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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL UNIJUÍ
DePe – DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS – MESTRADO
GILVANE TERESINHA SAVARIZ ZILLI
CURRÍCULO POR PROJETOS NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Ijuí
2008
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2
GILVANE TERESINHA SAVARIZ ZILLI
CURRÍCULO POR PROJETOS NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Educação nas Ciências pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do sul
Orientador: Prof. Dr. Otavio Aloísio Maldaner
Ijuí
2008
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3
A Comissão abaixo assinada aprova a presente dissertação
CURRÍCULO POR PROJETOS NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Elaborada pela mestranda
GILVANE TERESINHA SAVARIZ ZILLI
Como requisito parcial para a obtenção do grau DE MESTRE EM EDUCAÇÃO
NAS CIÊNCIAS.
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Dra. Maria Carmem Barbosa (UFRGS)
_______________________________________________________________
Dra. Noeli Weschenfelder (UNIJUÍ)
_______________________________________________________________
Dr. Otavio Aloísio Maldaner (UNIJUÍ)
Ijuí, 12 de dezembro de 2008.
Rio Grande do Sul
4
AGRADECIMENTO
Agradeço
À Professora Elaine Werle por apostar no grupo de professores e instituir
espaços de formação docente através da consultoria pedagógica.
Aos colegas professores que trabalham na Rede CNEC de ensino, unidade
de Santo Ângelo, especialmente àqueles que fizeram parte do grupo desde 2000.
À professora Lisiane Beatriz Stinke Mendonça autora da Documentação
Pedagógica do Projeto Peixes, por autorizar o estudo de caso.
Às colegas Mônica Felipin Vincensi pelo apoio na formatação da dissertação
e Maria Lucca Paranhos pela correção do texto final.
Ao Professor Otavio, Professor e Orientador, pelo acolhimento da minha
pesquisa, interesse e paciência em compreender minhas pausas na escrita e apoio
nas sessões de orientação.
Às Professoras Helena Copetti Callai e Noeli Weschenfelder pelas
consideráveis intervenções na qualificação do texto.
E às minhas filhas Gabriele e Giovanna por suportarem a minha presença
simbólica nos finais de semana e feriados.
Muito obrigada.
5
As crianças nascem em um mundo repleto, prenhe de
significações. E, começam a viver e a fazer sentido das práticas
de cada dia... Vivem os cuidados, os carinhos, os afetos, as
distâncias, as ausências, as contingências, as contradições que
vão se impondo. Vão sentindo e sofrendo, de diversas formas,
as múltiplas relações com os outros e com o mundo. E vão
sendo afetadas por essas relações. Em maior ou menor grau,
experienciam, hoje, a intensidade, a premência, a rapidez, a
abundância, a simultaneidade das mais variadas informações,
mensagens, apelos e linguagens. Acolhem, reagem ou resistem
de maneiras diferenciadas, às demandas e aos impactos dessas
mensagens e linguagens. Imersas que estão na trama dessas
relações, participam inexplicavelmente, das significações que se
produzem.
Ana Luisa Bustamante Smolka
6
RESUMO
Esta pesquisa constitui-se a partir do estudo sobre o desenvolvimento do
currículo por projetos num diálogo com a prática pedagógica de uma escola
particular de Santo Ângelo. Primeiramente, expõe a origem do problema de
pesquisa fazendo referência ao período de transição do currículo tradicional ao
currículo por projetos vivido pela escola, bem como a justificativa de um estudo
sobre a referida temática. Apresenta uma breve revisão teórica sobre os projetos
considerando as diferentes abordagens no Brasil, Espanha, Portugal e Itália, com a
representação de um teórico de cada país. Contextualiza o caso a ser investigado e
o descreve a partir de uma seqüência de atividades. Analisa os dados da pesquisa
a partir de teóricos situados numa perspectiva histórico-cultural e autores que
discutem a temática dos projetos, entre outros. A metodologia utilizada foi o estudo
de caso e a análise discursiva textual. Para a produção dos dados da pesquisa
foram desenvolvidas categorias de análise e, a partir delas, elaboradas proposições
defendidas com base nos teóricos, nas reflexões da pesquisadora e na
documentação pedagógica a partir da qual se desenvolveu o estudo de caso. No
currículo por projetos entram em cena, numa relação dialética, o currículo emergente
e o institucional; os projetos constituem-se tempos e espaços de produção de
saberes docentes legitimados pela documentação pedagógica. As crianças ampliam
suas capacidades de generalização e uso da linguagem científica através da
construção de conceitos, embora ainda seja um campo teórico a ser ampliado no
currículo por projetos. O Projeto Peixes desenvolvido pela Escola W possibilita que
as crianças aprendam a partir das ltiplas linguagens e se apropriem da leitura e
escrita em contextos reais e significativos. Os espaços descentralizam a função do
professor, sendo considerados também mediadores da ação educativa e
potencializadores da construção do conhecimento. A partir da reflexão e análise,
pela importância e relevo que o espaço ganha na ação pedagógica, requer ser
explicitado na documentação pedagógica e marcado pela intencionalidade do
professor em todos os momentos do processo ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: projeto, currículo, múltiplas linguagens, ação docente, construção
de conceitos, tempos e espaços.
7
ABSTRACT
This research was carried out from the study about the development of projects
curriculum in a dialog with the pedagogic practice of a private school in Santo
Angelo. Firstly, the origin of the problem was exposed, stressing the traditional
transitional period of the projects curriculum lived by the school, as well as the
justification of a study on the referred theme. Secondly, a brief theoretical revision
about the projects was presented where different approaches were considered in
Brazil, Spain, Portugal and Italy with the presentation of one theoretician from each
country. Then, the case of study was also contextualized, which describes it from a
sequence of activity. Last of all, the research’s data was analyzed from the
theoreticians within a historical/cultural perspective as well as authors that discuss
the project’s themes, amongst others. The methodology used was the study of case
as well as textual discursive analysis and, from these, propositions defended by
theoreticians, the researcher’s reflections and pedagogical documentation were
made, from which the study of case was developed. In the projects curriculum, the
emergent and the institutional curriculum come, in a dialectic relation, into action; the
projects are made of time and production spaces of docent knowledge legitimated by
the pedagogic documentation. Children broaden their generalization capabilities and
the use of scientific language through the concepts’ creation, although it is still a
theoretical field to be widened in the projects curriculum. The Fish Project developed
by School W enables children to learn from the multiple languages and make use of
the reading and writing in real and meaningful contexts. The spaces separate the
function from the teacher, being also considered educative action mediators and able
to potentially increase children’s knowledge. From the reflection and analysis, and by
the importance that the space gains from the pedagogic action, this requires being
explicit in the pedagogic documentation and based on teacher’s intentionality in all
moments of the teaching and learning process.
Key words: project, curriculum, multiple languages, docent action, concept creation,
time and spaces.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................
10
1 DO CURRÍCULO TRADICIONAL AO CURRÍCULO POR PROJETOS: A
ORIGEM DO PROBLEMA ................................................................................
14
1.1 A NARRATIVA DE UM PERCURSO..............................................................
14
1.2 JUSTIFICATIVA DE UM ESTUDO SOBRE CURRÍCULO POR PROJE-
TOS..................................................................................................................
25
1.3 OS OBJETIVOS DA PESQUISA................................................................... 30
2 A MULTIPLICIDADE DE COMPREENSÕES SOBRE OS
PROJETOS
COMO ATIVIDADE CURRICULAR...................................................................
33
2.1 BREVE RETOMADA HISTÓRICA.................................................................
33
2.2 OS PROJETOS NA PERSPECTIVA ESPANHOLA......................................
37
2.3 OS PROJETOS NA PERSPECTIVA PORTUGUESA....................................
41
2.4 OS PROJETOS NA PERSPECTIVA ITALIANA ...........................................
44
2.5 OS PROJETOS NA VISÃO DE UMA PESQUISADORA BRASILEIRA .......
47
2.6 A SITUACIONALIDADE DO ESTUDO:O CURRÍCULO POR PROJETOS
NA ESCOLA W ..............................................................................................
51
3. DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROJETO PEIXES: SIGNIFICAN-
TES DE UM PROCESSO.....................................................................................
53
3.1 A DOCUMENTAÇÃO COMO PROCESSO DE APRENDIZAGEM ...............
57
3.2 APRESENTAÇÃO DO CASO: DESCRIÇÃO DO PROJETO PEIXES......... 58
3.2.1 O contexto de início.................................................................................. 58
3.2.2 O início do projeto.....................................................................................
60
3.2.3 A seqüência de atividades........................................................................
63
3.3 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE...................................................................
68
4. O ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA...................
73
4.1 PROJETO E CURRÍCULO............................................................................ 73
4.1.1 Proposição 1.......................................................................................................
73
4.1.2 Proposição 2............................................................................................ 79
4.2 PROJETO E AÇÃO DOCENTE.....................................................................
82
4.2.1 Proposição 1............................................................................................. 82
4.2.2 Proposição 2............................................................................................ 84
9
4.2.3 Proposição 3............................................................................................. 87
4.3 PROJETO E MÚLTIPLAS LINGUAGENS................................................... 90
4.3.1 Proposição 1.............................................................................................. 90
4.3.2 Proposição 2.............................................................................................. 96
4.4 PROJETO E CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS........................................... 99
4.4.1 Proposição 1............................................................................................. 99
4.4.2 Proposição 2............................................................................................. 104
4.4.3 Proposição 3............................................................................................. 108
4.5 PROJETO E OS ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM...................................... 112
4.5.1 Proposição 1.............................................................................................. 112
4.5.2 Proposição 2.............................................................................................. 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 125
REFERÊNCIAS....................................................................................................
130
ANEXOS.............................................................................................................. 133
10
INTRODUÇÃO
Tudo começou com um projeto. Assim como em muitas outras coisas
na vida precisamos de um projeto para delinear ações em busca de objetivos a
serem alcançados. Este foi o primeiro passo para formalizar o desejo de aventurar-
me numa pesquisa mediada pelo curso de Mestrado. O tema da minha pesquisa
emergiu do cotidiano pedagógico de uma escola da rede particular de Santo Ângelo
e teve origem na inquietação e necessidade de ampliar os estudos vinculados à
função de supervisora pedagógica que desenvolvo na escola. É desse lugar de
intervenção e mediação junto aos professores que traço os caminhos da pesquisa.
Nesta dissertação, apresento a pesquisa realizada sobre CURRÍCULO POR
PROJETOS NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL tendo como
objetivo geral investigar o currículo por projetos num diálogo entre a prática que deu
origem à pesquisa e os princípios teóricos que orientam os projetos como prática
pedagógica. Para a concretização da investigação foram traçados os seguintes
objetivos específicos: contextualizar a origm do problema de pesquisa, bem como,
do Currículo por Projetos e as diferentes abordagens propostas no Brasil, Espanha,
Portugal e Itália; analisar o Projeto Peixes como campo empírico de pesquisa,
nuclear e definir categorias de análise; investigar princípios teóricos dos projetos
como: currículo, ação docente, espaços e tempos, múltiplas linguagens e construção
de conceitos a partir da definição de proposições para cada categoria proposta à luz
de um referencial teórico.
Algumas indagações iniciais acompanharam-me nesta trajetória investigativa:
Como as crianças chegam a maiores níveis de generalização através dos projetos?
Como constroem conceitos e se inserem na linguagem científica? Qual a concepção
de criança e de professor num currículo por projetos? Como as crianças criam redes
complexas entre os conhecimentos das diferentes áreas? Qual a implicação do
espaço e tempo nos projetos? Quais signos e instrumentos mediam a ação docente
11
e discente? Como as crianças se desenvolvem e aprendem no contexto dos
projetos?
Na escola onde foi realizada a pesquisa todas as turmas de Educação Infantil
e Anos Iniciais desenvolvem o currículo por projetos. Porém, considero pertinente a
investigação no Ensino Fundamental pela necessidade de pesquisa quanto à práxis
pedagógica, principalmente no que diz respeito à série do Ensino Fundamental,
tempo e espaço de construções significativas no processo de leitura e escrita.
Contudo, os projetos abrem um universo de possibilidades para a criança não se
limitando à alfabetização; inserem as crianças na pesquisa documental atribuindo
significado à leitura e à escrita; permitem a problematização, a elaboração de
hipóteses e a sistematização de idéias, a construção de conceitos e apropriação da
linguagem científica, a “leitura” de diferentes espaços e tempos; promovem
diferentes organizações e interações sociais; possibilitam lidar com conflitos e
frustrações, bem como comunicar-se em diferentes linguagens.
Essa rede complexa que é tramada pelos projetos recria a cultura da escola e
da criança. Na perspectiva sociológica a cultura é compreendida como um
componente simbólico do sistema social. Assim, é constituída por um sistema de
símbolos formando o que os teóricos chamam de tradição cultural. Os sujeitos
atribuem diferentes significados a esse sistema através do seu modo de ser, agir e
se expressar.
Diante de vários estudos e da (re)significação paradigmática, a Escola W
1
constrói uma identidade pedagógica e tem nos projetos um importante dispositivo
para desenvolver o currículo na Educação Infantil e nos Anos Iniciais. Com isso, as
crianças, como sujeitos históricos e sociais em desenvolvimento, constituem-se a
partir de uma rede complexa de relacionamentos. Sendo assim, cabe à escola criar
uma cultura escolar em que isso seja possível; a cultura escolar abrange “o que se
produz na escola” e “como se produz” e em que “o que é produzido modifica os
sujeitos e a natureza”. Assim entendido, o sujeito é histórico, pois se constitui e é
constituído por uma história própria, mas também inserido num tempo histórico,
marcado por ações concretas e por um movimento dialético entre a cultura. Essa
cultura é determinada pelas ferramentas inventadas e aperfeiçoadas pela
humanidade historicamente.
1
A escola campo de pesquisa empírica será nomeada como Escola W.
12
É com esse pensamento que são olhadas as crianças-sujeito do Projeto
Peixes. Sujeitos que se inquietam, estabelecem estratégias, que encaminham
planejamento, que fazem pesquisa, que se conflituam, que se comunicam com
diferentes sujeitos e espaços, que brincam, lêem, escrevem, aprendem e se
desenvolvem... Enfim, que se colocam no espaço como sujeitos históricos e sociais.
os sujeitos-professores devem ser vistos como seres que aprendem
continuamente, fazem pesquisa, dão a palavra às crianças, seguem-nas dando
significado àquilo que elas dizem e fazem, documentam, refletem e problematizam a
prática pedagógica.
A partir dessa concepção de criança é que se pensa um currículo por
projetos. No contexto dos projetos, a criança torna-se autora do percurso em
interação com seus pares. Habita um tempo e espaço e por meio da linguagem,
constrói e representa os significados atribuídos a partir do sistema cultural. É nessa
relação com o simbólico que o sujeito modifica a cultura e é modificado a partir das
interações sociais. Atrelada ao conceito antropológico de cultura, a visão
sociológica se amplia ao pensar esse sujeito com necessidades orgânicas que
busca estratégias para supri-las dentro de um ambiente. Esse ambiente precisa ser
administrado pelo sujeito, criando um novo padrão de vida cultural. A interação
regula o comportamento social do homem.
Os sujeitos da pesquisa são oriundos de classe dia sendo, na sua grande
maioria, alunos da escola, em anos anteriores. Os que chegaram na rie são
acolhidos e inseridos na prática de projetos a partir da interação com os outros e
com as experiências oferecidas. Assim, apropriam-se de uma nova cultura
modificando a sua a partir das interações sociais com outras crianças e com
educadores.
Dentro da pesquisa qualitativa, utilizei-me de análises textuais e elegi o
estudo de caso como metodologia. Para tanto, o caso a ser estudado é o Projeto
Peixes, apresentado em forma de documentação pedagógica. Essa documentação
foi elaborada pela professora Lisiane Beatriz Steinke Mendonça, no ano de 2006,
considerando o tempo de duração do referido projeto.
No Capítulo I apresento a narrativa de um percurso DO CURRÍCULO
TRADICIONAL AO CURRÍCULO POR PROJETOS: A ORIGEM DO PROBLEMA
cujo objetivo é situar o leitor no tempo e espaço da escola em que se originou o
13
problema de pesquisa, bem como, justificar um estudo sobre currículo por projetos.
Ainda neste capítulo apresentam-se os objetivos e a metodologia da pesquisa.
No Capítulo 2 contextualizo A MULTIPLICIDADE DE COMPREENSÕES
SOBRE O CURRÍCULO POR PROJETOS apresentando aspectos históricos e
teóricos de autores que têm pesquisa no assunto na Espanha, Portugal, Itália e
Brasil. Situo o caso a ser estudado e o campo teórico a partir do qual se fará este
estudo.
Na terceira parte da dissertação apresento a DOCUMENTAÇÃO
PEDAGÓGICA DO PROJETO PEIXES: SIGNIFICANTES DE UM PROCESSO. A
documentação é explicitada como processo de aprendizagem e o caso é descrito.
Para essa descrição, o texto foi fragmentado e reestruturado de forma objetiva, e
todo o percurso do projeto é narrado em itens numerados de 1 a 39.
A partir dessa fragmentação, estabeleci relações num processo denominado
categorização que envolve combinações e classificações formando conjuntos de
elementos próximos. No estudo, ficaram definidas cinco categorias de análise. São
elas:
Projeto e Currículo
Projeto e Ação Docente
Projeto e Múltiplas Linguagens
Projeto, Conteúdos Escolares e Construção de Conceitos
Projeto e Espaços de Aprendizagem
Para cada categoria, foram elaboradas proposições que serão defendidas no
Capítulo 4 que tem como título O ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DOS DADOS DA
PESQUISA. As proposições serão defendidas com base nas minhas vivências como
educadora e pesquisadora, na documentação pedagógica, no referencial teórico
sobre os projetos e na abordagem histórico-cultural.
14
1 DO CURRÍCULO TRADICIONAL AO CURRÍCULO POR PROJETOS: A ORIGEM
DO PROBLEMA
Neste primeiro capítulo apresento como, no percurso da minha trajetória
enquanto professora e supervisora pedagógica, o currículo por projetos tornou-se
objeto de pesquisa num espaço e tempo escolar marcado por inúmeras tentativas de
mudança na educação. Através desses (des)caminhos justifico como e por que o
currículo por projetos pode transformar os contextos pedagógicos em situações ricas
em aprendizagem e desenvolvimento.
1.1 A NARRATIVA DE UM PERCURSO
O primeiro contato com o termo “projeto” foi enquanto atuava
2
como
professora na Educação Infantil de uma escola
3
particular de Santo Ângelo. Os
Projetos Literários
4
foram as primeiras práticas de projetos com as quais me deparei
a partir de um encontro de estudos do qual uma colega participara e socializou o que
havia aprendido. Foi assim que executamos projetos previamente definidos por
educadores que pesquisavam essa prática. Durante esse período, a principal
preocupação estava vinculada à prática de projetos e em, nenhum momento,
cogitara-se a relação teoria e prática, nem mesmo a relação entre projetos e
currículo.
Baseado numa epistemologia empirista acreditava-se que o conhecimento
podia ser transmitido. Nessa concepção não se discutia ou investigava a relação
teoria e prática, o currículo configurava a reprodução de uma ideologia dominante,
legitimada por um conhecimento disciplinar, simplificado e hierarquizado. Nesse
sentido, a organização dos conteúdos seguia uma lógica disciplinar, conteudista e,
por isso, árida em significação para a criança.
2
No texto, será usada a pessoa do discurso, no singular, quando estiver me referindo às minhas
ações como pesquisadora e a 1ª pessoa do plural ao fazer referência a uma situação em que envolve
o conjunto de professores também sujeitos desta pesquisa.
3
Ao longo do texto, ao referenciar a escola campo empírico da pesquisa, designarei esta como
Escola W.
4
Tinham como base histórias da Literatura Infantil, entre elas, O Grande Rabanete, de Tatiana
Belinky, O Sanduíche da Maricota, de Avelino Guedes, João e Maria dos Irmãos Grimm.
Exploravam atividades das diversas áreas do conhecimento, principalmente, no campo da
Matemática.
15
Lopes & Macedo (2005, p. 13) afirmam que até na década de 80, o campo do
currículo no Brasil “foi marcado pela transferência instrumental de teorizações
americanas.” Parafraseando as autoras, para a elaboração curricular importavam-se
modelos de caráter funcionalista em decorrência de acordos entre os governos
brasileiro e norte-americano.
As escolas absorviam esses modelos marcados pela transferência
instrumental de teorizações americanas. A partir da década de 80, o pensamento
curricular brasileiro recebe influências marxistas e, em nível nacional, dois grupos
disputavam o discurso educacional: a pedagogia histórico-crítica e a pedagogia do
oprimido.
Na Escola W, a instrumentalização técnica marcava a didática e,
conseqüentemente, o currículo escolar. O conteúdo a ser ensinado era apresentado
através de uma técnica, de caráter motivacional, após o professor apresentava o
referido conteúdo. O aluno deveria preencher lacunas, responder perguntas,
demonstrar habilidades e outras atividades de treino e memória. Acreditava-se que,
quanto maiores e mais criativas as técnicas, mais eficiente tornava-se o ensino de
determinados conteúdos.
na década de 90, segundo Lopes & Macedo (2005, p. 14), “Os estudos em
currículo assumiram um enfoque nitidamente sociológico [...] Os trabalhos
buscavam, em sua maioria, a compreensão do currículo como espaço de relações
de poder”. Na metade da década (1995), a maioria dos estudos continha um caráter
político e assim, o currículo deveria ser contextualizado política, econômica e
socialmente. Os autores explicam que, com exceção de Paulo Freire, a maior parte
das referências era a autores estrangeiros tanto no currículo quanto na sociologia.
Também na década de 90, a Escola W como as demais escolas foi marcada
pelo discurso do Currículo Integrado. Por isso, os Projetos ganham espaço
essencialmente como possibilidade de desenvolver um currículo integrado. Porém,
desenvolver projetos elaborados por outros sujeitos, sem a compreensão teórica do
que os fundamenta, levou ao esgotamento da proposta de projetos em muitas
escolas. Assim, busquei bibliografias que pudessem explicitar mais sobre o campo
teórico referente aos projetos. O que encontrei o estava vinculado aos projetos
literários, mas sim a projetos definidos por temas geradores
5
programados pelos
5
São os temas relativos às aspirações, ao conhecimento empírico e à visão de mundo dos
educandos que, captados e estudados pelo educador, tornam-se base para o conteúdo
16
educadores tendo como referência o próprio currículo
6
da série.
Das plantas, água ou corpo humano, das Ciências, História ou Geografia, do
Dia do Município ao Dia da Árvore definia-se o tema/assunto a ser estudado, os
professores selecionavam os conteúdos que tinham relação com o referido tema e
durante um tempo estudavam sobre o assunto. À medida que o trabalho com as
crianças se desenvolvia, as aulas tornavam-se monótonas, e uma espécie de
“saturação” sobre o assunto era manifestada nos discursos das crianças. Alguns
sinais diziam-me que o tema se esvaziara pela repetição, esgotando-se. Isso se
evidenciava tanto no discurso do professor manifesto nos encontros mensais com o
grupo, quanto nas crianças, pela falta de envolvimento com os projetos, bem como
nos próprios conteúdos disciplinares estudados que nem sempre estavam
vinculados ao tema do projeto.
Um ano depois das experiências com os Projetos Literários numa escola
particular e a prática de projetos a partir de temas geradores em uma escola pública
municipal assumi, em 1998, a função de Supervisora Pedagógica
7
da Escola W
situada no município de Santo Ângelo. Nessa função, coordenava um grupo de oito
professores da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Nas
reuniões
8
com os professores, discutia-se, entre outras questões, a necessidade de
incluir novidades na prática visando a atingir um maior número de alunos. Apresentei
aos professores a possibilidade de desenvolvermos projetos integrados entre todas
as turmas da Educação Infantil até a 4ª série do Ensino Fundamental. Essa forma de
desenvolver projetos é denominada Projetos Pedagógicos Coletivos
9
. Segundo Silva
(1998, p.107).
Estes temas que serviriam de base para o desenvolvimento de projetos
pedagógicos com as crianças podem partir de questões que se colocam na
programático... Para saber mais, ler VASCONCELOS, M.L.M. C. Conceitos de Educação em Paulo
Freire: glossário. Petrópolis, RJ: Vozes: São Paulo, SP: Mack Pesquisa fundo Mackenzie de
Pesquisa, 2006.
6
Engloba todas as atividades desempenhadas pelos educandos no ambiente escolar, para além dos
conteúdos programáticos. Para saber mais ler VASCONCELOS, M.L.M. C. Conceitos de Educação
em Paulo Freire: glossário. Petrópolis, RJ: Vozes: São Paulo, SP: Mack Pesquisa fundo Mackenzie
de Pesquisa, 2006.
7
Função pedagógica desempenhada pela pesquisadora desde 1998 até a presente pesquisa.
8
Os encontros com os professores eram nominados como reuniões e aconteciam uma vez por mês.
Com a (re)significação da proposta pedagógica, esses encontros passaram a ser chamados de
Encontro de Estudos. Essa mudança estava vinculada à mudança da direção da escola que tinha
como objetivo elevar a qualidade de ensino e, para isso, apostaram numa mudança pedagógica a
partir da formação continuada com os professores.
9
Nome atribuído por Maria Isabel Lopes da Silva, na obra Qualidade e Projeto na Educação Pré-
escolar, Ministério da Educação, Lisboa, Portugal.
17
instituição [...] e centram-se [...] em temas transversais como a educação
ambiental [...]
Entre as propostas que encaminhei aos professores, estavam os projetos
“Teatro na Escola” e “Meio Ambiente”. Nessa prática de projeto, as decisões o
hierárquicas, o que D’Agord (2000) define como uma abordagem em que prevalece
a transmissão do conhecimento em que o professor atua como transmissor e o
aluno como receptor na relação ensino-aprendizagem.
À medida que eu me apropriava do campo teórico, compreendi que era
importante aos professores também terem acesso a esses conhecimentos. Foi
assim que lhes apresentei a obra do Fernando Hernández Progressão e Mudança: o
currículo por Projetos de Trabalho como uma provocação a um estudo teórico.
Contudo, continuaram interessados em realizar projetos como forma de desenvolver
o currículo e organizar seus planejamentos sem nenhum interesse no estudo teórico,
mesmo sendo a prática de projetos tema de debates e discussões nas escolas
públicas e privadas. O que estava em evidência era “como ensinar” de maneira
diferente e acreditávamos que os projetos eram a possibilidade de dar novo sentido
à prática.
Os grandes movimentos educacionais, alguns denominados por Meirieu
(2006) de acontecimentos pedagógicos, trouxeram mudanças na educação.
Meirieu (2006, p.31) afirma que
[...] era preciso institucionalizar o acontecimento pedagógico, sem que ele
perdesse com isso seu caráter extraordinário [...] Aposta extravagante no
plano teórico, mas que continuo acreditando nisso foi de uma grande
fecundidade: foi graças a ela que nós inventamos ou melhor, reinventamos!
as grandes “novidades pedagógicas” dos anos de 1980-90: o “trabalho
autônomo” em pequenos grupos, a “pedagogia diferenciada”, a “pedagogia de
projeto” e muitas outras coisas ainda.
Para que o “acontecimento pedagógico” não tivesse eco apenas em alguns
professores e pudesse efetivamente reinventar a escola era preciso instaurar nela
uma outra cultura. Como afirma Meirieu (2006, p. 31), “era preciso institucionalizar o
acontecimento pedagógico [...] torná-lo acessível a todos”. Significava um grande
investimento no plano teórico através de grupos de estudos, definição de tópicos a
serem investigados com os professores e efetivação da formação continuada. Foi
preciso reinventar a cultura
10
da escola, bem como o papel do professor, visto, a
10
Cultura para Pinto (2005, p. 69-70) “é uma transposição ao português do termo latino cultura [...]
cuja significação “trabalhar a terra” remete-nos ao campo da produção humana. A partir da segunda
metade do século XIX, surgem novos campos do conhecimento [...] e o termo “cultura” passa a ser
18
partir disso, como alguém que aprende, que pesquisa, que outro sentido ao
exercício da docência.
A cultura da escola compreende tudo aquilo que constitui a escola: os
sujeitos, os discursos pedagógicos, os espaços e tempos. A escola também é um
espaço de constituição cultural para a criança, pois ali ela poderá ampliar seus
processos de significação e estes “possibilitam que a criança se transforme sob a
ação da cultura, ao mesmo tempo em que esta adquire a forma e a dimensão que
lhe confere a criança” (PINO, 2005, p. 150).
Ao longo do percurso da Escola W, foi necessário algum tempo para que
questões de ordem curricular surgissem no discurso dos professores. As
inquietações estavam vinculadas ao tempo e aos conteúdos que ficavam atrasados
em função dos projetos, pois muitas atividades práticas exigiam um tempo e um
espaço maior para o seu desenvolvimento. Através dos temas definidos, articulavam
o currículo numa perspectiva multidisciplinar, através de uma inter-relação justaposta
entre as áreas. Foi nesse momento que constatei a desarticulação entre currículo,
tempos e espaços nos projetos. Era preciso, pois, reestruturar o horário, não mais
numa perspectiva fixa, mas como “[...] uma entidade flexível, suscetível de ser
modificada segundo as circunstâncias” (LOPES & MACEDO, 2005, p. 122).
O Projeto Político-Pedagógico reformulado em 1998 e 1999 sutilmente
ressaltava pressupostos teóricos que referenciavam a construção do conhecimento,
mas sem relação com a prática e com uma linha teórica que delineasse uma
identidade pedagógica. O documento era atravessado por um ecletismo teórico
refletido no dia-a-dia da escola, especialmente nas nossas práticas de projeto.
Nesse período tive contato com um artigo da Revista Criança, publicada pelo
Ministério de Educação e Cultura
11
que apresentava algumas experiências de
projeto nas escolas do nordeste brasileiro. O artigo mostrava uma abordagem
diferente de projeto, inclusive as etapas e modelos desenvolvidos nessa perspectiva.
Estes serviram de “modelo” para a reelaboração dos nossos projetos que foram
modificados em sua estrutura. Um dos itens incluía os conteúdos de cada área do
usado para designar o conjunto de bens materiais e/ou espirituais dos povos”. para Vigotski (apud
PINO, 2005, p. 88), “Cultura é o produto, ao mesmo tempo, da vida social e da atividade social do
homem”.
11
Não foi possível citar o título desse artigo, pois foi extraviado e não foi possível resgatá-lo para
incluir nesta pesquisa.
19
conhecimento, a partir do currículo institucional e outro o que as crianças queriam
aprender sobre o assunto.
A proposta de projetos apontada pelos Referenciais Curriculares Nacionais
12
está baseada nas pesquisas de Fernando Hernández. A valorização de um produto
final coloca em discussão a necessidade de se considerar o processo de construção
do aluno. A proposta de projetos dos Referenciais não menciona essa questão o que
pode comprometer o encaminhamento das ações pedagógicas e do próprio
processo de aprendizagem do aluno.
Segundo o documento,
Os projetos são formas de trabalho que envolvem diferentes conteúdos e que
se organizam em torno de um produto final cuja escolha e elaboração são
compartilhadas com a crianças. Muitas vezes eles não terminam com esse
produto final, mas geram novas aprendizagens e novos projetos (RCNEI
BRASIL, 1998, p.109, v.3).
Com o estudo do artigo publicado, instaura-se no grupo a necessidade de
ampliar o campo conceitual relativo aos projetos. Então foi proporcionado aos
professores o estudo do Capítulo VI da obra Transgressão e mudança na educação:
os projetos de trabalho, de Fernando Hernández que tinha como título “As
informações nos servem para aprender e nos provocar novas interrogações: um
projeto de trabalho na turma de 3 anos” de autoria de Mercê de Febrer e Fernando
Hernández. Neste texto, os autores apresentam o desenvolvimento de um projeto
com crianças de três anos tendo como tema a baleia de um zoológico. Esse Projeto
surgiu a partir de uma conversa entre as crianças numa escola espanhola, na qual
uma delas narra a visita ao zoológico para dizer adeus a Ulisses (baleia) que ia para
muito longe porque estava triste. Então as crianças questionam a educadora: Por
que Ulisses está triste? A partir disso, crianças e educadora buscam respostas para
tal problema, desenvolvendo um projeto de trabalho.
Os professores da escola pesquisada consideraram de grande importância o
estudo sobre o Projeto desenvolvido pelas crianças espanholas. Tomaram princípios
teóricos do autor como referência: o tema a ser investigado ser do interesse da
criança e a elaboração de um produto final. Dessa forma, desenvolviam projetos de
trabalho em consonância com a abordagem proposta pelo RCNEI. No documento de
Introdução (Brasil, 1998, Vol. 1, p. 57), enfatiza-se a importância de se desenvolver
projetos na escola, pois eles irão “[...] possibilitar às crianças que a partir de um
12
Documento que aponta diretrizes nacionais sobre a educação infantil brasileira. No decorrer deste
texto, o documento será referenciado com a sigla RCNEI.
20
assunto relacionado com um dos eixos de trabalho, possam estabelecer múltiplas
relações, ampliando suas idéias sobre um assunto específico”.
No ano de 2000, a escola passou por modificações de cunho administrativo e
pedagógico. Uma nova direção assumiu os trabalhos e a equipe de Educação
Infantil e Anos Iniciais, a qual eu coordenava, passou a ter uma consultoria
pedagógica. Essa consultoria tinha como objetivo avaliar pedagogicamente a
Instituição e estabelecer estratégias para a (re)significação do Projeto Político-
Pedagógico.
As reuniões que aconteciam mensalmente passaram a ser chamadas de
Encontros de Estudos. A cada encontro, as educadoras e eu, como supervisora,
explicitávamos como fazíamos o nosso trabalho. Num desses encontros discutiu-se
sobre a elaboração dos pareceres descritivos
13
, pois era algo novo na prática dos
educadores. Diante disso, a consultora encaminhou o encontro a partir da seguinte
pergunta: Como realizam a avaliação? Após orientou-se para a leitura da obra
Construtivismo: Teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino
especialmente o Capítulo 15, que tinha como título “A avaliação construtivista”. Cada
professora ficou responsável pelo estudo de uma parte e deveria explicitar aos
demais colegas a compreensão do texto.
O estudo do texto sobre a avaliação permaneceu durante alguns encontros
relacionando o estudo à escrita dos pareceres elaborados por elas, o que permitiu
ao grupo a relação teoria e prática. Além disso, possibilitou aos educadores novos
olhares sobre a avaliação e, conseqüentemente, na elaboração dos pareceres.
Entre tantas questões feitas pela consultora, uma nos inquietou muito: Como a
criança aprende? Até então estávamos centradas em “como se ensina”. A partir
desse momento, um complexo campo teórico nos foi apresentado pela consultoria
em torno das aprendizagens. Estudamos sobre Piaget
14
e Vigotski
15
tomando-os
como referência para as aprendizagens infantis. A partir de então, os encontros
mensais passaram a ser quinzenais.
13
Documento escrito elaborado pelos educadores para expressar a avaliação das crianças e que é
entregue aos pais no final dos trimestres.
14
WADSWORTH, J. B. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget; PIAGET, Jean.
Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
15
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo cio-
histórico. São Paulo: Scipione, 1997; VIGOTSKI, L. S. A formação social da Mente. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
21
Desencadeou-se uma corrida intelectual no grupo; uns queriam estudar mais
que os outros para manifestar suas aprendizagens a cada novo encontro. Porém,
esse processo foi para todos extremamente doloroso e alguns confrontos entre a
prática e a teoria começaram a se estabelecer sob duas dimensões: uma entre os
professores, pois nem todos entendiam que tinham que estudar e que havia uma
complexa relação entre teoria e prática e, em função disso, houve uma seleção
natural com alguns pedidos de demissão. Outra foi no campo epistemológico, pois o
que estudamos sobre como a criança aprende, em alguns pontos, não estava em
consonância com a prática que desenvolvíamos.
A crise instaurada na escola não foi potencializadora de um bloqueio no
grupo. Pelo contrário, serviu para lançar os professores adiante no sentido de buscar
respostas para o que os inquietava. A definição de princípios teóricos trouxe outras
possibilidades ao grupo, no sentido de refletir sobre a prática, pois, segundo Meirieu
(2005, p. 21) “Sem princípio, a ação humana resvala no empirismo, torna-se uma
bricolagem, sem horizonte e, portanto, sem amanhã.”
Os estudos desencadearam novas inquietações sobre a concepção de
criança: Como era vista? Como aprendia? Como a ensinamos? A criança vista por
nós era egocêntrica, com ímpetos de destruição e desorganizada, além de
dependente do adulto em diversas situações. A criança idealizada por nós deveria
ser produzida pela pós-modernidade, a partir de uma nova cultura da infância, o que
Dahlberg nomeou de novo paradigma da sociologia da infância. Sobre essa questão
afirma:
As crianças são parte da família, mas também são separadas dela, com
seus próprios interesses que podem nem sempre coincidir com os dos pais e
com os de outros adultos. As crianças têm um lugar reconhecido e
independente na sociedade, com seus próprios direitos como seres humanos
individuais e membros plenos da sociedade (DAHLBERG, 2003, p. 70).
A infância como construção social está marcada por interações sociais e,
embora seja um fato biológico, é determinada socialmente. Por isso, é
contextualizada com relação ao tempo, ao local e à cultura (DAHLBERG, 2003).
Sendo assim, não existe uma única infância, mas várias infâncias e crianças. A idéia
de criança como ator social também ampliou a forma de concebê-la, não bastava à
criança participar de atividades; este envolver-se é condição para a aprendizagem e
o desenvolvimento.
22
Partindo desses questionamentos, apresentou-se a proposta de projetos
tendo Fernando Hernández como referência teórica à consultoria pedagógica. Os
projetos eram organizados em relatórios sobre as práticas desenvolvidas com as
crianças o que legitimava o esforço dos educadores em busca de uma prática
educativa de qualidade.
A consultora reconheceu esse trabalho como um processo que poderia ser
ampliado e nos encaminhou o texto “Aprendizagem por Projetos: descentrando
aprendizagens”, introdução da tese de doutorado de Marta D’Agord
16
. Esse estudo
serviu como uma desconstrução no processo de ensinar e aprender do grupo de
educadores. Quebrou paradigmas no sentido de delinear concepções teóricas e nos
aproximar do discurso da psicanálise. Através deste texto, aprendemos que os
projetos podem ser desenvolvidos tanto numa pedagogia tradicional como numa
perspectiva pós-construtivista. O que os difere é a concepção paradigmática em que
eles estão sustentados.
À medida que os estudos se desenvolviam foi-nos apresentada, através da
consultoria pedagógica, a tradução da obra italiana de Giordana Rabitti À Procura da
Dimensão Perdida: uma escola de infância de Reggio Emilia
17
e fomos desafiadas à
leitura na íntegra do referido livro. Com este livro vieram mais estudos sobre a
abordagem italiana de projetos como As Cem Linguagens da Criança: a abordagem
de Reggio Emilia
18
na Educação da Primeira Infância
19
de autoria de Carolyn
Edwards, Lella Gandini e George Forman.
Foi na obra de Edwards, Gandini e Formam que estudei o Projeto “Múltipla
Simbolização no Projeto do Salto em Distância” de autoria de George Forman (1999)
e Desenvolvimento do Currículo em Reggio Emilia Um projeto de Currículo de
Longo Prazo sobre os Dinossauros” de autoria de Baji Rankin (1999). Através das
obras italianas traduzidas, tivemos acesso a essa abordagem e, pelos estudos no
grupo de professores, identificamo-nos com os conceitos e a prática do Currículo
16
Educadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Psicanalista clínica. A sua tese de
doutoramento teve como tema Processos inconscientes em situações construtivistas de "aprendizagem
por projetos" enriquecidas com as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). Tese de
Doutorado, Instituto de Psicologia, UFRGS.
17
Obra traduzida por Alba Olmi e publicada pela ARTMED, em 1999.
18
Cidade situada na região de Emilia Romana na Itália que é considerada pelo seu projeto educativo
“A melhor Escola de Educação Infantil do Mundo”.
19
Obra traduzida por Dayse Batista e publicada pela ARTMED, em 1999.
23
Emergente
20
e da Documentação Pedagógica, princípios organizadores do
conhecimento em Reggio Emilia que serão aprofundados no Capítulo II.
Segundo Nimmo (1999, apud EDWARDS, p. 254),
Em Reggio Emilia, os projetos envolvem uma espiral de experiências de
exploração e discussão em grupo, seguida por representação e expressão,
através do uso de muitos meios simbólicos, por exemplo, palavras,
movimentos, canções, desenhos, construção com blocos, jogos de sombras
[...] A arte e a estética são vistas como uma parte central da maneira como as
crianças percebem e representam seu mundo. A arte o é vista como uma
parte separada do currículo, mas ao invés disso é vista como uma parte
integral da aprendizagem cognitiva/simbólica plena da criança em
desenvolvimento.
Nesse período, instituiu-se na escola o Centro de Formação e Pesquisa com
o intuito de fomentar a formação continuada e a pesquisa na escola. Em ato solene,
no dia 05 de março de 2002 os professores, por meio de uma carta de adesão e de
um Memorial Descritivo, filiaram-se ao Centro de formação e Pesquisa da Escola
21
.
Nesse documento, os educadores colocaram-se como sujeitos pesquisadores
legitimamente implicados com um tempo e espaço em que se privilegiava a práxis
educativa. Segundo Silva (2000, p. 94), a práxis é entendida como “toda atividade
histórica e social, livre e criativa, através da qual o ser humano modifica a si próprio
e ao mundo”.
No percurso profissional e acadêmico, a formação continuada levou-nos a
problematizar, confrontar a prática com a teoria, (des)construir culturas e reconstruir
outras, a partir de novas perspectivas teóricas. Enquanto pesquisadora, investi nos
Projetos como campo de investigação. Tive acesso a obras de Portugal e,
conseqüentemente, à abordagem de Projetos proposta naquele país, através da
obra Qualidade e Projecto na Educação Pré-Escolar publicada pelo Ministério da
Educação (1998)
22
, cujos autores são Lílian G. Katz, Joaquim Bairrão, Maria Isabel
Lopes da Silva e Teresa Vasconcelos. Por intermédio desse estudo, ampliei a idéia
de Planificação em teia como instrumento de planejamento e organização de um
currículo nos projetos.
20
O currículo emergente compreende: a) as hipóteses e as questões formuladas pelas crianças
baseadas no conhecimento que têm e em suas experiências sobre um tópico de investigação; b)
os objetivos formulados pelas crianças e professores; c) o percurso construído para atingir esses
objetivos; d) as linguagens usadas para representar o que aprenderam.
21
O Centro de Formação e Pesquisa foi criado na escola com o objetivo de fomentar a formação
continuada e a pesquisa na Escola W tendo apoio da consultoria pedagógica. Esta consultoria foi
designada pela nova direção da escola, sendo composta por uma pedagoga e uma psicanalista.
22
Esta obra foi publicada em 1998 pelo Ministério da Educação – Departamento de Educação Básica
- Núcleo de Educação Pré-Escolar, Lisboa, Portugal.
24
A planificação em teia é uma proposta didática da Pedagogia de Projeto de
Portugal. Segundo Vasconcelos (1998, p. 140), “[...] para enriquecer e perspectivar
amplamente a planificação do trabalho, o educador pode elaborar a sua própria teia
ou mapa conceptual prevendo a que níveis se pode desenrolar o processo de
pesquisa”.
A mesma autora ainda pontua que ao desenhar teias poderão ser
estabelecidas linhas de pesquisa que serão retomadas ao longo do desenvolvimento
do projeto. Esta forma de planejamento permite uma visão dos percursos e
atividades a serem executadas nas investigações, ou seja, fornece uma visão a
curto e longo prazo de um currículo emergente que será posto em prática.
Dos percursos traçados em busca de novas aprendizagens, defrontamo-nos
com a prática e desenvolvimento de um Currículo por Projetos na Espanha, com
Fernando Hernández; em Portugal, com Katz, Leite e Vasconcelos; na Itália, com
Edwards, Gandini e Formam e no Brasil, com Marta D’Agord. Pela pertinência dessa
questão, no Capítulo II apresento aspectos significativos da abordagem de projetos
da Espanha, Brasil, Itália e Portugal, a partir dos autores mencionados. Esses
aspectos apresentados foram (re)significados na abordagem de projetos da Escola
W, bem como através da reformulação da Proposta Político-Pedagógica. No referido
capítulo, caracterizo as diferentes abordagens e relaciono o que se tomou como
referência em cada uma delas para a construção de uma identidade curricular por
projetos, o que contribuiu para a delimitação do problema de pesquisa e de seus
objetivos.
Pretendo, com esta pesquisa, investigar sobre o currículo por projetos
complexificando-os como forma de aprendizagem e desenvolvimento. Tomarei
como referência o viés teórico da abordagem histórico-cultural amparada
teoricamente em Vigotski. Analisarei a partir de categorias definidas com base no
campo empírico, nos autores pesquisados e nas considerações elaboradas a partir
das minhas vivências, considerando princípios teóricos da prática de projetos.
Vasconcelos, no prefácio da obra de Barbosa & Horn, afirma que as autoras
[...] fundamentam o trabalho de projeto em teorias ligadas ao pensamento
complexo e às perspectivas interdisciplinares como forma de resolução dos
problemas. Centram a aprendizagem em uma experiência coletiva,
cooperativa, em que um elemento do grupo pode ir mais longe porque é
sustentado pelos outros elementos desse mesmo grupo.
(2008,
p. 9).
25
A autora referenciada destaca que os projetos, por ser uma metodologia
centrada em problemas, “coloca-se na zona de desenvolvimento proximal
(VYGOTSKY) da criança, convidando-a a trabalhar acima e adiante das suas
possibilidades” (p.9).
1.2 JUSTIFICATIVA DE UM ESTUDO SOBRE CURRÍCULO POR PROJETOS
Ao longo dos últimos anos, tem-se acompanhado os diferentes confrontos
enfrentados pelas instituições escolares em todos os aspectos que a elas se
relacionam colocando-as num “estado de crise”. Segundo Veiga-Neto (2003, p.
110), “a escola está em crise porque percebemos que ela está cada vez mais
desencaixada da sociedade”. Significa que no percurso evolutivo mundial, a escola
não acompanha tais mudanças e um mal-estar se instalou no espaço e tempo das
instituições educacionais. Esse mal-estar manifesta-se no discurso dos educadores
através da queixa e pode ser visualizado nas ações cotidianas praticadas na escola.
Diante disso, faz-se necessário problematizar a escola e pensá-la como
instituição que se constitui em diferentes dimensões: sociais, culturais, econômicas,
filosóficas, pedagógicas. Mesmo em crise, as instituições escolares estão sendo
beneficiadas com inúmeras pesquisas que podem dar outra direção à educação e,
conseqüentemente, outro lugar à escola. As teorias educacionais ampliam-se e
multiplicam-se abrindo inúmeras possibilidades para a (re)significação da escola.
Muitos conceitos e novas práticas são incorporados ao vocabulário e às ações
pedagógicas dos educadores, porém, muitos deles utilizados sem significado pela
falta de estudo e pesquisa por parte dos educadores.
Conceitos como interdisciplinaridade”, “aprendizagem significativa”,
“educação global”, “ensino globalizado”, “metodologia de projetos” emergem no
discurso dos professores e estão presentes nos Projetos Políticos Pedagógicos, sem
que haja uma iniciação ao campo teórico do qual fazem parte. Veiga-Neto
(
2003, p.
107-108) afirma que
[...] boa parte das práticas que se dão na escola não foram simplesmente
criadas com o objetivo de que as crianças aprendessem melhor... Claro que
isso não significa que muitas dessas práticas o funcionem positivamente
para a aprendizagem...
26
Cada nova experiência colocada em prática pela escola marca uma tentativa
de sair ou amenizar essa crise, que reflete diretamente na qualidade dos processos
de aprendizagem experienciados pelos educandos. O exercício da docência está
marcado por “um desconforto muito grande, de parte dos professores e professoras
que trabalham segundo uma lógica disciplinar moderna” (VEIGA-NETO, 2003, p.
109).
Imersa nesse tempo e espaço de profundas transformações pedagógicas
aproprio-me de uma representação da realidade vivenciada como instrumento de
pesquisa, problematizando os projetos como instrumento para o desenvolvimento de
um currículo. Diante do percurso explicitado, busco, com esta pesquisa, respostas
para algumas indagações: Como as crianças chegam a maiores níveis de
generalização através dos projetos? Como constroem conceitos e se inserem na
linguagem científica? Qual a concepção de criança e de professor num currículo por
projetos? Como as crianças criam redes complexas entre os conhecimentos das
diferentes áreas? Qual a implicação do espaço e tempo nos projetos? A ação
docente e discente é mediada por signos e instrumentos? Como as crianças se
desenvolvem e aprendem no contexto dos projetos?
A pesquisa justifica-se pela forte presença dos projetos nas escolas como
possibilidade de ressignificação da prática pedagógica. Diante disso, proponho-me a
analisar a prática de projetos da Escola W enquanto instrumento para o
desenvolvimento do currículo e como metodologia que atribui maior relevância ao
conhecimento escolar através dos seguintes princípios: a concepção de criança e a
ação docente, a organização do espaço, as múltiplas linguagens, a construção de
conceitos e currículo.
Resgatados por Fernando Hernández na década de 80 na Espanha, com a
denominação de Projetos de Trabalho, os projetos destacam-se nas salas de aula
brasileiras como uma das mais interessantes formas de envolver os alunos em
contextos significativos de ensino e aprendizagem. O contexto educativo em que a
Escola W está inserida também é marcado por essa crise na educação; ou seja, os
educadores, desejosos por algo novo, não buscaram maiores estudos sobre os
projetos, sendo que os primeiros conflitos surgiram ao longo da operacionalização.
Como eram determinados pela escola, pelas secretarias de educação e/ou
assessorias, os projetos chegavam às instituições como imposição, confrontando
com o currículo que estava sendo desenvolvido na escola.
27
Outra constatação estava diretamente relacionada à prática dos educadores.
Estes ocupavam-se didaticamente em planejar situações envolvendo os alunos nos
projetos determinados; desenvolviam as aulas, sem se preocupar com a
relevância dos conhecimentos escolares que, muitas vezes, eram negligenciados
para atender às demandas das secretarias de educação e/ ou dos supervisores
pedagógicos que determinavam o desenvolvimento de projetos pré-elaborados,
geralmente, ligados a datas comemorativas.
A partir do contexto vivenciado, constatei que os educadores perderam-se em
suas práticas, deixando os conhecimentos científicos e os sujeitos para um segundo
momento. A escola perdeu-se enquanto identidade curricular, ou seja, não se
desenvolvia o conteúdo programático articulado aos projetos e os professores não
tinham consciência de que nos projetos desenvolvidos estava um currículo em ação.
Esse não-saber dos professores refletiu nas aprendizagens, pois os alunos
passaram de uma série para outra fazendo projetos sem que os professores
tivessem clareza quanto ao currículo que estavam desenvolvendo. Nesse sentido,
os alunos envolveram-se em ações, práticas, atividades, mas o campo conceitual
marcado pelo currículo escolar não teve a mesma ênfase e, em função disso, os
alunos ficaram prejudicados em seus processos de aprendizagem.
O currículo desenvolvido em projetos com as características mencionadas
anteriormente mantém distante o conhecimento da pertinência deste diante do
mundo, do global. A visível disjunção entre escola e sociedade distancia essas duas
instituições que são constituintes do sujeito ao mesmo tempo em que se constituem
através dele.
Segundo Morin (2004, p. 35), de acordo com os princípios do conhecimento
pertinente
O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo
tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo
milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a
possibilidade de articulá-las e organizá-las?
As escolas se constituem como espaço e tempo para articular e organizar os
conhecimentos e, para tanto, como argumenta Dewey (apud BARBOSA & HORN,
2008, p. 47),
A existência humana envolve impulsos dispersos para um projeto
crescentemente unificado ou integrado; ou melhor, para uma série de projetos
coordenados ou ligados entre si por interesses, aspirações e ideais de
significados permanentemente. Preparar para a vida será pôr a criança em
condições de projetar, de procurar meios de realização para seus próprios
28
empreendimentos e de realizá-los verificando pela própria experiência o valor
das concepções que esteja utilizando.
Ao analisar as experiências de projetos nas escolas, pode-se afirmar que, sob
diferentes maneiras de se desenvolver, os projetos, como prática metodológica,
apresentam-se com duas intenções, entre outras, bem distintas: i) os Projetos
ganham espaço como “novidade” na prática de professores e escolas; ii) os Projetos
são vistos como dispositivo curricular, através do qual se desenvolvem os conteúdos
das diferentes áreas do conhecimento, possibilitando articulações interdisciplinares.
Os projetos como “novidade” na prática de professores estão embasados em
princípios empiristas e, acredita-se que o professor e/ou a escola que os utilizam
como meio para desenvolver o currículo, são considerados construtivistas, estão
atualizados com o que há de novo na educação.
Porém, diante de uma análise cuidadosa, o que se observa nessa realidade é
que pedagogicamente a escola continua operando com espaços e tempos
fragmentados, determinados por ações hierárquicas, nas quais o professor manda e
o aluno obedece, o professor ensina e o aluno (acredita-se) aprende; os
conhecimentos estão fragmentados ou articulados numa inter-relação
multidisciplinar
2
; as relações dão-se através da díade professor x aluno; ou seja,
coloca-se no centro a figura do professor como aquele que ensina e o aluno aquele
que aprende. Nesse contexto, o conhecimento está centralizado no professor, numa
perspectiva de transmissão e, por isso, a prática de projetos assim desenvolvida em
nada colabora para redimensionar o ensino e garantir qualidade nas aprendizagens
infantis.
A prática de projetos, na perspectiva mencionada, está enraizada
Em primeiro lugar, o fato de a concepção tradicional do programa
escolar ser uma lista interminável de conteúdos obrigatórios [...]; em segundo
lugar, a necessidade de prever o período de duração dos projetos [...]
controle do tempo (BARBOSA & HORN, 2008, p. 19).
Dessa forma, o desenvolvimento do currículo, está baseado numa concepção
conservadora da cultura vista como fixa, estável, herdada e do conhecimento como
fato, como informação; ou ainda a de orientação neomarxista, baseada numa
análise da escola e da educação como instituições voltadas para a reprodução das
estruturas de classe da sociedade capitalista. Nesse contexto, o Currículo reflete e
2
De acordo com Jurjo Santomé (1998), a multidisciplinaridade é vista como a inter-relação mais
simplificada dos conhecimentos, pois se dá no nível da justaposição dos conhecimentos.
29
reproduz essa cultura. Os projetos desenvolvidos como inovação são considerados
áridos, baseados numa epistemologia empírica e a identidade da escola é marcada
por um ecletismo. Buscam-se informações isoladas, superficiais e faz-se uma
bricolagem, formando uma “colcha de retalhos” em termos de identidade
pedagógica.
Os projetos como identidade curricular baseada na interdisciplinaridade
3
buscam desenvolver o currículo numa perspectiva complexa
23
, ou seja, o
conhecimento expresso num currículo. Segundo Morin (2003), o conhecimento é
considerado organização se estiver relacionado com as informações e inserido no
contexto delas. Como o próprio autor se refere, as informações são parcelas
fragmentadas do conhecimento. Por isso, a escola, diante da avalanche de
informações se constitui como campo de orientação e organização para a
compreensão de novos conhecimentos. Pensá-los numa perspectiva a partir da
teoria da complexidade
24
exige dos educadores e da escola uma nova organização
didática e pedagógica pautadas em outra perspectiva paradigmática que supere a
visão simplista do empirismo apresentado anteriormente.
Morin propõe uma revisão do paradigma da simplificação, do princípio
das abordagens disciplinares dos diferentes saberes e das especializações
do conhecimento que retalham, cortam, reduzem disjuntam e fragmentam o
objeto complexo (MARTINAZZO, 2002, p.21).
Conceber o conhecimento nessa perspectiva exige uma visão global de
currículo buscando um diálogo entre pensamento curricular e prática pedagógica. Os
Projetos favorecem o desenvolvimento de um currículo numa perspectiva social e
marcam território e identidade da práxis educativa. Quanto à relevância social do
currículo, Santomé (1998, p.189) afirma que este
deve servir para atender às necessidades de alunos e alunas de
compreender a sociedade na qual vivem [...] que os ajudem à localização
dentro da comunidade como pessoas autônomas, críticas, democráticas e
solidárias.
Nesse sentido, buscava-se um currículo integrado superando uma concepção
“tradicional” do ensino. Ao professor cabia adotar processos educativos mais
3
Segundo Jurjo Santomé, é o 2º nível de complexidade na relação entre os conhecimentos.
23
Segundo Morin, “o reconhecido como complexo é aquilo que não é, a priori redutível a uma ordem
(apud MARTINAZZO, 2003, p.50).
24
Para Martinazzo (2002), o pensamento da complexidade é “um paradigma pós-cartesiano que
encara os problemas sob outro referencial lógico-epistemológico e encaminha as soluções de forma
não simplificadora, religa o que a análise separa, contextualiza o dissociado, reúne o disperso,
complexifica o simplificado, historicisa o intemporal e considera o sujeito pensante como produtor e
produto de seu pensamento e de suas construções” (p.45).
30
centrados na aprendizagem dos alunos e nos seus interesses, permitindo uma
articulação entre diferentes áreas e domínios do saber.
1.3 OS OBJETIVOS DA PESQUISA
As nominações, intenções e características dos Projetos são muitas e, na
prática, deparamo-nos com diferentes formas e intencionalidades para o seu
desenvolvimento: “Projetos de Trabalho”, “Pedagogia de Projetos”, “Projetos de
Estudos em Profundidade”, “Aprendizagem por Projetos”. Essas diferentes
abordagens serão apresentadas no Capítulo II, com a intenção de situar o leitor no
campo teórico dos projetos, especificamente aqueles estudados pela Escola W que,
a partir dessas referências teóricas, estabeleceu alguns princípios teóricos.
O objetivo geral desta pesquisa é investigar o Currículo por Projetos num
diálogo com a prática que deu origem a esta pesquisa e com os princípios teóricos
dos projetos relacionando-os ao desenvolvimento de um currículo. Buscarei, mais
especificamente, um diálogo entre autores que descentralizam as aprendizagens
considerando a concepção de criança, ação docente, construção de conceitos, as
múltiplas linguagens e instrumentos, além dos espaços como mediadores da
aprendizagem, bem como a literatura estudada na elaboração da proposta de
projetos da Escola W.
Os objetivos específicos da pesquisa são:
Contextualizar a origem do problema de pesquisa através do percurso do
currículo tradicional ao currículo por projetos;
Analisar aspectos históricos e as diferentes abordagens de projetos
propostas no Brasil, Espanha, Portugal e Itália.
Analisar o Projeto Peixes, como campo empírico de pesquisa,
considerando aspectos recorrentes possíveis de nuclear e definir
categorias de análise.
Investigar princípios teóricos dos projetos como: currículo, ação docente,
espaços e tempos, múltiplas linguagens e construção de conceitos a partir
da definição de proposições para cada categoria proposta, à luz de um
referencial teórico.
Investigar a prática educativa através de um estudo de caso coloca em cena
os sujeitos envolvidos diretamente nos processos de ensino e aprendizagem. Com
31
isso, buscarei no referencial teórico vigotskiano sustentação para a análise proposta,
bem como em autores que sustentam a pesquisa em projetos.
A escola torna-se espaço para encontros e diálogo num processo sensível
para ouvir as vozes dos outros, possibilitando enxergar o outro não como igual, mas
diferente. Nesse ponto de vista, a interação se entre sujeitos crianças, adultos e
conhecimento, numa relação mediada pela linguagem e pelos instrumentos
disponibilizados pela cultura.
A investigação justifica-se porque os projetos o operacionalizados na
contemporaneidade como forma de desenvolver um currículo institucional. A escola,
na qual será focado o estudo, tem essa intencionalidade e é uma escola particular,
localizada no município de Santo Ângelo. Através dos projetos, desenvolve um
currículo integrado e busca descentrar o conhecimento e devolver à escola o lugar
de produção de saberes, bem como, colocar os sujeitos, professor e aluno, numa
relação heterárquica, de cooperação. Além disso, busca articular os conhecimentos
de forma a manter uma relação interdisciplinar.
Considerando o contexto, a pesquisa se dará em um universo familiar, ou
seja, no meu ambiente de trabalho, pois acompanho o processo da escola
relacionado a essa prática desde 1999. Estou diretamente envolvida com os estudos
e decorrentes mudanças na prática da escola, mesmo assim, busco posicionar-me
como alguém que olha de fora para analisar, investigar, levantar significantes do
contexto dessa prática; ou seja, colocar-me como pesquisadora.
Como mencionado anteriormente, sendo uma pesquisa qualitativa utilizarei a
análise discursiva textual e o estudo de um caso como metodologia de investigação.
O que caracteriza o estudo de um caso é a focalização de um sistema delimitado:
um sistema individual ou social. Na referente pesquisa buscarei a compreensão
daquele caso particular em sua complexidade.
Para tanto, utilizarei a documentação pedagógica elaborada pela professora
Lisiane Beatriz Steinke Mendonça como instrumento de pesquisa para o estudo de
caso, além do arquivo fotográfico e das produções das crianças. O estudo de caso
será concluído através da sistematização e análise dos dados.
A investigação delimitar-se-á na turma de do Ensino Fundamental que tem
como docentes as professora Lisiane Beatriz Steinke Mendonça e a atelierista
Aldanir Köklin. No decorrer do estudo, a pesquisadora terá a oportunidade de
confrontar suas impressões com as das pessoas envolvidas, de redimensionar
32
alguns aspectos ou de recolocar outros em relação a determinadas situações, sejam
elas de cunho teórico ou prático.
Segundo Rabitti (1999, p. 34),
Ocorre, porém, de o pesquisador que, o podemos esquecer, é um
profissional em seu campo e possui, portanto, experiência de implicações
teóricas, de instrumentos e de situações reais ver ângulos e detectar
aspectos e ligações que não são percebidos por quem está envolvido
quotidianamente em uma experiência. O seu trabalho, assim, ajuda a
aumentar a compreensão do fenômeno nas pessoas envolvidas.
A busca por respostas a essas indagações dar-se-á a partir do viés teórico
vigotskiano e da literatura sobre projetos. O objetivo é oferecer um material capaz de
provocar reflexões nos educadores no sentido de buscar mudanças no que se refere
à didática com a qual desenvolvem o currículo.
33
2 A MULTIPLICIDADE DE COMPREENSÕES SOBRE PROJETOS COMO
ATIVIDADE CURRICULAR
Tendo em vista as diferentes abordagens teóricas sobre os projetos como
forma de desenvolver um currículo, proponho inicialmente uma breve revisão
histórica sobre os projetos em propostas educacionais. Posteriormente, apresento
as características das diferentes abordagens de projetos as quais serviram de
referência bibliográfica na Escola W. A partir dessa caracterização, destaco
princípios teóricos a partir dos quais a referida escola ressignificou a sua proposta
de currículo por projeto.
Com isso, embora exista uma ampla bibliografia sobre projetos, a definição
dos autores aqui apresentados deu-se em função do percurso da escola, campo de
pesquisa empírica, que os tomou como objeto de investigação e referência teórica
para a elaboração da proposta de projeto.
2.1 BREVE RETOMADA HISTÓRICA
Os Projetos, no âmbito educacional, foram introduzidos no início do culo
XX. A origem dos projetos nos anos de 1915 e 1920 foi uma tentativa de J. Dewey
(1916) e W. H. Kilpatrick (1918) de opor à pedagogia tradicional uma pedagogia
progressista, na qual, segundo Boutinet (2002, p. 181) “[...] o aluno se tornava ator
de sua formação através de aprendizagens concretas e significativas para ele.”
A introdução de projetos em contextos escolares está ligada, ainda, na
Europa, ao movimento designado como “Escola Nova” e às suas concepções de
aprendizagem ativa “pela vida e para a vida” que se traduziram na obra de Décroly,
Cousinet e Freinet, e ao “método dos complexos
25
desenvolvido na União Soviética
pelo educador russo M. Pistrak (1988 – 1940).
Segundo Falcão (2004, Vol. 7, nº 2, p.156)
Pistrak (1981) defendia dois grandes fundamentos para a pedagogia
socialista soviética: as relações da escola com a realidade e a auto-
organização dos estudantes. Ao criar o sistema dos complexos, o referido
autor propugnava a organização do ensino através de temas socialmente
significativos, por meio dos quais, os estudantes compreendiam a dinâmica e
as relações existentes entre aspectos diferentes de uma mesma realidade.
25
Assemelhava-se a outros procedimentos metodológicos propostos pela chamada “escola ativa”,
tais como os centros de interesse, as unidades de trabalho, o sistema de projetos.
34
O método de projetos proposto por Dewey (1916) era considerado um método
ativo. Nesse sentido, Dewey (1916) afirmava que os métodos ativos “estimulam as
disposições criativas e construtivas das crianças, baseando-se em seus interesses”
(apud BOUTINET, 2002, p.181). A intenção nessa proposta era a ressignificação do
lugar do aluno que passa a ocupar um lugar de destaque sendo sujeito do processo
educativo.
De acordo com Boutinet (2002, p. 182),
Essa intenção de transformar o aluno de objeto em sujeito de sua própria
formação será, por outro lado, mais ou menos contemporânea dos esforços
despendidos em contextos diferentes pelos defensores da Educação Nova:
primeiramente C. Freinet, mas também Montessori, O. Decroly e A. S.
Makarenko.
Os autores referenciados valorizavam a liberdade da criança, sua
necessidade de atividades, ressaltando uma escola ligada à vida, ou seja,
acreditavam que as experiências educativas realizadas pelo aluno implicam na
aprendizagem.
Cabe destacar que os pedagogos das pedagogias da Educação Nova não
recorreram ao conceito de projeto. Segundo Boutinet (2002), este termo cairá em
desuso até que surja novamente, nos anos 70-80 em função do fracasso da
pedagogia por objetivos. A isso se deve o reaparecimento da pedagogia do projeto,
meio século depois do trabalho dos pioneiros Dewey e Kilpatrick.
Com a reforma dos “10% pedagógicos”
26
, na França abre-se um novo período
retomando as pedagogias do projeto. Boutinet (2002, p. 183) explica que
os 10%” levam a conceber experimentações pedagógicas, seja através das
classes experimentais, que darão origem aos projetos de atividades
educativas e culturais (PACTE), seja através dos estabelecimentos
experimentais, que originaram os projetos de estabelecimento.
Conseqüentemente, esses projetos estabeleceram uma ruptura em relação a
uma concepção individualista e fragmentada do ato de aprender, pois levavam em
conta as dimensões individuais e coletivas das situações pedagógicas. Com a
mudança do governo, os PACTE transformaram-se em PAE, Projetos de Ação
Educativa. Nesse trânsito histórico, observa-se que a terminologia vai se
modificando, mas a intenção dos projetos permanece. Boutinet (2002, p. 183)
explica que
26
Uma Circular do Ministério da Educação Nacional determinava o contingente horário do 10%, ou
seja, um décimo do tempo escolar era deixado à livre gestão dos professores e dos alunos.
35
[...] o projeto no domínio educativo a impressão de aparecer sobre fundo
de crise sem forçosamente abarcar toda sua problemática fracasso escolar,
inadequação das formações aos empregos, desemprego maciço, sistema
educativo preso demais à rigidez de suas estruturas. No entanto, o projeto
pretende ser uma resposta possível aos desafios lançados ao sistema
educacional, visando a mudar as condições nas quais se aprendia até aquele
momento
.
Dewey coloca em movimento na educação a experiência do educando,
rompendo, assim, com o intelectualismo que imperava na época. Nessa primeira
versão de projetos, focada no aluno e não mais nas matérias, as idéias que
sustentam essa prática consideram as diferenças individuais, o desejo das crianças
em planejar e dar direção à aprendizagem.
Entre os desafios postos está a fragmentação, linearidade e hierarquização
dos conteúdos escolares. Por isso, um desconforto muito grande marca o discurso
dos professores no sentido de superar esse modelo curricular tecnicista. Em função
de uma nova posição ideológica que compreende o ensino como o
“desenvolvimento de todas as capacidades do ser humano para intervir na
sociedade [...] surge a necessidade de uma atuação pedagógica que tenha enfoque
globalizador
27
” (ZABALA, 2002, p. 28).
A reorganização didática do conhecimento através dos métodos globalizados
surge a partir do momento em que o aluno passa a ser visto como protagonista do
ensino. Conforme destaquei anteriormente, desloca-se a condução do ensino para
os interesses, motivações e capacidades dos alunos, o que antes estava centrado
nas matérias, nos conteúdos. Segundo Zabala (2002), esse movimento coincide, no
início do século XX, com diferentes compreensões sobre como as crianças
constroem o conhecimento.
Nessa Nova Escola, as crianças “entram em contato, de forma mais
organizada, com a herança da sociedade na qual vivem, e aprendem da participação
em experiências de trabalho e da vida cotidiana” (TORRES, 1994, p.20). Esse
enfoque se opõe a uma escola compartimentada, que, em 1910, Dewey descreve
oprimida “pela multiplicação de matérias, cada uma das quais se apresenta por sua
vez sobrecarregada de fragmentos desconexos, aceitos baseando-se na
repetição ou na autoridade”.
27
O enfoque globalizador é um termo especificamente escolar; concebe o conhecimento e a
intervenção na realidade sob uma visão metadisciplinar e implica em relações interdisciplinares.
36
Os métodos globalizados sejam os centros de interesse de Decroly, o sistema
de projetos de Kilpatrick, os projetos de trabalho de Fernando Hernández permitem
perceber que as diferenças estão na intenção do trabalho a ser realizado para os
alunos e alunas e Nas seqüências didáticas propostas. Quanto à intencionalidade,
em linhas gerais, as razões que dão sentido à tarefa são o que as crianças deverão
realizar: o conhecimento de um tema que interessa e a realização de algo.
Deve-se considerar que os métodos globalizados não propõem somente uma
maneira de organizar os conteúdos, mas também definem as demais variáveis
metodológicas: organização social do grupo, uso dos tempos e espaços, relações
interativas, disciplinas curriculares. Outro aspecto que diferencia os Projetos está na
seqüência didática ou nos percursos/etapas do processo ensino/aprendizagem.
Essas propostas tinham em comum superar uma concepção “tradicional” do
ensino orientado pelo professor para adotar processos educativos mais centrados na
aprendizagem dos alunos e nos seus interesses, permitindo uma articulação entre
diferentes áreas e domínios do saber.
QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS MÉTODOS GLOBALIZADOS
INTENÇÃO PRIMEIRO
MOMENTO
SEGUNDO MOMENTO
TERCEIRO
MOMENTO
CENTROS
DE
INTERESE
Tema que se quer
estudar
(síncrese)
1. Observação
(análise)
2. Associação
- no espaço, tempo,
tecnologia, causalidade
(síntese)
3. Expressão
MÉTODO
DE
PROJETOS
Projeto que se quer
realizar
1. Intenção
2. Preparação
3. Execução 4. Avaliação
PROJETOS
DE
TRABALHO
Elaboração de
dossiê
1. Escolha do
tema
2. Planejamento
3. Informação
4. Tratamento da
informação
5. Desenvolvimento do
índice
6. Avaliação
7. Novas
perspectivas
Quadro 1 – Fonte: ZABALA (2002, p.30).
37
Segundo Zabala (2002, p. 204), como discípulo de Dewey, Kilpatrick
acreditava que “o objeto da educação é aperfeiçoar a vida em todos os seus
aspectos, ou seja, ensinar a pensar e atuar de maneira inteligente e livre”.
No percurso da pesquisa, constatou-se que os autores que discutem
teoricamente a abordagem de projetos apresentam diferentes terminologias e
formas de operacionalizá-los. Com base nas pesquisas, proponho a organização
destes em três grandes grupos de acordo com as características de cada um.
a) globais Fundem-se as matérias em torno
de núcleos temáticos; são abran-
gentes e estão vinculados ao
currículo institucional.
Pedagogia de Projetos,
Projetos Pedagógicos Co-
letivos ou Institucionais,
Projetos de Trabalho;
b) simples Estão relacionados com as
matérias, áreas do conhecimento
e prevêem a construção de um
produto final.
Pedagogia de Projetos,
Projetos de Trabalho;
c)
complexos
Definem princípios organizado-
res como a organização do currí-
culo, tempos e espaços, redi-
mensionam o processo ensino-
aprendizagem considerando uma
nova concepção de professor e
de criança.
Projetos de Estudos em
Profundidade,
Aprendizagem por projetos
e Sucessivas Situações de
Estudo.
Quadro 1: Classificação da pesquisadora com base em estudos realizados.
2.2 OS PROJETOS NA PERSPECTIVA ESPANHOLA
O Espanhol Fernando Hernandez resgata o conceito de projeto na década de
80. Aventurou-se na abordagem de projetos utilizando a noção de globalização, ou
seja, investia para que os alunos “aprendessem a globalizar” (p.10). Essa idéia
estava vinculada aos centros de interesse de Decroly. Em sua trajetória profissional,
Hernández foi apresentado a um grupo de educadores com os quais problematizou
as possíveis relações entre as diferentes matérias.
38
Nesse processo de interlocução e busca, o pesquisador deparou-se com uma
interrogação em torno da “organização dos conhecimentos escolares no currículo da
Escola e as concepções em torno do ensino e da aprendizagem em aula”
(HERNÁNDEZ, 1998, p. 18).
Nesse sentido, Hernández (1998, p. 18) afirma que
A partir dessa iniciativa comecei a estabelecer a vinculação entre o
conhecimento escolar (organizado mediante as disciplinas ou áreas
curriculares) e o que utilizam os saberes fora da Escola. Refiro-me tanto aos
saberes disciplinares como aos não-disciplinares [...].
Com os avanços dos estudos e experiências realizadas, Hernández e seu
grupo começaram a organizar propostas alternativas para a organização do currículo
de aula. Essas propostas tinham como intenção “reorganizar a compreensão por
parte dos docentes e dos alunos com respeito ao que poderia constituir-se num
conhecimento escolar ‘significativo
28
” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 20).
Fernando Hernández (1998, p. 22) utiliza o termo Projetos de Trabalho
29
ao
referir-se a sua proposta justificando que
Refiro-me ao uso que arquitetos, designers, artistas... fazem de “projeto”,
como um procedimento de trabalho, que diz respeito ao processo de dar
forma a uma idéia [...] que admite modificações, está em diálogo permanente
com o contexto, com as circunstâncias, com os indivíduos [...] O
complemento de “trabalho” era uma reação ao sentido da aprendizagem
derivada de algumas versões da Escola Nova e do ensino ativo.
Os estudos de Fernando Hernandez invadem a escola através do livro La
Organización del curriculum por proyetos de trabajo, interpretada pelos educadores
como uma ruptura com práticas escolares tradicionais. O estudo através dos
projetos é visto como possibilidade de inovação pedagógica. Nesse sentido, as
escolas foram influenciadas pela reforma educacional espanhola, cujas propostas
circulavam através de autores que faziam parte do imaginário pedagógico dos
professores inovadores, como Stenhouse, Freire, Freinet, Dewey, Wallon. Hoje,
esquecidos, foram substituídos pelo discurso construtivista que dominou a reforma
espanhola em 1990 e que se estendeu a outros países, entre eles o Brasil.
Segundo Hernández (2004), essa posição das escolas muito o preocupou,
pois não se tinha conhecimento de grupos de estudos sobre essa abordagem e a
relação teoria e prática implícita no que havia proposto em sua obra. O que era para
28
Diferente da noção de aprendizagem significativa verbal de Ausubel.
29
A partir desse momento, passo a usar a inicial maiúscula da nomenclatura de projetos adotada por
Fernando Hernández visando a destacar a terminologia usada pelo autor.
39
ser um convite a uma mudança paradigmática, tornou-se aos olhos de professores
brasileiros, uma “receita didática”.
Como “receita didática”, simplificava-se em passos o potencial dos projetos.
No entanto, isso não corresponde aos objetivos da proposta que era, segundo
Hernández (1998, p. 3), “abordar uma concepção do conhecimento não
fragmentado; delinear um currículo integrado; resgatar o sujeito biográfico; valorizar
a função política da instituição escolar e o papel intelectual público do docente”.
A abordagem Projetos de Trabalho apresenta alguns princípios postulados
pelas pesquisas de Fernando Hernández (2004, p. 3). Segundo o autor,
Os Projetos de Trabalho não são um método, uma pedagogia ou uma
fórmula didática baseada numa série de passos: exposição do tema,
perguntas sobre o que os alunos sabem e o que querem saber, fazer o
índice, trazer diferentes fontes de informação e copiar o que se refere aos
tópicos do índice.
Os Projetos de Trabalho propostos pelo autor levam em conta que aprender
está relacionado à elaboração de uma conversação cultural, na qual se trata de dar
sentido e de transferi-lo para outras situações. Considera aprender uma prática
emocional, não somente cognitiva e comportamental.
Como prática metodológica, os projetos de Hernández centram no indivíduo
como unidade básica de análise e situam-no num sistema de interação, por isso,
devem-se colocar “atividades autênticas
30
na sala de aula. Segundo Hernández
(2004), essas atividades autênticas favorecem habilidades de pensamento e de
resolução de problemas, o que também está presente fora da escola.
Para o referido autor, os Projetos de Trabalho supõem reconhecer a
diversidade, questionar a objetividade do conhecimento escolar, compreender que
os valores culturais não são únicos e que todos ajudam a dar sentido à realidade,
que se aprende de diferentes formas.
Na abordagem proposta por Hernández, quanto à visão de conhecimento,
deve se ter claro que aprender requer “Assumir o conhecimento que se quer para
dar sentido ao mundo no qual se vive” e que este é mutante, dinâmico, composto
por sujeitos, fenômenos, culturas, histórias. A prática pedagógica implica “aproximar-
30
Segundo Hernández (2004), atividades autênticas definem-se como “as práticas comuns de uma
cultura” (BROWN et al, 1989, p. 34) e que são similares às que realizam os “práticos” de um campo
de estudo ou de um tema.
40
se de um tema ou de um problema para descobrir seus enigmas, questões e
contradições” (HERNANDÉZ, 2004, p. 6)
Com relação ao exercício do pensamento, os projetos, na perspectiva
espanhola, devem possibilitar o questionamento dos textos, das fontes, das
evidências, como uma apaixonante aventura dentro e fora da escola. A partir disso,
professores e estudantes investigam juntos sobre ‘algo’ que possa lhes apaixonar.
Steinberg e Kincheloe citados por Hernandez (p. 6, 2004) defendem que
Perseguir uma idéia de aprendizagem “profunda” que não é somente
cognitiva, mas que supõe “uma mudança na própria identidade”, na medida
em que “compromete nosso desejo, capta nossa imaginação e constrói nossa
consciência.”
Considerando que os Projetos de Trabalho de Fernando Hernández estão
vinculados a um sistema social em processo de mudança, apresentam como eixos
de incidência os seguintes pressupostos:
1. uma visão política Dar ao cidadão o papel ativo sobre sua vida. Por
isso, é objetivo dos Projetos de Trabalho aprender a
tomar decisões e assumir responsabilidades, dando
voz às suas idéias.
2. uma visão educativa
Postula à Escola uma comunidade de aprendizagem,
onde se aprende nas interações com os outros e o
emergente tem papel fundamental.
3. uma visão curricular
Projeta-se num currículo integrado, transdisciplinar,
em constante diálogo com a realidade e com as
mudanças na sociedade, no conhecimento e nos
sujeitos do processo.
4. uma visão de
conhecimento
Ligada aos Projetos de Trabalho e outras formas de
investigar, que instaurem a curiosidade, a busca dos
alunos em aprender, dentro e fora da escola.
Quadro 2. Elaborado pela pesquisadora a partir das definições dadas por Hernández (2004, p. 06).
Na abordagem espanhola, os projetos ganham intencionalidade através das
indagações que os sujeitos (professor e alunos) fazem. Marcados pelo movimento
da coletividade, crianças e educadores buscam resolver situações-problema através
da pesquisa. Por isso, o espaço do diálogo é compreendido como uma “conversação
41
cultural”
31
em que os indivíduos o incluídos “como participantes, interagindo uns
com os outros” (HERNÁNDEZ, 2004, p. 3).
Nessa trajetória, outra finalidade destacada nos Projetos de Trabalho é a
educação para a compreensão. Esta leva em conta o princípio proposto por Dewey
de que se não se compreende o que se aprende, não uma boa aprendizagem.
Dessa maneira, deve-se levar em conta “como se supõe que os alunos aprendem e
a relação que esse processo de aprendizagem e a experiência da Escola têm em
sua vida” (HERNÁNDEZ, p.26).
Os Projetos de Trabalho superam o reducionismo disciplinar e postulam uma
reorganização do espaço e do tempo escolar. Hernández (1998, p.31) explica que
“[...] algumas escolas organizam o currículo por projetos e a atividade docente de
maneira diversificada, onde os alunos se agrupam a partir dos temas ou problemas
que vão pesquisar, e não por questões de nível ou de idade”.
Reestruturar o tempo e espaço da escola exige instituir uma nova cultura na
escola, não mais determinada pelo tempo fixo, fechado em períodos estanques sob
o território de quatro paredes. Desenvolver o currículo através dos Projetos de
Trabalho exige a reestruturação da escola enquanto tempo e espaço de construção
de conhecimentos.
2.3 OS PROJETOS NA PERSPECTIVA PORTUGUESA
A prática de Projetos em Portugal tem como referência teórica pesquisas de
autores como Lílian G. Katz, Maria Isabel Lopes da Silva e Teresa Vasconcelos.
Mas a introdução dessa proposta foi feita em 1949 por Irene Lisboa, através de uma
publicação intitulada Modernas Tendências de Educação em que descreve o
método de projetos. Segundo Lisboa, citada por Vasconcelos (1989, p. 136), cada
projeto “contém uma idéia sujeita a desenvolvimento. Quanto mais oportuna e
interessante ela for, maior será o seu alcance”.
Nos anos 70, em um curso de formação em colaboração com a Escola
Superior de Educação de Estocolmo, a mesma autora divulga a metodologia de
31
Fernándo Hernandez explicitou a conversação cultural como espaço para dar sentido às perguntas,
aos problemas colocados pelos sujeitos e relacionados a outras situações. “Conversação que serve
de ponte entre as identidades dos aprendizes [...] e a conexão com o que se aprende”.
42
trabalho de projeto em Portugal. Inicialmente lança-se a metodologia nos jardins de
infância, mas as crianças não correspondem ao que esperavam.
Muito raramente as crianças se tornaram reais investigadores... talvez
porque uma correspondente atitude não fosse plenamente assumida por
parte dos seus educadores. Assim, os “projectos” não eram realmente
situações-problemas, reduzindo-se a unidades temáticas mais ou menos
concebidas teoricamente pelos educadores, sonegando às crianças a
capacidade de gerir e intervir na sua própria actividade de pesquisa
(VASCONCELOS, 1989. p.136).
Com o Movimento da Escola Moderna
32
, definem-se os projetos como “uma
cadeia de actividades”, uma ação planejada para responder a uma pergunta
elaborada. O modelo de educação criado em Reggio Emilia, Itália, serve como
referência para Portugal, segundo a autora.
Maria Isabel Lopes da Silva (1998) aponta a Pedagogia de Projeto
33
como
metodologia desenvolvida em Portugal e afirma que “o projeto deverá corresponder
a uma iniciativa das crianças, tendo como ponto de partida os seus interesses ou
decorrendo de uma situação imprevista que desperte a sua curiosidade”.
A abordagem portuguesa de projetos caracteriza-se pela ênfase ao processo
evolutivo e flexível, pois nem tudo precisa ser previsto desde o início. Em função
disso, estes apresentam, de acordo com Leite (1998, p.94), diferentes fases
concepção, tomada de decisão, planejamento, avaliação – que ao longo do percurso
se interligam.
Além da construção progressiva, a Pedagogia de Projeto marca diferentes
situações num tempo e espaço determinados. Com isso, podem-se realizar projetos
semelhantes, mas nunca iguais, pois os sujeitos envolvidos nos projetos determinam
conduções diferentes. Leite (1998, p. 95) justifica que
Cada contexto tem, num determinado momento, características próprias
que são em parte determinadas pelo seu passado, ou seja, pela sua história
anterior. [...] O projecto tem, assim, uma dimensão temporal que articula
passado, presente e futuro, num processo evolutivo que se vai construindo.
A proposta portuguesa é marcada por um diálogo/interlocução/dialética
constante. Diálogo entre os sujeitos, entre o conhecimento (espontâneo e científico),
entre o tempo e espaço, entre o currículo e a didática. Nesta perspectiva, os projetos
assumem funções importantes em educação como a globalização as ações estão
vinculadas a uma finalidade e sentido do projeto; a autonomia os sujeitos são
32
Através do pensamento pedagógico de António Sérgio e Maria Amália Borges de Medeiros.
33
Passarei a utilizar a terminologia adotada em Portugal com iniciais maiúsculas, destacando as
diferentes abordagens.
43
agentes, têm a capacidade de tomar decisões; a participação as decisões apóiam-
se em negociações.
Quanto às aprendizagens e ao desenvolvimento, segundo Leite (1998, p. 99),
“os projectos pedagógicos permitem integrar um conjunto diversificado de
actividades e a abordagem de diferentes áreas de conteúdo [...]”. Por isso,
caracterizam-se como projetos complexos, porque são mais longos, apresentam
uma finalidade global e envolvem um conjunto diversificado de oportunidades de
aprendizagem.
Silva (1998) organiza os projetos que se realizam na escola em dois grandes
grupos:
Projetos educativos ou
pedagógicos do(s)
educador (es)
Têm como objetivo o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças. Envolvem educadores
e crianças, também com a colaboração dos pais e
outras pessoas da comunidade que auxiliam em
recursos no processo de aprendizagem.
Projetos Educativos de
escola
Dizem respeito à organização da escola. Envolvem
os sujeitos que estão vinculados à educação das
crianças, à gestão pedagógica da escola.
Quadro 3. Elaborado pela pesquisadora considerando os diferentes agrupamentos de projetos. Fonte:
Silva (1998, p. 97).
Vasconcelos (1998, p.125) destaca que a pedagogia de projetos pressupõe,
em qualquer série ou grupo de alunos, uma abordagem pedagógica centrada em
problemas. Fazer perguntas, elaborar hipóteses, estabelecer estratégias são ações
presentes nesta prática de projetos.
Na abordagem portuguesa, os projetos, se desenvolvem a partir de quatro
fases, em que educadores e crianças se envolvem em situações de aprendizagem.
Através delas desenvolvem o currículo a partir da pesquisa e de atividades didáticas
planejadas em parceria com as crianças. Essas fases de desenvolvimento do projeto
estão marcadas por uma nova visão de infância de forma a cultivar a inteligência da
criança. Katz e Chard (1989, p. 133) afirmam que “A pedagogia de projecto pretende
cultivar e desenvolver a vida inteligente da criança, enquanto activação dos saberes
e das competências, das sensibilidades estética, emocional e moral”.
A Pedagogia de Projeto envolve a criança em situações de aprendizagem
significativas colocando-a como parte de um grupo capaz de elaborar questões,
44
resolver situações problemáticas e a tomar consciência de fenômenos à sua volta.
Considera a criança competente e capaz para a resolução de problemas, um
investigador nato, motivado para a pesquisa.
2.4 OS PROJETOS NA EXPERIÊNCIA ITALIANA
A experiência italiana com projetos passa por um longo percurso em que os
educadores vão avançando numa proposta que dura mais de 30 anos. Tem na
cidade de Reggio Emilia, situada na região de Emília Romana, uma referência em
educação para a infância.
Inicialmente, as educadoras trabalhavam com planos de trabalho que
elaboravam após diálogo com as famílias, no começo do ano letivo. Segundo
Rinaldi, citada por Rabitti (1999, p. 129), “Esses planos de trabalho previam um
percurso cognitivo e experimental das crianças no decorrer do ano letivo”. Durante
um período, liam Robinson Crusoé, por exemplo, para uma turma e Pinóquio para
outra. A partir das leituras, investiram em questões que poderiam garantir às
crianças diferentes encontros entre as obras literárias e a percepção das crianças.
Mais tarde, pedagogos e professores passaram à programação. Esta
consistia em esquemas escritos pelos professores, unidades que abrangiam
diversas áreas. À medida que o tempo passava, a programação foi considerada “um
percurso demasiado estreito para as crianças” (RINALDI, 1999, p.130).
Ampliando o espaço dedicado a escutar a criança, chegaram à projetualidade.
De acordo com Rinaldi (1999, p.130),
Quando se fica com as crianças, percebe-se quando as coisas e as idéias
são preconceitos dos adultos ou acertos das crianças... E lendo alguns
autores, como Morin ou Bateson, reencontramos as idéias que havíamos
amadurecido e ainda estamos amadurecendo – ampliadas e aceitas no
âmbito oficial... Deveria acrescentar que nos apropriamos de tudo: ciências,
artes, filosofia, literatura... abandonamos a pedagogia como museu, para
procurá-la na vida...
A idéia de projetualidade diferencia-se da programação. A programação está
ligada à aquisição de objetivos precisos e o projeto era cuidadosamente posto no
papel antecipadamente. Na idéia de projetualidade, o projeto é registrado no
caminho, embora haja previsão de alguma coisa, não se sabe se acontecerá. Nessa
abordagem, os adultos ocupam um lugar muito importante, pois o responsáveis
em oferecer às crianças situações de provocação, além disso, cabe-lhes confiar
45
potencialidades aos processos postos em ação pelas crianças, “procurar
compreender os mecanismos do conhecimento, visto como uma integração de
linguagens” (RINALDI, 1999, p. 130). Através das trocas, das interações, socializam
problemas lógicos, matemáticos, de estatística, de topologia, operando com
problemas reais, ricos em significados.
A abordagem de projetos na perspectiva italiana é denominada Projetos de
Estudos em Profundidade
34
. Tem como princípio fundamental no desenvolvimento
dos projetos a concepção de criança e o ambiente em que ela vive. Segundo Rinaldi
(apud GANDINI, 2002, p.76)
Um dos pontos fundamentais da filosofia de Reggio Emilia é a imagem
da criança como alguém que experimenta o mundo, que se sente uma parte
do mundo desde o momento do nascimento; uma criança que escheia de
curiosidade, cheia de desejo de viver; uma criança que tem muito desejo e
grande capacidade de se comunicar desde o início da vida; uma criança que
é capaz de criar mapas para sua própria orientação simbólica, afetiva,
cognitiva, social e pessoal.
A partir dessa imagem de criança, Rinaldi (apud GANDINI, 2002) defende
que, mesmo pequena, a criança reage utilizando-se de um competente sistema de
habilidades, estratégias de aprendizagem e formas de organizar seus
relacionamentos. Postula ainda que a criança é vista como alguém competente,
ativa, alguém que não é fácil, que ora é desafio, ora, problema e que, sendo assim,
“é uma pessoa, um sujeito na vida”.
Segundo Edwards, Formam e Gandini (1999, p. 255), a abordagem de Reggio
Emilia usa um modelo orgânico ou emergente de planejamento e implementação do
currículo. Neste modelo emergente, o tempo de duração do projeto não é
determinado, [...] “o professor começa com observações cuidadosas dos interesses
e questões das crianças, que então são desenvolvidas em experiências concretas
de aprendizagem”, mantendo uma forte conexão entre o processo e o produto.
Quanto ao início de um projeto, Edwards, Formam e Gandini (1999, p.256)
afirmam que
Um projeto de estudos em profundidade”, como o definimos, é um
projeto que começa com uma semente de uma idéia que evolui por um longo
período de tempo [...] para um estudo longo e complexo. Este modelo
orgânico de currículo começa com a observação cuidadosa dos interesses,
questões e idéias das crianças e depois desenvolve essas idéias em
experiências concretas de aprendizagem. Após a reflexão sobre a
experiência, novas idéias são geradas e novas atividades são desenhadas.
34
Ao referir-me à abordagem italiana usarei essa terminologia com iniciais maiúsculas.
46
Os Projetos de Estudos em Profundidade, em seu desenvolvimento, passam
por etapas básicas. De acordo com Edwards, Gandini e Formam (1999) são eles:
Exploração
O projeto é introduzido com uma provocação, ou evento ou
atividade que faz com que as crianças pensem sobre o tópico.
O evento inicial deve evocar muitas imagens e ser inspirador.
Nesse período de exploração, tanto as crianças quanto os
professores devem estar abertos a novas idéias. Os
professores devem perceber cuidadosamente as reações,
questões, comentários e idéias das crianças, mas ser capazes
de “brindar” e aprender junto com as crianças enquanto
exploram essas novas experiências no projeto.
Organização
As idéias e questões das crianças são desenvolvidas em
atividades de aprendizagem para provocar uma exploração
adicional que ajuda a focalizar e expor novas idéias. Essas
idéias são documentadas através de desenhos, construção,
fotografias, redação e filmagens.
Discussão e
representação
Durante o projeto, as discussões, soluções, respostas e
reações das crianças às atividades, são compartilhadas entre
as crianças e observadas pelos professores. As idéias são
comparadas, contrastadas com suas idéias inicias. As idéias de
cada dia elaboram os eventos do dia anterior.
Experiência
conclusiva
Esta é uma espécie de celebração, um meio simbólico de
reconhecer o que foi conquistado e aprendido pelo grupo
durante o curso deste projeto. Após, os professores conduzem
uma avaliação com as crianças e com os outros professores,
considerando o que as crianças e os professores aprenderam e
conquistaram.
Quadro 4: Elaborado pela pesquisadora a partir das definições de Edwards, Gandini e
Formam (1999).
Um dos princípios organizadores do conhecimento na abordagem italiana de
projetos e que dá legitimidade aos percursos elaborados pelas crianças e
educadores é a documentação pedagógica. Dahlberg, Moss e Pence (2003, p. 190)
definem a documentação pedagógica como
[...] um instrumento para a reflexão sobre a prática pedagógica e como um
meio para a construção de um relacionamento ético como nós mesmos, com
o Outro e com o mundo – o que temos denominado ética de um encontro. [...]
Apresentamos a documentação pedagógica como um instrumento vital para a
47
criação de uma prática pedagógica reflexiva e democrática. [...] Ela tem um
papel fundamental no discurso da construção de significado.
A documentação pedagógica refere-se a dois temas relacionados: um
processo e um conteúdo. “Como conteúdo é o material que registra o que as
crianças estão dizendo e fazendo” (DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003, p.194).
Pode ser realizada por meio de observações escritas, registros em áudio e vídeo,
fotografias e dos próprios trabalhos das crianças.
O processo envolve o uso desse material “como um meio para refletir sobre o
trabalho pedagógico e fazê-lo de uma maneira muito rigorosa, metódica e
democrática” (DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003, p.194).
Como o estudo de caso no Capítulo IV sefeito com base na documentação
pedagógica, ampliarei sua caracterização no referido capítulo.
2.5 OS PROJETOS NA VISÃO DE UMA PESQUISADORA BRASILEIRA
No Brasil, entre os autores que pesquisam projetos, destaca-se Marta
D’Agord, professora da UFRGS que pesquisou os projetos em sua tese de
doutorado. D’Agord denomina os projetos como Aprendizagem por Projetos
4
.
Nessa abordagem, consideram-se as relações numa tríade: professor aluno
conhecimento . Nesse caso, o desenvolvimento e a aprendizagem se dão através
da inserção do sujeito num ambiente cultural, por intermédio das significações e
interações sociais na construção dos conhecimentos. Por isso, os tempos e espaços
são redimensionados de acordo com a necessidade dos sujeitos envolvidos numa
atividade.
Huber (1999) citado por D’Agord (2000), resgata o termo “projeto” do glossário
de tecnologia educativa da UNESCO:
Atividade prática e significante, de valor educativo, visando a um ou
vários objetivos de compreensão precisa. Ela implica pesquisas, resolução de
problemas e freqüentemente, a utilização e a manipulação de objetos
concretos. Essa atividade é planejada e conduzida a termo por alunos e
ensinante em um contexto natural e verdadeiro.
Em sua pesquisa, D’Agord (2000) afirma que nos projetos o saber circula. Sua
circulação acontece nas interrogações que se fazem alunos e professores. Explica,
ainda, que, nessa abordagem, o professor tem por tarefa a ativação da
4
Nominação atribuída por Marta D’Agord, professora da UFRGS, em sua tese de Doutorado.
48
aprendizagem do aluno e também a própria, e introduz a questão da aprendizagem
do professor.
Nas Aprendizagens por Projetos, propostas pela pesquisadora, a autoria dos
processos é de alunos e professores, individualmente e ao mesmo tempo em
cooperação; o contexto em que se o é a realidade da vida do aluno; as decisões
são heterárquicas; as regras são elaboradas pelo grupo, com o consenso de alunos
e professores; o paradigma é o da construção do conhecimento; o papel do
professor é de provocador/mediador e do aluno é de agente.
Hubber (1999), referenciado por D’Agord (2000, p. 1), sistematiza a iia de
projetos denominando uma "pedagogia dos projets-éves" (projetos-alunos). Nessa
definição, ele sintetiza o ideal de educação para a autonomia lançada por J.-J.
Rousseau (1712 - 1778), em Emílio, e o paradigma auto-sócio-construtivista que resulta
da fuo de aportes de diversos autores, como Freud, Wallon, Piaget, Rogers, Bachelard,
Marx, Mounier e Paulo Freire. Huber (1999) define, então, projeto como:
Uma ação concretizando-se na fabricação de um produto socializável e
valorizante que, ao mesmo tempo em que transforma o meio, transforma também a
identidade de seus autores produzindo novas competências através da resolução de
problemas encontrados.
Essa iia de projeto defendida por Hubber sustenta o princípio de projetos
conduzidos por alunos com a medião da equipe de professores. Atras dos projetos,
seus atores e autores manisfestam questões subjetivas nas aprendizagens, ou seja,o
só a dimensão cognitiva es em jogo mas os fatores afetivos, culturais, históricos e
sociais.
Além de revelar a subjetividade do aluno, os projetos descentralizam o papel do
professor no sentido de colocá-lo também na posição de alguém que aprende, que coloca
em cena outros mediadores como insturmentos e signos, mantendo uma relão entre as
diferentes linguagens.
Segundo DAgord (2000), na experiência brasileira vem sendo utilizada a expressão
projetos de aprendizagem”. Essa expressão, ao substituir pedagogia por aprendizagem,
mostra que passamos de uma aprendizagem centrada no aprendente - aluno para uma
aprendizagem descentralizada, na medida em que o centro não é mais o aluno, mas todos
os participantes de um projeto: cidadãos, professores, alunos.
Nessa perspectiva, os projetos são gerados por questões, perturbões ou conflitos
oriundos das experiências cotidianas das crianças, por isso, devem partir da curiosidade, das
indagações das crianças. O lugar do aluno como sujeito ativo num projeto de pesquisa
49
estabelece uma ruptura com os sistemas de ensino tradicionais. Nos projetos centrados
no ensino, os alunos apenas executavam ões pré-estabelecidas pelos educadores.
Em sua tese de doutorado, D’Agord diferencia os projetos separando-os em
dois grupos, assim caracterizados:
Ensino por projetos:
* Autoria: Quem escolhe o tema? Professores,
coordenação pedagógica;
* Contextos: Arbitrado por Critérios externos e
formais;
* A quem satisfaz? Arbítrio da seqüência de
conteúdos do curculo;
* Decies: Hierárquicas;
* Definições de regras, direções e atividades: Impos-
tas pelo sistema, cumpre determinações sem optar;
* Paradigma: Transmissão do conhecimento;
* Papel do professor: Agente;
* Papel do aluno: Receptivo.
Aprendizagem por
projetos:
* Autoria: Quem escolhe o tema? Alunos e
Professores, individualmente e, ao mesmo tempo,
em cooperação;
* Contextos: Realidade da vida do aluno;
* A quem satisfaz? Curiosidade, desejo, vontade do
aprendiz;
* Decisões: heterárquicas;
*Definições de regras, direções e atividades:
Elaboradas pelo grupo, consenso de alunos e
professores;
* Paradigma: Construção do conhecimento;
* Papel do professor: Estimulador/ Orientador;
* Papel do aluno: Agente.
Quadro 5: Elaborado pela pesquisadora considerando a diferencião dos projetos elaborada por
DAgord (2000).
50
No ensino por projetos o professor dirige o processo, coordenando as ões, enquanto
que na aprendizagem por projetos o professor orienta os processos de aprendizagem agindo
na Zona de Desenvolvimento Proximal
35
, ou seja, o aluno é potencializado através da
mediação a resolver problemas, elaborar conceitos, sistematizar idéias.
Marta DAgord (2000, p. 6) pontua que A aprendizagem por projetos consegue
combinar uma pedagogia centrada na relação (epistemologia) com um determinado
modo de utilizão (metodologia), isto é, função de ativão da aprendizagem, dos meios
(dispositivos) de aprender.”
Nas aprendizagens por projetos, a relação se pelo conhecimento, ou seja,
os sujeitos, professor e aluno, identificam-se por partilharem interesses,
conhecimentos. O professor é aquele que “lançao aluno para o futuro, no sentido
de projetar nele possíveis potencialidades.
Embora DAgord o tenha tomado Vigotski como referência teórica faz breve
referência ao autor na Introdução de sua tese, argumentando que nos projetos o
professor pode atuar na zona proximal do desenvolvimento de autoria de Vygotsky.
Significa que o professor é aquele que dá pistas para que o aluno atinja um vel maior
de aprendizagem. Por isso, aquilo que antes fazia com o apoio do professor ou de
colegas, passa a fazer sozinho, tendo na figura do professor um mediador num
processo de interação o que irá constituir o processo de aprendizagem.
Outro princípio que D’Agord (2000) aponta é a circulação do saber, ou seja,
está nas indagações das crianças e professores, está nos recursos oferecidos como
objeto de pesquisa, está em outros sujeitos ligados à escola ou fora dela. O que se
coloca com relação à circulação do saber, está ligado à questão subjetiva do
professor.
O deslocamento do papel do professor na aprendizagem por projetos
significa, primeiramente, que o professor se desloque da perspectiva da
transmissão de conteúdos para a perspectiva de construção do conhecimento.
O professor convida os alunos a se interrogarem, apresentarem suas dúvidas e
certezas, e buscarem respostas para suas perguntas. Nesse sentido, surge
naturalmente a figura do professor que dialoga com os alunos, desafiando-os,
questionando as certezas e preconceitos, atuando no sentido de desequilibrar os
esquemas ou sistemas cognitivos, de forma que o aluno o se acomode às
soluções mais imediatas (DAGORD, 2000, p. 12).
35
Trata-se de um estágio do processo de aprendizagem em que o aluno consegue fazer sozinho ou
com a colaboração de colegas mais adiantados o que antes fazia com o auxílio do professor; isto é,
dispensa a mediação do professor. Este conceito será ampliado no Capítulo III.
51
A introdução da ZDP faz-se necessária no sentido de ampliar o papel do
professor na perspectiva de D’Agord. O conceito de ZDP vem superar a imagem de
professor que surge naturalmente. Na perspectiva vigotskiana, o professor é de
extrema importância para as aprendizagens uma vez que colabora, dá direção,
auxilia, serve de modelo, cria contextos utilizando-se de instrumentos e signos,
ampliando as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento.
A pedagogia dialógica de Paulo Freire (1996, p. 139) também sustenta a proposta
de DAgord e representa uma transformação pedagógica e social do diálogo no momento
em que convoca o educador a relativizar seu pprio saber no diálogo com o educando:
O educador que respeita a leitura de mundo do educando reconhece a
historiedade do saber, o caráter histórico da curiosidade, desta forma, recusando a
arrogância cientificista, assume a humildade crítica, própria da posição
verdadeiramente científica.
Na pedagogia de Freire, a posição do professor é a de quem aceita que o outro sabe.
Esse saber se constitui nas interações sociais pois o aluno está imerso numa cultura e se constitui
a paritr dela num processo ativo, indagador. Cabe à escola partir desse princípio para que os
projetos na perspectiva das aprendizagens elejam a construção do conhecimento como objetivo
maior, tendo como um dos pressupostos a interação social, o trabalho em equipe e o professor
como mediador do processo ensino-aprendizagem, uma vez que o adulto tem experiência do
mundo e, por isso, pode criar um cenário social capaz de potencializar e mediar as
aprendizagenes da criança.
2.6 A situacionalidade do estudo: o currículo por projetos na Escola W
A Escola W, através de sua Proposta Político-Pedagógica, desenvolve um
currículo por Projetos desde 2003. Conforme retrospectiva histórica apresentada no
capítulo I, as mudanças paradigmáticas pelas quais a escola, campo empírico da
pesquisa passou, levaram-na a buscar outras possibilidades de desenvolvimento do
currículo, visando a garantir as aprendizagens (uma vez que a grande questão que
mobilizou as mudanças pedagógicas da escola foi “como as crianças aprendem?”)
bem como inserir as crianças no mundo das ciências. Para tanto, a escola
apropriou-se da nomenclatura de Marta D’Agord “Aprendizagem por Projetose de
características da abordagem proposta pela pesquisadora, quais sejam: a criança
como sujeito, o professor como aprendente, a descentralização das aprendizagens.
Considerando o desenvolvimento do currículo focado na “Aprendizagem por
52
Projetos”, coloca-se a criança como sujeito do processo, ou seja, é ativa na dinâmica
da sala de aula desde a definição do tópico de investigação, na delimitação sobre o
que quer aprender, no planejamento, no estabelecimento das estratégias de busca
para solução de problemas. Ao professor atribui-se a função de pesquisador junto às
crianças e mediador dos processos elaborados por elas para aprenderem, bem
como, responsável pelo do seu próprio processo de aprendizagem.
Colocar-se em cena como professor pesquisador é elaborar outro perfil do
profissional de educação, não para construir teorias, mas para compreender/
interpretar como as crianças aprendem, como se apropriam da cultura em que vivem
e como podem modificá-la. A compreensão da criança como sujeito permite
descentrar as aprendizagens. Estas não estão vinculadas somente ao professor,
mas sim aos movimentos da criança e de seus pares, aos espaços, a outros adultos,
às linguagens usadas. Essas são as principais contribuições de D’Agord no
processo de desenvolvimento do currículo por projetos na Escola W.
Entre todas as características da abordagem italiana, os professores da
Escola W aprenderam, com a documentação pedagógica, as diferentes linguagens
como forma de comunicação e socialização das aprendizagens e o currículo
emergente como conjunto de conhecimentos que entram em cena pelo interesse e
curiosidade das crianças.
A Documentação Pedagógica possibilita aos professores legitimar processos
desenvolvidos com as crianças e usá-la como pesquisa na relação teoria e prática.
Conforme Edwards (1999, p. 25),
[...] documentar sistematicamente o processo e os resultados de seu trabalho
com as crianças serviria sistematicamente a três funções cruciais: oferecer às
crianças uma “memória” concreta e visível do que disseram e fizeram, a fim
de servir como um ponto de prática para os próximos passos na
aprendizagem; oferecer aos educadores uma ferramenta para pesquisas e
uma chave para melhoria e renovação contínuas; e oferecer aos pais e ao
público informações detalhadas sobre o que acontece nas escolas, como um
meio de obter suas reações e apoio.
Outra característica importante aprendida com o estudo da abordagem
italiana é a possibilidade de descentrar os instrumentos que possibilitam a
aprendizagem, as formas de comunicá-las e o registro, utilizando-se das cem
linguagens
36
. Assim, cada projeto desenvolvido possui uma singularidade porque as
crianças elegem diferentes linguagens para representar e comunicar suas
36
Expressão usada no sistema educacional de Reggio Emilia para referir-se às diferentes formas de
expressão da criança.
53
aprendizagens. Com isso, os projetos não o “modelos” possíveis de serem
copiados, não podem ser “aplicados”. Cada projeto diz dos sujeitos (crianças e
educadores) que dele fizeram parte. Mesmo com temas iguais ou parecidos, um
projeto jamais será igual ao outro, pois os sujeitos e os contextos em que se
efetivam são diferentes.
Essa postura em relação ao planejamento remete ao que Edwards (1999,
p.115) afirma: “falamos sobre planejamento, entendido no sentido de preparação e
organização do espaço, dos materiais, dos pensamentos, das situações e das
ocasiões para a aprendizagem”.
Também aprendemos com Reggio Emilia sobre outra idéia de currículo: o
“currículo emergente”. Este é considerado característica importante no
desenvolvimento dos projetos, pois a necessidade de conhecimento emerge das
próprias crianças. Nem sempre aquilo que interessa a elas aprender está vinculado
ao que está proposto pelo currículo institucional. Por isso, os educadores entram em
cena como profissionais capazes de lidar com o inusitado, com os imprevistos; nem
tudo pode ser programado, definido. Assim, constroem-se novas expectativas com
relação à escola; ou seja, ela deixa de ser um lugar “sempre igual”, porque se
fazem coisas interessantes todos os dias. As crianças, apoiadas pelos educadores e
por seus pares, criam um sistema complexo de co-autoria do processo ensino-
aprendizagem articulado em comunidades de investigação
37
em que conceitos são
elaborados e (re)elaborados a partir de linguagens e pensamentos distintos.
Segundo o PPP
38
da escola analisada,
...
as Aprendizagens por Projetos é uma das estratégias metodológicas
exploradas no contexto das aprendizagens. Nessa abordagem, as
aprendizagens são descentralizadas e partem do interesse e curiosidade de
educadores, crianças e adolescentes, que juntos desenvolvem um tópico de
investigação tendo a interdisciplinaridade, a pesquisa, as interações e a
comunicação em diferentes linguagens, como situações extraordinárias do
processo de ensino-aprendizagem.
Delimitou-se como campo empírico de investigação o projeto desenvolvido
pela 1ª série do Ensino Fundamental, no semestre do ano de 2007, documentado
e acompanhado pela educadora de referência, Lisiane Beatriz Steinke Mendonça,
sob a supervisão
39
da pesquisadora.
37
Terminação usada por Vigotski.
38
Passarei a usar a sigla PPP para referir-me à Proposta Político-Pedagógica.
39
A supervisão é compreendida como papel de apoio e não de controle ou inspeção; faz a escuta,
estabelece contratos e se envolve na ação educativa cotidiana. Para tanto, requer teorização, prática
54
Este projeto surgiu no início do ano letivo, mais precisamente na segunda
semana de março. Durante as férias, a escola passou pela reestruturação dos
espaços físicos tornando-os mais interessantes às crianças. A mudança aconteceu
em decorrência da extinção do espaço destinado à Educação Infantil para dar lugar
à obra do prédio da faculdade da mesma rede de ensino que fica ao lado da escola
de Educação Básica. Como o espaço externo ficou reduzido, projetou-se uma praça
no espaço de uma área coberta, onde os alunos faziam fila para entrar. A praça foi
composta de piso emborrachado, grama sintética, casinha de bonecas, pula-pula,
plantas e passou a ser um lugar de encontro real e simbólico para as crianças,
educadores e pais.
No espaço interno, as salas de aula foram pintadas e reorganizadas. No
corredor, instalou-se um aquário que foi alvo da curiosidade das crianças,
especialmente as da série, logo que iniciaram as aulas. Essa curiosidade tornou-
se tópico de investigação desenvolvido no Projeto Peixes. Os percursos das
meninas e meninos da referida turma e dos educadores serão apresentados no
capítulo 3 desta pesquisa.
e pesquisa. Não foca o trabalho no indivíduo, mas no grupo, nas relações de aprendizagens e
produção de saberes docentes. Esta prática está embasada no modelo de ecológico de supervisão
proposto por Júlia Oliveira-Formosinho (2002, org.).
55
3. DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROJETO PEIXES: SIGNIFICANTES DE
UM PROCESSO
A documentação pedagógica constitui-se como recurso para a reflexão da
prática docente. Através dela, amplia-se a compreensão do professor sobre o que foi
desenvolvido em aula e como isso se deu. Para que ela se efetive, é necessário
instituí-la como elemento do planejamento e fazer parte da Proposta Pedagógica da
escola, porque é nesse espaço que acontece a documentação posterior à execução
do planejamento.
Diante do contexto explicitado pergunta-se: o que é Documentação
Pedagógica? Dahlberg pontua que quando nos referimos a esta prática trabalhamos
com dois grandes temas relacionados: um
processo
e um importante
conteúdo
desse processo. Sendo assim, “o
conteúdo
é o material que registra o que as
crianças estão dizendo e fazendo, é o trabalho das crianças e a maneira com que o
pedagogo se relaciona com elas e com o seu trabalho” (DAHLBERG, 2003, p. 194).
O material que registra pode ser múltiplo: registros escritos, registros em
áudio e vídeo, fotografias, produções das crianças. É este material que torna visível
o trabalho pedagógico e por isso se constitui como recurso importante para o
processo da documentação pedagógica.
O
processo
refere-se ao uso desse material enquanto “meio para refletir sobre
o trabalho pedagógico e fazê-lo de maneira muito rigorosa, metódica e democrática
(DAHLBERG, 2003, p.194). Este material torna-se instrumento importante tanto para
o pedagogo quanto para os outros educadores envolvidos na ação educativa.
Pensar nessa perspectiva de prática pedagógica inclui um lugar importante
para o planejamento (
a priori),
a execução (durante) e a documentação (
a
posteriori).
O “que” se fez e o “comotornam-se objeto de estudo do educador. Para
isso, constrói-se outro perfil de professor. Segundo Dahlberg (2003, p.190), “um
profissional reflexivo que, junto com seus colegas, possa criar um espaço para uma
discussão vívida e crítica sobre a prática pedagógica e sobre as condições de que
ela necessita”.
Na Escola W aprendeu-se sobre a documentação pedagógica com as
instituições dedicadas à primeira infância em Reggio Emilia, Itália. Porém, a idéia da
documentação pedagógica não é recente ou exclusiva da prática italiana. Na Suécia,
esta prática foi característica da teoria de Elsa hler. Segundo Dahlberg (2003, p.
56
190), “Como Dewey, Elsa Köhler abordava de maneira reflexiva e problematizante a
prática pedagógica e as questões a ela relacionadas”.
A “pedagogia da atividade”, de Köhler, preconizava um pedagogo auto-
reflexivo, visto como pesquisador. Essa visão levou-o a estudos acadêmicos e à
escrita de dissertações. Essa idéia de professor pesquisador também permeia a
proposta da Escola W, fortalecida pelos estudos da abordagem italiana. É na
perspectiva italiana que se busca “atribuir sentido” aos procedimentos e dispositivos
que crianças e educadores usam para construir um relacionamento social, para a
vida, fazendo uso de estratégias e conhecimentos disponíveis para reconstruir novos
conhecimentos e transformar os que têm. É por isso que a documentação
pedagógica tem um papel importante na construção de significados, pois oferece
uma memória, uma visualização do que acontece.
A documentação Pedagógica tem origem no planejamento do professor. Este
acontece antes da entrada do professor na sala de aula. Como esse planejamento
desenvolve-se, como as crianças relacionam-se com o conhecimento, com as
situações de aprendizagem, com as outras crianças é registrado pelo professor
durante o processo através da escrita, de fotografias, de esquemas e,
posteriormente, é sistematizado.
Ao documentar, constrói-se uma relação social entre quem documenta e as
crianças envolvidas, num encontro ético. Dahlberg (2003) explica que a o que
documentamos representa uma escolha entre muitas escolhas, assim como aquilo
que não documentamos. Rinaldi (
apud
DAHLBERG, 2003, p.193) postula que a
escolha do que documentar é feita a partir de muitas incertezas e das perspectivas
possíveis.
As descrições que fazemos e as categorias que aplicamos, assim como
os entendimentos que usamos para extrair sentido do que está acontecendo,
estão imersos em convenções tácitas, classificações e categorias. Em suma,
nós co-construimos e co-produzimos a documentação como sujeitos e
participantes ativos.
Dahlberg
et al
(2003) reforçam essa implicação subjetiva do educador, pois
destacam que a forma como documentamos revela como construímos a criança e
como nos construímos como educadores. Por isso, destaca que a documentação
[...] nos permite enxergar como nós mesmos entendemos e “interpretamos” o
que esacontecendo na prática; partindo daí, é mais fácil perceber que as
nossas próprias descrições como pedagogos são descrições construídas.
Por isso, elas se tornam passíveis de pesquisa e abertas à discussão e à
mudança (DAHLBERG, 2003, p. 193).
57
3.1 A DOCUMENTAÇÃO COMO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
A Documentação Pedagógica que será tomada como campo empírico de
pesquisa é resultado do trabalho de uma educadora de uma escola da rede CNEC
Campanha Nacional das Escolas da Comunidade, situada em Santo Ângelo. O
trabalho foi selecionado por ter sido desenvolvido com crianças de série, tempo e
espaço em que se constroem conhecimentos significativos a respeito da linguagem
escrita. o foi considerado o trabalho algo excepcional, mas a singularidade dos
sujeitos-crianças no que se refere aos seus processos de desenvolvimento e
aprendizagem, sobretudo quanto à construção do conhecimento escolar.
A descrição desse trabalho o será um processo fácil, pois envolve
processos complexos de aprendizagem tanto das crianças quanto da educadora.
Esta professora está na instituição seis anos, sendo 4 deles dedicados à
alfabetização. É graduada em Letras, graduanda em Pedagogia e s-graduada em
Anos Iniciais. O grupo de educadores do qual faz parte a referida professora
desenvolve estudos com três horas de duração uma vez por semana. O tempo de
elaboração da documentação pedagógica, disponibilizado e remunerado pela
escola, é de uma hora diária, totalizando cinco horas semanais na escola para a
referida elaboração. Nesse tempo institucionalizado, é possível organizar a parte da
documentação que se refere ao
conteúdo.
O
processo
da documentação
pedagógica, na maioria das vezes, é feito fora da escola, constituindo-se como um
tempo de pesquisa solitária da educadora. Após a teorização, a documentação é
socializada com outros educadores, espaço de intervenção na prática docente.
O processo de documentar está na prática da educadora desde 2004 quando
ainda não dispunha de horário institucionalizado para isso. Esse espaço foi
conquistado pelo grupo de educadores e se constituiu como tempo e lugar de
aprendizagens docentes significativas. O
que
documentar,
como
documentar
também foi um processo construído pelas educadoras. A documentação analisada
nesta pesquisa constituiu-se através da escrita da educadora, das representações
em diferentes linguagens das crianças e de fotografias. A interpretação do que foi
documentado, o processo de teorização é feito a partir da análise, observação,
reflexão, interpretação e reinterpretação do que está acontecendo com as crianças e
com a própria educadora.
58
Através da dialética entre a teoria e a prática, é possível investigar processos
de aprendizagem: como as crianças aprendem e como se relacionam com esses
conhecimentos? Que tipo de instrumentos o ambiente, a cultura oferecem para a
experimentação, simbolização e generalização desses conhecimentos? Como se
organizam e interagem e como isso influencia nos processos de aprendizagem e
desenvolvimento? Como se apropriam das diferentes linguagens, como forma de
comunicação? De onde partem para um novo conhecimento? Como criam contextos
estabelecendo redes com esses conhecimentos?
Com a proposta de projetos construída a partir da influência de diferentes
abordagens, as crianças e educadores inserem-se em contextos a partir de
problemas/temas que emergem do cotidiano delas. Sendo assim, o co-autoras
dos percursos elaborados durante as investigações, pois participam do
planejamento e não precisam cumprir um cronograma pré-estabelecido pela escola
ou pela própria educadora. Constroem-se narrativas em busca de respostas para
algo que coloca as crianças em movimento intelectual e afetivo. A documentação
permite que o professor avalie e (re)signifique as suas ações enquanto educador,
bem como acompanhar os processos de aprendizagem das crianças.
3.2 A APRESENTAÇÃO DO CASO: DESCRIÇÃO DO PROJETO PEIXES
3.2.1 O Contexto de Início
O Projeto Peixes foi desenvolvido no início do ano letivo de 2007, com um
grupo de dezesseis crianças com idade entre 6 e 7 anos. Na Documentação
Pedagógica, a educadora traz os registros que serão descritos a seguir.
O trecho da documentação citado a seguir apresenta o que desencadeou nas
crianças a curiosidade sobre os peixes e os primeiros movimentos de vinculação ao
assunto.
Diante do espaço modificado da escola, contemplando vários ambientes
diferentes, o grupo da série direcionou, principalmente, seu olhar para o
aquário, que até então não havia na escola. Este fica em frente à sala e é
disposto em um pequeno espaço organizado em cima de uma grama
sintética. Este cenário tornou-se um espaço provocador de curiosidades, de
observações, de busca, de constatações e descobertas, conflitos e trocas,
bem como, um espaço agradável para conversar com os amigos, para
compartilhar um lanche, para ler um livro, realizar uma tarefa de aula, ou
simplesmente sentar e apreciar (MENDONÇA, Documentação Pedagógica
do Projeto Peixes, Santo Ângelo: arquivos da escola, 2007).
59
Na Escola W, o espaço também é um educador, pois está organizado
geograficamente e esteticamente, está apresentado de forma que a criança possa
intervir, construir e estabelecer relações de pertencimento. Por isso, o pode ser
estático e sim dinâmico, flexível, alterado conforme a singularidade dos sujeitos que
nele habitam. Edwards (2003, p.157) afirma que
A fim de agir como um educador para a criança, o ambiente precisa ser
flexível; deve passar por uma modificação freqüente pelas crianças e pelos
professores a fim de permanecer atualizado e sensível às suas necessidades
de serem protagonistas na construção de seu conhecimento. Tudo o que
cerca as pessoas na escola e o que usam - os objetos, os materiais e as
estruturas - não são vistos como elementos cognitivos passivos, mas, ao
contrário, como elementos que condicionam e são condicionados pelas
ações dos indivíduos que agem nela.
Ao se apropriar do novo espaço disponibilizado pela escola, o aluno W. S.
40
sentiu necessidade de colocar mais peixes no aquário. Por isso, no dia seguinte
trouxe um peixe justificando que a espécie poderia “viver bemcom os demais. Na
sala de aula, apresentou o peixe caracterizando-o e explicitou cuidados com a
sobrevivência do animal no novo espaço.
- Este peixe é diferente daqueles. Este é azul, meio preto. Fui eu quem
escolheu.
- Eu fui com a minha mãe no mesmo lugar que a escola comprou o aquário e
daí eles disseram que este peixe podia colocar junto com os outros, porque
tem uns que não dá, ou morre ou come os outros.
- Não para ficar muito tempo no saquinho, porque senão vai terminar o
oxigênio dele e ele vai morrer.
- Este é um peixinho que ajuda a deixar limpo o aquário, ele se gruda com a
boca no vidro para limpar.
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, Santo Ângelo:
arquivos da escola, 2007).
Diante do fato, as educadoras dedicaram um tempo para colocar o novo
integrante no aquário. Convidaram outras crianças e adultos para ajudar na tarefa. A
educadora acompanhava, organizava as crianças e intervinha de acordo com as
orientações do W. O papel do educador é, acima de tudo, de ouvinte, de observador.
Segundo Filipini (2003, p.74), “é de alguém que entende a estratégia que as
crianças usam em uma situação de aprendizagem.” Para Vygostky, parafraseado
por Filipini, “se as crianças foram do [ponto] A a B e estão chegando muito
próximas a C, ocasionalmente, em um momento tão especial, precisam da
assistência do adulto”.
Este novo integrante do aquário chamou a atenção dos meninos e
meninas da turma da série B, que esperavam ansiosos o momento de
presenciar o colega W. colocando o peixe no aquário. E assim se fez. No
40
O nome das crianças será escrito com as iniciais visando a preservar suas identidades.
60
momento do recreio, reuniram-se, em torno do aquário, o grupo da série, a
professora de referência, a supervisora pedagógica Gilvane e alunos de
séries distintas que foram provocados pela movimentação no espaço. A
professora Gilvane mediou a ação de W. Com o peixe dentro do aquário,
os olhares permaneceram atentos para verificar e acompanhar o processo de
adaptação do peixe em seu novo habitat e com seus dois novos
companheiros. (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes,
Santo Ângelo: arquivos da escola, 2007)
Considerando os tempos e espaços, o professor age como memória dos
percursos traçados e executados pelas crianças. Ao entrarem em cena, apropriam-
se do que encontram e dialogam sobre o que vêem, sentem, pensam. Através dos
projetos, a escola recria a cultura da passividade, do depósito e passa a instituir uma
nova cultura: a da criança como sujeito, sujeito de ação, de interação, de
curiosidade, de linguagem, de idéias, de teorias provisórias; sujeito produto e
produtor de cultura.
3.2.2 O Início do Projeto
O episódio, do qual as crianças foram protagonistas, tendo o aluno W. como
articulador, desencadeou nas crianças importantes inquietações. Nos projetos,
essas inquietações ganham espaço e tempo através da escuta dos professores. A
escuta é uma capacidade extremamente importante a ser desenvolvida nos
educadores para essa abordagem de projetos. o é uma escuta qualquer, mas
sim, apurada, singular. Para que haja escuta é preciso dar a palavra às crianças.
Para Tonucci (2005, p.17), autor italiano, “Conceder a palavra às crianças não
significa fazer-lhes perguntas e fazer com que responda aquela criança que levantou
a mão em primeiro lugar.” O mesmo autor completa que dar a palavra às crianças é
“dar a elas condições de se expressarem”.
Após colocarem o peixe no aquário, as crianças retornam à sala de aula.
Nesse momento a aluna Natália pergunta: “Profe, quando nós vamos falar do projeto
para ver o que nós queremos pesquisar? Eu sei o que eu queria... sobre os
peixes!” (MENDONÇA, p. 19). Diante da fala da aluna, a educadora lança ao grande
grupo o desejo manifesto pela Natália e combinam um próximo momento para
dialogar sobre o assunto e definir o tópico de investigação do grupo.
Em outra ocasião, numa situação de aprendizagem relacionada à Educação
Física, os alunos exploravam as categorias dos movimentos e a coordenação
61
motora, tendo como espaço o parque infantil. Nesse momento, as meninas e
meninos envolveram-se no jogo simbólico.
...um momento dedicado para as meninas e meninos coordenarem as
brincadeiras diante de suas preferências, seus desejos e seu envolvimento no
jogo simbólico. Para tanto, as brincadeiras coordenadas pelas crianças ora
davam-se em grande grupo, ora este se dividia e formavam-se novos
pequenos grupos, pelo caráter de afinidade, por interesse na brincadeira
proposta, por ser do mesmo sexo, por competição, por identificações com o
semelhante ou com o diferente (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do
Projeto Peixes, Santo Ângelo: arquivos da escola, 2007).
Foi nesse tempo e espaço que novamente as crianças manifestaram
curiosidade em investigar sobre os peixes, através da fala da N.: “Profe, eu já
pensei. Quero estudar sobre peixes” (MENDONÇA, p.19). A fala, desta vez, teve
outra repercussão. Os colegas que estavam próximos começaram a expressar seus
desejos e curiosidades chamando os demais para também se envolverem na
exposição das idéias sobre o assunto:
- Eu quero estudar sobre sereia. Ninguém nunca me deixou estudar sobre as
sereias! – P.
- Mas será que as sereias existem? – E.
- Claro que existem. Pode não ter aqui, mas lá em outro lugar tem... – P.
- A sereia é parente do peixe, né profe! - N.
- Ah, então a gente pode estudar sobre os peixes e as sereias, que são
parentes! – G. M.
- A gente pode pesquisar os tipos de peixes. – L.
- A gente pode pesquisar as cores dos peixes. – L. M.
- Quais os peixes que vivem no aquário? – W.
- É, porque tem os peixes que vivem no rio, que são para pescar. – M.
- Como os peixes nascem? – L. V. e L.
- Eu também acho que quero estudar sobre os peixes, tá profe?! – J.
- Eu também, profe. Quero estudar sobre como os peixes vivem lá nos
aquários. – L.
- Como os peixes morrem? – L.
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, Santo Ângelo:
arquivos da escola, 2007).
Assim, em meio às brincadeiras, as crianças definem o tópico a ser
investigado: Peixes. No início de todo o projeto, é essencial avaliar o real interesse
das crianças sobre o tema. Os adultos ajudam a definir o contexto a partir do qual as
crianças irão construir novos conhecimentos. Assim, os meninos e meninas da
série delimitam questões que gostariam de pesquisar, entre elas:
P.: Como as sereias nascem? Os peixes têm pé para parar na água? Quando
o aquário fica sujo por que não para lavar os peixes? Dentro do aquário,
os peixes podem sair para passear?
L.G. e E.: Como os peixes nascem?
G.M.: Quanto tempo os peixes vivem?
J.: Como os peixes nadam?
L. e G. R.: Os peixes têm dente?
L.: Como os peixes respiram embaixo da água?
L. V.: Como a sereia respira?
62
L.: Por que os peixes não falam?
N. e A. C.: Quantos filhos o peixe pode ter?
L. M.: Qual o tipo de comida que os peixes comem?
W. e M.: Qual é o tamanho do peixe? Quanto ele mede?
Educadora: Quanto será que um peixe pesa?
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, Santo Ângelo:
arquivos da escola, 2007).
O espaço de comunicação e interação das crianças deve ser constituído ao
longo dos projetos. A escola como
locus
da aprendizagem formal, segundo
Formosinho & Kishimoto (2007, p. 224), “interfere na constituição das formas
superiores de pensamento e na apropriação dos instrumentos mediadores que
circulam na sociedade”. O professor entra em cena ao encorajar as crianças a
iniciarem uma atividade e encaminhá-las à ação.
A capacidade das crianças de pensar, imaginar, planejar ações, entre outras,
são consideradas por Vigotski como funções psicológicas superiores. Segundo
Oliveira (1997, p. 26), “Esse modo de funcionamento psicológico, típico da espécie
humana, não está presente no indivíduo desde o nascimento”. A autora explica que
são resultado das interações do organismo individual com o meio físico e social em
que vive.
Para Formosinho & Kishimoto (2007, p. 223),
As funções psicológicas superiores de comportamento humano são
geneticamente socioculturais. Elas se originam da atuação em situações
coletivas, sustentadas pela interação com outras pessoas e pela mediação de
instrumentos técnicos e sistemas semânticos (criados e compartilhados pelos
membros da sociedade na qual o indivíduo es inserido e da qual é
participante).
As autoras destacam ainda que a internalização é resultado de negociações,
discordâncias, ação partilhada. Ao levantarem hipóteses, fazerem perguntas,
manifestarem concordâncias ou discordâncias para resolverem situações concretas,
as crianças atuam sobre o seu desenvolvimento em ação com o outro.
Em interação com seus pares, o grupo de crianças e educadoras
desenvolveu o projeto durante 4 meses, em encontros semanais. A narrativa desse
percurso está expressa na Documentação Pedagógica da professora Lisiane nos
arquivos da Escola W à disposição para consulta. Através de estudo, extraiu-se da
documentação somente o que se referia ao Projeto Peixes. Após, essa
documentação foi paginada pela pesquisadora e foram pontuados aspectos
importantes do desenvolvimento do projeto. Essa análise inicial resultou em 42
63
intervenções com o objetivo de “mapear” elementos significativos do projeto para
posterior análise.
Essas intervenções serviram de ponto de partida para a elaboração das
categorias
41
de análise. Em virtude de a Documentação Pedagógica do Projeto
Peixes ser extensa, optou-se pela elaboração de um percurso nominado Seqüência
de Atividades, numeradas de 1.0 a 39.3. A comparação dos dados está à disposição
e será incluída no ANEXO 1.
3.2.3 A Seqüência de Atividades
Apresenta-se, neste momento, a síntese da Documentação Pedagógica
através da seqüência de atividades realizadas durante o projeto. As atividades são
listadas, a seguir, em ordem cronológica como forma de descrição do projeto, sem
comentários. Para a análise, a seqüência real, como evoluiu, é apresentada aqui de
antemão. Esses segmentos são indexados, de modo que o leitor terá um guia para a
ordem cronológica real dos eventos.
1.0 Registraram as curiosidades sobre os peixes através da escrita e do desenho.
2.0 Desenharam peixes tomando como referência o próprio aquário e os peixes que
o habitavam.
2.1 A atelierista apresentou-lhes a técnica do mosaico.
2.2 Exploraram tamanhos: grande e pequeno/estabeleceram relações de proporção:
espaço grande
pedaço grande/espaço pequeno
pedaço pequeno; exploraram as
cores: tonalidades iguais e aproximadas.
3.0 Discussão teórica da educadora acerca das Artes e do fazer artístico.
4.0 Resolução do conflito com o Eduardo.
5.0 Organização da planificação em teia com os alunos.
5.1 Leitura das questões levantadas.
5.2 Elaboração das hipóteses das crianças.
6.0 Pesquisa bibliográfica em materiais coletados pelas crianças.
6.1Leitura do texto escrito pela educadora e sistematização das primeiras
descobertas das crianças.
41
Galiazzi & Moraes (2007) explicitam que a categorização revela-se um exercício de classificação
dos materiais de um “corpus” textual.
64
6.2 Leitura das gravuras para compreender a anatomia externa dos peixes:
localização das nadadeiras, nomes das nadadeiras.
6.3 Diálogo das crianças a partir dos “nomes” aprendidos.
7.0 Registro da pesquisa em folha específica e definição de um símbolo do Projeto.
8.0 Desenho do aquário da escola com seus peixes.
8.1 Diálogo das crianças a partir do que observavam e de suas representações.
9.0 Estudo da forma geométrica do aquário: paralelepípedo.
9.1 Experiência do uso da régua como instrumento para um traçado reto.
9.2 Desenho do aquário, completando-o com os demais elementos que o compõem:
algas, pedras...
9.3 Uso da modelagem para criar novas representações de peixes.
9.4 Diálogo sobre as propriedades da massa de biscuit e comparação com a argila.
10. 0 Discussão teórica da educadora.
10.1 Uso de novos materiais.
10.2 Constituição subjetiva das noções de objeto, espaço, tempo e causalidade.
11.0 Discussão teórica da educadora.
11.1 O papel da educadora nos imprevistos com as crianças.
12. 0 Pintura dos peixes no ateliê.
12.1 A experiência de pintar algo tão pequeno.
13. 0 Discussão teórica da educadora sobre a tomada de consciência.
14. 0 Exploração da música “Peixe Vivo”.
14.1 Canto da música: coro das meninas e coro dos meninos
14.2 Exploração das palavras de maior significado.
14.3 Interpretação.
14.4 Identificação e localização de palavras no texto escrito.
14.5 Representação através da dobradura.
15.0 Diálogo das crianças sobre a morte do peixe.
15.1 Resolução de situações-problema.
15.2 Exploração dos conhecimentos lógico-matemáticos: pensamento indutivo,
dedutivo e o lógico; noções de divisão, multiplicação, a adição e a subtração.
16.0 Estudo sobre localização espacial.
16.1 Localização espacial partindo da posição do corpo.
16.2 Localização de outros objetos partindo dos pontos cardeais.
17.0 Discussão teórica da educadora.
65
17.1 O movimento e o brincar.
18.0 Diálogo entre crianças e educadora sobre a localização.
19. 0 Localização do aquário no espaço da escola.
19.1 Diálogo das crianças: hipóteses sobre a localização do aquário.
19.2 Registro da localização do aquário.
20.0 Exploração do texto literário “Peixe, Pixote” de autoria de Sônia Junqueira
20.1 Estudo do texto. Discussões levantadas: o medo, preservação da natureza e da
poluição das águas.
20.2 Interpretação, identificação do personagem principal, do lugar onde se
passou a história, do conflito e das partes principais que organizam um texto.
21.0 Estudo do texto poético.
21.1 Características da poesia.
21.2 Contato com textos de diferentes autores: Renata Pallotini, Ana Maria
Machado, Cacaso, Redatozim e Dorival Caymi.
21.3 Leitura de poesias.
21.4 Escrita de poesias.
22.0 A descoberta da palavra “jangada”.
22.1 A construção do conceito.
22.2 A pesquisa no dicionário.
22.3 O registro escrito.
23.0 O conflito de Maurício.
24.0 A discussão teórica da educadora.
25.0 Estudo sobre “O que é um peixe?”
25.1 As crianças elaboram hipóteses.
25.2 A busca no dicionário.
25.3 O registro escrito.
26.0 Realização da pesquisa: “Como nascem os peixes”.
26.1 O registro com o desenho e com a escrita
27. 0 Pesquisa sobre “Quanto mede um peixe?”
27.1 Surge um problema: o peixe a ser medido desaparece do freezer.
27.2 A solução do problema.
27.3 As crianças dialogam durante a experiência de medir o peixe “vivo”.
27.4 A exploração da trena como instrumento de medida de comprimento.
27.5 A exploração da balança como instrumento de medida de massa.
66
27.6 As crianças dialogam sobre os valores obtidos na mensuração e na
pesagem.
27.7 As crianças e educadora registram as medidas.
28. 0 As crianças descobrem suas medidas: altura e peso.
28.1 Registro das medidas em gráficos.
29.0 Releitura de obras de arte de autores que exploraram o assunto em suas
pinturas
29.1 Conhecimento de obras de Alexandre Filiage, Vera Silva, Di Cavalcanti, Tarsila
do Amaral.
29.2 Escolha do artista e da obra que gostariam de fazer a releitura.
30.0 Estudo sobre os estados físicos da água.
30.1 Experiência com a água no estado sólido, líquido e gasoso.
30.2 A busca do significado no dicionário e registro.
30.3 A observação no aquário para ver elementos nos estados físicos da matéria.
31.0 Os alunos assumem a limpeza do aquário e alimentação dos peixes.
32.0 Votação para escolha do filme a ser assistido: “O mar não está pra peixe”
32.1 Diálogo das crianças sobre o filme.
32.2 Registro em desenho e pintura na cartolina, a partir da seleção de cenas do
filme.
32.3 Exposição das obras realizadas.
33.0 Exploração de histórias em quadrinhos.
33.1 Produção de diálogos e pequenos textos.
33.2 Leitura com tom de voz adequada.
33.3 Produção da escrita nos balões de uma história em quadrinhos.
33.4 Discussão teórica da educadora.
33.5 Teatro de fantoches a partir da HQ.
34.6 Projeção da HQ no episcópio.
34.0 Análise da teia para verificar o que ainda não haviam pesquisado.
34.1 As crianças e educadora analisam a possibilidade de entrevista com dono da
loja de aquários e peixes.
34.2 Elaboração da carta convidando o senhor Luciano para dar uma entrevista.
34.3 A investigação do endereço.
34.4 A impossibilidade de entregar a carta e o contato por telefone.
67
34.5 As crianças e educadora são surpreendidos com o convite para ir até a loja,
pois o proprietário da loja não poderia vir à escola dar a entrevista.
34.6 O planejamento da visita.
34.7 A decisão de comprar peixes, juntando dinheiro.
35.0 As crianças deslocam-se até a loja e utilizam-se da orientação pelos pontos
cardeais.
35.1 Crianças e educadora dialogam sobre o que encontram.
35.2 As crianças conhecem o aquecedor do aquário.
35.3 O contato com o sistema monetário: custo do aquecedor e dos peixes.
35.4 Diálogo sobre valores: caro e barato, muito e pouco e comparação com os
valores arrecadados por eles para comprar peixes.
35.5 A tomada de decisão na hora da compra dos peixes.
35.6 Os peixes são colocados no aquário da escola, nomeados pelas crianças e
fixados os nomes através da escrita em etiquetas, na parte da frente do aquário.
35.7 Diálogo entre crianças e educadora sobre a possibilidade de comprar mais
peixes para o aquário.
35.8 Decisão de fazer uma ação entre amigos para comprar peixes e o aquecedor.
35.9 Arrecadação da quantia de R$160,00: R$130,00 para comprar o aquecedor e
R$ 30, 00 para comprar os peixes.
35.10 A resolução do problema: Quantos peixes compraremos com R$ 30,00, se
cada peixe custa R$ 5,00?
35.11 Discussão teórica da educadora.
36.0 Pesquisa sobre a sereia.
36.1 Desenho de como imaginavam uma sereia e levantamento de hipóteses sobre
o que pensavam a respeito.
36.2 Análise de imagens na sala de audiovisual.
36.3 Diálogo sobre o que observam, suas impressões e crenças.
36.4 Leitura de reportagens e constatação de que sereia não existe.
36.5 A pesquisa no dicionário para conhecer o significado da palavra “sereia” e o
registro escrito.
37.6 Brincadeiras com jogos de quebra-cabeça de sereias e esculturas de sereia na
areia.
38.0 Construção de uma tela com uma cena de aquário, pintada com tinta acrílica
em plástico.
68
38.1 Divisão das partes da tela para cada grupo de trabalho.
38.2 Exposição da tela na sala do aquário.
39.0 Planejamento da culminância do projeto, por parte da educadora e das
crianças.
39.1Os grupos áulicos assumem diferentes funções e conteúdos a serem
apresentados a outras crianças, educadores e pais.
39.2 Socialização do projeto com outras crianças, pais e educadores.
39.3 Discussão teórica da educadora.
3.3 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE
Após diversas leituras da Documentação Pedagógica e da descrição do
percurso das crianças e educadoras no Projeto Peixes, observou-se a recorrência
de aspectos relacionados ao
currículo
, à
ação pedagógica e discussão teórica
da educadora
, às
diferentes linguagens
como forma de registro e sistematização
das
aprendizagens
, à
construção dos conceitos
, à
relação dialógica entre os
sujeitos
, aos
espaços
como educador. Essas questões podem ser observadas na
descrição abaixo.
1. Currículo Institucional
e Emergente
2.1;2.2;5.0;9.0;9.1;9.2;9.4;10.2;12.1;14.2;14.3;14.4;15.1;
15.2;16.0;16.1;16.2;19.0;20.0;20.1;20.2;21.0;21.1;26.0;2
7.0;27.4;27.7;28.0;29.0;29.1;29.2;30.0;33.0;33.1;34.2;34.
3;34.6;35.0;35.2;35.3;35.9;35.10;36.4;39.2
2. Ações pedagógicas e
discussão teórica das
educadoras
3.0;10.0;11.0;11.1;13.0;17.0;17.1;24.1;27.7;33.4;34.0;34.
4;34.5;35.7;35.8;35.11;38.1;39.0;39.3
3. Diferentes linguagens
(registro)
1.0;2.0;6.1;6.2;7.0;8.0;9.3;12.0;14.0;14.1;14.5;19.2;21.2;
21.3;21.4;26.1;27.4;27.5;27.5;28.1;29.3;32.2;33.2;33.3;3
3.5;34.6;34.2;35.2;36.1;36.5;37.0;38.0;
4. Construção de
conceitos
5.1;5.2;6.0;6.1;6.2;22.0;22.1;22.2;22.3;25.0;25.1;25.2;25.
3;30.1;30.2;36.036.1;36.2;36.3;36.4;36.5;
5. Relação dialógica
entre os sujeitos
4.0;6.3;8.1;9.4;15.0;18.0;19.1;24.0;27.2;27.3;27.6;32.0;3
2.1;34.1;34.4;34.5;34.7;35.1;35.4;35.5;35.6;35.7;35.8;36.
3;39.1
6. O espaço como
educador
2.1;6.0;8.0;9.3;10.1;12.0;16.0;19.0;27.1;29.2;29.3;30.3;3
1.0;32.3;34.6;35.0;35.6;36.2;37.0;38.0;38.2;
69
Quadro 6: Elaborado pela pesquisadora a partir da descrição da seqüência de atividades da
documentação pedagógica. Fonte: MENDONÇA L. B. S. Documentação Pedagógica do Projeto
Peixes, 2007.
Para o estudo do caso, defino algumas categorias como elementos de
análise. As categorias definem elementos constitutivos de um conjunto, no caso da
pesquisa, a Documentação Pedagógica. Porém, ao categorizar não significa que
estou analisando partes independentes, isoladas, mas em inter-relação com um
todo. Significa dizer que se busca com o processo de categorização um olhar mais
analítico de partes em diálogo com o todo.
“Categorizar é reunir o que é comum” afirmam Olabuenaga e Ispizua (
apud
MORAES & GALIAZZI, 2007, p.75). Ao reunir dados em conjuntos abstratos, inicia-
se o processo de teorização em relação ao que está sendo investigado.
Segundo Moraes e Galiazzi (2007, p.79),
A categorização es estreitamente relacionada à linguagem e sua
constituição. Num encaminhamento temático, as interpretações e os sentidos
dos materiais textuais analisados aproximam-se da hermenêutica
(FRANCO,1986), o havendo sentidos objetivos. Os temas e seus
significados são permanentemente construídos e reconstruídos pelo
pesquisador, tanto em função de suas próprias teorias como dos contextos
de produção em que se originaram.
Nesse sentido, a categorização não é um processo ingênuo. Ela é resultado
da interpretação do pesquisador, da forma como este interpreta os fenômenos e o
campo teórico que sustenta esse olhar. Os sentidos e significados atribuídos ao que
é “olhado” pelo pesquisador está relacionado à linguagem que legitima esta análise.
Em se tratando de um estudo de caso, existem duas posições subjetivas em jogo: a
do pesquisador, através da análise e a da autora da Documentação Pedagógica
através da sua escrita. “Visualizar” a prática através da documentação e analisá-la a
partir de categorias é, além de um processo de aprendizagem, um processo de
comunicação ética que, conforme Dahlberg (2003, p. 201) “[...] pressupõe a criação
de uma cultura de exploração, reflexão, diálogo e envolvimento”.
Considerando essas idéias, defini as categorias de análise com base nos
princípios teóricos que sustentam a prática pedagógica de projetos da Escola W,
valendo-me também do viés teórico histórico cultural.
A partir dessa análise definiram-se as seguintes categorias:
1- Projeto e Currículo
2- Projeto e Ação Docente
3- Projeto e Múltiplas Linguagens
70
4- Projeto e Construção de Conceitos
5- Projeto e Espaços de Aprendizagem
A categoria
Projeto e Currículo
analisará o currículo institucional
42
e
emergente
43
que entra em cena nos projetos, bem como, a relação com as áreas do
conhecimento
.
A categoria
Projeto e Ação Docente
visa a analisar a práxis pedagógica. Está
vinculada aos saberes docentes e à forma como estes interferem no processo de
ensino e aprendizagem, como articulam a pesquisa e o significado à formação
construindo uma epistemologia da prática docente.
A terceira categoria abrange
Projeto E Múltiplas Linguagens.
Busca analisar
as diferentes linguagens usadas pelas crianças para registrar, sistematizar e
comunicar suas aprendizagens. Dialeticamente articulada à linguagem, relaciona os
instrumentos culturais colocados à disposição das crianças como mediadores do
conhecimento.
Projeto e Construção de Conceitos
é a
quarta categoria. Esta categoria
analisa como as crianças, na ação pedagógica, começam a pensar sobre um
fenômeno e como se apropriam de maiores níveis de conhecimentos a partir das
diferentes formulações das ciências, possibilitando a aprendizagem e
desenvolvimento mental.
Projeto e Espaços de Aprendizagem
é a quinta categoria. Compreende a
descentralização das aprendizagens tendo o espaço como um outro educador. Os
espaços são mediadores da ação educativa na medida em que são dinâmicos,
provocam curiosidades, proporcionam encontros, confrontos com o conhecimento e
entre os sujeitos. O espaço convida e deve ser interrogado pelo educador no sentido
de produzir desenvolvimento e aprendizagens.
Em cada categoria de análise são feitas afirmativas ou proposições. Segundo
Minayo & Gomes (2007, P.18) ”Proposições são declarações afirmativas, são
hipóteses comprovadas sobre fenômenos ou processos sobre os quais
interrogamos.” Essas proposições orientarão o estudo das diversas situações sob
análise. Sendo assim, as proposições devem ser claras, uma vez que apresentam
“relações abstratas entre elementos, fatos e processos que buscam explicar ou
42
Currículo Institucional: o que é selecionado e definido pela escola: abrange os conhecimentos, os
aspectos didáticos, os tempos e espaços e a avaliação.
43
Currículo Emergente: o que emerge das relações das crianças com os outros-crianças, com os
outros-adultos, com os outros-cultura.
71
interpretar” (MINAYO &GOMES, 2007, P. 18). No decorrer desta análise, busca-se
mostrar que as proposições podem ser sustentadas com base nos autores, no
material empírico e nas próprias vivências educacionais da pesquisadora.
Com isso, definiram-se as seguintes proposições:
Categoria 1 -
Projeto e o Currículo
1.1 O desenvolvimento de projetos abrange dois currículos: o institucional e o
emergente.
1.2 O currículo nos projetos se desenvolve de forma interdisciplinar e insere as
crianças nas ciências através do conhecimento científico.
Categoria 2 - Projeto e Ação Docente
2.1 A Documentação Pedagógica é a parte que legitima o desenvolvimento do
projeto e reflete a Ação Docente.
2.2 O exercício da docência está atravessado por um campo teórico o que garante a
relação teoria e prática, (re)significando o papel do professor.
2.3 A produção de saberes docentes está vinculada à pesquisa e à ação reflexiva do
professor.
Categoria 3 – Projeto e Múltiplas Linguagens
3.1 As diferentes linguagens possibilitam à criança explorar seu ambiente,
desenvolver-se intelectualmente e ampliar suas possibilidades de representação
simbólica.
3.2 As linguagens gráficas o usadas para explorar os conhecimentos, reconstruir
algo que já conheciam e construir conhecimentos dos tópicos investigados.
Categoria 4 - Projeto e Construção de Conceitos
4.1 A construção de conceitos se na relação com o outro e é mediada pela
linguagem.
4.2 Os conceitos espontâneos (dominados pela criança) e os conceitos
sistematizados (propostos pela escola) no processo de elaboração pela criança,
articulam-se.
4.3 A apropriação dos conceitos científicos, no contexto dos projetos, possibilita
formas de pensamento complexas e esses conceitos estão numa relação de ensino.
Na formação dos conceitos, os sujeitos da pesquisa operam com um pensamento
por complexos.
Categoria 5 - Projeto e os Espaços de Aprendizagem
72
5.1 Nos projetos, o espaço é um mediador das ações educativas e parte integrante
do currículo. Ao desenvolver um projeto, as crianças habitam os espaços no sentido
de se apropriar, interrogar e serem interrogadas por ele.
5.2 O espaço reflete a cultura das pessoas que nele vivem. Podem potencializar a
aprendizagem ou limitá-la; ampliar a autonomia ou provocar a dependência do
adulto. Revela a cultura da escola e como os sujeitos reproduzem ou recriam essa
cultura.
73
4 O ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
Na seqüência, passo ao estudo do caso, argumentando sobre a pertinência
das proposições apresentadas com base nos autores, no material empírico e nas
próprias vivências educacionais da pesquisadora. Para cada subtítulo seguem
proposições que são destacadas no texto e que passam a ser defendidas.
4.1 PROJETO E CURRÍCULO
4.1.1 Proposição 1
O desenvolvimento de projetos abrange dois currículos: o institucional e o
emergente.
A forma como a escola desenvolve o currículo está vinculada às concepções
que sustentam o cotidiano escolar. Aquilo que entra em cena na sala de aula pode
estar prescrito e esperando para ser indicado/apresentado aos alunos. Os
conhecimentos, nessa perspectiva, estão compilados e expressos de forma
sistemática nos livros didáticos e são desenvolvidos como um fim em si mesmo sem
consonância com as finalidades sociais.
O modelo enciclopédico de currículo gerou fragmentação e linearidade do
conhecimento. Com isso, os professores passam a se inquietar sobre essa forma de
apresentar e desenvolver o currículo; passam a se inquietar pelos resultados e a
problematizar a prática desenvolvida na escola: Qual conhecimento deve ser
ensinado? Que sujeito vamos formar a partir desse currículo? Como o currículo será
constituído e desenvolvido?
Pode-se afirmar que o currículo é resultado de uma escolha entre o que deve
ou não ser ensinado na escola. A forma de desenvolver esse currículo es
vinculada à necessidade de saber
como e o que se aprende
na escola hoje. Além
disso, postula outras dimensões sobre o que se ensina, entre elas “a qualidade dos
conteúdos que lhes são ensinados, carentes de sentidos e significados na formação
humana e profissional” (MALDANER, 2007, p.114-115).
Com relação ao conhecimento escolar, Maldaner (2007, p. 114) afirma:
74
Não adequadamente contextualizados, conteúdos escolares não
extrapolam limites de cada campo disciplinar e ficam aquém da ciência atual,
sendo precárias as incursões no conhecimento contemporâneo. Estudantes e
professores, em contexto universitário ou escolar, pouco se envolvem em
discussões sobre os fundamentos dos conteúdos do ensino, sobre os
pensamentos que sustentam e justificam cada conteúdo ensinado/aprendido
na escola.
A partir dessas considerações iniciais pergunta-se: De qual currículo os
projetos dão conta? Considerando o desenvolvimento do Currículo através dos
projetos, pode-se afirmar que estes se constituem como contextos importantes de
aprendizagens significativas. Além disso, modificam o planejamento do professor no
sentido de apresentar os conhecimentos não em torno de disciplinas, mas através
de temas ou problemas que ultrapassam as fronteiras postas por uma abordagem
linear e fragmentada.
Os Projetos articulam o currículo institucional e o emergente e são capazes
de produzir novos saberes num movimento dialético entre o que se acredita ser
pertinente desenvolver com as crianças, ou seja, os conteúdos estabelecidos para
cada etapa ou série e o que emerge das relações sociais e culturais das crianças.
Os Projetos surgem no/do cotidiano e das experiências das crianças e, ou
ainda, como uma resposta dos educadores à proposta curricular do seu contexto. É
importante considerar que, se o pico de um projeto estiver fora das experiências
das crianças, elas acabam por depender do professor para a maioria das questões,
idéias, informações, reflexões e planejamentos. Por isso, na abordagem de projetos
regiana, os educadores acreditam que explorar a familiaridade de objetos e de
eventos do cotidiano pode ser profundamente significativo e interessante para as
crianças. Algo familiar a ser explorado possibilita a contribuição das crianças com
seus conhecimentos e questões. Nesse caso, as próprias crianças podem dinamizar
o planejamento, responsabilizar-se por tarefas específicas, coletar informações
atribuindo sentido ao que aprendem.
Sobre a aprendizagem, Barbosa & Horn (2008, p. 26) afirmam que
A aprendizagem somente será significativa se houver a elaboração de
sentido e se essa atividade acontecer em um contexto histórico e cultural,
pois é na vida social que os sujeitos adquirem marcos de referência para
interpretar as experiências e aprender a negociar os significados de modo
congruente com as demandas da cultura. A presença do outro, adultos ou
pares, e a coerência de interações com conflitos, debates, construções
coletivas são fonte privilegiada de aprendizagem.
75
A proposta de um Currículo Emergente é princípio da abordagem de Projetos
no sistema educacional da Itália. A discussão sobre o currículo e planejamento está
posta pelos educadores italianos e estes compreendem o planejamento a partir de
duas dimensões:
...como um método de trabalho que estabelece de antemão objetivos gerais,
juntamente com objetivos específicos para cada atividade. O segundo define
o planejamento como um método de trabalho no qual os professores
apresentam objetivos educacionais gerais, mas não formulam os objetivos
específicos para cada projeto ou cada atividade de antemão. Em vez disso,
formulam hipóteses sobre o que poderia ocorrer, com base em seu
conhecimento, das crianças e das experiências anteriores (RINALDI apud
EDWARDS, 1999, p. 113).
Ao desenvolver o currículo nessa perspectiva, parte-se do pressuposto que “o
conhecimento emerge de uma construção pessoal e social, e que a criança tem um
papel activo na sua socialização co-construída com o grupo de pares e com os
adultos” (LINO
et al
, 1998, p. 98).
Ao iniciar o Projeto Peixes, os meninos e meninas da 1ª rie manifestam
desejo em desenhar peixes. A educadora planeja a situação de aprendizagem para
que as crianças façam suas representações gráficas de peixes. Essas
representações servirão de apoio para a educadora conhecer as idéias que as
crianças têm sobre esses animais, bem como levantar hipóteses sobre a
competência gráfica de desenhá-los. Através de conhecimentos da área de
Educação Artística, as educadoras envolvidas (de referência e atelierista
44
) lançam
as crianças na ação representativa e a atelierista apresenta-lhes a técnica do
mosaico como mais uma possibilidade de composição gráfica.
Ao chegarem ao ateliê, acompanhados pela educadora de referência, a
atelierista distribuiu folhas de Canson A4 para iniciarem o desenho sobre os
peixes.
- Os peixes que vocês conhecem são de tamanhos iguais ou diferentes? -
Atelierista.
- Diferentes. – P.
- Tem peixe colorido e até cinza! – L.G.
Desta vez, a técnica de trabalho exigiria um pouco mais além do desenho e
pintura. Para tanto, a atelierista explicou que os pedacinhos de
emborrachado para formar o mosaico deveriam ser proporcionais ao
tamanho do desenho:
- Depois que vocês desenharem os peixes ou o peixe, deverão recortar
pedacinhos de E.V.A. e colar, encaixando uma pecinha na outra, pois, se as
pecinhas não estiverem juntas, não formarão a figura e será apenas colagem
por colagem. (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do projeto Peixes,
Santo Ângelo: arquivos da escola, 2007, p. 20-21).
44
Função atribuída à educadora de Educação Artística que usa o ateliê como espaço de
planejamento e representação em diferentes linguagens (simbólicas).
76
De acordo com Barbosa e Horn (2008) os projetos oferecem um currículo “a
partir de pistas do cotidiano”. As autoras defendem a seguinte idéia:
[...] é preciso organizar um currículo que seja significativo para as crianças e
também para os professores. Um currículo não pode ser a repetição contínua
de conteúdos, como uma ladainha que se repete infindavelmente no mesmo
ritmo, no mesmo tom, não importando quem ouça, quem observe ou o que se
aprende. Afinal, sabe-se que o conhecimento não é verdade imutável, mas
algo transitório, inacabado, imperfeito e em contínua pesquisa (2008, p 36.)
Aos professores, cabe conhecer os conteúdos da série para que possam
incluí-los na elaboração dos projetos. A esses conteúdos que emergem durante o
desenvolvimento de um projeto, nessa abordagem, chamamos de Currículo
Emergente, ou seja, um currículo que vai se constituindo progressivamente,
legitimado pela Documentação Pedagógica “precisando emergir e ser elaborado em
ação, na relação entre o novo e a tradição” (BARBOSA & HORN, 2008, p. 37).
Na Documentação Pedagógica da escola pesquisada, a educadora pontua:
“Assim, observa-se a parte inicial da teia organizada com as curiosidades abordadas
e as hipóteses das crianças a respeito de suas dúvidas” (MENDONÇA, 2007, p. 22).
A planificação em teia é curto e longo prazo. A teia organiza os percursos a
serem executados uma estratégia da educadora de projetar as suas intenções e das
crianças a durante as investigações. Além disso, expressa os conhecimentos
escolares e espontâneos manifestados na voz das crianças, aspectos que serão
discutidos na Categoria 4. Para as crianças, a teia uma direção e as coloca como
Ilustração 2:
Organização da planificação em teia elaborada com os alunos.
77
sujeitos ativos no processo. À educadora serve como registro e acompanhamento
de um processo contínuo de reexame, experimentação e remodelação.
Em um outro momento, os alunos foram provocados a construírem uma
representação do aquário respeitando a forma geométrica correspondente, a
qual foi nomeada “Paralelepípedo”, utilizando a régua como material de
medida necessário para dar a linha reta na representação. Após o desenho,
este foi recortado e colado em um papel canson de tamanho maior.
Tendo o aquário, desenharam em papel colorido o que nele havia: pedras
de tamanhos diferentes, algas de folhas e formas diferentes, bolhas. Os
personagens existentes no aquário foram, então, construídos com a
mediação da atelierista usufruindo a modelagem da massa de biscuit e da
pintura da escultura formada.
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do projeto Peixes, Santo Ângelo:
arquivos da escola, 2007, p. 26).
As diferentes formas de representação também fazem parte do currículo e
traduzem as ltiplas linguagens com as quais as crianças se deparam para se
apropriar do conhecimento, sistematizá-lo e comunicar o que aprendem.
Para Vigostki (2007, p. 144),
[...] desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao
desenvolvimento da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem
organizar todas essas ações e todo o complexo processo de transição de um
tipo de linguagem escrita para outro. Devem acompanhar esse processo [...]
até o ponto da descoberta de que se pode desenhar não somente objetos,
mas também a fala.
À medida que as crianças avançam nas pesquisas, deparam-se com novos
elementos de observação ou são apresentados a eles pela educadora.
As crianças
são provocadas a pensar sobre a forma geométrica do aquário. A educadora
apresenta-a nomeando a geometria do aquário: paralelepípedo. A introdução às
formas geométricas são conhecimentos apontados pelo currículo escolar da série
na Escola W
.
Sobre a especificidade do conhecimento escolar, Lopes (2007, p.195)
afirma que “é compreendida no contexto das pesquisas educacionais sobre o
currículo e a cultura escolar”. A mesma autora continua sua reflexão em torno desse
assunto pontuando que
Pensar a ciência como conhecimento escolar é pensá-la como um
conhecimento sujeito a condicionantes sociais próprios da esfera escolar,
portanto, diferente do conhecimento dos centros de pesquisa e de outros
saberes sociais (p.195).
O currículo e a cultura escolar determinam o conhecimento escolar a ser
ensinado na escola. Partindo dessa compreensão, o conteúdo que se seleciona não
está vinculado somente ao que está fora da escola, pois se concretiza dentro dela. As
escolas estão imersas num contexto social, político e cultural. Lopes (2007, p. 196-
197) defende a idéia argumentando que “há especificidades próprias desses
78
processos de seleção em diferentes instituições escolares [...] diferentes instituições
escolares lêem tais orientações de maneira diversa”.
A mesma autora afirma que as escolas incluem ou excluem conteúdos num
processo de autonomia. Postula, ainda que
Nesse processo conflituoso do conhecimento escolar, a seleção de
saberes articula-se com a transformação dos saberes selecionados. Os
saberes são organizados de forma a atender a finalidades sociais diversas
daquelas para as quais foram pensados em seu contexto de produção. Os
saberes científicos são traduzidos e (re)construídos a fim de que se tornem
ensináveis e assimiláveis pelos/as mais diferentes alunos e alunas (LOPES,
2007, p.1999).
Ao se apropriarem do conhecimento referente à forma geométrica do aquário,
usam o desenho como forma de representação do paralelepípedo, porém, não é um
desenho que possa ser feito de qualquer forma. O traçado exige linhas retas e
paralelas, e o uso da régua emerge como necessidade para se conseguir o objetivo
desejado.
A régua, enquanto instrumento da cultura usada pelo homem para efetuar
medidas, é apresentada à criança pela educadora. Sendo assim, ela entra em cena
com o conteúdo medidas; nesses conteúdos as crianças utilizam conhecimentos de
atributos, entre eles grande, pequeno, maior. Esses atributos são conhecidos por
estarem presentes na educação infantil, porém, elas se apropriam de outras
palavras e seus significados: lado, milímetro e centímetro, apresentados com o uso
e manipulação da régua. Ambos (conteúdo e instrumento) são produções culturais
que fazem parte do currículo. Na situação em análise, são selecionados como
conteúdos escolares pertinentes à série e que têm significação para a criança
porque estão imersos numa situação de aprendizagem contextualizada, no caso, o
Projeto Peixes. Lopes (2007, p. 200) afirma que
[...] essas mudanças exigem transformações que atinjam as práticas sociais
de produção e de consumo do conhecimento na sociedade. Tais mudanças
não estão fora de nossa possibilidade de ão nem se constituem por
poderes para além dos espaços e tempos que transitamos, mas também se
expressam nas relações cotidianas nas quais construímos saberes.
A discussão em torno do conhecimento escolar e científico requer construir
uma “epistemologia escolar” (LOPES, 2007). Cabe à escola comunicar e socializar o
conhecimento científico, este compreendido como mais uma forma de compreender
e transformar o mundo.
79
4.1.2 Proposição 2
O currículo nos projetos desenvolve-se de forma interdisciplinar e insere as
crianças nas ciências através do conhecimento científico.
O desenvolvimento de um Currículo Emergente articulado ao institucional
recria a cultura da escola, tida como reprodutora de saberes. Assim, (re)elabora-se
a cultura em que “A criança pequena emerge como co-construtor, desde o início da
vida, do conhecimento, da cultura, da sua própria identidade” (DAHLBERG
et al,
2003, p. 71
).
O contexto cultural escolar, visto como espaço e tempo dinâmico, está
articulado em redes de relacionamentos, sejam entre os sujeitos ou entre os sujeitos
e os conhecimentos que entram em cena nos projetos. Por isso, o currículo por
projetos permite elaborar contextos ricos em significados. Os significados são
atribuídos pelas crianças em interação com seus pares, com os adultos, com os
espaços e tempos, com a história e cultura em que estão inseridos.
Ao definir um tópico de investigação para o desenvolvimento de um projeto na
Escola W, inicia-se uma série de ações que estão vinculadas à prática
interdisciplinar. Por isso, não está focado numa única disciplina. Definir um problema
é o caminho da projetualidade e cabe ao professor avaliar se este seria um bom
tópico para ser investigado num projeto. Ao confirmar o real interesse das crianças e
as possibilidades de articulação interdisciplinar, a educadora determina os
conhecimentos necessários, “inclusive as disciplinas representativas e com
necessidade de consulta, bem como os modelos mais relevantes, tradições e
bibliografia” (SANTOMÉ, 1998, p 65). No processo, educadora e crianças definem
as questões a serem investigadas e levantam hipóteses sobre as pesquisas
concretas a serem realizadas.
Através de uma prática interdisciplinar, parafraseando Santomé (1998),
educadores e crianças reúnem os conhecimentos e buscam novas informações;
resolvem conflitos e se apropriam de um novo vocabulário; desenvolvem ões em
equipe; constroem e mantêm a comunicação entre as diferentes áreas do
conhecimento; comparam o que aprenderam; dão significados a novos
conhecimentos; registram e integram novos dados; decidem sobre o futuro do que
aprenderam.
80
A escrita da carta foi sendo elaborada em conjunto – educadora e alunos,
seguindo formalidades necessárias e as idéias expostas pelas crianças,
visando a um objetivo em comum.
Após esta escrita, coletaram-se informações na secretaria da escola a
respeito do endereço correto da loja de aquários do Senhor Luciano
Sommermaia. Com essas informações, cada criança construiu um envelope e
o preencheu com a mediação da educadora. Como cada criança produziu
uma carta, foi sorteado um aluno para, em casa, passar a limpo (escrever
novamente) a carta para, então ser enviada pelo nosso correio (MENDONÇA,
Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p 57).
A planificação em teia organiza e uma direção às crianças e educadores
em relação ao conhecimento escolar. Considerando que projetar é lançar adiante, a
teia ou rede “lançaos sujeitos do projeto numa rede de construções significativas
de conhecimento. Vasconcelos (1998, p.
142), com relação à planificação e
lançamento do trabalho, afirma que “As crianças começam a ganhar consciência da
orientação que pretendem tomar”. A direção, os caminhos e o que pretendem
descobrir podem ser constantemente retomados e até modificados a partir do que
projetaram na rede.
Através do Projeto Peixes, as crianças se depararam com conhecimentos das
diferentes áreas, porém o de forma fragmentada. Os percursos elaborados pelas
crianças e educadoras inseriram as crianças nas seguintes áreas: Ciências,
Português, Geografia, História Artes, Música, Literatura, Matemática e Educação
Física. Essas áreas marcaram o currículo através do vocabulário, dos conceitos,
das experiências, das bibliografias dentro de um contexto real. O professor precisa
dominá-las para estabelecer inter-relações entre elas numa perspectiva
interdisciplinar.
As situações problema envolvendo conhecimentos lógico-matemáticos,
como o raciocínio, o pensamento dedutivo, o pensamento indutivo e o lógico,
noções de divisão, multiplicação, a adição e a subtração relacionavam-se
com situações ocorridas durante o projeto, como por exemplo, quando um
dos peixes do aquário morreu [...].
Apresentam-se aqui dois exemplos de situações-problema trabalhadas,
que levaram os alunos a pensar, a buscar uma solução, a somar, a repartir, a
multiplicar e a diminuir, a confrontar-se com a forma singular de resolução, a
se conflitar, bem como, a relacionar com os fatos verídicos do contexto em
que estão inseridos; fazendo uso de material concreto, como material
dourado, palitos de picolé, tampinhas, pedrinhas [...].
Dentro dos conteúdos que foram explorados significativamente no
projeto, estavam também conhecimentos de história e geografia com a
localização espacial partindo da posição e do próprio corpo e posteriormente
da localização de outros objetos partindo dos pontos cardeais (norte, sul,
leste, oeste) localizados pelo sol.
Assim, inicialmente, as crianças foram conduzidas ao campo da escola e
lá provocadas a localizar o lugar que o sol nasce e se põe, relacionado com a
posição em que o sol estava no momento (tarde) e também, levando as
crianças a se reportarem às suas casas. (MENDONÇA, Documentação
Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 29-31).
81
A inserção em diferentes áreas possibilita que as crianças se apropriem de
uma linguagem específica de cada área, ampliando seu universo vocabular. Uma
vez que são crianças em classe de alfabetização, exploram significativamente, entre
outras linguagens, a leitura e escrita. Quando as crianças começam a ler e escrever
são necessárias situações singulares de leitura para a obtenção de significados a
partir do que es escrito. Precisam se deparar com situações de leitura e escrita
freqüentes.
No desenvolvimento do projeto utilizaram-se vários gêneros textuais,
como: poesia, música, diálogo, histórias em quadrinhos, história literária. A
história literária que foi abordada intitula-se Peixe, Pixote”, de autoria de
Sonia Junqueira. A história retrata a vida de um peixinho chamado Pixote...
Além do contexto da história e das relações estabelecidas, explorou-se a
interpretação, a identificação do personagem principal, do lugar onde se
passou a história, do conflito e das partes principais que organizam um texto
(início, meio e fim), através da resposta escrita, de questões objetivas, do
desenho e da persuasão no diálogo (MENDONÇA, Documentação
Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 36).
Em algumas situações do Projeto Peixes, a leitura foi realizada em conjunto,
outras vezes individual e assistida pela educadora e, ainda, mediada. Na perspectiva
sócio-histórica, o desenvolvimento psicológico acontece no contexto das interações
sociais. Assim, o desenvolvimento dos processos mentais superiores “implicam uma
forma de mediação que é profundamente influenciada pelo contexto sócio-cultural”
(NOGUEIRA
et al,
1993, p. 14). Esse processo o é individual, mas interativo, “no
interior das relações sociais” (Idem).
Sobre a linguagem e consciência, Jobim e Souza (1994, p. 125) postulam que
Em Vygotsky (1984) o uso da linguagem se constitui na condição mais
importante do desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a
consciência) da criança. O conteúdo da experiência histórica do homem [...]
encontra-se também generalizado e reflete-se nas formas verbais de
comunicação entre os homens sobre esses conteúdos. A interiorização dos
conteúdos historicamente determinados e culturalmente organizados se dá,
portanto, principalmente por meio da linguagem, possibilitando, assim, que a
natureza social das pessoas torne-se igualmente sua natureza psicológica.
Apropriar-se da escrita e leitura de palavras é um desafio para crianças em
processo de alfabetização. Por isso, a educadora utiliza-se do glossário
alfabetizador
45
como fonte de pesquisa e consulta junto às crianças. O glossário
serve de apoio às crianças no sentido de atribuir significado às palavras com o apoio
do desenho. Assim, a mediação se pelo outro “que ensina e faz junto, permitindo
a construção partilhada” e “a mediação dos signos lingüísticos e dos recursos
45
Faz parte da didática gempiana e consiste num banco de palavras com seus respectivos desenhos.
Serve como fonte de pesquisa para a realização de atividades didáticas.
82
sistematizados pedagogicamente, que permeiam todas as interações, organizando
os instrumentos para a atividade intelectual” (NOGUEIRA, 1993, p. 15).
Acredita-se que desenvolver um currículo por projetos permite às crianças e
educadores envolverem-se em situações de aprendizagem complexas e
significativas. Nelas, os sujeitos se organizam e aprendem em processos coletivos e
individuais dialógicos de construção do conhecimento.
4.2
PROJETO E AÇÃO DOCENTE
4.2.1 Proposição 1
A Documentação Pedagógica é a parte que legitima o desenvolvimento do
projeto e reflete a Ação Docente.
O desenvolvimento de um projeto para aprender se dá mediante uma série de
acordos, planejamentos e negociações entre os sujeitos envolvidos. Ao longo do seu
percurso, constitui-se num tempo e espaço de interações sociais através das quais
as crianças atribuem significados àquilo que apreendem.
Ao documentar o que é dito e feito durante o desenvolvimento de um projeto,
a educadora constrói uma memória do grupo e, através dela, poderá analisar, refletir
e interpretar o que está acontecendo, não somente em torno das crianças, mas
também em relação à tomada de consciência de sua contínua constituição como
educadora.
Sobre a ação de documentar, Dahlberg (2003, p. 195)
afirma que
A partir da documentação, pode formular perguntas sobre a maneira
como a criança-aprendiz e o pedagogo-aprendiz foram construídos em sua
própria prática, como o conhecimento é construído e que tipo de instrumentos
o ambiente oferece para a experimentação e simbolização das crianças.
Outro aspecto importante da documentação é acompanhar os processos de
interação das crianças no sentido de poder observar com o que se envolvem, o que
pensam e sabem sobre determinado tópico de investigação e como se mantêm
vinculadas, por um longo período de tempo, ao que está sendo estudado.
A legitimação desses processos pedagógicos é dada pela documentação.
Através dos registros (escritos, fotográficos...) pode-se acompanhar, avaliar,
confrontar ações de aprendizagens das crianças e a ação pedagógica do professor.
83
Gandini & Goldhaber (2002, p.150) afirmam que “... a documentação serve de apoio
aos seus esforços para entender e para se fazer entender”.
Ao comunicar ou socializar uma documentação, a educadora passa por uma
avaliação formativa a respeito da sua competência profissional. O que foi feito e
como foi feito está legitimado através da documentação e, por isso, pode ser
colocado à apreciação de outros educadores e das próprias crianças. Essa
alteridade permite a reflexão crítica individual e coletiva sobre as experiências
vivenciadas e conhecimentos construídos.
Em seguida, inicia-se a pesquisa através da leitura de alguns materiais
coletados pelos meninos meninas da turma a fim de encontrar respostas para
as inquietações sobre os peixes.
Na leitura do material científico, feita pela educadora, as crianças
descobriram que:
1. Os peixes respiram na água através das brânquias.
2. Os peixes se movimentam com as suas nadadeiras.
3. Eles não têm pés. Eles bóiam com o equilíbrio das nadadeiras.
4. Possuem 5 tipos de nadadeiras: peitoral, frontal, dorsal, anal e caudal.
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 22-
23).
O professor é tomado por aquilo que as crianças fazem e dizem sobre o que
se essendo estudado. O envolvimento docente determina processos importantes
de aprendizagem na escola. Acreditar que alunos de série o capazes de lançar
problemas e estabelecer estratégias, entre elas, a pesquisa documental, para
chegar a maiores níveis de compreensão, postula uma nova imagem de professor e
de criança.
Este professor que desenvolve o currículo institucional e emergente através
de projetos, tem na documentação uma estratégia pedagógica para tornar visível o
que as crianças dizem, pensam e fazem. Esse educador recria a cultura educacional
não mais arbitrada por decisões heterárquicas, mas experienciada num processo de
negociação atravessada por uma ética do sujeito. Trata-se de uma ética que emana
do respeito pela criança e do reconhecimento da diferença e da multiplicidade e que
luta para evitar transformar o Outro no mesmo que eu (DAHLBERG, 2003).
Ao possibilitar que as crianças se aventurem na escrita e na leitura sem
estarem alfabetizadas, a professora lança-as adiante como sujeitos, conforme o
significado da própria palavra “projeto”. uma aposta nesse sujeito de vir a ser um
leitor, um escritor, por isso, a educadora serve de leitora e escriba das crianças
diante da necessidade de usar essas duas linguagens durante o percurso do projeto.
Compreender o que dizem os livros seja através da escrita, seja através de imagens,
84
requer das crianças um envolvimento com o que está sendo problematizado.
Construir o conceito, apropriar-se do vocabulário, usar esse vocabulário em
situações de interação social, coloca-as como sujeito do processo ensino e
aprendizagem.
Para entender a localização das nadadeiras, observaram imagens nos
livros e compararam com a localização das partes do corpo humano, para
fazer referência com o peixe. Assim, puderam compreender o porquê dos
nomes de cada tipo de nadadeira.
- A peitoral fica no peito. – G. R.
- A frontal então fica na frente, mas na frente é a boca do peixe. Mas se nós
colocar o peixe de pé daí fica bem na frente, embaixo da boca. – E.
- A dorsal é nas costas. A. C (após ouvir a leitura do significado de dorsal
buscado no dicionário Aurélio).
- Tem duas nadadeiras que é dorsal, porque tem duas nadadeiras nas costas
do peixe. – N.
- A anal fica perto do ânus do peixe. – P.
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p 23-24).
A ação docente está atravessada por teorias num processo dialético com a
prática. A prática e o professor não estão isolados. Ao contrário, o diálogo é
permanente: teoria e prática; professores e professores; professores e crianças. A
palavra é dada à criança porque se tem outra imagem de criança; o educador
acompanha, avalia e intervém no processo porque o seu papel é ativo; as
estratégias didáticas e metodológicas utilizadas para desenvolver o currículo o
diferenciadas porque se justificam num campo teórico.
4.2.2 Proposição 2
O exercício da docência está atravessado por um campo teórico o que garante
a relação teoria e prática, (re)significando o papel do professor.
A sala de aula impõe um ritmo acelerado e exigente do professor o que torna
o exercício da docência complexo e desafiador. Contudo, a pedagogia dispõe de um
vasto campo teórico, resultado de pesquisas e experiências bem sucedidas em
educação. Colocar-se como professor nesse contexto impõe uma nova cultura na
escola: a dialética entre teoria e prática. O que era visto como uma grande utopia,
hoje está a serviço da educação na tentativa de imprimir qualidade ao processo
pedagógico e garantir a aprendizagem na escola.
No caso em estudo, a atelierista, ao refletir sobre a sua prática, busca
compreendê-la, interpretá-la ou justificá-la do ponto de vista teórico. Para tanto,
85
deseja compreender situações experienciadas com as crianças justificando-as
através da teoria.
- Eu preciso de outro pedaço, o meu não deu certo. [...]
Para Sandra Richter (2004, p. 116), a professora deve fazer a mediação
quando a situação não está dando certo para a criança que dispersa ou não
quer mais produzir. Fazendo o papel de mediador, o professor poderá lidar
com êxito em situações inesperadas podendo apontar novas maneiras de
construir e reconstruir sem desperdiçar materiais fazendo com que o aluno
tenha um outro olhar sobre o feito, ajudando-o a retornar ao trabalho e
concluir sua idéia com êxito. [...]
Silvana Venâncio (2005, p.35) aponta que “[...] no movimento tanto quanto no
brincar, o indivíduo está tentando compreender e controlar o mundo,
compreender e interpretar a si mesmo, outorgando significações às coisas e
assim incorporando o mundo no espaço transicional” (MENDONÇA,
Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 27).
Quando a educadora volta-se à teoria com o objetivo de refletir sua prática
está se valendo daquela para compreender esta, problematizá-la e agir sobre ela.
Segundo Vigotski (2001, p. 454), “É o mesmo mestre que constrói seu trabalho
educativo não com base na educação, mas no conhecimento científico. A ciência é o
caminho mais seguro para a assimilação da vida”.
Destaco também, a apresentação de M. que está entrando para o nível
alfabético da psicogênese da escrita e somente realiza a leitura com a
mediação da educadora; sozinho, se autoriza apenas a identificar o nome das
letras e a iniciar a formação de algumas sílabas. Diante do grande grupo, M.
ainda não havia se permitido apresentar a sua leitura; para o seu pequeno
grupo, ousou alguns ensaios. Quando foi sorteado para apresentar a poesia
do projeto, primeiramente demonstrou euforia, como os demais, ao serem
sorteados, minutos depois, ficou calado e logo guardou sua poesia na
mochila sem ao menos fazer uma tentativa inicial. Chegado o seu dia de
apresentação, sua inquietação e seu nervosismo eram visíveis aos olhos da
educadora. Ao subir na cadeira em frente ao grande grupo, suas mãos
tremiam, seu olhar baixou, o papel com a poesia cobriu sua face. Verbalizou
o nome da poesia e durante alguns minutos nada mais falou, seus olhos
encheram-se de lágrimas. A educadora então se aproximou, o acolheu com
um de seus braços e iniciou sua leitura. M. sussurrava as sílabas com uma
voz trêmula e quase sem som, mediado pela educadora. Assim foi a leitura
dos primeiros versos de sua poesia. Nos versos finais, sua voz começou a ter
mais som, mas ainda continuava trêmula. Ao término, apenas disse que sua
poesia falava de peixe e desceu rapidamente da cadeira retornando ao seu
grupo. A educadora o elogiou, os colegas o aplaudiram. M. reconheceu com
um pequeno sorriso (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto
Peixes, 2007, p.37-38).
As pesquisas colocadas à disposição do professor através de inúmeras
bibliografias dão à escola e à educação uma “cara nova” no sentido de atribuir-lhes
novos significados de caráter complexo. O conhecimento científico pode transformar
o processo pedagógico que vem marcado pela relação professor e aluno. Esse
processo pedagógico modifica-se através de novos paradigmas sobre a natureza da
86
educação; amplia o próprio conceito de educação (VIGOTSKI, 2001), pois
(re)significa o papel de homem, de criança, de educação.
As decisões tomadas pela educadora no desenvolvimento do projeto deixam
clara a sua posição pedagógica e epistemológica de construção de conhecimento.
Numa turma em que os alunos têm espaço de fala e de escuta, que elaboram o
planejamento em parceria com a educadora, opinam, apresentam conclusões,
fazem pesquisas, negociam propostas, entram em confronto com as situações do
dia-a-dia, marca-se um espaço e tempo em que crianças e educadora são sujeitos
em forte interação entre si e entre o conhecimento.
Ao fazer a escuta das crianças, a educadora apropria-se do que elas
propõem e devolve o que foi proposto, problematizando; não segue um
planejamento fixo, linear, hierarquizado, mas o organiza a partir da proposta das
crianças, descentrando as aprendizagens e a própria condução da aula. Essa forma
de agir pedagogicamente requer conhecimento por parte do professor tanto quanto
em relação à criança quanto ao conhecimento que se quer ensinar.
- Como gostaríamos de fazer uma entrevista e chamar uma pessoa que
entende do assunto e que não é íntima nossa, não é nosso amigo, é
somente tio e conhecido da L., temos que fazer este convite de um jeito
mais formal, através de uma carta, por exemplo.
- É, pode ser profe. – todos.
- Mas daí pode deixar que eu levo a carta, tá profe?! – L.
- Tudo bem. Então vamos começar? – educadora.
A escrita da carta foi sendo elaborada em conjunto educadora e alunos,
seguindo formalidades necessárias e as idéias expostas pelas crianças,
visando a um objetivo em comum.
[...]
- Vamos vender uma rifa! – L. M.
- Boa idéia. Nós poderíamos fazer uma ação entre amigos para coletar
dinheiro. educadora (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do
Projeto Peixes, 2007, p. 56, 57, 66).
Os fragmentos acima legitimam a capacidade da educadora de valorizar as
idéias das crianças, considerando importante aquilo que elas trazem para a escola.
Este processo de negociação entre crianças e educadora dá vida ao processo
ensino e aprendizagem. Diante dessas negociações, por ora, poderão haver
confrontos, choques, conflitos, fatos que estão presentes nas relações entre os
sujeitos e que a escola pode ocupar-se disso de forma educativa e ética. Para essa
forma de fazer escola, Vigotski (2001, p. 462) pontua que
A vida se revela como um sistema de criação, de permanente tensão e
superação, de constante criação e combinação de novas formas de
comportamento. Assim, cada idéia, cada movimento e cada vivência é uma
aspiração de criar uma nova realidade, um ímpeto de alguma coisa nova.
87
É nesse sentido que os Projetos criam espaços para a emergência de novas
experiências e estas ligadas à criança e não às experiências do professor. Por isso,
ganham significado na interação entre elas e destas com o próprio conhecimento.
Os conflitos, a superação diante do confronto, as negociações, as experiências
investigatórias, as pesquisas documentais, bem como a sistematização a partir de
múltiplas linguagens faz com que as crianças “desenvolvam novos pensamentos
ligados ao processo de aprendizagem” (VIGOTSKI, 2001, p. 517).
Para que a sala de aula se configure como espaço e tempo para o
desenvolvimento mental, o educador deve assim o constituir. A educadora de
referência tem no seu grupo de crianças diferentes níveis de representação gráfica.
Algumas se encontram no nível alfabético da construção da escrita, outras no
silábico e ainda, as que estão no pré-silábico. A forma de a educadora conduzir
as experiências de leitura e escrita com as crianças postula um conhecimento sobre
este campo teórico.
4.2.3 Proposição 3
A produção de saberes docentes está vinculada à pesquisa e à ão reflexiva
do professor.
A formação acadêmica e continuada e o exercício da docência permitem ao
professor construir sua “epistemologia da prática”
46
. Essa construção permite ao
professor “exercer seu julgamento pedagógico e a agir com discernimento”
(MEIRIEU, 2005, p.130). O referido autor afirma que o professor deve dispor de
modelos para pensar e organizar sua ação. Explicita que o modelo seria uma
representação da realidade, o que a constitui e o que pode ser feito para que esta
evolua.
Exercer a docência requer que o educador se aproprie de
... concepções, mais ou menos formalizadas, que permitem antecipar as
conseqüências possíveis de um ato, confrontá-las com os objetivos que se
procuram atingir, ajustar sua estratégia, verificar seus resultados, resolver, na
medida do possível, as dificuldades encontradas (MEIRIEU, 2005, p.130).
Um professor reflexivo constrói-se pela pesquisa e prática problematizada.
Nesse sentido, o exercício da docência deixa de ser estanque, isolado e passa por
46
Expressão usada por Selma Pimenta na obra Estágio e Docência.
88
uma (re)significação de idéias, que tem como contexto o cotidiano escolar agora
visto sob uma ótica contextualizada, analisada, avaliada e refletida. Refletir sobre a
sua ação, o processo ensino e aprendizagem, os sujeitos envolvidos, postula uma
visão complexa de professor que o encaminha para a aprendizagem profissional
legitimada através da formação inicial e continuada.
Sobre a formação inicial e continuada, autores como Echeverría & Soares
(2007, p.184) afirmam defender “... a presença do apoio, do acompanhamento
teórico, dos subsídios epistemológicos para a prática docente.” Esta posição dos
autores refere-se à epistemologia da prática reflexiva e pesquisadora do professor.
Ao levar em conta esses princípios, o professor tecondições de “refletir e
elaborar uma proposta de ação coletiva transformando a escola em
lócus
de
elaboração curricular e crescimento intelectual” (ECHEVERRÍA & SOARES
apud
ZANON & MALDANER 2007, p.185).
A produção de saberes docentes decorre de trabalho coletivo, de ação
partilhada. É nesse contexto que a educadora de referência se encontra, uma vez
que a documentação pedagógica permite que a sua ação como professora possa
ser socializada, refletida, indagada, pois passa pela alteridade no grupo de estudo
do qual faz parte. Assim, sua atividade docente sai do território da sala de aula para
ser problematizada por outros educadores nos espaços de formação continuada
instituídos pela escola. Além disso, os conhecimentos são descentralizados da figura
da professora. Outros educadores entram em cena no projeto
[...] E foi através deste alastramento do episódio, que a resposta para a morte
do peixe apareceu com a fala da professora nica, a qual passou a se
tornar parte do grupo de investigação [...].
[...] Então, planejou-se um momento no ateliê para que pudessem pôr em
prática suas habilidades motoras e representativas.
A atelierista sugeriu que, após o desenho do peixe as crianças explorassem
a técnica do mosaico, [...].
[...] O público escolhido para prestigiar este momento seriam as seguintes
turmas: grupo 2 da Educação Infantil, série A e série. Seriam também
convidadas: a coordenadora pedagógica Gilvane, a coordenadora geral
Carmem, a professora Mônica. [...] (MENDONÇA, Documentação
Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 20, 75).
É na interação com outros professores, com as crianças e estas com outras
crianças que se amplia e torna-se possível olhar com outras lentes o fazer docente.
Além disso, fomenta-se a pesquisa descentralizando a prática pela prática, pela
imitação de modelos, mas coloca-a em diálogo com a teoria, com os fundamentos
89
científicos. A educação passa a ser desenvolvida e considerada sob diferentes
pontos de vista. Sobre esse olhar Moraes
et al
afirmam que
As confrontações de diferentes pontos de vista que possibilitam as
reconstruções ocorrem mais facilmente quando os aprendizes são envolvidos
em processos produtivos conjuntos, atividades coletivas em que, trabalhando
em algo de interesse comum, se desafiam a falar, a ler, a escrever ou a atuar
sobre os temas escolhidos (apud ZANON & MALDANER 2007, p.193).
O diálogo entre diferentes interlocutores amplia o universo cultural dos
sujeitos envolvidos sejam eles, crianças, educadores e especialistas. Aquilo que se
faz na sala de aula passa a ser estudado, pesquisado e, a partir disso, o professor
produz novos saberes pedagógicos que podem ser legitimados com novas ações no
exercício da docência, ou seja, na prática, bem como através de produções,
publicações, pesquisas, artigos científicos.
O professor de Anos Iniciais de Ensino Fundamental, em especial o
educador de 1ª série que é um dos sujeitos desta pesquisa, tem um contexto
complexo e singular de desenvolvimento e aprendizagem. Os processos de
aprendizagem da escrita envolvem complexos processos mentais. Segundo Vigotski
(2001, p. 485),
Outra coisa são os processos de aprendizagem da escrita. Pesquisas
especiais [...] mostraram que esses processos suscitam para a vida novos
ciclos sumamente complexos de desenvolvimento de processos mentais, cujo
surgimento implica uma mudança tão fundamental no quadro espiritual geral
da criança quanto a aprendizagem da linguagem na passagem da fase
recém-nascido para a tenra infância.
Diante disso, em suas pesquisas, Vigotski explica que a criança ao se
apropriar de um novo significado não es encerrando um processo de
desenvolvimento. Ao contrário, inicia-se “uma série de processos internos complexos
no desenvolvimento do pensamento da criança” (2001, p.486).
Apropriar-se do complexo processo de desenvolvimento e aprendizagem da
criança requer estudo, inquietação, diálogo, reflexão e produção de novos saberes.
Essa é a posição do professor pesquisador-reflexivo. O educador que se inquieta
com o cotidiano das crianças em atividades pedagógicas, que se coloca como
alguém que também aprende, vai além do ato de ensinar, estará investigando como
a criança aprende e, em conseqüência, construindo novos conhecimentos
profissionais.
Nessa perspectiva de desenvolvimento do currículo a partir dos projetos, cabe
ao professor orientar e mediar os processos internos de desenvolvimento
90
possibilitando o desencadeamento da área
de
desenvolvimento proximal como
postula Vigotski.
4.3 PROJETO E MÚLTIPLAS LINGUAGENS
4.3.1 Proposição 1
As diferentes linguagens possibilitam à criança explorar seu ambiente,
desenvolver-se intelectualmente e ampliar suas possibilidades de
representação simbólica.
Nos projetos desenvolvidos na Escola W, as crianças são atores e autores da
ação educativa. Essa autoria é legitimada pela linguagem falada, pois a palavra é
dada para a criança para que ela manifeste verbalmente seus pensamentos, sua
forma de compreender e se relacionar com mundo. Essas interações sociais,
segundo Vigotski, dão-se através da linguagem que “se constitui na condição mais
importante do desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a
consciência) da criança” (
apud
JOBIN e SOUZA, 1994, p. 125).
Cada um registrou
47
a sua curiosidade construindo a escrita e
representando com desenho.
...o grupo verbalizou a necessidade de desenhar peixes...
...inicia-se a pesquisa através da leitura de alguns materiais coletados pelos
meninos meninas da turma... Observaram imagens nos livros...
As descobertas foram registradas em uma folha específica para o projeto,
sendo que, sempre que houvesse novas descobertas, se registraria no
mesmo tipo de folha, a qual se apresentava com um símbolo do projeto.
...realizou-se a observação e a representação (com desenho) dos peixes no
aquário da escola.
Os personagens existentes no aquário foram construídos com a mediação da
atelierista utilizando-se da modelagem com massa de biscuit e da pintura da
escultura formada.
...deveria desenhar seu peixinho, recortar com a tesoura, colar no local
desejado do aquário e, depois ir até o ateliê para colorir com a tinta.
Ao concluírem a modelagem foram encaminhando-se para o ateliê com o
objetivo de finalizar a construção através da pintura...
Dando continuidade aos estudos do projeto, a educadora através da música
provocou os meninos e meninas a cantar, a entoar a voz, a respeitar o ritmo e
a interpretar a escrita. Com a música “Peixe vivo”, conhecida por alguns, o
grupo foi dividido em dois coros: o coro dos meninos e o coro das meninas;
cada coro foi encarregado de alguns versos da canção (MENDONÇA,
Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 22, 24, 27, 29).
47
Grifo meu.
91
Os desenhos, as construções, a leitura, a escrita, a modelagem, enfim, todas
as linguagens usadas nos projetos têm significado se forem documentadas pelos
professores. É nessa documentação que está o que as crianças disseram, sobre o
que pensaram, observaram e viveram.
A escrita de um projeto legitima a ação docente ao mesmo tempo em que é
vista como uma hipótese e não como um dever, pois é feita ao longo do processo de
construção do trabalho. Por isso, um projeto desenvolvido num determinado lugar
nunca seigual a outro, mesmo se explorado o mesmo tópico de investigação. A
singularidade está nos contextos, nas situações concretas, nas interações, na
curiosidade, nas hipóteses dos sujeitos que são autores desse processo e nas
linguagens usadas para comunicar, registrar, socializar o que aprenderam.
Considerando que a aprendizagem é uma marca humana, cabe destacar que
o professor precisa lançar mão de dispositivos para acompanhar o processo de
construção do conhecimento da criança. Através da Documentação Pedagógica
48
, o
professor poderá registrar e comunicar o que foi descoberto expressando-se com
diferentes linguagens como visual, verbal, escrita, matemática, musical, corporal,
usar instrumentos e artefatos tecnológicos (lápis, mural, internet, gravador, vídeo,
biblioteca e documentação escrita, como portfólios e dossiês).
48
As imagens retiradas da Documentação Pedagógica em que aparecem as crianças, as mesmas
estarão com uma tarja preta evitando a identificação.
Ilustração 4: Desenho com
técnica de mosaico, p. 21
Ilustração
4
: Escrita elaborada a partir de pesquisa
documental, p. 40
Ilustração 6: Pesquisa documental, p.23
Ilustração
6
: Pesquisa documental;
observação de gravuras, p. 23
92
Recriar a escola das letras inserindo a cultura das múltiplas linguagens requer
uma organização diferenciada dos educadores e dos espaços e tempos. Quando a
Escola W reestruturou sua proposta pedagógica e os educadores ampliaram seus
estudos sobre os projetos, fez-se necessário incluir novos educadores para efetivar
o trabalho em pares. Para tanto, a atelierista vincula-se profissionalmente ao grupo e
constitui um espaço chamado ateliê, como espaço formal para o trabalho com as
múltiplas linguagens. Com isso, o tempo, enquanto elemento organizador das ações
pedagógicas, também foi redimensionado. O uso do ateliê e o que iria se fazer lá era
planejado e agendado com a educadora de referência e com as crianças. Por isso, o
ateliê e a atelierista são inseridos como co-parceiros nas narrativas das crianças
dentro dos projetos.
As múltiplas linguagens percorrem este projeto. Chegou o momento do
filme. A educadora trouxe dois filmes que falavam sobre peixes para que o
grupo optasse por um para assistir: o filme “Procurando Nemo 2” e o filme “O
mar não está pra peixe”. Primeiramente, grande parte escolheu a primeira
opção, posteriormente chegaram à conclusão de que valia mais a pena
assistir a um filme que ainda não conheciam. Então o filme eleito foi “O mar
não está pra peixe”. O filme capturou o olhar atento de cada uma das
crianças do início ao fim, vibravam com as cenas de perigo enfrentadas pelos
personagens principais, um peixinho chamado “Pê” e as armadilhas do
tubarão “Trói”, e também, com as conquistas, com as amizades e com
romance de “Pê” com a peixinha Cornélia” (MENDONÇA, Documentação
Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 52).
O processo de construção da linguagem escrita e da leitura é amplo e
complexo. Para que a criança se aproprie de ambos percorre “um longo processo de
desenvolvimento de funções comportamentais complexas” (VIGOTSKI, 2007). Ela
evolui do gesto como signo visual para o simbolismo no brinquedo. A representação
simbólica no brinquedo constitui importante evolução na criança, pois o fato de ela
conseguir atribuir significados diferentes a um mesmo objeto mostra uma forma
particular de linguagem o que leva, diretamente à linguagem escrita. Assim, também
o simbolismo no desenho ganha relevo no sentido de potencializar a criança para a
aquisição da escrita. Nesse processo, a “criança precisa fazer uma descoberta
básica a de que se pode desenhar, além de coisas, também a fala” (VIGOTSKI,
2007, p. 140).
Ao considerar essa evolução, o professor oferece múltiplas formas de
representar coisas. Na perspectiva teórica vigostkiana, compreende-se que a
relação da criança com o mundo é mediada pelos signos e artefatos culturais. Os
elementos mediadores estabelecem um elo a mais nas relações organismo/meio,
93
tornando-as mais complexas. A idéia de mediação
5
proposta por Vigotski inclui dois
tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. Segundo Oliveira
(2003, p.29),
O instrumento é entendido como o elemento interposto entre o
trabalhador e o objeto do seu trabalho. [...] Os signos como meios auxiliares
para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas,
relatar, escolher) [...]. São instrumentos psicológicos”, são orientados para
o próprio sujeito, para dentro do indivíduo.
Todo esse conjunto de elementos pedagógicos instrumentos, signos,
múltiplas linguagens, tempos e espaços fazem parte do currículo escolar. É nesse
sentido que podemos indexar a idéia de currículo e cultura como relações sociais.
Silva (2006, p.21) afirma que a cultura como prática de significação o pode deixar
de ser relação social.
Produzimos significados, procuramos obter efeitos de sentido, no interior
de grupos sociais, em relação com outros indivíduos e com outros grupos
sociais. Por meio do processo de significação, construímos nossa posição de
sujeito e nossa posição social, a identidade cultural e social de nosso grupo, e
procuramos constituir as posições e as identidades de outros indivíduos e de
outros grupos.
Na escola, parafraseando Tonucci (1998), o aluno poderá observar suas
próprias experiências, seu ambiente e legitimar sua história em contato com o
ambiente social e com diferentes sujeitos (crianças e adultos). Nesse processo,
inseri-lo nas diversas técnicas, permitirá que faça uso delas para comunicar-se no
ambiente em que vive ativamente. Além disso, o uso de múltiplas linguagens permite
à criança verificar, apropriar-se da realidade, mostrar aos outros o que fez, aprendeu
e, em conseqüência, ser reconhecida pelos outros.
Ao fazerem releituras, aprendem sobre uma área específica do conhecimento,
como podemos analisar no fragmento abaixo. Conhecem pintores consagrados, os
temas de suas obras, o estilo de cada um e, de acordo com as suas singularidades,
manifestam suas identificações e preferências.
Os alunos mediados pelas educadoras, planejam o trabalho: escolhem a
obra, selecionam o material necessário, movimentam os adultos que os ajudarão na
compra do material; elaboram e reelaboram a sua obra e, finalmente, a reproduzem
a partir da pintura em tela. A imitação não é uma ação da criança restrita à escola.
Para Vygotsky (
apud O
liveira, 1997, p.63) a imitação “não é mera cópia de um
modelo, mas uma reconstrução individual daquilo que é observado nos outros”.
5
Para Vygotsky, mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento
intermediário numa relação; a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento.
94
Através da imitação a criança recria algo novo, não é uma ação mecânica,
mas resultado de suas habilidades psicológicas. Oliveira (1997, p. 63-64) afirma que
“a criança pode imitar ações que estão dentro da Zona de Desenvolvimento
Proximal”. Para esta autora, as crianças constituem ações por imitação, agindo num
processo interpsíquico, em atividades coletivas; mais tarde essa função passa a ser
internalizada como atividade intrapsíquica.
O projeto Peixes prosseguiu com a apreciação de telas e quadros de
alguns autores que retrataram contextos referentes ao assunto de estudo.
Entre estes autores estão Alexandre Filiage, Vera Silva, Di Cavalcanti, Tarsila
do Amaral. A apreciação das obras deu-se na sala de audiovisual com o
recurso da projeção de imagens através dos meios tecnológicos
computador e data-show.
Na apreciação, observaram-se os tipos de cores utilizadas (tonalidades
fortes e fracas), o contexto apresentado, os tipos de linhas e os estilos de
cada autor. Em seguida, o grupo da série foi convidado a escolher a obra
que mais gostou, sendo que seria uma obra para cada dois alunos, e a
realizar o registro desta como forma de rascunho para uma produção mais
artística.
Em outro momento, com o material necessário, adquirido e
providenciado, pequenos grupos se direcionaram para o ateliê para
reproduzirem as telas e/ou quadros escolhidos, uma releitura de obras de
artes que produziriam, com efeito, novas obras de arte com olhares
diferentes.
As escolhas das obras ficaram assim definidas:
1. Obra: “Peixe” (Alexandre Filiage): W. e L..
2. Obra: “Peixe sol” (Janaína Coelho): L. e L.
3. Obra: “Peixe palhaço” (Vera Silva): M., J. e L.
4. Obra: “Peixes” (Vera Silva): G. R.
5. Obra: “Peixe azul” (Luciana Teruz): G. M. e L.V.
6. Obra: “Sol poente” (Tarsila do Amaral): A. C. e L. M.
7. Obra: “Os pescadores” (Di Cavalcanti): P. e N.
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 48-
49).
Nos espaços e tempos da escola, a escrita ainda é hegemônica como forma
de representação. No Projeto Peixes, as crianças circularam por diferentes formas
de registro, usando para tanto a linguagem poética, literária, musical, plástica, dentre
outras, articuladas às áreas do conhecimento. Por isso, as crianças falam,
escrevem, desenham, pintam, modelam, fazem colagem, releituras, construções,
instalações.
95
Através das ltiplas linguagens, as meninas e meninos no Projeto Peixes
desenvolvem competências de “expressão visual representativa, não-representativa,
realística e abstrata” (EDWARDS
et al,
1999, p. 45). Ainda sobre a capacidade de
representação, a mesma autora pontua que
As artes visuais são integradas no trabalho simplesmente como
“linguagens” adicionais disponíveis às crianças pequenas não ainda muito
competentes na escrita e na leitura convencionais; as artes não são
ensinadas como uma matéria, como uma disciplina, como um conjunto
distinto de habilidades ou como um foco de instrução por seus próprios
méritos.
Nesse processo de registro, a criança constrói e desenvolve sua competência
leitora e escritora. Porém, as representações através do desenho, da construção, da
instalação, do recorte, releitura, colagens, pinturas e nas diferentes técnicas da Arte,
são mantidas com o objetivo de continuar com a ampliação da estética, da
sensibilidade e criatividade. Entende-se que o competências a serem
desenvolvidas em todas as séries e/ ou áreas do conhecimento, não resumindo a
escola a uma única linguagem para intervir, comunicar, apreender o mundo em que
estão imersas.
Ilustração
8
: Registro escrito elaborado por P.
a partir de pesquisa. Arquivo fotográfico
(Mendonça, 2007).
Ilustração 8: C, G e L expondo suas
telas, p. 49.
96
4.3.2 Proposição 2
As linguagens gráficas são usadas para explorar os conhecimentos,
reconstruir algo que conheciam e construir conhecimentos referentes aos
tópicos investigados.
As diferentes linguagens usadas no Projeto Peixes não foram exploradas
apenas como forma de comunicação. Em várias situações os meninos e meninas da
série utilizaram-se delas como elaboração de um pensamento na exploração de
conhecimentos, pois este é produzido na interação e manifestado através da
linguagem.
Esta canção ficou presente no grupo durante todo o projeto, pois
realizando as tarefas de aula cantavam a canção, trocavam-se os papéis no
coro e criavam outras letras para música, porém dentro da mesma melodia.
Partindo da canção, realizaram a representação do “peixe vivo” através de
dobraduras (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes,
2007, p. 29).
O uso das dobraduras, na situação exposta acima, auxilia a criança na
compreensão do texto. Além de ilustrar um conteúdo da poesia, potencializa a
capacidade imagística da criança. o uso de desenho na resolução de problemas
auxilia-a a elaborar um pensamento quantitativo materializando os elementos os
quais precisa contar, somar e subtrair. Muitas crianças em processo de alfabetização
fazem a contagem a partir da correspondência biunívoca e, para isso, o desenho
dos peixes funciona como mediador para a competência matemática em exploração.
Ilustração 9: Registro dos
pontos de localização realizado
no ambiente do aquário (p. 35).
97
O desenho, a escrita, a leitura, os números, o diálogo são meios necessários
para as operações mentais superiores. Através dessas formas de linguagem, as
crianças constroem significados e estabelecem relações, além de estarem
vinculados ao seu desenvolvimento cultural.
Cole & Scribner na Introdução do livro
A formação Social da Mente
(VIGOTSKI, 2007
),
argumentam que
De maneira brilhante, Vigotski estendeu esse conceito de mediação na
interação homem-ambiente pelo uso de instrumentos ao uso de signos. Os
sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números), assim
como sistema de instrumentos, são criados pelas sociedades ao longo do
curso da história humana e mudam a forma social e o nível de seu
desenvolvimento cultural.
Gradativamente, o homem constitui essas capacidades pela significação dos
meios. Esse processo dá-se a partir da internalização do ambiente; por isso seu
comportamento torna-se social e cultural. “As funções psicológicas superiores de
comportamento humano são geneticamente socioculturais” afirma Pimentel no
capítulo 9 do livro
Pedagogias da Infância
(2007, p.223).
O mesmo autor argumenta
que as funções psicológicas superiores têm origem em situações coletivas,
Ilustração 10
: Situação de aprendizagem envolvendo a
área da Matemática: uso da linguagem escrita e do
desenho (p.31).
98
ancoradas nas interações com outras pessoas e mediadas pelos instrumentos
técnicos e sistemas semânticos.
Ao vivenciar formas de pensamento através de diferentes linguagens, a
criança atua sobre o seu desenvolvimento enquanto é ativa na ação com o outro.
Pimentel (
apud
OLIVEIRA-FORMOSINHO
et al
, 2007, p.223) afirma que “A
internalização não é cópia do plano intersubjetivo no indivíduo; é fruto de
negociações, discordâncias, ação partilhada, etc., ao serem formuladas hipóteses
para resolver situações concretas que o sujeito experiencia“.
A capacidade de simbolizar entra em operação a partir do desenvolvimento
cultural, determinado historicamente pelas condições materiais de produção do
trabalho coletivo nas sociedades humanas. Essas idéias são defendidas por
Pimentel (2007). É importante que o professor conheça os processos de simbolismo
no desenho e na escrita para dar significado e espaço para a manifestação dessas
linguagens.
À medida que desenham, lêem, escrevem, constroem, ampliam seus
processos de simbolização e adquirem maiores níveis de generalização. Para
aqueles que se apropriaram da leitura e escrita, a operação simbólica com os
signos escritos passa a se dar com maior envolvimento. Porém, as outras
linguagens servem como instrumentos de inclusão no processo ensino
aprendizagem para aqueles que ainda não dominam o código escrito.
A forma de a Escola W compreender e operar com as múltiplas linguagens
está relacionada ao conceito de cultura proposto por Vigotski, em que ele afirma que
“Cultura é o produto, ao mesmo tempo, da vida social e da atividade social do
Ilustração 12: apresentação de
produções escritas (p. 38).
Ilustração 12
: pesquisa no dicionário
e registro escrito (p. 38).
99
homem” (
apud
PINO, 2005, p. 88). Ainda sobre o conceito de cultura, Vigotski
compreende que é preciso olhá-la sob dois subconjuntos: o primeiro é formado pelos
produtos resultantes da ação física do homem; o segundo
É formado pelas produções resultantes da atividade mental do homem
sobre os objetos simbólicos
49
(idéias), com o uso de meios simbólicos
(diferentes tipos de linguagem), cuja exteriorização (comunicação aos outros)
se faz por intermédio de formas materiais de expressão (fala, escrita, formas
sonoras, formas gráficas, formas estéticas, etc) (PINO, 2005, p. 92).
À medida que agem como sujeitos de cultura manifestam suas formas de
representação, produzem novos discursos e marcas de identidade agregadas a um
grupo ao qual pertencem. Isso está relacionado às funções que exercem nos
grupos, à atividade, aos meios usados para a realização das atividades, aos
discursos produzidos, ao sistema simbólico que lhe é colocado à disposição. Por
isso, a escola W refuta a cultura dominante de reprodução e oferece condições para
que a criança seja co-construtora de conhecimento, identidade e cultura.
4.4 PROJETO E CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS
4.4.1 Proposição 1
A construção de conceitos dá-se na relação com o outro e é mediada pela
linguagem.
Tendo como campo empírico de análise as Aprendizagens por Projetos
desenvolvidos numa turma de 1ª série e da série,
a intenção é investigar os dois
esquemas conceituais da criança: os
conceitos espontâneos
(sistema de
aprendizagem da criança em outros espaços) e os
conceitos científicos
, sendo
aqueles com os quais interage, enriquece-os e modifica-os como resultado de
aprendizagem. Nessa relação, buscar-se-á entender como as crianças apropriam-se
e evoluem nesse processo de formação de conceitos ampliando a consciência e os
graus de generalidade. A intenção é analisar como os projetos fornecem uma
estrutura para o desenvolvimento do pensamento conceitual.
Nesse mesmo campo conceitual, explorar-se-á o conceito de ZDP, como
forma de explicar a aprendizagem social e participativa. Outro aspecto relacionado à
49
Grifos do autor.
100
ZDP é a interação social como forma de desenvolvimento das funções mentais
superiores. Os percursos a serem seguidos pelas crianças nos projetos estão
vinculados às possibilidades e potencialidades delas e a intervenção poderá ser um
aspecto pedagógico privilegiado, tendo o professor papel explícito de interferir na
zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços nos processos
de desenvolvimento e aprendizagem. O conceito de mediação permeará a
investigação.
A escola é o lugar legítimo para a construção de conhecimentos. Além dessa
importante referência é nela, também, que a criança amplia seu universo de
relações sociais indo além das experiências em grupos primários formados por
vínculos de afeto, amizade e, por isso, constituem-se espontaneamente sem
intervenção docente. Para além dessa organização, quando se projetam as relações
para a ampliação, produção de novos conhecimentos é preciso que o educador,
tomado por um campo teórico, organize os grupos em espaços e tempos
intencionais para que a construção de novos conceitos se na relação com o outro
através dos instrumentos e signos.
Essa organização da sala de aula é chamada de grupos áulicos
50
e colocada
em prática pela educadora Lisiane no Projeto Peixes. É através dessa organização
que as crianças exploram atividades do currículo emergente e institucional no
projeto em estudo. Assim, o conhecimento é descentralizado da figura do professor
sendo apresentado à criança em diferentes espaços e através de múltiplos
instrumentos. A cultura oferece os meios através dos quais os conceitos aparecem
como práticas sociais.
Como a educadora não tinha conhecimento de quem estava responsável
pela limpeza do aquário e a alimentação do peixe combinou com os alunos
que iria se informar sobre o assunto e depois comunicaria a eles. Esta
movimentação levou o grupo, mediado pela educadora, a formar pequenos
grupos de limpeza, ou seja, cada grupo áulico da sala seria encarregado por
limpar o aquário na terça-feira com o acompanhamento da professora
Mônica, assim, cada semana um grupo ficaria encarregado desta função.
A presença de outros adultos na relação pedagógica também vem
descentralizar a figura do professor. Diante de situações reais, pode ser necessário
um outro adulto, que o a professora do grupo para resolver problemas ou
inquietações emergentes das crianças. No Projeto Peixes, aprender com outros
50
Proposta do grupo de estudos do GEMPPA, fundado na década de 70, com mais de 30 anos, que
tem Esther Grossi como organizadora dos grupos de pesquisa e produção científica.
101
adultos foi vivenciado na prática com o grupo, entre eles: a professora Mônica, a
Nutricionista Márcia, a secretária da escola, o dono da loja de aquários, os pais, a
atelierista, a educadora da cozinha pedagógica.
Nesse sentido Fontana (2005, p. 120) afirma que
[...] a elaboração conceitual é considerada como um modo culturalmente
desenvolvido de os indivíduos refletirem cognitivamente suas experiências,
resultante de um processo de análise (abstração) e de síntese
(generalização) dos dados sensoriais, que é mediado pela palavra e nela
materializado (apud SMOLKA & GÓES (Orgs).
Definido pela autora como um processo psicológico historicamente
determinado e organizado pela cultura, não se desenvolve naturalmente. “Ela é
apreendida e objetivada nas condições reais de interação nas diferentes instituições
humanas” (p. 120).
Cabe aos adultos inserir a criança no sistema de significações sociais
construídos historicamente. Através da mediação do outro, a criança constrói
processos de simbolização pelo gesto, pelo brinquedo, pelo desenho e depois pela
escrita. É um amplo e complexo processo de aprendizagem e desenvolvimento em
que “a criança vai se apropriando (das) e elaborando as formas de atividade prática
e mental consolidadas [...] de sua cultura, num processo em que o pensamento e a
linguagem articulam-se dinamicamente” (SMOLKA & GOÉS, 2005, p. 120).
Quanto à palavra, as mesmas autoras ainda pontuam que esta “com suas
funções [...] mediatiza todo o processo de elaboração da criança, objetivando-o,
integrando e direcionando as operações mentais envolvidas” (p.120). Assim, a
criança constrói diferentes significados, pois a estrutura de generalização da palavra
se modifica ao longo do desenvolvimento da criança. Vigotski (2000) organizou esse
processo em diferentes fases e estágios que as crianças utilizam em diferentes
idades. São elas:
O sincretismo: caracteriza-se esta fase pela ação da criança em não
seguir princípios gicos para agrupar os objetos. Estes são vistos
isoladamente, ou seja, não faz uso da palavra como fator de organização
e classificação de sua experiência.
O Pensamento por complexos: a criança forma cadeia de objetos baseada
nas relações factuais que existem entre eles.
Os conceitos potenciais: a criança forma grupo de objetos com base em
atributos comuns em situações reais de exploração.
102
O Pensamento conceitual: o sujeito classifica isolando diferentes atributos
dos objetos estabelecidos numa relação com um conceito abstrato tendo a
palavra como código. A análise e síntese consolidam-se e articulam-se.
Segundo Fontana (2005, p.121),
Essas diferentes formas de pensamento desenvolvem-se na Criança, no
curso de suas interações verbais com o adulto, Mediadas por um mesmo
sistema lingüístico, que é utilizado de forma diferenciada por ambos quanto à
função desempenhada pela palavra na atividade mental.
É através dessas experiências de interação que o adulto apresenta à criança
significados e sentidos elaborados por ela, mediados pelo adulto. Assim, “No curso
da utilização e internalização dessas palavras e das funções a elas ligadas, a
criança aprende a aplicá-las consciente e deliberadamente, direcionando o próprio
pensamento” (2005, p. 121).
Vigotski, citado por Fontana, explica que em termos práticos, o significado de
muitas palavras para o adulto e para a criança coincide pois a criança aprende
desde muito cedo um universo amplo de palavras e é isso que lhes possibilita a
comunicação. Também é isso que permite à criança operar com conceitos e praticar
um pensamento conceitual antes de ter uma consciência clara da natureza dessas
operações.
E nesse contexto complexo que a criança é colocada em contato com as
formas sistematizadas do conhecimento. A mediação deliberada do adulto,
induzindo a criança a utilizar-se de (e nesse processo a também elaborar)
operações intelectuais, habilidades, estratégias e possibilidades sígnicas que
são novas para ela, desencadeia processos de desenvolvimento cognitivo
(FONTANA, 1993, p.126)
O processo pedagógico, marcado por relações de ensino e de aprendizagem
indícios de como as crianças internalizam os conhecimentos sistematizados e de
como as configurações da ação pedagógica mediadora marcam esse processo
(FONTANA, 1993).
Os colegas então indagam:
- O que é jangada?
E A. C. diz não saber. Então E. direciona o grupo a buscar no dicionário e o
significado se forma:
- Como que ele vai sair para pescar? Claro, né, jangada é o barco dele. – L.
- Pode ser também um barco maior e eu acho que ele não foi sozinho,
porque na poesia diz dos companheiros dele. – A .C.
Após a apresentação da poesia pela aluna A. C. o grupo se organizou para
fazer o registro escrito, também em uma folha do projeto, e posteriormente
representar com desenho o entendimento sobre o que foi relatado e
discutido. (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes,
2007, p. 37).
103
No fragmento da documentação referenciada a busca pelo significado da
palavra emerge da vivência experimental
51
na dinâmica da sala de aula. É na
relação dialógica que inúmeras formas de mediação se estabelecem entre as
crianças e o conhecimento. A educadora é o Outro que ensina, faz junto, e desafia a
criança junto a seus pares permitindo a ação partilhada.
É com esse pensamento teórico que Nogueira (
apud
GÓES
et
al 1993, p. 14)
afirma que
O processo de desenvolvimento de funções psicológicas superiores e de
novas formas de atividade mental não ocorre como um processo passivo e
individual, e sim como um processo ativo/interativo – apropriação no interior
das relações sociais.
O desenvolvimento das funções superiores segue a aprendizagem e cria
novas áreas de desenvolvimento potencial. Esta forma de compreender o processo
de desenvolvimento da criança Vigotski chamou de Z
ona de Desenvolvimento
Imediato
52
que no Brasil chegou como Zona de Desenvolvimento Proximal. No
prólogo do tradutor da obra de Vigotski esse fenômeno caracteriza-se como um
“estágio do processo de aprendizagem em que o aluno consegue fazer sozinho ou
com a colaboração de colegas mais adiantados o que antes fazia com o auxílio do
professor dispensando a mediação deste” (BEZERRA, 2000).
As interações verbais que acontecem no cotidiano da escola favorecem o
desenvolvimento conceitual. A palavra do adulto carrega um universo de significados
que são apreendidos pela criança. Nesse sentido, o sistema lingüístico funciona
como mediador desse processo. Embora estes significados sejam construídos pela
cultura o que favorece a comunicação entre os sujeitos, estes apresentam distintos
níveis de generalidade entre os adultos e crianças. Fontana (2005, p. 19) afirma que
Ao utilizar a palavra nas suas interações com a criança, o adulto
apresenta graus de generalidade e operações intelectuais ligadas à palavra,
que são novos para ela. [...] A mediação do outro desperta na mente da
criança um sistema de complexos de compreensão ativa e responsiva,
sujeitos às experiências e habilidades que ela já domina.
A linguagem constitui-se em elemento mediador do processo de elaboração
conceitual. Para tanto, o diálogo é possível numa relação com o outro e é nesse
contexto que a palavra falada tem sentido embora esses sentidos não sejam
estáveis. Jobim e Souza (1994, p.112) afirma que “Quanto mais falo e expresso
51
Segundo Fontana (1993, p. 126), é entendida como uma atuação sobre a realidade para conhecê-
la, transformando-a em suas condições de produção.
52
Na tradução de Bezerra (2001)
104
minhas idéias, tanto melhor as formulo no interior de meu pensamento” .
Por isso, o sistema de signos (linguagem, escrita, sistema numérico, etc.) e os
instrumentos são meios de intervenção na realidade. Em Vigotski citado por Jobim e
Souza (1994, p. 125) “o uso da linguagem constitui a condição mais importante do
desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores da criança”.
A mesma autora refere-se à linguagem afirmando que
A interiorização dos conteúdos historicamente determinados e
culturalmente organizados se dá, portanto, principalmente por meio da
linguagem, possibilitando, assim, que a natureza social das pessoas torne-se
igualmente sua natureza psicológica (JOBIM E SOUZA, 1994, p. 125).
Os espaços de manifestação da linguagem apresentados no Projeto Peixes
fazem parte do processo de generalização e construção de conceitos das crianças.
Através da fala, da escrita e de outras formas de linguagem sistematizam idéias
construídas ao longo das atividades propostas em que fazem uso de instrumentos
culturais construídos pela humanidade e se apropriam de conteúdos organizados
pela cultura. Assim, mediados pelo outro e pela linguagem as crianças aprendem.
4.4.2 Proposição 2
Os conceitos espontâneos (de domínio da criança) e os conceitos
sistematizados (propostos pela escola) no processo de elaboração pela
criança articulam-se.
No contexto escolar, uma intencionalidade explícita quanto à aquisição de
conhecimentos sistematizados pela criança. Sabe-se que a criança traz consigo um
conjunto de saberes adquiridos nas interações sociais com os outros e com a
cultura, os chamados conhecimentos espontâneos. À escola cabe apresentar-lhes o
complexo sistema de elaborações científicas construídas historicamente pela
humanidade.
Os conceitos sistematizados (científicos na expressão de Vygotsky) são
parte de sistemas explicativos globais, organizados dentro de uma lógica
socialmente construída e reconhecida como legítima que procura garantir-
lhes coerência interna. entre eles relações de generalidade e de
equivalência complexas, e sua elaboração implica a utilização de operações
lógicas comparação, classificação, dedução, etc. de transição de uma
generalização para outras generalizações, que são novas para a criança
(SMOLKA & GOES (Orgs) 1993, p. 122).
105
O conjunto de informações que a criança tem em seu poder é o chamado
“nível de desenvolvimento real” ou “efetivo”; é o que compreende as funções
mentais da criança que se estabeleceram como resultado de determinados ciclos de
desenvolvimento já completados.
Por isso, é importante destacar que a criança insere-se nos contextos
escolares portadora de um conjunto de conhecimentos. Na escola, os conceitos
sistematizados são apresentados a partir de atividades planejadas e organizadas e a
“relação da criança com o conceito é sempre mediada por algum outro conceito”
(SMOLKA & GÓES (orgs), 1993, p. 122).
Na interação com o adulto, a criança sabe da posição do professor, ou seja,
sabe que o professor ocupa um lugar de saber. A criança, por sua vez, também tem
um saber e é nessa relação de trocas que toma consciência de seus processos
mentais, uma vez que a inicia nos rudimentos da sistematização (VIGOTSKI,
apud
SMOLKA & GOES (ORGS) 1993, p. 122).
Entre os conceitos espontâneos e os conceitos sistematizados não uma
relação antagônica. O que acontece é uma relação dialética entre ambos. Quando a
criança se depara com um conhecimento científico que não conhece ela procura
aproximá-lo a outros existentes, internalizados, relacionando-o a experiências
concretas. As autoras referenciadas pontuam ainda que
Os conceitos sistematizados [...] criam estruturas para o desenvolvimento
dos conceitos espontâneos em relação à sistematização, à consciência e ao
uso deliberado, que o características de um tipo de percepção da própria
atividade intelectual que é novo para a criança em idade escolar.
A transição de uma generalização para outra, na dinâmica da elaboração
conceitual, é mediada pela palavra. Palavra do Outro: outro-criança, outro-adultos,
outro-cultura. Segundo Vygotsky (1994, p. 10), “um aspecto essencial do
aprendizado é o fato de ele criar zonas de desenvolvimento proximal”. Esses
processos são possíveis graças à interação entre pessoas em seu ambiente e em
cooperação com o outro.
Outro conceito a ser trabalho pela turma seria a respeito dos três estado
da matéria, conteúdo apresentado no currículo institucional. Estes conceitos
também se relacionaram com o projeto, uma vez que na observação do
aquário discriminaram-se características de objetos existentes (o que tem em
um aquário). Realizou-se uma experiência para a constatação e diferenciação
dos três estados físicos da matéria (sólido, líquido e gasoso) com o gelo, a
água e o vapor. A posteriori formou-se o conceito de cada um, através das
constatações feitas e do uso do dicionário:
1. Sólido: Que tem consistência, duro firme. Exemplo: gelo, geleiras.
2. Líquido: Que corre, flui, não é consistente. Exemplo: água, leite, suco.
106
3. Gasoso: Da natureza do gás, vapor. Exemplo: vapor da chaleira, fumaça
de carro.
Formado os conceitos, direcionou-se para o aquário da escola e buscaram-se
nele elementos que pudessem se enquadrar nos estados físicos da matéria.
- O aquário é sólido, para pegar! É igual às formas geométricas que nós
estudamos, sólidas da para pegar. – L. G..
- As bolhas de ar da respiração do peixe é gasoso! – L.
- Igual à fumacinha que sai da nossa boca por causa do frio, né profe?! É
também gasoso. – N.
- As pedrinhas, as algas e o peixe são sólidos, a gente pega. – L.
- E a água, o que é? – educadora.
- É molhada, escorre, não dá para pegar. – L. V.
- A água é líquida! – L..
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 50).
Os conhecimentos científicos são apresentados através do planejamento e
provocação da educadora. Porém, estão vinculados ao currículo emergente através
do assunto do Projeto. Através da experiência, a educadora problematiza junto às
crianças os estados da matéria, levando-as a ampliar a rede conceitual existente.
É nesse processo que os conhecimentos espontâneos articulam-se com os
científicos e são modificados. Esse processo é mediado pelo outro, pela linguagem e
pelos instrumentos através das quais a criança tem acesso a novos saberes.
Vygotsky, citado por Jobin e Souza (1994)
[...] entendeu esse conceito de mediação na interação homem-ambiente pelo
uso de instrumentos ao uso de signos. Os sistemas de signos (linguagem,
escrita, sistema numérico) [...] assim como o sistema de instrumentos são
criados pela sociedade ao longo do curso da história humana e mudam a
forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural.
Os conceitos espontâneos são considerados “fracos” na compreensão de
Vigostki, pois são incapazes de levar à abstração. Segundo o mesmo autor,
[...] um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos
formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato
real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de
simples memorização, podendo ser realizado quando o próprio
desenvolvimento, o conceito é, em termos psicológicos, um ato de
generalização (p. 246).
Cabe destacar que os conceitos científicos não se desenvolvem como os
espontâneos, ou seja, o desenvolvimento dá-se por vias diferentes, num movimento
ascendente e descendente respectivamente, porém, são processos intimamente
interligados, que exercem influências um sobre o outro.
Para Vigotski (2000, p. 263),
A relação dos conceitos científicos com a experiência pessoal da criança
é diferente da relação dos conceitos espontâneos. Eles surgem e se
constituem no processo de aprendizagem escolar por via inteiramente
diferente que no processo de experiência pessoal da criança. As motivações
internas, que levam a criança a formar conceitos científicos, também são
107
inteiramente distintas daquelas que levam o pensamento infantil à formação
de conceitos espontâneos.
Os conceitos espontâneos não são tão espontâneos quanto o nome
pressupõe. Eles estão inseridos numa rede de relações em que a criança atribui
significados e sentidos ao que a rodeia e depende da relação entre desenvolvimento
e aprendizagem.
os conceitos científicos apresentados pela escola pressupõem novos
níveis de generalização. No projeto em estudo, observa-se que a educadora, em sua
documentação, não explicita como foi introduzido o estudo sobre os estados físicos
da matéria, nem explicita como apresenta os temos “sólido, líquido e gasoso”.
Depois da experiência, parte para o significado da palavra através do dicionário, mas
não esclarece se as crianças tinham hipóteses sobre assunto em questão. De posse
dos conceitos apresentados pelo dicionário, as crianças apropriam-se destes,
registrando através da escrita. A forma de se relacionarem com esses novos
significados está presente no diálogo entre elas quando passam a observar o
aquário à luz dos novos conceitos “O aquário é sólido!”; “As bolhas de ar da
respiração do peixe é gasoso”; “A água é líquida”.
As experiências nos projetos com novos conceitos inserem a criança num
universo vocabular amplo e dentro de um contexto significativo para ela. Por isso, os
conhecimentos científicos ganham maiores níveis de generalização e aproximam a
criança à linguagem científica.
A peitoral fica no peito. – Gabriel R.
- A frontal então fica na frente, mas na frente é a boca do peixe. Mas se nós
colocar o peixe de pé daí fica bem na frente, embaixo da boca. – Eduardo.
- A dorsal é nas costas. Ana Carolina (após ouvir a leitura do significado de
dorsal buscado no dicionário Aurélio).
- Tem duas nadadeiras que é dorsal, porque têm duas nadadeiras nas costas
do peixe. – Natália.
- A anal fica perto do ânus do peixe - Pâmella.
- O ânus é onde sai o cocô e perto da onde sai o xixi. – Larissa.
- Isso. O ânus é a parte do nosso corpo por onde saem as impurezas através
das fezes. Educadora (MENDONÇA, Documentação Pedagógica do
Projeto Peixes, 2007, p. 23-24).
Transformar a linguagem cotidiana dos alunos em linguagem científica requer
a atenção do professor para que eles não sejam inibidos em suas tentativas e
possam cada vez mais exercer a capacidade de argumentação como ferramenta
científica. Nesta sala de aula, esse espaço foi se constituindo ao longo das
experiências das crianças com os projetos e que muitas dessas crianças
vivenciaram desde a pré-escola.
108
Carvalho (2007, p. 31), em seu artigo Habilidades de Professores Para
Promover a Enculturação Científica, afirma que “é na interação entre professor e
alunos que estes tomam consciência de suas próprias idéias e têm também
oportunidade de ensaiar o uso de uma linguagem adequada ao tratamento científico
da natureza”.
Antes de continuar com a leitura dos materiais coletados sobre o projeto,
a educadora questionou o grupo a respeito do que era um peixe, uma vez
que este era o tema do projeto, tinha se descoberto algumas questões de
acordo com as curiosidades levantadas, mas ainda não se tinha conceituado
o que era um peixe. Alguns começaram a decifrar:
- É um animal que vive na água. –M.
- Que tem nadadeiras. – W.
- Que solta bolhas de ar pelas brânquias. – P.
Partindo dessa descrição, a educadora convidou o grupo a buscar no
dicionário, para conferir se estava de acordo com as falas e se havia algo a
ser acrescentado. Assim, o conceito se formou:
PEIXE: É um animal vertebrado, que tem ossos. Ele vive na água doce (do
rio) ou salgada (do mar). Tem o corpo coberto por escamas, tem nadadeiras
e respira pelas brânquias ou guelras (MENDONÇA, Documentação
Pedagógica do Projeto Peixes, 2007, p. 38-39).
A partir da pesquisa, as crianças ampliam seus conceitos de peixe e
apropriam-se da linguagem científica quando usam a linguagem escrita para
registrar suas descobertas. Na fala das crianças, a presença de palavras complexas
como “nadadeiras”, “animal”, “brânquias” introduzem os alunos à Linguagem das
Ciências Naturais. Porém, não é somente o vocabulário que faz isso, as
experiências, pesquisas, observações, escritas, desenhos, construções, enfim, um
conjunto de procedimentos didáticos, de diferentes linguagens, de fundamentos
teóricos científicos está à disposição da escola para que a criança possa construir
conceitos científicos.
4.4.3 Proposição 3
A apropriação dos conceitos científicos, no contexto dos projetos, possibilita
formas de pensamento complexas e estão numa relação de ensino. Na
formação dos conceitos, os sujeitos da pesquisa operam com um pensamento
por complexos.
A construção de conhecimentos científicos ocorre em contexto formal, ou
seja, na escola. A apropriação desses conceitos possibilita formas de pensamento
complexas e estão numa relação de ensino, por isso, o ensino é ato pedagógico
109
específico da escola. Os sujeitos da pesquisa operam com um pensamento por
complexos. Essas formas de pensamento representam complexos de objetos
particulares concretos, através de nculos objetivos que efetivamente existem entre
tais objetos tornando-se assim um novo estágio do desenvolvimento no pensamento
da criança. Vigotski (2000, p.178) afirma que “Não poderíamos melhor designar a
originalidade desse modo de pensamento a não ser denominando-o
pensamento por
complexos”
. Ele ainda pontua que o pensamento por complexos constitui um
pensamento coerente e objetivo.
Nesse estágio, o significado das palavras pode ser definido como nomes de
família unificados em complexos ou grupos de objetos. Esses significados são
construídos por “um vínculo concreto e fatual entre elementos particulares que
integram a sua composição” (Idem, p. 180).
Vigotski (2000, p. 169) afirma que as funções psicológicas elementares,
que costumam ser apontadas, participam do processo de formação de
conceitos, mas participam de modo inteiramente diverso como processos que
não se desenvolvem de maneira autônoma, segundo a lógica das suas
próprias leis, mas são mediados pelo signo ou pela palavra e orientados para
a solução de um determinado problema. [...] O conceito é impossível sem
palavras, o pensamento em conceitos é impossível fora do pensamento
verbal [...].
Uma vez definido o tema ou problema para o projeto, a partir do interesse das
crianças, estas se vinculam ao que está sendo proposto e vão-se construindo redes
de relações que se ampliam à medida que as crianças criam novas zonas de
desenvolvimento proximal. A primeira fase do pensamento por complexos envolve o
princípio da generalização por associação.
Considerado o segundo grande estágio no desenvolvimento dos conceitos o
pensamento por complexos
, segundo Vigotski (2000, p. 178-179),
[...] conduz a formação de vínculos, ao estabelecimento de relações entre
diferentes impressões concretas, à unificação e à generalização de objetos
particulares, ao ordenamento e à sistematização de toda a experiência da
criança. [...] é um progresso indiscutível e muito significativo na vida da
criança.
Situadas num tempo e espaço de construção da leitura e escrita, as meninas
e meninos da série, autoras do Projeto Peixes, não constituem um grupo
homogêneo em seus processos de aprendizagem do código escrito. Alguns deles
lêem e compreendem o que em; outras lêem decodificando, compreendendo o
conteúdo da leitura com a mediação da educadora e alguns que ainda estão
construindo essa leitura. Por isso, o projeto favorece essas diferenças, no sentido de
110
oferecer-lhes diferentes possibilidades de apropriação da leitura e escrita e de
diferentes linguagens para comunicar suas aprendizagens. Assim, não ficam
excluídos do processo uma vez que podem expressar-se de diferentes formas.
É nessas interações sociais, mediadas pelo outro que, segundo Fontana
(2005, p. 15),
[...] revestida de gestos, atos e palavra a criança vai integrando-se,
ativamente, às formas de atividade consolidadas (e emergentes) de sua
cultura, num processo em que pensamento e linguagem articulam-se
dinamicamente. [...] o sentido e o conjunto de operações intelectuais
possíveis com a palavra modificam no processo de desenvolvimento da
criança.
Nas experiências dentro do Projeto Peixes, operando com pensamento por
complexos “a criança começa unificar objetos homogêneos em um grupo comum, a
complexificá-los segundo as leis dos vínculos objetivos que ela descobre em tais
objetivos que ela descobre em tais objetos” (VIGOTSKI, 2000, p. 179). O Projeto
serve como um campo global de conhecimentos; esses conhecimentos são
apresentados através de um sistema de signos; esse sistema de signos está
contextualizado através das informações, diferentes linguagens, conhecimentos
científicos e espontâneos, linguagem científica.
Inicialmente, as crianças apropriam-se da escrita e leitura de um conjunto de
palavras relacionadas ao assunto peixes, apresentadas através do glossário
alfabetizador. Com o apoio do desenho e escrita da palavra, vão construindo
significados para um conjunto homogêneo de objetos. Essas palavras estarão em
outras situações de aprendizagem como nas pesquisas documentais, nas
experiências realizadas, nas pesquisas de campo, na literatura, na poesia. Assim,
vão ganhando significados complexos à medida que interagem com o código escrito,
seja através da leitura autônoma ou realizada pela educadora e vão dando mais
objetividade aos conhecimentos inferindo novos significados. Isso é possível
observar no Projeto Peixes em que as crianças partem da leitura e escrita para
conhecimentos como: o que é um peixe, a que classe ele pertence, como é sua
anatomia, sua alimentação, seu habitat e tipos de peixes, o que é uma jangada, o
que é uma sereia.
Numa relação dialética entre os conceitos espontâneos e científicos, a criança
amplia os graus de generalização. Nos complexos “... as ligações podem ser tão
diversas quanto os contatos e as relações que de fato existem entre os elementos”
(VYGOTSKY,
apud
FONTANA, 2005, p. 17
).
Outro aspecto importante, dentro dessa
111
estrutura de pensamento, é que “[...] a criança os primeiros passos na análise,
operação intelectual que supõe abstrair, isolar elementos e examiná-los
separadamente da totalidade da experiência concreta de que fazem parte”
(FONTANA, 2005, p. 17).
O processo de conceitualização não é exclusivo da escola, ele também se
nas interações ocorridas na vida cotidiana. Porém, a construção de conceitos numa
perspectiva escolarizada dá-se em condições diferenciadas. Na escola, o processo
de construção de conceitos ocorre numa relação de ensino porque é nesse contexto
formal que a criança terá que “entender as bases dos sistemas de concepções
científicas, que se diferenciam das elaborações conceituais espontâneas”
(FONTANA, 2005, p. 21).
Segundo Fontana, para que a criança elabore os conceitos científicos, ela
precisa operar com “operações lógicas complexas comparação, classificação,
dedução, etc” (2005, p.21) transitando de uma generalização para outra. Outra
questão posta pela autora é que “as atividades são organizadas de maneira
discursiva e gico-verbal, [...] sempre mediada por um outro conceito”. Nessa
relação entre o adulto e a criança, existe uma intencionalidade que é ensinar e
aprender, definida social e culturalmente, por um adulto que é o professor e por uma
criança que é o aluno. Assim, diante de um conceito desconhecido, “a criança busca
significá-lo através de sua aproximação com outros signos conhecidos,
elaborados e internalizados” (FONTANA, 2005, p. 22).
Na perspectiva vigotskiana, o ensino precede o desenvolvimento. “As funções
psicológicas para o aprendizado se desenvolvem numa interação contínua com as
contribuições e solicitações do aprendizado” (VYGOTSKY,
apud
FONTANA, 2005,
p. 20).
Considerando os processos mentais da criança, a escola tem importante
papel nas aprendizagens ao levar em conta o desenvolvimento da elaboração
conceitual. A prática social escolarizada constitui-se como elemento importante na
construção do conhecimento pela criança e o currículo por projetos pode ser uma
possibilidade importante para a transformação da atividade cognitiva da criança.
112
4.5 PROJETO E OS ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM
4.5.1 Proposição 1
Nos projetos o espaço é mediador da ação educativa. Ao desenvolver um
projeto, as crianças devem habitar os espaços no sentido de se apropriar,
interrogar e serem interrogadas por ele.
Histórica e culturalmente na cidade em que a Escola W está inserida não há
um estudo intencional sobre os espaços. O que se privilegia em muitas escolas
voltadas para a infância ainda é o parquinho, a sala de aula, a biblioteca, o
laboratório de informática. A comunidade local busca nas escolas um espaço que
remeta à ascensão social. Constata-se que as áreas cobertas ainda são espaços
destinados à organização das filas para a entrada.
A partir dos estudos sobre os projetos na Escola W, sentiu-se a necessidade
de reorganizar os espaços. Assim, além da sala do aquário, numa das áreas
cobertas, com a intenção de ampliar as possibilidades de relações e de
aprendizagem, foram criados três ambientes: o da casinha, do piso emborrachado,
da areia azul e do palco com grama sintética. Acrescentou-se a esses ambientes
plantas, pedras dolomitas, pequenos animais para decoração de jardins e troncos de
árvores que serviam de banquetas.
Esse espaço reestruturado permitiu que as crianças exercessem o conceito
de cooperação e de lei simbólica, pois as leis organizadoras do ambiente estavam
simbolizadas uma vez que o espaço é aberto com acesso de alunos de outras séries
e cursos. O que estava colocado ali era de uso de um grupo de crianças e, caso
outros grupos fossem usar, deveriam cuidar e deixá-los organizados conforme
encontraram. Nem sempre o professor está junto com as crianças neste espaço,
mas todos sabem como usá-lo. Esta foi uma cultura instituída pela Escola W que
teve uma série de enfrentamentos para ser significada.
Horn (2004, p. 115) explicita que
“o entendimento de que a construção do espaço é eminentemente social e
entrelaça-se com o tempo de forma indissolúvel, congregando, de modo
simultâneo, diferentes influências mediatas e imediatas, advindas da cultura
e do meio nos quais estão inseridos seus atores.
113
Quando se institucionaliza o espaço e sua função, é importante que a escola
mantenha e legitime a finalidade para a qual ele foi construído. A cooperação em
mantê-lo esteticamente organizado e preservado passa pelo contrato pedagógico
expresso entre educadores e crianças. Instituir uma cultura cuja lei está no espaço e
não no professor é um longo percurso a curto e a longo prazo, uma vez que se
trabalha com crianças.
A forma como a escola organiza seus espaços
53
está vinculada à idéia de
cultura escolar que está instituída e refletida em seus valores, teorias, ações,
manutenção e conservação do seu patrimônio cultural. O conhecimento de mundo
experienciado pela criança acontece a partir da qualidade de suas interações com
esse mundo físico e social. Sobre a forma de compreender a importância do espaço,
Malaguzzi (
apud
FORMOSINHO (org)
et al, 1998, p.107)
afirma qu
e
“[...] a educação
deve ser reconhecida como um produto complexo de interações, muitas das quais
só podem ocorrer quando o ambiente é um elemento participante”.
As aprendizagens nos projetos o descentralizadas da figura do professor e
do espaço da sala de aula. Sobre a organização do espaço Barbosa & Horn (2008,
p. 49-50) afirmam que
[...] a forma como organizamos o espaço interfere significativamente nas
aprendizagens infantis. Ou seja, quanto mais o espaço for desafiador e
promover atividades conjuntas entre parceiros, quanto mais permitir que as
crianças se descentrem da figura do adulto, mais fortemente se constituirá
como propulsor de novas e significativas aprendizagens.
A leitura do espaço da rie começa com uma inquietação: o desejo de
incluir mais peixes para o aquário; a quantidade de peixes é questionada pelas
crianças e o espaço começa a fazer parte do currículo das crianças da rie:
através do aquário estudam forma geométrica, a vida no aquário, os estados da
matéria, a localização espacial, a anatomia dos peixes, o grupo a que pertencem, o
sistema monetário, a leitura e escrita; também constroem conceitos, operando com
um pensamento por complexos, no que se refere a: O que é um peixe? O que é uma
jangada? O que é uma sereia?
53
Na obra de Zabalza (1998), o espaço pode ser compreendido sob diferentes concepções. Para o
mesmo autor, espaço pode ser definido conforme o Dicionário Enciclopédico Larousse, vol. 8, p.
3874, como “extensão indefinida, meio sem limites que contém todas as extensões finitas; esse
conceito para Zabalza remete a idéia de espaço “físico”“. Ao longo de sua obra, define espaço como
o que se refere aos locais para a atividade caracterizados pelos objetos, pelos materiais didáticos,
pelo mobiliário e pela decoração e diferencia este do termo ambiente explicando que esse se refere
ao conjunto do espaço físico e às relações que se estabelecem no mesmo (os afetos, as relações
interpessoais).
114
Durante o percurso, as crianças organizam, sistematizam, confrontam a
documentação com muitos materiais. As professoras decidem, fazem escolhas
participam do que as crianças pensam. Para estar em sintonia com as crianças os
professores definem o próximo percurso do grupo.
Num currículo por Projetos, o espaço é um mediador das ações educativas,
pois ele organiza e promove as relações entre as crianças e seus pares, bem como,
da criança com os educadores, solicita mudanças, escolhas e situações de
aprendizagem de ordem cognitiva, social e afetiva. O espaço, portanto, reflete a
cultura dos sujeitos que nele “habitam”. Na Escola W, além da figura do professor e
do atelierista, um espaço para pensar a experiência multidisciplinar e
interdisciplinar. a possibilidade de a criança habitar os espaços de modo
diferente, pois a escola não se limita à sala de aula. É nessa perspectiva que as
crianças saem da sala e vão “habitar” a praça, o campo, a sala do peixe, a
brinquedoteca, a cozinha pedagógica. É a continuidade da parte interna com a
externa, dada pela voz e ação das crianças.
Os espaços planejados e organizados pela escola e educadores também
anunciam que projetos as crianças vão realizar. Além disso, comunicam aos pais e
demais pessoas os eventos mais importantes realizados pelo grupo. Dessa forma,
através das ltiplas linguagens, são colocadas publicamente as idéias, os
conhecimentos e a criatividade das crianças aspectos que tornam a escola
transparente.
Ilustração 14: Registro a partir da
observação na sala do peixe;
Documentação Pedagógica, 2007 (p. 25).
Ilustração 13: exploração dos pontos
cardeais no campo da escola;
Documentação Pedagógica, 2007, p. 32.
115
Sendo um dos princípios dos projetos, vários espaços entraram em cena no
Projeto Peixes, entre eles: a) sala de aula: espaço de referência para as crianças e
educadores. É nela que se encontram, planejam e definem a pauta da aula, bem
como, organizam seus materiais. É composta de móveis (mesas, cadeiras, armários,
quadro...), jogos pedagógicos e brinquedos, livros de Literatura e livros para
pesquisa documental, documentações das crianças, som, tapete e almofadas. b)
sala do peixe: localizada muito próxima à sala de aula, é um espaço novo no
corredor da escola, em que o chão é revestido de grama sintética e tem um vel
grande com um aquário. c) brinquedoteca: sala ampla composta de uma “casinha
com quarto, sala e cozinha; espaço para o teatro: cadeiras, palco, cortinas,
fantoches; espaço para as construções: tacos de madeiras de diversos tamanhos e
formatos. d) biblioteca: espaço com acervo para pesquisa e de Literatura. Também
se pode contar e ouvir histórias, escolher livros. e) corredores: espaços de ligação,
direção e situacionalidade, também comunicam o que as crianças estão
investigando através da exposição das suas produções. f) praça: lugar de encontro,
trocas, jogo simbólico, conflitos, definição de funções, territórios. Lugar para estar
com os outros ou consigo mesmo; g) campo de futebol: No projeto peixes o campo
foi palco de localização espacial, podendo ainda, ser utilizado para atividades de
jogos amplos, gincanas, circuitos, pesquisas; h) ginásio: espaço de referência para
atividades esportivas; i) cozinha pedagógica: laboratório para inúmeras
Ilustração 15: aquário da escola
desencadeador do tópico de investigação;
Documentação Pedagógica, 2007, p. 25.
116
aprendizagens, espaço de encontro, de diálogo, de desafios, de experiências
sensoriais; j) loja de aquários: espaço explorado a partir de uma problematização,
entrou em cena a partir das crianças;
l)
secretaria da escola: local de investigação,
também sugerido pelas crianças; m) ruas: local que deu situacionalidade geográfica
e direção, caminho a percorrer para chegar a um lugar. Foi “lido” e problematizado
pelas crianças.
[...] o grupo retornou à sala de aula
54
para realizar o registro da explanação
feita.
[...] planejou-se um momento no ateliê para que pudessem pôr em prática
suas habilidades motoras e representativas.
[...] Posteriormente, realizou-se a observação e a representação (com
desenho) dos peixes na sala do aquário da escola.
[...] inicialmente as crianças foram conduzidas ao campo da escola e
provocadas a localizar o lugar que o sol nasce e se põe, relacionado com a
posição em se o sol estava no momento (tarde) e também, levando as
crianças a se reportarem às suas casas.
[...] A apreciação das obras deu-se na sala de audiovisual com o recurso da
projeção de imagens através dos meios tecnológicos computador e data-
show.
[...] Para o próximo momento do projeto, foi agendado o laboratório de
enfermagem para realizar uma experiência.
[...] Um grupo encaminhou-se para a cozinha com a educadora em busca de
uma resposta para o fato sucedido.
[...] Após esta escrita, coletou-se informações na secretaria da escola a
respeito do endereço correto da loja de aquários do Senhor Luciano
Sommermaia.
[...] Percorrido um caminho de seis quadras pela rua que fica atrás da escola
em direção ao norte, dobramos à direita e ao final da quadra encontramos o
local desejado.
[...] No caminho de volta, outra rua, novas placas e pontos de referência
conhecidos pelos alunos.
Chegando à escola, os peixinhos foram colocados no aquário e também
batizados:
[...] e esculturas na areia, no parquinho da escola.
[...] Os grupos organizaram-se na brinquedoteca da escola para a construção
e/ou término de obras:
(MENDONÇA, Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, 2007; grifos da
pesquisadora).
Tendo o espaço como mediador das relações e aprendizagens, as crianças
encaram com muita seriedade suas responsabilidades e o adulto encarrega-se de
encorajá-las nas suas pesquisas e percursos. Nesse sentido, não é um “estar” na
escola. Mas um interagir, dinâmico, de identidade e autoria, pois as crianças
colocam-se nesses espaços como sujeitos sociais. Exploram espaços organizados e
elaborados pela escola, constroem novos ambientes a partir do que o projeto suscita
e exploram outros emergentes visando novas descobertas.
54
Grifos meus.
117
Assim como o espaço físico faz parte do currículo por projetos, é possível, a
partir dele, criar espaços simbólicos através do faz-de-conta. A capacidade de
imaginação da criança permite que ela atribua diferentes significados ao que está
disponível construindo e modificando contextos. Isso faz diferença na qualidade das
relações sociais e das crianças com o conhecimento.
A escola é lugar em que as crianças podem se encontrar, brincar, dialogar,
envolver-se em conflitos, fazer negociações e concessões, aprender e se
desenvolver. A relação da criança com o espaço escolar postula “viver” a escola,
dialogar com o que está posto nela. Quando dialogam com o espaço têm uma
experiência sensorial, afetiva, cognitiva, motora. No processo de habitar a escola
modificam os espaços, acrescentando elementos, trocando outros de lugar e/ ou
retirando outros. Aos educadores cabe escutar e observar
como as crianças se
relacionam com o espaço. Pode tornar-se um lugar imaginário para brincar, observar
os peixes, servir de esconderijo, para um diálogo solitário, para momentos de rotina:
limpeza, cuidado com os peixes, que não são ações menos importantes que a
atividade didática.
As interações permitem que crianças e educadores construam uma
identidade escolar. O ato pedagógico, marcado pelo exercício da docência, requer
diferentes intencionalidades no cotidiano dos alunos: as crianças assumem funções,
fazem investigações, experimentos, registram e sistematizam suas aprendizagens:
envolvem-se na limpeza do aquário, nomeiam os peixes, sem se importarem com o
nome científico, porém cada peixe adquiriu uma identidade. O que era um simples
Ilustração 16: Loja de aquário visitada
pelas crianças como espaço para novas
descobertas.
Ilustração 17: Observações no caminho
percorrido até a loja de aquário.
118
objeto de decoração, aos olhos das crianças, ganha importância e torna-se parte do
currículo da 1ª série.
4.5.2 Proposição 2
O espaço reflete a cultura das pessoas que nele vivem. Pode potencializar a
aprendizagem ou limitá-la; ampliar a autonomia ou provocar a dependência do
adulto. Revela a cultura da escola e como os sujeitos reproduzem ou recriam
essa cultura.
A escola abarca uma rede de relações. É essa rede que faz com que a escola
dialogue com o contexto social e cultural em que está inserida. Por isso, ela o é
um espaço neutro, isolado. A escola constitui-se como um lugar de pertencimento à
criança. Sendo assim, marca relações de identidade através do que dispõe aos
sujeitos, dos discursos produzidos nas interações sociais, do currículo, da práxis,
dos tempos e espaços. Por isso, na Escola W, as relações são marcadas ora por
agrupamentos definidos pelos adultos ou pelo consenso das próprias crianças. O
espaço e o objetivo que se tem influenciam nessas organizações sociais que podem
ser em grandes grupos, pequenos grupos, duplas, trios ou individuais. Segundo
Forneiro (
apud
ZABALZA, 1998, p. 235), “Todas essas questões e mais algumas
configuram uma determinada dimensão relacional do ambiente”.
A escola oferece o espaço físico, os sujeitos dão a esse espaço caráter de
ambiente potencial de autonomia e de significações. Tanto no espaço físico como no
ambiente de aprendizagem existem conteúdos de aprendizagem.
Segundo Pol e Morales
55
, citados por Zabala (1998, p. 235-236),
O espaço jamais é neutro. A sua estruturação, os elementos que o
formam, comunicam ao indivíduo uma mensagem que pode ser coerente ou
contraditória com o que o educador (a) quer fazer chegar à criança. O
educador(a) o pode conformar-se com o meio tal como lhe é oferecido,
deve comprometer-se com ele, deve incidir, transformar, personalizar o
espaço onde desenvolve a sua tarefa, torná-lo seu, projetar-se, fazendo deste
espaço um lugar onde a criança encontre o ambiente necessário para
desenvolver-se.
55
Pol, E. e Morales, M. (1982): El espacio escolar, um problema interdisciplinar. In: Cuadernos
de Pedagogia, nº 86, p. 5.
119
Nesse sistema de relações que é a escola, não se pode separar a criança da
família ou da sociedade. Como sujeitos sociais, estão inseridos numa rede de
relações às quais atribuem diferentes sentidos. A escola é um lugar de cultura, onde
se traduz a cultura e onde se elabora a cultura da criança, a cultura da infância e a
cultura da própria escola.
O espaço cria o ambiente de aprendizagem pensando na imagem de criança.
Por isso, é parte da vida dos que nele circulam e, por isso, não pode ser copiado,
precisa ser criado. Cada criança é o centro de todo esse sistema de muitas relações
que se estabelecem na vida com o tempo e o espaço. A criança como protagonista
tenta descobrir e entender as relações, conexões e respostas, elaborando suas
próprias hipóteses e envolvendo outras crianças em suas investigações. Por isso,
entende-se que o espaço pode apoiar e potencializar as aprendizagens ou não,
depende de como a escola o concebe.
Conceber o espaço como elemento da cultura é atribuir uma nova concepção
de infância e de criança. É essa forma de pensar que permite entender porque o
espaço não pode ser muito estático e porque se projeta um ambiente que acolhe,
interroga e é interrogado pelas crianças, além de inspirar aconchego e segurança. O
espaço provoca a investigação e precisa comunicar-se, podendo falar linguagens
diferentes, acolher e louvar a diferença. Esses espaços devem contar muito sobre os
projetos e as atividades, sobre as rotinas diárias e sobre as pessoas grandes e
pequenas que fazem da complexa interação que ocorre ali algo significativo e
interessante. Através dele, tenta-se promover as relações e a colaboração em
Ilustração 18
: pintura do painel do peixe, em
plástico com tinta acrílica, p. 74
Ilustração 19
: preparação do cenário pra
a apresentação do grupo, p. 77.
120
grupo, bem como enaltecer as identidades individuais e o espaço pessoal, além de
promover a investigação e o intercâmbio, a cooperação e o conflito.
É nas provocações e conflitos surgidos nos relacionamentos que se percebe
o quanto é forte o desejo das crianças de estabelecer relações com os outros. Por
isso, a importância do papel dos adultos e dos professores em estarem conscientes
desse imenso potencial das crianças estando atentos às manifestações das crianças
e, a partir disso, adquirir maior capacidade de reconhecer os diversos tipos de
linguagens usadas por elas como estratégias de construção de relacionamentos,
identidades e aprendizagens. Essas grandes habilidades das crianças podem tornar-
se visíveis através do registro e da documentação das situações em que as crianças
se relacionam umas com as outras. O adulto, portanto, deve ser capaz de “pinçar”
esses momentos importantes, estando presente e ouvindo nas relações, sem
acelerar ou tornar mais lento o ritmo de cada uma.
Para que isso ocorra, a organização do espaço e criação de ambientes é
extremamente importante. E entre tantos espaços surge o ateliê organizado de
forma a contemplar um espaço que os professores usam para preparar os materiais,
para trabalhar, para digitar as conversas das crianças, planejar e construir artefatos
relacionados aos projetos.
Este espaço tem como objetivo introduzir na escola a cultura das múltiplas
linguagens, dos movimentos e das formas de pensar. As crianças vêm ao ateliê para
registrar e comunicar suas formas de pensar sobre o que está sendo investigado.
Aquilo que é construído torna-se patrimônio de todos através da representação
gráfica. Para isso, há uma comunicação, uma troca de informações dentro das
turmas e dentro da escola e essas informações são oficializadas em espaços
planejados e organizados para ampliar e promover as aprendizagens e relações
sociais.
No caso em estudo, além do espaço em que se localiza o aquário, a “sala do
peixe”, como é nomeada, o ateliê, a brinquedoteca, há outros espaços que merecem
atenção no desenvolvimento do currículo por projetos. A cozinha pedagógica
configura-se como mais um espaço de aprendizagem por ser um laboratório de
conhecimentos. Nele, é possível introduzir as crianças em conceitos da química e da
física de uma forma interessante. Insere-as na educação alimentar e na reciclagem
do lixo. Experienciam noções importantes de economia de água, aproveitamento de
alimentos e educação alimentar.
121
Espaços pedagógicos planejados com intencionalidade são simples,
funcionais e testemunham a compreensão dos professores em relação à
complexidade daquilo que as crianças fazem e a tendência para o desenvolvimento
de uma integração do currículo: atividades físicas, interações sociais estão
entrelaçadas, observadas e registradas. Ao preparar um alimento não se divertem
em apenas amassar, misturar ingredientes ou conhecer os alimentos servidos na
escola, mas também ativam habilidades de manipulação, classificação, contagem,
representação, medidas de capacidade, de massa...
Para os educadores, nessa perspectiva de projetos, planejar é organizar o
espaço, materiais, pensamentos, situações e ocasiões de aprendizagem. É permitir
trocas e comunicação entre os sujeitos e seus pares interativos: crianças,
educadores e famílias.
À medida que os diferentes projetos vão surgindo, os educadores reúnem-se
para discutir os caminhos que são possíveis antecipar, considerando o interesse e
escolhas das crianças. Dessa forma, cabe salientar que o Currículo Emergente é um
currículo que se vai adaptando progressivamente aos interesses e necessidades das
crianças, guiadas pelos adultos. É um trabalho curricular que nunca está acabado,
nem nunca se torna uma rotina. É um processo contínuo de reexaminação,
experimentação e remodelação.
Um espaço organizado permite à criança entrar em cena com autonomia.
Uma vez instituída uma cultura em que a criança se organiza, faz escolhas, interage
com seus pares e com o que está colocado no espaço, a figura do professor não
está centralizada, ou seja, as ações das crianças não são reguladas, dirigidas pelo
professor, mas sim pelas possibilidades que o espaço de organização social,
trabalho e da própria organização espacial.
O espaço como educador ainda é um desafio para alguns educadores na
Escola W. Porém, no Projeto Peixes os educadores em consonância com Zabalza
(1998, p. 237) consideram que
O espaço não é o lugar onde se trabalha, nem tampouco é somente
um elemento facilitador, mas constitui um fator de aprendizagem. O espaço e
os elementos que o configuram constituem, em si mesmos, recursos
educativos [...].”
Ao iniciar o ano letivo, os professores da Escola W, fazem seus planos de
trabalho e inserem nesse planejamento a organização do espaço. Nessa
organização não está a decoração proposta por outras escolas da cidade, em que
122
motivos da Disney e outros personagens presentes na mídia surgem. A forma de
pensar o espaço contempla as singularidades dos sujeitos que circularão por ali. A
sala de aula, sendo o espaço de referência para as crianças, é pensada e projetada
com o intuito de evocar nelas curiosidades, perguntas, idéias, confortos e
desconfortos. Além do mobiliário necessário, constituiu-se o ambiente com
elementos das diferentes áreas dos conhecimentos, distribuídos organizadamente,
mas sem isolá-los: entre eles estão mapas, globos, metros, trenas, réguas com
diferentes formatos e medidas, dados, materiais naturais, minerais (pedras, conchas,
caracóis,); jogos pedagógicos, livros de literatura, de pesquisa e dicionários são
organizados próximo a um tapete e almofadas. Num canto está o mini-ateliê com
materiais para colagem, recorte, desenho e pintura. As paredes são usadas para
exposições de trabalhos produzidos pelas crianças; o que se expõe e quanto tempo
ficará cada material é definido pelas educadoras e crianças.
Ao apresentar a tese de que o espaço reflete a cultura das pessoas que nele
vivem postulam-se duas questões a serem analisadas. A primeira é o que se
compreende por cultura e a segunda a concepção de criança que está inserida
nessa cultura.
No campo pedagógico, a cultura deve ser compreendida de acordo com o
que propõe Sergio Néri e Vea Vecchi, citados por Zabalza (1998, p. 240). Para
esses autores, cultura deve ser entendida como
Todos aqueles comportamentos, aquelas maneiras de viver, aquelas
maneiras de compreender as coisas, aquelas maneiras de organizar o
pensamento, aquelas maneiras de expressar os sentimentos, aquelas
maneiras de viver em meio aos outros, aquelas maneiras através das quais
Ilustração 20: alunos em diferentes situações de aprendizagem na sala de aula
.
Documentação
pedagógica.
123
nós aprendemos as regras da vida, aquela maneira através das quais a
pessoa se enriquece e que não são inatas.
Não sendo inata, essa cultura é colocada a serviço da criança pela escola. O
espaço ganha a atenção dos educadores, pois deixa de ser apenas um lugar físico e
passa a fazer alusão “à particular relação que se estabelece entre ele e as pessoas
que o freqüentam” (ZABALZA, 1998, p. 241).
Quanto à idéia defendida nesta categoria de que os projetos descentralizam a
aprendizagem, cabe destacarmos as proposições de Barbosa & Horn (2008, p. 51)
quando afirmam que
Neste ponto é que podemos estabelecer relações entre o modo como
pensamos o espaço e a organização do ensino em projetos de trabalho
porque, entre outras razões, ao trabalharmos com esta metodologia
oportunizamos às crianças aprender a aprender. A construção desse
processo é facilitada quando os adultos atuam de maneira a não centralizar
as atividades, permitindo que as crianças procurem competentemente
materiais e atividades que as desafiem.
Além de fazer parte do currículo, de ser um educador o espaço oferece
oportunidades de manifestação de singularidades dos sujeitos que através dele
manifestam desejos, curiosidades, confrontos, desagrados, idéias, pensamentos,
desenvolvimento e aprendizagem. O Projeto Peixes, enquanto contexto para o
desenvolvimento de um currículo, permitiu às crianças construírem conceitos,
expressarem-se e evoluírem nas representações através das múltiplas linguagens,
exercerem a autonomia nos espaços e tempos em que ocorreram suas
aprendizagens, apropriarem-se da leitura e escrita, pois 90% dos alunos se
alfabetizaram durante esse projeto.
Ilustração 21
: G. e P. observando
o comportamento dos peixes no
aquário.
Ilustração 22: G. e A. C.
explicando o trajeto percorrido
até a loja de aquários.
124
Aos professores os espaços constituem um importante instrumento para
a práxis educativa, numa relação dialética entre teoria e prática o que se considera
extrema emergência pedagógica da pós-modernidade.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste estudo sobre currículo por projetos, retomo a questão inicial
desta pesquisa, a partir da qual iniciei o percurso desta investigação: De qual
currículo os Projetos dão conta no contexto escolar? Paralelamente a essa questão,
outras surgiram vinculadas ao campo teórico em estudo, bem como à prática
pesquisada.
Esta narrativa apresentada ao longo da dissertação é marcada por uma
história e interações sociais entre diferentes sujeitos: educadores, pedagogos,
psicólogos, crianças e pesquisadores. A Escola W tornou-se campo empírico de
pesquisa através da Documentação Pedagógica do Projeto Peixes, elaborada pela
educadora da 1ª série.
Um problema de pesquisa que emerge da prática pedagógica necessita ser
investigado não numa única direção, uma vez que a prática requer múltiplos olhares
pela sua complexidade e importância. Por isso, inicialmente, apresentei um estudo
sobre o currículo por projetos. Desejei, assim, problematizar uma prática presente
nas escolas no que se refere ao currículo, de forma que este tenha significado para
os educadores e para as crianças. Além disso, este trabalho investigou a relação
teoria e prática, colocada na Escola W como possibilidade para redimensionar o
processo de ensinar e de aprender.
Enquanto algumas escolas inserem os projetos como uma das formas de
desenvolver o currículo, a Escola W transforma essa prática num tempo e espaço
para a formação continuada e a (re)significação da proposta pedagógica. Esse
processo é apresentado nos capítulos 1 e 2 sob o meu olhar como pesquisadora. A
prática pedagógica de projetos da referida escola é construída com base em autores
e abordagens de diferentes países. Com isso, não pretendi afirmar que a escola
segue um modelo de um desses países, nem que os projetos sejam a única forma
de desenvolver o currículo, em vez disso, apresentei a prática de projetos elaborada
a partir dessas diferentes abordagens.
126
Acredito que o significado mais importante dessa investigação consiste em
compreender como se desenvolvem os projetos considerando aspectos constitutivos
como o currículo institucional e emergente, a construção de conceitos, as diferentes
linguagens, a ação docente e os espaços e tempos.
Esses princípios constituintes da prática de projetos da Escola W emergem
através do processo de categorização desenvolvido na descrição do caso, no
capítulo 3. A partir da leitura atenta, pontuei elementos recorrentes na
documentação pedagógica do Projeto Peixes e elegi-os como significantes a serem
pesquisados pelo viés teórico da abordagem histórico-cultural. Busquei autores que
teorizam sobre os projetos no âmbito escolar os quais permearam os estudos do
grupo de formação de professores da referida escola.
Ao definir categorias de análise, elaborei proposições para cada categoria. Na
categoria Projeto e Currículo, defendo duas proposições. A primeira é que os
projetos articulam o currículo institucional e o emergente; a segunda refere-se ao
currículo interdisciplinar e que, por isso, insere as crianças nas ciências através do
conhecimento científico. Permitir que um currículo emergente adentre no contexto da
escola é considerar o sujeito como histórico e social. Nesse sentido, a cultura da
criança é (re)siginificada pelas experiências de interação social que a escola lhe
proporciona. É na interação que educadores e crianças aprendem o conhecimento
escolar sob a ótica e significação da ciência. Nos projetos, o objeto de conhecimento
das áreas não está fragmentado, mas sim, numa inter-relação, numa rede de
conceitos, experiências, ações e relações sociais.
Inserir as crianças nas ciências através do currículo institucional e emergente
requer outro conceito de escola; uma escola que não tolera a passividade, a
repetição, o improviso, a queixa. Mas que coloca em sintonia os sujeitos da
educação (educadores, crianças e famílias) num diálogo ético entre o conhecimento
e as relações. Os projetos são contextos de múltiplas relações entre os sujeitos
envolvidos: relações sociais, com o conhecimento e com a cultura.
Na categoria relacionada a Projeto e Construção de Conceitos focalizei as
diferentes estruturas de generalização que se desenvolvem na criança em
interações verbais com os adultos, mediadas por um sistema lingüístico. É a partir
dessa relação que analisei o processo de construção dos conceitos num espaço
social que é a escola. A construção do campo conceitual acontece na relação entre
127
os conceitos espontâneos e os científicos. Contextualizados, os conhecimentos
formam redes conceituais.
No Projeto Peixes, a rede conceitual estava vinculada à construção da leitura
e escrita. Por isso, as palavras e seus significados tinham um sentido para as
crianças, ou seja, não eram conceitos introduzidos de forma direta, mas numa inter-
relação. Isso permite que a criança tome consciência das formas e estruturas
conceituais, constituindo uma maneira específica de pensamento.
Esse processo é mediado pelo educador e pelas ferramentas materiais e
psicológicas
56
. Além disso, através da palavra, os sujeitos entram em cena
elaborando questões e hipóteses, a partir das significações atribuídas na trama de
relações em que estão imersos. Num currículo por projetos, não se espera das
crianças uma mera participação em aula; ao contrário, elas constituem uma
comunidade de investigação, pois agem como sujeitos sociais. Os projetos tornam-
se, assim, uma possibilidade de tomada de consciência em relação àquilo que
acontece na escola e que constitui a relação pedagógica: a construção do
conhecimento e as interações sociais. Com relação à construção dos conceitos, esta
investigação permite-me afirmar que ainda é um processo teórico sobre o qual os
educadores da Escola W devem ampliar os estudos, pois assim, darão mais
intencionalidade ao processo educativo.
A Documentação Pedagógica é a parte que legitima o desenvolvimento do
Projeto Peixes e reflete a ação docente. Então, na categoria Projeto e Ação
Docente, apresentei o conteúdo e o processo da documentação que refletem a
prática a partir de um campo teórico. Assim compreendido, o exercício da docência
é problematizado e refletido a partir da documentação o que possibilita (re)significar
o papel do professor. Além disso, consolida a produção de saberes docentes que,
nessa perspectiva, está vinculada à pesquisa e à ação reflexiva do professor.
Na categoria Projeto e ltiplas Linguagens, apresentei como as diferentes
linguagens possibilitam à criança explorar seu ambiente, desenvolver-se
intelectualmente e ampliar suas possibilidades de representação simbólica. Além da
leitura e escrita, diferentes formas de expressão gráfica são possibilitadas para que
elas se apropriem do conhecimento e se constituam a partir dessas explorações. As
56
Vigostski exemplifica como ferramentas psicológicas “linguagem; vários sistemas de contagem,
técnicas mnemônicas; sistema de símbolos algébricos; obras de arte; esquemas, diagramas, mapas e
desenhos mecânicos; todos os tipos de sinais convencionais” (VYGOTSKY apud DANIELS, 2001, p.
26).
128
linguagens gráficas são usadas para explorar os conhecimentos, reconstruir algo
que conheciam, bem como construir e comunicar conhecimentos sobre os tópicos
investigados. No Projeto Peixes, as meninas e meninos da série utilizam-se de
variadas formas de linguagem uma vez que essas são constituidoras de estruturas
mentais superiores.
A compreensão obtida através da 5ª categoria, Projeto e os Espaços de
Aprendizagem, provoca a pensar a escola além da sala de aula. Considerado
mediador da ação educativa, o espaço é parte integrante do currículo. Com isso,
pensá-lo, planejá-lo em consonância com o conhecimento escolar dinamiza o tempo
da escola e as ações propostas para que as crianças aprendam. Ao desenvolver
um projeto, as crianças habitam os espaços no sentido de se apropriar, interrogar e
serem interrogadas por eles; vão além das fronteiras colocadas pelo cartesianismo
que controlava os corpos e as mentes definindo um único espaço para a
aprendizagem, ou seja, a sala de aula.
Como resultado das interações sociais e da forma como essas ocorrem, o
espaço reflete a cultura das pessoas que nele vivem; podendo potencializar a
aprendizagem ou limitá-la; ampliar a autonomia ou provocar a dependência do
adulto. Revela a cultura da escola e como os sujeitos reproduzem ou recriam essa
cultura.
A escola é uma instituição social que tem um significado cultural atribuído à
sua função que é ensinar. É nesse lugar que a criança se insere e traz consigo
elementos da tradição adquiridos em suas diversas experiências de interação com
os outros e com o meio. Pensando assim, as crianças são alunos “da escola”,
marcados por significantes culturais. Aquilo que a escola lhe oferece (acesso ao
conhecimento mediado por experiências, múltiplas linguagens, instrumentos) parte
de um “sistema de idéias”
57
relacionado ao sistema científico de conhecimentos,
constituintes da cultura escolar.
Com esse pensamento, analiso como a autora da documentação, a
educadora de referência da série, circula pelos espaços de forma intencional no
processo de ensino e aprendizagem. Constatei que a educadora o considera o
processo da Documentação Pedagógica entendido como momento em que se
reflete teoricamente sobre a prática. Como elemento importante, o espaço deve
57
Para Pino (2005), são sistemas mitológicos, filosóficos, religiosos, jurídicos, científicos,etc.
129
primeiro fazer sentido às educadoras, para que, em interação com as crianças,
sejam elaborados novos espaços de aprendizagem e atribuídos novos significados
aos já existentes.
O “tempo”, o “o quê” e o “como” as crianças aprendem no Projeto Peixes está
situado num campo paradigmático referente a como se pensa a escola, a infância, o
papel do professor e a criança na contemporaneidade.
Ao concluir este estudo, atribuo importância significativa às contribuições
teóricas de Vigotski para a compreensão dos processos de construção de conceitos
das crianças em fase de alfabetização. Esse trabalho abre um campo fecundo de
investigação em pelo menos dois aspectos: a construção de conceitos e a cultura.
Por isso, as proposições aqui analisadas não se esgotam nas idéias que foram
apresentadas.
O currículo por projetos analisado nesta dissertação projeta um
devir
a ser da
escola como
locus
de produção de saberes docentes e discentes, sem reproduzir a
cultura que está posta e, tradicionalmente, refletida na escola, mas como co-
construtora de uma outra identidade e cultura escolar.
130
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133
ANEXO ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA: SEQÜÊNCIA DE ATIVIDADES,
CATEGORIAS E DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROJETO PEIXES.
Seqüência de atividades e
categorias
Documentação do Projeto Peixes
1.0 Registraram as curiosida-
des sobre os peixes através
da escrita e do desenho.
Projeto Múltiplas Linguagens
Com as curiosidades definidas, o grupo retornou à sala de aula
para realizar o registro da explanação feita. Cada um registrou a sua
curiosidade construindo a escrita e representando com desenho.
2.0 Desenharam peixes to-
mando como referência para o
desenho o próprio aquário e
os peixes que o habitavam.
Projeto Múltiplas Linguagens
2.1 A atelierista apresentou-
lhes a técnica do mosaico.
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (ateliê)
2.2 Exploraram tamanhos:
grande e pequeno/ estabele-
ceram relações de proporção:
espaço grande pedaço
grande/ espaço pe-queno
pedaço pequeno; exploraram
as cores: tona-lidades iguais e
aproxima-das.
Projeto e Currículo
Para marcar a definição do projeto, o grupo verbalizou a
necessidade de desenhar peixes, uma vez que este seria o tema de
estudo. Então, planejou-se um momento no ateliê para que
pudessem por em prática suas habilidades motoras e
representativas.
A atelierista sugeriu que, após o desenho do peixe as crianças
explorassem a técnica do mosaico, preenchendo uma parte do
desenho com pedacinhos picados de emborrachado. Com a
sugestão aceita pelas crianças, deu-se inicio a construção do peixe.
Ao chegarem ao ateliê acompanhados pela educadora de
referência, a atelierista distribuiu folhas de Canson A4 para iniciarem
o desenho sobre os peixes.
- Os peixes que vocês conhecem são de tamanhos iguais ou
diferentes? - Atelierista.
- Diferentes. – P.
- Tem peixe colorido e até cinza! – L. G.
Desta vez, a técnica de trabalho exigiria um pouco mais além do
desenho e pintura. Para tanto, a atelierista explicou que os
pedacinhos de emborrachado para formar o mosaico deveriam ser
proporcional ao tamanho do desenho:
- Depois que vocês desenharem os peixes ou o peixe, deverão
recortar pedacinhos de E.V.A e colar encaixando uma pecinha na
outra, pois, se as pecinhas não estiverem juntas, não formará a
figura e será apenas colagem por colagem.
3.0 Discussão teórica da
educadora acerca das Artes e
do fazer artístico.
Projeto e Ação Docente
Argan (1992,p,XIX.), diz o seguinte sobre o “fazer diferente”: A
arte exercita uma alteridade do fazer na medida em que é sempre
na busca de diferentes relações possíveis que a matéria permite ao
ser transformada através de outra experiência, envolvendo um
raciocínio não de certezas, mas de probabilidades.” Desse modo, as
crianças teriam que ser capazes de ousar, criar, testar, construir e
desconstruir para construir novamente uma nova proposta: o
mosaico.
4.0 Resolução do conflito com
o Eduardo.
No decorrer do processo construtivo o Eduardo colou apenas um
pedaço de emborrachado. Vendo isto, a atelierista tenta intervir
perante a turma mostrando um pequeno mosaico que havia feito,
dizendo como deveriam ser coladas as peças. Porém, deveria ter
conduzido apenas a organização do Eduardo e não do grupo que
estava sustentando o desafio de montar o mosaico (pensou a
atelierista após ter conversado com a supervisora G.).
Para Sandra Richter, 2004:
134
O papel fundamental da mediação pedagógica é justamente
garantir esse apoio até a criança tornar-se capaz de sustentar a si
própria, permitindo e auxiliando-a a ensaiar e a perseguir soluções
ao enfrentar provocações existenciais da matéria, porque se sentiu
segura e amparada para tal desafio
.
Sem dúvida, uma preocupação do educador com o espaço,
tempo e regras do processo para garantir êxito da ação. No
momento em que à criança é permitido repetir e tentar outra vez
para superar enganos e frustrações e alcançar o êxito em suas
explorações lúdicas, seu interesse amplia-se porque exige outras
experiências e investigações que conduzem a aprendizagens.
5.0 Organização da planifica-
ção em teia com os alunos.
Projeto e Currículo
5.1 Leitura das questões
levantadas.
Projeto e Construção de Concei-
tos
5.2 Elaboração das hipóte-ses
das crianças.
Projeto, Construção de Concei-
tos
No próximo dia de estudo do projeto, terça-feira (como foi
combinado com o grupo que um dia da semana seria exclusivo para
o projeto e, se houvesse a necessidade e imprevistos, ampliar-se-ia
o tempo) a educadora trouxe a planificação em teia impressa. A
teia continha as curiosidades levantadas pelas crianças. Assim foi
realizada a leitura, compreensão e disposição da mesma e, também
para verificar se todas as curiosidades levantadas estavam ali
expostas.
Assim, observa-se a parte inicial da teia organizada com as
curiosidades abordadas e as hipóteses das crianças a respeito de
suas dúvidas.
6.0 Pesquisa bibliográfica em
materiais coletados pelas
crianças.
Construção de Conceitos
Projeto e Espaços (Biblioteca)
6.1 Leitura do texto escrito
pela educadora e sistema-
tização das primeiras desco-
bertas das crianças.
Construção de Conceitos
Projeto Múltiplas Linguagens
6.2 Leitura das gravuras para
compreender a anatomia
externa dos peixes: locali-
zação das nadadeiras, no-mes
das nadadeiras.
Construção de Conceitos
6.3 Diálogo das crianças a
partir dos “nomes” aprendi-
dos.
Construção de Conceitos
Em seguida realizou-se inicia-se a pesquisa através da leitura de
alguns materiais coletados pelos meninos e meninas da turma a fim
de encontrar respostas para as inquietações sobre os peixes.
Na leitura do material científico, feita pela educadora, as crianças
descobriram que:
1. Os peixes respiram na água através das brânquias.
2. Os peixes se movimentam com as suas nadadeiras.
3. Eles não têm pés. Eles bóiam com o equilíbrio das nadadeiras.
4. Possuem 5 tipos de nadadeiras: peitoral, frontal, dorsal, anal e
caudal.
Para entender a localização das nadadeiras observaram imagens
nos livros e compararam com a localização das partes do corpo
humano, para fazer referência com o peixe. Assim, puderam
compreender o porquê dos nomes de cada tipo de nadadeira.
- A peitoral fica no peito. – G. R.
- A frontal então fica na frente, mas na frente é a boca do peixe.
Mas se nós colocar o peixe de pé daí fica bem na frente, embaixo da
boca. – E.
- A dorsal é nas costas. A .C. (após ouvir a leitura do significado
de dorsal buscado no dicionário Aurélio).
- Tem duas nadadeiras que é dorsal, porque têm duas nadadeiras
nas costas do peixe. – N.
- A anal fica perto do ânus do peixe.- P.
- O anus é onde sai o cocô e perto da onde sai o xixi. – L.
- Isso. O ânus é a parte do nosso corpo por onde sai as
impurezas através das fezes. – Educadora.
135
- E por onde sai o xixi do peixe? – L..
- Sai por aqui, é um caninho que tem perto do ânus, olha. Ana
Carolina (após a observação e leitura de imagens realizada com a
educadora).
- A caudal vem de cauda. É o rabo do peixe? – .L. G.
- É. A cauda é a parte final do corpo do peixe, é o rabo. – G. M.
- Mas rabo é de cavalo! – M.
- Ta. Mas é como se fosse. Só que no peixe a gente chama de
cauda. – L.
- Nadadeira caudal. – completa L. M.
7.0 Registro da pesquisa em
folha específica e definição de
um símbolo do Projeto.
Projeto Múltiplas Linguagens
As descobertas foram registradas em uma folha específica para o
projeto, sendo que, sempre que houvesse novas descobertas, se
registraria no mesmo tipo de folha, a qual se apresentava com um
símbolo do projeto: um peixe pensando (simbolizando o tema do
projeto) e dentro do balão de pensamento um ponto de interrogação
(simbolizando as curiosidades sobre o peixe).
8.0 Desenho do aquário da
escola com seus peixes.
Projeto, Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (sala do
aquário)
8.1 Diálogo das crianças a
partir do que observavam e de
suas representações.
Posteriormente, realizou-
se a observação e a representação
(com desenho) dos peixes no aquário da escola. Sobre esta
situação, algumas falas mencionadas no momento:
- Olha bem de perto... Eles têm todas as nadadeiras mesmo! –N.
e W.
- Têm um que é branco com laranja e outro só laranja. – L.
- O meu está de boca aberta! – M. (referindo-se ao seu desenho).
- O meu está nadando para cima! L. (referindo a sua
representação).
- O teu desenho está bem bonito! (Eduardo reconhecendo as
habilidades do colega L. ao representar os peixes do aquário).
- Olhem aqui gente! Eu acho que é aberto onde está as
nadadeiras!. – P.
- Um peixe está fazendo cocô! – L.
- Ai que nojo! – L. V.
Todos se aproximam do aquário
- Olha que comprido é o cocô dele. – M.
- Parece uma cobrinha. – L. M.
- Mas, cruzes! Ele não pára de fazer cocô. – A. C.
- Vai ver que ele comeu muita ração. – L. G.
- A gente pode chamar ele de peixe cagão! – L.
- Ele não é peixe cagão! – repreende A. C.
- É, então a gente também vai ser cagão, a gente também faz
cocô! – P.
- O cocô caiu! – L.
- Onde ficou o cocô? – P.
- Está atrás da pedra. – E.
136
- Mas ainda tem um pouquinho pendurado no peixe. – Gabriel M.
- Eu acho que ele es com vontade de fazer mais cocô! Muito
cocô! – N.
- Ui! Eu acho que o peixe laranja está comendo o cocô do outro. –
L.
- Vai ver ele achou que era comida. – L.. M.
Durante a representação, Eduardo brinca com suas canetinhas e
constrói a forma de um peixe o que leva os integrantes do seu grupo
a também brincarem com as representações.
9.0 Estudo da à forma
geométrica do aquário: para-
lelepípedo.
Projeto e Currículo
Construção de Conceitos
9.1 Experiência do uso da
régua como instrumento para
um traçado reto.
Projeto e Currículo
9.2 Desenho do aquário,
completando-o com os de-
mais elementos que o com-
põem: algas, pedras...
Projeto e Currículo
9.3 Uso da modelagem para
criar novas representações de
peixes.
Projeto, Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (ateliê)
9.4 Diálogo sobre as proprie-
dades da massa de biscuit e
comparação com a argila.
Projeto e Currículo
Em um outro momento, os alunos foram provocados a
construírem uma representação do aquário respeitando a forma
geométrica correspondente, a qual foi nomeada “Paralelepípedo” e
utilizando a régua como material de medida necessário para dar a
linearidade reta na representação. Após o desenho, este foi
recortado e colado em um papel canson de tamanho maior.
Tendo o aquário, desenharam em papel colorido o que nele
havia: pedras de tamanhos diferentes, algas de folhas e formas
diferentes, bolhas. Os personagens existentes no aquário foram,
então, construídos com a mediação da atelierista usufruindo a
modelagem da massa de biscuit e da pintura da escultura formada.
No momento em que a atelierista tirou pedaços de massa de
biscuit do saquinho e começou a abrir com o rolo de espichar em
uma das mesas da sala de aula, a aluna L. se aproximou e disse:
- O que é isso?
- É massa de biscuit, para fazer enfeites e criar o que quiser.
atelierista.
- Posso pegar? – L.
- Claro que sim! Sente ela nas mãos. - atelierista.
- Eu também quero. Hum! Tem cheiro forte. – P.
- É por causa da cola. Ela tem cheiro forte. - atelierista.
- Essa não suja a mão igual a argila! – L.
- O que é sujeira na argila? - atelierista.
- É por que a mão fica suja! – L.
- Qual a diferença de cores da argila e essa massa de biscuit? -
atelierista.
- É que essa massa é branquinha e a argila é cor de terra? – L.
- Então são apenas cores diferentes, porque a massa branca
também deixa resíduos nas mãos. - atelierista.(esfregou a massa
nas mãos)
- É! Não sabia que até o branquinho sujava! – L.
- Não é sujeira, são restinhos de cores diferentes de massa que
fica nas mãos e é preciso lavar para fazer outra atividade.
Entendeu? - atelierista.
- Sim! – L. (retorna para finalizar a representação do aquário)
10. 0 Discussão teórica da
educadora.
Para Piaget (1957,p.329) “Qualquer novidade para criança, em
vez de constituir um obstáculo a ser evitado passa imediatamente a
137
Projeto e Ação Docente
10.1 Uso de novos materiais.
Projeto Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (sala de aula)
10.2 Constituição subjetiva
das noções de objeto, espa-
ço, tempo e causalidade.
Projeto e Currículo
11.0 Discussão teórica da
educadora.
Projeto e Ação Docente
11.1 O papel da educadora
nos imprevistos com as
crianças.
Projeto e Ação Docente
ser uma questão que solicita exploração e pesquisa com
curiosidade, podendo experimentar um novo material.” Sem dúvidas,
é nesse processo que a criança constitui subjetivamente as noções
de objeto, espaço, tempo e casualidade, condições fundamentais
para a representação através de imagens e conceitos mentais e
materiais.
Chegou a hora de cada um fazer os seus peixinhos com a massa.
A atelierista cortou em pedaços a massa espichada e entregou 2
pedacinhos para cada um, (conforme a observação 2 peixinhos
habitavam o aquário da escola) onde deveriam desenhar seu
peixinho, recortar com a tesoura, colar no local desejado do aquário
e, depois ir até o ateliê para colorir com a tinta.
- Eu preciso de outro pedaço, o meu não deu certo. J.
(mostrando os pedaços recortados à atelierista)
- A massa já está dura? - atelierista.
- Não! – J.
- Então amassa ela novamente e com os dedos abre ela para os
lados e depois reutiliza desenhando novamente. - atelierista.
Para Sandra Richert (2004, pg116): A professora deve fazer a
mediação quando a situação não es dando certo para a criança
que dispersa ou não quer mais produzir”. Fazendo o papel de
mediador, o professor poderá lidar com êxito em situações
inesperadas podendo apontar novas maneiras de construir e
reconstruir sem desperdiçar materiais fazendo com que o aluno
tenha um outro olhar sobre o feito, ajudando-o a retornar o trabalho
e concluir sua idéia com êxito.
12. 0 Pintura dos peixes no
ateliê.
Projeto Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (ateliê)
12.1 A experiência de pintar
algo tão pequeno.
Projeto e Currículo
Ao concluírem a modelagem foram encaminhando-se para o
ateliê com o objetivo de finalizar a construção através da pintura.
Leandro assim que chegou perguntou para atelierista:
- Dá para pintar o aquário também ou só os peixes?
- O quê foi combinado com a professora Lisiane? - atelierista.
- os peixes! - A maioria dos alunos que ali estavam
responderam.
- Ah! Tanto trabalho para pintar tão pouco!? – L.
- Mas devemos aprender a pintar o pouquinho também. Veja só,
será que se você usar esse pincel com muitas cerdas, vai conseguir
fazer os detalhes dos peixinhos? - atelierista.
- Não. Preciso pegar um mais pequeno! – L.
- Esvendo como a gente também aprende pintando pouquinho.
Sem falar que temos que cuidar mais os detalhes porque, são
pequenininhos. - atelierista.
- É. Dessa vez tu venceu. – L.
13. 0 Discussão teórica da
educadora sobre a tomada de
consciência
Projeto e Ação Docente
Para Becker (1993,p.105), “a tomada de consciência surge, quase
sempre, depois do saber inicial que é ação: somente a ão
executada materialmente poderá ser construída em pensamento.”
Essa parada sobre a ação apropria-se de uma síntese do que se
pode fazer repetidamente, porém, de diferentes maneiras.
14. 0 Exploração da música
“Peixe Vivo”
Dando continuidade aos estudos do projeto, a educadora através
da música provocou os meninos e meninas a cantar, a entoar a voz,
138
Projeto, Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (sala de aula)
14.1 Canto da música: coro
das meninas e coro dos
meninos
Projeto Múltiplas Linguagens
14.2 Exploração das pala-vras
de maior significado
Projeto e Currículo
4.3 Interpretação
Projeto e Currículo
14.4 Identificação e localiza-
ção de palavras no texto
escrito
Projeto e Currículo
14.5 Representação através
da dobradura
Projeto Múltiplas Linguagens
a respeitar o ritmo e a interpretar a escrita. Com a música “Peixe
vivo”, conhecida por alguns, o grupo foi dividido em dois coros: o
coro dos meninos e o coro das meninas; cada coro encarregado de
alguns versos da canção.
Assim, após a leitura, cantou-se e exploraram-se palavras de
maior significado, a interpretação, a localização de palavras no texto
escrito, a representação. Esta canção ficou presente no grupo
durante todo o projeto, pois realizando as tarefas de aula cantavam
a canção, trocavam-se os papeis no coro e criavam outras letras
para música, porém dentro da mesma melodia. Partindo da canção,
realizaram a representação do “peixe vivo” através de dobraduras.
15.0 Diálogo das crianças
sobre a morte do peixe
15.1 Resolução de situa-ções-
problema
Projeto e Currículo
15.2 Exploração dos conhe-
cimentos lógico-matemático:
pensamento indutivo, dedu-
tivo e o lógico; noções de
divisão, multiplicação, a adi-
ção e a subtração.
Projeto e Currículo
As situações problema envolvendo conhecimentos lógico-
matemáticas, como o raciocínio, o pensamento dedutivo, o
pensamento indutivo e o lógico, noções de divisão, multiplicação, a
adição e a subtração relacionavam-se com situações ocorridas
durante o projeto, como por exemplo, quando um dos peixes do
aquário morreu.
- O peixe está boiando!
- Ele morreu.
- Está se desmanchando!
- Olha o jeito que está o olho dele... saltado.
- Ele está maior...
- Como ele morreu?
- Será que ele ficou fraco?
- Será que deram veneno?
As indagações se repercutiram por toda a escola, pois foi um fato
que provocou os sujeitos que convivem com o ambiente do aquário.
E foi através deste alastramento do episódio, que a resposta para a
morte do peixe apareceu com a fala da professora M., a qual passou
a se tornar parte do grupo de investigação: Alguém colocou
pedacinhos de pão e outros alimentos e o peixe estufou e acabou
morrendo. Porque não pode colocar outro tipo de comida no
aquário, pois estes peixes comem ração.
- Vamos ter que ficar cuidando para descobrir quem está
colocando comida no aquário. – M.
- A sorte é que o outro peixe não morreu. O Sepé Tiaraju é um
peixe forte. – W.
Apresenta-se aqui dois exemplos de situações problema
trabalhadas, que levaram os alunos a pensar, a buscar uma
solução, a somar, a repartir, a multiplicar e a diminuir, a confrontar-
139
se com a forma singular de resolução, a se conflitar, bem como, a
relacionar com os fatos verídicos do contexto em que estão
inseridos; fazendo uso de material concreto, como material dourado,
palitos de picolé, tampinhas, pedrinhas.
16.0 Estudo sobre localização
espacial
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (campo da
escola)
16.1 Localização espacial
partindo da posição do corpo
Projeto e Currículo
16.2 Localização de outros
objetos partindo os pontos
cardeais
Projeto e Currículo
Dentro dos conteúdos que foram explorados significativamente no
projeto, estava também conhecimentos de história e geografia com
a localização espacial partindo da posição e do próprio corpo e
posteriormente da localização de outros objetos partindo dos pontos
cardeais (norte, sul, leste, oeste) localizados pelo sol.
Assim, inicialmente as crianças foram conduzidas ao campo da
escola e lá provocadas a localizar o lugar que o sol nasce e se põe,
relacionado com a posição em se o sol estava no momento (tarde) e
também, levando as crianças a se reportarem às suas casas.
17.0 Discussão teórica da
educadora
Projeto e Ação Docente
17.1 O movimento e o brincar
Projeto e Ação Docente
Silvana Venâncio (2005, p.35) aponta que “[...] no movimento
tanto quanto no brincar, o indivíduo es tentando compreender e
controlar o mundo, compreender e interpretar a si mesmo,
outorgando significações às coisas e assim incorporando o mundo
no espaço transicional”.
Localizado os dois pontos (onde o sol nasce e see) estes
foram nomeados: leste e oeste. Cada criança se posicionou para se
localizar pelo sol, seguindo as orientações da educadora a qual, os
levou a imaginar que haviam se perdido em um acampamento no
meio de uma floresta e precisavam se localizar para voltar ao lugar
onde estavam suas barracas. O lúdico leva a criança a fantasiar e a
se envolver de forma prazerosa com os conhecimentos científicos,
fazendo relações e interagindo com os outros. Dessa forma,
explorou-s noções de localização espacial e noções de espaço, bem
como direcionamentos de direita e esquerda, frente e atrás,
utilizando bambolê. Esta situação de aprendizagem através da
brincadeira, ora se deu de forma individual, ora em duplas ou ainda
no grande grupo.
18.0 Diálogo das crianças e
educadora sobre a localiza-
ção
Projeto e Currículo
Algumas conclusões:
- Para se localizar pelo sol tem que estender o braço que a gente
escreve para onde o sol nasce.
- É. O lado leste é onde o sol nasce bem de manhã.
- E o lado leste é onde ele se põe. Do lado do braço esquerdo.
A educadora começa um questionamento para provocar as
relações com os pontos de referência da escola:
- E diante desta posição, como se chama o ponto cardeal que fica
a nossa frente? – educadora.
- Norte! – um grupo respondeu.
- E o que fica ao norte da escola? – educadora.
- O estádio da Ser Santo Ângelo! O campo de futebol! – todos.
- E nas nossas costas que ponto cardeal nos localiza?
educadora.
- Sul. – todos.
140
- E o que está no lado sul da escola? – educadora.
- Um outro colégio. verbalizaram após virar-se para trás e
observar.
- E o leste? Onde está a nossa mão direita? – educadora.
- Está o CTG! - um grupo respondeu.
- É. Está o CTG 20 de Setembro. Eu conheço fui com meus
pais e também com a escola. – N.
- E no lado oeste da escola, o que têm? – educadora.
- Ah, tem o ginásio. – E.
- Ah, mas o ginásio não faz parte da escola? – educadora.
- É, faz. – E.
- Se a profe perguntasse, o que têm no lado oeste do campo da
escola? – educadora.
- Ah, daí sim seria o ginásio, é profe?! – N. e G. M.
- Isso aí. Então o que têm depois do ginásio? – educadora.
- Ah tem uma rua que eu não sei o nome. Ah... Mas eu acho que
é a mesma rua do meu apartamento, só que eu não consigo lembrar
do nome... – E.
- O nome da rua se chama Osvaldo Cruz. responde a
educadora.
- É, esse nome mesmo que eu ia dizer. – E.
19. 0 Localização do aquário
no espaço da escola
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (sala do
aquário)
19.1 Diálogo das crianças:
hipóteses sobre a localização
do aquário
19.2 Registro da localização
do aquário
Projeto, Múltiplas Linguagens
Após esta situação de aprendizagem que se complexificou ainda
mais na sala de aula, as aulas de educação-física, propostas pela
educadora de referência, também buscavam praticar estes
conceitos através de novas brincadeiras, incluindo a questão da
lateralidade e noção espacial. Com o projeto, buscou-se localizar o
aquário da escola, seguindo os pontos cardeais. Assim, o grupo,
diante do aquário abriu os braços referindo-se ao leste e ao oeste,
lembrando do lugar onde nasce o sol e onde ele se põe, como
também se reportando a situação experienciada tanto no campo
quanto na sala de aula.
- No lado leste do aquário está... a parede. – G. M.
- E depois da parede o que tem? – educadora.
- Ah, tem ... – pensa G. M.
- O bar da escola! – responde L. G.
- E no lado oeste do aquário? – educadora.
- Têm as escada para ir na biblioteca e subir para a parte de cima.
– o grande grupo responde.
- E ao norte? – educadora.
O grupo fica indeciso para falar, demonstrando dúvida em
identificar o lado norte e o lado sul.
- O lado que fica em frente ao nosso corpo é.... – provoca a
educadora.
- Ah, é o lado da Ser Santo Ângelo.. – M.
- O norte! – diz E.
141
- Ah. E o que tem ao norte então do aquário? – educadora.
O grupo olha para o aquário e olha para frente:
- A nossa sala. – responde grande parte do grupo.
- E também este vaso de flor pequeno. – L. V.
- É, e a parede. – G. R.
- E ao sul do aquário? – educadora.
- A porta para o laboratório de ciências! N.
- Também tem um vaso de flor, mas este é grande. – L.
- E tem este painel pendurado! A. C.
Assim, em seguida, no mesmo ambiente do aquário, o grupo
organizou-se para registrar os pontos de localização discutidos.
20.0 Exploração do texto
literário Peixe, Pixote” de
autoria de Sônia Junqueira
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (sala de aula)
20.1 Estudo do texto: o medo,
preservação da natureza e da
poluição das águas.
Projeto e Currículo
20.2 Interpretação, identifica-
ção do personagem principal,
do lugar onde se passou a
história, do conflito e das
partes principais que organi-
zam um texto.
Projeto e Currículo
No desenvolvimento do projeto utilizou-se de várias tipologias
textuais, como: poesia, música, diálogo, histórias em quadrinho,
história literária. A história literária que foi abordada intitula-se
“Peixe, Pixote” de autoria de Sonia Junqueira. A história retrata a
vida de um peixinho chamado Pixote que tem medo de escuro, que
gosta de ir até a margem do rio para ver as cores e a vida das
pessoas, pois acha que o lago em que vive é escuro, porém, no final
da história descobre que estava nadando com os olhos fechados.
Com a história discutiu-se a questão do medo, de enfrentar os
obstáculos da vida e, também, a questão da preservação da
natureza e da poluição das águas. Além do contexto da história e
das relações estabelecidas, explorou-se a interpretação, a
identificação do personagem principal, do lugar onde se passou a
história, do conflito e das partes principais que organizam um texto
(início, meio e fim), através da resposta escrita, de questões
objetivas, do desenho e da persuasão no diálogo.
21.0 Estudo do texto poético
Projeto e Currículo
21.1 Características da poesia
Projeto e Currículo
21.2 Contato com textos de
diferentes autores: Renata
Pallotini, Ana Maria Machado,
Cacaso, Redatozim e Dorival
Caymi
Projeto Múltiplas Linguagens
21.3 Leitura de poesias
Projeto, Múltiplas Linguagens
21.4 Escrita de poesias
Projeto Múltiplas Linguagens
O gosto pela poesia foi provocado nos alunos através da leitura
feita pela educadora em alguns momentos da aula. Assim, propôs-
se que em cada terça-feira (dia do projeto) a aula iniciar-se-ia com a
apresentação de uma poesia, a qual posteriormente seria registrada
pelo grupo. Para tanto, organizou-se um sorteio indicando os sete
alunos que seriam os responsáveis para comandar este momento.
As poesias selecionadas pela educadora referiam-se de alguma
forma, seja mais objetiva ou subjetiva, sobre os peixes de autores
como: Renata Pallotini, Ana Maria Machado, Cacaso, redatozim e
Dorival Caymi. Logo, os sorteados além de se prepararem para
apresentar a poesia através da leitura, deveriam falar sobre o que
trata a poesia e qual a relação com o projeto. Apresenta-se aqui, a
poesia que a aluna A. C. leu:
A. realizou uma leitura alfabética e trouxe em sua fala como
interpretação o seguinte: Eu entendi que fala de um homem que sai
com a sua jangada para o mar para pescar e trazer um peixe bom
para sua esposa que ele chama de bem-querer. E daí se ele
conseguir chegar bem casa, ela vai agradecer para Deus”.
22.0 A descoberta da palavra
”jangada”
Construção de Conceitos
Os colegas então indagam:
- O que é jangada?
E A. C. diz não saber. Então E. direciona o grupo a buscar no
142
22.1 A construção do conceito
Construção de Conceitos
22.2 A pesquisa no dicionário
Construção de Conceitos
22.3 O registro escrito
Construção de Conceitos
dicionário e o significado se forma:
- Como que ele vai sair para pescar? Claro, né, jangada é o barco
dele. – L.
- Pode ser também um barco maior e eu acho que ele não foi
sozinho, porque na poesia diz dos companheiros dele. – A. C..
Após a apresentação da poesia pela aluna A. C. o grupo se
organizou para fazer o registro escrito, também em uma folha do
projeto, e posteriormente representar com desenho o entendimento
sobre o que foi relatado e discutido.
23.0 O conflito de Maurício
Destaco também, a apresentação de M. M está entrando para o
nível alfabético da psicogênese da escrita e somente realiza a leitura
com a mediação da educadora; sozinho, se autoriza apenas a
identificar o nome das letras e a iniciar a formação de algumas
sílabas. Diante o grande grupo, Maurício ainda não havia se
permitido apresentar a sua leitura; para o seu pequeno grupo, ousou
alguns ensaios. Quando foi sorteado para apresentar a poesia do
projeto primeiramente demonstrou euforia, como os demais ao
serem sorteados, minutos depois, ficou calado e logo guardou sua
poesia na mochila sem ao menos fazer uma tentativa inicial.
Chegado o seu dia de apresentação, sua inquietação e seu
nervosismo eram visíveis pelos olhos da educadora. Ao subir na
cadeira em frente ao grande grupo, suas mãos tremiam, seu olhar
baixou, o papel com a poesia cobriu sua face. Verbalizou o nome da
poesia e durante alguns minutos nada mais falou, seus olhos
encheram-se de lágrimas. A educadora então se aproximou, o
acolheu com um de seus braços e iniciou sua leitura. M. sussurrava
as sílabas com uma voz tremula e quase sem som, mediado pela
educadora. Assim foi a leitura dos primeiros versos de sua poesia.
Nos versos finais, sua voz começou a ter mais som, mas ainda
continuava tremula. Ao término apenas disse que sua poesia falava
de peixe e desceu rapidamente da cadeira retornando ao seu grupo.
A educadora o elogiou, os colegas o aplaudiram. M. reconheceu
com um pequeno sorriso.
24.0 A discussão teórica da
educadora
Projeto e Ação Docente
Situações como esta, diante da leitura ou da escrita, apresenta a
singularidade de cada aluno, o tempo que cada um necessita para
se permitir ir além, para se autorizar e aceitar as provocações (no
sentido de provocar para ir além na sua construção significativa) dos
outros, bem como a mediação. Sendo que, cada sujeito é um sujeito
diferente, é um sujeito do saber e do inconsciente; um sujeito
subjetivo e cognitivo, que se conflitua e necessita das relações, das
inter-relações, do seu desejo e, principalmente, do desejo do outro
para que consiga sair desse conflito e se complexificar. A leitura é
um processo. O sujeito não nasce sabendo ler. É no confronto com
o código escrito, com momentos de leitura, com a necessidade de
decifrar algo, que o sujeito vai se apropriando e ampliando através
de construções e reconstruções o campo da leitura e, na medida em
que amplia sua leitura amplia também a sua escrita.
Cagliare (2004, p.165) aponta que “a criança precisa de todo o
tempo necessário para decifrar e analisar a escrita, para depois
então, produzir oralmente e de forma espontânea”.
25.0 Estudo sobre o que é
um peixe?”
Construção de Conceitos
25.1 As crianças elaboram
Antes de continuar com a leitura dos materiais coletados sobre o
projeto, a educadora questionou o grupo a respeito do que era um
peixe, uma vez que este era o tema do projeto, tinha se
descoberto algumas questões de acordo com as curiosidades
levantadas, mas ainda não se tinha conceituado o que era um peixe.
143
hipóteses
Construção de Conceitos
25.2 A busca no dicionário
Construção de Conceitos
25.3 O registro escrito
Projeto, Múltiplas Linguagens e
Instrumentos
Construção de Conceitos
Alguns começaram a decifrar:
- É um animal que vive na água. –M.
- Que tem nadadeiras. – W.
- Que solta bolhas de ar pelas brânquias. – P.
Partindo dessa descrição, a educadora convidou o grupo a buscar
no dicionário, para conferir se estava de acordo com as falas e se
havia algo a ser acrescentado. Assim, o conceito se formou:
PEIXE: É um animal vertebrado, que tem ossos. Ele vive na água
doce (do rio) ou salgada (do mar). Tem o corpo coberto por
escamas, tem nadadeiras e respira pelas brânquias ou guelras.
26.0 Realização da pesquisa
sobre como nascem os peixes
Projeto e Currículo
26.1 O registro com o dese-
nho e com a escrita
Projeto Múltiplas Linguagens
Dando continuidade na leitura dos materiais coletados, foi
descoberto desta vez, através, principalmente das ilustrações e, da
descrição de um almanaque, como nascem os peixes. O registro
dessa descoberta se deu primeiramente com o desenho e
posteriormente se descreveu o processo.
27. 0 Pesquisa sobre “Quanto
mede um peixe?”
Projeto e Currículo
27.1 Surge um problema: o
peixe a ser medido desa-
parece do freezer.
Projeto e Espaços (cozinha
pedagógica)
27.2 A solução do problema
27.3 As crianças dialogam
durante a experiência de
medir o peixe “vivo”
27.4 A exploração da trena
como instrumento de medida
de comprimento
Projeto e Currículo
27.5 A exploração da balança
como instrumento de medida
de massa
Projeto, Múltiplas Linguagens e
Instrumentos
27.6 As crianças dialogam
sobre os valores obtidos na
mensuração e na Pesagem
Projeto e Ação Docente
27.7 As crianças e educadora
registram as medidas
Projeto e Currículo
Para o próximo momento do projeto, foi agendado o laboratório de
enfermagem para realizar uma experiência. A educadora planejou
com o grupo este momento para descobrir quanto um peixe de
aquário mede de comprimento e largura e quanto ele pesa. A
experiência seria realizada com aquele peixe que morreu no
aquário, uma vez que a educadora havia solicitado à professora
Mônica para congelar o peixe e guardar na cozinha pedagógica.
Porém, outro imprevisto: no dia da experiência constatou-se que o
peixe havia desaparecido, chegando à conclusão de que alguém o
tinha posto fora. Como fica a experiência? O que fazer? Tudo estava
planejado, os meninos e as meninas da série estavam esperando
esta ocasião; a nutricionista M. também estava pronta a nos
acompanhar; o professor O. responsável em registrar o momento
através das fotos, não apareceu também. Sem peixe e sem foto.
- Ah profe, e agora?
- É, profe, como vamos fazer a nossa experiência?
- Quem será que foi mexer no nosso peixe?
- Será que foi profe K.? G. R. (referindo-se a educadora da
cozinha pedagógica).
- Eu acho que foi... – um grupo responde.
- Mas pode ter sido também a pessoa que faz a fachina, ela deve
ter achado que era lixo e colocou fora. – L. V.
- Profe M. onde é que você colocou o nosso peixe? indagou a
educadora de referência.
- Eu guardei na cozinha com a profe – respondeu.
Um grupo encaminhou-se para a cozinha com a educadora em
busca de uma resposta para o fato sucedido.
- Cadê nosso peixe? – L. eufórico pergunta.
- Que peixe? Eu não estou sabendo de nenhum peixe.
respondeu a profe
- O peixe para a turma da série fazer a experiência. É o peixe
que morreu no aquário e que foi trazido até pela professora M. para
144
ser guardado no freezer. – educadora.
- Mas eu não estou sabendo desse peixe. – profe
- Mas a profe Mônica disse que veio aqui e guardou junto com
você! – L.
Bem, o peixe misteriosamente desapareceu. Então, a educadora
teve uma idéia:
- E se nós pegarmos o peixe vivo do aquário para fazer a
experiência? Claro que dteremos que ser rápidos para não deixar
faltar oxigênio para o peixe. Teremos que pegar água do próprio
aquário. Medir e colocar ele na água para respirar... O que vocês
acham?
Todos concordam e vibram, mas reforçam:
- É, vamos ter que ter muito cuidado para não machucar ele e
nem deixar ele morrer, se não... – L. M.
A nutricionista concordou. Então, usando as vestimentas
apropriadas para a ocasião, a educadora e a nutricionista deram
início a experiência e, posteriormente a professora M. também
acompanhou o processo. As crianças observavam e
acompanhavam cada movimento. Expressavam o desejo de
estarem mexendo no peixe, porém o tempo era muito curto par lidar
com aquela vida que estava sendo alvo de uma experiência.
- Ele não para de se mexer!
- Ah, pobrezinho dele!
- Acho que ele quer respirar!
- Cuida para não apertar muito ele!
- Profe eu quero ver o número que deu aí na trena!
Através da trena para medir o comprimento e a largura e da
balança para medir o peso valores foram descobertos, algumas
comparações e relações feitas, por mais que não tivessem
construído e praticado o conceito de quilo, centímetro, grama, metro.
- Será que vai dar para medir a largura dele sem segurar ele? – P.
- Vamos tentar! – nutricionista.
- Conseguimos! – todos.
- Quem vai olhar o valor na trena? – educadora.
A maioria se coloca a disposição. Então a educadora divide em
grupos de ajuda: um grupo responsável para ver a medida do
comprimento, outro para ver a medida da largura e o terceiro para
ver o peso.
- Deu o número 4 de largura. – respondeu o grupo responsável.
- Mas esta medida foi com ele na bacia com água. Agora vamos
verificar rapidamente tirando ele fora da água. – nutricionista.
- Agora deu diferente! Deu o número 3. – grupo.
- Viu, os valores mudaram. Então o peixe mede 3 centímetros de
largura. – nutricionista.
O grande grupo mostra com os dedos o tamanho da largura
equivalente a 3 centímetros.
- Nossa que pequenininho! – L..
145
- Vamos medir agora o comprimento. Vamos fazer da mesma
maneira. Primeiro com ele se mexendo na água e depois com ele
fora da água. – nutricionista.
- deu 10! – o outro grupo.
- Dez o quê? – educadora.
- Deu 10 de comprimento! – grupo.
- Muito bem, deu 10 ....? De comprimento. 10 o quê de
comprimento? – insiste a educadora.
- Centímetros. – responde A. C. (do outro grupo).
- Vamos pegar o peixe e ver fora da água o comprimento.
nutricionista.
- Acho que vai dar diferente de novo! – G. M.
- Não deu! Olha agora deu o mesmo número que antes. – grupo.
- Então vamos pesá-lo, pois não podemos demorar muito com o
peixe aqui. Esta água é pouca para ele. – nutricionista.
- Eu acho que você vai ter que segurar o peixe encima da balança
se não ele vai se mexer e pular daí! – P.
- Então vamos fazer o seguinte: primeiro eu vou pesar o peixe
com a bacia e a água. Depois pesamos o peixe. Está bem?
nutricionista.
- Ta, mas daí esse não vai ser o peso verdadeiro, né? – E.
- Este vai ser o peso da água, da bacia e do peixe tudo junto.
educadora.
- Deu quanto? – nutricionista.
- Está marcando no número...1. Acho que passou um pouquinho.
– o grupo responsável.
- Então deu 1 quilo e 100 gramas. Um quilo porque marcou no um
e 100 gramas porque cada marquinha que está aparecendo depois
destes números vale 100 gramas, uma pequena parte para formar o
quilo. – educadora.
- Ah então se tivesse marcado dois risquinhos ia dar 200?! G..
M.
- Isso aí, ia dar 200 gramas, porque 100 mais 100 duzentos, é
duas vezes o cem. – educadora.
- O que tem a medida de 1 quilo que vocês conhecem ou que a
família de vocês compra no mercado? – nutricionista.
- Às vezes a mãe compra 1 quilo de carne.
- 1 quilo de presunto e queijo!
- E os pacotinhos de açúcar, ou de feijão, ou de erva, farinha,...
educadora.
- Eu nunca vi se é de 1 quilo... – G. R.
- Então observem em casa o que vocês encontram que é de 1
quilo. – educadora.
- Vamos ver então, quanto pesa só o peixe! – nutricionista.
- Eu acho que deve ser só 100 gramas, ele é muito pequenininho.
– L.
146
- É daí o 1 quilo deve ser a água e a bacia que é mais pesado que
o peixe. – L.
- Ah, eu não acredito! Não deu em nenhum mero e não deu no
risquinho. – P.
- Quase chegou no risquinho das 100 gramas. Ficou na metade
do caminho que vale 50 gramas. – nutricionista.
- Mas só isso! – L.
- É verdade. Porque 50 mais 50 é 100. – G. M.
Constatados os valores necessários o peixe voltou para sua casa,
o aquário e a turma para a sala de aula. Lá, realizou-se na folha do
projeto o registro de cada momento no laboratório e também dos
valores descobertos para posteriormente serem acrescentados na
teia de cada um. Enfatizam-se aqui as respostas do aluno G. M.
diante situações matemáticas na experiência: apresentou um
pensamento lógico mais complexo, realizando mentalmente as
relações e os cálculos envolvendo valores “altos”, afirmando com
precisão os resultados.
28. 0 As crianças descobrem
suas medidas: altura e peso
Projeto e Currículo
28.1 Registro das medidas em
gráficos
Projeto Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (ginásio de
esportes)
Partindo dessa situação, a turma deu continuidade aos estudos a
respeito dos sistemas de medida, partindo da altura de cada um,
equivalente ao comprimento do peixe, depois, a largura da cintura
de cada um e por fim, a medida de massa o peso. O registro das
medidas de altura de cada aluno foram expostas em um gráfico na
parede da sala e, as demais medidas cada aluno apontou em um
gráfico individual.
29.0 Exploração de obras de
arte de autores que explora-
ram o assunto em suas
pinturas
Projeto e Currículo
29.1 Conheceram obras de
Alexandre Filiage, Vera Silva,
Di Cavalcanti, Tarsila do
Amaral.
Projeto e Currículo
29.2 Escolha do artista e da
obra que gostariam de fazer a
releitura
Projeto Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (ateliê)
O projeto Peixes prosseguiu com a apreciação de telas e quadros
de alguns autores que retrataram contextos referentes ao assunto
de estudo. Entre estes autores estão Alexandre Filiage, Vera Silva,
Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral entre outros. A apreciação das
obras se deu na sala de audiovisual com o recurso da projeção de
imagens através dos meios tecnológicos computador e data-show.
Na apreciação, observou-se os tipos de cores utilizadas (tonalidades
fortes e fracas), o contexto apresentado, os tipos de linhas e os
estilos de cada autor. Em seguida, o grupo da série foi convidado
a escolher a obra que mais gostou, sendo que seria uma obra para
cada dois alunos, e a realizar o registro desta como forma de
rascunho para uma produção mais artística.
Em um outro momento, com o material necessário, já adquirido e
providenciado, pequenos grupos se direcionaram para o ateliê para
reproduzirem as telas e/ou quadros escolhidos, uma releitura de
obras de artes que produziriam, com efeito, novas obras de arte com
olhares diferentes.
As escolhas das obras ficaram assim definidas:
1. Obra: “Peixe” (Alexandre Filiage): W. e L.
2. Obra: “Peixe sol” (Janaína Coelho): L. e L. G.
3. Obra: “Peixe palhaço” (Vera Silva): M., J. e L.
4. Obra: “Peixes” (Vera Silva): G. R.
5. Obra: “Peixe azul” (Luciana Teruz): G.l M. e L. V.
6. Obra: “Sol poente” (Tarsila do Amaral): A. C e L. M.
7. Obra: “Os pescadores” (Di Cavalcanti): P. e N.
147
30.0 Estudo sobre os estados
físicos da água
Projeto e Currículo
30.1 Experiência com a água
no estado sólido, líquido e
gasoso.
Projeto e Currículo
Construção de Conceitos
Projeto e Espaços (cozinha
pedagógica)
30.2 A busca do significado no
dicionário e registro
Construção de Conceitos
30.3 A observação no aquário
para ver elementos nos
estados físicos da matéria.
Projeto e Espaços (sala do
aquário)
Outro conceito a ser trabalho pela turma seria a respeito dos três
estado da matéria, conteúdo apresentado no currículo institucional.
Estes conceitos também se relacionaram com o projeto, uma vez
que na observação do aquário discriminaram-se características de
objetos existentes (o que tem em um aquário). Realizou-se uma
experiência sugerida no sistema para a constatação e diferenciação
dos três estados físicos da matéria (sólido, líquido e gasoso) com o
gelo, a água e o vapor. A posteriori formou-se o conceito de cada
um, através das constatações feitas e do uso do dicionário:
1. Sólido: Que tem consistência, duro firme. Exemplo: gelo,
geleiras.
2. Líquido: Que corre, flui, não é consistente. Exemplo: água, leite,
suco.
3. Gasoso: Da natureza do gás, vapor. Exemplo: vapor da
chaleira, fumaça de carro.
Formado os conceitos, direcionou-se para o aquário da escola e
buscaram-se nele elementos que pudessem se enquadrar nos
estados físicos da matéria.
- O aquário é sólido, dá para pegar! É igual às formas geométricas
que nós estudamos, sólidas da para pegar. – L. G.
- As bolhas de ar da respiração do peixe é gasoso! – L.
- Igual a fumacinha que sai da nossa boca por causa do frio,
profe?! É também gasoso. – N.
- As pedrinhas, as algas e o peixe são sólidos, a gente pega. – L..
- E a água, o que é? – educadora.
- É molhada, escorre, não dá para pegar. – L. V.
- A água é líquida! – L.
31.0 Os alunos assumem a
limpeza do aquário e alimen-
tação dos peixes
Projeto e Espaços (sala do
aquário)
Diante da observação e localização dos elementos característicos
dos três estados da matéria, A. C averiguou que o aquário estava
com o vidro sujo.
- Devem ter esquecido de limpar o aquário, pobre do peixinho, a
água vai ficar toda suja.
N. então pergunta à educadora:
- Quem limpa o aquário profe? Quem dá comida pro peixe?
Como a educadora não tinha o conhecimento de quem estava
responsável pela limpeza do aquário e a alimentação do peixe
combinou com os alunos que iria se informar sobre o assunto e
depois os comunicaria. Esta movimentação levou o grupo, mediados
pela educadora, a formar pequenos grupos de limpeza, ou seja,
cada grupo áulico da sala seria encarregado por limpar o aquário na
terça-feira com o acompanhamento da professora M., assim, cada
semana um grupo ficaria encarregado desta função. A alimentação
ficou a cargo de um funcionário da escola.
32.0 Através da votação
assistem ao filme “O mar não
está pra peixe”
32.1 Diálogo das crianças
sobre o filme
32.2 Registro em desenho e
pintura na cartolina, a partir da
seleção de cenas do filme.
Projeto Múltiplas Linguagens
32.3 Exposição das obras
realizadas
Projeto e Espaços (ateliê)
As múltiplas linguagens percorrem este projeto. Chegou o
momento do filme. A educadora trouxe dois filmes que falavam
sobre peixes para que o grupo optasse por um para assistir: o filme
“Procurando Nemo 2” e o filme “O mar não está pra peixe”.
Primeiramente, grande parte escolheu a primeira opção,
posteriormente chegaram a conclusão de que valia mais a pena
assistir um filme que ainda não conheciam. Então o filme eleito foi
“O mar não está pra peixe”. O filme capturou o olhar atento de cada
um do início ao fim, vibravam com as cenas de perigo enfrentadas
pelos personagens principais, um peixinho chamado “Pê” e as
armadilhas do tubarão “Trói”, e também, com as conquistas, com as
amizades e com romance deste de “Pê” com a peixinha “Cornélia”.
Uma história divertida em que o peixinho não desiste de enfrentar os
problemas que acontecem em sua vida e para isso, conta com a
ajuda de uma equipe de amigos.
148
Algumas falas que surgiram durante o filme:
- Pobrezinho do Pê, ficou sozinho sem família.
- Ah, eu queria poder entrar na televisão para avisar os pais dele
para não ir nadar naquela parte do mar para os pescadores não
pegarem eles.
- Olha aquele ali é o Pê já grande! Ele cresceu!
- É já deve ter passado um tempo.
- Ah, eu queria ser o tubarão, ele é muito mais esperto.
- Eu queria ser aquela peixinha rosa.
- Eu também, ela é a mais bonita.
- Não é peixinha rosa. O nome dela é Cornélia.
- Então eu queria ser a Cornélia.
- Eu acho que o Pê não vai conseguri escapar do tubarão!
- Acho que o tubarão vai devorar o Pê!
- Eu acho que não, o Tortuga está ensinando ele para ele ficar
mais rápido e conseguir escapar do Trói. referindo-se Tortuga a
um polvo muito temido pelos habitantes do mar.
- Será que a Cornélia vai namorar o Trói?
- Acho que não, ela tem que ficar com o Pê.
- Ufa! Ainda bem com os amigos do apareceram, porque se
não, já eras...
Após a sessão cinema, cada um representou a cena do filme que
mais lhe agradou em uma cartolina, como se estivessem produzindo
um grande quadro. Inicialmente decidiram a cena que iriam
representar e então, começaram os desenhos para em um outro
momento fazer a pintura com tinta. As cenas escolhidas foram:
N. e L. V.: “O Trói indo dar um beijo na Cornélia e o Pê olhando”.
G. M. e G. R.: O Trói contra o Pê. O trói ficando preso no túnel
Boca de garrafa”.
A. C. e P.: “O e a Cornélia se beijando e os outros peixinhos
olhando”.
L. G., M. e L.: “O Pê e a Cornélia se beijando no final do filme”.
E.: “A parte que o e a Cornélia estavam pulando para fora do
mar para ver o céu”.
W.: “O Pê girando na água”.
L.: “O Trói indo pegar o Pê”.
L.: “O Pê fugindo do Trói, dando um giro super rápido”.
L. M.: “ O Trói indo bater com a sua nadadeira no Pê”.
L.: “O Pê pulando para fora da água com o seu amigo boto”.
J.: “O Pê pulando por cima do sino do pato”.
Com as obras prontas, organizou-se um painel no corredor da
escola para mostrar o trabalho artístico produzido pelos meninos e
meninas da sala Brilhante, em torno do filme relacionado com o
Projeto Peixes.
33.0 Exploração de histórias
em quadrinhos
Projeto e Espaços (sala de aula)
33.1 Produção de diálogos e
pequenos textos
Projeto e Espaços (sala de aula)
Projeto e Currículo
33.2 Leitura com tom de voz
adequada
Projeto, Múltiplas Linguagens
Projeto e Currículo.
33.3 Produção da escrita nos
Outra linguagem explorada foi a leitura de histórias em quadrinho,
a produção de diálogos e pequenos textos. As histórias em
quadrinho foram trazidas pelos alunos e também pela educadora, a
qual selecionou as que iriam ser trabalhadas. Através da história em
quadrinho a criança é provocada a realizar uma leitura mais curta de
uma história dividida em cenas; a ler a fala dos personagens de
acordo com o tipo de entonação de voz adequada. Em
conseqüência disso, o momento da produção se torna interessante,
uma vez que para produzir, interpretam os personagens como se
estivessem dentro da história, verbalizando uns aos outros as falas
e solicitando a ajuda do outro (colega) para a elaboração da escrita.
A história em quadrinho caracteriza-se por combinar a imagem
com o texto. Os balões encerram os discursos diretos com os
personagens e contêm o que eles dizem, pensam, murmuram,
gritam,... A linguagem utilizada é econômica, frases curtas. Os
traços fisionômicos dos personagens caracterizam os sentimentos
149
balões de uma história em
quadrinhos
Projeto Múltiplas Linguagens
33.4 Discussão teórica da
educadora
Projeto e Ação Docente
33.5 Teatro de fantoches a
partir da HQ
Projeto Múltiplas Linguagens
de alegria, tristeza, raiva, dor, medo,...
Inicialmente, explorou-se uma história em quadrinho encontrada
na internet pela educadora. Uma história de quatro cenas, curta e
com dois personagens: um peixe e um tubarão, os quais foram
relacionados com os personagens do filme. Esta HQ foi entregue
sem as falas para quê através da interpretação das cenas e do uso
da criatividade e imaginação pudessem criar a escrita para as
imagens. Somente depois da apresentação individual de cada um
para o grande grupo da história criada é que a educadora então,
entregou a HQ com as falas originais e assim, compararam suas
criações e relacionaram com o contexto primeiro.
As histórias em quadrinho não pararam por aí. Percebendo o
envolvimento das crianças com as mesmas a educadora continuou
as explorações com aquelas trazidas pelas crianças, pertencentes a
turma do Chico Bento e a turma da Mônica, o que foi oportuno para
analisar a forma de linguagem utilizada pelos personagens.
A exploração das HQ foi de várias maneiras: através de leitura,
teatro, teatro de fantoche, projeção no episcópio, produção de falas,
produção textual, representação através de desenhos, criação de
personagens, leitura da capa de uma revistinha localizando dados
importantes.
34.0 Análise da teia para
verificar o que ainda não
haviam pesquisado
Projeto e Ação Docente
34.1 As crianças e educadora
analisam a possibilidade de
entrevista com dono da loja de
aquários e peixes.
34.2 A elaboração da carta
convidando o senhor Luciano
para dar uma entrevista
Projeto, Múltiplas Linguagens
34.3 A investigação do en-
dereço
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (Secretaria)
34.4 A impossibilidade de
entregar a carta e o contato
por telefone.
Projeto e Ação Docente
34.5 As crianças e educadora
são surpreendidos com o
convite para ir até a loja, pois
o proprietário da loja não
poderia vir à escola dar a
entrevista.
Projeto e Ação Docente
34.6 O planejamento da visita
Projeto e Currículo
34.7 A decisão de comprar
peixes, juntando dinheiro.
A teia do projeto apontou que havia ainda três questões sobre os
peixes que não tinham sido encontradas nos materiais coletados e
nem nas pesquisas feitas na internet. A aluna L. sugeriu um possível
caminho para a descoberta destas dúvidas:
- Eu posso chamar o meu tio aqui, ele sabe tudo sobre peixe. Ele
tem uma loja de aquários e peixes. Foi ele quem montou o aquário
da escola.
Os colegas aprovaram a idéia de L. A educadora, também de
acordo, completou a sugestão inserindo alguns dados importantes a
se pensar:
- Ok. Poderíamos chamar o tio da L. e aqui realizarmos uma
entrevista com ele. Mas como vamos chamar ele para vir até aqui?
- Mas ele mora bem pertinho da minha casa, profe. É eu ir até
lá e dizer para ele vir aqui. – L.
- Como gostaríamos de fazer uma entrevista e chamar uma
pessoa que entende do assunto e que não é íntimo nosso, não é
nosso amigo, é somente tio e conhecido da L., temos que fazer este
convite de um jeito mais formal, através de uma carta, por exemplo.
- É, pode ser profe. – todos.
- Mas daí pode deixar que eu levo a carta, ta profe?! – L.
- Tudo bem. Então vamos começar? – educadora.
A escrita da carta foi sendo elaborada em conjunto educadora e
alunos, seguindo formalidades necessárias e as idéias expostas
pelas crianças, visando um objetivo em comum.
A carta assim ficou:
SANTO ÂNGELO, 19 DE JUNHO DE 2007.
SENHOR LUCIANO SOMMERMAIA
A TURMA DA SÉRIE B” DO COLÉGIO CENECISTA SE
TIARAJU GOSTARIA DE CONVIDAR O SENHOR PARA VIR ATÉ A
NOSSA SALA DE AULA E DAR UMA ENTREVISTA SOBRE
PEIXES DE AQUÁRIO, POIS ESTAMOS ESTUDANDO O
PROJETO “PEIXES”.
ESPERAMOS A SUA RESPOSTA.
Após esta escrita, coletou-se informações na secretaria da escola
a respeito do endereço correto da loja de aquários do Senhor L. S.
150
Com estas informações cada criança construiu um envelope e o
preencheu com a mediação da educadora. Como cada criança
produziu uma carta, foi sorteado um aluno para, em casa, passar a
limpo (escrever novamente) a carta para, então ser enviada pelo
nosso correio chamada L.
Porém não o que aconteceu. O aluno sorteado, L., levou a carta
para sua casa e a deixou . No dia seguinte, Leandro trouxe a
carta, preencheu o envelope com o timbre da escola e entregou a L.,
que por sua vez deixou a carta na sala. Como era uma sexta-feira,
coube a educadora realizar a entrega, uma vez que pensava-se em
receber esta visita na terça-feira, dia do projeto. O local para a
entrega estava fechado. Então, o convite teve que ser feito por
telefone. Desta informal, a educadora combinou com o L. que teria
sido feita a entrega da carta, a qual foi lida pelo telefona para que
ele tomasse o conhecimento necessário do texto escrito para o
confronto com possíveis questões do grupo ou da sobrinha L. Tudo
combinado. Minutos depois, L. liga dizendo que não poderia vir mais
na escola na terça feira, pois teria que viajar indicando seu
funcionário para responder as perguntas das crianças, mas com a
condição de que elas fossem até a loja, pois esta o poderia ficar
sem ninguém.
O grupo concordou em ir até lá, mas com a condição de comprar
pelo menos um peixe para colocar no aquário:
- Profe, então vamos juntar um dinheiro e trazer um peixe pro
aquário! – M.
- É, profe. Eu também acho, porque tem um no aquário, ele
está muito sozinho. Os outros já morreram. – G. M.
35.0 As crianças se deslocam
até a loja e utilizam-se da
orientação pelos pontos
cardeais.
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços: saída de
campo: quadras, ruas, avenidas.
35.1 Crianças e educadora
dialogam sobre o que encon-
tram.
Projeto e Relação Dialógica Entre
os Sujeitos
35.2 As crianças conhecem o
aquecedor do aquário
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (loja de
aquários)
35.3 O contato com o sistema
monetário: custo do aquece-
dor e dos peixes.
Projeto e Currículo
35.4 Diálogo sobre valores:
caro e barato, muito e pouco e
comparação com os valores
arrecadados por eles para
comprar peixes.
35.5 A tomada de decisão na
Chegado o dia do passeio de investigação. O grupo estava
preparado para realizar a caminhada pelas ruas até chegar na
Nutrisul Aquários e também, conseguiu-se coletar o valor de R$ 9,
50 para a aquisição de um peixinho.
Percorrido um caminho de seis quadras pela rua que fica atrás da
escola em direção ao norte, dobrou-se à direita e ao final da quadra
encontramos o local desejado.
- Chegamos! Olha que legal está cheio de peixes desenhado na
parede! – L.
- Tem até um cavalo marinho! – E.
- Olha o tamanho deste aquário! – L.
E esse peixe! Deve ser o maior de todos1 bem que nós
poderíamos comprar este! Imagina só! – M.
- Olha quantos peixinhos aqui! – P.
- Olha estes que diferentes! – W.
- Profe, nesse aquário tem um navio! Deve ser para os peixinhos
brincarem! – L. M. e L. G.
- Achei! Aqui nesse aquário tem os peixinhos que devem ser da
mesma família do peixe que tem lá na escola. – G. R.
- Profe, eu posso pedir para o Quinho testar o aquecedor que
eu trouxe?!G. M. (referindo a 2 aquecedores pequenos que trouxe
para colocar no aquário da escola, uma vez que foi descoberto que
a morte de um segundo peixinho deveria ser por causa do frio, da
água muito gelada e a escola não tinha dinheiro para comprar G.
resolveu emprestar os aquecedores de seus antigos aquários).
- Estão funcionando! Os dois! Mas estes são aquecedores para
colocar em aquários bem pequenos. No aquário que tem na escola
de vocês teria que ser um aquecedor mais potente, maior, como
este aqui. – explica Quinho, mostrando em um aquário.
- E quanto custa um aquecedor grande assim? – educadora.
- Custa uns R$ 130, 00. – Quinho.
- Cruzes! Que caro! Por isso que a escola não tinha dinheiro para
comprar! – E.
151
hora da compra dos peixes.
35.6 Os peixes são colocados
no aquário da escola, nomea-
dos pelas crianças e fixados
os nomes através da escrita
em etiquetas na frente do
aquário
Projeto e Relação Dialógica Entre
os Sujeitos
Projeto e Espaços (sala do
aquário)
35.7 As crianças e educadora
dialogam sobre a possibili-
dade de comprarem mais
peixes para o aquário.
Projeto e Ação Docente
35.8 Decisão de fazer uma
ação entre amigos para
comprar peixes e o aquecedor
Projeto e Ação Docente
35.9 Arrecadação da quantia
de R$160,00: R$130,00 para
comprar o aquecedor e R$ 30,
00 para comprar os peixes.
Projeto e Currículo
35.10 A resolução do proble-
ma: quantos peixes compra-
remos com R$ 30,00 se cada
peixe custa R$ 5,00?
Projeto e Currículo
35.11 Discussão teórica da
educadora
Projeto e Ação Docente
O grupo reuniu-se então para questionar Quinho a respeito de
três perguntas do projeto:
- Que tipo de comida os peixes de aquário comem? – L.
- É, porque os de rio comem minhoca, né! – M.
- É, e tem peixe de aquário que come ração de farelo, né?! Igual o
da escola. –N.
- Isso mesmo. Os peixes de aquário comem ração. Esta ração
pode ser de dois tipos: ou de farelo ou de bolinha. explica Quinho
mostrando os tipos de ração.
- Quanto tempo um peixe vive? – L. G.
- Depende o tipo de peixe e os cuidados com ele. Tem peixe que
vive até 15 anos. – Quinho.
- Os peixes têm dente? – G.l R.
- Alguns sim, outros não. Aqui na loja nós tínhamos algumas
piranhas, que têm dente, mas vendemos tudo e agora eu não tenho
nenhum peixe com dente para mostrar para vocês. responde
Quinho.
- Quinho, e qual é o tipo de peixe que vocês colocaram na
escola? – educadora.
- São aqueles peixes daquele aquário ali. o os peixes que a
gente chama de Japonês. São os mais fortes para os aquários
grandes. – Quinho.
- E qual é o preço deles? – M.
- È R$ 5,00. – Quinho.
- Ah. Então vamos ver quantos peixes nós vamos poder comprar
com o dinheiro que juntamos. Se cada peixe custa R$ 5, 00 e nós
temos R$ 9, 50 quantos peixes nós vamos poder levar?
educadora.
- Acho que dois! – M.
Então vamos pensar. Se cada peixe custa 5. dois peixes dariam
quanto? – educadora.
- 10! – L.. G.
- E nós temos R$ 10, 00 ? – educadora.
- Não! – respondem todos.
- Nós temos 5 mais R$ 4, 50, falta R$ 0, 50 centavos para chegar
no 5 de novo. – educadora explica mostrando nos dedo.
- Ah. Então nós vamos ter que levar só um. – G. M.
- Mas eu posso fazer um desconto para vocês, daí vocês podem
levar dois por R$ 9,50. – Quinho.
O grupo vibrou.
- Ei! Que sorte a nossa. Ele vendeu faltando R$ 0, 50 centavos.
G. M.
Foi escolhido dois alunos para escolherem no aquário dois peixes:
M. e L. Um escolheu um peixe laranja com preto e outro, um
somente laranja. Os peixes foram colocados em um saquinho para
poderem ser levados pelo caminho de retorno à escola. Então L. G.
pergunta:
- Quanto tempo eles agüentam dentro do saquinho?
- Eles duram 1 ou até dois dias. – responde Quinho.
Retornamos para a escola com todo o cuidado para não
chacoalhar tanto o saquinho dos peixes, deveria ser observado. No
caminho de volta, outra rua, novas placas e pontos de referência
conhecidos pelos alunos.
Chegando na escola, os peixinhos foram colocados no aquário e
também batizados:
- Já sei, nó podemos colocar o nome do Pê para o peixinho
laranja com preto! – P.
- É mesmo. E o Pê tinha mesmo esta cor. – G. R.
- Ah, então a outra pode se chamar Cornélia! A namorada do Pê.
– L. V.
152
- É, só que em vez de ele ser toda rosa, ela é toda laranja. – L.
O nome dos peixes foi anexado no aquário para que todos
soubessem como chamar os peixinhos: o peixe laranja com
preto; Cornélia – o peixe laranja; Sepé Tiaraju – o peixe que
estava no aquário, laranja com branco.
Depois do passeio de investigação, as descobertas foram
colocadas na teia e uma discussão surgiu:
- Como nós vamos fazer esquentar a água sem o aquecedor?
educadora.
- É. Se desse aqueles do Gabriel M. estava resolvido, mas não
dá, é muito pequeno. – L.. V.
- Ah, profe, nós podíamos juntar mais dinheiro para comprar mais
peixinhos para o aquário, né? – M.
- Podemos. Mas como? - educadora.
- Vamos vender uma rifa! – L. M.
- Boa idéia. Nós poderíamos fazer uma ação entre amigos para
coletar dinheiro. – educadora.
- Tá, mas o que a gente vai dar para quem comprar a rifa? – M. e
P.
Esther Pillar Grossi (apud ROCHA, 2005, p.129) relata que
[...] os alunos necessitam sentir-se unidos pelos
mesmos objetivos cognitivos, irmanados numa busca que
os insere num grupo, porque somente neste caso estarão
criadas e asseguradas as condições de reais
aprendizagens uma vez que aprender é visceralmente um
fenômeno social.
A educadora explica então, como funciona uma Ação entre
amigos, como é feita, como é vendida. Todos concordam. Então
estipulou-se um valor de R$ 0,50, que era o valor que cada um
havia contribuído para comprara aqueles dois peixes.
- Profe, mas daí quê que adianta ter bastante peixe e não ter um
aquecedor? Eles vão acabar morrendo. – L.
- É mesmo profe, e agora? – L. V.
- Então vamos fazer a ação entre amigos para comprar o
aquecedor e os peixes. – G. R.
- Só que o valor do aquecedor é caro, custa R$ 130, 00.
educadora.
- Então nós podemos aumentar o valor da ação entre amigos e
cada um vender bastante. – E. e L.
- Combinado. Então vamos colocar o valor de R$ 1, 00 e cada um
vende 10. pode ser? – educadora.
- Pode. – respondem todos.
- Se cada um vender 10 valendo R$ 1, 00 cada, quanto cada um
juntará? – educadora.
- R$10, 00 reais! – G. M.
Os colegas olham para G. M. e tentam chegar neste mesmo valor
a educadora e Gabriel mediam esta ação, mostrando com os dedos
os valores e o processo para se chegar em 10 reais. Em seguida,
descobriu-se quanto daria ao todo, somando os dez reais de cada
um, relacionando com as dezenas do material dourado. Com o valor
determinado, a educadora então, realiza o cálculo no quadro
questionando os alunos sobre a diminuição dos valores. Assim: dos
R$ 160, 00 reais coletados, R$ 130,00 seriam para comprar o
aquecedor e R$ 30, 00 para gastar em peixes, isto se todos
conseguissem vender as dez folhas da ação entre amigos. A
educadora provoca, neste momento, as crianças a contarem de
cinco em cinco para verificar quantos peixes dariam com R$ 30,00
chegando à conclusão de 6 peixes.
Posteriormente as situações problemas surgidas, envolvendo o
sistema monetário, multiplicação, divisão, adição e subtração,
elaborou-se coletivamente o texto escrito que estaria na Ação entre
153
Amigos para que fosse digitado e impresso.
Com os blocos organizados a etapa das vendas e da divulgação
iniciou. Os alunos ficaram encarregados de oferecer para suas
famílias, amigos e vizinhos e também mobilizar a escola (alunos,
professores e funcionário). Teriam assim, uma semana e três dias
para a venda. Rocha (2005, p.25) expressa que “[...] os laços de
pertença dos indivíduos de um grupo social transformam-se
constantemente a medida em que um grupo
social se consolida
como tal em prol de metas específicas e determinadas”.
36.0 Pesquisa sobre a sereia
Construção de Conceitos
36.1 Desenho de como ima-
ginavam uma sereia e levan-
tamento de hipóteses sobre o
que pensavam a respeito
Projeto Múltiplas Linguagens
36.2 Análise de imagens na
sala de audiovisual
Construção de Conceitos
Projeto e Espaços (sala de
audiovisual)
36.3 Diálogo sobre o que
observam, suas impressões e
crenças.
Construção de Conceitos
36.4 Leitura de reportagens e
constatação de que sereia não
existe
Projeto e Currículo
Construção de Conceitos
36.5 A pesquisa no dicionário
para conhecer o significado da
palavra “sereia” e o registro
escrito
Projeto Múltiplas Linguagens
Construção de Conceitos
Enquanto isso, restaram no projeto as curiosidades sobre a
Sereia. Por isso, o próximo momento seria planejado para esta
discussão.
A educadora distribuiu uma folha para cada aluno, contendo
perguntas como: Você acredita em sereia?; Existe ou não existe?;
Onde estão?; O que fazem?. Através das perguntas deu-se início a
discussão e posteriormente cada uma escreveu o que pensava a
respeito e também desenhou como imagina que seria uma sereia.
- Eu acho que sereia existe!
- Eu acho que não existe, só em filme.
- É, em desenho também tem!
- Elas vivem no mar!
- São lindas!
- È um pedaço mulher e um pedaço peixe!
- É, daí elas saem para fora para respirar, porque a parte que é
metade mulher não consegue respirar embaixo da água.
- Elas só aparecem para as pessoas quando elas querem.
- O rabo delas é que nem a cauda do peixe, cheio de escamas.
Só que é bem maior, né!
- Elas nadam assim, oh! – representando com o corpo.
- É, sereia existe!
Após a discussão, o grupo encaminhou-se para a sala de
audiovisual para ver imagens sobre a sereia, provocar novas
discussões, confirmar as hipóteses, ou confrontar o imaginário com
o real, reconstruindo e reformulando idéias.
Diante das primeiras imagens, o imaginário, a beleza, a fantasia,
o sonho entraram e refletiram nas falas:
- Ah!Olha que linda!
- Viu! Ela está sentada na pedra para respirar!
- Olha que comprido é o cabelo dela!
- A pequena sereia!
- A, esta não é de verdade, é só do filme!
- Ah, mas eu queria ser que nem a pequena sereia...
- Essa é mais bonita!
- É. Esta é a verdadeira! Olha a cauda dela!Está se mexendo.
- É mesmo. A cauda desta sereia é diferente. Esta é verdadeira.
- Ah! Uma sereia de metal! Claro que não é verdadeira!
- É, né. Essa é uma estátua de sereia!
- É tipo um chafariz de sereia.
- Olha! Uma sereia de areia!
- Que legal olha o jeito que ele ta fazendo! Ta muito igual a uma
sereia de verdade!
- Olha essa então! Uma sereia sentada. Como será que
conseguiram fazer ela assim?!
- Será que é de areia mesmo?
- Ui! O quê que é isso?!
- Ai que nojo!
- Tira esta imagem profe! Se não depois eu vou sonhar com este
esqueleto!!
- Meu! É um esqueleto de sereia!
- Olha só aparece os ossos e nadadeira ali na cauda!
154
- Mas como tem cabelo?
- Deve ser o esqueleto de uma sereia morta, encontrada na praia!
- È, deve ter sido encontrada pelos pescadores!
- Quando a pessoa morre, no caixão o cabelo e as unhas
continuam crescendo. Por isso ela ta com cabelo.
- É. E o cabelo está bem branquinho, ela já devia ser velha.
- Mas pode ser também que esse esqueleto faz tempo que foi
encontrado e daí o cabelo cresceu branquinho assim!
- Olha só que nojo! Chega dar medo!
- Olha o tamanho das unhas!
- Ah! Viu! Eu disse que as unhas continuam crescendo!
- Aparece bem direitinho as nadadeiras!
- Será que quando a gente morre a gente fica assim?!
- Claro que bem assim não, né! Mas também deve parecer um
esqueleto.
- E agora quem acha que sereia existe? – educadora.
Todos ergueram as mãos.
- Quem estava com dúvida, ainda está?
- Não!! – respondem em coro.
- Profe, então sereia existe! Se encontraram elas na areia, elas
foram trazidas pelo mar! – G. M. e G. R.
Em seguida a educadora explica de onde conseguiu as últimas
imagens e faz uma leitura do texto escrito que as acompanhavam.
Minutos de silêncio, como se não estivessem acreditando no que
estavam ouvindo.
- Mas como profe?! – P. e L.
- Ah eu não acredito! Era só para enganar a gente! – E.
- Mas aquela era de verdade né?! – G. R.
- Ta, então sereia não existe?!
- Mas como as pessoas conseguiram fazer esta montagem,
profe? – N.
- Mas aquela que estava na cachoeira era de verdade, né?
insiste G. R.
- Claro que não G.! Sereia não existe! Não esvendo que foi
tudo montagem! – E.
A educadora conta como surgiu o ser que se nomeou Sereia e,
depois disso, o grupo retornou para a sala de aula, alguns ainda
inquietos com as descobertas, outros já com um novo significado
para, e outros ainda, chocados com as imagens e com a dúvida
ainda presente. Na sala, realizou-se a busca no dicionário e
acrescentando com as conclusões obtidas através da leitura do
texto que acompanhava as imagens dos esqueletos de sereias,
construiu-se um novo parecer.
É UM SER MITOLÓGICO, UM MITO, METADE MULHER
METADE PEIXE.
A LENDA DIZ QUE A SEREIA É UMA MULHER SEDUTORA
QUE ATRAI OS PESCADORES COM SEU CANTO
37.0 Brincadeiras com jogos
de quebra-cabeça de sereias
e esculturas de sereia na areia
Projeto Múltiplas Linguagens
Projeto e Espaços (praça)
A partir disso, explorou-se jogos de construção com quebra-
cabeças de sereias e esculturas na areia, no parquinho da escola.
38.0 Construção de uma tela
com uma cena de aquário,
pintada com tinta acrílica em
plástico.
Projeto Múltiplas Linguagens
Outro momento de construção sobre o projeto foi a projeção de
imagens de peixes, algas, pedras em um painel gigante de plástico,
pintado a fim de representar um grande aquário, o qual seria depois
de pintado com tinta específica para plástico, exposto na parede do
ambiente em que o aquário da escola fica localizado.
155
Projeto e Ação Docente
38.1 Divisão das partes da
tela para cada grupo de
trabalho
Projeto e Espaços (Brinquedote-
ca)
38.2 Exposição da tela na sala
do aquário
Projeto e Espaços (sala do
aquário)
39.0 Planejamento da culmi-
nância do projeto, por parte da
educadora e das crianças
Projeto e Ação Docente
39.1 Os grupos áulicos assu-
mem diferentes funções e
conteúdos a serem apre-
sentados a outras crianças,
educadores e pais
Projeto e Ação Docente
39.2 Socialização do projeto
com outras crianças, pais e
educadores.
Projeto e Currículo
Projeto e Espaços (sala de aula,
brinquedoteca, sala do peixe,
corredor da escola).
39.3 Discussão teórica da
educadora
Projeto e Ação Docente
Com as descobertas realizadas o projeto peixes chega em seu
momento de culminância. No planejamento feito com os pequenos
grupos áulicos, ficou decidida a apresentação em torno das histórias
em quadrinho, da exposição da teia da sala, das telas produzidas,
do painel gigante, acompanhados das imagens e descobertas sobre
a sereia. O público escolhido para prestigiar este momento seria as
seguintes turmas: grupo 2 da Educação Infantil, 1ª série A e 2ª série.
Seriam também convidadas: a coordenadora pedagógica Gilvane, a
coordenadora geral Carmem, a professora Mônica.
Os grupos organizaram-se na brinquedoteca da escola para a
construção e/ou término de obras:
1. Término da pintura do painel dos peixes: E., P. e G. R.
2. Construção dos fantoches para a apresentação da história em
quadrinho da turma do Chico Bento “O próximo é maior”: L., W. e M.
3. Construção de fantoches para a apresentação da história em
quadrinho da turma do Chico Bento “Pescando” através da projeção
de imagens no episcópio: G. M., N. e L.
4. Construção de máscaras para a dramatização da história em
quadrinho “Piteco sem sobremesa”: L., A. C. e L. M.
5. Planejamento e confecção dos convites: L. G., L. V. e L.
Os grupos tiveram exatamente três dias para a construção e o
ensaio das apresentações mediados e orientados pela educadora
de referência, pois os dias letivos estavam se aproximando das
férias de inverno.
A organização do momento para as apresentações foi dividida em
dois espaços:
1. Na brinquedoteca: Apresentação das histórias em quadrinho
sobre peixes.
Dramatização “Piteco sem sobremesa”: uniram-se dois
grupos áulicos para a quantidade de personagens dar exata.
Componentes: P., L., L. M. e L. V, A. C., G. R.
Teatro de fantoche – “O próximo é maior”: L., W. e M.
Projeção no episcópio – “Pescando”: N., G. M. e L..
2. Ambiente do aquário: Exposição de obras de arte.
Apresentação e explicação das telas e da teia do projeto: L.
Apresentação das imagens e descobertas sobre a sereia e
divulgação da ação entre amigos: L. G.
Apresentação e explicação da construção do painel gigante: E.
Ao término da apresentação para os alunos, professoras e
coordenadoras o grupo manifestou o desejo de apresentar também
para os pais. Porém, o tempo já havia se esgotado para a produção
de convites. Então, decidiu-se, com a autorização da coordenadora
geral da escola, convidar os pais. Porém, cada criança ficaria
responsável de levar o convite oralmente, para no dia seguinte,
também último dia de aula do 1º semestre de 2007, realizar a
apresentação.
No último dia, além da organização dos materiais, da sala e da
apresentação do projeto para os pais, efetivou-se a conferência do
156
valor adquirido com a ação entre amigo. Enquanto alguns grupos
realizavam tarefas de escrita, outros estavam envolvidos na
prestação de constas com a educadora. Este grupo após a
contagem silenciosa da educadora realizava outra contagem para
conferir os valores. Assim, chegava-se a um valor verdadeiro e
correto, e proporcionava-se as crianças o manuseio com cédulas
reais envolvendo valores de: um, dois e dez reais, e moedas de 5,
10, 25, 50 centavos.
Conferido o dinheiro, o grupo fez a soma total. Descobriu-se
assim, que o objetivo o tinha sido alcançado, pois algumas folhas
das ões entre amigos não tinham sido vendidas. Logo, diminuiria
as compras. No entanto, o valor reunido chegou ao total de R$
147,00 divididos em R$ 130,00 para o aquecedor e o restante para a
compra de peixes. Este restante mostrou que a quantidade de
peixes a serem comprados diminuiria, mas o que realmente
importava era que dariam para ser comprados o aquecedor e alguns
peixes, mesmos que em quantidade menor.
- Ah, mas vai dar para comprar três peixes! – L. e E.
- É. Então ta bom. Eu achei que não ia dar para comprar nenhum.
– M. e N.
- Profe, então vamos lá na loja buscar !
- É, profe! Vamos na Nutrisul comprar o aquecedor e os
peixinhos!
Estavam ansiosos para efetivaram as compras com o dinheiro
arrecadado nesta ação social promovida pela movimentação,
inquietação, necessidade e desejo do grupo. Porém, não daria
tempo suficiente, pois ainda teriam que se organizar para a
apresentação aos pais. Assim, ficou combinado que, a educadora
ficaria responsável em guardar o dinheiro no cofre da escola e
quando retornassem das férias fariam o gasto do valor adquirido,
com a finalidade pretendida.
Segundo Rocha (2005, p.14) “Um contrato entre vontades
singulares em prol das aprendizagens dos saberes escolares é fonte
da própria situação das ações sociais no interior da sala de aula e
da manutenção das trocas de conhecimento entre alunos, e entre
eles e o professor da turma”.
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