o
professor René Gertz, expondo o nosso interesse pelo tema. Logo, nos foi sugerida
a leitura da dissertação de Éder Silveira A Cura da Raça, na qual são abordados
aspectos da ciência eugênica na medicina gaúcha das primeiras décadas do século
XX.
6
Após essa leitura, tivemos contato com um texto de autoria do mesmo René
Gertz, cujo foco voltava-se para as realizões do regime estado-novista no campo
3
Referimo-nos a pacientes que em função da tuberculose estiveram internados no
então Sanatório Parque Belém durante o período do Estado Novo.
4
Foucault identifica três momentos cruciais no desenvolvimento dessa medicina social. O primeiro
deles na Alemanha, que ainda no século XVIII foi, segundo o autor, a primeira a normatizar, estatizar
a medicina, com médicos nomeados pelo Estado, por exemplo. Ou seja, uma organização estatal,
com a profissão normatizada, com médicos subordinados ao Estado. Porém, nesse caso, a medicina
social alemã não possuía como objetivo a proteção da força de trabalho, e sim a proteção do “corpo
enquanto estado, como um todo”. O segundo também em meados do século XVIII ocorreu na França,
e neste a medicina social surge não como um suporte do Estado, mas sim de um processo de
urbanização então empreendido. O terceiro e último momento assinalado por Foucault desenvolveu-
se na Inglaterra no último terço do século XIX e neste, pobres e trabalhadores em geral foram alvo da
medicalização. Este terceiro exemplo é apontado por Foucault como uma medicina que
essencialmente visava ao controle da saúde e dos corpos das classes mais pobres, tornando estes
mais aptos ao trabalho.
5
FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edição Graal, 1979.
6
A então dissertação de Silveira foi editada no ano de 2005. SILVEIRA, Eder. A
cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-grandense nas
primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: UPF, 2005.
11
da saúde no estado gaúcho.
7
Mais uma vez, foi possível observar a presença do
discurso eugenista em uma série de medidas, dentre elas as Colônias de Férias.
Percebendo a inexistência de um trabalho a respeito do tema, optamos por
empreender uma pesquisa a respeito de tal objeto.
Ao referir-se às Colônias de Férias, Gertz fez uso de uma citação de Maria
Helena Câmara Bastos, especificamente de sua obra A revista do Ensino no Rio
Grande do Sul.
8
Logo, recorremos a esse trabalho, no qual, além da própria Revista
do Ensino, fomos levados a conhecer os arquivos da então Secretaria de Educação
e Saúde Pública, basicamente arquivos de J. P. Coelho de Souza, responsável pela
pasta.
9
Assim, partimos para a análise e o estudo de ambas as fontes, e, em função
dos caminhos que muitas vezes percorremos em nossas pesquisas, acabamos
chegando a mais duas outras fontes de grande valor para o nosso prosito. A
primeira delas era um conjunto de minutas da referida SESP, no qual obtivemos
informações de caráter administrativo. a segunda, o periódico porto-alegrense
Correio do Povo, constitui-se em nossa principal fonte de investigação, pois mais de
dez matérias foram veiculadas nesse periódico sobre as Colônias de Férias,
englobando aspectos dos mais variados sobre essas instituições.
Mesmo sem esgotar o tema, optamos por abordar as Colônias de Férias em
nossa monografia de final de curso de graduação. Tal decisão teve sua importância
em nossa caminhada como historiador. Entretanto, em função de nossa
inexperiência, mas, sobretudo devido ao fato de não havermos esgotado as
possibilidades de pesquisa em nossas fontes, fomos levados a algumas conclusões
um tanto precipitadas, muitas das quais tentamos revisar agora. Exemplo claro
desse fato foi a utilização dos citados relatórios de Coelho de Souza, que, entre
outros dados, trazem informações relativas ao funcionamento das 12 Colônias de
Férias desenvolvidas entre os anos de 1938 e 1943. Isso nos levou a afirmar que
essa medida ocorreu apenas durante o período assinalado. Além disso, fizemos
afirmões que, depois, constatamos merecedoras de revisão, motivo que,
7
Texto que veio a ser publicado como o quinto capítulo da seguinte obra GERTZ,
René E. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2005.
8
BASTOS, Maria Helena Câmara. A revista do ensino do Rio Grande do Sul (1939-
1942): o novo e o nacional em revista. Pelotas: Seiva, 2005.
9
Relatório referente às atividades desenvolvidas entre os anos 1938-1943, e
disponível para consulta no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
12
juntamente com a quantidade de informações disponibilizadas por meio das novas
fontes consultadas, nos levou a empreender a presente pesquisa.
Nosso principal objetivo, neste momento, é realizar uma descrição sobre as
Colônias de Férias desenvolvidas em solo gaúcho, levando ao conhecimento de
quem possa interessar não a existência de tais instituições, mas o máximo de
informações possíveis sobre as mesmas. Assim, o três as principais perguntas
que nortearam nossa investigação.
Em primeiro lugar, qual ou quais eram os objetivos das conias. Em um
segundo momento, a quem eram destinadas, ou qual era o seu público alvo. E por
último, como essas instituições funcionaram, quais foram seus programas de
atividades, suas localizações, duração, os nomes envolvidos, etc. Para atingir estes
objetivos, dividimos nosso conjunto de fontes em dois grandes grupos: o primeiro,
composto pela documentação oficial disponível, no caso os citados relatórios da
SESP, e o conjunto de minutas da mesma secretaria, e o segundo grupo, constituído
pelos periódicos Correio do Povo e Revista do Ensino. Analisando o conteúdo das
fontes, cruzando e confrontando os dados obtidos, chegamos às informões que
possibilitaram a conclusão desta dissertação. Contudo, foi necessário de alguma
maneira situar, num contexto mais amplo, as Colônias de Férias, o que nos levou a
investir em uma revisão bibliográfica a respeito dos temas que antecedem o
momento exato em que elas entram na pauta de discussões das autoridades.
Em nosso primeiro capítulo, intitulado “A busca pelo aprimoramento da raça: a
eugenia e seus desdobramentos centramos nossos esforços na análise de
aspectos referentes à ciência eugênica. Iniciamos abordando o desenvolvimento de
tal ciência, sua propagação e seu estabelecimento no meio científico. Além disso,
tamm contemplamos aspectos relativos ao desenvolvimento da eugenia no Brasil.
Para atingirmos este objetivo inicial, nos apoiamos principalmente na recente obra
de Pietra Diwan Raça Pura
10
, na referida obra de Eder Silveira, e no conhecido
trabalho de Vera Regina Beltrão Marques, A medicalização da raça: médicos,
educadores e discurso eugênico, dentre outros.
11
O segundo momento desse capítulo é dedicado a analisar o papel
eugenista/higienista delegado à escola por parte dos defensores de tal ciência, em
10
DIWAN, Pietra. Raça Pura. São Paulo: Contexto, 2007.
11
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça: médicos, educadores
e discurso eugênico. Campinas: UNICAMP, 1994.
13
terras brasileiras. Mais uma vez, o trabalho de Vera Regina Beltrão Marques foi de
extrema importância, juntamente com uma série de informões obtidas por meio de
Heloísa Helena Pimenta Rocha, que, assim como Marques, enfatiza em grande
parte de sua obra o papel da escola como um núcleo de eugenização e
higienização.
12
Finalizando nosso primeiro capítulo, tentamos investigar como o ambiente
escolar gaúcho foi também cenário de investimentos de tal ordem. Os principais
pesquisadores utilizados nesse momento foram Maria Stephanou, principalmente
sua tese de doutorado intitulada Tratar e educar: discursos médicos nas primeiras
décadas do século XX
13
, bem como a recente dissertação de mestrado de Ana
Paula Korndörfer É Melhor prevenir que curar: A higiene e a saúde nas escolas
públicas gaúchas (1893-1928).
14
O segundo capítulo é dedicado a contemplar pontos referentes ao regime do
Estado Novo. Intitulado “O Estado Novo e a formação do novo povo brasileiro”,
tentamos, por meio de alguns exemplos, verificar a necessidade do regime em
formar uma população devidamente enquadrada nos preceitos ideológicos então
vigentes, primeiramente, focando as práticas voltadas aos trabalhadores e a
população em geral. Nesse momento, utilizamos largamente as autoras Maria
Helena Capelato
15
, Ângela Castro Gomes
16
e Helena Bonemy
17
, todas responsáveis
12
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. Educação Escolar e higienização da infância.
Caderno CEDES, vol.23 n. 59, Campinas, abril de 2003.
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. “Prescrevendo Regras de bem viver: Cultura escolar e
racionalidade cientifica. Caderno CEDES, vol.20, n. 52, Campinas, novembro de 2000.
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, MARQUES, Vera Regina Beltrão. A produção do Aluno
higienizado. Disponível em :
http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/416HeloisaHelenaPimentaRocha_e_VeraReginaMa
rques.pdf
13
STEPHANOU, Maria. Tratar e educar : discursos médicos nas primeiras décadas
do século XX. 1999. 2 v. Tese de doutorado Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação, Porto Alegre: UFRGS, 1999.
14
KORNDÖRFER, Ana Paula. É Melhor prevenir que curar: A higiene e a saúde nas
escolas públicas gaúchas (1893-1928). Dissertação de mestrado Unisinos. São
Leopoldo: Unisinos, 2007.
15
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo o que trouxe de Novo?. In:
FERREIRA, Jorge; DELAGO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil
Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
16
GOMES, Ângela Castro. A construção do Homem Novo: O trabalhador
Brasileiro. In:OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela
Maria de Castro. Estado Novo: ideologia poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982.
17
BONEMY, Helena (org.). CONSTELAÇÃO Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro:
Fundação Getulio Vargas, Bragança Paulista(SP): Universidade São Francisco, 2001.
BONEMY, HELENA, M, B. “Ts decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo”.
In: PANDOLLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
14
por uma vasta produção dedicada ao período estado-novista. Cabe ressaltar
tamm o uso da obra de Alcir Lenharo Sacralizão da política, que nos forneceu
elementos de grande valia.
18
Na seqüência, tratamos de alguns exemplos que demonstram a presença
dessa política nas medidas relacionadas à infância e à juventude, ou seja, a
pretensão do Estado Novo em formar desde cedo o novo homem. Nesse ponto,
recorremos ao trabalho de David Ferreira de Paula O treinamento da criança pobre
no Estado Novo: a experiência do Parque infantil na cidade de São Paulo
19
,
juntamente com a pesquisa de André Ricardo Pereira, intituladaA criança no
Estado Novo: Uma leitura na longa duração”
20
. Cabe salientar ainda a utilizão da
obra de José Silvério Baia Horta O hino, o sermão e a ordem do dia: regime
autoririo e a educação no Brasil: 1930-1945, principalmente quando abordadas
questões alusivas à juventude brasileira.
21
Na última parte do segundo capítulo, tentamos evidenciar, por meio de breves
exemplos, como à escola foi atribuído o papel de centro de
formação/homogeneização durante o período do Estado Novo. Para tanto,
contamos, principalmente, com a citada obra de Maria Helena Câmara Bastos A
revista do ensino no Rio Grande do Sul, a recente pesquisa de Aline Choucair Vaz,
A escola em tempos de festa: poder, cultura e práticas educativas no Estado Novo
(1937-1945)
22
, e o já citado trabalho de José Silvério Baía Horta.
Nosso terceiro e último capítulo é o momento em que tentamos apresentar
aquilo que consideramos nossa maior contribuição, contemplando nossos
questionamentos a respeito de nosso principal objeto de pesquisa. Como as
Colônias de Férias estão intimamente relacionadas aos exercícios físicos e,
conseqüentemente, à educação física, foi necessário iniciar esse capítulo abordando
uma rie de aspectos a respeito da introdução dessa prática no Brasil, bem como
sua estreita relação com o Estado Novo.
18
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. 2. ed. Campinas : Papirus, 1986.
19
PAULA, David Ferreira de. O treinamento da criança pobre no Estado Novo: A
experiência do Parque infantil na cidade de São Paulo. Pós História Assis-SP v. 5,
1993
20
PEREIRA, André Ricardo. A criança no Estado Novo: Uma leitura na longa
duração. In:Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol.19, n.38, 1999.
21
HORTA, Jose Silvério Baia. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime
autoritário e a educação no Brasil : 1930-1945. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
22
VAZ, Aline Choucair. A escola em tempos de festa:poder, cultura e práticas
educativas no Estado Novo (1937-1945). Dissertação de mestrado Faculdade de
Educação. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
15
Para tal fim, utilizamos os trabalhos de Lino Castellani Filho Educação física
no Brasil: a história que não se conta
23
, de Celso Castro com “In Corpore Sano Os
Militares e a Introdução da Educação Física no Brasil”
24
, Carmem Soares, Educação
Física, Raízes Européias e Brasil
25
, e o referido Alcir Lenharo. Além desses
autores, a obra de caráter oficial de Inezil Pena Marinho Contribuição para a História
da Educação Física no Brasil constituiu uma importante fonte de pesquisa.
26
O segundo momento de nosso último capítulo é dedicado a um dos temas
que, de alguma maneira, mais nos preocuparam e, em alguma medida,
incomodaram pela insatisfação com os dados encontrados ao longo de nossa
pesquisa. São questões ligadas às origens das Colônias de Férias. Assim, limitamo-
nos a apontar algumas hipóteses. Recorremos, para tanto, a informações obtidas
nos trabalhos de Franco Cambi História da pedagogia
27
, Manoel Lourenço Filho
Introdução ao estudo da escola nova
28
, e na lebre obra Emilio de Rousseau
29
,
entre outras fontes.
A partir desse momento, nosso foco volta-se única e exclusivamente para
nosso elemento de investigação. Primeiramente, ressaltamos algumas informações
de cater geral, como o mero de colônias de férias, a origem de suas verbas, as
pastas responsáveis pelo seu funcionamento, etc. Após essas considerações
iniciais, tentamos responder às questões que seguem a baixo.
Em primeiro lugar, tentamos definir quais os objetivos das colônias. Logo
após, centramos nossos esforços em definir quais eram os escolares escolhidos
para participarem das mesmas. Depois, nosso enfoque volta-se para o
desenvolvimento propriamente dito das colônias, ou seja, onde se localizavam, quais
os seus programas de atividades, o mero de participantes, entre outros pontos.
23
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação física no Brasil: a história que não se
conta. 5. ed. Campinas: Papirus, 2000.
24
CASTRO, Celso. In Corpore Sano - Os Militares e a Introdução da Educação
Física no Brasil. Antropolítica, Rio de Janeiro UFF, n. 2 1997
25
SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física, Raízes Européias e Brasil.
Campinas: Autores Associados, 2001.
26
MARINHO, Inezil P. Contribuição para a História da Educação Física no
Brasil. Rio de Janeiro: imprensa nacional, 1943.
27
CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
28
LOURENÇO FILHO, Manuel. Bergström Introdução ao estudo da escola
nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea. 14. ed. Rio de
Janeiro : EDUERJ, 2002.
29
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, da educação. São Paulo: Martins
Fontes,1999.
16
Questões relativas aos resultados obtidos com as colônias gaúchas também são
destacadas neste trabalho.
Finalizando nossa dissertação, empreendemos uma breve descrição a
respeito de dois exemplos de Colônias de Férias ocorridos em âmbito nacional,
dentro do mesmo contexto histórico, fazendo, para isso, uso de material encontrado
na Revista da Educação Pública. Esse último aspecto não constava em nossas
pretensões iniciais, mas concluímos que inserir as referidas colônias e traçar alguns
paralelos com os exemplos gaúchos só enriqueceria o resultado final de nosso
trabalho.
17
1 A BUSCA PELO APRIMORAMENTO DA RAÇA: A EUGENIA E SEUS
DESDOBRAMENTOS
O desejo de aperfeiçoar o homem é tão velho quanto o próprio homem. Pode-
se perceber, ao longo da história, diversos momentos em que, por meio de uma
série de artifícios, buscou-se operar essa evolução. Ao observarmos o livro bíblico
de Levítico, por exemplo, notamos inúmeras regras que dizem respeito a questões
de ordem higiênica e/ou da ordem sexual como pontos referentes a impurezas nos
homens e mulheres, animais aptos a servirem de alimentação, entre outras. São
regras praticadas e percebidas como leis dentre os hebreus e que expressam a
preocupação com a manutenção e a evolução do referido povo.
Podemos citar, também, a civilização helênica, que se notabilizou por
expurgar de seu convívio elementos considerados mal formados. Licurgo, em
Esparta, mandava atirar aos Eurotas todos os recém-nascidos raquíticos e fracos,
ou, ainda, na civilização romana, como demonstra a seguinte afirmação de neca:
“É preciso separar o que é bom do que não pode servir para nada”. Gestos que,
segundo Paul Veyne, não demonstravam raiva, mas razão.
30
Enfim, é possível observar entre praticamente todos os povos antigos regras,
princípios e práticas que visavam a garantir não a ordem vigente, mas a
preservação e a continuidade de suas raças. Como afirma Pietra Diwan: “Todos os
períodos históricos têm exemplos nesse sentido”
31
.
Essas noções forneceram os elementos básicos para a formulão do que é
concebido como eugenia moderna: essa que com status de disciplina científica,
objetivou implantar um método de seleção humana baseada em premissas
biológicas”
32
. Antes de partirmos para uma pequena explanação sobre a ciência
eugênica contemporânea, é importante demonstrar que, apesar de influenciada por
essas noções antigas, a eugenia teve suas bases técnicas e científicas formuladas a
partir do século XVII, principalmente após o surgimento da história natural.
No ano de 1735, Carl Linné publicou a obra Systema Naturare, formando as
bases para o desenvolvimento da história natural e classificando o reino animal. Em
1758, foi lançada a segunda edição dessa obra, e, dessa vez, Linné acenou com
30
VEYNE, Paul. In: VEYRET, Paul. Do império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004. (História da Vida Privada, 1), p. 23.
31
DIWAN, Pietra, op. cit., p.24.
32
Ibidem, p. 10.
18
uma classificação que também incluía a espécie humana, partindo desde o homem
selvagem, o qual Linné definia como quadrúpede, mudo, peludo, até o homem
americano, que, entre outras especificidades, era colérico, rude, livre, alegre e
guiado pelos costumes. O tipo europeu era definido como claro, musculoso,
governado por leis, sendo claramente beneficiado na escala de classificação. Os
asiáticos, apresentados como um tipo guiado por opiniões, e, por fim o Africano,
negligente, relaxado, indolente e governado pelo capricho, de longe o menos
desenvolvido, segundo Linné.
33
O exemplo de Carl Linné é apenas um dentre os tantos homens da ciência
que se empenharam em classificar o ser humano: “desde De Pauwn, Linné e Buffon,
a diferença passa a ser pensada segundo critérios científicos, de inspiração
iluminista”
34
. Logo, grande parte do meio científico inseriu-se nessa realidade.
Assim, os debates que dominaram em larga escala a ciência no século XIX,
neste caso específico a eugenia, têm sua origem na produção científica dos anos
setecentos. Dentre os que sofreram grande influência dos citados debates, notamos
nomes célebres como Spencer, que “havia estabelecido as leis da evolução
universal, Darwin descoberto as leis da seleção das espécies e Haeckel lançado os
fundamentos da teoria transformista
35
.
Como demonstra Eder Silveira, as teorias de Spencer e Darwin logo se
tornaram conhecidas e apareceram como o fio condutor de praticamente todos os
debates científicos em torno de duas questões: a preservação da espécie e a
hereditariedade. Mas principalmente com Darwin, esse pensamento se organizou se
popularizou, de certa maneira até se banaliza: Com o trabalho do biólogo inglês, as
especulações passaram a apresentar-se como provas, levando a que, a partir de
1859, o evolucionismo dominasse o pensamento europeu, tornando-se praticamente
impossível não se fazer referência ao darwinismo”.
36
Assim, como as leis da evolução na teoria de Darwin eram utilizadas para
explicarem as diferenças entre os animais, esse mesmo conceito foi
33
LINNÈ apud SILVEIRA, Eder. A cura da raça: eugenia e higienismo no discurso
médico sul-rio-grandense nas primeiras décadas do século XX. Passo
Fundo: UPF, 2005.
34
SILVEIRA, Eder. A cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul-
rio-grandense nas primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: UPF, 2005. p.24.
35
VIANNA, Oliveira. Evolução do Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Jose Olympio Editora, 1956. p. 68.
36
SILVEIRA, Eder, op. cit., 2005. p. 30.
19
automaticamente transferido para explicar a desigualdade entre os homens.
Segundo Franklin Baumer,
a desigualdade humana sica, como se lhe pode chamar, estava
diferenciada em três áreas principais no mundo darwiniano: entre as raças
humanas, entre nações e entre indivíduos. O pensamento da raça, na
verdade, já existia muito tempo antes de Darwin. A obra mais influente
sobre o assunto, no século XIX, foi a do conde Gobineau, Ensaio Sobre a
Desigualdade das Raças, que apareceu em 1853, e a que se seguiu, em
1859, uma obra sobre o mito ariano de Adolphe Pictet, As Origens Indo-
Européias. Portanto, era comum, no tempo de Darwin, distinguir as raças
com base na cor, formato do crânio, nádegas ou relacionar o
comportamento mental ou moral com a estrutura física. No entanto, os
darwinianos também acreditavam em raças superiores e inferiores,
contribuindo assim para os preconceitos etnocêntricos correntes.
37
Além do conceito de evolução, os conceitos de herança sanguínea e
hereditariedade marcaram fortemente os debates científicos ocorridos entre os
séculos XVIII e XIX, o último, principalmente, ao ser estudado por Weismann, que foi
o primeiro a percebê-lo como um fenômeno de continuidade biológica.
38
É a partir da
formulação desses conceitos que Francis Galton inseriu-se nas teorias de Darwin,
formulando o eugenismo.
39
1.1 A CIÊNCIA DE FRANCIS GALTON
A eugenia, como ciência, desenvolveu-se na Inglaterra na segunda metade
do século XIX em um momento em que surgem os grandes conglomerados urbanos,
marcados pela insalubridade, pela aglutinação. Massa populacional essa que era
fruto do processo de urbanização advindo da maciça industrialização do período.
A Inglaterra vitoriana criou um novo modo de produção ditado pela
máquinas e um novo modo de vida que fragmentou os espaços urbanos ao
submeter operários à vida nos cortiços em péssimas condições de higiene.
O resultado do vertiginoso crescimento urbano: Londres contava com mais
de quatro milhões de habitantes em 1890. Darwinistas sociais acreditavam
que a multidão que vivia nos bairros operários de Londres estava
degenerando, ou seja, pobreza associada à degeneração física.
Reurbanização, disciplina e políticas de higiene pública deveriam ser
aplicadas com a finalidade de prevenir a degradação física dos
37
BAUMER, Franklin Le Van. O pensamento europeu moderno. Rio de
Janeiro: 70, 1977.
38
SILVEIRA, Eder, op. cit. p.50.
39
ROSE apud SILVEIRA, Eder, op. cit., p.34.
20
trabalhadores para evitar prejuízos na economia que reverteriam em menos
dividendos para a burguesia.
40
Logo, a ciência forneceria as respostas para essas questões, transformando o
darwinismo social e as teorias degeneracionistas em temas de debates e reflexões
entre a intelectualidade.
41
Para Galton, a eugenia era a ciência que tinha como objetivo o melhoramento
da raça humana, melhoramento esse que ocorreria principalmente por meio de
casamentos planejados. Na perspectiva de Vera Regina Beltrão Marques,
[...] a eugenia seria a ciência que se preocuparia com a melhoria da raça
humana e, para tanto, procederia à identificação dos seres mais bem
dotados física e mentalmente, favorecendo seus casamentos. Ao facilitar a
ação da evolução, sua teoria converter-se-ia em uma nova religião,
cientifica e moderna.
42
Francis Galton acreditava que o valor da raça seria superior ao valor da
educação e da influência do ambiente. Logo, opunha-se às soluções apresentadas
pelos higienistas ingleses, como as políticas de reforma moral higiênica, pois, na sua
ótica, estes estavam indo contra a lei de seleção natural e incentivando a
degeneração da “raça inglesa”.
43
Segundo Vera Regina Beltrão Marques, os primeiros trabalhos de Galton
tiveram sua origem no ano de 1865, mas o termo eugenia aparece pela primeira vez
no ano de 1883, quando ele publicou o seu Inquires in to human faculty.
Posteriormente, em outra obra intitulada Hereditary Genius, Galton reforça a sua
teoria.
Pode-se afirmar que a relação entre a teoria de Galton e a de Darwin reside
no fato de que foi Darwin quem forneceu os principais elementos para a teoria
galtoniana. Resumidamente, as teorias desenvolvidas por Galton, conhecidas como
lei de hereditariedade atávica e a lei da regressão, podem ser assim descritas:
A primeira a da hereditariedade atávica diz que todos os antepassados
participam na constituição do indivíduo, mas essa influência é tanto menor
quanto mais afastada ou remota for a geração deles. A segunda lei a da
regressão ou do nivelamento – explica que a média de um atributo da
40
DIWAN, Pietra, op. cit., p.35
41
Ibidem, p.35.
42
MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p.48.
43
DIWAN, Pietra, op. cit., p. 36.
21
geração filial representa sempre uma aproximação ao tipo médio da
população.
44
Para o médico eugenista Otávio Domingues, as leis de Galton só puderam ser
comprovadas por meio de estudos estatísticos e não por demonstrações biológicas.
Para Galton, “a estatística torna-se técnica e método geral de todos os seus
trabalhos, a antropologia será provedora do material de estudo e a hereditariedade,
o mecanismo essencial de sustentação da ciência eugênica”
45
. Logo, como afirma
Marques, as teorias Galtonianas estavam “amparadas em estudos estatísticos que
Galton desenvolvera sobre a ‘hereditariedade do talento’ estudo realizado sobre o
parentesco de pessoas eminentes sem qualquer procedimento experimental, a
não ser aqueles de natureza matemática”.
46
ao final do século XIX e início do século XX a teoria de Francis Galton, ou
como define Marques
47
, “a doutrina eunica”, insere-se largamente nos meios
acadêmicos e científicos, principalmente por meio de publicações .
Além disso, a “nova ciência” foi fortemente difundida em conferências
realizadas por diversas nações da Europa, culminando com a fundação, em 1907,
da Eugenics Education Society, instituição que contava com a participação de
elementos oriundos de diversas áreas, principalmente médicos e advogados. Am
disso, a Eugenics Education Society organizou em Londres, no mês de outubro de
1912, o Primeiro Congresso Internacional de Eugenia, acontecimento que contou
com cerca de 700 delegados, e que institui, na ocasião, um comitê internacional
permanente de eugenia. A fundação de tal organização pode ser considerada como
um marco na institucionalização e na propagação da ciência de Galton. Ainda com
relação à Eugenics Society, chama-nos à atenção a presença de advogados dentre
seus componentes, o que pode estar relacionado à busca empreendida por uma
legislação eugênica.
Pietra Diwan afirma que “construir o super-homem e perseguir a pureza da
raça por meio da eugenia foi uma obstinação de muitas nações”
48
, ão que se
apresentou de diversas maneiras. A eugenia não foi de modo algum uma ciência
única, igual, ela adaptou-se a diversas propostas em diversos locais: “Na verdade,
44
DOMINGUES, Otavio. Eugenia, seus propósitos, suas bases, seus meios. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1933. p.25.
45
Ibidem
46
PELAEZ apud MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p.38.
47
MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p.48.
48
DIWAN, Pietra, op. cit., p.47.
22
houve uma multiplicidade de facetas adotadas pelo eugenismo, que particularizava
cada análise de acordo com a época e o país, sob o prisma ideológico de seus
defensores. Uns mais radicais que outros, o certo é que o houve um uso
homogêneo da teoria de Galton”.
49
Pela definição do próprio Galton, a eugenia era a ciência da boa geração,
incentivando a reprodução de elementos mais bem dotados fisicamente, mais
desejados no seio da sociedade. Essa eugenia ficou notabilizada como eugenia
clássica ou ainda eugenia positiva, ou, como expõe Diwan, umharas humano”.
A outra ponta da ciência eugênica apresenta uma faceta mais radical, a
eugenia negativa, que visava à preveão de nascimentos indesejáveis, e que
objetivava, por meio da esterilização com ou sem consentimento, a preservação de
um povo ou de uma nação; ou ainda, por meio de métodos como a eutanásia, o
infanticídio e o aborto. Sendo essa eugenia, na maioria dos casos rejeitada,
restaram alguns exemplos, como a Alemanha nazista ou a campanha americana no
como do culo XX, responsável por esterilizar mais de sessenta mil indivíduos,
sendo que na maioria dos casos não foi dado o devido consentimento para a
realização desse procedimento.
50
Do mesmo modo que se espalhou pelo mundo como uma verdade absoluta,
um paradigma, a ciência eugênica o tardou em aportar no Brasil. As idéias e as
teorias de cunho biológico e raciológico encontram no país um terreno fértil para seu
desenvolvimento, e foram os conceitos de meio e raça que se tornaram as bases
dos debates que então ocorriam em torno de questões relativas à identidade
nacional. Segundo Renato Ortiz, os parâmetros raça e meio fundamentam o solo
epistemológico dos intelectuais brasileiros de fins do século XIX e início do culo
XX”
51
. Ainda segundo Ortiz, o evolucionismo fornece à inteligentsia brasileira os
conceitos para compreensão desta problemática, porém, na medida em que a
realidade nacional se diferencia da européia, tem-se que ela adquire no Brasil novos
contornos e peculiaridades.
52
Apesar de as idéias de cunho biológico e raciológico terem sua difusão maior
no meio científico após terem chegado ao Brasil entre o final do século XIX e início
49
DIWAN, Pietra, op. cit., p. 47-8.
50
Sobre esse assunto, consultar BLACK, Edwin. A guerra contra os fracos. São
Paulo: a girafa editora, 2003.
51
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1998. p.15.
52
Ibidem, p.15.
23
do XX, podemos identificar no final dos oitocentos a presença de idéias desse
cunho em terras brasileiras. Tal fato deve-se, sobretudo, à presença de nomes como
Gobineau, autor do conhecido Ensaio sobre a desigualdade das raças, de 1853, e
considerado um dos pilares do racismo científico no Brasil.
53
Dessa maneira, podemos verificar que no momento em que as idéias
eugênicas invadiram os debates da intelectualidade nacional, a mesma estava de
certa forma familiarizada com idéias desse sentido. Analisando diversos nomes que
descrevem a chegada do discurso eugênico ao Brasil, um ponto é constantemente
destacado: a eugenia chega ao país como um tema cultural, ainda que, conforme
afirma Marques, “A ‘raça’ era o tema central dessas idéias eugênicas ainda
encobertas, que mais pareciam se adaptar ao pensamento de Darwin do que
propriamente ao conceito galtoniano, ainda sem expressão no Brasil, em fins de
século XIX”.
54
No como dos anos novecentos, fica mais clara e perceptível a influência
das idéias de traço eugênico, já agora com características galtonianas. Conforme
Silveira, “a partir da década de 1910, se materializarão importantes reflexões sobre o
Brasil, nas quais um grupo crescente de intelectuais buscará analisá-lo desde uma
perspectiva eugenista higienista”.
55
Assim, é a partir desse momento que começam
a surgir com uma maior profusão trabalhos e teses acadêmicas com forte presença
desse discurso, como os trabalhos realizados por Erasmo Braga, Horácio de
Carvalho, João Ribeiro, entre outros.
56
Como no Velho Continente, a eugenia em terras brasileiras começou a
difundir-se, em um primeiro momento, no meio acadêmico; porém, o grande marco
na introdução das idéias eugênicas higienistas se deu a partir de um processo de
institucionalização que, assim como na Europa, ocorreu por meio da fundação de
associações e sociedades científicas, no caso brasileiro a Sociedade Eugênica de
São Paulo, fundada no ano de 1918.
Com o objetivo de discutir a nacionalidade com base em questões biológicas
e sociais é que Renato Kehl e Arnaldo Vieira de Carvalho viram a necessidade de
unir em torno desse debate profissionais das mais diversas áreas, principalmente
53
SILVEIRA, Eder, op. cit., p. 37.
54
MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p. 52.
55
SILVEIRA, Eder, op. cit., p.76.
56
Ibidem, p.80.
24
médicos e advogados.
57
Com mais de 140 associados, a Sociedade Eugênica de
São Paulo de, na sua época, tanto pelo número, mas principalmente pela posão
social de seus associados, ser considerada uma organização de extrema relevância.
Dentre seus componentes, podemos citar nomes como Oscar Freire, Fernando de
Azevedo, Arthur Neiva, Franco da Rocha, todos de considerável influência na época.
Vera Regina Beltrão Marques, ao fazer referência a respeito da Sociedade
Eugênica Paulista, afirma que
[...] a sociedade eugênica de São Paulo, a exemplo das sociedades
eugênicas européias, também pautava suas atividades por estudos da
hereditariedade, pela educação moral, educação higiênica e sexual. A
regulamentação dos casamentos era outra tarefa tomada para si pelos
eugenistas assim como a regulamentação da imigração e a sujeição dos
indesejáveis (prostitutas, loucos, sifilíticos, tuberculosos entre outros)
58
.
Sua fundação, em 1918, demonstra o quanto o Brasil estava sintonizado com a
ciência eugênica, que a Sociedade Britânica de Eugenia havia sido fundada em
1908 e a instituição similar francesa em 1912.
De fato, as preocupações com questões relativas à higiene e ao sanitarismo
tiveram uma grande contribuição para aproximar e tornar possível a adaptação da
ciência eugênica à realidade nacional.
59
O lançamento do livro O saneamento do
Brasil, de Belissário Penna, em 1917, surgiu como uma forte denúncia referente ao
abandono e às péssimas condições sanitárias encontradas principalmente no interior
do Brasil.
É a partir dessa obra que diversos intelectuais da época articularam-se
fundando a Liga Pró-Saneamento, entre eles Renato Kehl e Arthur Neiva. O que nos
leva a crer que a Liga Pró-Saneamento pode ser considerada como o “embrião” da
sociedade eugênica. A figura de Kehl merece destaque especial, considerado o
maior propagandista da eugenia e autor da obra Lições de Eugenia, do ano de 1929.
É de Kehl a seguinte afirmação: “a nacionalidade brasileira só enbranquecerá
à custa de muito sabão de coco ariano”
60
, idéia que remete ao modo como os
57
MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p. 53.
Novamente notamos a presença de advogados, o que está em sintonia com o quem
ocorria na Europa onde buscavam uma legislação que amparasse as idéias
eugênicas.
58
Ibidem, p.54.
59
Ibidem, p.55.
60
KEHL apud DIWAN, Pietra, Raça Pura. São Paulo: Contexto 2007 p.87
25
eugenistas deveriam agir: esfregando, torcendo branqueando os corpos do povo.
61
Ele propunha, ainda, a esterilizão, controle de casamentos e controle da
imigração. Sem dúvida nenhuma, Kehl, dentre os intelectuais que dialogavam com
as idéias eugenistas/higienistas, compunha a parcela considerada mais radical em
suas propostas. A questão do branqueamento não necessita aqui de um maior
debate, que essa não era percebida como uma questão fundamental dentre a
totalidade dos intelectuais que defendiam a eugenia no país.
Ainda em tom de denúncia, Monteiro Lobato publica, financiado pela
Sociedade Eugênica de São Paulo e pela Liga Pró-Saneamento, o livro O problema
Vital, no qual, assim como Penna, aponta questões ligadas à higiene e ao
sanitarismo como o mal que afetava o desenvolvimento do país. Ao adentrarmos a
década de 20, o discurso eugênico vem ao encontro das idéias republicanas, fato
que se torna mais claro com a presença das ligas nacionalistas, numa tentativa de
se preparar e ter um cidadão aperfeiçoado física e moralmente.
62
Como se tentou demonstrar até o momento, a fundação da Sociedade
Eugênica de São Paulo pode ser considerada o marco na introdução das idéias de
cunho eugênico no Brasil. Porém, todo esse “movimento” teve também outra grande
referência, o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia. Realizado no Rio de Janeiro
em julho de 1929, o congresso surgiu como norteador dentro do discurso eugênico
sanitarista brasileiro, que este, nesse momento, apresentou uma série de
perspectivas acerca do tema e de suas eventuais aplicações práticas. Muitas dessas
perspectivas divergiam em alguns aspectos, sobretudo no que tange a fatores
raciológicos. Segundo Marques, “essa constatação vem iluminar a questão da
descontinuidade discursiva existente entre a eugenia e o movimento cultural, que ao
colocar o mulato como homem brasileiro, parece indicar a defasagem entre as
teorias raciais em geral e a eugenia em particular com a realidade social dos anos
20”.
63
Importante frisar que a anteriormente citada Liga Pró-Saneamento também
estava inserida no grupo que “rejeitava o modelo europeu que apontava a
composição étnica e a miscigenação racial como fator de atraso para o país”.
64
Além de médicos, o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia contou com a
participação de sociólogos, educadores, advogados, enfim profissionais das mais
61
DIWAN, Pietra, op. cit., p.87.
62
MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p.57.
63
Ibidem, p.57.
64
COSTA apud MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit., p. 57.
26
diversas áreas, que, de alguma maneira, se interessavam pelo tema e o viam como
uma solução para os males da nação. Além de um marco na introdução da eugenia
no Brasil, o congresso marcou também o início da uma fase de radicalização dos
discursos eugênicos no país.
O Brasil do final dos anos 1920 estava mergulhado em um clima de
renovação com relação ao quadro político da república. A crise das oligarquias, o
desejo de uma democracia nos moldes liberais, tudo isso contribuiu, e muito, para a
propagação do discurso eugênico. Em última análise, como a ciência de Galton
propunha a ordenação do indivíduo, e conseqüentemente, da sociedade como um
todo, fica assim perceptível a sintonia entre essa ciência e as idéias de uma nova
república.
1.2 A ESCOLA: UM ESPAÇO DE PROPAGAÇÃO DA EUGENIA
O objetivo, neste momento, é demonstrar de que maneira a escola e suas
práticas foram concebidas como um centro de propagação em torno das idéias de
higienização/eugenização física e mental/moral da população brasileira. Além disso,
tentaremos demonstrar como essas mesmas práticas tornaram-se mais extensivas
com a propagação do discurso eugênico no meio médico científico entre o final do
século XIX e os primeiros decênios do século XX. Dentre os estudos que nos
forneceram condições de avaliar esta questão, destacamos os realizados por Maria
Stephanou, Vera Regina Beltrão Marques e Heloísa Helena Pimenta da Rocha.
Em um primeiro plano, concentraremos nossos esforços em demonstrar, por
meio de alguns exemplos ocorridos em âmbito nacional, como essas práticas se
inseriram no cotidiano das escolas em grande parte do solo brasileiro, e como a
“invasão” das práticas higienistas/eugenistas se tornaram uma verdade estabelecida
no meio escolar. Logo após essa explanação inicial, nosso foco volta-se para o
estado do Rio Grande do Sul, onde, por meio do recente trabalho de Ana Paula
Körndorfer e os estudos de Beatriz Weber, tentamos observar até que ponto as
práticas levadas a cabo no estado gaúcho estavam em sintonia com as
desenvolvidas em âmbito nacional.
Segundo Ana Maria Lopes Colla, a escola, na visão de Foucault, é um
espaço, uma instituição em que se exerce o poder e onde emerge o poder moderno,
27
“lugar onde se desenvolve e se aperfeiçoam estratégias e técnicas de poder”.
65
Michel Foucault observa que esse controle disciplinar visa à constituição de sujeitos
dóceis-uteis por meio do controle do espaço, das atividades e do tempo
66
.
Tentamos, dessa forma, observar de que maneira a escola constituiu-se, na ótica
dos eugenistas /higineistas brasileiros, como um núcleo, ou como um espaço, onde
foram estabelecidas essas relações que visavam à formação física, mental e moral
da parcela estudantil da população, ou, utilizando conceitos de Foucault, à produção
da docilidade-utilidade desses sujeitos. É mister ressaltar que, nesse sentido,
[...] a escola não é tomada aqui apenas como local de transmissão de
conhecimentos, mas enquanto instituição que organiza um campo de
experiência aos que com ela se encontram em relação. Constitui-se em
instrumento de produção, acúmulo e transmissão de saber, assegurando
um exercício de poder.
67
Sabe-se que tanto a eugenia quanto o higienismo são discursos que
obedecem a uma racionalidade cientifica, assim o ambiente escolar é o local onde
não só se propaga esse discurso como o mesmo é posto em prática. Nesse sentido,
Foucault afirma que todo o sistema de educação é uma maneira política de manter
ou modificar a apropriação dos discursos, com saberes e os poderes que eles
trazem consigo”.
68
Segundo Maria Stephanou, “nas primeiras décadas do século XX os discursos
científicos que evidenciavam a relação entre medicina e educação proliferaram-
se”.
69
Na tentativa de operar a reforma física e moral que necessitava a população
brasileira, a medicina social toma para si a função pedagógica, e o espaço escolar
torna-se o local apropriado para essa obra. Na visão desses homens da ciência, a
medicina social era inconcebível sem educão. Nessa perspectiva, “o corpo social
deveria sujeitar-se à regulamentação médica”
70
, “regulamentar, enquadrar, controlar
e punir todos os gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos das classes
65
COLLA, Ana Maria Lopes. A constituição da subjetividade docente: para além de
uma lógica dual. Tese de doutorado Faculdade de Educação PUCRS. Porto
Alegre: PUCRS, 1998. p.72.
66
Ibidem, p.24.
67
FOUCAULT, Michel, 1993 apud STEPHANOU, Maria. “Formar o cidadão sica e moralmente:
médicos, mestres e crianças na escola elementar”. In: Educação, subjetividade e poder. Porto Alegre,
vol. 3, n. 3 (jan./jun. 1996), p. 59.
68
FOUCAULT, MicheI. A ordem do discurso. 14. Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p.44.
69
STEPHANOU, Maria, op. cit.
70
Ibidem, p. 61.
28
subalternas e apropiar-se dos modos e usos do saber estranhos a visão hegemônica
do corpo da saúde e da doença”.
71
Ainda nesse sentido, Heloísa Helena Pimenta Rocha afirma que o processo
de difusão das práticas escolares estava inserido no bojo de um projeto de maior
amplitude que localizava na educação a capacidade de regenerar física e
moralmente, forjando cidadãos civilizados.
Ao nos indagarmos a respeito do motivo pelo qual a escola, sobretudo a
primária, foi selecionada como cus dessas práticas, temos duas respostas
imediatas e satisfatórias. Em primeiro lugar, a escola era um lugar de grande
aglomeração, logo atingindo um grande número de pessoas; o segundo ponto diz
respeito à noção da criança enquanto uma massa” ainda moldável, diferente do
adulto com seus vícios e práticas insalubres devidamente internalizados. Essa
“plasticidade infantil“ é assim definida pelo Doutor Almeida Júnior:
[...] sua ação se exerce sobre o cérebro infantil ainda plástico, virgem de
defeitos e pode por isso afeiçoar-lhe a estrutura mental, orientá-lo e incutir-
lhe um sistema duradouro de hábitos [...]. a criança é realmente
educável [...] A época de maior capacidade para a aquisição de hábitos é,
pois, a infância . À medida que o individuo se aproxima da idade adulta ou
nela caminha, maior resistência oferece as novidades.
72
Com relação a esse ponto, Rocha
73
afirma que o contraste entre a infância e
a idade adulta (que é encarada com uma idade de enrijecimento, ao contrario da
infância, plástica, maleável) oferece elementos de suma importância para
compreendermos a necessidade da imputação de hábitos na tentativa de atingir a
infância. Nesse sentido, Stepanhou diz que metaforizada como ‘cera’, ‘argila’,
’enfim matéria facilmente moldável, terreno fértil para a semeadura de
comportamentos higiênicos e consciência sanitária, considerava-se que sobre a
criança o espectro de ação da medicina seria completo: educativo, corretivo,
preventivo”.
74
No ano de 1914, ocorreu a publicação do livro Noções de hygiene: Livro de
leitura para as escolas. De autoria de Afrânio Peixoto, professor de higiene da
faculdade de medicina do Rio de Janeiro, juntamente com o Doutor Graça Couto,
71
COSTA, 1986, apud STEPHANOU, Maria, op. cit., p.61.
72
ALMEIDA JUNIOR, Antonio de, 1922 apud ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit.
73
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit.
74
STEPHANOU, Maria, op. cit., p.63.
29
então diretor interino da saúde da mesma localidade, a obra expôs questões como
aspectos anatômicos e fisiológicos do corpo humano, condições gerais de saúde,
entre outros. Além disso, pontuou questões mais específicas, como a educação e os
exercícios físicos. Ao comentar a respeito da citada obra, Rocha enfatiza que
[...] a argumentação dos autores volta-se para a persuasão do leitor em
torno da importância da difusão das noções de higiene na escola primária,
tomando como ponto de partida a afirmação do consenso entre governos,
docentes e pedagogos. Assim, elegendo parceiros, construindo consensos,
os autores buscam legitimar a sua iniciativa, operando por meio de
bipolaridades – prevenção e cura, Higiene e Medicina, o ideal da saúde
plena e os sofrimentos decorrentes da saúde perdida. Nesse diálogo com o
leitor, vai se produzindo a articulação entre Higiene e educação popular,
como elementos indissociáveis na preservação da sde.
75
Ainda segundo a ótica da autora, a obra apresenta um caráter didático e vai,
por meio de um discurso articulado, construindo a noção de que a higiene deveria
ser concebida como um conhecimento escolar”. Dentre os diversos argumentos
apresentados, Peixoto e Couto acenam com a situação vivida pelo país naquele
momento:
Num país novo, em que tudo está quase por fazer, para a proteção dos que
o habitam, para a confiança dos imigrantes e capitais que o procuram,
pareceu esforço patriótico esse de dotar as nossas escolas de um livro que
propaga idéias e conhecimentos úteis, em bem da saúde. Ele preencherá
uma lacuna sensível, pois é o primeiro desse gênero que se publica no
Brasil.
76
No ano de 1921, é apresentada a segunda edição do manual, trazendo
algumas modificões como, por exemplo, a retirada do capítulo alusivo aos
aspectos gerais do corpo humano e o acréscimo de um capítulo que traz noções
gerais de higiene. É mister ressaltar que a obra não tinha como objetivo atingir como
público leitor os escolares:
Não obstante as intenções explicitadas pelo autor, vale destacar que, desde
a primeira edição, o livro volta-se para um público leitor que, com certeza,
não são as crianças das escolas primárias, uma vez que se configura como
um estudo dos diferentes objetos para os quais converge a atenção da
Higiene, prescrevendo um conjunto de intervenções disciplinadoras que
recobrem os mais diversos aspectos: do ar que respiramos as formas de
viver, morar, vestir, alimentar-se, educar as crianças e evitar as doeas.
77
75
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2000.
76
PEIXOTO e COUTO, 1914, apud ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2000.
77
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2000.
30
Com isso, podemos afirmar que essa publicação voltava-se para a formação
e a capacitação de educadores, dando a eles condições de por em prática medidas
eugenistas higienistas no espaço escolar. Com relação a esse ponto, é visível a
preocupação com a formação dos professores, percebidos como modelos de
conduta para os escolares: “A sugestão operada pela escola e pelo exemplo do
professor, viria aliar-se nessa obra de modelagem, um conjunto de práticas que o
aluno deveria vivenciar cotidianamente”.
78
Sem dúvida nenhuma, um dos dispositivos escolhidos pelos responsáveis
pela formação física e mental/moral dos estudantes foi tornar os hábitos
considerados salutares próximos aos alunos, assim eles iriam, pouco a pouco,
incorporando os mesmos ao seu cotidiano. Uma das soluções adotadas na tentativa
de realizar essa incorporação foi à revista dos alunos. Observando o asseio das
mãos, das unhas, rosto, boca cabelos, roupas, calçados, etc. O professor o
tornaria mais clara a necessidade do asseio, bem como iria tornar a preocupação
com esses detalhes algo comum aos alunos, algo trivial. Segundo Heloisa Helena
Pimenta Rocha,
[...] considerada como o mais poderoso instrumento para incutir bitos de
asseio pessoal, a revista dos alunos deveria constituir-se numa prática
diária, nos dois primeiros meses de aula, que poderia rarear a partir do
terceiro mês, assumindo um intervalo de dois em dois dias e, finalmente, de
uma ou duas vezes por semana, cuidando o professor para reali-la
sempre em dias indeterminados, o que ampliaria a sua eficácia, pela
possibilidade de surpreender os renitentes.
79
Ainda nesse sentido, a autora conclui que, por meio do esquadrinhamento de
cada aluno, realizado nas revistas, o professor não só marcava a importância do
asseio como incentivava repetições, atendia para as falhas e elogiava os acertos.
Assim “se buscava conformar os corpos e gestos infantis produzindo
comportamentos considerados civilizados”.
80
A escola passa a ser então uma porta de entrada da vida pública para a vida
privada, através de práticas destinadas aos escolares sendo muitas delas
estendidas às famílias dos mesmos: “a higienização das populações havia se
78
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2000.
79
Idem, op. cit., 2003.
80
Idem, Prescrevendo Regras de bem viver : Cultura escolar e racionalidade
cientifica. Caderno CEDES vol.20 n 52 campinas novembro de 2000.
31
tornado também, tarefa dos professores, mas o projeto de disciplinarização higiênica
mantinha-se sob o domínio dos médicos, através de estratégias que se incorporam
ao ‘viver a vida’ da população”.
81
Atingir o ambiente doméstico não era apenas uma
vontade como era algo necessário para o sucesso total da obra, “interessando-os
em relação aos resultados das medidas que expressavam a sua saúde e
descortinando, de modo, sutil e insidioso, o universo doméstico, os professores
estariam prestando uma valiosa colaborão à obra de regeneração da
população”.
82
Outro ponto importante remete à inspeção do espaço escolar, onde os
próprios alunos eram “erigidos à condição de pequenos inspetores sanitários”.
83
Assim, percorrendo os ambientes da escola, examinando as condições das
mesmas, repetido inúmeras vezes, o gesto, reforçado pelo poder da palavra
conformaria esse olhar penetrante, capaz de enxergar os mínimos deslizes, as mais
discretas transgressões”.
84
Juntamente com a inspeção do espaço físico escolar, examinava-se tamm
a conduta dos alunos, no intuito de corrigir pequenos vícios, como sentar em
posição, levar o pis à boca, ao nariz, entre outros. Ao adquirir bons bitos, a
criança ia sendo disciplinada, tornando esses hábitos salutares algo natural.
Dentre os diversos projetos que foram postos em prática dentro desse
contexto, destacamos a criação do Instituto de Hygiene de São Paulo, no ano de
1918, concebido por meio de um acordo entre o governo do estado paulista e a
Junta Internacional de Saúde da Fundação Rockfeller. Oficializado no ano de 1924,
o instituto tinha como atribuição o ensino científico da higiene e a preparação de
técnicos para o provimento dos cargos de saúde pública”.
85
Entre os anos de 1922 e
1927, a citada instituição assumiu um lugar destacado na formulação da política
sanitária estadual, ocorrendo um deslocamento das práticas “policialescas” para
métodos de persuasão, porém sem o total abandono das práticas de vigilância.
86
Naquilo que diz respeito à relação do instituto com a questão da escola como um
centro eugenista/higienista a citada autora afirma que
81
MARQUES, Vera Regina Beltrão A medicalização da raça: médicos, educadores e
discurso eugênico. Campinas: UNICAMP, 1994 p.119.
82
Ibidem.
83
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. Educação Escolar e higienização da infância.
Caderno CEDES vol.23 n 59 campinas abril de 2003.
84
Ibidem.
85
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2000.
86
Ibidem.
32
esse momento, em que o discurso higienista passa a se articular em torno
do binômio educação e saúde, o Instituto de Hygiene constituiu-se também
num espaço importante na articulação de estratégias voltadas para a
veiculação da mensagem da higiene no universo escolar, quer pela sua
atuação na formação profissional dos professores primários, quer pela
formação de agentes de saúde pública, quer, ainda, pela produção de
impressos destinados, entre outros públicos, às crianças das escolas
primárias e a seus mestres.
87
Na seqüência dessas proposições é que foi formulado o Departamento de
Higiene Escolar, no ano de 1922, dirigido por Antonio de Almeida Júnior. O
Departamento, de acordo com seu diretor, pretendia a aproximão entre educação
e higiene. Segundo palavras do próprio Almeida Júnior,
estamos, agora, na era da higiene. Cimenta-se, no espírito dos que
observam e investigam a convicção de que o futuro humano depende,
preponderantemente, da obediência às normas sanitárias, por parte das
sucessivas gerações, e que a incúria e o menoscabo, no tocante à higiene,
tem sido e está sendo de conseqüências funestas.
88
Na realidade, essa maciça institucionalização das práticas médico/escolares
teve seu início ainda no século XIX. Pode-se perceber que pouco a pouco vai
ocorrendo uma institucionalização das medidas higienistas/eugenistas no ambiente
escolar, como demonstra os trabalhos de José Gondra.
89
No mesmo sentindo, de
acordo com a citada Heloísa Rocha, em 1890 a fiscalização das escolas se fazia
presente na legislação sanitária paulista, fato esse motivado, sobretudo, pelo risco
de doenças e epidemias.
Criada em São Paulo no ano de 1911 a IME (Inspeção Médica Escolar),
recebeu a incumbência de realizar as inspeções médicas nas escolas no estado
paulista. Dentro de seus minuciosos fichamentos e relatórios, a questão racial
merece destaque, tornando-se ponto central:
a temática da raça configura-se nesse sentido em aspecto central das
múltiplas operações que fizeram do escolar peça chave nas estratégias
desenhadas pela IME em São Paulo. A interrogação sobre a constituição do
povo brasileiro e a possibilidade de regeneração racial, num momento em
87
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2003.
88
ALMEIDA JUNIOR, 1922, apud ROCHA, Heloísa Helena Pimenta, op. cit., 2003.
89
GONDRA,José G. Medicina, Higiene e Educação Escolar.In: LOPES, Eliane
Marta Teixeira;FARIA FILHO,Luciano Mandes;VEIGA,Cintia Greive(org). 500 anos
de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Autentica, 2000. p.519-50.
33
que a aposta imigrantista mostrava a sua incapacidade de dar conta dos
sonhos de branqueamento e revigoramento da raça.
90
Ao fazer referência a essa questão, o médico escolar Pedro Basile afirmou que “o
nosso povo é um resultado ainda pouco determinado de três raças: européia,
africana, e indígena, construindo o mestiço a nossa genuína formação histórica. A
escola pode contribuir enormemente para que se faça a amalgama das diferentes
raças”.
91
De fato, quando se fala em eugenia, um dos pontos mais delicados diz
respeito à questão do branqueamento da população, o que, como já referido, não
era uma unanimidade dentre os defensores da ciência eugênica no país. Dentre os
que desejavam e praticavam a eugenização no meio escolar, esse fator tamm não
era unanimidade. Para Rocha, a intenção não era a produção de um “tipo paulista”,
mas sim constituir exemplares normais, eugenicamente normais, construção essa
realizada por meio de dispositivos desenvolvidos e introduzidos na formação das
mentes e corpos dos escolares.
Como foi afirmado anteriormente, a questão do branqueamento não era
unânime naquilo que tange à eugenização do espaço escolar, e uma das razões
encontradas para essa questão alerta para o fato de que a idéia do branqueamento
era muito mais presente nos estados em que o africano compunha grande parte da
população, como São Paulo ou Rio de Janeiro. Assim, em estados como os do sul
do Brasil, a idéia não era branquear, mas sim higienizar os elementos, conter
doenças, combater as deformações, formando os tipos desejados. Doenças como
sarampo, varicela, verminoses, entre outras eram freqüentes entre os escolares
paranaenses nos anos 1920, por exemplo.
Assim, no ano de 1921, foi criado, no estado do Paraná, o Serviço de
inspeção médica nas escolas, esta incorporada à Inspetoria Geral do Ensino.
Segundo César Prieto Martinez, médico responsável pela inspetoria, a higiene seria
o ponto principal de sua gestão: “Assistir a infância, em geral, é medida de elevado
90
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta e Marques; BELTRÃO, Vera Regina. A produção do Aluno
higienizado. Disponível em:
http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/416HeloisaHelenaPimentaRocha_e_VeraReginaMa
rques.pdf
91
BASILE,1920 apud ROCHA, Heloísa Helena Pimenta e Marques; BELTRÃO; Vera Regina
Marques, op. cit.
34
alcance patriótico, pois a infância crescendo robusta no sico e no moral promete à
nação um povo forte”.
92
Robustez física era outro ponto de extrema relevância dentro das práticas
eugênicas no contexto escolar. Dentro desse quadro, podemos relacionar a
introdução dos exercícios físicos no âmbito da educação. Dentre os nomes que mais
defenderam a adoção de exercícios físicos como meio de operar a melhora da raça
brasileira, salientamos o já referido Fernando de Azevedo, que se destacou entre os
intelectuais brasileiros por não só defender medidas eugênicas como por colocar as
mesmas em prática na cidade do Rio de Janeiro. Dono de uma vasta obra dedicada
à educação, Azevedo sugeria uma série de práticas, que, segundo seu
entendimento, seriam fundamentais para educão brasileira, muitas delas com uma
forte presença do discurso eugênico-sanitarista, englobando aspectos ligados à
saúde física e à saúde moral: A higiene escolar, obra de profilaxia, antes de tudo,
mais do que conhecimento de princípios e de regras é de fato “disciplina prática” que
exercita a atividade e, por conseguinte, provoca o interesse, para tornar efetivas na
realidade às formulas e os princípios”.
93
Para Azevedo, a higiene escolar deveria ser fundamentalmente profilática e
educativa, acarretando no desenvolvimento por parte do aluno da muito citada
consciência sanitária, responsável direta pelo desenvolvimento de hábitos
higiênicos, ligados a um bom desenvolvimento físico do indivíduo. Como o primeiro
mandamento escolar, diz Azevedo, havia o exame individual seguido de fichamento
médico, bem como um periódico exame da totalidade dos escolares. Esses exames
serviriam não só para detectar doenças entre os escolares, mas para classificá-los.
Azevedo foi responsável direto por uma série de mudanças operadas no
âmbito educacional no município do Rio de Janeiro, entre os anos de 1927 e 1930.
Essa reforma estendeu-se a toda a estrutura escolar da então capital brasileira,
englobando desde aspectos físicos dos prédios, formação profissional dos
educadores, bem como práticas direcionadas aos escolares.
Assim como muitos de seus pares, Azevedo era um defensor da Escola Nova,
que, na sua ótica, a escola tradicional não atendia à real necessidade dos alunos,
e a Escola Nova “tem por objeto primordial dirigir inteligentemente o
92
PRIETO, 1921 apud ROCHA, Heloísa Helena Pimenta; MARQUES, Vera Regina Beltrão, op. cit.
93
AZEVEDO, Fernando de. Novos Caminhos e Novos Fins, A nova política de
Educação no Brasil. 3. ed.São Paulo: Edições Melhoramentos, 1958. p.178.
35
desenvolvimento integral e natural do ser humano em cada uma das etapas de seu
crescimento”.
94
Dentre as várias práticas levadas a cabo por ele e seu programa
reformador, temos a presença das enfermeiras escolares, que, entre outras funções,
desempenhavam o papel de visitadoras sanitárias no esforço de aproximação entre
a escola e a família.
Cabia a essas enfermeiras difundir nas famílias dos alunos uma série de
conselhos, repletos de princípios higiênicos, bem como inspecionar seus lares.
Porém, conforme enfatiza o próprio Fernando de Azevedo, o principal objetivo das
educadoras sanitárias era a manutenção do trabalho realizado na escola: a
educação higiênica dos alunos, na escola, não será eficaz, se não se completar com
vigilância estrita do meio social em que vivem por um corpo bem organizado de
educadoras e visitadoras sanitárias”.
95
Com relação à educação sanitária dos escolares, essa era, na visão de
Azevedo, uma ação em que cabia aos médicos e aos professores “trabalhar sem
tréguas para ensinar aos jovens que ser sadio e forte é bom pelo altruísmo que
permite e ser doente é mau pelo egoísmo a que obriga”.
96
Essa cruzada sanitária
seria exercida com um olhar vigilante e cuidadoso, com um forte espírito repressivo
a qualquer negligência e ao mesmo tempo despertando nas crianças em idade
escolar o interesse pelas práticas higiênicas “por meio de palestras, filmes,
exposões cartazes e folhetos, e todos os meios de difusão de práticas higiênicas,
como dramatizações e concursos infantis, associações e patrulhas sanitárias”.
97
Enfim, como destaca Stephanou, “a escola, efetivamente, parece ter
confirmado seu potencial, constituindo-se em espaço privilegiado na educação do
cidadão com vistas à consciência sanitária e ao comportamento higiênico”.
98
1.3 RIO GRANDE DO SUL: A ESCOLA COMO NÚCLEO DE
HIGIENIZAÇÃO/EUGENIZAÇÃO
No item anterior, nossa proposta foi a de analisar e descrever uma série de
medidas implantadas no ambiente escolar nos primeiros decênios do século XX.
94
AZEVEDO, Fernando de, op. cit., p.172.
95
Ibidem, p.89.
96
Ibidem, p.178.
97
Ibidem,p.179.
98
STEPHANOU, Maria. In: MEYER, Dagmar E. Estermann (org.). Saúde e
Sexualidade na Escola. Porto Alegre: Meditação, 1998. p.34.
36
Essas medidas traziam em seu bojo traços dos discursos higienista e eugenista. Já
neste momento, nosso objetivo principal é trazer uma amostragem de práticas do
mesmo cunho, porém, tendo o estado do Rio Grande do Sul como cenário. Para
isso, recorremos à extensa obra de Maria Stephanou e à recente pesquisa de Ana
Paula Korndörffer.
Todavia, antes de iniciarmos a referida descrição, torna-se de extrema
importância analisarmos algumas particularidades do estado gaúcho, no caso, o
então governo estadual de influência positivista, sobretudo por este desenvolver
uma relação especial com a medicina. De acordo com Beatriz Weber, a
“excepcionalidade do Rio Grande do Sul no quadro brasileiro tem sido longamente
afirmada na bibliografia”.
99
Para a referida pesquisadora, a principal questão que abre o rol das
peculiaridades”, reside no fato de que foi o Rio Grande do Sul o único estado
brasileiro a adotar uma vio positivista após a instalação da república, positivismo
esse afirmado e consolidado na Constituição Estadual de 1891. Particularmente,
dentre as diversas características do governo positivista gaúcho, nos interessam
neste momento suas conexões com questões relativas à medicina (saúde), infância
e a educação.
A filosofia positivista desenvolveu uma relação bastante próxima com a
ciência médica, pois, para Augusto Comte, a medicina não era apenas uma ciência
teórica e abstrata, mas sim um saber concreto. Além disso, sua posição normativa
serviria de referência para o todo social, desde que estivesse em uma posição de
submissão com relação à moral vigente. Na concepção de Comte, a harmonia do
homem somente seria possível aliando aspectos físicos com aspectos morais e, da
mesma maneira, vinculando aspectos sociais com individuais. Logo, cabia, na
perspectiva do positivismo, sintetizar os saberes levando sempre em consideração o
indivíduo como um todo.
Orientado pela filosofia positivista, o então governo gaúcho pautava-se no
pressuposto de que “a sociedade caminhava inexoravelmente rumo à estruturação
racional”.
100
Nesse sentido, “cabia aos dirigentes incentivar a educação para que os
indivíduos se esclarecessem dos fundamentos da estruturação racional da
99
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião, magia e
positivismo na república Rio-Grandense: 1889-1928. Bauru: EDUSC, 1999. p.31.
100
WEBER, Beatriz Teixeira, op. cit., 1999, p.41.
37
sociedade e se submetessem aos preceitos científicos que os dirigentes
apregoavam.
101
Dentro desse processo, Beatriz Weber expõe que a desejada reorganização
da sociedade dar-se-ia, primeiro, no campo das idéias, e, somente em última
insncia, chegaria às instituições. Até lá, o governo, ao menos em teoria, o iria
interferir nas decisões dos indiduos.
102
Inserida nesse princípio, estava a tese de
que era necessário zelar pela sde pública, porém sem interferir na liberdade
individual, fato amparado pela noção de liberdade profissional, esta um dos pontos
mais presentes na citada Constituição estadual de 1891.
Submetido a uma grande influência do Apostolado Positivista, o governo
gaúcho levantou-se contra aquilo que segundo os membros do citado Apostolado,
consideravam como um monopólio da medicina, a chamada medicocracia” na qual
médicos e responsáveis pela saúde exerciam uma maca gerência sobre a vida da
população
103
. Assim, “O governo gaúcho defendia que cada indivíduo deveria ser
educado nos princípios da ciência para, então, decidir o que adotar quanto à sua
saúde. Nessa perspectiva, mantinha-se a defesa da liberdade profissional,
especialmente quanto a Medicina”.
104
De acordo com Weber, o que tornou possível a adoção de tal medida no
estado gaúcho foi aquilo que definiu como “autonomização das práticas regionais”,
em que o governo provisório, então instaurado no país, definiu que os estados eram
os responsáveis por suas organizações sanitárias.
105
Apesar de tal afirmação,
Beatriz Weber diz que o próprio governo Estadual e seu staff não seguiram
rigorosamente os cânones ‘terapêuticos’ positivistas, apesar disso ter efetivamente
ocorrido no que se refere à liberdade profissional, defendida como principio geral”.
106
Apesar dessa teórica liberdade concedida aos indivíduos nas questões
referentes à saúde preocupações com a higiene urbana foi um dos aspectos
resgatados constantemente pelo governo dentre as medidas consideradas
necessárias e cabíveis a uma administração blica”.
107
Sobre esse fato, Weber
aponta que o Regulamento para o Servo de Higiene, aprovado no ano de 1895,
101
Ibidem, p.42.
102
Ibidem.
103
WEBER, Beatriz Teixeira. Saúde pública e governos positivistas : os limites da
prática. Estudos Ibero-americanos, v.24, n.1, 1998. Porto Alegre. p.123.
104
WEBER, Beatriz Teixeira, op. cit., 1999, p.32.
105
WEBER, Beatriz Teixeira, op. cit., 1999. p. 44.
106
Ibidem, p.73.
107
WEBER, Beatriz Teixeira, op. cit., 1999. p. 50.
38
era mais minucioso que o adotado posteriormente, no ano de 1907. Já o
regulamento do ano de 1895
foi assinado por Julio de Castilhos e João Abbot [...]. O regulamento
expressava a preocupação com a salubridade das áreas urbanas, com
ações sanitárias que visavam a vigiar e controlar o meio externo para
garantir a sua higiene por meio de instrumentos coercitivos como policia e
campanhas.
108
Segundo afirma Aide Campello Dill, a filosofia positivista entendia que a
criança deveria ser moldada dentro dos preceitos que norteavam tal perspectiva.
109
Para atingir tal objetivo, caberia à família e à educação formal transmitir o conjunto
de valores, fazendo com que a criança, quando adulta, retomasse sua vida em
sociedade como um elemento útil à mesma. No contexto familiar, a figura da mulher
recebeu destaque, sendo ela a guardiã da educação doméstica. Naquilo que tange à
educação formal, essa deveria ser ministrada de maneira sistemática, tendo sua
base formada pela ciência.
Na visão dos pensadores positivistas, o cérebro infantil era como um espelho,
local onde as sensações iam, pouco a pouco, se fixando, até tornarem-se
permanentes. Para atingirem tal fim, contavam com a ão da educação moral e
cívica que, juntamente com a ciência, produziria indivíduos devidamente
intelectualizados. Na ótica de Comte, a educação sob a moral do positivismo teria
um efeito eficaz na construção de elementos responsáveis e moralizados, pois em
seu entendimento forças morais e espirituais seriam mais eficientes que a força
física.
110
Conforme nos demonstra Dill, o governo gaúcho, então sob orientação
positivista, desenvolveu em um primeiro momento ões de caráter assistencial;
após isso, promoveu ações pedagógicas, tanto na educação formal quanto no
ensino profissionalizante de crianças pobres.
111
Para Júlio de Castilhos assim como para Borges de Medeiros, a escola seria
“um dos signos de instauração da nova ordem, um fator de progresso
112
. Segundo
108
Ibidem, p.50.
109
WEBER, Beatriz Teixeira, op. cit.,1998, p.143.
110
DILL, Aidê Campello. A criança sob inspiração positivista no Rio Grande do Sul
(1898-1928). Tese de Doutorado em História PUCRS, Inst. de Filosofia e
Ciências Humanas. Porto Alegre: PUCRS, 1999. p. 146.
111
Ibidem.
112
DILL, Aidê Campello, op. cit., 1999.
39
Ana Paula Korndörfer, entre finais do século XIX e início do século XX, intensificam-
se as discussões em torno de questões relativas à infância que se deu tanto em
vel nacional quanto em caráter estadual.
Inúmeros foram os médicos, juristas e educadores gaúchos que propuseram
ões com o intuito de proteger e formar a infância. Dentre as propostas que
cooperaram nesse sentido, Korndörfer aponta a realização do Primeiro Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância, formado por cerca de 20 comissões estaduais,
dentre elas a comissão gaúcha. Segundo Moyses Kuhlmann Júnior, o citado
congresso teve por objetivo discutir todos os assuntos que, de forma direta ou
indireta, se referiam as crianças, sob os pontos de vista social, pedagógico, médico
e higiênico.
113
Um dos principais pontos abordados no referido congresso e que
tamm se inseria nas discussões desenvolvidas acerca da infância no Rio Grande
do Sul eram os índices de mortalidade infantil, fato que preocupava tanto médicos,
governantes e defensores da infância gaúcha, dentre eles Protásio Alves.
114
Ao ocupar cargos de extrema relevância como a Diretoria de Higiene e a
Secretaria de Estado e Negócios do Interior e Exterior, o doutor Protásio Alves
esteve intimamente ligado a questões relacionadas à infância gaúcha. De acordo
com Korndörfer, Protásio Alves, ao redigir diversos relatórios vinculados à questão
da saúde, propôs muito das práticas e leis vinculadas à mortalidade infantil e à
salubridade do espaço escolar.
115
Dentre os citados relatórios, destacamos o
redigido no ano de 1895, no qual Protásio Alves, então ocupando o cargo de diretor
de Higiene do Estado, avaliou as condições das escolas gaúchas naquilo que tange
a aspectos físicos.
Dentre os pontos então ressaltados, a falta de luz, de espaço, de ar, de água
filtrada foram assinalados
116
. Essas mesmas preocupações retornam no relatório
redigido no ano seguinte, 1896, no qual, segundo Korndörffer, “novamente o Doutor
Protásio Alves posiciona-se a favor de reformas urgentes na higiene da população
escolar”.
117
no ano de 1898, um novo relatório apontou que reformas nesse sentido
seriam extremamente necessárias, pois segundo palavras do próprio Protásio Alves:
113
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.71.
114
Ibidem, p.93.
115
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.87.
116
Ibidem, p.122.
117
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.122.
40
“é necessário iniciar-se esta reforma, e mais do que necessário é urgente, porque a
autoridade ficará em posão esquerda si, exigido de um particular um
melhoramento higiênico, apontarem a autoridade a hygiene dos estabelecimentos de
instrução do Estado”.
118
Além dos relatório redigidos por Protásio Alves, aqueles da Instrução blica
tamm apontaram as deficiência das escolas naquilo que diz respeito a aspectos
físicos. Manuel Pacheco Prates, então diretor geral da Instrução Pública, afirmava
em seu relatório do ano de 1896 que as escolas estavam em péssimas condições
higiênicas.
119
Com o intuito de obter um maior controle sobre os aspectos higiênicos das
escolas públicas primárias, foi promulgado, em 9 de julho de 1910, o decreto de
número 1617a. Tal decreto ampliou o serviço de inspeção das escolas, incluindo
inspeções extraordinárias. Dentre os quesitos que foram ressaltados estava a
instrução para que o inspetor tivesse cuidado especial com a higiene das salas, com
a posição das carteiras, com as condições de ventilação, da água, espaço, entre
outras. Com relação ao citado decreto, Korndörffer afirma que,
Como podemos perceber, a partir das instruções para as inspeções
extraordinárias, estas também tinham por objetivo avaliar e, quando
possível melhorar as condições higiênicas dos prédios escolares ,através do
cuidado com a quantidade de luz, espaço e ar, e da qualidade da água
disponíveis nos prédios .
120
Naquilo que tange aos aspectos da saúde do corpo, principalmente aos
exercícios físicos, Korndörffer afirma que os governantes gaúchos estavam em
sintonia com o pensamento médico vigente. Fato esse que se torna claro ao
analisarmos as palavras do citado Manoel Pacheco Prates que afirmava que, entre
os fins do ensino primário, estaria a “sua benéfica ão sobre o corpo”, reforçando
que o programa abrangia a educação em um tríplice cater: físico, moral e
intelectual.
121
Dentro do contexto das práticas voltadas à formação física, João Carlos Picolli
afirma que a Educação Física no Rio Grande do Sul era inexistente até 1890, sendo
118
PRATES, Manuel Pacheco apud KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.123.
119
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.125.
120
Ibidem, p.128.
121
PRATES, Manuel Pacheco apud KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit.
41
incluída nos programas de ensino no ano de 1897.
122
Ao analisar a tipologia dos
exercícios adotados nas escolas primárias, ainda na década de 1910, Picolli observa
que estes se resumiam em exercícios de equilíbrio, flexão, extensão, jogos com bola
e demais atividades que exigissem habilidades motoras.
Ana Paula Korndörffer lembra que, além da ginástica, os exercícios militares
faziam-se presentes no ensino gaúcho, incluídos desde o Programa do Ensino
Primário Elementar e Complementar do ano de 1889. Além disso, o escotismo
escolar também marcava sua presença, tanto que no Relatório da Secretaria de
Estado dos Negócios do Interior e Exterior do ano de 1926, o então substituto de
Protásio Alves, João Pio de Almeida, relata, entre outros pontos, a existência de um
batalhão escolar de escoteiros com cerca de 65 alunos em sua composição.
123
Com
relação aos exercícios militares, é importante ressaltar que, segundo Rosa Fátima
de Souza, em sua pesquisa na qual aborda a militarização nas escolas paulistas,
após a Primeira Guerra Mundial, esses exercícios entraram em decadência, mas o
espírito presente neles manteve-se com o escotismo.
124
Como foi observado anteriormente, dentre os papéis relegados aos
professores estava à função de ser um modelo, uma referência de conduta para os
escolares. Korndörfer afirma que os governantes gaúchos tamm não deixaram de
atribuir esse papel aos educadores. Ao exemplificar esse fato, traz palavras de João
Abbot , Secretário do Interior e Exterior , que, no ano de 1898, afirmou que os
professores nas aulas públicas e colégios, os médicos nas suas visitas a domicílio, a
imprensa etc. todos devem se encarregar de, por meio do ensino, da propaganda
por vários modos, incutir no espírito publico essa primordial necessidade da
existência”.
125
Korndörffer afirma que a importância do professor pode ser observada sob
dois pontos, um como exemplo de conduta e outro como sendo o responsável por
ministrar os conteúdos relacionados à higiene e à saúde. Dentre as exigências feitas
aos candidatos ao magistério blico, o Regulamento da Instrução Pública Primária
de 1897 expunha que o candidato deveria comprovar sua aptidão física e provar que
122
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.134.
123
Ibidem, p.137.
124
Ibidem, p.138.
125
Ibidem, p.146.
42
era moralmente apto por meio de folha corrida fornecida pelas autoridades policiais.
Além desses aspectos, era exigido aos professores o cumprimento de outras
obrigações relacionadas, especialmente com a higiene, como, por exemplo,
conservar as salas de aula e seus veis em perfeito estado de asseio. Nesse
sentido, Korndörffer destaca que “é interessante destacar que, assim, como os
professores deveriam manter o asseio das salas e dos móveis, os alunos tinham
como obrigação apresentarem-se limpos, obrigação esta estabelecida pelo
Regimento Interno das Escolas Elementares de 1898”.
126
Naquilo que diz respeito aos conteúdos relacionados a questões de saúde e
higiene, Korndörffer aponta que estes se concentravam no Programa de Ensino
Elementar no qual estavam inclusos o estudo do corpo humano e suas funções,
estudos relacionados à nutrição, estudo de elementos como a água e o ar e noções
de higiene.
127
A partir da alise empreendida pela referida pesquisadora na
documentação relacionada com as questões aqui referidas, fica evidente o
importante papel relegado aos professores pelo governo republicano gaúcho. Nesse
sentido enfatiza que
[...] além do exemplo de saúde física e moral que deveriam ser, eram
responsáveis pelo ensino e pela disseminação de hábitos saudáveis e
higiênicos através das disciplinas ministradas e, a partir de 1927, das
preleções semanais que versariam sobre questões relativas à saúde e à
moral.
128
Na perspectiva de Korndörfer, é possível afirmar que o então governo
republicano do Rio Grande do Sul preocupou-se de maneira efetiva com a saúde
dos escolares dos estabelecimentos públicos, preocupação que se desenvolveu em
sintonia com as discussões ocorridas no âmbito nacional que buscava “disseminar
hábitos higiênicos e saudáveis”:
Escolas higiênicas, atividades e exercícios físicos, proibições de castigos
exemplo do professorado, disciplinas relacionadas à saúde e a higiene,
inspeções extraordinárias e médicos sanitárias e preleções semanais foram
os meios utilizados para melhorar não apenas a saúde e os hábitos da
população escolar gaúcha entre os anos de 1893 e 1928, mas também para
melhorar a saúde e os hábitos da população em geral.
129
126
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.148.
127
Ibidem, p.151.
128
STEPHANOU apud KORNDÖRFER, p.155.
129
KORNDÖRFER, Ana Paula, op. cit., p.156.
43
Segundo Beatriz Weber, após Getulio Vargas assumir o governo gaúcho,
desenvolveu-se uma modificação nas bases da organizão da saúde estadual.
Nesse momento de transição, Weber cque ocorreu no estado gaúcho, por meio
da ação de dicos e membros do PRR, uma absorção das práticas eugênicas,
situação essa favorecida pelo fato de que tanto eugenistas quanto positivistas
defendiam o “esclarecimento” da população. Tem-se, então, uma radicalizão nas
medidas adotadas, muito disso motivado pelo abandono do princípio da liberdade
individual.
130
A partir dessa reorganização dos Serviços Públicos de Saúde no estado do
Rio Grande do Sul, tem-se aquilo que Stephanou define como “uma ação profilática
de maior lego”, levando a uma maior preocupação com o saneamento e a higiene,
ocorrendo então uma maior ênfase na puericultura, na higiene escolar e na
propaganda sanitária.
131
Segundo a referida pesquisadora, ocorre então uma intensa
militância de médicos higienistas gchos no campo da educão, em parte devido
a citada influência do positivismo. Alguns nomes como Raul Moreira, Poli
Marcelino Esrito, Mario Total, Florêncio Ygartua, Raul Pilla, estiveram entre os
mais destacados.
Outras afirmações apontam, segundo Stephanou, a tarefa que cabia à escola:
a produção de grandes mudaas, tanto no plano individual quanto no coletivo.
Segundo Poli Marcelino Espírito,
a escola é o local mais propício para promover a transformação. O ensino
primário precisa ser vulgarizado [...]. Mas não apenas a ministração de
conhecimentos das letras e das ciências. O capital humano precisa ser
preservado das infecções que aniquilam o valor do homem, e para isso é
ainda a escola o lugar melhor para infundir uma consciência sanitária, que
será tanto mais habitual, quanto mais cedo for movida. De início, pois deve
ser a escola um ambiente educativo por seus vários aspectos.
132
Na perspectiva de Florêncio Ygartua, cabia ao médico escolar a realização de
uma obra completa, tanto no aspecto médico quanto no pedagógico, amparada por
três pontos basilares: médico, higienista e pedagógico.
133
Outro aspecto enfatizado
por Stephanou atenta para o fato de que a ão do médico escolar voltou-se tanto
130
Ibidem, p.147.
131
STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p.129.
132
ESPÍRITO apud STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p. 170.
133
STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p. 181.
44
para a coletividade escolar quanto para a individualidade: “Alguns procedimentos
permitem estabelecer essas distinções nos modos de realização do programa
médico-escolar. Tecnologias específicas foram dirigidas ora ao conjunto dos
escolares, ora a alguns poucos, ou a cada um, individualmente”.
134
Gradualmente, a ação médica escolar foi sendo estendida, ocorrendo uma
ampliação dos saberes médicos nas práticas escolares, essa influenciada também
por um aumento no reconhecimento do papel social da medicina:
[...] essa ampliação esteve intimamente ligada ao crescente reconhecimento
social da medicina para além dos muros das escolas: o aprofundamento de
uma cultura maniqueísta, obcecada em distinguir o normal do patológico, o
limpo do sujo, o asseado do promíscuo, a instauração de uma nova ética
fundada numa moral laicizada que destacou o dever público e individual
para com o corpo, a saúde e a vida longa, ou ainda dentre outros processos
de medicalização da vida cotidiana, a delegação de autoridade a medicina
para regrar e disciplinar comportamentos afetivos e sexuais. Ao médico,
assim na escola, será confiada a missão de distinguir os alunos sadios
dentre os doentes de todos os tipos, infundir nas crianças novos cuidados
com o corpo e a sde, vigiar-lhes e orientar a sexualidade e as relações de
gênero.
135
Com o universo escolar devidamente ocupado pelos homens da medicina,
coube aos demais participantes desse processo, em especial às enfermeiras e aos
professores, a posição de subordinação com relação à figura do médico escolar.
Dentro das estratégias adotadas nas escolas gaúchas e que tamm
ocorreram no restante do país, as inspeções médico-escolares ocuparam um lugar
de grande importância, talvez pelo fato de serem elas as responsáveis por
fornecerem aos médicos um retrato da realidade a ser enfrentada: “fundada no ato
de examinar e exercer uma vigilância assídua, a inspeção constitui-se em um
mecanismo disciplinar”.
136
Ao referir-se a inspeção médico-escolar, o Doutor Mario
Totta afirmou que
[...] pela promiscuidade, pela vida em comum através longas horas de
estudo e de recreio, a escola constitui um foco de contaminação continua,
de contágio incessante, e o freqüentes as moléstias que se transmitem
dentro dos estabelecimentos de ensino [...]. E do inventário desses males,
mormente quando se sabe que eles vão atuar sobre corpos em formação e
de uma extrema receptividade e, o que mais é, dentro do meio onde deve
134
Ibidem, p.181.
135
Ibidem, p.182.
136
STEPHANOU, Maria, op. cit., p.191.
45
sair o homem do futuro, é que exsurge, num resplendor magnífico de
formosura e de previdência, a higiene escolar.
137
Segundo Stephanou, eram quatro os pontos capitais nas inspeções e para
demonstrar tal fato utiliza a descrição fornecida pelo doutor Raul Moreira. Assim, de
acordo com Moreira, em primeiro lugar, a vigilância dos locais e dos móveis
escolares; em segundo plano, a profilaxia das doenças transmissíveis; em um
terceiro momento, o exame individual de cada aluno e a elaboração de suas fichas;
e no quarto momento, a educação sanitária de alunos e professores.
138
Em algumas instituições, como o Instituto Parobé, a inspeção escolar
possibilitou a integração do médico no corpo docente da escola: “Assim, de certa
forma tamm as visitas se transformaram em uma observação regular, meticulosa,
colocando os escolares em situação de exame ininterrupto”.
139
No mesmo sentido, o ensino de higiene constituía-se em um outro pilar da
saúde escolar, e três eram os pressupostos que orientavam tal medida: o início na
idade infantil, para assim moldar a criança, tornar-se algo prático e em um ambiente
higienizado e estar assentado na pedagogia, para instigar a adoção de hábitos
saudáveis.
140
O conjunto de hábitos salutares pode ser observado desde um grupo
mais abrangente, como asseio individual e coletivo, postura, prática desportiva,
higiene alimentar etc. Nesse sentido, na afirmação do Doutor Munhoz,
[...] a criança deveentrar e sair limpa da escola, exercendo-se vigilância
para que aprenda a se comportar nas várias fases do horário escolar.
Durante as aulas a professora corrigirá atitudes irregulares nas carteiras e
nos bancos, a fim de prevenir posições viciosas e conseqüentes defeitos
sicos, no recreio regulará os jogos e exercícios de acordo com a
capacidade física dos alunos, ensiná-los-á a se servirem dos aparelhos
sanitários, evitará que façam sua merenda em local impróprio e com as
mãos sujas, mastigando apressadamente os alimentos.
141
outro aspecto atenta para questões mais específicas, levando em
consideração aspectos da natureza física do ambiente escolar, como normas de
engenharia, instalações sanitárias eficientes etc. Segundo o doutor Clark,
[...] um prédio escolar construído de acordo com os conhecimentos atuais
de arquitetura e as exigências da higiene e da pedagogia exerce grande
137
Ibidem, p. 191-2.
138
MOREIRA, 1928, apud STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p.194.
139
STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999 p. 196.
140
Ibidem, p.239.
141
MUNHOZ, 1933, apud STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p. 241.
46
influência sobre a alma das crianças, cujo poder de observação talvez seja
mais agudo do que em qualquer outro período da vida, favorece a
instituição de hábitos higiênicos em idade em que o meio, isto é, a limpeza,
o gosto à ornamentação da classe, o aspecto sadio as vestes a alegria
comunicativa das outras crianças, e, por fim, a delicadeza de maneiras das
professoras talvez causem mais funda impressão do que o próprio
ensino.
142
Além de estar no currículo formal, o ensino de higiene fazia-se presente em
um conjunto de ações nas quais o objetivo era a produção de um estímulo na
educação sanitária dos escolares como os pelotões de saúde, jornais, cantos sobre
saúde, trabalhos sobre o tema entre outros.
143
Com esses poucos exemplos é possível constatar que o estado gaúcho, ao
menos no que diz respeito às práticas aplicadas ao universo escolar apresentava-se
em sintonia com o restante do país.
142
CLARK, 1931, apud STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p.241.
143
STEPHANOU, Maria, op. cit., 1999, p.244.
47
2 O ESTADO NOVO E A FORMAÇÃO DO NOVO BRASILEIRO
Neste momento, nossos esforços voltam-se para a análise de alguns aspectos
que eso inseridos no contexto das políticas desenvolvidas pelo Estado Novo,
período em que se concentra nossa pesquisa. Dentro das diversas características
políticas e ideológicas que marcaram o regime de Vargas, priorizamos aspectos
vinculados à formação do cidadão brasileiro, ou seja, a formão do homem do
Estado Novo. Após esta primeira explanação, destacamos pontos referentes às
políticas desenvolvidas com o objetivo de atingir a formão da infância e da
juventude brasileira. Já na última parte deste capítulo, tentamos demonstrar como a
escola e as práticas desenvolvidas nesse cenário colaboraram com os objetivos
antes descritos. Entretanto, julgamos necessário iniciar o presente capítulo expondo
de maneira breve alguns aspectos referentes à relação da ciência eugênica com o
regime do Estado Novo.
A eugenia, por tratar- se de uma ciência que em muitos casos desenvolvia-se
por meio de medidas enérgicas, sempre teve algumas afinidades eletivas com os
regimes de caráter autoritário. Na opinião de René Gertz, “para viabilizar a
implantação do controle sobre os corpos e as mentes da população, nada mais
apropriado do que a abolição do Estado democrático de direito”.
144
Assim, o Estado
Novo levou a cabo uma série de práticas que, ora de maneira mais radical e
ostensiva e ora de maneira mais branda, trouxeram em seu bojo aspectos e traços
da eugenia. Segundo Fabio Koifman, “todos os ramos do movimento eugênico
encontraram lugar no Estado Novo”.
145
Nesse sentido, Nancy Stepan afirmou que ”a
complexidade do regime de Vargas encontrou seu par no movimento eugênico, em
sua orientação científica, em sua ideologia racial, e em sua proposta de políticas
sociais”.
146
Um dos pontos no qual podemos identificar a presença da eugenia nas
práticas adotadas no período diz respeito a preocupações referentes a questões de
ordem imigratória. Ainda no ano de 1930, após o início do governo provisório,
Renato Kehl organizou a Comissão Brasileira de Eugenia que, dentre suas
atividades, produziu um inquérito juntamente com Oliveira Vianna no qual eram
144
GERTZ, René Ernani, op. cit., p.110.
145
KOIFMAN, Fabio. Estado Novo e eugenia, 2005. Disponível em:
www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/FÁBIO%20KOIFMAN.pdf .
146
STEPAN, 2004, apud KOIFMAN, Fabio, op. cit.
48
relacionados alguns problemas relativos à imigração no Brasil, a partir do ano de
1932. Nesse período, houve o declínio da imigração européia e o incremento da
imigração asiática no país, fato que passou a preocupar os eugenistas, pois o
incentivo aos imigrantes europeus, após a abolição da escravidão em 1888,
significou um investimento no projeto de branqueamento racial do povo brasileiro.
Porém, tal política de restrição, oficializada em 1934, foi retirada da constituição
após o golpe de 1937.
147
Entretanto, Pietra Diwan afirma que, apesar disso, o
comprometimento com a eugenia continuou sendo tratado como uma política de
Estado
148
. Logo, a presença do ideal eugênico esteve presente em outras áreas de
ão.
A preocupação com o controle de casamentos foi, segundo Junia Sales
Pereira, um dos pontos mais taxativos do programa eugenista então
empreendido.
149
Segundo Gertz, ocorria em alguns setores da medicina brasileira a
idéia de impor uma série de exames pré-nupciais de caráter compulsório.
150
Apesar de o obrigatórios, o Estado Novo, ao menos no Rio Grande do Sul,
por meio do Departamento Estadual de Saúde, obrigou casas onde eram
comercializadas alianças a não só notificar o DES a respeito dos compradores,
como também repassar seus respectivos endereços, a fim de que o referido
departamento convencesse o futuro casal a submeter-se a uma série de exames.
Segundo o texto do DES, Constatada alguma entidade mórbida que, a juízo dos
médicos examinadores, incapacite o indiduo, definitivamente para o matrimônio, a
juízo da junta médica, se aconselhado com habilidade a se abster do
casamento”
151
. No mesmo sentido, foi publicado o Decreto Lei 3.200, de 19 de abril
de 1941, que dispunha sobre a organização e proteção à família. Um dos pontos
ressaltados no referido decreto dizia respeito à regulamentação de casamentos
entre colaterais do terceiro grau, desde que atestassem sanidade.
152
Os concursos de robustez infantil e robustez escolar foram “amplamente
promovidos durante o período, no esteio da criação de tipos ideais que servissem de
147
DIWAN, Pietra, op. cit., p.119.
148
Ibidem.
149
PEREIRA, Junia, Sales. História da Pediatria no Brasil de final do século XIX a meados do século
XX. Tese de Doutorado – Faculdade de História. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais, 2008. p.141.
150
GERTZ, René Ernani, op. cit., p.111.
151
Ibidem, p. 112.
152
PEREIRA, Junia, Sales, op. cit., p. 141.
49
modelos para as mudanças eugênicas que os novos tempos anunciavam”.
153
Segundo Gertz, esses certames eram organizados anualmente e a presença de
julgadores em aventais brancos lembrava as cenas ocorridas em exposições
agropecuárias:
Os espécies humanóides lactentes considerados mais robustos pelos
homens de avental branco eram premiados, não com uma medalha afixada
na orelha esquerda como acontece atualmente nas exposições de animais,
mas com uma caderneta de poupança da Caixa Federal. Dizia-se que
nesses certames havia rigorosa seleção dos produtos e que eles eram
necessários a eugenia da raça.
154
É evidente que realizar uma abordagem satisfatória a respeito da vinculação
entre eugenia e Estado Novo necessita de um maior investimento. Entretanto, neste
momento, nosso propósito foi apenas citar que o regime do Estado Novo
desenvolveu uma relação com a eugenia, já que os pontos abordados e analisados
a partir desse momento trazem de modos diversos a presença desse discurso.
2.1 O HOMEM NOVO
Segundo Maria Helena Capelato, o Estado Novo se constituiu em decorrência
de uma política de massas que se foi definindo no Brasil a partir da Revolução de
1930 com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
155
Com uma forte crítica ao
liberalismo, o Estado Novo propunha um Estado forte, centralizador, presente em
todas as esferas da sociedade e com a marca de uma liderança carismática, de
profundo apelo popular. Simon Schartzman mostrou que com o advento do regime
do Estado Novo veio à tona um projeto que visava a integrar a nacionalidade
brasileira como um todo, a fim de deter um “quadro desolador, de regionalismos
desenfreados”, que estavam comprometendo a integridade nacional.
156
Assim,
desenvolvem-se uma série de práticas enfatizando a constituição de uma
nacionalidade coesa, integrada e por que o dizer homogeneizada, substituindo “a
desordem generalizada” pela “ordem integral”.
157
153
PEREIRA, Junia, Sales, op. cit., 2008, p. 144.
154
GERTZ, René Ernani, op. cit., p.113.
155
CAPELATO, Maria Helena, op. cit., 2003,p.109.
156
SCHWARTZMAN, Simon (org.).Estado novo, um auto-retrato: Arquivo Gustavo
Capanema. Brasília (DF): UnB, 1982.p.21.
157
Ibidem, p.43.
50
Os aspectos que compõem as características políticas e ideológicas do
regime de Vargaso assuntos largamente discutidos em nossa historiografia e que
suscitam uma série de debates. Neste momento, não é nossa intenção realizarmos
uma incursão nesse tipo de discussão. Nossa proposta é a de fazer algumas
observações acerca de um dos pontos presentes nas práticas do Estado Novo,
especificamente, a necessidade e a preocupação estado-novista em formar um
cidadão brasileiro devidamente integrado no regime, ou seja, um cidadão ideal. Para
tentarmos atingir o pretendido objetivo, abordaremos aspectos que, se não esgotam
a questão, ao menos nos ajudam a elucidar parte do problema.
Oliveira Vianna, um dos ideólogos que vieram a influenciar o Estado Novo,
exs que, ao contrário do Estado liberal, no qual o indivíduo possuía um espírito
individualista acirrado, o Estado moderno exigia a formação de um cidadão voltado à
coletividade, ao grupo, a nação.
158
Assim, cada cidadão é “convidado a dar a sua
vida, verter seu sangue para a salvação do corpo maior da pátria, se necessário”.
159
Tratava-se de formar o cidadão brasileiro, enquadrar o mesmo nas práticas
desenvolvidas pelo regime e incutir nesse cidadão a noção de que ele é uma parte
de um todo, fazendo com que este não só perceba, mas se sinta na obrigação de
cooperar com a nação. Este era um claro objetivo de Vargas e das cabeças
pensantes que o cercavam.
O regime estado-novista, ao menos em seu discurso, buscava uma
“humanização” do Estado: “O Estado Brasileiro existe para o homem, objeto último
de suas cogitações. Ele é um meio de organização nacional é a expressão jurídica e
política de um povo que finalmente encontrou a si próprio”.
160
Por meio daquilo que
era definido como “uma filosofia integral”, o Estado Novo integraria e dirigiria a
nação de forma segura para um fim pré-estabelecido. Para Alcir Lenharo, a Nação é
apresentada como uma dimensão orgânica da sociedade:
A nação, por exemplo, é associada a uma totalidade orgânica à imagem do
corpo uno, indivisível e harmonioso; o Estado também acompanha essa
descrição, suas partes funcionem como órgãos de um corpo tecnicamente
integrado, o território nacional, por sua vez, é apresentado como um corpo
que cresce, expande, amadurece; as classes sociais mais parecem órgãos
necessários uns aos outros para que funcionem homogeneamente, sem
conflitos; o governante, por sua vez é descrito como uma cabeça dirigente
158
VIANNA, Oliveira. Ensaios Inéditos/Oliveira Vianna. Campinas: UNICAMP, 1991.
p.373.
159
Cultura Política,ano I nº1,1941. Rio de Janeiro, Dezembro de 1941.
160
Ibidem.
51
e, como tal não se cogita em conflituação entre a cabeça e o resto do corpo,
imagem da sociedade.
161
Dessa maneira, coube ao Estado, por meio de diversas práticas e artifícios,
buscar a formação desse corpo, tanto do corpo maior, ou seja, da sociedade em sua
totalidade, quanto de cada parte dela, o cidadão o qual deveria ser devidamente
moldado. O corpo aparece enfatizado durante, e especialmente no final dos anos
1930, voltando-se para ele as preocupações de médicos, educadores, engenheiros,
professores e de instituições, como o exército e a escola: “De repente, toma-se
consciência de que repensar a sociedade para transformá-la passava
necessariamente pelo trato do corpo como recurso de se alcançar toda a integridade
do ser humano”.
162
Na perspectiva de Lenharo, não se trata de mera coincidência o
aparecimento de diversas publicações focadas na saúde do corpo e na educação
física, sobretudo se levarmos em consideração a ênfase dada à educação física no
período do Estado Novo, fato abordado posteriormente, no terceiro capítulo deste
trabalho.
O corpo do cidadão, no regime estado-novista, tem seu preparo voltado para
o trabalho, para a constituição física e mental do trabalhador. O Estado Novo um
novo encaminhamento para essa questão. Além de uma política que regulamenta o
trabalho, ocorre tamm uma redefinição e uma valorização da figura do
trabalhador.
163
Na perspectiva de Ângela de Castro Gomes, o Estado volta-se para
uma política que visa a amparar o homem brasileiro: “o que significa basicamente o
reconhecimento de que a civilização e o progresso são um produto do trabalho”.
164
O trabalho é reconhecido como um valor, um bem, tanto que o não- trabalho recebe
as vestes de crime:
Encarado sob o seu prisma humanista, cristão o trabalho possui uma
dignidade e um valor específicos. É um ato criador, que redunda em alegria
espiritual, diante da plenitude da coisa criada. No trabalho assim é que o
homem se eleva, pela sua liberdade plena de criar valores e de realizar
entre os homens, na sociedade, a sua miso de ser homem, isto é de ser
homem completo.
165
161
LENHARO, Alcir, op. cit., p.17.
162
Ibidem, p.75.
163
GOMES, Ângela Castro, op. cit., 1982, p.151.
164
Ibidem, p.154-5.
165
Cultura Política, ano III, nº34, 1943.
52
Ainda segundo Gomes, a cada de 1930 é inaugurada sob o legado do
combate às mazelas do país por meio de uma ação contra a pobreza. Logo,
segundo observa a autora, especialmente durante os anos de 1937 a 1945, pode-se
detectar toda uma política que desejava a organização do mercado de trabalho, com
uma legislação, uma previdência, a presença de sindicatos e uma justiça do
trabalho. Esses aspectos compunham toda uma estratégia político-ideológica de
combate à pobreza, que estaria centrada justamente na promoção do valor do
trabalho”. De acordo com Gomes, promover o homem brasileiro, defender o
desenvolvimento econômico e a paz social do país eram objetivos que se unificavam
em uma mesma e grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador,
responsável por sua riqueza individual e tamm pela riqueza do conjunto da
nação”.
166
O Estado Novo percebia a importância de se destacar o trabalho como um ato
que vinha dignificar o homem, integrando o mesmo à sociedade. Era esse, segundo
a ótica de Ângela Castro Gomes, o grande esforço desse novo Estado Nacional que
enfrentava essa questão não unicamente pela via dos operários, mas sim como um
problema de todas as classes que o trabalhadores todos aqueles que
produziam, que colaboravam com o valor social de seu trabalho”.
167
Dessa maneira,
segundo a historiadora, para o Estado Nacional resolver a questão social, era
necessária a inclusão da totalidade de problemas econômicos e sociais que se
vinculavam ao bem-estar do povo, pois trabalhar não era apenas garantir o sustento,
mas, sobretudo, servir à pátria.
168
O fato de o Estado Novo, como referido, não centrar a questão do trabalho
apenas no operariado não significou que o regime não viesse a reconhecer as lutas
de classes. Segundo Alcir Lenharo, o regime estado-novista levou a sério a luta
entre as classes bem como as possibilidades dos operários nesse jogo”. Na
perspectiva de Lenharo, tanto as estratégias jurídicas de aliciamento, quanto a
proposta corporativista de sindicalização levam a uma política que visava ao controle
da parcela operária da população e à reestruturação da mesma a partir de uma
orientação “imprimida pelo poder”. Definida por Lenharo como “a menina dos olhos”
166
GOMES, Ângela Castro. “Ideologia e Trabalho no Estado Novo”. In: PANDOLFI, Dulce (org.).
REPENSANDO o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p.55.
167
GOMES, Ângela Castro; OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta, op.
cit., 1982, p.155.
168
GOMES, Ângela Castro, op. cit., 1999, p.55.
53
do regime, o domínio da classe operária era algo extremamente fundamental, pois,
sem o mesmo, ficava impossível cimentar as bases da nova sociedade e do novo
Estado interligados”.
169
Ainda utilizando as afirmações de Alcir Lenharo, é grande o número e a
qualidade de textos produzidos pelo regime que “explicitavam o intento fulcral da
política do Estado Novo: a despolitização da sociedade e, em particular, da classe
operária”. Textos que, segundo o historiador, acompanhados da repressão, tornam
possível a leitura do conjunto de mudanças que eram cobiçadas em que o controle
dos trabalhadores apresentava-se como uma necessidade essencial:
Fugindo à luta de classes, a nossa organizão sindical tem sido um
instrumento de harmonia e de cooperação entre o capital e o trabalho. Não
se adstringiu um sindicalismo puramente operário que conduzira certamente
à luta contra o patrão, como aconteceu entre outros povos [...].
Como se verifica uma simbiose perfeita: existe um entrosamento eficaz
que permite ao novo Estado Brasileiro um ambiente de tranqüilidade social
em que as forças produtivas se movimentam harmonicamente no sentido do
progresso, que é o objetivo de maior alcance. Nenhum interesse, individual
supera o interesse coletivo nenhuma classe obterá, privilégios sobre
outra.
170
No intuito de enquadrar esses trabalhadores, o Estado oferecia seus
benefícios que, na interpretação de Lenharo, atuavam como armadilhas”
envolvendo e enquadrando as classes sociais. Como exemplo disso, podemos citar
a carteira profissional. Tal documento teve sua introdução a partir de sucessivos
decretos tornando-se a identificação oficial do trabalhador, sem o qual o mesmo não
teria direito a suas “‘regaliastrabalhistas”. Maria Helena Capelato expõe que “era
considerado cidadão quem trabalhava, e a carteira de trabalho assinada era o
documento de identidade mais importante”.
171
Ao tecer comentário a respeito dessa
questão, Lenharo faz uso de uma afirmação feita por Paulo Poppe, funciorio do
governo, autor de um boletim do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio de
junho de 1937, no qual afirma que “o uso da carteira não respeitava a divisão entre a
vida civil e a vida profissional do trabalhador, o patrão, ao anotar a data de dispensa
do trabalhador, também considerava sobre sua conduta e aptidões físicas”.
172
169
LENHARO, Alcir, op. cit., p.22-3.
170
Ibidem, p.23.
171
CAPELATO, Maria Helena, op. cit., 2003, p.122.
172
LENHARO, Alcir, op. cit., p.26.
54
Para enfrentar e resolver a gama de questões que envolviam a construção
desse “homem novo”, o regime de Vargas e seu aparelho burocrático contou com a
participação de setores empresariais.
173
Exemplo disso foi o Instituto de
Organizão Racional do Trabalho. Organizado desde os anos 30, o IDORT
realizava pesquisas que “vinham demonstrando, cientificamente, as precárias
condições de vida dos trabalhadores brasileiros e seus desdobramentos para uma
melhor produtividade do trabalho, ou seja, para o desenvolvimento industrial do
país”.
174
Pesquisas e conclusões como essas levaram, por parte do governo, à adoção
de medidas como o Serviço de Subsisncia, que, além de oferecer mercadorias a
baixo do preço às famílias trabalhadoras, levava a pretendida ação educativa para
além da fábrica, chegando até as casas dos operários: “Assim segundo os termos
da propaganda estado-novista, Vargas estaria fazendo do Brasil ‘um lar imenso’, e
do Estado um ‘Estado Previdência’.
175
Na perspectiva de Gomes, a implantação de
políticas como a acima referida era uma questão de extrema relevância para o
Estado, pois levava à promoção de uma tranqüilidade coletiva e de uma sensação
de amparo à família: “Essa era a base econômica e moral do homem, seu meio
especifico de vida”
176
. Ângela Castro Gomes sintetiza essa idéia dizendo que:
[...]se o Estado voltava-se para o homem, era pela falia que ele o atingia
mais profunda e rapidamente. Dessa forma, era pela família que o Estado
chegava ao homem e este chegava ao Estado. Ela era a ‘célula política
primária’ o leitmotiv do esforço produtivo dos indivíduos [...]. A preocupação
com a família era, portanto, uma questão central a proteção do homem
brasileiro e ao próprio progresso material e moral do país.
177
Na ótica de Capelato, a relação entre trabalhadores e governo era um tanto
complexa, gerando diversas controvérsias entre os intérpretes do período: “Para
alguns autores, a atuação de Vargas foi benéfica para os trabalhadores, mas outros
salientaram o caráter autoritário dessa política que resultou na impossibilidade de
atuação independente desse setor social”.
178
Para a autora, os dois lados devem ser
levados em conta, atentando para o fato de que, com o reconhecimento dos
173
GOMES, Ângela Castro,op. cit.,1999,p.61.
174
Ibidem, p.62.
175
Ibidem, p.63.
176
Ibidem, p. 63.
177
Ibidem, p. 63.
178
CAPELATO, Maria Helena, op. cit., 2003,p.120.
55
trabalhadores como sujeitos históricos e “cidadãos ativos”, a dignidade do
trabalhador e sua auto-imagem foram impactadas positivamente. Entretanto, como a
mesma destaca, as políticas empreendidas nesse sentido originaram-se do alto,
sem a participação ativa dos interessados, representando uma forma de controle
social eficaz, pois recorreu ao imaginário, um terreno fértil entre a classe
trabalhadora.
179
Como a política empreendida por Vargas tinha como um dos focos principais
a construção do progresso dentro da ordem, diversas foram as iniciativas e
estratégias para legitimar o regime, utilizando-se desde a propaganda a a
repressão à oposição. Os meios de comunicação sem liberdade de expressão
tinham a tarefa de exaltar a figura de Vargas, não só enaltecendo o mesmo como o
conciliador e protetor dos oprimidos, mas também enaltecendo as realizações do
governo no terreno econômico, na legislação social e na organização do Estado
como um todo.
180
Ângela Castro Gomes afirma que dentro daquilo que é entendido como
“sociedade de massas”, governos e suas máquinas bem aparelhadas utilizam-se
dos avanços tecnológicos nos meios de comunicação e no que define como “crença
no potencial disruptivo de uma moderna sociedade de massas”, operaram diversas
iniciativas contemplando políticas de comunicação. De Roosevelt a Hitler, governos
e regimes fizeram uso dos mais modernos veículos e técnicas de comunicação.
Dessa maneira, a propaganda ganha, portanto, a dimensão de um discursos político
capaz de extravasar os restritos círculos de elite e atingir um público mais amplo,
para o que era essencial o recurso a uma linguagem centrada em imagens,
símbolos e mitos.
181
Segundo a autora, a preocupação com a propaganda fazia parte do
pensamento de Vargas e de seus intelectuais antes mesmo do golpe de 1937. A
partir de 1930, é perceptível a preocupação do Estado com a necessidade de se
dedicar à formação da população em um sentido amplo. De acordo com Lucia Lippi
Oliveira, ainda em 1931, Vargas cria o Departamento Oficial de Propaganda, em
179
CAPELATO, Maria Helena, op. cit., 2003, p.121.
180
Ibidem, p.118.
181
GOMES, Ângela de Castro. Propaganda Política, construção do tempo e do mito
Vargas: o calendário de 1940. In: BASTOS, Elide Rugai et alli. Intelectuais :
sociedade e política, Brasil-França. São Paulo: Cortez, 2003.p.114.
56
1934, o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural, e, finalmente, em
1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda.
182
Entretanto, Ângela Gomes afirma que apesar desse sólido antecedente, é
somente após novembro de 37 que “as iniciativas nessa área ganham um ar de
articulação, intensidade e aperfeiçoamento ainda desconhecidos no país”.
183
Tal
afirmão é justificada, ao observar que, as o golpe, o Departamento de
Propaganda e Difusão Cultural intensifica suas atividades, sendo no início de 1938
transformado em Departamento Nacional de Propaganda. Sob direção de Lourival
Fontes, conhecido por simpatizar com o fascismo, o DNP ampliou sua ação para
todas as áreas daquilo que então se definia como “educação nacional”.
Lourival Fontes à frente do DNP e depois do DIP foi, segundo palavras de
Carlos Lacerda, o responsável por criar o mito Vargas: “No DIP, ele mobilizou toda a
inteligensia brasileira para escrever sobre Getulio Vargas”
184
. Para Lucia Lippi
Oliveira, tamanha foi a importância de Fontes nesse sentido que o mesmo passou a
ser chamado de oGoebbels tupiniquim.
185
A nacionalização era, sem dúvida nenhuma, o grande tema a dominar as
medidas impostas pelo Estado Novo no campo da cultura. Logo, integrar o país pela
língua, pela educação, pelo comércio, pelas estradas e pela propaganda
governamental era uma necessidade. Para Capelato, a propaganda além de
destacar a figura do líder também trazia em seu bojo a preocupação em relacioná-lo
com a massa, denotando a necessidade de se formar uma identidade nacional que
pertencesse à coletividade.
186
Lucia Lippi Oliveira mostrou que a figura de Vargas
encarnava o espírito de cordialidade, representando a mentalidade política brasileira:
“A relação direta entre governantes e povo, a pessoalização do mando, configura
uma das dimensões do mito Vargas, representado, pela figura de pai.”
187
Na construção da mítica figura de Vargas, inúmeras foram as medidas
adotadas, como edição de livros, cartilhas, promoção de concursos de monografias
182
OLIVEIRA, Lucia Lippi. O intelectual do DIP: Lourival Fontes e o Estado Novo.
In: BONEMY, Helena (org.). CONSTELAÇÃO Capanema: intelectuais e políticas.
Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, Bragança Paulista(SP): Universidade
São Francisco, 2001.p.37.
183
GOMES, Ângela Castro, op. cit., 1999, p.61.
184
OLIVEIRA, Lucia Lippi, op. cit., p.37.
185
OLIVEIRA, Lucia Lippi, op. cit., 2001, p.37.
186
CAPELATO, Maria Helena, op. cit., 2003, p.124.
187
OLIVEIRA, Lucia Lippi, op. cit., 2001, p.43.
57
sobre o líder do regime, cerimônias grandiosas no Dia do Trabalho e no aniversário
de Vargas, entre outras. Segundo Lucia Lippi Oliveira
[...] a construção do mito Vargas pode ser explorada por vários caminhos,
inclusive pela publicação de biografias tais como O menino de São Borja,
um livrinho de 80 páginas lançado em 1939 pelo DNP antecessor do DIP.
De autoria fictícia de uma tal Tia Olga, o livro narra para crianças a biografia
de Getúlio desde o nascimento ate seu ápice, ou seja, a instalação do
Estado Novo, mostrando sempre qualidade excepcionais.
188
Segundo a mesma historiadora, tais medidas como essa aproximavam a figura de
Vargas à cena doméstica, transformando-o no pai do povo, o chefe da grande
família de brasileiros.
Alcir Lenharo destaca que o Estado Novo municiou-se por meio de uma
burocratização da intelectualidade como o objetivo de: “efetivar a centralização do
poder simbólico, um esforço conjunto de homogeneização dos discursos do poder,
particularmente o ideológico”. Conseqüentemente, o Estado cercou-se de um grupo
selecionando de teóricos que juntamente com Vargas formularam a verdade
doutrinária” do regime:
Esses intelectuais agiam como autênticos mediadores simbólicos entre o
Estado e o social, tratavam-no de modo a decompô-lo em partes iguais e
harmônicas, confeccionando, a partir dessa operação, um todo único e
compreensível. Fundamentalmente, deslocavam o real do plano do abstrato
para o sensível, convertendo a sua intelecção numa operação visualmente
agradável, colorida, sonora emotiva sentida, espetacular.
189
Ainda de acordo com Lenharo, os discursos de Vargas traziam elementos que
perseguiam uma construção da imagem do que se define como “Nação em
movimento: ela é lida particularmente pela sua exterioridade geográfica e pela
revisitação ao Eldorado do passado colonial”.
190
O retorno ao passado como fonte de nacionalidade é o objeto principal
discutido por Ângela Castro Gomes em artigo denominado A cultura histórica do
Estado Novo”. Ao fazer uso de artigos veiculados na revista Cultura Política, Gomes
demonstra que, ao retomar aspectos históricos do Brasil, o regime varguista tentava
encontrar essa nacionalidade perdida:
188
OLIVEIRA, Lucia Lippi, op. cit., 2001, p. 43.
189
LENHARO, Alcir, op. cit., p.54.
190
Ibidem, p.54.
58
O espírito Nacional de um país podia muito bem ser encontrado /criado a
idéia é sempre plena desta ambigüidade constitutiva nos “costumes da
tradição, da religião, da raça, da língua e da memória do passado do povo”.
O acordo entre ordem política e social, o equilíbrio entre forças dirigentes e
dirigidas que o Estado Novo produzia, advinha fundamentalmente desta
adequação cultural profunda, causa e produto de sua legitimidade. Toda a
política do pós-37 era uma reação ao materialismo anterior, que segundo
os editoriais, romantizava o futuro hipervalorizava o presente e condenava
o passado.
191
Dessa maneira, como afirma Gomes, o equívoco das elites brasileiras em
tratar de maneira errônea o passado nacional estava sendo reparado pelo Estado
Novo. Juntamente com a produção desse discurso, observa-se uma série de
medidas que evocavam o passado da nação. Dentre elas, a Lei Orgânica do Ensino
Secundário de 9 de abril de 1942, que destacava o ensino de História do Brasil, a
crião de Institutos Históricos e Geográficos por todo o país, bem como medidas
como comemorações de datas históricas entre outras.
192
Cultura e arte foram dois pilares basilares naquilo que tange à orientação da
população durante os anos de Estado Novo, que a cultura foi entendida como
suporte da política e nessa perspectiva, cultura, política e propaganda se
mesclaram.
193
Logo, toda a produção artística do período esteve sob controle do
regime, sintonizando com a ideologia vigente e nas mãos de Gustavo Capanema.
Ministro da Educação entre os anos de 1934 e 1945, Capanema foi responsável por
orientar toda a política cultural do período. Capelato observa que o governo
considerava importante a intervenção estatal na cultura, entendida como fator de
unidade nacional. Assim, coube ao artista no Estado Novo a função de socializador,
em nível nacional, e de unificador, em nível internacional: “O cinema, o teatro, a
musica as artes plásticas foram valorizados durante o Estado Novo, mas o da
mesma ou com igual intensidade”. Segundo Lia Calabre: “Desde os primeiros
tempos no poder, Getúlio Vargas demonstrou preocupação especial com as
atividades culturais, principalmente com aquelas ligadas às classes populares ou ao
grande público”.
194
191
GOMES, Ângela Castro de. A Cultura Histórica do Estado Novo. Projeto
História. n.16. São Paulo: PUCSP, 1998. p.127.
192
Ibidem, p.132.
193
Ibidem, p.125.
194
CALABRE, Lia. Políticas públicas culturais de 1924 a 1945: o rádio em
destaque. Disponível em: www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/346.pdf, 2003.
59
Dentro desse quadro, o rádio recebeu destaque especial e assim como os
demais aspectos da cultura, esteve sob a supervio do DIP, mais precisamente da
Divisão de Radio. Segundo Calabre,
[...] as tarefas da competência da Divio de Rádio podem ser inicialmente
distribuídas em dois campos específicos: um de alcance externo e outro,
interno. No campo externo, o objetivo principal era incentivar as relações
comerciais com países estrangeiros. A divisão era responsável pela
produção de um programa em idioma estrangeiro, contendo números
musicais e crônicas que exaltassem as belezas e os potenciais naturais
brasileiros, a descrição das cidades, as condições climáticas e informações
sobre práticas culturais das diversas regiões do país. Os horários de
transmissão eram determinados por acordos internacionais de transmissão
radiofônica. No campo das atividades internas, as atribuições tinham um
caráter múltiplo. Um princípio básico a ser cumprido por todas as divisões
era o reforço e valorização do sentimento nacional. Era obrigação da
Divisão de Rádio fixar a atenção e aprofundar o conhecimento geral das
atividades brasileiras em todos os domínios do conhecimento humano.
195
Alcir Lenharo declara que o rádio tornava possível “uma encenação de caráter
simlico e envolvente, estratagemas de ilusão participativa e de criação de uma
imaginação homogêneo de comunidade nacional”.
196
Nessa perspectiva, o
importante não era exatamente aquilo que era transmitido, e sim como era
transmitido.
A preponderância desse veículo deve-se à presença do mesmo no cotidiano
da população: “Vargas, quando se referia ao rádio, apontava para a sua importância
enquanto meio de educação cívica ao mesmo tempo em que informador das
diretrizes do governo e do alcance de suas medidas”.
197
No ano de 1934, Vargas
cria um programa oficial, primeiro chamado “Voz do Brasil” e depois A hora do
Brasil”, no qual era transmitida uma programação centrada nas realizações políticas
de seu governo.
Toda a propaganda do regime estado-novista, segundo Lenharo, explora
“exaustivamente um dado clima de religiosidade constitutivo das relações entre
chefe e comandados”. Nesse contexto, a pessoa de Getúlio encampa o acontecer
hisrico como a personagem única que serve de guia para o país. Ele é o líder
capaz de detectar e afastar os inimigos e criar o Estado Novo”.
198
195
CALABRE, Lia, op. cit, 2003.
196
LENHARO, Alcir, op. cit., p.40.
197
Ibidem, p.41.
198
Ibidem, p.43.
60
2.2 FORMAR A INFÂNCIA E A JUVENTUDE
No item anterior, analisamos alguns aspectos vinculados à necessidade do
regime estado-novista em formar o cidadão brasileiro, em integrar o mesmo à
ideologia então vigente. Nossa proposta, neste momento, é voltar nosso foco para a
análise de algumas medidas que tinham como objetivo a formão e a integração da
criança, e, posteriormente, do jovem brasileiro, no regime do Estado Novo. Podemos
perceber que boa parte das medidas assinaladas tem, assim como as descritas na
parte inicial deste capítulo, traços do discurso eugênico.
Naquilo que tange a aspectos referentes a ações que visavam a atingir a
infância, nos apoiamos, principalmente, nos trabalhos de Davi Ferreira de Paula e de
André Ricardo Pereira. O primeiro tem como foco principal a experiência
desenvolvida em parques infantis na cidade de São Paulo, durante o período
abordado. o trabalho de Pereira tem sua atenção voltada para ações
desenvolvidas pelo Departamento Nacional da Criança, órgão criado durante o
regime estado-novista, que tinha como meta o desenvolvimento de medidas
voltadas à idade infantil.
Com relação a ações que visavam a atingir a juventude brasileira, utilizamos a
obra de José Silrio Baia Horta, O hino o sermão e a ordem do dia, especialmente
o capítulo em que é abordado o projeto de organização nacional da juventude. Além
de Horta, recorremos a alguns artigos veiculados na revista Cultura Política nas
quais o jovem é o assunto abordado.
É obvio que não temos a pretensão de esgotar e abranger todos os pontos
referentes às questões acima referidas. O que tentamos realizar é, de alguma
maneira, a partir de alguns exemplos, compreender as propostas e os objetivos do
regime varguista para com a infância e a juventude.
Segundo David Ferreira de Paula, o Estado Novo projetou fins políticos sobre
a infância a fim de compatibilizá-la com o roteiro de formação nacional.
199
Isso nos
permite afirmar, com certa segurança, que, assim como para os eugenistas dos
primeiros decênios do século XX, a intelectualidade que cercava Vargas também
observou a criança como uma “massa facilmente moldável”, pois, nessa ótica,
199
PAULA, David Ferreira de. O treinamento da criança pobre no Estado Novo: A
experiência do Parque infantil na cidade de São Paulo. Pós História Assis-SP. v.
5, 1993, p.171.
61
formar a criança era muito mais cil do que modificar um adulto. Segundo palavras
de David Ferreira de Paula, “A industrialização reacendeu a esperança de se romper
os laços que atavam o país as nações ‘desenvolvidas’ e esse ato de independência
passava pela afirmação da nacionalidade brasileira revisitada no passado e
confirmada na redenção do ‘homem brasileiro’ já em seus primórdios: a infância”.
200
Na realidade, a preocupação do regime em formar a criança tinha início antes
do nascimento da mesma. Por meio de medidas de puericultura, o Estado Novo
investiu no cuidado às gestantes, diminuindo assim os riscos e eventuais problemas
para com os recém-nascidos. Segundo Pereira, foi durante os anos de Estado Novo
que foi instituído o primeiro programa estatal de proteção à maternidade, à infância e
à adolescência posto em prática no Brasil.
201
O referido programa se desenvolvia
por meio da atuação do Departamento Nacional da Criança (Dncr), órgão vinculado
ao então Ministério da Educação e Saúde (MES).
Criado no ano de 1939, o DNCr desenvolvia suas ações por meio de uma
série de “equipamentos blicos”, principalmente os então denominados Postos de
Puericultura, “onde todas as mães (e não só as pobres) deveriam receber orientação
médica desde o início da gravidez, seguindo-se o acompanhamento da criança até a
fase escolar.”
202
Um dos pontos que chama a ateão na constituição do referido
Departamento diz respeito à sua organização, pois essa dependia da ação de
setores da sociedade. Na medida em que os estabelecimentos, como os citados
postos, tinham a sua construção a cargo da iniciativa local, cabia ao DNCr as
orientações técnicas e eventuais subsídios financeiros. Logo, médicos, professores,
autoridades, elites locais e grupos como o clero eram chamados a contribuir com as
iniciativas do Departamento.
203
De acordo com Pereira, os médicos a serviço do
DNCr recebiam preparo cnico insuficiente e, sobretudo, o seu caráter altruísta era
enfatizado: “sua presença, mesmo quando não dispusesse de recursos sofisticados
de diagnóstico, seria suficiente para garantir a prevenção da doença e da má
formação corpórea e intelectual”.
204
200
PAULA, David Ferreira de, op. cit.,p.174.
201
PEREIRA, André Ricardo. A criança no Estado Novo: Uma leitura na longa
duração. Revista Brasileira de História. v.19, n.38. São Paulo: ANPUH,
1999.p.165-6.
202
PEREIRA, André Ricardo, op. cit.,1999 ,p.170.
203
Ibidem.
204
Ibidem, p.171.
62
as professoras deveriam ter acesso ao estudo da puericultura, tanto em
tratados como em publicações do próprio Departamento. Assim, repassariam seus
conhecimentos aos alunos, sendo a escola o ambiente em que sua ação se
propagaria. A terceira figura enfatizada pelo estudo de Pereira foram os prefeitos
municipais, percebidos como figuras estratégicas nas ações dos médicos
puericultores do MES. Muito disso deve-se ao fato de que, com a ascensão
burocrática das ações do MES, muitas autoridades estaduais negaram-se a aceitar
orientações propostas a partir da capital federal, fazendo com que o MES recorre-se
diretamente aos municípios. Além disso, por meio da ação dos prefeitos, as elites
locais envolver-se-iam por meio da Junta Municipal da Inncia.
No contexto acima descrito, a figura da mulher, da senhora da sociedade,
recebeu destaque especial, principalmente com o advento da Legião Brasileira de
Assistência, no ano de 1942. Segundo André Ricardo Pereira,
[...] preservar a saúde da criança pela manutenção da estabilidade de sua
família implicava na constituição de meios que executassem esta dupla
tarefa, promovendo ao mesmo tempo a integração social. Para tanto, os
meios físicos deveriam propiciar a assistência material atendimento
médico, distribuição de alimentos etc. e moral educação das mães e das
crianças-orientadas pelo Estado e contando com a participação de quem já
tinha tais problemas resolvidos.
205
Naquilo que diz respeito à ão da LBA, Pereira expõe que desde seu início,
a Legião Brasileira de Assistência desenvolvera uma série de ações com o DNCr.
Porém, conforme o mesmo chama atenção, “o projeto da LBA seguia um caminho
próprio, devido à sua vinculação política com a primeira dama e uma noção mais
tradicional de assistencialismo dirigido aos pobres”.
206
No seu campo de atuação, o DNCr foi responsável por medidas como as
Gotas de Leite, cuja função era a distribuição de leite entre mães necessitadas, e as
Missões da Infância Feliz, que distribuíam alimentação balanceada às crianças
pobres, juntamente com orientações a suas mães. A figura da mãe recebia um olhar
especial por parte do referido departamento. Porém, não era apenas a figura
materna a única a receber a atenção. Como foi referido, a estabilidade da família
era um dos focos do DNCr. Nesse sentido Pereira diz que
205
PEREIRA, André Ricardo, op. cit., 1999,p.177.
206
Ibidem.
63
[...] suponha-se que manter a estabilidade da família significava suprir suas
deficiências e estimular sentimentos e hábitos que valorizassem o grupo
como referência básica da identidade social. Neste caso, o indivíduo deveria
ser educado para ver na família, nos amigos, na vizinhança, na pátria, que
seria a família estendida, a sua razão de ser.
207
Com relação à família, Batista de Melo, juiz do estado de Minas Gerais,
responsável por um artigo veiculado na revista Cultura Política de setembro de 1941,
afirmou que
[...] de toda a legislação do Estado Novo, nenhuma se avantaja a esta na
consolidação da nossa grandeza etnográfica. A reconstrução étnica e
jurídica da família nacional é um postulado de fé, um anseio de ordem e de
perpetuidade da nossa Pátria, é, em ultima análise, uma exigência do
regime, cooperando com a sociedade para que a família seja de fato uma
unidade orgânica capaz de preencher os seus elevados fins.
208
A família recebia olhares diferenciados por parte do DNCr, a partir de suas
realidades tanto econômica quanto geográfica: “A perspectiva que se tinha da vida
familiar no campo era a de equilíbrio e imutabilidade, onde o Estado deveria apenas
interferir em queses como saneamento e educação básica”.
209
Já a família da
cidade era percebida como três grupos distintos: o operariado, que estava sob a
proteção da legislação do Ministério do Trabalho, os pobres e a classe média e alta:
“O Departamento via os problemas maternais da operária como de responsabilidade
do MTIC. No máximo, fazia sugestões como a de que se estabelecesse o seguro-
maternidade”.
210
O lar da família pobre era visto com um lar sem estrutura, onde a criança
permanecia abandonada em condições instáveis, à mercê dos perigos físicos e
morais. Logo, cabia ao Estado atendê-las com suas instituições específicas.
A família de classe média recebia um olhar um tanto ampliado, “para incluir
tanto a classe trabalhadora [...] quanto os funcionários públicos”
211
. O aparato
educacional pensado para a classe média era formado por creches, escola maternal,
jardim de infância, o parque infantil, a escola primária e as casas da criança.
Ao referir-se aos parques infantis, Pereira mostra que eles eram encarados
como mais um dentre os diversos aparatos que tinham sua atuação junto à porção
207
PEREIRA,André Ricardo, op. cit., 1999,p.179.
208
REVISTA Cultura Política. Ano 1, n. 7, Setembro de 1941.
209
PEREIRA, André Ricardo, op. cit., 1999, p. 180.
210
Ibidem, p.181.
211
Ibidem, p.181.
64
infantil da classe média. Voltados a crianças em idade escolar, os parques eram
utilizados nos momentos de folga da escola. Sua utilização poderia ser conectada
com os demais aparelhos educacionais. Porém, em casos de uso isolado,
assumiriam, além da recreação, as funções de educação e funções higiênicas.
Normalmente, os parques infantis localizavam-se em zonas urbanas de densa
população, e seu ambiente tentava, ao menos, reproduzir ainda que artificialmente,
a natureza, promovendo uma evidente “contraposição ao artificialismo da cidade”.
Além dos aspectos descritos, os parques infantis destinados à classe média
proporcionavam exames médicos, assistência alimentar e davam grande ênfase à
educação sica. Outra instituição que merece destaque eram as Casas da Criança.
Essas casas possuíam como principal característica a reunião de todos os demais
estabelecimentos em um só lugar: creche, escola maternal, jardim de infância,
escola primária, parque infantil e posto de puericultura.
Foi feita referência aos parques infantis destinados a crianças da classe
média. Entretanto, os parques também desempenharam um importante papel ao
“treinar” crianças das camadas pobres da população. Segundo David Ferreira de
Paula, os parques destinados à criança pobre foram criados para prestar serviços
assistencial, educacional e recreativo, visando a um objetivo único vinculado ao
preparo dessas crianças para a vida moderna.
212
A partir de um estudo realizado com o caso do Parque Infantil Pedro II,
considerado, então, o mais bem equipado da capital paulista, Paula aponta alguns
aspectos que nos permitem observar como esses parques se inseriam nas práticas
destinadas à formão da parcela infantil da população pobre. Além de descrever
aspectos do referido parque, a pesquisa de Paula apresenta uma série de
referências e observações realizadas por Nicanor Miranda, então diretor da Divisão
de Educação e Recreio do estado de São Paulo, fato que nos ajuda a compreender
alguns aspectos das práticas desenvolvidas com e para as crianças no período
abordado. Como esses parques visavam ao preparo, à inclusão dessas crianças em
uma nova sociedade, que, ao menos teoricamente, era pretendida, Paula afirma que
[...] foi pensando nisso que os médicos e os profissionais da educação física
resolveram criar um método bionormográfico, baseado nas várias correntes
biotipológicas. O primeiro passo foi selecionar dentre as inúmeras medições
possíveis do corpo humano, um mínimo indispensável que fosse ao mesmo
212
PAULA, David Ferreira de, op. cit., p.174.
65
tempo representativo e suficiente para a formulação de uma noção sobre a
grandeza da parte considerada.
213
Na ótica de David Ferreira de Paula, esse procedimento pretendia elaborar
gráficos de cada grupo de medidas, visando às variadas faixas etárias das crianças:
“Através desse estudo, esperava-se acompanhar numa ficha única e sintética o
desenvolvimento físico dessas crianças ao longo de sua estadia nos parques
214
.
Além disso, a referida ficha era utilizada naquilo que tange a aspectos médicos:
Para o médico e supervisor geral dos parques infantis de São Paulo, João
de Deus Bueno dos Reis, o sucesso desse empreendimento dependia de
um estudo preliminar das condições pulmonares das crianças, haja vista
que para o treinamento sico que se esperava desenvolver era necessária
uma capacidade pulmonar considerável .
215
Dessa maneira, cabia aos especialistas a adoção de práticas físicas que
“permitissem a criança realizar determinadas necessidades que estavam em
jogo”.
216
Assim, na visão dos referidos especialistas, os jogos recreativos seriam
superiores aos exercícios ginásticos ou analíticos, pois os primeiros levavam a uma
“agravel hesitação mental, o que combinava perfeitamente com o psiquismo
infantil”
217
. Segundo palavras de Nicanor Miranda, “[...] praticados tais como devem
ser os jogos esportivos constituem magnífica escola para a formão de qualidade
de cidadanias: espírito de obediência, disciplina, lealdade cooperação, desejo
sincero e ardente de servir a coletividade”.
218
Ainda segundo o entendimento de Miranda, jogos infantis supervisionados por
adultos teriam resultado mais eficiente que jogos livres, pois o mesmo entendia que
“somente uma orientação consciente poderia conduzi-lo no árduo caminho que
acesso à vida adulta”
219
. Segundo afirma o estudo empreendido por Paula, tal noção
encontra respaldo na pedagogia moderna, especificamente nas correntes que
encaram a infância como um estado puro, lapidavél. Logo, para os educadores
responsáveis pelos parques infantis, o momento em que jogos eram executados era
extremamente apropriado para a realização de estudos que visavam à compreensão
213
PAULA, David Ferreira de, op. cit., p.174.
214
Ibidem
215
Ibidem, p.176.
216
PEREIRA, André Ricardo, op. cit., p.175.
217
Ibidem
218
MIRANDA, 1984, p.19 apud PAULA, David Ferreira de, op. cit., p. 175.
219
Ibidem
66
do comportamento infantil, “haja vista que a criança encontrava-se entretida e
absorta no processo recreativo, o que possibilitava manifestar as suas tendências
naturais”.
220
David Ferreira de Paula ainda mostra que a experncia do Parque Pedro II
ocorreu sob vários aspectos: médico/sanitarista, nutricional, psiquiátrico sendo que o
“trabalho no parque repousava sobre uma finalidade mais elevada, o bem-estar da
criança, o saber científico e a grandeza da nação”
221
. Como se acreditava que a
criança não teria condições de assimilar os padrões morais do adulto, os parques
cumpriam a sua função como um laboratório, onde a criança, isolada em um
ambiente preparado e sob condições específicas, poderia ter, por meio de
mecanismos e múltiplas estratégias, a sua personalidade formada, o que, na
realidade, era o grande objetivo. Segundo David Ferreira de Paula, tratava-se da
idéia
[...] de que a formação da personalidade infantil exige o isolamento da
criança, inserida num espaço cuja relação era medida por mecanismos
científicos que buscavam extrair, por múltiplas estratégias, um determinado
conhecimento que permitia criar meios de intervenção sobre a sua
existência, tendo em vista a sintonia com um programa político firmado no
desenvolvimento máximo das capacidades humanas.
222
E segundo palavras de Leão Machado, subdiretor administrativo do Instituto
Biológico de São Paulo,
[...] os responsáveis pelos destinos das nações que tentaram novas
experiências sociais e políticas perceberam muito claramente que o maior
problema de uma revolução é tornar os seus princípios aceitos pela maioria,
e conseguir essa aceitação é tarefa que cabe à educação da infância e da
juventude.
223
Ao dirigir-se a jovens acadêmicos do estado de São Paulo, Getúlio Vargas
declarou que dirigindo-vos a palavra, tenho o intuito de ser claro e preciso de
falar com a alma aberta à juventude que aman terá sobre os ombros as
responsabilidades da nação, da sua tranqüilidade e do seu progresso”.
224
Esse
discurso, veiculado em um artigo da revista Cultura Política, cujo titulo foi “O papel
220
MIRANDA, 1984, apud PAULA, David Ferreira de, op. cit., p. 175.
221
PAULA, David Ferreira, op. cit., p. 180.
222
Ibidem, p.182.
223
Cultura Política. Ano 1, n.10, Rio de Janeiro, Dezembro de 194.1.
224
Cultura Política. Ano II, n. 11, Rio de Janeiro, Janeiro de 1942
67
Social dos Moços” nos permite ter uma breve idéia do que o Estado Novo desejava
para os jovens brasileiros, pois, se nas mãos desses jovens estava o futuro da
nação, cabia ao regime o preparo dos mesmos. Como declara Rosário Fusco,
responsável pelo artigo,
Por isso o lugar dos moços, nesta hora decisiva, não é entre ociosos e os
indiferentes, amolecidos de espírito e de corpo: é na vanguarda, na primeira
linha dos combatentes, entre os pioneiros dos ideais construtivos. O moço
brasileiro sabe disso e o desmenti a confiança que a tria nele
deposita.
225
José Silvério Baia Horta informa que, ao elaborar a Constituição de 1937,
Francisco Campos deixou aberto o caminho para o desenvolvimento de
“mecanismos de mobilização da juventude”. Ao projetar tais dispositivos, Campos,
na perspectiva de Horta, estava vislumbrando instituições que se voltariam para a
mobilização e a militarização da parcela jovem da população brasileira.
226
Em março de 1938, Francisco Campos enviou a Vargas a proposta de
desenvolvimento da então denominada Organização Nacional da Juventude.
Segundo Helena Bonemy, a ONJ pretendia ser uma milícia civil, organizada em
moldes fascistas, que visava à permanente mobilização da juventude em prol de um
Estado totalitário.
227
Apesar do esforço empreendido por Campos, a ONJ o teve o seu
desenvolvimento aprovado. Alzira Vargas, auxiliar de Gabinete de Vargas, ao
analisar a documentação referente à criação da ONJ, considerou o mesmo uma
obrade importação clandestina, traduzida das organizões européias, sem a
competente adaptação ao meio nacional”.
228
Também fez críticas ao caráter militar
de tal organização, frisando que não se pretendia a fabricação de soldados, e sim de
cidadãos. Porém, segundo nos demonstra Horta, as críticas realizadas por Alzira
não esconderam o entusiasmo da mesma pela criação de mecanismos
governamentais que visassem a uma atuação do Estado sobre a juventude.
Segundo palavras de Alzira Vargas,
225
Cultura Política. Ano II, n. 11, Rio de Janeiro, Janeiro de 1942.
226
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., p. 205.
227
BONEMY, Helena. Novos Talentos, Vícios Antigos:
os renovadores e a política educacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6,
n. 11, 1993, p. 24-39.
228
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., p. 215.
68
A juventude brasileira compõe-se de uma massa heterogênea [...]. O
trabalho inicial do Estado Novo deverá ser portanto o de homogeneizar esta
massa ,por meio de uma propaganda ativa ,em que se procure fazer
compreender aos jovens o que se espera deles.
229
Além das críticas de Alzira Vargas, o projeto ao ser enviado ao General
Eurico Gaspar Dutra, então ministro da guerra, tamm foi alvo de restrições.
Apesar de Dutra concordar com a necessidade de se doutrinar a juventude e de
parabenizar tal proposta, foi enfático ao criticar a inspiração européia de tal
organização nacional. Além dessa crítica inicial, o então ministro da guerra, entre
outros pontos, mostrou-se fortemente contrario à organização para-militar dos
jovens, pois considerou tratar-se de questão de segurança nacional.
230
Gustavo Capanema, assim como Dutra, também aplaudiu” tal iniciativa,
porém, ao realizar sua avaliação, na ótica de Horta, foi responsável por uma análise
mais ampla e detalhada.
231
Na perspectiva do então ministro da educação, seriam
necessárias a formulação e a observação de alguns pontos considerados por ele
essenciais, como o nome da instituição, as finalidades da mesma, regime
administrativo, estrutura, composição, suas bases locais e seu patrimônio. Para
Capanema, a pretendida organização deveria ter sua área de atuação limitada à
formação física e educação moral e cívica. Na perspectiva do mesmo, era
necessária a inclusão da ONJ em seu ministério.
Ao buscar referências para organizar a juventude brasileira, Gustavo
Capanema viu na mocidade portuguesa o exemplo a ser seguido, tanto na escolha
do nome quanto na vinculação com a pasta da educação. Pois ao contrário da
URSS, da Alemanha e da Itália, onde tais órgãos o se subordinavam aos
ministérios da educação, o exemplo português agia por delegação do ministro da
educação.
232
De acordo com Horta, ambos os pareceres, de Dutra e de Capanema, tiveram
como conseqüência o arquivamento de tal proposta. Contudo, a idéia de Francisco
Campos tornou mais forte a vontade da criação de um movimento responsável pela
formação física, moral e cívica da juventude brasileira, tendo a disciplina como o
principal artifício a fim de mobilizar a mesma em torno da ideologia então vigente.
233
229
VARGAS, Alzira apud HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., p.216.
230
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., 217-18.
231
Ibidem, p.220.
232
Ibidem.
233
Ibidem, p.223.
69
Horta informa que, no momento em que se percebeu a necessidade de se
organizar a juventude, duas tendências estiveram em jogo. Por um lado, existiam
aqueles que defendiam a idéia da organização da parcela jovem por meio de uma
organização extra-escolar, seguindo o modelo do escotismo, fato que foi objeto de
longas discussões. no Ministério da Educação, era defendida a criação de “um
movimento ligado à escola e ao sistema de ensino”
234
. Além dessas duas vertentes,
o referido autor aponta a existência de um pequeno grupo dentro do corpo militar
que ainda defendia organização nos moldes ítalo-germânicos. Assim, após um
extenso período de regulamentação e organização, que segundo Horta, “não sofreu
a influência decisiva dos Ministros Militares” e que foi conduzido pelo Ministro da
Educação através de um longo processo de gestação que durou cerca de três
anos”, é instituída a Juventude Brasileira.
235
Segundo o autor, as razões na demora
da implantação de tal instituição devem-se, em primeiro lugar, às mudanças
ocorridas no quadro internacional, que acarretaram na conseqüente reorientação da
política externa nacional.
236
Na perspectiva de Vargas, a Juventude Brasileira é um grau mais alto de
auxilio educativo, orientando à juventude na quadra em que precisa receber
instrução cívica e moral”.
237
Deve-se, assim, “enquadrar a mocidade do país, em
movimento de mobilização cívica, nos moldes nacionalistas do Estado Novo”.
238
A
Juventude Brasileira visava enquadrar a totalidade de jovens das escolas e das
oficinas em centros cívicos e que terão o amor na tria a pratica dos bons
costumes, o desenvolvimento físico da raça”.
239
Divididos entre infância, dos 7 aos 11 anos, e juventude, dos 12 aos 18 anos,
os participantes teriam a sua inscrição obrigatória quando matriculados em
estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados; em outros casos, a participação
seria facultativa.
240
Segundo Horta, as relões entre a referida instituão e a escola
não estavam claramente definidas, fato que provocou “reticências e certa indiferença
entre os educadores”
241
, o que contribuiu para dificultar mais ainda a sua
implantação. Segundo o decreto que a instituiu, seria “base e complemento da
234
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit.
235
Ibidem, p.223-4.
236
Ibidem, p.251.
237
Ibidem, p. 251
238
Ibidem, p.246.
239
CULTURA Política. Ano I, n.2, Rio de Janeiro, abril de 1941.
240
Ibidem.
241
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., p.248.
70
educação ministrada pela escola e prolongamento da educação ministrada pela
família”.
242
Em artigo veiculado na citada revista Cultura Política, o apresentados
alguns pontos a respeito da regulamentação e da organização da Juventude
Brasileira, considerados “problemas técnicosa serem resolvidos como: a hierarquia
dos comandos, a divisão de jovens em sexo e idade, uniformes, distintivos,
símbolos, preparo dos dirigentes, programa de atividades seus métodos de
aplicação. Isso demonstra que, mesmo após o decreto que instalava a Juventude
Brasileira, a mesma ainda possuía uma série de questões nebulosasquanto à sua
organização e ao seu funcionamento.
243
Finalmente, em fevereiro de 1942, é promulgado o decreto que estabelece as
bases da organização da Juventude Brasileira, prevalecendo as orientações
anteriormente estabelecidas por Capanema na I Conferência Nacional da Educação,
vinculando a Juventude Brasileira à escola. Segundo palavras de Capanema,
[...] a Juventude Brasileira se constituirá não como um aparelho que, com a
escola, reparta a tarefa da educão, mas como uma instituição
complementar da escola, que se estrutura dentro da escola, para funcionar
como um dos elementos da vida escolar, no horário e no ritmo dos trabalhos
escolares.
244
Na ótica de Horta, fiel à concepção proposta e elaborada por Capanema, o decreto
definia a Juventude Brasileira como “uma corporação formada pela juventude
escolar de todo o país com a finalidade de prestar culto à Pátria
245
.
Naquilo que diz respeito à divisão dos jovens, o referido decreto definiu que
essa se daria em uma Ala Menor, infância masculina e feminina das escolas
primárias, e uma Ala Maior, formada por jovens do ensino secundário. O conjunto de
atividades desenvolvidas pela Juventude Brasileira dar-se-ia a partir dos Centros
Cívicos, que viriam a ser criados em todos os estabelecimentos de ensino do país.
Cabia à Juventude Brasileira prestar culto à Bandeira Nacional e ao Hino Nacional,
tanto em comemorações quanto em datas simlicas. Naquilo que tange ao controle
de tal instituição, ele estava a cargo do Presidente da República e de um Conselho
242
CULTURA Política. Ano I, n. 2, Rio de Janeiro, abril de 1941.
243
Ibidem.
244
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., p.261-2.
245
Ibidem, p. 261-2.
71
Supremo”. Além disso, contaria com uma “Direção Nacional” subordinada ao
Ministro da Educação e direções regionais.
Ao analisar tais aspectos, Horta observa que Capanema assumiu, ao
contrário daquilo que havia manifestado anteriormente na I Conferência Nacional da
Educação, uma perspectiva altamente conservadora”
246
. O mesmo Horta aponta
então uma rie de problemas de ordem burocrática, ideológica e de organização
que dificultaram a instalação da Juventude Brasileira.
O Diretor da Escola Nacional da Educação Física, major Inácio de Freitas
Rolim, em outubro de 1942, encaminhou a Vargas a proposta de um novo decreto e
uma carta em que fez uma crítica à orientação desenvolvida por Capanema com
relação à organização da referida instituição. Horta ainda menciona atritos entre o
Secretário Geral da Juventude Brasileira e membros da União Nacional dos
Estudantes, em maio de 1943. Esses episódios e outros tantos referidos no trabalho
de Horta evidenciam que, apesar da organização da parcela jovem da população ser
percebida como uma questão de extrema necessidade, a instalação da Juventude
Brasileira e as questões referentes à sua administração, organização, seu campo de
ão, entre outras, nunca foram percebidas como uma unanimidade dentro dos
quadros dirigentes do regime, estando sempre marcadas por conflitos e desavenças.
Assim, como foi possível observar no terceiro e último capítulo da obra O
hino, o sermão e a ordem do dia, o projeto inicial proposto por Francisco Campos
“foi sendo paulatinamente esvaziado”, chegando, finalmente, à água rala em que se
transformou com movimento da ‘Juventude Brasileira’ reduzido aos rituais cívicos
das datas patrióticas nacionais”
247
. Ou seja, em fuão de uma série de fatores
externos e internos, alguns dos quais aqui elencados, a Juventude Brasileira foi
sendo pouco a pouco enfraquecida, culminando com a revogação da legislação
referente à instituição ocorrida em novembro de 1945, momento da
redemocratização do país que marca o fim de uma instituição que na prática nunca
veio a cumprir com os objetivos propostos.
246
HORTA, Jose Silverio Baia, op. cit., p.260.
247
Ibidem
72
2.3 ESTADO NOVO E A EDUCAÇÃO
A educação e as práticas desenvolvidas no âmbito escolar assumem um
papel estratégico na tentativa de se formar física e mentalmente a parcela
estudantil da população brasileira da mesma maneira que os educadores
brasileiros dos primeiros decênios do século XX, os responsáveis pelas políticas
educacionais do Estado Novo, conceberam o espaço escolar como um centro
homogeneizador. Assim, como afirma Maria Helena mara Bastos, “[...] a escola
assume caráter estratégico na obra de reconstrução nacional”.
248
Essa nova escola deveria desempenhar as funções esperadas pelo Estado
formando uma consciência nacional e promovendo “unidade espiritual”.
249
Nesse
sentido, o papel desempenhado pela escola vinculava-se à adaptação do
indivíduo ao meio social “no sentido de despertar e cultivar nos escolares a
consciência do dever da disciplina da moral do trabalho”.
250
Helena Bonemy diz que, observando a educação estado-novista, é possível
observar aspectos da política pretendida pelo regime de Vargas:
Formar um “homem novo” para um Estado Novo, conformar mentalidades e
criar o sentimento de brasilidade, fortalecer a identidade do trabalhador, ou
por outra, forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro, tudo isso
fazia parte de um grande empreendimento cultural e político para o sucesso
do qual se contava estrategicamente com a educação por sua
capacidade.
251
Oliveira Vianna afirmou que o Estado teria a tarefa de educar o povo,
transformando-o na “carne, o sangue e o músculo da nação”.
252
Por meio da
educação, segundo Vianna, a população iria adquirir a consciência necessária para
cumprir seus deveres cívicos. Dentro da mesma perspectiva, Alberto Torres havia
declarado anteriormente que formar o homem nacional seria o primeiro dever do
Estado moderno e, nesse mesmo sentido, a criação de uma força intelectual e moral
248
BASTOS, Maria Helena Câmara. A revista do ensino do Rio Grande do Sul
(1939-1942): o novo e o nacional em revista. Pelotas: Seiva, 2005. p.183.
249
Ibidem, p.184.
250
Ibidem,p.185.
251
BONEMY, Helena, op. cit., 1999, p. 141.
252
VIANNA, 1923, apud ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o
pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Vianna. São
Paulo: UNESP, 1997. p.159.
73
para além de formar opinião, produzir o que chama de ‘atmosfera moral e intelectual
da nação’. Afirmou, ainda, que
educar é a primeira, a mais imperiosa das necessidades do nosso país.
Educar, estabelecendo o equilíbrio indispensável entre o desenvolvimento
sico, moral e intelectual de cada individuo, educar, para desenvolver e
corrigir as faculdades naturais do homem brasileiro, educar para aperfeiçoar
os estímulos e retificar os defeitos [...]. [...] educar enfim, para fazer a cultura
do sentimento do espírito e do caráter nacional, de forma a constituir com a
unidade das idéias e dos moveis morais e intelectuais a mais lida força da
unidade da Pátria .
253
Ao observarmos o projeto e as práticas educacionais do Estado Novo,
podemos perceber que esses valores estiveram marcadamente presentes. Segundo
Getúlio Vargas, “todas as grandes nações, assim merecidamente consideradas,
atingiram nível superior de progresso pela educação do povo. Refiro-me à
educação, no significado amplo e social do vocábulo: física e moral, eugênica e
cívica”.
254
Tanto Alberto Torres quanto Oliveira Vianna afirmavam que o Estado teria
a tarefa de construir o sentimento de nacionalidade por meio de um ensino
totalizante, presente em todas as instâncias da vida do educando, inclusive na
esfera da vida privada.
A construção da nacionalidade era, sem dúvida, um dos, se não o, ponto
central no projeto do Estado Novo. Logo, a nacionalização do ensino assume um
importante papel tanto na valorização dos sentimentos nacionais quanto na
homogeneização das parcelas estrangeiras da população: “Mencionada e incluída
na pauta de discussões e avaliações desde o início do século, a nacionalizão do
ensino encontrará no Estado Novo o momento decisivo de sua resolução”.
255
Na perspectiva de Clarice Nunes, o projeto educacional empreendido por
Gustavo Capanema, anteriormente encaminhado por Francisco Campos, criava
duas redes de escolarizão. A primeira, responsável pelo ensino primário, pelo
ensino profissional e pela formação de professores do ensino básico. Já a rede
secundária superior tinha como meta o preparo das elites pensantes, das
253
TORRES apud MARSON, Adalberto. A ideologia nacionalista de Alberto Torres. São Paulo: Duas
Cidades, 1979. p. 56. (grifo nosso)
254
BRASIL, Presidente (1930-1945 : Getúlio Vargas). As diretrizes da nova política
do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1943.p.319.
255
BONEMY, Helena, op. cit., 1999, p. 151.
74
individualidades condutoras.
256
Com relação a esse ponto, Bonemy afirma que o
ensino secundário teria um papel de recrutar essa elite, o ensino superior o
momento de aperfeiçoar a mesma: “foi em 1937 que finalmente ganhou corpo a
formação da nova Universidade do Brasil, que teve como um de seus principais
objetivos implantar em todo o país um padrão nacional e único de ensino
superior, ao qual a própria USP se deveria amoldar”.
257
Segundo Nunes, as reformas de Capanema tiveram pouco efeito sobre o
ensino primário, com exceção do processo de nacionalização. Na ótica da referida
pesquisadora, esse fracasso deve-se ao fato de que as interventorias estaduais em
muitos momentos, serviram de obstáculo na introdução de medidas unificantes.
Como nosso objetivo é apenas demonstrar e descrever medidas que destacam o
papel formador da escola estado-novista, optamos por não realizar uma incursão em
discussões dessa ordem.
De acordo com José Silvério Baía Horta, desde o início do Estado Novo, foi
notória a decisão da utilização da escola como um aparelho ideológico. Segundo
palavras de Getúlio Vargas: “a complexidade dos problemas morais e materiais
inerentes à vida moderna alargou o poder da ação do Estado, obrigando-o a intervir
mais diretamente como órgão de coordenação e direção, nos diversos setores da
atividade econômica e social”.
258
Ainda segundo Vargas, havia no Brasil três
problemas fundamentais: sanear, educar, povoar, sendo que, nesse contexto,
Educar equivale também a uma forma de saneamento. Educar não é
somente instruir, mas desenvolver a moralidade e o caráter, preparando o
homem para a comunhão, ensinando-lhe as artes necessárias para a mais
alta das virtudes, o conhecimento das suas próprias forças. O melhor
cidadão é o que pode ser mais útil aos seus semelhantes e não o que mais
cabedais de cultura é capaz de exibir. A escola no Brasil terá que produzir
homens práticos, profissionais seguros cientes dos seus variados
misteres.
259
Segundo Aline Choucair Vaz, no ano de 1939, foi elaborado o primeiro
anteprojeto da Lei Orgânica a respeito do ensino primário. Tal projeto, depois de
enviado às secretarias estaduais de educação e a pessoas envolvidas, sofreu
256
NUNES,Clarice. As políticas Publicas de educação de Gustavo Capanema no governo Vargas”.
In: BONEMY, Helena (org.). CONSTELAÇÃO Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas; Bragança Paulista(SP): Universidade de São Francisco, 2001. p.103.
257
BONEMY, Helena, op. cit., 1999, p.140.
258
BRASIL, Presidente (1930-1945 : Getúlio Vargas). As diretrizes da nova política
do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1943,p.210
259
Ibidem.
75
críticas e sugestões, não sendo, portanto, promulgado. Entretanto, como a mesma
autora afirma
[...] ainda durante o Estado Novo, os investimentos na nacionalização do
ensino e na alfabetização vão estar presentes no ensino primário,
expressando-se mais intensamente na produção de materiais didáticos,
como recursos transformados em armas de propaganda política do regime,
juntamente com outros materiais que circulavam em espaço não-escolar, os
quais também tinham finalidade educativa.
260
Os referidos materiais eram, por exemplo, suplementos infantis de jornais,
livros didáticos entre outros aportes nos quais era enfatizado o papel do brasileiro e
“dedutivamente daquele que não o é, entre outros pontos semelhantes. Para Vaz, a
presença deste tipo de material em espaços não escolares promovia o intercâmbio
com a escola trazendo valores apropriados e presentes no imaginário social. Nesse
sentido, diz que
[...] o ensino cívico-patriótico estava presente nos livros de leitura para a
infância no ensino primário. Muitos deles foram produzidos antes do
período, mas reeditados e largamente difundidos na época, e alguns deles
com a inserção de referência à figura de Vargas e seu governo, bem como
da comemoração do Dia do Trabalho. Alguns livros de leitura foram
especialmente confeccionados no período pelo Departamento de Imprensa
e Propaganda (DIP criado em 1939) e tratavam ostensivamente do
governo e de Vargas, como Getúlio Vargas para crianças, dentre outros. O
arsenal pedagógico investido no ensino primário e secundário foi
significativo, com grande circulação de materiais e tentativas de
centralização, principalmente no que se referiu à nacionalização do País por
meio da alfabetização, pelangua pátria, gerando o combate às referências
estrangeiras, na produção de um discurso intolerante.
261
Outro ponto ressaltado, que merece a nossa atenção, são as festas de
caráter cívico que, juntamente com os materiais didáticos, foram mais uma das
ferramentas adotadas na educação do período:
Elas estiveram fortemente presentes nas escolas, reafirmando o papel da
educação como defensora dos valores nacionais. As comemorações oficiais
não tiveram a abrangência das européias, mas inspiraram grandes palcos
de exaltação nacionalista, tentando esconder os conflitos existentes no
próprio interior das relações políticas, para legitimar a ordem existente. Nas
escolas, elas foram organizadas com galhardia, visando à formação de
cidadãos condizentes com os interesses do Estado, bem como para
disciplinar as massas.
262
260
VAZ, Aline Choucair, op. cit, p.34.
261
Ibidem, p.41.
262
Ibidem, p.43.
76
A referida Maria Helena Câmara Bastos foi responsável por realizar uma
pesquisa focada na Revista do Ensino do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1939
e 1942. Essa revista foi responsável por prescrever as práticas escolares ao longo
do período descrito. Logo, tal trabalho nos permite observar algumas dessas
práticas, algo de grande valia para nosso objetivo.
Segundo Bastos, na Revista do Ensino, a escola era percebida como uma
oficina de aprendizagem social, “‘centro da vida da comunidade’, preocupada em
preparar o ‘futuro homem e o futuro cidadão’ na ‘dimensão individual e social’.”
263
Conforme demonstra Bastos, “[...] a Revista do Ensino, com as instancias técnicas
da SESP/RS, veiculava sugestões e normas de organização do espaço e tempo
escolar com o objetivo de tornar a escola um ’centro social sedutor estruturado por
uma nova ‘concepção de educação.
264
Dentre o conjunto de práticas e normas prescritas pela Revista do Ensino
estão, por exemplo, as referentes à administração escolar. No artigo “Organização
de trabalho na escola elementar”, é enfatizada a necessidade da realizão de uma
educação mais econômica e eficiente. Por meio de uma análise da situação da
escola, bem como de suas funções, deveriam ser organizados planos de trabalho
escolar “que abrangesse a organização do corpo técnico e a organização das
classes, a localizão e movimentação dessas no edifício escolar, a organização do
corpo administrativo, o equipamento material da escola e atualização do prédio”.
265
Bastos mostra que, no âmbito de preocupações como as citadas, destacavam-se as
vinculadas ao sistema de classificação dos alunos”
266
. O artigo “Classificação dos
Alunosafirmava que “na busca da homogeneidade dos grupos de trabalho, deve
haver um equilíbrio entre o trabalho a ser feito e a real capacidade do aluno, a fim de
evitar casos de má classificação que venham a perturbar a eficiência da disciplina do
grupo”.
267
A homogeneidade não era pretendida somente na classificação dos
escolares. Por meio de um programa de ensino padronizado, buscava-se um
controle maior sobre as atividades dos professores. A partir de tal orientação, as
autoridades educacionais exerceriam uma maior vigilância.
263
BASTOS,Maria Helena Câmara, op. cit., 2005, p.183.
264
Ibidem, p187.
265
Ibidem, p.187.
266
Ibidem, p.188.
267
Ibidem, p.188.
77
Não só o programa educacional era padronizado, mas o próprio espaço físico
da escola era alvo de preocupações dessa natureza: Três tipos de escola eram
padronizados arquitetonicamente, todos providos de ‘vastos campos cultura física,
de higiene, de acomodações para leitura, de laboratórios e de salas de
antropometria’”
268
. Segundo Bastos, tal padronização atingia tamm o material
escolar, como livros, boletins, fichas entre outros.
O asseio do aluno e a adoção do uniforme eram prescritos como forma de se
preservar a saúde na escola. A higiene das mãos, olhos, couro cabeludo eram
alguns dos principais pontos que deveriam ter a atenção do professor. A disciplina
com relação a hábitos e atitudes vinculava a adoção de normas relativas à
freqüência bem como a pontualidade escolar, tanto do professor como do educando.
Maria Helena Câmara Bastos demonstra que “Ordem, disciplina, harmonia
no ambiente escolar exigiam o desenvolvimento de determinadas posturas e
atitudes compatíveis com o espaço escolar e social, tais como a polidez e a
cortesia”.
269
Com esse objetivo, adotaram-se campanhas de “Boas Maneiras de
caráter permanente bem como de uma ‘Semana de Boas Maneiras’. De acordo com
Bastos, a Revista do Ensino abordou a queso da disciplina valendo-se de
discursos distintos:
Alguns artigos e comunicados pedagógicos da Divisão de Instrução Pública
tratavam a temática com enfoque nas modernas orientações pedagógicas e
psicológicas. Outras orientações oficiais normatizavam a disciplina no
cotidiano escolar prescrevendo medidas de controle e fiscalização como a
instauração de comissões de política e propaganda, enfatizando o controle
autoritário.
270
José Silvério Baía Horta ressalta que o Canto Orfeônico fora largamente
utilizado como instrumento de promoção do civismo e da disciplina coletiva ao longo
do período. Adotado desde 1931 com a Reforma Francisco Campos, o Canto
Orfeônico procurava, por meio de hinos e canções, “ inspirar o amor e o orgulho pelo
Brasil forte e pacífico”.
271
Naquilo que diz respeito a tal atividade, destaca-se a
participação decisiva de Heitor Villa-Lobos, que , a partir do ano de 1932, tem sua
ão por meio da Superintendência de Educação Musical e Artística. A partir de
268
BASTOS, Maria Helena Câmara, op. cit., 2005,p.195.
269
Ibidem, p.201.
270
Ibidem, p.204.
271
HORTA, Jose Silverio Baia, op. cit., p.184.
78
1934, o Canto Orfeônico torna-se obrigatório em todos os estabelecimentos
escolares tanto do ensino primário quanto do secundário.
272
272
HORTA, Jose Silvério Baia, op. cit., p.186.
79
3 COLÔNIAS DE FÉRIAS: INSTRUMENTO NA FORMAÇÃO DO ALUNO IDEAL
3.1 ESTADO NOVO E A EDUCAÇÃO FÍSICA
O terceiro e último capítulo de nossa dissertação tem como foco principal a
análise das Colônias de Férias, objeto central da presente pesquisa. Como
introdução, optamos por realizar algumas considerações a respeito da adoção da
educação física como um elemento formador da infância e da juventude brasileira no
período estado-novista. Tal opção está amparada em dois fatores. Em um primeiro
momento, foi possível observar que os exercícios físicos tiveram, ao longo da
realização das referidas colônias, lugar de destaque dentro das práticas que
visavam à constituição física e moral dos indivíduos participantes. Outro aspecto
atenta para o fato de que, ao menos nos casos observados no Rio Grande do Sul,
essa medida esteve sob responsabilidade do Departamento Estadual de educação
física. Entretanto, antes de apresentarmos a série de observações a respeito da
educação física no Estado Novo, faz-se necessário abordar alguns pontos acerca da
introdução de tal prática no Brasil.
Segundo Lino Castellani Filho, a história da educação física no Brasil esem
muitos momentos misturada à história militar. Nesse sentido, Castellani Filho explica
que
[...] a criação da Escola Militar pela Carta gia de 4 de dezembro de 1810,
com o nome de Academia Real Militar, dois anos após a chegada da família
real ao Brasil, a introdução da Ginástica Alemã, no ano de 1860 [...]. A
fundação pela missão militar francesa, no ano de 1907, daquilo que foi o
embrião da Escola de Educação sica da Força Policial do Estado de São
Paulo [...], a portaria do Ministério da Guerra, de 10 de janeiro de 1922,
criando o Centro Militar de Educação Física e suas aplicações desportivas
[...], somado a muitos outros fatos como a presea dos militares na
formação dos primeiros professores civis de Educação Física .
273
Outro aspecto salientado por Lino Castellani Filho remete à influência da
filosofia positivista no âmbito militar por meio daquilo que define como contaminação
das instituições militares pelos princípios do positivismo. Castellani Filho afirma que
essas instituições chamaram para si a responsabilidade pelo estabelecimento e a
manutenção da ordem social para, assim, obter-se o progresso almejado:
273
CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p. 34.
80
Educação Física no Brasil, desde o século XIX, foi entendida como um
elemento de extrema importância para o forjar daquele indivíduo forte,
saudável, indispensável à implementação do processo de desenvolvimento
do país que, saindo de sua condição de colônia portuguesa, no início da
segunda década daquele século, buscava construir seu próprio modo de
vida.
274
Na mesma direção, Celso Castro diz que o desenvolvimento da educação
física, ainda no século XIX, es estreitamente ligado à afirmação dos Estados
nacionais, com a conseqüente criação dos exércitos nacionais, nos quais “a
ginástica poderia afetar positivamente o Estado- nação”.
275
Assim, a educação física
esfortemente vinculada à questão da nacionalidade, à defesa e à manutenção da
mesma.
276
Castro, assim como Castellani Filho, mostra que a introdução da educação
física no Brasil se deve aos militares. Contudo, afirma que esta foi conseqüência dos
contatos estabelecidos com o exército francês, que aqui permaneceu no período do
entre - guerras. Na perspectiva de Castro, tal atividade era percebida pelo exército e
por amplos setores da sociedade como uma atividade militar. Dessa maneira, cabia
ao exército, enquanto escola da nacionalidade, cuidar da mesma.
No ano de 1921, é aprovado o Regulamento de Instrução Física Militar
pautado no projeto francês. Com a educação física firmada no interior das
instituições militares, cabia agora ao exército estender a toda a nação sua influência,
a partir do controle dessas atividades. Por meio de um anteprojeto de lei elaborado
pelo então ministro da guerra, deu-se a tentativa dos militares de intervir com a
educação física na realidade educacional brasileira. Essa tentativa foi duramente
criticada pela Associação Brasileira de Educação, que entendia que a educação
física era necessária, porém em caráter civil, sem influência militar. Isso nos remete
novamente a Lino Castellani Filho, que afirma que a idéia de associar a educação
física exclusivamente aos militares é equivocada:
A eles [militares], nessa compreensão juntavam-se os médicos que,
mediante uma ação calcada nos princípios da medicina social de índole
higiênica imbuíram-se da tarefa de ditar a sociedade, através da instituição
familiar, os fundamentos próprios ao processo de reorganização daquela
célula social. Ao assim procederem, ao tempo que denunciavam os
malefícios da estrutura familiar do período colonial auto proclamavam-se a
274
CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.39.
275
CASTRO, Celso. In Corpore Santo Os Militares e a Introdução da Educação
Física no Brasil. Antropolítica, n.2, Rio de Janeiro UFF, 1997, p.63.
276
Ibidem.
81
mais competente das categorias profissionais para redefinir os pades de
conduta física ,moral e intelectual da ‘nova’ família brasileira.
277
O Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, ocorrido no ano de 1929, entre
outros assuntos, deu destaque à educação física como fator fundamental na
regeneração e no revigoramento da “raça brasileira”. Segundo Carmem Soares, o
pensamento médico higienista, a partir de uma ótica eugênica, se estabelece no
pensamento pedagógico, influenciando, decisivamente, no desenvolvimento da
educaçãosica em nosso ps.
278
Dentre os intelectuais que percebiam e defendiam a prática de exercícios
físicos como um meio de melhorar a raça brasileira, destaca-se o já citado Fernando
de Azevedo. Dentre seus trabalhos voltados à área da educação, percebe-se uma
larga ênfase na educação física e nas práticas esportivas. Segundo Azevedo,
[...] a ciência ou disciplina que tem por objetivo o estudo dos fatores que sob
controle social possam melhorar ou prejudicar mentalmente, as qualidades
raciais das gerações futuras, ou por outras palavras, o estudo das medidas
sociais-econômicas, sanitárias e educacionais que influenciam, física e
mentalmente, o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos
e, portanto, das gerações.
279
Para o educador eugenista, seria necessária a criação de sociedades de
educação sica no Brasil, seguindo os moldes aplicados nos Estados Unidos. Vista
como importante elemento na higiene física da população, a educação sica seria
mais um importante aspecto a fazer parte da escola homogeneizadora.
Segundo Fernando de Azevedo, a educação popular teria de começar pela
proteção higiênica e a formação física da população escolar. Como o próprio
Azevedo afirmou, a realidade escolar brasileira naquele período, era aterradora,
formada por crianças franzinas, amontoadas em salas escuras: “[...] é preciso, por
isto, que o Estado que toma para si o encargo da educação, se disponha por
medidas eficazes de assistência social e sanitária, a vigiar sobre o aluno para que
ele se desenvolva com tudo que pode lhe favorecer a saúde, conservá-la, preservá-
la”.
280
277
CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p. 39.
278
SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física, Raízes Européias e Brasil. Campinas: Autores
Associados, 2001. p.120.
279
AZEVEDO apud SOARES, Carmem Lúcia, op. cit., p.119.
280
Ibidem, p.174.
82
Com relação às praticas esportivas e ou de educação sica, Azevedo ensina
que:
Uma vez introduzida pela educação nos hábitos do país, a prática [da]
cultura física sustentada durante uma larga série de gerações depuraria
nossa gente de diastes rbidas, fortificando-a e enriquecendo-a,
progressivamente pela criação de indivíduos robustos [...]. As gerações de
amanhã apuradas por sistema, pela educação física afinadora da raça e
colaboradora do progresso imprimiram assim nas que lhe sucedessem, e
submetidas ao mesmo tratamento, o cunho de seu caráter, para que
pudessem dentro dos limites do patrimônio biológico hereditário, aperfeiçoar
ainda mais a natureza humana [...]. O país que não tem educação física
(tomada, esta expreso no sentido mais amplo), não poderá jamais erguer
seu povo a altura da miso que lhe cabe na construção de uma sociedade
nova. O que tem má, irregular, empírica, rotineira, continuo plagiato de
processos arcaicos ou de rebotalhos senis não terá senão de arrastar-se
para a derrota no áspero caminho que se chocam as competições na era
industrial, que é de energia e tenacidade, rigor e precisão.
281
De acordo com Carmem Soares, a colaboração incessante entre o médico e o
professor, especialmente o professor de ginástica, torna-se um ponto fundamental
na perspectiva de Azevedo, que antes de submetidos aos exercícios físicos, todos
os escolares seriam inspecionados, a fim de realizar uma seleção e uma separação
entre os normais e os “retardados”, sendo os últimos encaminhados a serviços
especiais. Segundo enfatiza a autora, a educação sica, na ótica de Azevedo, era
uma queso médica e não pedagógica, com que se tem a clara idéia de que, na
visão de Azevedo a cultura física, as atividades esportivas serviriam para assegurar
com eficácia o melhoramento da raça.
Visando a esse melhoramento racial, Azevedo propôs a extensão das
atividades físicas a ambos os sexos, tanto na formação do professorado como nas
escolas primárias de todos osveis. Segundo Azevedo, “a educação física da
mulher deve ser, portanto, integral, higiênica e pstica e abrangendo com os
trabalhos manuais os jogos infantis a ginástica educativa e os esportes.
282
Castellani Filho complementa esse ponto ao dizer que:
[...] destinava-se, portanto, à Educação Física, nessa questão da eugenia
da raça, um papel preponderante. O raciocínio era simples: mulheres fortes
e sadias teriam condições de gerarem filhos saudáveis, os quais por sua
vez, estariam mais aptos a defenderem e constituírem a Pátria, no caso dos
homens, e de se tornarem mães robustas, no caso das mulheres.
283
281
AZEVEDO apud SOARES, op. cit.,p.124.
282
AZEVEDO apud CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.58
283
CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.56.
83
Enfim, o que tentamos demonstrar é que o desenvolvimento da educação
física no Brasil esamplamente ligado a um projeto homogeneizador da sociedade,
no qual a escola tem o papel aqui enfatizado de um mecanismo fundamental em
busca desse propósito, e sendo a educação física uma das medidas implantadas
nesse campo:
A educação física desenvolvida no âmbito escolar, ou fora dele, acentua as
representações que a sociedade tem dos indivíduos, seja do seu corpo
entendido como corpo biológico, a-histórico, seja de sua moral entendida
como amor ao trabalho, à ordem, à disciplina, seja de seu espaço na
sociedade entendido como resultado do esforço individual, da tenacidade,
da vontade. Fruto da biologização e medicalização das práticas sociais, a
Educação Física foi estruturada a partir do ideário burguês de civilidade, de
um lado, conquista individual e mágica de sde física e de outro,
disciplinarização da vontade.
284
A seguinte afirmão de Fernando de Azevedo ilustra com clareza a idéia que ele e
seus pares faziam a respeito da educação física: “um organismo sadio e de
músculos adestrados é de certo mais fácil a moralizar do que uma máquina humana
enfraquecia e emperrada”.
285
Segundo Alcir Lenharo, o maciço aparecimento de revistas especializadas em
educação sica, no final dos anos 30, não era uma simples coincidência. Na
perspectiva do autor, o corpo “estava na ordem do dia”,
286
voltando-se a ele as
atenções. Ao analisar tal questão, Lenharo percebe que, exceto por algumas
variações, o conjunto de teses que enfatizaram a educação física abordavam três
questões básicas: “a moralizão do corpo pelo exercício físico, o aprimoramento
eugênico incorporado à raça, a ação do Estado sobre o preparo sico e suas
repercussões no mundo do trabalho”.
287
Os anos 30 marcam um momento em que o país define novos rumos. Por
meio de um processo de modernização, ocorre a modificação do perfil da sociedade
passando do perfil agro-exportador para um caráter urbano- industrial, ou seja, de
uma sociedade rural para uma sociedade urbana, onde a indústria aparecia como a
força motriz. Segundo Maria Luisa Santos Ribeiro, “[...] sob esse prisma, a opção
ditatorial (1937/45) explica-se como condição possível, dadas às circunstâncias do
284
AZEVEDO apud SOARES, Carmem L., op. cit., p.132.
285
Ibidem, p.133.
286
LENHARO, Alcir, op. cit., p.75.
287
Ibidem, p.77-8.
84
momento externo e, especialmente interno, de desenvolvimento de um modelo
capitalista industrial, mesmo que ainda dependente”.
288
Apesar de ser um assunto já largamente estudado e discutido, é necessário
lembrar que com a instauração do regime estado-novista a política educacional
brasileira sofre uma modificão. O ensino passa então a ser norteado pelas
diretrizes ideológicas presentes no regime, como a forte exaltação do nacional, uma
forte critica ao liberalismo, um sentimento anticomunista, valorização da indústria, do
ensino profissional, entre outros aspectos. Logo, “Sendo a escola um aparelho
ideológico de Estado, passou a sofrer, logicamente, os ajustes necessários para a
veiculação da nova ideologia dominante [...]. A excessiva ênfase dada ao ensino
cívico e a educação física foram os primeiros indícios desses ajustes”.
289
De acordo com Inezil Pena Marinho, a Constituição de novembro de 1937
deu, pela primeira vez na história nacional, posição de destaque à educação física
na carta magna brasileira. Segundo o artigo 127 da lei de número XXIV (diretrizes de
educação nacional), a infância e a juventude deveriam estar sob cuidados especiais
por parte do Estado, cabendo a este o dever de provê-las de conforto e de cuidados
indispensáveis à sua preservação física e moral. Dentre esses cuidados, a educação
física, juntamente com o ensino cívico e o de trabalhos manuais, tornam-se,
segundo o artigo 131 da citada lei, obrigatórios em todas as escolas primárias e
secundárias.
Muitas das medidas implantadas durante o período têm sua origem ainda no
governo provisório instalado pós-revolão de 1930, momento de ruptura com
relação a a então realidade política nacional. Dentre estas, estava a maior
inseão e sistematização dos exercícios físicos no meio escolar.
Em novembro de 1930, o citado governo provisório de Vargas cria o
Ministério da Educação e Saúde Pública. No ano seguinte, o então ministro
Francisco Campos, ao reformar o ensino secundário, torna obrigatório o ensino de
educação física. Segundo o decreto número 19.890, em seu nono artigo, “durante o
ano letivo haverá ainda, nos estabelecimentos de ensino secundário, exercícios de
educaçãosica para todas as classes”
290
. Segundo salienta Marinho,
288
Apud CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.82.
289
SILVA, Marinete Santos, apud CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.84.
290
Decreto 19.890 de 18/04/1930.
85
[...] a 30 de junho, o Ministério da Educação, nos termos do artigo 10 do
decreto n.19.890, expede os programas do curso fundamental do ensino
secundário, incluindo o de educação física. Todos os programas são
precedidos de uma orientação metodológica e a que diz respeito à
educação física é a seguinte: A Educação Física nos estabelecimentos de
ensino secundário em colaboração com as demais disciplinas do curso, tem
por fim proporcionar aos alunos o desenvolvimento harmonioso do corpo e
do esrito, concorrendo assim para formar o homem de ação, sica e
moralmente sadio, alegre e resoluto, cônscio de seu valor e de suas
responsabilidades .
291
A partir desse decreto, comam então a ser implementados em vários
estados brasileiros departamentos de educação física, agindo em caráter estadual e
subordinados às então secretarias da educação e saúde pública. Esses
departamentos estaduais foram o eixo central nas discussões realizadas na Secção
de Educação Física e Recreação no VI Congresso Nacional de Educação, realizado
no ano de 1933. Durante as discussões realizadas na citada seção, os debates
ocorreram em torno da seguinte questão: “Deverão os governos estaduais promover
a educação sica incluindo a administração desta órbita de ação das diretorias de
instrução pública ou dotando-a de órgãos especiais e autônomos?”. Tal
questionamento nos leva a crer que, de alguma maneira, a educação física desejava
ter uma relação de autonomia, dentro do possível, em sua relação com órgãos
governamentais, fato que, com a instalação do Estado Novo, tornou-se efetivamente
impraticável.
Entre 1934 e 1945, o Ministério da Educação e Saúde esteve nas mãos de
Gustavo Capanema, diretamente responsável por uma série de mudanças e
reformas implantadas no ministério. Com Capanema, a educação física foi
definitivamente institucionalizada no ensino civil”
292
. Entretanto, Celso Castro atenta
para o fato de que, apesar desse caráter civil, a relação entre a área militar e a
educação física durante a gestão de Capanema foi extremamente próxima
293
. Um
exemplo que pode ilustrar essa afirmação está no fato de que, em 1935, o exército
brasileiro, por meio do seu ministro da guerra, enviou ao MES o capitão Inácio de
Freitas Rolim com o claro objetivo de discutir um trabalho conjunto entre os dois
ministérios, na área de educação física.
291
MARINHO, Inezil P. Contribuição para a História da Educação Física no
Brasil. Rio de Janeiro: imprensa nacional, 1943. p.262.
292
CASTRO, op. cit., p.67.
293
CASTRO, op. cit., p.67.
86
Em 1937, com o advento do Estado Novo, temos uma reforma que reorganiza
os serviços do MES, criando a Divisão de Educação Física e subordinando a mesma
ao Departamento Nacional de Educação. Além disso, o Estado Novo foi diretamente
responsável pela obrigatoriedade da educação física em todas as instâncias do
ensino.
Conforme afirma Castro, o adestramento físico era mencionado como forma
de preparar a juventude para o cumprimento de seus deveres para com a economia
e a defesa da nação. A educação física tornou-se um dos principais elementos
“formadores” da juventude brasileira. Além desse caráter formador, a educação
física atuou tamm com um claro papel simbólico, ou seja, foi uma demonstração
prática do sucesso das medidas então empreendidas em relação aos jovens do
país.
Podemos observar um exemplo desse fato ao analisarmos um conjunto de
fotografias inserido em uma reportagem veiculada na Revista do Globo do s de
outubro de 1943, no qual foram reportados alguns momentos dos desfiles e das
comemorações referentes à semana da pátria organizados pela Liga de Defesa
Nacional e que envolveram estudantes do ensino blico e particular da capital
gaúcha.
294
A primeira imagem (Figura 1) que compõe a reportagem fotográfica apresenta
uma demonstração de educação física realizada no Campo de Pólo do Instituto
Porto Alegre (IPA) e, segundo o relato do Correio do Povo “constituiu magnífico
espetáculo de eugenia a parada de educação física realizada no campo de pólo.
Tomaram parte no empolgante certame de eugenia milhares de escolares dos
nossos colégios públicos, alunos dos cursos secundários”.
295
294
REVISTA do Globo, n.236, outubro de 1943.
295
Liga de Defesa Nacional. Diretório Regional do Rio Grande do Sul
Atividades de 1943. Porto Alegre : Impr. Of., 1944 p. 16
87
Figura 1 – Atividades no Campo de Pólo do Instituto Porto Alegre referentes a Semana da Pátria de
1943
Fonte: Revista do Globo, n.236, outubro de 1943
Em uma imagem que prima pela ordenação, organização e disciplina,
podemos perceber que a hierarquia espacial tem uma forte presença que os
alunos que comem a cena estão perfeitamente organizados, e nada parece fugir
do lugar. Assim alinhados, em posição que lembra a posição de sentido, utilizada
por militares, esses jovens nos o a clara impressão de estarem ali prontos para
defender a pátria, prontos para trabalhar pelo Brasil.
Helena Bonemy afirma que a associação entre educação e segurança
nacional tem sua origem no Brasil em momentos de política autoritária, quando a
educação é enaltecida como instrumento eficaz de controle. O discurso da
educação, nesse momento, “bate fortemente” nas teclas da educação e da
disciplina. Para Bonemy, é a necessidade de ordem e disciplina que define a
educação e suas características, no contexto abordado.
296
De certa maneira, essas
medidas tiveram o propósito de edificar uma nova realidade, planejada e pensada.
Assim, podemos dizer que a fotografia analisada vem carregada desses dois
“sentimentos”: ordem e disciplina.
Sem dúvida nenhuma, essa imagem vai ao encontro à idéia de Boris Kossoy
que, ao falar sobre a importância das imagens na construção de realidades,
comenta que “o processo de construção do signo fotográfico implica
296
BONEMY, HELENA, M, B. Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado
Novo”. In: PANDOLLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p.
88
necessariamente a criação documental de uma realidade concreta”
297
, neste caso,
uma realidade que inspira a ordem e a disciplina. Ainda utilizando Kossoy,
lembramos que o espaço e o tempo implícito no documento fotográfico
subentendem sempre um contexto histórico específico em seus desdobramentos
sociais, econômicos, políticos e culturais etc.”
298
. Como se trata do contexto estado-
novista, valores como a ordem e a força, elementos que visam a formar a juventude
brasileira, estão fortemente vinculados à representação imagética.
Outro ponto de extrema importância a ser observado nesta imagem diz
respeito à ausência da individualidade: os alunos estão ali como uma grande massa
coesa, o indivíduo é suprimido pela necessidade do Estado de impor seus valores e
suas necessidades. Dessa maneira, a imagem é retratada em um ângulo sob o qual
podemos ver o grande número de alunos postados, dando uma clara idéia de
imponência, de grandiosidade. Porém, em nenhum momento podemos ver os rostos
desses jovens, ou seja, como afirmamos acima, sua individualidade é negada.
A imagem dos alunos no campo de lo é tão bem construída que todos os
elementos que a compõe nos dão a idéia de um grande teatro, com seu roteiro
seguido à risca. Os alunos em sua formação organizada estão inseridos de uma
maneira que obedecem à organização espacial proposta, com linhas retas, espaços
definidos e uma sintonia com o fundo da cena, onde podemos identificar um
conjunto de casas. Tudo parece estar em seu lugar, assim como queriam Vargas e
seus intelectuais, cada brasileiro com o seu papel, com a sua posição, trabalhando
para o projeto modernizador do Estado Novo, formando esse novo homem, forte,
capaz e organizado.
Paulo Knauss, ao falar sobre o poder contido nas imagens e nos símbolos
expõe que “a imagem é capaz de atingir todas as camadas sociais, ao ultrapassar
as diversas fronteiras sociais pelo alcance do sentido humano da visão”.
299
A
afirmão de Knauss vai ao encontro daquilo que observamos na reportagem
fotográfica analisada. Nela, os textos têm pouca ênfase em comparação às imagens.
A segunda imagem que come a reportagem (Figura 2) recebe lugar de
destaque no conjunto. Retomando a afirmação de Mauad de que a imagem é
297
KOSSOY, Boris. Construção e desmontagem do signo fotográfico”. In:______. Realidades e
ficções na trama fotográfica. São Paulo: Cortez , 2004. p. 42.
298
Ibidem, p.42
299
KNAUSS, Paulo. “O desafio de fazer historia com imagens: arte e cultura visual”. In: ArtCultura ,v.8
n.12. p.99.
89
símbolo, sem dúvida nenhuma a imagem observada traz em si muito desse valor, o
valor simbólico. Trata-se de uma imagem cuidadosamente produzida, diferenciando-
se das demais neste aspecto, pois, apesar de todas as imagens estarem muito
bem concebidas, esta apresenta uma construção muito mais cuidadosa.
Figura 2 – Jovem moça e o pavilhão Nacional
Fonte: Revista do Globo, n.236, outubro de 1943
Aparentemente, a imagem nos fornece poucos elementos para a análise,
apenas dois, no caso a figura de uma jovem e o pavilhão nacional. Apesar disso, se
seguirmos aquilo que diz Miriam Moreira Leite, essa imagem nos fornece uma gama
de elementos sujeita a uma avaliação: “compreender por que e para que algumas
imagens foram construídas altera o conteúdo das imagens e amplia a visão desse
conteúdo”.
300
Naquilo que diz respeito ao uso da figura de uma jovem mulher, podemos
remontar ao que nos ensina Ana Cristina Arantes:
A mulher, mesmo da elite, considerada como a figura central da família,
responsável e geradora de crianças, o porvir da pátria, deveria ser a porta-
voz e praticante convicta desse novo ideário que incluía por certo a
300
LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. História e fotografia. In: Cultura Vozes. v. 86,
n. 3, maio/jun. 1992. Rio de Janeiro. p. 26.
90
implementação de cuidadosas práticas domésticas e as diferentes
atividades giminico esportivas. Desta maneira, a educação física articulada
à disciplina e à sde serviu como valoroso instrumento a normatização do
comportamento individual e coletivo. Entendeu-se que a prática sistemática
dos exercícios físicos poderia levar à padronização dos corpos, inclusive
para o mercado de trabalho alem de favorecer a manutenção de pessoas
muito saudáveis.
301
Outro ponto a ser destacado é a vestimenta usada por esta jovem, trazendo
as iniciais da então recente Escola Superior de Educação Física, a ESEF, criada no
Rio Grande do Sul no ano de 1940. A presença da sigla ESEF na imagem remete a
toda uma relação do Estado Novo com a educão física, relação essa já assinalada
anteriormente e que reforça a presença de tal sigla.
A imagem é captada em um ângulo (de baixo para cima) que nos à idéia
de que a jovem esali, imponentemente, em uma posão firme, demonstrando
sentimento de orgulho, zelando pelo pavilhão de sua pátria. Ao mesmo tempo em
que a jovem zela pela bandeira nacional, a maneira como ela está disposta ao fundo
nos passa a sensão de que ela protege a jovem, em um compromisso mútuo.
Carregada de forte sentido de brasilidade, essa imagem, mais do que a primeira,
traz uma forte carga de emão e de fortalecimento do sentimento nacional. É
importante lembrar que a partir de 1942, em função do ingresso do Brasil nos
conflitos referentes à Segunda Grande Guerra, as políticas nacionalistas têm um
aumento, sendo esse mais um motivo para a presença da bandeira nacional.
Mais uma vez, retoma-se a idéia muito trabalhada pelos intelectuais do
Estado Novo de que cada brasileiro deveria ter seu papel nessa grande família, cujo
pai era Getúlio Vargas. A legenda “A Mocidade Brasileira vibra de entusiasmo
durante a semana da pátria”, completa a imagem, reforçando, mais uma vez, o
espírito de participação intensa pretendido pela intelectualidade estado-novista.
Enfim, uma imagem de poucos elementos, porém de grande valor simbólico:
o papel da mulher nesse novo Brasil, a importância da educão física na formação
dos jovens Brasileiros e a presença do pavilhão nacional, o que dá ênfase ao
espírito nacionalista tão forte no Estado Novo e reforçado em função da Segunda
Grande Guerra.
301
ARANTES, Ana Cristina. “O corpo feminino: quesitos de representação de saúde e eugenia
praticadas em SãoPaulo no primeiro quarto do XX”. Anais do III Simpósio Nacional de História
Cultural. Florianópolis, setembro de 2006.
91
Na perspectiva de Castellani Filho, a promoção da disciplina, da moral e do
adestramento físico da juventude brasileira, primeiro papel da educação física,
serviria de caráter complementar: “sua razão de ser afinava-se com a necessidade
sentida de condicioná-la ao cumprimento dos seus deveres com o desenvolvimento
econômico brasileiro”.
302
Nessa perspectiva, coube tamm à educação física o
papel de formar não a infância e a juventude, mas também o de fornecer a mão-
de-obra necessária para o bom desenvolvimento industrial do país.
Com o processo industrial em desenvolvimento, o Brasil deparava-se com
dificuldades em dar vazão a esse crescimento. Conforme Castellani Filho,
[...] até então o Brasil vinha suprindo sua carência de mão-de-obra
especializada através de sua importação junto a países europeus. Era
também do mercado europeu que o Brasil encomendava os produtos
industrializados o produzidos ou produzidos em pequena escala por
suas indústrias.
303
Com a Segunda Guerra Mundial e a conseqüente destruição da Europa,
tornou-se inviável atender às necessidades internas, preservar, ampliar, melhorar a
produção industrial e atender às necessidades de consumo do mercado interno.
Assim, no ano de 1942, com a Lei Orgânica do Ensino Industrial, a educação
física tornava-se obrigatória na modalidade do ensino industrial. No ano de 1943, a
educação física torna-se também obrigatória no ensino comercial, pro meio da lei
orgânica responsável por essa modalidade educacional. Como afirma Castellani
Filho,
[...] a construção da nova mentalidade das classes trabalhadoras,
mencionada por Capanema, contou em sua edificação com os préstimos da
educação sica. A contribuição das atividades sico-esportivas para a
consecução dos objetivos enunciados por Capanema pode ser observada
na forma como o Diretor da Escola Nacional de Educação Física, Major
Inácio Rolim,em 1941,se expressou ao proferir palestra denominada
Educação Física nas Classes Trabalhistas’, por ocasião do Ciclo de
Conferencia promovida pela Associação Brasileira de Educação sica.
Atividades dessa natureza (exercícios, natação, box, ciclismo,remo) [...]
constituem oportunidades favoráveis para que o trabalhador possa levar a
efeito, íntima comunhão com seus camaradas e intima ligação com a
direção da empresa. O desporto serve admiravelmente para realizar o
supremo princípio da unidade da empresa, no sentido de uma verdadeira
comunidade. Graças a esta valiosa cooperação, manifesta-se um
conhecimento perfeito dos diversos elementos da mesma associação e as
302
CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.92.
303
Ibidem, p.93.
92
horas de recreação desportiva são de manifestações de grande
solidariedade [...].
304
Além dessa função “sociabilizadora”, Castellani Filho mostra que, na visão do
Major Rolim, a educação sica apresentava também uma função ‘compensatória’:
“O desenvolvimento e a conservação conscientes da capacidade de trabalho e da
saúde do operário, constitui para toda a sociedade econômica uma necessidade de
real importância”.
305
Ou seja, cabia à educação física a tarefa de restabelecer a
força, revigorar a saúde dos operários do meio fabril. Nesse sentido, o citado Major
Rolim afirmou que
[...] esta é a nova filosofia de vida e para ela pretendermos orientar a nossa
gente pela Educação Física. Ela nos proporcionará um desenvolvimento
muscular mais amplo, uma capacidade pulmonar maior, a circulação mais
ativa e a função digestiva mais regularizada, em síntese, o equilíbrio
orgânico. Intelectualmente, ela solucionará situações variadas que
requerem raciocínio, atenção, iniciativa, controle, meria e julgamento. [...]
Ela disciplina emoções, forja a personalidade desenvolve o caráter e as
demais qualidades que o elegem padrão de moral, de dignidades e de
virtudes.
306
Inezil Pena Marinho foi responsável por realizar, sob encomenda do Estado
Novo, uma obra em que realiza uma retrospectiva histórica acerca da educação
física no Brasil e afirmou que:
[...] foi no período de 10 de novembro de 1937 a 31 de dezembro de 1941
que a educação sica no Brasil atingiu o seu máximo desenvolvimento. A
ação fiscalizadora e orientadora da Divisão de Educação Física resolveu,
senão no seu todo pelo menos parcialmente, o problema da educação física
nos estabelecimentos de ensino secundário. A criação da Escola Nacional
de Educação sica e Desportos e de outras congêneres nos estados veio
acelerar, sobremodo a formação de pessoal especializado necessário à
orientação e controle das atividades neste setor educacional.
307
Apesar de ser necessário relativizar a afirmação de Marinho, pois se tratava de uma
obra oficial”, a ênfase na educação física durante o Estado Novo foi bastante
considerável. Podemos apresentar com segurança o seguinte fato como um
exemplo bastante ilustrativo: entre os citados anos de 1937 e 1941 foram
realizados, em todo Brasil, cerca de 1.260 trabalhos entre teses, comunicações,
304
CASTELLANI FILHO, Lino, op. cit., p.97.
305
Ibidem, p.97.
306
Ibidem, p.98.
307
MARINHO, Inezil P., op. cit.,p. 461.
93
conferências e afins, cujo tema central era a educação sica e suas variadas
aplicações práticas. Sem dúvida nenhuma, um número expressivo.
308
Com os
exemplos e fatos apontados, tentou-se dar uma breve idéia de quão importante foi o
papel da educação física bem como dos exercícios físico segundo a ótica dos
homens do Estado Novo.
3.2 COLÔNIAS DE FÉRIAS NO/DO ESTADO NOVO
Iniciamos este que é nosso último capítulo enfatizando a utilização da
educação física pelo regime estado-novista como uma ferramenta no objetivo de
promover a disciplina física e moral da parcela infanto-juvenil da população
brasileira. Logo, diversas foram as medidas formuladas e adotadas nesse sentido,
dentre elas, a realização de Colônias de Férias.
Com ênfase nas atividades que visavam à formação física e mental, as
Colônias de Férias foram instituições que, por meio de um programa de atividades,
muitas das quais com um caráter aparentemente recreativo, investiram na tentativa
de atingir seus participantes de maneira efetiva, já que os mesmos se davam
durante um curto peodo, 15 dias, sendo que, na maioria dos casos observados,
aqueles que as freqüentavam eram “bombardeadoscom uma série de informações
e ações recheadas de todo o conteúdo ideológico característico do regime.
Ao longo de nossa pesquisa, observamos a ocorrência de Colônias de Férias
implantadas pelo Estado Novo em, pelo menos, quatro estados da federação, o que
nos leva à conclusão de que tais colônias foram articuladas e sistematizadas de
maneira paralela em âmbito nacional. Além do Rio Grande do Sul, as colônias, até
onde pudemos detectar, desenvolveram-se no Rio de Janeiro, na Bahia e em São
Paulo, o que não exclui possibilidade da sua ocorrência em outros estados. Dentro
desse cerio, o estado gaúcho foi o primeiro a contar com uma dessas Colônias de
Férias, inaugurada em dezembro de 1938. Logo após, entre janeiro e fevereiro de
1939, inauguram-se as colônias no Rio de Janeiro e na Bahia:
A 16 de janeiro, o governo fluminense fez inaugurar nas cidades de Cabo
Frio e Vassouras colônias de férias na primeira matima e na segunda
montanhesa [...]. Em fins de janeiro e princípios de fevereiro, organiza-se na
308
MARINHO, Inezil P., op. cit., p. 461.
94
Bahia a Colônia de Férias do Bogaraí, que funciona em caráter
experimental tendo sido ótimos os resultados colhidos.
309
A proximidade na inauguração de ambas as colônias é mais um fator que
reforça a afirmação de que tal medida desenvolveu-se paralelamente em diferentes
estados. Ainda em 1939, porém, no mês de dezembro, inaugurou-se a Colônia
Marítima Álvaro Guo em Santos, estado de São Paulo. Essa colônia abrigou mais
de 300 crianças.
310
Apesar da ocorrência de Colônias de Férias em caráter nacional, nosso foco é
voltado ao estudo e à análise das Colônias de Férias desenvolvidas no Rio Grande
do Sul durante o período em questão. Isso se deve, principalmente ao fato de
residirmos no estado, o que, conseqüentemente, facilita o acesso às fontes
disponíveis. Assim, tentamos mostrar quais eram os principais objetivos, a quem se
destinavam e como se desenvolviam as Colônias de Férias em solo gaúcho.
3.3 ORIGENS: ALGUMAS OBSERVAÇÕES
Uma das questões a respeito das Colônias de Férias que desde o início de
nossa pesquisa tem chamado nossa atenção diz respeito às origens dessas
instituições. Definir com precisão a origem das Colônias de Férias é uma tarefa que,
pelo menos até este ponto de nossa dissertação, mostrou-se um tanto complicada.
O que fazemos neste momento é apresentar algumas hipóteses que, sem vida,
necessitam de uma pesquisa mais aprofundada e com um maior investimento de
tempo. Porém, se elas não elucidam a questão de maneira plenamente satisfatória,
ao menos podem ser consideradas como bastante plausíveis, e, de certo modo, nos
fornecem um norte para uma futura pesquisa.
A primeira idéia a respeito das origens das Colônias de rias a qual tivemos
acesso está inserida em um artigo veiculado no periódico porto- alegrense Correio
do Povo de 9 de dezembro de 1938.
311
De autoria de Poli Marcelino Espírito, médico
escolar, já referido, o artigo apresenta algumas considerações quanto ao surgimento
dessas citadas:
309
MARINHO, Inezil P., op. cit.,p. 461.
310
Ibidem, p.373.
311
Importante ressaltar que esse artigo é nossa primeira referência a respeito das
colônias no Rio Grande do Sul e que o mesmo é retomado posteriormente.
95
Realmente, datam de mais de 60 anos as primeiras instituições desse
gênero com objetivo de favorecer a saúde dos escolares. Foi Bion
312
, de
Zurich, que inicialmente teve a idéia de levar para as montanhas um grupo
de rapazes que sofriam os efeitos maléficos da vida sedentária e do
ambiente anti-higiênico que tinham na cidade. Foram notáveis os resultados
obtidos nesse primeiro ensaio e não tardaram outras cidades em seguir o
exemplo, na própria Suíça, na Alemanha, nos Estados Unidos e outros
países.
313
Segundo as palavras de Espírito, as colônias datavam de cerca de 60 anos
antes, ou seja, em torno do final do século XIX, momento em que se tem o
surgimento daquilo que é concebido como pedagogia ativista. Esse fato também
pode ser vinculado ao desenvolvimento das Colônias de Férias, pois a educação
ativa, entre outros pontos, valorizava a utilização de ambientes externos na
educação infantil.
Franco Cambi explica que a escola ativa afirmou-se no cenário da pedagogia
mundial entre a última década do século XIX e a terceira década do XX. Inserido no
movimento conhecido como ‘escola nova’
314
ou pedagogia contemporânea’ a
educação ativa ou pedagogia ativa é considerada por Lourenço Filho como um
sistema do movimento pedagógico acima citado. A escola ativa, ou ainda escola do
trabalho, segundo Lourenço Filho:
[...] concebe a aprendizagem como um processo de aquisição individual,
segundo condições personalíssimas de cada discípulo. Os alunos são
levados a aprender observando, pesquisando, perguntando, trabalhando,
construindo pensando e resolvendo situações problemáticas que lhes sejam
apresentadas, quer em relação a um ambiente de coisas, de objetos e
ações práticas, quer em situações de sentido social e moral, reais ou
simbólicas.
315
312
Provavelmente Espírito estava referindo-se a Wilfried Ruprecth Bion (1897-
1979), psicanalista britânico, kleiniano heterodoxo, que contribuiu para a
recuperação de indivíduos psicóticos. Consultar CABRAL, Álvaro; NICK, Eva.
Dicionário Técnico de Psicologia. São Paulo:Cultrix.
313
ESPÍRITO, Poli Marcelino. Colônia de Férias. Correio do Povo, Porto Alegre, 9 de março de 1938,
p. 9.
314
O movimento da Escola Nova ocorreu tanto em caráter nacional quanto
internacional, embora não se trate de fato do mesmo movimento. Não entraríamos
em detalhes para não cometer um erro.
315
LOURENÇO FILHO, Manuel. Bergström Introdução ao estudo da escola
nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea. 14. ed. Rio de
Janeiro : EdUERJ, 2002. p.233.
96
Essas ‘escolas novas’
316
, que se difundiram principalmente na Europa
ocidental e nos Estados Unidos, traziam a noção de que a infância era uma idade
pré-moral, pré-intelectual na qual “os processos cognitivos se entrelaçam
estreitamente com a ação e o dinamismo, o motor, como psíquico da
criança”.
317
A criança “ativa” deveria então ser de certa maneira afastada dos
vínculos da educação familiar tendo suas “inclinações primárias” manifestas. Cambi
informa que
[...] em conseqüência desse pressuposto essencial, a vida escolar deve
sofrer profundas mudanças: deve ser se possível afastada do ambiente
artificial e constritivo da cidade, a aprendizagem deve ocorrer em
contato com o ambiente externo, em cuja descoberta a criança está
espontaneamente interessada, e mediante atividades não exclusivamente
intelectuais, mas também de manipulação. Respeitando desse modo a
natureza global’ da criança que não tende jamais a separar conhecimento
e ação, atividade intelectual e prática.
318
Em sua obra Introdução ao estudo da Escola Nova, o citado Lourenço Filho
descreve uma série de experiências desenvolvidas dentro do contexto do referido
movimento pedagógico como, por exemplo, o “lar de educação no campo”. Fundado
em 1898, em Ilsenburg, na Alemanha, OS Landerziehungsheime, (lares da
educação no campo) foram, segundo Lourenço Filho, a primeira escola nova do
continente europeu.
319
Dentre os experimentos influenciados pelo ativismo, e que sem dúvida
podemos vincular às Colônias de rias, eso escotismo. Surgido no ano de 1908,
por iniciativa do ex-coronel inglês Robert Baden Powell, o escotismo teve sua
inspiração no colonialismo britânico, no qual, além do uniforme e da organização nos
moldes militares, preservou-se o espírito de aventura’. Na visão de Franco Cambi,
as principais relações entre o escotismo e a escola ativa são o vínculo com o
ambiente natural, o valor dado ao grupo, a iniciativa, a capacidade manual e aquilo
que define como “entusiasmo para aquilo que é selvagem”, característica essa,
segundo o autor, típica da idade juvenil. Outro ponto referido por Cambi a respeito
do movimento de Powell, e que de certa maneira se conecta às Colônias de Férias,
316
Ainda com relação à escola nova, é importante referi-se a figuras como Dewey, Kilpatrick,
Washburn, responsáveis pelo desenvolvimento do ativismo nos EUA, considerado por Cambi como
mais maduro.
317
CAMBI, Franco, op. cit., p. 514
318
Ibidem, p. 514-5. (grifos nossos)
319
LOURENÇO FILHO, Manuel, op. cit., 2002, p. 247-8.
97
refere-se ao empenho empreendido pelo escotismo na resolução do tempo livre
disponível aos jovens.
Muitas das características observadas na escola nova ou pedagogia
contemporânea se fazem presentes na obra Emilio de Rousseau, considerado como
“pai” da pedagogia contemporânea. Na ótica de Cambi, Rosseau foi responsável por
operar uma “revolução copernicana” na pedagogia pondo a criança no centro de sua
teoria, realizando-a em “simbiose perfeita como todo o seu pensamento de
moralista, de político, de filósofo da história e de reformador antropológico, com
aquele pensamento que se interroga sobre as origens do mal do homem”.
320
Rousseau vê em seu modelo, Emílio, a possibilidade de construir um homem novo,
natural e equilibrado. Dentre as diversas considerações elaboradas ao longo da obra
Emilio algumas em particular, ao menos neste momento, nos interessam mais.
na primeira parte de Emilio, Rosseau afirma que “é preciso que o corpo
tenha vigor para obedecer à alma, um bom servidor deve ser robusto [...]. Quanto
mais fraco é o corpo, mais ele comanda, quanto mais forte ele é, mais obedece. [...]
Um corpo fraco debilita a alma”.
321
Dentre essas observações, Rosseau dá destaque
aos exercícios físicos e, ao longo da segunda parte de sua referida obra, afirma a
importância dos mesmos: “Esses exercícios continuados, entregues assim à direção
apenas da natureza, ao fortalecerem o corpo, não somente não embrutecem o
espírito como, pelo contrário, forma em s a única escie de razão de que a
primeira idade é capaz, é a mais necessária a todas as idades”.
322
Segundo seu entendimento, a primeira noção de razão desenvolvida pelo
homem seria a razão sensitiva, obtida por meio dos movimentos, daí a importância
dos exercíciossicos, como os jogos, por exemplo, considerados por Rosseau como
algo extremamente útil e divertido. Ainda naquilo que diz respeito aos exercícios
físicos, o autor expôs que se devem priorizar aqueles em que o corpo se movimenta
sem o uso da força, ou seja, naturalmente. Dessa maneira, por meio de uma subida
em uma escada a fim de buscar frutas, ou de uma corrida, obter-se-ia da criança
mais facilmente o objetivo de exercitá-la. A obra Emílio ainda aborda uma série de
pontos que, de certa maneira, es vinculada à nossa pesquisa como questões
ligadas à higiene, alimentação, entre outros pontos.
320
CAMBI, Franco, op. cit., p. 343.
321
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, da educação. São Paulo: Martins
Fontes,1999. p.141.
322
Ibidem, p.129-30.
98
Além de todos esses exemplos ilustrados aaqui (escotismo, Escola Nova,
etc.), podemos também vincular a origem das Colônias de Férias às primeiras
instituições de auxílio à infância desenvolvidas no continente americano. Segundo a
Revista de Educação Pública
323
, no ano de 1601, com a promulgação da lei dos
pobres na Inglaterra, cada comunidade passou a cobrar uma taxa para auxiliar
crianças desamparadas. Com isso, as ações para o auxílio delas ocorreram de
quatro maneiras: fazendo essas crianças aprendizes de algum ofício, prestando-lhes
assisncia, auxiliando seus lares, e a partir da ação de casas de caridade.
No ano 1697, foi desenvolvida, na então colônia britânica de Boston, a
primeira casa de caridade voltada a crianças no continente americano. Essas casas
de caridade, ao menos em um primeiro momento, tinham tanto um papel assistencial
quanto um papel de “aprendizado industrial, ou seja, preparavam mão-de-obra. Por
volta de 1823, desenvolvem-se no estado de Nova York casas de caridade, as
almshouses, destinadas a amparar e educar crianças abandonadas. É necessário
afirmar que até esse momento muitas dessas casas de assistência eram de caráter
misto, pois, além de atenderem crianças, tamm davam assistência a pessoas de
todos os tipos “lunáticos, idiotas e enfermos”. Entretanto, na primeira década do
século XIX, percebe-se um movimento a fim de separar crianças e adultos. Em
1876, é criada em Nova York uma lei que proíbe a colocação de crianças junto com
adultos, ocorrendo em alguns casos a separação entre as próprias crianças, com o
afastamento de crianças consideradas defeituosas das demais.
Pouco a pouco, os serviços de assistência à criaa começam a se organizar
cada vez mais, e não tardam em surgir instituições que podem, guardadas as
proporções, ser consideradas como embriões daquilo que viriam a ser as colônias
de rias: “são as necessidades individuais da criança que devem servir de base
para o planejamento do programa que visa desenvolver suas aptidões naturais no
sentido de torná-la um ser útil a si mesma e a pátria”.
324
Dentre as instituições que podemos considerar como embrião das colônias de
férias, destacamos a Sleighton Farm, a Bethesda Christian Children House e o
Boystown. A Sleighton farm era uma instituição destinada a meninas delinqüentes
da cidade de Darlington, próxima a Filadélfia. Fundada em 1828, a farm servia,
323
REVISTA de Educação Pública, v.III, n.11. Rio de Janeiro, julho-setembro 1945,
p. 343.
324
Ibidem.
99
como um instrumento de “adestramento” dessas meninas, e, após o período de
permanência, elas seriam encaminhadas a serviços “úteis à sociedade”.
325
A
Bethseda Christian Children House recebia meninas brancas e protestantes, entre
12 e 18 anos. Elas eram dividas em pequenos grupos, recebendo a partir daí
cuidados e orientações essencialmente familiar. Já o Boystown era uma instituição
católica, localizada no estado de Nebraska que, além de meninos americanos,
recebia tamm meninos do México, Canadá, Porto Rico e outros países vizinhos.
Fornecendo alimentação e abrigo, o Boystown tamm cumpria o papel de formação
de mão-de-obra.
Apesar de consideráveis diferenças, podemos, de certo modo, relacionar a
série de instituições referidas às Colônias de Férias, pois ambas, dentro de seus
objetivos específicos, possuíam um claro papel de ao menos tentar enquadrar e
normatizar esses jovens e crianças, de uma maneira ou de outra, inserindo os
mesmos no seio da sociedade. No entanto, uma instituição em especial pode ser
considerada como a que originou ou influenciou decisivamente o surgimento das
colônias de férias os Camp Fires. Dentre suas atuações na Sociedade Eugênica
de São Paulo, o referido Fernando de Azevedo sugeriu a adoção no Brasil de
sociedades com ênfase na educação física para moças como as existentes em
países como os Estados Unidos, os camp fires. Segundo Azevedo, os camp fires
[...] têm como um de seus intuitos primícias desenvolver, por meio da
higiene e trabalhos de campo, corpos sadios e bem trabalhados, nervos
postos a prova para a realização do propósito do amor e do papel bio-
educativo que lhes esta destinado. Estes objetivos que se relacionam
visceralmente com a maternidade mostram à primeira vista [...] ser a
eugenia a base admirável da instituição americana, por cuja iniciação cerca
de 50 a 70 mil moças as chamadas jovens de camp fire que já
usufruem os múltiplos benefícios do ambiente higiênico do campo,
partilhando o tempo entre os exercícios de bola, remo e natação e estudos
práticos sobre a formação e direção do lar.
326
O camp fire surge no ano de 1910, na região de Vermont, Estados Unidos.
Desenvolvido pelo médico americano Luther Gullick e sua esposa Charlote, o camp
fire se definia como a primeira organização não-sectária dos Estados Unidos. Com
relação ao nome camp fire, ou acampamento do fogo, Gullick justificava sua escolha
devido ao fato de fazer referência às primeiras comunidades de vida doméstica que,
325
REVISTA de Educação Pública, vol.III, n.11, Rio de Janeiro, Julho-setembro
1945. p.359.
326
AZEVEDO apud SOARES, Carmen Lúcia, op. cit, p,123.
100
segundo ele, se desenvolveram a partir do controle e do manejo do fogo. Em 1912,
o camp fire foi incorporado na capital Washington e passou a ser uma agência
nacional. O camp, que originalmente atendia somente moças, passou a atender
rapazes somente no ano de 1975. Existentes até hoje, atendem cerca de 700.000
crianças e jovens anualmente e ocorrem em praticamente toda a América do
Norte.
327
Esses foram alguns fatos e aspectos encontrados por s que, como
referido, não esclarecem totalmente a questão em torno da origem das Colônias de
Férias, mas, de alguma maneira, contribuem para uma futura resposta para a
questão.
3.4 COLÔNIAS DE FÉRIAS NO ESTADO NOVO: O CASO GAÚCHO
Como afirmado anteriormente, até onde foi possível investigar, as Colônias de
Férias implantadas durante o Estado Novo foram instaladas primeiramente no
estado do Rio Grande do Sul. Entre os anos de 1938 e 1945, foram 16 as Colônias
de rias realizadas no estado, sendo o mero de alunos participantes superior a
1.000 .
328
Inicialmente, as Colônias de Férias gaúchas estiveram sob a supervisão
direta da Secretaria de Educação e Saúde Pública. Entretanto, no ano de 1941,
ocorreu a criação do Departamento Estadual de Educação Física, logo as Colônias
passaram à responsabilidade da Divisão cnica do referido departamento, que,
além das Colônias de Férias, foi responsável por orientar e fiscalizar a prática da
educaçãosica, bem como os serviços de recreação escolar.
Além da referida divisão, o Serviço de Higiene Escolar, parte integrante do
Departamento Estadual de Saúde, tamm desempenhou importante papel no
funcionamento das Colônias, principalmente na seleção dos escolares considerados
próprios a participar de tal empreendimento. Em um primeiro momento, as verbas
destinadas às Colônias de Férias provinham de loterias desenvolvidas no estado:
“Com esse objetivo, o interventor federal, na distribuição do saldo da verba de
‘Loterias’ em janeiro último, destinou, na distribuição daquela verba, a importância
327
Informações obtidas no site http://www.campfire.org/all_about_us/history.asp
328
Com relação ao número de participantes, podemos afirmar que entre os anos de
1938 e 1943 foram 791 os colonianos, informações obtidas nos Relatórios de
Coelho de Souza.
101
de 100 contos de reis”.
329
Porém, com a criação da Legião Brasileira de Assistência,
as colônias passaram a ter o seu financiamento vinculado a tal órgão
330
:
As colônias de férias atuais serão financiadas pela LBA, que presidida pela
exma. Senhora Dona Avani Cordeiro de Farias e dando cumprimento ao
seu vasto programa de ação se está entregando a uma intensa obra de
benéficos social. [...]. A LBA, colaborando nessa iniciativa, comunicou a
Secretaria de Educação que fornecerá os recursos para as despesas extra-
ordinárias desse serviço de férias como o pagamento de gratificações.
331
Dentre os diversos nomes diretamente ligados ao desenvolvimento das
Colônias de Férias, Poli Marcelino Espírito, professor da Escola Superior de
Educação Física e diretor do citado Serviço de Higiene Escolar, teve destaque
especial. Considerado como um dos pioneiros da medicina escolar no estado
gaúcho, foi de Espírito a autoria de uma série de artigos a respeito das colônias.
Dentre estes, o citado artigo veiculado no Correio do Povo do dia 9 de dezembro de
1938, no qual tal medida fora apresentada à sociedade: “No início, as famílias
receavam permitir a ida dos filhos nestas Colônias. Marcelino, escrevendo no
Correio do Povo a respeito das mesmas, levou o povo a conhecê-las e valorizá-
las.
332
Segundo a biografia de Poli Marcelino Espírito, as Colônias de Férias eram
desenvolvidas no estado antes do regime estado-novista. Porém, essas colônias
eram de caráter particular: “O velho professor Black costumava levar turmas de
colégios particulares para fora, a fim de passarem alguns dias de férias. Da mesma
forma agia o professor Gaelzer, que levava alunos de Grupos Escolares para a praia
da Tristeza”.
333
Apesar disso, é certa a existência de Colônias de Férias anteriores às do
período analisado neste trabalho. Pelo menos desde a década de 1920, tal medida
se desenvolvia em solo gaúcho. Como foi possível observar em um anúncio
veiculado no Correio do Povo do dia 25 de dezembro de 1927, foram oferecidas
329
COLÔNIA de Férias. Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de janeiro de 1939, p. 9.
330
Com relação à ação da LBA nas Colônias, as informações são escassas.
331
COLÔNIA de Férias. Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943, p. 4.
332
SCHNEIDER, Regina Portella. Poli Marcelino Espírito: pioneiro da medicina
escolar do Rio Grande do Sul. Evocações de uma vida. Porto Alegre, Martins
Livreiro, 1986. P. 79.
333
É importante ressaltar que a citada obra biográfica não nos forneceu nenhuma
referência a respeito das afirmações acima. Logo, as mesmas devem ser levadas
em consideração com alguma restrição.
102
vagas para o Balneário Infantil A. Menegatti, apresentado como o único do gênero
no Brasil. Segundo o referido anúncio, o balneário oferecia
[...] alimentação abundante, sã e variada como exigem os preceitos para
uma cura perfeita de banho de mar. Vigilância ativa e afetuosa. Passeios
higiênicos. Dormitórios arejados e bem iluminados. Espaçosa sala de jantar.
Setenta metros de avarandados para os passeios dos meninos. Farmácia
própria.
334
Apresentado como sucursal de veraneio do Instituto Médio Ítalo-Brasileiro, o
Balneário A.Menegatti recebia crianças de todas as nacionalidades, o que nos leva a
crer que, até aquele momento, as colônias particulares eram instituições voltadas às
populações oriundas de países estrangeiros, como alemães e italianos.
Outro ponto extremamente importante a respeito das Colônias de Férias são
os aspectos geográficos e climáticos. O clima era considerado como fator de grande
importância na regeneração física e mental: “O clima é um coadjuvante do
crescimento da infância e a par de sua influência higiênica e profilática, ainda exerce
no organismo uma determinada influência terapêutica”.
335
Segundo os responsáveis
pela instalação das Colônias no estado, o Rio Grande do Sul possuía elementos
geográficos de excelentes climas para a instalação relativamente fácil de colônias
capazes de abranger quase toda a infância”
336
. Cada um dos tipos climáticos
possuía suas características e finalidades específicas: Possuímos de fato o clima
sedativo de planície o clima repousante das altitudes, o clima ozonizado marítimo
climas luminosos, de condutibilidade elétrica de irradiação com os requisitos
essenciais de ambientes bons tonificantes e reanimadores.
337
Logo, cabia ao estado disponibilizar tais condições à infância: “que os
reclama, que os exige que não possa dispensá-los nos períodos de crescimento nas
etapas criticas de desenvolvimento integral
338
. Na perspectiva adotada, o clima
possuía importância similar a alimentação nas questões relativas ao crescimento:
Desse ponto de vista o problema do clima bastante assemelha se ao
problema da alimentação como corroboradora do crescimento. Existem os
produtos de taxas nutritivas por todo o território nacional, todos eles
suscetíveis de um cultivo econômico e barato. Contudo, encontram-se eles
334
CORREIO do Povo. Porto Alegre, 25 de dezembro de 1927.
335
COLÔNIAS de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 de março de 1939, p.5.
336
Ibidem.
337
COLÔNIAS de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 de março de 1939, p.5.
338
Ibidem.
103
na sua maioria muito afastados das classes pobres onde mais se revela o
desolante panorama da subalimentação do nosso povo.
Assim também o problema do clima. Possuímos os climas benéficos sob as
suas varias modalidades coadjutoras da educação orgânica, fisiológica e
higiênica da infância como dos adultos.
339
Segundo Maria Helena Câmara Bastos, as Colônias de Férias
[...] são estimuladas e promovidas pelas autoridades educacionais com
duplo objetivo: buscar o aperfeiçoamento físico, moral e mental da clientela
escolar pela educação higiênica e alimentar, e ser uma demonstração da
obra educacional do Estado quanto à nacionalização das comunidades
estrangeiras.
340
Ao longo de nossa pesquisa, foi possível constatar que, de fato, a
regeneração física e mental dos escolares foi o principal foco das Colônias de
Férias. O segundo ponto enfatizado por Bastos, a nacionalização das comunidades
estrangeiras, não deve de maneira alguma ser desvinculado das medidas
educacionais postas em prática nos anos de Estado Novo. Entretanto, ao
consultarmos nossas fontes, o foi possível observar nenhuma referência direta a
tal questão. Logo, ao menos neste momento, o investiremos neste sentido.
341
Além dos objetivos descritos, as Colônias de Férias surgiram como uma solução
para um anseio presente entre os educadores do período, anseio este referente ao
bom aproveitamento das férias escolares.
Assim, tentamos, por meio de informações recolhidas no periódico porto-
alegrense Correio do Povo e na Revista do Ensino, abordar alguns aspectos que
nos permitam definir com maior clareza questões vinculadas aos objetivos das
Colônias de Férias. Segundo o doutor Poli Marcelino Espírito, “[...] os proveitos
auferidos pelos escolares no seu estado físico, na regeneração de energias no
estímulo geral que recebem são altamente compensadores. É por esse motivo que
o governo do Estado, em boa hora, resolveu a realização desse empreendimento de
elevada utilidade”.
342
As Colônias de Férias foram apresentadas para a sociedade gaúcha como
um dos métodos mais “modernos e aperfeiçoados da pedagogia”, e que viriam a
339
COLÔNIAS de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 de março de 1939, p.5.
340
BASTOS, Maria Helena Câmara, op. cit., 2005, p. 226.
341
Mister é ressaltar que o estamos com isso discordando de tal afirmação, apenas não
abordaremos o referido aspecto por falta de elementos mais precisos e contundentes.
342
ESPIRITO,Poli Marcelino. Colônias de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre: 9
de dezembro de 1938, p. 5.
104
influenciar na formão física e moral da infância do estado. Nota-se, portanto, a
vinculação de aspectos ligados à formação física e moral, denotando uma clara
intenção de uma ão completa, integral e totalizante sobre o educando, prática
essa comum à ideologia estado-novista: “representa a colônia de férias o
complemento necessário à educação total da criança mantendo-a sob a vigilância
direta dos educadores cultivando nelas o sentimento de disciplina e sociabilidade”.
343
Apresentando preocupações ligadas à alimentação, à prática de exercícios
físicos e ao desenvolvimento de aspectos morais, é possível detectar no
desenvolvimento das Colônias de Férias traços do discurso eugênico higienista:
A divulgação dos benefícios e mobilização de recursos facom que seja
sempre crescente a prática dessas vilegiaturas, até conseguir-se um
verdadeiro êxodo da população escolar das cidades de populações
aglomeradas em busca de um retemperamento de saúde e reparação de
energias. Com o desenvolvimento que vem tendo o sentido da educação
integral e da higienizão das coletividades, hão de surgir estabelecimentos
com instalações apropriadas aos vários dos casos que existem no seio da
população infantil e que exigem cuidados especiais. Será possível assim
regular e hígido desses organismos e evolução com atenção particular a
cada individuo o que trará benefícios incalculáveis para o fortalecimento
da raça.
344
Fortalecer a raça, regenerar corpos e mentes, prepará-los para o ano letivo
vindouro, esse era o principal ponto a ser buscado com as Colônias de Férias.
Dessa maneira, desenvolveu-se uma série de dispositivos e de práticas, a serem
analisadas posteriormente, a fim de obterem-se elementos mais sadios, robustos e
integrados com o regime vigente:
Nas colônias, serão eles alvo de rigoroso controle por parte dos dietistas do
DES recebendo alimentação adequada. O objetivo dessas estações de
férias como declarou o Secrerio da Educação à nossa reportagem é
preservar de maiores males a saúde dos escolares subnutridos e prepará-
los para os trabalhos futuros[...]. Da mesma sorte, crianças de nutrição
deficiente vão encontrar nessas colônias de férias uma possibilidade de
melhorar pelo estimulo geral que recebem.
345
Além do aspecto exposto, vinculado à formação dos escolares, os problemas
decorrentes da má alimentação e das más condições de saúde eram, segundo a
343
COLÔNIA de Férias A seleção dos escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 4
de janeiro de 1939, p. 5.
344
COLÔNIA de Férias – A seleção dos escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 de janeiro de
1939, p. 5.
345
COLÔNIAS de Férias para escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 21 de janeiro de
1942, p. 5.
105
percepção dos responsáveis pelas Colônias, uma das causas da evasão escolar.
Logo, tais instituições solucionariam, ao menos parcialmente, tal problema: “As
colônias vieram solucionar em parte o problema da freqüência, pois grande era o
número de escolares que, devido ao precário estado físico, abandonavam os
estudos.”
346
Como afirmamos anteriormente as Colônias de Férias, além de investir na
regeneração física e mental de seus participantes, visavam ao preenchimento da
lacuna deixada pela ausência da escola durante o período de férias. Por meio da
referida medida, pretendia-se estender a presença da escola, esticar o braço do
Estado até o período dedicado à pausa escolar.
Para melhor avaliar esse aspecto, recorremos a um artigo de autoria do
médico escolar Gaspar Ochoa, veiculado na Revista do Ensino no s de maio de
1942. Segundo Ochoa, a má utilização das férias apresentava-se como uma mazela
educacional a ser combatida, já que, em seu ponto de vista, a pausa escolar
representava um grave risco na formação dos escolares. Fica clara aqui a
preocupação em “não por a perder” em poucos meses todo o trabalho desenvolvido
ao longo do ano letivo: “Apontavam-se então, os perigos das férias passadas nos
centros urbanos sem a supervisão da Escola, durante três longos meses de
inatividade”.
347
Como solução para tal problema, Ochoa aponta a utilizão de
Colônias de Férias e instituições similares: “Com respeito ao melhor aproveitamento
das férias escolares, citam-se as escolas especiais, acampamentos e colônias”.
348
Na perspectiva de Gaspar Ochoa, afastadas da presença da escola, as
crianças nada lucrariam tanto naquilo que diz respeito à saúde e ao
desenvolvimento físico, quanto naquilo que define como repouso intelectual. Outra
preocupação do citado médico escolar eram os riscos relativos a situações às quais
as crianças seriam submetidas quando afastadas do ambiente escolar:
E o que indubitavelmente é muito pior, podem adquirir maus hábitos,
tornaram-se indolentes irasveis, invejosos, quando não são vitimas
imbeles dos instintos baixos e primários. Por motivos óbvios, esses
inconvenientes verificam-se principalmente entre a população infantil dos
bairros menos favorecidos pela fortuna.
349
346
VIDA e saúde para as crianças que estudam. Correio do Povo. Porto Alegre, 23
de dezembro de 1943, p. 7.
347
OCHOA, Gaspar. “Colônia de Férias”. Revista do Ensino, n. 25, v.7, Maio de 1942, p.6.
348
Ibidem.
349
Ibidem.
106
Finalizando sua exposição, Ochoa reafirma que “para evitar esses males e
prolongar a influência educativa da escola, nutrindo espiritualmente as crianças e
fortalecendo-as fisicamente, nada melhor do que a colônia de férias”.
350
A
preocupação de Ochoa parece estar em sintonia com os demais educadores do
centro do país, como podemos perceber nas palavras de Oliveira Melo, médico do
serviço médico pedagógico do instituo da educação da então capital federal, Rio de
Janeiro. Com o título de “O problema das férias dirigidas”, Melo expõe preocupações
muito parecidas com as de Ochoa e, assim como seu par gaúcho, também vê nas
Colônias um solução para tal anseio:
O melhor aproveitamento pelos escolares dos períodos destinados às férias
é preocupão permanente de todos os que se interessam pelos problemas
educativos. De modo geral, todas as crianças devem passar as férias em
clima conveniente e submetidos a regime que lhes permita recuperar as
energias gastas durante o ano letivo, em que obedecem geralmente a
diretrizes mal fixadas, que lhes determinam carências orgânicas com
reflexos prejudiciais até no campo intelectual.
351
Apesar da pretensão de atingir amplamente os escolares com as Colônias de
Férias, uma série de limitações tornou tal tarefa restrita. É bem provável que essas
limitações estariam vinculadas a questões referentes a verbas, espaço físico, falta
de pessoal especializado, dentre outras. Segundo expôs Poli Marcelino Espírito:
“Não podendo no momento executar um êxodo geral dos escolares para o campo
serra ou mar, forçoso é proceder a um trabalho de seleção prévia, para que os
benefícios que decorrem dessas colônias sejam alcançados de maneira mais útil”.
352
Assim, como foi possível observar, a escolha dos colonianos dependia de uma
prévia seleção, que obedecia a uma série de critérios definidos.
Duas matérias, uma veiculada no Correio do Povo, de 4 de janeiro de 1939, e
a outra na Revista do Ensino do mês de dezembro de 1940, m como foco principal
a seleção dos escolares para as Colônias de Férias, nos fornecendo elementos de
grande valia para a compreensão de tal processo. Segundo nos informa o Correio
do Povo, as Colônias derias só permitiriam a participação de crianças que
tivessem em seu perfil a clara capacidade de submeter-se a regras comuns, sendo
esse um dos critérios a serem considerados. Após isso, há referência à exclusão de
350
REVISTA de Educação Pública, v.III, n.11. Rio de Janeiro,1945. p.195.
351
Ibidem, p.196.
352
ESPÍRITO, Poli M. A seleção dos escolares para as Colônias de Férias.
Revista do Ensino. n.16, dezembro de 1940.
107
alunos portadores de moléstias contagiosas, notando-se aí uma clara proteção à
coletividade, bem como a não inclusão de crianças “portadoras de afecções que
embora não contagiosas exijam cuidados especiais, como sendo cardíacas
asmáticas que estão sujeitos a crises de maior ou menor gravidade”.
353
Distúrbios de
natureza psíquica também eram levados em consideração, sendo esses escolares
considerados incompatíveis com esses veraneios coletivos”. Em resumo: “os
escolares anêmicos, os débeis, de desenvolvimento retardado, físico e pquico, os
linfáticos, os fadigados são esses os grandes beneficiados por essas
organizações”.
354
Fica assim evidente que o primeiro critério a ser considerado
vinculava-se a fatores médicos/clínicos: “O critério adotado na seleção dos
discípulos baseou-se nos exames médicos a que foram submetidos todos os
candidatos. Os que necessitavam imediatamente de cuidados e tratamento é que
forma escolhidos”.
355
Tais informações eram via exames e fichamentos médicos dos escolares.
Esses exames, largamente utilizados dentre as práticas de saúde infanto-estudantil,
foram desenvolvidos pelo Serviço de Higiene Escolar:
A escolha dos pequenos colonianos é feita de acordo com a observão do
Serviço de Higiene Escolar, com a necessidade individual de repouso que
uma alimentação especial e a vida ao ar livre poder dar para restaurar o
organismo infantil de forma a estarem os escolares em condições de
obterem o rendimento máximo em seus estudos no futuro ano letivo.
356
Os referidos exames e ou fichamentos médicos ocorriam de maneira
sistemática sendo observadas diversas áreas a respeito da sde do escolar como
tomada de peso, altura, acuidade visual e auditiva, “fatores sensoriais de primeira
importância para a aprendizagem
357
. Eram realizadas tamm inspeções nas
cavidades bucais e nasais, examinados os olhos, ouvidos, enfim, uma minuciosa
investigação a fim de detectar-se “possíveis transtornos que prejudiquem o aluno”.
358
Sem dúvida nenhuma, o critério médico possuía grande preponderância, porém não
era o único a ser levado em consideração, como podemos perceber na seguinte
353
COLÔNIA de Férias – A seleção dos escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 de janeiro de
1939, p. 5.
354
Ibidem.
355
COLÔNIAS de Férias para os escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 21 de janeiro de
1942, p. 5.
356
COLÔNIA de Férias para pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 15 de janeiro de 1941, p. 2.
357
Ibidem.
358
SCHNEIDER, Regina Portella, op. cit., p. 72-3.
108
afirmão: “se for adotado somente o critério médico, a seleção não será
satisfatória, pois há necessidade de considerar o conjunto de circunstâncias de cada
aluno”.
359
De acordo com Espírito, tanto professores quanto diretores dos grupos
escolares possuíam as condições de verificar quais eram essas circunstâncias,
definindo quais alunos realmente necessitavam das Colônias de Férias. Nesse
sentido, Espírito afirmou que
[...] quem melhor pode apreciar os diversos elementos para a seleção dos
escolares são os professores e diretores dos estabelecimentos de ensino.
São eles que pelo trato diário com as crianças durante todo o ano podem
melhor aquilatar das necessidades de cada aluno. Eles chegam a conhecer,
na generalidade dos casos, a condição de seus alunos, sabem as
atividades que cada um exerce fora da aula o que lhe custa de energias
esse trabalho, que muitas vezes representa o ganho do próprio sustento, e
a influencia que tem no aproveitamento escolar.
360
Dessa maneira, o Serviço de Higiene Escolar elaborou uma lista com uma
série de critérios a serem observados nos grupos escolares, contendo as seguintes
informações:
a- o nome do aluno
b- residência
c- sexo
d- cor
e- idade
f- grau de necessidade
g- observações
Tais informações possuíam objetivos específicos. O item referente à
residência visava à verificação das condições domésticas de cada aluno, ponto
muito importante, já que tal fator incidiria diretamente na questão higiênica sanitária:
“É o caso, por exemplo, de uma engomadeira que passa a roupa a ferro no quarto
359
ESPÍRITO, Poli M., op. cit.
360
Ibidem.
109
de dormir (como tivemos a oportunidade de observar), trazendo graves
inconvenientes para a saúde e conseqüente falta de aproveitamento escolar”.
361
A indicação do sexo tinha como objetivo a separação de colônias masculinas
e femininas, mas, apesar disso, observamos a existência de colônias mistas. Já o
item idade visava à formão de grupos homogêneos nesse sentido. O penúltimo
item a ser considerado levava em consideração o grau de necessidade de cada
aluno, composto por uma gama de fatores, alguns aqui expressos:
O critério seguro do professor, analisando os elementos influentes, é que
vai permitir reconhecer que certo aluno tem necessidades maiores que
outros de participarem das Colônias de Férias. É difícil definir com exatidão
esse grau de necessidades, mas o professor e a direção do
estabelecimento, com o conhecimento que tem dos alunos podem
balancear as circunstâncias de cada um e assim chegar a classificar com
bastante precisão o referido grau de necessidade percebendo que certos
alunos devem ter preferências sobre os outros para serem incluídos nas
Colônias de Férias.
362
o ultimo critério, denominado ‘observações’, possuía a função de consignar
toda a informação útil que poderia ser prestada por professores e diretores:
Tal por exemplo o caso do aluno conviver com tuberculoso ou de ter tido
difteria ou dessentiria, referindo nesses casos a época em que teve a
moléstia, ou ainda se teve outras doenças contagiosas recentemente como
coqueluche, caxumba, etc. Compreende-se a grande importância que
encerram essas informações, pois visam evitar que haja na Colônia de
Férias algum foco de contágio para as crianças.
363
Essa lista tamm se prestava a informar hábitos insalutares dos escolares,
como fumo, bebida, possíveis furtos, entre outros. Outra indicação que merecia
destaque dizia respeito a hábitos considerados imorais como: “crianças que
empregam freqüentemente palavras obscenas ou que têm atitudes inconvenientes
com seus companheiros, meninos que não tem compostura digna com as meninas
ou mesmo com os rapazes, alunos que têm práticas imorais”.
364
Importante ressaltar
que crianças possuidoras de tais hábitos estariam impossibilitadas de participar das
Colônias de Férias, pois de alguma maneira poderiam vir a influenciar seus colegas,
percebendo-se mais uma vez a proteção ao coletivo.
361
ESPÍRITO, Poli M. A seleção dos escolares para as Colônias de Férias.
Revista do Ensino, n.16, dezembro de 1940.
362
Ibidem.
363
Ibidem.
364
ESPÍRITO, Poli M., op. cit., 1940.
110
Após a realização dessa série de exames e de observadas as demais
condições, o Serviço de Higiene Escolar partia para a preparação dos colonianos
paras as Colônias de Férias:
De posse dessas indicações com esses informes o Serviço de Higiene
Escolar, que tem grande número de alunos examinados de saúde, fará o
controle médico e preparará os candidatos para as Colônias de Férias,
vacinando-os contra as moléstias do grupo coli-tifo-disentérico, tratando as
parasitoses da pele e do couro cabeludo, determinando para cada aluno a
localidade que mais lhe convém tomando, enfim, todas as providências para
que se colham dessas Colônias o maior proveito.
365
A escolha pautada em critérios clínicos não possuía apenas a função de
perceber quais os alunos que necessitariam ou não de tal medida, tal critério definia
tamm a localidade ideal para cada coloniano. Como fora referido anteriormente,
os climas de serra e mar eram considerados extremamente salutares no que diz
respeito a questões referentes à regeneração física e mental. Logo, cabia ao critério
médico a definição para qual colônia o aluno seria enviado:
Por intermédio do serviço de medicina escolar, as crianças fracas e
necessitadas de um tratamento seguro são destacadas para as Colônias de
Férias escolhendo-se para elas a serra ou mar conforme a disposição física
de cada uma. Essas crianças foram selecionadas pelo Serviço de Higiene
Escolar e pela diretora do Grupo Escolar a que pertencem de acordo com
as condições citadas sendo enquadradas em dois grupos: os
necessitados de mar e os de serra. A seleção é feita pelo DES por
intermédio do Serviço Medico Escolar. Anualmente, as crianças são
submetidas a exames periódicos. Os fracos dos pulmões vão para a serra,
outros para o mar.
366
Se os critérios médicos e os comportamentais eram levados em
consideração, possuindo extrema importância, outro fator foi constantemente
referido como decisivo na definição dos participantes das Colônias de Férias, esse
vinculado a origem social dos escolares:
O critério para a escolha das crianças destinadas às colônias de férias
obedece a dois princípios: o da impossibilidade material de seus pais
custear-lhes um veraneio e o da necessidade inadiável de um
revigoramento físico. Conforme indicação médica e então o escolar é
enviado ou para a colônia de Torres ou de Farroupilha.
367
365
ESPÍRITO, Poli M., op. cit., 1940.
366
VIDA e Saúde para as Crianças que Estudam. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 de dezembro de
1943, p. 7.
367
INAUGURADO, ontem em Torres, o grupos escolar e Colônia de Férias Marcilio Dias. Correio do
Povo. Porto Alegre, 22 de janeiro de 1942, p. 8.
111
Desde o primeiro artigo veiculado no Correio do Povo referente às Colônias
de Férias, era feita referência a “[...] acolhida gratuita aos alunos pobres e de
famílias numerosas”
368
; mesmo assim, até aquele momento, ainda existia quem
fosse partidário de se exigir sempre uma remuneração, pequena que seja, para,
desse modo, favorecer o maior número de alunos”.
369
Porém, como foi possível perceber, tal idéia não fora adotada. A preferência
por alunos oriundos das camadas humildes da população vai ao encontro da
citada afirmação de David Ferreira de Paula de que o Estado Novo projetou fins
políticos para a infância, neste caso a infância pobre, alvo de uma série de medidas ,
como os demonstrados parques infantis. Tal escolha devia-se ao fato de que
crianças pobres, ao afastarem-se por um longo período da escola e
conseqüentemente longe do alcance das medidas governamentais, corriam uma
série riscos, como osreferidos pelo doutor Gaspar Ochoa.
Crianças que pudessem ter uma estação de veraneio custeada por seus pais
estariam automaticamente excluídas das Colônias de Férias, pois teriam condições
de absorver influxos salutares ao longo de sua pausa escolar: “Os escolares
selecionados para a colônia são naturalmente os que não dispõem dos recursos
necessários para fazerem uma estação de veraneio nos moldes convenientes”.
370
Assim por exemplo em face do número limitado de participantes não é
razoável que se incluam nessas colônias alunos que,embora recomendados
pelo critério mediquem ,possam custear ou dispõe de oportunidades de
realizar uma estação de veraneio, pois iriam ocupar lugares que melhor
seriam aproveitados por outros alunos que não dispõem de tais meios ou
ocasiões.
371
Além de beneficiar os escolares, tal medida visava atingir também a família
dos colonianos, prática já percebida anteriormente, quando se analisou o papel
eugênico da escola:
Sempre com esse objetivo procurou-se estimular a saída dos escolares
para o mar, para o campo ou para a serra, por vários meios: já influenciando
sobre os próprios pais que muitas vezes deixam de proporcionar aos filhos
368
ESPIRITO,Poli Marcelino. Colônias de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 9
de dezembro de 1938, p. 9.
369
Ibidem.
370
COLÔNIAS de Férias para os escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 15 de janeiro de
1941, p. 2.
371
ESPÍRITO, Poli M., op. cit., 1940.
112
um veraneio por não avaliarem os resultados extraordinário que daí
provem.
372
Em suma, a seguinte afirmação define muito bem qual era o aluno escolhido para a
Colônia de Férias: “A colônia de rias é para o escolar subnutrido, para o escolar
enfermo, para o escolar pobre, em ultima análise”.
373
Como já definido, as Colônias de Férias visavam à regeneração física e
mental dos escolares bem como ao aproveitamento de suas rias, sobretudo do
escolar pobre. A partir deste momento, tentamos descrever como se desenvolveram
estas instituições, quais foram as localidades em que se realizaram, como foram os
seus programas de atividades, sua durão, quem foram os responsáveis pelos
respectivos funcionamentos, entre outras questões de maior e menor importância.
No dia 4 de dezembro de 1938, era anunciada nas páginas do Correio do
Povo a instalação das primeiras Colônias de Férias desenvolvidas pelo Estado Novo
em solo gaúcho. As duas iniciais em Porto Alegre e as restantes na Serra e no
Litoral, respectivamente:
Será assim possível o funcionamento de Colônias de Férias em vários
pontos sendo duas nos arredores da capital, a saber, no Country Club e no
Yatch Club, e outras duas aproveitando dois tipos de clima diferentes, isto é
à beira mar na atraente praia balneária de Torres e na montanha, situada
em Farroupilha localidade que tem altitude vizinha a de Caxias.
374
naquilo que diz respeito ao programa de atividades a ser posto em prática, “[...]
as colônias de férias terão a duração de quinze dias, durante os quais as crianças
executarão um programa completo de atividades físicas, recebendo ao mesmo
tempo instrução sobre alimentação, comportamento nos acampamentos de verão
natação, jogos e navegação”.
375
A primeira dessas Colônias de Férias teve como cenário o Yate Club de Porto
Alegre. Iniciando suas atividades no dia 26 de dezembro de 1938 e finalizando-as
em 7 de janeiro de 1939, a colônia contou com a participação de 40 alunos do sexo
masculino, que ali permaneceram alojados em barracas. Dispondo de uma verba de
372
Idem. Colônias de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 9 de dezembro de 1938, p. 9.
373
UM repórter na Colônia de Sol. Correio do Povo. Porto Alegre, 11 de dezembro de 1945, p. 17.
374
COLÔNIAS de Férias – Especial para o Correio do Povo. Correio do Povo. Porto Alegre, 9 de
dezembro de 1938.
375
PARA o preparo físico da infância rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 de dezembro
de 1938.
113
Cr$6.666,00, apresentou, como resultado, naquilo que tange ao ganho de peso, a
média de 770 gramas.
Como anteriormente enfatizado por Maria Helena Câmara Bastos, as
Colônias de Férias deram ênfase à educação higiênica alimentar. Assim, é grande o
destaque dado a questões referentes à alimentação dos colonianos e,
conseqüentemente, ao ganho de peso dos mesmos. Além de ser uma preocupação
para com os escolares subnutridos, o ganho de peso apresentou-se como um
resultado objetivo, de fácil e rápida percepção, diferente de questões
comportamentais, que, além de subjetivas, somente poderiam ser avaliadas ao
longo do ano letivo. Assim, neste momento, optamos por nos restringir a pontuar
resultados neste sentido. Posteriormente, abordamos as demais questões referentes
aos resultados das Colônias.
A segunda Colônia de Férias, como previsto, desenvolveu-se no Country Club
da capital gaúcha, entre 2 e 15 de janeiro 1939. Dirigida pelo citado professor
Guilherme Gaelzer, nome bastante vinculado à medicina escolar no Rio Grande do
Sul, teve a participação de 48 meninos, oriundos de diversos grupos escolares, que,
assim como na primeira colônia, foram instalados em barracas: “Todos se encontram
instalados em barracas que são verdadeiras casas ambulantes”.
376
Seu programa de
atividades deu seguimento ao que havia sido proposto: “Quanto ao programa é o
mesmo estabelecido para as colônias de férias. Os alunos recebem excelente
alimentação e fazem também seus exercícios físicos diariamente”.
377
A mesma matéria que anunciou a Colônia de Férias instalada no Country
Club, referiu-se ao desenvolvimento da também prevista Colônia de Férias serrana,
colônia que teve como localidade o município de Farroupilha. Com relação à
mesma, só possuímos informações provenientes dos Relatórios de Coelho de
Souza. Segundo um deles, a referida colônia funcionou no edifício do Grupo Escolar
de Farroupilha, entre os dias 16 e 28 de janeiro de 1939. Quarenta e oito meninos
participaram dela, obtendo o ganho de peso de cerca de 1.520 gramas. Com relação
ao custo, foram investidos os mesmos Cr$ 6.666,00.
Além dessas três primeiras Colônias de Férias, uma quarta instituição, que
seria instalada no litoral, fora anunciada para o ano de 1939. Porém, como foi
376
COLÔNIAS de Férias – Foi instalada ontem no Country Club mais uma dessas organizações
escolares. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1939.
377
Ibidem.
114
possível observar, a Colônia de Férias litorânea teve sua instalação postergada para
o ano seguinte: No próximo ano pretende-se desenvolver as colônias de férias
instalando uma permanente na costa do Atlântico entre Tramandaí e Cidreira”.
378
Apesar da previsão de Colônias de Férias para os anos posteriores a 1939, é
provável que essa decisão estivesse vinculada aos resultados obtidos com as
primeiras Colônias. Essa afirmação tem como base matéria veiculada no mês de
março de 1939 que em seu título anunciava que O Estado te Colônias de Férias
Permanentes”. Segundo a mesma,
[...] esta útil iniciativa, realizadas por meio de acampamentos que como
tivemos oportunidades de informar foram instaladas nas aprazíveis sedes
do Yatch Club e do Country Club e no município de Farroupilha receberam
três turmas de 40 alunos cada uma escolhidos entre os estabelecimentos
de ensino da capital. [...] Tendo em vista a importância e utilidade das
Colônias de Ferias, cujo resultados foram os mais satisfatórios, pensa o
governo amparar a organização permanente dessas Colônias montando-
as de modo a abrigar o maior numero de crianças possível.
379
Além da definição acerca da permanência das Colônias de Férias, ficou também
definida a construção de uma vila infantil
380
, incumbida de sediar uma das Colônias
de Férias de caráter permanente: “Essa vila terá uma capacidade mínima para 200
menores e obedecerá aos mais aperfeiçoados requisitos de conforto a fim de que as
crianças possam alcançar o máximo de aproveitamento”.
381
No ano de 1940, ocorreram duas Colônias de Férias, ambas no distrito de
Belém Novo, localização balneário da capital gaúcha. A primeira entre os dias 20 de
janeiro e 3 de fevereiro, e a segunda entre os dias 10 e 24 de fevereiro. As duas
colônias ocorreram no edifício do grupo escolar local, contando, cada uma delas,
com 75 colonianos do sexo masculino. Seus participantes obtiveram o ganho médio
de peso de 1.150 g e 1.581 gramas respectivamente. Com relação às verbas
destinadas às duas Colônias, ambas receberam a quantia de Cr$ 7.934,50 para o
seu funcionamento.
382
378
Apesar de tal afirmação, vemos mais adiante que tal colônia foi instalada somente no ano de 1942
e, como anunciado, no dia quatro de dezembro de 1938, sua localização foi o munipio de Torres.
379
O ESTADO terá Colônias de Férias permanentes. Correio do Povo. Porto Alegre, 1 de janeiro de
1939. (grifo nosso)
380
Não foi possível averiguar mais informações a respeito da referida vila infantil
381
O ESTADO terá Colônias de Férias permanentes. Correio do Povo. Porto Alegre, 1 de janeiro de
1939.
382
Informações obtidas nos relatórios de Coelho e Souza.
115
Apesar de escassas informações, é notório o aumento de colonianos e o
conseqüente acréscimo nas verbas, se comparadas com as Colônias de Férias do
ano anterior. O que nos permite crer que tal instituição ganhava corpo entre os
responsáveis pela saúde e educação no estado gcho.
Em 1941, ocorre a primeira Colônia de Férias destinada a receber
exclusivamente participantes do sexo feminino. Funcionando na localidade de Belém
Novo, entre os dias 18 de janeiro e 1º de fevereiro, e formada por um grupo de 73
meninas, a colônia feminina apresentou como resultado a média de 1.606 gramas e
sua verba foi de Cr$ 7.162,00. Com relação a essa colônia, o Correio do Povo do dia
15 de janeiro nos forneceu as seguintes informações: A colônia feminina se
estabelecera em Belém Novo, ficando sob a direção da professora Tereza de
Castilhos diretora do GE local, do professor Guilherme Gaelzer e do doutor Alfredo
Hofmaister, médico do DES”.
383
A segunda Colônia de Férias desenvolvida no ano de 1941 merece destaque
especial por tratar-se de uma das que mais nos forneceu detalhes a seu respeito.
Ocorrendo entre os dias 19 de janeiro e 3 de fevereiro, nas dependências do Grupo
Escolar de Farroupilha, tal Colônia apresenta uma discrepância naquilo que tange
ao número de participantes. Segundo o relatório de Coelho de Souza, foram 71 os
colonianos presentes. Referindo-se a mesma colônia a Revista do Ensino apresenta
o número de 65 escolares.
384
Diferenças à parte, a Revista do Ensino expôs que os 65 meninos foram
escolhidos dentre os alunos de 24 grupos escolares de Porto Alegre pelo aqui
referido doutor Poli Marcelino Espírito, apontado então como médico-chefe do
Serviço de Higiene Escolar. Ainda com relação aos colonianos, a idade média variou
entre sete e treze anos, o que nos permite observar que, ao contrário daquilo que
previa o quadro de informações proposto pelo Serviço de Higiene Escolar, a
homogeneidade etária não fora, ao menos dessa vez, levada em consideração.
Dirigida pelo Tenente Max Herbert Hank da Brigada Militar
385
e tendo
Espírito
386
como o responsável pelos aspectos médicos, a colônia de Farroupilha
383
COLÔNIAS de Férias para os escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre,
15 de janeiro de 1941, p.2.
384
OCHOA, Gaspar D. Colônia de Férias. Revista do Ensino, n. 27, v. 7, maio de
1942, p.6.
385
Também parte do corpo docente da ESEF.
116
ainda contou com a presença da professora Joaquina Muniz Reis no cargo de
dietista.
387
É também feita referência à presença de outros empregados
“encarregados da disciplina e da higiene dos alojamentos”.
388
Ao analisarmos o conjunto de minutas da Secretaria de Educação e Saúde
Pública, observamos que Espírito e Hank visitaram anteriormente a localidade de
funcionamento da colônia de férias, a fim de ali realizarem um estudo prévio
389
. O
programa da Colônia de rias englobava aspectos da saúde, da educação moral,
intelectual, cívica e física, e foi assim apresentado na Revista do Ensino
390
:
6:15 h. Alvorada
6:40 Hasteamento do Pavilhão Nacional e canto do Hino
Nacional
7:00 Café
8:00 Educação Física
9:30 Visita Médica
10:00 Merenda
10:15 – 11:15
Recreio
11:15 – 11:30
Almoço
12:15 – 14:30
Repouso
14:30 Educação Moral e Cívica
15:00 Merenda
15:30 – 18:00
Excursões, passeios ou jogos
18:30 Jantar
19:00 Arreamento do pavilhão nacional e canto do Hino
Nacional
19:15 Reunião Social
20:30 Merenda
21:00 Revista
21:30 Silêncio
Ainda com relação ao programa de atividades desenvolvido, “realizaram-se 7
excursões, 2 competições desportivas e 13 conferencias sobre higiene, dietética e
educação cívica”
391
. É referida também a liberação concedida aos escolares
386
Minuta da SESP faz referência à autorização concedida por Coelho de Souza a
Espírito e Hank para os dois seguirem para as colônias de férias. Minuta n.167 de
janeiro de 1941
387
Nome de destaque na alimentação escolar no estado gaúcho.
388
OCHOA, Gaspar D., op. cit., 1942.
389
Minuta de número 16 do dia 7 de janeiro de 1941.
390
OCHOA, Gaspar D., op. cit., 1942.
391
Ibidem.
117
desejosos de assistirem a missa aos domingos, enfatizando, porém, que, “não
houve assistência religiosa aos escolares”.
392
No que diz respeito aos resultados dessa colônia, Coelho de Souza, em seu
relatório, informa que o custo da colônia foi de Cr$ 9.216,00, o maior até aquele
momento. Com relão ao peso obtido pelos colonianos, o mesmo relatório informa
o total de 1.350 gramas.
393
Sobre esse ponto, o doutor Ochoa nos fornece
informações mais precisas:
Durante o período compreendido entre 19 de Janeiro de de fevereiro, os
escolares aumentaram de peso, na proporção de 306 gramas na 1ª semana
e 1.044 gramas na segunda. Isto quer dizer que 94% das crianças
aproveitaram o bom regime alimentar, posto que apenas 4 não acusaram
aumento. Houve um escolar que acusou o notável acréscimo de dois quilos
e meio.
394
Assim como nos dois anos anteriores, 1942 contou com a realização de duas
Colônias de Férias. Além de Farroupilha, o ano de 1942 marca a inauguração da
Colônia litorânea do município de Torres. Com relação aos respectivos programas
de atividades, temos a informão de que
[...] durante o período da Colônia de Férias essas crianças seo
submetidas a um regime de superalimentação controlado por dietistas do
DES que estabelecem os cardápios adequados e verificam a confecção dos
alimentos. São ainda submetidos a pesagens periódicas para constatação
do aproveitamento bem como a um rígido horário de repouso, trabalhos
sicos e recreação. Ainda lhes serão ministradas lições objetivas de
educação moral cívica e social. A duração dessas Colônias é de 15 dias,
pois está constatado que é nesse período de tempo que a criança obtém
o aproveitamento máximo. No fim desta semana seguirão cem crianças de
ambos os sexos para cada uma das localidades escolhidas. Essas crianças
foram selecionadas pelo Serviço de Higiene Escolar e pela diretora do
Grupo Escolar a que pertencem de acordo com as condições citadas
sendo enquadradas em dois grupos: os necessitados de mar e os de serra.
Foram ainda submetidas à vacinação e a tratamento dentário a fim de se
encontrarem em condições de obterem o melhor aproveitamento desses
benefícios que o governo lhes concede.
395
Mais uma vez é notória a ênfase na alimentação, expressa não só pela presença de
um “regime de superalimentação”, como nas pesagens periódicas, o que nos
392
OCHOA, Gaspar D., op. cit., 1942.
393
Relatórios Coelho de Souza.
394
OCHOA, Gaspar D., op. cit., 1942.
395
COLÔNIA de Férias da Secretaria de Educação. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de
1942, p. 5.
118
permite crer que, caso os resultados nesse critério não estivessem dentro do
esperado, acarretaria em alguma medida nesse sentido.
Além de ser a primeira Colônia Marítima, a Colônia de Férias de Torres foi,
até onde foi possível concluir, a primeira a contar com a construção de um novo
prédio, este apresentando a possibilidade de converter-se em Colônia de Férias:
O secretário da Educação sempre no empenho de melhorar as condições
de execução dos diversos empreendimentos de sua Secretaria, não se
esqueceu de incluir no plano de construções urbanas de prédios escolares
alguns conversíveis em Colônias de Férias. Desses dois foram ultimamente
concluídos o de Torres e o de Viamão.
396
Nesse caso, o novo prédio foi construído para abrigar, simultaneamente, o Grupo
Escolar Marcílio Dias e a Colônia de Férias, com a capacidade de receber duzentos
alunos e cem colonianos, respectivamente.
397
Além disso, a nova edificação também seria destinada a receber, durante o
ano letivo, escolares com necessidades físicas, sem acarretar na interrupção de
seus estudos, fato esse considerado prejudicial. Outro destaque vinculado à Colônia
Marítima de Torres é que esta foi a primeira Colônia de rias a ser composta por
um grupo misto com relação ao sexo dos colonianos, mais precisamente 40 meninas
e 41 meninos.
Ocorrendo entre os dias 20 de janeiro e 3 de fevereiro, a Colônia de Torres
contou com um programa de atividades que esteve em sintonia com os demais,
sendo assim apresentado:
6 h despertar, 6.30 h Higiene pessoal, 7 h café, 8 h hasteamento do
pavilhão nacional e canto do hino, 8.15 h praia, educação física, banho de
sol e de mar, 9.30 h recolher, 10 h merenda, 10.30 h preleção educação
moral e cívica,11 h visita médica 12 h almoço, dás 13 ás 14.45 h repouso
obrigatório ,15 h merenda das 15.15 h ás 17, tempo livre, passeio, jogos de
salão, 17 h praia, 18 h arreamento do pavilhão nacional 18.30 h jantar,
19.30 horas de arte 21.30 merenda, 22 h silêncio.
398
Com relação ao quadro dirigente, a Colônia de rias de Torres esteve assim
constituída:
396
Não foi possível observar se a colônia de Viamão entrou em funcionamento.
COLÕNIA de Férias da Secretaria de Educação. Correio do Povo. Porto Alegre, 10
de janeiro de 1942, p. 5.
397
Custo de 460 contos.
398
INAUGURADO, ontem em Torres, o grupo escolar e Colônia de Férias Marcilio Dias. Correio do
Povo. Porto Alegre, 22 de janeiro de 1942, p. 8.
119
Colônia de Férias de Torres Diretor cap. Olavo Amaro da Silveira,
subdiretor ten.Max Herbert Hank, médico Dr. Helio Barcelos Ferreira,
aprovisionador prof.Oribio Pereira da Luz, professores Ruben Myllius, Zaida
Marques, Elisa Cibelli, Helena Dias Kurtz e Valdir Calvet Echart Educadora
Sanitária Rosinha de Laitano.
399
Em seus números finais, a Colônia de Torres apresentou o resultado de
ganho de peso de 1.200 gramas em média, custando ao estado à quantia de Cr$
22.226,90. Por tratar-se da Colônia que até aquele momento contou com o maior
número de participantes, foi a que recebera a maior verba.
A Colônia de Férias desenvolvida em Farroupilha, no ano de 1942, é mais
uma sobre a qual obtemos informões escassas quanto a seu funcionamento.
Ocorrendo entre 14 e 28 de fevereiro, contou com a participação de 80 escolares,
sendo 42 rapazes e 38 meninas. Chama-nos a atenção a verba destinada a tal
colônia que, em comparação à colônia mista de Torres, foi muito baixa, cerca de Cr$
9.013,20, menos da metade do exemplo anterior.
Além disso, o resultado em termos de ganho de peso foi também menos
expressivo que o exemplo litorâneo, sendo de 916 gramas em dia. Sua direção
esteve assim formada:
Colônia de Férias de Farroupilha Diretor ten. João Gomes Moreira
Filho, subdiretor ten. Artur Filho, subdiretor ten. Artur Torriani medico Dr.
Poli Marcelino Espírito aprovisionadora, dietista Joaquina Muniz Reis,
professores Zadir Martins, Antonio Gomes Filho, Elci Dionísia F da Silva,
educadoras sanitárias Vitoria Allom e Antonieta Marcos.
400
No de 1943, foram três as Colônias de Férias. Mais uma vez, Torres e
Farroupilha foram a localização de duas delas. com relação à terceira colônia,
nos deparamos, mais uma vez, com uma discrepância nas informões. Segundo o
Correio do Povo, tal colônia ocorreria em Garibaldi. Porém, tanto os Relatórios de
Coelho de Souza quanto as minutas da SESP apontam a localidade de Flores da
Cunha. Isso nos permite crer que a localidade da colônia em questão, por algum
motivo até então desconhecido, sofreu alteração. Com relação às colônia de 1943
sabe-se que
399
COLÔNIAS de Férias – Funcionarão este ano três colônias: uma marítima e duas na serra.
Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943, p. 4.
400
COLÔNIAS de Férias Funcionarão este ano três colônias: uma marítima e duas
na serra. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943, p. 4.
120
[...] funcionarão nestas férias letivas três colônias – uma marítima em Torres
e duas na serra em Farroupilha e Garibaldi. A permanência das turmas
naquelas localidades será de quinze dias com exceção do Grupo de
Garibaldi, pois se constituindo de menores extremamente fracos terá ali
estadia de um mês. As caravanas cuja organizão es sendo ultimada
neste dias partirão para os respectivos locais entre 12 e 15 do corrente.
401
Assim como no ano anterior, ambas as Colônias de Férias de 1943 foram
formadas por grupos mistos naquilo que tange ao sexo. Tal continuidade permite
deduzir que a utilização de grupos mistos trouxe resultados satisfatórios.
A primeira Colônia de Férias de 1943 ocorreu em Torres entre 19 de janeiro e
3 de fevereiro e era formada por um grupo de 43 meninas e 41 meninos. Sua
administração foi formada pelos seguintes nomes:
Torres diretor Cap. Amaro da Silveira (deef), Subdiretor 1ºtte Nelson F.
Rocha (deef), medico Dr. Luiz Maluf (ass.publica), professores F. G Gaelzer,
Ruben Milius, Quintina Crocco, Nilza Endress, e Oribio Pereira da luz (deef),
educadora sanitária Maria de Cesaro (deef), serventes soldado Sady
Silveira (deef) soldado José Marques dos Santos (deef).
Novamente obtivemos resultados restritos ao ganho de peso, 874 gramas a média,
sendo o custo total de Cr$ 27.800,00.
A Colônia de Farroupilha ocorreu entre os dias 15 de janeiro e 29 de
fevereiro. Formada por um grupo composto por 51 meninas e apenas 20 meninos,
sua direção foi assim apresentada:
Farroupilha – Diretor, 1º tte João Carlos Moreira Fº, (deef), subdiretor,
Waldir Calvet Echart, (deef), medico Dr. Arno Tschidel (des), profs.Zadir
Martins João Olavo Kray, Olga Valéria Kroeff (deef), Nair S M Kray, Elsa
Irigoein, (depn), educadora sanitária, Elisabeth C de Freitas, (des),
serventes soldado Warton Machado (deef), Jeny Porto (depn).
402
Seu resultado foi o que apresentou o menor ganho de peso dentre todas as
colônias desenvolvidas, 695 gramas. É provável que este fato esteja vinculado à
presença majoritária de meninas. Sua verba foi de Cr$ 10.706,00. Novamente,
observamos que, em ambos os anos, as Colônias de Férias litorâneas tiveram um
maior custeio.
Dentre o conjunto de Colônias de Férias desenvolvidas no Rio Grande do Sul
no período estado-novista, a Colônia de Flores da Cunha, do ano de 1943, foi a que
401
COLÔNIAS de Férias – Funcionarão este ano três colônias: uma marítima e duas na serra.
Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943, p. 4.
402
Ibidem.
121
teve a maior duração. Conforme citado, a duração de um mês foi conseqüência das
más condições físicas dos colonianos ali presentes e a definição da extensão da
duração deu-se somente no dia 8 de fevereiro, bem como o acréscimo de Cr$ 7,
950,00 na verba final.
403
Com a participação de 45 rapazes, a Colônia de Flores da
Cunha teve verba de Cr$ 23.400,00 e o ganho de peso foi apresentado da seguinte
maneira: final da primeira quinzena 777 gramas e ao final da segunda quinzena 1.
817 gramas.
Como foi exposto na introdução deste trabalho, as Colônias de Férias
posteriores a 1943, ou seja, 1944 e 1945, não nos fornecem informões oriundas
de fontes oficiais, como relatório e minutas. Assim temos à disposição dados
recolhidos no Correio do Povo.
O ano de 1944 teve as localidades de Torres e Flores da Cunha como palco
das Colônias de Férias. O funcionamento de ambas fora anunciado no final do ano
de 1943:
Durante o funcionamento das Colônias os jovens estudantes receberão os
maiores cuidados com médico a disposição educadoras sanitárias diversas
professoras formadas pela nossa Escola de Educação Física etc. A
alimentação merece um cuidado especial da parte das autoridades
escolares bem como a parte de recreação onde estão previstas passeios
jogos, leitura e tudo quanto possa agradar e fazer bem aos alunos.
404
Como é notório, o programa de atividades seguiu enfatizando aspectos
relativos a cuidados higiênicos, atividades físicas, recreativas e alimentação. A
colônia de Torres foi instalada na primeira quinzena do mês de janeiro, quando
[...] cem crianças de ambos os sexos estão à margem do oceano
retemperando as energias e recebendo o maior cuidado possível da parte
de médicos especializados e de professores competentes. É diretor da
Colônia de Torres o prof. FG Gaelzer devendo participarem do veraneio
duas turmas cada uma de cem menores que ali descansao 17 dias
consecutivos.
405
403
Informações obtidas na minuta da SESP do dia 8 de fevereiro de 1943, minuta
de número 192.
404
VIDA e saúde para as crianças que estudam. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 de dezembro de
1943, p. 7.
405
Ibidem.
122
a colônia desenvolvida em Farroupilha “abrigou duas turmas de cem alunos
durante o espaço de 15 dias
406
.
Como o Estado Novo teve o seu final no ano de 1945, as Colônias de Férias
desenvolvidas nesse ano nas localidades de Torres e Belém Novo são as últimas
analisadas em nossa pesquisa. Anunciadas em dezembro de 1944, as Colônias
de Férias de 1945 marcam, além do retorno da localidade de Belém Novo
407
, a
presença de mais uma colônia destinada ao público feminino:
O departamento de educação sica do estado, como órgão especializado
da SEC, está ultimando os preparativos para a realização das Colônias de
Ferias para escolares subnutridos as quais como noticiamos serão
instaladas este verão em Torres e Belém Novo. Nesta ultima localidade
haverá’ duas turmas sendo que a primeira exclusivamente feminina seguira
a 9 de janeiro vindouro.
408
Com relão às duas colônias de 1945, tamm é referida a inclusão da
campanha da sopa escolar dentre suas atividades em matéria veiculada no dia 7 de
dezembro de 1944 intitulada Colônias de Férias em Torres e Belém Novo A sopa
escolar será distribuída durante as férias.”
409
A Colônia de rias de Torres ocorreu
entre a segunda quinzena de janeiro e a primeira quinzena de fevereiro. Durando 22
dias, contou com o expressivo número de 300 crianças de ambos os sexos. O
programa de atividades foi assim descrito:
É cumprindo um rigoroso regime de alimentação adequada e sadia. Mingau,
café com leite pão e geléia às 7 horas, fruta às 9, almoço às 11, fruta às 15,
jantar às 18 e ainda mingau às 21. Ate às quinze horas um repouso
obrigatório. À noite, às 20 horas, reuniu a criançada nas proximidades do
Farol onde era o fogo do conselho. É a tertúlia. Professores especializados
administram a colônia com o concurso obrigatório de médico dentista
educadora sanitária e nutricionista do DES e os mestres conduzem as
crianças durante seus passeios.
410
Se as primeiras Colônias de Férias ocorreram, possivelmente, em caráter
experimental, contando com a participação de cerca de 40 escolares, as Colônias de
406
VIDA e saúde para as crianças que estudam. Correio do Povo. Porto Alegre, 23
de dezembro de 1943, p. 7.
407
Chama a atenção que ao anunciar a Colônia de Férias de Belém Novo, o Correio
do Povo também anunciou os nomes dos alunos convocados. Sendo a única
referência a nomes de colonianos encontrada por nós durante toda a pesquisa.
408
COLÔNIAS de Férias de Belém Novo. Correio do Povo. Porto Alegre, 31 de dezembro de 1944.
409
COLÔNIAS de Férias em Torres e Belém Novo – A sopa escolar será distribuída durantes as
rias. Correio do Povo. Porto Alegre, 7 de dezembro de 1944.
410
UM repórter na Colônia de Sol. Correio do Povo. Porto Alegre, 11 de fevereiro de 1945.
123
Férias de 1945 tornam bastante claro que tal medida já estava definitivamente,
alicerçada dentre as práticas adotadas no universo da saúde infanto-estudantil no
estado do Rio Grande do Sul. Isso porque não só o mero de colonianos foi
gradativamente aumentado, mas também foram acrescidos valores às verbas
destinadas ao funcionamento das respectivas conias. O que não nos permite
concluir outra coisa, a não ser que tal medida vinha atingindo os objetivos propostos
por seus idealizadores e responsáveis.
Como definido anteriormente, é notório que ao longo do desenvolvimento das
Colônias de Férias os resultados que receberam maior ênfase estiveram restritos a
questões relativas ao peso dos colonianos. Exemplo claro desse fato é o Relatório
de Coelho de Souza, que, ao trazer informações relativas às Colônias de Férias
ocorridas entre 1938 e 1943, se restringiu unicamente, com relação aos resultados,
a apresentar informações sobre o ganho de peso dos escolares participantes.
Assim, é evidente o destaque dado às questões alimentares, sendo inúmeras as
referências apresentadas a esse respeito, como, por exemplo, a atuação junto a
escolares subnutridos, a presença de dietistas, a incluo da sopa escolar, dentre
outras.
Outro ponto que deve ser levado em consideração aponta para a necessidade
da obtenção de resultados com a implantação das Colônias de Férias. Na medida
em que se dava para as colônias crianças subnutridas, oriundas das camadas mais
humildes da população, um rigoroso regime de alimentação composto por cerca de
seis refeições diárias, a obtenção de um aumento no peso corporal era uma
conseqüência óbvia. Em contraponto a esses resultados, questões vinculadas à
regeneração mental, como por exemplo, as comportamentais, além de subjetivas, só
poderiam ser observadas ao longo do ano letivo. Logo, foram escassas as
informações nesse sentido.
Uma das referências a respeito dos resultados das Colônias de Férias
aparece no ano de 1940, nas páginas da Revista do Ensino do mês de setembro.
Entretanto, tal referência ainda é focada nos benefícios vinculados à alimentação
dos colonianos. Na perspectiva do médico escolar Mário Guimarães, o fator natural
das Colônias de Férias, aliado a um grupo de “cuidadosas medidas hignicas”
adotadas nas colônias como alimentação, localização, instalações e aquilo que
define como regime de vida”, proporcionaram a seus participantes “uma forte messe
de benefícios salutares”. Segundo Guimarães,
124
Quem como eu acompanhou a serra oficialmente, uma dessas turmas
veranistas composta de crianças em que o estado de subnutrição
engendrando um rosário de malefícios físicos abatera despersonalizara
e presenciou as transformações de energia vital por quer passaram em
quinze dias aqueles beis organismos em formação precária para as lutas
do porvir.
411
Dentre os pontos então abordados por Guimarães, vinculados também a
questões sicas, é dado destaque ao fator da localização das Colônias. Ponto esse
que, na visão do citado médico escolar, salvo necessidades específicas dos
participantes, não deveria ser observado como uma questão preponderante:
É categórico nesta afirmação o fichário das crianças que integraram as duas
colônias de fevereiro pretérito que se instalaram confortavelmente no Grupo
do distrito de Belém Novo e por cujo computo evidencia-se a considerável
melhora fisiológica, obtida pelos seus cooparticipantes dentre os quais
houve muitos que apenas e 15 dias tiveram um aumento de peso que variou
[...] de 3 a 4.500 gramas. Esses ótimos resultados ultrapassaram os obtidos,
o ano findo nas latitudes serranas – o que vem demonstrar que, salvo
condições fisiológicas especiais, a preferência dos climas para a grande
maioria dos nossos escolares não deve ser questão fechada em face do
recurso ximo altruístico e humano que lhe deve impor exaustivamente:
educação higiênica e alimentar que é a terapêutica heróica e por excelência
para os males que a afligem e invalidaram si não fossem postas em prática
as vigentes medidas tendentes a por-se um óbice formal ao determinismo
da catástrofe.
412
Com relação a resultados obtidos em questões comportamentais vinculadas
ao caráter de regeneração mental das Colônias, encontramos dentre todo o conjunto
de fontes analisadas uma única referência, no ano de 1944:
As crianças voltam retemperadas alegres e cheias de vida e não raro, com
novos hábitos mais iniciativas e melhor maneira de viver. Tem sido os
melhores posveis os frutos dessas concentrações anuais que o DEF como
apoio sempre crescente da SEC pretende aumentar e melhorar de ano para
ano.
413
Tal fato nos permite afirmar com certa margem de segurança que, além da
dificuldade na análise de resultados em outro sentido, foi, de acordo com o
observado em nossas fontes, o aumento de peso dos escolares, em função da série
de fatores aqui elencados, um dos, se não o principal, foco das Colônias de Férias
desenvolvidas no Rio Grande do Sul.
411
GUIMARÃES, Mario. “Colônia de Férias”. Revista do Ensino, n. 105, setembro de 1940, p. 105.
412
GUIMARÃES, Mario. “Colônia de Férias”. Revista do Ensino, n. 105, setembro de 1940, p. 105.
413
AS inscrições a escola de educação física. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 de janeiro de 1944.
125
3.5 COLÔNIAS DE FÉRIAS: ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Nossa idéia inicial foi a de concentrar nossos esforços unicamente na análise
das Colônias de Férias desenvolvidas no estado do Rio Grande do Sul durante o
regime estado-novista, citando apenas a ocorrência em outros estados da
federação. Porém, ao longo de nossa pesquisa, nos deparamos com um rico
material a respeito de dois casos ocorridos no estado do Rio de Janeiro no ano de
1945. Logo, concluímos que a inserção desses dados viria a enriquecer o
resultado final de nosso trabalho.
Segundo dados da Revista de Educação Pública de janeiro/março de 1945, a
primeira das referidas colônias funcionou em caráter experimental durante o mês de
março de 1945, na ilha de Paquetá, estado do Rio de Janeiro. Desenvolvendo-se em
dois períodos de 15 dias, o primeiro destinado a meninas e o segundo a meninos, a
colônia de Paquetá contou com a participação de 60 escolares entre os 9 e os 11
anos.
Além da semelhança no que tange ao período de funcionamento, os objetivos
dessa Colônia de Férias também se assemelham com os apresentados no Rio
Grande do Sul: “As Colônias de Férias são escolas de revezamento e saúde,
proporcionam à criança, organismo e personalidade sadios, isto é, saúde fisiológica
e mental, emotiva, moral e social.”
414
Na medida em que se assemelhavam os
objetivos, o programa de atividades tamm apresentava certa semelhança com os
desenvolvidos no caso gcho. Entretanto, em nenhum dos casos observados no
Rio Grande do Sul tivemos acesso a tantos detalhes com relação às atividades
então desenvolvidas.
Segundo as informações disponíveis, os programas de atividades eram
divididos em três períodos diários, iniciando com os primeiros cuidados higiênicos,
quando se buscou dar à criança “hábitos de asseio corporal”, principalmente com
relação à cabeça e as unhas dos pés. Após tais cuidados iniciais, ocorria a primeira
refeição seguida do hasteamento da bandeira e do canto do hino nacional. Seguiam-
se então os banhos de sol e mar e as atividades de Educação Física, como aulas de
exercícios físicos, sessões de jogos dirigidos, passeios e visitas guiadas.
415
414
REVISTA de Educação Pública. vol.III, n.10. Rio de Janeiro,1945. p.44.
415
Ibidem, p.46.
126
A Colônia da Ilha de Paquetá ainda trazia em seu programa a realização de
trabalhos manuais, como educação doméstica, desenhos, bordados e crochês,
sendo estes últimos dedicados a meninas. Ainda são referidas aulas de pesca e
horticultura. Depois disso, os “coloniados” eram levados a escrever aos seus pais,
para assim, como no caso do Rio Grande do Sul, aproximar a Colônia das famílias.
É referida tamm a realização de jogos de mesa “com o objetivo de
proporcionar aos colonianos uma educação social adequada”
416
, a dramatizão de
contos e o cinema educativo. Atividades que segundo a descrição, melhoraram a
atitude social das crianças, fruto da interação do grupo. Como no caso de uma das
Colônias gaúchas apresentadas a assistência religiosa também se desenvolveu em
caráter facultativo.
417
Com relão à seleção dos escolares aptos a participar desta Colônia de
Férias, a matéria por s analisada fornece as seguintes informões: “Os
coloniados, elementos oriundos dos mais diversos ambientes: casas de cômodos,
barracões, quartos, vilas, conforme verificação feitas nas fichas destinadas à
Colônia, tiveram a sua atitude social modificada”.
418
Além da presença da ficha de
seleção, tal informação nos permite verificar que, se não na totalidade, ao menos
parte dos elementos que compunham esta colônia eram oriundos de camadas
humildes da população.
Diferente dos casos gaúchos, nenhuma referência ao ganho de peso foi
realizada. Em contrapartida, questões de caráter comportamental foram enfatizadas.
Além da citada modificação da atitude social, a seguinte afirmação define os
resultados alcançados com essa colônia: “Recebemos elementos desajustados,
retardados, e beis, que pouco a pouco foram adquirindo noções de ordem, asseio
e educação doméstica. Observamos, no período das meninas, melhor compreensão
dos elementos do grupo, colaboração e proteção das crianças maiores as
menores”.
419
A segunda das referidas Colônias de Férias, foi a “Colônia de Férias Tudo
pelo Brasil”. Segundo o artigo veiculado na Revista da Educação Pública dos meses
de abril e junho de 1945, de autoria do referido doutor Oliveira Melo, a colônia em
416
REVISTA de Educação Pública. vol.III, n.10. Rio de Janeiro,1945. p.44.
417
Ibidem, p.47.
418
MELO, Oliveira. In: Revista de Educação Pública, n.10. Rio de Janeiro,1945.
419
Ibidem.
127
questão localizou-se na estação Paulo de Frontin
420
da Estrada de Ferro Central do
Brasil: “O sítio está localizado na estação Paulo de Frontim, a 400 metros de altitude
em situação privilegiada, inteiramente cercado de matas, ricas em eucaliptos que lhe
garantem farta oxigenação”.
421
Assim como a colônia anterior, a ‘Tudo pelo Brasil’ funcionou por um período
de quinze dias e contou com 60 alunos participantes. Segundo Melo, ao participarem
da Tudo pelo Brasil’, os alunos ficaram inteiramente entregues” à administração da
colônia, composta por professores, inspetores e enfermeiras.
Tendo a alimentação, o desenvolvimento físico, a disciplina e a educação
moral e cívica como “as maiores preocupações do sistema executado”, a CFTPB
desenvolveu um programa bastante similar à Colônia de Férias anteriormente
referida, com a presença de jogos, atividades manuais, jogos de salão, entre outras
atividades.Os resultados obtidos foram considerados "bastante animadores” e “até
magníficos em alguns casos. E referido que “todos ganharam sensíveis melhorias
do estado geral, peso, apetite, maior disposição para os estudos e apreciáveis
reservas de alegria, bom humor e entusiasmo”.
422
Assim, como os casos gchos, essa colônia enfatizou fortemente o ganho de
peso de seus participantes. Fornecendo-nos resultados de 40 colonianos que
obtiveram um ganho de 1.200 a 3.900 gramas dentre os alunos oriundos do curso
primário. Já entre os originários do curso ginasial, o ganho de peso variou entre 2 e
4 quilos sendo que um aluno atingiu 5 quilos. Chama a atenção a presença de
alunos tanto do primário quanto do ginásio, formando um grupo heterogêneo naquilo
que tange à faixa etária dos participantes.
Além de informações precisas quanto ao ganho de peso, foram fornecidos
resumos das fichas de aproveitamento dos participantes nos quais se pode ver os
resultados de maneira detalhada. Transcrevemos a seguir parte dos referidos
resumos:
L.C.C.
Turma 18 aluno bem distraído, conseguindo bastante quando quer.
Entretanto, essa distração é bem diferente da de seus colegas de que
falarei abaixo. Creio ter lucrado na Colônia de Férias, sem poder, no
entanto, assegurar, pois não o conheci em 1943.
A.B.A.R
420
Hoje, município Engenheiro Paulo de Frontim, estado do Rio de Janeiro.
421
MELO, Oliveira. In: Revista de Educação Pública, n.10. Rio de Janeiro,1945. p.197.
422
Ibidem, p.197.
128
Acredito ter lucrado com a estadia fora: no entanto devido à sobrecarga dos
trabalhos que fez em casa, não corresponde ao que poderia, uma vez que,
em aula, é atenta e esforçada
I.C.C
serie, Turma 11 é ótima aluna sobre todos os aspectos, apresenta
mesmo certa precocidade e ótimas condições de saúde, principalmente no
início do corrente ano.
G.M.R
Turma 12, 1º turno Após freqüentar a Colônia de Férias, a aluna Glória
apresentou sensíveis melhoras tanto no que diz respeito ao aproveitamento
escolar quanto as suas condições de saúde.
A Até julho trabalhou bem, acompanhando a turma. Depois começou a
diminuir seu rendimento demonstrando cansaço. Atualmente é a aluna mais
fraca da turma.
B Menina fraca, subnutrida, voltou com outro aspecto, mais bem disposta,
mais interessada. Fala sempre sobre a colônia e demonstra enorme desejo
de voltar.
D.L.
Turma 20, série, turno No inicio do ano, esse aluno trabalhou com
algum entusiasmo, de junho para diante, começou a se mostrar indiferente
aos trabalhos. Essa situação parece-me é agravada pela deficiente
alimentação que o aluno tem em casa.
G.M.P.R.
Turma 17, série, turno Apresentou esse ano, melhoras quanto ao
aproveitamento escolar e condições de saúde.
A) Aproveitamento escolar:
– Melhor reação ao trabalho da classe,
– Não demonstrou cansaço até agosto,
– Interessada.
B) Condições de saúde:
– Boa freqüência,
– Boa disposição para a merenda,
– Não se apresentou com resfriados, nem gripes com caráter serio,
– Lucrou na Colônia de Férias, 5 kg (informação da aluna).
Ao final do artigo, é enfatizada a importância da participação dos escolares
nas Colônias de Férias, sendo estas definidas como um importante instrumento na
formação da parcela escolar da população brasileira: “É necessário que um número
cada vez maior de crianças e jovens, sejam enviados anualmente, a gozar os
incalculáveis benefícios que lhes podem ser conferidos pelas Colônias de Férias”.
423
Apesar de algumas diferenças, é notória a semelhança das duas colônias descritas
com os casos ocorridos no Rio Grande do Sul. Semelhança bastante óbvia, na
medida em que essas Colônias foram não financiadas, mas principalmente
desenvolvidas com um objetivo bastante definido pelas cabeças pensantes do
regime de Vargas.
423
REVISTA de Educação Pública, vol.III, n.11. Rio de Janeiro,1945. p.200.
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta dissertação, nosso principal objetivo foi o de trazer ao
conhecimento do público interessado a existência de Colônias de Férias promovidas
pelo regime do Estado Novo. Essas colônias estiveram inseridas na vasta gama de
práticas então adotadas que, em última análise, visavam à regeneração física e
mental da parcela escolar da população. Na medida em que ainda não havia um
trabalho dedicado exclusivamente a tal tema, e, conseqüentemente, eram poucas as
informações a respeito dessas instituições, julgamos que nossa colaboração
represente algum valor na pesquisa histórica.
Para trazer à tona a existência das referidas Colônias de Férias, optamos por
realizar um trabalho de caráter essencialmente descritivo, ressaltando os pontos por
nós considerados como primordiais, a fim de apresentar aos leitores o melhor
quadro possível a respeito de nosso objeto de pesquisa.
Recolhemos uma série de informões disponíveis em nosso conjunto de
fontes, e, como já foi ressaltado na introdução, avaliamos, cruzamos e confrontamos
os dados para poder determinar com clareza os objetivos, o público alvo, a
evolução, os resultados obtidos, enfim, todas as informações que nos levassem a
realizar nosso trabalho de maneira satisfatória.
Tecer comentários finais a respeito de um trabalho que nos envolveu por mais
de dois anos é uma tarefa que desencadeia, no mínimo, dois sentimentos distintos.
De um lado, uma sensação de satisfação por concluir uma etapa em nossa
caminhada. Por outro lado, a existência de arestas que não foram devidamente
aparadas ao longo de nossa jornada, o que nos deixa com certa dose de frustração.
Primeiramente, julgamos que o caráter inédito deste trabalho constitui um
ponto positivo por si só. Não menos importante é o fato de que o principal objetivo,
ou seja, a descrição das Colônias de rias, foi atingido, ao menos em boa parte,
que todos as queses definidas por nós como essenciais na tentativa de descrevê-
las foram devidamente desenvolvidas e apresentadas.
Apesar de considerar satisfatório o resultado final desta dissertação,
entendemos, porém, que também existiram pontos em que deixamos a desejar.
Com relação aos capítulos que antecedem o momento em que abordamos as
Colônias de Férias, entendemos que estes nos fornecem os elementos necessários
para contextualizá-las, tanto no tempo, como no espaço. Entretanto, julgamos que
130
alguns pontos poderiam ter sido conduzidos de maneira diferenciada, possibilitando
resultados mais precisos. Com relação a estes pontos, destacamos, especialmente,
a terceira e última parte de nosso segundo capítulo, nas quais abordamos algumas
práticas desenvolvidas no universo escolar durante o Estado Novo, cremos que tal
questão poderia ter sido conduzida de modo mais aprofundada.
Naquilo que diz respeito à parte central de nosso trabalho, ou seja, o
momento em que as Colônias de Férias são abordadas, também ficou a sensação
de certa incompletude. Em primeiro lugar, a referida questão da definição das
origens das Colônias de Férias é um ponto que permanece nebuloso. Nossa
principal restrição, nesse sentido, reside no fato de que nossa opção por um trabalho
descritivo, apesar de nos levar a um resultado final satisfatório, não contempla de
forma definitiva o assunto, deixando evidente a necessidade de uma futura análise
mais profunda e elaborada, vinculando de maneira mais precisa as instituições em
questão com a ideologia vigente no Estado Novo. Da mesma forma, entendemos
que a pretendida análise mais extensa e aprofundada, necessitaria de um aporte
teórico mais elaborado.
É necessário expor neste momento que, no início, nossa proposta era a
realização dessa análise mais aprofundada, contemplando não o caráter
descritivo das Colônias de Férias. Para tanto, nossa proposta era a utilização da
teoria desenvolvida por Michel Foucault, denominada de Biopolítica, ou ainda o que
Giorgio Agamben define como Tanatopolítica. Entretanto, julgamos que, neste
momento, não possuímos a erudição nem o entendimento suficientemente
elaborado de ambas as teorias para empreender tal tarefa com firmeza e segurança.
Como afirmamos em nossa introdução, a presente pesquisa teve início em
nossa graduação, resultando em nossa monografia de final de curso. Trata-se, aqui,
de nosso segundo passo. Logo, as questões que permaneceram indefinidas e não
foram plenamente contempladas neste momento abrem perspectivas para um
trabalho futuro, este com o pretendido aporte teórico, podendo resultar em
conclusões mais definitivas.
131
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DOCUMENTAÇÃO DE ARQUIVO
RIO GRANDE DO SUL: Secretaria de Educação e Cultura. Relatório apresentado ao
Exmo. Sr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias pelo Dr. J. P. Coelho de Souza – SESP,
compreendendo o peodo administrativo de 21/10/1937 a 31/12/1939. Porto Alegre,
18 de janeiro de 1940. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
RIO GRANDE DO SUL: SESP. Conjunto de Minutas de Atividades referentes ao
período administrativo de 12/1938 a 03/1945. Arquivo Histórico do Rio Grande do
Sul.
PERIÓDICOS
AS INSCRIÇÕES à escola de educação física. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 de
janeiro de 1944.
COLÔNIA de FériasA seleção dos escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 de
janeiro de 1939.
COLÔNIA de Férias – Foi instalada ontem no Country Club mais uma dessas
organizações escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1939.
COLÔNIA de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1939.
COLÔNIA de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 de março de 1939.
COLÔNIA de Férias para escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 15 de
janeiro de 1941.
137
COLÔNIA de Férias para escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 21 de
janeiro de 1942.
COLÔNIA de Férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943.
COLÔNIA de Férias – Funcionarão este ano três colônias: uma marítima e duas na
serra. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943.
COLÔNIA de Férias em Torres e Belém Novo – A sopa escolar será distribuída
durante as férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 7 de dezembro de 1944.
COLÔNIA S de Férias de Belém Novo. Correio do Povo. Porto Alegre, 31 de
dezembro de 1944.
COLÔNIA de Férias experimental na Ilha de Paquetá. Revista de Educação Pública.
Rio de Janeiro, n.9, Rio de Janeiro, janeiro-março de 1945.
CORREIO do Povo. Porto Alegre, 25 de dezembro de 1927.
INAUGURADO, ontem em Torres, o grupo escolar e Colônia de Férias Marcilio Dias.
Correio do Povo. Porto Alegre, 22 de janeiro de 1942.
O ESTADO terá Colônias de Férias permanentes. Correio do Povo. Porto Alegre, 1
de março de 1939.
Para o preparo físico da infância rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 25
de dezembro de 1938.
REVISTA do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul, n. 13, Porto Alegre, setembro
de 1940.
REVISTA do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul, n. 16, Porto Alegre, dezembro
de 1940.
REVISTA do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul, n. 27, Porto
Alegre, maio de 1942.
REVISTA do Globo, n.236, Porto Alegre, outubro de 1943.
138
UM repórter na Colônia de Sol. Correio do Povo. Porto Alegre, 11 de fevereiro de
1945
VIDA e saúde para as crianças que estudam. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 de
dezembro de 1943.
139
ANEXOS
1. Periódico Correio do Povo,Porto Alegre
Anúncio referente ao Balneário A.Menegati- Correio do Povo. Porto Alegre, 25 de
dezembro de 1927.
ESPÍRITO, Poli Marcelino. “Colônia de Férias”. Correio do Povo, Porto Alegre, 9 de
março de 1938.
140
Para o preparo físico da infância rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 25
de dezembro de 1938.
Colônia de Férias – A seleção dos escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 de
janeiro de 1939.
141
Colônias de Férias – Foi instalada ontem no Country Club mais uma dessas
organizações escolares. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1939.
O Estado terá Colônias de Férias permanentes. Correio do Povo. Porto Alegre, 1 de
março de 1939.
142
Colônia de Férias para escolares pobres. Correio do Povo. Porto Alegre, 21 de
janeiro de 1942.
Colônia de Férias da Secretaria de Educação. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de
janeiro de 1942.
Colônia de Férias – Funcionarão este ano três colônias: uma marítima e duas na
serra. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 de janeiro de 1943.
143
Vida e saúde para as crianças que estudam. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 de
dezembro de 1943.
As inscrições à escola de educação física. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 de
janeiro de 1944.
Colônia de Férias em Torres e Belém Novo – A sopa escolar será distribuída durante
as férias. Correio do Povo. Porto Alegre, 7 de dezembro de 1944.
144
UM repórter na Colônia de Sol. Correio do Povo. Porto Alegre, 11 de fevereiro de
1945.
Fonte: Correio do Povo,Porto Alegre
145
2. RELATÓRIOS COELHO DE SOUZA
Capítulo 8: Colônias de Férias
146
Resumo dos relatórios das Colônias de Férias 1938-1943
Imagem referente ao projeto do prédio destinado a abrigar a Colônia de Férias de
Torres.
Fonte: RIO GRANDE DO SUL: Secretaria de Educação e Cultura. Relatório
apresentado ao Exmo. Sr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias pelo Dr. J. P. Coelho de
147
Souza – SESP, compreendendo o período administrativo de 21/10/1937 a
31/12/1942. Porto Alegre, maio 1943. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
3. MINUTAS SESP
Minuta da SESP referente ao acréscimo de verbas para o
funcionamento da Colônia de Férias de Flores da Cunha. Minuta de
número 192 do dia 8 de fevereiro de 1943.
Minuta da SESP que faz referência a dispensa concedida ao tenente Max Hank
para seguir para as colônias de férias. Minuta n.1061 15 de dezembro de 1941.
FONTE: RIO GRANDE DO SUL: SESP. Conjunto de Minutas de Atividades
referentes ao período administrativo de 12/1938 a 03/1945. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul.
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