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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Cleide Lugarini de Andrade
A contribuição de Mário de Andrade para a Saúde Pública no
estabelecimento de um projeto de educação destinado a crianças e
jovens no Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo
(1935-1938)
São Paulo
2008
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Cleide Lugarini de Andrade
A contribuição de Mário de Andrade para a Saúde Pública no
estabelecimento de um projeto de educação destinado a crianças e
jovens no Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo
(1935-1938)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Saúde Pública da Universidade de São Paulo
para obtenção do título de Doutora em Saúde
Pública.
Área de Concentração: Saúde Materno-Infantil
Linha de Pesquisa: Saúde Pública,
Ciências Sociais e Sociedade
Contemporânea
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Penha Costa Vasconcellos
São Paulo
2008
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Cleide Lugarini de Andrade
A contribuição de Mário de Andrade para a Saúde Pública no
estabelecimento de um projeto de educação destinado a crianças e
jovens no Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo
(1935-1938)
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Área de Concentração: Saúde Materno-Infantil
São Paulo,______________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Jaime Rodrigues
Universidade Federal de São Paulo
______________________________________________________________
Prof. Dr. José Guilherme Cantor Magnani
Universidade de São Paulo
FFLCH
Departamento de Antropologia
______________________________________________________________
Profa. Dra. Marília Pontes Sposito
Universidade de São Paulo
Faculdade de Educação
______________________________________________________________
Profa. Dra. Iná Camargo Costa
Universidade de São Paulo
FFLCH
Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria da Penha Costa Vasconcellos
ORIENTADORA
20
Aos meus
pais e ao
amigo
Cristiano
21
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora, Maria da Penha Costa Vasconcellos, pelo
empenho para a realização deste trabalho.
A Iná Camargo Costa pela dedicação e amizade de sempre, e de
modo especial, durante a elaboração deste trabalho.
A José Guilherme Magnani que acompanhou o trabalho desde o início,
dando idéias valiosas para a construção da argumentação geral, amigo nos
tempos de alegria e bom “ouvido” nos tempos difíceis.
A Marília Sposito, Jaime Rodrigues e Lúcia Maria Machado Bógus pela
leitura cuidadosa da primeira versão, e pelas sugestões dadas a fim de que
algumas questões fossem mais trabalhadas e/ou valorizadas.
A Iraci Domenciano Poleti, Carlos Régis Bastos, Maria Emilia Vanzolini
Moretti, Yolanda Albertoni, Ana Elvira Casadei rio, Maria Carolina Braune
Wiik, André e Alessandra Braune Wiik, Maurício Guadanini de Carvalho e Tânia
Azevedo de Carvalho, Celso Fernando Favaretto, José Garcez Ghirardi, Luiz
Fernando Klein,Antonio Veriano Pereira Neto, Augusto Capello, Ademir
Gonçalves de Oliveira Menezes, Aloísio Affonso Ferreira, Sikeo Enoki e
Eurípedes Motta Moura, grandes e cuidadosos amigos.
Aos jovens amigos Carlito, Nina e Vini que me fizeram sentir mais
jovem durante o tempo em que trabalhamos juntos no Arquivo do Centro da
Memória da Faculdade de Saúde Pública, e pela torcida alegre que
organizaram para a elaboração desta tese.
Aos meus irmãos, Clayton e Margareth, e às crianças e aos jovens da
família: Marcelo, João, Fabiana, Leonardo e Rafael pelo acompanhamento
carinhoso nos momentos difíceis e pelas alegrias e afetos nas horas de lazer.
Aos demais familiares: Márcia, dedicada cuidadora da minha saúde em
2007, Durval; Caco, que de colega de trabalho tornou-se sobrinho; e,
Walquyria, também amiga.
22
23
Resumo
Este trabalho analisou as ações da Seção de Educação e Recreio do
Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, entre os anos
1935 e 1938, do ponto de vista da sua contribuição para o campo da Saúde
Pública. Nessa direção, estudamos algumas dessas ações, concretizadas por
meio de equipamentos destinados a crianças, adolescentes e jovens pobres,
especialmente filhos de operários, equipamentos estes que visaram o
estabelecimento de uma política na qual a cultura constituiu-se em marca
distintiva da saúde pública. Esse projeto, que teve à frente Mário de Andrade,
foi abortado prematuramente pelo golpe do Estado Novo em 1937.
Defendemos aqui a tese de que o desmoronamento do projeto desenvolvido
por Mário de Andrade e seus colaboradores não representou apenas o fim de
uma proposta inovadora de educação para a saúde desse segmento social,
senão também, em termos simbólicos, a interrupção de um projeto mais amplo
de mudança da sociedade brasileira em busca de maior igualdade e equidade
sociais, anunciado com mais força a partir de 1930. Ao Estado caberia, nesse
projeto, o único papel que um Estado republicano e democrático pode
desempenhar, isto é, o de financiador e gestor dos bens públicos. No entanto,
a história mostrou que o Estado abandonou esse papel e, com isso, os bens
públicos, entre eles a saúde, passaram às mãos das empresas privadas.
Desse modo, a sociedade como um todo e os pobres e seus filhos em
particular, perderam a oportunidade de usufruir de projetos em que lazer,
brinquedo e prática de esportes, preservação dos costumes de diferentes
grupos nas cidades, fruição prazerosa da cultura erudita, entre outras práticas
sócio-culturais, não são mais pensadas como aquisição de saúde. Portanto,
voltar ao passado, retomando o projeto do Departamento de Cultura, significa
insistir em que o Estado assuma seu papel no que concerne ao provimento da
educação e, em última instância, da saúde das crianças e jovens pobres desta
cidade e de toda a nação.
Palavras-chave: cultura e saúde blica; cidadania e saúde; educação;
história e saúde pública.
24
Abstract
This dissertation analyzes the impact on the Health Public System
of the policies of the Seção de Educação e Recreio do Departamento Municipal de
Cultura da cidade de São Paulo (Education and Recreational Section City of São
Paulo) between 1935-1938. More specifically, it examines the building up of structures
for poor children, adolescents and young adults, children of blue-collar workers. Such
policy aimed at making cultural activities a distinctive mark of the Public Health
System. This political project, headed by Mario de Andrade, was curtailed by the 1937
coup which established the Estado Novo (New State). It is argued that the demolishing
of such project meant more than the end of an innovative proposal for the health
education of this social segment. In symbolic terms, it meant also the destruction of a
broader project likely to lead Brazilian society to greater social justice. Within this
project, the State would play the only possible role for a democratic State, namely, that
of financing and managing public moneys and services. History has shown, however,
that the State has abandoned such role letting public services, including health-care, go
into private hands. Thus, society as a whole, and the children of working class people
more specifically, have lost the opportunity of profiting from a project which coupled
leisure, games, sports and cultural activities with health education. It is paramount, thus,
that such project be restored, which means demanding that the State plays its role of
provider of health and education for poor children and adolescents, both in São Paulo
and nationwide.
Key-words: public health; culture; right to health-care; education; history.
25
SIGLÁRIO
I – Periódicos
ABM – Arquivos Brasileiros de Medicina
CSP Cadernos de Saúde Pública
REIMIP Revista Brasileira de Saúde Materno-Infantil do Instituto
Materno-Infantil de Pernambuco.
J PEDIATR – Jornal de Pediatria ou JPED (versão eletrônica)
RAM – Revista do Arquivo Municipal de São Paulo
RBEP – Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos
RPP – Revista Paulista de Pediatria
RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais
RBE – Revista Brasileira de Educação
II – Documento
PROSAD Programa de Saúde do Adolescente do Ministério da
Saúde/Brasil
NESA – Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
III - Núcleos/organizações
ASBRA – Associação Brasileira de Adolescência
DPH/Divisão do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo/Arquivo
Municipal Divisão do Arquivo Histórico Municipal da cidade de São
Paulo da Secretaria Municipal de Cultura.
IEB/USP – Instituto de Estudos Brasileiros/USP
26
NACE-NUPESE/USP Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão para a
Promoção e Educação em Saúde Escolar da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo
27
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
I - Apresentação
II - Estratégia Metodológica
CAPÍTULO I. Problema e Objeto da Pesquisa
1. O problema da pesquisa: em defesa de uma política universal de
educação para a saúde
2. O objeto da pesquisa: a educação para a saúde
2.1.A educação do corpo
2.2 Educação e saúde versus educação para a saúde
CAPÍTULO II. Crianças, Adolescentes e Jovens como
construção histórico-social: uma síntese bibliográfica
1. As crianças, adolescentes e jovens usuários dos equipamentos do
Departamento Municipal de Cultura de São Paulo
2. A juventude é um fenômeno da modernidade
2.1. Adolescência e Juventude: de problemas sociais a construções
sociais
2.2. A questão da juventude no Brasil
3. Adolescência e juventude da perspectiva do saber e da prática
médica
4. Quando o adolescente e o jovem eram “menores” para o saber
e a prática médica
CAPÍTULO III. O Departamento Municipal de Cultura e as políticas
de educação para a saúde
1. O Departamento Municipal de Cultura: origem e formação
2. A proposta de educação para a saúde do Departamento Municipal de
Cultura
3. O fim do Departamento Municipal de Cultura e da proposta de
educação para a saúde
CAPÍTULO IV. Os equipamentos para crianças e jovens, rapazes e moças
do Departamento Municipal de Cultura
1. Parques Infantis
2. Clubes de Menores Operários
3. Os equipamentos destinados às moças e aos rapazes
3.1.Centros de Rapazes e Moças
3.2.Casa da Cultura
3.3.Acampamentos Permanentes
28
Considerações finais
Referências bibliográficas
Legislação e Documentos
Livros e Artigos
Anexo
29
Introdução
I - Apresentação
No Brasil o tema “educação em saúde” ou “educação para a
saúde” é controverso, tanto na área da educação
1
quanto na área da saúde.
Para a educação a saúde do corpo físico, mental, psicológico e cultural é
tida como importante na teoria, mas pouco praticada nas experiências
concretas; enquanto para a medicina e suas áreas afins, a saúde é, de
modo geral, sempre pensada em oposição à doença, por mais que tratados
e legislações, tais como aqueles propostos pela OMS (Organização Mundial
da Saúde) e pelos órgãos nacionais, reconheçam a importância da atenção
a todas as dimensões da vida humana de forma preventiva e não somente
curativa.
Por isso, nosso interesse em estudar o Departamento Municipal
de Cultura de São Paulo no período de 1935 a 1938
2
como um órgão
público produtor e administrador de ações destinadas à educação para a
saúde
3
, apresentando-o como uma experiência única em nossa história
republicana. Há que se ressaltar que esse Departamento foi objeto de
estudo em diferentes campos, da política à educação, mas não se tem
notícia de estudo que o tenha tomado do ponto de vista da educação para a
saúde.
A decisão de estudá-lo dessa perspectiva colocou-nos logo de
início frente a dois desafios. Um deles foi o de destacar a importância de
1
No campo da pedagogia muitas discussões, convergentes e divergentes, sobre o conceito de educação. Vamos
assumir que neste trabalho a entendemos para além da escolarização pura e simples. Educar é também associar as
questões do conhecimento às demais experiências da vida. Nessa direção, a cultura, o lazer, o esporte se constituem
em dimensões importantes do processo educacional. “(...) outros espaços de aprendizagem têm importância crucial na
adolescência. As atividades culturais, juntamente com esporte e lazer, além de sua conhecida função no chamado
desenvolvimento psicomotor, têm servido como estratégia de desenvolvimento pessoal, de socialização e de
prevenção da violência (...)” (Relatório CEPAL/OU, 2004, p.90). Para mais informações sobre outras percepções de
educação cf.: CARRANO, P. C. Juventudes e Cidades Educadoras. Petrópolis: Vozes, 2003.
2
Informamos que no transcorrer de todo o texto o Departamento Municipal de Cultura poderá ser escrito por extenso
como também poderá aparecer sob a denominação de DMC.
3
No capítulo II vamos discutir o que entendemos por educação para a saúde. Por ora, podemos identificá-la como a
aquisição e/ou manutenção de condições individuais e sociais para garantir a saúde segundo a definição da OMS: o
estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade.
30
Mário de Andrade na construção desse tipo de ação. Para isso, fomos
buscar sua cabeça na Lopes Chaves, os pés na rua Aurora. Encontramos
seu ouvido direito escondido no Correio e o esquerdo nos Telégrafos; a
língua no alto do Ipiranga, os olhos no Jaraguá e as mãos, por
4
. No
resgate desse homem, que era trezentos, trezentos-e-cincoenta
5
,
deparamo-nos com o poeta, com o professor de música, com o estudioso
das letras e das artes, com o pesquisador do folclore nacional e com o
gestor blico sensível à causa operária, propositor de ações capazes de
possibilitar aos trabalhadores e a seus filhos oportunidade de ocupar o
tempo livre de modo a se desenvolverem prazerosamente nas diversas
dimensões da vida. Por isso, seu coração que ele mandou, poeticamente,
fosse enterrado no Pátio do Colégio ficou mesmo no DMC de Cultura, como
ele afirmou em carta a Paulo Duarte ao deixar o DMC em 1938:
(...) Vou fazer 45 anos. Sacrifiquei por completo três
anos de minha vida começada tarde, dirigindo o D.C.Digo ‘por completo’
porque não consegui fazer a única coisa que, em minha consciência,
justificaria o sacrifício: não consegui impor e normalizar o D.C. na vida
paulistana. (DUARTE, 1971 pp.158-9)
Responder a esse desafio nos fez percorrer os diferentes espaços
nos quais poderia haver rastro do trabalho de Mário junto ao DMC. O livro
de Paulo Duarte, Mário de Andrade por ele mesmo
6
, que nos havia
encantado há muito tempo, serviu-nos de primeiro guia nesse delicioso
passeio onde a nossa hipótese foi confirmada. De fato, Mário criou com o
Departamento Municipal de Cultura uma proposta inédita e inovadora de
educação para a saúde das crianças e jovens, filhos de operários, que em
termos de política pública, e em grau de abrangência, nunca mais foi
usufruído pelas classes menos favorecidas.
As cartas que escreveu aos amigos, somadas ao material do
próprio DMC disponíveis no IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Usp -
e no Arquivo Municipal, constituíram os dados para a elaboração e
4
ANDRADE, Mário, ”Quando eu morrer”. Lira Paulistana, In. Mário de Andrade. Poesias Completas. 4ª ed., São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1974, pp.300-301.
5
ANDRADE, MÁRIO, “Eu sou trezentos”. Remate de Males, In. Mário de Andrade, op.cit., p.174.
6
Por questão de disponibilidade do livro usamos duas edições: DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo.
ed., São Paulo: Hucitec, PMSPSMC, 1985; DUARTE, Paulo. MÁRIO DE ANDRADE POR ELE MESMO. EDART. São
Paulo: São Paulo, Livraria Editora Ltda, 1971.
31
composição desse trabalho. Sobre o acesso e a disponibilidade do material
falaremos no próximo item relacionado à estratégia metodológica.
Parece que apesar das inesperadas surpresas nem sempre
positivas surgidas durante a coleta do material, mas compensadas pela
consulta a excelentes estudos realizados sobre o DMC, e a própria riqueza
de dados relativa à experiência e à vida pública de Mário de Andrade, que
falam por si mesmas, as informações encontradas foram suficientes para que
déssemos conta desse desafio, no contexto, é claro, das limitações teórico-
metodológicas sobre as quais assumimos inteira responsabilidade.
Quanto à outra tarefa, estamos cientes de que nosso
posicionamento frente a ela é hoje considerado por muitos, sejam eles
teóricos ou políticos, como superado. Mesmo assim, resolvemos tomar
posição. Em primeiro lugar, estamos de acordo com os que afirmam que o
Estado no Brasil dos anos 1930 vislumbrou um projeto político capaz de
forjar uma nação mais livre e democrática
7
(a existência do Departamento
Municipal de Cultura, objeto deste trabalho é uma das propostas nessa
direção) que foi definitivamente abortado a partir dos anos 1970, quando
finalmente o Estado optou de vez pela internacionalização capitalista, e
para concluir a trajetória, seguiu o rastro do modelo neoliberal no início dos
anos 1990.
Entretanto, pensamos que ainda tempo para se recriar um
Estado menos dependente econômica, social e culturalmente do modelo
dominante onde os trabalhadores tenham emprego e renda suficientes para
viver em uma sociedade de maior igualdade e equidade social; um Estado que,
fundamentalmente, assuma seu papel de gestor e administrador dos bens
sociais e culturais, como a saúde, a educação, os transportes, o lazer e os
bens simbólicos em geral, a moradia, dentre outros, em suas diversas
modalidades.
Como se lê, o que defendemos nada tem de original, nem de
revolucionário. Todavia, fazer emergir esse Estado significa substituir outro,
7
Nessa direção vale a pena retomar a tese de doutoramento de Rosa Maria Marques apresentada ao Programa de
Ciência Política da Universidade Católica de São Paulo em 2003. Uma síntese da tese encontra-se na Revista
Reportagem número 59 de 2004 sob o título “O pai dos pobres” em alusão a Getúlio Vargas. Este trabalho aparece
aqui apenas como ilustração de uma grande variedade de outros trabalhos na área das ciências sociais que apontam
para a mesma conclusão.
32
o vigente, cujas características são as mesmas de uma grande empresa
capitalista. Uma “empresa” que não deu certo, mas que sobrevive ao mito
dos anos 1990 de que o esvaziamento do papel do Estado levaria ao
crescimento econômico sustentado e à expansão do nível de emprego.
É certo que os tempos atuais passam por um processo de crise
do modelo neoliberal ainda sem resposta, tanto em termos mundiais quanto
em termos nacionais. Ainda não se sabe que tipo de Estado será
configurado pós falência desse modelo. Contudo, seu esgotamento - teórico
e político - não representa sua morte. Os mecanismos de mercado por ele
multiplicados estão aí, tão ou mais fortes do que antes, “condicionando e
cooptando a governos e partidos, a forças sociais e a intelectuais(SADER,
2003).
O Estado brasileiro não foge à regra. Se quisermos nos limitar
apenas a um dos aspectos da representação política, a fim de exemplificar
a sua atual configuração, basta lembrar que a grande maioria dos políticos,
em tese eleitos para representar o interesse popular, acaba representando
na melhor das hipóteses os interesses de minorias privilegiadas, quando
não os seus próprios. Trata-se de um Estado que ainda não deu conta de
superar o lugar de “empresário” cujos novos “sócios” são as organizações
sociais. Esta associação, baseada nos princípios da empresa privada, tem
colocado o Estado na condição crescente de “sócio minoritário” que,
entretanto, financia tudo.
Nessa conjuntura, os bens sociais e culturais se configuram com
características próprias dos objetos de consumo. Os de boa qualidade são
comprados por um número cada vez menor de consumidores; aos outros,
ou nada se oferece, ou se oferecem alguns que não cobrem as
necessidades da maioria. Dessa forma, a população brasileira, antes
mesmo de exercer o papel de cidadã foi obrigada a assumir outro, o de
consumidora, sem condições materiais de consumir.
Bem sabemos que o presente não é história e, por isso,
impossível de ser analisado sine ira et studio. Contudo, estamos em 2008,
passados quase seis anos de um governo do qual esperávamos a
construção de um Estado menos comprometido com os pressupostos
33
neoliberais, e as decisões políticas parecem não apontar nessa direção. A
política econômica insiste no combate à inflação (pressuposto fundamental
do neoliberalismo para a retomada do crescimento econômico, da
modernização tecnológica e da distribuição da renda), as políticas públicas
destinadas aos mais pobres são geralmente de qualidade e/ou
assistencialistas, os novos problemas advindos do aprimoramento do
próprio sistema, como a questão ambiental, permanecem subordinados ao
lucro, e seus encaminhamentos acabam sendo interrompidos ou
desfavoráveis, mas sempre justificados por discordâncias chamadas,
geralmente, de impertinência, ou pela lentidão burocrática.
Foi para oferecer mais uma contribuição no sentido de melhor
compreender este presente, de modo especial um de seus setores, o da
política pública de saúde em uma de suas modalidades, a da educação,
que resolvemos voltar ao passado.
Revisitar o passado por meio da reconstituição do DMC de
Cultura, buscando nele uma proposta de educação para a saúde integral
das crianças e jovens, filhos de operários, representa para nós entender o
presente, procurando pistas indicativas para a formulação de novas ações
que, adequadas aos tempos atuais, possam oferecer educação para a
saúde das crianças e jovens pobres desta mesma cidade de São Paulo
que, apesar de 70 anos passados desde a experiência do DMC, ainda não
apresenta um programa nessa direção vinculado a um projeto efetivo de
saúde pública.
Retomar o passado nos instiga também a vasculhar o presente
em busca dos agrupamentos que funcionam à revelia da política
institucional e que estejam pensando e propondo novas formas de atuar no
plano da saúde, da educação e da cultura, quem sabe divergentes das
ações institucionalizadas, mas capazes de colaborar na construção de uma
sociedade em que as crianças e jovens pobres possam brincar e gastar seu
tempo livre tendo a sua disposição equipamentos públicos que se
constituam em alternativas de vida com mais saúde e qualidade.
O trabalho está subdividido em quatro capítulos e um item
relativo à metodologia, que em termos de ordem de apresentação antecede
34
os capítulos, e surge na seqüência dessa apresentação, para tratar de
modo sucinto dos caminhos metodológicos percorridos e da descrição e
acesso aos dados coletados nas duas instituições já citadas aqui, a saber, o
Arquivo Municipal e o IEB, e ainda, o Arquivo do Centro de Memória da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
No capítulo I, discutimos o problema e o objeto da pesquisa. No
capítulo II, nos referimos aos usuários dos equipamentos do Departamento
Municipal de Cultura no sentido de enfatizar que vamos nos preocupar com
os adolescentes e jovens e não com as crianças de idade inferior a doze
anos. Vamos reiterar que a segmentação entre criança, adolescente e
jovem é uma construção histórico-social.
O Departamento Municipal de Cultura e as ações políticas de
educação para a saúde, ali propostas, são analisados no terceiro capítulo.
Finalmente, no quarto e último capítulo fazemos uma descrição dos
equipamentos propostos pelo DMC para as crianças e jovens: os Parques
Infantis (PIs); o Clube de Menores Operários; os acampamentos (onde se
incluem os acampamentos permanentes); os Centros de Rapazes e Moças,
que só foram inaugurados, precariamente, bem depois da saída de Mário
de Andrade do DMC de Cultura; e as Casas da Cultura.
II – Estratégia Metodológica
Antes de nos referirmos à discussão das estratégias
metodológicas propriamente ditas queremos retomar a questão do nosso
interesse pelo tema da educação para a saúde e do recorte empírico nele
privilegiado.
Minha vivência como educadora no ensino fundamental e médio
de escola privada em São Paulo levou-me, desde o início, a observar
algumas questões que me pareciam relevantes para o processo de
aprendizagem do aluno, mas que não eram assim consideradas pela
escola, nem no plano institucional, nem por grande parte dos professores.
Uma delas, a que indiretamente me trouxe à realização deste
trabalho, é a da atenção à saúde do corpo e da mente numa conjunção
35
harmônica e integrada como elemento essencial para o processo de
aprendizagem.
Na escola, geralmente, parte-se do pressuposto de que o aluno
está para adquirir conhecimento, que se resume em informações
desvinculadas da história e das culturas que os geraram, de um lado. De
outro, supõe-se ainda que o aluno é um ser dotado de um corpo pronto e
acabado e que sua subjetividade, quando apreciada, serve, no máximo,
para “aprender valores”, além dos conhecimentos assim reconhecidos pela
instituição escolar.
Desse modo, as aulas de educação física são “um estorvo”,
porque “os alunos retornam à sala de aula (esta sim considerada o único
lugar apropriado para aprende) sujos e cansados”; as aulas de artes não
fazem parte das chamadas “disciplinas nobres”; no pátio geralmente não há
à disposição dos alunos jogos ou outras atividades de recreação (quando
muito uma ou duas mesas de jogos para duzentas ou trezentas crianças e
jovens); as saídas culturais para visitas a exposições, teatros, museus ficam
para “quando houver” tempo; se eles se reúnem para conversar ou inventar
brincadeiras durante o tempo de descanso, “é preciso vigiar para que não
briguem, não fumem e não usem drogas”, e poderíamos aumentar em
quantos itens quiséssemos essa lista de proibições tidas como necessárias
“ao bom funcionamento da escola”.
Durante doze anos de atuação na escola de nível fundamental e
médio observei também que tanto o controle sobre a vida do estudante
quanto o preconceito em relação a qualquer forma de conhecimento que
escape ao ensino das “disciplinas nobres” aumentam à medida que o aluno
passa da condição de criança à de adolescente e jovem.
Nesse contexto, juntei-me a um grupo de docentes que
pensavam que a escola deveria agir de outro modo, valorizando as artes,
introduzindo a música no ambiente da aprendizagem, incentivando as
atividades corporais, que para nós o deveriam se restringir às aulas de
educação física.
36
No sentido de convencer a administração da importância de
nossa perspectiva de trabalho educativo recorremos, como primeira
tentativa, à organização de um seminário que apresentamos à direção
sobre a experiência de Mário de Andrade no Departamento Municipal de
Cultura, usando, para tanto, o livro de Paulo Duarte, Mário de Andrade por
ele mesmo”.
Como este doutoramento não trata desta e nem de qualquer
outra escola (de modo geral, todas elas públicas e privadas são
norteadas pela mesma visão tradicional de ensino/aprendizagem) não
avançaremos na descrição dos resultados.
O que importa é que em 2001, quando deixei o colégio, a
prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Marta Suplicy, divulgava uma
nova proposta de uso do tempo livre para crianças e jovens pobres das
periferias da cidade com a abertura dos CEUs – Centros de Educação
Unificados. Esses centros, apresentados como uma proposta inédita e
inovadora do uso do tempo livre deste segmento social, despertaram o
interesse de diferentes setores da sociedade. Médicos, professores,
intelectuais quiseram conhecer a experiência que, de fato, se constituiu em
equipamento adequado à situação dos moradores das periferias. Mães
trabalhadoras que não tinham lugar que abrigasse seus filhos em período
extra-escolar, jovens desempregados à procura de um espaço onde
pudessem desenvolver aptidões artísticas e praticar esportes. Enfim, os
C.E.Us representavam naquele momento a esperança de um presente
melhor em termos de educação, cultura e saúde para esse segmento social.
Contudo, e sem retirar-lhe o mérito e a importância, o que mais
me chamou a atenção à época foi o modo como os políticos apresentaram
o projeto: “um projeto inédito”. Imediatamente lembrei-me dos Circos-
Escola e do Movimento Popular de Arte (MPA) da gestão Mário Covas
8
e
dos Centros da Juventude propostos na gestão Luiza Erundina
9
. Estes
últimos considerados quase que uma recriação dos equipamentos do DMC.
8
Mário Covas, nomeado pelo governador Franco Montoro, foi prefeito de São Paulo de 10 de Maio de 1983 a 31 de
Dezembro de 1985. .Sobre o M.P.A. forneceremos informações mais adiante.
9
Luiza Erundina foi eleita pelo voto direto e governou a cidade de 1989 a 1993.
37
Essas indagações ocultavam uma preocupação. Os CEUs teriam
o mesmo fim das experiências passadas? Isto é, morreriam súbita ou
lentamente no colo dos próximos gestores que apresentariam novos
projetos “inéditos e inovadores”? Será que a recuperação do passado, de
nossa memória social, contribuiria para que nos projetos presentes a ênfase
recaísse na garantia de sua continuidade e não mais na inovação e no
ineditismo? Em outras palavras, resgatar o passado seria uma forma de
avaliar melhor o presente, propondo ações que, apesar de
experimentadas no passado, mereceriam ser retomadas e adaptadas ao
presente de modo mais duradouro?
Nossa tendência foi a de apostar que sim; que o presente pode
ser entendido como um processo de transformação das condições
anteriores em que o homem somente pode assumir as rédeas dessa
transformação em favor de determinados interesses ao conhecer as
condições anteriores das forças que configuraram o presente. Portanto,
reiteramos, foi o presente que nos fez buscar o passado.
Constatamos que no campo da educação, da política e da cultura
o DMC havia sido bastante analisado
10
. Porém o seu aporte à área da
saúde ainda não foi devidamente explorado. Esta constatação motivou-nos
à presente tentativa de contribuir para a memória da Saúde Pública em São
Paulo.
Apesar de nosso esforço em justificar a importância de se
revisitar o passado é Benjamin quem o faz primorosamente. Por isso,
mesmo que longa, supomos imprescindível a citação de uma de suas teses
“Sobre o Conhecimento da História”:
“Pertencem às mais notáveis particularidades do espírito
humano, [...] ao lado de um egoísmo no indivíduo, a ausência geral de
inveja do presente em face do futuro, diz Lotze. Essa reflexão leva a
reconhecer que a imagem da felicidade que cultivamos está inteiramente
tingida pelo tempo a que, uma vez por todas, nos remeteu o decurso de
10
Conferir entre outros: ABDANUR, E.F. Os “ilustrados” e a política cultural em São Paulo: o DMC de Cultura na
gestão de Mário de Andrade (1935-1938). Dissertação de mestrado. IFCH, Unicamp, 1992; FARIA A.L.G. Educação
Pré-escolar e Cultura. ed. São Paulo/Campinas: Unicamp/Cortez, 2002; KOSSOVITCH, Elisa. Mário de Andrade,
plural. 2ª ed. Campinas: Unicamp, 1990; SANDRONI, Carlos. Mário contra Macunaíma. Cultura e política em Mário de
Andrade. Rio de Janeiro: Vértice/IUPERJ, 1988. SILVEIRA, Sirlei. Nas trilhas da brasilidade (Mário de Andrade e o
projeto de construção da nação brasileira). Dissertação de mestrado. PUC/SP, 1993; BARBATO JR, José Roberto.
Missionários de Uma Utopia Nacional-Popular (Os intelectuais e o DMC de Cultura de São Paulo). São Paulo:
Annablume, 2004.
38
nossa experiência. Felicidade que poderia despertar inveja em nós existe
tão somente no ar que respiramos, com os homens com quem teríamos
podido conversar, com as mulheres que poderiam ter-se dado a s. Em
outras palavras, na representação da felicidade vibra conjuntamente,
inalienável, a [representação] da redenção. Com a representação do
passado, que a História toma por sua causa, passa-se o mesmo. O
passado leva consigo um índice secreto pelo qual ele é remetido à
redenção. Não nos afaga, pois, levemente um sopro de ar que envolveu os
que nos precederam? Não ressoa nas vozes a que damos ouvido, um eco
das que estão, agora caladas? E as mulheres que cortejamos não têm
irmãs que jamais conheceram? Se assim é, um encontro secreto está
marcado entre as gerações passadas e a nossa. Então fomos esperados
sobre a terra. Então nos foi dada, assim como a cada geração que nos
precedeu, uma fraca força messiânica, à qual o passado tem pretensão.
Essa pretensão não pode ser descartada sem custo. O materialista histórico
sabe disso” (BENJAMIN, W. 2005, p. 72).
Quanto aos usuários dos equipamentos do DMC, as crianças e
os jovens, faremos alguns comentários metodológicos. De início, nossa
intenção era a de estudar apenas os jovens usuários de modo a usarmos o
termo emprestado da atualidade, isto é, faríamos um recorte centrando
nossa atenção no segmento que os pesquisadores chamam hoje de
jovens
11
, ou seja, aqueles que em pesquisa estão na idade aproximada
entre dezoito e vinte e cinco anos, embora soubéssemos de antemão que a
juventude tal como foi construída pelo conhecimento moderno das ciências
humanas não se constitui exclusivamente da idade cronológica e, também,
que esse segmento no Brasil até os anos 1960 é considerado pelos
estudiosos como parte integrante do mundo adulto.
Mesmo assim, queríamos investigar o que faziam os “jovens” nos
Clubes de Menores Operários e nos Centros de Rapazes e Moças,
equipamentos que as primeiras leituras indicavam serem destinados a
rapazes e moças trabalhadores e cuja idade mais se aproximava da idade
dos que atualmente os pesquisadores reconhecem como jovens.
Entretanto, a consulta ao material colocou-nos diante de um
primeiro obstáculo. Constatamos que também os Parques Infantis eram
freqüentados por um número considerável de rapazes e moças cuja idade
11
Para efeito de pesquisa, quantitativa e qualitativa, os estudiosos localizam os jovens na faixa etária que vai dos 18
aos 25 anos. Qualquer estudo sobre o tema tem esse intervalo etário como referência. Ver, por exemplo: DIEESE. A
situação do trabalho no Brasil. São Paulo, DIEESE, 2001.
39
variava de 12 a 21 anos
12
. Logo, Parques Infantis não poderiam ser
desprezados em nosso estudo.
Por outro lado, os Centros de Rapazes e Moças não chegaram a
funcionar enquanto Mário esteve no DMC. Projeto de 1937, foi esvaziado
com o golpe do Estado Novo em novembro deste mesmo ano, como todo o
DMC, e funcionou precariamente nos anos 1940, graças à atuação de
“funcionários abnegados da prefeitura”, segundo palavras de Paulo Duarte,
na gestão do prefeito Abraão Ribeiro. Nessa busca deparamo-nos com
outros equipamentos: os campos de atletismo, os acampamentos
permanentes e a Casa da Cultura que não podem ser descartados quando
se trata de estudar equipamentos destinados à educação, saúde e cultura
do operário e de seus filhos. Apesar de esses projetos não terem se
concretizado em decorrência do golpe do Estado Novo merecem ser
apreciados pelo valor e pelo caráter, naquele momento sim inovador, e pela
contribuição que poderiam ter oferecido à educação para a saúde dos
trabalhadores e da população pobre em geral, independentemente de
idade, sexo, cor e vinculação formal ao mundo do trabalho.
Os usuários dos equipamentos, no contexto do material coletado,
eram identificados como crianças, adolescentes ou jovens, de 12 a 21 anos.
Por isso o capítulo II dedicado aos usuários dos equipamentos do DMC tem
por objetivo apresentar as principais questões que, na atualidade, estão em
pauta nos estudos sobre a juventude. Isto é: 1) mostrar que adolescência e
juventude são ainda noções que variam conforme a época e a cultura; que
a noção de juventude tem se sobreposto à de adolescente no estado atual
das ciências sociais até mesmo pela importância que os jovens foram
adquirindo nas agendas políticas, especialmente na última década do
século passado e neste início de século; que a visibilidade juvenil no
referido período tem se dado muito mais pelos movimentos culturais do que
pelos movimentos políticos; que a noção de jovem como sujeito de direitos
vem superando a concepção do jovem como sujeito de transgressão social;
3) que a necessidade de conceituar a adolescência e a juventude tem se
12
Nos estudos e pronunciamentos públicos do próprio Mário de Andrade, de Carolina Ribeiro e Nicanor Miranda que
serão apresentados no capítulo IV e constam da bibliografia deste trabalho há dados que confirmam a freqüência de
rapazes e moças de até 21 anos ou mais nos Parques Infantis.
40
colocado com certa insistência na pauta dos estudiosos do tema. Nestes
termos, nosso objetivo principal no capítulo II é o de delinear os temas em
pauta dos estudiosos do início do século XX sobre o grupo social que se
aproximava em termos etários dos jovens de hoje, mostrando a visão
dominante dos que detinham a análise deste grupo com vistas a apontar as
interpretações tidas como exceções à visão dominante por terem entendido
o segmento de jovens maiores de 12 anos e menores que 22 anos, pobres
e moradores da cidade de São Paulo, como sujeitos portadores de direitos
que incluíam o lazer, a cultura, a saúde, a educação, a alimentação, enfim
como cidadãos que sem esses bens não se desenvolveriam
adequadamente para assumir a direção de suas próprias vidas e nem
participar ativamente da vida em sociedade. É nesse contexto que se
inscreve a discussão sobre os adolescentes e os jovens que selecionamos
como objetos preferenciais da análise desta pesquisa.
Se nesse período de nossa história os estudiosos das crianças e
dos “jovens” tendiam, em sua maioria, a fazer uma leitura desse segmento
fundada na idéia de que havia determinados traços inatos nas crianças e
nos jovens pobres que os levavam necessariamente à criminalidade e à
marginalidade, reduzindo-os à categoria de menores infratores, como
veremos adiante, o estudo de Groppo constituiu-se em mais um estímulo
para voltarmos aos anos 1930, buscando idéias e propostas que se
diferenciassem das leituras daqueles estudiosos concentrados, então, entre
juristas e médicos. Groppo diz o seguinte:
“(...) acompanhar as metamorfoses dos significados e
vivências sociais da juventude é um recurso iluminador para o entendimento
das metamorfoses da própria modernidade em diversos aspectos, como a
arte-cultura, o lazer, o mercado de consumo, as relações cotidianas, a
política não-institucional etc. Por outro lado, deve-se reconhecer que a
sociedade moderna é constituída não apenas sobre as estruturas de classe
ou pelas estratificações sociais que lhe são próprias, mas também sobre as
faixas etárias e a cronologização do curso da vida (...) A modernidade é
também o processo histórico-social de construção das juventudes como as
conhecemos” (GROPPO, 2000, p.12).
Outra questão a ser considerada é que na elaboração do trabalho
baseamo-nos nos suportes teóricos das ciências sociais. Assim esta tese
pretendeu construir uma leitura histórico-social da educação para a saúde
41
das crianças e jovens pobres, valendo-se de estudos da sociologia, da
ciência política e da antropologia.
Bom seria se tivéssemos encontrado pessoalmente alguns dos
usuários dos equipamentos do DMC para avaliar suas lembranças como
antigos freqüentadores. Pensamos nessa possibilidade, pois algum
tempo não tão longínquo (2002), houve uma exposição dos desenhos dos
usuários dos parques infantis aqui em o Paulo, e alguns deles chegaram
a ser entrevistados pelos meios de comunicação. Mas percebemos logo
que se fossemos trilhar esse caminho o trabalho poderia enveredar para
outras questões, demandando um tempo muito maior do que aquele do qual
dispúnhamos para a realização do doutorado. Assim optamos por nos
restringir às fontes documentais.
Para encerrar esse item, e com ele a introdução, restam algumas
observações sobre as fontes consultadas. Nossa coleta se deu
basicamente em três organismos de pesquisa: Arquivo do Centro de
Memória da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de o Paulo;
Arquivo do IEB e Arquivo Municipal.
No Arquivo do Centro de Memória da FSP do qual participamos
como pesquisadora, trabalhando em sua organização durante alguns
meses dos anos de 2005 e 2006, investigamos o Processo 193/47 sobre as
educadoras sanitárias, e, na Biblioteca da FSP consultamos a Revista
Paulista de Pediatria, o Jornal Brasileiro de Pediatria e a Revista Arquivos
Brasileiros de Pediatria. No Arquivo Histórico Municipal
13
consultamos
documentos da Divisão de Educação e Recreio do DMC, as Revistas do
Arquivo Municipal que surgiram no contexto do DMC e foram publicadas
durante 68 (de 1934 a 2002), e álbuns de fotos dos quais selecionamos
algumas para apresentá-las, também, no último capítulo. E, finalmente, no
Arquivo do IEB estão quase todos os documentos do DMC, desde as cartas
13
Vale registrar que o Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, de final de 2005 até meados de 2006, período em que
consultamos os documentos do seu acervo estava, segundo as funcionárias que nos atenderam, em processo de
reorganização. Por isso, disseram-nos, embora lá estivesse guardada uma caixa com material do DMC, não era
possível consultá-la porque ainda não tinha sido “organizada”. Também não souberam informar o que continha a
referida caixa. Para fazer as fotos voltamos em 07/07/08. Segundo informações da seção de Manuscritos, alguns
documentos da referida caixa estavam à disposição para pesquisa. Pudemos consultar uma pasta, mas não havia
nada de nosso interesse. Trata-se de uma relação de documentos de ordem administrativo/financeira.
42
trocadas entre rio, seus amigos colegas de trabalho do DMC, até
recortes de jornais, relatórios e manuscritos.
Interessamo-nos pelas cartas trocadas entre Mário e Nicanor
Miranda (chefe da Divisão de Educação e Recreio do DMC), porque
poderiam conter informações importantes sobre o funcionamento dos
equipamentos. Porém, embora elas façam parte do acervo do Arquivo do
IEB, não pudemos consultá-las, pois havia uma exigência que deveríamos
cumprir: solicitar autorização por escrito da família de Nicanor Miranda.
Dado que o IEB não fornece orientações para o contato, abandonamos
essa fonte, considerando os prazos exigidos para a redação da tese.
Estudos teóricos e de pesquisa de campo consultados
encontram-se listados na bibliografia e, quando necessário, fizemos com
que constassem ainda das notas de rodapé.
Sabemos que um trabalho centrado em fontes documentais,
como esse que decidimos realizar, exige uma formação específica no trato
de documentos históricos. Tentamos fazê-lo com a certeza de que
ficaremos devendo este melhor tratamento das fontes aos historiadores e,
por isso, assumimos total responsabilidade sobre as falhas daí decorrentes.
Mesmo assim estamos confiantes em que, apesar das
deficiências, a área saúde pública possa, a partir deste trabalho, perceber a
necessidade de incorporar aos estudos sobre educação para a saúde a
experiência do Departamento Municipal de Cultura sob a direção de Mário
de Andrade. Se isto passar a ocorrer, isto é, se a educação para a saúde
ressaltar a importância das atividades de lazer, do brincar, das artes aliadas
às condições básicas de subsistência dos que hoje vivem situações
precárias de saúde, pensamos que este trabalho terá cumprido seu papel.
43
Capítulo I
Problema e objeto da pesquisa
1. O problema da pesquisa: em defesa de uma política pública
universal de educação para a saúde
Nosso cotidiano é farto de clamores vindos da imprensa, de
intelectuais e das igrejas, de organizações de classe e de movimentos
sociais, de partidos políticos e da sociedade em geral em prol de políticas
públicas que em conta de um melhor atendimento da população quanto
ao acesso aos chamados bens e serviços sociais, isto é, educação, saúde,
habitação, saneamento básico, etc.
A população para quem esses apelos reclamam melhores
condições de vida concentra-se na população de baixa renda. Dessa
perspectiva são preferencialmente os que não têm emprego ou os
subempregados os que mais necessitam desses serviços sem que para
obtê-los tenham que pagar por eles. E é ao Estado que essas
reivindicações são dirigidas.
Um olhar mais atento sobre estes clamores nos levará
certamente a ampliar nossa reflexão para algumas questões. Em primeiro
lugar, vale lembrar que esses reclamos fundamentam-se no discurso dos
direitos, sendo, portanto, reconhecidos como legais e legítimos em termos
mundiais, somente a partir do século XVIII, com a instauração da sociedade
burguesa, ou sociedade do direito, que estabeleceu a igualdade humana
perante a lei. Antes disso, a pobreza era da alçada das instituições de
caridade, e, no caso específico do Brasil, da Igreja Católica, a principal
responsável pela filantropia
14
.
14
PANDOLFI, Dulce, “Os anos 1930: as incertezas do regime”. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de A N.
(orgs.) O Brasil Republicano O tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp.15-37.
44
Por outro lado, a igualdade de direitos não é dádiva do poder
dominante. Ao contrário é conquista fundada em percursos que variam
segundo condições específicas presentes em cada formação histórica.
Nessa direção, vale lembrar a mais conhecida história dos direitos da
sociedade inglesa escrita por T. Marshall
15
na década de 40 do século
passado. Para este autor, os ingleses conquistaram, nesta ordem, desde o
final do século XIX até os primeiros 50 anos do século XX, os direitos
individuais, os políticos e, por último, os direitos sociais.
A história dos direitos sociais no Brasil é muito recente e
complexa. Na década de 1910/20, graças à luta dos operários anarquistas,
algumas reivindicações ligadas ao bem-estar dos indivíduos foram,
timidamente, incorporadas aos códigos legislativos. É o caso, por exemplo,
da lei que protegia as crianças trabalhadoras em casos de acidentes de
trabalho, ou, da que limitava as horas de trabalho de mulheres e crianças
no Estado de São Paulo
16
.
Mas, é no governo Vargas, inaugurado com a revolução de 1930
que, além dessas conquistas terem se ampliado significativamente no
cenário brasileiro, o Estado passa a assumir, ainda que de forma restritiva,
a proteção social dos cidadãos. Como parceiro dos sindicatos, o Estado
começa a subsidiar parte dessa proteção, atingindo, de início,
exclusivamente os trabalhadores sindicalizados. Apesar das muitas
mudanças ocorridas nesta relação, Estado/Sindicatos, ao longo da história
recente, o sistema de proteção social brasileiro construiu-se e consolidou-se
sobre uma base contributiva da qual o Estado nunca cogitou abdicar
17
. Isto
significa dizer que aqueles que estiveram ou ainda estão fora do mundo do
trabalho continuam, na prática, sob a tutela da filantropia sem poder
enquadrar-se plenamente na categoria de cidadão.
Nesse sentido, a cidadania brasileira é ambígua. Do ponto de
vista das obrigações para com o Estado todos são considerados cidadãos,
15
MARSHALL, T.H. Cidadania, Classe Social & Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
16
Sobre estas e outras conquistas transformadas em lei no início do século Cf: PASSETTI, E. “Crianças Carentes e
Políticas Públicas”; MOURA, E B B de.” Crianças operárias na recém-industrializda São Paulo”. In: Mary Del Priore
(org). História das Crianças no Brasil. 4ª ed., São Paulo: Contexto, 2004. Cf também: FREITAS, M.C.de. História Social
da Infância no Brasil. 5ª ed., São Paulo: Cortez, 2003.
17
D’ARAUJO, M. C. “Estado, classe trabalhadora e políticas sociais”, In: J. Ferreira & A.N.Delgado. O Brasil
Republicano. O tempo do nacional estatismo, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vol 2, 2003.
45
no que diz respeito aos direitos e, de modo especial, aos direitos sociais,
até a Constituição de 1988 poucos haviam se incorporado aos textos
constitucionais. Se, por um lado, o surgimento de um capítulo relativo a
esses direitos na Constituição de 1988 pode ser considerado um avanço na
história dos direitos sociais no Brasil; por outro lado, impedimentos de
natureza diversa, dentre os quais destacam-se os de cunho econômico e
político, têm impossibilitado que os cidadãos exercitem plenamente esses
direitos.
Ao nos referirmos à questão da cidadania brasileira, tocamos
superficialmente no papel que o Estado assume na vida cidadã. No
entanto, é preciso dizer mais desse Estado, para que possamos elucidar e
tomar posição frente à questão das políticas públicas. Como se sabe, o
Estado ocidental contemporâneo apresenta uma estrutura mais sofisticada
para responder às exigências de uma sociedade que se foi tornando mais
complexa, sem no entanto, ter se alterado em termos substanciais em
relação ao Estado oriundo da revolução francesa do século XVIII, isto é,
uma instituição social, segundo Weber
18
, que detém o monopólio sobre o
uso da força. Organizado em torno de um conjunto de funções sociais,
interessa-nos, neste caso, destacar as que se referem ao bem-estar da
população, como a implementação de medidas de saúde pública e o
provimento de educação.
A idéia de população, em termos políticos da modernidade, é
também herança da Revolução Francesa e está diretamente relacionada à
idéia de povo, de poder, de democracia, de justiça e de direito
19
. O povo
18
WEBER, Max. Economia Y Sociedad. Esbozo de Sociología comprensiva. 2ª ed., México: Fondo de Cultura
Económica, 1983.
19
“A questão do poder, isto é, do surgimento de um conjunto de práticas sociais concernentes ao que é público e que
tem a peculiaridade de oferecer à sociedade dividida em classes um ponto de unificação no qual todas as diferenças
sociais e econômicas possam aparecer e ser articuladas umas com as outras. O poder político é um articulador de
práticas públicas sociais diferentes. No entanto, um fenômeno interessante, pelo qual a força e o poder não se
confundem, é o seguinte:enquanto a força é alguma coisa que pode ser diretamente visualizada como prática de
alguns indivíduos, ou de alguns grupos ou de algumas classes que exercem dominação sobre outros, o poder aparece
justamente como a possibilidade de eliminar a força, graças às idéias de justiça e de direito. Esse aspecto é importante
porque permite, por exemplo, distinguir um regime ditatorial de um regime democrático: no primeiro, os indivíduos,
grupos e classes se identificam com o próprio poder e o exercem através da força, enquanto no segundo, o fato de
todos os cidadãos terem o direito de participarem do poder, torna impossível identificar governantes e poder. A
peculiaridade do poder está justamente em não se confundir com seus ocupantes e, sobretudo, em estar separado da
sociedade graças às práticas da própria sociedade que o instalam como um pólo comum para todos, pólo onde estão
as leis e não a força. Por esse motivo, o Estado é a forma pela qual o poder se manifesta e se exerce em muitas
sociedades, mas não é o poder político enquanto tal (...) A questão da justiça, pois o que permite dizer, numa
sociedade democrática, que todos têm o direito de participar do poder é o fato de que a justiça estabelece certos
valores que permitem essa participação. Essas valores são aquilo que permite afirmar que as pessoas diferentes se
equivalem politicamente, isto é, valem a mesma coisa. .No caso da democracia, o que permite estabelecer a
46
que adquire uma identidade coletiva ou a coletividade que ocupa um
espaço político, que é público, ou seja, um espaço que é de todos em uma
sociedade democrática. Nessa direção, as políticas blicas, enquanto
ações e programas do Estado e destinadas ao público, nas sociedades
democráticas, trazem implícita a idéia de universalização de acesso aos
bens que é dever do Estado assegurar ao povo. Afinal, o povo é um
grupamento político que envolve todos os indivíduos (cidadãos)
pertencentes a uma mesma nação-estado.
Porém, tanto a igualdade de direitos como a universalização do
acesso aos bens sociais são patamares que, no contexto de desigualdade
estrutural das sociedades capitalistas, somente podem ser alcançados em
maior ou menor grau, mas nunca integralmente, por meio da luta política
que se desenrola segundo determinantes de época e das relações
específicas de cada nação-estado ou conjunto delas.
Nesse sentido, a solução encontrada pelos países do norte
europeu em seguida ao segundo s-guerra é elucidativa da maneira como
enfrentaram a busca por uma situação de maior igualdade e equidade
sociais. Ali os governos assumiram a função de organizar, regular e
distribuir bens sociais até mesmo como resposta às reivindicações dos
trabalhadores cujos salários eram insuficientes para cobrir os gastos
relativos à satisfação das necessidades fundamentais da vida humana
20
.
Esse sistema social em que o governo toma para si a responsabilidade do
financiamento e gestão da educação, da saúde, do transporte, da moradia e
da infra-estrutura urbana, entre outros, qualifica o que historicamente se
conhece como Welfare State ou Estado de Bem-Estar-Social.
É bom dizer que no modelo ideal do Estado de Bem-Estar Social
todos os trabalhadores têm acesso aos chamados bens sociais, mas a
equivalência entre os diferentes e torná-los todos com direito ao poder são a igualdade e a liberdade. Não será por
acaso que, na prática concreta, os regimes que pretendem ser democráticos, mas se realizam em sociedades divididas
em classes, reduzem a igualdade e a liberdade a direito de alguns e não de todos. Dizem na teoria, que todos são
livres e iguais, mas encontram, na prática, procedimentos para impedir isto. Por isso é que se diz que tais democracias
são formais e não concretas e que somente o socialismo poderá ser uma democracia concreta”. CANDIDO, Antonio;
CHAUÍ, Marilena; ABRAMO, Lelia & MOSTAÇO, Edélcio. Política Cultural. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984, pp. 9 a
11.
20
Sobre a formação do Estado de Bem-Estar-Social e a gestão dos bens e serviços públicos Cf: LEVY, J. D “Vice into
virtue? Progressive Politics and welfare reform in Continental Europe”. Politics & Society 27(2), 1999: 239-73. ;
PIERSON, P. “Coping with Permanent Austerity: Welfare State reestructuring in Affluent Democracies”. In: P.
Pierson.(ed). The New Politics of the Welfare State. Oxford: Oxford University Press (2000).
47
concretização desse modelo em diferentes formações históricas apresenta
hibridismos que vão da exclusividade estatal sobre a repartição destes bens
a parcerias com organismos de representação de classe, de tal modo que
esses desenhos diferenciados também condicionam o grau de diminuição
das desigualdades. De qualquer modo o Estado de Bem-Estar-Social
desempenhou papel importante na diminuição da desigualdade social.
Se a igualdade absoluta é uma contradição no sistema
capitalista, a redução da desigualdade pode ser encarada como objetivo
plausível nas sociedades fundadas nesse sistema
21
. Para tanto, faz se
necessária uma confluência de fatores que envolvem: a presença de um
Estado democrático; partidos detentores de projetos políticos em que justiça
social e maior igualdade de direitos sejam metas prioritárias; governos
dotados de vontade política para alterar as regras do jogo político em favor
da realização das metas prioritárias; e o povo educado para ocupar o seu
espaço, isto é, o espaço que é público. Tudo isso, mais o pressuposto
básico da soberania, isto é, a capacidade política de estabelecer prioridades
independentemente dos controles políticos e econômicos externos.
Pensamos que a universalização de acesso aos bens sociais, se
não a todos pelo menos aos que capacitam o indivíduo a exercer
minimamente sua condição de cidadão — moradia, saúde, educação e
trabalho , seja um bom roteiro para a construção de sociedades mais
justas e igualitárias. Por isso, entendemos que políticas públicas destinadas
à área social devem atender ao povo, independentemente deste povo
constituir-se de: empregados ou desempregados, etnias diversas, grande
número de crianças, jovens ou idosos, religiões múltiplas, etc.
Considerando que esta pesquisa vai tratar especialmente de
uma política pública da área social destinada à promoção do bem-estar
humano, apontamos aqui mais uma vantagem das políticas sociais
universais. Pensar e propor ações destinadas para o povo como um todo
favorece, em situações de normalidade social, a emergência de políticas de
promoção do bem-estar na medida em que seus formuladores tendem a
21
As propostas de renda mínima e/ou de renda básica desvinculadas de condicionalidades são alternativas nessa
direção. Cf para o caso do Brasil as propostas do economista Eduardo Suplicy. Cf também: PARIJS, Philippe Van.
Capitalismo de Renda Básica, Lua Nova. Revista de Cultura e Política. São Paulo: Cedec, n.32, 1994, pp.69-91.
48
não se deparar com problemas sociais de extrema gravidade, tais como,
fome, violência, marginalidade, deterioração dos valores humanos básicos;
problemas esses que, pela urgência e premência, acabam condicionando e
limitando as políticas sociais. As políticas de focalização
22
, como o
conhecidas as que se destinam aos setores sociais específicos (geralmente
os mais pobres), só têm sentido se forem conjunturais e formuladas como
etapa de um projeto político em que a universalização seja a meta
prioritária. Se assim não for, estas políticas correm o sério risco de se
fixarem no patamar do assistencialismo.
No Brasil, a nosso ver, um projeto político destinado para o bem-
estar-social teve origem nos anos 1930. Se, por um lado, não
unanimidade
23
sobre esta assertiva entre os estudiosos da política
brasileira; por outro, todos concordam que o Estado oriundo deste período
tratou a questão da redistribuição dos bens e serviços sociais de modo a
ampliá-los para os setores desprotegidos da sociedade. Dito de outro modo,
a questão social passou de “caso de polícia”, como era encarada nos
primeiros anos da República, a “questão política”, a ser enfrentada pela
sociedade e pelo Estado. Nesse contexto, educação, saúde e trabalho
adquiriram importância ímpar em termos de ações e programas
governamentais no período.
Os aspectos principais deste projeto político encontram-se na
formulação de um novo modelo de sociedade pautado em termos
econômicos pela superação do modelo econômico agrário-exportador de
modo que o eixo central da economia volta-se para o desenvolvimento da
indústria nacional centrada na produção de bens duráveis e a formação de
um mercado interno consumidor ampliado. Politicamente, surge o germe
do chamado populismo, modo especial de fazer política baseado no
22
Sobre as políticas de focalização cf: Lavinas, Lena. “Combinando compensatório e redistributivo: o
desafio das políticas sociais no Brasil”. In: HENRIQUES, R. (org) Desigualdade e Pobreza no Brasil.
Rio de Janeiro: IPEA, 2000. Cf também: Néri, M. “Políticas estruturais de combate à pobreza no Brasil”.
In: HENRIQUES, R. (org) Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio e Janeiro: IPEA, 2000.
23
Sobre a polêmica em torno da existência ou não de um Estado de Bem-Estar no Brasil Cf: DRAIBE, S
e AURELIANO, L. “A especificidade do Welfare state brasileiro”. Economia e Desenvolvimento,
Brasilia: MPAS/CEPAL, 1989..; FAGNANI, Eduardo. Política Social e Pactos Conservadores no Brasil:
194/92: Economia e Sociedade, (8): 183-238, 1997.; SANTOS, W. G. Cidadania e Justiça, Rio de
Janeiro: Campus, 1979, cap.2,4 e 5 .
49
aliciamento das classes sociais menos esclarecidas que adquiriu
importância no cenário político brasileiro dos anos 1950.
É possível sintetizar este projeto gerado entre os anos 1930 e
1964, subdividindo-o em cinco etapas: de 1930 a 1937; de 1937 a 1945; de
1950 a 1954; de 1955 a 1960, e, de 1961 a 1964. Na primeira etapa (1930 a
1937), - tendo Getúlio Vargas à frente do governo central colocou-se na
ordem do dia a necessidade de se praticar uma nova política social no país.
A criação do Ministério do Trabalho no primeiro mês do governo provisório
refletiu a disposição de alterar os rumos da política trabalhista,
previdenciária e sindical até então adotada pelos governos da República.
O modelo sindical adotado baseava-se no corporativismo, pressupondo que
somente pela intervenção direta do poder público haveria o amortecimento
dos conflitos entre capital e trabalho. São dessa época inúmeras iniciativas
no sentido de regulamentar as relações de trabalho no país: lei de férias; o
novo código de menores; regulamentação do trabalho feminino e o
estabelecimento de convenções coletivas de trabalho. Também no campo
da assistência social surgiram importantes mudanças, como a criação dos
institutos de pensões e aposentadorias, órgãos controlados pelo Estado e
responsáveis pela extensão de direitos sociais a categorias nacionais de
trabalhadores.
A 2ª etapa desta periodização, que vai de 1937 a 1945, refere-se
ao Estado Novo. Instaurado pela Constituição de 1937, em um tempo em
que a Europa vivia intenso clima de contestação da liberal-democracia, o
Estado Novo trouxe para a vida política e administrativa brasileira as
marcas da centralização e da supressão dos direitos políticos. Ainda sob
Vargas, foram fechados: o Congresso Nacional, as Assembléias legislativas
e as Câmaras Municipais, estabelecendo-se nos Estados o sistema de
interventorias. Data deste período a criação do Ministério dos Negócios da
Educação e da Saúde. Os militares tiveram grande importância no Estado
Novo, definindo prioridades e formulando políticas de governo, em particular
nos setores estratégicos, como siderurgia e petróleo. O regime propunha a
criação das condições necessárias para a modernização da nação: um
Estado forte; centralizador, interventor, agente fundamental da produção e
50
do desenvolvimento econômico. Surgem muitos conselhos e órgãos
técnicos cuja função era promover estudos e discussões, assessorar o
governo na elaboração e na execução de suas decisões, e ainda propiciar o
acesso de setores empresariais ao aparelho estatal. É bom ressaltar um
importante resultado das negociações entre governo e empresariado no
período: trata-se da criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
– SENAI -, destinado a formar mão-de-obra para a indústria, instituição pela
qual passaram muitos dos jovens a partir da década de 1940.
De 1950 a 1954, Getúlio Vargas volta ao governo desta vez
eleito pelo voto direto para consolidar as mudanças iniciadas nos anos
1930. Interrompido este governo com o suicídio do presidente, o Brasil
havia passado pelas mudanças que diziam respeito principalmente às
bases do desenvolvimento, ao modelo econômico adotado, à ênfase na
industrialização orientada pelo Estado e ao controle social e sindical. O país
vivia um intenso processo de modernização política e econômica, sofrendo
todos os impactos positivos e negativos daí decorrentes.
Em 1955 inicia-se a etapa do modelo desenvolvimentista
brasileiro agora sob a direção de Juscelino Kubitschek. Tempos de maior
distensão política, de instalação da indústria automobilística, de
prosseguimento dos grupos, conselhos e assessorias. Mas também um
tempo de impasse entre a opção pelo modelo desenvolvimentista nacional e
o monetarismo. A situação de crise econômica pautada por altas taxas de
inflação e um progressivo descontrole das contas externas constituiu-se em
um dos indicadores de desintegração total do modelo a ser realizada sob a
égide dos militares num tempo que não tardaria a chegar.
A possibilidade de implementação das reformas de base no
governo João Goulart, nos primeiros anos da década de 1960, representou
uma ameaça aos planos do capitalismo internacional, não para o Brasil,
como para todos os países da América Latina que passavam por histórias
semelhantes em termos de economia e política. Assim como em muitos
outros países latino-americanos, os militares assumiram aqui a tarefa de
interromper a consolidação de um modelo de sociedade em que a
51
distribuição dos bens e serviços se pretendia mais igualitária, e a
participação do povo na construção deste projeto era meta plausível.
O golpe de 1964 interrompeu o governo constitucional contendo
a mobilização das massas populares. Autoproclamando-se movimento
restaurador da economia, o movimento se amparou neste argumento para
justificar a desmobilização popular: “vamos somar para depois repartir e,
para somar, a ordem faz-se necessária”. Na verdade, o golpe militar
respondia adequadamente à nova divisão do trabalho em termos
internacionais, com as empresas multinacionais instalando-se nos países
periféricos em situação bastante vantajosa, uma vez que tinham a sua
disposição mão-de-obra e matéria-prima e um mercado interno consumidor
em crescimento. Nesse sentido, a produção nos países periféricos ficava
tecnologicamente dependente por falta de know-how. O Estado, por sua
vez, atribuiu às empresas públicas os mesmos padrões de gestão das
empresas privadas.
Assim se desenvolveu um sistema econômico excludente, de
renda concentrada e pobreza aumentada, elementos exacerbados a partir
de 1990, quando o país optou pelo modelo neoliberal. As experiências
atuais de governos progressistas, tanto no Brasil como em outros países da
América Latina, ainda não conseguiram desmentir o fracasso de sociedades
onde continua reinando a desigualdade social, e onde a equidade é ainda
uma meta longínqua.
Este é, em síntese, o cenário de desmonte de um projeto de
sociedade que não chegou a se firmar, mas que foi, sem dúvida, gestado
nos princípios de maior justiça e igualdade sociais. Por isso, as políticas
públicas sociais, e dentre elas a de educação para a saúde, dos anos 1980,
apesar de terem surgido no processo de redemocratização do país, tempo
de luta pelos direitos e de ampliação da cidadania, não se consolidaram
como expressões de um projeto nacional, pois a democracia brasileira do
final do século passado resgatou a forma e não o conteúdo da república
desenvolvimentista. As políticas sociais pós-golpe militar estão se perdendo
nas mãos de “parceiros” do poder público que nada oferecem além de
ações assistencialistas, até por que seu alvo não é mais o desenvolvimento
52
nacional, mas a garantia de privilégios onde o poder público e o privado se
entrelaçam, mais uma vez, para atender a interesses de grupos
24
. Nesse
contexto, as políticas educativas, dentre as quais a que nos interessa aqui,
a da educação para a saúde, perdem sentido, pois evitar problemas
significa diminuir as chances de que grupos privados com o aval do poder
público, e por ele regiamente financiados, possam atuar como organismos
ditos “auto-sustentáveis”.
Essa constatação levou-nos ao passado para resgatar uma
experiência de educação para a saúde a do Departamento Municipal de
Cultura da gestão Mário de Andrade com vistas a apresentá-la como
uma ão única do poder público municipal paulistano que se perdeu na
história da saúde, e que, a nosso ver, precisa ser levada em conta se ainda
houver um tempo em que o poder municipal, hoje ainda mais fragmentado
pelas sucessivas “reformas administrativas”, tiver vontade política para criar
e manter condições favoráveis de saúde para seus munícipes.
É importante destacar que a cidade de São Paulo, berço do
DMC, ocupava à época um lugar de destaque no cenário nacional em
termos de educação para a saúde. A criação do Instituto de Higiene e
Saúde Pública nos anos 1920 não apenas impulsionou os estudos teóricos
relacionados à formação de hábitos de higiene como também formou um
grande contingente de educadoras sanitárias que atuavam junto às escolas
públicas e às famílias das camadas populares, no sentido de incutir-lhes
hábitos saudáveis de vida.
Embora a educação para a saúde não se limite à assimilação de
hábitos, naquele momento a interiorização coletiva desses hábitos
associada à consciência da necessidade de melhorias na área da infra-
estrutura urbana
25
representava um avanço para a conquista do bem-estar
da população. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido por Geraldo Horácio
de Paula Souza no Instituto de Higiene deve ser considerado um marco na
24
Essas afirmações estão baseadas na leitura do livro de Maria Lucia Werneck Vianna. Cf: VIANNA, Maria Lucia
Werneck. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ/Editora Revan, 1998.
25
O estudo de Gilberto Hochman trata dessa questão em termos de Brasil, trazendo um capítulo sobre são Paulo. Cf:
HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Hucitec/Anpocs, 1998.
53
história da educação para a saúde, começando pela capital, estendendo-se
ao interior do Estado e ampliando-se para o Brasil.
Foi também na cidade de São Paulo que se desenvolveu, antes
de qualquer outra cidade brasileira, uma experiência de política pública
destinada à educação para a saúde em sentido amplo das crianças e
jovens das classes populares, isto é, um programa de qualidade de vida,
atendendo aos aspectos físicos, intelectuais, emocionais e afetivos desse
segmento. Este programa abrangia também a cultura, apontando para a
idéia de que o sujeito assume identidade por meio de um corpo que é, ao
mesmo tempo, biológico e produtor de sentidos.
Esta experiência criada e desenvolvida por Mário de Andrade
junto ao Departamento Municipal de Cultura, no período de 1935 a 1938, na
municipalidade paulistana, pode ser visualizada por meio de alguns
equipamentos públicos que serão descritos no último capítulo, enfatizando a
concepção, a construção, o funcionamento e os entraves políticos que
alavancaram a crise e o término precoce dessa proposta de política pública.
Contudo, o pioneirismo da cidade de o Paulo na trilha de
programas e ações públicas de educação para a saúde de crianças e
jovens pobres não trouxe à municipalidade a prerrogativa de sua
continuidade progressiva. À medida que a cidade cresce econômica e
culturalmente, acentua-se a desigualdade social e o poder público passa a
responder, quando responde, às necessidades dos menos favorecidos com
ações que apenas minimizam os efeitos causados por essa desigualdade.
Nesse contexto tem havido pouco espaço para a elaboração de políticas
sociais de caráter preventivo e de promoção da vida, como é o caso da
política que estamos nos dispondo a estudar.
Algumas experiências inovadoras são destaques nos anos 1980,
quando a regra geral da política de focalização nos efeitos negativos
provocados pela desigualdade social crescente foi quebrada em favor de
programas e ações do poder público municipal de caráter preventivo das
mazelas sociais e de promoção da vida. Sobre este aspecto a capital
paulista ainda merece muitas investigações.
54
Desvendar as experiências que promovem a vida, quer seja no
campo da educação e da saúde isoladamente, quer seja no campo da
cultura da cidade considerada como a mais rica do país, não somente do
ponto de vista econômico, mas também de inestimável força intelectual e
cultural, parece-nos tarefa valiosa. Quem sabe nesse processo de
desvendamento não se encontrem experiências inspiradas nas que se
desenvolveram no DMC entre os anos 1935 e 1938 baseadas, de fato, no
conhecimento do trabalho de Mário de Andrade.
2. O objeto da pesquisa: A Educação para a Saúde
2.1. A Educação do Corpo
A educação não se faz sem um corpo/sujeito visível. É a visibilidade do
corpo que o torna capaz de revelar sinais de alegria e de tristeza, de
oposição entre saúde e doença, de vida e de morte, assim como é essa
visibilidade que revela a relação entre natureza e cultura. Ou, como afirma
Soares, “é a visibilidade incontestável do corpo que permite escrever muitas
e múltiplas histórias: dos costumes, da alimentação, da beleza, das
doenças, das ‘boas maneiras’, das ‘anormalidades’, da educação”
(SOARES, 2003, p.15).
Para ser exibido, o corpo precisa ser educado. Essa educação percorre
caminhos variados, elaborando práticas contraditórias, ambíguas e tensas.
É ainda Soares quem afirma: “educar o corpo para ser exibido significa
prescrever, ditar, aplicar fórmulas e formas de contenção tanto de
necessidades fisiológicas contrariando, assim, a ‘natureza’ quanto de
velhos desejos”. São distintos atos de conhecimento e não apenas a
palavra o que constitui esta educação diuturna e intermitente (SOARES,
op.cit. p.16).
Outras facetas do cotidiano podem nos revelar a visibilidade do corpo:
a mídia, as religiões, a comida, as diferentes práticas convencionadas como
mais ou menos adequadas para cuidar do corpo, de sua aparência são
elementos que explicitam esse corpo visível.
55
Norbert Elias ao se referir à visibilidade do corpo trata-a como um lento
processo civilizador, o processo “da lenta e complexa mudança de
sensibilidade, da tolerância ou intolerância por atitudes e práticas humanas,
de uma consideração cada vez mais eloqüente que confere ao corpo uma
importância sempre mais alargada” (ELIAS, 1993, p.195). Para ELIAS, o
corpo da modernidade se caracteriza fundamentalmente pela civilidade em
substituição aos hábitos corteses no processo de transformação do
comportamento humano no Ocidente; o que se dá, menos por uma
mudança radical das condutas socialmente aceitáveis, e mais, pela
generalização dessas condutas, que se faz pela observação e adequação
daquilo que é geral às possibilidades dos diferentes grupos.
O ponto de partida do conceito de civilidade foi o Tratado “Da
Civilidade em Crianças”, escrito por Erasmo de Roterdam
26
, no segundo
quartel do culo XVI. Versando sobre a moralidade e os bons costumes, o
tratado, que obteve inúmeras edições, era usado para a educação dos
meninos, dando as diretrizes do comportamento padrão dos primeiros
tempos da sociedade moderna. Mas não foram apenas moralidade e bons
costumes sentenciados por Erasmo, os elementos norteadores da
exterioridade e educação corporais da modernidade.
Os tempos modernos são marcados por profundas mudanças no
campo econômico, com o desenvolvimento do comércio; na política com a
nova classe burguesa a digladiar-se com as sobras da nobreza, a fim de
poder governar em torno de seus próprios interesses; e, no campo
científico, com o surgimento de livre-pensadores, não mais atrelados ao
pensamento eclesiástico. Anderson
27
aponta, como o fato marcante da
modernidade, este desenvolvimento que representou simultaneamente
duas coisas: o desenvolvimento econômico impulsionado pelas
transformações objetivas desencadeadas pelo mercado mundial capitalista;
e, um movimento que comandou impressionantes transformações
subjetivas da vida individual e da personalidade, que fez nascer a
sensibilidade moderna (CARRANO, op.cit. p.71).
26
ERASMO DE ROTTERDAM. De Pueris (Dos Meninos). A Civilidade Pueril. São Paulo: Editora Escala. Coleção
Grandes Obras do Pensamento Universal- 22.
27
ANDERSON, Perry.” Modernidade e Revolução”. In, Revista Novos Estudos. São Paulo: Cebrap, 1986, pp.2-15.
56
A organização social capitalista do Ocidente europeu fez surgir um
novo corpo: educado para a velocidade das máquinas da indústria, sujeito à
competição, pautado pelo individualismo e pronto para ser desvendado pela
nova ciência nascente. Um corpo que deve orientar-se segundo uma nova
concepção histórico-cultural de tempo e de espaço, porque o tempo agora
gravita em torno do trabalho industrial de caráter repetitivo e de longa
duração. O espaço adquire um novo significado. uma tendência que se
acentua com a consolidação da sociedade capitalista, no sentido de uma
ampliação significativa de atividades que se realizam em espaços
reservados. Assim, as relações sociais baseadas em sentimentos e afetos,
que na Idade Média eram expressas em público, agora ficam restritas ao
espaço privado.
Sobre a imagem do corpo individual da modernidade afirma Bakhtin: a
vida sexual, o comer, o beber, as necessidades naturais mudaram
completamente de sentido: emigraram para o plano da vida corrente
privada, da psicologia individual, onde tomaram um sentido estreito,
específico, sem relação alguma com a vida da sociedade ou o todo
cósmico” (Bakhtin, 1987, p.280).
A literatura e as regras da linguagem expressam para Bakhtin o ponto
de partida de uma nova representação corporal própria da modernidade.
Individual e isolado, fundado em uma unicidade cujo sentido se encontra, de
um lado, no papel desempenhado pelas partes, e de outro, na segmentação
em etapas, o corpo da modernidade surge destinado para a morte.
No modelo moderno de corpo, o papel predominante pertence às
partes individuais que assumem funções caracteriológicas e expressivas:
cabeça, rosto, olhos, lábios, sistema muscular, situação individual que
ocupa o corpo no mundo exterior. As posições e movimentos voluntários do
corpo, completamente pronto, são colocados em primeiro plano, em um
mundo exterior todo acabado. Todos os atos e acontecimentos que afetam
esse corpo têm sentido no plano da vida individual e têm como única
direção a morte: “ a morte não é mais do que a morte; a velhice é destacada
da adolescência; os golpes não fazem mais que atingir o corpo sem jamais
ajudá-lo a parir” (Bakhtin, op.cit. p.281).
57
Por outro lado, o capitalismo precisou criar mecanismos para garantir a
instalação de uma nova disciplina corporal ao socializar o corpo como força
produtiva, atendendo às necessidades do estabelecimento de uma
adequada economia de gestos e atitudes. Nessa direção, a medicina se
apresenta como uma nova tecnologia social capaz de disciplinar e
prescrever os cuidados necessários para que os corpos se tornem
compatíveis à ordem produtiva do capital; segundo a premissa desse
mesmo autor de que cada época elabora sua retórica corporal.
A Medicina foi entendida por Foucault como estratégia de socialização
do corpo para a sociedade capitalista. A sociedade controlava os indivíduos
não apenas pela consciência e ideologia; esse controle se iniciava pelo
corpo e era destinado a ele. Um controle que, por sua vez, tem uma
história:
“(...) É verdade que o corpo foi investido política e socialmente
como força de trabalho. Mas, o que parece característico da evolução da
medicina social, isto é, da própria medicina, no Ocidente, é que não foi a
princípio como força de produção que o corpo foi atingido pelo poder
médico. Não foi o corpo que trabalha, o corpo do proletário que
primeiramente foi assumido pela medicina. Foi somente em último lugar, na
segunda metade do século XIX, que se colocou o problema do corpo, da
saúde e do nível da força produtiva dos indivíduos. Pode-se, a grosso
modo, reconstituir três etapas na formação da medicina social: medicina de
Estado, medicina urbana e, finalmente, medicina da força de trabalho
(FOUCAULT, 1995, p.80).
Para este autor, o momento histórico das disciplinas, que no decorrer
dos séculos XVII e XVIII se constituíram nas fórmulas gerais de dominação,
corresponde ao momento em que nasce uma arte do corpo humano,
visando, principalmente, a formação de uma relação que no mesmo
mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente.
Trata-se de uma política das coerções, isto é, um trabalho sobre o corpo,
envolvendo uma manipulação calculada de seus elementos, de seus
gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria
de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Nasce, pois, uma
anatomia política, que é ao mesmo tempo uma mecânica do poder, que
define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, no sentido de
que esses corpos operem como se quer, com as técnicas, segundo a
58
rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica desse modo
corpos dóceis, ou seja, corpos submissos e exercitados, aumentando suas
forças em termos econômicos de utilidade , e, diminuindo essas
mesmas forças em termos políticos de obediência. Em síntese, a disciplina
dissocia o poder do corpo, transformando-o, por um lado, em uma
capacidade que ela procura aumentar; e, invertendo, por outro lado, a
energia que poderia resultar dessa capacidade, fazendo-a tão somente,
uma relação de sujeição. A coerção disciplinar estabelece no corpo o elo
coercitivo entre uma capacidade aumentada e uma dominação acentuada
(Foucault, 1987, p.127).
Por outro lado, é interessante notar como é das contradições do
próprio sistema capitalista que a medicina se impulsiona, uma vez que o
investimento exclusivo e desenfreado na força de trabalho acaba por afetar
a saúde da própria burguesia, fazendo-a investir no desenvolvimento da
ciência dica. Senão vejamos: as condições de higiene e salubridade das
cidades nos primórdios do capitalismo eram precárias porque a saída em
massa de camponeses de seus lugares de origem em direção ao trabalho
industrial citadino fazia aumentar enormemente a precariedade das
condições de vida, individual e coletiva. Nesse contexto, é possível afirmar
que foi a aglomeração nas cidades em torno da atividade industrial, a
principal responsável pelo bil estado de saúde, tanto do homem simples,
do trabalhador, como da burguesia que, embora em melhores condições
materiais, também ficou vulnerável com essa vida de aglomeração e
insalubridade, expondo-se às epidemias tão comuns naquele meio. Como
conseqüência, as más condições de vida e de saúde punham em risco a
produtividade industrial, favorecendo a revolta dos operários (SINGER,
et.al, 1988, p.1988).
Se de um lado esses fatores contribuíram para que a burguesia
buscasse respostas no sentido de reverter o quadro acima descrito,
pressionando o Estado a assumir a responsabilidade pela proteção social
ou, ainda, favorecendo o desenvolvimento em escala acelerada do
59
conhecimento médico
28
; de outro, é preciso considerar que essas respostas
sempre pressupunham a existência de um corpo doente, ou em vias de se
manifestar doente. Curá-lo, portanto, significava em primeira instância,
garantir a produtividade sem visar primeiramente o bem-estar individual e
coletivo dos trabalhadores. O importante era a reprodução da força de
trabalho.
Nesse sentido, o corpo saudável do trabalhador é o corpo individual
dotado de condições mínimas para garantir a produtividade do trabalho
capitalista para o capital. Vale ressaltar que em cada etapa da história
Ocidental, o corpo esteve enredado em um sistema de poder e, por isso,
submetido a limitações, proibições ou obrigações: na Grécia antiga aos
exercícios físicos que faziam dele um cidadão da polis; na Idade Média, às
regras da Igreja repleta de interdições
29
; na modernidade, a um tipo
diferenciado de disciplina, mais sutil e menos explícita que, segundo
Foucault, teve por objetivo torná-lo mais dócil, visando à economia corporal
e não mais os elementos significativos do comportamento ou a linguagem
do corpo.
A sutileza e a obscuridade da disciplina corporal no contexto da
sociedade capitalista se fizeram possíveis graças também ao discurso dos
direitos e deveres do cidadão que os tornou iguais perante a lei. Em
contrapartida, os trabalhadores europeus, apropriando-se desse discurso
puderam se organizar para lutar em favor de seus próprios interesses,
dentre os quais o de garantir a proteção de seus corpos/sujeitos.
Apenas para ilustrar as condições que geraram a história dessa luta
pelos direitos, vale a pena retomar Hobsbawm em A Era das Revoluções.
Esse autor afirma que eram três as possibilidades abertas aos pobres à
28
Referindo-se ao avanço do conhecimento médico, Singer et. Al. afirmam: “Para compreender como se deu este
extraordinário avanço da medicina, a partir de meados do século passado (século XIX), é preciso tomar em
consideração que os serviços de saúde foram efetivamente institucionalizados por essa época, nos países em que
parcela significativa da população tinha sido urbanizada e proletarizada. As condições em que a proletarização e a
urbanização se deram foram extremamente adversas à saúde. Na Grã Bretanha, primeiro, e logo mais, na França, na
Bélgica e na Alemanha, o desenvolvimento da indústria fabril arruinou os artesãos, obrigando-os a migrar para os
novos centros industriais em massa, onde os esperavam condições de vida espantosas: jornada de trabalho de 13 a 15
horas, inclusive para mulheres e crianças; moradias superlotadas e insalubres; salários baixos, insuficientes para lhes
proporcionar nutrição adequada; ausência dos serviços sanitários básicos (ROSEN, 1975). De tudo isso resultavam,
como seria de se esperar, altíssimas taxas de morbidade e mortalidade”. SINGER, P, et. al. Prevenir e Curar. O
Controle através dos Serviços de Saúde. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1988. pp.20-1.
29
Para uma síntese histórica da questão, Cf: ECO, Umberto. “A nova Idade Média”. In: ECO, U. Viagem na irrealidade
cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
60
margem da sociedade burguesa e não mais protegidos nas regiões ainda
inacessíveis da sociedade tradicional: lutar para se tornarem burgueses,
permitir a opressão ou rebelar-se. A primeira possibilidade, difícil para quem
não tinha um mínimo de bens e instrução, quando ensaiada por alguns, é
reveladora de como a história dos trabalhadores pobres foi antes de tudo
uma história das contenções do corpo. Ele ilustra essa assertiva, referindo-
se à vida no Seminário de Royton fundado em 1843 e limitado a meninos. A
maioria deles era formada de trabalhadores de algodão que tinham feito
voto de abstinência, recusavam-se a participar de jogos a dinheiro, e viviam
sob uma estrita moralidade. O Seminário criou, segundo esse autor, em 20
anos de existência, cinco mestres tecedores de algodão, um sacerdote, dois
gerentes de fábrica de algodão na Rússia, além de muitos outros
inspetores, mecânicos, etc. (HOBSBAWM, 1977, p.223).
Quanto à segunda alternativa, havia muito mais pobres que, diante da
incompreensível (para eles) catástrofe social, jogados em cortiços onde se
misturavam o frio e a imundície, acabavam mergulhando na total
desmoralização. Nessas condições, o alcoolismo em massa disseminou
uma peste de embriaguez, sem contar com o reaparecimento de epidemias
de doenças contagiosas com destaque para a cólera que varreram a
Europa entre os anos 1830 e 1850. Sobre a última possibilidade,
Hobsbawm diz que todos aqueles que pensavam um pouco sobre a sua
situação consideravam que o trabalhador era explorado pelo rico, que
enriquecia cada vez mais, ao passo que os pobres ficavam cada vez mais
pobres. (HOBSBAWM, op.cit,p.232). O movimento operário que eclodiu na
Europa a partir de 1848 foi, na verdade, a resposta concreta a esse tipo de
situação. E os reveses que sofreu expressam um pouco como seus corpos
foram atingidos por causa de sua rebeldia: maltratados, espancados, presos
e mortos, eles o parte importante da pré-história dos direitos humanos e,
de modo especial dos direitos sociais que lhes garantiram, no limiar da
segunda metade do século passado, o exercício da cidadania liberal.
O corpo disciplinado de Foucault é também o corpo isolado e
segmentado em etapas de Bakhtin. O corpo da modernidade é o corpo do
apartheid de gerações em que cada ciclo vital se encerra nele mesmo e,
61
para o qual, a sociedade oferece produtos materiais e simbólicos
específicos, e serviços próprios. Há lojas destinadas a atender públicos
diferenciados por faixa etária, há divertimentos na mesma direção,
escolas em que os alunos maiores não fazem nem mesmo o recreio junto
com os menores, porque difundiu-se a idéia de que os maiores trazem
perigos aos pequenos; há, também, entre outros serviços organizados em
função das etapas vitais, os de saúde, destinados às crianças, aos
adolescentes, aos jovens, e aos velhos que por eles podem pagar.
O Brasil está inserido nessa História, guardadas as diferenças de um
país tardiamente ingressado na industrialização capitalista e produtor de um
tipo de sistema altamente espoliador. A literatura especializada
30
é farta em
estudos sobre a exploração da força de trabalho dos operários que
passaram a viver essa condição de trabalhador mais de 50 anos depois de
os trabalhadores europeus terem iniciado suas lutas e conquistas. É
somente a partir dos primeiros anos da República que a fábrica aqui se
instala de forma tímida e lenta, tendo alcançado maior fôlego nos anos
1930.
Entretanto o ingresso tardio no capitalismo não foi motivo para que
aqueles que viviam da exploração indiscriminada da força de trabalho logo
se ajustassem às formas mais adequadas de aprimoramento da mão-de-
obra em seu próprio benefício. Foi nessa direção que nos anos 1930
31
se
criou em São Paulo uma organização cujo objetivo era, inspirando-se no
modelo norte-americano, propor métodos de agilização do trabalho e,
assim, aumentar a produção.
30
As condições de vida dos primeiros operários estão muito bem elaboradas em: PINHEIRO, P.S. & HALL, M.M. A
Classe Operária no Brasil. 1889-1930. Documentos. Vol II. Condições de Vida e de Trabalho, Relações com os
Empresários e o Estado. São Paulo/Campinas: Brasiliense/Funcamp, 1981.
31
Apesar de o Estado a partir de 1930 ter aberto possibilidades de instauração de um novo projeto político (nacional e
democrático), principalmente graças, conforme já dissemos, aos feitos dos próprios trabalhadores nos anos 1920, e
também porque muitos intelectuais com nova mentalidade tiveram influência e/ou participação nesse Estado, a visão
que os governantes, de modo geral, tinham dos pobres e operários era a de que eles pertenciam às chamadas
“classes perigosas”. Apenas para exemplificar vejamos o que nos diz Paulo Sérgio Pinheiro sobre o Estado em 1930:
(...) “A repressão desencadeada sob o pretexto de reprimir o comunismo retoma as mesmas práticas da Primeira
República e mais especificamente do governo Artur Bernardes em relação às populações pobres e ‘perigosas’ da
cidade”. Um pouco adiante continua o autor (ele se referia ao movimento de 1935 onde crime e revolução eram
considerados pelo Estado como sinônimos, e as classes populares eram sinônimo de classes criminosas): (...) A
dissidência política é uma desorganização moral: são freqüentes nos discursos as metáforas médicas. Como neste
discurso de Vargas: ‘Ninguém seria capaz de supor que as toxinas da propaganda subversiva houvessem ganho tanto
terreno, a ponto de determinarem um movimento de articulação extensa e seriamente ameaçador para a estabilidade
das instituições e da ordem pública’. O que irá poder justificar intervenções cirúrgicas que extirpem tais tumores’”. In:
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da Ilusão. A Revolução Mundial e o Brasil (1922-1935). São Paulo: Companhia
das Letras, 1991, capítulo 18, pp.320-323.
62
Esse modelo norte-americano resumia-se em identificar a maneira
mais eficiente de realizar uma dada tarefa. A teoria daí advinda, o
taylorismo, comparou o corpo humano a uma máquina e realizou estudos
de tempo e movimento a fim de determinar o modo mais eficiente de utilizá-
lo. O taylorismo esteve estreitamente ligado ao desenvolvimento da
produção em massa, em especial às linhas de montagem na fábrica
introduzidas por Henry Ford. O fordismo, modo específico de organizar as
linhas de montagem, separava os operários uns dos outros, e dividia o
processo de produção em uma série fragmentada de tarefas que podiam
ser controladas com maior facilidade por supervisores e pela administração.
O instituto criado aqui no Brasil em 1931, mais especificamente em São
Paulo com o apoio de professores do Instituto de Hygiene (atual Faculdade
de Saúde Pública da USP) era o IDORT Instituto de Organização
Racional do Trabalho - que tinha à frente um grupo de intelectuais,
educadores e empresários. O IDORT foi, na verdade, a primeira empresa
de treinamento na área que introduziu no país o planejamento, a pesquisa e
os métodos de trabalho somente praticados nos países desenvolvidos até
então. Em 1932, Armando de Salles Oliveira, governador nomeado de São
Paulo e membro da direção do IDORT, entregou ao Instituto a tarefa de
reorganizar integralmente a máquina estatal paulista. Uma das mudanças
mais significativas implantadas por esse Instituto na burocracia estatal foi o
desmembramento das Secretarias de Educação e Saúde e a criação do
Departamento de Pesquisa, Assistência e Policiamento (encarregado da
fiscalização sanitária do Estado) vinculado à Secretaria de Saúde. Essa
mudança anunciava o destaque que iriam adquirir a Saúde e a Educação
na fase que ora se iniciava (CARVALHO, 1999, pp.4-5)
Nesse contexto, a educação física também desempenhou papel
relevante para a estruturação do nível simbólico da nação brasileira em
formação. Durante os anos 1930 e até a metade dos anos 1940 afirma
Bercito (1998) conferia-se à educação física o papel de auxiliar na
construção da nação e da nacionalidade brasileiras. Para tanto, dever-se-ia
investir no físico e no racional do conjunto da população, tendo em vista a
formação de um povo forte, sadio e eugenizado. À educação física caberia
63
inculcar valores relativos à ordem, à disciplina, ao respeito hierárquico, ao
espírito de luta e à obediência. A idéia era a de que a sociedade regenerada
constituía-se em recurso para a construção da nação forte. O exército,
grande ativador da educação física naquele momento, liderava a construção
nacional e envolvia essa prática em seus objetivos de militarização da
sociedade. Com a consolidação do autoritarismo político em 1937, o Estado
integra a educação física e sua ação regeneradora na ideologia de
construção nacional, trazendo um novo contorno, de orientação fascista, ao
projeto de construção da nacionalidade a partir dessa prática (BERCITO,
1998.p.35).
Não foi outra a visão dos higienistas que viam na educação física um
excelente meio profilático àquilo que consideravam a boa saúde individual e
coletiva. Naquilo que se refere à educação de crianças e jovens os
exercícios poderiam contribuir para o aprimoramento do entendimento e o
fortalecimento do autodomínio.
2.2. Educação e Saúde versus Educação para a Saúde
A educação e a saúde quando consideradas do ponto de vista dos
direitos sociais sempre se apresentam separadas e pensadas como
educação escolar e saúde como prevenção e/ou cura de doenças. É desse
modo que estão expressas, por exemplo, na Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1948
32
:
Artigo 25: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos indispensáveis, e
direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.
Artigo 26: “Todo ser humano tem direito à instrução(...); II- A
instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser
humano e pelas liberdades fundamentais(...)”
32
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. In: MACHADO NETO, A.L. Sociologia
Jurídica. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1987, p.305 e ss.
64
Artigo 24: “Todo ser humano tem direito a repouso e lazer,
inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas
periódicas”.
Embora haja uma relação funcional e recíproca importante entre saúde
e educação, pouco se tem sabido de ações concretas que traduzam essa
relação em políticas favoráveis aos cidadãos. De fato, a educação, pensada
como leitura crítica da sociedade em que vivemos e de sua história só se
realiza a bom termo se houver um estado de relativo equilíbrio individual e
coletivo sem o qual os indivíduos não conseguem desvendar a vida
cotidiana para além do senso comum. O estabelecimento de um estado de
equilíbrio, por sua vez, requer um patamar mínimo de experiências vividas e
refletidas na educação.
Dito de outro modo, tanto os conhecimentos produzidos sobre o
binômio educação e saúde, como as ações que o Estado capitalista vem
implementando nessas áreas, têm dado, de modo geral, pouca importância
para a relação que se estabelece entre esses dois elementos. Ao contrário,
a educação e a saúde têm sido tratadas, prioritariamente, como setores
isolados da constituição do homem em sociedade. O conhecimento, as
práticas e as políticas relacionadas à educação acabam por restringir-se à
educação escolar em qualquer um de seus níveis; assim como os estudos,
vivências e políticas sobre saúde não têm ido muito além da busca da cura
de doenças.
O Brasil não foge à regra desse monopólio excludente que a escola e a
medicina têm sobre a educação e a saúde. São recentes e ainda pouco
difundidas as experiências de educação para a saúde
33
de caráter inovador,
isto é, que mais promovam a saúde e menos tenham o foco dirigido para
evitar a doença quando, na verdade, esta se anunciou, ou está em vias
de se manifestar. Se de um lado temos já uma trajetória percorrida em
termos de educação em saúde desde as primeiras décadas do século XX,
de outro essa trajetória emerge da mesma visão, qual seja a de evitar e/ou
curar doenças.
33
O termo educação para a saúde é raramente usado nos estudos de Saúde Pública no Brasil. É muito
comum encontrar a expressão educação em saúde que geralmente está orientada para o estudo e propostas
em torno da questão: como evitar doenças.
65
Outra característica importante é que as políticas de educação em
saúde estiveram desde sempre confinadas às escolas sob a direção e/ou
supervisão dos médicos
34
. Estudos destinados a reconstruir a história da
educação em saúde no Brasil atestam que as primeiras ações nessa
direção surgem ao final da década de 10 do século passado, com a criação
da cátedra de Higiene na Faculdade de Medicina de São Paulo, e, logo a
seguir, nos anos 20, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Antes
disso, a questão da saúde na escola elementar focalizava-se no contexto da
higiene escolar, de forma incipiente na segunda metade dos anos 1800,
institucionalizando-se, a partir do início do século XX, em alguns Estados
brasileiros.
A perspectiva que norteava a higiene escolar era a de que, através da
higiene, a educação poderia corrigir a ignorância familiar que comprometia
a saúde da criança, e de que a saúde individual era base da estabilidade e
segurança da nação. A escola não seria, portanto, apenas o espaço de
ensino, mas um espaço terapêutico, e ao professor recairia a tarefa de
transformar o mundo (LIMA apud MOHR & SCHALL, 1992, p.54).
A fundação do Ministério da Educação e Saúde nos anos 1930
centralizou as decisões relativas à educação em saúde desenvolvidas até
então pelos Estados e Municípios de modo que as novas atividades se
concentraram nas cidades, principalmente nas capitais, relegando a
segundo plano o desenvolvimento de trabalhos de educação em saúde nas
regiões rurais onde se concentrava a maioria da população brasileira.
Apesar disso, o Ministério tinha condições de prover um campo
educacional extraordinário para o propósito de tornar a vida saudável uma
vez que nos Estados e Municípios foram criadas plicas do serviço federal
o Serviço Nacional de Educação Sanitária nos respectivos órgãos de
saúde pública. Mas não foi o que aconteceu. Os Serviços de Educação
Sanitária, quando muito, limitavam suas atividades à publicação de folhetos,
catálogos e cartazes; promoviam concursos de saúde e distribuíam
pequenas notas na imprensa do país. Os esforços se concentravam, dessa
34
Cf:: GONDRA, José. Artes de Civilizar. Medicina, Higiene e Educação Escolar na Corte Imperial. Rio
de Janeiro: EdUERJ, 2004.
66
forma, na propaganda sanitária e, nesse setor, já bastante reduzido dava-se
preferência às formas escritas, visuais, de propaganda, sem considerar o
grande número de analfabetos no país, que era de 60% em 1940. Esses
analfabetos se concentravam nas baixas camadas das populações urbanas
e no campo
35
.
Conforme atesta o documento citado no parágrafo anterior, a primeira
grande transformação de mentalidade nas atividades da educação sanitária
aconteceu em 1942, quando foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública.
A educação sanitária foi reconhecida por esse Serviço, desde seu início,
como atividade básica de seus planos de trabalho, ao atribuir aos diversos
profissionais, técnicos e auxiliares de saúde, a responsabilidade das tarefas
educativas, junto a grupos de gestantes, mães adolescentes e à
comunidade em geral. Nesse período é visível a ação do Estado por meio
desses organismos que expandiram as ações de educação em saúde para
além dos limites dos órgãos de saúde centrados nas escolas. O exemplo do
Serviço Especial de Saúde Pública foi seguido pelo Departamento Nacional
de Endemias Rurais e pelo Departamento Nacional da Criança
36
Essas ações são indicativas da peculiaridade da sociedade e do
Estado brasileiros nos anos 1930. Antonio Candido, referindo-se à cultura
sintetiza bem essa peculiaridade, estendendo-a outros setores sociais.
Assim afirma Candido:
“(...) Não se pode, é claro, falar em socialização ou
coletivização da cultura artística e intelectual (...) Mas levando em conta [o]
desnível de uma sociedade terrivelmente espoliadora, não dúvida que
depois de 1930 houve alargamento de participação dentro do âmbito existente,
que por sua vez se ampliou. Isto ocorreu em diversos setores: instrução
pública, vida artística e literária, estudos históricos e sociais (...) Tudo ligado a
uma correlação nova entre, de um lado, o intelectual e o artista; do outro, a
sociedade e o Estado – devido às novas condições econômico-sociais. E
devido também à surpreendente tomada de consciência ideológica de
intelectuais e artistas, numa radicalização que antes era quase inexistente. Os
anos 30 foram de engajamento político, religioso e social no campo da
cultura”
37
.
35
Conferência Nacional de Saúde on line. Educação em Saúde: Histórico, Conceitos e Propostas .In:
http://www.datasus.gov.br/cns/temas/educacaosaude/educacaosaude.htm. Consultado em 20/10/2004
36
Idem documento citado na nota 34.
37
CANDIDO, Antonio. “A Revolução de 1930 e a Cultura”.In: CANDIDO, Antonio. A Educação Pela
Noite & Outros Ensaios. 2ª ed., São Paulo: Ática, 1989, p.182.
67
É desse contexto, de uma postura mais radical dos intelectuais,
de novas idéias e de um Estado ambíguo que, ao mesmo tempo em que
controla, também responde positivamente a muitas das necessidades dos
excluídos, especialmente através das propostas dos intelectuais, que se
pode buscar em termos de transformação da sociedade o surgimento de
experiências como a do DMC e como a da Escola Parque, criação do
educador Anísio Teixeira
38
, na década de 1940.
Vale ressaltar que, embora educação para a saúde também tenha sido
contemplada na proposta de Anísio, o diferencial dos equipamentos do
DMC para a Escola Parque está no fato de que, nesta última, a saúde é
parte da educação formal, portanto, pensada apenas para os alunos. Além
disso, a saúde para Anísio correspondia exclusivamente à possibilidade de
que os alunos pudessem se alimentar no espaço da escola, uma vez que
não comiam em casa devido às condições precárias em que viviam.
Mesmo que resumidamente, achamos importante retomar as diretrizes
gerais do Centro Educacional Carneiro Ribeiro ou Escola Parque, apenas
para esclarecer as afirmações feitas acima. Essa escola surgiu como
primeira etapa de um plano maior de reformulação geral do ensino primário
que o educador baiano fizera ao governo do Estado ao assumir a pasta da
Educação em 1947. Decidido a deixar o cargo ao perceber, logo de início,
que não conseguiria implementar suas metas inovadoras na área
educacional, Teixeira foi convencido pelo então governador da Bahia,
Otávio Mangabeira, a permanecer na função e, em troca disso, foi-lhe
oferecida a oportunidade de realizar seu “plano a longo prazo”, começando
com alguns projetos. Do processo de seleção e priorização desses projetos
nasceu o Centro Educacional Carneiro Ribeiro.
No discurso de lançamento do projeto Anísio o defende contra as
críticas que vinha recebendo sobre a proposta ser muito onerosa aos cofres
públicos:
38
Anísio Teixeira: educador baiano de formação liberal adquirida em boa parte nos Estados Unidos onde
foi discípulo de Dewey. Exerceu, nos três níveis de governo, diversos cargos administrativos na área
educacional entre os anos 1940 e 1970. Destacou-se também por ter sido um dos signatários do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nacional de 1932.
68
“(...) É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos
a que visa. Não se pode fazer educação barata como o se pode fazer
guerra barata. Se é a nossa defesa que estamos construindo, o seu preço
nunca será demasiado caro, pois não há preço para a sobrevivência. Mas aí,
exatamente, é que ergue a grande dúvida nacional. Pode a educação
garantir-nos a sobrevivência? Acredito que responderão todos
afirmativamente a essa pergunta. Basta que reflitamos sobre a sociabilidade
da criatura humana ineducável (...) Nós todos sabemos que sem educação
não há sobrevivência possível” (TEIXEIRA, 1959, p.82).
A Escola Parque foi fundada para funcionar em um dos lugares mais
pobres da cidade e teria como objetivo, segundo palavras do próprio
Teixeira:
“(...) dar de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo.
Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhe o seu
programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e
sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física.
Além disso, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes,
cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização
esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda
mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso,
desejamos que a escola saúde e alimento à criança, visto não ser
possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive (...)
(TEIXEIRA, loc.cit.)
Organizada em dois espaços sicos diferenciados a escola
classe e a escola parque —, segundo afirmou Anísio Teixeira, essa
experiência escolar revelaria aos habitantes da região a importância da
educação para a solução dos problemas de vida e de pobreza. Na escola
parque:
“(...) as crianças almoçariam, descansariam em atividades de
recreio e, depois, se distribuiriam, de acordo com o programa, pelas
diferentes atividades (...) eles seriam agrupados pela idade e tipos de
aptidões em grupos de 20, participando de atividades de educação física,
atividades sociais, artísticas de organização e biblioteca (...) A organização
da escola daria ao aluno (...) a oportunidade de participar (...) de um
conjunto rico e diversificado de experiências, em que se sentiria, o estudante
na escola classe, o trabalhador, nas oficinas de trabalhos industriais, o
cidadão, nas atividades sociais, o esportista no ginásio, o artista no teatro e
nas demais atividades de arte (...))” (TEIXEIRA, op.cit,. p.80).
Fazendo um balanço da experiência depois de dez anos de sua
implantação, Anísio manifesta decepção tanto pela não realização plena da
proposta (foram construídas apenas três das quatro escolas classe, e, mais
tarde, com auxílio do INEP, quando Anísio Teixeira ocupava a direção deste
69
órgão, foi construído o pavilhão de trabalho; depois vieram os outros
prédios já descaracterizados do projeto inicial) como pelos obstáculos que o
projeto enfrentava, lutando para não morrer:
“Veja-se bem que o Centro é uma conjugação de esforços do
Ministério da Educação e do governo do Estado, mas nem um nem outro o
reconhecem plenamente em seus objetivos, seus métodos e o alcance do
seu serviço (...) É como uma experiência de laboratório compreendida pelo
pesquisador, porém, mais ou menos ignorada pelo administrador geral, junto
ao qual se tem constantemente de lutar por providências e recursos”
(TEIXEIRA, op.cit., p.83).
A parte estritamente relacionada à educação para a saúde que
na experiência do Centro deveria ser desenvolvida no espaço da escola
parque foi a que sofreu os maiores reveses: foi a última a ser concretizada,
a que não funcionou plenamente, e a que mais sofreu, ao longo da história
da instituição, as maiores ameaças de interrupção.
O trabalho desenvolvido no Departamento Municipal de Cultura de São
Paulo, uma década antes, era de natureza diversa. Mário de Andrade, ao
contrário de Anísio Teixeira, não estava interessado na educação formal
dos trabalhadores pobres e de seus filhos. Preocupava-se sim, no caso de
São Paulo, com os operários no sentido de apreender e compreender a
cultura das diferentes nacionalidades dos imigrantes e as peculiaridades
dos modos de pensar e agir dos brasileiros de outras regiões do estado de
São Paulo e de outras regiões do país, que viviam à época na cidade, à
margem dos bens sociais e culturais os quais eram até então de acesso
exclusivo de uma camada economicamente privilegiada. Sua intenção não
foi apenas a de estudar essa questão tendo em vista a formação da cultura
nacional. Como homem público queria que os operários e seus filhos
pudessem usufruir de espaços criados pelo poder público e dirigidos por
representantes desse poder em parceria com representantes dos usuários
freqüentadores desses espaços.
É possível afirmar que o DMC trouxe um projeto extremamente
inovador e moderno. Não se tratava de instituição escolar nem de centro de
saúde, nem de espaço cultural apenas. No DMC, esses bens concretizam-
se no lazer como descanso, como prazer, como recreação, e no
desenvolvimento de atividades relacionadas à arte pensada como
70
contemplação da beleza. Beleza que não deve ser contemplada tão
somente na arte erudita, mas também na arte que o povo elabora sem
objetivo de produzir e/ou consumir exclusivamente como valor de troca. São
esses os aspectos que queremos priorizar na concepção de educação para
a saúde.
Mário foi capaz de olhar criticamente os jogos, a recreação, os
esportes, a música, a dança, os artesanatos, enfim, a concretude das
coisas e das ações humanas para repassá-la, distingui-la e compreendê-la,
buscando nela formas de manifestação cultural. ARRIGUCCI (1993, pp.42-
3) afirmou que Mário de Andrade:
“(...) busca no pluralismo cultural do país manifestações diversas
para integrá-las, porém, sem etnocentrismos ou regionalismos, numa
dimensão ampla da cultura nacional, com plena consciência da sua inserção
na contemporaneidade histórica. Por isso, pode, por exemplo, reconhecer o
valor de uma manifestação artística popular do artesanato regional, como as
moringas de barro, criticando a face predatória da modernização que, com o
avanço do industrialismo, as vai eliminando até das feiras populares, mas
sem perder o senso de medida, colocando-se irracionalmente contra o
progresso. Fica patente mais uma vez o caráter aberto do nacionalismo de
Mário, que é verdadeiramente supra-regional e cosmopolita (...)”.
Num período da história brasileira (e também mundial) em que o tempo
livre e as manifestações culturais do povo eram vistos pelas classes
dominantes e pelo Estado, o primeiro como espaço para a prática de coisas
ilícitas; e, o segundo como manifestações desprezíveis, Mário se constitui
em exceção à regra, como pensador e homem público à frente de seu
tempo. Nem mesmo os estudos acadêmicos eram tão avançados quanto ao
tempo livre dos trabalhadores e a sua relação com as manifestações
culturais como a posição que Mário de Andrade adotou ainda nos anos
1930. Veja-se, por exemplo, a Universidade de São Paulo, para quem as
classes populares urbanas adquiriram visibilidade a partir das décadas de
1960 e 1970, e assim mesmo, pensadas quase que exclusivamente no que
se refere a sua relação com as forças produtivas. Exceção feita a poucos
intelectuais como Florestan Fernandes e Roger Bastide
39
, a questão do
lazer e da cultura relacionados a essas classes, ganharam destaque ao
39
BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras (reedição), 2001
FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Anhambi,
1961.
71
final da década de 1970, quando, por exemplo, o uso do tempo livre das
chamadas classes populares foi estudado por MAGNANI (1984) que afirma:
“Atividade marginal (o lazer), instante de esquecimento das
dificuldades cotidianas, lugar enfim de algum prazer (...) talvez por isso
mesmo possa oferecer um ângulo inesperado para a compreensão de sua
visão de mundo: é lá que os trabalhadores podem falar e ouvir sua própria
língua. A organização da vida familiar, as relações de vizinhança, as formas
de entretenimento e cultura popular podem constituir, pois, uma realidade
até mesmo privilegiada para entender alguns aspectos das orientações
políticas e dos movimentos sociais populares. A permanência de suas
estruturas, a periodicidade de algumas celebrações e seu significado para a
comunidade faz desse espaço o depositário de aspirações quase sempre
adiadas, mas continuamente renovadas no interior desses centros de
reprodução do imaginário popular (MAGNANI, 1984, p.22).
Essa é uma perspectiva inovadora no tratamento da cultura popular
não apenas porque atribui importância às diversas formas de expressão das
classes populares, fato pouco interessante para o homem educado dos
continentes europeu e americano dos primeiros cinqüenta anos do século
passado, mas também, porque rompe com uma visão normativa e
reformista da cultura popular cuja finalidade era a de apontar os erros e as
superstições dessas classes, buscando a moralização e, muitas vezes, a
extinção das manifestações populares
40
.
Neste sentido, Mário de Andrade foi, no Brasil dos anos 1930, voz
dissonante dos que viam com menosprezo as manifestações populares.
Para usar as mesmas palavras de FARIA, o folclore era visto por Mário
como fonte da nacionalidade e essência da brasilidade, resgatado nas
tradições populares, que permitem a unificação da nação através de um
continuum entre o popular e o erudito, e um caminho para a modernização
do país (FARIA, 2002, p.150).
40
O livro “Observations on Popular Antiquies”, referência para os folcloristas do século XIX, ilustra essa
tendência conservadora ao se insurgir contra os esportes que geram violência e protesto ou contra as
práticas que debocham da religião protestante, apesar de defender uma política seletiva das manifestações
populares. A justificativa para uma política seletiva pode ser lida na positividade dos jogos e práticas de
esportes: o homem comum, confinado ao trabalho diário requer um intervalo próprio de relaxamento, e
talvez fosse do maior interesse político encorajar entre eles os esportes e os jogos inocentes. A
revitalização de vários desses (eventos) seria particularmente pertinente nesse tempo quando a
divulgação da luxúria e da dissipação, muito mais do que em qualquer outro período anterior, extinguiu
o caráter de nossa braveza nacional. In: ORTIZ, R. Cultura Popular: Românticos e Folcloristas. São
Paulo: Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 1985, p. 4.
72
Para Mário, a arte é uma expressão cultural coletiva, é uma
dádiva no sentido que lhe atribuiu MAUSS
41
, pois ele a concebe como
reciprocidade, ou seja, a arte acontece por meio de processos de troca, de
canais de comunicação, permitindo que a diferenciação no interior dos
diversos segmentos da sociedade se torne produtiva, dando oportunidade
assim ao surgimento de significativas expressões de sociabilidade
(VELOSO & MADEIRA, 2000, p.118).
Este nos parece o grande diferencial da proposta de rio de Andrade
que, sem levar a denominação de educação para a saúde, realizou-a de
forma especial ao incorporar a cultura e não abandonar o trato do corpo
físico. Finalmente, é bom que se diga que educar para a saúde é princípio
válido para todo cidadão e/ou grupo de cidadãos em qualquer fase da vida.
Todavia, ao considerar o DMC Municipal de Cultura como um caso típico de
educação para a saúde do ponto de vista que desejamos valorizar neste
trabalho, tempo e recursos nos obrigaram a delimitar uma das seções do
DMC a de Educação e Recreio - que, além de produzir políticas nessa
direção, também não abandonou a precaução contra doenças, aspecto que
também não desejamos abandonar. Por isso, nos deparamos com usuários
crianças e usuários adolescentes/ jovens. E aqui cabe tratar do último item
relativo ao objeto da pesquisa: os usuários dos equipamentos da Divisão de
Educação e Recreio, isto é, as “crianças” a partir de doze anos e os jovens
a quem se destina a educação para a saúde.
. 3. Educação para a saúde dos adolescentes e dos jovens
É bem verdade que a categoria juventude não aparece nos anos
iniciais de nosso recorte temporal, senão amalgamada à infância, quando,
então, se fala indistintamente, em crianças, menores, adolescentes e
jovens. Embora a categoria criança refira-se geralmente aos pequenos de
zero a 10 anos de idade, mais ou menos, é comum que criança seja usada
também para caracterizar meninos e meninas na faixa de 12 a 14 ou 15
41
Para uma visão mais aprofundada da questão Cf.: MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. Introdução
de Claude Lévi-Strauss. Lisboa: Edições 70, 1988.
73
anos, aproximadamente. Menor tanto pode apontar os mais novos em idade
como os maiores de 15 anos, ou seja, aqueles com idade aproximada de
até 18 anos e vinculados, ou ao mundo do trabalho, ou à esfera da
transgressão social. É interessante observar que a categoria juventude nos
anos 1930 parece denotar além da faixa etária mais ou menos o estrato
de 16 a 19anos um lugar de certo destaque na hierarquia social, que
compreende posição e gênero. Assim, são chamados de jovens os rapazes
de classe média e alta de quem se espera, sejam a elite futura do país; as
moças nem chegam a ser categorizadas quanto a atributos de classe ou a
expectativas de inserção social, mesmo que pertençam às camadas
privilegiadas. Para as mulheres, a sociedade havia de há muito traçado
seu papel e futuro: apenas moças em processo de preparação para a vida
do lar.
Na literatura médica, como veremos, essa categorização é ainda
menos clara do que nos escritos sobre educação e direito. Para o médico
no Brasil dos anos 1930, criança, menor, adolescente e jovem envolve
desde os recém-nascidos até os de idade aproximada entre 14/15 anos. Os
mais velhos são considerados adultos, independentemente de sexo ou
condição social.
Portanto, nossa intenção de estudar uma política pública
destinada à educação para a saúde das crianças maiores de 12 anos e os
jovens pobres da cidade de São Paulo nos anos 1930, inclui uma categoria,
a dos jovens, que somente se firmou, no caso brasileiro, por volta da
década de 1970. Somente por essa época, a juventude começa a ser
(re)interpretada pelas ciências humanas e, também, pela medicina, quer
seja como grupo marginal, quer seja como sujeito coletivo preferencial em
termos de potencialidade capaz de promover importantes transformações
sociais, ou ainda como sujeito de direitos.
Todavia, o não reconhecimento da juventude como categoria específica
no período em questão, não significa que naquela época não se atribuísse
aos jovens habitantes das cidades e, de modo especial aos jovens oriundos
das camadas menos privilegiadas, papel relevante na dinâmica social do
país. Essa relevância tanto pode estar centrada em uma visão
74
conservadora e dominante de mundo que vê o jovem pobre citadino como
alguém que deve se preparar única e exclusivamente para o trabalho
industrial, como em outra visão mais conservadora ainda, que percebe esse
jovem como elemento de transgressão. Mas essa relevância pode estar
amparada em outro tipo de visão que, sem se utilizar ainda do jargão
contemporâneo dos direitos e também menos freqüente entre os estudiosos
e políticos, percebe estes jovens pobres como indivíduos em quem se deva
investir para transformá-los em cidadãos plenos de seus direitos.
Parece possível afirmar que o Estado que emergiu da Revolução de
1930 comportou essas três percepções sobre a juventude. Na verdade, a
própria ambigüidade que marcou o Estado no período possibilitou-lhe
desenvolver práticas mais inovadoras e positivas destinadas à criança e ao
jovem pobres, levando os governos entre 1930 e 1960 a minimizar a
percepção desse segmento como um grupo estritamente transgressor. Esse
ponto de vista abriu espaço para a formulação de programas e ações que
ampliaram o acesso ao ensino público gratuito, à capacitação dos jovens
para o trabalho; como também, embora em menor proporção e de caráter
mais localizado, para ações educativas que extrapolaram o âmbito escolar.
A educação para a saúde inscreve-se no âmbito destas ações
educativas mais amplas e transformou-se em política pública no contexto
dos anos 1930 e 1940 em algumas regiões do país, graças à porosidade
que o Estado apresentava à participação de intelectuais de visão
democrática em seus quadros administrativos, nos três níveis de governo:
federal, estadual e municipal.
A situação relativa à saúde das crianças e dos jovens com que o
Estado se deparou em 1930 pode ser resumida do seguinte modo:
“(...) a saúde dos pequenos trabalhadores, assim como a dos
demais operários, particularmente precária em função da alimentação
inadequada resultante da pobreza, encontrava muitas vezes o limite nas
doenças, profissionais ou não, que grassavam no interior dos
estabelecimentos industriais. Em um meio profundamente insalubre,
visivelmente comprometido pela não observância dos princípios mínimos de
higiene, onde muitas vezes a luz e o ar mal penetravam, no qual os
operários amontoavam-se entre as máquinas, cujo ruído muitas vezes
excedia o limite suportável, a tuberculose mas, não somente ela,
inevitavelmente fazia suas vítimas” (MOURA, op.cit., p.270).
75
A precariedade de vida das crianças e jovens operários e de seus pais
era contada pela imprensa operária. A imprensa oficial além de não
atribuir importância à questão também via com certa naturalidade e até com
bons olhos o fato de que crianças e jovens trabalhando não estariam na
“escola da rua” onde “se aprendiam vícios e malandragens”. FARIA (2002,
p.87) faz uma ntese do que estava posto na imprensa operária sobre as
crianças:
“Geralmente, quando se fala em criança, a imprensa operária
está falando do trabalhador infantil sem precisar a idade ou o sexo. São
menores de 14 anos, meninos e meninas que ganham um salário ainda mais
baixo do que o das mulheres que, por sua vez, ganham bem menos do
que os homens (por exemplo, em 1934, 400 réis por hora ganhavam as
mulheres e 700 réis os homens). Várias reportagens ou matérias são de
denúncia sobre as más condições nos locais de trabalho, mau trato nas
instituições, mortes pela polícia etc. E várias são as reivindicações para
limitar a idade permitida para trabalhar, diminuir o mero de horas diárias,
garantir a escola primária etc. Nas comemorações do Dia do Trabalho,essas
crianças o sempre lembradas e no Dia da Criança também, quando ao
lado das denúncias sobre a sua exploração é reivindicado seu direito à
infância verdadeira (“inocente”)”.
Uma das primeiras respostas que o novo governo de 1930 deu
para as questões da criança chegou por meio da burocracia, com a criação
do Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde. Um dos
Departamentos do Ministério, o Departamento Nacional da Criança, de
início, nada fez de importante para as crianças, nem pobres, nem ricas.
Porém, quando em 1934, Gustavo Capanema
42
assumiu este Ministério, ele
abriu espaço para que um grupo de intelectuais chegasse ao poder. É,
portanto, sob a gestão Capanema que os projetos mais reformistas, mas
nem por isso menos ambíguos, aparecem nas áreas da educação e da
saúde.
Nessa direção destacam-se as experiências citadas
anteriormente e desenvolvidas nos âmbitos estadual com Anísio Teixeira, e
municipal com Mário de Andrade que desenvolveu uma política de
educação para a saúde, ímpar em termos de concepção e qualidade, de
42
Gustavo Capanema substituiu Francisco Campos no Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde
em 1934, lá permanecendo até a década de 1940. Político mais próximo dos intelectuais, fez um trabalho
que ainda merece muitos estudos. Ver: SCHWARTZMAN, S; BOMENY, H.M.B.; COSTA, V.M.R.
Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV, 2000.
76
caráter democrático e participativo, no município paulistano. Estas políticas
tinham em comum a vinculação a um projeto nacional ainda em gestação,
no qual os bens e serviços sociais eram destaques de pauta, e as
experiências podiam ser vistas como concretização dessa pauta nos três
planos de governo.
Experiências democráticas de educação para a saúde de crianças e
jovens pobres foram abortadas com a ditadura militar, tempo em que a
concepção segundo a qual o jovem é um risco para a sociedade voltou a
dominar as ações públicas, e a política de proteção social da criança e da
juventude limitou-se ao recolhimento de jovens infratores em grandes
unidades, sem proposta de educação e, muito menos de educação para a
saúde. Por este tempo, o jovem volta a ser chamado de menor,
substantivação do adjetivo “pequeno” flexionado na forma sintética do grau
comparativo de superioridade, que traz implícita a conotação de infrator.
Mesmo que no plano do discurso o jargão do “bem-estar do
menor” tenha sido mantido, o modelo econômico adotado e a conseqüente
reformulação administrativa feita para responder ao modelo econômico e
político produziram o aumento crescente de redutos oficiais de delinqüência
infanto-juvenil. Exemplo disso foi a Fundação Nacional para o Bem-Estar do
Menor (FUNABEM) criada em 1964, e vinculada, primeiro, ao Ministério da
Previdência e Assistência Social em 1974, e, em seguida, em 1977, ao
SINPAS (Sistema Nacional de Previdência Social). A FUNABEM nasceu
centralizada, atuando de forma preponderante por meio das Febem que,
apesar de suas vinculações aos Estados, submetiam-se às orientações e
fiscalização da agência federal. Tendo como público-alvo os menores
carentes, as Febem desenvolveram fundamentalmente, uma política de
internação, de caráter coercitivo, misturando nos internatos menores
carentes, abandonados, infratores e, constituindo-se na visão de analistas e
críticos, numa cadeia de produção de comportamentos irregulares e
marginais, ou seja, produzindo, exatamente as condutas que veio para
combater e evitar (DRAIBE, 1994 p.286).
Não é outra a visão de PASSETTI (2004, op.cit., p.358) para quem a
partir de 1964 a PNBM, Política Nacional do Bem-Estar do Menor afinada
77
com a Lei de Segurança Nacional, aplicou um tratamento subsidiado pelas
orientações “biopsicossociais” com a finalidade de reverter a “cultura da
violência” “que se propagava pelos subúrbios” e visualizada pelas
rivalidades entre gangues. O tratamento “biopsicossocial” seria responsável
pela formação de jovens educados e integrados à sociedade. Essa política
não conseguiu seu intento, servindo, ao contrário, para estigmatizar
crianças e jovens pobres como “perigosos”. E o autor conclui que: As
unidades da Febem em cada estado se mostraram gubres lugares de
tortura e espancamentos como foram os esconderijos militares para os
subversivos
No contexto da redemocratização do qual emergiu a Constituição de
1988 a criança e o jovem aparecem como sujeitos de direitos. Nessa
direção e, em se tratando da cidade de São Paulo, muitos programas e
ações do poder público foram implementados em favor dos jovens pobres,
especialmente nas gestões mais sensíveis à inclusão social das populações
menos favorecidas.
Se, por um lado, o final de século trouxe um novo estatuto a esse
segmento, o de sujeito de direitos, representando um avanço em relação
aos tempos em que a eles não sobrava mais do que identificações com
fanfarronices, protestos inconseqüentes ou transgressões à ordem
estabelecida; por outro lado, a luta que se vem empreendendo em seu
favor, para a conquista de acesso aos bens e serviços (materiais e/ou
simbólicos) tem sido árdua e complexa. Primeiro porque o aumento
43
do
contingente populacional jovem não se fez acompanhar no Brasil de uma
melhoria de suas condições de vida. De há muito tempo o trabalho, a
moradia, a educação, a saúde, o transporte, enfim, os itens essenciais à
vida cidadã faltam às classes populares brasileiras em geral e às crianças e
43
O contingente populacional de 15 a 24 anos passou de 8,2 milhões em 1940, para 31,1 milhões em 1996. No município de São
Paulo, a população jovem na faixa entre 15 e 24 anos passou de 278.789 em 1940, para 1.769.581 em 1990. Se quisermos adequar
os números ao período desta pesquisa, veremos que em 1930, o município de São Paulo contava com 202.854 jovens de idade entre
15 e 24 anos, saltando para 1.820.166 jovens de mesma faixa etária que os anteriormente citados, no ano de 1980. In: Jovens
acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília: CNPD, 1998
78
jovens pobres em particular, como atestam diversos estudos acadêmicos
nas áreas da economia, da saúde pública, da sociologia e da política
44
.
Mas também porque as políticas blicas ressurgem no período da
redemocratização na melhor das hipóteses de uma perspectiva focalizada
45
nos mais pobres e no atendimento dos problemas avaliados como os
mais urgentes quando nem isso se consegue sob justificativas já
conhecidas e recorrentes no discurso oficial como a falta de verbas ou de
pessoal. As ações públicas focalizadas explicam a emergência, a partir dos
anos 1980, de programas contra a violência juvenil em lugar de uma política
educacional e de emprego que capacitasse os jovens a uma real e
competente inserção no mercado de trabalho; ações focalizadas contra a
gravidez na adolescência e uso de drogas, ao invés de políticas
consistentes de educação, saúde e segurança pública para facilitar a
ampliação dos serviços de educação sexual, dificultar o comércio de
substâncias ilícitas, informar e orientar os jovens sobre o uso e efeito
dessas substâncias, e contribuir para a dinamização de uma ordem social
em que todos se sentissem livres e iguais.
Sob esse aspecto, até mesmo os programas de educação extra-escolar
que se apresentam no discurso de muitos políticos e educadores como uma
proposta inovadora ainda não atendem à expectativa de uma educação
integradora do conhecimento, da cultura e da saúde. Com atividades
culturais e esportivas realizadas em horário contrário ao das aulas,
geralmente no espaço da própria escola, ou em locais construídos
especialmente para esse fim, esses programas continuam focalizados nos
44
Para conhecimento dessas carências desde 1930 até os anos 1990, Cf: a) VERMELHO, Letícia l..
Mortalidade de Jovens: Análise do Período de 1930 a 1991 (A transição epidemiológica para a
violência). Tese apresentada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de o Paulo, 1994; b) A
Situação do Trabalho no Brasil. o Paulo: DIEESE, 2001, capítulos 6, 7 e 11; c) NOVAES, R &
VANNUCHI, P. (orgs).Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo:
Editora Perseu Abramo, 2004; d) ABRAMO, H. & BRANCO, P.P.M. (orgs). Retratos da Juventude
Brasileira. Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005; e)
DEL PRIORE, Mary (org),.História das Crianças no Brasil..4
a
ed., São Paulo: Contexto, 2004.
45
Estudos de casos concretos dessas políticas focalizadas na cada de 1980 estão contidos nos textos
citados nas notas 20 e 22.
79
mais pobres e concebidos para “tirar o jovem da rua” e livrá-lo do ócio
46
que, exercitado pelos pobres, trará, segundo a concepção dominante,
graves conseqüências para a sociedade, como o surgimento de uma
camada de desocupados, transgressores e malfeitores.
O ponto nevrálgico desta concepção está em se atribuir ao tempo livre
todas as mazelas da sociedade que são cometidas por crianças e jovens
pobres, como se os outros tempos de suas vidas como os que são
organizados pela escola ou por outras instituições sociais nas quais se
inserem fossem tempos limpos e desvencilhados de qualquer conflito. Na
verdade, e para ficarmos apenas no aspecto educacional, é a própria
instituição escolar que deveria remodelar-se sem perder a identidade, para
acolher em seu espaço um novo sujeito social que não tem encontrado
motivos para aprender; em outras palavras, a escola na tentativa de
responder a todos os problemas advindos das transformações por que
passa a sociedade deixou de ser espaço de produção de conhecimento e, o
que é ainda mais grave, vem se tornando espaço de reprodução de
preconceitos, discriminações e violência tanto da parte de alunos como de
professores e corpo diretivo. Além disso, supõe a existência de sujeitos
saudáveis e desprovidos de experiências que vão à instituição escolar para
receber conteúdos desprovidos de significados.
A título de ilustração, lembramos uma pesquisa realizada pela
Organização Não-Governamental ão Educativa em escolas públicas
paulistanas entre 1999 e 2000 que confirma nossa assertiva:
“O desencontro entre omundo da escola’ e o ‘mundo dos
jovens’ traz perdas para todos os atores escolares, já que eles acabam
imersos numa rotina desinteressante e pouco motivadora, num ambiente
pouco propício para os aprendizados e vivências que a escola pode e deve
promover. Altos índices de fracasso escolar, pichações e depredações,
atitudes desrespeitosas no convívio escolar, apatia dos alunos o alguns
dos sintomas dessa situação. Assim, a escola passa a agir como se os
indivíduos à sua frente estivessem ali exclusivamente para aprender e, mais
ainda, para aprender aquilo que está nos currículos formais e de acordo com
o que a organização escolar permite. No entanto, os alunos são bem mais
que estudantes: são jovens que possuem experiências exteriores à escola,
46
É curioso notar que o tempo livre é tido como perigoso somente para os jovens pobres. Os outros, supõe-se, usam
este tempo para estudar, descansar, dedicar-se ao lazer, e enriquecer-se culturalmente.
80
constroem práticas e interagem com o mundo de formas variadas, tendo
como base vivências como trabalhadores, consumidores, telespectadores,
filhas e filhos, mães e pais, negros, brancos, rappers, pagodeiros etc. Todas
essas dimensões constituem os jovens como sujeitos muito diversificados
entre si, embora compartilhem algumas características típicas de quem está
nessa fase da vida. O aluno que chega à escola carrega para este espaço
suas angústias, desejos, frustrações, projetos, gostos musicais etc, mas é
visto unicamente como o objeto da prática pedagógica, que em geral se
concretiza por meio de um conjunto de atividades rotineiras. Assim, pouco
se faz para possibilitar ao aluno jovem ter espaços de interlocução, entre si e
com os adultos, a fim de apreender suas opiniões, preferências, críticas e
sugestões”. (Ação Educativa, 2001, p.8)
Portanto, sem negar a importância dessas ações que,
conjunturalmente, têm contribuído para minimizar os efeitos causados pelas
precárias condições vivenciadas pelos jovens brasileiros pobres,
especialmente nos grandes centros urbanos, pensamos que a educação, tal
como vem sendo pensada e viabilizada por meio das diferentes instituições
a ela concernentes, não tem dado conta de responder aos aspectos
essenciais da condição de cidadão, isto é, a educação, até mesmo pelo fato
de ser, predominantemente pensada no âmbito estrito da educação
escolar
47
, não tem tratado das questões culturais em sentido amplo nem
das questões da saúde enquanto estratégias de preservação e promoção
da vida. Mesmo quando essas experiências conseguem extrapolar os
muros da escola, incorporando e enfatizando atividades relacionadas à
cultura, ao esporte e ao lazer, como foi o caso dos CEUS implementados na
gestão da prefeita Marta Suplicy na cidade de São Paulo nos primeiros
anos deste novo século, ou o dos equipamentos propostos pelo DMC com
Mário de Andrade ao final dos anos 1930, estas ações são bruscamente
interrompidas pelas mudanças de governos. Isto se deve ao fato de que as
ações do poder público têm sido geralmente regidas por um tipo de cultura
política fundada na idéia de que tudo o que é realizado por governos
anteriores deve ser visto a priori pelos novos ocupantes do poder como
inadequado, supérfluo e, portanto, descartável.
47
Na verdade, a própria educação escolar deveria passar por reestruturação. Se de um lado já está
socializado um novo discurso educacional no qual se reconhece a importância e a necessidade de
considerar no processo de ensino/aprendizagem a diversidade cultural do aluno, bem como a relevância
de superar a fase de ensino de informações acumuladas que não geram conhecimento; de outro, a
estrutura escolar organizada sob a forma de aulas por matéria isolada permanece inalterada, reforçando a
departamentalização do conhecimento, e atribuindo a responsabilidade pelo êxito escolar à boa vontade
do professor e/ou a má vontade do aluno.
81
Vale reiterar a idéia de que a educação que contempla a saúde não
pode ser pensada no âmbito estrito da educação escolar, mas, segundo os
parâmetros propostos neste trabalho, deve ser ampliada para os serviços
médicos e para os centros culturais, esportivos e de lazer, ou para qualquer
outro equipamento social que a comporte, geridos sempre pelo poder
público. Muitas das ações e programas destinados à educação para a
saúde das crianças e jovens a partir dos anos 1980 partiram, conforme
anunciamos aqui, de uma nova percepção sobre este segmento social:
sujeitos de direitos. É preciso dizer que esta percepção deve ser entendida
na confluência de alguns fatores: da luta que os movimentos sociais
oriundos da contestação ao regime militar vinham implementando em favor
dos direitos dos menos privilegiados socialmente; da ampliação ao acesso
de serviços para crianças e jovens que embora ainda não esteja
concretizada mostrou certo avanço, do grau de melhoria no mundo do
trabalho na década de 1970 de um número significativo de jovens pobres,
devido, principalmente, ao ingresso desse segmento ao ensino superior
privado e, das aspirações que políticos contrários ao regime militar nutriam
quanto à possibilidade de viabilização de uma sociedade mais justa.
Mas também, e na contramão dos fatores positivos, as ações
destinadas à educação para a saúde surgiram para atender o grande
contingente de crianças sem a presença de cuidadores no período extra-
escolar, ou dos jovens desempregados e sem perspectiva de trabalho no
limiar dos anos 1980; ao processo de empobrecimento geral da sociedade e
a falta de atendimento público capaz de suprir as necessidades de bem-
estar mínimo dos cidadãos; a evasão escolar, especialmente dos jovens
que deveriam cursar o ensino médio, que, sem condições de vida e sem
estímulo, deixavam a escola em busca do sonho do trabalho; o grande
número de mortes infanto-juvenis em decorrência de causas externas, entre
outros fatores.
Na falta de um projeto político de longo alcance, as políticas
sociais desse período enfatizaram, de modo geral, os fatores negativos,
focalizando as decisões não apenas nos mais pobres, mas, no que
diagnosticavam como os problemas mais graves deste segmento: gravidez
82
precoce, violência entre gangues, proliferação das doenças sexualmente
transmissíveis, prostituição infantil etc.
Em suma, pensamos que uma perspectiva de educação para a
saúde com ênfase na promoção da vida, que extrapole os muros da
instituição escolar e dos hospitais e outras instituições semelhantes, possa
responder mais adequadamente à formação da cidadania, ou seja, a
promoção de uma vida saudável sob todos os aspectos: físico, intelectual,
psíquico e sócio-cultural. O que queremos defender neste trabalho é, em
primeiro lugar, que a rota a ser percorrida para atingir a cidadania plena
passa pela educação para a saúde. Educação para a saúde que, no
contexto citadino, ultrapassa a formação de hábitos saudáveis, envolvendo
o acesso ao lazer, às atividades lúdico-recreativas, às atividades culturais
populares e eruditas, sem esquecer de que tudo isso prevê o suprimento
das condições básicas de vida tais como: habitação e infra-estrutura a ela
concernente, ensino, trabalho e as condições ambientais mínimas a uma
adequada qualidade de vida.
As atuais políticas de educação para a saúde deveriam, a nosso
ver, incorporar a trilha proposta por MAGNANI, priorizando o lazer,
fornecendo subsídios para que os menos favorecidos possam se
desenvolver culturalmente, tanto possibilitando o acesso e o entendimento
da verdadeira cultura erudita (a escola deveria exercer papel fundamental
nesse aspecto) como valorizando suas manifestações culturais, de modo a
ampliar suas redes de sociabilidade para que possam trocar essas
experiências. Pensamos que assim a educação para a saúde se constituiria
em avanço para a saúde pública porque seu foco seria deslocado da
doença e sua cura cada vez mais onerosa devido ao aperfeiçoamento
tecnológico aplicado à área médica – para a promoção da saúde a um custo
muito mais baixo. Políticas que dêem conta desses aspectos são, a nosso
ver, políticas que têm por horizonte a formação de cidadania plena.
Antes de passarmos à discussão do DMC na gestão Mário de Andrade,
vamos apresentar um balanço das principais questões que os estudiosos
das ciências sociais elaboraram sobre adolescentes e jovens uma vez que
os equipamentos que destacamos em nosso estudo receberam esse
83
destaque exatamente por terem sido pensados para esse segmento que
chamamos de adolescente e de jovem.
84
Capítulo II
Crianças, Adolescentes e Jovens como construção histórico-social:
uma síntese bibliográfica
1. As crianças, adolescentes e jovens usuários dos equipamentos do
Departamento Municipal de Cultura de São Paulo
Em todos os documentos consultados que estabelecem relação
entre o DMC e adolescentes e jovens encontramos uma constante relativa
ao enquadramento deste segmento e a faixa etária sempre compreendendo
aqueles cujas idades variavam entre 12 e 21 anos
48
. Hoje, sabe-se, que
para as ciências humanas e para efeito de pesquisa, os primeiros são os
adolescentes que ainda dependem dos adultos, estão em processo de
transição para um estágio em que poderão adquirir condições de
independência financeira, deixar o núcleo das relações primárias, podendo
se integrar definitivamente ao mundo do trabalho, quando, então, assumem
o status de jovem
49
.
Se nas ciências humanas essa questão envolve múltiplos aspectos,
na área médica a complexidade parece ainda maior. Os médicos
reconhecem a multiplicidade de fatores novos que emergem dos meninos e
meninas que não são mais crianças, são sabedores da importância dos
aspectos sócio-culturais para a saúde deste segmento ao mesmo tempo em
que declaram seus limites no domínio de elementos que escapam aos
aspectos biológicos e, na melhor das hipóteses, aos psicológicos dos que
não pertencem mais à infância.
Para efeito desta pesquisa, por ora vamos chamá-los indistintamente
meninos, meninas, rapazes, moças ou jovens. Na verdade, de início dois
48
Sobre os documentos consultados que insistem no segmento entre 12 e 21 anos ver nota 11 e as
citações no próprio texto que aparecem nos capítulos III e IV.
49
Considerando que o jovem é uma construção histórico-social e que assim aparece no contexto da
modernidade ocidental, entendemos que este capítulo faz-se necessário para: 1) mostrar que enquanto na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos os jovens dos anos 1920/1930 já se faziam notar por seus
movimentos de contestação e/ou rebeldia, no Brasil ainda não se destacavam senão como sujeitos/objetos
a serem moldados para a força de trabalho industrial; 2) essa questão, parece-nos, ainda exige muitas
pesquisas da parte dos estudiosos da juventude.
85
outros elementos mais relevantes como identificadores desses usuários do
DMC: o pertencimento a uma fase da vida e a condição de pobreza em que
viviam. Esse segmento apresentava, tanto quanto os de hoje determinadas
características próprias a essa fase da vida atualmente identificada como
adolescência/juventude, além de serem pobres. Pobres porque não tinham
condições de usufruir em igualdade de condições, com seus pares de fase
de vida de classes mais privilegiadas e da mesma cidade, dos bens
materiais e simbólicos produzidos pela sociedade naquele estágio de seu
desenvolvimento.
No entanto, a pobreza não atingia a todos igualmente. Para um grupo
se apresentava sob a forma de penúria total, para outros se concretizava como
deficit de muitos bens essenciais à garantia de uma vida de qualidade. Desse
modo, os rapazes e moças pobres no Brasil dos anos 1930, tal qual os de hoje,
eram portadores de diversos tipos de pobreza. Havia os que viviam nas ruas
em situação de total escassez como os que inspiraram Jorge Amado a
escrever “Capitães de Areia”
50
, assim como existiam os que, na condição de
filhos de operários, não tinham acesso a escola senão até o ensino primário,
nem sempre podiam receber alimentação em quantidade e de qualidade
adequadas ao seu crescimento físico, e encontravam-se alijados dos bens
culturais e de lazer, elementos fundamentais, a nosso ver, para o
desenvolvimento físico, psíquico e mental.
Por outro lado, quanto ao pertencimento a esta fase da vida que as
sociedades ocidentais convencionaram chamar de adolescência e juventude,
os meninos e as meninas de que estamos tratando aqui estão excluídos,
porque o conceito apenas se aplica aos que gozam, durante um significativo
período de tempo, do privilégio de se prepararem para a vida adulta
51
.
Nesse sentido, durante um longo período, a categoria jovem restringiu-
se, no Brasil, aos jovens das classes médias e das elites. “Por muito tempo,
50
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 85ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986.
51
Referindo-se à idéia de que a juventude é uma construção social, Bourdieu afirma: “(...) a idade é um
dado biológico socialmente manipulado e manipulável; (...) o fato de falar dos jovens como se fossem
uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a
uma idade definida biologicamente constitui uma manipulação evidente. Seria preciso pelo menos
analisar as diferenças entre as juventudes, ou, para encurtar, entre as duas juventudes [burguesa e
operária]. A Juventude é apenas uma palavra. In: BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia, Rio de
Janeiro: Marco Zero, 1983.
86
pelo menos até os anos 1960, a visibilidade da juventude no Brasil ficou restrita
a jovens escolarizados de classe média, situação que condensava o significado
da condição juvenil”. (ABRAMO, 2005,op.cit., p.38-9).
No outro extremo, os pobres muitas vezes ingressavam no mercado de trabalho
sem nunca ter freqüentado a escola, ou, em situações mais otimistas deixavam os
bancos escolares ao término de quatro anos, assumindo a condição de trabalhador sem
nenhuma perspectiva de continuidade dos estudos
52
. que se contar ainda, dentre os
rapazes e moças pobres, com a presença marcante dos desprovidos das condições
mínimas de sobrevivência, que viviam na marginalidade absoluta. Bem retratados por
Jorge Amado
53
, vamos encontrá-los dormindo no velho trapiche abandonado, em
companhia dos ratos, [vendo] as luzes dos navios que entravam e saiam [do cais] e a
lua que os iluminava. Pedro Bala”, Volta Seca”, Professor”, “Boa-Vida”, Querido-
de-Deuse Sem-Pernassão alguns dos personagens meninos que Amado leva às ruas
de Salvador para roubar comida e quinquilharias, às vezes um objeto que lhes vai
adornar o corpo. Esses jovens, no enredo amadiano, formam um grupo que ocupa o
espaço público para assustar, enganar e usurpar a burguesia que os única e
exclusivamente como transgressores da ordem social. No trapiche, à noite, quando
voltam da lida diária, eles manifestam sua adolescência: constroem projetos de vida,
mostram suas inseguranças, têm saudades e conflitos reais e/ou imaginários com suas
famílias, praticam ou sonham sexo, enquanto esperam o dia seguinte, que os receberá
novamente como “adultos” intrusos.
Se a literatura amadiana apresentou a juventude abandonada como
reflexo de uma sociedade fundada na desigualdade social, algumas áreas do
conhecimento como o direito e a medicina mesmo sem estabelecer ainda uma
distinção clara entre infância e adolescência percebiam, com certa
freqüência e intencionalidade, marcas distintivas dos meninos e meninas
pobres a partir dos doze anos de idade, identificando-os como um grupo
52
Essas situações foram se modificando ao longo da história republicana de modo a que parcelas mais
amplas da população tivessem acesso a determinados bens sociais. Porém, a concepção de que esses bens
cedidos ao povo o favores da elite e do Estado permanece até os dias atuais. Essa concepção não foi
superada nem mesmo com a transformação desses serviços em direitos legítimos e legais do cidadão.
53
Tendo como pano de fundo as ruas e as praias de Salvador, Capitães da Areiaromance da fase social
de Jorge Amado, escrito em 1937, e proibido pelos órgãos de censura do Estado Novo, trata da questão do
menor abandonado, de suas seqüelas sociais: violência, criminalidade e prostituição infantil. É a história
de quarenta meninos de todos os matizes, entre e nove e dezesseis anos, que habitam as ruínas de um
velho trapiche no porto.
87
merecedor de atenção especial. Geralmente, viam neste segmento traços de
criminalidade fundada em características físicas e mentais. É o que atesta a
fundação do Laboratório de Biologia Infantil do Rio de Janeiro, em 1936 por
Leonídio Ribeiro, para “realizar o estudo completo, sob o ponto de vista médico
e antropológico, dos menores abandonados e delinqüentes, especialmente
com o fim de apurar as causas físicas e mentais da criminalidade infantil no
Brasil” (CORRÊA, op.cit. 2003, p.81).
Em síntese, juventude, e adolescência como sua primeira etapa,
aplicou-se no Brasil dos anos 1930 para reconhecer aqueles que deixavam as
primeiras letras para aventurar-se nos estudos mais avançados com tempo
para descanso, para lazer, para escolhas profissionais. Em oposição, os
meninos e meninas pobres passaram a ser vistos como menores (de idade
para o trabalho), mas rapidamente adquirindo a conotação de abandonado ou
delinqüente.
Nesse contexto, o modo como intelectuais da estirpe de Mário de
Andrade perceberam os jovens pobres pode ser entendido como uma
perspectiva inovadora, desprovida de preconceitos que, além disso, valorizou
este segmento, conferindo-lhe o lugar de cidadão a que todo indivíduo tem
direito em uma sociedade democrática.
Considerando que a literatura especializada refere-se à juventude no
Brasil somente a partir da segunda metade do século passado, vale a pena
retomar brevemente as principais discussões teóricas relativas à condição
juvenil contemporânea, de modo a ressaltar que este trabalho não se
fundamenta, senão tangencialmente, nessas análises.
2. A Juventude é um fenômeno da modernidade
Os estudos recentes costumam definir os jovens como aqueles que,
embora tenham deixado de ser crianças, ainda não apresentam todas as
características identitárias da vida adulta. Na sociedade atual, afirma a maioria
desses estudos, duas características o fundamentais para a constituição do
adulto: a independência da família de origem, e o trabalho, sem o qual é
88
impossível o exercício da independência. Por outro lado, vale dizer que o
reconhecimento da categoria jovem implica em considerar que a juventude é
uma unidade social, isto é, um grupo dotado de interesses, expectativas,
comportamentos e aspirações comuns, e portador de uma cultura própria, a
cultura juvenil. Desde aí, é possível perceber que a juventude não é mais do
que uma construção social
54
.
É preciso ressaltar ainda que a juventude não se constitui em
fenômeno geral a toda sociedade; que em determinados tipos de sociedades a
condição juvenil pode configurar-se em subgrupos com interesses, posições e
lugares sociais diversos, autorizando-nos a pensar em juventudes
55
, e,
finalmente, que esta categoria adquire visibilidade social a partir de condições
históricas específicas.
Assim, a juventude surge nas sociedades modernas marcadas por
acentuada divisão do trabalho e especialização econômica. Nessas
sociedades, a família é segregada das outras esferas institucionais, valores
respeitados em âmbito local universalizam-se, acentua-se a descontinuidade
entre o mundo da criança e o mundo adulto, exigindo um tempo longo de
preparação, mais institucionalizado e com papéis mais definidos do que nas
sociedades primitivas. Segundo ABRAMO, nas sociedades modernas
segmentam-se os espaços de elaboração das identidades e das relações
solidárias necessárias à transição de uma faixa etária para outra. A escola
encarrega-se da transmissão de conhecimentos e valores para o desempenho
do futuro, inclusive do futuro profissional. Para tanto, faz-se necessária a
segregação do mundo adulto e um longo adiamento da maturidade social que,
por isso, se desconecta da maturidade sexual e fisiológica (ABRAMO,2005,
op.cit., p.3)
Todas as correntes da literatura sociológica afirmam que a juventude
aparece nas sociedades industriais do Ocidente como um problema da
modernidade. Pensá-la deste ponto de vista implica, a nosso ver, retomar os
trabalhos de PHILLIPE ARIÈS como referência dos estudos relativos ao caráter
54
BOURDIEU, P. op.cit. p.113.
55
Cf: ABAD, Miguel. “Crítica Política das Políticas de Juventude” .In: FREITAS, M.V & PAPA, F de.
(orgs) Políticas Públicas Juventude em Pauta. São Paulo: Cortez/Ação Educativa, 2003.
89
histórico da condição juvenil. ARIÈS, em História Social da Criança e da
Família
56
, reconstitui a formação do sentimento moderno de infância. Partindo
da idéia de que na sociedade medieval não havia separação entre o mundo
infantil e o mundo adulto, e nem separação significativa entre o universo da
vida familiar e o universo social mais amplo, conclui que neste tipo de
sociedade a socialização compreendia um aprendizado que misturava crianças
e adultos no espaço coletivo onde, predominantemente, ocorriam as trocas
afetivas e as comunicações.
O autor refere-se ao século XVII como o tempo em que ocorrem dois
fenômenos centrais para a mudança nas relações acima sintetizadas: a transformação da
família e da profissão e a mudança e extensão da instituição escolar. A polarização da
vida social a cargo da família e da profissão faz desaparecer a antiga sociabilidade; a
família reorganiza-se em torno da criança, erguendo entre ela mesma e a sociedade o
muro da sociedade privada. A escola, por sua vez, substitui o aprendizado informal ao
encarregar-se do processo de aprendizagem das crianças. O sistema escolar que se
especializou em classes de aprendizado colaborou para a distinção entre as diferentes
faixas de idade. Estabelece-se, então, que a criança deva ficar separada dos adultos até
“estar pronta” a ingressar no mundo deles. Com isso, estão criadas as condições para o
surgimento de uma etapa intermediária entre a infância e a vida adulta que, primeiro se
constitui no sentimento moderno da infância nas sociedades européias do século XVII,
e, mais tarde, no século XX, apresenta a adolescência como uma etapa distinta.
Os estudos de ARIÈS indicam que a juventude é uma condição que,
além de variar no interior de uma dada sociedade, pode restringir-se a
determinados grupos dela. Para este autor, na passagem da sociedade
tradicional para a moderna, a juventude refere-se a setores sociais - a
burguesia e setores da aristocracia - que podiam e valorizavam a perspectiva
de manter os filhos afastados da vida produtiva e social, a fim de prepará-los
para o desempenho das funções futuras. “De um lado, havia a população
escolarizada, e de outro, aqueles que, segundo hábitos imemoriais, entravam
diretamente na vida adulta, assim que seus passos e suas línguas ficavam
suficientemente firmes”. (ARIÈS, op.cit. p.192)
56
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1981.
90
Desta perspectiva, acompanhar a evolução histórica da condição
juvenil é, de certo modo, seguir as transformações da escola, uma vez que o
autor estabelece uma relação central entre a separação social imposta por ela
e a condição juvenil. Assim, seguindo a sucessão das fases da juventude, ele
identifica, no século XVIII, dois fatores de diferenciação: o sistema duplo de
ensino que especializou a formação e acentuou a diferenciação social, e o
gênero. Sobre o sistema duplo de ensino diz ARIÈS: “(...) a partir do século
XVIII, a escola única foi substituída por um sistema de ensino duplo, em que
cada ramo correspondia não a uma idade, mas a uma condição social: o liceu
ou colégio para os burgueses (o secundário) e a escola para o povo (o
primário) (ARIÈS, op.cit, p192-3). Quanto ao gênero, até o século XVIII, a
escola era restrita aos meninos, sendo ampliada para as meninas somente a
partir do século XIX.
Desde então, e de modo especial no século passado, a condição
juvenil tem se ampliado crescentemente, envolvendo outros setores sociais,
diversificando-se cada vez mais, alterando seus significados e seus modos de
aparição, seus referenciais e limites etários.
2.1.Adolescência e Juventude: de problemas sociais a construções sociais
ARIÈS nos orienta na compreensão de que foram as mudanças
ocorridas na organização da sociedade que fizeram emergir novos grupos
sociais como: as crianças e os jovens. A leitura de ARIÈS nos remeteu a
MILLS
57
que chamou de questões públicas as questões que atingem a
coletividade e que são identificadas também como problemas sociais. Nessa
direção, é preciso entender como se diferencia a juventude que emerge como
problema social da construção da juventude enquanto categoria analítica. José
Machado Pais, estudioso da condição juvenil contemporânea, refere-se à
construção sociológica dessa categoria do seguinte modo:
“(...) são problemas [os problemas sociais] que emergem de uma
realidade material e social (...), para cuja solução é forçoso pensar uma
realidade distinta: a solução dos apregoados problemas vividos pela juventude
57
MILLS, Wright. A Imaginação Sociológica. 4ª ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
91
(droga, delinqüência, desemprego, etc) passa pela liquidação desses
problemas, pela projeção de uma modificação do real-social. Completamente
diferentes são os ‘problemas sociológicos’, dirigidos essencialmente à
interrogação da realidade: será esta o que parece ser? Porque se fala em
problemas da juventude? Sempre os houve como surgiram?(PAIS,,J.M.2003,
p.27)
Os estudiosos do tema são unânimes em afirmar que o interesse
acadêmico pela juventude surgiu na passagem do século XIX para o século
XX, tempo em que os jovens começam a ser vistos sob o prisma dos
comportamentos excêntricos. O Movimento Juvenil Alemão
58
da última década
do século XIX pode ser considerado o marco inicial deste tipo de aparição
social da juventude. Segue-se a ele a experiência dos jovens europeus na
Primeira Guerra Mundial, que morreram em massa em contraposição aos
oficiais mais velhos, gerando um sentimento de revolta contra a geração
adulta
59
. Nos anos 1920/1930, os estudiosos da Escola de Chicago,
preocupados com a desorganização social gerada pelo crescimento das
metrópoles lideram um dos maiores estudos sobre sociologia da juventude ao
pesquisar os street gang boys, os rapazes de bairros de imigrantes que viviam
nas ruas, fora dos espaços institucionais adequados para a socialização
“sadia”, e que acabavam desenvolvendo condutas dissonantes das normas
sociais, muitas vezes inspirados ou vinculados ao mundo da criminalidade
(ABRAMO, 1994).
Uma nova juventude surge na Europa e nos Estados Unidos após a
Segunda Guerra Mundial. Segundo ABRAMO, são as mudanças ocorridas no
pós-guerra, de modo especial aquelas vinculadas ao novo ciclo de
desenvolvimento industrial e às medidas sociais do Estado de Bem-Estar-
Social, que criaram as condições para a emergência de uma nova condição
juvenil. Na verdade, o desenvolvimento industrial, trazendo a diversificação da
produção, o pleno emprego e os benefícios do welfare state, alavancaram o
consumo, ampliando a criação de novos bens, e aumentando a importância
dos meios de comunicação.
58
“-De início eram pequenos grupos que buscavam contato com a natureza e com as raízes populares por
meio de excursões aos campos. O movimento ampliou-se com a proposição de uma “nova vida autônoma
e inventiva” na qual os jovens se ‘autoeducavam’ “. Cf: ABRAMO, H. Cenas Juvenis. punks e darks no
espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994, p.8.
59
Cf: ARIÈS, P. op.cit., p.47.
92
Outro aspecto a ser considerado é que a redução da jornada de
trabalho produziu um efeito de maior valorização do tempo livre expresso na
ampliação e na diversificação dos bens de entretenimento e de cultura de
massas. Alem disso, nesse período houve a extensão da escolaridade
obrigatória, até ao que hoje equivale, no sistema de ensino brasileiro, ao ensino
fundamental para uma camada social muito mais ampla e, conseqüentemente,
o tempo de preparação da vida adulta ampliou-se para um número maior de
jovens. O aumento da oferta de empregos para os adolescentes egressos da
escola fez aumentar a renda familiar e, por isso, parte do que esses meninos
ganhavam em seus empregos pôde ser usado em benefício próprio,
geralmente em bens de diversão, gerando um mercado distintivamente jovem.
E, é claro, o mercado respondeu no sentido de incentivar esse consumo. Sob
esse cenário nasce uma juventude ligada fundamentalmente ao tempo de
lazer. o os ouvintes de rock’n roll em juke box, os consumidores de
refrigerantes e chicletes que se vestem com jeans e jaqueta de couro e andam
de motocicleta, tendo o prazer e o consumo como fontes de satisfação imediata
(ABRAMO, 1994, op.cit, p.29).
Esse é o quadro de generalização da idéia de uma ampla cultura
juvenil em oposição a uma subcultura escolar ou restrita a grupos na
marginalidade. É também deste período, a difusão de um modo de pensar que
a generalização de comportamentos juvenis anormais’ para além dos
jovens dos setores sociais marginalizados. Agora, esses comportamentos
‘anormais’ se articulam não mais em torno da desocupação, como outrora, mas
sim no espaço do lazer. Os elementos motivadores desse tipo de discussão
são as gangues juvenis que, por sua agressividade de postura e seu caráter
extraordinário, aproximam-se das noções de desvio e delinqüência. É ainda
ABRAMO quem afirma que exemplos disso “são as inúmeras brigas de
gangues, as torcidas violentas de futebol (hooligans), as cenas de histeria e
explosão nos shows de rock”. (ABRAMO, 1994, op.cit, p.33)
Finalizando esta retrospectiva histórica da presença juvenil que vai até
os primeiros sessenta anos do século XX, vale lembrar dois outros movimentos
datados da segunda metade da década de 1940: o movimento dos
existencialistas inspirados no pensamento de Jean-Paul-Sartre e Simone de
93
Beauvoir e o movimento beat norte-americano que busca inspiração e contato
com os setores marginalizados daquela sociedade, envolvendo os negros, os
músicos de jazz e os andarilhos.
Os anos 1960 inauguram o tempo da revolução juvenil. A visibilidade
jovem eclode por meio de inúmeros acontecimentos que se multiplicam
simultaneamente em termos internacionais: as comunidades hippies, o
psicodelismo, a proposta do amor livre, os festivais de música, as
manifestações pelo fim da guerra do Vietnã, a luta contra os regimes
opressores nos países do Terceiro Mundo, os movimentos estudantis, a
ocupação das universidades, as barricadas de Paris.
Em tudo a juventude se apresenta como um foco de contestação
radical da ordem política, cultural e moral. Interpretada como “revolução
juvenil”, “contracultura” ou como “fonte de inconformismo radical e inovação
cultural” todas as análises parecem concordar que os jovens dos anos 60
engendraram uma grande contestação da ordem tecnocrática e autoritária,
envolvendo-se em várias tentativas de reinvenção da ordem social e dos
padrões de comportamento e relacionamento vigentes.
Depois dos anos 1970, os grupos juvenis perderam visibilidade,
deixando de protagonizar muitos acontecimentos como ocorrera na década
anterior. Os anos 1980 trazem os jovens articulados em torno de movimentos
culturais expressos, ora por um tipo de aparência mais exótica, ora vinculados
a novos estilos musicais, abdicando todos das formas tradicionais de
manifestação e organização políticas. O início desta nova fase está relacionado
ao surgimento dos punks na Inglaterra em meados dos anos 1970. Jovens da
classe trabalhadora dos subúrbios ingleses, os punks viviam à época uma
situação de desesperança causada pela crise econômica, pelo desemprego
que os atingia duramente, pois ao concluírem os primeiros estudos não
encontravam mais trabalho, e pela crise dos serviços públicos cortados pela
política de desestatização. A última década do século XX viu a multiplicação
desses grupos
60
, geralmente vinculados à música e identificados por
60
Um trabalho bastante atualizado sobre os grupos juvenis no cenário paulistano é o de MAGNANI, J.G.
& SOUZA, B.M. (orgs). Jovens na Metrópole. Etnografia de circuitos de lazer, encontro e sociabilidade.
São Paulo: Terceiro Nome, 2007.
94
determinadas roupas e/ou sinais corporais por meio dos quais veiculavam sua
percepção, seu protesto e suas formas próprias de luta contra a ordem
estabelecida.
Outra preocupação da literatura sociológica sobre a juventude proposta
por José Machado Pais recai na necessidade de analisar não apenas os traços
de similaridade que unem e identificam os jovens, mas também, as diferenças
sociais existentes entre eles. Nessa direção, a sociologia fundamenta-se em
duas vertentes. Uma que como principal atributo do grupo social jovem o
pertencimento a uma dada fase da vida. Dessa perspectiva, a tarefa intelectual
será a de buscar os aspectos uniformes e homogêneos desta fase ou, em
outras palavras, aquilo que define uma geração em termos etários. Na outra
tendência, a juventude é pensada como um grupo diversificado em termos de
pertencimento de classe, de situações econômicas diferenciadas, de interesses
e oportunidades ocupacionais diversas, de acesso diferenciado a parcelas do
poder. Em síntese, nesta tendência, o grupo é identificado principalmente por
ser constituído de jovens em diferentes situações sociais. A primeira tendência
engendra a corrente geracional; à tendência que enfatiza a situação social da
juventude associa-se a corrente classista
61
.
A teoria geracional e a teoria classista constituem a base das teorias
clássicas relativas à sociologia da juventude e apresentam, como tantas outras,
limites e alcance para os quais o pesquisador deve estar atento, a fim de
propor estratégias metodológicas incorporadoras de aspectos relevantes das
diversas teorias informadas pelo próprio universo empírico da pesquisa.
2.2. A questão da juventude no Brasil
Até a década de 1970, a juventude foi um tema pouco explorado no
Brasil. Uma produção exígua e limitada à questão do estudante e, em especial,
ao estudante universitário surge como decorrência do processo de
modernização do país iniciado nos anos 1950. Pensava-se que eram os
estudantes, filhos da classe média que, pela escolaridade, seriam capazes de
61
Ver: PAIS, J. M. (2003). Culturas Juvenis. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003, pp.47-
70.
95
liderar as transformações sociais. Os jovens dos setores de baixa renda,
impossibilitados de participar ativamente do processo de modernização,
estariam, por isso, excluídos da condição juvenil.
Naquele período, o estudante assumiu papel de destaque na
sociedade tanto por participar ativamente das mobilizações em torno de
reivindicações em prol de mudanças sociais como pelo fato de a educação ter
adquirido importante significação social. As diversas análises referentes à
juventude latino-americana e, de modo especial, à juventude brasileira na
época vêem o jovem como sujeito destinado à mobilização e à transformação
sociais.
MARIALICE FORACCHI
62
na década de 1960 realizou uma série de
estudos relativos à condição juvenil, considerados pioneiros na área da
sociologia da juventude. Mesmo tendo sido produzidos mais de 40 anos,
seus trabalhos acadêmicos podem ser tomados ainda hoje como referência
explicativa para uma reflexão sociológica relativa a este tema. Das questões
que despertaram seu interesse destacam-se: a situação, o papel e a polissemia
da noção de juventude, o conceito de geração e de coexistência de gerações,
os processos de transição para a vida adulta, o estudante como categoria
social, o significado dos movimentos juvenis no mundo contemporâneo, entre
outras.
Para esta autora, a juventude caracteriza-se a partir de três elementos:
o reconhecimento de que se trata de uma fase da vida, a constatação de sua
existência como força vital renovadora e a percepção de que a juventude vai
muito além de uma etapa cronológica para constituir um estilo próprio de
existência e de realização do destino pessoal (FORACCHI, 1965, pp302-04).
Os anos 1960 constituem um período em que os jovens se destacaram
como protagonistas de importantes movimentos culturais no Brasil,
questionando os padrões de comportamento sexuais, morais, a relação com a
propriedade e o consumo. Por isso, as décadas posteriores constituem-se em
cenário favorável ao aparecimento de um tipo de jovem que é, ao mesmo
62
Marialice Foracchi (1929-1972) foi docente e pesquisadora da antiga cadeira de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de o Paulo, e, posteriormente, do
Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma
Universidade, depois da reforma de 1969.
96
tempo, herdeiro das mudanças conquistadas pelos que os precederam durante
a década de 1960, e portador de novas maneiras de ser impostas pelos novos
tempos. Esse novo jovem, cuja herança abarcou os movimentos feministas, a
contracultura e os movimentos de protestos políticos, como o de maio de 68 na
França, viu também o movimento estudantil arrefecer-se e, mais do que isso,
deparou-se com os movimentos populares que rejeitavam a participação de
estudantes em suas organizações
63
.
Na década de 1970, a medicina volta-se para a questão da
adolescência e da juventude no Brasil, agora não mais considerando a questão
sob o ponto de vista dos determinantes naturais (coincidentemente dos
rapazes e moças pobres) da transgressão e da criminalidade, mas sim, dando
os primeiros passos em busca de novas respostas para essa fase da vida
64
.
Sob uma visão centrada na faixa etária, os médicos preocupam-se com os
“problemas da adolescência” para os quais se vêem, geralmente, como
profissionais “despreparados” para lidar com eles. São as doenças
sexualmente transmissíveis e a violência a que o submetidos os jovens,
como vítimas ou protagonistas, que colocam a juventude, ao final dos anos 70
e início dos 80 como um problema de saúde pública.
Nos anos 1980, os jovens são tidos como individualistas, consumistas,
conservadores, indiferentes aos assuntos públicos, e apáticos. Por outro lado,
data desse tempo, o interesse acadêmico pela juventude oriunda das classes
menos favorecidas, interesse sobremodo ampliado na última década do século
passado.
63
Não resta dúvida de que a participação de estudantes nas manifestações públicas promovidas por
movimentos populares contribuiu para dar a elas maior amplitude, mas foi, também, objeto de freqüentes
conflitos. Divergências nas palavras de ordem de grupos estudantis concorrentes criavam certa confusão,
trazendo o risco de descaracterizar as manifestações. O temor dessa descaracterização permitiu que se
disseminasse o preconceito contra a presença massiva de estudantes nas manifestações. Cf:: BRANT,
Vinicius. C. “Da resistência aos movimentos sociais: a emergência das classes populares em São Paulo”.
In: P. Singer e Vinicius C. Brant (orgs) São Paulo: O Povo em Movimento, Petrópolis/ o Paulo:
Vozes/Cebrap, 1980, pp 9-27.
64
Cf: ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE/ OMS. “La salud del adolescente y el joven em
las Américas”. Washington DC, 1985 (Publ. Cient. n.489).
97
Articulados em movimentos culturais
65
citadinos de curta duração,
geralmente em torno da música, do teatro e da arte circense, da dança e de
experiências de leitura em praça pública, os jovens pobres enfrentam as
dificuldades comuns por que passam todos os excluídos, agravadas, então,
pela crise do desemprego que os atinge diretamente; pela crise da escola que,
se de um lado facilita o acesso, de outro possui mecanismos de
ensino/aprendizagem que não garantem a permanência dos alunos até o
ensino médio
66
; e, pelo caráter apelativo de uma sociedade pautada
fundamentalmente no consumo de bens materiais.
Neste segmento, o foco de atenção volta-se para os jovens que saem
às ruas, agindo individual ou coletivamente, praticando atos associados à
violência, ao desregramento e ao desvio gangues, meninos de rua,
vandalismo, galeras etc. -, para expressar ao seu tempo e modo os valores
dominantes dessa nova sociedade cujo tecido encontra-se esgarçado e em
processo de dissolução.
A produção acadêmica do final do século passado e início do atual
relacionada à condição juvenil tem se notabilizado, entre outros aspectos
positivos, por refutar a tese de que porque o jovem é produto de uma
sociedade em crise não pode ser responsabilizado por suas ações. Desta
perspectiva, a juventude é vista como incapaz de qualquer ação que inclua a
mudança social.
ABRAMO chama a atenção para os perigos de análises deste tipo
fundadas em visões negativistas e reducionistas sobre a condição juvenil dos
anos 90. Estas análises, diz a autora, além de reforçar nos jovens a condição
de vítimas da sociedade, dificilmente colaboram para fazê-los ”sujeitos capazes
de qualquer tipo de ão propositiva, [no sentido de transformá-los em]
interlocutores para decifrar conjuntamente, mesmo que conflituosamente, o
significado das tendências sociais do nosso presente e das saídas e soluções
para elas”. (ABRAMO, 2000, p.35-6).
65
Para conferir um exemplo deste tipo de movimento na cidade de o Paulo, ver: SPOSITO, M ,
ANDRADE, C.L. & NASCIMENTO, G. Memória do Movimento Popular de Arte de São Miguel
Paulista: Cultura, Arte e Educação. São Paulo, Faculdade de Educação USP/ Núcleo de Estudos de
Sociologia da Educação, 1987.
66
Sobre estatísticas relativas a São Paulo que comprovam esta afirmação, Cf: SINGER, P. & BRANT,
op. cit., pp.94-95.
98
Pensar os jovens como “sujeitos capazes de qualquer outro tipo de
ação propositiva” proceder a uma leitura de suas ações que se contraponha a
esta que o como produto exclusivo do individualismo e do hedonismo. Para
escapar a isso, dizem as análises de cunho mais crítico, é preciso investir em
um processo de (re)significação das condutas juvenis, buscando elementos de
mudança mesmo em ações juvenis que aparentemente são lidas como
violentas, a fim de enfatizar no jovem seu caráter de sujeito e de cidadão.
Nessa direção, SPOSITO refere-se à experiência de grupos juvenis
como os rappers e os funks, para afirmar que a partir do campo da cultura os
jovens podem experimentar a crítica e a compreensão do mundo ao seu redor,
buscando formas coletivas de agir. Logo, este jovem pode galgar a condição de
sujeito que lhe permitirá outros tipos de interação com a escola e o trabalho.
Podem decorrer desse tipo de mobilização cultural, mesmo que de forma
fragmentada e incipiente, um outro modo de interação com as instituições
socializadoras como a escola, e nova atribuição de significados ao trabalho
ligada à idéia de autonomia, cooperação e solidariedade não predominante nas
condições atuais de emprego”. (SPOSITO, 2000, p.85).
A etnografia constitui-se, por sua vez, em outra importante contribuição
ao processo de (res)significação das condutas juvenis, no sentido de explicar
de que modo os jovens podem ser entendidos como sujeitos que apresentam
suas próprias questões para além dos receios e expectativas do mundo adulto
(MAGNANI, RBCS, 2002, p.20). Pesquisas sobre a juventude desenvolvidas
por esse autor e seus alunos, nas quais se aplicam categorias por ele
formuladas ao longo de seu trabalho intelectual, tais como: pedaço, circuito,
trajeto, mancha, ilustram a importância da etnografia para estudos sobre a
condição juvenil
67
.
Desde a década de 1990, a produção acadêmica que trata a juventude
oriunda das classes menos privilegiadas de modo a valorizar suas ações, isto
é, de modo a não explicá-la única e exclusivamente do ponto de vista do desvio
e da delinqüência tem aumentado consideravelmente. O jovem pobre sujeito de
direitos, suas ações culturais e de lazer, suas possibilidades de inserção no
novo mercado de trabalho têm sido, desde então, trilhas bastante exploradas
67
Para consultar essas pesquisas, Cf: MAGNANI, J.G. & SOUZA, B.M. op.cit.
99
no contexto das questões que envolvem a condição juvenil. Em toda a América
Latina, e no Brasil em particular, as condições políticas advindas dos processos
de redemocratização que se seguiram à derrubada dos governos militares
criaram as bases para a retomada da discussão sobre a cidadania, colocando
os jovens e, de modo especial os jovens pobres, na agenda dos intelectuais e
dos governos.
Enfim, a última década do século passado e os primeiros anos deste
século têm se constituído em período profícuo ao desenvolvimento de
pesquisas destinadas a pensar o jovem especialmente o jovem pobre - no
âmbito educacional, da saúde, da cultura e do lazer, como sujeito que, além de
ser capaz de participar ativa e criticamente da construção da vida em
sociedade, é também detentor de direitos, particularmente dos direitos sociais,
historicamente negados ao pobre, seja ele, criança, jovem, adulto ou idoso.
Nessa direção, a Carta Constitucional de 1988, ao universalizar os direitos
sociais
68
, colaborou para que a juventude passasse a ser alvo de políticas
públicas sob um processo que vem envolvendo em graus diversos, estudiosos,
gestores e os próprios jovens.
Este trabalho quer afirmar que o reconhecimento de que o jovem pobre
é cidadão - detentor de direitos e deveres, portador de um corpo que deve ser
tratado em seus aspectos sico, intelectual e emocional, potencialmente capaz
de cuidar-se desde que para isso tenha condições individuais e sociais, - não é
privilégio dos intelectuais e dos gestores deste início do século XXI como pode
sugerir a bibliografia relacionada à condição juvenil contemporânea.
Na verdade, pensar o jovem pobre como indivíduo em igualdade de
condições sociais, políticas, econômicas e culturais com seus pares oriundos
das classes médias e altas da sociedade brasileira, constitui-se em um dos
desdobramentos de uma nova maneira de pensar a sociedade que se
consolida com a revolução de 1930. A leitura de um dos trabalhos de Antonio
Candido intitulado A Educação pela Noite e outros Ensaios nos a dimensão
da nova mentalidade que tomou o país a partir de 1930, na educação, nas
68
Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
Capítulo II Dos Direitos Sociais. 2ª ed., São Paulo: Manole, 2005.
100
artes e literatura, na política e nos meios de difusão cultural. Para o que nos
interessa no momento, destacamos um fragmento de um dos capítulos A
Revolução de 30 e a Cultura.
“(...) O movimento de outubro não foi um começo absoluto nem uma
causa primeira e mecânica, porque na História não dessas coisas. Mas foi
um eixo e um catalisador (...) foi um marco histórico, daqueles que fazem sentir
vivamente que houve um ‘antes’ diferente de um ‘depois’. (...) [Houve] o
surgimento de condições para realizar, difundir e ‘normalizar’ uma série de
aspirações, inovações, pressentimentos gerados no decênio de 1920, que tinha
sido uma sementeira de grandes mudanças. (...)
69
Reiteramos que a revolução de 1930 facilitou a atuação política de
intelectuais da estirpe de Anísio Teixeira e Mário de Andrade cujas concepções
de educação, saúde, arte e cultura incidirão positivamente sobre o jovem
pobre, pois, mesmo sem a preocupação de categorizar este segmento como
um grupo socialmente diferenciado nem classificar como políticas públicas, as
ações governamentais a ele destinadas, esses intelectuais pensaram e
implementaram políticas no sentido de oferecer ao jovem pobre qualidade de
vida condizente com aquelas a que tem direito o futuro cidadão de um país
republicano e democrático que pretendia àquela época tornar-se
industrializado, moderno e dotado de um sistema de proteção social no qual os
trabalhadores deveriam ter acesso a pelo menos alguns direitos sociais.
3. Adolescência e Juventude da perspectiva do saber e da prática médicas
A juventude, particularmente em sua primeira fase, a adolescência, é
tema que, de tempos em tempos, ronda o universo da medicina. O estudo de
SAITO & SILVA
70
faz uma retrospectiva histórica de como a juventude foi
pensada pelo saber médico, desde o século XIX na Inglaterra até as
tendências atuais, enfatizando o caso brasileiro.
69
CANDIDO, Antonio. A Educação Pela Noite & Outros Ensaios. 2ª ed., São Paulo: Editora Ática, 1989,
pp. 181 e 182.
70
SAITO, M.I. & VARGAS, L.E. Adolescência Prevenção e Risco. São Paulo: Atheneu, 2001.
101
Afirmam estes autores que os primeiros serviços destinados para a
saúde do adolescente foram organizados para as escolas de rapazes na Grã-
Bretanha, com a fundação da Associação de Médicos Escolares em 1884. Mas
foi o clássico trabalho de Stanley Hall Adolescência: sua psicologia,
sociologia, sexo, crime, religião e educação -, publicado em 1904 que inspirou
os profissionais médicos a legitimar a adolescência como etapa que requeria
estudo e atenção”.
Outros trabalhos seguiram-se ao de Hall, como o que se desenvolveu
na Universidade de Stanford, discutindo problemas específicos desta fase da
vida e preconizando muitos dos princípios básicos que se mantêm presentes
nos programas atuais de atenção ao adolescente. Assim, nas décadas de 1920
e 1930, temas como desenvolvimento biológico, nutrição e características
sexuais secundárias do adolescente tomaram a atenção das primeiras equipes
médicas dedicadas a estudar esta fase da vida. É também verdade que ao final
dos primeiros cinqüenta anos do século passado, Europa e América viram
desabrochar novas propostas na área de saúde pública, no sentido de
transferir recursos de áreas curativas para as de cunho preventivo nas quais se
enquadrou a atenção integral à saúde do adolescente.
Nas Américas, os primeiros programas destinados à Medicina do
Adolescente surgiram concomitantemente nos Estados Unidos, Argentina,
Chile e México
71
no início dos anos 1960. Gradativamente, esses programas
foram se disseminando pelo continente americano até atingir o Brasil com as
experiências de São Paulo e do Rio de Janeiro no limiar da década de 1970.
O projeto de o Paulo data de 1974, tendo à frente a doutora Anita
Colli do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo
72
. Centrado na promoção da saúde, na prevenção de agravos e
na cura de doenças, o projeto constituiu-se basicamente de atendimento
ambulatorial. Outras equipes foram se formando na Santa Casa de
71
“O primeiro programa das Américas destinado à Medicina do Adolescente surgiu nos Estados Unidos
com o Dr. Roswell Gallagher em 1961. Na mesma época, de forma totalmente independente, a Dra
Gomes Ferrarotti criava, em Buenos Aires, o Centro Municipal de Adolescência, e a Dra Paula Pelaéz, o
consultório de Adolescentes, em Santiago do Chile. Cabe também ressaltar, neste momento, a criação do
primeiro serviço de adolescentes, no México, coordenado pelo Dr. Enrique Dulanto Gutieréz”. Cf:
SAITO & VARGAS, op.cit, p.5.
72
SAITO & VARGAS, loc. cit.
102
Misericórdia
73
e no Hospital São Paulo (Unifesp)
74
para quem os desafios
marcantes do adolescente pobre eram, à época, focados na questão da
gravidez da adolescente e seus desdobramentos. Outros médicos e
profissionais da área da saúde realizaram estudos sobre o desenvolvimento
psicológico normal e seus distúrbios na adolescência.
No Rio de Janeiro, o tema adquire importância a partir da formação do
Núcleo de Saúde do Adolescente NESA
75
do Hospital Pedro Ernesto da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, nos anos 1980. Ali, o trabalho surgiu
destinado para as classes populares, comportando experiências diversificadas
para atingir a violência, o analfabetismo, as doenças infectocontagiosas, a
cidadania, o trabalho de crianças e jovens etc., organizando-se em projetos dos
quais podemos citar alguns: “Projeto Ame sem Violência”, “Projeto de Saúde do
Adolescente Trabalhador”, “Projeto Adolescência, Saúde e Cidadania”, “AIDS e
a Escola”, “Projeto Identidade”, “Projeto Caras e Bocas”.
A leitura dos trabalhos de SAITO & VARGAS e de SAITO & SOUZA
LIMA indicam que os anos 1970 e 1980 foram tempos de formação e expansão
da medicina do adolescente (particularmente do adolescente pobre) no Brasil.
Mais adiante veremos que, mesmo sem esta denominação, muito antes disso a
medicina produzia uma leitura e uma proposta para a saúde desses rapazes
e moças.
De qualquer modo, vale a pena retomar a retrospectiva destes autores
para entender a continuidade da construção desta área no contexto médico,
desde os anos 1970 até os dias atuais. A atenção integral à saúde do
adolescente ganha espaço em organizações nacionais e internacionais como a
OPAS – Organização Panamericana de Saúde e a OMS Organização
Mundial de Saúde, especialmente durante a década de 1970.
73
Foi a Dra. Verônica Coates, pediatra, quem iniciou este atendimento na Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo. Vale dizer que, posteriormente, este atendimento terá como principal foco de atuação o pré-
natal para adolescentes e atenção ao binômio, mãe-filho efetivada em consulta única.
74
Na Universidade Federal de São Paulo destacam-se os nomes dos doutores: Elide Helena Guidolin da
Rocha Medeiros, Jamal Wehba, Antonio da Silva Queiroz, Maria Sylvia de Souza Vitalle, Rosinha Yoko
Matsubayashi Morishita, Claudia Aparecida C. L. Saliba e Eliane Malheiros Ferraz de Carvalho. Cf:
Revista Paulista de Pediatria, vol 14, n.03, Setembro de 1996, p.35.
75
Ver SAITO & SOUZA LIMA, In: SAITO & SILVA, op. cit., p. 11.
103
Enquanto a OMS destaca o aspecto demográfico para definir a
adolescência e, deste ponto de vista, considera-a como a população
compreendida entre 10 e 19 anos, subdividindo-a em adolescentes menores
(10 a 14 anos), e adolescentes maiores (15 a 19 anos); para a OPAS existe
uma distinção entre adolescência e juventude. Esta Organização mantém a
mesma estratificação etária da OMS, chamando o primeiro estrato que
compreende a faixa de 10 a 14 anos de pré-adolescência, e a segunda faixa
dos que estão entre as idades de 15 a 19 anos de adolescência propriamente
dita. Para a OPAS, adolescência “é um processo primariamente biológico que
transcende à área psicossocial e constitui um período durante o qual se
aceleram o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade
(JORGE, 1998, p.209)
76
. a juventude, que também se subdivide em duas
faixas (15 aos 19, e 20 aos 24anos), estende-se dos 15 aos 24 anos. A
juventude, diz a OPAS, “é uma categoria fundamentalmente sociológica e se
refere ao processo de preparação para que os indivíduos possam assumir o
papel social do adulto, tanto do ponto de vista da família e da procriação,
quanto profissional, com plenos direitos e responsabilidades” (JORGE, loc.cit).
é possível entender esta distinção entre adolescência e juventude
formulada pela OPAS, se a tomarmos do ponto de vista do dever ser, isto é, a
partir de um ideal pensado para esses segmentos, pois da perspectiva da
concretude social não é assim que muitos estudos em diferentes áreas da
psicologia à própria medicina, passando pela sociologia entendem o
desenvolvimento humano. Para ficarmos apenas na sociologia, a adolescência
tem sido explicada como a primeira etapa da juventude, e, além do mais, se
considerarmos os jovens segundo a sua situação de classe, veremos que, para
os pobres não existe tempo de preparação para que possam assumir “o papel
social do adulto”. Em grande parte dos casos de meninos e meninas que vivem
em condições sociais adversas, a gravidez ocorre em faixas etárias menores
que 15 anos de idade, o mundo do trabalho é vivenciado geralmente ainda na
infância, e a profissionalização tem se apresentado cada vez mais como um
sonho irrealizável.
76
JORGE, Maria Helena P de Mello. “Como morrem nossos jovens”. In: Jovens acontecendo na trilha
das políticas públicas. Brasília: CNPD, 1998,p. 209.
104
SAITO & SILVA (2001) lembram que em 1989, a OMS reunida em
Genebra oficializou a adolescência como programa de saúde, incluindo-a no rol
das propostas orçamentárias. No Brasil, também neste ano, o Ministério da
Saúde tornou oficial o PROSAD, Programa de Saúde do Adolescente, cujos
objetivos são: a) promover a saúde integral do adolescente no sentido de
reduzir a morbimortalidade e os desajustes individuais e sociais; b) normatizar
as ações nas áreas prioritárias do Programa: crescimento e desenvolvimento,
sexualidade, saúde bucal, reprodutiva e escolar, prevenção de acidentes,
violência e maus tratos e atenção à família; c) subsidiar a implantação do
Programa nos Estados e Municípios, preservando as peculiaridades regionais;
d) promover pesquisas relativas à adolescência; e) contribuir para a
implantação da Política Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente, preservando os princípios contidos no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
As linhas de ação do PROSAD resumem-se em: a) apoio à
capacitação de R.H. destinado ao trabalho com os adolescentes nas seguintes
direções: formação de multiplicadores docente-assistenciais de diferentes
categorias profissionais para atuarem na implantação do Programa,
identificação e credenciamento de Centros Docentes Assistenciais em Saúde
do Adolescente, elaboração e distribuição de material instrucional destinado à
rede do SUS e Centros formadores de R.H., elaboração de normas relativas à
atenção integral à saúde do adolescente, oferta de subsídios relativos ao
atendimento dos casos de violência e maus tratos e da adolescente grávida,
aos serviços de saúde; b) formação de multiplicadores de saúde entre os
adolescentes para atuarem junto aos seus pares; c) elaboração e distribuição
de material educativo destinado ao adolescente
77
.
77
Nossa preocupação com o programa foi apenas inseri-lo em determinado momento da evolução
histórica da saúde do adolescente. Contudo vale a pena ressaltar que o PROSAD, tido hoje como o plano
de governo mais avançado em termos de saúde do adolescente, ainda está fundado em uma visão
restritiva de saúde. É a saúde no sentido fundamentalmente físico que o programa aborda. Reduzir a
morbi-mortalidade, cuidar da saúde bucal ou da prevenção de acidentes, evitar maus tratos e gravidez
nesta fase da vida são, sem dúvida alguma, tarefas importantíssimas, porém não esgotam a diversidade de
aspectos que compõem a saúde. O programa não traz nenhuma referência ao incentivo e proteção ao
desenvolvimento cognitivo, lazer, esportes e outras atividades ligadas às artes. Por outro lado, o PROSAD
também não conseguiu escapar à velha perspectiva da saúde em oposição à doença. Mas, há que se
considerar que se apenas os objetivos do programa e suas linhas prioritárias de ação fossem traduzidas em
105
Não se trata aqui de analisar o PROSAD; no entanto, vale a pena
chamar a atenção para o fato de que também este programa assume como
característica distintiva da adolescência e da juventude os mesmos critérios
fundados na faixa etária da OPAS e da OMS. Outro aspecto relevante do
programa é o de guardar uma visão estrita de saúde em oposição à doença e
apresentar-se muito centrado na “cura” das “doenças sociais” (violência, maus
tratos, gravidez precoce etc.), sem dar conta da perspectiva preventiva em
sentido amplo.
Se a tônica que rege a construção do conceito de adolescência e
juventude pela área médica parece ser a da faixa etária, vale ressaltar que nem
todos os profissionais do setor estão de acordo com este recorte. ALBINO,
VITALLE, SCHUSSELL & BATISTA manifestam posição contrária ao estudar a
questão da sexualidade juvenil:
“(...) Definir jovens e adolescentes como uma faixa etária em
oposição à vida adulta, a partir de um olhar que justifica programas e
políticas com a antevisão de futuros ‘problemas sociais’, é esquecer, por
exemplo, que essa é uma fase de exploração, liberdade de aprender,
experimentar novas atividades, crescer em independência e
autoconsciência” ( ALBINO et.al., 2005, p.128)
Na mesma direção apresenta-se o relato de pesquisa de um grupo de
profissionais que estudou o perfil do adolescente atendido no Setor de
Adolescência do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São
Paulo:
Em nosso meio, de modo geral, a clientela acima de 12 anos de
idade, procura ou é encaminhada para serviço médico clínico, pois até bem
pouco tempo atrás a adolescência ainda era considerada ‘terra de ninguém’, e
os limites usados eram cronológicos para decidir aonde se daria a abordagem,
isto é, abaixo de 12 anos é da alçada do pediatra, acima dos 12 anos, do
clínico. Com a implantação de serviços de atendimento ao adolescente,
acreditamos que, em futuro próximo, o número de pacientes na faixa etária
acima dos 14 anos irá aumentar” (MEDEIROS et.al. 1996, pp.36-41)
ações políticas concretas, já se teria avançado muito no que se refere à saúde do jovem. A verdade é que
como de praxe, o PROSAD também não “saiu do papel”.
106
Se, por um lado, já sabemos que desde 1970 o saber médico passou a
se interessar pela adolescência/juventude de modo especial, cabe ainda tentar
entender que motivos levaram a este interesse. Em outras palavras, vale
perguntar por que a adolescência/juventude adquiriu visibilidade diante dos
profissionais da saúde a ponto de levá-los a transformar este segmento em
categoria de análise.
Historicamente, é preciso lembrar que o sentido da relação entre o
jovem e o profissional de saúde no Brasil foi sempre do jovem para o médico, e
nunca o contrário. Reiterando, é o jovem que procura o médico, e não este
àquele. Pois bem, considerando o caráter predominantemente curativo pelo
qual a medicina tem se pautado, não é difícil concluir que a causa primeira que
leva o adolescente e/ou o jovem a procurar o médico também tem sido uma
queixa relacionada à doença.
As primeiras observações médicas relacionadas à adolescência
afirmam ser ela uma fase da vida que, se comparada à infância, apresenta
diminuição significativa na incidência de enfermidades orgânicas, mas traz, por
outro lado, algumas patologias que, apesar de não serem específicas do
adolescente, o mais incidentes nele (MONTEIRO FILHO et.al., 1985, p.72-
84).
Os médicos concordam que os adolescentes apresentam dois tipos de
problemas de saúde: os problemas relacionados às questões pessoais, e os
casos relacionados a doenças. Na categoria das “questões pessoais” os
médicos enquadram os “sintomas” advindos das suas relações sociais
78
relacionamentos interpessoais, escola, sexualidade, violência, religião, uso de
drogas etc. —; enquanto que os problemas de saúde situam-se em torno de
angústia, menstruação, acne, cefaléias, verminoses, anemias, cansaço e
outras queixas afins (BARROS & COUTINHO, 1992, p. 91).
Tendo, pois, como paradigma geral a diminuição das doenças da
infância e o surgimento de outros “sintomas” que incluem as relações com o
78
A constatação deste tipo de problema como sendo problema de saúde do jovem tem levado os médicos
a inúmeras discussões no sentido de que a maioria deles acaba concluindo que não tem formação
adequada para atender a este tipo de questão. Uma das saídas encontradas para isso tem sido a
constituição de equipes multiprofissionais, geralmente sob a coordenação/ supervisão dos médicos.
107
social, a medicina passa a notar o adolescente como um novo sujeito de
investigação e de aplicação de novas práticas do saber médico.
A partir d são as configurações regionais e conjunturais que
interferem na leitura e encaminhamento médico do adolescente. A titulo de
ilustração, retomamos o trabalho de SAITO & SOUZA LIMA (2001) que traçam
a evolução histórica desse tipo de atendimento na Unidade do Adolescente do
Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo:
“Ao longo dos anos o perfil da clientela [de adolescentes] atendida
vem se modificando. Inicialmente predominavam os casos que envolviam
atenção primária; posteriormente existia um contingente de atenção
secundária, e atualmente, pelas características do próprio Instituto da
Criança e, mais precisamente, em virtude das grandes modificações sócio-
culturais que se expressam basicamente pelos valores em transição, é cada
vez mais relevante a gravidade dos casos atendidos. Esta mudança se deve,
inclusive, à sobrevivência de pacientes portadores de doenças crônicas, que
por sua gravidade, eram fatais na infância, e que hoje, em virtude do avanço
científico e tecnológico da Medicina, originaram um grupo especial de
pacientes adolescentes, que é praticamente de adolescentes sobreviventes,
requerendo uma atenção cada vez mais específica e ao mesmo tempo
abrangente, inclusive dirigida ao adolescente internado na Unidade de
Adolescentes ou de outras especialidades ( SAITO & LIMA, 2001, p.12)
Portanto, a visibilidade juvenil tem se colocado para as ciências da
saúde fundamentalmente a partir da situação de doença, mesmo que os
profissionais dessas áreas reconheçam-se, muitas vezes, incapazes para lidar
com algumas dessas “doenças”. Nessa direção, embora a categoria jovem
construída pela prática médica esteja ainda muito centrada na juventude sadia
em oposição à juventude doente, encontramos em alguns estudos médicos
sobre os jovens uma percepção que se ajusta à noção de saúde por nós
defendida neste trabalho. Em artigo de 1992, BARROS & COUTINHO afirmam:
“A participação dos adolescentes em atividades artísticas, literárias,
culturais e esportivas é uma atitude bastante saudável e que gera um melhor
entrosamento no seu grupo, proporcionando assim maiores chances de uma
boa adaptação às modificações biopsicossociais ambientais (BARROS &
Coutinho, op.cit.72).
Parece haver uma tendência, ainda que mida e minoritária da parte
das ciências da saúde no sentido de significar a juventude como um segmento
dotado de potencialidades e hábil o suficiente para transformar essas
potencialidades em ações favoráveis à construção de vidas de qualidade. Em
outras palavras, um segmento constituído de sujeitos sociais capazes de
108
construir projetos de vida em que a relação entre a sua biografia individual e a
história social seja meta prioritária
79
.
Todavia, no geral, o discurso médico sobre a saúde do adolescente e
do jovem permanece marcado por uma visão pouco negociada entre o saber
médico e o próprio sujeito em questão. Como afirma Valadão:
“O discurso da saúde sobre a adolescência e a juventude também
usa o instrumental do discurso médico, legitimado socialmente para produzir
uma relação de poder sobre o jovem. Visa normatizar a sua vida, sugerindo
que o jovem não tem competência para responsabilizar-se com autonomia
por sua saúde, sua vida afetiva, sexual e social. Nesse discurso, os riscos à
saúde dos jovens parecem ser apenas uma conseqüência do próprio modo
de visão juvenil”
80
.
É bom que se diga que estas como outras percepções sobre a
juventude são apenas construções sociais formuladas a partir de visões
diversas que se negociam para responder a determinadas conjunturas
relacionais e de interesses específicos. Ou, como lembra Bourdieu, “(...) a
juventude ou a velhice não o dados, mas construídos socialmente na luta
entre os jovens e os velhos” (BOURDIEU, 1983, p.113).
Como construção social, a juventude é uma categoria que varia no
tempo e no espaço. Por isso, vale a pena retroceder na história para entender
de que modo o saber e a prática médica significaram a juventude à época que
nos interessa particularmente neste trabalho, isto é, nos anos 1930.
4. Quando o adolescente e o jovem eram “menores” para o saber e a
prática médica
Antes dos anos 1960, como se disse aqui, juventude era um termo
empregado para significar os rapazes e moças pertencentes às camadas
79
Trabalho que revela essa nova tendência na área da Saúde Pública é o livro que contém pesquisas
desenvolvidas sob a orientação de um grupo de professores da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo: Cf: ADORNO, R de C; ALVARENGA, A T & VASCONCELOS, M da P
(orgs) Jovens, Trajetórias, Masculinidades e Direitos. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2005.
80
VALADÃO, Marina Marcos. “A saúde nas políticas públicas: juventude em pauta”. In: Maria Virginia
Freitas e Fernanda P. Carvalho (orgs). Políticas Públicas. Juventude em Pauta. São Paulo, Cortez/Ação
Educativa/Fundação Friederich Elbert, 2003, p.209.
109
médias e à elite do país. Os outros eram menores
81
. Menores de idade
permitida por lei para o trabalho, pois quando tinham acesso à escola,
freqüentavam-na, na melhor das hipóteses, somente durante os quatro
primeiros anos, ficando a seguir disponíveis para trabalhar. Os menores foram
historicamente adjetivados como: trabalhadores, abandonados, delinqüentes e,
sobre eles, construíram-se explicações sob diversos enfoques da educação,
do direito, da medicina, da higiene, do poder público.
Por ora, nossa tarefa é a de discutir o modo pelo qual a área médica
atribuiu significado ao “menor”
82
. Na verdade, queremos perceber por meio de
quais marcas distintivas os “menores” adquiriram visibilidade para os médicos
entre os anos 1930 e 1940.
Dos diversos modos possíveis de captar esta significação médica
sobre o “menor”, destacaremos duas a partir de nossas fontes de pesquisa.
Uma delas refere-se à visão comum de médicos, educadores e juristas, e que,
de algum modo, pode ser considerada como uma visão dominante no período.
Reconstituímos esta visão tendo como fonte estudos que se tornaram
públicos. Essa perspectiva dominante associa o jovem pobre ou, na linguagem
corrente da época, o menor, à delinqüência e ao crime, como bem revela
Leonídio Ribeiro, fundador do Laboratório de Biologia Infantil do Rio de Janeiro,
referindo-se a um intercâmbio Brasil-Roma na década de 1930:
“O Laboratório de Biologia Infantil do Rio de Janeiro inspirou-se no
Centro dico-pedagógico de observação de Roma, a cuja inauguração estive
presente nos últimos dias do ano de 1934. Os resultados dos primeiros
trabalhos realizados foram apresentados ao Primeiro Congresso Italiano de
Antropologia Criminal, em Roma, em maio de 1936, por Sileno Fabri,
presidente da Obra nacional da maternidade e da infância. O exame de
duzentos menores [da Itália] revelou dez casos de tuberculose pulmonar, dez
de problemas endócrinos, quinze de sífilis e vinte e cinco de anomalias
81
Menor é uma categoria construída socialmente tal qual a categoria juventude. Menor teve, no período
em questão, uma conotação social específica sobre a qual estamos nos referindo nesta etapa do trabalho.
No entanto, é preciso ressaltar que esta categoria não se esgotou nos anos 1930 /40. Ao contrário, vigora
até hoje apropriada pelos organismos governamentais para a elaboração de políticas que mais produzem
a exclusão dos jovens do que sua participação social. Sobre esta questão, ver: DRAIBE, S. “As políticas
sociais do regime militar brasileiro: 1964-1984”. In: G. Soares e M.C. D’Araujo. 21 anos de regime
militar. Balanços e Perspectivas. R de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1994.
82
Nesta época, na categoria menor incluíam-se as crianças e os adolescentes e jovens. Em diferentes
escritos, é possível encontrar sob a categoria menor, crianças de 7, 8 anos; adolescentes entre 12 e 14 anos
e jovens de 15 a 21 anos de idade.
110
psíquicas. Esses resultados, semelhantes
83
na Itália e no Brasil, demonstram a
importância do problema do estudo das causas biológicas da delinqüência
infantil e a função cada vez mais decisiva do médico na campanha pela
prevenção do crime. Os aspectos médicos da questão da criminalidade juvenil
devem ser considerados com mais atenção pelos juízes (...)” (CORRÊA, M.,
2003, p.90).
Vale observar que a matriz de pensamento geradora dessa visão sobre
o menor está fincada na Itália dos tempos fascistas e em uma perspectiva
médica que, desde meados do século XIX, construíra noções de normalidade e
anormalidade muito específicas, de modo a propor soluções de exclusão social
de tudo o que o saber médico considerava anormal
84
.Não é preciso lembrar
que esses critérios vinham sendo desenvolvidos em fins do século XIX de
acordo com a pauta da EUGENIA e que, na Alemanha de Hitler conduziram (e
justificaram) desde esterilização em massa dos “anormais” até a tentativa de
extermínio dos povos judeu, cigano e demais “não-arianos”.
Não foi por outro motivo que Leonídio Ribeiro colaborou com o Ministro
da Justiça, à época, Macedo Soares, apresentando um anteprojeto da cidade
de menores
85
, uma cadeia de luxo para os menores abandonados, e que
acabou não se concretizando.
Ao comentar o projeto arquitetônico da Cidade de Menores, Corrêa
analisa o aspecto de exclusão/reclusão dos jovens pobres presente na
construção daquela Cidade:
“A ingenuidade dessa descrição [refere-se à descrição do
funcionamento da cidade, que deveria contar com ‘gabinete de identificação’,
‘sala de jantar’, ‘enfermaria’, ‘salas de material de medicina’, ‘elevador de
pratos’ e ‘dormitórios comuns’], na qual não agentes conduzindo o menor
pelos meandros da cidade, talvez mostre melhor de que não se trata nessa
construção utópica, como todos os discursos médicos a respeito da
regeneração dos futuros criminosos, que parecem necessitar apenas de boa
comida, limpeza e de um elevador de pratos ( o arquiteto insiste em que ele
sobe até o terceiro pavimento), signo aí das técnicas modernas, menos
sinistras do que as da sala de antropometria, não descritas, mas que podem
ser acompanhadas em todas as publicações médico-legais da época,
83
Segundo Corrêa, esses resultados não são tão semelhantes assim, pois o levantamento sobre os meninos
examinados no Laboratório durante um ano concluiu que de 700 casos, 79% eram de doença de garganta,
65% de verminoses, 46% de doenças da boca, 42% de tuberculose latente, 37% de doenças do nariz, 22%
de doenças do ouvido, 19% de debilidade mental e 17% de sífilis.Cf: CORRÊA, Mariza. “A cidade de
menores: uma utopia dos anos 1930”. In: Marcos C. de Freitas (org). História Social da Infância no
Brasil. 5ª ed. São paulo: Cortez, 2003, pp.90-91.
84
Cf: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
85
Cf: CORRÊA, M. op.cit., pp.94-96.
111
inspiradas nos filmes do Terceiro Reich e nas políticas sociais da República
Italiana” (Corrêa, 2003, p.94-5).
Se as interpretações e práticas sobre o menor desenvolveram-se sob a
especificidade acima descrita no Rio de Janeiro dos anos 1930, em São Paulo,
desde os anos 20 se vinha formalizando também uma nova concepção de
infância e menoridade sob os auspícios da saúde e da educação. Nesse
sentido, o se pode deixar de mencionar a importância do Laboratório de
Pedagogia Experimental, instalado em 1914, no Gabinete de Psicologia e
Antropologia Pedagógica, anexo à Escola Normal Secundária de o Paulo.
Este Gabinete, a exemplo de outros similares estrangeiros, particularmente os
norte-americanos, tinha por objetivo o “estudo científico” da infância,
compreendendo o “exame metódico de todas as energias da criança”
86
.
Os profissionais treinados atuavam especialmente junto às crianças
da escola pública, filhos de operários e pequenos comerciantes da cidade. É
por isso que as crianças da vez passam a ser essas. E, portanto, é sobre elas
que se formulam idéias e práticas na seguinte direção:
“Observar, medir, classificar, prevenir, corrigir. Em todas essas
operações, a remissão à norma é uma constante. A pedagogia científica, as
práticas que a constituíam e as que derivavam dela, caracterizavam-se, assim,
por essa remissão constante a cânones de normalidade produzidos, pelo
avesso, na leitura de sinais de anormalidade ou degenerescência que a ciência
contemporânea colecionava em seu afã de justificar as desigualdades sociais e
de explicar o progresso e o atraso dos povos pela existência de determinações
inscritas na natureza dos homens” (Marta Maria de Carvalho, 2003, p.300).
Embora estejamos abordando a visibilidade juvenil por meio das
ciências da saúde, vale a pena fazer aqui uma breve digressão para lembrar
que nos anos 20 quem mais se ocupava de divulgar a situação de saúde dos
jovens trabalhadores ou dos filhos de trabalhadores em São Paulo não eram os
médicos nem os juristas ou educadores, mas sim a imprensa operária.
São inúmeros os registros desta imprensa sobre as precárias
condições de saúde dos menores, advindas principalmente da alimentação
inadequada e da situação de insalubridade dos estabelecimentos industriais
onde esses jovens trabalhavam. A titulo de exemplo, Moura cita em um de
seus estudos, o jornal anarquista O Combate que em 19 de setembro de 1917,
86
CARVALHO, Marta M.C. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização
das pessoas”. In: Marcos C. de Freitas, op.cit. p.293.
112
discutindo o emprego inadequado de menores nos estabelecimentos
industriais, referiu-se ao fato de que no dia anterior, representantes da redação
do jornal teriam assistido, no Cotonifício Crespi, na Moóca, à entrada de
sessenta menores aproximadamente, às sete horas da manhã para trabalhar
até às seis da manhã do dia seguinte, durante vinte e três horas portanto, “com
um pequeno descanso somente – vinte minutos – à meia noite
87
”.
Os anos 1920 testemunharam em São Paulo a emergência de mais um
setor a produzir interpretações sobre os menores e propor intervenções em
suas condutas. Trata-se da educação sanitária. Tendo como centro irradiador o
Instituto de Hygiene de São Paulo, a educação sanitária preconizava a
higienização das pessoas e da cidade, segundo os fundamentos de higiene e
saúde propostos por Geraldo Horácio de Paula Souza e seus companheiros
cujas formações acadêmico-científicas fizeram-se graças às diretrizes da
escola norte-americana.
Centrada fundamentalmente no ensino de hábitos de higiene às
crianças, a educação sanitária via na escola um espaço privilegiado para este
tipo de ensino, bem como propunha a presença de um agente de ensino, que
no contexto da realidade paulista e, muito especialmente, no contexto
paulistano, foi assumido pela professora primária.
Apreendidos os bitos, pensavam os higienistas, as crianças tornar-
se-iam multiplicadores dessa aprendizagem junto às suas famílias. Assim, a
higienização pode ser entendida, conforme assinala Carvalho, como mais uma
forma de disciplinar
88
as pessoas. Em síntese, era mais ou menos do seguinte
modo que os médicos pensavam a higienização em termos práticos:
“O asseio corporal e os bons hábitos de higiene, que a criança
adquire facilmente, sob a orientação dos pais bem compenetrados de seus
deveres e suficientemente senhores da instrução sanitária, são o
complemento indispensável para a conservação da saúde e a garantia do
seu desenvolvimento e crescimento normal. O uso do banho diário,
87
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. “Crianças Operárias na Recém-Industrializada São Paulo”.
In: Mary Del Priore (org). op.cit., p.271.
88
É preciso ressalvar que se, por um lado, entendemos que a educação centrada exclusivamente na
disciplina é um limitador para o desenvolvimento humano, por outro, naquele momento em que uma nova
sociedade surgia, a educação sanitária, tal como foi instituída, exerceu papel preponderante na
organização e nos hábitos de saúde de uma população que necessitava de melhores condições de vida.
113
infelizmente tão descurado entre as classes operárias e menos abastadas
(...) é outro fator valioso na conservação da saúde das crianças
89
.
Em síntese, de tudo o que até agora dissemos, é possível concluir que
a visibilidade que a saúde e seus saberes conjugados, o direito e a educação,
tinham do menor pobre na passagem da República Velha para os anos 1930,
resumia-se ao menor abandonado e/ou delinqüente de um lado, e ao menor
que era filho dos operários e dos pequenos comerciantes das cidades, de outro
lado, reduzindo-os todos à categoria de delinqüentes e criminosos em
potencial.
Os dois segmentos eram tidos como perigosos para a sociedade. O
primeiro porque, segundo a visão dominante, tenderia naturalmente para a
marginalidade, para a delinqüência e para o crime; o outro porque era mal
educado e precisava disciplinar-se, caso contrário, também acabaria por
oferecer riscos ao meio social circundante. Em outras palavras, o menor pobre
não tinha voz, não tinha vontade, não tinha querer. Era apenas um receptáculo
onde se depositava uma série de regras a que deveria responder
mecanicamente, sem questionar, nem duvidar. O máximo que se lhe permitia
era que pudesse receber essas regras em espaço físico mais ou menos aberto.
Mais aberto na escola, se tivesse família ou responsáveis e,
conseqüentemente, uma casa para morar; menos aberto, em instituições
filantrópicas e/ou de caridade, se não tivesse familiares ou responsáveis, nem
casa para viver.
Durante os anos 1930, a pedagogia da escola nova propõe uma
concepção de menor na qual a saúde representa, ao lado da educação e da
moral, um aspecto do discurso sobre o futuro da nação. Agora, o menor, mas
particularmente o menor trabalhador, assume um significado aproximado ao de
futuro, “de esperança de uma nação que também é jovem e um dia vai crescer
e tornar-se grande”. Esse é o discurso ideologizado sobre a juventude e a
nação jovem.
Para Carvalho: “A ‘educação integral’, assentada no tripé: saúde,
moral e trabalho era uma das respostas políticas ensaiadas por setores da
intelectualidade brasileira na redefinição dos esquemas de dominação
89
Documento: São Paulo na Conferência Nacional de Proteção à Infância – 1933. Ministério de Educação
e Saúde Pública. Consulta na Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo,
p.252.
114
vigentes. Tratava-se, fundamentalmente, de estruturar dispositivos mais
modernos de disciplinarização social, que viabilizassem o que era proposto
como progresso. Nesse projeto, a educação era especialmente valorizada
enquanto dispositivo capaz de garantir a ‘ordem sem necessidade do
emprego da força e de medidas restritivas ou supressivas da liberdade’, e a
disciplina consciente e voluntária e não apenas automática e apavorada”
(CARVALHO, 2003, p.306).
Dessa perspectiva, a disciplina reveste-se de outra roupagem.
Disciplinar não é mais prevenir ou corrigir.
“[Disciplinar] é moldar. É contar com a plasticidade da natureza
infantil, com sua adaptabilidade, com sua capacidade natural de ajustamento
a fins postos pela sociedade. Por isso, esse otimismo contagia, mais do que
com a natureza, com o poder disciplinador das novas exigências postas nos
novos ritmos que a técnica e a máquina imprimem à sociedade
(CARVALHO, 2003, p.308).
O menor continua sendo pensado como alguém que precisa ser
guiado. Mudam-se os valores a serem assimilados, mas os menores não
passam, mais uma vez, de depositários das visões dominantes e
disciplinadoras a respeito da criança e do jovem pobres.
Se ainda hoje, quase ao término do primeiro decênio do século XXI, a
medicina vê a adolescência como um segmento indefinido ou no limbo”, nos
anos 1930/40, a situação era ainda menos definida. Quase não se falava em
adolescente/jovem, ao contrário falava-se muito em infância, mas nos estudos
concretos apareciam indivíduos, em número significativo, na faixa dos 12 aos
21 anos
90
contados entre as crianças, porém com características diferenciadas.
outra fonte documental por meio da qual se percebe mais uma
interpretação sobre o menor que, sem discordar em essência da tendência
disciplinadora, traz-lhe alguns acréscimos e pequenas diferenças. Estamos nos
referindo a pronunciamentos e às atas de congressos e conferências dos
médicos da época.
90
A categorização de infância, menor, adolescência e juventude formulada a partir da faixa etária é
confusa em muitos trabalhos da área de saúde. A título de exemplo, vejamos o que diz um relatório do
final do século XX, do Nupese – Núcleo de Educação em Saúde Escolar – da Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo datado de 1996: “O Nupese trabalha com a criança em idade escolar, de 4 a
21 anos, esteja ela onde estiver (no trabalho, na escola, na rua, nas unidades de Saúde, em áreas de lazer,
no hospital) e com as pessoas e instituições (pais, professores, especialistas, responsáveis, autoridades:
Secretarias do Estado e do Município, Escolas estaduais e municipais, Associações, Creches, Pré-Escolas,
Clubes, Centros de Saúde, Indústrias...)), que lidam com elas. Relatório 1996. Núcleo de educação em
Saúde Escolar (NACE – NUPESE/FSP/USP). Consultado no Arquivo da Memória da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo em 01/04/06.
115
Comecemos por citar parte delas e, a partir daí, sugerir possíveis
leituras sobre os menores. A Conferência Permanente da CONFERÊNCIA
NACIONAL DE PROTEÇÃO Á INFÂNCIA do Ministério da Educação e Saúde
Pública sugere em 1933, aos governos estaduais e municipais, diretrizes a
serem aplicadas por meio de leis, regulamentos ou de instituições adequadas.
“Para os conferencistas, “a lei procurará atenuar ou eliminar, a
desigualdade de condições das crianças que é a mais injustificável e nociva
das desigualdades sociais assegurando, quanto possível, às necessitadas,
saúde, educação, repouso, conforto e divertimentos
91
.
Na pauta de orientações práticas para viabilização da lei, aparecem
duas linhas principais de ação. Uma delas enfatiza a escola e a sociedade no
plano estadual, e a outra mostra a relevância dos postos de higiene no plano
municipal como formas de concretização da lei.
“Cada Estado tratará de organizar e divulgar na maior escala possível,
o ensino da Puericultura à mulher, não somente nas escolas primárias, mas
também na sociedade e especialmente entre as classes mais modestas. Os
Estados e os Territórios manterão em todos os municípios postos de Higiene
devidamente aparelhados para os serviços de higiene pré-natal e infantil,
devendo os municípios concorrer com uma quota determinada de sua
arrecadação anual para aplicação exclusiva a esses serviços
92
”.
Para os menores jovens a Conferência reflete a mesma postura
conservadora e disciplinadora abordada aqui, mais uma vez pronunciando-
se sobre os menores abandonados diferentemente dos menores trabalhadores.
Aos abandonados, geralmente postos na mesma categoria dos
delinqüentes/criminosos, a lei:
“É de absoluta e urgente necessidade a instituição em todos os
Estados do Brasil, de juízes encarregados dos menores de 18 anos,
abandonados ou delinqüentes, para aplicação das leis especiais e medidas
de assistência, guarda, vigilância, tutela, preservação, educação e reforma
de tais pessoas, e tudo o que interessa à vida e aos direitos individuais
delas
93
.
Aos trabalhadores, os conferencistas dedicam alguma proteção, desde
que se resguarde o interesse maior que é o da indústria. No item relativo à
fiscalização do trabalho de menores, a Conferência pede: que se estenda a
proteção dos trabalhadores de menor idade até os 18 anos; que se estabeleça
91
São Paulo na Conferência Nacional de Proteção à Infância – 1933. op.cit., p.15.
92
Ibid. loc.cit.
93
Ibid. op.cit., pp.19 e 22.(grifos nossos)
116
com caráter obrigatório, o curso de aprendizagem prévia para menores que
devam ser admitidos em fábricas ou em oficinas; que se proíbam aos jovens
operários todos os trabalhos que exijam grandes esforços corporais, que se
proíbam ainda as profissões em que a saúde deles possa ficar comprometida
por substâncias tóxicas ou materiais que desprendam muita poeira; enfim, que
se proíbam as profissões perigosas à vida ou à moralidade
94
.
No entanto, a Conferência, logo de início, ao se referir à
regulamentação do trabalho de menores, parte de um pressuposto que
compromete negativamente qualquer norma em favor da proteção deste tipo de
trabalho, pois afirma que a regulamentação deve “subordinar-se aos interesses
econômicos da indústria, do comércio e da agricultura, aos altos interesses da
formação física, moral e cultural do povo brasileiro
95
. Ora, subordinar a
regulamentação aos interesses econômicos das novas atividades industriais,
comerciais e da agricultura nada é mais do que atender prioritariamente a
interesses contrários aos desses trabalhadores.
Em síntese, quando se analisa o jovem pobre dos anos 1930, conclui-
se que não é a condição juvenil que lhe atribui visibilidade. Na verdade, mais
importante que o segmento eram seus atributos; ou seja, mais importante do
que ser menor era ser abandonado, delinqüente, trabalhador ou aluno
96
.
Por outro lado, que se notar uma visibilidade quantitativa da
situação de saúde do jovem ao término dos anos 1930, indicando a
precariedade da qualidade de vida deste, e também dos outros segmentos.
Nessa direção, os Anais do 2
O
Congresso Médico Paulista de 1945 pode ser
visto como um relatório indicativo da situação de saúde dos jovens moradores
da cidade de São Paulo no período. Com uma população então calculada em 1
94
Ibid. loc.cit.
95
Ibid. loc.cit.
96
A questão do aluno pensado em termos de saúde no Brasil é bem anterior à educação sanitária. A saúde
escolar foi implantada no Brasil pelo prefeito Pereira Passos em 31 de janeiro de 1903, como órgão da
Secretaria de Educação do antigo Distrito Federal. Desde então, a realização periódica de congressos e
jornadas acabou por cristalizar e definir seus objetivos e funções, culminando com a fundação de
associações de saúde escolar em diversos estados do país, a partir de 1968. Saúde Escolar é definida como
atividade médico-psico-pedagógica. A consecução de seus objetivos exige a atuação de equipe
multiprofissional, integrada por médicos, enfermeiros, psicólogos, odontólogos, orientadores
educacionais, assistentes sociais, dentre outros .In: Jornal de Pediatria 40(3-4): 109/115, 1975. Vale
observar que no município de São Paulo, a Saúde Escolar foi da responsabilidade da Secretaria Municipal
de Educação até a gestão da prefeita Luiza Erundina, quando foi entregue à Secretária de Saúde do
Município.
117
600 000 habitantes e assim distribuída: 270 000 em idade entre 0 e 2 anos
(sendo 100 000 com menos de 2 anos); 230 000 entre 8 e 14 anos (classificada
como “idade escolar”) e 1 100 000 com mais de 15 anos (classificada como
“idade adulta”), afirma o documento: “em resumo, finalmente, devem existir na
capital, arredondando-se os números: 300 tuberculosos de 0 a 2 anos, 2900 de
2 a 7
anos, 5 100 de 8 a 14 anos, 12 100 com mais de 15 anos
97
”.
Letícia Legay Vermelho
98
, em tese apresentada à Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de o Paulo, traz outros dados relevantes para a
visibilidade juvenil na relação vida versus morte de jovens. A autora mostra que
em 1930 o município de São Paulo contava com um total de 202 854 jovens na
faixa dos 15 aos 24 anos de idade. Desses, 1016 morreram na mesma década,
sendo 512 rapazes e 504 moças. Em 1940, o número total de jovens na
mesma faixa etária subiu para 278 789, dos quais morreram 1149 distribuídos
entre 588 moços e 561 moças.
Neste mesmo trabalho foram discutidas as causas das mortes de
jovens nas diferentes décadas, desde 1930 até 1991. A autora conclui que as
causas de maior incidência mudaram das doenças infecciosas, das quais a
tuberculose merece destaque, até 1950, para as causas externas, depois de
1960.
Por mais frágeis que fossem os estudos estatísticos da época, os
números, ainda que pouco refinados, apontam uma situação grave em termos
de saúde da população em geral e dos jovens em particular. Isto talvez
explique a idéia recorrente e presente nos estudos sobre a infância e a
juventude no sentido de reforçar a tese de que este segmento necessitava, à
época da república de Vargas, basicamente de alimentação e moradia
adequadas. Essa também era uma recomendação internacional presente nas
discussões das Assembléias da Sociedade das Nações:
“Dentre as questões sociais e humanitárias examinadas pela
Assembléia da Sociedade das Nações, os problemas da repressão ao tráfico
de mulheres e crianças, e da proteção à infância e juventude merecem
particular atenção (...). Relativamente aos esforços realizados, constatou-
se que o problema da habitação, tão importante para o desenvolvimento
97
Anais do Congresso Médico Paulista/ Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, volume.
São Paulo. Brasil, 1945, pp. 560-565.
98
VERMELHO, Letícia Legay . op.cit., pp.85-87.
118
físico e moral da infância, vem merecendo atenção de numerosos governos
(...). A Comissão para proteção da infância e juventude dispensou especial
interesse ao aspecto social do problema da alimentação, ligado
estreitamente ao da proteção à infância, visto como o conhecimento perfeito
dos princípios da alimentação é de importância capital para higiene e o bem-
estar da família
99
.
Casa, comida e roupa lavada. Era tudo de que necessitava uma
criança ou um jovem daquela época para viver bem, segundo a visão
dominante
100
. Educação formal, lazer, cultura, esportes, apenas por constar do
ideário do projeto nacional sem que ainda se tivessem concretizado em
políticas, já eram considerados avanços da nova era.
Por fim, vale a pena destacar mais dois aspectos levados em
consideração pelo saber e pela prática médica (e a educação que era pensada
e administrada em conjunto com a saúde) na constituição da categoria menor.
O primeiro deles relaciona-se ao fato de que, além de encontrar-se
amalgamado à infância, o menor também era parte quase que inseparável da
família; o outro, tem a ver com a diferença marcante que as ciências da saúde
estabeleciam no tratamento de rapazes e moças no que se refere à relação
entre suas características físicas e o desempenho de seus papéis sociais.
Em conferência proferida por ocasião do centenário do Colégio Pedro
II, em 2 de dezembro de 1937, o Ministro dos Negócios da Educação e Saúde
assim se refere à questão:
“Os poderes públicos devem ter em mira que a educação, tendo por
finalidade preparar o indivíduo para a vida moral, política e econômica da
nação, precisa considerar diversamente o homem e a mulher. Cumpre
reconhecer que no mundo moderno um e outro são chamados à mesma
quantidade de esforço pela obra comum, pois a mulher mostrou-se capaz de
tarefas as mais difíceis e penosas, outrora retiradas de sua participação. A
educação a ser dada aos dois há, porém, de diferir na medida em que
diferem os destinos que a Providência lhes deu. Assim, se o homem deve
ser preparado com têmpera de teor militar para os negócios e as lutas, a
educação feminina terá outra finalidade que é o preparo da vida do lar. A
família constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel é a base de nossa
organização social e por isto colocada sob a proteção especial do Estado.
Ora, é a mulher que funda e conserva a família, como é também por suas
99
Resumo Mensal dos Trabalhos da Sociedade das nações. N.10, out.1936. Da Comissão consultiva de
questões sociais. In: RAM- Revista do Arquivo Municipal, ano III, vol XXXI, jan.1937, pp.225-226.
100
A propósito, esta idéia ainda hoje sustenta os modos de pensar dominantes. Para confirmar isto, basta
ver como a freqüência à escola e a carteira de saúde atualizada das crianças e jovens de programas como
o Bolsa Família, ainda são tidos como aspectos secundários desses programas e, por isso, considerados de
difícil controle por parte do Estado.
119
mãos que a família se destrói. Ao Estado, pois, compete, na educação que
lhe ministra prepará-la conscientemente para esta grave missão
101
.
Baseado na crença de uma natureza feminina que dotaria a mulher
biologicamente para desempenhar as funções da esfera da vida privada, o
discurso reforça a idéia de que o lugar da mulher é o lar e sua função primeira
consiste em casar, gerar filhos para a pátria, sendo a única e exclusiva
responsável pelo sucesso ou “destruição” do futuro da “família” e,
indiretamente, da “pátria”.
Trata-se, na verdade, de um processo civilizador das relações
interpessoais a ser moldado conforme o padrão das elites abertamente
patriarcais e que deveria ser assimilado por todos e de todas as classes
sociais. A família era o centro desse sistema e deveria ser constituída por um
único principio de regulação e ordenação, o casamento. As camadas mais
baixas da população, vistas como um segmento de desordem do sistema
deviam ser educadas segundo os valores dominantes.
Os médicos, por sua vez, o economizaram conselhos no sentido de
definir as normas e as condições indispensáveis para o bom êxito do
casamento.
“(...) Alguns propósitos profiláticos deveriam ser disseminados com a
finalidade de instruir moças e rapazes a protestar contra a paixão infecunda,
indicativa de desordem, em favor do sereno e saudável amor conjugal. A
ordem era combater com ânimo a invasão impetuosa dos desejos para se
atingir a serenidade da existência, pois a saúde da alma dependia de uma
atenção vigilante pelo amor intenso. Ao mesmo tempo que atacavam a
exaltação da paixão romanesca, tais conselhos reforçavam a instituição
matrimonial. Mais do que estabelecer uma relação conjugal, o casamento
visava, ainda, instituir uma união cuja finalidade era não apenas generativa
mas a produção de uma prole legitima
102
No entanto, os padrões de modernidade burgueses foram absorvidos
de forma desigual em função das diferenças regionais e da situação de classe.
Entre as classes populares, as relações conjugais variavam do casamento
tradicional às relações consensuais, e as mulheres, muitas vezes, não
101
CAPANEMA, Gustavo. “Conferência proferida por ocasião do centenário do Colégio Pedro II, 2 de
dezembro de 1937.GC/Capanema, Gustavo, 02.12.37, série pi, IN: SCHWARTZMAN,S et al. op.cit., p.
123.
102
MALUF, Marina & MOTT, Maria Lúcia. ”Recônditos do Mundo Feminino”, In: SEVCENKO, N,
(org), História da Vida Privada no Brasil. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo,
Companhia das Letras, 1998, p.388.
120
contavam com a presença masculina efetiva em casa, ou conviviam com
companheiros que não tinham trabalho efetivo ou regular. Para prover a própria
subsistência e a da família tinham que cuidar dos afazeres domésticos, dos
filhos e desempenhar várias atividades, muitas delas constituídas de trabalhos
pesados e desgastantes. Ao contrário do que preconizavam os conselhos
médicos, entre as mulheres das camadas populares não havia uma idade ideal
para casar e ter filhos; por isso, muitas delas acabavam sendo mães ainda em
idade de crescimento biológico
103
sem suporte algum dos serviços públicos de
saúde.
Deste emaranhado de visões, discursos e práticas médicas sobre o
menor pobre emerge um fio condutor comum que o caracteriza ora como
adulto apto para o trabalho, e de quem se devem exigir condutas adequadas
segundo os padrões dominantes para o exercício da paternidade e da
maternidade em família por meio do matrimônio; ora como um futuro criminoso
que deve ser enclausurado até que adquira (“se isto de fato puder ocorrer”) as
condições mínimas para tornar-se o futuro adulto que acabamos de descrever.
Ninguém se refere à importância de que ele brinque, estude até o grau mais
avançado que o sistema de ensino vigente oferece, divirta-se, produza e
usufrua cultura, tenha saúde para viver nas mesmas condições que seus pares
de condições sociais mais privilegiadas.
Tudo isso fica para os jovens, esses sim, jovens, das camadas sociais
mais altas como bem relembra Paul Singer referindo-se pouco tempo, à sua
própria geração nascida “entre os anos 1928 e 1936”:
Felizes aqueles tempos’, poderiam pensar alguns dos jovens de
hoje, mas é bom que não se fiem nos velhinhos, que sentem saudades de
sua juventude. Havia de fato muito otimismo (...). Uma minoria em evidência
enriquecia, ou pelo menos prosperava; outra minoria, oculta, estava
relegada a empregos ou ofícios malpagos e a maioria jazia no mesmo
abandono em que estava vegetando, diríamos, havia séculos
104
.
103
É bom que se diga que a gravidez em idade precoce nas classes populares é ainda hoje uma questão
relevante. Ficar grávida, ou no caso do rapaz, ser pai, pode representar a conquista de uma certa
respeitabilidade entre os mais próximos. .Para uma discussão mais detalhada sobre este significado ver:
ADORNO, R de C. F.; ALVARENGA, A.T & VASCONCELLOS, M da P. C.(orgs) Jovens,
Trajetórias, Masculinidades e Direitos. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2005.
104
SINGER, Paul. “A juventude como coorte: uma geração em tempos de crise social”. In: H.W.Abramo
e P.P.M. Branco (orgs). Retratos da Juventude Brasileira. Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo:
Perseu Abramo, 2005, p.28.
121
Nesse contexto dos anos 1930/40, de confluência de velhas
concepções sobre os menores e de novas maneiras de pensá-los que, por
serem novas não eram menos pautadas por relações de poder e idéias pré-
concebidas sobre este segmento, a figura de Mário de Andrade, seu modo de
ver as crianças e os jovens pobres, bem como as propostas que viabilizou para
esses dois grupos junto ao departamento Municipal de Cultura são, sem dúvida
alguma, um divisor de águas no tratamento dessas questões.
Mário de Andrade via nas crianças seres humanos em
desenvolvimento que precisavam fundamentalmente realizar aquilo que sua
fase de vida exige, isto é, brincar, vivenciar o prazer pelo prazer, produzir e
assimilar cultura para se tornarem sujeitos plenos. rio o se preocupou em
criar novas palavras. Antes disso, valeu-se do vocabulário do povo. Por isso, os
escritos de Mário o são fartos de termos como juventude, menor, cidadão,
cidadania, políticas públicas e democracia. Porém, seu empreendimento no
DMC possibilitou o acesso dos menos favorecidos a equipamentos nos quais
os operários e seus filhos puderam, ainda que por pouco tempo, pois Mário
foi “atropelado” pelos vícios da política institucional exercitar seus valores
fundamentais no plano afetivo, prazeroso, intelectual e artístico-cultural.
É da atuação de Mário de Andrade junto aos jovens por meio de suas
criações no DMC que passaremos a tratar. Em boa parte de seus escritos,
Mário chamou os jovens de moços. Neste trabalho vamos chamá-los
indistintamente de crianças, adolescentes, jovens ou moços.
A decisão de assim denominá-los exige que adentremos um conjunto
de questões tão atuais quanto ainda sem resposta, ligadas às diferentes áreas
do conhecimento que se ocupam da infância, da adolescência e da juventude.
De fato, tanto para a psicologia como para as ciências sociais e outras áreas
das humanidades, o que, por ora, é dado como certo é que a infância constitui
o primeiro ciclo da vida
105
, e que, passada uma fase intermediária, o indivíduo
atinge a vida adulta.
Em todas as leituras relativas aos ciclos vitais, a faixa etária é um dado
primeiro e relevante às explicações subseqüentes. Neste sentido, pode-se
105
A própria idéia de ciclo da vida faz parte de um enfoque relativo ao tratamento teórico da infância,
adolescência e juventude.
122
afirmar que a idéia de que a infância começa nos primeiros anos da vida tem
sido mais explorada, em termos analíticos, se comparada à questão de se
saber quando termina a infância e como se define(m) a fase ou as fases
posteriores do ciclo vital até o início da vida adulta. Hoje, especialmente nos
paises ibero-americanos
106
, esta é uma questão posta nas pautas da academia
e dos governos. Os governos porque precisam de conceitos e definições sobre
adolescência e juventude, a fim de decidir sobre a necessidade de políticas em
favor destes segmentos; a academia porque é sua tarefa criar as ferramentas
teóricas que possam orientar as decisões políticas. Esta discussão vai desde
concepções diversas entre as ciências a psicologia e as ciências sociais,
entre e outras
107
sobre as noções de criança e, de modo especial, de
adolescente e de jovem até a diversidade de emprego destas noções no
interior das próprias disciplinas, como é o caso da psicologia geral que trabalha
com a idéia de adolescência enquanto a psicologia social e a do
desenvolvimento tendem a empregar a noção de juventude.
Nossa tese quer afirmar que Mário de Andrade, no DMC, propôs uma
política pública de educação para a saúde tanto das crianças, portanto uma
política pública para a infância, como para aqueles que tinham ultrapassado
a fase da infância embora ainda não tivessem adquirido o estatuto de adulto.
Hoje eles seriam denominados adolescentes ou jovens? Como sustentar que
podemos localizá-los na faixa etária de 12 a 21 anos tal qual dissemos no início
deste capítulo?
Em outras palavras como defender a idéia de que o DMC, na gestão
Mário de Andrade, reconheceu o segmento etário de 12 a 21 anos como um
grupo diferenciado para quem o poder público deveria oferecer alternativas
diferenciadas de lazer, esporte e cultura?
Pensamos que argumentar nesta direção implica buscar as tendências
universais sobre o tema. Assim, no Brasil de hoje, a tendência é a de chamar
de juventude o interstício entre o final da infância e o início vida adulta,
subdividindo-a em: adolescência, que corresponde à primeira fase da
106
Ver Relatório CEPAL/OU, p.290. In: FREITAS, Maria Virginia (org). Juventude e Adolescência no Brasil: referencias
conceituais. São Paulo: Ação Educativa. www.acaoeducativa.org. Consulta realizada em 8/10/2008.
107
É comum o argumento de que a psicologia usa a noção de adolescência, e a sociologia e antropologia, usam a
noção de juventude ao se referirem ao mesmo segmento etário, sócio-histórico ou sociocultural.
123
juventude, compreendida entre os 12 e os 17 anos, e juventude ou jovem
adulto, compreendendo a fase posterior da trajetória de inserção na vida
adulta
108
.
Entretanto, devido à fluidez destas noções, é preciso encontrar outros
aspectos universais definidores da adolescência e da juventude. León (2004)
encontrou em Florenzano e Moreno argumentos elucidativos destas noções:
“Levando em consideração as diferentes concepções que podem
existir em torno da adolescência clássicas e contemporâneas —, podemos
encontrar alguns traços freqüentes, seja do ponto de vista biológico e
fisiológico, ou do desenvolvimento físico. Durante a adolescência alcança-se a
etapa final do crescimento, com o começo da capacidade de reprodução,
podendo dizer-se que a adolescência se estende desde a puberdade até o
desenvolvimento da maturidade reprodutiva completa. Não se completa a
adolescência até que todas as estruturas e processos necessários para a
fertilização, concepção, gestação e lactação não tenham terminado de
amadurecer (Florenzano,1997). Do ponto de vista do conhecimento cognitivo
ou intelectual (Moreno e Barrio, 2000), a adolescência caracteriza-se pela
aparição de profundas mudanças qualitativas na estrutura do pensamento.
Piaget denomina esse processo de período das operações formais, onde a
atuação intelectual do adolescente se aproxima cada vez mais do modelo do
tipo científico e lógico. Junto com o desenvolvimento cognitivo, começa na
adolescência a configuração de um raciocínio social, sendo importantes os
processos identitários individuais, coletivos e sociais, os quais contribuem na
compreensão de nós mesmos, as relações interpessoais, as instituições e
costumes sociais; onde o raciocínio social do adolescente se vincula com o
conhecimento do eu e os outros, a aquisição das habilidades sociais, o
conhecimento e a aceitação/negação dos princípios da ordem social, e com a
aquisição e o desenvolvimento moral dos adolescentes” (LEÓN, 2004, p.11;
grifos nossos).
Por outro lado, Vygotsky
109
acrescenta ao pensamento de Piaget a
idéia de que o processo de individuação se faz pela relação que o sujeito
estabelece de forma dinâmica (e dialética) com o meio sociocultural. Por
108
Oscar Dávila León cita uma parte do Relatório CEPAL/OU que vale a pena reproduzir aqui, a fim de que tenhamos
clareza sobre a variação das faixas etárias de adolescentes e jovens em diferentes países: “Enquanto categoria etária,
que também é válida primariamente para a adolescência, podem ser feitas algumas considerações e precisões de
acordo com os contextos sociais e as finalidades com que se deseja utilizar esta dimensão sociodemográfica.
Convencionalmente, tem-se utilizado a faixa etária entre os 12 e 18 anos para designar a adolescência; e para a
juventude, aproximadamente entre os 15 e 29 anos. Inclusive para o caso de designar o período juvenil, em
determinados contextos e por usos instrumentais associados, este se amplia para baixo e para cima, podendo
estender-se entre uma faixa máxima desde os 12 aos 35 anos, como se constata em algumas formulações de políticas
públicas dirigidas ao setor juvenil, como no caso de Costa Rica em sua “Política Pública da Pessoa Jovem”. Inclusive e
devido a uma necessidade de contar com definições operacionais como referentes programáticos no campo das
políticas de adolescência e juventude, nos países ibero-americanos verifica-se uma grande diferença nas faixas
etárias. Por exemplo, entre 7 e 18, anos em El Salvador; entre 12 e 26 anos na Colômbia; entre 12 e 35 na Costa Rica;
entre 12 e 29 no México; entre 14 e 30 na Argentina; entre 15 e 24 na Bolívia, Equador, Peru, República Dominicana;
entre 15 e 25 na Guatemala e em Portugal; entre 15 e 29 no Chile, Cuba, Espanha, Panamá e Paraguai; entre os 18 e
30 na Nicarágua; e em Honduras, a população jovem corresponde aos menores de 25 anos (CEPAL ou OU, 2004:
290-291).
109
Cf: REGO, Teresa Cristina. VYGOTSKY – Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1995, p.56-60 e 75-77.
124
isso, o desenvolvimento humano não é um processo previsível, universal, linear
ou gradual. Ele parte do pressuposto de que as características individuais se
formam a partir da constante interação com o meio, isto é, com o mundo físico
e social, que inclui as dimensões interpessoal e cultural.
Nosso ponto de vista para a elaboração deste trabalho contempla a
universalidade do período das operações formais de Piaget e o processo de
individuação de Vigostsky na constituição da adolescência e da juventude.
Portanto, se os estudos sobre infância, adolescência e juventude afirmam que
o período das operações formais começa a se formar na faixa aproximada dos
10, 12 anos em termos universais; e, se as condições de prontidão para este
período dependem da relação que o sujeito estabelece com o meio, como
afirmou Vigotsky, parece possível confirmar, em nosso estudo, que os sujeitos
que freqüentavam os equipamentos do DMC na faixa etária entre 12 e 21 anos
(vamos lembrar que esta segmentação está posta nos documentos
consultados) podiam mesmo ser chamados de crianças, adolescentes, rapazes
ou moços. Afinal, a maioria havia terminado a primeira etapa do primeiro
grau de ensino, participava de jogos apropriados a um grau de maturidade
superior (esgrima, pugilismo, etc.), nos Clubes de Menores Operários, muitos já
trabalhavam, mas cada um estabelecia uma relação com o meio, internalizando
as formas socioculturais a seu modo, transformando-as a seu tempo, de forma
a intervir no meio em que viviam. Constituíam, neste sentido, um grupo com
características físicas (ver foto exame médico, capítulo IV), mentais (ver fotos
de atividades desenvolvidas nos Clubes de Menores Operários e análise de
Mário de Andrade das perguntas sobre visita em museus de arte que os
rapazes fizeram por meio dos Clubes, no capítulo IV) e sociais (consultar
diversões, saídas e atividades propostas para a mesma faixa em programa de
concurso para instrutor, capítulo III e fotos do capítulo IV) diferenciadas das
crianças de menos de 11 anos.
Há ainda o argumento legal. Se hoje há no Brasil um documento
específico sobre quem deve ser considerado adolescente e criança
110
, e quais
são seus direitos e deveres, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que
110
Artigo 2º: Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e
adolescente aquele entre 12(doze) e 18 (dezoito) anos de idade. In: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069, de 13-7-1990).
125
surgiu em decorrência da Constituição Feral de 1988; nos anos 1930, o Código
Civil de 1916 era o único documento mais geral relativo às faixas etárias e suas
condições perante a lei. Este Código considerava 21 anos a idade mínima para
o exercício total dos atos civis:
“Artigo 5º: são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente
os atos da vida civil: 1) os menores de 16 anos;
Artigo 6º: São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira
de os exercer: 1) os maiores de 16 anos e os menores de 21 anos”
111
.
Tendo em vista estas considerações, pensamos que os usuários dos
equipamentos do DMC, que elegemos como os objetos de análise do capítulo
II, podem ser denominados tal qual Mário os chamava: crianças (12 anos é a
idade limite do início do período da operações lógicas), rapazes e
moças/moços (embora arcassem com a responsabilidade do trabalho que
lhes tomava boa parte do tempo livre como veremos adiante, o era somente
a vida laboral que os definia como indivíduos).
111
Código Civil Brasileiro de 1916, Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916), p.11/12.
126
Capítulo III
O Departamento Municipal de Cultura e a Educação Para a Saúde dos
Adolescentes e Jovens Pobres da cidade de São Paulo
1. Departamento Municipal de Cultura: origem e formação
Foi na gestão do prefeito Fábio Prado
112
(setembro de 1934 a abril de
1938) que o DMC foi criado pelo Ato n. 861, de 30 de maio de 1935. A idéia
inicial era a de que este Departamento se transformasse posteriormente no
Instituto Paulista de Cultura que, por sua vez, seria ampliado em termos
nacionais, quando Armando de Sales Oliveira assumisse a presidência da
República como era o desejo de parte da burguesia e de um grupo de
intelectuais de São Paulo:
“(...) o DMC era o germe do Instituto Brasileiro de Cultura. Primeiro,
um Instituto Paulista, que Armando Sales no Governo nos garantira. Para
isso o projeto do DMC do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo, lá
estava na Assembléia Legislativa, ladrado embora pela cachorrada solta do
despeito e da incompreensão. Depois, com Armando Sales na Presidência
da República, seria o Instituto Brasileiro, uma grande fundação libertada da
influência política, com sede no Rio, inicialmente instalado, além do de São
Paulo, paradigma, outros núcleos em Minas, no Rio Grande do Sul, na
Bahia, em Pernambuco e no Ceará. Tivéramos uma idéia genial que
Armando Sales aprovou: os Institutos de Cultura assistiriam com
assiduidade todas as grandes cidades, com a colaboração da Universidade,
porque, não comportando evidentemente essas cidades uma Faculdade,
teriam contato íntimo com esta, através de conferências, cursos, teatro,
concertos etc. Quanta bobagem ‘deliciosa’” (Duarte, 1971, p 55).
Na verdade, esta era uma idéia de muito debatida entre um grupo
de amigos
113
que se reunia quase que diariamente no apartamento de Paulo
Duarte
114
no centro de São Paulo, como ele mesmo relata:
112
Fábio Prado foi nomeado prefeito da cidade de São Paulo pelo interventor federal no Estado, Armando
de Sales Oliveira. Paulo Duarte referiu-se ao prefeito dizendo nunca ter visto “homem de negócios nem
homem rico mais acessível às coisas inteligentes”. Cf: DUARTE, P. op.cit., 1971, p.75.
113
Paulo Duarte, Júlio de Mesquita Filho, Henrique da Rocha Lima, Paulo Barbosa de Campos Filho,
Fernando de Azevedo, Sérgio Milliet, André Dreyfus e Mário de Andrade eram os componentes desse
grupo.
127
“(...) um de nós quem poderá saber qual (...) falou na
perpetuação daquela roda numa organização brasileira de estilos de coisas
brasileiras e de sonhos brasileiros. Mas cadê dinheiro? O nosso capital eram
sonhos, mocidade e coragem. Havia quem conhecesse uns homens ricos de
São Paulo. Mas homem rico não dinheiro para essas loucuras. Quando
muito deixa para a Santa Casa. Caridade espiritual, jamais. Que testamento
pinchou legado para uma universidade ou para uma biblioteca? A nossa
gente ainda está no paleolítico da caridade física. À vista de tantos
argumentos, ficou decidido que um dia seríamos governo. Só para fazer tudo
aquilo com o dinheiro do governo” (Duarte, op.cit, p.50).
Por isso quando, em 1935, Fábio Prado assumiu a prefeitura
paulistana, e convidou Paulo Duarte para exercer a função de chefe de
gabinete, parecia que havia chegado o momento da realização do sonho. O
espaço político que o prefeito abriu ao grupo de intelectuais resultou na
junção de interesses que, embora diversos, acabaram proporcionando ações
políticas de cunho democrático concordes com o clima político reinante à
época tanto em termos nacionais quanto mundiais. Esses interesses eram
representados de um lado pelos intelectuais que, desde a Semana de Arte
Moderna de 1922, viam no prefeito um homem sensível às questões sociais
e culturais, oferecendo-lhes uma possibilidade de colocar em prática os
ideais de valorização da cultura nacional; e, de outro, pela burguesia
ilustrada cujo principal objetivo era o de construir um novo projeto de
dominação social tendo a cultura como meio de ascender ao poder político.
Conforme afirmava o próprio prefeito Fábio Prado, representando as
intenções dessa burguesia, a “caridade espiritual” deveria preocupar os
detentores do poder público tanto quanto a “caridade física”. Ao referir-se à
“caridade espiritual”, o prefeito referia-se à cultura.
Vale dizer que a aproximação entre a burguesia ilustrada paulista e os
intelectuais ocorreu também no Partido Democrático
115
criado em 1926 que
114
Paulo Duarte foi chefe de gabinete do prefeito Fábio Prado. Antônio Cândido, no prefácio do livro de
Paulo Duarte já referido aqui afirma: “(...) Assim temos o jovem Paulo Duarte de 1922, alheio ao
movimento literário de vanguarda, e mesmo pouco simpático aos modernistas que atacavam seu mestre
Amadeu Amaral (parnasianista/conservador); mas trazendo incrustadas no espírito certas componentes
que dali a pouco iriam convergir com as deles (...)”. (apud DUARTE 1971, p.XV)
4 Sobre o Partido Democrático surgido de uma dissidência do P.R.P - afirma Antonio Candido:” (...)
foi ao mesmo tempo mais reacionário e mais avançado que o velho Partido Republicano Paulista, que
mandava no Estado e movia a máquina político-administrativa. Pois havia nele tanto os oligarcas mais
coerentes e empedernidos, mais aferrados aos elementos conservadores da vida econômica e social,
quanto elementos radicais, como ala de Marrey Júnior, precursora do populismo (...) agora nos interessa:
a formação dentro ou na periferia do PD, de uma espécie de esquerda moderada, que se manifestou
128
tinha entre seus fundadores o próprio Fábio Prado. Essa aproximação
intelectual harmoniosa que Antonio Candido confirmou ter sido propiciada por
circunstâncias “em parte de natureza política” (referindo-se à relação intelectual
estabelecida entre Paulo Duarte e Mário de Andrade, o primeiro filiado ao
partido e o segundo colaborador juntamente com outros intelectuais do jornal
da agremiação) “criou algumas condições favoráveis para tal encontro e suas
conseqüências através de órgãos como o Diário Nacional e uma certa
camaradagem oposicionista entre tantos moços (DUARTE, 1971, p.XV).
Ter criado “algumas condições favoráveis” e propiciado “uma certa
camaradagem oposicionista entre tantos moços” foi o que representou esse partido para
grande parte dos intelectuais que dele se aproximaram, sem no entanto terem se
enredado nas questões de política partidária que os levassem exclusivamente à busca do
poder; ao contrário, sempre mantiveram um distanciamento crítico frente a esses
assuntos. Da parte deles, salvo raras exceções e, especialmente da parte de Mário de
Andrade que vai ocupar no DMC uma posição de destaque, a intenção não era a de
fazer política no sentido profissional. Por isso, eles eram ciosos de sua liberdade, o que
lhes garantia discordar da política instituída e explicitar essa discordância, inclusive
com os modos de fazer política, como fizeram muitos deles, por exemplo, com o
movimento paulista de 1932
116
que haviam apoiado inicialmente. No caso de Mário de
sobretudo como arrojada vanguarda cultural. Enquanto no campo propriamente político seguiam apenas
mais ou menos, ou de todo mais avançadas, que depois, quando a gente do partido chegou ao poder sob
outros rótulos, resultariam na política de democratização (...). Segundo Lévi-Strauss, em Tristes Trópicos,
a oligarquia estava criando uma cultura ornamental para reforçar o seu brilho e formar quadros ajustados
aos seus propósitos. Mas (diz Lévi-Strauss) o que fez foi promover o recrutamento de jovens das camadas
médias, que mais tarde iriam desenvolver, para sua decepção magoada, não a justificação, mas a crítica
dos fundamentos do seu poder (...) Neste quadro (dizemos agora nós), o grupo que se poderia chamar de
esquerda moderada dos intelectuais mais ou menos ligados ao Partido Democrático sentiu melhor a
situação; e, não apenas, em alguns casos, evoluiu para posições mais radicais, como, em seu terreno
específico, o da cultura, não visou à elite, mas a maioria. Foi este, a meu ver, o timbre da iniciativa de
Paulo Duarte, o DC, junto com MA, Sérgio Milliet e outros. Curioso, este caso de vanguarda político-
eleitoral à sombra de uma situação oligárquica, que a aceitou e a apoiou” (prefácio de Antonio Candido,
In: DUARTE, P. 1971, op.cit., XVI.
5 A título de ilustração, vejamos como Mário de Andrade se posicionava frente à figura de Getúlio
Vargas com as ferramentas da literatura, por ocasião do Movimento Constitucionalista de 1932 que
apoiou, como sempre manifestando suas posições de certas reservas quanto ao desenvolvimento da
revolução. Em Crônicas no Diário Nacional, sob o título de FOLCLORE DA CONSTITUIÇÃO II e
subtítulo Covardia ou Literatura, Mário diz: “Minha opinião é que devemos combater o Getúlio, mas nos
conservando no terreno das idéias elevadas. Eu até fiz uma poesia pros senhores imprimirem. Basta citar
esta quadra da poesia:
E causa mesmo espanto, esse tirano louco
O cínico imbecil, odioso e salafrário,
Que a todos despistou, passando-nos a pouco
129
Andrade, sua divergência do partido é mais estrutural que conjuntural. Ele era um
homem interessado nas questões do povo, não um fazedor de política. Por isso têm
razão, VELOSO & MADEIRA quando o interpretam como um ator que encarna e
personifica a figura do homem público” pela luta que realizou para construir e
implementar um projeto coletivo de alcance nacional, perseguindo sua missão de fazer
do brasileiro um cidadão consciente e participante da construção da nação (VELOSO e
MADEIRA, 2000, p.112).
Em síntese, este grupo de intelectuais, de modo geral, não se curvava
a nenhum obstáculo que os pudesse impedir de serem partícipes ativos da
mudança
117
por que passava o país. De fato, o Brasil passava por
transformações significativas que envolviam desde a criação de instituições
canalizadoras de muitas das conquistas do movimento de trabalhadores dos
anos 20 até a incorporação de um novo modo de pensar que adquiriu força a
partir de 1930: uma radicalização em termos de desvendar cada vez mais as
contradições entre as formulações idealistas sobre os bens sociais e culturais e
a violenta realidade de seus usos restritos. Os intelectuais do DMC levaram a
sério esse novo modo de ver, transformando-o, na medida do possível, em
políticas de educação, saúde e cultura abertas a todos, mas especialmente,
O mais original dos contos do vigário”. ANDRADE, Mário. Folclore da Constituição II: Covardia ou
Literatura. In: Mário de Andrade (1893-1945). Táxi e Crônicas no Diário Nacional; estabelecimento de
texto, introdução e notas de Telê Ancona Lopez. São Paulo: Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência
e Tecnologia, 1976, p.553.
117
Sobre essa mudança vale a pena relembrar um fragmento de Antonio Candido em A Revolução de
1930 e a Cultura: “Quem viveu nos anos 30 sabe qual foi a atmosfera de fervor que os caracterizou no
plano da cultura, sem falar de outros. O movimento de outubro não foi um começo absoluto nem uma
causa primeira e mecânica, porque na História o dessas coisas. Mas foi um eixo e um catalisador:
um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasileira, catalisando elementos dispersos para
dispô-los numa configuração nova. Neste sentido foi um marco histórico, daqueles que fazem sentir
vivamente que houve um ‘antes’ diferente de um depois’. Em grande parte porque gerou um movimento
de unificação cultural, projetando na escala da Nação fatos que antes ocorriam no âmbito das regiões. A
este aspecto integrador é preciso juntar outro, igualmente importante: o surgimento de condições para
realizar, difundir e normalizar’ uma série de aspirações, inovações, pressentimentos gerados no decênio
de 1920, que tinha sido uma sementeira de grandes mudanças. Com efeito, os fermentos de transformação
claros nos anos 20, quando muitos deles se definiram e manifestaram. Mas como fenômenos isolados,
parecendo arbitrários e sem necessidade real, vistos pela maioria da opinião com desconfiança e mesmo
ânimo agressivo. Depois de 1930 eles se tornaram até certo ponto ‘normais’, como fatos de cultura com
os quais a sociedade aprende s conviver e, em muitos casos, passa a aceitar e apreciar. Pode-se dizer,
portanto, que sofreram um processo de ‘rotinização’, mais ou menos no sentido em que Max Weber usou
esta palavra para estudar as transformações do carisma. Não se pode, é claro, falar em socialização ou
coletivização da cultura artística e intelectual, porque no Brasil as suas manifestações em vel erudito
são tão restritas quantitativamente que vão pouco além da pequena minoria que as pode fruir. Mas,
levando em conta esta contingência, devida ao desnível de uma sociedade terrivelmente espoliadora, não
há dúvida que depois de 1930 houve alargamento de participação dentro do âmbito existente, que por sua
vez se ampliou”. CANDIDO, A. “A Revolução de 1930 e a Cultura”.In: Antonio Candido. A Educação
pela Noite & Outros Ensaios, 2ª ed., São Paulo:: Editora Ática, 1989, p. 181-2.
130
aos menos favorecidos. Portanto, reiteramos que o grupo de Mário de Andrade
não estava interessado na política partidária; posicionava-se, no que diz
respeito à maioria de seus participantes com destaque para o próprio Mário, no
máximo como simpatizante e ao mesmo tempo crítico do comunismo
118
; e tinha
muitas dúvidas quanto a aderir à ideologia marxista. Mas, por outro lado,
evidenciava uma certeza muito grande de que os bens sócio-culturais deveriam
ser usufruídos pelos pobres. Uma carta de Mário endereçada a Murilo Miranda,
de 11 de novembro de 1936 é elucidativa de seu posicionamento político e das
razões que o levaram a assumir o DMC:
“(...) Não sei mais, não me lembro, até que ponto, no início da nossa
amizade, eu esclareci pra você a minha situação em face dos problemas
sociais da época. Talvez o esclarecesse muito, como o fiz francamente
com o Carlos Lacerda, porque também naquele tempo, a sua atitude, a
atitude de vocês, não estava com a plebe, plenamente definida. Mas eu
creio que estava suficientemente definido que, apesar das francas simpatias,
eu guardava comigo certas convicções que tornavam absolutamente
impossível uma adesão sem reservas à ideologia marxista e conseqüente
mergulho no Comunismo. Jamais não tomei compromisso nenhum, e nem
principalmente prometi uma futura adesão. E isso é tanto mais leal, que sei
que o Comunismo de vir. E também você sabe, você sabe muito bem,
Murilo, o que significou pra mim a minha ... adesão ao Departamento de
Cultura. Me lembro perfeitamente bem que disse também pra você que
encarava isso como um suicídio (...) porque não podia agüentar mais ser um
escritor sem definição política. O Departamento vinha me tirar do impasse
asfixiante, ao mesmo tempo que dava ao escritor suicidado uma
continuidade objetiva à sua “arte de ação” pela arte de agir. Me embebedar
de ações, de iniciativas, de trabalhos objetivos, de luta pela cultura.
Certamente o posso encarar isso como uma perfeição do meu interior.
Mas também o posso chamar de covardia o que é uma absoluta
impossibilidade. Mas era sempre me conservar utilitário, dando uma
pacificação às minhas exigências morais de escritor, pois tirava o escritor de
foco, botando o foco no funcionário que surgia. Me suicidei sim porque tinha
medo de mim mesmo. Tinha medo que, desarvorado, enfraquecido de
minhas forças intelectuais e morais, na estragosa luta interior em que vivia,
eu me entregasse enceguecidamente a uma qualquer ideologia social.
Logicamente seria ao Comunismo que tinha todas as minhas simpatias,
quando de-fato não podia ser comunista pela minha inatividade política e
pelas minhas convicções. Mas me entregava a ele pra sossegar. Pra me
inutilizar em tudo o que de melhor faz a grandeza moral dum ser humano. E
isso era simplesmente uma infâmia. Era adesismo do mais interesseiro, do
mais egoísta, do mais covarde. Aderia como muitos indivíduos que vão pra
guerra, pra não estarem mais pensando se devem ou não ir pra guerra.
118
Para uma idéia aproximada desta posição de Mário de Andrade ver: “Comunismo”, crônica publicada
no Diário Nacional de 30 de novembro de 1930, In: Mário de Andrade Táxi e Crônicas no Diário
Nacional, op.cit, p.281 e ss.
131
Foi quando me propuseram o Departamento de C. Percebi a possibilidade
dum suicídio satisfatório e me suicidei. Eis aí o que tem sido a minha
existência será talvez vaidade contar. Esta luta, estes sacrifícios, estas
paixões novas, esta invenção de subterfúgios, estas esperanças, estas
conquistas, estas vitórias, estas desilusões, este turbilhão ensurdecedor,
embebedador, dionisíaco, estupendo, sublime. Venha ver companheiro,
venha principalmente saber, que é uma história de vários volumes. Haverá
(e com razão?) os que esperam tempo mais deles, pra construir. Há também
os que se utilizam do tempo presente pra construir coisas que poderão
perdurar nalgum tempo melhor. Mas talvez até vocês desejassem que estes
não construíssem, na ilusão de que assim se apressava o tempo milhor que
de vir. É engano, Murilo. O tempo milhor que vocês querem não depende
disso não. Depende apenas daquela força audaz duns poucos que
encontrando o momento propício farão o tempo milhor chegar. E as classes
temíveis, aqueles por quem especialmente trabalho, os estudantes, os
artistas, os operários, as crianças, esses aderirão sem a menor reserva, sem
a menor saudade, sem a menor gratidão. Não creio que vocês possam me
rebaixar tanto a imaginarem de mim que faço o que faço, é na esperança de
salvar a pele pela gratidão dos beneficiados, quando o tempo terrível da
mudança chegar. Tem gente assim, que está se arranjando pra
eventualidade duma chegada brusca do milhor tempo... Comigo não, violão.
Conheço suficientemente a psicologia das multidões, pra não me iludir tão
puerilmente assim (...)” (ANDRADE, Mário, 1981, pp.39-40).
Esta carta dispensa comentários. É ilustrativa de como o DMC não
estava baseado em nenhum projeto marxista/comunista que pudesse pôr em
risco os interesses da burguesia. Tratava-se sim, de uma proposta moderna,
liberal, na qual os trabalhadores eram pensados e tratados enquanto
portadores de direitos e como construtores ativos da cultura nacional. No
entanto, os detentores do poder interceptaram a continuidade da proposta,
como adiante se verá, por temerem (com razão, é o que pensamos e
desejaríamos que tivesse acontecido) que ações como essas pudessem, de
fato, desencadear da parte dos trabalhadores um processo de tomada de
consciência de seus interesses e direitos, no mínimo questionadores, a dio
e longo prazo, dos interesses da burguesia dominante.
Dentre os modernistas que participaram do DMC estão: Mário de
Andrade, Tácito de Almeida, Sérgio Milliet, Antonio Carlos Couto de Barros e
Rubens Borba de Morais. Mário de Andrade, um dos principais líderes da
Semana de Arte Moderna, assumiu a direção do DMC por indicação de Paulo
Duarte. A atuação de Mário foi de fundamental importância para a construção e
execução deste projeto de governo destinado à cultura, à saúde e ao lazer dos
habitantes da cidade de São Paulo, especialmente daqueles que tinham sido
132
alvo, até então, de ações públicas episódicas e focadas no controle – os
operários e seus filhos. É o próprio Paulo Duarte quem confirma a importância
e o envolvimento de Mário no projeto:
“E o DMC não teve até hoje quem pudesse gritar em miúdo o que foi
o trabalho e o sacrifício de MA (...) o seu papel na construção ou, melhor, no
lançamento dos verdadeiros alicerces culturais de um país que durante os
primeiros anos, a partir de 1934, se havia resolvido a ser grande
culturalmente, como o era, e, por milagre, ainda o é geograficamente (...)
Porque para dirigir uma instituição dessa categoria, difícil de ser
compreendida num meio ainda pouco permeável à verdadeira cultura,
precisava ser o que Mário de Andrade foi, isto é, um homem que, pela obra,
abandonasse tudo. Deixasse de ser artista, deixasse de ser escritor,
deixasse de ser jornalista, deixasse de ser professor. Era preciso ser
DMC de Cultura, tomando-se não como um bico a mais, não como um
degrau para arranjos melhor retribuídos, tomando-o como finalidade no seu
verdadeiro sentido filosófico de causa final. Era preciso apaixonar-se pelo
DC, entregar-se inteiramente a ele, num amor de instinto de perpetuação da
espécie cultural, capaz de morrer pelo amor, como MA morreu pelo
DC”(Duarte, 1971, op.cit., pp 59, .143-144).
O DMC, estruturado pelo ato 1146 de 1936, organizou-se em cinco
divisões: Expansão Cultural, Bibliotecas, Educação e Recreio, Documentação
Histórica e Social, Turismo e Divertimentos Públicos. Em todas as divisões, a
educação para a saúde, mesmo que sem esta denominação, mas, tal como a
formulamos no capítulo I esteve presente como um dos mais importantes
objetivos do projeto político do DMC. Isso se comprova, selecionando de cada
uma das divisões, as competências mais relacionadas à educação para a
saúde do ponto de vista que defendemos neste trabalho. Assim, na divisão de
Expansão Cultural é possível destacar:
“Promover e estimular iniciativas que favoreçam o movimento
cultural e educacional; estimular o cinema popular educativo, pedagógico ou
escolar; adotar medidas legislativas da alçada municipal tendentes à
repressão das produções cinematográficas, teatrais ou impressas ofensivas
à moral ou anti-educacionais que violassem texto expresso de lei ou fossem
perniciosas à infância e à juventude; promover benefícios fiscais aos
cinemas postos à disposição da municipalidade, uma vez por mês, para
realização de espetáculos educativos; organizar exibições pedagógicas nos
parques infantis e nos estabelecimentos de ensino (...)(DUARTE, P.1971,
p. 62-63).
No caso da divisão de Bibliotecas chefiada por Rubens Borba da
Moraes — especificamente na seção da Biblioteca infantil —, a Biblioteca
ambulante contribuiu para a saúde pública preventiva ao socializar a leitura de
133
modo original e democrático: “Instalada num caminhão, este estacionava, cada
dia, numa praça pública: Jardim da Luz, Praça da República, Largo da
Concórdia etc. Os livros cuidadosamente escolhidos pela sua qualidade de
atrair e educar. O entusiasmo popular foi imenso”. (ibidem, p.75).
A seção de Educação e Recreio esteve sob a responsabilidade de
Nicanor Miranda, um perrepista que, segundo Paulo Duarte, andou
participando dos encontros da Avenida São João, mas que depois de nomeado
acabou traindo os ideais do grupo. Desta divisão faziam parte os parques
infantis, os campos de atletismo e estádio, o clube de menores operários e os
centros de rapazes e moças. Enquanto os parques infantis eram freqüentados
tanto por crianças como por jovens, os outros quatro equipamentos eram
destinados especialmente aos usuários adolescentes e jovens. Segundo Paulo
Duarte:
“(...) essa assistência às crianças oferecida pelos parques tinha a
sua continuação natural nos campos de atletismo que seriam a continuação
do primeiro, cujos freqüentadores iam até os doze anos, passando depois
para o campo. Esses campos, uma vez aparelhados, seriam entregues à
guarda e direção de uma comissão constituída de adolescentes e adultos
dos bairros em que estivessem situados. Era o convívio social, a amizade, a
camaradagem dos jovens que começavam orientados inteligentemente,
antes da vida universitária ou da labuta profissional (...) A administração
Fábio Prado esperava apenas consolidar decisivamente o serviço de
parques infantis, esperando que se abrissem pelo menos dez deles, para
inaugurar os primeiros campos de atletismo, complemento natural daqueles”
(Duarte, 1985, 86-87).
Sérgio Milliet e Bruno Rudolfer dirigiram a Documentação Histórica e
Social do DMC da qual a subdivisão de Documentação Social e Estatísticas
Sociais também desempenhou papel importante na formulação de ões de
educação para a saúde. Nela eram produzidos levantamentos das situações
sociais e econômicas do município, organizando e publicando mapas, dados
estatísticos, esquemas, gráficos para a elaboração de um retrato da cidade, em
todos os campos de atividade. Suas competências mais importantes para
nossa questão podem ser assim destacadas:
“(...) proceder a inquéritos e pesquisas sobre os padrões de vida em
São Paulo, especialmente da família operária, para estudo e solução
racional dos problemas relativos à produção e, ao custo dos víveres, aos
transportes, à assistência ao cooperativismo, às habitações coletivas e a
outros similares; colaborar com a administração municipal na uniformização
134
e racionalização da colheita de elementos e estudos sobre problemas
sociais; na organização de pesquisas e inquéritos sociais (...)” (Duarte, 1971,
p. 98).
Os inquéritos sociais subsidiavam as políticas de educação para a
saúde na medida em que informavam sobre a condição nutricional das famílias
operárias, as doenças mais freqüentes, a situação dos transportes, da água e
dos esgotos a céu aberto, dentre outros itens da infra-estrutura urbana.Por
isso, mais de uma década após a saída de Mário do DMC, as educadoras
sanitárias ainda insistiam na importância da divisão de Documentação Histórica
e Social para o trabalho que realizavam junto às crianças e aos adolescentes
dos parques infantis, como atesta a chefe do Serviço de Educação e Recreio
do município, em relatório de avaliação do curso de formação de educadores
sanitários, enviado ao Dr. Paula Souza, então diretor da Faculdade de Higiene
da Universidade de São Paulo, no ano de 1947:
“(...) A Faculdade deveria, para tanto, fornecer e atualizar uma
relação de instituições de atendimento à população carente e deveria
trabalhar em conjunto com a Divisão de Documentação Histórica e Social do
Departamento Municipal de Cultura, órgão responsável pela elaboração e
aplicação de inquéritos relativos às condições de vida da população urbana”
(Chefe da Divisão de Educação, Assistência e Recreio, 04/07/47, processo
n.193/47, fls 6).
Se os modernistas à frente do DMC expressavam o caráter inovador da
ação política, esta ão também continha um aspecto conservador marcado
pela atenção/controle, característica das intervenções do Estado na vida
privada das pessoas. Nessa direção, fragmentos do texto-análise de autoria de
João de Deus Bueno dos Reis sobre os programas para o concurso das
educadoras sanitárias, publicado na Revista do Arquivo Municipal em 1937,
são ilustrativos de uma visão centrada não apenas no controle, senão também,
eivada pelo preconceito:
“(...) Higiene da raça, evolução da puericultura, infância e eugenia
são assuntos que falam, no progresso adquirido pela ciência nestes últimos
tempos, em favor das novas gerações (...) a simples inspeção revela muitas
vezes a existência de defeitos somáticos e, quiçá, mesmo psíquicos, os
quais, sendo removidos em tempo, redundariam na grande diminuição de
aleijados, cegos, surdos, mudos, que diariamente se apresentam em
público, sendo alvo de olhares que traduzem comiseração ou, muitas
vezes, a repulsa de todos (...)” (João de Deus B. dos Reis, 1937, p. 38 -9,
grifos nossos).
135
Essa ambigüidade de caráter que perpassava, e ainda é presente na
política brasileira, acaba permitindo brechas para o desenvolvimento de ações
inovadoras como foi a do DMC, mas que, talvez por terem se mantido ao longo
da história republicana, o somente como brechas, foram fazendo de nossa
história uma seqüência de experiências desvinculadas de um projeto político de
nação pautado na igualdade e eqüidade sociais. Sobre este vício da política e a
positividade da experiência do DMC, Ana Lúcia Goulart de Faria afirmou:
“A publicização do privado e privatização do público é uma
característica da política brasileira. Enquanto o Estado invade a família
operária introduzindo novas formas de vida íntima através da puericultura,
pretendendo eliminar qualquer manifestação instintiva e tradicionalmente
adotada na educação dos filhos pequenos (apesar da resistência constante),
MA e outros intelectuais que colaboraram na gestão Fábio Prado, de dentro
da esfera governamental, estão fazendo pesquisas sobre a(s) cultura(s) e
a(s) tradição(s) brasileira(s), sobre a criança freqüentadora dos PIs, sobre a
vida da classe operária e dos funcionários da prefeitura. Para respeitar
justamente aquelas tradições. Portanto, ao lado do rígido controle exercido
pelo Estado para domesticar a classe operária, sem resolver o problema da
pobreza, apenas amenizando-a (sic), encontramos também este outro tipo
de atuação do poder público” (GOULART DE FARIA, A.L., 2002, p.83).
Enquanto os modernistas viam o DMC como um espaço político que se
prestava à elevação cultural de todos os habitantes da cidade, os ilustrados
entendiam-no, fundamentalmente, como uma estratégia de tomada do poder
central. Em outras palavras, para os liberais do Partido Democrático, a
experiência paulista com destaque na área cultural seria o diferencial que os
levaria à tomada do poder no plano federal. Se para tanto fosse necessário
incluir nesta experiência os operários e todos os menos favorecidos que assim
fosse feito, pois esses grupos “apaziguados”, isto é, menos rebeldes
politicamente, não deixavam de ser um trunfo no processo de chegada ao
poder central. Elizabeth França Abdanur refere-se assim à questão:
“(...) a presença dos ilustrados na política de S.P foi marcante entre
os anos 1925 e 1937. Nesse período eles se colocaram como “oposição”
aos grupos que chamavam de “oligarquias dominantes” e procuraram
estabelecer um novo arranjo das estratégias de dominação social. Os
“ilustrados” entendem ser necessário encontrar uma maneira mais eficiente
de controle dos conflitos sociais que se agravaram naqueles anos. Num
primeiro momento, os “ilustrados” investiram na discussão em torno das
questões educacionais vendo-as como originárias de mau funcionamento da
política. Quando fundaram o Partido Democrático, entenderam que os
governos eram os responsáveis pela desordem social e atacaram o
136
procedimento político das “oligarquias dominantes” numa campanha pela
moralização dos processos eleitorais. Depois, diante dos obstáculos que os
impediam de comandar o governo de S.P, os “ilustrados” se uniram aos seus
antigos adversários das “oligarquias dominantes” contra o governo federal
de Vargas vislumbrando a retomada da liderança política em S.P Neste
momento, educação e cultura voltaram a ser os alvos principais de sua
atuação. A preocupação com a educação do “povo” cedeu lugar, nos anos
trinta, a um propósito de fortalecimento do governo de S.P através de
instituições culturais que auxiliassem diretamente neste processo. S.P
deveria readquirir sua capacidade de governar, de controlar os conflitos
sociais, de neutralizar os inimigos, de criar riquezas, para voltar ao comando
do país (...) O operário foi o alvo de grande parte dos projetos do DC:
parques infantis para as crianças filhas de operários, esporte para os
adolescentes e adultos operários, bibliotecas populares, cinema educativo,
concertos públicos, cursos de vulgarização cultural e pesquisas de caráter
social junto às populações mais pobres da cidade. Além da clara intenção de
agir pedagogicamente junto ao operário, difundindo valores contrários à
“rebeldia” política e social, estes projetos revelaram a crença dos “ilustrados”
de que cultura e lazer contribuem efetivamente para a melhoria das
condições de vida dos trabalhadores na cidade, e, conseqüentemente, são
“armas” eficazes para a “paz social”. Era a caridade do espírito defendida
por Fábio Prado, preocupado em alertar os “homens ricos” de S.P para sua
necessidade ao lado da “caridade física (ABDANUR,1992, p. 157-59).
É preciso aqui insistir que, para nós, os “ilustrados” a que se refere
Abdanur constituem um outro grupo muito diferente dos modernistas. A autora
preocupada em criticá-los acaba incorporando estes na mesma categoria
daqueles. Os modernistas não estavam interessados nas questões sociais
como meio de ascensão ao poder. Eles mostravam-se muito preocupados com
o distanciamento entre cultura e realidade, por isso, procuraram conhecer a
realidade por meio de suas “ferramentas” — artísticas e estéticas —, no sentido
de recriá-la, segundo os parâmetros da vida moderna. É desta perspectiva que
entendiam o DMC, conforme afirma Antonio ndido no prefácio do livro
escrito por Paulo Duarte:
“(...) [o DC significava] não apenas a rotinização da cultura, mas a
tentativa consciente de arrancá-la dos grupos privilegiados para transformá-
la em fator de humanização da maioria através de instituições planejadas
(...) a tentativa de MA e Paulo Duarte para fazer da arte e do saber um bem
comum; para incorporar as conquistas do Modernismo à tradição que ele
veio atualizar e fecundar; para extrair dos grandes ideais do decênio de 1920
as conseqüências no terreno da educação e da pesquisa. E até hoje, na
cidade de SP, a cultura assim concebida não encontrou manifestações
semelhantes: o que existe é ruína ou desenvolvimento do que então se fez”
(DUARTE, 1971, p, XIV-XV).
137
É o próprio Mário de Andrade quem manifesta o entusiasmo por aquilo
que o DMC poderia proporcionar aos moradores da cidade, no discurso
comemorativo do aniversário de 381 anos de São Paulo, destacando entre
outras contribuições, os equipamentos destinados às crianças e aos jovens da
classe operária:
“Hoje, aniversariante, com os ouvidos do Brasil à escuta da sua voz,
SP escolhe o mais jovem dos seus organismos culturais para anunciar à sua
terra natal que esse desequilíbrio está acabando e que isto se dará pelo
complemento de cultura do espírito (...). Disseram-me fria e feia um dia, e
SP era feia encafuada nos seus grotões. Mas SP quer-se bonita e higiênica
para que viajante não venha mais encontrar nela apenas sapo, gripe e
solidão. Os grotões transformaram-se em jardins cortados a meio pelas
avenidas e pela sombra dos viadutos. Não há mais sapo. Nos jardins
encontrareis recintos fechados com instrutoras, dentistas, educadoras
sanitárias dentro. São os parques infantis onde as crianças proletárias
se socializam aprendendo nos brinquedos o cooperativismo e a
consciência do homem social (...) As tradições ressurgem e com elas
os costumes do passado. São crianças tartamudeando em torno de
uma Nau Catarineta de vime, as melodias que seus pais esqueceram, e
nos vieram de novo da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará(...).
Feito um polvo, as pesquisas sociais tudo abarcam com uma audácia
incomparável que permitirá muito breve à cidade conhecer-se em todas
as suas condições, tendências e defeitos. Doutro lado uma biblioteca
brasileira se especializa, na pretensão ambiciosa de tudo saber sobre o
Brasil, enquanto as bibliotecas circulantes, as bibliotecas populares
dão o rebate da leitura, levando o livro à casa dos homens sem vontade
ou experiência, solicitando a colaboração do povo em jornais murais,
dando a pena, a tinta, o conselheiro a quem queira escrever. Aqui uma
rádio-escola se funda, além uma biblioteca municipal, mais adiante um
teatro dramático, e os campos de atletismo e as piscinas públicas.
Todas estas iniciativas não poderão pretender jamais a uma gloríola no
presente, senão uma fecundidade futura. Tudo é novo, e muito está apenas
nascendo. SP é uma cidade dum dia, mas já agora os seus caminhos
conjuntamente vão e vêm. O DC que tudo isto está fazendo, com toda a
sua autonomia municipal, cresce e quer crescer como a flor, como perfume
irradiante doutra formação mais básica, a USP. E, sendo municipal, o DC
cresce e quer crescer esculpido na fôrma do Brasil”. (ANDRADE, 1935,
grifos nossos).
O que Mário de Andrade não previa naquele dia 25 de janeiro era que
as avenidas citadas em seu discurso como veias de acesso aos parques
infantis, iam adquirir prioridade não mais como acesso aos parques, mas como
vias de circulação do capital excludente dos trabalhadores de qualquer idade,
antes mesmo que vários dos projetos do DMC se completassem, como
veremos adiante.
138
Antes porém de tratar desmanche do DMC que se iniciou logo na
gestão municipal subseqüente, a do engenheiro Prestes Maia, vejamos de que
modo o DMC concebia a educação para a saúde das crianças e dos jovens
pertencentes ao operariado da cidade.
2. A proposta de educação para a saúde do DMC
Os equipamentos do DMC destinados à educação para a saúde foram:
os parques infantis, os clubes de menores operários, os centros de rapazes e
moças, os campos de atletismo, os acampamentos permanentes e as Casas
de Cultura. Os campos de atletismo e os acampamentos permanentes não
chegaram a se concretizar com os mesmos objetivos com que haviam sido
propostos
119
. Dos centros de rapazes e moças é possível falar muito pouco
porque, devido à conjuntura de clandestinidade de seu funcionamento,
conforme veremos adiante, pensamos, não há documentos sob essa
denominação ou descrição de equipamentos semelhantes em funcionamento
em nenhum dos órgãos nos quais pesquisamos. que se contar ainda com
as condições do Arquivo Municipal, o muito favoráveis à pesquisa, no
período em que a realizamos. As Casas de Cultura ficaram na primeira etapa
do projeto. Todos estes equipamentos serão descritos no próximo capítulo. Por
ora, interessa discutir o conteúdo da proposta e a função dos profissionais
responsáveis pela sua execução.
119
Os campos de atletismo a que se refere Paulo Duarte como espaços de convívio e de camaradagem
entre os jovens, e que deveriam ser administrados pela juventude e por adultos dos diferentes lugares em
que fossem instalados, acabaram se resumindo, na prática, ao Estádio do Pacaembu, inaugurado no dia 27
de Abril de 1940, na gestão do prefeito Prestes Maia e do interventor Ademar de Barros. Embora a
retomada da obra do estádio por Prestes Maia reflita sua concepção de cidade, de esportes e de lazer bem
ao gosto capitalista, não se pode negar que, no lançamento da pedra fundamental em 1936 ainda com
Fábio Prado à frente da prefeitura, o espaço tenha sido pensado sob as ambigüidades entre inovação
versus controle. Nessa direção, o discurso de Nicanor Miranda no lançamento do estádio reflete mais o
caráter de controle do que o de convívio, camaradagem e gestão participativa dos jovens nos esportes
como queriam os intelectuais do DC. No entanto, Paulo Duarte, como veremos no próximo capítulo
outra explicação sobre o Estádio do `Pacaembu Cf: NEGREIROS, Plino José Labriola de C. “O Estádio
do Pacaembu”.In: Lecturas: Educación Física y Deportes. Año 3, n. 10. Buenos Aires. Mayo 1998.
Consultado em: http://www.efdeportes.com. Consulta realizada em 20 de dezembro de 2007.
Para entender os diferentes interesses em jogo na construção do estádio desde 1919, Cf: SEVCENKO,
Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo.
Cia das Letras, 2003, p58 e ss.
139
Havia dois tipos de profissionais que deveriam atuar nestes
equipamentos: os instrutores e as educadoras sanitárias. Na verdade, esses
profissionais tiveram a oportunidade de exercer suas funções nos parques
infantis (cronologicamente, os parques foram os primeiros a serem postos
em funcionamento) e nos clubes de menores operários. Mais tarde, e de
modo precário e quase clandestino, nos centros de rapazes e moças, que só
funcionaram depois da saída de Mário do DMC. Neste caso, bem como no
clube de menores operários e nos acampamentos permanentes eram os
instrutores que tinham maior responsabilidade na condução dos trabalhos.
O instrutor, preferencialmente formado pela Escola de Educação Física
do Estado, era encarregado de desenvolver o trabalho corporal com as
crianças e os adolescentes, enfatizando os aspectos psicopedagógicos,
recreativos e higiênicos da educação física. As educadoras sanitárias,
professoras primárias com formação em higiene e saúde pública, todas
habilitadas pela Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo
120
,
atuavam nos equipamentos nas seguintes frentes: encaminhamento para
tratamento médico, atendimento de primeiros socorros, higiene pessoal e
visitas familiares. Estas ações tinham como objetivo primeiro a formação
daquilo que chamavam de consciência sanitária. Segundo relata Paulo Duarte:
“As educadoras sanitárias tinham a missão de auxiliar a assistência
médica e dentária, permanente nos parques, zelar pela saúde das crianças,
investigar as condições sociais do meio de que proviessem, formar-lhes a
consciência sanitária, incutindo-lhes hábitos higiênicos, levando a investigação
até mesmo à família de cada pequeno, e ainda, vigilar pela nutrição, estudar a
criança sob o ponto de vista biológico, fisiológico, psíquico e social; auxiliar a
organização das fichas clínicas, biotipológicas e sociais” (DUARTE, 1971,
p.81).
A idéia norteadora do trabalho do instrutor centrava-se na ão física
orientada para aquisição de bem-estar físico, mental e sócio-cultural dos
usuários dos equipamentos. A ginástica ortopédica, corretiva e terapêutica
—; a recreação teatro, música, jogos em geral —; e a atenção a problemas
120
Sobre a formação e atuação das educadoras sanitárias, Cf: ROCHA, Heloisa Helena Pimenta. A
Higienização dos Costumes. A Educação Escolar e Saúde no Projeto do Instituo de Higiene de São Paulo
(1918- 1925). São Paulo/SP e Campinas: Fapesp/ Mercado de Letras, 2003.
140
relacionados à vida sedentária e à estafa na vida infantil e juvenil eram os
elementos essenciais que deveriam ser trabalhados pelos instrutores
121
.
Aqui vale uma observação. Temas hoje considerados de grande
importância para a saúde infanto-juvenil, tais como: as conseqüências
negativas da vida sedentária; stress; falta de atividade física e cultural são
alvos de ões desenvolvidas prioritariamente em instituições privadas e,
portanto, destinadas às camadas sociais que podem pagar por elas. No campo
da saúde pública, se a compararmos com as organizações privadas, ões
desse tipo são quase que inexistentes se tomadas em proporção ao imenso
contingente populacional de crianças, adolescentes e jovens pobres residentes
na cidade
122
; ou, quando ocorrem, o experiências pontuais e/ou conjunturais
desvinculadas de um projeto mais abrangente de saúde preventiva. Nessa
direção, a experiência do DMC pode ser vista tanto como modelo de acesso
dos pobres a esse tipo de serviço (se olharmos para a ausência ou a presença
pontual de iniciativas deste tipo advindas do poder público no decorrer de
nossa história republicana) como prova de que as políticas públicas preventivas
de saúde não passaram, ao longo desse período, de experiências vinculadas a
interesses de grupos políticos locais e sujeitas à extinção a cada mudança de
governo municipal, estadual ou federal.
Voltando, pois, ao conteúdo da proposta de educação para a saúde do
DMC, ao instrutor pedia-se que o jogo de caráter lúdico, moral e educativo
—, fosse tratado como um dos componentes essenciais da vida em sociedade.
É o que se depreende da leitura do Ato n767 do DC:
“(...) considerando que as forças morais e espirituais de uma Nação
dependem, em parte, da maneira pela qual são aproveitadas pelos cidadãos,
as suas horas de descanso, e que é por isso necessário despertar, nas novas
gerações, o gosto e criar o hábito de empregar seus lazeres em atividades
saudáveis de grande alcance moral e higiênico;
(...) considerando que as atividades lúdicas exercem uma função
importante no processo educativo e social, podendo considerar-se os grupos
de jogos como um dos construtores essenciais da vida social, e a fonte dos
121
Sobre o conteúdo do trabalho dos instrutores ver “Programa do Concurso para Instrutor” In: Revista
do Arquivo Municipal, Ano III, vol.XXX, dez. 1936, p. 255 e seguintes.
122
Sobre esse contingente de adolescentes e jovens pobres residentes hoje na cidade ver: ABRAMO,
H.W. & MARTONI BRANCO, P.P- (orgs). Retratos da Juventude Brasileira. Análise de uma pesquisa
nacional. São Paulo: Instituto da Cidadania/Fundação Perseu Abramo, 2005.
Sobre a mesma questão relativa às crianças ver: PASSETI, Edson, “Crianças carentes e políticas
públicas”.In: Mary Del Priore, op.cit., pp.347- 375.
141
primeiros ideais e impulsos sociais, como a solidariedade, a
comunicabilidade, a cooperação;
(...) considerando que as praças de jogos para crianças
123
,
organizadas como meio de preservação social e educação sanitária, m
contribuído eficazmente, em toda a parte, para a educação higiênica e social
das crianças, proporcionando-lhes oportunidades e meios de recreação ao
ar livre, estreitando o convívio de crianças de todas as classes sociais;
(...) considerando que os parques de recreio e de jogos inspirados
nesse ideal de promover o bem-estar da infância que se desenvolve
freqüentemente em más condições higiênicas e morais, constituem,
sobretudo em bairros pobres, um meio poderoso de derivar as crianças de
focos de maus hábitos, vícios e criminalidade para ambientes saudáveis e
atraentes, reservados aos seus divertimentos e exercícios, sob o controle
dos poderes públicos;
(...) considerando que nas cidades industriais como São Paulo, em
pleno crescimento e densidade da população, a valorização crescente dos
terrenos, o movimento cada vez mais intenso nas vias públicas e as
construções de casas de apartamentos e de habitações coletivas concorrem
para limitar cada vez mais, senão para subtrair às crianças, espaços ao ar
livre, pátios, terreiros e jardins de que necessitam para seus jogos,
exercícios e divertimentos;
(...) considerando o disposto na Constituição Federal, em seus
artigos 149 e 156, sobre a proteção das municipalidades ao
desenvolvimento da cultura em geral e a manutenção e ao desenvolvimento
dos sistemas educativos” (DMC, 1936 ).
Embora sabendo que este texto permite mais de um tipo de leitura,
concordamos com a interpretação que lhe foi dada por Ana Lúcia Goulart de
Faria em seu estudo sobre a educação pré-escolar e a cultura, tomando como
campo empírico os parques infantis do DMC Para esta autora, se o Ato 767,
acima exposto, permite uma leitura exclusivamente centrada no caráter
disciplinador do tempo livre do usuário; permite também uma outra, pela qual
Faria optou, e sobre a qual também colocamo-nos de acordo, que analisa o
parque infantil enquanto uma conquista do espaço público para o tempo livre
das crianças e dos operários, em uma sociedade que se industrializa e que,
portanto, reorganiza seus espaços públicos (FARIA, 2002, p.128).
É preciso ressaltar que a leitura integral da obra de Faria é garantia de
que esta opção interpretativa do Ato 767 o representa uma escolha ingênua,
pois a autora ressalva que pensar o parque infantil como uma conquista do
123
Mais uma vez é bom lembrar que à época quando se falava em criança, a referência englobava também
o adolescente e o jovem até aproximadamente 19, 20 anos que freqüentavam até mesmo os PIs em
situação de espera de emprego, ou em situação de desemprego.
142
espaço público para o tempo livre das crianças e dos operários, não significa
deixar de lado o fato de que as propostas governamentais da época
guardavam ambigüidades de um tipo de poder que precisava atender a
interesses de grupos variados e socialmente diferentes, no contexto de um
Estado capitalista, tendente a controlar a vida privada dos cidadãos (FARIA,
op.cit. p.128).
Mesmo considerando que o Estado capitalista exerce poder e controle
sobre a vida privada dos indivíduos, o crédito que Faria atribui aos parques
infantis como espaços que possibilitaram o aproveitamento do tempo livre dos
usuários em favor de seu crescimento físico, social e cultural encontra
justificativa no tipo de política de urbanização da cidade adotado durante a
administração Fábio Prado, como atesta um fragmento da Revista do Arquivo
Municipal:
“As atividades desenvolvidas no PI garantiam um trabalho integrado
em vários níveis: a criança, o jogo, a cultura, a educação e a saúde estavam
ali sempre juntos, e o PI, por sua vez, estava harmonicamente integrado ao DC
(aos campos de atletismo, divertimentos públicos, bibliotecas, documentação
social etc.), ao DMC de Higiene e à Divisão de Saúde, e, além disso, fazia
parte da política de urbanização da cidade desenvolvida com um “plano de
conjunto” pelo prefeito Fábio Prado (arts.41, 43 do Ato n.86s1) (...) a gestão de
Fábio Prado caracterizou-se por ter feito uma completa reforma administrativa
na prefeitura [nos parâmetros da Constituição], quando reduziu a seis os DMCs
ligados ao seu gabinete, podendo dessa forma controlar melhor o seu plano,
seja de melhoramentos urbanos, seja no campo social onde, ao lado das
atividades desenvolvidas pelo DC, criou vários programas e leis, tais como: a
semana inglesa dos empregados do comércio, a fiscalização dos serviços
domésticos, a assistência gratuita ao funcionalismo público municipal, a
organização do trabalho dos motoristas, dos engraxates e dos vendedores de
jornais, a habitação barata etc.” (Revista do Arquivo, vol31, 1936).
Cabe agora buscar o significado que o DMC atribuía aos jogos uma
vez que no contexto desse órgão, eles eram considerados atributo essencial do
tempo livre. Em outras palavras, queremos desvendar esse caráter lúdico,
moral e educativo dos jogos, nos diversos equipamentos de responsabilidade
do DMC.
Para os modernistas do DMC, o jogo é um elemento da cultura e a
educação devia ser pensada com base nela. Por isso, muitos dos projetos do
DMC consideravam o jogo como parte essencial do desenvolvimento da cultura
nacional. É verdade que essa discussão o era prerrogativa nem brasileira,
143
nem paulista. Outros países vinham refletindo sobre a questão, e um dos
trabalhos mais importantes na área foi o do alemão Huizinga, que no início dos
anos 1930 lançou o livro Homo Ludens em cujo prefácio afirma:
“Seria mais ou menos óbvio, mas também um pouco fácil, considerar
“jogo” toda e qualquer atividade humana. (...) Não vejo, todavia, razão alguma
para abandonar a noção de jogo como um fator distinto e fundamental,
presente em tudo o que acontece no mundo. muitos anos que vem
crescendo em mim a convicção de que é no jogo e pelo jogo que a civilização
surge e se desenvolve. É possível encontrar indícios dessa opinião em minhas
obras desde 1903. Foi ele o tema de meu discurso anual como Reitor da
Universidade de Leyden, em 1933, e posteriormente de conferências em
Zurique, Viena e Londres (...).Em todas as vezes, meus hóspedes pretenderam
corrigir o título para “na” cultura, mas sempre protestei e insisti no uso do
genitivo, pois minha intenção não era definir o jogo entre todas as outras
manifestações culturais, e sim determinar até que ponto a própria cultura
possui um caráter lúdico. O objetivo deste estudo mais desenvolvido é procurar
integrar o conceito de jogo no de cultura” (HUIZINGA, 1971, Prefácio).
Os jogos e brincadeiras representavam para os modernistas do DMC
um modo original de construção da cultura nacional. É verdade que este modo
de pensar não dava conta de eliminar as ambigüidades da proposta mais
ampla, isto é, construir a cultura nacional também podia representar na visão
da burguesia no poder o adestramento dos cidadãos por meio das mesmas
atividades. Alguns itens do programa para concurso de instrutores, algumas
das funções desses instrutores, contidas em diversos Atos; bem como partes
do próprio Ato de criação dos equipamentos e das divisões do Departamento
Municipal de Cultura e discursos de gestores do município ilustram as duas
tendências: a do jogo enquanto manifestação lúdica da cultura e a do jogo
adestramento. Abaixo, o artigo 49 do Ato 861, que criou o parque infantil,
confirma a idéia do jogo como manifestação cultural:
e) propagar a prática de brinquedos e jogos nacionais, cuja tradição
as crianças já perderam ou tendem dia-a-dia a perder;
f) promover a prática de todos os jogos que, pela experiência
universal, forem dignos de serem incorporados ao patrimônio dos inspirados
nas tradições locais e nacionais (Ato 861, art.49, de criação do PI).
Nicanor Miranda, chefe da Divisão de Educação e Recreio do DMC,
parecia refletir a outra tendência ao discursar na solenidade de lançamento da
144
pedra fundamental do Estádio Municipal
124
, em 1936. Miranda parece mais
comprometido com a idéia da construção da nação a partir do “aprimoramento”
do corpo do operário para a disciplina do trabalho:
“(...) Mostrou-se sabedoria na lei criadora do Departamento de
Cultura, dispondo unidos e geminados, os jogos atléticos e esportivos e as
comemorações cívicas. Ao lado do treino físico, o treino cívico. A par do
exercício dos músculos, o exercício da cidadania. (...) A todo o povo da cidade,
competições, campeonatos, torneios ginásticos, atléticos e esportivos,
comemorações de sentido cívico, enfim...” (Revista do Arquivo, n.XXIX,
novembro de 1936, p.207- 8).
Essa questão da função do jogo como atividade estritamente lúdica,
prazerosa, e do jogo como fator de adestramento é controversa. Embora
HUIZINGA repudie a idéia do jogo/adestramento, outros autores chegam a
encontrar uma continuidade entre o jogo de caráter prazeroso e o jogo que
disciplina para um objetivo determinado. Os estudos de Roger Caillois,
elaborados a partir de reflexões sobre o trabalho de Huizinga, apontam para
um continuum entre as duas funções dos jogos (FARIA, op.cit.p.162). No
entanto, afirma a mesma autora, embora a polêmica entre jogo adestramento e
jogo prazeroso seja importante para que não se despreze a idéia de que o jogo
pode servir à construção de um “determinado tipo de homem”e, nesse sentido,
de uma determinada ordem social, o objetivo dos jogos e brincadeiras no DMC
inclui também as “formas lúdicas de construção da cultura nacional, bem ao
gosto romântico e, como tal, deixa espaço inclusive, para as possíveis
manipulações e adestramentos (FARIA, op.cit, p.163).
Assim como Faria, também pensamos que os jogos e brincadeiras
propostos pelo DMC proporcionavam prazer aos usuários dos equipamentos,
no sentido do descanso, do ócio criador
125
; e, ao mesmo tempo, faziam com
que os usuários jogando e brincando produzissem cultura a partir de suas
próprias experiências culturais. Nesse sentido, os conteúdos que os candidatos
a instrutores dos parques infantis deveriam dominar no que se referia à
recreação, e, citados no programa do concurso, explicitam as atividades a
124
No próximo capítulo, em comentários que faremos sobre os acampamentos e o Estádio teremos a
oportunidade de conhecer uma outra leitura sobre o Estádio Municipal, a de Paulo Duarte, essa mais de
acordo com a perspectiva dos modernistas.
125
Ancona Lopez diz: Mário afirma que a arte é filha da preguiça, tendo nascido (...) dum bocejo sublime,
assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação ociosa da natureza. ANDRADE,
M. “Divina Comédia”, 1918. In: ROSSETTI BATISTA, 1972, p 181.
145
serem desenvolvidas nesses parques, e a ênfase dada à recreação como
atividade cultural:
Dramatização de contos e de histórias. Dramatização de contos e
histórias. A roda cantada.
Atividades diversas: trabalhos manuais trabalhos de madeira, papelão,
cartão e metal. A modelagem. O desenho e a pintura.
O teatro e a educação. A dramatização e a educação física.
Organização prática das atividades dramáticas; Valor educativo da
música. A música e a educação física;
Organização prática das atividades musicais; Ritmo e educação. O
bailado. A dança regional e a dança popular (Programa de Concurso para
instrutor, RAM, ano III, vol XXX, dezembro de 1936)).
Havia uma preocupação muito grande no sentido de que a
dramatização, os contos, a música, o teatro, enfim, as atividades desenvolvidas
nos equipamentos do DMC e destinadas às crianças, aos adolescentes e aos
jovens resgatassem a cultura de origem desses usuários. Para tanto, a
subdivisão de “Documentação Social e Estatísticas Sociais”, da seção de
Documentação Histórica e Social do DMC, desenvolveu no período de 1935 a
1938 um grande número de pesquisas relacionadas aos temas das tradições,
da cultura popular, do operariado, da criança e do folclore brasileiro
126
.
Apenas para ilustrar, fazemos referência a duas pesquisas, ambas
realizadas por Samuel Lowrie, da Escola Livre de Sociologia e Política de São
Paulo e colaborador do DMC. Uma delas trata da “Origem da população da
cidade de São Paulo e diferenciação das classes sociais
127
e segmenta a
população em: universitários, crianças dos parques infantis e crianças nascidas
nas seções gratuitas dos hospitais, analisando a nacionalidade dos pais que
foram classificados em brasileiros, estrangeiros e de origem desconhecida. A
outra pesquisa intitulada “Ascendência das crianças registradas nos Parques
Infantis de São Paulo”, tomou como universo os Parques Infantis D. Pedro,
Lapa e Ipiranga para apresentar características tais como: número de filhos por
126
Para conhecer algumas dessas pesquisas consultar: RAM, n.17,1935; RAM, n.41,1937; RAM,
n.33,1937; RAM, n.23,1936; RAM, n.51,1938.
127
RAM, Ano IV, vol XLIII, janeiro 1938.
146
família, idade e sexo das crianças, renda do pai e da mãe, composição social
de cada bairro, cruzando cada um destes dados com a nacionalidade dos pais
e dos avós
128
.
Tudo isso contribuía, segundo Mário, para resgatar a cultura de origem,
ou seja, a cultura dos ascendentes dessas crianças e jovens, elemento que ele
considerava importantíssimo para a construção e/ou resgate da identidade
cultural brasileira. É desse contexto que se pode inferir um dos aspectos
importantes do estudo do folclore na produção andradiana. Além de incentivar
a coleta de material no âmbito do DMC, ele mesmo havia se dedicado a
trabalhos de grande valor para esta área por exemplo, uma coleta de usos,
costumes, música, artes plásticas e outros trabalhos artesanais realizada em
uma excursão ao Norte e Nordeste em fins dos anos 1920 e organizada na
obra “O Turista Aprendiz”
129
.
Oneyda Alvarenga, ex-aluna de piano de rio que ele havia chamado
para organizar a Discoteca do DMC, além de reiterar a vontade que tinha seu
professor de dar ao povo o direito de uma existência elevada e dignificada pela
atividade intelectual e o contato com as artes, também revela os percalços
sofridos pelo projeto, logo no início da gestão seguinte. Fragmentos de uma
carta de Oneyda endereçada a Mário de Andrade, à época em férias no Rio de
Janeiro, e datada de 13 de Agosto de 1938 relatam essas dificuldades:
“(...) Foi-se a Pirapora (SP) mas nada se conseguiu fazer. Os padres
arranjaram com o interventor uma proibição de samba! Conta o Saia
130
que a
negrada estava louca de raiva. Nem alegando caráter de estudo ele de fazer
a pesquisa. Como os sambadores vêm dançar aqui no Jabaquara ainda este
mês, consegui autorização para o trabalho(...) O (...) Nicanor
131
foi eleito, por
razões diplomáticas, presidente da Sociedade de Etnografia e Folclore. Como
estamos certos de que trabalho folclórico ele não fará mesmo e irá sufocar a
gente, nas sessões, com artigos do Estatuto, pusemos o Mário Wagner
132
no
128
RAM, n.39, 1936 (estudo preliminar) e RAM, n. XLI, 1937.
129
ANDRADE, Mário. O Turista Aprendiz. 2ª ed., São Paulo: Duas Cidades, 1983.
130
“Luiz Saia, que dirigia a pesquisa gorada”. In: Mário de Andrade-Oneyda Alvarenga : cartas. São
Paulo: Duas Cidades, 1983, nota de rodapé n.4, p.144.
131
“Nicanor Miranda, chefe da Divisão de Educação e Recreio. As razões diplomáticas eram as faladas
boas relações dele com a turma que estava de cima. Relações estreitas com a nova governança,
comentava-se. Por isso, os membros da Sociedade resolveram elegê-lo presidente, na esperança, bastante
desesperançada, de obtenção de auxílio oficial para a entidade. Nada se conseguiu e a Sociedade morreu
logo, de inanição”. Idem, nota de rodapé n.7.
132
“Mário Wagner Vieira da Cunha, estudante de Sociologia na USP e que fizera o curso de Etnografia e
Folclore com Mme. Lévi-Strauss. publicação dele, um trabalho em conjunto com Mário, sobre as
147
lugar de Secretário, como contrapeso. Lhe parece acertado esse arranjo?”
(ONEYDA ALVARENGA MÁRIO DE ANDRADE, 1983, p.144)
A ênfase no estudo do folclore e de outros aspectos da cultura de
origem do povo morador da cidade de São Paulo mostra a direção que os
equipamentos do DMC imprimiam ao trabalho como um projeto educativo
centrado na cultura e totalmente diferente do projeto educacional escolar
daquele período. Mário, diga-se de passagem, tinha muitas restrições ao
modelo escolar vigente. Para ele, a instituição escolar, pautada em regras que
levavam o aluno a assumir um papel passivo no processo de aprendizagem,
era, no mínimo, incompleta. Ao contrário deste espaço escolar, onde o aluno
ficava sentado durante todo o tempo recebendo as lições, os equipamentos do
DMC, foram pensados e ordenados para que crianças e jovens fossem
instados a trabalhar as diferentes dimensões da vida: a mental, a da
sociabilidade, a gestual, a corporal, a artística, a verbal etc. Nesse sentido,
Mário foi um crítico da pedagogia contemporânea. Em carta a Paulo Duarte, e
referindo-se à importância dos institutos de cultura, ele apresenta com certa
ironia essa crítica:
“Cumpre organizar os serviços, forçar a vitalidade dos museus e a
criação de institutos culturais que ajam pelos processos educativos
extrapedagógicos que cada vez mais estão se tornando os mais capazes de
ensinar. O que há talvez de mais admirável na pedagogia contemporânea é
o seu caráter, por assim dizer, antipedagógico; justamente o engurgitamento
da massa mais oculta dos estudantes, nivelando-a à dantes melancólica elite
professoral, pelo respeito às suas qualidades e tendências próprias, de
massa e de sombra. Serão assim os museus, os institutos culturais que
desejaria espalhados com mais freqüência entre nós. Sim, temos enorme
necessidade de escolas primárias e de alfabetização. Mas a organização
intelectual de um povo não se processa cronologicamente, primeiro isso e
depois aquilo. Tanto mais em povos criança e contemporâneos como o
nosso, com avião, parques infantis, rádio, bibliotecas públicas, jornal, e
impossibilitados por isso de qualquer Idade Média. Não entreparemos
portanto no sofisma sentimental do ensino primário. Ele é imprescindível,
mas não são imprescindíveis igualmente os institutos culturais em que a
pesquisa vá de mãos dadas com a vulgarização, com a popularização da
inteligência. Aliás, tão respeitável e humano como o povo dos campos, é o
das cidades. E este, entre nós, em sua maioria não sabe ler. São Paulo
entrou ultimamente numa corrida que, por felicidade, não é armamentista, é
cultural. Agora não pode mais parar, porque seria o fracionamento brusco
festas do Bom Jesus de Pirapora. MÁRIO Wagner fez o levantamento do meio social e seu xará estudou
magistralmente “O Samba Rural Paulista”. Idem, nota de rodapé n.8, p.145.
148
numa orientação que não é mais uma experiência, é uma necessidade
normal da nossa vida pública” (DUARTE, 1971, p.153).
Se a cultura tratada do modo como o foi no DMC pode, por si, qualificar
este programa como um programa de saúde preventiva, os equipamentos do
DMC de Cultura também incluíam a assistência à saúde ditada pelas condições
de existência de seus usuários. Essas condições de pobreza e falta de tudo,
desde infra-estrutura urbana até fome decorrente, na maioria das vezes, de
falta de trabalho e/ou de baixos salários pagos aos pais e aos filhos, aparecem
nos inquéritos sociais como também foram expostas - sucintamente e sob uma
ótica questionável uma vez que a educação sanitária parte, neste caso, do
princípio de que as famílias operárias pautam suas vidas cotidianas pela sujeira
e desperdício
133
tão somente por vontade própria - em análise que Bueno dos
Reis elaborou sobre os programas para concurso das educadoras sanitárias
dos Parques Infantis:
“O programa de higiene para o concurso de educadoras sanitárias
que ora passamos a analisar foi organizado debaixo de uma orientação
inteiramente nova entre nós, orientação que, a nosso ver, foi a mais acertada
possível, pois esse programa representa, em seus menores detalhes, o fruto da
experiência adquirida na prática corrente e na observação quotidiana feita nos
Parques Infantis (...) A proteção e defesa que devem sofrer os órgãos
sensoriais redunda na exposição da verdadeira profilaxia da cegueira,
surdez, etc, e entra ao lado da necessidade da correção dos defeitos físicos
que, em sua maioria, são adquiridos na primeira e segunda infância, puericia
ou adolescência. Nesta parte essencialmente de resultados práticos não
poderia ser omitida outra grande causa de moléstia a alimentação. Orientar
essa máxima fonte de vitalidade de forma a conseguir a melhor alimentação o
mais economicamente possível é problema que no mais das vezes se torna
quase que praticamente insolúvel. Como e quando procurar corrigir as falhas
apresentadas pela distribuição de alimentos nos parques é questão que
também exige da educadora conhecimentos especializados
134
, e, como prova
da sua relevância, estão os vários Institutos de dietética de velhos países a
afirmar a importância do problema que se apresenta multiforme em todo o
mundo. (...) As moléstias que dificultam a tarefa nos parques são a sífilis, a
133
Com isso, não estamos negando a necessidade da educação sanitária, mas estamos afirmando que as
constatações sobre as condições sociais de existência e a educação teórica, o aconselhamento, não levam
automaticamente à mudança. Essa mudança só virá se os indivíduos tiverem acesso ao mínimo de
recursos necessários à sobrevivência, quando, então, a educação sanitária passa a ter sentido.
134
As educadoras sanitárias que vivenciavam o cotidiano das famílias parecem ter uma outra visão, como
afirmou a Chefe da Divisão de Educação, Assistência e Recreio em relatório datado de 04/07/47: “(...) de
nada vale o Educador mostrar os meios de conservar ou melhorar a saúde, se tais meios não forem postos
ao alcance dos mais necessitados. A o tomar tal medida, fora preferível o haver ensinado certos
princípios [de alimentação saudável], do que ter com eles tornado mais evidentes as dificuldades sentidas
pelos menos favorecidos economicamente” (Processo 193/47, fls 6. Disponível no Arquivo da Memória
da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Consulta realizada em janeiro de 2005).
149
tuberculose, as eruptivas e infecto-contagiosas, o raquitismo e outras, ao lado
das taras e diáteses de efeito nefasto quando não cogitadas em tempo
(BUENO DOS REIS, RAM, vol XXXII, pp.36-9).
Quase um século depois, e sem negar alguns avanços conquistados
em termos de saúde pública preventiva, é impossível não constatar que além
de ainda termos muito a trilhar na busca de condições aceitáveis de vida
saudável, muita coisa permanece sem solução. Basta lembrar que no início do
século XXI, ao lançar o Programa “Fome Zero”
135
, o governo federal assume
que a fome é ainda um grande problema no país; os estados, mesmo os mais
desenvolvidos da União enfrentam epidemias de dengue; a malária e a febre
amarela continuam a ameaçar muitas vidas; e a tuberculose não saiu de cena.
Tudo isso somado a outras doenças e problemas que se constituem
questões de saúde pública, tais como: a violência urbana em geral, a violência
contra crianças e jovens, o câncer, as drogas, entre outras.
Muitas das doenças-problema constatadas nos equipamentos do DMC
e outras que vieram completar o quadro atual apontam para um abandono
histórico por parte do Estado da saúde em geral, e da saúde preventiva em
particular, especialmente de um de seus itens fundamentais, a educação para
a saúde.
A assistência à saúde, para voltarmos aos equipamentos do DMC, não
era apenas da responsabilidade das educadoras sanitárias, conquanto nos
parques infantis fossem elas as principais responsáveis. Nos outros
equipamentos isto deveria ser realizado pelos instrutores. Por isso, o citado
Ato 767 de janeiro de 1935 em seu item “a” do artigo refere-se assim à
competência do instrutor e instrutora de jogos e educação física: “zelar pela
saúde das crianças [essa competência também foi explicitada nos planos e
propostas dos outros equipamentos, como os Clubes de Menores Operários e
os Centros de Rapazes e Moças, etc.], investigar sobre as condições sanitárias
do meio social de que provenham e encaminhar para os postos de saúde e
135
Tanto o “Fome Zero”/ Bolsa Família” quanto outros programas deste governo ainda não
ultrapassaram o patamar do assistencialismo. Mesmo não podendo ainda analisá-los, nossa preocupação é
a de que esse patamar não seja ultrapassado, pois parecem não fazer parte de uma etapa de implantação de
um novo projeto nacional.
150
clínicas do Serviço Sanitário, as crianças suspeitas de moléstias ou
necessitadas de tratamento
136
.
A educação para a saúde é considerada também nos Atos 861 de maio
de 1935 e no Ato 1146 de julho de 1936, que se referem a mais um dos
equipamentos destinados aos adolescentes e adultos”: os campos de
atletismo e piscinas
137
.
algumas questões que merecem ser analisadas nos artigos 51 e
209 dos Atos 861 e 1.146
138
respectivamente. Quanto ao artigo 209 é preciso
reconhecer um lado mais democrático da ação do Estado sobre a participação
dos operários na condução dos equipamentos públicos. É verdade que não se
pode entender o Estado como um ente abstrato. Estamos nos referindo a um
projeto que foi negociado entre partes que viam nele um instrumento de
realização de objetivos diversos, como já dissemos no início desse capítulo. No
caso dos campos de atletismo certamente prevaleceu, no papel, a idéia de
alguma participação dos operários na gestão do equipamento. Todavia, não
houve tempo para que os campos começassem a funcionar como lembra Paulo
Duarte:
“A administração Fábio Prado esperava apenas consolidar
decisivamente o serviço de parques infantis, esperando que se abrissem
pelo menos dez deles, para inaugurar os primeiros campos de atletismo,
complemento natural daqueles. Os dois primeiros tinham sido localizados,
um no Ibirapuera e outro no terreno a ser desocupado pelo Jóquei Clube, na
Mooca, e prestes a passar para a nova sede de Pinheiros. Esses dois
primeiros campos de atletismo seriam inaugurados em 1938, ano em que
Fábio Prado deixou a Prefeitura e começou o calvário do DMC de Cultura”
(DUARTE, 1971, p.87).
136
LEGISLAÇÃO DE PARQUES INFANTIS. DMC de Cultura. Publicação da Divisão de Educação e
Recreio do DMC de Cultura. São Paulo. s/d.
137
A título de exemplo, citamos alguns artigos desses atos: Ato 861, Art 51: O Governo Municipal
instalará, sobretudo, em bairros operários, campos para atividades atléticas, ginásticas e esportivas,
destinadas a proporcionar aos adolescentes e adultos, oportunidades para exercícios ao ar livre e a desviar
dos cios operários em folga no tempo disponível que lhes faculta o regime de trabalho. Ato 861, de 30
de maio de 1935. Dos campos de Atletismo, do Estádio e das piscinas. Ato 1.146, art. 209, $ 1º:Os
campos de atletismo, uma vez devidamente aparelhados, serão franqueados ao público e entregues à
guarda e direção de uma Comissão constituída de adolescentes e adultos dos bairros em que estejam
situados, comissão que será escolhida pelo Chefe da Seção e presidida pelo instrutor de educação física,
esportes e atletismo. Ato 1.146 de 4 de julho de 1936, art. 209, $ 1º, In: Legislação de Parques Infantis.
DMC de Cultura. Publicação da Divisão de Educação e Recreio do DMC de Cultura, s/d.
138
Todos os Atos aqui citados são provenientes do Ato n.767, de 9 de Janeiro de 1935, que criou o
Serviço Municipal de Jogos e Recreio para Crianças, denominado logo em seguida Serviço Municipal de
Parques Infantis, pelo Ato n.795, de 15 de fevereiro do mesmo ano (portanto anterior à criação do DMC)
151
Sem dúvida, o fato de o DMC querer instalar esse equipamento nos
bairros operários reflete o firme propósito de o órgão desejar que os
trabalhadores, jovens e adultos, tivessem asseguradas condições de lazer,
representadas pela prática de esportes. Porém, a finalidade do equipamento
exposta no artigo 51, “desviar dos ambientes improdutivos ou prejudiciais, os
operários em folga no tempo disponível que lhes faculta o regime de trabalho”
revela o argumento burguês e ainda atual de que ser operário e pobre
pressupõe que os indivíduos sob essas condições fazem, necessariamente,
uso inadequado do tempo livre.
Desconhecemos a existência de pesquisas dedicadas especificamente
ao estudo do uso do tempo livre dos operários nos primeiros cinqüenta anos do
século passado. Entretanto, trabalhos na literatura e nas ciências humanas em
geral sobre outras questões da vida operária na mesma época acabam
tangenciando o tempo livre e revelam o contrário do que afirma a ideologia
dominante: os operários, de modo geral, dançavam, iam ao circo, cantavam,
praticavam esportes, faziam piqueniques, enfim, divertiam-se sem provocar
nenhum dano pessoal ou material à sociedade.
Para ilustrar o lazer dos operários às vésperas dos anos 1930, vejamos
como Alcântara Machado, que soube como poucos revelar por meio da
literatura o cotidiano dos que viviam na cidade de São Paulo, retrata a vida
dessa gente que era italiana, espanhola, portuguesa, índios nativos, paulista da
capital e do interior, misturando seus costumes nesse emaranhado em que
Mário de Andrade também buscou elementos para construir a identidade
nacional. Em um dos contos de Alcântara Machado, do qual selecionamos um
fragmento, ele descreve o entusiasmo de um grupo assistindo a um jogo de
futebol entre Corinthians e Palmeiras no Palestra Itália:
“A arquibancada pôs-se em pé. Conteve a respiração. Suspirou.
Aaaah! Miquelina cravava as unhas no braço gordo da Iolanda. Em torno do
trapézio verde a ânsia de vinte mil pessoas. De olhos ávidos. De nervos
elétricos. De preto. De branco. De azul. De vermelho. Delírio futebolístico no
Parque Antártica. (...) Neco! Neco! Parecia um louco. Driblou. Escorregou.
Driblou. Correu. Parou. Chutou.- Gooool! Gooool (...) Miquelina fechou os
olhos de ódio.- Corinthians! Corinthians! Tapou os ouvidos. - me estou
deixando ficar com raiva! A exaltação decresceu como um trovão”
(MACHADO, A,A. 1988, p102-3).
152
Da literatura à pesquisa encontramos, conforme dissemos, de forma
tangencial, traços do uso que os operários faziam de seu tempo livre. Ecléa
Bosi coletou e organizou relatos de muitas pessoas que à época de sua
pesquisa estavam velhos, mas que, majoritariamente, haviam pertencido à
classe operária em São Paulo na condição de crianças, adolescentes e jovens
nos anos 1910/1920 para escrever, sob a perspectiva da história social, um
trabalho que se transformou em livro Memória e Sociedade: lembrança de
velhos. Nesses relatos, os depoentes contam, entre outros assuntos, o que
faziam nas horas de folga de sua infância e adolescência. Apresentamos
abaixo partes de dois desses relatos nos quais também se encontram
indicações do uso que os operários faziam do tempo em que não estavam
trabalhando:
“(...) Quando meninota eu tinha um gramofone e uma vez por
semana vinham amigos e a gente dançava, brincava na casa de minha
avó. Meu tio dizia ‘ era ensaio’, ‘amanhã é dia de ensaio’, e a gente brincava
um pouco” (Dona Alice).
“(...) Desde pequeno gostava de teatros, operetas (...). Era o
Teatro Cassino Antártica, o Boa Vista, o Santana. E o circo. O circo hoje
tem mais luxo, mas o circo daquele tempo era o verdadeiro circo onde
existia Chicharrão, Piolim, Irmãos Queirolo que faziam a ‘ponte humana’, o
maior espetáculo que tinha aqui em São Paulo. Era um circo
extraordinário: os Irmãos Queirolo, era o verdadeiro circo dos que
trabalhavam para comer(...)” (Sr Amadeu).
“(...) Trabalhava das sete da manhã às dez horas da noite (...)
quando era moço fui dar um passeio em Santos com meus amigos e
conheci o mar com vinte anos (...) O rádio veio a existir em 1926, por
(...) Os vizinhos é que tocavam, na Mooca: uns tocavam pistão, outro
tocava violino, o Amleto tocava flauta e bandolim e acompanhava mamãe
no Sole mio. Mamãe cantava em casa, nas festas, com dança (...)” (Sr
Ariosto) (BOSI, 1994, pp.105-9-62).
Não se tratava de que os rapazes e moças por serem operários fossem
predispostos a utilizar inadequadamente seu tempo livre, mas sim de que eles
quase não tinham tempo livre porque trabalhavam 12, 15 horas por dia. O
pouco tempo livre de que dispunham era gasto, quando ainda lhes sobrava
algum ânimo, realizando atividades de lazer e cultura restritas ao ambiente da
casa e/ou de seu meio social mais próximo que podiam ser pagas com seu
próprio dinheiro. Em outras palavras, não havia até os anos 1930, serviços
públicos disponíveis que permitissem aos operários ocupar o pouco tempo livre
de que dispunham com atividades de cultura, esporte e lazer. A eles restavam,
153
pois, o lazer familiar e da vizinhança, as festas religiosas e mais raramente os
piqueniques, de preferência em Santos para conhecer o mar.
O chefe do DMC não pensava que os operários, por pertencerem essa
classe, ocupassem suas horas de folga inadequadamente conforme sugeria a
segunda finalidade do artigo 51 “desviar [os adolescentes e adultos] dos
ambientes improdutivos e prejudiciais, os operários em folga no tempo
disponível que lhes faculta o regime de trabalho”.
Ao contrário, Mário de Andrade pensava que o ócio poderia estimular a
arte, conforme escreveu em “A Divina Comédia”: “a arte nasce do ócio e é
deformadora da natureza”. Ancona Lopez afirma que talvez por isso, Mário
tenha se dedicado à música. Pois a música é arte não utilitária, ou como diz
HUIZINGA, a música era recomendada pelos nossos antepassados como
educação e cultura, como algo que não é necessário ou útil a exemplo da
leitura e da escrita:
“(...) O gozo da música aproxima-se desse fim último (‘diagoguê’) da
ação, devido ao fato de não ser procurado em função de um bem futuro,
mas em função de si mesma (...) portanto, fica claro que precisamos educar-
nos para esta ‘diagoguê’ e aprender certas coisas, mas não, note-se bem,
em nome de trabalho e sim em nome delas próprias (HUIZINGA, 1971,
p.321).
Do mesmo modo, o que preguiça” do Macunaíma é uma retomada
da idéia do “ócio criador” da “Divina Comédia” tanto quanto algumas respostas
dadas pelos rapazes dos Clubes de Menores Operários a um roteiro de três
perguntas relativas aos quadros vistos por eles em duas exposições na cidade
e motivo de citação e comentários nossos no próximo capítulo. Ao criticar a
falta de “interesse estético” dos jovens que se manifesta pela insistência em
associar os quadros somente a assuntos do cotidiano, Mário excetua a música,
“arte não-representativa de assuntos, de “grande validade estética, que a
grande maioria dos rapazes escutam espontaneamente “nas vitrolas, nos
rádios principalmente e nos concertos públicos.
É nesse sentido, da cultura proposta como lazer, como descanso,
como aquisição de senso estético que afirmamos que o DMC contemplou
aspecto inovador na educação para a saúde. O jogo, a brincadeira, o
154
descanso, a arte são dimensões que não podem ser desprezadas quando se
fala em saúde preventiva.
Deste ponto de vista a educação para a saúde pode ser considerada
inovadora porque no quadro oficial do Estado e do município de São Paulo,
esse aspecto não tinha sido contemplado, até então, pelas propostas oficiais
de saúde pública, apesar de a Higiene e a Saúde Publica ter sido a primeira
área de ação definida pelo município no campo social (Artigo 161 da Lei de 9,
de 1892), dando conta da saúde preventiva
139
..
SPOSATI et al afirmam que a prefeitura passou por diversas mudanças
organizacionais durante a República Velha, mas, nem por isso, a prática da lei
ou outras medidas capazes de engendrar boas condições de saúde dos
operários se fizeram notar:
“As condições sanitárias vão se deteriorando, mas se fazem
necessárias certas garantias para que a mão-de-obra não continue a
socorrer o campo para dar conta da produção cafeeira, como atenda a
crescente produção industrial. Com isto, por exemplo, a construção de casas
para operários estava em quase todas as propostas legais, mas
concretamente as vilas operárias eram poucas e insuficientes. A morada do
trabalhador era o cortiço, que (...) ocupava significativo percentual dentre as
alternativas de moradia da população mais pauperizada da cidade A
concentração da força de trabalho na produção industrial e nos serviços
passa a demandar um conjunto de condições que a cidade não possuía e
cujo provimento não se incluía nos planos da acumulação econômica”
(SPOSATI, et al, op.cit., p.52).
É nesse contexto que se inscreve a primeira proposta de educação
sanitária em São Paulo da segunda década do século XX. Esse projeto firmou-
se no modelo instaurado a partir da Reforma Sanitária de 1925, que se
transformou em proposta genuinamente paulista, para usar as palavras de
139
Artigo 161 da Lei 9, de 1892: Capítulo III: Competências da Intendência de Hygiene e Saúde Publica
(resumo nosso): Limpeza pública maior regularidade na coleta dos resíduos das casas particulares;
direção do serviço de canalização e distribuição de água potável e construção de esgotos para águas
pluviais, materiais fecais e águas servidas; fiscalização da alimentação pública (provimento e criação de
feiras e pastagens comuns, asseio e higiene dos mercados, matadouros, etc...’tomando todos os cuidados
para prover e garantir a abundância, barateza e boa qualidade dos gêneros’; cuidar da assistência pública:
saneamento da cidade, promover e combater as moléstias endêmicas, epidêmicas e transmissíveis;
organizar o serviço de médicos e farmacêuticos aos indigentes; fundar hospitais, creches, maternidades,
asilos, albergues noturnos, banheiros e lavanderias; administrar os cemitérios, regular os enterramentos,
exumações e cremações de cadáveres e quanto se relacione com este assunto em sua parte sanitária e
administrativa. SPOSATI, SERVILHA & VIGEVANI (coords). A SECRETARIA DE HIGIENE E
SAUDE DA CIDADE DE SÃO PAULO: História e Memórias. o Paulo: DMC do Patrimônio
Histórico, 1985, p.46.
155
Paula Souza
140
, e cujo objetivo principal era o de formar a consciência sanitária
calcada no arquétipo americano de educação em saúde.
A atuação de Paula Souza na propagação da idéia de educação
sanitária, assim como no seu empenho em transformar esse ideal em políticas
públicas, não se restringe ao sanitarismo. Segundo Campos (2002), nessa
concepção de bem-estar, de salubridade, estava embutido um plano de
elaboração da cidade para o cidadão de um país que se preparava para o
desenvolvimento industrial. Preconizava a educação de uma força de trabalho
integrada ao mercado em crescimento nas cidades como trabalhadora e como
consumidora, respondendo, dessa forma, à expectativa das elites locais.
Comentando a tese do Dr. Almeida Junior, um dos grandes
incentivadores e gestor público da educação e da educação sanitária em São
Paulo dos anos 1920, ROCHA (2003, p.187) nos possibilita rever os pontos
norteadores deste tipo de educação bem como a quem se destinava
prioritariamente:
“Materializando-se em lugar da saúde’, a escola, aberta à luz do sol
e ao ar, limpa, espaçosa, ordenada e clara, exerceria por si uma
‘poderosa sugestão higiênica’ sobre as crianças. Contrastando com a sujeira
dos seus sapatos e das suas mãos, o assoalho limpíssimo e os móveis
polidos e lustrosos ensinariam às crianças (só a criança é realmente
educável) a necessidade de limpar as solas dos sapatos e lavar as mãos.
Agindo sobre a tendência à imitação, a escola, impecavelmente limpa e
iluminada, transbordaria a sua ação educativa para o ambiente doméstico, e
assim, a instalação escolar, pela sua simples força de presença irá repercutir
nas condições sanitárias do domicilio (...) Quando ‘a força da presençapor
si o bastasse, quando a sugestão higiênica’ fosse insuficiente, usasse
o professor da sua autoridade, matizando o contraste entre a escola e o lar,
entre a virtude e o vício”
141
.
É ainda Campos (2002) quem afirma que a educação sanitária
somente encontrou espaço na década de 1930, no âmbito de outra proposta, a
dos parques infantis implementados por Mário de Andrade no DMC. As
protagonistas desse tipo de educação foram, sem dúvida, as educadoras
140
Geraldo Horácio de Paula Souza foi diretor do Instituto de Higiene de São Paulo, atual Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo, de final dos anos 1920 até a década de 1940. Deve-se a ele,
que completou seus estudos na área de saúde pública nos Estados Unidos, a ênfase que o Instituto de
Higiene atribuiu à educação sanitária.
141
ROCHA, Heloisa Helena Pimenta. op.cit., pp.182 e 187. Os trechos em itálico o os destaques da
autora tal como ela usou no fragmento em destaque e os sublinhados são citações de Almeida Junior que
a autora colocou entre aspas no referido fragmento.
156
sanitárias. Habilitadas para trabalhar no magistério de a rie e
especializadas em educação sanitária, essas professoras deveriam apresentar
capacitação em três grandes áreas, como demonstra o programa
142
para
concurso à vaga para este cargo nos PIs
143
: a) Enfermagem, b) Higiene
Pessoal e Epidemiologia aplicada e, c) Higiene das Idades Escolar e Pré-
Escolar e Prática de Visitas domiciliares.
Revela-se aqui, mais uma vez, a ambigüidade da proposta, opondo
o desejo do Estado e o dos intelectuais ligados ao DMC. Se a tônica da
educação sanitária era aproveitar a plasticidade das crianças para lhes impor
hábitos saudáveis tendo a escola como espaço privilegiado para isto, nos
equipamentos do DC a educação sanitária enfatizava a alimentação, o recreio,
a brincadeira e, em decorrência das condições de vida de seus usuários, a
assistência à saúde
144
.
Isto não significa que a formação de hábitos saudáveis estivesse
excluída da proposta dos equipamentos do DMC, porém, o que os distinguia
em termos de educação sanitária era a importância dada ali a outras
dimensões da vida humana como componentes essenciais de uma vida
saudável. Assim, nesses equipamentos eram valorizados: o descanso, os
esportes, a música, as artes em geral, a brincadeira como elementos que,
juntamente com a formação de hábitos relacionados à higiene pessoal e do
entorno da vida das crianças e jovens, constituíam as condições para a
emergência da saúde.
142
Alguns subitens do programa dão idéia da preocupação com a prevenção de doenças e com a formação
em educação sanitária: 1) higiene do habitat’(...); 2) Asseio corporal: que significa em relação à saúde
(...) Higiene da respiração (...) A educação física e a respiração. Tuberculose, como se transmite? (...);
Higiene das Percepções. Cuidados higiênicos exigidos pelas acuidades. Proteção e defesa dos aparelhos
(...) Higiene do exercício e do repouso. Vestuário apropriado. Requisitos higiênicos do sono. Regras de
exercício saudável e sono reparador. Estafa e sua profilaxia (...) Higiene da atitude. A boa posição: de pé,
sentado, andando, correndo, estudando. Porque é uma correção da saúde? Necessidade da ginástica
respiratória e dos exercícios de correção e postura. Higiene da alimentação. Razão de ser do ato de
alimentar. Exigências quantitativas e qualitativas do organismo para que o alimento seja aproveitado (...).
(RAM, XVII, 1936)
143
Conforme dissemos, a atuação dessas profissionais deu-se mais nos PIs do que nos outros
equipamentos, até porque os outros equipamentos funcionaram de forma precária depois de Mário ter
deixado o DC, como é o caso dos Centros de Rapazes e Moças..
144
É verdade que entre a proposta teórica e a prática havia um distanciamento grande pois,
apesar da importância das educadoras sanitárias para a época, não se pode esquecer que elas eram
formadas segundo as diretrizes do modelo norte-americano e sob as orientações de uma proposta que
preconizava “a formação de cidadãos para a nação”.
157
A Legislação dos Parques Infantis em seu artigo resume seus
objetivos e foi assim sintetizada e interpretada por FARIA, expressando a idéia
de saúde preventiva que ora defendemos:
“Não o PI, mas o DC, como um todo, era um projeto de educação extra-
escolar. (...) a ênfase no PI estava no aspecto lúdico, nas brincadeiras, nos jogos
tradicionais infantis; e os objetivos oficiais dessas ‘escolas populares de saúde e
alegria’ pretendiam educação moral, higiênica e estética (Ato n. 767 art. 5º i). (...) as
educadoras deveriam brincar com as crianças e não lhes perturbarem ou ameaçarem
a liberdade e espontaneidade (art cd, do mesmo ato). Para isso os adultos-
educadores precisavam ser educados, tanto é que uma de suas funções era a de
estudar a criança nos seus aspectos higiênico, psicológico e social”. (art. f)
(FARIA, op.cit., p.158).
Em outro equipamento, o Clube de Menores Operários, estão presentes
objetivos relacionados à saúde muito semelhantes aos dos PIs: Eles visam [os Clubes
de Menores Operários] criar uma personalidade (...) no adolescente operário (...) cuja
expressão seja originada da prática dos jogos, dos esportes e do cultivo de certas
formas de arte. É seu objetivo, ainda, (...) a educação higiênica, o aperfeiçoamento da
vida mental do adolescente, a formação de hábitos morais (...)
145
dissemos no decorrer deste trabalho que Mário de Andrade não se
interessava diretamente pelas questões da educação escolar. O que os
equipamentos do DMC faziam emergir era um ponto de vista sobre educação
que incorporava a saúde, ou melhor dizendo, que não separava educação e
saúde [idéia essa] que, de alguma forma, estava contida no Manifesto dos
Pioneiros de 32
146
” (FARIA, op.cit., p 182-3)
Não se pode negar o ineditismo e a importância do Departamento
Municipal de Cultura para a vida dos operários da cidade de São Paulo até
então desprovidos do uso de equipamentos facilitadores do exercício da
cidadania, aliás, facilitadores dos elementos básicos que possibilitam a vida, a
educação e a saúde, mesmo que, contrariamente ao que estamos defendendo
aqui, tomadas separadamente.
Entretanto, essa experiência de política pública municipal, a exemplo
do que sempre aconteceu e continua acontecendo, teve curta duração. Foi
interrompida a partir do golpe de 1937, quando, no plano municipal, se
145
MIRANDA, Nicanor. “Clubes de Menores Operários” ,In: Revista do Arquivo Municipal (Separata).
São Paulo, DMC Municipal de Cultura, n.68, ano 1938, p.84.
146
Movimento de Educadores que propunha uma nova concepção de educação escolar, a chamada
educação integral. Entre os mais importantes organizadores deste Movimento estão Anísio Teixeira e
Fernando de Azevedo.
158
priorizou a construção de grandes avenidas que tiveram papel preponderante
na circulação de bens materiais e financeiros.
Na última seção deste capítulo trataremos sucintamente do fim do
DMC que teve como conseqüência mais grave o fim do próprio Mário de
Andrade.
3. O fim do Departamento Municipal de Cultura e da proposta de Educação
Para a Saúde
Em que pese o envolvimento de todos os colaboradores do DMC,
quem se dedica ao estudo das diferentes facetas desse órgão, logo percebe
que vem de Mário de Andrade o maior entusiasmo e envolvimento, irradiando
aos outros o prazer de abraçar essa causa.
Ele deixou todas as suas atividades e sua vida intelectual e musical em
suspenso para dedicar-se exclusivamente ao DMC. Entregou-se inteiramente
ao DMC vendo nele uma possibilidade de contribuir para a coletividade como
afirma em algumas de suas cartas:
“(...) Não era bem ‘tristonho’ que eu estava, era vago. E agora não
estou mais, estou completamente cheio com esta aventura do DC em que
me meti. (...) Não faço projetos, deixei os que tinha comigo pra mais tarde
(ou quem sabe nunca?...), estou cheio, trabalhando com paixão, nesta
primeira vida minha em que tomo contacto burocrático com o povo e com a
vida” (fragmento de carta de Mário de Andrade endereçada a Murilo Miranda
e datada de 6 de julho de 1935, grifo nosso).
Sua animação pela Seção de Educação e Recreio do DMC e, de modo
especial pelos equipamentos destacados neste trabalho, os Parques Infantis,
os Clubes de Menores Operários, os Centros de Rapazes e Moças, os
acampamentos e as Casas da Cultura deve-se à particular afeição que sempre
nutriu pelas crianças e pelos jovens fossem eles de qualquer condição social;
e, também, a maneira como esse afeto pelas crianças e pela mocidade pobre
foi se intensificando na proporção direta de seu envolvimento com as questões
sociais, nos limites de um país e de uma cidade em que o embate entre os
capitalistas e os trabalhadores parecia favorecer, naquele período, esses
159
últimos com o esboço de um projeto nacional em que os operários poderiam
adquirir condições sintonizadas com um padrão aceitável de vida
147
.
José Bento, secretário particular de Mário desde 1934 até a sua morte
em 1945, perguntado em entrevista se Mário gostava de criança respondeu:
“Adorava criança. E a grande preocupação dele era com o menor do
meio operário. Eu me lembro bem de que o primeiro parque infantil, ligado ao
Sérgio Milliet e à Maria de Lourdes Milliet, já levantava a preocupação de como
criar parques para as crianças filhos de operários” (BENTO, J., 1993, P.11).
De sua afabilidade para com os jovens muitos relatos. Chamou-nos
a atenção um em particular. Trata-se de um depoimento sobre Mário de
Andrade dado por Antonio Candido à ALTV - TV Assembléia Legislativa de São
Paulo
148
- em que Candido falou de como um fato da vida de Mário, segundo
ele próprio contou a Antonio Candido, teria sido decisivo para que ele tomasse
posição, desde muito cedo, de nunca abandonar os jovens e tratá-los sempre
com a maior deferência.
Encontramos, no desenrolar da pesquisa, esse mesmo depoimento de
Antonio Candido para “Cadernos Porto e Vírgula”:
“Quando era moço, Mário de Andrade escreveu uns poemas e os
mandou a Vicente de Carvalho, que admirava e sempre admirou, pedindo a
sua opinião. Os poemas valiam ou não valiam? Devia ou não devia
continuar? Mandou e de noite ia rondar a casa do poeta, o mais ilustre de
São Paulo naquela altura, imaginando decerto que a luz do escritório estaria
talvez iluminando a leitura do seu texto. Mas Vicente de Carvalho nunca
respondeu e a decepção do principiante foi enorme. Foi um verdadeiro
traumatismo, que o amargurou e o fez tomar uma resolução: se algum dia
tivesse eminência intelectual e um jovem lhe pedisse opinião sobre o que
escrevera, ele responderia com todo o cuidado, procurando ajudá-lo por
meio de uma crítica atenta e sincera. Como se sabe foi o que fez durante
toda a vida, com uma correção epistolar e um senso de solidariedade que
nos deixa espantados, a nós deste país onde é hábito (...) não responder
cartas e não acusar recebimento de livros” (CANDIDO, 1993, p.9).
A disposição com que abria as portas de sua casa para receber e
orientar alunos e outros moços interessados em arte e cultura, assim como
muitos de seus personagens revela a preocupação de Mário de Andrade com
147
Essa ainda é uma questão atual. Pensamos que vivemos períodos em que os embates ganharam mais
força, mas os tempos nos quais as lutas dos operários foram contidas à força sempre superaram os
períodos de avanço dessas lutas se olharmos do ponto de vista da história oficial.
148
Entrevista de Antonio Candido sobre Mário de Andrade dada à TV ASL/SP. Como esse tipo de
programação geralmente é reapresentada, não podemos informar se assistimos a apresentação em
22/11/2006, ou se já se tratava de reapresentação.
160
os jovens. Macunaíma
149
, que pode ser interpretado como criança, mas
também como jovem; alguns dos personagens que estão em “Losango
Cáqui”
150
, Piá não sofre? Sofre
151
; a análise sobre as respostas que os
meninos usuários dos Clubes de Menores Operários deram a perguntas sobre
exposição de quadros; Pedro, operário que antes de completar quinze anos
tinha sofrido uma mutilação, perdendo um dos dedos da mão na máquina da
fábrica. É preciso lembrar ainda de “Amor e Medo”
152
em que Mário analisa a
tendência à morte precoce e as relações complexas com a figura da mulher na
poesia de Álvares de Azevedo, de certa forma ajuizando nesta análise o que
ele mesmo pensava sobre esses temas e a juventude. A história de Pedro
153
reflete de modo especial a tristeza da infância e da adolescência operária.
No DMC, Mário entregou-se inteiramente à tarefa de propor formas
concretas de melhoria da qualidade de vida dos operários e seus filhos. Seu
desejo extrapolava o âmbito do assistencialismo porque queria que os
trabalhadores tivessem acesso e usufruíssem de todos os bens sociais e
culturais sem nenhuma restrição. No caso desses últimos, sua expectativa era
a de que as chamadas classes populares usufruíssem desde as suas próprias
manifestações culturais até as que eram consumidas pela elite com a ressalva
de que a fruição desses bens não representasse para os operários o consumo
superficial de cultura importada como ocorria com boa parte da elite; mas sim,
a possibilidade de aprender a vivenciar a beleza e o prazer desinteressado pela
chamada cultura erudita. Inúmeras vezes o poeta teve oportunidade de se
pronunciar publicamente a respeito desse seu anseio. No entanto, é
interessante perceber isso por meio da intimidade de cartas escritas a amigos e
149
ANDRADE, Mário. Macunaíma. O Herói Sem Nenhum Caráter, ed., o Paulo: Livraria Martins
Editora, 1973.
150
ANDRADE, Mário. Poesias Completas. 4ª ed., São Paulo: Livraria Martins Editora S/.A, 1974..
151
ANDRADE, Mário. Os Contos de Belazarte. 7ª ed., São Paulo/Belo Horizonte: Martins/Itatiaia, 1980.
152
ANDRADE, Mário. “Amor e Medo”, In: Aspectos da Literatura Brasileira, 5ª ed., São Paulo: Livraria
Martins Editora , 1974, pp.197-229.
153
Agora quero cantar/ Uma história muito triste/ Que nunca ninguém cantou/ A triste história de Pedro/
Que acabou qual principiou (...)/ Pedrinho engatinhou logo/ Mas muito tarde falou/ Ninguém falava com
ele/ Quando chorava era surra/E aprendeu a emudecer/ Falou tarde, brincou pouco (...)/ Ele gostava era
da/ História Natural, os/ Bichos, as plantas, os pássaros,/ Tudo entrava fácil na/ Cabecinha mal penteada/
Tudo Pedro decorou/ Havia de saber tudo! Se dedicar! descobrir!/ Mas estava grandinho/ E o pai da
escola o tirou/ Ah que dia desgraçado!/ E quando chegou/Como única resposta/ Um sono bruto o prostrou
(...)/ Vida que foi de trabalho/ Vida que o dia espalhou,/ Adeus bela natureza,/ Adeus bichos, Adeus
flores,/ Tudo o rapaz, obrigado/ Pela oficina, largou./ Perdeu alguns dentes e antes,/ Pouco antes de fazer
quinze/ Anos, na boca da máquina/ Um dedo Pedro deixou (...).ANDRADE, Mário. Lira Paulista: Agora
eu quero cantar, In: Mário de Andrade. Poesias Completas, op.cit, p.293.
161
publicadas somente depois de sua morte, como a que endereçou a Murilo
Miranda, desculpando-se pela demora em visitar os companheiros no Rio de
Janeiro:
“(...) Dia 13 inauguramos a Rádio Escola com um programa que
um Trio de Mendelssohn (Trio São Paulo), um solo de piano por Antonieta
Rudge, uma peça de Carlos Gomes pra coral (Coral Paulistano) um madrigal
de Palestrina (grupo de madrigalistas, primeiro existente e único no Brasil) e
em disco o gamelão javanês. Dia 14 de-tarde inauguração da Biblioteca
Infantil. (...) Até junho inauguraremos a primeira Biblioteca Popular fixa (a
circulante está rodando com sucesso (absoluto). Tivemos de atrasar um
bocado a Popular porque empiricamente, pela opinião geral estávamos
localizando ela no Brás, porém os estudos a que está procedendo a nossa
Divisão de Documentação Social deram resultados surpreendentes,
provando cabalmente que o Brás não é mais bairro proletário mas de
pequena e dia burguesia. Estamos por isso procedendo a estudos novos
pra que a Popular tenha localização mais adequada” (ANDRADE, M, 1981,
p.26).
Em fins de 1937, Mário de Andrade percebe que não teria mais o que
fazer no DMC. A opção política era outra. A cidade que há pouco havia trocado
os sapos pelos PIs, como ele havia se referido em um 25 de janeiro não muito
distante, agora com o Estado Novo dava início a um processo de priorização
dos interesses dos capitalistas em detrimento do interesse dos trabalhadores.
Mário tira “férias” (na verdade aproveitou as férias para trabalhar no
Rio) em final de 1937, volta a São Paulo, quando então é exonerado do DMC
em 1938. A partir daí, passa um tempo no Rio a serviço do Ministério da
Educação, mas volta a São Paulo onde permaneceu até a morte em fevereiro
de 1945.
Os que com ele conviveram são unânimes em afirmar que o fim do DC muito
contribuiu para sua morte precoce. Paulo Duarte assim se refere à questão:
“Os que viveram intimamente com Mário de Andrade sabem que até
ali por volta de 1936 costumava ele repetir como um estribilho isto: ‘Sou um
homem feliz!’ Pois documentado com as suas cartas, o resto de suas cartas
que não se perderam e com o conhecimento que melhor do que ninguém tive
pelo menos desses últimos vinte anos antes de sua morte, posso afirmar que
Mário deixou de ser feliz no dia em que o expulsaram do DMC de Cultura. Em
1938, portanto” (DUARTE, 1971., p.6).
Para um grupo de funcionários que haviam permanecido no DMC,
tentando “salvar” o projeto, dando-lhe continuidade, na medida do possível,
Mário continuava a ser uma referência e uma espécie de consultor informal,
162
recebendo notícias do andamento dos trabalhos, dos resultados positivos do
que realizara e das dificuldades por que passava o DMC, conforme revela carta
de Oneyda Alvarenga para Mário de Andrade:
“Mário
aqui lhe mando cópia da carta com que a Sociedade de Educação
Musical de Praga agradeceu os nossos dados sobre a organização da
Discoteca
154
É dessas coisas que consolam a gente e ajudam a manter a
vontade de trabalhar, apesar de tudo.(...) Continuamos a passo de tartaruga.
Cabines fechadas quase dois meses, porque o processo para a reforma
tem passeado muito, compra de discos paralisadas, com processo também
dormindo por 3 meses etc., etc.. Orçamento para o próximo ano com
um corte de 2.000:000$ e verbas prefixadas. Vamos fazer o que é possível
(...) Quanto ao serviço de gravação, espero que você me auxilie na escolha
do que deve ser registrado (...) Se você vier mesmo no dia 16, como o José
Bento nos informou, conversaremos aqui sobre isso” (DUARTE, 1971, op.
cit., p.6).
Apesar do empenho desses funcionários o DMC foi aos poucos se
desfazendo, ou melhor, foi perdendo sua configuração inicial com a
manutenção apenas de algumas seções até que chegasse a mudança
administrativa e desse cabo do Departamento Municipal de Cultura. Paulo
Duarte diz que:
“A existência de qualquer coisa remanescente do Departamento de
Cultura deve-se só a um caso de sorte. Sorte principalmente que tiveram
algumas repartições em possuir funcionários abnegados, estupidamente
abnegados. Abnegada estupidez que permitiu salvar uma pequena parte
daquele outrora grande instituto paulista (...) (DUARTE, 1971, p. 70-1)
A mudança administrativa a que aludimos no parágrafo anterior está
relacionada à criação em 1945 da Secretaria de Cultura e Higiene. Em livro da
coleção Memória e História relativo à história da Secretaria de Higiene e Saúde
paulistana afirma-se que controvérsia sobre o ano de criação desta
secretaria; alguns se referem a 1945, outros a 1947, quando a “Secretaria de
Higiene se separa da área da Cultura” (SPOSATI ET AL, 1985, p.59)
Se, de um lado, como afirmam os elaboradores da História da
Secretaria de Higiene e Saúde da Cidade de o Paulo aqui citada, a criação
desta Secretaria não representou de início uma ampliação das suas
154
.Trata-se da nota 1 da emissária: “Essa Sociedade de Praga, Tchecoeslováquia, pedira à Discoteca
Pública Municipal informes detalhados sobre sua organização, para criar um serviço idêntico. Tive
notícias, muito mais tarde, de que realmente esse serviço foi criado nos moldes enviados por mim” In,
Cartas Mário de Andrade Oneyda Alvarenga (1983). São Paulo: Duas Cidades, p.152.
163
competências, pois até 1950 ela será “uma continuação do antigo DMC [de
Higiene], onde não se explicitava ainda sua responsabilidade pela Assistência
Médica à população em geral”; de outro lado, o esfacelamento do DMC, com a
conseqüente extinção dos equipamentos nele concentrados e destinados à
saúde centrada nos aspectos físicos, afetivos/emocionais, intelectuais e
culturais dos habitantes da cidade e, de modo especial, à saúde dos operários,
significou o fim de um projeto político que poderia ter rendido vantagem para a
própria assistência à saúde tão privilegiada pela medicina. A idéia de que a
educação para a saúde traz ganhos relevantes para a medicina e de que houve
um abandono desta visão é atual e reconhecida entre os próprios profissionais
da área médica
155
Por fim, é preciso que se diga que o desmantelamento do DMC tal
como havia sido concebido pelo grupo de Mário de Andrade se inscreve, no
contexto do Estado Novo, no desmanche de muitos projetos democráticos em
todas as áreas da realidade do país e em todos os níveis de governo, federal,
estadual e municipal, incluindo desde a dissolução do principal instrumento
legal que, pela primeira vez, havia reconhecido a cultura e a saúde, juntamente
com a educação, como direitos, mesmo que ainda de modo vago e sintético,
limitando-se, na sua grande maioria, ao trabalhador contribuinte. Trata-se da
Constituição de 1934
156
.
155
“(...) hoje, a educação para a saúde, garantindo bons hábitos de vida, é o mais relevante avanço que
pode ser dado em saúde pública. Diagnóstico precoce já se tornou arcaico, pois significa esperar a doença
começar para diagnosticá-la e tratá-la quando conhecemos suas causas e podemos evitá-la. É uma
oportunidade ímpar que os países em desenvolvimento podem usar para, a custo baixíssimo e sem repetir
erros, subir de uma vez vários degraus da escada do aprimoramento da saúde. Colocar isso na prática,
entretanto, não é fácil. Hábitos fazem parte da cultura, e esta se transmite e persiste surda e
insistentemente (...) A modernidade na saúde passa pela educação” Manual de instruções de nossa
morada. José Aristodemo Pinotti: Folha de São Paulo, 02/06/2006.
156
A pesquisa de Fernandes chama a atenção para o fato de que a cultura passou a integrar os textos
constitucionais, a partir do momento em que esses textos abriram um título para a ordem econômica e
social, educação e cultura. Isso ocorreu primeiro com a Constituição Mexicana de 1917 e depois com a
Constituição de Weimar de 1918. “No Brasil, a cultura figurará nos textos constitucionais a partir de
1934, em capítulo dedicado à educação e cultura, cujas disposições referem-se à proteção das ciências,
das artes e da cultura em geral”. Ver: FERNANDES, Natalia A. M. Cultura e Política no Brasil.
Contribuições para o debate sobre Política Cultural. Araraquara/São Paulo, 2006, Tese Doutorado..
Sobre a saúde consultamos a Constituição de 1934,Capítulo II Do título IV- Da Ordem Econômica e
Social – ressaltamos os artigos: 121, parágrafo 1º , itens d, h, relacionados à saúde (preventiva e
assistencial). Item “d) proibição de trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de 16
anos; e em indústrias insalubres, a menores de 18anos e a mulheres; h) assistência médica e sanitária ao
trabalhador e à gestante, assegurado a esta descanso, antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do
emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do
empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes do trabalho ou de
164
Depois disso, somente na Constituição de 1988 é que aparecem os
direitos sociais nos quais se enquadram: a saúde, a educação e a cultura, mas
que mais uma vez aguardam a passagem da letra da lei para as práticas
políticas; ou seja, temos hoje um conjunto de leis que garantem ao cidadão o
direito de acesso aos bens sócio-culturais, mas ainda não temos instrumentos
políticos capazes de transformar essas leis em instituições permanentes de
acesso e fruição desses bens a todos os cidadãos, e, especialmente, aos
menos favorecidos na escala social.
Nosso próximo e último capítulo dedica-se à apresentação dos
equipamentos do Departamento Municipal de Cultura, a saber: Parques
Infantis, Clubes de Menores Operários, Acampamentos Permanentes, Centros
de Rapazes e Moças e Casas da Cultura onde os adolescentes e os jovens
poderiam desenvolver programas de educação para a saúde tal qual a
conceituamos durante a elaboração desse estudo.
morte; Artigo 138. Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: a)
assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja
orientação procurarão coordenar, b) estimular a educação eugênica, c) amparar a maternidade e a
infância, d) socorrer as famílias de prole numerosa, e) proteger a juventude contra toda exploração, bem
como contra o abandono físico, moral e intelectual, f) adotar medidas legislativas e administrativas
tendentes a restringir a mortalidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a
propagação de doenças transmissíveis, g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos
sociais”. In. POLETTI, Ronaldo (org). Constituições Brasileiras: 1934. VOLIII. Brasília: Senado
Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p.67.
165
Capítulo IV
Os Equipamentos para crianças e jovens, rapazes e moças do Departamento
Municipal de Cultura
Conforme anunciamos, neste capítulo apresentaremos uma
descrição ilustrada com fotos dos principais equipamentos do DMC em que os
jovens (crianças acima de doze anos e, também, os maiores, até 21 anos)
aparecem como potenciais ou concretos usuários, a saber: os parques infantis,
os clubes de menores operários, os centros de rapazes e moças, os
acampamentos e as Casas da Cultura.
A ordem de apresentação segue a história do surgimento de cada um
deles que, como se verá, estão encadeados como projetos que surgem um em
decorrência do outro. Assim, os parques vieram para atender as crianças,
especialmente as de idade até doze anos; no entanto, como aqueles de idade
de 12 anos ou mais, sem trabalho e sem escola, também passaram a
freqüentar esse equipamento, o DMC decidiu implantar um outro, destinado
para os jovens de idade superior à citada, abrangendo os de até 21 anos.
Eram os Centros de Rapazes e Moças que, embora projetados, não chegaram
a funcionar na gestão Mário de Andrade, conforme referência anterior e
algumas explicações que ainda serão fornecidas neste capítulo. Havia um fato
que reforçava a necessidade deste equipamento: a boa aceitação dos Clubes
de Menores Operários que começaram a funcionar em 1937. Dado que o Clube
de Menores destinava-se somente aos meninos trabalhadores, os Centros
ampliariam e diversificariam as atividades, estendendo-as às moças. Tal como
aconteceu com os outros equipamentos, mesmo sem ter acontecido na
administração dos modernistas no DMC, esses Centros foram projeto deles e
acabaram funcionando ainda que precariamente nos anos 1940, durante a
administração Prestes Maia, quando alguns funcionários remanescentes do
DMC, nesse período totalmente descaracterizado de seus objetivos primeiros,
não titubearam em serem registrados como operários na tentativa de garantir a
concretização do equipamento, e conseguiram exercer, na prática, a função de
166
instrutores, fazendo funcionar, durante alguns meses apenas, dois Centros — o
da Praça da República e o de Santo Amaro (DUARTE, 1971, p. 119). Embora a
boa vontade tenha sido grande, quem, na verdade, conseguiu implantar o
projeto nos moldes muito semelhantes ao projeto original foi a Secretaria de
Cultura da gestão Luiza Erundina que resgatou a idéia, colocando-a em prática
com a criação dos Centros da Juventude a partir de 1991
157
.
É de Antonio Candido a afirmação sobre a similitude entre alguns dos
projetos do governo Erundina e os de Mário de Andrade. Camargo Costa em
“Cadernos Porto e Vírgula” relembra a conjuntura que levou Candido a fazer tal
afirmação:
“(...) ao fazer um balanço da gestão Erundina com o objetivo de expor
as razões de interesse político-cultural que o levaram a apoiar a candidatura
Eduardo Suplicy ao governo municipal, Candido afirmou que a administração
Luiza Erundina foi a primeira a retomar alguns dos aspectos mais importantes
do projeto de Mário de Andrade no DC, tais como as Bibliotecas populares, o
projeto Gostar de Ler e os ônibus-escola” (CAMARGO COSTA, 1993, p.91).
De nossa parte acrescentamos os Centros da Juventude desenvolvidos
pela Secretaria Municipal de Cultura e, em termos de saúde, o projeto de
prevenção à AIDS da responsabilidade das Secretarias de Educação e Saúde.
Neste caso, coube à Secretaria Municipal de Educação o trabalho de educação
para a saúde que, na prática, levava os técnicos desta Secretaria, devidamente
treinados pela Secretaria da Saúde em parceria com a Secretaria Estadual de
Saúde e o Instituto Emilio Ribas, às escolas da periferia para fazer palestras
sobre a doença, orientando sobre os procedimentos de uso de preservativos e
sua distribuição gratuita pelo governo municipal.
Vale dizer que antes de Erundina, na gestão Mário Covas, houve uma
tentativa de organização de algo semelhante aos Centros. Esse projeto da
responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura tinha por objetivo resgatar
as diversas manifestações artístico-culturais das diferentes regiões periféricas
da cidade para criar espaços próprios onde a população pudesse tomar contato
com a história de sua própria cultura, se divertir e ter oportunidade de educar-
157
O primeiro Centro de Juventude funcionou à época da gestão Erundina (1989/1993), na Rua Lopes
Chaves, Barra Funda/ São Paulo, na casa em que Mário de Andrade morou durante boa parte de sua vida.
Consulta na internet, via google, indica que os Centros de Juventude ainda funcionam e continuam
ligados à Prefeitura Municipal.
167
se na cultura chamada erudita. A implantação do projeto deu-se na zona
leste
158
, especificamente no bairro de São Miguel Paulista, com o resgate das
“relíquias” da Capela de São Miguel.
Na verdade, a versão oficial para a não-continuidade do projeto foi a da
pequena quantidade de material encontrado e a energia que o poder público
teve que despender em São Miguel com os movimentos sociais principalmente
o movimento por escola e o movimento por moradia.
Mesmo assim, e para além do poder público, alguns pesquisadores
ligados naquele período à Universidade de São Paulo e à Universidade
Católica de o Paulo encontraram, no bairro de São Miguel Paulista, um
movimento de arte (o MPA- Movimento Popular de Arte) referido nos
capítulos iniciais deste trabalho, oriundo do projeto da administração Mário
Covas que seguia por conta própria com muitas das características do projeto
dos Centros de Rapazes e Moças, mas principalmente com o perfil daquilo que
poderiam ter sido as Casas da Cultura de Mário de Andrade
159
.
Antes de circunscrevermos os equipamentos, vale a pena deixar claro
que as citações usadas neste capítulo são, de modo geral, muito longas porque
elas próprias constituem os melhores retratos dos equipamentos.
Passemos, então, às descrições.
1. Parques Infantis
Os PIs do DC têm origem no Ato 767 de 9 de janeiro de 1935
(anterior, portanto, ao DMC de Cultura), que criou o Serviço Municipal de Jogos
e Recreios para Crianças, logo a seguir denominado, em outro Ato, o 795 de
fevereiro de 1935, de Serviço Municipal de Parques Infantis.
158
Na gestão Mário Covas os movimentos sociais estavam em franca ascensão e a região mais politizada
era a zona leste. Lá, a Igreja Católica era uma das grandes responsáveis pela politização popular, e o
governo municipal foi chamado com insistência a responder sobre as reivindicações da população que
fossem da alçada do município. Cf: ANDRADE, Cleide Lugarini.” As lutas Sociais por moradia na
cidade de São Paulo: A Experiência de São Miguel Paulista e Ermelino Matarazzo”. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1989.
159
Cf. SPOSATI et. Al op.cit. Conferir também SPOSITO, ANDRADE & NASCIMENTO, op.cit.
168
Paulo Duarte formulou a primeira versão do DC na qual incluiu os
Parques Infantis, copiado quase na íntegra, apenas excluindo os
“Considerandos”, do Ato 767. Essa primeira versão foi distribuída a várias
pessoas para sugestões e alterações antes de ser apresentada ao prefeito e ao
governador do Estado. Aprovados, os PIs se constituíram na primeira proposta
do DC a ser posta em prática.
Os PIs não eram escolas, mas sim um projeto destinado a atender
tanto os alunos fora do horário escolar quanto aqueles que ainda não tinham
idade para freqüentar o grupo escolar e os que estavam sem trabalho. Carolina
Ribeiro faz um relato esclarecedor sobre quem eram os jovens usuários deste
equipamento além das crianças:
[os PIs atendem também] “os outros que aos 12, 13 ou 15 anos
ainda o encontraram escola; e mais os que, egressos do curso primário,
ainda não puderam tomar rumo por falta de idade; ei-los todos, formando um
exército imenso, os ‘chomeurs da educação e os sem recreação’ porque
lhes faltam os meios de brincarem, como os de se educarem” (RIBEIRO,
1943, p.231).
À época, os PIs existiam na Holanda, na Polônia, na Dinamarca, no
Canadá, no Chile, em Buenos Aires, no México e em Cuba. No Brasil,
funcionavam no Distrito Federal, no Rio Grande do Sul, na Bahia, em Minas
Gerais e no Amazonas, além de São Paulo. Em maior número ou em número
muito reduzido, alguns estavam sob a direção dos governos estaduais, outros
sob a responsabilidade dos municípios.
No Estado de São Paulo, funcionavam em Campinas, Ribeirão Preto e
Marília. Estavam em construção os de Santos, Araraquara, Piraje Amparo.
Na capital, havia 7 parques, dos quais apenas 1 já existia antes da gestão de
Mário de Andrade no DMC; 3 foram construídos na administração de Mário e
os restantes depois, conforme relatório de Nicanor Miranda de 1941 (MIRAND
A, 1941,s.p)
169
Parques existentes; Ο
Parques Projetados; Parques em execução.Mapa dos Parques Infantis. Fonte: Álbum de fotos dos Parques Infantis.
Arquivo Histórico Municipal.
Paulo Duarte assim se refere ao aparecimento dos PIs em geral e aos
primeiros parques em funcionamento sob a direção do DMC:
“O primeiro parque infantil construído em São Paulo é anterior à
administração Fábio Prado. Foi o senhor Anhaia Melo, quando prefeito,
quem os introduziu entre nós, instalando o Parque Pedro II, que funcionava
na capital, mas sem organização de qualquer espécie. Era um refúgio
reservado naquele grande parque às crianças que ali fossem ter. O DMC iria
organizá-los e transformá-los, ao lado da obra social que representam, numa
fonte preciosa de pesquisa sociológica. Assim, foram abertos logo a seguir
dois outros parques, um no bairro do Ipiranga e outro na Lapa. A Divisão
tratou de levantar, concomitantemente, um mapa com a localização dos
futuros parques infantis, todos em bairro de trabalho ou de pobreza,
imediações de escolas ou fábricas, enfim onde pudessem ser mais úteis
socialmente. Desse mapa do município da capital constava a localização
de 53 parques cuja construção se iniciou logo, a partir de um em Santo
Amaro, outros na Barra Funda e Tatuapé, outro em Vila Romana. O de
Santo Amaro, poucos meses após, vinha logo juntar-se aos demais
abertos às crianças paulistas” (DUARTE, 1971, p.82).
Parque Infantil Pedro II. Fonte::Álbum de fotos
Parques Infantis. Arquivo Histórico Municipal
170
Parque Infantil da Lapa. Fonte: Álbum de fotos
Parques Infantis. Arquivo Histórico Municipal
Pode-se perguntar: se havia parques infantis em outras regiões do
Estado e do Brasil por que os do DC são tão destacados e reconhecidos como
diferentes, de maior abrangência em termos de trabalho de saúde e de
assistência, características presentes em todos os parques infantis?
E a resposta está no fato de que nos PIs do DC em funcionamento
durante a gestão de Mário de Andrade, as atividades culturais eram muito
valorizadas. Em nosso entender, a cultura englobava a educação para a saúde
do corpo e da mente; a importância dos bens materiais e simbólicos para a vida
saudável foi enfatizada no trabalho desses equipamentos naquele período. Isso
se comprova não somente por meio de depoimentos de participantes do grupo
de Mário, mas pelo que diziam os visitantes que chegavam de outras partes do
país, ou de outros países e tinham a oportunidade de conhecer os parques.
Nesse sentido, Waldemar de Oliveira, ex-chefe da Higiene Escolar de Recife,
escritor e jornalista que vindo a São Paulo visitou o Parque Pedro II disse:
“(...) Que crianças são essas que vêm ali brincar e saltar, em contato
direto com a natureza, longe dos seus lares onde não é certo que reunem a
saúde e a alegria? São filhos de operários sim, para eles são feitos os
parques que, tendo freqüentado a escola pela manhã, vêm à tarde ao
parque e já não querem outra vida, senão esta que o governo lhes dá lenta e
eficiente obra de educação social (...) Entre esse serviço e o escolar nenhum
traço de conexão. São duas coisas inteiramente independentes (...) uma
obra sem similar na América do Sul (...) Não são os parques de ginástica de
Buenos Aires, muito menos os rincones’ de Montevidéu (...) O parque está,
assim, aberto a qualquer criança que lhe queira transpor as portas
acolhedoras. À entrada, um funcionário toma nota das que entram e das que
saem. Assinala o tempo que cada uma levou no parque. Esses dados
sugerem, muitas vezes, inquéritos socais que são realizados pelo corpo de
monitores, em contato com as famílias (...) médicos às ordens, todo um
arquivo riquíssimo de indicações de maior apreço estatístico. Num amplo
salão, realizam-se sessões artísticas em que se toca, se dança, se
171
representa...(...) um sapateador expõe a dois ou três guris os segredos de
sua arte... estivemos num dos campos de ginástica: uma professora (...)
fez um quarto de horas de exercícios(...)De repente uma ordem: e
mergulham todos [no tanque] O banho acaba(...) a piralhada vem tomar o
seu copo de leite(...) Mas aquilo não vai à vontade de cada um; entre eles,
anda, de sobrolho carregado, uma garota dos seus onze anos, recolhendo
copos, atendendo reclamações (...) Não se pense que não são governados
... e por mandatários legitimamente eleitos pelos cidadãos dessa república-
mirim(...) No clube que ali se organizou, há eleições e cabala, disputas,
voto e longos debates parlamentares, sem que neles intervenha (...) a
diretora do parque(...) Dependências diversas do pavilhão que é o eixo de
toda a atividade do parque, estão destinadas ao estudo, à leitura, ao
trabalho de quem quiser estudar, ler ou trabalhar. Tudo sem horários, sem
os deveres de regime escolar, sem as obrigações de tarefa” (RAM, vol. 35,
1937, p.272, 273,274).
Esse depoimento serve não apenas para confirmar a originalidade dos
Parques Infantis à época, na opinião de pessoas não envolvidas diretamente
com o DC, mas presta-se, também, para descrever resumidamente o que
faziam ali as crianças e os jovens. Ainda é preciso ressaltar que esta
admiração pelo equipamento não veio de um único visitante. Outros, como o
professor Afrânio Peixoto, Joseph Lee, presidente da “National Recreation
Association”, Lois M. Williams, superintendente de Educação Física, Recreação
e Jogos do DMC de Educação do Rio de Janeiro, entre outros também regiram
de modo semelhante (RAM, vol 36, p.220, 221).
Atividade de marcenaria em Parque Infantil. Fonte: Álbum de fotos dos parques infantis. Arquivo Histórico
Municipal
Goulart de Faria refere-se às atividades desenvolvidas nos parques
infantis como um trabalho integrado em vários níveis: a criança, o jogo, a
172
cultura, a educação e a saúde, enfatizando também que o parque infantil
estava “harmonicamente integrado ao DC”, ao DMC de Higiene e à Divisão de
Saúde, como parte essencial da política de urbanização da cidade
desenvolvida por Fábio Prado (GOULART DE FARIA, op.cit.,p.129-30).
A mesma autora cita as legendas das fotos dos PIs contidas em
trabalho de Benedito Junqueira Duarte como exemplo das atividades
desenvolvidas nos parques. São elas: teatrinho; desenho; marcenaria;
jardinagem; modelagem; trabalhos manuais (bordados, tapeçaria);
exposição do trabalho das crianças; valsa; dança indígena; recorte de
gravuras; bailado da Nau Catarineta; leitura; biblioteca; prateleira de livros;
reunião da diretoria do clube; eleição – votação e eleição – votantes;
aparelhos; carrossel; joguinho apanhar o lenço; joguinho corrida com
batatas; joguinho o pulo do canguru; voley-ball; balanço; passo de gigante;
escorregadouro; jogo de construção; gangorra; pingue-pongue; tanque de
areia; jogos tranqüilos; jogo de damas e jogo de dominós; fila indiana;
preparativos para a ginástica; ginásticas com bastões; corrida; ginástica
em roda; rumo ao sol e banho de sol (GOULART DE FARIA, op.cit., p.142-
43, grifos nossos).
Basta olhar para o rol das atividades para constatar que um número
significativo delas tanto podiam ser realizadas por crianças como por
adolescentes e jovens. Apenas para ilustrar, e tomando como parâmetro os
adolescentes e jovens da atualidade, colocamos em destaque (negrito), dentre
as atividades que nos são conhecidas, aquelas que ainda hoje podem ser
exercitadas por esse último segmento. Mesmo que a dança, na modalidade de
valsa ou dança indígena, não seja atualmente a praticada pelos jovens
citadinos (as modalidades de danças variam com o tempo), a arte de dançar
permanece entre os jovens.
173
Um aspecto do bailado Nau Catarineta apresentado em Parque Infantil. Arquivo Histórico Municipal
Portanto, embora os termos adolescente e jovem não tenham sido
usados com regularidade na descrição dos Parques Infantis, e o próprio nome
do equipamento possa sugerir que se trata de um espaço destinado tão
somente às crianças pequenas, não apenas o depoimento de Carolina Ribeiro
citado aqui confirma a utilização dos parques pelo segmento dos jovens,
como as atividades destacadas também apontam nessa direção.
Antes de passarmos à descrição do próximo equipamento, os Clubes
de Menores Operários, e, mesmo já tendo mencionado em capítulo anterior
que os campos de atletismo e piscinas seriam a continuação dos parques,
destinados ao lazer dos adolescentes, jovens e adultos, projeto esse que não
pode ser executado em decorrência de o Estado Novo ter impedido a
continuidade do trabalho do DMC nos mesmos parâmetros que o fizeram
funcionar até 1937, vale a pena tomarmos contato com o relato de Paulo
Duarte sobre a inviabilidade do projeto e sua relação com o surgimento do
Estádio Municipal para entendermos qual era o objetivo fundamental dos
campos e piscinas e de que modo deveriam funcionar:
“(...) Os dois primeiros [campos de atletismo e piscinas] tinham sido
localizados, um no Ibirapuera e outro no terreno a ser desocupado pelo
Jóquei Clube, na Mooca, prestes a passar para a nova sede de Pinheiros.
Esses dois primeiros campos de atletismo seriam inaugurados em 1938, ano
em que Fábio Prado deixou a Prefeitura e começou o calvário do DMC de
Cultura. Neles instalar-se-iam as piscinas municipais, de não menor alcance
educativo. Fase preparatória dos campos de atletismo, se achava em
pleno funcionamento o Clube de Menores, cujo entusiasmo inicial garantiria
o êxito de que se revestiram aqueles. Outro complemento da Divisão de
Educação e Recreio (...) estava no Estádio Municipal (...) Hoje toda gente
174
pensa que foi ele construído para ser o Estádio da cidade de São Paulo.
Puro engano, o Estádio Municipal foi apenas um complemento dos campos
de atletismo, ápice do programa de educação social dos menores paulistas,
aqueles que não podiam freqüentar os clubes a pagamento, aqueles para os
quais a administração pública só olhava quando os metia na cadeia, sob o
pretexto de crimes e contravenções, cuja maior responsabilidade recai sobre
o meio social que os deixa em abandono”
160
(DUARTE, 1971, p.87-8).
Na verdade, os campos de atletismo e piscinas não se concretizaram
plenamente, com espaço próprio, como se havia previsto. No entanto, eles
foram introduzidos no governo subseqüente, no espaço de alguns parques,
como também, o novo governo implantou os “campos” nos parques em
construção, alterando seus desenhos, para que ali se desenvolvessem
atividades esportivas destinadas aos jovens e adultos, desfigurando, com isso,
de modo camuflado, mas intencional, a proposta dos PIs a começar pelo
projeto arquitetônico. Nicanor Miranda
161
em conferência ministrada no Rotary
Clube de São Paulo em 1938 fala dos campos de atletismo como se fossem a
concretização do projeto do governo anterior, portanto, sem assumir que com
essas alterações, os parques estavam perdendo seu caráter fundamental:
“Os parques infantis eram para crianças, então o Departamento de
Cultura cria uma ‘Seção de Estádio, Campos de Atletismo e Piscinas’,
destinados estes dois últimos aos adolescentes e adultos operários, para
que tivessem oportunidade nas suas horas de lazer de dedicar-se à
160
No mesmo fragmento, uma longa explanação de como Duarte encontrou nos arquivos da prefeitura
documentos de cessão de terreno para o Estádio, e de como, de posse desses documentos, convenceu o
prefeito Fábio Prado da importância desse equipamento, conseguindo, por isso, a autorização para o início
das obras. Há ainda relato dos ataques que recebeu de funcionário da administração subseqüente sobre
suposta negociata em torno da cessão do terreno e da defesa que, em público, fez dele próprio e dos
membros da gestão Fábio Prado. O senhor Prestes Maia foi elegante diz Paulo Duarte, a ponto de, como
informaram pessoas da intimidade do então prefeito, ter fechado a boca do pequeno miserável com um
pito que não admitia réplica DUARTE, 1971, op.cit., p.88-9.
161
Já mencionamos em capítulos anteriores que Nicanor Miranda foi nomeado para a Direção dos
Parques Infantis pelo prefeito Fábio Prado com o apoio de Paulo Duarte e continuou na administração
seguinte assumindo integralmente as diretrizes políticas do novo prefeito. Para explicar essa adesão,
Paulo Duarte retoma a questão da nomeação de Miranda: “Fábio Prado queria nomear para a direção dos
Parques Infantis, minha irmã, que era candidata exclusivamente de Mário de Andrade que sabia de seus
conhecimentos com relação a Parques Infantis (...) Mostrei a Fábio o inconveniente de nomear minha
irmã, pois os ataques e críticas viriam contra mim e contra o próprio Fábio (...) depois da recusa de Alice
Meireles Reis [uma das candidatas de Paulo Duarte] para aceitar o cargo (...) foi nomeado Nicanor
Miranda [o outro candidato de Paulo] (...) rapaz culto e que freqüentava o grupo do apartamento da
avenida São João (...) Tudo correu admiravelmente até 10 de novembro de 1937 (...)” E, para falar da
mudança de posição política de Nicanor, Paulo Duarte refere-se a um encontro que havia sido realizado
em sua casa quando ficou resolvido que “aquele que contasse relações prestigiosas na nova situação,
mesmo que tivesse de humilhar-se, se aproximaria dos donos do regime, para a defesa do DMC. Nicanor
Miranda foi o primeiro que teve oportunidade, mas foi longe demais:aderiu inteiramente à nova situação
(...) Foi premiado com a confiança dos donos do Brasil e de São Paulo, àquele momento. Mas foi
praticamente expulso do nosso grupo, pois todos, sem exceção, manifestaram-lhe sua repulsa” DUARTE,
op.. cit., 1971,p 84-5.
175
educação física, aos jogos e aos esportes. Foi, como é fácil de ver-se,
intenção do legislador completar uma obra inicial e inacabada. A recreação
para o adolescente e o adulto como complemento necessário e
indispensável da recreação infantil. Os Campos de Atletismo e Piscinas
seriam localizados em bairros operários visando realizar dess’arte uma obra
social de incalculável alcance. Mas a escassez de terrenos municipais, o
custo volumoso das obras e a demora decorrente da própria natureza
do serviço público levaram os órgãos administrativos à conclusão de
que alguma coisa deveria ser feita quanto antes (...) A primeira medida
foi estabelecer que os novos Parques (...) a serem construídos não
seriam Parques Infantis e sim Parques de Jogos. Não teriam
instalações apenas às crianças (...) mas outras instalações
complementares: pistas de corrida, locais para jogos atléticos e
esportivos, campos de futebol, quadras de bola ao cesto e piscinas.
Esta orientação já foi adotada pela Municipalidade de São Paulo, e os
Parques de Jogos da Barra Funda e Catumbi a serem inaugurados dentro
de um mês, e os do Belenzinho e Vila Romana, em vias de construção foram
projetados dentro desses moldes” (RAM, n.48, 1938, p.80, destaque nosso).
O fragmento em destaque revela o início do desvirtuamento do serviço
de parques infantis e a justificativa para a não realização dos campos de
atletismo. Sob o velho e não menos atual argumento da falta de verbas
embute-se a questão da escolha política. A partir daquele momento, a
preferência deixa de ser a educação, a saúde e a cultura e passa a ser
exclusivamente a domesticação do corpo em função da força de trabalho, uma
vez que a cidade encontrava-se nos primórdios da aceleração do processo
desordenado de urbanização
162
. Nesse contexto, o aprimoramento da vida em
suas diferentes dimensões, o que, em última instância, reforçaria a saúde
preventiva, deixa de ser prioridade para o governo municipal para dar lugar ao
serviço de obras do município.
Segundo Paulo Duarte,
“(...) O caso do senhor Prestes Maia é, pois, um caso de
incompreensão e de estreiteza de visão. S. exa. achou que as grandes
avenidas valiam tudo, e o DMC de Cultura não significava nada. Eram as
primeiras um sonho para cuja realização lhe caiu do céu a única
oportunidade (...) E aquele engenheiro executou o seu plano, desprezando o
resto (...)” (DUARTE, 1971, op.cit., p.112).
“Escassez de terrenos municipais” quando dois deles haviam sido
localizados, segundo Paulo Duarte em relato acima; “falta de verbas” porque
162
Não se trata aqui de assumir uma posição anti-urbana em nome de uma crítica ao capitalismo; o que
ocorre é que o crescimento da cidade não se deu de forma ordenada e planejada. Para essa questão ver:
SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. ed., São Paulo: Brasiliense/Cebrap, 1975, pp.117
a 133.
176
estavam sendo injetadas, preferencialmente, no Departamento de Obras; e,
“morosidade dos órgãos administrativos” como se isso fosse justificativa
plausível para a não-realização do projeto dos campos, e mais, para o
desmanche do projeto dos Parques Infantis. Na verdade, esses argumentos
camuflam uma nova opção política: a de substituir a prioridade do DMC,
educação, saúde e cultura pelas avenidas do novo prefeito.
Em síntese, nem campos de atletismo, nem parques infantis restaram
do projeto original do DMC. Os últimos, destruídos a curto e médio prazo,
tiveram que servir, com requintes de perversidade educacional e cultural, para
atos políticos, como a vinda de Getúlio Vargas a São Paulo. Mais uma vez,
Paulo Duarte relata uma dessas cenas ocorridas por ocasião da vinda de
Getúlio à cidade para inaugurar “os túneis e a Avenida 9 de Julho”, pouca coisa
na visão dos dirigentes urbanos que correram atrás de inventar obras de
fachadas para serem inauguradas:
“(...) às pressas mandaram capinar os recreios, fazer uns remendos,
passar mão de cal nas construções esborcinadas, cheias de mofo do
abandono. Mas faltavam funcionários, faltavam crianças, pois as crianças
dos bairros pobres perderam muito a esperança de ver aberto o pequeno
paraíso que Fábio Prado oferecera aos pirralhos pobres de São Paulo. Para
contornar a dificuldade, mobilizaram-se alguns caminhões municipais e
estes veículos saíram correndo a pedir crianças emprestadas aos outros
parques! Com as crianças vieram educadoras, instrutoras, tudo, como num
palco de ópera, para dar movimentação a uma realidade falsa, plena intrujice
cívica (...)” (DUARTE, 1971, op.cit., p.90).
Enfim, os parques de jogos se apresentam como solução inovadora no
atendimento de jovens e a adultos. Além de não terem funcionado a contento,
em nome da “solução inovadora”, os PIs, dos quais os jovens nunca estiveram
excluídos durante a gestão Mário de Andrade, foram destituídos de seus
objetivos primeiros e, os que resistiram às avenidas, foram aos poucos
transformados em meros centros esportivos sem função educativa, cultural ou
de prevenção à saúde.
Como já disse Paulo Duarte em depoimento citado anteriormente, a
inauguração dos campos e piscinas esperava apenas que o projeto dos PIs
avançasse um pouco mais. A certeza do acerto da proposta dos campos vinha,
ainda segundo Duarte, de uma experiência implementada em 1937 para o
segmento de jovens trabalhadores o Clube de Menores Operários – tida
177
como positiva, reforçando, pois, a previsão de que também os campos e
piscinas se constituiriam em projeto adequado para os jovens. É, portanto,
deste equipamento que trataremos a seguir.
2. Clubes de Menores Operários
Não é novidade que os trabalhadores (especialmente os de sexo
masculino) foram, a partir de 1930, o alvo das políticas sociais, mesmo que de
forma restrita e controlada. Portanto, não é de estranhar que este equipamento,
o Clube de Menores Operários, e o primeiro destinado aos jovens e funcionar
na década na cidade de São Paulo tenha sido destinado aos meninos
operários.
Na verdade, os Clubes foram pensados por Nicanor Miranda
principalmente com o objetivo de agradar o empresariado, mas nem por isso
ficaram fora do alcance das propostas modernizadoras da gestão Mário de
Andrade. Se a educação física tomada como domesticação do corpo para a
força de trabalho era um elemento marcante desse equipamento, as artes, a
diversão, os passeios, os jogos criativos
163
fizeram parte do projeto tanto
quanto aquele tipo de educação física.
Desdobramento do mesmo Ato que criara em 1935 o Serviço de Jogos
e Recreios, os Clubes entram em funcionamento de 1937, alicerçados nas
seguintes considerações do Ato:
“que as forças morais e espirituais de uma nação dependem,
em parte, da maneira pela qual são aproveitadas pelos cidadãos, as suas
horas de descanso, e que por isso é necessário despertar nas novas gerações,
o gosto e criar o hábito de empregar seus lazeres em atividades saudáveis de
grande alcance moral e higiênico;
“que as atividades dicas exercem uma função importante no
processo educativo e social, podendo considerar-se os grupos de jogos como
um dos construtores essenciais da vida social, e a fonte dos primeiros ideais e
impulsos sociais, como a solidariedade, a comunicabilidade e a cooperação.
163
Para uma visão atual e bem elaborada sobre os jogos que podem educar. Cf: MAGNANI, Luiz
Henrique. Virando o jogo: uma análise de videogames através de um olhar crítico. Dissertação de
Mestrado, UNICAMP, Campinas, 2008. Do mesmo autor conferir “Entre a liberdade e a coerção:
videogame e construção de sentido”. Ponto Urbe. Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP.
Ano 2, versão 2.0, fevereiro de 2008.
178
Reiteramos aqui a mesma posição que assumimos com Goulart de
Faria sobre o aspecto controlador do Estado sobre os indivíduos presente à
época e explicitado neste caso, nas considerações acima citadas. Mas, tal
como dissemos em relação ao DMC no capítulo III, preferimos enfatizar que os
equipamentos do Departamento Municipal de Cultura, sem abandonar essa
ambigüidade entre controle e inovação, conseguiram desenvolver suas
atividades ligadas à cultura, à educação e à saúde, de modo a oferecer
oportunidades para que os operários e seus filhos se tornassem cidadãos em
seu mais amplo sentido.
Exame médico e biométrico em Clube de Menores Operários. Fonte: Álbum- Clube de Menores Operários,
Arquivo Histórico Municipal
É verdade, também, que no caso dos Clubes de Menores Operários,
que funcionaram meses apenas sob as diretrizes da política andradiana não
houve tempo suficiente para que esse equipamento adquirisse todos os
contornos do DMC. Antes, porém, de algumas observações nesse sentido,
vejamos por que surgiram, o que eram e como funcionavam os Clubes, por
meio da mesma palestra proferida por Nicanor Miranda aos rotarianos de São
Paulo:
“(...) Mas por que deverá o Estado cuidar da vida da criança? O
adolescente e o adulto não serão porventura membros da comunidade
social? Não lhe prestam serviços? Não serão os adolescentes operários os
homens de amanhã, que bem ou mal integrados na sociedade constituirão a
massa de trabalhadores da Nação (...) Quem de boa poderia negar os
benefícios da assistência, da educação e da recreação para esses
adolescentes?Foi justamente analisando o problema da mocidade, em
179
vários de seus aspectos, e refletindo sobre as nefastas conseqüências do
seu abandono moral e intelectual que propusemos em princípios do ano
passado [1937], a criação dos “Clubes de Menores Operários” (RAM, n.48,
1938, p.80)
Vale a pena chamar a atenção para dois aspectos desse fragmento.
Um deles relaciona-se à preocupação do Estado com um segmento da
sociedade que se descola do segmento criança para não mais ser considerado
apenas como menor carente, abandonado e delinqüente, sem, no entanto,
apresentar ainda características próprias de um grupo social diferenciado. O
jovem deixa de ser englobado no grupo criança e passa a integrar o segmento
dos adultos, ocupando neste novo segmento um lugar de maior destaque do
que aquele que ocupava no grupo criança. Isto fica claro nos documentos da
época que passam a se referir aos adolescentes e aos adultos, ou aos jovens e
aos adultos. Em síntese, é possível afirmar que um novo grupo começa a ser
delineado pelo Estado como merecedor de atenção especial, um grupo que em
termos etários compreendia as moças e rapazes entre os doze e os vinte e um
anos de idade.
Outro dado relevante desse discurso é o objetivo da assistência, da
educação e da recreação para os adolescentes: a constituição da massa de
trabalhadores da Nação. Se aqui a meta da ação política é o controle explícito
da força de trabalho, mais uma vez, como se verá pela descrição das
atividades e, também, por uma análise que Mário de Andrade fez sobre as
respostas dos rapazes freqüentadores dos Clubes a duas exposições na
cidade que, apesar do controle, o DMC enfatizava a formação de cidadãos
livres, conforme já afirmamos anteriormente.
Nessa mesma palestra, Miranda prossegue descrevendo e mostrando
o funcionamento dos Clubes:
“Como vem funcionando e como estão organizados estes Clubes?
Falar-vos-ei do Clube de Menores Operários Pedro II (...) Os Parques
Infantis funcionam das 7,30 às 18 horas (...) e às 18,30 inicia-se o serviço do
“Clube de Menores” que vai até às 22,30 Todos os sócios ao serem
registrados recebem uma caderneta de identificação. A ficha de registro
acusa, entre outros dados, nacionalidade, escolaridade, salário e profissão
dos menores. As estatísticas atuais acusam o registro de 300 menores. Logo
ao chegarem, dedicam-se a atividades tranqüilas: dama, xadrez, dominó,
reuniões das comissões esportivas da Diretoria do Clube durante a qual
resolvem sobre convites e desafios que recebem de clubes de fora
180
correspondência, leitura, aulas teóricas sobre jogos e palestras dos
instrutores sobre civismo, moral e comportamento social Decorrido o tempo
exigido pela refeição da tarde, iniciam-se as aulas de educação física,
seguidas de jogos e esportes: voleibol, pugilismo, lutas, esgrima, corridas,
arremessos de dardos, disco, peso, saltos de altura e extensão. Os treinos
dos jogos e das atividades atléticas prepara-os e estimula-os a torneios e
competições com outros clubes. Os jogos amistosos vieram a demonstrar
um aspecto inédito do trabalho. Devido à rigorosa e severa disciplina dos
menores, baseada antes de tudo na educação moral e social dos menores,
os jogadores desafiantes comportam-se de forma realmente digna de
admiração, obedecendo inflexivelmente às leis do jogo, às decisões do juiz,
e revelando um admirável espírito de lealdade. Este é, aliás, um dos pontos
básicos da nossa orientação, aquele em que nenhuma benevolência é
permitida, nenhuma condescendência é tolerada, nenhuma concessão é
feita. assentamos a educação da solidariedade social, da cooperação, e
da fraternidade (...) Aos torneios comparecem, quase sempre, pais e
companheiros dos sócios que se entusiasmam na torcida e se transformam
em verdadeiros amigos da organização. Além da educação física e dos
jogos, um programa de recreação: festivais, acampamentos, excursões,
viagens. Às viagens aderem sempre alguns pais que acompanham os filhos,
observam o desenvolvimento do passeio, cooperam com os instrutores e
tornam-se consequentemente, verdadeiros admiradores e propagandistas da
instituição. Cada menor contribui na medida de suas posses para a viagem
que se realiza em grupo de 60 a 90 sócios. As viagens são realizadas a
cidades próximas e vizinhas, sendo que Santos, com seus arredores,
desperta um entusiasmo fora do comum, devido talvez ao fato de muitos
menores terem atingido a idade de 16 a 17 anos sem jamais terem visto o
mar! Cada menor leva o seu farnel e o que este contém é motivo para que
os instrutores lhes ministrem educação alimentar, pois não poucas vezes
dizem os rapazes que “comeram muito bem e estão resistentes para o
esporte”, mas perguntando-lhes o que jantaram respondem “tomaram café
com leite e pão”! O conhecimento de outras cidades desperta-lhes o desejo
de travar relações com pessoas de fora e estrangeiros. Foi iniciada uma
troca de cartas com jovens argentinos, estabelecendo assim, um
interessante contato internacional, mediante o qual ficam os menores
conhecendo noções elementares sobre países estrangeiros e dão a
conhecer alguma coisa do nosso” (RAM, n.68, 1938, p.83).
também mais um tipo de material, um álbum de fotos legendado,
que ilustra o trabalho desenvolvido nos Clubes de Menores Operários. O álbum
está subdivido em quatro seções, a saber: “Diferentes nacionalidades dos
menores operários”, com fotos de rapazes das seguintes nacionalidades:
brasileiro, rumeno, iugoslavo, espanhol, japonês e português; “Assistência
Médica e Educação de Saúde” que traz fotografias de: exame médico, peso e
medida, socorros de urgência, aquisição de hábitos higiênicos (cuidados com
cabelo e dentes), combate a maus hábitos (chocar caminhão e fumar) e
ginástica corretiva.
181
Tipos de nacionalidades dos jovens que freqüentavam os Clubes. Álbum Clube de Menores operários.
Arquivo Histórico Municipal
A seção seguinte, denominada “Socialização do Menor Operário pela
Recreação Organizada” é ilustrada assim: contraste entre a rua e o clube (na
rua brigando; no clube, abraçados), ginástica seletiva (luta de boxer, legenda,
‘vocês querem brigar, então briguem), visitas instrutivas, acampamento e
festivais (marcha, chorinho, coral, escoteiros do mar (salva-vidas). A última
seção, “Trabalho e Recreação”, apresenta um conjunto de fotos duplas que
indicam a profissão do menor e uma das atividades que ele desenvolve no
Clube; por exemplo, um vendedor de feira treinando pugilismo, um pedreiro
jogando bola ao cesto, o alfaiate arremessando dardos, etc.
trabalho: pesagem de ferro velho; no Clube de Menores em
atividades de escotismo. Fonte: Álbum: Clube de Menores Operários
182
No trabalho: jornaleiro; no Clube de Menores Operários
treinavam pugilismo. Fonte: Álbum Clube de Menores Operários.
Na mesma foto profissão e atividade que o jovem desenvolvia no Clube. .Fonte Álbum Clubes de Menores
Operários. Arquivo histórico Municipal
Não é possível descartar o caráter disciplinador das atividades no
sentido de preparar os rapazes para o trabalho industrial. Portanto, o objetivo
primeiro dessas atividades pode ter se constituído, na verdade, em uma
domesticação sofisticada da força de trabalho. No entanto, um outro
aspecto que não pode ser desprezado: trata-se do fato de que a sofisticação,
se assim se pode chamar, da domesticação da mão-de-obra dos adolescentes
comporta uma contradição que favorece um aspecto da formação dos rapazes
na direção do lazer, da possibilidade de acesso a atividades artístico-culturais
que a grande maioria não poderia usufruir caso não se tivesse criado esse
equipamento. Além disso, muito embora nada se possa afirmar com precisão
sobre as formas de apropriação das atividades pelos seus usuários, uma vez
que eles não foram entrevistados, em se tratando de indivíduos portadores de
experiências de vida comuns e visões diversificadas sobre o mundo do trabalho
uma probabilidade considerável de que os meninos tenham transformado,
de algum modo, os objetivos domesticadores dos jogos, dos passeios, dos
ensinamentos sobre moral e civismo” etc, em experiências criativas para suas
vidas individuais e para sua participação na sociedade.
183
Sociabilização do jovem.Fonte: Álbum Clube Atividade de velejamento.Fonte: Álbum de fotos
Clubes de Menores Operários. Arquivo Histórico Municial Clube de Menores Operários. Arquivo Histórico
Municipal.
Voltando à palestra de Nicanor Miranda, é importante registrar o que
ele indica como o diferencial mais importante do equipamento enquanto
integrante do DMC de Cultura naquele momento; ou seja, o início de algum
mapeamento da cultura própria desse segmento, e que nós consideramos
como dados relativos a componentes essenciais para a construção de um
projeto aperfeiçoado de educação corporal, social e mental daqueles rapazes,
ou, em outras palavras, como elementos essenciais para a elaboração de uma
proposta avançada de educação para a saúde.
O desmanche gradativo do DMC impediu que esse mapeamento
ultrapassasse a primeira fase constituída por algumas análises de atividades e
início de pesquisa sociológica e antropológica sobre os modos de pensar e agir
desses jovens:
“A direção do Departamento Municipal de Cultura e a
superintendência dos serviços não se esquecem que os ‘Clubes de Menores
Operários são admiráveis campos de pesquisas e de serviço social. Já
foram iniciados alguns inquéritos e pesquisas destinados a um
conhecimento cada vez melhor e mais profundo do pequeno operário, do
ponto de vista físico, mental, econômico e social. Não é propósito desta
palestra, aprofundar este importante aspecto, mas não nos podemos furtar à
tentação de dizer-vos uma palavra sobre duas das várias pesquisas que
realizamos: escritores prediletos e superstições dos menores (...) [Na
primeira] (...) ficamos conhecedores (...) das predileções literárias [dos
184
menores]; em primeiro lugar Monteiro Lobato, a seguir Victor Hugo, depois
Olavo Bilac [Esta pesquisa mostrou também] que assim como há menores
que gostam de ler, outros que não gostam (...) nunca leram, não m
vontade de ler (...) (RAM, op.cit, 82,83).
Mário de Andrade não deixaria de oferecer uma alternativa aos jovens
operários no sentido de incentivá-los a ler com maior freqüência, quando
propôs as “Casas de Cultura” a serem construídas em bairros populares. Nelas
haveria até uma Biblioteca de bairro, falada” que consta do Processo n, 34.
295-1937 anotada no “Último despacho da Cultura”, datado de 10-3-1938
[Manuscritos do Projeto Casa da Cultura, IEB, DDC 1 16.3 (1)]
Por outro lado, se a cultura juvenil se transformou em objeto de
estudo no Brasil na década de 1960, no momento em que os jovens assumem
o papel de protagonistas de sua própria história (discussão que está posta no
capítulo 2), não deixa de ser instigante saber que o DMC buscava estudar
aspectos da cultura de um grupo intermediário entre a infância e a idade adulta.
O final da palestra de Nicanor Miranda aponta essa preocupação:
“As superstições recolhidas de acordo com a técnica aconselhável e
que serão objeto de uma comunicação nossa à Sociedade de Folclore e
Etnografia de o Paulo, já sobem a 200 e são da mais variada espécie,
como podeis ver:
‘Quando for jogar futebol amarre a ponta da camisa e uma
dentada no nó, para não perder o jogo’
‘Não faça exercícios de mãos à nuca e nem aproxime os cotovelos
porque a mão morre’
‘Enterrando um Santo Antonio no goal, não perigo de varar uma
bola sequer’
‘Quando entrar no mato para não ser picado levar três dentes de
alho’
Pentear o cabelo à noite, morre a mãe’ “(RAM, op.cit., p.83,84)
Não registro sobre a análise desse material. O que se sabe, nessa
direção, é que o próprio Mário analisou em dois artigos publicados em 1941,
nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Diário de São Paulo”, as respostas
dadas pelos meninos operários freqüentadores dos Clubes a três perguntas a
eles formuladas, quando da visita que fizeram às Exposições do Sindicato dos
Artistas Plásticos (modernista) e do Salão Paulista (acadêmica)
185
No artigo que escreveu para “O Estado de São Paulo”, intitulado
“Pintura e assunto”, Mário começa por registrar a “repulsa quase geral” que os
rapazes, de 13 a 21 anos, manifestaram ao convite para as Exposições e a
reação contrária que tiveram depois da visita, demonstrando que não apenas
apreciaram-na como muitos voltaram espontaneamente, levando suas famílias.
Foram aproximadamente trezentos rapazes, os visitantes, instados a responder
às seguintes perguntas: qual a exposição preferida, quais os quadros melhores
e quais as razões desta última preferência.
Chama a atenção de Mário de Andrade, de modo especial, o fato de os
rapazes terem ficado “desnorteados”, tanto pela contemplação como pelas
dificuldades de expressão pessoal que ele atribui a vários fatores a começar
pela falta de cultura escolar:
“A cultura minúscula dos nossos grupos escolares, sem nenhuma
continuidade nesses trabalhadores manuais, demonstrou sua ineficácia. São
numerosas as respostas ‘de qualquer jeito’, pela impossibilidade em que
estavam esses rapazes de exprimir graficamente o que sentiam. Alguns, por
certas frases-feitas e idéias usadas demonstraram freqüentar o cinema e o
jornal. Mas me parece importantíssimo verificar que tanto o cinema quanto o
jornal, como formas de arte que possivelmente são, não conseguiram
provocar nesses rapazes um mínimo de atitude estética. O que eles retiram
do jornal é apenas a notícia, e do cinema o caso pansudo. Nada mais
nenhum gosto pela expressão mais adequada ou mais bela. E isto me
pareceu tanto mais impressionante que não poucos rapazes, diante da
pintura que viam, tomaram sem querer uma atitude de qualquer forma
estética. Sentiram a presença de uma das belas-artes, e ela os obrigou a
conceituar a beleza” (IEB, cópia “O Estado de São Paulo”, 1941).
Sem usar a expressão “condição social”, lê-se, nas entrelinhas da
análise, que Mário de Andrade toma como outro fator importante para que os
rapazes tenham se fixado no assunto e não na estética, a situação de penúria
em que se encontravam muitos deles:
“(...) não deixa de ser angustioso o fato de muitos moços pobres,
alguns mesmo ‘desocupados’ como lhes indicava a ficha de resposta,
preferirem quadros representando comestíveis. Um engraxate de doze anos,
por exemplo, escolheu dois quadros, um de laranjas e outro
representando uma xícara e um pão (...) Outro ainda justificou sua
preferência por gostar de mangas-rosas (...) E houve mesmo um
despontador taludo, com seus dezesseis anos, que justificou assim a sua
preferência: do quadro 41 gostei também muito porque é uma linda obra-
prima, nos representa um peru e um legumes, tomate, repolho, etc, porque
eu tinha vontade de comer peru, porque eu nunca o comi’” (IEB, loc. cit.).
186
Entretanto, Mário não é pessimista quanto às potencialidades dos
rapazes para o desenvolvimento do senso estético. Cita como exceções, um
caso ou outro de jovens que fizeram leituras esteticamente mais sofisticadas
dos quadros, vendo-as como duvidosas:
“(...) um mecânico de vinte anos, demonstrando é certo, uma cultura
estética excepcional, mesmo espantosa, senão duvidosa, dizendo preferir a
exposição moderna e ‘assim mesmo não desprezando a outra saiu-se com
esta curiosíssima resposta: Na ‘Paisagem do Bonadei admiro seu espírito
francamente avançado; apesar do Retrato de Flávio de Carvalho ser
apresentado com aquele aspecto liberto de certos-lero-leros acadêmicos, tenho
por ele, verdadeira admiração; e, por fim, o Estudo Cubista,de Oswald de
Andrade Filho: seu colorido impressiona como aquela porção de tinta de Van
Gogh, profundamente’. Sobre a resposta rio conclui: “A ser legítimo, mesmo
assim não creio se possa levar em conta um caso tão excepcional. permite
conclusões pessoais” (IEB, loc. cit.).
O otimismo de Mário de Andrade quanto às potencialidades dos
rapazes surge, em oposição à análise acima, ao afirmar que “outros casos,
passíveis de generalização, que demonstram em muitos rapazes uma certa
atitude estética”:
“Foram muitos os que ao darem as razões de preferência, evitaram
sistematicamente qualquer explicação sentimental, derivada do assunto
Tendo escolhido cinco, seis, às vezes até oito quadros a todos deram como
justificativa da escolha expressões como ‘está bem feito’, ‘é perfeito’,
‘demonstra boa arte’, ‘está bem acabado’, é vistoso’, ‘bem desenhado, ‘bem
pintado’.Um estucador de vinte anos notou o ‘sombreado perfeito, ‘a
distribuição perfeita das cores’ e a pintura perfeita expressando objeto
sobresalente (sic), pelo que, provavelmente, pretendeu determinar a boa
caracterização dos volumes (...) Outro rapaz de quinze anos, entalhador,
teve a pureza estética de preferir três naturezas-mortas! O simples fato,
aliás, de preferir naturezas-mortas, não seria, por si, concludente, não
fosse o assunto desinteressado, quase por completo extra-alimentar das
naturezas-mortas escolhidas” (IEB, op.cit).
Em “As Escapatórias do Amor” publicado pelo “Diário de São Paulo”
Mário de Andrade destaca o “avassalador individualismo” presente nas
respostas dos jovens que não manifestaram preocupação alguma com os
“assuntos associativos, religião, solidariedade humana”. Por outro lado, realça
o ex-diretor do DMC, aqueles que preferiram os assuntos associativos o
fizeram de modo a repetir estereótipos aprendidos na escola primária. Nestes
casos, diz Mário, “a resposta denunciava da frialdade do aprendizado de-cor
nos grupos escolares”.
187
Ao se referir ao individualismo presente nas respostas da maioria dos
rapazes, Mário aponta “um mecânico de dezesseis que preferiu determinado
quadro porque se lembrou ‘de quando estivemos no Caravelas’, o operário de
vinte anos que afirmou sobre um quadro: ‘tudo faz lembrar os costumes
sertanejos que li’, e ainda outro que olhando o quadro recordou-se de uma
égua que já tive’.
Diante de respostas de tom evocativo, Mário de Andrade quis
vasculhar elementos que indicassem aspectos afetivos da vida dos jovens.
Para usar as próprias palavras de Mário, “tive a curiosidade de procurar nesses
rapazes a alvorada de amor”. E ele prossegue:
“(...) e é certo que a descobri, mas tenebrosa, sem nenhuma
radiosidade e quase nenhuma franqueza, às mais das vezes adensada em
nuvens muito escuras e disfarçadeiras (...) muito envergonhada de si (...)
esses rapazes fugiram resolutamente e conscientemente a tocar no
problema sexual. As nossas maneiras educativas (...) a vergonha
provocadas pelos nossos processos sociais, apesar da boa orientação com
que estão movidos nos Clubes de Menores, aconselharam à infinita maioria
a evitar o assunto. Mesmo assim é possível, pelas frestas das respostas,
distinguir uma ou outra manifestação do interesse amoroso (...)A arte da
psicanálise leva muita gente a grandes fantasias abusivas e talvez eu não
deva lembrar o esquisito acaso que levou nada menos que três rapazes a
escolher um mesmo quadro, os três pelo mesmíssimo motivo de
representar” mulher com um guarda-chuva na mão”(...) a arte de amar de
mais algumas escapatórias deliciosas. Assim o empregado de comércio,
com vinte anos, que escolheu uma determinada pintura porque confessa:
“gostei de ver a ´perfeição do rosto do lenhador ao ver passar u’a mulher”
(IEB, 1941, s.p.)
Vale ressaltar que em uma época em que os estudiosos dos menores
pobres médicos e juristas principalmente viam-nos sob o ângulo restrito da
infração e da criminalidade, o DMC apresentava uma nova proposta de leitura
desses jovens. Uma proposta que envolvia tanto a oferta de equipamentos de
lazer e cultura para esse segmento como a coleta de material de pesquisa
sobre os diferentes aspectos de suas vidas com vistas a estudos
sistematizados dos meninos e meninas que não eram, então, nem crianças,
nem adultos.
Mas, o Estado Novo atropelou o projeto, impedindo, neste caso, que as
moças até então excluídas dos Clubes de Menores pudessem ser atendidas
188
em um novo equipamento projetado em 1937 que, como dissemos, não
chegou a funcionar durante a gestão de Mário: o Centro de Rapazes e Moças.
3. Os equipamentos destinados às moças e aos rapazes
3.1.Centros de Rapazes e Moças
Não há registro disponível sobre o funcionamento dos Centros de
Rapazes e Moças, senão que a proposta seria a de possibilitar, tal como nos
parques infantis para as crianças e nos Clubes de Menores Operários para os
rapazes de 13 a 21 anos, o cultivo das artes, a leitura, os cuidados com a
saúde, a convivência e a solidariedade entre seus usuários. A idéia era a de
haveria unidades separadas para moças e rapazes, seguindo os padrões da
época de separar nos espaços públicos de educação e de lazer, homens de
mulheres
164
.
As poucas informações disponíveis indicam ainda que os Centros
Rapazes e Moças foram propostos em 1937 e se constituíam em projeto
próprio DMC e de Mário de Andrade. Parece possível afirmar que os Centros
foram pensados como uma forma de aprimoramento dos Clubes de
Menores, mais destinados para o lazer e as artes, com a grande novidade
da extensão dos serviços às moças, até então alijadas, à medida que
ultrapassavam a faixa dos 14, 15 anos e ingressavam no mercado de
trabalho ou passavam a se dedicar integralmente aos trabalhos
domésticos, de qualquer atividade de diversão e de formação do senso
estético que não fossem as disponíveis na indústria cultural em formação,
principalmente o rádio.
Mário de Andrade e o Departamento Municipal de Cultura seriam
pioneiros na proposição de equipamentos dessa natureza destinados às
moças, caso os Centros tivessem funcionado, pois o projeto mais
“avançado” em termos de educação para as mulheres jovens foi discutido
em 1937, no Plano Nacional de Educação do Ministério Capanema que, no
164
Cf: “Contenção das mulheres, mobilização dos jovens. O lugar das mulheres”. In: SCWARTZMAN, S;BOMENY, H M
B; COSTA, V M R. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000, pp.123-139.
189
processo de negociação política de sua aprovação, também não foi colocado
em prática
165
.
Como foi dito aqui o pioneirismo de Mário neste aspecto foi o de ter
elaborado a proposta uma vez que os Centros não foram ativados, como
foi dito aqui, senão clandestinamente na administração Prestes Maia,
ganhando um pouco mais de atenção no governo de Abraão Ribeiro entre
1945 e 1947. Neste período os Centros da República e de Santo Amaro
foram freqüentados por moças e moços que iam lá para praticar esportes, ler
e participar de atividades festivas. Na edição de 1985 de Mário de Andrade
por ele mesmo, Paulo Duarte diz que não se estenderia na exposição
desses Centros uma vez que o Arquivo Municipal de São Paulo estava farto
de material a eles relacionado.
Essa afirmação, no entanto, não corresponde ao que encontramos no
acervo atualmente disponível no Arquivo. Centros de Rapazes e Moças não
aparecem ali, nem nas Revistas do Arquivo, nem em outros tipos de
documentos. Na verdade, a maior parte do material sobre o DMC passou para
o Arquivo do IEB que também não guarda nenhum dado relativo aos Centros
de Rapazes e Moças.
Nos relatos de Paulo Duarte há duas referências aos Centros. A
primeira diz respeito ao seu funcionamento na “clandestinidade”, enfatizando a
atuação dos funcionários que, envolvidos com o projeto, submeteram-se a
condições absolutamente desfavoráveis de trabalho com vistas a fazer
funcionar esses Centros, juntamente com outros equipamentos:
“Mas vejamos o que conseguiu manter e até criar a luta de meia
dúzia de funcionários abnegados, quase todos eles, como das outras vezes,
sobras do DMC que existiu no tempo de Mário de Andrade. Além daqueles
pobres parques [referia-se ao pequeno número de parques infantis em
funcionamento depois da saída de Mário] havia então um acampamento
permanente de menores em Santo Amaro; uma colônia climática para
165
“(...) Usando de um vocabulário específico, mesmo quando o objetivo do curso era, como no caso das
escolas industriais para mulheres, ‘prepará-las para o trabalho na indústria dentro ou fora do lar’, este
ensino era nomeado e chamado de doméstico. Assim, tínhamos o ensino doméstico geral, para meninas a
partir de 12 anos, e com três de duração (dois de formação, um de aperfeiçoamento) e que dava, ao final,
o “certificado de dona-de-casa”; o ensino industrial, que visava preparar a mulher para a indústria,
“dentro e fora do lar”, prevendo, assim, o trabalho “por encomenda”; e o ensino doméstico agrícola. Em
todos os casos, as diferenças destes cursos profissionalizantes femininos com os demais, destinados aos
homens, era principalmente de sexo e função, e não tanto de saber”. O texto continua relatando as
peripécias políticas para a não votação do Plano. O golpe de novembro se encarregou de extinguir
qualquer iniciativa de votação. Ver: SCHWARTZMAN, BOMENY & COSTA. op.cit.,p.202.
190
menores também em Santo Amaro, uma chácara adquirida por Fábio Prado,
um centro de moças e quatro de rapazes, e um recanto de crianças, na
Praça da República. Os dois primeiros existiram graças a uma área
adquirida por Fábio Prado, à margem da Represa Guarapiranga, em nome
da Prefeitura, e para esse fim. Para fazer o acampamento de menores, a
divisão de Educação e Recreio lá penetrou clandestinamente, depois de
1937, e, mercê desse precário uti possidetis, ali permaneceu até ser apoiada
pelo prefeito Abraão Ribeiro. Tanto o acampamento quanto a colônia
puderam, pois, existir graças a funcionários abnegados dos parques e
apesar da administração” (Duarte, 1985, p.91-2).
Os Centros de Rapazes e Moças são também citados por Duarte no
sentido de ressaltar seu tempo de funcionamento e a forma de contratação dos
funcionários:
“Os centros de rapazes e moças viveram também da mesma forma
durante todo o período ditatorial e só tiveram algum apoio administrativo
quando o senhor Abraão Ribeiro tomou posse na Prefeitura, mas até
pouco essas iniciativas, acampamento de menores, colônia climática, centro
de moços viviam a vida precária dos abandonados (...) Para que àquela
época funcionasse o centro de rapazes os seus funcionários foram
contratados também clandestinamente, como operários. E assim
permaneceram durante cinco anos! (...)” (Duarte, 1971, op.cit. p. 91-2).
É possível que esse equipamento fosse incorporado à Casa da Cultura,
caso tivesse havido tempo para que os dois projetos Centros de Rapazes e
Moças e Casa da Cultura se concretizassem pois, a julgar pelos setores que
a Casa da Cultura ofereceria à população, elas surgiriam como forma de
extensão e ampliação dos equipamentos anteriores a toda a população dos
bairros populares, incluindo crianças, jovens e adultos. É o que se depreende
da leitura dos manuscritos relativos a essas Casas.
3.2. Casa da Cultura
O projeto da ultura está registrado em sete pastas-folhas/almaço sob a
forma de manuscritos originais e guardados no Arquivo do IEB. Não se trata
de um texto argumentativo ou narrativo. São esquemas indicativos das
metas, prioridades, espaço arquitetônico, localização e atividades das Casas
de Cultura.
Mário escreveu de próprio punho que a Casa da Cultura deveria
funcionar em bairros populares, em prédios de dois pavimentos com
191
“possibilidade de elevação do terceiro pavimento”. Dos manuscritos constam
rascunhos com desenhos de como deveria ser o terreno e o prédio.
A proposta era a de desenvolver nas Casas da Cultura atividades
para crianças, adolescentes e adultos tais como: peças teatrais, clube
popular de bairros, jogos, atendimento à saúde, jornais, coral, biblioteca
infantil e de adultos, e ginástica. Dado que nessa proposta o que
determinava a sua instalação era o bairro popular --, e não mais a faixa
etária, o sexo, e/ou a relação com as forças produtivas, fica claro que o
desejo de Mário de Andrade, na condição de diretor do DMC, era oferecer a
todos os pobres o acesso a um conjunto de práticas nas quais se
amalgamavam educação, saúde e cultura, de modo a ampliar ainda mais as
atividades culturais por pensá-las essenciais para a constituição de sujeitos
livres, alegres, educados e, garantidas as condições necessárias à
satisfação de suas necessidades básicas, também saudáveis.
Abaixo transcrevemos partes dos manuscritos e suas respectivas
localizações nas pastas do Arquivo para que se tenha uma idéia aproximada
de como Mário pensava as Casas da Cultura:
O Edifício [com dois pavimentos] deve ter duas alas, numa ala
localizada a Biblioteca Infantil e em cima as salas de clube popular (...) Na
outra ala a Biblioteca Popular de Adultos no andar térreo e por cima as salas
de conferências, havendo impermeabilidade sonora entre os dois
pavimentos (DDC-1 16-2).
No alto tem terraço com aparelhos de ginástica. Clube Popular
Serviço de informação profissional e serviço de orientação profissional [DDC
1 16-5(1)]
Nas Bibliotecas Populares por o mínimo possível de obras em
línguas estrangeiras para obrigar os proletários, geralmente estrangeiros, a
se familiarizarem com a língua nacional. Nas Bibliotecas Circulantes nenhum
livro em língua estrangeira [DDC1 16-11(14)].
Criar uma Biblioteca de bairro, falada. Criar um serviço completo de
informação com pormenores de cursos, processos de admissão, duração do
ensino, sua direção, de todas as escolas profissionais existentes no Estado,
tanto públicas como particulares. Esse serviço será para orientar jovens e
suas famílias [DDC 1 16.3(1)]
Sala de conferência com palco para ensaios de peças teatrais. Salas
para clube popular de bairros, jogos, atendimento à saúde, jornais, etc, local
para ensaio de coral (DDC-1 16.2)
192
O documento “Informações sobre Casas de Cultura” consta do último
despacho da Cultura de 10 de Março de 1938, sob o número de processo
34.295-1937.
3.3.Acampamentos Permanentes
Paulo Duarte já se referira ao terreno adquirido por Fábio Prado, próximo
Represa de Guarapiranga para a instalação do acampamento permanente,
assim como dissera que o projeto não se efetivou na gestão de Mário no DMC,
tendo se concretizado, tal como acontecera com os Clubes de Rapazes e
Moças e a Colônia Climática, somente na gestão de Abraão Ribeiro.
Desses acampamentos também os registros são raros, apenas um
álbum de fotos introduzido por um texto do próprio Abraão Ribeiro que, na
verdade, não chega a explicitar o funcionamento dos acampamentos. Trata-se
de um documento sem data, que mais parece veicular o nacionalismo xenófobo
do Estado Novo do que explicar o objetivo, a caracterização dos acampantes e
a dinâmica do acampamento:
“O Acampamento Permanente na Praia Ajuricaba da Represa
Guarapiranga em Santo Amaro, foi organizado a fim de proporcionar
meios socializantes do menor operário dando-lhe um mais efetivo
ajustamento social, pois a coragem, a robutez, o amor à natureza, a
sociabilidade, a cooperação, a liderança, a nova experiência, a atitude
de tolerância para com os demais acampantes, têm largas
oportunidades de serem postas à prova, estimuladas e treinadas (...) Um
acampamento não atinge a finalidade colimada se ao regressar ao seu
lar, o acampante não demonstrar um conhecimento mais íntimo da
Natureza, uma aquilatação mais precisa da dignidade do trabalho e do
estudo; uma consciência fortalecida a respeito do desporto, u’a mais
ampla compreensão de espírito de colaboração (...) e uma experiência
pessoal mais profunda, que o prepare para lutar com êxito na vida
prática e vencer os obstáculos que se lhe anteponham (...) os que se
dedicam e mourejam na obra educacional crêem que o acampamento
seja uma força dinâmica e inigualável para a formação de brasileiros de
alma pura, corpo são, mente clara que venham a desempenhar um
papel definido e útil no seio da comunidade brasileira (Documento sem
data/Introdução a fotos, grifos nossos).
193
Atividade Cívica no Acampamento Permanente Ajurucaba na represa de
Guarapiranga.Fonte: Acampamentos Permanente. Introdução prefeito Abraão Ribeiro.Arquivo
Histórico Municipal.
Como não foi possível encontrar documentos que relatassem o
trabalho desenvolvido pelos “funcionários abnegados”, conforme denominação
de Paulo Duarte dada àqueles que permaneceram clandestinamente na
prefeitura e que atuaram também nos acampamentos, não é possível analisar
se e de que modo esses funcionários conseguiram ‘marcar’ os acampamentos
com o tom do DMC.
Por outro lado, as fotos contidas no álbum o permitem concluir nada
mais senão algo que se assemelha a um grupo de escoteiros
166
, orientação
que, sem dúvida, não seria a que o DMC imprimiria aos acampamentos.
Em síntese, os Parques Infantis foram, dentre os equipamentos para
crianças e jovens pobres em funcionamento na gestão Mário de Andrade, os
que mais tiveram a marca do DMC. Como disse Goulart de Faria, os PIs eram
verdadeiras “escolas de saúde e alegria”. O Clube de Menores Operários
embora tenha funcionado durante pouco tempo sob a direção de Mário e,
desde sua origem, revelasse mais o aspecto controlador do Estado sobre a
vida dos operários, mesmo assim, comportava algumas das características do
DMC, tais como, as atividades culturais, a recreação, a preocupação com a
saúde preventiva, etc.
166
Escotismo é um movimento para jovens, de origem inglesa, fundado em 1907. Foi introduzido no
Brasil em 1910 por marinheiros e oficiais da Marinha Brasileira. Tem como lei geral: estimular o jovem a
ser um cidadão honrado, leal, útil, amigo, cortês, bondoso, obediente, alegre, econômico e limpo. Ver
www.escotismo no Brasil.com.br (consulta realizada em 30/05/2008).
194
Os outros equipamentos devem ser apreciados não pela prática, mas
pelo valor das propostas. Centros de Rapazes e Moças constitui projeto de
equipamento que, além de contemplar um segmento até então visto sob a ótica
exclusiva da marginalidade e da criminalidade como bens sociais, como
cultura, saúde, educação, também destacava a importância das moças como
portadoras dos mesmos direitos que os rapazes. O projeto pensava-as como
cidadãs a quem se deveria oferecer lazer, atividades culturais, condições
favoráveis de proteção à saúde, oportunidades de profissionalização, ou seja,
os Centros deveriam favorecer a abertura de modos diversos de vida que
superasse o papel restrito que a sociedade determinara para as mulheres da
época, isto é, o exercício da função de dona-de-casa e mãe. As mesmas
diretrizes perpassam os projetos dos campos de atletismo, piscinas,
acampamentos e Casas da Cultura.
Os projetos foram se desfigurando e morrendo junto com o DMC. Na
visão de Paulo Duarte o início da decadência do DMC deu-se em decorrência
de uma obstinação do prefeito Prestes Maia, qual seja a de ter se dedicado
única e exclusivamente à realização do seu maior sonho, o seu plano de
avenidas”. Por outro lado, afirma o mesmo autor, a morte declarada do DMC
ocorreu graças à inércia do novo prefeito, Abraão Ribeiro. Para Duarte, o novo
prefeito, se assim o desejasse, teria reavivado o DMC, bastando para tanto
colocar na sua direção um dos colaboradores de capacidade e honestidade
comprovadas, sobreviventes do tempo de Mário na prefeitura, ou outro
intelectual inteligente e disposto a “fazer coisas” (DUARTE, 1971, p.143).
Paulo Duarte, como já dissemos, foi, dentre muitos outros, um dos
inconformados com a morte precoce de Mário e com a derrocada do DMC,
concluindo assim um dos capítulos de seu livro já citado aqui:
“Hoje está: Mário de Andrade morto, o DMC de Cultura morto
167
.
nos resta beber as belezas que nos deixou escritas em seus livros e nas
suas cartas ou soltas ainda na nossa lembrança de amigos, como resta a
alguns coveiros do DMC morto o sentimento glutão pelo corpo mutilado,
assassinado do DMC de Cultura (...)” (DUARTE, 1971, p.144)
167
Mário de Andrade morreu em fevereiro de 1945 e o DMC de Cultura foi desaparecendo aos poucos de
forma que em 1947 restavam apenas algumas seções totalmente modificadas do DMC.
195
Para os adolescentes e jovens da década de 1940 o governo municipal
nada mais ofereceu. O que veio em seguida foi um acordo do governo federal
com as empresas privadas para quem os cofres públicos abriram as portas,
contribuindo para que elas se encarregassem de formar a mão-de-obra
industrial. No SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
168
—, os
jovens aprendiam aquilo que servia ao bom andamento do trabalho, com
algumas pinceladas de assistência social: atendimento dentário, um ou outro
esporte para manter a mente e o corpo sãos e, desta forma, contribuir cada vez
mais para o crescimento do capital na proporção inversa do amilhoramento
das condições de vida do trabalhador.
A precariedade que gradativamente foi definindo a vida do operariado
até o golpe militar de 1964 fez realçar as antigas formas de tratamento das
crianças e jovens pobres. Nada se lhes oferecia em termos de políticas sociais
a não ser as velhas práticas de aprisionamento “dos delinqüentes” em
reformatórios que mudavam apenas de rótulos: Febens, Funabem e, nos
tempos atuais, um título mais “suave” para designar a mesma estrutura –
Fundação Casa.
As iniciativas mais ousadas que vieram do poder público pós-64 ainda
não ultrapassaram o estágio de experiências pontuais que, quando não se
desfazem ainda no tempo da mesma administração que as propôs, são
desfeitas pelas gestões seguintes e, muitas vezes, reapresentadas sob novos
rótulos numa constante reinvenção da roda. O passado vai ficando para trás
sem que a ele se recorra para resgatar-lhe, usando as palavras de Walter
Benjamim, “a fraca força à qual ele tem pretensão”. É o próprio Benjamim
quem nos ensina que “essa pretensão não pode ser descartada”.
169
O preço do descarte é alto. O Estado nada mais oferece ao
adolescente e ao jovem em termos de políticas públicas de saúde, lazer e
cultura. Como conseqüência o que se tem é uma sociedade carente não
apenas de saúde pública preventiva, ou uma sociedade educada para a saúde,
mas uma sociedade onde até a saúde pública curativa abriu falência. Se, em
168
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, SENAI, foi criado pelo decreto-lei 4.048[1] de 22 de
janeiro de 1942.
169
LÖWY, Michael. Walter Benjamim. Aviso de Incêndio. Uma leitura das teses “sobre o conceito de
História”. São Paulo, Boitempo, 2005, p. 72.
196
termos gerais, brincar, desenvolver hábitos de higiene e saúde, estudar,
crescer culturalmente são condições sine qua non para o surgimento de um
cidadão adulto feliz; e, se os equipamentos do DC se propuseram à preparação
desse adulto, hoje a sua formação não passa, na melhor das hipóteses, de
propostas, programas, congressos e discussões que não superam o patamar
das boas intenções do poder público.
Dessa forma, o passado perdeu sua força e o presente paga seu
preço. Em lugar de adultos felizes; todos, crianças, jovens e adultos são
personagens de um grande espetáculo que dispensa platéia, mas clama pela
ação de cidadãos que possam desmontá-lo, retomando o passado para
reinventar o presente.
197
Considerações Finais
Dissemos no início deste trabalho que nosso desejo era buscar no
passado fios condutores de compreensão do presente relativo especificamente
a uma questão: por que a educação para a saúde que os próprios dicos
defendem hoje como menos onerosa e mais eficiente em termos de saúde
pública vem sendo relegada pelas políticas públicas no Brasil do século XXI?
Ao concluir a pesquisa, sugerimos que a resposta a essa pergunta,
contando com os dados de que dispomos, implica discutir a interferência de
quatro fatores que se constituem em empecilhos para as políticas públicas de
educação para a saúde, a saber: o surgimento de uma nova modalidade de
articulação, a partir da segunda metade da década de 1990, entre cidadania e
mercado, fazendo com que o consumidor prevaleça sobre o cidadão no
sistema de proteção social, em decorrência da nova fase por que passa o
modelo econômico e político vigente no país; o tipo de resposta dada pelo
Estado ao aumento da pobreza por meio das políticas de focalização em
detrimento das políticas universalizantes
170
; o poder que a medicina curativa
ainda exerce sobre outras formas de pensar a saúde; e, por último, o descaso
histórico pela memória social como decorrência do próprio sistema que não
tem interesse em divulgar senão a história dos vencedores (do sistema),
impedindo que as experiências passadas de ações públicas na área de
educação para a saúde sejam conhecidas, valorizadas e consideradas na
proposição de novas políticas públicas.
Para entender a nova modalidade de relação entre cidadania e
mercado que marcou os anos 1990, é preciso fazer uma breve retrospectiva
do período anterior, partindo dos anos 1930, período em que, como já
dissemos neste trabalho, o Estado brasileiro assume, pela primeira vez,
certo tipo de responsabilidade sobre o sistema de proteção social, desde
então, pautada pelo vínculo do indivíduo ao mercado de trabalho.
170
Apesar de a saúde ter sido estendida a todos como conseqüência da Constituição de 1988 com o
estabelecimento do SUS (Sistema Único de Saúde), na prática e sob os velhos argumentos da burocracia e
da falta de verbas, o SUS ainda não se tornou realidade.
198
Se os anarquistas foram importantes para o surgimento das políticas
da área social deste período, podemos retroceder um pouco mais, e lembrar de
um decreto, o de número 5, datado de 19 de novembro de 1889 que consta da
Carta Constitucional de 1891, assegurando “a continuação do subsídio com
que o ex-imperador pensionava do seu bolso a necessitados e enfermos,
viúvas e órfãos, confirmando que os pobres sempre foram considerados como
uma questão de caridade.
Nos anos 1930, a pressão dos trabalhadores mais politizados, a
emergência de uma nova visão de sociedade produzida pelos intelectuais, a
inserção de alguns intelectuais nos quadros administrativos dos governos, tudo
isso, aliado à atuação da política oficial, à época, antenada e de acordo com o
movimento internacional do capitalismo de bem-estar-social, compõe um
quadro político mais favorável a que o Estado assuma maiores
responsabilidades na distribuição de bens e serviços sociais.
“Mais do que isso (afirma D’Araujo), produziu-se, (nessa época) de
forma hábil e convincente, uma ideologia de que a democracia política era
incompatível com a resolução dos conflitos sociais e de que o Estado
estaria apto a dar as soluções cabíveis nesse caos. Construiu-se (...) uma
doutrina que associou autoritarismo a direitos ou que, pelo menos,
subestimou a democracia política como recurso eficaz para garantir os
direitos dos trabalhadores ou até mesmo o crescimento econômico
(D’ARAUJO, 2003, p. 216).
Assim, nesse período, o bem-estar do trabalhador e as políticas sociais
destinaram-se aos sindicatos, para a política sindical e para a formulação da
legislação social. DRAIBE (1994, p.273) ressalta que, logo de início, o Estado,
centralizador e concentrador, implementando políticas nacionais, aglutinou as
condições políticas e institucionais para uma intervenção segura no campo da
proteção social.
Concretamente, trata-se do surgimento dos institutos de
aposentadorias e pensões, da legislação trabalhista, da criação da LBA e de
inovações no plano educacional e de saúde sob legislação prioritariamente
federal. É um tempo de centralização institucional “e de incorporação de novos
grupos sociais aos esquemas de proteção sob um padrão, entretanto, seletivo
(no plano dos beneficiários), heterogêneo (no plano dos benefícios)
199
fragmentado (nos planos institucional e financeiro) de intervenção social do
Estado” (DRAIBE, 1994, p.275).
É importante destacar ainda, no período, a criação dos institutos de
aposentadorias e pensões, os IAPs, marco fundamental da política
previdenciária que aos poucos substituíram as antigas caixas de pensões e
aposentadorias, as CAPs. Os institutos forneceram aos que tinham vínculo
trabalhista os benefícios sociais que o Estado continuou negando àqueles que
não tinham “carteira assinada”. Nestes casos, a assistência dica, por
exemplo, continuou sendo problema da filantropia, sob a responsabilidade das
instituições caritativas como as Santas Casas.
Enfim, o Estado inaugurado em 30 pode ser pensado sob dois
aspectos opostos: gerou privilégios e exclusões, não tratou dos direitos dos
trabalhadores rurais, criou uma rede burocrática destinada aos trabalhadores
urbanos consumindo com isso grandes somas de recursos públicos; mas, por
outro lado, forneceu ao trabalhador urbano a possibilidade de adquirir um novo
valor, de alguém que passa a confiar em direitos e em justiça, além de ter sido
o formulador de uma legislação social estável e duradoura.
Nesse sentido, a década de 30 do século passado simbolizou um
tempo de fortes modificações na história da cidadania brasileira. Cidadania
regulada pelo Estado, restrita a um grupo de trabalhadores, limitada até mesmo
no que se refere aos direitos individuais, mas, de algum modo, presente na
recém-inaugurada república nova.
Não é o caso de analisarmos aqui todas as outras fases por que
passaram as políticas sociais no país depois de 30. O que vale ressaltar é que
concordamos com os analistas e estudiosos que defendem a idéia de que a
questão social no Brasil, pelo fato de desde a origem ter passado pelo viés da
relação entre o indivíduo e o mercado de trabalho e, nesse sentido, não ter
surgido com o traço fundamental da cidadania, ou seja, a universalidade,
trouxe consigo certos aspectos que revelam até hoje um caráter de
perversidade. É Amélia Cohn (1999) quem retrata bem esse caráter perverso
de nossas políticas sociais:
200
(...) não é por outro motivo que os direitos sociais no Brasil até hoje
se traduzem em políticas e programas sociais que se dirigem a dois públicos
distintos: os cidadãos e os pobres. Os cidadãos são aqueles que, por exemplo,
estão cobertos por um sistema de proteção social ao qual têm direito porque
contribuem para com ele. Os pobres são aqueles que, por não apresentarem
capacidade contributiva, uma vez que nem sequer apresentam capacidade de
formas autônomas de garantia de patamares mínimos de sobrevivência, são
alvo de políticas e programas sociais de caráter filantrópico e/ou focalizado em
determinados grupos reconhecidos como mais carentes e ‘socialmente mais
vulneráveis’ “(COHN, A, 1999, p.390).
A mudança de modalidade que atribuímos como entrave atual ao
desenvolvimento de políticas públicas de educação para a saúde refere-se a
que, desde meados dos anos 90, não é mais o mercado de trabalho que define
a proteção social, mas sim o mercado consumidor. Sobre essa questão Cohn
afirma:
“[Essa mudança de modalidade] acompanha o processo de ajuste
estrutural de nossa economia através da eleição por nossas elites dirigentes de
um modelo de ‘ajuste passivo’, utilizando o termo de Maria Conceição Tavares,
um processo de desinstitucionalização dos direitos, sejam eles atinentes à
esfera do trabalho ou à esfera da garantia de acesso aos bens essenciais de
consumo coletivo, independentemente do nível de renda de cada um e,
portanto, da sua posição no mercado (...) É quando, então, busca-se uma
‘grande transação’ de reforma de nosso sistema de proteção social: passa
agora a prevalecer não mais a situação do cidadão no mercado de trabalho,
mas sua condição de cidadão, enquanto capacidade de consumo
171
e de
poupança individual. O mercado, agora, passa a prevalecer como mercado de
consumo: o acesso à satisfação de necessidades sociais básicas diferencia-se
dos direitos, e torna-se função da capacidade de poupança individual (...) Salta-
se de um modelo de solidariedade de perfil geracional (ativos/inativos, o
conceito em sai já é extremamente infeliz) para a lei de ‘cada um por si,
retirando-se desse sistema de proteção social todo e qualquer caráter de
solidariedade social redistributiva e compensatória das desigualdades sociais
(COHN, 1999, pp.396-397)”.
171
Nessa direção, e apenas para ilustrar, o Caderno Cotidiano do Jornal Folha de São Paulo, do dia 29 de
Junho de 2008, publicou uma matéria intitulada: “Escolas de o Paulo serão incentivadas a fazer os
alunos brincarem mais”. O incentivo” vem de uma marca de sabão em e as cinco escolas (públicas
e/ou particulares e somente as cinco) que melhor realizarem o objetivo, segundo avaliação da empresa
(que critérios serão esses? As crianças que mais estiverem sujas, quem sabe?) receberão um selo
denominado “Aqui se brinca” “e vão ganhar parques estruturados no valor de até 15 mil reais”. E pensar
que a brincadeira foi proposta de política pública em São Paulo nos anos 1937!
201
Diante desse quadro marcado por profundas desigualdades sociais e
agravamento da pobreza
172
é que se inserem as políticas de focalização de
caráter condicional e misto, isto é, os beneficiários são os que estão
prioritariamente abaixo da linha de pobreza e devem preencher requisitos
previamente determinados para serem incluídos nos programas, além do que
essas políticas se fazem em parcerias com os setores privados da sociedade.
Essas políticas, por si só, o duvidosas uma vez que, tanto a
universalização/focalização como as condicionalidades têm o mesmo
substrato: a justiça distributiva, a liberdade, o direito e a cidadania. Diante
disso, se a situação de pobreza é estrutural por que não enfrentar o problema
do tipo de modelo de sociedade ao invés de selecionar grupos que mesmo
recebendo benefícios não conseguem ultrapassar o patamar mínimo de
condições para uma sociedade pautada pela boa qualidade de vida.
As políticas de focalização trazem ainda uma série de outros entraves
que vão desde as dificuldades de determinação, controle e avaliação das
condicionalidades até as brechas que se abrem para desvio e/ou não aplicação
de verbas a elas destinadas nos diferentes níveis de governo. A parceria com a
iniciativa privada que o Estado tem valorizado como a única forma viável de
realização das políticas sociais, na prática vem se traduzindo na substituição
do Estado pela iniciativa privada na condução das políticas sociais o que
traz prejuízos à sociedade.
Como fica então a educação para a saúde diante da configuração das
políticas sociais atuais? Em primeiro lugar, uma política de promoção e
prevenção, como deve ser a de educação para a saúde, não pode ser
focalizada mas universal tal como é em teoria o Sistema Único de Saúde. Caso
contrário, que critérios poderiam fundamentar um argumento baseado na idéia
de que somente os que “estão abaixo da linha de pobreza” devem ser
172
“A pobreza o pode, evidentemente, ser definida de forma única e universal. Contudo podemos
afirmar que se refere a situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão
mínimo de vida condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico.
Deste modo, a abordagem conceitual da pobreza absoluta requer que possamos inicialmente construir
uma medida invariante no tempo das condições devida dos indivíduos em uma sociedade. A noção de
linha de pobreza equivale a esta medida. Em última instância, uma linha de pobreza pretende ser o
parâmetro que permite a uma sociedade específica considerar como pobres todos aqueles indivíduos que
se encontrem abaixo do seu valor”. In: BARROS, HENRIQUES & MENDONÇA. “Desigualdade e
Pobreza no Brasil”: retrato de uma estabilidade inaceitável”. o Paulo: Revista Brasileira de Ciências
Sociais. Vol 15, n.42,fev.2000.
202
educados para a saúde? A preponderância da medicina curativa
173
em
detrimento da medicina preventiva constitui outro fator que contribui para que a
saúde pública, de certa forma, não valorize a contento a educação para a
saúde. Não se pode negar a importância dos avanços da medicina curativa
para a sociedade (especialmente para os que podem arcar com os custos
desses avanços). Mas, também, não se pode negar que, se a educação para a
saúde tivesse sido, ao longo da história da medicina social brasileira, e, de
modo especial, a partir do período republicano, mais valorizada, quem sabe,
muitas das doenças poderiam ter sido evitadas e, com isso, o dispêndio com
saúde curativa custasse muito menos aos cofres públicos.
Para ilustrar nossa argumentação, recorremos a um artigo publicado
na Revista Paulista de Pediatria
174
por um grupo de médicos ligados ao DMC
de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo que ao final dos anos
1980 pesquisavam a adolescência. Em um dos excertos do artigo eles
afirmam:
(...) Desde a década de 1960, aumentaram as preocupações e os
estudos com jovens do ponto de vista médico e psicosssocial. Hoje, cada vez
mais, está se concretizando o atendimento de adolescentes como uma
subespecialidade, necessitando de conhecimentos dos problemas orgânicos,
emocionais e sociais específicos a esta faixa etária por parte do médico que os
atende. (...) o pediatra, que recebe na faculdade uma formação muito mais
destinada para a cura de doenças do que para a prevenção das mesmas
ou para a manutenção da saúde, não se sente capaz de dar atendimento aos
adolescentes, visto que estes apresentam poucas doenças, porém muitas
173
Mesmo quando a medicina se volta para programas de educação em saúde, a tônica recai, geralmente,
nos aspectos de cura, conforme se depreende, por exemplo, das ações em educação em saúde de uma
Universidade paulista UNIFESP - Universidade Federal Paulista os quais listamos a seguir,
destacando em negrito aqueles relacionados a doenças: “Sexualidade Humana”; “Aconselhamento e
educação pela internet”; “Prevenção dos problemas auditivos”; “Dependência não, diga sim à vida”;
“Câncer de mama”; “Aleitamento materno”; “Tabela de composição química dos alimentos”; Drogas
Psicotrópicas”; “Hiperidrose”;” Programa de Educação em Esquistossomose”; “Sala de
condicionamento físico on-line”; SOSTOC-Transtorno Obsessivo Compulsivo”; Síndrome
Moebius”. Consultar: www.unifesp.br
Na mesma direção, o Ministério da Saúde produziu em 2005, uma cartilha intitulada: A Educação que
produz Saúde que, apesar de inegáveis avanços da incorporação e reconhecimento de outros
conhecimentos como saberes importantes para a educação em saúde, persiste em estratégias estritamente
acadêmicas de trabalho em educação para a saúde, tais como: aulas interdisciplinares, palestras, estudos,
seminários; além de limitar à escola a tarefa de atuar na área de educação em saúde, conforme prescreve
em um de seus subtítulos: Para fortalecer e transformar a escola em um espaço de produção em saúde,
precisamos de pessoas com experiência em diversas áreas do conhecimento. Além dos profissionais de
saúde, agentes de saúde, existem raizeiras, parteiras, benzedeiras, que exercem uma função importante na
saúde das populações. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, DF, 2005, p.4).
174
COATES, V. et al.. “Atendimento Ambulatorial de Adolescentes”.In: Revista Paulista de Pediatria,
vol VI, n.20, 1988, pp.17-24.
203
dificuldades necessitando de apoio e orientação” (Revista Paulista de Pediatria,
1988, p.17).
Mesmo que ainda marcada por aspectos curativos, é preciso ressaltar
a importância do trabalho de dois núcleos: o da Unidade de Adolescentes do
Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e o
Setor de Adolescência do DMC de Pediatria da Universidade Federal de São
Paulo. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo também tem um setor para
adolescentes ligado do DMC de Pediatria com excelentes trabalhos em
educação para a saúde sem, no entanto, ter conseguido ainda abandonar o
viés curativo.
Nesta tese, arriscamos uma interpretação de alguns aspectos que
envolvem hoje a questão da educação para a saúde. Trata-se de um presente
incerto e nebuloso. Mas tal qual Mário de Andrade, quando analisou as
respostas dos meninos dos Clubes de Operários visitantes de duas exposições
de arte, não somos pessimistas com relação a possíveis saídas. Também
como ele, pensamos que essa saída não se fará pela política oficial e
partidária, pelo menos a curto prazo.
Nada disso aconteceu até agora, senão tímidos ensaios que sempre
se deparam com a preponderância do modelo econômico e político, contrário
aos interesses da maioria. Por outro lado, não desistimos de pensar que
somente dessa maioria virá a construção de políticas sociais em seu próprio
favor. Políticas públicas universais, que nesse sentido, serão públicas; ao
contrário de serem públicas porque virão desse tipo de Estado que está.
Quem sabe essas políticas ainda não sejam “publicáveis”, pois se fossem, no
contexto atual, correriam o risco de, mais uma vez, serem consideradas
“perigosas” bem ao gosto do poder instituído.
É até possível que algumas delas sejam adotadas ou incentivadas pelo
poder público, quando, vez ou outra, aparece um “Fábio Prado” e, ainda assim,
enquanto ele se mantiver no poder. Mas elas estão em estado de gestação.
No caso dos jovens, nos grupos de teatro
175
, de música, de artes “proibidas”
176
,
175
Cf: Teatro Paulistano no c.V. Encontros para um Entendimento no Séc. XXI. [organização Agora
teatro]. São Paulo: Agora Teatro, 2006.
176
PEREIRA, Alexandre Barbosa. “Pichando a Cidade: Apropriações “Impróprias do Espaço Urbano”.In:
J. Guilherme Magnani & BRUNA M. de Souza. op.cit., , pp.225-246.
204
encontram-se; ainda, no estágio de novas e diferentes redes de
sociabilidade
177
de grande potencial transformador.
Não estamos com isso afirmando que o Estado o deva, desde já,
realizar o seu papel de provedor e administrador das políticas sociais.
Tomando as palavras de Cohn, queremos dizer que “o que está em jogo (...)
hoje é a questão de qual o Estado necessário para se enfrentar o desafio
representado pela crescente distância que vem se dando no pais entre
democracia formal e democracia real. Ou, noutros termos, o desafio hoje
consiste em se buscar novas formas de se articular o binômio desenvolvimento
e democracia no enfrentamento das desigualdades sociais, o que implica
resgatar a centralidade do Estado, até hoje não atingida” (COHN, 1999, p.401).
Apesar de a autora ter afirmado isso quase uma década, a idéia á
ainda pertinente. É verdade que as contradições do neoliberalismo no Brasil,
como no restante dos países que o adotaram, são hoje muito mais indiscutíveis
do que dez anos; mas, como afirmou Emir Sader, citado aqui, o
desmantelamento desse sistema não significa a morte imediata de suas
políticas. As políticas sociais do neoliberalismo estão aí: focalizadas nos mais
pobres, sem ainda tê-los tirado do atoleiro da pobreza.
Por isso, pensamos, o resgate do passado tem sua importância: para
reafirmar que cabe ao Estado e somente a ele prover os cidadãos dos bens
sociais necessários a uma vida de qualidade, mostrando que nos anos 1930
havia um projeto nacional nessa direção, inacabado e com falhas, é verdade,
mas que poderia ter se aperfeiçoado em favor da maioria da população
brasileira. O projeto de Mário de Andrade no DMC de Cultura do município
paulistano se inscreve nesse processo de início aperfeiçoamento do papel do
Estado em favor do povo. E, nesse desenho político tinha sentido uma política
de educação para a saúde.
Retomamos a história pelas mesmas razões que motivaram Robert
Castel
178
a estudar o sistema de proteção social francês. Por isso, dizemos
com ele:
177
MAGNANI, José Guilherme, op.cit., Introdução e Conclusão do livro.
178
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão urbana. Uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes,
1998, p.23.
205
“Se a história ocupa um lugar importante nesta obra é da história
do presente que se trata: o esforço de reentender o surgimento do mais
contemporâneo, reconstruindo o sistema das transformações de que a situação
atual é herdeira. Voltar-se para o passado com uma questão que é a nossa
questão hoje, e escrever o relato de seu advento e de suas principais
peripécias (...) porque o presente não é o contemporâneo. É também um
efeito de herança, e a memória de tal herança nos é necessária para
compreender e agir hoje” (CASTEL, 1998, p.23).
Mário nunca usou os termos educação para a saúde, adolescente ou
jovem. Ele se dedicava às crianças (principalmente as operárias ou filhos de
operários) e aos moços porque simplesmente gostava deles, com espírito
genuinamente cristão e impulsionado pela exigência de participação, bem
característica de seu tempo. Se ouvisse a expressão “política social
universalizante ou focalizada” talvez dissesse como era de seu gosto: “comigo
não violão”. Sem essa preocupação foi, no entanto, propositor e gestor de um
projeto de educação para a saúde ímpar na história da república brasileira.
206
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ANEXO
Resumo informativo dos periódicos e documentos avulsos
consultados para a realização do trabalho
1. Periódicos
Adolescência y Salud:- publicação semestral do Programa de Atenção
Integral da Adolescência do Departamento de Medicina Preventiva de “la Cajá
Costarricense de Seguro Social”. Sua missão é a de investigar e publicar
experiências novas de trabalho com adolescentes na área da saúde. Seu
primeiro volume comporta os números 1 e 2 e data de 1999. A publicação de
2008 corresponde ao volume 9. Consultei todos os volumes e números de
1999 a 2006na Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo.
Arquivos Brasileiros de Medicina (ABM):- publicada a partir de 1911, no Rio
de Janeiro, pela Editora Científica Nacional. A coleção consultada, na
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, contém os
volumes e números que se iniciam em 1911 e vão até 1999. Deste período, e,
desta coleção não constam os anos 1920, 1924 a 1927, 1933, 1934 e 1939,
1940 a 1942, 1953 e 1954, 1964 a 1981. Essa revista reúne artigos versando
sobre temas específicos da medicina curativa e artigos em que a preocupação
com a formação do profissional da medicina apresenta-se bastante acentuada.
Nessa direção é que aparecem os artigos relacionados à importância de se
formar o profissional médico com habilitação específica para cuidar do
adolescente e do jovem. Para fins desta pesquisa consultamos os seguintes
volumes e números: 1936 26(2-3-6-10); 1937 27(3-5-8); 1938 28(1); 1943
33(9/10); 1945 35(3/4- 11/12) e 1992 66(4).
Cadernos de Saúde Pública (CSP):- publicação mensal editada pela Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (R.J.).
Apresenta artigos que possam contribuir para o estudo da saúde pública em
geral e de disciplinas a ela relacionadas. Surgiu em 1985 com periodicidade
trimestral; de 2000 a 2005 passou a bimestral e, a partir de 2006, é publicada
mensalmente. Trata dos mais variados temas da saúde blica, dando
conhecimento, de modo especial, a pesquisas e estudos da área realizados na
Escola Nacional de Saúde Pública. Volumes e números consultados para a
realização deste trabalho: vol.1, n.4, 1985; vol.2, n.1, 1986; vol.3, n.4, 1987;
vol.5, n.2, 1989; vol.6, n3, 1990; vol.8, n.1, 1992; vol.8, n.3, 1992; vol.9, n.1,
1993; vol.15, n.4, 1999; vol.18, supl. 2002; vol.21, n.1, 2005; vol. 22, n.1, 2006;
vol.22, n.7, 2006.
222
Cadernos Porto&Vírgula:- publicação da Secretaria Municipal de Porto Alegre
na gestão Tarso Genro (1991-1994) sob a direção Luiz P. Pilla Vares como
secretário. Consultei o número 4 sobre Mário de Andrade. Neste mesmo
número há informações sobre os números 1, 2 e 3 dedicados, respectivamente,
aos temas: Graciliano Ramos, Teatro Gaúcho e Revolução de 1993.
também indicação sobre os temas dos próximos três números: Grafismo; Bruno
Kiefer e Golpe de 64. Não se tem notícia sobre a continuidade ou não da
publicação.
Jornal de Pediatria (JPEDIATR ou JPED):- publicado desde 1934 pela
Sociedade Brasileira de Pediatria do Rio de Janeiro. De periodicidade
bimestral, trata de questões específicas da medicina pediátrica bem como de
assuntos relacionados à saúde pública de crianças e adolescentes. Desde
2000, apresenta-se em versão eletrônica, sob a sigla JPED. A coleção da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo consta dos jornais
publicados nos seguintes anos: 1934, 1935, 1936, 1938, 1942 a 1944, 1946,
1952 a 1960, 1966 a 1976, 1981 a 1984, 1987,1988, 1990 1992, 1996, 1997 a
2008. Para essa pesquisa foram consultados: 1934 1 (5,8-10,12); 1935 2 (1,3-
11/12); 1936 3(1-3,8); 1938 5(4/5-11/12); 1975 40(3-4): 1091/115; 1985 58(1/2).
Memória [do] Departamento de Patrimônio Histórico, Superintendência de
Comunicação, ELETROPAULO:- teve início em 1988, e foi publicada com
este nome até 1997. A partir d foi substituída pela Memória Energia que
continua sendo publicada. Versa sobre temas relativos à economia, ao
urbanismo e à cultura, especialmente na relação que esses temas estabelecem
com a história de São Paulo e dos serviços prestados à cidade pela empresa.
.As bibliotecas da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) e do IEB
(Instituto de Estudos Brasileiros) são as unidades da Universidade de São
Paulo que guardam a coleção mais completa da Revista. Na FAU pode-se
encontrar desde o volume 1, n.1 de 1988 até o volume 28 de 2001, o mesmo
ocorrendo no IEB. Na FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
Humanas) é possível encontrar os volumes e números a partir de 1989 até
2000. Periodicidade trimestral. Para esta pesquisa consultamos o número 17
(número especial em comemoração aos 100anos de nascimento de Mário de
Andrade), ano V, janeiro/fevereiro/março de 1993.
Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS):- publicação da ANPOCS-
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
sediada na FFLCH, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (prédio Ciências Sociais). De periodicidade
quadrimestral, é publicada desde junho de 1986. Apresenta temas variados das
ciências sociais de autores nacionais e de fora do país. Os volumes e números
consultados para esta pesquisa foram: vol.19, n.54, fev. 2004; vol. 18, n.51,
fev. 2003; vol.17, n.49 junho 2002; vol.15, n.44, outubro 2000; vol.12, n.35,
fevereiro 1997.
Revista Brasileira de Educação (RBE): é uma publicação quadrimestral da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
com sede no Rio de Janeiro. Seu primeiro número surgiu em 1995 (setembro a
223
dezembro). Atualmente está publicado o volume 13, n.38, de maio a agosto
de 2008. Apresenta artigos acadêmicos e científicos com vistas a incentivar e
facilitar o intercâmbio de estudos das ciências humanas e sociais em âmbito
nacional e internacional. Abrange a educação básica e superior, as políticas
educacionais, os movimentos sociais, etc. Consultamos os seguintes volumes
e números para a realização deste trabalho: n.5 (especial) maio, junho, julho,
agosto de 1997 e n.6 setembro, outubro, novembro e dezembro de 1997; n.26
maio a agosto de 2004; n.27 setembro a dezembro de 2004; vol.11, n.32 maio
a agosto de 2006.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP):- editada desde 1944. É
uma publicação do INEP Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (R.J) e,
atualmente sua periodicidade é trimestral. Publica artigos relativos a pesquisas
e estudos que contribuam para o desenvolvimento do conhecimento
educacional e que possam oferecer subsídios para as políticas na área da
educação. O último volume disponível on-line é o de número 88 de setembro a
dezembro de 2007. Os volumes e números consultados para esta pesquisa no
endereço www.prossiga.br/anisioteixeira foram: vol.25,n.63, 1956; vol.31, n.73,
1959; vol.47, n.106, 1967; vol. 22, n.55, 1954; vol. 51, n.113, 1969; vol. 38,
n.87, 1962.
Revista Brasileira de Medicina Pública:- trata-se de volume único, disponível
em 2006, período em que coletei dados na Biblioteca da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo, no setor de “documentos não
catalogados”, localizado no subsolo da Biblioteca, estante 11. A Revista traz
muitos artigos, contrapondo a medicina curativa àquilo que os autores
identificam como as “verdadeiras causas das doenças das crianças brasileiras:
pão, roupa, teto, carinho, instrução”. É uma publicação de São Paulo, sem
identificação da instituição responsável pela edição. Cito aqui o volume e
número desta revista: Volume I, número 1, ano I, maio/junho de 1945.
Revista Paulista de Pediatria (Rev. paul. pediatr) publicação que teve
início em 1984 com periodicidade bimestral. Atualmente é trimestral. Assim, o
volume I, números 1e 2 são de 1984, e a coleção da Faculdade de Saúde
Pública da FSP?USP até o ano em que concluímos a pesquisa (2005) estava
no volume 23. Apresenta trabalhos científicos nas áreas de saúde e doença do
recém-nascido, lactente, criança e adolescente. Não se tem conhecimento de
versão eletrônica da revista. Volumes e números consultados para essa
pesquisa: 2005 vol. 23, n.4 e vol, 23, n.5; 1988 vol, 6, n.20; 1989 vol, 7, n.27;
1996 vol. 14, n.3; 1984 vol. 1, n.2.
Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil (RBSMI) Revista oficial do
IMIP Instituto de Saúde Materno Infantil de Pernambuco. Este Instituto foi
fundado em 1960 por um grupo de médicos tendo à frente o professor
Fernando Figueira. Por isso, a designação jurídica da entidade é Instituto de
224
Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Organização de natureza
pública sem fins lucrativos atua nas áreas de assistência médico social, ensino,
pesquisa e extensão comunitária. O Complexo Hospitalar do IMIP é
credenciado pelo Ministério da Saúde como Centro Nacional de Referência
para Programas de Assistência Integral à Saúde da Mulher e da Criança. Sua
Revista , a RBSMI, é publicada desde 2002, quando saíram 3 números. Integra
os periódicos do Scielo. Para esta pesquisa consultamos o volume 5, número
4, out/dez 2005.
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo (RAM ou RAMSP): a primeira
RAM surgiu em 1934 com a função de divulgar o acervo documental e histórico
do Arquivo Municipal, e foi incorporada, logo a seguir, ao Departamento
Municipal de Cultura, funcionando como órgão oficial para a divulgação de
suas atividades. Revista mensal até 1940, a partir de 1941 passou a ser
publicada por bimestre. De 1934 a 1992 foram publicados (com algumas
interrupções) 200 números da RAM. No ano de 2002, ocasião em que o
Arquivo completou 95 anos, as direções do Departamento do Patrimônio
Histórico e da Divisão do Arquivo Histórico Municipal elaboraram o volume 201
da RAM. Este número, subdividido em quatro partes sumário de todos os
volumes, materiais publicados sob a mesma assinatura (autor e título),
identificação de assuntos constantes da revista que poderão ser objeto de
pesquisa e iconografia –, tornou-se um guia de suma importância para os
pesquisadores interessados na história (até o início dos anos 1990) da cidade.
A Revista do Arquivo sempre foi uma referência na difusão da história da
cidade de São Paulo. Abordando temas de história, etnologia, sociologia e
antropologia contribuiu de modo especial para a preservação da memória
nacional. Para a realização deste trabalho, tendo como referência o volume
201, consultamos os seguintes volumes: II; V; VI; VII; IX; XII; XIV; XVI; XVII;
XVIII; XIX; XXIII; XXIV; XXV; XXVI; XXVII; XXVIII; XXIX; XXX; XXXV; XXXVI;
XLI; XLIV; L; LI; LVII; LX; LXIII; LXIV; LXVII; LXIX; LXXVI; LXXVII; LXXVIII;
LXXIX; LXXXIX; XCI; XCII; XCIII; XCVI; CVI; CLXII; CLXIX; CLXX; CLXXIX;
CLXXX (Edição comemorativa do 25º aniversário da morte de rio de
Andrade); CLXXXII; CXCVI (Edição comemorativa de 50 anos de publicação da
RAM); CXCVIII; CC; n.XLVIII (Separata da Revista do Arquivo, 1938).
Tempo Social: esta revista é uma publicação semestral do Departamento de
Sociologia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Sociais da Universidade
de o Paulo. Discuti temas atuais da sociedade brasileira, relacionando-os
com outros países, e estimulando o debate com as áreas afins tais como a
antropologia, a ciência política, a filosofia e a história. Para este trabalho
consultei: vol.17, n.2, nov. 2005; vol.15, n.1, abril de 2003; vol.15, n.2,
nov.2003.
2. Documentos e publicações avulsas
225
Acampamento Permanente: encadernação avulsa, constante do setor de
“Documentos Antigos” do Arquivo Municipal de o Paulo. Apresenta um texto
introdutório, identificado como de autoria do prefeito Abraão Ribeiro, referindo-
se ao Acampamento Permanente da Praia de Ajuricaba da Represa de
Guarapiranga em Santo Amaro. Pode-se dizer que o texto é de propaganda do
equipamento. O documento traz ainda uma seção de fotos legendadas
relativas às atividades desenvolvidas pelos menores durante o tempo em que
se encontravam acampados. O texto não é datado.
Álbum: Os Clubes de Menores Operários: álbum avulso, localizado no
setor de “Documentos Antigos” do Arquivo Municipal de São Paulo. Constitui-
se de um texto introdutório identificado como de autoria do Departamento de
Cultura e datado de 1943 que versa sobre a origem e objetivos dos Clubes e
Menores Operários, e de um conjunto de fotos subdivididos na seguintes
seções: a) nacionalidade dos menores operários; b) assistência médica e
educação de saúde; c) socialização do menor operário pela recreação
organizada; d) trabalho e recreação; e) representação de estátuas da cidade de
São Paulo.
Anais das Semanas de Estudos de Problemas de Menores realizadas de
1948 a 1951, sob os auspícios do Tribunal de Justiça de São Paulo:
constituído de 603 páginas e publicado pela Imprensa Oficial em 1952 por
solicitação da Secretaria de Justiça e Negócios do Interior, o documento
discute os diferentes aspectos dos menores que vão do trabalho à
exclusão/marginalidade. Consultei o documento integralmente na Biblioteca da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Anais do 2º Congresso Médico Paulista: trata-se de uma publicação da
Sociedade de Medicina e Cirurgia de o Paulo. o dois volumes nos quais
os temas mais debatidos no Congresso, que foi realizado em São Paulo entre
os dias 1 e 7 de março de 1945, foram os da tuberculose e da fome e
desnutrição. Consultei para esta pesquisa a volume, na Biblioteca da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Artigo escrito por Mário de Andrade para o Jornal “O Estado de São
Paulo” do dia 13/4/41: trata-se de um recorte/cópia do artigo (“Pintura e
Assunto”), disponível no Arquivo do IEB, sobre visita que os rapazes
freqüentadores dos Clubes de Menores Operários fizeram a uma exposição de
quadros na cidade de São Paulo.
Artigo (“As Escapatórias do Amor”) escrito por Mário de Andrade para o
Jornal “Diário de São Paulo” do dia 16/4/41, analisando as respostas de
questionários aplicados aos freqüentadores dos Clubes de Menores Operários
sobre suas impressões relativas à visita que fizeram a Exposição de Quadros
na cidade de São Paulo. Recorte/cópia disponível no Arquivo do IEB.
226
Casa da Cultura: Manuscrito de Mário de Andrade onde consta o projeto do
que seria a Casa da Cultura. Esse projeto constou da Portaria n. 2240 do
Departamento de Cultura de 10 de maio de 1938, e foi o último documento
assinado por Mário de Andrade antes de deixar o Departamento. Constitui-se
de oito pastas com quantidade variadas de folhas em que o autor apresenta
suas idéias sobre o equipamento, desde a edificação até as atividades e o
público a quem se destina esse equipamento. Disponível no Arquivo do IEB.
Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA): é o setor da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) responsável pela atenção
integral à saúde do adolescente na faixa etária entre 12 e 20 anos de idade,
funcionando como unidade docente assistencial nos níveis de atenção
primária, secundária e terciária. O NESA edita uma revista Adolescência e
Saúde- publicação trimestral e oficial do Núcleo. Vale ressaltar que não realizei
pesquisa na referida revista, mas consultei outros documentos do NESSA, tais
como os projetos desenvolvidos com os adolescentes oriundos de favelas no
período do regime militar. Material disponível na Biblioteca da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD): criado pela Portaria do
M.S. n. 980/GM de 21/12/1989. Programa fundamentado em uma política de
promoção de saúde, de identificação de grupos de risco, detecção precoce de
agravos com tratamento adequado e reabilitação, respeitadas as diretrizes do
SUS garantidas pela Constituição de 1988. Disponível na Secretaria de
Atenção à Saúde do ministério da Saúde no endereço:
www.ministériodasaúde.org.br.
Relatório do cleo de Educação em Saúde Escolar do NACE-
NUPESE/FSP/USP: trata-se de um relatório de 1996 sobre um projeto
relativo ao aluno trabalhador. O objetivo do projeto foi o de caracterizar os
escolares que freqüentavam o período noturno, do grau, das escolas da
rede pública da 12ª Delegacia de Ensino da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo, segundo seu trabalho, saúde, lazer e qualidade de vida. A 12ª
Delegacia de Ensino abrangia os bairros da Lapa, Bom Retiro,
Perdizes/Pompéia, Santa Cecília e Santa Ifigênia. Foram 726 alunos
pesquisados. Este relatório está disponível para consulta no Arquivo da
Memória da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
São Paulo na Conferência Nacional de Proteção à Infância 1933:
documento publicado pelo Ministério da Educação e Saúde, apresenta a
contribuição de São Paulo para a construção de diretrizes de proteção à
infância em âmbito federal e estadual, com objetivo de que essas diretrizes
sejam aplicadas na elaboração de leis, regulamentos e instituições. É uma
publicação de 548 páginas subdivididas em itens diversos, tais como:
Organizações Estaduais, Organizações Municipais, Trabalho de Menores e
227
Sua Fiscalização, Classes de Saúde, etc. Está à disposição na Biblioteca da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.Consultei o
documento integralmente.
228
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