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O escotismo escolar, defendido inclusive fora dos círculos educacionais paulistas,
esteve vinculado à Associação Brasileira de Escoteiros
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. Segundo os estatutos e
regulamentos desta Associação, os objetivos do escotismo eram os seguintes:
1º Eugenia, na parte referente à educação física, à saúde, ao vigor e à
destreza das gerações novas, homens e mulheres;
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2º Civismo, não apenas reduzido a ensinamentos cívicos, mas o hábito de
realizar os deveres cívicos, mercê das convicções adquiridas;
3º Inteligência, isto é, o desenvolvimento de algumas das mais notáveis
qualidades intelectuais, a urgência, a logicidade, a divisão pronta;
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A Associação Brasileira de Escoteiros foi fundada em São Paulo em 1914. Para informações sobre o
desenvolvimento do escotismo no Brasil, acessar a página eletrônica da União dos Escoteiros do Brasil
(Disponível em: <http://www.escoteiros.org>).
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Segundo Lilia Moritz Schwarcz, “o termo ‘eugenia’ – eu: boa; genus: geração – foi criado em 1883 pelo
cientista britânico Francis Galton” (SCHWARCZ, 1993, p.60). Ainda segundo a autora, esta “espécie de prática
avançada de darwinismo social” foi “transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos
anos de 1880” e cumpria metas diversas. “Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da
hereditariedade humana, cuja aplicação visava a produção de ‘nascimentos desejáveis e controlados’; enquanto
movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e – talvez o mais
importante – desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade” (SCHWARCZ, 1993, p.60). Segundo
Beatriz Teixeira Weber, “na década de 1920, no Brasil, proliferaram ligas, associações e entidades civis voltadas
para a divulgação dos princípios da eugenia. Um dos pioneiros foi o médico paulista Renato Kehl, que fundou,
na capital de São Paulo, em 1917, a primeira Liga Eugênica da América do Sul” (WEBER, 1999, p.69). A autora
afirma que a eugenia passou a fazer parte dos discursos do governo estadual gaúcho na década de 1920. Como
pontos importantes da perspectiva eugênica no discurso dos governantes gaúchos, Weber destaca os cuidados
com a higiene infantil e a educação sanitária do povo. Estabelecendo uma relação entre eugenia e escolas, a
historiadora aponta que “um dos pontos destacados nos estudos eugenistas era a importância das escolas como
centros irradiadores de práticas higiênicas moralizadoras e disciplinares. As escolas seriam locais de
adestramento, por meio de um projeto médico-pedagógico de higienização social, inclusive atingindo a educação
sexual” (WEBER, 1999, p.67). Éder Silveira, abordando a discussão travada no Rio Grande do Sul entre higiene
e eugenia e que tinha como vetor as publicações que circulavam na Faculdade de Medicina de Porto Alegre,
afirma que “a higiene e a eugenia eram vistas como saberes que deveriam ser naturalizados pela população. As
noções de higiene, como o asseio pessoal, o cuidado com a proliferação de insetos, o tratamento dado aos
dejetos, assim como o cuidado com os ‘fatores disgênicos’, prejudiciais à hereditariedade, tais quais o
alcoolismo, a promiscuidade, o onanismo, deveriam ser incorporados aos hábitos mais elementares dos
indivíduos. Para tanto, a articulação de dois fatores era fundamental: o cuidado com a infância, mediante a
puericultura, e as campanhas de ‘esclarecimento da população’, fazendo com que a consciência da preservação
da hereditariedade fosse desperta” (SILVEIRA, 2005, p.145). Mais uma vez, vemos os cuidados com a infância
e o desenvolvimento da educação sanitária sendo destacados como elementos presentes nas discussões sobre
saúde no RS das primeiras décadas do século XX. Silveira analisa ainda a relação entre higienismo e eugenia a
partir das reflexões de Foucault e afirma que “o higienismo-eugenismo é a expressão mais bem acabada daquilo
que Michel Foucault chamava ‘bio-poder’, na medida em que se manifesta claramente mediante a ‘administração
dos corpos e pela gestão calculista da vida’. Articulam-se os dois pólos do biopoder, ou seja, as disciplinas do
corpo: o ‘corpo-máquina’, sobre o qual deveriam incidir as tecnologias disciplinares visando adestrá-lo,
ampliando, assim, suas aptidões; o ‘corpo-espécie’, o corpo pesando em seus processos biológicos, poder que
incide no controle sobre a população, sobre os níveis de saúde e sobre as taxas de natalidade. Portanto, o corpo
do indivíduo é uma parte da engrenagem da nação” (SILVEIRA, 2005, p.153). Segundo Foucault, a biopolítica é
“[...] a maneira pela qual se tentou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas propostos à prática
governamental, pelos fenômenos próprios a um conjunto de seres vivos constituídos em população: saúde,
higiene, natalidade, raças [...] Sabe-se o lugar crescente que esses problemas ocuparam, desde o século XIX, e as
questões políticas e econômicas em que eles se constituíram até os dias de hoje” (FOUCAULT, 1997, p.89).