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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
UNIDADE DE PESQUISA E PÓS–GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS HISTÓRICOS LATINOAMERICANOS
“ESSES ALEMÃO TÊM QUE SE CONVENCER QUE
NÃO MANDAM MAIS NA CIDADE...”
RELAÇÕES ENTRE SOCIEDADE RECEPTORA E (I)MIGRANTES EM
PANAMBI NA DÉCADA DE 1970
ELIANE DE MELLO
São Leopoldo
2006
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ELIANE DE MELLO
“ESSES ALEMÃO TÊM QUE SE CONVENCER QUE NÃO
MANDAM MAIS NA CIDADE...”
RELAÇÕES ENTRE SOCIEDADE RECEPTORA E (I)MIGRANTES EM
PANAMBI NA DÉCADA DE 1970
Dissertação apresentada à Universidade do Vale
do Rio dos Sinos – UNISINOS como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em História, área de
concentração em Estudos Históricos Latino-Americanos.
Orientador: Dr. Martin Norberto Dreher
São Leopoldo
2006
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Para “Samuca” (Samuel Bolívar de Mello)… “filho-sobrinho”...
o “Alemão” da família...
AGRADECIMENTOS
Pesquisar, para mim, é sempre uma tarefa coletiva: é no diálogo que o texto vai
tomando forma e, principalmente, são o carinho e a amizade que dão ânimo para continuar o
trabalho. Assim, minha lista de agradecimentos, felizmente, é extensa.
A meus pais, Vergílio e Selma de Mello, pelo carinho, apoio e confiança. A meu
irmão Marcos André de Mello, pelo constante incentivo e por ter me auxiliado na formatação
dos gráficos. À Mariana Wiercinski, minha cunhada, pelo apoio e amizade. À minha irmã
Fernanda de Mello, por tudo... A Samuel Bolívar de Mello, pelos beijos e abraços...
À Rosane Márcia Neumann, pelo incentivo, pela disponibilidade em discutir meus
textos, por me acompanhar nas entrevistas, pelas sugestões de bibliografia. Por acreditar no
meu trabalho, às vezes mais até do que eu...
Ao Fabio Lemes e a Marlise Vitcel, pela aula de economia e pela amizade.
Ao Valdecir, pela preciosa indicação de bibliografia na área da Geografia.
Aos funcionários dos arquivos, pelo atendimento atencioso, em especial, à direção da
ACI, a Natanael e Francisco da Prefeitura e Sérgio Lopes, do Museu e Arquivo Histórico
Panambi.
A Martin Norberto Dreher, meu orientador, pela dedicação, por sua generosidade em
compartilhar seus conhecimentos e, principalmente, pela amizade.
5
Aos professores do PPG-Unisinos, especialmente Prof. Dr. Arthur Blásio Rambo,
Prof. Dr. Flávio M. Heinz, Prof.ª Dr.ª Marluza M. Harres, Prof.ª Dr.ª Beatriz Vasconcelos
Franzen, Prof.ª Dr.ª Eloísa Helena Capovilla da Luz Ramos e Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt
Moreira, que me “apresentou” a Norbert Elias. Às secretárias do PPG, especialmente Janaína
Vencato Trescastro. Também à Imgart Grützmann, professora visitante do PPG que,
pacientemente, discutiu comigo meu projeto de pesquisa, suas colocações foram
imprescindíveis.
A Profª Drª Sandra Jatahy Pesavento, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
que aceitou participar da comissão de avaliação do trabalho.
Aos colegas do Mestrado, especialmente ao Odinei, ao Bartel, ao Enildo, ao
Cleverson, ao Daniel , ao Miguel, a Deusa e à Sinara, amigos para toda a vida.
A todos os amigos que me incentivaram, especialmente à Carmem Ribeiro, Márcia
Braum, Sandra Braum, Andrea Petry, Fabiane Martins, Marlise Santos, Edela Lutz, Marlisa
Sartori, Luciana Flores Oliveira, Regina da Silva, Clair Bartach, Juliane Eisen, Eliane Jaques,
Márcio Kersting, Jerson Fontana e Celso Acker. Ainda, Tânia Dall Forno Gabbi e Vera
Malheiros que digitaram parte da documentação. Aos meus vizinhos, Tereza e Alvarino
Verbes Oliveira, que sempre demonstraram preocupação com meu bem estar tanto nas
viagens, quanto nos “intermináveis” dias em frente ao computador...
À direção da Escola Estadual de Ensino Médio Paulo Freire que “facilitou” minha
vida profissional durante o período da pesquisa.
À Cátia, Gilmar e Dioninho, amigos queridos que me acolheram em sua casa nestes
dois anos em que vivi em constante “migração” para São Leopoldo.
Aos entrevistados, por terem se disposto a compartilharem suas memórias... E a mãe
de um de meus alunos, que em certa ocasião comentou que se sentia discriminada na cidade
por não ser alemã... Sua “queixa” foi à motivação inicial deste trabalho.
À CAPES, pela bolsa de estudo que cobriu os gastos com as disciplinas.
À Elis Bayer, pela revisão, e ao VIP Centro de Idiomas pelo abstract.
“O inferno são os outros...”
Jean-Paul Sartre
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar as relações entre sociedade receptora e
migrantes, especialmente as que se referem à incorporação dos novos moradores ao lugar de
destino. Para tanto, toma-se como objeto empírico as relações estabelecidas entre os dois
grupos na cidade de Panambi, localizada na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul, na década de 1970. Formada por (i)migrantes/descendentes de alemães e luso-brasileiros,
a referida localidade viveu um processo conflituoso de construção de identidade, o qual
resultou numa suposta hegemonia econômica, cultural e política do grupo étnico alemão.
Todavia, na década de 70, o seu rápido desenvolvimento econômico causou a desestabilização
dessa estrutura, principalmente devido à migração em massa. Dentre as conseqüências desse
processo estavam o alargamento do fosso entre ricos e pobres, as mudanças na estrutura física
da cidade e o início da desintegração dos velhos sistemas de valores e costumes, os quais
controlavam o comportamento das pessoas, mantendo certo jeito de viver baseado na
disciplina, na dedicação ao trabalho e na devoção religiosa. Essas transformações refletiram-
se na atitude defensiva da sociedade receptora, que intensificou sua busca por paradigmas
identitários, calcados nos “valores” do grupo étnico alemão e voltados para a produção da
diferença entre a sociedade estabelecida e os outsiders, redefinindo as fronteiras étnicas.
ABSTRACT
This study has as objective to analyze the relationships between receiver society and
migrants, in particular the ones that refer to the incorporation of new inhabitants to the place
of destination. Therefore, it was taken empirical objective the relationships established
between these two groups in the town called Panambi, located in the northwest region of Rio
Grande do Sul, in the decade of 1970. Formed by German and Portuguese-Brazilian
(im)migrants/descendents, the above-mentioned place lived a conflicting process of identity
construction, which resulted on a supposed economic, cultural and political hegemony of the
German ethnic group. However, in the decade of 70, its quick economic development caused
the destabilization of this structure, in particular due to the mass migration. Among the
consequences of this process was the widening of the ditch between wealthy and poor people,
the changes on the physical structure of the town, and the beginning of the old systems of
values and customs disintegration, which used to control people's behavior, keeping a certain
way of living based on discipline, on dedication to work and on religious devotion. These
transformations were reflected on the defensive attitude of the receiver society, that
intensified its searching for identity patterns, trampled on the “values” of the German ethnic
group and turned to the production of the difference between the established society and the
outsiders, redefining the ethnic borders.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................
13
1. “ESTOPIM ACESO NESTA CIDADE QUE AINDA
VIVE O ‘NEU-WÜRTTEMBERG’” .....................................................................
26
1.1 “Esta é uma história de uma cidade que se chama Panambi” .....................................
27
1.2 “Os sinos significam muito pra quem sempre ouviu...” .............................................
45
2. “POIS, PARA ONDE NÓS VAMOS? SEMPRE PARA CASA.” ..........................
57
2.1 Os imigrantes alemães no Rio Grande do Sul ............................................................
58
2.2 Duplo pertencimento. Dupla rejeição... ......................................................................
62
2.3 O germanismo .................................................................................................
66
2.3.1 Herrmann Meyer: o idealizador de Neu-Württemberg. ........................... 70
2.3.2 Neu-Württemberg: uma colônia para receber imigrantes alemães. ............. 74
2.3.3 A propaganda .............................................................................................. 76
2.3.4 Hermann Faulhaber ................................................................................... 87
2.4 Relações entre nacionais, imigrantes e teutos em Neu-Württemberg/Panambi .........
90
2.4.1 “... por isso que sempre quando dá uma guerra dá com eles!”.....................
95
10
2.4.2 O lazer .................................................................................................
.
98
2.4.3 A escola ....................................................................................................... 102
2.4.4 A nacionalização .......................................................................................... 111
2.4.5 “Hitler era um homem grande pra nós” ....................................................... 114
2.4.6 O Integralismo ............................................................................................. 117
2.4.7 Nacionalidade para o Estado brasileiro ......................................................
.
119
2.4.8 A emancipação de Panambi ................................................................
.
126
2.4.9 “Agora tu tá no Brasil e tu tem que aprender falar alemão...” ..................... 136
3. “OS ALEMÃES ERAM PESSOAS ESTABELECIDAS... ” RELAÇÕES
ENTRE SOCIEDADE RECEPTORA E MIGRANTES EM PANAMBI ...........
138
3. 1 “Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município aceitou.” ...................
138
3.1.1 O desenvolvimento econômico do Brasil na década de setenta .................. 142
3.1.2 A atuação das lideranças locais ................................................................... 147
3.1.3 A Cooperativa Tritícola Panambi Ltda – COTRIPAL ................................ 149
3.1.4 A Kepler Weber S.A ……………………................................................… 158
3.2 “Paradoxos da migração” ........................................................................................... 169
3.2.1 A cidade “bela, higiênica e alemã”
..............................................................
188
3.2.2 O convívio entre estabelecidos e migrantes ................................................. 213
3.2.3 Vila Esperança: a “cidade do outro”. ........................................................... 230
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 237
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 245
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Vista de Neu-Württemberg................................................................................. 32
Foto 2 - Cortejo levando o Sino ........................................................................................ 50
Foto 3 - Os três sinos da Igreja Evangélica....................................................................... 51
Foto 4 - Meio rural - Roça da família Schäffer ............................................................... 79
Foto 5 - Vista da Stadtplatz Elsenau, colônia de Neu-Württemberg .............................. 79
Foto 6 - Vista Stadtplatz, colônia de Neu-Württemberg.................................................. 80
Foto 7 - Vista do açude do arroio do Moinho................................................................... 81
Foto 8 - Vista de Neu-Württemberg, inverno de 1925. ................................................... 81
Foto 9 - Cartão-postal da Igreja Evangélica Luterana de Neu-Württemberg.................... 82
Foto 10 - Cartão-postal da Igreja Evangélica Luterana de Neu-Württemberg.................. 83
Foto 11 - Cartão-postal da Cascata do rio Palmeira.......................................................... 83
Foto 12 - Capela Batista, Elsenau - Neu-Württemberg.................................................... 84
Foto 13 - Elsenau em Neu-Württemberg/RS.................................................................... 85
Foto 14 - Colônia Alemã Elsenau em Neu-Württemberg ................................................ 85
Foto 15 - Festa do “Unser Tag” em Neu-Württemberg ................................................... 99
Foto 16 - Encontro de educadores ................................................................................... 105
Foto 17 - Desfile Cívico em homenagem à Independência do Brasil.............................. 112
Foto 18 - Reunião - Campanha de Nacionalização .......................................................... 113
Foto 19 - Desfile de alunos com Bandeiras da Alemanha................................................. 115
Foto 20 - Alunos posando com a bandeira alemã.............................................................. 115
LISTA DE DESENHOS
Charge do promotor e do sino........................................................................................... 54
Desenho 1 - Herrmann Meyer ………………………………………………………….. 128
Desenho 2 - Hermann Faulhaber …………………………....………………….......…... 128
Desenho 3 - Panambi em 1904 ......................................................................................... 129
Desenho 4 - Panambi em 1949 ......................................................................................... 129
Desenho 5 - Kepler Weber .............................................................................................. 132
12
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Localização de Neu-Württemberg .................................................................... 77
Mapa 2: Municípios de procedência dos migrantes na década de 1970
mencionados pelos entrevistados ..................................................................................... 176
Mapa 3 – Área urbana de Panambi – Maio de 1992 ......................................................... 188
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Evolução da renda interna setorial em Panambi ............................................. 140
Gráfico 2: Produção da soja e trigo em toneladas recebidas pela Cotripal 1971- 1979 ... 151
Gráfico 3: Número de sócios da Cotripal 1965-1979 ....................................................... 152
Gráfico 4: Investimentos da Cotripal 1966-1971 ............................................................. 153
Gráfico 5: Capitalização da Cotripal em valores reais e nominais 1969-1971 ................. 154
Gráfico 6: Funcionários da Cotripal 1970-1979 ............................................................... 156
Gráfico 7: Evolução no número de funcionários da Empresa Kepler Weber S.A ........... 171
LISTA DE TABELAS
Tabela nº1 - Evolução da estrutura da renda interna municipal e estadual: 1959 a 1980 139
Tabela nº 2 – Subdivisão do setor secundário .................................................................. 141
Tabela nº 3 – Empresas e emprego no setor do comércio ................................................ 141
Tabela nº 4: Grupos de outras localidades que depositaram soja na Cotripal 1977-1979. 155
Tabela nº 5: Evolução da cultura da soja no Brasil
.........................................................
159
Tabela nº 6 - Evolução dos salários pagos, valor da produção
e valor da transformação no setor secundário do município 1970-1980.......................... 173
Tabela nº 7: Situação do acervo da Biblioteca Municipal 1975-1976 .............................. 209
LISTA DE PROPAGANDAS
Propaganda 1: Obrigado senhor ministro. ........................................................................ 160
Propaganda 2: Agora quem lucra é você .......................................................................... 165
Propaganda 3: Panambi ontem hoje.................................................................................. 191
Propaganda 4: Hotel Elsenau em fase final ...................................................................... 210
Propaganda 5: Moradores da Vila Esperança recebendo doações de alimentos .............. 233
13
LISTA DE ABREVIATURAS
MAPH: Museu e arquivo histórico de Panambi
Pbi- Panambi
PE - Participação da renda gerada em Panambi em relação ao Rio Grande do Sul
ST-Salário total
VP- Valor da produção
VT- Valor da transformação
LISTA DE SIGLAS
ACI: Associação Industrial e Comercial de Panambi
COTRICRUZ - Cooperativa Tritícola de Cruz Alta
COTRIJAL - Cooperativa Tritícola de Ibirubá
COTRIJUÍ - Cooperativa Tritícola de Ijuí
COTRIMAIO - Cooperativa Tritícola de Três de Maio
COTRIPAL - Cooperativa Tritícola Panambi
COTRIROSA - Cooperativa Tritícola de Santa Rosa
EMATER - Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
IPD - Instituto de políticas públicas e desenvolvimento regional
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como enfoque central as relações tecidas numa comunidade
formada por (i)migrantes/descendentes de alemães e luso-brasileiros, na qual as fronteiras
entre estabelecidos e migrantes foram produzidas de forma conflituosa ao longo do século
XX. Trata-se do município de Panambi, antiga colônia Neu-Württemberg, localizado na
região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
A colônia Neu-Würtemberg foi projetada para ser um reduto de imigrantes alemães
luteranos – do mesmo modo que haviam outras para imigrantes católicos – no qual a
identidade alemã poderia ser preservada. A formação e afirmação dessa identidade é produto
de um processo histórico que abarcou, principalmente, três grandes correntes migratórias: a
dos teuto-brasileiros
1
vindos das colônias velhas, que ocorreu em fins de 1890; a dos
imigrantes alemães, no início do século XX, e a terceira, de luso-brasileiros,
2
na década de 70.
Ou seja, um processo complexo que envolveu diversos tipos de (i)migrações: imigração de
estrangeiros, migrações internas de estrangeiros de primeira e segunda geração e de luso-
brasileiros do campo para a cidade e de uma cidade para outra.
De forma geral, os motivos para essas migrações não diferiam muito: busca por
trabalho e melhores condições de vida. Outro aspecto comum refere-se ao fato de que, do
mesmo modo que a sociedade brasileira demonstrou certa hostilidade em relação aos
1
Entende-se neste trabalho teuto-brasileiro como descendente de (i)migrantes alemães nascidos no Brasil.
2
Não se descarta a hipótese de que dentre estes migrantes alguns poderiam ser de origem européia, mas já
aculturados, todavia, os mesmos eram caracterizados pela sociedade receptora como “luso-brasileiros”.
15
(i)migrantes/descendentes alemães, estes reagiram de forma semelhante em relação aos
migrantes luso-brasileiros da década em questão.
O tema de pesquisa surgiu a partir de uma situação local recorrente: os habitantes da
Vila Esperança (atual Bairro Esperança) reclamavam que se sentiam discriminados pelos
demais moradores de Panambi, pela razão de não serem naturais do local e, especialmente,
por não pertencerem ao mesmo grupo étnico dominante na cidade. O interesse pelo tema foi
aumentando na medida em que se percebia a complexidade das relações entre os novos
moradores e os antigos. Também, na medida em que se verificava que problemas
identificados em Panambi eram influenciados de forma direta pelo contexto macro e que
podiam ser encontrados em escala muito maior na sociedade como um todo.
Ao aprofundar-se o estudo, verificou-se que o conflito entre (i)migrantes/descendentes
alemães e luso-brasileiros era latente no local e estava relacionado com a preocupação do
grupo estabelecido em manter determinados “valores”. Essa situação agravou-se na década de
1970, quando a cidade viveu um grande surto de desenvolvimento econômico, o qual
desencadeou uma série de modificações, principalmente pelo grande afluxo de migrantes
luso-brasileiros atraídos pela possibilidade de emprego. Assim, ao contrário da maior parte
das produções sobre o tema, privilegia-se um período posterior às imigrações européias para o
Estado, qual seja, a década de 1970.
Dado o fato de que o conflito se processava em torno das relações entre a sociedade
receptora e os migrantes, toma-se como referência as discussões levantadas por Norbert Elias
e John L. Scotson, na obra “Os Estabelecidos e os Outsiders”, na qual os autores analisam as
relações entre pessoas estabelecidas em um determinado lugar e os migrantes, aos quais
chamavam de “outsiders”. Na apresentação à edição brasileira, Federico Neiburg esclarece,
As palavras establishment e established são utilizadas, em inglês, para designar
grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígio e poder. Um establishment é
um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais
poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação
singular de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no
fato de serem um modelo moral para os outros. Na língua inglesa, o termo que
completa a relação é outsiders, os não membros da “boa sociedade”, os que estão
fora dela. Trata-se de um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços
sociais menos intensos do que aqueles que unem os established. A identidade social
destes últimos é a de um grupo. Eles possuem um substantivo abstrato que os define
como um coletivo: são o establishment. Os outsiders, ao contrário, existem sempre
16
no plural, não constituindo propriamente um grupo social. Os ingleses utilizam os
termos establishment e established para designar a ‘minoria dos melhores’ nos
mundos sociais mais diversos: os guardiões do bom gosto no campo das artes, da
excelência científica, das boas maneiras cortesãs, dos distintos hábitos burgueses, a
comunidade de membros de um clube social ou desportivo. (...) As categorias
estabelecidos e outsiders se definem na relação que as nega e que as constitui como
identidades sociais. Os indivíduos que fazem parte de ambas estão, ao mesmo
tempo, separados e unidos por um laço tenso e desigual de interdependência.
Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e
exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-
outsiders ilumina exemplarmente: as relações de poder. Junto com o termo
‘establishment’, são palavras rigorosamente intraduzíveis, pois descrevem uma
forma “tipicamente inglesa” de conceituar as relações de poder, de um modo
abstrato ou puro, independente dos vários contextos concretos nos quais essas
relações podem realizar-se.
3
O trabalho dos dois autores mostra uma clara divisão entre o grupo estabelecido desde
longa data e o outro, que chegara recentemente ao lugar. Ressalta que os primeiros
estigmatizavam os segundos por considerarem que a estes faltavam algumas virtudes
primordiais e que a assimilação destas “virtudes” seria fundamental para que pudessem
conviver. Seguindo esta linha, Elias pondera,
vez por outra, podemos observar que os membros dos grupos mais poderosos que
outros grupos interdependentes se pensam a si mesmos (se auto-representam) como
‘humanamente superiores’. Essa é a auto-imagem normal dos grupos que, em termos
do seu diferencial de poder, são seguramente superiores a outros grupos
interdependentes. Quer se trate de quadros sociais, como os senhores feudais em
relação aos vilões, os ‘brancos’ em relação aos ‘negros’, os gentios em relação aos
judeus, os protestantes em relação aos católicos e vice-versa, os homens em relação
às mulheres (antigamente), os Estados nacionais grandes e poderosos em relação a
seus homólogos pequenos e relativamente impotentes. (...) Assim, encontrava-se ali,
nessa pequena comunidade, como que em miniatura, um tema humano universal.
4
Quanto ao tipo de relação que se processa entre os dois grupos, Elias esclarece que,
o fato de os membros dos dois grupos diferirem em sua aparência física ou de os
membros de um grupo falarem com um sotaque e uma fluência diferentes a língua
em que ambos se expressam serve apenas como um sinal de reforço, que torna os
membros do grupo estigmatizado mais fáceis de reconhecer em sua condição.
Tampouco a denominação ‘preconceito racial’ é particularmente adequada. A
aversão, desprezo ou ódio que os membros de um grupo estabelecido sentem pelos
de um grupo outsider, assim como o medo de que um contato mais estreito com
estes últimos possa contaminá-los, não diferem nos casos em que os dois grupos são
claramente distintos em sua aparência física e naqueles em que são fisicamente
3
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders:Sociologia das relações de poder a
partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2000, p. 7-8.
4
Ibidem, p.16.
17
indistinguíveis, a ponto de os párias menos dotados de poder serem obrigados a usar
uma insígnia que mostre sua identidade.
5
Em Panambi, este “medo” de “abrir espaço” pra os migrantes e correr o risco de
adquirir suas características ou de que assumissem “postos chaves” na cidade, reacendeu
antigas disputas em torno da pertença étnica, reforçando o desejo de evidenciar as fronteiras
de distinção entre um grupo e outro. Todavia, o elemento distintivo era ambíguo: ser de
“origem imigrante” era um dos elementos exigidos para ser incluído no grupo estabelecido.
Pejorativamente, para os panambienses, todos aqueles que não eram de origem alemã eram
definidos como brasileiros, não distinguindo entre negros e luso-brasileiros. Para acentuar esta
diferença, mesmo que fossem brancos, em alguns momentos eram chamados de “negrada”. Se
o indivíduo fosse migrante, de origem alemã e não fosse bem sucedido financeiramente ou
não falasse o idioma alemão, poderia não ser aceito no grupo estabelecido.
Parece que adjetivos como ‘racial’ ou ‘étnico’, largamente utilizados nesse contexto,
tanto na sociologia quanto na sociedade em geral, são sintomáticos de um ato
ideológico de evitação. Ao empregá-los, chama-se a atenção para um aspecto
periférico dessas relações (por exemplo, as diferenças na cor da pele), enquanto se
desviam os olhos daquilo que é central (por exemplo, os diferenciais de poder e a
exclusão do grupo menos poderoso dos cargos com maior potencial de influência).
Quer os grupos a que se faz referência ao falar de ‘relações raciais’ ou ‘preconceito
racial’ difiram ou não quanto a sua ascendência ‘racial’ e sua aparência, o aspecto
saliente de sua relação é eles estarem ligados de um modo que confere a um recurso
de poder muito maiores que os do outro e permite que esse grupo barre o acesso dos
membros do outro ao centro dos recursos de poder e ao contato mais estreito com
seus próprios membros, com isso relegando-os a uma posição de outsiders. Assim,
mesmo quando existem nesses casos as diferenças de aparência física e outros
aspectos biológicos a que nos referimos como ‘raciais’, a sociodinâmica da relação
entre grupos interligados na condição de estabelecidos e outsiders é determinada por
sua forma de vinculação e não por qualquer característica que os grupos tenham,
independentemente dela.
6
Na comunidade investigada o conflito não acontecia de forma aberta, configurando-se
num estado de tensão constante, na qual disputavam espaços de poder e privilégios, bem
como, por parte dos migrantes, a aceitação da comunidade receptora. Essa tensão pairava nas
relações cotidianas, emergindo em alguns momentos específicos, tornando-se latente ou não.
Segundo Elias, essa relação muitas vezes concentra-se em torno da relação econômica, ou a
mesma serve de reforço para acentuar as diferenças: quanto mais pobre o grupo de migrantes,
5
Ibidem, p.32-33.
6
Ibidem, p.32-33.
18
maior será a probabilidade do grupo estabelecido dominá-lo, e de impor o seu modo de vida.
Contudo, quando o grupo outsider já possui certo capital, ou consegue se colocar acima do
nível de subsistência no novo espaço, pode tentar resistir à dominação, gerando conflitos.
7
Neste contexto emerge a questão identitária. Tanto as identidades individuais quanto a
étnica são influenciadas pelos processos migratórios, pois se definem em relação ao outro.
Assim, de acordo com Silva,
aquilo que são, (...) é, inseparável daquilo que eles não são, daquelas características
que os fazem diferentes de outros grupos. Identidade e diferença são, pois, processos
inseparáveis (...) A identidade só faz sentido numa cadeia discursiva de diferenças:
aquilo que “é” é inteiramente dependente daquilo que ‘não é’.
8
O autor acrescenta,
A identidade não existe “naturalmente”: Ela é construída pelo próprio grupo e pelos
outros grupos. Não existe nada de “naturalmente” comum ligando indivíduos de um
determinado grupo. Certamente existem certas condições “sociais” que fazem com
que os grupos se vejam como tendo características em comum: geografia, sexo,
“raça”, sexualidade, nação. Mas mesmo essas condições sociais têm de ser
“representadas”, têm de ser produzidas por meio de alguma forma de representação.
Aquilo que um grupo tem em comum é resultado de um processo de criação de
símbolos, de imagens, de memória, de narrativos, de mitos que “cimentam” a
unidade de um grupo, que definem sua identidade.
9
Afirmar a identidade significa demarcar fronteira, significa fazer distinções entre quem
está incluído e quem não está incluído no grupo. A identidade está sempre ligada a uma forte
separação entre “nós” e “eles”.
10
O estabelecimento de fronteiras como forma de distinção
entre os grupos étnicos foi uma inovação apresentada nos estudos de Fredrik Barth,
11
o qual
observou que os grupos étnicos se definem não pelo que têm em comum, mas pelos elementos
que os distinguem dos demais. Logo, um grupo étnico se define através de critérios pelos
7
Cf. ELIAS; SCOTSON, op. cit.
8
SILVA, Tomaz Tadeu. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001, p. 46-47.
9
Ibidem, p. 47.
10
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da Identidade e da Diferença. In: ______. Identidade e
diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 82.
11
BARTH, Frederick. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART,
Jocelyne. Teorias da etnicidade. São Paulo: Ed. da UNESP, 1998.
19
quais ele mesmo estabelece as suas fronteiras (critério de pertencimento e exclusão) e não
pelo conteúdo cultural interno como se acreditava até então. Para ele,
A identidade étnica (a crença na vida em comum étnica) constrói-se a partir da
diferença. A atração entre aqueles que se sentem como de uma mesma espécie é
indissociável da repulsa diante daqueles que são percebidos como estrangeiros. Esta
idéia implica que não é o isolamento que cria a consciência de pertença, mas, ao
contrário, a comunicação das diferenças das quais os indivíduos se apropriam para
estabelecer fronteiras étnicas.
12
A definição de fronteira étnica elaborada por Barth salienta que,
as identidades étnicas só se mobilizam com referência a uma alteridade, e a
etnicidade implica sempre a organização de agrupamentos dicotômicos ‘Nós/Eles’.
Ela não pode ser concebida senão na fronteira do ‘Nós’, em contato ou confrontação,
ou por contraste com ‘Eles’ (Wallman, 1978).
13
O que permite a existência dos grupos étnicos e sua persistência no tempo é a
existência dessas fronteiras étnicas, as quais são produzidas e reproduzidas pelos atores no
decorrer das interações sociais. Ou seja, no decorrer do tempo as fronteiras étnicas podem
manter-se, reforçar-se ou apagar-se. De acordo com Poutignat e Streiff-Fenart:
A permeabilidade das fronteiras étnicas manifesta-se igualmente, como o notam
Lyman e Douglass, pelo estatuto de “membro honorário” que algumas vezes podem
adquirir aqueles que, mesmo sendo manifestamente outsiders em decorrência de sua
origem ou de sua herança cultural, são admitidos a compartilhar a experiência do
grupo. (...) Por outro lado, é razoável pensar que as fronteiras entre os grupos são
tanto menos permeáveis quanto mais a organização das identidades étnicas esteja
ligada a divisão diferencial das atividades no setor econômico. Quando as
identidades étnicas estão fortemente correlacionadas a um sistema de estratificação
socioeconômico (ou seja, quando as características fenotípicas ou culturais são
associadas de maneira sistemática a posições de classe), a fronteira étnica propõe-se
a fronteira social, uma reforçando a outra. Neste tipo de situação, a transposição da
fronteira étnica é tão mais difícil que irá implicar uma dissonância entre
categorização social e categorização étnica.
14
Para a teoria cultural contemporânea, a identidade e a diferença estão estreitamente
associadas a sistemas de representação, pois é por meio da representação que a identidade e a
diferença adquirem sentido.
15
Conforme Ginzburg,
12
POUTIGNAT; STREIFF-FENART, op. cit., p.40.
13
Ibidem, p.152-153.
14
Ibidem, p.155-156.
15
SILVA, op. cit., 2000, p. 82.
20
Por um lado, a ‘representação’ faz as vezes da realidade representada e, portanto,
evoca a ausência; por outro, torna visível a realidade representada e, portanto, sugere
a presença. Mas a contraposição poderia ser facilmente invertida: no primeiro caso,
a representação é presente, ainda que como sucedâneo; no segundo, ela acaba
remetendo, por contraste, a realidade ausente que pretende representar.
16
É por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a sistemas de
poder: “Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade”.
17
“Representar significa, em última análise, definir o que conta como real, o que conta como
conhecimento”.
18
É na interação entre representação e identidade que podemos localizar o caráter
ativo de ambas. A representação não é um campo passivo de mero registro ou
expressão de significados existentes (...) Os diferentes grupos sociais utilizam a
representação para forjar a sua identidade e as identidades dos grupos sociais. Ela
não é, entretanto, um campo equilibrado de jogo. Por meio da representação travam-
se batalhas decisivas e de imposição de significados particulares: esse é um campo
atravessado por relações de poder. A identidade é, pois, ativamente produzida na e
por meio da representação: é precisamente o poder que lhe confere caráter ativo,
produtivo.
19
Na mesma linha, Pesavento afirma
a representação coletiva implica na configuração de idéias-imagens que, constituídas
a partir da vivência de cada grupo, atribuam uma identidade ao grupo. Ou seja, ela
corresponde a práticas sociais e historicamente diferenciadas que visualizam a
realidade de uma determinada forma, estabelecendo uma rede de interligações de
imagens, valores, crenças e comportamentos. Enquanto processo de constituição da
identidade, a auto-imagem do grupo fortalece a coesão interna, estabelecendo, por
um lado, os elementos de regularidade e semelhança e, por outro, marcando as
diferenças com os demais. O processo de constituição da identidade/alteridade tem,
pois, sua relação com o mundo social, embora diga respeito ao plano do imaginário.
A mediação entre concreto real e concreto pensado não é, assim, de oposição, tal
como uma clivagem entre verdade e não-verdade, real e não-real. As idéias-imagens
de representação coletiva são elas também parte do que se convencionou chamar
como real (condições concretas de existência). São produzidas em interação
permanente e, por sua vez, atuam sobre este “real”, motivando ações e
comportamentos.
20
16
GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras,
2001, p.85.
17
BOUDIEU apud SILVA, op. cit., 2000, p. 91.
18
SILVA, op. cit., 2001, p. 65.
19
Ibidem, p.47.
20
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os pobres da cidade: vida e trabalho – 1880-1920. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 1994, p. 65.
21
Desta forma, o que interessa neste “jogo” é o que se acredita ser “real” e que é
reconhecido pela maioria das pessoas como real, algo como um “acordo coletivo”, onde os
sujeitos procuram constantemente encontrar seus papéis, o que Backso chamou de imaginário
social.
Os imaginários sociais constituem outros tantos pontos de referência no vasto
sistema simbólico que qualquer coletividade produz e através da qual, como disse
Mauss, ela se percepciona, divide e elabora os seus próprios objetivos. É assim que,
através dos seus imaginários sociais, uma coletividade designa a sua identidade;
elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das
posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código
de “bom comportamento”, designadamente através da instalação de modelos forma-
dores tais como o do “chefe”, o “bom súbdito”, o “guerreiro corajoso”, etc.
21
Como a preparação de uma grande peça de teatro, onde os atores fazem oficinas, que
são na verdade ensaios para encarnarem os personagens, os (i)migrantes aprendem como
devem agir ou se ocultar. Em relação aos (i)migrantes alemães, isso se concretiza através dos
ensinamentos da igreja e da escola, que lhes ensinam os princípios de sua cultura e os
preparam para reelaborarem o grande cenário com objetos que façam lembrar o país de
origem, como a arquitetura, a alimentação, as roupas folclóricas. Segundo Goffmann,
o indivíduo foi dividido em dois papéis fundamentais: foi considerado como ator,
um atormentado fabricante de impressões envolvido na tarefa demasiado humana de
encenar uma representação, e foi considerado como personagem, como figura
tipicamente admirável, cujo espírito, força e outras excelentes qualidades a
representação tinha por finalidade evocar (...) a personalidade encenada foi
considerada como uma espécie de imagem, geralmente digna de crédito, que o
indivíduo no palco e efetivamente tenta induzir os outros a terem a seu respeito (...)
este eu não se origina de seu possuidor mas da cena inteira de sua ação (...) uma
cena concretamente representada conduz a platéia a atribuir uma personalidade ao
personagem representado, mas esta atribuição - este eu - é um “produto” da cena que
se verificou e não a “causa” dela. O “eu”, portanto, como um personagem
representado, não é uma coisa orgânica, que tem uma localização definida, cujo
destino fundamental é nascer, crescer e morrer; é um efeito dramático, que surge
difusamente de uma cena apresentada, e a questão característica, o interesse
primordial, está em saber se será acreditado ou desacreditado.
22
Assim, a “cidade” é um palco privilegiado da construção das diferenças e os migrantes
e os estabelecidos protagonistas desse processo. O tema é abordado por diversos autores, entre
21
BACZKO Bronislaw. Imaginação social. In: ENCICLOPÉDIA EINAUDI. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda. 1995, v.5, p. 309.
22
GOFFMAN, Erving. A representação do EU na Vida Cotidiana, p. 231. apud CENTURIÃO, Luiz Ricardo
Michaelsen. Identidade, indivíduo e grupos sociais. Curitiba: Juruá, 2002, p. 152-153.
22
os quais Sandra Pesavento, que investiga a formação dos espaços dos cidadãos ideais e dos
“outros” na cidade de Porto Alegre.
As temáticas suscitadas pela pesquisa levaram ao diálogo com os autores da chamada
Nova História Cultural, a qual, segundo Peter Burke, preocupa-se especialmente “com o
simbólico e suas interpretações”, analisando as “práticas” da sociedade e tendo a idéia de
construção como central.
23
Para Chartier:
A história cultural (...) tem por principal objeto o modo como em diferentes lugares
e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. (...)
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento
dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.
24
A percepção de que os acontecimentos micros estavam intimamente ligados aos
macros aponta para a micro-história, a qual insere-se na Nova História Cultural. A micro-
história foi uma reação à postura que considerava que a cultura estava relacionada à
superestrutura e que generalizava os estudos culturais, muitas vezes considerando cultura
apenas a cultura erudita.
25
A questão da escala é central nesta análise, todavia, de acordo com
Levi: “o estudo micro-histórico não perde de vista a conjuntura macro, na qual dá-se a
tessitura de suas redes de relações”.
26
Segundo Serna: “Son tres, los significados que se le
añaden a la tarea microhistórica o microanalitico propuesto por Ginzburg e Grendi. Uno hace
referencia a las fuentes, otro a los objetos de investigación, y el último alude al metodo de
conocimiento y a las inferencias a aplicar”.
27
Os micro-historiadores, numa tentativa de investigar as práticas sociais, apontaram
como um possível caminho a investigação de fatos considerados “anormais”, ou seja,
situações conflituosas que fogem à “normalidade” do cotidiano, pois, nesses momentos poder-
se-ia encontrar indícios de como os grupos estabelecem suas relações, sobre como realmente
23
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 7-13.
24
CHARTIER, Roger. apud WEBER, Regina. Os operários da colméia. Ijuí: UNIJUÍ, 2002, p.36.
25
BURKE, op. cit., 2005.
26
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas.
São Paulo: UNESP, 1992. p. 136 e 139, respectivamente.
27
SERNA, Justo; PONS Anaclet. El ojo de la aguja. ¿De qué hablamos cuando hablamos de microhistória?.In.
TORRES, Pedro Ruiz (org). La Historiografia. Madrid, Marcial Pons, 1993, p.115-116.
23
pensavam e se relacionavam com o mundo, especialmente no que se refere a temas ausentes
da documentação, ou presentes nas entrelinhas, como, por exemplo, as relações entre
migrantes e estabelecidos.
En efecto, una cosa es lo excepcional normal en sentido de Grendi, es decir, el
documento no seralizable pero significativo por revelador, otra cosa distinta es
buscar un objeto de investigación que, por su condición excepcional normal, pueda
descubrir hechos o processo histórico, y otra, finalmente, es el indicio como
mecanismo de creación de un paradigma cognoscivo.
(…) Reconocer que el
conocimiento histórico siempre es abductivo no implica caer en una suerte de
relativismo. Significa solamente que el historiador no puede acceder de manera
directa a una realidad que, por principio, le es opaca, impenetrable. Pero su intención
es restituir un passado que, aunque se resista, es posible devolver al presente a través
de determinadas vias.
28
La documentación expressa, diria Ginzburg, las relaciones de fuerza entre las classes
de una sociedad determinadas, y esto se verifica silenciando o deformando la cultura
de aquéllas. Desde esta perspectiva, la consecuencia es doble: por un lado, cualquier
vestigio de esa realidad cultural sometida es excepcional, aunque ese sistemático
sometimiento convierte en normal aquele que creíamos excepcional; por otro, se
necesita un criterio distinto de verificación que permita evitar que exageremos
indebidamente el peso de la cultura dominante.
29
Foi o que fez, por exemplo, Ginzburg no clássico, “O Queijo e os Vermes”.
30
Em relação às fontes pesquisadas, a documentação primária bem como os testemunhos
orais são trabalhados a partir do princípio de que são discursos construídos, marcados por um
determinado tempo e espaço, sujeitos a influência de certos grupos e, desta forma, atendendo
a um determinado fim. Enfim, expressam as suas interpretações e leituras da realidade, nem
sempre em consonância com as leituras dos historiadores, dado que estas se realizam em
temporalidades e com intencionalidades diferentes.
As entrevistas foram realizadas com pessoas selecionadas de acordo com a idade,
funções que exerciam no município, origem étnica e local de nascimento. Foram pesquisadas
também as Atas da Associação Comercial e Industrial de Panambi (ACI) e as Leis que regiam
a sociedade na década de 70. Outra fonte foram os artigos de jornais, principalmente do
periódico local A Notícia Ilustrada.
28
SERNA; PONS in TORRES, op. cit. p.115-116.
29
Ibidem, p.118.
30
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
24
O jornal A Notícia Ilustrada pertencia a Miguel Schmitt-Prym. O mesmo iniciou sua
carreira aos 14 anos como correspondente do jornal Diário de Notícias, de Porto Alegre. O
proprietário do Jornal esteve intimamente ligado aos movimentos políticos e às manobras em
torno de benefícios para Panambi. Foi durante muitos anos presidente da Associação
Comercial e Industrial de Panambi. Inicialmente, o jornal “A Notícia Ilustrada” chamava-se
“O Panambiense” e era um suplemento do jornal Diário Serrano, de Cruz Alta, com
circulação quinzenal. O periódico era editado por um grupo de amadores, que tinha interesse
na divulgação dos acontecimentos locais. Em 1959, Schmitt-Prym comprou os direitos do
suplemento e criou o jornal O Panambiense. O negócio foi bem sucedido, pois a empresa
chegou a ter mais de 100 empregados e uma frota de 13 veículos. Além disso, o Jornal
circulava em 19 cidades vizinhas.
31
Em maio de 1971, devido a grande circulação do
periódico, a direção do mesmo decidiu mudar seu nome, a fim de lhe dar um caráter mais
regional. Assim, em junho de 1971, ocorreu a primeira edição do A Notícia Ilustrada. Outra
medida tomada naquele período foi a compra de máquinas off-set, as quais agilizavam a
impressão do Jornal. Segundo Schmitt-Prym, “o Panambiense foi o primeiro jornal gaúcho a
ser impresso em off-set”.
32
De acordo com Schmitt-Prym, o Jornal pretendia ser uma “tribuna livre”. Aceitava
publicações de quem quisesse escrever e nunca censurava nenhum texto.
33
Assumia o papel
de representante da opinião pública local, retratando seus anseios, problemas e destacando o
caráter étnico da cidade, tanto que por muito tempo foi editado um suplemento no idioma
alemão. Todavia, não se pode esquecer que o periódico estava comprometido com os
interesses de seus anunciantes e a partir destes interesses articulava suas edições. Expressava
as aspirações de um determinado grupo social, detentor de um certo poder simbólico, como a
equipe do jornal, alguns pastores, o poder público, os proprietários das casas de comércio e
das indústrias, os quais encontravam espaço para escrever e tornar públicas suas opiniões.
Segundo Henn,
31
SIMON, Mary Lea (Org). Panambi, Ontem –Hoje. Panambi: Publipan, s/d, p.115.
32
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann, Panambi, 25,
ago. 2005.
33
Ibidem.
25
A produção de notícia envolve um processo complexo que se entende, aqui, como
semiose. As notícias formam signos cujos objetos são as ocorrências que pululam no
cotidiano. Estão aptas a produzir interpretantes de diferentes matizes, que vão desde
a formação de opinião sobre determinados episódios até a geração de ações
concretas na sociedade.
34
Para Henn, o jornal é um sistema inserido em outro mais amplo: “formado pela
própria realidade de que participa”.
35
Os jornais fixam-se como centro, em torno do qual o meio social orbita. E como
centro detêm aparato ideológico que procura dar sentido aos fatos no impulso de
formar opinião. Absorvem o pânico para depois arrefecê-lo em um fluxo que vai da
total expectativa ao desinteresse absoluto.
36
A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro aborda dois casos entendidos
como “excepcional normal”, conforme a definição de Serna, ocorridos na década de 70 em
Panambi. Os episódios demonstram a existência de disputas entre os estabelecidos,
principalmente do grupo étnico alemão, e os migrantes. Os dois eventos mobilizaram a
comunidade investigada e demonstram a preocupação do grupo estabelecido em manter suas
tradições, as quais estavam estritamente relacionadas à constituição da identidade étnica
alemã. Nos mesmos transparece, de forma implícita, a distribuição de poder na cidade que, a
saber, pertencia ao grupo étnico alemão.
O segundo capítulo procura historicizar as práticas sociais e os conflitos que
possibilitaram a construção da suposta hegemonia do grupo étnico alemão naquela
comunidade, bem como a flexibilização das fronteiras até início da década de 60.
O terceiro capítulo analisa as relações entre a sociedade receptora e os migrantes
vindos na década de 1970 para Panambi, haja vista que o período foi permeado por mudanças
no cenário econômico, as quais favoreceram as migrações, os problemas urbanos decorrentes,
bem como a definição dos espaços sociais na cidade.
Cabe esclarecer que alguns documentos citados no decorrer do trabalho não possuem
referência completa, por falta de dados. Por exemplo, algumas edições dos artigos do Jornal A
Notícia Ilustrada não apresentam número, nem ano, principalmente a partir de 1978.
34
HENN, Ronaldo. Os fluxos da notícia. São Leopoldo: Unisinos, 2002, p. 50.
35
Ibidem, p.10.
36
Ibidem, p. 91.
1. “ESTOPIM ACESO NESTA CIDADE QUE AINDA VIVE
O ‘NEU-WÜRTTEMBERG’ ”
37
“Foi ontem, e é o mesmo que dizermos foi há mil anos, o tempo não é uma corda
que se possa medir nó a nó, o tempo é uma superfície oblíqua e ondulante
que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar”
José Saramago. Viagem a Portugal, p. 49.
Este capítulo dedica-se a analisar dois episódios ocorridos no município de Panambi,
região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. O primeiro em 1975 e o segundo, como que
fechando a década de 1970, em janeiro de 1980. Tais acontecimentos hoje podem soar como
histórias, no mínimo inusitadas, e já na época foram consideradas, por muitos, como
“pitorescas” ou “arcaicas”. Os dois eventos mobilizaram a comunidade investigada e dão
algumas pistas a respeito dos valores que lhes eram caros, da forma como aquele grupo se
organizava e compreendia o mundo, bem como da relação entre acontecimentos micro e
macro. Apontam, ainda, para algumas mudanças, ocasionadas principalmente pelo processo
migratório e pelo desenvolvimento econômico, que começava a influenciar a vida daqueles
indivíduos, ocasionando situações conflituosas e episódios que poderiam ter passado
despercebidos ao historiador, não fossem as discussões historiográficas levantadas pela Nova
História Cultural.
37
Estopim aceso nesta comunidade que ainda vive a Neu-Württemberg. Zero Hora, Porto Alegre, 12, out.1975,
p.30.
27
1.1 “ESTA É UMA HISTÓRIA DE UMA CIDADE QUE SE CHAMA PANAMBI”
38
Walter Furtado, 25 anos, curitibano, chegou a Panambi no início da década de 1970.
Possivelmente, a euforia desenvolvimentista “vivida” pelo Brasil o tenha motivado a migrar.
Talvez estivesse em busca de um lugar onde pudesse também contribuir para o
“desenvolvimento nacional”, aspiração corrente num período marcado pelo “Pra frente
Brasil”, do governo militar. Aparentemente, sua meta era trabalhar para conseguir
estabilidade financeira, objetivo que para Sayad é o principal motivador das migrações: “foi o
trabalho que fez ‘nascer’ o imigrante, que o fez existir; é ele quando termina, que faz ‘morrer’
o imigrante”.
39
O trabalho ou a sua busca motivara as diversas correntes migratórias de imigrantes
alemães e descendentes a, no início do século XX, juntaram-se aos luso- brasileiros que então
habitavam aquelas terras para, em suma, buscarem melhores condições de vida. O trabalho, na
década de 1970, tornava a atrair migrantes, como num círculo em que alguns fatos parecem se
repetir.
Não se sabe porque Furtado escolheu Panambi. Talvez um familiar morando na cidade
o tenha convidado, ou tenha lido em algum jornal a respeito do desenvolvimento econômico
do local, ou ainda, quem sabe, o tenha escolhido arbitrariamente. O certo é que chegou à
cidade e depois de instalado tratou de procurar um negócio com o qual pudesse ser bem
sucedido. Sua escolha final foi alugar uma sala de cinema, o Cine Metro, que, aparentemente,
não estava sendo explorada pelos proprietários, o que pode ter sido um dos fatores que o
motivou a procurar trazer filmes de renome que pudessem atrair o grande público, como
38
Esta é uma história de uma cidade que se chama Panambi. Zero Hora, Porto Alegre, 12, out.1975, p.31.
39
SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Edusp, 1998, p.55.
28
indica a escolha de “O Exorcista”,
40
fita que havia alcançado sucesso mundial e que ainda não
tinha sido exibida na cidade. Uma nota de um colunista local reclamava:
O exorcista. O filme mais badalado, mais criticado por todos, circulou por todos os
arredores do nosso município, cidades como Cruz Alta e diversas outras. Panambi
por que ele ainda não foi trazido aqui? Acho que o público que assiste a espetáculos
cinematográficos merece a atenção dos responsáveis pelo cinema local. Então vamos
lá, tragam este filme e ele irá bater todos os recordes até agora!
41
O filme tratava da história de uma atriz que ia gradativamente percebendo que a sua
filha de doze anos estava tendo um comportamento assustador, o que a fazia pedir ajuda a um
padre, que também era psiquiatra. Este chegava à conclusão de que a garota estava possuída
pelo demônio e solicitava a ajuda de um segundo sacerdote, especialista em exorcismo, para
tentar livrar a menina da terrível possessão.
42
Esse era um tema que intrigava a muitos.
Após negociar diretamente com o escritório da Warner em Porto Alegre e conseguir a
liberação dos órgãos de censura então vigentes, o empresário iniciou as preparações para a
exibição da fita, prestigiada não apenas pela aura de mistério que a envolvia, mas também
pelos prêmios que havia recebido. “O Exorcista” foi o primeiro e único filme de terror a ser
indicado ao Oscar de melhor filme. Foi ainda indicado em outras oito categorias: Melhor
Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz (Ellen Burstyn), Melhor Ator Coadjuvante (Jason
Miller), Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair), Melhor Edição, Melhor Fotografia e Melhor
Direção de Arte; ganhou Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e Oscar de Melhor Som.
Ganhou também quatro Globos de Ouro: Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor, Melhor
Roteiro e Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair). Além disso, recebeu outras três indicações:
Melhor Atriz - Drama (Ellen Burstyn), Melhor Ator Coadjuvante (Max Von Sydow) e Melhor
Revelação Feminina (Linda Blair). Ou seja, em termos de premiação, foi o “Titanic” da
década de setenta.
43
40
O Exorcista é o primeiro de uma série de quatro filmes. Os demais foram O Exorcista II - O Herege (1977), O
Exorcista III (1990) e O Exorcista - O Início (2004). Ficha Técnica: Título Original: The Exorcist; Ano de
Lançamento (EUA): 1973; Disponível em: <http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/exorcista.htm>
Acesso em 12 nov. 2004.
41
As colunas do Doutor careta. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº595, ano V, 07, jul.1975.
42
Disponível em: <http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/exorcista.htm> Acesso em 12 nov. 2004.
43
O filme Titanic foi lançado em 1997 e tornou-se uma das histórias que mais fascinou e atraiu pessoas aos
cinemas na década de noventa. Cf. <http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes>.
29
Outro fato que pode contribuir para se compreender a demanda pelo filme se refere às
“histórias de bastidores”. Comentava-se que a atriz Ellen Burstyn aceitou atuar desde que sua
personagem não dissesse a frase "I believe in the devil!" ("Eu creio no demônio!"), contida no
roteiro original, o que foi acatado pelos produtores. Também comentava-se que o diretor
William Friedkin consultara o Reverendo Thomas Birmingham sobre a possibilidade de
exorcizar o set de filmagens. Este recusara o pedido, justificando que geraria ainda mais
ansiedade. No entanto, sabe-se que por diversas vezes visitou os sets para benzê-los e
tranqüilizar o elenco já que durante as filmagens oito pessoas da produção morreram de forma
misteriosa.
44
Em outras palavras, o sobrenatural parecia ser uma marca do filme, tanto na
ficção, quanto na realidade, o que era um marketing muito poderoso que, se por um lado
despertava a curiosidade de alguns, por outro, levava muitos a se posicionarem contra a sua
exibição.
45
Foi o que aconteceu em Panambi.
Os primeiros a se manifestarem sobre a exibição do filme foram os representantes das
Igrejas Batista Emanuel, Batista Brasileira, Metodista, Evangélica Congregacional e
Evangélica de Confissão Luterana.
46
Pretendiam evitar que o filme fosse exibido na cidade,
onde exerciam grande influência, tanto é que uma das características destacadas, ao
identificar-se Panambi na época, era justamente o fato de ser predominantemente
“evangélica”.
47
A Igreja foi uma das instituições que mais influenciou a vida dos (i) migrantes. Seus
ensinamentos motivavam os colonos a enfrentarem os problemas do cotidiano, uma vez que
nos cultos, além do conforto espiritual obtido, podiam rever os seus conhecidos, aqueles que
44
Disponível em: <http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/exorcista.htm> Acesso em 12 nov. 2004.
45
Estúdio: Warner Bros./Hoya Productions; Distribuição: Warner Bros; Direção: William Friedkin; Roteiro:
William Peter Blatty, baseado em livro de William Peter Blatty; Produção: William Peter Blatt . Disponível em:
<http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/exorcista.htm
> Acesso em 12 nov. 2004.
46
Em 1909, a Comunidade Evangélica de Neu-Württemberg foi admitida e filiada ao Sínodo Riograndense e em
1915, conseguiu seu registro como Entidade Jurídica. No ano de 1957, realizou-se em Panambi, o 52
º
Concílio
Sinodal, evento que reuniu dezenas de representantes de todas as Comunidades Evangélicas filiadas ao Sínodo
Rio-grandense. Segundo Leschewitz: “Com a fusão dos antigos Sínodos em 1968, da qual resultou a IECLB,
Panambi firmou ainda mais sua importância, como ‘Pólo Regional Eclesiástico’, pois aqui foi instalada a III
Região Eclesiástica, para a qual foi construído um prédio próprio”. LESCHEWITZ, Edgar. Panambi: Vale das
Borboletas Azuis. Disponível em: <http://www.ieclb.com.br/historia.htm
> Acesso em 10 jan. 2002.
47
Cf. MICHELS, Sérgio Ervino. A história ensinada na colônia particular de Neu-Württemberg sob a ótica
do protestantismo, da germanidade e da educação. Ijuí: UNIJUÍ, 2001. Dissertação (Mestrado em Educação
nas Ciências), PPG em Educação nas Ciências, UNIJUÍ, 2001.
30
compartilhavam de seus valores e aspirações. Era o lugar de encontro. E, nesse sentido, uma
das únicas formas de “lazer” a que se permitiam, já que o trabalho tomava quase todo o seu
tempo.
48
Muitos acreditavam que haveria maiores possibilidades de alcançarem o
desenvolvimento econômico se formassem colônias mais ou menos homogêneas, em que os
colonos fossem do mesmo grupo étnico e da mesma denominação religiosa. A pretensão foi
levada a cabo em alguns projetos de colonização, pois também servia como propaganda para
atrair colonos, como no caso da Empresa Colonizadora de Herrmann Meyer, que
comercializou as terras de Neu-Württemberg, atual Panambi, como se verá no próximo
capítulo. Outras colônias, por sua vez, preocuparam-se em atrair católicos, como afirma
Roche ao comentar que algumas associações particulares “fundaram colônias homogêneas até
na religião, protestantes em Neu-Württemberg, católicos, em Cerro Largo.”
49
A organização do núcleo luterano de Neu-Württemberg era tão bem vista que seu
administrador, Hermann Faulhaber, chegou a participar de reuniões da Sociedade
Volksverein:
50
Ficara a direção do serviço, ora referido, o próprio Dr. Diretor Hermann Faulhaber,
homem de larga pratica neste particular e reconhecida e reputada competência no
assunto, bem como de grande critério, constituindo uma garantia do que se teve de
propósito: criação de uma colônia exclusivamente de elementos catholicos teuto
brasileiros e allemaes, (sic) para uniformisações (sic) dos objetivos coletivos: língua,
fé e escola.(...) O Sr. Diretor Faulhaber declarou que estaria sempre ao dispor da
Sociedade Volksverein, a auxiliaria na consecução de seus elevados fins e que
levado por sentimentos saberia manter todas as disposições em garantia do
cumprimento estrito do que se tem em meta: a colonização por elementos catholicos
48
Referente ao tema, Ramos analisa esta característica tomando como objeto de estudo as migrações para o
Canadá. Segundo a autora, os cultos confortam os migrantes, pois são o principal lugar de encontro e também de
espiritualidade. Cf. RAMOS, Ana Pirillo. Hospitalidade e Migrações internacionais: O bem receber e o ser
recebido. São Paulo: Aleph, 2003.
49
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. 2 v., p. 773.
50
Nesta ocasião, Faulhaber estava atravessando um momento financeiro delicado, por isso vendeu terras que
pertenciam a sua Empresa Chapecó-Pepery para a sociedade Volksvein, talvez por isso estivesse tão envolvido
nas discussões a respeito da formação do núcleo católico. No entanto, não resta dúvida que a colônia Neu-
Württemberg havia se tornado uma referência para os que viam na suposta homogeneidade religiosa aspectos
positivos.
31
(sic) de origem teuta e allemã (sic)- em núcleo só - para de toda a forma evitar
inconvenientes que se tem visto surgir em numerosas tentativas de colonização.
51
O projeto de colonização implantado em Neu-Württemberg era inspirado numa
concepção de desenvolvimento que considerava aspectos sociais e culturais, o que é
representado na doutrina luterana pelo entendimento de que fé, educação e trabalho deveriam
andar juntos.
52
Martim Lutero diz: a Bíblia, igreja e escola são a seqüência da vida. (...) a grandeza
e a prosperidade de uma nação não dependiam da abundância de suas rendas, nem
da resistência das suas fortalezas, nem tampouco, da beleza de seus edifícios, mas
residia no número de cidadãos que dominam o conhecimento da tecnologia e de
seres humanos de boa reputação, cultos, patriotas e tementes a Deus.
53
Defendiam os colonizadores que cada ser humano, no tempo e no espaço que Deus
concedeu, recebia um “Beruf”, uma vocação, que não aconteceria apenas dentro da Igreja,
mas na vida (cidadania), onde quer que o cristão estivesse. O trabalho, por exemplo, era
encarado como uma vocação, pelo que o cristão exercia responsavelmente seu sacerdócio.
Cada cristão deveria descobrir o seu “Beruf” e vivê-lo responsável e comprometidamente. De
acordo com Schneider, “essa formação que veio de Lutero influiu na nossa vida”.
54
A
doutrina pregada na Igreja orientava (e orienta) o cotidiano dos fiéis.
55
“Ore como se tudo
dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de você”.
56
A preocupação dos
colonos com a Igreja, o ritual/tradição que representava, era central, tanto é que na memória
51
Acta nº1: Acta da sessão da Sociedade Volksverein dos Católicos teuto-brasileiros, realizada a 15 de janeiro de
1926 na cidade de Santa Cruz. Documento cedido pelo professor Arthur Blásio Rambo.
52
Em Neu-Württemberg, a contratação do casal Faulhaber para administrar a vila no início do
empreendimento, parece ilustrar a tentativa de viabilizar este projeto, pois, ele era pastor e ela,
professora.
53
LUTERO apud LESCHEWITZ, op. cit.
54
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann.13,
fev.2002.
55
Além dos cultos onde a família toda se reunia, existiam também reuniões de crianças e jovens. O denominado
Culto infantil introduzia as crianças nos ensinamentos evangélicos e servia como um espaço para que algumas
jovens colocassem em prática seus conhecimentos tanto os ligados a fé, quanto a língua portuguesa: “eu dei culto
infantil em 1937 até 1944, até meu casamento aí deixei lá. Daí eu fiz assim, com o meu português, que eu
aprendi lá, sábado de noite eu tava sentado no meu quarto e traduziu o texto da bíblia para o português, foi indo,
foi explicando, e as crianças, uns já aprenderam um pouco. (Nilsa). A “Juventude Evangélica” também exerceu
um papel fundamental na formação dos jovens, nos encontros “recebiam ensinamentos de fé e práticos que
nortearam e moldaram sua vida futura”. LESCHEWITZ, op. cit.
56
LUTERO apud MICHELS, op. cit., p.145.
32
dos entrevistados, além dos valores relacionados à religião, a história da estruturação da
comunidade religiosa é algo presente, as dificuldades enfrentadas parecem fortalecer os laços
comunitários. A religião funciona como um centro agregador, mesmo sem o apoio oficial das
congregações.
eles tinham um senhor que era um pastor leigo, que fazia cultos aqui, e ele era
batista, e os luteranos, deixaram esse povo aqui ao abandono total. Nunca veio
alguém pra olhar, gente, o que vocês fazem, como fazem, vocês tem algum, uma
casa onde se reúnem. O pastor leigo juntava o pessoal nos domingos, ou nos dias
especiais, em dias de luto, em dias de festa, de casamento. Ele fazia todo esse
trabalho de pastor. E, vamos dizer assim, a Igreja Luterana dormiu. E a Igreja
Batista também dormiu...
57
Fugindo ao projeto de colonização, a formação religiosa de Neu-Württemberg se
baseou nos princípios de três correntes do cristianismo: Batista, Católica e Luterana.
Foto 1 – Vista de Neu-Württemberg, 1953. Fotógrafo: Adam Klos - Acervo Museu e Arquivo Histórico de
Panambi -MAHP.
A foto destaca as três torres das igrejas, reforçando o poder simbólico que a religião
desempenhava no povoado. À esquerda, bem no alto, a Igreja Batista Emanuel, ao centro, a
57
KEPLER, Walter Roberto. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 18, fev.2002.
33
Igreja Católica e, à direita, a Igreja Evangélica Luterana. Note-se que as duas igrejas
caracteristicamente alemãs estão nos pontos mais elevados, o que parece querer dar a
impressão de que sua área de influência na cidade era maior que a católica, que se localiza em
frente à praça, na parte mais baixa. Havia uma rígida separação entre essas denominações.
Esse traço não era único no Brasil, pois na Europa a separação religiosa era bem nítida, desde
a Reforma Protestante. Em Panambi, essas diferentes congregações religiosas formavam
grupos fechados.
A Igreja Católica era formada, principalmente, por fiéis lusos, a Luterana e a Batista
por (i)migrantes alemães. Conforme Wahlbrink,
a Católica era uma Igreja nato da região, porque era oriunda de Cruz Alta, e Cruz
Alta era, é uma cidade camponesa, e, quase que totalmente da religião católica.
Então eles eram uma seção Panambi onde normalmente era católico. E a Luterana
veio com a imigração, ai veio a Batista, quando mais tarde, veio a família Kepler
que então implantaram aqui o sistema da Igreja Batista.
58
Recorda o entrevistado que algumas Igrejas não aceitavam que pessoas de outras
religiões batizassem as crianças. “Não podiam se batizar. Mas eu acho, acho, que foi mais,
assim, com restrição foi a Católica! Então depois na nossa Igreja [Luterana], volta e meia se
comentava, como é que vai convidar esse aí que não é da nossa Igreja”.
59
Schüler, por sua
vez, destaca que os “Luteranos e Católicos engrenavam”, mas “os Batistas queriam ser um
pouco mais”, eram “imigrantes”.
60
Entre aqueles e estes, “existia um pouco de separação,
assim, eles não se misturavam muito! E principalmente, os Batistas. Os Batistas eram meio,
mais radicais! Naquele tempo Batista era só alemão”.
61
Outro entrevistado avalia,
eram as mesmas famílias. A diferença é que a Igreja Batista é uma igreja de crentes,
e a Igreja Evangélica é uma Igreja popular, princípios populares. Podiam ir em baile,
podiam tomar, podiam fazer tudo isto, isso tudo era normal. Na Batista tudo era
proibido, é uma Igreja mais conservadora.
62
58
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.2002.
59
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.2002.
60
SCHÜLER, Hélio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev.2002. Esse
aspecto será aprofundado no segundo capítulo.
61
SANTOS, Nelci Silva dos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev.2002.
62
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13,
fev.2002.
34
O entrevistado apresenta aqui uma diferenciação entre as Igrejas, baseada em
princípios comportamentais, sendo que uma permite e a outra proíbe certas práticas.
Neste contexto, o que está em discussão não são os princípios e ensinamentos
doutrinários, mas a forma como esta religiosidade é vivida e o que ela representa. Esta
tendência de diferenciação é um reflexo da questão étnica e é referido pelos
entrevistados quando falam a respeito da existência de “Igreja de alemão e Igreja de
brasileiro”. Nesse sentido, Weber avalia que a língua e a religião possuem um papel
fundamental na formação das comunidades étnicas, porque “elas autorizam a
comunidade de compreensão entre aqueles que compartilham um código lingüístico
comum ou mesmo sistema de regulamentação ritual da vida”.
63
Para Meyer, as Igrejas estiveram intimamente envolvidas com a produção/reprodução
da cultura germânica e de seu sujeito cultural, de forma geral. A doutrina religiosa foi
conformando e determinando uma interpenetração singular dos marcadores de raça,
nacionalidade, gênero e classe social que viriam a constituir um dos elementos
diferenciadores e, portanto, também identificadores nesse grupo cultural.
64
Em outras
palavras, sua ação esteve ligada à construção de diferenças étnicas e sociais, para a afirmação
do trabalho como forma de louvar a Deus e para o entendimento de que a disciplina e a
obediência aos preceitos religiosos deveriam ser concretizados no dia-a-dia, “a necessidade da
obediência é tão fundamental ao comportamento cristão, que deve mesmo ignorar as formas
autoritárias de sua prática”.
65
A partir desse quadro, evidenciam-se algumas das razões que tornaram polêmica a
exibição do filme “o Exorcista”. O pastor Braun, da Igreja Luterana, líder do movimento,
declarava que não havia assistido à fita, mas estava se dedicando à leitura do livro de William
63
WEBER apud POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: Seguido de
grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Ed. da UNESP, 1998, p.38.
64
MEYER, Dagmar E. Estermann (UFRGS). "Alemão", "estrangeiro" ou "teuto-brasileiro"?
Representações de docência teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do Sul.Disponível em:
<http://www.anped.org.br> Acesso em:
28 dez. de 2002.
65
MICHELS, op. cit., p.159.
35
Blatty e se mostrava admirado do fato dos católicos não terem se posicionado contra a
exibição, já que envolvia, principalmente, a figura de um religioso católico.
66
Inicialmente, para impedir a exibição da fita realizaram-se alguns contatos com Walter
Furtado. Todos em vão. Sucederam-se, então, propostas em dinheiro. Os religiosos se
dispunham a pagar até Cr$ 20 mil para evitar a exibição: “uma firma da cidade, a Kepler
Weber, fez contatos com o proprietário do Cine Metro, não chegando a nenhum acordo.
Segundo os líderes do movimento, só haveria um acerto se eles dispusessem de Cr$100 mil”.
67
A proposta não foi aceita.
Diante da recusa do proprietário do cinema, os religiosos
decidiram iniciar campanhas de “esclarecimento” através de panfletos, programas de rádio, e,
claro, durante os cultos religiosos, o que logo chamou a atenção da mídia gaúcha. “A
imprensa local, a rádio Sul Brasileira, divulgou a revolta dos religiosos, foi só sair a notícia,
que a imprensa regional e do estado passou a cobrir o episódio”.
68
No entanto, enquanto a emissora de rádio local, Sul Brasileira
69
ouvia as diversas
opiniões sobre o assunto, demonstrando certo respeito, como evidenciam os seguintes
depoimentos: “O Frei Lotário Neumann, da igreja Católica, disse que já havia assistido o
filme e que não recomendava a pessoas que não estivessem preparadas. O prefeito disse que o
filme é um exagero cinematográfico para a exploração de um tema”.
70
A mídia do restante do
Estado passou a especular a respeito das causas do episódio e a explorá-lo como uma “história
pitoresca”, deixando transparecer que alguns valores, que eram significativos para os
estabelecidos naquele lugar, não faziam “muito sentido” para os demais, como parece
evidente nas manchetes do jornal Zero Hora: “Esta é uma história de uma cidade que se
66
Panfletos, ameaças e cantos religiosos contra o filme “O Exorcista”: Uma revolução em Panambi. Zero Hora,
Porto Alegre, 10, out. 1975, p.6.
67
Estopim aceso nesta comunidade que ainda vive a Neu-Württemberg. Zero Hora, Porto Alegre, 12,out.1975,
p.30.
68
BECK, René. O exorcista. In: ASSOCIAÇÃO dos escritores de Panambi. Porções de Bem Querer. Ijuí:
SEDIGRAF, 1997, p.102.
69
Na década de 70 a Emissora Sul Brasileira era o veículo de comunicação com maior alcance na cidade, assim
exercia grande influência na formação de opinião da população. Segundo Beck, como Panambi era uma “cidade
muito calma”, era preciso “produzir as notícias”, neste sentido, pequenos fatos ganhavam uma dimensão enorme:
“se havia uma batida de automóvel, ficam semanas comentando”. BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de
Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago.2005.
70
O filme é um sucesso. A evangelização também. Zero Hora, Porto Alegre, S.d. Disponível no MAHP.
36
chama Panambi”.
71
Ou ainda: “Uma revolução em Panambi: Estopim aceso nesta comunidade
que ainda vive a Neu-Württemberg”. (Grifo nosso).
72
Esses textos fornecem indícios de como
a cidade era vista pelos jornalistas. Destacam-se aqui dois aspectos, sendo que o primeiro se
refere ao fato de que o poder no local pertencia aos integrantes do grupo étnico alemão e, o
segundo, refere-se a uma disputa que parecia se configurar entre estes e os demais grupos da
comunidade.
Em um dos artigos, há a transcrição de um panfleto da Campanha Moralizadora, na
qual o autor descreveu detalhadamente os argumentos dos pastores com a finalidade de
demonstrar o “excesso” de religiosidade verificado na cidade. A técnica foi usada,
provavelmente, para impressionar os seus leitores,
Trazia como título o dito popular, “Quem avisa amigo é...” e alertava para os
problemas que poderiam advir aos que fossem assistir “O exorcista”, segundo o
texto, “O próprio título é uma farsa... Os motivos do filme são alheios a Bíblia, logo,
contrários à vontade de Deus, portanto, Blasfêmia”.
Ainda alertava para o fato de
que em toda a parte havia “causado danos morais, mentais e espirituais: desmaios,
acesso de loucura, ataques cardíacos... durante e após a apresentação”. Dizia que a
história era “um escarnêo e distorção de uma realidade espiritual cristã desde a vinda
de Cristo até hoje, uma cilada diabólica”.
73
Outro fato constantemente destacado, talvez com o mesmo propósito, é o de que a
cultura alemã ainda era preservada naquele lugar,
abaixo dos ‘conselhos’, seguia uma programação paralela, de evangelização,
promovida em conjunto, por todas as comunidades, versando sobre temas ligados ‘a
verdadeira liberdade através de mensagens bíblicas em português e alemão’ (...) o
idioma germânico aparece com freqüência, até nas conversas de esquina, deixando o
visitante, muitas vezes, em situação embaraçosa, sem saber que assuntos estão sendo
tratados.
74
A “estranheza” diante dos costumes daquela comunidade fica explícita no decorrer do
artigo que reproduz uma entrevista com o pastor Braun.
75
O jornalista pondera que o
entrevistado não havia sido “nada amistoso”, pois parecia irritado com as especulações em
71
Esta é uma história de uma cidade que se chama Panambi. Zero Hora, Porto Alegre, 12, out.1975, p.31.
72
Estopim aceso nesta comunidade que ainda vive a Neu-Württemberg. Zero Hora, Porto Alegre, 12 out.1975,
p.30.
73
Ibidem, p.30.
74
Ibidem, p.30.
75
Ibidem, p.30.
37
torno da Campanha Moralizadora, tanto que tentou impor algumas exigências para conceder a
entrevista: “o repórter deveria redigir todo o material, para passar por sua censura”, o que foi
negociado, ficando acertado que “aquilo que os religiosos pretendiam ver publicado de forma
integral faria parte de um manifesto assinado”. Ressalta que “o encontro realizou-se na casa
do pastor, numa sala repleta de livros, a maioria escrita em alemão”. O ambiente foi percebido
como “o mais formal possível: uma mesa redonda, com várias cadeiras em volta; no canto de
lá, um advogado, pronto para redigir o manifesto que se fizesse necessário; dois gravadores e
um exemplar do livro que deu origem ao filme”. Em seguida, o artigo passa a relatar a
entrevista, enfatizando a religiosidade e as intransigências do entrevistado: “Feitas as
apresentações formais, veio a primeira imposição: ‘Só responderemos as perguntas se forem
feitos esclarecimentos’.” O que foi prontamente acatado pelo profissional. “Mesmo assim”,
reclama, a entrevista só foi iniciada após a “leitura de um trecho Bíblico e uma oração, onde
foi pedida compaixão pelos repórteres”.
76
Em seguida, relata o jornalista que o Pastor passou
a fazer os solicitados esclarecimentos, iniciando por assegurar que havia algumas distorções
nas versões publicadas: “não foram distribuídos cinqüenta mil folhetos e sim, impressos cinco
mil e entregues a população, pouco mais de três mil”. Referiu-se, também, a uma suposta
ameaça de corte de luz da qual havia sido acusado. Explicou que o comentário era infundado.
“Se cortássemos a energia da cidade, como teríamos condições de projetar os nossos filmes?”
Afirmou ainda que se sentiam ofendidos pelos comentários da imprensa que distorcia e
ridicularizava os fatos. Destacou que não tinham a intenção de gerar “polêmica, nem
prejudicar a quem quer que seja; apenas, de orientar o povo”,
pois acreditava que este era o
papel da Igreja. Continua,
Vendo a distorção do filme e do livro, que não apresenta libertação, mas apenas uma
realidade demoníaca, sentimos o dever, aqui em Panambi, de proclamar
publicamente, que o único que pode salvar e libertar é Cristo. E se calarmos, como
igreja, quem vai apresentar essa mensagem de salvação e de redenção? Por isso, as
comunidades uniram-se para uma semana de evangelização, sob temas ligados as
forças do mal.
77
Ao finalizar o artigo, o repórter deixa transparecer um misto de espanto e decepção:
“Era só o que os pastores tinham a declarar. A reunião estava terminada. Depois de tantos
76
Ibidem, p.30.
77
Ibidem, p.30.
38
formalismos. Mais duas orações e os repórteres de Zero Hora receberam, como presente, uma
Bíblia cada um”.
78
A leitura da reportagem nos remete a dois questionamentos: ou os
jornalistas não tiveram oportunidade de apresentar suas questões ou, simplesmente, optaram
por registrar apenas o comportamento do Pastor, um cidadão inserido numa comunidade, com
uma determinada formação cultural, mobilizada contra algo que julgava atentar contra seus
valores. Posicionar-se contra a exibição do filme, para a comunidade, consistia em algo vital,
enquanto que para os de fora a atitude podia ser considerada inusitada, tanto pela
radicalização religiosa em si, quanto pelo fato de demonstrar que ainda existiam algumas
cidades onde a cultura alemã era predominante, como fica explícito neste artigo:
A campanha iniciada contra a exibição do filme O exorcista no município de
Panambi, serviu para demonstrar e avaliar certos preconceitos de raça e religião que
ainda existem em nosso país. Uma cidade de colonização alemã, com hábitos
alemães, tendo na língua germânica o idioma ainda hoje oficioso e com a religião
predominantemente alemã. Panambi, de repente, viu-se as voltas com um problema
que ganhou, rapidamente projeção estadual. As comunidades Batista,
Congregacional, Evangélica, Metodista e a União Crista, uniram-se para, pela
segunda vez ainda este ano iniciar uma campanha de evangelização. Paralelamente a
programação do único cinema da cidade, o Cine Metro, estas comunidades religiosas
fizeram um programa de textos, filmes e slides com temas como o Exorcista
Malogrado, A cura de um jovem possesso, entre outros. Não fosse a radicalização de
posições através da distribuição de panfletos e de programas radiofônicos. Um
folheto promocional, distribuído pela prefeitura de Panambi, conta um pouco da
história daquela cidade, onde tudo lembra a colonização alemã: a arquitetura, a
língua, a religião, os hábitos e o tipo físico de seus habitantes. Diz a publicação que,
em julho de 1899, foi fundado o núcleo colonial de Neu-Würtemberg, pelo alemão
Herrmann Meyer, co-proprietário do Instituto Bibliográfico de Leipzig, Alemanha.
Um ano depois, em 1900, a sede da colônia foi denominada Elsenau em homenagem
a esposa do fundador, Else. Esta denominação ficou por 13 anos. Em 1913, foi
instalada a agencia postal, voltando o nome de Neu-Würtemberg, que já havia sido
escolhido na Alemanha, por Meyer, antes mesmo que tivesse visto a região. Esta foi
a denominação oficial, por muitos anos, até a época da nacionalização, quando as
colônias passaram a adotas nomes nacionais e, de preferência, nativos. Assim, a
importante Neu-Würtemberg passou a se chamar Pindorama (Terra das Palmeiras, e
em seguida, recebeu o nome de Pindorama do Sul, sucedido por Tabapirã (aldeia dos
telhados vermelhos) e finalmente Panambi (borboleta azul).
79
Beck, possivelmente na tentativa de negar a existência de qualquer tipo de preconceito
na cidade, destaca que a televisão, a RBS TV, “veio à cidade, colocando ‘lenha na fogueira’
escolhendo sempre as pessoas mais simples e menos esclarecidas, que nem sabiam opinar
78
Ibidem, p.30.
79
Esta é uma história de uma cidade que se Panambi. Zero Hora, Porto Alegre, 12 out.1975, p.31.
39
sobre o assunto.”
80
Quem eram aqueles a quem o autor julgou não saberem opinar sobre o
assunto? Seriam migrantes? Seriam visitantes desinformados? Ou simplesmente aqueles que
queriam assistir o filme? Numa das reportagens editadas, encontra-se o depoimento de uma
pessoa, provavelmente escolhida de forma aleatória, que pareceu extremamente revelador por
demonstrar que o contexto percebido pelos repórteres também o era por aqueles que viviam
na cidade:
Em todas as grandes empresas, o nome dos proprietários lembra a colonização
alemã, o que significa dizer que os descendentes dos primeiros colonizadores detêm
a maior parte da economia local. Como tais, tem o domínio dos demais setores,
situação que começa a não ser aceita por aqueles cujos antepassados não
atravessaram o oceano em busca de novas terras. Ao surgir a polêmica sobre “O
Exorcista”, a situação foi sintetizada por uma frase genuinamente brasileira, dita as
pressas, com sabor de subversão, na porta de um bar: “Esses alemão têm que se
convencer que não mandam mais na cidade”.
81
(Grifo nosso).
A afirmação de que “alguém” precisa entender que não manda mais pressupõe,
provavelmente, que ele já mandou e que pretendia continuar mandando. No presente,
contudo, havia outro “alguém” discordando da situação. Tem-se aqui luta por legitimação,
para manter uma determinada situação. O fato é extremante relevante, pois como explica
Chartier: “nos mecanismos pelos quais um grupo impõe o seu domínio, ‘as lutas de
representações’ têm tanta importância quanto as lutas econômicas”.
82
Trata-se de disputa por
poder, que aponta para conflitos em torno da identidade, que, segundo Silva, “só se torna um
problema quando está em crise, quando algo que se supõe ser fixo, coerente e estável é
deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”.
83
No caso em questão, o embate transcorre entre “alemães” e “brasileiros” ou, poder-se-
ia dizer, entre os “estabelecidos e os de fora”. Os migrantes chegados na década de 1970
pareciam compreender que o progresso daquela cidade era resultado do “trabalho alemão” e
que, por isso, estes se consideravam os “donos” da cidade, detentores do poder. No entanto,
os migrantes davam a entender que os “verdadeiros brasileiros eram eles” e não os “alemães”
80
BECK, op. cit. , p.102.
81
Esta é uma história de uma cidade que se Panambi. Zero Hora, Porto Alegre, 12,out.1975, p.31.
82
CHARTIER apud WEBER, Regina. Os operários e a colméia: trabalho e etnicidade no sul do Brasil. Ijuí:
Ed. Unijuí, 2002. (Coleção Ciências Sociais), p.36.
83
MERCER apud SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença: A perspectiva dos estudos
culturais.Vozes, 2000, p.19.
40
da cidade, o que lhes dava o direito de estarem ali e usufruírem benefícios econômicos assim
como contestar o poder estabelecido. Algumas questões pareciam latentes entre os dois
grupos: O que entendiam por ser brasileiro? Quem de fato era o “dono” do lugar? Os (i)
imigrantes alemães/descendentes que colonizaram Panambi e desenvolveram a economia ou
os luso-brasileiros cujos antepassados não tiveram acesso àquela terra devido a uma série de
causas, entre elas as políticas de imigração, e que naquele momento reivindicavam um lugar
na sociedade? A análise da documentação indica que os conflitos observados não se deviam
apenas à diversidade étnica em si, mas ao fato de um dos grupos ser estabelecido e dotado de
recursos superiores de poder. Para Norbert Elias, as chamadas relações étnicas simplesmente
constituem um tipo particular de relações entre “estabelecidos e outsiders ”:
O fato de os membros dos dois grupos diferirem em sua aparência física ou de os
membros de um grupo falarem com um sotaque e uma fluência diferentes a língua
em que ambos se expressam serve apenas como um sinal de reforço, que torna os
membros do grupo estigmatizado mais fáceis de reconhecer em sua condição.
Tampouco a denominação ‘preconceito racial’ é particularmente adequada. A
aversão, desprezo ou ódio que os membros de um grupo estabelecido sentem pelos
de um grupo outsider, assim como o medo de que um contato mais estreito com
estes últimos possa contaminá-los, não diferem nos casos em que os dois grupos são
claramente distintos em sua aparência física e naqueles em que são fisicamente
indistinguíveis, a ponto de os párias menos dotados de poder serem obrigados a usar
uma insígnia que mostre sua identidade.
84
Essa situação muitas vezes leva os grupos a exaltarem o que julgam diferenciá-los uns
dos outros, destacando “características que nada têm de natural, que são, em grande parte,
produto de uma imposição arbitrária, quer dizer, de um estado anterior da relação de forças no
campo das lutas pela delimitação legítima”.
85
É o que ocorreu quando, em meio ao conflito
gerado pelo filme, emergiu o fato de que existia na cidade um imaginário em torno de uma
identidade étnica alemã, considerada, por muitos, como única. Para Silva,
Fixar uma determinada identidade como norma é uma das formas privilegiadas de
hierarquização das identidades e das diferenças. A normalização é um dos processos
mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença.
Normalizar significa eleger, arbitrariamente, uma identidade específica como
parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas.
Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas
possíveis, em relação as quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma
84
NORBERT, Elias; SCOTSON, John L.Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a
partir de uma pequena comunidade.RJ: Jorge Zahar Ed, 2000, p.32.
85
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 3.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 115.
41
negativa. A identidade normal é “natural”, desejável, única. A força da identidade
normal é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas simplesmente
como a identidade.
86
Para Bourdieu,
as lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer, a respeito de
propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas a origem através do lugar de origem e
dos sinais duradouros que lhes são correlativos, (...) são um caso particular das lutas
pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de
impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e
desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de impor uma
visão do mundo social através dos princípios de divisão que, quando se impõe ao
conjunto do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular,
sobre a identidade e a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e da
identidade do grupo.
87
Voltando ao episódio do filme, as Igrejas, detentoras do poder religioso, os
representantes do poder político, como o prefeito, e do poder econômico, caso da empresa
Kepler Weber, cujos proprietários, descendentes da primeira geração de imigrantes alemães,
pertenciam à Igreja Batista Emanuel e exerciam forte influência na cidade, como será visto no
terceiro capítulo, todos esses e outros grupos locais estavam interligados. Seus mentores
ocupavam os principais cargos na economia e na política da cidade e procuravam manter esta
“identidade única”, o que se tornava cada vez mais difícil, tendo em vista que o novo contexto
criado pelo desenvolvimento econômico, com a afluência de migrantes em busca de trabalho,
estava afetando também aquela comunidade em sua essência, conduzindo-a a rever os seus
valores. Naquele momento, a identidade única não dava mais conta da realidade local. Aliás,
teria ela alguma vez executado tal proeza? As pessoas percebiam a existência da identidade
local porque essa era legitimada por uma determinada tradição. Não era uma identidade única,
mas havia um discurso que procurava produzir esta idéia. O que poderia não corresponder à
realidade, mas ser simplesmente o discurso de um grupo. Na história da comunidade, como
será visto no segundo capítulo, os homens e mulheres que ali viviam tentavam compreender
como agir no local, negociando com os conhecimentos que traziam e com os que apreendiam,
reinventando o modo de viver e de ser. Trata-se de fenômeno que Robins denominou de
tradução e que descreve aquelas identidades formadas por indivíduos que foram dispersos de
sua terra.
86
SILVA, 2000, op. cit., p. 83.
87
BOURDIEU, op. cit., p. 113.
42
Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições,
mas sem a ilusão de um retorno ao passado elas são obrigadas a negociar com as
novas culturas em que vivem, sem serem simplesmente assimiladas por elas e sem
perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços da cultura, das
tradições, das línguas e das histórias pelas quais são marcadas. A diferença é que
elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque são
irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas,
pertencentes a uma e, ao mesmo tempo a várias “casas” e não uma “casa” em
particular. (...) Eles devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar
duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas.
88
Para os que não queriam que o filme fosse rodado e insistiam em manter a tradição
ligada ao grupo étnico alemão, assisti-lo soava como um desafio à autoridade. Para os demais,
podia ser uma forma de resistir, de mostrar que os alemães não podiam controlar tudo e,
principalmente, que não existia uma unidade na forma de pensar. O contato com o outro
parecia apontar para um ponto presente nas atuais discussões a respeito de identidade:
a identidade é algo mais parecido com a identificação; não é um estado, é um
processo. Acreditamos, durante muito tempo, que a construção do eu individual e do
nós comum dependia, em grande parte, em toda medida, da duração, da persistência
no mesmo, da insistência num estoque restrito de valores, tempos e locais. Estamos
descobrindo hoje, graças inclusive à globalização, que essa construção não está
assim engessada, que posso construir meu eu individual
mesmo sobre uma flutuação
relativa, que é possível definir o nós comum mesmo em situações flexíveis.
89
Seguindo essa linha, Stuart Hall pondera que
em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de
identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não
tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de
uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas
através das quais nós imaginamos ser vistos por outros.
90
E Furtado? Pretendia contestar os valores da cidade? Havia percebido que a cidade se
identificava com a cultura alemã? Havia percebido quais eram os símbolos desta
identificação? É desconhecido o que sabia a respeito da comunidade local e o que havia
percebido a respeito de sua cultura. No entanto, fez algumas investigações a respeito da
realidade, pelo menos para descobrir um nicho de mercado, onde pudesse ser bem sucedido.
A escolha do cinema revela certo conhecimento, já que uma das carências da cidade era
88
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes
Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 88 e 89.
89
COELHO, apud RAMOS, op. cit., p. 161.
90
HALL, 2002, op. cit., p. 39.
43
justamente o setor de lazer. Por outro lado, quando elege o filme “O Exorcista” como atração,
ou não fazia a menor idéia do quão religiosa a cidade era, ou estava mesmo disposto a causar
polêmica para lotar o cinema ou para desafiar os valores locais, como sugeria um artigo do
Jornal Zero Hora, quando afirmava que Furtado havia “resolvido desafiar as tradições
religiosas dos descendentes de alemães”.
91
Talvez fosse isso mesmo, afinal era jovem e
muitos jovens tendem a ser rebeldes, a desafiar as tradições, ou, quem sabe, só quisesse trazer
uma boa atração para seu cinema. Pode não ter aceito o dinheiro da Kepler Weber por uma
questão de princípios, se o caso era o de desafiar as normas, ou, como acusaram os pastores,
talvez tenha realmente considerado pequena a quantia oferecida. Fato é que a repercussão foi
grande e “dividiu” a cidade.
Um grupo que pareceu favorável à exibição do filme era constituído, em sua maioria,
por sujeitos que haviam migrado para Panambi, mas que não compartilhavam dos valores
relacionados à cultura local. Essas pessoas não conseguiam ver no filme o mesmo “perigo”
apregoado pelos demais. Viam na tentativa de se proibir a exibição do filme mais um motivo
para assisti-lo. Para muitos desses, assistir ao filme era uma forma de protesto, de afirmar para
aqueles que estavam querendo proibi-lo que os mesmos não mandavam mais, que não podiam
controlar seus hábitos ou obrigá-los a acreditar em costumes de que não compartilhavam, em
outras palavras, que não podiam obrigá-los a ser como eles. Todavia, não se encontrou nem
uma manifestação favorável à exibição do filme, nem mesmo Furtado o defendeu perante a
imprensa. O padre recomendou-o com ressalvas, o que leva a pensar que muitos nem ficaram
sabendo a respeito da polêmica ou não quiseram se manifestar contra a opinião dos religiosos,
ligados aos grupos mais poderosos da cidade. É o que parece ter acontecido com o dono do
jornal local, que simplesmente se calou diante da polêmica. Ao nos conceder entrevista
declarou que era a favor da exibição, mas que a Igreja Batista era muito poderosa e ligada à
Kepler:
eu achei que devia exibir o filme o Exorcista sim. E exibiria se não tivesse uma
campanha muito forte, a Igreja Batista, ela era muito poderosa aqui porque tinha o
apoio da Kepler Weber. A Igreja Batista tinha papel muito importante na Kepler
91
Panfletos, ameaças e cantos religiosos contra o filme “O Exorcista”: Uma Revolução em Panambi. Zero
Hora, Porto Alegre, 10, out. 1975, p.6.
44
Weber, que era a maior empresa empregadora e tinha uma influência muito forte na
igreja Batista. Ela existia em função da Kepler Weber.
92
Ainda segundo ele,
Naquele tempo era assim, pra você ter uma idéia da influência da Igreja Batista, a
Kepler Weber empregava preferencialmente pessoal que era da Igreja Batista,
naquele tempo tinha gente que se filiava na Igreja Batista, se batizava pra conseguir
emprego na Kepler Weber. É irmão da Igreja então... É assim, as coisas eram
assim...
93
A empresa Kepler Weber era uma das principais clientes do jornal e naquele ano,
1975, estava ampliando sua fábrica, o que a tornava ainda mais poderosa. Era a firma com
maior número de empregados e vinha de uma tradição religiosa muito forte. Tanto que muitos
passavam a freqüentar a Igreja Batista com a intenção de agradar aos donos da empresa e
conseguir emprego, ou se já fossem contratados, para solicitar um aumento de salário. Em
outras palavras, o dono do jornal foi prudente. Desafiar a empresa Kepler Weber,
definitivamente, não seria um bom negócio. E, se não o era para o dono do jornal, cidadão
influente naquela cidade, muito menos seria para aqueles migrantes de baixa renda que
procuravam as empresas em busca de emprego. Talvez nem ficaram sabendo da polêmica ou
não se importaram. No entanto, os que não gostaram das colocações dos pastores parecem ter
usado a mesma estratégia do dono do jornal, o silêncio, ou manifestaram sua insatisfação no
anonimato, como na declaração de que “Esses alemão têm que se convencer que não mandam
mais na cidade”. Contudo, se não mandavam, por que não chegamos a conhecer o autor de
tão reveladora queixa?
Outro grupo que parecia favorável à exibição do filme era formado pelos jornalistas
que vieram noticiar a “exótica polêmica”. Exótica porque se depararam com uma comunidade
que consideraram “parada no tempo”, uma cidade que ainda vivia a “Neu-Württemberg”,
voltada para uma cultura intimamente relacionada ao grupo étnico alemão, o que perceberam
não apenas nos valores culturais, mas também na economia. Beck sintetiza o desfecho do
episódio: “Os pastores debateram o assunto, mas não adiantou nada, o operador da velha
máquina adquirida no Cine Serrano de Ijuí, rodou a fita, e o Cine Metro lotou a casa”.
94
92
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.2005.
93
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.2005.
94
BECK, op. cit., p.102.
45
Nesse cenário, fica evidente que os estabelecidos tendem a se unir quando percebem
sua cultura ameaçada, o que fazem em parte porque os valores que defendem estão ligados a
seu amor-próprio, às crenças carismáticas de seu grupo, enfim, ao que os identifica. E, em
parte, porque têm a consciência de que o fato de terceiros não aceitarem suas normas pode
levar ao enfraquecimento de sua capacidade de mantê-las. Partindo dessa constatação, expõe-
se, a seguir o “Caso do Sino”, que parece exemplificar a forma como a comunidade articulava
sua capacidade de se unir para manter uma tradição que estava ligada a sua identidade e
conseqüentemente aos valores que a compunham.
1.2 “OS SINOS SIGNIFICAM MUITO PRA QUEM SEMPRE OUVIU...”
Em janeiro de 1980, Odoné Sanguiné, que na época era o promotor de justiça da
cidade, solicitou a abertura de um processo contra o pastor Emilio Schefer e a Comunidade
Evangélica Congregacional, alegando “perturbação do sossego público”. O promotor era
vizinho do templo e alegava que “estava tendo o sono prejudicado” pelo sino que badalava às
seis horas da manhã. Além disso, ficava profundamente irritado com as badaladas que
anunciavam a morte dos membros da comunidade, pois quando falecia um cidadão ligado à
congregação, o “sino retinia compassadamente, quantas vezes fosse preciso, até completar a
idade do morto” e, comenta Beck, “como por essas bandas, as pessoas vivem muito, oitenta
anos ainda é muito jovem... Imaginem aquela autoridade, ouvir noventa badaladas
vagarosamente entrando em sua cabeça...”
95
De acordo com um artigo de “A Notícia Ilustrada”, para o Dr. Odoné Sanguiné, que
viera há pouco tempo de outra comunidade, com outra mentalidade, o sino era um incômodo e
o mesmo não se conformara apenas em manifestar sua opinião, comparecendo a uma reunião
da diretoria da Igreja, quando solicitou, sem sucesso, a mudança de horário do repicar dos
95
Ibidem, p.95.
46
sinos. O pedido, certamente, deixou abismados os presentes na reunião, motivando-os,
possivelmente a manifestar sua indignação, o que contribuiu para a ação posterior do
promotor. Talvez tenha pensado que no campo jurídico, que era o seu “território”, pudesse
resolver aquela situação. O artigo segue, “foi mais longe, e determinou ao delegado de polícia
a abertura de um inquérito com vistas a processar o pastor Emilio Schefer e a comunidade por
perturbação do sossego público”. Também comunicou sua intenção através de uma entrevista
concedida à Emissora Sul Brasileira,
depois dizem que pequena emissora não tem importância. Foi largar a entrevista no
noticiário do meio dia, e logo á tarde uma emissora da região telefonava. Falei pela
manhã do dia seguinte com a Rádio Gaúcha, Guaíba e Jornal Zero Hora. No terceiro
dia, eu falava direto de Panambi para a rádio Bandeirantes de São Paulo. Dizem que
o fato repercutiu até na Europa.
96
De acordo com outro artigo, “houve movimentação de todos jornais da região e da
capital, e mais o jornal do Brasil que solicitou informações e publicou matéria a respeito, que
adquiriu importância maior devido a peculiaridade do fato e seu ineditismo”.
97
Explica o autor,
Não se tem conhecimento, e o próprio promotor admitiu isso, de fato semelhante
ocorrido no país ou em qualquer nação do mundo, em que uma tradição formada
pelos costumes por muitos séculos tenha sua validade colocada em xeque,
provocando um processo judicial a partir de uma reclamação que partiu exatamente
de quem tem a missão de preservar o interesse público, no caso indiscutível à luz da
aceitação e da reação, exatamente do povo do qual o Promotor Público é o
advogado.
98
Sanguiné possivelmente não havia considerado que seu adversário pudesse articular o
apoio da comunidade inteira, que sua insatisfação com o barulho que o acordava pudesse
produzir um barulho ainda maior no momento em que tentava calá-lo.
ontem havia a expectativa em torno do bater ou não dos sinos. Hoje pela manhã os
sinais bateram. É que ontem, ainda a noite o advogado Enio Stahlhoeffer ingressou
com um pedido de Hábeas Corpus Preventivo em favor do pastor Emilio Schefer,
cuja liminar espera-se seja concedida a qualquer momento pelo Dr. Juiz de direito,
para que o zeloso cura de almas possa continuar badalando, junto com os sineiros
das demais igrejas, o alegre despertar da comunidade para que se mantenham as
96
Ibidem, p.96.
97
Caso dos sinos tem repercussão Nacional: nada de novo na abertura do inquérito. A Notícia Ilustrada,
Panambi, 25, jan.1980.
98
Ibidem.
47
tradições e os costumes, entre os quais o salutar habito de trabalhar de dia e repousar
a noite, até que uma nova jornada inicie.
99
Diante da atitude do promotor, o delegado local Edmor Cancian, demonstrando sua
solidariedade à “defesa do Sino” comentava,
a atitude do promotor “é esquisita e, no mínimo, contraditória”. E ele afirma ter essa
opinião também na condição de cidadão panambiense, pois já está na cidade a dois
anos. (...) o badalar dos sinos não é contravenção penal, até porque esta tradição das
igrejas de todo mundo é mais antiga do que o próprio código penal. O delegado
afirma que só aceitou abrir o inquérito na condição de profissional e por
determinação superior, exclusivamente, tanto que ‘se o pedido partisse de outra
pessoa, não aceitaria a missão’.
100
Um dos principais aliados do pastor foi o jornalista Miguel Schmitt-Prym, proprietário
do jornal,
eu participei diretamente desse episódio porque eu cobri ele como jornalista. Eu
assumi a defesa do pastor. Por que de alguma forma eu ajudei e transferir ele daqui,
porque eu fiz uma matéria meio pesada sobre os sinos. (...) mas foi um episódio que
mexeu, como o caso do Exorcista. A história do sino mexeu muito. O Sino é uma
tradição. Ele aqui também, até hoje. Naquele tempo batia até aqui, na
congregacional e na católica. Três sinos que batia na igreja, na cidade, no mesmo
horário. Era quase que uma coisa bem sintonizada também. Começava a bater aqui
na igreja, que era um sino maior, e começava a bater nas outras também. E o cara lá
só se insurgiu contra o da Congregacional porque morava na frente.
Essa posição foi logo percebida por Sanguiné, que se recusou a conceder entrevistas
ao jornalista, o que serviu como mais um argumento para atacá-lo. Segundo o repórter, “falou
o prefeito, falou o pastor, falou o povo e claro, deve falar o seu órgão de comunicação social
escrita, este jornal, embora negada lhe fosse a palavra de seu representante publico”.
101
Nos
artigos produzidos pelo jornalista de “A Notícia Ilustrada” com o fim de “defender o Sino”, o
mesmo recorre a argumentos que fornecem indícios a respeito das atitudes que a comunidade
esperava dos que migravam, do significado da tradição para aquele grupo e de sua capacidade
de reagir diante de algo que esta considerava uma ameaça a sua cultura, o que faz ao destacar
99
Há 54 anos a comunidade acorda com o replicar dos sinos. Poderá ser diferente daqui para diante se prevalecer
a determinação do promotor público: a ele, os sinos incomodam... A Notícia Ilustrada, Panambi, 09, jan. 1980.
100
Correio do Povo, Porto Alegre, 25 jan.1980.
101
Há 54 anos a comunidade acorda com o replicar dos sinos. Poderá ser diferente daqui para diante se
prevalecer a determinação do promotor público: a ele, os sinos incomodam... A Notícia Ilustrada, Panambi, 09,
jan. 1980, capa.
48
que o promotor não havia se inserido na comunidade e ao rememorar o fato de que o sino era
uma tradição.
Quanto à adaptação ou não à comunidade temos duas posições contrastantes: de um
lado, o promotor que “não teria” se adaptado e, de outro, o pastor também imigrante, provindo
da Argentina, mas perfeitamente inserido naquele meio, segundo seu próprio relato no jornal
A Notícia Ilustrada.
Como Pastor da Igreja Evangélica Congregacional, trabalho aqui no Brasil desde
Janeiro de 1961. Nunca pensei chegar a ser alvo na justiça e estar envolvido em um
processo judicial como este que está publicado em muitos jornais, rádios e T.V.
Assumi a Paróquia de Panambi no dia 29 de Julho de 1973. Trabalhei com alegria e
entusiasmo para o progresso espiritual dos fiéis e para o desenvolvimento material
da Paróquia, a qual também os sinos pertencem. Compramos os três sinos da Igreja
m 1975, na qual toda a comunidade de Panambi tomou parte. Em Março de 1976 os
mesmos foram festivamente inaugurados na presença maciça de toda a população de
Panambi. Desde então os Sinos sempre são tocados e todos os fiéis como também os
amigos compartilham a alegria de tal evento. Na noite do dia 02 de Janeiro após as
22: 15 hs, recebi a visita do ilustre Dr. Promotor público, com ameaça, que se os
sinos continuassem a tocar às 6:00 hs, seria levado para justiça e prisão. Daquele
momento, até ontem (30 de janeiro) me sentia perturbado no serviço Pastoral. Não
conseguia ter um sono tranqüilo, e muitas horas da noite passei pensando em todo
este assunto no qual me tornei vítima. Em meus estudos preparatórios para os cultos
achei muita dificuldade de concentrar-me. Lamento muito o tempo desperdiçado que
tinha em todo esse processo. Do outro lado aprendi muito, principalmente o apoio de
todo o povo de Panambi, as palavras de Solidariedade das Comunidades de
Panambi, em especial da Evangélica; da Igreja Católica e seu dinâmico vigário; Do
Sr. Bispo Dom Jacó Hilgert de Cruz Alta; Da Câmara de vereadores; do Sr. Prefeito,
de muitas cartas da região e de Porto Alegre. Em tudo isso reconheço como Pastor,
que ainda há pessoas com um coração vivo para a coletividade para a união e
fraternidade que em muitos lugares se tornou precária.Quero agradecer
publicamente a todas as pessoas, a cada um particularmente por Vossa
Solidariedade. Que o nosso bondoso Deus, nos ilumine para estar sempre unidos
contra o mal, e trabalhar juntos para a fraternidade e o bem de todos. Quero fazer
minhas, as palavras do Apóstolo Paulo: “Que diremos pois a visto destas cousas? Se
Deus é por nós, quem será contra nós?..Porque eu estou bem certo de que nem a
morte, nem a vida, nem os anjos, nem principados, nem cousas do presente, nem do
porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura
poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso senhor.
Romanos 8:31 e 38 a 39.
102
Assim, enquanto o pastor demonstrava sua inserção na comunidade, correspondendo ao que se
esperava de um imigrante, ou seja, inserindo-se de maneira afetuosa e produtiva na comunidade e
preocupando-se com seus problemas, o promotor “seguia o caminho inverso”, pois parece que já
havia entrado em atrito com moradores e não tinha nenhuma participação ativa nos eventos sociais.
102
O assunto dos sinos. A Notícia Ilustrada, Panambi, 02, fev. 1980.
49
Em outras palavras, não correspondia ao que se esperava de alguém vindo de fora, posição essa
resumida pelo então vereador Eugenio Gressler,
esta medida não surpreende, porque o promotor nunca foi um cidadão participante
dos eventos da comunidade e não tem entrosamento com os moradores, a atitude do
promotor é estritamente pessoal, mas a minoria deve se adaptar aos costumes da
maioria. A solução para o impasse é o promotor transferir sua residência para um
local distante e deixar de usar o cargo para defender seus próprios interesses.
(grifo
nosso).
103
A respeito dessa temática, Norbert Elias salienta que, “em regra, tais comunidades
esperam que os novatos se adaptem a suas normas e crenças; esperam que eles se submetam a
suas formas de controle social e demonstrem, de modo geral, a disposição de ‘se
enquadrar’".
104
A reação da população diante do fato aparece nas entrelinhas, principalmente
nos relatos do pastor e do jornalista, e é usada como um dos maiores trunfos na defesa do
sino.
O pastor conta que tem desaconselhado violência entre os membros de sua igreja,
procurando acalmá-los, mas afirma que se consumada a ameaça, o fato ‘será
desastroso’. Isso porque a importância dos sinos é indefinível, servindo como um
eficiente meio de comunicação entre igreja e sua comunidade. Pelo badalar dos
sinos, todos sabem de uma morte, da realização de um culto, enfim os sinos
significam muito para quem sempre ouviu.
105
(Grifo nosso).
Complementa o pastor que os fiéis, “não esperavam que existisse alguém contra a
Igreja”.
106
Nesse contexto, o fato do sino ser uma tradição ligada a valores como o amor ao
trabalho e ao grupo étnico alemão é enfatizado pelo jornal:
Neu-Württemberg era ainda uma comunidade menina quando aconteceu a festa de
inauguração dos seus primeiros sinos. A vila trabalhou durante semanas, todos
uniram seus esforços para que a festa tivesse aquela participação que a grande
importância do acontecimento requeria. Para os nossos pioneiros uma comunidade
sem sinos não era uma comunidade desperta, ativa e progressista. E a ultima coisa
que eles queriam era perder o raiar do dia, hora mais importante para labuta a que se
propunha este pequeno grupo de homens, mulheres e crianças, que sonhavam ver
sua cidade próspera mercê de seu trabalho inóspito em civilização. Contam os
documentos dos arquivos do historiador e pesquisador Eugen Leitzke, que os sinos
chegaram por trem até Belizário. Daí o Sr. Rudolf Heinrich, foi de caminhão buscar
os pesados bronzes, e enquanto o campanário da nossa Igreja Evangélica não ficasse
103
Correio do Povo, Porto Alegre, 25, jan. 1980.
104
ELIAS, op. cit., p. 65.
105
Correio do Povo, Porto Alegre, 25, jan.1980.
106
Ibidem.
50
pronto, eram guardados no armazém de João Adão Dleinrich (?), no mesmo prédio
do anexo do Hotel Oásis de hoje. E a comunidade aguardou com expectativa a
grande festa, que afinal aconteceu, num domingo de sol com um cortejo do qual
participou toda a população. Carroções puxados por seis imponentes cavalos
transportavam as vedetes do dia: os três sinos da Igreja Evangélica para alegria das
crianças que abriam o desfile, naturalmente seguindo a banda de música. E desde
então, todas as manhãs, as seis horas no verão e a seis e meia no inverno, os sinos
avisam aos panambienses que é hora de iniciar uma nova jornada de trabalho, na luta
pela sobrevivência, e na ênfase do empenho, pela construção de uma comunidade
economicamente bem situada e de uma Pátria que dê tranqüilidade social aos
descendentes daqueles que um dia, provindos do além mar, por ela optaram. E criou-
se na nossa gente um enraizado amor ao trabalho, que até com orgulho costumamos
cantar em verso e prosa. Não que só aqui se trabalhe e nem que só aqui tenha sinos
batendo as seis horas da manhã. A importância dos sinos esta na proporção direta da
magnitude do acontecimento que representa a sua inauguração. Foi em 1926 que se
implantou uma tradição que dura 54 anos. A história dos sinos das nossas Igrejas são
páginas da própria existência da comunidade. Os mais velhos se lembram da grande
festa de inauguração dos sinos da Igreja Evangélica. Símbolos do despertar de um
novo dia, os sinos se tornaram o primeiro sinal para o inicio de uma nova jornada de
trabalho. Mas não podemos ignorar que a maneira precária como nossa gente
começou, a margem de assistência oficiais, somente muito labor nos poderia colocar
nessa posição de destaque entre as comunidades, com uma das mais altas rendas per
capitais do estado e uma economia familiar das mais sólidas.
107
O que também foi registrado em imagens, congelando aquele instante que seria
rememorado posteriormente, demonstrando a importância do evento já que na época o uso da
fotografia era restrito às ocasiões especiais.
107
Há 54 anos a comunidade acorda com o replicar dos sinos. Poderá ser diferente daqui para diante se
prevalecer a determinação do promotor publico: a ele, os sinos incomodam... A Notícia Ilustrada, Panambi, 09,
jan.1980, capa.
51
Foto 2 - Cortejo levando o Sino- 1922. Acervo MAHP
Foto 3 - Os três sinos da Igreja Evangélica. Acervo MAHP
Quanto à dimensão da simbologia representada pelo badalar dos Sinos destaca o autor,
os sinos se tornaram um símbolo de certa forma integrada nesta batalha que costuma
ser motivada pelo ditado de que “Deus ajuda a quem cedo madruga”. O que os sinos
significam? Trabalho, Alemanha, história, tradição... une as pessoas... quando morre
alguém as pessoas sabem pelo badalar do sino, como se fossem de uma mesma
52
família...Esse grupo, essa família esperava que quem chegasse na cidade se
dispusesse a fazer parte. 15/12/78. Sobre a conquista da emancipação... sino é para
comemorar No momento em que a notícia chegou a Panambi e condor, a Indústria, o
Comércio, o povo parou para comemorar aquele importante acontecimento. O povo
foi para as ruas festejar, sob o badalar dos sinos, o apito das fábricas, abraços e
risos.
108
Em outro artigo, destaca que “modificar o horário do sino, implicaria numa mudança
dos horários de abertura das fábricas, já que a massa operária costumava levantar com os
sinos, hábito criado através dos tempos”.
109
Por sua vez, o prefeito afirma que “não se pode
aceitar o fim deste costume somente para satisfazer a vontade de quem está transitoriamente
em Panambi”.
110
(Grifo nosso). Conforme o jornal Correio do Povo,
o promotor, recentemente transferido para aquela comarca, desconhecia o fato de
que os sinos eram uma tradição de mais de meio século da cidade, pois foram
inaugurados festivamente em 1925. (...) sendo considerados como um sinal da hora
de despertar de todos os moradores da cidade, que são na sua maioria operários, pois
apesar de ser uma pequena cidade, Panambi possui 90 fábricas, entre as quais uma
das principais indústrias de maquinaria do estado, com mais de 2000
trabalhadores.
111
O conflito levou a comunidade a defender a permanência do sino e a saída do
promotor. Percebe-se essa intenção nos artigos de A Notícia Ilustrada que festejava a vitória
judicial, destacando a competência daquele promotor que havia dado o veredicto relativo à
permanência do badalar do sino e que ao destacar seu “brilhantismo” parece insinuar que
Sanguiné não possuía a mesma característica.
Para alegria, tranqüilidade e ate alivio da população panambiense, e principalmente
do pastor Emilio Schefer, numa sentença de 38 laudos, o Dr. Carlos Roberto Nunes
Lengler, Juiz de direito substituto da comarca de Panambi, determinou o
trancamento da ação penal movida contra o pastor, por inexistência de justa causa
para o processo. Atendendo a uma brilhante promoção do Promotor Publico de
Santa Bárbara do Sul, Dr. Octavio Augusto de Souza, que responde transitoriamente
pela promotoria de Panambi, finalmente, como disse o advogado, Dr. Enio
108
Há 54 anos a comunidade acorda com o replicar dos sinos. Poderá ser diferente daqui para diante se
prevalecer a determinação do promotor publico: a ele, os sinos incomodam... A Notícia Ilustrada, Panambi, 09,
jan. 1980, capa.
109
Ibidem.
110
Ibidem.
111
Sinos de Panambi enquadrados como perturbadores do sossego. Correio do Povo, Porto Alegre, 22, jan.
1980.
53
Stalhoefer terminou este rumoroso, estranho e inédito processo, com a absolvição de
Emilio Schefer.
112
Outro artigo complementa:
É de suma importância ressaltar, que esta promoção, é de um promotor publico,
colega do Dr. Odoné Sanguiné, e, frontalmente contraria aos interesses do Dr.
Odoné, que pretendia a paralisação de todos os sinos em Panambi. Inquirido a
respeito da promoção do Dr. Octavio Augusto de Souza, o Dr. Stalhoefer disse ser
muito feliz e oportuna a intervenção de um outro promotor, e, que o Dr. Octavio
Augusto, demonstrou toda sua inteligência e conhecimento jurídico, e
principalmente do seu preparo para exercer o alto cargo de promotor de justiça.
113
Acrescenta ainda, “comenta-se que seus colegas da região já iniciaram um movimento,
visando a sua remoção para outra cidade, porque seu envolvimento no caso dos Sinos, já é de
repercussão nacional”.
114
Dada a sentença final, o jornal destacava que o prefeito Hermann
Dietrich havia sido um aliado na “defesa do sino”. Suas colocações traduzem o significado da
permanência da tradição para a comunidade.
em nome da Prefeitura Municipal de Panambi, manifesto a minha absoluta e
irrestrita solidariedade com o repicar dos sinos em nossa Igreja diariamente as 6:00-
12:00 e 19:00 horas, por tratar-se de uma tradição de 54 anos em nosso município, e,
por ser motivo de alegria e orgulho para todos os panambienses, acordarem,
iniciarem a sua jornada de trabalho e oração sempre sob a orientação dos sinos. Levo
igualmente ao conhecimento de V. Sas. Que é opinião generalizada entre a
população que, a tradição deve perdurar para sempre.
115
O mesmo jornal publicava ainda parte da sentença que absolveu o pastor Schefer,
documento redigido pelo Juiz de Direito que nos fornece um quadro extremamente
significativo a respeito do “mundo” em que viviam aqueles homens e mulheres:
O sino é instrumento para variados fins, não só de conclamação dos crentes ao culto,
não só serve nas pequenas cidades e médios cidades de relógio, como também serve
para comunicar, para avisar aos membros da comuna, a ocorrência de fatos
dolorosos como a morte. Nas pequenas comunidades como Panambi as pessoas se
conhecem, são mais unidas. Um conhece o outro. A sorte de um toca o outro. Não
sendo grande o número de famílias, é intenso o entrelaçamento destas através de
casamentos e parentescos plurilaterais. Naturalmente que a morte de alguém,
normalmente um membro mais velho da comunidade, um inaugurador de diversos
ramos familiares, interesse ser sabido por boa parcela da população. E o sino
112
Promotor não consegue seu objetivo, os sinos continuaram badalando em Panambi. A Notícia
Ilustrada, Panambi, 02, fev. 1980.
113
Ibidem.
114
Ibidem.
115
Ibidem.
54
também serve para isso. Em vez de os parentes mais próximos percorrerem dezenas
de casas para avisar o passamento, vão ao ministro de sua confissão pedindo-lhe que
ele dê o aviso, de forma geral, batendo o sino. Trata-se de uma prática que nasce
com as pequenas comunidades, geralmente fundadas por emigrantes europeus, e
que, à medida que a cidade cresce, e as relações sociais se complexificam, que os
laços familiares e o sentido comunitário vão enfraquecendo, tende a cair em desuso.
(...) tal prática mostra-se, no estágio da comunidade, um instrumento de adaptação,
útil a sociedade, porque goza da aceitação da quase generalidade do corpo social.
116
Ao ser entrevistado pela reportagem de A Notícia Ilustrada sobre a repercussão do
caso dos sinos, o advogado do pastor Emílio Schefer, Dr. Enio Armindo Stalhoefer, parecia
confirmar as observações do Juiz de Direito:
Sinto-me tranqüilo e com certeza do dever cumprido. O pastor Emilio Schefer
poderá, tranqüilamente como antes, badalar os sinos da Igreja Evangélica
Congregacional de Panambi e, a tradição de 54 anos em nosso município, de forma
alguma será alterada. No Vale das Borboletas, os sinos continuam badalando.
117
Segundo Urbim, ainda no mês de janeiro, o problema foi definitivamente resolvido
através da ação do procurador de Justiça Altair Venzon, que pediu a remoção do promotor
público. Para Venzon, Odone Sanguiné não tinha mais condições de permanecer no cargo,
pois “teve uma atitude incompatível com a conduta funcional e com o conceito que deve
desfrutar em Panambi”.
118
116
Ibidem.
117
Ibidem.
118
URBIM, Carlos; PORTO, Lucia; ACHUTTI, Magda. Rio Grande do Sul: Um Século de História. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1999. p.639-640. O caso dos sinos foi a história escolhida para representar Panambi no
referido livro.
55
Charge - Prisão do Sino em Panambi
119
Na mesma linha, o Jornal A Notícia Ilustrada publicava uma charge a respeito do caso,
que parece bastante significava. Percebemos ao fundo a Igreja, como um ser vivo, espantada
com a atitude de um promotor de cabelos escuros e com cara de malvado que tem o auxílio de
um policial carrancudo para prender um “doce e inofensivo” sino. A caracterização de Odoné
Sanguiné nesta gravura, além de revelar como a cidade o via e demonstrava sua reprovação à
atitude do mesmo, a partir da sátira, também aponta para a existência de um estereótipo
referente aos que são contra a tradição, ou seja, um moreno, lábios carnudos, figura bem
distante do perfil físico dos (i) migrantes alemães/descendentes, o que fica mais evidente ao
analisarmos uma foto de Sanguiné que é um sujeito claro, lábios finos, não lembrando em
nada a caricatura que lhe foi atribuída.
O “caso do Sino” é simbólico porque demonstra a união da sociedade em torno da
defesa de sua cultura, de sua tradição. O esforço parece alertar para o fato de que esperam que
os migrantes se adaptem aos costumes locais. Relação sintetizada por Urbim: “O promotor
que ousou silenciar os sinos perdeu a causa e foi embora”.
120
Assim, um aspecto parece
119
A Notícia Ilustrada, Panambi, 22. jan. 1980.
120
URBIM, op. cit., p.639- 640.
56
inegável: processos econômicos e sociais como (i) migrações, êxodo rural, desenvolvimento
econômico acelerado ou crises econômicas transformam as condições da existência dos
grupos estabelecidos, resultando em conflitos entre eles, como os centrados em torno da
identidade. Para Stuart Hall,
as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até
aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada crise de identidade é vista
como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
121
A crise identitária dessa sociedade receptora explode sob diferentes roupagens, como
na disputa pela manutenção de tradições, valores morais, formas de comportamento, e assim
por diante, como expressa Veeck, em entrevista ao Pastor Müller:
Veeck: Eu ainda disse outro dia para a minha sobrinha: Panambi, quem fez Panambi
aqui a cidade? Quem fez? Quem fez a cidade de Panambi aqui, ou o município?
Pr. Müller: Foram os alemães.
Veeck: O Meyer comprou, já era um alemão. O Faulhaber vendeu, era um alemão. E
tudo o que foi depois, construído aqui, foi os alemães... o hospital e tudo essas coisa.
E tem um monumento na praça. Quem é aquele?
Pr. Müller: É o primeiro prefeito, Walter Faulhaber.
Veeck: Walter Faulhaber. Tem um ali na igreja, na entrada da igreja. Quem é
aquele?
Pr. Müller: É o Herrmann Meyer e o Hermann Faulhaber.
Veeck: Pois é, e agora o René [René Beck, radialista da Rádio Sul Brasileira] dá na
rádio que Panambi é uma cidade brasileira...
122
Os migrantes assumem diferentes posturas no novo meio. Alguns preferem continuar
da mesma maneira como viviam em seu lugar de origem, reproduzindo os mesmos traços
culturais sem, no entanto, interferir na cultura da sociedade receptora, o que nos parece quase
impossível; outros optam pela aculturação, adquirindo hábitos, costumes e tradições do local
onde se encontram. Há os que se colocam na posição de contestadores dos valores destes
“outros”, o que pode ocorrer por diversos motivos. Existem também grupos que procuram
negociar com a sociedade receptora, não deixando de lado nem o que sabiam, nem o que
aprenderam de novo, mas, traduzindo estes conhecimentos. É evidente que não se trata apenas
121
HALL, 2002, op. cit., p. 7.
122
VEECK, Levino. Entrevista concedida a André Muller. Documento cedido pela secretaria da Paróquia
Evangélica Panambi Centro (IECLB).
57
de uma escolha, nem do indivíduo nem do grupo e não ocorre de forma homogênea. Tem-se,
pois, ação/reação motivada por uma multiplicidade de fatores.
Esse processo traz implicações bem visíveis, como pôr em dúvida as velhas certezas,
ou provocar uma forte reação defensiva daqueles membros dos grupos étnicos dominantes
que se sentem ameaçados pela presença de outras culturas. O processo tem o efeito, como
explica Hall, de “deslocar as identidades centradas e ‘fechadas’”, produzindo uma variedade
de possibilidades e novas posições de identificação, que muitas vezes, segundo o mesmo,
oscilam entre Tradição e Tradução.
123
123
Segundo Hall: “a ‘globalização’ tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e
‘fechadas’ de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma
variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornado as identidades mais posicionais, mais
políticas, mais plurais e diversas; menos fixas (...). Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório. Algumas
identidades gravitam ao redor daquilo que Robins chama de ‘Tradição’, tentando recuperar sua pureza anterior e
recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas. Outras aceitam que as identidades
estão sujeitas ao plano da história, da política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que elas
sejam outra vez unitárias ou ‘puras’; e essas, conseqüentemente, gravitam ao redor daquilo que Robins (seguindo
Homi Bhabha) chama de ‘Tradução’.(...) Naquilo que diz respeito as identidades, essa oscilação entre Tradição e
Tradução (...) está se tornando mais evidente num quadro global. Em toda parte, estão emergindo identidades
culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus
recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados
cruzamentos e misturas culturais (...). Pode ser tentador pensar na identidade, (...) como estando destinada a
acabar num lugar ou noutro: ou retornando a suas ‘raízes’ ou desaparecendo através da assimilação e da
homogeneização. Mas esse pode ser um falso dilema. Pois há uma outra possibilidade: a da Tradução. Este
conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais,
compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”. HALL, 2002, op. cit., p. 87- 88.
2. “POIS, PARA ONDE NÓS VAMOS? SEMPRE PARA CASA.”
124
De estrangeiro a estabelecido...
Retrocedemos no regaço dos tempos: os imigrantes alemães
desembarcaram nas margens ensolaradas do Rio dos Sinos.
Irmãos patrícios de muitas etnias, sentes o quanto nossos corações
palpitaram em sincera benevolência pela Nova Pátria, pelo novo lar?
Nosso lar, ao vosso lado, apenas almeja engrandecer,
(sem pedir por honras ou por prêmios,) novo País que nos acolheu.
Não hóspedes desta terra, filhos e irmãos queremos ser.
Alimentar com amor a mesma chama que faz os corações arder !
Sorveu a mesma Terra Mãe do gaúcho, do imigrante o suor,
formaram toda esta grandeza vossas façanhas, nosso labor.
Diferentes somos, inferiores não! Quem poderá nos julgar?
Expressando nosso entusiasmo exaltamos nosso Brasil.
Entusiasmo este que irá durar mais que rocha e metal.
Unindo lealdade e amor edificaremos um mundo melhor.
Arno Phillip
(Arquivo particular de Armin Phillip)
As relações que envolvem (i)migrantes e sociedades receptoras são extremamente
complexas e marcam de forma significativa a vida de ambos os grupos. No caso analisado, a
sociedade receptora era formada por (i)migrantes/descendentes de origem alemã e migrantes
advindos posteriormente, cunhados pela identidade nacional. Nesse contexto, destaca-se o
124
NOVALIS. Heinrich von Offerdingen. München: Dtv, 1997. p.198. Wo gehen Wir denn hin?/Immer
nach Hause) apud GRÜTZMANN, Imgart. A mágica flor azul: A canção alemã e o germanismo no Rio
Grande do Sul. Tese de Doutorado.PUC-Faculdade de Letras.Curso de Pós Graduação em Letras.Julho de 1999,
p. 404.
59
fato de que aqueles que muitas vezes haviam sido estigmatizados de estrangeiros, ao
adquirirem poder econômico, político e cultural tornaram-se os “donos do lugar”, os
estabelecidos, o que lhes deu lastro para manterem aspectos relacionados à sua identidade
étnica a tal ponto que, para muitos, Panambi podia ser considerada uma “segunda Alemanha”
ou a “Alemanha brasileira”. Discorrer a respeito do processo que os levou a manterem certos
laços com a terra de origem, os quais nortearam as suas relações, são os objetivos deste
capítulo.
2.1 OS IMIGRANTES ALEMÃES NO RIO GRANDE DO SUL
Ao longo do século XIX e de parte do século XX, os governos das nações americanas
se concentraram em promover a ocupação do seu território, pois pretendiam garantir a
soberania nacional e a valorização econômica das terras. Nesse contexto, a imigração passou a
ser vista como política estratégica e estava presente no programa da maioria dos governantes.
No Brasil, o projeto imigratório começou a ser desenvolvido durante o período imperial.
Todavia, suas diretrizes ainda não estavam bem definidas, como atesta o fato de o Império ora
se colocar como responsável pela imigração, ora responsabilizar as províncias.
Durante o Império e no início da República, o projeto de imigração visava atender aos
interesses de setores específicos da população. No Sudeste, havia a preocupação dos
fazendeiros com a escassez de mão-de-obra para as fazendas de café. No Sul, a necessidade
da ocupação das terras a fim de proteger a fronteira e produzir produtos agrícolas. Outro
interesse, nem sempre citado, foi o branqueamento da população,
125
que de acordo com
125
No Século XIX, Gobineu (1816-82), divulgou, através de “Ensaio sobre as desigualdades das raças”, a
hipótese de que as raças seriam desiguais. Nesta obra, procurava argumentar “cientificamente” que haveria raças
superiores e inferiores: “as raças são desiguais, e a raça branca é inequivocamente superior as demais raças”.
Essa teoria, adaptada ao contexto nacional brasileiro, produziu o ideal da miscigenação, com vias ao
branqueamento. A difusão da concepção de que os brancos eram superiores aos negros e índios contemplava os
interesses da classe dominante já que estes eram brancos e precisavam “qualificar” sua mão-de-obra. É neste
sentido também que se explicava a defesa da eugenia. (compreendiam a Eugenia como melhoramento da raça
através da miscigenação entre “os brasileiros” e os imigrantes europeus. O termo "eugenia" - eu: boa; genus:
geração - foi criado em 1883 pelo cientista britânico Francis Galton.). O branqueamento, que seria resultado da
eugenia, surgia como uma espécie de solução mágica para as contradições de “uma sociedade multirracial,
heterogênea e atravessada por uma rígida hierarquia”. E mais, oferecia argumentos para os que defendiam que a
vinda de imigrantes europeus era uma política estratégica, não só do ponto de vista econômico, mas também do
cultural, para o progresso da nação. Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas,
60
alguns teóricos da época, era imprescindível para o desenvolvimento da “futura nação
brasileira” e só poderia ser viabilizado a partir da presença de europeus, os quais, segundo
acreditavam, seriam naturalmente assimilados pela cultura nacional.
Em São Paulo, os imigrantes eram destinados à grande propriedade cafeicultora, onde
os fazendeiros valiam-se de uma série de manobras para mantê-los sob seu poder.
126
Outra
estratégia era incentivar a vinda de imigrantes, pois,
a abundância de mão de obra mantinha os salários e o fato do cafezal ser um
investimento mais duradouro que as culturas anuais ou bianuais e que seria perdida,
caso ocorresse a falta de braços para cuidá-lo. Parece, entretanto, que a primeira
razão era mais importante, já que os fazendeiros constantemente estavam
preocupados com o aumento dos salários, o que, segundo eles, só uma mão de obra
abundante podia evitar.
127
Diferente dos estados do Sul, no Sudeste a pequena propriedade “surgiu devido à
pressão do imigrante e apesar da vontade do fazendeiro de café”.
128
Com a Proclamação da República, em 1889, implantou-se a descentralização
administrativa dos estados da federação brasileira e os governos estaduais assumiram,
definitivamente, a responsabilidade pela implementação dos projetos de imigração. No Rio
Grande do Sul, optou-se pela formação de colônias mistas, onde se concentravam imigrantes
das mais diferentes origens, tentando com isso impedir a formação de colônias etnicamente
homogêneas, que mais tarde seriam vistas como suspeitas pelos brasileiros. O Estado recebeu
uma parcela considerável de imigrantes. Pretendia-se povoar as terras de fronteira a fim de
protegê-las contra possíveis invasões. Ainda no Período Republicano, os governantes viam
nos estrangeiros uma possibilidade de oposição ao poder e à hegemonia dos pecuaristas
latifundiários, com a formação de uma classe de pequenos proprietários, dedicados à
instituições e questão racial. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. DE LUCA, Tania Regina. A Revista do
Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Ed. UNESP, 1999.
126
Uma das estratégias mais comuns era fazer com que o colono se endividasse na venda da fazenda e
trabalhasse “apenas” para saldar sua dívida, o que fazia também com que permanecesse na fazenda servindo de
mão-de-obra para o fazendeiro.
127
PETRONE, Maria Theresa Schorer. Imigração. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (org.). História Geral
da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1977. Tomo III. v. 2, p. 109.
128
Ibidem, p. 117.
61
produção agrícola diversificada e familiar, barrando a expansão da campanha e neutralizando
seu poder de decisão.
129
Os imigrantes foram instalados em colônias oficiais, recebendo um pequeno lote de
terras, cuja área variou ao longo do período. Após a Lei de Terras de 1850, a qual facultava o
acesso à terra através da compra, o imigrante passou a pagar pelo seu lote.
130
Além das
colônias oficiais, subsidiadas pelo império, havia as estaduais, municipais e particulares, cada
qual com as suas especificidades. A formação da pequena propriedade e a introdução do
trabalhador livre atendia a uma série de objetivos: “demográficos (povoamento), morais
(dignificação do trabalho manual), sociais (formação de uma camada média), militares (defesa
das fronteiras) e, naturalmente, econômicos (abastecimento das cidades e do exército)”.
131
Havia ainda outra finalidade: as colônias deveriam “servir de exemplo”, no sentido de
organização e trabalho, para a população nativa do país. Nesse contexto, a figura do imigrante
aparecia como a personificação das “virtudes do trabalho”, como no caso dos imigrantes
alemães. O colono
132
seria o “agente modernizador e transformador da sociedade e da
economia brasileira”. Dele se esperava a valorização fundiária pela ocupação dos espaços
vazios, o surgimento de uma camada intermediária entre os latifundiários e os escravos,
produção de gêneros para o mercado interno, novas técnicas agrícolas e artesanais e novos
hábitos de vida, entre eles, o da valorização do trabalho manual.
129
Cf. BALHANA, Altiva Pilatti. Política Imigratória no Brasil, antes e após a proclamação da República. In:
WESTPHALEN, Cecília; BALHANA, Altiva Pilatti. Revoluções e Conferências. Curitiba: SBPH-PR, 1989.
130
A lei 601, embora editada em 1850, apenas foi regulamentada em 1854. Pela mesma, o controle das terras
devolutas passou para as províncias, bem como definiu a concessão de terras devolutas exclusivamente por
compra – o que permitiu a sua apropriação por empresas colonizadoras particulares.
131
OBERACKER, Carlos Henrique. A colonização baseada na pequena propriedade agrícola. In: HOLANDA,
Sérgio Buarque de. (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1967. Tomo II, v. 3,p.
223.
132
Desde o Império Romano, “colonos” são indivíduos instalados por governantes em determinadas áreas, que
merecem ser cultivadas, submetidas à cultura. No Brasil, não raro, o conceito é utilizado como sinônimo para
agricultor, concentrando-se contudo, naquele descendente de imigrantes. Regina Weber define o colono, em seu
contexto de estudo, como o descendente do imigrante alemão, que, por sua vez, é alvo do germanismo, que
busca integrá-lo na cidadania brasileira sem perder as características da cultura alemã. Cf. WEBER, 2002, op.
cit., p. 19.
62
Os primeiros imigrantes de origem germânica
133
foram introduzidos no Rio Grande do
Sul pelo governo imperial em 1824, estabelecendo-se na Real Feitoria do Linho-Cânhamo,
originando a Colônia Alemã de São Leopoldo, às margens do rio dos Sinos. Muitos eram
camponeses e membros das classes trabalhadoras em geral, cuja motivação para emigrar fora
a pobreza. Havia ainda artífices especializados, refugiados políticos (não muito bem aceitos
pelas autoridades brasileiras), ex-militares, pequenos empresários e intelectuais.
Recebiam um lote colonial, inicialmente de 77 hectares, decrescendo posteriormente
para 25 hectares, além de sementes, instrumentos de trabalho e auxílio financeiro, com
facilidades de pagamento. O cotidiano destes (i)migrantes girava em torno da construção de
uma estrutura básica que pudesse assegurar a sua sobrevivência: derrubar a mata, construir a
casa, fazer a roça. Tais tarefas exigiam a dedicação de toda família e não deixavam muito
tempo para se preocuparem com aspectos relacionados com a cultura; além disso, não havia
escolas e, em muitos lugares, não contavam com assistência religiosa.
Uma das principais dificuldades referia-se ao crescimento da família, pois como a área
de terras que adquiriam era insuficiente, já a partir da segunda geração muitos imigrantes
tendiam a buscar novas terras. Roche aponta que, excluindo os que permaneciam no lote
paterno, os descendentes de colonos migravam em média uma vez durante sua vida, o que ele
chama de “enxamagem”, alimentando as migrações internas e dando prosseguimento à busca
por condições de sobrevivência, o que podia ter vários sentidos.
134
Afinal, manter-se vivo não
significa apenas saúde física, relaciona-se também ao espírito, à alma ou ao que se pode
chamar de cultura.
2.2 DUPLO PERTENCIMENTO. DUPLA REJEIÇÃO...
Deixar o lugar de origem e partir para outro é uma decisão que, de acordo com Sayad,
“não começa até que as pessoas descobrem que não conseguirão sobreviver com seus meios
tradicionais em suas comunidades de origem”,
135
já que os (i)migrantes, geralmente, "não
desejam abandonar suas casas nem sua comunidade”.
136
A migração é motivada por sonhos,
como a pretensão de enriquecer e retornar à terra natal. É um fenômeno complexo que pode
133
Após os alemães, seguiram-se outros grupos de imigrantes, como os italianos, a partir da década de 1870, em
grande número, além de outros grupos étnicos, como poloneses, austríacos, árabes, japoneses, chineses, etc. Ao
longo de todo período, a entrada de espanhóis e portugueses foi constante e elevadíssima.
134
Cf. ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. 2 v.
135
SAYAD, op. cit., p.55.
136
KLEIN, H. S. Migração internacional na história das Américas. In: FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a
América: A imigração em massa para a América Latina. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 13.
63
incluir tanto um movimento de população dentro de uma comunidade e uma curta distância,
quanto um movimento transoceânico, durando desde poucos dias até pelo restante da vida.
Nas sociedades receptoras, os (i)migrantes recebem e conferem-se o status de
“provisórios”, ou seja, indivíduos que a qualquer momento podem voltar para o lugar de onde
vieram. São situados na “fronteira entre o ser e o não ser social”.
137
Sayad os define:
Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho
provisória, temporária, em trânsito. Em virtude desse princípio, um trabalhador
imigrante (sendo que trabalhador e imigrante são neste caso, quase um pleonasmo),
mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na imigração, mesmo se é chamado
a trabalhar (como imigrante) durante toda a sua vida no país, mesmo se está
destinado a morrer (na imigração), como imigrante, continua sendo um trabalhador
definido e tratado como provisório, ou seja, revogável a qualquer momento.
138
No entanto, a presença “provisória” pode se tornar permanente. O que não significa
que os (i)migrantes percam o “status de provisórios” na sociedade receptora, nem que
renunciem totalmente ao desejo de retornar ao lugar de origem. Este retorno, mesmo não se
concretizando fisicamente, pode transcorrer de forma simbólica através da constante busca da
preservação da cultura e da tentativa de manter laços com a “antiga Pátria”, o que caracteriza,
de forma geral, a reconstrução das identidades destes grupos em terra estrangeira. Segundo
Grützmann, o lugar de origem pode ser compreendido como
a matriz de identificação do indivíduo porque nela encontra-se a mãe, e, por
extensão, os valores familiares, a tradição e as origens étnicas. A rememoração da
história familiar e cultural ocorre pela própria ação de peregrinar, na medida em que
esse movimento representa para o sujeito um retorno às origens e proporciona um
rejuvenescimento de todo o seu ser.
139
Esse processo está intimamente ligado às relações que os (i)migrantes estabelecem
com a nova sociedade. Por exemplo, em alguns casos, o fato de não serem bem vindos
intensifica as ações dos grupos em prol da reconstrução desta “ligação” com a pátria de
origem. O aspecto pode ser paradoxal, como para os imigrantes alemães, que mesmo
validados por uma política de imigração favorável e por um discurso oficial, o qual destacava
as suas qualidades e os colocava como mais capacitados para produzir o desenvolvimento do
137
SAYAD, op. cit., p .11.
138
Ibidem, p .54.
139
GRÜTZMANN, op. cit., p. 260.
64
Brasil do que os nacionais,
140
ainda assim, muitas vezes, não se sentiam bem vindos entre a
população luso-brasileira ou, em vários casos, não aceitavam suas condutas, o que se tornava
um problema na medida em que percebiam que não poderiam retornar à Alemanha. E mais, se
no Brasil não eram considerados cidadãos, o mesmo acontecia em relação à Alemanha. O
drama da diáspora: duas pátrias e nenhuma ao mesmo tempo.
141
Os primeiros imigrantes alemães vieram ao Brasil com o intuito de construir uma nova
pátria, sem perspectivas de retorno. Conforme Woortmann, eles deixavam as lembranças da
velha pátria no outro lado do oceano, dando início à construção de uma nova identidade no
navio que os trouxera. Já os imigrantes do século XX encontravam-se muito mais próximos
da pátria de origem, de sua cultura e dos problemas políticos. Muitos alimentavam o sonho do
retorno.
142
Os imigrantes alemães provinham de diferentes locais, regiões e épocas. No Rio
Grande do Sul se observava, então, “uma espécie de colcha de retalhos em que uma
diversidade enorme de trajetórias se entrecruzavam, movidas pelo estímulo da emigração, da
busca de terra própria ou de liberdade em face dos constrangimentos políticos, sociais ou
religiosos do ‘velho mundo’”.
143
Essa heterogeneidade provocava conflitos e destacava um
distanciamento cultural. Os que residiam no país há várias gerações, eram vistos como
culturalmente “inferiores” pelos que recém haviam chegado da Alemanha; estes, por sua vez,
procuravam diferenciar-se a partir do pressuposto de que seriam alemães “legítimos”,
enquanto os primeiros não o seriam.
140
Neste sentido, mencionamos o pensamento de alguns autores da Revista do Brasil, o mais importante fórum
de debates das primeiras décadas do Século XX: “A presença de correntes européias redentoras do sangue
corrompido, segundo as palavras de Carlos Lemos, era saudada como poderoso fator de progresso. Acreditava-se
que deveríamos abraçar francamente o programa de Alberdi, programa transfigurador que em breve espaço de
tempo levou a Argentina da barbárie ao imperialismo: ‘governar é povoar’. Nessas palavras está sem dúvida
alguma a redenção econômica e mesmo étnica do nosso país. ‘Porque... só teríamos a ganhar com uma larga
transfusão de sangue rico e puro’. A raça, mais do que pano de fundo era parte integrante do imaginário”. DE
LUCA, Tânia Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N) ação. São Paulo: UNESP, 1999. Como se
percebe, a construção da diferença entre os grupos baseava-se na desqualificação dos “brasileiros” e na
exaltação as “qualidades dos europeus”. Para muitos dos intelectuais do período “era necessário mudar a
composição étnica da nação, ensinar noções de trabalho para este povo, Era preciso branquear o país”.
141
Cf. SAYAD, A. O retorno: elemento constitutivo do imigrante. Revista Travessia, São Paulo: Centro de
Estudos Migratórios, ano XIII, n° especial, jan. 2000; SAYAD, 1998; RAMOS, 2003; SAN’TANA, Sérgio
Bairon Blanco. História Palinódica: significações culturais de uma regionalidade teuto-brasileira. São
Paulo: USP, 1991. Tese de doutorado.
142
WOORTMANN, Ellen Fensterseifer. Identidades e memória entre teuto-brasileiros: os dois lados do
Atlântico. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre: UFRGS. IFCH, n. 14, p. 177-204, nov. 2000.
143
Ibidem, p. 177-204.
65
Em meio a esta pluralidade,
144
construiu-se como identidade comum, o “ser alemão”,
o que se configurava diante da percepção do outro, ou seja, do luso-brasileiro. Em outras
palavras, frente ao “estranho”, os grupos germânicos, mesmo sendo “diferentes”, uniam-se em
prol da construção de uma identidade pessoal, um elo, que também pudesse diferenciá-los dos
nacionais. Logo, a Alemanha figurava como “local ideal”: o “paraíso”. As lembranças,
próprias ou transmitidas através das gerações, faziam parte do cotidiano destas populações
marcadas pela saudade
145
e pelo desejo do retorno, como aponta o depoimento de Walter
Wahlbrink,
146
descendente de (i)migrantes:
eles se reuniam no tal de Natal, eles todos vinham lá, todos aqueles que vieram da
Alemanha! E eles diziam assim, que eles não conseguiam entender, que eles não
podiam mais voltar, saudade... Isso é triste... (Voz trêmula. Um silêncio. Seus olhos
se enchem de lágrimas).
147
Wahlbrink lamenta não apenas pelos conhecidos que não poderiam retornar, mas por
ele mesmo, que não conheceu a Alemanha. Esse sentimento é referido por Ramos: “sente-se
saudade de uma imagem construída”.
148
Bairon Santana
149
afirma que a sustentação desse
imaginário estava na “presença de uma ausência”, ou seja, “a presença da pátria-mãe no
imaginário teuto-brasileiro”, já que na forma física ela estava ausente, distante. No Brasil, a
rememoração tornar-se-ia o sustentáculo da memória coletiva, cuja referência a qualquer
objeto alemão remetia à pátria de origem. Em outras palavras, nunca se fora tão apegado às
tradições culturais do que na diáspora – nunca se havia sido tão alemão quanto no Brasil.
144
Uma sociedade plural seria aquela sociedade “poliétnica integrada no espaço mercantil, sob o controle de um
sistema estatal dominado por um dos grupos, mas deixando amplos espaços de diversidade cultural nos setores
de atividade religiosa e doméstica”. BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT,
Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: Seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de
Fredrik Barth. São Paulo: Ed. da UNESP, 1998, p. 197.
145
Segundo Ramos, “Saudade é um sentimento muito presente no cotidiano das migrações. O imigrante
modifica suas relações com o grupo de origem em função das distâncias, e a nova sociedade com a qual passa a
conviver estabelece conflitos entre suas representações sociais. Muitas imagens se constroem, outras se desfazem
ou são reconstruídas em função de novos grupos que se formam. Até as próprias lembranças se transformam, ou
seja, o imigrante inicia um processo de mudança do próprio passado em função das vivências presentes.”
RAMOS, op. cit., p. 135.
146
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.2002.
147
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.2002.
148
RAMOS, op. cit., p. 137.
149
BAIRON [SANTANA], Sergio. O Fantasma da unidade cultural na metáfora palinódica do brasileiro
alemão. Revista História, São Paulo, n. 129-131, p. 19-30, .ago-dez/1993 a ago-dez/94, p. 21-22.
66
Contudo, nesse ponto, sobressai uma outra questão, qual seja, o duplo pertencimento e
rejeição. No Brasil, viam-se e eram vistos como filhos adotivos. Já a Alemanha, uma vez que
abandonaram a pátria, também os considerava da mesma forma. Assim, ao mesmo tempo,
pertenciam a ambos, eram rejeitados por ambos, contradição essa que vinha à tona em
momentos de (re)negociação da identidade e de disputas por prestígio local, impulsionando
então um agrupamento em torno de sua etnia. Para Barth, a pertença étnica seria, ao mesmo
tempo, uma questão de origem bem como de identidade corrente. Acresce que o grupo étnico
seleciona, dentro das suas características, as que são relevantes para a sua identificação e
diferenciação em relação ao outro.
a pertença étnica não pode ser determinada senão em relação a uma linha de
demarcação entre os membros e os não membros. Para que a noção de grupo étnico
tenha um sentido, é preciso que os atores possam se dar conta das fronteiras que
marcam o sistema social ao qual acham que pertencem e para além dos quais eles
identificam outros atores em outro sistema social. (...) as identidades étnicas só se
mobilizam com referência a uma alteridade e a etnicidade implica sempre a
organização de agrupamentos dicotômicos Nós/Eles. Ela não pode ser concebida
senão na fronteira do nós, em contato, confrontação, ou por contraste com eles.
150
Acrescenta ainda que, “se um grupo conserva sua identidade quando os membros
interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para tornar
manifestas a pertença e a exclusão”.
151
Quanto aos (i)migrantes alemães no Rio Grande do
Sul, este processo esteve intimamente ligado ao ideário que ficou conhecido como
“germanismo”.
2.3 O GERMANISMO
O “ser alemão” no estrangeiro está estritamente relacionado com a preservação de sua
identidade cultural, como expressa o termo Deutschtum, palavra traduzida como germanismo
150
BARTH in POUTIGNAT, STREIFF-FENART, op. cit., p. 153.
151
BARTH in POUTIGNAT, STREIFF-FENART, op. cit., p.195.
67
ou Dwetschtumspflege, que resumidamente significa: “empenho pela conservação da pureza
étnica, da língua, dos costumes e das tradições alemãs”.
152
Essas características compunham
os elementos constitutivos da fronteira que os diferenciava dos demais, processo no qual a
língua e a Heimat,
153
adquirem papel fundamental. Conforme Grützmann,
a língua materna assemelha-se à alma do indivíduo, uma parte constitutiva de seu
ser, que o acompanha fielmente a qualquer lugar. A ligação íntima entre essência e
idioma permite ao imigrante reconstruir no estrangeiro uma nova Alemanha e,
assim, dar continuidade aos valores oriundos do espaço original (grifo nosso)
154
Desse modo, a Heimat de origem é concebida como fonte dos valores culturais
capazes de sustentar a índole germânica na diáspora, daí a necessidade de mantê-la viva na
memória, de ser fiel à mesma. Segundo Grützmann,
A Heimat forma, também, a base na qual o povo alemão, sujeito coletivo, unido por
uma cultura e um destino comuns, encontra-se enraizado. Esse povo assim
constituído possui uma individualidade e uma personalidade, denominada de espírito
popular ou alma do povo.
155
Entre as motivações que explicam essa relação, a autora menciona alguns sentimentos
característicos do “mundo dos (i) migrantes”, como a saudade que se exacerbava no cotidiano,
tornando-se constante na medida em que muitos (i)migrantes/descendentes eram tomados pela
nostalgia. Nesse sentido pondera que,
A lembrança da antiga Heimat torna-se condição da existência social e cultural
porque desenvolve o sentimento de continuidade, oferecendo um futuro ao legado
dos antepassados, ainda que o território primordial seja de segunda mão e o
movimento esteja circunscrito as pegadas dos pais.
156
Acrescenta ainda que,
O germanismo constrói o seu ideário a partir de um componente central e norteador
de sua reflexão teórica - o povo, concebido como uma grande família, uma
comunidade baseada na descendência e ligada essencialmente por laços culturais e
152
GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 93.
153
Segundo Grützmann, a palavra alemã Heimat é de difícil tradução para outros idiomas. Na língua
portuguesa, o termo equivaleria a pago, lar. Muitas vezes, a palavra também pode ser sinônimo de Vaterland,
mas os termos não se igualam. A palavra Vaterland corresponde à pátria em língua portuguesa. Em virtude dessa
dificuldade, opta-se por utilizar a expressão em alemão.GRÜTZMANN, op. cit., p.40.
154
GRÜTZMANN, op. cit., p.318.
155
Ibidem, p. 78.
156
Ibidem, p. 339.
68
raciais, cuja existência independe da vinculação a um território político
determinado.
157
Grützmann resume os objetivos do germanismo, elegendo três elementos principais:
“a identidade, a continuidade e a comunidade”,
158
os quais encontram-se interligados.
Relaciona ainda como objetivo central a intenção de “forjar e moldar, através da instituição de
normas de comportamento, um sujeito de essência alemã, consciente de sua origem e
possuidor de um sentimento nacional”. Essas características se tornavam fundamentais na
medida em que intensificavam o contato com a sociedade receptora, nas palavras de um
germanista: “torna-se imprescindível que flua no corpo e no sangue de velhos e jovens: eu não
sou um luso e nem um romano, eu sou um alemão”.
159
Segundo René Gertz, a noção de que os imigrantes e seus descendentes deviam
“permanecer alemães” foi produto de um projeto da elite intelectual e cultural, formada
principalmente por profissionais liberais, pastores, jornalistas e escritores, bem como, grandes
comerciantes e industriais de origem alemã. Para os últimos, o germanismo tinha sua função
“voltada especialmente para as relações de dominação entre os próprios teutos”.
160
A difusão
consciente dessa posição iniciou em fins do século XIX e no século XX ela aparece em
diferentes graus em quase todas as instituições existentes nas regiões de colonização alemã no
Sul do Brasil: os jornais, as escolas, as associações culturais, esportivas e as igrejas. No que se
refere à divulgação do germanismo através de periódicos, Grützmann afirma que,
Mediante a divulgação de notícias e de artigos específicos, os periódicos informam
(informavam) e aproximam (aproximavam) os acontecimentos e as mudanças em
curso na Alemanha, pretendendo, desse modo, estreitar o laço cultural entre os
emigrados e a terra de origem.
161
Entre os grupos que se preocupavam com a divulgação e com as discussões em torno
do germanismo destacavam-se alguns nomes, dentre eles, o pastor Hermann Dohms,
162
líder
157
Ibidem, p. 384.
158
Ibidem, p. 92.
159
BECKER apud. GRÜTZMANN, op. cit., p.92.
160
GERTZ, 1987, op. cit., 109.
161
GRÜTZMANN, op. cit., p. 65.
162
Maiores informações sobre a biografia, atuação profissional e intelectual de Dohms podem ser encontradas
em DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. Estudo crítico da história da Igreja Evangélica de
69
do Sínodo Rio-Grandense, sediado em São Leopoldo, e o jornalista Franz Metzler, do grupo
católico. Ambos orientaram seus leitores nas décadas de 20-40 sobre a conduta que deveriam
adotar.
163
Dohms, como líder do Sínodo Rio-Grandense, conseguia atingir um grande número de
alemães em todo o estado. Seu discurso, ainda que germanista, não era nacional-socialista,
tendência da qual procurava distanciar-se após 1934. Defendia a integração dos imigrantes
alemães e seus descendentes ao meio nacional brasileiro, inclusive utilizando a língua
nacional, desde que isso não implicasse na renúncia à cultura de origem. Em outras palavras,
propunha a negociação entre as culturas. Segundo Martin Dreher,
Dohms não nega a possibilidade de uma assimilação. No entanto, como homem
preocupado com sua Igreja, se pergunta: o que perderia o Sínodo Riograndense,
como Igreja, caso viessem a se dissolver as bases étnicas? ‘Perderíamos, por um
tempo indeterminado, a possibilidade de uma compreensão total e pura do
Evangelho, pois o pleno desdobramento do poder e da compreensão do Evangelho é
impossível para o indivíduo e só se torna possível na família e em seu povo. Essa
possibilidade de dissolução das bases étnicas parece-lhe ser insuportável por dois
motivos: 1° porque o grupo étnico teuto no Brasil pertence a um povo “no qual o
Evangelho penetrou de forma inigualável’ e ao qual foi aberta ‘a compreensão pura
do Evangelho”; 2° porque, caso vier a ocorrer a fusão do grupo étnico teuto com
outros grupos étnicos no Brasil, isso significara a inclusão num povo que ainda esta
em formação e que, além disso, é católico-romano. Para Dohms: “Quanto mais
decididamente, como alemães, formos cristãos - e isso significa: formos seres
humanos que reconhecem a ordenação povo como uma ordenação de Deus, relativa
ao mundo, para a nossa salvação -, quanto maior for a pureza com que
compreendermos o Evangelho de pecado e graça, tanto mais profundamente
fundamentaremos também as bases étnicas de nossa Igreja, que (...) tão-somente a
partir do Evangelho podem ser compreendidas e apreendidas corretamente como
ordenação divina”.
164
Dreher ressalta que o conceito de “ordenação divina”, traz a reflexão sobre a finitude,
pois é dentro do grupo étnico, com seu povo, que o ser humano toma consciência desse
sentimento, pelo que lhe restam duas opções: pode aceitá-lo ou rebelar-se contra ele, negando
sua finitude imposta por Deus. A aceitação da limitação étnica determinada por Deus, ao
Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo: Sinodal, 2003; DREHER, Martin N. (org.). Hermann Gottlieb
Dohms: textos escolhidos. Porto Alegre: Ed.: PUCRS, 2001..
163
O pensamento dos alemães e seus descendentes residentes no Brasil pode ser dividido em quatro correntes: a
católica, através do jornal Deutsches Volksblatt, o almanaque Familienfreund Kalender, a revista mensal St.
Paulusblatt, e a publicação também mensal Lehrerzeitung; a liberal, difundida através dos jornais Deutsche
Zeitung e Neue Deutsche Zeitung; a luterana, expressa no jornal Deutsche Post, o almanaque Kalender für die
Deutschen in Brasilien, Deutsche Evangelische Blätter für Brasilien, escritos de Wilhem Rotermund, Hermann
Dohms, etc. e a de autores luso-brasileiros, que discutem as questões referentes aos imigrantes alemães, como
Aurélio Porto, Ernesto Pellanda e Leonardo Truda. Cf. RAMBO, Arthur B. A identidade teuto-brasileira em
debate. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUCRS, v. XXV, n. 2, dez. 1999.
164
DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. Estudo crítico da história da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo: Sinodal, 2003, p. 107.
70
contrário da rebelião contra essa lei, traz como conseqüência que a vida do homem aí adquire
uma verdadeira existência.
165
Já o jornalista Franz Metzler, preocupava-se mais com a questão do teuto-brasileiro.
Ao defender a hifenização, propunha um equilíbrio entre a fidelidade ao Brasil e a fidelidade
à Alemanha. Apontava duas possibilidades para os indivíduos de fala alemã que emigravam
da Europa para o estrangeiro:
Ou permanecem até o fim alemães ou de pertencer a qualquer outra identidade que
possuam por ocasião da viagem, o que, aliás, seria o normal, ou adotam a cidadania
da nova terra, renunciando à cidadania do país de origem quando encontram no país
de destino uma segunda pátria definitiva e que um dia abrigará a sua sepultura.
166
Concomitante à atuação destes grupos, Paiva
167
menciona a participação de cidadãos
alemães (reichsdeutsche), no surgimento e veiculação do germanismo no Rio Grande do Sul,
entre os quais destacamos o idealizador de Neu-Württemberg, o cidadão alemão Herrmann
Meyer.
2.3.1 Herrmann Meyer: o idealizador de Neu-Württemberg.
Herrmann Meyer nasceu em 11 de janeiro de 1871, em Hilsburghausen, Alemanha.
Sua família era proprietária do Instituto Bibliográfico de Leipzig, do qual posteriormente
tornou-se diretor. O Instituto publicou, em diversas edições, a importante enciclopédia
Meyer’s Konversationslexion. Meyer realizou estudos de antropologia nas universidades de
Leipzig, Berlim e Estrasburgo. Em princípios de 1896, motivado pelo êxito das expedições de
Karl von den Steinen ao Brasil Central, visitou o Xingu mato-grossense. Foi aí que surgiu a
idéia de adquirir uma gleba de terras no Brasil destinada à colonização, deixando isso a cargo
de Carlos Dhein, que o acompanhara na expedição e conhecia as terras do Alto Uruguai. O
mesmo efetuou várias aquisições desde 1896.
Meyer visitou pela primeira vez essas possessões em novembro de 1898, seguindo
para a região do Xingu em 1899. Em setembro de 1900 veio a última vez ao Brasil,
demorando-se em Porto Alegre até dezembro, quando se dirigiu para a colônia Neu-
165
Ibidem, p. 105-107.
166
RAMBO, Arthur B. Nacionalização e ação policial no Estado Novo. Estudos Leopoldenses. Série História,
São Leopoldo, v. 1. n.1, p. 149-182, 1997, p. 190.
167
PAIVA apud GRÜTZMANN, op. cit. , p.107.
71
Württemberg. Faleceu em Leipzig em 17 de março de 1932. A empresa encerrou suas
atividades, declarando sua falência no início dos anos 1950, após um longo processo,
contando com vários problemas e dívidas.
168
O contexto em que Meyer estava inserido e as motivações que o levaram a elaborar
um projeto de colonização, o qual originou Neu-Württemberg, foi estudado por Jorge da
Cunha e Angelika Gärtner, em “As culturas alemã e brasileira no relato da viagem de
Herrmann Meyer, pelas colônias alemãs do Rio Grande do Sul”. Os autores utilizam como
fonte os próprios escritos de Meyer, particularmente o livro “Meine Reise nach den deutschen
Kolonien in Rio Grande do Sul, 1898-1899”, publicado em Leipzig em 1899, no qual
registrou as suas impressões sobre o Brasil, os brasileiros e a imigração alemã.
A viagem de Meyer pela zona de colonização do Rio Grande do Sul fora motivada
pelo seu interesse em estudar o desenvolvimento do germanismo, a fim de “conhecer o
contexto da vida nas regiões de colonização; coletar informações com autoridades, elencos e
colonos e levantar dados estatísticos e imagens através de questionários e aparelho
fotográfico”.
169
Em seu relato, informava que
é necessário mostrar um quadro preciso e positivo da vida dos alemães emigrados no
Rio Grande do Sul, o que é de se atribuir as virtudes alemãs como a diligência
(“Fleiss”), a paciência (“Geduld”), a eficiência (Tüchtigkeit), eficiência nos
negócios (“Geschäftstüchtigkeit”) e a capacidade de organização
(Organisationsfähigkeit). Além disso, é importante demonstrar que, ao lado de
artesãos e camponeses, há a necessidade, para as colônias alemãs do Rio Grande do
Sul, de acadêmicos formados como médicos, professores, teólogos e juristas. Uma
carência que se explica, de um lado, pelas próprias virtudes dos alemães, e, por outro
lado, pelo déficit dos brasileiros nestas áreas.
170
Como “características alemãs”, destaca a diligência, a paciência e a eficiência em
vários sentidos. Salienta que o Rio Grande do Sul seria o “Brasil alemão” (“das deutsche
Brasilien”) e conclui que o desenvolvimento do estado é produto destas virtudes alemãs.
171
Quanto a impressões a respeito da cultura brasileira e dos “não alemães”, Cunha e Gärtner
ressaltam seu caráter preconceituoso e racista. Já na sua chegada, Meyer demonstra sua
opinião a respeito dos brasileiros, comentando ironicamente a pretensão dos mesmos em
168
Cf. LEITZKE, Eugen. Biografia Dr. Herrmann Meyer. A Notícia Ilustrada. Panambi, 19, mar. 1980, p. 7.
169
CUNHA, Jorge Luiz da; GÄRTNER, Angelika. As culturas alemã e brasileira no relato da viagem de
Herrmann Meyer, pelas colônias alemãs do Rio Grande do Sul. REDES, Santa Cruz do Sul, v. 6, n.3, p. 55-71,
set./dez. 2001, p.56.
170
Ibidem, p.56.
171
Ibidem, p. 60.
72
colocar a expressão "Ordem e Progresso" em uma bandeira.
172
Mais adiante, traça uma
distinção entre os brasileiros descendentes de índios, imigrantes europeus e os descendentes
de índios, portugueses e negros, com explícito racismo, deixando claro seu desconforto ao se
encontrar com estas pessoas nas ruas.
173
Critica o fato de que os bares e restaurantes não utilizam toalhas de mesa e nem
guardanapos; “há barulho o tempo todo e os pratos estão sujos”, o que considera um atentado
contra qualquer princípio de higiene e limpeza. Ainda, vê como negativa a relação que os
brasileiros têm com aspectos como o tempo (horários), turnos de trabalho e o cuidado com o
uso de pesos e medidas. Como contraponto a esta descrição negativa, ele destaca a educação,
disposição em ajudar, gentileza e cordialidade dos brasileiros, mas, sobretudo, a
hospitalidade.
174
Em relação ao desenvolvimento de relações comerciais, os autores destacam que
Meyer conclui que as tábuas cortadas à mão e vendidas nas colônias são mais
baratas do que as produzidas pelas serrarias. Reclama que os brasileiros são
incapazes de calcular os custos do emprego de tempo e trabalho na fixação dos
preços das mercadorias e serviços.
175
Quanto aos índios, Meyer avalia que adotaram as virtudes e os vícios dos demais
brasileiros. Todavia, ressalta que pelo menos a língua estes souberam preservar,
“conservando-a ao lado de um bom domínio da língua portuguesa”.
176
Em alguns trechos do
relato, faz comparações explicitas entre as culturas alemã e brasileira, como, por exemplo,
quando descreve os cemitérios e os aspectos a eles relacionados e indica os alemães como
mestres e modelos.
177
Ou de forma implícita, como quando a Alemanha é destacada como
modelo.
178
172
Ibidem, p. 61.
173
Ibidem, p. 61.
174
Ibidem, p. 62.
175
Ibidem, p. 62.
176
Ibidem, p. 63.
177
Ibidem, p.64.
178
Ibidem, p. 65.
73
Em outro trecho, menciona certas recomendações para os alemães e para a Alemanha.
Considerava positivo exportar para a Alemanha algumas plantas para decorar os jardins no
verão europeu, cujas sementes mandou coletar. Os alemães também deveriam se inspirar na
modéstia e desprendimento observados entre os colonos, fundamentadas em razões
religiosas.
179
Segue o relato, descrevendo outros grupos nacionais ou étnicos, como os italianos, os
poloneses e os espanhóis. Por exemplo, os italianos são citados freqüentemente em
comparação com a população descendente ou imigrante alemã. De um modo geral, Meyer
aponta-os como “pouco exigentes e, apesar de todos os seus esforços, infelizmente
incapazes”.
180
Ao finalizar seu relato de viagem pelo Rio Grande do Sul, Meyer manifesta-se
satisfeito com os resultados obtidos, no entanto, “sobre o futuro da imigração e colonização
alemã no Rio Grande do Sul, não ousa manifestar-se. Considera, contudo, que as bases para o
desenvolvimento de um processo colonizatório promissor com imigrantes alemães estão
lançadas.”
181
Cunha e Gärtner destacam que “Meyer manifesta-se com muitas esperanças e
expectativas”
182
em relação à colonização. Definem-no como um personagem de seu tempo,
ao mesmo tempo produto e produtor de sua época.
183
Sublinham ainda que seu livro, “induz à
reflexão sobre a relação que estabelecemos com outros sujeitos, que marcamos pela diferença
e sobre os quais construímos idéias que compõem em seu conjunto arquétipos e estereótipos
sobre grupos, categorias e sociedades”.
184
Assim, mesmo constatando que Meyer apresenta uma versão pessoal do que vê, que
interpreta os fatos e que esses interferem em sua vida, na sua formação, nos parece
compreensível que propusesse um projeto de colonização com um caráter cultural tão
179
Ibidem, p. 67.
180
Ibidem, p. 67.
181
Ibidem, p. 70.
182
Ibidem, p.70.
183
Ibidem, p.71.
184
Ibidem, p.71.
74
marcante como foi Neu-Württemberg. Nesse contexto, “oferecer” aos conterrâneos a
possibilidade do “retorno” simbólico à Heimat, ou seja, a construção de uma “Alemanha no
Brasil”, se configurava como uma alternativa tanto para o “idealista”,
185
quanto para os
(i)migrantes, interessados em manter um vínculo com a pátria de origem.
2.3.2 Neu-Württemberg: uma colônia para receber imigrantes alemães.
O projeto de colonização de Herrmann Meyer pode ser definido como econômico e
cultural, envolvendo interesses múltiplos, tanto do governo estadual e dos luso-brasileiros,
proprietários das terras, quanto do próprio Meyer. A Constituição Republicana de 1891 não
mexeu significativamente na política imigratória e de colonização. No entanto, o novo
governo de feições positivistas adotou o sistema de colônias mistas, fixando em um mesmo
núcleo imigrantes de diferentes grupos étnicos. O primeiro empreendimento obedecendo a
esse novo padrão foi a colônia de Ijuí, na região Noroeste do estado, fundada em 1890. Para a
mesma, também afluíram inúmeros colonos da antiga região colonial.
186
No entanto, essa política deixou margem para a ação de empreendedores particulares,
pois o governo via nestes a possibilidade de levar ao interior do estado o desenvolvimento
econômico sem maiores custos para os cofres públicos, o que parece explicar a formação de
uma colônia que se pretendia “homogênea”.
Meyer era um cidadão alemão respeitado, com capital e, pelo visto, com boas relações
no Rio Grande do Sul. Um artigo de jornal, publicado em 1948, revela: “Dizem as crônicas,
que voltando animado e feliz de sua última e proveitosa expedição, foi o Dr. Meyer ao Palácio
185
Mesmo sendo a empresa colonizadora um projeto comercial, o empenho de Meyer em preservar o
germanismo é algo que se destaca; pode-se pensar que ele realmente se preocupava com a questão, desejando
cultivar o germanismo por questões ideológicas, ou que tenha usado deste artifício como uma estratégia de
propaganda, ou ainda que as duas possibilidades tenham se entrecruzado ao longo do tempo.
186
Cf. NEUMANN, Rosane Márcia. “Quem nasce no Brasil, é brasileiro ou traidor”. A
Campanha de Nacionalização nas Colônias Alemãs. São Leopoldo: UNISINOS, 2003.
Dissertação (Mestrado em História), PPGH, UNISINOS, 2003; SILVA, Edmilson Nunes da
& TARGA, Luiz Roberto Pecoits. A exclusão política da oligarquia tradicional gaúcha.
Primeiras Jornadas de Historia Regional Comparada, suporte CD-ROM.
75
do governo em Porto Alegre agradecer as facilidades que o então Presidente do Estado, Dr.
Julio de Castilhos, lhe havia proporcionado...”.
187
Em 1898 adquiriu uma fração de terras, de quase dois mil hectares no interior de Cruz
Alta, que serviria como base para a colonização.
188
Meyer a denominara Neu-Württemberg,
seguindo uma tendência já adotada na América do Norte e Rússia – Nova York, Nova
Inglaterra –, com o intuito de atrair imigrantes suevos.
A aceitação de seu investimento na região pode ser percebida através da análise de seu
próprio relato:
Quando o trem entrou na estação de Cruz Alta, começou a pipoquear em todos os
cantos. Foguetes estouraram e uma banda zambumbou um dobrado alegre. A
plataforma estava literalmente tomada por uma enorme multidão.(...).Em poucos
segundos conhecia as mais altas autoridades da cidade. A música silenciou, todos
descobriram as cabeças, embora chovesse torrencialmente, eu fui saudado com
solene discurso; no qual me chamaram de distintíssimo explorador, colonizador e
amigo da terra do Rio Grande do Sul, atribuindo-se-me, ainda, qualidades e virtudes
das quais nem sonhara...
189
Com Neu-Württemberg, Meyer pretendia formar um núcleo étnico e
confessional/protestante, basicamente formado por imigrantes alemães, especialmente os
oriundos de Würtemberg. É bom lembrar que, nesse período, sob a inspiração de jesuítas,
estão surgindo núcleos étnicos teuto-católicos.
O projeto, em vários momentos, apresentou-se vulnerável, por várias razões. No
princípio, os investimentos suplantavam os rendimentos. Entre 1897 e 1900, o déficit da
Colonizadora fora maior do que o esperado, além do desvio de dinheiro efetuado por Carlos
Dhein, o que resultara no rompimento da sociedade e na sua quase falência. A partir de então,
Meyer passou a ser o único titular da Empresa de Colonização. Envolta em uma aura de
descrédito, a Colonizadora via-se enredada em uma crise financeira. Em 1905, em cartas ao
administrador local, Meyer reclamava:
Empatei, até agora, mais de meio milhão nesta obra, gastando não somente toda a
minha fortuna não investida no Instituto Bibliográfico, mas contraindo, ainda, muitas
187
MEDEIROS, Jaury P. Diário de Notícias, Porto Alegre, avulsos, 24, jul. 1948. Documento disponível no
MAPH..
188
Seu “modelo de colônia” particular também foi implementado no Alto Uruguai, com a compra das terras de
Xingu e Boi Preto.
189
ZARTH, Paulo A. História agrária do Planalto Gaúcho. 1850-1920. Ijuí: UNIJUÍ, 1997, p. 79.
76
dívidas nos bancos. (...) Estava errada a minha opinião que as instituições
beneficentes induziram os imigrantes a pagar preço mais elevado que em outras
regiões, onde nada se lhes oferece. Aceitam-nas como complemento agradável, um
ou outro tem palavra de gratidão, mas não gastam um ceitil por elas e, muito menos
estão dispostos a pagar preço mais elevado, para fazer parte de tal colônia modelo.
(...) Estou enterrando uma idéia que julgara ser minha tarefa vitalícia. Isto é pelo
menos tão grave como o grande prejuízo financeiro...Dediquei à minha criação o
meu coração e todo o meu carinho. Entretanto ninguém pode acima de suas forças.
Também aqui as circunstâncias foram mais poderosas que a vontade humana e, por
isso, é necessário passar um traço sob minha obra fracassada, antes que seja tarde.
190
Talvez esse tenha sido o momento mais crítico da Empresa de Colonização, quando
Meyer não vislumbrava apenas um malogro financeiro, mas via submergir o ideal no qual
acreditava. Amenizadas as dificuldades, a colônia permaneceu num relativo marasmo até
1908. Meyer decidiu então liquidar definitivamente seus negócios no Rio Grande do Sul,
legando toda a colônia ao Sínodo Rio-Grandense. “Para mim, a realização da tarefa
constituiria um sucesso feliz no terreno moral, embora fosse um fracasso financeiro de minhas
atividades colonizadoras que tantos incômodos, tantas despesas e, somente ingratidão me
trouxeram.”
191
Entretanto, esse arranjo não foi concretizado. O cargo de administrador da
Colonizadora fora assumido pelo pastor Hermann Faulhaber, como veremos adiante.
Em 1910, Meyer estava mais preocupado com o desenvolvimento interno da colônia:
“Se, daqui há alguns anos, pudermos abandonar Neu-Württemberg à sua própria sorte,
sentiremos a imensa satisfação de termos realizado, lá, um bom trabalho cultural e de
havermos criado uma colônia modelar no país. E, por ser colônia pequena, maior será seu
valor intrínseco.”
192
Para viabilizar seu projeto de colonização Hermann Meyer valeu-se de intensiva
propaganda e investiu na organização de uma sólida base educacional e religiosa, com a
contratação do pastor Herman Faulhaber.
190
FAUSEL, Erich. Cinqüentenário de Panambi 1899-1949. s.l.: s.ed., 1949, p. 27-28.
191
Ibidem, p. 28.
192
Ibidem, p. 30.
77
2.3.3 A propaganda
Na divulgação de seu protótipo de colônia, Neu-Württemberg, Meyer utilizara-se da
imprensa em língua alemã, especialmente dos almanaques. Inicialmente, como seu projeto
voltava-se para possíveis imigrantes no exterior, sua propaganda era direcionada para a
Alemanha, posteriormente, às “colônias velhas” e ao Brasil como um todo, tanto que se
produziu um mapa, localizando sua colônia.
Mapa 1 - Localização de Neu-Württemberg
193
Em 1904, Meyer editou o “livreto” Ackerbaukolonien. Neu-Wuerttemberg und Xingu
in Rio Grande do Sul (Südbrasilien), publicado em Leipzig, pela Bibligraphisches Institut in
Leipzig. Nele, afirmava que a via férrea passava próxima à colônia de Neu-Württemberg, o
193
Mapa produzido pela Empresa Colonizadora Meyer. Ackerbaukolonien. Neu-Wuerttemberg und Xingu in Rio
Grande do Sul (Südbrasilien), publicado em Leipzig, pela Bibligraphisches Institut in Leipzig. Disponível no
MAHP (Museu e Arquivo Histórico Panambi).
78
que facilitava o deslocamento dos imigrantes. Destacava como um ponto favorável para quem
quisesse migrar para a mesma, que a venda das terras e a maior parte dos lotes estava “em
mãos de alemães” como também seriam atendidos por alemães. Um dos desígnios da
Colonizadora consistia em só aceitar colonos alemães; conseqüentemente, seria possível
preservar a cultura de origem. Garantia que tinha autorização do “presidente” do Estado para
a comercialização das terras e que cada colono com certeza receberia o seu lote legalizado.
Afirmava, ainda, que os possíveis “intrusos” já estariam se retirando da área e que haveria
poucos índios na região, mas não na sua colônia.
Outro meio utilizado para divulgar a colônia foram as imagens fotográficas, sendo
algumas transformadas em cartões postais.
194
Nestas, percebe-se o destaque ao progresso, à
infra-estrutura, à localização privilegiada e suas semelhanças com a Alemanha. Sendo este o
principal trunfo do referido lugar: Neu-Würtemberg seria uma “Alemanha no Brasil”, pelo
menos era esta a representação veiculada pela colonizadora.
O fotógrafo oficial da Colonizadora Meyer foi Adam Klos. De acordo com seu filho
Otmar,
o que ajudou muito meu pai no início foram as viagens que ele fazia com o velho
Hermann Faulhaber, que era o diretor da Companhia de Colonização. Esse era o seu
freguês número um. Com esse ele viajava a carroça e a cavalo. Iam pelo interior
tirando fotos das colônias que estavam se formando, do trabalho dos colonos
derrubando árvores, fazendo roças. (...) Essas fotos eram compradas pela Companhia
e enviados à Alemanha com o objetivo de atrair mais gente para cá. Esse foi o
trabalho que meu pai mais fez. Assim, ele conseguiu se manter. As fotos eram uma
espécie de propaganda para incentivar a vinda dos alemães, compradores de lotes.
195
Essas imagens mostravam as paisagens mais representativas da colônia, ou aquelas
que o fotógrafo e seu cliente selecionavam para representá-la. A primeira fotografia analisada,
ao mesmo tempo em que atesta a precariedade dos colonos nas áreas pioneiras, por outro,
demonstra seu progresso, pois traz a imagem de uma família em fase de instalação, que possui
194
A análise das fotografias apresentada a seguir foi baseada no trabalho de Rosane Marcia Neumann. Cf.
NEUMANN, Rosane Márcia. Neu-Württemberg: o cartão-postal da Empresa de Colonização Herrmann
Meyer. Trabalho apresentado no Seminário: História e Fotografia: imagens das cidades brasileiras, junto ao PPG
em História PUCRS/Doutorado. Primeiro Semestre de 2005.
195
KLOS apud HINNAH, Denise. Ser retratista em Panambi. História oral de vida. Ijuí: UNIJUÍ, 1999.
Monografia (Graduação em História Licenciatura Plena), Departamento de Ciências Sociais, UNIJUÍ, 1999, p.
25.
79
dois cavalos e duas mulas. O que era sinal de riqueza, principalmente o cavalo, que na Europa
era de posse restrita da alta elite.
Foto 4 - Meio rural - Roça da família Schäffer, início século XX. (8x15 –
altura x largura) Fotógrafo: Albin Schmitt (?). (Doação de Cecília Faulhaber
Grams) – Acervo MAHP.
Na fotografia a seguir, nota-se que parte da mata já havia sido derrubada, o que
facilitava a plantação, e que algumas casas haviam sido construídas, ou seja, que havia um
perfil de vila.
80
Foto 5 - Vista da Stadtplatz Elsenau, colônia de Neu-Württemberg, entre 1904 e 1907.
Fotógrafo: Albin Schmitt . Cópia. Acervo MAHP.
Outro aspecto destacado na propaganda era a exuberância da vegetação do local e a
grande quantidade de terras disponíveis.
Foto 6 - Vista Stadtplatz, colônia de Neu-Württemberg, 1914.
Fotógrafo: Adam Klos. Acervo MAHP.
81
As próximas duas imagens lembram vilarejos europeus. A primeira mostra, na
extrema esquerda, parte da fábrica de colchões Cezar Drasche. No alto, o primeiro templo da
Igreja Batista (Baptisten Gemeinde “Emanuel” de Neu-Württemberg), ao centro, parte do
prédio da Cooperativa Agrícola e, na margem do açude, a residência de Leopoldo Hepp.
Foto 7 - Vista do açude do arroio do Moinho, 1924 (9x14, altura x largura).
Fotógrafo: Adam Klos. Acervo MAHP.
A segunda consiste numa paisagem branca pela geada, que lembra a neve européia.
82
Foto 8 - Vista de Neu-Württemberg, inverno de 1925.
Fotógrafo: Adam Klos (?). Acervo MAHP.
Não foram encontrados dados a respeito da circulação das imagens fotográficas
produzidas sobre Neu-Württemberg. No entanto, sabe-se que alguns pontos que remetiam à
imagem que a colônia pretendia divulgar, como a Igreja Evangélica Luterana, ou
economicamente exploráveis, como a cascata do rio Palmeira, foram transformados em
cartões-postais coloridos, editados na Alemanha, o que indica que as imagens circulavam
entre os estabelecidos na colônia e seus familiares.
Os postais retratando a Igreja Evangélica Luterana assemelham-se a algumas
paisagens européias.
83
Foto 9 - Cartão-postal da Igreja Evangélica Luterana de Neu-Württemberg. Produzido
pela Graser & Schneider, Leipzig C1. 1930. (14x9, altura x largura). Acervo MAHP.
Sua arquitetura, semelhante a igrejas da Alemanha era realçada no postal.
Foto 10 - Cartão-postal da Igreja Evangélica Luterana de Neu-Württemberg.
Produzido pela Graser & Schneider, Leipzig C1. 1930.
(9x14, altura x largura).
Acervo MAHP.
84
O potencial hídrico da colônia também servia como atrativo (agregando valor aos
lotes), pois a energia hidráulica possibilitava a instalação de moinhos e serrarias, acenando
ainda para outras possibilidades, como a produção de energia elétrica.
Foto 11 - Cartão-postal da Cascata do rio Palmeira. Produzido pela
Graser & Schneider, Leipzig C1, 1930. (9x14, altura x largura). Acervo MAHP.
Identificamos ainda três fotografias que participaram de uma exposição, promovida
pelo Instituto de Stuttgart, intitulada “Aus der Auswanderungs – Ausstellung des Deutschen
Ausland”, que pretendia mostrar os emigrantes alemães no estrangeiro, o que se constituía em
excelente oportunidade para Herrmann Meyer expor o seu empreendimento e
conseqüentemente atrair pessoas interessadas em emigrar. As fotos são do formato cartão
postal e representam Neu-Württemberg do final da década de 1910. Nelas, transparece a
imagem de um “próspero” povoado em formação, relativamente organizado, com casas
construídas e contando com préstimos religiosos, além de recursos naturais estratégicos como
água, terra e madeira.
85
Foto 12 – Capela Batista, Elsenau - Neu-Württemberg. Cartão-postal. (9x14, altura x largura).
Acervo MAHP.
Foto 13 – Elsenau em Neu-Württemberg/RS. Cartão-postal. (9x14, altura x largura). Acervo
MAHP.
86
Foto 14 – Colônia Alemã Elsenau em Neu-Württemberg/RS. Cartão-postal. (9x14, altura x
largura). Acervo MAHP.
Além dos meios de divulgação já citados, Grützmann menciona que em 1925 foi
publicado o anuário “Neu-Württemberger Illustrierter Familien Kalender Siedlungshort
(Anuário da Família Ilustrado Refúgio da Colônia de Neu-Württemberg), que circulou apenas
nos anos de 1925 a 1927 e foi editado por Fr. W. Bruggemann, proprietário da Tipografia e
Livraria Fr. W. Bruggemann, estabelecidas na mesma localidade.
196
O caráter de propaganda
ficava evidente nos objetivos da edição:
informar os novos imigrantes sobre as peculiaridades e sobre as condições de
colonização dessa área do Rio Grande do Sul, estendendo-se, essa meta, tanto aos
oriundos da Alemanha quanto aos provenientes das antigas colônias do Estado que
se dirigiram para Neu-Württemberg em busca de novas terras para o cultivo. (...)
almeja, em última análise, fomentar a imigração alemã para Neu-Württemberg e
arredores.
197
Também o fato de incentivarem explicitamente seus leitores a enviarem a publicação
para a Alemanha, principalmente para aqueles parentes desejosos de emigrar, evidencia o
caráter de propaganda. O próprio título do anuário remete a uma das representações
produzidas no período a respeito de Neu-Württemberg, que visava atrair compradores para os
196
GRÜTZMANN, op. cit., p. 161.
197
CHANCELER MARX, apud GRÜTZMANN, op. cit., p.161.
87
lotes: a idéia de que seria um “refúgio” para os (i) migrantes/descendentes alemães, um lugar
onde haveria, realmente, a possibilidade da manutenção de suas características étnicas.
Ao analisar o periódico, Grützmann destaca que seus editores pretendiam torná-lo um
elo de ligação com a sua terra de origem, ou seja, “estabelecer uma ponte até a Heimat”.
198
Esse propósito visava conservar a ligação com a terra de origem pela germanidade, como
atestava o lema adotado pela publicação, “do que tu herdaste dos teus antepassados, deves
apropriar-te, a fim de possuí-lo”.
199
Nesse sentido, segundo Grützmann, o anuário voltava-se
para a defesa da germanidade, contribuindo tanto para a união dos “falantes de alemão”,
quanto para sua ligação com a Heimat, aspectos que ficam evidentes no texto do chanceler
alemão Marx, publicado em Neu-Württemberg. De acordo com a mesma autora,
O autor parte do pressuposto de que a germanidade estende-se para além das
fronteiras políticas da Alemanha, pois há séculos os imigrantes alemães, ao se
estabelecerem em novas terras, fertilizaram esse espaço e contribuíram para o
elevado apreço que o trabalho alemão e a diligência germânica granjearam ao longo
do tempo.
200
Nas palavras do chanceler,
nós não esperamos dos alemães no exterior nenhum apoio de ordem político que
pudesse gerar conflitos com a sua nova Heimat. Nós esperamos, contudo, auxílio e
apoio em todas os nossos empreendimentos, no sentido de estreitar os laços culturais
que nos unem. Com essa atitude os alemães no exterior servem tanto a sua nova
Heimat quanta a humanidade.
201
Percebe-se que o periódico ressaltava a preocupação de alguns grupos estabelecidos
em Neu-Württemberg com a preservação da germanidade e com a manutenção dos laços com
a Alemanha: “Lembra-te de que tu és um alemão”,
202
incitava a publicação.
Assim, percebe-se que a propaganda pretendia destacar as possibilidades de
desenvolvimento econômico que a colônia oferecia, bem como a preocupação em manter a
cultura alemã e a ligação com a Heimat, tanto que os textos produzidos por Meyer afirmavam
que o lugar seria povoado apenas por indivíduos deste grupo étnico e as imagens fotográficas
198
GRÜTZMANN, op. cit., p. 91.
199
Ibidem, p. 93.
200
Ibidem, p. 163.
201
CHANCELER MARX apud GRÜTZMANN, op. cit., p. 163.
202
Ibidem, p.161.
88
apresentavam além de uma paisagem natural, uma arquitetura semelhante à pátria de origem.
Desta forma, para os (i)migrantes/descendentes, Neu-Württemberg configurava-se como uma
“Alemanha no Brasil”, representação também amparada na saudade, fator mencionado por
Rubem Alves: “os olhos normais vêem as ruas, os muros, os jardins do jeito mesmo como
eles são, (...) já os olhos que a saudade encantou ficam dotados de estranhos poderes mágicos:
eles vêem as ausências, o que não está lá, mas o que o coração deseja”.
203
2.3.4 Hermann Faulhaber
Para reforçar ainda mais o caráter germânico e protestante de Neu-Württemberg,
Meyer contratou em 1902 o pastor Hermann Faulhaber e sua esposa, Marie, professora,
ambos naturais de Württemberg. Uma vez instalados, assumiram, além da Igreja Luterana, a
escola e a administração da colônia, até 1926. Esse período foi marcado por grandes obras de
melhorias das condições de trabalho, comunicação e habitação, com um constante aumento
populacional, “quase todas as semanas chegam aqui verdadeiras caravanas de colonos
procedentes da zona das colônias velhas, como seja de S. Cruz, Estrela, Lajeado, S. Lourenço,
etc.”
204
Faulhaber compartilhava os mesmos ideais de Meyer,
quanto mais penso em poder contribuir com o meu modesto quinhão para
desenvolver a grande obra de colonização e cultura, tanto maior, mais linda e mais
atraente ela se me afigura. Sinto-me feliz em poder colaborar em tão nobre tarefa
que me é apontada por minha inclinação e por meu estudo.
205
No Natal de 1903, após um ano no Brasil, informava a Meyer,
Preciso dizer-lhe que minha esposa e eu ainda nos sentimos muito bem aqui, que
estamos entusiasmados com o nosso trabalho e que, apesar das muitas dificuldades,
olhamos confiantes para o futuro. Queira a nossa querida Neu-Württemberg
prosseguir em sua ascensão vigorosa também no ano novo.
206
203
ALVES apud RAMOS, op. cit., p. 127.
204
ÁLBUM de recortes de jornal de Minoly Gomes de Amorim, 31, ago. 1911.
205
FAUSEL, op. cit., p. 15.
206
Ibidem, p. 15.
89
Ambos idealizam um projeto de colônia germânica; a diferença consistia apenas no
fato de que Faulhaber estava diretamente envolvido em sua implementação.
207
De acordo
com Grützmann, o sucesso da parceria entre Meyer e Faulhaber fez com que a “fama de Neu-
Württemberg como colônia para alemães penetrasse não apenas nas antigas colônias, mas
também na velha pátria”.
208
Nas palavras de Roche, “um exemplo notável de homogeneidade
no povoamento, que foi essencialmente germânico e, em grande maioria, protestante”.
209
Conforme Malheiros,
210
a vinda de Hermann Faulhaber inaugurou uma era de
progresso. O mesmo fundou a sociedade de cantores, de atiradores, iniciou e organizou a
biblioteca da comunidade, elaborou os estatutos da Primeira Cooperativa Agrícola,
providenciou sementes e deu assistência aos agricultores. Em 1910 pleiteava, junto à Viação
Férrea de Santa Maria, uma estação ferroviária para o povoado, argumentando que o
“constante aumento do volume de exportação e importação da colônia fazia com que se
tornasse cada vez mais premente a reivindicação de ser situada uma parada...”
211
A “Estação
Belizário” seria inaugurada em 1911. No mesmo ano, o administrador negociou com uma
empresa telefônica o uso desta tecnologia, contando com 14 aparelhos, ligados nos idos de
1914.
Ainda em 1911, Johann Friedrich Brendle idealizava o uso de Bondes Elétricos para
ligar Neu-Württemberg a Cruz Alta. A idéia não sairia do papel, mas apontava para uma
significativa visão de desenvolvimento e urbanização.
212
Em 1913, construiu-se uma ponte sobre o rio Caxambú, ligando Panambi, Belizário e
Cruz Alta. A agência dos Correios fora inaugurada e, mais tarde, Eduardo Hempe tornar-se-ia
representante do Banco Transatlântico em Neu-Württemberg.
No ano de 1914, já havia diversas oficinas e prestação de serviços na vila: carpinteiros,
Uhr e Knorr; marcenaria, Knorr e Goecks; carpintaria, Soerensen; tornearia, Schumann;
funilaria Eilert; ferraria, Kepler e Beckert; pedreiro, Restel; pintor, Zügel; sapateiro, Rogge;
cervejaria, Nickhorn e oficina de máquinas agrícolas, Uhr.
213
207
A partir de então, a empresa teve outros administradores, dentre eles Paul Pfugel, até a sua falência na década
de 1950. Cf. MICHELS, 2001; FAUSEL, 1949.
208
GRÜTZMANN, op. cit., p.387.
209
ROCHE, op. cit., p. 348.
210
MALHEIROS, Adil Alves. O vale das borboletas azuis.Panambi: Publipan, 1979.
211
ASSOCIAÇÃO DOS ESCRITORES DE PANAMBI, op. cit., p. 48.
212
Ibidem, p.51.
213
MALHEIROS, op. cit., p. 42.
90
Já em 1915, Faulhaber conseguiu um auxílio de 1.000$000 para a construção e
reforma de estradas.
214
Em 1916, Panambi ganharia um cartório civil, energia elétrica e seria
elevada a sede do 8º distrito de Cruz Alta. A partir de 1917, várias pontes foram construídas,
algumas por iniciativa particular, outras sob responsabilidade do poder público.
No entanto, o “desenvolvimento” de Neu-Württemberg não havia se revertido em
lucros para a empresa colonizadora e em fins da década de 20 a mesma se encontrava envolta
em dívidas. Diante da crise, que parecia irreversível, Faulhaber sucumbe e em 1926 comete
suicídio.
2.4 RELAÇÕES ENTRE NACIONAIS, IMIGRANTES E TEUTOS EM NEU-
WÜRTTEMBERG/PANAMBI
No século XVIII, a região de Cruz Alta pertencia aos povos da redução missioneira de
São João Batista, integrante dos Sete Povos das Missões. Além disso, era um dos caminhos
dos tropeiros que viajavam rumo a Sorocaba (São Paulo), o que possibilitou a formação do
povoado, fundado em 18 de agosto de 1821. Elevada a vila, Cruz Alta transformou-se em
centro político e econômico, posição que manteve por todo século XIX e início do XX. Em
1889, com a mudança do regime, converteu-se num reduto republicano (Partido Republicano
Rio-Grandense), chefiado pelo coronel Firmino de Paula.
215
Ao mesmo tempo, as terras mais afastadas da sede cruzaltense também foram sendo
povoadas, como a área da futura colônia Neu-Württemberg. Entre seus povoadores, estavam
os estancieiros e posseiros luso-brasileiros, os quais, mesmo estabelecidos de forma isolada,
mantinham relações comerciais entre si e com cidades da região. João Luiz Malheiros, por
exemplo, explorava uma cascata no arroio Farinheiro, onde montou uma atafona para a
214
Ibidem, p.53.
215
Cf. FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1987.
91
fabricação de farinha de mandioca. Em 1880, juntamente com seus filhos, inaugurou uma loja
de secos, molhados e ferragens, além desta, instalou uma olaria para fabricar telhas e tijolos.
Entre seus clientes, havia negociantes de Santa Maria, Porto Alegre e locais da campanha
gaúcha.
216
Já outro morador, Francisco Manoel de Barros, possuía uma serraria e um engenho de
farinha, além de trabalhar no comércio de sal, daí o apelido Chico Saleiro. Era tão conhecido
na época que a atual Panambi chegou a ser conhecida como Salina em referência ao
comerciante. Dentre suas posses estava o terreno que hoje compõe o Centro de Panambi e que
foi vendido, mais tarde, para a empresa colonizadora.
217
O povoamento da área de Neu-Würtemberg por (i)migrantes de origem alemã iniciou-
se em julho de 1899, com a vinda dos primeiros colonos, oriundos das colônias velhas,
218
ou
seja, dos vales dos rios Pardo e Taquari e do Sul do Estado. Tratavam-se de descendentes de
alemães já nascidos no Brasil, chamados de teuto-brasileiros.
Isso demonstrava uma primeira
concessão ao projeto original de colonização, já que esse pretendia formar uma colônia
apenas para imigrantes alemães vindos de Württemberg.
Conforme Roche,
Durante uns trinta anos, as antigas colônias forneceram da metade aos dois terços
dos novos habitantes da colônia; Neu-Württemberg poderia também ter-se chamado
“Nova Teutônia”, pois a antiga colônia deste nome deu, sozinha, quase o terço do
contingente deles, de 1905 a 1935. Não só Neu-Württemberg serviu de exutório às
antigas colônias, mas seu desenvolvimento foi facilitado pela homogeneidade e pela
experiência pioneira da maior parte de seus fundadores.
219
O preço do lote de 25 hectares era de oitocentos mil réis no ano de 1900 e um conto de
réis em 1901. Em 1912, uma colônia já valia entre 2 e 3,5 contos de réis. A fase de
implantação se consolidara até fins de 1902, quando 90 famílias já haviam se fixado nas
diversas linhas coloniais. A partir de 1906 já se delineava uma área com características de
vila, com a multiplicação do número de casas, principalmente em torno da praça e das quadras
centrais.
220
216
MALHEIROS apud NEUMANN, 2003, op. cit.,.p.97.
217
Cf. MALHEIROS, 1979.
218
Ou seja, cidades como Santa Cruz, Estrela, Lajeado, São Lourenço, etc.
219
ROCHE, op. cit., p. 349.
220
Cf. ZARTH, 1997; LEITZKE; NEUMANN, 2005.
92
Os imigrantes viriam somente anos depois, e em maior escala nas décadas de 20 e
30.
221
A base econômica da “futura” cidade seria estruturada, principalmente, a partir das
potencialidades destes dois grupos:
essa gente toda que veio da Alemanha veio com o conhecimento até mais de um
ofício. Vieram para a agricultura, mas vieram com ofício, por isso que os primeiros
que aqui se radicaram fizeram uma ferraria, uma elétrica, moinho, a família Knnor
fez uma usina elétrica, a família Kepler fez a ferraria, e o moinho não sei quem fez.
Mas é interessante esta composição das origens. E os daqui que vieram da imigração
interna eram apenas agricultores, que só conheciam o trabalho na terra. Essas
indústrias que estão aí elas são resultante da imigração externa. Os que vieram da
imigração interna foram trabalhar no comércio, foram trabalhar na agricultura
principalmente.
222
Combinação que de acordo com Petrone era
duplamente vantajosa, uma vez que os primeiros trazem um equipamento técnico e
cultural mais moderno e os segundos já contam com uma experiência em atividades
agrícolas mais condizentes com a realidade do país. Esse fato talvez tenha tornado
menos dramáticos os primeiros momentos em áreas novas de colonização.
223
No entanto, em Neu-Württemberg, as posições estratégicas como administração,
ensino, atendimento religioso e organização de atividades culturais, eram reservadas aos
imigrantes, o que gerava certo desconforto entre alguns teutos. Percebe-se, então, a existência
de conflitos gerados por disputas de poder e por diferenças culturais, não apenas entre
germânicos e nacionais, mas também dentro do próprio grupo étnico/alemão.
Ao chegarem em Neu-Württemberg, os (i)migrantes/descendentes constatavam que a
área era povoada por alguns luso-brasileiros, o que lhes causava duplo espanto: primeiro,
porque conforme a propaganda da empresa colonizadora o lugar era “desabitado” e, segundo,
porque as diferenças culturais entre ambos eram latentes, como se percebe nas palavras de
Wahlbrink: “A gleba comprada pela Colonização Herrmann Meyer, era fechada. Foi
comprada e paga. E o contrato dizia desabitado. E esses ‘caboclinhos’ tavam morando ali.
Bicho do mato a gente chamava eles”.
224
O negócio realizado entre a colonizadora e os fazendeiros certamente não beneficiou
aos posseiros e “agregados” que já viviam naquela área.
221
Existe no Museu e Arquivo Histórico de Panambi uma listagem de imigrantes alemães que ingressaram no
povoado nas décadas de 20 e 30, perfazendo um total de 176 famílias, discriminando o número de membros de
cada família, resultando em mais de 600 pessoas, bem como o local de estabelecimento.
222
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
223
PETRONE, op. cit., p. 122.
224
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.
2002.
93
Então chegava um caboclinho àqueles que a família não levou junto, a família dos
donos daquelas glebas enormes de terras. Eles diziam, mostravam enxada (o
imigrante entendia que queriam trabalhar). Daí ganhava uns níqueis, além da
comida, vinha pra vila se embriagar com cachaça. Digo, não cuidava de guardar esse
dinheiro pra comprar uma roupa melhor, pra ir ao barbeiro, até se degenerava, a
cachaça fazia o resto...
225
A má impressão não se restringia apenas ao grupo formado pelos “caboclos”, mas
também aos fazendeiros: “Eles tinham tudo, eles eram os donos de tudo! Nos primeiros anos
de 1910, 1912, 1914, 1915...começaram a vender...Quando não tinham mais dinheiro vendiam
um pedaço de terra e era festa o resto do ano, até que não tinha mais nada...”
226
De acordo com Prass,
já havia na área aqui, mais ou menos umas 500 pessoas quando
vieram os primeiros alemães. Sim, porque eles vieram lá por mil
oitocentos e pouco. Tinha os Malheiros, os Moura, o Encarnação, os
Bairros, vieram de São Paulo principalmente. E eles se fixaram por aí,
mas não... Como é que eu vou dizer... Eles não criaram, eles ficaram
vegetando, vivendo assim... Não criaram nada de progressista... E os
alemães eram interessados em crescer.
227
Nesse contexto, as atitudes dos nacionais serviam para sustentar o imaginário
germânico. Isto é, as atitudes extremas calcavam esta representação que era contrastada com
seu grupo étnico. Segundo Seyferth,
Os grupos imigrados construíram suas identidades étnicas (...) baseados na
percepção das diferenças em relação a sociedade brasileira. (...) A retórica
etnocêntrica que acompanhou a elaboração das identidades estabeleceu o caboclo
como o outro, o oposto ao imigrante europeu. Categoria usada como sinônimo de
brasileiro. Esse sistema categórico construído por oposição envolve, principalmente,
critérios raciais e formulações subjetivas acerca do caráter e da mentalidade- em que
o caboclo aparece como individuo racialmente inferior, e o epíteto de “preguiçoso” é
o menos carregado de intenções pejorativas.(...) na representação do pioneiro, a
categoria colono (trazida do jargão oficial) identifica os imigrantes europeus e seus
descendentes e a colonização é definida como um processo civilizatório instaurado
225
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.
2002.
226
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.
2002.
227
PRASS, Bruno. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
94
na selva brasileira. Nela certamente o caboclo brasileiro ocupa a oposição de bárbaro
diante de civilizados!
228
Por exemplo, a afirmação de que enquanto os luso-brasileiros pobres muitos vezes
gastavam seu dinheiro na compra de cachaça ou, no caso dos mais abastados, vendiam suas
terras para financiarem festas, os alemães se dedicavam integralmente ao trabalho, tido como
uma de suas principais características étnicas:
Até os 17 anos, eu não admitia se alguém me chamasse de brasileiro. Brasileiro pra
mim era sinônimo de vergonha, sujeira, mal cheiro, cabeludo, barbudo, bêbado e
esfarrapado e sujo. É a imagem que, a gente não tinha outra imagem. Depois, mais
tarde, com os que Cruz Alta mandavam pra cá, sub-prefeito, sub-delegado, também
não eram lá sempre uns, umas pessoas que a gente pudesse respeita, orgulho, foi
uma transição terrível. Pra mim foi horrível. E depois eu casei com uma
alemoazinha. E quando os alemães conversam sobre ‘os brasileiro’, é pra ver que
imagem que eles carregam do peãozinho que foi esquecido por aí...
229
Desta forma, “quando vinha um, cabeludo, barbudo, esfarrapado, sujo e bêbado, nós,
os brasileiros sem saber que somos brasileiros, ‘olha um brasileiro, olha um brasileiro’. Ele
vinha da campanha, bêbado e nós vinha atrás gritando, ‘olha um brasileiro, olha um
brasileiro”.
230
O próprio termo “brasileiro” era usado de forma pejorativa, para identificar o
que se considerava como o “outro”. Kepler destaca, “a gente não tinha outra imagem.” Logo,
quando esses alemães e descendentes, no período do Estado Novo (1937-45), foram
compelidos a assumirem uma identidade brasileira, houve uma forte resistência, como ressalta
Kepler: “Agora, muda essa imagem. Crie o orgulho de ser brasileiro dentro de você, como era
o meu caso. É uma trabalheira tremenda, viu”. Acresce ainda:
quem foi que transformou a mente da gente pra dizer eu sou brasileiro com orgulho?
Não, a Companhia Herrmann Meyer de colonização comprou as terras. Os
fazendeiros se foram, mudaram lá pra Palmeira, Santa Bárbara do Sul, Cruz Alta, e
deixaram alguns caboclinhos meio perdidos por aí. Quando vieram os imigrantes
tomar conta, vamos agora usar essa expressão, eu sou brasileiro, mas os brasileiros
contra os alemães não se comunicavam a não ser por sinais.
231
Os alemães/descendentes não conseguiam associar a imagem dos “nacionais” com
algo positivo. Assim, procuravam marcar a fronteira que os separava dos primeiros, na qual
228
SEYFERTH, Giralda. Identidade nacional, diferenças regionais, integração étnica e a questão imigratória no
Brasil. In: Região e nação na América Latina. Org. ZARUR, George Cerqueira Leite. Brasília: UnB, s.d. p. 97-
98.
229
KEPLER, Walter Roberto. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 18, fev. 2002.
230
KEPLER, Walter Roberto. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 18, fev. 2002.
231
KEPLER, Walter Roberto. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 18, fev. 2002.
95
elegiam como características diferenciadoras seu apreço pelo trabalho e a preocupação em
manter aspectos de sua cultura, principalmente a língua. Segundo Seyferth: “uma imagem
construída por oposição a brasileiros estereotipados, num contexto de identidades
contrastivas”.
232
2.4.1 “... por isso que sempre quando dá uma guerra dá com eles!”
Os europeus imigrados no século XX procuravam manter, de forma mais intensa que
os teutos, os laços que os ligavam à terra natal:
233
“Eles vieram pra sobreviver. Trazendo de lá
a cultura social tudo isso trouxeram de lá. Fundaram escolas, as igrejas, fundaram tudo isso.
Mas eles não deixaram de ter uma profunda ligação com a Alemanha...”
234
Característica que
incomodava tanto alguns (i)migrantes e descendentes alemães quanto muitos nacionais:
“Tinha também uns alemães que eram, que gostavam de dizer que a Alemanha era muito
melhor, que não sei o que... aí eu mesmo, pessoalmente, cansei de dizer, mas então vão pra
Alemanha, vão pra lá!”
235
Os imigrantes trouxeram conhecimentos sobre si e o mundo que eram ignorados pela
comunidade local: “As fábricas das quais o Sr. Faulhaber nos tinha falado com muito
232
SEYFERTH, Giralda. A Identidade teuto-brasileira numa perspectiva histórica, p.23. In: MAUCH, Claudia.
VASCONCELOS, Naira (org.). Os alemães no sul do Brasil: cultura, etnicidade e história. Canoas: Ed.
ULBRA, 1994.
233
Os imigrantes que afluíram para o Brasil em 1824 provinham de uma Alemanha não unificada, que estava
iniciando sua fase de industrialização e destinavam-se prioritariamente à agricultura, muitos procuravam
esquecer seu passado pobre na terra natal e reiniciar sua história a partir da chegada ao Brasil. Já os que
emigraram no século posterior, deixavam uma Alemanha unificada (1871), industrializada, em ampla expansão,
que embora não desse conta de atender às necessidades econômicas de toda sua população, era vista como
referência, tanto que muitos alimentavam o sonho do retorno.
234
SCHNEIDER. Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
235
SANTOS, Nelci Silva dos.Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
96
entusiasmo, eram para nós que vínhamos da Europa, pequenas oficinas instaladas em prédios
de madeira já bastante velhas...”
236
Essas diferenças são ressaltadas, em momentos específicos, como no seguinte relato:
Comparado ao alemão, o teuto-brasileiro é um trabalhador capaz e
cioso de seu valor, com um intelecto pouco ágil e com visão limitada,
dotado de pouco altruísmo, "cabeça-dura" e muito conservador, a
quem freqüentemente a forma interessa mais que o conteúdo, de
maneira que quase se poderia dizer que ele cuida da escola mais por
um instinto atávico do que movido por uma necessidade interna. Uma
grande qualidade é a sua forte inclinação familiar associada com uma
bem desenvolvida consciência racial. [O alemão imigrante] é
intelectualmente mais vivaz e polivalente e mais aberto a novas
idéias.
237
Nem teutos nem brasileiros possuíam as mesmas “qualidades”. A cultura européia
trazida por esses imigrantes, bem como a própria Europa eram apresentados como melhores:
“... eles tinham uma arrogância maior, não podemos esquecer, esse pessoal, eles eram
arrogantes. Eles vinham duma terrinha pequena, com uma tecnologia avançada contra a
nossa! Eles queriam que eles fossem os que davam, assim, as tintas...”.
238
Ou seja, queriam
mandar.
Eles eram arrogantes assim pela situação... Eles sempre achavam que só eles tinham
razão! E o resto, pode ser até alemão que veio de lá, ou já brasileiro nascido no
Brasil, eles sempre achavam que eles eram mais inteligentes! Nunca, eles são é
arrogante por natureza! Não existe! O alemão é arrogante por natureza! Isso não
adianta! Por isso que sempre quando dá uma guerra dá com eles!
239
Segundo Wahlbrink, os imigrantes apresentavam “sempre aquela expressão de
superioridade, de raça superior”.
240
Nelci Santos sintetiza suas impressões a respeito desse
fato:
236
Carta escrita por Gertrud Schmitt-Prym, após o final da II Guerra Mundial. Trad. e datil., Museu e Arquivo
Histórico de Panambi (MAHP).
237
BESTAND, apud MEYER, Dagmar E. Estermann. “Alemão”, “estrangeiro” ou “teuto-
brasileiro”? Representações de docência teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do
Sul. Disponível em:< http://www.anped.org.br
> Acesso em: 28 de dez. 2002.
238
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
239
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
240
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
97
Era porque eles tinham mais... e um pouco de racismo, eles tinham, assim, não eram
todos, tinha gente.... que era bem social assim, que a gente já via que aquilo, eu acho
que é uma cosa que já traz de casa! Que tem uns que são bem radicais e não querem
saber e chamavam a gente de schwartznegger [negro preto] e era! Então, aí a gente
vê que aquilo já vem de casa. E tinha outros que eram bem equilibrados!
241
Enfim, percebe-se que essa relação triangular entre nacionais, teutos e imigrantes era
mais complexa do que geralmente é apresentada. No cotidiano das regiões coloniais, os
conflitos étnicos nem sempre eram visíveis, como atesta o discurso de um representante luso-
brasileiro em saudação ao cônsul alemão em Neu-Württemberg: “os brasileiros e alemães
aqui estão de tal modo confraternizados que jamais se preocupam com estéreis questões de
raças, religião ou mal entendido patriotismo; que a luta que a todos preocupa e que de dia a
dia mais se impõe é a luta do trabalho, mas essa é a grande luta que dignifica o homem, a
pátria e a família.”
242
Esta “harmonia” é confirmada por Schneider, o qual destaca o fato de que, se por um
lado, havia a tentativa de manter a cultura germânica, por outro, a negociação estava presente
no dia-a-dia dos colonos que viviam o que Stuart Hall chamou de “tradução”.
243
Para essas
pessoas, um estava aprendendo com o outro, a fim de viverem no mesmo universo, sem
abandonarem suas singularidades.
Nós nos relacionávamos muito bem. Os alemães, os brasileiros daqui começaram a
aprender a falar em alemão e os alemães aprenderam a falar o português. Aí um e
outro se entendiam, não havia, não havia uma forte ojeriza entre as raças, entre as
raças que aqui existiam e os que vieram de fora.
244
No entanto, este convívio era circunscrito pela distância geográfica:
Panambi tinha assim a beira do campo era dominada pelos chamados caboclos, e a
cidade tinha só um nucleozinho que era que era a Vila Nova ali que era, que era
oprimida da vinda lá do pessoal do campo, eles moravam na cidade e o resto era,
essa região aqui assim era quase que puro de origem alemã. E a Iriapira, e o Rincão
ali era difícil achar um que era de outra etnia, era tudo, isso era tudo alemão.
245
241
SANTOS, Nelci Silva dos.Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
242
ÁLBUM de Recortes de Minoly Gomes de Amorim, (1913). Museu e Arquivo Histórico de Panambi
(MAHP).
243
Cf. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002; HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
244
SCHNEIDER. Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
245
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
98
Também por fatores políticos e econômicos:
você veja só, os brasileiros estavam radicados no campo, quase não participavam das
coisas. Eles eram, tinham no máximo um cavalo e uma carroça, o campo era campo,
campanha. Os alemães que estavam mais na parte colonial, na área de mato, onde
era mato, esses mais vinham para a cidade... Os brasileiros não, eles ficavam mais
fora da cidade. Por isso que não houve nunca um grande choque assim, de idéias
políticas.
246
Por sua vez, os luso-brasileiros afirmavam que “acostumaram” com os alemães, ou
com o fato destes deterem o poder econômico, político e cultural na localidade: “Não, mas eu
não sei, a gente, até não, a gente não se implicava muito... eu acho que a gente era... eu tava
tão acostumada a conviver só quase com os alemães aí, que eu achava tudo natural...”.
247
Existia um distanciamento entre nacionais, imigrantes e teutos, havendo divergências dentro
do próprio grupo étnico alemão. Todavia, essas discrepâncias eram consideradas “naturais”
nas relações cotidianas, sendo que, quando a negociação não era possível, emergia então a
diferença: “Todos os de origem alemão que vieram para o município de Panambi, era bem
separado, isso era bem separado!”
248
2.4.2 O lazer
As instituições de lazer e as festas daí advindas desempenhavam um papel importante
no estabelecimento da fronteira étnica, pois possibilitavam a continuidade da cultura através
do uso da língua alemã, da constante rememoração da pátria mãe e da minimização da
presença dos nacionais. Nas palavras de Klos, “olha, poucos (brasileiros) participavam.”
249
Em Neu-Württemberg havia diversas entidades destinadas às práticas de lazer como
sociedade de atiradores, sociedade de lanceiros – um esporte que envolvia cavalos, nos quais
246
SCHNEIDER. Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
247
SANTOS, Nelci Silva dos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
248
CAVALHEIRO, José dos Santos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 23, fev.
2002.
249
KLOS, Otmar Sigismundo. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 21, fev. 2002.
99
os luso-brasileiros apresentavam maior destreza, o que lhes facultava acesso a estas entidades
–, sociedade de ginástica e sociedade de cantores/corais. Wahlbrink refere:
eles então, anualmente, se reuniam para um encontro de corais! Então era,
naturalmente, canções específicas, em alemão, eles cantavam, pra abertura,
cantavam o hino nacional, mas também, todos cantavam o hino alemão, eu aprendi a
cantar o hino nacional na aula, hoje não sei mais ele de cor, mas a melodia eu sei,
mas o hino alemão também nós cantava, da Alemanha.
250
A música tocava a “alma” dos (i)migrantes/descendentes, constituindo-se um dos mais
significativos instrumentos para preservar a cultura, já que remetia às lembranças da
Alemanha e à exaltação de seus valores, conforme Grützmann, “o germanismo escolhe a
canção em língua alemã como sua principal aliada na luta em prol da manutenção da
germanidade”.
251
Entre as principais comemorações da localidade, estava o “Unser Tag” (nosso dia),
relativo ao 25 de julho, como registrado na foto, que procurava manter a memória da
imigração.
252
Essas festividades eram marcadas por um momento cultural, quando ocorria a
apresentação de peças de teatro, declamação de poesias, cantos. Encerrava-se geralmente com
um baile.
Foto 15 - Festa do “Unser Tag” em Neu-Württemberg, 1924. Disponível no MAPH
250
WAHLBRINK. Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
251
GRÜTZMANN, op. cit., p. 208.
252
Cf. WEBER, Roswithia. As comemorações da imigração alemã no Rio Grande do Sul: O “25 de julho”
em São Leopoldo, 1924-1949. Novo Hamburgo: Feevale, 2004.
100
Outro aspecto relacionado aos locais de lazer consistia na retomada de uma cultura de
se reunir em “bares”, onde se difundiam e reatualizavam alguns hábitos alimentares, trazidos
da Alemanha e adotados como típicos do grupo étnico como um todo.
Os que vieram de fora, da Alemanha, eram muito, é outra coisa que propicia, os
invernos, os frios intensivos, a vivência em família, a vivência em bares, a vivência
em restaurantes. Eles gostavam de, dali surgiu o chopp, a rosca de sal, ali surgiu a
mortadela, que na época já fazia, e o que mais gostava era ir num bar assim de
alemães, tinha uma meia dúzia de bares assim em Panambi, eles gostavam de
trabalhar, mas não deixavam de festejar, eles cantavam, faziam aula de canto, tudo
isso trazido de lá (da Alemanha). Eles trouxeram uma cultura de boa vida. De boa
vivência social, cultural, social. Depois isso, eles trouxeram uma comida, eu me
lembro disso, que tinha um bar Otto Raiche. Era uma meia dúzia de bar que tinha
aqui em Panambi, não eram bares como se tem hoje, onde os cara bebem cachaça.
Não pensem isso. Eram mesmo, eram gente de família que iam lá.
253
(grifo nosso).
Por sua vez, o cuidado com a família também se destacava durante os encontros de
lazer. Quando se reuniam para dançar, a etnia definia o par, muitas vezes, a contragosto dos
mais jovens:
Naquele tempo, a gente ia nos bailes, era baile de salão, todo mundo ia! Então, se
gostava, dançava e tudo assim! Mas o alemão é muito mais racista! O alemão assim
é, se os alemãozinho dançavam com uma brasileira já recebiam advertência depois
em casa! Eles não queriam muito! Aí, às vezes, a gente encontrava! Que nem na
praça, não tinha, a gente se encontrava, na matiné, nos domingos... e aí diz, a minha
mãe quer que eu dance só com fulana, que é alemoa, mas eu não vou dançar porque
eu gosto mais de dançar com vocês! Eu digo, a tu dança com quem tu quer! Quem
sabe tu dança um pouco com as tuas alemoas! (risos).
254
Desse modo, o casamento endogâmico, que pretendia assegurar a continuidade da
cultura, era considerado fundamental, quase uma obrigação moral e quando não ocorria podia
gerar grandes desavenças. Nesse sentido, Roche afirma que enquanto na maioria dos
municípios que haviam sido colonizados por (i)migrantes/descendentes alemães a endogamia
diminuía na década de 1960, em Panambi e Santa Rosa continuava a elevar-se.
255
Os mais jovens costumavam participar de grupos de juventude, ligados à igreja,
realizar excursões, piqueniques, acampamentos, passeios a cavalo, natação, ginástica, futebol,
253
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
254
SANTOS, Nelci Silva dos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
255
ROCHE, op. cit., p. 611.
101
etc. Na segunda metade da década de 30 também se formou em Panambi um grupo de
escoteiros, nos moldes da Juventude Teuto Brasileira, cuja duração foi breve.
256
Com a declaração de Guerra à Alemanha, em 1942, o governo brasileiro acirrou a
vigilância sobre os alemães. Muitas entidades alemãs foram fechadas, mais tarde, quando
reabertas, os germânicos procuravam demonstrar sua integração à nação brasileira, por
exemplo, a partir da introdução de músicas em língua portuguesa no repertório dos corais,
as festas terminavam, as sociedades terminavam, eram proibidas, o Schützenverein
(Sociedade de Tiro), o Gesangverein (Sociedade de Canto), tudo termina. Terminou
com a guerra (preocupa-se com o gravador). Isso parou por um tempo, eles
começaram depois da guerra, e aí foi cantado em brasileiro e em alemão. Isso era tão
fácil, mas isso já podia ter acontecido antes, e por causa da nacionalização que veio
tão ligeiro, todo mundo ficou assustado.
257
Na conjuntura da Campanha de Nacionalização, Wahlbrink sinaliza para o fato de que
muitos “brasileiros” passaram a contestar abertamente a segregação étnica que existia nas
entidades associativas e nas festas:
Em festividades, quase não saía festas nesse interior, porque se vinha um
(brasileiro), os de origem alemã achavam que eles não deviam participar. E eles,
como se diziam donos desta terra, não poder participar... Então era sempre um
perigo de saltar alguma encrenca maior! E sempre tinha um ou outro que, e isso
ainda tem, alguém que se vem um, chama isso, um preto, já fica arrepiado, acha que
isso não faz parte do negócio... Eu acho que isso, racismo é uma das coisas muito
ruim, que não vão conseguir apagar tão fácil!
258
(grifo nosso)
A Campanha de Nacionalização forçou modificações nas relações entre
(i)migrantes/descendentes e nacionais, Veeck recorda: “porque daí eles (lusos brasileiros)
tinham a força e os alemão ficavam quieto, não podiam fazê nada.”
259
Desse modo, também
reestruturou a fronteira étnica, pois se neste momento histórico a língua alemã começava a dar
lugar à vernácula, outro aspecto “teria” que ser destacado para manter a diferença. Nesse
256
Em 1935, formou-se em Panambi um núcleo da Juventude Teuto Brasileira, a “Deutsch-Brasilianiche
Jugend”, a qual teve suas atividades encerradas em decorrência da Campanha de Nacionalização.A maior parte
dos jovens locais, tanto rapazes como moças faziam parte. A coordenação ficara a cargo de Gustav Kuhlmann e
Charlotte Wolgien.
257
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Márcia Neumann. 23, fev.
2002.
258
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
259
VEECK, Levino. Entrevista concedida a André Müller. Documento cedido pela secretaria da Paróquia
Evangélica Panambi Centro (IECLB).
102
sentido, parece que o elemento diferenciador sublinhado foi a capacidade de trabalho, tida
como grande característica do grupo étnico alemão.
260
Segundo o relato de um jornalista que visitou Panambi, após o término da Campanha
de Nacionalização:
Panambi, a primeira vista, causa uma boa impressão. Efetivamente, o progresso anda
por ali com botas de sete léguas. As suas fábricas, os seus prédios modernos, uma
agitação intensa da sua gente, tudo esta a atestar de que ali se trabalha de fato, pouco
tempo existindo para divertimentos comuns a qualquer coletividade. Aliás, já no
ônibus o chofer me advertia: o sr. não encontrará nenhum clube em Panambi, por
que aquela gente lá não tem tempo para se divertir...
261
Em outras palavras, “aquela gente” só se preocupava em trabalhar, tanto é que chegava
a abdicar do lazer, opção que naquele cenário também se configurava como uma qualidade
que a caracterizava.
2.4.3 A Escola
Outro espaço utilizado para manter a cultura germânica e a conseqüente diferenciação
dos nacionais foi a escola “privada teuto-brasileira”. Ela se caracterizava como uma
instituição a serviço do deutschtum. Nas primeiras décadas do século XX, o acesso à
educação era restrito, pois nem todos os colonos dispunham de condições financeiras para
manter os filhos em uma escola particular, o que se agravava quando as famílias eram mais
numerosas. Atendendo a essas necessidades, em fevereiro de 1906, a municipalidade de Cruz
Alta instalaria uma escola pública na área central da colônia, nomeando como professor o
capitão republicano Minoly Gomes de Amorim.
262
260
O trabalho eficiente foi, desde o início, da colonização um dos traços eleitos para caracterizar o grupo étnico
alemão, Aurélio Porto argumentava que os alemães “vieram inaugurar, no Rio Grande, o trabalho livre e
eficiente, que seria, pelos tempos adiante, um dos passos iniciais da prosperidade do torrão gaúcho...” PORTO,
Aurélio. O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Est. Graf. S. Terezinha, 1934, p. 43. Cf.
SEYFERTH, Giralda. Nacionalismo e identidade étnica: ideologia germanista e o grupo étnico teuto-
brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí. Florianópolis: FCC, 1982; GRÜTZMANN, 1999.
261
Diário de Notícias, Porto Alegre, 23 jul.1948.
262
Nos momentos em que se afastava do magistério para assumir outros cargos públicos, nomeavam-se outros
professores. Uma notícia de jornal, em 1913, dava conta da nomeação do republicano Randolar Germany, em
substituição a Minoly. O mesmo faleceria pouco tempo depois, em maio de 1915. (Jornal Cruz Alta – 1913,
Álbum de recortes. Museu e Arquivo Histórico de Panambi).
103
No entanto, a escola pública nacional, funcionando em condições precárias, motivou
certo descontentamento e apreensão entre a ala germanista da colônia, pois representava uma
ameaça concreta à manutenção da língua alemã. Em maio de 1906, Alfred Bornmüller, em
carta dirigida a Herrmann Meyer, chamava atenção ao fato de que o professor público
dominava precariamente a língua alemã e alertava para a possibilidade das “crianças se
perderem no português”, ou seja, não aprenderem o idioma alemão.
263
Posteriormente, outro
(i)migrante/descendente manifestava sua preocupação diante da constatação de que se por um
lado a escola pública não oferecia ônus aos seus alunos, por outro, “tinha por objetivo a
assimilação dos colonos através do desconhecimento do deuschtum, oferecendo-lhes em troca
o conhecimento do português”.
264
Situação incômoda para Hermann Faulhaber, que se
preocupava ainda com a baixa assistência aos cultos. Fatores que segundo o mesmo poderiam
levar ao temido “abrasileiramento”. Assim, a fim de contornar esta situação, optou-se por um
discurso germanista mais incisivo, no sentido de recuperar a “cultura alemã”, principalmente
Faulhaber, que se valia de instituições como a Igreja e a escola.
Para os germânicos, a educação assumiu papel central desde a Reforma Protestante.
Lutero defendia que a população devia dominar a escrita e a leitura, pois só assim poderia
interpretar a Bíblia. Conforme Prass,
Quando Lutero fez a Reforma, então ele disse, a pessoa tem livre arbítrio, tem que
ler a bíblia, tem
que ler, mas não depender do que os outros... Tem que mesmo, ele
mesmo ler, interpretar... Por isso tem que ter escola tem que ser escolarizado, tem
que ser educado, tem que ser instruído!
265
De acordo com Müller, essa preocupação foi trazida ao Rio Grande do Sul, onde a
escassez de escolas públicas fez com que se estruturassem as escolas particulares, que
passavam à categoria de perpetuadoras da língua e dos costumes alemães. O ensino do
português foi admitido porque se tratava da língua oficial do país e aprendê-la, ao mesmo
tempo em que representava uma ameaça à preservação da cultura, era considerado um dever
do cidadão, além disso, era de utilidade prática nas relações econômicas e políticas.
266
263
Ensino público em Neu-Württemberg. Livro copiativo 04/41 (traduzido, avulso). Alfred Bornmüller a
Herrmann Meyer, 17, mai. 1906. Pasta 4, Caixa 56, MAHP.
264
Ensino público em Neu-Württemberg . Livro copiativo 17/149 (traduzido, avulso). Johann Heinrich a
Algemeiner Deutscher Schulverein, 28/05/1906. Pasta 4, Caixa 56, MAHP.
265
PRASS, Bruno. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
266
MÜLLER, Telmo Lauro (org). A Nacionalização e a Escola Teuto-Brasileira Evangélica. In: Nacionalização
e imigração alemã. São Leopoldo: UNISINOS, 1994. p.67.
104
Em Neu Württemberg, somente os que realmente não tinham condições financeiras
estudavam nas escolas públicas, “então isso era que nem hoje, os que podem pagar vão no
Evangélico, e os que não podem no Pindorama.”
267
Nas escolas particulares seguia-se o calendário europeu.
268
Nessas instituições os
professores,
eram todos vindos da Alemanha. Todos eles eram pessoas altamente estudadas em
cursos superiores da Europa. Nós tínhamos só professores de categoria. Todos os
alemães eram, então se nós considerarmos essa escada de influências, esses
professores foram decisivos na formação tecnológica e cultural do nosso aluno, que
se tornou depois o empresário das indústrias.
269
Os alemães compreendiam que
aqueles que lêem, sabem melhor, e os outros que acham que sabem melhor, eles
perdem quando vão pra discussão. Então é ali que sempre dá o choque. Não são, só é
melhor quem sabe. Mas os alemães que vieram aqueles tudo só não sabiam ler em
português, mas liam em alemão, o que vinha escrito em alemão, eles entendiam o
que eles liam.
270
Na Vila, a preocupação com a leitura pode ser percebida pelo fato de se criar uma
biblioteca, que atendia à comunidade em geral, mas especialmente aos germânicos, pois a
maioria dos livros era escrita na língua alemã. “Nós tínhamos uma sociedade de leitura
Faulhaber, em alemão era Faulhaberstiftung. Era uma fundação alemã Faulhaber, da família
Faulhaber. E esta família, esta biblioteca fornecia semanalmente livros aos alemães para
leitura. Então todos liam os livros da sociedade de leitura Faulhaber”.
271
Uma entrevistada recorda que freqüentou “muito a casa do Faulhaber, do diretor,
porque existia, na sexta-feira, na sétima série, de noite, o Lesenabend, isso queria dizer a noite
de leitura, aí nós aprendemos os clássicos, os poetas Schiller, Goethe, Casimiro de Abreu”.
272
267
O Colégio Evangélico Panambi pertence à rede particular do município, enquanto a Escola de Estadual de
Ensino Fundamental Pindorama, à rede pública. KLOS, Otmar Sigismundo. Entrevista cedida a Eliane de Mello
e Rosane Marcia Neumann. 21, fev. 2002.
268
O ano letivo iniciava em outubro e findava em setembro do ano seguinte.
269
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
270
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
271
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
272
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 23, fev.
2002.
105
Acrescenta que “o círculo não era muito grande porque tinha os pais que não deixaram, os da
colônia já não vieram nada”.
273
Michels comenta: “Assim, as crianças aprendem dentro e fora
da escola (...) mantém contato com os conceitos de cultura (erudita), de ordem, de
pontualidade, da disciplina e da economia”.
274
A preocupação com a formação não se restringia somente aos alunos. Havia um
consenso a respeito da necessidade de qualificar permanentemente os professores.
Documentos analisados apontam freqüentemente para esta preocupação. “Desde o início
tendia a sediar encontros, de educadores, como o regional de 1925, reunindo 34 docentes”.
275
Foto 16 – Encontro de educadores (Ao centro Maria Faulhaber).
276
Enquanto a maioria dos (i)migrantes/descendentes se preocupava em garantir o acesso
à educação, os brasileiros, por razões culturais e econômicas, muitas vezes acabavam tirando
seus filhos da escola. Para muitos, a educação não era prioridade, já que precisavam de braços
273
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 23, fev.
2002.
274
MICHELS, op. cit., p.166.
275
Dados sobre a formação de Panambi. (mimeo.). Disponíveis no MAPH.
276
Dados sobre a formação de Panambi. (mimeo.). Disponíveis no MAPH.
106
para ajudar na lavoura, além disso, acreditavam que seus descendentes continuariam
trabalhando na agricultura. Conforme Wahlbrink, “nós (alemães) tava brabo que tinha que ir
na escola, e os outros (brasileiros) que iam na escola municipal ali, sempre ficavam fazendo,
eles iam na roça, não tinha esse negócio, eles tinham que trabalhar”.
277
O Estado brasileiro não possuía uma estrutura capaz de atender, de maneira
satisfatória, a população: “não construíram aulas (prédios). As aulas das colônias, isso os
pobres colonos tiveram que fazer. É. Isso não era assim, o nosso Brasil não era muito
adiantado ainda em educação”.
278
O quadro docente do Setor Público era carente de
formação:
Porque não existia professor formado. No interior, por exemplo, aqui em Panambi
mesmo, que era sede do município, era com dificuldade para conseguir uma
professora, então os prefeitos nomeavam a pessoa que eles sabiam que ele era
inteligente! Sabia escrever, sabia dá bons conselhos, boa professora, lecionava muito
bem, então era nomeada pelo prefeito! Iam orientando a piazada, gurizada até que
eles chegavam num ponto, depois, que vinham pra frente! Mas assim se fez a
vida!
279
O desleixe no cotidiano das escolas públicas é freqüentemente criticado nas falas dos
entrevistados:
aquela aula lá, que era numa escola municipal, que era sob a jurisprudência de Cruz
Alta, a professora não vinha segunda feira porque era dia santo disso, então ela não
venho terça feira por que o ônibus não vinha, não venho quarta feira porque o
aniversário de fulano, ela não podia perder, então uma semana não vinha, sempre
tinha razão pra não vir.
280
Para Wahlbrink, o descaso com a escola pública fez com que “aquela criançada lá (da
escola pública) fosse uma desgraça, não se criaram, alguns até ficaram mais agressivos”.
281
Quanto às relações entre luso-brasileiros e (i)migrantes/descendentes no cotidiano das
escolas públicas, Malheiros analisa
277
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
278
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 23, fev.
2002.
279
CAVALHEIRO, José dos Santos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 23, fev.
2002.
280
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
281
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
107
Como uma força irresistível, muitos desses imigrantes conseguiram mudar a
maioria dos sistemas locais. Queriam eles manter as suas tradições e em muito
conseguiram. Como é de se notar houve um certo choque racial com os antigos
moradores. Começou na escola a desconfiança. Daí, dessas desconfianças surgiram
encrencas que em muito atingiram o povo adulto. Os alunos das escolas públicas e
particulares, escolas brasileiras e escolas particulares alemãs. Havia correrias da
gurizada, até briga com nomes não só depreciativos, como agressivos. Os
professores, brasileiros junto ao insigne Diretor Faulhaber e junto aos professores
alemães, procuravam amenizar a situação em que, como dissemos, grandes
responsáveis tomavam partidos. Não vamos pormenorizar fatos e ocorrências neste
sentido. Porém o fato se tornou público e notório.
282
(grifo nosso)
Santos recorda:
Que aqui eu cansei de ser chamada de Schawznegger, que é negra preta... Então, um
dia, eu me avancei numa. Ela tinha um cabelo, assim, cumprido e eu marquei bem...
Então eles vinham vindo e eu vi quando ela vinha vindo, e ela já tinha assim, já foi
se afastando, e ai eu fui indo pro lado dela e pequei nos cabelo dela! Peguei nos
cabelo dela e digo: Agora diz quem é que é Schawznegger! E ela diz, não, eu não
digo mais.
283
Ambos apontam para o fato de que a escola refletia questões latentes na sociedade,
como as disputas entre a população que já estava estabelecida na localidade e os que
chegaram posteriormente, destacando que os últimos procuravam “manter e impor” sua
cultura, o que causava conflitos.
Nesse sentido, Michels enfatiza que são os imigrantes/descendentes que registram a
memória oficial da localidade, colocando o grupo étnico alemão como responsável por seu
progresso e utilizando a escola como instrumento de reprodução dessa memória. O que
contribui de forma significava para a manutenção dessa cultura, bem como da propagação de
seus valores, diante dos integrantes dos (i)migrantes/descendentes e dos nacionais.
284
Por outro lado, em alguns momentos, percebe-se as tentativas de negociação entre a
cultura alemã e a nacional, como na década de 20, quando Hermann Faulhaber organizou um
Manual de História, onde expôs, através de perguntas e respostas, os principais eventos
282
MALHEIROS, op. cit., p.58.
283
SANTOS, Nelci Silva dos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
284
Cf. MICHELS, 2001.
108
relacionados ao Brasil,
285
ou no fato de que, segundo alguns entrevistados, o estudo da língua
portuguesa já constava no currículo das escolas alemãs.
286
Já na década de 30, o discurso nazista, trazido por alguns docentes alemães, é
divulgado entre os alunos da vila através de um filme, Walbrink recorda: “eu sei que nós
saímos ali da Maranei com um caminhãozinho, e ali onde apareceu muitos de caqui, isso eu
me lembro”.
287
No entanto, as relações com a Alemanha e o uso da língua alemã passaram serem
vista com desconfiança a partir da instalação da Campanha de Nacionalização, que iniciou via
educação. Neste sentido
interessam, principalmente, os ensinos pré-primário, primário e normal rural,
porque, nos dois primeiros, existe a possibilidade de ser facilitada a ação psicológica
da nacionalização pela idade dos educandos, que os torna incapazes de resistirem às
sugestões do mestre.
288
Entre as conseqüências desta política estava o fato de vários professores retornaram
para a Alemanha. Segundo Röhle: “os bons professores saíram, tinham que sair”.
289
Conforme
um dos entrevistados:
Não tinha professores aqui, muito menos no interior. Então todos os professores,
dentro das áreas de colonização, vieram da Alemanha. E era tudo gente com
formação superior. Todos eles eram de fato preparados para o ensino. E isso era a
grande inveja do pessoal, que o nível do Colégio aqui era tão alto em relação aos
outros, que eles não podiam admitir mais isso. Então havia, houve o fechamento,
proibição de falar alemão, se bem que a proibição houve por causa da guerra. Mas,
esta história é um pouco anterior a guerra. (grifo nosso)
290
285
Arquivo Regional. PANAMBI AR 147. Pasta 2.Livro: Hermann Faulhaber, Pequeno Tratado de Historia
do Brasil por perguntas e respostas para uso das escolas primárias. 5
a
. Edição. Empresa Editora dos jornais
“Die Serra-Post e “Correio Serrano”. Ulrich Löw –Ijuí, RS, 1937.A primeira edição do referido livro foi
esgotada em menos de um ano.
286
Todavia, segundo os entrevistados as aulas eram esporádicas e os professores não dominavam o idioma.
287
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
288
CAMARA, Aristides de Lima. NEIVA, Arthur Hehl. Colonizações nipônica e germânica no sul do
Brasil. In.: Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro : [s.e.] Ano II, n. 1, jan. 1941. p. 102, apud
NEUMANN, mimeo.
289
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 23, fev.
2002.
290
PRASS, Bruno. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
109
Uma das medidas do governo consistiu no fechamento de escolas particulares alemãs,
como o Colégio Elsenau (Stadplatzschule Elsenau), hoje denominado Colégio Evangélico
Panambi:
Eu acho que os professores eram alemães todos, eu acho que era a maior escola, em
política, a notícia é mais importante que o fato. A notícia é mais importante que o
fato. Eles, noticiar o fechamento da escola, é uma vitória política na comunidade.
Não precisava fazer mais nada. Só fazer isso.
291
Com o fechamento dessa Escola, a maior parte dos alunos foi estudar no Grupo
Escolar Pindorama, uma instituição pública. Alguns, entretanto, preocupados em não se
misturarem aos brasileiros, conseguiram matricular seus filhos em uma pequena escola
particular dirigida por alemães, que continuava funcionando, a Weissbrodtschule.
292
As dificuldades para aprender o idioma nacional são destacadas por Wahlbrink, “eu
sei que nós tinha dificuldade da pronúncia e da expressão, do acento e da vírgula, isso era
complicado”.
293
Outra estratégia usada pelo governo para tentar nacionalizar aqueles considerados
“estrangeiros” foi o “projeto coloninhos”:
escolhiam alunos que foram a Porto Alegre, pra assistir as festividades de sete de
setembro. Nós éramos parece que cinco, daqui de Panambi, dessa nossa região.
Aquela época o governador era o Dornelles, Interventor. Era na época do Estado
Novo, então, nós fomos pra Porto Alegre, os coloninhos, e nessa vez que eu fui
junto, éramos daqui de Panambi, Cruz Alta, Ibirubá, Quinze de Novembro, acho, e
nós fomos alojados no quartel. Quartel Independente de guardas. Toda aquela
gurizada. Então num dia, o governador interventor foi lá neste quartel, e nós fizemos
uma apresentação de guerra. Metralhadora, tinha que carregar as metralhadoras,
montar, atirar. Na época, foi a grande festa, era um gurizada de 13, 14 anos. Festa
pra gurizada. Em Porto Alegre assistimos as viaturas do exército, lá no centro onde
era o desfile, o desfile da cavalaria, dos carros blindados, grupo da infantaria, e tudo
isso. Então nós achava uma beleza aquilo. Tinha discurso pra nós. Nós ganhávamos
depois todos os folhetos do governo. O governo fez uma propaganda para mostrar
para os filhos de estrangeiros o que é o Brasil, porque eles não viam. Nós aqui era
uma colônia alemã, praticamente cem por cento alemão.
294
291
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
292
SCHWARZ, Hertha. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Neumann. Fev. 2002.
293
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
294
SCHÜLER, Hélio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
110
Para o Estado, interessado na fidelidade dos colonos, era fundamental a criação de um
“sentimento de pertencimento” à Nação brasileira, por isso, a estratégia voltada para o campo
cultural. Todavia, essa intenção gerava diversos conflitos no cotidiano dos colonos e não
conduzia necessariamente à integração, gerava sim um processo de diferenciação que, como
explica Woodward, podia “ser construído negativamente por meio da exclusão ou da
marginalização daquelas pessoas (...) definidas como as outras.”
295
Nas escolas, segundo Santos, os alemães “faziam tudo separado! Os recreios era o
bolinho deles! Tinha uns que até os pais não falavam nada em brasileiro, aí os filhos já
falavam e eles eram bem racistas!” Por outro lado, os brasileiros evitavam o contato com os
germânicos e censuraram os que não agiam da mesma forma, “às vezes diziam: Ah! Agora só
tá dando conversa pras alemoada”.
296
Esse contexto complexo, simultaneamente, permitia a
negociação entre as culturas:
Nós não se falava em português, assim, eles (alemães e brasileiros) até falavam
misturados! Muitos se criaram no meio dos alemão, e falavam um pouco, tudo
misturado (idioma português e alemão)! Mas eles liam, até liam, algumas palavras,
mas o professor também nos judiava deles! Eles sempre, deixava um versinho bem
pequeno pra eles ler assim, eles liam! Escrever também, nós escrevia em
português.
297
Dado o fim da Campanha de Nacionalização, a cultura germânica retoma seu papel de
destaque na localidade,
e aí, depois aqui quem não sabia falar em alemão, não arrumava emprego, então
quando eu tive treze anos, que eu fiz treze anos, aí um dia, a minha mãe disse, assim:
“Eu acho que tu vai ir na, no colégio Evangélico, pra tu pelo menos entender um
pouco em alemão! Pra ti arrumar um emprego!
298
Schneider expressa suas conclusões a respeito da importância da educação para o
desenvolvimento da localidade:
Os professores porque eram alemães, eles sabiam dizer pra nós como eles pensavam
das coisas dos alemães, e nós assimilávamos isso. O sistema escolar teve muita
influência aqui, os professores alemães. A formação das nossas indústrias, creio que
295
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, 2000, op.
cit., p. 50.
296
SANTOS, Nelci Silva dos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
297
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
298
SANTOS, Nelci Silva dos. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 15, fev. 2002.
111
tenha sido fator muito importante a vinda desses professores de lá (Alemanha) e a
formação que eles difundiram nos jovens da época. Sem dúvida nenhuma. Isso é
muito importante porque o professor tem uma influência extraordinária na formação
cultural do agrupamento.
299
Dessa forma, as relações cotidianas evidenciam a existência de um processo
emaranhado no qual interagem (i)migrantes/descendentes e nacionais. Os primeiros,
preocupados em manter a cultura de origem no país receptor; os segundos, incomodados com
as dimensões que essa intenção poderia assumir. Essa relação dá margem para a busca de
pontos de equilíbrio entre ambos e novas formas de identificação, baseadas na negociação.
Paralelamente a essa convivência, no dia-a-dia, verificam-se os casos extremos, em que os
conflitos latentes emergem, como durante a Campanha de Nacionalização.
2.4.4 A Nacionalização
Nas relações entre diferentes culturas, um dos pontos que mais causou divergência
referia-se à noção de nacionalidade, que para os luso-brasileiros seria determinada pelo lugar
de nascimento, ou seja, pelo jus soli, enquanto para os alemães o que a determinava era o
direito de sangue, o jus sanguinis.
Conforme Seyferth,
A palavra Volk, na língua alemã, significa tanto povo como nação (...).Assim,
pessoas da mesma nacionalidade têm o mesmo sangue (ou vice-versa), são de
mesma raça; se o sangue é herdado, a nacionalidade de uma pessoa também é,
porque foi determinada pelo sangue. Isto elimina o vínculo com o Estado: um
alemão é sempre alemão, não importando o país onde nasceu. Para isto existe uma
categoria de identificação étnica – Auslanddeutschen (alemães no estrangeiro) –
definida pela nacionalidade (Volkstum) alemã.”
300
Assim, os alemães e seus descendentes, em todo o mundo, poderiam formar uma unidade
nacional sem se constituírem, necessariamente, em traidores dos Estados nos quais estavam vivendo,
permanecendo fiéis “ao espírito, cultura e sangue germânicos”,
deveriam empregar seu “talento, seus
299
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia
Neumann. 13, fev. 2002.
300
SEYFERTH, 1982, op. cit., p.42.
112
costume, sua lealdade, perseverança e consciência” para o bem da nova pátria.
301
Consideravam-se,
portanto, pertencentes à nação alemã e ao Estado brasileiro. Conforme Seyferth,
podiam ter duas pátrias, mas tem apenas uma nacionalidade e uma etnia: a alemã, e
ambas lhe são conferidas pelo direito de sangue. Não existe propriamente uma
associação dos componentes brasileiro e alemão da categoria de identificação étnica.
Pelo contrário, o primeiro é conseqüência do segundo: o teuto-brasileiro só é bom
cidadão porque manteve suas características alemãs; não mistura os dois
princípios.
302
Nessa direção, demonstravam sua fidelidade ao Estado brasileiro de diversas formas,
como por exemplo, cumprindo “seu dever” cívico de organizar as festas comemorativas da
Independência do Brasil, como atesta a imagem fotográfica abaixo, de 1939. Chama atenção a
faixa, ao centro, com os dizeres em letras garrafais “O BRASIL ESPERA QUE CADA UM
CUMPRA O SEU DEVER”. Além dos civis, há a presença de um contingente de militares na
mesma. Não é possível identificar se são soldados do Tiro de Guerra local ou do quartel de
Cruz Alta.
301
Kalender für die Deutschen in Brasilien, 1924, apud SEYFERTH, 1982, op. cit., p. 90.
302
SEYFERTH, 1982, op. cit., p.120.
113
Foto 17 - Desfile Cívico em homenagem à Independência do Brasil. 7, set.
1939.
Acervo MAHP.
Já ao longo do Estado Novo, eram comuns as reuniões de Nacionalização com ampla
participação da comunidade local.
Foto 18 - Reunião - Campanha de Nacionalização (Foto de Getúlio Vargas ao
fundo).
Acervo MAHP.
Desta forma, “ser alemão” não significava deixar de valorizar o Brasil, como destaca
Prass,
Essa questão de não valorizar o Brasil, isso foi criado por algumas
pessoas. Eu posso ser bom brasileiro mesmo praticando o japonês, ou
alemão, ou italiano, isso não interessa. Por acaso, os portugueses
trouxeram a língua, trouxeram os costumes, eles então, tudo bem. É a
114
língua oficial. Mas não pode excluir a dos outros... Não pode jogar os
seus rastros de cultura fora! E se eles trouxerem enriquece toda a
estrutura nacional...
303
De acordo com esse entendimento, ser bom cidadão brasileiro requeria manter os
vínculos com a Alemanha ao mesmo tempo em que se demonstrava fidelidade ao Brasil. Ou,
dito de outra forma, falar uma língua estrangeira e manter laços culturais com a pátria de
origem não impedia o indivíduo de ser um bom cidadão. Em Neu-Württemberg, o primeiro
aspecto foi ressaltado, por exemplo, com o entusiasmo gerado pelo desenvolvimento da
Alemanha durante o governo de Hitler, e o segundo, com a filiação de muitos ao partido de
Plínio Salgado, considerado extremamente nacionalista.
2.4.5 “Hitler era um homem grande pra nós”
O desenvolvimento econômico da Alemanha, efetuado durante o governo de Adolf
Hitler, entusiasmou algumas lideranças de Neu-Württemberg. Um exemplo foi Walter
Faulhaber: “nós teuto-brasileiros volvemos nossos olhos como antes em direção à velha pátria
e ao Führer Adolf Hitler, na certeza de que nos ajudará a eliminar erros que dividem e
enfraquecem o Deustschtum no sul do Brasil”.
304
Outro exemplo foi o professor responsável
pela escola de Linha Assis Brasil, que preparou material e organizou um desfile com seus
alunos em homenagem ao Brasil e à Alemanha.
Segundo Ilse Herta Kuff, o desfile ocorreu em 7 de setembro de 1939, o que torna o
evento ainda mais significativo, visto que a Alemanha foi destacada em um desfile de
comemoração à Independência do Brasil.
305
Chama atenção também o fato de que, como
demonstram as fotos a seguir, os educandos trazem diversas bandeiras da Alemanha, em
contrapartida fica difícil de localizar a bandeira do Brasil. Observe-se que se usou a expressão
“da Alemanha”, pois no ano em questão a bandeira com a cruz suástica já era, oficialmente,
bandeira alemã, tendo substituído a bandeira da República de Weimar.
303
PRASS, Bruno. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
304
FAULHABER apud GERTZ, 1987, op. cit., p. 96. Walter Faulhaber, filho de Hermann Faulhaber.
305
KUFF, Ilse Herta. Entrevista realizada por Eliane de Mello. 15, set. 2005.
115
Foto 19- Desfile de alunos com Bandeiras da Alemanha. Linha Brasil. 7, set. 1939.
Acervo particular de Ilse Herta Kuff.
Foto 20- Alunos posando com a bandeira alemã. Linha Brasil. 7, set. 1939.
Acervo particular de Ilse Herta Kuff.
116
As fotografias indicam que o professor procurava manter alguns laços com a
Alemanha e que recebia informações atuais de seu país de origem, visto que utilizava a
bandeira da Alemanha proposta pelo partido nazista. Sabe-se que circulavam notícias a
respeito da Alemanha na colônia, especialmente as que descreviam o “renascimento”
proporcionado pela ascensão de Hitler. Schneider recorda:
se seguiu depois de 1930 com Adolfo Hitler, que foi um homem que teve no início
como político, grandes condições e recuperou a Alemanha do desastre da I Guerra.
Recuperou e começou a invadir outros países da Europa. Essa gente toda que esteve
aqui eram hitleristas, muitos eram pessoas que tinham na pessoa do Hitler a maior
confiança... Mas esses alemães aqui eram tudo ferrenhos torcedores, que eles
sentiram uma Alemanha derrotada da guerra e observaram pelos rádios e pelo
conhecimento a reconstrução da Alemanha com Adolfo Hitler...que era o começo de
uma nova cultura, de uma nova, uma nova raça que estava se formando e ia
dominar o mundo inteiro ...
306
Essa exaltação levou muitos a pensarem que “estava surgindo um novo mundo”,
307
no qual
haveria possibilidade da Alemanha alcançar o desenvolvimento econômico de tal forma que permitisse
a volta dos imigrantes à pátria mãe, o que tornava o líder nazista uma pessoa benquista entre os
(i)migrantes/descendentes: “Hitler era um homem grande prá nós”.
308
Porque tu vivia no meio dos alemão, então eles diziam, isso lá é bom, assim... E
você sempre acha que nos outros lugar as coisas é melhor. Então eu não queria mais
nem ir na aula, ‘porque depois da Guerra eu quero ir pra Alemanha’! E o Hitler dizia
isso, depois da Guerra eu vou reunir a raça humana alemã, fazer uma raça Ariana.
Uma raça pura. A gente achava que a gente fazia parte disso.
309
Esse imaginário era reforçado junto aos alemães no exterior e seus descendentes de
diferentes formas. Um dos entrevistados recorda: “em 1936 pra 37, nós fomos chamados e
fomos num cinema, cinema mudo, aonde então as tropas nazistas faziam uma marcha
espetacular! E tu, com o teu fanatismo doente, olhava aquilo, isso era, o céu era na terra! Isso
era o fim, era o infinito...!”
310
O entusiasmo parece ter sido tanto, que ao narrar a decepção de
Hans Hennig Von Cossel, chefe do partido nazista, que visitou algumas colônias do sul em
1935 e verificou que poucos grupos preservavam o ideário germanista e as idéias nazistas,
306
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
307
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
308
SPODE, Lindolfo Adolfo e Irma Borges Spode. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia
Neumann. 16, fev. 2002.
309
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
310
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
117
Gertz afirma que “se Cossel não tivesse visitado São Leopoldo, mas Panambi, (grifo nosso)
sua avaliação não teria sido tão negativa”.
311
Assim, em Neu-Württemberg, uma parcela da população demonstrava entusiasmo
com a situação econômica da pátria de origem. Todavia, os entrevistados destacam que não
conheciam realmente a fundo as propostas nazistas, nem os conflitos gerados em torno da
mesma, “sabe aquele negócio de nazismo, aquele negócio, essa corrente tinha em todo
mundo, não só aqui, isso tinha na Argentina, acho até mais que aqui. Mas o povo ele não tem
culpa disso, nós não tinha nada”.
312
Ou seja, aponta para o fato de que a referência ao nazismo
nada mais era do que uma forma de manter os laços com a Heimat, de “continuar alemão”.
Tanto que, de acordo com Wahlbrink, ao serem acusados de “quinta coluna”,
313
não
compreendiam do que se tratava, “nem sabia o que era isso! Isso nós nem imaginava, nós até
falava isso sem saber o que era”.
314
2.4.6 O Integralismo
Na década de 20, surgiram algumas pequenas organizações de caráter fascista no
Brasil. O movimento mais expressivo nasceu nos anos 30, quando em outubro de 1932, Plínio
Salgado, juntamente com outros intelectuais, fundou a Ação Integralista Brasileira (AIB). O
Integralismo se definiu como uma doutrina nacionalista cujo conteúdo era mais cultural do
que econômico, pois dava grande ênfase ao valor espiritual da Nação. Seu lema era “Deus,
Pátria e família”.
315
311
GERTZ, René E. O perigo alemão. Porto Alegre: UFRGS, 1991, p. 20-21.
312
KLOS, Otmar Sigismundo. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 21, fev. 2002.
313
Naquele contexto, entendia-se por quinta-coluna todo estrangeiro ou elemento nacional que conspirava contra
os interesses do Brasil, ou exercia espionagem em favor de países estrangeiros.
314
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
315
Cf. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6.ed. São Paulo: Edusp, 1999. p. 353. Cf. GERTZ, 1987;
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difusão Européia do
Livro; Porto Alegre: UFRGS, 1974. (Coleção Corpo e Alma do Brasil, 40); CANABARRO, Ivo dos Santos
Uma abordagem cultural de um movimento político dos anos trinta : o caso do Integralismo em Ijuí.
UFRGS, 1994. (Dissertação de Mestrado em História); BERTONHA, João Fábio. Entre Mussolini e Plínio
Salgado: o Fascismo italiano, o Integralismo e o problema dos descendentes de italianos no Brasil. Revista
Brasileira de História. v. 21 n. 40 São Paulo, 2001; SILVA, José Luiz Werneck da.(org.) O feixe e o prisma:
uma revisão do Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
118
A filiação ao partido era compreendida pelos (i)migrantes/descendentes como uma
oportunidade de integração política, já que até então estavam excluídos dos quadros locais do
poder. Servia também para que demonstrassem sua brasilidade: primeiro, porque se tratava de
um partido político nacional e, segundo, porque evidenciava seu afastamento do nazismo. De
acordo com Seyferth,
a separação entre nacionalidade e cidadania se tornou muito mais evidente a partir da
propaganda nazista: os teuto-brasileiros estão integrados ao Estado brasileiro e à
etnia alemã, mas não ao Estado alemão representado pelo nacional-socialismo. Não
sendo cidadãos da Alemanha, nada tem em comum com o governo alemão e muito
menos com um partido político alemão.
316
Conforme Grützmann,
O apoio ao integralismo relaciona-se ainda ao seu propósito de combater a
influência e o avanço do comunismo no Brasil, valendo, como argumento de
persuasão e esclarecimento, as funestas conseqüências sociais e religiosas trazidas
pelos comunistas a Espanha. Essa meta representava, para o germanismo, a
possibilidade de manter os seus valores mais caros, principalmente a religião, sendo,
por isso, necessária a participação e cooperação da população de origem germânica
na sua concretização.
317
Os maiores centros integralistas localizavam-se na região Sul do Brasil (Rio Grande
do Sul e Santa Catarina), mais precisamente nas áreas coloniais. Nessas circunstâncias, Neu-
Württemberg abrigava um grande número de integralistas, a maioria,
(i)migrantes/descendentes alemães. Wahlbrink explica:
Acontece o seguinte, que o Plínio Salgado, ele era um tipo orador, tipo Hitler, ele era
um orador de movimento de massa, ele chegava numa praça e fazia um discurso e
abria o discurso na seguinte maneira: ‘Um povo só pode ser feliz e forte se acreditar
em Deus, Pátria e a Família!’ E eu acho que, se ele não tem a família, não adianta
querer ter a Deus nem Pátria. O luso, não, ele não era tão chegado a essas novas
filosofia! Mas aquele cara que tem sede, pra, principalmente, primeiro ter uma coisa,
porque isso é o maior desejo de cada um que tem um bem! E tem que ter um bem!
(uma propriedade) E ele se agarra mais em fanatismo !E trabalha e faz! E tanto é
verdade, aonde passou essa seita, porque é uma seita, como a seita religiosa, esses é
uma filosofia política! Então ela normalmente traz algum desenvolvimento! E ele
(Plínio Salgado) soube aproveitar a índole deste povo que veio da Europa para cá e
viu que o de origem alemã era mais crente pra essas coisas, ele tinha mais sede pra
ter.
318
316
SEYFERTH, 1982, op. cit., p. 99.
317
GRÜTZMANN, op. cit., p. 167.
318
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
119
Schneider complementa essa idéia, afirmando:
O Integralismo era uma corrente política que pensava no homem de forma integral,
o camarada tem que ser inteiro, não pode ser quebrado. E isso tinha muito a ver com
o que a gente pensava, por causa da nossa formação germânica, que é de autoridade,
que é do todo certo, o integralismo pegou forte. Meu pai era integralista.
319
Seyferth argumenta:
o integralismo soube aproveitar essa faceta do Deutschbrasilianertum, isto é, a
ênfase pertinente à cidadania brasileira que, de certa forma, faz parte da identidade
social teuto-brasileira. O integralismo, em síntese, se apresentou através de jornais
como o Blumenauer Zeitung como o partido que iria respeitar a particularidade de
cada grupo de imigrantes. E, nesse sentido, para o teuto-brasileiro, ser integralista
era mais uma forma de ajudar a preservação da sua identidade alemã.
320
Essa maleabilidade do Integralismo entre os alemães é resumida por Wahlbrink ao
dizer que “aqui os nazistas eram adeptos ao Integralismo”,
321
idéia essa compartilhada por
Prass: “não havia segregação. Eles pregavam o nacional, mas não excluíam o estrangeiro”.
322
2.4.7 Nacionalidade para o Estado brasileiro
Os dirigentes que subiram ao poder durante o Estado Novo, 1937-1945, atribuíram-se
a formação da “Nação Brasileira”. O brasileiro ideal seria o resultante da miscigenação entre
negros, índios e brancos, visando o branqueamento e a elevação da raça.
323
Nessa perspectiva,
estava em jogo a formação e definição do “ser brasileiro”, não admitindo a pluralidade étnica:
319
SCHNEIDER, Orlando Idílio. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev. 2002.
320
SEYFERTH, 1982, op. cit., p. 105.
321
WAHLBRINK, Walter. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
322
PRASS, Bruno. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
323
No final da década de 10 e início da de 20, ganham espaço no Brasil o discurso sanitarista, com a
remodelação do Rio de Janeiro e as campanhas de vacinação. Os trabalhos de Paster e Koch levaram a
identificação dos agentes de doenças antes consideradas incuráveis. A partir de então, surgiram métodos
específicos e, normalmente eficazes, que induziram alguns intelectuais a acalentar o sonho de que todo e
qualquer mal poderia ser remediado pelo novo saber. A Higiene, ungida pelo prestígio que somente a ciência
poderia conferir foi introduzida no cotidiano dos indivíduos. Viagens de médicos pelo interior passaram a
descrever o estado doentio da população. A imigração, antes defendida como solução econômica e eticamente
desejável, começava a ser questionada: “O dinheiro gasto nessas liberalidades [importar, hospedar, instalar
imigrantes, dar-lhes lotes de terras e casas, instrumentos agrícolas, sementes, assistência médica...] seria, dos
120
Na vigência do governo provisório a presença do estrangeiro passou a incomodar
ainda mais as elites dirigentes que vão procurar uma solução para o problema,
através de uma fundamentação racista cujos argumentos estavam respaldados pelas
obras de Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Alberto Torres, etc.
As posições teóricas e as soluções práticas apresentadas por estes intelectuais e
alguns ideólogos da década de 30 passaram a subsidiar muitas das propostas de
restrição à imigração, questionando o aspecto negativo da presença do estrangeiro e
sua tendência de formar quistos raciais.
324
A formação de núcleos etnicamente homogêneos foi uma política mantida ao longo do
Império e amplamente questionada pelo Estado Novo. Esse isolamento social e não
propriamente o isolamento geográfico, foi um dos fatores que permitiu a preservação, por
longo tempo, das especificidades da etnia alemã, por exemplo.
325
Como a definição do “ser brasileiro” era ampla, abarcava tanto os estrangeiros
residentes como os brasileiros naturalizados e de nascimento. Todavia, durante a Campanha
de Nacionalização, a construção do “ser brasileiro” ocorreu em oposição ao que se
considerava como o “ser estrangeiro”. Schwartzman ressalta que esta construção
passaria necessária e principalmente pela homogeneização da cultura, dos costumes,
da língua e da ideologia. A uniformização cultural implicava na exclusão dos
"estrangeiros", entendidos aqui como grupos estranhos ao projeto de nacionalização.
A amplitude do que era considerado "estrangeiro" poderia fugir à simples e direta
vinculação à pátria de origem. Sendo uma estigmatização político-ideológica,
cidadãos brasileiros poderiam ser considerados como tal se discordassem da
doutrina oficial.
326
pontos de vista moral, político e econômico, muito mais bem aplicado em socorrer, curar, reerguer da invalidez e
a inutilidade um número muitas vezes maior de brasileiros... Desde que se restaure a saúde do sertanejo, e que se
torne cada adulto nacional capaz de produzir a mesma quantidade de trabalho que o imigrante, o problema do
braço para a lavoura está resolvido.” De uma interpretação racial dos problemas sociais migrava-se para uma
interpretação sanitária. O habitante do sertão, antes considerado espécie inferior e inapto para a civilização,
passava agora à condição de vítima, injustamente caluniado e criminosamente abandonado à própria sorte, sem
saúde, justiça ou educação. Ou seja, de acordo com Lobato, ‘o Jeca não é assim, mas ficou assim’ (Conforme De
Luca, o personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, ‘extravasou os limites da ficção para encarnar o anti-herói
nacional, que incomodava na medida em que comprometia uma determinada concepção da vida cabocla, rompia
com o discurso ufanista a respeito do país e seus habitantes, era um sertanejo degenerado do nordeste’.). Em
1923, Oswald de Andrade referia-se à ‘vingança do Jeca que, se originalmente vinha marcado pela negatividade,
acabou revertendo a situação em seu favor’. DE LUCA, op. cit., p. 204-223. Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O
espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial. 2 reimp. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
324
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1988, p.103.
325
Cf. SEYFERTH, Giralda. A Assimilação dos Imigrantes como Questão Nacional. Mana: estudos de
antropologia social. Rio de Janeiro: v.3, n.1, abril de 1997 e NEUMANN, op. cit., 2003.
326
SCHWARTZMANN, Simon. BOMENY, Helena Maria Bousquet, COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos
Capanema. 2. ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas/Editora Paz e Terra, 2000, p. 19.
121
Os nacionalistas luso-brasileiros defendiam que muitos estrangeiros residentes no país,
mesmo naturalizados, não possuíam o sentimento de brasilidade. Para Vargas,
ser brasileiro não é, somente, respeitar as leis do Brasil e acatar as
suas autoridades. Ser brasileiro é amar o Brasil. É ter o sentimento que
lhes permite dizer: ‘o Brasil nos deu o pé, mas nós lhes daremos o
sangue’. É ter o sentimento de brasilidade, pela dedicação, pelo afeto,
pelo desejo de concorrer para a realização dessa grande obra, na qual
todos somos chamados a colaborar, porque só assim poderemos
contribuir para a marcha ascensional da prosperidade e da grandeza da
Pátria.
327
Nesse contexto, a imposição de uma língua oficial era vista como uma forma de
integrar a Nação.
328
Junto com o idioma se difundiriam valores, tradições, aspirações e ideais
nacionais que deveriam ser compartilhados por todos os habitantes dessa comunidade
imaginária.
329
Segundo De Luca, a língua era constantemente apontada como um aspecto que
identificaria os cidadãos da Nação:
estrangeiro é aquele que não fala a nossa língua, é aquele que nos procura só para
tirar algum partido; é estrangeiro o imigrado ou filho de imigrado enquanto não
pensa e não sente um pouco como brasileiro. Cerrar fileiras em torno do português
significava combater os efeitos deletérios provocados pela presença, no corpo da
nação, de elementos estranhos que perturbavam sua integridade e coesão. A
existência de jornais e revistas em língua estrangeira – “lidos por pouquíssimos
brasileiros, nem na repartição de polícia são lidos!” Era condenada sob alegação de
que num país novo, receptor de estrangeiros, tal presença constituía-se num
empecilho à assimilação. Não por acaso, o programa das Ligas Nacionalistas e de
Defesa Nacional insistiam na criação de escolas primárias, especialmente nos
núcleos coloniais, na obrigatoriedade do ensino do português nos estabelecimentos
327
Correio do Povo, Porto Alegre, nº 60, 13, mar.1940, p. 3.
328
DE LUCA, op. cit., p. 240.
329
Segundo Stuart Hall, três conceitos constituem uma cultura nacional como comunidade imaginada: “Memória
do passado, desejo por viver em conjunto e a perpetuação da herança cultural”. HALL, 2002, op. cit.,, p. 58.
122
educacionais estrangeiros e na atuação decidida do poder público a fim de evitar a
formação de quistos étnicos no território nacional.”
330
Por outro lado,
Na visão dos (i) migrantes/descendentes, os luso-brasileiros eram maus cidadãos,
pois se preocupam em atacar os imigrantes estrangeiros e seus respectivos países em
vez de pensar no progresso econômico do seu próprio país, burlam as leis em vez de
cumpri-las e procuram sugar o Estado através da politicagem.
331
Enfim, nos propósitos do Estado Novo, os imigrantes e descendentes, além da
cidadania brasileira e da vinculação à Pátria através do trabalho e do cumprimento dos seus
deveres civis, deveriam possuir um sentimento de brasilidade – e não mais de alemanidade.
Esse processo de nacionalização em Neu-Württemberg, uma colônia que se
representava e era representada como alemã, foi encarado pelas autoridades como urgente e
necessária, porém, o modo como foi realizado esse “abrasileiramento” provocou uma série de
conflitos, por partir do princípio de que a identidade germânica deveria ser substituída
imediatamente pela identidade brasileira. Ou seja, um processo de assimilação que leva
décadas, deveria se concretizar em um curto período. Na concepção de Aurélio Py, Chefe de
Polícia do Rio Grande do Sul,
Um trabalho cultural de 115 anos foi paralisado em poucos meses; si será ou não
completamente destruído, o futuro dirá. Ao mesmo tempo foi lançada contra os
alemães uma campanha sistemática por meio da imprensa. Submetidos a medidas de
‘emergência’ os elementos não lusitanos da população ficaram impotentes mas se
tem conduzido, em tudo, como cidadãos disciplinados e obedientes à lei, não
deixando que provocação alguma os induza à violência. Somente as autoridades
locais, sob ameaça de punição, decretaram a remoção de todas as inscrições alemãs
em pedras tumulares, a população mostrou a sua amargura por meio de uma simples
resistência passiva.
332
Calcadas nessa política, as manifestações eminentemente germanistas ou de caráter
mesmo nazista, toleradas e prestigiadas até então pelas autoridades nacionais, passaram a ser
vistas como um crime contra a Nação brasileira e reprimidas.
333
Por exemplo,
O ato de inauguração do novo prédio escolar da Escola Elsenau foi marcado pela
exaltação à Alemanha, em 1935, com a presença do cônsul alemão de Porto Alegre,
havendo um único discurso em língua portuguesa, pronunciado pelo representante
do prefeito de Cruz Alta. Na mesma ocasião, foram inaugurados na sala principal do
novo prédio um retrato de Hildenburg, Hitler e ao centro o de Getúlio Vargas, sem
causar maior estranhamento. Com o Estado Novo, esse ato mais outros foram
criminalizados pelas autoridades policias como manifestações eminentemente
330
DE LUCA, op. cit., p. 251.
331
SEYFERTH, 1982, op. cit., p. 57-58.
332
PY, Aurélio da Silva. O nazismo no Rio Grande do Sul : relatório. [s.l.] : [s.n.], 1940, p. 21.
333
Cf. GERTZ, 1991.
123
nazistas, que precisavam ser reprimidas. As mesmas autoridades que aplaudiram a
inauguração da escola, a fecharam em 1939.
334
Dentre as medidas da Campanha de Nacionalização, cabe destacar a alteração do nome
de Neu-Württemberg para Pindorama e posteriormente Panambi.
335
Essa ação parece
exemplar para percebermos a impossibilidade dos (i)migrantes/descendentes agirem diante
das resoluções políticas, que procuraram “abrasileirá-los”. Para os representantes dos
nacionais, a nova denominação poderia desestruturar simbolicamente a hegemonia germânica
e produzir a representação de que, em Panambi, o poder pertenceria aos brasileiros. Se essas
modificações foram aceitas de modo aparentemente pacífico, pois não fora possível uma
reação, essas discussões se reacenderam na década de 50, quando em vários momentos
reapareceu a possibilidade da retomada do antigo nome de Neu-Württemberg, como defendia
um articulista do jornal Diário Serrano:
Há poucos anos, por motivos que escapam a nossa observação, o Governo (o qual,
diga-se de passagem, nunca foi muito amigo de Panambi, senão existiria aqui um
Grupo Escolar a altura de tão progressista vila e uma agência de Correios e
telégrafos mais digna deste nome) houve por bem mudar o nome de Elsenau para
uma série de nomes subseqüentes, serie essa que terminou finalmente com
“Panambi”, palavra do idioma guarani, que em língua de gente, significa
“borboleta”, e que para um forasteiro daria talvez a entender que a população deste
distrito tem gênio de borboleta, isto é, vive no ar, sem sentido prático da vida. Que
tal não ocorre, não há necessidade de afirmarmos enfaticamente, pois é do
conhecimento de todos que já tiveram a felicidade de conhecer este recanto
abençoado, abençoado pelo patriotismo de seus filhos, todos eles, quase sem
exceção, cumpridores de seus deveres cívicos e portadores de uma vontade férrea de
querer ser útil a pátria. Efetivamente, a população de Panambi, Elsenau, não precisa
aceitar lições de patriotismo de quem quer que seja, pois jamais faltou ao
cumprimento de suas obrigações com a pátria brasileira. Nesta época, em que em
muitas regiões do nosso estado, vilas e cidades, bem como municípios inteiros
tornam a seu primitivo e tradicional nome (exemplos: Nova Bassano, Teotônio,
Bom Retiro, Santa Clara, Cruzeiro do Sul, etc, etc.). Nada mais justo do que também
devolver a Elsenau o nome pelo qual é conhecida no Rio Grande do Sul a fora.
336
Outras vozes se mostravam ferrenhamente contrárias a essa possibilidade:
334
NEUMANN, 2003, op. cit., p. 150.
335
De 1898 até 1938, permaneceu a designação Neu-Württemberg para a colônia como um todo. Desde 1901,
após a demarcação da área urbana, esta recebeu a designação Elsenau, como uma homenagem à esposa de
Meyer, Else. Em 1938, a colônia foi elevada à categoria de Vila, sendo chamada de Nova-Wüerttemberg. No
mesmo ano, houve outra alteração feita pelo decreto Estadual nº 7589/38, que estabeleceu o nome de
Pindorama, cujo significado é “Terra das Palmeiras”. Em 1944, houve mais uma alteração , passando a chamar-
se Tabapirã, que significa “aldeia dos telhados vermelhos”; contudo, esse nome não chegou a ser usado
oficialmente, tendo em vista que logo foi substituído por Panambi. Cf. RIBEIRO, Carmem Adriane. A Prática
de Educação em Organizações Cooperativas: O caso Cotripal. Dissertação de Mestrado: Unijuí, junho de
2005. MELLO, Eliane de; NEUMANN, Rosane Marcia. “Panambi, palavra do idioma Guarani que, em lingual
de gente, significa borboleta”. As especulações em torno do nome de Panambi, A Noticia Ilustrada, Panambi,
p.4-4, 2005; MELLO, Eliane de; NEUMANN, Rosane Marcia. Sobre a emancipação de Panambi – I e II. A
Noticia Ilustrada, Panambi, p. 8-8, 2005.
336
Quem assina este artigo é Assino Fiorini, italiano integrante do grupo que preservava a cultura teuta em Neu-
Württemberg . FIORINI, Assino. Panambi ou Elsenau? Correio Serrano. Ijuí, 07, nov. 1951.
124
Não se vê nenhuma vantagem com o retorno a nomes primitivos. Por isso somos por
Panambi mesmo. O povo panambiense é na sua maioria absoluta, constituído no
caldeamento das origens e comungam no mesmo sentimento de brasilidade. Panambi
não é uma colônia estritamente alemã como pensam os menos prevenidos. Como já
disse, aqui vivem brasileiros das mais variadas origens: desde africana até alemã e
portuguesa. Se houve em tempo que já vão bem longe a tropelia do racismo, isso
hoje é assunto morto e sepultado.
337
Para um dos entrevistados, “os que eram assim da esfera do governo isso eram, em
primeiro lugar contra os alemães, jamais iam admitir um nome alemão...” Só conseguiram
mantê-los, os municípios que, “tinham políticos influentes, pessoas que tinham influência no
governo” .
338
“Nós não tínhamos políticos influentes, isso aqui, política, isso não era o forte.
Nós trabalhava e fazia as coisa, política não era o nosso forte.”
339
O acirramento dos conflitos étnicos, antes não declarados, se processava de diversas
formas. Um exemplo parece ser o processo movido por Maria Dias contra Carlos Klem, no
qual o advogado da primeira se vale do clima de Nacionalização para articular sua defesa:
Maria Dias, brasileira, operária, maior, solteira, residente nesta cidade, por seu
assistente judiciário no fim assinado, vem ate V.S oferecer queixa crime contra
Carlos Klem, alemão, domiciliado e residente em Pindorama - onde exerce as
funções de “caixa” da firma comercial Faulhaber & Cia, - pelo fato delituoso que
passa a expor: A querelante empregava a sua atividade como operária da referida
firma, na seção de rolhas, e foi escalada no dia 5 de outubro, do ano findo, para
determinada limpeza do escritório da fábrica, onde Carlos Klem se encontrava
organizando as folhas de pagamento. Às onze horas do dia referido a queixosa foi
surpreendida no seu trabalho ao receber ordem de prisão, sendo conduzida por um
policial ate a Sub-Delegacia de Polícia do distrito, em virtude de Carlos Klem haver
se queixado ali de que a querelante furtara a quantia de 100 $000 depositada no
envelope nº 1. A querelante, moça honesta, vivendo do seu trabalho honrada, foi
severamente caluniada por Carlos Klem, -estrangeiro arrogante que mais de uma
vez tem assim procedido com as empregadas nacionais, quando estas não são do
seu agrado (grifo nosso); passou ela pelos mais dolorosos vexames tocada por
diante da polícia nas vias públicas de Pindorama. Carlos Klem, mal e perverso, ao
denunciar a queixosa o fez com intenção maldosa, com o desejo de ofender, de ferir.
340
337
MALHEIROS, Adil Alves. Salina- Neu-Württemberg. Diário Serrano. Cruz Alta, 28, fev. 1952.
338
KLOS, Otmar Sigismundo. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 21, fev. 2002.
339
KLOS, Otmar Sigismundo. Entrevista cedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 21, fev. 2002.
340
Arquivo Público Rio Grande do Sul. Município Cruz Alta. Cartório Civil e Crime N.4497 Maço 164.
Autuação-Iniciada em 6 de março de 1941.
125
Phillip descreve outro exemplo de conflito entre lusos e (i)migrantes alemães ocorrido
nesse contexto:
As redomas se formaram na Vila Nova, a partir da criação do último endereço do
grupo escolar Pindorama onde geralmente eram filhos de pessoas da colônia
Portuguesa que estudavam e essa colônia Portuguesa era ligada à Vila Nova, era
ligada onde hoje é o bairro Esperança. Há 40 anos tinha poucas casas e a colônia
alemã chegava a não se atrever a entrar no território da Vila Nova dependendo das
pessoas, um fato grotesco n década de 50, ainda no fim dos anos 40 era comum ao
meio-dia alunos da escola sinodal serem atacados por alunos da escola Pindorama, e
os do Pindorama atacando os da escola sinodal que eram quase todos da corrente
alemã.
341
De forma geral, percebe-se que em Neu-Württemberg a Campanha de Nacionalização,
por um momento, inverteu as relações entre (i) migrantes/descendentes e nacionais, pois se
anteriormente o grupo formado pelos (i)migrantes/descentes alemães detinha o poder na vila,
servindo de exemplo para os demais e sobressaindo-se aos nacionais; dada a conjuntura de
nacionalização, os luso-brasileiros assumiam essa posição. Dessa forma, a Campanha de
Nacionalização acentuou as diferenças e gerou um clima de desconfiança, até mesmo dentro
do grupo étnico alemão, além disso, revelou raivas, mágoas e preconceitos.
Acrescente-se ainda, que esse contexto contribuiu para que representantes do grupo
étnico alemão se articulassem a fim de obter poder político, pois haviam compreendido que
do contrário não conseguiriam garantir o progresso do Distrito e, muito menos, preservar sua
cultura. Foi a partir da compreensão, por parte de alguns grupos, de que as perseguições do
período anterior haviam sido uma medida essencialmente política, que se desenvolve a
proposta de emancipar a localidade.
2.4.8 A emancipação de Panambi
A Constituição Federal de 1946 deu abertura para a criação de novos municípios, no
entanto, a efetivação do processo exigia, inicialmente, que comprovassem um acentuado
desenvolvimento econômico e que possuíssem um determinado número de habitantes. Em
seguida, deveriam realizar um plebiscito, no qual a população decidiria pela emancipação ou
341
PHILIPP, Armin. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 17, ago. 2005.
126
não da localidade. Dessa forma, quando, em 1949, uma comissão organizou-se para articular a
emancipação de Panambi, sua meta imediata era comprovar que a localidade se enquadrava
nas exigências da Lei.
A Comissão Emancipacionista era formada por membros da Associação Comercial e
Industrial de Panambi, exceção feita ao presidente e aos luso-brasileiros: Presidente: Siegfried
Dietschi; Vice–presidente: Walter Faulhaber; Secretário: Conrado Doeth; Tesoureiro: Oscar
Schneider; Conselho: Cap. Minoly Gomes de Amorim, Josino Leal Malheiros, Rudi Franke e Adolfo
Kepler Junior.
A ACI (Associação Comercial e Industrial de Panambi) fora fundada na década de 30 pelos
maiores empresários locais e objetivava favorecer o desenvolvimento da indústria e do comércio.
342
em 1936, a mesma constitui um grupo com a função de reivindicar junto à prefeitura de Cruz Alta as
melhorias que julgava necessárias para o Distrito. Era a “Comissão pró-progresso”, que desta forma
funcionava como uma representação dos interesses da comunidade.
343
A leitura das atas da entidade dá a dimensão de seu poder tanto na localidade, quanto junto às
autoridades de Cruz Alta. Tanto que uma de suas medidas foi emprestar dinheiro para que a Campanha
de Emancipação fosse viabilizada.
344
A atuação de seus dirigentes se dava não apenas no setor
econômico, mas também no cultural, já que demonstravam preocupação com a manutenção de traços
da cultura germânica, o que fica evidente, por exemplo, ao se preocuparem em redigir suas atas no
idioma germânico e no vernáculo.
345
Nas entrelinhas, um aspecto que chama atenção é o fato de que
para estes estava claro que as perseguições do período anterior haviam sido essencialmente políticas e
que precisavam urgentemente conquistar autonomia para decidirem os rumos da localidade.
Nesse contexto, percebem-se algumas estratégicas com fins específicos, articuladas pela
Comissão, a começar pela relação de seus componentes, que reunia representantes dos
alemães/descendentes e dos luso-brasileiros. Essa medida parecia querer demonstrar que na localidade
os grupos estavam integrados e unidos em prol dos mesmos interesses. Wahlbrink menciona, “venho
um novo ciclo, aonde houve mais uma integração, o pessoal começou a entender que aquele sistema
342
A entidade local foi criada concomitantemente a Associação Industrial de Cruz Alta, o que não era comum.
343
Livro de Atas da ACI. Panambi, 08 fev.1936. Disponíveis na Sede da Entidade, Rua Konrad Adenauer.
344
Livro de Atas da Associação comercial e Industrial de Panambi. Ata nº3. Panambi 03, abr. 1950.
345
Cf. Livro de Atas da Associação comercial e Industrial de Panambi.
127
prussiano, arrogante, não tinha mais lugar no mundo, ao menos, entre aqui...”
346
De acordo com
Schneider, “este movimento emancipacionista uniu as raças, tanto que a comissão de emancipação era
formada por alemães e não alemães, porque a emancipação era de interesse de todos. (...) foi o maior
movimento social e comunitário da época, o mais importante.
347
(grifo nosso).
Outra estratégia foi a publicação de um livro patrocinado pelos sócios da ACI.
Lançado em 1949, “Cinqüentenário de Panambi 1899-1949”, de Erich Fausel, apresenta-se
como uma obra comemorativa e destaca o progresso econômico da localidade. Fausel atribui
o fato de os habitantes terem mantido os ideais de seus fundadores ao seguinte:
Os jubileus constituem para os homens marcos assinaladores na senda de sua
existência. Tais marcos - quando se trata de agrupamentos humanos - servem para
aferir a sua maior ou menor contribuição ao progresso da pátria comum. Vendo por
este prisma o jubileu de ouro de Panambi, antigo Neu-Württemberg, florescente e
progressista centro agrícola e industrial (...), podemos assegurar que sua população
cumpriu com galhardia sua missão, constituindo-se em célula viva de labor fecundo
e de civismo construtor. Sem querermos personalizar, manda a justiça que citemos
dois nomes que, por si só, sintetizam toda a grandeza desta colônia em véspera de
ser constituída município. Dr. Herrmann Meyer, esse espírito de pioneiro, que
fundou e organizou a futura colônia a expensas próprias, graças ao seu idealismo
fecundo e sadio, cuja chama é o apanágio das almas grandes; Hermann Faulhaber,
por mais de vinte anos seu diretor, o qual, pelo exemplo e pela ação soube conduzir
a população na vereda do trabalho, da ordem e da prosperidade, imprimindo a
colônia o marco indelével de sua vigorosa personalidade. 0 legado desses pró-
homens de Panambi há de constituir para as novas gerações uma fonte perene de
inspirações, um exemplo vivo a iluminar o caminho seguro do porvir.
348
O livro destaca os retratos de Herrmann Meyer e Herman Faulhaber, pintados a pena,
por B. Schubert.
346
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
347
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002.
348
FAUSEL, op. cit., p.1.
128
Desenho 1 - Herrmann Meyer Desenho 2 - Hermann Faulhaber.
Ainda com a finalidade de demonstrar o desenvolvimento econômico de Panambi,
estabelece um quadro comparativo ao apresentar duas gravuras, as quais são desenhadas a
partir do mesmo ponto de observação, porém, representando períodos de tempo diferentes. Na
imagem que pretende representar a comunidade em 1904, o artista enfatiza a imensidão, a
falta de recursos, o muito que se tinha a fazer.
129
Desenho 3 - Panambi em 1904
Já na segunda imagem, que representa a comunidade em 1949, enfatiza o trabalho dos
(i)migrantes/descendentes ao ilustrar o grande número de casas, ruas e estabelecimentos
comerciais e industriais, bem como a igreja. Ou, em outras palavras, a capacidade que os
mesmos tinham de comandar o “futuro município”.
Desenho 4 - Panambi em 1949
130
Nessa linha, o livro traz também uma extensa relação das firmas comerciais e
industriais
349
estabelecidas no distrito, bem como de seus produtos e serviços.
349
Almeida, Alexandre de (casa comercial); Almeida, Valeriano de (casa comercial); Arais, Gustavo (moinho e
descascador de Arroz); Baal, Edvino (olaria); Bacher, Eurico Gustavo (auto de Praça e alfaiataria); Bacher,
Helena (parteira); Bamesberger, Otto (construções de madeira); Banco Agrícola Mercantil S/A (Banco Industrial
e Comercial do Sul S.A.); Baumgarten, Miguel (pensão familiar); Becker, O. (linha de ônibus: Irai-Panambi-
Cruz Alta); Beckert, Edvino (ferraria); Behm, Emilio (barbearia); Berndorfer, Otto (ourives, relojoaria, jóias,
representações ); Blauth, Plínio(Casa comercial); Blum, Germano (tambo de leite); Bonn, Arthur Jacob (fábrica
de balas e caramelos); Borchardt, Affonso (oficina de vulcanização e agente de seguros); Bornholdl, Antonio
(salão de baile); Bühring, Albino (serraria); Burkhardt, Valdemar (dentista); Bradacz, Antonio (afinador de
pianos/concerto de instrumentos e Caixa Rural); Campos, Doralino F. (pensão familiar, barbearia e cancha de
bolão); Castro, Delibio (engarrafamento de vinho, vinagre e cachaça); Costa, Gaspar Bueno da (barbearia);
Dessbesell, Alfredo (fábrica de lenha); Dessbesell, Jacob (açougue); Dettmer, Alvino (serraria); Dhein, Alberto
Affonso (carpintaria); Dick, Theobaldo (moinho de trigo/milho e descascador de arroz); Dietrich, Bruno (auto de
praça); Dietrich, Willy (casa comercial, compra e venda de produtos coloniais); Dietz, Ernesto (tambo de leite);
Dill, Eugenio Guercess ((açougue); Drasche, César (fábrica de acolchoados, colchões e Tecidos); Dupont,
Albano (fábrica de aguardente); Ebinger, Hans (alfaiate); Elsenbach, Germano (moinho de trigo e milho);
Faulhaber & Cia. Ltda.(fábrica metalúrgica); Feldmann, Raymundo (ferraria); Feldmann, Waldemar (sapataria);
Fensterseifer, Lindolfo (agente de seguros); Fensterseifer, Willy (casa comercial); Fetter, Oscar (cartório civil e
escrivão distrital); Fetter, Otto (alfaiate); Fischer & Franke Llda,(casa comercial, agentes de seguros e bomba de
gasolina); Focking, Frederico (linha de ônibus: Panambi • Cruz Alta - Santa Maria); Focking, Alfredo (oficina
eletro-mecânica); Focking, Ivonne (enfermeira e parteira); Franke, Carlos (hotel Franke); Franke, Rudi A.
(tipografia, papelaria, agente de seguros, agente da loteria do Estado e escritório de representações); Fries,
Roberto (fábrica de Queijo); Furian & Cia. Llda.(linha de ônibus: Panambi • Pejuçara); Gärtner, Willibaldo (casa
comercial); Geckeler, Jorge (fábrica de móveis e lastros para Camas); Goecks, Reinoldo (padaria); Goldhardt,
Walter (cinema »ldeal«, bar, restaurante, chopp e sorveteria); Graser, Roberto (construtor, pedreiro, fábrica de
tubos de cimento e britados); Gressler, Etmar R. (fábrica de cepos para tamancos e casa Funerária); Gruehn,
Julio (moinho); Hack, Luiz Martin (agente de seguros e representações); Hack & Cia. Ltda.(agência
»Ford«;oficina de automóveis; bomba de gasolina e ferraria); Hack & Dietrich (representações; livraria, rádios e
oficina técnica); Handel, Fritrz (oficina eletro-mecânica); Handte & Weyrich (casa comercial ) ; Happke,
Alfredo(cantaria em geral; fábrica de túmulos); Hartemink, Elimar (representações); Harfemink Irmãos (fábrica
de laticínios); Hartmann, Gehard (casa comercial); Hartmann Irmãos (casa comercial); Hatje, Henrique (casa
comercial); Heinrich, Bruno (auto de praça); Heinrich, Helmuth (auto de praça); Helfenstein, Alfredo (linha de
ônibus: Panambi-Ijui); Helfenstein, Marculino W. (casa comercial); Hemesath & Cia. Llda, (fábrica de produtos
suínos; estabelecimento agrícola); Hentges, J. O.(fábrica de malas); Hisserich, Carlos (farmácia nova); Jacobs.
Carlos (construtor/pedreiro); Kallweit, Frederico (casa comercial , açougue); Kepler, Weber & Cia. Ltda.(fábrica
de máquinas agrícolas e industriais); Keppeler, Frilz (alfaiataria); Kettermann, Artur (moinho e serraria);
Kettermann, Balduino (Serraria); Klein, Guilherme (fábrica de tintas e graxas); KIos, Kunibert (oficina de
concertos de rádios); KIos, Otmar (fotografia); Knorr & Cia. Ltda (carpintaria, fábrica de móveis, parquet e
compensados; força e Luz); Koch, Henrique (transporte de cargas); Korndoerfer, Erich (fábrica de Esquadrias);
Krambeck, Arlindo (auto de praça); Krambeck, Fritz (hotel do comercio); Krambeck. Walter (sapataria); Kreiser
& Cia, Lizelott V. (fármacia »Becker«); Kuhn, Eugen (pintor); Lasch, Waldemar (seguros e representações);
Lasch Irmãos & Cia (fábrica de calçados e curtume); Lengler, Otto (casa comercial, caminhão de Carga); Lieb,
Reinoldo (encadernador); Lieberkncht, Dr. Augusto (médico); Lieberknecht, Dr. Enrique (médico); Linn,
Fredolino (picador e açougue); Loose, Raymundo (pensão familiar ); Luedecke, Olívia (casa comercial); Lutz,
Albino (bar, bilhar e cancha de bolão); Lutz, Nildo (alfaiataria); Malheiros, Josino L. (casa comercial); Markus,
Carlos (fábrica de aguardente, moinho de trigo e serraria); Markus, Edmundo (casa comercial e açougue); Mews,
Antonio (linha de ônibus: Panambi • Mambuca – ljui); Missbach, Lydia (parteira e enfermeira); Moeller.
Carlos(alfaiataria); Muckenfuss, Christiano (barbearia); Mühlen, Gustavo Von (tambo de Leite); Mülller. Paulo
(oficina de automóveis, bomba de gasolina e fábrica de carrocerias); Neitzke, Walter (tornearia e oficina
mecânica); Nilson, Arthur (alfaiataria); Oliveira, Donato Dias De (casa comercial ); Paula, Dolcina Severo De
(casa comercial) ; Phillip & Ahlert Ltda (casa comercial); Pohl, Alfredo (salão de baile); Pott, Arnaldo Germano
131
Por fim, destaca ilustrações de algumas empresas, deixando a impressão de que essas haviam
contribuído de forma mais expressiva para a publicação da obra. A seguir, um exemplo
350
:
(ferraria); Pott & Fetter Ltda (casa comercial); Rahmeier, Edmundo (funilaria/ fábrica de latas); Rehn, Adolfo
(carpintaria); Rehn, Ernesto (tornearia mecânica e fábrica de Trilhadeiras); Rehn, Rodolfo (construtor); Rehn &
Cia. Ltda. (fábrica de parquet, esquadrias e carrocerias); Reich, Otto (bar e restaurante); Reinke, Roberto
(serraria e carpintaria); Reusch, Gottfried (construção e olaria); Rheinheimer, Armindo (bar, restaurante, chopp,
bilhar e cancha de bolão); Roehle, Kurt (sapataria e comércio de couros); Ruff, Edith (instituto de beleza); Ruff,
Roberto (café, bar e restaurante); Ruff & Fensterseiler (malharia); Sander, Armando ( representações); Santos,
Ignácio Vitor Dos (sapataria); Sauer, Rudolfo (barbearia); Saur, Ricardo (serralheria e oficina mecânica); Schaal,
Hermann (pintor); Schäfer, Jacob (casa comercial e caminhão de carga); Schaffazick, Leopoldo (sub-agente da
loteria federal); Scheer, Balduino Frederico (casa comercial); Schemmer, Lindolfo (moinho e serraria); Schmitt,
Heinrich (tambo de leite ); Schmitt, Lourenço G. (cervejaria); Schmidt, Luiz (salão de baile); Schmidt, Willy
Germano (casa comercial e açougue); Schnee & Cia. (linhas de ônibus; transporte de cargas); Schneider, Levino
(transporte de cargas); Schneider, Oscar (torrefação de café e fábrica de óleo vegetal); Schneider, Ricardo (casa
comercial); Schneider & Wolf (olaria); Schütz, Antonio A. (casa comercial Belizário); Schütz & Cia., A.(casa
comercial); Schulien & Cia., J.(casa comercial); Schwingel, Baldoino (linha de ônibus: Panambi • Estrela);
Schwingel i & Bossler (salão de baile); Silva, Graciliano Da (tinturaria); Sociedade Prante Ltda (casas
comerciais, fábrica de laticínios, suinocultura e açougue); Strothmann, Hermann (caminhão de carga); Strücker
& Cia, Oscar (sapataria, curtume, selaria e estofamentos); Sulzbach, Jacob A. (fábrica de Balas); Sukamp, Bruno
(casa comercial); Transportadora Ijui (transporte de cargas); Trautmann, Adão Nascimento (barbearia);
Trennepohl, Guilherme (dentista); Trentine, Alberlo Henrique (açougue); Trentini, Albino João (casa comercial);
Veeck, Reinoldo (transportes de cargas); Venturini, João (casa comercial, cervejaria e engarrafamento);
Volkmann, Henrique (dentista); Wahlbrink, Edmundo (salão de baile); Wahlbrink, Emilio (moinho);
Wegermann, Anni (instituto de beleza); Wegernann, Emilio (pintor); Weidle, Erwin Oscar (padaria Weidle);
Weidle, Paulo Eugênio (carpintaria); Welzel Guilherme (funilaria); Wendland, Adolfo (transporte de cargas);
Wentz, Waldemar (fábrica de esquadrias); Werkhäuser & Bacher (confecções e modas exclusivistas »Renner«);
Weyrich, Theobaldo (carpintaria); Windmöller, Edvino (olaria); Windmölle, Reinoldo (moinho); Wink, Evaldo
(serraria); Winkelmann, Francisco (olaria); Winkler, Herbert (carpintaria e tambo de leite); Winter, Carlos
Alberto (casa comercial); Wolgien, Hermann (olaria); Wottiricb, Reinoldo (funilaria); Zeidler, Bruno (artefatos
de madeira); Zell, Gerd G. (pensão familiar); Zibell, Helmulh (salão de baile); Zimmermann, Helmult (casa
comercial e salão de baile); Zimmermann, João J. (casa comercial e caminhão de carga); Zimmermann, Irmão
(açougue); Zobel, Alberto (cantaria). FAUSEL, op. cit., p. 37.
350
Além da Kepler Weber, o livro traz ilustrações dos seguintes estabelecimentos: Hemesath & Cia Ltda;
Industrias Knorr & Cia. LTDA.; Fábrica Metalúrgica Faulhaber & CIA LTDA.; Hartemink Irmãos; Cinema
Ideal; Ourivesaria de Otto Berndorfer, César Drasche LTDA, Oscar Schneider LTDA, Ricardo Saur LTDA,
Hartmann Irmãos, Roberto Buff, Lasch Irmãos e CIA, Caixa Rural, Casa Hartmann, Edmindo Bahmeier, Rudi A
Franke LTDA, Rehn & CIA LTDA, Erich Korndoerfer LTDA, Oscar Strücker & CIA, Hack &CIA LTDA,
Adolfo Rehn LTDA, Hospital Pindorama (pertencente ao Dr. Enrique Lieberknecht) e João Jorge Geckeler
LTDA. Apresenta também fotos das seguintes empresas: Padaria Weidle, Otto Beich – Bar e restaurante-,
Werkhaeuser e Bacher, Ernesto Rehn – tornearia mecânica- Alfredo Happke, Affonoso Borchardt e farmácia de
Carlos Hisserich. FAUSEL, op. cit.
132
Desenho 5 - Empresa Kepler Weber
No aspecto desenvolvimento econômico, então, Panambi parecia apta a solicitar o
processo plebiscitário. Wahlbrink destaca:
A única coisa, os de origem alemã, em Panambi tinha domínio, era no comércio e
indústria. Bom! Isso, sem falsa demagogia, era noventa e cinco por cento, era ou
alemães, ou de dependentes, ou descendentes de alemães. Então eu não lembro, eu
não lembro, se alguém me diz assim, a não ser um alambique, uma coisa assim, uma
olaria, que pudesse ser de um luso brasileiro, não lembro... Não tinha assim,
nenhuma indústria, quem dominava o negócio, era de fato, de origem germânica
351
No entanto, a localidade não possuía o número de habitantes exigidos para efetuar o
processo de emancipação, o que levou a Comissão Emancipacionista a propor a incorporação
da vizinha localidade de Condor, distrito que pertencia ao município de Palmeira das Missões.
Todavia, este não aceitou o desmembramento, visto que perderia território e contribuição
fiscal, e iniciou propaganda contrária ao “movimento”.
Nessa conjuntura, destaca-se o fato de que tanto as rivalidades originadas pelas
disputas políticas entre os coronéis de Palmeira das Missões e Cruz Alta, quanto o contexto da
Campanha de Nacionalização, ainda se mostravam latentes na memória e nas relações locais.
Segundo Prass,
351
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev.2002.
133
quando Panambi pleiteou a emancipação, faltou população e eles achavam que
Condor devia ser parte de Panambi, porque foi colonizado daqui. Aqui começou em
1899 e em Condor já foi em 1912. Então lá em Condor, claro que a população
queria, porque até Palmeira dava 50 quilômetros, Panambi dava oito, pela estrada
antiga. E eles tinham mais afinidade com o pessoal daqui. Mas, lá de Palmeira venho
uma pressão tão grande sob o pessoal... Fizeram um trabalho de repressão, de
assustar as pessoas ! Mas, essa pressão, principalmente, era contra germânicos,
contra o alemão.
352
Malheiros complementa,
Em 23 de julho de 1949, foi autorizada pela Assembléia Legislativa do Estado a
realização do Plebiscito marcado para o dia sete (7) de setembro desse ano. Como
não deixaria de ser, a notícia foi recebida em Panambi com grande Júbilo. Foi
realizada passeata, e o foguetório pipocava nos ares do já futuro município. As
sirenes das fábricas e buzinas dos carros com o repicar dos sinos das Igrejas
ressoavam nos céus de Panambi, dado o júbilo e entusiasmo da população. Enquanto
isso, aumentava a resistência anti-emancipação promovida pela Prefeitura
Palmeirense, no território de Condor. (As famílias eram pressionadas de uma ou de
outra forma a votar contra a emancipação). Até cartas anônimas eram enviadas aos
líderes da Campanha. Certa vez, Josino Leal Malheiros, um dos líderes da
emancipação, junto com outros companheiros que visitavam Condor, foi naquele
município atacado quando chefiava uma caravana da Campanha de Emancipação,
por um grupo de homens armados de porrete e facão. Nessa ocasião foram feridos
dois companheiros da caravana. Nessa ocasião sr. Delegado Regional de Policia, Dr.
Brasil Milano compareceu ao local e abriu rigoroso inquérito sobre o fato, muito
lamentado. Ao mesmo tempo deu ampla liberdade e garantias para a realização do
plebiscito. Entretanto o povo e seus líderes não esmoreceram diante de fatos como
esse. Até pelo contrário, intensificaram os trabalhos da campanha, no sentido de ver
realizado o grande sonho de um ideal justo. Em dois de setembro do mesmo ano, o
carro em que viajava Walter Faulhaber, agora Presidente da Comissão
Emancipacionista, foi atacado. Faulhaber se fazia acompanhar do Sr. Rudolfo
Wentz, quando ocorreu o atentado de agressão. Esses fatos tiveram grande
repercussão tanto no interior do Estado, como em Porto Alegre, sendo destacados
pelos principais jornais. Conseqüentemente o plebiscito foi adiado para o dia 25 de
setembro. Realizado o Plebiscito acusou o seguinte resultado: Em Panambi, 1.722
votos a favor, contra só 5 votos. Em Condor: 1.324 votos contra e a favor, só 863.
Ainda nesse dia da consulta plebiscitária foram colocadas tábuas com pregos
enterrados nas estradas. Alguns deputados que acompanhavam o desenrolar dos
fatos acompanhando de perto o Plebiscito, pegaram essas tábuas crivadas de pregos,
levaram para a Assembléia e apelidaram de “minas anti-pneus”. Com tais minas
muitos carros ficaram parados com os quatro pneus furados em muitas estradas do
distrito.
353
De acordo com um dos panfletos da campanha anti-emancipação,
os intrusos de Panambi vendo que estão com a causa perdida pedem socorro para
alguns moradores do distrito de Condor que se acham alojados em tão ingrata
cruzada. Alegam ingenuamente seus subscritores que a criação do município será a
grandeza da pátria. Si fosse assim estaria facilmente resolvida a sorte de todas as
352
PRASS, Bruno. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
353
MALHEIROS, op. cit., p. 61.
134
Nações do mundo. (...) É voz pública que Panambi é um Distrito tão “abacaxi” para
Cruz Alta, que esta resolveu deixar que aquele filho incontentável saísse de casa
para conhecer o mundo. Porém, Cruz Alta vai ter que suportar O DISTRITO DE
PANAMBI porque o povo de CONDOR que sempre pertenceu ao município de
Palmeira vai dar uma lição em muita gente.
354
Os dirigentes de Palmeira das Missões acusavam os emancipacionistas de não serem
autênticos brasileiros e de explorarem seus concidadãos, o que indica que tinham consciência
de que a Comissão era formada por membros da ACI.
É mentira que os intrusos de Panambi são todos brasileiros natos!
Os emancipacionistas são os “exploradores dos colonos”.
Contestando Ofensas: Acompanhamos com vivo interesse, a luta que
esta se iniciando entre a Gloriosa Palmeira e os intrusos de Panambi.
Verificamos que todo esse barulho, no nosso distrito de Condor, é
feito, por meia dúzia de ambiciosos que querem fazer município,
sacrificando o povo, com pesados impostos, visando somente os seus
interesses pessoais.
Temos em mãos as fichas dos improvisados líderes. Ei-las:
Frederico Lesten: Ou Fidirico Besten, faz parte de uma firma de
suínos. Será que paga com pontualidade os colonos?
Walter Faulhaber: Embora sendo engenheiro, esta com os cálculos
errados.
Ernesto Kepler: Ernesto Kepler, possui rendosa fundição e tanto como
os outros, tornam-se facilmente argentários, ou como diria o dr.
Alberto Pasqualini, são empresários que enriquecem comprando e
vendendo o trabalho de seus semelhantes. Ainda como Rudy Frank,
Conrado Deite, etc, etc...
355
A disputa escancara conflitos étnicos e sociais, como na ocasião em que “Walter
Faulhaber, na presença de inúmeras pessoas, quando o Meritíssimo Sr. Juiz de Carazinho
354
Panfleto, “Ao Povo de Condor”, PEM 11, Caixa 48, MAHP.
355
Panfleto, “Ao Povo de Condor”, PEM 11, Caixa 48, MAHP.
135
respondia pela comarca de Palmeira, disse: quero ver como que a negrada analfabeta de
Palmeira vai chegar na frente do juiz, em Carazinho...”
356
Ao que os palmeirenses revidaram:
Esses que chamaram os Palmeirenses de negrada vadia e que gostam de debochar
dos moradores de Condor, quando passam abusando e buzinando berrantemente as
businas de seus automóveis, enquanto seus operários lá ficam forcejando para eles,
fiquem sabendo que a negrada continuara mandando em Condor, embora eles não
queiram.
357
Para muitos (i)migrantes/descendentes alemães, havia “uma certa inveja, porque a
nossa cidade, o nosso distrito, a nossa colônia, isso é, isso era muito adiantado, olha as
fábricas, as ferrarias, umas quantas que se existiam assim. Aqui se tinha tudo”. A perseguição
“era inveja, não era nada com alemão e brasileiro (...) era inveja”.
358
Röhle acrescenta:
Palmeira não era nada, só sempre tinham revolução, casas quebradas. Quando nós
fomos de passeio, tempo de criança, pra Palmeira, os meus pais tinham conhecidos
lá, isso agora também não é nada racial, que eu falo aqui. Então nós já nos
levantamos de madrugada, a minha mãe tinha preparado uma galinha com farofa pra
levar junto, que a gente nunca sabia quando que hora chega lá. Que as estradas eram
ruim, então a gente se levantou de madrugada e o pai encheu o bolso de níquel,
porque a gente tinha que passar nos portões dos potreiros, lá tinha os negrinhos que
a gente jogou os níquel fora pra eles abrir os portões...
359
A Campanha de Emancipação indica, dessa forma, a permanência de muitos dos
conflitos acirrados durante a Campanha de Nacionalização.
a Campanha emancipacionista, Panambi- Condor, não é em absoluto o “barulho de
meia dúzia de ambiciosos” e sim uma iniciativa simultânea e patriótica de figuras
que representam o cerne da população de ambos os distritos, que tomaram a sua
deliberação unicamente em reunião pública.É uma campanha que hoje se tornou um
verdadeiro movimento popular e em todos os sentidos, bem brasileiro, pois visa,
única e exclusivamente, a grandeza da amada Pátria brasileira e Riograndense, com
a criação de mais um município, de cuja pujança dá testemunho o inegável índice de
Progresso de Panambi e Condor. A comissão de trabalhadores é composta
exclusivamente de brasileiros natos.
360
Essa situação parece ter sido amenizada após a efetivação da emancipação que ocorreu
em 1953. Kepler menciona:
356
Panfleto assinado por David Martins, Arthur Amaro e Alarico Morais. “Contestando Ofensas”. PEM 11,
Caixa 48, MAHP.
357
Panfleto assinado por David Martins, Arthur Amaro e Alarico Morais. “Contestando Ofensas”. PEM 11,
Caixa 48, MAHP.
358
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 22, fev. 2002.
359
RÖHLE, Nilsa Hack. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 22, fev. 2002.
360
Panfleto, “A verdade rebatendo a mentira”. Caixa 48. Disponível no MAHP.
136
Arno Goldhardt, duas vezes, o pai dele dormiu no cimento. Esse eu sei, porque eu
assisti, eu acompanhei isso tudo. E o que mudou muito foi o fim da guerra e o
Walter Faulhaber se tornar prefeito de Panambi, aí, aí acabou de vez, porque o
Walter Faulhaber ele, afinal, o nome dele já diz tudo, era filho de imigrantes. Mas
foi uma época muito negra, eu vi muita gente bonita pedindo colchão pra pelo
menos não dormir no cimento. O pessoal lá de Cruz Alta tinha ódio do pessoal
daqui. Quando o Walter Faulhaber começou a Campanha de Emancipação, e
conseguiu a emancipação, gente, isso foi um presente pra Panambi, melhor não
podia ser!
361
(Grifo nosso)
A posse do primeiro prefeito, Walter Faulhaber, acontece em 1954. O evento parece
simbólico por duas razões: primeiro porque marca o início da autonomia política da
localidade e segundo, porque rememoram-se os feitos de Herrmann Meyer e Hermann
Faulhaber, assinalando o caráter cultural do novo município.
Após ter sido cumprido um bem elaborado programa festivo, foi dada posse ao
prefeito e a primeira Câmara de vereadores. Nesse programa, em destaque foi feita
uma homenagem póstuma aos ilustres homens: Dr. Herrmann Meyer, fundador da
empresa de colonização e ao pastor Herman Faulhaber, diretor da mesma.
362
Assim, a conquista da independência política foi um poderoso instrumento para
pleitearem benefícios e investir em infra-estrutura de forma independente. Garantiu, também,
a possibilidade de “preservarem a cultura germânica”, o que lhes fora negado durante a
Campanha de Nacionalização. Desse modo, continuariam a prestar contas ao estado
brasileiro, mas dentro de seu espaço geográfico o poder lhes pertenceria: em Panambi, os
imigrantes/descendentes alemães seriam os “estabelecidos”, tendo poder econômico, político
e a hegemonia cultural.
2.4.9 “Agora tu tá no Brasil e tu tem que aprender falar alemão...”
A construção da representação de Panambi como “cidade alemã” vincula-se aos
interesses de grupos (i)migrantes/descendentes alemães e de cidadãos da Alemanha que
desejavam reconstruir no Brasil o cenário da Heimat. Miguel Schmitt- Prym recorda:
“Naquela época, inclusive o comércio selecionava recursos humanos exigindo que o
candidato, principalmente no comércio, falasse alemão. Era exigência. Naquele tempo ainda
havia muita gente aqui que não falava português, só falava alemão”. E complementa:
quando os meus pais vieram da Alemanha, em 1939, o povo aqui da vila estranhou
muito a primeira providencia do meu pai e minha mãe foi contratar professores para
361
KEPLER, Walter Roberto. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 18, fev. 2002.
362
MALHEIROS, op. cit., p.62.
137
aprender português. E o pessoal dizia, mas pra que fala português? Que não precisa
falar em português. Aliás tinha uma velha senhora que é a mãe da dona Brunhilde
Goldhardt. A mãe dela um dia me chamou, eu era criança e cantava música italiana
na praça, que meu pai e minha mãe tinham que trabalhar, eles vieram muito pobres
de lá. Então eu sentava na praça e cantava música italiana, cantava muita musica
italiana com 3, 4 anos de idade. E os colonos iam lá me levavam bolacha,
refrigerante, bala, chocolate prá mim cantar prá eles e eu cantava. Eu só falava
italiano, não falava nenhuma palavra em alemão, nem português... E a senhora
Bendorfer, um dia atravessou a rua, sentou na praça, e começou a falar comigo, e eu
dizia “capitche niente”, e ela só falava em alemã. E aí, ela me disse: “olha menino,
vou te dizer uma coisa, agora tu tá no Brasil e tu tem que aprender falar alemão”.
Era assim aqui em Panambi. (Grifo nosso).
363
Portanto, nesse contexto, o desejo de se tornar “estabelecido” fundia-se com anseio de
retornar à pátria mãe e, para alguns grupos, à tentativa de reconstruir uma nova “Alemanha no
Brasil”. O desejo foi sintetizado na direção indicada em Heinrich von Ofterdingen, citado por
Grützmann: “Pois, para onde nós vamos? Sempre para casa.”
364
Pois, mesmo que a “casa” não
esteja mais na Europa, as lembranças e os laços que ficaram levam muitos a buscar a
reconstrução do “cenário” conforme suas recordações os orientam, ou como ouviram de seus
pais, parentes, etc. Esse mecanismo parece dar segurança aos (i)migrantes/descendentes e
serve como referência para que reconstruam sua identidade, o que, evidentemente, fazem em
relação ao “outro”, no caso, “os brasileiros”. O processo complexo nos parece resumido nas
palavras de Werner: “Você sabe como é que chamavam Panambi naquele tempo? Segunda
Alemanha viva, porque aqui tinha gente que só falava alemão (...) Segunda Alemanha
viva!”
365
363
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Márcia Neumann. 15, fev.
2005.
364
NOVALIS apud. GRÜTZMANN, op. cit., p. 404.
365
WERNER apud ALMEIDA, Elmar Soero de. Aprendizagens para o mundo do trabalho: histórias de
metalúrgicos em Panambi – RS. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências)-Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), 2000, p. 52.
3. “OS ALEMÃES ERAM PESSOAS ESTABELECIDAS... ”
RELAÇÕES ENTRE SOCIEDADE RECEPTORA E MIGRANTES EM PANAMBI
Éramos um bando de imigrantes em desordem
em uma paisagem branca como lírio.
Um dia aprendi uma arte secreta,
Invisibilidade, era seu nome.
Acho que funcionou
pois ainda agora vocês olham
mas nunca me vêem,
Só meus olhos ficarão para vigiar e assombrar
e transformar seus sonhos em caos...
M. Strangre Jin. O local da cultura, p. 78.
3.1 “PANAMBI: DESENVOLVIMENTO, UM DESAFIO QUE ESTE MUNICÍPIO
ACEITOU”.
Neste capítulo, procura-se analisar o cenário econômico que favoreceu as migrações
para Panambi na década de 70, os problemas urbanos subseqüentes e as relações engendradas
entre a sociedade receptora e os migrantes. Ao contrário da maioria dos municípios da região
Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, como referido no segundo capítulo, este município
dedicou-se desde o início de sua formação a atividades econômicas variadas, embora até o
139
começo da década de 60 a agropecuária fosse a atividade preponderante, decaindo
posteriormente. Já a renda gerada pelo setor secundário (indústria) foi crescente até 1975,
auge da expansão agrícola. A tabela nº 1 destaca essa mudança na estrutura de renda interna.
Relativamente à população, na década de 60, quase ¾ do total habitava o meio rural, 12.934
pessoas, enquanto 4.940 habitavam a zona urbana. Essa situação se inverteu posteriormente,
sendo que, no começo da década de 80, a população urbana era de 17.972 pessoas enquanto a
rural era de 5.899 habitantes.
366
Tabela nº1: Evolução da estrutura da renda interna municipal e estadual: 1959-1980 (em %)
SETOR PRIMÁRIO SECUNDÁRIO TERCEÁRIO TOTAL
ANO PBI RS PE PBI RS PE PBI RS PE PE
1959
47,8 27,9 0,57 15,6 19,5 0,26 36,6 52,4 0,23 0,33
1970
28,0 20,9 0,38 26,4 20,9 0,35 45,5 58,7 0,22 0,28
1975
16,4 18,5 0,43 49,6 25,5 0,95 34,0 55,9 0,30 0,49
1980
13,0 16,3 0,26 26,5 26,6 0,32 60,5 57,0 0,34 0,32
Fonte: FEE apud Plano Diretor Municipal de Panambi. p. 22.
366
IPDU, Unijuí. Disponível em : <www.unijui.tche.br>. Acesso em : 10 de set de 2004.
140
Gráfico 1: Evolução da renda interna setorial em Panambi
0
10
20
30
40
50
60
70
1959 1970 1975 1980
Primário Secundário Terciário
Fonte: Dados da tabela nº 1. Gráfico elaborado por MELLO, Eliane de; MELLO, Marcos André de.
A tabela n º 2 indica os gêneros em que se subdividiu o setor secundário de Panambi,
bem como o número de pessoas empregadas. Analisando a tabela, percebe-se que além dos
ramos da metalurgia e da mecânica, outros setores se desenvolveram no período, como as
indústrias do ramo madeira-mobiliário e do vestuário, cuja contratação de pessoal foi
crescente.
Tabela nº 2 – Subdivisão do setor secundário
ANOS 1960 1970 1975 1980
GÊNERO
Nº PO PO Nº PO Nº PO
Minerais não Metálicos 11 - 8 40 7 61 4 26
141
Metalurgia 2 - 4 112 3 142 7 218
Mecânica 4 - 5 410 11 1301 7 1508
Material de transporte 2 - 2 0 3 23 1 0
Madeira 21 - 11 85 10 90 8 135
Mobiliária 6 - 5 36 5 26 4 25
Couros, peles, similares 1 - 2 0 1 0 1 0
Química 2 - 2 0 2 0 1 0
Têxtil 2 - 2 0 1 0 - -
Vestuário, calçados 1 - 3 43 4 120 5 39
Produtos alimentares 30 - 11 64 15 44 9 56
Bebidas - - 2 0 1 0 - -
Editorial e gráfica 1 - 2 0 3 49 3 20
Extração de minérios - - - - 1 0 - -
Diversas 1 - 1 0 2 0 1
Total do município 84 - 60 899 70 1991 52 2175
Fonte: IBGE apud Plano Diretor do município de Panambi, p. 32
Em relação ao setor do comércio, a tabela nº 3 indica a evolução do número de
empresas e do emprego no segmento, em Panambi, de 1960-1980.
Tabela nº 3 – Empresas e emprego no setor do comércio
ATACADO VAREJO TOTAL
Ano Empresas PO PO/E Empresas PO PO/E Empresas PO
1970 3 8 2,6 145 439 2,9 148 447
1975 10 59 5,9 139 543 3,9 149 602
1980 8 192 2,4 145 933 6,4 153 1125
Fonte: IBGE apud Plano Diretor de Panambi
p.22
Legenda: PO: Pessoal ocupado; PO/E: Média de funcionários por empresa.
Este cenário de desenvolvimento econômico está intimamente relacionado a alguns
fatores específicos, tais como o contexto macro, a atuação dos grupos dirigentes do local e o
142
“rápido” desenvolvimento econômico da Cooperativa Tritícola Panambi e da empresa Kepler
Weber S.A.
367
3.1.1 O desenvolvimento econômico do Brasil na década de setenta
No início dos anos setenta, a economia brasileira beneficiou-se do grande crescimento
do comércio mundial e dos fluxos financeiros internacionais que desencadearam um ciclo
expansivo de resultados positivos em quase todos os setores. Um texto publicado pelo jornal
A Notícia Ilustrada apresenta alguns indicativos desse crescimento:
foram atingidas todas as principais metas econômicas-financeiras estabelecidas,
ressaltando-se o seguinte: 1º Taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB),
entre as mais altas dos anos 60, na mesma ordem do elevado nível alcançado em
1969, ou seja, de 9,5%; 2º Mais baixa taxa de inflação da década, aquém da barreira
dos 20%: aumento do índice geral de preços, o indicador mais geral da inflação
(como média ponderada dos índices de custo de construção na Guanabara e dos
preços por atacado), foi de 19,3%, 3º Mais alto nível absoluto da receita de
exportações totais de mercadorias (cerca de US$ 2.700 milhões); recorde absoluto,
igualmente, de exportação de manufaturados, com US$ 450 milhões; 4º Mais alto
nível de reservas cambiais já registrado, na ordem de US$ de 1.200 milhões; 5º Mais
baixo nível de déficit nesta década, na ordem de Cr$ 738 milhões, em termos reais
(preços constantes) e como percentagem do PIB (cerca de 0,4%).
368
Conforme Brum, esse quadro foi favorecido por uma grande oferta de capital, da qual
o Brasil, como outros países em desenvolvimento, fez uso através da captação de crédito
externo em escala crescente – como, por exemplo, os Petrodólares. Internamente, destaca-se o
forte controle exercido pelo setor público nas ações de arrecadação de tributos que permitiu a
recuperação da capacidade do Estado de investir em grandes projetos.
369
Outro aspecto
relevante foi a “produção de um clima de otimismo” que divulgava a possibilidade do país se
tornar uma “potência mundial”. Essa premissa foi amplamente destacada pelo jornal A Notícia
367
Neste período outras empresas locais também iniciaram um ciclo de desenvolvimento considerável:
Metalúrgica Faulhaber S/A; Ernesto Rehn & Cia Ltda; Panificadora Weidle; Oscar Strücker & Cia Ltda;
Metalúrgica Saur Ltda; Ramayer; Knorr; Reinke; Móveis Barta ; Construtura Rehn e Fockink.
368
O movimento brasileiro. O Panambiense, Panambi, nº1371, ano XII, 19, abr.1971, p.5.
369
Cf. BRUM, Argemiro Jacob. Modernização da agricultura – trigo e soja. Rio de Janeiro: Vozes, 1988;
BRUM, Argemiro Jacob. Desenvolvimento econômico brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1997; BRUM,
Argemiro Luis. O Brasil na história da economia mundial da soja. Ijuí: UNIJUÍ. Departamento de Economia
e Contabilidade, 1993.
143
Ilustrada, onde se encontra uma série de artigos, provavelmente publicados originalmente na
capital, a respeito do tema. Nesse sentido, uma nota de 1971 registrava:
O que está acontecendo, atualmente, no Brasil está deixando todo mundo atônito.
Ninguém consegue entender como, em tão pouco tempo, conseguimos mudar de
maneira tão acentuada a nossa situação perante as outras nações. Há menos de uma
década nosso conceito era o menor possível. Ninguém acreditava em nossa
capacidade; talvez nem nós próprios. (...) O Brasil, parece, acordou de um longo
sono. Tornou-se adulto, senhor de si. Deixou de ser uma esperança: é uma realidade.
Já não nos curvamos perante a vontade e pressão de outras nações. Tomamos nossas
próprias decisões, voltadas sempre ao encontro de nossos interesses, de nossas
necessidades e de nossa soberania. Somos sim, uma verdadeira potência que
caminha a passos largos e firmes e que, bem cedo, inexoravelmente, alcançará sua
verdadeira posição no mundo civilizado.
370
Naquele período, é possível ressaltar duas fases que tiveram influência decisiva na
condução dos rumos do país e repercussão no âmbito da ação política e econômica nacional: o
“milagre” econômico brasileiro (1968-1973) e o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND – 1974-1979).
371
A primeira fase caracteriza-se por um crescimento acelerado,
decorrente, em grande parte, das reformas ocorridas em anos anteriores, as quais
possibilitaram conter a inflação e criaram as condições favoráveis para o crescimento
econômico, associado ainda às excelentes condições internacionais. Já na segunda fase, a
manutenção do crescimento se deu em função da vontade política do governo militar de
transformar o Brasil em potência mundial emergente, na intenção de retirá-lo da condição
terceiro-mundista e inseri-lo no chamado Primeiro Mundo. A década foi marcada também
pela grande expansão do ciclo da soja, que liderou o processo de modernização da agricultura,
superando o trigo que até 1972 ocupava lugar de destaque.
372
Em outras palavras, o “milagre econômico” foi uma articulação estatal do processo de
crescimento econômico baseado no financiamento de recursos externos para o Estado, que
investiu em um plano ousado de obras públicas, como por exemplo, a Ponte Rio-Niterói, a
Transamazônica, etc. Na região Noroeste do Rio Grande do Sul, destaca-se a construção da
370
Milagre brasileiro. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº16, ano I, 12, jul.1971, p. 5.
371
Cf. SAUSEN, Jorge Oneide. Adaptação estratégica organizacional: O caso da Kepler Weber S/A. Tese
de doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação. Florianópolis, 2002;
BRUM, 1988, op. cit.; BRUM, 1997, op.cit.; BRUM, 1993, op. cit.
372
SAUSEN, op. cit., p. 83.
144
BR 285 e da BR 158 (hoje RS).
373
Outro setor de articulação foi o do desenvolvimento das
indústrias nacionais, que também acessaram os recursos externos, com o Estado como
garantidor. O objetivo central era desenvolver o parque industrial nacional, para o que outro
fator preponderante era fornecer mão-de-obra à indústria, uma vez que a população brasileira
ainda era fortemente concentrada no meio rural.
Desse modo, o Estado, além de investir diretamente em infra-estrutura e nos setores
estratégicos de base, também beneficiou o setor privado através da concessão de subsídios e
créditos facilitados,
374
incentivos fiscais e outros recursos, transferindo o capital público para
a iniciativa privada.
375
O Estado articulou ainda outra linha de ação, que foi a modernização
agrícola ancorada no acesso ao crédito aos produtores rurais, os quais deveriam investir na
compra de insumos, maquinários e no desenvolvimento do sistema de estoques agrícolas.
Uma nota do jornal A Notícia Ilustrada registrava:
Crédito agrícola aumenta em mais de dois milhões. Conselho Monetário Nacional
fixou preços mínimos para produtos agrícolas. Para ampliação do crédito, o conselho
nacional alterou sua antiga resolução nº 69 aumentando de 10% para 15% dos saldos
dos depósitos as aplicações dos bancos privados em financiamento agrícola.
376
373
Quanto à infra-estrutura local, as obras federais também foram fundamentais, por exemplo, em 10, mar.1976
o jornal A Notícia Ilustrada noticiava a continuação da BR- 158, que ligava Panambi, Palmeira das Missões e
Cruz Alta, conectando-as a Santa Catarina e ao porto de Rio Grande, o que evidentemente, favorecia o
escoamento da produção.
374
De forma geral, o crédito facilitado foi uma das marcas do período como parece sublinhar a seguinte
piada publicada no periódico local: “O filho pergunta ao pai: ‘Pai porque existem mais pedestres do que
automóveis’? Ao que o pai responde: ‘Porque a gente tem que pagar os sapatos a vista filho’”... A Notícia
Ilustrada, Panambi, nº409, ano IV, 14, mar.1974, p.3.
375
“Esse favorecimento – chamado acumulação primitiva – representa um adicional de lucro para as empresas,
que se acrescenta à taxa de mais valia ou parcela do trabalho apropriada pelos capitalistas e ao progresso
tecnológico incorporado, aumentando a capacidade da empresa privada para autofinanciar seus investimentos.”
BRUM, 1993, op. cit., p. 83.
376
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº313, ano III, 20, jul./ 1973. O artigo segue: “Como esclareceu o
ministro Delfim Neto ao propor a alteração, esse aumento porcentual significa um aporte, adicional de
mais de dois bilhões de cruzeiros a disposição dos produtores para custear a próxima safra. Ainda
ontem o Banco Central expediu a resolução nº 260 tornado público o CMN, resolveu: 1. Elevar de 10
para 15% o porcentual a que se refere o item 1 da resolução nº 69 de 22 de setembro de 1967; 2. A
partir do mês de julho corrente, o calculo das aplicações a que se refere a presente resolução será
baseadas na média- móvel trimestral dos saldos de depósitos apurados mensalmente; 3. Determinar
que a partir do mês de julho corrente seja aplicada em operação típicas de crédito rural, importância
equivalente a 30% do acréscimo de depósitos, verificado em relação ao mês anterior, ao que os
novos níveis mínimos obrigatórios, pela presente resolução serão atingidos; 4. As instituições que
145
Por outro lado, o parque industrial privado nacional, que teve seu principal impulso
após a Revolução de 1930, cumpriu o papel de complementar a produção de bens de consumo
duráveis, visando abastecer o mercado interno, dentro de uma estratégia de substituição das
importações, de acordo com a proposta Cepalina.
377
Nessa visão, uma de suas tarefas era
integrar os grandes complexos internacionais instalados no país, fornecendo peças e
assessórios, e responder pela necessidade do Estado junto às obras públicas e a modernização
agrícola. As empresas estatais criadas no período e o Estado, de maneira geral, assumiram a
responsabilidade de fornecer infra-estrutura necessária, bem como os insumos básicos:
estradas, energia elétrica, petróleo, aço, etc. Dessa forma as empresas privadas nacionais e
internacionais formavam um tripé de sustentação à indústria brasileira. Este processo de
modernização redefiniria as relações entre a agricultura e a indústria, a partir do
desenvolvimento dos complexos agroindustriais. A agricultura passaria a se estruturar a partir
da sua inclusão imediata no circuito de produção industrial, seja como consumidora de
insumos, maquinários e equipamentos, seja como produtora de matéria-prima para a sua
transformação industrial.
378
Todavia, a modernização agrícola não dependia apenas do interesse do Estado,
fornecedor de linhas de crédito variadas aos agricultores, mas, antes de tudo, dependia da
construção de uma nova mentalidade agrícola, do desenvolvimento de produtos com maior
demanda no mercado interno e externo e, principalmente, da elevação da capacidade de
estocagem e das vias de escoamento. O Estado, ciente de que não havia condições da
iniciativa privada atender essa demanda, buscou a resolução destes problemas, em dois
sentidos: ofertando um conjunto de serviços públicos voltados à modernização agrícola; e
organizando os agricultores, principalmente em Cooperativas, para que estes incorporassem e
não desejarem ou não puderem cumprir a obrigação expressa nos itens 1 e 3 recolherão as
importâncias correspondentes ao Banco Central do Brasil na forma prevista no item 2 da resolução nº
69; 5. O Banco Central do Brasil baixará as normas complementares à implementação das
disposições contidas na presente resolução. O Conselho Monetário Nacional (CMN) também tabelou
onze produtos agrícolas. Eis os preços mínimos para os principais produtos: milho 60 kg safra
1972/1973 CR$ 18,00; Sorgo 60 Kg safra 1972/1973 CR$ 15,00, proposta para safra 1973/1974 CR$
24,00; Feijão preto comum 60 kg CR$ 49,2 proposta para safra 1973/1974 CR$ 75,00; Soja 60 kg
safra 1972/1973 CR$ 30,00 proposta para safra 1973/1974 CR$ 36,00”.
377
CEPAL – Comissão Especial para América Latina e Caribe, órgão ligado a ONU para pensar o
desenvolvimento desta região, dentre seus quadros destacaram-se Raul Prebish, Celso Furtado, Fernando
Henrique Cardoso, Maria da Conceição Tavares, entre outros.
378
SAUSEN, op. cit., p. 105.
146
disseminassem a modernização e conseguissem amortizar os investimentos necessários. Os
serviços públicos foram basicamente financiados pelo Banco do Brasil.
379
Formou-se uma
rede de pesquisa e extensão rural disseminada em todo o país, com a criação da EMBRAPA e
da EMATER, bem como de convênios com órgãos internacionais como a Fundação
Rockefeller.
380
O estímulo a formação e desenvolvimento das Cooperativas permitiu aos agricultores
assumirem grandes empréstimos para construir as instalações de estoque necessárias ao
aumento da produtividade, bem como facilitava a atuação dos órgãos públicos na
disseminação das tecnologias e também para o financiamento dos insumos e equipamentos
agrícolas. Essas cooperativas cumpriam um papel do Estado, uma vez que materializavam
junto ao agricultor as informações e os recursos necessários para que estes “se
modernizassem” e também recebiam a sua produção, comercializando-a em larga escala,
assim obtendo melhores preços, inclusive via exportação.
À medida que os complexos cooperativos foram se desenvolvendo, aumentou a
necessidade de silos, armazéns, maquinários, estimulando as empresas do setor a investir mais
na sua produção, uma vez que o Estado e as cooperativas garantiam o financiamento aos
produtores rurais.
Esse processo foi mais intenso no Sul do país (RS, SC e PR), onde se desenvolveram
as principais cooperativas, bem como as principais indústrias do setor metal-mecânico,
voltadas à produção de equipamentos agrícolas. Entre as cooperativas, podemos citar
COTRIJUÍ, COTRIMAIO, COTRIJAL, COTRIROSA, COTRICRUZ e COTRIPAL; e entre
as indústrias, SLC, Imasa, Kepler Weber S.A, etc.
Desse modo, a modernização elevou a produtividade, beneficiando a balança
comercial brasileira e diminuindo a necessidade de mão-de-obra no campo. O resultado foi o
êxodo rural e a migração para as cidades onde as atividades industriais e de construção civil
379
Em 1976 O jornal A Notícia Ilustrada registrava: “A Agência do Banco do Brasil, desde a última sexta-feira,
dia 03, iniciou o recebimento de propostas para financiamento de lavouras de soja. (...) O adiantamento que o
Banco fornece, para o financiamento está na ordem de 60% sobre o valor da produção (...).BANCO DO
BRASIL financia lavouras de soja”. A Notícia Ilustrada, Panambi, n. 698, ano VI, 10 set. 1976, Capa.
380
A Fundação Rockefeller foi uma das mentoras da conhecida “Revolução Verde”, que implantou a
modernização no campo através do consumo de insumos e de máquinas agrícolas. Sobre o tema cf. BRUM,
1988, op.cit. p.44 –50.
147
se desenvolviam, o que, em muitos casos, deu origem aos grandes bolsões de pobreza
assistidos pelos serviços públicos.
3.1.2 A atuação das lideranças locais
Em Panambi, o poder público e os membros da ACI
381
pleiteavam constantemente
benefícios que pudessem maximizar o desenvolvimento econômico local. Entre suas
principais preocupações estava a falta de telefones, rodovias e mão-de-obra.
382
Concomitantemente, procuravam formas de conciliar o rápido desenvolvimento econômico
com a migração em massa para a cidade, a qual causava uma série de problemas.
381
Segundo os Livros de Atas, nº1 e nº2 da Associação Comercial e Industrial de Panambi, as diretorias no
período de 1969-1978 eram constituídas pelos seguintes empresários: Diretoria/ACI de 1969: Presidente: Erico
Werner Kepler; Vice-presidente: Orlando Idílio Schneider; 1° Secretário: Arlindo Strücker; 2° Secretário:
Hermann Dietrich; 1° Tesoureiro: Siegfrid E. Hentges; 2° Tesoureiro: Hugo Bruno Knorr; Conselho Fiscal :
Arnoldo Schaffazich, Miguel Schmitt-Prym , Werner Happke. Diretoria/ACI de 1970: Presidente: Erico Werner
Kepler; Vice- presidente: Orlando Idílio Schneider; 1° Secretário: Arlindo Strücker; 2° Secretário: Hermann
Dietrich; 1° Tesoureiro: Siegfid E. Hentges; 2° Tesoureiro: Hugo Bruno Knorr; Conselho Fiscal: Arnoldo
Schaffazich, Miguel Schmitt-Prym, Werner Happke. Diretoria/ACI de Julho de 1971 a Junho de 1972 :
Presidente: Erico Werner Kepler; Vice-presidente: Orlando Idílio Schneider; 1° Secretário: Arlindo Strücker; 2°
Secretário: Hermann Dietrich; 1° Tesoureiro: Siegfid E. Hentges; 2° Tesoureiro: Hugo Bruno Knorr; Conselho
Fiscal : Miguel Schmitt-Prym, Werner Happke, Armindo João Stahlhofer. Diretoria/ACI de julho de 1972 a
junho de 1973 : Presidente: Miguel Schmitt-Prym; Vice- presidente: Erico Werner Kepler; 1° Secretário:
Ronaldo Grams; 2° Secretário: Orlando Schneider; 1° Tesoureiro: Elimar Osório Hartemink; 2° Tesoureiro
Oscar Schnvarz; Conselho Fiscal :Gustavo Seib, Hugo Bruno Knorr, Siegfrid E. Hentges. Diretoria/ACI de julho
de 1973 a junho de 1974 : Presidente: Miguel Schmitt-Prym; Vice-presidente: Erico Werner Kepler; 1°
Secretário: Ronaldo Grams; 2° Secretário: Orlando Schneider; 1° Tesoureiro: Elimar Osório Hartemink;
Tesoureiro: Oscar Schwarz; Conselho Fiscal : Gustavo Seib, Hugo Bruno Knorr, Siegfrid E. Hentges.
Diretoria/ACI de 1975/1976 : Presidente: Miguel Schmitt-Prym; Vice-presidente: Orlando Schneider; 1°
Secretário: Arlindo Felipe Stahlhofer; 2° Secretário: Danilo Basso Backer; 1° Tesoureiro: Elimar Osório
Hartemink; 2° Tesoureiro: Nelson Dreher; Conselho Fiscal: Rudolfo Arno Goldhard, Alvar Alberto Quim,
Delmar Hinnah. Diretoria/ACI de 1978 : Presidente: Miguel Schmitt-Prym; Vice-presidente: Orlando
Schneider; 1° Secretário: Henrique Hartmann; 2° Secretário: Álvaro Quim; 1° Tesoureiro Elimar Osório
Hartemink; 2° Tesoureiro: Hugo Knorr; Conselho Fiscal: Rudolfo Arno Goldhard, Arlindo A. Moura, Helmuth
Kepler.
382
Outra forma encontrada para incentivar o desenvolvimento econômico local foi a criação de uma Lei que
garantia a isenção de todos os impostos municipais aos estabelecimentos bancários que aplicassem o dobro dos
depósitos de seus clientes no financiamento à indústria, comércio, lavoura e pecuária do município.
Lei 264/69-
07 ago.1969: Artig. 1º.
148
A ACI, que representava os interesses dos empresários da cidade, influenciava de
forma direta as decisões do poder público, assim como trabalhava em parceria quando se
tratava de assuntos de seu interesse.
383
Segundo Schmitt-Prym, “a Associação Comercial
tinha mais poderes que o próprio prefeito”, explicando que:
A central telefônica foi articulada pela ACI, o corpo de bombeiros também. A sede
da Brigada Militar, o telex, o Banco do Estado, Banco do Brasil, tudo foi articulado
pela ACI. Liderado pela ACI. Transporte para Porto Alegre, tudo! Ouro e Prata
[empresa de transporte coletivo]. Se trabalhou muito em cima do transporte
ferroviário, Belizário, o ramal que a cooperativa tem na estação Belizário foi a ACI
que conseguiu.
384
Outra preocupação da entidade era a formação de mão-de-obra especializada. Tanto
que em 1969, representantes do poder público e da ACI articularam a vinda de uma extensão
do SENAI (Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial) para Panambi. Uma notícia de
1974 destacava:
SENAI, uma entidade industrial do Governo Brasileiro, com recursos financeiros da
Alemanha já funciona em Panambi há seis anos. O SENAI, tem como objetivo
aprimorar a tecnologia industrial através do curso de Ajustador Mecânico, formando
elementos profissionais no serviço de torno (...) Este curso é muito positivo para
Panambi. Ele é necessário, pois a indústria local está em desenvolvimento e sempre
emprega mais mão-de-obra especializada, sendo esse fator deficiente da nossa
indústria.
385
Essa preocupação também motivou, em 1970, a solicitação de uma extensão da
Universidade de Santa Maria:
Uma comissão integrada pelo Prefeito Rodolfo Arno Goldhardt, vice-prefeito
Orlando Schneider, Dr. Eugen Leitzke, Diretor do Colégio Evangélico Panambi, sr.
Erico Kepler, presidente da Associação Comercial e Industrial e sr. Ernesto Saur,
Membro do conselho Diretor do Colégio Evangélico Panambi. A comissão foi
recebida em audiência pelo Reitor da Universidade Federal de Santa Maria, Dr. José
Mariano da Rocha, ao qual foram levadas as reivindicações de Panambi, da
instalação de uma universidade de Engenharia de Processo de Produção, para a
formação de engenheiros para as indústrias.
386
383
Percebe-se que os membros da ACI procuravam atuar no setor político. Entre seus membros encontramos
diversas lideranças políticas da localidade, entre os quais destacamos: Orlando Idílio Schneider, Hermann
Dietrich, Rudolfo Arno Goldhard, Delmar Hinnah e Miguel Schmitt-Prym.
384
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
385
SENAI. A Notícia Ilustrada, Panambi, 21, mar. 1974, p.3.
386
Panambi foi pleitear faculdade. O Panambiense, Panambi, nº1230, ano XI,30, abr. 1970.
149
Schmitt-Prym, presente também na ocasião, destaca: “o reitor olhou pra nós e
perguntou: o que é isso? Nós não temos isso nem em Santa Maria, o que vocês querem em
Panambi? O que vocês entendem por isso”?
387
Assim, percebe-se que as empresas locais, além de terem sido beneficiadas pelas
políticas federais, ainda tinham o apoio do poder público e de uma Associação Comercial e
Industrial atuante.
3.1.3 A Cooperativa Tritícola Panambi Ltda – COTRIPAL
A Cooperativa Tritícola Panambi Ltda - Cotripal foi fundada em 1957,
388
por um
grupo de agricultores preocupados em beneficiar a comercialização do trigo.
389
A iniciativa
deu-se num contexto macro no qual o governo apoiava o surgimento de novas cooperativas e
a transformação das cooperativas mistas em cooperativas empresariais,
as quais se
encarregariam de tarefas como armazenar, organizar e controlar a produção.
390
Esse processo
387
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
388
Segundo Ribeiro, o modelo associativo implantado na colônia de Neu-Württemberg, foi implementado a
partir da chegada do Pastor Hermann Faulhaber. Em 1903, foi fundada a Bauernverein (Associação de
Agricultores de Neu-Württemberg). Concomitantemente, outros grupos se organizaram, como criadores de
suínos e fumicultores. A Bauernverein deu origem à primeira cooperativa, fundada em 11 de setembro de 1904,
com a denominação de “Produktions und Bezugsgenossenschaft,” que significa Cooperativa de Produção e
Compras, que encerrou suas atividades no ano de 1925. Em seguida, houve a formação de uma nova
cooperativa, cujo registro dos estatutos data do mês de janeiro de 1926, sob a denominação de Cooperativa
Agrícola da União Colonial de Neu-Württemberg. Já em 25 de abril de 1931, foi fundada a Caixa Rural –
Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Ilimitada de Neu-Württemberg. Mais tarde esta viria a receber a
denominação de Coopercrédito. Cf. RIBEIRO, Carmem A. A prática de educação em organizações
cooperativas: O caso Cotripal. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Departamento de Pedagogia. Mestrado em Educação nas Ciências, 2005.
389
Além da Cotripal, outras Cooperativas também foram fundadas em Panambi, entre estas destacamos:
Cooperativa de Consumo Progresso Ltda (Funcionários da Kepler Weber S. A.); Cooperativa Mista Mambuca
Ltda – Linha Mambuca; Centro Cooperativo de Treinamento Agrícola; Caixa Rural Panambi (Cooperativa de
Crédito). 65 ANOS de progresso – Panambi – Município de um decênio. História, Estatística, indústria,
comércio. Panambi: Publipan, 1964.
390
Sobre Cooperativismo cf.: ANDRIOLI, Antônio Inácio. Trabalho coletivo e educação. Um estudo das
práticas cooperativas do Programa Cooperativismo nas Escolas na Região Fronteira Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências). Universidade Regional do
150
se intensificou na década de setenta, devido às políticas específicas para o setor agrícola. O
jornal A Notícia Ilustrada de 1975 registrava:
O Sr. Hermann Strobel, presidente da Cooperativa Tritícola Panambi Ltda,
participou do 1º Simpósio da Soja recentemente realizado na capital do estado.
Segundo falou o Sr. Strobel, o ministro da agricultura afirmou que o governo
garantirá a comercialização e preços mínimos, de qualquer quantidade de soja que
venha a ser produzida no país.
391
Os incentivos possibilitaram o crescimento da produção de grãos, principalmente da
soja em detrimento ao trigo. O Gráfico nº2 demonstra essa mudança.
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, Rio Grande do Sul; NASCIMENTO, Fernando Rios do.
Cooperativismo como alternativa de mudança. Uma abordagem normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2000;
SCHNEIDER, José Odelso. Democracia, participação e autonomia cooperativa. 2 ed. São Leopoldo:
Unisinos, 1999; MARQUES, Mario Osório. Comunicação e educação cooperativistas no Brasil. Separata de
Perspectiva Econômica. Série Cooperativismo 6. São Leopoldo: Unisinos, ano XV, v. 10, n. 27, 1980; VEIGA,
Sandra Mayrink; FONSECA, Isaque. Cooperativismo: uma revolução pacífica em ação. Rio de Janeiro:
DP&A: Fase, 2001. (Coleção: Economia Solidária); FRANTZ, Walter. Cooperativismo: perspectivas. Um
lugar de reencontro com a vida social. Ijuí: Unijuí, 2003. (Série Cooperativismo, 03). RIBEIRO, op. cit..
391
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº610, ano V, 15, ago. 1975, Capa.
151
Gráfico 2 -
Produção da soja e trigo em toneladas recebidos pela
Cotripal - 1971 a 1979
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
160000
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979
toneladas
Soja Trigo
Fonte: Informações cedidas pelo responsável do setor da Cotripal/Arquivos. 23, dez. 2005. Gráfico elaborado
por: MELLO, Eliane de; MELLO, Marcos André de.
Na medida em que os agricultores “se convenciam” de que plantar soja era sua melhor
alternativa econômica, o número de associados da Cotripal aumentava consideravelmente:
152
Gráfico 3 -
Número de sócios da Cotripal 1965-1979
-
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979
Número de sócios
Fonte: Jornal A Notícia Ilustrada 27/02/78 e informações cedidas pelo responsável do setor da
Cotripal/Arquivos. 23 dez. 2005. Gráfico elaborado por: MELLO, Eliane de; MELLO, Marcos André
de.
A Cooperativa, então, investiu na construção de uma infra-estrutura capaz de
armazenar a produção de seus associados. Os silos e secadores foram adquiridos na empresa
Kepler Weber, a partir de 1969. Entre 1972-1973, construiu o complexo dos armazéns
sementeiros em Panambi e uma unidade para armazenagem de grãos em Condor com
capacidade para receber 31.800 toneladas, posteriormente construiu na mesma localidade outro
graneleiro, este com capacidade para 31.000 toneladas.
392
Quanto à origem do capital para realizar tais investimentos, um dos diretores da
Cotripal explicava em 1970: “O capital integralizado tem crescido ultimamente devido ao
constante aumento das safras, possibilitando à administração obter financiamentos de vulto,
destinados a obras e modernização das instalações”.
393
Este aspecto é evidenciado pelos dados
registrados no gráfico nº 4.
392
A Cotripal. A Notícia Ilustrada, Panambi, ano III, nº298, 17, jun. 1973.
393
Edição Especial Cotripal. O Panambiense, Panambi, nº 1263, ano XI, 24, jul.1970.
153
Gráfico 4
- Investimentos da Cotripal 1966-1971
0
50.000.000
100.000.000
150.000.000
200.000.000
250.000.000
300.000.000
350.000.000
1966 1967 1968 1969 1970 1971
Moeda
Valo r N om inal Valor Real
Fonte: A Notícia Ilustrada, 22 jul. 1978. Gráfico elaborado por: MELLO, Eliane de; MELLO,
Marcos André de; LEMES, Fábio.; VITCEL, Marlise.
394
O gráfico a seguir fornece maiores informações a respeito da capitalização da
Cooperativa no período de 1969 a 1971:
394
O cálculo da inflação foi realizado com base no índice inflacionário da FIPE (IPD-FIPE). Dados disponíveis
em: <http://www.savoynet.com.br/easycalc/correcao.asp.> Acesso em 17 de dez. 2005.
154
Fonte: A Notícia Ilustrada 24 jul. 1970. Gráfico elaborado por: MELLO, Eliane de; MELLO, Marcos
André de; LEMES, Fábio.; VITCEL, Marlise.
395
Analisando a capitalização da Cotripal no período de 1969 a 1971, observa-se que em
1969 houve um crescimento real do capital subscrito de 49%, e no capital integralizado houve
um crescimento real de 112%. Em 1970 há uma diminuição do capital subscrito
396
da ordem
de 85% e um crescimento do capital integralizado de 83%. Em 1971 o capital subscrito
reduziu em 86% ao passo que o capital integralizado cresceu 81%. O fundo de reserva da
Cooperativa no primeiro ano teve um crescimento de 112%, no segundo ano de 80% e no
395
O cálculo da inflação foi realizado com base no índice inflacionário da FIPE (IPD-FIPE). Dados disponíveis
em: <http://www.savoynet.com.br/easycalc/correcao.asp.> Acesso em 17 de dez. 2005.
396
O capital subscrito consiste no dinheiro que o agricultor deve pagar a Cooperativa para tornar-se sócio, muitas
vezes por não ter o dinheiro o agricultor subscreve o valor, na medida em que vai pagando, o capital vai ficando
negativo nos balanços da Cooperativa.
Gráfico 5 -
Capitalização da Cotripal em valores reais e nominais - 1969
a 1971
117%
112%
53%
49%
117%
112%
83%
91%
-85%
-84%
88%
80%
81%
-86%
-86%
75%
0%
3%
-100,00%
-50,00%
0,00%
50,00%
100,00%
150,00%
NominalRealNominalRealNominalReal
Fundo de reserva Capital subscrito Capital integralizado
1969 1970 1971
155
terceiro ano de 3%. Assim, esta elevação na capitalização da Cooperativa parece vinculada ao
crescimento do número de sócios em condições de efetivamente integralizar seus capitais.
O crescimento do capital demonstra a confiabilidade, a solidez e a importância da
Cotripal no mercado agrícola local e nacional. Cabe destacar que desde o princípio
caracterizou-se como uma cooperativa sólida e confiável. Muitos produtores, pequenas
empresas públicas, privadas e cooperativas da região depositavam suas safras na Cotripal para
a sua posterior comercialização. A tabela a seguir traz uma lista destes grupos, bem como
indica o ano em que realizaram negócios com a Cooperativa.
Tabela nº 4: Grupos de outras localidades que depositaram soja na Cotripal 1977-1979
Origem da Soja 1977 1978 1979
Taquarusseu - Frederico Wesphalen X
Anderson Clayton - Cruz Alta X
CESA- Cruz Alta X
CESA - Palmeira das Missões X
Copalma - Palmeira das Missões X
Samrig - Cruz Alta X
Cotricruz - Cruz Alta X
Cotrijuc - Julio de Castilhos X
Cotrijui- Ijuí X
CESA – Cachoeira do Sul X
Ceval - São Miguel do Oeste/ SC X
Fonte: Informações cedidas pelo responsável do setor da Cotripal/Arquivos. 23 dez. 2005.
Em decorrência do crescimento econômico acelerado, a Cooperativa pode ampliar
seus investimentos e ao longo da década de setenta passou a oferecer uma vasta gama de
produtos aos seus associados e à comunidade em geral. Um artigo do jornal A Notícia
Ilustrada de 1971 anunciava: “O novo prédio que hoje se inaugura, recebe a administração da
Cooperativa Tritícola Panambi Ltda, um moderno varejo no qual o associado se servirá pelo
auto-serviço além de uma secção de ferragem e peças. No terceiro piso funcionará o setor de
repasse de crédito além da agronomia regional.”
397
Um texto comemorativo do jornal A Notícia Ilustrada de 1978 narrava alguns eventos
da trajetória da Cotripal. Citava, por exemplo, a inauguração de um supermercado em Condor,
ocorrida em 1972.
398
O entrevistado, provavelmente um dos diretores da Cotripal, destacava:
397
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº13, ano I, 03, jul.1971.
398
A Notícia Ilustrada, Panambi, 29, mar.1978.
156
Mas, não bastava somente aumentar a capacidade de atendimento aos associados.
Era necessário também que aumentasse o número de funcionários que de apenas
três, conta hoje com 388. Também, em vista do rápido aumento do número de
funcionários, foi necessária a criação de um Departamento especializado, que se
encarrega de toda a política pessoal, assim como os respectivos encargos sociais e
trabalhistas.
399
O gráfico nº 5 demonstra a oscilação do número de funcionários da Cotripal ao longo
da década de setenta:
Fonte: Informações cedidas pelo responsável do setor da Cotripal/Arquivos. 23 dez. 2005. Gráfico
elaborado por: MELLO, Eliane de; MELLO, Marcos André de.
Para Almeida,
400
o desenvolvimento econômico da Cooperativa ocorreu
concomitantemente a um processo que produziu certa fidelidade à Cotripal. Nesse sentido,
percebe-se que no decorrer da década de setenta os agricultores foram alvo de campanhas que
visavam construir esta fidelidade e confiabilidade para com a Cooperativa. Encontra-se
diversos artigos no jornal A Notícia Ilustrada, nos quais a Cotripal argumentava que merecia a
confiança do agricultor. Da mesma forma, a Cooperativa concentrou esforços para envolver o
público infantil nos “ideais do cooperativismo”. Esta estratégia, além de demonstrar que a
Cotripal se preocupava com a educação dos filhos de seus associados, o que era positivo
que queria adquirir confiabilidade, ainda divulgava informações de seu interesse entre as
399
A Notícia Ilustrada, Panambi, 29, mar. 1978.
400
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
Gráfico 6
- Funcionários da Cotripal 1970-1979
336
361
386
306
291
283
247
230
185
136
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979
157
famílias e “seduzia” os futuros sócios da cooperativa.
401
Nessa linha, uma reportagem de 1976
relata o lançamento, pela Cotripal, de um concurso de redação sobre o tema “O que significa
uma cooperativa para o agricultor.” Segundo o informe, os alunos classificados receberiam
como prêmio uma viagem grátis “ao Jardim Zoológico de Sapucaia do Sul e a Porto
Alegre.”
402
O resultado deste processo foi a conquista da confiabilidade dos agricultores e da
população em geral, aspecto que em termos mercadológicas se tornou extremamente positivo,
pois as pessoas optavam por comprar os produtos de que necessitavam na Cotripal. Almeida
recorda:
O comum [alimentos em geral e produtos de limpeza] ficou na mão deles [Cotripal]
porque não tinha o pegar do comum em outra loja pra comprar, porque ‘nós temos
pra revender’, eu só não sei como não entrou no ramo de máquinas agrícolas, mas
eles tinham peças para depois que comprava a máquina agrícola peças de reposição.
Era só comprar a máquina que eles tinham a peça pela metade do preço!
403
Outro fator salientado por Almeida refere-se ao aniquilamento da concorrência:
a Graziotim tentou entrar [estabelecer uma filial] uma época, enquanto não viram a
Graziotim quebrar eles [direção da Cotripal] não pararam de baixar o preço. Aí
venho para cá o Zaffari tentou competir, o mercado baixou o preço que pra nós foi
uma maravilha! Então a cooperativa não deixa ninguém crescer, é ela que manda e
pronto.
404
Portanto, além da fidelidade dos clientes, a Cotripal pôde competir com as empresas
que se instalavam em Panambi pelo fato de ter capital e conseqüentemente conseguir diminuir
os preços de seus produtos para torná-los mais atraentes. Consolidou-se, dessa forma, como
uma das maiores cooperativas do Brasil atuando em diversos setores e empregando um grande
número de funcionários. De uma cooperativa de agricultores, transformou-se numa grande
empresa com fins capitalistas.
401
No início da década de oitenta a Cotripal elaborou e colocou em pratica um projeto que pretendia ensinar as
crianças o sentido do cooperativismo e que também divulgava informações a respeito de defensivos agrícolas.
Sobre o tema cf. RIBEIRO, op. cit., 2005.
402
DEPARTAMENTO de Comunicação e Educação Cooperativas. Viagem a Porto Alegre foi prêmio da
Cotripal no Dia da Criança. A Notícia Ilustrada, Panambi, n. 714, ano VI, 22 out.1976, p. 2. apud RIBEIRO,
op. cit., 2005.
403
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
404
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
158
3.1.4 A Kepler Weber S.A
A Kepler Weber S.A Indústria, Comércio, Importação e Exportação, organização do
ramo de fabricação de maquinários para beneficiamento de cereais, foi fundada no ano de
1925, pelos irmãos Otto Kepler e Adolfo Kepler Jr., filhos dos “pioneiros” Adolfo e Olga
Kepler, imigrantes alemães que chegaram a Neu-Württemberg em 1901. Inicialmente,
fabricava carroças, enxadas, foices e outros instrumentos agrícolas.
405
Na década de 70, a
empresa foi beneficiada duplamente pelos incentivos fiscais do Governo Federal, primeiro
pelo fato de ter acesso aos empréstimos, os quais permitiram que aumentasse sua infra-
estrutura e investisse em tecnologia. Um dirigente recorda,
o ambiente externo não atrapalhava, pelo contrário, era bastante generoso conosco.
As facilidades de oferta de recursos junto às instituições financeiras permitiam que
realizássemos grandes investimentos sem ter recursos para tal. Nesta época era fácil
contrair empréstimos e financiamentos de longo prazo.
406
Segundo, porque a política que incentivou o setor agrícola permitiu que os produtores
rurais aumentassem a produção, principalmente da soja, como demonstra a tabela a seguir:
Tabela nº 5 - Evolução da cultura da soja no Brasil
ANOS ÁREA (ha) PRODUÇAO (t) RENDIMENTO (kg/ha)
1965 431.834 523.180 1.212
1966 490.687 594.990 1.213
1967 612.115 715.610 1.169
1968 721.913 654.480 907
1969 906.073 1.056.600 1.166
1970 1.316.809 1.508.550 1.144
1971 1.716.420 2.077.300 1.210
1972 2.191.455 3.703.620 1.690
1973 3.615.058 5.011.620 1.386
1974 5.143.116 7.876.210 1.531
1975 5.824.492 9.893.010 1.698
1976 6.417.000 11.227.120 1.750
1977 7.070.263 12.513.410 1.770
1978 7.778.511 9.534.720 1.226
1979 8.339.370 10.236.000 1.227
405
Cf. KEPLER, Olga. Origem e descendência da família Kepler. Porto Alegre: Gráfica Editora Estrela LTDA
1987.
406
FINK apud SAUSEN, op. cit., p. 130 a 133.
159
Fonte: IBGE, CACEX, ABIOVE, CFP, Safras e mercados, ETAC MERCADO, CRIAEC. Apud BRUM,
Argemiro Jacob. Modernização da agricultura – trigo e soja. Rio de Janeiro: Vozes, 1988, p. 185.
Esse aumento na produção da soja gerou a necessidade dos agricultores organizarem-
se de forma a permitir a aquisição de uma infra-estrutura capaz de proporcionar a
armazenagem dos grãos, como silos e secadores,
407
ambos produzidos pela Kepler Weber.
Nesse sentido, já em 1967, a empresa negociava com a Cotripal:
O famoso SECADOR MINUANO teve o início de sua produção no ano de 1967
sendo instalado o primeiro em Panambi, para a Cooperativa Tritícola Panambi Ltda.
Seu uso efetivo na safra de 1968 e 1969, demonstraram a qualidade comprovada e
capacidade efetiva superior à especificada pelos fabricantes.
408
O crescimento da indústria, ocorrido concomitante ao da agricultura, aparece indicado
claramente na propaganda que saudava o Ministro da Agricultura, publicada em 1973 na
imprensa local.
409
A mesma traz um mapa do Brasil, o qual pretende demonstrar a
abrangência dos produtos da empresa, sendo que ao fundo lê-se: “Obrigado ministro! Por tudo
o que fizer pela agricultura brasileira. Nós fizemos a nossa parte: a cada hora 10012 toneladas
de cereais passam por 615 Secadores Minuano, instalados por todo o país, garantindo
melhores condições de armazenagem e conservação dos produtos agrícolas brasileiros”.
407
A empresa fabricava ainda máquinas de pré-limpeza, selecionadores de sementes, engenhos de
provas, correias transportadoras, elevadores de caçambas (metálicos).
408
Por que nos orgulhamos de Panambi? 3º caderno. O Panambiense, Panambi, ano XI, nº1193, 16, jan. 1970.
409
Obrigado senhor ministro. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº298, ano III, 17, jun.1973, p. 7.
160
Propaganda 1 – Obrigado Ministro. Fonte: A Notícia Ilustrada, Panambi., 17, jun. 1973.
Nos mesmos parâmetros, um artigo de 1975 destacava,
Mais máquinas da Kepler Weber para o Paraná: Saíram de nossa cidade máquinas de
pré-limpeza de cereais, com capacidade de oito toneladas por hora, cada uma, para
oito cidades do Paraná e Goiás: Anápolis, Bandeirantes, Londrina, Bela Vista do
Paraíso, Maringá, Nova Esperança, Eng. Beltrão e Cianorte. (...) Nada melhor do
que os números para traduzirem, com seu testemunho imparcial e objetivo, a
capacidade produtiva que Kepler Weber S/A desenvolve hoje. Os dados que
qualificam a empresa são reveladores. Em expediente normal de trabalho, parte da
indústria um caminhão carregado cada hora, transportando produtos KW para seu
destino. Isto significa a expedição de 8 caminhões carregados por dia, ou ainda, 48
por semana. Da mesma forma, no último exercício (1974), Kepler Weber S/A
produziu e instalou, no Brasil e exterior: 264 secadores para cereais, com
capacidades de beneficiamento e transporte de 8 até 80 t/h; 600 elevadores de
caçamba para cereais, aos quais ainda se deve acrescentar os elevadores
correspondentes aos 264 secadores já relacionados no parágrafo anterior (com uma
média de 21 m de comprimento por unidade, os 600 elevadores produzidos
equivalem a uma extensão linear de 12.600 m!); 400 fitas transportadoras para
cereais, correspondendo a um total de 20.000 m lineares; 435 instalações de pré-
limpeza, limpeza simples e dupla de cereais; 70 selecionadores de sementes; 100
engenhos de prova para arroz. Para atender aos setores de administração, vendas e
instalação de equipamentos, Kepler Weber S/A dispõe de uma frota própria de 75
veículos, de diferentes tipos e capacidades. Dinamizando ainda mais essas atividades
todas, a empresa mantém uma rede própria de comunicação por rádio comercial tipo
161
SSB, com sintonia na faixa de 9000 khz, entre Panambi e os escritórios de Porto
Alegre, Curitiba e São Paulo.
410
Em 1976, um dirigente da Kepler Weber declarava que em torno de noventa por cento
das cooperativas agrícolas do país possuíam os equipamentos produzidos pela empresa.
Segundo ele:
A nossa marca Kepler Weber já é um verdadeiro símbolo de qualidade aliada à boa
assistência técnica dispensada para todos os nossos clientes, onde quer que estejam
sediados. A este programa, deve-se acrescentar o interesse do governo Federal de
incentivar a agricultura nacional também a nível de fazenda.
411
Outro tema recorrente na imprensa são as viagens ao exterior dos dirigentes da Kepler
Weber, que se iniciaram em 1972.
Um artigo de 1975 noticiava,
Embarcaram dia 18 do corrente, para os Estados Unidos, quatro diretores da Kepler
Weber S/A de Panambi. Os dirigentes da indústria Gaúcha, especializada na
fabricação de secadores, máquinas de beneficiamento e transporte de cereais, e que
também atua como varejo de eletrodomésticos e como concessionário Chevrolet,
seguiram com destino a New York e Detroit. Os objetivos da viagem incluem a
finalização de negociações para a transferência ao Brasil de kwow-how norte-
americano na fabricação de silos metálicos para cereais, setor em que a Kepler
Weber S/A também passará a operar. Da mesma forma, os empresários
panambienses deverão firmar contrato, para a representação em âmbito nacional e
posterior fabricação em nosso país, de sofisticada linha de ferramentas para uso na
indústria automobilística, por fabricantes, oficinas autorizadas, revendedores e
lojistas.
412
A conquista gradativa de mercados de exportação também é noticiada de forma
eloqüente pelo periódico, que em 1972 já divulgava a participação da Kepler Weber em feiras
no exterior: “pela primeira vez na história de Panambi uma firma local participou de uma feira
internacional. Trata-se da firma Kepler Weber S/A que expôs seus produtos na VII Feira
Internacional do Pacífico, realizada em novembro no ano que passou”.
413
Em 1975 um artigo retrospectivo
414
informava que as primeiras negociações com o
mercado externo haviam iniciado em 1973, com o Paraguai como cliente. No entanto, já em
410
Mais máquinas da Kepler Weber para o Paraná. A Notícia Ilustrada, Panambi, ano V, mai.1975.
411
Kepler Weber exporta tecnologia. A Notícia Ilustrada, Panambi, 22, jan.1976.
412
Diretores de Kepler Weber em viagem de negócios aos EUA. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº571, ano V,
26, mai.1975.
413
Kepler Weber S.A na feira internacional do Pacífico. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº114, ano I, 15,
mar.1972.
414
Kepler Weber: a maior indústria da “Cidade das Máquinas” ajudando a alimentar o Brasil. A Notícia
Ilustrada, Panambi, 12, mai. 1975, p. 2.
162
1972 uma nota no jornal A Notícia Ilustrada informava que a empresa estava exportando para
o Peru.
415
O articulista apontava alguns dados:
Num avanço seguro de conquista de mercados, a marca KW já cobre hoje uma
grande extensão territorial do Brasil, além de alcançar também o Paraguai, o
Uruguai, a Argentina e o Peru. De Cr$ 57.430.000,00 em 1973, as vendas da
empresa se elevaram em 1974 para Cr$ 119.700.000,00, num aumento de nada
menos que 108,4%. (...) Assim, embora o curto tempo de vigência dessas
exportações, já em 1974 a empresa formalizou 12 operações de vendas para o
mercado externo. O peso líquido exportado em 1974 foi de 166.411 Kg, gerando
uma receita no valor global de Cr$ 1.720.426,00 ( US$ 275,028,00 ). É esta a
contribuição que Kepler, Weber S.A vem dando ao desenvolvimento do Brasil,
através da canalização de preciosas divisas do exterior.
416
A respeito desse desenvolvimento, um dos diretores da empresa ponderava em 1976:
Nossos diretores, em diversas viagens de estudo aos EUA, Canadá e Europa,
estiveram à procura de melhores soluções para o beneficiamento de cereais e seu
armazenamento, adotados pelos países visitados. Esse programa de assimilação de
técnica avançada de beneficiamento de cereais está traduzido em contratos que nossa
empresa assinou com firmas norte-americanas e canadenses, para a fabricação e
venda de secadores portáteis e silos metálicos. Esses contratos prevêem também a
exportação dessa tecnologia para países vizinhos ao Brasil. A nossa previsão para
um futuro bem próximo é de um incremento nas nossas exportações, atendendo o
chamado do governo federal, reforçados justamente com as vendas de secadores
portáteis e de silos metálicos, o que deverá seguramente trazer ainda um maior
volume de divisas para nosso país.
417
No ano seguinte, participou da Feira Internacional de Lagos,
418
na Nigéria, e em
1979
iniciou a exportação de silos e secadores para a África:
Indústria de panambiense exporta para África: Perfazendo uma operação de 400 mil
dólares – 10 milhões e 400 mil aproximadamente - KW S/A ampliando suas divisas,
está exportando para a África, uma série de equipamentos para beneficiamento de
cereais, entre os quais: secadores, silos metálicos e máquinas de pré-limpeza. No
sábado de manhã, 18 caminhões, num total de 200 mil quilos, após serem carregados
na Fábrica 2, fizeram um desfile pelas ruas da cidade, em comemoração pela
conquista de mais um mercado internacional, e hoje à tarde estão iniciado viagem
com destino ao Porto de Santos em São Paulo, de onde os equipamentos serão
transportados para a África, mais precisamente na Costa do Marfim. Essa não foi
uma transação direta da Kepler Weber com os africanos, e sim através da
Cooperativa Meridional e Agropecuária de Campinas do estado de São Paulo, que
415
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº164, ano I, 19, jul. 1972.
416
Kepler Weber: a maior indústria da “Cidade das Máquinas” ajudando a alimentar o Brasil. A Notícia
Ilustrada, Panambi, 12, mai. 1975, p. 2.
417
A Notícia Ilustrada, Panambi, 22, jan.1976.
418
A Notícia Ilustrada, Panambi, mai.1980.
163
venceu uma concorrência internacional, para a instalação de um projeto agrícola,
que será executado pelo governo da Costa do Marfim.
419
No final da década de 70, a Kepler Weber S/A continuava se expandindo e as
previsões eram otimistas. Sausen destaca que o fechamento de um excelente contrato para
instalação de uma maltaria, firmado em 1978, consolidou a inserção da empresa no mercado
de unidades industriais.
420
Por fim, em 1980, um dos diretores indicava que nos próximos dois
anos a empresa passaria a exportar para o Oriente Médio.
421
A Kepler Weber preocupava-se em construir uma auto-imagem e dar a conhecer o seu
desenvolvimento, divulgando as suas conquistas mais significativas nos órgãos de imprensa.
Por outro lado, a imprensa estava provavelmente interessada em noticiar o cotidiano da
Empresa, dado que causava repercussão, visto que Panambi era uma cidade ainda
relativamente pequena, o que contribuía para tornar os nomes de Panambi e da Empresa
conhecidos.
Em julho de 1975, pela passagem do dia do “Colono, Imigrante e Motorista”, o texto
publicado pela Kepler Weber para homenagear esses agentes parece sintetizar a abrangência
da empresa no período: “O colono produz: nós lhe damos máquinas para secar e selecionar o
seu produto - secador minuano - máquinas de pré-limpeza, selecionador de cereais e outros. O
motorista transporta: nós lhe damos a ferramenta de seu trabalho através dos caminhões
Chevrolet”.
422
Ao que se poderia acrescentar ainda: “O colono e o motorista têm uma família:
nós vendemos os eletrodomésticos para sua casa”.
Dentre outros investimentos, o grupo Kepler Weber possuía uma revenda de
automóveis, cuja inauguração ocorreu em 1936, quando os proprietários negociaram com a
General Motors do Brasil a concessão de uma Agência GM. A efetivação do acordo constituiu
um fato inédito na época, especialmente porque a localidade não possuía o número mínimo de
moradores que geralmente era exigido como pré-requisito nestes casos e porque, em Cruz
419
A Notícia Ilustrada, Panambi, 31, jul.1979.
420
SAUSEN, op. cit., p. 134 a 135.
421
A Notícia Ilustrada, Panambi, mai.1980.
422
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº571, ano V, 12, mai.1975.
164
Alta, então sede do município, já existia uma revenda GM.
423
Sidnei Almeida recorda
algumas facilidades concedidas pela revenda aos funcionários da Kepler Weber na década de
70:
se você era motorista, eles tinham revenda da GM, você comprava um
caminhão da GM e pagava com o frete puxando para eles, então você não tinha
que procurar outro, [cliente] você pegava e a família ficava com o caminhão.
Então a maioria dos caminhoneiros aqui de Panambi , os mais antigos
iniciaram por causa da Kepler Weber, então foi a primeira que liberou os
caminhos sem o cara ter dinheiro para comprar. Era só o cara querer
trabalhar.
424
Quanto à linha de produtos oferecidos pela agência, uma nota do jornal A Notícia
Ilustrada registrava:
A agência GM, conta com moderno salão de exposição de carros novos e pátio
externo de venda de veículos usados, completo estoque de peças genuínas e
boutique de acessórios, oficina mecânica com retífica, geometria e
balanceamento de rodas, chapeação e pintura, serviços de lavagem e
lubrificação. Hoje a concessionária GM de Kepler, Weber S.A. abrange os
municípios e localidades de Panambi, Condor, Santa Bárbara, Palmeira das
Missões, Seberi, Frederico Westphalen, Irai, Rodeio Bonito, Herval Seco,
Alpestre, Caiçara, Vicente Dutra e Palmitinho. O total de vendas de veículos
alcançou no último ano (1974) montantes expressivos: carros novos – 414
(contra 207 vendidos em 1973), carros usados – 350.
425
Outro ramo em que o grupo atuou foi o comércio de eletrodomésticos e móveis em
geral. Negócio iniciado em 1975 quando inauguram a Kawecenter em Panambi,
concomitantemente a filiais em Santa Bárbara do Sul e Três de Maio. Outra loja da rede seria
inaugurada em 1979 no município de Chapada.
426
Uma propaganda, divulgada no jornal A
Notícia Ilustrada em 1976, fornece alguns indicativos a respeito dos serviços e da diversidade
de produtos comercializados pela Kawecenter, bem como das facilidades de pagamento.
423
A Notícia Ilustrada, Panambi, mai.1975.
424
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
425
Kepler Weber S.A em plena expansão. A Notícia Ilustrada, Panambi, 24, set. 1977.
426
A Notícia Ilustrada, Panambi, mai.1980.
165
Propaganda 2 - Agora quem lucra é você.
Fonte: A Notícia Ilustrada, Panambi, nº489, ano IV, 16, nov. 1974, p.4-5.
Outros indicativos do crescimento da empresa podem ser percebidos, por exemplo, ao
observar-se o crescimento de sua infra-estrutura.
427
Em 1970, a Kepler Weber inaugurou um
escritório em Porto Alegre e, em 1974, a primeira etapa de sua Central Administrativa, que foi
concluída em 1975, quando também inaugurou escritórios em Curitiba e em Campo Grande.
No ano seguinte, inaugurou um escritório em Goiânia, bem como, em meio a muitos festejos,
a Fábrica II em Panambi. Evidentemente, o jornal A Notícia Ilustrada divulgou amplamente a
cerimônia que contou com a presença do então Secretário da Indústria e Comércio, Cláudio
Strassburger, o qual fez questão de enfatizar em seu discurso que “se todas as empresas
427
A Notícia Ilustrada, Panambi, 22, jan. 1976, noticiava: “Após a conclusão, e agora já expansão,
da fábrica II da Kepler Weber S.A, esta empresa inicia a sua ampliação em outras regiões do país.
Trata-se da instalação da fábrica III no estado do Paraná, mais precisamente em Campo Mourão,
centro regional e maior entroncamento rodoviário da região sul. Neste sentido, os primeiros contatos
foram mantidos em 1975 entre autoridades e diretores da empresa. Agora, no ultimo dia 22,
estiveram na cidade, visitando as instalações da Kepler Weber S.º prefeito Dr. Renato Fernandes
Silva, de Campo de Mourão, acompanhado do senhor Augusto Oliveira Carneiro, 1º suplente a
deputado estadual, do sr. Getulio Ferrari, diretor vice-presidente da CAOMO - Cooperativa agrícola de
Campo Mourão e do vereador Aldo José Kaul. Na ocasião as autoridades campo mourenses
ofereceram doação de terreno de 100.000 metros quadrados, além de terraplanagem do mesmo e
ainda todas as isenções possíveis e previstas para a instalação de indústrias sem similares em seu
município”.
166
tivessem o índice de crescimento da KW, sua função seria perfeitamente dispensável.”
428
A
declaração foi validada pelas palavras do sr. Willy Fink, que falou em nome da empresa:
Como os senhores e as senhoras estão testemunhando, a pequena ferraria de 1925,
fundada por Otto Kepler e Adolfo Kepler Júnior, está se transformando num parque
industrial que honra a indústria brasileira e nos orgulha, em particular. (...) No setor
técnico e de produção, nossos objetivos e nossos planos mudaram, diversificaram-se,
ampliaram-se muito nos últimos 365 dias. As cooperativas, autarquias, firmas
agrícolas e industriais vinham e estão sendo atendidas normalmente e de modo
preferencial pela Kepler Weber. O que há de diferente e extraordinário é que agora
estamos dedicando nossa atenção também ao pequeno produtor, desenvolvendo uma
linha de máquinas para uso a nível de fazenda. Nossa Agência Chevrolet continua
em plena atividade honrando a concessão que a General Motors nos concedeu já em
1936. Da mesma forma, prossegue progredindo cada vez mais o Kawecenter,
moderno centro de compras com matriz em Panambi e filiais em Santa Bárbara e
Três de Maio. Aos 1.130 funcionários da Kepler Weber continua sendo
proporcionada ampla assistência social, numa gama de serviços e benefícios que se
multiplicam e complementam. Vamos dizer e sublinhar : Nossa Engenharia está se
estruturando para fornecer equipamentos KW para os grandes silos terminais (...).
Nesta autêntica prestação de contas que aqui estamos efetuando, devemos incluir
também a comprovação que pessoalmente fizemos, em sucessivas viagens ao
exterior, do conceito internacional que Kepler Weber desfruta atualmente. Não só no
Paraguai, no Uruguai, na Venezuela, na Argentina, na Bolívia e no Peru, onde
comercializamos nossas máquinas e instalações mas também nos Estados Unidos e
na Europa a marca KW está sendo conhecida e respeitada cada vez mais. Isto
Senhoras e Senhores, cremos deva ser motivo de satisfação, não apenas para nós,
dirigentes e empregados de Kepler Weber, mas também para toda a população de
Panambi. Mas crescer, expandir atividades, firmar conceito nacional e internacional
exige preparo, exige tecnologia, exige aperfeiçoamento constante de máquinas e de
pessoal. É o que estamos compreendendo e para o que nos dispomos agora, como
meta a ser cumprida de imediato, através de estruturação de uma escola de
aperfeiçoamento de mão de obra, tanto de menores como de adultos, uma escola
para montadores e operadores de equipamentos. (...) Acabamos de adquirir cerca de
20.000 hectares de terras no norte do Mato Grosso, para o desenvolvimento de um
ativo programa de colonização. (...) Kepler Weber, uma indústria de Panambi, que
progride e se expande para maior renome e prestígio da nossa querida “Cidade das
Máquinas”.
429
Outro investimento realizado neste ano foi a criação da KW Engenharia Ltda, cuja
função era tratar das vendas de unidades industriais, segmento no qual os clientes tinham um
nível mais avançado de exigência. Segundo Sausen,
Com essa nova empresa o negócio de “armazenagem” é ampliado para “sistemas de
engenharia”, ou seja, passa para um nicho de negócios mais complexos, uma vez
que o próprio negócio de “armazenagem” também exigia sistemas de engenharia,
porém de forma menos complexa e sofisticada. Este fato marca uma nova fase em
termos de ampliação dos negócios e da estrutura organizacional da empresa. Além
428
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº689, ano V, 21, mai.1976.
429
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº689, ano V, 21, mai.1976. “Cidade das máquinas” é um cognome usado a
partir da década de 70 para enfatizar o fato de Panambi ser um pólo industrial.
167
de incrementar as vendas, a empresa amplia consideravelmente sua estrutura
funcional, de produção e administrativa.
430
Nas palavras de um engenheiro que integrou a KW Engenharia Ltda: “com a KW
Engenharia Ltda, criou-se uma super estrutura de obras. A Kepler Weber passou a ter um
crescimento muito grande em termos de funcionários, equipes de engenheiros, chefias,
departamentos, etc...”.
431
Néri Linn, que foi funcionário da Kepler Weber S.A neste período,
recorda:
naqueles anos o presidente da empresa, Willi Finck, falava assim para nós, que a
empresa tinha tanto dinheiro guardado que não sabia mais onde colocar no banco
daqui. Aí quando começou a crescer, nos anos 70 até 80, aquilo era uma fartura de
dinheiro, eles tinham essa fábrica aqui, tinham lá em cima, daí eles tinham uma baita
fazenda no Mato Grosso que foi vendida depois daí nos anos 80. Ali eu viajei para
eles, aí eles começaram a comprar, tinham duas fábricas em Porto Alegre e três em
São Paulo, e eu viajava, mas aí foi indo devagarzinho que se terminou. Naqueles
anos eles tinham ali uma média de 3.500 funcionários, e daí começaram a vender os
secadores, não tinham mais ninguém que vendia, até hoje ainda é uma das únicas
que fabricam. As cooperativas começaram a expandir e a Kepler Weber vendia pra
elas.
432
Uma manchete de 1975 ao enfatizar que “o que é bom para a Panambi é bom para a
Kepler Weber S.A”, parecia querer indicar justamente o contrário, como atesta o artigo a
seguir:
A empresa hoje com 500 funcionários é sem dúvida a maior da “Cidade das
máquinas” e mais de 2.000 pessoas têm nela seu pão de cada dia, o que representa
30% da população citadina, além dos dependentes indiretos que buscam em seus
ramos de trabalho próprio o vasto mercado que a Kepler Weber S.A lhes oferece.
433
Diante disto, era comum as pessoas saírem em defesa da empresa quando julgavam
necessário. Como ocorreu em 1978, quando um grupo de empregados da Kepler Weber S.A,
organizou uma comitiva que se encarregou de exigir que o poder público providenciasse uma
estrutura capaz de minimizar os prejuízos decorrentes das freqüentes enchentes que abalavam
a cidade e que prejudicavam sua empregadora. Segundo o artigo,
Sem dúvida alguma, a Firma Kepler Weber S.A, foi quem sofreu os maiores
prejuízos em decorrência das últimas enchentes. (...) Para que fatos como estes não
430
SAUSEN, op.cit., p. 130-131.
431
ENGENHEIRO apud SAUSEN, op. cit., 2002, p. 131.
432
LINN, Néri. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 15, set. 2005.
433
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº243, ano II, 07, fev.1973.
168
mais ocorram em Panambi e principalmente para a Firma Kepler Weber, é que mais
de oitenta funcionários foram protestar junto ao Prefeito Municipal e exigir do Poder
Público uma solução urgente para o problema, porque com o acontecimento de fatos
dessa ordem, e havendo prejuízos para a empresa eles também serão prejudicados, já
que os aumentos e gratificações de fim de ano sofrerão uma redução. Representando
os oitenta e oito empregados que foram até a Prefeitura ontem de manhã, falou o
Sr.Leôncio Azevedo, oportunidade em que fez a entrega ao chefe do Executivo
Municipal de Panambi, Hermann Dietrich, um abaixo assinado com cerca de 700
assinaturas dos funcionários, os quais exigem que algo seja feito o mais rápido
possível,visando amenizar o problema das enchentes na firma onde trabalham.
434
O artigo é concluído com uma declaração do prefeito que deixa a impressão de que a
empresa recebia e “exigia” atenção especial do poder público municipal. Diz a autoridade:
“resolver o problema das enchentes é de fundamental importância não só para a firma KW,
mas para toda a comunidade”
435
, observação compreensível dado o desenvolvimento da
empresa. Um de seus dirigentes recorda:
o faturamento era extraordinário, a empresa vendia os seus produtos a preços que
pagavam todos os seus custos e proporcionavam boas margens de rentabilidade. O
mercado era favorável no ramo de atuação da empresa. As negociações com os
clientes eram em cima de prazos de pagamento, não de preços. A empresa cresceu
em todos os sentidos, tanto nos negócios, em termos de faturamento e resultados, de
novas aquisições e lançamento de novos produtos, quanto na sua estrutura
operacional e funcional.
436
O crescimento era reconhecido não apenas entre os integrantes da comunidade local,
mas também em outros lugares do Brasil. Sidnei Chaves de Almeida comenta que
Na década de 70 eu viajava de caminhão. Se você falasse que era de Panambi
ninguém sabia onde era Panambi. Mas, se tu dissesse que era da terra da
Kepler Weber, lá nos alemão... então Panambi não era pra ser Panambi, tinha
que ser Kepler Weber. (...) Então a Kepler Weber foi longe, foi longe mesmo.
Então Panambi demorou muito pra ter esse nome, se não era Kepler Weber,
isso eu não digo... se em Curitiba tu dizia que era de Panambi eles não sabiam...
mas se falava da Kepler Weber, eles sabiam.
437
Almeida sintetizava a dimensão do crescimento da empresa: "A Kepler Weber tinha
nome mesmo! E todo mundo dizia: o alemão que venho não é de Panambi, é da Kepler Weber!
Nós tínhamos o nome da cidade de Kepler Weber”! (grifo nosso).
438
Essa representação da
434
A Notícia Ilustrada, Panambi, 01, dez.1978.
435
A Notícia Ilustrada, Panambi, 01, dez.1978.
436
DIRIGENTE apud SAUSEN, op. cit., p. 133.
437
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
438
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
169
Kepler Weber como uma empresa promissora foi um dos fatores responsáveis pela atração de
um considerável número de migrantes para Panambi, reconfigurando sua imagem e valores.
3.2 “PARADOXOS DA MIGRAÇÃO”
439
O rápido desenvolvimento econômico de Panambi gerou um crescimento da demanda
por mão-de-obra, não mais suprida pela oferta local. Abria-se assim um mercado de trabalho
atraente, resultando num processo migratório interno – meio rural para urbano – e de outras
cidades para esta. Todavia, a migração que deveria resolver o problema era uma questão de
“mão dupla”, pois, se por um lado as empresas precisavam de trabalhadores para continuar
crescendo,
440
por outro, a cidade não possuía uma infra-estrutura capaz de atender, comportar
esse crescimento populacional, ou seja, ao solucionar-se um problema, criavam-se outros.
A Kepler Weber S. A. foi uma das empresas que mais contratou funcionários na
década de 70, pois necessitava tanto de mão-de-obra especializada quanto não especializada.
Para compor os quadros mais especializados, como os de engenharia, a empresa contratava
profissionais vindos dos grandes centros, como Porto Alegre. Chegou inclusive a estabelecer
intercâmbio com profissionais de outros países. Em 1972, o jornal A Notícia Ilustrada
registrava:
Encontra-se fazendo estágio na firma Kepler Weber S.A, o engenheiro industrial
Luiz Montoya Altamirano, de Lima, capital do Peru. O engenheiro é assessor
Técnico da Companhia ITASA – Importaciones Técnicos Alimentícias S/A. Nos
informa o engenheiro que o governo exige que todos os produtos possuam um
engenho de provas, dizendo que os engenhos de provas da Kepler Weber S/A são de
ótima qualidade, além de serem de menor custo que o engenho de provas japonês e
alemão. Tais engenhos não se fabricam no Peru e por isso pretende-se fabricá-los
439
O título é uma referência a obra de Sayad: Cf. SAYAD, 1998, op. cit.
440
Neste período a prefeitura iniciou a recolocação das indústrias localizadas no perímetro urbano, cuja extensão
começava a criar vários problemas. Segundo A Notícia Ilustrada, nº684, ano V, 25, jul. 1976, quatro indústrias
já estavam localizadas na zona suburbana, em locais amplos nos quais não havia restrições para sua expansão.
Caderno especial-sobre o desenvolvimento: Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município aceitou.
170
fazendo uso da patente da firma local. Luiz Montoya Altamirano fará um estágio em
todos os setores da indústria local.
441
Quanto aos operários menos especializados, a demanda também era grande, levando a
Empresa a contratar pessoas vindas de vários municípios da região, como indicava a seguinte
nota: “Nelson Kuhne, de Ijui, é o funcionário nº 800 da Kepler Weber S.A Nelson fará um
estágio na fábrica de secadores e passará para o setor de montagens. Kepler Weber S.A, teve
nos últimos, anos um aumento vertiginoso no nº de empregados.”
442
O gráfico a seguir ilustra o crescimento das contratações de pessoal ao longo da
década de 70:
441
Engenheiro peruano na firma Kepler Weber. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº145, ano I, 02, jun.1972.
442
Kepler Weber S.A com 800 funcionários. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº537, ano V , 14,
fev.1975.
171
Gráfico 7 -
Evolução no Nº de Funcionários da Empresa Kepler Weber
S.A
38
445
516
668
870
1000
349
267
1855
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980
Fonte: A Notícia Ilustrada. Gráfico elaborado por: MELLO, Eliane de; MELLO, Marcos André de.
443
A partir de 1975, a formação da mão-de-obra não especializada passou a ser feita com
o auxílio de uma escola criada pela empresa.
Dentro do terreno da Fábrica 2 acaba de ser montada a Estação Experimental, que
funciona como autêntico campo de testes para máquinas e instalações KW, além de
servir também ao treinamento de pessoal especializado na montagem de silos,
secadores, pré–limpezas, elevadores, tubulações e quadros de comando. Igualmente
já está totalmente edificada e pronta para entrar em atividades a Escola para a
Formação de Mão-de-Obra, destinada a incrementar o aperfeiçoamento de
montadores e técnicos. Para desenvolver a nível ainda mais satisfatório as atividades
443
A Notícia Ilustrada: 22, mar. 1976; 07, fev. 1973; 14, fev.1975 e Maio de 1980. Os dados referentes aos
anos de 1966, 1967, 1968, 1969, 1977, 1978 e 1979 não foram localizados.
172
da Escola para a formação da Mão-de-obra e da Estação Experimental, a Kepler
Weber valeu-se dos incentivos fiscais previstos no Programa de Formação
Profissional do Conselho Federal de Mão de Obra do Ministério do Trabalho. Para
dirigir os cursos teóricos e aulas práticas de Mecânica Geral, Ajustagem, Tornearia,
Solda, Funilaria, Eletricidade e Desenho Técnico, a KW contatou o Sr. Rudy
Goecks, natural de Panambi e ex–instrutor do SENAI na cidade de Canoas. Além de
haver auxiliado no encaminhamento do processo da KW junto ao Ministério do
Trabalho, o qual acaba de ser aprovado, o SENAI ainda continua colaborando com a
Kepler Weber através do fornecimento de instrução mais material didático.
444
Paralelamente à modernização da empresa, ocorreu a expansão das suas áreas de
atuação bem como do parque fabril, com o fechamento de novos contratos. Logo, a
modernização não implicou na redução do número de empregados, mas sim no seu aumento.
Durante 1974 com a implantação da fábrica dois, a Kepler Weber teve aumentada
sua área de trabalho 100 por cento, enquanto o número de empregados teve um
acréscimo de 33%. Apesar da crescente preocupação dos dirigentes da empresa em
automatizar ao máximo, a fim de reduzir o nº de operários, a firma está admitindo
todos os elementos que demonstrem capacidade profissional que se apresentem, pois
o crescimento da demanda de sua linha de produção está a exigir cada vez mais,
maior produção.
445
Segundo Linn, realmente era muito fácil encontrar emprego: “se entrevistava hoje,
amanhã já tava empregado”.
446
Em muitos casos, as pessoas trabalhavam durante a semana
nas empresas e nos finais de semana prestavam serviços diversos. Segundo Silva: “Só não
trabalhava quem não queria”!
447
De acordo com Argeu Nunes da Silva, a Kepler Weber S.A também trabalhava em
parceria, num sistema de terceirização com outras empresas, o que, por sua vez, gerava a
necessidade de novas contratações.
448
Um caso exemplar era o da Construtora Rehn,
449
cuja
principal linha de atuação era a construção da base de concreto dos silos produzidos pela
Kepler Weber S.A, um negócio bastante rentável. Outro ramo de atuação da firma era a
construção civil, que na época estava em franco desenvolvimento, como indicava o seguinte
anúncio: “Emprego: temos vagas para: carpinteiros e pedreiros. Admissão imediata.
444
A Notícia Ilustrada, Panambi, 22, mar. 1976.
445
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº537, ano V, 14, fev.1975.
446
LINN, Néri. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 15, set. 2005.
447
SILVA, Argeu Nunes da. Entrevista realizada por Eliane de Mello. 20, jan. 2006.
448
SILVA, Argeu Nunes da. Entrevista realizada por Eliane de Mello. 20, jan. 2006.
449
Além do ramo da construção, a Construtora Rehn também atuava no comercio de materiais de construção e
possuía uma fábrica de aberturas.
173
Construtora Rehn Ltda”.
450
Já a Empresa Fockink passou a fabricar painéis de comando,
suprindo outra necessidade da Kepler Weber S.A. Percebe-se, então, a composição de uma
rede de produção local, ou seja, a Kepler Weber S.A abre espaço para o estabelecimento de
novas empresas e para o fortalecimento das já existentes.
Além dos empregos nas empresas, Panambi também oferecia um vasto mercado para
os profissionais liberais, principalmente no ramo da construção civil. Resumindo, Panambi
apresentava-se como um vasto mercado de trabalho, concentrando um considerável fluxo
migratório, bem como a vinda de empresários interessados em estabelecer ou expandir seus
negócios, como foi o caso de Walter Furtado, já citado anteriormente. Em 1976 A Notícia
Ilustrada apresentava alguns fatores que certamente contribuíram para que o município se
tornasse atrativo aos migrantes: “os salários médios são os mais altos do estado e cada seis
habitantes tem automóvel, média superada apenas por São Paulo”.
451
A evolução dos salários
no setor secundário do município no período pode ser acompanhada na tabela abaixo:
Tabela nº 6 - Evolução dos salários pagos, valor da produção e valor da transformação no setor secundário do
município 1970-1980 (em %)
1970 1975 1980
ST VP VT ST VP VT ST VP VT
Não Metalúrgicas 1,0 1,1 1,8 - - - 0,5 0,4 0,6
Metalurgia 11,8 15,3 17,5 8,7 0,4 0,6 9,6 7,8 12,7
Mecânica 69,0 61,4 51,5 78,4 91,3 91,2 82,4 80,7 79,9
Mat. Transporte - - - 1,3 0,3 0,5 - - -
Madeira 7,5 5,0 5,5 3,4 2,6 2,8 3,5 2,8 3,5
Fonte: PREFEITURA MUNCIPAL DE PANAMBI. Plano diretor de desenvolvimento urbano.
Semestre de 1992. Mimeo, p. 34.
450
O Panambiense, Panambi, nº1254, ano XI, 26, jun.1970.
451
Caderno especial sobre o desenvolvimento: Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município
aceitou. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº684, ano V, 25, jul. 1976.
174
O nível de vida em Panambi era considerado muito bom. Uma reportagem de 1976
informava que em 1955 havia 15 escolas primárias com 498 alunos e que em 1975 existiam
37 escolas, com 1448 alunos.
452
Outro artigo comentava: “Num município em que o índice de
analfabetismo é de 2,5 % é inegável que o setor educacional está alcançando o melhor dos
rendimentos”.
453
Quanto ao Mobral,
454
o jornal a “Noticia Ilustrada” informava:
Mobral: Missão cumprida - Mobral custou aos cofres públicos municipais a irrisória
soma de seis mil e oitocentos cruzeiros. Pareceria aos menos avisados, um descaso
para com um movimento de âmbito nacional, que tem uma finalidade de tão
profundo alcance social. Ocorre, entretanto que desde sua criação, o Mobral tem tido
pouco a fazer e já atualmente não existem analfabetos a não ser alguns excepcionais,
irrecuperáveis.
455
A qualidade de vida da sociedade receptora funciona como um fator de atração para os
migrantes, como reitera Maia.
456
Dessa forma, quanto mais benefícios a população natural
tiver a sua disposição, como acesso à saúde, a educação, lazer,
457
qualidade de habitação,
poder de compra, etc., mais atrativa a cidade será para os migrantes. Ou seja, os migrantes
almejavam ter acesso aos mesmos benefícios e oportunidades que os naturais e melhores
452
Caderno especial. Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município aceitou. A Notícia Ilustrada,
Panambi, nº 684, ano V, 25, jul. 1976.
453
Panambi, um município privilegiado que tem 20 mil habitantes unidos em torno da indústria e agricultura. A
Notícia Ilustrada, Panambi, nº 659, ano V, 10, març.1976.
454
O MOBRAL foi o programa de combate ao analfabetismo desenvolvido pelo governo militar para substituir o
programa de Paulo Freire. Freire foi enviado para o exílio logo após o golpe militar pois os mesmos
consideravam suas idéias subversivas. Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
455
Caderno Especial. Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município aceitou. A Notícia Ilustrada,
Panambi, nº 684, ano V, 25, jul./1976.
456
MAIA, Rui Leandro Alves da Costa. O sentido das diferenças - Migrantes e naturais: Observação de
percursos de vida no Bonfim. Fundação Calouste Gulbenkian. Fundação para a ciência e a tecnologia Ministério
da Ciência e do Ensino Superior, 2003, p. 61.
457
Neste quesito, Orlando Schneider mencionava seu entusiasmo quanto a construção de um parque de Esportes
em Panambi ao repórter do jornal A Notícia Ilustrada,diz ele: “é uma das exigências da comunidade e em torno
do qual existem divergências de idéias. Na opinião do Prefeito este Parque deve servir para pessoas de todas as
idades, ou seja, além do pavilhão de Esportes deve ter recantos para crianças e também para pessoas idosas”. (...)
O articulista comentava que: “Orlando fez uma viagem a Alemanha onde pode ver parques como esse e acredita
que o exemplo pode ser seguido por Panambi. O Parque iria ao encontro direto dos interesses de todas as
empresas da comunidade que sentem a necessidade de seus funcionários contarem com uma área de lazer que
preencha todos os modernos requisitos técnicos. A construção somente de um pavilhão de esportes não seria a
melhor opção, segundo Orlando. O que deve existir é um complexo todo dirigido ao lazer numa área de três
hectares”. A Notícia Ilustrada, Panambi, 10, mar.1976.
175
condições de vida do que no seu local de origem.
458
Todavia em Panambi, essa vinda de
migrantes ocorria de forma desordenada e acelerada, carecendo de um planejamento urbano
adequado. Nas palavras de Walbrink,
o grosso [das pessoas] dessas vilas aí veio de Palmeira, Caiçara, dos arredores de
Frederico Westphalen, (...) quem trouxe a maioria foi a Cooperativa, Kepler etc.
Assim sabe, essa vila Esperança, isso anoitecia e no outro dia de manhã tinha um
monte de barraca e não tinha onde morar... E aí, o que o poder público tem que
fazer? Providenciar água, luz... E ajudar a construir um “biongo” [casa pequena, sem
estrutura básica]! E ali atrás do Ernesto Rehn também, de repente tinha 15 família
morando, não tinha água, não tinha estrada, não tinha nada...
459
Complementa explicando: “venho porque alguém foi lá convidar eles! Vamos pra
Panambi, lá tem emprego! Tem emprego fácil! Tem isso, tem aquilo que não tem em
Palmeira, porque em Palmeira não tem nenhuma indústria! Cruz Alta não tem nenhuma
indústria”.
460
Provavelmente eram estas expectativas que motivavam a formação de “redes
migratórias”,
461
envolvendo familiares ou conhecidos, como exemplifica Almeida:
O meu irmão mais velho que mora até hoje aqui namorava uma menina aqui de
Panambi, que trabalhava no hospital de Passo Fundo, que os pais moravam em
Panambi, e ele acabou casando com essa moça e foi morar aqui em Panambi, então
ele me disse que aqui se conseguia mais emprego e eu vim.
Assim, diversos migrantes moravam em pensões ou hospedavam-se na casa de seus
parentes. Linn recorda que havia diversas famílias que aceitavam pensionistas.
462
Os
migrantes vinham de outros estados e de diversas cidades da região como, por exemplo:
Condor, Palmeira das Missões, Frederico Westphalen, Carazinho, Erval Seco, Miraguaí,
Passo Fundo, Ajuricaba, Pejuçara, Santa Bárbara, Cruz Alta, Carazinho, São Pedro do Sul,
etc. Nas palavras de Schneider: “Uma imensidade de gente (...) Panambi passou a ter uma
soma maior no mínimo de 10.000 pessoas, nesses dez anos de crescimento”.
463
O mapa a
seguir situa os municípios mencionados pelos entrevistados como origem dos migrantes:
458
Cf. SAYAD, 1998, op. cit.
459
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
460
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
461
A respeito de “redes migratórias” cf. RAMOS, op. cit.
462
LINN, Néri. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 15, set. 2005.
463
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002.
176
Mapa 2. Fonte: IPD- Instituto de Política Públicas e desenvolvimento Regional
177
A vinda de imigrantes não foi vista de forma passiva pela comunidade panambiense.
As manifestações contrárias ou inquietas transparecem nas páginas do noticioso local,
pertencente a Miguel Schmitt-Prym, o qual foi durante muitos anos presidente da ACI. Os
principais anunciadores do jornal eram empresas do município e, esporadicamente, figuras
ilustres da comunidade publicavam artigos, ou seja, o periódico representava a opinião de
uma determinada classe social, na maioria, pertencente ao grupo étnico alemão. O mesmo
também expressava sua opinião a respeito das migrações através de artigos explícitos sobre o
tema ou de forma implícita, fazendo referência a outros lugares, ou reproduzindo textos que
não situavam o problema narrado. Um exemplo é o texto “A Revolta”:
Eles chegam com o amanhecer. Em bandos sujos. Espalham ao redor esse cheiro,
impossível de definir, feito de miséria e de falta de asseio. Tomam os blocos de
assalto. Ninguém mais consegue passar cinco ou seis minutos sem atender a
campainha da porta. São de todos os tipos e idades. Crianças recém foragidas das
fraldas. Meninos e meninas a caminho dos 10 anos. Adolescentes. Adultos, velhos.
Confundem-se nos trapos da aura deprimente da sujeira, no olhar meio assustado, às
vezes meio insolente, no interminável refrão de pedir isto ou aquilo para um filho
doente, para um parente que precisa ser internado, para a mãe paralítica que não
pode sair da cama e nem comprar remédios. Concorrem com os viralatas. Fuçam no
mesmo lixo e tem o recurso da inteligência. As crianças, principalmente, me
provocam piedade e revolta. Piedade imponente, nascida da consciência de saber
que nunca poderei resolver-lhes o problema com alguns trocados, com os restos de
comida ficados do jantar de ontem. A revolta é mais ampla. Abrange a sociedade
inteira. Engloba os infelizes que se procriam como animais, pelos cantos escuros da
vida, sem nenhum controle, alheios ao crime que praticam contra a vida. Atinge os
dogmáticos, os carolas que falam contra o controle da natalidade esquecidos do fato
de não haver grandeza nenhuma na concepção irresponsável de crianças destinadas à
marginalidade e à mendicância. Que me importa se lá nos confins do Brasil existem
áreas geográficas a preencher? O problema que me interessa esta aqui nas cidades
superlotadas, onde a miséria aperta a campainha das portas desde o amanhecer. Não
acredito que Deus aceitasse a desgraça hereditária dos pequeninos magros e
corrompidos que vagam atrás das latas alheias quando disse “crescei e multiplicai-
vos” aos homens. E ele também aconselhou aos homens a responsabilidade pelos
próprios atos. Depois da piedade e da revolta, o medo. Para onde enveredarão essas
legiões intermináveis de deserdados? Poderão respeitar a mesma sociedade que os
ignorou na distribuição das chances, dos acessos aos bens essenciais da vida. Não
acredito. A conclusão apavora. Agora mesmo, os jornais pululam de atentados, de
crimes praticados por menores desajustados. Acreditem, trata-se apenas da crista da
onda pioneira. Outras virão, soprados pela revolta, pelo analfabetismo, pela
ignorância e pelos vícios de seres humanos que ficariam muito melhor do outro lado
do existir, como simples células seminais, nunca como produtos embrutecidos de
uma fertilidade que se manifesta entre trapos e miséria.
464
O texto não explicita o lugar que analisa. Todavia, parece tratar-se, pelo menos de
forma indireta, de Panambi, como indicam os seguintes indícios: as edições deste período
464
A revolta. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 345, ano III, 07, out. 1973, p.9.
178
traziam diversos artigos e notas, nas quais os autores expressavam seu descontentamento com
o aumento da violência, dos pedintes e com a falta de casas, ou seja, temas expostos no texto.
Outro indicativo refere-se ao fato de que foi publicado em letras pequenas e estava quase
“escondido” num canto da página, o que fazia com que pudesse passar despercebido aos
leitores menos atentos. O texto leva a pensar que os diretores do jornal, ao mesmo tempo em
que sentiam a necessidade de expor sua opinião a respeito dos migrantes, temiam causar
polêmica.
O periódico publicava com freqüência textos que tratavam de problemas verificados
no local, mas também presentes a nível macro. O tema urbanização era um dos mais
recorrente.
465
Os textos tratavam sobre as dificuldades para conciliar o desenvolvimento
econômico com o êxodo rural,
466
as migrações e a falta de infra-estrutura nas cidades. Um
exemplo é a conclusão do texto “O preço do crescimento”: “o êxodo rural toma o rumo das
pequenas cidades, incapazes de agüentarem sozinhas o aumento demográfico conseqüente”.
467
Na mesma linha, um artigo definia como “caótica” a expansão urbana verificada neste
contexto,
468
enquanto outro ponderava a respeito do fato de que junto com o emprego,
surgiam os sub-empregos ou, com o aumento excessivo da população, o próprio desemprego,
situação que exigiria assistência social.
469
O serviço de assistência social era encarado com certa resistência e aversão por parte
dos “estabelecidos”. Por um lado, acreditava-se que as classes menos favorecidas acostumar-
se-iam com o assistencialismo, e por conseqüência, não iriam se empenhar em trabalhar. Esse
receio está implícito no texto “Deus salve os barrigudinhos”:
E de repente, o homem compreendeu que quanto menos se tem, melhor é. Não
preocupação com ladrões, não há preocupações de manter o nível de vida porque
baixo nível qualquer situação agüenta por mais que seja a inflação. Os filhos
barrigudinhos de vermes não tem importância. Os pés descalços também não. A
mulher esquelética, vestindo roupas que a boa senhora lhe mandou também não tem
importância. Haverá sempre uma boa senhora. Haverá sempre a erva que vai curar
os vermes dos filhos barrigudinhos. E o rancho feito com tábuas de caixão que o
homem da loja deu porque não tinha para quem vender também não tem
importância
.
470
Essa situação contrariava a própria formação cultural de Panambi, calcada no trabalho,
onde, mesmo em meio às dificuldades, cada qual trabalhava e, como resultado, conseguia
adquirir seu pedaço de terra, sua casa, seu carro ou outros bens. O assistencialismo era visto
465
Entre os quais destacamos: A crescente urbanização brasileira. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 381, ano IV,
04, jan. 1974.
466
Entre os quais destacamos a seguinte publicação: Êxodo rural. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 3, ano I, 09,
jun.1971, p. 5.
467
O preço do crescimento. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 115, ano I, 18, mar.1972.
468
Urbanismo: um grande quebra cabeça. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 263, ano II, 26, mar.1973.
469
Procura de emprego. A Notícia Ilustrada, Panambi, 24, jun.1971.
470
Deus salve os barrigudinhos. O Panambiense, Panambi , nº 1354, ano XII, 10, març.1971, p.5.
179
com preconceito como algo destinado “aos pobres”, “aos de fora”, que não queriam trabalhar.
Ou seja, deturpava a própria imagem que os panambienses faziam de si e a sua representação
de trabalho e forma de vida.
Em qualquer contexto, as migrações desorganizam o cotidiano das sociedades
receptoras. Acirram, por exemplo, os inúmeros problemas no sistema de saneamento básico,
de saúde, educação, recolhimento do lixo, moradia, além de intensificarem os problemas
sociais e desencadearem conflitos étnicos. Relativamente ao saneamento, uma reportagem de
15 de setembro de 1975 destacava:
Obras de saneamento são uma determinação da Secretaria de Saúde, que visa
melhorar o aspecto sanitário das áreas populacionais, que vivem a margem dos
centros maiores. Em Panambi teríamos a Vila Esperança, Vila Italiana, Vila Ball,
Bairro da Coréia. São áreas que não tem água potável, não têm sanitários, e as que
existem são tão infectadas, que oferecem perigo a toda a vizinhança. Esse
saneamento visa melhorar essas pequenas áreas, atingindo depois até o interior do
município as áreas populacionais. Visa também contar com a participação efetiva da
própria população atingida. Não é um serviço público, seria muito simplista, é
saneamento comunitário. (...) Mas é acima de tudo uma medida de higiene que
interessa a todos indistintamente.
471
Beck recorda: “Tinha problema na área de atendimento a saúde, inclusive fiz muitas
campanhas através da rádio [sic] de auxílio...”
472
O Jornal denunciava os problemas nesta
área, como no artigo “Depois das três horas ninguém consegue dormir”, no qual os moradores
residentes próximo ao principal posto de saúde da cidade, reclamavam do barulho feito por
aqueles que aguardavam atendimento médico.
Ernesto Winter, reside bem em frente ao prédio da Associação Comercial e
Industrial, onde se forma a fila do INPS, para o fornecimento de ficha. Ele disse que
a partir de 3:00 horas da madrugada, ninguém naquela rua consegue dormir. “Não há
condições”. (...) Outro morador (...) disse que no domingo passado por exemplo, às
22 horas já havia gente guardando lugar na fila para conseguir uma ficha. O pessoal
que vai guardar lugar na fila, traz rádios e gravadores e ligam-nos no último volume.
Também muitas mulheres com crianças pequenas, vão para a fila nas primeiras
horas da madrugada. As crianças começam a chorar e aí ninguém mais consegue
dormir. Ele também diz que o pessoal faz as suas necessidades fisiológicas nos
fundos do prédio da Associação ao lado do terreno onde reside.
473
471
Obras de saneamento depende da comunidade. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº623, ano V, 15, set.1975.
472
BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
473
Filas no INPS. A Notícia Ilustrada, Panambi, 14, fev.1978, p.4-5.
180
Os entrevistados pelo jornal A Notícia Ilustrada reconheciam que o atendimento
deficiente era um problema nacional, no entanto, um deles destacava:
Eu não consigo entender porque Panambi com seu grande número de indústrias e
estabelecimentos comerciais, não tem ainda uma agência do INAMPS. Esse é um
problema que toda a comunidade enfrenta. Ele é mais grave onde não existe uma
agência do INAMPS. Mas o problema é nacional. Há mais previdenciários do que
fichas disponíveis. Em Panambi, há poucos meses começou a surgir um grave
problema que só poderia ser sanado para muitos com a ação da polícia.
474
(grifo
nosso).
O artigo insinua que o problema havia se intensificado há pouco tempo e, de forma
geral, deixa a impressão de que este agravamento estava relacionado com as migrações
verificadas no período. Outro grave problema citado freqüentemente pelo Jornal refere-se à
precariedade no abastecimento de água, o qual estava sobrecarregado devido ao surgimento
de novas vilas. Como alternativa, nesses lugares a população construía poços artesianos ou,
em alguns casos, buscava água em riachos ou no rio Fiúza.
475
Essa situação deixava margem
para episódios como os ocorridos na Vila Arco-Íris, localizada na periferia da cidade,
476
onde
se verificou uma disputa pela posse de um poço artesiano desapropriado pela Prefeitura. O
conflito envolveu o proprietário da firma “Móveis Barta”, o qual pretendia cobrar uma tarifa
aos usuários do poço situado em seu terreno, a população que não queria pagar a taxa e a
Prefeitura. Sobre o caso, o Jornal publicou um artigo onde os funcionários da empresa
defendiam a causa do patrão:
O sistema de fornecimento de água na Vila Arco Íris, aplicado pela Prefeitura
Municipal, criou uma situação gravíssima. As modernas instalações da firma Barta,
Vianna & Cia Ltda, estão entupidas, isto pela falta gravíssima de água. Há na fábrica
28 pessoas, as quais são obrigadas a fazer suas necessidades no mato diariamente, no
lado da fábrica, o qual já está bem cheio. É lá que está o perigo, se entrarem
crianças, poderão contaminar-se com várias doenças. Nós trabalhadores não
podemos lavar nossas mãos antes de comermos nossas merendas no tempo do
recreio, nem antes do almoço e da janta. Também não podemos tomar banho, pois
nós, a maioria estamos morando na firma. O poço de água tem grande sobra, mas a
referida água não é bombeada conforme necessita-se, e o depósito da Prefeitura está
fechado. Antes da desapropriação, a máquina trabalhava até 16 horas por dia.
477
474
Filas no INPS. A Notícia Ilustrada, Panambi, 14, fev.1978, p.4-5.
475
O rio Fiúza é o rio que corta a cidade, no qual a CORSAN possui a sua principal fonte de captação de água.
476
A Vila Arco-Íris localiza-se em um dos pontos mais altos da cidade, o que também contribuía para dificultar o
abastecimento de água que permaneceu deficitário até o final da década de 90.
477
A pedido. O Panambiense, Panambi, nº 1197, ano XI, 28, jan.1970.
181
Os moradores da Vila Arco-Íris, em uma nota no mesmo noticioso, esclareciam que,
após a desapropriação do poço, o atendimento havia melhorado e, portanto, eram gratos à
Prefeitura. Além disso, destacavam que anteriormente sentiam-se imensamente lesados pelo
ex-proprietário do poço, o qual seguidamente aumentava as taxas e ameaçava cortar a água
dos que se recusassem a pagar.
478
Posteriormente, outros artigos demonstravam que o ex-
proprietário estava inconformado com a desapropriação e disposto a brigar na justiça pela
reintegração de posse; em contrapartida a Prefeitura continuava insistindo na desapropriação
do poço, visto que a Companhia Rio-Grandense de Saneamento/Corsan não conseguia atender
de maneira satisfatória às necessidades da Vila. Não se encontra informações sobre o
desfecho do episódio, todavia as queixas quanto à qualidade e a abrangência do abastecimento
de água continuaram freqüentes na imprensa ao longo década de 70, mesmo depois da
ampliação do sistema. Em 1975, 20% da população ainda não possuía água encanada.
479
A constante chegada de migrantes também provocou um estrangulamento da estrutura
habitacional da cidade, como destacava um artigo do periódico local:
Faltam casas para receber as centenas de famílias que vem para Panambi procurar
empregos nas industrias. Esta é atualmente uma das preocupações da administração
municipal, segundo o prefeito Orlando Schneider, que vê no fenômeno apenas mais
um dos ônus que o extraordinário desenvolvimento da comunidade deve pagar.
480
Neste contexto, a zona urbana expandiu-se para áreas mais afastadas do Centro, nas
quais os problemas referenciados anteriormente se multiplicavam. Como consta,
Panambi é uma das cidades que mais cresce em toda a região, cresce
desordenadamente. Aqui é que se faz mais calçamento, mas o calçamento nunca
atende a todas as muitas necessidades e pedidos. Aqui se vende terrenos a preços os
mais absurdos e mesmo assim tem gente querendo construir e não consegue
comprar. Aqui os imóveis valorizam mais que as ações da maioria das grandes
empresas brasileiras, mas a cidade continua com aspecto de vila.
481
(grifo nosso).
478
O documento foi assinado por 75 moradores da Vila Arco-Íris. A pedido. O Panambiense, Panambi, nº1233,
ano XI, 08, mai.1970.
479
20% da população não tem água encanada. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 541, ano V, 24, fev.
1975.
480
Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município aceitou. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 684,
ano V, 25, jul.1976.
481
Como passear onde não tem passeio. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 43, ano I, 20, set.1971.
182
A característica de “vila” ou de “cidade pequena” pode ser observada, por exemplo, na
desconfiança que os migrantes enfrentavam por parte dos locatários, que preferiam alugar
seus imóveis para pessoas estabelecidas em Panambi. Beck recorda:
quando vim para cá de Santa Rosa tive dificuldade para achar casa para alugar! Até
houve um fato curioso... eu fiquei 10 dias e não tinha conseguido casa para alugar e
minha família tinha ficado em Santa Rosa, aí eu disse pro diretor que eu ia voltar
(...) ai quando eu disse para ele que eu voltava ele pegou o carro dele e saiu
abaladamente procurar casa e voltou e achou... eu não conhecia a cidade... daí
encontrou uma casa e acabei ficando... aluguei esta casa, mais tarde construí a minha
casa.
482
Todavia, a desconfiança parece ter cedido lugar à possibilidade de lucro que esse
mercado oferecia devido ao aumento da demanda. Schmitt-Prym afirma que “naquele tempo
os agricultores tinham dinheiro: compravam casas, compravam terrenos e faziam casinhas”
483
O mesmo menciona um caso:
Um exemplo típico disso foi a vila “Pão Pequeno”, (...) ali tinha 7 ou 8 casinhas, de
50, 60 m², que eram alugadas. Quem fez foi um padeiro, e cada vez que ele fazia
mais uma casinha o pão aumentava de preço e diminuía de tamanho. O próprio dono
do loteamento dizia “a nossa vila pão pequeno vai fazer uma casa”.
484
Em 1976, embora aproximadamente 200 construções estivessem em andamento, o
déficit ainda era de aproximadamente 500 casas.
485
Conseqüentemente, o preço dos aluguéis
aumentava constantemente e alguns proprietários de terrenos especulavam como alertavam os
vereadores: “Os terrenos no centro têm toda a infra-estrutura como água, luz, calçamento e até
calçada muitas vezes. Acontece que muitos são terrenos baldios. O imposto é baixo,
482
BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
483
SCHMITT-PRYM , Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25,
ago. 2005. O mesmo acrescenta: “Os agricultores tinham dinheiro, né! Naquele tempo assim, quando eu
comprei a primeira máquina impressora “off set”, sabe que nós fomos pioneiros disso no RS, o primeiro
computador para composição Panambi, foi atirado no depósito. Nós íamos buscar dinheiro não era em
banco, era no interior. A gente fazia empréstimo em quilo de porco. A gente pedia emprestado e o
agricultor contava vou te dar equivalente a 1000 KG de suíno vivo, que a Cooperativa de Cruz Alta
comprava, ou aqui o frigorífico. Aí que era assim que a gente negociava... Isso era um negócio muito sério,
isso do quilo do porco. Eles já abatiam o juro. Era tão sério que quando o quilo de porco caía (o preço), a
gente devolvia dinheiro a menos para o agricultor. Eles honravam esse compromisso”.
484
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25,
ago. 2005
485
Caderno especial – Panambi: Desenvolvimento, um desafio que este município aceitou. A Notícia Ilustrada,
Panambi, ano V, 25, jun.1976.
183
permitindo aos proprietários não vendê-los para esperar melhor preço ainda”.
486
O poder
público procurava solucionar o problema através de articulações políticas que visavam
oferecer financiamentos para a construção de imóveis e compra de terrenos. Em 1976, foi
criado o Conselho de Habitação – COMUHAB, o qual pretendia facilitar o relacionamento
com a Companhia de Habitação do Rio Grande do Sul - COHAB/Rio Grande do Sul
487
e,
conseqüentemente, promover a consecução de casas populares.
488
No mesmo período,
o BNH financia a construção de casas, mas dificilmente atinge aquela faixa dos que
ganham de 1 a 5 salários mínimos. Os juros deste serviço com o BNH, se torna de
um custo muito elevado. Por esta razão, O Governo Federal instituiu um novo
sistema para dar condições ao operário de nível reduzido de rendimentos, para que o
mesmo possa adquirir seu terreno. Foi denominado de PROFILURB (Programa de
Financiamento de Lotes Urbanizados), que visa a desapropriação de uma certa área
de terras em zona periférica da cidade. No Perímetro Urbano, de 5 a 10 hectares,
sendo que este valor, está desapropriado pelo Governo do estado, e por intermédio
da Prefeitura Municipal que se incumbirá, das ruas, iluminações, sistema viário e
água. Esse sistema atenderá todos os assalariados.
489
O articulista destacava também que o projeto visava, inicialmente, à aquisição do
terreno e que existia um acerto entre a Prefeitura Municipal, BNH e COHAB para que a
prestação fosse acessível aos operários. Refere ainda que já havia 150 pessoas inscritas para
ingressarem no programa.
490
486
Panambi integrada no sistema habitacional do Rio Grande do Sul. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 664, ano
V, 19, mar.1976.
487
O Banco Nacional da Habitação (BNH) foi criado em 1964, no entanto não operava diretamente
com o público. Sua função era realizar operações de crédito e gerir o Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS), por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como
as companhias habitacionais (por exemplo a COAB) e as companhias de água e esgoto. O BNH foi a
principal instituição federal de desenvolvimento urbano da história brasileira, na qualidade de gestor
do FGTS e da formulação e implementação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema
Financeiro do Saneamento (SFS). Foi extinto, por decreto presidencial, em 1986. ARRETCHE, Marta
T.S. Banco Nacional da Habitação. Disponível em : <www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty
>Acesso em
09 jan. 2006.
488
Lei 423/76 - 15/03/76. Prefeitura Municipal de Panambi.
489
Panambi integrada no sistema habitacional do Rio Grande do Sul. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 664, ano
V, 19, mar.1976.
490
Panambi integrada no sistema habitacional do Rio Grande do Sul. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 664, ano
V, 19, mar.1976.
184
Encontra-se diversos artigos no jornal A Notícia Ilustrada que enfatizavam os esforços
da Administração Municipal para auxiliar a população mais carente na construção de suas
casas, como este, publicado em fevereiro de 1971:
Na sua viagem a Porto Alegre Erico Kepler, iniciou o cumprimento de sua agenda
na cidade de Farroupilha. Nessa cidade ele manteve um demorado contato com o
prefeito, para colher subsídios sobre a implantação de um plano de habitação no
município, beneficiando a população de baixa renda. Disse Erico Kepler que
segundo a Lei Municipal, os adquirentes de terrenos, devem ser da indústria ou do
comércio, e somente poderão participar do plano se não possuírem outro imóvel. O
prazo de pagamento dos terrenos é de 10 anos e durante esse período não pode
vender o terreno e nem alugar a casa que tiver construído. (...) Esse plano, segundo
Kepler, deverá atingir também aqueles moradores das áreas alagadiças da cidade,
que farão a troca pura e simples com a Prefeitura.
491
O artigo, além de indicar que os representantes do poder público estavam empenhados
em elaborar um projeto viável de habitação, tanto que buscavam “bons” exemplos em outros
municípios, ainda nos fornece a informação de que um dos pré-requisitos para habilitar-se aos
programas era já ser funcionário de uma das empresas locais. Essa medida cumpria duas
funções: servia como garantia de pagamento para os imóveis a serem financiados e dificultava
a vinda de indivíduos que não tivessem emprego garantido, podendo futuramente constituir
ônus à cidade. Outro problema verificado nesse contexto era o surgimento de loteamentos
ilegais: “na Prefeitura Municipal se registraram nos últimos meses mais de 40 pedidos de
licença para a construção de residências.
Deve-se levar em conta que em nossa cidade se
constrói muito, principalmente nos arrebaldes, sem devida licença da Prefeitura”.
492
A preocupação com a organização e legalização destes novos lotes e dos já existentes
levou a administração a criar o Conselho Municipal de Bairros, COMUBAI, que tinha por
finalidade estimular a criação de associações de Bairros, autorizar e oficializar nomes para os
mesmos, incentivar a criação de centros comunitários e, prioritariamente, delimitar a área dos
bairros e autorizar ou não os pedidos de loteamento para a criação de novos bairros. O
COMUBAI era composto pelos seguintes membros: prefeito municipal, engenheiro ou seu
representante da prefeitura, um representante da câmara dos vereadores, um representante de
cada clube de serviço sediado em Panambi e, após escolha, um representante de cada
491
Relatório das atividades de Erico Kepler. A Notícia Ilustrada, Panambi, 14, març.1979.
492
A cidade cresce. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 175, ano II, 18, ago.1972.
185
bairro.
493
A tarefa de organizar os loteamentos foi levada a cabo pela administração municipal
que ao longo da década de 70, por diversas vezes, convocou os proprietários dos loteamentos
a regularizarem sua situação:
O funcionário Plínio Figueiredo está a disposição daqueles que tem ou iniciaram
loteamentos com vendas de terrenos na periferia da cidade e não conseguiram
legalizar as suas propriedades (...) Todos os proprietários que tiverem dificuldades
nestas situações de legalizações devem procurar este setor, assim como moradores
que adquiriram terrenos em algumas áreas deverão interessar-se para que este setor
possa resolver estes problemas, existindo atualmente alguns na Vila Italiana, Zona
Norte e na Zona Sul da cidade onde loteamentos se localizaram sem a devida
legalização. É necessário agora receber uma planta com loteamento, dar nomes as
ruas, colocar números nas casas já existentes. Portanto é o Plano que está sendo
executado pela administração com vistas a regularização de muitas residências nos
setores de loteamento na periferia de nossa cidade.
494
Outra medida foi a inserção no Código de Posturas de regras para construir
loteamentos, tais como estipular o que cabia ao poder público e aos donos dos lotes,
regulamentar os espaços para as ruas, etc. Regulamentava também os critérios de
cadastramento, lançamentos, arrecadação e fixava os preços unitários de terreno, alíquotas,
padrão e os diversos tipos de construção; estabelecia o zoneamento para efeito do lançamento
e arrecadação dos impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana.
495
O não
cumprimento das leis de regulamentação causava diversos problemas:
Uma cidade jamais poderá ser planejada como estava Panambi, onde cada
proprietário de gleba traçava as ruas de tal forma a se tornar o melhor beneficiado
com a posição das mesmas. Nesse sentido nos defrontamos com um velho sistema e
que até hoje não conseguimos superá-lo: a chamada rua na divisa das propriedades,
onde cada proprietário cede metade de sua rua. Com base neste sistema é que cada
proprietário tem hoje um verdadeiro labirinto de ruas na cidade de Panambi.
496
Neste contexto, um artigo de novembro de 1977 questionava: “Loteamentos: Solução
para a expansão da cidade ou aumento dos problemas para a população?”
497
O articulista
argumentava que os loteamentos não possuíam saneamento básico, nem planejamento das
493
Lei nº376/74- 06 de novembro de 1974: Art. 1º e 2º. Prefeitura Municipal de Panambi.
494
Proprietários de loteamentos deveram legalizar propriedades. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 643, ano V,
28, jan.1976.
495
Lei nº417/75- 31/12/1975. Prefeitura Municipal de Panambi.
496
Loteamentos: solução para a cidade ou aumento para os problemas para a população? A Notícia
Ilustrada, Panambi, 06, out.1977, p.1.
497
Loteamentos: solução para a cidade ou aumento para os problemas para a população? A Notícia
Ilustrada, Panambi, 06, out.1977, p.1.
186
vias internas e que proliferavam de forma muito rápida, o que só fazia aumentar o problema.
Salientava:
Para que surja um loteamento urbano, deverá a Prefeitura através do Setor de
Planejamento traçar as ruas principais, que deverão ser obedecidas a rigor pelo
loteador, que se responsabiliza a dar ao seu loteamento a infra-estrutura assegurando
aos lotes o necessário para que possam ser edificados. A Prefeitura Municipal cabe o
direito de demarcar áreas a serem posteriormente loteadas, aprovar ou reprovar
loteamentos, bem como demarcar áreas onde poderão ser loteados para fins
industriais ou áreas danosas a saúde pública.
498
Por fim, considerava que os compradores de imóveis nos loteamentos deveriam ser
alertados de que o calçamento, o fornecimento de água e energia elétrica seriam
disponibilizados a longo prazo. Entendia que o processo acelerado de urbanização verificado
em Panambi exigia que os órgãos competentes investissem em planejamento:
A verdade é que deve estar previsto o que será feito, por exemplo, nos próximos dez
anos, quanto a água, luz e calçamento. Sem planejamento não é possível administrar
e solucionar os problemas sociais de Panambi que dia após dia vem se agravando.
(...) o assunto, diante de suas implicações e da importância, deve merecer um estudo
mais apurado por parte da administração pública panambiense.
499
A década de 70 caracteriza-se pela preocupação com o crescimento desordenado e
intenso da urbe. Segundo Braun, “a implantação de novas áreas de loteamento juntamente
com a ampliação do perímetro legal (Decreto 06 de 26 de junho de 1976) propiciou a grande
expansão da cidade”.
500
Em 1977 existiam pelo menos 76 pedidos aprovados para construção
de novos loteamentos, número considerado excessivo, demonstrando que o crescimento
urbano da cidade havia se invertido, “ao invés de dentro para fora, cresce de fora para dentro”
ou, em outras palavras, o crescimento dos loteamentos era muito superior ao do centro da
cidade.
501
O Mapa 2 dá uma idéia desse crescimento vertiginoso, confirmando as discussões
em voga no período sobre a ausência de um planejamento urbano.
498
Loteamentos: solução para a cidade ou aumento para os problemas para a população? A Notícia
Ilustrada, Panambi, 06, out.1977, p.1.
499
Loteamentos: solução para a cidade ou aumento para os problemas para a população? A Notícia
Ilustrada, Panambi, 06, out.1977, p.1.
500
BRAUN, Sandra. O processo de formação sócio - espacial do Bairro Esperança. Ijuí: UNIJUÍ,
1999. Monografia (Graduação em Geografia Licenciatura Plena), Departamento de Ciências Sociais,
UNIJUÍ, 2005.
501
Loteamentos: solução para a cidade ou aumento para os problemas para a população? A Notícia
Ilustrada, Panambi, 06, out.1977, p.1.
187
188
Mapa 3 – Área urbana de Panambi – Maio de 1992Fonte: PREFEITURA MUNCIPAL DE PANAMBI.
Plano diretor de desenvolvimento urbano. 2º Semestre de 1992. Mimeo, p. 104
502
3.2.1 A cidade “bela, higiênica e alemã”
No século XX, a sociedade passou por uma grande mudança cultural causada pelo
avanço tecnológico e pelas “revoluções nos costumes”. O mundo já não era mais o mesmo:
502
PREFEITURA MUNCIPAL DE PANAMBI. Plano diretor de desenvolvimento urbano. 2º Semestre de 1992.
Mimeo. Provavelmente, os autores do Plano Diretor tenham considerado dados “oficiais” para afirmarem que o
Bairro Esperança foi fundado na década de oitenta, pois encontramos diversos artigos no jornal A Notícia
Ilustrada que comprovam que a compra de terras para este loteamento e a construção de casas havia iniciado em
1972. O trabalho de Sandra Braun também refere como data inicial o ano de 1972. Cf. BRAUN, op. cit.
189
invenção da pílula anticoncepcional, revolução feminina, luta contra o racismo, máquinas que
facilitavam a vida cotidiana, mas que muitas vezes causavam o espanto das pessoas.
503
Em
Panambi não foi diferente, Almeida recorda: “começou a modernidade a se instalar em
Panambi, eu lembro quando foi instalado o primeiro semáforo, em frente à Kepler Weber,
ficava um monte de gente olhando. Vendo quando mudava de cor!”(risos).
504
Essas
transformações afetavam diretamente o cotidiano das pessoas. Colocavam em contato
gerações muito diferentes: os mais velhos educados dentro de suas tradições e os mais jovens,
para os quais o sentido da tradição era cada vez mais irrelevante. Dadas as proporções,
também houve uma “aproximação”, principalmente através das migrações, de sociedades que
buscavam a manutenção da tradição, ou do que definiam como “sua cultura”, com outras,
detentoras de valores diferentes.
505
Um texto no jornal local, de 02 de setembro de 1975,
ponderava:
Panambi apresenta condições muito favoráveis para adoção de uma política
permanente de planejamento: o dinamismo econômico, a coesão comunitária, a
homogeneidade cultural são condições que, infelizmente, nem todas as nossas
cidades possuem.
A cidade cresceu consideravelmente e as urgências do
desenvolvimento industrial colocam problemas de vulto. (...) A nossa primeira tarefa
será auxiliar o pensamento da população local sobre as aspirações específicas que
possa ter com relação ao futuro da cidade. E não se trata apenas de aspirações
expressas mas, também, das que estão contidas em potencial nos hábitos e na
maneira de viver das pessoas. Todo o mundo sabe que os valores culturais são
muito significativos aqui e dizemos culturais no sentido mais amplo da palavra.
506
(grifo nosso).
Assim, se por um lado, segundo os entrevistados, na década de 70 alguns
identificadores do grupo étnico alemão, como o uso da língua, não eram mais do domínio de
todos; por outro, a tensão entre os migrantes e estabelecidos gerava a reação defensiva da
sociedade receptora expressa, por exemplo, na tentativa de representar Panambi como cidade
“bela, higiênica e alemã”. Neste sentido, Pesavento esclarece que: “o ‘nós’ identitário
sonhado, que corresponde ao mundo dos cidadãos, do espaço urbano normatizado e da vida
503
A respeito das mudanças no cotidiano provocadas pelas novas tecnologias no século XX: Cf. HOBSBAWM,
Erich. A Era dos Extremos: O breve século XX 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
504
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
505
Cf. HOBSBAWM, 2001, op. cit.
506
Planejamento urbano de Panambi em breve. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 622, ano V, 02, set.1975. p. 6.
190
regrada, se constitui necessariamente numa dimensão relacional: a cidade da ordem existe por
‘causa e contra’ a alteridade denunciada”.
507
Uma moradora, em carta ao jornal, em outubro de 1971, desabafava:
Muitos irão se lembrar que há pouco tempo atrás, Panambi era considerada um
exemplo de cidade limpa! Todos tinham orgulho de apresentarem suas calçadas bem
varridas. Raro era o caso de alguém tirar um papel no chão. Antes, se encontrava
gente ajuntando quando o vento tinha espalhado algo, para logo adiante por no
lixo.
508
(grifo nosso)
Em seguida, questionava-se:
O que mudou? Teremos mudado tanto que hoje já não ligamos para isto? Que hoje
tanto faz para nós entrarmos em nosso pátio, onde esta nossa casa e encontrarmos
tudo limpinho, quando na frente, na calçada, há uma camada de pó tão alta que nem
a chuva mais consegue lavar, que os inços entre uma lage e outra mostram-se
orgulhosos como se fossem uma flor rara que ninguém deve tirar? Qual a casa que
pode dizer que na sua nunca chega uma criança com a frase tão conhecida: a sr pode
me dar um pedaço de pão? É tão simples para nós dar e mandá-lo embora. Ninguém
tem tempo a perder... mas com isto estaremos ensinando o que estas crianças?
Relendo o assunto inicial, pensemos... Por que não dar uma vassoura e mandar
varrer a frente, na nossa calçada e talvez uma ou outra vez atirar um balde de água?
Aí sim, teríamos nossas calçadas sempre varridas, ajudando o embelezamento de
nossa cidade e principalmente ensinado a estas crianças que para o engrandecimento
de nossa pátria é necessário trabalhar!
509
O texto fornece alguns indícios a respeito de como as pessoas estavam percebendo as
mudanças. Sobressai a idéia de que as “coisas” eram diferentes “antes”, ou seja, no passado a
cidade era limpa, organizada, não possuía pedintes. A autora da missiva situa sua narrativa
entre o que ocorria antes e como a situação se apresentava no presente. Sugeria que era
necessário ensinar a “quem não soubesse”, por exemplo, o trabalho e a higiene, pois só desta
forma Panambi poderia voltar a ser o que era e contribuir para o “engrandecimento” da Pátria.
“Antes”, as pessoas conseguiam manter a cidade dentro de uma “determinada ordem”. Beck
lembra que
507
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Lugares Malditos: a cidade do outro no Sul brasileiro (Porto Alegre,
passagem do século XIX ao século XX). In: Revista Brasileira de História.o Paulo, v. 19. n. 37,
set. 1999a.
508
Limpeza da cidade e pobreza: Crítica construtiva, por Luiza. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº66,
ano I, 22, nov.1971.
509
Limpeza da cidade e pobreza: Crítica construtiva, por Luiza. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº66,
ano I, 22, nov.1971.
191
era bem pequena a cidade, tinha poucas ruas calçadas, mas era 1960... por aí... e
tinha uma pracinha tão bonitinha... isso ficou gravado na minha memória. Eu nunca
tinha ouvido falar... assim, da cidade... mas tem coisas que a gente não esquece... eu
me lembro que era uma cidade muito limpa... eu fumava na época, saí da Rádio e
entrei no carro e fiquei com vergonha de jogar o toco no calçamento porque tava tão
limpinho...(...) Era uma cidade que a gente podia deixar o carro com a chave dentro
que não acontecia nada, depois com o tempo começou a mudar...
510
Cristalizou-se, então, no imaginário local uma idéia de Panambi ontem e Panambi
hoje, amparada em concepções, por vezes, contraditórias.
511
Propaganda 3 - Panambi ontem hoje.
Fonte: A Notícia Ilustrada 25 jul. 1977, p.3
510
BECK, René.. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
511
Essa idéia estava tão introjetada, que na década de 80 foi organizado um livro didático pela Secretaria de
Educação e Cultura, para ser utilizado no Ensino Fundamental, cujo título era “Panambi: ontem e hoje”. Cf.
SIMON, Mary Lea (Org.). Panambi Ontem Hoje. Panambi: Publipan.
192
Neste cenário, a população não se reconhecia mais: o que via não era a cidade que
havia projetado, não era o cotidiano com o qual estava acostumada, nem com o que havia
sonhado: por um lado, o desenvolvimento econômico fora um dos principais objetivos dos
colonizadores, e evidentemente continuava sendo importante; por outro, a preservação da
cultura também era uma marca daquele lugar e, aos poucos parecia estar sendo ameaçada,
tanto nos principais valores, como nos religiosos, como apresentado no primeiro capítulo,
quanto nas pequenas coisas, como manter a cidade limpa. Neste sentido, pode-se comparar a
crise da década de setenta, ocorrida em Panambi, com a ocorrida no Rio de Janeiro, na
mudança do Império para a República:
no final do século, com a passagem da Monarquia para a República, a elite carioca
não se reconhecia na imagem refletida no espelho. A identidade urbana do Rio de
Janeiro não poderia ser construída em cima de uma cidade feia, imunda, perigosa,
caótica. A cidade do desejo negava a cidade real, e o espelho deveria refletir a
imagem de uma urbe higiênica, linda e ordenada.
512
Essa situação parece ter levado os grupos dirigentes e a população em geral a procurar
formas reconhecíveis para reconstruir o cenário da urbe. Daí a preocupação com as normas de
higiene, infra-estrutura e problemas sociais, aspectos estes que, de forma geral, caracterizam
os processos de urbanização.
513
Schmitt-Prym afirma que “quando o hospital de Panambi foi
projetado, foi projetada uma ala de indigentes. O nosso hospital, na planta, tinha um pavilhão
dos indigentes. Foi feito.”
514
Obviamente, os indigentes pensados aqui representavam a
população pobre da cidade, geralmente luso-brasileira e migrante.
Panambi se imaginava e representava como uma cidade “bela, limpa, ordenada”. Essa
concepção era reforçada também na imprensa, como no artigo de 1977: “Panambi: cidade que
cresce e cada vez fica mais bonita”:
512
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano – Paris, Rio
de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999b. p. 169.
513
Cf. PESAVENTO, 1999b, op. cit.; SOUZA, Célia Ferraz de; PESAVENTO, Sandra Jatahy (org).
Imagens urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: Editora
da Universidade/UFRGS, 1997; PESAVENTO, 1999a, op. cit..; PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os
pobres da cidade: vida e trabalho – 1880-1920. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS,
1994.
514
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
193
Há cidades que surgem com a marca indelével de seu futuro. PANAMBI, já tinha
uns traços belos que só embelezam com o tempo. O espaço verde, ao redor da área
urbana, uma população caprichosa na cidade e no interior, sempre com vontade de
autoferir a técnica. Estes aspectos gerais da mentalidade de um povo e do status em
que ele vive podem ser medidos por uma população sem pobreza. Este espírito nota-
se no morro do pão pequeno. Ontem, era uma paisagem de matos e arbustos, sem
nenhum valor. Hoje porque não consideramos como um cartão de visitas? Ali foram
construídas casas, em estilo arquitetônico, moderno, umas verdadeiras mansões que
embelezam e que dá gosto admirar. Outro exemplo de crescimento, são as Vilas São
Jorge, Vila Nova, Vila Arco-Íris, Vila Kuhn e outras, que há pouco tempo atrás
possuíam poucas casas, e hoje estão povoadas de casas bonitas e seus proprietários
são na maioria da classe média. As principais ruas, com apenas alguma exceção, são
conservadas e limpas. E a nossa praça, é considerada por muitos, como uma das
mais bonitas, e está bem situada. O parque infantil é muito freqüentado pelas
crianças que passam horas e horas divertindo-se. O zelador Alberto Müller, a quase
dez anos cuida das árvores, canteiros e passeios. Da grande variedade de árvores
plantadas destacamos, o ipê amarelo, as licustres. Muitos panambienses
desconhecem os lindos canteiros com rosas, azaléias, amor perfeito, onze horas e
outras. São algumas destas coisas bonitas desta praça a qual o velhinho zelador
Müller, empresta todo o carinho e dedicação.
515
Pode-se inferir que um dos quesitos considerados para definir a cidade como “bela”
era o aspecto das habitações, somando-se a isso o espaço verde e uma população sem pobreza.
Se havia esta preocupação oficial em não deturpar a imagem da cidade,
516
em diferentes
momentos nota-se que a mesma não era consenso pois diversos artigos do mesmo jornal
chamavam atenção para o fato de que algumas pessoas não estavam “cuidando” de suas
moradias a contento. Um artigo, intitulado “O exemplo” destacava a atitude de uma moradora
que havia decidido limpar um terreno baldio. As reclamações quanto ao desleixo dos
proprietários de terrenos baldios eram comuns.
517
Fica implícita mais uma vez a alusão aos
migrantes que estavam chegando, dando a entender que em parte eles eram os responsáveis
pela sujeira pública, pois não possuíam a mesma mentalidade de limpeza dos panambienses.
515
Panambi: cidade que cresce e cada vez fica mais bonita. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº742, ano VII, 06,
jan.1977, p.3.
516
Neste sentido, por exemplo, em 1978 a câmara de vereadores regulamentava uma lei que punia os que não
efetuassem a limpeza de suas propriedades. Lei : 559/78- 30/09/78: Cap. XIV: Do combate as pragas e animais
nocivos e limpeza das propriedades urbanas: Artig. 127: Todo proprietário ou possuidor de terras ou terrenos tem
o dever de combater as pragas e animais nocivos que aí se criam ou proliferam; Art. 128: Qualquer pessoa
poderá reclamar junto à prefeitura providências contra a invasão de animais nocivos e pragas vindas do terreno
do visinho, bem como exigindo desde a limpeza e roçado dos terrenos/quem não limpar o terreno pode ser
intimado e terá 30 dias para limpar o terreno; Art. 30: As pragas e animais nocivos existentes em terrenos, praças
e cemitérios de propriedade da prefeitura ou pessoas velhas e reconhecidamente pobres serão combatidas por
conta da prefeitura que se responsabilizará também pela limpeza do terreno.
517
O exemplo. A Notícia Ilustrada, Panambi, 23, mar.1979.
194
Outro fator que parecia comprometer a imagem de bela que a cidade queria construir
para si era uma vila pobre próxima ao centro. A questão foi resolvida de forma gradual ao
longo da década de 70. Para tanto contribuíram os programas sociais coordenados pelo
município e a valorização imobiliária dos terrenos próximos ao centro. Schmitt-Prym reitera:
as populações mais pobres, elas vão, com o tempo vão ser pressionadas para se
afastar do centro da cidade. O centro da cidade vai desenvolvendo, vai urbanizando,
e aí as populações mais carentes, automaticamente elas são jogadas para fora do
centro. Porque o centro vai ficando mais caro, os terrenos vão urbanizando, os
imóveis vão valorizando. A infra-estrutura da cidade vai encarecendo também, a
vida no centro, daí então o pessoal pobre vai vendendo e vai se afastando do centro.
Isso aconteceu na história de Panambi com a chamada vila Picumã, a Coréia e essas
famílias, a medida que foram aumentando, não tinham mais como ficar naquele
nucleozinho. E aí foram indo pra onde, pra fora, cada vez mais pra fora. E a
migração também trouxe isso. Com o desenvolvimento da indústria houve migração
muito forte e essas famílias que vinham de fora, geralmente elas vinham
praticamente sem recursos, desempregados, pequenos agricultores que vendiam suas
propriedades e vinham para cidade, o êxodo rural. E aí então foram surgindo as
necessidades de se fazer os chamados loteamentos populares. O primeiro grande
loteamento popular foi a Vila Esperança.
518
A Vila Coréia era popularmente conhecida por Vila “Picumã”. Nos dois casos
percebe-se um forte preconceito na denominação daquele espaço. Coréia remetia ao país
asiático de mesmo nome, cuja situação de pobreza e problemas sociais era amplamente
conhecida no período. Schmitt-Prym explica:
Coréia, Picumã... por que Coréia, naquele tempo, na Ásia era considerado um gueto,
dava muita briga. O primeiro bairro pobre não era bairro, era aqui em cima. Nós
chamava de vila Picumã. Por causa da fumaça. As casas não tinham piso, eles
faziam fogo no chão, e as casas eram pretos por dentro de Picumã. Fumaça salta
pelas frestas de casa...
519
João da Silva Oliveira recorda: “antes tinha o bairro Fátima, que antes era o bairro
Coréia, e daí a Coréia ficou uma favela, aí a cidade foi crescendo, o pessoal foi comprando
terreno, construindo casas e aí os mais pobres foram criando o bairro Esperança”.
520
Alguns moradores foram cooptados por programas sociais que ofereciam a
possibilidade de construírem casas em outras regiões da cidade. Um jornal de 1971 noticiava:
518
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
519
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
520
OLIVEIRA, João da Silva. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 15, set. 2005.
195
Sociedade Panambiense de Auxílio dos Necessitados está por receber da Prefeitura
Municipal em terreno nas proximidades da propriedade de Alberto Handel, a fim de
transferir para aquele local a população da chamada vila Popular. Trata-se de uma
ação social de grande alcance, por motivos óbvios. O Prefeito Municipal já
manifestou sua intenção de fazer doação, faltando apenas o referendo da Câmara
Municipal de Vereadores sobre o assunto, o que se espera venha a ocorrer sem
problemas, pois o terreno já foi adquirido com essa finalidade. Uma vez efetuada a
transferência, pretende a SPANE lançar uma campanha comunitária, com a
finalidade de levantar recursos para a construção de casas de pouco custo, embora
em condições de dar um mínimo de higiene aos que forem transferidos para as
mesmas.
521
Os motivos óbvios aos quais o artigo se referia certamente eram as condições de
higiene. Neste período era comum denominarem de “vila popular”, os loteamentos povoados
por pessoas de baixa renda, no caso, a vila em questão é a Coréia. Beck confirma: “era perto
da rodoviária... mas esse pessoal foi indo mais para a periferia da cidade”... O lugar que
menciona como destino desta população é o que originou o Bairro Esperança.
A retirada de elementos que perturbavam a imagem de cidade ordeira, bela, moral,
integrava o cotidiano dos agentes policiais. Eram recorrentes as notícias a respeito do
aumento da violência
522
e a prisão de “elementos por vadiagem” no centro da cidade.
523
Uma
manchete de 1979 anunciava: “Polícia faz nova Blitz: prende desocupados e prostitutas que
perturbam a comunidade” (grifo nosso). Trazia o nome das prostitutas e dos vadios, num total
de doze pessoas, entre eles, apenas dois não possuíam sobrenome luso-brasileiro.
524
O aumento de pedintes nas ruas centrais, dentre eles menores de idade, preocupava.
Leonardo Meyer, em um artigo de 1974, abordava essa questão:
Nesses últimos meses, o problema do menor em nossa cidade está se agravando e de
imediato necessita de uma definição. Diuturnamente, encontramos, pelas ruas de
521
Spane quer construir casas. O Panambiense, Panambi, nº1335, ano XII, 27, jan.1971.
522
Um artigo do jornal A Notícia Ilustrada destacava: “Quanto às ocorrências policiais, novamente
Panambi classificou-se em segundo lugar, perdendo somente para Cruz Alta”. Panambi em segundo
lugar nas ocorrências. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº650, ano V, 16, fev. 1976, p.2.
523
O processo de retirada dos pobres que acontece em Panambi, acontece também de forma concomitante em
uma cidade vizinha. O jornal A Notícia Ilustrada noticiava: “Operação limpeza” em Santa Bárbara do Sul: O
Delegado de Santa Bárbara do Sul, Iran Bittencurt da Silva, está promovendo a “Operação Limpeza” em sua
cidade, visando o bem estar da comunidade. Menores que andam furtando e menores “mariposas” que desfilam
durante a noite nas ruas principais.
523
524
Polícia faz Blitz. A Notícia Ilustrada, Panambi, 09, març.1979. As colunas do “Doutor Careta”, personagem
criado pelo jornal A Notícia Ilustrada para criticar livremente os acontecimentos locais, foi a principal “voz” a
se levantar contra a prostituição no centro da cidade, o que ocorreu, por exemplo, nas seguintes edições: 08,
set.1976; 01, fev.1977; 31, mar.1977; 04, abr.1977.
196
nossa cidade, meninos sem amparo pedindo esmolas, dessa maneira dando uma má
impressão àqueles que nos visitam.
525
(grifo nosso).
Meyer prosseguia: “É impressionante o número de meninos que saem de casa em casa
a procura de alimentos e vestimenta, inclusive nas ruas, pedindo um ‘troquinho’ para o que
eles alegam comprar um pedaço de pão, porque em casa não há”.
526
Em 1979 o mesmo autor
publicava outro artigo no qual denunciava que os menores pedintes continuavam sendo um
grande problema da cidade, e que o problema aumentaria caso não tomassem providências.
527
Uma das alternativas encontradas para combater os problemas sociais foi a criação de
um Conselho Municipal de Assistência Social, que tinha como funções: “coordenação e
orientação dos seguintes setores da saúde, alimentação, orientação, emprego, alfabetização,
habitação, economia do lar, relacionamento e fiscalização do indigente, entre outros”.
528
No
tocante à demanda por educação, desencadeada a partir das migrações, o periódico local
destacava: “diante do fato de Panambi receber constantemente famílias de outros municípios,
muitas das quais analfabetas, que procuram colocação nas fabricas, necessário se torna
instalar mais um curso de alfabetização”.
529
Outro artigo informava:
A prefeitura municipal, após doar terrenos para o auxílio aos necessitados organizou
um núcleo habitacional, proporcionando melhores condições de vida. Nesse núcleo
se localizam as famílias que são deveras necessitadas e que recebem toda a
assistência necessária, isto comprovado de visitas feitas às famílias onde foi
preenchido uma ficha cadastral das mesmas. Por sua vez estas mesmas famílias e
outras localizadas em áreas que não fazem parte do núcleo, também foram visitadas
e receberam um cartão de identidade para retirar os alimentos na prefeitura. Os
alimentos são comprados através de verbas que as firmas e pessoas associadas doam
à SPANE para esse fim. Esta verba é mensal. (...) Queremos fazer um apelo às
famílias de nossa cidade para que não dêem esmolas ou auxílios individuais para
ninguém. Caso aparecer em sua casa alguém solicitando ajuda, encaminhe-o a
prefeitura (...) evitando que o número de pedintes seja maior do que já é, dando um
aspecto feio para a cidade. (grifo nosso).
530
Subentende-se que a imagem da urbe era mais importante do que a preocupação com a
situação social dos pedintes, pois o maior argumento para encaminhá-los aos responsáveis
525
MEYER, Leonardo. O problema do menor. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº472, ano IV, 12, ago. 1974.
526
MEYER, Leonardo. O problema do menor. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº472, ano IV, 12, ago.1974.
527
A Notícia Ilustrada, Panambi, 05 a 06, set.1979, p.5.
528
Lei 317/71- 12/11/71. Prefeitura Municipal de Panambi.
529
COMUM quer mais um curso de alfabetização. A Notícia Ilustrada, Panambi, 20, ago.1977, p.2.
530
Toda pessoa como ser humano deve interessar-se. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº327, ano III, 24,
ago.1973, p.3.
197
pela assistência social era o fato de que sua presença “dava um aspecto feio à cidade”. O
artigo mencionava ainda: “toda vez que alguém bater em sua porta não dê nada antes de pedir
algo em troca. Por exemplo: se lhe pedirem esmolas, peça antes que lhe façam algum trabalho
por menor que seja, nem que tenha que ficar junto com o pedinte no desenvolvimento da
tarefa, porque ‘Não se deve dar o peixe, mas sim ensinar a pescar’”.
531
Essa mentalidade pode
ser verificada no modelo de pedinte lendário da década de 70: “Seu Joaquim Machador”, o
“bom velhinho” que embora com a saúde debilitada fazia pequenos serviços e cultivava sua
horta.
532
Segundo Schmitt-Prym:
Sim ele era o protótipo do indigente. Era um homem que não pedia nada, pra
ninguém. (...) minha esposa e eu, muitas vezes recebemos ele aqui na empresa,
porque ele chegava e pedia uma vassoura pra varrer a calçada, chegava assim:
‘vizinha, não tem uma vassoura pra varrer sua calçada, ta cheia de folhas’. E aí a
gente sabia que dava a vassoura prá ele depois ele vinha cobrar o serviço. Não pedia
esmola.
533
Encontra-se diversos artigos no jornal que narravam sua história e descreviam suas
virtudes:
Nas festas da comunidade sua “figura raquítica catando restos de ossos era um dos
atrativos”, “Joaquim do vento, Joaquim Machador”, era assim que o chamavam.
Joaquim do vento nunca freqüentou nenhuma escola, todavia: “viveu na grande
escola que é o mundo, onde se aprende todas as profissões. Mas ele aprendeu a
apenas a ser bom e honesto, embora dependesse da caridade alheia”. (...) Quando
tinha 85 anos sua esposa morreu. Foi um choque para seu Joaquim que ficou
sozinho e ainda mais doente. (...) Então seu filho Pompílio Dias Inácio que residia
em Porto alegre, resolveu buscá-lo para morar com alguns parentes. (...) Seu estado
de saúde piorava ainda mais. Joaquim quase não se alimenta, passa quase o tempo
todo chorando e pedindo para voltar para Panambi. Sua enteada e parentes não tem
meios para realizar talvez, o último sonho do Joaquim do vento: passar seus últimos
531
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº327, ano III, 24, ago.1973, p.3.
532
Joaquim migrou com sua família para Panambi quando tinha 30 anos. Inicialmente, como era
agricultor, residiu no interior do município, trabalhando nas terras de seu irmão. Ficaram 6 anos ali,
porém um incêndio acabou com sua casa, o que os levou a migrar para Cruz Alta, onde
permaneceram por 10 anos. Depois voltaram para Panambi novamente. Foram morar em uma
chácara onde eram responsáveis pela lavoura. Mais tarde, tiveram que abandonar o interior do
município e foram morar na Vila Picumã. Todavia, no inicio da década de setenta: “Joaquim foi
“obrigado” a morar em outro lugar. Foram morar na vila Popular”, atual bairro Esperança. E o Joaquim
onde está? Terezinha Gomes. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº533, ano V, 05, fev. 1975.
533
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
198
dias entre este povo e esta cidade que o acompanhou em todos os capítulos de sua
longa vida.
534
Assim, Joaquim era o protótipo do indigente porque trabalhava em troca dos
donativos, era bom, honesto e, acima de tudo, embora sendo migrante, aprendera a amar
Panambi.
Concomitante à atuação do setor de assistência social, havia a movimentação da
sociedade civil que se articulava através de associações como o Rotary e Lions para organizar
campanhas beneficentes que além de recolher alimentos e vestimentas, muitas vezes tinham
finalidades educativas. Em 1970, um grupo de jovens voluntários se propunha a realizar um
trabalho social nos bairros:
Como já é do conhecimento dos leitores está sendo preparado o trabalho
coordenado como serviço social dos bairros de nossa cidade. O trabalho será
desenvolvido por jovens luteranos, católicos, metodistas e deverá contar ainda
com jovens e adultos de outras denominações religiosas. Uma preparação de
várias semanas foi executada e hoje o grupo se encontra preparando para levar
avante a tarefa que se propõem executar nos seguintes campos: alfabetização
de adultos, clube de mães, educação e recreação com juvenis, educação e
recreação com crianças. (...) As equipes participarão neste fim de semana de
mais uma visita às vilas N.S. de Fátima e Popular, para divulgar e orientar as
famílias quanto a possibilidade de participação destes trabalhos. A mocidade
espera contar com o apoio da população neste trabalho. A coordenação do
movimento enfatiza o fato de que não pretende receber do povo panambiense
valores, dinheiro ou alimentos, mas sim apoio moral e elementos para educação
e ensino como: livros, cadernos, figuras e revistas, jogos de mesa, bola para
esporte.
535
O artigo prossegue informando que os jovens estavam visitando as vilas para
diagnosticar suas necessidades e que o principal objetivo de suas atividades era “recuperar as
pessoas que por si só não podem alcançar uma situação melhor de vida”.
536
O mesmo objetivo
parecia latente na campanha realizada por algumas entidades em 1975:
As entidades de nossa cidade COMASO, SPANE e LBA, lideradas por cidadãos de
nossa comunidade estão em pleno funcionamento proporcionando uma vida melhor
aos carentes que vivem em nosso meio. Uma das principais ações é na Vila
Esperança, onde auxiliam crianças carentes. As professoras ensinam a escrever, mas
também dão noções de higiene e agricultura. Por outro lado, o auxílio cultural, além
534
GOMES, Terezinha. E o Joaquim onde está? A Notícia Ilustrada, Panambi, nº533, ano V, 05,
fev.1975.
535
Trabalho social de jovens voluntários. O Panambiense, Panambi, nº1221, ano XI, 08, abr. 1970, p.2.
536
Trabalho social de jovens voluntários. O Panambiense, Panambi, nº1221, ano XI, 08, abr. 1970, p.2.
199
das crianças é estendido às pessoas cujas idades não lhes dá oportunidade para fazer
outra coisa. Salienta-se que os que têm condições de trabalhar, recebem apenas a
orientação necessária para tal. (...) a escola tem carência de materiais... (...) ainda
sobre a escola, os pais tem obrigação de enviar seus filhos a escola, sendo somente
esta sua preocupação, pois muitos deles não se importam ao mínimo com suas
famílias. Citou a informante que muitos deles poderiam conseguir um emprego na
prefeitura. Poucos se apresentaram e foram destacados varredores de rua, mas ao
cabo de 2 ou 3 dias não aparecerem mais no serviço. Adiantou a presidente da LBA
que a principal causa da pouca importância dada pelos pais em conseguir um
emprego é a bebida que lhes tira a razão de viver. Numa iniciativa da SPANE, os
velhos desamparados que receberão um rancho semanalmente juntamente com
roupas deverão apresentar uma carteirinha que será confeccionada (...). O Sr. Lauro
Vanderer, administrador do CCTA, elaborou e está pondo em prática, um plano
para a horta caseira, devendo todos os que moram naquela vila cuidar e plantar
verduras e legumes, cuidando, inclusive do jardim.(...) por ultimo, a LBA já enviou
a Porto Alegre diversos projetos para serem executados entre os carentes, como
horta, corte e costura e empregadas domésticas. (...) lembrando que “quem dá aos
pobres empresta a Deus”.
537
(grifo nosso).
Outra preocupação era auxiliar a população a compreender algumas regras de higiene.
Um texto de 1975 esclarecia os objetivos de uma destas campanhas:
Visa também contar com a participação efetiva da própria população atingida. Não é
um serviço público, seria muito simplista, é Saneamento comunitário. Por esta falta
de Saneamento atinge toda a população dependendo do contato que todos têm
durante o dia, mesmo com pessoas residentes no perímetro da cidade. Mas é acima
de tudo uma medida de higiene que interessas a todos indistintamente. O COMASO,
LBA, SPANE, e os encarregados deste serviço do Posto de Saúde, o sr. Nilceu e Sr.
Gomes estão encarregados de dar maiores informações e inclusive aceitar material,
verba para este empreendimento.
538
Essas campanhas beneficentes fizeram com que Panambi se destacasse em termos de
assistência social, o que para muitos era outro fator que atraía os migrantes.
539
Concluindo,
observa-se que a idéia de “cidade bela, higiênica, ordenada, ordeira” estava enraizada no
imaginário das pessoas. Os elementos que compunham esta representação estavam
intimamente relacionados com os valores do grupo étnico alemão, como podemos constatar
através da carta do Sgt Ubyrajar Henriques, do 3
o
Batalhão Rodoviário, que morou algum
tempo em Panambi e depois mudou-se para Cuibá, Mato Grosso. A carta foi escrita a amigos
de origem alemã, residentes no município e foi publicada pelo jornal A Notícia Ilustrada,
onde também tinha amigos.
537
Entidades assistências e seu trabalho. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº557, ano V, 04, abr.1975.
538
Obras de saneamento depende da comunidade. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº623, ano V, 15, set.1975.
539
Cf. Panambi, cidade modelo em assistência social. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº586, ano V, 16,
jun.1975.
200
Recebi no dia 3 deste, os cartões que vocês me enviaram. Fiquei muito contente e
também com uma baita saudade daí de Panambi, do Bar e de toda aquela turma
buena que aí ficou... A vida aqui é “Flórida”, estou pagando 300 cruzeiros de
aluguel por uma casa que até tenho vergonha de discriminar, para dar um trailler só
vou dizer que não tem forro, dizem que é por causa do calor. Verdura aqui só para
remédio e ainda assim pelos olhos da cara. Estes dias passou um crioulo vendendo
cenoura e eu banquei o machão, umas quatro sem perguntar o preço. Quando o tal
dito cujo crioulo me disse, fiquei com uma vontade louca de pegar a Princesa Isabel
e torcer o pescoço da dita, um cruzeiro novo cada uma! Ah! Eu falei em crioulo,
Bueno crioulo aqui é raro, o que tem mais é o que a gente conhece aí por “pau-de-
fumo”. Caramba! Como tem preto aqui.! O que faria sucesso aqui em Cuiabá seria
uma fábrica de desodorante......Aqui tem muito japona e alguns deutsche, aliás são
os que trabalham para tirar a grana desta cambada de preguiçosos!Puxa! Que
povinho preguiçoso este aqui de Cuiabá! Não querem nada com o batente! (...) O
que eles gostam muito é da tal pinga... (...) Puxa vida, eu começo a me recordar de
toda a turma e termino me emocionando...(...) Mas, deixando as brincadeiras de
lado, quero agradecer a você e toda aquela gente boa, os cartões que me mandaram.
Muito obrigado, mas obrigado mesmo. Quando eu vi a foto de Panambi, senti a dor
da saudade me roer por dentro. Eu nunca pensei que Panambi iria calar tão fundo no
meu íntimo, e quem fez Panambi para mim, foram vocês todos, com uma amizade
que eu agradeço e sei que foi sincera, assim como sincera é a estima que tenho por
todos vocês.
540
O tom nostálgico da carta é evidente. Não se pode esquecer que a mesma era destinada
a amigos do grupo étnico alemão. Por isso, talvez, o autor tenha utilizado a estratégia de
destacar as qualidades dos integrantes deste grupo étnico para demonstrar sua estima pelos
mesmos. Percebe-se que o sargento logo aponta alguns elementos considerados importantes
para a população panambiense, como a qualidade da habitação, a qual descreve como péssima
em Cuiabá, a higiene pessoal, que no caso é descrita de forma claramente racista e o consumo
de verduras, o qual diz ser limitado devido aos altos preços, deixando implícito que em
Cuiabá não se cultivava hortas tal como em Panambi. Nas entrelinhas lê-se uma comparação
entre Panambi e Cuiabá, destacando-se o fato que o principal elemento comparativo é a
presença dos alemães: em Cuiabá, existiam poucos, mas, juntamente com os japoneses, eram
os que trabalhavam; em Panambi, ao contrário, eram a maioria, o que deixa subentendido que
a situação descrita como negativa em Cuiabá estava relacionada com a ausência dos alemães e
Panambi “era o que era” graças ao trabalho alemão. Neste sentido, segundo Pesavento:
a identidade, enquanto padrão de referência, sensação de pertencimento e fator de coesão social – é uma
categoria socialmente construída”. Acrescenta a autora: “a identidade urbana, representa um referencial
simbólico de identificação que remete às imagens concretas da urbe mas que a extrapolam, integrando-se a todo
um imaginário social construído sobre a cidade.
541
Proust acrescenta: “o que se tem no pensamento quando se pronuncia o nome de uma
cidade não é exatamente a imagem concreta de um lugar, mas imagens irreais, construídas
pelas sensações do vivido, do percebido e do sonhado”. O autor ainda nos remete à posição de
540
Saudades de Panambi. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº12, ano I, 30, jun. 1971.
541
PESAVENTO, 1999b, op. cit.,. p. 98.
201
Calvino, da cidade imaginária, acessível pela representação, ao mesmo tempo individual e
coletiva, que nos é transmitida pela memória/evocação e pela experiência/sensibilidade do
vivido.
542
Em Panambi, como exposto no segundo capítulo, os grupos dirigentes locais
procuraram construir, de forma intencional, a representação de que se tratava de uma “cidade
alemã”. A representação era sustentada pela manutenção de certos laços com a pátria de
origem, bem como pela tentativa de reproduzi-los no local. A vinculação com a Alemanha
havia sido contida pelas políticas da Campanha de Nacionalização e, posteriormente, abalada
com a revelação dos crimes cometidos pelo Partido Nazista, que fez com que muitos
evitassem a identificação com a pátria de origem. No entanto, na década de 70 houve uma
retomada do “orgulho de ser alemão” devido a alguns fatores específicos como: o
desenvolvimento econômico e tecnológico da Alemanha, as comemorações do
Sesquicentenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul (1824-1974) e a presença dos
migrantes em Panambi.
No cenário mundial, muitos nem se referiam mais aos acontecimentos que envolveram
o país durante a Segunda Guerra. “Em decorrência do desanuviamento político e dos vários
acordos entrementes assinados, Berlim deixou de ser manchete, hoje são poucos os que ainda
falam do muro da Vergonha.”
543
Além disso, outros fatores contribuíam para que o grupo étnico procurasse resgatar um
certo “orgulho de ser alemão”: o governador do Estado era descendente de imigrantes
544
e o
presidente do país, Ernesto Geisel (março de 1974-março de 1979) era um gaúcho, luterano,
descendente de imigrantes alemães. O Jornal A Notícia Ilustrada de 1973 noticiava o júbilo da
IECLB diante da indicação do referido general:
A indicação do general Ernesto Geisel para suceder ao general Médici, na
presidência da república, embora não altere os rumos da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil (IECLB) nos seus objetivos específicos no terreno
temporal, implica em auspiciosas expectativas que poderão se refletir
beneficientemente no trabalho evangélico. Ainda no terreno temporal, é significativa
a evolução histórica e sociológica que permite a um general brasileiro, de origem
alemã, sobretudo de formação luterana, ascender a suprema magistratura do país.
542
PROUST apud PESAVENTO, op. cit., 1999b, p. 98.
543
O articulista se referia ao muro de Berlim, que separava a Alemanha em comunista e capitalista. Este muro
havia sido erguido após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha fora derrotada. De forma geral o
texto encara o muro como símbolo da derrota e, conseqüentemente como uma menção aos feitos do Partido
Nazista. PIMPÃO, Altair Carlos. Berlim já não é manchete. A Notícia Ilustrada, Panambi, 08, març.1976.
544
Embora o major Euclides Triches, que governou o Estado no período de 1971 – 1975, fosse descendente de
imigrantes italianos, o fato de pertencer a um grupo de imigrantes tornava seu mandato extremamente
significativo para as populações de descendentes de imigrantes em geral.
202
(...) Geisel, neto de um pastor Luterano, é indicado para presidir a maior nação
católica do mundo. A IECLB rejubila-se com a notícia.
545
Logo, quando em 1974 um grupo se uniu para organizar os festejos dos 150 anos da
imigração alemã, o fato teve grande repercussão tanto que, em alguns momentos contou com
a presença do próprio Geisel.
546
Em 1973, o Governador do Estado estipulou o biênio da
imigração. No mês de maio do mesmo ano, o jornal local publicava o ofício recebido do
Palácio Piratini, o qual esclarecia os objetivos do evento:
Com o objetivo de celebrar condignamente o pioneirismo da colonização luso-
brasileira, o sesquicentenário da imigração alemã, o centenário da imigração italiana
e a contribuição das demais correntes imigratórias que trabalharam para o
desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, o Governo do Estado, pelo
decreto n° 22.410 de 22 de abril de último, institui o “Biênio da Colonização e
Imigração”.
547
Mais adiante o ofício convidava o órgão a integrar-se nas comemorações pelo que este
destacava que já havia publicado artigos sobre o tema e que pretendia dar prosseguimento às
publicações.
548
A coordenação das comemorações do biênio se dividia em subcomissões de
festividades, de assuntos históricos e culturais e de relações e intercâmbio. Todavia, a
organização das comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã possuía uma
comissão específica, no mesmo formato, mas com dedicação exclusiva ao Sesquicentenário.
A programação envolvia cerca de 30 municípios e abrangia entidades públicas e privadas.
Estavam previstas exposições, congressos, feiras, festivais, inaugurações, concursos, desfiles,
banquetes, recepções, exibições, cultos religiosos, atos cívicos, concertos artísticos e baile de
kerb. A abrangência dos festejos abarcava as áreas histórico-cultural, econômica, industrial,
agropecuária, religiosa e desportiva, em âmbito estadual, nacional e internacional.
549
545
O candidato luterano: Geisel. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº312, ano, III, 18, jul. 1973, p. 2.
546
“Geisel esteve presente nas comemorações do Sesquicentenário da Imigração alemã no Rio Grande do Sul”.
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº467, ano IV, 31, jul. 1974.
547
Governo institui biênio da colonização e imigração. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº284, ano II, 16, mai.
1973, capa.
548
Governo institui biênio da colonização e imigração. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº284, ano II, 16, mai.
1973, capa.
549
Sesquicentenário alemão. A Notícia Ilustrada, Panambi, ano IV, 16, mai.1974 .
203
Entre suas principais ações, pode-se relacionar a tentativa de estreitar laços comerciais
com a Alemanha. Segundo Pimpão,
Um dos pontos positivos das promoções do Biênio da Colonização e Imigração (...)
é a integração econômica, o fortalecimento econômico do Estado e a intensificação
do intercâmbio econômico entre o Rio Grande do Sul e os países de origem das
correntes imigratórias que aqui se fixaram. (...) O 2
o
Encontro Teuto-Brasileiro de
empresários é uma das grandes promões do Sesquicentenário da Imigração
Alemã. E com a sua realização, estamos alcançando um dos objetivos principais do
Biênio da Colonização e Imigração.
550
Em Panambi, a organização das atividades comemorativas ficou a cargo da Câmara
Júnior e da Prefeitura Municipal, especialmente do órgão de turismo local, o PROTUR.
Inicialmente o município procurou integrar-se nas comemorações elegendo uma representante
para concorrer ao título de “Rainha do Sesquicentenário”, cuja etapa final ocorreu no salão da
SOGIPA, em Porto Alegre. A candidata panambiense era Susan Schulien, que, conforme
noticiava o jornal local: “entre mais 27 garotas de descendência alemã (...) teve a honra de
ficar entre as 10 primeiras colocadas”.
551
Outra ação relacionada aos festejos do sesquicentenário foi a promoção de um
concurso escolar para eleger um projeto que serviria de base para a construção de um
“monumento ao imigrante”. Podiam participar da atividade todos os estudantes inscritos nos
educandários do município, o que demonstrava que a comissão local estava realmente
empenhada em envolver a população nas comemorações, pois ao se disporem a participar do
concurso, cujo prêmio era uma razoável quantia em dinheiro,
552
os estudantes e os
professores, precisam inevitavelmente estudar a história da imigração alemã e encontrar
formas de exaltar os feitos dos “pioneiros”.
553
O projeto escolhido previa a construção de um monumento formado por um casal de
colonos trabalhando na terra e pretendia representar a disposição para o trabalho destes
imigrantes. O monumento foi construído na beira do rio Fiúza, local onde se acreditava que os
550
PIMPÃO, Altair Carlos. Berlim já não é mais manchete. A Notícia Ilustrada, Panambi, 08, mar. 1976.
551
O 25 de Julho não será esquecido. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº469, ano IV, 05, ago. 1974.
552
O prêmio fora oferecido pela Prefeitura Municipal.
553
Concurso escolar para construção do monumento ao imigrante. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº416, ano IV,
29, mar.1974.
204
primeiros imigrantes teriam acampado. Mais tarde o local recebeu a denominação de “Praça
da Imigração”.
554
A inauguração do monumento ocorreu em 25 de julho de 1974 e marcou o início
oficial das comemorações do Sesquicentenário Alemão em Panambi. Neste dia foram
realizadas diversas atividades festivas. Logo pela manhã, ocorreu uma Salva de Canhões,
realizada pelos soldados do 29 GAC de Cruz Alta. Em seguida, na Praça Engenheiro Walter
Faulhaber, realizou-se a apresentação da Banda Municipal do Imigrante, que havia sido
formada há poucos dias especialmente para homenagear os imigrantes alemães. A mesma
executou o Hino Nacional enquanto se dava o hasteamento da Bandeira Nacional e da
República Federal da Alemanha. Após, houve a realização de um culto ecumênico que foi
finalizado pela fala do Cônsul Honorário da Alemanha.
555
Para finalizar o dia, houve uma
apresentação do Grupo de Danças Schwaben International, da Alemanha Ocidental, no
Centro Cultural 25 de Julho, evento que foi prestigiado por um enorme público.
556
Outras atividades ainda foram realizadas para comemorar o Sesquicentenário, como
por exemplo: a apresentação da Orquestra Alemã “Hansrücker Musikvereinigung”;
557
a
criação da Bandeira Sesquicentenário
558
e homenagens aos imigrantes alemães durante o
Desfile de 7 de Setembro, bem como diversas publicações de artigos que procuravam
resgatar a história da imigração alemã, destacando a importância do grupo para o
desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul.
O jornal, além de noticiar os fatos que demonstravam que a cidade procurava
preservar a cultura alemã e manter os laços com a Alemanha, também procurava preservá-los,
tanto que até metade da década de 70 publicava um suplemento escrito em língua alemã que
era muito apreciado pelos leitores: intitulava-se “Das Panambier Blatt”.
559
. A autora era
554
O 25 de Julho não será esquecido. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº469, ano IV, 05, ago.1974.
555
No monumento a homenagem ao imigrante. A Notícia Ilustrada, Panambi, 25, jul.1974.
556
O 25 de Julho não será esquecido. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº469, ano IV, 05, ago.1974.
557
O 25 de Julho não será esquecido. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº469, ano IV, 05, ago.1974.
558
Lei Nº367 – 28, jun. 1974. Prefeitura Municipal de Panambi.
559
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
205
Gertrud Schmitt-Prym, mãe de Miguel Schmitt-Prym. O suplemento foi encerrado com a
morte da autora.
O jornal também favorecia a manutenção dos laços com a Alemanha através de
publicações que destacavam a situação daquele país na época. As edições apresentavam uma
coluna na qual o leitor ficava informado a respeito dos mais variados temas: política,
economia, desenvolvimento científico, etc. De forma geral, os textos procuravam demonstrar
que a Alemanha vivia um período áureo de desenvolvimento e que sua tecnologia era cada
vez mais avançada, como procurava demonstrar o artigo intitulado “A Alemanha de hoje”:
Um avião a jato (de passageiro) atravessa a Alemanha Ocidental de norte a sul em
70 minutos, na direção leste-oeste em meia hora. Esta área que o avião sobrevoa em
tão curto período abrange... 250.000 quilômetros quadrados. A Alemanha Ocidental
tem, portanto, mais ou menos o tamanho do Rio Grande do Sul. Sua população,
porém, é várias vezes maior, pois alcança 61,3 milhões de habitantes. A história
deste país apresenta altos e baixos. Também o presente é às vezes, confuso e difícil
de explicar. Mas a realidade deste país e deste povo revela vida e força. Sua
atualidade demonstra juventude e é jovem e aberta ao mundo.
560
Chama atenção também o fato de que muitos desses textos procuravam estabelecer
comparações entre o Brasil e a Alemanha, nas quais a Alemanha era colocada como “melhor”.
Por exemplo, em um artigo cujo título era “Na Alemanha é assim”, o articulista elogiava a
preocupação com o meio ambiente que, segundo o mesmo, havia naquele país: “Se tivéssemos
uma consciência de gente civilizada e evoluída, poderia se dispensar até o policiamento, pois
cada um deveria compreender que, a natureza precisa ser preservada. Mas, infelizmente, isto
está um bocado longe”.
561
Na mesma linha, destacava a opinião de um jovem estudante que há
pouco regressara da Alemanha: “Waldenor acha que os professores alemães são bem mais
qualificados e o método escolar difere em alguns pontos, mas que o método brasileiro também
é excelente”
562
(grifo nosso). Note-se que a referência aos métodos educativos brasileiros
aparece como um complemento, deixando a impressão de que o estudante quis apenas ser
diplomático ao citar o Brasil, já que seu objetivo principal realmente era ressaltar a
superioridade alemã.
560
A Alemanha de hoje. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº462, ano IV, 17, jul. 1974, p. 3.
561
Na Alemanha é assim. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº91, ano I, 19, jan. 1972, p.2.
562
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº535, ano V, 10, fev.1975.
206
Os intercâmbios entre pessoas oriundas da Alemanha e panambienses também eram
notícia. Essa estratégia objetivava o acirramento de relações econômicas e laços culturais. O
jornal A Notícia Ilustrada de 1978 informava:
Uma comitiva composta de assessores do Governador de Baden-Württemberg
chegou as nove horas de hoje ao aeroporto de Ijuí. (...) A comitiva seguiu para
Panambi onde a programação se desenvolverá com uma sessão solene da Câmara
Municipal de Vereadores. Após um encontro com empresários locais especialmente
convidados no restaurante Moinho Velho e ao meio-dia almoço com a colônia alemã
no Centro Cultural 25 de Julho.
563
Diversas manchetes também destacavam, de forma eloqüente as visitas de autoridades
alemãs: “Cônsul alemão visitará Panambi”,
564
“Panambi recebe visita do Cônsul alemão: Sr.
Schlichting Franz”,
565
“Representantes da República Federal da Alemanha estiveram em
Panambi”,
566
“Cônsul geral da Alemanha esteve aqui”,
567
“Cônsul geral da República da
Alemanha em Panambi”.
568
Referente à visita do Cônsul em 1980, o periódico destacava:
Tendo em vista a visita do Cônsul da República Federal da Alemanha a Panambi no
próximo dia 23, visando assinalar a comemoração da Proclamação da Lei
Fundamental para República Federal da Alemanha, o seu consulado em Porto
Alegre, programou uma série de apresentações de filmes na cidade e interior sobre a
atualidade alemã.
569
De forma geral, os textos que descreviam estas visitas procuravam demonstrar que os
(i)migrantes/descendentes de alemães haviam alcançado o sucesso econômico em solo
brasileiro, bem como a integração à nova pátria, todavia continuavam mantendo os laços com
a pátria de origem.
Adolfo e Olga Kepler imigrantes que em 1904 se radicaram na então Neu-
Württemberg, trouxeram da Alemanha uma bagagem de amor inestimável: o amor
ao trabalho, o respeito ao próximo, o ideal da integração na coletividade, a fé e a
reverencia ao criador. Essas sementes, cultivadas pelos pioneiros e seus seguidores,
563
A Notícia Ilustrada, Panambi, 29, mar.1978.
564
O Panambiense, Panambi, nº1136, ano X, 27, ago. 1969.
565
A Notícia Ilustrada. Panambi, nº58, ano I, 29, nov.1971
566
A Notícia Ilustrada. Panambi, 22, set.1975.
567
O artigo destacava que esta fora a segunda visita a Panambi desde que o cônsul havia assumido o consulado
geral da República Federal da Alemanha em Porto Alegre, o que parecia querer demonstrar a importância do
município para a autoridade e conseqüentemente para a Alemanha. A Notícia Ilustrada, Panambi, 27, jun.1979.
568
A Notícia Ilustrada. 15, mai.1980.
569
A Notícia Ilustrada 21, mai.1980.
207
caíram em solo fértil e geraram ao longo de meio século os frutos que hoje estão
simbolizados na pujança empresarial da Kepler Weber. É esta a mensagem que a
Kepler Weber, empresa genuinamente brasileira, que reconhece e preza suas
origens, transmite ao Dr. Karl August Von Kameke, cônsul geral da Alemanha, em
Porto Alegre. Bem vindo Sr. Cônsul. Fique certo de que sua visita a nossa cidade, na
data em que se comemora a proclamação da Lei Fundamental para a República da
Alemanha é motivo de muita alegria e honra para todos nós.
570
Outro tema freqüente eram as pretensões de estabelecer relações comerciais com a
Alemanha:
O Prefeito Orlando Schneider recebeu em Berlim o certificado de participação no
Seminário organizado pela Fundação alemã para o Desenvolvimento Internacional.
Nas quatro semanas que o Prefeito de Panambi esteve na Alemanha pode observar o
interesse dos homens do Governo daquele país em intensificar as relações com o
Brasil através de iniciativas semelhantes ao seminário lá realizado. O Seminário teve
27 participantes, sendo que Orlando Schneider era o único a falar alemão, o que
tornou a sua participação de importância não só para ele, mas também no
assessoramento dos seus companheiros sempre que isso se tornou necessário.
571
Uma reportagem, publicada em 1978, demonstrava que as possibilidades de
negociação com a Alemanha eram cada vez mais concretas:
Empresas vão manter intercâmbio com Baden (região) Württemberg: Como
conseqüência da visita da missão de Baden-Württemberg deverá ocorrer na próxima
quarta-feira uma reunião na Associação Comercial Industrial de Panambi com os
empresários interessados, e o Prefeito Municipal mais o Cônsul da República
Federal da Alemanha prof. Hermann Wegermann. A reunião será na Prefeitura
Municipal e se destina a traçar uma estratégia para contatos mais objetivos com o
Governo, Empresas e Instituições Financeiras da Alemanha, visando a curto ou
médio prazo um intercâmbio no campo econômico-empresarial.
572
Os eventos culturais envolvendo a participação de pessoas oriundas da Alemanha
também eram amplamente destacados pelo jornal. Dentre estes, grupos de dança e corais,
cujas apresentações ocorriam em momentos especiais, como as comemorações de “25 de
julho” e objetivavam homenagear os colonizadores e aproximar os dois países.
573
Por outro
lado, ocorriam viagens de grupos folclóricos locais para a Alemanha. Por exemplo, em 1975,
o grupo de Coral “Elsenau” realizou diversas apresentações na velha pátria.
574
Eram
570
Pioneirismo que tem raízes na Alemanha. A Notícia Ilustrada. 23, mai.1980, p.7.
571
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº601, ano V, 21, jul.1975.
572
A Notícia Ilustrada, Panambi, 22, ago.1978.
573
Cf. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº453, ano IV, 26, jul.1974 p.3.
574
Grupo Elsenau foi à Alemanha. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº 431, ano IV, 06, mai.1974, p.5.
208
freqüentes também as viagens individuais a passeio, a trabalho ou de estudo. Além da relação
direta com o país de origem, através dos intercâmbios, havia também as “indiretas”, que
ocorriam através da formação de grupos folclóricos de dança, de grupos de corais,
575
dos
grupos que cultivavam os jogos típicos dos colonizadores;
576
dos bailes tradicionais, como o
de Kerb, da apreciação dos alimentos considerados típicos, como a rosca de sal e o
Keskuche,
577
do gosto pelos filmes que remetiam à Alemanha e pela leitura, favorecida pela
existência da Sociedade de Leitura Faulhaber que possuía um grande acervo de obras escritas
no idioma alemão e contava com grande número de leitores.
578
Veja-se, por exemplo, o
balanço do acervo publicado pelo jornal A Notícia Ilustrada sobre o biênio 1974-1975:
579
575
Na década de setenta ainda havia uma série de grupos de corais que cantavam músicas em
homenagem à pátria. Sobre a importância da música para o cultivo da germanidade cf.: GRÜTZMANN, op. cit.
576
Por exemplo, os grupos de tiro ao alvo e os de bolão.
577
A grafia corresponde à fonética dialetal. Na realidade a expressão é “Käsekuchen”. Bolo de requeijão muito
apreciado, cuja “especialidade” é atribuída aos integrantes do grupo étnico alemão.
578
A Biblioteca fora iniciada pelo próprio Herrmann Meyer, que em 1903 doou 400 livros. Sua intenção era
proporcionar aos habitantes da colônia o contato com a cultura da terra de origem. A instituição de imediato
apresentou uma boa freqüência, tendo já em agosto de 1903 trinta leitores. A Biblioteca foi administrada pelo
pastor Hermann Faulhaber e sua esposa Dona. Maria. Em 1906 a biblioteca já contava com 2291 livros. Até a
morte do Pastor Hermann Faulhaber, a biblioteca funcionava em uma das salas da “Stadplatz-Schule” (Escola da
sede). Em 25 de agosto de 1927 foi fundada a “Fundação Faulhaber” dirigida pelos senhores Friedrich Krahe e
Adolfo Franke, servindo como bibliotecária a senhora Maria Faulhaber, neste mesmo ano o acervo foi
transferido para a residência da senhora Faulhaber. Em 1935, após a conclusão do novo prédio da escola a
Biblioteca foi novamente transferida para uma sala da antiga escola, servindo como bibliotecária a Sra. Sidow.
Em princípios de 1939 o acervo era de aproximadamente 4500 livro. Com a ocupação da escola particular pelo
governo do estado o acervo da biblioteca foi transferido para “Casa Faulhaber”. Foi iniciada a reorganização
com fichário por título, Autor e classificação por assuntos de acordo com as exigências do Instituto Nacional do
Livro, onde a biblioteca foi registrada em 1938 sob o nº 444. Em janeiro de 1942 as atividades da Sociedade
foram interrompidas pela apreensão por ordem do Delegado de Polícia de Cruz Alta, Augusto Munis Reis, pelo
agente policial Armando Dill de todos os livros, fichários, livros de atas, etc., material que foi transportado em
caminhão de porcos a granel para Cruz Alta. Naquela época a biblioteca já contava com consideráveis nº de
obras em português e apesar da insistência dos responsáveis pela biblioteca não foi possível salvar do seqüestro
os livros com carimbo “Propriedade do Instituto Nacional do Livro” que fizeram parte do acervo. Em agosto de
1942 o então secretário da entidade. Engenheiro Faulhaber entrou em contato no Rio de Janeiro com o diretor do
INL, Dr. Augusto Mayer, o qual insistiu, que a biblioteca fosse reorganizada e como sinal de confiança do lado
do Ministério da Educação fez uma doação de 55 livros. Em virtude da doação do INL o Delegado de polícia de
Cruz Alta restituiu 110 volumes. Em 11 de outubro de 1942 foi efetuada uma Assembléia Geral sob a
presidência do sr. Otto Kepler, na qual foi decidida o reinicio das atividades da biblioteca com 165 livros e 21
sócios. Com a colaboração do INL, doações e muitos esforços dos sócios, especialmente do Eng. Walter
Faulhaber, em 1953 por ocasião da transferência da Casa Faulhaber para uma sala do Grêmio Desportivo
Panambi, a biblioteca possuía 2411 livros e contava com 123 sócios. Em 6 de agosto de 1955 foi aprovado pela
AGE a nova redação dos estatutos, e a nova denominação de Sociedade de Leitura Hermann Faulhaber. Em 1958
o casal Walter e Sigrid Faulhaber doaram um terreno para construção de uma sede para a Biblioteca. A
construção do prédio foi efetuada na presidência do sr. Bruno Prass e em 24 de agosto de 1963 foi realizada a
primeira Assembléia Geral na nova sede. A instalação da Biblioteca (estantes, mesas, etc) foram doadas pela
209
Tabela nº 7 - Situação do acervo da Biblioteca Municipal 1975-1976
SITUAÇÃO DO ACERVO
Livros em Português
Livros em Alemão
Não registrados
Totais
31-12-75 3.789 3.306 503 7.598
31-12-76 3.919 3.373 501 7.803
Acresc. 76 130 67 8 205
Além do acervo da Biblioteca, os panambienses ainda podiam ter acesso ao “Serra
Post Kalender”, que era comercializado no município.
580
Os traços germânicos estavam expressos ainda na arquitetura da cidade.
581
Essa
característica serviu também para que se pensasse em tornar Panambi uma cidade turística.
Um exemplo claro foi a construção do Hotel Elsenau, cujo estilo foi inspirado nas construções
alemãs e mesmo antes de sua finalização já despertava a atenção de diversas pessoas.
Elsenau já estava sendo um ponto de atração, pelo movimento de veículos que se
nota principalmente aos fins de semana, de pessoas que estão na cidade em visita a
familiares e que não deixam de dar uma olhada no Hotel. Isto é sintoma muito bom,
e acreditam os empreendedores que uma vez concluídos, indiscutivelmente o
Elsenau Hotel será ponto de referência para a nossa cidade.
582
Estampava também uma fotografia do Hotel.
República Federal da Alemanha. A nova sede foi inaugurada oficialmente em 21 de setembro de 1963.
Biblioteca pública foi ampliada. A Notícia Ilustrada, Panambi, 19, maio.1978.
579
Biblioteca pública foi ampliada. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº792, ano VII, 02, maio.1977.
580
A Notícia Ilustrada, Panambi, ano 1, nº76, 15, dez.1971.
581
Cf. WEIMER, Günter. Arquitetura da imigração alemã: um estudo sobre a adaptação da arquitetura
centro-européia ao meio rural do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ed. Da Universidade, UFRGS: São Paulo,
Nobel, 1983
582
A Notícia Ilustrada, Panambi, 28, dez. 1977.
210
Propaganda 4: Hotel Elsenau em fase final. Fonte: A Notícia Ilustrada, Panambi, 28, dez. 1977
Miguel Schmitt-Prym, um de seus idealizadores e sócio-proprietário explica:
A gente pensou realmente em turismo, explorar a indústria do “enxaimel”, que é a
indústria do turismo. Então quando nós projetamos o Elsenau, nos projetamos em
estilo germânico, com aquecimento central, com tudo assim como é na Europa. Isso
foi bem intencional, foi bem direcionado assim, vamos criar uma pequena Europa,
Alemanha, uma pequena cidade turística aqui na região, fora do eixo Nova
Petrópolis, Gramado e Canela.
583
(grifo nosso)
Da mesma forma, em 1977, um leitor do jornal A Notícia Ilustrada escrevia um texto
sugerindo que o poder municipal construísse, na entrada da cidade, uma “casinha” em estilo
“enxaimel”, a fim de marcar ainda mais o traço étnico da localidade.
584
Fica evidente o fato de que havia um grupo interessado em reforçar a representação de
que Panambi era “uma cidade alemã”, ou seja, o reforço desta representação não ocorreu por
acaso, foi intencional, direcionado a atender determinados interesses. O grupo mencionado
pelo entrevistado como principal articulador era formado por membros da ACI, ou seja, os
proprietários dos maiores empreendimentos comerciais e industriais de Panambi, que tinham
583
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
584
Esboço de uma idéia. A Notícia Ilustrada, Panambi, 08, nov.1977.
211
grande influência junto aos órgãos públicos municipais, estaduais e federais, bem como a
entidades em geral.
Todavia, se por um lado a intenção de criar uma “pequena Alemanha” estava
relacionada com “a indústria do turismo” e, desta forma, baseada na possibilidade do lucro de
alguns setores; por outro, havia alguns grupos, formados principalmente pela população mais
idosa, que se preocupavam em manter os laços com a Alemanha por questões culturais. Um
exemplo dessa relação é a trajetória do imigrante alemão Roberto Ruff, publicada pelo jornal
A Notícia Ilustrada. O artigo gira em torno das dificuldades encontradas pelo imigrante ao
longo de sua vida e enfatiza que embora o mesmo tenha trabalhado pelo bem da nova pátria e
a assumido como sua, sempre sentiu muita saudade da Alemanha. Enfatiza que “sua nova
pátria não parou e ele contribuiu para este desenvolvimento, sem deixar nunca de cultuar as
tradições e os costumes da velha pátria que um dia o viu nascer”.
585
Segundo Pesavento,
a representação do mundo é, ela também, parte constituinte da realidade, podendo
assumir uma força maior para a existência que o real concreto. A representação guia
o mundo, através do efeito mágico da palavra e da imagem, que dão significado à
realidade e pautam valores e condutas.
586
A intenção de tornar Panambi uma cidade turística não foi levada a cabo nos termos
desejados por seus idealizadores. No entanto, encontra-se alguns indícios de que a
representação teve grande alcance, tanto que em 1974 uma moça, moradora de Ribeirão Preto
(SP), divulgava uma nota nos classificados locais, solicitando que uma família concordasse
em realizar intercâmbio, pois ela tinha muito interesse em conhecer a cultura alemã.
587
A tentativa dos panambienses em manter algumas características do grupo étnico
alemão e tentar reproduzir uma “Alemanha no Brasil”, despertava a curiosidade tanto dos
brasileiros quanto dos cidadãos alemães. Em 1975, o Jornal Frankfurter Allgemeine
Zeitung,
588
publicou um texto que abordava aspectos do cotidiano do município. O artigo foi
reproduzido no idioma alemão e em português pelo jornal local:
585
De Neu-Württemberg eles fizeram uma nova pátria. A Notícia Ilustrada, Panambi 29, mar. 1978.
586
PESAVENTO, 1999b. op. cit., p. 8
587
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº490, ano IV, 25, set. 1974, p. 2.
588
Segundo o articulista do A Notícia Ilustrada, 23, jun.1975, p.5, o Jornal Frankfurter Allgemeine
Zeitung era o mais lido da Alemanha.
212
Para cada dez habitantes, um tem um televisor e um automóvel. Panambi é uma
cidadezinha muito rica e bonita, sem desempregados e sem presídio. Uma folha de
carvalho no escudo da cidade lembra a descendência de Württemberg dos avôs, que
o grupo de Cantores Elsenau ainda homenageia com seus cantos em alemão (...).
Ainda existem aqui grupos de bolão e clubes de tiro. A Notícia Ilustrada antigo O
Panambiense ainda até hoje publica um suplemento em alemão, e ainda aos
domingos às nove horas, se ouvem sermões em alemão na Igreja Luterana. Na igreja
Católica, entretanto, só ouve português. Panambi (...) é tão alemã porque era uma
colonização particular.
589
Outro fato é que, em 1978, uma rede de TV da Alemanha fez um documentário a
respeito de Panambi. O jornal destacava numa reportagem de capa: “TV da Alemanha veio
filmar Panambi”. A característica que interessara aos jornalistas logo ficava evidente: “Um
lugar onde muitas pessoas oriundas da Alemanha ainda falam a língua alemã”.
590
Parece que
o principal ponto de interesse dos cidadãos alemães referia-se ao fato de que, mesmo no final
do século XX, em meio ao desenvolvimento econômico, Panambi continuava mantendo as
características culturais dos primeiros (i)migrantes alemães, façanha esta atribuída ao projeto
de colonização levado a cabo pela Empresa de Herrmann Meyer.
3.2.2 O convívio entre estabelecidos e migrantes
A convivência entre os estabelecidos e os migrantes foi permeada por disputas pelo
poder. Nesse sentido, percebe-se que os dirigentes locais procuravam formas de demonstrar
que os (i)migrantes alemães e os seus descendentes haviam construído as bases econômicas e
culturais da cidade e, portanto, eram os “donos” do lugar. Em outras palavras, procuravam
formas de diferenciar-se dos migrantes. Neste sentido, Silva esclarece:
A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos
diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso
privilegiado aos bens sociais. A identidade e a diferença estão, pois, em estreita
conexão com relações de poder. O poder de definir a identidade e marcar a diferença
não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença
não são, nunca, inocentes. Podemos dizer que onde existe diferenciação ou seja,
identidade e diferença, aí esta presente o poder. A diferenciação é o processo central
589
Teuto brasileiros em Itapiranga . A Notícia Ilustrada, Panambi, nº589, ano V, 23, jun.1975 p.5
590
A Notícia Ilustrada. Panambi, 20, nov.1978.
213
pelo qual a identidade e a diferença são produzidas. Há, entretanto, uma série de
outros processos que produzem está diferenciação ou que com ela guardam uma
estreita relação. São outras tantas marcas da presença do poder: incluir/excluir
(‘estes pertencem, aqueles não’); de marcar fronteiras (‘nós’ e ‘eles’); classificar
(‘bons e maus’; ‘puros e impuros’; ‘desenvolvidos e primitivos’; ‘racionais e
irracionais’); normalizar (‘nós somos normais; eles são anormais’) A afirmação da
identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de
excluir. (...) Dizer ‘o que somos’ significa também dizer ‘o que não somos’. A
identidade e a diferença se traduzem assim, em declarações sobre quem pertence e
sobre quem não pertence, sobre quem esta incluído e quem esta excluído.
591
Em Panambi, uma das facetas desse processo foi o uso do passado não apenas como
base para construir uma identidade comum aos habitantes, que reafirmasse seu poder, mas
também como fonte de elementos que os pudessem diferenciar dos migrantes mais
recentes.
592
O principal meio utilizado para divulgar e discutir a história local foi o jornal A
Notícia Ilustrada. O periódico disponibilizava seguidamente espaços para que interessados
publicassem seus textos a respeito dos mais variados temas. Por outro lado, também editava
cadernos específicos com o mesmo objetivo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a edição
do suplemento intitulado “Por que nos orgulhamos de Panambi?”.
O primeiro Caderno da série trazia um texto sobre a emancipação do município.
Apresentava os idealizadores da emancipação como verdadeiros heróis, uma vez que se
prontificaram a desafiar todos os obstáculos que representavam entraves ao desenvolvimento
econômico local e ao desenvolvimento da cultura. Enumerava ainda as conquistas e
problemas enfrentados pelas primeiras administrações.
593
Posteriormente, abordou o
desenvolvimento econômico dos principais empreendimentos locais, como a Kepler Weber
S.A
594
e a COTRIPAL, ambas contextualizadas historicamente.
595
591
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da Identidade e da Diferença. In: ______. Identidade e
diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 81- 82.
592
Sobre o tema cf.: MICHELS, Sérgio Ervino. A história ensinada na colônia particular de Neu-Württemberg
sob a ótica do protestantismo, da germanidade e da educação. Ijuí: UNIJUÍ, 2001. Dissertação (Mestrado em
Educação nas Ciências), PPG em Educação nas Ciências, UNIJUÍ, 2001; PEIXOTO, José Tadeu Leal.
Panambi: História da Formação Social de uma Comunidade de Imigrantes do Noroeste Gaúcho. UEL:
Universidade Estadual de Londrina: Londrina, 2003. Mestrado em História Social Programa
Associado UEL/UEM.
593
“Por que nos orgulhamos de Panambi”? 1
o
caderno. O Panambiense, Panambi nº1176, ano X, 04, dez. 1969.
594
“Por que nos orgulhamos de Panambi”? 3º Caderno.O Panambiense, Panambi, nº1193, ano XI, 16, jan.1970.
214
Algumas edições do referido Caderno também versaram sobre a religião e a educação.
Um deles trazia a história do Colégio Evangélico Panambi, fundado pelos (i)migrantes
alemães e de origem, e do Colégio Nossa Senhora de Fátima, que possuía um curso de
Magistério.
596
De forma geral, a estrutura dos textos publicados no Caderno “Por que nos
orgulhamos de Panambi?”, estava dividida em duas partes: na primeira, apresentava dados
que comprovavam o “desenvolvimento e o sucesso” da empresa ou da entidade descrita; já na
segunda, havia uma contextualização histórica, na qual procuravam destacar que o “presente
favorável” era conseqüência direta do trabalho e da dedicação de seus fundadores, cuja
maioria absoluta era de origem alemã.
597
Nas datas comemorativas publicavam-se também colunas especiais, versando sobre
temas específicos da história do município. Percebe-se claramente a intenção de produzir
“uma história” que tivesse como principal marco a imigração alemã. Isso era expresso, por
exemplo, na exaltação dos feitos de Herrmann Meyer, Hermann Faulhaber ou daqueles que
haviam articulado a conquista da emancipação política:
No momento em que a notícia chegou a Panambi e Condor, a indústria, o comércio e
o povo pararam para comemorar aquele importante acontecimento. O povo foi para
as ruas festejar, sob o badalar dos sinos, o apito das fábricas, abraços e risos. Os
emancipacionistas estavam com a consciência tranqüila de que havia feito algo, para
o bem estar do seu povo, o qual soube reconhecer o trabalho e sacrifício de meia
dúzia de homens, imbuídos dos mais altos espíritos patrióticos, visando dias
melhores e sem dependência de outros municípios para a sua sobrevivência.
598
Os textos procuravam colocar esses cidadãos como heróis, dignos de prestígio e
exaltação.
599
Não só as pessoas que exerciam uma vida pública eram destacadas. A história de
595
O 4º Caderno da Série “Por que nos orgulhamos de Panambi”, O Panambiense, Panambi , nº1198, ano XI,
30, jan.1970, trazia dados a respeito do desenvolvimento econômico da cidade e a respeito da História de
Hermann Faulhaber.
596
Cf.: “Por que nos orgulhamos de Panambi?” 2º caderno.O Panambiense, Panambi, nº1179, ano XI, 12, dez.
1969.
597
O caderno abordou a história de grandes e pequenas empresas fundadas por (i)migrantes descendentes, no
entanto, não houve publicações a respeito de empresas fundadas por luso brasileiros.
598
Luta pela Emancipação de Panambi. A Notícia Ilustrada, Panambi, 15, dez.1978.
599
Outra medida no sentido de constituir alguns cidadãos como heróis foi a construção de monumentos em sua
homenagem, Walter Faulhaber, por exemplo, um dos líderes da campanha emancipacionista e primeiro prefeito
da cidade, “ganhou” um busto na Praça Central que foi inaugurado em 15 de dezembro de 1979.
215
vida de imigrantes e descendentes de alemães era contada como exemplar, ressaltando sempre
o seu sucesso econômico, concedendo-lhes também o status de heróis: “Enquanto houver
memória e documentos, (...) homens como Otto Berndorfer, que com a sua profissão,
colaborou com o progresso de Panambi, não serão esquecidos”.
600
Embora, aparentemente, a história de Panambi e os seus agentes estivessem bem
definida, havia uma disputa interna em torno de seu marco inicial. A disputa pela memória
oficial girava em torno de definir, se os pioneiros foram os alemães ou os luso-brasileiros, no
caso, estancieiros e caboclos
601
– os índios sequer eram cogitados. Outro aspecto era o
primeiro nome da localidade: Salina ou Neu-Württemberg?
Nesse sentido, o Padre Pedro Luiz escreveu uma carta ao jornal, na qual defendia que
o primeiro nome de Panambi fora Salina. O Padre iniciava sua argumentação, contrapondo a
seguinte colocação publicada anteriormente pelo jornal: “Possivelmente, se deva a Chico
Saleiro a primeira denominação da área que, medida por agrimensores em 1888, teria sido por
eles denominada Salina”.
O “possivelmente” e o “teria sido”. São erros históricos. (...) Várias escrituras de
terras, da empresa Hermann Meyer provam que referidas áreas ‘estão situadas em
Salina, denominação dada pelos agrimensores à posse de terras’ (Cf. Arquivo
Histórico D. Hermann Meyer by advogado Eugênio Leitzke, diretor do colégio
Evangélico Pananambi). (...) Do apelido de Chico Saleiro, surgiu Salina por que
se secava sal, bem como era dado aos animais. (...) Havia uma Salina realmente e
explica a tradição que estava localizada na praça Walter Faulhaber. Rufina
“Saleiro”, filha do Velho Saleiro, explica quase tudo, agora dentro do mesmo tecido
histórico. (...) Os moradores mais antigos de Salina foram Chico Saleiro, dono de
serraria e engenho de farinha de mandioca (o Kepler de então), (grifo nosso) Manuel
da Encarnação, fundador do lugar homônimo, e Luiz Malheiros, hoje os que malham
são um poderio. Em seguida, chegou a colonização teutônica, e com tal potência de
entrada, súbita que até o nome de Salina aluiu e soterrou. Sintetizou bem isso, Neco
Mariano em 1945: ‘ninguém resistiu ao poderio germânico, embora tenha vindo
tudo ao natural e suave. Aquela avalancha humana trazia no bolso outro nome, mas
o natural já existia’. Salina é o nome expressivo, bonito e histórico. Não é verdade
senhores vereadores?
602
600
A vida de um imigrante é a história de uma empresa comercial panambiense. A Notícia Ilustrada, Panambi,
17, fev.1977.
601
Sobre a definição de caboclos e as suas atividades na região Noroeste do Rio Grande do Sul, cf. ZARTH,
Paulo A. Os esquecidos da história: exclusão do lavrador nacional no Rio Grande do Sul. In. ZARTH, Paulo A.
et al. Os caminhos da exclusão social. Ijuí: UNIJUÍ, 1998.
602
PADRE, Pedro Luiz. A história de Panambi. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº645, ano V, 02, fev.1976.
216
A primeira preocupação do autor é justificar através de documentos que o primeiro
nome de Panambi foi Salina. Sua narrativa enfatiza que os primeiros estabelecidos na
localidade foram os luso-brasileiros. Inclusive compara o poder que Chico Saleiro tinha na
época com o poder que a família Kepler exercia naquele momento histórico na cidade, o que
indicava a percepção de uma “inversão” de poder ocorrida na cidade: no início da colonização
pertencia aos lusos; na década de 70 aos descendentes de (i)migrantes alemães. Neste sentido,
o autor menciona que a colonização veio com tal força que até mesmo o primeiro nome do
local procurou suplantar. Outra menção a esta inversão parece implícita no questionamento
que concluiu o texto, pois deixa subtendido que os integrantes do poder legislativo, formado
majoritariamente por (i)migrantes e descendentes de alemães, não estavam “convencidos” de
que o primeiro nome do município fora Salina, o que parece ter levado o padre a, diante das
“evidências”, solicitar o seu respaldo, pois provavelmente acreditava que deveriam
representar os interesses de toda a população, não apenas de um grupo.
Em resposta ao texto do Padre Pedro Luiz, tempos depois, o jornal A Notícia Ilustrada
publicou um artigo no qual reiterava as informações trazidas pelo padre, esclarecendo que
aceitava que o primeiro nome do município fora Salina. O texto inicia situando a instalação na
colônia do “patrono” Hermann Faulhaber, em seguida descreve alguns de seus feitos em
Elsenau, denominação dada pelos primeiros imigrantes, o que ocupava a maior parte do texto.
Por fim, o articulista menciona a presença de Chico Saleiro e confirma: “Em todo o caso foi
Salina o primeiro nome do lugar conforme provara o Padre Pedro Luiz que esteve aqui
durante muito anos”.
603
O articulista indica que poderia aceitar o fato, até mesmo para evitar
polêmicas, mas sem dar-lhe destaque ou torná-lo muito significativo, já que continuava
defendendo que o desenvolvimento econômico só se iniciara devido à presença dos
(i)migrantes alemães. Neste sentido é significativo destacar que o título do artigo era “De
Elsenau a Panambi”. Ora, se pretendia concordar que o primeiro nome de Panambi fora
Salina, não deveria ser “De Salina a Panambi ?” Outro aspecto interessante é que ao lado do
artigo, o jornal publicava uma grande fotografia de Hermann Faulhaber, o que deixava claro
qual o seu “mito fundador”. O primeiro nome até era negociável, poderia ter sido Salina,
porém, o desenvolvimento do local derivava de Elsenau, a sede da colônia Neu-Württemberg.
603
De Elsenau a Panambi: um pouco de nossa história. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº784, ano VI, 14,
mai.1977.
217
Outro artigo publicado anteriormente também deixava clara a posição do jornal: “A
verdadeira história de Panambi começou em 1889 com a fundação do núcleo colonial Neu-
Württemberg pelo Dr. Meyer”.
604
A “disputa” iniciada no jornal parece ter motivado Adil Alves Malheiros a lançar, em
1979, o livro “O Vale das Borboletas Azuis”,
605
no qual defende a importância da presença
lusa na formação do município, bem como destaca que estes haviam sido os primeiros
moradores de Panambi.
Em contrapartida, no final da década de setenta, o jornal abriu espaço para as
publicações sistemáticas de Eugen Leitzke. O mesmo fora diretor do Colégio Evangélico
Panambi e, em 1972, iniciara a pesquisa e coleta de materiais que mais tarde seriam reunidos
por ele no Museu e Arquivo Histórico de Panambi, do qual foi diretor durante muitos anos. A
principal característica de seus textos é a defesa da participação dos imigrantes alemães na
construção social de Panambi. Todavia, procurava demonstrar que os indígenas haviam
ocupado a região antes mesmo dos lusos. Desta forma, Leitzke procurava demonstrar que a
posição de Malheiros era tão tendenciosa quanto afirmava ser a do grupo germânico, pois
ignorava os indígenas, preocupando-se apenas com seus antepassados portugueses.
606
Assim, a disputa envolvia de forma direta os grupos estabelecidos de origem
germânica e lusa, o que não excluía a participação dos migrantes, como era o caso do Padre
Pedro Luís. O fato, que era uma disputa simbólica, indica que a presença dos migrantes
também desencadeava querelas entre os detentores da memória local. Notadamente, há
indícios de que alguns luso-brasileiros estabelecidos começaram a contestar o poder do grupo
germânico, frente ao que estes buscavam afirmá-lo, tanto diante destes, quanto dos migrantes.
A localidade caracterizava-se pelo fato de que grande parte das pessoas se conhecia,
possuíam vínculos sólidos, tanto no campo pessoal como no profissional: compartilhavam
uma identidade comum, um sentimento de responsabilidade e dedicação à comunidade natal.
Identificavam-se objetivamente como “nascidos em Panambi” e subjetivamente como “nós”.
Essa postura fazia com que, muitas vezes, se unissem “contra” aqueles que não faziam parte
604
Panambi: 19 anos. A Notícia Ilustrada. Panambi, nº465, ano IV, 25, jul.1974.
605
MALHEIROS, op. cit., 1979.
606
Cf. PEIXOTO, op. cit.
218
de sua comunidade, principalmente quando estes contestavam seus costumes, como aconteceu
nos casos narrados no primeiro capítulo. Outra postura era avaliar, se os migrantes possuíam
alguma característica que os habilitasse a fazer parte do grupo; neste sentido era comum o
seguinte questionamento: “de que família tu és?”, o que, segundo Schmitt-Prym “é uma coisa
meio característica da gente aqui. A primeira coisa é ver se o cara é ou não daqui. É uma coisa
um pouco inserida na nossa cultura”.
607
Assim, dois fatores “facilitavam” a vida dos
migrantes em Panambi: possuir um sobrenome de origem alemã, ou saber falar o idioma
alemão. Beck recorda o episódio que marcou a chegada de sua família em Panambi:
a minha esposa fala alemão e nós chegamos naquela época... eu vim na frente de
carro e o caminhão com a mudança veio atrás e daí nós chegamos, era de noite, tinha
dado blecaute... tava a cidade as escuras e o acesso do Posto 300 até a entrada da
cidade era uma pedraria, tinham empedrado... e no morro onde fomos morar não
tinha luz e não tinha nem água... tinham desligado tudo e então a minha esposa falou
para a vizinha em alemão e já conseguimos tudo, água, luz...
608
Da mesma forma, esta “cumplicidade” entre os estabelecidos permitia que seus
membros reservassem uns para os outros a maioria dos postos-chave das organizações
políticas, religiosas e outras da comunidade, excluindo deles as pessoas que não lhes pareciam
ser seus iguais.
609
Em Panambi, um exemplo é o caso da Igreja Batista Emanuel, liderada
pelos Kepler, cujo número de membros de origem alemã era expressivo, tanto que a mesma
era conhecida como “igreja dos alemães”. Em 1969 a igreja é dividida: a sede continuaria
atendendo aos grupos alemães, ou nas palavras de Néri Linn “só gente da alta”; e a Segunda
Igreja Batista atenderia os não alemães. Tanto na Batista quanto nas demais denominações
religiosas, havia certa resistência em admitir migrantes como membros das diretorias.
No que diz respeito às entidades associativas, sociais e recreativas, os migrantes
também não ocupavam cargos representativos, salvo raríssimas exceções. Schmitt-Prym
recorda:
607
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
608
BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
609
Esta característica também foi percebida por Norbert Elias e John L. Scotson ao analisarem as relações entre
estabelecidos e outsiders numa comunidade próxima de Leicester, no fim da década de 1950 e início da de 1960.
Cf. ELIAS; SCOTSON, op. cit., p.103.
219
Eu me lembro por exemplo, nas eleições da diretoria do Grêmio Esportivo
Panambi, hoje não, mas na época era uma entidade forte e prestigiada na
comunidade, eu me lembro que nas assembléias quando era pra lançar candidato a
primeira coisa que questionavam era exatamente isso [se a pessoa havia nascido em
Panambi ]. Mas como é que vocês vão entregar a presidência do Grêmio para um
camarada que vem de fora e tal... que não tem raízes aqui... Essa história de ter
raízes sempre foi muito valorizada. Isso é verdade... É um pouco de cultura de nossa
gente.
610
Segundo Neri Linn “não era qualquer um que entrava lá, era bem separado”.
611
No campo político, só haviam sido eleitos prefeitos de origem alemã e até o final da
década de 70 nenhum católico assumira o cargo. Quanto aos vereadores, raramente um luso-
brasileiro conseguia se eleger.
612
610
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
611
LINN, Néri. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 15, set. 2005.
612
Walter Faulhaber, um dos principais líderes da Campanha Emancipacionista, foi o primeiro Prefeito de
Panambi. Para instalar a Prefeitura, usou recursos próprios e angariou móveis. Governou o município durante
cinco anos, gratuitamente. O segundo Prefeito foi o sr. Arno Goldhardt, eleito pela coligação partidária: PRP-
PTB. Assumiu o governo em 31 de dezembro de 1959. Conrado Doeth que era um dos braços direitos de Walter
Faulhaber continuou trabalhando em uma das secretarias da prefeitura. O terceiro Prefeito foi o sr. Rudy A.
Franke, eleito pela coligação partidária PTB-PRP. Em sua administração foi construído o prédio para a
Prefeitura. O quarto prefeito volta a ser novamente o Sr. Arno Goldhardt. O quinto Prefeito foi o Sr. Orlando
Idílio Schneider, industrialista. Foi eleito pelo partido da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). O sexto
Prefeito foi o Sr. Hermann Dietrich, comerciante. Também foi eleito pela ARENA. CÂMARA DE
VEREADORES: Durante a administração do Eng° Walter Faulhaber e Abílio Hartemink, houve dois períodos
legislativos: l
a
Câmara de Vereadores: Funcionou de 28/2/1.955 a 31/12/1.955, com os seguintes vereadores
eleitos: Rudolfo Arno Goldhardt, presidente do PRP; Belisário Gentil de Oliveira, V. P. – PTB; Antenor Pires do
Rosário, PTB; Edmundo Rahmeier, 2° V. P. – PRP; Rudi A. Franke, secretário – PTB; Germano Keller - PTB;
Florinal Duarte da Rosa – PSD; Adolfo Ebert – PSD. 2
a
Câmara de Vereadores Período de 31/12/55 a
31/12/1.959 Rudolfo Arno Goldhardt, presidente – PRP; Eugênio Guilherme Knorr, 1 ° vice pres. – PSD;
Edmundo Rahmeier, 2° V. pres. – PRP; Rudi Arnoldo Franke, Secretário – PTB; Florinal Duarte da Rosa – PSD;
Delmar Lasch – PL; Henrique Deckert – PRP; Suplentes que assumiram no período acima: Rodolfo Fritsch,
PRP; Adolfo Ebert, PSD; José Almeida Schmitz, PTB; Antenor Pires do Rosário, PTB; Alberto Afonso Dhein,
PTB; Emilio Klasener, PTB; Eugênio Trentini, FD;. Germano Keller, PRP; Emilio Bock, PRP; Arno Wendlancf,
PRP; Francisco de Lara Frick, FD. 3
a
Câmara de Vereadores de 31/12/1.959 a 31/12/1.963: Fernando G. Dose,
presidente – PRP; Heitor Severo Malheiros, 1° v. pres. – PTB; Adolfo Ebert, 2° v. pres. – FD; Zeno Dilon Basso,
secretario – FD; Edmundo Kuhn – PRP; Ervino Krambeck – PRP; Henrique Liebercknecht, o qual renunciou no
segundo período e foi substituído por Florinal D. da Rosa. Durante este quatriênio, assumiram por diversas
ocasiões, os suplentes: Harry Lautert, PRP; Henrique Deckert, PRP; Kurt Kopp, PRP; Rudolfo Fritsch, FD;
Florinal Duarte da Rosa FD; Ervino Krambeck, PRP; Remígio Assis Faccioni, PRP; Rudolfo Rehn, PTB e
Eugenio Guerces Dill, FD. 4
a
Câmara de Vereadores Legislatura de 31/12/63 a 31/12/1.969 Harry Trennepohl,
presidente – ADP; Bruno Laux, 1° v. presidente – ADP; Walter Walhbrink, 2° v. presidente – ADP; Odilo
Zimmermann, secretario – ADP; Adão Guilherme Fetter – PTB; Remígio Assis Faccioni – ADP; Heitor Severo
Malheiros – PTB. Suplentes que assumiram no período - 1.963 a 1.969: Haraldo G. Grosse, PTB; Ervino Kruger,
ADP; Sebastião Dallabrida, ADP; Eugenio Franke, ADP e Maximiliano Vincensi, ADP. 5
a
Câmara de
Vereadores de 31/1/1.969 a 31/1/1.973 Hermann Dietrich, presidente – ARENA; Odilo Zimmermann, 1° v.
presidente – ARENA; Remígio Assis Faccioni, 2° v. pres. – ARENA; Armindo J. Stalhoefer, secretário –
ARENA; Otto Willy Knorr – MDB; Willy Germano Pautz – MDB; Albino Hinnah – MDB. Suplentes que
220
Essa monopolização dos principais cargos das associações e outras organizações locais
por membros do grupo étnico alemão, ou de forma mais específica por famílias, como os
Kepler, ou entidades, como a ACI, as quais eram interligadas por idéias afins, era uma das
fontes mais vigorosas de poder.
613
Percebe-se também a tentativa de construir um modelo de “cidadão”, o qual
espelhava-se na figura dos (i)migrantes alemães, suas “conquistas” e seus valores. Uma
síntese destas qualidades foi expressa em uma propaganda da Colheitadeira “CLAAS” que
anunciava: “Vendem-se alemãs fortes e bonitas para agricultores: Não apenas bonitas e fortes
como também espetaculares em eficiência e desempenho, planejadas e construídas com a
tecnologia alemã”.
614
O argumento é extremamente significativo: a eficiência e o desempenho
da máquina são oriundos da tecnologia alemã, ou seja, a máquina é eficiente porque tem
tecnologia alemã, assim como os alemães são eficientes de forma geral.
Na mesma linha, o Jornal A Notícia Ilustrada de 1975, ao referir-se à trajetória da
firma Kepler Weber, destacava:
Da modesta ferraria de 1925 ao pujante parque industrial dos dias que correm, a
história de Kepler Weber S.A reflete, em cada capítulo, em cada frente de trabalho, a
coragem de aceitar desafios, a vontade de produzir, o senso inato da
responsabilidade e o espírito de liderança dos irmãos Otto e Adolfo Kepler. Dos
capítulos que já foram escritos pelos pioneiros e dos novos capítulos que as gerações
de hoje estão acrescentando a essa dignificante epopéia, fica a certeza do quanto
assumiram 69 a 73: Edgar Bublitz, MDB; Eloi Dieter Wendland, MDB; Alcido Scholten, MDB; Werner Blauth,
ARENA e Manoel Severo Malheiros, Arena. 6
a
Câmara de Vereadores Período de 31/1/1.973 a 31/1/1.977 Érico
Aquino Weber, presidente – MDB; Eugênio Erico Korndoerfer, 1° v. pres. – MDB; Armindo João Stahloefer, 2°
v. pres. – ARENA; Alfredo Streicher, secretário – MDB; Valdenor Severo Malheiros – MDB; Célio Schwingel –
MDB; Alfredo Kepler – ARENA; Werner Blauth – ARENA; Conrado Nunes dos Santos – ARENA. Suplentes
que assumiram no quatriênio de 73 a 77 Edgar Bublitz, MDB; Elio Martins, MDB; Eugênio Armindo Janke,
MDB e Evaldo Mohr, ARENA; A 7
a
Câmara de Vereadores do Legislativo foi de 31/1/1.977 até o fim do
mandato deste período legislativo, está assim composta: Wilson Vincensi, presidente – ARENA; Eugênio
Gressler, 1° vice – ARENA; Conrado Nunes dos Santos, 2° v. pres. – ARENA; Armindo João Stahloefer,
secretário – ARENA; Hilberto Pinz – ARENA; Celio Schwingel – MDB; Delmar Hinnah – MDB; Valdenor
Severe Malheiros – MDB; Marie Schmitt – MDB; Lideranças: MDB — Célio Schwingel, líder da oposição;
MDB — Delmar Hinnah, líder da bancada; Hilberto Pinz, líder da ARENA. MALHEIROS, Adil Alves. O vale
das borboletas azuis, p. 70 a 75.
613
Elias chegou à mesma conclusão em sua análise a respeito das disputas de poder entre sociedades
estabelecidos e recém chegados. Cf. ELIAS; SCOTSON, op. cit., p.103.
614
Colha lucros. O Panambiense, Panambi, nº1381, ano XII, 19,mai. 1971.
221
podem realizar aqueles que também fazem do trabalho uma oração.
615
(grifo
nosso).
O texto é uma nota da empresa que, em 1975, comemorava 50 anos e ampliava suas
instalações com a inauguração da Fábrica II. Note-se que o autor atribui o desenvolvimento
econômico à grande dedicação ao trabalho e indica que “todos” os que agissem da mesma
forma poderiam alcançar o mesmo desenvolvimento. O “velho” discurso capitalista, de que
“todos têm as mesmas condições”, fundia-se numa versão particular, na qual a dedicação ao
trabalho era colocada como algo inato ao grupo étnico alemão.
A descrição da figura de Otto Kepler apresenta outros indicativos das características
que o “bom cidadão” deveria possuir:
Otto Kepler nasceu em 20 de fevereiro de 1901. Com a idade de 6 anos transferiu,
com seus pais, residência para a sede da colônia, onde freqüentou durante oito anos
a escola. Já naquele tempo trabalhava nas tardes na ferraria do pai e ficou orgulhoso,
que já podia executar algum trabalho útil. Durante os anos na escola e também nos
seguintes o falecido diretor da colônia, Hermann Faulhaber, exerceu sobre ele uma
influência benéfica com relação a vida espiritual foi fortemente influenciado pela
personalidade cristã do irmão Hermann Geier. Posteriormente chegaram aqui os
irmãos Landenberger que se encarregaram com muito amor da juventude, o que não
ficou sem influência no seu desenvolvimento espiritual. Com a idade de quatorze
anos já fez parte do coro da comunidade e acompanhou os cantos com o violino.
Com 16 anos Otto Kepler começou a ajudar na casa comercial, que os pais tinham
fundado. Aplicado, e sempre pronto a ajudar, encarregou-se do trabalho pesado no
armazém e do carroceiro. Este último trabalho era especialmente pesado, pois muitas
vezes aconteceu, no caminho a 14 km até o moinho, ser forçado a carregar os
pesados sacos morro acima, quando a carroça ficou muito pesada. Somente quem
sabia deste trabalho pesado podia notar os vestígios do mesmo no seu porte. Com 18
anos Otto Kepler foi a Porto Alegre, para prestar o serviço militar no Tiro de Guerra.
Durante o dia aprendeu na firma Uhr & Cia o oficio de serralheiro, ficando após a
conclusão do serviço militar. Em Porto Alegre, Otto dedicou-se ao serviço da
comunidade e com vinte anos já ocupou o cargo de secretário. Sua estadia na
comunidade de Porto Alegre foi para sua vida futura uma verdadeira benção. A
freqüência de um curso técnico em Kiel, na Alemanha, tinha de ser interrompido
devido a uma séria enfermidade. Modesto e simples foi o caráter e o procedimento
de Otto. Detestava arrogância e orgulho e sempre procurava dar a honra
exclusivamente a Deus. Otto não foi somente um irmão, mas um sublime exemplo,
tanto nas lides do dia a dia, quanto no empenho de seguir Jesus.
616
Kepler é referenciado pela dedicação ao trabalho, lealdade a Deus, pontualidade e
humildade. Além disso, o articulista faz questão de enfatizar que era descendente de
imigrantes alemães e que havia sido influenciado pelos ensinamentos de Hermann Faulhaber,
615
A Notícia Ilustrada, Panambi, mai.1975.
616
A Notícia Ilustrada, Panambi, ago.1978.
222
deixando transparecer que as qualidades do homenageado estavam intimamente relacionadas
com sua formação baseada nos valores do grupo étnico alemão. Na mesma linha, um artigo de
1980 homenageava Adolfo Kepler:
Homem com poderes materiais inúmeros, preferia se servir dos poderes espirituais
que o seu respeito pelo semelhante lhe atribuíam. Conhecia os problemas pessoais
de todos os que com ele conviviam e procurava adequar a sua necessidade de impor
disciplina, as contingências do momento que o seu semelhante enfrentava. Jamais vi
Adolfo Kepler ser áspero com alguém que estivesse em dificuldades. (...) Tinha
gigantismo de ser humilde, e jamais permitiu a si, ou que em seu nome se praticasse
injustiças. E quando isto ocorria, a revel de sua vontade de acertar, sabia
compreender, pedir desculpas, ser humilde, enfim, ser gente acima de empresário.
Devemos saber agradecer, me disse um dia Adolfo Kepler.(...) Um dos seus filhos
comentava que ele não descansara na vida, não usufruiu sua riqueza material, não
viajou a passeio e só tirava férias quando seu médico exigia. (...) (grifo nosso).
Desenvolvimento empresarial representava para ele desenvolvimento humano. Deu
vasão a este enfoque nas raras oportunidades em que se pronunciou, na sua posição
de líder, na Associação comercial, no Rotary clube, nos Conselhos de entidades e
em todas as suas participações. (...) Ele nos transmite através (...) que nada valem os
bens materiais se não acompanhados de bons sentimentos, de respeito mútuo, de
preocupação e ação pela nossa comunidade.
617
O articulista destaca a obediência a Deus, a humildade, o fato de ser um cidadão
ordeiro, disciplinado, avesso a injustiças, preocupado com o bem estar do próximo e que
“jamais tirava férias”, ou seja, que trabalhava incansavelmente. Embora ambos os textos
sejam homenagens póstumas e, portanto, carregadas de ufanismo, expressam de maneira
significativa um discurso corrente que procurava constituir algumas características que
pudessem servir de referência para a “população como um todo”, mas principalmente para os
migrantes, cuja necessidade de se enquadrar na disciplina do trabalho local era latente. Neste
sentido, Schneider refere:
Essa gente viu que no Brasil chegou uma nova fase de industrialização e eles
queriam se juntar a isso, e vieram se radicar aqui. Foi bom que eles vieram porque
fortaleceram o nosso parque industrial, mas a formação deles é completamente
diversa da nossa. Nós tivemos que reforçar o nosso sistema escolar. Tudo isso teve
que acontecer pra essa gente se preparar.
618
Uma das estratégias utilizadas pela empresa Kepler Weber S.A. na contração de seus
empregados, era privilegiar os iguais, isto é, além da origem étnica alemã, levava-se em conta
617
A Notícia Ilustrada, Panambi, 18, out.1980.
618
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002.
223
a sua denominação religiosa: preferiam-se os membros da Igreja Batista Emanuel. Schmitt-
Prym recorda: “naquele tempo tinha gente que se filiava na Igreja Batista, se batizava pra
conseguir emprego na Kepler Weber. É irmão da igreja então...”
619
João da Silva Oliveira
complementa: “Os cabeludos não podiam entrar na Kepler Weber, de preferência tinha que
ser da religião deles. Mas aí depois mudou. No meu setor já começavam a entrar. Não era
fácil” (refere-se ao fato de que não era fácil se adaptar às regras colocadas para permanecer no
emprego). A própria expansão da empresa, requerendo cada vez mais mão-de-obra
especializada contribuiu para a mudança desse caráter de empresa-família-religião.
620
No cotidiano, havia certo cuidado por parte dos empregados no sentido de demonstrar
que se enquadravam no perfil desejado pelos patrões. Beck menciona: “existia assim um
respeito com a direção (...) naquele tempo fumava... mas se tava vindo um pessoal que a gente
via que era da Kepler Weber a gente apagava o cigarro e jogava fora... não queria ser visto
fumando... coisa desse tipo assim.”
621
Quanto à relação dos migrantes com os operários germânicos nos locais de trabalho:
Eles chamavam nós de “alemão de merda”, isso era comum, e os alemão chamavam
eles de caboclo, de nego sujo também. Mas isso sempre dava uma encrenca. Mas
eles se adaptavam porque eles vinham aqui sabendo que eles iam trabalhar pra uma
empresa que era o, pelo mínimo era uma empresa mista que tinha que a maioria de
origem alemã, e davam emprego e davam o dinheiro no fim do mês. E quando isso
não dava, despachavam, aí eles se sentiam perseguidos. Quando alguém perdeu o
emprego, ou por uma razão da empresa ter que diminuir as despesas, ou porque ele
não se adaptou ao serviço que ele tem que fazer, então ele se sentia prejudicado.
622
Por outro lado, para alguns alemães/descendentes, os “novos moradores” poderiam
representar uma ameaça aos seus empregos: “eles também entendiam que se eles vinham e
também tavam sujeito a tomar o lugar de trabalho deles! Meu filho precisa trabalhar e agora
vêm eles aqui... então por isso que, muitas vezes, tem, fica assim, ríspido contra isso”.
623
619
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
620
Sobre esse aspecto, cf. ALMEIDA, op. cit.
621
BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
622
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
Sobre as relações interétnicas nos espaços de trabalho, cf. WEBER, Regina. Os operários e a colméia: trabalho
e etnicidade no sul do Brasil. Ijuí: UNIJUÍ, 2002.
623
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
224
Porém, o grau de escolaridade garantia os melhores empregos para os germânicos, além disso,
como eram “conhecidos” dos donos das fábricas, conseguiam os melhores salários: “E aí era
os padrinhos! Afilhados do chefe.”
624
Beck pondera:
Bom eu acho que não se trata de preferência, acho que se trata de disponibilidade,
tinha aquelas pessoas disponíveis para trabalhar... é claro que eles iam dar... é óbvio
que você vai dar opção pro teu irmão porque senão nem vale a pena você pertencer a
uma congregação, se você não tem preferência... Você ajuda primeiro ao teu irmão,
irmão pela religião, pela fé... não e verdade? Não é assim que funciona (irmão pelo
grupo étnico?!). Então eu acho que isso não é preconceito... (...) não se trata disso,
tem que dar preferência mesmo pro irmão que vai na mesma igreja, porque aí as
pessoas se conhecem mais... eu acho que não se trata de preferência... Você ajuda
primeiro ao teu irmão... irmão pela religião, pela fé... não é verdade? Não é assim
que funciona?! Então eu acho que isso não é preconceito... e não é nem
paternalismo... (...) Tem que dar preferência pro irmão que vai na mesma igreja
porque aí as pessoas se conhecem mais... (...) eu acho até que tá certo...
625
Assim, mesmo com o aumento da oferta da mão-de-obra, os germânicos continuavam
com os melhores empregos, pois além de contar com esta “rede que os protegia”, os que
vinham “de fora”:
simplesmente eram servente! A maioria saiu da colônia, saiu da lavoura, e veio aqui
pra trabalhar numa fábrica como servente, qualquer serviço, serviço braçal! Prá eles,
o negócio era ter um dinheiro no fim do mês e eles, como todo ser humano, eles tem
chance de aprender as coisas. Ele vai aprendendo, um mais que o outro, e assim, eu
acho que é até na função de educador, também tem uns que tem mais facilidade de
ensinar que o outro, e o outro tem mais facilidade de captar as coisas! Assim é no
trabalho também, tem gente que produz e, com facilidade, outros tem dificuldade e
produz pouco. Então eles, a grande maioria, não tinha nem o quarto, nem o quinto
ano de escolaridade, a maioria, não assinava nem o nome! Infelizmente.
626
Os migrantes “não tinham opção, vinham aqui pra trabalhar, trabalhar e entrar no
ritmo dos outros (leia-se habitantes da cidade), então quem não agüentava esse ritmo era
despachado”.
627
A assimilação por parte dos migrantes dessa cultura do trabalho, marcada por
traços germânicos, se processou a partir de mecanismos instituídos pelo poder municipal e
pela relação cotidiana: “Isso foi gradual. E à medida que vinha a pessoa tinha que se adaptar a
essa comunidade, e freqüentar a escola, ter a sua igreja, e ter a sua casa, que é uma das coisas
importantes da vida de um alemão é ter a sua propriedade, ter a sua casa, conseguir um
624
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
625
BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
626
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
627
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
225
emprego, e aí ter um comportamento de empregado condizente”.
628
Pois, “o importante na
vida é emprego. Se você tem um emprego e tem um senso de responsabilidade, e tu vê o
exemplo do outro, começa a ter um comportamento também de acordo”. Os que vêm de fora
entram no “ritmo da cidade”, que exerce sobre eles um “aculturamento econômico e
social”.
629
O “comportamento condizente” faz parte da cultura local: trabalhar, ser religioso e
ter apreço pela ordem.
Para Wahlbrink,
eles não tinham opção, isso, eles vinham aqui pra trabalhar, trabalhar e entrar no ritmo dos outros, então
quem não agüentava esse ritmo, ou ele era despachado e aí ele procurava então, aí termina aonde, na função
pública, ele fica, como, qualquer serviço público, então ele era varredor de rua, ou era alguma coisa assim!
Aquilo aonde tu não precisa ter nem uma especialização!
630
(grifo nosso).
E exemplifica: “Construtora [Rehn], os chefes eram eles [integrantes do grupo étnico
alemão]! E o resto tinha que ser resto! Aqueles resto que são mais fácil dominar, que eles
precisam do emprego!
631
De forma geral, essas relações parecem sintetizadas na análise de
Schneider:
Eu acho que havia uma grande diferença, grande diferença entre as pessoas que
vieram em 50, 60, 70 pra cá, da imigração interna formada regionalmente na
microrregião nossa, daqueles que vieram, os colonos que vieram na migração interna
que se falou. Isso eram os filhos e netos de alemães que tinham escolaridade segura.
Era diferente. Era a diferença. Culturalmente eram diferentes. Eles aqui puderam vir
aqui trabalhavam na colônia, eles tinham capital, os pais lhes davam capital, eles
podiam trabalhar nas indústrias, eles tinham escolaridade. Aqueles de lá primeiro
tinham que, não tinham casa, não tinham emprego, tinham uma grande família,
tinham que pedir escolas, eles tiveram que assimilar isso aí tudo primeiro. Vê a
aparelhagem social, comunitária que teve que assumir essa gente toda.
632
E conclui: “Bom, os alemães eram pessoas estabelecidas. (grifo nosso) As pessoas
que vinham de fora eram completamente, não quero usar o termo marginal, quero ver se eu
628
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002.
629
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002.
630
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
631
WAHLBRINK, Walter. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 14, fev. 2002.
632
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002
226
consigo outra palavra, eram pessoas ainda carentes de uma formação, desde formação
cultural, formação escolar, formação econômica, formação social”.
633
Dessa forma, ao mesmo
tempo em que os estabelecidos procuravam formas de distinção, buscavam também maneiras
de enquadrar os migrantes no seu modo de viver.
O estranhamento ocorria nas duas extremidades: os “de fora” também estranhavam o
modo de vida dos estabelecidos, como salienta Sidnei Chaves de Almeida: “Panambi dez
horas da noite não tinha ninguém andando na rua. Tava todo mundo dormindo! Cinco horas
da manhã começava a agitação para ir ao trabalho”.
634
Acresce outro diferencial:
Uma diferença era a língua, por que nós falávamos em português e aqui as pessoas
mais antigas, a maioria, falava só em alemão. Então havia bastante desconfiança.
Você chegava em um bar, clube, em uma padaria e eles perguntavam uma coisa e
tinha duas pessoas paradas do lado falando em alemão e eles olhavam para ti e a
gente sabia que havia uma discriminação de raça por que o alemão sempre queria ser
o superior. Tu ter uma cor mais morena, tu era negro. E eu sendo branco, até hoje na
prefeitura o meu apelido é “Negão”. Mas, é claro que depois eu me acostumei,
porque é o jeito deles, que não havia maldade. Mas no começo, pra mim, diferenciou
bastante, porque onde moram só brasileiros, morenão, existe mais afetuosidade,
existe mais amizade, afeição. Tu vê pelas famílias, se um irmão deixava de ver o
outro irmão dois ou três anos... ficava no Mato Grosso... (entre os alemães) quando o
cara retornava para casa, eles só apertavam a mão e diziam: ‘tudo bem, como foi lá?’
Não existia aquele abraço, aquela loucura que a gente tem... se eu não vejo meu
irmão uma semana, eu abraço ... e nesta parte eles são mais frios... e isso eu senti.
Por outro lado eu senti que a honestidade era maior aqui. Aqui a coisa funcionava
melhor. Menos bandidagem, menos assaltos, menos vandalismos que existia nas
grandes cidades onde se quebravam os bancos das praças e sinais... isso aqui não
existia...era mais fácil as coisas...então isso eu me adaptei bem... e pelo que dava pra
perceber, quase toda a cidade tinha carro. Nem que fosse um fusquinha... mas tinha
na garagem. No fim de semana não se trabalhava, nem no sábado, nem no
domingo... Mas ai se descobria quem era alemão e quem não era. O alemão sábado e
domingo fica fazendo horta, fazendo seu jardim, fica ajeitando a casa... e eu não.
Fim de semana é folga é festa! E ai isso que eu via diferença, e bastante!
635
Nota-se que ao mesmo tempo em que percebia a existência de diferenças, procurava
compreendê-las a fim de se adaptar ao lugar. Um exemplo é o fato de afirmar que
“acostumou” ao contexto, que “era o jeito deles”. A adaptação requeria esta compreensão,
além da assimilação de certos costumes. Nesse sentido, Almeida menciona que com o passar
do tempo, sua família adquiriu alguns dos costumes locais, como por exemplo, fazer horta:
633
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 13, fev.
2002.
634
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
635
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
227
“Nós acabamos pegando o hábito! Tu trabalhava a semana toda, no fim de semana, tu lida no
pátio”.
636
Ainda havia outros aspectos que chamavam a atenção dos migrantes, como menciona
Almeida:
os tipos de baile, os bailes de kerb, que eram dois três dias, a maneira por exemplo
dos bailes que eu ia em Passo Fundo eram bailes normais, aqui não! Chegava meia-
noite no baile vão comer cuca, lingüiça na cozinha e depois o público ia dançar de
novo! E também essa mania de comer doce com salgado! Isso eu nunca vi na minha
vida! Pela culinária das padarias, Keskucke os gostos são bastante misturados e as
vestes também. As mulheres os homens, a maneira de se vestir, prá nós que não
entendia do assunto eram uns baita duns grossos! Aquela maneira riscadinha sempre
comprava na cooperativa não era listradão era bem listradinho! O alemão é grandão,
então tem o pé grande, tu vê pelo sapato que é uma enormidade! (...) O alemão era
desengonçado tu via quem era de fora, do interior, de fora de Panambi, era só tu dar
uma volta na cidade e já via que tinha gente de fora, pela maneira de se vestir, falar e
andar, a maneira de se comportar, já sabia se era de fora! E preto... se um preto
aparecesse na cidade, aparecia na Arco-Íris em dez minutos a vila Kuhn [refere-se a
pontos extremos da cidade] já sabia que o preto tava na cidade, não tinha preto,
aparecia ladrão era negão, tem que ser...
637
Quanto à relação dos estabelecidos com os migrantes, refere:
Normalmente era pacífica, era boa... tinha uns bolinhos, tipo nazistas...Que eu
peguei colega meu, que trabalhou comigo, que esses cara na hora que param pra
comer merenda, ficava conversando com eles exaltavam até a última Hitler, que se
ele comandasse o mundo não existiria essa fome, violência, os cara ainda eram
seguidores, então isso era mais triste, esses já eram mais! (...) eles tinham mania de
dizer sai nego, nego é vadio, vagabundo, tudo que é nego é ladrão... virou uma
brincadeira... e em torno da brincadeira estavam num churrasco, davam de
espezinhar em cima ... daí eu sempre largava também, tipo, o que você tá fazendo
na minha terra, volta para a tua se é tão bom lá e daí eles também tinham um
saudosismo grande da Alemanha e esses que tavam, que nunca conheceram a
Alemanha, que os avós vieram para cá, todos eles diziam que iam um dia voltar para
a Alemanha...(...) mas encontrava diversos amigos, eu tinha vários, muitos, quase
como na minha terra. Tinha o cara que me emprestava o carro pra mim sair, eles
pegavam confiança em você! Só o que matava era ir na casa desse amigo! Aí era
ruim! Chegava no portão, já tinha que começar bater o sapato! E vinha batendo!
Quando chegava na porta da casa, tinha que tirar o calçado, deixar pro lado. Tinha
um chinelo de couro do lado de dentro que você colocava. Então entrava pra dentro.
Isso era ruim! Eu nunca havia feito esse tipo de coisa antes... Foi aqui em Panambi
que aprendi esse tipo de coisa... e no interior tinha bastante dificuldade porque a
maioria, isso a partir de 1960, 1970... 80% das pessoas mais antigas do interior, e até
mesmo a gurizada, falavam só alemão. E não tinha como se comunicar com estes...
eu lembro que tinha um irmão mais velho que já morava a mais tempo aqui e daí um
casal de velhos, só falava alemão e os tios também, pouquíssima coisa em
636
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
637
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
228
português, só em alemão e os filhos, as crianças também e as escolas do interior
também davam aulas em alemão, acho que também, então tinham dificuldade com
quem trabalhava com entregas, inclusive, quando iam entregar calcário, maquinário,
coisas assim... não dava, tinham que levar um intérprete junto...
638
Os migrantes pareciam dispostos a buscar pontos de equilíbrio, pois como mencionou um dos
entrevistados, “precisavam do emprego”. Assim, exceto em momentos de muita tensão, como no caso
do “filme e do sino”, analisados no primeiro capítulo, ou em situações em ambiente privado, como a
mencionada por Almeida, quando o mesmo sugeriu que os alemães voltassem para a Alemanha, o
convívio entre os grupos era tido como “pacífico”. Um fato a ser considerado é que tanto nos casos de
contestação mencionados no primeiro capítulo, quanto no caso do Padre Pedro Luiz, narrado no
terceiro capítulo, quem contestou os valores da sociedade estabelecida não foram os operários das
fábricas, mas sim, indivíduos que não tinham “muito a perder”: o dono do cinema, o promotor e a
autoridade religiosa. Sujeitos que não dependiam diretamente dos “favores” do grupo dirigente local,
mas que também estavam sujeitos ao seu poder, principalmente o representante do poder judiciário
que após o encerramento do caso foi transferido de Panambi.
Quanto aos operários, manifestavam sua contrariedade quanto à supremacia do grupo étnico
alemão em situações informais, como no caso mencionado por Almeida, ou no referido no primeiro
capitulo quando, de maneira anônima, um entrevistado do jornal Zero Hora declarou que os “alemães
precisavam entender que não mandavam mais em Panambi”. Percebe-se que, nestas situações, seu
principal argumento consistia em enfatizar que eram “brasileiros” e que o Brasil era melhor que a
Alemanha.
A mencionada harmonia parecia ancorar-se num processo no qual os migrantes eram
incorporados como “membros” da sociedade receptora na medida em que assimilavam os costumes
locais ou contraíam matrimônio com alguém nascido em Panambi; do contrário, mesmo que se
tornassem bem sucedidos economicamente, os estabelecidos, vez por outra, “faziam questão” de
destacar que estavam em dívida com a sociedade panambiense, pois sua condição financeira favorável
era tida como conseqüência do contexto local. Schmitt-Prym explica: “é muito comum ouvir ‘mas esse
cara veio de fora, veio morto de fome’, (...) ‘esse cara aqui veio com uma mão na frente e outra atrás’,
agora tem mansão...”.
639
Notadamente as relações eram permeadas por “um certo receio”: “Existia
638
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
639
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
229
esse bairrismo! Ah, vem de fora quer mandar! Não quem manda somos nós! Parecia que era uma
comunidade bem fechada”...
640
Se de maneira geral a negociação era a relação preponderante, o cotidiano também
demonstrava que a fronteira incluía de forma clara elementos de discriminação em relação aos pobres
e aos migrantes, ou principalmente aos “migrantes pobres”. Um exemplo é a criação da “Vila
Esperança”, espaço que se constituiu como o modelo mais acabado do “outro”, da antítese da cidade
ideal imaginada.
3.2.3 Vila Esperança: a “cidade do outro”.
641
A Vila Esperança foi o espaço mais característico da estigmatização na década de 70.
Sua formação iniciou em 1972, quando a administração municipal realizou a compra de uma
área de terras do Sr. Alberto Hendel, com objetivo de formar um loteamento popular, o qual
destinava-se principalmente a pessoas vindas de outros municípios e aos moradores da já
mencionada Vila Coréia, popularmente conhecida como Picumã.
642
A referida área se situava em um local retirado da zona central da cidade e grande
parte de sua extensão era tomada por um banhado coberto de matagal, o que a tornava não
muito recomendável para a habitação e diminuía seu valor no mercado imobiliário.
643
Esses
fatores parecem ter sido fundamentais para a escolha do terreno:
644
“foi naquele local por
causa do banhado. Aí alguém disse ‘isso está bom demais’ (...) não vou dizer o nome da
pessoa, uma pessoa preeminente de Panambi”.
645
Schmitt-Prym acrescenta, “essas pessoas,
640
BECK, René. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 08, ago. 2005.
641
O título é uma referência a PESAVENTO, 1999a, op.cit.
642
Em Panambi as periferias abrigam os que vieram na última grande corrente migratória, o centro e seus
arredores os alemães/descendentes.
643
Cf. BRAUN, op. cit.
644
Outro fato é que a vila possibilitava o comércio daquelas terras que de outra maneira dificilmente seriam
comercializadas.
645
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
230
elas moravam muito mal. Elas moravam em porões, em galpões, uma sub-habitação que
existia aqui na cidade. Olha que a gente chamou de Esperança na época porque eles tinham ali
a esperança de uma nova vida, uma nova existência.”
646
A colocação pode ser interpretada de duas formas: o local era “bom demais”, se
comparado com a antiga habitação daquelas pessoas, ou as pessoas que iriam habitar a vila
eram consideradas de “segundo escalão” e, portanto, deviam dar-se por satisfeitas com o que
lhes era oferecido.
A Prefeitura facilitou a construção de casas naquela área, não cobrando pelo terreno e
procurando atuar junto aos setores responsáveis para obter os créditos necessários que
facilitassem o pagamento das residências.
647
Além disso, o projeto contava com o apoio de
lideranças locais, do setor de assistência social e de voluntários da classe média alta que
formavam grupos de auxílio a carentes.
648
Segundo Schmitt-Prym,
Tudo estava concentrado, vamos dizer assim, pra vila Esperança, o bairro pobre,
mais carente. Uma escolinha foi feito lá. Era uma escola assim, só pro bairro porque
era muito pobre, porque o pessoal não tinha como se matricular em escolas privadas,
a administração se preocupou em colocar uma escola. Inclusive no loteamento
popular que foi feito lá foi reservados as áreas pra escola, creche, pro centro social,
Associação de moradores. Isso no início da colonização do loteamento já estava
previsto.
649
A atuação destes grupos abrangia diversas atividades: organizavam campanhas junto a
comunidades para angariar donativos, promoviam palestras na vila a respeito de saúde,
educação, higiene, afazeres domésticos, organização de hortas e jardins, etc. Ou seja,
assumiam um papel pedagógico, pois se dispunham a “ensinar” aos moradores conhecimentos
que consideravam importantes. Também promoviam mini-cursos profissionalizantes que
646
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
647
Um dos principais condicionadores do aumento de moradores na Vila foi a instalação Fábrica II da Kepler
Weber (1975) nas proximidades.
648
De acordo com Schmitt-Prym, a SPANE [entidade de auxílio aos carentes] surgiu com o propósito de dar
assistência às famílias aqui da Coréia”. SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e
Rosane Marcia Neumann. 25, ago. 2005.
649
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
231
tinham como objetivo oferecer uma alternativa de renda aos moradores. Em 1973, A Notícia
Ilustrada trazia um artigo cujo título era “Um auxílio que está sendo compreendido”:
Os menos favorecidos pela sorte, as pessoas idosas desamparadas, encontraram um
lugar para continuar a viver com tranqüilidade[refere-se a vila Esperança]. (...)
Ontem à tarde nossa reportagem esteve visitando aquela vila em companhia do
encarregado do Departamento de Assistência Social, Sr. Heitor Malheiros,
oportunidade em que pode constatar o que se fez até o momento e o que se fará num
futuro breve. (...) a grande maioria delas [famílias] gozando de um conforto que
nunca tiveram, tendo oportunidade de melhorar suas vidas, mudar a vida de seus
filhos. Heitor Malheiros quase que diariamente visita todas as casa que a Prefeitura
construiu e se algum problema existe, seja de saúde ou de acomodações, providencia
para que tudo seja resolvido. De quando em vez se promove naquele núcleo,
palestras sobre higiene, educação, etc. É pensamento do Departamento de
Assistência Social construir, com a ajuda da indústria e comércio um salão para que
os moradores tenham um local onde possam se reunir e ouvir os ensinamentos que
até lá serão levados. Heitor Malheiros mostrou o quanto o Poder Executivo está
dando o seu apoio, àquela gente, não se descuidando um momento da assistência
social. Semanalmente o próprio prefeito Orlando Schneider visita a Vila Popular
para ver “in loco” o que está se fazendo. Como em todo bairro, existem as
“residências modelos”. Uma delas é a do Percival (mais conhecido pela alcunha de
Barroso). Ele trabalha o dia todo, plantando, limpando o terreiro, cuidando das
árvores frutíferas que ele mesmo plantou no terreno que lhe foi destinado. Outra
residência que serve de modelo é a de Alberto Salsen. Ele é uma espécie de líder da
vila e tem muita coisa para ensinar aos moradores, principalmente sobre
hortifruticultura. Sua grande horta é uma jóia. Muitas dessas casas foram construídas
com o auxílio da indústria, do comércio e até mesmo de particulares. Uma das casa
foi doada pelo sr. Hermann Wegermann, outra pelo sr. M.S.P. e muitas das telhas
que cobrem aquelas casa foram ofertada pela Olaria Baal. Fica aqui o pedido do
Departamento de Assistência Social da Prefeitura Municipal, os agradecimentos a
todos que colaboraram.
650
O artigo procura demonstrar que a formação da Vila foi um grande benefício oferecido
com intenções humanitárias às pessoas mais carentes e que essas, ao compreenderem o
“favor” que lhes fora prestado, esforçavam-se para retribuir a “generosidade”, cuidando de
sua residência e adquirindo hábitos louvados pelos estabelecidos, como o cultivo de hortas.
651
De forma geral, dava a entender que tudo corria bem no cotidiano da Vila.
650
Um auxílio que está sendo compreendido. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº319, ano III, 06, ago. 1973, p.5.
651
Outro artigo mencionava também que algumas casas estavam sendo pintadas e que muitos moradores faziam
questão de cultivar um jardim. A Notícia Ilustrada, Panambi, nº366, ano III, 28, nov.1973 .
232
Propaganda 5 - Moradores da Vila Esperança recebendo doações de alimentos
Fonte: A Notícia Ilustrada, 19, set.1973.
Todavia, percebe-se que a direção do Jornal era discreta ao referir-se às
condições inadequadas em que viviam muitos moradores, preferindo omitir alguns
fatos, embora nem sempre isso fosse possível, já que, por exemplo, na foto que
ilustrava o artigo “Moradores da Vila Esperança recebendo doações de alimentos”, ao
registrar o momento em que o grupo de assistência entregava as doações, registrou-se
também a precariedade da residência, a qual certamente não se enquadrava no modelo
almejado para a Vila. Os artigos deixam a impressão de que os articulistas procuravam
não mencionar os problemas do local porque compartilhavam um sentimento descrito
pelos entrevistados: o de que a Vila “representava uma vergonha para Panambi”, não
apenas pelo descaso dos moradores quanto às condições de vida, mas também pelo
alto índice de violência ali registrado. Não se pode esquecer também que o jornal era
mantido por anunciantes e, evidentemente, estava comprometido em resguardar os
interesses destes. Almeida recorda:
fizeram o bairro Esperança e colocaram aquelas pessoas menos favorecidas de
Panambi a morar nas casa, ganharam as casas... a prefeitura doou, só que foi
233
bastante problemática nos primeiros cinco, dez anos... porque muita gente se matou
ali, era o bairro mais brabo que tinha, era a Esperança. Só entrava quem queria e
saia quem podia... (grifo nosso) Os mais brabos acabaram morrendo, ou indo
embora ou presos! E as pessoas de bem e os loucos acabaram vendendo os
imóveis.
652
Ora, se de fato essas características causavam constrangimento à comunidade, e é
notório que causavam, é compreensível que a direção do periódico optasse por não mencioná-
los. Provavelmente, considerava inadequado que pessoas de outros lugares ficassem a par da
situação, pois julgavam que o fato pudesse comprometer a “boa imagem” que a cidade
divulgava de si. Assim, salvo raríssimas exceções,
653
não se encontra notas que divulguem a
violência apregoada pelo entrevistado. Oliveira pondera: “Antigamente a Coréia que era
violenta, daí mudaram para lá, criaram a Esperança e aí a fama ficou lá...”
654
Ao longo das décadas de 70 e 80, o preconceito parece ter se consolidado, tanto é que
o próprio termo “vila” se tornou pejorativo, sinônimo dos lugares supostamente habitados
pela “ralé” e a “Esperança”, símbolo maior dessa denominação. Seus moradores conviviam
com o estigma e muitas vezes optavam por omitir o endereço, principalmente quando iam
procurar emprego. A respeito da temática, Santos analisa:
esses lugares se constituem em fronteiras, em barreiras e empecilhos para as relações
estabelecidas na cidade. Fronteiras que não são físicas, que não dizem respeito a
construções ou edificações que impossibilitem os contatos entre as pessoas, mas que
são dadas de acordo com a distância de onde se vive - em relação ao centro da
cidade-, com o tipo de moradia que se tem, com a renda e, portanto, com quem
habita esses lugares, ou seja, os trabalhadores pobres; como se essas fossem
premissas de julgamento de quem é “do bem” e “do mal”, como se os lugares
dissessem quem somos e o que pretendemos.
655
Outro fato é que no início da década de noventa, um Projeto de Lei, encaminhado pelo
vereador Alfredo Streicher, sugeriu que as ruas da Vila fossem batizadas com nomes de países
onde a língua oficial fosse a portuguesa, muitos destes localizados no continente africano:
652
ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 26, set. 2005.
653
Ocorrências policiais: “Foi comunicada a DP que na vila Esperança estava um bêbado
perturbando os moradores. Trata-se de Pompilio Severo Nunes que foi recolhido pelos policiais, que
para acalmar os ânimos do cidadão fizeram-no pousar na ‘lage’ na noite de domingo para segunda”.
A Notícia Ilustrada, Panambi, nº623, ano V, 15, set. 1975, p.7.
654
OLIVEIRA, João da Silva. Entrevista concedida a Eliane de Mello. 15, set. 2005.
655
SANTOS, Edna Maria Chimango dos. Sonhos e viveres na cidade. In: Anais XXIII Simpósio Nacional de
História – História: Guerra e paz. Associação Nacional de Historia – ANPUH, Londrina/PR, 2005. CD-Rom.
234
Angola, Moçambique, São Tomé, Macau, Timor, Ilha da Madeira, Açores, Cabo Verde,
Guiné Bissau, Luanda e Travessa Lusíadas. A iniciativa indica a clara intenção de demonstrar
que havia diferenças entre a Vila e o restante da cidade, visto que as demais ruas recebiam
nomes de pessoas preeminentes ou de países europeus. Para Bourdieu, “o espaço social se
organiza segundo a lógica da diferença, e as palavras que o representam traduzem, de maneira
simbólica, estas distâncias, desigualdades e diferentes formas de ser”.
656
Deste modo, a forma
como as pessoas se referem aos lugares ou como se relacionam com as pessoas que os
habitam, é feito a partir de um sistema classificatório que se apóia no simbólico e se relaciona
com a construção da diferença entre os grupos. Segundo Pesavento: “A linguagem da
estigmatização configura uma condição atribuída, que expressa uma alteridade condenada. As
correspondências se estabelecem nos registros de língua constituindo os lugares malditos que
têm como contraponto e referência uma identidade desejada”.
657
E conclui: “Assim, aqueles
que detêm o poder estabelecem os registros de linguagem que definem e atribuem sentido à
realidade, expressando o resultado de um enfrentamento de forças que tem lugar no plano das
relações de poder”.
658
No que se refere à Vila Esperança, sem dúvida, a nomeação que
gradativamente assumiu caráter discriminatório partiu do grupo que compunha a elite local, da
mesma forma que anos antes havia partido do mesmo grupo o projeto que deslocou os
habitantes pobres das vilas próximas ao centro da cidade. Consta que o único a se manifestar
contra ao projeto de Streicher foi o vereador Miguel Schmitt-Prym: “Dá parecer contrário à
matéria por entender que ruas em que moram cidadãos panambienses, por mais humildes que
sejam devem receber nomes de ilustres figuras de nossa história”.
659
O mesmo explica:
O Bairro dos marginais, (...) as lideranças da época chamavam assim, consideravam
até um insulto. Eu cheguei a perguntar ao Alfredo Streicher, meu amigo, nosso
secretario. Ele propôs isso, rua Angola... Mas escuta tche, pega uma rua dessas para
dar nome de teu pai no dia em que deram o nome a uma rua. E ele disse “Deus me
livre!”. As pessoas diziam isso.
(...) Isso é discriminação contra a pobreza, eu
critiquei muito isso na Câmara, eu era vereador na época. Eu metia o pau. Isso foi
656
BOURDIEU apud PESAVENTO, 1999a, op. cit.
657
PESAVENTO, 1999a, op. cit.
658
Ibidem.
659
Parecer do vereador Miguel Schmitt-Prym ao projeto de lei que denomina Ruas do Bairro Esperança. Livro
de Atas da Câmara de Vereadores de Panambi. 27 de agosto de 1990.
235
uma coisa do pessoal do PMDB que não queria colocar o nome de nenhuma família
daqui, de nenhum familiar numa vila que era a vergonha de Panambi.
660
Segundo Pesavento: “A topologia simbólica dos lugares estigmatizados da urbe
associa (...) a pobreza ao perigo e à contravenção, estabelecendo ainda correlação entre cor,
condição social e comportamento desviante”.
661
A atribuição de nomes com significado
depreciativo se configura como manifestação do poder por parte daqueles que se constituem
como cidadãos, sejam eles da elite propriamente dita ou dos setores médios urbanos, autores
do registro discriminador: “Não sei por que se chama Esperança, não perguntaram para
escolher o nome das ruas”.
662
Uma moradora avalia: “Muita discriminação pelo povo da
cidade. Dizem: ‘só pode ser da Esperança’ (bairro). (...) botaram nome da África. É porque
semo pobre. Esculacharam com nóis”.
663
Assim, a análise feita por Pesavento, sobre Porto Alegre, ilustra coerentemente o caso
de Panambi: “se quer burguesa, bela, moderna, higiênica, ordenada... e branca”.
Ou em outras
palavras, quer manter-se “alemã”, todavia, a presença dos migrantes representa uma ameaça a
esta pretensão. Nesse sentido, “os espaços estigmatizados da urbe podem ter ‘cor’ precisa, e o
vocabulário que designa a cidade indesejada também pode estabelecer uma associação
racial/étnica com avaliações de natureza social, econômica e moral”.
664
Por fim, destaca-se que entre os primeiros moradores a fixar residência na vila
Esperança estava Rufina Dias de Bairros – descendente de Francisco Manoel de Barros, (o
Chico Saleiro) – e seu esposo Rodolfo José de Bairros, vindos de Palmeira das Missões.
665
A
trajetória deste casal nos parece extremamente simbólica por sintetizar a “inversão” nas
relações de poder ocorrida em Panambi após o início do processo de colonização, o qual
privilegiou os colonos europeus em detrimentos dos nacionais: o antepassado dela foi um dos
principais proprietários das terras compradas pela Empresa Colonizadora, ou seja, era um dos
660
SCHMITT-PRYM, Miguel. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. 25, ago.
2005.
661
PESAVENTO, 1999a, op. cit.
662
Entrevista disponível na Secretaria da Escola Estadual de Ensino Médio Paulo Freire. Panambi-RS.
663
Entrevista disponível na Secretaria da Escola Estadual de Ensino Médio Paulo Freire. Panambi-RS.
664
PESAVENTO, 1999a, op. cit.
665
Pequena história do Bairro Esperança. Coordenação pedagógica da Escola Municipal Monteiro Lobato.
236
estabelecidos. Todavia, ela retornava a Panambi como migrante, para habitar a vila dos outros,
dos “outsiders”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações entre os (i)migrantes e as sociedades receptoras são extremamente
complexas, pois implicam numa negociação entre ambas as partes: os que chegam, e querem
ser aceitos, e os estabelecidos, que resistem à incorporação desses novos elementos. Essa
relação reservada está relacionada aos interesses de grupos distintos, muitos dos quais sem
consenso interno, e ao convívio entre pessoas de diferentes culturas e de situação econômica
desigual. Tal diversidade pode ocasionar o surgimento de diversos conflitos, acarretando
modificações significativas tanto na infra-estrutura da sociedade receptora, quanto no modo
de vida dos indivíduos envolvidos no processo, como parece ter ocorrido em Panambi, onde
os dilemas desta disputa se mostraram latentes desde o início de sua formação. Contudo, este
processo verificado em Panambi é um reflexo do que acontecia em outros locais, dadas as
respectivas especificidades e proporções.
As políticas imigratórias, calcadas nos interesses das elites dirigentes, privilegiaram o
acesso à terra aos imigrantes europeus em detrimento dos nacionais. Esta elite planejava a
construção de uma nação moderna, que seria viabilizada através do melhoramento da raça, ou
seja, da “mistura” entre o sangue europeu e brasileiro, o que produziria, de acordo com os
intelectuais da época, uma nova raça, uma espécie capaz de fortalecer as bases produtivas e
culturais do país. Suas ações propiciaram a constituição de sociedades marcadas pelo caráter
étnico, nas quais os (i)migrantes/descendentes gradativamente conquistaram poder
econômico, cultural e político. Mais tarde, essa situação seria vista com desconfiança tanto
238
pela população luso-brasileira de modo geral, quanto pelo Estado que determinaria o
abandono da cultura do país de origem como pressuposto para os (i)migrantes/descendentes
serem integrados à sociedade brasileira.
Os (i)migrantes/descendentes alemães foram um dos grupos que mais resistiram à
assimilação proposta pela sociedade receptora. O elemento central desta discordância estava
no conceito de ambos a respeito da nacionalidade: os brasileiros usavam o conceito do jus
soli, os alemães, o do jus sanguinis. Em outras palavras, seu entendimento de incorporação à
sociedade brasileira envolvia a concepção de que era perfeitamente possível conciliar a
cultura alemã com a cidadania brasileira. Assim, embora apresentassem diferenças entre si, os
(i)migrantes/descendentes alemães uniram-se em prol da construção de uma identidade
comum no Brasil. Os elementos que compunham esta identidade foram forjados,
principalmente, através das discussões de alguns intelectuais teuto-brasileiros e cidadãos
alemães que ficaram conhecidos como germanistas. Os mesmos, de forma intencional e
dirigida, defendiam que os imigrantes/descendentes deveriam manter a cultura alemã no
Brasil, pois era a fonte do que consideravam suas principais características: amor ao trabalho,
disciplina, fervor religioso, etc. Desta forma, se a cultura se perdesse, essas características
gradativamente se perderiam. Neste sentido, um de seus argumentos para manter a cultura era
o de que só poderiam ser bons cidadãos brasileiros se mantivessem a cultura alemã, a qual
lhes chegava através do uso da língua alemã e da manutenção dos laços com a pátria de
origem. Esse discurso processava-se num contexto de relações conturbadas com os nacionais
e elaborava-se claramente como uma reação à visão negativa construída a respeito dos
mesmos, ou seja, constituía-se em relação ao outro.
Neste contexto, a Alemanha era vislumbrada como o “local ideal” e o retorno, embora
praticamente impossível, habitava o imaginário de muitos (i)migrantes/descendentes.
Destarte, a criação da colônia Neu-Württemberg se configurava como uma alternativa para
aqueles que almejavam viver o mais próximo possível da Alemanha, preservando-se da
assimilação cultural. O projeto da Colonizadora de Herrmann Meyer ia nessa linha, pois, via
propaganda, vendia a imagem de que o local seria um “refúgio” para os imigrantes desejosos
de preservar a cultura, tanto pela paisagem natural, quanto pela arquitetura. Um dos
mecanismos para garantir o projeto inicial foi a contração do pastor protestante Hermann
239
Faulhaber, encarregado de estruturar a igreja e a escola, centros de reatualização de difusão
dos ideais do germanismo, tornando-o uma prática cotidiana. O ideal de “colônia alemã”, em
primeira instância, foi apresentado com fins comerciais, pois era um acessório a mais para a
venda das terras.
Assim, a construção da representação de Neu-Württemberg como uma “Segunda
Alemanha” ou a “Alemanha no Brasil”, se baseava nos interesses “românticos” e capitalistas
de seu fundador e nas lembranças dos imigrantes, na idealização que faziam da pátria de
origem, ou até mesmo, no caso dos descendentes que não haviam conhecido a Alemanha,
somente em relatos. O esforço para reproduzir um cenário que representasse a Alemanha e em
agir conforme os princípios, que atribuíam ao grupo étnico alemão, era uma forma de dar
continuidade à cultura e diferenciar-se dos nacionais. Em outras palavras, viviam em torno da
“presença de uma ausência”: a representação criava o real e norteava as relações entre os
indivíduos.
Nesse cenário, o desequilíbrio entre o poder dos luso-brasileiros e dos
(i)migrantes/descendentes alemães era latente e tomou distintos rumos ao longo do século
XX. A área que hoje compreende o município de Panambi, respeitada a presença indígena
original, inicialmente era habitada por luso-brasileiros, esses eram os estabelecidos. Com a
imigração, houve uma inversão: os lusos que possuíam terras as venderam para a
colonizadora, ou como no caso dos caboclos, tiveram que abandonar as terras que habitavam.
Então, gradativamente, os (i)migrantes/descendentes alemães adquiriram poder econômico e
articularam formas de manter sua cultura, tornando-se “estabelecidos”.
Concomitantemente, as relações entre os dois grupos eram permeadas por
negociações. Por exemplo, muitos lusos aprendiam a falar o idioma alemão e os imigrantes
aprendiam a língua portuguesa. O acesso à língua vernácula facilitava a inserção no mundo
dos brasileiros, mesmo que mantivessem vínculos com a pátria de origem. Desta forma,
viviam em contato com os “dois mundos”, em meio a um processo que Stuart Hall chamou de
“tradução”. A Campanha de Nacionalização inverteu a relação de poder entre luso-brasileiros
e imigrantes/descendentes alemães, colocando os “brasileiros” como exemplo de conduta para
os descendentes e acentuando a necessidade de abandonarem o uso do idioma alemão em seu
cotidiano, do contrário, seriam considerados não integrados à sociedade brasileira.
240
Notadamente, conforme o contexto se alterava, modificavam-se os elementos que
compunham a fronteira. Após o término da Campanha de Nacionalização, a língua alemã
passou a se restringir cada vez mais ao âmbito familiar, especialmente na zona rural. No início
da década de 70, a representação da cidade continuava ancorada em seu uso, o que não
correspondia mais à realidade. Naquele período, os elementos diferenciadores diziam respeito
à preservação de um estilo de vida relacionado com as supostas características do grupo
étnico alemão.
Um momento chave para a estabilização e consolidação do poder político e econômico
do grupo de origem alemã em Panambi foi a emancipação do Distrito, delineando claramente
o caráter germânico que se pretendia dar ao novo município. O evento estava intimamente
relacionado com a constituição de um grupo formado essencialmente pelos membros da ACI,
os quais procuravam articular o desenvolvimento econômico local, demonstrando uma
preocupação com a preservação de valores culturais. Esse grupo manteve forte influência nos
rumos escolhidos para a cidade nos anos posteriores. Por outro lado, o pós-guerra implicou
numa retração do grupo étnico alemão: a vinculação com a Alemanha havia sido contida pelas
políticas da Campanha de Nacionalização e, posteriormente, abalada com a revelação dos
crimes cometidos pelo Partido Nazista, o que fez com que muitos evitassem a identificação
com a pátria de origem. A década de 70 caracteriza-se como um momento de retomada do
“orgulho de ser alemão”. Contribuíram alguns fatores específicos, como o desenvolvimento
econômico e tecnológico da Alemanha, as comemorações do Sesquicentenário da imigração
alemã no Rio Grande do Sul (1824-1974) e a presença dos migrantes luso-brasileiros em
Panambi.
Panambi tornara-se, na década de 70, um pólo de atração para os migrantes, em
decorrência do seu acelerado crescimento econômico, favorecido pelo contexto macro, pela
atuação dos grupos dirigentes locais e pelo crescimento da Cooperativa Tritícola Panambi e
da empresa Kepler Weber S.A. Em outras palavras, foi produto do desenvolvimento da
agricultura e da indústria. Este desenvolvimento gerou um incremento da demanda por mão-
de-obra, resultando num processo migratório interno – meio rural para urbano – e de outras
cidades para esta. Todavia, se por um lado as empresas precisavam de trabalhadores para
continuar crescendo, por outro, a cidade não possuía uma infra-estrutura capaz de comportar
241
esse crescimento populacional: faltavam escolas, moradias, atendimento no setor da saúde,
sistema sanitário, distribuição de água, etc. Também houve um aumento dos problemas
sociais. Além disso, os migrantes não compartilhavam os mesmos valores culturais dos
estabelecidos.
Uma das reações da sociedade receptora foi buscar formas de integrar essas pessoas.
Houve uma preocupação em oferecer uma infra-estrutura básica. Paulatinamente, tentou-se
incutir nesses migrantes o modelo de cidadão que se imaginava para Panambi, a fim de
perpetuar aquele modo de vida, baseado nos princípios da cultura germânica. Outra reação foi
a tentativa de distinguir-se desses migrantes, o que estava expresso na tentativa de representar
Panambi como cidade “bela, higiênica e alemã”. Resultou desse posicionamento o movimento
de retirada dos pobres do centro da cidade, criando-se para eles a Vila Esperança. Essa Vila é
a síntese do lugar dos outros, dos que não pertenciam à sociedade estabelecida. Sua pobreza e
seu próprio modo de ser eram motivo de vergonha. O lugar destinado aos “outros” foi se
constituindo como totalmente diferente do que era o modelo que remetia à origem germânica
da cidade: os nomes das ruas da Vila eram todos de países africanos; por conseqüência, seus
moradores eram classificados pejorativamente como “negrada”, demarcando-se bem a
diferença.
Transparece aí um movimento de mão dupla: por um lado, aparece o serviço de
assistência social, preocupado com o bem estar dessa população menos favorecida,
proporcionando-lhe um lugar melhor para habitar. Por outro lado, evidencia-se um claro
processo de segregação social e, até certo ponto, étnica. Afasta-se do seio dos estabelecidos os
outsiders, compostos em sua maioria por migrantes de origem lusa. O que estava em jogo era
a preservação de um modo de vida e a manutenção do poder por parte dos grupos que
tradicionalmente o detiveram. Deste modo, mesmo que em alguns momentos, como se
evidenciou nos casos do filme “O Exorcista” e do “sino”, os migrantes tentassem reverter a
situação e demarcar o seu espaço de ação, logo eram recolocados em seu “lugar” e
relembrados de sua posição de outsiders.
Espaços geográficos – centro x periferia –, um vocabulário estigmatizado para
designar determinados lugares, personagens e práticas sociais as quais delimitavam a exclusão
242
e a discriminação social, integravam a construção da fronteira que designava quem pertencia e
quem não pertencia à sociedade estabelecida.
Esse processo de distinção age em duas vias: numa, desqualifica-se a cultura do
“outro”, noutra, procura-se enaltecer a cultura germânica. No último caso, há uma tentativa
em imprimir traços germânicos à cidade, como na arquitetura (casas e estabelecimentos
comerciais em estilo enxaimel, com fins turísticos, como o Hotel Elsenau), comidas típicas,
corais, intercâmbios com a Alemanha, grupos de danças típicas alemãs, monumentos em
homenagem aos idealizadores da colônia, construção de uma história oficial que destacava a
importância dos imigrantes alemães. Enfim, cria-se um cenário onde prevalece o perfil
germânico, o qual reproduz uma realidade em certos momentos artificial: muito mais o que
deseja ser do que o que é. Essa representação acaba sendo incorporada pelos indivíduos como
a realidade e assim aceita, do mesmo modo que é exibida aos de fora e aceita pelos mesmos
como o real. Em outros termos, Panambi é alemã porque se reconhece e é reconhecida como
tal pelos outros, embora essa representação não perfaça o todo.
Na concretização dessa imagem de Panambi, a imprensa desempenhou um papel
fundamental. O jornal A Notícia Ilustrada dava conta do cotidiano da cidade, enaltecendo o
seu progresso econômico, o crescimento populacional, os melhoramentos urbanos, as ações
das autoridades políticas. Abria espaços também para os problemas decorrentes da
modernização da cidade como para os advindos do constante fluxo migratório. De forma
geral, expressava o pensamento da elite dirigente. Almejava uma aproximação com a
Alemanha, noticiando o seu desenvolvimento econômico, seus avanços tecnológicos e
acontecimentos culturais. Internamente, preocupava-se com os problemas sociais, como o
aumento do índice de pobreza, analfabetismo, violência, etc. Em alguns momentos,
reportagens e artigos assumem um linguajar pejorativo, expressando a sua visão negativa
sobre os outsiders, responsabilizando-os, indiretamente, como causadores dos problemas
verificados no município. Aplaude, silenciosamente, a criação da Vila Esperança, pois
entende que essa medida era extremamente necessária. Em seu noticiário, destaca o serviço de
assistência social prestado aos menos favorecidos, sublinhando a boa vontade e preocupação
da sociedade panambiense. Mesmo em relação à Vila Esperança, as notícias procuram
camuflar os problemas reais: a violência destacada pelos entrevistados não está nas páginas do
243
jornal. Há um cuidado em não divulgar o que considerava vergonhoso: se a Vila Esperança
era problemática em todos os sentidos, isso era uma questão a ser solucionada internamente
de forma discreta, sem criar alarde, a fim de não prejudicar a imagem da cidade.
O clima de tensão existente entre os outsiders e os estabelecidos pode ser percebido
em alguns momentos excepcionais. Quando Walter Furtado divulgou a exibição do filme “O
Exorcista”, desencadeou uma disputa que envolveu diversos grupos locais e fez emergir
conflitos característicos de uma sociedade em transição. Havia transição de uma sociedade
agrária com aspectos de aldeia para uma cidade urbanizada. Contudo, se havia mudanças nas
estruturas produtivas e na infra-estrutura urbana, o imaginário coletivo e os seus valores ainda
permaneciam os mesmos, o que entrou em choque com os valores trazidos pelos novos grupos
de migrantes. Dentre os migrantes, os que contestaram o poder dos estabelecidos e o seu jeito
de viver eram os indivíduos que não dependiam economicamente do grupo dirigente local, ou
seja, aqueles que não tinham muito a perder. Mesmo nesses termos, o caso do Sino
demonstrou que não era um bom negócio desafiar os panambienses, visto que depois de
encerrado o caso, conseguiram pleitear a transferência do promotor Odoné Sanguiné.
Os operários manifestavam sua contrariedade quanto à supremacia do grupo étnico
alemão em situações informais, ou anonimamente, como o entrevistado do jornal Zero Hora,
o qual declarou: “esses alemão precisavam se convencer que não mandam mais na cidade...”.
Percebe-se que, nessas situações, seu principal argumento consistia em enfatizar que eram
“brasileiros” e que o Brasil era melhor que a Alemanha. Fica evidente que os outsiders tinham
consciência da concentração do poder nas mãos dos alemães e de origem, bem como a
contestação passiva dessa situação.
Porém, o convívio entre outsiders e estabelecidos, embora tenso, parecia ancorar-se
num processo, no qual os migrantes eram incorporados como “membros” da sociedade
receptora na medida em que assimilavam os costumes locais ou contraíam matrimônio com
alguém nascido em Panambi. Lentamente, os migrantes que se fixaram na cidade foram
adquirindo os hábitos e valores locais, transformando-se em estabelecidos. Atualmente,
preocupam-se igualmente com a questão: “de que família tu és”, tornando difícil distinguir os
migrantes da década de 70 dos então estabelecidos. A sociedade estabelecida acaba
flexibilizando e transmutando as suas fronteiras de acordo com o novo contexto.
244
Concluindo, não é difícil perceber o quanto a década de 70 foi marcada por mudanças
e tensões. A incorporação dos (i)migrantes na sociedade receptora é um processo complexo.
No caso dos (i)migrantes/descendentes alemães resultou na produção de uma sociedade
marcada pelo caráter étnico, que pairava entre a incorporação e a diferenciação. O
desenvolvimento econômico resultou num intenso afluxo de migrantes, os quais foram
protagonistas das principais transformações ocorridas na cidade, como o aumento da
desigualdade social, as modificações na infra-estrutura e o início da desintegração dos velhos
sistemas de valores e costumes, os quais controlavam o comportamento das pessoas,
mantendo certo jeito de viver. Sua vinda refletiu-se na atitude defensiva da sociedade
receptora, que intensificou sua busca por paradigmas identitários, calcados nos “valores” do
grupo étnico alemão e voltados para a produção da diferença entre a sociedade estabelecida e
os migrantes, a fim de produzir mecanismos que possibilitassem aos migrantes incorporar seu
jeito de viver. A problemática dos estabelecidos e outsiders não é um caso singular de
Panambi, e nem tampouco resolvido. Atualmente, a tensão ganhou novas feições, personagens
e fronteiras, mas a essência do conflito permanece: os outsiders continuam sendo
responsabilizados pelos principais problemas, enquanto os estabelecidos procuram manter seu
poder. O problema tende a se agravar no século XXI, como o demonstraram os recentes
episódios ocorridos na França. Enfim, é uma temática que deve despertar cada vez mais a
atenção dos estudos historiográficos.
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ALMEIDA, Sidnei Chaves de. Bairro Arco-Íris. Panambi, 26/09/05. Entrevista concedida a
Eliane de Mello. Nascido em Passo Fundo, vem para Panambi em 1976 a procura de trabalho,
no entanto, devido a sua dificuldade para assimilar os “costumes” da cidade retorna para
Passo Fundo em 1980. Todavia, em 1982, volta para Panambi, onde assume um cargo público
no qual permanece até os dias atuais.
BECK, René. Bairro Centro. Panambi, 08/08/2005. Entrevista concedida a Eliane de Mello e
Rosane Marcia Neumann. Radialista, nascido em Santa Rosa, migrou para Panambi, a convite
do diretor da Rádio Sul - brasileira, em 1973. Seus programas radiofônicos eram
extremamente populares, sendo que o mesmo exercia um papel importante na formação da
opinião de seus ouvintes. Na década de oitenta recebeu o título de cidadão panambiense.
CAVALHEIRO, José dos Santos. Bairro Arco-Íris. Panambi, 23/02/2002. Entrevista
concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. José dos Santos Cavalheiro:
Brasileiro, filho de agricultores, viveu sua infância no interior do município. Mais tarde,
mudou-se para zona urbana onde atuou como comerciante.
KEPLER, Walter Roberto. Bairro Centro. Panambi, 18/02/2002. Entrevista concedida a
Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Walter Roberto Kepler: Filho da tradicional
família Kepler, de intensa atuação na localidade, é pastor da Igreja Batista, atuando
anteriormente também já na mesma comunidade.
KLOS, Otmar Sigismundo. Bairro Centro. Panambi, 21/02/2002. Entrevista concedida a
Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Otmar Sigismundo Klos: Filho de imigrantes
alemães, que atuam desde o início da colonização como fotógrafos.
KUFF, Ilse Herta. Entrevista realizada por Eliane de Mello em 15 de setembro de 2005, em
sua casa, na rua Bruno Knorr, nº101. Nascida em Panambi, seus pais vieram da Alemanha
para o Distrito na década de 20. Sempre foi dona de casa. Morou na zona rural até 2003.
LINN, Néri. Bairro Centro. Panambi, 15/09/2005. Entrevista concedida a Eliane de Mello.
Nascido na zona rural do município de Panambi, com 14 anos foi morar e trabalhar com seu
cunhado em Condor, permanecendo ali até ir para o quartel. Em seguida mudou-se para
Panambi onde trabalhou na empresa Faulhaber, de 1969 a 1970. Em 1974 começou a
trabalhar na empresa Kepler Weber, onde permanece até os dias atuais.
OLIVEIRA, João da Silva. Bairro Centro. Panambi, 15/09/2005. Entrevista concedida a
Eliane de Mello. Nasceu no interior do município de Panambi. Até os treze anos trabalhou
com seu pai, como agricultor. Em seguida, empregou-se em uma granja, onde permaneceu até
os 18 anos quando foi para o Quartel. Mais tarde, trabalhou na empresa Ernesto Rehn e, em
1975, foi contratado pela empresa Kepler Weber, permanecendo até os dias atuais no mesmo
emprego.
PHILIPP, Armin. Bairro Centro. Panambi, 17/08/2005. Entrevista concedida a Eliane de
Mello e Rosane Marcia Neumann. Nasceu em Panambi Filho de Hans Arno Philipp e Lídia
Marta Kepler. Seu avós maternos foram Adolfo Kepler Sênior e Olga Richter Kepler, da
família dos fundadores da Empresa Kepler Weber. Seu avó paterno, Arno Phillip, era escritor,
crítico literário, jornalista, maçônico, traduziu Minas de Prata, Inocência, Viuvinha e outros
romances e livros de autores brasileiros, para o idioma alemão. Na década de 70 Armin
mudou-se para Porto Alegre e visitava Panambi esporadicamente. Atualmente pesquisa a
256
história de Panambi e publica seus textos no Jornal Folha das Máquinas, do qual é
funcionário.
PRASS, Bruno. Centro, 14/02/2002. Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia
Neumann. Bruno Prass: Professor, filho de teutos que se estabeleceram, provavelmente, na
Picada do Café. Veio para Panambi durante o período da Segunda Guerra Mundial.
RÖHLE, Nilsa Hack. Bairro Zona Norte. Panambi, 22/02/2002. Entrevista concedida a Eliane
de Mello e Rosane Marcia Neumann. Nilsa Hack Röhle: Dona de casa, Nilsa é filha de Luis
Martin Hack, sub-intendente e sub-delegtado de Panambi na década de 1930. Sempre atuante
na política local. A mesma também teve forte atuação na comunidade evangélica e na
sociedade de leitura Faulhaber.
SANTOS, Nelci Silva dos. Bairro São Jorge. Panambi 15/02/2002. Entrevista concedida a
Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Nelci Silva dos Santos: Professora brasileira que
sempre morou na zona urbana do município. Aprendeu o idioma alemão no Colégio
Evangélico Panambi.
SCHMITT-PRYM, Miguel. Bairro Centro. Panambi, 25/08/2005. Entrevista
concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Seus pais vieram da Alemanha para
Neu-Württemberg na década de 30; ele nasceu em Marina Di Massa, distrito da província de
Carrara, Itália. Tinha dois anos quando sua família radicou-se em Panambi. Embora não
tivesse formação específica, começou a trabalhar como jornalista com 14 anos. Foi
correspondente do Jornal Diário de Notícias de Porto Alegre e do Correio Serrano, de Ijuí.
Mais tarde, fundou o Jornal A Notícia Ilustrada, de Panambi. Foi presidente da ACI e prefeito
municipal em duas gestões.
SCHNEIDER, Orlando Edilio. Bairro São Jorge. Panambi, 13/02/2002. Entrevista concedida
a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Orlando Edilio Schneider: Trabalhou a vida
inteira como industrial. Herdou a empresa OLVEPIM de seu pai. Tem forte presença na
história política do município, foi prefeito durante 3 mandatos e também atuou como
vereador.
SCHÜLER, Hélio. Rua Barão do Rio Branco. Panambi, 15/02/2002. Entrevista concedida a
Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Hélio Schüler: Trabalhou de 1942 a 1960 na
empresa Faulhaber, sendo que nesse tempo a firma passou a ser Sociedade Anônima, e ele
tornou-se sócio. De 1960 a 1980, atuou na Malharia Panambi, onde também integrou a
sociedade anônima. Na década de 80 regressou para a empresa Faulhaber, onde trabalhou até
1992, quando se aposentou.
SILVA, Argeu Nunes da. Bairro Esperança. Panambi 20/01/2006. Entrevista concedida a
Eliane de Mello. Rua Cabo Verde, 186, Esperança. Nascido nos arredores de Palmeira das
Missões migrou para Panambi na década de 70. Profissional da área da construção civil,
trabalhou durante alguns anos na Construtora Rehn.
SPODE, Lindolfo Adolfo e Irma Borges Spode. Bairro Erica. Panambi, 16/02/2002.
Entrevista concedida a Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Lindolfo Adolfo Spode e
Irma Borges Spode: Ele foi como pracinha para a II Guerra Mundial, retornando, casou-se
com D. Irma. Foi agricultor no interior de Panambi. Já D. Irma é um caso típico de
descendente de uma família lusa, cuja mãe era de origem alemã, sendo que a língua e
costumes germânicos predominaram em sua formação.
257
WAHLBRINK, Walter. Bairro São Jorge. Panambi, 14/02/2002. Entrevista concedida a
Eliane de Mello e Rosane Marcia Neumann. Walter Wahlbrink: Filho de agricultores que
desenvolviam a atividade de ferreiro. Sua família foi proprietária de um salão de baile. Na
década de 60, transferiu-se para a zona urbana onde foi eleito vereador.Tornou-se funcionário
público até se aposentar. Ao mesmo tempo, sempre foi músico.
JORNAIS
A NOTÍCIA ILUSTRADA. Panambi, 1970-1981.
CORREIO DO POVO. Porto Alegre 1937-1944.
CORREIO SERRANO. Ijuí, 1917, 1930-1945.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Porto Alegre, avulsos 1939-1943.
DIÁRIO SERRANO. Cruz Alta, 1939-1943.
DIE SERRA-POST. Ijuí, avulsos.
FOLHA DA SERRA. Cruz Alta, 1939-1943.
FOLHA DAS MÁQUINAS. Panambi, 1992-2003.
JORNAL DO ESTADO. Porto Alegre, 1939.
O PANAMBIENSE. Panambi, 1969.
ZERO HORA. Porto Alegre, 1970-1980.
LOCAIS DE PESQUISA:
Arquivo da Associação Comercial e Industrial de Panambi, Panambi.
Arquivo da Biblioteca do Colégio Santíssima Trindade, Cruz Alta.
Arquivo particular do Jornal Diário Serrano, Cruz Alta.
Câmara Municipal de Vereadores, Panambi.
Museu e Arquivo Histórico de Panambi - MAHP, Panambi.
Prefeitura Municipal, Panambi .
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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