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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A LEITURA E A ESCRITA NA CULTURA ESCOLAR PRIMÁRIA
DE MATO GROSSO (1837-1889)
Ana Paula da Silva Xavier
Cuiabá-MT
Março / 2006
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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A LEITURA E A ESCRITA NA CULTURA ESCOLAR PRIMÁRIA
DE MATO GROSSO (1837-1889)
Ana Paula da Silva Xavier
Dissertação apresentada à Comissão Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos
requisitos para obtenção do Título de Mestre em
Educação, na Área de Concentração: Educação, Cultura
e Sociedade, na Linha de Pesquisa “História da
Educação”, sob a orientação do Professor Dr. Nicanor
Palhares Sá.
Cuiabá-MT
Março / 2006
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X3l XAVIER, Ana Paula da Silva
A leitura e a escrita na cultura escolar primária de Mato
Grosso (1837-1889) / Ana Paula da Silva Xavier. _ _ Cuiabá:
UFMT/IE, 2006.
184p.: il. color.
Dissertação apresentada à Comissão Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Educação, na Área de Concentração:
Educação, Cultura e Sociedade, na Linha de Pesquisa “História da
Educação”, sob a orientação do Professor Doutor Nicanor Palhares
Sá.
Bibliografia: p.173-179
Documentos: p. 180-184
CDU – 372.41/.45 (817.2)
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:
1. Leitura e escrita
2. Cultura Escolar
3. História da Educação de Mato Grosso
4. Século XIX
DEDICATÓRIA
Ao meu mestre por excelência, criador da vida, dos céus, da terra e tudo que nela há.
“Ele ergue do pó o desvalido e do monturo, o necessitado para o assentar ao lado dos
príncipes, sim com os príncipes do seu povo” (Sal. 113:7-8). Obrigada por tudo!
Deus
Aos meus queridos e amados pais, pela educação que me proporcionaram. Obrigada por
me ensinarem a amar a Deus sobre todas as coisas e por saber extrair de cada sorriso ou
lágrima uma lição de vida!
Admilson Soares Xavier e Eunice Antonia da Silva Xavier
Aos meus irmãos que, sempre me incentivaram a continuar os estudos.
Tatiane da Silva Xavier, Regiane da Silva Xavier e Admilson Júnior da Silva Xavier
À minha avó, pelo apoio e compreensão! Com Carinho!!!
Inez Gomes da Silva
Aos Pastores da Igreja Assembléia de Deus e suas respectivas esposas, pelas orações e
aconselhamentos. A vitória é nossa, é do povo de Deus!
Jeremias Oliveira Brito e Rosalina Oliveira Brito
Sérgio Dias da Silva e Maria de Fátima Gonçalves da Silva
A todos os meus colegas, familiares, amigos e irmãos de fé que sempre me apoiaram.
Deus os abençoe!
AGRADECIMENTOS
Aos meus queridos professores do Curso de Mestrado que contribuíram para a
construção de novos conhecimentos:
Michele Sato, Nicanor Palhares Sá, Ana Arlinda de Oliveira,
Cleomar Ferreira Gomes, Maria Morgado e Manoel F. de Vasconcelos Motta
Aos funcionários que prestam serviços na Pós-Graduação em Educação(PPGE)/UFMT e
no Instituto de Educação (IE)/UFMT. Obrigada pela atenção!
Luisa Mª. T. S. Santos, Simone Manduca, Jeison Gomes dos Santos e
Mariana Serra Gonçalves (secretaria Pós-Graduação);
Manoel F. V. Motta (Coord. do PPGE em 2004);
Marta Mª. Pontin Darsie (Coord. do PPGE em 2005) e
Filomena Mª. de Arruda Monteiro (Coord. do PPGE em 2005/2006);
Manoel Messias de Souza, Vinícius Henrique da Silva Souza
e Kely Regina de Miranda (Secretaria do IE);
Fátima Mª Pontes Pires (Secretária do Curso de Pedagogia);
Rosimeire C. Peter (Coord. do Curso de Pedagogia);
Silas Mª. Nunes, Zirley M. Da Silva e Elza Sabino Alves (Serviço de Limpeza);
Juciley Felfili Sapulo e Zuleica Beatriz Pinschede (Bibliotecária).
Aos meus colegas do Mestrado e do Grupo de Pesquisa Educação e Memória (GEM) do
IE/UFMT, pelo apoio e carinho:
Mestres Dimas S. S. Neves, Rosinete Maria dos Reis, Regina A. V. Simião,
Nádia Cuiabano Kunze, Abimael Antunes Marques,
Emilene O. Fontes Xavier, Marlene Flores Souza;
Mestrandos Pascoal Aguiar Gomes; Lindamar Etelvino Soares;
Paula Regina M. Martins Campos e Bolsistas de Iniciação Científica Messias Ferreira,
Sandra Jorge da Silva, Danila Freitas Coelho e Elijane Gonçalves Lopes.
Aos funcionários do Arquivo Público, da Casa Barrão de Melgaço e do Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional, pelo auxílio no decorrer da coleta de
dados da pesquisa.
À CAPES, pela bolsa de estudos e o incentivo à pesquisa.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Ao meu orientador, meu mestre inesquecível, que sempre provocou minha inteligência,
incentivando-me a gerenciar seus pensamentos, a enfrentar novos desafios e a alcançar
grandes conquistas. Obrigada pela tua dedicação incondicional.
Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá
À minha co-orientadora, mestra fascinante, grande historiadora e educadora, pela
sensibilidade e humildade! Obrigada pelas orientações tão pontuais, pelo carinho e atenção!
Profª. Drª. Elizabeth Madureira Siqueira
Aos examinadores da Banca, pela leitura atenta da minha dissertação. Sei que por trás de
cada sugestão, apresentada com tanta simplicidade, existe um árduo
trabalho de pesquisa e de formação continuada.
Prof. Dr. Lourenço Ocuni Cá (Examinador Interno - UFMT) e
Profa. Dra. Diana Gonçalves Vidal (Examinadora Externa - USP)
À mestre que sempre me incentivou a lutar por novos desafios. Obrigada pelo carinho e
auxílio.
Rosinete Maria dos Reis
À minha amiga e companheira de Mestrado por todas as nossas alegrias, aventuras e
desventuras vivencias no decorrer do Curso. Obrigada pela tua amizade e pelo
companheirismo em todos os momentos e em qualquer circunstância.
Ilza Dias Paião
Às minhas amigas que, apesar da distância, sempre estiveram presentes em meu
coração, compartilhando lutas e vitórias. Obrigada pelas contribuições!
Fátima Aparecida da Cunha (SP) e Euzimar Rozivelti (PA)
RESUMO
O presente trabalho estuda a história das disciplinas escolares, notadamente, Ler e
Escrever, na cultura escolar de Mato Grosso entre os anos de 1837 e 1889. O objetivo é
investigar o ensino da leitura e da escrita na província mato-grossense sob o viés da cultura
escolar, com a intenção de reconstituir as práticas manifestadas no interior da escola. A
delimitação cronológica compreende a vigência da legislação educacional do Império em
Mato Grosso, desde a primeira Lei Provincial, instituída em 1837, que assinala o início das
diretrizes traçadas pelo governo local em relação à organização do sistema público de ensino,
até o Regulamento da Instrução Primária e Secundária, promulgado em 1880, que esteve em
vigor até o ano de 1889. O estudo baseia-se em teóricos da História Cultural, tomando-se
como categorias históricas de análise a noção de “história das disciplinas escolares”
desenvolvida por André Chervel, a conceituação de “cultura escolar” realizada por
Dominique Julia, as “práticas e representações” pensadas por Roger Chartier, assim como as
“estratégias e táticas” expressas na concepção de Michel de Certeau. Paralelamente à
apropriação dessas categorias, realizou-se um cotejo entre as fontes documentais referentes à
educação de Mato Grosso, tais como: legislação educacional; relatórios de presidentes, de
inspetores da Província e de diretores da instrução; ofícios e jornais da época e ainda mapas e
exercícios escolares. Esse contraponto, permitiu constatar que a instituição das normas e
concepções pedagógicas do ensino da leitura e da escrita atendiam aos interesses do governo.
A permanência da prática do método de soletração no cotidiano escolar, por meio da
memorização mecânica e da repetição, demonstra o empenho do Estado, no século XIX, em
inculcar nos alunos conteúdos moralizadores e doutrinários por meio dos exercícios de leitura
e escrita. No final do período provincial, foram surgindo discussões em torno de um novo
modelo pedagógico que representava os anseios republicanos de construir na prática escolar a
racionalidade e a modernidade. Em meio às determinações oficiais impostas por políticos e
intelectuais da época, os agentes mais próximos do ensino professores e alunos conviviam
com improvisações, muitas delas desenvolvidas à revelia do corpo legal.
Palavras-chave:
Leitura e escrita. Cultura escolar. História da educação de Mato Grosso. Século XIX.
ABSTRACT
This work studies the history of the school subjects, especially, Reading and Writing, in
the school culture of Mato Grosso between 1837 and 1889. It aims at investigating the
teaching of reading and writing in the mato-grossense province under the focus of the school
culture, meaning to reconstitute the practices shown inside the school. The chronological
delimitation comprises the legal effect of the educational legislation of the Monarchy in Mato
Grosso, since the first Provincial Law, established in 1837, which marks the beginning of the
guidelines designed by the local government in relation to the organization of the public
school system, up to the Statute of the Primary and Secondary Instruction, published in 1880,
which was in use until 1889. The study is based on the scholars of the Cultural History, using
as historical categories of analysis the notion of “history of the school subjects” developed by
André Chervel, the conception of “school culture” performed by Dominique Julia, the
“practices and representations” idealized by Roger Chartier, as well as “strategies and tactics”
expressed in the conception of Michel de Certeau. Parallel to the assumption of these
categories, a comparison between the documental sources about the education in Mato
Grosso, was carried out, such as: educational legislation; presidents and inspectors of the
Province and instruction director’s reports; official letters and newspapers of the period and
also maps and school exercises. Through this counterpoint, it was possible to verify that the
institution of the pedagogical norms and conceptions of the teaching of reading and writing
addressed the interests of the government. The permanence of the practice of the spelling
method in the school daily activities, through the mechanical memorization and repetition
shows the effort of the State, in the XIX th century, in inculcating in the students moralizing
and doctrinaire contents using reading and writing exercises. At the end of the provincial
period, discussions about a new pedagogical model which represented the republican ideals of
building rationality and modernity in the school practice appeared. Among the official
demands imposed by politicians and intellectuals of the time, the agents who were close to
teaching – teachers and students – lived with improvisations, many of them developed
without knowledge of the legal body.
Key words:
Reading and Writing. School Culture. History of the education of Mato Grosso. XIX th
Century.
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ........................................................................................
10
LISTA DE TABELAS ..................................................................................................
11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
1 FINALIDADES DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA NO SÉCULO
XIX ............................................................................................................................ 19
1.1 Representação de uma sociedade letrada .............................................................
21
1.2 Cultura religiosa e instrução pública primária .....................................................
26
1.3 O projeto nacional e a organização do sistema educacional de Mato Grosso .....
31
1.4 Formação dos professores primários da província de Mato Grosso ....................
43
2 CULTURA MATERIAL ESCOLAR DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DE
MATO GROSSO .................................................................................................... 53
2.1 A casa-escola enquanto espaço escolar ...............................................................
55
2.2 A cultura material do mobiliário escolar .............................................................
63
2.3 Pena, papel e tinta: a cultura material dos utensílios escolares ...........................
75
2.3.1 Livros escolares como suporte material da prática da leitura ....................
86
2.3.2 Folhas avulsas: o empreendimento da cultura material escolar na
constituição da escrita .................................................................................
102
3 MANEIRAS DE FAZER DA PRÁTICA DO ENSINO DA LEITURA E DA
ESCRITA .................................................................................................................. 107
3.1 Métodos de ensino no cotidiano escolar da província de Mato Grosso ...............
109
3.2 Práticas e representações dos níveis de aprendizado dos alunos do ensino
primário ................................................................................................................
119
3.3 Representações dos métodos de leitura no século XIX: diferentes olhares .........
132
3.4 Maneiras de fazer dos métodos de leitura na província de Mato Grosso .............
139
3.5 Formas de escrita na instrução primária mato-grossense .....................................
147
3.6 Estratégias e táticas na prática de exercícios escolares da província de Mato
Grosso ..................................................................................................................
153
3.6.1 Inculcação e apropriação dos conteúdos de ensino ....................................
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 173
REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS ............................................................................ 180
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Igreja da Boa Morte em Cuiabá ......................................................................
28
Figura 2:
Jornal A Tribuna ..............................................................................................
30
Ladeira da Candelária em Corumbá ................................................................
36
Beco do Candeeiro em Cuiabá ........................................................................
36
Figura 5:
Corumbá ..........................................................................................................
39
Figura 6:
Rua 15 de Novembro em Cuiabá ....................................................................
39
Liceu Cuiabano ...............................................................................................
48
Modelo de escola .............................................................................................
64
Papel, pena e tinta ...........................................................................................
78
Figura 10:
Abílio César Borges
96
Figura 11:
Modelo do ensino mútuo ...............................................................................
109
Figura 12:
Relação mensal de alunos de Poconé em janeiro de 1841 ............................
121
Figura 13:
Trecho do
mapa estatístico de alunos da Freguesia de N. S. de Rosário de
S. Pedro d’El Rei (1831) ................................................................................
123
Figura 14
: Relação semestral de alunos de primeiras letras de Chapada (1843) ............
124
Figura 15:
Relação semestral da Freguesia de S. Gonçalo de Pedro (1857) ..................
128
Figura
16:
Mapa mensal de alunos da escola de primária de Corumbá (1876) ..............
130
Figura 17:
Quarto Livro de Leitura ................................................................................
143
Figura 18:
Argumento .....................................................................................................
145
Figura 19:
Folhas de flandres fixadas nas paredes .........................................................
155
Figura 20:
Divisão da folha de exercício escolar (frente) ...............................................
157
Figura 21:
Divisão da folha de exercício escolar (verso) ...............................................
158
Figura 22:
Exercício escolar de 25 de maio de 1836 ......................................................
162
Figura 23:
Exercício escolar de Manoel José de Couto (1871) ....................................
163
LISTA DE TABELAS
Tabela 1:
Orçamento Geral e de Instrução Pública da Província de Mato Grosso
(1845-1889) ...........................................................................................
68
Tabela 2:
Escolas Públicas Primárias da Capital – 1873 .......................................
82
Tabela 3:
Demonstrativo dos Utensílios Precisos para Suprimento das Escolas
da Instrução Primária da Província – 1876 ............................................
84
Tabela 4:
Grau de Instrução dos Alunos da Escola de Primeiras Letras de
Poconé – 1840 ........................................................................................
125
Tabela 5:
Distribuição das Classes de Leitura e Escrita Contida no Regimento
Interno das Escolas de Instrução Primária da Província de Mato
Grosso – 1873 .........................................................................................
130
Tabela 6:
Mapa Mensal dos Alunos da Escola Pública de Instrução Primária do
Sexo Masculino da Vila de Miranda – 1888 ..........................................
131
Tabela 7:
Classificação dos Níveis de Leitura dos Alunos da Província de Mato
Grosso – 1877 .........................................................................................
149
Tabela 8:
Horas e Sinais para Começo e Encerramento dos Exercícios Escolares
1873 .....................................................................................................
154
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, A leitura e a escrita na cultura escolar primária de Mato Grosso
(1837-1889), consiste no estudo referente à história das disciplinas escolares, notadamente,
Ler e Escrever, em Mato Grosso, sob o viés da cultura escolar.
O objetivo é investigar o ensino da leitura e da escrita na província mato-grossense com
a intenção de averiguar quais finalidades educacionais estavam por trás do ensino da leitura e
da escrita, ministrado nas escolas primárias e conhecer os hábitos estavam sendo inculcados
no cotidiano escolar.
A escolha do tema foi definida por minha trajetória trilhada na área de História da
Educação. No decorrer da graduação, Licenciatura Plena em Pedagogia: Magistério das
Séries Iniciais, cursada na Universidade Federal de Mato Grosso tive oportunidade de
conhecer e participar, como Bolsista de Iniciação Científica, do Grupo de Pesquisa Educação
e Memória (GEM)/UFMT. O trabalho de investigação histórica, realizado por meio de
documentação relativa à educação mato-grossense, existente nos acervos regionais, bem como
os estudos em grupo e debates sobre diversos referenciais teóricos, que serviam de
sustentáculo ao Grupo, possibilitaram-me uma formação acadêmica mais ampla, uma vez que
permitiram constante articulação entre empiria e fundamentação teórica.
Três trabalhos na área da História da Educação em Mato Grosso serviram-me de ponto
inicial, de inspiração na escolha do tema relativo à alfabetização na escola pública primária
mato-grossense: o livro Luzes e Sombras: modernidade e educação Pública em Mato Grosso
(1870-1889), de Siqueira (2000), que trata, em um de seus capítulos, d’O Universo da
Leitura; a tese Ensino de Leitura na escola primária de Mato Grosso: contribuição para o
estudo de aspectos de um discurso institucional no início do século XX, de Amâncio (2000); e
a dissertação Cartilha do Dever: a instrução pública em Mato Grosso nas primeiras décadas
republicanas (1891-1910) de Rosa (2002). A partir da contribuição dessas pesquisas, surgiu o
interesse pelo estudo da história do ensino da leitura e da escrita na região, com a intenção de
realizar uma investigação mais pontual de um período histórico anterior aos recortes
temporais já analisados, já que essa temática é pouco abordada nos estudos referentes à
História da Educação de Mato Grosso. Somou-se a isso, a necessidade de compreender a
constituição dessas práticas no momento de implantação e de organização do sistema público
de ensino da Província, de modo a contribuir para a ampliação e aprofundamento de
abordagens na área.
13
Ademais, a inclusão do tema sobre a História das Disciplinas Escolares, com enfoque
no Ler e Escrever, justifica-se por favorecer o desenvolvimento de análises da cultura escolar
mato-grossense, visto que questiona, por meio das normatizações educacionais, dos modelos e
concepções de leitura e escrita, em voga na época, quais finalidades estavam inscritas no
ensino local na fase inicial da escolarização primária. A partir daí, interroga-se quais práticas
de alfabetização foram sendo construídas no cotidiano escolar ao longo do século XIX. É
importante lembrar que, apesar de serem matérias de ensino distintas, essas duas disciplinas
escolares consubstanciavam o processo de alfabetização empreendido na escolarização da
instrução primária.
Atualmente, a investigação da história das disciplinas escolares tem se constituído num
novo campo de pesquisa que busca explicações para as mudanças ocorridas em determinada
disciplina ao longo do tempo, possibilitando a identificação de fatores diretamente ligados às
mudanças de conteúdos e métodos de ensino que, conseqüentemente, ressoam em alterações
no currículo. Não se pode negar a relação entre o currículo e as matérias que o compõem.
Contudo, suas histórias não se confundem, pois a primeira estuda as matérias de ensino, em
suas particularidades, a formação e o desenvolvimento de cada disciplina escolar, permitindo
a compreensão do papel e importância que elas assumem, principalmente na definição das
orientações mais gerais do ensino. a segunda abarca a análise do conjunto das disciplinas,
compreendendo a análise de questões complexas, desde as idéias sobre o currículo, aos
processos de sua elaboração, interpretação, aplicação e avaliação (SAVIANI, 1994, p. 37-55).
O crescimento desse novo campo de pesquisa está ligado ao processo de transformação
curricular ocorrido entre os anos de 1970 e 1980, “[...] momento em que se repensava o papel
da escola em suas especificidades e como espaço de produção de saber e não mero lugar de
reprodução de conhecimentos impostos externamente”. Nesse período de discussão e
mudanças, a história da educação passou a se aproximar de outros campos de investigação,
em especial, da história social, que, por sua vez, aliava-se aos conceitos antropológicos de
cultura. Isso ocorreu em função da busca de novos caminhos para responder às indagações
que se acumulavam, como por exemplo, as referentes às relações entre educação e sociedade,
educação e poder. Essa aproximação “[...] resultou ou tem resultado, em renovação para a
história da educação que tem ultrapassado análises limitadas às ações do Estado como
principal e, por vezes, agente exclusivo das transformações educacionais” (BITTENCOURT,
2003, p. 11; 13). A partir de então, as análises históricas passaram a enfocar os agentes da
escola, principalmente professores e alunos, na tentativa de se chegar mais próximo da prática
desencadeada no interior desse espaço.
14
Segundo Fonseca (2003, p. 55), ao se tratar de pesquisa no âmbito da História Cultural,
não se pode esquecer de importantes pesquisadores, como:
François Furet, Jacques Ozouf, Pierre Nora, Jean Hèbrard, Dominique Julia
e mesmo Roger Chartier, quando se debruçaram sobre temas muito
identificados à História da Educação como a escolarização, a
alfabetização, os livros e a leitura, o ensino –, dando-lhes tratamento muito
diverso daquele que tradicionalmente predominava.
Nessa perspectiva, as disciplinas escolares constituem-se num dos objetos importantes
das investigações relativas às práticas cotidianas da instrução pública primária da província de
Mato Grosso. Portanto, o presente estudo baseia-se em alguns dos teóricos da História
Cultural que se debruçam sobre temas ligados à História da Educação, lançando mão da
contribuição da abordagem sobre história das disciplinas escolares desenvolvida por André
Chervel, a noção de cultura escolar abordada por Dominique Julia, o conceito de práticas e
representações pensado por Roger Chartier, bem com a definição de estratégias e táticas
apresentada por Michel de Certeau. Esses autores auxiliaram no processo de questionar o
desafio das práticas e do cotidiano escolar na dimensão histórica.
De acordo com Chervel (1999, p. 184), a história das disciplinas escolares pode exercer
papel importante na compreensão tanto da história da educação como da história cultural.
A expressão disciplinas escolares designava, até o final do século XIX, “[...] vigilância
dos estabelecimentos, a repressão das condutas prejudiciais à sua boa ordem [...]”. Os termos
mais utilizados nos textos oficiais da época eram: objetos, partes, ramos, matérias de ensino,
conteúdos de ensino. No fim da segunda metade do culo XIX, o verbo disciplinar
propagou-se como ginástica intelectual. Essa nova acepção da palavra surgiu de uma corrente
de pensamento pedagógico em estreita ligação com a renovação das finalidades do ensino
primário e secundário. Após a I Guerra Mundial, a expressão disciplina escolar foi perdendo
a força e passou a designar rubrica que classificava as matérias de ensino, que conhecemos
atualmente (CHERVEL, 1999, p. 177-180) [grifos do autor].
Dessa forma, faz-se importante ressaltar que a presente pesquisa possui como alicerce a
história das disciplinas escolares, contudo são mantidas, também, as expressões matérias de
ensino e conteúdos de ensino por terem sido freqüentemente utilizadas no período imperial
brasileiro, em especial, na província de Mato Grosso.
A discussão de Chervel sobre a relação existente entre disciplinas escolares e
finalidades educativas consiste em afirmar que o ensino ministrado na escola não se
desvincula de interesses oriundos da sociedade. Isso porque, uma disciplina escolar “[...]
comporta não somente as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que
15
presidiram sua constituição e o fenômeno de aculturação de massa que ela determina”
(CHERVEL, 1999, p. 184).
Intrinsecamente atrelada à história das disciplinas escolares, adota-se aqui a concepção
de cultura escolar atribuída por Julia. Para o pesquisador, essa abordagem é possível através
da análise das relações conflituosas ou pacíficas que, a cada período da história, ocorrem no
interior da escola, por meio do conjunto das culturas que lhes são contemporâneas: cultura
religiosa, cultura política ou cultura popular. Dessa forma, Julia descreve cultura escolar como
“[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e
um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e incorporação
desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar
segundo as épocas” (JULIA, 2001, p. 10) [grifos do autor].
Para respaldar essa noção, o autor afirma que o exame das normas e finalidades que
regem a escola não deve ser limitado ao estudo dos textos reguladores. Insiste em dois pontos
relevantes para o desenvolvimento da temática: “[...] os textos normativos devem sempre nos
reenviar às práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos
que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades atribuídas à escola” (JULIA,
2001, p.19).
Com base no conceito de representação de Chartier (1988), é possível observar que as
representações do mundo social são expressas nos discursos políticos contidos na
documentação oficial: legislações, relatórios e ofícios de dirigentes locais.
O estudo de Certeau (1996) auxilia na reconstituição histórica da cultura escolar
primária da província de Mato Grosso ao fornecer base explicativa que ajuda a elucidar as
práticas cotidianas da escola, com o intuito de compará-las e até mesmo contrapô-las às
idealizadas pelas normas instituídas pela legislação. Segundo o autor, ao se estudar o
cotidiano, faz-se necessário deslocar o olhar dos grandes homens da história para o homem
comum, possibilitando a reconstituição da maneira de fazer ou arte do fazer das práticas
construídas no dia-a-dia.
Nessa pesquisa, o homem comum é entendido como agente direto e indireto de ensino,
respectivamente, professores, alunos e dirigentes políticos. A maneira de fazer ou arte do
fazer é compreendida como a forma pela qual os agentes educacionais se apropriaram ou
reapropriaram das normas impostas e produziram novas práticas cotidianas na Instrução
Pública Primária em Mato Grosso.
Quanto à delimitação cronológica, elegeu-se o período compreendido entre a vigência
das legislações educacionais do Império, desde a Lei Provincial de Mato Grosso, instituída
16
em 1837, assinalando o início das diretrizes traçadas pelo governo local em relação à
organização do sistema público de ensino, até o Regulamento da Instrução Primária e
Secundária, promulgado em 1880 e que esteve em vigor até o ano de 1889, não só marcando o
encerramento de um regime político, como também situando uma cada de calorosas
discussões referentes às práticas de alfabetização. Essa demarcação histórica não tem por
objetivo estabelecer com exatidão o início e o fim do fenômeno de alfabetização no período
imperial, mas apenas situá-lo temporalmente, considerando-o num tempo longo e de
dimensão macro do processo de escolarização, sem deixar de privilegiar a dimensão micro
das práticas do ensino da leitura e da escrita no cotidiano escolar.
Na baliza temporal estabelecida encontra-se diversos dispositivos normativos instituídos
no período em foco. Contudo, esta investigação destaca dois momentos que definiram
diretrizes para as disciplinas escolares. O primeiro caracterizou-se pela implantação dessas
através da Lei 8, de 5 de maio de 1837, regulamentada em 30 de setembro de 1854. O
segundo consistiu-se em uma reestruturação desencadeada no ano de 1873 por meio do
Regulamento Orgânico da Instrução e, em seguida, pelo Regimento Interno das Escolas
Públicas de Instrução Primária.
Ao considerar a análise da legislação na reconstituição das práticas escolares
manifestadas no interior da escola mato-grossense, este estudo empenha-se em cotejá-la com
dados disponíveis em relatórios de presidentes, inspetores da Província e diretores da
instrução, em ofícios e jornais de época, assim como em mapas escolares elaborados por
professores e em exercícios escolares produzidos por alunos. Tais documentos encontram-se
depositados nos principais acervos e arquivos de Mato Grosso: o Arquivo Público de Mato
Grosso (APMT); o Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR); o
Arquivo da Casa Barão de Melgaço (ACBM), que abriga o Instituto Histórico e Geográfico de
Mato Grosso (IHGMT); e a Academia Mato-Grossense de Letras (AML). Muitas dessas
fontes, apesar de apresentarem discursos políticos, também evidenciam diversos aspectos do
cotidiano escolar capazes de elucidar a história das disciplinas escolares, em especial, da
leitura e da escrita. Essa análise histórica é também subsidiada por bibliografias, que
proporcionaram respaldo para as inferências, apreciações e considerações tecidas no decorrer
da investigação.
A apresentação desta dissertação segue, em linhas gerais, o caminho que Julia (2001)
julga interessante para o entendimento da cultura escolar como objeto histórico. Inicialmente,
o autor interessa-se “[...] pelas normas e pelas finalidades que regem a escola”; em seguida,
avalia “[...] o papel desempenhado pela profissionalização do trabalho de educadores”; por
17
último, ocupa-se da “[...] análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares” (JULIA,
2001, p. 19).
Os capítulos expõem três eixos temáticos considerados relevantes para o estudo da
história do ensino da leitura e da escrita empreendida na cultura escolar de Mato Grosso no
período imperial. No primeiro, interessa-se por estudar as matérias de ensino ministradas na
Província, investigando a organização do sistema de instrução pública primária mato-
grossense, palco da primeira fase de escolarização, a fim de se estabelecer relação entre a
escola e as finalidades educativas advindas da sociedade.
Ainda nessa parte inicial do trabalho, procura-se discutir quais finalidades sociopolítico-
culturais estavam por trás do discurso de se derramar a instrução pública que significava
expandir o ensino e alfabetizar o cidadão da nova Nação, para que se difundir, a partir daí,
os encaminhamentos de ordem política e pedagógica conferidos pelos dirigentes na
organização do sistema de instrução pública primária e no processo de constituição do ensino
da leitura e da escrita na escolarização.
Nessa medida, a representação social da alfabetização e do alfabetismo no século XIX
torna-se importante para se compreender a configuração do ensino dessas disciplinas
escolares, uma vez que a sociedade considerada profundamente oralizada deveria adequar-se
à cultura escriturária. O vínculo ideológico estabelecido entre Estado e Igreja também é
destacado nesse capítulo a fim de se entender a propagação do ideário de Estado-Nação e a
intenção de formação escolar moralizadora e doutrinária. Por fim, discute-se, ainda nesse
tópico, o recrutamento dos professores, então considerados os agentes do Estado que mais
atuavam junto à população e que deveriam atender aos interesses do Governo Imperial.
No segundo capítulo, estuda-se a cultura material escolar da instrução pública primária
de Mato Grosso, evidenciando a forma de organização do espaço físico e simbólico destinado
à escolarização, assim como as condições físicas das mobílias e dos materiais didáticos
utilizados no processo de escolarização. A noção de cultura material escolar situa-se como
parte integrante da cultura escolar, que, por sua vez, é importante para a compreensão não
dos elementos materiais da instrução pública de Mato Grosso, mas também da escolarização
primária. O questionamento que norteia esse capítulo consiste em interrogar quais desafios
materiais e práticos a escola mato-grossense teve que enfrentar, ao longo do século XIX, no
ensino da leitura e da escrita. Essa questão é discutida por meio de uma abordagem centrada
nos aspectos físicos e simbólicos do espaço escolar, assim como a caracterização do
mobiliário e dos utensílios idealizados na época. Dentre esses, mereceram destaque os
materiais didáticos, como livros (literatura infantil e livros didáticos) de circulação nacional
18
que tiveram ressonância em Mato Grosso, bem como cadernos e papéis, que, por estarem
intimamente ligados à prática de alfabetização, possibilitam a verificação de indícios do
cotidiano escolar.
No terceiro capítulo, procura-se evidenciar os conteúdos ensinados e as práticas de
alfabetização desencadeadas no interior da escola primária do século XIX. Para ampliar o
entendimento dessas ações pedagógicas, faz-se necessário discutir a adoção e a
operacionalização de métodos de ensino manifestados no sistema escolar mato-grossense. No
que se refere aos métodos de leitura, os debates sobre os modelos e as concepções de leitura e
escrita que estavam em voga no século XIX são importantes para dimensionar a diversidade
de termos e sua classificação. Apesar da predominância do método de soletração nas escolas
de primeiras letras da província local, em todo o século XIX, as mudanças ocorridas no ensino
do Brasil, inclusive em Mato Grosso, a partir de 1870, apontam para uma renovação, nesse
âmbito, por meio do método da silabação e da palavração, que apresentava formas do ensino
intuitivo, possibilitando compreender a concepção e a organização dos conteúdos de ensino
contidos nos livros escolares, material que passou a fazer parte da prática escolar. Os debates
realizados no final desse período passaram a defender a adoção do modelo de escrita
impressa, também conhecida como escrita vertical, demonstrando, assim, uma renovação no
modelo de escola existente até aí, que expressava a racionalidade e a modernidade
consolidada somente no período republicano.
A partir dos conteúdos expressos nos exercícios escolares dos alunos, realiza-se uma
abordagem sobre a apropriação ou reapropriação pelos alunos diante dos conteúdos de
ensino que lhes eram impostos no interior da instrução primária, na intenção de averiguar a
relação entre o que era transmitido através do conteúdo escolar e o que estava sendo inculcado
na prática cotidiana. Assim, torna-se possível discutir as finalidades educacionais da época e
as práticas vivenciadas na instrução pública primária mato-grossense.
Nas considerações finais realiza-se um resgate de pontos relevantes da investigação,
discutidos ao longo do texto, apresentando como as finalidades educativas que estavam por
trás das principais propostas e modelos de ensino da leitura e da escrita, implantados na
instrução primária foram se configurando nas práticas manifestadas no interior da escola
primária da Província.
1 FINALIDADES DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA NO SÉCULO XIX
Este capítulo busca investigar a instrução pública primária de Mato Grosso, considerada
palco da primeira fase da escolarização, estabelecendo relação entre a escola e as finalidades
educativas advindas da sociedade, que podem ser verificadas pela cultura escolar, configurada
nas normas e práticas impostas pela sociedade à escola.
Ao se estudar os caminhos percorridos pela história do ensino da leitura e da escrita na
escola primária do século XIX, considera-se pertinente pensar a alfabetização e o alfabetismo
submersos na cultura escolar da época.
Na perspectiva aqui adotada, concebe-se a alfabetização como o processo de ensino-
aprendizagem de construção da escrita e da leitura pela criança, atribuindo maior enfoque aos
aspectos pedagógicos desenvolvidos no cotidiano escolar. o alfabetismo é compreendido
como a expressão da escolarização social dessa alfabetização que atente aos aspectos sociais
que perpassam o ensino da leitura e da escrita, na relação entre letrado e iletrado.
Soares (1995, p. 13) defende a utilização do termo alfabetismo para caracterizar o
estado ou as condições daqueles que se utilizam, pessoal e socialmente, das habilidades de ler
e escrever. De acordo com a autora, “[...] é impossível formular um conceito genérico e
universal deste fenômeno, como também são inúmeras as perspectivas teóricas de acordo com
as quais se pode analisar esse fenômeno”, por haver diversificadas dimensões segundo as
quais se pode considerar a multiplicidade de facetas do alfabetismo. Dentre as diversas
perspectivas apresentadas, destacam-se a histórica e a educacional.
Na perspectiva histórica investiga, entre outros temas:
[...] a história dos sistemas de escrita, dos suportes da escrita, dos objetos de
escrita, dos processos de acumulação, difusão, circulação, distribuição da
escrita ao longo do tempo e em diferentes momentos históricos (história de
bibliotecas, de livrarias, de sistemas de informação...), a história das
possibilidades de acesso à escrita, das conseqüências sociais e culturais da
imprensa, a história dos leitores (número, condição social, sexo, etc.), das
leituras e das práticas de leitura e da escrita em diferentes grupos sociais, a
história da escolarização e da aprendizagem da leitura e da escrita
(SOARES, 1995, p. 13).
Na perspectiva educacional, o alfabetismo tem por foco:
[...] as condições institucionais e programáticas de promoção da
alfabetização, os processos metodológicos e didáticos de introdução de
crianças e adultos no mundo da escrita, as relações entre o grau de
alfabetismo de diferentes contextos familiares e o sucesso ou fracasso na
aprendizagem da língua escrita (SOARES, 1995, p. 14).
20
Segundo a autora, para se compreender o fenômeno do alfabetismo faz-se necessário
articular diversas perspectivas, formando uma multiplicidade de elementos que ajudam a
explicar um mesmo objeto por diferentes ângulos. Para se ter essa abundância de
interpretações, é preciso, pelo menos, duas perspectivas que norteiem o estudo (SOARES,
1995).
As perspectivas histórica e educacional apresentadas por Soares são utilizadas, neste
trabalho, para a discussão da história da educação mato-grossense, tendo como destaque,
respectivamente, a história da escolarização e a aprendizagem da leitura e da escrita, bem
como os processos metodológicos e didáticos de introdução da criança no mundo da escrita.
Estes últimos são abordados nos capítulos subseqüentes.
De acordo com Chartier (1988, p. 17), as representações do mundo social “[...] são
sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o
necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”, pois
apresentam uma apreciação do real. Para o autor, a apropriação tem por objetivo “[...] uma
história social das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são
sociais, institucionais, culturais) e inscrita nas práticas específicas que as produzem”.
Conforme Faria Filho (2002a, p. 147), ao se trabalhar com as práticas e representações
escolares produzidas por sujeitos escolarizados, tais como professores, inspetores de ensino e
presidentes de província, torna-se possível observar os atributos do alfabetismo no momento
em que esses sujeitos “[...] conseguem produzir e expressar a instituição escolar como locus
do processo educativo capaz não apenas de transformar os súditos em cidadãos, mas também
os bárbaros em civilizados, os preguiçosos em trabalhadores, os ignorantes em letrados [...]”.
Nessa perspectiva sociocultural:
[...] a cultura escolar que se elabora como prática e como representações
assenta-se já numa visão escolarizada do social, onde a centralidade e a
importância é dada não à cultura e aos processos de transmissão orais, mas à
cultura letrada, erudita, própria à elite escolarizada que se afirmava (FARIA
FILHO, 2002a, p. 147).
Isso significa que, sob esse ponto de vista, o alfabetismo é trabalhado numa perspectiva
de escolarização do social, pois o processo do ensino da leitura e da escrita, assim como seu
uso pelo alunado, não se reduz ao espaço escolar, mas perpassa todo o contexto político-
cultural de cada sociedade.
21
Ao discutir Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil, Faria Filho (2002b)
afirma que o termo escolarização pode comportar dois sentidos, que não deixam de estar
intimamente relacionados. O primeiro pretende designar:
[...] o estabelecimento de processo e políticas concernentes à organização’
de uma rede, ou redes, de instituições, mais ou menos formais, responsáveis,
seja pelo ensino elementar da leitura, da escrita, do lculo e, o mais das
vezes, da moral e da religião, seja pelo atendimento em níveis posteriores e
mais aprofundados (FARIA FILHO, 2002b, p. 16).
O segundo está ligado ao “[...] processo e à paulatina produção de referências sociais
tendo a escola ou a forma escolar de socialização e a transmissão de conhecimentos, como
eixo articulador de seus sentidos e significados”. Essa concepção de escolarização recebe o
nome de escolarização do social, uma vez que amplia a influência da escola para muito além
de seus muros (FARIA FILHO, 2002b, p. 16-17).
Com base nos autores apresentados, propõe-se no presente capítulo discutir as
finalidades e as representações do ensino da leitura e da escrita em Mato Grosso no século
XIX, em seus aspectos sociais, políticos e culturais, focalizando o alfabetismo em suas
expressões de escolarização social. Esse estudo torna-se importante para se compreender a
configuração desse ensino numa sociedade profundamente oralizada e que se via pressionada
a se adequar à cultura escriturária, ainda que o acesso à instrução pública primária continuasse
sendo privilégio de poucos.
1.1 Representação de uma sociedade letrada
O século XIX foi palco de muitas mudanças na sociedade brasileira. A emancipação
política do Brasil, em 1822, exigiu dos governantes da nova Nação a construção de um ideário
de nacionalidade. Apesar da influência estrangeira e até de certa dependência em relação à ex-
metrópole, a partir desse período foi possível aos que viviam nessas terras tomarem frente na
administração política do País, propiciando, assim, o nascimento dos primeiros partidos
políticos, em algumas das províncias que compunham o território brasileiro.
Como nas demais províncias, a esfera da sociedade mato-grossense era composta por
uma “[...] rala e inexpressível elite, letrada, rica e culta”, proprietários de escravos e de terras;
por homens livres formados pela “[...] classe média urbana composta por profissionais
liberais, funcionários públicos e pequenos comerciantes”; por uma significativa camada de
“[...] homens livres pobres, analfabetos, trabalhadores braçais”; e por uma “[...] vasta camada
22
de escravos” analfabetos e de índios que, não eram considerados como cidadãos (SIQUEIRA,
2000, p.12).
De acordo com Siqueira (2000, p. 31-32), na ordem hierárquica da nova Nação, os
cidadãos ativos eram aqueles que detinham o comando político, ou seja, os que “[...] votavam
e eram votados”. Os cidadãos não-ativos eram, em grande maioria, “[...] trabalhadores braçais
que, mesmo juridicamente livres, eram pobres e por esse motivo, tendo em vista o baixo nível
de sua renda, não podiam votar nem ser votados”. Estes últimos constituíam os trabalhadores
livres rurais e urbanos que realizavam serviços mecânicos e trabalhos agrícolas.
A cultura política brasileira, no século XIX, zelava por construir o ideário de Estado
Nacional, também considerado projeto moderno de Estado-Nação. Para isso era necessário
fortalecer uma representação, em âmbito nacional e estrangeiro, de que o Brasil estava
passando de uma sociedade oralizada para uma sociedade escriturária.
Diana Vidal (2004a, p. 108) explica que a oralidade era a principal forma de
comunicação da sociedade brasileira no século XIX. Ao longo desse período, a cultura
oralizada foi sofrendo detratação por parte daqueles que dominavam a escrita, uma vez que
esta assumia o signo de distinção social e política.
Ao reconstituir as formas de educação e aprendizagem praticadas na sociedade
paulista da primeira metade do século XIX, Hilsdorf (2001, p. 86) afirma que essa era ainda
profundamente oralizada, embora, nessa época, a escrita fosse intensamente utilizada pelos
letrados da província de São Paulo. Dentre estes, incluíam-se os professores pelo fato de
fazerem a “[...] mediação do saber erudito para o homem comum”. Contudo, o saber escrito
não interrompia o oral. Isso porque, apesar de as práticas sociais já estabelecerem relações
escriturais com o mundo, grande parte da sociedade vivenciava um universo de oralidade .
Conforme Siqueira (2000, p. 35), o sistema estatal de educação imperial brasileira,
projetado e gestado pela elite política no interior da instrução primária, almejava que a parcela
da população livre, “[...] que antes vivia no mundo da oralidade, passaria a dominar o
alfabeto, de maneira que os signos identificadores e regulamentadores da nação fossem
compreendidos por um número maior de homens livres”.
Os dirigentes políticos, tanto do governo geral quanto das províncias, disseminavam
esse ideário por todo o Império através do discurso moralizador e civilizatório, difundido em
todo o território nacional. Segundo Mattos (1987, p. 252-254), a província fluminense foi
considerada uma espécie de laboratório de decisões políticas, onde se testavam medidas e se
avaliavam ações que buscavam atender aos anseios da administração geral, sempre “[...] com
23
a finalidade última de consolidar a ordem no Império”. Cada unidade provincial investia, a
seu modo, na difusão do Projeto de Estado Nacional.
De acordo com Lins (1999, p. 77), no século XIX a educação elementar ou primária era
considerada, pelos governantes, compatível com todas as atividades da classe trabalhadora,
pois o ensino primário servia “[...] sobretudo, para cultivar o espírito, manter os indivíduos em
harmonia com o Estado”.
Nessa perspectiva, a administração política da província de Mato Grosso via na
Instrução Pública um dos grandes meios de propagação do ideário de construção do Estado-
Nação. Segundo o Presidente da Província Antônio Pedro de Alencastro, na abertura da
primeira sessão ordinária legislativa, em 1835, ninguém deveria duvidar que o Estado de nada
necessitava “[...] mais do que de bons cidadãos” (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Discurso, 1835).
Para o Estado, os “bons cidadãos” eram aqueles que cumpriam os preceitos legais
instituídos pelos dirigentes da época e a instrução pública constituía-se em um dos
instrumentos do governo que transmitiam essas normas e valores a serem respeitados pela
população.
Na abertura da segunda sessão ordinária, em 02 de março de 1836, o Presidente da
Província Antônio José da Silva proferiu discurso semelhante ao do seu antecessor:
A Constituição não pode existir, como convém, sem lançar suas
raízes na alma de todos os cidadãos, sem imprimir novos
sentimentos, novos costumes e novos hábitos; e é da ação diária e
sempre crescente da Instrução Pública, que se pode alcançar, tais
mudanças, porque ela os põem em todo o seu valor, tanto para si,
como para seus semelhantes: ensina-lhes a gozar plenamente de seus
direitos, a respeitar e cumprir facilmente todos os seus deveres e, em
uma palavra, viver feliz (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Discurso, 1836).
Nota-se nesse pronunciamento que a educação primária mato-grossense, no século XIX,
tinha como finalidade levar aos cidadãos brasileiros o conhecimento da legislação, para que
estes pudessem ser obedientes e submissos às leis. A construção do ideário de Estado-Nação
era expresso no corpo normativo do Império e cabia à instrução primária sua transmissão, de
modo que a população conhecesse seus direitos e cumprisse seus deveres sem contrariar os
preceitos do Estado.
Essas finalidades também podem ser observadas no discurso do Presidente da Província
José Antônio Pimenta Bueno, ao declarar que essa instrução era “[...] importante elemento de
civilização” (MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1838).
24
Esse tipo de preleção política perdurou por todo o período provincial como forma de
reforçar a necessidade de moralização da massa popular, tendo a instrução como uma das
principais vias de acesso do ideário nacional à população mato-grossense. Isso porque a
instrução primária, em especial o ensino da leitura e da escrita, tornava-se importante para
difundir os preceitos expressos na legislação, que por sua vez, estava aliada à doutrinação
cristã da população para formar uma sociedade harmoniosa e ordeira, sem deixar de
determinar a diferenciação da heterogênica escala social da época.
Para Mattos (1987, p. 260), “[...] derramar a instrução por todas as classes” era
insistentemente preconizado pelos dirigentes. Todavia, o princípio da universalidade do
ensino não pressupunha igualdade de oportunidade instrucional para todos, pois deveria ser
“derramada” em doses diferenciadas para cada camada da sociedade. De acordo com Siqueira
(2000, p. 32), apesar das desigualdades existentes entre os membros da sociedade imperial,
tornava-se necessário que todos os cidadãos, ativos e não-ativos, conhecessem os signos de
identidade nacional, pois através desses se reconheceriam como “iguais”, consubstanciando,
assim, a unidade nacional. No entanto, uma das maiores finalidades do discurso
homogeneizador pautava-se, segundo a autora, no princípio de que “[...] cada um dos
componentes do segmento cidadão deveria reconhecer o seu lugar na escala social e
compreender que, tal como na natureza, as desigualdades da sociedade eram consideradas,
também, naturais”.
Uma das formas de representação do alfabetismo no período provincial ganhava
expressão no grau de instrução da população, que correspondia ao papel de cada segmento no
contexto social. A elite perpassava todo o processo de escolarização, do primário elementar e
complementar ao secundário, atingindo o superior. Já os demais homens livres, considerados
cidadãos não-ativos, usufruíam exclusivamente da instrução primária, até mesmo só do ensino
elementar. Estes últimos apenas receberiam as orientações e habilidades suficientes para
distingui-los ainda mais da camada escrava, que não podia se beneficiar da escolarização
(SIQUEIRA, 2000, p. 33). Pela documentação pesquisada, é possível observar que não havia
um grande número de escolas públicas e particulares na província mato-grossense. Em
decorrência disso, a maioria dos alunos de ensino primário convivia num mesmo espaço
escolar, independentemente de serem pobres ou abastados.
A escola primária foi vista, no século XIX, como locus privilegiado para a inculcação
de valores considerados fundamentais à sociedade emergente. A representação tecida no
imaginário social atribuía a essa instituição o papel de transmissora dos pressupostos básicos
para uma mínima harmonia social, de modo que um dos seus principais objetivos era
25
transformar o homem livre pobre em um trabalhador dócil, disciplinado aos preceitos do
Estado.
A instauração do modelo de instrução pública no Império brasileiro foi inspirada nos
moldes de circulação européia, em especial o francês, por meio dos textos legais e pela
Filosofia pautada no pensamento racional. Segundo Siqueira (2000, p. 30), a “[...]
alfabetização passou a constituir um dado relevante no conceito dos povos, tornando-se um
importante termômetro para medir o grau civilizatório de um determinado estado nacional”.
De acordo com Mattos (1987, p. 265-266), o Brasil foi influenciado pela França ao
adotar o termo primário para designar um grau do processo de escolarização, assim como a
nomenclatura liceu para nomear instituições escolares. O modelo de instrução pública francês
determinava também a utilização dos termos instrução e educação, no sentido atribuído por
Condorcet, que entendia o primeiro como “[...] conhecimentos positivos e certos dos quais o
Estado era o despenseiro natural” e o segundo como “[...] os sentimentos em assuntos
religiosos e políticos, domínio reservado onde o Estado devia abster-se de ingressar,
declarando-se independente”. A ação educacional resultante da união desses dois elementos,
na concepção da instrução pública, consistia na difusão de princípios éticos, morais,
religiosos, políticos e culturais.
Também conforme Mattos (1987, p. 259; 267), a instrução pública “[...] cumpria ou
deveria cumprir um papel fundamental, que permitia ou deveria permitir que o Império
se colocasse ao lado das ‘nações civilizadas’ ”. Sendo assim, os dirigentes representavam a
escola como uma instituição que deveria romper com as trevas do período colonial ao instruir
“todas as classes”, difundindo as Luzes por meio da instrução blica. Seguindo a lógica
desse ideário, priorizava-se a razão, vislumbrando a superação da “barbárie” e da “desordem”
social. A ausência de civilização era representada pelo alunado que não detinha o domínio dos
rudimentos de leitura, escrita e cálculo. Ao professor era incumbida a tarefa de propiciar uma
inclusão civilizatória dos educandos na sociedade por meio de uma formação disciplinada dos
futuros homens e cidadãos.
O papel de instruir que a escola pública desempenhava quase sempre se confundia com
a própria Educação. Isso ocorria, porque o ato de educar era considerado como a ação por
meio da qual os alunos adquiririam os princípios éticos e morais primordiais à convivência
social, ou seja, tinha como finalidade a inculcação de valores morais e éticos considerados
importantes para a manutenção da ordem social.
Complementarmente, o instruir propiciava a cada indivíduo o conhecimento
sistematizado de seus deveres como homem e cidadão. Por fim, “[...] instruir e educar eram,
26
em suma, uma das maneiras quiçá a fundamental de fixar os caracteres que permitiriam
reconhecer os membros que compunham a sociedade civil, assim como aqueles que lhe eram
estranhos, para além da fria letra do texto constitucional”. Assim, os atos de educar e instruir
eram tidos como ações complementares e não-dissociadas (MATTOS, 1987, p. 265).
Portanto, os alunos deveriam ser alfabetizados por meio de textos legislativos e/ou de
cunho religioso, pois, ao mesmo tempo em que estavam sendo instruídos a adquirir
conhecimentos relativos à leitura e à escrita, os conteúdos políticos e religiosos expressos nos
textos auxiliariam na educação, que era uma das formas de propagação dos princípios a
serem seguidos e respeitados.
Essa vinculação entre Igreja e Estado passa a ser estudada, a seguir, no intuito de se
compreender a relação estabelecida entre a cultura religiosa e a cultura política na constituição
da cultura escolar primária da província de Mato Grosso.
1.2 Cultura religiosa e instrução pública primária
No imaginário social do século XIX, a Igreja Católica era tida como a única instituição
religiosa legalizada. A cultura religiosa manifestada no ensino aproximava-se da linguagem
oral praticada na comunicação pela sociedade brasileira, naquele período. Isso era possível
uma vez que a doutrinação da ordem, da moral e da civilidade apregoada pelo catecismo era
apresentada sob a perspectiva da oralidade.
De acordo com Julia (2002, p. 54), a transmissão da doutrina cristã à massa popular até
o início da laicização do ensino, com o surgimento da escola pública, deu-se quase que
exclusivamente por via oral, constituindo uma aprendizagem por pura memorização. Essa
prática da “[...] memorização constituiu, ao longo de gerações, uma forma essencial de
disciplinar os espíritos, sobretudo na educação confessional, quando era essencial que cada
pequeno cristão conhecesse as verdades de sua salvação”.
Segundo Chartier e Hébrard (1995, p. 21-22), no século XIX, o discurso católico sobre a
leitura apontava um aumento no distanciamento social entre letrados e iletrados, entre leitores
e não-leitores. Para a Igreja, a leitura era sempre uma prática perigosa, pois, caso lessem sem
tomar certas precauções, os cristãos poderiam pôr em perigo a salvação. Ao pronunciar esse
discurso, classificava os livros em bons ou maus no intuito de exercer influência nas leituras
realizadas pelos fiéis. Os maus livros eram aqueles cujos conteúdos contradiziam os dogmas
ou os bons costumes apregoados pela Igreja.
27
A Igreja considerava que a instrução popular deveria ser dada a cada criança durante um
tempo bem curto, pretendendo, assim, limitar a escolarização muitas vezes às primeiras letras.
Em conformidade com os ideais eclesiásticos, os discursos da escola sobre a leitura revelavam
influências sociais. Na alfabetização a educação deveria “[...] inculcar a ‘ciência da salvação’
pela catequese e pela escolarização”. A leitura do catecismo era “[...] de algum modo uma
leitura destinada ao armazenamento, o que é ilustrado pela complexidade dos livros de leitura
postos nas mãos dos alunos pelas congregações religiosas até meados do século XIX”
(CHARTIER; HÉBRARD, 1995, p. 257). Assim, educar era mais importante do que instruir.
No Brasil, a memorização mantinha forte relação com uma cultura profundamente
oralizada. De acordo com Maria Cecília C. C. Souza (1998), a Igreja em seu “catolicismo
rústico” fazia com que a escrita fosse apresentada sob a perspectiva da oralidade. Para
Chartier (2001, p. 86), a leitura em voz alta permitia “[...] o ingresso dos mal-alfabetizados ou
dos analfabetos no mundo da cultura do escrito”. Dessa forma, a Igreja mantinha forte ligação
com o ensino no contexto da sociedade brasileira do século XIX, uma vez que os preceitos
morais e religiosos, disseminados por ela, faziam-se presentes tanto no corpo legal que regia o
funcionamento da instrução pública, quanto nas práticas escolares interiorizadas no cotidiano
da sala de aula.
O intuito de moralizar e “civilizar” o povo brasileiro decorria da própria condição
política do País, pois, com a Independência, pressupunha-se a ordenação dos setores da
sociedade civil, impondo-lhes “[...] uma expectativa de cunho mais liberal, como acontecia
em muitas nações européias e, particularmente, nos Estados Unidos da América, no século
XIX”. Todavia, a autonomia política não conseguiu libertar o País das estratégias geo-
políticas adotadas por Portugal, cujo vínculo fazia com que o Brasil mantivesse “[...] a adoção
do sistema de padroado com as conseqüentes atitudes e sanções decorrentes da associação
entre Igreja e Estado” (TAMBARA, 2003a, p. 99).
No discurso dos dirigentes mato-grossenses, a importância da escola primária consistia
no fato de que, por meio dela, Estado e Igreja poderiam manter a ordem social. Exemplo disso
é o pronunciamento do Inspetor Joaquim Gaudie Ley, em relatório apresentado ao Presidente
da Província, em 29 de janeiro de 1859, afirmando que:
A instrução primária não é só uma dívida social para o povo; é também uma
necessidade pública: sem ela a religião, as luzes, a ordem e a segurança
pública dificilmente serão conservadas; pois é certo que em todos os tempos
e lugares a ignorância tem sido a mãe de todos os crimes (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1859).
28
Nessa fala, o dirigente evidencia sua posição em relação à finalidade que atribuía à
instrução pública primária, demonstrando que a escola atuava como mediadora no processo de
transmissão dos preceitos difundidos pelo Estado e pela Igreja.
Na província mato-grossense, os preceitos morais e religiosos difundidos pela Igreja
também estavam presentes no cotidiano escolar. Os professores deveriam ensinar valores
religiosos para além de suas aulas. De acordo com a Lei de 1837 e o Regulamento de 1854,
além de trabalhar os valores religiosos em suas aulas, eles tinham que freqüentar a missa junto
com os alunos.
Figura 1: Igreja da Boa Morte em Cuiabá
Fonte: Freitas (1914)
O parágrafo do Art. 19º desse
Regulamento de 1854 expressava que
deveriam “[...] acompanhar os alunos à Igreja
aos domingos e dias santos de guarda,
assistindo com eles os ofícios Divinos, e
velando em que ali guardem a devida
circunspeção e respeito (SÁ; SIQUEIRA,
2000, p. 22).
Nesta imagem da Igreja da Boa Morte,
retratada por Freitas (1914) é possível
observar que havia uma significativa
participação da sociedade nas atividades religiosas. E, por ser uma prática comum em Mato
Grosso, em geral, o professor, em seu exercício pedagógico, realizava as prescrições
estabelecidas pelo Regulamento de 1854, pois a “[...] religião católica, durante os períodos
colonial e imperial, era a única permitida na sociedade brasileira. Nenhuma outra era
autorizada pelo governo” (SIQUEIRA, 2002, p. 135). Ademais, para adquirir o direito de
lecionar, era obrigatória a apresentação de atestado de boa conduta moral aos párocos da
localidade de suas respectivas escolas.
Até a cultura artística de Mato Grosso, que remetia aos valores religiosos no interior de
“[...] inúmeras agremiações cujo objetivo era desenvolver as artes cênicas (teatro), música,
história, geografia e literatura”, era influenciada pela Igreja. Boa parte da manifestação
artística ficava expressa nas “[...] pinturas ou desenhos confeccionados por fiéis, que, em
agradecimento aos milagres conseguidos, pintavam, anonimamente, quadros que passaram a
ornamentar igrejas e capelas” (SIQUEIRA, 2002, p. 134).
29
Esses preceitos morais e religiosos difundidos pela Igreja também estavam presentes
na leitura como forma de ensinar e inculcar condutas moralizadas e doutrinárias que
beneficiassem os interesses dos governantes.
Assim, os textos utilizados nas escolas primárias da província de Mato Grosso eram
impregnados de conteúdos doutrinários, tanto religiosos como políticos, sendo comum o
aluno aprender a ler através de documentos constitucionais e/ou livros de doutrinação cristã.
Por trás da preferência por esses gêneros textuais estava a finalidade de moralizar o cidadão
brasileiro.
Segundo Tambara (2003a, p. 100), até meados do século XIX, esses textos utilizados
para a prática da leitura escolar, em grande parte das províncias brasileiras, apresentavam
fortes traços de “[...] submissão à fé católica e obediência à ordem representada pelo Estado”.
Em Mato Grosso, os livros de caráter genuinamente religioso e moralizador utilizados
nas escolas de primeiras letras ultrapassaram a primeira metade do século XIX, tendo seu uso
prolongado ao início da década de 1870. De acordo com os relatórios da Presidência e
Inspetoria, apresentados na década de 1860, o livro de Doutrinação Cristã de Pe. Abade
Pimentel foi considerado o único compêndio didático empregado no ensino do grau da
província de Mato Grosso, até esse período.
A partir do Regulamento Orgânico da Instrução Pública de Mato Grosso, promulgado
em 4 de julho de 1873, ficou estabelecido que:
Art. 26º – Ao começarem e terminarem os exercícios escolares, todos os dias
recitarão os alunos católicos uma curta oração religiosa, semelhante em
todas as escolas da Província.
Art. 27º A instrução religiosa será dada em todos os sábados pelos
professores e pelos párocos no mesmo ou em outro dia e hora, em que os
membros se combinarem (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 34).
Nota-se por essa legislação que os dirigentes da época consideravam importante que a
catequese permanecesse no cotidiano escolar mato-grossense. Assim, o ensino religioso
continuou a ser aplicado, no início de todas seções de aulas, através de curtas orações e, aos
sábados, por intermédio do professor e dos padres de cada localidade onde existia escola.
Estudos relativos à escolarização do século XIX, tanto do Brasil como dos países da
Europa, indicam que a prática do catecismo na escola refletia-se nos livros didáticos e nos
exercícios de leitura oral, assemelhando-se às ladainhas presentes nas rezas, reforçados pela
prática de memorização realizada por meio de atividades escritas.
30
Segundo Maria Cecília C. C. Souza (1998), na escola imperial brasileira a memória era
estimulada pela pedagogia dos exercícios. Para a autora,
[...] tomou de empréstimo da educação jesuíta, junto com a noção de classe e
de sala de aula, com o papel dos exercícios e das analogias, com o domínio
do corpo e a disciplina do silêncio o exercício da repetição e as virtudes
pedagógicas da memória (SOUZA, 1998, p. 83).
Tudo indica que, em Mato Grosso, essa prática estava presente na cantilena do
abecedário: um b com um a, ba; um b com um e, be, etc. Na escrita, a repetição era
desenvolvida pela cópia de trechos de textos.
Nos pareceres publicados em 1882, o mestre e político Rui Barbosa combatia a tradição
da memorização mecânica, que segundo ele, tinha relação direta com o ensino religioso via
catecismo. Além dele, personalidades como Caetano de Campos, Oscar Thompson, Sampaio
Dória e outros mais defendiam também a implantação do método intuitivo no Brasil, cujas
propostas tiveram repercussão nacional. Em Mato Grosso, essas propostas influenciaram os
jornais da época, bem como a documentação oficial elaborada por dirigentes políticos que se
manifestavam contrários ao catecismo.
Figura 2:
Jornal A Tribuna (1888)
Na ilustração à esquerda, um artigo do jornal A
Tribuna 51, datado em 28 de outubro de 1886, pode
ser observada uma amostra do repúdio à influência da
Igreja na educação da infância. Nessa edição, um
escritor anônimo teceu críticas ao ensino religioso
ministrado nas escolas primárias. De acordo com o
articulista, “O ensino religioso não tem mais razão de
ser, porquanto a teologia é uma mistificação anti-século
XIX, que é preciso ser expelida da escola e substituída
pelo símbolo da verdade: a Ciência” (A TRIBUNA,
1886).
Essa Ciência estava pautada na racionalidade e no
emprego da intuição. Assim, ao negar o uso mecânico
da memória, os intelectuais da época apresentavam como contraproposta a implantação do
método intuitivo em território brasileiro.
A defesa do método tinha como ponto central privilegiar “[...] os sentidos na aquisição
do conhecimento escolar [...] através da união da pedagogia e do evolucionismo spenceriano”
(VIDAL, 2004a, p. 101).
31
Desde a década de 1870, os compêndios apontavam para novos rumos pedagógicos
através de uma concepção de ensino da leitura e da escrita menos dependente dos dogmas
católicos. A partir dessa época, as escolas primárias de Mato Grosso passaram a receber do
governo local outros materiais destinados a esse fim, tais como Silabário Escolar de Miguel
Maria Jardim, os Livros de Leitura (do a 4º) e o Tratado de Voz Alta de Abílio César
Borges e a Gramática Nacional de Achiles Monteverde. Apesar de esses autores escreverem
sobre diversos assuntos, eles não deixaram de lado a doutrinação cristã, pois consideravam
necessária a inclusão de temas relativos à educação moral e religiosa em suas publicações.
Observa-se que essa cultura de conservar os preitos morais e religiosos nos textos
escolares ultrapassou as barreiras cronológicas do século XIX, perdurando significativamente
no vindouro. O vínculo entre Estado e Igreja foi gradativamente fragilizado pela laicização do
ensino, em especial, com as reformas de ensino republicanas.
Para a análise das finalidades sóciopolíticas e culturais representadas no discurso de
derramar a instrução pública e de alfabetizar o nascente cidadão brasileiro, faz-se necessário
realizar uma abordagem sobre os encaminhamentos de ordem política e pedagógica
conferidos pelos dirigentes para a organização do sistema de instrução pública primária e o
processo de constituição do ensino da leitura e da escrita na escolarização.
1.3 O projeto nacional e a organização do sistema educacional de Mato Grosso
O sistema educacional brasileiro no século XIX foi organizado e estruturado para
atender às necessidades emergentes do processo de constituição da Nação. As unidades
escolares de cada província formavam o sistema da instrução pública local, que unido a outras
províncias, compunha o sistema de instrução pública do Império. Essa estrutura
organizacional tinha no topo da pirâmide o Ministério do Império, seguido dos Presidentes de
Província, dos Inspetores (Geral e paroquiais) e, por fim, dos professores e alunos.
A partir do marco da proclamação da Independência do Brasil em relação a Portugal,
tornou-se necessário definir novos rumos da sociedade brasileira. A nascente Nação deveria
surgir minimamente uniforme e composta, pelo menos em sua base, por signos de identidade
nacional. Segundo Siqueira (2000, p. 31-32), esses sinais tinham por suporte “[...] o universo
da escrita e estavam consubstanciados no corpo normativo responsável pela regência da nova
Nação”. Entre esses signos destacavam-se “[...] a língua nacional, a religião católica, a base
instrucional e educacional única (primária elementar) e o conjunto das leis que regia o país”.
32
A emancipação política do Brasil “[...] acarretou a institucionalização da sociedade
brasileira e reflexões novas sobre a Língua Nacional”, o que ocorreu no intuito de valorizar a
língua e fazer germinar a semente da identidade nacional brasileira. Exemplo disso foi a
discussão de um projeto proposto pelo Parlamento, em 1826, para que diplomas médicos
fossem escritos em “língua brasileira” (FRANCO, 2004, p. 93).
Os primeiros debates realizados por ocasião da Assembléia Constituinte de 1823
tiveram como foco “[...] questões amplas e necessárias para romper com a arcaica herança
colonial, aproveitando, no entanto, aspectos positivos da instrução pública herdada”
(SIQUEIRA, 2000, p. 195).
Logo após a emancipação política, o governo geral tratou de aprovar leis que traçassem
a organização e o funcionamento da instrução pública, pautando-se inicialmente nos
princípios de liberdade, gratuidade e universalização da instrução. Segundo Mattos (1987, p.
257), um dos rompimentos traçados pela Lei de 20 de outubro de 1823 foi a abolição dos
privilégios do Estado na oferta de instrução, inscrevendo, assim, o princípio da liberdade do
ensino sem restrições. Porém, a carta de 1824, que estabelecia a gratuidade da instrução
primária a todos os cidadãos, não apontava a maneira pela qual se garantiria semelhante
princípio.
A Lei de 15 de outubro de 1827 deu mais visibilidade à escola pública primária, tendo
sido considerada a primeira normatização brasileira a fornecer diretrizes mais claras quanto à
sua forma de organização e funcionamento. Essa legislação preconizou, no Art. 4º, que as
escolas de primeiras letras deveriam ser instaladas nas cidades, vilas e lugares mais populosos
(SIQUEIRA, 2000, p. 196).
Paralelamente à abertura das escolas estava a introdução do sistema de ensino mútuo,
que deviria ser implantado, de preferência, em todas as capitais de províncias e demais
localidades populosas onde fosse possível estabelecê-lo (ALMEIDA, 1989, p. 60; MATTOS,
1987, p. 257).
A referida Lei de 1827 também incumbia aos presidentes, assessorados ou não pelos
Conselhos Gerais e sob aviso das Câmaras Municipais, a determinação do número de escolas
e dos locais onde os estabelecimentos de ensino deveriam ser constituídos, fixando ainda o
salário dos professores, para posterior aprovação de despesa pela Assembléia Geral
Legislativa. O cargo de Inspetor de Estudos permaneceu com a função de “[...] determinar os
métodos e a sucessão das matérias, depois da instrução elementar até as matérias de ensino
secundário” (ALMEIDA, 1989, p. 60).
33
Essa determinação veemente do governo imperial, de se criar escolas de primeiras letras
em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, adotando o método mútuo, fez com que
os dirigentes da província de Mato Grosso logo propusessem a abertura de escolas primárias
no interior da unidade provincial. Segundo Leite (1970, p. 14), essa decisão talvez tenha
motivado o Cônego Silva Guimarães a apresentar ao Conselho Geral uma proposta de criação
de escolas primárias.
Diante da proposta, o Conselho indicou os lugares onde deveriam ser instaladas as
escolas públicas de primeiras letras e as aulas de Gramática Latina. Segue abaixo a declaração
fixada no ofício:
Em observância ao disposto no Artigo da Lei de 15 de outubro de 1827,
este Conselho tem marcado os lugares que devem ter Escolas de primeiras
letras nesta Província e são Cidade de Cuiabá, Cidade de Mato Grosso, Vila
do Diamantino, S. Luiz de vila Maria, S. Pedro de Del`Rei, Santana da
Chapada, Senhora do Rosário do Rio Acima, Senhora do Livramento, S.
Antonio do Rio Abaixo, Albuquerque, Miranda, S. Vicente, Pilar, Faste do
Príncipe, Casalvasco. Igualmente em observância ao Decreto de 15 de
Novembro de 1827, aditamento aos artigos 2º, 7º, 8º, 9º, 14º e 16º, da Lei de
15 de outubro de 1827 tem este Conselho marcado os lugares que devem ter
aulas de Gramática Latina e são Cidade de Cuiabá, Cidade de Mato Grosso,
Vila do Diamantino, S. Pedro de El`Rei, o que tenho a honra de partilhar a
V. Exa. e levar ao conhecimento de Exmo. Sr. Vice-Presidente desta
Província (MATO GROSSO, Presidência da Província, Ofício, 1830).
Entretanto, depois de criadas, “[...] muitas delas não foram implantadas, ou
desapareceram quase que imediato, após a ativação inicial” (ALVES, 1996, p. 104).
O Ato Adicional de 1834 delegou às províncias a responsabilidade sobre o primário e o
secundário, circunscrevendo como atribuições do governo geral a educação elementar e
secundária do município da Corte (Niterói-RJ), assim como o ensino superior do País. De
acordo com Mattos (1987, p. 257), tal normatização ganhava “[...] relevância porque, de
imediato, definia uma competência, também neste aspecto potencializador da administração
provincial. Assim, passava à Assembléia Legislativa Provincial a capacidade de Legislar”.
A partir de então, todas as províncias do Império passaram a ser regidas pelos
governantes locais, que ficaram encarregados de organizar e administrar seu sistema
educacional.
Contudo, os princípios instituídos nas primeiras legislações outorgadas pelo governo
imperial não foram desfeitos pelo Ato Adicional de 1834, uma vez que as províncias sempre
se basearam na legislação da Corte para elaboração das leis e regulamentações regionais.
Conforme Haidar e Tanuri (2004, p. 63), no início do século XIX o governo imperial instituía
“[...] a competência concorrente dos poderes gerais e provinciais no campo da instrução
34
pública, o que vinha possibilitar a criação de sistemas paralelos de ensino em cada província:
o geral e o local”.
Mato Grosso foi uma das muitas províncias que se apropriaram das diretrizes
educacionais do Rio de Janeiro, que por sua vez, seguia os parâmetros franceses
(CASTANHA, 1999, p. 60). Dessa forma, a estrutura administrativa da instrução pública
mato-grossense estava coesa no tocante às idéias mestras do projeto moderno de construção
da nação brasileira, porém, as dificuldades socioeconômicas locais criavam obstáculos para
sua realização.
Para e Siqueira (2000, p. 8), a descentralização acarretou precariedade na
administração das províncias, uma vez que seus cofres não dispunham de recursos suficientes
e disponíveis para ofertar um ensino obrigatório e gratuito. Na concepção dos autores, a
descentralização das decisões político-administrativas:
[...] concentrou orçamento maior no Centro, obrigando as unidades
provinciais a se adaptarem às condições precárias de seus cofres. Nesse
movimento, os princípios gerais, válidos para todo o Império
obrigatoriedade, gratuidade e liberdade de ensino –, estabelecidos em
outubro de 1827, terminaram por se realizar ao sabor da realidade
vivenciadas em cada província (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p.8).
Essas normatizações foram discutidas na inauguração dos trabalhos legislativos, no ano
de 1835, contando com a participação de vinte deputados. A sessão foi conduzida pelo
Presidente da Província de Mato Grosso José Saturnino da Costa Pereira, nomeado por D.
Pedro I, em 20 de abril de 1824. A partir daí, pelo menos uma vez ao ano acontecia uma
reunião ordinária da Assembléia Legislativa. Os encontros eram presididos pelo presidente da
Província ou pelo vice-presidente. Na abertura do trabalho, o dirigente lia um Relatório ou
Discurso, contendo uma análise da situação local. Posteriormente, esse documento era objeto
de análise pelos deputados, que dele extraíam projetos de lei (MARCÍLIO, 1963, p. 36; 38).
Para a elaboração do relatório ou discurso, no que tange à instrução, o governante contava
com dados contidos nos relatórios de Inspetores, que fiscalizavam o trabalho dos professores,
e até mesmo nos mapas escolares elaborados pelos próprios mestres-escola.
Ao escrever sobre o estado da instrução pública de Mato Grosso, Leite (1970) realizou o
seguinte julgamento:
Sem dinheiro, sem mestres, sem orientação, a instrução se ‘arrastava
ronceiramente através de toda a sorte de dificuldades’. Ainda, as correrias
das revoluções, dos levantes e dos pronunciamentos, a violência dos
governantes, o isolamento da Província, contribuíam para tornar cada vez
mais lamentável a instrução mato-grossense (
LEITE, 1970, p. 19).
35
A constatação feita por Leite demonstra que as dificuldades que perpassavam o sistema
de ensino público mato-grossense decorriam da própria condição social da Província. A
arrecadação de impostos da região era insuficiente para custear os gastos com o ensino
público de um dos territórios mais extenso do Brasil, com uma superfície de 1.379.631 Km²,
onde a maioria da população não estava ligada à atividade de produção moderna, deixando de
fornecer significativo lucro aos cofres públicos.
No século XIX foi momento de consolidação da Revolução Industrial,
[...] abrindo uma nova perspectiva de desenvolvimento para os países
ligados, por relações de comércio, às nações da Europa Ocidental. A
ideologia liberal burguesa se impôs como vencedora e o padrão europeu de
progresso e civilização tornou-se o espelho para muitos países, sendo um
deles o Brasil” (CASTANHA, 1999, p. 26) [grifo do autor].
Contudo, a sociedade local era considerada sertaneja, bastante aquém da modernização
vivenciada na Europa e no Rio de Janeiro no século XIX. Para Castanha (1999, p. 27), esse
modelo industrial imposto ao País entrava em “[...] choque com a realidade brasileira, que se
dinamizava a partir do trabalho escravo”. Com a pressão política e cultural dos países
europeus, os governantes brasileiros viram-se obrigados a ir substituindo, mesmo que
paulatinamente, o trabalho escravo pelo livre assalariado.
Na província de Mato Grosso, grande parte da população manifestava resistência às
atividades de produção moderna. De acordo com Siqueira (2000, p. 71):
A província de Mato Grosso, decantada desde o culo XVIII como
território da riqueza, da abundância e da fartura, o era, no ideário das elites,
apenas potencialmente, uma vez que a população que aí mostrava-se incapaz
de retirar do solo, do subsolo, da fauna e floresta as riquezas ali existentes,
ou seja, em Mato Grosso os trabalhadores não conseguiam perceber na
atividade produtiva moderna fonte de riqueza e de prosperidade.
Para se ter uma idéia da dinâmica social e econômica de Mato Grosso na primeira
metade do século XIX, é preciso observar que a circulação de mercadorias e correspondências
realizava-se por terra ou por meio da navegação.
36
Figura 3: Ladeira da Candelária em Corumbá
Fonte: Freitas (1914)
Os caminhos por terra, que interligavam
Mato Grosso a Goiás; de ao Triângulo
Mineiro e deste a São Paulo, eram
considerados precários e muito distantes,
uma vez que os limites geopolíticos
mato-grossenses eram extensos e pouco
conhecidos dos viajantes. Devido a esses
fatores, o preço das mercadorias tornava-
se elevado, sendo despendido alto custo
nas viagens. Só a navegação fluvial,
principalmente via rio Paraguai, agilizava a movimentação de produtos que chegavam e saíam
da Província (SIQUEIRA, 2002, p. 94).
Nesse período, até as ruas cuiabanas “[...]
eram estreitas, sem qualquer pavimentação,
excetuando as centrais onde grandes pedras-
canga cobriam o solo. Para trafegar, apenas
cavalos e charretes, pois ainda não existia
qualquer outro meio de transporte”
(SIQUEIRA, 2002, p. 128).
A iluminação pública da capital de Mato
Grosso, na primeira metade do século XIX,
realizava-se através de candeeiros ou de
lampiões que funcionavam à base de azeite de
peixe (SIQUEIRA, 2002, p. 94; 131).
Figura 4: Beco do Candeeiro em Cuiabá
Fonte: Freitas (1914)
Nesse período, a maior parte da população de Mato Grosso trabalhava apenas para a
subsistência. De acordo com Almeida (1989), o ensino da leitura e da escrita para a infância
brasileira teria que vislumbrar a profissão que ocuparia quando jovem ou adulto:
Na escola primária, a criança pode aprender o que é indispensável saber,
qual ofício deve exercer, e a ler, escrever e contar. Pode aprender as regras
de nossa língua poderíamos dizer de nossa ortografia. Deve-se ensiná-la a
se exprimir corretamente, a expor seu pensamento de modo preciso e claro e,
se aprende a se exprimir com clareza e precisão, aprenderá a pensar do
mesmo modo. Isto, para utilidade imediata e prática (ALMEIDA, 1989, p.
85).
37
Na região, o domínio pleno da escrita era reservado àqueles que, no futuro, iriam
utilizá-la para desempenho de trabalhos que exigiam domínio pleno e avançado do mundo
letrado. A maioria das crianças livres pobres concluía somente o primeiro estágio do primário,
que correspondia ao ensino de grau ou instrução elementar. Isso era comum, pois, elas
ajudavam no sustento da família, e ao dominar minimamente a leitura e a escrita, eram
retiradas da escola para ingressar no mundo do trabalho (SIQUEIRA, 2000, p. 237).
Mesmo que a administração de Mato Grosso não possuísse meios suficientes para
sustentação a implantação e o desenvolvimento da instrução pública, a legislação local
organizava-se com base nos encaminhamentos ditados pelo governo geral, criando também
alternativas peculiares para manter o funcionamento do ensino.
A primeira Lei Educacional de Mato Grosso, que data de 5 de maio de 1837, foi
implantada no governo de Pimenta Bueno, reunindo medidas esparsas relativas ao ensino,
dispondo “[...] sobre criação e extinção de escolas primárias, vencimentos e movimento do
pessoal docente, fiscalização de escolas e exames de alunos”. Com essa lei, o governo local
pela primeira vez determinou “[...] medidas de ordem administrativa e até mesmo de alcance
pedagógico” (LEITE, 1970, p. 21).
O Art. da Lei Provincial de 1837 instituiu a implantação das matérias de ensino, que
conhecemos atualmente como disciplinas escolares. No grau deveria ser ensinado a ler e a
escrever, a prática das quatro operações aritméticas sobre números inteiros, orações e
princípios religiosos; no 2º, seriam ensinadas as matérias do grau, acrescidas de gramática
da língua nacional, aritmética até proporções e noções dos deveres religiosos e morais (SÁ;
SIQUEIRA, 2000, p. 11).
As escolas públicas de meninas poderiam ser abertas em localidades onde houvesse
estabelecimentos de grau para meninos com, no mínimo, vinte alunas. Além de estudarem
as mesmas disciplinas escolares ministradas no grau para os alunos, elas aprendiam ainda
os deveres domésticos, que eram voltados exclusivamente à educação feminina (SÁ;
SIQUEIRA, 2000, p. 11-12).
Para universalizar o ensino, o governo consentia a criação de escolas particulares sem
licença do poder público, desde que seus tutores comprovassem a necessária competência
“[...] para ensinar com proveito, pelo menos as matérias de primeiro grau”. Segundo Leite
(1970, p. 20), essa permissão decorria da necessidade de expandir os rudimentos do ler,
escrever e contar, “[...] numa província tão grande, de finanças desorganizadas, sem vias de
comunicações, sem grande número de mestres e com uma população escolar relativamente
densa [...]”.
38
Cada escola da Província era mantida por apenas um professor, que ficava responsável
pelos alunos e deveria prestar conta de suas ações pedagógicas para os inspetores, que
realizavam a fiscalização dos estabelecimentos e depois transmitiram à Presidência o
resultado referente à situação da instrução pública. As condições geográficas, a dificuldade de
transporte e o fatalismo das distâncias dificultavam o trabalho dos inspetores, que percorriam
as escolas do extenso território da província mato-grossense.
Para o cumprimento pleno da Lei Provincial n° 8, de 5 de maio de 1837, esta deveria ter
sido seguida de um Regulamento que determinasse sua execução. A falta de uma
regulamentação seqüencial deixou de dar o respaldo de que a lei necessitava desde a sua
implantação, pois era no Regulamento que se estabeleceriam os dias e horários das aulas, o
período de férias, o tempo e o método de ensino utilizado, o regime e a política das escolas,
entre outras deliberações.
As disposições regulamentares para a execução dessa lei foram prescritas 17 anos
mais tarde, por meio do Regulamento da Instrução Primária, de 30 de setembro de 1854, que
fixou normas referentes ao estabelecimento e supressão das escolas; às condições do
magistério; ao regime das escolas; às punições a que os professores ficavam sujeitos; à
inspeção das escolas; e às disposições para as escolas particulares.
Essas normatizações educacionais constituíam-se em um dos mecanismos utilizados
pelo Estado para assegurar que os princípios moralizadores e civilizatórios fossem
transmitidos de forma harmônica. Contudo, a construção do ideário de Estado-Nação sofria
limitações em seu processo de consolidação em virtude das precárias condições materiais e
organizacionais do ensino primário das províncias, bem como da pouca formação dos
professores.
Segundo Faria Filho (2003, p. 139), é possível verificar que as restrições desse processo
foram sentidas em todo o território nacional. Esses obstáculos passaram a ser rompidos com
mais freqüência, na década de 1860, quando diversas províncias conseguiram estabelecer um
“[...] mínimo de organicidade e de articulação entre os poderes instituídos [...]”, adquirindo,
assim, a idéia da necessidade de uma instrução ordenada em conformidade com os preceitos
designados pela legislação.
De acordo com Siqueira (2000, p. 130), os poderes instituídos em Mato Grosso
passaram a estabelecer maior organicidade e articulação entre si a partir da década de 1870,
pois a Guerra da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) contra o Paraguai (1865 a
1870), trouxe sérias dificuldades para a província de Mato Grosso, uma vez que os portos
fluviais ao longo do rio Paraguai foram fechados e, conseqüentemente, o preço das
39
mercadorias sofreu aumento na cotação. Além disso, a comunicação com o litoral brasileiro
ficou mais difícil, especialmente com o Rio de Janeiro, capital do Império.
Figura 5: Corumbá
Fonte: Freitas (1914)
O término da Guerra do Paraguai e
a posterior abertura da navegação pelo
rio Paraguai assinalaram novos rumos
para a província de Mato Grosso, que
vislumbrou a possibilidade de abrir-se
para o capital internacional, estimulando
novos investimentos. A partir daí,
muitos migrantes vieram para Mato
Grosso, constituíram família e
investiram na região.
As localidades de maior contingente humano da Província eram as cidades portuárias de
Corumbá, Cáceres e Cuiabá, em decorrência da movimentação comercial, podendo-se
verificar um crescente incremento da imprensa escrita, especialmente dos jornais. No final do
século XIX, a pecuária passou a atingir o mercado internacional, as indústrias farmacêuticas
da Europa estavam muito interessadas na compra da poaia, cultivada regionalmente, que
servia para a fabricação de medicamentos. A extração da borracha em Mato Grosso também
ganhou impulso na economia regional, pois o látex passou a ser exportado (SIQUEIRA, 2002,
p. 102-107).
Na década de 1870, “[...] as elites
brasileiras começaram a estudar a viabilização
de um projeto de modernização para o Brasil”.
Na capital mato-grossense (Cuiabá), essa
modernização configurava-se pelo advento das
“[...] máquinas a vapor, a imprensa, o
telégrafo, a locomotiva, o encanamento de
água, a luz elétrica, enfim dos grandes avanços
que o mundo europeu já conhecia mais de
um século” (SIQUEIRA, 2002, p. 82; 126).
De acordo com Peraro (2001, p. 179-
180), a urbanização ocorrida no Pós-Guerra do
Figura 6:
Rua 15 de Novembro em Cuiabá
Fonte: Freitas (1914)
Paraguai incidiu no aumento da população da Capital, sobretudo da feminina.
40
Para a autora, a livre navegação pelo rio Paraguai e o advento da urbanização cuiabana
propiciaram “[...] melhores condições de vida, provavelmente maiores oportunidades de
trabalho [...] geradas pela ativação do comércio local, pois pelo porto de Cuiabá, chegavam as
mercadorias, movimentando as casas de importação e exportação geridas pela elite local”.
Conforme Siqueira (2002, p. 83; 133), essas mudanças desencadeadas a partir de 1870
influenciaram também no setor da instrução pública, passando a haver uma “[...] proliferação
das escolas primárias, que resultou na alfabetização de uma significativa parcela da
população, até então analfabeta”. A navegação pelo rio Paraguai estimulou a vinda de
intelectuais de outras províncias e do exterior para Mato Grosso, a fim de realizarem
expedições científicas e exploratórias. A circulação de diversas literaturas no período e o
aumento populacional geraram a necessidade de se criarem estabelecimentos de nível
secundário.
As inovações do ensino, discutidas nas conferências pedagógicas, que segundo Almeida
(1989, p. 152), foram “[...] fundadas por uma decisão ministerial de 30 de agosto de 1872,
inauguradas em 18 de janeiro de 1873 [...]”, também ficaram conhecidas em Mato Grosso.
Essas conferências registravam a agitação das idéias e o ambiente intelectual brasileiro
após 1870, uma vez que expressavam:
[...] um amplo debate travado sobre as questões educacionais: métodos de
ensino, matérias de ensino, co-educação, educação das mulheres, educação e
trabalho, escolas mistas, ensino primário, ensino secundário, escola normal,
universidade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, liberdade de ensino,
magistério, etc (BASTOS, 2005, p. 118).
Esse novo e moderno ideário pedagógico de abrangência nacional começou a ser
percebido pelo corpo normativo mato-grossense quando os poderes públicos regionais
passaram a homologar, sem muita demora, seus dispositivos legais. Esse foi o caso do
Regulamento Orgânico da Instrução de 1873, que estabeleceu novas e modernas diretrizes
para a instrução pública. Conforme seu Art. 1º, o ensino primário, também conhecido como
instrução elementar, passaria a ser regido em um grau, tanto para meninos como para
meninas, devendo essa legislação abranger também os estabelecimentos privados.
Logo após a promulgação do Regulamento Orgânico de 1873, foi criada na Capital uma
escola noturna primária exclusivamente para adultos do sexo masculino e jovens
trabalhadores. Com isso, o governo tinha o objetivo de ensinar-lhes “[...] Gramática Nacional,
Aritmética em suas diferentes aplicações, Escrituração Mercantil por partidas dobradas,
Latim, Francês, Geografia e História” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 30). Entretanto, o
estabelecimento não chegou a funcionar. De acordo com o Inspetor Geral de Estudos, Pe.
41
Ernesto Camilo Barreto, não foi realizada sequer uma matrícula (MATO GROSSO, Inspetoria
Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
O Regulamento de 1873 determinou quais disciplinas escolares seriam ministradas no
ensino primário elementar das escolas diurnas, cuja atribuição conservou diversas matérias de
ensino estipuladas em 1837 por terem sido consideradas basilares ao ensino primário do
século XIX, como é o caso da leitura e da escrita, da aritmética e da instrução religiosa
(
SÁ;
SIQUEIRA, 2000, p. 31).
Nota-se aí que se ampliou o número de matérias ao se incluírem o ensino da geografia e
história universal e do Brasil, além do estudo do sistema de pesos e medidas do Império. Uma
das possíveis justificativas atribuídas à presença dessas novas disciplinas escolares no
currículo do ensino primário em Mato Grosso ligava-se à necessidade de formação dos
cidadãos do Império.
Em outras províncias, como por exemplo no Rio de Janeiro, essas matérias de ensino
tinham sido implantadas desde o início do Império para transmitir noções de defesa do
território brasileiro. Conforme Mattos (1987, p. 263), tratava-se de “[...] difundir os
conhecimentos geográficos, particularmente aqueles referentes ao território do Império, de
modo que um número crescente de cidadãos em formação conhecesse a Nação e seu território
na integridade, indivisibilidade e ausência de comoções”.
Em Mato Grosso,
A introdução dos novos conteúdos vem demonstrar a preocupação com a
construção da soberania Imperial ao valorizar a história e a geografia
nacional, bem como ao sistema de pesos e de medidas do Império. A
educação estava a serviço da construção do Estado Nacional (CASTANHA,
1999, p. 84).
Logo, essa inclusão era conveniente para a situação política e social de Mato Grosso na
década de 1870, que lutava para se livrar das conseqüências geradas pela Guerra do Paraguai,
buscando proteger e fortalecer os limites de seu território.
Todavia, um ano após o acréscimo no número de disciplinas escolares, o Pe. Ernesto
Camilo Barreto declarou que essa ampliação não teve aceitação imediata na Província.
Segundo o Inspetor, “[...] contra este acréscimo nas matérias do ensino, grande celeuma
[tinha] levantado os amigos da escola histórica, e uma barreira surda se [tinha] pretendido
colocar diante da escola do progresso” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1874).
Na concepção de Barreto, as escolas primárias não deveriam se limitar ao ensinamento
da leitura, escrita, doutrina e contabilidade prática das quatro operações da aritmética. Para
42
ele, a fim de responder aos clamores dos que julgavam excessivas as matérias pelo
Regulamento Orgânico, às escolas de instrução primária, bastava compendiar a organização
desses estabelecimentos em algumas das principais nações cultas como a Prússia, a Suíça, a
Suécia, a Itália, a Áustria, a França, a Bélgica e Portugal, que já tinham instituído tais
disciplinas em seus programas de ensino (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1874).
Ao se tratar de matérias de ensino, o Regimento Interno das Escolas Públicas de
Instrução Primária, de 07 de dezembro de 1873, determinou que as escolas fossem regidas
por um grau, sendo essas matérias dispostas nas oito seções, que foram subdivididas em
classe de grau de aprendizagem (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 59).
Para o direcionamento das disciplinas escolares em seções, elaborou-se, no Regimento,
um quadro de horários e sinais que indicavam o começo e o encerramento das atividades. As
aulas deveriam seguir da seguinte forma: orações no início e no final da aula e cada exercício
desempenhado pelos alunos seria controlado pelo professor por meio da utilização de
campainhas, racionalizando a utilização do tempo para as diferentes atividades escolares.
A Lei Regulamentar do Ensino Público e Particular da Província de Mato Grosso, de 26
de maio de 1875, no que se refere às disciplinas escolares, continuou a seguir quase as
mesmas prescrições instituídas em 1873 (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 89).
De acordo com os Art. e do Regulamento da Instrução Pública da Província de
Mato Grosso, promulgado em 13 de fevereiro de 1878, o ensino primário ficou dividido em
dois graus, a saber: grau obrigatório e grau livre (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 116).
Segundo o Art. 107 do referido Regulamento, o 1º grau se restringia a:
ξ 1º - Educação religiosa e doutrina cristã;
ξ 2º - Leitura corrente;
ξ 3º - Escrita corrente;
ξ 4º - Aritmética teórica e prática até decimais;
ξ 5º - Sistema de pesos e medidas do Império;
ξ 6º - Trabalhos de agulhas nas escolas do sexo feminino.
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 133).
O Art. seguinte dispunha as matérias ministradas no 2º grau, sendo:
ξ 1º - Catecismo;
ξ 2º - Aritmética Teórica e Prática até proporções;
ξ 3º - Gramática da Língua Nacional e análise dos clássicos portugueses;
ξ - Generalidades de Geografia e de História, especialmente da província
de Mato Grosso;
ξ 5º - Desenho Linear.
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 163).
43
Essa divisão do ensino primário, realizada em 1878, evidencia uma ação de distinção
social que colaborava para a exclusão no processo de escolarização. Isso porque, a partir de
então, poderiam cursar o grau aqueles que fossem aprovados no grau. Em
contrapartida, os pais ficavam obrigados, perante a lei, a matricular seus filhos apenas neste
último, deixando de fazê-lo no subseqüente.
No Regulamento da Instrução Pública Primária e Secundária da Província de Mato
Grosso, instituído em 4 de março de 1880 foi mantida a mesma estrutura do regulamento
anterior (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 149; 163).
Nota-se nessas normatizações, promulgadas após 1870, que as prescrições relativas às
disciplinas escolares seguiram quase que totalmente aquelas estabelecidas pelo Regulamento
e pelo Regimento Interno de 1873. O ensino do ler, escrever e contar manteve-se em todas as
organizações curriculares, pois essas três matérias eram basilares para a escolarização
primária da época. Ao se observar apenas a legislação, tem-se a impressão de que as
disciplinas ministradas na instrução pública primária de Mato Grosso não sofreram mudanças
ao longo do século XIX. Contudo, cotejando-se as disposições legais e os dados referentes à
dinâmica social e aos modelos de ensino em voga nesse período, é possível observar que as
representações e práticas da alfabetização da população mato-grossense foram sofrendo
alterações em conformidade com a introdução de novos modelos pedagógicos
consubstanciados nos métodos de ensino e nos específicos de determinadas matérias, a
exemplo dos métodos de leitura. Cabe lembrar que essas inovações na concepção e na prática
de modelos pedagógicos são objetos de análise do terceiro capítulo desta dissertação.
Em meio às finalidades políticas, sociais e culturais que o Estado e a Igreja atribuíam ao
ensino estava o trabalho pedagógico desempenhado pelo professor e a aprendizagem dos
alunos. Considera-se necessário discutir o recrutamento dos professores, uma vez que estes
eram considerados os agentes do Estado que mais atuavam junto à população e que deveriam
atender aos interesses do governo, inculcando nos educandos preceitos morais e doutrinários,
apregoados no cotidiano escolar.
1.4 Formação dos professores primários da província de Mato Grosso
O processo de profissionalização do trabalho docente em Mato Grosso, no século XIX,
merece ser investigado, já que sua formação foi perpassada pela transmissão de saberes que
44
influenciaram hábitos, atitudes, habilidades e valores, tanto do professorado como dos
educandos.
Julia (2001), ao afirmar a importância de se avaliar o papel desempenhado pela
profissionalização docente e os critérios de recrutamento dos professores, por meio do estudo
da cultura escolar, assegura que:
Na análise histórica da cultura escolar, parece-me de fato fundamental
estudar como e sobre quais critérios precisos foram recrutados os professores
de cada nível escolar: quais são os saberes e o habitus requeridos de um
futuro professor? (JULIA, 2001, p. 24) [grifo do autor].
Para se estudar o recrutamento e os habitus requeridos dos professores mato-grossenses
faz-se necessário remeter ao processo de consolidação da Escola Normal enquanto instituição
destinada à formação docente.
A origem da Escola Normal brasileira possui suas bases no movimento reformista
protestante. No entanto, foi somente na Revolução Francesa que surgiu a idéia e a criação de
uma Escola Normal blica e laica destinada à formação de professores para o ensino
primário (SILVA, 2000, p.17).
As primeiras experiências dessa implantação ocorreram na tentativa de igualar o País às
nações civilizadas. A primeira Escola Normal brasileira nasceu na cidade de Niterói,
província do Rio de Janeiro, em 1835. Logo em seguida, pôde-se constatar “[...] uma
seqüência de atos de criação dessas escolas em vários pontos do país: província de Minas
Gerais (1835), Rio de Janeiro (1835), Bahia (1836), São Paulo (1846)” (VILLELA, 2003, p.
104).
Por um lado, a criação dessas escolas de formação a partir das décadas de 1830 e 1840,
marcou uma nova etapa no processo de institucionalização da profissão docente, por terem
sido instituídas com o intuito de aumentar quantitativa e qualitativamente o mero de
profissionais da educação. Por outro, apesar do pioneirismo brasileiro em implantar escolas de
formação de professores, “[...] durante todo o século XIX esse tipo de formação se
caracterizaria por um ritmo alternado de avanços e retrocessos, de infindáveis reformas,
criações e extinções de escolas normais”. Em decorrência disso, a “[...] adesão dos
professores a esse processo de estabilização não ocorre sem contradições. Se, de um lado,
estão submetidos a um controle ideológico, de outro têm meios de produzir um discurso
próprio e de se organizar como categoria profissional [...]” (VILLELA, 2003, p. 100-101).
Esses avanços e retrocessos no processo de profissionalização docente no País
evidenciam os problemas estruturais da administração das províncias, que não possuíam
45
alicerces para criar e manter em funcionamento as escolas de formação de professores, como
foi o caso da província de Mato Grosso.
A Escola Normal erigida no cenário educacional mato-grossense no século XIX sofreu
avanços e retrocessos em seu processo de consolidação enquanto instituição destinada à
formação do corpo docente da instrução primária local.
O pano de fundo do ensino primário brasileiro nessa época configurava-se com os
interesses dos dirigentes políticos em construir o ideário de nacionalidade. Em Mato Grosso,
para assegurar o recrutamento de professores na carreira do magistério e, ainda, para
concretizar o ideal da implantação da Escola Normal, a Lei 8, de 5 de maio de 1837,
autorizou o governo a contratar uma pessoa de outra localidade, com a devida capacitação que
pudesse vir à Província para implantar e reger a instituição. Caso não se conhecesse alguém
apto, haveria, então, a possibilidade do envio de uma pessoa para residir na corte, a fim de se
instruir na Escola Normal da província do Rio de Janeiro.
No que diz respeito a tais autorizações de contratos, o Art. 6º dizia que:
[...] o Governo é autorizado desde já a contratar com um cidadão brasileiro a
regência da cadeira pelo tempo que for conveniente, e com o vencimento de
que se fará menção no título segundo, além da indenização da viagem caso
tenha lugar; e quando nenhum apareça com reconhecida aptidão, poderá
contratar com quem instruir-se na Escola Normal da Província do Rio de
Janeiro, e venha reger a cadeira, tomando em todo o caso as necessárias
cautelas para que não seja a Fazenda Pública lesada, ou a Província iludida
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 12).
Na tentativa de realizar o que fora legalmente proposto, o governo de Mato Grosso, no
ano de 1838, enviou a Niterói o professor Joaquim Felicíssimo de Almeida Louzada, com a
finalidade de propiciar-lhe uma adequada formação profissional, de modo que, em seu
regresso, pudesse reger a Escola Normal em Cuiabá.
Essa disposição foi descrita no relatório proferido pelo Presidente Estêvão Ribeiro de
Rezende, enviado à Assembléia Legislativa Provincial em 1º de março de 1840:
No último Relatório comuniquei o que então ocorria sobre o aproveitamento
do cidadão Joaquim Felicíssimo de Almeida Louzada, que, por contrato com
o Governo, foi instruir-se na Escola Normal da cidade de Niterói para vir
reger uma outra nesta Capital: tenho, pois, agora a acrescentar que, havendo-
me ele participado dever ultimar os seus estudos em princípios do corrente
ano e regressar para esta Província em abril [...] mandei-lhe dar um tempo no
Rio de Janeiro a ajuda de custo, que lhe garantiu o contrato celebrado para as
despesas da sua viagem (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Relatório, 1840).
46
Com a volta do Professor Louzada, pretendia-se, então, implantar a Escola Normal. No
entanto, não foi o que ocorreu. A carência de profissionais habilitados para atuar nos diversos
setores públicos e administrativos da província de Mato Grosso fez com que o referido
professor, por seu prestígio e formação, passasse a responder pela Secretaria do Governo da
Província, deixando de lado o antigo projeto.
Mesmo sem contar com a administração de Louzada, a Escola Normal de Cuiabá foi
instalada em 1840. Contudo, foi extinta quatro anos depois por não haver quadro de
professores capacitados para o exercício do cargo, por falta de espaço físico adequado ao seu
o funcionamento e pela precariedade de verbas provinciais para a manutenção da instituição.
Essa extinção foi descrita pelo Presidente da Província Ricardo José Gomes Jardim, da
seguinte forma:
Lei Provincial de 5 de maio de 1837, que regulou o modo de inspeção sobre
as escolas e a habilitação, concurso, preferência, provimento e demissão dos
professores. Muitas das cadeiras criadas de primeiras letras estão vagas e
quase nenhuma das providas é freqüentada por grande número de discípulos,
o que tudo explica-se pelos diminutos ordenados marcados aos professores, e
pela falência de pessoas versadas nas matérias que eles devem ensinar e cabe
aqui participar-vos que a Escola Normal estabelecida nesta cidade com o fim
de acautelar este obstáculo, habilitando candidatos ao professorado das
escolas públicas, deixou de existir no dia 9 de novembro do ano passado
próximo, em que se findara o prazo contratado pelo respectivo professor que,
por doente e desgostoso do pequeno número de discípulos aplicados, não
desejou continuar, como aliás lhe seria facultado de ulterior deliberação
Vossa (MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1845).
Na falta dessa escola de formação de professores, a instrução pública na Província
enfrentou obstáculos ainda maiores para subsistir. Segundo Jardim, os principais problemas
consistiam “[...] principalmente, na falta de pessoas dedicadas e habilitadas para o ensino
primário, na insuficiência dos ordenados marcados para os mestres [...]”, que não podiam ser
pagos pontualmente (MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1846).
O Presidente sucessor Joaquim José de Oliveira declarou que a deficiência dos cofres
provinciais fazia com que a instrução pública não tivesse “[...] apresentado desenvolvimento
algum por falta de mestres [...]”, devido aos “[...] mesquinhos ordenados” e aos “[...]
pagamentos sempre atrasados” (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1848).
Observa-se que a falta de recrutamento necessário ao exercício da profissão era
acompanhada de baixos salários e precárias condições de trabalho faziam com que pessoas
sem habilitação na área de educação fossem designadas para o cargo de professor.
47
Em 1874 foi sancionada a Lei 13 que autorizava a criação do Curso Normal na
província de Mato Grosso, na tentativa de resolver ou pelo menos amenizar a falta de
habilitação no magistério.
Segundo o Presidente da Província, o Brigadeiro Alexandre Manuel Albino de
Carvalho:
Escola Normal: Acha-se instalada nesta Capital desde o dia 3 de fevereiro
último, a Escola Normal criada pela Lei Provincial 13, de 9 de julho de
1874, a qual funciona no edifício provincial sito à rua Coronel Peixoto, e
para esse fim destinado (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Relatório, 1875).
Portanto, em fevereiro de 1875, o Curso Normal passou a funcionar em prédio próprio.
Nesse período, o currículo foi organizado prevendo três anos de duração. As disciplinas
escolares que o compunham eram Gramática da Língua Nacional, Pedagogia, Matemáticas
Elementares, Geografia e História. O corpo discente era formado por alunos ouvintes e alunos
mestres. O quadro de professores era composto por Antônio Catilina da Silva, Dormevil José
dos Santos Malhado, José Estevão Corrêa e José Roberto da Cunha Bacelar (SILVA, 2000, p.
22).
De acordo com os relatórios de presidentes e inspetores provinciais, o Curso Normal
gerava expectativas de melhoria para o ensino na região mato-grossense. Isso porque os
dirigentes locais justificavam, constantemente, que a precariedade da instrução pública estava
intrinsecamente ligada à falta de uma escola que habilitasse os profissionais da educação.
Segundo o General Hermes Ernesto da Fonseca:
Enquanto a Escola Normal não der número suficiente de professores
habilitados, e que estes se resignam a aceitar o magistério nos confins da
Província é de necessidade aceitar-se quem possa ensinar o que sabe: ensine-
se ao menos a ler, escrever e fazer as quatro operações ordinárias da
aritmética, embora sem preceito; antes isto do que deixar analfabeta a
geração que se está desenvolvendo (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Fala, 1877).
Dessa forma, enquanto a instrução pública de Mato Grosso não contasse com
professores habilitados, os dirigentes da Província deveriam continuar aceitando, para o
exercício do magistério, pessoas que soubessem ao menos os rudimentos da leitura, da escrita
e do cálculo.
48
No ano de 1879, o governo local fez novo investimento para a consolidação do Curso
Normal em Cuiabá, criando o Liceu Cuiabano, em 3 de dezembro de 1879. Inaugurado no dia
7 de março de 1880, esse estabelecimento de ensino foi a primeira instituição pública
secundária da província de Mato Grosso (SIQUEIRA, 2000, p.185).
No momento de fundação, o Liceu Cuiabano agregou dois cursos de humanidades, a
saber:
O Curso Normal, que se restringe à gramática da língua nacional, filosofia e
literatura pátria, pedagogia e metodologia, matemática elementar, geografia
geral e história do Brasil; e o Curso chamado de Línguas e Ciências
preparatórias, que abrange, além das disciplinas que constituem o curso
Normal, com exceção de pedagogia e metodologia, as seguintes matérias:
latim, francês, inglês, filosofia racional e moral, retórica, e história universal.
O primeiro destes dois cursos tem por fim preparar professores e professoras
para o magistério do ensino primário; o segundo habilitar os aspirantes à
matrícula nos cursos superiores do País (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Relatório, 1880).
O fortalecimento do Curso Normal,
por meio da junção dos cursos Normal e de
Línguas Preparatórias, coincidiu com a
implantação do ensino misto no cenário
mato-grossense. Esse foi o momento em
que “[...] foi dada preferência, na regência
das escolas mistas às mulheres”. Contudo,
“[...] durante todo o Império, à mulher
coube transitar apenas no espaço do ensino
primário, sendo que o secundário era
território masculino por excelência”
(SIQUEIRA, 2000, p. 146).
Figura 7: Liceu Cuiabano
Fonte: Freitas (1914)
Assim, a presença feminina, tão rara no ensino público da década de 70, multiplicou-se
na de 80, numa demonstração de que esse trabalho docente era representado por uma extensão
do papel doméstico de filha, mãe e esposa, atribuindo à professora um status de ser
dessexuada e maternal (SIQUEIRA, 2000, p. 160).
O papel e o status designados à mulher para esse ofício podem ser verificados nas falas
dos dirigentes da época. Segundo o Presidente da Província João José Pedrosa:
Melhor seria, por certo, que as escolas mistas pudessem ser regidas por
senhoras, de preferência aos homens.
A mulher tem o instinto da educação, como observa Gréard (Rapport sur
l’enseignement primaire), estuda melhor os temperamentos e as inclinações
das crianças: como filha, como irmã, como esposa, como mãe,
49
principalmente, ela está habituada à abnegação, ao sacrifício. Sua
constância, impregnada de ternura, cativa às crianças (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1879).
Nota-se, por esse discurso, que havia no momento calorosa discussão concernente à
co-educação, uma vez que a feminilização do magistério primário estava em voga.
De acordo com Siqueira (2000, p. 191), esse processo coincidiu “[...] com a introdução
de competentes e vigorosos discursos favoráveis à co-educação[...]”. Durante o século XIX e,
principalmente, a partir de 1870, foi se construindo a idéia de que “[...] a mulher tinha
‘naturalmente’ e por seu maternalismo, vocação para o magistério”.
Dessa maneira, o Curso Normal ficou incorporado ao Curso de Línguas e Ciências
Preparatórias, até 1889 e com o advento da Reforma Souza Bandeira, no mesmo ano, ganhou
independência com a criação do Externato Feminino, que tinha o objetivo de formar
professores primários. O quadro de professores desse Externato era o mesmo que o do Liceu,
embora não recebessem nenhuma remuneração pela carga horária extra de trabalho (Silva,
2000, p. 24).
Conforme Siqueira (2000, p. 191), o “[...] antigo Curso Normal transfomar-se-ia no
Externato do Sexo Feminino [...]”, tornando-se uma instituição destinada, excepcionalmente,
à formação de professoras:
As matérias ministradas no Externato Feminino eram: Gramática
Portuguesa, Aritmética e Geografia Plana, Pedagogia, Francês, noções de
História Natural, Religião, Música Desenho e Ginástica. Nesse mesmo
período, as escolas primárias de Cuiabá deveriam servir de modelo para as
demais no interior. Durante o período da manhã, deveriam cursar a escola
primária as crianças de até 9 anos, sendo que o da tarde, era dedicado à
preparação das mestras (SIQUEIRA, 2000, p. 191).
em 1892, o antigo Curso Normal foi transferido para o prédio do Liceu. Após dois
anos, o Presidente Joaquim Murtinho declarou uma nova separação, que interrompeu
terminantemente o funcionamento do Curso. Assim, o ideal de consolidação da Escola
Normal de Mato Grosso se tornou possível na primeira década do século XX, com a
criação da Escola Normal Pedro Celestino, construída em prédio próprio na cidade de Cuiabá.
Mas como se explica a permanência dos professores leigos junto às escolas primárias ao
longo de todo o século XIX? Quais saberes eram deles requeridos? Que práticas
desenvolviam nas escolas?
Embora não possuísse formação institucionalizada, a maior parte dos professores leigos
ingressava na carreira do magistério inventando novas maneiras de fazer o trabalho
pedagógico.
50
Os discursos políticos e administrativos da Província sempre evidenciaram a “falta” ou
as “falhas” na prática docente. Nos relatórios a exemplo da fala do Presidente da Província,
o Capitão de Fragata Augusto Leverger –, muitos dirigentes afirmavam que alguns
professores mal sabiam aquilo que deveriam ensinar (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Relatório, 1851).
Apesar dessas críticas, esses documentos também exprimiam o porquê da permanência
desses profissionais leigos na Instrução Pública de Mato Grosso, pois, no mesmo relatório, o
Presidente da Província admitiu que seria melhor para os alunos receberem a pouca instrução
transmitida pelos docentes do que viverem na “ignorância absoluta” (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1851).
Portanto, é notório que, diante da falta de profissionais devidamente recrutados para
atuar nas escolas primárias, a administração pública não podia exigir desempenho maior por
parte do professorado. De acordo com o Presidente da Província:
Os atuais Professores Públicos, com mui poucas exceções, não têm todos os
conhecimentos necessários para o Magistério; exigi-los, porém, desde já para
o provimento das Cadeiras que forem vagando, seria o mesmo que deixá-las
sem concorrentes, e a mocidade privada do Ensino Primário, sempre útil,
ainda quando dado imperfeitamente (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Relatório, 1862).
Os editais de concursos para cadeiras de primeiras letras eram fixados pela Assembléia
Legislativa e pela Presidência da Instrução Pública, porém muitas delas deixaram de ser
providas por falta de professores, pois os poucos que atuavam ainda sofriam com a falta de
pagamento.
Dessa forma, os critérios de seleção dos concursos pautavam-se em avaliar e considerar
mais o grau de moralidade e de idoneidade dos candidatos do que seu nível de instrução. No
que diz respeito a esses requisitos, o Inspetor Joaquim Gaudie Ley afirmou que se os
professores existentes em sua maioria não tivessem habilitações, ao menos, considerava-os
“[...] todos idôneos pelo lado da moralidade e dedicação aos seus deveres” (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1866).
Nessa fala, nota-se que a valorização da idoneidade, da moralidade e do cumprimento
dos deveres perante o Estado evidencia que os professores, enquanto servidores públicos,
deveriam ser agentes do ideário do Estado, pois, conforme Mattos (1987, p. 269) [grifo do
autor], criar “[...] a carreira do magistério era, antes de tudo, tornar o professor primário um
poderoso agente do Estado”.
51
Portanto, os critérios que prevaleciam na aprovação dos candidatos ao professorado
público de Mato Grosso, no século XIX, eram de ordem moral e religiosa. E, apesar de não
receberem recrutamento em instituição especializa, os professores deveriam ser formados pelo
Estado ao longo da carreira do magistério. Mas como acontecia essa formação?
Pressupõe-se que o recrutamento ofertado ao professores baseava-se quase que
totalmente, para não dizer de forma integral, em orientações morais difundidas pela Igreja e
pelo Estado, as quais eram explicitadas no corpo normativo da instrução pública que regia o
funcionamento das escolas de primeiras letras.
As orientações estabeleciam que, além de ministrar o ensino religioso em sala, os
professores também teriam a responsabilidade de acompanhar seus alunos à Igreja em
feriados e dias santos. Assim, esses agentes do Estado, que atuavam junto à população,
poderiam inculcar no alunado preceitos morais e de civilidade, para moldar comportamentos e
exercer o controle social pretendido.
Esses direcionamentos morais articulavam-se com os conteúdos de ensino de cada
disciplina escolar. No que diz respeito ao ensino da leitura e da escrita, havia um incentivo
para que fosse empreendido, prioritariamente, por textos legislativos e/ou de cunho religioso,
pois, ao mesmo tempo em que os alunos fossem instruídos nas letras, eles também seriam
educados, de modo a conhecer seus direitos e cumprir os deveres sem contrariar os preceitos
do Estado.
Acredita-se que os conhecimentos didático-pedagógicos e o domínio dos conteúdos de
cada matéria de ensino por parte dos professores eram baseados em suas experiências sociais,
culturais e religiosas. E de acordo com a documentação pesquisada é possível identificar pelo
menos dois tipos de professores leigos que atuavam na instrução primária.
Havia um grupo de profissionais que, apesar de possuir um conjunto de culturas
familiar, social, política, religiosa e até mesmo profissional –, não sabiam ou não conseguiam
transmitir minimamente os saberes, nem operacionalizar as práticas que deveriam ser
desenvolvidas no cotidiano escolar. Pressupõe-se que esses não tinham adquirido os
conteúdos básicos a serem ensinados aos alunos, pois segundo o Inspetor Joaquim Gaudie
Ley, dois terços dos professores não possuíam habilitação necessária ao exercício do
magistério, uma vez que lhes faltavam vocação e indispensável instrução para “[...] ensinar ao
menos ler e escrever corretamente”. Contudo, mesmo sabendo dessas inabilidades, convinha
ao governo local mantê-los nos cargos para que houvesse instrução. (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1867).
52
Existia também um grupo de professores leigos que ensinava o que sabia e do modo
como lhe convinha. Ao analisar a práticas desencadeadas na Província no ano de 1874, o
Inspetor Pe. Ernesto Camilo Barreto afirmou que cada professor ensinava “[...] pelo modo
porque aprendeu, e cada um aprendeu pelo que mais lhe convém” (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Conjectura-se que os professores mencionados por Barreto construíam, ao longo de sua
vida profissional, uma formação alicerçada em um conjunto de culturas que fazia parte do seu
cotidiano, desde a vivência familiar até sua cultura profissional que, por sua vez, compunha a
cultura escolar. A fala de Barreto é rica em sentidos, uma vez que ajuda a pensar a
configuração da cultura escolar mato-grossense, bem como a invenção e a subversão que o
cotidiano escolar operava, que os professores ensinavam o que sabiam, do modo como
aprenderam e da maneira que mais lhes convinha.
Assim, é possível dizer que, na cultura escolar primária da província de Mato Grosso, os
professores foram constantemente responsabilizados por difundir as práticas civilizatórias
apregoadas no século XIX, para inculcar nos educandos valores morais da época. Contudo, ao
logo da carreira de magistério, esses mestres inventavam novas maneiras de fazer o trabalho
pedagógico conforme melhor lhes aprouvesse.
2 CULTURA MATERIAL ESCOLAR DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DE MATO
GROSSO
Neste capítulo, busca-se evidenciar como a organização do espaço físico e simbólico, as
mobílias e os materiais didáticos empregados no processo de escolarização podem exprimir a
cultura escolar expressa no ensino e na maneira de fazer das disciplinas escolares presentes no
cotidiano da escola primária de Mato Grosso.
A noção de cultura escolar mostra-se importante para o estudo da temática em apreço e
para uma maior compreensão da escolarização do social, pois permite “[...] articular,
descrever e analisar, de uma forma muito rica e complexa, os elementos-chave que compõem
o fenômeno educativo tais como os tempos, os espaços, os sujeitos, os conhecimentos e as
práticas escolares” (FARIA FILHO, 2002b, 17) [grifo do autor].
Veiga (2000, p. 1), ao se apropriar da noção de cultura material escolar, apresentada
pelos pesquisadores Bucaille e Pesez, aponta um entrelaçamento entre cultura escolar e
cultura material escolar. A pesquisadora observa que, apesar de não haver uma definição
explícita para a expressão, esse campo de análise vem ampliar as possibilidades de
reinterpretação do quadro geral da cultura, por estabelecer relação entre os elementos
materiais da escola e a expressão das múltiplas experiências de seus sujeitos no processo
educacional, em suas práticas de produção e apropriação culturais. Afirma ainda, que a
cultura escolar é impregnada de materialidade. Contudo, deixa claro que a cultura material
escolar não é formada apenas por objetos concretos, mas também pelas condições materiais
de funcionamento das escolas.
Segundo a autora, a partir do estudo da cultura material escolar:
[...] é possível compreender a institucionalização da escola em seu aspecto
não simbólico, adentrando pelo cotidiano escolar através dos tinteiros de
folhas de Flandres, dos silabários, compêndios de Doutrina, lápis para
escrever em ardósia, coleções de traslados envidraçados, cabides para
chapéus, livros de Abílio Cesar Borges, tratados de leitura em voz alta [...]
(VEIGA, 2000, p. 8).
Para desvendar o funcionamento interno da escola e compreender a relação entre os
elementos materiais citados anteriormente e a aplicação das disciplinas escolares, a cultura
material escolar “[...] não pode ser entendida como simples reflexo das relações sociais”, mas
sim na problematização de múltiplos significados dos objetos que integra (VEIGA, 2000, p.
4).
54
De acordo com Vidal (2004b, p. 17), “[...] é impossível compreender a história da
escola primária se não questionados os desafios materiais e práticos que a escola teve que
enfrentar”. Com base nesse ponto de vista, a autora passou a “[...] considerar as disciplinas
não apenas a partir de seu conteúdo, mas de seu ‘como fazer?’, isto é, a partir do material
escolar e das metodologias [...] tanto na dimensão discursiva (a normatividade) quanto
concreta (o uso)”.
Nessa perspectiva, a história do ensino da leitura e da escrita e, conseqüentemente, da
escola primária mato-grossense pode ser compreendida através do estudo das condições
materiais da Província, questionando-se sobre os desafios materiais e práticos enfrentados no
processo de escolarização de seus educandos.
Segundo Veiga (2000, p. 5), a “[...] cultura material escolar é a própria cultura escolar.
Isso significa buscar numa coletividade os fatos que se repetem, suficientemente, para serem
interpretados como hábitos, tradições reveladoras da cultura que se observa”. Essa
coletividade é formada pelos sujeitos diretamente relacionados com a escola, tais como alunos
e professores, sem perder de vista as relações sociais existentes entre esses sujeitos e os
dirigentes políticos.
A análise da coletividade escolar em Mato Grosso está pautada em fontes escritas que
fornecem uma visão geral dos ambientes de ensino. Entretanto, o levantamento e a análise
pontual dessa documentação abre possibilidades de investigação da cultura material escolar
do século XIX através da observação de dados que se repetem com certa freqüência,
permitindo a verificação das práticas cotidianas usuais na época. Além de informações que
são constantemente citadas nos materiais históricos, a documentação oficial também pode
apresentar indícios do cotidiano escolar nos dados raramente abordados.
Conforme Julia (2001, p.19), “[...] mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de
crise e de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades
atribuídas à escola”. Isso permite vislumbrar alguns indícios da cultura escolar, uma vez que,
em épocas de conflitos e mudanças na estrutura e na organização educacional, os sujeitos da
educação, em especial professores, inspetores e dirigentes políticos, expressam o real estado
do funcionamento interno da escola pouco mencionado na documentação.
Dessa forma, os relatórios e ofícios, produzidos ao longo de todo o Império em Mato
Grosso, revelam uma clara consciência da relação entre a organização do espaço escolar e a
construção de edifícios escolares especialmente destinados a esse fim, assim como as mobílias
adequadas e o material didático necessário para assegurar resultados no processo de
aprendizagem.
55
Para efeito de estudo, cada um desses elementos materiais que formam os aspectos
concretos da cultura escolar, expressos pelas condições do espaço, da estrutura física da
escola, bem como dos móveis, dos utensílios e dos materiais didáticos utilizados pelos alunos
durante as aulas são tratados separadamente, contudo vale ressaltar que, como tais, estão
fortemente entrelaçados na constituição prática do cotidiano escolar, implicando, assim, na
própria cultura escolar.
2.1 A casa-escola enquanto espaço escolar
Os aspectos da materialidade espacial da cultura escolar ganham importância neste
estudo, uma vez que se busca compreender as relações existentes entre a alfabetização e o
local destinado a esse ensino, assim como as implicações que esse espaço (físico e simbólico)
acarretava nessa tarefa, notadamente na aquisição da leitura e da escrita.
Ao estudar o espaço escolar como expressão da cultura escolar, Faria Filho afirma que a
primeira dimensão a ser observada a respeito desse espaço é que ele educa. Segundo o autor:
Não apenas acontece educação dentro de um espaço determinado, o escolar,
mas também que este, em sua projeção física e simbólica, cumpre uma
função educativa fundamental. Nessa perspectiva, a ocupação do espaço
escolar, sua divisão interna, suas aberturas para o espaço exterior, a
delimitação de fronteiras entre o interno e o externo, e, mais que isso, a
disposição e diferenciação dos sujeitos (alunos e professores, sobretudo) e
dos objetos no espaço, na sala de aula, tudo isso cumpre um papel educativo
da maior importância (FARIA FILHO, 2002b, p. 17-18) [grifo do autor].
Segundo Veiga (2000, p. 4), a escola, “[...] espaço de institucionalização do saber, de
produção e transmissão de cultura, hábitos e valores, consolida-se, entre outros fatores, pela
importância que teve na resignificação da cultura material mais geral das sociedades [...]”.
Nesse sentido, é necessário refletir sobre a relação existente entre as estratégias de
funcionamento das disciplinas escolares e o espaço de institucionalização do saber escolar.
Em conformidade com a Lei de 15 de outubro de 1827, que determinou a criação de
escolas em cidades, vilas e localidades mais populosas para o estabelecimento da instrução
primária, o governo da província de Mato Grosso, em 1830, propôs a abertura de seis escolas
primárias, nas localidades de Cáceres, Poconé, Chapada, Rosário, Livramento e Santo
Antônio (LEITE, 1970, p. 14).
Os documentos oficiais da época indicam que a criação dessas instituições foi realizada
quase que em sua totalidade. Contudo, a cada ano havia uma oscilação no seu número, pois,
56
entre as existentes, algumas não estavam em exercício devido à falta de mestres para lecionar
ou pelas suas péssimas condições materiais. Segundo o Presidente da Província Ricardo José
Gomes Jardim, as escolas em funcionamento eram “[...] estabelecidas nas próprias casas dos
professores [...]”, de cômodos aquinhoados e “[...] em péssimos e acanhados edifícios
(MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1845).
De acordo com os relatórios de presidentes da Província e inspetores de estudos, as
poucas construções de propriedade do governo mato-grossense, denominadas na época de
prédios provinciais próprios, não possuíam estrutura física adequada para o funcionamento de
escolas, uma vez que não foram construídas para esse fim e sim para habitação familiar.
No relatório apresentado pelo Inspetor dos Estudos, o Pe. Joaquim Antônio da Silva
Rondon, no ano de 1860, é possível verificar que os prédios provinciais chegavam a ser
adquiridas por meio de arremate. Segundo o Inspetor:
Tendo o Governo Imperial concedido uma subvenção de 10:000$000 para
auxílio da instrução pública primária da Província, entendeu o Exmº
antecessor de V Exª [...] ordenou-me, pois, em setembro do ano findo, que
arrematasse, como de fato arrematei, em hasta pública do Juiz de Órfãos,
uma casa na rua do Campo, pertencente à herança do finado Jacinto José
Moreira Lima, pela quantia de 4:535$600.
E como da subvenção concedida ainda sobrasse dinheiro, pode em ofício de
30 do mesmo mês de setembro ao mesmo Ex antecessor de V Exª a
compra de mais outras duas casas, que se achavam a venda [...] custando a
primeira 4:000$000, e a segunda 801$000 (MATO GROSSO, Inspetoria
Geral dos Estudos, Relatório, 1860).
Anos depois, o governo investiu na compra outros prédios. De acordo com o relatório
do Inspetor Geral de Estudos, de 08 de abril de 1876, a Província possuía quatro edifícios
escolares, sendo três na Capital, onde funcionavam a Escola Normal, a 1ª, e escolas
primárias do sexo masculino, na Freguesia da Sé, e uma outra na Vila do Rosário, que
igualmente se destinava a essa mesma instrução. Porém, esse número continuava irrisório se
comparado ao percentual de escolares em funcionamento.
Essa questão torna-se notória ao se analisar que, apesar de Mato Grosso findar o período
provincial apresentando vinte e nove escolas públicas primárias em exercício, essa quantidade
não correspondia ao número de prédios destinados à educação. Isso ocorria porque em todo o
Império o governo local não construiu qualquer edifício específico para esse fim, ou seja, não
foram construídos espaços físicos com acomodações adequadas para a realização de
atividades pedagógicas.
Embora o espaço escolar, em sua dimensão física, seguisse uma caracterização
doméstica em função de as aulas serem realizadas na casa dos mestres, em meio ao seu
57
convívio particular, ainda assim o espaço simbólico da escola primária mato-grossense
apresentava-se como lugar público, uma vez que a representação da instrução pública
superava o simbolismo doméstico em detrimento de sua firmação como espaço que estava
sendo utilizado para fins educacionais/instrucionais.
Viñao Frago (2001) discute o Espaço Escolar e a Escola como Lugar, relacionando o
aspecto físico da escola e o seu valor simbólico. Segundo o autor:
O espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói. Constrói-se ‘a partir
do fluir da vida’ e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está
sempre disponível e disposto para converter-se em lugar, para ser construído
(VIÑAO FRAGO, 2001, p. 61).
Nesse sentido, a ocupação/utilização do espaço escolarização supõe sua constituição
como lugar, por ser uma construção social.
O autor Escolano, que estuda sobre arquitetura escolar, afirma que o espaço-escola não
assume neutralidade diante das ações sociais que o inscrevem. Para o pesquisador:
[...] o espaço escolar tem de ser analisado como um constructo cultural que
expressa e reflete, para além de sua materialidade, determinados discursos.
No quadro das modernas teorias da percepção, o espaço-escola é, além disso,
um mediador cultural em relação à gênese e formação dos primeiros
esquemas cognitivos e motores, ou seja, um elemento significativo do
currículo, uma fonte de experiência e aprendizagem (ESCOLANO, 2001, p.
26).
Assim, a partir da perspectiva apresentada por Viñao Frago e Escolano, pode-se afirmar
que a escola primária de Mato Grosso, enquanto instituição que ocupava um espaço
(doméstico) que não era projetado para tal, construía através do uso deste, um lugar
específico, por ser ocupado e utilizado.
A inadequação desse espaço pode ser verificada no relato do Presidente da Província
José de Miranda da Silva Reis, ao afirmar que muitas das escolas primárias existentes
funcionavam nas próprias residências dos professores:
Os poucos prédios que fornecem presentemente a Província para o serviço
da instrução pública, além de extremamente insuficientes em números, são
geralmente impróprios para os fins a que estão destinados, porque,
conquanto mais vastos do que é bastante, são divididos em pequenos
compartimentos próprios para habitação, mas não para o serviço das aulas
(MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1874).
Dessa forma, o lugar da escola primária mato-grossense, no século XIX, configurava-se
como um lugar ambíguo, já que estabelecia relações entre o público e o privado. Nesse
período, o espaço público era “[...] representado pelo Estado nacional brasileiro e pela Igreja
58
Católica e o privado com o espaço das manifestações das intimidades [...]” (PERARO, 2001,
p. 17).
De acordo com (2002b, p. 1), a escola pública de Mato Grosso vivenciou, durante o
período imperial, o “[...] o início da passagem de uma educação familiar para uma educação
estatal”, com embates entre o público e o privado.
Para Viñao Frago (2001, p. 72):
Existe, sem dúvida, uma clara relação entre a construção específica, própria,
e a independência espacial. Se um edifício escolar deve ser identificado
arquitetonicamente como tal é, em parte, porque a instituição escolar adquire
uma autonomia em relação a outras instituições ou poderes, em relação às
quais antes guardava uma estreita dependência.
No Brasil, segundo Faria Filho (2002b, p. 18), a defesa da construção de lugares
próprios, independentes do espaço doméstico propiciado pela residência do professorado da
época, tornou-se intensa a partir de meados do século XIX, configurando-se num cenário em
defesa de um lugar “próprio”. Essa busca para dotar a instituição escolar de um espaço
adequado era importante para que a instrução pública primária exercesse plenamente uma
função estratégica na constituição de uma sociedade letrada no Brasil, pois:
A ausência de um espaço adequado acabava por impedir que a escola se
tornasse mais efetiva, simbólica e materialmente, junto à população.
Compartilhando, o mais das vezes, do espaço (do) doméstico, a escola
compartilhava também das sensibilidades, dos valores, dos ritmos e ritos que
aí tinham lugar (FARIA FILHO, 2002b, p. 29).
Apesar das intensas discussões, desde meados do século XIX, sobre a necessidade de
construção de prédios escolares, isso ocorreu nas últimas décadas desse período. Em São
Paulo, há exemplos de modestas construções similares ao espaço doméstico, que foram
edificadas para fins educacionais na capital paulista nos anos de 1874 e 1876. Na concepção
de Faria Filho (2003, p. 147) [grifo do autor], o Brasil teve que esperar até a década de 1890
“[...] para ver funcionando as primeiras construções públicas próprias para a realização da
instrução primária: os grupos escolares”. Tal empreendimento, de caráter republicano,
configurou-se na constituição dos grupos escolares com espaços próprios, que possibilitaram
à instrução primária uma nova organização escolar.
A administração provincial de Mato Grosso estabeleceu diversas políticas para
solucionar, em parte, o problema da falta de prédios públicos destinados a fins educacionais.
Até 1873, as gratificações para pagamento de aluguéis eram fixadas pelos presidentes da
Província, havendo diferença entre os valores atribuídos aos professores e às professoras, de
modo que, no caso dos primeiros, os ganhos eram sempre maiores. A diferença entre esses
59
valores pode ser demonstrada no relatório apresentado pelo Inspetor Geral de Estudos
Joaquim Gaudie Ley, ao afirmar que:
Os professores das cadeiras da Capital têm, a título de aluguéis de casas, a
gratificação de 192$ Rs e as professoras, a de 100$ Rs por ano. Todos os
demais a tem quando pelos respectivos mapas mostram que sua escolas
são freqüentadas por número superior a 40 alunos (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1859).
De acordo com (2002b, p. 3), esse desnível entre os valores pagos para a manutenção
dos aluguéis das escolas não se caracterizava apenas como um sistema de privilégio destinado
a poucos, mas indicava também que grande parte do financiamento dos edifícios escolares
ficava a cargo dos próprios professores, por ministrarem aulas em suas residências ou até
mesmo em prédios alugados. Na verdade, “[...] o governo provincial não assumiu
consistentemente os custos dos edifícios escolares, do ponto de vista da construção de
edifícios específicos para escolas, adaptação ou manutenção e até mesmo no pagamento de
aluguéis, apesar das recorrentes solicitações dos inspetores”.
Em torno da questão da compra dos prédios escolares e das gratificações para custeio
dos aluguéis das casas onde funcionavam as escolas primárias de Mato Grosso, é possível
verificar tensões entre os agentes do ensino, representados por professores, pais, inspetores e
presidentes da Província. Conforme Veiga (2000, p. 7), uma forma de se observar esses
conflitos é relacioná-los com “[...] a própria cultura material em constituição embora se
exprimam de formas diferenciadas”. Segundo a autora, isso é possível uma vez que em
diferentes fontes documentais pesquisadas averiguam-se “[...] queixas permanentes em
relação aos salários, ao mesmo tempo em que se criavam estratégias para fixar o professor e a
cadeira de instrução numa determinada localidade, conferindo-lhe gratificações pelo número
de alunos”.
Essas observações são pertinentes, pois a maioria das escolas funcionava em “[...] casas
alugadas à custa dos Professores, o que [era] para eles um ônus tanto maior quanto [eram]
subidos os aluguéis”. E eles poderiam solicitar prédios ou dinheiro para o custeio dos
aluguéis caso comprovassem ao governo local que suas escolas tiveram o número de alunos
aumentado (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1862).
Essa exigência para a obtenção da gratificação possivelmente ocasionava o falseamento
dos dados estatísticos das escolas. Por meio dessa ação ou subversão das regras impostas, os
professores poderiam ser beneficiados com o custeio dos aluguéis ou com a aquisição de
prédios que serviriam para fins de ensino.
60
O Regulamento de 1873, em seu Art. 149º, previa que a Província fornecesse aos
professores do ensino primário da Capital, casas com acomodações suficientes para aula, e
enquanto não as tivessem, pagaria o valor mensal daquelas que para tal fim fossem alugadas
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 57).
É importante lembrar que, apesar de o referido Regulamento ter dado respaldo para as
escolas da Capital, as demais localidades da Província tinham que se ocupar com as despesas
dos prédios onde funcionavam. Embora o corpo normativo instituído naquele ano tivesse
estabelecido uma maior organização para a administração da instrução blica, Mato Grosso
continuava a sofrer com a falta de edifícios para servir ao ensino.
De acordo com o relatório apresentado pelo Pe. Ernesto Camilo Barreto, ao Presidente
da Província Hermes Hernesto da Fonseca, a quase todas as escolas públicas funcionavam
“[...] em prédios alugados os quais, sendo construídos para vivendas particulares, [eram]
totalmente destituídos das acomodações precisas e das condições requeridas pela pedagogia
para os usos a que estão atualmente destinadas (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos
Estudos, Relatório, 1877).
A última compra de prédios destinados à educação, no período provincial mato-
grossense, aconteceu no ano de 1879. Conforme o Presidente da Província Barão de
Maracaju, foi adquirido um prédio na vila do Diamantino mediante donativos cedidos por
diversos cidadãos. Na ocasião, a aquisição do edifício tinha como prioridade atender à escola
pública, da mesma vila, que possuía maior número de alunos (MATO GROSSO, Presidência
da Província, Relatório, 1879).
Nesse relato, nota-se a participação da sociedade civil na aquisição de um prédio que
passou a ser destinado à instrução pública. Provavelmente, a quitação do imóvel foi custeada
pelas elites regionais que se sentiram obrigadas a fazê-la, para que, na localidade, continuasse
a funcionar a escola que servia a seus filhos e/ou agregados. Esse envolvimento da sociedade
civil nas questões da vida escolar era raro na província mato-grossense, pois na época, os
cidadãos consideravam que tudo que era púbico, ou seja, de posse do Estado ou por ele
administrado, deveria ser exclusivamente financiado pela sociedade política. Contudo, a
realidade vivenciada por professores e alunos era outra, que o investimento do governo
local na instrução pública era insuficiente para manter as escolas em funcionamento. A falta
de recursos financeiros fazia com que os poucos prédios públicos fossem destinados ao
ensino.
Segundo o Barão de Maracaju, as escolas públicas funcionavam “[...] em prédios
particulares, com exceção, porém, da 1ª, e do sexo masculino da freguesia da Sé, das
61
Vilas do Rosário e Diamantino, ambas do referido sexo, e da povoação do Ladário”, sendo
almejado que “[...] todas as aulas públicas da Província funcionassem em prédios edificados
para este fim [...]”, todavia as circunstâncias da Província não permitiam tal empreendimento
(MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1880).
Outro problema vivenciado por alunos e professores das escolas primárias de Mato
Grosso era o péssimo estado de conservação dos edifícios onde funcionavam. Os inspetores
de estudos continuamente solicitavam ao governo regional reparos e consertos nos prédios
comprados pelos cofres públicos. Entre os muitos requerimentos de verbas para as
restaurações das casas-escola, é exemplar o pedido realizado pelo Inspetor Geral de Estudos
Joaquim Gaudie Ley, quando evidenciou que tais prédios precisavam de reparos
urgentíssimos, como era o caso da escola que funcionava na Capital, situada na rua do
Rosário (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1864).
No ano seguinte, o Inspetor continuou com suas reivindicações, afirmando que desde a
aquisição dos prédios, o Poder Público nada gastara com eles. Conforme Gaudie Ley:
Pela insuficiência de meios pecuniários não foram devidamente reparados os
prédios das escolas, tendo-se, não obstante, procedido a alguns consertos
urgentíssimos no da rua do Rosário. Desde a aquisição, nada deles se
gasto a bem de sua conservação e presentemente, é indispensável que se
destine alguma quantia para este fim (MATO GROSSO, Inspetoria Geral
dos Estudos, Relatório, 1865).
As solicitações eram consentidas, em parte, pelo Poder Público, continuando a instrução
pública a sofrer com a falta de acomodações apropriadas para o desenvolvimento das
atividades pedagógicas na escola primária.
Segundo Sá (2002a p. 87), os diversos momentos dos processos pedagógicos “[...]
mantêm estreita relação com a existência ou transformação desses aspectos materiais da
cultura escolar [...]”. Nesse sentido, a quase absoluta ausência de infra-estrutura adequada ao
funcionamento das escolas influenciava tanto na forma como o professor exercia seu trabalho
pedagógico, quanto na maneira como se realizava a aprendizagem dos alunos.
De acordo com o Inspetor Geral dos Estudos Manuel José Murtinho, a questão do
espaço ocupado como escola exercia influência sobre o ensino mais do que muitos
acreditavam, pois a maior parte dos avanços e do desenvolvimento dos alunos dependia das
condições propícias a isso. Para Murtinho:
A questão da casa escola tem mais influência sobre o ensino do que
vulgarmente se pensa. Pode-se dizer sem receio que da sua aptidão e
capacidade dependem grande parte o progresso e o adiantamento dos alunos.
Basta esta razão para se aplicar o grande empenho com que nos Estados
Unidos se trata de estabelecer escolas em edifícios apropriados, construídos
62
de modo a satisfazer às todas as necessidades do ensino (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1871).
A relação estabelecida entre o espaço escolar e a aprendizagem do aluno é pertinente,
pois acredita-se que as condições materiais determinavam ou impediam várias formas de ação
pedagógica desenvolvidas pelo professor durante as aulas, influenciando, assim, a
aprendizagem do aluno.
Exemplo dessa influência na ação do professor pode ser observado na fala do Inspetor
Pe. Ernesto Camilo Barreto ao relatar a inspeção em uma das escolas da Província. Segundo
ele, o “[...] acanhamento dos compartimentos [fez] com que nem ao menos os professores
[pudessem] ter debaixo de suas vistas imediatas, todos os alunos e daqui a impossibilidade de
inspecioná-los durante as horas dos estudos” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos
Estudos, Relatório, 1874).
Ao tratar do ambiente físico da casa-escola e da forma de ação do professor durante as
aulas, esse depoimento remete-se à estreita relação entre o espaço escolar e o método de
ensino. Enquanto este era individual, a casa-escola servia porque atendia-se a um número
resumido de alunos. A partir do momento em que na escola passou-se a adotar métodos de
ensino de massa, tais como o mútuo, simultâneo ou misto, que poderiam atender um elevado
número de alunos – podendo atingir até mil deles, o espaço doméstico deixou de ser suficiente
às novas metodologias empregadas durante as horas de estudos, uma vez que o professor
deveria se posicionar de maneira a observar e inspecionar todos os aprendizes ao mesmo
tempo.
Diante da situação das casas-escola, o Inspetor Barreto propunha remover o ensino para
casas alugadas mais adequadas, porém estas não eram encontradas, pois suas formas físicas
não eram convenientes a tal fim e os preços dos aluguéis estavam em alta.
Para o Inspetor, era bastante conhecida a influência que os prédios apropriados à escola
exerciam na instrução pública, uma vez que:
A falta deles não prejudica uma grande parte da questão do ensino, como
a higiene, o ensino obrigatório, a Educação Física e o método, e torna-se um
dos maiores obstáculos à marcha e desenvolvimento da mesma instrução.
[...]Das vinte e sete escolas [...] primária subvencionadas pela província, [...]
apenas três funcionam em próprios provinciais, as demais em casa
particulares, sem disposições adaptadas ao ensino, acanhadíssimas na maior
parte, não convenientemente eqüidistantes, e todas elas sem as proporções
higiênicas e pedagógicas (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1874).
63
Ao criticar a estrutura física da escola primária da Província, o mesmo Inspetor Geral de
Estudos afirmou que todos os professores e inspetores clamavam por utensílios e mobílias.
Finalizou sua fala declarando que “[...] sem casas adaptadas, sem mobílias, sem materiais para
aprender e ensinar a ler, escrever e contar, a escola é, e será sempre, uma irrisão [...]” (MATO
GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Nesse sentido, o ensino da leitura e da escrita também era influenciado pelas condições
dos edifícios escolares. O pouco espaço disponível para a realização das aulas prejudicava os
alunos na realização dos exercícios. Verifica-se, na verdade, um contraste na formação do
espaço escolar, em seus aspectos físico e simbólico, da província mato-grossense.
A escola pensada como espaço de institucionalização do saber fazia com que a
aprendizagem da leitura e da escrita elevasse a representação desse lugar enquanto instituição
social capaz de alfabetizar uma população que vivia submersa na cultura oralizada,
transformando-a em sociedade letrada. Contrapunha-se a isso a falta de prédios específicos
para fins educacionais, edificados com acomodações apropriadas para a realização de
atividades pedagógicas de quaisquer disciplinas escolares.
Para o entendimento das condições materiais da escola primária de Mato Grosso e suas
implicações no ensino e na aprendizagem dos alunos, faz-se necessário proceder a uma
análise, um pouco mais apurada sobre os móveis e utensílios que faziam parte das atividades
pedagógicas desenvolvidas no decorrer das aulas nas casas-escola.
2.2 A cultura material do mobiliário escolar
Os suportes materiais que concretizaram a instrução pública de Mato Grosso como lugar
de transmissão do saber insere-se num conjunto de diferentes práticas sociais carregadas de
significado. Os objetos materiais, presentes nas casas onde funcionavam as aulas primárias,
consubstanciavam o espaço doméstico em um lugar de aprendizagem sistematizada,
denominada de instituição de ensino.
Os objetos pertencentes às escolas da Província, tais como mesas de várias dimensões,
carteiras ou escrivaninhas, relógios, vasilhas de água, copos, cadeiras de braço e bancos de
assento de várias dimensões, os quais compunham, ou deveriam compor, o conjunto de
elementos permanentes de cada unidade escolar, eram considerados mobiliários escolares por
serem fixos ao espaço físico do estabelecimento de ensino.
64
É interessante notar que todos os métodos de ensino de massa (mútuo, classe,
simultâneo e misto), a serem aplicados em Mato Grosso, exigiam um conjunto de elementos
materiais que dessem sustentação às práticas desenvolvidas por professores e alunos nas
escolas públicas primárias.
De acordo com o Art. do Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827, o método
mútuo, também conhecido como lancasteriano, passaria a reger as escolas de primeiras letras
instaladas nas cidades, vilas e lugares mais populosos do território brasileiro.
Na lógica do ensino mútuo, o mobiliário e o material escolar constituíam um conjunto
de objetos que caracterizava a metodologia aplicada em sala de aula. Os bancos e púlpitos
deveriam ser “[...] feitos de tábuas muito simples, fixadas com grossos pregos [...]”, sendo que
os bancos geralmente não possuíam encosto, por este ser considerado um luxo (LESAGE,
1999, p. 15).
O estrado, tipo de um tablado elevado a 0,65m da superfície do chão, fazia com que o
professor se colocasse em nível superior aos alunos, podendo observá-los a todo o momento.
A mesa do professor ficava no
centro do estrado, havendo vários
degraus para se subir até a ela.
O relógio era tido como “[...] um
objeto indispensável” por cronometrar,
minuto a minuto, o ensino e as atividades
(LESAGE, 1999, p. 15).
Os semicírculos, ainda chamados
círculos de leitura, eram “[...] arcos de
ferro, semicirculares, que podem ser
elevados ou abaixados à vontade”. Esses
também poderiam ser confeccionados
por outros materiais, “[...] simplesmente
sobre as tábuas: ranhuras, pregos grossos
ou faixas trançadas na forma de arco”.
os trabalhos de escrita eram realizados
em mesas (LESAGE, 1999, p. 15).
Figura 8: Modelo de escola
Fonte: Lesage (1999)
65
A figura apresentada por Lesage (1999), para representar o modelo de espacialidade das
escolas de ensino mútuo, auxilia a compreender como seriam dispostos os mobiliários na
organização da escola.
Por meio dessa figura torna-se possível observar melhor como os telégrafos, espécie de
placas fixadas “[...] na extremidade superior de um bastão redondo de 1,70m de altura [...]”,
eram instalados nas primeiras mesas de cada classe, “[...] graças a dois buracos feitos em cima
e em baixo da mesa escolar [...]”. Sobre uma de suas faces ficava inscrito o número de cada
classe para que professor e alunos pudessem localizar sua posição exata. O uso desse material
permitia “[...] a ligação e a comunicação entre o monitor geral e os monitores particulares”,
com pouca intervenção vocal, pois os cartazes sinalizavam a ordenação das classes de
aprendizagem. Paralelas às placas, havia varas que os monitores utilizavam “[...] para indicar,
sobre as mesas, as letras ou palavras [...]” que deveriam ser lidas. Essas varetas também
serviam para apontar detalhes das operações a serem efetuadas e dos traçados que deveriam
ser reproduzidos (LESAGE, 1999, p. 15).
As ardósias, “[...] utilizadas constantemente em todas as disciplinas [...]”, constituíam-se
numa “[...] inovação essencial do método mútuo [...]”, pois permitiam estabelecer diversos
tamanhos de linhas para que os alunos treinassem a escrita, com a “[...] altura das linhas em
função da escrita grosseira”; em outras palavras, a altura entre as linhas correspondia ao nível
de aprendizagem dos alunos. Os iniciantes escreviam em um espaço maior entre as linhas e
progressivamente a altura era diminuída conforme o aprimoramento da habilidade individual.
Os instrumentos usados para se escrever nesse material eram os lápis de gesso ou giz
(LESAGE, 1999, p. 16).
Os quadros-negros mediam “[...] 1m de comprimento por 0,70 de largura [...]”, ficando
sempre no centro de cada semicírculo e eram “[...] sistematicamente utilizados para o desenho
linear e para aritmética” e ainda nos “[...] exercícios orais, em leitura ou aritmética”
(LESAGE, 1999, p. 13; 15).
O uso do quadro tendia para a substituição dos livros, isso porque um único quadro era
“[...] suficiente para nove alunos [...] e seu formato permitia “[...] uma leitura e uma
disposição fáceis”. Os livros não eram excluídos do processo de ensino, contudo ficavam
reservados à oitava classe de aprendizagem, ou seja, geralmente deveriam ser utilizados
apenas pelos alunos mais adiantados na leitura. Isso também acontecia com a pena, a tinta e o
papel, que eram usados, com prioridade, por aqueles que já dominavam a habilidade da escrita
(LESAGE, 1999, p. 16).
66
O apito era o instrumento mais utilizado para sinalizar o comando às atividades
pedagógicas realizadas no horário escolar. Somente o professor estava devidamente habilitado
para utilizá-lo. Esse objeto sonoro tinha dupla utilidade, pois permitia “[...] intervenções na
ordem geral da escola, impor o silêncio [...]” e comandava “[...] o início ou o fim de certos
exercícios durante a lição, dizer em coro, soletrar, cessar a leitura” (LESAGE, 1999, p. 21).
Siqueira (2000, p. 199) também auxilia na compreensão sobre a forma idealizada de
disposição do mobiliário e dos utensílios usados no ensino mútuo, ao complementar a
caracterização material feita por Lesage (1999). De acordo com a pesquisadora, seriam
necessárias 10 cadeiras para formar cada uma das diversas decúrias (também conhecidas
como semicírculos) espalhadas no espaço físico da sala de aula. Essas cadeiras, assim como
as mesas, eram usadas para a prática da escrita. os bancos, de uso coletivo, serviam para o
desenvolvimento de exercícios de tabuada e de leitura. Cada semicírculo de grade de ferro ou
madeira media 91 cm e constituía o lugar onde o decurião tomava a lição oral dos demais
alunos. Na parede havia pregos ou cabides para pendurarem os manuscritos. As varas
manuseadas pelos monitores também serviam para aplicação de castigos físicos quando os
alunos não sabiam responder de forma coerente aos questionamentos realizados nas seções de
sabatina (verificação da aprendizagem) e, ainda, nas ocasiões em que os estudantes
demonstravam mau comportamento perante colegas e professor.
Siqueira descreve uma aula de método mútuo, na qual o professor se utilizava dos
materiais citados acima. Segundo a autora, em seção da aula:
[...] o mestre escolhia, dentre os alunos mais adiantados, seus auxiliares,
treinando-os no período da tarde. No da manhã, os monitores dividiam a sala
em tantas decúrias, ou grupos de 10, quanto fosse o número de alunos. Em
cada decúria deveria haver 10 carteiras para os alunos, usadas para escrita, e
bancos, de uso coletivo, nos exercícios de tabuada e leitura. Na hora das
lições orais, os alunos ficavam em pé, de frente para a parede, enquanto o
decurião postava-se de costa para a parede e de frente para sua decúria. Entre
o decurião e seus alunos havia um semicírculo ou grade feita de ferro ou
madeira, medindo 91 cm, junto à qual encostavam-se os pupilos em torno do
decurião. Na parede havia pregos ou cabides onde eram pendurados os
manuscritos. Com uma varinha ou haste, o decurião apontava esses
caracteres dizendo seus nomes e significação e os alunos repetiam em voz
alta aquilo que o decurião havia dito. Depois do exercício oral vinha o de
argumento, constituído de perguntas e respostas. Se acertassem, ‘muito
bem’; caso errassem, castigos. Ao fundo do salão ficava o mestre corrigindo
os exercícios, atribuindo-lhes notas ou até mesmo cochilando (SIQUEIRA,
2000, p. 199).
Em Mato Grosso, as escolas de ensino mútuo não chegaram a ser instaladas tendo por
base o seu modelo original. O fracasso da implantação dessa metodologia sempre foi
67
atribuído “[...] à falta de edifícios apropriados, de material adequado, de habilitação dos
monitores, assim como ao desleixo dos mestres que, para receber salário, não necessitam de
apresentar atestados de freqüência de si e de seus alunos” (SIQUEIRA, 2000, p. 201).
Acima da discussão sobre esse “insucesso”, é preferível discutir os métodos de ensino
em voga nos Oitocentos e as peculiaridades da sua manifestação na instrução pública local, na
intenção de analisar as maneiras de fazer das metodologias de ensino no cotidiano escolar.
Na primeira metade do século XIX, a maioria das escolas adotava o método individual,
no qual o professor se ocupava em atender cada aluno por vez. O método das classes, que
passou a ser vigente nas escolas da província de Mato Grosso através da normatização do
Regimento de 18 de agosto de 1855, indicava a organização do ensino em classes de níveis de
aprendizagem, similar ao Lancasteriano. O método simultâneo, instituído pelo Regulamento
Orgânico da Instrução Pública de 1873, admitia a aplicação de um ensino ministrado
simultaneamente pelos professores e monitores.
Os documentos analisados indicam que, na província mato-grossense, os métodos de
ensino mútuo, das classes, simultâneo e misto se divergiam na relação professor-aluno.
Como exemplo, no mútuo pressupunha-se um ensino entre iguais – professor e aluno monitor,
sendo que ao docente “[...] cabia apenas a supervisão, mas nunca de regência [...]”,
transferindo suas responsabilidades “[...] para os alunos mais adiantados (SIQUEIRA, 2000,
p. 199). Já no simultâneo, “[...] o agente de ensino é o professor, no método mútuo, é o aluno
que é investido dessa função” (LESAGE, 1999, p. 11).
No que se refere ao acondicionamento material da escola primária, as metodologias
apresentadas acima seguiam as mesmas prescrições para a organização do espaço físico, em
decúrias e semicírculos, locais para a realização dos exercícios e das leituras, entre outros.
Quanto ao mobiliário e ao material didático de que cada unidade deveria dispor para o ensino,
tanto em um como em outro método adotavam-se os mesmos objetos, tais como bancos
coletivos, mesas, quadros de ardósia, etc. Seguindo essa organização, a província mato-
grossense procurou dotar as escolas de primeiras letras do mesmo mobiliário indicado para o
ensino mútuo, descrito por Lesage (1999) e Siqueira (2000), porém não conseguiu realizá-la
de maneira que atendesse minimamente às necessidades dos estabelecimentos de ensino.
O conjunto de elementos materiais que deveria compor cada unidade escolar da
instrução pública primária de Mato Grosso seria formado por: uma carteira e uma mesa para o
professor realizar a correção dos exercícios dos alunos ou tomar a lição individualmente;
carteiras com braços para a realização de exercícios; bancos de assentos coletivos; tabuleiros
de areia para treinar a escrita e resolver problemas aritméticos; estrado com balaústre para o
68
professor ficar em posição estratégica na sala de aula; armários para guardar utensílios
escolares; pedra de ardósia para a realização de exercícios; cabide para pendurar os textos
escritos; tinteiro de chumbo; relógio de mesa e de parede; aparador; carteiras com tinteiros;
escrivaninhas; carteiras com gavetas, tinteiros e telégrafos; carteiras sem telégrafos; mesas
pequenas; quadros de alfabetos; pedras para exercício de aritmética; cadeiras de palhas e de
sola. Contudo, não notícias de que alguma dessas escolas tenha conseguido reunir esse
conjunto de elementos materiais em quantidade e qualidade satisfatórias. Isso porque, a
exemplo do que ocorria com os edifícios escolares ou casas-escola, o governo provincial
também destinava exíguos recursos para o fornecimento de mobílias e utensílios escolares
para as escolas públicas da Província. Segundo Castanha (1999, p. 108), esse problema da
escassez de verba “não estava no baixo percentual, mas sim no reduzido orçamento geral da
Província”.
A tabela a seguir apresenta dados orçamentários de Mato Grosso no século XIX,
especificando a quantia de verba destinada à instrução pública e sua respectiva porcentagem.
Tabela 1 - Orçamento Geral e de Instrução Pública da
Província de Mato Grosso (1845-1889)
ANO ORÇAMENTO GERAL INSTRUÇÃO PÚBLICA PORCENTAGEM
1845 48:134$740 7:300$000 15, 16
1849 55:030$000 6:160$000 11,19
1855 45:690$000 8:500$000 18,60
1859 57:902$910 12:208$570 21,08
1861 97:192$460 14:450$000 14,86
1863 93:243$492 13:756$000 14,75
1865 71:748$052 14:460$000 20,15
1867 147:068$572 12:660$000 8,60
1869 253:073$649 16:160$000 6,38
1870 190:123$998 22:760$000 11,97
1872 136:761$307 23:960$000 17,52
1889 185:090$000 40:720$000 22,00
Total 1.381:159$180 193:094$570 13,98
Fonte: Castanha (1999, p. 107).
Por esses dados, nota-se que, com o passar dos anos, a verba do governo local relativa à
instrução pública crescia à medida que aumentava sua arrecadação tributária. Contudo, a
porcentagem destinada à instrução sofria oscilação de acordo com as prioridades
orçamentárias fixadas pelo orçamento maior. De acordo com Castanha (1999, p. 180), do
percentual geral das verbas designadas para esse fim, “mais de 90% eram aplicados no
pagamento dos salários dos professores e inspetores, restando uma quantia muito pequena
para investir nas escolas e para atender os alunos carentes”, ou seja, os alunos considerados
69
pobres. Sendo assim, a quantia empregada em prédios escolares, mobílias e materiais era
inferior a 10% da despesa integral.
No que diz respeito à diminuta quantia direcionada à compra de mobílias escolares, o
Inspetor de Estudos Joaquim Gaudie Ley expressou-se da seguinte forma:
A Assembléia ainda deixou de consignar fundos para mobília, apesar de
haver pedido insistentemente para este fim mui diminuta quantia, entretanto,
não se pode deixar de reconhecer a necessidade de suprirem-se algumas
escolas, de cujos professores recebo constantemente reclamações a respeito:
espero que V. Exª providenciará de sorte que esta necessidade seja atendida
(MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1859).
No ano seguinte, o novo Inspetor de Estudos Joaquim Antônio da Silva Rondon, em
relatório apresentado à Presidência da Província, declarou que, com exceção das escolas da
Capital e da de Corumbá; todas as outras não possuíam mobília alguma. Ao reconhecer essa
necessidade, ele mesmo encaminhou, em 12 de novembro de 1859, “[...] uma circular aos
inspetores dos estudos para que mandassem um pedido das mobílias mais indispensáveis às
escolas das suas freguesias, com o preço porque custaria cada mobília em sua respectiva
freguesia” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1860). Embora os
inspetores sempre solicitassem os mobiliários imprescindíveis ao funcionamento dos
estabelecimentos de ensino, a maioria dos pedidos não era atendida, pois o Presidente da
Província sempre alegava que os cofres públicos não dispunham de verbas necessárias para o
custeio dos materiais escolares e, ainda, que havia dificuldade no transporte de tais objetos,
uma vez que a dimensão territorial de Mato Grosso era bastante extensa e de difícil acesso.
Nos primeiros anos provinciais, o governo regional pretendia dotar as escolas primárias
mato-grossenses de mobiliário fornecido pela Corte Imperial, no Rio de Janeiro. Todavia, a
localização geográfica de Mato Grosso em relação à Corte dificultava o transporte desse
material, uma vez que:
A província de Mato Grosso esbarrava com uma série de limitações impostas
pela realidade concreta: primeiro, a distância geográfica do litoral e do
centro de decisão localizado na Corte do Rio de Janeiro; segundo, um
extenso território cujo povoamento se mostrava ralo e disperso; por último,
os meios de comunicação precários e deficientes, até os anos de 1870. A
partir dessa década, no entanto, melhores condições de acesso foram dadas à
região, uma vez que o extremo oeste interligara-se com os países platinos e
com o Atlântico, através da abertura da navegação pelo rio Paraguai
(SIQUEIRA, 1999, p. 323).
Essas dificuldades passaram a ser resolvidas, em parte, após a abertura da navegação
pelo rio Paraguai, cuja rota fez com o território ficasse um pouco mais conhecido pelas
70
autoridades imperiais. Outro problema referente às mobílias dizia respeito ao alto custo do
material e do transporte.
Na tentativa de sanar a deficiência da oferta de mobiliário escolar, a administração de
Mato Grosso solicitou auxílio do Arsenal de Guerra para sua produção. Assim, parte dele
passou a ser confeccionado por essa instituição, localizada na Capital. De acordo com o
Inspetor Geral dos Estudos Joaquim Gaudie Ley, “[...] prontificaram-se no Arsenal de Guerra,
por encomenda desta Inspetoria, mobílias para as demais freguesias para onde é possível o
transporte por agora” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1861).
Apesar desse fornecimento, os estabelecimentos de ensino ainda padeciam da falta de
mobiliário em decorrência da longa distância entre os municípios, freguesias e vilas
espalhadas por todo o território mato-grossense, bem como pela ausência de meios de
transportes que pudessem conduzi-los às regiões mais afastadas.
Um balanço da situação da instrução pública, feito pelo Presidente da Província
Herculano Ferreira Penna, em 1862, com base nos dados enviados pelo Inspetor Geral de
Estudos, afirmou que nos cofres públicos não havia quantidade suficiente para o suprimento
de mobílias em todas as escolas públicas, em decorrência dos gastos com aluguéis, em
especial na Capital. Segundo o Presidente, as “[...] Escolas de meninos das Freguesias de
Pedro 2º, Brotas, Santo Antônio, Livramento, Albuquerque e Miranda, nenhuma mobília
receberam ainda, aos Professores das outras de fora [...]”. Para as localidades de difícil acesso
de transporte, “[...] deram-se algumas quantias para comprá-las” (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1862).
O Regulamento de 1873 determinava a adoção do método simultâneo para a instrução
pública primária. Esse modelo exigia que os estabelecimentos de ensino fossem mobiliados
adequadamente com bancos, carteiras, mesa do professor, mesas dos monitores, além de
compêndios específicos, material instrucional apropriado, como painéis, cartazes,
semicírculos, etc. (SIQUEIRA, 1999, p. 335).
Na falta quase total de mobiliário específico na escola, essa normatização determinou
no Art. 33 do Capítulo que os “[...] móveis e utensílios, prêmios e distinções [fossem]
fornecidos pela província, e dados por inventário aos professores, que [assinariam] na
papeleta com o Inspetor Geral, na Capital, e nas demais localidades com os Inspetores
Paroquiais” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 34).
Apesar dessa determinação legal, as escolas continuavam sendo regidas sob condições
precárias, forçando a retirada de alunos, uma vez que estes permaneciam quase todo o tempo
71
em pé, com sede, sem material escolar, enfim, desestimulados para a aprendizagem
(SIQUEIRA, 1999, p. 333).
O Relatório apresentado ao Presidente da Província José de Miranda da Silva Reis, pelo
Inspetor Geral dos Estudos, o Pe. Ernesto Camilo Barreto, em 14 de abril de 1874,
demonstrou as reais condições do funcionamento da escola e suas implicações para o ensino
da leitura e da escrita. Por meio desse documento é possível visualizar a quantidade de
mobiliário existente em cada escola da província de Mato Grosso e até mesmo sua completa
ausência em algumas escolas. Pelo número indicado de matrícula, o Inspetor Barreto
demonstrou quantos alunos ficavam em no momento dos exercícios escolares, sem
oportunidade de se sentarem por falta de espaço suficiente nos bancos e mesas escolares.
Sá (2002b, p. 4) considera esse documento um “[...] dos relatórios mais completos sobre
a instrução no período provincial mato-grossense, [...] também o mais completo do ponto de
vista dos edifícios escolares, mobília e utensílios”, por detalhar aspectos das práticas
cotidianas e das maneiras de fazer da cultura material escolar de Mato Grosso.
O Inspetor quantificou a média de comprimento ocupado por aluno nos acentos de
banco e nas mesas na seção de escrita, não podendo “[...] ocupar menos de 0,50m de espaço
para assento, e de 0,66m na seção de escrita” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos
Estudos, Relatório, 1874).
Ao verificar essa medida, o Protonoário confrontou os algarismos com o número de
alunos matriculados, descrevendo, assim, as mobílias existentes em cada uma das 24 escolas
da Província a partir de dados enviados pelos professores.
No que diz respeito à seção de escrita da primeira cadeira de instrução primária da
Capital, o Inspetor assim expõe:
‘Para a seção de escrita, existem três mesas, uma quadrada e duas oblongas,
as quais permitem trabalho a 14 alunos, e posto que se revezem, gastando
cada turma 60 minutos, acabam-se as 6 horas letivas tendo apenas 84 podido
cumprir com as suas obrigações’.
Isto, dizia o professor em 1872, quando o exercício letivo durava seis horas.
Em 1873, esta escola foi freqüentada por 96 alunos, com a mobília acima
descrita. Dividindo-se, pois, os 22,22m de assento por 0,50m, número do
espaço que deve compreender cada aluno, veremos que a escola podia
fornecer assento á 44 alunos ficando 56 de pé!
Divididos os 4,44m das classes de escritas por 66, também chegaremos a
evidência de que, apenas 7 alunos poderiam escrever e ainda quando se
revezassem em turmas, tocando a cada uma o espaço de uma hora, nas cinco
horas letivas teriam 35 aprontadas suas escritas, perdendo 61 diariamente o
exercício delas (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório,
1874).
72
Na segunda cadeira do sexo masculino da Capital, mesmo que os exercícios de escrita
fossem feitos na mesa do professor, essa não poderia “[...] admitir mais de 3 alunos por lado,
total 9, que, multiplicados por 5 horas de trabalho revezado, daria no fim das horas letivas, 45
alunos, deixando 78 de escrever por falta de tempo e lugar”. Na terceira escola do sexo
masculino da Capital, a “[...] seção de escrita podia admitir 14, que multiplicados por 5
horas letivas, em que se revezassem as turmas, daria o exercício completo da seção para todos
os alunos”. Na primeira cadeira do sexo feminino, as “[...] escrivaninhas podiam fornecer
espaço a 12 alunas, que ainda revezando-se, de hora em hora, durante as cinco de exercícios
letivos, apenas 60 cumpriram com o dever da escrita, deixando de satisfazê-lo”. A única
escola da Capital cuja mobília pôde satisfazer as necessidades do ensino foi a segunda cadeira
do sexo feminino, pois contava apenas com 7 alunas matriculadas (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Nas demais cidades, freguesias e vilas da Província, a situação era semelhante ou até
mesmo pior. Na escola do sexo masculino da Freguesia de D. Pedro II, “[...] a mobília
podia oferecer assento a 12 alunos, ficando 59 de pé; e que as carteiras de escritas não
admitiam escrever mais de 9, que revezando-se durante as 5 horas letivas, dariam lugar a 45,
ficando 26 sem exercício de escrita diariamente”. na escola feminina da mesma freguesia
não havia “[...] mobília própria para as meninas escreverem [...]”. Em decorrência disso, elas
realizavam os “[...] exercícios nos bancos de assento com os joelhos em terra [...]”, e ainda
assim, deixavam de fazê-los diariamente. Na Escola de Santo Antônio, ou os alunos
escreviam sobre os bancos de assento com os joelhos no chão, ou não teriam como participar
da seção de escrita (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Nas escolas da Freguesia da Guia, da Chapada, do Livramento, de Brotas, do Rosário,
de Poconé e de Diamantino os alunos também escreviam sobre “[...] os bancos de assento
com os joelhos em terra”, pois não contavam com mesas. O Inspetor não soube informar
sobre as escolas de Corumbá, de Miranda e de Mato Grosso por não ter recebido nenhum
mapa das mencionadas localidades, e nada constava na Inspetoria referente às escolas
masculina e feminina de Santana do Paranaíba (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos
Estudos, Relatório, 1874).
Em São José de Herculânea, a escola contava com 3 bancos, que acomodavam apenas
21 alunos, 2 mesas e 2 cadeiras de jacarandá com assento de palhinha. Tudo indica que esse
último tipo de móvel fora confeccionado na própria localidade, utilizando materiais
disponíveis na região e que, portanto, faziam parte do cotidiano das pessoas que ali
habitavam. A escola de 2.º grau de Vila Maria, que “[...] funcionou sempre com mobília
73
emprestada [...]acabou sendo extinta. A que indicou possuir mobiliário mais impróprio para
o uso das crianças foi a Escola de Vila Maria, dirigida pelo senhor Roberto Alves da Cunha.
Ainda assim, os bancos pareciam “[...] antes feitos para trabalhos de carpintaria do que para
crianças se assentarem [...]”, e não havia “[...] mesas, nem carteiras, nem cadeiras”. Essas
condições obrigavam as crianças a escrever sobre os bancos com os joelhos no chão (MATO
GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Esses aspectos analisados por Barreto ratificam que, em geral, os bancos fornecidos para
assento dos alunos, bem como as mesas ou carteiras para seção de escrita eram insuficientes,
já que a maior parte deles ficava sem um lugar adequado para realizar os exercícios de escrita.
Apesar do jogo estratégico do governo de Mato Grosso em alfabetizar os homens livres, tendo
como discurso resgatá-los da “barbárie”, as precárias condições materiais da Província
obrigavam professores e alunos a improvisar táticas cotidianas para que estes últimos
realizassem suas atividades de escrita.
Para Sá (2002b, p. 4), essa visível diversificação indica falta de uniformização na
organização do espaço da sala de aula, pois “[...] ora, se os bancos e mesas têm dimensões
diversas, indicam que os espaços onde eles se localizam também não são padronizados”.
Concorda-se com Siqueira (1999, p. 332) quando afirma que a relevância do discurso
proferido pelo Protonotário Apostólico Pe. Ernesto Camilo Barreto, em 1874, consiste em
evidenciar “[...] a contradição existente e permanente entre o discurso e a vontade política de
realizá-lo. Tomando um posicionamento extremamente moderno, o Inspetor saltou do plano
das idéias para o da materialidade”, ou seja, discutiu os problemas materiais da Província de
forma clara e objetiva. Nessa preleção, Barreto afirmou que:
[...] envergonharia a qualquer visitante de nossas escolas, ver os meninos e
meninas de todas elas, na hora de escrever, agruparem se, uns sobre a
pequena mesa dos professores e professoras, outros, e outros finalmente nos
bancos de assento com os joelhos em terra! (MATO GROSSO, Inspetoria
Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Sendo assim, o Inspetor Geral de Estudos denunciava que a verba destinada para a
aquisição do material destinado às escolas primárias não era suficiente para atender a todos os
alunos pobres da província, só – e minimamente – aos alunos da Capital.
As críticas feitas por Barreto fizeram com que o Presidente da Província José Miranda
da Silva Reis também se manifestasse sobre o problema da falta de material nas escolas
primárias. Além de censurar a carência de habilitação necessária para o exercício da docência,
afirmava ainda que a escassez de fornecimento de mesas e outros utensílios também
74
contribuía para o estado de precariedade do ensino, que no dia-a-dia escolar os alunos não
gozavam da estrutura que as escolas deveriam oferecer. Segundo ele:
[...] em minhas visitas às da Capital pude verificar o estado lamentável que
infelizmente elas atingiram.
Por falta de mesas e outros utensílios semelhantes escreviam os alunos sobre
o peitoral das janelas e sobre pequenos e toscos bancos de madeira que lhe
serviam de assento, tomando para esse fim bizarros inconvenientes e
incômodas posições (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório,
1874).
As condições materiais das escolas obrigavam os alunos a escrever sobre os peitorais
das janelas e nos improvisados bancos de madeira que, provavelmente, eram fabricados na
própria localidade. Para sanar esses problemas, José Miranda da Silva Reis exigia que o
proposto no regimento interno fosse executado, tanto no que dizia respeito ao método adotado
como às mobílias especiais e aos utensílios apropriados ao ensino.
Contudo, os relatórios dos anos seguintes continuavam a declarar que o problema
persistia. Em 1878, Pe. Ernesto Camilo Barreto voltou a abordar as freqüentes reclamações
dos professores. Segundo o Diretor, constantemente eram encaminhas à Inspetoria “[...]
reclamações por parte dos professores para provimento de mobílias” (MATO GROSSO,
Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório, 1878).
O sucessor de Barreto, Dr. Dormevil José dos Santos Malhado, em relatório apresentado
ao Presidente da Província de Mato Grosso, o Barão de Maracaju, também afirmava que
muitas escolas se mantinham desprovidas de mobiliário específico para o ensino. A precária
condição física das instituições de ensino era justificada pela falta de recursos públicos para
provê-las. Conforme Malhado:
As escolas da Capital m mobília regular, as das outras localidades, pela
maior parte, estão desprovidas, sem que se possa dar um remédio pronto
pelas despesas que acarretam. Entre todas as escolas a que mais se ressente
de falta de mobília é a do sexo masculino da cidade de S. Luis de Cáceres,
pelo que pedi e V. Exª concedeu-me autorização para mandar confeccionar
oito carteiras e oito bancos, que destino às escolas da dita localidade; visto
como os artistas de S. Luis de Cáceres, em propostas apresentadas para
confecção de mobília para a indicada escola, pediram ao Inspetor Paroquial,
observância de ordem recebida, pela mão-de-obra a quantia de setecentos
mil réis, o que desanimou os meus antecessores. Tendo resolvido, se V. Exª
conceder-me permissão, aproveitar as sobras das verbas votadas para a
instrução na aquisição de mobílias para as escolas que mais a necessitarem;
sendo este o único de, sem maior sacrifício dos cofres, remediar tão sensível
falta (MATO GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório,
1880).
75
De acordo com o Diretor Geral, em 1881, ainda não estavam providas de mobílias todas
as escolas da Província, mas deveriam ser supridos, conforme a disponibilidade dos recursos
provinciais (MATO GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório, 1881).
Observa-se que as discussões encontradas na documentação pesquisada giram em torno
do discurso de que os cofres blicos locais eram incapazes de custear a instrução. Todavia,
na prática, os administradores realizavam poucas ações concretas e eficazes para o
provimento das escolas. E, em meio aos desafios materiais que a instrução pública primária de
Mato Grosso vivenciava em seu cotidiano escolar, os aspectos físicos e simbólicos que
envolviam o mobiliário somavam-se, também, às condições e aos modos de uso dos utensílios
escolares, considerados instrumentos de trabalho de professores e alunos utilizados na prática
pedagógica.
2.3 Pena, papel e tinha: a cultura material dos utensílios escolares
Além das mobílias, a materialidade pedagógica da escola primária da província de Mato
Grosso era formada pelos utensílios escolares que serviam como aparato ao trabalho docente e
eram utilizados no processo de ensino-aprendizado dos alunos. Conhecidos, na atualidade,
como materiais didáticos, configuravam-se, na província mato-grossense, basicamente pelos
suprimentos destinados aos alunos, como por exemplo, papel, tinta, pena, lápis, pedra de
lousa, compêndios destinados à premiação, entre outros.
Segundo Veiga (2000), a cultura material escolar é entendida através da relação
existente entre os múltiplos significados dos objetos e o contexto em que se inscrevem. Nessa
perspectiva, a autora afirma que:
[...] os modos de uso dos objetos, sua escolha, a receptividade, ausências e
presenças de utensílios, o preço, os processos de aquisição e procedência,
entre outros, são elementos que participaram ativamente da criação,
operação, manutenção e/ou desativação das experiências escolares (VEIGA,
2000, p. 4).
O estudo desses aspectos da cultura material auxilia na compreensão da cultura escolar
mato-grossense, pois se torna possível apurar indícios de como o processo de aprendizagem
do ensino da leitura e da escrita estava submetido, podendo-se verificar quais as maneiras de
fazer dessas disciplinas escolares, ou seja, como configurava a sua prática no dia-a-dia da
escola perante as condições materiais impostas aos professores e alunos.
76
Nota-se que o fornecimento de objetos às unidades escolares não era prioridade do
governo local. Segundo Sá (2002b, p. 1), o Império fez um investimento no debate, no
discurso sobre a necessidade de ampliação da escola, contudo “[...] quase nada investiu em
seus aspectos materiais, até certo ponto determinantes em termos de custo e de mudança”. A
uniformidade dos objetos das escolas primárias de Mato Grosso ocorreu de forma gradativa
no período republicano, especificamente no século XX. De acordo como o autor, “Somente a
República construirá edificações específicas para a realização da educação e iniciará a
dotação de objetos escolares em algumas unidades de ensino de Mato Grosso”.
Até meados do século XIX, a legislação regional não se responsabilizava pelo
fornecimento de utensílios escolares aos alunos pobres. Na Lei de 1837 e no Regulamento de
1854, o governo só deixou a cargo dos cofres públicos a distribuição dos prêmios escolares. A
partir do segundo quartel dos Oitocentos, os dispositivos normativos passaram a estabelecer
que o governo local ficaria encarregado de ofertar os materiais imprescindíveis ao ensino
primário.
O Art. 115º do Regimento Interno de 1873 dispunha que a cada escola seria “[...]
fornecidos pela Província em benefício dos alunos pobres, lousas, lápis, penas, giz, papel,
tinta, réguas, canivetes, cartas, livros, tabuadas, Gramáticas e compêndios”. no
Regulamento de 1878, a distribuição dos utensílios escolares foi garantida, em termos legais,
pelo Art. 187º do Capítulo 29º, segundo o qual a Província seria responsável pelo provimento
de “[...] utensílios para os alunos pobres, a saber: papel, pena, tinta, lápis, etc., além dos livros
para o ensino” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 74; 143).
Na segunda metade do século XIX, a administração local a receber muitas solicitações
de objetos escolares. Contudo, mesmo antes da promulgação do Ato Adicional, os professores
os requeriam do Presidente da Província, para que fossem ofertados aos alunos pobres das
escolas públicas. De acordo com Capoeira (1834), no início do período provincial, a
distribuição desses materiais ficava a cargo da Secretaria da Fazenda Nacional, que atendia
parcialmente aos pedidos.
Desde o princípio da organização da instrução pública de Mato Grosso, os agentes do
ensino, tais como professores, inspetores e comissões das Câmaras Municipais da região,
solicitavam do Presidente da Província a aplicação de verbas na compra de materiais escolares
para os alunos ditos pobres, alegando o alto custo despendido para adquiri-los. Em discurso
apresentado na abertura da terceira sessão ordinária da Assembléia Legislativa Provincial, em
março de 1837, o Presidente da Província José Antônio Pimenta Bueno afirmou que a
Câmara de Mato Grosso pedia que se abonasse alguma quantia para fornecer papel aos
77
meninos pobres do seu município, pois muitos não obtinham “[...] maior proveito por falta de
meios de conseguir este gênero ali caro” (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Discurso, 1837).
No ano seguinte, o dirigente local afirmou que a única exigência feita por todos os
professores, indistintamente, era de provimento “[...] de papel e outros utensílios para os
alunos pobres de suas aulas, que por falta de meios para obter tais gêneros, deixavam de ter
maior adiantamento [...]”. Contudo, “[...] por conta das despesas eventuais [...]”, o governo
provincial continuaria a prestar um auxílio parcial às escolas até que a Assembléia Legislativa
deliberasse a respeito (MATO GROSSO, Presidência da Província, Discurso, 1838).
Os professores remetiam às autoridades locais listas contendo os nomes dos alunos que
deveriam ser beneficiados com os materiais escolares. Exemplo dessas reivindicações é uma
listagem nominal enviada pelo professor de primeiras letras João de Pina Macedo, em 21 de
janeiro de 1846, contendo os nomes de 26 discípulos, considerados pobres, matriculados
desde o dia 1º de julho de 1845 (MACEDO, 1846).
Nessas solicitações de materiais, é possível identificar que muitos professores
apresentavam a maioria dos alunos como pobre. Pressupõe-se que essa era uma maneira que
os docentes encontravam para receber dos cofres públicos subsídios materiais para o
funcionamento das escolas. As listas constituíam-se em tentativas de auxílio, pois a grande
parte dos pedidos acabava não sendo atendida por parte do governo, com alegação de falta de
recursos financeiros. Além das listagens nominais, os mestres encaminhavam à Presidência da
Província, por intermédio dos inspetores paroquiais e do inspetor geral de estudos, relações de
materiais necessários ao ensino na instrução pública.
Em 1855, o Inspetor Geral Joaquim Gaudie Ley solicitou do governo a “[...] quantia de
setenta e cinco mil novecentos e quarenta réis para pagamento das contas juntas de objetos
comprados por esta repartição [...]”. Segundo o Inspetor, a verba seria aplicada para os
seguintes fins:
Escola de meninos da Capital
1 Resma de papel almaço 10$000
1 Dicionário de português por Constancia 22$000
2 Aparelhos de tinta $600
Impressão do relatório da inspetoria
½ Resma de papel de máquina 5$000
50 folhas de papel dito de cor para capa 2$000
Impressão de 100 exemplares 0$25 25$000
Encadernação 6$340
Para expediente dessa inspetoria
½ Resma de papel de máquina 5$000
(MATO GROSSO, Inspetoria dos Estudos, Relação de Materiais, 1855).
78
A relação apresentava tanto objetos necessários à escola pública primária, quanto
material de expediente da Inspetoria Geral dos Estudos.
Figura 9: Papel, pena e tinta
Fonte: Escolano (1992)
Nessa lista é possível observar que a
maior parte do pedido de utensílios
escolares resumia-se em resma de papel
para a realização dos exercícios escolares,
aparelhos de tinta e penas para a escrita.
Além das escolas públicas, as particulares
instaladas em localidades onde não havia
escola estatal também poderiam receber
materiais didáticos ao se alegar que aquele
espaço era igualmente freqüentado por
alunos pobres (SIQUEIRA, 1999, p. 343).
Em 1862, a Câmara Municipal de Mato Grosso informou que nenhuma escola existente
na região foi freqüentada por mais de 40 alunos, com satisfatório aproveitamento, porque o
professor era “[...] solícito e inseparável da sua cadeira”. Porém, havia nos arraiais os meninos
que cresciam sem instrução, por isso fazia-se necessário “[...] lembra em seu benefício a
providência de animar os mestres particulares com a gratificação anual de quatro mil réis,
paga pelos Cofres Públicos, por cada aluno que ensinassem [...]”. Assim, professores de
escolas públicas e particulares constantemente solicitavam do governo de Mato Grosso
utensílios de uso escolar, cuja distribuição sempre ocorria de forma precária (MATO
GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1862).
A falta de materiais escolares era objeto de constantes reclamações por parte dos
professores. Nas rias correspondências analisadas circulavam, ao lado dessas queixas
elaboradas pelos mestres e inspetores, pedidos para que as escolas fossem providas de objetos
necessários às atividades pedagógicas, pois sem eles a execução do ensino seria inviabilizada.
No discurso recitado na abertura da primeira sessão da segunda Legislatura da
Assembléia Provincial, em de Março de 1838, o Presidente da Província de Mato Grosso
José Antônio Pimenta Bueno afirmou não haver nenhuma reflexão apresentada pelos
professores que merecesse atenção, “[...] exceto a exigência, que todos os professores de
primeiras letras fizeram de papel e outros utensílios para os alunos pobres de suas aulas, que
por falta de meios para obter tais gêneros, deixavam de ter maior adiantamento [...]”. Mesmo
diante da reivindicação em massa do corpo docente, o Presidente declarou que, devido às
79
despesas eventuais, o governo continuaria “[...] a prestar algum auxílio [...]” até que a
Assembléia Legislativa deliberasse a esse respeito (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Discurso, 1838).
Isso significa que a Presidência passava ao Poder Legislativo a responsabilidade de
instituir a forma de obtenção e distribuição dos utensílios escolares, uma vez que a instrução
pública não possuía normatizações que contemplavam essa questão. Assim, as escolas tinham
que se contentar em receber algum auxílio, levando-se em conta que, por vezes, não
conseguiam obter nenhum tipo de benefício dessa natureza devido à desigual proporção entre
o número de escolas da Província e a verba destinada à compra de materiais.
De acordo com o então Presidente da Província Estevão Ribeiro de Resende, no ano de
1839 a região contava com dezessete escolas, sendo 4 femininas e 13 masculinas, totalizando
o número de 214 alunos, sem contar com os discípulos das 7 escolas particulares fixadas só na
Capital, as quais agregavam 188 estudantes (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Discurso, 1839). Em 1862 o número de escolas públicas primárias tinha crescido para 20,
dentre as quais, 17 estavam providas, contando com a freqüência de 869 alunos.
Contabilizava-se o número de 402 alunos pobres servidos de papel, pena e tinta (MATO
GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1862).
A insuficiência do orçamento público destinado à compra de utensílios escolares foi
demonstrada pelo Presidente da Província Herculano Ferreira Penna ao afirmar que:
[...] o Inspetor Geral observou mais uma vez que é insuficiente a quantia de
450$000 réis anualmente decretada para a compra de papel, penas, tintas e
outros utensílios, que devem ser distribuídos aos meninos pobres,
acrescentando que de tal insuficiência já tem resultado ficarem algumas
escolas sem esse suprimento (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Relatório, 1862).
Ainda nesse relatório, o Presidente reclamou que as escolas primárias da província
mato-grossense padeciam também da escassez de fornecimento de água potável, aumentando,
assim, os gastos com a instrução pública.
No relatório apresentado pelo Presidente da Província, em 1863, o orçamento foi fixado
em R$13:756$000, porém, devido à falta do abastecimento de água, o Inspetor Geral de
Estudos propôs para 1864 o montante de R$15:706$000, a que deveria ainda “[...] acrescentar
alguma quantia para fornecimento de água potável às escolas da Capital, não sendo justo que
essa despesa, de absoluta necessidade, [ficasse] a cargo dos professores” (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1863).
80
Segundo Miranda Reis, para saciar a sede dos alunos durante as aulas, era permitido ao
alunos levarem para escola “[...] bilhas ou garrafas com água ou sair à rua em procura das
fontes públicas; igual permissão lhes era concedida para satisfazerem outras necessidades
naturais”. A medida tomada pelo Presidente diante da deplorável situação foi de ordenar “[...]
que uma carroça do serviço da Repartição de Polícia levasse a todas as escolas da Capital a
água necessária para o gasto dos alunos”. Além disso, Miranda Reis mandou fornecer “[...]
urnas com torneiras para guarda e conservação da água, copos e bandejas” (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1874).
Além dos problemas financeiros para aquisição dos utensílios escolares, a distribuição
dos objetos também sofria com a dificuldade de transporte. Mesmo conseguindo provimento
de papel, pena, tinta, lápis, entre outros, algumas escolas ainda continuavam privadas de
utensílios “[...] pela dificuldade de transporte” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos
Estudos, Relatório, 1876). No ano seguinte, o Inspetor ratificou o entrave no fornecimento
desses objetos, afirmando que encontrava “[...] grandes dificuldades em fazê-los chegar a seus
destinos, especialmente quanto à necessidade se [manifestava] em localidades por onde não
[transitava] o correio” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1877).
Os obstáculos para o transporte dos materiais escolares e das mobílias perduraram por
todo o século XIX. Na década de 1880, também foram constantes as reclamações a esse
respeito. Em relatório apresentado à Assembléia Legislativa, o Diretor Geral Dr. Dormevil
José dos Santos Malhado manifestou que havia imensa dificuldade de prover de utensílios as
escolas criadas em pontos longínquos da Capital, entretanto, segundo o Diretor, ele ia fazendo
o que era possível para supri-las mais do que os professores exigiam. Isso quer dizer que até o
final do período provincial as escolas que se localizavam mais distantes da Capital mato-
grossense continuavam a sofrer com a falta de recursos materiais, pois, em geral, as
necessidades desses estabelecimentos de ensino eram supridas pelos dirigentes somente
quando era possível (MATO GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório,
1880).
Os discursos políticos da época também apontam a necessidade de se prover
gratuitamente o aluno pobre tido por indigente, não com os utensílios mencionados, mas
também com roupas e calçados. Conforme o Inspetor Geral dos Estudos, Manuel José
Murtinho:
Será conveniente porém que a província saia ao encontro da infância pobre e
desvalida, e que lhe facilite os meios de instruir-se votando boas
consignações para o fornecimento gratuito de livros e utensílios,
destinando anualmente uma soma para suprimento de roupa e calçado aos
81
meninos reconhecidamente indigentes (MATO GROSSO, Inspetoria Geral
dos Estudos, 1871).
Em de setembro de 1887, o Presidente da Província Joaquim Ramos Ferreira
declarou, em relatório, que a instrução não conseguia manter os alunos pobres com roupas e
materiais. Apesar dessas reclamações, pouco se fazia para que tais dificuldades impostas ao
desenvolvimento do ensino público de Mato Grosso fossem sanadas. Segundo o Presidente da
Província, o Cel. Barão de Diamantino, o Inspetor dos Estudos Manuel José Murtinho
entendia que a falta de utensílios para as aulas constituía-se em “um grande mal” que o
governo provincial poderia “[...] remediar nas raias do possível” (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Relatório, 1871).
O sucessor de Murtinho, o Pe. Ernesto Camilo Barreto, também se manifestou contra
essa carência. Em uma de suas críticas referentes à precariedade de material nas escolas
provinciais concluiu que:
Enfim, de toda parte da Província professores e Inspetores Paroquiais,
clamam, pedem, instam, oportuna e importante, pelo suplemento de mobílias
e de utensílios para as suas escolas, na maior parte povoada por alunos
pobres, sem poderem ser atendidos, atenta a exigüidade de verba para tal fim
(MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Dessa forma, como aponta o relatório da Inspetoria Geral dos Estudos, contendo a
Relação de Materiais de 1873 havia uma lista de suprimentos para alunos das escolas de
instrução primária do 1º e 2º distritos da Capital, na qual a Inspetoria Geral das Aulas
solicitou à Presidência da Província: 7 resmas de papel; 42 botijas de tinta; 7 dúzias de lápis
de pau; 7 caixas de pela de aço; 7 dúzias de canetas; 7 canivetes finos; 84 exemplares de
livros sortidos; e 84 cartilhas (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relação de
Materiais, 1873).
A tabela abaixo, elaborada com base no Relatório do Presidente da Província José de
Miranda Reis, apresentado à Assembléia Legislativa Provincial, em 03 de maio de 1873,
demonstra quais escolas faziam parte de cada um desses distritos da Capital, bem como o
número de matrícula e de freqüência.
82
Tabela 2 - Escolas Públicas Primárias da Capital – 1873
Escolas
Número de alunos
Matriculados Freqüentes
Paróquia da Sé (1º Distrito da Capital)
- 1ª escola do sexo masculino 96 89
- 2ª escola do sexo masculino 123 120
- 3ª escola do sexo masculino 46 41
- 1ª escola do sexo feminino 91 80
- 2ª escola do sexo feminino 7 7
Paróquia de S. Gonçalo de Pedro II (2º Distrito da Capital)
- Escola do sexo masculino 71 69
- Escola da Cadeia 16 16
- Escola do sexo feminino 31 29
Total
481 451
Fonte: Mato Grosso, Presidência da Província, Relatório (1873).
Ao cruzar os dados contidos na relação de materiais, elaborada pelo Inspetor, com a
quantidade de escolas e o número de alunos existentes nas duas paróquias da Capital, pode-se
verificar que a quantia dos objetos era irrisória e desproporcional às oito escolas ali
estabelecidas, ficando, em média, menos de uma resma de papel, uma dúzia de lápis, uma
caixa de pena, uma dúzia de canetas e um canivete para cada unidade escolar, além de cinco
botijas de tinta, 10 exemplares de livros para os prêmios e 10 cartilhas. Observa-se, assim, que
eram muitas as dificuldades encontradas pelo professor, como por exemplo, 12 lápis ou
canetas e 10 cartilhas eram insuficientes para a realização de exercícios escolares numa sala
de aula com um universo de 40, 80, 100 ou mais alunos.
Pressupõe-se, a partir desses dados, que o uso desses materiais, bem como das
pouquíssimas mobílias, no cotidiano escolar era realizado em forma de rodízio. Segundo
Barreto, precisava haver revezamentos durante as 5 horas letivas para que os alunos pudessem
realizar os exercícios de escrita diariamente (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1874).
O estudo dessas práticas construídas no dia-a-dia da instrução pública primária da
província mato-grossense é compartilhado, nesta pesquisa, com uma visão certeauriana de
Vidal (2004a, p. 62) [grifo da autora], ao afirmar que os “[...] usos, os modos como os sujeitos
lidaram com os materiais que foram distribuídos e/ou impostos a eles [...]” são, ou podem ser,
“[...] perceptíveis nos vestígios do tempo por vezes inscritos nos espaços estratégicos do
poder”.
Em Mato Grosso, os sujeitos comuns, professores e alunos, além de lidar com o que lhes
era distribuído e/ou imposto, mesmo que de forma precária, tinham ainda que manter
funcionado as escolas. Isso ocorria porque, no espaço estratégico do poder estava inscrita a
83
sobrevivência da escola pública primária independentemente da escassez de recursos
materiais. Ou seja, mais do que impor os materiais de uso pelas escolas, o governo provincial
impunha a seus sujeitos a convivência passiva com o funcionamento hipotético nos
estabelecimentos de ensino. Porém, o cotidiano propiciava mil maneiras de fazer da prática
educativa.
De acordo com Vidal (2004a, p. 62), diante do que é imposto aos sujeitos da educação:
[...] portam índices das subversões cotidianas a esse arsenal modelar, quando
percebidos em sua diferença, possibilitando localizar traços tanto de como os
usuários operavam inventivamente com a profusão material da escola quanto
das mudanças, às vezes imperceptíveis, que impetraram nas práticas
escolares.
Pela documentação pesquisada sobre os índices de subversões cotidianas do arsenal
modelar ditado pelo governo provincial mato-grossense, nota-se que professores e alunos das
escolas primárias, frente à imposição de conviverem indiferentemente com a precariedade
física e material das unidades de ensino, inventavam novas maneiras de uso dos materiais que
a elas chegavam.
A tabela a seguir, elaborada pelo Inspetor Geral de Estudos, o Pe. Ernesto Camilo
Barreto, no ano de 1876, ilustra bem a quantidade de materiais distribuídos nas escolas de
primeiras letras de Mato Grosso. Além disso, o sábio Inspetor também aponta indícios de
como e em que condições materiais o ensino público mato-grossense se encontrava.
84
Tabela 3 - Demonstrativo dos Utensílios Precisos para Suprimento
das Escolas da Instrução Primária da Província – 1876
Escolas
Localidades
Nº de
aluno
Alunos
Pobres
Papel Pena Tinta
Lápis
Régua Canivete
Observações
Resma Caixas Ap.
1
Capital
62 28 4-248 6-78ps 190 56 28 14
O papel pede-se na
proporção de 66 folhas
anuais para cada aluno
pobre, 8 escritas por
folha em 226 dias
letivos
2 60 20 3-120 5-8 180 40 20 14
3 61 22 3-252 5-92 180 44 22 14
Penas pede-se na
proporção de uma por
dez dias para cada
aluno pobre
4 40 10 1-260 2-54 120 20 10 14
1
S. Gonçalo de
Pedro 2°
79 52 8-282 12-0 226 106 52 14
Gastando uma escola
com alunos 60
quartinhos de tinta por
ano, e precisando de 2
aparelhos de tinta para
se confeccionar uma
garrafa, pede-se ditos
aparelhos em relação
ao número de alunos
de cada escola
2 50 32 5-112 7-0 150 100 32 14
1 Santo Antonio 64 42 7-232 10-0 192 84 42 14
1 Livramento 51 32 5-244 7-0 152 64 32 14
1 Brotas 47 30 4-380 6-60 140 60 30 14
Pede-se lápis na
proporção de 2 para
cada aluno pobre
durante o ano
1 Guia 35 22 3-252 5-92 104 44 22 14
1 Chapada 18 16 1-392 3-0 54 32 16 14
Pede-se 14 canivetes
para cada escola para
se distribuir 2 para
cada seção
1 Poconé 74 48 7-368 11-0 222 96 48 14
1
Cidade de Mato
Grosso
57 38 6-108 9-0 170 76 38 14
Pede-se uma régua
para cada aluno pobre
1 Diamantino 55 36 5-376 8-50 164 79 36 14
1 Rosário 90 60 9-360 14-0 270 120 60 14
1 Miranda 32 20 3-120 5-8 96 40 20 14
1 Herculânia 36 24 3-384 5-80 108 48 24 14
1
Santana do
Paranaíba
26 17 2-256 3-20 78 31 57 14
1
S. Luiz de
Cáceres
102 68 10-356 16-0 360 136 68 28
2 617 105-242
144-
4212
3112 1270 617 280
Fonte: Mato Grosso (Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1876).
Essa tabela é bastante significativa para o mapeamento da conjuntura da cultura material
escolar da província de Mato Grosso, por não se limitar apenas a oferecer dados quantitativos
referentes aos utensílios escolares, expressando, antes, práticas do cotidiano escolar.
A partir dessas notas, é possível verificar a racionalização das folhas de papel para a
realização dos exercícios escolares, sendo que cada aluno deveria utilizar apenas uma folha de
papel em 8 seções de escrita, resultando numa proporção de 66 folhas de papel por aluno,
durante os 226 dias letivos. Pelos cálculos de Barreto, cada estudante pobre recebia, ou
deveria receber, 1 pena de aço a ser utilizada durante 8 dias letivos, aproximadamente.
Solicitavam-se 14 para cada unidade escolar, sendo que em todas as seções de ensino o
85
professor deveria distribuir, ou pelo menos deixar disponível aos alunos, 2 canivetes que
serviam como apontador dos lápis de madeira, além de 1 régua para uso individual. A
explicação do modo pelo qual deveriam ser distribuídos e utilizados os utensílios escolares
revela que a instrução primária sofria com a escassez e a distribuição desses materiais
didáticos.
O Diretor Geral da Instrução Pública decidiu criar um livro de controle sobre os
materiais distribuídos nas diferentes escolas, para acompanhar as despesas dos cofres públicos
de Mato Grosso com móveis e utensílios. A esse respeito, o próprio Diretor prescreveu:
Não havendo na Secretaria documento algum justificativo dos utensílios
distribuídos pelas diferentes escolas, criei um livro para tal fim, com uma
folha destinada a cada professor, onde se lhe faz carga de tudo quanto
receber, assinando o Secretário e destinatário, depois de passar este o
competente recibo. Também criei um livro para carga da mobília de cada
escola, de modo que se possa conhecer, em um momento dado, o estado das
escolas em relação à mobília e utensílio (MATO GROSSO, Diretoria Geral
da Instrução Pública, Relatório, 1880).
O Livro de carga de utensílios fornecidos às escolas públicas para os alunos pobres,
datado de 1880 a 1889, apresenta a relação dos materiais enviados às escolas primárias da
província de Mato Grosso, permitindo visualizar o tipo e a quantidade de objetos destinados a
esses estabelecimentos. Nessa fonte foi verificado esse registro apenas dos anos de 1885,
1886 e 1889.
De acordo com tais registros, os materiais utilizados no ensino primário em Mato
Grosso na década de 1880 eram: resma de papel, penas de aço, aparelhos de tinta, canetas,
giz, lápis, tesoura, canivetes, livros de registro das escolas (material de expediente), cadernos
com pauta, silabários e compêndios escolares de Leitura e Escrita, de Aritmética, de
Doutrinação Cristã, de Física e de Desenho Linear. Mesmo com essa tentativa de se exercer
maior controle sobre os materiais escolares distribuídos, os estabelecimentos de ensino
continuavam sofrendo com a falta de provimento de mobílias e utensílios.
O Diretor Geral da Instrução Pública Alfredo José Vieira, no último ano de vigência do
período provincial declarou ao Presidente da Província que, sem “[...] adorno, sem o material
e utensílios recomendados pela pedagogia, [continuavam] as escolas em verdadeiro estado de
pobreza, sendo impossível atender-se ainda ao mais urgente para o regular funcionamento das
mesmas” (MATO GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório, 1889). Isso
revela que a falta e a escassez de elementos materiais expressos nos discursos dos governantes
86
constituíam-se em uma das formas de se justificarem as precárias condições de
funcionamento da escola primária.
Considera-se interessante estudar, com propriedade, a especificidade de cada um dos
itens integrantes do conjunto de utensílios que deveriam configurar o cotidiano escolar mato-
grossense, em especial o ensino da leitura e da escrita. Contudo, como o tempo despendido
nesta pesquisa não foi suficiente para a realização de tal faceta, privilegiou-se a investigação
dos livros escolares (literatura infantil e livros didáticos), uma vez que sua análise possibilita
compreender sobremaneira a relação entre as finalidades e as práticas desencadeadas no
processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Assim, são estudados a seguir, os materiais
didáticos de circulação nacional que tiveram ressonância em Mato Grosso.
2.3.1 Livros escolares como suporte material da prática da leitura
Em muitas nações, como França e Inglaterra, o século XIX constituiu-se num período
histórico pródigo em termos de consolidação de um sistema de produção literária voltada ao
público infantil, tanto no que diz respeito aos livros didáticos como aos contos infantis, em
decorrência do progresso da indústria gráfico-editorial e do incremento da taxa de
alfabetização.
De acordo com Lajolo e Zilberman (2003), o livro didático talvez seja uma das
modalidades mais antigas de expressão escrita:
Em certo sentido, pode-se considerar a Poética, de Aristóteles, um ancestral
seu, que resulta de notas das aulas ministradas pelo filósofo, em pleno
século IV a. C. Se esse exemplo pode constranger, citemos a Institutio
oratória, de Marcus Fabius Quintiliano, professor atuante no século I d.C.,
que, no décimo livro dessa obra inseriu uma apreciação sumária dos
principais autores gregos e latinos, menos como resumo bibliográfico do que
como esboço de uma espécie de ‘biblioteca mínima’ dos alunos de Retórica
(LAJOLO E ZILBERMAN, 2003, p. 120) [grifos das autoras].
Apesar de ter nascido em berço ilustre, o livro didático “[...] é o primo-pobre da
literatura, [...] Sua história é das mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros
didáticos não são conservados, suplantado seu ‘prazo de validade’ ”. Em contrapartida, ele é
considerado o “[...] primo-rico das editoras [...]”, uma vez que sua venda é certa por contar
“[...] com o apoio do sistema de ensino e o abrigo do Estado, é aceita por pais e educadores”
O livro didático auxilia na reconstituição da história do ensino da leitura e da escrita,
entendida nesta pesquisa como história das disciplinas escolares Ler e Escrever. Isso porque
87
“[...] sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de um
indivíduo: é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da aprendizagem da tradição
literária; manual [...]” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2003, p. 120-121).
Assim como os compêndios escolares, os livros de literatura infantil também passaram a
circular em diversos países a partir do século XIX, contudo o universo escolar privilegiou o
livro didático.
Segundo Tambara (2003a, p. 97), os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm “[...] destacaram-
se pela compilação de uma série de contos de grande simpatia em todo o mundo”. Entre as
narrativas traduzidas para o português, os contos Os músicos de Bremen, Os sete anões e
Branca de Neve, O alfaiate valente e Joãozinho e Maria foram os mais propagados no
território brasileiro.
Tal qual os irmãos Grimm, o escritor de Literatura Infantil Claude Andersen (1805-
1875) conseguiu uma grande aceitação de seus contos infantis no Brasil. Entre suas historietas
destacam-se O Patinho Feio, O soldadinho de Chumbo, A Pastora e o limpador de chaminés,
A pequena Vendedora de fósforos e A Roupa Nova do Imperador. Também merecem
prestígio alguns textos infantis de Carlos Perrault (1628-1703), publicados no século XVII,
como O Pequeno Polegar, A Bela Adormecida, O Gato de Botas, Chapeuzinho Vermelho, O
Barba Azul, As Fadas, A Gata Borralheira ou Cinderela e Henrique, o Topetudo
(TAMBARA, 2003a, p. 97).
Apesar de esses contos da literatura infantil, considerados clássicos, terem ganhado
destaque entre as produções em circulação no século XIX, eles não tiveram o mesmo emprego
no processo de constituição da leitura escolar no âmbito da instrução primária brasileira.
Também de acordo com o pesquisador,
essa situação decorreu, a rigor,
[...] da orientação jurídico-institucional emanada pelo sistema político do
Império brasileiro, que, sob a influência do regime de padroado vigente,
recomendava a adoção de sistemas da aprendizagem de leitura escolar
baseados em textos bíblicos e/ou com específica orientação religiosa e
concomitantemente, a utilização de textos associados ao sistema político
imperial como, por exemplo, a Constituição do Império Brasileiro
(TAMBARA, 2003a, p. 97).
E natureza dos conteúdos dos textos escolares destinados à leitura nas escolas de
primeiras letras priorizava elementos moralizadores associados à doutrina religiosa católica e
às diretrizes institucionais do Império, preferindo a leitura de textos de doutrinação cristã ou
de textos legais, como por exemplo, a Constituição do Império.
88
Em decorrência disso, no século XIX, quanto aos clássicos da literatura infantil, estes
foram “[...] solenemente ignorados como textos de leitura escolar [...]”, uma vez que a
literatura utilizada na escola decorria meramente de “uma adaptação da leitura originalmente
escrita para um público adulto [...]” (TAMBARA, 2003a, p. 110).
A Lei de 15 de outubro de 1827, considerada como a primeira legislação brasileira,
dispunha, em seu Art. 6º:
Os professores ensinarão a Ler, Escrever, as quatro operações d’Aritmética,
prática de quebrados, decimais, e proporções, as noções mais gerais de
Geometria prática, a Gramática da Língua Nacional, e os princípios da Moral
Cristã, e da Doutrina da Religião Católica, e Apostólica Romana,
proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as Leituras a
Constituição do Império, e a História do Brasil (BRASIL, 1827).
Nota-se que essa legislação explicitava o anseio do governo em associar a leitura nas
escolas aos elementos ideológicos do catolicismo e dos preceitos do Império. Essa
determinação evidenciava que a preferência por conteúdos doutrinários (religiosos e políticos)
imbuídos nos textos escolares de primeiras letras tinha como finalidade a moralização do
nascente cidadão brasileiro. Segundo Tambara (2003a, p. 99), a associação entre Igreja e
Estado permitia ao apostolado católico realizar “[...] um violento processo de censura
doutrinária [...]” mediante a submissão dos manuais escolares, entendidos também como
livros didáticos ou compêndios escolares.
Tambara (2003a,) realizou um levantamento e uma análise da natureza dos textos de
leitura utilizados nos estabelecimentos escolares brasileiros de primeiras letras, no século
XIX, com base na:
[...] ‘tabela de leitura para a escola de ensino mútuo’ elaborada pelo Governo
Imperial, em 1833, e relações de livros de leitura constantes [...] em
relatórios de presidentes de várias províncias do Império [...] relações dos
utensílios constantes nas aulas de primeiras letras; relações dos utensílios
constantes nos almoxarifados; relações de textos de leitura constante dos
relatórios de inspetores escolares (TAMBARA, 2003a, p. 103).
De acordo com o autor, a tabela de textos de leitura “[...] evidencia os processos e
estratégias de doutrinação ideológica subsumida no sistema de ensino de leitura”. A leitura da
doutrina cristã, da bíblia e das histórias morais era realizada nas classes de iniciação ao
mundo letrado. Nas classes mais elevadas, “[...] utilizavam-se livros com nítido conteúdo
‘ideológico-moral’ como, por exemplo, ‘História de Simão de Nantua’ e textos vinculados à
Constituição do Império concomitantemente com manuais de história do Brasil”
(TAMBARA, 2003a, p. 105) [grifo do autor].
89
Nesse período, os textos de Doutrina Cristã, mais utilizados nas aulas de primeiras letras
no Brasil foram:
O Catecismo Histórico’ do padre e escritor francês Claude Fleury,
publicado pela primeira vez na França, em 1619, e o Catecismo da Diocese
de Montpellier’ elaborado pelo bispo Charency, e traduzido para o português
ainda no século XVIII. A partir de meados do século XIX predominava a
utilização do Catolicismo de Doutrina Cristã’ elaborado pelo cônego
Fernandes Pinheiro (TAMBARA, 2003a, p. 105) [grifos do autor].
Paralelamente aos livros de Catecismo, perduraram também os textos de leitura de
cunho ideológico-moral representados pelos escritos de doutrinação cristã e, especialmente,
pelas “[...] Fábulas de Esopo’, pelo ‘Thesouro de Meninos’, de Pedro Blanchard, e pelo A
Ciência do Bom Homem Ricardo’, de Bejamin Flanklin” (TAMBARA, 2003a, p. 105) [grifo
do autor].
Segundo Zilberman (2002, p. 73-74) [grifos da autora], os livros de leitura ficaram
conhecidos pelos estudantes desde o começo do século XIX. Para a autora, “Um dos
primeiros foi provavelmente o Tesouro de meninos, livro francês traduzido por Mateus José
da Rocha. Outro exemplo que seguiu a mesma perspectiva foi o livro Leitura para meninos”,
publicado pela Imprensa Régia, em 1818, e reeditado em 1821, 1822 e 1824, constituindo
uma “[...] coleção de histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras e um
diálogo sobre a geografia, cronologia, história de Portugal e história natural, obra organizada
por José Saturnino da Costa Pereira”.
Mediante a compilação dos dados referentes à natureza dos livros utilizados nas escolas
de instrução pública primária, Tambara (2003a, p. 113) [grifos do autor] conclui que:
[...] os textos mais utilizados para o exercício da leitura, no início do século
XIX, no Brasil, foram principalmente o Catecismo Histórico’, de Cláudio
Fleury e as ‘Fábulas de Esopo’. A seguir, estas obras foram substituídas pelo
Tesouro de Meninos’, de Pedro Blanchard, e pelo Simão de Nantua ou o
Mercador de feitas’, de Lourenço Pedro Jussieu.
Isso significa que, além da preferência atribuída à leitura da Constituição do Império e
da História do Brasil, o cotidiano das escolas nacionais acrescentaram mais alguns aportes
materiais para assegurar a “moralização” e a “civilização” em seu interior. A leitura e a
escrita, tidas como disciplinas escolares da época, serviam, pois, como um dos instrumentos
dos dirigentes políticos para a disseminação do ideário de construção do Estado-Nação.
Na cultura escolar primária da província mato-grossense, os preceitos morais e
religiosos difundidos pela Igreja também estavam presentes no contexto escolar, e através da
leitura de textos de doutrinação cristã, buscava-se ensinar e inculcar condutas moralizadas e
90
doutrinárias que beneficiassem os interesses dos governantes. Dentre os livros de doutrinação
cristã da época, merece destaque o de Abade Pimentel, por ter sido freqüentemente utilizado
no interior da escola primária mato-grossense até a década de 1870.
Tambara (2003b, p. 210) [grifos do autor] descreve Pimentel e sua obra da seguinte
forma:
PIMENTEL, A. J. de M.
Abade de Salamonde. Escreveu:
Cartilha ou compêndio da doutrina cristã ordenado para perguntas e
respostas. Contém toda a doutrina e orações que se costumam ensinar aos
meninos, explicadas com distinção e clareza. Paris: Aillaud, Guillard.
O opúsculo de Pimentel era exclusivamente de cunho doutrinário cristão, podendo ser
considerado um tipo de manual de condutas moralizadoras, destinado ao público infantil, pois,
ao conter doutrinas e orações ordenadas em forma de perguntas e respostas, facilitava a
inculcação dos valores expressos em seu conteúdo.
A partir da metade do culo XIX, o tipo de conteúdo cultural e ideológico contido em
livros, como o do Pe. Abade Pimentel, passou a ser combatido por liberais, que eram
contrários ao controle social que a Igreja pretendia exercer sobre a população.
A postura liberal, voltada a combater o poder da Igreja, paulatinamente foi ganhando
força no Brasil. Assim, em “[...] meados do século XIX, observou-se a consolidação de um
forte movimento anti-clerical que visava retirar o poder da Igreja nas salas de aula”
(TAMBARA, 2003a, p. 102).
Em Mato Grosso, os textos doutrinários e moralizadores de ordem católica passaram a
ser menos freqüentes no cotidiano escolar a partir da década de 1870. Até esse período, além
da leitura dos textos de Doutrinação Cristã, de Abade Pimentel, os alunos das escolas
primárias da província mato-grossense também desenvolviam essa prática por meio de
materiais impressos e/ou manuscritos que eles mesmos levavam de suas residências, não
havendo uniformidade dos textos empregados na alfabetização. Cabia ao professor o trabalho
de verificar e julgar se determinado material poderia ou não ser utilizado por seus alunos,
como se observa na leitura do Relatório de 1867, da Inspetoria Geral dos Estudos:
Quanto à instrução religiosa não passa em todas as escolas além da que
ensina a cartilha de Pimentel. Na leitura os meninos lêem aquilo que seus
pais lhes dão, estando da parte dos mestres proibirem o que for
inconveniente ou incorreto (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1867).
Com a falta de livros didáticos na Província, em 22 de fevereiro de 1870, o Inspetor
Joaquim Gaudie Ley encaminhou ofício ao Presidente da Província, solicitando a compra, no
91
Rio de Janeiro, de materiais para as escolas blicas. Dentre eles, contavam os seguintes
compêndios escolares: Artes de Gramática, de Alchides Monteverde; Elementos de
Aritmética, de Besout; Cartilhas de Doutrinação Cristã, de Abade Pimentel; Catecismo da
Doutrina Cristã, de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro; Pequeno Catecismo Histórico ou
Compêndio de História Sagrada, de Trince; Livros da Mocidade, de José Sousa Pereira da
Cruz Júnior; e Compêndio de Civilidade, que não apresentou o nome do autor (MATO
GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Ofício, 1870).
Apesar do pedido feito pelo Inspetor, o requerimento não foi atendido. Diante da
situação da escassez de compêndios, Gaudie Ley, em relatório apresentado à Presidência da
Província, em 20 de abril de 1870, declarou:
A falta absoluta de compêndios, para cuja aquisição a Assembléia Provincial
nunca consigna meios suficientes, tem também ocasionado que, a exceção da
cartilha do Padre Pimentel para ensino da doutrina cristã, os meninos lêem
somente os que seus pais lhes fornecem, ficando ao professor o cuidado de
proibir o que for incorreto, ou de algum modo inconveniente. Para o ensino
da Língua Nacional e da Aritmética estão, desde muito, adotados com bom
resultado os compêndios de Emilio Achiles Monte Verde e de Besant
(MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1870).
A referida situação foi justificada pelo Inspetor como conseqüência da falta absoluta de
compêndios e pelo desprovimento financeiro por parte da Assembléia Provincial.
Assim, o fato de as escolas primárias iniciarem o aluno no universo da alfabetização
sem adotar um material específico, somado à possibilidade de os estudantes levarem de suas
próprias casas livros ou manuscritos, fazia com que a prática de professores fosse
diversificada. Nessa dimensão, aqueles que freqüentavam as escolas de primeiras letras
conviviam com uma heterogeneidade de textos não no que dizia respeito ao seu conteúdo
cultural e ideológico, mas também à sua estrutura escrita.
Essa ausência de homogeneidade incomodava os dirigentes da época, que primavam
pela padronização do ensino. Na visão do Inspetor Manuel José Murtinho, a tão almejada
uniformidade só seria possível na Província caso se organizasse o quanto antes um sistema de
compêndios para uso nas escolas (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório,
1871).
Observa-se que na cultura escolar primária do século XIX, os “[...] livros didáticos se
apresentaram, ao lado dos métodos de ensino, como poderosos aliados da pedagogia
moderna”. Esses serviriam como indicadores do que os alunos deveriam estudar e retiravam,
até certo ponto, “[...] a autoridade e o saber absoluto e irrefutável do antigo professor gio”,
passando a ser “[...] o território dos programas de ensino, constantes das Reformas e
92
Regulamentos e seus conteúdos substanciados no livro didático”. Dessa forma, a adoção e
padronização de métodos e compêndios garantiriam a uniformidade no sistema escolar, e
conseqüentemente os livros didáticos passariam “[...] por irreversível processo de
homogeneização [...]” (SIQUEIRA, 2000, p. 227).
Contudo, mesmo que a cultura escolar da época atribuísse aos métodos de ensino e aos
livros didáticos a finalidade de uniformização do sistema escolar, as práticas manifestadas
nessa cultura acabaram expressando uma diversificação no cotidiano. De acordo com o
Presidente da Província Herculano Ferreira Penna, não era possível padronizar as escolas
quanto ao uso de compêndios do grau devido à grande escassez de livros e às dificuldades
para sua aquisição (Mato grosso, Presidência da Província, Relatório, 1862). Isso porque o
livro era um artigo caro e de luxo. O custo elevado explicava-se por vários motivos, tendo
destaque o fato de muitos serem importados, em especial, de Portugal e da França, ou ainda
pela ínfima existência de tipografias nacionais e dos preços exorbitantes dos materiais que
dariam suporte à produção, tais como papel e tinta.
Segundo Lajolo e Zilberman (2003, p. 64), a “[...] Impressão gia, depois as
tipografias aparecidas no Rio de Janeiro, mais adiante os editores Laemmert, Garnier e outros,
foram preenchendo lacunas [...]na distribuição dos impressos do Brasil. Quanto aos livros
didáticos, Siqueira (2000, p. 226) explica que “O percurso dos livros didáticos no Brasil
manteve estreita relação com o desenvolvimento da imprensa nacional, impulsionada pela
vinda da Família Real, em 1808”. Contudo, a imprensa oficial, por se dedicar quase que
exclusivamente à publicação de manuais de caráter militar e administrativo, pouco se
preocupou com os livros escolares, incorporando apenas alguns de caráter didático.
As províncias brasileiras acompanharam, cada uma a seu estilo, o modelo editorial da
Corte ao longo do século XIX, da seguinte forma:
Bahia, precursora da atividade editorial em 1810 [...] Outra província onde a
imprensa floresceu na primeira década do século passado, foi Minas Gerais,
seguida o Maranhão, cuja elite algodoeira apoiou a instalação da imprensa
na região que contava com extrema facilidade de contatos diretos com a
Europa. [...] das províncias nordestinas, a pernambucana, paraibana e
paraense compõem aquelas que tiveram livreiros e editores. As demais,
somente a partir da segunda década do último século obtiveram um impulso
editorial, momento em que foram instaladas as imprensas: São Paulo (1827),
Rio Grande do Sul (1828), Goiás (1830), Santa Catarina (1831), Rio Grande
do Norte (1832), Sergipe (1832), Espírito Santo (1840), Paraná (1853)
(SIQUEIRA, 2000, p. 227).
De acordo com Rodrigues (1960, p. 130), a imprensa de Mato Grosso foi criada em
agosto de 1838. Segundo Siqueira (2000, p. 90) [grifo da autora], o nascedouro oficial da
93
imprensa em território mato-grossense teve como marco “[...] o surgimento do Themis
Matogrossense, jornal criado em 1839, quando Pimenta Bueno governava a Província”.
Contudo, essa instância não investiu na produção de materiais didáticos.
Conforme a autora:
Somente em meados do século XIX é que foi implantada a imprensa na
província de Mato Grosso, porém, durante todo esse século, não foi
registrada qualquer obra impressa. Dessa forma, os compêndios didáticos
utilizados nas escolas mato-grossenses eram adquiridos na Europa e no Rio
de Janeiro (SIQUEIRA, 2000, p. 227).
Assim, Mato Grosso dependia do fornecimento de livros, entre outros materiais
impressos, advindos das tipografias instaladas no Rio de Janeiro e até mesmo da Europa. Em
geral, esse provimento ficava caro aos cofres públicos, sem contar o alto custo com o
transporte.
A falta de uma tipografia própria fazia com que essa distribuição ocorresse de forma
precária em Mato Grosso, aumentando ainda mais a probabilidade de variedade de objetos,
uma vez que a cada remessa a Província poderia receber apenas o que estivesse disponível na
Corte Imperial, na ocasião do pedido.
A variedade era tanta que, em 1874, Pe. Ernesto Camilo Barreto afirmou que os alunos
chegavam a levar até “tiras de jornais”. Nesse mesmo documento, Barreto também noticiou o
uso de Cartas do ABC no cotidiano escolar da Província (MATO GROSSO, Inspetoria Geral
dos Estudos, Relatório, 1874). Essa demonstração de diversificação de gêneros textuais
empregados nas seções de ensino constituía-se em uma manifestação de crítica do Inspetor,
uma vez que este defendia a uniformidade nos livros utilizados nas escolas primárias.
Obras como Íris Clássica, do “[...] ilustre
José Feliciano de Castilho [...]”, que deveria
ser adotada para uso de todos os alunos das escolas da Província, eram distribuídas apenas
como prêmios, pois as remessas que chegavam eram insuficientes em termos quantitativos
(MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1863).
A obra mencionada pelo Presidente da Província intitulava-se “[...] Ortografia
portuguesa e missão dos livros elementares correspondência oficial relativa ao Íris
Clássico”, sendo reeditada pela vez no Rio de Janeiro, na Tipografia e Livraria de B. X.
Pinto de Souza, no ano de 1860. Além desse opúsculo, José Feliciano também publicou
Instrução Popular, na província do Rio de Janeiro, porém não consta o ano em que foi
publicado ou editado (TAMBARA, 2003b, p. 72) [grifo do autor].
A caracterização apresentada por Tambara (2003b) permite inferir que Íris Clássica
poderia ter sido utilizada na escola primária de Mato Grosso, tanto no ensino de 1º grau (Ler e
94
Escrever), ou ensino elementar, correspondente às primeiras classes de leitura (1ª a
classes), como também no ensino de 2º grau (Ler, Escrever e Gramática da Língua Nacional),
ou ensino complementar, similar às classes mais adiantadas na leitura (6ª a 8ª classes).
De acordo com o Inspetor Geral dos Estudos Joaquim Gaudie Ley, o “[...] compêndio
de Gramática da Língua Nacional, escrito por E. A. Monteverde, e o de Aritmética, por
Besout [...]” foram os adotados para a única escola de grau, que se localizava na capital
mato-grossense (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1867).
A obra descrita pelo Inspetor Gaudie Ley originalmente recebeu o nome de Arte Nova
da Gramática da Língua Portuguesa para uso das escolas de instrução primária. Além desta
obra, que ficou conhecida em Mato Grosso, o escritor Emílio Achiles Monteverde publicou
ainda:
Método para aprender a ler, tanto a letra redonda como a manuscrita, no
mais curto espaço de tempo possível, [...] seguindo de máximas, sentenças e
pensamentos morais, de um resumo da história natural, de fábulas, e de
várias noções elementares. 12º edição. Lisboa: Imprensa Nacional, 1878;
Manual enciclopédico para uso das escolas de instrução primária. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1861, 700 p;
Hino à infância ou manual de história sagrada para uso das crianças que
freqüentaram as aulas, tanto em Portugal como no Império do Brasil
(TAMBARA, 2003b, p. 182) [grifos do autor].
Concorda-se com Siqueira (2000, p. 206) ao afirmar que Monteverde não se detinha
exclusivamente ao ensino da leitura. Os próprios títulos das suas obras, apresentadas por
Tambara (2003b), demonstram que o autor também se dedicava a produzir textos que
contemplassem o ensinamento de preceitos morais e religiosos.
A partir da cada de 1870, a administração da província de Mato Grosso passou a se
apresentar de forma mais aberta às propostas educacionais da época. O Gabinete de Leitura,
criado pela Lei 15, de 4 de julho de 1873, e instalado em uma sala da Câmara Municipal,
em 30 de abril de 1874, foi fundado como um espaço cultural destinado à leitura, uma
biblioteca pública freqüentada por leitores da época. Os livros disponíveis no Gabinete tinham
sido granjeados pelo governo por meio de doações ou comprados por meios de arrecadação
tributária realizada pelos cofres públicos da Província.
O Inspetor de Estudos, Pe. Ernesto Camilo Barreto, em 1877 observou a progressão de
freqüência no Gabinete, apresentando também algumas obras consultadas. Segundo ele:
Possuía este estabelecimento em 1875, 1222 volumes entre encadernados e
brochades. No ano findo, dez requisição de mais 68 volumes, dos quais 14
de obras que para ele comprei e 54 brochuras remetidos pela Presidência da
Província e outras repartições.
95
Atualmente, portanto, o algarismo dos volumes de que é proprietário sobe a
1.290.
Em 1874 foi o gabinete freqüentado por 136 leitores.
Em 1875 por 148.
Em 1876 por 177
Neste último ano foram consultadas diversas obras, a saber:
Em Português 153
Em Latim 15
Em Francês 2
Em Espanhol 3
Total 173
(MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1877).
Todavia, esse espaço de leitura não foi criado com a intenção de servir aos alunos
pobres da Província ou, pelo menos, de apoio pedagógico aos matriculados na instrução
primária. De acordo com Siqueira (2000, p. 237), os secundaristas foram “[...] os
freqüentadores quase que exclusivos do Gabinete de Leitura, pois representavam a promissora
reprodução das elites”. Isso ocorria porque o estabelecimento destinava-se àqueles que
estavam sendo instruídos a utilizar o domínio pleno da escrita para assumir socialmente
posições que requeriam a técnica de redigir e emitir em forma de discursos pareceres,
regulamentos, projetos de lei, constituições ou obras literárias e científicas. O Gabinete de
Leitura foi criado, nessa medida, para atender prioritariamente aos membros da elite,
integrada por representantes políticos e famílias tradicionais que detinham posses financeiras.
No que se refere à oferta dos livros didáticos, a providência do governo mato-grossense,
com o intuito de melhorar a distribuição deles, foi criar o Conselho Literário, através do
Regulamento Orgânico da Instrução Pública, promulgando-o em 04 de julho de 1873. Esse
Conselho recebeu a incumbência de escolher e revisar os compêndios utilizados nas escolas,
de modo que todos os estabelecimentos de ensino fossem providos de tais materiais.
Segundo o Inspetor Barreto, o Conselho Literário realizou sua primeira reunião em 11
de dezembro de 1873, tendo como objetivo escolher as obras que servissem às seções de
Leitura e Doutrinação. Depois de examinar os livros, o Conselho selecionou os seguintes para
serem adotados nas escolas públicas mato-grossenses: “[...] a Gramática da Infância, pelo
cônego Dr. Fernandes Pinheiro, o Novo Expositor Português, por Lacerda, a Cartilha, do
Abade Pimentel e a História Bíblica, pelo Exmo. e Revmo. Sr. D. Antônio de Macedo Costa,
Bispo do Pará”. Contudo, a listagem apresentada não incluía obras de História, Geografia e
Aritmética, por falta de verba provincial. (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1874). Todavia, a partir dessa decisão, quais os livros que de fato fizeram parte do
cotidiano escolar de Mato Grosso nas décadas de 1870 e 1880?
96
Apesar dos compêndios citados acima terem sido aprovados pelo Conselho, quase não
fizeram parte do cotidiano escolar até o final do período provincial. A maior parte dos livros
distribuídos nas escolas primárias nas duas últimas décadas do Império decorreu de doações
de escritores e de ilustres dirigentes políticos, que, mesmo administrando outras províncias do
País, enviavam às províncias mais desprovidas, entre elas, Mato Grosso, uma expressiva
quantia de exemplares.
Em meio às obras escolares doadas à Província, as que mais ressoaram na região foram
as de Abílio César Borges.
Figura 10: Abílio César Borges
Fonte: Alves (1942)
Segundo Zilberman (2002, p. 74) [grifo da autora],
Borges foi o “[...] mais célebre autor de livros didáticos
do período imperial [...] tido por inspirador de Aristarco
Argolo de Ramos, personagem de O Ateneu, de Raul
Pompéia”. Seus livros começaram a ser produzidos na
década de 1860, na Bahia, mas sua influência estendeu-
se por todo o Império até o final do século, ultrapassando
o ano de 1888, momento em que Pompéia lançou seu
romance.
A província de Mato Grosso recebeu várias remessas de doação de alguns compêndios
do Barão de Macaúbas, tendo-se notícias de pelo menos cinco deles, datados nos anos de
1874, 1876, 1879 e 1882.
Em ofício encaminhado à Presidência da província mato-grossense, em 18 de agosto de
1876, Abílio César Borges confirmou o envio de uma remessa de livros às escolas locais e
prometeu o encaminhamento de uma nova ofertada para subsidiar os alunos pobres. De
acordo com o autor:
Em 1874, tendo-me sido comunicado que as escolas dessa Província
padeciam falta absoluta de livros, porque o Tesouro Provincial em penúria
ano permitia fornecê-los desses principalíssimos instrumentos do ensino,
sem os quais pouco valem escolas, ofereci para as mesmo 1.200 exemplares
dos meus compêndios escolares. [...] no desejo de concorrer para que vão
penetrando alguns raios de luz nessas trevas espessas que ainda envolvem
os espíritos, resolvi fazer novo oferecimento de três mil exemplares dos ditos
meus livros para serem distribuídos pelos alunos pobres mato-grossense, que
freqüentam as escolas. Esses livros acham-se à disposição de V. Ex. e serão
entregues a quem V. Exa. Determinar (BORGES, 1876).
Considera-se que as doações de livros escolares quase não chegavam a beneficiar os
alunos pobres, uma vez que a maneira de distribuí-los favorecia majoritariamente àqueles que
no futuro utilizariam o domínio da leitura e da escrita na vida social, pois, na visão dos
97
dirigentes políticos da época, a camada dos homens livres pobres deveria apenas concluir o
ensino primário, dominando pouco o universo da escrita, ou seja, aprendendo
rudimentarmente a ler e escrever.
Assim, com base em Siqueira (2000, p. 236) e nos relatórios da época conjetura-se que a
maioria dos alunos abastados integrantes da elite, formada por políticos, famílias
tradicionais e detentores de grande extensão de terras e comércio teve acesso aos livros
distribuídos nas escolas públicas.
Esse pressuposto ganha sentido ao se analisar que o uso dos livros geralmente ficava
restrito aos alunos que tinham passado pelo processo de aprendizagem das letras e labas,
portanto estavam lendo palavras, frases e textos. Conseqüentemente, a literatura doada às
escolas acabava sendo mais utilizada pelos estudantes que conseguiam permanecer
freqüentando as aulas até o alcance das últimas classes de leitura. Além disso, quando o
número de exemplares ofertados era diminuto, a distribuição restringia-se à premiação
daqueles que se destacavam devido à demonstração de aprendizagem ou por “bom
comportamento”.
Na verdade, as doações realizadas por personalidades políticas e escritores da época
deveriam complementar o investimento do governo nessa área, porém, na prática cotidiana, os
donativos substituíam, por vezes, a ação dos dirigentes em prover as escolas primárias da
Província com os utensílios necessários às atividades pedagógicas da instrução pública.
O Inspetor Barreto, em relatório apresentado ao Presidente, declarou, no ano de 1876
que:
Da verba decretada no exercício findo para compra de compêndios pouco se
gastou; porque, além de haver empregado convenientemente a votada em
1873, o Dr. Abílio César Borges ofereceu em benefício da Instrução Pública
da Província, 1.200 exemplares de seus compêndios, os quais foram
entregues nesta Inspetoria [...]
Além desse donativo o Exmo. Sr. Ministro da Agricultura remeteu, e foram
recebidos nesta Repartição, 180 exemplares do Brasil na Exposição de Viena
d’Áustria, para serem distribuídos pelas escolas, como foram.
Também o Comendador Salomão Alves Corrêa entregou-me a quantia de
29$870 para compra de gramáticas da língua nacional para a escola da vila
do Rosário do Rio Acima. Realizei a vontade do dito cidadão e espero a
oportunidade para a remessa dos ditos compêndios (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1876).
Nesse relatório, o Inspetor demonstrou que, no ano de 1876, a província de Mato
Grosso recebeu a doação de três tulos de obras destinadas à escola primária: duas de livros
didáticos e uma de prêmios escolares. O número de exemplares (1.200) doados por Abílio
César Borges, conhecido como Barão de Macaúbas, serviram de provimento às escolas
98
primárias e, provavelmente, destinaram-se ao ensino da leitura e da escrita. Tudo indica que
os donativos dos 180 exemplares de Brasil na Exposição de Viena d’Áustria, ofertados pelo
Ministro da Agricultura, foram usados como prêmios escolares, devido à sua diminuta
quantidade. Nota-se, também, que a subvenção feita pelo Comendador Salomão Alves Corrêa,
na quantia de 29$870, serviu para a compra de gramáticas da língua nacional.
Em 05 de julho de 1882, a Instrução Pública recebeu nova remessa de 25 exemplares de
poesias líricas de Luis de Camões, a ser oferecida como prêmio escolar. Ainda nesse ano, em
ofício de 4 de agosto, o governo remeteu à Diretoria da Instrução Pública 1.045 exemplares
dos compêndios do Barão de Macaúbas, que foram enviados pelo Ministério do Império a fim
de serem distribuídos aos alunos pobres que freqüentavam as escolas públicas da Província. A
saber:
Aritmética: 570
Pequeno Tratado de Leitura: 225
Geometria Prática: 100
Gramática Portuguesa: 100
1º Livro de Leitura: 30
Os Lusíadas: 20
Total: 1.045
(MATO GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório, 1882).
Para Siqueira (2000, p. 229) [grifos da autora], essas obras fazem parte de um conjunto
de extensa série de material instrucional confeccionado por Borges, inspirado nas práticas de
composição de compêndios do Velho Continente. Segundo a autora, “[...] os livros de leitura,
Resumo de Gramática Portuguesa, uma tradução do Tratado de Leitura em Voz Alta, por
Ernesto Lagauvé, o tradicional compêndio de Aritmética Elementar e até mesmo a edição
escolar de Os Lusíadas [...]” fizeram parte dessa série. A ressonância dessas obras fez com
que, em Mato Grosso, as idéias do Barão fossem “[...] veiculadas não somente nos
compêndios, mas nortearam a política educacional do Império”.
Abílio César Borges publicou muitos livros, e a maioria conseguiu atingir repercussão
nacional. Além dos inúmeros discursos publicados, Borges dedicou parte de seus escritos ao
público escolar. As obras que tratavam exclusivamente sobre o ensino da leitura e da escrita
foram:
Primeiro livro de leitura ou cartilha popular. Rio de Janeiro: Liv. Clássica
de F. Alves, 1860. 28 p.;
[...]
Gramática da língua nacional. Bahia, 1860;
[...]
Primeiro livro de leitura. Paris, 1866;
Segundo livro de leitura. Paris, 1866. A edição de 1869 é pela Francisco
Alves;
99
Terceiro livro de leitura. Antuérpia, 1872. Nova edição, 1881. edição de
1890 éça Francisco Alves;
Quarto livro de leitura para uso das escolas brasileiras. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 277p. (co-autoria com Joaquim Abílio Borges)
[...]
A lei nova do ensino. Rio de Janeiro: Tip. Universal, 1883. 30p;
(TAMBARA, 2003b, p.49-50) [grifos do autor].
Conforme Siqueira (2000, p. 230), no novo Primeiro Livro de Leitura, o aprendizado se
dava pela silabação e não por letras soltas, destituídas de sentido. O Segundo Livro de Leitura
fornecia textos mais avançados e seqüenciais em relação ao primeiro, sobretudo contendo
adequação aos contos americanos e ingleses. O Terceiro Livro de Leitura “[...]
consubstanciava uma pequena enciclopédia, abarcando lições de História, Geografia, Direito,
Higiene, Agricultura, Biografias e alguns discursos escolhidos”. O Quarto Livro de Leitura,
escrito em co-autoria com o filho, Joaquim Abílio Borges, só foi finalizado no período
republicano e caracterizava-se pela continuidade da linha pedagógica, com aprofundamento
maior nos conhecimentos transmitidos no terceiro. Esse conjunto de publicações expressava a
criação de seu próprio método, conhecido como método de Macaúbas, que se destinava à
alfabetização (Siqueira, 2000, p. 230) [grifos da autora].
Borges foi o autor que mais doou livros à Província, no século XIX. De acordo com
Alves (1942, p. 145), tal foi o seu ideal que “[...] cerca de 400.000 das suas obras didáticas se
distribuíram gratuitamente por todas as províncias”.
Nesse período, os intelectuais eram movidos por diversos interesses que os levavam a
realizar doações de livros didáticos para várias províncias. Certamente, essa ação era
motivada por um movimento nacional em prol de mudanças no ensino da leitura e da escrita
ministrado na instrução pública do País; uma tentativa de uniformização dos compêndios
escolares em todo o território brasileiro para subsidiar a homogeneidade nas práticas dos
métodos de ensino, servindo, também, de suporte material para a prática docente; um meio
encontrado pelos escritores para a divulgação de suas obras, tornando-as conhecidas em todo
o Império Brasileiro e, ainda, aumentando a possibilidade de doação dos seus livros, o que
garantiria a venda destes ao governo local.
Dentre as possíveis motivações que desencadearam as doações de livros escolares à
província de Mato Grosso, merecem destaque o incentivo por se tratar de uma ação de âmbito
nacional e a intenção dos escritores em divulgar seus livros, com possível aceitação no
mercado.
100
Os livros de leitura (1º ao 4º) e de Gramática elaborados por Abílio César Borges foram
os que exerceram predomínio no universo da alfabetização nas escolas públicas mato-
grossenses, no final do século XIX. A produção de suas obras “[...] espelhou-se, num primeiro
momento (1856), na pedagogia do Visconde de Castilho, preceptor de Rui Barbosa, cujo
método fora trazido de Portugal para a província baiana através do professor Antônio Gentil
Ibirapitanga” (SIQUEIRA, 2000, p. 228-229).
De acordo com Siqueira (2000, p. 229), os livros de Abílio apresentavam diferenças
em relação aos compêndios utilizados até então, por terem sido inspirados em preceitos do
Iluminismo e da pedagogia moderna, sem excluírem a educação moral e religiosa.
Segundo a autora:
[...] Abílio César Borges [...] reuniu as bases teórico-práticas da pedagogia
moderna, [...] colheu inspiração para o seu trabalho pedagógico: iluminar o
espírito das crianças, retirá-las da escuridão da inteligência’, desenvolver o
senso de observação e raciocínio lógico, fazê-las compreender antes a
decorar, cultivar o poder de expressão das crianças, especialmente através do
desenho (SIQUEIRA, 2000, p. 229) [grifo da autora].
Nos livros escritos pelo Barão de Macaúbas podem ser observados traços do ensino
intuitivo. Para Rosa Fátima de Souza (1998, p. 26), esse ensino consistia “[...] na valorização
da intuição como fundamento de todo o conhecimento, isto é, a compreensão de que a
aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação”.
Além das produções de Macaúbas, a província de Mato Grosso contou ainda com
outros. Em fevereiro de 1879, o Inspetor Geral Pedro de Alcântara Saudemberg enviou à
Presidência da Província uma relação de utensílios para as escolas públicas da região. Nessa
solicitação, dentre os diversos objetos constava também o pedido de 500 silabários e de 1.000
Abecedários avulsos (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Ofício, 1879). Em
dezembro do mesmo ano, o Presidente da Província, Barão de Maracajú, comunicou ao citado
Inspetor Geral dos Estudos a chegada de 180 exemplares do Silabário Escolar, publicado em
1878, pelo professor público Miguel Maria Jardim, sendo ofertado pelo próprio autor (MATO
GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório, 1880).
Além de exercer a profissão de professor, Jardim também foi livreiro em Niterói-RJ e
escreveu, ainda, os seguintes livros:
Tabuada métrica, adotada pela instrução pública da Bahia. 1869. várias
edições;
Aritmética elementar. 1871. In. 16º. É dos seus trabalhos mais procurado,
tendo chegado a 12ª edição;
Catecismo escolar. 1878. in. 16º. Está na terceira edição, esgotada;
101
Catecismo da doutrina cristã. Rio de Janeiro, 1880. In. 16º (adaptado às
escolas normais);
Aritmética elementar. (1º ano). In. 16º;
Aritmética elementar. ( ano). Rio de Janeiro, 1899. Estes dois livrinho
representam o desdobramento da primeira aritmética do autor;
(TAMBARA, 2003b, p.135) [grifos do autor].
Pode-se observar que seus escritos jardim não se limitavam ao ensino da leitura e da
escrita, mas abordavam também a área da Aritmética e do Ensino Religioso. Apesar de
escrever sobre diversos assuntos, o autor não deixou de lado a doutrinação cristã. Assim como
Emílio Achiles Monteverde e Abílio César Borges, ele não excluiu a educação moral e
religiosa de suas publicações.
No início de fevereiro de 1880, o Presidente da Província comunicou o recebimento de
193 exemplares do método de Hudson para serem distribuídos pelas escolas públicas
primárias da Província (MATO GROSSO, Diretoria Geral da Instrução Pública, Relatório,
1880).
De acordo com o Livro de Carga do almoxarifado (1880-1889), os compêndios
remetidos às escolas públicas de Mato Grosso, nos anos de 1885, 1886 e 1889, foram:
Geografia, de Lacerda; Geografia da Infância; Aritméticas e Folhetos de Aritmética, de
Jardim; Compêndio Elementar de Física, de Francisco de Paula Barros; Lusíadas, de Camões;
História do Brasil; Silabário; Compêndios de Geometria; Compêndio de Desenho Linear;
Compêndio de Geometria prática Popular e Livros de Leitura, de Abílio César Borges (1º, 2º,
e 4º); Gramática Portuguesa; Compêndio de Leitura em Voz Alta; Cartilhas de Doutrina
Cristã; Catecismos, de Montpellier.
Conforme Siqueira (1999, p. 345) [grifos da autora], a partir de 1882 começaram a
constar com mais freqüência, na relação do material, os seguintes compêndios escolares:
[...] 1º, 2º, e Livros de Leitura e a Gramática de Abílio César Borges –
uma constante –, assim como os compêndios de Leitura em Voz Alta, os
Abecedários de Hudson, as Tabuadas, a Aritmética de Jardim, o Catecismo
de Montpellier, a Geografia de Lacerda, Os Lusíadas de Camões foram os
mais freqüentemente citados.
Até o início da década de 1880, as listas de materiais destinados ao ensino fornecidas
pelo governo quase não incluíam os compêndios escolares. Isso porque, apesar de Mato
Grosso ter mantido contato com editoras e livreiros da Corte (especialmente Garnier e
Laemmert) durante todo o período imperial, a distribuição de livros só foi alargada nas
décadas de 1870 e 1880, quando dos pedidos passaram a constar obras destinadas às coleções
das Bibliotecas do Liceu Cuiabano e do Gabinete de Leitura (SIQUEIRA, 2000, p. 235).
102
O estudo das maneiras de uso dos livros escolares na província de Mato Grosso revela-
se que um dos primeiros compêndios utilizados na prática escolar mato-grossense era de
cunho exclusivamente doutrinário. O aprendizado da leitura e da escrita era, conforme fora
dito, um dos instrumentos utilizados pelo governo local para inculcar, no alunado, preceitos
morais e de civilidade com o objetivo de moldar comportamentos e assim exercer o controle
social pretendido pela Igreja e pelo Estado. Dessa forma, essas práticas desencadeadas no
interior da escola, serviam como um dos instrumentos importantes para a disseminação do
ideário de Construção do Estado-Nação.
Contudo, no cotidiano escolar, inspetores, professores e alunos tinham que contar com
diversas invenções e improvisações para que a escola primária da província de Mato Grosso
fosse paulatinamente se construindo como um espaço de escolarização. A prática da
doutrinação cristã, que ocupava o lugar do ensino da leitura e da escrita, foi pouco a pouco
perdendo força, e o processo de alfabetização gradativamente conquistava um espaço peculiar
na instituição escolar. Os livros de leitura, praticamente inexistentes na primeira metade do
século XIX, passaram a ser mais freqüentes a partir de 1870, apresentando menor teor de
conteúdos doutrinários e moralizadores. Assim, no final do período imperial, pôde-se assistir,
progressivamente, a uma preocupação com as formas de leitura e de escrita que constituíam
os primeiros anos da escolarização, porém, ao lado da forma, o conteúdo moral era, sem
dúvida, o que mais interessava.
Com a intenção de ampliar a compreensão dos suportes materiais empreendidos no
processo de alfabetização na província mato-grossense, questiona-se, a seguir, o modo de
operacionalização da escrita, por meio de uma abordagem referente às formas de uso dos
suportes de registro da produção dos alunos, através das quais eram realizados os exercícios
escolares.
2.3.2 Folhas avulsas: o empreendimento da cultura material escolar na constituição da
escrita
O caderno, elemento da cultura material da escola, freqüentemente utilizado pelos
alunos da atualidade, nem sempre foi tão popular. O mundo ocidental, no século XIX, foi
marcado por uma lenta progressão do uso desse objeto no contexto da escola primária, em
substituição às simples folhas de papel que serviam como espaço de aprendizagem de todas as
matérias de ensino, em especial, da escrita.
103
Segundo Hébrard (2001, p. 121),
[...] desde a mais alta antiguidade, os alunos utilizavam areia fina para
escrever; e que somente no século XVIII a ardósia substitui, parece, essa
ancestral muito econômica do rascunho, que ainda era prescrita pelos
zeladores do modo de ensino mútuo na primeira metade do século XIX.
Nota-se que desde a Antigüidade a prática de escrita escolar era realizada na areia fina,
sendo considerada um econômico rascunho para aqueles que estavam ingressando no mundo
letrado.
O caderno escolar é considerado um dos instrumentos didáticos utilizados na escola
desde o século XVI, quando recebia a denominação de livro branco. Este seguia um modelo
de alternância entre texto impresso e grande espaço em branco, permitindo ao aluno realizar
anotações da explicação citada no texto ou dada pelo regente da aula. No século seguinte, o
caderno passou a ser considerado “[...] suporte obrigatório da obra-prima caligráfica [...]”.
Contudo, na maior parte das vezes, era ausente nas pequenas escolas até o século XIX devido
ao seu alto custo (HÉBRARD, 2001, p. 118).
Nessa época, a escrita era tida como uma técnica complexa, que exigia tempo e
habilidade. De acordo com Hébrard (2001, p. 116), em “[...] um mundo onde o papel é caro,
onde a pluma de ganso, difícil de ser contada pelos dedos pouco hábeis das crianças, é o
instrumento obrigatório da escrita, a aprendizagem desta exige tempo, portanto, dinheiro”.
Na França, país tido como modelo para o Brasil, o caderno escolar passou a substituir a
simples folha de papel a partir de meados do culo XIX, quando a aprendizagem “[...] não
mais restringe suas ambições a uma alfabetização limitada ao ‘somente ler’ ou mesmo ao ‘ler,
escrever, contar’ ”. Esse material “[...] torna-se o espaço de escrita no qual acontece todas
essas aprendizagens” (HÉBRARD, 2001, p. 115).
O processo de aprendizagem da escrita durante muito tempo seguiu um modelo
artesanal, limitando-se ao uso de quadros de areia e de ardósia para os iniciantes. A escrita
escolar em papéis e cadernos destinava-se aos que possuíam mãos mais treinadas para a
realização de exercícios escritos com pluma de ganso ou pena metálica.
Também segundo Hébrard (2001, p. 120), a generalização do caderno na escola
primária foi um acontecimento importante na evolução da alfabetização escolar. Sua
conservação torna-se relevante por servir de fonte documental capaz de auxiliar na
compreensão das maneiras por que se realizava o ensino. Jean Hébrard conseguiu ter acesso a
um conjunto de milhares de peças de cadernos desde o ano de 1860 até os dias atuais,
104
guardado no Musée National de l’Éducation e em alguns arquivos privados da França. De
acordo como o autor, foram encontrados diversos tipos de cadernos, sendo eles:
Cadernos de deveres [...] cadernos reservados a uma disciplina particular [...]
mais raramente cadernos de correções de deveres [ e ] a partir dos últimos
anos do século XIX, os ‘cadernos de rodízio’ (mantidos a cada dia por uma
criança diferente) e, os que foram conservados mais tardiamente, os
‘cadernos de provas mensais’ destinados à avaliação contínua do aluno ao
longo de toda escolaridade (HÉBRARD, 2001, p. 121-122).
No Brasil, cadernos escolares, exames e provas de alunos constituem-se em um escasso
conjunto de fontes. Clarice Nunes (2001, p. 19), em análise referente às abordagens, fontes e
perspectivas presentes nos trabalhos de pesquisas publicados nos Anais do I Congresso Luso-
Brasileiro de História da Educação, realizado em Lisboa-Portugal, o qual teve como tema
Leitura e escrita em Portugal e no Brasil (1500-1970), afirma que no rol das fontes utilizadas
pelos pesquisadores há “[...] quase completa ausência, para não dizer total ausência, de
materiais como cadernos, provas e exames escolares”.
Segundo Vidal (2004a, p. 61), a “[...] preservação de exercícios, cadernos, provas
escolares, diários de classe, cartazes, quadros [...]”, entre outros documentos que apresentam
indícios do cotidiano da escola, “[...] pode aumentar a compreensão das práticas escolares”.
Contudo, este tipo de documentação, referente ao Império brasileiro, é quase inexistente nos
arquivos nacionais. A escassez ou raridade dessas fontes é justificada pela sua não-
conservação nos acervos oficiais, por falta de uma política de guarda e preservação de
documentos escolares que abarque também, fontes consideradas não oficiais.
Em Mato Grosso não é diferente, pois a maior parte das fontes sob a guarda de acervos
e arquivos públicos constitui-se de documentos oficiais. Fontes como cadernos escolares,
exercícios de alunos e planos de aula do professor, entre outras do mesmo gênero, são
praticamente inexistentes nos órgãos do Estado.
Nos registros disponíveis nos acervos da capital de Mato Grosso, verificou-se que, no
ano de 1834, o Professor Público de Primeiras Letras da Freguesia da Chapada, Joaquim
Ignácio da Silva Capoeira, utilizava cadernos escolares na sua prática escolar. Em ofício
apresentado ao Presidente da Província Antonio Correa da Costa, em 19 de abril de 1834, o
referido mestre solicitou envio de uma remessa de cadernos escolares, justificando a
importância desses utensílios para a aprendizagem dos alunos. O professor assim declarou:
Tendo recebido da Fazenda Nacional 36 cadernos de papel para acudir a
alguns meninos, que por jus pobres muitas vezes deixam de vir a aula,
frustrando assim o intento da nação com o pouco aproveitamento destes
alunos, e querendo mostrar claramente, que apliquei com exatidão este
decorre; nesta data tenho a respeitável presença de V. Exa. outros tantos
105
escritos, continuando eles a necessitarem do mesmo auxílio, por se haver
findado o dito papel, tinta (CAPOEIRA,1834).
Esse tipo de material escolar voltou a ser mencionado na documentação pesquisada,
nas relações de compra de utensílios escolares apenas nos anos de 1885 e 1889, presentes no
Livro de Carga do almoxarifado (1880-1889), no qual se registrava o fornecimento de
material aos alunos pobres das escolas públicas. Ademais, os cadernos mencionados nas listas
de materiais do período provincial destinavam-se, exclusivamente, ao uso administrativo,
como é o caso dos cadernos de ponto de funcionários ou para registros de atas.
O caderno escolar, ao longo da história, sempre foi considerado um documento privado,
por pertencer ao aluno ou professor, tendendo a ser encontrado em acervos privados ou
familiares, preservados principalmente pelas famílias ditas tradicionais.
Nos acervos particulares, sob a guarda da Casa Barão de Melgaço (CBM), que abriga
um conjunto de acervos pessoais de eminentes personalidades ligadas ao cenário intelectual
de Mato Grosso, encontram-se cadernos e provas de alunos, bem como anotações e planos de
aulas de alguns professores do colégio secundário Liceu Cuiabano. Prova disso é o fato de
parte dos cadernos encontrados no acervo de Firmo Rodrigues ser relativa ao ensino
secundário e superior. Contudo, no que se refere ao ensino primário, não foi possível localizar
esse tipo de registro.
Mesmo que os cadernos tenham sido adotados na província mato-grossense, seu uso
certamente não era volumoso, visto a precária situação dos cofres públicos. Assim, esse
material que a maioria dos alunos não manipulava pouco figurou na prática cotidiana na
instrução pública primária. As folhas de papel avulsas foram os materiais mais empregados
para a realização de exercícios de escrita pelos alunos de primeiras letras, sobrepondo-se
quase que totalmente ao emprego do caderno escolar no cotidiano da escola primária de Mato
Grosso. As justificativas para essa sobreposição mantiveram estreitas ligações com o alto
custo do papel na época e com o processo desenvolvido pelos métodos aplicados no
aprendizado da escrita escolar.
A idéia de introdução da primeira tipografia na Província coube ao “[...] Dr. José
Antonio Pimenta Bueno – depois Marquês de São Vicente – nomeado Presidente desta
Província por Carta Imperial de 5 de novembro de 1835 e empossado a 26 de agosto do ano
seguinte [...]”. A então intitulada Tipografia Provincial passou a funcionar em 14 de agosto
de 1839, tendo como objetivos principais “[...] impressão das Leis Provinciais, e mesmo com
a redação de uma folha oficial, destinada e unicamente para transcrever e publicar todos os
106
atos oficiais, que não exigem segredo do Governo, da Assembléia Provincial, das Repartições
Fiscais, das Câmaras Municipais, dos Jurados [...]” (MENDONÇA, 1975, p. 4; 6).
A Tipografia Provincial de Mato Grosso, ao priorizar a impressão de documentos
legislativos, não se interessava em organizar empilhamentos de papéis e costurá-los para a
formação de cadernos escolares, uma vez que todo o seu papel era comprado na província do
Rio de Janeiro. A falta de material fazia com que os administradores da Província solicitassem
aos fornecedores da Corte qualquer tipo de material gráfico e impresso necessário às
repartições do governo local, dentre elas, a instrução pública.
3 MANEIRAS DE FAZER DA PRÁTICA DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA
Neste capítulo, o enfoque principal é atribuído às práticas do ensino da leitura e da
escrita ministradas no cotidiano das escolas de primeiras letras da província de Mato Grosso,
interrogando-se sobre os conteúdos ensinados e as práticas de alfabetização desencadeadas no
interior das escolas primárias do século XIX.
Ao estudar a cultura escolar, Julia (2001, p. 33) considera interessante realizar um
inventário sistemático das práticas escolares, com a intenção de “[...] compreender as
modificações, freqüentemente insensíveis, que surgem de geração em geração”. Para o
pesquisador:
Convém examinar atentamente a evolução das disciplinas escolares, levando
em conta diversos elementos que, em ordem de importância variada,
compõem esta estranha alquimia: os conteúdos ensinados, os exercícios, as
práticas de motivação e de estimulação dos alunos, que fazem parte destas
‘inovações’ que não são vistas, as provas de natureza quantitativa que
asseguram o controle das aquisições (JULIA, 2001, p. 34).
O autor acrescenta que as disciplinas escolares “[...] não são nem uma vulgarização nem
uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que e em
evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar” (JULIA, 2001, p. 34).
Nessa mesma perspectiva, Chervel (1990, p. 180) rebate a idéia de que os conteúdos de
ensino impostos à escola pela sociedade são transportados para o espaço escolar tal como
foram produzidos socialmente. Logo, essa produção específica da escola não se desvincula
das finalidades educativas advindas da sociedade.
Assim, o estudo das finalidades educativas atribuídas ao ensino da leitura e da escrita,
para a reconstrução das práticas escolares desenvolvidas no interior da instrução primária da
província de Mato Grosso, suscita que se atrele a noção de história das disciplinas escolares
de Chervel e a cultura escolar de Julia aos conceitos de estratégia e tática de Certeau, no
intuito de se estabelecer ligação entre os mecanismos de poder e as subversões produzidas
pelos sujeitos ordinários do ensino.
Segundo Certeau (1996, p. 46) [grifo do autor], estratégia é
[...] o cálculo das relações de força que se torna possível a partir do momento
em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente’. Ela postula
um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e portanto capaz de
servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta.
A nacionalidade política, econômica ou científica foi construída segundo
esse modelo estratégico.
108
Ao contrário, tática é
[...] um cálculo que não pode contar com o próprio, nem portanto com uma
fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática tem por
lugar o do outro. Ela se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por
inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar
os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência
em face das circunstâncias. O ‘próprio’ é uma vitória do lugar sobre o tempo
(CERTEAU, 1996, p. 46).
Conforme Vidal (2004a, p. 60), esse espaço pode ser entendido como “[...] lugar
institucional (a escola, por exemplo), lugar físico (a sala de aula, a carteira do aluno ou a folha
de papel), lugar simbólico (posição do professor na relação pedagógica) e lugar teórico (as
ciências)”.
De acordo com Certeau (1996, p. 45; 18), diante da estratégia de poder, os mais fracos
inventam e subvertem o que lhes fora imposto. Para o autor, as táticas são “[...]
engenhosidades do fraco para tirar partido do forte, vão desembocar então em uma politização
das práticas cotidianas”, sendo assim, “[...] ‘a ordem é exercida por uma arte’, ou seja, ao
mesmo tempo exercida e burlada”.
Segundo Julia (2002, p. 51) [grifo do autor], “[...] a história das disciplinas escolares
deve, em um mesmo movimento, considerar as finalidades óbvias ou implícitas buscadas, os
conteúdos de ensino e a apropriação realizada pelos alunos, tal como pode ser medida por
meio de seus trabalhos e exercícios”.
O autor acrescenta ainda que os textos normativos que referendam a organização das
matérias de ensino “[...] são muito úteis para compreender o funcionamento real dos
exercícios propostos aos alunos, na medida em que refletem as práticas vigentes nos
colégios”. A apropriação pelos alunos é considerada como um terreno de resultados escolares
por expressar os “[...] ensinamentos que lhes eram dispensados” (JULIA, 2002, p. 62-63).
Para Vidal (2004a, p. 61), os exercícios escolares, tomando-os em sua materialidade,
“[...] não apenas favorecem a percepção dos conteúdos ensinados, a partir de uma análise dos
enunciados e das respostas, mas, sobretudo suscitam o entendimento do conjunto de fazeres
ativados no interior da escola [...]”, ou seja, auxiliam a reconstituir, mesmo que em parte, o
real funcionamento da escola e os modos como se construía a prática pedagógica na
transmissão do conteúdo, da aplicação dos métodos de ensino e das maneiras pelas quais se
efetivava a aprendizagem da escrita e da leitura escolar.
109
As mudanças metodológicas empregadas nas disciplinas escolares, no século XIX, não
deixam de ter relação com a aplicação dos métodos de ensino manifestados no ensino
primário mato-grossense. Assim, para se compreender a prática de alfabetização dessa época,
faz-se necessário, também, reconstituir a maneira de fazer, ou arte do fazer, dos métodos de
ensino empregados no cotidiano da escola primária.
3.1 Métodos de ensino no cotidiano escolar da província de Mato Grosso
Em Mato Grosso, no início do período imperial, o método de ensino aplicado nas
escolas primárias era o individual, que não exigia do professor formação acadêmica
específica. Bastava-lhes o conhecimento empírico acerca da leitura, da escrita e de alguns
cálculos.
De acordo com Faria Filho (2003, p. 140), no método individual “[...] o professor
mesmo quando tinha vários alunos, acabava por ensinar a cada um deles individualmente”,
sendo normalmente aplicado a um pequeno número de aprendizes, o que os levava a
freqüentar a escola por longo espaço de tempo.
A abreviação do período empregado na escolarização foi uma das justificativas para a
implantação do método mútuo em diversos países, inclusive no Brasil, uma vez que o mesmo
preconizava um ensino massificado, caracterizando pela economia de tempo e de dinheiro
público.
Figura 11: Modelo do ensino mútuo
Fonte: Bastos; Faria Filho (1999)
O método mútuo ou
lancasteriano, sistematizado e
organizado por Bell (1753-1832) e por
J. Lancaster (1778-1838), foi aplicado
principalmente nas colônias inglesas.
Caracterizava-se, em especial, pela
reciprocidade entre os alunos e
professores, ou seja, a responsabilidade
do professor era dividida com seus
discípulos mais adiantados, que
monitoravam grupos de discentes em
diferentes veis de aprendizagem, podendo atingir um número de até mil estudantes
(LESAGE, 1999, p. 11).
110
No Brasil, o método lancasteriano foi teoricamente instituído desde a primeira
legislação educacional, a Lei de 15 de outubro de 1827, preceituando a criação de escolas de
primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, as quais deveriam ser
regidas pelo ensino mútuo.
De acordo com Siqueira (2000, p. 196-197), a opção por esse método “[...] vinculava-se
à própria realidade nacional, cuja maioria da população livre era analfabeta, vivendo na
oralidade e, por ele, poderiam ser rapidamente ‘alfabetizada’ ”. Somava-se a isso seu caráter
econômico, por atingir grande número de alunos com apenas um professor.
Para Lins (1999, p. 77), a implantação do método lancasteriano no Brasil refletiu a
busca de soluções rápidas que viessem beneficiar “[...] os ventos iluministas aliados à
permanência da corte portuguesa no Brasil fermentaram uma preocupação que não era
exclusiva do Brasil, mas que passou a ser uma exigência do processo industrial em marcha: o
ensino primário”.
A partir desse momento, “[...] o método monitorial/mútuo passou a ser implantado no
município da Corte e nas províncias de forma bastante variada e com inúmeras críticas a sua
ação” (FARIA FILHO, 1999, p. 5-6).
Mesmo com a tentativa de difundi-lo no Brasil, houve pouca aceitação na prática
pedagógica das províncias, por uma série de fatores, dentre os quais se destacava sua
reciprocidade entre professor e alunos monitores. Até a primeira metade do século XIX, “[...]
a figura do mestre adulto morigerado, moralizador e civilizado [...]” ainda se revestia da
figura de autoridade, herdada do período colonial (SIQUEIRA, 2000, p. 199).
Conforme o discurso do Presidente da Província de Mato Grosso Antônio Pedro de
Alencastro, o ensino mútuo existia teoricamente na Província, todavia não havia aplicação,
como se observa na citação a seguir:
[...] das públicas [...] duas são de ensino mútuo: uma que se acha nesta
Capital, e da qual não sei porque fatalidade, não se tem tirado nenhuma
vantagem, esta dirigida por um substituto sem prévio exame: e outra na
cidade de Mato Grosso, vaga pela falta de mestre, e continua a ser ali
exercitada por um professor de ensino individual (MATO GROSSO,
Presidência da Província, Discurso, 1835).
Em resposta a esse discurso, a Assembléia Legislativa, em 8 de julho do mesmo ano,
emitiu parecer autorizando a realização de concurso público para o provimento da escola de
ensino mútuo da Capital.
111
Diante das dificuldades de ocupação da dita cadeira, o Secretário do Ministério do
Império afirmou que, se suprimida a vaga, haveria necessidade de criar duas outras, mas de
ensino individual como atesta o Ofício encaminhado à Presidência da Província:
Exmo. Sr. Presidente da Província a quem fiz presente o ofício [...] de 8 do
corrente acerca da recomendação da Assembléia Provincial para com
urgência se que se acha vaga, manda-me declarar a V. S. para que haja de
levar ao conhecimento da Assembléia que passa a expedir Editais para
aquele concurso; observando todavia que de certo esta medida não procedera
tanto os seus desejos como as da Assembléia, por existir como uma das
primeiras dificuldades o não haver aqui quem se oponha a dita cadeira, e
outrossim pessoas aptas para examinar. Portanto, V. Exa. lembrou-se que
seria mais consentâneo e profícuo a educação primária da mocidade desta
Capital, atentos as razões acima declaradas que suprimindo-se aquela cadeira
de ensino mútuo houvesse de criar duas de ensino individual mandando-lhes
suficientes ordenados (MATO GROSSO, Presidência da Província, Ofício,
1835).
Dessa forma, com a possibilidade se suprimir a escola de ensino mútuo para o
estabelecimento de aulas individuais, a Assembléia Legislativa aprovou, em 12 de agosto de
1835, a Lei nº 9, suspendendo as duas cadeiras de ensino mútuo de primeiras letras na Capital
e criando duas de ensino individual. Essa última opção foi predominante na primeira metade
do século XIX, fazendo com que as escolas de ensino mútuo não tivessem efetivo
funcionamento na Província.
A Lei Provincial de 8, de 5 de maio de 1837, que atendia à determinação legal de
descentralização da administração das províncias em relação à Corte não deixou claro que
método de ensino estaria sendo adotando em Mato Grosso. Segundo o Art. 5º, o Governo
estabeleceria na Capital o quanto antes uma “[...] Escola Normal para a Instrução Primária do
primeiro e segundo graus pelo método mais ‘expedito’ e que melhor [pudesse] corresponder a
seus fins” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 12).
Nesse documento, o dispositivo normativo manteve em aberto a opção por um método
de ensino. Isso porque, por um lado, os professores eram leigos e o tinham formação
educacional, e, por outro, o governo da Província, ao utilizar o termo “método mais expedito”,
deixava subentendido que, na falta de um parecer próprio, a legislação regional poderia seguir
as determinações instituídas pela nacional.
Os governantes mato-grossenses, para manterem um certo controle sobre o método que
seria aplicado nas escolas, instituíram, no Art. 17° da Lei de 1837, que os vencimentos dos
professores não poderiam exceder a quantia de um conto de réis, todavia poderiam ser
aumentados após “[...] aberta a Escola, e conhecido praticamente o método de ensino e seu
112
aproveitamento” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 13). Assim, o professor poderia alcançar um
aumento salarial após a verificação da eficácia do modelo por ele adotado.
Dessa forma, observa-se que na primeira lei provincial de Mato Grosso, as disposições a
respeito da implantação do método a ser utilizado nas escolas estavam condicionadas à
formação obtida em uma Escola Normal. Porém, como esta não teve um efetivo
funcionamento, em Cuiabá, na primeira metade do século XIX não havia também um método
instituído.
Os poucos estabelecimentos de ensino mútuo instalados na Província não chegaram a
funcionar de acordo com o seu modelo original, oriundo da Europa, em decorrência da
dinâmica da sala de aula, da participação do mestre em relação ao trabalho dos monitores,
bem como da falta de estrutura física e material para sua aplicação.
De acordo com Faria Filho (2002b, p. 25), apesar da legislação nacional ter proposto a
incorporação do ensino mútuo e do intenso debate em torno de sua adoção, até meados do
século XIX “[...] boa parte das escolas elementares ou de primeiras letras funcionava segundo
o método individual de ensino”.
Os relatórios da Presidência da Província e da Inspetoria Geral dos Estudos da época
(1838 a 1859) não fazem alusão aos métodos de ensino que estavam sendo praticados no
cotidiano escolar, o que era justificado por grande parte dos dirigentes, em seus escritos, pela
falta de informação a esse respeito. Pressupõe-se que essa carência de dados nos documentos
oficiais ocorria da falta de controle das ações desencadeadas na escola ou, até mesmo, da
omissão das práticas exercidas em seu interior.
Somente por meio dos relatórios da década de 1860 verifica-se que o método de classes
passou a ser vigente nas escolas da Província mediante as disposições normativas eleitas pelo
Regimento de 18 de agosto de 1855.
De certa forma, esse documento configura-se como uma lacuna presente na investigação
da manifestação dos métodos, em Mato Grosso, nesse período, pois até o presente momento o
referido Regimento não foi localizado nos arquivos e acervos documentais de Cuiabá-MT.
O historiador Rubens de Mendonça, ao fazer um balanço dos documentos legislativos
relativos ao período imperial, confirmou a existência desse vazio documental entre os anos de
1852 a 1856. Segundo o autor, nas “[...] sessões das Assembléias dos anos de 1852, 1853,
1854, 1855 e 1856, nada houve que merecesse menção especial, o Barão de Melgaço nada
registrou durante esse período” (MENDONÇA, 1974, p. 26).
113
No relatório de 3 de maio de 1862, o Presidente Herculano Ferreira Penna afirmou que
os estabelecimentos de ensino estavam sendo regidos pelo método de classes por falta de um
outro melhor. Para
O método de classes, desenvolvido no regime das escolas, é o que na falta de
outro melhor tem sido, desde 1855, seguido nas Escolas Públicas, e se não
satisfaz a toda a expectação, também não se pode desconhecer que muitas
são as suas vantagens, entre as quais é por notar-se a facilidade com que o
ensino pode ser dado a todos os discípulos, duas vezes ao dia, e dentro do
espaço das três horas de cada reunião diária, mesmo em escolas de cem
alunos (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório, 1862).
Essa observação foi confirmada no ano seguinte, quando o Presidente da Província
afirmou que as escolas estavam sendo “[...] regidas pelo método de classes, que o Inspetor
Geral [considerava] como um passo dado do ensino individual para qualquer outro método
mais profícuo que [fosse] adotar” (MATO GROSSO, Presidência da Província, Relatório,
1863).
Em 28 de março de 1867, o Inspetor Joaquim Gaudie Ley declarou que, “[...] na falta de
melhor método ou de habilitação da parte dos professores [...]”, as escolas continuavam sendo
regidas pelo método de classes e que, ainda assim, muitos professores ensinavam como
sabiam (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1867).
A inexistência do Regimento de 1855 nos acervos mato-grossenses deixa dúvidas
quanto à definição e à aplicabilidade do método de classes, visto que tanto o mútuo como o
simultâneo previa a divisão dos alunos por classes de aprendizagens.
Através do Regulamento Orgânico da Instrução Pública, aprovado pela Lei Provincial
nº 15, de 4 de julho de 1873, admitiu-se a aplicação de um ensino ministrado simultaneamente
por professores e alunos monitores, com o intuito de sanar, em partes, a falta de docentes, pois
os estudantes mais adiantados auxiliariam os mestres que estivessem em atividade; todavia
qualquer professor tinha o direito de adotar uma outra forma de ensino, como pode ser
observado no artigo 29º do citado estatuto que estabelecia que o ensino deveria ser “[...]
simultaneamente dado pelos professores e monitores”, ficando “[...] salvo, porém, a qualquer
professor, o direito de empregar qualquer outro método, mediante aprovação do inspetor geral
das aulas (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 34).
Essa simultaneidade prescrita no Regulamento não é a mesma verificada no método
simultâneo atribuído pelas iniciativas de Jean-Baptiste de la Salle, no final do século XVII.
No modelo original, caracterizava-se pelo ensino coletivo, dividido em classes de níveis de
conhecimento, mantendo o professor como “único agente” da educação. De acordo com
114
Lesage (1999, p. 9-10), no método simultâneo “[...] o ensino dado pelo professor não se dirige
mais a um único aluno, como no modo individual, mas pode atender a cinqüenta ou sessenta
alunos ao mesmo tempo”.
Segundo Siqueira (2000), a expressão simultâneo ganhou em Mato Grosso, no século
XIX, duas conotações. A primeira estava ligada à simultaneidade no trabalho pedagógico
realizado por professores e monitores; a segunda relacionava-se ao fato do ensino ser
concomitantemente aplicado de forma grupal e individual. Para a autora:
O ensino simultâneo era, portanto, aquele ministrado, ao mesmo tempo, por
professores e monitores a grupos de alunos com diferentes graus de
adiantamento. Simultâneo significaria, ainda, a junção de dois estilos
metodológicos: o grupal e o individual. Enquanto os alunos ensinavam uma
coisa para uma determinada classe, o professor ensinava-o a outra
(SIQUEIRA, 2000, 210).
Essas duas concepções estavam ligadas ao fato de que os monitores ensinavam ou
ditavam algo aos demais alunos, enquanto o professor tomava a lição, chamando-os
individualmente para averiguar seu grau de aprendizagem.
Em conformidade com o Regulamento Orgânico, o Regimento Interno das Escolas
Públicas de Instrução Primária, de 07 de dezembro de 1873, confirmou no Art. que as
escolas seriam regidas por “[...] um grau pelo método simultâneo”. No Art. ficaram
dispostas as 8 disciplinas escolares, denominadas de seções, subdivididas em classes que
classificavam os níveis de aprendizado (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 59).
As seções de Leitura, de Escrita, de Aritmética Elementar e de Religião dividiam-se em
8 classes; as seções de Geografia e de História, em 4; e a seção de Gramática da Língua
Nacional, ministrada da 6ª à 8ª classes de Leitura, subdividia-se em 5.
Para a aplicação do método simultâneo, o referido Regimento oficializou a atribuição
aos monitores de chefiarem as diversas classes de aprendizagem, ou seja, os vários grupos de
alunos com diferentes níveis de conhecimento. Por sua vez, as classes contidas em cada seção
designavam a reunião desses alunos em grupos homogêneos, de acordo com o grau de
aprendizagem.
Na divisão das classes:
A questão metodológica ficava evidente no momento em que esse conteúdo
era transmitido em sala de aula, utilizando-se de bancos para o ensino da
escrita e da aritmética prática; os semicírculos, para o ensinamento das oito
seções; o telégrafo, para marcar o início e o final de cada seção, ficando essa
tarefa a cargo do monitor. Outro equipamento escolar usado por aqueles que
estavam nas primeiras classes era o traslado ou apógrafo, através do qual as
crianças copiavam as letras, desse aparelho, para o papel. Esses
equipamentos eram de propriedade da escola e distribuídos pelos monitores
115
entre os alunos. O ensino da leitura era feito através de cartas impressas e
manuscritas que, para melhor fixação, eram penduradas nas paredes da sala
de aula. O mesmo ocorria com as posicionadas ao alcance dos olhos das
crianças, facilitando-lhes a aprendizagem. Essas seções ficavam a cargo dos
monitores que postavam-se no centro dos semicírculos. Cabia ao professor,
ao final de cala aula, recolher os exercícios escritos para aferimento de nota
diária que era assentada em cadernetas (SIQUEIRA, 2000, p. 211).
Contudo, mesmo que o Regimento Interno de 1873 deixasse clara a forma de
organização e aplicação do ensino simultâneo, na prática instrução primária mato-grossense
criavam-se novas formas fazê-lo, uma vez que a estrutura das escolas não era compatível com
tal metodologia. Isto é, as precariedades físicas desses estabelecimentos de ensino, o pouco ou
nulo recrutamento do corpo docente proporcionavam essas inovações.
A arte de adaptar o método simultâneo à realidade dessas escolas pode ser evidenciada
por meio de um processo apresentado pela Assembléia Legislativa, em 1879, em cujo
documento o Inspetor e vários professores responderam a 11 quesitos, informando o
Parlamento e o Governo sobre a situação da instrução pública de Mato Grosso.
Em resposta às indagações do referido processo, o Inspetor Geral Pedro de Alcântara
Sardemberg alegou que não se fazia “[...] uso dos semicírculos nas escolas pela falta do
fornecimento do material que lhe [era] concernente. [...] Independente, porém, dos
semicírculos de arame as lições são tomadas pelos monitores em turmas circulares de alunos
(MATO GROSSO, Assembléia Legislativa Provincial, Parecer, 1879).
Isso quer dizer que, mesmo não havendo estrutura física e mobiliária adequadas, os
monitores procuravam seguir a ordem prescrita na legislação concernente ao uso dos
semicírculos, porém o cotidiano permitia adaptar o método conforme à realidade local.
Para o Inspetor Pe. Ernesto Camilo Barreto, a falta de móveis e utensílios prejudicava
também a aplicação do método de ensino. Em relatório apresentado em 14 de abril de 1874 à
Presidência da Província, o referido Inspetor teceu críticas ao Sistema de Ensino mato-
grossense por não conseguir identificar qual método estava sendo desenvolvido nas escolas:
Todos os professores referem-se ao do Regulamento de 1854, porém não
declinam o nome que tenha, se individual, se mútuo ou simultâneo.
Pelo que vi e presenciei o sistema não é nenhum dos métodos mencionados,
é não ter sistema. A variedade e não a uniformidade rege as escolas.
(MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Nessa fala, o Inspetor certificou, então, a impossibilidade de se reconhecer o método
aplicado na Província, pois, segundo ele, não existia uniformidade no sistema de ensino, o que
prejudicava a organicidade da instrução pública. Um dos motivos dessa ausência também
116
decorria da confusão na distribuição da ordem do tempo empreendido nas atividades escolares
e na forma de aplicar as matérias de ensino.
Teoricamente, o Regulamento e o Regimento de 1873 determinavam que o ensino
simultâneo deveria ser ministrado, durante o ano, com um determinado número de matérias e
por meio da sucessão das seções de Leitura, de Escrita, de Aritmética e de Doutrina, num
mesmo dia, sendo cada disciplina ministrada em horários subseqüentes da aula.
Na prática, a seqüência das seções não ocorria em horários diferenciados. As disciplinas
eram ministradas simultaneamente. Segundo o Inspetor:
Nenhuma ordem na distribuição do tempo, nem nas matérias do ensino.
As seções da leitura, de escrita, de aritmética e de doutrina, em vez de se
sucederem, tornam-se simultâneas; estes escrevem enquanto aqueles rezam,
lêem uns enquanto outros se ocupam em fazer as contas (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Ainda conforme o Pe. Barreto, a confusão atingia até os compêndios, visto que cada
aluno levava para a escola o livro que desejava ou que possuía
em casa (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Esses fatores também contribuíam para que a
aplicação dos métodos de ensino não seguisse a devida prescrição estabelecida pela
Legislação Educacional da província mato-grossense.
Como na prática cotidiana não se seguia a uniformização almejada pelos governantes
locais, eles decidiram, então, incluir nas determinações normativas a aplicação conjunta do
método simultâneo, formando assim, o método misto. Dessa forma, o Regulamento de Ensino
Público e Particular, de 26 de maio de 1875, em seu Art. 9°/ § 9º, instituiu que o ensino
primário público assim fosse ministrado:
§ Os exercícios letivos compreenderão duas sessões diárias: das 8 às 11
horas da manhã e das 2 às 5 da tarde, aplicando-se em geral o método
simultâneo ou misto, sendo os alunos distribuídos em classes segundo for
prescrito no Regimento Interno, no qual se determinará também o tempo que
deve durar cada exercício (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 89).
De acordo com o Pe. Ernesto Camilo Barreto, o método simultâneo, adotado em 1873,
consistia no método misto ou simultâneo-mútuo, pois admitia que “[...] classes inferiores
fossem regidas por monitores tirados das classes superiores.” Para ele, esse último produziu
grande alarme até mesmo entre pessoas que possuíam honoráveis conhecimentos, em
decorrência da quantidade de alunos, especialmente nas escolas cujo número de estudantes
fosse superior a 50, ou naquelas em que o se poderia aplicar o método individual,
compatível, apenas, com o diminuto número de 8 estudantes. Barreto também analisou o
processo conhecido por método de classes, estabelecido em 1855. A partir daí, verificou que
117
este correspondia ao método simultâneo-mútuo, também conhecido como misto. Segundo o
Inspetor, o Art. 6º dividia os alunos em classes e caso estas fossem regidas somente pelo
professor, estaria caracterizado o método simultâneo. Em contrapartida, o Art. 12º afirmava
que, se a classe fosse regida por alunos ou monitores mais adiantados, o método seria uma
mistura de simultâneo e mútuo, pois apenas este último admitia monitores ou decuriões das
classes superiores para reger as inferiores (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1876).
É notório lembrar que em Mato Grosso o termo sistema de ensino misto está relacionado
à aplicação do ensino em conjunto, para meninos e meninas. Abaixo, segue o comentário
proferido por Pe. Ernesto Camilo:
[...] proibindo a reunião dos dois sexos nas escolas públicas e particulares,
extinguiu o sistema misto, com prejuízo sensível da instrução e educação das
meninas nas freguesias, povoados e demais localidades em que existem
escolas do sexo masculino (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1877).
Sendo assim, as expressões sistema de ensino misto ou sistema misto não se referem a
um método de ensino e, sim, a um sistema educacional que permitia a presença de ambos os
sexos em uma mesma escola ou sala, a co-educação. Já a denominação método misto foi
utilizada na província mato-grossense para designar a mistura entre o mútuo e simultâneo,
constituindo, assim, o método simultâneo-mútuo. Isso porque, na prática cotidiana, os
professores utilizavam tanto um quanto o outro.
O Regulamento de 13 de fevereiro de 1878, no que tange à vigência do método de
ensino, quase não fez alterações em relação às disposições estabelecidas pelo Regulamento de
1875. Segundo o Art. 112º do Regulamento de 1878, o método de ensino adotado foi o
simultâneo, simples ou misto. Entretanto, o Diretor Geral, poderia autorizar qualquer outro
que considerasse conveniente (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 117).
A diferença fixada entre essas duas legislações está no fato de a primeira estabeleceu,
junto ao método, horários das seções, ao passo que a segunda não associava horário à
metodologia adotada, deixando a cargo do Diretor Geral a autorização da utilização de outros
métodos, caso fosse conveniente. Apesar dessa diferença, em termos gerais, os métodos
simultâneo e misto continuavam sendo oficiais nos preceitos legais.
O Presidente da Província João José Pedrosa, em relatório apresentado à Assembléia
Legislativa de Cuiabá, em de outubro de 1879, afirmava ser favorável ao método
simultâneo, julgando inconveniente tanto o ensino mútuo quanto o individual. O governante
considerava o método lancasteriano impróprio por praticar a substituição do mestre pelos
118
monitores ou decuriões, justificando que estes eram ainda crianças e não possuíam o prestígio
nem a autoridade de um Professor. O Presidente considerava, pois a impossibilidade de sua
aplicação nas escolas, uma vez que de um lado havia a vantagem do professor se dedicar a um
aluno por vez, de outro não havia motivação para as crianças estudarem, gerando desordem na
sala de aula. As práticas do ensino simultâneo estavam relacionadas ao grande número de
aprendizes, o que impedia o Professor de se ocupar de todos eles, com lições diferenciadas,
em razão da diferença do nível de aprendizado de cada um. Reconhecia que o ensino mútuo,
embora possuísse esse inconveniente, tornava-se vencido mediante processos de
aperfeiçoamento para a boa distribuição dos alunos em grupos ou classes, o que permitia a
devida divisão de todo o trabalho. Em suma, o ensino deveria ser ministrado “[...] diretamente
pelo mestre, embora aproveitando este a coadjuvação dos alunos mais adiantados” que, em
caso algum, porém, suprimiam-no perfeitamente (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Relatório, 1879).
No ano seguinte, o Diretor Geral da Instrução Pública Dormevil José dos Santos
Malhado declarou a dificuldade de definir o método de ensino a ser seguido na instrução
pública em Mato Grosso:
quem desconhece os métodos de ensino poderá determinar
absolutamente que se siga este ou aquele método; não podendo, nem
devendo o professor recusar alunos por -los em crescido número; visto
como seria injustiça privar os que precisam da instrução que requer; não
tendo a província os necessários recursos para multiplicar escolas a pedido
ou reclamação de professores (MATO GROSSO, Diretoria Geral da
Instrução Pública, Relatório, 1880).
Essa dificuldade fez com que o Regulamento da Instrução Primária e Secundária da
Província de Mato Grosso, de 4 de março de 1880, em seu Art. 66º, estabelecesse que o
modelo de ensino fosse “[...] aplicado em relação ao número dos alunos: de 10 a 40 alunos
[seria] preferível o método simultâneo; de 40 a 150, o método misto ou simultâneo mútuo e de
150 a 300, o método mútuo” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 163-164).
Ao que parece, condicionar teoricamente a adoção do método ao número de alunos
existente nas escolas primárias seria a solução para os problemas. Na prática, porém, os
administradores da Província continuavam recebendo diversas reclamações dos professores
sobre a falta de casas edificadas para fins educacionais e a falta de mobília necessária à
aplicação de qualquer um dos métodos mencionados.
A esse respeito, o Presidente da Província Joaquim Galdino Pimentel, em relatório
apresentado em 1886, diz ter inúmeros obstáculos educacionais a serem transpostos, visto que
“[...] em teoria, tudo está resolvido. Bons métodos, excelentes professores, direção e inspeção
119
ativa e diligente, possibilidade, disposições e boa vontade de aprender, [eram] os mistérios
desvendados do ensino e da instrução popular” (MATO GROSSO, Presidência da Província,
Relatório, 1886).
O que se nota na prática das escolas primárias mato-grossenses, no século XIX, é uma
tentativa de adaptação dos métodos de ensino de circulação européia e nacional numa
realidade local marcada pela precariedade física das casas-escola, pela carência de móveis e
utensílios, assim como pela pouca ou ausência de formação docente. Em função dessas
adequações, professores e alunos criaram novas maneiras de fazer no ensino de primeiras
letras mato-grossenses.
O entendimento das invenções de professores e de alunos quanto à aplicação dos
métodos de ensino torna-se mais claro mediante a observação das graduações de
aprendizagem, categorizadas pelas classes das seções de Leitura e de Escrita. Acredita-se que
a discussão apresentada a seguir auxilia na compreensão de como eram realizadas a divisão e
a organização das classes de níveis de aprendizado.
3.2 Práticas e representações dos níveis de aprendizado dos alunos do ensino primário
Para se entender a organização dos conteúdos de Leitura e de Escrita ministrados no
ensino de primeiras letras, no espaço escolar mato-grossense do século XIX, busca-se
caracterizar e analisar os níveis de aprendizagem dos alunos no processo de escolarização do
ensino primário, em especial, da alfabetização da época.
De acordo com a Lei de 1837 e o Regulamento de 1854, o currículo da instrução
primária era composto pelo ensino da Leitura, da Escrita, de Orações, Princípios Religiosos e
Morais, da Gramática da Língua Nacional, de Aritmética e, ainda, de deveres domésticos,
para meninas. Apesar de citarem quais matérias comporiam o currículo da época, essas duas
normatizações não evidenciaram a forma metodológica na qual deveria se pautar o ensino,
nem ao menos delimitaram quais conteúdos escolares deveriam ser incluídos na estrutura de
cada disciplina escolar.
Quando a legislação não dispõe dessas informações, aumenta-se a necessidade do
pesquisador em recorrer a outras fontes, na tentativa de evidenciar a especificidade da forma
de organização do ensino. Sendo assim, os mapas escolares são considerados, neste estudo,
um tipo de documento de significativa importância para o campo de pesquisa da História das
120
Disciplinas Escolares, em especial, o ensino da língua nacional em seu processo de
alfabetização, pois pode apresentar pistas sobre a forma como era desenvolvida a
aprendizagem da leitura e da escrita nas escolas primárias da província de Mato Grosso.
Ao longo do século XIX, os mapas receberam diversas nomenclaturas, tais como mapa
de freqüência, mapa estatístico e mapa nominal de alunos, aos quais podem ser considerados
relatórios elaborados pelos professores, pois apresentavam sinteticamente, a situação e o
controle de matrículas, a freqüência e o aprendizado dos alunos. Esses documentos eram
enviados à Inspetoria de Estudos, que por sua vez, os encaminhava à Presidência da
Província, informando aos dirigentes locais a situação e o andamento da instrução pública da
região. Em alguns casos, os próprios professores despachavam-nos diretamente à Presidência.
Os mapas escolares elaborados no século XIX apresentavam peculiaridades na forma e
no conteúdo, pois os professores expressavam de diferentes maneiras os dados referentes à
vida escolar de seus alunos, como por exemplo, a data de matrícula, a filiação, os motivos das
faltas e, em especial, o vel de aprendizagem dos educandos. Se cada escola da província
mato-grossense fosse estudada em sua singularidade, seria identificada uma cultura escolar
para cada uma delas, como aponta Viñao Frago (1995). Nessa perspectiva, torna-se possível
verificar a manifestação de diversas culturas escolares na instrução primária de Mato Grosso,
apresentando, assim, diversificação em um mesmo nível de ensino. Contudo, a falta de
localização de uma seqüência cronológica de mapas de uma mesma unidade escolar dificulta
ou até impossibilita o acompanhamento do desempenho dos alunos no decorrer dos anos
letivos do período imperial.
Diante dessa dificuldade, na presente pesquisa optou-se por trabalhar a cultura escolar
sob o ponto de vista apresentado por Julia (2001), no intuito de investigar um nível de ensino
de Mato Grosso, o primário, por meio de fragmentos da realidade de diversas escolas,
localizados em suas diferentes regiões da Província. Buscou-se, a partir daí, formar um
mosaico da primeira fase da escolarização mato-grossense, no período provincial, capaz de
caracterizar o processo de alfabetização ou de aquisição de conhecimentos elementares do
ensino da leitura e da escrita.
Seguindo a triagem dos mapas escolares encontrados no Arquivo Público de Mato
Grosso, datados de 1830 a 1889, foi possível identificar diversas formas de elaboração desse
registro. Essa variação confere certa complexidade aos dados, sobretudo no que diz respeito
ao grau de instrução dos alunos e sua correspondência com a aprendizagem do ensino da
leitura e da escrita.
121
Esses mapas apresentavam dados relativos a diversos períodos do ano letivo, podendo
ser mensal, trimestral ou semestral. O primeiro disponibilizava informações de cunho
estatístico sobre os alunos de forma sucinta e generalizada, uma vez que contabilizava o
número de estudantes. o segundo e o terceiro apresentavam informações mais detalhadas,
tais como a descrição do nome de alunos e de seus pais, a data de matrícula, a classificação do
nível de aprendizagem e os motivos das faltas.
Na primeira metade do século XIX, os mapas mensais não faziam nenhuma menção às
matérias de ensino, demonstrando apenas a quantidade de alunos matriculados cujos pais
eram vivos, os órfãos que possuíam alguma fortuna e os órfãos pobres.
Para se ter uma noção do formato, da organização e dos dados registrados nesse tipo de
mapa, pode ser mencionada a relação mensal de alunos, referente ao mês de janeiro de 1841,
encaminhada pelo professor João José Pereira.
Figura 12: Relação mensal de alunos de Poconé em janeiro de 1841
Fonte: Pereira (1841a)
Nessa imagem é possível observar a estruturação das informações apresentadas pelo
professor. Segundo ele, dos seus 45 alunos, 37 tinham pais, 5 eram órfãos abastados e 3, além
122
de serem pobres, ainda eram órfãos (PEREIRA, 1841a). Nota-se que o documento dispunham
de dados muito resumidos, não permitindo saber o desempenho gradual dos alunos nem
conhecer as disciplinas escolares que compunham o currículo do ensino primário da época.
Em contrapartida, no universo de mapas trimestrais e semestrais, elaborados até meados
da década de 1850, é possível encontrar diversas formas de expressão do “estado de
instrução” dos alunos, ou seja, da aprendizagem alcançada nas disciplinas escolares.
A título de análise do aprendizado da leitura e da escrita na província mato-grossense,
essas formas de expressão podiam ser caracterizadas pela seqüência crescente de conteúdos a
serem adquiridos, como por exemplo, ABC, Sílabas, Cartas, Cartas de Nomes, textos,
indicando assim uma gradação do conteúdo lingüístico que deveria ser aprendido pelo aluno,
ou pela atribuição de conceitos de aprendizagem, tais como “não pronto”, “quase pronto” e
“pronto”, que classificavam a etapa ou o estágio da escolarização em que cada um se
encontrava.
Dentre esses documentos, tem-se como destaque um mapa semestral, enviado pelo
professor Francisco de Paula Nunes à Presidência da Província, em 1831. Além de dados
referentes às “graduações” em Leitura, Escrita e Aritmética, o mestre também descreveu
dados sociais, tais como o “nome” e a “idade dos alunos” matriculados; as “qualidades”, que
diziam respeito à cor da pele e à condição social (“brancos”, “bastardos”, “pardos”, “cabra”,
“crioulos”); os “dias de falha”, que correspondiam aos motivos das faltas, se por “doença” ou
por “vadiações”. Ao categorizar a condição social dos alunos, o mapa apresentado por Nunes
revela uma rica e complexa caracterização da vida social dos educandos da época, a qual para
ser avaliada analisada com mais veemência necessita está atrelada a outras especificidades.
Contudo, os percalços de acesso a demais fontes que poderiam auxiliar na compreensão desse
conjunto de traços sociais dos alunos fizeram com que se optasse por discutir, de fato, os
aspectos ligados aos níveis de aprendizagem no ensino da leitura e da escrita.
A esse respeito, o mapa elaborado por Nunes (1831) indicou o nível de aprendizagem de
seus 44 alunos, demonstrando os conteúdos que eles precisavam dominar em cada etapa do
processo de escolarização primária. Observa-se que, nesse registro, os níveis de aprendizagem
foram apresentados, tendo por base a seqüência de conteúdos lingüísticos.
A imagem a seguir é apenas um trecho do mapa, para que o leitor tenha noção de como
procedia a classificação de aprendizagem dos estudantes.
123
Figura 13: Trecho do mapa estatístico de alunos da freguesia de N. S. de Rosário de S. Pedro d’El Rei , 1831
Fonte: Nunes (1831).
Nesse mapa, o professor Francisco de Paula Nunes apresentou os níveis de
aprendizagem pela seqüência de conteúdos lingüísticos. De acordo com os dados referentes ao
ano de 1830, a alfabetização era iniciada pela memorização das Cartas do ABC, seguido do
aprendizado das Sílabas; da Carta de nomes; de Textos impressos e manuscritos.
124
Nesse documento, como nos demais referentes ao período não se indicavam quais
conteúdos de ensino seriam ministrados no e graus da instrução primária. Acredita-se
que, quando os alunos passavam a desenvolver a aprendizagem de leitura e escrita em textos
escritos e impressos, configuravam-se os conteúdos do 2º grau, já que se submetiam ao ensino
da Gramática da Língua Nacional, da redação e da interpretação de textos.
Em geral, os mapas trimestrais e semestrais não faziam menção ao conteúdo de ensino.
Ao tratarem do estado de instrução dos alunos, apenas afirmavam estarem “prontos”, “meio
prontos” ou “não prontos”. Veja o exemplo a seguir:
Figura 14: Relação semestral de alunos de primeiras letras de Chapada, 1843
Fonte: Melo (1843).
125
Semelhantemente a essas expressões, alguns documentos descreviam o estágio de
desenvolvimento dos alunos como “prontos”, “quase prontos” ou “pouco adiantados”. Outros
mapas declaravam ainda estarem “pouco adiantados” ou “adiantados”.
Em Mato Grosso é possível encontrar, em um mesmo documento, as duas formas de
graduação de aprendizagem, tanto pela seqüência de conteúdos quanto por conceitos que
expressam término da escolarização primária.
A tabela a seguir demonstra, de forma sintetizada, a graduação de aprendizagem dos 49
alunos matriculados na Freguesia de Poconé, no período de de abril a 31 de dezembro de
1840.
Tabela 4 - Grau de Instrução dos Alunos da
Escola de Primeiras Letras de Poconé – 1840
IDADE
DOS
ALUNOS
QUANTIDADE DE ALUNOS EM SEUS RESPECTIVOS
GRAUS DE INSTRUÇÃO (Escola de primeiras letras de Poconé)
ABC Sílabas
Cartas
de
nomes
Cartas
de
Textos
Cartas
Pouco
Aproveitou
Adiantado
Quase
Pronto
7 anos 1 5
8 anos 1 1 3 2 1 1
9 anos 1 1 2 2
10 anos 1 3 2 2
11 anos 1 1
12 anos 1 3 2
13 anos 1 3
14 anos 3 3
15 anos 1 1
Fonte: Pereira (1841b).
Essa classificação do estado de instrução mostra-se, porém, bastante genérica. O
problema existente no uso desses conceitos para a análise das disciplinas escolares consiste no
fato desses mapas não relatarem em que o aluno estava “pronto” ou “quase pronto”.
A partir dessa tabela, também é possível observar a proporção entre a idade escolar e o
nível de instrução adquirido no ensino da leitura e da escrita. No ano letivo de 1840, a faixa
etária dos alunos do Professor João José Pereira variou entre 7 a 14 anos de idade,
diversificando também o grau de instrução deles. Todavia, a análise de todos os mapas
localizados, datados de 1830 a 1889 revela que no cotidiano escolar da província de Mato
Grosso a instrução primária recebia alunos de 5 a 20 anos de idade.
Quanto ao domínio da leitura e da escrita, os alunos apresentavam vários níveis de
adiantamento. Enquanto havia alunos de 9 e 10 anos que já estavam estudando as matérias de
ensino do grau, como Aritmética e Gramática, outros continuavam com uma leitura e
escrita imperfeitas.
126
Na concepção do Inspetor de Estudos Joaquim Gaudie Ley, o ensino de Gramática e
Aritmética ministrado na escola de grau chamava “[...] a atenção de todas as pessoas
inteligentes” por ver o grau de adiantamento dos alunos. Segundo o Inspetor:
[...] na verdade, que espetáculo mais tocante haverá do que ver-se um
menino de 9 a 10 anos, e às vezes de menos resolver com grande
desembaraço, problemas de Aritmética, escrever com perfeita ortografia um
trecho de qualquer livro, que pela primeira vez lhe é ditado, dividir suas
orações e analisá-las minuciosamente, descendo até os mais pequeninos
detalhes da gramática com exemplificação de toda a análise (MATO
GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1860).
Contudo, havia alunos que levavam “[...] quatro, cinco e mais anos, nas escolas
públicas” para concluir o ensino primário. O Inspetor Barreto atribuía a culpa desse atraso à
“[...] nenhuma atenção dos pais e educadores para a infreqüência de seus filhos e educandos
[...]” (MATO GRSOSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1877).
Segundo a Comissão de Visitação dos Estabelecimentos de Ensino de Cuiabá, não havia
vantagem nenhuma em se manter funcionando a escola de primeiras letras de meninos da
Capital. Isso porque, embora houvesse cinqüenta alunos matriculados, foi encontrada apenas a
metade, que ainda estava descalça e mal-vestida. Ao serem exigidos os exercícios de escrita
de todos os discípulos, o professor apresentou somente cinco, todos de dias muito anteriores.
Por meio de análise essas poucas escritas, a Comissão concluiu que eram de “[...] formato tão
mesquinho, que necessariamente obrigaria o menino, ou acanhar as letras, ou a nada
escrever”. De acordo com os relatores, na leitura o mal não era menor, pois “[...] o mais
adiantado, na opinião do professor, não [podia] ler satisfatoriamente uma carta, que estava na
mesma escola” (MATO GROSSO, Câmara Municipal, Relatório, 1851).
Na opinião da maioria dos dirigentes políticos ligados à instrução pública, uma das
grandes dificuldades vivenciadas no ensino primário de Mato Grosso, no século XIX,
consistia no fato de poucos conseguirem concluir esse nível, pois os pais retiravam-nos das
escolas antes mesmo de aprenderem a ler e escrever corretamente, para que pudessem
auxiliar no sustento da família. Para o Pe. Ernesto Camilo Barreto, quando isso acontecia
antes de os alunos se mostrarem “provectos”, os professores não poderiam provar a qualidade
de seus trabalhos. A esse respeito, o Inspetor Geral declarou que:
‘Com o sistema inconveniente de serem retirados pelos pais os alunos, antes
de provectos nas matérias do ensino, e quiçá mesmo, antes de lerem e
escreverem corretamente’ não é possível que os professores dêem provas de
seus trabalhos e cuidados (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos,
Relatório, 1876).
127
Assim, é difícil estabelecer a correspondência entre a idade e a graduação de
aprendizagem anual dos alunos do ensino primário de Mato Grosso no século XIX. As
legislações educacionais instituíram variadas faixas etárias para servir de base para a
obrigatoriedade do ensino. A Lei Provincial de 1837 determinou de 8 a 16 anos de idade; o
Regulamento de 1873, de 5 a 18; o Regulamento de 1875 estipulou que fosse de 5 a 15 nas
escolas diurnas; o Regulamento de 1878 prescreveu de 5 a 15 para meninos e 5 a 11 para
meninas no primário; e ano de 1880 instituiu a obrigatoriedade de 7 a 14 ano para meninos e
de 7 a 12 para meninas.
Apesar dessas prescrições, os alunos ingressavam nas escolas com idades variadas.
Portanto, as graduações das classes não correspondiam à seqüência de anos letivos que
compunha o ensino primário.
Até o final do século XIX as escolas primárias de Mato Grosso eram formadas por uma
única sala de aula, regida por um único professor. A instrução era realizada com vários grupos
de alunos, também denominados de classes, que apresentavam níveis de instrução similares.
Os alunos passariam de uma classe para outra, elevando-se de vel de instrução, quando
demonstrassem habilidades necessárias para ingresso na classe seguinte.
De acordo com Hamilton (1992, p. 39-41), o termo classes emergiu na Renascença para
indicar subdivisões dentro das escolas. A divisão consistia no agrupamento dos estudantes em
classes graduadas de aprendizagem, em conformidade como parâmetro os estágios ou níveis
crescentes dos alunos em termos de conhecimento e idades.
Ainda na década de 1870, o termo classes não era utilizado para designar as unidades de
organização da instrução simultânea de diversas salas de aula e diferentes professores. De
acordo com Rosa Fátima Souza (1998, p. 24), não existia tampouco “[...] qualquer conexão
entre instrução simultânea e o uso de sala de aulas”. A escola elementar com várias salas de
aula e vários professores só foi ocorrer no Brasil com a instalação da escola graduada, em São
Paulo, no ano de 1890. Essa escola se apropriou do modelo de ensino graduado produzido ao
longo do século XIX. Segundo Vidal (2004a, p. 19) [grifo da autora], isso explica “[...]
porque era possível encontrar séries graduadas de leitura, como o Primeiro e Segundo Livros
de Leitura, de Abílio César Borges publicadas em 1866, praticamente 30 anos antes da
instalação dos grupos escolares no Brasil”.
Na província de Mato Grosso, o termo classe expressava o nível ou estágio do ensino
graduado, pois os métodos de ensino, como o mútuo, o simultâneo e o misto, organizavam os
alunos em classes com diferentes níveis de aprendizagem. A terminologia era tão usual na
Província que passou a designar um tipo de metodologia das escolas de primeiras letras. Com
128
a instituição do método de classes, em 1855, os mapas passaram a trazer denominações de
classes para indicar o vel de adiantamento nas matérias de ensino. Na imagem a seguir é
possível observar algumas mudanças.
Figura 15: Relação semestral da Freguesia de S. Gonçalo de Pedro, 1857
Fonte: Purificação (1858).
Nota-se que a sexta coluna do mapa semestral apresentado pela Professora Rosalina
Maria da Purificação, da escola primária da Freguesia de São Gonçalo de Pedro, foi utilizada
129
para classificar os níveis de instrução dos alunos, evidenciando a existência de 4 classes,
equivalentes a 4 níveis de aprendizado que deveriam ser adquiridos no ensino primário.
Observa-se que os mapas estatísticos de alunos de 1855 a 1873 seguem a mesma
disposição apresentada pela professora Rosalina. Considera-se que as 4 classes mencionadas
possuíam correlação ou, pelo menos, semelhança com o ensino ministrado no grau da
instrução primária, que havia sido instituído desde 1837. Isso porque, na relação semestral de
aulas de primeiras letras da Freguesia de Livramento, referente ao período de dezembro de
1859 a julho de 1860, o professor declarou que a classificação dos alunos da à classes
equivalia ao 1º grau (MAPA ESCOLAR SEMESTRAL, 1860).
Acredita-se também que o grau, não citado nos mapas, seguia as normatizações da
Lei Provincial n.º 8, de 5 de maio de 1837, e do Regulamento de 30 de setembro de 1854,
uma vez que nessa etapa da escolarização primária, o ensino do Ler e do Escrever era
complementado com o da Gramática da Língua Nacional (MATO GROSSSO, Presidência da
Província, Relatório, 1862).
Os relatórios de presidentes de província e de inspetores indicam que o Regimento de
1855 não alterou as matérias de ensino do currículo das escolas primárias, porém as sucintas
descrições apresentadas nos mapas escolares dos anos de 1856 a 1873 não são suficientes para
se compreender como estava organizada cada disciplina escolar, em sua especificidade. Dessa
forma, a categorização por classes mostra-se bastante generalizada, se analisada isoladamente,
uma vez que por si não forneceu dados suficientes para avaliar os níveis de aprendizado
dos educando em cada matéria de ensino.
Essa classificação passa a ser mais translúcida quando cotejada com o Regulamento
Orgânico e o Regimento Interno, instaurados em 1873. Isso porque a Lei de 1837 e o
Regulamento de 1854 definiram as disciplinas que compunham o currículo da época. o
Regimento interno de 1873 expôs nitidamente quais conteúdos deveriam ser ministrados em
cada disciplina escolar e prescreveu também a seqüência a ser empregada no ensino das
escolas primárias de Mato Grosso.
A tabela que se segue apresenta a organização das seções e das classes referentes ao
ensino da leitura e da escrita.
130
Tabela 5 - Distribuição das Classes de Leitura e Escrita Contida no Regimento Interno
das Escolas de Instrução Primária da Província de Mato Grosso – 1873
Seção de Leitura Seção de Escrita
1ª classe – alfabeto manuscrito e impresso
classe traços de linhas, letras maiúsculas e
minúsculas e algarismos em areia.
2ª classe - silabário manuscrito e impresso
classe traços de linha e de letras em lousas, entre
regrados largos.
3ª classe – cartas de nomes manuscritas e impressas
classe traços de letras do alfabeto no papel,
sobrepondo-o ao translado
4ª classe – leitura corrida de manuscritos 4ª classe – bastardo largo
5ª classe – leitura corrida de livros 5ª classe – meio bastardo
classe leitura de livros e manuscritos e lições de
cor de Gramática
6ª classe – bastardinho
7ª classe – leitura de livros em prosa e versos, lições de
Gramática
7ª classe – cursivo maior entre dois regrados
classe leitura de livros em prosa e verso, análise
lógica e gramatical de clássicos portugueses e lições de
geografia e história
classe cursivo menor sobre um só regrado ou
pauta.
Fonte: Tabela elaborada a partir de dados contidos em Sá; Siqueira (2000, p. 60-61).
Apesar da equivalência entre o conteúdo que seria ministrado nessas duas disciplinas, o
aprendizado dos alunos manifestava-se em níveis diversificados, podendo estar mais
adiantado em uma ou em outra matéria de ensino.
Os mapas estatísticos de 1873 a 1889 descreveram a quantidade de alunos em cada
classe de aprendizagem e suas 8 respectivas disciplinas escolares, como o exposto a seguir:
Figura 16: Mapa mensal de alunos da escola primária de Corumbá, 1876
Fonte: Fonseca (1876)
131
Nota-se que mapas mensais confeccionados a partir do Regimento Interno das Escolas
de Mato Grosso de 1873 seguem esse mesmo padrão. Para efeito de melhor visualização, esse
formato de registro é também exemplificado pelo mapa elaborado pelo professor em abril de
1888.
Tabela 6 - Mapa Mensal dos Alunos da Escola Pública de Instrução Primária do Sexo
Masculino da Vila de Miranda – 1888
Nº de alunos matriculados 30 Nº dos que freqüentaram 30 Nº dos que saíram -
Distribuição por seção
Leitura Escrita Aritmética Doutrina
Classe 8 Classe 5 1ª Classe 2 Classe 8
Classe 2 Classe 4 2ª Classe 3 Classe 2
Classe 3 Classe 8 3ª Classe 2 Classe 2
Classe 4 Classe 3 4ª Classe 2 Classe 5
Classe 5 Classe 3 5ª Classe 4 Classe 4
Classe 2 Classe 3 6ª Classe 3 Classe 3
Classe 3 Classe 2 7ª Classe 6 Classe 4
Classe 3 Classe 2 8ª Classe 8 Classe 2
30 30 30 30
Fonte: Ribeiro (1888).
Mediante a observação dos dados contidos nesses documentos, é possível verificar que
aparentemente, mostram-se bastante superficiais, porém, quando tomados conjuntamente com
o Regimento de 1873, revelam saber o que deveria ser aprendido pelos alunos em cada
matéria de ensino.
Nota-se que esse Regimento determinou um certo paralelismo na seqüência graduada
dos conteúdos das duas disciplinas escolares, Leitura e Escrita. Enquanto na classe de
Leitura aprendia-se a diferenciação gráfica do alfabeto, em material manuscrito e impresso e
possivelmente, a sonorização das letras, na classe de Escrita desenvolvia-se o aprendizado
do alfabeto, detendo-se nos traços de linhas, de letras maiúsculas e minúsculas e de
algarismos, desenhados na areia. A exemplo dessa 1ª classe, nas demais também havia
correspondência entre a sessão de leitura e a sessão de escrita, que continuavam a ensinar,
sucessivamente, letras, sílabas, palavras, frases e textos, ou seja, a seqüência do conteúdo de
ensino permanecia a mesma.
Entretanto, as maneiras de fazer na prática escolar eram as mesmas? Em outras palavras,
a forma de ministrar os conteúdos, os métodos específicos para o ensino da leitura e da escrita
expressavam nova concepção de ensino? Na tentativa de se discutirem esses questionamentos,
faz-se necessária uma contextualização dos conteúdos lingüísticos, com a intenção de
relacioná-los aos métodos de leitura empregados no cotidiano da escola primária da província
mato-grossense.
132
3.3 Representações dos métodos de leitura no século XIX: diferentes olhares
A análise dos métodos de leitura que tiveram circulação nacional no século XIX, com
foco especial para a manifestação ocorrida na prática escolar mato-grossense, é realizada com
o intuito de proporcionar melhor compreensão da história das disciplinas escolares,
notadamente, Ler e Escrever, na cultura escolar primária em Mato Grosso.
Na apresentação do livro Sentidos da Alfabetização, Soares (2000) declara que
reconstituir a história dos métodos de ensino de leitura e de escrita é, na verdade, a história
dos sentidos que ao longo do tempo foram sendo designados à alfabetização.
Uma das dificuldades em se discutir a temática recai no significado atribuído à
terminologia método, pois, para Chartier e Hébrard (2001, p. 142), o termo pode designar
“[...] tanto um pequeno livro fabricado por um editor e destinado às crianças, como um
conjunto de princípios pedagógicos, psicológicos ou lingüísticos, que definem objetivos e
meios adequados para atingi-los”.
Segundo Micotti (1970, p. 47), no século XIX é possível encontrar diversas
terminologias adotadas para denominar e classificar os método de leitura. A autora considera
que existe um “[...] certo desacordo entre os autores, não quanto à eficiência de cada
método, como também, a respeito da terminologia adotada”. As “[...] controvérsias sobre o
método de alfabetização são antigas e muitos são os argumentos a favor de um ou de outro
método”.
No que diz respeito à diversidade de denominações, isso:
[...] se deve ao fato de algumas delas consistirem de termos relativos a certo
aspectos particulares do processo de leitura, enquanto que, outras, se referem
a outros aspectos desse mesmo processo, por exemplo, os termos analítico e
sintético, o relativos aos processos psicológicos implícitos na leitura,
enquanto que outros como alfabético, fônico, palavração e sentenciação
referem-se a unidade de linguagem tomada como ponto de partida para o
ensino da leitura. E, os termos global e ídeo-visual, dizem respeito ao
caminho através do qual a mente recebe as idéias e aprende a reconhecer
palavras. os termos auditivo, visual kinestesico indicam o sentido mais
focalizado no processo de alfabetização. Deste modo, um mesmo processo
recebe por vezes diferente denominações (MICOTTI, 1970, p. 47).
Em termos de classificação, os principais métodos de leitura geralmente seguem a
seguinte categorização: métodos de marcha sintética, método de marcha analítica e método
misto, que pode ser denominado de marcha sintética-analítica ou analítica-sintética.
133
De acordo com Micotti (1970, p. 48-49), o termo sintético “[...] refere-se ao processo
mental de combinação dos componentes elementares da linguagem como: sons de letras e de
sílabas em unidades maiores, palavras, frases e sentenças”. Esses elementos são iniciados com
“[...] as letras ou os sons, focalizados isoladamente”. Para a autora, os métodos sintéticos
podem ser subdivididos em: método alfabético, método fônico e método silábico.
O método alfabético é:
[...] geralmente, considerado como um dos mais antigos e ao que parece,
utilizado na Grécia e em Roma. [...] recomendado por Dionísio de
Halicarnasso no livro ‘Da composição das palavras’ em que o autor diz:
‘aprendemos antes de tudo o nome das letras, depois sua forma, depois seu
valor, as sílabas e suas modificações, e depois disso as palavras e sua
propriedades’. Posteriormente, Quintiliano, no ano 68 A. D. teria
apresentado prescrições muito semelhantes, e sugerido a utilização de jogos
com letras de marfim e o exercício da escrita com letras escavadas na
madeira sobre as quais o aluno passaria o estilete. [...] ele foi se
desenvolvendo tendo atingido grande orgnização e base lógica tal como
aparece no Noah Webster’s Speller, utilizado para o ensino da leitura na
América (MICOTTI, 1970, p. 49-50).
No método fônico, a aprendizagem da leitura ocorre “[...] após o estudo da grafia e dos
sons das vogais, elas são combinadas em sílabas, estas em palavras e estas por sua vez, em
frases e sentenças”. Esse método tem como ponto de partida a emissão dos “[...] sons das
letras de qualquer palavra desconhecida e de pronunciá-la através da combinação destes
sons”. Ele não modifica o conceito de leitura existente no modelo alfabético (MICOTTI,
1970, p. 50).
O método silábico “[...] se diferencia dos outros métodos sintéticos na medida em que
as unidades básicas são as labas [...]”. Esse método parte do pressuposto de que a sílaba é o
ponto inicial para o ensino da leitura, isso porque “[...] segundo a maioria dos foneticistas
muitas consoantes podem ser pronunciadas acuradamente em combinação com vogais”
(MICOTTI, 1970, p. 52).
Os métodos analíticos, também chamados de ídeo-visuais ou globais, podem apresentar
variações segundo seu ponto de partida: a palavra, a frase ou o texto. Eles “[...] fundamentam-
se no uso de material com sentido para a aprendizagem da leitura e na importância da
compreensão desde o início desta aprendizagem”. Além disso, os métodos de marcha analítica
têm como princípio básico “[...] ir do complexo ao simples, porque é ir do mais concreto ao
mais abstrato” (MICOTTI, 1970, p. 54). O método ídeo-visual, proposto na França, foi
idealizado por Decroly, que entendia a leitura como “[...] uma atividade ídeo-visual que, em
último caso, priva-se da linguagem oral” (CHARTIER; HÉBRARD, 2001, p. 147).
134
Dentre os métodos analíticos aqui mencionados, analisa-se apenas o da palavração, no
qual a unidade básica de linguagem é própria palavra. Essa, geralmente, [...] é apresentada
em um texto com sentido, repetido pelo aluno em uma leitura em voz alta”. Nesse modelo, as
“[...] ilustrações são freqüentemente utilizadas para auxiliar o estabelecimento de associações
significativas” (MICOTTI, 1970, p. 57).
O surgimento do método da palavração foi descrito da seguinte forma:
O método da palavração foi introduzido na Europa, segundo Dechant [...] em
1648, por Comenius em seu livro ‘Orbis Pictus’. Neste livro o autor sugeria
a utilização de palavras como ponto de partida para o ensino da leitura com o
argumento de que quando elas são convenientes ilustradas, a aprendizagem
se de maneira rápida, e não cansativa, para o ensino. [...] Este método foi
também apoiado por Jarcobet, Horance Mann por considerarem a palavra
como unidade básica do pensamento (MICOTTI, 1970, p. 58).
os métodos mistos pautam-se na idéia de que a aprendizagem da leitura ocorre pelo
duplo processo de composição e de decomposição, sendo essencial a concomitância da análise
e da síntese. A autora cita como exemplo o método Paulo Freire, baseado no analítico-
sintético, que por sua vez “[...] consiste na seleção de palavras com dificuldades gradativas,
sentenças, e passagens que a criança analisa, compara e sintetiza mais ou menos
simultaneamente desde o início da aprendizagem. [...]” (MICOTTI, 1970, p. 63).
Dentre os métodos de leitura aqui mencionados, tem-se como interesse de estudo apenas
aqueles que tiveram circulação no século XIX. Apesar das divergências conceituais entre os
autores, pode-se afirmar que deles estiveram em voga no período: o da soletração, também
denominado de antigo ou alfabético; o da silabação, conhecido como moderno; e o da
palavração, citado como moderníssimo ou científico. Esses métodos também foram
entendidos na sua evolução histórica, passando progressivamente por três estados da lei: o
teológico, na soletração; o metafísico, na silabação; e o positivo ou científico, na palavração.
De acordo com Candido, professor da Universidade de Coimbra, três métodos de leitura
foram empregados no século XIX, a saber: soletração, silabação e palavração (CANDIDO
apud MORTATTI, 2000, p. 61). Seguindo essa mesma perspectiva, Galhardo, concluinte da
Escola Normal de São Paulo, com menção honrosa em 1876, e escritor da Cartilha da
Infância, na década de 1880, afirmou que havia no Brasil “[...] três métodos de ensino da
leitura, antigo ou da soletração, moderno ou da silabação e modernismos ou da palavração
(GALHARDO apud MORTATTI, 2000, p. 55) [grifos do autor].
135
Para o aluno-mestre da Escola Normal de São Paulo, Francisco Pedro de Canto, em
exame escrito
1
realizado no ano de 1876, o método antigo de soletração tinha por fim:
[...] o ensino do alphabeto na sua ordem lexiccographica, em seguida o
syllabario, cartas de nomes e leitura corrente. Segundo este as consonâncias
são precedidas de um -e- mudo e as palavras solletrarão-se da maneira
seguinte: eme-e-esse=mes = te-erre-e=tre mestre. Como se é baldo de
harmonia e ao ha ligação entre os sons ellementares e os syllabicos de que
são formadas as palavras, de Maira que as palavras depois de soletradas pode
ter mais de um sentido, como, na palavra sabia sabiá bia (CANTO
apud MORTATTI, 2000, p. 52).
Segundo Candido (apud MORTATTI, 2000, p. 61), no método da soletração, as letras
do alfabeto eram tomadas em separado e tidas como “[...] as entidades sobrenaturaes, que
tinham o miraculoso poder de construir palavras sem que o espírito podesse descortinar a
relação entre a causa e o efeito, entre o elemento e o composto”.
No que se refere ao método silábico ou moderno, Canto assim o descreveu:
Methodo moderno – este methodo tem por fim o ensino do alphabeto,
syllabario, cartas de nomes & até a leitura corrente. Segundo este, as
consonâncias são seguidas de -e- mudo e as palavras solletrão-se da maneira
seguinte e-me-e-s=mes = t-re-e-tre=metres. Este methodo é mais racional
que o e guarda uma harmonia constante entre os sons ellementares e os
syllabicos (CANTO apud MORTATTI, 2000, p. 52).
Candido ampliou a explicação sobre o método silábico ao afirmar que:
Na silabação, as syllabas constituíam os elementos subjectivos que,
isoladamente se podiam sujeitar a uma mecânica de memória infinitamente
grande e difícil, para depois, collectivamente consisderados, e combinados
de todos os modos constituírem palavras. Há de metaphysico n’este processo
este modo de conceber as syllabas como entidades abstratas, inteiramente
separadas das palavras, formando-se previamente no espírito a idéia de
synthese que em resultado o vocábulo. A idéia desce do espírito para as
coisas, como succede exatamente na concepção metaphysica (CANDIDO
apud MORTATTI, 2000, p. 60-61).
O professor Candido , ainda acrescentou que, na palavração:
[...] os elementos de toda a organização thechnica do processo de leitura são
as próprias palavras, como sendo e constituindo a realidade, e é pelo
methodo geral de analyse recaindo sobre as palavras que o espírito determina
por um lado os últimos resíduos da palavra quando ella se decompõe, as
letras com os seus exactos valores, por outro as leis legitimas e simples que
devem presidir à organização da palavra. Assim a idéia sobe das coisas para
o espírito, como sucede na concepção positivista (CANDIDO apud
MORTATTI, 2000, p. 61).
1
Em alguns trechos do livro de Mortatti (2000) citações que mantêm a grafia original dos textos produzidos
por autores do século XIX. Esse formato foi mantido na presente obra por se tratar de uma citação (apud) e
também por se considerar importante exemplificar a diferença do enfoque atribuído aos elementos lingüísticos
em cada método de leitura.
136
O escritor Jardim, defensor do método intuitivo expresso no modelo da palavração,
propagou desde o início da década de 1880 a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura, escrita
pelo poeta português João de Deus (Ramos), publicada, em Portugal, em 1876. Segundo o
autor:
[...] porque não ensina o alphabeto todo e sim por partes; porque não
arbitrariamente e sim partindo das vogaes, sons elementares e geraes,
communs, para as inovogaes, sons secundários e especiaes, e ainda nesta,
das mais aproximadas d’aquellas para as mais affastadas, n’uma
complicação crescente e generalidade decrescente, porque finalmente torna
explicito que para ler não são necessários nomes de letras e sim seus
valores, por isso que estes são falados; que aqueles são sua abstração
convencional (JARDIM apud MORTATTI, 2000, p. 48- 49) [grifo do
autor].
Também para Jardim, a arte da leitura passou por fases distintas: fictícia, transitória e
definitiva, a saber:
É fictícia a soletração, em que reúnem-se nomes absurdos exigindo em
seguida valores; transitória a syllabação, em que reúnem-se syllabas,
isoladamente, para depois ler a palavra; definitiva a palavração, em que lê-se
desde logo a palavra, partindo da mais fácil para a mias difícil, da simples
para a composta [...] (JARDIM apud MORTATTI, 2000, p. 48).
Como se observa, cada autor apresenta uma visão diferente em relação à denominação e
classificação dos três métodos que estavam em voga no século XIX. Todavia, em linhas
gerais, ao se considerar a contribuição de cada um desses estudiosos é possível afirmar que o
método antigo ou de soletração, de marcha sintética, apresentava-se tanto como o alfabético
quanto como o fônico, pois dava ênfase na sonoridade de cada letra, isoladamente, e em
seguida, unia-as para a formação de sílabas e destas, palavras e frases. Considerando ainda a
evolução história dos métodos, o de soletração era tido como tradicional e fictício por formar
palavras desprovidas sem sentido.
O método moderno ou de silabação consistia na pronúncia das sílabas, reunindo-as para
a formação dos vocábulos e, em seguida, para a aplicação destes em frases curtas e de fácil
compreensão. Apesar de pertencer ao grupo de marcha sintética, o método silábico recebeu a
denotação de transitório por indicar a passagem do modelo fictício (soletração) para o
definitivo (palavração).
O método de palavração, conhecido como moderno ou moderníssimo, por ser o mais
ousado no sentido de conceber a aquisição da leitura através de palavras inteiras e não por
meio de termos fragmentados em letras e sílabas, fazia parte do método intuitivo de marca
137
analítica por apresentar ideal de racionalidade científica, partindo do concreto para o abstrato.
E esse é considerado, na evolução história dos métodos, a fase definitiva por concluir o ciclo
de renovação de ideais do ensino da leitura no século XIX.
A análise documental e as contribuições de pesquisadores que estudaram sobre o ensino
da leitura e da escrita escolar no século XIX permitem observar a existência de um certo
sincronismo na manifestação dos mesmos métodos de leitura de diversos países e,
conseqüentemente, no interior do território brasileiro.
Segundo Chartier e Hébrard (1995, p. 259), no plano de estudos de 1834 da França,
considerado como a “[...] primeira invenção verdadeira do Estado no campo pedagógico, a
aprendizagem seguia a ordem sucessiva [...]”, sendo “[...] aprendido o alfabeto, [lia-se] no
silabário, longas listas de labas, treinamento que [permitia] obter fluência na leitura de
palavras e frases, e que [abria] a possibilidade de acesso aos ‘livros de leitura’ [...]”. Os
autores acrescentam que essas obras destinadas ao ensino da leitura apresentavam, ao mesmo
tempo, conteúdos culturais de “[...] instrução moral e religiosa, inspiradoras de bons costumes
e do temor a Deus”.
Na instrução escolar da Espanha, a seqüência do conteúdo da aprendizagem da leitura
estava estruturada da seguinte forma:
El método habitual para aprender a leer era el deletreo, es decir, el
conocimientos del alfabeto y de cada letra en particular en ambas formas
mayúscula y minúscula, en uno y otro sentido y salteadas. A continuación
venía en silabeo. Una vez conocidas e identificadas letras y sílabas se
intentaba pasar a la lectura “de corrido”, árida, era dilatada pro la
organización y distribuión de las tareas escolares [...] (VIÑAO FRAGO,
1992, p. 52).
O autor afirma ainda que o conteúdo usual das cartilhas espanholas “[...] era, más o
menos por este orden, el siguiente: un abecedario, un silabario, las oraciones más comunes, un
catecismo elemental, el ordens para ayudar a misa y una tabla de multiplicar” (VIÑAO
FRAGO, 1992, p. 55).
No Brasil, na maior parte das províncias do Império, houve manifestação similar do
método de soletração e do uso das Cartas do ABC, até a década de 1870. A partir desse
período foi sendo introduzida a prática do método de silabação, que apesar de seu valor
transitório entre o ensino sintético e o analítico, já apresentava traços do ensino intuitivo.
Conforme Schelbauer (2005, p. 136), a propagação do método intuitivo no Brasil, em
especial, na Capital do Império, foi se configurando através de “[...] projetos de reforma,
pareceres, conferências pedagógicas e experiências educacionais de vanguarda [...]”.
138
Em seus pareceres, no capítulo referente aos métodos de ensino, Rui Barbosa dedicou-se
a defender a adoção do método das lições de coisas e combateu aqueles que porventura se
baseavam na memorização e na repetição mecânica (MACHADO, 2005, p. 99). Essa
reformulação do ensino apresentada por Barbosa “[...] fundamenta-se nas idéias de Pestalozzi
e Fröebel, tendo como eixo uma nova forma de se conceber e de se praticar o ensino,
consubstanciada no método intuitivo” (ROSA, 2002, p. 13).
O referido método também foi o centro das atenções “[...] durante a Primeira Exposição
Pedagógica do Rio de Janeiro, nas Conferências Pedagógicas da Freguesia da Glória e nas
Atas do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, dentre outros fóruns” (SCHELBAUER,
2005, p. 138).
De acordo Bastos (2005, p. 117-118), as conferências populares, públicas, literárias e
pedagógicas serviam como meios de “[...] vulgarização e aperfeiçoamentos dos métodos de
ensino das diferentes matérias [...]”, entre eles os “[...] métodos de leitura e escrita”. Tais
eventos aconteciam com freqüência, pois “[...] entre 1873 e 1886 foram realizadas nove
Conferências Pedagógicas no Município da Corte”.
Dessa forma, nas últimas décadas do século XIX, a proposta do método de ensino
intuitivo influenciava o ensino da leitura apresentado nos livros escolares. Segundo Mortatti
(2000, p. 51; 53), nesse período, em diversas províncias brasileiras, sobretudo em São Paulo,
houve “[...] momentos ricos de efervescência de idéias renovadoras em relação ao ensino da
leitura e à nacionalização do material didático”. Dentre os intelectuais renovadores havia
aqueles que defendiam o aprender a ler sem soletrar, por meio da produção de cartilhas e
livros de leitura. Alguns autores didáticos brasileiros, que objetivaram substituir os silabários
tradicionais, tiveram uma larga aceitação no mercado editorial e no sistema escolar, fazendo
com que suas cartilhas tivessem grande circulação no período republicano. Merecem destaque
Hilário Ribeiro, com a Cartilha Nacional (1880); Thomas Paulo do Bom Sucesso Galhardo,
com a Cartilha da Infância (1879); Felisberto de Carvalho, com seu Primeiro Livro de
Leitura (1892); assim como João Köpke, ilustre educador da época, que criou para uso dos
alunos da Escola Americana (SP) o Methodo Racional e Rápido para Aprender a ler sem
Soletrar (1874).
Nos livros escritos pelo Barão de Macaúbas podem ser observados traços do ensino
intuitivo. Segundo Siqueira (2000, p. 230) [grifo da autora], “[...] chegou ele a criar o seu
próprio método, conhecido como Método de Macaúbas [...]”, considerado de silabação. De
acordo com Alves (1942, p. 177; 158) [grifos do autor], a eficácia desse método repentino
139
“[...] se consubstanciou no Novo Primeiro Livro de Leitura’, publicado em 1888”, também
conhecido como “Leitura Universal”.
É importante lembrar que os métodos e livros que incluíram a renovação pedagógica no
final do período provincial apresentaram, na verdade, traços da constituição do método
intuitivo, consubstanciado nas reformas republicanas e a partir daí estabelecido de fato, nas
práticas escolares.
3.4 Maneiras de fazer dos métodos de leitura na província de Mato Grosso
Na província de Mato Grosso, a Lei de 1837 e o Regulamento de 1854 não indicaram
quais métodos de leitura e de escrita deveriam reger o cotidiano das escolas primárias.
Todavia, com base na triagem dos mapas escolares, elaborados pelos professores dessa região,
é possível constatar que o aprendizado da leitura e da escrita em todo o período provincial
seguia a seqüência das unidades de linguagem: ABC, Sílabas, Cartas de Nomes, até atingir a
leitura de textos.
Em outras províncias brasileiras, nesse mesmo período, não era diferente. O aluno J. L.
Rodrigues, matriculado em uma escola pública de primeiras letras de São Paulo, descreveu a
trajetória de sua alfabetização, a saber:
Foi em 1875 que eu, tendo pouco mais de 6 annos, me matriculei na escola
do Professor Pires.
Correram os meses. Em seguida à carta de ABC, veio o b-a-bá, que servia de
início à série bastante longa das cartas de syllabas. Depois destas vieram as
cartas de nomes e por último as cartas de fora, que serviam de remate à
aprendizagem da leitura. O methodo adoptado era o da solletração. [...] Após
o sylabario [português], veiu a Cartilha de Doutrinação (RODRIGUES
apud MORTATTI, p. 49-50) [grifos do autor].
Na província de Minas Gerais, o processo de alfabetização baseava-se no método
sintético de soletração. Aprendia-se “[...] inicialmente a ler cada letra e deve, com efeito,
condensar essas diferentes letras em uma leitura única, produzindo dessa forma uma síntese”.
O combate a esse método, em Minas, foi “[...] expresso na Reforma João Pinheiro (1906), ao
determinar que os professores deveriam ‘abolir em absoluto o método de soletração’ em favor
do método silábico” (MACIEL, 2003, p. 14-16).
As Cartas do ABC, em geral bastante utilizadas na prática do método de soletração,
tinham por base a cantilena do abecedário em voz alta. Para Maria Cecília C. C. de Souza
(1998, p. 83), as ladainhas das rezas “[...] lembravam a cantilena do abecedário e da tabuada.
140
[...] um b com um a: ba; um b com um e: be”. Maciel (2003, p. 15) [grifos da autora], em
conformidade com Souza, afirma que, no “[...] método de soletração, alunos e professores
cantarolavam: be-a-ba; ele-a la; eme-ee-me; ene-i-ni; pe-o-po”. Com a ladainha os
estudantes “[...] memorizavam todo o alfabeto, [...] as sílabas, sentenças, até chegarem nos
textos que ainda traziam as marcas do início da aprendizagem [...]”.
O Inspetor Camilo Barreto, da Província de Mato Grosso, criticou esse modelo de
cantilena do abecedário, afirmando que na prática da leitura desencadeada no interior da
escola primária, os alunos ficavam “[...] a papaguear o catecismo sem consciência da beleza
moral de seus preceitos” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
A documentação indica que o Inspetor já se baseava nas idéias dos opositores ao método de
soletração, tais como Leôncio de Carvalho, Rui Barbosa e Caetano de Campos, que se
apoiavam em uma concepção filosófica e científica segundo a qual a aquisição de
conhecimentos advinha da experiência, da observação e dos sentidos, contrapondo-se, assim,
à prática da memorização.
A crítica de Barreto tinha ligação com o fato de o livro de Doutrinação Cristã, escrito
por Padre Pimentel, ter sido até a década de 1870, apresentado nos relatórios da época como o
único utilizado para o grau do ensino do primário, no qual os alunos iniciavam a
aprendizagem da leitura e da escrita, ou seja, nas primeiras classes da alfabetização. Além
desse opúsculo, os estudantes dispunham de uma grande variedade de materiais impressos
e/ou manuscritos que eles levavam de suas próprias casas (MATO GROSSO, Presidência da
Província, Relatório, 1862).
Segundo Siqueira (2000, p. 204), “[...] a província de Mato Grosso não estava alheia às
idéias modernas, pois recebia freqüentemente notícias da Corte onde eram testados novos
métodos de ensino rápido de leitura e escrita”. O governo local recebia informação do que
estava circulando na Corte por meio das correspondências entre o governo imperial e os de
províncias brasileiras, bem como por comissários locais que se dirigiam até o Rio de Janeiro
para conhecer as renovações pedagógicas nacionais, servindo como parâmetro nas decisões
tomadas na localidade.
Em 23 de outubro de 1871, a presidência da província mato-grossense foi comunicada,
através de um ofício encaminhado por Antônio Pinho de Aguiar, autor do Método sobre a
existência e aplicabilidade do método bacadafá, que consistia em um método de leitura
repentina vindo da Província do Rio Janeiro. Também de acordo com Siqueira (2000, p. 204-
205), não se tem notícia de que esse modelo tivesse plena aceitação na Corte, tampouco em
Mato Grosso, uma vez que “[...] essa obra não foi ao menos indicada pelas autoridades
141
educacionais mato-grossenses, o que significou sua não utilização [...]”, pois “[...] não
justificava a aplicação de método que preconizasse um ensino relâmpago e nem a população
adulta interessou por alfabetizar-se”.
Para o Inspetor Geral de Estudos de Mato Grosso, Pe. Ernesto Camilo Barreto, o
método de leitura mais plausível seria o denominado por ele de “emissão de voz”. Nas
palavras do Inspetor:
Quanto à Leitura, ordenei que as três escolas de instrução primária desta
Capital, dentre os três processos conhecidos, isto é, o antigo, o da soletração
e o da emissão de voz, seguissem este último. A experiência vai mostrando
que por este modo se vai mais longe e em menos tempo do alfabeto à Leitura
corrida (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1876).
Dentre a documentação pesquisada, tais como legislações, relatórios, ofícios, jornais,
mapas e exercícios escolares, referentes à educação de Mato Grosso no culo XIX, essa fala
de Barreto é a única que menciona, de forma direta, quais os métodos de leitura circulavam na
província local, demonstrando que o Inspetor tinha preferência pelo método da emissão de
voz. Sua declaração parece um pouco confusa se consideradas as denominações e as
classificações apresentadas por autores como Micotti, Mortatti, Candido, Jardim e Canto,
entre outros. Na verdade, não se sabe ao certo se Barreto se equivocou ao classificar os três
métodos de leitura em antigo, de soletração e da emissão de voz. Nessa categorização, o
referido Inspetor apresentou os dois primeiros métodos como distintos, talvez assim os
concebendo: o primeiro, alfabético e o segundo, fônico, podendo também ser entendido,
respectivamente, como alfabético e silabário. Já os autores apresentados anteriormente
consideravam-nos como um só, ou seja, o antigo equivalia ao de soletração. Segundo a ordem
dos métodos elencados por Canto, Galhardo e Candido, pode-se presumir que a metodologia
de emissão de voz, mencionada por Camilo Barreto, poderia consistir tanto no método da
silabação como no da palavração.
Pressupõe-se que o processo de conhecimento da leitura baseado na “emissão de voz”,
citado pelo Inspetor, nada mais era que o método da silabação propagado por Abílio César
Borges ou por Hudson, que circulou nas décadas de 1870 e 1880 na província de Mato
Grosso. Considera-se também que esse processo antigo de leitura, expresso por Barreto,
referia-se ao aprendizado baseado em letras soltas, ou seja, no método alfabético, também
entendido como de soletração, que se baseava na memorização.
Segundo Tambara (2003b, 128), o método Hudson é de autoria de Octaviano Hudson,
que “[...] nasceu no Rio de Janeiro a 6 de julho de 1837 e faleceu a 12 de fevereiro de 1886”.
Octaviano, que foi Tipógrafo, Pedagogo, Poeta e Jornalista escreveu:
142
Método de Leitura oferecido à infância e ao povo. São Paulo, 1875. In. 12º.
Houve várias edições;
Método Hudson, oferecido à infância e ao povo. Rio de Janeiro, 1876. In. 8º.
40p. Livro para as escolas da instrução primária, foi acolhido com aplauso
tal, que no mesmo ano fizeram-se mais duas edições. A primeira edição foi
feita à expensas do Grande Oriente unido do Brasil; as outras por algumas
lojas maçônicas e por cavalheiros amigos das letras, sendo gratuitamente
distribuídos quinze mil exemplares (TAMBARA, 2003b, 128-129) [grifos
do autor].
Os livros de Hudson, ofertados na Província de Mato Grosso, também ficaram
conhecidos como Abecedário de Hudson. De acordo com Alves (1942, p. 44), esse modelo
era tido como um dos que se caracterizavam pela abreviação no tempo de ensino e de
aprendizagem da leitura e da escrita, ou seja, propunha ensinar, rapidamente, a ler e a
escrever. Apesar das escolas primárias mato-grossenses terem recebido algumas remessas
desse método, a instrução pública foi gradativamente se apropriando do modelo proposto por
Abílio César Borges. A ressonância dos opúsculos de Macaúbas, em Mato Grosso, ligava-se
ao fato de receberem indicação por parte das autoridades imperiais e ainda serem doados
diversas vezes pelo próprio autor para o uso em escolas públicas.
Os livros de Abílio foram inspirados no método do Visconde de Castilho que, segundo
Alves (1942, p. 43), foi “[...] mais ou menos praticado na Bahia, pela primeira vez, pelo
professor Antonio Gentil Ibirapitanga, primeiro mestre de Rui Barbosa e, depois, pelo
professor Felipe José Alberto que o foi aprender no Rio de Janeiro, sob a direção pessoal do
próprio Castilho”.
O método Castilho, assim como o João de Deus, em Portugal; o Freinaigle, na
Alemanha; os métodos Lemare, Jacotot, na França; e os métodos Pinheiro (Ba-ca-da-fa) e
Hudson, no Brasil, eram considerados métodos abreviativos do ensino da leitura, pois
tencionavam alfabetizar as crianças em curto espaço de tempo, partindo da instrução
concomitante da leitura e da escrita (ALVES, 1942, p. 44).
Apesar ter se guiado pelo mestre Castilho, Borges acreditava na possibilidade de
readaptação do método de soletração, pois afirmava: “[...] Quanto a mim o método antigo
razoavelmente modificado, isto é, descarregado daquela infinidade indigesta de sílabas soltas
e vãs, é ainda preferível, pela razão de não exigir propagadores especiais para ser aplicado”.
Essa proposta de alteração e não de substituição brusca, justificava-se uma vez que, apesar de
o método de soletração, entendido por ele como alfabético, perder lugar quando substituído
pelos métodos fônico e da palavração, todavia, na prática, a soletração continuava
predominando no cotidiano escolar, pois até:
143
Nos próprios Estados Unidos da América do Norte, onde o método de
soletração parecia condenado a ser eliminado, cedendo lugar ao fônico e ao
do vocabulismo... todos recorrem, e em geral até com excesso, aos
exercícios de soletração, como complemento obrigatório do ensino de leitura
e essencial para o conhecimento da ortografia. Perfeição da pronúncia e
caminho para a declaração, a que como nenhum outro povo, dão os norte-
americanos uma grande importância (BORGES apud ALVES, 1942, p. 45).
No Primeiro Livro de Leitura, o Barão de Macaúbas
Aconselhou a soletração auricular antes da leitura, num período aproximado
de quatro semanas, em que as crianças se habituariam à escola.
Condenou a soletração de sílabas soltas sem significação, salientando que
nos países da Europa e nos Estados Unidos já se não usava a soletração entre
os professores de mais talento (ALVES, 1942, p. 152).
No prólogo do Primeiro Livro, Borges “[...] salientou a importância do metódico do
cálculo, partindo-se do concreto para o abstrato [...]”. No Segundo Livro, “[...] acham-se
adaptações de contos de livros americanos e ingleses”. No Terceiro Livro, publicado em
Bruxelas, no ano de 1871, incluía “[...] a constituição do Império, Geografia e História do
Brasil, artigos de higiene, industria, agricultura”. O Pequeno Tratado de Leitura em voz alta,
publicado em 1879, que servia para “[...] uso da mocidade brasileira e de todos aqueles que
têm de ler ou de falar em público”, era uma tradução do compêndio escrito por Erneste
Legouvé (ALVES, 1942, p. 152-155; 159; 161).
. O Quarto Livro foi publicado com a co-
autoria de seu filho Joaquim Abílio Borges. Já
o Quinto Livro, apenas de Joaquim.
Com a base adquirida desde 1856, através
do método Castilho, e “[...] com a experiência
de sua longa vida de educador, escreveu em
1884 A Lei Nova do Ensino Infantil’
(ALVES, 1942, p. 44). Esse opúsculo também
é conhecido como A Lei Nova do Ensino
(TAMBARA, 2003b, p. 50) [grifo do autor].
Segundo Alves (1942, p. 159), esse livro
Figura 17: Quarto Livro de Leitura
Fonte: Borges (1890)
foi considerado “[...] o derradeiro esforço do patriarca em prol da difusão do ensino [...]” e
constituía-se em pequeno volume, no qual estava condensado “[...] o seu novo método, [...] o
de silabação executado com engenho e propagado com devotamento”.
144
Ainda conforme Alves (1942, p. 178), o método Macaúbas, baseado na silabação, “[...]
cuida da adaptação fisiológica dos órgãos vocais, encaminhando os alunos a assimilar o
sentido dos vocábulos ao mesmo tempo em que adquirem o som da palavra”, pois, na
concepção de Macaúbas, “[...] quem fala, não soletra; logo, quem não deve soletrar”. O
autor, ao citar essa fala de Borges, conclui que “[...] modificação no pensar do pedagogo,
que preconizara a silabação e soletração na Lei Nova do Ensino Infantil’. Mas ele não quer
que se soletrem sílabas sem sentido e isso vem desde o Primeiro Livro de 1866”.
Isso indica que Borges admitia iniciar o processo de alfabetização pelos ABCs. Dessa
forma, os alunos principiavam o aprendizado da leitura pelas Cartas do ABC ou Primeiro
Livro de Leitura, e só os alfabetizados tinham acesso aos livros subseqüentes.
De acordo com Galvão (2001, p. 124), no século XIX,
Aprender a ler, escrever e contar eram os objetivos principais do ensino para
os meninos menores: a ‘carta do ABC’ ou o primeiro livro de leitura e a
tabuada guiavam a ação educativa. Para os pós-alfabetizados, os ‘livros de
leitura’ subseqüentes serviam de referência, trazendo conteúdos de
gramática, história do Brasil, história natural, história sagrada e geografia
.
No final da década de 1870, é possível constatar essa prática na escola primária de Mato
Grosso. Firmo José Rodrigues, nascido na cidade de Cuiabá-MT, em de junho de 1871,
escreveu sobre as lembranças de sua infância, em especial, os primeiros anos de
escolarização. Iniciou seu processo de alfabetização no ano de 1877 por meio de Cartas do
ABC. Disse ele: “Recordo-me que, aos 7 anos, fui para a escola particular do mestre Manuel
Leopoldino do Nascimento, onde aprendi o ABC”. Um ano após, Firmo Rodrigues foi “[...]
matriculado numa escola pública do Distrito de Cuiabá, cujo professor se chamava
Francisco da Costa Ribeiro”. Foi nessa escola pública que Firmo teve acesso ao livro de
leitura de Abílio César Borges. Diante das lembranças da infância ele assim se expressou:
“[...] com que alegria passei a ler o segundo livro de leitura do Dr. Abílio! As histórias e
vinhetas desse livro me encantavam. A história de ‘Crispím e a Vaca’, jamais me saiu do
pensamento”. (RODRIGUES, 1960, p.7-9) [grifo do autor].
Assim, é possível observar que, até mesmo nas últimas décadas do século XIX, as
Cartas do ABC precediam o ensino de outros livros de leitura. Conforme com Amâncio
(2003, p. 50), esse material foi utilizado, intensamente, até o início do século XX, e apesar da
sua permanência no cotidiano escolar, o final do período provincial revela alterações que
foram sendo configuradas no decorrer dos anos. A circulação das obras de Abílio César
Borges fazia com que o ensino intuitivo fosse sendo introduzido paulatinamente na prática
escolar de Mato Grosso.
145
Durante o século XIX, “[...] a concepção da leitura como valor universal foi-se
entretecendo ao enaltecimento da leitura em voz alta. Alfabetização e a boa oralização do
escrito eram bandeiras na defesa da propagação do texto, especialmente na escola primária”.
Esse processo foi favorecido pelos modelos impressos divulgados pela imprensa educacional
francesa, que “[...] preocupava-se em fazer circular os saberes do ler em voz alta, tanto no que
concernia ao mecanismo da palavra (boa articulação dos sons) e à expressão do pensamento
(dicção), quanto à interpretação gestual e fisiológica” (VIDAL, 2004a, p. 74).
De acordo com Chartier e Hébrard (1995, p. 267), até meados do século XIX, na França,
a leitura em voz alta constituía uma prática freqüente na burguesia urbana, que concebia a
escolas como “canal escolar” de generalização desse tipo de leitura.
A difusão dessa modalidade de leitura, no contexto francês, “[...] expressivamente
visava a combater a leitura monótona da prática religiosa. Pretendia, ao mesmo tempo,
disseminar e constituir como referencial escolar a leitura de convívio em voz alta valorizada
pela burguesia urbana [...]”(VIDAL, 2004a, p. 104). Na Espanha, sua propagação na escola
ocorria por meio das leituras de Cartilhas (VIÑAO FRAGO, 1992, p. 52).
O método mútuo, pensado para realizar um ensino de leitura e escrita massificado, no
mais breve espaço de tempo, também estava pautado na prática da memorização e na leitura
em voz alta, no momento das lições orais. Nas seções destinadas a esse fim, os alunos mais
adiantados, denominados monitores ou decuriões, com uma varinha ou haste apontavam para
alguns caracteres escritos dizendo seus nomes e significações, cabendo aos demais repetir o
que ouviam.
Figura 18: Argumento
Fonte: Escolano (1992)
Além desse exercício oral, os estudantes
também eram submetidos ao “argumento”, espécie
de prova oral aplicada pelo professor, constituído
de perguntas e respostas, como sugere a ilustração
à esquerda. Conforme Galvão (2001, p. 132), a
palmatória era o principal instrumento de punição
no cotidiano escolar, sendo utilizada para
“correção” do comportamento e como incentivo à
aprendizagem em todas as disciplinas escolares.
Os alunos ouviam a melodia da pronúncia das palavras entoadas e, em seguida,
cumpriam o treinamento de lê-las individualmente de forma silenciosa. Esse ciclo de
atividades rendia aos estudantes habilidades para que, posteriormente, pudessem ler em voz
146
alta para toda a sala ouvir. No século XIX e início do século XX, essa prática tinha como
finalidade habilitar o aluno para o uso da língua, em especial para se expressar publicamente,
respondendo às necessidades da retórica (ZILBERMAN, 2002, p, 79).
Nesse período de transição, foi conferido maior prestígio à lógica escritural de
organização da fala. Neste contexto, a prática da memorização assumiu uma posição ambígua:
Associada às práticas religiosas, como a ladainha, ou compreendida dentro
do espectro das faculdades intelectuais inferiores, era detratada por políticos
e educadores que pregavam seu banimento da escola e sua substituição pelo
uso de novos métodos pedagógicos, particularmente o ensino intuitivo.
Cantada por possibilidade de construção da nacionalidade, unificando a
pronúncia e o vocabulário, ou percebida como recurso para difusão da
escrita ortograficamente correta, era incluída nos programas escolares sob
forma de declamação e leitura expressiva, e propalada em manuais escolares
(VIDAL, 2004a, p. 100-101).
De acordo com a autora, esse debate referente à contradição entre abolir e manter a
prática da memorização no espaço escolar “[...] repousava sobre a singularidade das práticas
escolares no cotejo às práticas culturais e sobre a constituição de uma retórica laica” (VIDAL,
2004a, p. 101). Essas discussões em torno do modelo pedagógico aplicado no Brasil
ganharam forças com a instauração das propostas de Rui Barbosa (1882) para a reformulação
da instrução pública brasileira no último quartel do século XIX.
O questionamento sobre memória e memorização foi tomando novo rumo à medida que
a tradição da declamação poética passava a ser como modelação da linguagem, pois a cultura
de “[...] falar como um livro e estudar na escola demarcavam a origem social dos indivíduos”.
No Brasil, essa cultura escolar de leitura em prosa e verso, de leitura expressiva e de
declamação foi oficializada nos “[...] programas de leitura dos terceiros e quartos anos da
escola primária de São Paulo (Decreto n. 284, de 26 de julho de 1894), assim como a atenção
à prosódia era recomendada na leitura dos alunos da Escola Normal paulista nos seus três
anos de curso (Regulamento de 1890)” (VIDAL, 2004a, p. 104).
Em meio aos “[...] desdobramentos do ensino escolar da boa pronúncia no final do
século XIX e início do XX no Brasil [...]”, a pesquisadora Vidal classificou três importantes
implicações relativas à cultura escolar que dinamicamente influenciava o universo social:
O primeiro, de caráter lingüístico, significou a assunção da norma culta,
partilhada pela elite, como padrão de língua brasileira. O segundo, cultural,
implicou a valorização de uma fala correta, aprendida escolarmente e
constituída na relação com a cultura escrita, em detrimento de outra, tida por
incorreta, disseminada socialmente por uma cultura oral (atribuindo à
criança escolarizada uma posição social superior em relação à não
escolarizada). O terceiro, pedagógico, incitou à propagação dos métodos
fonéticos (de caráter sintético) de alfabetização em lugar dos propalados
147
métodos analíticos, e repercutiu na circulação de um novo método de ensino
da língua, no qual as vantagens dos dois anteriores se combinavam: o
analítico-sintético (VIDAL, 2004a, p. 144) [grifo da autora].
Assim como em São Paulo, o ensino da língua portuguesa ministrado nas escolas de
primeiras letras da província de Mato Grosso foi se configurando pela intenção partilhada por
parte da elite política de alfabetizar a população livre, estabelecendo um diferencial entre
letrados e iletrados, distinguindo os cidadãos que utilizavam a norma culta e os que viviam na
mais tênue oralidade.
Conforme Alves (1942, p. 155), Abílio César Borges, na elaboração do Tratado de
Leitura em Voz Alta, deu “[...] grande importância aos exercícios de declamação [...]”. De
acordo com Zilberman (2002, p. 74), o pedagogo baiano enfatizava a leitura oral, pois, para
ele, a boa leitura e o ler bem consistiam em fazê-los em voz alta.
Nota-se que essa prática da leitura em voz alta esteve em voga por todo o século XIX,
seja no seu aspecto lingüístico, cultural, seja pedagógico, fazendo-se presente no interior da
escola primária de Mato Grosso. O que foi sendo alterado ao longo desse período, em
especial, nas duas últimas décadas, estava relacionado à forma e à concepção de ensino
expressas nas maneiras de fazer da memorização e da repetição, pois no ensino intuitivo,
concebia-se que essas práticas antigas precisavam ser acompanhadas de significado para o
aluno.
Ao analisar o uso da ngua nacional no cotidiano escolar de Mato Grosso, questiona-se
também sobre a escrita por ser menos mencionada do que a leitura, tanto nos enfoques
teóricos como nas fontes pesquisas no decorrer desta investigação. Na intenção de preencher
essa lacuna, passa-se então a discutir, a seguir, as formas de escritas que foram se
consubstanciando nas escolas públicas de instrução primária local, ao longo do século XIX.
3.5 Formas de escrita na instrução primária mato-grossense
A perspectiva adotada neste trabalho, que aborda de forma ampla os métodos de leitura
em voga no século XIX, consiste no entendimento desses para o alcance de uma projeção do
ensino da escrita.
Conforme Rodrigues, que estudou na escola primária do professor Pires, em São Paulo,
no ano de 1875, a “[...] leitura estava no primeiro plano” (RODRIGUES apud MORTATTI, p.
50). Essa forma de se conceber a alfabetização também estava presente na fala de grandes
148
intelectuais da época. Para Abílio César Borges, autor de livros didáticos adotados em Mato
Grosso nas últimas décadas do século XIX, o aprendizado da leitura antecedia ao da escrita.
Segundo Alves (1942, p. 44; 50) [grifo do autor], no método de leitura criado por
Borges, A lei Nova do Ensino Infantil, “[...] dizia, não cogita ensinar rapidamente, nos
primeiros anos da infância, a leitura e a escrita, esses dois instrumentos da instrução, de que
não sabem usar os meninos, com que gastam, aliás, um tempo preciso”. O autor acrescenta
que “Abílio não era favorável ao início concomitante da leitura e da escrita à pena”. O
pedagogo baiano julgava que essa concomitância tornaria o aprendizado bastante “[...] penoso
e pouco útil à criança, a quem muito custa aprender a pegar na pena”.
Abílio César Borges chegou a afirmar:
‘Para que lhes serve nos primeiros anos de vida escrever?’ [...] não que
entretanto dizer que se elimine totalmente da escola o ensino da escrita; mas
que se não desperdice com ele tanto tempo, que pode ser melhor aproveitado
no cultivo da inteligência. Basta que as crianças se ocupem nos primeiros
anos da imitação dos traslados com giz ou com lápis, o que lhes tornará
agradável o trabalho (BORGES apud ALVES, 1942, p. 51).
Na província mato-grossense, os mapas escolares referentes às escolas de meninos e de
meninas apresentam um grau de desenvolvimento maior nas classes da seção de leitura,
verificando-se, assim, que o aprendizado desta prática era anterior à da escrita.
Em geral, o ensino dessas matérias tinha como ponto de partida a primeira unidade da
linguagem, as letras do alfabeto. Contudo, no decorrer do processo de alfabetização, a
aprendizagem da leitura se antecipava à da escrita, uma vez que a aquisição desta última, além
de envolver um processo mental na codificação dos símbolos gráficos, dependia da habilidade
motora. A atividade da leitura realizava-se em grupo e em voz alta, exceto no momento em
que o professor tomava a lição para verificar a aprendizagem individual, pois assim os alunos
poderiam memorizá-la mais rapidamente. os exercícios de escrita eram individuais,
dependendo da habilidade de cada um.
A atividade que segue demonstra, de forma geral, o nível de aprendizagem dos 1.225
alunos matriculados nas escolas públicas da província de Mato Grosso, no ano de 1877.
149
Tabela 7 - Classificação dos Níveis de Leitura dos Alunos
da Província de Mato Grosso – 1877
Quantidade de alunos distribuídos nas oito classes da Seção de Leitura
Abecedando Silabando Lendo cartas de
nome
Manuscritos Impressos Leitura corrente
de Manuscritos
e impressos
Leitura
corrente em
prosa e verso
Leitura corrente
correta
220 178 171 223 169 137 63 64
Quantidade de alunos distribuídos nas oito classes da Seção de Escrita
Escrevendo
na areia
Na lousa Em papel, linhas e
letras soltas
Bastardo
largo
Meio
bastardo
Bastardinho Cursivo
maior
Cursivo menor
249 152 186 163 134 95 95 148
Fonte: Tabela elaborada com base Mato Grosso, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1877.
Esse é um demonstrativo dos diferenciados graus de aproveitamento nas referidas
disciplinas escolares. Até a escola regida pelo Arsenal de Guerra de Mato Grosso apresentava
características semelhantes em relação ao método de leitura aplicado nas escolas públicas
convencionais do sexo masculino e do feminino, as quais se destinavam, exclusivamente, ao
educar e instruir nas letras.
De acordo com Crudo (2005, p. 147; 150) [grifo da autora], os alunos matriculados na
Companhia de Aprendizes Artífices do Arsenal de Guerra da Província, além de dominarem o
aprendizado da carpintaria, da sapataria, entre outros ofícios, precisavam “[...] aprender os
conteúdos escolares fundamentais para sua vida profissional: a leitura, a escrita e as operações
aritméticas”. Ao comparar a “[...] evolução dos alunos nos 14 mapas da Companhia de
Aprendizes Menores, de 1842 a 1849 [...]”, a autora observou que o ensino da leitura era
anterior ao da escrita e o da tabuada precedia às quatro operações aritméticas. Segundo ela,
“No ensino da leitura, é possível ter algumas noções da seqüência do ensino, a partir das
informações sobre adiantamento de cada aluno: lê soletrado, está na carta de nomes, se acha
em ABC, lê corrente”.
Assim, é possível constatar que, de modo geral, o grau de adiantamento dos alunos do
ensino primário de Mato Grosso era sempre superior na leitura.
No espaço escolar do Império, o processo de aprendizagem da escrita tinha início com
exercícios de traços de linhas, de letras maiúsculas, minúsculas e de algarismos escritos na
areia; em seguida, o aluno realizava os mesmos tracejos dos símbolos gráficos nas lousas ou
quadros de ardósia, entre regrados largos. Estes, também conhecidos como bastardos,
correspondiam a linhas retilíneas (riscos) através das quais os alunos poderiam padronizar o
tamanho e o formato das letras. Assim, o bastardo largo apresentava um maior espaçamento
entre linhas, se comparado ao médio. O bastardinho configurava-se como o menor
150
espaçamento, sendo indicado para os estudantes que tivessem adquirido habilidades
motoras suficientes para escrever com penas, em superfície de papel.
O aluno que dominava a escrita na lousa passava a escrever no papel. Para a prática
dos traços das letras do alfabeto em folhas avulsas ou de caderno, o aprendiz sobrepunha os
papéis aos traslados ou modelos apropriados, com a intenção de exercitar a padronização do
formato e do tamanho das letras. Nessa última fase dos exercícios, o aluno treinava a “cursiva
maior” até adquirir habilidade de escrever na forma da “cursiva menor”. Isso porque a técnica
da escrita exigia que o transcritor fosse capaz de escrever em folhas sem pauta, mantendo um
único formato, uma mesma padronização.
A B C
A B CA B C
A B C
a b c
a b ca b c
a b c
A escrita escolar do século XIX era baseada em dois
tipos de letras: a manuscrita exemplificada à esquerda –,
também denominada cursiva, inclinada ou ainda letra de
mão, e a impressa exibida à direita –, também conhecida
como redonda, vertical ou letra de forma [Grifo Meu].
A B C
a b c
Na cultura escolar brasileira, inclusive na província mato-grossense, a escrita manuscrita
foi predominante no cotidiano da escola primária. no final do século XIX a letra redonda
passou a ser recomendada. O aprendizado inicial partia da letra manuscrita, uma vez que esta
se fazia bastante presente na cultura escrita da época. Em seguida, aprendia-se a letra
impressa, que trazia consigo os ideais liberais, modernos e industriais da tipografia.
Em 1874, o Inspetor Barreto fez diversas críticas ao sistema educacional da Província.
Segundo ele, a precariedade do espaço físico e do mobiliário escolar era um fator que impedia
o desenvolvimento dos alunos no ensino da escrita. Em um levantamento feito pelo próprio
Inspetor, a maioria das escolas públicas locais não possuía bancos e mesas suficientes para
comportar todos os alunos na seção de escrita. Em geral, os estudantes escreviam ajoelhados
sobre os bancos e mesas de que a escola dispunha e, até mesmo, sobre na mesa do professor.
Havia escolas em que tinham até que se apoiar nos parapeitos das janelas para desenvolver os
exercícios escolares (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874).
Ainda com base nas investigações de Barreto, também a pouca ou nenhuma formação
dos professores prejudicava a marcha do progresso do ensino, pois, mesmo com a Reforma de
1873, as escolas permaneceram praticando o “sistema antigo”, no qual o ensino da escrita
restringia-se “[...] a uma escrita incorreta, quanto à gramática e ortografia” (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1874). O sistema correspondia ao método sintético de
soletração, no qual “[...] partia-se do alfabeto para soletração e silabação. Seguindo uma
151
ordem hierárquica crescente de dificuldade, desde a letra até o texto” (CAGLIARI, 1997b, p.
25).
Em relatório apresentado no dia 8 de abril de 1876, o Inspetor Camilo Barreto
mencionou que na Província havia discussão sobre o modo como os professores ensinavam a
escrita:
Uns querem que entreguemos a mocidade ao primeiro que se disponha a
ensinar, tenha ou não tenha conhecimento da matéria; porque com isso nada
tem que ver os poderes públicos, encarregado da boa direção da sociedade.
Outros dizem que é melhor saber escrever Antonio com a pequeno, n grande,
t pequeno etc. do que nada saber.
Se o fim é apadrinhar a ignorância, não argumentam eles de boa (MATO
GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1876).
Na opinião do Inspetor, a desobediência às normas gramaticais e ortográficas
significava “apadrinhar a ignorância” e descompromisso com o ensino. Sendo assim, Barreto
continuava argumentando ser “[...] melhor escrever-se Antonio corretamente, que pelo modo
indicado” (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1876).
Segundo Rodrigues, ex-aluno da Província de São Paulo, o ensino da escrita “Começava
pela letra manuscrita, mas a partir das cartas de fora, a letra de forma vinha alternar com a
letra de mão’ ” (RODRIGUES apud MORTATTI, p. 50) [grifos do autor].
A presença predominante da escrita manuscrita nas escolas de primeiras letras mato-
grossenses pode ser verificada no relatório da Inspetoria de 1874. Nesse documento, o
Inspetor Geral de Estudos descreveu a fala do Inspetor Paroquial de Vila Maria, em ofício
apresentado à Inspetoria, afirmando que:
O método de ensino empregado pelo professorado [...] quase que levam
todo tempo a ensinar por manuscrito. Aproveito a ocasião para pedir a
V.Ex.ª para uso das escolas, 50 cartas do abc e número igual de livros de
leitura; porque só assim poderemos fazer com que os professores principiem
lecionar os meninos em letra redonda. (MATO GROSSO, Inspetoria Geral
dos Estudos, Relatório, 1874) [grifo do autor].
A queixa de que os professores ficavam muito tempo ensinando a forma manuscrita,
deixando em segundo plano a letra de imprensa (impressa) tornou-se uma reivindicação por
parte da administração da instrução pública para que os mestres iniciassem o trabalho de
alfabetização de seus alunos com a letra redonda. Dessa maneira, a impressa passou a ser mais
recomendada em substituição à manuscrita.
Ao defender a adoção e a prática da letra redonda, o Inspetor Barreto demonstrou que a
província de Mato Grosso não estava alheia às discussões em prol da consolidação do modelo
152
de escrita vertical, que se realizou no período republicano. O final do período imperial
trouxe algumas discussões referentes ao tipo de escrita que deveria ser utilizada nas escolas
primárias.
Com base nos estudos de Faria Filho (1998), referentes à escrita em Minas Gerais no
início do século XX, Peres (2003, p. 36) afirma que as questões ligadas à escrita escolar
primária foram controversas desde o final do século XIX, no Brasil.
Segundo Faria Filho (2001, p. 34-36) [grifo do autor], a reforma do ensino mineiro,
realizada em 1906, propunha a criação dos grupos escolares, com a adoção do método
intuitivo para todas as escolas primárias de Minas Gerais, exigindo assim “[...] adotar escrita
vertical como ‘tipo’ de escrita da escola”. Essa reformulação estabelecia vínculo com o ideal
de modernidade de “[...] organização capitalista do trabalho e o mundo e as relações urbanas”.
Chartier (2001, p. 38) entende que as transformações das técnicas de reprodução dos
textos sofreram alteração uma vez que “[...] do uso da mão se passou à prática de uma técnica
baseada na composição dos caracteres móveis e na impressão com prensa”. Assim, a escrita
redonda passou a ser incentivada devido à prática escrituralista, cuja mudança, na visão de
Certeau (1996), ligava-se à importância e à centralidade do processo escriturário na
modernidade. A argumentação em defesa da letra de imprensa consistia em afirmar que ela
era mais fácil de ser aprendida e reproduzida pela criança. Segundo Cagliari (1997-a, p. 98), o
sistema cursivo é considerado “[...] o mais complicado dos sistemas de escrita que existem no
mundo, porque varia enormemente, seguindo as idiossincrasias de cada indivíduo”.
De acordo com Faria Filho (2001, p. 38), a luta em prol da escrita vertical apontava para
uma prática de escolarização dos corpos. Seus defensores apresentavam-na como simples,
racional, clara e legível, afirmando ainda que a escrita manuscrita “[...] apesar de elegante e
graciosa, é pessoal e comumente ilegível”.
A escrita redonda representava a busca pela homogeneidade, impessoalidade e
regularidade do texto impresso ou produzido na máquina de escrever, impondo a
superioridade da expressão escrita sobre a oral, com prevalência da impressa. Conforme Vidal
(2004b, p. 113), as discussões abordavam as questões metodológicas. Ao lado da psicologia, a
pedagogia passou a se preocupar tanto com o “[...] desenho da letra (caligrafia), quanto no que
diz respeito à redação correta (alfabetização, ortografia e gramática)”.
Dessa forma, os debates referentes à escrita vertical, realizados no final do século XIX,
apresentavam os ideais republicanos da racionalidade e da modernidade do ensino que foi
se configurando no modelo de escola graduada. Todavia, como o período republicano não
constitui objeto de análise deste trabalho, portanto, continua-se a interrogar sobre o processo
153
desencadeado nas disciplinas Ler e Escrever. Graças à conservação de alguns exercícios
escolares realizados durante as aulas primeiras letras é possível observar, a seguir, as
estratégias e as táticas operadas no cotidiano da instrução pública local, ao se ensinar essas
duas disciplinas escolares.
3.6 Estratégias e Táticas na prática de exercícios escolares da província de Mato Grosso
Na província mato-grossense, a iniciação dos alunos no mundo letrado realizava-se por
meio de exercícios em bancos de areia, uma espécie de tabuleiro ou caixote de madeira no
qual se colocava areia para que os estudantes desempenhassem atividades motoras de
elementos da língua nacional, a começar pelas letras do alfabeto e algarismos aritméticos. Em
algumas localidades da província de Mato Grosso, quando não se dispunham desses materiais,
os alunos desenvolviam os exercícios iniciais no próprio chão da escola.
Na seqüência dos níveis de “adiantamento dos alunos”, aqueles que demonstrassem
habilidade na escrita em areia passavam a escrever na ardósia uma pedra lapidada
semelhante a um quadro ou lousa, cuja superfície poderia ser apagada quando utilizassem giz
ou gesso. Após aquisição de razoável coordenação motora, os alunos poderiam realizar os
exercícios na superfície lisa de papéis e, se possível, no caderno escolar.
Na documentação oficial pesquisada (legislação, relatórios e ofícios de dirigentes) até
início da década de 1870, não foi encontrada descrição da organização das aulas de primeiras
letras de Mato Grosso, com seus respectivos horários e conteúdos.
Apenas o Regimento Interno das Escolas Públicas de Instrução Primária da Província
de Mato Grosso, instituído em 4 de julho de 1873, expõe detalhadamente como se
configurariam as oito seções de ensino. O tempo de exercício para cada seção era
estabelecido pelo Inspetor Geral em forma de cronograma de atividades:
Art. 56º Em uma tabela serão designadas as horas e os signos
convencionais para a suspensão dos exercícios de uma e começo das de
outra seção, bem como para o princípio e conclusão dos trabalhos escolares,
devendo esta tabela estar afixada a um dos lados da carteira do professor.
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 64).
O Inspetor Barreto estabeleceu a distribuição do tempo para a efetivação das matérias
de ensino, como pode ser vista na tabela a seguir.
154
Tabela 8 - Horas e Sinais para Começo e Encerramento
dos Exercícios Escolares – 1873
Horários Seções Matérias Sinais
Das 7 às 8
Oração, Leitura, Lição de cor de
Gramática
Para a oração do começo e encerramento da aula
dará o professor quatro toques de campainha, a
saber: o primeiro para chamar a atenção dos
alunos, o para que fiquem de joelhos sobre os
bancos, o para começar a oração e o 4º,
depois de terminada ela, para que voltem à
posição de pé.
Das 8 às
8 ½
Escrita
Um toque de apito corrido indicará o começo do
trabalho de cada seção e um outro o
encerramento.
Das 8 ½ às
9 ¼
Aritmética teórica, lição de cor
de Geografia
Um toque de campainha, durante o trabalho das
classes, indica que o professor chama a atenção
da escola e um ordena silêncio: um outro,
depois daquele, que os manda prosseguir em
seus exercícios.
Das 9 ¼ às
9 ¾
Aritmética prática -
Das 9 ¾ às
10 ½
Doutrina e lição de cor de
História Sagrada e Profana
-
Das 10 ½
às 11 ½
Análise de Gramática e Leitura -
Das 11 ½
às 12
Exercícios finais, a saber:
chamada dos alunos, entrega das
escritas, contas, cadernetas e
oração final.
-
Fonte: Sá; Siqueira ( 2000, p. 78).
O Regimento de 1873 previa o cumprimento do tempo pré-estabelecido para a
realização dos exercícios escolares que deveriam ocorrer de segunda a sexta-feira. Aos
sábados, as duas primeiras horas, nas escolas do sexo feminino, seriam “[...] empregadas no
estudo de doutrina, as duas e meio seguintes, em trabalhos de prendas, e a meia hora final nos
preparativos para encerramento”. Já nas escolas do sexo masculino, o professor designaria a
seguinte ordem:
[...] de depois da oração do começo, o exercício da seção de leitura, o
da seção de escrita, e o de Aritmética prática, no qual gastará três quartos
de hora, daí às onze e meia se ocupará com a seção de doutrina
exclusivamente, e empregará a última meia hora na chamada, entrega de
escrita, contas, cadernetas e oração final (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 65).
Assim, a disposição de horários e a organização estabelecida para as seções de leitura,
escrita, gramática e doutrina cristã auxiliam na compreensão do processo de alfabetização e
no conhecimento da Língua Nacional vivenciado na prática escolar.
De acordo como o Art. 46º do Regimento de 1873, as seções de escrita dos sábados
deveriam funcionar nos bancos. O utensílio escolar considerado mais adequado para a
realização dos exercícios de escrita das últimas classes dessa seção seria o caderno. No que
155
diz respeito à leitura, o Art. 47º dessa legislação determinava que as seções dessa prática
funcionassem em classes, dispostas em semicírculos, nos dias letivos de e feiras. Os
livros das classes de leitura deveriam ser “[...] distribuídos pelos monitores aos respectivos
alunos na ocasião do exercício, e recolhidos, depois de terminadas as classes, ao lugar
competente”. O Art. 53º afirmava que as cartas impressas ou manuscritas que servissem de
objeto a cada uma dessas classes, bem como as tabuadas de Aritmética, deveriam ficar
penduradas nas paredes da sala, no meio do respectivo semicírculo (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p.
64).
Ao se cotejar o referido Regimento com as práticas escolares representadas nos
exercícios escolares de 1871 e vinculada em artigo de jornal, é possível afirmar que a maioria
das normas estabelecida em 1873, referentes à disposição dos trabalhos escolares, já estava
sendo praticada na instrução primária local.
Figura 19: Folhas de flandres fixadas nas paredes
Fonte: Escolano (1992)
No artigo publicado no jornal
Imprensa de Cuiabá, em 14 de dezembro de
1864, o articulista declarou que a prática
dos exercícios da seção de leitura deveria
ser desempenhada por meio de cartas
suspensas à parede, pois assim os alunos
poderiam, ao mesmo tempo, visualizar o
que estava escrito nas folhas de flandres
fixadas nas paredes.
Conforme o articulista do jornal:
A falta porém de cartas suspensas à parede, absolutamente indispensável à
primeira, segunda e terceira classe, tem feito com que delas não se possa
tirar o proveito desejado.
Para se guardar a perfeita simultaneidade do ensino, de acordo com a lei, não
se pode prescindir do seu uso, muito principalmente para o exercício das
duas primeiras classes (IMPRENSA DE CUIABÁ, 1864).
Dessa forma, a ausência de cartões para os exercícios dessas classes prejudicava o
aprendizado dos alunos, pois estes teriam de “[...] estudar as lições isoladamente em face de
uma carta que para eles não passará de um instrumento ou trincheira de sua inaplicação”
(IMPRENSA DE CUIABÁ, 1864).
O uso desse material era tido como vantajoso, pois os aprendizes poderiam realizar a
leitura de forma coletiva, o que lhes seria um estímulo. A esse aspecto positivo somava-se a
economia de tempo para a realização dos exercícios de leitura, que, se fossem feitos sempre
156
de forma individual, tornaria insuficiente o tempo previsto para a execução das atividades
diárias da escola. A esse respeito, diz o articulista:
Por mais expedito que seja um professor, cuja escola tenha de cinqüenta
alunos para cima, não conseguirá ensinar e tornar todas as lições dos
principiantes individualmente, no limitado tempo dos exercícios das escolas,
em que o número de matérias a ensinar lhe é superior; sem falar ainda das
escolas em que se compreende mais o segundo grau, muito acrescentado em
matérias; e estando todas a cargo de um só professor (IMPRENSA DE
CUIABÁ, 1864).
Ainda de acordo com o articulista, para que os alunos tirassem todo o proveito possível
dos exercícios de leitura ou de outra atividade qualquer, o professor deveria:
[...] chamar para a atenção dos alunos que a compõem; para isto bastará
exigir-lhes inesperadamente perguntas relativas ao mesmo exercício. Eles na
incerteza de quando ser-lhes-á dirigida a pergunta, ano se entregarão a
distração, que lhes é tão comum (IMPRENSA DE CUIABÁ, 1864).
Dessa forma, o redator chama atenção para o fato de que a aprendizagem da leitura,
através das cartas suspensas, teria real proveito se o professor tivesse o compromisso de
sempre exigir a atenção dos alunos por meio de argüições inesperadas, para que não ocorresse
dispersão. Ele alerta que, enquanto as escolas não fossem providas desse material, o professor
seria obrigado a lançar mão do método individual, deixando de lado o simultâneo.
Durante a seção de cada dia letivo, o aluno que exercitava a escrita na superfície de
papel recebia 1 folha que deveria durar 8 dias letivos. No momento de cada seção, o estudante
poderia utilizar apenas uma parte da folha para a realização dos exercícios escolares. Para
tanto, essas folhas de papel avulsas eram dobradas em 4 partes, sendo que os exercícios eram
desempenhados nos 2 lados das folhas (frente e verso), formando assim 8 partes. Uma folha
inteira media, aproximadamente, 33cm X 48cm, sendo que cada uma das quatro partes media
16 ½cm X 24cm de diâmetro. Veja a seguir um exemplo dessa divisão e organização das
atividades de um estudante.
157
Figura 20: Divisão da folha de exercício escolar (frente)
Fonte: Bastos (1871)
158
Figura 21: Divisão da folha de exercício escolar (verso)
Fonte: Bastos (1871)
159
A ação de determinar a quantia de papel a ser utilizada diariamente na escola era
estratégia do Governo Provincial para diminuir gastos com suprimentos de alunos das escolas
públicas primárias. Essa estratégia dos administradores da província de Mato Grosso é
descrita pelo Inspetor Geral de Estudos, o Pe. Ernesto Camilo Barreto, em relatório
apresentado à Presidência da Província em 8 de abril de 1876, momento em que o referido
Inspetor discordava da implantação da Lei 8, de 3 de julho de 1875, que determinava o
funcionamento de duas seções de ensino por dia, representadas por dois períodos de aulas,
matutino e vespertino.
Para o Inspetor Barreto, a distribuição de material escolar para duas seções não seria
possível visto que o governo mal conseguia manter esse fornecimento para uma única seção.
Segundo ele:
O Regulamento Orgânico de 1873 ordenou que as escolas públicas tivessem
uma única sessão por dia. Nesse sentido a classe de escrita, como as demais,
funcionava uma vez diariamente e cada menino suprido pelo cofre
provincial, tinha de gastar uma folha de papel de 8 em 8 dias. Com a
disposição da Lei 8 de 3 de julho do ano passado, mandando que as
mesmas escolas dessem diariamente os dois exercícios, veio a funcionar
duas vezes a sessão de escrita, e daqui a necessidade do aumento do papel na
razão dupla para cada aluno (MATO GROSSO, Inspetoria Geral dos
Estudos, Relatório, 1876).
A manifestação contrária de Camilo Barreto, em relação às disposições normativas de
acréscimo no número de seções diárias, evidencia que no cotidiano das escolas públicas no
período provincial era comum o aluno utilizar apenas 1 folha de papel em 8 dias letivos. Esse
momento de conflito de opiniões políticas e administrativas apresenta-se fértil de indícios de
práticas educacionais, possibilitando maior compreensão das normas impostas à escola e de
seu real funcionamento.
A crítica do Inspetor consistia em afirmar que, com o acréscimo da carga horária das
aulas, inevitavelmente aumentaria a despesa com utensílios, “[...] quer com a tinta, penas,
lápis, canivetes, etc. Entretanto, a verba decretada para o exercício em que estamos, [era]
igual a do ano anterior, em que as escolas tinham uma sessão diária” (MATO GROSSO,
Inspetoria Geral dos Estudos, Relatório, 1876).
Na prática cotidiana das escolas primárias de Mato Grosso nem sempre a proporção de
uso do papel, determinada pelo Governo, era cumprida pelos professores e alunos, havendo
assim uma subversão das estratégias do poder, das normas que eram impostas para o
funcionamento da escola. Nessa perspectiva, essa subversão constituía-se numa das mil “[...]
160
‘maneiras de fazer’: vitórias do ‘fraco’ sobre o mais ‘forte’ [...], pequenos sucessos, artes de
dar golpes, astúcias de ‘caçadores’ [...]” (CERTEAU, 1996, p. 45).
Acredita-se que essas táticas dos professores podem se expressar pelo exercício escolar
de Bastos (1871), citado anteriormente, que possui 8 partes. Nesse documento é possível
afirmar que o aluno realizou várias vezes uma mesma cópia ou ditado, em datas diferentes,
como 27 e 28 de abril e 01 e 02 de maio de 1871.
Dessa forma, alunos e professores subvertiam os modelos de práticas cotidianas
impostas pelos dirigentes. Esse exemplo do uso diário das folhas de papel, empregadas para o
desenvolvimento da escrita escolar, constitui apenas uma dentre as inúmeras vezes em que os
agentes da escola criaram novas maneiras de fazer diante das condições que lhes eram
determinadas.
Ao se investigar a história das disciplinas escolares, notadamente Ler e Escrever, na
cultura escolar primária da instrução pública de Mato Grosso, busca-se identificar como os
conhecimentos ensinados no decorrer das aulas e a inculcação de condutas se configuraram na
prática escolar ao final do período de escolarização daqueles que conseguiram atingir os
últimos estágios de aprendizagem do ensino primário.
3.6.1 Inculcação e apropriação dos conteúdos de ensino
O registro das produções escritas dos alunos do ensino primário da província de Mato
Grosso apresenta-se em folhas de papéis avulsas, contendo exercícios escolares realizados no
decorrer das seções diárias.
Considera-se que para se compreender o modo de apropriação e de reapropriação, pelos
alunos, de determinado conteúdo ou até mesmo de uma disciplina escolar, faz-se necessário
avaliar os trabalhos e exercícios desempenhados por eles, estabelecendo-se, assim, uma
relação entre as finalidades subjacentes a tal conteúdo e o que estava sendo inculcado na
prática cotidiana.
No que diz respeito ao ato de aprender a ler, Hébrard (2001, p. 137) entende que o
caderno não é apenas um simples “[...] suporte de papel necessário à aprendizagem da
escrita”, uma vez que esse utensílio “[...] à escrita escolar seu sentido e sua especificidade:
ela é antes de tudo um exercício”. Nessa perspectiva, observa-se que, assim como o caderno,
o exercício escolar avulso é capaz de ordenar “[...] o espaço e o tempo do trabalho escolar nas
três dimensões de suas páginas, ele conduz o aluno a entrar no exercício repetido das suas
161
capacidades de inscrever os saberes e savoir-faire na escrita”. Isso porque, na falta de
caderno, as folhas avulsas eram tidas como um dos únicos recursos materiais disponíveis para
a realização das atividades pedagógicas de escrita escolar.
Hébrard (2001) ao realizar uma análise dos cadernos contendo exercícios escolares,
interessou-se pelo fato de algumas disciplinas escolares serem voltadas, particularmente, para
o desenvolvimento de atividades no caderno. Dentre esses exercícios encontrados pelo autor,
os mais freqüentes foram os de aspectos formais da linguagem escrita e dos cálculos presentes
na Aritmética.
Segundo o autor,
[...] o ditado reina soberano, sendo apenas suplantado nas classes dos
primeiros anos escolares pelo exercício de escrita; ele é freqüentemente
seguido do exercício de análise gramatical ou sintática e de exercícios de
vocabulário (famílias de palavras, homônimos, sinônimos, antônimos,
definições). um pouco menos freqüente que o ditado, o problema de
aritmética constitui o segundo pólo do caderno (HÉBRARD, 2001, p. 123).
Pode-se dizer, então, que as atividades que imperavam nos cadernos eram relacionadas à
memorização e ao exercício de elementos da linguagem escrita, seguido do treinamento de
fórmulas e resoluções aritméticas. Nas folhas avulsas de exercícios do alunado de Mato
Grosso, no período provincial, há igualmente uma predominância de aspectos da Língua
Nacional, seguidos de elementos da Aritmética.
A imagem a seguir expõe o exercício escolar realizado pelo aluno Lourenço Lopes de
Medina, em 25 de maio 1835,
na escola de primeiras letras da Freguesia da Chapada. Por
meio desse documento é possível identificar a seqüência apresentada por Hébrard, sendo
seguida nos exercícios escolares da instrução primária, em Mato Grosso.
162
Figura 22: Exercício escolar de 25 de maio de 1836
Fonte: Medina (1835)
Nota-se também nesse exercício a presença de uma escrita diferenciada na grafia e na
tonalidade da tinta ao se afirmar “Aluno obediente”. Pressupõe-se que tal observação tenha
sido realizada pelo professor, atribuindo, assim, uma espécie de conceito ou motivação ao
aluno que cumpriu a tarefa. Isso porque, segundo o Regimento de 1873, os temas de escrita
desenvolvidos às quartas e sábados seriam “[...] ditados pelo próprio professor e por ele
163
corrigidos e anotados”. Nos demais dias letivos, a escrita era feita “[...] por modelos ou
traslado distribuídos pelos monitores aos alunos das respectivas classes na hora do exercício e
julgadas diariamente pelos próprios professores” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 64).
A folha de exercício do aluno Manoel José do Couto, de 8 março de 1871, da escola
pública da Capital, foi transcrita da seguinte forma:
Os que abraçam a virtude não podem viver em companhia sem se unirem por
meio da virtude que amam.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
De Manoel José de Couto
(COUTO, 1871)
Nesse exercício, o professor corrigiu as duas cópias, afirmando, em uma, “veja as
emendas”; na outra, “procure traslado”. Tudo indica que na primeira observação ele estava
chamando a atenção do aluno para a disposição das margens da folha. Na segunda parte, o
mestre solicitava ao aprendiz que exercitasse a escrita com as letras traçadas entre duas linhas,
para que houvesse padronização do tamanho da escrita.
No verso dessa mesma folha, os exercícios datados de 8 e 9 de novembro de 1871 assim
descreveram: “Praticar a beneficência em toda extensão da palavra a beneficência consiste em
fazer bem, muito bem, todo o bem possível. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12. A B C D E FG H I J K
L M N O P Q”. As imagens a seguir demonstram as observações apresentadas pelo professor
no documento original.
Figura 23: Exercício escolar de Manoel José de Couto, 1871
Fonte: Couto (1871)
164
Observa-se que no exercício do dia 8, o professor solicitou a Couto “Faça regrado do
ABC” para aperfeiçoamento da escrita. Pressupõe-se que o aluno tenha atendido ao
requerimento do mestre, pois na anotação do dia seguinte constava Manoel continue,
continue José de Couto”.
Assim, esses dois exercícios desenvolvidos pelo aluno Couto expressam que muitos
professores preocupavam-se em corrigir os trabalhos dos aprendizes, apontando-lhes o que
naquele período era considerado erro e inadequado, até atingir a qualidade gráfica definida
pelo docente em sua prática pedagógica. No ponto de vista do articulista do jornal Imprensa
de Cuiabá, a memorização e a repetição deveriam fazer parte de todas as disciplinas
escolares. Na edição do dia 14 de dezembro de 1864, um artigo defendeu a idéia de que o
aluno poderia desenvolver o perfeito conhecimento de qualquer matéria de ensino desde que
realizasse os exercícios repetidamente. Segundo o articulista:
O perfeito conhecimento de qualquer matéria, que faz parte do ensino
primário se consegue facilmente por meio de repetidos exercícios; pelo
que se não deverá perdê-los de vista nas escolas; será mesmo bom que a
cada matéria acompanhe um exercício, sempre que for possível
(IMPRENSA DE CUIABÁ, 1864).
Apesar dos avanços organizacionais que a legislação proporcionou à instrução pública
primária de Mato Grosso, em 1873, o “[...] sistema de ministrar o ensino era o mesmo do
regulamento anterior, insistindo este nas ‘lições de cor’ de gramática e geografia”. Isso porque
a ladainha era comum no momento da lição e a cópia, uma forma de exercitar a escrita
(LEITE, 1970, p. 41).
A prática de memorização e de repetição de trechos literários pode ser observada na
transcrição realizada pelo aluno Francisco de Paula ao copiar 8 vezes um mesmo texto.
Também é possível verificar que, em todo o período provincial mato-grossense, os
trabalhos escritos produzidos por alunos apresentavam cópias de textos contendo discurso
moralizador, enaltecendo a veneração pelos preceitos morais difundidos pelo Estado e pela
Igreja. Isso fazia com que, nos exercícios, a leitura dos caracteres escritos fosse exercitada
como ladainha de rezas, que permaneciam na prática escolar de forma a inculcar valores de
moral cristã e de cunho civilizador.
165
O exercício do aluno Antonio de Oliveira Vital, desenvolvido na escola de Chapada em
13 de maio de 1836, tratava de uma transcrição de cópia ou ditado referente a um texto que
enaltecia o respeito:
Na gravidade, evolução dos gestos
Sem que o artífice compõe a imagem lhe infunde o respeito. O retrato de um
príncipe não se inculca somente pela eminência da coroa, também se
conhecer pela soberania da majestade. O venerável aspecto decente
gravidade andam anexos a maiores virtudes ou para se inculcarem régias
para se dividirem soberanas. De pouco importa afidalguia do tenho para
agrado das vontades sedes merece pelo feito o que outro mais inferior
avultava pela imagem. Aula da Chapada, 13 de maio de 1836.
A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U V X Z Y
(VITAL, 1836) [grifo do autor].
Já no exercício escolar realizado pelo aluno Claudino Paes de Azeredo, na escola
pública da Capital aos 27 de março de 1871, percebe-se um teor do catecismo:
O lucro que tiramos de ser infelizes é saber condoer-nos de alheios
padecimentos; a infelicidade é mimo que o Deus fez aos homens para que
sejamos humanos, por isso devemos contentar ditosos. Sem a humanidade
nem virtude verá brio nem gloria, sólida. Os infortúnios realçam com
novo. Ilustre a glória dos homens grandes, os quais se nunca desgraçados
foram falta-lhes algo. Carece sua vida de exemplos de paciência, firmeza os
corações que saberão algum tanto de virtude condoem-se da virtude
atribuída.
A B C D E F G I H (AZEREDO, 1871).
No exercício do aluno Francisco de Paula Corrêa de Bastos, em 1871, também é
possível observar a inculcação de valores moralizadores e de doutrinação cristã por meio de
um texto intitulado Atitude em Guerra:
Constante aplicação de todas as nossas ações ao bem comum ou a disposição
permanente de fazer tudo quanto é útil se e outros é a si mesmo. O amor de
Deus é a origem das virtudes cristãs. O amor do homem é o princípio de
todas as virtudes morais. Dá-se também o nome de virtude a toda a louvação
que se pratica com sacrifício ao sofrimento com resignação de qualquer
adversidade que nos aconteça. 12345789.
A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V X W Y Z
(BASTOS, 1871).
Conforme o Regimento interno de 1873, além das orações diárias, dirigidas pelo
professor ou monitor no início e término da aula, a seção de doutrinação cristã realizava-se às
e feiras, em classes organizadas em forma de semicírculos e, aos sábados, os exercícios
eram “[...] dados pelo próprio professor” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 64).
Segundo Certeau (1996, p. 39), o sistema de produção difundido pelos dominantes é
racionalizado, expansionista, centralizado, espetacular e barulhento. Nessa dimensão, o
166
sistema de produção de dominação do Estado foi difundido de forma barulhenta, ao longo do
século XIX, por meio de normatizações, de discursos moralizadores e doutrinários, bem
como por tentativas de práticas difundidas pelo Governo. Isso explica o porquê de os
conteúdos da seção de doutrinação cristã não se limitarem aos horários estabelecidos para
esse fim, fazendo-se presentes nos exercícios de leitura e escrita, por meio de textos que
expressavam conteúdo moralizador e doutrinário.
Apesar da prática de se ministrar esse tipo de conteúdo, o cotidiano da instrução
primária da província de Mato Grosso sempre ofereceu “brecha” para a operacionalização de
subversão silenciosa na cultura escolar que lhe era imposta. De acordo com Certeau (1996, p.
39), o sujeito submetido à dominação fabrica (reapropria) o que lhe fora imposto de forma
silenciosa, quase invisível. Ele subverte o produto imposto, mas não o rejeita ou o modifica
diretamente e sim o adapta a maneira de usá-lo para fins e referências próprias.
Portanto, considera-se que embora o Governo Imperial formulando diversas estratégias
para inculcar nos educandos conteúdos de cunho moralizador e doutrinário, o cotidiano da
escola primária de Mato Grosso contava com subversões silenciosas diante das condições
materiais da instrução pública, da formação dos docentes e da administração da Província.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar a história das duas disciplinas escolares, notadamente Leitura e Escrita, no
período provincial mato-grossense, foi possível observar as finalidades que a sociedade
impôs à organização do sistema de instrução pública primária e reconstituir as práticas
cotidianas manifestadas no interior da escola, em especial na constituição do ensino da
língua nacional na fase inicial da escolarização.
Nota-se que a cultura escolar primária de Mato Grosso estabeleceu-se, no século
XIX, sobre bases sociopolítico-culturais de abrangência nacional que e acompanhavam o
projeto moderno de construção do Estado-Nacão.
A representação tecida no imaginário social atribuía à escola o papel de transmissora
dos pressupostos básicos para uma mínima harmonia social. A proposta de organização do
sistema de instrução pública tinha a finalidade de transformar o homem livre pobre que
antes vivia no mundo da oralidade – em um trabalhador dócil, disciplinado aos preceitos do
Estado. Para tanto, a administração pública mantinha vínculo ideológico com a Igreja, pois
o governo não tinha força moralizadora capaz de conduzir, isoladamente, a ordenação e
hierarquização da nascente Nação.
A escolarização primária tinha como sustentáculo o tripé ler, escrever e contar, sendo
ainda envolto pela doutrinação cristã. O papel de instruir da instrução quase sempre se
confundia com a própria ação de educar, uma vez que a escola era vista como locus
privilegiado para a inculcação de valores considerados fundamentais para sociedade.
O ensino da leitura e da escrita constituía-se como um dos importantes instrumentos
para a disseminação do ideário de Construção do Estado-Nação. Isso explica o porquê de as
primeiras legislações educacionais do Império explicitarem que o ensino da leitura e da
escrita fosse empreendido, prioritariamente, por textos legislativos e/ou de cunho religioso.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que os alunos fossem instruídos nos conhecimentos
específicos de cada área do saber, também seriam educados, conheceriam seus direitos e
cumpririam os deveres sem contrariar os preceitos do Estado.
168
Contudo, apesar de abarcar finalidades vernáculas, a cultura escolar primária mato-
grossense apresentava peculiaridades nas práticas e nas representações configuradas na
proposta e na operacionalização da organização do sistema de instrução pública primária.
Nesse âmbito, o aprendizado da leitura e da escrita também foi utilizado como
estratégia do governo local para inculcar, no alunado, preceitos morais e de civilidade com
o objetivo de moldar comportamentos para exercer o controle social pretendido pela Igreja
e pelo Estado.
Essa estratégia fica evidente pelo estudo das maneiras de uso dos livros escolares na
província de Mato Grosso. Nota-se que os preceitos morais e religiosos estavam presentes
no corpo legal que regia o funcionamento da instrução pública e nas práticas escolares
interiorizadas no cotidiano da sala de aula. Além de ministrar o ensino religioso nas aulas, o
professor ficava incumbido de acompanhar seus alunos à Igreja em feriados e dias santos.
Em meio às finalidades políticas, sociais e culturais que Estado e Igreja atribuíam ao
ensino, estava o trabalho pedagógico desempenhado pelo professor na aprendizagem dos
alunos, pois ele era considerado o agente do Estado que mais atuava junto à população.
Os critérios que prevaleciam na aprovação dos candidatos ao professorado público de
Mato Grosso, nesse período, eram de ordem moral e religiosa, pois, ainda que não
recebessem formação em instituição especializada, esses deveriam ser formados pelo
Estado ao longo da carreira do magistério.
Pressupõe-se que o recrutamento ofertado ao professores praticamente, para não dizer
totalmente, baseava-se em orientações morais difundidas pela Igreja e pelo Estado, as quais
eram explicitadas no corpo normativo da instrução pública que regia o funcionamento das
escolas de primeiras letras.
Embora não possuísse formação institucionalizada, a maior parte dos professores
leigos, mesmo aqueles que não sabiam instruir bem os alunos, ingressava na carreira do
magistério inventando novas maneiras de fazer o trabalho docente, fazendo com que a
profissão não fenecesse apesar da falta de habilitação na área, dos baixos salários e das
precárias condições de trabalho a que eram submetidos.
Tudo indica que essas ações iam sendo criadas ou reinventadas na prática escolar
tanto na forma como os professores se apropriavam do que o Estado lhes impunham e na
169
maneira como transmitiam os conhecimentos adquiridos ao longo da vida, quanto pelas
condições materiais sob as quais realizavam o seu ofício.
Observa-se que em Mato Grosso, os sujeitos comuns, professores e alunos, além de
lidarem com o que lhes era atribuído e/ou imposto, tinham também que manter funcionado
as escolas, mesmo de forma precária. Isso ocorria porque, no espaço estratégico do poder,
estava inscrita a sobrevivência da escola pública primária sem que se considerasse a
escassez de recursos materiais. Mais do que impor os materiais de uso nas escolas, o
governo provincial local impunha a seus sujeitos uma convivência passiva com o
funcionamento hipotético nos estabelecimentos de ensino.
Esses materiais era foco de constantes reclamações por parte dos professores,
demonstrando, na realidade, que estes não agiam passivamente diante das estratégias do
governo, como se portavam aparentemente. Nas várias correspondências analisadas,
circulavam, ao lado das queixas elaboradas pelos mestres e inspetores, pedidos para que as
escolas fossem providas de objetos necessários às atividades pedagógicas, pois sem eles a
execução do ensino se inviabilizaria.
Ao se investigar os índices de subversão cotidiana do arsenal modelar ditado pelo
governo provincial mato-grossense, nota-se que professores e alunos das escolas primárias
tinham que contar com diversas improvisações e invenções a fim de que esses
estabelecimentos fossem paulatinamente se construindo como um espaço de escolarização,
configurando, portanto, novas maneiras de uso de propostas e dos materiais que chegavam
às escolas.
A escola, pensada como espaço de institucionalização do saber, fazia com que a
aprendizagem da leitura e da escrita elevasse sua representação ao status de instituição
social capaz de alfabetizar uma população que vivia submersa na cultura oralizada,
transformando-a em sociedade letrada.
Entretanto, a falta de prédios específicos para tal fim interferia na realização de
atividades pedagógicas de quaisquer disciplinas escolares. Isso porque as escolas de
primeiras letras de Mato Grosso instalavam-se em cômodos das residências dos mestres.
Por isso, havia um embate entre o ensino público e o privado, uma vez que as práticas do
primeiro realizavam-se em espaços do segundo, tidos como domésticos. O tamanho e a
disposição das dependências não permitiam ao professor posicionar-se de maneira que
170
pudessem observar e inspecionar todos os alunos ao mesmo tempo, como era o costume na
época, prejudicando os aprendizes na concretização dos exercícios de leitura e de escrita.
O uso dos materiais no processo de ensino-aprendizagem seguia uma hierarquia
social, ligada à economia de materiais que deveriam ser fornecidos pelo governo. As mesas
de areia serviam para que os iniciantes treinassem a habilidade dos dedos e desenvolvessem
a coordenação motora. Progressivamente, passavam a utilizar as ardósias e os lápis de
pedra. Somente após o domínio desses materiais os alunos poderiam fazer uso da pena e do
papel, expressando a partir daí a cultura letrada.
As condições materiais da escola obrigavam os alunos a escreverem apoiados sobre
os peitoris das janelas, nos improvisados bancos de madeira pequenos troncos de árvores
–, na maioria das vezes apoiados no chão. Isso porque aqueles que deveriam servir de
assento para os alunos eram utilizados como mesas. Nota-se, pela documentação
pesquisada, que os dirigentes políticos justificavam essa situação, atribuindo culpa à
incapacidade do cofre público local em custear a instrução pública. Contudo, na prática, os
administradores realizavam poucas ações concretas e eficazes para o provimento das
escolas.
Ao se trabalhar com os conteúdos e as práticas do ensino da leitura e da escrita no
período provincial, buscou-se analisar a adoção e a operacionalização de métodos de ensino
manifestados no sistema escolar mato-grossense. Na prática escolar, professores e alunos
criavam novas formas de aplicação desses métodos, uma vez que a estrutura dos
estabelecimentos não era compatível com as metodologias propostas pelos gestores
educacionais, a saber, as precariedades físicas dos prédios e a precária ou nenhuma
formação institucionalizada do corpo docente.
Os debates sobre os métodos, os modelos e as concepções de leitura e escrita em voga
no século XIX foram importantes para o dimensionamento da diversidade de termos e suas
classificações. Apesar das divergências conceituais entre os autores, pode-se evidenciar três
desses métodos de ensino da leitura: soletração, também denominado de antigo ou
alfabético; silabação, conhecido como moderno; e palavração, citado como moderníssimo
ou científico.
Na província de Mato Grosso havia a predominância do método de soletração, que
concebia a aprendizagem do ensino da leitura e da escrita pela seqüenciação crescente das
171
unidades de linguagem, estudando-se inicialmente o ABC e progressivamente as sílabas, as
cartas de nomes, e os textos. Essa prática escolar seguiu-se por todo o século XIX, uma vez
que o ensino era pautado nas práticas de memorização e repetição de conteúdos.
No decorrer da pesquisa, foi possível identificar produções escritas de alunos de
primeiras letras da época, realizados em folhas de papel avulsas. Esse material forneceu
uma amostra de quais conteúdos estavam sendo aplicados na prática escolar da região.
Observa-se nesses registros dos alunos que, o conteúdo moralizador e doutrinário
estiveram presentes no interior da escola, com a intenção de cumprir o duplo papel de
instruir e educar. Porém, não se sabe, ao certo, quais os desdobramentos práticos das
mudanças ocorridas no ensino a partir da década de 1870, pois os exercícios encontrados
são datados de 1871.
Essas alterações desencadeadas no Brasil, inclusive na província mato-grossense
apontam para uma renovação no ensino por meio do método intuitivo, possibilitando a
compreensão de sua concepção e organização do ensino expressas nos livros escolares, que
passam a fazer parte da prática escolar de Mato Grosso no final do século XIX.
Os livros de leitura, praticamente inexistentes na primeira metade desse século
passaram a ser mais freqüentes no último quartel dos oitocentos e a ter menor teor de
conteúdos doutrinários e moralizadores. Os compêndios de Leitura ( ao 4º) e de
Gramática elaborados por Abílio César Borges apontavam práticas do ensino intuitivo nas
escolas públicas primárias de Mato Grosso. Esses livros exerceram predomínio no universo
da alfabetização nas escolas públicas mato-grossenses, nesse período.
Os debates educacionais realizados no final dessa época passaram a defender a
adoção do modelo de escrita impressa, também conhecida como escrita vertical,
demonstrando, assim, uma renovação no modelo de escola existente até aí, ou seja, era a
expressão da racionalidade e da modernidade consolidadas no período republicano.
Assim, no final do período provincial, pôde-se assistir progressivamente a uma
preocupação com as formas de leitura e de escrita que constituíam os primeiros anos da
escolarização, porém o conteúdo moral era, sem dúvida, o que mais interessava. Observa-se
que essa cultura de conservação dos preceitos morais e religiosos nos textos escolares
ultrapassou as barreiras cronológicas desse século. Entretanto, o vínculo entre Estado e
172
Igreja foi gradativamente fragilizado pela laicização do ensino, em especial, pelas reformas
de ensino republicanas.
Ademais, o cotidiano da instrução primária de Mato Grosso sempre ofereceu
“brecha” para a operacionalização de subversão silenciosa na cultura escolar que lhe era
imposta. Embora o Governo Imperial formulasse diversas estratégias para inculcar nos
educandos conteúdos de cunho moralizador e doutrinário, o cotidiano da escola primária de
Mato Grosso contava com subversões silenciosas diante das condições materiais da
instrução pública, da formação dos docentes e da administração da Província.
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pasta 153, Doc. 509.
______.______. Relatório apresentado pelo Presidente da Província, Estevão Ribeiro de
Rezende à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 1
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mar. 1840. Disponível em: NDIHR
– Microfilme rolo 1 (Relatórios de Presidente de Província), 1835-1865, p. 6-9.
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Oliveira à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 30 set. 1848. Disponível em: NDIHR
Microfilme rolo 1 (Relatórios de Presidentes de Província), 1835-1864.
______.______. Relatório apresentado pelo Presidente da Província, Capitão de Fragata
Augusto Leverger à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 10 maio 1851. Disponível
em: NDIHR Microfilme rolo 1 (Relatórios de Presidentes de Província), 1835-1864, p. 22-
24.
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Microfilme, rolo 1 (Relatório de Presidentes da Província), 1835 – 1864.
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Penna à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 3 maio 1863. Disponível em: APMT
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______.______. Relatório apresentado pelo Presidente da Província, Tenente-Coronel
Francisco José Cardoso Júnior à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 20 ago. 1871.
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______.______. Relatório apresentado pelo Presidente da Província, José de Miranda da
Silva Reis à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 3 maio 1874. Disponível em: APMT
– Microfilme 1865-1875.
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