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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
Manuela Nunes Leal
A RELAÇÃO ENTRE O GOVERNO MUNICIPAL DE TERESINA E A
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA VILA WALL FERRAZ PARA A
PROVISÃO DO DIREITO AO HABITAR
Teresina
2007
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2
Manuela Nunes Leal
A RELAÇÃO ENTRE O GOVERNO MUNICIPAL DE TERESINA
E A ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA VILA WALL FERRAZ PARA
A PROVISÃO DO DIREITO AO HABITAR
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas
da Universidade Federal do Piauí, como exigência
parcial à obtenção do título de Mestre em Políticas
Públicas. Área de concentração: Estado, Sociedade
e Políticas Públicas.
Orientadora: Profª Drª Simone de Jesus Guimarães
Teresina
2007
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3
Manuela Nunes Leal
A RELAÇÃO ENTRE O GOVERNO MUNICIPAL DE TERESINA
E A ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA VILA WALL FERRAZ PARA A PROVISÃO
DO DIREITO AO HABITAR
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Federal do Piauí, como exigência
parcial à obtenção do título de Mestre em Políticas
Públicas. Área de concentração: Estado, Sociedade
e Políticas Públicas.
Aprovada em: _____ de ______________ 2007
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profª Drª Simone de Jesus Guimarães - UFPI
Orientadora e Presidente
_______________________________________________________
Examinador (a)
_______________________________________________________
Examinador (a)
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, em especial, por ter me permitido chegar a aqui, com a certeza de ter
realizado este trabalho com dedicação, muito esforço, e com o qual pude aprender bastante;
obrigada por este constante aprendizado.
Aos meus pais, os verdadeiros vencedores, que conseguiram guiar a mim e a meus
irmãos com ensinamentos fraternos, construindo, assim, um lar agradável. A Macela e
Emanuel, que compartilham comigo desse saudável bem-estar, meus agradecimentos pelas
discussões, brincadeiras e amizade. Aos meus familiares, minha sincera gratidão pelas
preocupações e zelo prestados.
À Universidade Federal do Piauí e a seu quadro de docentes do Mestrado em Políticas
Públicas. Aos funcionários, em especial, à Neila, que, com seu exemplo de profissionalismo,
encanta a todos os que convivem no ambiente do Mestrado de Políticas Públicas.
Aos mestres, aqueles que ensinaram não apenas o conhecimento científico, mas
compartilharam idéias e sugestões, oferecendo seu apoio e amizade. Esses são mestres em
essência, com eles aprendi ensinamentos de vida e a postura de um bom profissional. São os
meus grandes mestres até esta caminhada: à minha orientadora, Profa. Dra. Simone
Guimarães, que soube ser exigente quando necessário e esteve sempre disposta a conversar
sobre minhas dificuldade e dúvidas; ao professor Antonio Cardoso Façanha, pelos incentivos
e por mostrar uma geografia mais humana, preocupada em entender, pensar e atuar na
realidade; ao professor Carlo Sait, que, com seu exemplo de dedicação ao trabalho, me
ensinou sobre o ofício da docência; ao professor Mario Ângelo, um militante, que, com sua
simplicidade, está sempre disposto a contribuir com os alunos. Na verdade, todos esses
atributos podem ser encontrados nesses grandes mestres. Muito obrigada a todos eles!
Aos moradores da Vila Wall Ferraz, que, cotidianamente, lutam por seu sustento e por
melhores condições de habitabilidade, obrigada pela boa acolhida durante o trabalho de
campo.
Ao meu grande amigo Francidilson, com quem tenho compartilhado idéias, dúvidas,
risos e amor, nesses últimos sete anos, gostaria de agradecer pelo apoio, sempre, e pedir
desculpas pelas ausências.
5
Aos demais amigos que conquistei nesta minha jornada, meus sinceros
agradecimentos, são eles: Iolanda, Lurdes Caroline, Élida, Geovana, Íris, Maria Helena,
Edilson, Socorro, Tânia, Gilda, Antenor, Paulo Henrique, Sammya, Nilson, Marcos (Doutor),
entre outros que torceram por minha conquista e por meu bem-estar. Àqueles que não citei o
nome, mas que, certamente, estão em meu pensamento durante a redação destas palavras.
6
RESUMO
A presente dissertação intitulada “A relação entre o Governo municipal de Teresina e a
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz para a provisão do direito ao habitar” é
resultado de uma pesquisa que teve o propósito de analisar a relação estabelecida entre a
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz e o Poder Público Municipal de Teresina, para
a provisão do direito ao habitar dos moradores da Vila Wall Ferraz. Deste modo, para a
construção do estudo, durante a pesquisa, buscou-se responder às seguintes questões
norteadoras: – Quais as relações desenvolvidas entre o Poder Público municipal e os
movimentos sociais urbanos em Teresina, no sentido de prover condições de habitabilidade
nas vilas e favelas, fruto de ocupações informais? Nesta relação, predominou o clientelismo e
a não participação dos citadinos? Houve um relacionamento baseado no diálogo e na
participação propositiva dos sujeitos envolvidos, conforme estabelecido na Constituição de
1988? Coexistiam estas duas formas de relação ou emergiram outras maneiras de relacionar-
se? Para tanto, foram utilizadas como encaminhamento metodológico para a efetivação dos
objetivos propostos por essa pesquisa as seguintes etapas: 1) Pesquisa bibliográfica em livros,
dissertações, artigos científicos referentes à questão do direito ao habitar; 2) Pesquisa
documental nas atas das reuniões, relatórios dos programas desenvolvidos pela Prefeitura de
Teresina, na Vila Wall Ferraz, Estatuto da Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz; 3)
Pesquisa de campo, a partir de entrevistas semi-estruturadas, com moradores da vila e com
funcionários da Prefeitura. Os dados obtidos foram analisados à luz da dialética crítica, que
permite melhor entendimento da relação estudada. Esta dissertação traz os resultados da
pesquisa dispostos especificamente em cinco partes; a saber-se: 1 Introdução. A parte 2 versa
sobre a redefinição do papel do Estado e dos movimentos sociais urbanos na gestão das
políticas urbanas; ou seja, as transformações que ocorreram nas ações desses atores nos
últimos anos do século XX e início do século XXI. A parte 3 aborda a questão urbana e o
direito ao habitar em Teresina, na qual traça uma análise das lutas dos movimentos sociais
urbanos em sua relação com o Estado em âmbito municipal. A parte 4 trabalha a relação entre
o Governo municipal de Teresina e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz para a
provisão de condições dignas de habitabilidade no período de 1996 a 2004. A parte 5
apresenta a Conclusão da realidade estudada. Espera-se, afinal, contribuir com informações
sobre as relações ocorridas entre o Estado e os movimentos sociais em Teresina,
considerando-os no campo de complexidade e dinamicidade, que envolve interesses
divergentes; relações essas marcadas ora por aproximações e diálogo, ora por conflitos e
divergências. Melhor entendimento sobre tal relação proporcionará meios para uma melhor
gestão das políticas urbanas em espaços resultantes das ocupações informais, geralmente
destituídas de condições de habitabilidade.
Palavras-chaves: Movimentos sociais. Direito de habitar. Políticas urbanas.
7
ABSTRACT
This dissertation, the title of which is “The relation between the municipal Goverment of
Teresina City and the Association of Residents of Vila Wall Ferraz for the provision of the
right to housing” is the result of a research which envisaged to analyze several aspect of such
a relation. Thus, for the construction of the study, the attempt was to provide answers to the
following leading questions: What relationships are developed by the municipal Government
and the urban social movements in Teresina aiming at providing living conditions to “vilas”
and slums resulting from informal occupations? Have the “clientelism” and the non-
participation of city dwellers predominated? Has there been a relationship based upon
dialogues and propositive participation of the subjects involved, according to the provisions
of the Constitution of 1988? Did these two forms of relationship co-exist or did other forms of
relationship emerge? To this aim, the following phases were utilized as a methodological way
to accomplish the objectives proposed by this research: Bibliographical research in books,
dissertations and scientific articles related to the right to housing; 2) Documental reseach in
minutes of meetings, reports of programs developed by the Municipal Government of
Teresina in Vila Wall Ferraz; 3) Field research, starting with semi-structured interviews with
residents of the vila and employees of the city government. The data obtained were analysed
based upon the critical dyalectics, which favors a more comprehensive understanding of the
relation studied. This dissertation brings the results of the research set out specifically in five
parts, as follows: 1. Introduction. Part 2 is about the redefinition of the role of the State and
the urban social movements in the management of urban policies; namely, the transformations
that took place in the action os these agents along the last years of the 20
th
century and the
beginning of the 21
st
century. Part 3 focusses the urban problem and the right to housing in
Teresina, in which an analysis is made of the fight of the urban social movements in relation
to the State at city level. Part 4 addresses the relationship between the Government of
Teresina city and the Association of Residents of Vila Wall Ferraz for the provision of decent
housing conditions in the 1996-2004 period. Part 5 presents the conclusion of the reality
studied. It is expected to, eventually, contribute with information on the relations occurred
between the State and the social movements in Teresina city, considering them as to the
complexity and dynamics which involve different interests, being such relations marked either
by approaches and dialogues or conflicts and dissentions. A deeper awareness of such relation
will provide the means for a more effective management of urban policies in the spaces
resulting from informal occupations, which usually lack living conditions.
Key-words: Social movements. Right to housing. Urban policies.
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Evolução da População de Teresina de 1972-2005...............................................
65
Tabela 2 Municípios piauienses por ordem decrescente dos índices de pobreza, emprego
formal, desigualdade, exclusão social e escolaridade em 2000.............................
66
Tabela 3 Evolução das favelas e vilas em Teresina 1991-2005............................................
77
Tabela 4 Quantidade de domicílios, famílias e população residente nas favelas e vilas em
Teresina 1991-1999................................................................................................
77
Tabela 5 Os 15 maiores municípios em números de favelas................................................
81
Tabela 6 Índice do Padrão Mínimo de Urbanização (IPMU) das vilas e favelas do Bairro
Santa Cruz..............................................................................................................
88
Tabela 7 Situação de execução da meta física das ações do orçamento popular por
segmento anos: 1998-2004.....................................................................................
95
Tabela 8 Evolução demográfica da Vila Wall Ferraz...........................................................
98
Tabela 9 Pavimentação das ruas da Vila Wall Ferraz...........................................................
119
Tabela 10 Condições de moradia............................................................................................
122
Tabela 11 Condições de saneamento......................................................................................
124
Tabela 12 – Demonstrativo das ações do Projeto Vila Bairro na Vila Wall Ferraz (1997 a
julho de 2002)........................................................................................................
125
Tabela 13 Projeto Vila-Bairro, demonstrativo de ações executadas e recursos aplicados
por fonte, período: 1997 a dezembro de 2004, consolidado geral da Vila Wall
Ferraz / componente...............................................................................................
125
Tabela 14 Comparativo dos anos de 1996 e 2002 do Índice do Padrão Mínimo de
Urbanização-IPMU................................................................................................
127
9
LISTA DE SIGLAS
AICA Construção de unidades de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente.
BNH Banco Nacional de Habitação
CBJP Comissão Brasileira de Justiça e Paz
CEA Centro de Estudos Alternativos do Parque Piauí
CEB’s Comunidades Eclesiais de Base
CEPAC Centro Piauiense de Ação Cultural
CEPRO Fundação Centro de Pesquisas Econômicas Sociais do Piauí
COHAB Companhia de Habitação do Piauí
COHEBE Companhia Hidrelétrica de Boa Esperança
CODIPI Companhia de Desenvolvimento do Piauí
CONAM Confederação Nacional de Associações de Moradores
CPT Comissão Pastoral da Terra
FAMCC – Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do
Piauí
FAMEPI Federação das Associações de Moradores do Piauí
FNRU Fórum Nacional de Reforma Urbana
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IPMU Índice do Padrão Mínimo de Urbanização
MNRU Movimento Nacional de Reforma Urbana
MNLN Movimento Nacional de Luta por Moradia
OFERTA Oferta Assessoria e Consultoria Ltda
ONGs Organizações Não Governamentais
OPT Orçamento Popular de Teresina
PET Plano Estrutural de Teresina
PMT Prefeitura Municipal de Teresina
PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-Habitação
PSH Programa Saúde da Família
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
SEMPLAN Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral
SEMHUR Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo
UFPI Universidade Federal do Piauí
UNMM União Nacional de Movimentos de Moradia
UNMP União Nacional por Moradia Popular
ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social
10
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO....................................................................................................................
11
2
A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
URBANOS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS URBANAS...............................................
23
2.1
AS TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO DO FINAL DA DÉCADA DE
1970 AOS DIAS ATUAIS.....................................................................................................
23
2.1.1
A descentralização das políticas públicas e o novo papel do poder local na gestão do
urbano...................................................................................................................................
30
2.2
MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS REDEFININDO SEUS PAPÉIS: NOÇÕES,
TEORIAS E PRÁTICAS.......................................................................................................
34
2.2.1
Os movimentos sociais e o repensar de suas práticas.......................................................
37
2.2.2
Movimentos sociais urbanos (re)discutindo a cidade.......................................................
42
2.3
GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE: UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO.............
47
2.3.1
Dilemas e entraves à gestão democrática da cidade..........................................................
48
2.3.2
Trilhas para a gestão democrática da cidade.....................................................................
53
3
A QUESTÃO URBANA E O DIREITO AO HABITAR EM TERESINA (PI):
LUTAS, CONFLITOS E DIÁLOGOS...............................................................................
56
3.1
AS CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE NAS OCUPAÇÕES INFORMAIS: A LUTA
PELO DIREITO AO HABITAR............................................................................................
56
3.2
OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS, O ESTADO E O ESPAÇO URBANO
TERESINENSE NO FINAL DA DÉCADA DE 1970 E 1980..............................................
64
3.3
VILAS E FAVELAS: A MATERIALIDADE DA LUTA PELO DIREITO AO HABITAR
EM TERESINA NA DÉCADA DE 1990 E INÍCIO DA DÉCADA ATUAL.......................
76
3.4
A RELAÇÃO ENTRE O GOVERNO MUNICIPAL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS
URBANOS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS URBANAS PARA AS VILAS E
FAVELAS DE TERESINA (1996 A 2004)...........................................................................
82
3.4.1
Projeto Vila-Bairro e a meta de urbanizar vilas e favelas de Teresina: entre as
premiações e a realidade......................................................................................................
84
3.4.2
Participação popular como instrumento da gestão democrática da cidade e a
experiência do Orçamento Popular em Teresina..............................................................
90
4
O GOVERNO MUNICIPAL DE TERESINA E A ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES DA VILA WALL FERRAZ NA CONSTRUÇÃO DO DIREITO AO
HABITAR.............................................................................................................................
97
4.1
UMA BREVE CARACTERIZAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA, ECONÔMICA E
ESPACIAL DA VILA WALL FERRAZ..............................................................................
97
4.2
A VILA WALL FERRAZ E SUA HISTÓRIA DE LUTA POR CONDIÇÕES DE
HABITABILIDADE NO PERÍODO DE 1987 A 1995........................................................
104
4.3
A ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E A PREFEITURA DE TERESINA DÃO
FORMAS À VILA WALL FERRAZ (1996 A 2004)...........................................................
114
4.4
A (DES)CONSTRUÇÃO DE CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE NA VILA WALL
FERRAZ: DILEMAS, ENTRAVES, CONQUISTAS E POSSIBILIDADES......................
144
5
CONCLUSÃO.......................................................................................................................
169
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................
176
11
INTRODUÇÃO
É cada vez maior o número de brasileiros vivendo em favelas; segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000), é crescente o número de favelas, núcleos
que apresentam mais de 50 unidades habitacionais que ocuparam terrenos de propriedade
pública ou particular, dispostos de forma desordenada e bastante densa, carentes de serviços
públicos. No ano de 1991, a quantidade de favelas no Brasil era de 3.188, sendo que esse
valor eleva-se para 3.348 em 1996. Em 2000, último censo demográfico, o total de favelas
chega à marca de 3.905.
Esse intenso crescimento do número de favelas, bem como do adensamento
populacional e domiciliar dos núcleos já existentes evidencia que as ocupações de terras
públicas ou privadas continuam a ocorrer, ganhando novas proporções. Essa realidade
encontra-se atrelada a uma série de fatores, tais como: a forte concentração da terra urbana e
sua especulação imobiliária; o número restrito de políticas habitacionais voltadas às famílias
de baixa renda e às famílias destituídas de uma renda mensal; à redução de investimentos em
políticas urbanas; entre outros.
Em Teresina-PI, a problemática do restrito acesso à moradia com condições de
habitabilidade também se faz presente. Em 1999, aproximadamente 19% da população
teresinense viviam em espaços desprovidos de equipamentos coletivos e infra-estrutura, sem
condições de habitabilidade, perfazendo um total de 133.857 teresinenses vivendo em favelas
e vilas, conforme o Censo de Vilas e Favelas do respectivo ano, publicado pela Prefeitura de
Teresina.
Já em 2000, com base nos dados do IBGE, Teresina possuía uma população de
714.583 habitantes e encontrava-se em 13ª colocação no ranking nacional em concentração de
favelas. Esses são números de uma inquietante realidade que requer uma reflexão e análise
sobre seus possíveis fatores.
A Fundação João Pinheiro realizou um estudo em 2005 sobre o déficit habitacional no
Brasil que versa sobre as necessidades habitacionais, chegando à conclusão de que este é
composto por dois segmentos: o de déficit habitacional e o de inadequação de domicílios. O
déficit habitacional foi considerado “o somatório dos totais referentes à coabitação familiar,
aos domicílios improvisados e aos domicílios rústicos” (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO,
2005). O déficit habitacional básico de Teresina, segundo a referida pesquisa, é de 47.311.
12
Desse universo, 260 são domicílios improvisados, 19.170 são famílias conviventes, 830 são
cômodos (cedidos ou alugados) e 27.051 são domicílios rústicos.
O segundo segmento da discussão das necessidades habitacionais refere-se à
inadequação dos domicílios, ou seja, aqueles que não atendem às condições básicas de
habitabilidade, tendo como componentes a inadequação fundiária, adensamento excessivo,
domicílios sem banheiro e deficiência de infra-estrutura (iluminação elétrica, rede geral de
abastecimento de água, rede geral de esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de lixo).
De acordo com esse estudo, a cidade de Teresina possui 12.201 domicílios em inadequação
fundiária, 13.858 possuem adensamento excessivo, 29.496 não possuem banheiro e 37.396
são deficientes em infra-estrutura.
Este quadro de necessidades habitacionais, existentes em Teresina, e em especial na
Vila Wall Ferraz nos instigou a realizar esta dissertação intitulada de “A relação entre o
Governo municipal de Teresina e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz para a
provisão do direito ao habitar”.
Seu principal intuito foi analisar a relação estabelecida entre o Poder Público
municipal de Teresina e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz para a provisão do
direito ao habitar aos seus moradores, na perspectiva de lhes proporcionar condições dignas
de habitabilidade, no período de 1996 a 2004. Outras questões nortearam este trabalho durante
sua realização, são elas: – Quais as relações desenvolvidas entre o Poder Público municipal e
os movimentos sociais urbanos em Teresina, no sentido de prover condições de habitabilidade
nas vilas e favelas, fruto de ocupações informais? Nesta relação, predominou o clientelismo e
a não participação dos citadinos? Houve um relacionamento baseado no diálogo e na
participação propositiva dos sujeitos envolvidos, conforme estabelecido na Constituição de
1988? Coexistiam estas duas formas de relação ou emergiram outras maneiras de relacionar-
se?
Cumpre observar que o direito ao habitar é compreendido como a conquista da
moradia ou espaço-abrigo provido de infra-estrutura física e comunitária necessárias a seus
moradores e regularizada quanto à propriedade do terreno, uma vez que tais características
são consideradas essenciais a uma melhor qualidade de vida dos moradores.
O presente trabalho tem como recorte temporal o período compreendido entre 1996 e
2004, caracterizado, segundo o referencial teórico utilizado, por novas ações dos movimentos
sociais urbanos, em sua maioria, mais propositivas e deliberativas, tendo como intuito maior
articulação com o Estado, bem como pela descentralização das políticas urbanas desde 1995,
que passam a ser de competência dos municípios.
13
O trabalho tem como recorte espacial a Vila Wall Ferraz, resultante de uma ocupação
informal que ocorreu no ano de 1987; seu espaço é desprovido de certos serviços e bens
necessários, e parte de suas moradias requerem melhorias habitacionais para garantir
condições de habitabilidade a esta parte da população.
A Vila Wall Ferraz é uma ocupação consolidada, onde os moradores construíram suas
casas, geralmente com materiais de construção precários e que requerem reformas para
garantir bem-estar a seus moradores. Para muitas dessas famílias lhes foi restringido o direito
a condições de habitabilidade, isto porque, durante todos esses anos, foram reduzidas as
políticas urbanas voltadas a esta localidade, além do empobrecimento dessas famílias, o que
as impediu de realizarem melhorias em suas moradias. Há, ainda, na referida Vila, terrenos
ociosos e casas fechadas que poderiam ter uma finalidade social, bem como domicílios
melhor estruturados quanto ao padrão urbanístico. Em função dessa heterogeneidade de
características, a Vila Wall Ferraz instigou a nossa atenção.
Por tratar-se da análise de um processo dinâmico, que é a relação entre o Estado, em
âmbito municipal, e a Associação de Moradores na provisão de condições de habitabilidade
aos moradores da Vila Wall Ferraz, recorreu-se ao método dialético para a construção, análise
e sistematização dos dados. Deste modo, ao utilizar a dialética, “os pesquisadores confrontam
as opiniões, os pontos de vista, os diferentes aspectos do problema, as opiniões e
contradições; e tentam elevar-se a um ponto de vista mais amplo, mais compreensivo”
(LEFÈBVRE, 1983 apud SPÓSITO, 2004, p. 41).
Dentre as correntes teórico-metodológicas trabalhadas por Spósito (2004, p. 52), no
caso, a analítica, a crítico-dialética e a fenomenológico-hermenêutica, utilizou-se a corrente
crítico-dialético, posto que esta corrente teórica apresenta, segundo o autor, as seguintes
características e propostas: técnicas não quantitativas; entrevistas; postura crítica; tentativa de
desvelar conflitos de interesse; fundamentação teórica através da eleição e categorias de
análise na sua articulação com a realidade estudada; questionamento da visão estática da
realidade; resgate da dimensão histórica; concepção de causalidade como inter-relação entre
os fenômenos; inter-relação do todo com as partes e vice-versa, da tese com a antítese e dos
elementos da estrutura econômica com os da superestrutura sociopolítica.
O encaminhamento metodológico utilizado para a obtenção dos objetivos propostos
por esse trabalho seguiu as seguintes etapas: 1) Pesquisa bibliográfica; 2) Pesquisa
documental; 3) Pesquisa de campo. Essas etapas não seguiram uma seqüência linear, tendo
em vista que se encontravam interligadas durante toda a pesquisa; lembrando que a
14
interpretação e análise de dados e informações ocorreram de forma interativa com a
construção de dados.
Preliminarmente, foram realizadas pesquisas bibliográficas em livros, revistas
científicas, anais de simpósios, seminários, congressos e dissertações de mestrado e teses de
doutorado referentes: à temática da relação entre o Poder Público e os movimentos sociais
urbanos para a provisão de condições de habitabilidade; à conjuntura social, política e
econômica que influem nessa questão em escala nacional, estadual e municipal, bem como
das categorias utilizadas na pesquisa, como os Movimentos Sociais Urbanos que lutam por
moradia com condições de habitabilidade, a questão urbana e o Estado em âmbito municipal.
Quanto ao acervo bibliográfico utilizado ao longo da pesquisa como aporte teórico,
destacam-se os trabalhos dos seguintes autores: Ilse Scherer Warren (1989), com a discussão
de movimentos sociais; Maria Dulce da Silva (1989), com enfoque nos movimentos sociais
em Teresina e sua relação com o Estado; Maria da Glória Gohn (1991), comentando os
movimentos sociais no Brasil; José Borzachiello Silva (1992), enfocando os movimentos
sociais em Fortaleza; Antônio Cardoso Façanha (1995) e a questão dos agentes produtores do
espaço urbano em Teresina; Masilene Rocha Viana (1999) e seu trabalho sobre os sem-teto
em Teresina; Ermínia Maricato (1999), tratando da questão urbana; Antônia Jesuíta Lima
(1999) e a discussão acerca da pobreza e os movimentos sociais em Teresina; Arlete Moysés
Rodrigues (1999) e a questão da moradia; Edmundo Werna (2001), que trabalha a parceria
entre agentes públicos e não-públicos na questão da habitação; Marcelo Lopes de Souza
(2001) e seus trabalhos sobre planejamento e gestão da cidade; Ângela Gordilho Souza
(2000), evidenciando o direito ao habitar; Roberto Lobato Corrêa (2002), destacando os
agentes produtores; Milton Santos (2005) e o processo de urbanização brasileira; entre outros,
que, ao longo da realização do trabalho, oportunizaram o conhecimento e interpretação de
suas obras.
Com as informações obtidas nas primeiras leituras, obteve-se referencial importante
para realizar as primeiras visitas às entidades ligadas aos movimentos que lutam pelo direito à
moradia, com condições de habitabilidade, em conjunto com a Associação de Moradores da
Vila Wall Ferraz, que contribuíram com fontes documentais. Dentre as quais, podem ser
referidas: a Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí
(FAMCC) e à Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz.
A intenção com as primeiras visitas à FAMCC e à Associação foi a de dar início às
conversas informais junto a seus componentes, visando identificar e conhecer alguns dos
possíveis sujeitos da pesquisa, ou seja, as lideranças e associados partícipes das atividades
15
deste movimento na Vila Wall Ferraz na provisão do direito ao habitar, no período em análise,
de 1996 a 2004. Essas visitas constituíram a “porta de entrada”, de fato, para o acesso à
pesquisa de campo, construindo um espaço favorável para os demais momentos da pesquisa.
Essas visitas foram de suma importância, sobretudo as realizada na Vila Wall Ferraz,
no que concerne ao acesso a documentos como o Estatuto, atas das reuniões da Associação de
Moradores e os ofícios encaminhados à Prefeitura, obtidos junto à presidente da Associação,
responsável por estes documentos, visto que a Associação de Moradores não possui uma sede.
Nessas oportunidades, conversou-se com membros das diferentes diretorias correspondentes
ao período em análise. Os documentos citados ofereceram elementos sobre a organização e as
diretrizes que regem essa entidade e informações referentes às relações que se estabelecem
entre seus membros e entre esses e o Poder Público.
Foram realizadas também visitas aos órgãos públicos municipais de Teresina, para se
ter acesso às fontes documentais, como os relatórios, diagnósticos e publicações produzidas
pela Prefeitura. Entre os órgãos visitados, podem ser citados: a Superintendência de
Desenvolvimento Urbano Sul (SDU), no caso, suas gerências de serviços urbanos; de
pavimentação asfáltica e manutenção de equipamentos; de obras e serviços; e a de habitação.
Estas foram as responsáveis pela elaboração e implementação das obras e serviços urbanos na
Vila Wall Ferraz, bem com a Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação, onde se
encontra o Departamento de Orçamento e Gestão, responsável pelo Orçamento Popular, e a
Unidade Técnica Central do Projeto Vila-Bairro, que trabalham com o Projeto Vila-Bairro.
Além desses órgãos, não se pode deixar de fazer menção à Biblioteca da Prefeitura, posto que
ali foi encontrada grande parte dos documentos, relatórios e diagnósticos das extintas
Secretarias, como a de Habitação e Urbanismo, de suma importância para a construção deste
trabalho.
Nas visitas aos órgãos e entidades do Estado, em âmbito municipal, o objetivo foi
dialogar com alguns funcionários responsáveis pelo planejamento e a provisão de serviços
urbanos, para que se tivesse acesso a documentos e informações que auxiliaram à realização
deste trabalho. Essas visitas possibilitaram também identificar alguns dos sujeitos da pesquisa
que contribuíram com mais informações nas entrevistas, entre eles, os secretários,
funcionários e técnicos das Secretarias, responsáveis por programas e projetos para a provisão
do direito ao habitar, no período em questão.
Ao longo da pesquisa, as visitas à Vila Wall Ferraz e aos órgãos da Prefeitura foram
realizadas sempre que novas questões surgiam, conforme a necessidade de novos dados e
16
informações que pudessem auxiliar na realização deste trabalho, desde o acesso a outros
documentos até a análise das entrevistas.
A pesquisa documental, um dos encaminhamentos utilizados na construção deste
trabalho, ofereceu informações e dados que contribuíram para o entendimento da relação entre
a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz e o Governo, em âmbito municipal, na
provisão do direito ao habitar. Estes permitiram à pesquisadora estabelecer comparações entre
as informações apresentadas pela Prefeitura e pela Associação, que foram fundamentais na
interpretação e análise das entrevistas realizadas.
Nesse contexto, as principais fontes documentais utilizadas e obtidas junto ao Poder
Público municipal de Teresina foram: o II e III Censo de Vilas e Favelas, realizado pela
Prefeitura, correspondentes aos anos de 1996 e 1999; diagnósticos e relatórios de programas e
projetos como o do Vila-Bairro; documentos referentes às decisões e implementações
resultantes do Orçamento Popular, relativos à provisão de serviços urbanos em prol de
melhores condições de habitabilidade, no período de 1996 a 2004, na Vila Wall Ferraz.
Esse tipo de estudo documental permitiu constatar e analisar as práticas e atividades da
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz e do Poder Público municipal, as obras que
foram realizadas na Vila, para garantir melhores condições de habitabilidade, os mecanismos
ou instrumentos utilizados para mediar à relação entre a Prefeitura e a Associação de
moradores. Os documentos analisados também ofereceram informações sobre a Vila Wall
Ferraz, no que concerne ao número de famílias e domicílios por núcleo, acesso ao
abastecimento de água, energia elétrica, banheiros, centro de produção, entre outros serviços
implementados no período em análise.
A pesquisa de campo, sobretudo, as entrevistas foram centrais. Através das entrevistas
realizadas, puderam ser obtidas informações imprescindíveis aos objetivos da pesquisa, a
partir dos sujeitos constitutivos das relações estabelecidas entre o Poder Público e a
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, tendo como base suas opiniões, observações,
lembranças e depoimentos. O tipo de entrevista utilizada foi a semi-estruturada pelo fato de
esta valorizar a “presença do investigador, oferecer todas as perspectivas possíveis para que o
informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação”
(TRIVINÕS, 1987, p. 146). Esse tipo de entrevista fundamenta-se em
certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à
pesquisa, e que, em seguida, oferece amplo campo de interrogativas, fruto de novas
hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante.
Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento
e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a
participar na elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVINÕS, 1987, p. 146).
17
Para a elaboração do roteiro das entrevistas e sua realização, fez-se necessário
identificar os principais sujeitos da pesquisa. Esses foram distribuídos em dois grupos: os que
estavam vinculados ao movimento por moradia com condições de habitabilidade na Vila Wall
Ferraz, e aqueles que integraram o Poder Público municipal, no período de 1996 a 2004. A
identificação dos sujeitos adequados à entrevista não foi uma atividade fácil:
para amenizar estas dificuldades, o pesquisador deve realizar uma série de atividades
preliminares tendentes a esclarecer sua visão de cada um de seus possíveis
informantes. Isto significa realizar contatos informais com a maior quantidade
possíveis de pessoas que estão envolvidas no processo social (TRIVINÕS, 1987, p.
144).
Neste trabalho, a identificação e os critérios para a seleção dos sujeitos da pesquisa
tiveram como base as informações obtidas nas primeiras visitas, conversas, contatos informais
e análise dos documentos. O critério utilizado para a seleção dos sujeitos foi à
representatividade social
12
destes sujeitos no processo analisado, no caso, na relação havida
entre o governo municipal e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, no período de
1996 a 2004. Sendo assim, foram usados os seguintes requisitos para a seleção dos sujeitos: a
participação e envolvimento destes nessa relação; o seu conhecimento sobre as circunstâncias
e resultados dessa relação, e a disponibilidade adequada de tempo para participar das
entrevistas (SPRADLEY apud TRIVINÕS, 1987).
Desse modo, os sujeitos da pesquisa atrelados aos movimentos sociais, que lutam por
moradia com condições de habitabilidade na Vila Wall Ferraz, entrevistados foram: um
membro da diretoria da Associação de Moradores correspondente as cinco gestões da
Associação no período em análise, no caso, os biênios 1995/1996, 1997/1998, 1999/2000,
2001/2002, 2003/2004; três associados não integrantes da Diretoria da Associação, que foram
partícipes das reuniões da Associação de Moradores, e um membro da Diretoria da Federação
das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí FAMCC, que auxiliou a
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz na relação em análise. Logo, um total de nove
entrevistados neste grupo.
No que diz respeito aos sujeitos vinculados ao grupo do Poder Público municipal,
foram entrevistados: o ex-secretário da Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo
(SEMHUR); um funcionário da Prefeitura, que participou das atividades do Orçamento
Popular; um funcionário da Prefeitura que participou diretamente da elaboração e
implementação do Projeto Vila-Bairro; um funcionário da SDU de cada uma destas gerências,
12
Ao trabalhar com a idéia de representatividade dos sujeitos nesta pesquisa, utilizamos como aporte os critérios
para a seleção dos sujeitos trabalhados por Spradley (apud TRIVIÑOS, 1987, p. 144).
18
no caso, a de Habitação e a de obras e serviços, posto que esses funcionários participaram dos
programas e projetos realizados na provisão de condições de habitabilidade na Vila Wall
Ferraz. Constituiu, assim, um total de cinco entrevistados neste grupo.
Ao todo foram realizadas quatorze entrevistas, que foram de fundamental importância
para o estudo da relação entre o Poder Público municipal e a Associação de Moradores da
Vila Wall Ferraz para a provisão de bens e serviços, necessários para garantir condições de
habitabilidade aos moradores da Vila Wall Ferraz. Essas entrevistas duraram, em média, trinta
minutos e foram realizadas no período de dezembro de 2006 ao mês de janeiro de 2007, época
em que foi concluída a pesquisa de campo.
É importante ressaltar que as entrevistas foram autorizadas pelos sujeitos da pesquisa,
a partir de um termo de consentimento livre e esclarecido, exigido pelo Conselho de Ética da
Universidade Federal do Piauí, para que o projeto de pesquisa que originou este trabalho fosse
aprovado. Nas ocasiões em que a pesquisadora solicitou a autorização para a gravação das
entrevistas, todos os sujeitos que foram envolvidos no projeto concordaram em gravar as
entrevistas; nesse momento, a pesquisadora comprometeu-se em utilizar nomes fictícios, no
momento da redação do trabalho, com o intuito de preservar a identidade dos sujeitos.
Do ponto de vista dos eixos e questões trabalhadas nas entrevistas destinadas ao grupo
dos movimentos sociais tomou-se por base o que se segue: a) para os moradores e diretores da
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz as questões versaram sobre as reivindicações
realizadas no período em análise, as formas de mobilização e organização da Associação de
Moradores; b) para o membro da FAMCC que prestou assessoria à Associação de Moradores
da Vila Wall Ferraz as questões trataram sobre lutas realizadas por moradia e condições de
habitabilidade, as formas de mobilização que essa federação organizou junto à Associação de
Moradores, e o tipo de assessoria prestada, tendo em vista auxiliar a interlocução entre a
Associação de Moradores e o governo municipal.
No que concerne aos eixos e questões das entrevistas realizadas junto ao segundo
grupo, ligado ao Poder Público municipal, estes foram: obras e serviços realizados pela
Prefeitura na Vila Wall Ferraz, para proporcionar a seus moradores melhorias habitacionais;
os critérios utilizados para selecionar e implementar um determinado equipamento urbano na
Vila Wall Ferraz; a existência ou não do uso de práticas e instrumentos voltados à gestão
participativa dos serviços públicos.
Além dos eixos específicos a cada grupo de sujeitos entrevistados, existiram, ainda,
eixos comuns aos dois grupos, a saber: as características da relação estabelecida entre os
sujeitos; o nível e tipo de participação de cada um desses sujeitos neste processo; a existência
19
de mecanismos e de instrumentos de mediação na relação em análise e a avaliação do
processo da provisão de condições de habitabilidade.
Durante a realização deste trabalho, foram encontradas algumas dificuldades que
merecem ser abordadas. Uma dessas dificuldades foi a de encontrar certos documentos e
relatórios na Prefeitura, apesar da boa vontade dos funcionários em colaborar com a pesquisa.
Na realidade, verificou-se a necessidade de uma maior organização no que diz respeito ao
arquivamento de documentos na Biblioteca, nas próprias Secretarias e nas gerências da
Superintendência de Desenvolvimento Urbano da Zona Sul (SDU/SUL). Parte dos
funcionários utilizou como justificativa a descentralização das atividades da Prefeitura em
Superintendências regionais, o que teria fragmentado o acervo, possibilitando perda ou
extravio desses documentos.
Quanto ao acesso a documentos sobre a história das lutas da Vila Wall Ferraz e da
Associação de Moradores, foram encontradas também algumas dificuldades, pelo fato de
parte desses documentos estarem distribuídos nas residências de membros das diferentes
Diretorias. Isso porque a Associação não possui uma sede própria, onde seria possível maior
organização do acervo de documentos, como, por exemplo, ofícios e abaixo-assinados
encaminhados ao Governo municipal, bem como as Atas das reuniões.
Frente a essas dificuldades, buscou-se dialogar com os diferentes representantes do
Poder Público e com moradores da Vila Wall Ferraz, para que estes pudessem indicar outras
fontes de dados, onde se pudessem buscar os documentos que não haviam sido encontrados
até aquele momento. Por sua vez, as entrevistas semi-estruturadas, realizadas junto aos
moradores e diretores, constituíram-se fundamentais no acesso a algumas dessas informações,
superando, então, as referidas dificuldades.
Outra dificuldade que surgiu no transcorrer da pesquisa foi realizar algumas
entrevistas com os membros do Poder Público municipal, pois alguns desses membros
realizavam trabalhos de campo em diferentes comunidades; além desses, outros membros
desempenhavam um número elevado de atividades que os impediam de conceder as
entrevistas nos prazos acordados. Essa dificuldade teve como conseqüência o prolongamento
da realização das entrevistas; tal fato, entretanto, não impediu sua realização.
Feitas estas considerações, convém assinalar as motivações que levaram à realização
do Projeto de Pesquisa que levou à elaboração desta dissertação. Nesse contexto, destaque-se
que a escolha dessa temática resulta das discussões realizadas pela autora durante o curso de
Geografia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), no período de 2000 a 2004, em especial,
na disciplina Geografia Urbana.
20
Durante esse período, a elaboração de um artigo científico intitulado “A luta pelo
direito à cidade: o caso da Vila Francisco Gerardo”, e os trabalhos de campo, discussões em
seminários, palestras e encontros possibilitaram um maior contato com a realidade
teresinense, despertando a vontade de buscar novas fontes e conhecer melhor essa dinâmica
na cidade.
Nesse mesmo curso, participou-se da Iniciação Científica da UFPI, através do
Programa Institucional de bolsas de Iniciação Científica-PIBIC/CNPq, no período de agosto
de 2002 a julho de 2003, com a pesquisa “A cidade de Teresina: entre as partes e o todo”. A
participação nesse projeto renovou a intenção de refletir sobre o tema da pesquisa, já que esse
período pôde proporcionar novas leituras, debates, oficinas, seminários, trabalhos de campo,
contatos com entidades ligadas à questão da moradia e com alguns movimentos sociais,
atividades e diálogos que ofereceram meios, dados e informações necessários a um novo olhar
na cidade.
Todas essas experiências foram fundamentais e necessárias para a elaboração da
monografia de conclusão do Curso de Geografia da UFPI da autora, intitulada “Direito à
cidade se constrói na luta: o caso do Parque Bom Jardim”, em 2004. No entanto, diante da
complexidade e dinamicidade de Teresina, esses trabalhos desenvolvidos na Graduação não
foram capazes de refletir a relação estabelecida entre o Poder Público e as Associações de
Moradores dessas comunidades para a provisão de condições de habitabilidade. A
materialização desta motivação conduziu à elaboração do Projeto de Pesquisa para o
Mestrado de Políticas Pública da UFPI, em 2005, resultando na presente dissertação.
Esta dissertação encontra-se estruturada da seguinte forma: 1 Introdução. 2 “A
redefinição do papel do Estado e dos movimentos sociais urbanos na gestão das políticas
urbanas” analisou as transformações por que têm passado o Estado brasileiro, bem como os
movimentos sociais urbanos nas três últimas décadas do século XX e os primeiros anos do
século XXI, procurando compreender até que ponto essas transformações influenciaram e
influenciam as relações estabelecidas entre o Estado e os movimentos sociais na perspectiva
da gestão democrática das políticas urbanas. Divide-se a Parte 2 em três momentos: o
primeiro tem por objetivo compreender o Estado brasileiro no período analisado, dando
ênfase as suas principais características e transformações, bem como contextualizando o
processo de descentralização das políticas públicas, possibilitando uma maior autonomia do
poder local na gestão das cidades. No segundo, destacam-se os movimentos sociais urbanos,
abordando conceitos, teorias e possíveis mudanças que ocorreram em suas práticas, frente à
conjuntura brasileira pós - Constituição de 1988. O terceiro versa sobre a relação entre o
21
Poder Público municipal e os Movimentos Sociais Urbanos na gestão democrática das
políticas urbanas e procura discutir sobre os dilemas e dificuldades encontrados para
efetivação uma gestão democrática da cidade. 3 “A questão urbana e o direito ao habitar em
Teresina (PI): lutas, conflitos e diálogos” analisou a questão urbana e o movimento por
moradia com condições de habitabilidade em Teresina. Para uma melhor compreensão, esta
parte está dividida em quatro momentos. No primeiro, discutem-se as condições de
habitabilidade nas ocupações informais, com o objetivo de caracterizar a luta pelo direito ao
habitar. O segundo é marcado pela contextualização da luta pela moradia em Teresina,
destacando-se os principais marcos deste processo. O terceiro traça uma análise da relação
entre o Governo municipal e a Associação de Moradores para provisão do direito ao habitar
aos citadinos das vilas e favelas em Teresina até o ano de 1995. O quarto aborda a relação
entre o Poder Público local e os movimentos sociais urbanos, na provisão de condições de
habitabilidade nas vilas e favelas no período de 1996 a 2004, destacando, em especial, as duas
propostas do Poder Público nesse período, o projeto Vila-Bairro e o Orçamento Popular. 4 “O
governo municipal de Teresina e a associação de moradores da Vila Wall Ferraz na
construção do direito ao habitar” versou sobre a relação entre o Governo municipal de
Teresina e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz na provisão de melhores
condições de moradia. A Parte 4 encontra-se sistematizado em quatro momentos. O primeiro
realiza uma caracterização geral sobre a Vila Wall Ferraz no contexto teresinense. No
segundo, resgata-se a história de luta e sobrevivência dos moradores da Vila Wall Ferraz no
processo de ocupação e permanência na terra e as primeiras reivindicações pelos
equipamentos urbanos. No terceiro, é feita uma análise das transformações ocorridas na Vila
Wall Ferraz no que diz respeito às condições de habitabilidade decorrentes das ações da
Associação de Moradores e do Poder Público. No último momento, apontam-se os principais
dilemas, entraves, conquistas e possibilidades que permearam a relação entre a Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz e o Poder Público de Teresina na provisão das condições de
habitabilidade da vila. 5 Conclusão, juntamente com as Referências que embasaram o texto
que constitui esta dissertação.
Por fim deve-se dizer que a intenção deste trabalho foi contribuir com dados e
informações que possam auxiliar a leitura e a análise das relações desenvolvidas entre o
Governo municipal de Teresina e os Movimentos sociais urbanos, representados aqui pela
Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, tendo em vista sua ampla dinamicidade e por
envolver diferentes interesses, que, muitas vezes, são conflitantes. As análises aqui
formuladas podem contribuir também para a elaboração de instrumentos e mecanismos que
22
possam viabilizar uma melhor gestão dos recursos e do espaço urbano de Teresina, com base
em uma participação propositiva de seus moradores, em especial, dos moradores das vilas e
favelas desta capital. Poderão contribuir ainda para suscitar e instigar outras questões a serem
estudadas em futuros trabalhos.
23
1 A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS
SOCIAIS URBANOS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS URBANAS
A cidade é um livro escrito que precisa
ser decifrado por seus cidadãos.
Lefebvre
2.1 AS TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO DO FINAL DA DÉCADA DE
1970 AOS DIAS ATUAIS
Durante a segunda metade do século XX, o Brasil passou por um intenso processo de
urbanização. Em 1960, a população urbana brasileira era de 45,10%, este percentual chega a
55,92% em 1970, e, amplia-se para 67,59% em 1980. Em 2000, essa população atinge um
número de 137.755.550 brasileiros vivendo em áreas urbanas, o que corresponde a 81% da
população habitando as cidades (IBGE, 2000).
Esse processo está vinculado à forte migração campo-cidade que se inicia, mais
especificamente, a partir da década de 50 do século XX, devido às más condições no campo,
provenientes de processos que ocorreram no espaço rural, tais como: a ampliação da
monocultura, a forte mecanização no campo, a ausência de incentivos fiscais ao pequeno
agricultor, a concentração de terras como reserva de valor e a falta de infra-estrutura e
serviços como escolas, postos de saúde entre outros. Esses fatores contribuíram e contribuem
para que as famílias busquem nas cidades oportunidade de emprego, renda, moradia e
serviços necessários para uma vida com qualidade.
Mas é nas duas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos do século XXI que
se intensifica a migração cidade-cidade, fato que se deve à busca por oportunidade de
emprego e utilização de serviços existentes concentrados em certos centros regionais ou
metrópoles do nosso País, o que evidencia que muitos municípios brasileiros não ofertam
condições favoráveis à maioria de seus habitantes, desencadeando o deslocamento constante
de indivíduos pelo território.
As cidades, no entanto, não têm sido capazes historicamente de oferecer em um
mesmo ritmo de incremento populacional as oportunidades de trabalho, acesso a
equipamentos sociais e coletivos bem como a moradia com condições de habitabilidade a
grande parte dos seus citadinos.
Esse cenário resulta, sobretudo, desde a década de 1980, da ausência de um
planejamento e gestão participativa da cidade, bem como da não aplicabilidade de
24
instrumentos que auxiliem na melhor gestão do espaço urbano, já garantidos na Constituição
de 1988 e no Estatuto da Cidade.
13
Outros fatores colaboraram para o agravamento dos problemas urbanos como as fortes
disparidades socioeconômicas existentes em nosso País, decorrentes do modelo de
desenvolvimento adotado, além de uma história marcada pela exclusão da maioria da
população da gestão pública, bem como dos serviços presentes no espaço urbano.
Dentre os problemas urbanos que estão presentes no cotidiano das cidades brasileiras,
podem ser destacados: periferias desprovidas de serviços e equipamentos urbanos essenciais
para uma vida com qualidade; forte concentração de terras e especulação imobiliária;
crescente número de ocupações informais de terras, cortiços e favelas; intenso adensamento
populacional e domiciliar nos núcleos de pobreza; a poluição, violência, entre outros.
Essa realidade se faz presente nas cidades brasileiras com maior intensidade nas
últimas décadas do século XX, e permanece no início do século XXI, demonstrando as
desigualdades existentes em nossa sociedade, despertando os movimentos sociais, poder
público, empresários e a sociedade civil para o desafio de gerir a cidade de forma democrática
e igualitária, onde seus citadinos a vivenciem.
A redefinição do papel do Estado nas duas últimas décadas do século XX para melhor
gerir o espaço urbano é resultado de um processo que teve início com a redemocratização
14
do
Estado brasileiro. Tal processo trouxe em seu bojo a idéia de mudança nos rumos da
sociedade e do próprio Estado frente ao autoritarismo e ao centralismo do período da ditadura
militar, desencadeando na descentralização das políticas, na maior autonomia aos municípios
e na abertura política para a participação da sociedade civil e os movimentos sociais na gestão
das políticas públicas.
A Ditadura Militar implantada no Brasil, em 1964, foi marcada pelo centralismo e
poder autoritário, com predominância nos interesses privados, práticas clientelistas, forte
repressão aos movimentos sociais, ausência de eleições diretas, restrições aos direitos
políticos e civis como censura à imprensa, controle dos sindicatos pelo Estado, limitações à
liberdade de opinião e tortura. Ainda sobre este período pode-se afirmar que o Estado
ditatorial foi desenvolvimentista e expandiu “o crescimento econômico, mas, por outro lado,
13
Lei N° 10.257 de 10 de julho de 2001 que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e
estabelece as diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conforme o Estatuto da Cidade
(BRASIL, 2001).
14
A redemocratização do Estado brasileiro diz respeito ao retorno da democracia, tendo em vista que no ano de
1964 foi imposto o Regime Militar cujas características foram a repressão aos movimentos sociais, ausências de
eleições democráticas, censura a imprensa. Este processo de redemocratização ocorreu no final da década de 80
do século XX.
25
bastante concentrador de renda. Politicamente, foi concentrador do poder, dispersivo e até
castrador das forças políticas que se colocavam contrárias à sua filosofia” (OLIVEIRA, 2003,
p. 32).
Foi um período de grande repressão a qualquer forma de participação política
inviabilizando, assim, as mobilizações e organizações populares. Diante de tal realidade, “os
movimentos migraram para a clandestinidade. Para sobreviver e contestar a ditadura”
(OLIVEIRA, 2003, p. 34).
Não se pode esquecer de enfatizar que durante a década de 1970 nascem, na sociedade
brasileira, organizações e mobilizações apoiadas por “setores da Igreja Católica, através de
seus serviços pastorais, como: a CBJP (Comissão Brasileira de Justiça e Paz), a CPT
(Comissão Pastoral da Terra) e as CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base)” (OLIVEIRA,
2003, p. 34).
Somente no final dos anos 70 do século XX, diante da crise na economia, da
intensificação dos problemas urbanos e do início do processo de abertura política é que
surgem as primeiras grandes mobilizações populares em todo o País. Estas
lutas específicas desenvolvidas pelos movimentos sociais, principalmente nas
periferias das cidades brasileiras, espelhavam para a opinião pública e para o Estado
a perversa distribuição de renda que impedia a universalização da cidadania urbana,
vivenciada com a inadequação e a falta de acesso a terra e à habitação;
irregularidade fundiária; precariedade e deficiência de saneamento ambiental;
ausência e baixa qualidade do transporte coletivo; insegurança no trânsito; violência
urbana e os crescentes déficits no acesso aos serviços de saúde e educação
(BRASIL, 2005).
Emergiram, pois, na década de 1980, vários movimentos sociais em nosso País,
realidade que está atrelada ao contexto social e político em que estes movimentos se
encontravam. A luta era pela redemocratização do País que, desde 1964, vivenciava um forte
regime militar que limitava os direitos básicos do cidadão e contra o quadro de crise
financeira, agravamento dos problemas na cidade, desemprego e disparidades sociais
existentes no Brasil.
Esse quadro de incertezas, como, por exemplo, da falta de transparência política e
forte disparidade social, desencadeou a difusão e legitimação de novas idéias em defesa da
redemocratização do País e pelo fim do Regime Militar, sendo que, a partir de 1984,
intensificam-se as mobilizações em torno das “Diretas Já”, movimento favorável ao fim da
ditadura, em favor da redemocratização brasileira e eleições diretas.
Temos, assim, o início do processo de redemocratização, com as eleições diretas para
prefeitos e vereadores das capitais em 1985, que traz idéias que defendem a descentralização
26
de políticas e participação da sociedade civil como alternativas para a modernização da gestão
pública.
Destaca-se neste contexto de abertura política o fim da Ditadura para as ações dos
movimentos sociais urbanos como:
Movimentos de moradia, de favelas, movimentos contra a carestia, as formas
concretas de apropriação do espaço das ruas e ocupação de terras, os conflitos sobre
taxas e tarifas de transportes urbanos, além de toda a luta operária e sindical em
torno de direitos do trabalho, reforçaram a "convicção" de que é possível avançar
para novas e melhores formas de convivência, organizadas em torno do
reconhecimento dos direitos sociais e coletivos, de direitos sobre a cidade, de acesso
a bens e serviços de consumo coletivo, o direito de reprodução da classe
trabalhadora e dos atores urbanos, não só de viver e trabalhar, mas também de
exercício político de participar, como base de formação de uma nova
governabilidade, de caráter democrático (IVO, 2001).
Esses movimentos urbanos tinham o intuito de contribuir para a implantação e
consolidação de um regime democrático, cujos valores centrais voltavam-se para a igualdade,
para os direitos sociais, o pluralismo político e à participação política, que seriam mais tarde
garantidos na Constituição de 1988.
Renasce neste contexto o projeto da Reforma Urbana, cujo ideário fora limitado
durante o regime militar, caracterizado pela forte resistência aos movimentos sociais. Este
ideário de cidade mais eqüitativa surge, no início dos anos 1960, em:
Um contexto desenvolvimentista, marcado pela necessidade de implementar
reformas de base, visando o alargamento do mercado interno e de melhores
condições de vida para a população. O encontro promovido por profissionais que
trabalhavam com as questões urbanas, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de
Janeiro, em 1963, foi o primeiro ato histórico em defesa dessa bandeira, paralisada
posteriormente pelo regime militar (BRASIL, Ministério das Cidades, Estatuto da
Cidade, 2005).
Conforme Souza (2004, p. 157), o período correspondente aos
anos 1960 até o começo ou meados da década de 1980, pode ser apelidado de “pré-
história” da reforma urbana, porquanto, ainda que o núcleo da idéia já estivesse
presente, com o seu conteúdo crítico de busca de maior justiça social no espaço
urbano, um ideário mais amplo, que fosse bem além da questão da habitação e
incluísse reflexões sobre instrumentos, só viria a se constituir duas décadas após o
encontro de Petrópolis.
O movimento pela Reforma Urbana emerge no cenário das lutas populares na década
de 1980, com o fim da Ditadura Militar, em contexto caracterizado pela redemocratização
brasileira. Este forte movimento teve como principais propósitos a inclusão de leis na
Constituição que garantissem a participação popular na gestão da cidade; no entanto, para
obter tal meta, tornava-se essencial a formação de
27
mecanismos que capacitem o Estado do poder de promover políticas públicas
redistributivas através do planejamento racional das cidades e do controle da
produção, uso e distribuição do espaço urbano, de modo a garantir o direito à cidade
e o acesso da população de baixa renda à terra urbana e aos benefícios da cidade
(TORRES; FLÓRIO, 2005).
Durante a segunda metade da década de 1980, fortalecem-se as alianças entre os
diversos movimentos sindicais, movimentos comunitários, pesquisadores e Organizações
Não-Governamentais com vistas à elaboração de uma nova Constituição Federal. Tem-se
assim, um aprofundamento do processo de redemocratização com a formação da Assembléia
Constituinte. Nesse contexto, foram protagonistas os diversos movimentos populares, quando
“desenvolveram uma estratégia que combinava mobilização social, reivindicação e
proposição. É ai que eles assumem a categoria de sujeitos propositivos, apresentando várias
propostas de leis a Assembléia Constituinte” (OLIVEIRA, 2003, p. 36). Destaca-se neste
processo
a participação dos movimentos sociais na Assembléia Nacional Constituinte, tendo à
frente o Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU). O MNRU desenvolveu
o lobby dos movimentos sociais na Constituinte Federal buscando incluir no texto da
Carta Magna a questão da política urbana e dentro desta a participação social na
gestão municipal. Ao conseguir apresentar uma emenda à constituição denominada
“Emenda Popular de Reforma Urbana”, o MNRU, demandava o tratamento da
gestão da cidade sob a ótica de cumprimento da função social (FERNANDES,
2005).
O processo de redemocratização traz consigo a expansão dos movimentos sociais com
um caráter reivindicativo e propositivo, isto porque este período foi marcado pela abertura
política e liberdade de expressão.
Quanto à correlação de forças entre o Estado e os movimentos sociais nesta transição
de Estado centralizado e autoritário do período militar para um Estado democrático, é
importante colocar que, segundo Warren (1999 apud Oliveira 2003, p. 36), essa relação foi
marcada por dois períodos. O primeiro período
se caracterizava pela resistência e contestação. A ação estatal opressora jogou os
movimentos na oposição ao Estado, o que forçou, nesse período, a existência de uma
relação de inimigos. No segundo momento, o marco é a mobilização do Estado e da
sociedade. Os processos políticos de participação desenvolvidos a partir da segunda
metade dos anos 1980, ainda com a rigidez do Estado, maior complexidade nas
relações entre Estado e sociedade e a diversidade dos movimentos sociais,
produziram tensões e conflitos que contribuíram efetivamente para a democratização
do Estado e maior densidade da sociedade civil.
Assim, os movimentos sociais, recebiam forte repressão e atuavam de forma
clandestina durante o período da Ditadura Militar, não existindo, desta forma, o dialogo ou
proposta de relação, pelo fato de o Estado se caracterizar, neste período, pela centralidade do
28
poder, informações e recursos, e pelo forte autoritarismo, que negava e reprimia qualquer
forma de questionamento de suas propostas ou projetos.
O fim da Ditadura Militar levou a sociedade, representada pelos movimentos sociais,
partidos políticos e estudiosos, a repensar esta relação e a buscar a formação de arenas
públicas onde a sociedade pudesse evidenciar suas demandas e expectativas, bem como
participar da elaboração, realização e avaliação de políticas de forma propositiva e
deliberativa. Mesmo após a Ditadura Militar, a relação entre Estado e movimentos sociais
encontrou barreiras, conflitos, tensões, práticas tradicionais, como, por exemplo, o
clientelismo, paternalismo, concentração de poder. Mas esses entraves não limitaram a busca
pelo diálogo e interação e inclusão da participação popular nas políticas desenvolvidas nos
centros urbanos.
A busca por uma relação mais interativa entre Estado e movimentos sociais fez com
que nascessem novos espaços de diálogo, troca de idéias e experiências, tais como: conselhos,
audiências, reuniões para discutir projetos e políticas de gestão compartilhada. Espaços estes
em que diferentes sujeitos confrontam e dialogam sobre suas idéias e interesses. Segundo
Medeiros (1996), provavelmente, era a primeira vez que em nosso País “a sociedade civil
adquiria um grau de consolidação, capaz de assimilar a pluralidade dos interesses e de cobrar
seu lugar de fonte legitimadora do Estado democrático” (MEDEIROS, 1996, p. 118).
Trata-se de um período rico por suas experiências políticas e sociais, das quais surgem
lutas pela redução do mandato presidencial, a criação de entidades organizadas de
movimentos sociais pelo acesso a equipamentos urbanos, os direitos das mulheres, dos
negros, dos homossexuais, do meio ambiente, entre outros.
A nova Constituição representou um marco importante para a sociedade brasileira, por
incorporar a gestão democrática da cidade, bem como a participação dos cidadãos nas
decisões de interesse público nos artigos 182 e 183 que compõem o capítulo da Política
Urbana. Este capítulo representou
uma vitória da ativa participação de entidades civis e de movimentos sociais em
defesa do direito à cidade, à habitação, ao acesso a melhores serviços públicos e, por
decorrência, a oportunidades de vida urbana digna para todos (BRASIL, 2005).
A participação popular, tão defendida pelos movimentos sociais, Organizações Não-
Governamentais, intelectuais e diferentes categorias trabalhistas, ganha maior respaldo com a
Constituição de 1988. Neste documento a participação passa a ser um
29
elemento obrigatório da política urbana e também das políticas sociais por meio dos
conselhos municipais (saúde; educação e FUNDEF; merenda escolar; assistência
social) que consolidaram concretamente a democratização da gestão municipal na
política brasileira (FERNANDES, 2005).
Além da inclusão da participação popular na política urbana, outras conquistas ficam
asseguradas na Constituição de 1988, como:
As leis orgânicas deviam ter como preceito a cooperação das associações
representativas no planejamento municipal (inciso X do artigo 29). Além disso,
estabeleceu-se também na Constituição de 1988, acerca da participação popular
diretamente ligada à política municipal: consulta por meio de plebiscito à população
interessada quando da fusão, incorporação ou desmembramento de municípios (§ 4º
do artigo 18); iniciativa popular em projetos de lei de interesse específico do
município, da cidade ou de bairros, mediante manifestação de pelo menos 5% do
eleitorado (inciso XI do artigo 29); colocação das contas dos municípios à
disposição de qualquer contribuinte durante 60 dias para exame, apreciação,
podendo ser questionadas (§ 3º do artigo 51) (FERNANDES, 2005).
Essa conjuntura de redemocratização brasileira, que se inicia com o fim da ditadura e
culmina com a Constituição de 1988 proporcionou mudanças significativas no papel do
Estado e da sociedade. Tal redefinição de papéis gerou novas propostas de interlocução e
construção de sinergias favoráveis à participação dos diferentes sujeitos sociais, no caso,
empresários, gestores públicos, industriais, movimentos sociais, sindicatos, entre outros, na
formulação de planos diretores, conselhos e fóruns responsáveis pelo planejamento e gestão
das cidades.
A década de 1980 é marcada, assim, por várias conquistas como a construção de um
campo democrático repleto de movimentos sociais; a conquista de canais de participação em
assuntos da esfera pública, embora existissem dificuldades ligadas à cultura política brasileira
caracterizada por valores paternalistas, clientelistas, troca de favores e cooptação.
O processo de redemocratização abriu espaço para uma renovação dos atores sociais
que passam a atuar como sujeitos de direitos e não como objetos das políticas; ou seja,
buscaram ser atores ativos na construção, efetivação e avaliação das políticas públicas, bem
como possibilitou a redefinição do papel do Estado.
O quadro de exclusão social, dos problemas urbanos presentes nas cidades brasileiras
necessita de novas propostas, medidas e ações que tenham o objetivo de tornar as cidades
mais eqüitativas na distribuição das políticas urbanas. Na próxima seção deste trabalho,
buscou-se retratar o processo de descentralização das políticas urbanas, bem como discutir
sobre o poder local com sua nova atribuição, no caso, gerir a cidade.
30
2.1.1 A descentralização das políticas públicas e o novo papel do poder local na gestão do
urbano
A década de 90 do século XX e o início do século XXI são caracterizados por uma
conjuntura social, econômica e política que lança desafios aos municípios brasileiros no que
concerne a seus projetos, políticas, instrumentos; isto é, leva-os a repensar suas práticas e seus
respectivos significados. Entretanto, questiona-se: – Que fatores foram responsáveis por esse
repensar?
A crise fiscal no setor público federal, as alterações nas condições de produção e
reprodução do trabalho, advindas da globalização da economia, o crescimento do setor
informal da economia que não oferece direitos trabalhistas aos citadinos e a expansão das
políticas neoliberais que limitam os investimentos do Estado em políticas voltadas para as
questões sociais têm contribuído para gerar desempregos e o empobrecimento das classes
trabalhadoras.
Além dessas questões que desafiam a gestão das cidades, pode-se acrescentar o
intenso processo de urbanização brasileira, a ausência de planejamento e gestão participativa
dos recursos e a carência de políticas urbanas mais eficazes. Este conjunto de fatores
contribuiu para gerar e agravar vários problemas urbanos, como, por exemplo, a falta de
moradia, más condições de saneamento básico, ocupações mal planejadas do solo urbano,
agressões ao meio ambiente entre outros.
Essa realidade socioeconômica das cidades brasileiras urge por mudanças que
contribuam para uma gestão mais justa da cidade, de modo que seus citadinos possam discutir
com o gestor e demais atores sociais como resolver tal desafio.
O Estado em âmbito municipal ganha um novo papel após a Constituição de 1988,
tendo que rever certas práticas e reformular sua estrutura para efetivar suas novas atribuições.
A nova conjuntura dos anos 1990 guarda peculiaridade:
Marcada por fortes transformações e turbulências que condicionam os mecanismos
de tomada de decisão por parte dos gestores públicos. É justamente nesse contexto
que a gestão local desperta interesse. A cidade assume funções que antes eram de
responsabilidade de instâncias de poderes superiores. Assim, cada vez mais as
cidades constituem-se em espaço estratégico para a reestruturação produtiva e
prática de gestões inovadoras, por meio de medidas de crescimento econômico e de
mudanças institucionais que muitas vezes provocam profundas conseqüências
econômicas, sociais e espaciais (VITTE, 2003, p. 233).
31
Outro fator responsável pela redefinição do papel do Estado em âmbito local é a
descentralização das políticas, tão defendida durante o processo de redemocratização. A
descentralização tem a meta de transferir o poder decisório do governo federal para os
municípios ou entidades locais, o que se justifica por alguns fatores, como:
o município é a instância em que se torna mais viável a implementação de processos
de gestão que gere bem-estar, que permita acesso aos bens culturais, que melhore a
qualidade de vida, focalizando toda a atenção no cidadão. É no município que fica
mais clara a estranha distribuição de riquezas, o papel deficiente do Estado/Poder
público e a falta de articulação das políticas econômicas e sociais (SALGADO,
1996, p. 49).
A redistribuição das responsabilidades de gerir as políticas entre os níveis de governo
vem sendo implementada no Brasil, orientada em alguns pilares como a descentralização
fiscal, a transferência de encargos e serviços aos municípios e na institucionalização da
participação popular na gestão municipal. Diante destes fatores, o Estado, em âmbito
municipal, ganha um novo papel na organização político-administrativa do País:
o local passa a ter uma imagem representativa ancorada na positividade,
expressando mudanças em diversas áreas: um novo estatuto jurídico-institucional
com a Constituição de 1988; na discursividade dos atores políticos; nas abordagens
teórico-metodológicas que, se não constituem um novo paradigma, apresentam
importantes deslocamentos nas matérias veiculadas pelos órgãos da mídia, que tem
destacado as inovações e soluções criativas das prefeituras nos campos da saúde,
educação, moradia e participação cidadã (COSTA, 1996, p. 114).
Os municípios tiveram que assumir a responsabilidade por um conjunto de políticas e
ações, ou seja, competências que estavam a cargo da União ou dos Estados. Foi lançado a
estes dois desafios o de “assegurar condições mínimas de bem-estar às suas populações
(funções de Welfare) como para promover o desenvolvimento econômico com base em ações
de âmbito local, o que envolve o estabelecimento de um novo tipo de relacionamento com o
setor privado” (ABRUCIO; COUTO, 1996, p. 40).
Tem-se, pois, o redesenho do poder local que deve reavaliar sua estrutura
administrativa, seus interlocutores, criar mecanismos de participação que possibilitem a
interlocução entre os agentes do setor privado, as Organizações Não-Governamentais,
movimentos sociais e técnicos do governo. Esta aproximação e interação entre os atores
citados são essenciais à construção de uma gestão democrática da cidade.
Contudo, essas transformações envolvem questões complexas, pois requerem a
implementação de novas condições de governabilidade entendidas, segundo o pensamento de
Ramos e Barbosa (2002, p. 121), como a necessidade de
32
desprivatizar a ação do Estado, com a construção de novos espaços públicos para
negociações de interesses distintos que incidem sobre a sociedade local, um espaço
de que participem representantes dos setores sociais que em geral estão excluídos da
arena política, isto é, das diferentes frações das classes trabalhadora. Assim, pode ser
estabelecido um campo de negociação entre os diversos setores sociais que disputam
os recursos e as orientações das políticas públicas.
Para atingir este propósito, da construção de novas condições de governabilidade,
deve-se romper com práticas que historicamente têm feito parte das relações estabelecidas
entre o Estado e a sociedade. Essas práticas oferecem obstáculos à construção da gestão
democrática das cidades, entre elas, podem ser citadas:
i) o caráter patrimonialista e autoritário do Estado, e a conseqüente fragilidade das
estruturas locais influenciadas pelas relações clientelistas; (ii) a modernização do
aparelho do Estado brasileiro via formação de círculos burocráticos do
planejamento, controlando os dispositivos institucionais de maneira centralizada;
(iii) o compromisso corporativista do Estado populista nacional, definindo os
alcances da política social (iv) a grandeza do processo de pobreza e exclusão como
fator estrutural conseqüente das opções de desenvolvimento e como estas atuam no
âmbito das relações políticas entre Estado e sociedade (IVO, 2001).
Esse quadro evidencia que o controle social, ou seja, a participação popular na gestão
da cidade pode ser dificultada por relações baseadas histórica e predominantemente por
privilégios, clientelismo, patrimonialismo, corrupção e fragilidade na organização civil.
Grande parte das propostas, instrumentos, leis e políticas inovadoras voltadas para a
gestão das cidades, como, por exemplo, orçamento participativo, conselhos comunitários,
planos diretores e projetos têm encontrado outros obstáculos além dos já citados, a saber-se:
escassos recursos financeiros e orçamentários; pequena experiência em administrar certas
políticas urbanas; frágil capacidade técnica; escassez de informações sobre os municípios ou a
não organização e sistematização destas.
Esse cenário demonstra que certos instrumentos e diretrizes da política urbana,
presentes na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001, ainda não ganharam a
devida concretude, tais como: a elaboração do Plano Diretor Participativo nos municípios com
população acima de vinte mil habitantes; formação de conselhos gestores; conferências sobre
assuntos de interesses urbanos; função social da propriedade; gestão orçamentária
participativa entre outros.
A Constituição de 1988 traz em seu bojo alterações no que se refere ao papel das
esferas de governo na gestão de recursos e implementação das políticas urbanas. No entanto,
não ficou claramente explícita em seu texto a distribuição de competências para com as
políticas, entre as esferas governamentais, o que se deve à
33
descoordenação do processo de descentralização e da dificuldade de se estabelecer
uma divisão estrita de responsabilidades em uma federação tão heterogênea quanto a
nossa. Tal fato implicou a coexistência de lacunas em alguns setores de diferentes
regiões e a superposição de funções em outras (AFFONSON, 1996, p. 09).
A ausência de uma hierarquização bem definida desencadeou um jogo de trocas de
obrigações entre as esferas governamentais, no que diz respeito à implantação das políticas
urbanas. Essa indefinição pode ter prejudicado a elaboração e a implementação de políticas
urbanas necessárias para garantir uma gestão democrática, bem como melhores condições de
vida aos citadinos. No art. 23 (IX) da Constituição é nítida essa indefinição:
é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento público básico; [....] No capítulo IV no que
diz respeito aos municípios, diz o artigo 30(VIII), que a este cabe promover, no que
couber, adequado reordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (ARRETCHE, 2000, p. 90).
Para Affonso (1996, p. 09), essa indefinição quanto as competências entre as esferas
governamentais fez com que Estados e municípios assumissem novas
responsabilidades em decorrência do maior volume de recursos disponíveis e
da omissão da União em relação a alguns programas tradicionalmente
administrados por ela (como consequentemente da sua maior disponibilidade
de recursos) e, em últimas instâncias, devido às pressões de uma sociedade
civil mais organizada, que pode expressar com maior liberdade seus
interesses.
Quanto a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, neste jogo de atribuições,
pode-se dizer que, em 1995, ocorre uma definição mais nítida na gestão de Fernando
Henrique Cardoso, pois foi considerado que os investimentos em desenvolvimento urbano
são:
de tal ordem que o governo federal não mais poderia cumprir o papel de principal
financiador da expansão dos serviços que havia cumprido quanto da vigência do
Banco Nacional de Habitação. Neste sentido, a abertura do setor aos investimentos
privados, a utilização de recursos externos e o co-financiamento de Estados e
municípios impõem-se como uma necessidade (ARRETCHE, 2000, p. 93).
Tem-se, deste modo, uma reestruturação do papel do Estado em âmbito municipal,
que, dentre as suas atribuições, compete a de assumir novas responsabilidades, aquelas que
lhes foram atribuídas pela Constituição de 1988, bem como as advindas das reivindicações e
proposições dos movimentos sociais e demais agentes da sociedade. Diante destes fatores,
Gonçalves (2005, p. 14) afirma que os dirigentes locais:
passam a buscar novos padrões de planejamento que, se possível, reúnam idéias de
democracia, participação, eficácia administrativa, competitividade e produtividade,
34
atributos presentes, ao menos teoricamente, em algumas propostas emergentes de
planejamento.
Diferentes estudos realizados sobre experiências desenvolvidas pelos governos
municipais, como conselhos, orçamentos participativos, modelo de co-gestão, projetos em que
a participação popular é prioritária, têm demonstrado que
existem preocupações em atender a princípios como racionalização das atividades
em função da presteza, da eficácia e da economia de tempo e de dinheiro;
planejamento de atividades que atendem às peculiaridades locais; identificação da
melhor forma para execução de obras e serviços públicos; adoção de esquemas para
prestação de serviços públicos visando maior eficiência e redução de custos
operacionais; e outros fatores que desliguem o processo de gestão dos municípios e
facilitam seus procedimentos como agentes promotor de desenvolvimento
(SALGADO, 1996, p. 50)
A literatura que vem trabalhando com a referida temática apresenta visões divergentes
quanto à contribuição do processo de descentralização e maior autonomia do município para a
construção de uma gestão mais democrática da cidade. Para alguns autores, a descentralização
tem sua origem nas idéias neoliberais de Estado mínimo a qual defende que o Estado está em
crise e não é capaz de atender as demandas da sociedade, sendo necessárias parcerias com o
setor privado para a realização de práticas mais eficazes de gestão. Outros autores colocam
que a proposta de descentralização tem por objetivo um maior controle social no contexto
político e social, a partir da participação popular sendo, dessa forma, uma conquista dos
movimentos sociais e da sociedade no contexto da redemocratização.
O presente trabalho defende que a descentralização das políticas e a maior autonomia
dos municípios não são, por si sós, a solução para uma efetivar gestão democrática das
cidades, pois esta requer a superação de práticas tradicionais, como o clientelismo e o
paternalismo, presentes na relação entre Estado e sociedade, bem como a superação de certos
problemas: parcos recursos, organização e mobilização social frágil e a ausência de
informações que são importantes referentes ao município entre outras. A superação destes
problemas pode auxiliar o controle social; ou seja, a fiscalização, o acompanhamento e as
deliberações das políticas desenvolvidas no município.
2.2 MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS REDEFININDO SEUS PAPÉIS: NOÇÕES,
TEORIAS E PRÁTICAS
A temática dos movimentos sociais encontra-se presente em diferentes áreas do
conhecimento, e ganhou, ao longo dos anos várias interpretações e significados. Ao abordar
35
essa questão, se faz necessário reportar-se a seus conceitos, bem como aos paradigmas
teóricos para que estes possam contribuir no melhor entendimento da temática em questão.
Os movimentos sociais são “ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural
que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas”
(GOHN, 2003, p. 13). No intuito de solver suas demandas de moradia, equipamentos urbanos,
serviços, ou seja, melhores condições de habitabilidade os indivíduos organizam uma
ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos
objetivos(o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios
valorativos comuns( a ideologia) e sob uma organização diretiva mais ou menos
definida (WARREN, 1989, p. 20).
Os movimentos sociais são símbolos reveladores das inquietações e questionamentos
que permeiam o cotidiano dos indivíduos. Suas mobilizações
anunciam a mudança possível, não para um futuro distante, mas para o presente da
nossa vida. Obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim, forma e rosto.
Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem algumas coisas que os
transcende e, deste modo, falam para todos (MELUCCI, 2001, p. 21).
A partir de suas falas e ações, os movimentos sociais constroem uma identidade que
gera em seus membros um sentimento de pertencimento e de inclusão na sociedade. Nesta
construção, os indivíduos tornam-se cidadãos que têm direitos e que são capazes de
reivindicá-los.
Esses movimentos atuam como agentes reativos ou propositivos diante das mazelas
sociais existentes na sociedade, e em geral caracterizam-se pela
reação às formas autoritárias e de repressão política, avançando propostas de
democracia direta e de base ou representativa, pelo questionamento da distribuição
do poder, pela reação à centralidade do poder, avançando idéias de autonomia locais
e de autogestão, pela oposição ao modelo econômico e pelo encaminhamento de
novas formas de vida comunitária (VIGEVANI, 1989, p. 130).
Podemos, assim, afirmar que os movimentos sociais dão visibilidade aos “conflitos e
necessidades de mudanças, operam como motores de transformações e como reveladores dos
pontos mortos, das contradições, dos silêncios que os aparatos dominantes tendem a ocultar”
(MELUCCI, 2001, p. 123).
Para realizar uma leitura dos movimentos sociais, é importante ressaltar os paradigmas
que norteiam suas práticas. Nesta pesquisa, faz-se uso da análise realizada por Gohn (1991),
sobre estes paradigmas. A autora faz referência aos paradigmas Histórico-Estrutural; o
Culturalista; o Neo-Idealista e o Neopositivista.
36
O paradigma Histórico-Estrutural possui como fundamentação teórica as idéias
marxistas. Para seus defensores, a eclosão das lutas dos movimentos se deve às contradições
do capitalismo. Suas principais categorias são: as estruturas da sociedade, as necessidades do
sistema de acumulação e os processos sociais. Uma questão-chave neste modelo é “a análise
do sistema de correlação das forças sociais, no desenrolar dos processos históricos” (GOHN,
1991, p. 22).
Na visão de Gonh (1991), muitos são os autores que analisam os movimentos sociais
segundo as idéias deste paradigma. É válido destacar que estes se agrupam em algumas
correntes de ênfases específicas, são elas: a corrente estrutural, cujos representantes são
Manuel Castells e Jordi Borja, entre outros; a corrente histórico-estrutural de Jean Lojkine, M
Lung etc; a corrente dos historiadores ingleses que possui como membros Eric Hobsbawm,
E.P. Thompson, George Rude, entre outros.
O segundo paradigma é o Culturalista, que, para a autora Gonh (1991), possui como
fundamentação a Teoria da Ação Social de Max Weber, sendo de fundamental importância a
análise da conjuntura e o desenrolar cotidiano dos acontecimentos. Para este paradigma, os
indivíduos são atores sociais cujas ações determinam os rumos dos acontecimentos, sendo
elas que promovem as mudanças e transformações sociais.
Ainda para a autora Gonh (1991), esta abordagem também possui correntes teóricas, a
saber: A Teoria da Ação Social de Alain Touraine e Alberto Melucci e a corrente que enfatiza
o processo de institucionalização cujos defensores principais são Claus Offe, Adam
Przeworski, Alexandro Pizzorno, entre outros.
O paradigma Neo-Idealista prioriza a luta pela autonomia dos grupos de minorias,
como os de mulheres, negros, homossexuais e os de causas pacifistas. A grande meta destes
movimentos é a liberdade e a independência para a formação de uma comunidade, vista como
espaço de novas relações sociais em que as questões-chaves apontam para a valorização da
subjetividade e a percepção do indivíduo. Neste paradigma, os conflitos diretos são a
“expressão de formas de resistência dos grupos e camadas neles envolvidos, constituintes de
identidades coletivas fundadas em laços de solidariedade e de reconhecimento mútuo”
(GOHN, 1991, p. 30). Como representantes deste paradigma, podemos citar Michel Foucault,
G. Deleuze e Felix Guattari.
Um outro paradigma é o Neopositivista. Este tem sua origem na escola norte-
americana e reconhece os movimentos sociais como “comportamento coletivo originado de
períodos de inquietação social, de incertezas, onde ações são frustradas e/ ou reprimidas”
(GOHN, 1991, p. 31). Sua existência se deve a disfunções nos hábitos e costumes dos
37
indivíduos, ou seja, os movimentos são desequilíbrios na ordem. As categorias básicas desta
abordagem são o comportamento e as ações dos indivíduos.
Assinale-se que não foi utilizado apenas um paradigma para nortear o presente
trabalho, pelo contrário, foram mescladas algumas idéias que aqui são consideradas
importantes, quais sejam: a do paradigma histórico-estrutural e do culturalista trabalhados por
Gohn (1991). Concordamos com os defensores do paradigma histórico-estrutural ao
entenderem que os problemas urbanos devem-se, em sua maioria, às contradições e
desigualdades decorrentes de um sistema capitalista, fundamentado na concentração de renda
e no lucro rápido, ainda que estes gerem segregação e espoliação de uma maioria.
No entanto, concordamos com certas idéias trabalhadas pelos culturalistas, como a de
que tais contradições podem ser superadas ou atenuadas a partir de uma ação conjunta dos
atores sociais que, dependendo da conjuntura, correlações de forças, entre outros fatores,
esses sujeitos podem modificar uma determinada realidade. Assim, consideramos que embora
envolvidos por uma moldura econômica e política bastante injusta, os atores sociais podem
realizar intervenções positivas no espaço de sua comunidade, bairro ou cidade.
2.2.1 Os movimentos sociais e o repensar de suas práticas
Na década de 1990, uma nova conjuntura social, econômica e política lança
desafios aos movimentos sociais e às demais lutas coletivas, no que diz respeito as suas
práticas, planos de ação e estratégias, no intuito de fortalecer a sociedade civil rumo à
construção de uma sociedade mais democrática e igualitária. Dessa forma, os movimentos
sociais deste período encontram-se diante de novos desafios.
Segundo Warren (1993, p. 12), os movimentos sociais precisam rever suas ações
com vistas a continuarem a busca para sorver suas demandas e a lutarem por uma sociedade
mais igualitária. Estes desafios se configuram em dois eixos, a saber: “1) Na necessidade de
superação de algumas práticas típicas do período histórico anterior, e, 2) no estímulo a alguns
valores e práticas”.
No primeiro eixo, a autora ressalta quatro pontos que devem ser superados. Entre
eles podemos citar a mudança do discurso de simples denúncia, comum no período ditatorial,
para uma reivindicação baseada em propostas que incluam a todos; superação do basismo
sectário e das identidades excludentes, posto que este tipo de mobilização impede a troca de
experiências entre os demais movimentos, limitando o alcance de suas práticas; superação dos
corporativismos e dos separatismos, o que possibilita a abertura das diferenças, facilitando a
38
participação de todos em uma maior articulação de atores; superação da partidarização, pois
cada sujeito deve fazer suas opções partidárias (WARREN, 1993, p. 12).
O outro aspecto apresentado é a necessidade de emergir sujeitos cujo comportamento
esteja baseado em novos valores e práticas, nas quais seu maior compromisso seja com o
coletivo. Para atingir esta meta, devem ser superados valores tradicionais, como o
clientelismo, o autoritarismo e o corporativismo presentes na sociedade, já que estes oferecem
obstáculos à construção da cidadania. É válido ressaltar que
quando se fala de valores e sujeitos emergentes se está construindo um projeto
utópico para um mundo mais solidário, mais justo socialmente, etc; está se
indicando em que direção se pretende caminhar. Trata-se, pois, de uma opção mais
do que de um retrato de experiências já consolidadas. Trata-se de um “estado
nascente”, isto é, de uma nova experiência, de um modo de ver o mundo e de se
relacionar com os outros, de um modo de olhar para o mundo e para si próprio
(WARREN, 1993, p. 15).
Muitos são os estudos sobre as “novidades” dos movimentos sociais que emergiram
nas últimas décadas do século XX. Mas, quais são os novos movimentos sociais e quais
são as suas características na década de 1990 e inicio do século XXI? Segundo Melucci
(1997), as ações coletivas que se desenvolvem na sociedade moderna seguiram dois
caminhos, um fundamentado nos conflitos sociais ligados à esfera da produção e outro na
luta dos excluídos pelo direito à cidadania. Deve-se deixar claro que Melucci refere-se à
realidade européia, entretanto, consideramos ser possível realizar tal mediação com os
movimentos sociais brasileiros.
Os conflitos sociais que emergem no final do século XX e início do século XXI
possuem novos aspectos e dimensões. Para Melucci (1997, p. 27), estes movimentos
investem na esfera da vida cotidiana, que não eram tradicionalmente objeto de
conflitos: nas relações interpessoais, na sexualidade, nas formas de lidar com o
corpo, com a saúde, com a doença, com a morte, na identidade pessoal, na vida
afetiva, nas relações entre os adultos e as crianças. Toda uma série de âmbitos, de
experiências sociais, que estamos descobrindo empiricamente, como significativas,
como sinais desses novos conflitos.
As práticas destes movimentos passam a ser não apenas reativas, movidas por
necessidades econômicas ou questão de classe. Os movimentos sociais também se
desenvolvem e mobilizam-se em torno de questões referentes à identidade, valores de vida,
subjetividade etc. Suas práticas deixam de ser totalmente reativas para proporem e
deliberarem sobre a realidade, preocupando-se em realizar diagnósticos, dialogar com os
demais atores sociais e buscar propostas de intervenção que favoreçam a todos.
39
Temos assim, uma redefinição das formas de luta utilizadas pelos movimentos
sociais, sendo um dos fatores o deslocamento dos eixos das mobilizações. Parte dos
movimentos sociais redireciona suas práticas em prol das questões éticas, da revalorização da
vida humana, do plano da moral, da problemática geracional, da revalorização da cidade
como espaço de sociabilidade, da questão de direitos sociais ainda não adquiridos e das lutas
cívicas (GOHN, 1995, p. 125).
É importante ressaltar, neste momento, que não desapareceram os conflitos ou se
dissolveram os movimentos sociais ligados ao mundo do trabalho e da produção, eles
continuam a desenvolver suas práticas, que, por sua vez, ganharam novas formas de
mobilização e novos significados.
Os movimentos sociais vão ganhando espaço público, evidenciando seus
questionamentos, desejos e propostas não apenas nas ruas, mas em diversos meios de
comunicação, como televisão, rádio, internet, e nos diferentes espaços de interlocução, tais
como os Conselhos, audiências públicas, conferências entre outros. Estes meios de
comunicação e espaços de diálogo auxiliam na divulgação e na troca de experiências entre as
diversas lutas coletivas.
A grande meta, de parte destes “novos” movimentos sociais, segundo Gonh (2003,
p. 14), passou a ser a reivindicação e elaboração de projetos propositivos bem como a sua
deliberação, ou seja, ações necessárias a sua realização. Estes movimentos sociais atuam
segundo uma agenda mais propositiva e deliberativa, realizam diagnósticos sobre a realidade
social e constroem propostas para intervir e solver problemas. Para viabilizar suas práticas,
estes atuam em redes, articulando ações coletivas que agem como resistência à exclusão e
lutam pela inclusão social.
As mobilizações ganham um novo sentido e formas, não sendo baseadas apenas em
marchas, passeatas, denúncias, concentrações em prédios públicos, como outrora eram
conhecidas as ações dos movimentos sociais. Para Oliveira (2003, p. 198), os movimentos
sociais mudam de estratégia de participação e, como tal, “saem da posição de mobilização
reivindicativa, para a participação com proposição e desta para a deliberação”.
Essa mudança de estratégia é o que Gohn (2003, p. 18), chama de o novo
associativismo, no qual o movimento social passa a ser “mais propositivo, operativo e menos
reivindicatório – produz menos mobilizações ou grandes manifestações, é mais estratégico. O
conceito básico que dá fundamento às ações desse novo associativismo é o de Participação
Cidadã”. Este conceito de Participação Cidadã diz respeito a uma “concepção democrática
radical que objetiva fortalecer a sociedade civil no sentido de construir ou apontar caminhos
40
para uma nova realidade social – sem desigualdades, exclusões de qualquer natureza”
(GOHN, 2003, p. 18).
Uma outra questão relevante para a temática dos movimentos sociais é a sua relação
com o Estado na década de 1990. Conforme abordado anteriormente, vivenciamos uma nova
conjuntura, razão pela qual o Estado vem passando por intensas transformações e os
problemas sociais têm se agravado, urgindo por políticas públicas mais eficientes. Trata-se de
uma situação que requer um (re) encaminhamento das relações entre organizações populares e
o Estado. Assim, não mais faz sentido para os movimentos sociais
ficar de costas para o Estado, mas de participar das políticas, das parcerias etc. Eles
ajudaram a construir outros canais de participação, principalmente os fóruns; e
contribuíram para a institucionalização de espaços públicos importantes, tais como
os diferentes conselhos criados nas esferas municipais, estaduais e nacional (GOHN,
2003, p. 24).
Nessa busca pela interlocução com o Estado, os movimentos sociais almejam
“participar em órgãos de decisão do Estado, através de parcerias etc. sem temor da perda de
autonomia ou das identidades específicas representadas nas múltiplas organizações”
(WARREN, 1993, p. 16).
Nasce, assim, a necessidade de um novo paradigma para as ações coletivas, segundo
Gonh (1999, p. 25), baseado na participação dos movimentos na esfera do Estado. A união
das ações coletivas na “construção de novos espaços de participação lastreados não em
estruturas físicas, mas em relações sociais novas que se colocam entre o público e o privado,
originando o público não-estatal”.
Temos uma (re) configuração da participação popular nestes últimos anos, em que
podemos destacar algumas iniciativas de parceria entre o poder público e a sociedade civil
como o orçamento participativo, através do qual se evidencia a participação dos cidadãos na
gestão dos recursos públicos, a formação de conselhos em vários setores, como no
habitacional, de saúde, da educação, de transporte etc. bem como a realização de fóruns.
Essa relação entre os movimentos sociais e os sistemas de representação e de decisão é
fundamental para a sociedade. Para Melucci (2001, p. 94) a capacidade
das formas políticas de representação de recolher as demandas coletivas expressas
pelos movimentos, transformando-as em decisões sem anular-lhe a autonomia; e a
capacidade dos movimentos de dar-se formas de ação e de organizações que supõem
a mediação política, sem identificar-se com ela, são os desafios que podem tornar os
conflitos em motores de transformação.
Com uma base social heterogênea e de interesses diversificados, não mais justificam
suas mobilizações em torno apenas das condições de pauperismo e das precárias condições de
41
vida dos indivíduos, ou seja, na busca de respostas às carências econômicas e matérias. Seus
novos projetos e ações devem contemplar também a dimensão cultural e a institucionalidade,
visando uma nova cultura política, em que diferentes setores sociais envolvem-se na
construção de uma democracia baseada em valores de igualdade e justiça social.
Várias foram as formas utilizadas pelos movimentos sociais para evidenciar suas
reivindicações e propostas, mas nos últimos anos estes movimentos se utilizaram
de manifestações públicas, de participação em políticas públicas ou no
encaminhamento de experiências alternativas próprias das organizações da
Sociedade Civil, estes sujeitos vêm estimulando cada vez mais a troca de
experiências, a mútua ajuda, a articulação entre atores e entidades (WARREN,
1993, p. 16).
Constitui um desafio à construção de ferramentas para que a luta social articule os
diversos sujeitos da sociedade como gestor público, empresários, sindicatos, entre outros, com
o intuito de ampliar os espaços de intervenção, transformando reivindicações específicas em
propostas políticas coletivas, bem com exercendo o controle social para garantir a efetivação
destas políticas.
Essa articulação entre os sujeitos sociais deve priorizar a troca de experiências entre
sujeitos de diversos matizes políticos e ideológicos, um encontro de diversidades culturais.
Entretanto, esta articulação não deve ter o intuito de formar uma unidade corporativista
altamente hierarquizada, pois a verticalização entre os movimentos eliminaria seu propósito
primeiro de unir experiências e forças em prol da sociedade como um todo.
Esse encontro conquista materialidade na formação das redes que “são estruturas da
sociedade contemporânea globalizada e informatizada. Elas se referem a um tipo de relação
social, atuam segundo objetivos estratégicos e produzem articulações com resultados
relevantes para os movimentos sociais e para a sociedade civil em geral” (GOHN, 2003, p.
15).
As redes de movimentos sociais são, assim, espaços de trocas coletivas de
experiências, valores e perspectivas, campo onde se geram conhecimentos. Um lugar de
mobilização social que permite que seus diversos atores possam unir forças em torno de um
interesse comum.
O conceito de redes vem ganhado visibilidade e destaque nos últimos anos do século
XX e início do século XXI, devido ao maior poder de articulação proporcionado pelas novas
tecnologias, capazes de divulgar rapidamente informações por todo o Planeta; ou seja,
capacidade de conectar experiências locais, regionais, nacionais e até globais. Os maiores
42
veículos utilizados pelas redes em suas diversas trocas são os meios de comunicação de
massa, destacando-se a internet.
As redes de movimentos sociais utilizam-se das redes tecnológicas, que favorecem a
troca de informações de forma ágil. A rapidez e precisão destas novas tecnologias vêm
fortalecendo as estratégias de conquista de espaço na sociedade pelos movimentos sociais.
A década de 1990 é marcada pela proliferação das redes sociais. Sobre esta questão,
Gohn (2003, p.15) faz referência a alguns tipos de redes, dentre as quais podem ser
assinaladas as de sociabilidade, presentes nas relações do cotidiano, como a estabelecida com
familiares; as redes virtuais; as redes temáticas específicas, redes socioculturais; redes
gerativas; redes históricas; redes de governança e redes de entidades afins.
Os movimentos sociais estabeleceram e ampliaram estes diferentes tipos de redes com
uma série de outros sujeitos sociais, destacando-se, sobretudo, aquelas “tecidas com o campo
sindical, o campo institucional de outras entidades sociais, o campo político-partidário, o
campo religioso, o campo das ONGs” (Ibid, 2003, p. 15).
O encontro entre os sujeitos coletivos na esfera dos movimentos sociais vem
ocorrendo em diferentes escalas espaciais e ganhando formas “ao nível de redes de mediação
(fóruns de ONGs, pastorais etc.); ao nível simbólico (romarias, manifestações, abaixo-
assinados etc.); e ao nível de experiências práticas (feiras comunitárias entre agricultores e
periferias urbanas, mútua-ajuda etc.)” (WARREN, 1993, p. 18).
É necessário esclarecer que as redes são espaços por onde circulam informações sobre
os objetivos comuns aos sujeitos partícipes. Dessa forma, as redes são lugares de construção
coletiva e requerem desempenho e qualificação de todos.
2.2.2 Movimentos sociais urbanos (re) discutindo a cidade
Ao observar a cidade brasileira, sua estrutura e tecido urbano, podem ser visualizados
dados espaços que foram providos com políticas urbanas essenciais a seus moradores,
evidenciando que estas políticas beneficiaram e beneficiam em especial um determinado
grupo social, em detrimento de um grande contingente da população mais carente. Isto porque
a implantação de bens e serviços urbanos na cidade é fruto de uma relação complexa que
envolve interesses dos diferentes atores sociais.
A cidade é, pois, uma arena de conflitos onde cada agente ou grupo reivindica e
demanda políticas que lhes beneficiem. Esses conflitos de interesses entre os agentes sociais
vão dando formas, sentidos e traços à cidade em uma velocidade sem precedentes; ou seja, é
43
cada vez mais complexo planejar e gerir a cidade de uma forma que beneficie os citadinos em
geral.
As contradições existentes no espaço urbano impelem a constituição de sujeitos
coletivos bem como sua mobilização em prol de melhores condições de vida no meio urbano.
Desta forma, surgem os movimentos sociais urbanos que, para Gohn (1991, p. 34), são
aqueles que devem
ser qualificados por conterem uma problemática urbana, que tem a ver com o uso, a
distribuição e a apropriação do espaço urbano. Portanto, são movimentos sociais
urbanos as manifestações que dizem respeito à habitação, ao uso do solo, aos
serviços e equipamentos coletivos de consumo.
Para a autora Bandeira (1991, p. 33), estes movimentos são:
Processos de organização e contestação efetivados por moradores que agregam um
conjunto amplo de lutas sociais, cujo objetivo básico é a posse mediata e imediata de
bens de consumo individual e coletivo, compatíveis com a inserção no habitat
urbano e com os padrões culturais e coletivos de reprodução da força de trabalho.
Logo, é no espaço urbano onde se defrontam interesses diversos, que emergem as lutas
dos movimentos sociais urbanos pelo acesso a direitos, infra-estrutura, condições de
habitabilidade e por melhores condições de vida. No temário político dos movimentos sociais
urbanos podemos incluir ainda:
valores como a participação social e a vida comunitária, a crítica à especulação
imobiliária e ao direcionamento socialmente seletivo dos investimentos públicos,
assim como, a crítica à queda da qualidade de vida nas cidades (RIBEIRO, 1990, p.
95).
Para o autor Vigevani (1989, p. 134), os movimentos sociais urbanos que ressurgem
no final da década de 70 do século XX possuíam a característica da reivindicação frente a
alguém, sobretudo ao Estado, em seus diferentes segmentos e agências. E essa ação
reivindicativa certamente contribuiu
para o crescimento de identidades destes atores, vista sua possibilidade de
delimitação e diferenciação, mas teve como conseqüência também a canalização da
energia, da mobilização e da militância para o objetivo de pressionar o Estado.
As mudanças políticas, econômicas e sociais emergentes no final da década de 1980 e
início da década de 1990, como as alterações no mundo do trabalho, resultado da
globalização, a implantação das idéias neoliberais que defendem a minimização dos
investimentos do Estado no setor social, intensificaram o desemprego, a pobreza urbana e
uma maior fragmentação do tecido social. Um quadro que agravou, ainda mais, as condições
de vida dos citadinos em todo o País.
44
Essa conjuntura dos anos 1990 impôs aos movimentos sociais urbanos uma revisão de
suas práticas e uma reorientação em suas formas de elaboração de propostas, em prol de
sorver suas demandas. Neste intuito, buscou uma maior interlocução com o Estado.
Ainda nesta década, grande parte dos movimentos sociais urbanos diminuiu as formas
de protestos nas ruas, buscando outras formas de mobilização baseadas na elaboração de
propostas, participação efetiva em conselhos, fóruns e projetos. Essas mudanças se devem às
alterações em seus projetos político-policlassista por
um novo projeto político dos movimentos populares, que vai estar contemplando
outras questões além de demandas específicas do campo das carências
socioeconômicas, indo das questões do modelo de desenvolvimento do país às
questões do meio ambiente e do desenvolvimento humano (GOHN, 2003, p. 25).
Os movimentos sociais urbanos permanecem e vêm ganhando novas formas,
características e significados, uma vez que assumem posições mais ativas e propositivas e
estão buscando integrar-se em redes com outros atores sociais, o que fortalece ainda mais suas
propostas. Podemos ressaltar a busca destes movimentos por uma intensa relação com o
Estado, com o intento de participar na elaboração e efetivação de políticas públicas, o que tem
proporcionado aos militantes ativos um maior aprendizado no que se refere à política estatal.
Uma outra preocupação dos movimentos sociais tem sido a busca por uma melhor
qualificação de seus partícipes a partir de cursos de capacitação. O objetivo destas
capacitações é preparar seus componentes para as diversas atividades do movimento. Esta
preocupação é importante posto que a participação consciente e crítica destes integrantes nas
reuniões, debates, fóruns e demais atividades requer certas habilidades e conhecimentos dos
temas debatidos e da realidade em questão.
Vários movimentos sociais urbanos emergiram ou ressurgiram com novas feições nos
últimos anos com temáticas e lutas diversificadas. Sob este aspecto, Gohn (2003, p. 31) faz
referência a alguns dos eixos temáticos destes movimentos, a saber: movimento por
transportes com destaque aos de trabalho alternativo; movimentos pelas creches que vêm
sendo recriados em vários Estados do País; as associações de moradores e amigos do bairro;
aqueles que lutam por condições de habitabilidade na cidade; a questão da violência urbana; o
acesso à terra urbana, em torno de estruturas institucionais de participação na estrutura
político-administrativa e o acesso a equipamentos e serviços coletivos.
Dentre os movimentos sociais urbanos, enfatiza-se nesta pesquisa a luta pela moradia
em condições de habitabilidade. Suas mobilizações foram responsáveis por conquistas
valorosas como a inclusão de um capítulo de Política Urbana na Constituição de 1988, sendo
45
que, pela primeira vez em nosso País, é reconhecida a questão urbana como de interesse
nacional.
Dentro destes movimentos sociais urbanos, que lutam por moradia, existem diferentes
formas de mobilização e direcionamentos das ações. Há aqueles que detiveram sua atenção na
busca de uma institucionalização mais intensa, que atuem a partir de assessorias; outros visam
participar de projetos de autogestão, dentre os quais podemos citar os de urbanização de
favelas; aqueles que defendem e realizam ocupações de terras e órgão públicos; uma outra
categoria é a desenvolvida pelos moradores de ruas.
Os movimentos populares de luta por moradia caracterizam-se no fim da década de
1980 e na década de 1990 também por sua consolidação em redes nacionais, que se
mobilizavam no intuito de obter maior participação nas instâncias de elaboração e efetivação
de políticas públicas. Estes se organizaram em agregações nacionais como a União Nacional
de Movimentos de Moradia (UNMM), o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLN),
a Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM) e a União Nacional por
Moradia Popular (UNMP).
Os movimentos de luta por moradia juntamente com as Organizações Não-
Governamentais (ONGs) e outros movimentos sociais urbanos que buscam a democratização
da gestão e planejamento do espaço urbano vêm somando forças em prol da Reforma Urbana.
Essa coalizão deu formas ao “Movimento Nacional pela Reforma Urbana” que ficou
conhecido como “Fórum Nacional de Reforma Urbana” que renasce enquanto ideário e surge
enquanto movimento na década de 1980 no processo de redemocratização do País.
O propósito dessa coalizão neste período era “construir uma proposta de lei a ser
incorporada na Constituição, tornando-se parâmetro para a intervenção do poder público no
espaço urbano na direção de alterar o perfil das cidades brasileiras, marcado por
desigualdades sociais de várias ordens” (SILVA, 2002, p. 145).
Segundo Souza (2000) a reforma urbana na sua essência esta fundada sobre um tripé
que consiste em:
combater a especulação imobiliária (isso parece um objetivo especifico, ele tem um
alcance muito grande, uma importância muito grande nas cidades); contribuir,
mediante um redirecionamento dos investimentos públicos, para uma redução
significativa das disparidades sócio-espaciais no interior das cidades, em termos de
infra-estrutura técnica e social, e dessa maneira, contribuir para reduzir a própria
segregação residencial; e um terceiro elemento, que na verdade dá sentido a todo o
resto, que é a democratização, o mais radical possível, do planejamento e da gestão,
quer dizer, tirar o planejamento e a gestão do seu pedestal e efetivamente torná-lo
mais transparente e efetivamente abertos à possibilidade de controle por parte de
toda a sociedade (SOUZA, 2000, p.29).
46
Os resultados desta mobilização na década de 1980 foi a incorporação de parte da
emenda proposta pelo movimento na Assembléia Constituinte na Constituição de 1988. Pela
primeira vez na história brasileira, estava presente na Constituição um capítulo
específico destinado a tratar da Política Urbana que trazia como novidade a
orientação para que as cidades cumprissem sua função social e promovesse o bem-
estar de seus habitantes, numa referência à necessidade de diminuir as desigualdades
presentes no espaço urbano. Além disso, a Constituição também admitiu a
necessidade da criação de mecanismos de participação da sociedade na gestão da
cidade e a abertura para que os cidadãos participassem da elaboração das Leis
Orgânicas Municipais e das Constituições Estaduais (SOUZA, 2000, p. 147).
Diante destas conquistas o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) durante a
década de 1990 buscou a maior adesão dos movimentos a partir de seminários, oficinas,
palestras, debates, pois nestes espaços era possível a troca de informações e experiências, para
colocar em prática as idéias da reforma urbana, bem como pressionar o Congresso Nacional a
viabilizar a regulamentação do artigo da Política Urbana presente na Constituição de 1988.
Essa mobilização foi primordial para que o Estatuto da Cidade, projeto de lei que
regulamenta o capítulo da Política Urbana e que tramitava no Congresso desde 1990, fosse
aprovado em 2001 como Lei 10.257/10. Este projeto é também uma conquista, já que aborda
questões essenciais para um melhor planejamento e uso do espaço urbano como: a questão
fundiária; impacto de vizinhança; função social da propriedade e direito à cidade.
É valido ressaltar que muito do que faz parte do Estatuto da Cidade ainda não ganhou
a devida materialidade no espaço urbano de um número considerável de cidades. Um exemplo
da não aplicabilidade da lei é a não elaboração dos planos diretores, tendo em vista que
muitos dos municípios que têm a obrigatoriedade de realizá-lo ainda não o fizeram, e os que
realizaram os referidos planos não o elaboraram conforme os critérios de participação. Assim,
faz-se necessário que os movimentos sociais urbanos continuem suas mobilizações,
realizando seminários, fóruns, para que esta lei não deixe de ser implementada nos
municípios.
Esse repensar de ações deu novas formas e significados aos movimentos sociais
urbanos. A verdade é que não houve dissolução nem desaparecimento dos movimentos, o que
ocorreu foi um remodelamento no que diz respeito as suas feições e características com
objetivos específicos, enfoques e anseios. O que há de novo nestes movimentos é seu intuito
de buscar interlocução com outras ações coletivas, Organizações Não-Governamentais
(ONGs) e com o Estado, no desejo de participar da gestão pública e na construção de uma
sociedade mais democrática, onde seus cidadãos sejam partícipes críticos e conscientes.
47
Desta forma, os movimentos sociais podem ser caracterizados nessa nova conjuntura
política, econômica e social como mais ativos e propositivos, preocupados em elaborar e
participar das políticas públicas em parceria com Estado e demais ações coletivas,
preocupados com a qualificação de seus representantes e atuando em redes. Tendo como
propósito contribuir com a gestão democrática da cidade.
2.3 GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE: UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO
As cidades brasileiras são fortemente marcadas pela segregação socioespacial,
poluição, congestionamentos, violência, aglomerados de pobreza e falta de infra-estrutura
básica aos seus citadinos. Tal realidade apresenta-se como um dos maiores desafios do final
do século XX e início do século XXI. Esse quadro não é novo, apenas ganhou novas formas e
dimensões, devido, entre outros fatores, à ausência de um planejamento e uma gestão mais
democrática do espaço urbano.
Assinale-se que as disparidades existentes nos núcleos urbanos têm despertado as
atenções
de órgãos governamentais, agências financiadoras, entidades da sociedade civil e
especialistas de diversas áreas de conhecimento. Tem estimulado importantes
articulações para uma gestão democrática das cidades, um planejamento urbano
ético, o direito à cidadania, ou seja, condições de vida urbana digna para todos os
cidadãos (FERREIRA; SIVIERO, 1996, p. 62).
Este cenário de desigualdades e problemas urbanos existentes no cotidiano das cidades
brasileiras urge por uma gestão participativa que possa garantir uma cidade mais democrática.
Uma gestão democrática cuja meta seja a reversão do quadro de segregação social, espacial e
econômica, a partir da reorientação das políticas urbanas onde os citadinos possam ser
partícipes de forma propositiva. Para a consolidação desta gestão, é necessária a interação dos
atores sociais, no caso, o poder público, industriais, proprietários imobiliários, Organizações
Não-governamentais, movimentos sociais entre outros.
Assim, para reverter ou atenuar os problemas existentes nas cidades brasileiras são
necessárias novas formas de gestão das políticas urbanas, cuja exigência seja “a participação
do governo local conjugada a iniciativas de grupos sociais, que contribuam com suas
propostas e sua intervenção para a elaboração e o controle da sua execução” (RAMOS;
BARBOSA, 2002, p. 115).
Na próxima seção deste trabalho, serão abordadas certas questões que se encontram
ofuscadas na relação do Estado e a sociedade civil; ou seja, sobre os obstáculos à gestão
48
democrática da cidade. Tradicionalmente essa gestão tem sido caracterizada pelo clientelismo,
o patrimonialismos e a troca de favores, constituindo uma forma de gestão tradicional.
2.3.1 Dilemas e entraves à gestão democrática da cidade
Conforme tratado anteriormente, nesta pesquisa, acerca da nova conjuntura dos anos
de 1990 e do inicio do século XXI, bem como sobre os inúmeros problemas urbanos que
afligem grande parte dos citadinos, faz-se necessário, nos itens que se seguem, versar sobre
novos modelos de gestão dos espaços urbanos, além de refletir se as propostas defendidas na
Constituição de 1988 ficaram ou não apenas no discurso.
A realidade das cidades brasileiras mostra que a Constituição vigente garante a
participação popular nas políticas urbanas, projetos e planos diretores, mas é importante
ressaltar que fatores outros limitam a sua consolidação. Estamos, pois, diante de um
descompasso entre
a redefinição de um direito público consolidado na Constituição do País que dá
forma à nova república (conjunto de leis que regulam a pluralidade de interesses
diversificados das distintas classes) e a expropriação e desregulação das formas
históricas pelas quais os atores públicos e as classes populares produziram a
distribuição de bens e serviços coletivos de reprodução, agora vivenciados como
dessocialização na forma do desemprego, expansão da informalidade; aumento da
pobreza, da vulnerabilidade social e da violência urbana, perda de Direitos
individuais e coletivos (IVO, 2001).
O que vem ocorrendo é uma discrepância entre necessidade da participação, inclusão
social e gestão democrática, tão difundidas em leis, planos diretores e nas publicações
científicas, e a materialidade destes na gestão pública bem como em melhorias nas condições
de vida dos citadinos. Muito do que foi propagado como participativo e democrático em
programas de governo, projetos e políticas públicas ficaram limitados aos discursos, ou seja,
não ganharam a devida concretude.
A inserção da participação popular na gestão da cidade é um processo em construção,
que requer o rompimento com certas práticas, como o clientelismo, o patrimonialismo, a
cooptação social, formas tradicionais de gestão pública e ausência de transparência e
informação referentes aos municípios.
É importante elucidar, antes de dar prosseguimento, o que se está considerando nessa
pesquisa como gestão pública tradicional e gestão pública participativa. Utiliza-se como
aporte o Quadro 1 – Modelo de gestão pública de Silva (2002 apud OLIVEIRA, 2003).
49
Gestão Pública Tradicional Gestão Pública Participativa
Base decisória:
Tecnocrática.
Discurso de participação.
Centralização.
Base decisória:
Técnicos/sociedade.
Práticas de participação.
Descentralização.
Definição de prioridades:
Centralizada pela burocracia.
Baseada nas prerrogativas do
Executivo.
Definição de prioridades:
Descentralizada com a participação
da sociedade.
Inversão de prioridades.
Conflitos de interesses:
Barganhas e conchavos.
Predomínio dos interesses
privados.
Conflitos de interesses:
Negociações e convergências de
interesses setoriais e sociais.
Predomínio dos interesses coletivos.
Utilização dos recursos públicos:
Falta de transparência.
Patrimonialismo.
Ausência de critérios.
Utilização dos recursos públicos:
Transparência.
Otimização.
Definição de critérios.
Base de sustentação:
Cidadania igual a voto.
Relações privadas e clientelismo.
Manutenção do status quo.
Burocracia
Base de sustentação:
A cidadania é construída e o voto é
um elemento da cidadania.
Redes sociais e participação direta.
Políticas estruturadoras.
Transformação econômica, política
e cultural.
Quadro 1 – Modelo da gestão pública.
Fonte: Silva, 2002 apud Oliveira, 2003, [p. 110].
Para que a gestão democrática, ou seja, a gestão pública participativa da cidade ganhe
materialidade, é necessário que seus agentes repensem suas práticas, que sejam criados
mecanismos de interlocução que possibilitem a troca de idéias, interesses e mediação de
conflitos, e, sobretudo, o rompimento com práticas tradicionais de gestão.
A idéia de gestão democrática da cidade que se defende nesta pesquisa é a da
administração da cidade, que vai além de intervenções no ambiente construído, e que se
define
por um conjunto múltiplo de ação coletiva entre agentes, instituições, na qual o
governo é uma das peças do jogo de poder, já que lhe cabe liderar o processo, mas
também partilhar, delegar e interagir. Assim Prefeitura, associação de empresários,
sindicatos, ONGs e muitas outras organizações inter-relacionam-se, conflitam-se
constroem espaços de negociações e desempenham papéis (VITTE, 2003, p. 233).
50
Assim, deve-se refletir sobre os obstáculos que impedem de se colocar em prática a
gestão e o planejamento democrático da cidade.
Vivenciando a cidade contraditória e repleta de problemas, os citadinos vêm
discutindo e questionando sobre os problemas da cidade, buscando reverter esse quadro de
iniqüidades,
aglutinando-se em torno de suas carências e da defesa de seus direitos. Num
processo de reivindicação, expressão e luta, estes constroem suas identidades e
autonomia com uma nova maneira de encarar o Estado e de agir coletivamente,
expressando aspirações e necessidade. Passam a constituir-si, então, novos atores
sociais e políticos, que não só lutam por políticas públicas que os atendam, mas por
serem reconhecidos como sujeitos, na construção e efetivação de direitos e de uma
cultura política de respeito às liberdades, à equidade social, à transparência das
ações do Estado (TEIXEIRA, 2002, p. 24).
A sociedade coloca em questão os problemas urbanos e não limita suas lutas às
reivindicações pela implantação de serviços ou equipamentos urbanos somente, mas também
por sua inserção na elaboração, efetivação, bem como na avaliação dos projetos e programas a
serem realizados na cidade. Temos, assim, a formação de novas
ações coletivas, como as ambientalistas e as de capacitação e qualificação de
militantes. Formulam-se políticas públicas, participa-se de Conselhos Municipais,
tenta-se controlar a aplicação de recursos públicos e interferir na elaboração de
orçamentos, fazendo-se visível um novo tipo de ação coletiva – a ação cidadã
(TEIXEIRA, 2002, p. 25).
Para a consolidação de uma gestão democrática da cidade é essencial que ocorra uma
participação cidadã neste processo, segundo Teixeira (2002, p. 33), essa participação consiste
em um
processo social em construção hoje, com demandas especificas de grupos sociais,
expressas e debatidas nos espaços públicos e não reivindicadas nos gabinetes do
poder, articulando-se com reivindicações coletivas e gerais, combinando o uso de
mecanismos institucionais com sociais, inventando no cotidiano das lutas, e
superando a já clássica dicotomia entre representação e participação.
Esta dicotomia entre a representação e a participação, para que seja superada, torna-se
necessário compreender que a participação é uma conquista. Para Demo (1999, p.113), essa
compreensão da participação enquanto conquista perpassa alguns conceitos fundamentais, a
saber:
o de processo, denotando que se trata de fenômenos historicamente dinâmicos e
marcado pela profundidade qualitativa no espaço e no tempo; o de conquista e
construção, significando que não pode ser obra de terceiros, mas dos reais interesses;
o de organização, indicando que um dos significados principais de sua competência
está na cidadania coletiva bem armada; e finalmente, o de emancipação social,
estabelecendo a centralidade do sujeito social, no espaço histórico-estrutural das
desigualdades sociais.
51
No entanto, a materialidade dessa participação vem encontrando obstáculos em seu
caminho. A proposta da participação requer a revisão de certos valores, divisão de poder;
distribuição eqüitativa de decisões, recursos e informações, por isso é um projeto que encontra
defensores e opositores. Quanto à aceitação da participação popular, Souza (2005) coloca que
existem
os “adversários”, como o nome indica, se opõem à participação popular direta, que
consideram uma usurpação em face da legitimidade dos mandatos dos
representantes eleitos para o Executivo e o Legislativo, além de a terem na conta de
uma fonte de ineficiência e distorções; os “aperfeiçoadores” saúdam a participação
popular como uma forma de aprimorar e complementar a democracia representativa;
os “subversores” (que possuem matizes variados, indo de marxistas a democratas
radicais) possuem uma visão muito mais exigente e ambiciosa, como opositores que
são do binômio capitalismo + democracia representativa, das tarefas e do alcance da
participação popular, que tende a ser encarada como uma forma de se organizar a
sociedade, visando à preparação para conquistas e lutas futuras; por fim, os
“oportunistas” defendem a participação mais por conveniência que por convicção,
nos marcos do populismo e de cálculos político-eleitorais.
Conforme se pode constatar, a participação popular na gestão democrática das
políticas é um processo ainda em construção, cuja análise necessita de cautela, pois existem
diferentes maneiras de utilizar-se da idéia da participação, sendo que alguns a propõem como
saída para a superação da exclusão de direitos e melhor gestão de políticas, outros a utilizam
apenas no discurso para obter outros fins.
É valido ressaltar que se tem utilizado a idéia de políticas ou programas participativos
com duas formas distintas, a saber:
‘participação restrita ou instrumental’, caracteriza-se pelo envolvimento da
comunidade diretamente beneficiada em um projeto específico, ou em um programa
de âmbito local, através de fornecimento de mão-de-obra (voluntária ou sub-
remunerada) e em definições de micro prioridades e alocações de certos recursos e
equipamentos de consumo coletivo, diretamente concernente àquela iniciativa
governamental específica. O segundo tipo denominamos de ‘participação ampliada’
ou ‘neocorporativa’. Esse segundo modelo refere-se à capacidade dos grupos de
interesse de influenciar, direta ou indiretamente, as macro prioridades, diretrizes e a
formulação, reestruturação ou implementação de programas e políticas públicas
(BRASIL, 2005).
O termo participação é utilizado por vários grupos e, em muitos casos, de forma
estratégica para manipular votos, obter mais recursos e popularidade de seus integrantes para
com os demais membros da sociedade. Infelizmente, muitos programas e experiências
governamentais são rotulados de participativos, mas não passam de decisões impostas pelo
Poder Público, como modelos prontos aplicáveis em qualquer localidade. Em um número
elevado de experiências
o simples fato de se procurar parcerias com setores organizados da sociedade civil
basta para que reivindiquem o rótulo de gestão participativa, independente do modo
52
como se dá o envolvimento dos sujeitos participantes, ou da forma pela qual foram
incluídos no processo decisório (BRASIL, 2005).
Para que a participação ocorra de forma efetiva e consciente, é necessário que as
pessoas sejam “dotadas de autonomia moral, sem o que não são possíveis nem as deliberações
nem as escolhas conscientes e responsáveis. Por sua vez, essa autonomia moral demanda um
grau razoável de independência e segurança econômica” (RIBEIRO, 2002, p. 45). Negado do
acesso ao trabalho, de condições dignas de moradia e de serviços públicos essenciais, o
citadino encontra-se limitado de autonomia moral e, conseqüentemente, de uma participação
mais efetiva.
Na concepção de Pessanha; Figueiredo (2005), existem outros entraves à consolidação
da participação na gestão da cidade. São eles:
(a) falta de preparo - capacidade técnica e política - dos movimentos sociais para
ocupar esses espaços; (b) as assimetrias de saber, de acesso ao poder e as
informações entre os conselheiros da sociedade civil e os do governo; (c) a
capacidade dos governos de esvaziar os conselhos, tomando decisões “por fora”,
desmobilizando-os, retirando-se deste espaço, indicando funcionários pouco
representativos de grande rotatividade e pouca capacidade de tomar decisões; (d) a
fragilidade da mobilização social; (e) a grande proliferação de conselhos, a já citada
“febre conselhista”, absorvendo grande número de lideranças e segmentando a
participação societal, setorizando o encaminhamento de política.
Ocorre, pois, que em algumas políticas e projetos há um controle e manipulação da
participação popular, isso porque um conjunto de fatores – como, por exemplo, interesses
individualistas, falta de informação, concentração de poderes e decisões – vem limitando a
gestão mais democrática da cidade. No entanto é possível que experiências positivas possam
ser alcançadas mesmo no interior de uma ordem social heterônoma, deste que uma
constelação de forças favoráveis se instale, permitindo oferecer uma margem de
manobra- que não é enorme, mas que também não é inexistente – para intervenções
construtivas na escala local, e isso para você promover não só avanços materiais,
mas aquilo que, eu sempre insisto, por que para mim sem isso a coisa fica muito
descontextualizada, avanços político-pedagógicos que ajudem a preparar um terreno
para as coisas mais ambiciosas no longo prazo (SOUZA, 2000, p. 25).
Diante do que foi colocado é pertinente refletir sobre possíveis caminhos a serem
construídos pelos diferentes atores sociais, como integrantes de movimentos sociais, poder
público, detentores do meio de produção e demais citadinos, para chegar-se ao projeto de
gestão democrática da cidade, mesmo diante de uma estrutura econômica, política e social
injusta e desigual.
53
2.3.2 Trilhas para a gestão democrática da cidade
As trilhas a serem seguidas para obter-se a gestão democrática da cidade de forma
participativa são tortuosas e requerem atenção e cautela. A verdade é que não há um caminho
pronto, como um modelo com etapas definidas e acabadas, pois dependem de atores com
interesses, valores e objetivos divergentes, bem como da estrutura, recursos econômicos e
informações que se encontram, em sua maioria, concentrados nas mãos de um pequeno grupo.
Fazem-se necessárias mais que metodologias, critérios e técnicas para que a gestão
democrática da cidade ocorra. Outros fatores devem ser levados em consideração, tais como:
a cultura política local (e regional) e sua formação histórica, a constelação de forças,
o nível de organização da sociedade civil etc. enfim, fatores que não podem ser
alterados ou influenciados facilmente ou por atos volitivos de algum governante, de
uma hora para outra, mediante alguma “reengenharia social”(SOUZA, 2005).
Isso porque cada município possui sua realidade social, econômica, espacial e política,
com suas demandas, estrutura administrativa, seus atores e coalizões.
Algumas experiências, propostas e projetos já pesquisados por outros autores mostram
que a gestão democrática da cidade é um projeto em construção. Um exemplo disto são as
ações dos movimentos sociais e outras organizações que vêm desenvolvendo atividades
educativas voltadas para aperfeiçoar suas práticas a partir da
formação de caráter organizativo, seja direcionada para o movimento sindical, seja
para os movimentos populares e sociais. A atividade dos movimentos em pauta
exige uma formação específica das lideranças e das entidades, não apenas em termos
de conteúdo, como de elaboração de estratégias para uma interlocução eficaz com os
agentes políticos, sobretudo quando se trata de questões orçamentárias (TEIXEIRA,
2002, p. 171).
Assim, deve ser priorizada a capacitação de integrantes de conselhos, das associações
e Organizações Não-Governamentais, de modo que esses integrantes possam estar preparados
para participar de forma consciente nos espaços públicos, congressos e fóruns, ambientes
propícios para troca de informações e experiências. Atividades como estas preparam os
citadinos para que estes possam realizar uma participação mais crítica e consciente, sendo
capazes não apenas de acompanhar, escolher, votar, mas também de propor, elaborar e avaliar
políticas voltadas para sua cidade. A preocupação central dessas atividades de
aperfeiçoamento é capacitar os citadinos para serem atores propositivos da sua realidade.
Poderíamos citar outras experiências sociais relevantes que ocorreram e ocorrem nas
cidades brasileiras, como, por exemplo, os Orçamentos Participativos, os planos diretores
participativos, urbanização de favelas, projetos de revitalização, Conselhos, conferências,
54
programas de regularização fundiária e criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS),
segundo o Estatuto da Cidade. Podemos acrescentar, ainda, a realização de debates e
audiências públicas para discutir temas específicos. Para uma melhor análise dessas
experiências, recomendam-se estudos de casos, pois cada uma possui formatos e
características diversas.
Mas os resultados de tais experiências só serão positivos caso seja construído um
espaço público
onde as classes populares formulam, na prática, a construção de seus interesses e
constroem suas iniciativas, interagindo com os espaços institucionais do Estado. A
sua eficácia depende da formação de atores sociais fortes, organizados, com
capacidade de formulação de políticas, controle dos dispositivos institucionais. Por
outro lado, esta formulação não pode estar dissociada da capacidade que têm estes
atores de transformarem os dispositivos institucionais em instrumentos de Direitos
sociais e coletivos (IVO, 2001).
Por sua vez, para que o espaço público possa estar condizente com o propósito de
gestão participativa, devem ser remodeladas as ações dos agentes interlocutores deste espaço,
bem como a estrutura organizacional do governo. Entre tais mudanças Pessanha; Figueiredo
(2005) ressaltam:
(a) a transparência, o acesso às informações dos trâmites estatais e do que se passa
no governo; (b) a publicização da política, a construção da noção de interesse
público; (c) a capacitação técnica - para a formulação e análise das políticas públicas
- e política - para melhor avaliar os interesses envolvidos e para realizar as alianças
eventuais ou estratégicas necessárias para a negociação de prioridades e decisões -
das lideranças sociais; (d) a capacidade dos conselhos de incorporar os movimentos
organizados, fortalecendo o tecido social autônomo.
As cidades são cada vez mais complexas e estão em permanente mutação. Os seus
problemas são cada vez maiores: violência, inundações, crescimento do número de favelas,
adensamento em cortiços, congestionamento, desemprego, poluição, entre outros que se
fazem presentes em nosso cotidiano. Estas mazelas sociais urgem por políticas públicas e
novas formas de geri-las. Meta que, para ganhar materialidade, requer
criação de mecanismos participativos simplificados e muito mais direitos dos atores-
chave das cidades: empresários, sindicatos, Organizações Não-Governamentais,
instituições cientificas e de informação e outros. Passa também pela criação de
mecanismos de comunicação mais ágeis com a população, porque uma sociedade
tem que estar bem informada para poder participar. Passa pela flexibilização dos
mecanismos financeiros, com menos regras, e mais controle direto de comitês e
conselhos da comunidade interessadas. Passa pela ampliação do espaço de interesse
da Prefeitura, que deverá ultrapassar as preocupações com a cosmética urbana para
se tornar o catalizador das forças econômicas e sociais da região. Passa, finalmente,
pela organização de redes horizontais de coordenação e cooperação entre
municípios, tanto no plano geral quanto, sobretudo, em torno de programas setoriais
(FERREIRA; SIVIERO, 1996, p. 69).
55
Ampliar a participação na gestão das cidades brasileiras é um árduo desafio, isto
porque estes espaços encontram-se cada vez mais complexos e dinâmicos. Alcançaram-se
conquistas importantes no que diz respeito aos marcos jurídicos e institucionais, mas muitos
destes não saíram do discurso nem ganharam concretude. Permanecem as disparidades no
acesso a serviços e condições de habitabilidade, cooptação, corrupção, desemprego,
participação com baixa consistência e políticas paliativas. O descompasso entre o discurso da
gestão democrática da cidade e sua materialidade é ainda muito evidente.
Algumas experiências relatadas anteriormente, tais como: capacitação política dos
movimentos, planos diretores, orçamento popular, entre outras, sinalizam que uma gestão da
cidade mais eqüitativa é possível, desde que esses municípios sejam capazes de eliminar
certos obstáculos.
A verdade é que não se têm trilhas prontas e bem definidas rumo à gestão participativa
da cidade, pois elas estão em permanente construção. Para construí-las, cada município deve,
de acordo com sua realidade social, econômica, política e espacial, buscar negociações e
diálogos entre seus atores, compartilhando interesses, recursos, informações e poder em prol
da cidade que se almeja habitar.
Na Parte 3 deste trabalho, será discutida a questão urbana e o direito ao habitar no
espaço teresinense, buscando verificar a existência de obstáculos e dilemas na relação do
Poder Público de Teresina e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, para a provisão
de condições de habitabilidade. Além disso, procurou-se compreender se este processo de
provisão ocorreu de forma participativa, no qual os dois agentes em análise discutiram,
dialogaram e deliberaram sobre melhores condições de vida para os moradores da Vila Wall
Ferraz.
56
2 A QUESTÃO URBANA E O DIREITO AO HABITAR EM TERESINA
(PI): LUTAS, CONFLITOS E DIÁLOGOS
A moradia é um cálculo complicado de
considerações ambíguas. Como a frase famosa
do arquiteto anarquista John Turner, ‘Moradia é
um verbo’. Os pobres urbanos têm de resolver
uma questão complexa ao tentar otimizar o custo
habitacional, a garantia da posse, a qualidade
do abrigo, a distância do trabalho e, por vezes, a
própria segurança.
Davis
3.1 AS CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE NAS OCUPAÇÕES INFORMAIS: A LUTA
PELO DIREITO AO HABITAR
A má gestão e planejamento dos recursos públicos e das políticas públicas, o modelo
de desenvolvimento adotado e as disparidades econômicas e sociais da sociedade brasileira
geraram uma série de problemas urbanos que afligem grande parte dos citadinos,
principalmente os menos favorecidos economicamente. Tem-se, pois, um quadro de
iniqüidades e disparidades no interior das cidades brasileiras, marcadas pela violência urbana,
pelo crescente número de favelas, pelo forte adensamento populacional, pela falta de
saneamento básico e infra-estrutura à maioria dos citadinos; por um alto índice de desemprego
e por um aumento de indivíduos trabalhando no setor informal da economia. Fato
preocupante, pois o referido setor não garante direitos trabalhistas nem seguridade social
satisfatória ao indivíduo e a sua família.
Uma destas problemáticas urbanas é o acesso à moradia, provida de condições de
habitabilidade. Para entender tal questão, torna-se essencial elucidar o que o mencionado
trabalho considera como sendo moradia. Neste contexto, concorda-se com as idéias de
Moraes (1994 apud VIANA, 1999, p. 8) ao considerar a moradia como algo
que transcende à necessidade de morar, como sendo a conquista pelo espaço urbano,
caracterizado socialmente por aquele no qual o cidadão deve e pode usufruir dos
bens coletivos básicos, representados, por, no mínimo, água tratada, luz elétrica,
esgoto, fossa sanitária e transporte, satisfazendo a necessidade e o desejo de abrigo
com alguma segurança.
Para compreender essa questão do como e onde morar com condições de
habitabilidade, precisa-se refletir sobre outras questões vinculadas à construção da moradia e
ao processo de provisão de serviços urbanos na cidade. A moradia é
57
uma mercadoria especial, possuindo valor de uso e valor de troca, o que faz dela
uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado. Seu caráter especial aparece na
medida em que depende de outra mercadoria especial – a terra urbana -, cuja
produção é lenta, artesanal e cara, excluindo parcela ponderável, senão a maior
parte, da população de seu acesso, atendendo apenas a uma pequena demanda
solvável (CORRÊA, 2002, p. 62).
Desta forma, o acesso à moradia está entrelaçado à questão da posse da terra urbana,
cada vez mais onerosa, devido à forte concentração de terras e a sua especulação imobiliária.
Estes têm sido os principais fatores responsáveis pela impossibilidade do acesso à moradia a
um número considerável de teresinenses que não possuem uma renda que satisfaça suas
necessidades básicas.
A ausência de renda ou sua insuficiência para prover as necessidades básicas da
família é um dos principais problemas que limita o acesso ao habitar, que é agravado pela
concentração e especulação de terras e imóveis urbanos. A maioria da sociedade brasileira
está à margem do mercado de produção de moradias, porque, por um lado, existe “uma
distribuição profundamente desigual da renda gerada na economia e, de outro lado, as
condições que regem a produção capitalista de moradias no Brasil, que impõem um elevado
preço ao direito de habitar na cidade” (RIBEIRO; PECHMAN, 1983 apud SOUZA, 2000, p.
43).
Diante dessa realidade, muitas famílias vêm buscando inúmeras formas de solver sua
demanda por moradia nas cidades brasileiras, sendo que, em geral, materializam suas
necessidades de morar em favelas, espaços caracterizados pela ausência de condições de
habitabilidade. Em seu livro “Planeta Favela”, Davis (2006, p. 41) apresenta o Quadro 2 –
Classificação das Favelas –, evidenciando as diferentes formas de moradia utilizadas em
diversos núcleos metropolitanos e nas cidades. Estas inúmeras formas de morar, registradas
no trabalho de Davis (2006), quer sejam elas informais quer sejam formais, nos núcleos
metropolitanos ou na periferia das cidades, evidencia a complexidade que envolve o mercado
urbano da terra, o acesso à moradia e às desigualdades socioespaciais.
Em face dessa realidade, uma questão nos instigou: a ausência de condições de
habitabilidade nas ocupações informais, em especial, a Vila Wall Ferraz, fruto de uma
ocupação na periferia de Teresina. Sendo assim, questiona-se: – Como se estabeleceu a
relação entre o Poder Público Municipal, responsável pelas políticas urbanas, e os moradores
dessa ocupação para provisão de condições de habitabilidade nessa localidade? Para refletir
tal questão, foi necessário compreender como surgem as ocupações informais e como estas se
58
consolidam ou vêm se consolidando; em outras palavras: – De que forma conquistam serviços
e infra-estrutura?
O acesso à moradia com condições de habitabilidade é bastante restrito a uma grande
parcela da sociedade brasileira, devido a seu elevado preço no mercado imobiliário. Somado a
esse fator têm-se restritas políticas habitacionais promovidas pelo Estado para os setores de
baixa renda nos últimos anos, além da forte concentração e especulação de terras urbanas,
acabando por encarecer ainda mais o seu valor e, conseqüentemente, o da moradia, para
aqueles que não estão no mercado de trabalho ou não possuem uma renda satisfatória.
Sem uma renda satisfatória, para suprir suas necessidades, muitas famílias não têm
acesso a terra e a moradia com condições de habitabilidade. Diante dessa situação e de sua
necessidade de habitar a cidade, muitas famílias ocupam terrenos de propriedade pública ou
privada para construírem suas moradias. Geralmente são áreas desprovidas de equipamentos e
infra-estrutura, próximas de mananciais, encostas, margens de avenidas, entre outras situações
que podem oferecer riscos às famílias, tais como inundações, desabamentos, doenças
causadas pela falta de saneamento etc. A iniciativa de ocupar terrenos aparece para essas
famílias como única saída para construir suas moradias.
A. Núcleo Metropolitano
1. Formal
(a) Cortiços
(a.1) casarões
(a.2) construídos para os pobres
(b) moradias públicas para aluguel
(c) pensões, hospedarias, abrigos etc.
2. Informal
(a) invasores
(a.1) com autorização
(a.2) sem autorização
(b) moradores de rua
B. Periferia
1. Formal
(a) aluguel particular
(b) moradias públicas para aluguel
2. Informal
(a) loteamentos clandestinos
(a.1) ocupado pelo proprietário
(a.2) sublocação
(b) invasores
(b.1) com autorização (inclusive lotes urbanizados)
(b.2) sem autorização
3. Campo de refugiados
Quadro 2 – Classificação das favelas.
Fonte: Davis, 2006, [p. 41].
59
Deste modo, têm-se as chamadas ocupações informais, caracterizadas pela ocupação
ilegal de terras públicas ou privadas e que infringem a legislação de construção e uso do solo
urbano do município. Estas ocupações podem acontecer de duas formas: a coletiva, onde
existe uma prévia organização dos ocupantes que formam um grupo, e de forma individual
que ocorre gradativamente (WERNA, 2001).
Esses espaços têm sido a alternativa para muitas famílias que não possuem renda, ou a
que possuem não é suficiente para garantir-lhes uma moradia provida de serviços. O quadro
de necessidades, ausência de políticas habitacionais mais eficazes, a concentração de terras
urbanas, o oneroso valor da moradia servida de infra-estrutura básica para uma considerável
parcela da sociedade são alguns dos fatores que levam muitas famílias a ocuparem terras
públicas ou privadas.
As ocupações informais, em sua maioria, ganham forma com residências de materiais
precários sem o devido padrão de ocupação e uso do solo, domicílios próximos uns dos
outros, o que inviabiliza reformas e possíveis melhorias habitacionais; ausência de serviços
públicos; residências localizadas em áreas de risco de desmoronamento, enchentes,
proliferação de doenças; dificuldades de acessibilidade, entre outros problemas. Como um
mosaico de características, esses espaços possuem heterogeneidades que requerem a
formulação de políticas urbanas que permitam aos agentes envolvidos a participação
propositiva, favorecendo, assim, a construção de condições dignas de habitabilidade nestas
localidades.
Este cenário heterogêneo e complexo revela que os moradores das vilas, favelas,
palafitas e demais terminologias utilizadas para denominar esses espaços provenientes de
ocupações informais em todo o País resolveram, em parte, seus problemas de acesso à
moradia enquanto espaço físico, mas lhes foi restrito o direito ao habitar. Isto porque muitas
dessas ocupações estão desprovidas de serviços e equipamentos sociais básicos para garantir
melhores condições de vida a seus moradores. Compreende-se o direito ao habitar não apenas
como acesso ao domicílio; neste sentido, esta análise buscou ir “além da unidade edificada em
si, compreendendo também as deficiências ambientais e de infra-estrutura da localidade e,
sobretudo, sua inserção no meio urbano” (SOUZA, 2000, p. 14).
Logo, ao abordar a questão de prover com condições dignas de habitabilidade as áreas
provenientes de ocupações informais, entende-se como sendo a eliminação dos riscos de
enchentes, desabamentos e de doenças, a garantia de acesso ao saneamento, iluminação
pública e infra-estrutura, a adequação da residência às dimensões da família, a garantia de
60
condições de acessibilidade, a regularização da propriedade do terreno e o acesso à unidade
sanitária no interior do domicílio.
No Brasil, o acesso à moradia com condições de habitabilidade é um dos problemas
urbanos de grande magnitude, para muitos brasileiros que não possuem uma renda suficiente
para adquirir a casa própria, devido a seu elevado valor no mercado formal, à ausência ou
insuficiência de renda em função do desemprego ou à instabilidade da renda, proveniente do
emprego informal, bem como à redução das políticas para construção de habitações
populares.
Em face dessa realidade, várias famílias dão inicio às ocupações informais. Conforme
se viu, são inúmeros os fatores, entretanto, a questão central do acesso à moradia está atrelada
“as limitações da demanda solvável, ou seja, na impossibilidade de os indivíduos poderem
pagar o preço de mercado da habitação” (RIBEIRO; PECHAMAN, 1983 apud SOUZA,
2000, p. 55).
Alguns indicadores podem auxiliar a dimensionar a questão dos limites ao acesso à
moradia de qualidade. A média brasileira, em 2000, do Índice de Pobreza foi de 0,606 e a do
Índice de Desigualdade 0,242, o que mostra um quadro preocupante, posto que o ideal deveria
ser que este índices fossem mais próximos de 1, que representa melhor condição social. São
as desigualdades sociais e a pobreza que reduzem as possibilidades de um grande número de
brasileiros ter acesso ao mercado de terra urbana formal (SOUZA, 2000, p.52).
15
Além dessas
médias, podem ser apresentadas, ainda, a do acesso ao emprego formal, sem este o indivíduo
tem limitado o acesso aos direitos trabalhistas que lhes proporcionam uma maior seguridade,
bem como uma renda estável que permita realizar financiamentos, pagar aluguel ou adquirir
uma moradia. No Brasil, a média do Índice de Emprego Formal foi de 0,525, em 2000, um
valor baixo se for considerado que o ideal deveria ser um valor mais próximo do número 1
(LIMA, 2003, p. 31).
No Estado do Piauí, essas médias são mais drásticas, seu índice de pobreza é de 0,045,
o seu índice de emprego formal é 0,067 e o índice de desigualdade é 0,019 em 2000. Esses
indicadores variam entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo do valor 1 são melhores as
condições sociais (LIMA, 2003, p. 31).
Diante de tal cenário, famílias ocupam terras de propriedade pública ou privada para
satisfazerem suas necessidades de moradia. Essas ocupações informais foram as alternativas
15
Foi considerado, nessa pesquisa, como mercado formal de terra aquele que possui documentação escriturada
da propriedade, que atua de acordo com a fiscalização da Prefeitura municipal e está condizente com as normas
urbanísticas de uso e ocupação do solo.
61
para a conquista da habitação nos centros urbanos para muitas famílias; no entanto, estas se
materializaram sem condições de habitabilidade. Na opinião de Souza (2000, p. 72), as
ocupações informais
conformaram-se fora dos padrões formais de habitação, portanto a revelia dos
códigos e normas urbanísticas, ao consolidarem-se, foram também excluídas da
possibilidade de crescer conforme parâmetros necessários às condições de
habitabilidade adequada. Situadas fora desses parâmetros e distantes dos limites da
cidade formal e dos benefícios nela contidos, caracterizam-se como amplos espaços
concentradores de pobreza e de exclusão urbanísticas.
Desta forma, resolveu-se o problema da falta de moradia para essas famílias de modo
precário, pois lhes foi limitado o acesso a certos equipamentos urbanos necessários para
garantir condições de habitabilidade. Assim, essas edificações requerem novas demandas
como a criação e “qualificação de seus espaços públicos, de infra-estrutura sanitária, de
melhorias individuais nas habitações e, sobretudo, na sua inclusão urbana” (Ibid., 2000, p.
72).
Em todo o País vem crescendo o número dessas ocupações informais, bem como vem
se ampliando o número de domicílios nas vilas e favelas sem que sejam realizadas políticas
públicas adequadas para melhorar as condições de vida dos moradores desses espaços
destituídos de serviços e infra-estrutura básica. No Censo Demográfico, realizado em 2000,
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil apresentou um número de
3.905 favelas, consideradas pelo instituto como sendo núcleos que apresentam mais de 50
unidades habitacionais que ocuparam terreno de propriedade pública ou particular, dispostas
de forma desordenada e bastante densa e carente de serviços públicos.
Esse crescimento domiciliar nas vilas e favelas brasileiras tornou-se evidente entre os
anos de 1991 e 2000,
enquanto a taxa de crescimento domiciliar foi de 2,8%, a de domicílios em favelas
foi de 4,18% ao ano. Entre 1991 e 1996, a quantidade de domicílios em favelas
cresceu 16,6%. Entre 1991 e 2000, 22,5%, totalizando 1.644.266 domicílios em
3.905 favelas (BRASIL, 2005).
Deve-se estar atento para os dados referentes a esta realidade devido às falhas
metodológicas para seu cálculo, o que ocorre em função das dificuldades para que se
obtenham informações referentes à titularidade das terras ocupadas. Essas limitações
metodológicas podem esconder números bem mais preocupantes.
Além do crescimento do número de favelas e de seus domicílios, merece a nossa
atenção o acesso às condições de habitabilidade desses núcleos. É bastante elevada a
quantidade de brasileiros que habitam as cidades e que não usufruem de condições de
62
habitabilidade. São cerca de “30% a 60% da população vivendo em assentamentos ilegais,
casas precárias ou cortiços, nos quais os níveis de infra-estrutura e de serviços estão entre
inadequados e inexistentes” (ARROSSI [199-?] apud WERNA, 2001, p. 28).
Esse cenário leva os institutos de pesquisa a reverem a questão do déficit habitacional,
acrescentando-lhes novos elementos de caráter mais qualitativos para dimensionar as
condições de habitabilidade dos domicílios brasileiros. A Fundação João Pinheiro (1995 apud
Souza, 2000, p. 56) utiliza as necessidades habitacionais como indicadores para dimensionar
as condições de habitabilidade dos domicílios. Para esta Fundação, deve ser feita uma
distinção do déficit quantitativo para o qualitativo, pois as políticas habitacionais devem se
preocupar também com as
necessidades de reposição de unidades precárias, de demanda demográfica e de
inadequação, incluindo ai carência de infra-estrutura, distingue déficit quantitativo
(novas unidades) do déficit qualitativo (melhoria habitacional), considerando-se
separadamente as habitações existentes que necessitam de melhorias na edificação e
na infra-estrutura (Id. ibid.).
Essa realidade de déficit habitacional quantitativo e qualitativo desperta, no caso do
presente estudo, a atenção para analisar o processo de provisão do direito ao habitar em
favelas destituídas de condições de habitabilidade, verificando até que ponto a relação
estabelecida entre o governo municipal e seus moradores pode favorecer esse processo.
Compreende-se o processo de provisão como o conjunto de ações, realizadas pelo poder local
e moradores, necessárias à produção de serviços e bens nas vilas e favelas, que possibilitem
melhorias nas condições de vida dos moradores.
Para compreender o processo de provisão do direito ao habitar nas ocupações
informais, necessário se faz estar atento para a conjuntura política, econômica e social do
município, bem como à relação estabelecida entre os sujeitos desse processo. Desde já, pode-
se dizer que a análise do processo de provisão das condições de habitabilidade nas favelas e
vilas resultantes das ocupações requer que sejam “examinados os papéis e as relações sociais
de todos os agentes envolvidos em cada um dos assentamentos, entre eles próprios e entre eles
e a estrutura externa, manifestada principalmente na forma da máquina estatal e suas regras e
leis” (WERNA, 2001, p. 51).
Nessa análise, da relação entre a Associação de Moradores e o Poder Público
Municipal para a provisão do direito ao habitar aos moradores da Vila Wall Ferraz,
considerou-se como agentes do processo de provisão os moradores da vila, associados e
lideranças da Associação de Moradores, além dos secretários e funcionários da Prefeitura,
63
responsáveis pela gestão e planejamento de serviços urbanos necessários à provisão de
condições de habitabilidade da vila.
Diante das adversidades existentes nessas ocupações, como a ausência ou os maus
serviços de abastecimento de água e energia elétrica, não pavimentação das ruas, a falta de
saneamento básico e condições de acessibilidade, os moradores mobilizam-se em associações
e demandas do Poder Público municipal a posse do terreno, bem como o provimento da área
com equipamentos urbanos. A inversão desse quadro de adversidades é um processo dinâmico
que envolve interesses, conflitos, aproximações e diálogos entre os sujeitos envolvidos, o que
depende de uma série de fatores econômicos, sociais e políticos.
Ao longo dos anos, esses assentamentos vão se consolidando a partir da provisão de
infra-estrutura na área; de melhorias nas unidades habitacionais, na medida em que seus
moradores ganham maior estabilidade financeira e quando o Poder Público garante serviços
públicos básicos. No entanto, esse não é um processo homogêneo em todas as favelas e vilas,
tampouco em todas as famílias dessas ocupações.
Quanto a esse processo de consolidação, ou seja, o acesso a serviços urbanos, a
regularização fundiária, as melhorias nas unidades habitacionais nas ocupações e sobre seus
agentes, Souza (2000, p. 57) afirma existir dois tipos de assentamentos provenientes das
ocupações informais: os dinâmicos, onde a ocupação foi realizada pelos próprios moradores,
caracterizados pela
forte coesão do grupo e a emergência de líderes políticos e as Organizações
Comunitárias de Base que induzem os investimentos em habitações e influenciam os
líderes políticos para ajudarem na efetivação de provisão de serviços e na
legalização das invasões. Os assentamentos estáticos, por outro lado, são
caracterizados pelos altos aluguéis, pela baixa coesão do grupo e a pouca
representação comunitária. O fato determinante, nesta situação, parece ser o
percentual dos ocupantes que são proprietários. Isso induz tanto os investimentos
pessoais quanto à coesão do grupo (Id. ibid.).
O fato de ter legalizado a propriedade do terreno, ou seja, o acesso ao registro legal do
terreno, garante às famílias maior estabilidade e segurança para realizar reformas em suas
habitações de acordo com suas condições, e viabiliza o financiamento público e privado para
a realização de benfeitorias em suas casas, pois grande parte das agências financiadoras de
créditos tem a posse da terra como critério de acessibilidade ao financiamento. A
regularização fundiária desencadeia uma maior coesão social para reivindicar melhores
condições de habitabilidade nas favelas e vilas.
Essa coesão social faz emergir um movimento de luta a partir da comunidade, que
mobiliza os moradores para reivindicarem por melhores condições de infra-estrutura e
64
participação na elaboração e implementações de programas junto ao Poder Público. Durante
todo esse processo, consolidam-se as Associações de Moradores que têm como propósito
gerenciar as demandas comuns, realizarem reuniões para discutir questões referentes à
comunidade, decidir sobre formas de mobilizações para adquirir abastecimento de água,
energia elétrica, transporte, serviços básicos, entre outros.
Pode-se afirmar que a consolidação das favelas e vilas depende do nível de renda dos
moradores, da situação econômica e política do município que influem na provisão dos
serviços urbanos, do grau de organização de seus moradores, do apoio de ONGs,
comunidades de base, dos partidos políticos entre outros atores e dos canais de mediação e
negociação com o Poder Público na busca da ampliação dos serviços que lhes garanta
condições de habitabilidade (WERNA, 2001, p. 57).
Diante de tais questões, procurou-se analisar a relação entre o Poder Público municipal
e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, para a provisão de condições de
habitabilidade para os moradores desta vila. Considera-se que essa relação deva ser
fundamentada, sobretudo, no diálogo, troca de idéias e informações, bem como na interação
de seus agentes, posto que o envolvimento dos moradores na provisão de seus próprios
serviços é importante, tendo em vista que estes possuem o
profundo conhecimento das características e das necessidades locais. Assim, mesmo
que um serviço seja provido por uma agência pública, firma privada ou ONG, a
consulta à comunidade e sua participação são recomendáveis. O envolvimento direto
da comunidade em parte da provisão de um determinado serviço, ou em toda ela, é
benéfico por garantir a oferta do mesmo, principalmente quando não existem outras
opções para seu provimento, seja de caráter público, privado, ou por meio das ONGs
(SOUZA, 2000, p. 39).
Portanto, no processo de provisão do direito ao habitar, os moradores destas
localidades devem participar não apenas de forma consultiva, mas propondo e deliberando
sobre as políticas a serem implementadas na sua rua, comunidade ou bairro.
3.2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS, O ESTADO E O ESPAÇO URBANO
TERESINENSE NO FINAL DA DÉCADA DE 1970 E 1980
O processo de urbanização de Teresina intensifica-se a partir de 1950; à época, a
capital piauiense possuía uma população urbana de 56,7%. Em 1970, esse percentual chega a
82,1%; em 1980, continua crescendo, alcançando a taxa de 89,7%; em 2000, esse percentual
chega a 94,7 (Tabela 1). Esse processo de urbanização está atrelado à intensificação do fluxo
65
migratório campo-cidade e cidade-cidade, fato que se deve às más condições de vida no
campo piauiense e nos pequenos municípios, que vem se perpetuando ao longo dos anos.
Tabela 1: Evolução da População de Teresina de 1972-2005.
POPULAÇÃO
URBANA
POPULAÇÃO
RURAL
ANO
POPULAÇÃO
TOTAL
ABS % ABS %
DENSIDADE
DEMOGRÁFICA
TAXA DE
URBANIZAÇÃO
1872 21.692 - - - - 11,99 -
1890 31.523 - - - - 17,43 -
1900 45.316 - - - - 25,05 -
1920 57.500 - - - - 31,79 -
1940 67.641 34.695 51,3 32.946 48,7 37,39 51,29
1950 90.723 51.417 56,7 39.306 43,3 50,15 56,67
1960 142.691 98.329 68,9 44.362 31,1 78,88 68,91
1970 220.487 181.062 82,1 39.425 17,9 121,88 82,12
1980 371.988 339.042 91,1 38.732 8,9 205,63 89,75
1991 599.272 556.911 92,9 42.361 7,1 329,58 92,93
1996 655.473 613.767 93,6 41.706 6,4 362,34 93,64
2000 715.360 677.470 94,7 37.890 5,3 427,25 94,70
Fonte: PIAUÍ, PMT, Teresina em Dados, 2005. [1 CD-ROM].
Os municípios do Piauí apresentaram, nas ultimas décadas do século XX e primeiros
anos do século XXI, um quadro de pobreza, desigualdades, baixa escolaridade e baixíssimos
índices de emprego formal, conforme podem ser comprovados nos dados da Tabela 2:
Municípios Piauienses por ordem decrescente dos índices de Pobreza, Emprego Formal,
Desigualdade, Exclusão Social e Escolaridade em 2000.
Na Tabela 2, colocam-se dados dos três melhores índices dos municípios do Piauí e os
índices do último colocado, para evidenciar a desproporção existente entre estas diferentes
realidades. Um exemplo deste desequilíbrio é o índice de emprego formal que em Teresina é
de 0,215, bastante baixo, o do município de Picos 0,072, que é a terceira cidade no ranking
estadual. Guaribas, o último colocado no ranking dos municípios, não registra emprego
formal.
Esses dados resultam de estudos efetuados em 2003, no “Atlas da Exclusão Social no
Piauí”, elaborado pela Fundação Centro de Pesquisas Econômicas Sociais do Piauí-CEPRO
(LIMA, 2003, p. 77), que evidencia essa problemática nos municípios. Uma realidade
remanescente de anos de concentração de renda e terras, ausência de políticas públicas mais
eficazes de geração de emprego e renda, bem como a falta de melhores condições de vida do
66
homem do campo e dos pequenos municípios piauienses, como educação, abastecimento de
água e energia elétrica, entre outros serviços.
Tabela 2 – Municípios piauienses por ordem decrescente dos índices de Pobreza, Emprego
Formal, Desigualdade, Exclusão Social e Escolaridade em 2000.
MUNICÍPIOS
ÍNDICE DE
POBREZA
ÍNDICE DE
EMPREGO
FORMAL
ÍNDICE DE
DESIGUALDADE
ÍNDICE DE
EXCLUSÃO
SOCIAL
ÍNDICE DE
ESCOLARI-
DADE
RANKING
ESTADUAL
Teresina 0,535 0,215 0,171 0,521 0,631
Floriano 0,408 0,069 0,093 0,443 0,479
Picos 0,426 0,072 0,078 0,441 0,410
Guaribas 0,211 0,00 0,023 0,260 0,079 221°
Fonte: Lima, 2003, [p. 78].
Todos esses municípios apresentam uma forte concentração de terras, falta de
investimentos em infra-estrutura e uma economia local que não gera emprego formal de modo
satisfatório para sua população. Na zona rural desses municípios, a situação é ainda mais
grave devido à ausência de incentivos fiscais ao pequeno produtor, à concentração da terra,
que limita o seu acesso e gera uma dependência do pequeno agricultor para com o proprietário
fundiário e à ausência de ensino para algumas séries, principalmente para o Ensino Médio.
Em face dessa realidade, muitas famílias da zona rural de Teresina e de outros
municípios piauienses foram e são levadas a migrar para a capital do Piauí em busca de
melhores condições de vida. Teresina exerce uma forte atração sobre os migrantes que
buscam em seu espaço urbano uma oportunidade de emprego, acesso aos serviços de saúde,
educação, saneamento básico entre outros. Por exercer essa influência em termos de serviços
para outras cidades do seu Estado e de outras regiões, Teresina é considerada um centro
regional na hierarquia urbana brasileira; essa classificação na rede urbana utiliza como critério
a concentração de atividades econômicas, dos serviços disponíveis e a infra-estrutura
existente nos municípios (IBGE, 2000).
A disparidade de infra-estrutura e serviços existentes entre os municípios do Estado do
Piauí é evidente na hierarquia da rede urbana estadual, que possui apenas um único centro
polarizador de serviços, no caso, a cidade de Teresina para todo o Estado do Piauí e para os
Estados vizinhos, principalmente em relação às cidades mais próximas, o que caracteriza a
macrocefalia
16
da rede urbana piauiense (REBÊLO, 2000, p. 107).
Os migrantes que chegaram e chegam a Teresina não são apenas da zona rural ou de
municípios piauienses, mas também de outros Estados, buscando usufruir dos serviços
16
Na hierarquia da rede urbana piauiense, ou seja, na subordinação das cidades piauienses em relação às outras,
Teresina é o único centro polarizador de serviços, o que caracteriza a macrocefalia da rede.
67
oferecidos pela capital do Piauí, principalmente os serviços de saúde e educação. É evidente a
macrocefalia da rede urbana piauiense desde 1960,
quando Teresina passou a contar com 98.329 habitantes (34° lugar no País),
enquanto Parnaíba contava com apenas 39.145, aumentando, pois, a primazia de
Teresina em relação às demais cidades piauienses, uma vez que a terceira cidade
colocada (Floriano) possuía, no mesmo ano, apenas 15.574 habitantes (REBÊLO,
2000, p. 107).
Esses dados mostram o valor de Teresina enquanto pólo, pois seus serviços, decisões e
bens chegavam aos principais centros urbanos do Piauí, bem como em alguns centros no
Estado do Maranhão.
Na década de 1970, Teresina esbanja novas faces de grande valor para a configuração
do seu espaço urbano, esta consolida seu papel de centro polarizador do Estado, atrai uma
série de investimentos, como, por exemplo, complementação da rodovia com abertura e
prolongamento de avenidas, viabilizando a integração regional e nacional. Convém destacar
que a construção de pontes sobre o rio Poti possibilitou a expansão da malha urbana em
direção à zona Leste e Sudeste, favorecendo a integração das regiões da cidade. Além destas
alterações na dinâmica da cidade, pode-se apontar ainda a construção de novos conjuntos
habitacionais, resultado da ampliação das políticas habitacionais em todo o País, sobretudo no
final da década de 1960 e na década de 1970 do século XX.
O acelerado processo de urbanização de Teresina nas últimas décadas do século XX
trouxe novas e maiores demandas por serviços e bens, como habitação, saneamento, saúde,
escolas, entre outros. Por sua vez, o Poder Público e a economia desta cidade não conseguem
atender às demandas da população, no que diz respeito à geração de emprego e renda, bem
como na implementação de uma infra-estrutura que possa atender a todos os teresinenses.
Essa realidade acaba afetando diretamente a população mais carente, pelo fato de esta
– desprovida muitas vezes de qualificação profissional e baixo grau de escolaridade – não
possuir condições de concorrer no mercado de trabalho e auferir uma renda que lhe garanta
uma moradia de qualidade. Por isso, muitos são levados a
se estabelecer nos locais mais inóspitos e ou distantes do centro urbano, em face dos
preços e localização do terreno serem compatíveis com o seu poder aquisitivo,
ficando evidente a influência do nível de renda nas condições de ocupação dos
domicílios e terrenos (PIAUÍ, 1969, p. 58).
Diante da valorização de terras ociosas, de as políticas de habitação do governo federal
não atenderem toda a demanda das famílias mais carentes, a falta de emprego que possa
garantir uma renda suficiente para a compra de terrenos e a construção de uma habitação de
68
qualidade, fez iniciar-se em Teresina um processo de favelização em meados da década de
1970.
Em um primeiro momento, surgem pequenos núcleos em vários pontos da cidade. Em
geral, na sua periferia, às margens de avenidas e rodovias e em terrenos ociosos. Sobre este
período, Lima (1996), afirma que o processo de ocupação de terrenos em Teresina:
inicia-se, em meados da década de 1970, com a presença de pequenos núcleos,
localizados em diversos pontos da cidade, predominantemente no Centro, zona Sul e
zona Norte. Aparecem de forma espontânea, constituídos de migrantes recém
chegados a Teresina e /ou famílias já expulsos de outras áreas da cidade, em
decorrência das políticas voltadas para infra-estrutura, que as foram expulsando dos
núcleos em que residiam para dar lugar à construção de ruas e avenidas (LIMA,
1996, p.25).
A primeira favela que surgiu na cidade recebeu o nome de COHEBE, por ocupar um
terreno da extinta Companhia Hidroelétrica de Boa Esperança, localizada na zona Sul. Essa
ocupação inicia-se em 1974 com a chegada das primeiras famílias, constituindo “o núcleo
pioneiro que, em 1975, já continha mais de 150 famílias. Com a sua expansão, nos anos
subseqüentes, essa favela chegou a atingir, em 1980, um total de 987 famílias” (COHAB,
1980 apud LIMA, 1996, p.25).
Um outro núcleo é gerado na zona Sul da cidade, em um terreno particular, localizado
próximo ao conjunto Parque Piauí, que recebeu o nome de favela Amizade. Assim como na
COHEBE, essas famílias envolveram-se em conflitos constantes com os proprietários, sendo
freqüentes as ameaças de despejo.
Nesse caso, foi de fundamental importância o papel da Igreja, representada pela
Paróquia São João Evangelista do Bairro Parque Piauí “no que tange à negociação com os
organismos governamentais, sobretudo com a Comissão de Ação Comunitária, processo
marcado por um forte clima de tensão e que não trouxe o resultado esperado pelo movimento”
(LIMA, 1996, p. 37).
Essas tensões diminuíram com a doação de um terreno da Igreja a esses moradores,
que foram deslocados para uma área mais distante, na direção Sul, originando uma nova área,
a Vila São Francisco.
Essas primeiras experiências possibilitaram a formação de vários outros núcleos, em
que se podem destacar as favelas Lucaia, São Pedro, Tabuleta, CODIPI e Serra Pelada. No
entanto, cumpre observar que:
as motivações para ocupar provinha, fundamentalmente, da carência de moradias,
sem alcançarem, todavia, um conteúdo político de maior monta, que redundasse na
constituição de lutas mais amplas. Ademais, convém relembrar que o período de sua
emergência na paisagem urbana de Teresina coincide com uma conjuntura política
69
de repressão à participação e as iniciativas coletivas, embora, nesse primeiro
momento, suas características limitem-nas a experiências sem maiores
desdobramentos prático-politicos que signifiquem conflitos de grande significação,
com os poderes constituídos (VIANA, 1999 p. 71).
Diante desta realidade, o Poder Público passa a intervir nesta questão, utilizando como
política a remoção das famílias para outras áreas mais distantes do centro da cidade e das
áreas providas de serviços, o que caracterizou a segregação desses grupos nas áreas
periféricas da cidade.
O Programa de Erradicação de Sub-Habitação (PROMORAR) em nível Federal, a
partir do Banco Nacional de Habitação (BNH), tinha como objetivo recuperar ou construir
habitações, em especial, nas favelas, provendo-as de infra-estrutura, equipamentos e
financiamento para a aquisição de lotes e de casas em um prazo de 25 anos com o intuito de
garantir a permanência dos moradores nas áreas ocupadas, processo esse que não foi atingido
em seu propósito em Teresina. Na capital piauiense, as famílias que seriam beneficiadas com
o PROMORAR foram deslocadas para uma outra área que recebeu o mesmo nome do
programa Federal, o que evidenciou a política de remoção desenvolvida no Estado do Piauí
nestas áreas decorrentes de ocupações informais.
Em Teresina, o PROMORAR foi utilizado pelo Poder Público para remover famílias
para áreas distantes do centro da cidade. Assim, foi construído o conjunto PROMORAR em
uma área localizada ao Sul do conjunto Parque Piauí, para onde foram removidas as famílias
das favelas COHEBE, Lucaia, São Pedro, Tabuleta e CODIPI, segregando essas famílias em
uma área desprovida de serviços básicos.
Faz-se oportuno esclarecer que essa transferência não foi pacífica, mas recheada de
discussões em função da distância do centro da cidade, a falta de infra-estrutura, entre outros
problemas. Portanto, a implantação do PROMORAR na zona Sul da cidade foi caracterizada
por muitas contestações, como, por exemplo, o movimento de
resistência, especialmente na Favela da COHEBE, e registram-se processos de
denúncia, vindos de setores progressistas da Igreja, de políticos de oposição e da
Imprensa. Essas denúncias centram-se na tese de que o PROMORAR não resolveria
a situação dos favelados, uma vez que se tratava de uma reedição travestida da
mesma política do BNH, e que estaria apenas favorecendo grupos econômicos
comprometidos com o governo (LIMA, 1996, p. 57).
A política de remoção das famílias para núcleos ou bairros na periferia de Teresina,
bem como a construção dos conjuntos habitacionais populares nesses espaços periféricos
caracterizaram-se como proposta de segregação socioespacial. Em muitos casos, essas
políticas foram usadas estrategicamente para a especulação imobiliária, pois muitos terrenos
70
ficaram vazios no espaço entre os demais bairros e as novas casas construídas a partir destas
políticas de remoção. Posteriormente estes espaços vazios tornaram-se áreas de alto valor no
mercado, posto que foram dotadas de serviços e equipamentos urbanos. Este processo de
especulação acabou limitando muitos teresinenses do acesso a terra e aos serviços básicos
para sua sobrevivência agravando os problemas urbanos.
Esse processo de favelização, marcado por conflitos, ordem de despejo, remoção de
famílias, entre outros fatores, fez com que os movimentos sociais por moradia iniciassem um
processo de luta juntamente com setores da sociedade civil (Igreja, Partidos Políticos, Ordem
dos Advogados do Brasil, Comitê de Defesa dos Direitos Humanos), com o objetivo de apoiar
os movimentos de resistência dos favelados, através de denúncias, assessoria jurídica, entre
outras contribuições (LIMA, 1996, p. 51).
Teresina passa a apresentar em seu tecido urbano os sinais do empobrecimento de um
número elevado de seus citadinos, bem como as más condições de vida destes nos primeiros
anos da década de 1980, em que
dos 54 bairros de Teresina, 30 podem ser considerados de baixa renda, o que é
equivalente a uma população de 260.051 habitantes e o total de 5.402 domicílios. Na
zona Norte se encontra os maiores assentamentos de baixa renda totalizando 20.950
domicílios, na zona Sul 19.489 e na zona Sul 19.489 e na zona Leste 13.763. A
maioria dessas áreas ou são destituídas dos serviços de infra-estrutura, física (água,
energia, esgoto, drenagem) ou a população não dispõe de condições financeiras para
deles usufruir (PIAUÍ, 1983, p. 58).
Desta forma, o período compreendido entre os últimos anos da década de 1970 a 1985
foi marcado pelos primeiros passos dos grupos sociais excluídos, enquanto agentes produtores
do espaço de Teresina; ou seja, tais grupos vão organizando movimentos na luta pela
aquisição da casa própria, ocupando espaços públicos ou privados, ou ainda reivindicando
serviços e equipamentos coletivos.
Sem uma maior organização, como um movimento guiado pela coletividade, essas
primeiras ocupações “têm a marca da espontaneidade, da ação individual, da fraca divisão
social e técnica do trabalho, da desconsideração da problemática ecológica, da incipiente
consciência da dimensão política da prática de ocupar enquanto mecanismo de acesso ao
espaço para morar” (VIANA, 1999, p. 82). No entanto, serviram como móveis para práticas
mais organizadas e como modeladoras do espaço urbano, a partir de suas expectativas e
sonhos de fazer parte de Teresina.
No final da década de 1970, e meados da década de 1980, as lutas por moradia
ocorriam de forma mais isolada e, em sua maioria, marcadas por conflitos e tensões.
Vivenciava-se um
71
contexto, em que as favelas apareciam de forma lenta, gradual e assistemática, a sua
virtual visibilidade tornava-se iminente à medida que se avolumavam aos olhos da
sociedade como ameaçadoras da “ordem pública”. Assim, as relações com
proprietário e com o Estado eram sempre tensas, alicerçadas na antinomia
ilegalidade x legalidade. Mesmo na solução negociada de alguns conflitos
prevaleciam a “ordem” e o “intocável” princípio de defesa da propriedade privada
(LIMA, 2003, p.45).
As ocupações de terras em Teresina ganham grandes proporções na segunda metade
da década de 1980 no século XX. Tal fato está atrelado à conjuntura nacional e municipal, em
um período de reivindicações por melhorias habitacionais, pela redemocratização do País, por
eleições diretas, por infra-estrutura, por terra urbana, entre outras reivindicações. Com a maior
abertura política proporcionada nesse período, outrora limitada pela Ditadura Militar, as
mobilizações ganharam maior visibilidade e apoio da sociedade civil, permitindo que estes
movimentos sociais ganhassem maior poder para negociar e conquistar suas demandas.
O ano de 1985 é um divisor de águas para a cidade de Teresina, pois a luta pela
moradia ganha força apoiada no ideal de um país que almeja a redemocratização e o fim do
autoritarismo da ditadura militar. Os sem-teto encontram nas ocupações de terras uma saída
para garantir uma moradia digna para suas famílias e, dessa forma, passam a questionar e
reivindicar uma vida melhor na cidade.
As constantes precipitações pluviométricas que ocorreram em Teresina em 1985
fizeram com que os níveis dos rios Poti e Parnaíba aumentassem, bem como os níveis das
várias lagoas da zona Norte de Teresina. Essas enchentes fizeram com que centenas de
famílias ficassem desabrigadas, posto que viviam em moradias precárias às margens desses
cursos d`águas, ou seja, dos rios e das lagoas. Diante desses problemas, o Poder Público
Municipal teve que agir para reverter ou amenizar esse quadro, utilizando como alternativa
uma política emergencial, qual seja, a transferência dessas famílias para abrigos improvisados
em igrejas, escolas e ginásios.
Em um Dossiê elaborado pelo Centro Piauiense de Ação Cultural (CEPAC, 1985 apud
VIANA, 1999, p. 110), consta que:
Em janeiro, no pico das enchentes, os desabrigados chegaram a setenta mil só em
Teresina. E, há vinte dias havia mais de quatro mil famílias nos alojamentos da
defesa civil. Os alagados que permanecem nos abrigos, especialmente os de barracas
de lona, estão a quase seis meses nessa situação, vivendo em condições subumanas,
sem emprego, sem alimentação suficiente, sofrendo pressões.
Diante de tal quadro, muitas dessas famílias iniciam a ocupação de um terreno
próximo ao Parque da Cidade; em questão de dias, o número de famílias cresceu
consideravelmente. Esse aumento de famílias fez com que terrenos ociosos mais próximos
72
fossem ocupados gradativamente, formando duas grandes ocupações: a Vila Tancredo Neves
e a Risoleta Neves
17
.
Em função dessa espontaneidade, as vilas não seguiram um planejamento detalhado e
organizado no início da ocupação, surgindo a preocupação apenas mais tarde com a ajuda de
organizações, instituições e pessoas que apoiaram e colaboraram com as famílias; entre esses
grupos destacam-se o CEPAC, o Partido dos Trabalhadores e a Associação dos Moradores do
Bairro Água Mineral.
Muitos foram os conflitos que cercaram essas ocupações, realidade retratada nos
veículos de comunicação do período, como jornal “O Dia”, “Jornal da Manhã” e o “Estado”.
Desespero, medo, coragem marcaram a luta destas famílias por uma moradia e vida digna.
Até então, as ocupações eram marcadas pela remoção das famílias da área, pelo
descaso do Poder Público e pela violência, mas, a partir de 1985, uma nova conjuntura
caracterizada pelos
ventos favoráveis a abertura política, a mobilização da sociedade brasileira em torno
das eleições diretas, o apoio, em âmbito local, de entidades civis aos desabrigados
constituíram-se objeto de pressão junto ao governo do Estado, viabilizando a
negociação, desapropriação e a permanência das famílias na área ocupada (LIMA,
1999, p. 55).
Essa conquista simboliza um novo momento para os movimentos sociais e para os
grupos sociais que atuam como agentes no espaço de Teresina. Assim, ganham efervescência
os grupos, entidades e partidos, querendo expor seus ideais e convicções a respeito do déficit
de moradia, da valorização da terra ociosa, da falta de transporte, do desemprego, articulando
formas associativas, meios e práticas para viabilizar suas intenções.
Indubitavelmente, foi um período de efervescência de idéias e propósitos de diferentes
movimentos em Teresina, como:
Movimento contra a carestia, comemoração do 1° de Maio, lutas especificas por
moradia (favela da Amizade e COHEBE); são criados conselhos comunitários,
associações de moradores, organizações não governamentais, tais como o Centro de
Estudos Alternativos do Parque Piauí (CEA) e o Centro Piauiense de Ação Cultural
(CEPAC). O período é também do surgimento do Partido dos Trabalhadores que
virá a firmar-se como uma das principais forças políticas juntamente com as novas
lutas que se forjaram a partir de então (VIANA, 1999, p. 86).
Na segunda metade da década de 1980, merecem destaque as novas formas
associativas, como as associações de bairros, a Federação das Associações de Moradores e
Conselhos Comunitários do Piauí (FAMCC) e a Federação das Associações de Moradores do
Piauí (FAMEPI), criadas, em 1986, com o intuito de unificar as lutas e favorecer os
17
Mais dados e informações sobre estas experiências, conferir Viana (1999).
73
movimentos, tendo em vista estabelecer canais para interlocução com as instituições
governamentais. Segundo Lima (2003), essas Federações divergem no que diz respeito às
questões político-ideológicas no encaminhamento das reivindicações e mobilizações, o que as
leva a disputas pelo controle das diferentes entidades.
As migrações campo-cidade, cidade-cidade e dentro da própria cidade continuavam
integradas ao desemprego, à falta de uma reforma urbana e de um planejamento adequado à
realidade de Teresina, à pauperização de muitas famílias, encarecimento de terras dotadas de
infra-estrutura são fatores que colaboraram para o crescimento no número de ocupações de
terras. Este cenário impossibilitava o acesso a um espaço digno de morar na cidade.
As experiências vitoriosas de ocupações que conseguiram permanecer no local e
serem reconhecidas junto ao Poder Público com o auxílio jurídico, bem como à colaboração
de outros movimentos sociais abriram caminhos para que ocorressem novas ocupações em
Teresina. Dentre essas experiências exitosas de luta pela moradia, podem ser citadas: “Vila da
Paz, Vila São Francisco Sul, Vila Wall Ferraz, Vila Paraíso, Vila Santa Cruz, Vila Bom Jesus,
Vila São José, Vila Esperança e Parque Rodoviário” (VIANA, 1999, p.88).
Experiência que, com o passar dos anos, dá ao movimento dos sem-teto uma maior
preocupação com o planejamento, com a reserva de lotes, por exemplo, durante o processo de
ocupação, para a construção de bens coletivos, como escola, igreja, associação de moradores,
posto de saúde; uma maior mobilização em torno das reivindicações por desapropriação de
terras, infra-estrutura, transporte e saneamento. Os sem-teto saem às ruas de Teresina à
procura de seus direitos de citadinos, e deixam sinais no seu espaço urbano a partir de novas
ocupações de terras. Assim, no final da década de 1980 configura-se em Teresina um novo
cenário para as lutas por moradia sendo que
as práticas isoladas de fins dos anos de 1970 e começo dos anos 80, contrapunham-
se as ocupações organizadas, nem sempre planejadas antes do assento nas áreas e,
muitas vezes, sem a tutela de entidades formais. No entanto, a evolução das lutas por
moradia torna mais freqüente as ocupações sistemáticas, conforme se observa no
noticiário da época, as quais seguem um planejamento (LIMA, 2003, p.73).
Diferentes manchetes de jornais que vinculavam notícias em Teresina neste período
tratavam desta questão, como:
‘Ocupações ilegais de terras existem em toda a cidade’, ‘Tumulto e prisão na
tentativa de despejo na vila’, ‘Moradores da vila da Paz expulsos de seus barracos’,
‘Famílias sem teto farão passeata hoje’, ‘Posseiros fazem passeatas no centro’,
‘Policiais queimam casas e prefeito exige punição’ (CEPAC, [198-?]).
74
Estas notícias retratam esta realidade que já não se encontra escondida nas periferias
da malha urbana teresinenses, mas que vão tecendo formas e dinâmicas em diferentes pontos
de Teresina, dando a esta cidade uma nova configuração espacial.
A segregação socioespacial fica cada vez mais visível no arranjo espacial de Teresina,
isso porque certos serviços e bens essenciais a uma vida digna são negados a uma parcela dos
teresinenses, estando concentrados apenas em determinados bairros da cidade. Contradições
geradas pelos interesses políticos e econômicos dos agentes que modelam o espaço urbano;
são eles, os imobiliários, proprietários dos meios de produção, Estado, fundiários, e os grupos
sociais excluídos. A concentração da terra urbana e a especulação de terras ociosas dotadas de
benfeitorias, juntamente com a baixa renda de grande número de citadinos, ao desemprego e à
crise econômica agravaram o problema da moradia em Teresina.
É uma conjuntura em que os movimentos sociais urbanos no Brasil reivindicam a
inserção no texto da Constituição Federal de 1988 de mecanismos que viabilizem a efetivação
eqüitativa de políticas públicas; um planejamento democrático da cidade; maior controle do
uso e distribuição do solo urbano e o acesso aos serviços das cidades para todos os citadinos
em todo o Brasil. O resultado de tais mobilizações é a elaboração de um capítulo sobre
Política Urbana na Constituição de 1988, no caso, os artigos 182 e 183 que representam um
marco para o reconhecimento da questão urbana como sendo de interesse nacional.
A Política Urbana tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (BRASIL, 2001). Quanto à
moradia, esta é incluída como direito social no Cap. II dos Direitos Sociais, do Título Direitos
e Garantias Fundamentais da Constituição de 1988.
Embora os artigos 182 e 183 ressaltem a necessidade de garantir o acesso à moradia e
ao bem-estar dos citadinos, estes não ganham a materialidade necessária para a redução
significativa do déficit habitacional nas cidades brasileiras. Não obstante a garantia
constitucional do acesso à moradia, a realização de políticas voltadas para concretizar tal
direito não se dá de forma imediata, ao contrário, existe um longo processo que envolve
interesses, recursos disponíveis e conjuntura política e econômica local.
Em Teresina, essa luta por direito a cidade não foi diferente, e um marco dessas
reivindicações está nas ocupações de terras urbanas que conferiram não só no espaço urbano
suas marcas, mas possibilitaram uma discussão muito mais ampla sobre o que é legal e ilegal
na luta pela inserção na cidade. Lima (2003, p. 74-75) afirma:
Essas formas de apropriação do solo urbano abrem perspectivas novas ao
enfrentamento da questão da moradia, pois conferem um sentido novo e outro
75
estatuto jurídico ao direito não inscrito em lei e assumem uma potência simbólica no
âmbito das práticas cotidianas do que reivindicam o direito legitimo de representar-
se no espaço público. Na complexa oposição legalidade x ilegalidade, a necessidade
enseja práticas que extrapolem os limites da lei e da jurisprudência e transformam a
ilegalidade numa relação de ambigüidade com a legitimidade (LIMA, 2003, p. 74-
75).
Essas lutas por moradia conseguiram conquistas valiosas com a possibilidade de
diálogo entre Prefeitura, movimentos sociais e proprietários de terras, bem como a realização
de políticas públicas voltadas para áreas decorrentes de ocupações de terras. É claro que não
colocamos tais conquistas como algo resultante apenas das mobilizações, pois fatores outros
influenciaram nesses ganhos, como as correlações de forças entre atores sociais e o próprio
contexto de democratização do País, em que nenhum político queria ser associado a atos de
violência para com os ocupantes. Sobre essa conjuntura, Lima (2003, p. 81) diz:
Inscrevem-se, no II PET
18
, diretrizes claras em que o poder municipal reconhece a
necessidade de incorporar, na legislação urbana, “a regularização das ocupações
localizadas em áreas de conflito fundiário”, “a localização e destinação de terrenos
públicos para fins sociais”, “a criação de programas de melhoria habitacional”
dentre outros. Isto é uma prova de que as práticas sociais construídas nas lutas por
ocupação abriram, no campo jurídico e político, a possibilidade de reconhecimento
das ocupações como direito legítimos, ao serem concedidos títulos de posse aos
demandantes das reivindicações.
Muitos dos projetos e promessas ficaram restritos ao papel e aos discursos, no entanto,
a opinião pública e as demandas das famílias dessas ocupações requeriam respostas. Assim,
sem políticas públicas mais eficazes de geração de emprego e renda, políticas habitacionais
para famílias de baixa renda, controle sobre a forte especulação imobiliária, as ocupações
continuaram a ocorrer e, em sua maioria, as famílias, a partir de negociações com os
proprietários e o Poder Público, obtiveram título de uso e posse.
Quanto à questão da moradia e de condições de habitabilidade em Teresina, pode-se
afirmar que as ocupações de terras públicas e privadas ocorreram e continuam ocorrendo na
última década do século XX e a primeira do século XXI, dados a serem trabalhados na
próxima seção deste trabalho. O que evidencia a carência de um grande número de citadinos
no que diz respeito ao acesso a uma renda suficiente para adquirir sua casa própria. Esses
espaços, frutos das ocupações, são marcados pelos conflitos de regularização do terreno, más
condições higiênicas, além de falta de serviços e infra-estrutura básica, ou seja, não têm
condições de habitabilidade.
18
O II Plano Estrutural de Teresina (II PET) versa sobre premissas básicas do modelo de gestão do espaço
urbano e perfil da cidade até 2000 constituindo-se como um instrumento normativo e orientador dos processos
de transformação urbana, nos seus aspectos político-sociais, físico-ambiental e administrativo (LIMA, 2003, p.
52).
76
Diante de tal quadro, os moradores de algumas localidades se mobilizam em prol de
reverter ou amenizar essa situação e recorrem ao Poder Público para atender suas demandas, a
partir de políticas, programas e projetos. Em alguns casos, os moradores das favelas e vilas
contam com o apoio de forças como a Igreja, federações, Organizações Não-Governamentais
(ONGs) e partidos políticos. Essas forças prestam assessoria à formação de uma maior
organização para o movimento, em que são definidas funções e distribuídas tarefas entre os
moradores, constituindo aos poucos a Associação de Moradores.
São os embates, diálogos e conquistas que dão força ao movimento dessas ocupações,
surgindo, assim a necessidade de formalizá-los, regularizá-los, estabelecer diretrizes,
distribuir funções entre os moradores, materializando, a Associação de Moradores.
As Associações de Moradores têm por objetivo identificar os principais problemas,
organizar reuniões com os moradores para esclarecer certas questões e dialogar com os
membros da localidade, discutir sobre as formas de mobilização por infra-estrutura urbana,
equipamentos coletivos e a regularização da posse do terreno junto ao Poder Público
municipal. Essas associações realizam mobilizações em prol das demandas dos moradores
junto ao Poder Público, isso porque a provisão de políticas públicas que garantam condições
de habitabilidade para a localidade depende de um processo dinâmico que é influenciado por
uma conjuntura econômica, política e correlação de forças entre os agentes da cidade.
3.3 VILAS E FAVELAS: A MATERIALIDADE DA LUTA PELO DIREITO AO
HABITAR EM TERESINA NA DÉCADA DE 1990 E INICIO DA DÉCADA ATUAL
Na década de 90 do século XX, e, nos primeiros anos do século XXI, as ocupações de
terras ocorreram e continuam a ocorrer em Teresina, ganhando materialidade nas vilas e
favelas. Esse crescimento é demonstrado nos dados do Censo de Vilas e Favelas de Teresina
dos anos de 1993, 1996 e 1999, realizados pela Prefeitura Municipal de Teresina (PMT) desde
1993, que possibilitam visualizar e analisar a luta pela moradia com condições de
habitabilidade pelos grupos sociais excluídos em Teresina.
Segundo informações do Censo de 1993, Teresina possuía 56 núcleos (vilas, favelas e
residências); em 1996, este número eleva-se para 141, atingindo 150 núcleos em 1999. Em
2005, a concentração de assentamentos de baixa renda já somava 190, um acréscimo de 40
novos assentamentos em relação ao Censo de 1999, caracterizando um crescimento de 26,7%.
A zona Sul da cidade, onde está localizada a Vila Wall Ferraz, recorte espacial desta
pesquisa, possuía, em 1993, o número de 39 vilas e favelas; em 1996; este número chegou a
77
48, e, em 1999, cai para 45, correspondendo a 30% do total de vilas e favelas presentes no
município. Em 2005, o número de vilas e favelas da zona Sul atinge 61 núcleos, o que
representa um crescimento percentual de 35,5. Sobre os dados das demais regiões ver Tabela
3, Evolução das favelas e vilas em Teresina de 1993 a 2005.
Tabela 3 – Evolução das favelas e vilas em Teresina 1991-2005.
ANO % CRESCIMENTO POR ZONA
Zona 1991 1993 1996 1999 2005 1991/1993 1993/1996 1996/1999 1999/2005
Norte 15 17 20 22 31 13,33 17,65 10,00 40,90
Sul 18 39 48 45 61 116,67 23,08 -6,25 35,50
Leste 14 51 48 45 51 264,29 -5,88 -6,25 13,30
Sudeste 6 28 28 31 38 366,67 0,00 10,71 22,60
Centro 3 6 5 7 09 100,00 -16,67 40,00 28,60
TOTAL 56 141 149 150 190 151,79 5,67 0,67 26,70
Fonte: Censo das vilas e favelas de Teresina (Teresina – Secretaria Municipal do Trabalho de Assistência Social,
1999). Os dados referentes ao ano de 2005 foram obtidos em Rodrigues, 2005, [p. 38].
Além das novas ocupações que ocorreram nesse período, deve-se destacar também um
forte adensamento populacional nas vilas e favelas já existentes, o que se pode visualizar na
Tabela 4, que apresenta dados sobre a quantidade de domicílios, famílias e população
residente nas favelas e vilas em Teresina, de 1991 a 1999. Esse incremento ocorreu pela
ocupação de espaços reservados para equipamentos coletivos destas localidades, a divisão de
lotes entre familiares, venda de parte do lote para auferir uma renda extra e pela coabitação
familiar. Dado preocupante; pois se este adensamento populacional e domiciliar não for
acompanhado de políticas públicas capazes de prover tais espaços de infra-estrutura básica
aos novos moradores, poderá acarretar outros problemas.
Tabela 4 – Quantidade de domicílios, famílias e população
residente nas favelas e vilas em Teresina 1991-1999.
ANO DOMICÍLIO QUANTIDADE FAMÍLIA POPULAÇÃO
1991 10.000 - 61.000
1993 15.312 14.542 67.000
1996 24.895 25.775 94.617
1999 40.115 38.852 133.857
Fonte: Censo das vilas e favelas, 1999. Obs. Não foi disponibilizada a quantidade
de famílias no ano de 1991 na fonte pesquisada.
Já o Bairro Santa Cruz, localizado na zona Sul de Teresina, e onde se encontra a Vila
Wall Ferraz, concentrava sete núcleos, distribuídos em vilas e favelas, com um total de 1.360
78
domicílios até o ano de 1999. Algumas informações sobre as vilas e favelas em Teresina
encontram-se no Relatório de Avaliação do Projeto Vila-Bairro, realizado em 2002, pela
OFERTA (2002), que tem por objetivo identificar os impactos socioespaciais do projeto.
Quanto ao Bairro Santa Cruz, esse documento registra que este possuía 1.980
domicílios nesses sete núcleos. Em 2005, o número de vilas e favelas nesse bairro teve um
acréscimo de dois núcleos, totalizando nove núcleos.
As informações contidas nesse Relatório fazem referência apenas às vilas e favelas
cadastradas pela Prefeitura de Teresina de 1993 a 2002. A Tabela 3 evidencia que o número
de vilas e favelas continua aumentando, pois são freqüentes as ocupações de novas áreas da
cidade, como também tem ocorrido a ampliação do número de domicílios nesses núcleos já
cadastrados pelo Censo de 1999, como pode ser visualizado na Tabela 4.
Segundo o Censo de Vilas e Favelas de 1999, realizado pela Prefeitura, a Vila Wall
Ferraz possuía 118 domicílios e 119 famílias. No entanto, decorrido dois anos após esse
levantamento, o número de domicílios ampliou para 128, segundo o Relatório de Avaliação
do Projeto Vila Bairro, realizado pela OFERTA (2002). Segundo a Associação de Moradores,
o número de famílias na Vila no ano de 2005 já chegava a 245 famílias. Esse acréscimo se
deve à ocupação de espaços vazios ou à fragmentação de terreno entre familiares, um dado
que evidencia a dificuldade financeira de muitas famílias teresinenses em obter uma moradia.
A realidade apresentada na década de 1990 em Teresina com a continuidade das
ocupações de terras e mobilizações em prol de equipamentos urbanos e participação na
elaboração de políticas simboliza, em síntese, a luta dos movimentos sociais pela moradia.
A grande questão do acelerado adensamento populacional nas vilas e favelas está na
falta de infra-estrutura suficiente para atender a todos os seus moradores. Quando este
adensamento ocorre sem a implantação das devidas políticas públicas, poderão agravar-se
vários problemas já existentes nessas localidades, como o acesso ao abastecimento de energia
elétrica e de água com qualidade e regularidade, entre outros serviços; ou seja, quando se
aumenta a demanda por um determinado serviço, faz-se necessário estar-se atento se sua
qualidade não será comprometida.
Nos anos 1990, Teresina expande sua malha urbana e passa por uma série de
mudanças. Foram feitos investimentos em infra-estrutura, urbanização de vilas e favelas, e a
segregação ganha forma com a verticalização e os condomínios residenciais de alto status.
Paralelo ao crescimento de vilas e favelas e expansão desses núcleos, tem-se também
o processo de verticalização ganha novos contornos e se expande em novas direções
sempre de “mãos dadas” com agentes econômicos que sabem fazer muito bem o
79
“marketing urbano”, apropriando-se dos melhores pedaços da cidade, tendo sempre
como vizinhos moradores considerados “nobres”. Entre os anos de 1995 e 1996,
surgem os dois shoppings centers da cidade, “Teresina Shopping” e “Riverside
Walk”, espacialmente próximos e separados apenas pela distância de um quilômetro,
oferecendo novos serviços e novas formas de comportamento aos citadinos
teresinenses (FAÇANHA, 2006, p.3).
Mesmo com todas estas mudanças que configuram um novo cenário para Teresina, a
economia desta cidade não proporcionou resultados satisfatórios quanto à geração de emprego
e renda no setor formal. Na última década do século XX, houve o aumento de pessoas
trabalhando no mercado informal, o que não lhes garante seguridade social e um rendimento
suficiente para suprir as necessidades de suas famílias, colaborando com o empobrecimento
de grande parte da população teresinense. A economia teresinense continua fundamentada nos
setores de comércio e serviços, sendo que outro setor vem crescendo, o das construtoras e
imobiliárias.
O preço elevado das terras urbanas, dotadas de equipamentos coletivos, água, energia
elétrica, transporte, e dos aluguéis impossibilitou que grande parcela da população tivesse
acesso a sua casa, gerando, com isso, novos problemas e (re) atualizando outros. Temos assim
um remanejamento, uma “ciranda” dos grupos sociais excluídos pelo espaço urbano de
Teresina, agravando as condições de vida. Com o desenvolvimento de uma “dinâmica de
aparecer, desaparecer e reaparecer, famílias pobres voltaram a ocupar espaços sob pontes nas
margens dos rios, lagos e em diversas outras áreas” (LIMA, 1999 p 82).
Reduzidas às possibilidades da população de baixa renda e sem emprego de adquirir a
casa própria, as ocupações de vazios urbanos de propriedade privada, da Prefeitura, Estado e
União ganham números cada vez maiores, que já não mais podem ser associados apenas ao
fluxo migratório nem ao crescimento da população como fatores principais deste crescimento,
mas também a questão do acesso a uma renda que possibilitasse a aquisição da casa própria.
A população de Teresina continua crescendo, mas não no mesmo ritmo de antes.
Teresina, no período de 1980/1991, registrou uma taxa média anual geométrica de 4,27%
contra 5,57%, obtida na década de 1970 (PIAUÍ, 1993 p. 80). Portanto este crescimento não é
o único fator que colabora para o crescimento das vilas e favelas.
Entra em cena um outro fator que auxilia na análise dos números crescentes de vilas e
favelas, no caso, a pauperização da população teresinense, fato que se deve aos altos níveis de
desemprego e à instabilidade financeira decorrente do trabalho temporário ou informal.
Em Teresina, o índice de emprego formal em 2000 era de 0,215, sendo que esse índice
varia entre 0 e 1, segundo Lima (2003). O que se mostra um quadro inquietante, pois 0,785
80
dos teresinenses encontram-se no setor informal da economia, ou seja, sem acesso a certos
direitos trabalhistas. Um grande número de citadinos teresinenses sem emprego ou uma renda
suficiente para suprir suas necessidades vem, cada vez mais, empobrecendo nas duas últimas
décadas do século XX e início do século XXI. Em 2000, o índice de pobreza de Teresina era
de 0,535 (LIMA, 2003).
Na cidade de Teresina, o setor econômico predominante é o terciário, ou seja, a
prestação de serviços, principalmente nas atividades ligadas à Administração Pública e às
atividades do setor de comércio e serviços. Temos também a atividade industrial nos gêneros
de bebidas, vestuário, material de transporte, metalurgia, indústria gráfica, entre outras. No
entanto, essas atividades não têm atendido à demanda de emprego que garanta uma renda
capaz de atender às necessidades das famílias.
Com uma renda não satisfatória para pagar aluguel, além dos custos com a
manutenção dos serviços de abastecimento de água e energia elétrica, transportes públicos e
impostos, muitas famílias têm se transferido de bairros, vilas e favelas urbanizadas de
Teresina em busca de ocupações mais recentes como uma alternativa para morar de acordo
com sua condição financeira. Esse processo é conhecido como “expulsão branca”, ou seja,
quando
uma área pobre (como uma favela) recebe melhoria de infra-estrutura ou passa por
um processo de regularização fundiária, há uma valorização imobiliária e existe,
muitas vezes, um aumento da carga tributária para essas pessoas (IPMU, por
exemplo). Quando a carga tributária aumenta e quando o valor médio dos imóveis
do local sobe, sem que a renda das pessoas também aumente, é comum que uma
parte dessa população não consiga arcar com as novas despesas e acabe se mudando
para um lugar onde o custo de vida seja menor (SOUZA, 2004, p. 69).
Esse dado pode ser comprovado pelo grande número de casas vazias nos diferentes
bairros e pelo número crescente de vilas, favelas e parques, bem como dos domicílios nesses
núcleos.
Quando a moradia é provida por serviços e equipamentos sociais, como, por exemplo,
transporte público, saneamento básico, ruas pavimentadas, abastecimento de água e energia
elétrica, ou seja, quando a área se urbaniza, o seu valor no mercado imobiliário é bem maior.
Tal fato limita, ainda mais, o seu acesso a uma parcela considerável da sociedade teresinense,
que se encontra fora do mercado de trabalho ou com uma renda insuficiente para usufruir dos
bens que a cidade oferece. Esses fatores levaram e levam muitas famílias a ocupar terrenos
públicos ou privados, para construírem suas casas, em geral, com baixa qualidade em termos
de materiais de construção e sem qualquer infra-estrutura, dando forma às favelas e vilas.
81
Dessa forma, o acesso à moradia está entrelaçado à questão da posse da terra urbana,
cada vez mais onerosa, devido à forte concentração de terras e a sua especulação imobiliária.
Esses têm sido os principais fatores responsáveis pela impossibilidade do acesso à moradia a
um número considerável de teresinenses que não possuem uma renda que satisfaça suas
necessidades básicas.
Em 1999, aproximadamente 19% da população teresinense viviam em espaços
desprovidos de equipamentos coletivos e infra-estrutura, sem condições de habitabilidade,
perfazendo um total de 133.857 teresinenses vivendo em favelas e vilas, conforme o Censo de
Vilas e Favelas do respectivo ano, publicado pela Prefeitura de Teresina.
Já em 2000, com base em dados do IBGE, Teresina possuía uma população de
714.583 habitantes e encontrava-se em 13° colocação no ranking nacional em concentração
de favelas, conforme a Tabela 5, a seguir. Esses são números de uma realidade preocupante.
A cidade de Teresina em nove anos praticamente dobrou o número de favelas.
Tabela 5: Os 15 maiores municípios em números de favelas.
MUNICÍPIOS 1991 2000
1° São Paulo 585 612
2° Rio de Janeiro 462 513
3° Fortaleza 154 157
4° Guarulhos 64 136
5° Curitiba 87 122
6° Campinas 74 117
7° Belo Horizonte 101 101
8° Osasco 95 101
9° Salvador 70 99
10° Belém 20 93
11° Diadema 80 89
12° Volta redonda 42 87
13° Teresina 44 85
14° Porto Alegre 69 76
15° Recife 62 73
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1991-2000.
A Fundação João Pinheiro realizou um estudo, em 2005, sobre o déficit habitacional
no Brasil, que versa sobre as necessidades habitacionais, chegando à conclusão que o mesmo
é composto por dois segmentos: o de déficit habitacional e o de inadequação de domicílios. O
déficit habitacional foi considerado como “o somatório dos totais referentes à coabitação
familiar, aos domicílios improvisados e aos domicílios rústicos” (FUNDAÇÃO JOÃO
82
PINHEIRO, 2005). O déficit habitacional básico de Teresina, segundo a referida pesquisa, é
de 47.311. Nesse universo, 260 são domicílios improvisados, 19.170 são famílias
conviventes, 830 são cômodos (cedidos ou alugados) e 27.051 são domicílios rústicos.
O segundo segmento da discussão das necessidades habitacionais refere-se à
inadequação dos domicílios, ou seja, àqueles que não atendem às condições básicas de
habitabilidade, tendo como componentes a inadequação fundiária, adensamento excessivo,
domicílios sem banheiro e deficiência de infra-estrutura (iluminação elétrica, rede geral de
abastecimento de água, rede geral de esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de lixo).
Segundo esse estudo, a cidade de Teresina possui 12.201 domicílios em inadequação
fundiária;
19
13.858 possuem adensamento excessivo; 29.496 não possuem banheiro; e 37. 396
são deficientes em infra-estrutura.
3.4 A RELAÇÃO ENTRE O GOVERNO MUNICIPAL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS
URBANOS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS URBANAS PARA AS VILAS E FAVELAS
DE TERESINA (1996 A 2004)
Entre 1996 e 2004, período em análise dessa pesquisa, as ações dos movimentos
sociais que lutam por moradia continuaram atuantes em Teresina, a partir de novas ocupações
de terras, manifestações em frente a órgãos públicos em reação às ordens de despejo,
mobilizações em torno do acesso a bens coletivos, tais como creches, centro de produção,
calçamento, saneamento básico, entre outros, e, na busca pela participação na elaboração e
implementação de obras e serviços em suas comunidades.
Muitas dessas práticas realizadas pelos movimentos sociais urbanos já ocorriam em
período anterior ao da análise dessa pesquisa. O que se encontra de “novo” ou pelo menos
como uma nova proposta é a maior participação dos movimentos na gestão de certos
programas e políticas, a abertura para um maior diálogo entre os agentes envolvidos e a
preocupação com a capacitação dos integrantes dos movimentos.
Isso porque a própria conjuntura social, política e econômica requeria novas posturas e
atitudes; ou seja, na década de 1990, ocorreram alguns móveis para tais mudanças, como: o
poder local ganha maior autonomia política e econômica e torna-se responsável pelas políticas
urbanas; o processo de redemocratização brasileira desencadeou uma série de propostas mais
democráticas de gestão de programas e políticas urbanas e os movimentos sociais buscam
19
A inadequação fundiária refere-se aos casos em que pelo menos um dos moradores do domicílio tem a
propriedade da moradia, mas não possui, total ou parcialmente, o terreno ou a fração ideal de terreno (no caso de
apartamento) em que aquela se localiza.
83
dialogar bem mais com o Poder Público. Portanto, tal conjuntura nacional levou tais atores a
repensar suas ações, tanto os movimentos sociais quanto o Poder Público. Na cidade de
Teresina não foi diferente, no entanto, esse processo possui suas peculiaridades que requerem
uma análise mais detalhada.
No período em destaque neste trabalho, o governo municipal insere em seus projetos e
ações práticas participativas, sendo criado o Projeto Vila-Bairro, o Conselho Municipal de
Habitação, o Fundo Municipal de Habitação, e inicia em Teresina a proposta do Orçamento
Participativo, em que parte dos recursos municipais é gerida pelos delegados escolhidos em
reuniões com vários integrantes da sociedade civil.
Os movimentos sociais em Teresina têm buscado conquistar de fato o seu direito de
participar da gestão da cidade, posto que está assegurado pela Constituição Federal de 1988 e
pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal n°10.257/01). Essas práticas dos movimentos sociais
urbanos evidenciam seus desejos de vivenciar Teresina, ou seja, ter acesso a sua infra-
estrutura e equipamentos públicos, bem como participar da gestão de recursos públicos e da
provisão de serviços.
Tais mobilizações encontram-se nos noticiários da televisão, na imprensa escrita, nos
dados dos Censos das Vilas e Favelas que revelam o crescimento das ocupações e o
crescimento domiciliar dos núcleos existentes, na participação dos moradores no Orçamento
Popular e em encontros, congressos e seminários promovidos pelo Governo do Estado, Poder
Público municipal e Federações de Moradores, tais como: a Federação das Associações de
Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí (FAMCC); Federação da Associação de
Moradores do Piauí (FAMEPI), entre outras.
No período em análise, em Teresina, houve também reações à ordem de despejo a
partir de manifestações em órgãos públicos, deslocamento de famílias de um terreno para
assentamentos distantes da rede de serviços, reivindicações no Ministério Público e na
Câmara de Vereadores, bem como momentos de aproximação e diálogo no Conselho de
Habitação e no Orçamento Participativo. Assim, a interlocução entre o Poder Público e as
Associações de Moradores em Teresina tem sido marcada ora por momentos de aproximação
e diálogo, ora por instantes de conflitos e tensões, como em qualquer relação que envolve
decisões e trocas de interesses.
A partir de 1997, com a maior definição quanto às competências de cada esfera do
governo no que diz respeito às políticas urbanas, o governo municipal de Teresina, gerido
pelo prefeito Firmino Filho, busca responder às demandas dos teresinenses. Dentre os
84
programas estratégicos, podem ser ressaltados: O Lagoas do Norte; Vida Rios; Vila-Bairro;
Prefeitura nos Bairros; Revitalização do Centro Comercial; Orçamento Popular.
No que diz respeito às propostas da Prefeitura de Teresina para implementar políticas
urbanas nas vilas e favelas, provendo-as de melhores condições de habitabilidade, no período
em análise, utilizou-se como proposta de estudo o Projeto Vila-Bairro e o Orçamento Popular.
Tais experiências são inovadoras, por incluir em sua elaboração e desenvolvimento, o
propósito da participação popular na gestão das políticas urbanas voltadas a estes espaços.
A presente dissertação busca analisar a relação estabelecida entre a Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz e o governo municipal na provisão de condições de
habitabilidade aos moradores dessa Vila, tomando por base, especialmente, essas duas
experiências, a do Projeto Vila-Bairro e a do Orçamento Popular, tendo em vista constatar as
características dessa relação e se esta foi capaz de prover condições dignas de moradia para as
famílias da Vila Wall Ferraz.
Para dar continuidade a este intuito, faz-se necessário realizar uma análise dessas duas
experiências; quais sejam: a do Projeto Vila-Bairro e a do Orçamento Popular de Teresina,
apontando suas características, objetivos, estrutura, sistematização e dados que possam
auxiliar o entendimento do propósito dessa dissertação.
3.4.1 Projeto Vila-Bairro e a meta de urbanizar vilas e favelas de Teresina: entre as
premiações e a realidade
20
Em função de suas características, objetivos e estrutura, o Projeto Vila-Bairro pode ser
considerado um instrumento de auxílio a um melhor planejamento e gestão do município
voltado para as vilas e favelas da cidade, espaços que geralmente são destituídos de serviços e
equipamentos necessários a uma vida de qualidade para seus moradores.
O Projeto Vila-Bairro é uma proposta formulada pela Prefeitura Municipal de Teresina
em janeiro de 1997 sob o decreto Lei n° 3.344, na gestão do prefeito Firmino Filho, do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A meta do projeto é consolidar “as vilas
existentes em Teresina, em verdadeiros bairros, com padrão mínimo de urbanização,
orientados para o desenvolvimento socioeconômico” (SEMPLAN, 1997, p 12).
20
Não é nosso objetivo nesta seção do trabalho realizar um estudo exaustivo do Projeto Vila-Bairro, apenas
fundamentar questões importantes para a compreensão do objeto de estudo dessa dissertação. Portanto, foram
destinadas, neste trabalho, secções especificas para o projeto Vila-Bairro e Orçamento Popular, tendo em vista
que das obras e serviços realizados na Vila Wall Ferraz a grande maioria são resultantes destas propostas.
85
Além desse objetivo, o Projeto Vila-Bairro possui outros mais específicos que versam
sobre qualidade de vida da população, violência e marginalidade, modelo co-responsável de
gestão, participação de lideranças, entre outros. Os objetivos específicos do projeto Vila-
Bairro são:
- Consolidar uma opção política abrangente com a presença do Estado, visando o
resgate social da população pobre pela via de melhoria de qualidade de vida e da
auto-estima;
- Oferecer obstáculo considerável à multiplicação do problema pelo exercício do
controle dessas áreas, evitando a reprodução da situação de grave risco e a formação
de verdadeiros estados paralelos fundados na larga marginalidade;
- Implantar ações globais de infra-estrutura física e social nas vilas, instituindo-lhes
padrão mínimo de urbanização;
- Estabelecer parceria entre Poder Municipal e sociedade civil organizada,
implantando modelo co-responsável de intervenção;
- Estimular a geração de renda, considerando o potencial econômico e as relações
sociais já estabelecidas nos aglomerados alvos das intervenções;
- Integrar, funcionalmente, as vilas às áreas circunvizinhas com infra-estrutura já
instalada;
- Proporcionar o envolvimento comunitário com uma programação para lideranças,
entidades representativas e população em geral das vilas (SEMPLAN, 1997, p 12).
Para Lima (2003, p. 94), o Projeto Vila-Bairro é uma “ação integrada que visa à
urbanização das favelas, metamorfoseando-as em vilas que, segundo essa lógica, ganhará o
estatuto de bairro, quando dotadas de todos os serviços, pela ação conjunta e simultânea de
vários órgãos”.
Em entrevista
21
com um funcionário da Prefeitura, no período de criação e
consolidação do Projeto Vila-Bairro, ele diz:
Em noventa e sete com a posse do Firmino que tinha sido secretário de finanças do
governo do Wall Ferraz em 1997 passou a existir o Vila-Bairro. O Vila-Bairro, na
verdade, é a organização, a sistematização de todas as ações da Prefeitura, quer dizer
as ações da Prefeitura passaram com o Vila-Bairro a serem feitas de forma
planejada, hierarquizada, conectadas umas com as outras e financiadas com
financiamentos da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico Social (João, Funcionário da Prefeitura Municipal de
Teresina).
21
O presente trabalho utilizou como metodologia a entrevista semi-estruturada com os sujeitos da pesquisa.
Estes se encontram distribuídos em dois grupos, os que estão vinculados ao movimento por moradia com
condições de habitabilidade na Vila Wall Ferraz e aqueles que integram o Poder Público municipal, sendo ao
todo quatorze entrevistados, onde nove são do primeiro grupo e cinco do segundo grupo. Foram utilizados
nomes fictícios para os sujeitos da pesquisa para garantir que estes pudessem expor com maior segurança suas
idéias e opiniões. Em alguns casos, optou-se por letras pelo fato de evitar que possíveis sujeitos da pesquisa
fossem identificados, assim, foi preservada sua identidade.
86
Assim, com base nos objetivos apresentados, o propósito do Projeto Vila-Bairro é
oferecer condições de habitabilidade para os espaços provenientes das ocupações informais
em Teresina, a partir da realização de obras e serviços voltados à urbanização dessas áreas,
com o intuito de integrá-las aos bairros circunvizinhos.
O seu grande diferencial em relação aos projetos já realizados até o ano de 1997 foi a
preocupação com o “resgate social da população pobre pela via de melhoria de qualidade de
vida e da auto-estima e o envolvimento comunitário com uma programação para lideranças,
entidades representativas e população em geral das vilas” (SEMPLAN, 1997, p 12). Essa
preocupação com a participação popular pode ser verificada em alguns de seus objetivos
específicos que versam sobre envolvimento comunitário, parceria entre o Poder Público e a
sociedade civil organizada e o resgate social da população pobre.
O projeto Vila-Bairro ganha destaque, outrossim, por ser um projeto compostos de
ações sistematizadas e coordenadas, em que as vilas e favelas de Teresina são providas de
infra-estrutura física e comunitária, além de serem promovidas práticas educativas e de
geração de emprego e renda. Ademais, amplia o conceito de déficit habitacional, não o
considerando apenas como “a ausência da moradia, mas também a precariedade da estrutura
física das habitações e de saneamento, coabitação, adensamento excessivo e ou
comprometimento da renda familiar com aluguel” (SEMPLAN, 2000, p. 30).
A meta desse projeto multissetorial é o atendimento a 116.000 habitantes, em 155
vilas de Teresina, no período de 1997 a 2000. Está fundamentado em vinte frentes de ações
que abrangem componentes de ação educativa, infra-estrutura física e comunitária e a geração
de emprego e renda. As frentes de ação e seus respectivos componentes do projeto Vila-
Bairro são:
- Infra-estrutura Física: Pavimentação poliédrica, abastecimento d´água,
abastecimento de energia elétrica, regularização fundiária, melhoria habitacional e
construção de unidades sanitárias.
- Infra-estrutura Comunitária: Construção de unidades de Atenção Integral à
Criança e ao Adolescente (AICA), construção de creches, unidades de saúde,
escolas, praças, campos de futebol, centros comunitários, centros de treinamento e
produção e construção de quadras poliesportivas;
- Ação Educativa: Distribuição de filtros, educação ambiental, arborização;
- Geração de Emprego e Renda: Lavanderias comunitárias, hortas comunitárias e
Quintais urbanos de produção (SEMPLAN, 1997, p. 02).
A sua operacionalização encontra-se a cargo da Secretaria Municipal de Planejamento
e Coordenação Geral (SEMPLAN). Vinculada à mesma, nessa atividade, encontra-se a
87
Comissão Executora do Projeto Vila-Bairro, responsável pelo planejamento, administração,
supervisão e acompanhamento do Projeto. Com a continuidade das atividades, essa Comissão
deu forma à Unidade Técnica Central do Projeto Vila-Bairro, atribuindo-lhe às mesmas
funções da Comissão.
Para definir os assentamentos, no caso as vilas e favelas, que seriam beneficiadas pelo
projeto, a equipe responsável por sua elaboração fez uso de estudo sobre assentamentos
pobres urbanos, no caso, os Censos das Vilas e Favelas, realizados em 1993 e 1996 pela
Prefeitura. O objetivo da Prefeitura com o Projeto Vila-Bairro era
atender a médio prazo, mais de 29 mil famílias de baixa renda, uma população de
aproximadamente 116 mil habitantes. A concentração de ações de forma integrada,
possibilitou a efetivação dos programas até então desenvolvidas pela SEMHUR, a
destacar: Minha Casa, Casa Melhor, Morar Legal e Lotes Urbanizados (SEMPLAN,
2000, p. 30).
Ao todo são 155 assentamentos selecionados pelos organizadores do Projeto para
serem beneficiados com suas ações. Esta seleção baseou-se nos Censos de Vilas e Favelas
realizados pela Prefeitura. Esses assentamentos encontram-se localizados nas cinco regiões
administrativas da cidade, no caso, as zonas Sudeste, Sul, Norte, Centro e Leste, sendo
agrupados em 50 grandes áreas.
Para agrupar esses assentamentos em áreas, foram utilizados certos critérios, a saber: a
proximidade entre os assentamentos; a localização e a capacidade de atendimento dos
equipamentos existentes; a quantidade de domicílios necessários para definir a demanda por
equipamentos sociais; a inter-relação dos assentamentos com a circunvizinhança (utilização
de infra-estrutura instalada); o mapeamento realizado durante os Censos das Vilas e Favelas.
Em 2002, foi elaborado o relatório de avaliação do Projeto Vila-Bairro, realizado pela
OFERTA-Assessoria e Consultoria Ltda, no qual faz uma análise dos resultados e impactos
socioespaciais desse Projeto nas diferentes regiões de Teresina. O objetivo precípuo desse
relatório é “identificar acertos e eventuais problemas intrínsecos a esse processo, assim como
gerar informações que permitam aos avaliadores sugerir proposições com vistas ao seu
aperfeiçoamento na busca dos objetivos, resultados e impactos pretendidos” (OFERTA, 2002,
p. 1). Por tratar-se de uma questão bastante complexa, qual seja, dimensionar a melhoria da
qualidade de vida dos moradores das vilas e favelas a partir das ações do Projeto Vila-Bairro,
os técnicos responsáveis pelo relatório adotaram como
critério de percepção e de representação do fenômeno o modelo analítico que
procura comparar as situações dos aglomerados antes e depois da intervenção,
admitindo-se a hipótese de que os efeitos positivos observados no campo da
habitação, do saneamento e da urbanização dos subespaços em estudo, vis à vis a
situação anterior em que estes se encontravam ou da população residente nestes ou
noutros subespaços do território urbano – que conformam os bolsões de pobreza de
88
Teresina- representam mudanças no sentido de proporcionar melhoria da qualidade
de vida ao conjunto do público-alvo (OFERTA, 2002, p. 3).
Na tentativa de obter uma melhor análise do Projeto, os responsáveis pelo relatório
elencaram indicadores ou variáveis que representassem mudanças realizadas pelo referido
Projeto. O resultado dessa discussão e pesquisa foi a criação do Índice do Padrão Mínimo de
Urbanização (IPMU) que “se expressa através de uma média aritmética ponderada dos seis
indicadores básicos agrupados em três blocos distintos e complementares, a saber: infra-
estrutura viária, moradia e saneamento” (OFERTA, 2002, p. 6).
Torna-se válido elucidar que o IPMU é uma média ponderada de indicadores e
variáveis que foram selecionados pelos avaliadores como prioritários para as vilas e favelas da
cidade. Dentro desses três blocos, há seis indicadores, a saber: percentuais de domicílios
localizados em ruas pavimentadas, que compõem o bloco de infra-estrutura viária; percentual
de domicílios com cobertura de telha; parede de tijolo e com piso pelo menos cimentado;
percentual de domicílios conectados à rede de energia elétrica, que compõem o segundo
bloco, no caso, o da moradia; e o percentual de domicílios conectados à rede de água tratada,
com fossa séptica e coleta pública regular, componentes do bloco saneamento. A escala do
IPMU varia de 0 – 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, melhores serão as condições
apresentadas (LEAL, 2006, p. 7).
A Tabela 6, a seguir, mostra que esse índice aumentou em todos os assentamentos do
referido Bairro, no período de 1996 a 2002, com exceção do Residencial Betinho. Para melhor
compreensão desses índices, faz-se necessária uma análise mais aprimorada de seus
indicadores em cada localidade. O objetivo, neste momento, é apresentar alguns valores que
auxiliem no entendimento deste índice. Na Parte 4, que versa sobre a Vila Wall Ferraz,
aprofundar-se-á esta análise, no que diz respeito aos indicadores dessa vila, verificando se no
período em questão houve melhoria nas condições de habitabilidade dos moradores da vila.
Tabela 6: Índice do Padrão Mínimo de Urbanização (IPMU) das Vilas e
Favelas do Bairro Santa Cruz.
IPMU
ÁREA / AGLOMERADO
1996 / 1999 2002
Planalto Santa Fé 0,38 0,99
Residencial Betinho 0,70 0,68
Vila Santa Cruz 0,83 0,94
Vila Bom Jesus (Sul) 0,66 0,98
Vila Wall Ferraz (Sul) 0,55 0,98
Vila São José da Esperança 0,76 0,84
Vila Santa Rita I e II 0,47 0,99
Fonte: OFERTA Assessoria e Consultoria. Pesquisa Direta, [2002].
89
Pode-se constatar, a partir dos indicadores selecionados para a elaboração do IPMU,
que não foi incluído um indicador primordial, qual seja: o percentual de famílias que foram
atendidas com políticas de geração de emprego e renda nas vilas e favelas. Essa questão é
importante, pois uma renda satisfatória evita as constantes transferências para outras áreas e,
em sua maioria, para áreas destituídas de serviços e em péssimas condições de habitabilidade.
Habitar um espaço urbanizado requer recursos para ter acesso a alguns bens como
água, energia elétrica, transporte público, entre outros gastos vinculados ao sustento da
família; dessa forma, o percentual de famílias atendidas por políticas de geração de emprego e
renda deveria ser prioritário no cálculo do IPMU, já que esta política é uma das quatro frentes
de ação do Projeto Vila-Bairro.
Levando em consideração estas informações, um fato chama a atenção: os baixos
investimentos do Projeto Vila-Bairro em construção de moradia, regularização fundiária e na
geração de emprego e renda. O trabalho de Rodrigues (2005, p.69) faz referência a esses
dados; por exemplo, das “26.473 unidades, previstas entre ações de construção e de melhoria,
o total de apenas 7.844, ou seja, 29,6% do programado foram executados, contrariando o que
a propaganda oficial tentou demonstrar”. Quanto à regularização fundiária, esse foi o setor
que obteve os menores investimentos “dos 18.222 lotes urbanos previstos para a regularização
fundiária, apenas 1.400 lotes foram atingidos por essa ação” (RODRIGUES, 2005, p. 69).
A preocupação maior com tais questões deve-se ao fato de estas estarem atreladas
diretamente à problemática do déficit habitacional; ou seja, a questão do déficit habitacional
deve-se à ausência de políticas voltadas à construção de casas populares, à concentração de
terras, ao reduzido número de programas direcionados à melhoria habitacional, à ausência ou
insuficiência da renda para comprar uma moradia, pagar aluguel e custear serviços como
água, energia elétrica, transporte, entre outros.
É válido ressaltar também o valor político desse Projeto, assumindo o papel de grande
slogan eleitoral do PSDB em Teresina, notadamente através das mais diversas premiações
nacionais e internacionais, entre as quais:
Semifinalista nos anos de 1998 e 1999 no prêmio de Gestão Pública e Cidadania da
Fundação Ford, entre as dez melhores práticas do ano de 2000 do Programa Caixa
Melhores Práticas promovido pela Caixa Econômica Federal, selecionado entre as
quarenta melhores práticas do Programa das Nações Unidas aos Assentamentos
Humanos – Habitar entre outras indicações (LEAL, 2006, p. 3).
Como instrumento do planejamento municipal de Teresina, o Projeto Vila-Bairro tem
seus méritos por ter a preocupação com as vilas e favelas e por incluir em sua proposta a
participação da população, além de incluir em seu propósito uma concepção de habitabilidade
90
ampla, que não se limita à construção da moradia como espaço físico em si, mas como espaço
provido de serviços e equipamentos urbanos.
Entretanto, deve-se esclarecer que apenas políticas urbanas voltadas à urbanização de
vilas e favelas não alteram por completo a realidade de segregação socioespacial em Teresina,
pois, além de terem suas casas providas de certos serviços e equipamentos urbanos, as
famílias têm que arcar com suas despesas diárias. Portanto, as políticas de urbanização de
áreas provenientes de ocupações informais devem estar associadas às políticas efetivas de
geração de emprego e renda.
O que pode ser verificado em Teresina é que muitas famílias estão saindo de vilas e
favelas já consolidadas, ou seja, providas de serviços e equipamentos urbanos, para iniciar
novas ocupações. Isto ocorre por vários motivos, entre eles, a falta de condições financeiras
para custear os impostos, as contas de abastecimento de água, energia elétrica, transporte
público.
Na próxima seção, serão analisadas as implementações do Projeto Vila-Bairro na Vila
Wall Ferraz, com o intuito de compreender a relação estabelecida entre o Governo municipal
e a Associação de Moradores na realização das obras desse projeto para prover a Vila de
condições de habitabilidade.
3.4.2 Participação popular como instrumento da gestão democrática da cidade e a
experiência do Orçamento Popular em Teresina
22
O Orçamento Popular de Teresina (OPT) foi implementado em 1997 pelo prefeito
Firmino Filho, para ser um mecanismo de participação popular na gestão municipal. Essa
experiência de gestão participativa dos recursos municipais vem sendo desenvolvida em
diferentes municípios brasileiros nas duas últimas décadas do século XX e vem ganhando
mais adeptos neste início do século XXI.
Tal mecanismo de gestão participativa emerge no cenário da democratização da
sociedade brasileira, e, com o processo de descentralização das políticas públicas que levaram
a repensar a forma de gerir os municípios, agora com maior autonomia. Assim,
a elaboração do orçamento aparece como passo inovador influenciando as
administrações municipais a modificar as relações do Poder Público com a
sociedade civil como atestam as experiências de muitas cidades que a partir da
22
Não se objetiva, nesta seção do trabalho, realizar um estudo exaustivo sobre a experiência do Orçamento
Popular de Teresina, apenas fundamentar questões importantes para a compreensão do objeto de estudo desta
dissertação.
91
experiência pioneira e consolidada de Porto Alegre tem-se multiplicado no Brasil
(SOUSA, 2003, p. 1).
Na cidade de Teresina não foi diferente, o Orçamento Popular implantado na capital
do Piauí, em 1997, foi fortemente influenciado pela experiência de Porto Alegre-RS, que
desenvolve o Orçamento Participativo, uma modalidade de gestão pública fundamentada na
participação popular.
Um representante da Prefeitura de Teresina, em entrevista concedida à pesquisadora,
afirmou que os técnicos da Prefeitura realizaram pesquisas e estudos dessa experiência com o
propósito de assimilar idéias, critérios e propostas importantes que pudessem ser utilizadas
em Teresina. O Orçamento Popular de Teresina caracteriza-se
como mediador entre governo e população, responsáveis por abrir o processo de
elaboração orçamentária, atributo peculiar do Poder Executivo Municipal, à
participação Social. Proporcionando em 1998 mudanças significativas no processo
participativo da comunidade na definição dos investimentos públicos municipais
(PIAUÍ, 2003, p. 50).
Segundo Pitanga (2006, p. 67), são dois os motivos da inserção da participação
popular no Orçamento Popular de Teresina na gestão de Firmino Filho, um diz respeito às
forças políticas articuladas em sua campanha, que “tinham entre seus compromissos de
campanha a instituição da participação popular na gestão municipal”. O outro fator
colaborador na configuração do Orçamento Popular foi “o fato de que, com essa ferramenta
na gestão pública, as reivindicações da sociedade civil poderiam ser sistematizadas através
das consultas realizadas junto à população” (PITANGA, 2006, p. 68).
Para Façanha (2006), outra questão deve ser colocada, no caso, o uso do termo
Orçamento Popular ao invés de Orçamento Participativo, como é conhecido em diferentes
municípios brasileiro. Segundo esse autor o
aumento das experiências de Orçamento Participativo no Brasil, na década de 1990,
introduziu “novas relações” entre os gestores públicos e a sociedade na definição de
políticas públicas em interlocução com as demandas da população. A idéia do Poder
Público local era de reproduzir um modelo de gestão, incorporando uma nova
roupagem em experiências que estavam detendo de uma credibilidade pela opinião
pública. A forma como o Orçamento Popular de Teresina foi, conduzido, na gestão
da cidade, revelou um poderoso instrumento de legitimação da vontade política
dominante (FAÇANHA, 2006, p. 8).
A inclusão da participação popular via Associações de Moradores, Conselhos
comunitários, lideranças do Movimento Popular, Federações, entre outras formas de
representação popular no Orçamento público ou, pelo menos em parte dele, foi inovador por
permitir uma relação mais democrática entre Estado e sociedade civil. Para que a participação
92
seja efetivada, esta deve ocorrer na elaboração, na definição do uso dos recursos, bem como
no acompanhamento do Orçamento Programa Anual. O Orçamento Popular vem se
consolidando como uma
prática de contínuo aprimoramento, baseado no diálogo permanente e no
envolvimento de todos – moradores, movimentos organizados e entidades – que a
partir da multiplicidade de idéias apontam soluções para os problemas de cada
localidade” (PIAUÍ, 2004).
O Orçamento Popular de Teresina encontra-se sistematizado em etapas, sendo que ao
longo desses anos as estas vêm sofrendo alterações decorrentes dos debates e discussões entre
seus participantes com o propósito de aperfeiçoá-las. A verdade é que não foi mantida uma
estrutura fixa para o Orçamento Popular, pois o processo não está fechado, “continua em
debate e aberto à reestruturação, conforme os problemas que vão surgindo até se chegar a uma
estrutura que esteja mais próxima da realidade local e condizente com o pensamento dos
sujeitos participantes da experiência” (PITANGA, 2006, p. 72).
Em 2002, bem mais estruturado, o Orçamento Popular dividia-se em três etapas. Na
primeira são realizadas as assembléias para eleição de representantes de entidades cadastradas
na Coordenação do Orçamento Popular em cada ano correspondente. Sendo que
aqueles que desejarem ser representante de entidade para, na etapa seguinte,
candidatar-se a delegado e participar da Comissão do Orçamento Popular deverão
registrar suas candidaturas nas entidades, e depois as próprias entidades marcarão o
dia, local e hora da eleição, obedecendo aos prazos determinados. Poderá ser eleito
um representante por cada entidade. Todo o processo será cuidadosamente
acompanhado pela SEMPLAN (PIAUÍ, 2002).
É mostrada aos presentes, durante as Assembléias, a prestação de contas do ano
anterior, o plano de investimentos para o ano em execução, como também divulgada a
metodologia a ser utilizada na operacionalização do Orçamento Popular para o ano
subseqüente.
A segunda etapa corresponde aos fóruns para a eleição de delegados e propostas para
cada regional/zona. Nesses fóruns são debatidas, pelos participantes, as principais prioridades
em termos de políticas para a zona na qual o representante reside. Dentre as ações municipais
por função de governo, ou seja, as de responsabilidade da Prefeitura, as quais são debatidas
nos fóruns, podem ser citados os seguintes setores: habitação, urbanismo, saneamento, saúde,
educação, esporte/lazer, cultura, transporte, agricultura/abastecimento, economia/emprego e
renda, assistência social e meio ambiente.
A terceira etapa consiste na formação da Comissão Municipal do Orçamento Popular,
responsável por receber as propostas selecionadas nos fóruns,
93
estudá-las, decidir como enquadrá-las no Orçamento Municipal, de acordo com as
fontes de recursos existentes. Para isso, deverá aprovar seu Regimento Interno,
apreciar os quadros analíticos e as informações disponíveis. Ao final dos trabalhos,
apresentará um relatório por regional e zona rural contendo todas as propostas a
serem incluídas na Lei Orçamentária Anual (PIAUÍ, 2004).
A Comissão Municipal do Orçamento Popular deve ser composta pela representação
popular, do movimento popular, do Poder Executivo municipal e da Câmara municipal.
Em entrevista, concedida à presente pesquisadora, um dos técnicos da Secretaria
Municipal de Planejamento, da Divisão do Orçamento Popular, fez alguns esclarecimentos
sobre a sistematização do Orçamento Popular, afirmando que o orçamento é composto de
três etapas, uma delas é a Assembléia. Cada entidade se cadastra no Orçamento
Popular e vai marcar uma assembléia na sua comunidade. O presidente daquela
entidade vai comunicar todo o bairro ou toda vila, todos que moram ali ao redor para
participar dessa reunião e apontar prioridades para aquele local. Depois de apontar
as prioridades, a gente leva para um fórum zonal, é com se fosse uma espécie de
funil. [...] Então nessa etapa, na etapa dessa assembléia a gente tenta fazer uma
espécie de filtro. Então a primeira etapa seria essas assembléias. Escolheram as
propostas ali, eles passam para os fóruns. Nos fóruns zonais eles escolhem
quantidade x de propostas para serem estudadas e discutidas na comissão [...]. Na
comissão, os critérios vão sendo estes, na comissão existe um estudo de viabilidade
técnica destas propostas que é o estudo in loco, a gente vai com representantes da
comunidade, com representantes da Associação, do movimento popular, do Poder
Executivo, técnicos para nos instruir para dizer se aquela obra realmente é viável ou
não, porque que é viável porque não é viável (Marcela, funcionária da Prefeitura de
Teresina).
Essa sistematização passou por mudanças no transcorrer desses anos, sendo que, em
2002, devido à reforma administrativa municipal, que consistiu em descentralizar as
atividades da Prefeitura pelas regiões da cidade, criando as Superintendências, surgiu a
necessidade de que se formulassem as propostas do Orçamento Popular de forma
regionalizada, ou seja, os
participantes decidirão as propostas prioritárias, conforme determinada região da
cidade ou da zona rural, em todos os temas, em todas as funções de governo. Os
delegados, antes divididos por temas, debatiam sobre as correspondentes propostas
para toda a cidade, inclusive áreas que podiam não conhecer o suficiente para uma
decisão responsável (PIAUÍ, 2002).
Tal mudança possibilitou que os delegados pudessem realizar uma decisão mais
coerente, por conhecerem melhor a zona que representam. Entretanto, estas não foram as
únicas mudanças, pois constantemente buscaram-se redefinir números, técnicas e critérios que
possibilitassem melhor funcionalidade para o Orçamento Popular. Assim, a SEMPLAN/PMT
procurou adequar o Orçamento Popular de Teresina, ou seja, sua metodologia, a partir de
sugestões apresentadas nos fóruns, nas assembléias e na Comissão municipal pelos delegados
e representantes das diferentes entidades.
94
A análise da Tabela 7, a seguir, auxilia no entendimento da representatividade e da
materialização do Orçamento Popular em Teresina. Quanto às obras referentes à infra-
estrutura urbana, 475 foram aprovadas e 150 deixaram de ser realizadas; as de infra-estrutura
social somaram 317 aprovadas e 147 não foram executadas; com relação às de infra-estrutura
econômica, foram aprovadas 84, sendo que, destas, 29 não chegaram a ser realizadas até o ano
de 2004.
Por conseguinte, das 876 propostas aprovadas, 326 não tinham sido executadas até a
efetivação do relatório pesquisado, o que corresponde a 37,21%. Trata-se de um número
considerável de propostas não executadas, o que pode acarretar algumas conseqüências como,
por exemplo, a perda da credibilidade da sociedade teresinense para com o Orçamento
Popular; a desmobilização social; ou seja, as entidades não atendidas podem não se sentirem
motivadas a participar nos próximos orçamentos; os delegados ou as lideranças podem ser
deslegitimados em suas comunidades, por serem associados a não realização das obras. Além
dessas questões, pode-se afirmar que, se as obras foram aprovadas de acordo com os recursos
destinados para aquele respectivo ano e para aquela localidade e não foram executadas, houve
uma má gestão desses recursos ou um grave erro da Comissão responsável pela análise da
viabilidade da respectiva obra, entre outros motivos.
Quanto à participação das diferentes entidades e organizações no Orçamento Popular
de Teresina, Façanha (2005) assevera que ficou
visível o baixo grau de participação devido, em especial ao fato de que os recursos
aplicados foram insignificantes, além do que o Poder Público não tem conseguido
cumprir com as propostas agendadas, fato que tem gerado um desencanto em relação
ao OPT, já que as obras elencadas não foram construídas. Esses fatos propiciam o
não fortalecimento das lideranças comunitárias, ao contrário, as joga ao descrédito
perante as suas representações na comunidade, gerando assim, uma participação
apenas como consultiva (FAÇANHA, 2005, p. 8).
95
Tabela 7 – Situação de execução da meta física das ações do orçamento popular por segmento anos:
1998-2004.
Fonte: Relatório do Orçamento Popular, jun. 2005.
O motivo apresentado para a não realização das obras aprovadas no Orçamento
Popular foram os parcos recursos a ele destinados. Para se ter uma idéia da quantia
disponibilizada para esse programa, podem ser observados os seguintes dados: em 1998, o
percentual do valor investido no Orçamento Popular no que diz respeito à receita realizada foi
de 3,42%; em 2000, foi de 3,40%; em 2002, esse percentual caiu para 2,06%. Nos anos
seguintes, esse percentual continuou reduzido, chegando a atingir, em 2004, 1,68%
(SEMPLAN apud PITANGA, 2006, p. 83). Para que o Orçamento Popular de Teresina tenha
continuidade faz-se necessário que se cumpram as deliberações
determinadas pelas populações, para que esse possa adquirir legitimidade como um
canal apropriado à democracia e à cidadania. A implementação de mecanismos
práticos de participação e o compromisso do governo em fazer aquilo que a
população decide são fundamentais para superar as barreiras burocráticas que
separam a sociedade civil do Estado (Poder Municipal) e para a Constituição de uma
cidadania ativa e mobilizada (SOUSA, 2003, p. 46).
São muitas as dificuldades para que se coloque uma proposta como o Orçamento
Popular em prática, pois as cidades estão em constantes transformações, em ritmos variados,
isto porque seus citadinos possuem interesses e valores diversos. No entanto, tais dificuldades
Nº DE AÇÕES
EXECUTADO
EM
EXECUCÃO
INEXEQ
NÃO EXECUTADO
TIPOS DE SEGMENTOS
PREVISTAS
1998-2004
TOTAL % TOTAL % TOTAL % TOTAL %
INFRA - ESTRUTURA URBANA 475 296 61,16 21 4,42 8 1,68 150 31,58
URBANISMO
296 210 43,39 9 3,04 7 2,36 70 23,65
SANEAMENTO
157 79 16,32 10 6,37 1 0,64 67 42,68
TRANSPORTE
22 7 1,45 2 9,09 13 59,09
INFRA - ESTRUTURA SOCIAL
317 146 30,17 11 3,47 13 4,10 147 46,37
HABITAÇÃO
148 69 14,26 9 6,08 4 2,70 66 44,59
EDUCAÇÃO
69 36 7,44 3 4,35 30 43,48
SAÚDE
35 10 2,07 1 2,86 24 68,57
ASSISTÊNCIA SOCIAL
17 5 1,03 1 5,88 11 64,71
CULTURA
7 3 0,62 0 0,00 4 57,14
ESPORTE E LAZER
41 23 4,75 2 4,88 4 9,76 12 29,27
INFRA - ESTRUTURA
ECONÔMICA
84 42 8,68 8 9,52 5 5,95 29 34,52
AGRICULTURA/ABAST.
44 22 4,55 4 9,09 3 6,82 15 34,09
ECONOMIA/EMPREGO E RENDA
40 20 4,13 4 10,00 2 5,00 14 35,00
TOTAL 876 484 100,00 40 4,57 26 2,97 326 37,21
96
não podem coibir experiências participativas em que os citadinos podem debater, propor e
deliberar sobre seu espaço. O Orçamento Popular é uma dessas experiências que
oferece amplas possibilidades e potencialidades: além de contribuir para a
diminuição das disparidades de infra-estrutura entre as diversas partes do município
(sua utilidade mais material, palpável), ele pode funcionar como uma verdadeira
“escola” de participação e exercício de cidadania (sua utilidade, por assim, dizer,
político-pedagógica). Embora se trate de um canal institucional criado pelo Estado
(ainda que, em alguns casos, por pressão de ativismos sociais), ele pode incentivar
uma autêntica participação das pessoas no processo de planejamento e gestão de sua
cidade ou, mais precisamente, de seu município (SOUZA, 2004, p. 80).
Feitas estas considerações sobre o Orçamento Popular de Teresina, no que diz respeito
a sua origem, estrutura, sistematização, bem como dados de pesquisas de outros autores que
trabalharam tal experiência, discutir-se-á, na Parte 4, até que ponto a Vila Wall Ferraz foi
provida de condições de habitabilidade e como se deu a relação entre moradores e o Poder
Público nesse processo.
97
4 O GOVERNO MUNICIPAL DE TERESINA E A ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES DA VILA WALL FERRAZ NA CONSTRUÇÃO DO
DIREITO AO HABITAR
Por trás dos cartões-postais, há uma
imensa cidade à deriva. Silenciosa, agregada e
excluída dos círculos e parâmetros formais,
contudo integrante dessas múltiplas realidades
urbana.
Ângela Gordilho Souza
4.1 UMA BREVE CARACTERIZAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA, ECONÔMICA E
ESPACIAL DA VILA WALL FERRAZ NO CENÁRIO TERESINENSE
A Vila Wall Ferraz é resultado de uma ocupação coletiva de terra na zona sul de
Teresina, em dezembro de 1987, um período de efervescência da mobilização dos
movimentos sociais pelo acesso à terra urbana em Teresina; ou seja, de um grande número de
ocupações de terras em todas as regiões da cidade. A referida Vila foi ganhando novas formas
e traços; muitas destas formas em desarmonia com os padrões urbanísticos; como, por
exemplo, casas sem condições adequadas de construção, ruas sem pavimentação, ausência de
transporte público nas proximidades e falta de infra-estrutura básica a seus moradores.
Nos últimos dez anos, a Vila Wall Ferraz foi se consolidando, adquirindo novos
serviços. Alguns moradores fizeram reformas em suas casas; as ruas foram calçadas; as casas
foram providas de energia elétrica e abastecimento de água; surgiram novos moradores; foram
realizadas melhorias habitacionais em algumas unidades, entre outras mudanças.
No entanto, mesmo com algumas obras realizadas no período em análise, a Vila
necessita de alguns serviços e equipamentos urbanos ou melhorias dos serviços já existentes,
uma vez que ainda há moradias com padrões construtivos precários que requerem reformas.
Além desse quadro, outras questões merecem a atenção, tais como: apenas uma linha
de transporte público beneficia a Vila; existem terrenos ociosos que poderiam ter uma
finalidade social; parte das famílias não possui o imóvel registrado em cartório; existe
coabitação familiar e o desgaste da infra-estrutura física, como sistema de abastecimento de
água, energia elétrica e de pavimentação em certas ruas.
A trajetória da Vila Wall Ferraz vai da ocupação da terra de um loteamento da
Imobiliária Batista Paz, perpassa pela luta, manutenção e regularização do terreno,
adversidades, como conflitos e negociações entre o proprietário do loteamento e o Poder
Público municipal, e se estende com reivindicações pelo acesso à infra-estrutura física e
98
comunitária, como pavimentação de vias, saneamento básico, melhorias habitacionais,
creches, escolas, centro de produção, entre outras.
Trajeto este permeado de interesses, lutas, conflitos, mediações entre os agentes
envolvidos, no caso, o Estado, em âmbito municipal, responsável pela provisão de políticas
urbanas e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, representante dos moradores que
lutam por melhorias para a comunidade. Estas questões serão analisadas nas próximas seções.
O número de famílias e domicílios na Vila Wall Ferraz alternou-se ao longo dos anos.
Em 1993, o número de domicílios era de 139, não sendo registrados no Censo de Vilas e
Favelas realizado pela Prefeitura de Teresina; em outras palavras, as famílias não eram
cadastradas. Entretanto, em 1996, utilizando como base o mesmo documento, o número de
domicílios diminuiu para 127; e, em 1999, para 118, conforme pode ser constatado na Tabela
8. Em 2002, esse número eleva-se para 128 domicílios, com base no Relatório de Avaliação
do Projeto Vila-Bairro, documento XXII, realizado pela OFERTA-Assessoria e Consultoria
em 2002. Em 2005, o número de famílias chega a 245, segundo dados da Associação de
Moradores. Esse acréscimo se deve à ocupação de um terreno da Imobiliária que não fora
ocupado desde a formação da Vila Wall Ferraz.
23
Tabela 8: Evolução Demográfica da Vila Wall Ferraz.
POPULAÇÃO
ANO
Masc. Fem. Total
N° de DOMICÍLIOS N° DE FAMÍLIAS
1996 263 257 520 127 127
1999 244 228 472 118 119
2002 - - 512* 128** -
Fonte: Censo das Vilas e Favelas de Teresina – PMT/SEMTAS/SEMHUR – 1996 e 1999.
(*) Estimativa com base no número médio de pessoas por domicílio, apontado pelo Censo das Vilas e Favelas de
1999 (4,00). (**) Pesquisa direta – setembro/2002, realizada.
A referida Vila está localizada no Bairro Santa Cruz, zona Sul da cidade (Mapa 1), um
bairro marcado pela concentração de vilas, favelas e parques, resultado das ocupações
informais. O Bairro Santa Cruz possui os seguintes limites: a Leste, o Bairro Santo Antônio; a
Oeste o Bairro Areias; ao Norte o Bairro Promorar; e ao Sul o Bairro Santa Fé. É oportuno
destacar que até 1983 essa área não tinha sido ocupada com finalidade de habitação.
23
É importante ressaltar que essa nova ocupação agregada à Vila Wall Ferraz não foi objeto de análise da
pesquisa que ora se apresenta, haja vista que esta ocorreu em um período posterior a seu recorte temporal.
99
Localizacão do bairro Santa Cruz, Teresina - PI
P
O
T
I
R
I
O
P
R
A
I
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B
A
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I
P
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T
I
TERESINA
PIAUÍ
BRASIL
LEGENDA
LIM. DE BAIRROS
LIM. DA Z. URBANA
CURSO D' ÁGUA
PROJEÇÃO UNIVERSAL TRANSVERSA DE MERCATOR
ORIGEM DA QUILOMETRAGEM UTM - EQUADOR E MERIDIANO 45º W GR
DECLINAÇÃO MAGNÉTICA DO CENTRO DA PLANTA EM 2003 16º 19’ CRESCE ANUALMENTE
PLANTA ADQUIRIDA ATRAVÉS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA (PMT) EM 2003
NA ESCALA ORIGINAL DE 1:25.000.
© 2004 MARCOS PEREIRA DA SILVA
ESCALA 1 : 22.000
0,56KM 0 0,56 1,12 1,68 2,24KM
PLANTA BAIXA DO BAIRRO SANTA CRUZ
Mapa 1 – Localização do Bairro Santa Cruz. Teresina-PI.
Fonte: Fonte: PIAUÍ, PMT,Teresina, [2003].
100
Para melhor entendimento desse processo, a análise da Fotocarta 1, a seguir,
corresponde ao ano de 1983, onde se visualiza a área que constituirá o Bairro Santa Cruz,
representada pela letra “D”. No espaço correspondente à letra “C”, estava em processo
construtivo o conjunto Promorar. Tal conjunto fora construído para reassentar famílias de
vilas e favelas de outras áreas da cidade, conforme citado na Parte 3 deste estudo.
A análise da Fotocarta, ou seja, a Fotointerpretação dessa área, utilizando como apoio
fotogramétrico a Fotografia aérea CEPRO Terra, Foto faixa 23/0-375, mostrou que ao Sul
desse conjunto existia uma vasta área onde não havia o seu uso para moradia, fato que se deve
à distância do centro da cidade e, conseqüentemente, da rede de serviços públicos.
A mesma apresentava vias secundárias, ou seja, sem pavimentação, que eram
utilizadas por proprietários de lotes não urbanizados e por exploradores de seixos e maçará,
materiais utilizados na construção civil. Foram observadas também áreas desmatadas.
A área representada pela letra “D” aos poucos vai sendo ocupada por famílias de baixa
renda, a partir de ocupações informais ou da aquisição de um terreno em loteamentos
irregulares sem qualquer infra-estrutura.
Utilizando uma cartaimagem – 01, do ano de 2003, demonstrada a seguir, que
compreende o Bairro Promorar, representado pela letra C e o Santa Cruz, representado pela
letra D, é possível visualizar o quanto essa área se expandiu, em função das constantes
ocupações informais de terras que constituíram as Vilas Santa Cruz, Bom Jesus, Wall Ferraz,
São José da Esperança, Santa Rita, Planalto Santa Fé, Residencial Betinho e da compra de
lotes em loteamentos irregulares que ocorreram entre os anos de 1983 a 2003 nessa área.
Com mais de vinte anos de história, o Bairro Santa Cruz evidencia, em sua geografia,
como esses movimentos sociais urbanos organizados em Associações de Moradores e
Conselhos lutaram e lutam para obter e consolidar seus direitos de usufruir a cidade de
Teresina; ou seja, o acesso à energia elétrica, abastecimento de água, saneamento básico; ao
posto de saúde, ao transporte, ao emprego e, principalmente, à casa própria. Sabe-se que estes
não foram os únicos responsáveis pela produção deste espaço, posto que outros agentes
produtores do espaço urbano participaram deste processo, como, por exemplo, os
imobiliários, o Estado, os fundiários e proprietários do meio de produção.
101
Mapa 2 – Fotocarta, representando a área Teresina-PI.
Fonte: PIAUÍ, PMT,Teresina, [1983].
102
Em 2002, essas Associações e Conselhos do Bairro Santa Cruz já perfaziam 13
organizações comunitárias; são elas: Associação Comunitária da Creche Tia Zenaide;
Associação de Moradores da Vila Bom Jesus; Associação de Moradores da Vila Santa Cruz;
Mapa 3 – Cartaimagem, representando a área Teresina-PI.
Fonte: Construtora NESA, Teresina, [2003].
C
D
C
D
103
Associação de Moradores do Residencial Betinho; Associação de Moradores da Vila Wall
Ferraz; Associação de Moradores da Vila São José da Esperança; Associação de Moradores
do Residencial Alto Bonito; Associação de Moradores do Conjunto Santa Fé; Conselho
Comunitário da Vila São José da Esperança; Conselho Comunitário do Conjunto Santa Fé;
Conselho Comunitário da Vila Santa Rita; Conselho Comunitário da Vila Bom Jesus Sul e
Grupo de Saúde da Vila São Jose da Esperança.
Quanto aos aspectos demográficos, o Bairro Santa Cruz possuía, em 2000, uma
população de 8.765 habitantes, segundo a publicação da Prefeitura “Teresina em Bairros”
(2005). Desse universo, 2.099 habitantes viviam em domicílios permanentes, registrando uma
densidade habitacional de 4,7 (hab/domicílio). Segundo as condições de ocupação dos
domicílios, em 2002, 1904 são próprios, 144 são alugados e 51 são de outro tipo. Segundo
essa mesma publicação, o bairro possuía 13 organizações comunitárias, entre elas,
Associações de Moradores, Conselhos Comunitários e um grupo de Saúde (PIAUÍ, 2005).
Levando em consideração os aspectos infra-estruturais e socioeconômicos do Bairro
Santa Cruz, este possui, em 2005, um centro de produção com 11 artesãos, que realizam
atividades, tais como confecções, produtos de armarinho, artesanato e eletrônica. Além disso,
possui cinco creches, sendo que 1.744 famílias são atendidas pelo Programa Saúde da
Família, e a renda média mensal das pessoas responsáveis pelo domicílio é de R$ 376,49 reais
(PIAUÍ, 2005).
Os dados e informações presentes nas publicações da PMT sobre o Bairro Santa Cruz
evidenciam que muitos projetos e políticas foram e são desenvolvidos para atender a seus
moradores; como, por exemplo, a construção de um centro de produção, o Programa Saúde da
Família, creches, uma quadra de esportes, uma praça, campo de futebol, entre outras obras.
Entretanto, ainda há muito a ser realizado para que se possa garantir o direito ao
habitar a seus moradores, pois muitos problemas ainda são encontrados no seu espaço, tais
como: terrenos ociosos sem uma finalidade social; ruas sem pavimentação; ausência de linhas
de ônibus que permitam maior acessibilidade aos demais bairros; escolas dos níveis de Ensino
Fundamental e Médio; moradias com padrões construtivos precários; irregularidade fundiária
na posse de terrenos; coabitação familiar; forte densidade populacional relacionada ao
domicílio; moradias em situação de risco, entre outros.
Dentre os núcleos que compõem o Bairro Santa Cruz, a Vila Wall Ferraz despertou a
atenção por sua heterogeneidade de aspectos presentes em seu espaço: terrenos ociosos; casas
construídas com materiais precários; coabitação familiar; esgoto a céu aberto; moradias com
bons padrões de construção e casas muito próximas.
104
A Vila Wall Ferraz é uma ocupação consolidada, posto que em seus dezenove anos ela
se encontra servida de certos serviços e os moradores não são ameaçados de despejo; além
disso, estes possuem a concessão do título de uso e posse, muito embora para algumas
famílias o referido título não seja suficiente, por não estar registrado em cartório.
Muitas dessas famílias construíram suas casas com materiais precários, sendo que, no
decorrer do tempo, foram realizadas melhorias por seus moradores, de acordo com o poder
aquisitivo de cada família; contudo, outras habitações permaneceram com condições
estruturais frágeis.
Entretanto, para muitas dessas famílias, foi-lhes restringido o direito ao habitar, devido
às reduzidas políticas urbanas voltadas à melhoria habitacional, ao não acesso a créditos em
agências financeiras, para viabilizar reformas em suas residências e ao seu empobrecimento, o
que lhes impede de investir em melhorias habitacionais. Compreende-se que estas melhorias
não se restringem apenas à estrutura da casa, mas a um conjunto de equipamentos que
proporcionem qualidade de vida às famílias, como, por exemplo, banheiros no interior do
domicílio, iluminação pública, condições sanitárias satisfatórias, pavimentação das ruas e a
propriedade do terreno. Assim, a questão do déficit habitacional está além da construção de
novas habitações, mas dizem respeito tamm ao acesso a serviços e obras públicas bem
como à adequação do domicílio a sua família.
4.2 A VILA WALL FERRAZ E SUA HISTÓRIA DE LUTA POR CONDIÇÕES DE
HABITABILIDADE NO PERÍODO DE 1987 A 1995
A Vila Wall Ferraz é resultado de uma ocupação informal de um terreno da
Imobiliária Batista Paz, que estava sendo loteado e se caracterizava como um loteamento
irregular, por ser desprovido de infra-estrutura condizente ao bem-estar das famílias, como o
acesso a ruas pavimentadas, abastecimento de água, energia elétrica, serviços de transporte
público, entre outros serviços e equipamentos urbanos.
A ocupação ocorreu de forma coletiva, ou seja, um grupo de famílias decide
previamente ocupar aquela propriedade, sendo que, logo após a ocupação, outras famílias
chegaram, na tentativa de obter um lote e somar forças a essa luta.
Muitas famílias já iniciavam a construção de suas casas no loteamento, quando um
grupo de famílias deu início a uma ocupação informal dos lotes que não haviam sido vendidos
até aquele momento, bem como de terrenos no entorno do loteamento. Essa ocupação ocorreu
em dezembro de 1987, na gestão do prefeito Wall Ferraz, um período caracterizado por
105
constantes ocupações de terras em Teresina e de grande mobilização popular por melhorias no
espaço de sua moradia.
A Vila Wall Ferraz possui uma história de mobilizações que se inicia em um período
de efervescência dos movimentos sociais por moradia em Teresina, no caso, a segunda
metade da década de 80 do século XX, conforme citado na Parte 3 do presente trabalho. Esse
é um momento no cenário político, econômico, social e espacial de Teresina marcado por
inúmeras ocupações de terras, conflitos entre proprietários e ocupantes, manifestações
públicas, constituição de associações de moradores e federações.
Destarte, foi um momento particular da história dos movimentos sociais em Teresina,
que ganham maior espaço no cenário político, caracterizado pelo processo de
redemocratização. Tal processo trazia em seu bojo a pauta da participação popular na
elaboração de políticas e programas, bem como a maior liberdade aos movimentos sociais
para expressar suas idéias, reivindicar e realizar suas mobilizações.
Diante desse quadro político que ganhava corpo e de uma realidade marcada por
concentração de terras, ausência de políticas habitacionais que satisfizessem o déficit
habitacional e devido aos parcos recursos de parcela da população para suprir suas
necessidades de moradia, parte dessas famílias foram levadas a ocupar novas terras. Portanto,
foram variados os motivos para a ocupação, o que se deve ao fato de muitas dessas famílias
não terem condições de morar de aluguel, por conflitos conjugais, ausência de condições
financeiras para comprar um lote de terra e construir uma casa em um terreno provido de
infra-estrutura adequada, entre outros. Em seu depoimento, a moradora Teresinha diz que
morava no Promorar nesta época, aí surgiu aqui essa ocupação. Meu marido veio e
tirou um pedaçinho de terra para mim, isso foi em maio de 1987. A casa no
Promorar era da gente só que meu marido era casado com outra mulher. A gente
vendeu a de lá. Aí quando foi no final do ano nós ganhamos o terreno. Aí a gente
veio (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Em outro depoimento, a moradora que participou da ocupação relata as dificuldades
financeiras de custear o aluguel do imóvel em que morava:
Nesse tempo com minha menina, a gente pagava um aluguel muito caro, era dois mil
cruzeiro. Na época a gente não tinha como pagar aí surgiu essa invasão aqui, aí uma
colega da gente que chegou por aqui chegou lá dizendo, “minha gente vamo olhar ali
uns terreno que tão ali invadindo pra ver se vocês consegue um pedaço de chão”. Aí
eu disse logo, “eu tenho muito medo dessas coisas num vou entrar”, “não tem dono
não, não é propriedade de ninguém não”, fica ao lado da imobiliária, do lado, mais
não pertence não, é a rua, aí minha filha Elza veio com mais umas amigas. Aí
quando chegaram aí, o povo já tava cortando, aí a Elza já procurou roçar um
pedacinho, foi num domingo, aí ela saiu e deixou o serviço da barraquinha
impeleitado, os home fizeram. Quando foi na terça feira nos já mudamo porque era
106
obrigado, ninguém mesmo tinha plano de ir, eu doente (Amanda, moradora da Vila
Wall Ferraz).
Nesse período, eram intensas as ocupações de terras de propriedade do Município,
Estado ou União, por famílias que buscavam obter a casa própria a partir de negociações com
essas esferas do governo.
Essa prática tornou-se intensa pelo fato de que, nesse período, algumas ocupações
lograram êxito; ou seja, conseguiram a posse da terra a partir da desapropriação, motivando
muitas famílias a recorrerem a esse mecanismo para construírem suas casas e,
conseqüentemente, deixarem de pagar aluguel; saírem de áreas de risco, ou sair da casa de
parentes para poderem constituir suas famílias em suas próprias residências.
A Vila Wall Ferraz insere-se nesse contexto; encontrou forte resistência por ter
ocupado terreno de uma imobiliária que iniciara, neste mesmo local, a venda de lotes. Ocorre
que a ocupação de parte das terras da imobiliária e do seu entorno representava para o
proprietário do terreno a desvalorização de seu empreendimento. Assim, a ocupação foi
marcada por conflitos entre os moradores e o proprietário da terra, ocorrendo em certos
momentos fortes tensões, conforme se pode constatar no relato da moradora da Vila Wall
Ferraz:
Agente sofreu muito para consegui isso aqui. Os tratores [...] O dono da terra
mandava os tratores para derribar as casas da gente. Foi muita luta. A gente sofreu
muito aqui muito, muito mesmo (Amanda, moradora da Vila Wall Ferraz).
Conforme pode ser comprovado nas atas das reuniões e nos depoimentos dos
moradores entrevistados, todo esse processo que compreende a ocupação da terra,
permanência e reivindicações por serviços urbanos necessários aos moradores foi tortuoso, e
margeado por conflitos com o proprietário do terreno ocupado, que, em alguns momentos,
ameaçou as famílias de terem seus barracos derrubados por tratores.
No depoimento da moradora Amanda, fica claro que nesse período conflituoso,
quando o número de famílias foi aumentando na ocupação, a repressão do proprietário ganhou
maior intensidade. Segundo a moradora:
Foi enchendo, foi enchendo de mais gente quando já tinha muita barraca, aí lá se
vem o batistazão (Proprietário das terras ocupadas) caiu no mundo aí por que era ao
lado das terras dele, e ia impatar a venda dos terrenos dele, mais aí tinha umas
barraca feita na frente da minha aí o tratorzão já vei de lá derrubando barraco, todo
mundo correndo todo mundo correndo, nessas alturas eu já tava dentro de casa desse
jeito, sabe. Aí eles chegaram e disseram pra gente sair, eu fui e disse pra ele “rapaz
daqui eu não vou sair, eu só saio daqui só se for os pedaços, porque mesmo eu não
tenho pra onde ir e outra coisa eu não tô em terreno dos outros, nós aqui nós
ocupamos uma rua não foi seu terreno, tá aí seus terreno do mesmo jeito, só não tá
limpo porque tá cheio de mato, então isso aqui não é terreno seu, e daqui não vou
107
sair aqui, nós vamos lutar pra ganhar um lote seja onde for” (Amanda, moradora da
Vila Wall Ferraz).
Dessa forma, a luta pela terra na Vila Wall Ferraz foi marcada por vários momentos de
embates, o que se deve ao fato de o terreno ocupado ser de uma imobiliária, no caso, a Batista
Paz. Cumpre observar que, à época, foi necessária a intervenção do Poder Público municipal
para mediar tal conflito, segundo afirma a moradora Teresinha:
Foi em 1987, 1990 por aí assim, o prefeito Wall Ferraz, na época compro o terreno.
Só que não tá regularizado no cartório ainda não. Ele indenizou a Imobiliária pelo
meado de 1990, 1989, nessa época aí. Mais não está registrada em cartório, aqui
(Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
A Prefeitura de Teresina, gerida neste período por Wall Ferraz, foi a principal
mediadora do conflito pela posse da terra entre as famílias da Vila Wall Ferraz – que
nomearam a ocupação com o nome do gestor vigente – e a Imobiliária Batista Paz. A
Prefeitura comprou o terreno da referida Imobiliária e o loteou para as famílias ocupantes,
depois de muitas discussões e mobilizações em prol da permanência na terra, por parte dos
moradores, e de negociações do proprietário do loteamento com o gestor público. Ficou
caracterizado como um momento de fortes mobilizações em prol da moradia em Teresina,
posto que a reabertura política permitia e incentivara a participação popular. Surgem, então,
as Federações de Moradores; tem início a divulgação desses acontecimentos na imprensa;
fatores que funcionavam como catalisadores para que a área fosse desapropriada e a
permanência dos ocupantes fosse garantida. Uma das moradoras diz que recebeu o terreno e
que Wall Ferraz
fez o sorteio e deu para a gente e entregou os terrenos. Então a gente comemora no
dia 28 de dezembro de 1987, que foi o dia que a gente recebeu o terreno, foi uma
festa. A gente ocupou o terreno em maio e no dia 28 de dezembro do mesmo ano ele
já tinha negociado e fez a entrega dos terrenos lá onde é o PPO hoje (Teresinha,
moradora da Vila Wall Ferraz).
Os primeiros meses foram marcados pela ausência de serviços necessários para
garantir a esse grupo de famílias condições de habitabilidade, caracterizando as adversidades
encontradas nas ocupações de terras durante todo o seu processo de via de consolidação; ou
seja, de ganho e permanência na terra, o que fica evidente no depoimento da moradora
Antonia:
A gente sofreu muito viu, sem luz, sem água aqui tudo era mato. Foi uma batalha
muito grande, o padre da igreja, o padre Benedito da comunidade, nos ajudou muito.
Aí para a gente conseguir a gente encheu o caminhão de gente ia para lá (Prefeitura)
fazer zoada. (Antonia, moradora da Vila Wall Ferraz).
108
Nesse período de luta pela permanência e posse da terra, as casas apresentavam
características bem rústicas; eram construídas com materiais precários, como lonas, madeira,
papelão, pois corriam o risco de não ganharem a concessão de uso e posse; o que levaria à
perda de material e recursos investidos, o que para a maioria eram mínimos.
É possível constatar neste depoimento as precárias condições existentes nos primeiros
meses de ocupação, em que a casa da entrevistada era
só cobertinha por cima sabe, em redor só pano véi e papelão, tudo no aberto de dia,
tinha muita gente roçando, de noite todo mundo ia imbora e ficava só nós mulher,
sempre naquela fé de ganhar (Amanda, moradora da Vila Wall Ferraz).
Eram umas casinhas tapadas de palhas com as paredes enroladas de papelão, as
portas de pano (Antonia, moradora da Vila Wall Ferraz).
Em certos depoimentos, pode-se constatar que, nesse processo de mobilizações pela
posse, permanência na terra e acesso a serviços e equipamentos urbanos, essas famílias
contaram com o apoio de membros da sociedade teresinense; como, por exemplo,
representantes de igrejas, Federação de Associações de Moradores, no caso a FAMCC,
políticos e outras associações de moradores de favelas e vilas próximas.
Esses sujeitos ajudaram as famílias a se mobilizarem e a ganhar forma enquanto
movimento; segundo Teresinha:
Foi uma luta muito grande pra gente conseguir, mas aí a gente conseguiu a gente
levou muita sorte nessa época. Não foi muito fácil, mas acredito que pra algumas
vilas, algumas comunidades que tem que sofre muito, aqui foi uma das
privilegiadas (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Ao ser indagada sobre o que considerava como privilegiada, ou seja, por que a Vila
Wall era privilegiada, a entrevistada respondeu:
Porque na época tinha muita gente assim que vinha aqui na comunidade que eram
políticos e que simpatizaram pela comunidade né, pelo trabalho da gente que se
propôs a ajudar a gente e que lutaram com a gente e deu certo foi rápido. A gente
levou sorte nessa parte aí (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Nesse período, ganhavam força duas Federações de Associações de Moradores em
Teresina: a FAMCC e a FAMEPI, que prestavam assessoria a esses movimentos que
iniciavam suas atividades. No caso da Vila Wall Ferraz, a federação que auxiliou essas
famílias foi a FAMCC, até meados do ano de 1998. Essa assessoria da FAMCC pode ser
verificada nos depoimentos dos entrevistados, bem como nas atas das reuniões em que ficou
registrada a presença de lideranças dessa Federação. Segundo a moradora Amanda:
109
No tempo da luta dessa terra também teve a parceria da Trindade,
24
que foi uma
personagem muito importante, ela fazia parte da FAMCC né. Então ela se reunia
com o pessoal, reunia todas as associações de moradores (Amanda, moradora da
Vila Wall Ferraz).
As primeiras mobilizações desse grupo de famílias, enquanto movimento social,
ganham corpo com as primeiras reuniões, embora parte dessas famílias não tenha vivenciado
em outro momento tal prática, como pode ser observado no depoimento da moradora
Amanda:
Todas as tardes tinham reuniões, se encontrava para discutir o que estava
acontecendo, se precisasse levava os moradores. Nessa quem tava a frente de tudo
era a Socorro né. Ela é que tava à frente, eu era mais para o rumo dos moradores,
não entendia muito disso não, mas ajudava né. Mas, não entendia muito não.
Quando precisava assinar alguma coisa assinava, quando marcavam alguma coisa a
gente ia na Prefeitura. Mas não era muito a frente não, quem era mais a frente era ela
e seu Didi. Os que fundaram e que foram os primeiros presidentes foram eles
(Amanda, moradora da Vila Wall Ferraz).
Após a ocupação, os moradores buscaram formar uma Comissão para representá-los
junto ao proprietário da terra ocupada e ao Poder Público municipal, sendo que as
negociações, reuniões e mobilizações dão forma, em um segundo momento, à Associação de
Moradores. Sobre esses processos na Vila Wall Ferraz, um dos funcionários da Prefeitura de
Teresina relata:
Uma das primeiras coisas que eles faziam numa ocupação era criar uma comissão
que representasse as famílias, representa-se junto à Prefeitura junto ao proprietário
do terreno, junto à justiça e também para poder fazer todo o processo de organização
e articulação das coisas, de modo que elas ficassem onde elas estavam, onde elas
estavam ocupando. No segundo momento, ela passa dessa comissão para a
associação de moradores e depois essa associação de moradores cria um canal de
negociação com o Poder Público. Havia este processo, houve, se deu este processo
no caso da Vila Wall Ferraz que foi o mesmo caso da vila Bom Jesus, da vila São
José da Esperança e toda aquela região sul que é mais ou menos da mesma época
(João, funcionário da Prefeitura de Teresina).
A Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, depois desse processo de ocupação e
das primeiras reuniões e formações de comissões, constituiu-se em 1988, sendo registrada no
Cartório Temístocles Sampaio – 3° Oficio de Notas nos livros de Registro de Pessoa Jurídica,
no livro A n° 2, as folhas 97, sob n° de ordem 159, em março do mesmo ano.
Sobre o processo de formação da Associação de Moradores, uma das moradoras diz:
Uma pessoa nós elegemos. Era para ela dirigir a associação, para ir atrás das coisas.
Porque o morador ia, mais tinha que ter uma pessoa, uma cabeça para fazer isso. Por
24
Francisca Trindade, citada pela moradora, era integrante da FAMCC, no período da ocupação da Vila Wall
Ferraz; ela foi deputada estadual e federal nos anos posteriores.
110
isso que foi feito uma associação registrada e tudo (Fátima, moradora da Vila Wall
Ferraz).
Diante do quadro de carências de serviços públicos e de melhorias habitacionais na
Vila Wall Ferraz, a sua Associação de Moradores continua com mobilizações em prol de
condições de habitabilidade na década de 1990 e início do século XXI, uma trajetória marcada
por períodos de tensões, conflitos, vitórias e questionamentos. Lutas que perpassaram pela
posse e legalização da terra, bem como pela urbanização da área, entendida como aquisição
de infra-estrutura como abastecimento de água, energia elétrica, saneamento básico,
transporte, centro de produção, ou seja, garantir condições de habitabilidade.
Segundo um funcionário da Prefeitura de Teresina que acompanhou todo esse
momento histórico da Vila Wall Ferraz:
No caso da vila Wall Ferraz o que aconteceu, teve a ocupação e da ocupação a
comissão veio à Prefeitura né e a Prefeitura passou a saber da existência da vila,
passou a acompanhar o processo e depois eles passaram a fazer visitas permanentes
à Prefeitura trazendo reivindicações à Prefeitura (João, funcionário da Prefeitura de
Teresina).
Nas proximidades da Vila Wall Ferraz, existem ainda outras comunidades, cuja
história apresenta as mesmas características quanto à origem, à estrutura das casas e às
condições urbanísticas. Conforme relato do funcionário da Prefeitura que acompanhou as
mobilizações dessas comunidades:
Naquela região sul existiam três comunidades que estavam agrupadas de uma
maneira bastante desordenada que era a Vila Wall Ferraz, a Vila Bom Jesus e a Vila
São José da Esperança, não tinham arruamento, eram casas que a tipologia eram de
taipa, palha, não tinha as fossas, eram fossas negras e, portanto era situação bastante
precária de habitabilidade que existia naquela região (João, funcionário da Prefeitura
de Teresina).
Esse quadro caracterizado pela ausência de condições dignas de moradia leva as
famílias a se organizarem em Associações de Moradores e a reivindicarem junto ao Poder
Público suas principais demandas. As primeiras reivindicações encaminhadas à Prefeitura de
Teresina pelas famílias da Vila Wall Ferraz foram as seguintes:
A primeira era fazer a regularização fundiária, era preciso fazer o ordenamento das
casas, das ruas para que se pudesse a partir daí fazer a desapropriação da área e em
seguida se fazer a emissão do título de posse. A segunda reivindicação era de que
eles tinham fossas negras e queriam fossas sépticas. A terceira que foi apresentada
na hierarquização das prioridades foi a melhoria habitacional que naquela época era
considerada só a substituição do teto de palha por telha, visto que os tetos de palha
traziam muita insegurança para as famílias. Era muito comum naquela época
incêndio em vilas porque a cobertura das casas era de palha e bastava pegar fogo
numa casa e o vento se encarregava de espalhar por outros cantos. Então as
reivindicações que surgiram para a Prefeitura surgiram a partir desse processo (João,
funcionário da Prefeitura de Teresina).
111
Essas reivindicações pela posse e permanência na terra e posteriormente pelos serviços
básicos de melhoria da Vila foram discutidas na comunidade, em reuniões, e ganham
visibilidade, com a formação da Associação de Moradores. Enquanto movimento
reivindicatório, a Associação formava comissões de moradores para ir à Prefeitura com o
objetivo de:
Primeiro anunciar que eles existiam e que eles tinham uma reivindicação a fazer que
era a posse da terra e via de regra a principal reivindicação que eles tinham a
primeira era principalmente isso, a garantia da posse através do processo de
desapropriação. É a partir do processo de desapropriação que possibilitava a
regularização fundiária que garantia que eles de fato iam ficar no local e começava a
vim as outras demandas água, energia, calçamento e tudo mais (João, funcionário da
Prefeitura de Teresina).
Para as famílias, a posse e permanência na terra representavam o ganho real da
moradia. Com a aquisição do lote que foi doado pela Prefeitura, resultado da negociação com
o proprietário da terra em dezembro de 1987, os moradores continuam a sua mobilização,
para que outras demandas importantes, como o abastecimento de água, energia elétrica,
calçamento, fossas sépticas, transporte, entre outros equipamentos urbanos, importantes para
que uma vida com qualidade fosse alcançada.
Durante todo esse processo de luta pela posse e permanência na terra e pelos primeiros
serviços e equipamentos urbanos, foi essencial o papel da Associação de Moradores da Vila
Wall Ferraz, que atuou como agente político na produção daquele espaço. Segundo uma das
moradoras:
Se não tivesse associação ninguém arrumava nada não, que se tivesse alguma
pessoas que dissesse vou bem aqui falar com fulano de tal, ou que fosse na Câmara
falar com um vereador, seja com quem for. Mais, eles diziam logo “lá num tem uma
associação não, pois então ajunte lá uma equipe pra gente discutir o assunto” eles
não recebia. (Amanda, moradora da Vila Wall Ferraz).
Dentre as primeiras reivindicações apresentadas ao Poder Público, após a permanência
na terra, presentes nos relatos dos entrevistados e na análise das atas das reuniões no período
de 1987 a 1995, destacam-se: abastecimento de água, energia elétrica, construção de uma
creche, fossas sépticas, calçamento, posto de saúde e melhoria habitacional. Após obterem
parte desses serviços e equipamentos urbanos, muitas das reuniões tiveram como pauta a
qualidade dos mesmos, como também questões tais como: a baixa participação dos moradores
nas reuniões e resolução de conflitos entre moradores da Vila. Ao longo deste trabalho, serão
apresentados dados e informações referentes a estas lutas.
112
Pode-se observar que além de reuniões na própria localidade e com representantes do
Poder Público, as famílias chegaram a utilizar, enquanto mecanismo de mobilização, as
manifestações públicas em frente a órgãos públicos, como foi o caso da
luta pela água, que também foi uma luta muito cerrada, que a gente teve que fazer
manifestação com o povo na frente da Agespisa, teve problema por que aqui
também a tubulação era muito alta e não tinha força suficiente pra subir água e
faltava muita água, e aquela polêmica toda (Teresinha, moradora da Vila Wall
Ferraz).
Ainda sobre o processo de mobilização dessa Associação no período de 1987-1995, é
importante destacar o depoimento a seguir, no qual são inclusos outros meios de reivindicar
utilizados pelos moradores dessa vila enquanto movimentos reivindicatórios urbanos; estes
sempre vinham em reunião eles traziam ofícios reivindicando os serviços e as obras
geralmente esses ofícios da associação geralmente acompanhavam uma lista de
assinatura que nós podemos chamar de abaixo-assinados. Eles reivindicavam a
presença da Prefeitura na área para ver. Eles achavam, e com razão, achavam que a
presença do secretario, do prefeito e dos técnicos no local sensibilizaria mais, por
que aquela historia o que o os olhos vem o coração sente e o que os olhos não vêm o
coração não sente (João, funcionário da Prefeitura de Teresina).
Neste depoimento, fica evidente a importância dada pelos moradores à presença da
Prefeitura na Vila, tendo em vista que as visitas do prefeito e técnicos da Prefeitura
simbolizavam o reconhecimento do Poder Público para com a Associação; além disso,
confere visibilidade ao trabalho da Associação para com os moradores da Vila. Acerca deste
aspecto, é importante ressaltar o seguinte depoimento:
A presença da Prefeitura quando a Prefeitura chegava no local aquilo para eles era
uma espécie de compromisso, a presença da Prefeitura já fazia o reconhecimento do
movimento o reconhecimento da área o reconhecimento dos problemas e o
reconhecimento das reivindicações. Então para eles era muito importante a presença
da Prefeitura por que a partir do momento que a Prefeitura fazia a primeira visita
esse reconhecimento se estabelecia e a comunidade se legitimava com seus
problemas e as suas reivindicações junto à Prefeitura e a partir daí o movimento
crescia (João, funcionário da Prefeitura de Teresina).
Dados mais precisos sobre essa realidade das favelas e vilas de Teresina, no que diz
respeito à quantidade de domicílios existentes, de famílias, dos serviços e equipamentos
urbanos oferecidos a estes núcleos, foram formulados em 1993, quando a Prefeitura em
parceria com movimentos sociais e outras entidades realizam o Censo de Vilas e Favelas,
segundo foi registrado no referido Censo. Um funcionário da Prefeitura relata em entrevista
concedida a essa pesquisadora que, em 1993,
surgiu esse projeto de realizar o Censo de Vila e Favelas que fez todo o
mapeamento da cidade e aí identificou quais eram os problemas que tinham, a
ordem de grandeza dos problemas. Por que até então a gente tinha noção não tinha
113
números não se sabia exatamente quantas famílias moravam e em que condições
aquelas famílias moravam. A partir do primeiro Censo de Vilas e Favelas que foi
feito em 1993. A partir do primeiro Censo de Vila e Favelas se fez todo o
cadastramento e todo o levantamento socioeconômico e todo o levantamento de
infra-estrutura o que existia e o que não existia e aí foi quando começaram a surgir
os projetos da Prefeitura (João, funcionário da Prefeitura de Teresina).
Segundo o Censo de 1993, realizado pela Prefeitura, a Vila Wall Ferraz possuía 139
domicílios, sendo que, quanto à condição de ocupação, 129 eram próprios; 7 eram cedidos; e
2 eram alugados. Esses números mostram que nessa Vila a maioria dos domicílios são
próprios. É importante que se deixe claro que estes imóveis são considerados assim pelo fato
de seus moradores terem participado da ocupação da Vila ou terem comprado de algum dos
ocupantes. Os dados também revelam que houve casos de venda de lotes; de ocupantes que
alugaram seus domicílios para outras famílias, aproveitando-se para obter uma renda extra ou,
ainda, a concessão do imóvel por certo período para outrem. Deve ser ressaltado que parte das
famílias que tinham comprado lotes da imobiliária antes da ocupação da Vila Wall Ferraz
permaneceu nessa localidade.
Quanto ao regime de propriedade do terreno do imóvel, também foi abordado no
referido censo, sendo que 136 são de propriedade da Prefeitura; isso porque, até 1993, as
famílias da Vila Wall Ferraz não possuíam o título de cessão de uso e posse; e 2 são
particulares, por fazerem parte do loteamento. Estes números estão presentes no Censo de
Vilas e Favelas de Teresina, realizado em 1993, a partir de pesquisa direta.
Desses domicílios, 36 possuem tipologia de construção de alvenaria e telha; ou seja,
paredes de tijolo e cobertura de telhas; 73 são de taipa e telha; 29 são de taipa e palha. Quanto
ao acesso à infra-estrutura básica e a condições sanitárias, o Censo revelou que, em 1993, 123
domicílios eram abastecidos por energia elétrica, e 15 não utilizavam tal serviço; 135
domicílios eram abastecidos por água encanada; e 3 utilizavam outros mecanismos para ter
acesso à água. No que concerne ao destino dos dejetos desses domicílios, foi constatado que
34 possuíam fossas sépticas; 31 possuíam fossas negras; e 73 não eram providos de fossas.
Quanto ao destino do lixo, 44 domicílios utilizavam terreno baldio; 9 queimavam; e 85
dispunham de serviços públicos.
Esses dados evidenciam que, em seis anos de existência, a Vila Wall Ferraz
apresentava condições de habitabilidade insuficientes para grande parte de seus moradores,
visto que a maioria habitava domicílios de taipa e telha, e uma quantia considerável vivia em
casas de taipa coberta de palha; 31 famílias ainda utilizavam fossas negras; e 73 não
dispunham de nenhum benefício, utilizando terrenos baldios; 44 jogam o lixo em terrenos
114
baldios; e 9 fazem uso da queimada do lixo. Muitas dessas condições apresentavam riscos de
doenças para essas famílias e para as comunidades mais próximas. Um quadro de carência de
condições dignas de habitabilidade.
Como instrumento do planejamento municipal de Teresina, o Projeto Vila-Bairro tem
seus méritos, por ter a preocupação com as vilas e favelas e por incluir em sua proposta a
participação da população; além de incluir em seu propósito uma concepção de habitabilidade
ampla, que não se limita à construção da moradia como espaço físico em si, mas como espaço
provido de serviços e equipamentos urbanos.
A Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, diante dessa realidade, continuou a
mobilização pelo acesso a serviços e equipamentos urbanos, realizando suas reuniões,
encaminhando ofícios e abaixo-assinados à Prefeitura de Teresina.
Pode-se dizer que, até 1995, a relação entre a Associação de Moradores da Vila Wall
Ferraz e o Poder Público ocorreu de forma mais direta; quando a Associação encaminhava
ofícios, abaixo-assinados; realizava passeatas, manifestações em órgãos públicos, sendo em
alguns momentos uma relação mediada pela FAMCC. As lutas por obras e equipamentos
urbanos eram mais diretas, mediante a pressão popular e trocas de interesses entre os sujeitos
e políticos, como, por exemplo, a troca de favores.
Na próxima seção deste trabalho foi feita uma discussão sobre o papel dos moradores
da Vila e do Poder Público nas transformações do espaço urbano da Vila Wall Ferraz, ou seja,
até que ponto as mudanças na vila são decorrentes das ações destes sujeitos.
4.3 A ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E A PREFEITURA DE TERESINA DÃO
FORMAS À VILA WALL FERRAZ (1996 A 2004)
No período de 1996 a 2004, a Vila Wall Ferraz recebe uma série de investimentos do
Poder Público municipal, em sua maioria proveniente do Projeto Vila-Bairro, como também o
Orçamento Popular, que é uma proposta de melhor gestão dos recursos públicos. Tais obras e
serviços deram a esse espaço da cidade novas formas, conferindo melhoria das condições de
habitabilidade a essas famílias.
Tal fato foi um dos motivos que instigou a pesquisadora a observar de que maneira foi
estabelecida a relação entre a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz e o Governo
municipal de Teresina, para a provisão de melhoria das condições de habitabilidade aos
moradores da Vila Wall Ferraz.
115
Foi um momento ímpar do cenário teresinense, posto que se vivenciavam mudanças
no contexto político, econômico e social em escala nacional, no que se refere às políticas
urbanas. Os municípios passavam por uma redefinição de papel a partir de uma maior
autonomia na gestão pública, sendo agora responsáveis pela definição, elaboração e
implementação de programas e projetos para o espaço urbano, que antes ficavam
concentrados na esfera federal.
Além dessas mudanças, faz-se necessário que sejam evidenciadas certas
transformações por que passavam os movimentos sociais urbanos, que têm redefinido suas
práticas, buscando participar da definição e controle das políticas públicas, organizando
fóruns, capacitando seus integrantes, trabalhando em rede com outros movimentos. Diante
dessas transformações, buscou-se compreender se estas transformações tiveram materialidade
em Teresina, mais precisamente na Vila Wall Ferraz.
Nesses oito anos foram muitos os momentos de encontros, conflitos, diálogos e
interações entre a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz e o Poder Público municipal
de Teresina. Momentos esses marcados por reivindicações, diferentes formas de mobilização,
participação popular, permanência de “velhas” práticas, como clientelismo, favorecimento e
troca de favores, mas também de aprendizagem e troca de experiências.
Para fundamentar esta pesquisa, foram analisadas cinco gestões da Associação de
Moradores, posto que cada pleito teve a duração de dois anos; no caso, foram os biênios de
1995/1996, 1997/1998, 1999/2000, 2001/2002, 2003/2004, e duas gestões da Prefeitura, que
correspondem aos períodos de 1996 a 2000 e o de 2001 a 2004, correspondendo ao governo
de Firmino da Silveira Filho.
Na seção seguinte deste trabalho, será ressaltada a caracterização da relação entre a
Associação de Moradores e o Poder Público Municipal na provisão de condições de
habitabilidade para a Vila Wall Ferraz, no período de 1996 a 2004. Dando ênfase aos atores
desta relação, abordando-se sua interação, o papel e a participação de cada um dos sujeitos no
processo de provisão, e a existência de novas formas de interação entre os atores da pesquisa e
de participação ou a permanência de práticas tradicionais de gestão das políticas urbanas.
Portanto, nesta seção, buscou-se elencar as obras e serviços realizados na Vila Wall Ferraz e
dados que auxiliassem no seu entendimento, como também se tais obras garantiram melhoria
das condições de habitabilidade da Vila Wall Ferraz para que servissem de base para as
discussões posteriores.
As principais reivindicações dos moradores nas reuniões da Associação de Moradores
junto à Prefeitura no período em análise, registradas nas atas das reuniões, bem como nos
116
depoimentos dos entrevistados foram: melhoria habitacional, calçamento, energia para a Rua
Sete, implantação permanente de um posto médico, creche, posto policial, posto do Programa
Saúde da Família (PSH), construção da galeria na Rua Sete, reformas para as casas de taipa,
implantação do Posto policial conhecido como PPO, reforma de 80 fossas sépticas,
panificadora comunitária, pavimentação de asfalto para a Rua do Telégrafo. Destaque-se que
a análise das atas das reuniões evidencia que as pautas variavam bastante, demonstrando que a
Associação não seguiu uma única agenda política de reivindicação de lutas, pois essas lutas
emergiam de acordo com a prioridade de cada momento conjuntural da realidade local. A
Foto 1 demonstra uma das reuniões promovidas pela Associação de Moradores da Vila Wall
Ferraz.
Foto 1: Reunião da Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz e Festividade dos Dias das Mães.
Fonte: Associação de Moradores, fev. 2007.
Mas a questão da moradia com condições de habitabilidade, em grande parte das
reuniões, estava em discussão, sendo, portanto, prioridade para essa comunidade. É
importante evidenciar, também, que, em boa parte das reuniões da Associação de Moradores,
foi discutida a importância da participação dos moradores, sendo que, em algumas, houve
discussões calorosas sobre a ausência de participação e o não comprimento das obrigações de
membros da Diretoria face ao Estatuto da Associação de Moradores.
É fundamental registrar, ainda, que foram utilizadas diferentes formas de mobilização
para que as lutas dos moradores chegassem ao órgão competente, bem como para que elas
117
adquirissem materialidade. No período em análise foram utilizados pelos moradores como
mecanismos de mobilização: as reuniões da Associação de Moradores com os moradores da
vila, com os representantes do Poder Público municipal, com as Federações de Moradores, no
caso a FAMCC, e com lideranças de outras Associações de Moradores.
Foram usados como instrumentos de reivindicação: abaixo-assinados, ofícios,
denúncias nos mecanismos de comunicação, como rádio e televisão, visitas às Secretarias do
governo municipal e, posteriormente, à Superintendência de Desenvolvimento Sul. Nos
depoimentos seguintes de moradores da vila, é possível identificar algumas dessas formas de
mobilização, utilizadas no período em análise; quais sejam:
Reuniões que levam os problemas para os moradores é nisso que tá a participação
né. A gente faz o oficio junto com o abaixo-assinado e leva para eles (Prefeitura)
encaminhar. Também chama a televisão se for o caso, chama até a televisão para
agilizar. Eu saio de casa em casa, converso “olhar tá acontecendo isso, vai ter
reunião dia tal, a pauta é isso e isso, o que tá acontecendo ou vai acontecer”. Aí a
comunidade apóia e são encaminhados ofícios, abaixo-assinado. Quando chega lá
olha tá acontecendo isso e isso aí eles dizem ‘faça o documento’ aí eu faço o pedido.
Aí eles dizem ‘lá vem o carrapato’[...] (risos) (Teresinha, moradora da Vila Wall
Ferraz).
Assim, quando a gente buscava alguma coisa, sempre a gente fazia uma assembléia,
e dali a gente conversava com os moradores e dizia o propósito daquela reunião e
em seguida a gente fazia o ofício e encaminhava pro órgão competente (Antonia,
moradora da Vila Wall Ferraz).
Nos depoimentos, seguintes, de representantes do Poder Público municipal, também
ficam evidentes as formas mais utilizadas de mobilização por parte dos moradores da Vila
Wall Ferraz:
Naquela região ali eles sempre foram muito unidos, eles sempre encaminhavam
através da própria associação, via requerimento, oficio pra Prefeitura, e as vezes
também fazia algumas manifestações, reuniam comissões pra falar com o secretário,
pra conversar com a gente era mais ou menos dessa forma (Raquel, funcionária da
Prefeitura de Teresina).
Em um primeiro momento essa reivindicação é encaminhada junto aos órgãos
públicos via oficio né, aprovado em assembléias que eles fazem na comunidade,
aprovam as propostas vem diretamente das associações de moradores. Mas, também
na demora da resposta dessa reivindicação eles utilizam denúncias, usando meios,
jornais, utilizam programas televisivos e de rádio que são colocados à disposição das
comunidades para eles fazerem suas reivindicações. Eles também usam destas
estratégias para estarem pressionando o Poder Público para da uma resposta mais
rápida possível às essas necessidades deles (Isabel, funcionária da Prefeitura de
Teresina).
Quanto aos mecanismos de interação utilizados pelos moradores e o Poder Público
municipal para propor, negociar e implementar obras e serviços para melhor prover a Vila
Wall Ferraz de condições de habitabilidade, podem ser citados: visitas, reuniões e o
118
orçamento popular. Para a grande maioria, estes são os meios mais propícios para mediar esta
relação.
Assim, no período em análise desta pesquisa, observou-se que, para garantir uma
interação entre moradores das vilas e favelas e o Poder Público municipal, diversos
mecanismos foram utilizados, tais como a implementação do
Orçamento Popular nesse período, agente criou o conselho municipal de habitação,
foi feita uma conferência municipal de habitação, era um trabalho totalmente em
parceria, todo trabalho que a gente ia realizar na área a gente sempre contava com a
associação de moradores, sempre trabalhando em parceria com eles tentando
encontrar a solução juntos (Raquel, funcionária da Prefeitura).
Na análise do depoimento, da funcionária da Prefeitura de Teresina, entre outros de
funcionários sobre a relação estabelecida entre o poder público municipal e a Prefeitura,
observa-se que a expressão parcerias é bastante enfatizada. Observa-se, também, que, no dia-
a-dia, nem sempre essa relação foi harmoniosa, pois houve momentos de intensas discussões e
conflitos, conforme se tem demonstrado ao longo do trabalho.
Quando os moradores foram questionados se as diversas formas de mobilização e
pressão utilizadas pela Associação favoreceram ou limitaram as negociações e as decisões
referentes à realização das obras e serviços junto ao Governo municipal, a grande maioria dos
entrevistados afirmou que essas formas eram os mecanismos mais eficazes para manter uma
boa relação com o Poder Público, além de proporcionar maiores chances de reivindicações
serem atendidas. Segundo um dos moradores, essas formas de mobilização:
Favorece né. Que a gente leva e fica com mais crédito na Prefeitura. Porque o
abaixo-assinado serve para dizer o que está se passando e aí eles vê o que realmente
nós estamos sentindo né (Teresinha, moradora da Vila da Vila Wall Ferraz).
Ao contrário dos primeiros anos de luta da Associação pela posse e permanência na
terra e pelos primeiros serviços públicos garantidos para a Vila, as principais formas de
mobilização se baseavam em passeatas e ocupações de órgãos públicos. O que se verificou no
período de 1996 a 2004 foi que outras formas de mobilização ganharam evidência sobre as
formas anteriores; um dos entrevistados diz que as estas limitam as chances de terem suas
reivindicações atendidas, pois
eles não gostam muito desse tipo de coisas, de passeata, desse pessoal ficar na porta.
A gente fez isso no começo para a gente consegui a comunidade a vila, aí a gente
fez. A gente invadiu até a Prefeitura para conseguir o terreno aqui, na época da
ocupação. Mas agora não, o povo (moradores da vila) já está tudo nas suas casas.
Tem problemas, mais não são tantos como nas outras comunidades (Dalva,
moradora da Vila Wall Ferraz).
119
Após verificar as condições de habitabilidade existentes na Vila Wall Ferraz em 1993,
com base nos dados do primeiro Censo de Vilas e Favelas de Teresina, na seção 4.2 deste
estudo, é importante evidenciar as condições de habitabilidade existentes, no período em
análise desta pesquisa, com o propósito de constatar se houve ou não melhoria das condições
de vida destes moradores bem como o papel do Poder Público e da Associação nesta relação
dialética. Para tanto, foi utilizado como aporte o Relatório de Avaliação do Projeto Vila-
Bairro realizado pela OFERTA - Assessoria e Consultoria Ltda. em 2002.
Quanto ao acesso à pavimentação das ruas da Vila Wall Ferraz ver Tabela 9, a seguir.
Em 1996, nenhuma das ruas da Vila Wall Ferraz tinha sido pavimentada, esta realidade
perdurou até 1999. Contudo, em 2000, todas as ruas desta localidade já se encontravam
calçadas.
Tabela 9 – Pavimentação das Ruas da Vila Wall Ferraz.
LOCALIZAÇÃO DOS DOMICÍLIOS
ANO
EM RUAS PAVIMENTADAS EM RUAS NÃO PAVIMENTADAS
1996 0 127
1999 - -
2002 128 0
FONTE: Censo de Vilas e Favelas de Teresina – 1996.
Pesquisa direta, set. 2002, pela OFERTA – Assessoria e Consultoria.
A luta pela pavimentação das ruas da Vila Wall Ferraz encontrava-se entre as
prioritárias da Associação, tendo em vista que, sem o calçamento, era constante a poeira, e o
escoamento dos esgotos domésticos não era possível, o que proporcionava aos moradores
precárias condições de sobrevivência. Mas somente em 2002 foi que a vila obteve a
pavimentação de suas ruas, embora essa pavimentação tenha sido realizada por etapas entre os
anos de 1999 e 2000. A Foto 2 demonstra uma das ruas pavimentadas.
120
Foto 2 – Rua pavimentada da Vila Wall Ferraz.
Fonte: Pesquisa direta em jun. 2007.
O acesso à pavimentação, nessa localidade, melhorou as condições de vida das
famílias, posto que permitiu o melhor acesso interno e externo às demais comunidades e aos
bairros vizinhos, diminuindo os transtornos com poeira, lama e o escoamento dos esgotos
domésticos, evitando, assim, certas doenças decorrentes das más condições existentes
anteriormente.
Abortam-se tais mudanças na Vila Wall Ferraz porque, neste trabalho, considerou-se
como provisão de condições de habitabilidade não apenas melhorias no padrão urbanístico
das moradias ou construção de novos domicílios, mas sim de todas as obras e serviços
realizados no seu entorno, que garantam melhores condições de vida aos moradores da Vila
Wall Ferraz. Assim, considerou-se também o déficit qualitativo, que diz respeito ao conjunto
de equipamentos urbanos e a adequação do padrão de construção dos domicílios, conforme
foi discutido na terceira parte deste estudo.
É importante ressaltar neste momento que, ao estabelecer uma relação entre os dados
de 1993 com os demais anos, ocorre uma incompatibilidade quanto ao número de domicílios
existentes na Vila. Esta alternância do número de domicílios pode ser justificada por alguns
fatores, a saber: neste intervalo, podem ter ocorrido venda de imóveis, a fragmentação de
domicílios entre famílias; ou seja, duas famílias dividindo o mesmo imóvel, ou o contrário,
famílias que dividiam o mesmo domicilio por algum fator deixaram de coabitarem o mesmo
lote; além destes fatores já citados, podem ter ocorrido reformas no padrão urbanísticos da
Vila e parte das famílias terem sido removidas para outra área no entorno.
121
Outro dado importante das condições das moradias da Vila Wall Ferraz é o que diz
respeito à tipologia da construção, ou seja, o material que constitui as moradias. Em 1996, 56
dos domicílios dessa Vila eram de alvenaria, cobertos por telhas; 53 eram de taipa, cobertos
por telhas; e 14 apresentavam condições mais precárias, sendo casas de taipa cobertas por
palhas, sendo que 4 apresentavam outras tipologias.
Já em 1999, muitos desses domicílios passaram por melhorias, quer seja pelas
políticas do governo municipal, nessa localidade, quer seja por benfeitorias realizadas pelos
próprios moradores, de acordo com a melhoria de seu poder aquisitivo. Sobre estas melhorias
ver Foto 3. Deste modo, em 1999, 75 domicílios já possuíam sua estrutura de alvenaria
coberta de telha; 37 apresentavam tipologia de taipa coberta de telha, tendo reduzido para 2 o
número de domicílios de taipa coberto de palha, permanecendo 4 com outro tipo de
construção.
Foto 3 – Melhoria Habitacional na Vila Wall Ferraz.
Fonte: Pesquisa direta em jun. 2007.
Os dados mais recentes da Vila Wall Ferraz quanto à tipologia dos domicílios são do
ano de 2002, apresentando consideráveis melhorias frente aos dados já colocados. No referido
ano, 126 dos domicílios já possuíam como padrão construtivo paredes de alvenaria com
122
cobertura de telha; sendo os demais, no caso dois, com paredes de taipa cobertas com palha.
Para melhor visualização desses dados, ver Tabela 10, a seguir.
Tabela 10: Condições de Moradia.
TIPOLOGIA DA CONSTRUÇÃO
ANO
Alvenaria/telha Taipa/telha Taipa/palha Outros
1996 56 53 14 04
1999 75 37 02 04
2002 126 02 0 0
Fonte: Censo das Vilas e Favelas de Teresina, 1996 e 1999.
Pesquisa – set. 2002, OFERTA-Assessoria e Consultoria
.
Comparando estes dados do ano de 2002 com os de 1993 já citados na seção anterior
deste trabalho, pode-se afirmar que apenas dois dos domicílios são de taipa e telha, os demais
já possuem tipologia de construção de alvenaria e telha, ou seja, passaram por melhorias do
padrão construtivo.
Esses dados sobre a melhoria das condições de habitabilidade dos moradores da Vila
Wall Ferraz são importantes, tendo em vista que moradias com padrão construtivo,
caracterizadas por paredes de tijolos e cobertura de telha oferecem melhor bem-estar às
famílias, bem como a diminuição do risco de incêndio, já que as casas não mais possuem
cobertura de palha. Pode-se afirmar, portanto, que houve resultados positivos no que diz
respeito ao déficit qualitativo; ou seja, quanto à melhoria do padrão urbanístico das moradias
das famílias da Vila Wall Ferraz.
No que diz respeito ao acesso à energia elétrica nos domicílios da Vila Wall Ferraz,
pode-se afirmar que, em 1996, 114 dos domicílios eram providos de energia elétrica, sendo
que 13 domicílios tinham outras fontes. Ver Foto 4, a seguir. Em 1999, cresce o número de
moradias com energia elétrica, totalizando 118 domicílios beneficiados. Em 2002, todas as
famílias já haviam sido beneficiadas com energia elétrica em suas residências. Pode-se
afirmar, a partir destes dados, que houve melhoria deste serviço, posto que, em 1993,
conforme o Censo de Vila e Favelas deste respectivo ano, 15 moradias não possuíam o
serviço de energia elétrica. A universalização deste serviço garante às famílias melhores
condições de vida e restringe os riscos de incêndios e perda de eletrodomésticos decorrentes
de curto circuito das gambiarras.
123
Foto 4: Domicílios providos com Energia Elétrica.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2007.
Além desses aspectos já abordados referentes às condições de habitabilidade da Vila
Wall Ferraz, outra variável merece atenção, qual seja, as condições de saneamento. No que
diz respeito ao acesso a abastecimento de água, em 1996, 116 famílias possuíam, em suas
residências, água encanada, e 11 famílias utilizavam outras formas para obter água. Em 1999,
todas as famílias já eram providas desse serviço. Com a água encanada, no próprio domicílio,
as famílias passam a ter melhores condições para realizar suas atividades, sem percorrer certas
distâncias, e viabilizam melhores condições sanitárias aos seus familiares.
Quanto ao destino dos dejetos, foi registrado, em 1996, que 119 dos domicílios
possuíam fossas sépticas, e 8 utilizavam outras formas. Em três anos, o número de famílias
que não tinham fossas sépticas foi reduzido para uma. Em 2002, há um acréscimo de dez
famílias com fossas sépticas, mas permanecia uma família utilizando outras formas. São
números bem melhores do que os de 1993, quando 73 domicílios não eram providos de fossas
sépticas.
Outros dados podem proporcionar melhor percepção das condições de habitabilidade
dos moradores da Vila Wall Ferraz; no caso, o destino do lixo dos domicílios. Assim, em
1996, do total de domicílios da Vila, 69 foram beneficiados com a coleta seletiva do lixo, e 58
124
utilizavam outras formas, como o terreno baldio e a queima do lixo. Já em 1999, todos os
domicílios tinham acesso à coleta pública. Ver Tabela 11, a seguir.
Tabela 11: Condições de saneamento.
ABASTECIMENTO
D`ÁGUA
DESTINO DOS
DEJETOS
DESTINO DO LIXO
ANO
AGESPISA Outros
Fossa
séptica
Outros
Coleta
Pública
Outros
1996 116 11 119 08 69 58
1999 118 0 117 01 118 0
2002 128 0 127 01 128 0
Fonte: Censo das Vilas e Favelas de Teresina 1996 e 1999.
Pesquisa realizada em set. 2002 pela OFERTA-Assessoria e Consultoria.
Boas condições de saneamento oferecem a essas famílias melhores condições de vida,
posto que o uso de fossas sépticas e um adequado destino do lixo reduzem o número de
doenças ligadas à exposição a dejetos e ao lixo, bem como reduzem a possibilidade de
contaminação do solo e dos recursos hídricos existentes na localidade ou nas proximidades.
Na Vila Wall Ferraz, foi realizado, pelo Projeto Vila-Bairro, no período 1997 a julho
de 2002, em termos de obras e serviço de infra-estrutura física,
25
6.198 m de pavimentação de
vias e 15 unidades sanitárias; não houve investimentos em infra-estrutura comunitária; quanto
à ação educativa foram distribuídos 62 filtros, 127 famílias foram beneficiadas com educação
ambiental, e 104 domicílios foram beneficiados com quintais urbanos de produção referente
ao eixo geração de emprego e renda deste projeto. Na Tabela 12, a seguir, estão evidenciados
os custos médios de cada ação do projeto, bem como o valor utilizado na sua confecção.
Sendo assim, foram investidos 90.963,20 mil reais na Vila Wall Ferraz em obras do Projeto
Vila-Bairro, no período de 1997 a julho de 2002.
25
A infra-estrutura física, infra-estrutura comunitária, ação educativa e geração de emprego e renda são as
frentes de ação do Projeto Vila-Bairro, conforme citado na Parte 3, deste trabalho, na seção 3.4.1.
125
REALIZADO
AÇÕES PREVISTAS
Meta Custo Médio(R$) Valor (R$)
Unidades Sanitárias Populares (unid.) 15 388,99 5.834,85
Pavimentação Poliédrica (m2) 6.198 13,00 80.571,19
Educação Ambiental (famílias) 127 19,66 2.497,02
Distribuição Filtros (unid.) 62 10,97 680,14
Quintais Urbanos Produção (unid.) 104 13,27 1.380,00
TOTAL 90.963,20
Fonte: Unidade Técnica Central do Projeto Vila-Bairro.
A Tabela 13 apresenta dados demonstrativos de Ações Executadas e Recursos
Aplicados pelo Projeto Vila Bairro na Vila Wall Ferraz, no período de 1997 a dezembro de
2004; no caso, foram 86.406,04 reais em infra-estrutura; 3.177,16 reais em ação educativa;
1.380 reais em geração de emprego e renda; sendo que não foram realizados investimentos em
infra-estrutura. Ao todo foram investidos 99.011 reais no Projeto Vila-Bairro na Vila Wall
Ferraz, o que corresponde a 94,07% dos recursos previstos para serem aplicados em obras
para a Vila, conforme a Tabela 13.
Tabela 13 – Projeto Vila-Bairro, Demonstrativo de Ações Executadas e Recursos Aplicados
por Fonte, Período: 1997 a dezembro de 2004, consolidado geral da Vila Wall Ferraz /
componente.
COMPONENTES
INFRA-
ESTRUTURA
FÍSICA
R$
INFRA-
ESTRU-
TURA
COMUNI-
TÁRIA
R$
AÇÃO
EDUCA-
TIVA
R$
GERAÇÃO
DE
EMPREGO E
RENDA
R$
CONSULTORIA
R$
TOTAL
R$
TOTAL
PREVISTO
R$
PERCENTUAL
REALIZADO
R$
86.406,04 - 3.177,16 1.380,00 8.047,80 99.011,00 105.249,26 94,07
Fonte: SEMPLAN, Teresina, PMT, 2004.
Estes são números representativos de recursos públicos que foram investidos para
proporcionar melhores condições para as famílias atendidas. De modo geral, a Vila recebeu
filtros para melhor utilização da água, para consumo da família; suas ruas foram
pavimentadas, evitando transtornos com poeira e buracos, favorecendo o escoamento dos
esgotos das residências; as famílias que ainda não tinham fossas sépticas foram atendidas; os
moradores receberam educação ambiental no Centro de Produção do bairro; mudas de plantas
Tabela 12 – Demonstrativo das Ações do Projeto Vila Bairro na Vila Wall Ferraz (1997-
jul. 2002).
126
frutíferas foram doadas para o cultivo nos quintais das moradias. São medidas e obras que
ajudaram a melhorar as condições de habitabilidade da Vila. Ver foto 5, a seguir.
Foto 5: Domicílios da Vila Wall Ferraz.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2007.
Dos 99.011 mil reais investidos na Vila Wall Ferraz, pelo Projeto Vila-Bairro, no
período de 1997 a dezembro de 2004, apenas 1.380 reais foram utilizados no eixo de geração
de emprego e renda, com a ação denominada de quintais urbanos de produção. Nesta, as
famílias recebem mudas de plantas a serem cultivadas em seus quintais e obtêm
complementação da renda doméstica com a venda das frutas cultivadas. Por sua vez, para os
moradores da Vila Wall Ferraz, tal proposta não obteve êxito, pois muitas famílias não
chegaram sequer a plantar suas mudas, pela falta de espaço em seus quintais; e outras utilizam
as frutas para consumo.
A geração de emprego e renda, no entanto, deve ser prioridade nos projetos
desenvolvidos nas vilas e favelas de Teresina, tendo em vista que o acesso a uma renda
satisfatória às necessidades da família permite que estas possam custear serviços básicos,
como abastecimento de água, energia elétrica, transporte e alimentação.
127
Esse conjunto de obras e serviços implantados pelo Poder Público tem sido importante
para a Vila Wall Ferraz; como, por exemplo, reformas em alguns domicílios; manutenção da
fossas sépticas, que, com os anos, requerem algumas reformas e limpeza; preservação da
pavimentação das ruas; melhor qualidade dos serviços prestados, e, entre esses, citam-se o
abastecimento de água e energia elétrica, entre outras relacionadas com a geração de emprego
e renda. Ainda existem obras aprovadas no Orçamento Popular para a Vila Wall Ferraz, que
até o momento da pesquisa direta deste trabalho não foram realizadas.
Na Parte 3 deste estudo, discorreu-se sobre o IPMU, índice utilizado pela Prefeitura de
Teresina para avaliar os resultados e os impactos socioespaciais do Projeto Vila-Bairro nas
áreas onde foram feitos investimentos, no intuito de elucidar questões pertinentes ao Projeto.
No entanto, é oportuno utilizar esse índice para refletir sobre as condições de habitabilidade
da Vila Wall Ferraz no período em análise.
Tomando-se por base essas considerações, deve-se dizer que, em 1996, o IPMU da
Vila Wall Ferraz era de 0,55; em três anos, esse índice chega ao valor de 0,98, representando
um aumento de 0,43. Esse acréscimo no IPMU representa, portanto, melhorias nas condições
de vida dos moradores; no entanto, é oportuno realizar uma análise mais detalhada. A Tabela
14, a seguir, estabelece um quadro comparativo do IPMU entre os anos de 1996 a 2002.
Tabela 14: Comparativo dos anos de 1996 e 2002 do Índice do Padrão Mínimo de Urbanização-IPMU.
SITUAÇÃO ANTERIOR (1996) SITUAÇÃO ATUAL (2002)
INDICADORES
ABS
%
(x)
Fator de
ponderação
(w)
w.x
100
ABS
%
(x)
Fator de
ponderação
(w)
w.x
100
Domicílios localizados
em ruas pavimentadas
0
0,00 0,25 0,00
128
100,00 0,25 0,25
Domicilio com
cobertura de telha,
parede de tijolo e piso
cimentado
56
44,09 0,20 0,09
126
98,43 0,20 0,19
Domicílios conectados
regularmente à rede de
energia elétrica
114
89,76 0,15 0,13
128
100,00 0,15 0,15
Domicílios conectados
regularmente à rede de
água tratada
116
91,34 0,15 0,14
128
100,00 0,15 0,15
Domicílios que
dispõem de fossa
séptica
119
93,70 0,15 0,14
127
99,22 0,15 0,14
Domicílios servidos
com coleta pública
regular de lixo
69
54,33 0,10 0,05
128
100,00 0,10 0,10
IPMU (Σ w X/100) - - - 0,55 - - - 0,98
FONTE: Relatório de Avaliação do Projeto Vila-Bairro da OFERTA-Assessoria e Consultoria, 2002.
128
Pode-se constatar que, em 1996, o IPMU foi de 0,55; e, em 2002, esse índice passou
para o 0,98, representando um acréscimo de 0,43, no período analisado neste trabalho. Este
índice não é decorrente apenas das obras do Projeto Vila-Bairro, visto que, deste Projeto, só
foram realizados obras e serviços de pavimentação de vias; quinze fossas sépticas;
distribuição de filtros, educação ambiental e quintais urbanos de produção, onde foram
distribuídas mudas para as famílias. Portanto, as obras realizadas na Vila Wall Ferraz
enquadram-se apenas em dois dos indicadores utilizados no cálculo do IPMU.
Não se pretende, com esta análise, depreciar o cálculo realizado pelo relatório da
OFERTA-Assessoria e Consultoria. O que se quer ressaltar é que a elevação do índice do
IPMU deve-se não apenas ao projeto Vila-Bairro, mas ao conjunto de obras e serviços da
Prefeitura na Vila Wall Ferraz, como, por exemplo, as obras provenientes do Orçamento
Popular; além do que muitas obras realizadas na Vila podem ser resultantes de melhorias que
os próprios moradores efetivaram em suas residências ao longo dos anos em função da
melhoria do poder aquisitivo.
Assim, a ressalva aponta para o fato de que se o valor do IPMU está bem próximo do
valor ideal de urbanização, conforme ressaltado anteriormente neste estudo, isto se deve a um
conjunto de obras e serviços que extrapolam o Projeto Vila-Bairro. Uma outra ressalva é que
a Vila Wall Ferraz ainda requer melhorias significativas para que se possa asseverar seu
padrão ideal de urbanização.
Quanto à participação dos moradores na implementação das obras decorrentes do
Projeto Vila-Bairro, é importante colocar que, segundo a análise dos depoimentos, atas das
reuniões e relatórios deste Projeto, a participação foi limitada, posto que ocorreu apenas nas
reuniões da Associação de Moradores, para definir as demandas, e encaminhá-las à Prefeitura;
depois, na implementação de algumas das obras e serviços. No caso das doações das mudas
de plantas da ação quintais urbanos de produção, foi realizado um encontro com técnicos da
Prefeitura que dialogaram sobre esta ação e sua importância. Quanto à doação dos filtros e da
ação de educação ambiental, foram promovidas reuniões para informar sobre o valor do
cuidado com a água, bem como questões relacionadas ao meio ambiente. Estas reuniões
ocorreram no Centro de Produção do Bairro Santa Cruz.
Esta participação poderia ter sido mais ampla como a promoção de uma oficina sobre
a importância das mudas, sobre a preocupação com o meio ambiente, a questão da água,
capacitando, assim, os moradores para que estes fossem multiplicadores destas informações
em seus lares e comunidade. A participação dos moradores em cada uma das obras, desde a
formulação da demanda até sua realização, poderia vir a promover um maior cuidado com a
129
manutenção e uso das obras e serviços; maior conhecimento da gestão dos recursos públicos;
capacitação política dos sujeitos envolvidos, ou seja, uma série de aprendizados.
Quanto ao Orçamento Popular de Teresina, proposta de gestão democrática de parte
dos recursos públicos do município, trabalhado na Parte 3 deste trabalho, pode-se afirmar que
a Vila Wall Ferraz recebeu, em seu espaço, obras e serviços provenientes desta proposta de
orçamento. Desde 1997, quando foi implantado o Orçamento Popular, a Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz vem participando das reuniões e plenárias, buscando ter
acesso a equipamentos urbanos e serviços para melhor servir a seus moradores. Consta na ata
das reuniões da Associação de Moradores momentos de discussão sobre as propostas que os
moradores iriam levar às reuniões do Orçamento Popular, bem como a escolha de um
representante da Vila para participar deste orçamento e apresentar as demandas da Vila Wall
Ferraz.
Do mesmo modo os relatórios do Orçamento Popular que foram encontrados na
Prefeitura de Teresina, em pesquisa direta, realizada pela presente pesquisadora. Neste
sentido, foram encontrados dados correspondentes às propostas apresentadas à Comissão
Municipal do Orçamento Popular pela Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz ou em
conjunto com outras comunidades, no período de 1999 a 2001, que podem ser visualizadas no
Quadro 3, a seguir. É importante ressaltar que estas propostas foram incluídas pelo fato de
terem como logradouro ou local da construção da obra terrenos da Vila Wall Ferraz e por
beneficiar famílias desta vila.
Nos anos de 1999 a 2001, quando se conseguiu ter acesso aos dados, a Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz articulou-se a outras comunidades para somar forças e obter
maior número de votos no processo de aprovação das obras para o Orçamento Popular. Nesta
parceria ou rede de articulações entre as comunidades, podem ser destacados, conforme o
Quadro 3, a Associação de Moradores do Planalto Bairro Bela Vista; Grupo de Saúde da Vila
São José da Esperança; Associações de Moradores da Vila Santa Rita I e II; Associação de
Moradores do Bairro Angelim II; Associação de Moradores da Vila Concórdia; Conselho
Comunitário da Vila Santa Rita.
130
Quadro 3 – Propostas Apresentadas a Comissão Municipal do Orçamento Popular para beneficiar a Vila Wall Ferraz no período de 1997
a 2004.
Fonte: Fonte: Pesquisa direta nos Relatórios do Orçamento Popular de Teresina, de 1999 a 2003.
26
Cada proposta encaminhada ao Orçamento Popular recebe uma numeração própria.
ANO Proponente
Propostas encaminhadas à
comissão do orçamento
popular de Teresina para
atender a vila Wall Ferraz
Metas Logradouro
Associação de Moradores do
Planalto Bairro Bela Vista
3073
26
– Melhoria habitacional.
Atender 14 famílias na Vila Wall
Ferraz
Prover condições de
habitabilidade
Várias
Comunidades
Grupo de Saúde da Vila São
José da Esperança
3064 – Construções de creche
comunitária
Atender 240 crianças de
dois a seis anos
Rua 07 da Vila
Wall Ferraz
1999
Grupo de Saúde da Vila São
José da Esperança
3094 – Construção de Lavanderia
Comunitária
Prestação de serviços
de lavagem de roupas
com o objetivo de
proporcionar condições
de trabalho
Rua 06 e 07 da
Vila Wall Ferraz
próximo a Vila
São José
Associação de Moradores da
Vila Santa Rita I e II
01 – Melhoria Habitacional em
casas de taipa na região sul.
Sendo incluídas moradias da vila
Wall Ferraz
Prover condições de
habitabilidade
Várias
Comunidades
Associação de Moradores do
Planalto Bela Vista
05 – Melhoria Habitacional para
vilas que tem título de cessão de
posse no projeto Morar Legal. Foi
incluída a Vila Wall Ferraz
Prover condições de
habitabilidade
Várias
Comunidades
2000
Associação de Moradores da
Vila Santa Rita I e II
011 – Implantação de Fossas
Sépticas. Sendo 14 unidades na
Vila Wall Ferraz
Manutenção da saúde
básica das famílias
Várias
Comunidades
ANO
Proponente
Propostas encaminhadas à
comissão do orçamento popular
de Teresina para atender a vila
Wall Ferraz
Metas Logradouro
Associação de Moradores do
Bairro Angelim II
031 – Construção de Lavanderia
Comunitária. Para atender
famílias das comunidades
próximas
Prestação de serviços de
lavagem de roupas com
o objetivo de
proporcionar condições
de trabalho
Vila Wall Ferraz
Associação de Moradores do
Planalto Bairro Bela Vista
21 – Ampliação de Unidade
Escolar
Atender alunos de
primeira a quarta série
das comunidades
adjacentes como os da
Vila Wall Ferraz
Bairro Bela
Vista
Associação de Moradores da
Vila Concórdia
31 – Construção de Calçamento Eliminar os buracos,
diminuir a poeira e
esgotos.
Várias
Comunidades
2000
Conselho Comunitário da
Vila Santa Rita
22 – Recuperação de Unidades
Sanitárias
Manutenção da saúde
básica das famílias
Várias
Comunidades
2001
Associação de Moradores da
Vila Wall Ferraz
33 – Ampliação do Posto de
Saúde
Atende 300 pessoas das
comunidades mais
próximas
Rua 5 n° 2296
da Vila Wall
Ferraz
2002/
2003
Não foi encontrado, na pesquisa direta, o Relatório com as propostas apresentadas à Comissão Municipal do
Orçamento Popular para beneficiar a Vila Wall Ferraz nos anos de 2002 a 2003.
131
Essas Associações, Conselhos e Grupo de Saúde buscaram se articular de modo que
todos fossem atendidos pelo Orçamento Popular. No que se refere a estas articulações, uma
funcionária da Prefeitura, participante dessas reuniões e plenárias, diz:
essa região onde a Vila Wall Ferraz estar, que é a região do Santo Antônio, ela
sempre foi uma região muito organizada neste sentido, tanto que nós tínhamos né.
Quando nós trabalhávamos no primeiro momento as proposta de orçamento popular,
que era a organização de reuniões e de palestras junto às comunidades para explicar
o que era Orçamento Popular, como as comunidades deviam se comportar frente ao
Orçamento Popular, eles lá, em especial dessa região do Santo Antonio, eles
acabaram formando, assim, um grande grupo que era ali da região do Santo Antonio
da zona sul. Então, muitas vilas na época elas fecharão né, fecharão esse bloco e
dentro do Orçamento Popular eles aprovavam né, brigavam e aprovavam propostas
por serviços que fossem atender aquelas demandas ali de dentro do Santo Antonio.
A Vila Wall Ferraz é uma área pequena não, é uma comunidade grande, a própria
localização dela ali. No entorno dela ela tem a Vila Bom Jesus, Vila São José da
Costa Rica, São José da Esperança, na época elas compreendiam o que? A Vila
Paraíso, São José da Esperança, Wall Ferraz, Bom Jesus, Santa Cruz (Marcela,
funcionária da Prefeitura de Teresina).
Em suma, a maioria das propostas que beneficiaram a Vila Wall Ferraz pelo
Orçamento Popular foram feitas em conjunto com outras associações. Sobre estas
negociações conjuntas entre as associações, um morador da Vila diz:
A gente pedia junto para ser mais rápido na ora de negociá a proposta né [...] e ser
aprovada. A gente conversa antes, faz a reunião com a comunidade e discute o que
tá precisando, tudo, e vai para a proposta e é votada essa proposta na comunidade.
Só que quando chega lá na ora de vota no Orçamento Popular aí é que é o negócio
né (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Durante a entrevista com esta moradora, foi perguntado se a comunidade buscava
conversar com o delegado da zona Sul, no caso, o representante escolhido em votação nas
reuniões do Orçamento Popular, para discutir as propostas, e como ocorriam as negociações.
Conforme sua resposta:
Muitas vezes nos pede uma coisa bem aqui para a Vila Wall Ferraz, mas já tá feito
né, e tem comunidade que não tá feito, aí fica para a outra comunidade que não tem
nada. Na hora a gente negocia isso (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Das propostas apresentadas à Comissão Municipal do Orçamento Popular para
beneficiar a Vila Wall Ferraz presentes no Quadro 3, supracitado, nem todas foram aprovadas,
posto que essa aprovação depende de requisitos e critérios utilizados pela Comissão
Municipal do Orçamento Popular. Segundo o relato de uma funcionária da Prefeitura:
Na comissão existe um estudo de viabilidade técnica destas propostas que é o estudo
in loco, a gente vai com representantes da comunidade, com representantes da
associação, do movimento popular, do poder executivo, técnicos para nos instruir,
para dizer se aquela obra realmente é viável ou não, porque que é viável, porque não
é viável (Isabel, funcionária da Prefeitura de Teresina).
132
As propostas aprovadas pela Comissão Municipal do Orçamento Popular para a Vila
Wall Ferraz estão presentes no Quadro 4, a seguir. É importante uma análise de cada ano do
Orçamento Popular, para que se identifiquem quais as obras e serviços realizados; os serviços
que estão incompletos; e os que não foram realizadas até o período da pesquisa direta do
presente trabalho.
ANO
PROPO-
NENTE
PROPOSTAS META
LOGRA-
DOURO
FONTE
DE
RECUR-
SOS
VALOR
EFETI-
VO
ÓRGÃO
RESPON-
SÁVEL
1998 Não foi encontrado registro de obras ou serviços aprovados para a Vila Wall Ferraz neste ano
1999
Associação de
Moradores do
Planalto Bela
Vista
3073 – Melhoria
Habitacional em
146 casas sendo
14 para na Vila
Wall Ferraz
Proporcionar
melhores
condições de
habitabilidade
Várias
Comunidades
Convênios 146.000
reais
SEMHUM
2000
Associação de
Moradores das
Vilas Nossa
Senhora do
Rosário I e II
01 - Melhoria
Habitacional em
casas de taipa total
de 1.055 moradias.
Sendo incluídas
moradias da Vila
Wall Ferraz.
Prover
condições de
habitabilidade
as famílias das
comunidades
beneficiadas
Várias
Comunidades
BNDES 283.161,70 SDU- Sul
2000
Associação de
Moradores do
Planalto Bela
Vista
05 – Melhoria
Habitacional em
70 Unidades que
tem título de
cessão de posse no
projeto Morar
Legal. Foi incluída
a Vila Wall Ferraz
Prover
condições de
habitabilidade
Várias
Comunidades
Externos Não
definiu
SDU – Sul
2000
Associação de
Moradores das
Vilas Nossa
Senhora do
Rosário I e II
11 – Implantação
de 820 fossas
sépticas. Sendo 18
a serem
executadas na Vila
Wall Ferraz
Prover
melhores
condições de
higiene e saúde
para as famílias
destas
comunidades
Várias
Comunidades
Externos 197.820,29 SEMTCAS
Associação de
Moradores do
Bairro Angelim II
17 – Construção
de Lavanderia
Atender 600
famílias
Vila Wall
Ferraz
Próprios Não foi
registrado
SDU- Sul/
SEMDEC
Associação de
Moradores da Vila
Concórdia
31- Construção de
Calçamento
Melhorar o
acesso a Vilas
Várias
Comunidades
Externos BNDES 73.27836
2001 Não foi aprovada nenhuma propostas para a Vila Wall Ferraz nestes ano
2002 Associação de
Moradores da Vila
Boa Vista
97 - Ampliação do
Posto de Saúde
Atender
aproximadamen
te 4.600
pessoas das
várias
comunidades
Rua 05 da Vila
Wall Ferraz
Recursos
Próprios
10.000 reais SDU - Sul
2003 Conselho
Comunitário da
Vila Bom Jesus
137 – Construção
de Galerias
300 metros de
galeria
Entre a rua 6 da
Vila Wall
Ferraz e a Rua
Andradina da
Vila Bom Jesus
Recursos
Próprios
70.000 reais SDU - Sul
Quadro 4 – Propostas Aprovadas e Incluídas no Orçamento Popular de Teresina para a Vila Wall Ferraz.
Fonte: Pesquisa direta nos Relatórios do Orçamento Popular de Teresina, de 1999 a 2003.
133
Desta forma, em 1999, segundo os moradores da Vila Wall Ferraz e dos técnicos da
SDU Sul, foram realizadas, em 14 domicílios, obras de melhorias habitacionais. Em 2000,
algumas moradias da Vila Wall Ferraz passaram por reformas em suas instalações, em
especial nas casas de taipa, das quais seus moradores eram detentores do título de cessão de
uso e posse, proporcionando que estas recebessem cobertura de telha pelo Projeto Morar
Legal da Prefeitura. Sobre as obras de melhoria habitacional e a participação dos moradores
na definição, negociação e realização destas, Teresinha, moradora da Vila, respondeu que foi
feita
uma relação dos moradores que estavam precisando de melhoria habitacional, com a
casa que estava caindo e levamos para a Prefeitura. A Prefeitura veio e fez a reunião
com a comunidade, ela veio e explicou quem é que ia ser beneficiado. Foi por etapa.
Primeira etapa, aí fez o sorteio, aí, 15 famílias foram beneficiadas e aí fizeram,
depois foi às outras e foi indo, fazendo. Mas foi tudo negociado direitinho e quando
foi para vim o material destas casas foi decidido junto com o morador que eles
pagariam cinco reais por mês do valor que iam receber [...] Eles traziam o modelo e
dizia para o morador, esses coitados aceitaram do jeito que eles fizeram, um
quartinho a salinha né. Do jeito que fizeram eles aceitaram. Teve família que o
baldrame não deu para entra né, o material veio pouco e aí o morador teve que
comprar material por fora para fazer o baldrame, para poder fazer a casa. Por que
eles não davam o material completo (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Este depoimento apresenta trechos evidentes de que, nessas obras de melhoria
habitacional, aprovadas no Orçamento Popular, houve insatisfação de parte dos moradores
quanto ao modelo do projeto; da quantidade e qualidade dos materiais de construção
utilizados. Além disso, a participação dos moradores ficou restrita às reuniões que definiriam
o valor a ser pago, sobre a mão-de-obra a ser empregada e a utilização do material de
construção.
Isso ocorreu porque os projetos para a reforma das casas já estavam prontos, cabendo
aos moradores aceitá-los, conservar os materiais que foram distribuídos e garantir a mão-de-
obra para as reformas. Ver Foto 6.
134
Foto 6 – Domicílios da Vila Wall Ferraz que receberam melhoria habitacional.
Fonte: Pesquisa Direta, jun. 2007.
Além disso, deve-se ressaltar que problemas ocorreram, tais como: a falta de material
para algumas moradias; parte das famílias não soube conservar ou guardar de forma
apropriada o material de construção; outros moradores não conseguiram a mão-de-obra para
realizar as reformas em suas moradias no período previsto para o termino do projeto. Sobre
este projeto de melhoria habitacional, a funcionária Marcela coloca:
Antes de você levar o projeto a essas famílias, antes delas receberem o material, elas
passam por todo um processo de visitas. No primeiro momento visitas das
assistentes sociais, este projeto, ele é apresentado aos moradores a gente organiza
uma, duas, a quantidades de reuniões necessárias para contemplar todas as pessoas
que serão atendidas. Fazemos reuniões pela manhã se as pessoas só tiverem
disposição pela manhã mas, se tivermos dentro deste número de famílias pessoas
que só podem assistir a reunião a noite, então fazemos reuniões também a noite [...]
Então, assim, é feito todo um trabalho explicado nos mínimos detalhes, são reuniões
que são demoradas por que a gente procura tirar o máximo de dúvidas que essas
famílias têm a respeito deste projeto para que quando chegar no momento do projeto
em que elas começarem a receber o material elas estejam, pelo menos se espera, que
elas tenham uma consciência de que a partir do momento que recebem o material
começa a participação delas (Marcela, funcionária da Prefeitura de Teresina).
135
Foi possível identificar outros transtornos e impasses na realização das obras e
serviços realizados na Vila Wall Ferraz, no caso, o projeto de melhoria habitacional, quando
foi distribuído, para as famílias, o material de construção para realizarem as reformas.
Segundo a moradora Amanda:
Era pra vim um material de primeira, era com todos esse compartimentos e tinha o
banheiro e aí no final das contas o material é de segunda, tudo mais baratinho, tudo é
de segunda. Isso aí, no projeto ninguém pediu coisa ruim, só que vieram com tudo,
porta até os armadores vei, mais não foi feito como a gente reivindicou, não foi feito
(Amanda, moradora da Vila Wall Ferraz).
Por outro lado, existem reclamações referentes à qualidade do material a ser utilizado
nas reformas das casas de taipa, sobre o critério utilizado para a escolha das famílias a serem
beneficiadas com o projeto, no caso, apenas as que não tinham problemas com a
documentação do imóvel, sobre a não inclusão no projeto na construção de banheiros.
Portanto, tais reformas deixaram a desejar no que diz respeitos às expectativas de parte
dos moradores, bem como em relação à co-gestão das obras de melhoria habitacional; ou seja,
a participação dos moradores restringiu-se a comparecer às reuniões, a promover a
manutenção do material a ser utilizado e a garantir a mão-de-obra. Assim, o modelo de gestão
democrática, tão propalado nos projetos do Poder Público municipal, deveria permitir que, os
moradores, pudessem participar da elaboração, realização e avaliação do projeto a ser
desenvolvido, e não apenas serem consultados; enfim, que pudessem também deliberar.
Além das melhorias habitacionais na realidade local, houve, pelo Orçamento Popular,
a construção de 18 fossas sépticas e construção de calçamento das ruas. Ainda em 2000, foi
aprovada a construção de uma lavanderia comunitária, que, no entanto, não foi construída.
O caso da lavanderia comunitária requer melhor análise, pois esta proposta não foi
trocada, em comum acordo entre as partes, no caso, moradores e Poder Público, pela
cobertura de asfalto da via do transporte público; isso porque o terreno em que seria
construída a lavanderia não apresentava condições adequadas, além de ser de propriedade da
Imobiliária Batista Paz. Nessas circunstâncias, a Prefeitura teria um custo a mais, que seria a
compra do terreno. Dessa forma, embora a proposta da troca partisse da Prefeitura, pelo fato
de a obra ter que envolver uma questão fundiária e negociação com a imobiliária, podendo
onerar ainda mais a construção; os moradores em sua maioria, através da Associação,
aceitaram a permuta da obra.
Além disso, a cobertura asfáltica da linha do ônibus beneficiou não só as famílias da
Vila Wall Ferraz, mas também as várias comunidades do entorno, pois garantiu que o
transporte coletivo beneficiasse o Bairro Santa Cruz. Ver Foto 7.
136
Foto 7 – Avenida Asfaltada na Vila Wall Ferraz.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2007.
É importante frisar, nessa questão da troca da lavanderia pelo asfaltamento da linha de
ônibus, que parte dos moradores ficaram insatisfeitos com a troca, pois achavam que a
lavanderia poderia oferecer uma renda extra, além de reduzir os gastos com água em suas
residências.
Sobre esta negociação da troca das propostas vale destacar o seguinte depoimento da
moradora Teresinha:
Essa lavanderia é aquele asfalto ali, por onde você vem. A gente transformou ela, em
asfalto, por que nós tínhamos a proposta, mas, não tínhamos o local, o terreno. Aí
eles acharam melhor [...] Aí o K (funcionário da prefeitura) diz: “Dona vamos fazer
o seguinte, vamos trocar as propostas”[...] – “Por qual”? Colocar asfalto na linha de
ônibus, por que nós tínhamos o ônibus, mas não tinha asfaltado. E assim, foi feito.
Foi trocada a proposta. Foi eles mesmo, nós não tínhamos o terreno. O terreno é da
Imobiliária Batista Paz, aí eles não podiam comprar. Foi uma confusão feia, ai
depois eles resolveram trocar (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Este depoimento evidencia que a proposta da troca da lavanderia comunitária, que fora
aprovada pela Comissão do Orçamento Popular, formada por delegados eleitos nas reuniões,
pela cobertura asfáltica da linha do ônibus, foi feita pela Prefeitura. Isso gerou discussões
entre moradores da Vila Wall Ferraz bem como das comunidades vizinhas, pois esta obra
seria utilizada por várias comunidades. Além disso, essa obra enquanto proposta foi analisada,
negociada e defendida pelos representantes das Associações nas diversas etapas do
137
Orçamento. Logo, a sua não realização ou a sua troca, posteriormente, leva ao questionamento
do Orçamento Popular como espaço de mobilização e de deliberação popular. Mesmo que a
troca tenha sido efetivada em consenso posterior as discussões dos motivos apresentados,
gerou o descrédito da Comissão do Orçamento Popular, levando a crer que esta Comissão,
erroneamente, aprovou a construção da lavanderia comunitária.
As trocas entre as obras aprovadas no Orçamento Popular, bem como a demora na
realização das obras ou sua não realização, entre outros problemas, podem levar à
desmobilização popular, no que diz respeito à perda da motivação dos moradores para
participar dos próximos orçamentos. Podem contribuir também para que os moradores
busquem outras estratégias para obterem suas demandas, e, entre estas, a elaboração de
pedidos diretos a políticos, ocasionando, assim a renovação de práticas antigas, como o
clientelismo, e a troca de favores. Essa medida alternativa acaba criando ou renovando
práticas que serviram de obstáculos para uma provisão de condições de habitabilidade
propositiva, em que todos os atores envolvidos participam, trocam experiência,
responsabilidades e decisões.
Sobre as obras de serviços relacionados ao ano de 2001, deve-se enfatizar que
nenhuma das propostas sugeridas para a Comissão do Orçamento Popular, conforme o
Quadro 3, citado anteriormente, para a Vila Wall Ferraz, no caso, a recuperação de unidades
sanitárias e a ampliação do Posto de Saúde, foram aprovadas. Este fato pode estar relacionado
à deliberação dos delegados que, no momento da definição das propostas, destinaram os
recursos do Orçamento Popular para outras comunidades que necessitavam de obras mais
urgentes ou à mobilização por votos, realizada pelas comunidades do Bairro Santa Cruz, mas
não obteve maior número.
No que concerne ao ano de 2002, foi aprovado no Orçamento Popular a ampliação do
posto de saúde, mas posteriormente, segundo depoimentos de moradores, surgiu a
necessidade da construção de um posto policial na área. Isso conduziu a que os moradores
deliberassem a respeito do assunto, conforme se pode observar no depoimento de uma
moradora:
Esse posto de saúde aí a gente pediu para ser ampliado, que era onde foi feito o
PPO. Só que depois, tiraram o pessoal daqui, o médico, e botaram no Promorar né o
PSF, aí nós ficamos com o prédio ali embaixo né. Aí nós doamos, depois de muita
banca, briga e confusão de gangue a gente pegou, se juntou a comunidade e doou
para o governo do Estado para fazer o PPO. Terminou a Prefeitura não fez o que
agente pediu lá, não fez e o Estado tá lá dentro e tá tudo caindo e rachado. Agora nós
estamos pedindo de novo um posto médico (Dalva, moradora da Vila Wall Ferraz).
Médico que estava no Promorar, que tiraram daí né. E a comunidade se juntou, por
quer tava tendo muita violência aqui, matando gente. Quando iam enterrar um,
138
matava outro. Ai tava tendo muita confusão à gente chamou a televisão, fizemos
abaixo-assinado, falamos com o Francisco Gerardo (Superintendente da SDU sul).
Aí doamos para o Estado, para instalar o PPO (Amanda, moradora da Vila Wall
Ferraz).
Foto 8 – Posto de Policiamento Ostensivo.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2007.
Estes dois depoimentos revelam que, pelo fato de o Programa Saúde da Família ter
sido removido para o Bairro Promorar e o espaço onde funcionava ter ficado vazio, as
famílias da Vila Wall Ferraz em reuniões da Associação resolvem negociar com o governo
estadual a instalação de um posto policial, no local, tendo em vista o número de crimes,
roubos, discussões nas comunidades do Bairro Santa Cruz.
Quanto aos recursos destinados à obra de reforma do posto de saúde que havia, os
moradores entrevistados dizem que estes foram utilizados para a construção de fossas sépticas
tanto para as famílias da Vila Wall Ferraz quanto para as comunidades circunvizinhas.
Segundo a moradora Teresinha,
nessa época foi aprovada 10.000. Só que a gente transformou esses 10.000 em
fossas, unidades sanitárias (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
139
Em 2003, outra obra, aprovada no Orçamento Popular, para a Vila Wall Ferraz e
comunidades circunvizinhas, que apresentou problemas foi a ampliação de 300 metros de uma
galeria existente entre a Rua 6 da Vila Wall Ferraz e a Rua Andradina da Vila Bom Jesus que,
até a realização deste trabalho, não foi construída. Segundo representante da SDU Sul:
Essa galeria que foi feita lá tem uma galeria que foi feita do orçamento popular de
2003, que lá são várias vilas, ela não é a principal reivindicação, eles querem mais a
continuação, mas esse trecho que foi feito atende entendeu, parcialmente. Essa
galeria foi feita, só que eles pedem a continuação dela, tá certo? e se eu não me
engano foi até aprovado agora no orçamento popular de 2007, deixa eu ver. Vila
Wall Ferraz, foi aprovado prá ser feito em 2007, via orçamento popular e esse trecho
que foi feito também foi feito pelo orçamento popular (Raimundo, funcionário da
Prefeitura de Teresina).
O depoimento revela que, segundo o funcionário da Prefeitura, a galeria foi feita e
atende às necessidades da Vila Wall Ferraz, no entanto, falta a continuação de parte do trecho
da galeria. Essa continuação vem sendo constantemente questionada pelas famílias que
moram próximo a área, pois, segundo estas, as casas ameaçam ruir no período chuvoso. A
moradora Fátima diz que os moradores dos domicílios próximos da galeria têm que colocar
resto de material de construção para evitar erosões:
Se não fosse ele botando esse bagulho aqui (seixo, resto de construção), já tinha
atingido até aqui na minha casa, é pneu, saco que e para não aumentar o buraco. Já
estava aqui a galeria, ela está se quebrando toda, toda mesmo, e ele toda coisa que
tem aqui, caiu uma casa ali ele vai buscar aquele entulho e coloca ali, eu quero que
tu veja como está a situação. Porque se não tivesse colocado muito entulho não
dava, já tinha tomado já (Fátima, moradora da Vila Wall Ferraz).
Observa-se que a ampliação da galeria tem sido debatida nas reuniões da Associação
de Moradores, pois as casas próximas estão ameaçadas de cair. Ver Foto 9, a seguir. Isto
porque o esgoto doméstico e as águas das chuvas se concentram e escoam para a galeria, que,
por não estar concluída, pelo fato de o solo estar sem a cobertura vegetal e pela força da água,
acabam por condicionar a formação de um processo erosivo. Ao longo dos anos, esse
processo erosivo vem sendo agravado, ameaçando as casas próximas à galeria, tendo em vista
a formação de buracos e infiltrações que podem comprometer a base dos domicílios.
140
Foto 9 – Trecho da Galeria a concluir.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2005.
Além das obras e serviços existentes na Vila Wall Ferraz já apresentados neste
trabalho, é importante ressaltar outras obras existentes em seu entorno e que beneficiam seus
moradores; no caso, a creche, o centro de produção e a praça, que tiveram a participação dos
moradores em seu processo de reivindicação através da Associação de Moradores. Sobre a
praça, a moradora Teresinha diz:
A gente encontrou o K e o X. K faz uma praça e uma quadra em frente da Igreja
para gente “tá bom, tá autorizado, pode procurá o Z” ai a gente foi sem oficio sem
nada. Agente ainda tava com o X. Fui eu a Antônia e a Maria da Vila São José e o
padre F também foi. A gente foi só lá e mandou dizer sem documento. Foi
autorizado, mas não tem documento ou oficio. Foi na época que tava começando o
Vila-Bairro. A gente colocou o nome de Sagrada Família. Aí sempre a Vila São José
fala que a praça é deles. A praça é da São Jose. Mentira sua, que a praça é da
comunidade. Aí existe essa picuinha sabe. Com a outra comunidade. Não existe
documento nem nosso nem deles. Por isso que eu te digo que tem coisa que são
feitas assim desse jeito. A gente pede assim e eles fazem. O X sempre trabalhou,
desde a campanha quando o K foi candidato que a gente trabalha com ele. Ele ajuda
a comunidade quando agente pede uma coisa, tá com um problema ele tá no ponto
para resolver (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
O depoimento mostra que a praça da igreja e a quadra são resultantes de pedidos feitos
a candidatos a vereadores e prefeitos, que, em certos períodos, sobretudo eleitorais, visitam as
141
comunidades mais carentes de serviços e equipamentos urbanos, no caso específico, são
“promessas” realizadas por figuras políticas influentes daquela região.
Entende-se que esse tipo de relação leva à dependência e, na maioria das vezes, à
desmobilização popular, visto que os moradores associam a obtenção de suas demandas a
favores de políticos, deixando, assim, de se organizar e se mobilizar a partir de suas
associações. Ficou clara, também nesse depoimento, a disputa existente entre as lideranças
das comunidades vizinhas, pois cada comunidade quer ser associada à conquista de alguma
obra como se fosse uma conquista pessoal.
No que diz respeito à creche comunitária, esta é uma das primeiras lutas dos
moradores da Vila Wall Ferraz, que, desde 1989, consta nas atas das reuniões da Associação
de Moradores. O primeiro nome desse pré-escolar foi Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Não há registro, no entanto, sobre sua construção; mas verificando-se as atas das reuniões,
constatou-se que os problemas relacionados a essa creche são freqüentes nas discussões da
Associação. Entre os problemas discutidos, destacam-se: salário para os professores; a
merenda para os alunos; freqüência dos alunos e o acompanhamento dos pais.
A história da luta pela creche está relacionada ao aumento da demanda de alunos,
surgindo então a necessidade de a Associação iniciar mobilizações para a construção de uma
creche em lugar mais amplo. O local escolhido pelos moradores, no entanto, não foi aprovado
pelos técnicos da Prefeitura em virtude do elevado custo da obra, já que tinha que ser feito um
aterramento no local. Enquanto a creche não foi construída, as crianças assistiam às aulas no
espaço onde funcionava a sede da Associação de Moradores.
Em 1994, é feito o registro do Educandário Vovó Amélia Tajra, localizado na Rua 5,
onde, hoje, funciona a Creche Bom Jesus, onde, atualmente, acontecem as reuniões da
Associação. Ver Foto 10.
142
Foto 10 – Creche Comunitária Bom Jesus/Wall Ferraz.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2007.
Por fim, no que concerne ao Centro Comunitário de Treinamento e Produção, este se
encontra próximo à Vila Wall Ferraz, garante emprego a várias famílias, sendo 11 artesãos
que trabalham com confecções, produtos de armarinho, artesanato e eletrônica, entre eles
chefes de família da Vila Wall Ferraz. Ver Foto 11, a seguir.
Pode-se constatar que, no período de 1996 a 2004, a relação entre o Poder Público
municipal e a Associação de Moradores ganhou novas formas e agentes, se comparados com
período da ocupação até o recorte temporal desta pesquisa. Isso porque as formas de
encaminhar as reivindicações bem como as de interação entre governo municipal e
associações foram alteradas, posto que surgem novos canais de mediação, no caso, o Projeto
Vila-Bairro e o Orçamento Popular.
143
Foto 11 – Centro Comunitário de Treinamento e Produção – Santo Antônio.
Fonte: Pesquisa direta, jun. 2007.
As passeatas são substituídas por ofícios, e a participação nas etapas do Orçamento
Popular um processo mais longo, porém um espaço para diálogo, em que as propostas de cada
comunidade são avaliadas por um grupo de delegados compostos por representantes das
diferentes Associações, Conselhos Comunitários e grupos sociais. A FAMCC enquanto
mediadora, no primeiro período, sai de cena. Deste modo, os moradores da Vila Wall Ferraz
buscaram se articular a outras Associações de localidades próximas à Vila, para conquistar
maior número de votos no Orçamento Popular, e, assim, garantir obras e serviços para a área.
No entanto, estas novas propostas também vieram acompanhadas de velhas práticas de
gestão tradicional, como o clientelismo e a troca de favores com políticos. Portanto,
mesclaram-se idéias de participação popular na gestão de recursos e políticas com a troca de
interesses e favores, no período de 1996 a 2004, tornando a obtenção de equipamentos
urbanos e serviços bem mais complexos. Na próxima seção deste capitulo, buscou-se
evidenciar tais questões; ou seja, mostrar os dilemas e principais conquistas obtidas na relação
Poder Público e Associação de Moradores na provisão de condições de habitabilidade para a
Vila Wall Feraz.
144
4.4 A (DES) CONSTRUÇÃO DE CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE NA VILA WALL
FERRAZ: DILEMAS, ENTRAVES, CONQUISTAS E POSSIBILIDADES
No período de 1996 a 2004, a Vila Wall Ferraz passou por constantes transformações
socioespaciais, bem como o seu entorno. Houve melhorias no padrão construtivo de algumas
casas; as ruas foram pavimentadas, fossas sépticas foram instaladas em domicílios que não
eram providos de tal serviço, famílias receberam filtros e orientação de educação ambiental.
Marcela, funcionária da Prefeitura de Teresina, trabalhou diretamente com os moradores da
Vila Wall Ferraz, afirma:
A Vila Wall Ferraz hoje, por exemplo, ela conta com todas as suas ruas com
calçamento, com desvio de sarjetas de águas. A melhoria habitacional que foi
realizada lá na época, no primeiro momento contemplou todas as famílias que
moravam em casas de taipa, com exceção de famílias que tinham algum problema
com a parte da documentação (Marcela, funcionária da Prefeitura de Teresina).
Os dados obtidos durante a pesquisa de campo e os depoimentos evidenciam que as
condições de habitabilidade da Vila melhoraram consideravelmente no período em análise.
No entanto, tais condições não foram suficientes, pois obras deixaram de ser feitas; unidades
habitacionais não atingiram um bom padrão construtivo; uma parcela das moradias não foi
adequada à dimensão das famílias; e existem residências que se destinam a finalidades
diversas, tais como: bar, oficina mecânica, metalúrgica, entre outras que requerem um espaço
apropriado. Uma moradora relata sobre as necessidades encontradas em algumas moradias da
Vila:
Tem algumas que ainda não foram feitas que é uma bem velhinha de um velhinho
que mora bem ali e outra lá de baixo. Mas, a lá de baixo foi porque a mulher não
quis mesmo o material, o homem não aceitou. E tem essa bem daí que está até
caindo agora e outra mais pra ali um pouquinho que era pra vim, mas não veio, mas
é porque parece que esse lado aí era terreno próprio e o terreno era de mobiliária e a
Prefeitura, no tempo, só podia ceder pra esses de cá que eram da vila mesmo, ainda
hoje o pessoal aí luta pra vê se consegue, mas ainda está difícil, ainda não veio não
sabe nem se vem (Francisca, moradora da Vila Wall Ferraz).
É importante ressaltar que algumas famílias que compraram lotes da imobiliária
Batista Paz, antes da ocupação, ou adquiriram casa pela compra em um momento posterior ao
da ocupação, não chegaram a ser beneficiadas com as políticas de melhoria habitacional
realizadas pela Prefeitura. O motivo apresentado pelos funcionários da Prefeitura foi que estas
famílias não possuíam documentação do imóvel e não faziam parte da ocupação que constitui
a Vila Wall Ferraz; não podendo, deste modo, ser beneficiadas com obras destinadas à Vila
Wall Ferraz. Porém a Associação de Moradores desta comunidade considera estas famílias
145
como membros da Vila Wall Ferraz, porque estas participam das reuniões e das atividades
desenvolvidas nas comunidades.
Esse conjunto de transformações havidas é decorrente das reivindicações, negociações
e interações entre os moradores da Vila Wall Ferraz e o Poder Público municipal de Teresina;
mas também se sabe que estes moradores foram influenciadas por outros sujeitos sociais, no
caso, os políticos. Todo esse processo configurou um jogo de interesses, mesclando práticas
tidas como novas, por incluírem, pelo menos em seus projetos, participação, diálogo e
interação dos diversos sujeitos, com velhas formas de gerir e implementar políticas no espaço
urbano: quais sejam, a cooptação social, o clientelismo e a trocas de favores.
Portanto, constatou-se que a relação entre o Poder Público de Teresina e a Associação
de Moradores da Vila Wall Ferraz foi permeada por entraves, dilemas e conquistas na
realização da provisão de condições de habitabilidade de forma propositiva; ou seja, de modo
que todos os envolvidos, no caso, os moradores e agentes do Poder Público municipal
realizassem uma prática discursiva, interativa e dialógica, na construção de melhores
condições de habitabilidade para os moradores da Vila Wall Ferraz.
Muitos foram os obstáculos encontrados, mas conquistas também foram alcançadas,
como as melhorias realizadas na Vila Wall Ferraz que proporcionaram condições mais dignas
de moradia, troca de experiências entre os moradores e comunidades vizinhas, aprendizagem
quanto ao funcionamento do aparelho estatal e ao jogo de interesses inerente às relações
sociais.
Neste trabalho, utilizando como aporte o referencial teórico, compreende-se que a
provisão de condições de habitabilidade em áreas decorrentes de ocupação informal coerente
com o propósito da participação dos sujeitos de forma propositiva é um processo contínuo de
aprimoramento, que requer uma primeira iniciativa dos citadinos e gestores públicos em prol
de tal prática, como também constantes revisões, discussões e debates que viabilizem a
construção da gestão democrática da cidade.
Feitas tais considerações, é pertinente nesta seção evidenciar depoimentos, dados e
informações que levaram à conclusão de que a relação em análise foi caracterizada por
momentos de conflitos, interesses, mas também de diálogo e conquistas quanto à melhoria das
condições de habitabilidade.
Segundo os depoimentos dos sujeitos da pesquisa, a relação entre os moradores da
Vila Wall Ferraz e o Poder Público municipal, na provisão de condições de habitabilidade, ou
seja, nas reivindicações, negociações e deliberações que levaram à realização das obras na
Vila, encontraram certas adversidades. Um dos empecilhos apontados pelos sujeitos
146
vinculados ao Poder Público são os baixos recursos para elaborar e implementar obras e
equipamentos urbanos em Teresina. Segundo Raimundo:
O grande problema do município, não só do município, do Poder Público, da rede
estadual, federal, municipal é que as demandas das comunidades são grandes. A
capacidade de investimento do Poder Público é limitada [...] Então a demanda é
muito grande e o Poder Público não tem como atender, você vê que a gente fez uma
etapa em 2003 e vamos fazer agora em 2007, quatro anos depois, então infelizmente
como tem essa comunidade têm muitas outras que precisam de uma galeria e outros
serviços também tão urgentes como a galeria, e o Poder Público não tem recursos
pra tanto, então basicamente é falta de recursos (Raimundo, funcionário da
Prefeitura de Teresina).
Essa tem sido a máxima de muitos depoimentos de gestores quanto a não realização de
obras e serviços para as diferentes regiões da cidade, no caso, a ausência de recursos públicos,
elevadas despesas, demandas crescentes dos citadinos, os parcos recursos repassados pelo
governo federal.
Com a descentralização das políticas urbanas a partir de 1995, o poder local tem o
papel de gerir os municípios; este ganha autonomia política e administrativa, devendo prover
sua renda e administrar seu espaço urbano. Conforme foi trabalhado na Parte 2, o Estado em
âmbito municipal teve que redefinir suas ações e buscar meios para melhor atender às
demandas dos citadinos. Um árduo trabalho, haja vista que a cidade, com seus diferentes
atores, passa por constantes transformações, sendo que cada um desses atores sociais tem
interesses diversos e mobilizam-se para conquistá-los.
Outros fatores que dificultaram esse processo de provisão de certos serviços e obras na
Vila Wall Ferraz, de forma mais propositiva, apontados por um dos funcionários da
Prefeitura, foram a falta de informação e a desconfiança. Assim se expressa o funcionário:
No início o que dificultou foi a falta de informação, a falta de informação do que a
Prefeitura iria fazer e como que a Prefeitura ia realizar seu trabalho. Uma outra
dificuldade era a desconfiança por parte de setores da comunidade que desconfiava
primeiro da ação da Prefeitura se de fato a Prefeitura ia realizar aquela ação de fazer
o arruamento, se ia fazer o programa de melhoria das fossas sépticas, implantação de
fossas sépticas se ia fazer o programa de melhoria habitacional. E em terceiro lugar a
desconfiança de parte das famílias que não sabiam, se com aquela reorganização do
espaço urbano da vila, se de fato ia sobrar terreno para que eles permanecessem no
local (João, funcionário da Prefeitura).
A questão da falta de informação e a desconfiança existente no início das negociações
entre o Poder Público e os moradores da Vila Wall Ferraz caracterizam este novo contexto da
conjuntura política brasileira, em que os movimentos urbanos e o Estado são levados à
articulação para tratar das questões da cidade.
147
Por tratar-se de um processo novo, no caso, a maior aproximação entre Estado e
movimentos sociais gerou dúvidas, desconfiança, receio e preocupação; daí o valor das
reuniões, conselhos, audiências, dentre outras formas que favoreçam o diálogo e a troca de
informações. Os moradores tinham necessidade de melhorar suas condições de habitabilidade
e recorreram ao gestor público municipal para atender a suas demandas, e este, agora
responsável pelas políticas urbanas, foi levado a desenvolver projetos e mecanismos para
realizar tais demandas.
Outro problema que surge durante o processo do Orçamento Popular diz respeito à
falta de consciência de que os recursos destinados a este são escassos e devem ser destinados
ao bem comum, tanto pelos moradores que participam quanto pelos demais atores sociais; a
saber: vereadores, membros das Federações e integrantes do Poder Público que precisam ter
essa visão. Segundo Isabel,
quando se falar do processo de escolha de obras a maior dificuldade que a gente
enquanto técnico encontra é essa falta de consciência. Muita gente quer olhar para o
próprio umbigo, o que acontece se numa mesma comunidade tem duas entidades à
entidade vizinha não que saber pede um posto de saúde, por exemplo, a comunidade
vizinha não que saber se aquele lá já pediu não. Ela quer saber dela mesma ter
pedido. Ela mesma ter levado, porque pode ter no bairro vizinho, mas não tem no
meu bairro então eu quero solicitar. Tem gente, a maioria das pessoas não consegue
ter essa visão da coletividade, de que uma obra de grande porte como essa, por
exemplo, tem que ser construída num local de acesso para vários bairros. Então o
que a gente viu de dificuldades, que a gente tem percebido hoje, já amenizou um
pouco mais. Mas, o que a gente vem trabalhando é essa questão da consciência né,
de que não adianta você tá pedindo obras estruturantes para seu bairro, tendo uma
bem aqui no bairro vizinho (Isabel, funcionária da Prefeitura de Teresina).
Em uma proposta como a de gestão dos recursos públicos, é importante que sejam
esclarecidos e difundidos o seu valor e o compromisso com sua real realização. O bem
comum deve ser o centro das pautas, devem ser feitos estudos coerentes sobre as reais
necessidades existentes no espaço urbano em estudo e socializar seus resultados de forma que
estes possam ser compreendidos e analisados. Ocorrendo dessa forma, tal processo inibirá as
desavenças e jogos de interesses que prejudicam as comunidades mais carentes em infra-
estrutura em detrimento de outras.
Além dessa questão, é relevante para esta análise discorrer sobre os parcos recursos
que são destinados ao Orçamento Popular, bem como o atraso na realização das obras.
Conforme dito anteriormente, algumas obras aprovadas para a Vila Wall Ferraz ainda não
foram realizadas até o momento da pesquisa de campo deste trabalho, e outras foram
substituídas por outras propostas. Este fato poderá gerar o descrédito do Orçamento Popular
enquanto instrumento de gestão participativa; e, em determinadas comunidades, colaborar
148
para a desmobilização ou a busca de favores junto a políticos (re)surgindo práticas
tradicionais de gestão pública.
Uma outra questão que inviabilizou uma relação mais propositiva entre os moradores
da Vila Wall Ferraz e o Poder Público municipal na provisão de condições de habitabilidade
refere-se às trocas de favores e ao clientelismo, que enfraquece a mobilização popular, tendo
em vista que lhe torna dependente desta prática característica da gestão pública tradicional.
16
Segundo a moradora da Vila Wall Ferraz:
Se você não tiver uma pessoa, um político, um vereador, um deputado, uma pessoa
que lhe ajude se você chegar com uma comunidade dessa lá, ninguém lhe conhece
(Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Além desse depoimento, outros moradores e funcionários da Prefeitura relataram que
tal prática, no caso, conchavos, troca de interesse e favores, ainda existe em Teresina, até
mesmo no interior do Orçamento Popular, proposta tão difundida como participativa e
democrática em suas etapas. Contudo, em determinados momentos, alguns de seus partícipes,
sejam eles moradores das vilas e favelas, representantes de federações, funcionários da
Prefeitura sejam vereadores, utilizam subterfúgios para controlar o processo e realizar trocas
de favores em detrimento das necessidades reais de algumas localidades mais carentes. Em
seu depoimento a moradora afirma:
Muitas vezes a obra vai aprovada e o delegado tira, é pedido do vereador fulano de
tal prá minha comunidade que lá eu tenho tantos votos. No nosso caso aqui a testa
forte é o “X” (Vereador). Tudo isso é a política, é o jogo de cintura dentro da
Prefeitura. Você tem que ir no pé do vereador “olha tu vai fazer isso, isso e isso, se
não tu pode perder isso e isso”(Luiza, moradora da Vila Wall Ferraz).
Este relato mostra que são criados vínculos ou mesmo uma dependência para com os
políticos, que acabam por inviabilizar a proposta de participação consciente e propositiva dos
atores; ou seja, de que o interesse coletivo deve ser prioritário e que as comunidades, ao
promoverem suas reivindicações, sejam atendidas independentemente de serem apoiadas por
determinado político. Tais depoimentos evidenciam bem a reminiscência de práticas
tradicionais de gestão pública, posto que vereadores utilizam sua influência política em
beneficio de outros moradores ou comunidades que o apóiam.
Durante as entrevistas, foi possível identificar a corriqueira prática de troca de favores
em que determinadas comunidades deixam de ter acesso a equipamentos urbanos por não
serem atreladas a determinados políticos ou organizações mais próximas do gestor do
16
A gestão pública tradicional considerada neste trabalho diz respeito à gestão em que a base decisória é
tecnocrática e centralizada; os conflitos são resolvidos com base em conchavos e barganha. Mais informações
ver Quadro 1 apresentado na Parte 2, seção 2.3.1 deste trabalho.
149
município em exercício. É o que pode ser atestado no seguinte depoimento de uma das
moradoras da Vila Wall Ferraz:
Bem aí na Vila Mariana é aprovado muita coisa, mas na hora lá perde tudinho, e aí
chega pra o vereador, Y, e não sei quem e isso aí contribui, se eu tenho aquele peixe
com aquele vereador é bom porque a força é dele (Dalva, moradora da Vila Wall
Ferraz).
Esta questão de favorecimento político acaba por coibir tentativas reais de mobilização
popular e do projeto de participação consciente e propositiva; pois à medida que os sujeitos
associam o acesso a uma obra ou serviço a um determinado político ou a uma liderança
específica ligada um dado partido, a mobilização da população, via Associação, perde o
sentido, do coletivo e da necessidade da organização cívica e política dos citadinos, pois passa
a ser vista pelos moradores como não sendo necessária. Para um representante da FAMCC
que auxiliou a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz até meados do ano de 1997:
O Poder Público municipal até hoje ainda continua tendo um relacionamento muito
ruim com as comunidades, com as associações. Até hoje, visto assim, quando tem
uma associação que foi, que indo na Prefeitura, tá indo a uma secretaria, a um
órgão do município apresentada por um vereador ligado ao prefeito, ela termina
tendo um atendimento mais rápido mesmo que não tenha o atendimento da
reivindicação, mas pelo menos ela vai recebida com mais facilidade. Quando são
entidades que não estão indo lá apresentadas por um vereador ligado ao prefeito elas
terminam tomando o famoso chá de cadeira por um bom tempo. A gente tem muitos
exemplos disso, a Vila Bandeirante, por exemplo, foi uma vila que quase tudo que
ela conseguiu ou praticamente tudo que conseguiu foi na base da pressão, nunca foi
por conta de que a Prefeitura, o prefeito que tava na época, tenha sido bonzinho,
tenha sido tão amigo da comunidade da vila Bandeirante, muito mais por conta da
pressão. A Vila São Francisco sul se você for lá verificar ainda falta muita coisa,
mas o pouco que conseguiram também foi na base da pressão, que a Prefeitura
nunca recebia de gosto os representantes destas comunidades alguns que nunca
quiseram se ligar ou se aliar ao esquema do prefeito ou ficar próximo de um
vereador ou achar que precisava de um vereador para encaminhar suas lutas (Carlos,
representante da FAMCC).
Na Vila Wall Ferraz, a relação da Associação de Moradores com o Poder Público
municipal na provisão de condições de habitabilidade foi influenciada, em dadas situações e
circunstâncias, por políticos que, em geral, têm estabelecido certos vínculos com a população.
Isso, em dados momentos, colaborou para um processo de desmobilização dos moradores face
às necessidades e reivindicações da Vila. Ao mesmo tempo contribuiu para o estabelecimento
de certa dependência de moradores para com os políticos; ou seja, parte dos moradores
associa a obtenção de uma obra na sua comunidade à figura de um dado político, ou a uma
dada liderança da vila ou da Associação de Moradores. Segundo um dos entrevistados:
Na vila Wall Ferraz teve momento em que a relação com o município foi um bocado
conflituosa. Em alguns momentos acredito que já foi menos complicada por conta
de que em alguns momentos quem estava na direção da associação de moradores
150
tinha uma relação próxima com algum vereador, com alguém ligado ao prefeito por
conta disso terminou pelo menos sendo recebido com maior facilidade, que não quer
dizer que tenha sido atendido com essa facilidade toda (Carlos, representante da
FAMCC).
Este depoimento destaca que a relação entre a Associação de Moradores da Vila Wall
Ferraz e o Governo municipal de Teresina foi permeada, em determinados momentos, por
troca de favores e jogos de interesses, em que os políticos foram “peças-chaves” dessa
mediação. Assim, a gestão que estava em vigência na Associação de Moradores buscou o
apoio de políticos, fato que pode ser considerado como estratégia para ter acesso a condições
de habitabilidade, evidenciando que outros instrumentos de reivindicação e canais de
mediação, como ofício, abaixo assinado, audiência, entre outros, não estavam garantindo o
acesso suas demandas.
O próximo depoimento de um funcionário também revela a influência de políticos na
relação entre o poder público municipal e a Associação de Moradores. Segundo João:
Os candidatos a vereador que são apoiados pela Prefeitura, que são ligados ao
prefeito, são apoiados pelas lideranças daquele local. Então você tem, por exemplo,
o vereador X, o vereador Y são dois vereadores que são ligados à Prefeitura e são
dois vereadores que aquelas lideranças comunitárias da região são vinculadas a elas.
O Wall Ferraz
17
sempre foi muito bem votado naquela região, o Firmino, nas duas
eleições do Firmino sempre foi muito bem votado naquela região com o apoio das
lideranças comunitárias, as lideranças se engajaram na eleição do Wall Ferraz,
eleição do Firmino e eleição do Silvio se engajaram na campanha deles (João,
funcionário da Prefeitura de Teresina).
Da forma como foi colocado pelos entrevistados, a prática clientelista, os conchavos e
troca de favores foram ingredientes da relação entre o Governo municipal e a Associação de
Moradores na provisão de condições de habitabilidade. No depoimento supracitado, o
entrevistado esclarece que a relação em muitos momentos foi de proximidade, pelo fato de
essas lideranças terem apoiado os prefeitos durante as campanhas eleitorais, sendo estas
compensadas com obras e serviços para suas comunidades.
Assim, surge a necessidade de analisar melhor os relatórios e diagnósticos realizados
pelos órgãos da Prefeitura referentes ao Projeto Vila-Bairro e o Orçamento Popular, propostas
que priorizam em sua estrutura a participação popular e a gestão democrática dos recursos
públicos.
17
Nos depoimentos dos entrevistados, optou-se por utilizar nomes fictícios e, em alguns casos, letras para
preservar a identidade deste sujeito. No depoimento supramencionado, foram colocados os nomes reais pelo fato
de estes terem sido prefeitos de Teresina; ou seja, são pessoas públicas.
151
O Projeto Vila-Bairro, conforme foi abordado na Parte 3, traz em sua composição
ideais de participação, assim como o Orçamento Popular com suas reuniões, fóruns e
formação de comissões compostas por diversos atores sociais.
No entanto, parte dos relatos mostra que a participação dos moradores da Vila Wall
Ferraz tem se restringido bem mais à entrega de ofícios, abaixo-assinados e documentos e à
realização de consultas sobre as demandas da Vila, quando, na verdade, a participação,
defendida pela Constituição de 1988, diz respeito à elaboração, negociação, implementação;
deve ser deliberativa e de controle social. Se há troca de favores, beneficiamento de uns em
detrimento de outros e elementos da gestão pública tradicional, pode-se afirmar que a
participação popular na Vila Wall Ferraz foi restrita.
Pela leitura dos depoimentos, pode-se inferir que muito ainda deve ser conquistado,
para que se possa atingir a meta da gestão democrática da cidade, somente uma gestão com
esses atributos poderia proporcionar o acesso eqüitativo de condições de moradia digna a um
maior número de citadinos.
No transcorrer da entrevista, um dos entrevistados foi questionado se, durante a
realização do Orçamento Popular, a partir da escolha dos delegados e da formação de uma
Comissão, ainda existe a troca de favores com políticos, e ele respondeu:
Ainda, porque se você verificar, se você for ver direitinho desde que foi criado esse
programa, ai de orçamento populista, isso não é popular coisa nenhuma, está mais
para dizer que é populista mesmo, a única coisa de fato que tem conseguido em
alguns momentos, é provocar brigas entre lideranças, porque colocam um montante
de verba a disposição muito pequena, na ora da definição das obras define de uma
forma, mas no meio do caminho ainda há a possibilidade de fazer a transferência de
verba de uma rubrica para outra e termina não atendendo. Se você for ver ainda tem
muita coisa pendente, mostra que o Orçamento Popular não funciona como dizem
ou como muita gente na comunidade acredita (Carlos, representante da FAMCC).
Segundo o entrevistado, ainda é presente no interior do processo do Orçamento
Popular práticas tradicionais de gestão pública. Para ele, os parcos recursos destinados ao
Orçamento geram desavenças entre as lideranças, fazendo com que estas disputem entre si e
recorram aos políticos para que estes os auxiliem na aprovação de suas propostas. Mostra-se,
assim, que a participação popular de forma propositiva tem encontrado fortes obstáculos a sua
materialidade.
Em outra entrevista, uma das moradoras foi questionada se, durante os anos de 1996 a
2004, com a realização do Projeto Vila-Bairro e a proposta do Orçamento Popular,
continuavam existindo esses jogos de interesses políticos, tendo sido obtida a seguinte
resposta:
152
Ora funciona, funciona sim. Eles dizem assim, coloca no Vila-Bairro. A gente
coloca mesmo que não tenha sido aprovada eles fazem, eu consegui um monte de
coisa aqui sem ser pelo Vila-Bairro (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Ainda segundo a entrevistada, essas obras ou serviços são obtidos “por pedido da
Associação com a pessoa né, com o político” (Teresinha, Moradora da Vila Wall Ferraz).
Assim, as questões políticas constantemente permearam a relação da Associação com
o Poder Público, no que diz respeito ao acesso a equipamentos urbanos e serviços, ora
existindo diálogo, ora fortes divergências. Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz, aduz que
a Vila encontra-se ainda hoje com
um bocado de problemas, mas ainda estamos indo. Por isso que eu te digo que a
política influi muito nas comunidades, a política influi demais na parte, assim,
partidária. Uma comunidade que a associação não fica do lado da Prefeitura assim,
essa comunidade não caminha muito não (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Ainda sobre a influência de políticos na relação da Associação de Moradores e o Poder
Público na provisão de condições de habitabilidade, pode-se utilizar como exemplo a
construção da galeria que foi aprovada no Orçamento Popular de 2003 e que não chegou a ser
realizada. Segundo uma entrevistada,
a galeria é uma obra que não foi feita. Eles dizem que foi feita, lá tá como sendo
feita. Ele já veio ate aqui o K mais o X, ele disse que ia fazer. Depois eu fui lá e ele
disse que não disse que ia fazer. Mulher se tu ver como é enrolado. Mas eu vou lá de
novo, vou falar com o X e vou dizer para ele intercedê junto ao prefeito. Por que tá
chegando o inverno e as casas do pessoal vai tudo alagar, para o rio. E o pessoal
vem aqui em casa, sábado mesmo vieram aqui em casa. Quando dei fé chegou o
pessoal dizendo que ia chamar a televisão. Pode chamar, pode mostrar o que está
acontecendo. Por que eu já pedi, mandei o oficio. Tenho todos os ofícios, foi
aprovado (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Essa questão de interferência de políticos em uma determinada comunidade, como
forma de ser recebida com maior facilidade ou ser beneficiada com maior prontidão em
detrimento de outra, pode ser comprovada nesses depoimentos, além de ter sido constatado
que o uso de ofícios e abaixo-assinados como formas de encaminhar as reivindicações não
tiveram a devida atenção.
Um dos moradores afirma que, durante os dezoito anos da Vila Wall Ferraz, a
Associação foi sempre bem recebida, ressaltando que outras comunidades do entorno,
anteriores à ocupação da Vila Wall Ferraz, não obtiveram em seu espaço muitos dos
equipamentos existentes na Vila Wall Ferraz. Segundo Luiza:
O que levou para modificação da vila hoje a 18 anos depois, ah foi a boa vontade da
associação na gestão A ou B e a gente sempre foi bem recebido na Prefeitura,
comunidade melhor do que essa aqui não tem, nem a Vila Santa Cruz, por exemplo,
lá é antigo e não tem nada que nós temos aqui, lá não tinha posto de saúde e até isso
153
nós já tivemos aqui e hoje é posto do PPO devido aos problemas de violência
(Luiza, moradora da Vila Wall Ferraz).
Pode-se dizer ainda que o fato de os moradores desenvolverem mecanismos de
aproximação com os políticos, no caso, vereadores e deputados via associação, tendo como
objetivo o acesso a condições dignas de habitabilidade, pode estar associado à ausência ou
não funcionamento de outros mecanismos ou instrumentos que possibilitassem o atendimento
de suas demandas. Entre esses instrumentos e mecanismos que poderiam ser melhor
aproveitados pelos citadinos, para gerir a cidade e seu espaço moradia, podemos destacar: o
Estatuto da Cidade; o Plano Diretor; os Conselhos e o Orçamento Participativo, que, em
Teresina, denomina-se Orçamento Popular.
Esses instrumentos estão diretamente atrelados à questão da moradia, mas ainda não
ganharam a devida materialidade em grande parte das cidades; e, em Teresina, encontra-se
neste grupo. Mas, nem por tais motivos, conforme já foi analisado, a Associação de
Moradores deixou de lutar por melhores condições de habitabilidade para a vila em termos do
saneamento básico, da melhoria das casas, da pavimentação das ruas e da acessibilidade aos
outros bairros, do abastecimento de água e energia elétrica, entre outras lutas.
Além dos fatores já evidenciados, que colaboram diretamente para desmobilizar e
enfraquecer a Associação de Moradores, têm-se ainda as disputas e desavenças existentes no
interior da Associação e dentro da própria comunidade. É sabido que conflitos, disputas e
opiniões contrárias permeiam qualquer relação, o que é salutar, porém, essas disputas, sejam
de caráter pessoal seja partidário, não devem ser justificativas ou obstáculos à ausência da
participação e colaboração com as atividades propostas pela Associação de Moradores.
Alguns dos depoimentos mostraram que as desavenças entre membros da diretoria da
Associação de Moradores com os moradores da vila têm funcionado como empecilhos à
mobilização popular, ao melhor proveito das reuniões, à maior participação dos moradores
nas atividades da Associação, bem como à proposição de atividades, idéias e opiniões.
Convém observar que muitos desses conflitos são decorrentes de discordâncias
partidárias, bem como questões pessoais entre os conflitantes e que poderiam ser relevadas
com o intuito de promover a melhoria das condições de habitabilidade, haja vista o fato de
que tais melhorias atendem a todos da Vila Wall Ferraz, indistintamente. Segundo Dalva, uma
das entrevistadas:
Eu acho que existe muita participação, todo mundo participa, mas já têm alguns que
se recusam, fulana não participava da presidência de fulano, e aquele ali já se recusa,
não quer participar, não quer chegar perto, que fulana não faz isso, que fulana não
faz aquilo, mesmo sabendo que vem pra todo mundo, se ela conseguir algo é pra
154
todo mundo, mas tem alguém que se recusa por causa, porque não é do partido de
fulano, é do outro (Dalva, moradora da Vila Wall Ferraz).
As desavenças entre os moradores, a falta de conscientização ou ainda o descrédito em
relação ao seu papel enquanto sujeito social capaz de reivindicar, negociar e implementar
obras e serviços públicos e a descrença dos moradores em relação ao Poder Público são
fatores que contribuem para a não realização de efetiva provisão de condições de
habitabilidade para a vila de forma propositiva.
Compreende-se como provisão propositiva aquela em que todos os sujeitos
envolvidos, no caso, os moradores da Vila Wall Ferraz, e os funcionários da Prefeitura e
Associação participam das diversas ações desenvolvidas para a realização de obras e serviços.
A ligação ou vinculação da realização de obras a um político específico e a descrença de que
estas obras venham a ser realizadas ficam evidenciadas no depoimento de Antônia:
A partir da hora que a gente sabia que estava aprovado, a gente chamava a
comunidade, tinha um tempo só pra falar com a população prá avisar que a obra ia
chegar, ou hoje ou amanhã ia chegar. Então a gente vai na casa do morador e diz que
vai ganhar isso, isso e isso, e eles ficam dizendo “ah é porque vai ter eleição agora e
fulano quer se candidatar” (Antônia, moradora da Vila Wall Ferraz).
Tal depoimento evidencia que ainda há muito a ser trabalhado no que diz respeito às
práticas dos movimentos sociais, dos gestores públicos de políticos e demais citadinos quanto
à conscientização de que as obras e serviços públicos são direitos dos cidadãos, sendo que a
participação dos citadinos na elaboração e gestão de políticas urbanas é assegurada na
Constituição de 1988.
Assim, o entendimento de que o acesso a condições de habitabilidade depende da ação
conjunta dos sujeitos, individuais e coletivos, independentemente de conflitos e desavenças
existentes, deve ser socializado entre os citadinos. Mas o que se observa no geral, tanto Vila
Wall Ferraz quanto alhures, é que a questão da luta pelo acesso a condições de habitabilidade
enquanto direito ainda requer maior conscientização dos teresinenses, pois muitos associam a
aquisição das políticas urbanas ao vereador, ao prefeito ou ainda ao presidente da Associação
de Moradores.
No que respeita às demandas e reivindicações levadas a efeito pela Associação na
relação com o Poder Público, observou-se, nos depoimentos, que as reuniões restringiam-se
ao surgimento de alguma necessidade mais urgente, tais como moradias que ameaçavam ruir,
fossas que se deterioraram, alto nível de violência, organização de festividades como o dia das
Mães ou a escolha do representante no Orçamento Popular.
155
Dessa forma, as reuniões realizadas pela Associação entre os membros da Diretoria ou
entre a entidade e os moradores, nos anos de 1996 a 2004, não tinham periodicidade ou plano
de trabalho prévio. A moradora Francisca afirma que a reunião:
é só quando tem uma necessidade, uma extrema necessidade mesmo, não anda tendo
essas reuniões assim não. Sempre que tinha reunião era quando não tinha ainda
água, nem luz, quando estava se tratando de um papel, documento do terreno,
quando ia fazer uma construção que nem a creche ou a quadra, sempre vinha aquela
pessoa e dava explicações e tudo, mas só quando era necessidade quando tinha
alguma reunião assim, não é com freqüência não (Francisca, moradora da Vila Wall
Ferraz).
A partir da análise das atas das reuniões, pôde-se constatar que, no período
compreendido entre 1996 e 2004, houve uma redução considerável de reuniões, de forma que
o intervalo entre uma e outra chegou a ser superior a seis meses e, em alguns anos, foram
registradas como pauta apenas as eleições para a Diretoria da Associação de Moradores, a
posse e a prestação de contas da gestão anterior. Em 2002, foi realizado um maior número de
reuniões, sendo discutidas e registradas as propostas a serem apresentadas ao Orçamento
Popular e a escolha do morador que participaria das reuniões do Orçamento Popular.
O que se pode constatar na pesquisa, de fato, é que houve reuniões da Diretoria e
outras atividades da Associação com os moradores da Vila Wall Ferraz, no entanto, essas
atividades não foram registradas nas atas das reuniões da Associação.
O registro em ata das discussões, deliberações e outras atividades desenvolvidas pela
Associação deveria ser uma preocupação fundamental das diretorias que passaram pela
entidade, por tratar-se de um documento valioso, pois além de ser um instrumento da história
da luta da Vila por condições de habitabilidade dignas, via Associação de Moradores, é
também um instrumento que possibilita rever e avaliar as ações da Associação de Moradores,
buscando, assim, o aperfeiçoamento de suas atividades.
Um dos fatores observados na pesquisa que pode ter se constituído em obstáculo à
maior dinamização da Associação de Moradores em suas reivindicações e lutas diz respeito à
pequena participação dos moradores nas reuniões da entidade. Esse fato foi enfocado nas atas
das reuniões da Diretoria, tendo sido apresentado como motivo da não participação questões
como doença de familiares, viagens, esquecimento, trabalho, entre outros.
Além da pequena participação dos moradores nas reuniões, há fatores também
relacionados ao cumprimento das obrigações dos membros da Diretoria. Há relatos em atas
que integrantes da Diretoria não teriam exercido suas funções conforme o Estatuto da
Associação. Prova disso foi a assembléia realizada no dia vinte e oito de janeiro de 2000, que
teve como pauta a substituição de membros da Diretoria, ocasião em que foi alegado que os
156
diretores não exerciam suas obrigações legais segundo o Estatuto da Associação de
Moradores.
Para Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz, outro empecilho à provisão de
condições de habitabilidade de forma propositiva diz respeito a não participação de todos os
membros da Associação de Moradores e à dificuldade da Associação em ser recebida e
atendida, em suas reivindicações, junto aos órgãos do Poder Público municipal. Sobre as
dificuldades da Associação, essa moradora expressa o seguinte:
Existe, às vezes. Eu é que vou na Prefeitura, e aí levo. O pessoal, um diz uma coisa
outro diz outra. Ai dificulta muito com o pessoal lá (funcionários da Prefeitura) bota
banca e é um fole. Não sei não, é muita dificuldade (Teresinha, moradora da Vila
Wall Ferraz).
Outro fator relevante a ser destacado refere-se às relações entre as Associações e as
Federações existentes na cidade. Assim é que, em meados de 1996, a Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz deixou de ser assessorada e de trabalhar em conjunto com a
FAMCC, uma das principais federações que aglutinava diversas Associações de Moradores e
grupos comunitários.
Segundo os integrantes da Associação, a entidade resolve seguir sua caminhada de
forma independente de qualquer federação, ou seja, de forma autônoma. Os motivos
apresentados para essa desvinculação são de conotação política e divergências de idéias. A
FAMCC oferecia e oferece forte resistência ao partido do PSDB, partido esse que se encontra
na gestão de Teresina a mais de dez anos. Sendo assim, apoiar tal federação representa, na
opinião da Direção da Associação de Moradores, oposição ao partido do atual gestor, o que
poderia dificultar possíveis negociações.
Esta é a opinião também de alguns moradores da Vila, pois, para estes, no período em
que a Associação esteve vinculada à FAMCC, as conquistas de obras e serviços foram
restritas. Para Teresinha, uma das entrevistadas, a desvinculação da Associação de Moradores
da FAMCC se dá quando uma nova Diretoria assume a gestão da Associação, em meados de
1996, e os seus membros resolvem apoiar o candidato ao governo do partido do PSDB. Para
esta moradora, isso foi positivo, pois as condições da Vila, quanto ao acesso às políticas
urbanas, melhoraram com esse novo apoio. O depoimento de Teresinha é elucidativo:
Na época existe política e onde existe política existe muita coisa. Na época ela (Ex
representante da Associação de Moradores que apoiava a FAMCC) não apoiou o
Wall Ferraz na campanha. Na época que a vila tava começando a caminhar já tava
com o terrenozinho tudo direitinho. E ela (Ex representante da Associação de
Moradores) em vez de ficar do lado do prefeito ficou contra o prefeito, apoiou outro
candidato. A televisão veio aqui filmou e ela falou mal do prefeito, o Wall Ferraz
nessa época. Aí ele abandonou a vila, deixou abandonada. Ela ia atrás das coisas,
157
mas fechou as portas nessa época, fechou as portas para cá. Ela ia atrás das coisas,
mas não conseguia nada para cá. Ela podia ir, levava oficio tudo, mas, para vim não
vinha não. Aí teve a eleição, eu sempre trabalhava com ela. Aí na época teve a
eleição concorri e ganhei dela. Aí eu fui lutar [...] Quando eu ganhei a associação,
com um mês ele morreu, o professor Wall Ferraz, aí ficou o Francisco Gerardo o
vice. A primeira coisa que aconteceu aqui foi as casas de taipa, e palha, chovendo e
caindo. A primeira coisa que eu fiz foi atrás disso. Fiz um oficio, um abaixo
assinado, aí mandei para o prefeito Francisco Gerardo contando o que estava
acontecendo. De primeiro foi atendido, ele mandou o material para o pessoal das
casas de taipa foi feita às casas e trocaram palha por telha né. Aí foi caminhando,
caminhando e estamos aí (Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Em conversas informais
18
com a senhora Teresinha, ela afirma que para ter acesso às
obras e serviços da Vila era necessário estar do lado de quem se encontrava no poder, no caso,
os políticos vinculados à gestão vigente.
O fato de ressaltar-se a desvinculação da Associação de Moradores à FAMCC tem o
propósito de refletir até que ponto o clientelismo e as trocas de favores ganharam dimensões
nessa comunidade, sendo que este é um fator que pode ter influenciado na desmobilização dos
moradores, já que estes passaram a associar o acesso aos equipamentos urbanos e serviços à
figura de um determinado político. Um outro aspecto desta questão da desmobilização diz
respeito ao nível de conscientização política e organizativa dos moradores, bem como da
própria Diretoria da Associação que se caracterizou como frágil; logo estes, que são os
principais representantes da comunidade para a mobilização e reivindicação por serviços e
obras para a Vila Wall Ferraz.
Conforme se vê, grande parte das obras e serviços realizados na Vila Wall Ferraz é
tida, para alguns moradores e até integrantes da Diretoria da Associação, como fruto da
vontade política de governantes e parlamentares, via troca política de favores, e não como
direitos conquistados, ainda que tenham afirmado que as obras foram decorrentes das lutas da
Associação de Moradores.
Considera-se que o caminhar independente, sem o apoio de qualquer federação,
significou, na realidade, a perda de oportunidade de troca de informação, experiências,
opiniões e práticas com outras associações atreladas à FAMCC ou outra entidade federativa,
bem como de participar de eventos promovidos por essa ou outra federação, que foram
importantes na trajetória de luta dos bairros, vilas e favelas de Teresina.
Isso porque as federações de Teresina, entre elas, a FAMCC, proporcionaram a seus
associados reuniões, palestras, cursos de capacitação, diálogo permanente com outros
movimentos sociais, assessoria jurídica e orientações de organização e mobilização popular.
18
Ao colocar a expressão conversas informais, faz-se referência a momentos que antecederam as entrevistas;
isto é, às primeiras visitas à Vila Wall Ferraz.
158
Atividades importantes tendo em vistas as constantes transformações que os movimentos
sociais urbanos vêm passando nos últimos anos no Brasil, conforme foi trabalhado na Parte 2
deste trabalho. Para um dos entrevistados:
Quando a associação tá sendo acompanhada mais de perto pela entidade, pela
Federação aí a federação termina sempre prestando assessoria, mas de tá
acompanhando de tá ajudando de tá indo com a própria comunidade lá nos órgão
públicos de tá fortalecendo a luta, no sentido de junta outras comunidades que vivem
o mesmo drama e fazer uma reivindicação conjunta. Termina ficando de certa
forma, dar um aspecto de maior pressão junto ao Poder Público (Carlos,
representante da FAMCC).
É importante atentar, contudo, para o fato de que, apesar de a Associação de
Moradores ter se desligado da FAMCC, não se desvencilhou de outras Associações do Bairro
Santa Cruz em busca de apoio, sem deixar de exercer seu papel de entidade voltada à defesa
dos interesses da vila junto ao Poder Público municipal.
Não se quer dizer com essas afirmações que as Associações, obrigatoriamente, devem
estar vinculadas a uma Federação específica, mas apenas registrar que as Federações podem
possibilitar melhores oportunidades de discutir a conjuntura política da cidade, proporcionar
cursos de capacitação e formação política, além de trocar idéias e informações e desenvolver
lutas conjuntas, posto que aglutinam várias associações. É nesse contexto que se destaca o
depoimento seguinte:
Independente do apoio da federação, uma boa parte das figuras, das pessoas que
moram na vila Wall Ferraz são muito batalhadoras e tem muito interesse em ver a
comunidade de fato melhor, indo para frente e que mesmo quando não teve o
acompanhamento mais direto da FAMCC ou de outra entidade de organização do
movimento popular, aqui em Teresina, elas continuaram andando mesmo sozinhas,
mas foram. Acho que esse é o aspecto para mim que é mais positivo de lá da
comunidade (Carlos, representante da FAMCC).
O depoimento do representante da FAMCC evidencia, em síntese, que a luta dos
moradores da Vila Wall Ferraz teve continuidade mesmo sem a Associação estar vinculada a
uma Federação. Mostra também o envolvimento da Associação e dos moradores da Vila com
outras comunidades e entidades associativas em prol das lutas por condições melhores de
habitabilidade, e que, em alguns momentos, buscaram apoio de políticos.
Em meados de 2003, há um novo direcionamento da Associação na relação com as
Federações. Nesse período uma nova gestão assume a Diretoria da Associação de Moradores
da Vila Wall Ferraz, e esta resolve aproximar-se e participar de algumas atividades da
FAMEPI, uma outra Federação de Associações de Moradores de Teresina.
Em conversas informais, durante a realização da pesquisa, verificou-se que esse novo
vínculo está atrelado a uma maior identificação com as propostas da FAMEPI bem como os
159
propósitos partidários de integrantes da nova gestão da Associação de Moradores. Entretanto,
essa nova relação não perdurou por muitos anos, fato que se deve ou a uma nova mudança de
direção da Associação ou a outros fatores que não ficaram bem claros nos depoimentos.
Esse conjunto de questões abordadas anteriormente, tais como os mecanismos de
aproximação da Associação com políticos, via troca de favores, a falta de uma maior
conscientização dos moradores sobre seus direitos e deveres enquanto atores sociais,
individuais e coletivos, desavenças no interior da Associação de Moradores, a não realização
de obras já aprovadas no Orçamento Popular, o desligamento da Associação de Moradores em
relação às Federações, colaboraram, acredita-se, em última instância, para a desmobilização
dos moradores e da Associação face às necessidades e demandas da Vila, e colaboram
também para a baixa participação nas reuniões da Associação e nas eleições da Diretoria.
Sabe-se que esses fatores não foram os únicos que contribuíram para a acomodação de
grande parte dos moradores da Vila Wall Ferraz e dos integrantes da Associação de
Moradores frente à reivindicação por direitos garantidos na Constituição de 1988, bem como
no Estatuto da Cidade e, conseqüentemente, no Plano Diretor.
Dentre estes outros fatores podem ser citados: a falta de recursos para que o indivíduo
possa deslocar-se pela cidade, participando de audiências, palestras e discussões do
Orçamento Popular e até mesmo para reivindicar ou reclamar alguma providencia junto a
SDU Sul; a falta de tempo disponível para participar das atividades realizadas na cidade por
seu trabalho requerer, em alguns casos, mais de oito horas por dia; o acomodamento de parte
dos moradores que consideram que as reivindicações e as mobilizações devem estar a cargo
apenas da diretoria da Associação; ausência de um movimento de conscientização dos
moradores da Vila sobre como funciona as instituições do Poder Público municipal e suas
políticas, programas e projetos, e como eles podem participar desta gestão; descrédito para
com administração pública, por não realizar as obras reivindicadas e aprovadas, entre outros.
Sobre esses fatores ressaltados, os depoimentos dos entrevistados, a seguir, são
importantes para fundamentar e caracterizar melhor como cada um dos sujeitos desta pesquisa
se comportou frente à provisão de condições de habitabilidade. Para o ex-representante da
FAMCC, que prestou assessoria a vários movimentos sociais, inclusive, à Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz, a FAMCC tem enfrentado algumas limitações, posto que não
consegue
dar um acompanhamento tão sistemático quanto nós desejávamos até por que são
muitas comunidades e algumas pessoas terminam não se dispondo tanto, não tendo
condições de dispor tanto do tempo que o movimento precisa que a própria
federação, que as ações das associações precisam para que se tenha um
acompanhamento a contento (Carlos, representante da FAMCC).
160
Colocamos este depoimento por considerar que esta não é apenas uma realidade das
Associações vinculadas a FAMCC, mas de grande parte dos movimentos sociais urbanos de
Teresina, no caso a disponibilidade de tempo para participar das atividades, palestras,
audiências, entre outras atividades importantes para a cidade e sua comunidade.
Quanto à disponibilidade de tempo para conciliar família, trabalho e as atividades da
Associação de Moradores bem como das audiências, debates e seminários que ocorrem na
cidade de Teresina e que dizem respeito à questão de condições de habitabilidade nas favelas
e vilas, a moradora Antônia diz que deu a sua
parcela de contribuição, vou ter que cuidar mais da minha família, por que eu
deixava minha família prá cuidar da comunidade, eu não me arrependo por isso, por
que cada melhoria que vem eu também sou uma das beneficiadas, mas agora, foi
uma coisa que eu optei, vou cuidar mais da minha família, por que tá precisando deu
cuidar mais dela um pouco, já me doei o suficiente (Antônia, moradora da Vila Wall
Ferraz).
Em um outro depoimento, uma das moradoras que presidiu uma das gestões da
Associação de Moradores diz:
os moradores vêm aqui e eu digo, mostro que foi aprovada (uma determinada obra)
e eles (Prefeitura) não vem fazer. O que adianta? Eu não sei, assim fica ruim
(Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Esse depoimento diz respeito a um outro fator que leva a acomodação e até mesmo à
desmobilização popular na Vila Wall Ferraz, no caso, a não realização de obras que já foram
aprovadas no Orçamento Popular. Esse fato gera não só a desmobilização da Associação e dos
moradores, mas gerou também o descrédito da população para com a administração pública e,
ainda, a perda de credibilidade desse orçamento como mecanismo e instrumento de
participação popular.
Conforme se viu anteriormente, o número de obras aprovadas no Orçamento Popular e
que não foram realizadas é elevado, chegando a 37,21%, sendo que, em alguns casos, houve
troca de propostas, ou seja, propostas que foram analisadas, debatidas, entre os moradores,
eleitas como prioridade e, mais tarde, foram substituídas por outras. Em função desses fatores,
muito moradores colocam em cheque, questionam o Orçamento Popular, e, em dados
momentos, deixam de participar das reuniões do Orçamento por não acreditarem neste
instrumento como mecanismo fundamental de gestão democrática da cidade.
A trajetória de mobilização da Associação por condições dignas de habitabilidade na
Vila Wall Ferraz não foi caracterizada apenas por dilemas e entraves. Nessa trajetória, houve
também aprendizagem dos sujeitos sociais envolvidos nessa relação, tais como maior
161
entendimento da sua realidade, de melhor compreensão do funcionamento do aparelho estatal,
troca de experiências e informações, formação política, enfim, muitos pontos positivos podem
ser destacados.
No que respeita ao Poder Público e seus avanços, no período em análise, este incluiu a
participação popular em seus projetos e em parte de suas políticas voltadas para as áreas
provenientes de ocupações informais. No entanto, fatores como práticas clientelistas, jogos de
interesses, desmobilização da população, inexperiência com projetos participativos tanto do
Poder Público quanto das Associações, entre outros aspectos, colaboraram para que ocorresse
uma participação da população de forma mais consultiva do que propositiva, a de efetivo
exercício do controle social.
Neste contexto, a comunidade reivindicava, participava do Orçamento Popular e
apresentava suas demandas; mas, nas etapas posteriores, ou seja, na implementação das obras,
a Associação foi, quase sempre, apenas consultada sobre quais as famílias que precisavam de
maior urgência; estas eram informadas sobre o projeto a ser implementado, seja para
providencias necessárias seja para obras e serviços, caso necessitassem de mão-de-obra dos
chefes de família da Vila Wall Ferraz, como também sobre as contrapartidas em dinheiro,
como foi o caso das obras de melhoria habitacional.
Para que a participação da população fosse mais propositiva, faltou que se rompessem
as práticas da gestão pública tradicional, vinculadas, por exemplo, ao clientelismo e a troca de
favores. Fazia-se necessário que a Associação, especialmente, desencadeasse momentos de
encontro entre os sujeitos sociais da Diretoria e da comunidade, criando espaços de troca de
idéias e experiências, como as oficinas, realizando debates que proporcionassem capacitação
para a cidadania dos atores envolvidos no processo de provisão de condições de
habitabilidade para a Vila, face ao Poder Público. Enfim, treinando os atores sociais para
serem capazes de se constituírem em sujeitos ativos e participantes da gestão de seu espaço.
Além disso, torna-se imprescindível que o Poder Público reveja suas formas de gestão
da cidade, que deve ser pensada na perspectiva do coletivo e do bem comum; onde todos os
bairros sejam providos de serviços e equipamentos urbanos, tendo em vista que práticas
individualistas limitam sua gestão mais democrática.
Mesmo com estes obstáculos e limitações, é valido ressaltar que as atividades e
projetos realizados pela Prefeitura de Teresina, via Projeto Vila-Bairro e Orçamento Popular,
têm proporcionado melhorias nas condições de habitabilidade das vilas e favelas de Teresina,
onde as obras e serviços foram concretizadas. Importa destacar que o Poder Público
162
municipal, através de seus representantes, reconhece as limitações de suas ações e, no
discurso, almeja superar os problemas. O depoimento, a seguir, diz que a Prefeitura:
Errou no começo de não ter feito essa questão de fazer de conscientização da própria
comunidade. A gente quando iniciou o Orçamento Popular a gente já iniciou
fazendo uma pesquisa no Rio Grande do Sul. Trouxemos o resultado de lá e
tentamos adaptar aqui. Implementamos sem saber, sem ter ido direto na comunidade
ver como ela pensa o que ela pensa a respeito daquele processo. A gente tinha que
ter sentido a comunidade, primeiro para ver, como hoje a gente sabe, que a gente
deveria ter feito, por exemplo, um seminário de políticas públicas para que a
comunidade entendesse como é que participa de todo o processo. Então, isso
dificultou, essa falta de percepção no inicio dificultou um pouco, mas hoje a gente já
trabalha essa consciência (Isabel, funcionária da Prefeitura de Teresina).
Essa conscientização dos integrantes das comunidades, de que fala a entrevistada, diz
respeito à necessidade de os gestores públicos repensarem constantemente a gestão pública e a
melhor forma de definir e executar as políticas e os recursos do município.
Em outro trecho da entrevista, Isabel reafirma a necessidade de a Prefeitura informar e
conscientizar sobre o Orçamento Popular, como também sua importância para os moradores.
No depoimento, a seguir, a funcionária da Prefeitura diz que recentemente foi feito junto a
comunidade, no período da assembléia, uma das etapas do Orçamento Popular de Teresina,
um processo de conscientização de
como é que funciona. Se eles pedem, por exemplo, um posto de saúde a gente vai
tentar explicar como é que funciona a Secretaria Municipal de Saúde, como é que
são os critérios para se fazer, se existe, a gente vai atrás de saber a demanda para
aquele posto, fazer com que a comunidade entenda [...] é [...] como vai se manter
aquela obras. Não é só você pedir e agente construir e ta lá. As implicações da
construção daquela obra, não é só o beneficio para a comunidade, mas, as
implicações para a Prefeitura também, que seria a contratação do pessoal, a compra
de material, a manutenção constante daquilo ali e explicar principalmente se existe
realmente demanda para a construção de uma obra como essa, por exemplo (Isabel,
funcionária da Prefeitura).
No que respeita aos avanços e conquistas dos moradores da Vila Wall Ferraz, em
seu aprendizado proveniente da relação com o Poder Público municipal, pode-se ressaltar a
melhoria, de fato, de suas condições de habitabilidade, traduzidas no que se segue: suas ruas
foram pavimentadas; houve melhoria do padrão urbanístico das casas, que eram de taipa e
cobertas de palha; houve construção de fossas sépticas; foi colocada a linha de ônibus; uma
creche foi construída, entre outras melhorias já assinaladas anteriormente.
Certamente a melhoria nas condições de habitabilidade da Vila nem sempre contou
com efetiva participação dos moradores nem da Associação, em todas as etapas do processo
de condução da gestão e implementação dos serviços. Entre o momento de reivindicar as
163
obras e serviços e a efetiva participação na gestão e implementação há uma distância
considerável. Nesse momento o que se verificou foi uma participação mais consultiva.
Considera-se importante que a provisão de condições de habitabilidade deve ocorrer
de forma mais participativa, em que os atores envolvidos, no caso, os moradores e integrantes
do governo municipal, atuem conjuntamente em defesa da cidade e da Vila Wall Ferraz. Essa
participação se inicia desde a reivindicação das demandas e encaminhamento ao órgão
responsável, passa pela avaliação de suas viabilidades técnicas e de recursos pela elaboração
de projetos e implementação de obras e serviços, até a finalização do processo e a avaliação
dos resultados alcançados. Essa participação nas diferentes etapas permitiria a troca de
experiência, idéias e opiniões entre os atores, condições essenciais para que as obras
cumprissem sua demanda real e a gestão do espaço da Vila Wall Ferraz fosse democrática.
As conquistas importantes dos moradores da Vila Wall Ferraz, no período em análise,
são do ponto de vista da troca de experiências, informações e idéias ocorreram, sobretudo via
participação da Associação no Orçamento Popular, o que permitiu o aperfeiçoamento das
relações sociais entre indivíduos, grupos e a Prefeitura, visando à luta por melhorias
habitacionais e a melhor compreensão da organização de seu espaço moradia e de sua cidade.
Em certos depoimentos, foi possível constatar tais aspectos favoráveis, como o da
senhora Fátima, ao afirmar:
Aprendi muitas coisas que eu não sabia, é bom porque a pessoa conhece muita
pessoa, tem intimidade com as pessoas [...] É bom por isso porque a gente conhece
pessoas e, por exemplo, a pessoa se importa mais. Assim porque às vezes a pessoa
tem timidez de conversar com a pessoa e aí no meio começa a conversa com a
pessoa e depois aprende a lidar com as pessoas (Fátima, moradora da Vila Wall
Ferraz).
A aproximação das Associações de Moradores de várias comunidades, via Orçamento
Popular, tem sido de fundamental importância. É o caso, por exemplo, da aproximação entre
as comunidades do Bairro Santa Cruz e os bairros próximos que se mobilizavam para eleger
um maior número de delegados para participar da Comissão do Orçamento e assim conseguir
obras que beneficiem aquelas comunidades.
Dentre as propostas que beneficiaram a Vila Wall Ferraz, via Orçamento Popular,
destacam-se aquelas que foram aprovadas pela mobilização conjunta, entre as comunidades
do Planalto Bela Vista, Vila São José da Esperança, Vila Santa Rita, Bairro Angelim II e Vila
Concórdia. Entre estas obras e serviços, podem-se destacar as obras de melhoria habitacional,
das casas de taipa e palha, onde os investimentos foram distribuídos segundo a carência de
cada vila.
164
Esta interação entre as Associações de Moradores das comunidades próximas não
deixa de ser uma iniciativa de formação de redes sociais, trabalhadas na Parte 2 desta
dissertação, posto que foram trocadas idéias, informações e experiências entre as
comunidades, embora tenha ocorrido em menor escala, no caso, os bairros vizinhos. Para que
esta aproximação resultasse positiva, como a aprovação de obras no Orçamento Popular, foi
necessária uma cooperação para analisar e refletir sobre as prioridades de cada comunidade,
as práticas de mobilização que serão usadas, entre outras atividades. Nesta relação à
comunicação é primordial, pois é ela que mantém a dinamicidade; mas para que esta
permaneça é importante que todos participem de forma propositiva das atividades, e as
informações sejam compartilhadas. Isso se deve ao fato de as redes serem construídas por
todos aqueles que estão a elas articulados.
É importante que se afirme que estamos considerando que essa articulação das
Associações mais próximas espacialmente é uma pequena rede em formação, posto que os
movimentos sociais enquanto rede é algo muito mais amplo. Para a formação de redes, é
necessária uma utopia de transformação que vá além de uma visão dicotômica do social, onde
existem os dominados e os dominadores; campos
opostos e contraditórios entre si. Implica em admitir a complexidade do social,
composto de setores e agrupamentos sociais heterogêneos, campos de múltiplas
contradições, e onde opera não apenas a lógica do conflito, mas também da
cooperação, da solidariedade (WARREN, 1993, p. 18).
Para a consolidação das redes, é necessário que elas estejam fundadas em princípios
abertos à pluralidade e à diversidade de seus componentes, onde cada um possa oferecer suas
habilidades e práticas. Essa troca permanente contribuiria para um melhor funcionamento das
redes. Portanto, buscou-se fazer um paralelo entre as articulações no interior do Orçamento
Popular com as idéias de redes sociais trabalhadas na Parte 2.
Faz-se mister ressaltar que, dependendo da forma como é realizada, pode limitar os
reais objetivos da gestão participativa, pois apenas aquelas comunidades de maior
representatividade e poder de articulação é que obtêm votos suficientes para aprovar, junto à
Comissão do Orçamento Popular, uma obra ou serviço, ficando algumas vilas ou favelas sem
obras, pois suas lideranças não participaram de acordos e negociações.
Esta mobilização ou troca de interesse não seria problemática se o bem coletivo fosse
a meta principal, e que os recursos fossem destinados a todas as comunidades, mas
especialmente àquelas mais carentes, e que não houvesse interesses outros envolvidos, como
questões políticas ou desavenças entre os participantes. Esta última situação, por exemplo, é
165
uma realidade que se observa principalmente pelo fato de os recursos destinados ao
Orçamento Popular serem restritos, face ao elevado número de demandas das diferentes
associações de moradores e Conselhos comunitários da cidade de Teresina.
Para além dessas considerações, é importante dizer que os diálogos e troca de
informações havidas entre as associações possibilitou que estes sujeitos sociais coletivos
apreendessem melhor o seu espaço moradia, seu bairro, sua região e cidade, e pudessem
somar forças para mudar a sua realidade de ausência de serviços e equipamentos urbanos de
qualidade. Assim, as mobilizações em torno das lutas pelas condições de habitabilidade
dignas devem ser consideradas como processos de aprendizagem destes sujeitos, no que diz
respeito ao seu papel na comunidade e na cidade.
É possível afirmar também que, à medida que os moradores participam da seleção de
uma proposta a ser votada no Orçamento Popular, elegem um representante para participar
das reuniões e aprovam uma obra. Estes moradores, individual ou coletivamente, valorizam
muito mais as conquistas realizadas, no que diz respeito ao cuidado e ao bom uso das
mesmas. Para Isabel, entrevistada desta pesquisa, quando as famílias participam de todo o
processo do Orçamento, estas valorizam bem mais as obras e serviços realizados em sua
comunidade. Segundo esta entrevistada:
É o próprio beneficio quando eles começam a enxergar que foi gratificante toda
aquela conquista, todo aquele caminho percorrido para conseguir aquele benefício
na sua zona no seu bairro. Quer dizer, tem entidade que começa a participar
brigando “há é um absurdo ter tantos critério para se conseguir uma obra, a
Prefeitura tem é a obrigação de fazer”, enquanto a gente [...] Olha trata-se inclusive
de uma questão de reconhecer o quanto foi gratificante [...] a valorização do
beneficio levado até lá, eles passaram a valorizar mais (Isabel, funcionária da
Prefeitura de Teresina).
Os dados e informações colocados até o presente momento mostram que a Associação
de Moradores da Vila Wall Ferraz, ao longo desses anos, vem buscando se organizar para
obter melhores condições de vida. Isto pode ser comprovado nas atas das reuniões, nos ofícios
e abaixo-assinados enviados à Prefeitura, na aprovação de obras e serviços no Orçamento
Popular para a Vila. Em grande parte dos depoimentos dos funcionários da Prefeitura, estes
falaram das obras já realizadas e da mobilização dos moradores da Vila. Na opinião de
Raimundo, funcionário da SDU Sul, a organização e a mobilização popular é positiva porque:
Tem muita comunidade que às vezes eleso são tão organizados assim, pra
conseguir aprovar as obras, tem muita comunidade que não aprova, porque o
caminho é muito difícil é esse: é vê o orçamento popular pra conseguir uma obra, e
quando a comunidade aprova é um bom sinal de que ela já está organizada, o
pessoal participa claro vendo a coisa também sendo feita (Raimundo, funcionário da
Prefeitura).
166
Os dados e informações mostram também que no processo de provisão de condições
de habitabilidade foram utilizados diferentes mecanismos de interação, mediação e diálogo
entre o Poder Público e a Associação de Moradores. Esses mecanismos de interação foram
essenciais, tendo em vista que favoreceram a troca de idéias, informações e opiniões. Assim,
foram citados, pelos entrevistados, como mecanismos de interação: as reuniões entre os
moradores e a Diretoria da Associação de Moradores, dos moradores e técnicos da Prefeitura
e com lideranças e políticos que visitam a comunidade; o Orçamento Popular; audiências com
secretários, superintendentes ou gerentes da SDU Sul entre outros.
Sobre o Orçamento Popular, este tem sido considerado, como já se pontuou
anteriormente, fundamental nas articulações entre Poder Público, os moradores e a
Associação. É no Orçamento que os citadinos apontam suas demandas, articulam e
argumentam sobre a viabilidade e necessidade de determinada obra ou serviços para a cidade
e seu bairro. Para Raimundo, funcionário da Prefeitura,
o principal mecanismo que tem é o orçamento popular, o orçamento popular
realmente é um canal prá comunidade. Você vai ver muita crítica do orçamento
popular, mas ele é uma coisa que pra você ter uma idéia o prefeito hoje, nos anos
anteriores, talvez ainda tinha uns cinco milhões pra Teresina toda por ano, agora
nessa gestão atual está dobrando pra 10 milhões, então é muito dinheiro, a gente
pensa que é pouco, mas dá pra fazer muita coisa com esse dinheiro, então é uma
questão, da atual gestão. É um canal, a comunidade tem necessidade e a Prefeitura
tem um recurso, em alguns casos, pra fazer, não dá pra atender todos, então o
orçamento popular funciona dessa maneira (Raimundo, funcionário da Prefeitura).
Deste modo, no Orçamento Popular, os moradores têm a oportunidade de reivindicar e
evidenciar suas demanda, discutir sobre o funcionamento das políticas urbanas, ou seja,
debater sobre a viabilidade de obras e definir os recursos que serão necessários para sua
realização. Tudo isso possibilita àquele que participa aprendizados, assim como novas
informações, conscientização política, maior conhecimento da realidade do município,
aprimoramento da capacidade de argumentação e avaliação das práticas realizadas via
Associação de Moradores entre outras.
É notório, nos depoimentos, que as relações estabelecidas entre os Moradores da Vila
Wall Ferraz e o Poder Público de Teresina, no período em análise, tenham sido marcadas ora
por momentos de conflitos e entraves ora por aproximações e diálogo. Além disso, há forte
presença de elementos de uma gestão pública tradicional. Para Teresinha, moradora da Vila
Wall Ferraz, a aproximação com a Prefeitura ocorre nos seguintes termos:
Bem, estamos bem. De vez em quando temos umas duas brigas, mas nós se damos
bem. Na ora que eu chego lá, eles dizem logo “o que é que tá acontecendo lá”. Às
vezes até por telefone eu consigo resolver as coisas com eles na Prefeitura. Às vezes
tem um problema aqui na comunidade eu faço só ligar “fulano é a “M” tô
167
precisando tanto de vocês vim na comunidade, aconteceu isso e isso”, ai eles
mandam uma pessoa vir, os fiscais tudo direitinho. É nos damos bem graças a Deus
(Teresinha, moradora da Vila Wall Ferraz).
Além desse depoimento, é importante frisar as palavras de João, funcionário da
Prefeitura, sobre a relação entre o Governo municipal e a Associação de Moradores da Vila
Wall Ferraz. Para esses entrevistados, existiram momentos de diálogo entre os integrantes
dessa relação em outros conflitos e divergências. Em sua visão:
era preciso que se construísse uma relação de confiança e para se construir uma
relação de confiança era preciso que as partes se encontrem, que as partes
conversem. É preciso que as partes dialoguem é preciso que as partes resolvam os
conflitos. Quando eu falo isso não significa dizer que é sempre uma coisa
harmoniosa não, havia muitos conflitos, muitos conflitos mesmos, havia muitas
críticas, críticas fortes, mas tudo isso a gente dialogava, a gente discutia. Chegava
um momento que a gente dizia “olha isso aí a gente não vai fazer e não vai fazer e
por quer não vai fazer?”. Não vai fazer por quer o custo é um custo que a Prefeitura
não tem condições de arcar, então não adianta prometer fazer uma coisa se a gente
não vai fazer (João, funcionário da Prefeitura).
Um desses momentos de divergência entre a Prefeitura e os moradores da Vila Wall
Ferraz esteve relacionado à construção da creche comunitária, uma das primeiras
reivindicações dos moradores da Vila, tendo em vista que muitas mães trabalhavam e não
tinham com quem deixar seus filhos. Os impasses e as divergências de ideais estavam na
escolha do local. Isto porque o local que os moradores escolheram para a construção da
creche não foi aprovado pelos técnicos da Prefeitura. Para os técnicos, a construção naquele
local seria de elevado custo. Sobre esta questão, observe-se o seguinte depoimento:
As pessoas queriam que a gente fizesse, eu lembro que eles queriam que fosse
construída uma creche, na época em 1993. Essa creche só veio a ser construída eu
acho que dez anos depois por que na área que eles queriam que se construísse a
creche era impossível. Era uma área que do ponto de vista técnico, era possível,
bastava que se fizesse um grande aterro, bastava que se fizesse um serviço de
drenagem muito forte, bastava-se que se fizessem fundações como se fossem de um
prédio de apartamentos, um prédio comercial enfim não fazia sentido investir um
volume de recursos para construir uma creche que quer dizer. Isso foi um problema
sério que houve e eles criticavam, eles denunciavam, eles diziam que a Prefeitura
não tinha compromisso etc e tal. Dez anos depois foi possível construir a creche e
foi construída quer dizer em outras condições. Agora é claro que o fato de não ter se
construído a creche não significa dizer que eles ficaram sem creche, existia uma
associação na área que é na esquina que hoje funciona até um posto policial um
PPO. Onde hoje funciona aquele PPO foi cedido para a Prefeitura na época para que
se instale uma creche (João, funcionário da Prefeitura).
Foi possível perceber que a relação entre o Governo municipal e a Associação de
Moradores da Vila Wall Ferraz, no período em análise, apresentou as seguintes
características, a saber: a remanência de elementos de uma gestão pública tradicional, onde a
troca de favores e interesses oferece obstáculos a ações mais propositivas dos sujeitos, por
168
momentos de diálogo e interação, embora tenham sido restritas. Não se pode negar que foram
desenvolvidos obras e serviços que melhoraram as condições de habitabilidade dos moradores
da Vila Wall Ferraz, contudo, não houve uma participação mais propositiva destes sujeitos.
Esta se caracterizou como consultiva; ou seja, restrita a deliberações e intervenções na
implementação das obras.
Considera-se, neste trabalho, que a participação dos moradores não deve ser restrita
apenas ao momento de encaminhar suas reivindicações e aportar suas demandas, mas de
discutir a viabilidade de obras ou serviço, a seleção das famílias a serem beneficiadas, a
quantidade, os recursos disponíveis, na elaboração do projeto, na implementação das obras,
em sua manutenção; ou seja, em todas as etapas da provisão das políticas urbanas.
Afinal, deve-se destacar que nesta relação também houve aprendizados e sinais de que
ela pode ser repensada; ambos os atores em análise sabem das limitações e poderão apontar
saídas ou propostas mais propositivas. Isso ficou claro quando a funcionária da Prefeitura
comentou as falhas na definição ou implantação de certo projeto, mas evidencia o erro e a
intenção da mudança. Outro sinal de possibilidades é apontado quando os moradores
buscaram articular-se com outras Associações no intuito de somarem forças, para que fossem
garantidas transformações significativas em seu espaço moradia, dotando-o de condições
ideais de habitabilidade.
169
5 CONCLUSÃO
Pretendeu-se com esta dissertação contribuir para o entendimento da relação entre o
Governo municipal de Teresina e a Associação de Moradores da Vila Wall Ferraz, na
provisão de condições de habitabilidade para os moradores dessa localidade, a partir da
compreensão de que esses dois agentes do espaço urbano foram capazes de dar forma,
transformar esse espaço da cidade e provê-lo de um novo significado, no caso, o de moradia.
Nesse contexto, procurou-se saber que transformações ocorreram e de que maneira se
deram as mudanças na localidade Vila Wall Ferraz que, até 1987, constituía um espaço de
comercialização e especulação imobiliária da região. Além disso, procurou-se indagar e
refletir sobre os novos traços e formas adquiridas pela Vila no decorrer desses vinte anos,
quais os sujeitos sociais envolvidos no processo de lutas em prol de melhores condições de
habitabilidade aos moradores e quais as características da relação entre o Poder Público
municipal e a Associação de Moradores no enfrentamento das questões e reivindicações face
às necessidades dessa Vila.
O presente trabalho teve como recorte temporal o período que vai de 1996 a 2004,
posto que as particularidades desse período demonstram a importância representada pelo
governo municipal a partir da década de 1990 com a Constituição de 1988 e com a conjuntura
de mudanças que ocorreram nas relações entre o Estado e a sociedade. É a partir dessa década
que o Estado e os movimentos sociais urbanos, no Brasil, repensam suas ações face à gestão
das políticas urbanas, no sentido de maiores aproximações, diálogos e parcerias que não se
vislumbravam fortemente em décadas anteriores.
Em Teresina, não foi diferente, a partir do ano de 1996, o governo municipal passou a
desenvolver políticas voltadas às vilas e favelas decorrentes de ocupações informais que
incluíam em seus projetos a participação dos moradores. Deste modo, foram criados o
Conselho Municipal de Habitação, um fundo para moradia, o Projeto Vila-Bairro e, logo
depois, o Orçamento Popular. Todas estas ações desenvolvidas pela Prefeitura de Teresina são
decorrentes dessa nova conjuntura, em que o Poder Público, segundo suas novas atribuições,
definidas pela Constituição de 1988, tinha que apresentar respostas aos problemas urbanos de
Teresina, face às necessidades e denúncias da população. Além disso, os movimentos sociais
buscavam maior participação na definição e gestão das políticas urbanas voltadas às vilas e
favelas.
170
O referido período caracteriza um momento em que as relações entre o Poder Público
municipal de Teresina e as Associações de Moradores desta cidade tiveram que ser
repensadas com base em novos parâmetros de ações e proposições fundamentadas no dialogo,
na cooperação e na interação entre os sujeitos envolvidos nessa relação.
Por conseguinte, a realização deste estudo permitiu que se pudessem perceber as
mudanças que ocorreram no cenário teresinense sob o ponto de vista das relações entre o
Poder Público municipal e as Associações de Moradores, em especial da Vila Wall Ferraz, em
prol de melhores condições de habitabilidade, como também a repercussão dessas mudanças
no espaço dessa Vila e nas condições de vida de seus moradores.
Ao discutir-se o acesso a condições de habitabilidade em áreas decorrentes de
ocupação informal, evidenciou-se que muitos desses espaços requerem obras e serviços, ou
seja, reformas urbanísticas para garantir melhores condições de vida a seus moradores. Além
disso, verificou-se que, na luta pelo acesso aos equipamentos urbanos, é necessário que as
populações destas áreas participem das diferentes ações promovidas pelo Poder Público, pois
são elas que, por habitarem essas localidades, conhecem suas reais necessidades e têm
melhores condições de participar de forma propositiva desse processo de provisão.
A Vila Wall Ferraz, conforme se procurou demonstrar ao longo deste trabalho, é
produto de uma ocupação informal que apresentou, durante anos, condições precárias de
habitabilidade, como, por exemplo: moradias de baixo padrão construtivo; ruas sem
pavimentação; coabitação de domicílios; ausência de serviços, tais como: abastecimento de
água e energia elétrica, coleta pública do lixo, fossas sépticas nos domicílios, entre outros.
Entretanto, no transcorrer dos anos, a Vila Wall Ferraz passou por mudanças
significativas no que diz respeito às condições de habitabilidade, o que se deve à melhoria no
padrão construtivo de grande parte das residências, à pavimentação das ruas da Vila, ao
abastecimento de água e energia elétrica, à instalação de fossas sépticas, além de outros
mecanismos de inclusão social, como a implantação de uma creche que atende às crianças da
Vila e de outras comunidades e o Centro de Produção, próximo à Vila, que serve como fonte
de renda a vários chefes de família, entre outras mudanças.
Todas as ações desenvolvidas para a realização dessas melhorias dizem respeito,
sobretudo, ao conjunto de ações que foram estabelecidas na relação entre a Associação da
Vila e o Governo municipal, para a provisão de melhores condições de habitabilidade nessa
comunidade, sobretudo no período que se inicia em 1987, quando se instala a ocupação, e vai
até o ano de 2004.
171
A partir desse período, o Governo municipal e os movimentos sociais de Teresina
buscam, em suas relações, dialogar, mediar conflitos, trocar idéias, experiências e
informações, no sentido de viabilizar uma melhor gestão da cidade, e, em especial, melhorar
as condições de habitabilidade de seus citadinos. Com o transcurso do tempo, pode-se dizer
que esse processo encontra-se em permanente construção, posto que ainda persistem muitos
empecilhos que dificultam uma relação mais propositiva e democrática.
Entre os empecilhos presenciados nessa relação, destacam-se: práticas tradicionais de
gestão, divergências políticas entre moradores e funcionários do governo municipal,
concentração de informações e poder por parte do Poder Público, que limitam a gestão da
cidade de forma mais democrática. Além disso, o alcance das ações resultantes das parceiras
entre o Poder Público e os movimentos sociais é mediado, em geral, pela questão dos parcos
recursos públicos.
Tudo o que se mencionou pode ser verificado na experiência da Vila Wall Ferraz em
seu relacionamento com o Poder Público municipal, nesses quase vinte anos de existência da
Vila, mais especificamente no período de 1996 a 2004, quando esta se caracterizou por
momentos de aproximações, diálogos e propostas de participação, mas também de
divergências, trocas de interesse e conflitos entre o Governo municipal e a Associação. Essa
mescla de elementos, como, por exemplo, a participação popular nos projetos e políticas
urbanas e práticas remanescentes de gestão pública tradicional, como é o caso de
clientelismos e trocas de favores na gestão de Teresina, evidenciou que muito deve ser
alterado e repensado para que se obtenha um processo de provisão de condições de
habitabilidade, fundamentado em ações mais propositivas.
Diante disso, torna-se importante expor alguns dos dilemas, entraves, conquistas e
possibilidades encontrados nesse processo de provisão de condições de habitabilidade na Vila
Wall Ferraz, no recorte temporal em estudo. Estes auxiliam na compreensão da relação
analisada e podem contribuir com informações para que a enfatizada relação entre o Poder
Público municipal e a Associação da Vila Wall Ferraz venha a ocorrer de forma mais
propositiva.
Dentre os dilemas que permearam a relação em estudo, que foram constatados na
análise documental e bibliográfica, bem como nas entrevistas, puderam ser destacados: a não
realização ou atraso de parte das obras e serviços; parcos recursos para a realização de obras;
falta de maior conscientização, por parte de moradores, funcionários da Prefeitura e
vereadores da capital, de que os recursos não se destinam a interesses particulares, mas sim ao
bem-estar coletivo; disputas internas da Diretoria da Associação e desta com moradores da
172
Vila; práticas clientelistas, como, por exemplo, conchavos e trocas de favores entre
vereadores e moradores.
Pode-se dizer que houve períodos em que a mobilização popular de parte dos
moradores foi desacelerada, isso porque esses ficaram descrentes em relação à mobilização
como principal instrumento nas lutas em prol das condições de habitabilidade da Vila Wall
Ferraz. Essa descrença fez com que os moradores recorressem ao apoio de políticos, que
utilizavam práticas tradicionais de gestão pública, o que pode ter contribuído para inviabilizar
uma participação mais propositiva dos moradores.
Tais entraves colaboraram para que as relações estabelecidas entre a Associação de
Moradores e o Governo municipal de Teresina se constituíssem, em geral, menos
propositivas. Isso se deve ao fato de que a participação propositiva dos atores envolvidos no
processo de luta e na construção de condições dignas de habitabilidade para os citadinos
depende, especialmente, de que as populações encaminhem suas demandas ao gestor,
acompanhem as discussões, analisem a viabilidade ou não das obras, participem da
elaboração de projetos dando sugestões e deliberando em suas implementações e
manutenções.
Portanto, as relações entre o Poder Público e as Associações de Moradores não devem
ser apenas consultivas; tendo em visa que ficaram restritas, por exemplo, à definição do
número de famílias que receberá a melhoria em seu domicilio; à contribuição da família com
mão-de-obra familiar na construção, na contrapartida dos chefes de famílias em termos de
parcelas a serem pagas por materiais de construção. E isso ocorreu no caso da Vila Wall
Ferraz, pois houve momentos em que a participação da população transcorreu de forma
consultiva, restringindo, assim, a possibilidade de ações mais propositiva dos moradores em
suas lutas.
Malgrado os entraves apresentados, conquistas merecem ser destacadas. Uma dessas
conquistas está atrelada à busca de articulações da Associação de Moradores da Vila Wall
Ferraz com outras associações do Bairro Santa Cruz, bem como às dos bairros do entorno,
haja vista a melhoria das condições de vida dessas populações. Essa aproximação espacial
tem sido fundamental para que estas associações reivindiquem junto ao Orçamento Popular
propostas de obras e serviços que atendam a esse grupo de comunidades circunvizinhas de
modo mais coletivo, intervindo no espaço urbano da cidade para além dos territórios
específicos dos moradores de cada vila ou favela.
Essa maior integração entre essas associações, no período em análise, teve o propósito,
por exemplo, de obter um maior número de votos na eleição dos delegados ao Orçamento
173
Popular, visando aumentar as possibilidades de aprovação das propostas de suas localidades,
ainda que tais propostas, em última instância, necessitassem de uma avaliação final de uma
Comissão composta por membros do Poder Público, dos movimentos sociais e vereadores,
destinada a aprovar o orçamento da Prefeitura.
As atividades conjuntas entre vilas e favelas de uma mesma região da cidade
possibilitaram a seus participantes maior conhecimento da realidade específica e de seu
entorno, melhor conhecimento de suas reais demandas, além de possibilitar a troca de
informações e experiências. Tais atividades são deveras importantes, visto que uma
participação mais propositiva requer conhecimento, em especial, da realidade da Vila, dos
moradores vizinhos e da cidade de Teresina, como também informações mínimas e
imprescindíveis que as auxiliem na defesa, argumentação e explanação de suas idéias durante
as reivindicações, nos espaços de mediação com o Governo municipal, bem como na
realização das obras e serviços em suas comunidades.
A ação conjunta das associações em outros momentos para além das etapas do
Orçamento Popular de Teresina possibilitará, assim, uma série de aprendizados a seus
participantes, voltados principalmente à implantação e à gestão de políticas públicas que
atendam a reais interesses e necessidades dos bairros, vilas e favelas de Teresina,
possibilitando, desta forma, o fortalecimento da organização cívica e política dos moradores e
de suas entidades organizativas. Ressalte-se que a articulação entre as associações ao longo
dos anos poderá repercutir favoravelmente nos espaços de moradia de cada participante em
forma de novas melhorias habitacionais e de formação de sujeitos cada vez mais experientes e
atuantes na gestão da cidade.
No processo das relações havidas entre a Prefeitura de Teresina e a Associação de
moradores da Vila Wall Ferraz necessário se faz destacar as relações mediadas frente a esses
atores sociais pelo Projeto Vila Bairro e Orçamento Popular no que respeita aos aspectos
facilitadores e aos que dificultaram essa relação, como também no que se refere à melhoria
das condições de habitabilidade dos moradores da Vila Wall Ferraz.
Sobre o Projeto Vila Bairro, tem-se a dizer que grande parte de suas obras partiram da
ação direta da Prefeitura, não havendo espaço para uma melhor mediação entre o Poder
Público e os moradores da Vila Wall Ferraz, restringindo a participação destes a consultas,
tais como: o número de famílias que necessitavam de fossas sépticas; reuniões referentes à
educação ambiental; controle na distribuição de filtros e mudas de árvores frutíferas.
Quanto ao Orçamento Popular, pode-se afirmar que houve uma melhor mediação entre
o Poder Público e os moradores da Vila Wall Ferraz, posto que as propostas eram debatidas
174
entre os representantes das diferentes comunidades e funcionários da Prefeitura que
compunham a Comissão do Orçamento Popular. Nas reuniões da Comissão, os delegados
(representantes eleitos das diferentes comunidades) tinham a oportunidade de dialogar e
discutir sobre a viabilidade das obras, bem como acerca dos recursos disponíveis para sua
realização. Ainda no que concerne ao Orçamento Popular, é imperioso destacar que se trata de
uma proposta louvável, apesar de ter encontrado alguns empecilhos a sua realização, como,
por exemplo, o descompasso entre a demanda e os recursos disponíveis para atendê-las e a
demora na realização da obras já aprovadas em orçamentos anteriores.
Foi possível constatar, nos depoimentos dos entrevistados, que o Projeto Vila-Bairro e
o Orçamento Popular, embora tivessem propostas que visavam melhor provimento às vilas e
favelas da cidade de Teresina, apresentaram certas dificuldades, especificamente na Vila Wall
Ferraz, em virtude da não realização de certas obras, reduzidos investimentos em políticas de
geração de emprego e renda, participação consultiva dos moradores durante a implantação da
obras e serviços e a forte presença de interesses particularistas.
Contudo, é importante observar que as obras realizadas na Vila Wall Ferraz pelo
Projeto Vila-Bairro e Orçamento Popular, de modo geral, melhoraram as condições de
habitabilidade dos moradores da Vila Wall Ferraz em comparação com as condições de vida
dos moradores da Vila existentes antes de 1996, ocasião em que as ruas da Vila não eram
pavimentadas, a maioria das casas eram de taipa e cobertas de palha ou telha, além de não
possuírem fossas sépticas, entres outras melhorias.
É oportuno destacar, ainda, que as melhorias físicas e urbanísticas realizadas na Vila
Wall Ferraz não foram necessariamente resultantes de ações mais ativas e mais propositivas
das relações estabelecidas entre o Poder Público e a Associação de Moradores, em que os
moradores da Vila – via Associação – pudessem, além de propor e reivindicar serviços e
obras, participassem ativamente da definição e gestão pública dos serviços e obras levados à
Vila. Enfim, a questão da luta dos movimentos sociais por condições de habitabilidade não se
reduz à construção da obra ou da melhoria, pelo contrário, destina-se à inserção do citadino na
gestão de sua cidade e de seu espaço moradia.
Esse conjunto de observações e análises mostra que as relações entre o Poder Público
e as Associações de moradores, desde a década de 1990, vêm passando por uma série de
transformações, sobretudo no que diz respeito à provisão de condições de habitabilidade dos
moradores das vilas e favelas de Teresina, em particular, da Vila Wall Ferraz. São relações
que se caracterizam de forma dinâmica, conflitiva e contraditória, como toda relação que
envolve interesses divergentes.
175
No conjunto deste trabalho, o Estado, em âmbito municipal, e a Associação de
moradores da Vila Wall Ferraz estabeleceram uma relação caracterizada, no período de 1996
a 2004, por novas dimensões, estratégias e agentes na construção de condições de
habitabilidade, fato que se deve ao conjunto de ações que foram desenvolvidas por estes
sujeitos, desde as reivindicações até os mecanismos de mediação.
Por fim, deve-se dizer que as Associações e o Poder Público devem continuar
repensando suas ações no que diz respeito à gestão da cidade, fundamentando-as, cada vez
mais, em uma maior aproximação, interlocução, diálogo e parcerias. Nesse processo, torna-se
imprescindível que a construção de uma gestão propositiva da cidade esteja voltada à provisão
de condições de habitabilidade, devendo ir além das respostas às carências materiais; isto é,
deve preocupar-se com a participação dos moradores desde a definição, implementação,
gestão e avaliação das obras e serviços públicos. Este é um dos grandes desafios postos nas
relações entre o Poder Público e as Associações de moradores no que se refere à questão de
gerir e pensar o espaço urbano de Teresina, em especial das vilas e favelas desta cidade, dada
à complexidade e à dinamicidade de interesses, conflitos e ações envolvidos em uma gestão
propositiva da cidade.
Uma pesquisa nunca se encontra acabada, mas sim em contínua construção. Nesse
sentido, optou-se por levantar questões pertinentes a estudos posteriores e que servissem
como reflexão, entre as quais se podem destacar: a necessidade da materialidade do Estatuto
da Cidade em Teresina e seus instrumentos para as ocupações informais; as perspectivas do
Plano Diretor de Teresina sobre a provisão de melhores condições de habitabilidade nas vilas
e favelas desta cidade; os instrumentos e ações necessárias para que o Orçamento Popular
promova uma melhor gestão dos recursos do município em prol de melhores condições de
habitabilidade para as vilas e favelas de Teresina. Tais assuntos merecem a atenção dos
estudiosos da questão urbana e dos movimentos sociais, abrindo-se uma gama de propostas a
serem discutidas em trabalhos futuros.
O objetivo de tecer algumas considerações finais não é o de apontar saídas, elaborar
cenários hipotéticos ou respostas às questões levantadas, mas sim instigar os leitores deste
estudo ao desafio de pensar e gerir o espaço urbano, em especial, à discussão do acesso à
moradia com condições dignas de vida aos citadinos. Além disso, as análises feitas nesta
dissertação podem subsidiar elementos importantes na formulação de ações necessárias para
fomentar uma gestão mais democrática de Teresina, em que seus moradores possam participar
de forma cada vez mais propositiva.
176
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