A nossa montanha é vítima de um parasita, um piolho da terra, peculiar
ao solo brasileiro como o “Argas” o é nos galinheiros ou o “Sarcoptes
mutans” à perna das aves domésticas. Poderíamos, analogicamente,
classifica-lo entre as variedades do “Porrigo decalvans”, o parasita do
couro cabeludo produtor da “pelada”, pois que onde ele assiste se vai
despojando a terra de sua coma vegetal até cair em morna decrepitude,
nua e descalvada [...]
Este funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio,
semi-nomade, inadaptável a civilização, mas que vive á beira dela na
penumbra das zonas fronteiriças. Á medida que o progresso vem
chegando com a via férrea, o italiano, o arado, a valorização da
propriedade, vai ele refugindo em silencio, com o seu cachorro, o seu
pilão, a picapau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se fronteiriço,
mudo e sorna (1985, p. 140-141).
O que mais impressiona é que uma descrição com o intuito claro de
denegrir, denunciar, desmistificar e, portanto procura ressaltar características
negativas, tenha sido tomada exatamente como um mito, uma representação, uma
figura depreciativa passa contraditoriamente a ser exaltada no ambiente cultural
metropolitano, como uma espécie de anti-herói, equivalente sertaneja, do
personagem Macunaíma de Mário de Andrade, mas elevada à condição de exemplo,
de figura simpática. No círculo da música sertaneja, durante praticamente toda a
trajetória do gênero, um de seus maiores anseios foi justamente se desvincular de
tal imagem, considerada, compreensivelmente, como depreciativa, diminutiva. As
duplas que mais se destacaram em termos de sucesso entre o público foram as que
procuraram desvincular a imagem do homem rural desta representação, que
inclusive fez com que durante muito tempo, principalmente a partir da década de
1940, rejeitassem a denominação “caipira”, considerada pejorativa, substituída por
“caboclo”, e a sua música denominada genericamente de “sertaneja”.
As primeiras imagens concebidas deste tipo humano rural a que nos
referimos genericamente como “caipira”, na capital paulista e no Rio de Janeiro, são
também idealizadas, mas também extremamente distantes, o homem se perde como
ponto em meio à paisagem da natureza bucólica. Em Monteiro Lobato, tal imagem
degenerativa visava por um lado se contrapor a essa idealização artificial e por outro
denunciar injustiças sociais, ausência de lei e dos frutos do progresso, uma
constante para os habitantes das áreas rurais.
Cornélio Pires, tal qual escritores regionalistas posteriores que
conquistariam grande repercussão literária, embora não possuísse muitas
qualidades nesta arte, foi pioneiro na retratação mais próxima do homem rural sem