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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
GEISA DOS SANTOS LUZ
FIBROSE CÍSTICA: DES-VELANDO O SIGNIFICADO PARA A FAMÍLIA
MARINGÁ
2008
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GEISA DOS SANTOS LUZ
FIBROSE CÍSTICA: DES-VELANDO O SIGNIFICADO PARA A FAMÍLIA
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual de Maringá para a obtenção de título
de Mestre em Enfermagem junto ao
Departamento de Enfermagem inserida na
linha de pesquisa: O cuidado nos diferentes
ciclos da vida.
Orientador: Professora Drª Maria Dalva de
Barros Carvalho
MARINGÁ
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Luz, Geisa dos Santos
L979f Fibrose cística: des-velando o significado para a
família. / Geisa dos Santos Luz. -- Maringá : [s.n.], 2008.
126 f. : il. color.
Orientadora : Prof. Dr. Maria Dalva de Barros Carvalho.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá, Departamento de Enfermagem, 2008.
1. Fibrose cística - Doença crônica. 2. Fibrose cística
- Fenomenologia. 3. Fibrose cística - Vivência. 4. Fibrose
cística - Doença do beijo salgado. I. Universidade Estadual
de Maringá, Departamento de Enfermagem. II. Título.
CDD 21.ed.616.37
3
GEISA DOS SANTOS LUZ
FIBROSE CÍSTICA: DES-VELANDO O SIGNIFICADO PARA A FAMÍLIA
Dissertação apresentada à Universidade Estadual
de Maringá para a obtenção de título de Mestre
em Enfermagem junto ao Departamento de
Enfermagem inserida na linha de pesquisa: O
Cuidado nos Diferentes Ciclos da Vida
Aprovada em:______________________
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Maria Dalva de Barros Carvalho
Universidade Estadual de Maringá – UEM, PR
Prof. Drª. Elizabeth Ranier Martins do Valle
Universidade de São Paulo – USP, SP
Profª. Drª Lucia Cecília da Silva
Universidade Estadual de Maringá – UEM, PR
DEDICATÓRIA
Aos portadores de Fibr
Aos portadores de FibrAos portadores de Fibr
Aos portadores de Fibrose Cística e suas famílias pelas
ose Cística e suas famílias pelas ose Cística e suas famílias pelas
ose Cística e suas famílias pelas
conquistas no Brasil que proporcionaram melhores condições de
conquistas no Brasil que proporcionaram melhores condições de conquistas no Brasil que proporcionaram melhores condições de
conquistas no Brasil que proporcionaram melhores condições de
vida à população acometida pela doença.
vida à população acometida pela doença.vida à população acometida pela doença.
vida à população acometida pela doença.
AGRADECIMENTOS
À minha família, meu carinho eterno e minha gratidão por estarem comigo em todos os
momentos. Ao meu pai Maurílio, minha irmã Sheila e cunhado Tom por me
acompanharem em algumas viagens deste estudo.
À minha orientadora, Dalva, pelas suas palavras de incentivo que me acompanharam
desde a graduação. Uma pessoa que admiro e que tenho como exemplo de educadora,
cuidadora e filósofa. Obrigada por acreditar em mim!
Às queridas professoras, Sandra e Ieda, pelos ensinamentos e solicitude que
permearam ao longo da minha caminhada acadêmica, profissional e pessoal.
Às minhas amigas, Jéssica e Bárbara, por estarem comigo nos momentos alegres e
tristes. Vocês foram essenciais!
À Hosana, Cleuza e Carlos Alberto, a família que despertou em mim o desejo em
estudar Fibrose Cística.
À Associação de Assistência à Mucoviscidose no Paraná (AAMPR) agradeço pela
credibilidade e fornecimento dos dados das famílias deste estudo.
Às famílias, desta pesquisa, pelo carinho e receptividade que me receberam em suas
casas ou locais de trabalho. Sem vocês, este trabalho não existiria.
À Ellen pelo esforço e contribuição como bolsista deste projeto.
Às companheiras de Mestrado pelos bons momentos que partilhamos de estudos e
conversas.
LUZ, G. S. Fibrose Cística: desvelando o significado para a família. 2008. 128 f.
Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2008.
RESUMO
A Fibrose Cística (FC), também conhecida como Mucoviscidose, é uma doença
metabólica sistêmica de origem genética mais comum em caucasianos de origem
européia, e rara em asiáticos e negros. Descrita pela primeira vez por Andersen em
1938, apenas 20% das crianças sobreviviam até o primeiro ano de vida com uma
doença caracterizada pelo suor salgado, conhecida como “doença do beijo salgado”
negros. Com a evolução da genética e terapêutica aos pacientes de FC, observa-se
o aumento da sobrevida dos afetados nos últimos 30-40 anos. A experiência de ter
um membro portador de fibrose cística (FC) na família é um fenômeno que pode
promover alterações no viver e ver o mundo A FC exige da família um cuidar
contínuo de antibioticoterapia, enzimas, fisioterapia, inalação e preocupações em
relação ao cotidiano do portador. Entender a patologia, suas manifestações clínicas,
o manejo das terapêuticas e a vivência das famílias são condições fundamentais aos
profissionais de saúde que lidam com essa doença. Este estudo teve como objetivo
compreender a experiência das famílias de portadores de FC Utilizou-se o método
qualitativo, fenomenológico. Os dados foram coletados por meio de uma questão
orientadora: “O que é para o senhor (a) a experiência de conviver com um membro
portador de Fibrose Cística na família?” Os sujeitos da pesquisa foram 21 membros
de 14 famílias com portadores de FC, cadastrados na Associação Paranaense de
Assistência à Mucoviscidose (AAMPR), residentes nas regiões Norte e Noroeste do
Estado do Paraná (PR). Das suas falas foram apreendidas unidades de significado e
agrupadas em cindo categorias: peregrinação pelo diagnóstico e tratamento: a
busca do equilíbrio do ser-no-mundo; fibrose cística: um discurso desconhecido na
área da saúde; o mundo vida das famílias frente o diagnóstico da FC; a
intersubjetividade na FC; redes de apoio à FC: solidariedade e equidade. Os
resultados evidenciaram que as famílias passaram por períodos de revolta e
confiança em relação aos profissionais de saúde, principalmente, o médico. Quando
referiram ao período que precedeu o diagnóstico, a peregrinação foi mais traumática
nos diagnósticos tardios. O significado do diagnóstico precoce na família foi uma
experiência mais dolorosa que o diagnóstico tardio. No cuidado à doença, as
famílias sentiram-se impotentes e
limitadas em relação ao desconhecimento da doença na área da saúde. As mães
foram às principais envolvidas na doença desde a peregrinação pelo diagnóstico; em
segundo lugar, foram as avós. O cotidiano das famílias foi adaptado priorizando o
cuidado em FC, essa fase caracterizou-se como uma reorganização da estrutura
familiar. O envolvimento de outros familiares e amigos foi fundamental para aliviar os
sentimentos de negação do ser-portador-de-FC e medo da perda do filho. Entendem
as redes de apoio como uma ferramenta que permite a prática da solidariedade e
equidade entre as famílias que experienciam o mesmo fenômeno.
Palavras-chave: Família. Fibrose cística. Fenomenologia. Vivência.
LUZ, G. S. Cystic fibrosis: disclosing the meaning to the family. 2008. 128f.
Dissertation (Máster Degree)–Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2008.
ABSTRACT
The Cystic Fibrosis (CF), as known as Mucoviscidosis is a systemic and metabolic
disease genetically acquired and commonly affecting Caucasian subjects from
European ascendency and it is very rare among Asian and African subjects. It was
described at first time by Andersen in 1938, when only 20% of children survived until
the first year of life due to a disease characterized by having increased amounts of
sodium and chloride in their sweat, known as “salty kiss disease”. Following the
evolution in Genetics and Therapeutics is possible to realize that patients of CF
presented an increase of survival in the last 30-40 years. The experience lived by a
family member affected by CF is a phenomenon that may produce changes of life
and the way to see the world. This disease demands to the family a continuous care
of antibiotics therapy, enzymes, physiotherapy, inhalation and routine concerns about
the patient. It is essential to health professionals to understand the pathology, its
clinical manifestation, the use of therapeutics and the changes in the family
environment who are facing a CF patient. This study has the aim to understand the
family experiences with a CF patient. It was used a qualitative and phenomenological
method. The data were collected by a guiding question: “Could you explain what
does mean to you to live with a CF patient in your family? The subjects of the
research was composed by 21 members of 14 families who are facing a CF member
among them, registered in the Associação Paranaense de Assistência à
Mucoviscidose (AAMPR), living in the Northeast and North region of the Parana
State, Brazil. The data collected revealed units of meaning those were grouped in
five categories: peregrination by the diagnostic and treatment: the search for the
balance in belonging to the world; Cystic Fibrosis: an unknown discourse in health
area; life of the families that faced the CF diagnosis; the intersubjectivity in the CF;
support nets to CF: solidarity and equity. The results revealed that the families
experienced periods of anger and trust related to the health professionals, meanly
the physician. When referring to the period before the diagnostic, the peregrination
was more traumatic when the diagnostic was presented late. The meaning of the
early diagnostic in the family was a painful experience than the late one. When taking
care of the disease, the families felt themselves impotent and limited due to this
9
disease was not established by the health area. Mothers were primarily involved in
the disease since the peregrination to the diagnostic and secondly, the
grandmothers. The routine of the families was adapted prioritizing the care of CF and
this stage was characterized by a new organization of the familiar structure. The
involvement of other relatives and friends was fundamental to alleviate the denying
feelings of the CF member carrier and fear of losing his child. The support nets are
tools that permit the practice of solidarity and equity among families that experience
the same phenomenon.
Keywords: Family. Cystic fibrosis. Phenomenology. Experience.
LUZ, G.S. Fibrosis quística: descubriendo el significado para la familia. 2008. 128f.
Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2008.
RESUMEN
La Fibrosis Quística (FQ), conocida también como Mucoviscidosis, es una
enfermedad metabólica, sistémica y de carácter hereditario que ocurre más en
sujetos caucasianos de origen europea y es rara en asiáticos y negros. Fue descrita
la primera vez por Andersen en 1938, cuando sólo 20% de las crianzas sobrevivían
hasta el primero año de vida con una enfermedad caracterizada por el sudor salado,
conocida como “enfermedad del beso salado”. Con la evolución de la Genética y
Terapêutica a los pacientes de FQ fue observado um aumento de la sobrevida de
los sujetos afectados en los últimos 30-40 años. La experiencia de tener una
persona portadora de fibrosis quística (FQ) em la familia es un fenómeno capaz de
cambiar el modo de vivir y percibir al mundo. La FQ exige de la familia cuidados
continuos de la antibioticoterapia, enzimas, fisioterapia, inhalación y preocupaciones
con el cotidiano del portador. Los profesionales de la salud que trabajan con esa
enfermedad tienen que entender la patología, las manifestaciones clínicas, el
manejo de las terapéuticas y la vivencia de las familias pues son factores
fundamentales. Ese estudio tuvo como objetivo comprender la experiencia de las
familias de los portadores de FQ. Fue utilizado el método cualitativo,
fenomenológico. Los datos fueron colectados por medio de una pregunta de
orientación: “¿Para vosotros como describiría la experiencia de convivir con una
persona de la familia que fuese portadora de la Fibrosis Quística?” Los sujetos de la
investigación fueron 21 miembros de 14 familias con portadores de FQ, que fueron
registrados en la Associação Paranaense de Assistência à Mucoviscidose (AAMPR),
residentes en las regiones Norte y Noroeste de la Provincia del Paraná, Brasil. Los
datos colectados revelaron unidades de significado y agrupadas en cinco categorías:
peregrinación por el diagnóstico y tratamiento: la búsqueda de la armonía de ser en
el mundo; fibrosis quística: un discurso desconocido en el área de la salud; la vida
de las familias cuando hacen frente al diagnostico de la FQ; la intersubjectividad en
la FQ; las redes de apoyo a la FQ: solidariedad y equidad. Los resultados
evidenciaron que las familias tuvieron períodos de revuelta y confianza en relación a
los profesionales de la salud, principalmente el médico. Cuando refirieron al período
que ocurrió antes del diagnóstico, la peregrinación fue más traumática en los
diagnósticos tardíos. El significado del diagnóstico precose en la familia fue una
experiencia más dolorosa que el diagnostico tardío. En el cuidado a la enfermedad,
las familias se sintieron sin fuerza y con límites por el desconocimiento de la
enfermedad en el área de la salud. Las madres fueron las principales figuras
envueltas en la enfermedad desde la peregrinación por el diagnóstico; en segundo
lugar, fueron las abuelas. El cotidiano de las familias fue adaptado priorizando el
cuidado en la FQ, cuya fase tuvo como característica una nueva organización de la
estructura familiar. El envolvimiento de otros familiares y amigos fue fundamental
para aliviar los sentimientos de negación de la persona portadora de la FQ y el
miedo de la pierda del hijo. Las redes de apoyo son comprendidas como
herramientas que permiten la práctica de la solidariedad y equidad entre las familias
que tienen la experiencia del mismo fenómeno.
Palabras-clave: Familia. Fibrosis quística. Fenomenología. Vivencia.
PACIÊNCIA
(Lenine)
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não pára...
Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...
Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...
O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...
Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não...
A vida não pára!...
A vida é tão rara!..
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 13
2 REVISÃO DE LITERATURA..................................................................
17
2.1 Triagem Neonatal................................................................................. 17
2.1.1 Histórico da triagem neonatal................................................................. 17
2.1.2 Programa de Triagem Neonatal no Estado do Paraná.......................... 21
2.2 Fibrose Cística...................................................................................... 23
2.2.1 Principais manifestações clínicas........................................................... 27
2.2.2. Diagnóstico clínico..................................................................................
30
2.2.3 Tratamento............................................................................................. 31
2.2.4 Triagem neonatal na FC......................................................................... 33
2.3 Considerações sobre Fenomenologia............................................... 35
3 PERCURSO METODOLÓGICO............................................................ 40
3.1 Caminho ao encontro dos sujeitos.....................................................
41
3.2 Análise de dados.................................................................................. 42
4 COMPREENDENDO OS DISCURSOS................................................. 44
4.1 Conhecendo o ser-aí........................................................................... 44
4.1.1 Peregrinação pelo diagnóstico e tratamento: a busca do equilíbrio do
ser-no-mundo.........................................................................................
48
4.1.2 Fibrose cística: um discurso desconhecido na área da
saúde......................................................................................................
58
4.1.3
O mundo vida das famílias frente o diagnóstico de FC..........................
67
4.1.4 A intersubjetividade na FC......................................................................
91
4.1.5 Redes de apoio: solidariedade e equidade............................................ 104
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 111
REFERÊNCIAS......................................................................................
APÊNDICES ..........................................................................................
ANEXOS ................................................................................................
115
125
127
14
1 INTRODUÇÃO
O motivo que despertou meu interesse em estudar fibrose cística (FC) foi o
nascimento de uma criança que, com 30 dias de vida, recebeu o diagnóstico da
doença. Nessa época eu cursava o segundo ano de enfermagem na Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Era bolsista de um projeto de extensão em uma
comunidade, e alguns contatos e amizades então travados foram marcantes para o
meu envolvimento com FC. Um dia foi-me apresentada uma nova integrante
voluntária no projeto que era pedagoga e estava gestante. À medida que a fui
conhecendo, ela sempre comentava com preocupação como seria sua vida com o
nascimento do seu filho, pois estava desempregada, solteira e recém-chegada à
cidade. Independentemente das condições, o bebê era muito idealizado por ela e
pela família. Era o seu primeiro filho. Os nove meses se completaram e nasceu um
bebê aparentemente perfeito e sem nenhuma anormalidade. Todos estavam
satisfeitos e felizes, ele era saudável!
Passados alguns dias, em um telefonema, a mãe da criança me disse que
seu filho, por meio do “teste do pezinho”, tinha recebido o diagnóstico de uma
doença chamada fibrose cística. Ela me pediu ajuda, pois, segundo o médico,
tratava-se de uma doença complexa e a internet poderia ajudá-la a compreender
melhor. Desta forma, desesperadamente, ela começou a entrar em contato com
pessoas que conhecia para saber quais eram os sinais e sintomas dessa patologia e
onde buscar seu tratamento, que os médicos não a conheciam nem estavam
preparados para lidar com a doença e o doente. Os sentimentos de desespero,
revolta e medo dessa e me impulsionaram a buscar meios para desvendar os
mistérios que envolviam essa patologia. Inicialmente, entrei em contato com
professores do Departamento de Enfermagem, e desta forma foram surgindo as
informações tão esperadas. Foi grande o impacto que sofreram todos os que
estavam envolvidos nesta busca, principalmente a mãe do bebê.
Não foi cil ler: “As crianças com essa enfermidade morrem antes de
completarem 10 anos de vida”. A literatura e os sites nacionais eram em grande
parte desatualizados, além disso, era uma definição da doença aqui, sinais e
sintomas acolá e um recorte de jornal sobre o tratamento na Associação
Paranaense de Assistência à Mucoviscidose (AAMPR) na cidade de Curitiba. Foi um
quebra-cabeça que aos poucos foi definindo realmente o que era a FC, também
15
chamada de mucoviscidose ou, popularmente, de doença do beijo salgado”
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA A MUCOVISCIDOSE, 2007).
Habitar esse mundo aproximou-me de estudos sobre FC. No terceiro ano do
curso participei de um projeto de pesquisa intitulado: “Fibrose stica: uma
abordagem educativa”. A professora orientadora do projeto entendia a FC como um
problema de saúde pública que implicava na reeducação dos profissionais de saúde
para um novo modo de atuar na realidade das doenças genéticas detectadas no
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Várias pesquisas foram cruciais
para o nosso entendimento sobre a fragmentação e descentralização no
atendimento às famílias e portadores das doenças triadas no programa.
Penso como deve ser angustiante para a família encontrar profissionais de
saúde que desconhecem os cuidados em FC e, mesmo assim, ter que implorar
ajuda e, muitas vezes, oferecer seus bens materiais em troca da saúde do membro
adoecido.
Por meio dessa experiência acadêmica buscava cada vez mais me aproximar
daqueles que vivenciavam a doença. Uma vez, para conhecer a realidade da FC no
Estado do Paraná, fui visitar a AAMPR. encontrei dois portadores adolescentes
que moravam na Associação. Pareciam-me psicologicamente bem, mas eram
diferentes. O rosto, os olhos, o rax, a coloração da pele, a voz, o peso e a postura
foram características que me chamaram a atenção e causaram estranhamento. Foi
uma visita muito interessante. Conheci a estrutura da associação, a equipe de
profissionais e o presidente da associação. Logo fui convidada pelo médico
especialista em FC para acompanhá-lo em suas consultas no Hospital de Clínicas
(HC) - Universidade Federal do Paraná (UFPR). Encontrei ali muitos pais com os
seus filhos no colo. Naquela sala de consultório via nos olhos dos pais toda a
confiança e esperança depositada nas mãos dos médicos e residentes. Observei
então que existiam dois tipos de portadores de FC: portadores com diagnóstico
tardio, como era o caso daqueles adolescentes da associação, e portadores com
diagnóstico precoce, que eram as crianças nascidas a partir de 2001, nas quais a
doença fora detectada pelo “teste do pezinho” (BRASIL, 2001).
Por meio dessa vivência passei a me preocupar não só com a imagem
corporal do portador, mas também com a vida interior da família e portadores da
doença. Tentava imaginar o que comprometia o núcleo familiar diante o diagnóstico
de uma doença que demandava cuidados para o resto da vida.
16
Alguns contatos via internet por meio de sites de relacionamentos me
ajudaram a explorar este complexo problema de ter um portador de FC na família.
Encontrei muita frustração, desespero, medo e revolta antes e depois do
diagnóstico. Isso me incomodava e fazia-me refletir cada vez mais sobre esta
vivência das famílias com um membro portador de FC.
A FC, por ser uma doença incurável, é de difícil aceitação para o portador e
para os membros de sua família. O tratamento contínuo com antibióticos, inalações,
enzimas, fisioterapia e internações se traduz em uma situação desgastante e de
extrema sensibilidade. Os pais, de algum modo, sentem-se responsáveis pela
condição do filho e não raras vezes se culpam mutuamente ou acusam o cônjuge
pela doença do filho.
Entendo que, diante do diagnóstico de FC, são dispensados à família todos
os planos de saúde plena no momento da aceitação da doença e do filho não
idealizado. Esse fenômeno conturbado pode ser amenizado à medida que são
fornecidas informações sobre a patologia, o tratamento e os recursos disponíveis. O
Grupo Brasileiro de Estudos sobre Fibrose Cística (GRUPO BRASILEIRO DE
ESTUDO SOBRE FIBROSE CÍSTICA, 2007), por meio do relato da e, assevera
que o modo como a família enfrenta a doença pode se refletir nos aspectos
emocionais e clínicos do membro acometido.
A revelação do diagnóstico de uma doença crônica traz para a família,
principalmente para os pais, a perspectiva de um novo mundo, um novo modo de
ver o mundo: um mundo de limitações, próprias da doença, de experiências
constantes com exames e hospitalizações, de reorganização da vida cotidiana, de
enfrentamento de medos, decepções e, principalmente, de convivência contínua
com proximidade da morte.
Dar voz a essa família, compreender sua experiência, possibilita reconhecer a
dimensão existencial do fenômeno e subsidia a ação e formação dos profissionais
de saúde.
A experiência com o fenômeno do adoecimento de um membro envolve
aspectos subjetivos de difícil percepção e compreensão para os profissionais de
saúde que vivenciam o cenário, pois exige destes profissionais saberes que vão
além do conhecimento técnico-científico (MARTÍNEZ et al., 1999).
Compreender a dinâmica das emoções vivenciadas na relação
família/portador de FC passou a ser instigante para mim. Intuo que, por meio do
17
discurso da família, outras inquietações irão se manifestar. A família é quem sofre
todos os embates da doença e se organiza para o cuidado ao ente adoecido.
Assim, a vivência da família com portador de FC é o fenômeno-alvo deste
meu estudo. Adentrar a experiência de cada família é apreender os significados do
seu cotidiano, é lançar-se na sua história, no seu mundo de alegrias,
constrangimentos, preconceitos, revoltas, sofrimentos, medos e lutos.
Neste sentido, este estudo tem como objetivo compreender a experiência da
família de um portador de FC. Para atingi-lo, optei pela pesquisa qualitativa com
abordagem fenomenológica, por ser esta uma abordagem que favorece a
compreensão do fenômeno como ele se manifesta para quem o vivenciou.
O presente estudo foi estruturado em seções de forma seqüencial, articulados
entre si, expressando a trajetória dessa caminhada.
Na revisão de literatura enfoco a triagem neonatal para contextualizar o
diagnóstico precoce na FC. Em seguida abordo a fibrose cística em relação à
genética, à epidemiologia, a momentos históricos, manifestações clínicas,
tratamento e rede de apoio. Abordo a fenomenologia explicitando a sua importância
na área da saúde.
A seguir exploro a trajetória metodológica, ou seja, o caminho percorrido em
busca de respostas às minhas inquietações relativas à vivência da família com um
membro portador de FC. Apresento as regiões Norte e Noroeste do Paraná do
Estado do Paraná, a Associação Paranaense de Assistência à Mucoviscidose
(AAMPR) e os participantes, e descrevo as etapas da coleta de dados. A análise dos
discursos das famílias ocorreu segundo a abordagem fenomenológica, utilizando
como referencial as etapas de análise segundo Martins (1992).
Na próxima seção está todo o processo de reflexão e compreensão, e nele
procurei desvelar e mergulhar no mundo-vida da vivência da família com portador de
FC. Nele também apresento as categorias dos discursos das famílias.
Como última etapa do trabalho, exponho as considerações das vivências das
famílias estudadas, relacionando os fenômenos vividos entre os sujeitos.
18
2 REVISÃO DE LITERATURA
A FC é considerada uma doença de alto impacto biológico, social e emocional
no momento p e pós-diagnóstico, deste modo abordarei sobre os principais
aspectos que envolvem a doença na família.
2.1 Triagem Neonatal
O termo triagem, que se origina do vocábulo francês triage, significa seleção,
separação de um grupo, ou mesmo escolha entre inúmeros elementos, e define, em
Saúde Pública, a ação primária dos programas de triagem. É um todo de
detecção por meio de testes aplicados numa população ou em grupo de indivíduos
com elevada probabilidade de apresentar determinadas patologias. Denomina-se
“triagem neonatal” o rastreamento específico de patologias na faixa etária de três a
trinta dias de vida. Neste tipo de triagem, além das doenças metabólicas, poderão
ser incluídos outros tipos de patologia, como as hematológicas, as infecciosas, as
genéticas e outras (BRASIL, 2002).
Triar um recém-nascido (RN) significa identificar, dentro de uma população
considerada “normal”, as crianças que estão em risco de desenvolver uma doença
metabólica, de modo a possibilitar uma investigação acurada (confirmando ou
excluindo) com vista a uma intervenção preventiva ou terapêutica em tempo hábil
(SOUZA, 2002).
“Teste do pezinho” é uma expressão popular utilizada para referir-se à
triagem neonatal. Esta associação de nomes ao exame surgiu de uma pesquisa
realizada pela enfermeira Tereza Freitas, em sua tese, nos hospitais dos municípios
de São Paulo e Rio de Janeiro. Esse estudo foi um marco expressivo na história da
enfermagem preventiva no Brasil (FREITAS, 1990).
19
2.1.1 Histórico da triagem neonatal
Alguns anos atrás as crianças portadoras de alguma doença metabólica
nasciam sem nenhuma expectativa de vida, muitas vezes por falta de recursos
tecnológicos para o diagnóstico e tratamento precoces. Pesquisadores atentos a
este problema da saúde pediátrica começaram a investigar uma forma de detectar
essas doenças, com vista à prevenção de seqüelas irreversíveis e a melhor
qualidade de vida das crianças e suas famílias.
Robert Guthrie (1916-1995), pediatra e microbiologista da State University of
New York, em Buffalo, iniciou o trabalho de pesquisa na área de prevenção de
doenças mentais após a experiência de ter tido um filho com um tipo de deficiência
mental. Elaborou um teste para a detecção da fenilcetonúria, que consistia na
inibição bacteriana com o bacillus subtilis, usando um disco de papel-filtro embebido
de soro do paciente (UNIÃO NACIONAL DOS SERVIÇOS DE REFERÊNCIAS DE
TRIAGEM NEONATAL CREDENCIADOS, 2007; TUOTO, 2007).
Em 1961 Guthrie teve uma sobrinha com fenilcetonúria que foi diagnosticada
por meio do teste do cloreto férrico, porém a menina tinha 15 meses e
apresentava autismo e atraso no desenvolvimento. Inquieto, o Dr. Guthrie buscava
um método mais eficiente para a detecção da doença, de modo que as crianças não
se tornassem sequeladas por deficiência mental. Assim, desenvolveu a técnica da
punção plantar, na qual o sangue era coletado em um papel-filtro (Figura 1)
(FUNDAÇÃO ECUMÊNICA DE PROTEÇÃO AO EXCEPCIONAL, 2005).
Figura1 - Dr. Guthrie em coleta de sangue do calcâneo em papel-filtro, 1961.
Fonte: Tuoto (200-?]).
20
A triagem neonatal para fenilcetonúria teve início nos Estados Unidos, em
1961, em Jamestow, Estado de Nova York, com incentivo do então presidente dos
Estados Unidos John F. Kennedy, que tinha um irmão com retardo mental (BRASIL,
20-¿). O Estado de Massachussets foi o primeiro a implantar o “teste do pezinho”
como lei, em 1963, exigindo que todos os recém-nascidos realizassem o teste para
a triagem da Fenilcetonúria (FUNDAÇÃO ECUMÊNICA DE PROTEÇÃO AO
EXCEPCIONAL, 2005). Em 1964 esse autor publicou os resultados de um estudo-
piloto com 400.000 recém-nascidos em 29 estados norte-americanos, os quais
comprovavam a eficácia do método na identificação precoce da fenilcetonúria, o que
motivou a adoção imediata de programas de triagem neonatal em diversos desses
estados. O teste de triagem neonatal passou a ser recomendado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) a partir de 1968 (TUOTO, 2007).
No Brasil, a triagem neonatal foi introduzida pelo pediatra Benjamin Schmidt
no ano de 1976. De início, o rastreamento neonatal foi obrigatório somente no
Estado de São Paulo por Lei Estadual n.º 3914 de 14/11/1983. Desde então, todas
as crianças nascidas nos hospitais e maternidades da rede pública estadual foram
rastreadas para a detecção do Hipotireoidismo Congênito e Fenilcetonúria. Iniciou
com a detecção da fenilcetonúria e prosseguiu, mais tarde, com o hipotireoidismo
congênito. Em 1992 a triagem neonatal tornou-se obrigatória em todo o país, por
meio de uma norma federal (Portaria GM/MS 22, de 15 de janeiro de 1992)
(BRASIL, 2002; BRASIL, 1990).
Em 6 de junho de 2001, através da Portaria GM/MS nº 822, o Ministério da
Saúde (MS) instituiu o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), com o
objetivo de ampliar as doenças triadas, regulamentar as ações de Saúde Pública em
triagem neonatal incluindo as doenças falciformes, outras hemoglobinopatias e a
fibrose cística (BRASIL, 2001; SILVA, 2005).
Para detectar a FC o Estado precisa passar por algumas fases. A fase I
permite a detecção da fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito; quando a
cobertura da triagem neonatal ultrapassa 50% dos NVs, pode-se solicitar a fase II
para a detecção hemoglobinopatias; quando a cobertura atinge 70%, pode solicitar a
fase III para triar a FC. Esse meio de detecção para FC está sendo amplamente
difundido em alguns estados brasileiros (Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais),
em decorrência da Portaria Ministerial n.º 822. (BRASIL, 2001; SOCIEDADE
PAULISTA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA, [2000?]).
21
Segundo a Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (2004), as
etapas do processo do PNTN para a coleta das amostras em papel-filtro na rede
são: hospitais/maternidades e/ou postos de saúde, exames de triagem em
laboratórios dos serviços de referência em triagem neonatal (SRTNs) credenciados,
a busca ativa dos casos suspeitos para realização de exames confirmatórios, a
busca ativa de pacientes para consulta de orientação/atendimento/acompanhamento
em SRTNs credenciados. Em todo o mundo, a coleta de sangue para os testes de
triagem neonatal é feita no calcanhar do RN (BRASIL, 200-?).
Para Leão e Aguiar (2008), a triagem neonatal se constitui de seis etapas,
descritas a seguir.
Etapa: é o momento da coleta de material para a pesquisa das doenças.
Envolve orientações da equipe de enfermagem, do pediatra e do obstetra, tais como:
os benefícios da detecção precoce das doenças a serem triadas e quais são elas; os
riscos aos RNs submetidos ao teste; idade adequada para sua realização; a
necessidade de exames confirmatórios posteriores para os que forem positivos; a
possibilidade de resultados falso-positivos; o processo de acompanhamento e
recebimento dos resultados.
O período ideal para a coleta de sangue é entre o e o dias de vida, e
nunca em período inferior a 48 horas de vida. No Estado do Paraná exige-se que a
coleta de material para a triagem neonatal seja realizada após as primeiras 48 horas
(ideal entre 48 e 120 horas) e antes de um mês de vida (SILVA, 2005; MARQUES,
2005).
Etapa: realiza-se a busca ativa. É a fase do acompanhamento do resultado
e localização do RN e sua família, principalmente se o resultado for alterado. O
tratamento deve ser iniciado o mais rapidamente possível, por isso o pediatra deve
estar atento no momento de transmitir à família as informações sobre o significado
do resultado positivo da triagem, a possibilidade de resultados falso-positivos e o
encaminhamento dos exames confirmatórios. É necessária uma avaliação médica
em relação à existência dos sintomas na criança e possíveis condutas. A informação
sobre um resultado negativo nem sempre significa a ausência da doença.
3ª Etapa: pronuncia a realização dos testes diagnósticos, que variam de
acordo com a doença. Estes exames confirmatórios são importantes para diferenciar
os resultados positivos dos falso-positivos. Ao pediatra compete saber o centro de
22
referência que corresponde à doença detectada para o encaminhamento ao
tratamento em longo prazo.
Etapa: condiz com o período de tratamento, quase sempre a vida toda. O
RN e a família são acompanhados por uma equipe multidisciplinar e recebe
acompanhamento regular do pediatra de referência, aquele que conhece o cotidiano
do RN e família. O aconselhamento genético faz parte desta fase, incluindo
detecção dos portadores na família, risco de recorrência para outros filhos do casal e
possibilidade de diagnóstico pré-natal em futuras gestações.
Etapa: constitui-se da avaliação periódica de todas as etapas e
componentes do sistema. Esta etapa refere-se à cobertura populacional e ao tempo
consumido em cada etapa, detectando os obstáculos à realização precoce do
diagnóstico e tratamento. Verifica-se o impacto dos diagnósticos sobre as famílias e
os efeitos da triagem na população.
Etapa: educação dos profissionais de saúde como um processo cíclico de
avaliação e execução.
Até a criação do PNTN, o governo brasileiro custeava somente os exames de
triagem iniciais, ficando todo o custo restante do programa por conta da iniciativa
privada. Com o PNTN, os recursos governamentais foram destinados ao pagamento
dos exames de triagem, os exames confirmatórios, os necessários para diagnóstico
tardio e ainda ao pagamento do acompanhamento dos pacientes nos serviços de
referência em triagem neonatal (BRASIL, 2001).
Conforme Souza, Schwartz e Giugliani (2002), as peculiaridades de um teste
de triagem devem ser evidentes, pois a triagem não é um teste diagnóstico. Este
método é passível de resultados falso-positivos ou falso-negativos e jamais substitui
a capacidade do médico em realizar o diagnóstico precoce.
2.1.2 Programa de Triagem Neonatal no Estado do Para
O Programa de Triagem no Paraná iniciou-se em 22 de outubro de 1974, com
o objetivo fundamental de diagnosticar precocemente doenças genéticas que podem
ocasionar retardo mental, entre outras implicações (SILVA, 2005).
No Estado do Paraná, a FEPE é o serviço de referência e presta atendimento
gratuito e obrigatório aos 432 hospitais e 580 unidades de saúde do Estado que
23
participam do Programa, com cobertura de aproximadamente 14.500 recém-
nascidos triados por mês. Foi implantada em 1961 na cidade de Curitiba, como
Escola de Educação Especial Ecumênica, e desde 1974 atua como centro de
pesquisas. O PNTN no Estado iniciou com a pesquisa de uma doença do erro inato
do metabolismo, porém o prosseguimento das pesquisas permitiu ampliar para cinco
doenças que são diagnosticadas com uma única amostra de sangue (SILVA, 2005;
SLVA, 2002).
A FEPE possui uma equipe multidisciplinar, que é composta por médicos,
bioquímicos/farmacêuticos, nutricionista, enfermeiro, assistentes sociais, psicólogo,
programador de computão, digitadores, secretárias, técnicos de laboratório e serviços
gerais (FUNDAÇÃO ECUMÊNICA DE PROTÃO AO EXCEPCIONAL, 2004).
Para garantir a continuidade de ações e serviços preventivos de maneira a
oferecer uma assistência integral, conforme preconiza o inciso II da Lei Federal n.º
8080 de 19 de setembro de 1990, a FEPE mantém articulação com outros serviços e
entidades, como, por exemplo, a AAMPR, visando proporcionar mais qualidade e
eficácia ao tratamento. Todos esses serviços de saúde são articulados com o
Programa de Triagem Neonatal no Estado do Paraná, ou seja, garantem a
continuidade de ações e serviços preventivos (SILVA, 2005).
O PNTN no Estado do Paraná detecta todas as doenças da fase III +
deficiência de biotinidase, com recursos da FEPE (Quadro 1).
24
Doença Deficiência biológica Características
Retardo mental
Pan-étnica
Fenilcetonúria Enzima fenilalanina hidroxilase
Prevalência: 1:20.000 NV
Hipotireoidismo
Congênito
Hormônios da tireóide Retardo mental e de
desenvolvimento, surdez e outros
Prevalência: 1:3.600 a 5.000 NV
Pneumopatias, baixo
desenvolvimento estrutural,
esterilidade e outros
Raça branca
Fibrose cística Enzima tripsina imunorreativa
(IRT)
Prevalência: 1:7.000 NV
Anemia hemolítica, infecções
recorrentes, obstrução de
pequenos vasos (dor)
Raça negra
Anemia falciforme Estrutura e/ou a produção
hemoglobina
Prevalência: 1:2.500 NV
Retardo mental Deficiência de
biotinidase
Enzima biotinidase
Prevalência: 1:22.000 NV
Quadro 1 Características das doenças rastreadas pelo Programa Nacional de Triagem
Neonatal (PNTN) no Estado do Paraná.
Legenda: NV = nascidos vivos.
Fonte:
(
LUZ et al., 2008, p. 447).
Estudos realizados no município de Maringá possibilitaram descrever o perfil
epidemiológico da cobertura dos nascidos vivos (NVs) e a prevalência das doenças
detectadas pelo PNTN. Carvalho et al. (2008) constataram que a média de cobertura
do PNTN no município entre o período de setembro/2001 a 2006 foi de 93,2% dos
NVs residentes. As prevalências das doenças no município foram as seguintes:
fenilcetonúria - 1/20.529 NVs; hipotireoidismo congênito 1/2.281 NVs;
hemoglobinopatias 1/3.421 NVs; fibrose cística 1/10.843 NVs; deficiência de
biotinidase 1/6.843 NVs. Dentre todas as doenças detectadas no município, a FC
destacou-se pelo alto índice de resultados falso-positivos: para cada NV
diagnosticado, 126 NVs foram convocados para a realização de exames
confirmatórios (LUZ et al., 2008). Esta situação se reflete num estresse nas famílias
informadas sobre o resultado alterado, ao imaginarem o filho com alguma doença
nos primeiros dias de vida.
25
2.2 FIBROSE CÍSTICA
A fibrose cística (FC), também conhecida como mucoviscidose, é uma doença
metabólica sistêmica de origem genética mais comum em caucasianos de origem
européia, e rara em asiáticos e negros (CASTELLÓ, 1996; RASKIN et al., 2003). Em
centros de assistência à FC do Registro Latino-Americano de Fibrose Cística
(REGLAFQ), registro que avalia a real tendência epidemiológica da FC na América
Latina, a doença começa a afetar indivíduos de outras raças, tais como negros,
mulatos, indígenas e orientais. No Brasil, observa-se um aumento no número de
portadores de outras raças, devido, provavelmente, à miscigenação no país
(FARIAS et al., 1997).
A transmissão da FC ocorre de maneira autossômica recessiva, ou seja, os
pais possuem em um dos seus alelos a mutação da doença (SANCHÉZ, 2001). Em
cada gestação haverá a possibilidade de 25% de ter um filho com a presença das
duas mutações no gene portador de FC (Figura 2).
Figura 2. Transmissão autossômica recessiva da FC.
Fonte: Raskin (2001, p. 68).
A fisiopatologia da FC está intimamente relacionada com a presença de dois
alelos com mutações no gene. Esse acidente genético altera o processo
eletroquímico, ocorrendo uma maior excreção de Na
+
e, secundariamente, de água.
Assim, resulta na desidratação das secreções, formando muco e obstruindo os
ductos, e apresenta reação inflamatória e fibrose, ocasionando manifestações
multissistêmicas (RASKIN, 2001; RIBEIRO, D.; RIBEIRO, O.; RIBEIRO, F, 2002).
26
A incidência de fibrose cística é diversificada de acordo com as populações.
Na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá varia entre 1:2.000 e 1:5.000
caucasianos nascidos vivos (NVs); afeta 1:15.000 negros americanos; no Chile,
1:5.000-6.000; 1:40.000 na Finlândia; 1:42.733 na Venezuela e 1:90.000 na
população americana. A FC é rara em asiáticos (DAMASCENO, 1999, RIBEIRO, D.;
RIBEIRO, O.; RIBEIRO, F., 2002; MACHIN et al., 2004; VEGA-BRICEÑO;
SÁNCHEZ DIAS, 2005).
No Brasil existem poucos estudos que revelam a incidência exata da FC,
salvo estudos pontuais em algumas regiões geográficas (Tabela 1) (RASKIN et al.,
2003; ALVAREZ et al., 2004). Estima-se que esta seja de 1:10.000 e que na Região
Sul seja 1:1.587 nascidos vivos (1:6.803 no Paraná); e 1:25 é portador do gene
(transmissor do gene mutante) (RASKIN, 2003). O Grupo Brasileiro de Estudo de FC
revela que há mais de 2.500 diagnosticados e tratados. No mundo, a FC atinge
aproximadamente 70.000 pessoas (CYSTIC FIBROSIS WORLDWIDE, 2008).
Tabela 1 - Estimativa da incidência de FC em alguns estados
brasileiros.
ESTADO Incidência
Pessoas Portadoras do
gene da FC
RS 1 em 1.587 1 em 20
SC 1 em 12.048 1 em 56
PR 1 em 6.803 1 em 42
SP 1 em 32.258 1 em 90
MG 1 em 20.408 1 em 72
TOTAL 1 em 7.358 1 em 43
Fonte: Raskin (2001, p. ?).
A FC acarreta uma morbimortalidade elevada: apenas 34% dos pacientes
chegam à idade adulta e menos de 10% ultrapassam os 30 anos de idade. A
sobrevida média é de 28 anos
(BRASIL, 2001).
Uma revisão de literatura realizada pelos autores Ribeiro; Ribeiro; Ribeiro
(2002) descreve cronologicamente os momentos históricos da FC:
c. XVIII e XIX Folclore europeu: crianças com suor salgado morriam
precocemente;
27
Final da década de 1930 - descrição da FC como patologia autônoma,
quando Fanconi e Anderson descreveram uma síndrome celíaca com alterações
pulmonares e pancreáticas diferentes das alterações da doença celíaca típica;
1938 - Dorothy Anderson fez uma completa descrição anatomopatológica do
que denominou “doença fíbrocística do pâncreas";
1945 - O termo “mucoviscidose” foi introduzido por FARBER, que ressaltava o
fato de essa doença caracterizar-se pelo aspecto espesso e viscoso das secreções;
1946 - sugeriu-se pela primeira vez o padrão de herança autossômico
recessivo;
1953 - um passo essencial para o diagnóstico foi dado, quando Di Sant’Gnese
et al. demonstraram o teor anormalmente elevado de cloreto de sódio no suor de
indivíduos afetados;
1985 - o gene que em sua seqüência selvagem protege os seres humanos de
desenvolverem a doença foi localizado no braço longo do cromossomo 7;
Em setembro de 1989 - foi clonado, seqüenciado, e sua mutação mais
freqüente foi identificada (Figura 3);
Figura 3 - Cromossomo 7.
Fonte: Raskin (2001, p. 90).
28
De 1990 a 2000 Buscas para diagnóstico precoce e tratamento agressivo,
com o objetivo de promover uma boa qualidade de vida e evitar danos irreversíveis.
Descrita pela primeira vez por Andersen em 1938, apenas 20% das crianças
sobreviviam até o primeiro ano de vida com uma doença caracterizada pelo suor
salgado, conhecida como “doença do beijo salgado” (REIS, 2000).
Taussig (1984 apud ESPERON, 2003, p.193) revela que na Europa (déc. 50)
houve uma história folclórica de que “as parteiras bateriam na fronte dos recém-
nascidos e, se o suor fosse anormalmente salgado, esses recém-nascidos estariam
fadados à morte por congestão pulmonar crônica e suas conseqüências”.
Em 1989 foi identificado o gene da fibrose cística através da análise
seqüencial do DNA: situa-se no braço longo do cromossoma 7, sendo que uma
deleção de três pares de bases, resultando na ausência do aminoácido fenilalanina
na posição 508, mutação comumente designada DF508. Esta mutação foi
denominada DF508, em que "delta" significa supressão e "F" é a abreviação do
aminoácido fenilalanina (RASKIN, 2001). Existe mais de 1 000 mutações na FC,
sendo a DF508 a mais comum (RASKIN et al., 2003; THOMPSON, 2002).
2.1.1 Principais manifestações clínicas
Por causa da viscosidade das secreções no organismo o portador de FC pode
ter várias manifestações clínicas, entre as quais o sistema respiratório corresponde
90% de morbidade. Não existe um estudo fidedigno explanando sobre esta relação
(VEGA-BRICEÑO; SANCHES, 2005). Outras manifestações decorrentes da FC
envolvem os tratos gastrintestinais, hepatobiliar, geniturinário e reprodutivo
(THOMPSON, 2002).
Ao atingir a vida adulta (até pouco tempo considerado uma raridade) novas
complicações podem surgir, principalmente no sistema respiratório. A maioria dos
portadores de FC sobrevive atualmente até quarenta ou cinqüenta anos (MÉRELLE
et al., 2003).
29
Sistema respiratório
Manifestações respiratórias podem surgir nos primeiros meses de vida, em
conseqüência do muco anormalmente viscoso e do clearance mucociliar diminuído,
ocasionando sinusite, bronquite, pneumonia, bronquiectasia, fibrose e falência
(RIBEIRO; RIBEIRO; RIBEIRO, 2002).
Além disso, são freqüentes infecções respiratórias por Pseudomona
aeruginosa, com taxas que variam entre 50 e 70% em diferentes centros de
tratamento (DAMASCENO, 1999). Esta facilidade na adesão às infecções é
explicada por Santana; Penasso (2002), que demonstram que a alteração iônica das
secreções pulmonares inibe a função antimicrobiana peptídica e reduz a resistência
a patógenos bacterianos. Infecções por Staphylococcus aureus (SA) e Haemophilus
influenzae (HI) também surgem com o passar do tempo (DAMASCENO, 1999).
A avaliação da função pulmonar é obrigatória pelo menos uma vez ao ano
para os portadores de FC, para avaliar o grau de envolvimento pulmonar
(CAMARGOS; QUEIROZ, 2002).
Os sintomas respiratórios simulam outros diagnósticos, dificultando a
detecção da FC por meio das manifestações clínicas. Tosse crônica, taquipnéia,
sibilos, pneumonias freqüentes, bronquiolite de repetição, síndrome do lactente
chiador são algumas destas manifestações. Esses sintomas da FC interferem na
tolerância da atividade física (RIBEIRO, D.; RIBEIRO, O.; RIBEIRO, F., 2002).
A evolução da doença pulmonar provoca complicações como hemoptises
recorrentes, atelectasias, impactação mucóide, empiema, enfisema progressivo,
pneumotórax, fibrose pulmonar, osteopatia hipertrófica e cor pulmonale. Neste último
estágio, o fibrocístico passa a ter taquipnéia acentuada, dificuldade expiratória,
cianose periungueal e baqueamento digital acentuado. Desta maneira, a dificuldade
de respirar é observada durante exercícios, fisioterapia e, ao longo do tempo, em
repouso (DAMASCENO, 1999; RIBEIRO, D; RIBEIRO, O; RIBEIRO, F., 2002).
Manifestações digestivas
Dentre as manifestações multissistêmicas, o acometimento gastrintestinal
pode ser uma realidade para o portador de FC. Castelló et al. (1996) afirmam que
30
85% destes portadores possuem insuficiência pancreática (IP), e que o fator
genético está relacionado com a gravidade e a evolução desta manifestação. Além
disso, 99% dos casos são homozigotos para a mutação DF508.
O mecanismo primário do distúrbio gastrintestinal ocorre devido à obstrução
dos canalículos pancreáticos por tampões mucosos, que impede a liberação para o
duodeno, determinando absorção de gorduras, proteínas e hidratos de carbono.
Deste modo, os sintomas mais comuns são: diarréia crônica, fezes volumosas,
gordurosas, pálidas e de odor característico. Assim, a desnutrição calórica protéica
pode ser acentuada, comprometendo ainda mais os pacientes com manifestações
respiratórias (RIBEIRO, D.; RIBEIRO, O.; RIBEIRO, F., 2002).
O íleo meconial pode ser causa de suspeita de IP na FC em 90% dos casos.
Este fato se deve à sua obstrução por um mecônio espesso nos últimos 10 a 30cm
do íleo, com porção proximal dilatada e cheia de mecônio viscoso, que dificulta o
movimento peristáltico. Este sintoma está presente em 10 a 15% dos pacientes com
FC e pode ser a primeira manifestação (SANCHÉZ et al., 2001). A IP, quando não
tratada adeqüadamente, provoca desnutrição, levando a baixa qualidade de vida e,
conseqüentemente, a morte precoce (CASTELLÓ et al., 1996).
Manifestações Hepatobiliares
A hepatopatia vem se tornando um grande desafio terapêutico aos
fibrocísticos à medida que atingem maior longevidade. Fagundes et al. (2004),
baseando-se apenas em critérios clínicos, mostram que 1,4 a 7% dos portadores
desenvolvem a hepatopatia; porém esta proporção aumenta drasticamente por meio
de exames bioquímicos e ultra-sonográficos. O método ultra-sonográfico de Williams
vem sendo a forma mais utilizada na fibrose cística para o diagnóstico precoce,
apresentando especificamente as seguintes características: nodilaridades do
parênquima, nodularidade da borda hepática e aumento da ecogenecidade
periportal.
A Cystic Fibrosis Foundation (apud FAGUNDES, 2004) estabeleceu que estes
pacientes precisam ser cautelosamente examinados a cada consulta, para verificar
possíveis anormalidades no tamanho do fígado e do baço.
31
Estudos revelam que cerca de 25% dos pacientes apresentam alterações
laboratoriais, cerca de 5% são sintomáticos e 2% morrem por doença hepatobiliar
(RIBEIRO, D; RIBEIRO, O; RIBEIRO, F, 2002).
Manifestações nutricionais
A situação nutricional na fibrose cística deve ser constantemente avaliada,
pois pode estar relacionada com o controle de outras manifestações, entre elas
tosse, aumento do catarro, refluxo gastroesofágico, alterações intestinais e
alterações comportamentais (ADDE, 2004).
A terapêutica digestiva e nutricional adequada é crucial para combater o baixo
ganho ponderoestatural, desnutrição e baixa estatura, muito comuns aos portadores
de FC (CASTELLÓ et al., 1996).
Para compensar o alto gasto energético, que é 20 a 50% maior que o normal,
é recomendado o consumo de 120 a 150% a mais do que a quantidade diária
recomendada (RDA) e o uso de enzimas pancreáticas. Por isso a educação
alimentar deve ser eficaz no cotidiano do paciente, e muitas vezes, adaptada à
rotina familiar. A educação alimentar inclui uma dieta rica em calorias, proteínas e
gorduras e uso adequado das enzimas pancreáticas e de suplementos
hipercalóricos (quando indicados) (ADDE, 2004).
Sistema reprodutor
Sanchéz (2001) divide as alterações no sistema reprodutor do portador de FC
segundo sexo:
- Homens: 95% são inférteis devido à azoospermia pela ausência congênita
bilateral dos ductos deferentes. A esterilidade masculina pode ser uma forma única
de manifestação da doença em adultos jovens, ainda com teste do suor negativo.
- Mulheres: geralmente, possuem atraso da puberdade e diminuição da
fertilidade devido à menor hidratação do muco cervical e/ou deficiência no estado
nutricional.
32
2.1.2 Diagnóstico clínico
Quando o diagnóstico é realizado por meio dos sinais e sintomas, deve-se
suspeitar de FC quando estiver presente pelo menos uma das seguintes
manifestações clínicas epidemiológicas: doença pulmonar obstrutiva/supurativa ou
sinusal crônica, insuficiência pancreática exócrina crônica, história familiar de FC,
diarréia e desnutrição (Tabela 2) (RIBEIRO, D.; RIBEIRO, O.; RIBEIRO, F, 2002).
Tabela 2 - Diagnóstico diferencial de fibrose cística
PULMONARES
Asma, síndrome do lactente chiador, DPOC,
tuberculose, pneumopatias de etiologia o
definida
, pneumonias recidivantes, brônquite
crônica não atópica, bronquiectasias, atelectasias,
bronquiolite obliterante
DIGESTIVAS
Síndromes de má absorção, prolapso retal, íleo
meconial, edema, icterícia prolongada no período
neonatal, doença do refluxo gastroesofágico
NUTRIÇÃO
Baixo ganho ponderoestatural, desnutrição, baixa
estatura
OUTROS Infertilidade
Fonte: Ribeiro, D., Ribeiro, O. e Ribeiro, F. (2002, p. 175).
2.1.3 Tratamento
O plano terapêutico da FC deve ser abrangente e basear-se na idade do
paciente, no grau de comprometimento dos vários órgãos e sistemas e no tempo
disponível para tratamento (ASSOCIAÇÃO DE ASSISTÊNCIA À MUCOVISCIDOSE
NO PARANÁ, 2008).
O tratamento contínuo é essencial para a manutenção da qualidade de vida
do paciente e prognóstico da doença, evitando-se a instalação de danos pulmonares
e estimulando-se o desenvolvimento normal pela ingestão das enzimas
33
pancreáticas. Cada portador revela sintomas e gravidade da doença diferenciados,
por isso é necessária uma atenção individualizada. Além disso, a fisioterapia deve
ser contínua para amenizar a obstrução brônquica (RIBEIRO, D.; RIBEIRO, O.;
RIBEIRO, F., 2002).
Os medicamentos e procedimentos que podem ser necessários no tratamento
da FC são: antibioticoterapia, antiinflamatórios, broncodilatadores, mucolíticos,
oxigenioterapia, reposição enzimática, fisioterapia respiratória, transplante de
pulmão, suplemento nutricional, terapia gênica e outros (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA A MUCOVISCIDOSE, 2008).
Com a evolução da genética e da terapêutica aplicada aos pacientes de FC,
observa-se o aumento da sobrevida dos afetados nos últimos 30 a 40 anos. O
diagnóstico e tratamento precoce são fatores que contribuem para a melhor
qualidade de vida do portador e seu familiar.
Por ser uma doença multissistêmica, a FC demanda um tratamento
multiprofissional, realizado em centros especializados. O tratamento multiprofissional
envolve uma variedade de tratamentos e cuidados individualizados, como enzimas,
inalação, fisioterapia, internações para descolonização pulmonar, atividade física e
outros (DAMASCENO, 1999).
Um estudo realizado por Infante e Gonzalez (1983) com o objetivo de
descrever as características de organização e operacionalização de um atendimento
multiprofissional ao paciente com FC aponta as funções de cada profissional neste
atendimento:
Assistente social: está relacionado com as implicações psicossociais e
econômicas, em termos do contexto familiar e do portador. As práticas da assistente
social foram divididas em dois tipos:
- práticas de orientação: são as de conversar com os familiares sobre a
necessidade de aceitação do diagnóstico e aquelas que propiciam uma tomada de
consciência da família quanto aos problemas associados à educação do portador;
- práticas de encaminhamento: são as relacionadas ao encaminhamento para
recursos sociais e prestação de assistência material, as educacionais (escola), as
associadas à qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho e as
direcionados a práticas esportivas.
Enfermagem: identifica a presença de agravos que possam estar interferindo
de maneira direta ou indireta na saúde do portador. Trabalha também em relação à
34
habitação, verifica as condições de estrutura, proteção e utilização, assim com as
condições de saneamento e possíveis riscos de contaminação. Incentiva a família e
o portador para atitudes preventivas e curativas e a aquisição de hábitos adequados,
orientando para a utilização de recursos de saúde da comunidade.
Nutrição: oferece um tratamento dietético considerando os aspectos
socioeconômicos, culturais e de ordem psicológica, o qual tem como finalidade
amenizar alguns sintomas clínicos da FC, garantir o desenvolvimento pondoestatural
e manter um bom estado nutricional do portador. São fornecidas informações sobre
os tipos de alimento e preparações permitidos e técnicas de preparo adequadas,
abordando-se especificamente o problema de dieta em atividades extradomiciliares;
Fisioterapia: é desenvolvida dentro de um plano terapêutico e profilático,
sendo fundamental a conscientização e a colaboração por parte do paciente e da
família, a fim que se consiga prevenir e combater a obstrução brônquica e as
complicações que a enfermidade acarreta. As orientações fornecidas são:
- hidratação e umidificação, para favorecer a fluidificação das secreções;
- estimulação e incentivo às atividades físicas;
- técnicas de drenagem postural, percussão torácica e vibração;
- procedimentos para estímulo da tosse;
- controle e reeducação respiratória, dando ênfase à respiração
abdominodiafragmática;
- exercícios gerais de mobilização da cintura escapular, tronco, membros, etc.
Médico: coordena o trabalho desenvolvido pela equipe; conserva os padrões
habituais de elaboração de anamnese e exame físico; estabelecimento de
diagnósticos em relação ao estado nutricional, crescimento e desenvolvimento,
alimentação, imunização e agravos específicos que a FC acarreta. A equipe médica
conta com as especialidades de gastroenterologia e psiquiatria infantil.
Souza et al. (2004) acrescentam ainda a importância do psicólogo na terapia
da família com crianças portadoras de doenças crônicas. Esse profissional tem como
principal função acolher a família no sentido de amenizar suas angústias e
sofrimentos, orientando-a no tratamento da criança, o qual pode fazer-se
individualmente ou em grupos, somando-se o trabalho da equipe multidisciplinar.
35
2.1.4 Triagem neonatal na FC
A discussão sobre o diagnóstico precoce na FC vem se tornando comum na
literatura, porém contraditório entre alguns pediatras quando se trata da relação do
diagnóstico precoce e evolução da doença. Ribeiro; Ribeiro; Ribeiro (2003, p.194)
reforçam a importância da triagem neonatal para a FC:
O diagnóstico precoce, pelo entendimento dos sinais e sintomas,
poderá ser tão efetivo e eficaz quanto os testes de screening,
dispensando gastos econômicos, conflitos éticos, sociais e culturais
e, portanto, até que a ciência prove essas relações, somente o
tempo nos mostrará, com evidências científicas, a diferença entre
os dois, screening neonatal e diagnóstico precoce, na evolução de
pacientes com fibrose cística.
Segundo o estudo de Alvarez et al. (2004), com 104 pacientes do ambulatório
de FC da Unicamp, 70% dos pacientes iniciaram algum tipo de manifestação antes
dos seis meses de vida, estimulando a importância do diagnóstico precoce por meio
da triagem neonatal. Deste modo, a estratégia da triagem neonatal implica em
fatores positivos: promove a qualidade de vida do portador e ameniza os desgastes
emocionais e econômicos gerados para a família durante a peregrinação por um
diagnóstico correto.
Com a triagem neonatal, a família pode ser informada sobre o diagnóstico da
FC até os três meses de nascimento de seu bebê. Esse método precoce de
detecção da FC previne a desnutrição, melhora a longo prazo o crescimento da
criança e pode ser associado com a melhora da função pulmonar crônica e
diminuição da inflamação pulmonar, embora não se altere a suscetibilidade para a
colonização e infecção das vias respiratórias com Pseudomonas aeruginosa
(MÉRELLES et al., 2003).
O diagnóstico pode ser realizado pelas seguintes formas: pré-natal; triagem
neonatal; ao nascimento, por manifestações precoces como íleo meconial ou por
manifestações clínicas da doença. Em todos os casos é solicitado o teste do suor
e/ou teste de detecção de duas mutações no gene da FC para confirmar o
diagnóstico (RIBEIRO, D.; RIBEIRO, O.; RIBEIRO, F., 2002; RIED, 2006).
autores que não concordam com este método, devido às taxas de falso-
positivos (0,5%) e falso-negativos (20%). Argumentam que a concentração de
36
tripsinogênio (enzima pancreática elevada em neonatos com fibrose cística) começa
a declinar poucas semanas depois do nascimento, o que torna o exame restrito aos
dois primeiros meses de vida (CABELLÓ et al., 2003).
A triagem neonatal possibilita a detecção dos possíveis portadores e a
confirmação do diagnóstico antes do mês de vida através de dois testes do suor
alterados. Outro exame que pode auxiliar na confirmação do diagnóstico é a
verificação dos achados de duas mutações no gene FC (RASKIN, 2001).
Teste do suor
O teste do suor é o exame indicado para a confirmação do diagnóstico após
alterações nos resultados da triagem neonatal ou de crianças/adultos com suspeita
clínica. Ried (2006) coloca algumas considerações sobre a realização do teste do
suor, descritas a seguir.
1. São necessários dois exames alterados em dias diferentes para confirmação,
associados às manifestações clínicas.
2. A dosagem de cloro é a mais indicada.
3. A técnica mais conhecida de teste do suor é a descrita por Gibson e Cooke
(iontoforese por pilocarpina). Outra técnica aceita atualmente é a dosagem de cloro
por um cloridômetro (técnica realizada pela FEPE). A condutividade do suor, embora
apresente boa correlação com a dosagem quantitativa de sódio e cloro, ainda é
considerada um teste de triagem.
4. O peso do suor deve ser de pelo menos 50mg, sendo o ideal acima de 100mg.
Pelo sistema Wescor é possível realizar o exame com apenas 15 mL de suor.
5. Valores de cloro/sódio acima de 60mEq/L o considerados positivos. Em
adolescentes e adultos esses valores podem ser mais altos, acima de 80 mEg/L. Em
lactentes, especialmente antes de 30 dias de vida, valores de 30 a 40 mEq/L devem
ser considerados como anormais.
6. Existem outras doenças que podem alterar o teste do suor.
7. O suor pode ser colhido de qualquer parte do corpo. Em recém-nascidos, após as
48 horas de vida. O tempo de coleta não deve ser superior a 30 minutos.
8. É considerado erro GRAVE a coleta de suor por técnicas como colocar a criança
no sol, enrolar em sacos plásticos, colher suor de locais diferentes e misturar.
37
Teste genético
A identificação de duas mutações conhecidas confirma o
diagnóstico de FC, sendo decisivo naquele paciente que apresenta quadro clínico
compatível e teste do suor não conclusivo. A análise das mutações é de alto custo,
e, no Brasil, são poucos os centros capacitados em realizá-la (GELEHRTER;
COLLINS, 1992).
Entender a patologia, suas manifestações clínicas e o manejo das
terapêuticas são condições fundamentais aos profissionais de saúde que lidam com
o portador de FC e família no momento do diagnóstico, dispostos a aliviar suas
dúvidas, lamentações e dificuldades.
2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FENOMENOLOGIA
Algumas inquietações atribuídas à existência humana, como o sofrimento, o
amor, o medo, a liberdade e o próprio existir são alvos de pesquisas que buscam
compreender a totalidade existencial do homem. Neste sentido, surgiu a
Fenomenologia como trajetória de pesquisa (DARTIGUES, 1973).
Inicialmente, a Fenomenologia descrita por Edmund Husserl, na cada de
20, trouxe uma nova discussão no seio das Ciências Humanas (MARTINS; BICUDO,
1997). As outras ciências não abordavam o conteúdo humano, a subjetividade
originária do homem. Não buscavam a origem do conhecimento, da gênese, da
apreensão fenomenal da experiência vivida pelo sujeito: a percepção (FREITAS,
2002).
Com intenção de descrever o fenômeno, a fenomenologia busca
compreender as coisas como se manifestam para o sujeito.
Fenomenologia é uma palavra composta por: fai, nomos e logos. Fai, ligado a
uma série de prefixos indicam o verbo luzir, clarear, brilhar. Nomos foi originariamente
usada era pelo pessoal da agricultura para demarcar suas terras, terreno e limites.
Depois de demarcado aquilo passava a pertencer a quem o demarcava. A palavra
nomos passa no Direito a ser usada para indicar posse. Demarcar no aspecto
normativo seria a figura que formaliza o que de direito pertence a uma pessoa. Na
filosofia passou a ser usada com sentido normativo, ou seja, o que pertence a uma
38
pessoa. Logos, por sua vez tem o sentido de reunião, recolhimento, como ato de
pensamento. Reunião das palavras com ato que me permite pensar.
Fenomenologia deste modo pode ser compreendida como aquilo que se
mostra claramente na sua forma de ser si mesmo, que pode ser pensado e
enunciado. Por isso não se pode separar sua essência da forma no seu mostrar.
que ele não se mostra totalmente, mas por perspectiva. É preciso um acercamento do
fenômeno para um clareamento (CAPALBO, 1995).
Tudo o que se mostra à consciência é chamado de fenômeno (MARTINS;
BICUDO, 1989).
A fenomenologia é uma ciência a priori e universal. A priori porque descreve
essências, isto é, objetos ideais e não empíricos e, universal porque se refere a todas
as vivências. Nunca se orienta pelos fatos (externos ou internos), mas pela realidade
da consciência, para os objetos enquanto intencionados pela e na consciência, para
aquilo que se manifesta imediatamente na consciência (RIBEIRO JUNIOR, 1991).
Esta corrente filosófica não privilegia o sujeito e nem o objeto, ou seja, ambos
possuem uma relação de mútua dependência para serem percebidos. Esta relação
é chamada de intencionalidade. A intencionalidade é a direção entre o sujeito-objeto
/ homem-mundo. A consciência em direção a alguma coisa no mundo. A consciência
em direção ao objeto, este implica num ato.
Husserl diz “a consciência sempre é consciência de uma coisa” (CHAUÍ,
1996). Deste modo, a percepção é percepção de um percebido, o desejo é desejo
de um desejado, imaginação é imaginação de um objeto imaginado. Em oposição à
tradição, a consciência passa vislumbrar sua atividade (MOURA, 2007).
Consciência e objeto não são entidades separadas, mas que se definem a partir
desta correlação entre o interior que se volta e o objeto para o qual ele se volta.
Portanto, a fenomenologia busca focalizar a forma pelo qual o mundo se apresenta
ao homem. Assim, o mundo pode ser considerado como fenômeno, como ele se
mostra ao homem (MERLEAU-PONTY, 1994). Além disso, a intencionalidade é um
fenômeno da ordem de “representação”. Existe intencionalidade sempre que,
através de um dado, visa-se algo não dado (MOURA, 2007).
Na tentativa de reconhecer o existente como ele se manifesta na consciência,
Husserl desenvolveu seu pensamento fenomenológico pela palavra chave, “retorno às
coisas mesmas”, postulando a observação e descrição cuidadosa dos fenômenos
para apreender a essência de determinado fenômeno (RIBEIRO JUNIOR, 1991).
39
Deste modo a reflexão fenomenológica inclui a possibilidade de olhar as coisas
como elas se manifestam.
O que se pode saber do mundo estão nos fenômenos que se mostram por
meio das significações que o ser atribui. Para se ter a compreensão da existência
concreta, Husserl chamou de redução fenomenológica ou epoché: suspensão da
“tese natural do mundo”; redução do eu do investigador, renunciar suas crenças e
preconceitos em relação ao fenômeno. Carvalho e Valle (2002) entendem o epoché
como neutralidade do pesquisador para assimilar o fenômeno, porém não o impede
de refletí-lo e questioná-lo. Essa postura permite estabelecer um contato direto com
o fenômeno que está sendo vivido. Para compreende-lo é preciso buscar a
descrição da experiência pelos sujeitos que o vivencia. A essência objetivada pela
fenomenologia para ser alcançada precisa, deve ser descrita. Uma descrição natural
e espontânea, não é opinião, nem o que pensa, mas a vivência, a experiência. Dai a
necessidade do discurso, da descrição para uma maior aproximação da densidade
do fenômeno humano (REZENDE, 1990).
Ao descrever o fenômeno, a fenomenologia busca mostrá-lo de modo mais
próximo possível para chegar à sua essência (CARVALHO; VALLE, 2002).
A linguagem é uma das formas que se abre para a compreensão do
fenômeno, que comunica e que também revela um ser que existe em si e para os
outros, como singular e idêntico (AUGRAS, 1981).
Martins (1992) afirma que a interpretação subentendida à compreensão
permite ao pesquisador aceitar os resultados da redução como afirmativas que m
significado para ele, mas que apontam para a consciência que o sujeito tem do
fenômeno (MARTINS, 1992).
A fenomenologia teve grande influência no pensamento contemporâneo. O
filósofo alemão Martin Heidegger fez profundos estudos da situação humana,
utilizando o método fenomenológico. Aplicou a fenomenologia partindo do homem
de fato, deixando que ele se manifestasse tal qual é e procurou compreender sua
manifestação. Para ele o traço fundamental característico do ser é o ser-no-mundo,
mundo compreendido como círculo de interesses, preocupações, desejos, afetos
onde o homem está imerso. E por estar o homem sempre neste mundo, sempre
colocado em uma situação, chama-o de ser-em-situação, ser-aí (dasein) (RIBEIRO
JUNIOR, 1991).
40
Ser-no-mundo, ser-aí, corresponde ao modo básico do ser humano existir, diz
respeito às várias maneiras que o existir humano está possibilitado a viver. Ser-no-
mundo corresponde às ltiplas maneiras que o homem vive e pode viver os vários
modos como ele se relaciona e atua com os entes que encontra e a ele se
apresentam (HEIDEGGER, 1981).
O ser-no-mundo é deste modo a estrutura essencial da vida cotidiana, pois a
essência do homem é “ser relativamente àalguém ou alguma coisa (HEIDEGGER,
1975).
Estudos norteados por este método pretendem adentrar na vida do ser
humano; apreender os significados atribuídos pelo sujeito face às infinitas
possibilidades de experiências no mundo.
Apropriar-se da fenomenologia no cotidiano do ser-adoecido/família poderá
ampliar o tão discutido conceito de cuidar. Um cuidado mais próximo e
individualizado do ser, respeitando o seu mundo de significações, sua história de
vida, sua temporalidade.
41
3 PERCURSO METODOLÓGICO
A base teórico-metodológica da presente pesquisa foi fundamentada nos
princípios da pesquisa qualitativa com aproximação do referencial fenomenológico.
Na pesquisa qualitativa o pesquisador busca se aprofundar na compreensão dos
fenômenos por meio de uma análise rigorosa e criteriosa dos discursos (MORAES,
2003). A opção pela trajetória fenomenológica me permitiu a escuta das famílias
para compreender o fenômeno da vivência com um portador de FC. Essa postura
fenomenológica na condução do estudo foi essencial para a minha compreensão e
acolhimento do sujeito que sofre e apreensão dos significados do mundo vivido
(TERRA et al., 2006).
Os sujeitos foram os membros da família mais próximos do portador de FC
residentes no Norte e Noroeste do Estado do Paraná. Os critérios de inclusão das
famílias foram: ter um portador de FC, e o caso ser cadastrado na Associação de
Assistência a Mucoviscidose do Paraná (AAMPR), em qualquer faixa etária. Os
sujeitos incluíram os membros do núcleo familiar (mãe, pai e irmãos) e parentes
como avó e avô e outros. Estas duas organizações são interdependentes na relação
social diante do fenômeno biológico (MENDRAS, 1975). Deste modo, algumas
entrevistas ocorreram com mais de um membro familiar do portador de FC.
O estudo foi desenvolvido nas regiões Norte e Noroeste
do Estado do Paraná. Segundo o Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social IPARDES, os municípios mais populosos destas regiões são
Londrina e Maringá, que ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares
no Estado (IPARDES, 2007). Os municípios abrangidos pelo estudo foram Londrina,
Maringá, Mandaguaçu, Assaí, Cianorte, Umuarama e Campo Mourão. As Regionais
de Saúde (RS) responsáveis por estes municípios o a 11ª, a 12ª, a 13ª,a 15ª, a
17ª e a 18ª (CURITIBA, 2008).
A AAMPR proporciona acompanhamento
multidisciplinar às famílias e portadores de FC desde o ano de 1988. É o centro de
apoio e tratamento aos portadores residentes no Estado do Paraná e está sediada
em Curitiba (ABRAM, 2008). A partir dos contatos realizados com a AAMPR, obtive
a informação da existência de, aproximadamente, 25 portadores residentes nessas
regiões. No ano de 2008, o número de portadores no Estado do Paraná totalizou em
torno de 250. São cadastrados, em média, de 2 a 3 portadores/mês.
42
Na coleta de dados utilizei uma entrevista aberta (APÊNDICE A) de abordagem
fenomenológica, norteada pela seguinte questão orientadora: “O que é para o
senhor(a) a experiência de conviver com um membro portador de fibrose cística na
família?” Uma entrevista fenomenológica é um “ver” que não é “pensamento de ver”,
mas a efetivação de uma consciência de si (MERLEAU PONTY, 1999). Para
Carvalho (1987), a entrevista fenomenológica não submete a situação e o sujeito a
uma análise conceitual e classificadora; ao contrário, descarta modelos, projetos,
alternativas e valores últimos que possibilitam um saber “sobre” o sujeito, mas não
um saber “do” sujeito. A pergunta orientadora não foi única. Ela permitiu adentrar na
experiência subjetiva do sujeito, facilitando novos questionamentos a partir dos
dados revelados na narrativa. A entrevista vai buscar nas falas dos sujeitos a
realidade mais próxima possível da sua vivência. Na abordagem fenomenológica, a
fonte de dados é o diálogo em profundidade entre o pesquisador e sujeito. O
pesquisador auxilia o sujeito no relato da experiência vivida, sem liderar a discussão
(TERRA et al., 2006).
Para ter total acesso às significações do sujeito ao fenômeno, foram
necessários dois encontros na coleta de dados de uma família. Em geral, as
entrevistas duraram em torno de noventa minutos.
3.1 CAMINHO AO ENCONTRO DOS SUJEITOS
Solicitei ao presidente da AAMPR a autorização para o acesso à lista dos
indivíduos portadores de FC residentes nas regiões Norte e Noroeste do Paraná. A
AAMPR me forneceu uma lista de contatos das famílias com algumas informações,
tais como nomes dos pais e portadores, cidade de residência e telefone para
contato. Deste modo, 17 famílias me foram informadas pela AAMPR. Algumas
famílias que fizeram parte deste estudo eu as conheci no I Congresso Paranaense
de Fibrose Cística, entre os dias 8 e 10 de outubro de 2007, no município de
Cascavel (PR).
No período de janeiro a abril de 2008 contatei 14 famílias via telefone. A
princípio, a proposta era que a entrevista fosse no domicílio, porém quatro famílias
preferiram o local de trabalho nos períodos de menos movimentação, como o horário
de almoço e o início da manhã ou tarde. Esta escolha foi justificada pela falta de
43
tempo e/ou pelo motivo de os filhos portadores não permitirem o diálogo sobre a
doença.
As famílias prontamente aceitaram participar da entrevista. Apenas uma mãe
pediu um tempo para dar a resposta, pois dependia da autorização do esposo. O
local e horário de início das entrevistas foram respeitados por ambas as partes. O
adiamento da entrevista aconteceu com uma família, por motivo de saúde do
portador de FC.
Por permitirem a participação de vários membros da família do portador de
FC, algumas entrevistas foram grupais. Esta possibilidade me ofereceu a percepção
de várias consciências sobre um mesmo fenômeno. Desvelou, nas discussões, o
significado de cada membro sobre a existencialidade de um portador de FC na
família.
Utilizando-me a análise qualitativa baseada na abordagem fenomenológica,
as entrevistas foram gravadas. Antes da entrevista os sujeitos foram informados do
teor do estudo, dos seus objetivos e da garantia de sigilo, e de imediato lhes foi
apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi por eles
assinado (APÊNDICE B).
Percebi que algumas famílias mostravam-se inibidas no início da gravação,
começando a falar o familiar com maior facilidade de comunicação; porém esta
dificuldade não impediu a interação com o(s) outros familiar(es) no decorrer da
entrevista, nem mesmo a presença das lágrimas, risos, tristeza, revolta, indignação,
etc. Deste modo, mais do que reunir as informações, foi necessário entrar no
mundo-vivido por meio da participação, observação e reflexão introspectiva.
3.2 ANÁLISE DE DADOS
Os dados foram analisados de acordo com Martins (1992), em quatro
momentos.
Inicialmente fiz a leitura integral das descrições, além de serem ouvidas as
fitas gravadas, para se ter uma visão geral do discurso, aproximando-se e
familiarizando-se com a essência do fenômeno apresentado pelo sujeito. Leituras
repetidas serão necessárias para adentrar no mundo vivido e realmente mergulhar
na emoção das falas.
44
Seguiu-se a identificação das convergências e divergências dos discursos,
separando-se da descrição as expressões significativas para a compreensão do
fenômeno estudado, e a determinação das categorias.
Procedeu-se depois à identificação das expressões cotidianas mais
significativas dos sujeitos, as quais constituirão as unidades de significados. Estas
serão traduzidas para a linguagem do pesquisador, que busca a essência do
fenômeno elucidando as múltiplas realidades expressas no discurso do sujeito.
Finalmente elaborou-se a síntese das unidades de significado sob forma de
descrição consistente do fenômeno estudado para então chegar à sua estrutura.
Em atendimento à Resolução n.º 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, a
pesquisa foi submetida à apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá.
45
4 COMPREENDENDO OS DISCURSOS
Esta seção abordará sobre o perfil dos sujeitos entrevistados e os principais
aspectos ressaltados em suas falas, por meio de categorias.
4.1 CONHECENDO O SER-AÍ
Os sujeitos foram 14 famílias com portadores de FC,
totalizando 21 membros, sendo 15 do sexo feminino e seis do sexo masculino. No
total de participantes houve 13 mães, quatro pais e quatro avós.
Nas famílias havia 16 portadores, com idade média de
15,5 anos. Quanto aos portadores diagnosticados pela triagem neonatal, foram
entrevistadas quatro famílias. Tanto diagnósticos precoces quanto tardios
apresentavam comprometimentos variáveis da doença, o que permitiu a
compreensão do fenômeno sob as duas vertentes. É interessante colocar que todos
os portadores diagnosticados tardiamente encontravam-se na idade infantil, com
média de 5 anos.
Na entrevista a idade média das mães com filhos diagnosticados por meio da
triagem neonatal foi de 31 anos, porém à época do diagnóstico a idade média
dessas mães era de 25,5 anos. Quando retratamos somente as mães dos
portadores diagnosticados tardiamente, a idade média aumenta para 40 anos, e na
época do diagnóstico, para 28 anos. Dos pais que participaram do estudo, a idade
média foi de 36 anos e era de 28 anos na época do diagnóstico.
Quanto à escolaridade das mães, 85% (11) delas possuíam entre grau
incompleto ou completo e 3º grau. Em relação aos pais, 75% (3) tinham o 2º grau.
As famílias tinham prole, em média, de dois filhos. Além destes, as famílias
citaram o nascimento de seis portadores que faleceram antes dos seis meses de
vida, sem o diagnóstico.
Quanto à condição marital dos pais dos portadores de FC, 79% (11) tinham
relação estável, 14% (2) eram separados e 1 (7%) era solteiro.
Todas as famílias eram cadastradas na AAMPR, o que possibilitou o cil
acesso aos sujeitos. Apenas uma família o recebeu o diagnóstico no Estado do
Paraná, e sim, no Estado do Rio Grande do Sul (RS). Essa família reside no Paraná,
porém mantém o tratamento médico no Rio Grande do Sul.
46
O primeiro contato foi com a mãe, com exceção de duas famílias. As famílias
prontamente aceitaram participar da entrevista, apenas uma mãe pediu um tempo
para dar a resposta, pois dependia da autorização do esposo. O local e horário de
início das entrevistas foram respeitados por ambas as partes. O adiamento da
entrevista aconteceu com uma família, por motivo de saúde do portador de FC. Em
outra família, um portador de FC, ao saber do estudo, negou-se a participar da
pesquisa, pois preferia não falar sobre a doença.
Em sua maioria, as entrevistas foram realizadas no domicílio ou no local de
trabalho. A segunda opção foi determinante em três entrevistas, todas em Maringá.
No local de trabalho, a interação era menor e apenas um representante da família foi
entrevistado - o pai ou a mãe.
Apenas uma entrevista ocorreu na zona rural, e o fator demográfico no
cotidiano dessa família não a impediu de buscar e lutar pelo diagnóstico de FC em
seus filhos.
As primeiras entrevistas ocorreram na cidade de Londrina, e foram os
momentos em que aprendi na prática a perguntar sobre o discurso, como perguntar
e o que melhorar nas próximas entrevistas. Percebi nesta trajetória que alguns
aspectos eram importantes na abordagem das entrevistas as famílias, tais como:
aproximação sobre o fenômeno pelo pesquisador; o estado emocional do sujeito;
escutar atentamente a contextualização temporal da família para introduzir o
fenômeno; a liberdade de se expressar, sem interrupções. As questões orientadoras
foram essenciais para se chegar à essência do fenômeno.
Ao efetuar a entrevista foi necessário introduzi-la falando sobre a minha
vivência pessoal em FC, justificando a trajetória até os entrevistados. Percebi que
com essa abordagem sentiam-se mais à vontade para exprimir seus sentimentos de
revolta, trauma, luto e as conquistas na vivência com o(s) filho(s) portador(es) da
doença.
As mães foram as principais representantes quando o assunto eram cuidados
em fibrose cística, pois falavam com mais propriedade. Algumas discussões entre os
pais na hora da entrevista foram comuns. Embora a mãe estivesse mais inserida no
cotidiano do filho, percebia-se que o pai acompanhava à distância todo o sofrimento
desde os primeiros sinais e sintomas até as internações e desilusões com os
diagnósticos. Na maioria das famílias o pai era o provedor, fato que justifica sua
47
ausência em alguns momentos ou até mesmo o seu pouco envolvimento no cuidado
em FC.
Atentando-se à facticidade de cada sujeito, a questão social influenciou no
modo de condução das entrevistas. As famílias com baixo nível social tinham mais
dificuldade em expressar sua experiência, assim os questionamentos orientadores
foram mais importantes.
Em relação às famílias com portadores de FC com diagnósticos tardios,
quando o assunto era a vivência antes do diagnóstico os sentimentos mais
expressados foram: angústia, oscilações entre desistência e insistência, revolta e
medo de perder o filho. A partir do momento em que encontram o diagnóstico, os
sentimentos são: alívio, calma, coragem e persistência. A cena se inverte quando
tratamos da família que recebe o diagnóstico precoce, revelando toda a sua revolta,
distanciamento do filho, luto, isolamento social e medo. Deste modo, todas as
famílias ficavam mais sensibilizadas ao discursar sobre o momento do diagnóstico,
que para algumas teve o significado de alívio, para outras, de luto.
Nesta tentativa de compreender a vivência de ter um portador de FC na
família, busquei me aproximar ao máximo do mundo vivido das famílias. Ao escutar
seus lamentos mergulhei na experiência de vida de cada membro, que é percebida
pelos olhares, lágrimas e risos. As relações estabelecidas entre os familiares e os
portadores de FC estão vinculadas com as questões existenciais que permeiam o
vivido de cada um e o modo de ser-no-mundo e de ser-com-outro. O ser familiar
revelou significações relacionadas às mudanças e dificuldades existenciais que lhe
permearam a vida desde o nascimento do portador de FC.
Após várias leituras das entrevistas transcritas, busquei identificar a essência
da vivência para cada família. Deste modo, foram surgindo aspectos comuns e
únicos, que foram organizados nas seguintes categorias:
1. Peregrinação pelo diagnóstico e tratamento da doença: a busca do equilíbrio
do ser-no-mundo com o filho portador de FC;
2. Fibrose Cística: um discurso desconhecido na área da saúde;
3. Mundo vida das famílias frente ao diagnóstico da FC;
4. A intersubjetividade na FC;
5. Redes de apoio à FC: solidariedade e equidade.
48
Par de botas – 1887.
Van Gogh
49
4.1.1 Peregrinação pelo diagnóstico e tratamento da doença: a busca do equilíbrio
do ser-no-mundo com o filho portador de FC
Os sujeitos nessa categoria descrevem a caminhada árdua do ser-no-mundo
na busca por uma atenção adequada à saúde. As famílias nesse momento
desvelam sua memória e sua história de vida, de que fazem parte o passado, o
presente e as perspectivas futuras, permeadas por angústias, medos e
interrogações insondáveis antes ou durante o diagnóstico e tratamento da FC do
membro portador de FC (CARVALHO, 2004).
Alguns portadores de FC manifestaram os sinais e sintomas de FC dias após
o nascimento, e diante as alterações a família procurou ajuda. Deste modo, as
famílias sempre iniciavam as entrevistas descrevendo uma gestação normal e
detalhes sobre o nascimento.
O ser humano, ao nascer, é lançado ao projeto de vida de uma organização,
quase sempre, estruturada para recebê-lo. Essa mundanidade, para a família, é
motivo de alegria e orgulho, pois nasceu um bebê aparentemente saudável.
Recepcionar o filho com um projeto de existência fora das idealizações da família é
colocar-se diante da fragilidade e desconhecimento do ser-portador-de-FC.
O bebê portador de FC surge na família de maneira inesperada; é percebido
por ela como um ser inacabado, e pode até mesmo ser indesejado. O
desapontamento na recepção do bebê tão esperado interfere no cotidiano de todos
os membros da família (TRONCHIN; TSUNECHIRO, 2005).
Nasceu com 3.800 quiilos, um neném saudável até 40 dias de vida.
Ela (FC) sempre apresentou nos meus filhos, com uma espécie de
uma gripe, você levava, né, quer dizer, o [nome do portador] deu
aquela gripe, e daí da gripe virou uma pneumonia e da
pneumonia, e da pneumonia ela fez tipo uma pneumonia dupla,
fizeram junta médica né [...] ...até chegar uma noite lá assim, que ele
estava com 60 dias, ele tava com 41,5 º de febre, com a barriga aqui
assim, enorme, enorme, enorme; as fezes era aquela meia clara,
bem branca, puxado pro branco. Aí foi aonde que eu pedi pra
chamar o médico. O médico veio e foi onde ele chegou e falou pra
gente que o que ele tinha que fazer, ele já tinha feito, não tinha mais
jeito (12).
50
[...] eu levava no médico, não sumia o amarelo da pele, mas daí
eles falavam: ah, mas com 10 dias some... [...] depois, ela
amarelou toda de novo assim, e ela não engordava, tossia, sabe,
não mamava, vomitava, vomitava... era assim, e ia e voltava todo
dia. E falavam que era eu que não sabia dar mamá e eu tentando,
tentando, e quando ela amarelou tudo, ele falou que ela tava com
hepatite [...] (3).
[...] porque ele não fazia digestão, todo dia eu ia no médico com ele
chorando, todo dia, todo dia! [...] E daí o médico mandava eu
mamá a cada três horas, e eu não sabia, e fui naquela coisa de dar
mamá a cada três horas, ele passava fome, tinha diarréia, diarréia,
diarréia, diarréia... (11).
O termo peregrinar vem da palavra latina peregrinare, que significa o ato de
viajar por terras distantes, romaria a lugares santos (HOUAISS, 2001). Ser peregrino
em terras estranhas coloca o ser-no-mundo em um momento frágil e comovente. Na
FC a peregrinação por serviços de saúde e profissionais de saúde constrói
acentuados sentimentos e sensações de medo, insegurança e gastos com
deslocamentos (ARMELLINI; LUZ, 2003). A atitude superficial e descompromissada
por parte de alguns profissionais de saúde provoca traumas de difícil cicatrização na
vivência da família.
As viagens por terras distantes permitem o encontro com pessoas
desconhecidas, em situações inusitadas, diferentes (normais para quem vive nela),
muitas vezes aterrorizadoras para quem as enfrenta pela primeira vez. Vieira e Lima
(2002) colocam que a doença abre um caminho, por vezes longo, difícil e
imprevisível diante aos diversos exames, consultas, internações e viagens.
Ao trilhar um caminho desconhecido em procura do diagnóstico a família se
em um novo mundo, de pouca ou nenhuma claridade, velado por mistérios e
enigmas de uma doença crônica. É marcada pela busca de informações que
correspondam aos anseios e inquietudes no seio familiar, a qual pode ser árdua e
trabalhosa. A dedicação passa ser tão intensa que, involuntariamente, a família se
priva do mundo social e/ou pessoal em troca do restabelecimento da saúde do filho
adoecido e desenganado pela medicina.
Neste ínterim, algumas famílias de portadores de FC passam a conviver com
pessoas que vivenciam situações semelhantes, em cidades afastadas, e separam-
se do convívio com outros familiares, como o esposo ou esposa, filhos e pais (avós),
51
que ficam isolados de sua vida cotidiana. Essa fase denota também a peregrinação
religiosa da família por um diagnóstico coerente ou, até mesmo, a cura da doença.
Ah o [nome do portador] tá por causa daquele de cima mesmo,
minha filha, porque pela medicina não, ele não estaria aqui, de jeito
nenhum! [...] eles (médicos) estavam contando, esperando morrer
(12).
Foi na sexta-feira, e na sexta-feira ele só atendia na época na
Associação, e foram atender a gente na segunda. Nós ficamos
quase uma semana lá esperando pra ser atendido (11).
O ato de peregrinar dessas famílias revela no mundo vivido a falta de uma
assistência adequada e de organização do sistema de saúde no acolhimento ao
portador de FC (MENEZES et al., 2006).
Alguns estudos com gestantes sobre a assistência obstétrica discutem a
relação da peregrinação durante o pré-natal e hospitais para o trabalho de parto com
as péssimas condições do parto, muitas vezes fatal (BRIENZA; CLAPIS, 2002;
KOFFMAN; BONADIO, 2005; DINIZ; CHACHAM, 2006). A existência de um serviço
de referência para FC somente na capital do Paraná pode refletir-se na pouca
divulgação da doença e condutas entre os profissionais de saúde no Norte e
Noroeste do Estado. Assim, supõe-se uma maior peregrinação das famílias e piores
condições de saúde do portador até o diagnóstico, que podem contribuir para o
aumento do índice de mortalidade infantil nessas regiões.
[...] e fazendo a dieta dele até cinco anos e oito meses, quando ele
teve a primeira brônquico pneumonia; a doutora deu penicilina e
ele não melhorava e a brônquico pneumonia não melhorava e
alguma coisa dizia assim pra nós: ‘Tem alguma coisa errada!’ Não
conseguia descobrir o que que era, e ele estava com o
diagnóstico de FC, e ela não associou, ela não indicou um centro
maior [...] (14)
[...] o [nome do portador] piorando, piorando,... daí a doutora falou:
não dá pra esperar mais, tem que ir pra Curitiba. Aí fomos pra
Curitiba e o [nome do médico] que nos atendeu, e o [nome do
portador] chegou praticamente, totalmente desidratado. ele
apertava assim na pele, a pele nem voltava (13).
52
Por falta de resolutividade, a peregrinação por médicos foi motivada por
alguns fatores, tais como: indicação de amigos e familiares, por ser médico com
idade avançada na profissão e, assim, mais confiável; encaminhamento médico,
geralmente, para especialistas em gastroenterologia ou pneumologia; ou falta de
opção. Marques e Lima (2007) afirmam que os usuários de saúde sentem-se
insatisfeitos quando são encaminhados de um lado para o outro, sem respostas às
suas necessidades. Em geral, neste estudo as famílias percorreram, em média, oito
médicos até receberem o diagnóstico.
Nos relatos, as famílias procuravam os serviços de saúde o pela
localização geográfica, mas por uma qualidade no atendimento, um conforto às suas
angústias. As falas revelam que nem mesmo o médico da família, aquele no qual
todo mundo confia, afirmou o diagnóstico diante os exames confirmatórios (teste do
suor).
foi aquele resultado e levamos para um pediatra, que tinha sido
meu pediatra, com o diagnóstico e ele nunca tinha ouvido falar na
doença. (rs) [...] Mas, a gente tinha levado em tanto pediatra que
conhecia que era bom e nenhum... né!! ele veio no consultório,
trouxe o livro e falou: é uma doença que é bem complicada, mas eu
vou receitar um xaropinho e vocês voltam daqui três meses.
Receitou um xaropinho, até pouco tempo eu lembrava o nome
deste xaropinho (rs). (1)
Eu lembro que meu pai falou: ah não, procura um médico velho que
tem na cidade, que os velhos são bons! [...] (11)
Dava o teor de sal dele alto tudo, mas não foi diagnosticado. Nem o
[nome do médico] né? (6)
Caprara e Rodrigues (2004) colocam que a qualidade no serviço percebida
pelo paciente depende, de 30 a 40%, da capacidade diagnóstica e terapêutica do
médico, e de 40 a 50% da relação que se estabelece entre profissionais de saúde.
Nos relatos das famílias, apreendeu-se que a capacidade diagnóstica e terapêutica
da família deve estar aliada ao bom relacionamento para a coleta do histórico dos
sintomas do membro adoecido, bem como da relação dos mesmos sintomas em
outros familiares, que se caracteriza por uma doença genética. Para
complementar o bom atendimento, os profissionais de saúde precisam atender aos
anseios da família, ouvindo os seus medos e vidas sobre a existencialidade do
53
ser-aí. Percebeu-se que a aceitação das condutas médicas dependeu do nível
sociocultural de cada família.
O tempo de peregrinação das famílias durou, em média, cinco anos, desde o
aparecimento dos primeiros sintomas. Os primeiros sintomas percebidos pela família
foram: tosse, diarréia, fezes volumosas e fétidas, com presença de gordura, suor
salgado, perda de peso, desidratação, icterícia e íleo meconial. Os sintomas que
mais prevaleceram nos discursos foram tosse evoluindo para pneumonia (37,5%) e
perda de peso (19%).
As falas demonstram a percepção das famílias diante da postura médica e
dos dados clínicos da FC.
[...] quase dois anos tratando de pneumonia e não de fibrose ela
estava bem debilitada o caso dela [...]. A gente ia em um monte de
médico, médico bom mesmo!! [...] daí ele falou: vamos fazer de novo.
Fizemos três testes do suor! (7)
O médico não falava nada, ele tinha muita pneumonia, resfriado
né...que é o sintoma da FC. [...] Nossa, mais de 20 médicos com
ele e nenhum chegou nem perto da FC nada, nada. [...] (6).
Estar dentro do modelo da pirâmide do Sistema Único de Saúde (SUS),
implica sujeitar-se aos percalços do acesso ao serviço, ao interesse do profissional
de saúde, à tecnologia disponível, agendamento de consultas especializadas e
exames complementares (MARQUES; LIMA, 2007). Diante dos relatos, percebe-se
o despreparo dos profissionais inseridos no sistema de saúde em relação às
condutas com portadores de FC e abordagem à família.
Nesse percurso, algumas famílias foram saciadas por um “diagnóstico”. O
profissional médico busca dar à família um diagnóstico a qualquer preço,
examinando o que é evidente diante o conhecimento teórico. Algumas famílias
submetidas às solicitações médicas seguem-nas com convicção em seu cotidiano.
Um médico na época falou que ele não poderia comer chocolate, que
esta doença não poderia comer chocolate, nem andar de bicicleta,...
(2).
que assim, como deu tuberculose, a gente tava tratando como
tuberculose (2).
54
Bom, fomos em médico, fomos para lá, fomos para cá e é aquela via-
sacra. Fez até teste aquele de tuberculose, tudo!! (1)
[...] o primeiro pediatra dizia que era vermes. Criança de quatro
meses com verme! Você imagina que ela deva viver no meio de um...
[...] não descobria, eles achavam que ele fosse alérgico aos
leites, aí eliminaram a lactose dele. Aí achava que ele era alérgico às
farinhas, então, tiraram todas as farinhas (14).
Quando as opções dos serviços de saúde do sistema público se esgotaram, a
motivação para continuar a peregrinação foi aderir a um plano de saúde, muitas
vezes, com o apoio de amigos. Verificou-se que três famílias não possuíam plano de
saúde por falta de condições financeiras; mas em geral as famílias demonstravam
receio, medo de serem socorridas na rede pública de saúde.
[...] eu levei em todos os pediatras que tinha em Maringá na época,
lógico que não tinha, eu falava assim: ah, é porque nós não temos
plano de saúde (3).
Não tínhamos e nem temos convênio médico né... Então no começo
antes de descobrir a gente teve ajuda bastante de amigos [...] pra
arrumar recursos para ir no médico particular (7).
Quando o conhecimento do dico não atinge a realidade do paciente e este
se depara com a possibilidade de fracasso, o que se percebe é o distanciamento
dos profissionais e insistência da família em ir adiante (CARVALHO, 2004). Na FC
observa-se o distanciamento dos profissionais de saúde de ir além dos horizontes
técnicos, de estar com a família neste momento tão doloroso e sem voz.
A tentativa de adesão ao tratamento de alguma doença semelhante à FC foi
possível em algumas famílias com diagnóstico tardio. Sem sucesso, a peregrinação
continuou após o diagnóstico de algumas doenças, principalmente a doença celíaca
e tuberculose. Após várias tentativas, indícios para suspeita de FC começaram a ser
pronunciados.
A terceira pediatra começou a desconfiar de alguma coisa, mas nisso
ele já tinha um ano e dois meses; aí ela fez o diagnóstico no teste do
suor e viu que era uma doença genética (14).
55
E tinha também catarro...e daí nós fazendo tratamento, mas era
estranho né... e não melhorava, toda a manhã...e começou a ficar de
madrugada né, esta menina não dormia mais, ficava a tarde, ficava
sonolenta... [...] E a gente ligava, o médico falava: não saiu ainda!!
(desconfiada, angustiada) [...] E a gente dava medicamento,
antibiótico e não adiantava... Daí quando chegou o resultado do
exame ele falou que realmente era FC, eles falaram para o pai
dela.... (9).
[...] e era normal e ficou como normal, e depois com vários meses
ainda ele tinha ainda, mas a gente achava que estava normal. [...] ele
falou: olha, eu acho que seu filho ele pode ter FC. Porque é assim,
tinha vez que eu levava umas três vezes por semana, ele também
não sabia o que fazer né, daí ele começou a pesquisar e falou assim:
tem uma suspeita pra saber o que que é isso, ou de FC ou doença
celíaca. (8)
É por causa da mancha no pulmão, eles ficaram tudo assustado!!!
Daí fez os exames, e não deu não...a tuberculose! Daí só este
exame mesmo da biópsia que deu. [...] Ele (médico) falou: nossa,
olha ainda bem que ele (o pai) insistiu viu!! Tava feio, heim, tava tudo
assim... grudado, ... E nossa!! Soltou... todo dia!! Cada tosse que ela
dava, era um copo... cheio de muco!!! Era amarelo, tava até quase
esverdeado...quase para preto (9).
A evolução científica e tecnológica tem permitido o diagnóstico precoce e a
terapêutica adequada de várias doenças crônicas (VIEIRA; LIMA, 2002). A partir do
ano de 2001, com a Portaria Ministerial n 822, esta afirmação passou a ser
verdadeira para a FC. Os portadores de FC, por meio de dois resultados alterados
da triagem neonatal, passaram a ser encaminhados para o centro de referência para
confirmação diagnóstica e tratamento (BRASIL, 2001; LEÃO; AGUIAR, 2008). Antes
dessa época, a dia de idade para o diagnóstico da doença era em torno de 1,6
anos e uma média de um a quatro internamentos/ano, com duração aproximada de
10 a 60 dias (FARIAS et al., 1997). Na Bélgica, 70% dos diagnósticos são feitos
durante os cinco primeiros anos de vida, existindo triagem neonatal em áreas
limitadas (HAVERMANS; BOLANGER; PROESMANS, 2002). Hoje, no Estado do
Paraná as famílias recebem o diagnóstico da FC nos primeiros dias de vida,
independentemente dos sinais e sintomas.
Quando se detecta a FC pela triagem neonatal a família também passa por
uma peregrinação, porém com um período de tempo menor. Entretanto, a essência,
56
o sentido desvelado ao mundo vivido são transmitidos por todas as famílias com
muito sentimento e significação.
Rosário e Ried (2007) asseveram que para os profissionais o diagnóstico
precoce permite um melhor conhecimento sobre a doença e sua história natural, e
para a família, um esclarecimento sobre sua realidade, os cuidados essenciais em
FC e a oportunidade de realizar um planejamento familiar. Essa realidade se reflete
em uma vivência menos sofrida e em melhor qualidade de vida do portador e família.
Focando o ser-aí com diagnóstico precoce, observam-se múltiplas vantagens
do ponto de vista da família em comparação a um diagnóstico tardio; porém a
essência do fenômeno é repleta de subjetividades em ambos os diagnósticos
temporais. A negação é o principal sentimento nessa fase (FURTADO; LIMA, 2001).
As formas de não-aceitação da doença são justificadas pelas mães.
O teste ainda não tinha chego. Daí procurei um médico, porque eu
achava que era alguma coisinha com o horário, o horário eu sabia
que não, porque eu tinha feito com 48 horas, às vezes o sangue, a
forma que colheu... alguma coisa assim... Até o médico falou: oh,
pode ser isso mesmo [...] Daí ele pediu urgência e mandaram um fax
pra ele com o resultado do meu teste e ele viu que tinha dado fibrose
(11).
[...] daí falaram para fazer o teste do pezinho em um órgão em
Curitiba, que faz a coleta do suor. Aí, que a gente foi deixando,
sabe, na realidade a gente nem tava muito aceitando, né! [...] ele
tava com três meses né! Nós demoramos, sabe, pra ele demonstrar
alguma reação demorou.. daí vimos que ele foi perdendo peso,
perdendo peso, não comia, não comia, daí a gente tava ficando
desesperados (13).
As mães são as personagens que mais sofrem com a involução da saúde do
filho, e a culpa, muitas vezes, é direcionada aos cuidados maternos. Diante da
decadência, a medicina curativa encontra-se num quadro sem solução e esperança.
A relação da família com o mundo, diante da experiência vivida, vai
delineando seu modo de ser, pensar, agir, valorar, sentir e julgar (POKLADEK,
2004). A família, ao sair do atendimento médico com o diagnóstico, diversos
receituários, solicitações de exames e cobranças, projeta no membro adoecido um
sentimento de desconsolo e impotência quando passa a refletir sobre o seu contexto
social, emocional, financeiro e cognitivo. A particularidade de cada família, suas
57
deficiências e dificuldades, precisam ser respeitadas e avaliadas pelos profissionais
de saúde para que o portador de FC e sua família tenham um vivenciar da doença
menos traumático e limitado.
Morais, Alves e Traverso-Yépez (2008) asseveram que os profissionais de
saúde devem satisfazer às necessidades individuais de cada paciente, qualificando
o cuidado à pessoa humana com suas subjetividades, e não reduzindo-o à
patologia e ao corpo biológico.
As vivencias pré-diagnósticas das famílias com portadores de FC foram
momentos angustiantes de via-sacra de falta de solução, e permeados pelo
desconhecimento da doença, dos profissionais de saúde, de termos científicos e de
longas viagens.
58
Van Gogh
59
4.1.2 Fibrose cística: um discurso desconhecido na área da saúde
A FC se constitui como um problema imanente no mundo vivido das famílias e
dos profissionais de saúde envolvidos neste processo de adoecer. O
desconhecimento dos profissionais de saúde sobre a doença e suas implicações
sociais gera sentimentos variados na família que busca cuidados.
A FC é uma doença caracterizada pelo difícil diagnóstico na clínica médica,
pois seus sintomas são muito semelhantes aos de outras doenças comuns na
infância. As propedêuticas firmadas nas falas das famílias, antes do diagnóstico, são
baseadas nos sinais e sintomas, tais como: diarréia, tosses recorrentes, baixo peso,
íleo meconial, etc. Os sintomas nem sempre se manifestaram ao nascer, mas
geralmente, na fase infantil.
Em mais da metade dos diagnósticos a suspeita é direcionada pela presença
dos sintomas respiratórios. O número de subdiagnósticos é significativo na saúde
pública e privada, gerando um alto custo emocional e financeiro no cleo familial
(SÁNCHEZ DIAS et al., 2001).
A família repensa sua vida anterior como um mundo realizado. Sendo-no-
mundo sem a possibilidade da doença é percebido como um tempo de segurança e
riqueza interna, até o aparecimento dos primeiros sintomas de FC (SILVA, 2006).
Pokladek (2004) diz que perceber é estar ligado às possibilidades, é estar aberto
àquilo que se apresenta e aprender a lidar com a situação colocada.
O [nome do portador] começou com aquela tosse, tosse, com dois
anos e meio ...até então, não se sabia o que era ....não tinha
sintoma, não tinha nada.... nossa vida era maravilhosa!! (1)
Desde de bebê, desde que nasceu, eu achava estranho assim.
Sempre falava: nossa, ele tem um suor salgado assim, ele transpira
muito e ficava todo branquinho. Mas nenhum médico nunca ligou
para o que eu falava, (rs) acho que nem sabiam, né, nem sabiam (4).
Sant’anna et al. (2002) confirmam que as crianças com menos de dois anos
de idade têm o dobro das taxas de adoecimento em relação a crianças maiores.
60
Esse agravante na área pediátrica deve ser considerado devido às infinitas
possibilidades diagnósticas, sendo o acompanhamento clínico essencial para o
diagnóstico da FC. Mais do que isso, é a valorização do conhecimento e percepção
da mãe sobre o cotidiano do filho adoecido.
Trindade (2004) diz que o ethos pode estabelecer a harmonia na relação
médico/paciente, significando uma morada, um lugar de troca e de encontro. O
médico que aborda a família com o membro adoecido é um ser-com, precisa
compreender o outro e investigar o que está implícito na manifestação do ente.
Compreender “é aquele momento muito especial em que a vida encontra a
vida” (PALMER, 1986). Parece elegante e poético falar sobre a compreensão da
vivência do outro, porém extremamente delicado na prática dos profissionais de
saúde que lidam com famílias que experienciam a incerteza da doença crônica,
principalmente a FC. A doença afeta o aspecto psicossocial da família e do ser-aí-
sem-diagnóstico, o que é agravado pelo desconhecimento da área da saúde e da
sociedade.
A autobiografia de Pereira (2007, p.17), uma portadora de FC que conta sobre
sua luta diária contra a doença, revelou que o epílogo de sua peregrinação ocorreu
aos 21 anos, quando conheceu um médico clínico geral que também era
pneumologista, que com paciência escutava suas dúvidas e queixas. “Eu me sentia
segura sendo sua paciente. Era como se eu estivesse indo visitar um amigo”.
Descreve esse profissional como o médico que ultrapassou as barreiras das receitas
médicas.
As famílias descrevem o descontentamento com a postura médica em relação
aos sintomas clínicos subjetivos e sua íntima relação com o objeto, nos momentos
de consulta.
[...] quando chegou um dia eu falava para os médicos, que ele fazia
muita gordura [...] os pediatras achavam que eu era louca!! [...] Um
dia ele chegou bem no consultório da [nome da médica], quem
cuidava mais dele era ela, ele saiu assim sabe, fazendo pelas pernas
abaixo, pura gordura assim, dentro do consultório dela. Eu falei: olha
aqui doutora, acho que hoje você viu. que ela se apavorou: não,
ele tem que ir pra Curitiba e não teve jeito tal, tal (3).
À luz da evolução e do conhecimento científico percebe-se que a atitude dos
profissionais de saúde em relação ao manejo dos portadores de FC estava
deficiente. Outro aspecto manifestado pelas famílias, com muita indignação, é a
61
questão da formação dos profissionais de saúde quando se trata de doenças raras,
como a FC.
Ela falou que quando ela estudou, ela estudou um pouco sobre a
doença, mas ela não está por dentro do tipo de medicamento que
está usando agora. Até quando que deu a bactéria que foi quando
ela cuidou. Eu perguntei sobre a Colomicin, daí ela foi estudar pra
ver a dosagem tudo... Então eles ainda não estão muito...estão muito
longe ainda da realidade!! [...] não é possível, que os que estão
estudando hoje, não estão estudando FC!!! (indignada) Ou será que
não ainda?(6)
Alguns estudos discutem a abordagem dos profissionais de saúde diante da
dimensão ética na relação médico-paciente. uma grande preocupação quanto á
atuação mecanicista na relação médico/paciente. Na área médica, como em outras
profissões da saúde, existem lacunas em relação aos aspectos subjetivos e
filosóficos do ser-no-mundo que sofre (TRINDADE; NOVAES; CARNEIRO, 2006).
Abrahão (2006) diz que alguns princípios devem ser levados em consideração
na relação entre médico e paciente: participação e responsabilidade mútua (crença e
valores do processo saúde-doença) e construção conjunta da intervenção no
processo saúde-doença.
Neste estudo, os profissionais médicos, diante da possibilidade de ocorrência
da FC, recorrem aos livros como forma de lidar com a família. As falas constituem
um desabafo quanto à ignorância da área médica em relação à FC quando, no
momento da consulta, referem-se a ela como uma doença que se trata com
“xaropinho”. Quando a família comparou as condutas médicas, mesmo com o
tratamento da FC com o pneumologista (Curitiba), preferiu a conduta do médico
mais experiente, o que a família conhece. Além do mais, foi o médico que
representou a FC como uma doença mais branda em relação aos cuidados.
nós levamos o diagnóstico fechado e ele foi procurar num livro o
que era fibrose cística, o que era mucoviscidose. Aí ele veio no
consultório, trouxe o livro e falou: é uma doença que é bem
complicada, mas eu vou receitar um xaropinho e vocês voltam daqui
três meses [...] esquecemos o que pneumologista falou, porque eu
confiei mais no pediatra, entendeu!! Quando ele receitou o xaropinho
ele falou que tinha tratamento sim e disse que ia melhorar. Então, eu
achei que não era nada (1).
62
Enquanto alguns profissionais, com seu modo de agir, se aproximaram da
família, outros se distanciaram da circunstância, do problema velado. Ambas as
experiências foram negativas do ponto de vista da família, marcaram um tempo de
desespero e solidão.
E os médicos aqui de Maringá corria da gente, corria, corria da
gente, porque quando a gente estava no desespero a gente chegava
no hospital e falava: “olha, ele tem FC ele assim, assim” eles
corriam, eles correram muito da gente. Foi terrível na época assim,
nossa, a gente não achava ninguém pra atender ele, ninguém,
ninguém, ninguém,... ninguém queria atender, ninguém queria a
causa, ninguém queria pesar... (3).
Hummelinck e Pollock (2006), em estudo com pais de crianças com doenças
crônicas sobre as informações da doença, apontam que o fornecimento de
informações corretas e detalhadas é amplamente reconhecido como um direito
individual, bem como, essencial na relação entre profissionais de saúde e pacientes.
Uma pesquisa realizada por Amorin e Souza (2005) com o objetivo de avaliar
o nível de conhecimento das mães em relação à utilidade da triagem neonatal
revelou que grande parte das orientações relatadas pelas mães eram dadas por
médicos e que o momento em que as informações são transmitidas interfere na
compreensão e atenção da mãe.
Um estudo realizado no Instituto Fernandes Figueira (IFF), na cidade do Rio
de Janeiro, com os profissionais dicos que cuidam de crianças portadoras de
doenças genéticas relata a ansiedade gerada na díade (médico/família) diante da
indefinição diagnóstica e da situação de comunicar o diagnóstico. Coloca ainda que
eles se sentem desarmados diante da complexidade da doença e da reivindicação
dos pais por uma explicação para o que ocorreu com o filho (MARTINS, CARDOSO,
LLERENA JUNIOR, 2004).
Diante do exame de triagem neonatal alterado para alguma doença, o
pediatra deve dar apoio à família com informações sobre o resultado alterado da
triagem, a possibilidade de falso-positivo e o encaminhamento aos exames
confirmatórios. Além disso, a primeira conduta é verificar se o bebê está
assintomático ou se possui história clínica com os sintomas (LEÃO; AGUIAR, 2008).
63
Para viabilizar este atendimento são necessários profissionais de saúde do âmbito
hospitalar e do PSF envolvidos com o PNTN.
Uma família deste estudo, quando informada sobre a possibilidade do
diagnóstico da FC não foi orientada sobre o significado do resultado positivo da
triagem neonatal e a doença. O médico informou-lhe apenas que poderia obter
maiores detalhes sobre FC na internet.
Aqui em Maringá não explicaram nada, estávamos sem rumo, não
sabíamos do que se tratava, e pior, a gente sabia que era algo muito
grave, mas não tínhamos nem noção. O doutor só falou que era uma
doença complicada e que na internet teria bastante informação sobre
a doença (5).
As experiências das famílias com crianças portadoras de FC revelaram em
sua memória viver na incerteza constante pelo desconhecimento da doença, o que
dificultou o apaziguamento de suas inquietações.
Com o objetivo de avaliar os conhecimentos dos pais de 93 crianças
asmáticas sobre a doença, Zhang et al. (2005) identificaram que a fonte principal de
conhecimento foi o médico (80,8%), mas 61,6% dos pais queixaram-se de ter tido
informações insuficientes. Na interpretação desses dados devem ser considerados
alguns fatores, como a fase da doença em que se encontra doença, a capacidade
cognitiva da família que recebe a mensagem e a estratégia utilizada pelo profissional
ao transmitir as informações sobre a doença. Castro e Piccinini (2002 referem a
necessidade da elaboração de estratégias que possibilitem a intervenção emocional
e social considerando as especificidades das enfermidades crônicas.
Nascimento et al. (2005), em estudo com famílias de crianças com câncer,
relatam que a família passa por algumas fases na vivência com a doença,
correspondentes ao período pré-diagnóstico, ao diagnóstico propriamente dito, ao
momento de reorganização e reestruturação familiar, à exacerbação de sintomas da
doença, aos períodos de hospitalização, à necessidade de aprender habilidades
para lidar com a doença e à tomada de decisão diante de qualquer mudança no
percurso da doença.
As famílias deste estudo reconhecem que o médico que mais dava atenção
foi aquele que teve contato prévio com portadores de FC durante o curso de
64
especialização em pneumologia, porém o acesso a ele foi possível somente por
meio do convênio. A comunicação sobre a doença com outros profissionais de
saúde é considerada uma dificuldade para receber algum tipo de orientação.
O [nome do médico] era o que mais dava atenção, mas era do
convênio, no público não tinha ninguém. A fisioterapia nós fazíamos
no [nome da faculdade], mas que nos orientasse, encontramos
ninguém de profissional aqui em Maringá (5).
Alguns estudiosos, em estudo sobre a relação entre médicos e pacientes no
Programa de Saúde da Família (PSF) no Estado do Ceará refletiram sobre os
fatores que envolviam o ser-aí na consulta médica. Constataram que no início da
consulta quase todos os médicos manifestaram a empatia, ser-com o ser que sofre.
Porém algumas falhas foram identificadas: 39% dos médicos não explicam de forma
clara e compreensiva o problema: em 58% das consultas o médico não verifica o
grau de entendimento do paciente sobre o diagnóstico dado; em 53% delas não
verifica a compreensão do paciente sobre as indicações terapêuticas (CAPRARA;
RODRIGUES, 2004). Estas características levantadas pelos autores ressaltam a
importância do atendimento multiprofissional às doenças crônicas (CASTRO;
PICCININI, 2002).
O desconhecimento sobre o manejo das doenças detectadas no PNTN na
área médica faz com que as famílias projetem situações que as impedem de se
adaptar à nova condição e de compreender o significado de ter um familiar doente
(FURTADO; LIMA, 2002). Mesmo diante da possibilidade existencial da FC no ser-aí
a família passa por infortúnios decorrentes da falta de interesse e cidadania por
parte dos profissionais no momento que poderia levá-los ao diagnóstico da FC.
O resultado estava no teste do pezinho, e ninguém, nem o médico
pra encaminhar. O que mais ficou alerta assim, foi o Fausto, porque
eu tinha ido lá, porque ele é homeopata e pediatra (11).
Só que ela não sabia o que era, ela só ponhou e não sabia que tipo
de doença que era. Só os sintomas. (10).
65
Diante da manifestação dos sintomas, a família vai aprendendo uma
infinidade de termos médicos bem como procedimentos diagnósticos e terapêuticos.
Essa fase se caracteriza como de desestruturação e incertezas (VIEIRA; LIMA,
2002).
O íleo meconial é um alerta para o diagnóstico da FC, em 90% dos casos
(DAMASCENO, 1999). A família se sente desorientada sobre a causa do problema
intestinal detectado na ultra-som. Sem suspeita de FC, o médico faz a cirurgia para
desobstrução intestinal.
[...] eu fiz a ultra-som e na ultra-som viu que ele tinha problema no
intestino. [...] Só que ninguém sabia o que que era, que já era o sinal
da FC. que nenhum médico falou que era fibrose ou qualquer
outra coisa. Não falou nada, ficou por isso: “vamos esperar nascer,
se precisar a cirurgia, vai fazer”. (6)
O desconhecimento da FC e o manejo do tratamento podem ter ocasionado a
morte de algumas crianças (irmãos nascidos antes do portador de FC), sem a
evidência do diagnóstico. Os pais, diante do nascimento dos filhos com a
angustiante possibilidade de ser-lançado-para-a-morte, referem-se a ela com muita
revolta e solidão.
Mesmo com os resultados alterados do teste do suor, não houve interesse por
parte dos profissionais dicos na investigação da doença. As mortes são relatadas
como uma situação repentina, sem causas aparentes.
Essa situação de perda de um filho pequeno sem diagnóstico firmado é
revelada pelos pais com muita revolta, dor, medo e solidão. A dilaceração do
profundo envolvimento afetivo com o filho foi presente no mundo vivido das famílias.
É a dor da separação repentina, da inversão natural da vida quando os pais perdem
o filho antes de sua própria morte (MENEZES et al., 2007).
Então a gente sofreu muito, e não foi diagnosticado e fazia um monte
de exame, dava sal, que a gente tem guardados todos os exames,
tudo... o ultra-som, tudo dele. Dava o teor de sal dele alto tudo, mas
não foi diagnosticado (6).
o médico fez um laudo né, no atestado de óbito, estava parada
respiratória!! (indignada!!!) Porque eles não sabiam certinho! Ela
66
faleceu de repente, ela estava boa, tudo. Estava comigo, entrou em
coma....(silêncio) (7).
O primeiro que faleceu foi uma coisa de doido, aquilo foi coisa de
doido mesmo! Olha, até os quatro meses ele não tinha nada e eu
trabalhava com salão em casa, né? De manhã cedo ele começou
assim, tipo de um resfriado, quando foi à tarde o peito dele fechou.
Eu levei na Farmácia do Povo, que era um farmacêutico muito
conhecido, ele falou: não, ele está com pneumonia, leva pro
médico, leva pro hospital. Levamos pro hospital, já era tipo uma
pneumonia dupla, o neném não durou um mês, também não
conseguiram... [...] e mas assim, uma coisa muito rápida, muito
rápida, nossa! Meu Deus!! (12).
[...] que nem o [nome da criança] o último nosso, que faleceu, a
doença dele se apresentou com 10 dias, ele nasceu com 3,8 kl,
quando ele morreu com cinco meses ele tava com o peso que ele
nasceu. Sabe o que é quatro meses uma criança chorar dia e noite?
(12)
O ser-aí lançado no mundo em seu tempo projeta “um futuro que ainda não é,
mas que pode vir a ser, e que também poderá não ser, uma vez que está implícito
nas minhas possibilidades a de não jamais estar mais aí” (ROTHSCHILD;
CALAZANS, 1992, p. 149).
A morte foi fato na existencialidade dessas famílias que perderam o filho
precocemente. A presença da morte manifestada nos silêncios das falas desvelou o
modo autêntico de existir, extraviando o de ser-no-mundo, sendo-si-mesmo.
As experiências das famílias revelaram que o desconhecimento da FC na
área da saúde foi ser-no-mundo diante da possibilidade irrevogável do medo,
angústia, solidão e morte. Foi uma preocupação com existir do membro adoecido.
Foram momentos complicações, que permearam a existencialidade do ser-aí na
família. A definição etimológica da palavra complicação advém do latim de com
(junto) - plicare (dobraduras) (HOUAISS, 2001). As dobraduras da FC na vida da
família que precisavam ser descomplicadas, desdobradas, facilitadas e esmiuçadas
pelos profissionais de saúde.
67
Os Girassóis
Van Gogh
68
4.1.3 O mundo vida das famílias frente o diagnóstico de FC
Neste estudo, as famílias percorreram estados de ânimo extremos com o des-
velar da doença. As experiências vivenciadas nessa organização social revelaram
sentimentos ímpares, simbolizando o impacto e enfrentamento em relação à
aceitação do ser-portador-de-FC. Quando um indivíduo é acometido por alguma
doença crônica, conseqüentemente, o seu núcleo familial é afetado (GALERA; LUIS,
2002; MOREIRA; CRUZ; VASCONCELOS, 2005).
Este estudo me permitiu anuir que as famílias que receberam o diagnóstico
muitos anos expressaram a mesma emoção ou, às vezes, maior emoção do que
as famílias de portadores recém-diagnosticados. Essa variação de sentimentos
dependeu do estágio em que se encontrou a doença no momento do diagnóstico,
personalidade dos sujeitos envolvidos, do período da peregrinação, o meio pela qual
foi realizado o diagnóstico (triagem neonatal ou clínico), do envolvimento dos
profissionais de saúde com FC e o modo como foi transmitido o diagnóstico. Além
disso, observou-se que as condições de saúde do filho no presente influenciaram na
descrição da doença e sua preocupação em relação ao futuro da saúde do filho.
Porém, em todas as famílias ocorreram danos sociais e psicológicos na vivência
dessa nova condição.
Os sentimentos e emoções vivenciados pelas famílias foram potencializados
pela característica de ser a FC uma doença de difícil diagnóstico mesmo quando
detectada por meio do “teste do pezinho”, uma vez que podem ocorrer os resultados
falso-positivos e falso-negativos. Além disso, os testes de confirmação diagnóstica
quando a triagem é suspeita nem sempre são positivos para a doença. Deste modo,
as famílias dos portadores vivenciam sentimentos ambíguos de um ser ou não ser,
de bom ou mal, de normal ou anormal frente a uma realidade que se mostra de difícil
percepção.
Critelli (2007) afirma que tudo enquanto está velado encontra-se no mundo do
nada, do oculto. O ocultamento o está por trás das coisas, mas entre elas e nelas
mesmas, se constituindo. “O desvelamento significa a saída de algo do seu
ocultamento em uma das suas facetas (possibilidades) [...]” (CRITELLI, 2007, p.
69
81). Para os familiares dos portadores de FC esse jogo de ocultar e desocultar do
fenômeno diagnóstico foram extremamente dolorosos, porque embora muitas vezes
os exames confirmatórios fossem negativos a criança apresentava sinais típicos da
doença.
Conhecer o mundo-vivido das famílias diante o diagnóstico da FC é
compreender como se vivencia o mundo físico e biológico, meio ambiente (Umwelt),
o seu mundo social, suas relações com os outros indivíduos, com a família e com a
comunidade (Mitwelt) e o seu mundo pessoal, o seu “eu” (Eigenwelt) (MOREIRA;
CRUZ; VASCONCELOS, 2005).
O choque e o impacto das famílias são evidenciados com negação diante o
ser-portador-de-FC. Os pais passam por um processo de luto inicial, pois vão-se os
sonhos de uma criança saudável e a aceitação de um filho em condições especiais.
[...] era minha primeira filha e eu tinha um sonho né, e depois veio
tudo né, aquilo caiu
(4).
[...] quando descobriu minha mulher ficou chocada... demais!! Ela
achou que ia acabar o mundo pra ela, que o filho dela não deveria ter
essa doença, que não sei o que... minha mulher ficou apavorada ( 2).
Quando nos falaram o resultado, sentimos uma sensação de
impotência, porque não sabia o que nos aguardava. Estava eu e a
mãe dele, foram momentos difíceis, parecia um pesadelo. Tinha
muito medo de perder ele, falta de informação, tudo era ruim, as
noticias eram péssimas, dava uma angustia (5)
A experiência das famílias face uma possibilidade inesperada provocou
reações que insinuavam aniquilação e desestrutura do projeto de vida do ser aí. Ter
um filho portador de FC entoou no mundo vida das famílias a reflexão sobre o seu
próprio “eu”, sobre o produto de sua existência enquanto ser-no-mundo. Passaram
por instantes de vagar num mundo sem chão, sem apoio e de desatino.
O impacto da palavra Fibrose Cística no diagnóstico foi como “meu mundo
caiu”, “o meu mundo desabou”. A redundância de significados dessas expressões
demonstrou o peso do diagnóstico da doença, algo de difícil mensuração pelos
outros. O diagnóstico de uma doença crônica, como a FC, veio à tona o medo da
morte. A sensação de inversão na ordem natural dos acontecimentos e a
possibilidade de perda tornaram-se uma catástrofe à família.
70
O momento de transmissão do diagnóstico constituiu uma situação complexa
e de grande impacto nas famílias. Quando a criança foi diagnosticada pela FC as
famílias experienciaram sensações gradativas com o conscientizar da doença.
Na hora que ele me explicou ele falou: tem fibrose cística! Eu pensei:
bom, eu nunca ouvi falar e não sei nem o que é isso!! [...] (7).
[...] ele [presidente da associação] me ligou no salão perguntando
se realmente sabia o que era fibrose cística. Foi a hora né, que eu
despertei pra gravidade ainda, porque era tão grave o que a gente
tinha, que a gente não tava assim, muito preocupado com o nome do
negócio, pelo o que era né (3).
O fato das famílias desconhecerem a doença e sua gravidade foi num
primeiro momento uma situação tranqüila, pareceu não terem entendido a
mensagem transmitida pelo médico. Nesse não entender a informação médica as
famílias colocaram-se livres de qualquer prejuízo emocional.
Jerónimo (2000), em seu estudo para compreender as repercussões da
doença crônica na criança e família, verificou que 85,7% dos sujeitos concordam
que teve toda a informação no momento do diagnóstico e 68,2% referem ter tido
também todo apoio necessário neste momento.
Nem todas as famílias entrevistadas compreenderam o que foi verbalizado na
hora do diagnóstico. Alguns atores coadjuvantes, como amigos, participaram
ativamente, sendo empáticos no ato diagnóstico. A mãe ao receber as informações
sobre a doença manteve-se passiva por não perceber o que se mostrava em seu
mundo vida. Esta expressão pode ser uma forma de afastar-se das
responsabilidades e de um cuidar ainda maior, bloqueando os seus sentidos. Não
obstante, existiu uma hora que se abriu completamente a retina para a luz, ou seja,
o desvelamento total da realidade da doença e a angústia perdurou nos sentimentos
da mãe, que se distanciou da presença do filho, e se lamentou sozinha.
No dia, estava eu e minha amiga, fomos nós duas levar a [nome da
portadora] em Londrina, e daí ele me explicando e eu fui prestando
atenção no que ele estava me falando [...] e minha amiga
chorando, chorando [...] daí ele falou assim: afinal quem é a mãe né?
Eu falei: eu né! (rs). [...] Depois de um tempo que minha ficha foi
caindo, eu fui [...] vendo que minha responsabilidade era grande
(emocionada) que eu teria que cuidar dela pra sempre, o tratamento
71
alí na risca, médico e tudo [...] que daí, daí.. eu desabei..
desabei. Fiquei um bom tempo chorando escondido pra ela não ver,
o que eu sentia, tal [...] (7).
As falas possibilitaram deduzir que todas as famílias, independente do
momento do diagnóstico (precoce ou tardio), sofreram um impacto emocional. O
diagnóstico (precoce) com o médico especialista em FC, na cidade de Curitiba, foi
referido pelas famílias como aterrorizante. Saber que o filho tem uma doença de
baixa imunidade, incurável e com possibilidade da morte foi confrontado com a
personalidade e intelecto por uma das mães, uma vez que a mesma era formada em
Psicologia e extremamente cuidadosa com o filho.
[...] a primeira consulta nossa, fiquei horrorizada com ele! Fui na
associação, falei: Deus me livre, este médico é terrível teria que fazer
um pouco de psicologia [...] porque ele não me falou nada de bom da
doença mesmo e falou tudo que tinha de pior (11).
O abalo do diagnóstico na família foi referido também frente ao volume de
informações e receituários que envolveram a primeira consulta e visita à AAMPR.
Eles falaram que era grave, que ele tinha que tomar medicação para
o resto da vida, que a parte mais afetada era o pulmão...pâncreas,
mas era muita informação de uma vez , a gente não aceita, é muito
confuso no começo, depois a gente vai assimilando (5).
Aí ele (médico) receitou um soro, nos explicou tudo o que que era, só
que pra nós foi assim, um batalhão de informações, nós tivemos a
reação, assim, a pior possível, eu e meu marido. nesse dia a
gente foi pra associação, o [presidente da associação] explicou sobre
as enzimas, tudo certinho, mais uma coisa pra gente fazer, então, a
gente tava assim, atordoados né (13).
Vivenciar este impacto foi referido pelas famílias como uma etapa difícil na
compreensão da doença. Foi um conflito de querer e ao mesmo tempo não querer
conhecer a nova condição de existencialidade do ser-aí, a família percebeu-se
prejudicada e ameaçada frente à verdade da doença e aos extremos cuidados
exigidos pelo médico.
72
Quando o diagnóstico foi realizado ao nascer, as famílias mencionaram como
uma experiência desagradável. Nesta situação de ser no mundo, não possuíam
amadurecimento e compreensão suficiente para entender que seus filhos estavam
sendo poupados dos danos nos pulmões e/ou gastrointestinais, e que por meio de
um programa de atendimento especializado oferecido pela AAMPR poderiam ter
uma qualidade de vida desejável.
Com o tempo, o sentimento de revolta se reverteu em gratidão quando as
mães conheceram as famílias sequeladas pelo diagnóstico tardio da FC. Sentiram-
se privilegiadas mediante o diagnóstico da FC por meio da triagem neonatal. Deste
modo, compreenderam que este método de detecção de doenças em forma de
política pública nacional deveria ser realidade para todas as famílias brasileiras e
não restrita a alguns Estados.
O teste do pezinho foi muito importante, nossa, eu acho que no Brasil
inteiro deveria ter isso, por que deve ter um monte de criança por ai
sofrendo, sem necessidade. Então, eu acho assim, que é de extrema
urgência que o teste do pezinho seja de alcance de todos para o
diagnóstico da FC, porque pra mim foi essencial, foi essencial (14).
Por meio das falas ficou evidente que a triagem neonatal não é um discurso
fantasioso nos serviços de saúde, ela se destacou como uma verdade recíproca na
vida dessas famílias. O “teste do pezinho”, assim chamado pelas mães, significou m
ato de cuidado transcendental que proporcionou melhor qualidade de vida para o
portador e família. Para os serviços de saúde, diminuiu gastos com serviços de alta
complexidade pelos danos irreversíveis da doença.
Flemming e Lopes (2000), com o objetivo de refletir sobre os aspectos
dinâmicos e impasses psicológicos que se geram da questão “saber ou não saber”
na existência de indivíduos portadores de doenças genéticas, referenciam que o
“saber” (tomar conhecimento de uma doença) é uma realidade quase inaceitável,
nunca é entendido como um ato pacífico e que envolve uma tomada de consciência
imediata. Colocam ainda, que são necessários recursos mentais para que a família
saiba lidar com a verdade e com o sofrimento.
Menezes et al. (2007), em estudo bibliográfico sobre o psicossocial das
famílias que têm crianças e adolescentes com câncer, mostram que com a
73
descoberta da doença ocorre um turbilhão de sentimentos que diminui só após muito
tempo.
O sofrimento das famílias frente ao diagnóstico da FC foi comum uma vez que
as famílias não estavam preparadas para ouvir o que o médico disse sobre a FC.
Essa dificuldade foi agravada quando a abordagem diagnóstica foi feita de modo
impessoal e desorientada da realidade emocional da família. As famílias esperavam
uma atenção de confiança e segurança dos profissionais de saúde, quando esse
atendimento não foi possível, alterou negativamente o significado da doença à
família.
Trindade, Novaes e Carneiro (2006) destacam a
necessidade de avaliar os aspectos referentes ao sofrimento psicológico das
famílias com portadores de FC diante uma doença incurável, com baixa sobrevida,
impacto psicológico no diagnóstico, efeito da doença mãe-filho, perda da qualidade
de vida e pelo estresse cotidiano da família associado à cronicidade e gravidade da
FC. Além disso, apontam o tabu e estigma da doença como obstáculos numa
sociedade descriminalizadora.
15 anos, a desatualização e insensibilidade do
médico na hora de descrever o diagnóstico (tardio), tratamento e prognóstico da
doença abalou o emocional de uma família deste estudo. Significou uma violência
moral à família que estava digerindo a situação futura do filho. A mãe relatou como
um “tapa na cara” a agressividade do profissional médico.
O filho de vocês tem uma doença chamada mucoviscidose que não
tem tratamento e ele vai a óbito por insuficiência respiratória!! (a mãe
falando com muita tristeza) na cara!!! Você imagina como nós
saímos daquele consultório??? Você imagina?? [...] daí meu mundo
caiu de novo... até bati um carro de tão transtornada que eu estava
(1).
As famílias diante a descrição da doença perceberam-se fora do seu mundo,
do seu cotidiano. Neste instante, ocorreu no âmago familial uma ruptura da
totalidade do ser, um encontro com o nada. O processo de aceitação do ser-
portador-de-FC como membro da família, tornou a condição de ser-no-mundo
parecer não estar mais no seu mundo e sim num outro mundo, um mundo complexo,
74
um mundo construído por pessoas estranhas que as orientavam sobre o seu novo
modo de ser no mundo.
Esse parecer “não estar mais no mundo” frente às informações da doença foi
justificado pelo médico especialista em FC como parte do processo, pois muitas
famílias deixaram de cuidar dos filhos pelo desconhecimento da gravidade da
doença, foram famílias que permaneceram na sua cotidianidade. Esta condição é
fatal para o ser-aí que necessita de cuidados contínuos e de uma atenção especial.
[...] porque tem muitas pessoas que não cuidam, de repente a melhor
forma que eles viram pra chamar atenção desses pais era falando a
realidade da doença, que muitas vezes se ele não fala eu também
não ia saber a gravidade da doença. A verdade que é isso mesmo
né! (11).
O profissional de saúde na FC necessita mais do que olhos clínicos, precisa
transcender o cuidar técnico, do biológico, da doença e do objeto. Precisa estar
imbuído de um conhecimento e experiência especializada que abarque o cuidado ao
portador de FC e sua família. A família precisa de um atendimento personalizado,
pois será ela a cuidadora no dia-a-dia da criança e efetivará o tratamento em FC. A
conscientização da família deve ser efetiva para que as informações fornecidas
sejam realmente implementadas dentro e fora do lar.
A família e o bebê com possível diagnóstico para FC exigem atenção especial
dos profissionais de saúde, pois este filho como em todas as famílias deste estudo,
não foi o esperado. Nesta condição, é necessário que os pais expressem e
elaborem sentimentos para conseguir assumir o filho com o distúrbio genético
(MONTEIRO; MATOS; COELHO, 2002). Mais do que isso, precisam de um apoio
multiprofissional para atender as necessidades da criança. Assim, o enfermeiro é o
profissional mais preparado para identificar as alterações patológicas, emocionais e
sociais na família.
Para Kochla (2006), em seu estudo com a equipe de enfermagem diante a
dor da criança com ncer, a empatia é considerada um exercício cotidiano na
relação com a criança e família para compreender o mundo vivido. A enfermagem
possui essa preocupação desde sua formação nos estágios clínicos, pois é o
profissional que possui maior contato com a clientela.
75
Alguns autores (NASCIMENTO et al., 2005) discutem sobre a qualidade do
cuidado prestado aos pais de filhos com doenças crônicas e que este cuidado está
intimamente relacionado com a confiança e simpatia transmitido pela equipe médica
e enfermagem; à experiência profissional, conhecimento e habilidades em lidar com
crianças; oferecimento de informações sobre a doença e terapêutica, principalmente
no início do tratamento.
Entretanto, todas as famílias deste estudo enfocaram o diagnóstico referindo
ao profissional médico, que nem sempre se encontrava qualificado para transmitir as
informações sobre a doença. O médico diante o nascimento de uma criança
saudável percebeu-se sem rumo para informar à família que o bebê poderia ser
portador de um distúrbio genético. Diante as experiências negativas com pacientes
portadores de FC, o profissional agiu de modo distante, desabafou sobre a
possibilidade da doença aos amigos da família e solicitou apoio.
Ele ligou para uma amiga minha, que também teve neném 20 dias
antes e pediu pra conversar falando que o teste do meu neném tinha
dado alterado pra fibrose cística, que era uma doença grave, que
provavelmente eu teria que ir embora pra Curitiba, porque ele teve
outros pacientes que ele havia perdido. Então, ele passou tudo pra
minha colega, ele falou assim: não sei nem como falar pra ela,
porque o neném dela é perfeito, ele tá bem... (11).
Mesmo diante três resultados alterados para FC na triagem neonatal, o
profissional médico intuía serem resultados falso-positivos. A experiência negativa
com outros portadores de FC construiu uma sensibilidade em relação a estes
pacientes, sabia que a doença exigiria mudanças radicais no mundo vida da família.
Groopman (2008) coloca que existem momentos em que os médicos se
sentem tão indecisos ou ansiosos quanto o paciente e sua família. Os poderes de
intuição desses profissionais em alguns momentos podem estar certos, mas
confiança em demasia pode se configurar um sinal de perigo. Neste contexto, a
peregrinação de repetição de exames alimentou na família a negação sobre a
possibilidade de alguma doença. Contudo, o diagnóstico foi confirmado com a
presença de duas mutações para FC.
76
Ele ficou assustado, mas achando que poderia ser também um
resultado a princípio alterado, um erro, alguma coisa... então, ele não
acreditava na realidade! E ele não queria me passar, mandava eu
repetir os exames. [...] Daí, um dia ele chamou nós né, [nome do
esposo], e falou: olha, mas ainda existe uma possibilidade vamos
investigar a mutação, porque às vezes pode ser que não tenha nada.
Então, aquilo me deu mais esperança ainda [...] E daí veio que ele
tinha as duas mutações, que realmente ele era recessivo [...] (11).
É patente a confiança dessa família no profissional médico mesmo após as
solicitações dos mesmos exames variadas vezes, não duvidando do raciocínio
médico em nenhum momento. Entretanto, essa etapa foi desgastante na tríade
(médico/RN/família) na medida que dependeu do poder de intuição clínica do
profissional para classificar um bebê saudável como portador de uma doença grave
e crônica. A FC foi percebida como uma doença temida pelo profissional, pelo seu
instinto de negação em comunicar o que realmente era a doença, como se fosse
algo intangível na vida da família.
Outro fator obscuro na vivência das famílias foi à peculiaridade genética da
doença. Este nó crítico constituiu um aspecto reflexivo que comprometeu o passado
e futuro das famílias. A dinâmica entre o ocultamento e a verdade da doença nem
sempre fluiu e, muitas vezes, colocou a família na indecisão da existencialidade do
ser-aí. “Porque saber é colocar o sujeito perante a sua própria responsabilidade”, é
reorganizar a vida familiar priorizando os cuidados da doença (GALERA; LUIS,
2002; FLEMMING; LOPES, 2000, p. 39).
Nas falas, uma mãe mostrou-se angustiada ao tomar conhecimento da
doença nos três filhos. Mesmo com dois filhos sem os sintomas de FC, construiu um
mundo desesperador, de suplício diante a consciência da causalidade, manifestação
e a incerteza sobre o ser-no-mundo de seus filhos.
ele (médico) mandou de novo fazer o teste do suor nos três filhos.
Porque lógico: DEU NOS TRÊS!! Mas não tinha sintomas, mas deu
no teste. E eu chorava, chorava, chorava. Falava: meu Deus não é
possível, não é possível, não é possível!!! E ele (médico) falava: eles
não tem os sintomas ainda, mas certamente eles têm a doença e
eles vão ter os sintomas, não sei quando, mas vão ter (1).
A súplica a um ser superior foi à reação da e que não estava
compreendendo as reviravoltas em sua vida. Tentar enxergar esses filhos como
77
portadores de FC foi uma tarefa difícil de ser-no-mundo. Deste modo, nesta família
os sintomas, cuidados, orientações médicas e exames foram se des-velando na
vivência da mãe conforme a individualidade da doença nos filhos, o que tornou uma
experiência mais estressante e sobrecarregada que outras famílias.
[...] quando foi em fevereiro que a [nome da portadora] tava no
prezinho ela começou a tossir. Ela começou a tossir e colocava umas
coisinhas, era completamente diferente do [nome do portador], uns
catarrinhos durinhos sabe, para fora!! Saía sem ela fazer esforço
para escarrar [...] Vamos começar o tratamento da [nome da
portadora] também [...] O [nome do portador] começou a tossir com
13 anos, por isso que ele não é que nem o irmão dele tão
comprometido como o [nome do portador]. Por que o [nome do
portador] ficou dois anos sem o tratamento certo (1).
A pre-ocupação desta mãe permitiu comparar a manifestação dos sintomas
em cada ser-aí, o que constituiu três mundos diferentes acompanhados por um ser-
no-mundo atento ao tempo de cada filho. A cada tosse um olhar materno que sentia
muito e se condoia por mais um filho portador da doença. Filhos que exigiam
cuidados de um amor incondicional de mãe, essa e que não media esforços para
estar ao lado dos filhos nos momentos de dor física e emocional. Critelli (2007)
afirma que esse olhar não é ininterrupto, ele se torna olhar desde a possibilidade do
mostrar-se da coisa, ambos ganham existência em seu mútuo acontecer. Este olhar
é o que Husserl chamou de intencionalidade da consciência.
Em outra família deste estudo, a experiência negativa com o primeiro filho
gerou o medo da perda inconsolável, o luto na família. A situação temporal da
família foi colocada como um momento frágil, que muitas vezes, procurava um
mecanismo de defesa de racionalização ou negação (FLEMMING; LOPES, 2000).
No discurso, a família percebe-se no tempo como seres mortais face a possibilidade
da FC no terceiro filho.
Tudo baseado no primeiro, não tirava a visão que a gente teve da
primeira experiência que a gente passou... Recém casado, com um
ano de casamento, com tudo o que aconteceu com a gente, o pai, a
mãe né,... entrou tudo em desespero!! (6).
78
A recente união conjugal dos pais e a perda do primeiro filho são
vislumbradas nesta fala como situações que atingem o nível máximo de fragilidade
na família. A experiência de ter tido um filho portador de FC em algum momento
de suas vidas permite inferir que o enfrentamento da mesma doença pela segunda
vez interfere no significado da vivência.
Um estudo realizado por Mérelles et al. (2003), com pais de portadores de FC
com diagnóstico precoce (< três meses de vida) e tardio (> três meses de vida) no
centro de atendimento à FC Noordwest Nederland, na Holanda, verificaram que dos
45 pais que participaram do estudo: o período que precedeu o diagnóstico precoce
foi uma experiência menos traumática do que o período que antecedeu um
diagnóstico tardio; os pais de crianças com diagnóstico precoce tiveram mais
confiança na profissão médica antes da confirmação do diagnóstico; o período pré
diagnóstico não foi significante na relação com as perspectivas futuras; 98% dos
pais foram a favor da triagem neonatal para a FC.
Neste mesmo estudo, os autores asseveram que no diagnóstico tardio o
período pré-diagnóstico da FC pode variar de meses a anos e nesse transcorrer da
doença os pais buscam ajuda médica repetidas vezes.
Para as famílias que percorreram seu mundo vida com os pesares das co-
morbidades (pneumonias, diarréia crônica) da FC, com internações recorrentes,
habituadas ao ambiente e linguajar médico, com diagnósticos indefinidos, toda a
peregrinação e luta é recompensada diante o diagnóstico da FC. Enfrentaram o
percurso com muita insistência e coragem o desistindo do membro adoecido,
mesmo quando desestimulados pela própria medicina. Desta maneira, os discursos
são relatados com sentimento de alívio por existir uma doença menos grave do que
esperavam. É sentir um tamanho de força maior do que a própria doença, de estar
no comando da situação. Expressaram um sentimento de ter vencido a doença por
mais que ela estivesse presente.
[...] eu tava achando aquilo ótimo, porque até um ano e dois meses
sofrendo, sem saber o que era, que bom descobriu! [...] É que eu
acho assim, a diferença de nascer um filho hoje com fibrose cística e
você saber que ele tem, é diferente de você descobrir seis anos
depois, esses seis anos da sua vida aí, é muito complicado até você
saber o que é [...] Quando você descobre você acha que está no
paraíso já, eu acho que essa é que é a diferença (14).
79
Existiu uma fala que permitiu constatar que a diferença temporal no
diagnóstico (precoce ou tardio) da FC é uma variável significativa em relação ao
sofrimento na família. Uma família com mais de um membro adoecido e com
enfermidades diferentes, permitiu comparar o impacto vivenciados de ambas as
doenças, idade das crianças e convívio familiar.
Acho que quando é diagnosticado novinho é mais fácil, não tem
problema... mas, quando o diagnóstico é na pré-adolescência é mais
complicado. Quem nem nós estamos com o [nome do irmão do
portador] com este problema aí. Ele está com um problema no
coração [...] (6).
A família que recebeu o diagnóstico tardio, e que no estudo representou ser
portador mais velho (34 anos), alega que o futuro das crianças que nascem hoje é
melhor em relação à época que seus filhos nasceram. Observa-se o ressentimento
guardado pelo desconhecimento da doença e falta de tecnologia dos serviços de
saúde para o diagnóstico precoce naquele tempo.
Agora quando eles é bebezinho, novinho, é difícil, muito difícil, mas
a resistência deles é menos né, mas do jeito que está hoje, está
mais fácil. Na época nossa, que nós conhecemos, poxa, daí era
complicado pra caramba, meu Deus!! Era muito difícil. Se meus filhos
que morreram, tivessem nascidos hoje, com certeza iam sobreviver,
tranqüilo, porque o conhecimento hoje é bem maior né (12).
Em outras famílias, o diagnóstico de FC foi traumatizante à medida que o
profissional médico determinava a morte dos seus filhos.
[...] ele falou assim pra mim: esse assim, assim, assado e aquele
outro que você tem em casa com sete anos, quando ele tiver 14
anos, você não precisa contar com ele, ele vai dar uma parada
cardíaca e vai morrer [...] (12).
[...] e ela (médica) achou que ele morreria mesmo, ela deu seis
meses, ela deu seis meses de vida pra ele, porque ela achava que o
pulmão dele não tinha mais o que fazer [...] (3).
Sentir que está perdendo o filho, por meio da fala do médico, trouxe na família
a sensação incontrolável de salvaguardar o filho do risco da morte. O cotidiano das
80
famílias se transforma e cada momento da vida do filho passa a ter novos
significados. As expressões gestuais de quando o filho estava bem ou mal, de vibrar
por cada grama conquistada com o crescimento do filho, de ficar pre-ocupado
quando ele estava muito quietinho, “amoadinho”, ou seja, estar alerta para os sinais
e sintomas de quando estava com alguma bactéria e recorrer imediatamente ao
socorro médico para a solução dos problemas inesperados da FC.
Mês em mês, desconfiou dele e estiver cansando, saiu fora do ritmo
dele ... ele ficar amoado, alguma coisa assim ... faz o exame! [...] È o
que a gente aprendeu com o doutor [nome do médico]...(6).
Essa situação de ter um portador de doença genética na família exige
esforços de adaptação e amadurecimento para que desde essa realidade, a criança
cresça com possibilidades de independência e aceitação. Os familiares vão se
organizando em prol dos cuidados e exigências do tratamento passam a ser o
padrão de referência nas tomadas de decisões. A educação e apoio familiar são
essenciais para que não se deteriore ainda mais a qualidade de vida de todo o grupo
(GONZALEZ, 2004).
No ato diagnóstico às famílias, o assunto sobre a hereditariedade dispersou a
concentração dos pais. A possibilidade de acometimento de uma doença grave em
seu outro filho foi um momento estressante. A atitude dos pais demonstrou a pre-
ocupação de ter os dois filhos com FC.
ele dizia assim: FC mata, se não tratar, o Dr. [nome do médico], e
se vocês tiverem outro filho, ele também pode ter o mesmo
problema. E o [nome do irmão do portador] tinha um ano, um ano
e pouco, a gente não sabia se prestava atenção o que o médico
tava falando ou pensava no que estava em casa né (14).
Daí o médico falou: oh, como o [nome do portador] tem esta doença
pode ser que o outro menino pode ter ou não, a gente não pode falar
pra você que tem ou não! [...] colheu o suor do [nome da criança]
e aí não deu nada graças a Deus! (pai, 2).
O núcleo familial, que compreende pais e filhos, ao abrir-se para o mundo da
FC entendeu sobre as especificidades da doença. Revelaram que a culpabilidade na
doença genética não existiu entre os casais e não foi abordada pelas famílias como
81
uma dificuldade entre os cônjuges. Este aspecto demonstrou a boa estrutura familiar
no sentido de relacionamento entre os cônjuges.
O sentimento de culpabilidade na família em relação à doença genética é de
difícil tolerância, pois pode interferir no relacionamento entre familiares (FLEMMING;
LOPES, 2000). Na família ampliada de uma família entrevistada os questionamentos
sobre a hereditariedade da doença foi real, não aceitavam a possibilidade de serem
carreadores de uma mutação em seus genes. Os familiares do cônjuge paterno
negaram a transmissibilidade da doença, não entenderam que a FC advém de
ambas as gerações dos pais e não da mãe ou do pai. Assim, os sentimentos de
culpa são diretamente impostos resultando num sofrimento inconsciente nesta
família.
Fora os parentes mais distantes, que querem sempre encontrar
quem é o culpado né, sempre o culpado é o do outro, é da outra
família né (14).
No mundo vida das famílias sobressaiu a hereditariedade da doença em
outros membros da família ampliada como irmã que casou o primo ou sogro e teve
uma criança portadora da doença.
E daí ela (irmã) casou com o meu sogro teve uma menina com
fibrose (10).
Eu tenho um sobrinho com fibrose cística, tem oito anos, porque ela
é minha irmã e o pai dele é primo do meu marido, no caso da família
do meu cunhado, eles acham que a culpa é nossa (rs), pra eles
né (14).
Um estudo realizado por Santos (2005) no Estado da Bahia, com o objetivo
de examinar as origens e diversidades das idéias cotidianas sobre herança biológica
entre aqueles que convivem diariamente com doenças genéticas, verificou que as
famílias acometidas por doenças genéticas aceitam a questão da hereditariedade da
doença e não se sentem culpados por essa transmissão, entendem como uma
doença de família, “mal de família”.
82
Além do médico, outros atores podem servir de fonte de informação
secundária no des-velar da doença na família, tais como: parentes, amigos, livros,
revistas, televisão e outros pais em mesma situação (PATISTEA; BABATSIKOU,
2003). Silva e Dessen (2003), em estudo com pais de crianças com síndrome de
Down, verificaram que ambos os genitores procuraram obter informações por meio
de outras fontes de ajuda, tais como: livros, revistas e através de famílias que
também possuíam crianças com Síndrome de Down.
A busca de informações sobre a FC e seu tratamento se tornou uma
prioridade nas famílias. A procura de informações por parte dos pais deste estudo foi
entendida como uma tentativa de aprender o máximo possível cerca de FC, a fim de
definir sua nova condição de ser no mundo. O “não saber” foi se constituindo num
cada vez maior saber e o conhecimento sobre a doença tendeu a atingir cerca 100%
(FLEMMING; LOPES, 2000).
As fontes de informação em uma família foram limitadas aos médicos e três
outras, recorreram também a livros, informativos e/ou sites de internet.
A informação que eu tive de FC, foi dos médicos, não busquei
outra fonte de informação. [...] cada criança é uma... deixa para os
médicos estudarem genética aí, todas essas coisas, se você tem
medo de saber estas coisas não estuda isso, faça o que você tem
que fazer e não estuda. E acho que eu me reservei a isso, eu não
quero saber muito de genética, eu sei tudo o... talvez eu não saiba
explicar, mas eu sei que é (14).
Eu li um livro mas era muito ultrapassado eu acho. O doutor [nome
do médico] que deu pra mim ler. É um capítulo, sobre as doenças
né! Eu fiquei bem alarmada. Meu irmão pegou também na internet,
daí eu fiquei assim, bem ansiosa né! (8)
Sobre a doença foi o médico que me falou, procurei na internet, em
site.... procurei bastante informações, veio umas revistinhas da
associação, jornalzinho...(7).
Porque as informações são atrasadas, desatualizadas na internet,
toda vez que caio na tentação e resolvo entrar na internet, é um ...
acho que um pouco meio fora assim, da minha realidade, o que eu to
vivendo agora, então, eu não me interesso mais por internet, eu me
interesso pelo dia-a-dia do meu filho (13).
83
Consciente de que cada ser-aí é diferente em sua estrutura biológica e
emocional, algumas mães revelam que este não querer conhecer os aspectos
fisiopatológicos da FC, por outras fontes de informação, pode ser uma forma de não
se frustrar com os casos severos da doença e as perspectivas negativas das
pesquisas em genética. Prefere conhecê-la em seu mundo vida a partir do seu
mostrar, por meio das manifestações em seu filho.
As famílias discorreram sobre a vivência de ser-no-mundo com portador de
FC em fase diagnóstica, que se manteve no mundo face ao reduzido espaço de
articulação da doença crônica, de ser no tempo (HEIDEGGER, 2002). É o despertar
de cada família sobre a gravidade da doença e sua condição infindável de
cuidadora.
As informações sobre a doença foi essencial às famílias entrevistadas que
com afinco passaram a gerir a condição da criança e a responsabilidade de ter um
filho portador de FC.
Ao enfrentarem os sentimentos de negação e angústia ao diagnóstico, as
famílias perpassaram por uma reconstrução de ser-no-mundo e de relação com a
criança portadora de FC. A partir desse movimento em suas vidas, as famílias
iniciam um processo de re-significação, passam por uma intensa e rápida
transformação na rotina familiar para adquirir o equilíbrio. De uma hora para a outra,
as famílias se viram num mundo tecnológico, de constantes visitas médicas, com
horários de medicações (antibioticoterapia, enzimas, etc), fisioterapias, inalações e
com hospitalizações recorrentes o que acabou atingindo todas as pessoas que
conviveram com ela.
Esse vivenciar da doença trouxe repercussões na vida social e espiritual da
família, tais como, problemas de ordem prática: trabalho, escola, passeios, viagens e
outros compromissos. Comprometeu também os bens materiais que foram
disponibilizados para a completude do cuidado, ou seja, a necessidade de consultas
particulares que passaram a exigir um plano de saúde, medicações não cobertas
pelo sistema de saúde e transporte aos centros de atendimento especializados à
FC, na cidade de Curitiba. Embora o transporte até Curitiba fosse fornecido pelo
município de suas residências, o estresse emocional gerado com o descaso do
sistema de saúde e o desconforto nas viagens fizeram com que algumas famílias
disponibilizassem de recursos próprios.
84
O papel de cuidador do portador de FC na maioria das famílias foi
representado pela mãe. Cabisbaixas essas mães saíam das consultas com os
ombros carregados de novas tarefas que envolviam uma série de conhecimentos e
experiências e, ao mesmo tempo, suas faces expressavam às incertezas e dúvidas
para lidar com o filho (ALMEIDA et al., 2006). Ainda com o apoio do pai nestes
momentos, era a mãe que fazia parte do cotidiano do tratamento e mais envolvida
quanto à atenção à saúde ao filho.
Ah, acho que os dois se envolvem, mas acho que eu me desesperei
mais, porque era o meu primeiro filho, eu sou mais insegura... acho
que ele (marido) perdeu a mãe, então, já se deu com perdas né, mas
eu não, nossa, eu entro no desespero (11).
O envolvimento da família no cuidado em FC neste estudo se mostrou um
fenômeno essencialmente das mães (TRINDADE; NOVAES; CARNEIRO, 2006),
porém a fala dessa mãe se mostrou mais frágil com a situação. O enfrentamento da
doença pelo pai, muitas vezes mais conformado, foi evidenciado pela e como
uma questão de experiência com perdas, luto em algum momento da vida.
Justificou-se baseado em sua vivência familiar que as experiências temporais
interferem no enfrentamento em relação às perdas futuras. Essa assertiva da família
pode ser confirmada por Augras (2008) quando diz que a vivência do tempo
cronológico envolve a de um presente que encerra as implicações passadas e o
futuras.
Assim, a (con)vivência do mundo vida da família com portador de FC trouxe
no bojo familiar o sentido de luto, a sensação do enterro do filho saudável e a
aceitação de um ser-aí que merecia cuidados complexos para o seu bem estar.
Essa faceta do existir das famílias permitiu um experienciar da morte, sentiram-se
amedrontados diante a “dissolução da fantasia de imortalidade e o desmoronamento
da onipotência do homem com relação ao controle de seu estado de saúde” (GIL;
BERTUZZI, 2006, p. 49).
Para Johnson e Millstein (2003) o cuidador é a pessoa que desempenha o
papel de responsável direto pelos cuidados essenciais da criança, sendo a sua
participação fundamental para a promoção de saúde na criança, através do
desenvolvimento de hábitos saudáveis, imunizações, segurança, além de ser o
85
responsável por todos os cuidados advindos com a doença. Por essas razões, para
que o tratamento da FC seja bem sucedido a participação do cuidador é essencial.
Nas relações estabelecidas entre os cuidados da FC e família, Elsen (2002)
chama de cuidado intrageracional, o cuidado que é direcionado dos pais aos filhos.
Em outras situações pode ser o inverso (filho-pais). Deste modo, existiu uma
organização entre os genitores em relação ao estar-com o ser-portador-de-FC nos
momentos de ir ao médico, que muitas vezes requeriam tempo para viagens aos
centros de atendimento à FC.
[...] eu acho que a gente dividia assim, eu vou com o [nome do
portador] e ele fica pra trabalhar, porque alguém tinha que trabalhar
(14).
Neste contexto, o mundo vida da família trazia consigo a disponibilidade em
cuidar do ser-aí. A disponibilidade do núcleo familial para o cuidado induziu,
diretamente ou indiretamente, a redistribuição de papéis.
Todas as famílias apresentavam a paternidade mais como o pai-provedor,
ressaltando como um modelo ainda forte em nossa sociedade (TRINDADE;
MENANDRO, 2002). Em algumas famílias os pais foram vistos como companheiro
nas viagens, consultas médicas, mas o cuidado em si era prestado mais pelas
mães. Porém, em uma família o pai além de provedor se destacou como o
responsável pelos cuidados em todos os aspectos da FC. Como foi possível a
realização da entrevista somente com o pai (e única), as vertentes da mãe não
foram colhidas para a imbricação das falas.
[...] quem leva pra Curitiba, é eu, minha mulher nunca levou, tipo
assim, ela levou, mas quem leva mais, quem sabe dos detalhes é
eu, é eu que levo ele pra Curitiba [...] Minha mulher fica, por causa do
outro (filho), mas geralmente ela gosta de ir com a gente (2).
As mães diante o cansaço físico do dia-a-dia dos cuidados (medicações,
fisioterapias, inalações) queixam-se da neutralidade dos pais, mostravam-se
86
passivos diante a situação e, muitas vezes, buscaram outras válvulas de escape da
doença na família.
O pai é tipo assim, bem neutro... então, força da maneira dele,
mas não é aquela força que eu precisava. Era uma força neutra,
muito frio....preferiu se afogar as mágoas na bebida, ficava mais
distante.(7)
Ele (esposo) é assim... se eu mando ele fazer, por exemplo: tem que
dar o remédio agora, tem que levar os exames deles em Curitiba
... o que eu falo pra ele fazer, ele faz.. [...] ele fraqueja sabe, eu
preciso puxar a orelha dele (rs), de vez em quando eu uns
arranca rabo, porque eu falo que eu não agüento sozinha, nossa é
muita coisa, você não imagina o que que ocorre né, o que que
fibrose cística envolve, terrível! (1).
Os cuidados intensos aos três filhos portadores da doença acompanharam a
mãe nesta senda o que, com o tempo, resultaram problemas em sua saúde. A mãe
sentia-se incompreendida pelo esposo que não aceitava a doença e criticava o
mundo vivido por ela.
[...] eu tinha uma hérnia de disco na minha coluna de tanto fazer
tapotagem [...] meu marido não aceitava muito a doença...ele não me
ajudava...ele via eu fazendo tapotagem, achava que eu tava
judiando, eu era sozinha!! (1).
A negação dos pais foi vivenciada muitas vezes no início da doença ou num
estado permanente de um não aceitar e se manter distante. Um pai foi mais
expressivo em seu sofrimento no início da descoberta da FC.
O [nome do pai] no começo, ele foi pior que eu, ele ficou mais
desesperado. Ele, inclusive, não ia trabalhar, ficava em casa, ele
ficou assim, muito, muito é, muito assim, ele não chegou a ser uma
depressão, mas ele tava sofrendo, ele tava sofrendo. Até então, até
me interar e ir pra Curitiba, eu tava numa boa né, e ele foi o inverso,
ele pegou o começo e depois ele foi melhorando, daí foi ele que
me ajudou sabe, ainda bem, porque deu meia a meia né (rs) (13).
87
O cuidado parece constituir a essência entre os membros da família que se
solidarizam na relação com o outro, no sofrimento do outro, no tempo do outro. Essa
característica de auto ajuda entre os sujeitos foi percebida tanto na família nuclear
(esposa, esposo e filhos) como ampliada (avós, tios, primos).
Dessen e Braz (2000) pensam que várias são as pessoas que podem ajudar
a família e o indivíduo em situação de risco de morte, tais como: os próprios
familiares da família, familiares da família extensa, amigos, vizinhos, companheiros e
profissionais. A forma que estas pessoas podem estar aplacando a condição da
família foi categorizada como: fornecendo apoio material ou financeiro; executando
tarefas domésticas, cuidando dos filhos; orientando e prestando informações;
oferecendo suporte emocional. Os mesmos autores constataram também que as
mães apontam o suporte do esposo/companheiro como o principal dentre os apoios
recebidos; em segundo lugar, os de suas mães.
Em relação à estabilidade conjugal, verificou-se que o houve separação de
casais por causa do adoecimento do(s) filho(s). Todos os casais permaneceram
juntos durante a peregrinação, diagnósticos e início do tratamento. Uma mãe relata
que em sua mundanidade houve casos em que o pai não suportou o sofrimento
de ter um filho portador de FC e deixou a mãe sozinha nesse momento.
A gente tinha falado, sobre separação de casal né, e eu te contei que
em [cidade em que reside], aconteceu um caso. [...] O pai revoltou
e largou a mãe sozinha. Daí ela conheceu um outro rapaz, que deu
muito apoio pra ela. Ele foi pra ela [...] deu um apoio muito grande! E
o pai oh, se mandou! E não é o primeiro caso não, eu soube de
outros casos que os pais não agüentam. Depois dizem que mulher
que é o sexo frágil né! É uma lenda!! (rs) E outras doenças também
acontece (1).
A questão de gênero é pronunciada pelas mães deste estudo, sugerem que a
mãe é mais forte na situação de adoecimento do filho e que nunca abandonarão o
ser aí nesta jornada.
O cuidar é inerente ao papel da mulher que foi preparada desde criança para
a habilidade materna em perceber, interpretar e responder às necessidades
comunicativas da criança, determinando o vínculo mãe-filho (BUSTAMANTE; TRAD,
2005). No estudo de Furtado e Lima (2003), com o objetivo de descrever o cotidiano
88
de famílias com filhos portadores de FC, apontou que a criança muitas vezes
determina exclusividade do cuidado materno não permitindo que outras pessoas o
façam.
A exclusividade materna no estar-com o filho foi ocupada pelas mães em
suas falas ao se pre-ocuparem com a situação de deixar os cuidados diários da
doença nas os de funcionárias ou outra pessoa. Em contra partida, no início do
tratamento houve uma mãe que se achou inapta, desacreditada de si mesma para o
cuidado delegando todas as funções de cuidado à funcionária, mãe, sogra e
cunhada.
[...] eu nem admitia que alguém saísse assim de perto de mim [...] na
realidade eu não queria fazer nada, não tinha vontade de fazer nada
sabe, então, tive muita cooperação da minha sogra, tive da minha
mãe, também tem a moça que trabalha comigo, que me ajudou muito
sabe, que a gente precisa muito de apoio, das pessoas, da [mãe de
um portador], porque ela também vinha me ensinava, tudo que tinha
que fazer, a fisioterapia, mas nem isso eu queria fazer, nem a fim de
aprender, você imagina né, tinha que tomar antibiótico porque tinha
bactéria, tinha que tomar enzima porque ele não retém gordura,
ele tinha que tomar remédio de refluxo por isso que ele não queria
comer, pra refluxo era dois remédios, fora inalação, tinha que fazer
inalação de 3 a 4 vezes por dia, então menina, isso foi, eu não queria
fazer mais nada, eu só queria dormir, dormir, dormir, dormir (13).
Essa minha cunhada que mora em Curitiba, ela sempre foi primordial
pra mim sabe, eu posso até dizer que dou a vida dos meus filhos por
ela [,,,] Ela que reanimou o Serginho sabe, dava mamadeira quando
precisava. O soro era ela que tinha coragem de dar, eu não tinha. Ela
tinha uma habilidade pra dar os remédios, nossa, assim, incrível!
(13).
Presenciar o estado de ânimo decadente da saúde do filho foi para a e foi
uma resposta negativa, desagradável de ser-mãe-no-mundo. Nos discursos esta
mãe transmitiu um sentido de pequenez diante a complexidade dos cuidados em
FC, denotava que todos eram capazes, menos ela. Negando sua existencialidade de
mãe e do ser aí, revelou a negação de seu papel como cuidadora ao perceber que
seria uma rotina exaustiva por todos os dias sua vida face uma doença incurável.
Após o apoio e ajuda no encontro com o outro, a mãe foi adquirindo um novo olhar e
89
passou a dispor de uma atenção especial ao seu filho que requeria o carinho da
mãe.
Para uma avó a vivencia da facticidade da FC em seu neto revelou uma
experiência que exigiu sua pre-sença em torno dos cuidados com o tratamento e
rotina da criança.
Muita coisa mudou, principalmente, eu, porque ele não tem pai, a
gente teve que adotar no coração, porque a [nome da mãe] também
trabalha [...] eu que cuido dele como se fosse meu filho, na verdade
ela é mãe biológica [...] e eu adotiva. [...] a [nome da mãe] trabalha
demais, mas quem sofre as conseqüências sou eu, eu cuido dele,
alimento, escola, médico... uma das piores dificuldades é minha
saúde, tenho artrite e, as vezes, quando não estou bem, fica difícil (
5).
A ausência dos pais na vida do ser-portador-de-FC estimulou a avó adquirir
habilidades para o cuidado, bem como estar pre-ocupada com sua alimentação,
medicação, educação e agendamento médico. As avós foram personagens
fundamentais no mundo vida de algumas famílias substituindo, às vezes por um
tempo provisório, o papel da mãe.
Em relação ao aspecto financeiro, a situação foi acompanhada da dificuldade
de assumir mais este encargo. As famílias disponibilizaram todos os seus bens
materiais para custear as consultas particulares, as viagens e medicações que
mudavam a cada médico.
Começou a ficar ruim, a gente precisou vender para se virar, vendi
uma casa, vendi... aí fui vendendo! Aí a hora que acabou, ainda tinha
duas datinhas (rs) (4).
A gente dispôs de TUDO, a gente dispôs de tudo! Uma casa, um
carro, uma moto, um carrinho velho que a gente tinha (rs), a
geladeira que a gente tinha, a televisão que a gente tinha [...]. Porque
as consultas eram caríssimas, os exames caríssimos, nós não
tínhamos plano de saúde, nem plano de saúde cobria essas coisas
aquela época (3).
Para os sujeitos da pesquisa, o fato de ver os filhos em risco de morte foi
encarado como um viver autêntico no momento em que decidiram dispor de todos
os seus bens materiais. As falas, das famílias com diagnóstico tardio, foram
90
expressas com sentimentos de perda, pois os gastos com a peregrinação médica
exigiam um alto custo.
Outra alteração no mundo vida das famílias, principalmente às mães, foi em
relação a sua carreira profissional. As mães perceberam-se afetadas negativamente
na sua capacidade de desempenhar a profissão, muitas vezes se adaptando os
horários das medicações, fisioterapias, inalações com a redução da carga horária no
trabalho.
[...] daí com o problema dele comecei a trabalhar meio período só né!
[...] também de deixar a medicação só por conta de empregada é pra
mim, Deus me livre. É difícil! [...]. Uma vez a empregada, falou: ah,
esqueci de dar, já tinha passado o horário! [...] então assim, de
manhã é o horário que ele toma menos medicação, então, eu vou
trabalhar e ele vai pra escola. À tarde nós estamos em casa, porque
daí a tarde é período que daí ele tem fisioterapia pra fazer, que ele
tem mais mediação pra tomar, quando tem inalação também é no
período da tarde (11).
Você olha a minha casa, tem remédio [...] são mais de 8 mil reais
de remédio por mês, tudo pela associação. que assim, tem
remédio que a gente não consegue pela associação. Aí a gente tem..
ou a gente compra ou a prefeitura dá. Ultimamente, a prefeitura
ajudando um punhado (2).
O estudo de Brito (2007) cita que as mães, de crianças com leucemia, que
trabalhavam fora de casa tiveram que sair e se dedicar aos cuidados em tempo
integral. Esta atitude refletiu na diminuição da renda familiar num momento crítico
de ser-no-mundo, de gastos redobrados por uma série de exigências da doença.
O diagnóstico de FC trouxe à família um mundo vida regado de dissabores
que foram diminuindo, com o aumento de conhecimento sobre a doença, e frente ao
restabelecimento da saúde da criança. Trouxe um viver autêntico de estar-com o
ser-portador-de-FC, de reconstrução de papéis entre todos os membros da família e
reajustes enfocando o cuidado em FC.
91
A igreja em Auvers - 1890
Van Gogh
92
4.5 A intersubjetividade na FC
Nesta categoria os sujeitos revelaram a relação com o outro e como seu
mundo vida é percebido na cotidianidade do mundo. A intersubjetividade surge das
inter-relações cotidianas entre os sujeitos, é o momento que cada ser humano
compartilha as visões de mundo, crenças e valores no cotidiano social (TERRA et
al., 2006).
Na relação de empatia entre eu o outro ocorre à relação de intersubjetividade,
do cuidar humano (POKLADEK, 2004). Na amplitude de estar-com o outro, as
famílias deste estudo perceberam-se cuidadas, amparadas diante o diagnóstico e
cuidados em FC. Quando a relação do portador de FC passou a se abrir nas
relações com o mundo, a família relatou que este estar-com o outro para o ser-
portador-de-FC foi um período conturbado e de adaptações na relação com o seu
mundo vida.
Em algumas famílias a participação do “outro” foi essencial para o mostrar-se
da doença no diagnóstico. Para Merleau Ponty, o outro não é um objeto externo, é
um outro eu que é um ser pessoal (CAPALBO, 2004). O homem ao interagir com o
outro busca o seu crescimento individual em todos os aspectos. As famílias neste
mundo vida da FC enfrentaram diversas situações na relação com o outro e em
diferentes fases da doença, que nas palavras de Freud o “outro” pode ser um
“modelo, objeto, auxiliar ou adversário” (AUGRAS, 2008).
Uma e (“outro - modelo”) com a filha portadora de FC ao identificar os
sintomas no filho de uma família deste estudo, imediatamente alertou-a sobre a
possibilidade diagnóstica. Este cenário demonstra a solidariedade da família que
vivenciou a doença e deste modo tentou repassar as informações biológicas e
emocionais em relação à enfermidade. A família receptiva as informações percebeu
pela emoção da mãe que se tratava de uma doença que traria sofrimento... muito
sofrimento! Atentar-se à experiência de outra mãe significou para a família uma
angústia diante da possibilidade da doença.
93
Ela (amiga) falou: [nome da mãe], tão parecido esta tosse dele,
esta febre que está dando agora [...] está tão parecido com a doença
da minha filha!!! Eu falei: é aquela que ouvi a tua mãe contando na
cabeleireira? Ela falou: é! que quando ela me falou, ficou muito
triste, eu notei [...] (emocionada) [...] porque ela sabia de tudo que
me esperava (1).
A realidade deste novo mundo parece ser cruel para os “outros” que assistem
a vivência de ter um portador de FC na família. Até pouco tempo antes de descobrir
a doença, uma família se incluía entre esses “outros” (objeto) que apenas opinavam
sobre a vida alheia e nunca imaginavam passar por uma situação semelhante com
seus filhos.
E eu na cabeleireira, a contando que esta criança [...]. Mas, meus
filhos ainda não tinham o sintoma, e eu sabe, eu ouvia aquela
doença que tinha o suor salgado que tossia, tossia que tinha que
toma uns comprimidos, que tinha que tomar óleo...eu pensei: puxa
coitada dela! Bom, mal sabia eu o que me esperava [...] (1).
Nas relações no ambiente, a família encontrou com entes que co-existiram
num mundo em comum. A avó de uma criança portadora de FC, sem intenção, foi
um “outro” que auxiliou a mãe deste estudo refletir sobre ter um filho com a doença
antes mesmo de adentrar neste mundo vida, que até então era apenas um falatório
e não sua realidade.
Neste intermundo, uma profissional médica (“outro - auxiliar”) que era familiar
de uma mãe deste estudo, mostrou-se sensibilizada com a descoberta da doença.
Verificou que se tratava de uma doença grave e com o intuito de colaborar para o
fim da peregrinação, por meio de um folheto informativo, repassou as informações
sobre FC. A cautela quanto a sua abordagem e ao tratamento seguido, demonstrou
a empatia e respeito aos sentimentos aflorados na família.
Daí ela (prima) foi em casa, mas assim ela soube me falar. Ela me
falou: você tem que ler isso daqui, mas deixa passar uns dois dias
depois você [...] vai dando o xaropinho. Mas, a verdade é essa,
isso, isso, assim. [...] Daí você imagina né, a dor que eu senti!!!
(emocionada) (1).
94
Na vida social de uma família alguns outros foram vistos como “adversários”.
Deste modo, a família buscou se isolar dos comentários alheios nesta fase de
agudização dos sintomas em que seu filho apresentava-se fora dos padrões de um
bebê saudável.
Um dia eu fui numa loja com ele, novinho, ele tava com quatro
meses, o [nome do portador (in memorian) [...] a mulher falou pra
mim: nossa, o seu neném é recém nascido deixa eu ver!! Quantos
dias ele está? Quando eu falava que ele estava de quatro meses [...].
Que? Como?? - eles falavam. Daí saíam sabe, saíam
comentando. Então a gente não saía quase. Porque todo mundo
ficava olhando!! (6).
Parecer diferente no mundo dos “outros” é perceber-se pertencer a outro
mundo, um mundo composto de “outros” entes que vivem em mesma situação, que
compreendem o ser-aí que sofre.
A linguagem é o meio mais poderoso de engendramento entre os sujeitos,
para elaborar a intersubjetividade. Esse modo de se relacionar representa o ato
criado pelos sujeitos e seus mundos na e pela linguagem, o que faz experimentar o
que somos no encontro com o que o somos, é a construção dos sujeitos como
diálogos (AYRES, 2001).
A palavra do outro em relação ao ser com FC pareceu à família como
possibilidade de conforto, a mãe diante do declínio da saúde do filho expressou a
necessidade de ser ouvida. Por meio das palavras de encorajamento e consolo se
sentiu forte, motivada para cuidar do filho.
eu fiquei, nossa, quase em uma depressão. tive que conversar
com bastante pessoas sabe, tive que procurar assim um pouco de
ajuda, pessoas de aconselhamento assim né, aconselhar [...] (mãe,
8).
O processo de aceitação do filho portador de uma doença crônica nessa
família favoreceu o desenvolvimento da depressão materna. Brum e Schermann
(2006) relatam que o distúrbio mental na mãe é desencadeado por falta de suporte
social e emocional para ajudá-la a superar os momentos adversos e que a
95
informação e grupos de mães que passam por experiências semelhantes são
estratégias positivas na psicoterapia.
Nas relações dos entrevistados com o mundo externo os diálogos eram
sempre em torno do querer conhecer o mundo vivido da família. Os sujeitos (amigos,
professores, crianças) buscavam compreender a origem da doença, relação do
portador com o mundo; evitar constrangimentos trazidos pelos sintomas da doença;
aconselhar sobre as medidas alternativas de cura, principalmente, a religiosa.
O encontro do sujeito com a doença alterou todos os planos existenciais da
organização familiar, inclusive a religiosa.
O termo religião vem do latim, religare, “religar, “atar” (HOUAISS, 2001). As
famílias, a partir de suas falas, sentiram-se sozinhas no mundo o que permitia voltar-
se para si, na construção de seus valores, para o seu “eu”, aos valores morais
quanto à sua nova condição de ser-no-mundo. Muitos sujeitos mesmo na prática ou
não de uma religião, passaram a ficar mais ligados a sua fé depois do diagnóstico da
doença. Era uma união entre toda a família, os pais, portadores de FC, familiares e
amigos que se uniam por meio de orações, com a esperança pela cura da doença.
Todos se religaram ao mundo religioso que os confortava nos momentos de
impotência nos cuidados de seus filhos que muitas vezes se encontravam entre o fio
de vida e morte.
Estar ligado a certa religião trás a idéia de que certos poderes sobrenaturais
podem exercer autoridade sobre os homens, impondo que eles façam certas coisas
e evitem outras (MARTINS, 2005). Para Corrêa (2006) este ato de busca da religião
pode estar vinculado à recuperação da saúde.
Neste estudo, vestir da armadura religiosa foi buscar o empoderamento para
enfrentar a dor física e pessoal diante as frustrações do seu mundo vida, diante a
derrota da doença na família.
Médico, pastor, benzedor [...] tudo, porque uns falavam, os mais
velhos, de Mal de Semioto [...] (6).
Uns falam que é [...] que de primeiro, os antigos falava que era
doença de macaco né, aquele mal. Que cura com benzimento, não
sei o que. Também não sei que leva em benzedor e tudo, mas não
[...] ela pega muito quebrante né, sempre acaba benzendo ela (10).
Meu primeiro filho tomou leite de égua, minha avó fez um benzimento
pra tosse comprida, pra cortar a tosse. E são três meses né!! E foi o
que o [nome do portador] teve três meses de tosse
(6).
96
E no começo todo mundo falava que a [nome da portadora] tinha
tosse comprida, daí nós levamos pra benzer porque se a tosse não
passasse antes de 100 dias, ela morreria [...] (rs
) [...]
A gente acaba
acreditando em tudo (9).
Os parentes acham que é Deus mesmo pra curar né, que acham
que não pode parar o tratamento da criança né (2)
O pessoal falava assim: pô, você tem que se benzer hen, se você
não tivesse casado nova, isso não estava acontecendo (rs), então,
eu ouvia de tudo sabe, você ouvia tudo! (12)
Eu tenho pessoas que oram por mim e por nós, sabe! Mas, eu acho
que comentei isso com você, que não adianta a gente se enrola,
não vai resolver o problema, de jeito nenhum! Então, Deus me
força, porque tem que ser uma Fortaleza viu Geisa (1).
Quando foi diagnosticado, as pessoas me convidavam para ir na
religião evangélica, os pastores oravam [...] mas eu sou católica! (7)
A gravidade da doença e o medo da perda contribuíram para que as
famílias ficassem muito vulneráveis a sugestões sobre o que é bom para a fibrose
cística” e o que pode levar à cura, ficando expostas até mesmo as situações de
charlatanismos (BRITO, 2007).
As estratégias de cuidados alternativos permearam a vivência de várias
famílias, principalmente por meio das avós ao compararem os sintomas da FC com
o “Mal de Semioto”, “tosse comprida” e “doença de macaco”. As famílias não se
negavam aos cuidados indicados pelos entes, nem a ajuda espiritual de outras
religiões.
Na vivência com a doença, foi preciso se apegar a algo sobrenatural quando
o natural era insuficiente para resolver os problemas. Algo que sustentasse e
transmitisse coragem para enfrentar aquilo que desanimava o mundo vivido
(RIBEIRO; MADEIRA, 2006). Convicta da sua fé, uma mãe mudou para a religião da
sogra ao perceber que esta tinha maior capacidade no enfrentamento dos
problemas difíceis da família.
Faz um ano que sou evangélica, minha sogra é crente, é evangélica
né, da Assembléia de Deus. eu vendo que ela por ser evangélica
e você vê apegada, orava bastante né, daí eu fui para o lado dela né,
me dei bem né!(rs) E (a sogra) não se entregava, era forte né!(rs) [...]
97
Isso foi depois do nascimento da [nome da portadora], com certeza
(4).
O enfrentamento por meio da religião é definido como “uma
busca de significado em momentos de estresse de maneira relacionado com o
sagrado” (PARGAMENT, 1997, p. 122). As famílias entrevistadas proferiram, em
todas as etapas da doença, que foram agraciadas pelo Divino. Descrevem o mundo
vivido como um milagre. A espiritualidade foi um instrumento usado por elas como
forma de compreender a lidar com os estressores diários da doença.
No estudo de Pendleton, Cavalli e Pargament (2002), com o
objetivo de compreender o papel da religiosidade / espiritualidade no enfrentamento
da doença em crianças com FC, na University of Michigan Cystic Fibrosis Center em
1997/98, verificaram que as filiações religiosas eram: 48% (11) protestantes, 26% (6)
católica, 4% (1) judaica, 4% (1) Native American, 4%(1) outros, e 9%(2) nenhum. No
presente estudo, as famílias se consideravam da religião evangélica (21%) ou
católica (79%), porém sempre mencionavam o nome de Deus como fé única.
Ainda segundo a pesquisa dos autores acima, as crianças portadoras
de FC expressaram como elas vêem Deus quando estão doentes por meio de
desenhos (Figura 4).
Figura 4 - Chris, dez anos de idade, está doente, porém sorri porque Deus (à direita), com o
Seu braço em torno de Chris, "fez um milagre, ou algo assim". Embora nunca
tenha praticado a religião de sua família, Chris acredita que a oração poderia
resultar em uma cura para a FC.
Fonte: Pendleton, Cavalli e Pargament (2002, p. 4).
98
Enfrentar a doença significou, para todas as famílias entrevistadas, aliar sua
fé à evolução da saúde do ser aí e esperança da cura da FC.
Um pai foi bem enfático em sua fala quando retratou a influencia da
religiosidade x tratamento para o filho de 13 anos.
Teve uma vez que ele queria parar o tratamento, que nem o mês
passado. Ele chegou e falou que não ia mais para o hospital, que
Deus ia curar ele, é na onde que a gente se apega mais nele, que
nem ele falou: não vou mais, agora tenho 13 anos, não vou mais
(2).
Conforme os portadores vão adquirindo independência social percebe-se um
querer afastar-se do seu mundo, da sua cotidianidade como forma de revolta ou
fidelidade a sua em Deus. No caso de Pereira (2007, p. 51) em umas de suas
últimas internações com o uso de oxigênio, descreve sua sobrevivência e
sofrimento na dependência dos profissionais enfermeiros, dicos, fisioterapeutas e
psicólogo num hospital filiado ao SUS. Neste mundo vida de não agüentar mais as
rotinas hospitalares se revolta contra Deus e questiona-o.
Pedia a Deus que não me castigasse tanto. Claro que podia ser
castigo. Não havia outra resposta para minhas dúvidas. Deus estava
me castigando. [...] Os meus pensamentos estavam tão confusos,
que eu achava que em uma outra vida eu havia prejudicado alguém
que tinha problemas de pulmão, e, como conseqüência estava
sofrendo tanto.
O discurso da autobiografia de Pereira (2007) des-vela
sua existencialidade, significando o modo de ser do fenômeno vivido, enquanto pôde
existir no mundo vida. Todavia, percebe-se a necessidade de profissionais de saúde
que estejam abertos ao diálogo sobre as crenças da família que este está
intimamente associado à eficácia dos cuidados em saúde (PENDLETON; CAVALLI;
PARGAMENT, 2002).
Outra condição de intersubjetividade nas famílias deste
estudo foi à relação do portador nos meios sociais. Os pais discursaram várias
situações na fase escolar das crianças com FC. Esta fase foi movida por
99
sentimentos de medo, pela qual a criança na relação com o outro, se percebeu
diferente, sofreu diante a autenticidade de ser-portador-de-FC.
No estudo realizado por Vieira e Lima (2002), com
crianças e adolescentes com doenças crônicas, constataram que as medicações,
internações recorrentes e os sintomas da doença podem interferir na escolarização
e os relacionamentos sociais que muitas vezes geram motivo de discriminação pelos
próprios diretores escolares por falta de conhecimento da doença, como aconteceu
com a família deste estudo.
Na escola, tipo assim, é uma coisa muito difícil né! A gente colocou
uma carta no.... como parecia tuberculose, a diretora de Curitiba tirou
ele da escola, tirou ele da escola (Indignado!) Ele perdeu dois anos
de escola. que assim, como deu tuberculose, a gente tava
tratando como tuberculose. Então achava que ia pegar nas outras
crianças. o que aconteceu, afastou o [nome do portador]...dois
anos perdidos. o doutor [nome do médico] fez uma carta para
todos os colégios em Curitiba colocando na parede o que era Fibrose
Cística. Em [cidade em que reside] a gente também colocou, na
escola [nome da escola] e outra escola, nestas duas escolas
colocaram (2).
As crianças enquanto dependentes do cuidado materno, no período que
precedeu a sua vida escolar, viviam num mundo normal para elas, um mundo
imposto por meio da naturalidade de ser-no-mundo da família o que tornou uma
rotina inautêntica do seu mundo vida. A partir do momento que estes passaram a
conviver com outros entes, ocorreu uma de-cadência dos seus estados de ânimo,
começaram a questionar sobre sua existencialidade. Isto se configurou para a
família em mais uma etapa de conquista do filho, de tristeza pela incompreensão do
“outro” diante a condição da doença.
[...] esses dias o [nome do portador] entrou em crise por causa das
enzimas, bom, a crise foi na escola ele estava sentadinho chorando
ai a professora de educação física perguntou por que ele estava
triste. Ele falou... e ela disse pra ele, que ela também tomava enzima,
foi lá, pegou um remédio dela e tomou dizendo que era enzima ele
chegou em casa super feliz porque a professora também tomava
enzima ele não era o único. Outro dia, ele disse: eu sou doente né,
mãe?? Eu disse não, não é, você é especial pessoas especiais
100
tomam enzima. Ele tem dias que num quer tomar, pergunta por que,
eu digo que é pra ele crescer, ficar bonito (5).
[...] uma vez ele teve diarréia na escola, mas foi por pouco tempo,
mas acho que a medicação estava muito fraca, daí ele comeu
brigadeiro e ele não é de comer, daí ele comeu e até eu questionei:
você não tomou remédio filho¿ Ele: mãe, eu tomei o remédio. A tia
[nome da professora] me deu o remédio, mas foi muito rápido não
deu pra segurar. Porque ele quis ir no banheiro e não deu tempo de
falar com a professora. Mas daí ele foi, a professora veio limpou e
trocou a roupa dele, acho que as outras crianças não perceberam
também. Ele ficou uns dias meio assim, não estava querendo ir pra
escola, tal, mas depois normal (11).
Uma vez ela pegou uma foto dela e ela recortou...não sei onde que
ela achou o esqueleto....ela recortou este esqueleto e colocou a
carinha dela. E falou: oh mãe, eu aqui por causa desta doença!! Ela
tinha 15 anos. No aniversário de 15 anos dela foi tenebroso, passou
fechada no apartamento. Ela não quis ver ninguém....eles sofreram
muito, e sabiam metade da verdade!! Na escola eles iam bem [...]
(1).
As vivências das crianças/adolescentes foram percebidas pela família como
momentos delicados, que exigiram dos pais a elaboração de respostas que
saciassem os questionamentos existenciais do ser aí. As adaptações da vida
autêntica na relação com os “outros” criou, em alguns portadores, uma expectativa
negativa de ser-portador-de-FC. Os pais, nesta fase de amadurecimento da doença
na família, continuaram pre-ocupados com as novas situações que surgiam à
medida que seus filhos cresciam. Foram instantes de conflitos do ser-aí,
principalmente, nas relações sociais, aceitação na escola, desempenho escolar,
independência nos cuidados fora de casa, passeios com amigos e namorado (a).
Eles fazem tudo (tratamento/internações) por aqui.. só que os amigos
deles, quer dizer chega uma hora que todo mundo te conhece,
cidade pequena (rs), e os amigos mais chegados, por exemplo vai
em casa, tem que sair, eles programam pra ir num lugar, pizzaria,
num outro lugar. Então, os amigos vão e eles não terminaram
ainda de fazer a fisioterapia deles, daí eles vão ficam esperando
fora, tudo, entendem né... Mas, na faculdade eles procuram né, levar
uma vida normal, de estudante normal [...] (1).
O namorado dela ajuda, faz fisioterapia nela sabe, ajuda muito,
muito muito! Ele ajuda muito ela (1).
101
Olha, a doença nunca impedia ele nos relacionamentos dele, essa
uma (esposa) quando ele ficou doente a primeira vez, ele ia casar
em outubro né? [...]. A gente não escondeu nada. Ela não ajudava
muito não (rs), não ajudava ele no tratamento. Você que essa
última vez que ele ficou doente, que ele fez cirurgia, que ele entrou
em depressão, ele ficou 11 dias no hospital né, pois os 11 dias quem
ficou lá com ele foi eu [...] (12).
[...] ele, às vezes, agora sai com os amigos, às vezes não leva (as
enzimas), daí ele volta dalí um pouquinho ele está no banheiro,
você vai, parece que jogou um litro de óleo na patente (3).
Percebem-se aqui histórias que significaram momentos de satisfação e
constrangimentos ao falarem dos filhos no meio social, na relação com o outro. A
compreensão dos entes que conviveram com a rotina da família foi essencial para a
continuidade do tratamento do portador em fase adolescente/adulta.
Os relacionamentos afetivos dos portadores foram descritos como tranqüilos
em relação à doença. Entre todos os portadores de FC, um era casado pela
segunda vez. A mãe relata que a primeira nora não oferecia muita atenção e
incentivo na recuperação da saúde de seu filho, assim o papel de cuidadora
continuou sendo a mãe nos momentos de crises e internações. Esta perspectiva de
vida conjugal do filho foi considerada pela família como um fracasso, mesmo a nora
sabendo de tudo desde o princípio.
A maioria dos portadores de FC deste estudo demonstrava ser pessoas
engajadas em seu meio, dispostas para o estudo, trabalho e lazer. Cidadãos que
quando estavam em seu estado de saúde (aparente) não atraíam a discriminação ou
distinção por alguma marca corporal. Deste modo, eram pessoas que se lançavam
no mundo conforme as suas possibilidades, sem medo, sem defesa, construindo
relações na cotidianidade dos “outros”. Um cotidiano inautêntico demasiadamente
diferente do seu, repleto de limitações e regras.
Ele faz exercícios normal, joga bola, corre, nada, é uma criança
normal, só tem tipo, canseira (2).
Agora tem uma coisa na vida dele, que ele quer, ser delegado da
polícia federal, então, ele tem uma prova que ele tem que correr não
102
sei quantos kilômetros em 12 minutos, ele corre em 14 minutos,
então, ele corre segunda, quarta e sexta (14).
Eu me preocupo com esse negócio da [nome da portadora] ser
médica sabe! Porque é no chão, você tem que saber da sua
situação. Porque assim, tem que fazer estágio né! (4).
Ele fez curso de DJ, ele toca, ele é bem assim, ele faz de tudo um
pouco, nada assim, impede muito ele, é bem assim né. Nossa ele
nem quer ser diferente, ele nem gosta de ser tratado, ele não gosta
que ninguém, ninguém... até tinha uma época, porque ele tem que
ser podado um pouco né (3).
As famílias descrevem os portadores da doença com a mesma capacidade de
outros jovens, porém continuam pre-ocupados com as limitações muitas vezes
desapercebidas pelo próprio portador e pelas pessoas ao seu redor. A FC nas
famílias foi em sua maioria uma enfermidade que afetou apenas o biológico e com o
tratamento o sentido de corporeidade continuou intacto. O corpo se relaciona com as
coisas que estão aí, que deseja, que luta e por vezes ultrapassa os limites da
doença (POCLADEK, 2004). Este cenário é o inverso quando se trata de doenças
que atingem o físico do portador que são obrigados a esclarecer à sua coletividade
sobre as especificidades da doença, como contágio e limitações (CAPRARA;
VERAS, 2005).
Muitas famílias e portadores de FC optaram viver num mundo velado, ou meio
velado, o que constituía em mais um sofrimento de não se identificar e dialogar
sobre a doença. Pelo desconhecimento da patologia na coletividade, muitos
portadores de FC mascaravam o seu cotidiano, se voltavam para si quando
apercebidos de alguma possibilidade de se declararem limitados por uma doença
crônica.
Ele não gosta de falar sobre a doença, ele não gosta que comenta...
da boca dele ninguém sabe nada, nem de operação, nada, nada,
nada, ele não conta os problema dele pra ninguém, nunca, nunca!!
(12).
Eu falo para as pessoas que ela tem problema no pulmão, porque se
eu falar... ninguém entende e começam a falar pra todo mundo.
Quem não sabe o que é a doença, vão pensar que a mãe não
cuida... (7).
103
Então assim, a gente está tentando lidar da melhor forma e maneira,
até pra gente também, mas eu falo, se perguntar, eu falo. Na escola,
sabe, no judô, eu comento, principalmente, por causa do vômito, por
causa do tatame, que o professor mesmo fala, quando tem uma
criança resfriada, mas ele sabe, ele mesmo... se perguntar para os
amigos dele, todos sabem, toda mundo das criança sabe (11).
Ele não gosta de falar sobre o problema dele, pra gente falar o
problema dele pra você e ele estiver perto, ele sai, ele fica
nervoso, é onde ele fica nervoso. Então, geralmente, a gente não
fala. Então, se tiver de falar, ele fala. Até a gente fez uma campanha
pra trazer um remédio, este remédio que não tem no Brasil, vem dos
Estados Unidos. A gente fez tipo um bingo pra arrecadar dinheiro,
pra trazer o remédio dele dos Estados Unidos, e ele mesmo foi
vender. E ele falou, falou: oh, eu tenho esta doença assim, isso,
isso,... É na onde que ele... a doença dele, ele não falava, tinha
dificuldade né (2).
O
mundo vida das famílias deste estudo foi um mundo percebido pelos outros
e pelo seu eu pessoal, por nós. Um nós intersubjetivo, um s que valeu para os
sujeitos que neles viveram e cuja vida de consciência foi necessariamente
interpenetrada com as de outros (CAPALBO, 2004).
Os sentimentos das famílias foram representados pela solidão aliados a fé e
esperança. A experiência das famílias compartilhada com o outro foi crucial para o
enfrentamento da doença. Perpassaram por circunstâncias de um não revelar ao
mundo externo o que se passava em seu mundo vida pela incompreensão da
facticidade da doença.
104
105
O semeador – 1890.
Van Gogh
4.1.3 Redes de apoio: solidariedade e equidade
Esta categoria buscou articular os aspectos solidários e o sentido de eqüidade
que envolveram a vivência das famílias com portadores de FC ao se encontrarem
dentro de um espaço social onde os ideais da solidariedade não pareceram palavras
mortas na panacéia das leis brasileiras.
A experiência das famílias com portadores de FC foi aliviada quando se viram
num ambiente no qual foram reconhecidos como “normais” e recepcionados com
todo o apoio e carinho daqueles que compreendiam o que se passava em seu
mundo e vida. Eles encontraram uma organização que proporcionou todos os
subsídios, tanto emocionais como de recursos humanos e medicações: A AAMPR, o
órgão que fornece todo o apoio às famílias com portadores de FC no Estado do
Paraná (AAMPR, 2008).
Andrade e Vaitsman (2002) referem que nos últimos dez anos as associações
de pacientes têm crescido no Brasil. As vantagens deste modelo de atenção à
saúde o caracterizadas pelos seguintes elementos: maior democratização da
informação; reconhecimento, por parte dos profissionais, dos usuários como
sujeitos no processo do cuidado com a saúde; conscientização dos usuários quanto
aos seus direitos e ao seu papel na defesa dos próprios interesses.
As sensações experimentadas pelos entrevistados eram sempre positivas
quando se referiam à associação. Aos presidentes deste órgão eram referidas
palavras de gratidão e os entrevistados se consideravam devedores eternos ao
casal que fundou a associação no Brasil (ABRAM) e Estado do Paraná (AAMPR).
A melhor associação é a nossa e se não fosse o [nomes dos
presidentes da associação], tinha morrido tudo, porque o [nome do
presidente] ele não se preocupa só com a nossa, são todas [...] (1).
Porque tem pessoas, ô Geisa, que vai e faz. Que nem o [nome do
presidente], o [nomes dos presidentes], os dois juntos. Acho que Deus
até,,, olha o que eu vou falar, não é besteira não!...eles têm o filho
106
deles, que, claro, despertou o interesse pra eles e eles encararam e
foram atrás, quer dizer, olha que bem que ele fez a tanta gente, né,
tanta gente! (4).
A cada novo diagnóstico as famílias eram acolhidas pelo presidente da
associação, o qual relatava sua experiência como pai de portador de FC e como
seria a vida da família a partir daquele instante. Era o momento de receber todas as
informações sobre a burocracia do tratamento e as especificidades de cada
medicação. Apesar da doença, a AAMPR significou para os pais um presente, o
socorro às famílias que convivem com a FC, um “porto seguro”, uma “mãe”.
...daí, nossa, foi o que nos salvou!! Fomos pra Curitiba, conhecemos o
[nome do presidente], daí nos explicou certinho o que era... a gente
ficou mais tranqüilo!![...] Nossa!! Daí começou a melhorar muito!! (9)
[...] o [nome do presidente] colocou a experiência pessoal dele, então do
filho, toda a problemática. Ele falou assim... do que a gente está
recebendo hoje. O dele foi muito pior, né. Mas quando ele falou pra
gente, o nosso era o fim do mundo já, né? Então, não era... Mas hoje eu
vejo que realmente, graças a ele a gente tem um arsenal de coisas que
deu uma qualidade de vida extraordinária, né, para as crianças com
fibrose. [...] E realmente foi o que aconteceu.... Mas na época, a gente
não queria nem saber, né? (13)
A medicação a gente pegava lá na Rua João Negrão, na associação. O
atendimento foi bom, né, quer dizer... Eles sempre acolheram a gente
como uma família, né? Pra quem estava jogado na rua, né, (rs), deu
qualquer cobertura, está ótimo, a gente estava desprotegido, né! Ali
instrui a gente o que tinha que fazer, né! É o porto seguro da gente, lá,
porque qualquer coisa que a gente que.. fora do normal, a gente
uma ligada, né?. Tem horas, às vezes, que demora um pouco que
eu falo, reclamo, às vezes,... mas eu acho que é devido à demanda
deles, né, mas eles sempre vêm a tempo, sempre demonstrou solução,
sempre ajuda, né? Então de é um seguro nosso, se não tivesse lá, ai
de nós, né? (4).
A APAM (se refere à associação Paranaense), Geisa, foi assim uma
mãe pra nós, porque se não fosse a associação a gente teria perdido
tudo que temos. Os medicamentos são muito caros, ninguém
conseguiria, Geisa, ninguém conseguiria (1).
[...] a gente assina um termo de compromisso na associação, um
termo de compromisso. O compromisso que depois que começa a
doenças tem que ir até o ... o fim (2).
107
Devido à associação, nós não tivemos nenhuma dificuldade financeira.
Isso foi uma bênção, porque sem associação acho que não teria
criança com FC viva.... (silêncio) (6).
A partir do momento que a gente descobriu o que era, né, foi tranqüilo,
porque o tratamento é fornecido pela associação.(7)
Os sentimentos no momento de conhecer a AAMPR foram muitas vezes de
incompreensão e de sofrimento, mas todas hoje testemunham a qualidade de vida
do seu filho diante as orientações da associação naquele dia.
Em relação às medicações de alto custo fornecidas pela associação, os
relatos se referiam à preservação da saúde do filho e, ao mesmo tempo, das suas
condições financeiras. As famílias de portadores de FC com diagnóstico tardio, pela
inexistência da associação na época do diagnóstico, não foram amparadas com toda
a assistência fornecida atualmente. Este fato foi para as famílias um fardo pesado,
que comprometeu ainda mais sua estrutura emocional e financeira. Destes sujeitos,
muitos se colocam como participantes no processo de fundação da ABRAM e
AAMPR e na luta pelas medicações, que hoje são facilmente fornecidas pelo SUS.
Depois do governo Serra, melhorou muito. O Serra que deu ADEKS,
que assinou a portaria. Nós falamos com ele, tivemos reuniões, depois
tudo com ele na época. Hoje as coisas estão andando, mas a gente ia
pra Curitiba todo mês, a gente participou de muita coisa da associação,
muita, muita. A gente tinha que participar ou então a gente não
conseguia, ou reunia todos os pais ou a gente não conseguia, então
vamos lutar! A gente lutou bastante por muitas coisas, ajudou muito
abaixo-assinado, muita conversa... (3).
Dia 06 de junho de 2001, data que não esqueço !!! (6)
Nos discursos as famílias contam detalhes sobre a história da associação os
quais envolviam lutas, abaixo-assinados e data da aprovação da portaria ministerial
que regulamentou o fornecimento das medicações importadas pelo SUS.
As redes de apoio social à saúde propiciam a articulação entre grupos pela
conquista de direitos básicos, contribuindo para o processo de democratização da
sociedade (CAPRARA; VERAS, 2005).
108
No período anterior à fundação da AAMPR as famílias tentavam outros meios
de aquisição dos medicamentos. Um médico argentino foi citado com admiração
pelas famílias dos portadores adultos. Narraram os riscos que correram para
consultar este médico e as estratégias utilizadas para que a qualquer custo as
medicações chegassem ao Brasil, mesmo sendo contra a lei.
O doutor [nome do médico] ele vinha no Brasil, a gente trazia o doutor
[nome do médico] escondido no Brasil. E a gente pagava pra ele vim no
Brasil e ele mandava pra gente todos os exames que ele queria, a
gente fazia esses exames. Aí quando ele chegava aqui, ele via os
resultados. Inclusive, ele salvou muitas vidas, porque muito remédio
que aqui a gente não tinha, antibióticos que a gente não tinha e ele
trazia. Ele salvou assim muito, pessoas que tinham dinheiro até hoje,
vai lá. A gente tem casos que ainda vai lá, porque ele tem muitos mais
recursos. Hoje eu não mais assim tão por dentro dele, porque
inclusive ele foi cassado no Brasil. Assim o pessoal descobriu que a
gente fazia isso, trazia, e daí ele foi proibido mesmo de entrar no país e
foi bem complicado na época. Então aí as pessoas que estavam
fazendo com ele e tinha condições financeiras ia pra Buenos Aires fazer
as consultas e pegar os antibióticos que ele dava, que ele conseguia,
né?. Ele tinha muito remédio, a gente nem tinha, nem passado, nem
sonhava em ter. Ele tinha medicamento assim que a gente nem ouvia
falar nunca. Nossa, ele foi assim uma bênção, senão a gente tinha
perdido várias crianças, muito mais do que perdeu. Ele conseguiu
bastante coisa pra gente. E outra também o ADEKS, eles precisam
dela. (3)
Porque o doutor [nome do médico] aqui no Brasil, ele não pode clinicar
aqui no Brasil, mas a gente levava em Buenos Aires. (1)
As famílias que não haviam tido apoio da associação e da lei para subsidiar a
qualidade de vida do portador sempre discursavam sobre o seu mundo vivido,
contando suas dificuldades para manter o filho vivo numa época remota, de
tecnologia insuficiente, carente de recursos humanos qualificados e de informação,
em que era raridade a sobrevivência de crianças portadoras de FC.
Mesmo com o auxílio da associação e da prefeitura do município em que
reside, uma família relatou a dificuldade em comprar os medicamentos não cobertos
pelo SUS, em conseguir suporte psicológico ao filho e as condições do transporte
até a cidade de Curitiba. Além disso, citou a necessidade de auxílio alimentício para
a melhor qualidade de vida do filho.
109
Você olha a minha casa, tem remédio,... são mais de 8 mil reais de
remédio por mês, tudo pela associação. que.. assim... tem remédio
que a gente não consegue pela associação. Aí a gente tem.. ou a gente
compra ou a prefeitura dá. Ultimamente a prefeitura ajudando um
punhado. Aí tem gente que ajuda com leite, ajuda com alimento. Quanto
mais gente ajudando ele, melhor vida ele tem. A gente áa procurando
ajudar no peso [...] (2)
Tem vezes que vamos de ambulância, vai dez pessoas pra três lugar,
10 pessoas e três lugar (indignado). Então, às vezes a gente vai deitado
no chão, no chão com um monte de gente pra viajar com ele (2).
[...], eles dão cesta básica, bolsa de escola pras crianças, então é um
acompanhamento como se fosse o filho deles (2).
[...] acho que ele tinha que ter um encaminhamento pra um psicólogo
[...] A gente tem dificuldade nisso e no lugar que a gente mora não tem
aquele apoio (2).
Na associação esse pai se sentia protegido, tinha a sensação de estar ligado,
de ser cuidado como filho. Suas falas trouxeram à tona um sentimento de apego e
confiança aos profissionais e pais que ali trabalhavam. Assim, percebeu-se que a
dificuldade financeira, e muitas vezes cognitiva, da família afeta a qualidade do
cuidado o ser-aí e provoca reflexão sobre a questão de equidade e solidariedade
entre os pais que experienciam a mesma condição.
Silva, Pais-Ribeiro e Cardoso et al. (2003) dizem que o apoio social tem
efeitos positivos sobre o ser-no-mundo, tais como: diminui a ansiedade e tensão
muscular, aumenta a auto-estima, diminui a depressão e aumenta a capacidade da
pessoa para lidar com as situações estressantes.
O ambiente da AAMPR proporcionava também a interação entre os pais, pela
qual os pais mais novos sanavam as dúvidas com pais mais experientes com a
doença. No estudo que realizaram, Andrade e Vaitsman (2002) colocam que as
organizações dos portadores de HIV são os grupos mais formalizados como ONGs.
Os associados freqüentemente se reúnem para a discussão de temas do interesse
de todos, como a proximidade com a morte, sexualidade e HIV, preconceito,
esperança de cura e qualidade de vida.
110
Um estudo realizado por Caprara e Veras (2005) com pais de portadores de
epidermólise bolhosa (EB) congênita apontou que um dos objetivos da associação é
a localização dos demais portadores de EB para ajudar a conviver melhor com a
doença, por meio da troca de experiências. Com o mesmo pensamento, a AAMPR
procurou sempre reunir os pais de portadores de FC para trocas de experiências,
principalmente quando recepcionavam um caso novo da doença.
Ele convidou todos os pais que moram ali próximo de Curitiba, eles vão
todos... [...] e daí mostraram as fotos dos filhos... os filhos grandes, e
eles falavam que era uma vida normal, que estudavam e tudo.
pronto, abriu, né! Nossa, animou! foi que está até agora, a gente
lutando aí!! (6).
Reunir-se com outros pais foi gratificante para essas famílias, que se
sentiram aliviadas da solidão e frieza pelas quais passavam. O compartilhar de
experiências com outros pais aclarou os conceitos imaturos da vivência e cuidados
em FC e trouxe vida às famílias deste estudo. O efeito dessa situação na família foi
essencial para a aceitação da nova condição do ser-no-mundo com o filho portador
de FC.
A solidariedade entre as famílias da associação se manifestou de maneira
contundente quando do conhecimento de alguma família com maiores dificuldades
em adquirir medicação. Estes sujeitos, cientes de suas melhores condições,
consentiam em não continuar recebendo medicações que eram consideradas de uso
comum e de fácil acesso nos serviços de saúde. Em outros casos, devolviam à
associação as medicações de sobra para propiciar a oportunidade a todos. Isto foi
um exemplo de solidariedade e equidade entre pessoas conscientes das
necessidades do outro.
[.
..] mas, às vezes sobra medicação, porque nem sempre precisamos
tomar tudo... O bom seria dar para as pessoas que não recebem a
medicação certinho.[...] (9)
Daí este mês que fomos lá, levei o que eu tinha em casa..assim que vai
vencer, não muito próximo...eu levei de volta, porque tem muitas
crianças que precisam. [...] Tem um menino que mora na associação
que ele precisa, então a gente leva pra lá. (6)
111
[...] tem as vitaminas, proteínas, dieta líquida, ah... outras coisas, o
Ursacol, vem Colimicina, que ele fez uso na época; então eu ainda
recebo, daí quando tem uma família que precisa, eu mando, porque o
que acontecia... é ele usa, daí pode parar um tempo, daí tem ele tem
que entrar, daí tem que entrar o cadastro de novo pra vim no teu nome.
Então, quando eu precisei demorou cinco meses pra chegar [...] (11)
[...] ele precisava de um outro remédio, até vim da secretaria, a
ABRAM me conseguia até para o começo do tratamento, né? Até que
venha demora uns 30 dias pra isso, né, então a ABRAM me dava por 30
a 40 dias e eu solicitava pela secretaria pra vim o remédio de inalação
(13).
Porque a gente pode comprar, né? Tem que ser mais rápido, mais ágil
na bactéria, né! [...] A gente deixa na associação, pra pessoas mais
carentes, porque precisa mais, né! Também a associação se for atender
todo mundo que pode e até que não pode, é complicado, né? (6).
Para Backes (2008), todos os estágios vivenciados na doença podem ser
duradouros ou momentâneos, mas o viver da doença é uma construção de cada ser-
no-mundo, de cada família diante de uma realidade parecida para os expectadores
externos, mas diferente para quem experiencia, um viver autêntico que impõe
condições proibitivas; um viver em que cada um constrói mundos diferentes de sentir
e de ser feliz.
Viver esta realidade implica estar dentro de um grupo de pessoas
selecionadas que brigam pelo mesmo propósito, sejam elas profissionais, pais ou
amigos, e entre as quais a solidariedade e equidade foram atitudes espontâneas,
aliviando a dor em relação às medicações e cuidados na FC.
112
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho foi resultado das inquietações percebidas durante a minha
vivência com uma família de portador de FC, em fase diagnóstica. Mesmo depois de
muito estudo sobre a doença e suas implicações na família, foi difícil adentrar no
mundo vivido do outro, um mundo fora do meu “normal”, e passar a entender o
normal de cada família, ancorado em sua cultura, intelecto, crença e ambiente. Para
acolher as falas das famílias, distante dos “achismos” e julgamentos, busquei
mergulhar no fenômeno vivido ouvindo suas histórias, traumas e concepções de
vida.
Por se tratar de uma doença rara, tive que percorrer quilômetros para a coleta
de dados nas regiões das cidades de Maringá e Londrina, mas a cada viagem uma
história diferente me fazia refletir e me envolver com a família e portador. Foi
gratificante o carinho recebido de algumas famílias ao insistirem em me buscar na
rodoviária, ao me ligarem para agendar a próxima entrevista, no compromisso com
os horários agendados e naquele cafezinho da tarde em que compartilhávamos de
mais algum tempo de conversas sobre a vida. É como se tivessem sedentos por
falar sobre suas vidas, um capítulo pouco partilhado e marcado de crítica e
insensibilidade.
Uma das entrevistas que mais me marcaram foi com uma mãe com três filhos
portadores de FC. Foram necessários dois encontros para a total apreensão do
fenômeno vivido por ela. Eu percebia que ela sentia-se à vontade para se desabafar
sobre a vida de sua família. Foram falas repletas de sentimentos de tristeza e
angústia. No segundo encontro ela estava com dois de seus filhos internados em
casa (home care) e naquele dia um deles apresentava reações fortíssimas a um
novo antibiótico e ela parecia-me mais preocupada e frágil emocionalmente. De uma
forma ou outra os pais sempre expunham seus sentimentos. Uns eram mais
fechados, alguns os expressavam por meio do silêncio e/ou manifestação de revolta.
Mas aquela mãe era diferente, ela se desmanchava em choro nos finais das
113
entrevistas e eu me emocionava também. Quando saía da casa dela eu parava e
pensava: Nossa!! Que vida!!
A cada entrevista crescia em mim um sentimento de indignação e revolta pelo
descaso e desinteresse dos profissionais de saúde e, ao mesmo tempo, de
condolência pelas famílias, que não encontravam um norte no início do seu mundo-
vivido. Passaram por fases de incompreensão, primeiro consigo mesmas, com o seu
“eu” (Eigenwelt); depois no sistema público de saúde, no atendimento com os
profissionais de saúde, principalmente na figura do médico; com a linguagem
técnica, tecnologia e ambiente na área da saúde (Umwelt), carregadas de muito
medo; na relação com os “outros” (Mitwelt), a família e os questionamentos
existenciais do portador; e algumas vezes, para coma família ampliada, pelo
desconhecimento sobre herança genética da FC.
As falas da família evidenciaram períodos de revolta e confiança em relação
aos profissionais de saúde, principalmente o dico. O sentimento de revolta foi
maior nas famílias com diagnóstico tardio, em que predominou o longo período de
peregrinação, de médico a médico, de diagnósticos e receitas desencontrados.
A vida de cada família foi permeada por sentimentos muitas vezes
incompreendidos pelos profissionais de saúde que a assistiu. Ser-no-mundo diante a
desinformação destes profissionais foi uma possibilidade inevitável, plena de medo,
angústia, solidão e morte. Foi uma preocupação do existir do membro adoecido,
uma situação penosa de reconhecer a insensibilidade e/ou desinteresse destes
atores em estar-com na busca de novos caminhos, novos horizontes em relação ao
enigma que persistia na existencialidade do ser-aí.
O trauma em relação à peregrinação foi maior nas famílias com diagnóstico
tardio. Estas enfrentaram nesta fase os atropelos diante dos sintomas da FC, que
simulavam várias doenças e se refletiam em ansiedade e dúvidas quanto às
condutas médicas. Houve também sentimentos de luto entre os familiares
especialmente os avós - que contavam os detalhes referentes à morte da criança.
Mesmo tendo passado pelo processo de luto, as famílias encontraram forças para o
planejamento de outros filhos, sendo eles também portadores de FC. As famílias
com diagnóstico precoce relataram detalhes mais precisos para afirmar que
receberam o aconselhamento genético.
O diagnóstico precoce na família foi uma experiência muito dolorosa,
produzindo um processo de negação importante. A triagem neonatal foi um
114
instrumento de prevenção que proporcionou qualidade de vida aos portadores de FC
e respectivas famílias. Além disso, preservou as condições financeiras da família
evitando gastos desnecessários com consultas médicas, medicamentos e
internações. Para o governo evitou prejuízos financeiros com setores de saúde de
alta complexidade.
A estrutura familiar se reorganizou em relação aos cuidados em FC. Os pais
buscaram redistribuir os papéis, ficando na maioria das vezes a mãe como
responsável pelos cuidados e o pai pelas finanças. Apenas um pai abarcou todas as
responsabilidades do cuidado do filho, principalmente viagens e consultas na cidade
de Curitiba. As avós foram responsáveis pelos portadores de FC quando as mães
não puderam assumir o cuidado. Duas mães se deprimiram quando se
conscientizaram da gravidade da doença, de suas responsabilidades em relação aos
cuidados e da possibilidade de perder o filho. Um pai se envolveu com bebida
alcoólica e dois pais passaram por uma fase de depressão, na época do diagnóstico.
A experiência das famílias compartilhada com o outro foi crucial para o
enfrentamento da doença. Perpassaram por circunstâncias de um não revelar ao
mundo externo o que se passava em seu mundo-vida, pela incompreensão da
facticidade da doença. Os portadores de FC foram descritos pelas famílias como
seres questionadores sobre sua existencialidade, porém pessoas resolvidas nos
estudos, trabalhos e em suas relações com o outro.
A e a crença foram questões categoricamente envolvidas no processo da
doença na família. As famílias revelaram sua esperança de algum dia existir a cura
para FC, em um novo porvir.
As redes de apoio foram percebidas como uma ferramenta que permitiu a
prática da solidariedade e equidade entre as famílias que experienciavam o mesmo
fenômeno. Partilhar as vivências entre os pais de portadores de FC foi uma condição
que despertou a vida em meio ao desespero e medo. Quanto às medicações
recebidas por meio da AAMPR, todos se declararam agradecidos, referindo-se ao
órgão sempre com palavras de segurança e fortaleza. Aos fundadores deste órgão,
revelaram seu respeito e admiração por terem salvado tantas vidas que se
encontravam alienadas de seu verdadeiro mundo. Viver a condição de ter um
portador de FC na família implicou estar dentro de um grupo de pessoas
selecionadas que brigam pelo mesmo propósito - sejam elas profissionais, pais ou
amigos - e entre as quais a prática da solidariedade e equidade foram atitudes
115
espontâneas, aliviando a dor em relação ao diagnóstico, medicações e cuidados na
FC.
Penso que a vivência de cada família poderá mostrar aquilo que lhes é
necessário. Uma das necessidades surgidas nas entrevistas foi a questão das
viagens a Curitiba para atendimento pela equipe especializada em FC. As viagens
se tornaram um trauma na vida do portador e família, mas entendem que esta
situação foi inevitável no seu mundo-vida.
Buscar com a família os significados que ela atribuiu ao fenômeno de ter um
membro portador de FC enriqueceu, de modo significativo, o meu vivenciar como
enfermeira e pesquisadora do assunto. Por meio deste estudo, eu atentei para o
olhar do outro que espera da minha atitude profissional a confiança e
responsabilidade ao orientar, cuidar, ouvir e estar com o ente que sofre. Além disso,
ao lado do ser-aí está o seu responsável, aquele que rege as normas nos cuidados
diários e que também necessita ser cuidado.
As experiências narradas pelas famílias deste estudo desvelaram os
sentimentos que envolveram cada ser-aí com FC. As percepções em relação às
condutas dos profissionais de saúde permearam o mundo-vida das famílias desde a
peregrinação por um diagnóstico. Elas descrevem o “eu” do profissional médico
carregado de um “eu” que também pode fraquejar, que sente, que sofre e vive
conflitos internos na afirmação de um diagnóstico. Ao olhar este panorama,
compreendo que o profissional de saúde precisa estar bem consigo mesmo. Suas
dificuldades no atendimento ao usuário poderiam ser desmitificadas mediante
reflexões sobre a sua condição de também ser lançado no mundo. Neste sentido,
ele promoveria uma assistência de qualidade, priorizando as necessidades do
portador de FC e família.
As famílias deste estudo se revelaram como uma organização social que se
fragilizou e retornou às coisas em si mesmas, em um viver autêntico diante das
limitações da doença. Estar mais próximos da morte foi para elas saborear com mais
vivacidade a pluralidade do bem-estar, a sua relação com o ente querido e um viver
mais intenso nos momentos de felicidade. Este modo de viver a vida é, para todos
os seres, uma possibilidade que precisa ser trabalhada e compreendida. homens
que nascem e se percebem no mundo em sua condição de não ser mais aí no
mundo.
116
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126
APÊNDICE A
Dados de identificação
1. Escolaridade:
2. Idade:
3. Sexo:
4. Estado civil:
5. Cidade:
6. N.º de portadores de FC:
7. Idade do portador(a):
8. Ano do diagnóstico:
Questão norteadora
O que é para o senhor(a) a experiência de conviver com um membro portador de
fibrose cística na família?
127
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO
Título do Projeto: Fibrose Cística: des-velando o significado para a família
Prezada Sr(a),
Estamos desenvolvendo um estudo sobre Fibrose Cística (FC) no sentido
de conhecer melhor a experiência da família com portadores de FC. Para isso,
gostaríamos de conhecer sua experiência como membro representante da família
com portador (s) de FC. Precisamos ter conhecimento do modo como foi
abordado o diagnóstico da doença e sua trajetória até o momento.
Esclarecemos que a família não esta sendo avaliada e não será emitido
juízo de valor. O Sr.(a) terá toda a liberdade de se recusar a participar deste
estudo em qualquer momento, sem sofrer nenhum tipo de dano.
As informações emitidas serão mantidas em sigilo.
Eu, ____________________________________________, após ter lido e
entendido as informações e esclarecido todas as minhas dúvidas referentes a
este estudo, CONCORDO VOLUNTARIAMENTE, em participar do mesmo.
________________________________________________
Data: ____/____/______
Assinatura (do pesquisado ou responsável) ou impressão datiloscópica
Eu, mestranda Geisa dos Santos Luz, declaro que forneci todas as
informações referentes ao estudo para o profissional.
Equipe (Incluindo pesquisador responsável):
1- Nome:Dra. Maria Dalva de Barros Carvalho Telefone: (44) 3261 4040
2- Nome: Geisa dos Santos Luz Telefone: (44) 3224 1421
Qualquer dúvida ou maiores esclarecimentos procurar um dos membros
da equipe do projeto ou o Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo
Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá – Bloco 035
Campus Central – Telefone: (44) 261-4444.
128
___________________________________________________________ANEXOS
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