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entendo...o...sim...ele grita...Eu escuto...eu não posso...repete, repete...o...Horla...Eu
ouvi...o Horla...é ele...o Horla...ele veio!” (Maupassant, [s/d]}2003:173-183).
Lacan (1962-63), no Seminário, livro 10. A angústia, ao comentar o conto de
Maupassant, destaca o momento em que a imagem especular torna-se a imagem estranha e
invasiva do duplo:
“A imagem especular, pouco a pouco, no fim da vida de Maupassant, quando ele
começou por não mais se ver no espelho, ou então percebia num cômodo alguma coisa,
um fantasma, que lhe virava as costas e que ele sabia imediatamente que não deixava de
ter certa relação com ele, e, quando o fantasma se virava, o escritor via que era ele. É
disso que se trata na entrada do a no mundo do real, onde ele só faz retornar”
(Lacan, [1962-63]2005:112)
Vejamos, no conto de Maupassant, o momento desta passagem:
“(...) atrás de mim, um alto armário de espelho, que me servia todos os dias para barbear-
me, vestir-me, e onde eu tinha o costume de olhar-me, da cabeça aos pés, de cada vez
que passava pela sua frente. Fingia, então, estar escrevendo, para enganá-lo, pois ele
também me vigiava, e subitamente, senti, tive a certeza de que ele estava ali por cima de
meu ombro, de que ele estava ali, roçando a minha orelha. Ergui-me, com as mãos
estendidas, virando-me tão depressa que quase caí. Mas e então?!... Enxergava-se como
em pleno dia, e eu não me vi no espelho. Ele estava vazio, claro, profundo, cheio de luz!
A minha imagem não estava lá dentro... e eu me achava ali diante dele! (...) ele [o Horla]
cujo corpo imperceptível havia devorado o meu reflexo. (...) Eu o tinha visto! E guardo o
horror daquela visão, que me faz ainda estremecer” (Maupassant, [s/d]}2003: 185-186)
Vimos que, na neurose, no momento da emergência do objeto a no lugar vazio do
-ϕ, o falo imaginário, a imagem especular torna-se imagem do duplo. Ou seja, este é o
momento em que o sujeito se experimenta como objeto. Vale lembrar que, nesse caso, o
sujeito ocupa o lugar de objeto causa de desejo do Outro, posto que o objeto, na neurose, é
perdido.
Diferentemente, na psicose, o objeto não é perdido. Como vimos, a questão do olhar
norteia os três casos apresentados – o Homem de Areia, a jovem esquizofrênica e o Horla.
Nesses casos, nos parece que o olhar não tem o status de objeto separado do Outro, e sim de
um atributo do Outro, de um Outro não barrado. Este Outro não barrado torna-se invasor,
tem o poder de vigiar, de penetrar, de aniquilar, como pudemos conferir nos exemplos
apresentados.