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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Ana Paula Korndörfer
“É MELHOR PREVENIR DO QUE CURAR”:
A higiene e a saúde nas escolas públicas gaúchas (1893-1928)
São Leopoldo
2007
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ANA PAULA KORNDÖRFER
“É MELHOR PREVENIR DO QUE CURAR”:
A HIGIENE E A SAÚDE NAS ESCOLAS PÚBLICAS GAÚCHAS (1893-1928)
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em História,
Programa de Pós-Graduação em História, Área de
Ciências Humanas, Universidade do Vale do Rio
dos Sinos - UNISINOS.
Orientadora: Profª. Dra. Eliane Cristina D. Fleck
São Leopoldo
2007
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ANA PAULA KORNDÖRFER
“É MELHOR PREVENIR DO QUE CURAR”:
A HIGIENE E A SAÚDE NAS ESCOLAS PÚBLICAS GAÚCHAS (1893-1928)
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em História,
Programa de Pós-Graduação em História, Área de
Ciências Humanas, Universidade do Vale do Rio
dos Sinos - UNISINOS.
Aprovado em 20/04/2007
BANCA EXAMINADORA
Profª. Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck Orientadora
Prof. Dr. Flávio Madureira Heinz UNISINOS
Profª. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha UNICAMP
AGRADECIMENTOS
Mesmo que, muitas vezes, se diga que o trabalho acadêmico seja solitário
(e realmente convivemos muito com o nosso “eu” e sofremos de toda sorte de
“fragilidades psíquicas temporárias”), quem já passou pela experiência de uma
dissertação ou tese sabe que, ao final, muitos agradecimentos e alguns pedidos
de desculpas são devidos e necessários. Meus sinceros agradecimentos...
... à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES
pelo suporte financeiro, essencial para a realização deste estudo;
... à professora Eliane Fleck, pela orientação acadêmica competente e dedicada,
iniciada ainda na graduação, pelos questionamentos, pela amizade, pelo
incentivo e confiança durante os períodos de “divórcio” com a Dissertação;
... aos professores do Programa de Pós-graduação em História da Unisinos, em
especial aos professores Flávio Madureira Heinz e Paulo Roberto Staudt Moreira,
pelas aulas e conversas estimulantes e encorajadoras;
... aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação da Unisinos,
em especial aos professores Lúcio Kreutz, Beatriz Daudt Fischer e Berenice
Corsetti, pelas discussões e sugestões;
... aos meus colegas do Programa de Pós-graduação em História da Unisinos, em
especial à Márcia Volkmer, à Ângela Flach e ao Mauro Dillmann, pelas
discussões dos projetos, pelas informações partilhadas e pelo
compartilhamento das angústias e dúvidas em nossas “terapias de grupo”;
... aos professores e colegas do Projeto Conjunto Unisinos UNCPBA (Juan
Manuel Padrón, Valeria Palavecino, Valeria D´Agostino, Luciano Barandiaran,
Andrea Reguera, Blanca Zeberio e Mónica Blanco), pela oportunidade de pensar
outros problemas e de pensar os mesmos problemas com outros olhos;
... à Janaína Trescastro, por ser uma querida “facilitadora”
nas complicadas questões burocráticas;
... à minha família, pelo amor, pelo carinho, pela paciência e pelos
“puxões de orelha” (algumas vezes necessários...) durante estes dois anos.
Sem vocês, tudo teria sido bem mais difícil;
... às minhas amigas Gabriela Dilly, Bárbara Gerusa Hermann e Cristina
Laidmer, pela paciência, carinho e “convocações”;
... ao pessoal do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul AHRS –,
por terem me auxiliado com dedicação na busca e localização
das fontes analisadas nesta investigação;
... aos colegas e amigos com quem convivi ou com quem
apenas troquei algumas idéias ou indicações bibliográficas.
A todos, minha imensa gratidão e meu carinho sincero.
RESUMO
Em “É melhor prevenir do que curar”: a higiene e a saúde nas escolas públicas gaúchas
(1893 1928), abordamos o tratamento dado pelos governantes gaúchos às questões
relacionadas à saúde e à higiene nas escolas públicas primárias do Rio Grande do Sul entre os
anos de 1893 e 1928. A análise das Introduções aos Relatórios da Secretaria de Estado dos
Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do Sul, dos Relatórios da Higiene e da
Instrução Pública seções administrativas afetas à Secretaria do Interior e Exterior e da
Legislação do período revela que os governantes do RS em sintonia com as discussões que
vinham se dando no âmbito nacional não deixaram de manifestar sua preocupação com os
elevados índices de mortalidade e de criminalidade infantis. Considerando as posições
políticas assumidas e as estratégias por eles adotadas para combatê-las, priorizamos as
proposições que visavam garantir a salubridade do espaço escolar, o desenvolvimento
saudável e a preservação do físico da população escolar, e as que atribuíam aos professores
um decisivo papel na disseminação de hábitos higiênicos na e através da escola pública
primária gaúcha.
Palavras-chave: Escola Pública Primária. República. Higiene. Saúde. Infância. Rio Grande do
Sul.
ABSTRACT
Preventing is better than curing”: Hygiene and Health in the Public Schools of the State of
Rio Grande do Sul from 1893 to 1928 discusses the treatment given by the public officials of
the state of Rio Grande do Sul to issues related to hygiene and health in the elementary
schools in the period from 1893 to 1928. The analysis of the introductions to the reports of the
state´s Department Of Internal and External Affairs, of the reports on Hygiene and Public
Instruction wich were administratively subjected to that Department and of the legislation
of the period reveals that the public officials of Rio Grande do Sul in accordance with
discussions that were being conducted at the national level didn´t fail to express their
concern with the high rates of infant mortality and criminality. Taking into account the
political positions adopted by them and the strategies they employed to lower those rates, this
thesis focuses on the propositions designed to guarantee good health in the schools, healthy
development and the preservation of the physical conditions of the students as well as the
propositions that ascribed to teachers a decisive role in the dissemination of hygienic habits in
and through the state´s elementary schools.
Key-words: Elementary public school. Republic. Hygiene. Health. Infancy. State of Rio
Grande do Sul.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Progresso..............................................................................................................53
Figura 2 Cortiço .................................................................................................................54
Figura 3 Insalubridade........................................................................................................54
Figura 4 Coeficientes de Natalidade e Mortalidade (1907) ...............................................78
Figura 5 Dr. Protasio Antonio Alves..................................................................................92
Figura 6 Casa de Correção de Porto Alegre (1898) .........................................................105
Figura 7 Oficina da Casa de Correção de Porto Alegre (1922) .......................................108
Figura 8 Ginástica Bagé (1924) ....................................................................................144
Figura 9 Ginástica Montenegro (1924) .........................................................................144
Figura 10 Ginástica Santa Maria (1924) .........................................................................145
Figura 11 Curso Elementar Escola Complementar (Porto Alegre 1924) ....................156
Figura 12 Escola Complementar Aula Prática (Porto Alegre 1924)............................157
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Legislação referente à Instrução Pública............................................................114
Quadro 2 Exercícios Físicos nos Regulamentos da Instrução Pública...............................132
Quadro 3 Exercícios Físicos nos Regimentos e Programas da Instrução Pública..............133
Quadro 4Programas do Ensino Primário Elementar e Complementar (1899) ..................150
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Mortalidade Infantil (0-2 anos) Porto Alegre: 1910-1927.............................94
Tabela 2 “Quadro comparativo da mortalidade infantil, no Rio Grande do Sul,
comparado com a de diversas cidades nacionaes e extrangeiras em 1924”.....96
Tabela 3 Menores Reclusos na Casa de Correção de Porto Alegre – 1924 ..................106
LISTA DE ABREVIATURAS
AHRS Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
LEG Legislação
SIE Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO I OS CENÁRIOS NACIONAL E REGIONAL
1.1 As muitas repúblicas: projetos, idéias e regionalismos......................................................28
1.2 Os “homens da ciência” e da saúde ....................................................................................36
1.3 Os “homens das letras” e da educação ...............................................................................55
1.4 As crianças: “matéria facilmente moldável” ......................................................................64
CAPÍTULO II A INFÂNCIA GAÚCHA
2.1 A “nossa infância descuidada”: desvendando um contexto ...............................................70
2.2 A mortalidade infantil no RS: índices e diagnósticos.........................................................86
2.3 A criminalidade infantil: os menores infratores e a Casa de Correção.............................103
CAPÍTULO III O ESPAÇO ESCOLAR
3.1 As escolas públicas primárias gaúchas: da transição do Império para a República .........113
3.2 As escolas e os projetos para a higiene e a saúde pública................................................117
3.3 A (in)salubridade do espaço escolar: diagnósticos e propostas........................................120
3.4 Os cuidados com a saúde do corpo: exercícios e preservação do físico...........................131
3.5 A importância do espaço escolar: o papel dos professores...............................................145
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................166
REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS....................................................................................175
INTRODUÇÃO
Então, se tão vasto problema não interessa ao historiador, o que lhe
interessa? Ouve-se, freqüentemente, essa pergunta, e a resposta não é, de
modo algum, simples: o interesse do historiador dependerá do estado da
documentação, de suas preferências pessoais, de uma idéia que veio à mente,
do pedido de um editor, de quanta coisa mais? Mas, se com essa pergunta se
pretende saber pelo que deve um historiador interessar-se, então qualquer
resposta é impossível: concordaríamos em reservar o nobre nome de história
a um incidente diplomático e em recusá-lo à história dos jogos e esportes? É
impossível fixar uma escala de importância que não seja subjetiva.
1
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais
2
PCNs propostos pelo Ministério da
Educação na década de 1990, encontraremos destacado, entre os objetivos do Ensino
Fundamental, “conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis
como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em
relação à sua saúde e à saúde coletiva”. O tema saúde aparece também na relação de Temas
Transversais propostos pelos PCNs. Também nos Conteúdos de Saúde Para o Primeiro e
Segundo Ciclos (1ª à 4ª séries) que têm por objetivo essencial “subsidiar práticas para a vida
saudável, encontramos destacada no bloco de conteúdo Autoconhecimento para
Autocuidado a preocupação com a higiene corporal e a alimentação saudável. Entre os
conteúdos a serem desenvolvidos neste bloco, encontramos itens como: adoção de postura
física adequada; rejeição ao consumo de água não potável; medidas práticas de autocuidado
para a higiene corporal: utilização adequada de sanitários, lavagem das mãos antes das
1
VEYNE, Paul. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. Tradução de Alda Baltar e Maria
Auxiliadora Kneipp. 4.ed. Brasília: UnB, 1998, p.36.
2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO-USP. Biblioteca Virtual. Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível
em: <http:www. bibvirt.usp.br>.
13
refeições e após as eliminações, limpeza de cabelos e unhas, higiene bucal, uso de vestimentas
e calçados apropriados, banho diário; entre outros. Já no bloco Vida Coletiva, destacam-se,
dentre os conteúdos a serem desenvolvidos, o conhecimento dos principais sinais e sintomas
das doenças transmissíveis mais comuns na realidade do aluno, formas de contágio,
prevenção e tratamento precoce para a proteção da saúde pessoal e de terceiros; e também a
participação ativa na conservação de ambiente limpo e saudável no domicílio, na escola e nos
lugares públicos em geral. A inclusão de temas relacionados à saúde e à higiene nos
Parâmetros Curriculares Nacionais não nos causa estranheza, parecendo natural que essas
questões sejam discutidas e trabalhadas na escola. Mas a relação entre escola e saúde / higiene
não foi sempre considerada tão “óbvia”, tão “natural”, como pretendemos demonstrar neste
estudo.
A idéia de realizarmos este estudo surgiu ainda na Graduação, quando trabalhava
como bolsista de iniciação científica em um projeto intitulado “Infância, Violência Urbana e
Saúde Pública (POA: 1890 1920)”, orientado pela Profª. Dra. Eliane Cristina Deckmann
Fleck. A partir do desenvolvimento do projeto mencionado, elaboramos a Monografia de
Conclusão de Curso em História Licenciatura Plena, que tinha como objetivo analisar o
discurso oficial do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) no que se referia a questões
voltadas para a infância, com ênfase nas políticas públicas para a saúde infantil propostas para
o Rio Grande do Sul entre os anos de 1893 e 1910. Para realizá-lo, utilizamos como fontes
primárias os Relatórios da Diretoria de Higiene do Estado do Rio Grande do Sul, Relatórios
estes que integravam os Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e
Exterior juntamente com a Instrução Pública, a Brigada Militar, a Junta Comercial, entre
outros, e que estão disponíveis para consulta no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AHRS
3
.
Cabe lembrar que, de acordo com a Constituição Estadual de 1891, o Presidente do
Estado era assistido em suas funções por três Secretários de sua livre escolha e incumbidos
das Secretarias dos Negócios das Obras Públicas, dos Negócios da Fazenda e dos Negócios do
3
No último Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do Sul
analisado, a esta Secretaria eram subordinadas as seguintes seções administrativas: Repartição Central, Chefatura
de Polícia [Chefatura de Polícia, Casa de Correção, Gabinete de Identificação e Estatística Criminal], Repartição
de Estatística, Diretoria de Higiene, Brigada Militar, Teatro São Pedro, Junta Comercial, Biblioteca Pública,
Arquivo Público, Museu Júlio de Castilhos, Assistência a Alienados [Colônia Jacuí, Manicômio Judiciário,
Hospital São Pedro] e Diretoria Geral da Instrução Pública. SIE.3 044 (1928).
14
Interior e Exterior
4
. Estes Secretários de Estado eram, por sua vez, obrigados a apresentar
relatórios anuais ao Presidente
5
. Os Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do
Interior e Exterior eram organizados a partir dos Relatórios dos Diretores da Higiene e da
Instrução Pública, entre outros. Ao analisarmos os Relatórios da Diretoria de Higiene,
constatamos que, do total de 17 Relatórios, 11 (64,7%) faziam alguma referência à infância,
entre textos, dados e tabelas. Mas o que mais nos chamou a atenção foi que um número
considerável de referências à infância e à saúde infantil estava relacionado à escola, ao
ambiente escolar. O como e os porquês desta relação estão entre os objetivos desta
Dissertação.
EmÉ melhor prevenir do que curar”: a higiene e a saúde nas escolas públicas
gaúchas (1893 - 1928), nossa proposta é analisar como as questões relacionadas à infância
incluindo aí as discussões que se davam em torno do conceito de infância no período e à
saúde infantil são apresentadas e tratadas pelos governantes gaúchos, com destaque para sua
aplicação nas escolas públicas do Rio Grande do Sul entre os anos de 1893 e 1928.
Buscaremos, também, estabelecer a relação entre os anseios por uma população normatizada e
higienizada pelas elites republicanas brasileiras, e, mais especificamente, pelas elites
republicanas gaúchas, e a realidade social e política do estado naquele período.
6
Em sua grande maioria, os estudos consultados se utilizam, assim como a nossa
análise, de alguns conceitos elaborados por Michel Foucault e que nos permitem entender a
escola como uma das instituições na qual encontramos um tipo específico de poder
denominado disciplina ou poder disciplinar
7
que, agindo sobre o corpo realidade mais
4
RIO GRANDE DO SUL. Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul, de 14 de julho de 1891. In:
Constituições do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado, Instituto de
Informática Jurídica, 1990. Título II, Seção Primeira, Capítulo III Das atribuições do presidente Parágrafo
único.
5
Idem, Título II, Seção Primeira, Capítulo V Dos secretários de Estado Artigo 29.
6
Esclarecemos que não é nosso objetivo apresentar e avaliar a influência do positivismo na educação durante os
governos sob o domínio do Partido Republicano Rio-grandense, proposta que já foi desenvolvida em estudos,
como os de Berenice Corsetti, Elomar Tambara e Solon Eduardo Annes Viola.
7
Segundo Michel Foucault, “a disciplina é uma técnica de exercício de poder que foi, não inteiramente
inventada, mas elaborada em seus princípios fundamentais durante o século XVIII. [...] Os mecanismos
disciplinares são, portanto, antigos, mas existiam em estado isolado, fragmentado, até os séculos XVII e XVIII,
quando o poder disciplinar foi aperfeiçoado como uma nova técnica de gestão dos homens. Fala-se,
freqüentemente, das invenções técnicas do século XVIII as tecnologias químicas, metalúrgicas, etc. mas,
erroneamente, nada se diz da invenção técnica dessa nova maneira de gerir os homens, controlar suas
multiplicidades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seu trabalho e sua atividade, graças a um sistema
de poder suscetível de controlá-los. Nas grandes oficinas que começam a se formar, no exército, na escola,
15
concreta do indivíduo fabrica o homem necessário à sociedade capitalista, um homem
higiênico e saudável. Como bem aponta Roy Porter em sua História do Corpo
8
,
[...] uma história da educação, que se concentra exclusivamente em atingir
habilidades como a leitura e a escrita, deixará escapar uma das principais
funções da escola para crianças pobres, de caridade ou elementar do
passado: incutir a obediência física ou a educação como um processo para
domesticar as crianças.
9
Apesar das críticas
10
a certas teorizações de Foucault, acreditamos que algumas de
suas ferramentas analíticas, como as relacionadas à ação sobre o corpo, sejam adequadas a
nossas análises, pois, como afirma Sandra Caponi “[...] é preciso lembrar alguns momentos
históricos pontuais em que o saber médico e as políticas impositivas reforçaram-se
mutuamente, atuaram solidariamente de tal modo que uma acabou legitimando e
quando se observa na Europa um grande progresso da alfabetização, aparecem essas novas técnicas de poder que
são uma das grandes invenções do século XVIII”. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização e
tradução de Roberto Machado. 18.ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003, p.105. Como características da disciplina ou
poder disciplinar, Foucault aponta os seguintes aspectos: distribuição espacial dos indivíduos, exercício de
controle sobre o desenvolvimento da ação e não sobre seu resultado, vigilância constante e perpétua dos
indivíduos, e registro contínuo de informações (FOUCAULT, 2003, p.105-106). Roberto Machado, em
introdução da coletânea Microfísica do Poder, define o que Foucault chamou de disciplina ou poder disciplinar
da seguinte forma: “E é importante notar que ela nem é um aparelho, nem uma instituição, na medida em que
funciona como uma rede que as atravessa sem se limitar a suas fronteiras. Mas a diferença não é apenas de
extensão, mas de natureza. Ela é uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de poder, são
‘métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de
suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade...’. É o diagrama de um poder que não atua no
exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica
o tipo de homem necessário ao funcionamento e manutenção da sociedade industrial, capitalista” (FOUCAULT,
2003, p. XVII introdução de Roberto Machado).
8
PORTER, Roy. História do Corpo. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas.
Tradução de Magda França Lopes. 2.ed. São Paulo: UNESP, 1992.
9
Ibidem, p.313-314.
10
Dentre as críticas ao pensamento foucaultiano, destacamos a apresentada no texto de Sandra Caponi, em que
esta autora afirma que “são numerosos os autores que têm criticado um certo reducionismo foucaultiano, que
tende a apresentar o discurso da medicina exclusivamente como uma forma de controle social” (CAPONI,
Sandra. Corpo, população e moralidade na história da medicina. Esboços, Florianópolis, v.9, p.70, 2002). Outra
crítica aos postulados de Foucault pode ser encontrada em texto de Diego Armus intitulado Legados y tendencias
en la historiografía sobre la enfermadad en América latina moderna. Segundo Armus, é necessário evitar-se a
utilização quase mecânica dos postulados foucaultianos, buscando também informações empíricas e explorando
não só a disciplinarização, mas também a assistência. Armus assinala ainda que, e consideramos isto bastante
interessante no contexto deste estudo, “[...] las prácticas de la higiene terminaron siendo interiorizadas por la
gente común y no necesariamente, o exclusivamente, como resultado de una suerte de resignada aceptación de
las iniciativas disciplinares del Estado moderno sino como una evidencia de las ventajas y mejoras que podían
lograr en sus condiciones materiales de existencia”. ARMUS, Diego. Legados y tendencias en la historiografía
sobre la enfermadad en América latina moderna. In: ARMUS, Diego (Comp.). Avatares de la medicalización en
América latina (1870 1970). Buenos Aires: Lugar Editorial, 2005, p.26. Mesmo não sendo nosso objetivo aqui,
a análise da apropriação das iniciativas disciplinares é uma possibilidade bastante rica e interessante.
16
consolidando a outra”.
11
Acreditamos que o período que analisamos seja um destes momentos
referidos pela autora.
Em relação ao corpus documental analisado, priorizamos os Relatórios da Diretoria de
Higiene, além dos Relatórios da Instrução Pública, disponíveis para consulta no Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul AHRS. Como já referimos, tanto a Higiene quanto a
Instrução Pública estavam subordinadas à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e
Exterior do Rio Grande do Sul no período delimitado para este estudo. Buscamos também os
conteúdos referentes à educação e à higiene mencionados nas Introduções aos Relatórios da
Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior e escritas pelo respectivo Secretário.
Esclarecemos que as informações sobre a detenção de menores na Casa de Correção de Porto
Alegre estão em outras seções dos Relatórios, como as referentes ao Conselho Penitenciário
ou à Casa de Correção de Porto Alegre. Complementamos a análise dos Relatórios, com
exceção do referente ao ano de 1905, que não foi localizado, com a Legislação (Legislação do
Estado do Rio Grande do Sul Leis, Decretos e Atos AHRS) e com estudos bibliográficos
relacionados às temáticas desenvolvidas. Vale ressaltar que, com o passar dos anos, os
Relatórios tiveram uma significativa alteração em sua apresentação, na medida em que os
textos informativos foram reduzidos para privilegiar os dados estatísticos. Tanto os Relatórios
quanto a Legislação estão, em geral, em boas condições para manuseio e consulta.
Considerando que os “documentos do passado não foram elaborados para o
historiador, mas sim para atender as necessidades específicas do momento”
12
, os Relatórios
serão analisados como indicadores do posicionamento do governo republicano gaúcho em
relação à infância e ao papel da escola na higienização e disseminação de hábitos higiênicos.
Não constituiu objetivo desta Dissertação a análise da apropriação e reinterpretação do
proposto pelo governo, o que tornaria necessário um estudo mais amplo e que incluísse outras
fontes.
Apesar de o recorte espacial deste estudo ser o Rio Grande do Sul, visto que os
Relatórios são documentos produzidos pelo governo estadual gaúcho, com propostas e
11
CAPONI, 2002, p.73.
12
BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas.
São Paulo: Contexto, 2005, p.69.
17
avaliações feitas pelo estado, é importante observar que a maioria dos dados refere-se a Porto
Alegre. Em diversas oportunidades, os Diretores da Higiene apontaram a falta de dados para
outras regiões do estado, como podemos observar nos Relatórios de 1895, 1897, 1898 e 1899.
Segundo o Diretor de Higiene de 1915, o Dr. Ricardo Machado, apenas neste ano o serviço de
estatística demográfico-sanitária começou a abranger todo o estado. Mesmo assim, os dados
continuaram referindo-se principalmente à cidade de Porto Alegre.
O período delimitado para este estudo situa-se entre 1893, ano do primeiro Relatório
da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do Sul que
localizamos em nossas consultas aos acervos, a 1928, último ano de um período em que,
segundo Beatriz Teixeira Weber
13
, o governo estadual agiu de acordo com “uma mesma
perspectiva orientando as políticas de saúde”. Acreditamos, porém, ser importante apontar
que este recorte temporal não indica, necessariamente, que os períodos imediatamente anterior
e posterior a este tenham sido radicalmente diferentes, podendo sim apresentar continuidades
e semelhanças. Um indicativo disto é a permanência de funcionários nos quadros do governo
do estado no período posterior a 1928. Cabe esclarecer que o período de abrangência dos
Relatórios é irregular durante praticamente todo o período delimitado para nossa investigação,
visto que, apenas em 1925, o Dr. Protasio Antonio Alves, então Secretário de Estado dos
Negócios do Interior e Exterior, determinou que o tempo historiado nos Relatórios das
repartições afetas à Secretaria fosse de janeiro a dezembro do ano anterior. Porém, para fins
de análise, consideramos que o Relatório apresentado em 1910, por exemplo, refere-se ao ano
de 1910, apesar de não desconsiderarmos que alguns dados e informações apresentados
possam referir-se ao ano anterior (no caso de nosso exemplo, 1909).
Esta Dissertação se insere no debate proposto pelos estudos filiados à história social da
infância. Valemo-nos de algumas considerações feitas por Hebe Castro, em estudo intitulado
História Social
14
, para situá-lo melhor:
13
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República Rio-
Grandense 1889/1928. Santa Maria: Editora da UFSM; Bauru: EDUSC Editora da Universidade do Sagrado
Coração, 1999, p.27.
14
CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da
História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. Sugiro a leitura do texto de Hebe
Castro para aprofundamento de discussões sobre a história social, seu desenvolvimento e questionamentos.
18
A referência ao movimento dos Annales se faz necessária por ter-se tornado
o marco, real ou simbólico, de constituição de uma nova história, em
oposição às abordagens ditas rankianas, predominantes entre os historiadores
profissionais até a primeira metade do século. Ainda hoje, a expressão
“história social” é freqüentemente utilizada como forma de demarcar o
espaço desta outra postura historiográfica frente à historiografia
tradicional.
15
Mesmo frente à multiplicidade de objetos e abordagens, a história social prioriza,
segundo Castro, “[...] a experiência humana e os processos de diferenciação e individuação
dos comportamentos e identidades coletivos sociais na explicação histórica”.
16
No que se refere à história social no Brasil, fortemente marcada em seu
desenvolvimento pelas ciências sociais, a história social do trabalho, a história social do Brasil
colonial e da escravidão e a história social da família constituem as áreas que têm concentrado
o maior número de trabalhos e discussões nos últimos anos. Sobre a história social da família,
sua metodologia e principais temáticas abordadas, a historiadora afirma que “a história da
família definiu-se como campo específico no Brasil a partir da década de 1980. Confluíram
para tanto as pesquisas em demografia histórica [...] e a exploração do tema por sociólogos e
antropólogos, nas décadas de 1960 e 1970”.
17
Seguindo tendências da história social pós-anos 70, a história da família tentou
responder aos impasses encontrados tanto pela abordagem da demografia histórica, que
marcou fortemente, como base metodológica, a maioria dos trabalhos sobre a temática, quanto
pela abordagem realizada por sociólogos e antropólogos. Referindo-se ainda à forte presença
da demografia histórica nos trabalhos sobre a família no Brasil, Hebe Castro afirma que,
apesar desta forte presença, temas mais gerais como nupcialidade e fecundidade, por exemplo,
foram sendo substituídos, progressivamente, por temas que “[...] exigiam um tratamento
socialmente diferenciado e que implicavam um nível bem menor de agregação dos dados, ou
mesmo questionavam o lugar central das fontes demográficas”.
18
A partir destas mudanças,
aspectos como a pluralidade social dos arranjos familiares passaram a ser priorizados em
relação às generalizações predominantes nos modelos anteriores. A expansão das temáticas e
15
CASTRO, 1997, p.45.
16
Ibidem, p.54.
17
Ibidem, p.56.
18
Ibidem, p.56.
19
abordagens acabaram constituindo subcampos como a família escrava, por exemplo e
novas áreas de especialização, como a história da sexualidade.
Interessam-nos para este estudo, especialmente, as reflexões feitas sobre a história
social da família, por Tânia Maria Gomes da Silva Bezzant
19
História da Família: Novos
Tempos, Novas Abordagens e Sheila de Castro Faria
20
História da Família e Demografia
Histórica.
As mudanças dramáticas vivenciadas pela instituição “família” nas últimas cinco
décadas são apontadas por Bezzant e Faria como fatores impulsionadores do interesse dos
historiadores pelo tema: aumento do número de separações, divórcios e uniões consensuais,
crescimento do número de mulheres solteiras que optam pela maternidade, uniões
homossexuais, surgimento de técnicas de contracepção cada vez mais modernas e inusitadas.
Segundo Sheila de Castro Faria, os questionamentos e discussões atuais sobre a família foram
aspectos que impulsionaram os estudos na área da história social da família, na medida em
que foram os questionamentos sobre a situação da família, hoje, que levaram muitos
estudiosos a enveredar por este caminho. A família, como problema, tornou-se tema atual e os
questionamentos sobre sua estrutura ou sua crise interessam tanto ao homem comum quanto
aos especialistas”.
21
Para Tânia Maria Gomes da Silva Bezzant, a temática da família, antes tida como
marginal, tem sido, recentemente, incluída como objeto de análise da historiografia. Segundo
a autora, “o estudo da família brasileira tem-se tornado fonte de crescente interesse para
muitos historiadores sociais, desejosos de maior conhecimento acerca dessa importante
instituição, por muitos anos abandonada pela Historiografia”.
22
Ela afirma que o “abandono”
epistemológico não foi exclusividade dos pesquisadores brasileiros e que os historiadores, em
geral, consideravam a família como uma temática de menor importância, já que “[...] a
História sempre esteve restrita ao estudo da vida pública, deixando a análise da vida
19
BEZZANT, Tânia Maria Gomes da Silva. História da Família: Novos Tempos, Novas Abordagens. Revista de
Ciências Humanas, Viçosa, v.3, n.2, dez. 2003.
20
FARIA, Sheila de Castro. História da Família e Demografia Histórica. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VANFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier,
1997.
21
Ibidem, p.241.
22
BEZZANT, 2003, p.135.
20
doméstica para outras áreas de conhecimento. Os historiadores passaram a discutir a família,
quando os problemas cotidianos romperam a esfera do privado [...]”.
23
A autora aponta os
direitos e deveres do casal, a autoridade dos pais sobre as crianças, os divórcios, a
contracepção e o aborto como problemas cotidianos que romperam a esfera do privado e
tornaram-se, cada vez mais, questões de Estado.
As renovações historiográficas também são apontadas por Bezzant, que as vincula ao
questionamento da supremacia da história política a partir da Escola dos Annales, já destacada
por Hebe Castro, e que teria promovido a ampliação dos objetos de pesquisa e despertou o
interesse por novos temas.
Estabelecendo uma cronologia dos estudos sobre a família
24
, Bezzant afirma que estes
estudos eram praticamente inexistentes antes dos anos 50 e “quando realizados, restringiam-se
a análises genealógicas, quase sempre dos grupos de elite, deixando a vida familiar do homem
comum em total obscuridade”.
25
O avanço da demografia, nos anos 50, e o desenvolvimento
da história oral são apontados como elementos importantes para o desenvolvimento das
pesquisas e proporcionaram a ampliação do campo de estudos.
Segundo Faria, a história social da família e a demografia apresentam, no Brasil, uma
relação estreita, já que, segundo a autora, foram, e ainda são, os demógrafos historiadores /
historiadores demógrafos que desenvolvem a temática. A autora observa que “no Brasil, os
estudos sobre a família (ou as famílias) acompanham, com passos mais vagarosos, as
tendências historiográficas de outras áreas, como Europa, Estados Unidos e Canadá, mas com
a especificidade de que, aqui, há uma relação ainda mais forte com a demografia histórica”.
26
Os primeiros trabalhos que discutem a família no Brasil, segundo Bezzant, foram realizados
na década de 30 e têm entre seus pesquisadores Oliveira Vianna e Gilberto Freyre. Para as
23
FLANDRIN apud BEZZANT, 2003, p.136.
24
Bezzant chama a atenção para o cuidado que devemos ter ao falar de história da família. Segundo ela, “o
estudo da família não é fácil e discuti-la requer análise cuidadosa. Melhor seria não falarmos em história da
família, mas ‘das famílias’, já que a família apresenta diferenciações quanto ao tempo e local de observação”
(BEZZANT, 2003, p.136). Referindo-se à mesma questão, Sheila de Castro Faria também faz uma ressalva
sobre o conceito de família. Sobre o Ocidente cristão, por exemplo, a autora afirma que não houve apenas um
sistema familiar. “A diversidade caracterizou a história da família ocidental, embora alguns traços comuns
possam ser identificados. Talvez o mais correto fosse a pluralização do título: história das famílias, mesmo em se
tratando só do mundo ocidental(FARIA, 1997, p.242).
25
BEZZANT, 2003, p.136.
26
FARIA, 1997, p.242.
21
décadas de quarenta a setenta, a autora afirma que, de quarenta a sessenta, o interesse ainda
foi bastante tímido. Já nos anos setenta, em íntima relação com a demografia histórica, o
enfoque passou a ser a dinâmica da população: mulheres, nupcialidade, fecundidade e
estrutura da família. Entre os autores que desenvolveram seus trabalhos nos anos 70, a autora
destaca Sérgio Nadalin, Eni de Samara Mesquita, Maria Luiza Marcilio e Maria Beatriz Nizza
da Silva.
É, contudo, nos anos 80 que a autora identifica uma maior abrangência na produção
historiográfica sobre a temática, complementada por contribuições da antropologia e da
sociologia (estudos sobre casamento, sexualidade, conflitos em família...). É também a partir
deste período que surgem, segundo Bezzant, novas representações sobre a família escrava no
Brasil, o que também foi destacado por Hebe Castro e Sheila de Castro Faria. O estigma da
promiscuidade sexual que marcou os estudos tradicionais sobre os escravos nas décadas de
1960 e 1970 foi revisto na década de 80.
Apesar de os estudos orientados pela perspectiva da história social da família serem
muito recentes, Sheila de Castro Faria afirma que alguns balanços historiográficos já foram
realizados e cita, entre outros, o realizado por Michael Anderson, que estabeleceu uma
tipologia a partir de quatro linhas de abordagens, dentre as quais Faria destaca três: a
demografia, a economia doméstica e a dos sentimentos. Com relação à última linha de
abordagem, Faria afirma que
O interesse básico pode ser resumido na tentativa de se chegar à emergência
das atuais relações familiares, descortinando, na história, os momentos de
transformação dos sentimentos em relação a criança, família, amor, sexo
etc. Em geral, estes estudos tratam da longa duração e abarcam amplos
espaços, utilizando fontes quase sempre descritivas, como relatos de época,
diários, literatura, pintura, brinquedos e outras de tipo singular e qualitativo,
principal ponto de ataque de seus críticos.
27
Dentre as três linhas de abordagem destacadas por Faria, a que mais se aproxima da
adotada neste estudo é a que considera “os momentos de transformação dos sentimentos em
relação a criança”, uma vez que no período abarcado pela investigação fins do século XIX e
início do século XX não só o conceito de infância passava por transformações, como
27
FARIA, 1997, p.250. [grifo nosso]
22
também as discussões e preocupações em relação à criança se modificaram e se
intensificaram, podendo ser constatadas na documentação que analisamos.
Sem entrar no mérito das críticas
28
feitas a esta linha de abordagem da história social
da família, é importante destacar que a autora cita, entre os representantes desta linha,
Philippe Ariès, autor do estudo intitulado História Social da Criança e da Familia
29
, de ampla
circulação e influência para diversos estudos sobre a história social da família e, mais
especificamente, da criança, inclusive no Brasil.
Um dos objetivos de Ariès neste estudo é mostrar o novo lugar assumido pela criança
e pela família em nossas sociedades industriais, através de uma análise iconográfica, dos
trajes, dos jogos e brincadeiras e da progressiva importância atribuída à educação. Ariès
localiza no século XVII as principais e mais vigorosas transformações, ressaltando que a
família da segunda metade do século XVII já se organizava em torno da criança.
Essa separação e essa chamada à razão das crianças deve ser interpretada
como uma das faces do grande movimento de moralização dos homens
promovido pelos reformadores católicos ou protestantes ligados à Igreja, às
leis ou ao Estado. Mas ela não teria sido realmente possível sem a
cumplicidade sentimental das famílias, e esta é a segunda abordagem do
fenômeno que eu gostaria de sublinhar. A família tornou-se o lugar de uma
afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não
era antes. Essa feição se exprimiu sobretudo através da importância que se
passou a atribuir à educação. [...] A família começou então a se organizar em
torno da criança e a lhe dar uma tal importância, que a criança saiu de seu
antigo anonimato, que se tornou impossível perdê-la ou substituí-la sem uma
enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida muitas vezes, e que se
tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela.
30
O estudo de Ariès, como afirmamos anteriormente, não somente exerceu influência
sobre diversos trabalhos, como gerou também polêmicas e debates. Moysés Kuhlmann Jr.,
28
Uma das principais críticas é a ausência de dados empiricamente comprováveis, pois a utilização de fontes
como pinturas e brinquedos, por exemplo, determinaria uma interpretação subjetiva, dificilmente comprovada a
partir destas fontes.
29
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de Dora Flaksman. 2.ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1981.
30
Ibidem, p.11-12.
23
autor de diversos estudos sobre a infância no Brasil, em seu trabalho Infância e Educação
Infantil: uma abordagem histórica
31
, ressaltou:
Desde a década de 1960, vêm sendo publicados vários trabalhos na
historiografia inglesa, francesa, norte-americana e italiana, que representam
um impulso significativo à história da infância. Mas a idéia de que a
preocupação com esse tema seja derivada da obra de Ariès, ou mais
genericamente, de que tenha surgido apenas naquela década, precisa ser
problematizada. [...] há histórias da infância desde o século XIX, ao menos,
e é necessário uma certa cautela para se caracterizar os pioneirismos no
estudo da criança e no uso de fontes ou enfoques inovadores.
32
Além da cautela sugerida por Kuhlmann Jr. em relação ao “pioneirismo de Ariès”, o
autor faz ainda algumas outras críticas ao trabalho do historiador francês, ressaltando que o
sentimento de infância não era inexistente em tempos antigos ou na Idade Média como
afirmado por ele.
33
Contudo, a crítica que consideramos mais importante é a que refere os
problemas decorrentes da transposição, para outros contextos, da visão linear do
desenvolvimento histórico presente no estudo do historiador francês. Segundo Kuhlmann Jr.,
este é o caso de estudos que pretendem identificar o “desabrochar” do sentimento de infância
no final do século XIX, no Brasil, sem considerar, por exemplo, “[...] que os sinais do
desenvolvimento de um sentimento de infância, da forma como analisa Ariès, estiveram
presentes no Brasil já no século XVI, quando os jesuítas desenvolveram a estratégia de sua
catequese alicerçada na educação dos pequenos indígenas [...]”.
34
De acordo com a visão de Ariès, o Brasil estaria vivendo, no final do século XIX e
início do século XX, o processo ocorrido na França no século XVII e não, como defende
Kuhlmann Jr., “[...] as manifestações do grande impulso com relação à infância que
representou o próprio século XIX, em todo o mundo ocidental, especialmente após a década
31
KUHLMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. 2.ed. Porto Alegre:
Mediação, 1998. Ao apontar os comentários e críticas deste autor ao trabalho de Philippe Ariès, não pretendemos
discutir a validade destas críticas, mas sim referir a existência do debate. Especificamente sobre a história da
infância, este autor afirma que a história da assistência, da educação e da família são as vertentes que mais têm
contribuído para os estudos, a partir da utilização de vários métodos, enfoques e abordagens (KUHLMANN JR.,
1998, p.17).
32
Ibidem, p.16-17.
33
A polêmica sobre a existência ou não do sentimento de infância na Idade Média, despertada pelo trabalho de
Ariès, também é destacada por Irene Rizzini em RIZZINI, Irene. O Século Perdido: raízes históricas das
políticas públicas para a infância no Brasil. Ilustrações de Pedro Pamplona. Rio de Janeiro: Petrobrás-BR:
Ministério da Cultura: USU Ed. Universitária: Amais, 1997.
34
KUHLMANN JR., 1998, p.22.
24
de 1870”.
35
A preocupação com a saúde infantil, um dos pontos da análise que propomos, por
exemplo, intensificou-se tanto na Europa quanto no Brasil em fins do século XIX e início do
século XX.
Kuhlmann Jr. destaca que a crença no progresso e na ciência marcou a segunda metade
do século XIX e o início do século XX, e as nações ocidentais mobilizaram-se para a
adaptação aos novos instrumentos e processos produtivos e, para, em nome da “civilização”,
criar novas instituições sociais, como as instituições de educação popular, por exemplo. A
educação neste período foi largamente influenciada pelo discurso médico-higiênico, assim
como o vocabulário pedagógico que foi disseminado na sociedade, aspecto que será retomado
mais adiante ao desenvolvermos a idéia da necessidade de educar as mães para garantir os
cuidados essenciais aos filhos.
Também Irene Rizzini, em estudo intitulado O Século Perdido: raízes históricas das
políticas públicas para a infância no Brasil, vincula os novos significados do conceito de
infância e a nova dimensão social adquirida pela criança “[...] às grandes transformações
econômicas, políticas e sociais, que marcam a era industrial capitalista do século XIX [...]”.
36
A autora afirma ainda que “o interesse pela infância, nitidamente mais aguçado e de natureza
diversa daquela observada nos séculos anteriores, deve ser entendido como reflexo dos
contornos das novas idéias”.
37
35
KUHLMANN JR., 1998, p.22. Dentre os trabalhos desenvolvidos sobre a temática na Argentina e aos quais
tivemos acesso, destacamos o de Cláudia Azucena Pechín que, em texto intitulado Infancia, aprendizage y
nacionalidad en los inicios del sistema educativo argentino, afirma que a infância apareceu, na América Latina,
como setor da realidade digno de atenção em fins do século XIX. A autora afirma ainda que “durante la primera
mitad del siglo XIX, la sociedad occidental comenzó a especular sobre la existencia de etapas evolutivas dentro
de la niñez. La minoridad atrajo una atención especial desde la medicina y la justicia; la crianza y la educación
de los niños accedieron a un lugar central. El ‘descubrimiento de la niñez’ estimuló el debate y solicitó
respuestas oficiales frente al fenómeno del abandono, la regulamentación de los hospicios y la condena por
infanticidio (esto es, dejar morir o ayudar a morir a la prole), aspectos que permanecieron ocultos durante el
siglo anterior. La conformación de la identidad de la infancia institucionalizada en los Estados-nación modernos
fundó la necesidad de la educación infantil. Pero también, la existencia de una cada vez más numerosa población
infantil en países en crecimiento y en proceso de industrialización constituía el dato previo para la planificación
de políticas alfabetizadoras, de asilamiento o de incorporación al mundo del trabajo de manera tal de proceder a
la contención del sujeto.” PECHÍN, Claudia Azucena. Infancia, aprendizage y nacionalidad en los inicios del
sistema educativo argentino. In: DI LISCIA, María Silvia; SALTO, Graciela Nélida (Ed.). Higienismo,
Educación y Discurso en la Argentina (1870 1940). La Pampa: Editorial de la Universidad Nacional de La
Pampa, 2004, p.66.
36
RIZZINI, 1997, p.24.
37
Ibidem, p.25.
25
Vários foram os trabalhos de História, de História da Educação e de Antropologia
Social que, por abordarem direta ou indiretamente o tema da infância brasileira e gaúcha no
período delimitado, nos auxiliaram no desenvolvimento das reflexões aqui apresentadas.
Dentre os trabalhos desenvolvidos sobre outros contextos, que não especificamente o gaúcho,
destacamos os de Moysés Kuhlmann Jr., José Gondra, Adriana de B. Resende Vianna,
Margareth Rago, Fernando Torres Londoño, Irene Rizzini, Irma Rizzini, Maria Luiza
Marcilio, Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura, Heloísa Helena Pimenta Rocha e Jurandir
Freire Costa. Da produção intelectual gaúcha sobre a infância, destacamos os trabalhos de
Sandra Jatahy Pesavento, Silvia Maria Fávero Arend, Cláudia Mauch, Aidê Campello Dill,
Anderson Zalewski Vargas, Beatriz Teixeira Weber, Maria Stephanou, Berenice Corsetti,
Solon Eduardo Annes Viola, Elomar Tambara e Mozart Linhares da Silva. Muitos destes
autores não abordaram especificamente a infância ou a infância escolarizada enquanto alvo
de campanhas de higienização no Rio Grande do Sul, mas nos oferecem dados e
sistematizações que giram em torno da infância, com ênfase para temas como o abandono e a
saúde infantil, por exemplo.
Nas obras da historiadora Sandra Jatahy Pesavendo obtivemos informações sobre a
importância atribuída à educação no estado, sobre a infância desamparada gaúcha e sobre o
papel atribuído à mulher enquanto mãe de família, aspecto este também desenvolvido por
Cláudia Mauch. Anderson Zalewski Vargas, por sua vez, nos trouxe valiosas contribuições no
que se refere aos menores de rua porto-alegrenses no início do século XX, ao analisar as
páginas de um jornal local. Informações sobre os menores detidos na Casa de Correção de
Porto Alegre foram encontradas em investigação de Mozart Linhares da Silva sobre a
população carcerária do Rio Grande do Sul entre 1850 e 1930. Silvia Maria Fávero Arend, em
estudo sobre a família porto-alegrense em finais do século XIX, abordou questões como o
trabalho infantil e a agressão contra crianças. Tanto Beatriz Teixeira Weber quanto Maria
Stephanou trouxeram importantes contribuições sobre a questão da saúde no Rio Grande do
Sul. As investigações empreendidas por Weber foram muito importantes para compreender e
traçar um panorama geral sobre a saúde no estado e sobre a atuação do governo republicano
nesta área. Já Stephanou, ao problematizar as imbricações entre discursos e saberes médicos e
educação, forneceu subsídios importantes para pensarmos a relação entre saúde, higiene e
escola. A escola pública gaúcha e a organização educacional empreendida pelo governo
gaúcho durante a República Velha foram discutidas por Berenice Corsetti, Solon Eduardo
26
Annes Viola e Elomar Tambara. Apesar de suas análises enfatizarem a influência do
positivismo na educação pública estadual gaúcha, em especial sobre a organização e
funcionamento das mesmas, estes estudos foram de enorme valia, com destaque para a análise
feita por Berenice Corsetti. Em nossa incursão na produção historiográfica sul-rio-grandense
pudemos, ainda, constatar que Aidê Campello Dill realizou o único estudo específico sobre a
infância gaúcha no período abarcado por nossa análise, o que parece apontar para uma
significativa lacuna em termos do tratamento da temática.
Associando-se ao esforço destes historiadores gaúchos de debruçar-se sobre a infância
no Rio Grande do Sul, no período de transição do século XIX para o século XX,
empreendemos esta investigação que se dedicou, entre outros objetivos, a identificar as
propostas de atuação do estado em relação à infância. Constatamos a partir da
documentação que analisamos que a organização da educação pública estadual, a saúde e a
higiene da população, a infância desamparada e infratora, e a mortalidade infantil foram temas
que mereceram a permanente atenção do governo estadual, o que fica evidenciado nos
diagnósticos realizados e nas medidas por ele adotadas no período de 1893 a 1928.
Optamos por desenvolver as questões centrais desta Dissertação em três capítulos. No
primeiro, apresentamos um panorama nacional, regional e local durante o período delimitado,
destacando aspectos relacionados à política e ao regime republicano, à saúde e à educação
brasileiras e gaúchas, bem como questões relativas ao conceito de infância em vigor no fim do
século XIX e início do XX.
No segundo capítulo, desenvolvemos questões relacionadas à infância brasileira e
gaúcha, enfocando as questões que preocupavam as elites no período estabelecido para nossa
investigação, como a saúde e a mortalidade infantil, assim como a infância abandonada e em
conflito com a lei. Para desenvolver estas temáticas, valemo-nos, dentre outras fontes, dos
apontamentos dos médicos Protasio Antonio Alves e Euclydes de Castro Carvalho sobre
questões relativas à saúde infantil no estado. A questão dos menores recolhidos à Casa de
Correção de Porto Alegre também foi alvo de nossa atenção.
No terceiro e último capítulo, apresentamos alguns aspectos sobre a organização e
funcionamento das escolas públicas primárias gaúchas, detendo-nos na análise sobre como as
27
questões relacionadas à saúde e à higiene no e do espaço escolar foram abordadas pelos
governantes gaúchos durante o período de 1893 a 1928, enfocando três eixos principais de
análise: a (in)salubridade do espaço escolar, os cuidados com o corpo e o papel dos mestres
no ensino e disseminação de hábitos saudáveis e higiênicos.
Acreditamos que o mérito maior desta investigação resida na análise que
empreendemos dos Relatórios da Diretoria de Higiene e da Instrução Pública do Rio Grande
do Sul de fins do século XIX e início do XX, na medida em que a fizemos a partir de uma
perspectiva pouco trabalhada, a da saúde e da higiene infantil, enfocando, especificamente, o
tratamento dado pelo governo republicano gaúcho a estas questões e sua aplicação no âmbito
da escola pública primária. Em razão disso, acreditamos estar contribuindo para estudos não
só na área da História da Infância, mas também para futuros estudos sobre a História da
Educação no Rio Grande do Sul, áreas que, retomando as palavras de Paul Veyne e que
constam na epígrafe desta Introdução , acreditamos ser subjetivamente importantes.
CAPÍTULO I OS CENÁRIOS NACIONAL E REGIONAL
“A sciencia não é privilegio de nenhuma raça ou nação”.
38
Este capítulo tem por objetivo apresentar um panorama nacional, regional e local no
período delimitado para este estudo. Não pretendemos realizar aqui um estudo sobre os
primeiros anos da República no Brasil e no Rio Grande do Sul, o que já foi feito com sucesso
em diversos trabalhos, mas sim enfocar aspectos que consideramos importantes para a
compreensão da temática central deste estudo, qual seja, a higiene e a saúde nas escolas
públicas do Rio Grande do Sul. Para tanto, destacaremos neste primeiro capítulo alguns
aspectos da política a nível nacional e regional e da natureza do regime adotado; discutiremos
questões relacionadas à saúde e à educação brasileiras e gaúchas, assim como discutiremos
também o novo significado adquirido pela infância no período em questão.
1.1 AS MUITAS REPÚBLICAS: PROJETOS, IDÉIAS E REGIONALISMOS
Um dos objetivos deste capítulo, como já referimos, é destacar alguns aspectos da
política a nível nacional e regional. Para tanto, iniciaremos abordando os diferentes modelos
existentes para a República brasileira no final do século XIX, com ênfase no projeto
positivista, que teve grande influência no Rio Grande do Sul durante a República Velha (1889
1930).
Boris Fausto afirma que a passagem do Império para a República pode ser considerada
“quase um passeio”, mas que os anos posteriores ao 15 de novembro foram de grande
incerteza. Os grupos em disputa pelo poder divergiam não apenas em seus interesses, mas
também em suas concepções de como organizar a República brasileira.
39
38
João Abbott era o Secretário de Estado dos Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do Sul em 1897.
SIE.3 004 (ABBOTT, João. Introdução, 1897, p.11).
39
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, Imprensa Oficial do Estado, 2001, p.139.
Maria Emília Prado, no quarto capítulo de Memorial das desigualdades: Os impasses da cidadania no Brasil
(1870 1902), também afirma que eram muitos os interesses em disputa na mudança de regime. PRADO, Maria
29
Mas as idéias republicanas não surgiram no Brasil com a proclamação. Silvia Carla
Pereira de Brito Fonseca, em seu artigo A idéia de república no Império do Brasil
40
, afirma
que as idéias republicanas já estavam presentes no país desde o Primeiro Reinado (1822 31).
O termo “república” possuía, na primeira metade do século XIX, significados muito
diferentes.
Em primeiro lugar, de acordo com a herança do Antigo Regime, seria ainda
associado à identificação de um território regido pelas mesmas leis, ou
submetido ao mesmo governante, a despeito da forma de governo. Em
segundo lugar, a idéia de república também era compreendida como a
precedência do bem comum e a prevalência da lei e da Constituição sobre os
interesses individuais. Em terceiro lugar, o conceito de república denotava o
governo eletivo e temporário.
41
A particularidade resultante do pertencimento ao continente americano e a ausência de
uma aristocracia na América eram argumentos apresentados em prol da república nos
periódicos analisados pela autora.
Neste período, início do século XIX, os anseios federalistas já estavam presentes,
porém nem sempre como sinônimo de república. As idéias republicanas ganharam força em
1870
42
, com a divulgação, no Rio de Janeiro, do “Manifesto Republicano”.
O documento atacava as instituições políticas do Império, o Poder
Moderador, o caráter vitalício do Senado. O republicanismo do final do
Emília. Memorial das desigualdades: Os impasses da cidadania no Brasil (1870 1902). Rio de Janeiro: Revan,
2005.
40
FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A idéia de república no Império do Brasil. Revista de História da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 1, n.5, nov. 2005.
41
Ibidem, p.31.
42
Segundo Lilia Moritz Schwarcz, “[...] a década de 70 é entendida como um marco para a história das idéias no
Brasil, uma vez que representa o momento de entrada de todo um novo ideário positivo-evolucionista [...]”.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-
1930). São Paulo: Companhia das Letras: 1993, p.14. Ainda abordando a assim chamada geração de 1870,
Maria Aparecida Rezende Mota afirma, em seu estudo sobre Sílvio Romero, que “os grandes temas nacionais a
escravidão, a imigração, o regime político, a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade de consciência, o
ensino , postos e repostos à luz das novas teorias, criavam uma atmosfera de efervescência intelectual permeada
pela crença na transformação do país pela força das idéias. A intelligentsia engajada no projeto renovador
confiava cegamente na ciência, estando convencida, portanto, de que a educação intelectual era o único caminho
para melhorar os homens. A essa herança do iluminismo oitocentista agregava-se a consciência da necessidade
de adequar o país à modernidade ocidental. Para tal, era preciso buscar as causas do ‘atraso cultural’ do país e
propor soluções, de sorte que a marcha em direção à civilização não fosse retardada. Não é, portanto, obra do
acaso que as teorias informadas por uma filosofia progressista da história, como o comtismo, o darwinismo e o
spencerismo, dominassem o circuito intelectual”. MOTA, Maria Aparecida Rezende. Sílvio Romero: dilemas e
combates no Brasil da virada do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p.31.
30
século deslocava então seu eixo para as províncias do Centro-Sul do país,
como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. Ainda assim, o movimento
era heterogêneo. [...] Muitas opiniões, diferentes conceitos, projetos
distintos. Mas, ao final do século XIX, a república deixava o mundo das
idéias para se tornar uma realidade possível.
43
Pode-se, então, perguntar: quais eram, ao final do século XIX, os projetos distintos de
república? Quais eram os modelos de organização da sociedade? José Murilo de Carvalho
destaca três projetos de república em seu escrito Entre a Liberdade dos Antigos e a dos
Modernos: A República no Brasil.
44
O primeiro projeto é o dos proprietários rurais, especialmente os paulistas, que
definiam como modelo ideal de república o norte-americano
45
. A definição individualista do
pacto social (definição do público como soma dos interesses individuais), a ênfase na
organização do poder e a solução federalista eram aspectos atraentes, para este grupo, no
modelo norte-americano. Era o projeto mais forte.
43
FONSECA, 2005, p.33. [grifo nosso]
44
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1999. Texto intitulado Entre a Liberdade dos Antigos e a dos Modernos: a República no Brasil. Segundo
Carvalho, a opção pela República e por determinado modelo de república estava relacionada à solução que se
desejava dar aos problemas do país. Também Maria Emília Prado destaca os vários projetos republicanos
existentes no contexto que antecedeu o 15 de novembro. Segundo esta autora, “positivistas vinculados ao
Apostolado, republicanos adeptos das idéias liberais, republicanos com tendências liberais democráticas, a alta
oficialidade, os escalões inferiores do Exército, os que adotavam posições federalistas radicais, fazendeiros de
áreas decadentes, intelectuais urbanos, fazendeiros do rico, vasto e promissor oeste paulista. Estas eram as
personagens da trama republicana para a qual um mínimo compromisso foi preciso de modo a tornar viável o 15
de novembro. A mudança era ambiciosa. Vários eram, entretanto, os projetos republicanos” (PRADO, 2005,
p.180).
45
Sobre a busca de modelos externos, José Murilo de Carvalho afirma que o fenômeno é universal. “Isto não
significa, no entanto, que ele não possa ser útil para entender uma sociedade particular. Que idéias adotar, como
adotá-las, que adaptações fazer, tudo isto pode ser revelador das forças políticas e dos valores que predominam
na sociedade importadora” (CARVALHO, 1999, p. 90). Referindo-se à importação de idéias, questão abordada
por Carvalho em estudo sobre O Positivismo Brasileiro e a Importação de Idéias, este autor afirma se tratar de
fenômeno complexo cuja análise envolve a discussão de elementos importantes. CARVALHO, José Murilo de.
O Positivismo Brasileiro e a Importação de Idéias. In: GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes; LEAL, Elisabete
(Org.). Revisitando o Positivismo. Canoas: Editora La Salle, 1998. No que se refere específicamente à
circulação/movimentação de idéias no Brasil no período estabelecido para este estudo, José Murilo de Carvalho
aponta que “a República não produziu correntes ideológicas próprias ou novas visões estéticas. Mas, por um
momento, houve um abrir de janelas, por onde circularam mais livremente idéias que antes se continham no
recatado mundo imperial. Criou-se um ambiente que Evaristo de Moraes chamou com felicidade de porre
ideológico, e que poderíamos também chamar, sob a inspiração de Sérgio Porto, de maxixe do republicano
doido. Nesse porre, ou nesse maxixe, misturavam-se, sem muita preocupação lógica ou substantiva, várias
vertentes do pensamento europeu. Algumas delas já tinham sido incorporadas durante o Império, como o
liberalismo e o positivismo; outras foram inpulsionadas, como o socialismo; outras ainda foram somente então
importadas, como o anarquismo”. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a
República que não foi. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.24.
31
O segundo projeto é a versão jacobina, atraente para um setor da população urbana,
formada por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e
estudantes, e “[...] para quem o regime imperial aparecia como limitador das oportunidades de
trabalho”.
46
Afastados do poder econômico e social, estes grupos eram atraídos pelas idéias,
abstratas, de liberdade, igualdade e participação. A revolução e o povo nas ruas, projetos
pretendidos pelos radicais da República, não tinham condições reais de acontecer.
O terceiro projeto é o positivista, projeto que atraía setores urbanos da população,
principalmente professores, estudantes e militares.
47
46
CARVALHO, 1999, p.94.
47
Segundo o Dicionário do Brasil Imperial (1822 1889), “o conjunto de idéias filosóficas denominado
positivismo pelo seu próprio fundador, o francês Augusto Comte (1798-1857), ganhou terreno e adeptos no
Brasil nas últimas décadas do século XIX. As academias militares, médicas, de engenharia e de direito foram os
espaços intelectuais onde primeiro começaram a ser defendidas teses com base nos pressupostos teóricos de
Comte. Augusto Comte (Isidore Auguste Marie François Xavier) nasceu na cidade francesa de Montpellier em
1798 e faleceu em Paris, em 1857. O positivismo, em termos gerais, tem como pressupostos básicos uma crença
inabalável na ciência e no primado da razão. A história seria regida por leis imutáveis, científicas ou positivas,
passíveis de apreensão por parte do homem, sendo que a lei fundamental seria a evolução. A trajetória
evolucionária da humanidade estaria sujeita, para o positivismo, à lei dos três estados: teológico, metafísico e
positivo. No primeiro, predominavam as crenças no sobrenatural; no segundo, o pensamento metafísico; no
terceiro, o pensamento científico. A República seria o regime ideal para a transição em busca da fase final, pois
ajudaria a superar a fase metafísica, típica das monarquias hereditárias, embasadas no direito divino dos reis”.
ZENI, Maurício. Positivismo. In: VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do Brasil Imperial (1822 1889). Rio
de Janeiro: Objetiva, 2002, p.585-586. O encontro entre Comte e Clotilde Vaux, em 1845, produziu uma
mudança profunda na obra de Comte, com a introdução de elementos religiosos e o predomínio do sentimento
sobre a razão. Essa mudança no conjunto filosófico de Comte foi responsável por rupturas, inclusive no Brasil,
entre os que adotaram sua obra filosófica em seu conjunto, incluindo os aspectos religiosos, e os que adotaram
apenas a parte dita científica. Retomando as reflexões de José Murilo de Carvalho sobre a importação de idéias,
este autor, referindo-se especificamente à importação do positivismo, destaca que havia mais de um positivismo
já a partir de Comte, cujos seguidores optavam entre a adoção do sistema completo, incluindo a religião da
humanidade, ou a adoção da parte “científica” do sistema. Partindo disso, Carvalho aponta que a importação do
positivismo no Brasil poderia ocorrer ao nível de expressões e frases de efeito, de alguns valores ligados ao
sistema comtiano (progresso na ordem, cientificismo, incorporação, entre outros), ou de idéias, como as fases da
humanidade, por exemplo. Além da diversidade de positivismos importados e da variedade de formas de
importação, Carvalho destaca a importância de analisar quem importou. No caso do positivismo, destaca os
técnicos e cientistas, como engenheiros, médicos e matemáticos, por exemplo, e os militares. Como
conseqüência, para o cenário nacional, da importação dos “positivismos”, o autor aponta o grande peso adquirido
pela retórica cientificista no plano intelectual, a introdução e reforço da idéia de executivo forte e dominante no
campo político, e a idéia de sociedade incorporadora, includente, no campo social. Consideramos importante
destacar ainda as seguintes palavras do autor sobre o fenômeno da importação de idéias: “É preciso atenção aos
modos, conteúdo, objetivos e conseqüências da recepção, e a quem recebe. Mesmo sistemas fechados de
pensamento, como o positivismo, podem ser absorvidos de maneira distinta por pessoas distintas e com
conseqüências distintas. As mesmas idéias podem em alguns casos reforçar valores preexistentes, em outros
desafiá-los, servir à conservação ou à mudança. As conseqüências das idéias podem não ter relação alguma com
os objetivos de quem inicialmente as adotou, se é que este alguém tinha algum objetivo além do simples
consumo individual. Não se trata, portanto, de dizer se as idéias estão ou não em seu lugar. Elas circulam e são
apropriadas das maneiras mais variadas” (CARVALHO, 1998, p.26).
32
O arsenal teórico positivista possuía armas muito úteis. A começar pela
condenação da monarquia em nome do progresso. Pela lei dos três estados, a
monarquia correspondia à fase teológico-metafísica, que devia ser superada
pela fase positiva, cuja melhor encarnação era a República. A separação da
Igreja e do Estado era também uma demanda atraente para este grupo [...].
48
Idéias como a ditadura republicana (Poder Executivo forte e intervencionista) e a
incorporação do proletariado, política social a ser implementada pelo Estado, também eram
atraentes para os adeptos deste projeto. Os positivistas seriam os protagonistas do regime no
campo espiritual; os empresários, no campo material. Em texto intitulado O pecado original
da República, Carvalho afirma que “os positivistas não admitiam direitos, apenas deveres. O
dever do povo, ou dos trabalhadores, era trabalhar, o dever dos empresários e o do Estado era
cuidar do bem-estar do povo”.
49
A pátria, a família e a mulher também eram muito
valorizadas pelos positivistas. Como nomes importantes do positivismo no Brasil, podemos
destacar Benjamin Constant, Miguel Lemos e Teixeira Mendes, fundadores, com alguns
outros nomes, da primeira sociedade positivista brasileira em 1876
50
.
Por um lado, a relação entre o positivismo e a proclamação da República pode ser
vista como convergente, já que o regime republicano era defendido pelos positivistas, assim
como a separação entre a Igreja e o Estado e o casamento civil que foram implementados com
a proclamação. Por outro lado, idéias como a obrigação dos ricos em proteger os pobres e a
proteção dos índios não encontraram receptividade. De acordo com Maurício Zeni, “embora
atuantes, sua contribuição acabou rendendo mais frutos na busca de símbolos cívicos para a
nova República [...]
51
, o que fica evidenciado na bandeira republicana, com sua inscrição
“Ordem e Progresso”, uma das contribuições dos positivistas.
52
48
CARVALHO, 1999, p.95.
49
CARVALHO, José Murilo de. O pecado original da República. Revista de História da Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro, ano 1, n.5, p.21, nov. 2005.
50
Sobre a criação da primeira sociedade positivista brasileira, em 1876, Beatriz Teixeira Weber afirma que esta
era “[...] uma sociedade de pessoas que se declaravam positivistas em diferentes graus, o que deu origem ao
Apostolado Positivista, a partir da proposta de união dos dois grupos [de Miguel Lemos e de Teixeira Mendes]”
(WEBER, 1999, p.35). O Apostolado Positivista aderiu à “religião da humanidade” defendida por Pierre Laffitte
em 1877. Adotaram uma rígida hierarquia que incluía, entre outros aspectos, a proibição da ocupação de cargos
públicos.
51
ZENI, 2002, p.587.
52
José Murilo de Carvalho, em estudo intitulado A formação das almas: o imaginário da República no Brasil,
afirma que também entre nós, brasileiros, observou-se uma batalha de símbolos e alegoria pelo imaginário
republicano, batalha esta que fez parte das batalhas ideológica e política. Segundo Carvalho, “a elaboração de
33
A proclamação da República ocorreu oficialmente no dia 15 de novembro de 1889. A
primeira Constituição Republicana Brasileira, de 1891, inspirou-se no modelo norte-
americano, consagrando a República Federativa Liberal, com um sistema presidencialista de
quatro anos de mandato. Os estados ficaram autorizados a exercer atribuições diversas, como
contrair empréstimos no exterior e organizar forças militares e justiça próprias. O voto passou
a ser direto e universal, e todos os brasileiros maiores de 21 anos, excluídas categorias como
os analfabetos, os mendigos, os praças militares e as mulheres, poderiam votar. Houve a
separação entre a Igreja e o Estado, entre outras transformações. A União manteve, entre
outras atribuições, o direito de criar bancos emissores de moeda, a arrecadação de impostos de
importação. O Legislativo estava dividido em Câmara dos Deputados e Senado. O Senado
deixou de ser vitalício.
Gostaríamos de destacar ainda que em textos como Os bestializados: o Rio de Janeiro
e a República que não foi e O pecado original da República, José Murilo de Carvalho não
apenas apresenta os projetos para a República, mas também analisa como a democracia
política, prometida pelas correntes jacobina e liberal-federalista, foi posta em prática pelo
novo regime. Retomando os projetos, pode-se definir da seguinte forma o papel da
participação política popular em cada um deles: a corrente jacobina enfatizava a participação
popular, a corrente liberal-federalista admitia alguma participação popular, e a corrente
positivista não previa papel ativo para o povo na República. Ainda segundo o autor,
um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se
podem atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças
de um povo”. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.10. José Murilo de Carvalho analisa, entre outros aspectos, a bandeira
nacional, que Maurício Zeni aponta como influência e contribuição positivistas. No sexto capítulo, intitulado Os
positivistas e a manipulação do imaginário, Carvalho afirma, sobre os positivistas, que “eles se envolveram
intensamente em todas as batalhas simbólicas aqui discutidas: as do mito de origem, do herói, da alegoria
feminina, da bandeira. [...] Constituíram, sem dúvida, o grupo mais ativo, mais beligerante, no que diz respeito à
tentativa de tornar a República um regime não só aceito como também amado pela população. Suas armas foram
a palavra escrita e os símbolos cívicos. [...] Há pelo menos dois pontos que podem ajudar a entender sua atuação.
O primeiro e mais óbvio é a própria doutrina comtista; o segundo é a concepção dos ortodoxos sobre a tática
política que deveria ser adotada no Brasil para levar adiante as reformas indicadas por Comte” (CARVALHO,
1990, p.129). Explorando o primeiro ponto o imaginário comtista Carvalho destaca a presença dos elementos
utópicos, religiosos e a valorização da expressão artística no pensamento de Comte. Referindo-se ao segundo
ponto a concepção dos ortodoxos sobre a tática política a ser adotada no Brasil Carvalho afirma que “a
junção da doutrina comtista com a visão estratégica dos ortodoxos fez desses positivistas os principais
manipuladores de símbolos da República. Se a doutrina lhes dava o conteúdo da simbologia, a concepção
estratégica impulsionava-os para a ação com maior urgência do que a sentida pelos positivistas franceses, ou
europeus em geral, mesmo os de convicção comtiana. O Brasil se lhes apresentava como às portas de grandes
transformações, talvez mesmo de verdadeiro salto na seqüência das fases evolutivas. Além disso, viam-se em
posição privilegiada para apressar a marcha da história. [...] Se a ação tinha de se basear no convencimento,
impunha-se o uso dos símbolos” (CARVALHO, 1990, p.139).
34
Um ponto central da propaganda republicana era a idéia de autogoverno, do
povo governando a si mesmo, do país se autodirigindo, sem necessidade de
uma família real de origem européia e de um imperador hereditário. Das três
correntes principais da propaganda, a jacobina era a que atribuía maior
protagonismo ao povo.
53
Para analisar a efetiva participação popular no sistema político inaugurado com a
República, Carvalho apresenta alguns dados numéricos importantes. O censo de 1920
apontava a população brasileira em 30,6 milhões. Para saber quantos desses cidadãos eram
também cidadãos políticos, devem ser excluídos desse total os analfabetos (75,5% da
população), as mulheres, os estrangeiros e os menores de 21 anos. Feitos os cálculos, restam
2,4 milhões de brasileiros legalmente autorizados a participar do sistema político por meio do
voto. “Se eram poucos os que podiam votar, menos ainda eram os que de fato votavam.
54
O
autor apresenta uma abstenção de 40% nas eleições presidenciais de 1910, disputadas entre
Rui Barbosa e Hermes da Fonseca. Votar podia ser perigoso (Rio de Janeiro capangas a
serviço dos candidatos), e as fraudes também não eram exatamente um “incentivo” à prática
do voto. Mas, para o autor, a baixa participação popular nos processos eleitorais não
significava que o povo fosse apático ou inexistente.
Por fora do sistema legal de representação, havia ação política, muitas vezes
violenta. Entre os poucos que votavam, os que escolhiam não votar e os
muitos que não podiam votar, havia o que eu chamo de povo da rua, isto é, a
parcela da população que agia politicamente, mas à margem do sistema
político, e às vezes contra ele.
55
53
CARVA LHO, 2005, p.20-21.
54
Ibidem, p.22.
55
Ibidem, p.22. Marcelo de Souza Magalhães, em texto intitulado Repensando política e cultura no início da
República: existe uma cultura política carioca?, questiona a interpretação feita por José Murilo de Carvalho
sobre a política carioca em Os bestializados. Segundo Magalhães, “[...] defende-se aqui a existência de uma
importante vida política na Capital Federal, tanto no que diz respeito à atuação dos representantes quanto dos
representados. Rejeita-se, portanto, a interpretação de que o povo optou por não participar da República, porque
‘sabia’ que ela não era ‘progressista’. Ao contrário, a análise da documentação produzida pelo Poder Legislativo
municipal permite supor que o povo, além de ter atuado nas várias repúblicas (festas religiosas, entrudo etc.),
também atuava no campo político-institucional, apesar do regime republicano ter-se configurado segundo um
modelo excludente e restritivo de cidadania. Modelo esse, aliás, compartilhado internacionalmente na época”.
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Repensando política e cultura no início da República: existe uma cultura
política carioca? In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva
(Org.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro:
Mauad, 2005, p.295.
35
O autor exemplifica o “agir politicamente à margem do sistema político” citando a
Revolta da Vacina
56
e Canudos, entre outros episódios.
O povo da rua era quase sempre tratado à bala, mas Carvalho apresenta ainda outra
forma empregada para lidar com os excluídos na República: através dos missionários do
progresso, como Oswaldo Cruz
57
, que viam no povo uma “[...] massa inerte e analfabeta a ser
tratada, corrigida e civilizada.
58
A Primeira República (1889 1930) não cumpriu as
promessas de propaganda, de ampliação da participação política, de autogoverno do povo.
Como afirmou Maria Emília Prado, “os republicanos prometeram um tempo de liberdade e
progresso, mas a república se apresentava excludente e hierarquizada nos progressos materiais
que viabilizava”.
59
A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, por sua vez, teve clara inspiração
positivista. Proclamada em nome da família, da pátria e da humanidade (sem menção a Deus),
estabeleceu o predomínio completo do Executivo e uma Assembléia dos Representantes com
atribuições apenas orçamentárias. A influência positivista no Rio Grande do Sul é explicada
por José Murilo de Carvalho pela tradição militar do estado e pelo fato de os republicanos
gaúchos constituírem minoria e precisarem de disciplina e coesão para se impor. Boris Fausto
56
A Revolta da Vacina ocorreu no Rio de Janeiro em 1904, e seu estopim foi a decretação da vacinação
antivariólica obrigatória. Segundo Micael M. Herschmann e Carlos Alberto Messeder Pereira, “a rebelião foi a
manifestação de uma população insatisfeita com uma série de medidas autoritárias que iam desde uma política
deflacionária e desapropriações de imóveis na área central da capital até a ‘invasão da privacidade’ efetuada
pelos batalhões de sanitaristas de Oswaldo Cruz, com os quais estes segmentos sociais dificilmente poderiam se
identificar”. HERSCHMANN, Micael M.; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (Org.). A invenção do Brasil
moderno: medicina, educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.28. Segundo José
Murilo de Carvalho, a Revolta da Vacina pode ser vista como uma reafirmação de valores tradicionais, uma
reação às “missões civilizadoras”. Segundo o autor, a revolta desencadeou um vasto e profundo protesto, com
“revoltas dentro da revolta”, como os consumidores de serviços públicos, por exemplo, manifestando seu
descontentamento contra as companhias prestadoras de serviços (CARVALHO, 1997, p.138; CARVALHO,
1999, p.117).
57
Oswaldo Cruz (1872-1917) formou-se doutor em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em
1892, com a tese “Veiculação Microbiana pelas Águas”. Especializou-se, em 1896, em Bacteriologia no Instituto
Pasteur de Paris. Foi diretor de Manguinhos, bem como da Diretoria Geral de Saúde Pública (1903 1909). É
importante destacar que Manguinhos tornou-se, no início do século XX, um importante centro de pesquisas, com
destaque para os trabalhos realizados no combate à febre amarela e na sanitarização das cidades. Recebeu a
medalha de ouro pelo saneamento do Rio de Janeiro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia
de Berlim em 1907. Foi eleito, em 1913, para a Academia Brasileira de Letras. Oswaldo Cruz faleceu em 1917.
Informações sobre a vida e o trabalho de Oswaldo Cruz podem ser encontradas nas páginas eletrônicas da
Fundação Oswaldo Cruz (Disponível em: <http://www.fiocruz.br>) e da Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz
(Disponível em: <http://www2.prossiga.br/ocruz>). Informações sobre Manguinhos estão em SCHWARCZ,
1993, p.25.
58
CARVALHO, 2005, p.24.
59
PRADO, 2005, p.216.
36
também apresenta esta argumentação como possibilidade de explicação. Acrescente-se a isto
o fato de governantes gaúchos, como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, terem estudado
na Faculdade de Direito paulista, local de circulação de idéias positivistas.
A proclamação da República criou condições para que chegasse ao poder, no Rio
Grande do Sul, o Partido Republicano Rio-grandense. O Partido foi fundado em 1882 e teve
como principais líderes os já citados Júlio Prates de Castilhos e Antônio Augusto Borges de
Medeiros. Como características bastante gerais do PRR, orientado pelo positivismo,
poderíamos destacar os princípios da “Ordem e Progresso”, Incorporação”, “Ditadura
Republicana”, “Equilíbrio Orçamentário”, “Cientificismo”, “Educação” e “Liberdade
Profissional e Religiosa”. No governo do PRR, positivista, o progresso ocorreria dentro da
ordem; haveria a cooperação, integração e incorporação das classes; o Executivo seria forte e
dominante, e não haveria nenhuma despesa sem receita. Os republicanos gaúchos
influenciados pelos ideais positivistas depositaram muita fé nas ciências. Na área da
educação, o estado responsabilizou-se pelo ensino primário, laico e gratuito. Durante o
governo do PRR, instituiu-se a liberdade profissional e religiosa, que estabelecia que não era
dever do governo regular a prática das profissões, como a medicina, e nem a adoção desta ou
daquela religião. Para os fins deste estudo, concentrar-nos-emos em aspectos relacionados ao
cientificismo, à liberdade profissional e à educação.
60
1.2 OS “HOMENS DA CIÊNCIA” E DA SAÚDE
A proclamação da República, em 1889, transformou palavras como “modernidade”,
“urbanização”, “civilização” e “reforma” em objetivos das elites brasileiras. Saíamos de uma
sociedade de tipo escravista e iniciávamos o processo de construção de uma sociedade
60
Para discussões sobre o Partido Republicano Rio-grandense e sobre a influência do positivismo no Rio Grande
do Sul apontamos, entre outros estudos, GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes; LEAL, Elisabete (Org.). Revisitando
o Positivismo. Canoas: Editora La Salle, 1998; FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e Sua Época.
Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS; MEC/SESu/PROEDI, 1988; LOVE, Joseph. O Regionalismo Gaúcho e
as Origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975; PINTO, Celi Regina J. Positivismo: Um
Projeto Político Alternativo (RS: 1889 1930). Porto Alegre: L&PM, 1986; BOEIRA, Nelson. O Rio Grande de
Augusto Comte. In: DACANAL, José; GONZAGA, Sergius (Org.). RS: Cultura e Ideologia. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1980, p.34-59; BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras,
1992, cap. 9; AXT, Gunter et al (Org.). Júlio de Castilhos e o paradoxo republicano. Porto Alegre: Nova Prova,
2005.
37
capitalista urbano-industrial. Buscava-se, de preferência, uma modernização “à européia”,
pois “o Estado Republicano estava preocupado em impor uma racionalidade que
correspondesse às transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas na Europa no
último quartel do século XIX”.
61
Juntamente com o capital estrangeiro investido no Brasil, resultado do
desenvolvimento sem precedentes da segunda Revolução Industrial, o país recebeu também
um conjunto de valores e modelos. Para podermos competir no mercado internacional,
“civilizar-se” era uma necessidade. Desenvolver e inovar na área das ciências era “crucial
para o destino da nação”. Micael M. Herschmann e Carlos Alberto Messeder Pereira
desenvolvem, em estudo organizado sobre a invenção do Brasil moderno, aspectos
relacionados à educação, à engenharia e à medicina e apresentam os especialistas ou cientistas
como “artífices ou porta-vozes” da modernização. Mesmo concentrando os estudos nas
décadas de 1920 e 1930, Herschmann e Pereira fornecem informações importantes para
compreender o período inicial da República. A reformulação dos espaços urbanos, dos valores
e comportamentos da população era a missão desses especialistas. Através da reorganização
urbana, buscar-se-ia, por exemplo, a internalização dos novos valores pela projeção externa,
pública, destes modelos.
Médicos higienistas e sanitaristas
62
, também objetos deste trabalho, invadiam a
privacidade dos lares objetivando a normatização, ou seja, homens e mulheres higiênicos e
sadios, aptos a desempenharem “[...] tanto seus papéis como produtores quanto como
reprodutores e guardiões de proles sãs e de uma raça ‘sadia’ e ‘pura’”.
63
O Brasil experimenta,
no período, o que Lilia Moritz Schwarcz denominou de “a época dos grandes projetos de
saneamento”, que alcançavam distintos espaços e “prescrevem hábitos alimentares,
61
HERSCHMANN, PEREIRA, 1994, p.26.
62
Diferenciando médicos higienistas e sanitaristas, Lilia Moritz Schwarcz afirma que “nesse momento
[passagem do século XIX para o XX], conectada à noção de higiene, aparecia a idéia de saneamento: caberia aos
médicos sanitaristas a implementação de grandes planos de atuação nos espaços públicos e privados da nação,
enquanto os higienistas seriam os responsáveis pelas pesquisas e pela atuação cotidiana no combate às epidemias
e às doenças que mais afligiam as populações. No entanto, essa divisão entre sanitaristas responsáveis pelos
grandes projetos públicos e hygienistas vinculados diretamente às pesquisas e à atuação médica mais
individualizada funcionou, muitas vezes, de maneira apenas teórica. Na prática, as duas formas de atuação
apareceram de modo indiscriminado” (SCHWARCZ, 1993, p.206).
63
HERSCHMANN, PEREIRA, 1994, p.48-49.
38
indumentárias, costumes. Buscam a disciplina no uso de lugares públicos, pedem a educação
higiênica na mais tenra idade”.
64
Mas as transformações idealizadas pelas elites não seriam facilmente implementadas.
A sociedade, evidentemente, não respondeu homogeneamente a essas
“reformas”, uma vez que a maioria da população ainda organizava suas
vidas de acordo com valores tradicionais, clientelistas, bem longe do modelo
de estrutura social oferecido pelo Estado.
65
É interessante destacar que José Murilo de Carvalho aponta, em escrito intitulado
Brasil 1870-1914: A Força da Tradição
66
, que o Brasil era um país predominantemente rural
no período inicial da República.
67
Em 1920, por exemplo, as cidades com mais de 20 mil
habitantes representavam 13% da população, e este mundo rural possuía valores diferentes
dos das elites modernizantes urbanas. “Este mundo, assim como essa república, da qual
estavam excluídos 95% dos cidadãos, nada tinham de moderno. Era um mundo de
analfabetismo, de trabalho semi-servil, de ausência de direitos, de paternalismo.”
68
Tanto o estudo de Herschmann e Pereira, quanto o estudo de Nilson do Rosário Costa
em Lutas urbanas e controle sanitário: origens das políticas de saúde no Brasil (1889-1930),
entre outros, relacionam diretamente o desenvolvimento das políticas de saúde no Brasil aos
64
SCHWARCZ, 1993, p.207.
65
HERSCHMANN, PEREIRA, 1994, p.27-28.
66
CARVALHO, 1999, p.107-129.
67
Maria Emília Prado afirma que, nos anos iniciais da República, “a cidade ainda era um espaço pouco familiar
para a imensa maioria da população brasileira” (PRADO, 2005, p.213).
68
CARVALHO, 1999, p.116. Abordando a força da tradição e o que era considerado moderno pelas elites
brasileiras, José Murilo de Carvalho aponta que “a força da tradição não se revelava apenas na reação às
mudanças. Ela estava presente no próprio conteúdo do que era visto e considerado como moderno pelos setores
da elite. Na época de que nos ocupamos, moderno, modernidade, modernização significava muita coisa. Eram as
novidades tecnológicas: a estrada de ferro, a eletricidade, o telégrafo, o telefone, o gramofone, o cinema, o
automóvel, o avião; eram as instituições científicas: Manguinhos, Butantã, a Escola de Minas, as escolas de
Medicina e Engenharia; eram as novas idéias, o materialismo, o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo
social, o livre cambismo, o secularismo, o republicanismo; era a indústria, a imigração européia, o branco; era a
última moda feminina de Paris, a última moda masculina de Londres, a língua e a literatura francesas, o dândi, o
flâneur; e era também o norte-americano, o pragmatismo, o espírito de negócio, o esporte, a educação física.
Antigo, tradicional, atrasado, era o português, o colonial, o católico, o monárquico; era o índio, o preto, o
sertanejo; era o bacharel, o jurista, o padre, o pai-de-santo; era o centralismo político, o parlamentarismo, o
protecionismo, o espiritualismo, o ecletismo filosófico. Todos os elementos mencionados acima podiam ser parte
do conceito de moderno, mas a maneira pela qual se combinavam é que vai dar o sentido da modernidade, seu
maior ou menor grau de rompimento com a tradição” (CARVALHO, 1999, p.119-120). Ainda segundo
Carvalho, ao definir o que a modernidade brasileira não era, aponta que esta não incorporava as idéias de
democracia e igualdade, sendo “alérgica” ao povo.
39
interesses econômicos e políticos das classes dominantes nacionais: promoção do mercado, do
trabalho assalariado, etc. Houve, no período em questão, uma grande valorização do trabalho
em detrimento do ócio. O trabalho era apresentado como “obrigação social” e “fator de
progresso”. Segundo Nilson do Rosário Costa, “a documentação existente indicou que a ação
de saúde pública foi um instrumento de importância central para a preservação da força de
trabalho e a criação de condições mínimas de salubridade
69
em diversas regiões do país”.
70
Voltando aos médicos higienistas e sanitaristas, pouco a pouco estes elementos
“adquirem uma crescente participação no aparato governamental, seja dirigindo o serviço
sanitário, seja definindo dispositivos estratégicos de regulação dos comportamentos e da vida
íntima dos diversos setores da sociedade”.
71
Era necessário ensinar ao trabalhador e à sua
família a “pedagogia da virtude” ou seja, ser bom trabalhador, membro de uma família,
moralizado, higienizado buscando eliminar práticas “selvagens e promíscuas”, “resquícios
de um passado indígena e colonial”.
A proclamação da República reforçou o processo de modernização e urbanização e
inaugurou um projeto de salubridade para o Brasil, com o remodelamento das cidades,
instalação de redes de água e esgoto, alargamento das ruas e derrubada de cortiços. Sobre este
processo em São Paulo, Heloísa Helena Pimenta Rocha afirma que
Em sua itinerância pelas ruas de São Paulo, esses novos habitantes
[fazendeiros enriquecidos, ex-escravos, brancos pobres e imigrantes] vão
69
“Salubridade não é a mesma coisa que saúde, e sim o estado das coisas, do meio e seus elementos
constitutivos, que permitem a melhor saúde possível. Salubridade é a base material e social capaz de assegurar a
melhor saúde possível dos indivíduos. E é correlativamente a ela que aparece a noção de higiene pública, técnica
de controle e de modificação dos elementos materiais do meio que são suscetíveis de favorecer ou, ao contrário,
prejudicar a saúde” (FOUCAULT, 2003, p.93).
70
COSTA, Nilson do Rosário. Lutas urbanas e controle sanitário: origens das políticas de saúde no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1985, p.17. [grifo nosso]
71
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade Disciplinar: Brasil 1890 1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p.120. É importante destacar que Herschmann e Pereira apontam que, junto com a entrada em
cena dos médicos, observa-se a ascensão dos engenheiros e dos educadores no campo intelectual
(HERSCHMANN, PEREIRA, 1994). No caso da administração pública do Rio Grande do Sul pelo PRR, é
possível observar a ascensão destas personagens na burocracia estadual. Médicos como Protasio Alves e Carlos
Barbosa Gonçalves ocuparam, entre outros cargos, a presidência do RS. Encontramos também grande número de
engenheiros ocupando cargos na Secretaria das Obras Públicas do Rio Grande do Sul. Os advogados, como Júlio
de Castilhos e Borges de Medeiros, também ocuparam cargos de destaque na administração pública gaúcha.
Odaci Luiz Coradini realizou interessante trabalho abordando, entre outros aspectos, a ocupação de cargos
político-partidários pela elite médica gaúcha. CORADINI, Luiz Odaci. O recrutamento da elite, as mudanças na
composição social e a ‘crise da medicina’ no Rio Grande do Sul. História, Ciências, Saúde Manguinhos, Rio
de Janeiro, vol.4, n.2, p.265-286, jul./out. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br>.
40
construindo novos cenários, fazendo surgir elegantes cafés e confeitarias,
luxuosas casas comerciais, atraentes vitrines e prósperas indústrias.
Edificando suntuosos palacetes, majestosos prédios públicos, rasgando
largas ruas e avenidas. Demolindo tudo que lembrasse o passado e, em seu
lugar, erigindo os símbolos do progresso e da civilização. Entretanto, nem só
de luxo e bom gosto se tecem os fios dessa história. Doenças, fome, miséria,
desemprego comporão a face menos nobre desse empreendimento
civilizatório.
72
Como fica claro pela transcrição acima, ao lado do novo, do moderno, São Paulo
assistiu à disseminação da pobreza e da miséria. Os cortiços e habitações coletivas
representavam, por exemplo, de acordo com médicos e governantes, uma ameaça gravíssima
à São Paulo que se desejava construir. A autora destaca a atuação do Conselheiro Antônio da
Silva Prado
73
na prefeitura da Capital, entre os anos de 1899 e 1910, nos projetos de
modernização de São Paulo.
Já com relação ao Rio de Janeiro, José Murilo de Carvalho destaca as atuações do
prefeito Pereira Passos
74
e do médico Oswaldo Cruz na busca pelo “progresso”. Segundo este
autor
A mais espetacular missão urbana foi a reforma e o saneamento da cidade do
Rio de Janeiro, empreendidos pelo engenheiro Pereira Passos e pelo médico
Oswaldo Cruz, a partir de 1903. Um novo porto foi construído, ruas foram
alargadas ou abertas, centenas de casas demolidas. Uma avenida rasgou o
ventre da velha cidade colonial expulsando gente, alterando o transporte,
mudando a cara da cidade. O prefeito Passos quis ainda mudar os hábitos da
população para que a cidade também nisto se parecesse com o modelo
72
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. A higienização dos costumes: educação escolar e saúde no projeto do
Instituto de Hygiene de São Paulo (1918 1925). Campinas, São Paulo: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp,
2003b, p.25.
73
Conselheiro Antônio da Silva Prado (1840 1929), político, comerciante e industrial pertencente à tradicional
família paulista, ocupou, entre outros cargos, a prefeitura de São Paulo de 1899 a 1911. Sua administração está
associada à urbanização e à busca por dar uma feição européia à cidade. Dentre as realizações de seu governo,
está a construção do Teatro Municipal. Informações sobre a vida e atuação política de Antônio da Silva Prado
podem ser encontradas nas páginas eletrônicas do Senado e do governo de São Paulo. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br> e <http://www.prodam.sp.gov.br>.
74
Francisco Pereira Passos (1936 1913), “engenheiro de origem aristocrática, com longa experiência em obras
públicas, que estudara em Paris na época das reformas produzidas pelo barão de Hausmann”, assumiu a
prefeitura da capital federal em 1902, com a incumbência de reformar a cidade, o que realizou através da
remodelação arquitetônica das edificações, da abertura de avenidas, de mudanças no tráfego urbano, entre outras
alterações. Informações sobre Francisco Pereira Passos e a reforma realizada na capital federal podem ser
encontradas na página eletrônica da Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz. Disponível em:
<http://www2.prossiga.br/ocruz>.
41
parisiense. Recolheu mendigos, mandou tirar vacas e cães das ruas, proibiu
cuspir nas ruas e dentro dos veículos.
75
Cidades importantes como São Paulo e Rio de Janeiro viviam projetos de
modernização e civilização, mas a situação geral da saúde no país caracterizava-se pela
propagação de epidemias, falta de serviços de atendimento à população, precariedade dos
recursos e necessidade de verbas especiais em situações de emergência.
76
Como veremos, a
situação não era melhor no Rio Grande do Sul ou em Porto Alegre.
A situação da saúde era precária no estado, não havendo grandes transformações
durante o período inicial da República. O Rio Grande do Sul, no período delimitado para o
estudo, não possuía uma tradição de escola médica e também não havia passado por um
processo de crescimento e modernização, diferentemente do Rio de Janeiro. O estado inseriu-
se tardiamente no restante do país e produzia basicamente para o mercado interno, sofrendo,
por isso, certo descaso das políticas oficiais. O RS foi marcado, culturalmente, pela imigração
de vários grupos europeus durante o século XIX, pela presença de diversas nações africanas
(diversidade cultural) e pelo intercâmbio com os países vizinhos.
77
Sobre o posicionamento do Partido Republicano gaúcho em relação às questões da
saúde, Beatriz Teixeira Weber afirma que as medidas para evitar a propagação de doenças
foram restritas.
78
Mantiveram-se, até 1920, apenas atitudes cotidianas de limpeza da cidade.
Os tão almejados projetos de esgoto que aparecem com freqüência nos Relatórios da Diretoria
de Higiene, por exemplo, só começaram a ser implementados em 1920. De orientação
positivista, os membros do PRR possuíam uma fé inabalável na ciência como fautora do
75
CARVALHO, 1999, p.111.
76
WEBER, 1999. Éder Silveira afirma que “a cidade, com seus vícios e ambigüidades, foi, durante o século XIX
e as primeiras décadas do século XX, amplamente explorada tanto pelos poetas e escritores quanto pelos
cientistas sociais. A Berlim de Georg Simmel, a Paris de Baudelaire e, mais tarde, de Walter Benjamin, as
cidades coloniais e imperiais brasileiras de Gilberto Freyre, de prismas diferentes, chamaram atenção por seu
caráter múltiplo, por suas temporalidades diversas e pela variedade de seus espaços. Mais do que isso,
pronunciavam-se, diante do olhar esquadrinhador e higienista dos gestores sociais, como um espaço a ser
controlado, um espaço cujas reentrâncias deveriam ser transformadas em linhas retas, espaços de visibilidade e
de controle. O olhar ‘medicalizador’, ao entrar na cidade visando limpá-la ao participar de sua concepção, como
enfatizou Michel Foucault, tinha como principal objetivo analisar ‘os lugares de acúmulo e amontoamento de
tudo que, no espaço urbano, pode provocar doença, lugares de formação e difusão de fenômenos epidêmicos ou
endêmicos’”. SILVEIRA, Éder. A cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-grandense nas
primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2005, p.98-99.
77
WEBER, 1999, p.24.
78
Ibidem, p.32.
42
progresso.
79
No Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior de
1897, encontramos as palavras do então Secretário João Abbott, que, referindo-se à saúde
pública, exemplificam essa fé na ciência.
A sciencia não é privilegio de nenhuma raça ou nação. O brasileiro de tudo é
capaz, tudo apprehende, tudo observa e tudo póde ensinar. [...] Não poupe o
Governo, como tem feito, despezas para creação e organisação do serviço, e
dentro em pouco estarão ultrapassados os limites que hoje nos são impostos
pelo preconceito, pela ignorancia e pela má vontade. O Rio Grande progride
e ninguem poder-lhe-á entorpecer a marcha. Elle sabe que o seu logar é na
vanguarda da sciencia e da industria, e que caber-lhe-á a primazia entre os
que lutam pela verdade e respeito ás leis que regem o homem e a sociedade.
Abnegação pelos outros, esquecimento do eu, vida collectiva, sociedade,
humanidade, é a Escola do Rio Grande do Sul. Muito pelo Rio Grande; mais
pelo Brasil e muito mais pela Humanidade.
80
A busca pela “modernização à européia” e a valorização da ciência, exemplificada no
parágrafo acima transcrito, também aparecem sob outras formas, como a realização de
levantamentos e estatísticas e as constantes comparações entre os índices dos estados e
cidades brasileiras entre si ou em relação a outros países.
Calculando se a população da cidade [Porto Alegre] em 60.000 habitantes,
temos uma proporção de 37,4 de mortes por mil habitantes; mortalidade
79
“Augusto Comte formulou uma complexa teoria, utilizando os conhecimentos do seu tempo, concebendo uma
filosofia baseada na ciência. Os pontos mais destacados dessa filosofia são relativos ao método, que procura a
evidência dos fatos, subordinando a imaginação e a argumentação à observação, buscando o enunciado das leis
universais que regem os fenômenos. Sua filosofia da história baseia-se na lei dos três estágios, em que todas as
ciências e o espírito humano, como um todo, desenvolvem-se passando pelas fases teológica, metafísica e
positiva. No estágio positivo, as ciências realizariam a investigação do real, marcando a passagem do poder
espiritual para as mãos dos sábios e cientistas, e do poder material para o controle dos industriais. Sua
classificação das ciências estende-se da mais simples à mais complexa, estabelecendo a seqüência até a que
alcança a totalização do saber, realizada pela Sociologia, passando pela Matemática, Astronomia, Física,
Química e Biologia. Na Sociologia, o conhecimento distingue-se entre a estática e a dinâmica sociais. A primeira
estudaria as condições constantes da sociedade; a segunda investigaria as leis do seu progressivo
desenvolvimento. A idéia fundamental da estática é a ordem; a da dinâmica, o progresso, sendo a dinâmica
social subordinada à estática, pois o progresso provém da ordem e aperfeiçoa os elementos permanentes de
qualquer sociedade, que são a religião, a família, a propriedade e a linguagem” (WEBER, 1999, p.34). Ainda
segundo Weber, vários autores destacam uma descontinuidade no pensamento de Comte após seu encontro com
Clotilde de Vaux, havendo a incorporação de elementos místicos. Após a morte de Comte (1857), houve uma
cisão entre seus seguidores: Pierre Laffitte (aceitação da doutrina comtiana em sua totalidade) e Paul Émile
Littré (desprezo ao movimento religioso proposto por Comte, adotando apenas a metodologia científica e a
filosofia política). A penetração do positivismo no Brasil ocorreu através de Benjamin Constant e a Escola
Militar. Miguel Lemos e Teixeira Mendes foram figuras exponenciais na propagação do positivismo no Brasil. A
feição religiosa teria sido a predominante no Rio Grande do Sul. Os princípios positivistas foram adotados de
forma adaptada, adequando-se às necessidades e objetivos dos grupos que os adotaram, o que permitiu o
aparecimento de ambigüidades e choques.
80
SIE.3 004 (Introdução, 1897, p.11).
43
muitissimo grande, attendendo que Rio de Janeiro, com a sua reputação de
insalubre, tem uma media de 30 a 31 e nas cidades onde os preceitos de
hygiene são applicados com rigor a mortalidade tem descido, como em
Londres, a 19.
81
Os índices de mortalidade da cidade de Porto Alegre eram considerados bastante
elevados, como podemos observar na transcrição do Relatório. Segundo Beatriz Teixeira
Weber, em 1913, o índice da mortalidade (coeficiente de mortalidade por mil habitantes) em
Porto Alegre era de 25.70, o Rio de Janeiro possuía um índice de 20.85, Londres, de 14.62 e
Buenos Aires, de 15.50.
82
A comparação com a Europa
83
também aparece nos Relatórios,
quando o Diretor de Higiene apresenta os cálculos de quanto se perdia com a doença e a
morte, já que significavam a interrupção da ação produtiva.
Ora, como já tive occasião de dizer, avaliando, como fizeram os inglezes, a
vida de cada homem em uma certa quantia e tomando por base (valor
minimo dado pelos economistas) um conto de réis, eu concluo que mais de
mil contos de réis serão perdidos aqui em Porto Alegre por anno, emquanto
não se puzerem em execução trabalhos de saneamento como os que se fazem
nos grandes centros.
84
Para os dirigentes positivistas, o cidadão deveria ser educado nos princípios da ciência
e, esclarecido, tomaria as decisões relativas à sua saúde e à da sua família. Esse princípio está
diretamente relacionado ao ideal, já citado, da liberdade profissional e religiosa defendida
pelo Apostolado Positivista. De acordo com esse ideal, não caberia ao governo republicano
regular as profissões e as crenças da população. Ao governo caberia o longo processo de
educação da população moralização dos indivíduos pela tutela do Estado , e esta
população instruída regularia as profissões de acordo com suas preferências.
O princípio de separação entre os poderes temporal e espiritual foi
fundamental para articular a visão sobre saúde tida pelos positivistas que
assumiram o governo gaúcho. Não apoiavam qualquer intervenção que
81
SIE.3 001 (Higiene, 1893, p.95).
82
WEBER, 1999, p.62.
83
Equipamentos para os Laboratórios de Desinfecção, Química e Bromatologia e de Bacteriologia também eram
importados da Europa (Relatórios da Diretoria de Higiene). O Instituto Pasteur foi fundado, no RS, durante o
governo de Carlos Barbosa (1908 1913) (WEBER, 1999, p.55).
84
SIE.3 001 (Higiene, 1894, p.98).
44
ferisse a liberdade de escolha de cada indivíduo em seu cotidiano. O poder
temporal podia apenas incentivar a educação baseada na ciência.
85
A reorganização social ocorreria em escalas, atingindo primeiramente as idéias, depois
os costumes e, por último, as instituições. Não caberia ao Estado interferir em questões
individuais. Essa questão atingia diretamente os médicos, pois, no estado, qualquer pessoa
poderia praticar a arte da cura, devendo, para isso, apenas inscrever-se na Diretoria de Higiene
mediante o pagamento de uma taxa. Deveriam ser multados os que exercessem a medicina
sem a inscrição ou que cometessem algum erro, mas essa fiscalização simplesmente não
acontecia.
Para o serviço da medicina registraram suas cartas 4 medicos formados em
faculdades da Republica, 5 por universidades estrangeiras e 38 que não
exhibiram titulo de habilitação. Para o exercicio de pharmacia 2, que
exhibiram cartas, 1 pela faculdade do Rio de Janeiro e outro pela da Bahia, e
7 que não apresentaram titulo de habilitação. Para o da arte obstetrica
inscreveram-se 13, das quaes duas exhibiram titulos de habilitação por
faculdades estrangeiras. Para o da arte dentaria 4, e, finalmente, para
venderem drogas inscreveram-se 24. Deram essas inscripções uma renda
superior a 18:000$000.
86
A liberdade profissional, perspectiva diferenciada adotada somente no Rio Grande do
Sul pela “autonomização das práticas regionais”, juntamente com a liberdade de religião,
ocasionou uma enxurrada de práticos no estado.
87
Houve diversos conflitos entre esses
práticos e os médicos diplomados, principalmente depois da fundação da Faculdade de
Medicina de Porto Alegre, em 1892. Os médicos reagiram constantemente contra a liberdade
profissional. Elizabeth Rochadel Torresini destaca, em seu texto A modernidade e o exercício
da medicina em Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo
88
, que o IX Congresso
Brasileiro de Medicina, realizado em Porto Alegre, em 1926, provocou uma série de reações à
liberdade profissional. Apoiados por médicos de outros estados, os médicos gaúchos mais
uma vez questionaram o governo do estado no que se referia à liberdade profissional. Mas foi
85
WEBER, 1999, p.49-50.
86
SIE.3 007 (Higiene, 1899, p.9).
87
Segundo Weber, através do decreto-lei de 30 de dezembro de 1891, o “[...] Governo Provisório determinou
que os estados eram responsáveis pela organização das ações sanitárias terrestres nas suas regiões” (WEBER,
1999, p.44). Nos outros estados, o exercício das profissões era amplamente regulamentado.
88
TORRESINI, Elizabeth Rochadel. A modernidade e o exercício da medicina em Olhai os lírios do campo, de
Érico Veríssimo. Ciências e Letras, Porto Alegre, n.38, jul./dez. 2005. Disponível em:
<http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>. Acesso em: 11 set. 2006.
45
apenas em 1932, através do Decreto n. 20.931 expedido pelo governo provisório de Getúlio
Vargas, que foi regulamentado o exercício da medicina.
89
O Apostolado defendia a liberdade profissional porque, entre outros motivos, a
medicina
90
não era uma arte perfeitamente racionalizada, havendo várias teorias e práticas.
Em decorrência disso, os médicos não hesitavam em acusar de charlatanismo ou ignorância
tudo o que se afastasse do seu modo de ver. No entendimento do Apostolado, a concessão de
privilégios à classe médica seria uma forma de oprimir os cidadãos, que poderiam recorrer
somente a eles, cabendo aos mesmos se esforçarem para adquirir a confiança da população.
91
O Apostolado afirmava ainda que
[...] as sociedades modernas sofreriam do flagelo do medicalismo: a
exploração da sociedade por meio da Medicina. Esse flagelo seria
caracterizado pela imposição de práticas, como o isolamento dos doentes;
pela imposição dos médicos do Estado em caso de doença; pela desinfecção,
que atacaria a propriedade alheia; pela vacinação, que penetraria nos
organismos e lhes introduziriam infecções que julgavam capazes de imunizar
outras; pelo monopólio do diploma concedido pelo Estado, que impediria o
cidadão de “confiar os cuidados de sua saúde e a intimidade do seu lar ao
médico que for de sua inteira confiança espiritual e moral”.
92
A medicina, durante o período abrangido pela pesquisa, não era como a conhecemos
hoje, sendo “[...] destituída de consensos terapêuticos e intensamente marcada pelas tentativas
89
TORRESINI, 2005, p.71. “O novo decreto define o exercício da medicina, da odontologia, da medicina
veterinária, das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira, e estabelece normas de vigilância, fiscalização
e punição das infrações. Estabelece os deveres do médico, exige a notificação anual do endereço do consultório e
fixa a conduta médica nos padrões universais. Normas quanto à clareza das receitas, atestados de óbitos,
anúncios na imprensa, consultórios, parcerias com outros profissionais e indústrias farmacêuticas,
responsabilidades nos procedimentos, entre outras, são claramente definidas” (TORRESINI, 2005, p.71).
90
A visão de Comte sobre a medicina afirmava que ela “[...] não é uma ciência enquanto teoria abstrata, mas um
saber positivo da unidade do homem concreto [...]. A autoridade moral dos médicos deve servir como o
ascendente social do qual todos os cientistas devem ser dotados. [...] Afirma a subordinação da Medicina à
moral, e a extensão da religião ao domínio da saúde, fazendo do médico, assim como do sacerdote, aquele que
diz o que é preciso fazer e o que se pode esperar, que traz a resignação em nome de uma ordem superior quando
a ação não pode modificá-la. Esse fundamento teórico concebe a saúde como harmônica, como elemento
corporal subordinado às leis superiores da sociologia e da moral. [...] A Medicina seria, então, um saber
sintético, que deve levar em conta todo o indivíduo. Deve completar a ciência sintética do homem, abraçando os
fatores intelectuais, afetivos e sociais que entram em jogo no equilíbrio geral que constitui a saúde. O centro de
toda a elaboração de uma teoria sintética da doença, que fundamenta a introdução sistemática do ponto de vista
social da Medicina, é a teoria cerebral (doutrina da harmonia vital ou da influência do cérebro sobre o corpo)”
(WEBER, 1999, p.36-37). Ainda segundo Weber, as ambigüidades na adoção do positivismo no Brasil a
“receptividade seletiva” de José Murilo de Carvalho foram muito marcantes no que se refere a propostas de
saúde pública e à compreensão do papel da medicina (WEBER, 1999, p.36).
91
WEBER, 1999, p.45-47.
92
Ibidem, p.47.
46
de ensaio e erro. Esses médicos experimentavam objetivamente imensas dificuldades em
diagnosticar e curar doenças, ou atuar nas freqüentes epidemias [...]”.
93
Os médicos,
influenciados por sua formação católica, apresentavam dificuldades em separar ciência e
religião. Muitos dos procedimentos adotados não estavam vinculados à certeza do seu
funcionamento. Os médicos representavam apenas uma das possibilidades de cura às quais a
população podia recorrer em caso de doença. Mas os métodos dolorosos e as explicações
muitas vezes incompreensíveis, distantes do entendimento popular, aproximavam a população
de parteiras, curandeiros, benzedeiras, espíritas e demais práticos. A coexistência dessas
diversas práticas possibilidades de cura está presente nas crônicas de Achylles Porto
Alegre.
94
Em sua crônica intitulada Barbeiro e Cirurgião, Achylles Porto Alegre conta que
Entremeado com os relógios, viam-se bojudos frascos de botica dos de boca
larga e tampa de vidro, cheios de água, onde rabeavam sanguessugas. Ali se
viam também caixas especiais contendo ventosas e um estojo de dentista.
Logo ao entrar, se esbarrava, ao pé da porta, com um rebolo. É que o Eiras,
além de exímio “esfola-queixos”, era cirurgião, relojoeiro, dentista e
amolador.
95
Já em crônica intitulada Velho André, o Boticário, Achylles Porto Alegre narra que o
farmacêutico André Jesuíno de Oliveira Barreto “tinha farmácia alopata, mas tratava pela
93
WEBER, 1999, p.84.
94
PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1994. As
crônicas de Achylles Porto Alegre (1848 1926) foram escritas entre os anos de 1915 e 1925 e selecionadas por
Deusino Varela em 1940. Segundo Charles Monteiro, em artigo intitulado Histórias e memórias da cidade nas
crônicas de Aquiles Porto Alegre (1920 1940), a crônica, gênero de fronteira, está situada entre a história e a
literatura. “Crônica e história, de maneiras diferentes, são formas de escrita que elaboram a passagem do tempo e
a memória de um grupo ou de uma sociedade por meio da seleção proposta pelo filtro do tempo presente.
Cronistas e historiadores desempenham o papel social de intérpretes da memória coletiva. Eles realizam uma
leitura da memória coletiva promovendo cortes, seleções, acréscimos e silenciamentos. Ambos produzem uma
memória social, a partir da ótica e dos interesses de determinado grupo, embora sua escrita pretenda dar conta da
experiência social de toda a sociedade” (MONTEIRO, 2004, p.83). Ainda segundo Monteiro, as crônicas podem
ser tomadas como documentos, visto que “[...] se apresentam como escrita social de um tempo, produção de
interpretações de uma experiência social urbana, como narrativas sobre o cotidiano da cidade [...]”
(MONTEIRO, 2004, p.84). Achylles Porto Alegre foi jornalista (Jornal do Comércio: 1884 1888, A Notícia:
1896), funcionário público (capitão reformado, telegrafista, funcionário do tesouro, inspetor escolar), professor
(Instituto Brasileiro, Escola Normal, Júlio de Castilhos), um dos fundadores da Sociedade Partenon Literário,
juntamente com seus irmãos Apolinário e Apeles, sócio fundador do IHGRS (1920) e escreveu e publicou
poesias, crônicas, romances, contos e livros de história. MONTEIRO, Charles. Histórias e memórias da cidade
nas crônicas de Aquiles Porto Alegre (1920-1940). História UNISINOS, São Leopoldo, v.8, n.10, jul./dez. 2004.
Retomaremos as crônicas de Achylles Porto Alegre no terceiro capítulo deste estudo, considerando sua atuação
como inspetor escolar e professor.
95
Ibidem, p.180.
47
homeopatia, fazendo curas milagrosas, como citavam muitos casos de doentes desenganados
pelos médicos e que ele os punha bons com a sua ‘água fria’.”
96
A tentativa dos médicos de se organizarem como corporação, o que ocorreu
tardiamente no estado, esbarrava na liberdade profissional e nos choques entre os próprios
médicos, que possuíam diferentes concepções sobre as doenças e formas de cura
(homeopatia
97
, alopatia
98
, teoria dos miasmas
99
, teoria microbiana
100
, etc.).
101
Muitas descobertas e inovações médicas ocorreram ou eram bastante recentes no
período inicial da República brasileira. A anestesia, por exemplo, foi inventada em 1846; a
assepsia, somente em 1865.
Em 1882 Robert Koch (1843 1910) descobriu o agente causador da
tuberculose (...). Entre 1880 e 1898 foram descobertos os germes causadores
da febre tifóide, da hanseníase, da lepra, da malária, da tuberculose, do
mormo, do cólera, da erisipela (o estreptococo, responsável também por
outras infecções), da difteria, da febre de Malta, do cancro mole, da
pneumonia pneumocócica, das infecções estafilocócicas, do tétano, da peste,
do butolismo, da disenteria (Shigella).
102
A confiança, que, segundo os positivistas, deveria ser conquistada pelos médicos, era
obtida, muitas vezes, através de elementos nem sempre relacionados à capacidade de cura.
Nikelen Acosta Witter informa, em estudo sobre as práticas de cura ainda durante o período
96
PORTO ALEGRE, 1994, p.185.
97
“Homeopatia: s. f. MED. 1 método terapêutico que consiste em prescrever a um doente, sob uma forma muito
diluída e dinamizada, uma substância capaz de produzir efeitos semelhantes aos que ele apresenta [Este método
foi criado, no fim do s XVIII, pelo médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843)]”. HOUAISS, Antônio;
VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.1546.
98
“Alopatia: s. f. MED. sistema ou método de tratamento em que se empregam remédios que, no organismo,
provocam efeitos contrários aos da doenças em causa” (HOUAISS, VILLAR, 2001, p.165).
99
“Miasma: s. m. HIST. MED. 1 emanação a que se atribuía, antes das descobertas da microbiologia, a
contaminação das doenças infecciosas e epidêmicas 2 exalação pútrida que emana de animais ou vegetais em
decomposição” (HOUAISS, VILLAR, 2001, p.1914).
100
“Microbiologia: s. f. 2 BIO. MED. especialidade biomédica que se dedica ao estudo dos microrganismos
patogênicos, responsáveis pelas doenças infecciosas, englobando a bacteriologia, virologia e micologia”
(HOUAISS, VILLAR, 2001, p.1915).
101
Sobre o fortalecimento tardio dos médicos no Rio Grande do Sul, é interessante observar que Éder Silveira
afirma que “ainda que, como alguns estudos sobre a medicina no Rio Grande do Sul defendem, seu
fortalecimento institucional tenha sido um pouco tardio, ocorrendo somente na passagem do século XIX ao XX,
esses discursos [os discursos analisados por Silveira] dão visibilidade ao olhar médico, ou ‘medicalizado’, já
intimamente ligado ao modo de pensar o espaço público, as questões relativas à higiene e à saúde dos cidadãos”
(SILVEIRA, 2005, p.129-130).
102
SCLIAR, Moacyr. Do mágico ao social: trajetória da saúde pública. São Paulo: Editora SENAC São Paulo,
2002, p.76.
48
imperial, que elementos subjetivos como a capacidade discursiva e a postura em público
também eram considerados pela população em suas escolhas por determinado atendimento
para as doenças.
103
O estado do Rio Grande do Sul teve dois regulamentos para as questões da saúde no
período em questão: o Regulamento para o Serviço de Higiene, de 1895, e o Regulamento da
Diretoria de Higiene do Estado do Rio Grande do Sul, de 1907. Segundo Beatriz Teixeira
Weber, o Regulamento para o Serviço de Higiene de 1895 era bem mais minucioso e bastante
parecido com o dos demais estados brasileiros. O Regulamento de 1907 restringiu as medidas
relativas à saúde cabíveis ao estado, tornando-se, desta forma, mais adequado à perspectiva
positivista adotada pelo governo.
104
“O Regulamento de 1907 apresentou maior adequação à
perspectiva positivista adotada no Rio Grande do Sul, que entendia não ser atribuição do
Estado regulamentar a medicina, as casas de cura e as práticas de saúde e interferir nas
habitações e nas decisões particulares sobre o uso ou não da vacina.”
105
Apesar do estabelecimento do ideal da liberdade profissional e religiosa no Rio
Grande do Sul e de se dizer contrário ao que chamava de “terrorismo e autoritarismo
sanitário”, o governo gaúcho de inspiração positivista adotou práticas contrárias ao ideário
defendido pelo Apostolado Positivista, priorizando o isolamento dos doentes e a desinfecção
das residências para evitar a propagação das doenças.
106
Em casos de doenças contagiosas, os
passos eram os seguintes: 1º - deslocamento do médico para diagnóstico da doença, 2º -
isolamento do doente ou suspeito, 3º - desinfecção da moradia. Ao relatar como se estava
combatendo a varíola em Porto Alegre em 1894, Protasio Alves
107
informou que
[...] a policia sanitaria que temos feito por intermedio dos desinfectadores;
não se deixando permanecer na cidade focos de infecção variolica,
103
WITTER, Nikelen Acosta. Dizem que foi feitiço: as práticas de cura no sul do Brasil (1845 a 1880). Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2001.
104
WEBER, 1999, p.50-52.
105
Ibidem, p.52. Comparando o Regulamento da Higiene de 1895 (Decreto n. 44, de 2 de abril de 1895) e o de
1907 (Decreto n. 1240A, de 31 de dezembro de 1907), é possível perceber que o de 1907 é mais sucinto e com
disposições mais gerais.
106
Ibidem, p.32.
107
O Dr. Protasio Alves merecerá maior atenção ainda neste estudo, uma vez que a sua atuação no governo do
estado, tanto na Diretoria de Higiene quanto na Secretaria do Interior e Exterior, está intimamente relacionada à
principal questão aqui discutida, ou seja, a higiene e a saúde nas escolas públicas gaúchas.
49
tolerando que se tratem fóra do lazareto só os individuos cujas condições
permittam isolamento em casa e desinfecções frequentes.
108
Como fica claro na citação acima, “polícia sanitária”, “desinfecção” e “isolamento”
faziam parte da política de combate às doenças do governo republicano no RS.
As doenças
109
que apareciam com freqüência nos Relatórios da Diretoria de Higiene e
que preocupavam o governo eram a varíola
110
, a tuberculose
111
, a febre tifóide
112
, a difteria
113
,
a peste
114
, a disenteria
115
, a coqueluche
116
, o sarampão
117
, a escarlatina
118
e a sífilis
119
. A
108
SIE.3 001 (Higiene, 1894, p.98). [grifo nosso]
109
As doenças também possuem história, sendo concebidas de acordo com as percepções e saberes de seu
tempo. Segundo Diego Armus, em texto intitulado Legados y tendencias en la historiografía sobre la
enfermedad en América latina moderna, “además de su dimensión biológica, las enfermedades cargan con un
repertorio de prácticas y construcciones discursivas que reflejan la historia intelectual e institucional de la
medicina. Las enfermedades también pueden ser una oportunidad para desarrollar y legitimar políticas públicas,
canalizar ansiedades sociales de todo tipo, facilitar y justificar el uso de ciertas tecnologías, descubrir aspectos de
las identidades individuales y colectivas, sancionar valores culturales y estructurar la interacción entre enfermos
y proveedores de atención a la salud. De algún modo, y tal como ha escrito uno de los más influyentes
historiadores en este campo, una enfermedad existe luego que se ha llegado a una suerte de acuerdo que revela
que se la ha percibido como tal, denominado de un cierto modo y respondido con acciones más o menos
específicas. En otras palabras, razones particulares y coyunturas temporales enmarcan la vida y muerte de una
enfermedad, su ‘descubrimiento, ascenso y desaparición” (ARMUS, 2005, p.13-14). Por isso, considerei
interessante apresentar quais eram as explicações da época para as doenças que mais preocuparam o governo
gaúcho. Utilizei, para este fim, o dicionário de medicina de CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Diccionario de
medicina popular e das sciencias accessarios para uso das familias. Paris: A. Roger & F. Chernoviz, 1890.
110
“Com estes nomes designa-se uma erupção geral de borbulhas pelo corpo, que se convertem em grandes
pustulas redondas e purulentas; acabam pela deseccação e deixam nodoas vermelhas, as quais succedem
cicatrizes mais ou menos apparentes” (CHERNOVIZ, 1890, p.325, vol. II).
111
“Tisica ou Phthisica: A molestia de que nos vamos occupar é designada frequentemente pelo nome de
molestia de peito, e esta denominação é devida talvez a essa supremacia da faculdade de destruir que a distingue,
e que faz esquecer perante ella as outras affecções menos perigosas do peito. A tisica consiste no
desenvolvimento de tuberculos nos pulmões. Os tuberculos são corpos de côr branco-amarellada, opacos, de
grossura que póde variar desde o volume de um grão de arroz até ao de um ovo ou de uma laranja.
Ordinariamente tem o volume de um grão de ervilha. Espalhados no meio dos pulmões, podem occupar a sua
maior parte; póde haver um só ou podem existir em pequeno numero: ao principio são duros e solidos, tornam-se
molles no fim de um tempo variavel, e são então expulsos pela tosse. Em seu logar deixam no pulmão
excavações proporcionadas ao seu volume, chamadas cavernas. É o desenvolvimento dos tuberculos nos
pulmões, que occasiona a diminuição lenta das forças, o emmagrecimento progressivo, e produz a molestia
chamada tísica” (CHERNOVIZ, 1890, p.1092, vol. II).
112
"Esta molestia recebeo muitas denominações. Chamaram-lhe febre mucosa, perniciosa, maligna, nervosa,
lenta nervosa, putrida, adynamica, ataxica, dothinenterite, etc. Symptomas: a molestia principia por um
sentimento de peso na bocca do estomago, pulso forte e frequente, fastio, boca amarga, lingua coberta de uma
camada branca, colicas, fraqueza, dôres nos membros, urinas poucas e espessas" (CHERNOVIZ, 1890, p.1100,
vol. I).
113
Não encontrei, sob esta denominação, informações sobre a moléstia.
114
“Dava-se outr´ora este nome a todas as molestias epidemicas que faziam grandes estragos; mas hoje applica-se
exclusivamente a uma febre grave do Egyto e de outras partes do Oriente, caracterizada, entre outros symptomas,
por bubões, gangrenas e que é frequentemente contagiosa” (CHERNOVIZ, 1890, p.716-717, vol. II).
115
"Molestia cujos symptomas principaes consistem em frequentes evacuações de materias mucosas misturadas
com sangue, acompanhadas de colicas e de um sentimento de ardor no anus" (CHERNOVIZ, 1890, p.887, vol.
I).
50
tuberculose era considerada o flagelo do período. No Relatório da Diretoria de Higiene de
1903, o Diretor Protasio Alves afirma que “só a tuberculose cresce e cresce progressivamente
de modo pavoroso! Lançando um olhar sobre a estatistica destes ultimos annos, vemos a
mortalidade geral soffrer pequenas oscillações, mas a por tuberculose não”.
120
No ano anterior
(1902), a tuberculose foi responsável por 16,45% do total de óbitos ocorridos em Porto
Alegre. Em 1890, eram usuais o internamento ou a morte sem assistência.
121
As principais reclamações da população com relação à saúde e à salubridade no Rio
Grande do Sul eram referentes à sujeira das ruas, às condições dos alimentos, à dificuldade de
conseguir atestados do óbito, entre outras. Qual era a situação específica de Porto Alegre,
dentro deste contexto? Sobre a situação da capital gaúcha na década de 1910, Anderson
Zalewski Vargas, em texto intitulado Moralidade, autoritarismo e controle social em Porto
Alegre na virada do século 19, afirma que
Durante boa parte dos anos 10, Porto Alegre permaneceu sendo uma cidade
provinciana, sem os sinais característicos do processo de homogeneização
que acompanhou a transformação do capitalismo em um sistema mundial.
[...] O crescimento econômico-demográfico não foi acompanhado de uma
renovação em seu plano urbanístico, em suas edificações e em sua infra-
estrutura de serviços. A cidade cresceu concentrada em torno de uma exígua
área central, reproduzindo uma planificação urbana cujas deficiências eram
116
“Dá-se este nome a uma tosse violenta e convulsiva que torna a apparecer com intervallos mais ou menos
longos, e que consiste em muitas expirações successivas, seguidas de uma inspiração sonora” (CHERNOVIZ,
1890, p.704, vol. I).
117
“Esta molestia é uma febre acompanhada de tosse, vermelhidão dos olhos, e caracterizada pela erupção, sobre
a pelle, de pequenas pintas vermelhas, semelhantes ás mordeduras de pulga. Causas. O sarampo é produzido por
uma causa que não é conhecida; reina ordinariamente de uma maneira epidemica; isto é, ataca grande numero de
indivíduos ao mesmo tempo” (CHERNOVIZ, 1890, p.956, vol. II).
118
“Molestia geral que, depois de alguns dias de febre, se annuncia por pintas vermelhas, cuja reunião forma
largas manchas vermelhas, um pouco resaltadas acima da pelle, que se confundem e cobrem toda a superficie do
corpo. Esta molestia, assim como o sarampo, de que pouco difere, é frequentemente acompanhada de inflammação
de garganta” (CHERNOVIZ, 1890, p.1005, vol. I).
119
“Syphilis , mal syphilitico, mal venereo, gallico, taes são os diversos nomes de uma molestia caracterizada
por varios symptomas [...]. Transmitte-se pela approximação dos sexos, mas contrahe-se tambem por qualquer
outra especie de contacto immediato, comtanto que os logares, que correm este risco, sejam simplesmente
cobertos de membrana mucosa, como a glande, os labios, etc., ou então que, sendo cobertos pela pelle, esta se
ache casualmente despida de sua epiderme por qualquer ferida ou esfoladura. Resultam d´isso frequentes
exemplos de semelhantes moléstias contrahidas pela ammamentação, por beijos [...]” (CHERNOVIZ, 1890,
p.1031, vol. II).
120
SIE.3 012 (Diretoria de Higiene, 1903, p.222).
121
Em 1918, aproximadamente, os gastos com a saúde eram de menos de 2,5% dos gastos totais do orçamento,
sendo que a Brigada Militar recebia 33,8%. WEBER, Beatriz Teixeira. Doenças, Epidemias e Medos:
Possibilidades de Pesquisa no Século XIX. In: I Seminário de Pesquisas do AHRS, 2001, Porto Alegre. Anais do
I Seminário de Pesquisa do AHRS, 2001 (E-Book). [A autora não explica estes dados]
51
agravadas pelas péssimas condições de habitabilidade das edificações, pelos
limitados e precários serviços de água, luz, esgoto e transportes.
122
Sandra Jatahy Pesavento já desenvolvia, em 1990, em O cotidiano da república: elite
e povo na virada do século
123
, questões sobre habitação, água, esgoto, luz e transportes em
Porto Alegre no período em questão.
Segundo a autora, o crescimento da cidade de Porto Alegre, no final do século XIX,
gerou o “problema habitacional”. A população pobre e trabalhadora, que precisava morar
perto de seu trabalho, buscava moradias de baixo preço. A existência dessa população pobre
que dividia o espaço dos cortiços gerava uma série de protestos.
Para a opinião pública em geral, de tendência conservadora, a existência de
cortiços, porões, casebres e barracos sem ar e sem luz, infectados e
superlotados, era um problema a ser atacado. Pobres no centro da cidade, à
vista de todos, em antros de promiscuidade e sujeira, implicavam sobretudo
uma questão moral que devia ser solucionada. Mais do que a todos,
entretanto, era ao poder público que cabia apresentar soluções. A República
fora proclamada sob os auspícios do progresso e do trabalho livre, mas
dentro de ordem, e populações pobres sem teto convertiam-se em focos de
tensão social, que era preciso evitar.
124
Também Silvia Maria Fávero Arend, em Amasiar ou casar? A família popular no final
do século XIX
125
, aponta para as péssimas condições sanitárias de Porto Alegre em fins do
século XIX. Segundo esta autora,
A Federação (órgão de imprensa do PRR), A Reforma (órgão de imprensa
do Partido Liberal), O Mercantil, O Independente, O Século, Gazeta da
Tarde, A Gazetinha, Correio do Povo eram jornais que circulavam no final
do século XIX, em Porto Alegre. Com grande freqüência, esses periódicos
noticiavam e discutiam os problemas da capital. Alguns desses jornais
denunciavam as péssimas condições sanitárias da cidade e cobravam das
autoridades públicas providências no sentido de reverter esse quadro A
capital gaúcha possuía um serviço de água limitado e deficiente, habitações
122
VARGAS, Anderson Zalewski. Moralidade, autoritarismo e controle social em Porto Alegre na virada do
século 19. In: MAUCH, Cláudia et al. Porto Alegre na virada do século 19: cultura e sociedade. Porto
Alegre/Canoas/São Leopoldo: Ed. Universidade/UFRGS / Ed. ULBRA / Ed. UNISINOS, 1994. p.33.
123
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O cotidiano da república: elite e povo na virada do século. 4.ed. Porto Alegre:
Ed. Universidade/UFRGS, 1998.
124
Ibidem, p.37.
125
AREND, Silvia Maria Fávero. Amasiar ou casar? A família popular no final do século XIX. Porto Alegre:
Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
52
mal iluminadas e ventiladas, nenhuma instalação de esgoto, ruas sujas e
escuras.
126
Nos Relatórios da Diretoria de Higiene, as habitações como os cortiços, por exemplo,
também aparecem como preocupação. No Relatório de 1893, o primeiro a ser analisado, a
questão já aparece. Afirma o Diretor de Higiene que “ha nos pontos mais populosos da cidade
cortiços inhabitaveis cuja demolição se impõe, encontram-se pateos sem esgotos mesmo para
as aguas pluviaes, a lotação de certas casas de habitação commum precisa muito de ser
fiscalisada”.
127
As classes populares moradoras dos cortiços e porões deveriam ser varridas do centro
da cidade, juntamente com essas construções, numa ação saneadora e moralizadora. A Gazeta
da Tarde de 12 de abril de 1897 publicou, segundo transcrição de Pesavento, que “quem é
pobre não tem luxo [...] more na cidade quem tiver condições de cidadão”.
128
Outras preocupações também referidas no texto de Sandra Pesavento, e que
constituíram preocupações constantes nos Relatórios, foram as condições da água e a falta de
uma rede de esgotos. No Relatório de 1894, o Inspetor Protasio Alves afirma que
Para diminuir-se a mortalidade: é necessario que sejam construidos já
esgotos subterraneos para o serviço da zona onde a população é mais densa,
de sorte que a cidade fique livre das impurezas das sargetas e o littoral de
toda a especie de immundicies; é preciso que todas as casas tenham agua
boa e em abundancia, o que só se conseguirá quando a municipalidade a
distribuir [...].
129
Ainda segundo Pesavento, outra queixa antiga e que se renovava ano após ano
relacionava-se ao saneamento da cidade. “As ruas não eram limpas, a cidade não tinha
esgotos cloacais, o recolhimento do lixo era mal feito e, como coroamento destes ‘descasos
das autoridades’ as epidemias encontravam um ambiente propício para se desenvolver.”
130
126
AREND, 2001, p.25.
127
SIE.3 001 (Higiene, 1893, p.97).
128
PESAVENTO, 1998, p.38.
129
SIE.3 001 (Higiene, 1894, p.98). [grifo nosso]
130
PESAVENTO, 1998, p.45.
53
A população de Porto Alegre teve água filtrada em 1927, os esgotos estavam
funcionando em 1913, e o projeto de remodelação urbana só foi levado a efeito em 1924.
131
O governo republicano gaúcho, através da Diretoria de Higiene, também procurava
resolver o problema da má qualidade de gêneros alimentícios como a carne e o leite. No
Relatório de 1898
132
, o Diretor de Higiene chegou a afirmar que a carne, o principal gênero da
nossa alimentação, não poderia ser mais descuidada do que o era no estado (e,
conseqüentemente, em Porto Alegre). Segundo o Diretor, a falta de cuidados com a qualidade
da carne ia desde a escolha do animal até a entrega ao consumidor. Um último problema
relacionado às ruas da capital era ainda apontado pela população e pelos governantes: as
crianças que perambulavam pelas ruas de Porto Alegre, apenas brincando, ou esmolando e
cometendo pequenos delitos. Esta questão nos remete ao próximo ponto de discussão: a
importância atribuída à educação, e à escola, em fins do século XIX e início do século XX,
também vista como medida para evitar a situação acima aludida.
FIGURA 1 - Progresso
“Da iluminação ao bonde, a eletricidade impulsiona o progresso. Voluntários da Pátria esquina
Mal. Floriano, década de 10” (PESAVENTO, Sandra Jatahy (Coord.). O espetáculo da rua. 2.ed.
Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1996, p.26).
131
WEBER, 1999, p.54-55.
132
SIE.3 006 (Higiene, 1898).
54
FIGURA 2 - Cortiço
“Habitar em cortiços: a antiga casa de uma família passa a ser a casa de muitos. Em cada quarto,
uma família... Início do século. Cortiço da Rua Gen. Caldwel, no Menino Deus” (PESAVENTO,
1996, p.41).
FIGURA 3 - Insalubridade
“O esgoto à mostra da antiga Rua de Bragança (Marechal Floriano) no século passado, fonte de
constantes reclamações da população” (PESAVENTO, 1996, p.25).
55
1.3 OS “HOMENS DAS LETRAS” E DA EDUCAÇÃO
Os debates e propostas para políticas educacionais já estavam presentes, no Brasil,
desde o início do período imperial, e intensificaram-se na segunda metade do século XIX.
Segundo Alessandra F. Martinez de Schueler, em seu estudo Crianças e escolas na passagem
do Império para a República
133
, durante o período imperial, o Ministério do Império era
responsável pela administração do ensino primário e secundário na Corte, assim como pelo
ensino superior em todo o país. Os ensinos primário e secundário ficavam, de acordo com o
Ato Adicional de 1834, a cargo das Províncias, mas, segundo Schueler, as medidas e a
legislação implementadas na Corte acabavam servindo de modelo para as Províncias.
134
Maria Luiza Marcilio, em artigo intitulado O bê-á-bá no caos
135
, aponta como marcas
das escolas primárias durante o Império a inexistência de prédios escolares, a ausência de
mobiliário e material escolar, a falta de método de ensino, a falta de assiduidade e grande
evasão de crianças, e a falta de preparo dos mestres de primeiras letras. Muitos desses
problemas persistirão para além da proclamação da República brasileira em 1889, como
veremos em alguns dos pontos a serem discutidos no desenvolvimento deste estudo.
No período de transição do Império para a República, “[...] o processo de discussões
sobre a educação infantil foi intensificado, com a entrada de novos atores sociais e novas
problemáticas”.
136
Os debates e reformas educacionais estavam, neste período, integrados a
problemas sociais, políticos e culturais mais amplos, como o processo de abolição da
escravidão, o movimento republicano e a busca pela reconstrução da nação. “A partir de
meados do século XIX, por meio das instituições de ensino e de um aparato educacional e
correcional, as crianças e jovens tornaram-se objetos de saberes e discursos científicos
baseados nas teses médicas, jurídicas, pedagógicas e psicológicas.”
137
Na busca pela
reconstrução da nação e do Brasil moderno, os educadores aparecem, segundo Herschmann e
133
SCHUELER, Alessandra F. Martinez de. Crianças e escolas na passagem do Império para a República.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.19, n.37, set. 1999. Não paginado. Disponível em:
<http://www.scielo.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2003.
134
Ibidem, [s.p.].
135
MARCILIO, Maria Luiza. O bê-á-bá no caos. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano
1, n.4, out. 2005.
136
SCHUELER, 1999, [s.p.].
137
Ibidem, [s.p.].
56
Pereira, em estudo já citado, entre os principais articuladores e semeadores dos novos
modelos sociais.
Apontemos, então, como estava organizada a educação escolar a partir da Constituição
Republicana de 1891. Segundo Carlos Roberto Jamil Cury, em sua análise sobre A Educação
nas Constituições Brasileiras
138
, o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos seria
leigo (Art.72, § 6º). Assegurava-se também, através do direito à livre manifestação de
pensamento (Art.72, § 12º), do livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e
industrial (§ 24º) e da plenitude do direito de propriedade (§ 17º), a iniciativa privada na
oferta de educação escolar. O ensino oficial, mantido, “[...] passou a ser o critério para
equiparação dos estudos ofertados pelos estabelecimentos regidos pela liberdade de ensino. É
o que procede da leitura do Art. 35”.
139
O ensino primário passou a ser competência dos
estados, concorrentes com a União no que referia ao ensino secundário e superior. A
gratuidade e a obrigatoriedade não eram estabelecidas pela Constituição, ficando a cargo dos
estados estabelecê-las ou não. “Na verdade, o corte liberal da Constituição deixava a demanda
por educação escolar ao indivíduo que, atraído pelo exercício do voto, seria motivado a buscar
os bancos escolares.”
140
A partir do que foi disposto pela Constituição Federal de 1891,
apontaremos agora como ficou organizado o ensino público no Rio Grande do Sul governado
pelos dirigentes do Partido Republicano Rio-grandense.
Segundo Elomar Tambara, em texto intitulado Positivismo e Educação no Rio Grande
do Sul
141
, no Programa do Partido Republicano Histórico do Rio Grande do Sul constava, em
seu item 4, “Temporal e não espiritual”,
d) Liberdade de ensino pela suspensão do ensino oficial superior e
secundário
e) Liberdade de profissões, pela supressão dos privilégios escolásticos ou
acadêmicos
f) Liberdade, laicidade e gratuidade de ensino primário
138
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação nas Constituições Brasileiras. In: STEPHANOU, Maria;
BASTOS, Maria Helena Camara (Org.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil, volume III: século XX.
Petrópolis: Vozes, 2005.
139
Ibidem, p.23-24.
140
Ibidem, p.24.
141
TAMBARA, Elomar. Positivismo e Educação no Rio Grande do Sul. In: GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes;
LEAL, Elisabete (Org.). Revisitando o Positivismo. Canoas: Editora La Salle, 1998.
57
Prescreve ainda, no item “Temas sociais”:
a) Educação e instrução popular
b) Ensino técnico profissional
142
A Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, estabeleceu que
o ensino primário nos estabelecimentos públicos seria “leigo, livre e gratuito”, bem como
foram estabelecidas a liberdade espiritual e profissional no estado. O Título II Do Governo
do Estado, Capítulo III Das atribuições do Presidente, estabelece em seu vigésimo Artigo
que é competência do Presidente providenciar sobre o ensino público primário, gratuito e
livre, ministrado pelo estado (a definição do ensino como livre, leigo e gratuito está no Título
IV Garantias Gerais da Ordem e do Progresso no Estado, Artigo 71, parágrafo 10º).
143
Retomando o texto de Tambara, este autor afirma, ao analisar a influência e relação do
positivismo na educação gaúcha durante o governo do PRR, que o papel do positivismo
gaúcho com relação à educação deve ser analisado tendo em vista a atuação da bancada do
Rio Grande do Sul em nível federal, destacando, neste sentido, a constante defesa do “ensino
livre” e da não intromissão do governo central nos estados. Estes deveriam ter o direito de
legislarem sobre o ensino sem a intromissão do governo central e sem a prestação de contas
para o mesmo. Referindo-se, especificamente, à defesa do ensino livre, Tambara afirma que,
para a bancada gaúcha, “a questão do ensino deveria depender da iniciativa particular. O
importante era que fosse universalizado, sem discriminação de forma alguma, o direito de
estruturar estabelecimentos de ensino da maneira como melhor aprouvesse a cada um”.
144
Como exemplos da influência do castilhismo (“positivismo à gaúcha”) na política
educacional federal, Tambara cita as Reformas Rivadávia Corrêa e Carlos Maximiliano.
145
142
TAMBARA, 1998, p.176.
143
RIO GRANDE DO SUL. Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul, de 14 de julho de 1891. In:
Constituições do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado, Instituto de
Informática Jurídica, 1990.
144
TAMBARA, 1998, p.181-182.
145
Berenice Corsetti afirma que “as reformas educacionais que ocorreram no período da 1ª República, ao que
tudo indica, espelham o avanço e o recuo da influência positivista. Benjamin Constant, ainda como Ministro da
Guerra do primeiro governo provisório, levou a cabo uma reforma do ensino militar onde são perceptíveis vários
postulados da doutrina positivista, a qual adaptou às necessidades do Estado (à formação de sua burocracia) e às
demandas de setores da sociedade civil, especialmente os das camadas médias. Na mesma direção coloca-se a
reforma que promoveu, em 1891, como Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, no campo do
ensino primário e secundário, na qual buscou a substituição do currículo acadêmico por um currículo
enciclopédico, com a inclusão de disciplinas científicas e a implantação do ensino seriado. Além disso, Benjamin
Constant adotou medidas que promoveram o alargamento dos canais de acesso ao ensino superior, em função
das constantes e crescentes pressões dos candidatos no sentido de tornar mais fácil o ingresso nesse nível, bem
58
Solon Eduardo Annes Viola, debruçando-se sobre As Propostas Educativas das
Escolas Públicas no Início do Século
146
e debatendo alguns dos pressupostos teóricos que a
partir do pensamento de Augusto Comte orientaram as políticas educacionais dos governos do
Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do período republicano, afirma que “a proposta
educacional dos governantes rio-grandenses influenciados pelo positivismo assume princípios
educacionais voltados para a formação da cidadania, da formação moral regeneradora, do
projeto de inserção social dos trabalhadores, e da formação cultural enciclopédica da
população”.
147
Segundo Viola, as propostas educacionais do Partido Republicano Rio-
como criou condições legais para que as escolas superiores pudessem fornecer diplomas com o mesmo valor
daqueles concedidos pelas escolas federais” (CORSETTI, Berenice. Controle e Ufanismo: A Escola Pública no
Rio Grande do Sul (1889/1930). 537p. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal de Santa Maria,
Santa Maria, 1998, p.140-141). Referindo-se às Reformas Rivadávia Corrêa e Carlos Maximiliano, Corsetti
afirma que “à proporção em que o ensino superior se modificava pela facilidade de acesso, com a multiplicação
das escolas (27 escolas superiores de 1891 a 1910) e com as alterações das condições de acesso, aumentavam as
restrições a esse processo, o que iria provocar nova reforma de ensino, em 1911, efetuada por Rivadávia Corrêa
que, ao diagnóstico do mau funcionamento do ensino agregou os princípios positivistas, chegando a uma série de
medidas como a supressão do caráter oficial do ensino e a garantia de total liberdade e autonomia para os
estabelecimentos de ensino. As medidas implementadas por Rivadávia Corrêa provocaram enormes resistências.
Ao Ministro da Justiça e do Interior do governo de Venceslau Brás, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos,
coube reordenar o campo educacional. Num contexto de refluxo da influência positivista, reoficializou o ensino,
reformou o Colégio Pedro II e regulamentou o ingresso nas escolas superiores. Em 1925, a Reforma João Luis
Alves e Rocha Vaz, no Governo Arthur Bernardes, se constituiu na medida mais ampla promovida pela União, já
que envolveu modificações em diversos aspectos do sistema escolar brasileiro, tendo buscado um acordo entre a
União e os Estados visando promover a educação primária, extinguir os exames preparatórios e parcelados,
herança do Império ainda vigentes, além de estabelecer processos de controle político-ideológico de estudantes e
professores” (CORSETTI, 1998, p.141-142).
146
VIOLA, Solon Eduardo Annes. As Propostas Educativas das Escolas Públicas no Início do Século. In:
GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes; LEAL, Elisabete (Org.). Revisitando o Positivismo. Canoas: Editora La Salle,
1998.
147
Ibidem, p.183. Segundo Solon Eduardo Annes Viola, “Augusto Comte entendia que a principal função social
da educação era a de recompor a ordem moral de uma sociedade desarticulada pelas agitações revolucionárias
que levaram a burguesia ao poder. Na situação política do Rio Grande do Sul, a organização e a universalização
do sistema de ensino criariam uma nova cultura capaz de superar as formas teológicas e metafísicas do
conhecimento, estabelecendo as normas morais necessárias para que, uma sociedade que vivia em permanente
conflito entre elites, chegasse, enfim, a uma situação de paz interna. Comte propunha dar à educação a função de
elevar as condições do homem para que tivesse aptidão no desempenho de seus compromissos sociais,
colocando os interesses coletivos acima dos interesses individuais, e participando da regeneração social através
do aperfeiçoamento constante dos indivíduos. Projetava-se, assim, uma educação que, além do conhecimento e
da formação do espírito científico, construísse a cidadania da ordem e indivíduos de profunda formação moral.
Esta era, aliás, uma tarefa própria das mulheres. Elas seriam as principais responsáveis como esposas, mães e
primeiras professoras. A educação assumia o papel de condutora do comportamento social e individual, de
adaptação do indivíduo e de reguladora dos princípios de conduta ética da sociedade que, a partir de então, se
pretenderia virtuosa e construtora de seu próprio destino político. O próprio projeto de inserção social e política
através da educação produziria, também, o efeito oposto, ou seja, excluiria da cidadania os não alfabetizados, a
quem a sociedade via como pessoas sem moral, distantes do comportamento ético, dos bons costumes e do
civismo nacionalista” (VIOLA, 1998, p.188-189). Os cidadãos seriam formados através de uma educação cívica
e disciplinadora. Ainda segundo Viola, a visão de Comte com relação à educação “[...] decorre de sua
compreensão de ciências e de sociedade. O ensino básico universalizado precisaria ser enciclopédico, partindo
sempre do mais simples para o mais complexo, do mais próximo para o mais distante, do concreto para o
abstrato. No entanto, quando elabora sua utopia científica atribui às mulheres, a obrigação de serem as primeiras
professoras de seus filhos, principalmente em função da preparação moral, só possível pelo afeto materno.
59
grandense buscaram seguir os três princípios comtianos básicos, quais sejam, (1) produzir
uma educação universal e enciclopédica, (2) educar a partir do concreto e (3) produzir uma
educação técnica e profissionalizante. Além disso, a política educacional orientou-se em três
direções: (1) difusão do ensino elementar, (2) criação do ensino complementar e (3)
implantação do ensino técnico profissionalizante. A educação deveria ser um preparatório
para a vida profissional, qualificando e disciplinando trabalhadores, bem como deveria formar
cidadãos obedientes e úteis à Pátria. Definindo os objetivos da política educacional
desenvolvida no Rio Grande do Sul pelos republicanos de orientação positivista, Solon Viola
afirma que “nos governos de Castilhos e Medeiros a educação era vista como lugar
privilegiado para desenvolver a disciplina, a energia, o espírito de ordem, a reflexão, o
patriotismo e outras qualidades na formação do caráter”.
148
Berenice Corsetti busca esclarecer, em sua Tese intitulada Controle e Ufanismo - A
Escola Pública no Rio Grande do Sul (1889/1930), “[...] o papel desempenhado pela escola
pública no projeto político de desenvolvimento conservador do Rio Grande do Sul, levado a
cabo pelos dirigentes gaúchos de orientação positivista que comandaram o Estado à época”.
149
Para realizar este estudo, Corsetti analisa o contexto histórico do Rio Grande do Sul entre os
anos de 1889 e 1930; a política educacional implementada pelos dirigentes republicanos no
período; a organização educacional concretizada pelo governo gaúcho; e a escola pública
gaúcha, seus sujeitos e ensino desenvolvido. Em texto derivado da Tese acima mencionada e
intitulado Política e organização da educação sob o castilhismo
150
, Berenice Corsetti afirma
que
No Rio Grande do Sul do final do século XIX e das primeiras décadas do
século XX, diversas modificações sociais ocorreram, entre as quais o
problema da escola pública mereceu um destaque até então inexistente.
Nesse período, a sociedade rio-grandense foi alvo de um processo de
modernização que se constituiu na expressão da modernidade republicana,
Sugeria, então, o uso do ‘método subjetivo’, resultado das relações entre a lógica científica e os sentimentos. A
educação seguiria uma evolução gradual que partindo da relação familiar prosseguiria na direção de formar
técnicos e cientistas. A sistematização do conhecimento escolar estaria submetida às leis do saber enciclopédico
envolvendo a matemática, a astronomia, a física, a química, a língua nacional, o grego e o latim clássicos. [...]
Para Comte, este tipo de saber possuía uma escala evolutiva que seguia uma ordem objetiva e leis gerais para
cada uma das ciências” (VIOLA, 1998, p.189).
148
VIOLA, 1998, p.187.
149
CORSETTI, 1998, p.24.
150
CORSETTI, Berenice. Política e organização da educação sob o castilhismo. In: AXT, Gunter et al (Org.).
Júlio de Castilhos e o paradoxo republicano. Porto Alegre: Nova Prova, 2005.
60
marcado por uma série de medidas definidas a partir do Estado gaúcho, que
visaram a eliminação das condições que vigoraram até quase final do século
XIX, marcadas pelo domínio da oligarquia rural tradicional. A
implementação da escola, no âmbito das ações destinadas à expansão do
ensino, integrou esse processo.
151
Neste texto, a autora apresenta os principais elementos da organização educacional e
da política do estado para o setor da educação. Como características da política relativa à
educação no Rio Grande do Sul, Corsetti destaca quatro aspectos: a intervenção da bancada
gaúcha no parlamento nacional (aspecto também destacado, como vimos, por Elomar
Tambara), a atuação do governo gaúcho em nível estadual, a mediação com a Igreja Católica,
e a construção de um imaginário republicano como criador da “consciência nacional”.
Referindo-se ao primeiro aspecto a intervenção da bancada gaúcha no parlamento
nacional Corsetti destaca a atuação de Pinheiro Machado
152
e a defesa religiosa do programa
do PRR, que estabelecia a liberdade de ensino pela supressão do ensino secundário e superior;
a liberdade de profissões; a liberdade, laicidade e gratuidade do ensino primário; a educação e
instrução popular, e o ensino técnico-profissional. “Na prática, a idéia central era a da
‘liberdade de ensino’, que balizou a atuação da bancada gaúcha no Congresso Nacional,
sempre que a questão polêmica da educação foi debatida e deliberada”.
153
Quanto à atuação do governo gaúcho em nível estadual, segundo aspecto destacado,
Corsetti afirma que a educação foi utilizada como “instrumento da política de modernização
do Estado”.
154
As principais características da atuação do governo gaúcho no setor
educacional foram resumidas pela autora como sendo as seguintes:
a) Expansão do ensino público primário, como ação fundamental do Estado;
b) Estímulo e apoio, inclusive com verbas públicas, ao ensino técnico-
profissional e superior privados;
c) Nacionalização do ensino, especialmente nas regiões coloniais;
151
CORSETTI, 2005, p.203.
152
José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) era gaúcho de Cruz Alta. Foi aluno da Escola Militar do Rio de
Janeiro e formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1878. Advogado, magistrado e
pecuarista, foi deputado e senador. Foi um dos fundadores do Partido Republicano Rio-grandense e também do
Partido Republicano Conservador. Político influente durante a República Velha, Pinheiro Machado foi
assassinado em 1915. Informações sobre José Gomes Pinheiro Machado podem ser encontrada na página
eletrônica do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>.
153
CORSETTI, 2005, p.205.
154
Ibidem, p.205.
61
d) Utilização da escola como instrumento de política de saúde
preventiva, através da formação da “consciência sanitária da
população”, bem como de assistência social;
e) Contenção de despesas com a expansão do ensino, através dos
mecanismos das subvenções escolares e do envolvimento das
municipalidades;
f) Centralização administrativa e uniformização pedagógica;
g) Controle pleno do ensino público e liberdade à iniciativa privada;
h) Utilização da escola pública para a formação da mentalidade adequada ao
processo de modernização conservadora promovido pelo Estado;
i) Diferenciação dos saberes, como parte da própria lógica da dominação e
da construção do processo de modernização capitalista patrocinado pelos
dirigentes republicanos de orientação positivista.
155
Sobre o terceiro aspecto a mediação com a Igreja Católica Corsetti afirma que
houve uma relação de acomodação entre o Partido Republicano Rio-grandense e a Igreja
Católica, mas que esta acomodação foi complicada, marcada por desavenças e conflitos, visto
que a educação era um campo permanente de disputa entre, por exemplo, a iniciativa pública
(Estado) e a iniciativa privada (Igreja). Segundo Corsetti, “[...] o Estado não abria mão de ser
o educador por excelência do trabalhador que o capitalismo necessitava para sua consolidação
e pleno desenvolvimento”, o que explicaria, segundo a autora, o grande investimento no
ensino primário.
156
Quanto ao quarto aspecto a construção de um imaginário republicano criador da
“consciência nacional” Corsettti aponta que a atuação do PRR no setor educacional também
tinha por objetivo a construção de um imaginário social que, além de “projetar os valores
indispensáveis à consolidação do modelo capitalista de sociedade”, desse “suporte de
legitimação e adesão ao projeto que estava sendo implantado”.
157
Na conquista do imaginário
social, foram utilizados a palavra escrita e falada [imprensa, discursos etc.], os símbolos e os
155
CORSETTI, 2005, p.206. Destacamos o item d, pois este aspecto observado por Berenice Corsetti como
característica da atuação do governo republicano gaúcho no setor educacional nas primeiras décadas
republicanas é um dos elementos que compõem a temática central deste estudo: a higiene e a saúde nas escolas
públicas gaúchas entre os anos de 1893 e 1928. Para maiores informações e esclarecimentos sobre as principais
características da atuação do governo do PRR nas questões referentes ao ensino, consultar CORSETTI, 1998.
156
Ibidem, p.207.
157
Ibidem, p.207.
62
rituais: “Em paralelo, a ação mediadora com a Igreja Católica possibilitou a manipulação dos
símbolos e sentimentos religiosos, bem ao gosto da perspectiva ideológica do positivismo”.
158
Ao abordar a organização educacional do Rio Grande do Sul na Primeira República,
Berenice Corsetti destaca a utilização de instrumentos legais na implementação desta
organização, como a Constituição Estadual e o orçamento do estado.
A Constituição Estadual estruturou um estado centralizador e autoritário, em que o
Presidente do Estado acumulava os Poderes Executivo e Legislativo, e a Assembléia dos
Representantes possuía, como já afirmamos, apenas atribuições orçamentárias. No que se
refere especificamente ao setor educacional, a hierarquia estava assim definida: Presidente do
Estado, Secretário do Interior e Exterior, Inspetor Geral da Instrução e, por último, inspetores,
diretores, professores e demais funcionários. Segundo Corsetti, esta estrutura permaneceu
praticamente inalterada até o final da década de 1920, ocorrendo modificações entre os anos
de 1911 a 1927, com a supressão da Inspetoria Geral da Instrução Pública e a extinção do
cargo de Inspetor Geral, ficando o serviço a cargo da Repartição Central da Secretaria do
Interior e Exterior.
O estudo de Berenice Corsetti trouxe informações novas e importantes no que se
refere ao orçamento estadual destinado à educação entre os anos de 1889 e 1930. Textos já
consagrados na historiografia sobre o Rio Grande do Sul, como A Arqueologia do Estado
Providência: Sobre um enxerto de idéias de longa duração, de Alfredo Bosi
159
, e O
Regionalismo Gaúcho e as Origens da Revolução de 1930, do brasilianista Joseph Love
160
,
entre outros, destacam a grande quantidade de recursos destinados ao ensino gaúcho no
158
CORSETTI, 2005, p.208. É interessante retomar aqui o estudo de José Murilo de Carvalho - A formação das
almas: o imaginário da República no Brasil. É válido também apontar a relação estabelecida por Corsetti entre
os rituais e as escolas. Sobre esta questão, a autora afirma que os rituais “estiveram presente especialmente
através das comemorações e festas cívicas destinadas à propaganda eficiente dos valores da modernidade
republicana. A escola pública contribuiu eficazmente nessa tarefa. As festas escolares eram verdadeiros rituais
destinados a modelar condutas, não se constituindo em eventos apenas laudatórios das personalidades
mitificadas, servindo também para estimular condutas ‘positivas’, reforçando os comportamentos recomendados
com o estímulo de premiações” (CORSETTI, 2005, p.208). Na Introdução do estudo organizado por Eric
Hobsbawm e Terence Ranger, intitulado A invenção das tradições, encontramos referência à associação entre
nação e fenômenos associados, como os símbolos nacionais e as interpretações históricas, por exemplo. Ver
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997. Introdução: A invenção das tradições.
159
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
160
LOVE, Joseph L. O Regionalismo Gaúcho e as Origens da Revolução de 1930. Tradução de Adalberto
Marson. São Paulo: Perspectiva, 1975.
63
período em questão. Com relação aos gastos referentes à educação no período posterior à
guerra civil de 1893, Love afirma que a educação encabeçava a lista das despesas públicas,
geralmente representando aproximadamente um quarto dos gastos estaduais.
[...] a educação passou para segundo plano unicamente em época de guerra
ou em período de mobilização, ocasião em que vinha em primeiro lugar a
Brigada Militar. O Rio Grande destinou à educação uma parte de sua receita
bem maior do que São Paulo ou Minas Gerais, nenhum dos quais foi capaz
de forçar a aplicação de um imposto significativo sobre a propriedade rural.
Com efeito, a capacidade do governo estadual para impor uma taxação de
vulto sobre a propriedade e a ênfase dada ao ensino público deram à política
fiscal rio-grandense uma conformação decididamente progressista, se
comparada à de outros membros da Federação.
161
Como vemos, Love ressalta, no trecho acima transcrito, não só a importância atribuída
à educação pelo governo republicano gaúcho nas primeiras décadas do novo regime, como
também aponta os grandes investimentos no setor.
Berenice Corsetti percebeu, porém, ao analisar os dados da receita e despesa ordinária
do Rio Grande do Sul entre os anos de 1896 e 1929, e observando especialmente o
procedimento adotado pelo governo no que se referia à Instrução Pública, Brigada Militar,
Saúde Pública, Justiça e Polícia, que “[...] a execução orçamentária determinava a existência
de ‘sobras’ de recursos, indicadas pelos saldos, que eram depois aplicados, através das
despesas extraordinárias, em setores de interesse do governo”.
162
Explicando mais
detalhadamente como eram geradas estas “sobras” e como eram aplicadas em outros setores,
Corsetti afirma que
Enquanto o Estado não aplicava todos os recursos aprovados pela
Assembléia para a educação primária, outras atividades estavam recebendo
recursos públicos, como o ensino técnico-profissional e superior privados, da
mesma forma que obras de infra-estrutura foram patrocinadas pelo Estado,
como os gastos de conservação e reparação de estradas, construção de
pontes, dragagens e trabalhos hidráulicos, serviços de terra e colonização,
dragagem e balisamento de canais interiores, transporte ferroviário e
lacustre, entre outros que sinalizam a importante ação dos republicanos, para
criar as condições necessárias ao desenvolvimento do capitalismo na região.
161
LOVE, 1975, p.109.
162
CORSETTI, 2005, p.210.
64
Desse modo, a educação pública do Rio Grande do Sul, além de ter sido
usada como importante mecanismo de legitimação dos governos
republicanos, foi também transformada num instrumento da política
econômica desenvolvida pelos dirigentes positivistas do sul do Brasil.
163
Como Corsetti demonstra em sua tese, o governo republicano gaúcho afirmava a
suprema importância da educação, mas gerava “sobras” neste setor que eram investidas em
infra-estrutura, por exemplo. Desta forma, nem todo o orçamento aprovado e destinado à
educação foi efetivamente aplicado no setor.
Além da Constituição Estadual e do orçamento do estado, outros instrumentos legais
utilizados na organização educacional implementada pelos dirigentes republicanos do PRR
foram apontados por Berenice Corsetti, como os Regulamentos e Regimentos Internos das
escolas públicas gaúchas, mas estes serão discutidos no terceiro capítulo deste estudo, quando
abordarmos esta temática escolas públicas de forma mais minuciosa.
1.4 AS CRIANÇAS: “MATÉRIA FACILMENTE MOLDÁVEL”
Antes de abordarmos os novos significados do conceito de infância e a nova dimensão
social adquirida por este personagem no Brasil e no Rio Grande do Sul em fins do século XIX
e início do XX, consideramos importante esclarecer o que se entende por infância hoje e o que
se entendia por infância no período de nosso estudo.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal n. 8.069, de 1990)
164
,
em seu Livro I, Título I, Artigo 2º, “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa
até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de
idade”.
165
163
CORSETTI, 2005, p.210.
164
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Imprensa
Nacional, 1991.
165
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa nos informa que infância é “na vida do ser humano, período que
vai do seu nascimento ao início da adolescência”. Juridicamente, é o “período da vida que é legalmente definido
como aquele que vai desde o nascimento até os 12 anos, quando se inicia a adolescência”. Infância é ainda, de
65
Entretanto, no período delimitado para este estudo, a definição do conceito de infância
faixa etária compreendida e a distinção entre criança e adolescente não estavam
claramente estabelecidas. Segundo Irene Rizzini, “no decorrer do século XIX, empregava-se à
larga o termo infância para designar os anos de desenvolvimento de um indivíduo, até que
atingisse a maioridade”.
166
Rizzini afirma ainda que “[...] em geral até os idos de 1900, não se
costumava fazer distinção entre a fase da infância e da adolescência. No início do século XX,
ao contrário, aparecem menções ao púbere, ao rapaz e à rapariga, normalmente em associação
ao problema da criminalidade”.
167
Feitas estas considerações, passaremos agora a explorar os novos significados
adquiridos pelo conceito infância em fins do século XIX e início do XX.
Abordando a infância brasileira durante o período colonial, Jurandir Freire Costa, em
Ordem Médica e Norma Familiar
168
, afirma que as crianças ocupavam um papel
“secundário”, instrumental, não sendo o personagem principal na vida familiar daquele
período. Segundo Costa, o filho “[...] era visto e valorizado enquanto elemento posto a serviço
do poder paterno. A imagem do filho era, portanto, despida dos atrativos que atualmente a
compõem. De hábito, ele tinha direito apenas a uma atenção genérica, não-personalizada”.
169
É no período delimitado para este estudo, a passagem do século XIX para o século
XX, que o desconhecido universo infantil começa a ser explorado e a criança/infância é
acordo com este dicionário, “o conjunto das crianças” (HOUAISS, VILLAR, 2001, p.1611). Kátia Cibelle
Machado Pirrota afirma que “no âmbito jurídico, não há consenso internacional sobre a definição de
adolescência e seus limites etários. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança define de forma
genérica a criança como o ser humano com até dezoito anos de idade, não distinguindo infância de adolescência”
(PIROTTA, Kátia Cibelle Machado. Juventude e Saúde Sexual e Reprodutiva: estudo com alunos da rede
estadual de ensino público no município de Santos, 2005. In: XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais,
2006. Caxambu. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_780
.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2007). Claudia Azucena Pechín, já citada anteriormente, faz uma distinção entre
“criança” (em espanhol, niño) e “infância” (em espanhol, infancia): “Si bien en los documentos aparecen los
términos ‘infancia’ y ‘niñez’ como sinónimos, la distinción entre ambos conceptos puede resultar útil para la
reflexión, ya que mientras ‘niñez’ indica un sujeto concreto, ‘infancia’ significa según el diccionario ‘primer
estado de una cosa después de su nacimiento o erección’. Es decir, primer estado de una generación, de un
conjunto de niños que, en el devenir, se constituyen como tales [...]” (PECHÍN, 2004, p.66-67).
166
RIZZINI, 1997, p.222.
167
Ibidem, p.222. Reforçando o que afirmamos anteriormente sobre a infância ser uma construção social,
Kuhlmann Jr. afirma que “infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse
significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada
uma delas é associado um sistema de status e de papel” (KUHLMANN JR., 1998, p.16).
168
COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
169
Ibidem, p.153.
66
colocada sob as lentes dos especialistas. É neste período que a infância abandonada, a
mortalidade infantil, as moléstias de criança e a busca de legitimação pelos médicos se
cruzam e se relacionam. Buscando ampliar seu espaço de atuação, os médicos apresentavam-
se cada vez mais como indispensáveis nos cuidados para com os pequenos.
Segundo Margareth Rago, em estudo intitulado Do Cabaré ao Lar: A Utopia da
Cidade Disciplinar: Brasil: 1890 – 1930, de uma posição secundária, como foi destacado por
Jurandir Freire Costa em relação ao período colonial brasileiro, “[...] a criança foi
paulatinamente separada e elevada à condição de figura central no interior da família,
demandando um espaço próprio e atenção especial [...]”.
170
Espaço próprio e atenção especial
significavam, entre outras coisas, alimentação, vestuário, brinquedos e horários especiais, bem
como cuidados baseados nos saberes da pediatria, puericultura e pedagogia, por exemplo.
Retomando alguns aspectos já desenvolvidos, relembramos que a proclamação da
República brasileira, ocorrida em 1889 e que se constitui em marco dessa transição,
estabeleceu novos projetos e perspectivas para as elites brasileiras: o Brasil deveria se tornar
um país moderno, urbano e civilizado, tudo isto através do trabalho de especialistas nas áreas
da medicina, da engenharia e da educação. Os espaços urbanos, os valores e os
comportamentos da população seriam “reformados”. Homens e mulheres deveriam ser
higiênicos, sadios e moralizados, bons trabalhadores e membros de uma família que deveria
atender aos critérios da monogamia, conjugalidade, fidelidade e reprodutividade. A República
trouxe consigo um novo modelo de cidadão, que seria alcançado através da medicina e dos
especialistas. É neste cenário que vemos surgir a figura do “reizinho da família”, expressão
citada por Rago.
“Vencer o atraso colonial”, “transformar o Brasil numa Paris dos trópicos”, passaria,
necessariamente, por uma higienização, moralização e normatização da população, projeto
este que incluiria a infância. O poder médico, ao outorgar-se um papel de importância vital na
recuperação da infância e na normatização / higienização da família, importantes elementos
170
RAGO, 1985, p.117.
67
na construção da pátria que se desejava, experimentou uma crescente participação nas ações
governamentais.
171
Os anseios e objetivos da elite política brasileira identificados com as palavras
“modernidade”, “civilização” e “urbanização”, entre outras, também imprimiram suas marcas,
suas características na idéia, no conceito de infância do início do período republicano.
“Matéria facilmente moldável”, “matéria-prima”, “reserva dos homens do Brasil”, “adulto em
formação” e “futuro de uma pátria em gestação” são algumas das expressões encontradas em
estudos sobre a infância no final do século XIX, revelando a percepção do período.
Margareth Rago, em seu já citado trabalho Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade
Disciplinar: Brasil 1890 1930, apresenta esta percepção de infância como “matéria
facilmente moldável”.
Matéria facilmente moldável, o Estado deveria preocupar-se em formar o
caráter da criança, incutindo-lhe o amor ao trabalho, o respeito pelos
superiores em geral, as noções de bem e mal, de ordem e desordem, de
civilização e barbárie, enfim, os princípios da moral burguesa.
172
Semelhante idéia sobre a infância é apresentada por James E. Wadsworth, em seu
estudo sobre a atuação do dr. Moncorvo Filho
173
que, em 1899, criou o IPAI (Instituto de
Proteção e Amparo à Infância). O autor afirma que para Moncorvo Filho, as crianças
possuíam um valor intrínseco, pois representavam a matéria-prima a partir da qual a futura
força de trabalho poderia ser moldada”.
174
Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura, autora que trabalhou a infância desamparada
na República Velha
175
, revela-nos a percepção vigente no período em relação
171
Para um panorama mais amplo dos projetos e propostas para o progresso e modernização do Brasil, ver
HERSCHMANN, PEREIRA, 1994.
172
RAGO, 1985, p.121. [grifo nosso]
173
WADSWORTH, James E. Moncorvo Filho e o problema da infância: modelos institucionais e ideológicos da
assistência à infância no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.19, n.37, set. 1999. Não paginado.
Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 dez. 2003.
174
Ibidem, [s.p.].
175
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Meninos e meninas na rua: impasse e dissonância na construção
da identidade da criança e do adolescente na República Velha. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.19,
n.37, set. 1999. Não paginado. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 dez. 2003.
68
à infância, através do discurso do Deputado Nicanor Nascimento, no qual as crianças são
apresentadas como o “futuro da nação”.
Em 1918, o Deputado Nicanor Nascimento, em meio à discussão no
Congresso Nacional sobre o trabalho de crianças e adolescentes, ressalta que
nos menores está a “reserva dos homens do Brasil”. Aqueles que “têm hoje
dez, doze anos, serão dentro de oito ou dez anos a Nação” enfatiza, e conclui
que a geração do presente terá passado, as suas energias “ter-se-ão
extinguido e serão esses homens que virão resolver todos os problemas
militares e econômicos da Nação”.
176
“Sementes do futuro”, as crianças despertavam, na passagem para o século XX,
cuidados e preocupações. A recém-surgida figura do “reizinho da família” e a sua grande
importância dentro do ideal de família nuclear e higiênica possibilitou a interferência dos
médicos higienistas no interior das famílias, buscando a transformação de hábitos populares.
Os especialistas buscavam transformar e desautorizar crenças e práticas consideradas
primitivas, o que incluía práticas tradicionais relacionadas ao recém-nascido e que até então
eram domínio feminino passado de geração para geração. A infância era agora preocupação
de médicos, juristas, pedagogos e governantes. O país assistia à multiplicação de creches,
escolas e outras instituições voltadas para a infância.
Segundo Irene Rizzini,
A criança deixa de ocupar uma posição secundária e mesmo desimportante
na família e na sociedade e passa a ser percebida como valioso patrimônio de
uma nação; como ‘chave para o futuro’, um ser em formação ductil e
moldavel que tanto pode ser transformado em ‘homem de bem’ (elemento
útil ao progresso da nação) ou num ‘degenerado’ (um vicioso inútil a pesar
nos cofres públicos).
177
Entre os governantes do Rio Grande do Sul, a percepção sobre a infância era a mesma
no período em questão. Em Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e
Exterior de 1895, o titular desta Secretaria, o Dr. João Abbott, ao escrever sobre a necessidade
de criação de uma escola correcional para menores vadios, vagabundos e desvalidos, afirma
que “educal-as [as crianças] e instruil-as é prevenir males futuros, é preparar o cidadão de
176
MOURA, 1999, [s.p.]. [grifo nosso]
177
RIZZINI, 1997, p.25.
69
amanhã”.
178
A infância gaúcha e as preocupações do governo republicano gaúcho a ela
relacionadas serão discutidas nos próximos capítulos deste estudo.
178
SIE.3 003 (Introdução, 1895/1896, p.5).
CAPÍTULO II A INFÂNCIA GAÚCHA
Ao invés da iluminação azeite de peixe, a luz elétrica; ao invés da
‘maxambomba’ que não matava ninguém -, o ‘elétrico’ e o ‘auto’, que,
como epidemias, estão sempre fazendo vítimas o que o progresso nos
trouxe. É doloroso mas é bonito. [...] Temos postes telefônicos e de luz
elétrica, que nos trazem à casa, de longe, num relâmpago, a palavra e a luz.
Mas, ah! Como nos falta tanta coisa... Faltam-nos a nossa infância
descuidada e a nossa mocidade sonhadora.
179
As palavras do já citado cronista Achylles Porto Alegre expressam a preocupação de
diversos setores da sociedade brasileira e gaúcha em fins do século XIX e início do século
XX: o Brasil e o Rio Grande do Sul buscavam o moderno a luz elétrica, o “auto” mas
ainda tinham sérios e urgentes problemas, como a “infância descuidada” identificada pelo
nosso cronista.
Neste segundo capítulo, nossa proposta é desenvolver questões relacionadas à infância
que preocupavam diversos setores da sociedade brasileira e gaúcha, em especial, os maus
tratos contra crianças, o trabalho infantil, a mortalidade, a infância desamparada e a
criminalidade infantil. Num primeiro momento, abordaremos estas questões a partir da
bibliografia produzida em âmbito nacional e regional. Num segundo momento,
desenvolveremos especificamente a questão da mortalidade infantil, através das impressões
do médico Protasio Alves complementadas pelas de outros médicos que também ocuparam
a Diretoria de Higiene , e do médico paulista Euclydes de Castro Carvalho. A criminalidade
infantil será analisada no último ponto deste capítulo, no qual enfocaremos os menores presos
na Casa de Correção de Porto Alegre.
2.1 A “NOSSA INFÂNCIA DESCUIDADA”: DESVENDANDO UM CONTEXTO
Segundo Irma Rizzini, em Assistência à Infância no Brasil: uma análise de sua
construção
180
, no início do século XX,
179
PORTO ALEGRE, 1994, p.25
180
RIZZINI, Irma. Assistência à Infância no Brasil: uma análise de sua construção. Rio de Janeiro: Ed.
Universitária Santa Úrsula, 1993.
71
As crianças nas ruas, nos asilos, nas famílias, nas fábricas e oficinas, a
mortalidade e a criminalidade infantil, são temas que preocupam diversas
categorias profissionais da época, aquecendo as discussões e provocando o
surgimento de propostas, projetos, leis, no sentido de proteger e assistir a
infância “desvalida”, mas também de aliviar a consciência de uma sociedade
envergonhada e ameaçada com a sua presença.
181
Como já afirmamos no primeiro capítulo desta Dissertação, no final do século XIX e
início do século XX intensificam-se as discussões em torno da infância e de questões relativas
a ela, como a mortalidade infantil e a criminalidade. Médicos, juristas, educadores e
governantes, entre outros setores das elites brasileira e gaúcha, discutiam essas questões e
propunham ações. A realização dos Congressos da Criança, como o 3º Congresso Americano
da Criança CAC e o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, realizados
simultaneamente no Rio de Janeiro em 1922, durante a Exposição Internacional
comemorativa ao Centenário da Independência, confirmam essa preocupação crescente com a
infância.
Analisando a documentação relativa ao 1º Congresso Brasileiro de Proteção à
Infância, Moysés Kuhlmann Jr.
182
nos informa que o CBPI / 3º CAC foi dividido em 5 seções:
Sociologia e Legislação, Assistência, Pedagogia, Medicina e Higiene, e reuniu diversos
setores envolvidos nas discussões sobre a infância. A comissão do Rio Grande do Sul estava
entre as 20 comissões estaduais presentes ao evento. O CBPI tinha por objetivo, segundo
Kuhlmann Jr., “[...] tratar de todos os assuntos que direta ou indiretamente se refiram à
criança, tanto no ponto de vista social, médico, pedagógico, higiênico, em geral, como
particularmente em suas relações com a Família, a Sociedade e o Estado [...]”.
183
Este mesmo autor ressalta que o eixo principal dos Congressos da Criança girava em
torno de questões relativas à proteção à infância, destacando que este não foi um movimento
exclusivamente brasileiro ou um “reflexo tardio” com relação à Europa, e enfatizando que
A proteção à infância é o motor que a partir do final do século XIX
impulsiona em todo o mundo ocidental a criação de uma série de associações
181
RIZZINI, 1993, p.25-26.
182
KUHLMANN JR., Moysés. A circulação das idéias sobre a educação das crianças: Brasil, início do século
XX. In: FREITAS, Marcos Cezar de; KUHLMANN JR., Moysés (Org.). Os Intelectuais na História da Infância.
São Paulo: Cortez, 2002.
183
Ibidem, p.465.
72
e instituições para cuidar da criança, sob diferentes aspectos: da sua saúde e
sobrevivência com os ambulatórios obstétricos e pediátricos; dos seus
direitos sociais com as propostas de legislação e de associações de
assistência; da sua educação e instrução com o reconhecimento de que
estas podem ocorrer desde o nascimento, tanto no ambiente privado, como
no espaço público. Nesse processo, distribuem-se competências e atribuições
do Estado e da sociedade, delimitam-se os campos jurídico, médico,
assistencial, educacional, assim como se debatem definições legais e
normativas.
184
Para que possamos identificar os condicionantes que interferiram na elaboração de
propostas e de projetos para a proteção da infância, torna-se fundamental um diagnóstico das
condições da infância brasileira e gaúcha nas últimas décadas do século XIX. De acordo com
Irma Rizzini, “o problema da infância maltratada começa a se esboçar com as denúncias
médicas dos maus tratos recebidos por filhos de pais das ‘classes desafortunadas’”.
185
Segundo esta autora, médicos como o Dr. Moncorvo Filho
186
identificavam na ignorância dos
pais a explicação para este problema. Além disso, apontavam o alcoolismo na infância, a
alimentação inadequada e os castigos físicos como “venenos” contra a infância.
No que se refere, especificamente, ao alcoolismo
187
, Rizzini destaca que “na crença
popular, o álcool era tido como fortificante ou como calmante, dependendo da bebida” e que o
vinho e a aguardente eram as bebidas mais comumente dadas a crianças.
188
Já a má
alimentação estava associada, muitas vezes, à má qualidade dos gêneros alimentícios, mas
também a outra questão muito discutida no período, principalmente pelos médicos, a falta de
preparo das mães para cuidarem de seus filhos pequenos. A mulher aparecia como figura-
chave na família era mãe, esposa e provedora
189
e enquanto responsável pelos cuidados
184
KUHLMANN JR., 2002, p.464. Moysés Kuhlmann Jr. afirma ainda que esta distribuição de competências
não é estanque e corporativa.
185
RIZZINI, 1993, p.26.
186
O Dr. Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo Filho (1871-1944), filho do Dr. Carlos Arthur Moncorvo de
Figueiredo (1846-1901), este considerado o fundador da pediatria científica no Brasil, fundou e consolidou, em
1899, o IPAI Instituto de Proteção e Assistência à Infância, com filiais por todo o Brasil. Médico higienista,
Moncorvo Filho escreveu quase 400 obras em defesa da infância. Para maiores informações sobre o Dr.
Moncorvo Filho e a sua atuação, ver Kuhlmann Jr. (2002), Wadsworth (1999) e Irene Rizzini (1997). A atuação
do Dr. Moncorvo Filho será melhor desenvolvida ainda neste capítulo.
187
O alcoolismo era considerado, juntamente com a tuberculose e a sífilis, um dos grandes males do período.
188
RIZZINI, 1993, p.26.
189
Sobre a exaltação do papel da mulher na família, especificamente no período em questão, alguns textos
atribuem ou reforçam a relação entre esta questão e a influência do positivismo. Em seu texto O cotidiano da
república: elite e povo na virada do século, Sandra Jatahy Pesavento afirma que “neste sentido, seu papel [da
mulher] na sociedade estava selado: nascida ‘encantadora menina’, ‘anjo de pureza’, crescia ‘casta donzela’ e
‘filha obediente’, para tornar-se ‘fiel esposa’ e ‘mãe dedicada’ [...]. O positivismo consagrava a mulher como o
73
dos filhos higiene, educação, alimentação, etc. era vista como uma das responsáveis pela
situação preocupante em que se encontrava a infância no início do período republicano
brasileiro. Concomitantemente, dava-se a desautorização, por parte dos especialistas, de
crenças e práticas adotadas com os recém-nascidos e as crianças, que passaram a ser
consideradas primitivas e ultrapassadas.
Em seu estudo Ordem Pública e Moralidade: imprensa e policiamento urbano em
Porto Alegre na década de 1890
190
, Cláudia Mauch define da seguinte forma o papel ideal
atribuído às mulheres no período: “A virtude feminina estaria no recato e pudor, elementos
essenciais para o cumprimento da alta missão que lhes teria sido investida por ‘Deus’ e pela
‘natureza’: a maternidade”.
191
As mães deveriam, segundo os médicos, ser educadas para cuidarem de seus filhos,
recebendo orientações básicas sobre a gestação, o trato com o recém-nascido, alimentação,
doenças infantis e higiene. Esta educação poderia ocorrer através da imprensa escrita, do
rádio, de publicações populares e de serviços profissionais.
192
No que se refere aos castigos físicos, Irma Rizzini afirma que, para o Dr. Moncorvo
Filho, estes eram resultantes, em primeiro lugar, do alcoolismo dos pais.
193
Já Silvia Maria
Fávero Arend, em estudo sobre a família popular porto-alegrense no final do século XIX, traz
outros interessantes elementos relacionados ao tema. Ao trabalhar com processos penais, a
autora afirma que um pequeno número destes aborda atitudes violentas entre adultos e
crianças.
‘sexo afetivo’, reserva moral da sociedade, freio dos maus instintos e suavizadora de conflitos. Sua permanência
no lar, dedicada à educação dos filhos e a fornecer bons exemplos, era uma garantia de manutenção da ordem
social” (PESAVENTO, 1998, p.72). José Murilo de Carvalho, por sua vez, em texto intitulado Entre a Liberdade
dos Antigos e dos Modernos, afirma, ao abordar as propostas dos positivistas ortodoxos brasileiros, que
algumas propostas, como as que se referiam à exaltação do papel da mulher e da família, estavam sem dúvida
dentro de uma tradição cultural enraizada. Mas seus efeitos eram antes de natureza conservadora, na medida em
que reforçavam o patriarcalismo vigente” (CARVALHO, 1999, p.100). Como vemos, José Murilo de Carvalho
não relaciona a exaltação do papel da mulher e da família à influência do positivismo, como o faz Pesavento,
mas identifica esta exaltação como aspecto já presente, enraizado, na tradição cultural brasileira.
190
MAUCH, Cláudia. Ordem Pública e Moralidade: imprensa e policiamento urbano em Porto Alegre na década
de 1890. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.
191
Ibidem, p.98.
192
DILL, Aidê Campello. A criança sob inspiração positivista no Rio Grande do Sul (1898 1928). 234p. Tese
(Doutorado em História) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999, p.102.
193
RIZZINI, 1993, p.27.
74
Segundo Arend, “esse conflitos deviam ser bastante freqüentes, mas a maioria acabava
sendo resolvida sem a intervenção da Polícia e/ou da Justiça”.
194
Ao analisar, entre outros
casos, o de um menino de 9 anos, vítima de uma “sova”, a autora afirma que o uso de
violência contra crianças era aceito, de maneira geral, por adultos de diversas camadas
sociais. Para a mesma autora, “as atitudes violentas empregadas contra crianças eram, entre
outras, uma tentativa de disciplinarização com vistas à formação para o trabalho”.
195
Os
castigos não deveriam, portanto, ferir ou mutilar o corpo das crianças a ponto de impedir o
trabalho.
196
O trabalho infantil também era uma das preocupações e tema de debates e discussões
na passagem do século XIX para o XX. Irma Rizzini afirma, tomando como referência a
organização do mercado de trabalho após a abolição da escravidão, que este era
[...] condição básica para que as relações capitalistas de produção pudessem
dominar plenamente a economia brasileira. Este mercado de trabalho é
formado por imigrantes, [...] e pela população pobre das cidades, inclusive
mulheres e crianças. A organização de um mercado de trabalho incluía a
preparação do trabalho do menor aos requisitos da produção artesanal e
fabril, formando desde cedo a futura mão-de-obra da indústria. Vários
institutos surgem com essa preocupação [...].
197
Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura, em estudo sobre a Infância Operária e
Acidente do Trabalho em São Paulo
198
, afirma que crianças estavam inseridas no trabalho
industrial paulista já em 1870, e nas mais variadas funções. Nos primeiros anos do século
XIX, os menores já estão, segundo Moura, “[...] plenamente incorporados ao processo
produtivo e são vítimas freqüentes de acidentes do trabalho nos estabelecimentos industriais
[...]”.
199
Segundo Irma Rizzini, as condições de trabalho das crianças eram “as piores
possíveis”: coação através de castigos corporais, ameaças, dispensas, multas, disciplina rígida
e falta de higiene do ambiente de trabalho eram alguns dos aspectos denunciados pela
194
AREND, 2001, p.43.
195
Ibidem, p.44.
196
No último capítulo da Dissertação, abordaremos a questão dos castigos físicos nas escolas públicas primárias
gaúchas.
197
RIZZINI, 1993, p.31.
198
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Infância Operária e Acidente do Trabalho em São Paulo. In:
PRIORE, Mary Del (Org.). História da criança no Brasil. 5.ed. São Paulo: Contexto, 1998.
199
Ibidem, p.118-119.
75
imprensa no período.
200
Moura acrescenta ainda à lista a jornada excessiva, o trabalho
noturno, a falta de segurança e a baixa remuneração. Tanto Esmeralda Blanco Bolsonaro de
Moura quanto Vera Regina Beltrão Marques, autora que desenvolveu estudo sobre Histórias
de higienização pelo trabalho: crianças paranaenses no novecentos
201
, relacionam o emprego
da mão-de-obra infantil à possibilidade de diminuição dos custos de produção. Segundo
Marques,
A entrada de crianças no mercado de trabalho concretizou um dos grandes
anseios do empresariado, pois ao possibilitar a diminuição dos custos de
produção contribuiu para aumentar a acumulação do capital. Crianças-
operárias recebiam salários irrisórios para operar máquinas projetadas para
adultos nas quais produziam tanto quanto estes. Porém não esqueçamos o
detalhe: empresários importaram máquinas adaptadas aos pequenos para
que, nelas, eles pudessem docilmente render mais.
202
Desconhecemos a existência de estudos específicos sobre o trabalho infantil no Rio
Grande do Sul ou em Porto Alegre, mas dispomos de informações sobre sua ocorrência.
203
Retomando o estudo de Silvia Maria Fávero Arend sobre a família popular porto-alegrense no
final do século XIX, constata-se que
Para os populares, os filhos, após certa idade (em torno de 7 anos), deixavam
de ser “uma boca a mais” para se tornarem mão-de-obra. As meninas, de
maneira geral, trabalhavam nos serviços domésticos, ao passo que os
meninos ajudavam nos botequins e vendas e também nas tarefas
domésticas.
204
Em relação ao trabalho infantil, é oportuno ressaltar que, embora os excessos fossem
condenados, este era visto, primordialmente, como meio para regeneração e moralização da
criança, para evitar “desvios” ou como forma para corrigi-los. Essas atribuições regeneradoras
podem ser vislumbradas nas propostas para a infância desamparada e para a contenção da
200
RIZZINI, 1993, p.32.
201
MARQUES, Vera Regina Beltrão. Histórias de higienização pelo trabalho: crianças paranaenses no
novecentos. Cadernos CEDES, Campinas, v.23, n.59, abr. 2003. Disponível em: <http://www.cedes.
unicamp.br>.
202
Ibidem, p.59.
203
Alguns Relatórios da Instrução Pública trazem informações sobre crianças que abandonam a escola por
precisarem trabalhar. Um exemplo pode ser encontrado nas palavras do Inspetor Arthur Toscano Barbosa no
Relatório de 1899 (SIE.3 007).
204
AREND, 2001, p.67.
76
criminalidade infantil. É esta percepção, em grande medida, que determinará que em nenhum
momento o trabalho do menor seja questionado.
Tenta-se somente regulamentá-lo e tornar a criança trabalhadora mais apta,
com a criação de institutos e escolas profissionais. A tentativa de impor uma
legislação específica sobre o trabalho do menor, o legaliza perante a
sociedade e o Estado, que o concebem como um meio eficaz de prevenir o
desvio e fomentar a “economia nacional”.
205
No que se refere à mortalidade infantil, observou-se que “a partir de estudos
demográficos, [...] é eleita como um dos mais sérios problemas que afetam a infância, gerando
não só uma série de estudos [...], mas também propostas, projetos e iniciativas assistenciais
visando a saná-la”.
206
Em nível nacional, os índices da mortalidade infantil preocupavam, enormemente,
médicos, governantes e defensores da infância. Os médicos procuravam apontar as causas da
mortalidade infantil, destacando a hereditariedade, a ignorância e a pobreza como sendo as
causas gerais. Relacionadas à hereditariedade estavam a sífilis e o alcoolismo. A ignorância se
manifestava, como já mencionamos, nos cuidados inadequados das mães para com seus
filhos. Dentre as causas mais específicas da mortalidade infantil, os médicos destacavam,
entre outras, os transtornos digestivos, os distúrbios respiratórios e as causas natais e pré-
natais.
Irma Rizzini também aponta como fatores para o alto índice da mortalidade infantil a
herança alcoólica, a tuberculose, a sífilis, a dieta inadequada e insuficiente, problemas
higiênicos das habitações e a ignorância dos pais sobre higiene e puericultura.
207
Como
veremos no próximo ponto deste capítulo, o Rio Grande do Sul também apresentava elevados
índices de mortalidade infantil, o que foi apontado e discutido não apenas pelo Dr. Protasio
Alves e por outros médicos que trabalharam na Diretoria de Higiene, como também por
outros médicos, como o Dr. Euclydes de Castro Carvalho, médico paulista que trabalhou no
estado e escreveu, como veremos mais adiante, um estudo sobre o estado sanitário do RS.
205
RIZZINI, 1993, p.32.
206
Ibidem, p.33.
207
Ibidem, p.32-33.
77
Um outro aspecto relacionado à mortalidade de crianças merece a nossa atenção: o que
representava, social e economicamente, a perda de crianças. Referindo-se à preocupação dos
médicos com os crescentes índices de mortalidade infantil, Margareth Rago afirma que
Refletindo sobre o tema, a literatura médica procura detectar as causas do
fenômeno, elabora estatísticas e quadros comparativos referentes à situação
em outros Estados e mesmo entre países. Certamente, o problema não era
novo, mas neste momento histórico adquire dimensões inusitadas no
discurso médico, criminologista, dos industriais, principalmente pela ameaça
de despovoamento que representava para a nação.
208
A citação acima nos permite observar que a mortalidade infantil representava o choque
entre a prática da “compra de braços” e a morte dos “futuros homens do Brasil”, que
transformariam o Rio Grande do Sul e o país e que levariam o Brasil ao progresso. As
doenças e a mortalidade representavam prejuízos econômicos, visto que a criança seria,
amanhã, o trabalhador, o produtor e, também, o consumidor. Encontramos, tanto nos
Relatórios estaduais como em outros estudos, cálculos para avaliação do quanto se perdia,
monetariamente, com a mortalidade.
209
208
RAGO, 1985, p.125.
209
No Relatório de 1894, o Dr. Protasio Alves calculou, com base em estudos realizados por ingleses, que mais
de mil contos de réis eram perdidos em vidas humanas em Porto Alegre enquanto não se realizavam as obras de
saneamento (SIE.3 001, Higiene, 1894, p.98).
78
FIGURA 4 Coeficientes de Natalidade e Mortalidade (1907)
BOTELHO, Tarcísio. Contando os milhões. Nossa História, Rio de Janeiro, ano 1,
n.4, p.77, fev. 2004.
James Wadsworth, em seu estudo sobre os modelos ideológicos e institucionais de
assistência à infância idealizados e promovidos pelo Dr. Arthur Moncorvo Filho, afirma, ao
tratar da campanha contra as moscas por este liderada, que
Cálculos desta natureza eram freqüentes entre higienistas e ativistas da
época, que procuravam determinar o custo econômico dos problemas sociais
como estratégia para tentar despertar a consciência da necessidade de
reformas. Não obstante, avaliações deste gênero evidenciam claramente os
interesses econômicos das elites brasileiras nas crianças e as motivações
econômicas em relação à legislação de assistência à infância.
210
210
WADSWORTH, 1999, [s.p.].
79
Ainda segundo Wadsworth, o governo brasileiro adotou este mesmo raciocínio
cálculo do custo monetário da mortalidade infantil no Código de Menores de 1927
211
. A
criança deveria ser legalmente protegida, pois “representava um recurso econômico e social
para a nação”.
212
Irma Rizzini também aponta a relação entre capital e vida, afirmando que
“começa a tornar-se corrente na época, a relação entre capital e vida; combate à mortalidade
infantil e investimento econômico”.
213
Essa relação também aparece na documentação que
analisamos, como será apontado mais adiante, quando destacaremos os diagnósticos e
preocupações do Dr. Protasio Alves com relação à mortalidade infantil no Rio Grande do Sul.
Além da crescente preocupação com a saúde infantil, vemos surgir, em fins do século
XIX e início do XX, as primeiras grandes instituições de assistência e proteção à infância
doente e desamparada, bem como os primeiros institutos correcionais e profissionalizantes.
As questões relacionadas à infância, como a infância desamparada e em conflito com a
lei, já vinham sendo discutidas no Brasil pelas elites pensantes, desde pelo menos o início do
Segundo Reinado, mas sem planos ou projetos elaborados. Buscava-se empregar modelos
bem-sucedidos no exterior. Desde os tempos coloniais, a assistência e a proteção à infância
em situação de risco foram monopolizadas pela Igreja Católica. Durante o Império, novas
soluções foram ensaiadas pelo Estado e pela Igreja, mas ainda de forma caritativa e
efêmera.
214
Esse panorama começou a se transformar em fins do século XIX.
A idéia de saúde não estava, no período em questão, relacionada apenas à saúde física
infantil, mas também a um comportamento considerado “saudável”. A criança saudável não
era apenas a criança fisicamente saudável, mas também a criança disciplinada, higienizada e
moralizada. Seguindo este raciocínio, acreditamos ser importante destacar um aspecto
desenvolvido por Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura, em estudo intitulado Meninos e
meninas de rua: impasse e dissonância na construção da identidade da criança e do
211
O Código de Menores de 1927 consolidou, no Brasil, as leis de assistência e proteção aos menores.
212
WADSWORTH, 1999, [s.p.].
213
RIZZINI, 1993, p.33.
214
MARCILIO, Maria Luiza. O Menor Infrator e os Direitos da Criança no Século XX. In: LOURENÇO, Maria
Cecília França (Org.). Direitos Humanos em Dissertações e Teses da USP: 1934-1999. São Paulo: EDUSP,
2000.
80
adolescente na República Velha, e no qual refere a existência não da “infância”, mas de
“infâncias” ou então de uma “infância multifacetada”.
215
Os defensores da infância brasileira deparavam-se, ao final do século XIX, com
problemas de “infâncias” bastante distintas: a infância das camadas privilegiadas e a infância
desamparada, abandonada, marginalizada. Havia um choque, um abismo, entre a infância que
se desejava ter, associada a termos como amor, ternura e alegria de viver e que representaria o
progresso do país no porvir; e a realidade de crianças abandonadas, desamparadas, em perigo
ou já consideradas perigosas.
A infância, segundo Irene Rizzini, apresentava uma dupla simbologia: a criança,
esperança e futuro da nação; e o menor, uma ameaça à sociedade.
216
Desta visão ambivalente,
surgiu um discurso ambíguo, em que a criança aparecia como um ser que precisava de
proteção, mas que também deveria ser contido.
Nas ruas, as crianças deixavam de ser crianças e se transformavam em menores,
categoria jurídica socialmente construída. Ainda segundo Irene Rizzini, ser um menor era
“[...] carecer de assistência, era sinônimo de pobreza, baixa moralidade e periculosidade”.
217
Os menores eram os filhos dos pobres, não educados nos padrões de moralidade vigentes e,
desta forma, passíveis de intervenção judiciária.
218
A preocupação com a infância desamparada e com a saúde infantil fica clara quando
observamos, no período delimitado para este estudo, a existência de um número considerável
de instituições voltadas para a infância. Entre estas instituições, podemos citar o IPAI
215
MOURA, 1999, [s.p.].
216
Segundo Irene Rizzini, a criança mais visada pelas elites brasileiras na transição do século XIX para o XX era
a que carecia de proteção do Estado, precisando ser “corrigida” ou “reeducada” (RIZZINI, 1997, p.64). Esta
preocupação era dirigida aos estratos empobrecidos da população.
217
RIZZINI, 1997, p.223. Fernando Torres Londoño, em A Origem do Conceito Menor, afirma que “na
passagem do século, menor deixou de ser uma palavra associada à idade, quando se queria definir a
responsabilidade de um indivíduo perante a lei, para designar principalmente as crianças pobres abandonadas ou
que incorriam em delitos” (LONDOÑO, Fernando Torres. A Origem do Conceito Menor. In: PRIORE, Mary
Del (Org.). História da criança no Brasil. 5.ed. São Paulo: Contexto, 1998, p.142).
218
Segundo Irene Rizzini, os domínios médico e jurídico eram complementares na atuação sobre a infância neste
período. “Em conclusão: a aparente falta de atrito entre os domínios médico e jurídico deu-se por serem
complementares, pois não havia uma criança como objeto que demandava intervenção, mas duas. À criança
pobre, cujo seio familiar era visto como ignorante, mas não imoral, reservava-se o cuidado médico e o respaldo
higienista. À criança que perdera sua inocência (ou encontrava-se em perigo de...), logo pervertida, portanto
criminosa a Justiça” (RIZZINI, 1997, p.97-98).
81
Instituto de Proteção e Amparo à Infância fundado em 1899, no Rio de Janeiro, pelo já
citado Dr. Moncorvo Filho. Moncorvo Filho estabeleceu metas bastante ambiciosas para o
IPAI, entre as quais estavam as de “[...] inspecionar e regular as amas de leite, estudar as
condições de vida das crianças pobres, providenciar proteção contra o abuso e a negligência
para com menores, inspecionar as escolas, fiscalizar o trabalho feminino e de menores nas
indústrias”.
219
Além disso, ele propunha “[...] campanhas de vacinação, disseminação de
conhecimentos sobre doenças infantis [...]”.
220
A criação de institutos para a proteção da
infância, um hospital para crianças carentes, a criação de instituições semelhantes ao
Dispensário Moncorvo e o estabelecimento de cooperações entre governos federal, estadual e
municipal para proteção de jovens e crianças complementavam as metas.
Em 1919, Moncorvo Filho criou o Departamento da Criança no Brasil, a primeira
iniciativa de abrangência nacional e com previsão de atuação em diversas frentes, com
administração de cursos educativos em puericultura e higiene infantil destinado às mães. Mas
a prioridade continuou sendo o atendimento às famílias pobres.
221
Ao buscarmos informações sobre a existência ou não de instituições como o IPAI no
Rio Grande do Sul para o período em questão, encontramos as seguintes informações na Tese
de Aidê Campello Dill, intitulada A Criança Sob Inspiração Positivista no Rio Grande do Sul
(1898 1928):
Diante da problemática do mundo infantil, e para evitar a desintegração
familiar, incentivam-se movimentos assistenciais em defesa dos direitos da
infância ora em forma de contribuições espontâneas, ora em recolhimento e
distribuição de gêneros de primeira necessidade ou atendimento à saúde da
criança.
A sociedade gaúcha, através de associações femininas, instituições
filantrópicas, religiosas e do comércio, procura integrar-se a estes
movimentos. Algumas soluções emergenciais são aplicadas em defesa da
criança como a “festa da caridade”, promovida pelas senhoras associadas do
Clube Caixeiral.
222
219
WADSWORTH, 1999, [s.p.].
220
Ibidem, [s.p.].
221
RIZZINI, 1997, p.93-94.
222
DILL, 1999, p.87.
82
Ainda segundo Dill, os movimentos e medidas de proteção e assistência à infância
gaúcha contavam com a participação de senhoras porto-alegrenses e suas famílias, de
autoridades governamentais e de movimentos filantrópicos
223
. A relação entre o estado
(governos estadual e municipal) e as instituições de proteção e amparo à infância, contudo,
não fica clara. Seguindo com o estudo de Dill sobre a infância gaúcha entre os anos de 1898 e
1928, este nos informa que
Os governos estadual e municipal apóiam essas instituições através de
subvenções financeiras e fazem doações de prédios ou terrenos para
construção de casas para tal fim, e as mais importantes são: Orfanato Santo
Antônio Pão dos Pobres, Sociedade Asilo da Previdência, Orfanato Nossa
Senhora da Piedade, Sociedade Beneficente União 13 de Janeiro, Asilo São
Benedito, Federação Operária do Rio Grande do Sul, Instituto de Proteção
Operária, Sociedade Instrução e Caridade, Colégio Nossa Senhora da
223
Sobre a transformação de uma assistência à infância predominantemente caritativa para uma assistência
marcada pelos ideais da filantropia, Irene Rizzini afirma que “ao longo dos séculos XVIII e XIX, assiste-se a
uma lenta inversão da liderança sobre a assistência dirigida aos pobres, obedecendo a uma visão crescentemente
secularizada da sociedade. Observa-se o deslocamento do domínio da Igreja, associada aos setores públicos e
privados, para o domínio do Estado, que passa a estabelecer múltiplas alianças com instituições particulares.
Entram em conflito os valores enfraquecidos da caridade e os novos ideais da filantropia. Trata-se de um
processo que em parte decorre das mudanças nas relações de poder que vinham ocorrendo entre Igreja e Estado
no cenário político internacional” (RIZZINI, 1997, p.145). Encontramos também, na primeira edição do Album
do Rio Grande do Sul, organizado por Carlos Reis e publicado em 1905, outros indícios e informações sobre
iniciativas da sociedade gaúcha em defesa da infância. Além da indicação da existência de uma Associação
Protetora da Infância, cujos nomes em destaque no Album são o do Dr. Olyntho Oliveira e de D. Maria Gloria
Py, podemos observar também algumas das atividades desenvolvidas por esta Associação, como a quermesse e o
concurso de beleza infantil. Gostaríamos aqui de destacar o concurso de beleza infantil: ao analisarmos a
imagem apresentada no Album, podemos observar que as crianças fotografadas não são crianças pertencentes a
famílias pobres, como indica, por exemplo, a foto da filha de um médico. Encontramos, porém, tanto em Aidê
Campello Dill quanto em James Wadsworth, informações sobre um outro tipo de concurso para crianças, o
Concurso de Robustez. Wadswoth, em estudo sobre as idéias e a atuação do Dr. Moncorvo Filho, afirma que
para participar do Concurso, um dos eventos mais importantes das celebrações do Dia da Criança organizadas
por Moncorvo Filho e com a ajuda das Damas da Assistência, “[...] a criança deveria possuir menos de um ano
de idade, regra que nem sempre era seguida, e ter sido amamentada durante pelo menos por seis meses. A mãe
também precisava apresentar um atestado policial comprovando sua pobreza. As crianças eram avaliadas por um
médico, de acordo com critérios de saúde e vigor geral” (WADSWORTH, 1999, [s.p.]). Aidê Campello Dill, por
sua vez, ao abordar o primeiro concurso de robustez infantil organizado, em 1917, pelo Intendente Municipal e
por um grupo de médicos porto-alegrenses, afirma que “o objetivo é orientar os pais para a formação dos filhos
sadios. Os objetivos do concurso visam aumentar a população do Estado, estimular a natalidade e instituir
medidas populares de amparo à infância. E a criança é chamada a participar da sociedade com sua graça e
beleza” (DILL, 1999, p.109). Como podemos observar, os Concursos de Robustez apontados por Dill e
Wadsworth têm um público alvo diferente do Concurso de Beleza Infantil, como podemos constatar a partir da
foto do Album do Rio Grande do Sul. Voltados para a infância pobre, os Concursos de Robustez infantil
apresentavam “[...] um ideal médico e racial para a saúde, vigor e beleza” (WADSWORTH, 1999, [s.p.]) e que
se buscava, através de iniciativas como esta, divulgar e disseminar na sociedade brasileira. Curiosamente,
durante a realização de nossa Dissertação, tivemos informações sobre um concurso de saúde infantil que se
realizaria na cidade de Canoas RS, em 2006. Apesar do contato com a prefeitura municipal desta cidade, não
obtivemos, infelizmente, maiores informações. REIS, Carlos A. (Org.). Album do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: [s. n.], 1905.
83
Piedade, Centro Católico de Porto Alegre e o Instituto Pedro Chaves
Barcellos.
224
As instituições acima citadas atendiam, em sua grande maioria, órfãos e crianças
pobres e desamparadas, oferecendo abrigo, sustento e educação.
225
As informações oferecidas
por Dill, bem como a análise que fizemos dos Relatórios da Diretoria de Higiene e da
Instrução Pública, nos levam a crer que a relação entre estado e instituições de proteção e
amparo à infância no Rio Grande do Sul não deveria ir muito além de subvenções financeiras
e doação de prédios e terrenos.
Sobre a temática da infância desamparada, Adriana de Resende B. Vianna, em seu
trabalho O mal que se adivinha polícia e menoridade no Rio de Janeiro, 1910 - 1920
226
,
afirma que
O período entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX
caracteriza a emergência do problema da menoridade no sentido da
demarcação de um campo de interesse e atuação de diversas instituições e
saberes. Nesse aspecto, trata-se de um período no qual é consolidada a
representação de um problema social cristalizado na massa diversificada de
crianças pobres passíveis de serem enquadradas em classificações que
denotassem sua situação anormal frente a um modelo de infância e
família.
227
Em um panorama que envolvia temáticas como a propagação da higiene, o controle e
reformulação do espaço urbano, a necessidade de repressão à criminalidade e criação de
novas formas de compulsão ao trabalho, as crianças desamparadas tornavam-se foco do
trabalho de diversos profissionais.
O Instituto Disciplinar de São Paulo (1902 São Paulo), a Escola Premonitória
Quinze de Novembro (1903 Rio de Janeiro), a Escola de Menores Abandonados (Rio de
Janeiro), a Colônia Correcional de Dois Rios (1903 Rio de Janeiro), o Instituto João
Pinheiro (1909 Minas Gerais) e a Colônia Artística, Industrial e Agrícola da Providência
224
DILL, 1999, p.90.
225
Para maiores informações sobre cada uma destas instituições, ver DILL, 1999, p.91-98.
226
VIANNA, Adriana de Resende B. O mal que se adivinha: polícia e menoridade no Rio de Janeiro (1910
1920). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.
227
Ibidem, p.42.
84
(1899 Belém do Pará) são alguns exemplos de instituições voltadas para a infância
considerada potencialmente perigosa.
228
Segundo Maria Luiza Marcilio, o objetivo dessas
instituições era proporcionar “[...] uma educação saudável, regeneradora, em um ambiente
disciplinar e normatizado, onde se ensinaria particularmente o amor ao trabalho, o culto à
pátria, os valores éticos de uma sociedade liberal-burguesa”.
229
Abrigando crianças desamparadas ou consideradas delinqüentes, essas instituições
ensinavam as primeiras letras e também algum ofício, para que essa “matéria facilmente
moldável” se transformasse em cidadãos disciplinados, trabalhadores úteis a si e à pátria.
No Rio Grande do Sul, mais especificamente em Porto Alegre, a infância também era
alvo de atenções. Em seu livro O Cotidiano da República, Sandra Jatahy Pesavento destaca a
preocupação da sociedade gaúcha com o destino das crianças pobres, muitas vezes
abandonadas nas ruas ou deixadas na “roda dos expostos” da Santa Casa
230
, aguardando por
228
Estas instituições não tinham todas o mesmo caráter, como demonstra Adriana de Resende B. Vianna em
estudo intitulado Internação e Domesticidade: caminhos para a gestão da infância na Primeira República, ao
analisar a Escola Premonitória Quinze de Novembro e a Colônia Correcional de Dois Rios. Segundo Vianna, a
Escola Premonitória “[...] pretendia representar-se e ser representada fundamentalmente como instituição
destinada à prevenção e não à punição” (VIANNA, 2002, p.30), enquanto a Colônia Correcional era tomada
como um lugar de punição. Como o objetivo desta Dissertação não é analisar as especificidades de cada uma das
instituições voltadas para a infância, gostaríamos de nos valer das palavras de Vianna para destacar o que
consideramos importante no que se refere a estas instituições: “Tanto nos casos de internação de menores em
instituições ligadas à polícia, quanto nos casos de sua inclusão em redes domésticas, o que estava em jogo era a
construção de expedientes e mecanismos de controle de seres sociais considerados potencialmente perigosos”
(VIANNA, Adriana de Resende B. Internação e Domesticidade: caminhos para a gestão da infância na Primeira
República. In: GONDRA, José Gonçalves (Org.). História, Infância e Escolarização. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2002. p.39).
229
MARCILIO, 2000, p.41.
230
A Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, mecanismo elaborado para o
recolhimento de crianças abandonadas, foi instituído em 1837 e extinto em 1940. A Roda dos Expostos existiu
em diversas Santas Casas brasileiras, e as datas de instituição e extinção variaram. Segundo Maria Luiza
Marcilio, em A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil. 1726 1950, “a roda de
expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa
História. Criada na Colônia perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a
República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a
chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da roda dos enjeitados. Mas essa
instituição cumpriu importante papel. Quase por século e meio a roda de expostos foi praticamente a única
instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil” (MARCILIO, 1997, p.51). Ainda segundo
Marcilio, a primeira roda foi instalada em Salvador em 1726. O Rio Grande do Sul, por sua vez, possuiu três
rodas: Porto Alegre (1837), Rio Grande (1838) e Pelotas (1849). Sobre o movimento para abolição da roda, a
autora afirma o seguinte: “Em meados do século XIX, seguindo os rumos da Europa liberal, que fundava cada
vez mais sua fé no progresso contínuo, na ordem e na ciência, começou forte campanha para a abolição da roda
dos expostos. Esta passou a ser considerada imoral e contra os interesses do Estado. Aqui no Brasil igualmente
iniciou-se movimento para sua extinção. Ele partiu inicialmente dos médicos higienistas, horrorizados com os
altíssimos níveis de mortalidade reinantes dentro das casas de expostos. Vidas úteis estavam sendo perdidas para
o Estado. Mas o movimento insere-se também na onda pela melhoria da raça humana, levantada com base nas
85
caridade. No caso das crianças abandonadas, mais uma vez as mães, principais responsáveis
pelos cuidados e pela educação moral das crianças, aparecem como as culpadas pelo terrível
destino dos pequenos.
Essa prática era por todos condenada, culpando-se a mulher que renegava
assim a sua tarefa de mãe e que praticava o pior dos crimes.
231
Neste ponto,
as análises sociais pecavam: não era a miséria que levava a mulher a agir de
tal forma, mas o seu descaramento, a sua falta de sentimentos ou a sua
vergonha de não querer criar “o fruto do seu erro”. [...] Abandonar um filho
era um crime que não merecia perdão.
232
Eram freqüentes, segundo Pesavento, as notícias de crianças desaparecidas, mortas,
seduzidas, pedindo esmolas e perambulando pelas ruas, atraídas pelo jogo e pela bebida.
Essas crianças, ofensa à moral e aos bons costumes, sofriam violência por parte da polícia
administrativa.
Anderson Zalewski Vargas, ao analisar as páginas de O Independente, jornal porto-
alegrense que circulou no início do século XX, em estudo intitulado Porto Alegre, início do
século XX: imprensa, “ânsia de civilização” e menores de rua
233
, observa que para os
teorias evolucionistas, pelos eugenistas” (MARCÍLIO, 1997, p.66). As rodas mais importantes do Brasil
sobreviveram no século XX, como as de São Paulo e Salvador, em funcionamento até a década de 1950
(MARCILIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil: 1726 1950. In:
FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997). Para
maiores informações sobre a Roda dos Expostos em Porto Alegre, ver SANSEVERINO, Patrícia. A Roda dos
Expostos e o Seu Fim na Porto Alegre do Século XX. São Leopoldo: UNISINOS, Trabalho de Conclusão do
Curso de História Licenciatura Plena, 2002. Em alguns Relatórios da Secretaria do Interior e Exterior do Rio
Grande do Sul, encontramos dados sobre os “expostos” da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. No
Relatório de 1895 (SIE.3 003, p.148), por exemplo, encontramos as seguintes informações: “O movimento da
Casa da Roda no anno proximo findo foi como segue: Passaram de 1893: 73, Entraram em 1894: 18,
Falleceram: 12, Completaram a idade: 12, Entregues a criação gratuita: 3, Entregue a seu pai: 1. Passaram para o
corrente anno: 63”.
231
O abandono de crianças aparecia classificado como crime no Código Penal Brasileiro de 1890, em seu Título
IX, Capítulo IV Da subtração, ocultação e abandono de menores, Artigo 292, que define o seguinte: “Expôr, ou
abandonar, infante menor de sete annos, nas ruas, praças, jardins públicos, adros, cemiterios, vestíbulos de
edificios publicos ou particulares, emfim, em qualquer logar, onde, por falta de auxilio e cuidados, de que
necessite a victima, corra perigo sua vida, ou tenha logar a morte” receberia uma pena de prisão celular por seis
meses a um ano. O §1. deste Artigo determinava ainda que se o abandono ocorresse em lugar ermo e que, por
este motivo, a vida da criança estivesse em perigo ou se esta viesse a falecer, a pena passaria a ser de prisão
celular por um a quatro anos. Já o §2. definia que se o crime fosse cometido pelo pai, pela mãe ou pela pessoa
responsável pela guarda do menor, o autor sofreria igual pena, com o acréscimo da terça parte (MACEDO,
Oscar de Soares (Coment.). Codigo Penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil - 1890. 5.ed. Rio de
Janeiro: Livraria Garnier, 1910).
232
PESAVENTO, 1998, p.77.
233
VARGAS, Anderson Zalewski. Porto Alegre, início do século XX: imprensa, “ânsia de civilização” e
menores de rua. In: GRIJÓ, Luiz Alberto; KUHN, Fábio; GUAZZELLI, César Augusto Barcellos; NEUMANN,
Eduardo Santos (Org.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
86
articulistas deste periódico as crianças deveriam permanecer no âmbito privado nos lares
para serem educadas pelas mães, e não nas ruas âmbito público lugar de risco, de perigo,
onde as crianças poderiam ser contaminadas pelos moralmente corrompidos e criminosos. Ao
se referirem aos “menores de rua”, os articulistas de O Independente assumiam, segundo
Vargas, a seguinte postura:
Assim como todos os moradores dos becos, bairros e zonas suspeitas eram
ou “vagabundos” ou “prostitutas”, todos os menores que moravam ou
eventualmente freqüentavam aqueles espaços podiam ser vistos como
“menores vadios”, como “ladrões embrionários”, um perigo para a
sobrevivência da sociedade. Assim todos podiam ser alvo de medidas
proporcionais à gravidade do problema que, nas páginas do jornal, foi quase
que cotidianamente elaborado.
234
Entre as medidas terapêuticas propostas pelo periódico para sanar o problema dos
“menores de rua”, Vargas destaca a vigilância, a repressão e a regeneração, com a instalação,
quando possível, de escolas correcionais, como a Quinze de Novembro, do Rio de Janeiro, e
de institutos profissionalizantes. O destino dos menores infratores gaúchos, porém, era a Casa
de Correção de Porto Alegre, aspecto que será desenvolvido ao final deste capítulo.
2.2 A MORTALIDADE INFANTIL NO RS: ÍNDICES E DIAGNÓSTICOS
Como afirmamos anteriormente, a mortalidade infantil também preocupou médicos e
governantes gaúchos nas primeiras décadas do período republicano. O que propomos,
especificamente para este ponto de nosso estudo, é analisar o problema da mortalidade infantil
no Rio Grande do Sul a partir das impressões do Dr. Protasio Antonio Alves, médico e
governante gaúcho, e do Dr. Euclydes de Castro Carvalho, médico paulista que realizou um
estudo sobre o estado sanitário do RS, em 1927, e no qual abordou, entre outros aspectos, o
problema da mortalidade infantil no estado. As impressões do Dr. Protasio Alves serão,
algumas vezes, complementadas pelas de outros médicos que também dirigiram a Diretoria de
Higiene do estado.
234
VARGAS, 2004, p.263.
87
O Dr. Protasio Antonio Alves merece lugar de destaque em nosso estudo, visto que
ocupou cargos importantes relacionados à infância, como a Diretoria de Higiene e a Secretaria
de Estado dos Negócios do Interior e Exterior. É possível perceber, a partir da leitura destes
Relatórios, que o Dr. Protasio Alves foi quem mais abordou questões como a mortalidade
infantil e a salubridade do espaço escolar, sendo que esta última questão será abordada no
terceiro capítulo desta Dissertação. O Dr. Protasio Alves é, em nosso estudo, ao mesmo tempo
fonte na medida em que escreveu Relatórios da Diretoria de Higiene e Introduções aos
Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior, e propôs muito da
Legislação para a saúde e educação aprovada por Decretos no período de nossa investigação
e objeto, pois foi político atuante, realizando diagnósticos e propondo soluções para os
problemas referentes à infância gaúcha.
Protasio Antonio Alves nasceu em Rio Pardo, em 21 de março de 1859, filho do
boticário rio-pardense Patrício Antonio Alves e de Cândida Carolina Ávila Alves, também
natural de Rio Pardo. Aprendeu as primeiras letras na terra natal e freqüentou, posteriormente,
o colégio particular dirigido por Fernando Gomes, em Porto Alegre, onde estudou com Júlio
de Castilhos. Iniciou, em 1877, os estudos de medicina no Rio de Janeiro
235
e “como
estudante de Medicina, Protasio vive por muitos anos no Rio de Janeiro imperial, lançando-se
aos estudos científicos e também à ação política em prol do advento da República no
Brasil”.
236
Durante o período de estudos no Rio de Janeiro, Protasio Alves foi presidente do
Club Republicano Evolucionista. Em 13 de dezembro de 1882, obteve o título de doutor com
louvor, com a tese Paralelo entre a divulsão e a uretrotomia interna. Em 1883, Protasio
viajou para a Europa Viena, Berlim e Paris onde viveu por dois anos e se aperfeiçoou em
Urologia, Ginecologia e Obstetrícia. Sobre as relações estabelecidas durante os estudos no
Rio de Janeiro e na Europa, Maria do Carmo Campos e Martha Geralda Alves D´Azevedo
afirmam que “é bem provável que Protasio tenha mantido correspondência com os seus
colegas europeus. Certo é que, ao longo dos anos, não perde o contato com os colegas do Rio
235
A Escola de Medicina do Rio de Janeiro é a segunda mais antiga do país, fundada em 1832. A Faculdade de
Medicina da Bahia foi fundada em 1808.
236
CAMPOS, Maria do Carmo; D´AZEVEDO, Martha Geralda Alves. Protasio Alves e o seu tempo (1859
1933). Porto Alegre: Já Editores, 2006, p.45. A maioria das informações sobre o Dr. Protasio Antonio Alves
foram retiradas desta biografia escrita pela bisneta e pela neta, respectivamente, do médico. Algumas
informações também estão disponíveis na página eletrônica do Acervo Histórico do Sindicato Médico do Rio
Grande do Sul SIMERS. Disponível em: <http://www.memoria.simers.org.br>.
88
de Janeiro”.
237
Entre os colegas do Rio de Janeiro, amigos e interlocutores do médico,
encontramos, entre outros, o médico Carlos Chagas
238
.
Ao voltar da Europa, o Dr. Protasio Alves abriu consultório no centro de Porto Alegre,
atendendo em dois endereços: na farmácia Otto Marquadson e em sua residência, na rua
General Câmara. Operações, partos, moléstias de senhoras, vias urinárias e laringe eram as
práticas e especialidades do médico.
Em 29 de maio de 1886, Protasio Antonio Alves casou-se com Geralda Velho Cardia,
natural da cidade de Rio Grande e filha de José Ignácio Gomes Cardia e de Josepha Velho
Cardia, esta pertencente à tradicional família gaúcha. Protasio e Geralda tiveram cinco filhos:
Brenno Cardia Alves (1887 médico da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre) Hugo
Cardia Alves (1888 funcionário público), Glauco Cardia Alves (1892 advogado), Cândida
Alves Paim (1896) e Almir Alves (1897 médico e professor da Faculdade de Medicina).
Em sua vida pública, o Dr. Protasio Antonio Alves exerceu, desde o final do século
XIX, muitos cargos e funções: mesário da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (eleito
para o biênio 1890 1891); provedor interino da mesma instituição (1891); sub-delegado de
polícia do 3º distrito de Porto Alegre (1889); deputado na primeira Constituinte (foi um dos
43 signatários da Carta de 14/7/1891); presidente da Assembléia Legislativa; Diretor da
Higiene Pública do Estado (1891 1896 e 1901 1904)
239
; presidente da Sociedade de
Medicina de Porto Alegre (eleito em 1890); diretor da Faculdade de Medicina de Porto Alegre
(1898 1904 e 1905 1907); Professor Catedrático de Anatomia e Fisiologia Obstétrica;
Tenente Coronel Cirurgião da Divisa do Comando Superior da Guarda Nacional no Rio
237
CAMPOS, D´AZEVEDO, 2006, p.63.
238
Carlos Justiniano Ribeiro Chagas (1878-1934) formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro em 1903. Dedicou-se ao estudo científico de doenças tropicais e ocupou, entre outros cargos, a direção
de Manguinhos (1917-1934) e do Departamento Nacional de Saúde Pública (1920-1926). Manteve estreita
relação com Oswaldo Cruz e realizou, em 1905, a primeira campanha bem-sucedida contra a malária no Brasil
(Itatinga São Paulo). Carlos Chagas foi o responsável, em 1909, pela descoberta do ciclo evolutivo de um novo
protozoário denominado Trypanosoma Cruzi, causador da doença que viria a se chamar Doença de Chagas. Esta
descoberta teve grande repercussão tanto no Brasil quanto no exterior. Membro titular da Academia Nacional de
Medicina, Carlos Chagas recebeu, em 1921, o título de doutor honoris causa da Universidade de Harvard. Na
década de 1910, participou das chamadas viagens científicas, promovidas pelo Instituto Oswaldo Cruz e cujos
objetivos eram investigar os problemas médico-sanitários do interior brasileiro. As informações sobre Carlos
Chagas estão disponíveis na Biblioteca Virtual Carlos Chagas. Disponível em: <http://www.prossiga.br/chagas>.
239
Constatamos que o Dr. Protasio Alves continuou assinando os Relatórios da Diretoria de Higiene entre os
anos de 1896 e 1901, informação que não confere com a apresentada por Campos e D´Azevedo.
89
Grande do Sul (1901); Secretário de Estado dos Negócios do Interior e Exterior (1907
1928); Vice-Presidente da Seção 4 do Congresso Médico Latino-Americano no Rio de Janeiro
(1909); Secretário de Obras Públicas (1916 – 1917); Diretor-Geral da Instrução Pública; Vice-
Presidente do Estado do Rio Grande do Sul (dois mandatos entre 1918 e 1928); professor
honorário da Faculdade de Medicina de Porto Alegre (1921); sócio-fundador do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (1920); sócio honorário do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul (1920 1933); presidente da Comissão Organizadora do IX
Congresso Médico Brasileiro (Porto Alegre, 1926), entre outros cargos.
240
Além das funções e cargos elencados acima, gostaríamos de destacar algumas outras
ações do Dr. Protasio Alves. O médico realizou a primeira operação de cesariana em Porto
Alegre, e “depois desse feito, como sentisse a necessidade de parteiras competentes, Protasio
Alves cria no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre uma Enfermaria de
Partos e melhora o Serviço de Cirurgia de mulheres, onde faz também Ginecologia”.
241
A
fundação da Enfermaria de Partos ocorreu entre os anos de 1894 e 1895. Em 1897, Protasio
Alves fundou, com os colegas Dioclécio Pereira, Serapião Mariante, Carlos Nabuco e
Sebastião Leão, o Curso de Partos na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
242
A
criação do curso aparece referida no Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do
Interior e Exterior de 1897 da seguinte maneira: “curso livre de partos O corpo clínico da
enfermaria de gynecologia da Santa Casa de Misericordia desta capital creou no mesmo
estabelecimento um ‘curso livre de partos’, que foi inaugurado no dia 5 de abril proximo
240
As informações sobre a vida pública do Dr. Protasio Antonio Alves foram retiradas de CAMPOS,
D´AZEVEDO, 2006, p.128-129. Outras informações podem ser encontradas nas páginas 410 a 416 deste mesmo
estudo.
241
Ibidem, p.76.
242
Os drs. Dioclécio Pereira e Serapião Mariante foram colegas do Dr. Protasio Alves na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, assim como o Dr. Carlos Wallau, responsável, durante muitos anos, pelo serviço de estatística
do Rio Grande do Sul (CAMPOS, D´AZEVEDO, 2006, p.45). O Dr. Sebastião Leão nasceu em Porto Alegre em
20 de janeiro de 1866. Formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1888 e voltou a Porto Alegre,
prestando assistência médica em instituições como sociedades de beneficência, na Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre, no Club Caixeiral e na Beneficência Portuguesa, entre outras. Além da medicina, Sebastião Leão
dedicou-se também à imprensa, sendo diretor, por exemplo, da Revista da Sociedade de Medicina de Porto
Alegre. A história do Rio Grande do Sul também despertou o interesse deste médico gaúcho. Em 1896, foi
nomeado médico legista da polícia, e no desempenho desta função, realizou estudos de antropologia criminal.
Sobre estes estudos, é possível ler o relatório escrito pelo médico e anexo ao Relatório da Secretaria de Estado
dos Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do Sul de 1897 (SIE.3 004). Ainda sobre as atividades
médicas do Dr. Sebatião Leão, consideramos interessante observar que este trabalhou como interno da clínica de
moléstias de crianças da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro durante o período de estudo nesta instituição.
O Dr. Sebatião Leão faleceu em 1903, aos 37 anos de idade. As informações sobre o dr. Sebastião Leão foram
encontradas em PORTO ALEGRE, Achylles. Homens Illustres do Rio Grande do Sul. 2.ed. Porto Alegre:
Selbach, 1917, p.134.
90
passado”.
243
No ano seguinte, 1898, Protasio Alves liderou a fundação da Faculdade Livre de
Medicina e Farmácia de Porto Alegre.
244
A vida política do Dr. Protasio Antonio Alves concentrou-se nas áreas da saúde
(Higiene Pública) e da educação (Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior), e
é em razão disso que, no terceiro capítulo, destacaremos o encontro entre estas duas esferas de
atuação: a higiene nas escolas públicas gaúchas. Muitas são as referências, nos Relatórios da
Diretoria de Higiene e nos Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e
Exterior, à saúde infantil e, especificamente, à salubridade do espaço escolar. Não que estes
dados estivessem ausentes dos Relatórios assinados pelo também Diretor da Higiene, Dr.
Ricardo Machado, ou pelo responsável pela Instrução Pública, o Sr. Manoel Pacheco
Prates
245
, como veremos no terceiro capítulo da Dissertação.
Algumas questões importantes sobre a atuação de Protasio Alves foram apontadas por
Beatriz Teixeira Weber em artigo intitulado Positivismo e ciência médica no Rio Grande do
Sul: a Faculdade de Medicina de Porto Alegre
246
e devem ser destacadas. O Dr. Protasio
Alves era, segundo a autora, filiado ao Apostolado Positivista, o qual já mereceu referência
no primeiro capítulo quando apresentamos o posicionamento do Apostolado em relação à
Medicina e às questões de saúde pública. Porém, segundo Beatriz Teixeira Weber,
[...] até os médicos do PRR tinham a preocupação com a organização de suas
entidades corporativas, embora defendessem a perspectiva positivista da
liberdade profissional. A ambigüidade de certas posições a respeito da
vacinação, por exemplo, indica que a argumentação médica, técnica, sobre a
questão, podia estar influenciando as discussões. É o caso de Protásio Alves,
que era a favor da vacinação apesar de ser contrário aos dogmas positivistas.
243
SIE.3 004 (1897).
244
A Faculdade Livre de Medicina e Farmácia de Porto Alegre foi a terceira Faculdade de Medicina fundada no
país, depois das Faculdades do Rio de Janeiro (1832) e da Bahia (1808). Esta Faculdade, fusão da Escola de
Farmácia e do Curso de Partos, deu origem às atuais Faculdades de Medicina e de Farmácia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul UFRGS (CAMPOS, D´AZEVEDO, 2006, p.78-79).
245
Manuel Pacheco Prates (1856 1938) nasceu em Santana do Livramento RS. Formou-se em ciências
jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1884. Foi Diretor Geral da Instrução Pública do
Rio Grande do Sul e professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre. Em 1911, foi nomeado professor da
Faculdade de Direito de São Paulo, cargo do qual foi compulsoriamente aposentado em 1934. Esteve à frente da
Instrução Pública estadual de 1894 a 1911. As informações sobre Manuel Pacheco Prates podem ser encontradas
em REIS, 1905, p.191 e no endereço eletrônico do Ministério Público do RS. Disponível em:
<http://www.mp.rs.gov.br/memorial>.
246
WEBER, Beatriz Teixeira. Positivismo e ciência médica no Rio Grande do Sul: a Faculdade de Medicina de
Porto Alegre. História, Ciências, Saúde Manguinhos, Rio de Janeiro, v.5, n.3, nov. 1998/fev. 1999. Disponível
em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 9 mar. 2006. Não paginado.
91
Os médicos responsáveis pela “ciência” inseriam-se na ambigüidade do
cotidiano, não apresentando comportamentos dirigidos coerentemente por
uma perspectiva teórica, mas respostas diversificadas às situações,
dependendo dos seus interesses pessoais, políticos, ou de necessidades
práticas (Cooter, 1982, p. 87). Suas atitudes são um claro indício da
complexidade do processo que estavam vivendo.
247
A citação extraída do estudo realizado por Weber indica a complexidade da situação
vivida no RS por médicos como o Dr. Protasio Alves, que ocupou cargos importantes num
governo de orientação positivista e que defendeu a liberdade profissional até o final do
período de nossa investigação.
O Dr. Protasio Alves, como indicam os dados apresentados sobre a sua vida pública,
praticou a medicina, participou da organização de eventos nacionais de medicina, manteve
contato com médicos como Carlos Chagas, realizou viagens de estudos para a Europa e
liderou a fundação da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, mas foi também político
republicano extremamente atuante, assumindo, entre outros cargos, a Diretoria de Higiene, a
Instrução Pública, a Secretaria do Interior e Exterior e a vice-presidência do estado. Fica a
pergunta: o Dr. Protasio Alves agia, ao dirigir a Diretoria de Higiene ou a Secretaria de
Estado dos Negócios do Interior e Exterior, como membro do Apostolado Positivista ou como
médico? Buscando responder a esta questão, Weber afirma, em texto sobre a história da
Medicina no Rio Grande do Sul, que “quando estourava alguma epidemia, sua intervenção [de
Protasio Alves] baseava-se nos princípios que a medicina do seu tempo indicava [...]”.
248
E,
em outros momentos, que princípios teriam norteado as ações e políticas do Dr. Protasio
Alves? No que se refere à higiene nas escolas públicas do Rio Grande do Sul, temática do
nosso terceiro capítulo, que medidas o Dr. Protasio Alves teria proposto e adotado? Como o
estado se organizou?
247
WEBER, 1998/99, [s.p.].
248
WEBER, Beatriz Teixeira. A História da Medicina no Rio Grande do Sul. In: Projeto SBPC na Comunidade,
abr. 2001. Disponível em: <http://www.usfm.br>. Acesso em: 9 mar. 2006, [s.p.].
92
Protasio Antonio Alves encerrou a sua vida política em janeiro de 1928 e faleceu à
meia-noite do dia 4 para o dia 5 de junho de 1933.
249
FIGURA 5 Dr. Protasio Antonio Alves
Fonte: CAMPOS, D´AZEVEDO, 2006, p.131.
Em publicação intitulada O Estado Sanitario do Rio Grande do Sul
250
, estudo
produzido pelo Dr. Euclydes de Castro Carvalho em 1927, também encontramos valiosas
informações sobre a mortalidade infantil no estado e questões a ela relacionadas. Segundo
informações obtidas na própria publicação do estudo, o Dr. Euclydes de Castro Carvalho,
médico paulista, era ex-médico da Marinha Mercante Francesa, ex-chefe de clínica da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ex-médico da Estrada de Ferro São Paulo Rio
249
A atuação profissional e política do Dr. Protasio Antonio Alves merece, em nossa opinião, novos estudos que
se dediquem, sobretudo, a desvendar a aparente ambigüidade entre o exercício profissional da medicina e sua
adesão aos postulados positivistas.
250
CARVALHO, Euclydes de Castro. O Estado Sanitario do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1927.
93
Grande, ex-estagiário da 3ª enfermaria cirúrgica da Santa Casa do Rio de Janeiro, ex-interno
do Hospital Hahnemanniano do Rio de Janeiro e farmacêutico diplomado pela Escola de
Farmácia de São Paulo.
O estudo foi, segundo consta no próprio, aprovado pelo 9º Congresso Médico
Brasileiro, ocorrido em Porto Alegre em 1926. Na introdução da publicação de O Estado
Sanitario do Rio Grande do Sul, encontramos a “opinião da Imprensa de Porto Alegre, a
respeito do livro” e selecionamos o comentário publicado em A Federação, periódico do
Partido Republicano gaúcho.
Estado Sanitario do Rio Grande do Sul O dr. Euclydes de Castro
Carvalho, medico residente em Prata, neste Estado, está organisando um
trabalho intitulado ‘Estado Sanitario do Rio Grande do Sul’. Os fins e
intuitos dessa obra são puramente scientificos, constituindo a prosecução de
estudos a que especialmente se dedica o autor que, no Congresso Medico
realisado no anno transacto nesta capital, entre outros apreciaveis trabalhos,
apresentou um versando sobre o ‘Estado sanitario da região colonial
italiana’. Afim de enriquecer o livro com o maior numero possivel de dados,
positivos e certos, o dr. Castro Carvalho dirigiu um questionario a todos os
intendentes municipaes, e outras autoridades, os quaes, estamos seguros, lhe
fornecerão de boamente os esclarecimentos solicitados, contribuindo para a
ampliação de um trabalho de real interesse para o Rio Grande do Sul. D´ “A
Federação” 16-2-927.
251
Como já afirmamos, os índices da mortalidade infantil preocupavam tanto os médicos
quanto os governantes e defensores da infância. Nos Relatórios da Diretoria de Higiene, parte
dos Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior do Rio Grande do
Sul, os altos índices da mortalidade infantil também foram uma preocupação freqüente. No
Relatório de 1893, o Dr. Protasio Alves, então Inspetor da Higiene, afirmava que a estatística
evidenciava a grande mortalidade de crianças.
252
Já no Relatório de 1909, o Dr. Ricardo
Machado, então Diretor de Higiene, escreveu que “o numero total, absoluto, de obitos
conservou-se o mesmo, apezar do augmento da população durante o anno; por outro lado é
digno da maxima attenção que 33% d´esses obitos correspondem aos abaixo de 2 annos
[...]”.
253
251
CARVALHO, 1927, p.v.
252
SIE.3 001 (Higiene, 1893, p.96).
253
SIE.3 018 (Higiene, 1909, p.244).
94
No Relatório do ano de 1928, encontramos informações sobre estes índices de
mortalidade relativos aos anos de 1910 e 1927, os quais reproduzimos na tabela abaixo, com o
acréscimo do cálculo da porcentagem que o número de óbitos de crianças menores de 2 anos
representava em relação ao total de óbitos de Porto Alegre.
TABELA 1 Mortalidade Infantil (0 2 anos)
Porto Alegre: 1910-1927
ANO
OBITUÁRIO
GERAL
MORT. INFANTIL
%*
1910 2702 860 31,8% **
1911 3488 1393 39,9%
1912 4159 1460 35,1%
1913 3689 1305 35,3%
1914 3310 1203 36,3%
1915 3311 1110 33,5%
1916 3305 1071 32,4%
1917 3845 1346 35%
1918 5087 1344 26,4%
1919 3091 1506 48,7%
1920 3864 931 24%
1921 3515 1458 41,4%
1922 3580 1251 34,9%
1923 4124 1503 36,4%
1924 4269 1479 34,6%
1925 4080 1300 31,8%
1926 3992 1194 29,9%
1927 4501 1511 33,5%
Fonte: SIE.3 044 (Higiene, 1928, p.107).
* Porcentagem da mortalidade infantil (0 2 anos) em relação ao obituário geral.
** Os dados referentes ao obituário geral e à mortalidade infantil apresentados nesta tabela foram
retirados do Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio
Grande do Sul do ano de 1928 SIE.3 044. Gostaríamos, no entanto, de ressaltar que estes
mesmos dados, quando apresentados ano a ano nos Relatórios, nem sempre conferem com os dados
apresentados no Relatório de 1928. Optamos pela reprodução dos dados do Relatório de 1928, por
este apresentar os dados referentes a todos os anos em questão.
Podemos observar que a porcentagem representada pela mortalidade infantil (0-2
anos) era bastante elevada, ultrapassando, na maioria dos anos, os 30%. Podemos inferir,
pelos dados apresentados na tabela acima, que os índices da mortalidade infantil “flutuavam”
95
de acordo com a situação geral da saúde no estado, pois não observamos tendência clara de
queda ou crescimento destes índices. As péssimas condições de salubridade em Porto Alegre,
a má qualidade da água e dos gêneros alimentícios, a alta incidência de doenças como a
tuberculose, por exemplo, e os baixos investimentos do governo gaúcho em saúde
254
exerciam
grande influência sobre os índices de mortalidade infantil.
Euclydes de Castro Carvalho, por sua vez, apontava como principais causas da
mortalidade infantil no Rio Grande do Sul, em primeiro lugar, as moléstias do aparelho
digestivo; em segundo lugar, as causas natais, pré-natais e neonatais, entre as quais a sífilis se
acha incluída, e, em seguida, as moléstias do aparelho respiratório, as doenças infecto-
contagiosas e as afecções constitucionais das mães (nefrite, tuberculose, eclampsia, diabetes,
etc.). No Relatório da Diretoria de Higiene do estado, os transtornos digestivos também
aparecem como uma das principais causas da mortalidade infantil, juntamente com as
chamadas moléstias gerais, ou seja, tuberculose, gripe, febre tifóide, sífilis (transmitida pela
mãe), peste, sarampo, entre outras.
Euclydes de Castro Carvalho, ao definir a natimortalidade, esclarece os procedimentos
empregados no Brasil: “[...] seguimos, geralmente, em nossas estatisticas, o methodo allemão
de só considerarmos morto o infante que não apresenta ao nascer signaes de vida, ou que
morre durante o trabalho de parto”.
255
Ainda segundo Carvalho, as principais causas da
natimortalidade eram a sífilis e o álcool. Além destes dois fatores, o autor apontava também
como causas, porém concorrendo em menor grau, as más condições do parto (debilidade
congênita do feto ou sua prematuridade, por exemplo) e o casamento entre pessoas doentes,
entre outros.
Não é possível, a partir dos dados dos Relatórios da Diretoria de Higiene do Rio
Grande do Sul, organizar um estudo sistemático sobre a natimortalidade em Porto Alegre ou
no Rio Grande do Sul, mas é possível inferir, pelas referências dos Diretores da Higiene e
254
No estudo de Berenice Corsetti sobre a escola pública no Rio Grande do Sul, no período de 1889 a 1930,
encontramos dados sobre os gastos com as políticas públicas no que se refere à participação relativa na despesa
ordinária do Rio Grande do Sul. Analisando estes dados, podemos constatar que o maior investimento em saúde
ocorreu no ano de 1905, quando 1,77% da despesa ordinária do Estado foi investida nesta área. Já o menor
investimento ocorreu em 1907, com 0,32% da despesa ordinária sendo direcionada para a saúde (CORSETTI,
1998, p.261).
255
CARVALHO, 1927, p.188.
96
pelo estudo de Carvalho, que os números eram preocupantes. A título de exemplo,
apresentamos os dados registrados no Relatório da Diretoria de Higiene de 1903 e referentes
ao ano de 1902: dos 2608 nascimentos registrados em Porto Alegre, 192 foram de crianças
nascidas mortas, ou seja, 7,3%.
256
Euclydes de Castro Carvalho, por sua vez, oferece dados
para o ano de 1925. Segundo Carvalho, “[...] nasceram mortos em Porto Alegre 426
creanças
257
, o que prefaz uma média diária de 1,16. O coeficiente sobre mil habitantes é de
1,84 [...]”.
258
Já o coeficiente calculado sobre mil habitantes para o estado do Rio Grande do
Sul, em 1922, era, segundo Carvalho, de 0,67.
Buscando estatísticas e quadros comparativos especificamente sobre a mortalidade
infantil, encontramos, no já citado O Estado Sanitario do Rio Grande do Sul, o seguinte
quadro comparativo.
TABELA 2 - Quadro comparativo da mortalidade infantil, no Rio Grande do Sul,
comparado com a de diversas cidades nacionaes e extrangeiras em 1924*
CIDADES População
Obitos
geraes
Obitos de
menores de
1 anno
Nascimentos
Coef. sobre
1.000
nascimentos
Haya 391.369 3.473 257 7.984 32,18
Stockolmo 438.896 4.737 276 5.399 51,12
Londres 4.576.505 55.887 5.904 85.147 69,33
Milão 864.720 10.748 901 12.723 70,81
Buenos Ayres 1.838.561 25.186 3.381 45.805 73,81
Chicago 2.939.605 32.918 4.528 58.900 76,87
Hamburgo 1.074.357 12.454 1.296 15.086 85,90
Paris 2.906.472 41.639 4.061 46.069 88,09
Bruxelas 215.145 2.290 283 3.079 91,91
Barcelona 760.572 15.392 1.845 18.229 101,21
Liverpool 851.800 11.424 2.117 20.559 102,97
Praga 795.149 8.336 1.105 9.523 116,08
Napoles 789.531 15.484 2.527 19.507 129,54
Varsovia 965.237 14.208 3.277 21.157 154,88
R. de Janeiro 1.442.088 23.140 5.325 33.889 157,00
São Paulo 789.995 13.158 3.896 23.191 168,00
256
SIE.3 012 (Higiene, 1903, p.221).
257
O Relatório de 1926 apresenta, para o ano de 1925, o número de 427 natimortos. SIE.3 042 (1926).
258
CARVALHO, 1927, p.189.
97
Porto Alegre 218.728 4.516 1.144 6.717 170,31
Cairo 804.200 27.226 10.072 41.467 242,89
Pelotas 82.160 2.043 645 2.471 261,02
Rio Grande 45.660 1.306 571 1.416 403,24
Rio Grande do
Sul (Estado)
2.287.940 26.648 7.452 63.629 117,11
Fonte: CARVALHO, 1927, p.209. [grifo nosso]
*Mantive a grafia original do quadro.
Referindo-se ao alto coeficiente da mortalidade infantil no Rio Grande do Sul, e que
pode ser observado no quadro acima, Euclydes de Castro Carvalho, autor deste estudo sobre o
estado sanitário do RS, afirma que este “[...] vem se mantendo ha alguns annos, contrastando
com o grande surto de progresso que presentemente atravessamos, supprimindo vidas que
deveriam constituir amanhã os principaes factores de povoamento, de actividade social e
economica”.
259
Como podemos observar, Carvalho anuncia o vínculo que já apontamos em
momento anterior deste capítulo, o existente entre vida/saúde e economia. Esta relação não
está ausente dos Relatórios apresentados pelo Dr. Protasio Alves, como evidenciado no
Relatório de 1893:
A estatistica evidencía tambem a grande mortalidade de crianças. Sendo a
mortalidade na infancia um problema que muito interessa, até mesmo sob o
ponto de vista economico, os hygienistas dos paizes em que a densidade da
população produz a emigração; calcule-se o que não será para nós a
importancia d´este problema, para nós, que precisamos de braços e, por isso,
os compramos!
260
A má qualidade dos gêneros alimentícios, em especial do leite, também foi assunto
abordado nos Relatórios da Diretoria de Higiene, como podemos observar no Relatório de
1898, no qual o Dr. Protasio Alves escreveu:
Com o leite cousa analoga se observa; o pessoal, encarregado de sua
fiscalisação, apezar de toda a boa vontade, não póde exercel-a, porque para
isso falta-lhe a competencia. A fiscalisação quasi limita-se á densidade do
leite. Para provar a minha asserção quanto á competencia, citarei o facto, por
mim observado uma vez e de que tenho tido noticia tambem por varias
pessoas. O fiscal chamou na minha presença a dous leiteiros que passavam,
259
CARVALHO, 1927, p.206. [grifo nosso]
260
SIE.3 001 (Higiene, 1803, p.96). [grifo nosso]
98
mandou um d´elles despejar o leite em uma medida de litro e mergulhou
n´elle o densimetro; logo em seguida tira do bolso um lenço de chita, enxuga
o densimetro e repete a operação com o outro leiteiro. É desnecessario dizer
que o leite que serviu para o banho, voltou á vasilha commum. Nenhuma
fiscalisação se exerce sobre o animal d´onde se tira o leite, estabulos, etc.
São essas duas, a meu ver [falta de fiscalização sobre a carne e o leite], as
principaes causas da grande quantidade de molestias gastro-intestinaes que,
sobretudo no verão, que acaba de findar, tanto mal têm feito n´esta cidade.
261
É possível inferir, a partir dos comentários do Dr. Protasio Alves sobre a necessidade
de um maior controle da qualidade do leite, que este era bastante precário; e que a má
qualidade dos gêneros alimentícios estava diretamente relacionada às moléstias gastro-
intestinais que, segundo o médico, tanto mal faziam em Porto Alegre durante o verão.
Com relação aos transtornos digestivos, é importante observar que os médicos
condenavam a alimentação artificial para as crianças pequenas. O Dr. Euclydes de Castro
Carvalho, por exemplo, afirmava que a maioria das crianças morria devido “á imprevidência e
aos erros de alimentação”.
262
O médico paulista concordava que a qualidade do leite
interferia, incontestavelmente, nos índices da mortalidade infantil, mas acreditava que a
introdução de alimentação inadequada, assim que a criança começava a ingerir outros
alimentos além do leite, era o principal problema a pesar nos índices da mortalidade de
crianças ocasionada por moléstias do aparelho digestivo.
Observamos que a alimentação e a má qualidade do leite eram questões importantes
quando o assunto era a mortalidade infantil. Outro indício de preocupação com a qualidade da
alimentação das crianças pode ser observado no Regulamento do Serviço de Higiene do Rio
Grande do Sul de 1895.
263
Neste Regulamento, no Capítulo II, que determina as funções da
Diretoria, é estabelecido que ao Secretário cabia examinar as amas de leite e passar
certificados aos interessados (Artigo 5º).
264
Outras importantes causas da mortalidade infantil eram as pré-natais e natais. No
Relatório de 1910, encontramos um parágrafo em que o Dr. Ricardo Machado, Diretor de
261
SIE.3 006 (Higiene, 1898, p.575).
262
CARVALHO, 1927, p.211.
263
LEG 626 - Decreto n. 44, de 2 de abril de 1895.
264
Esta determinação não aparece mais no Regulamento da Diretoria de Higiene de 1907 (LEG 641 Decreto n.
1240A, de 31 de dezembro de 1907).
99
Higiene, demonstra sua preocupação com o obituário infantil elevado. Neste parágrafo, o
então Diretor de Higiene ressalta também a necessidade de assistência a gestantes e mães.
Continua alta a porcentagem com que figuraram no obituario os menores de
dois annos. Se bem que (como no caso da tuberculose) o facto seja extensivo
a todas as capitaes e de difficil remedio, ainda assim alem de outros meios
indirectos conviria o poder publico ir em auxilio da iniciativa particular
dotando com sua attenção as organisações protectoras da infancia,
protegendo efficazmente a gestante no termo da gravidez e a mãe logo após
o parto.
265
Vale destacar que, ao manifestar sua preocupação com as gestantes e mães, o Dr.
Ricardo Machado não descreveu um panorama sombrio exclusivamente para o Rio Grande do
Sul, mas ressaltou que a alta porcentagem da mortalidade infantil era fato extensivo a todas as
capitais.
No Relatório de 1897, há uma nota sobre a criação do Curso Livre de Partos,
inaugurado pelo corpo clínico da enfermaria de ginecologia da Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre.
266
Esta informação nos permite explorar um outro aspecto importante em
relação à mortalidade infantil e, principalmente, à natimortalidade: o pouco conhecimento dos
médicos sobre o corpo feminino na passagem do século XIX para o século XX. Beatriz
Teixeira Weber, em seu já citado estudo As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e
Positivismo na República Rio-Grandense: 1889 – 1928, constatou que
A existência de espaços e práticas de cura alternativos manifesta-se com
maior intensidade no atendimento às “moléstias de senhoras”. As mulheres
eram atendidas em casa ou nas casas das parteiras e, mesmo quando
atendidas por médicos, ainda não havia conhecimento suficiente sobre
técnicas obstétricas como cesariana ou o funcionamento do corpo feminino.
Só eram convocados médicos formados por parturientes de posses ou para
partos complicados, não resolvidos pelas parteiras e comadres. [...] os
médicos ainda utilizavam amplamente procedimentos dolorosos e violentos,
em 1910: havia desconhecimentos sobre onde e como cortar, sobre a questão
da dor, problemas com hemorragias e como suturar, infecções, etc. Essas
dificuldades justificaram que os médicos tentassem não se envolver com a
“arte obstétrica” por um longo período.
267
265
SIE.3 019 (Higiene, 1910, p.205).
266
SIE.3 004 (1897, p.318).
267
WEBER, 1999, p.195.
100
Como é possível observar pela transcrição acima, tanto a busca de médicos por parte
de gestantes não era prática consolidada no período estudado, quanto os médicos tinham
bastante dificuldade em cuidar das gestantes e realizar partos difíceis, pois o conhecimento
sobre o corpo feminino ainda era bastante restrito.
Outra importante questão debatida no período era a do infanticídio e do aborto
criminoso. No já citado Regulamento para o Serviço de Higiene do Estado Decreto n. 44, de
2 de abril de 1895 , organizado pelo Dr. Protasio Alves, encontramos, no Título II, Capítulo
II Da Polícia Sanitária, o Artigo 34, com o seguinte texto:
Art. 34 As maternidades particulares e casas de saúde sómente poderão
funccionar debaixo da direcção de um profissional responsavel perante a
directoria de hygiene por tudo quanto ali occorrer sob o ponto de vista
sanitario.
§1º As maternidades deverão ter livro especial, no qual serão inscriptas as
mulheres recebidas a tratamento, com especificação do nome, naturalidade,
edade, profissão, estado e numero de filhos; e mencionar-se-ão a data da
entrada, a marcha da prenhez, a época do nascimento do filho e da morte
deste, caso falleça, bem assim a do aborto, com designação da causa
provavel e accidentes que sobrevierem á mulher depois do parto ou aborto.
Esse livro será conforme o modelo que a directoria de hygiene determinar;
terá as respectivas folhas rubricadas pelo director de hygiene e só será
exhibido ás auctoridades sanitarias.
§2º No caso que constar á autoridade sanitária que em alguma
maternidade se praticam abortos criminosos, poderá ella proceder ás
pesquizas que entender convenientes e do resultado dará conhecimento
ao director de hygiene, para que este transmitta á autoridade policial.
Verificado o aborto nestas condições, caberá o procedimento criminal
que fôr no caso.
§3º Quando em uma maternidade ou casa de saúde occorrer qualquer caso de
molestia puerperal ou transmissivel, deverá o respectivo director participar
immediatamente o occorrido á autoridade sanitaria, que tomará as
providencias necessarias.
268
Como podemos observar pelo Artigo parcialmente transcrito acima, havia a
preocupação, por parte do governo, em controlar, minimamente, as condições de
funcionamento das maternidades particulares e casas de saúde. Buscavam-se também
informações sobre natalidade, natimortalidade e mortalidade através de registros realizados
268
LEG 626 - Decreto n. 44, de 2 de abril de 1895. [grifo nosso]
101
nas maternidades.
269
Do Artigo 34 acima transcrito, o 2º parágrafo nos informa que a
realização de abortos criminosos seria notificada às autoridades policiais para o
“procedimento criminal que fôr no caso”. Mas quais eram os procedimentos criminais nestes
casos? Segundo o Código Penal de 1890
270
, Título X Dos Crimes Contra a Segurança de
Pessoa e Vida em seu Capítulo IV Do aborto, Artigo 301, o aborto provocado com a
anuência e acordo da gestante teria como pena, para quem o realizasse, prisão celular por um
a cinco anos. Em parágrafo único, neste mesmo artigo, lemos que “em igual pena incorrerá a
gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregando para esse fim os meios; e com
reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a deshonra própria”.
Já no que se refere ao infanticídio, o Código estabelece no Título X, Capítulo II,
Artigo 298, que será de prisão celular por seis a 24 anos a pena para quem “matar recem-
nascido, isto é, infante nos sete primeiros dias do seu nascimento, quer empregando meios
directos e activos, quer recusando á victima os cuidados necessários á manutenção da vida e a
impedir sua morte”. Observamos que, segundo o parágrafo único deste artigo, a pena seria
reduzida para prisão celular por três a nove anos se este crime fosse perpetrado pela mãe para
ocultar desonra própria.
271
Para ressaltar a preocupação dos médicos gaúchos com relação aos abortos,
destacamos as palavras do Dr. Mário Totta (1874 1947), médico obstetra responsável pelo
Curso de Enfermagem Obstétrica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e citadas por
Elizabeth Rochadel Torresini em seu estudo A modernidade e o exercício da medicina em
Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo, nas quais fazia referência ao número de
mulheres mortas em decorrência da “indústria do aborto”. Apesar de se referir a um período
posterior ao de nosso estudo década de 1930 , acreditamos que o Dr. Mário Totta nos dá
269
As preocupações específicas com as maternidades desaparecem no Regulamento da Higiene de 1907 (LEG
641 Decreto n. 1240A, de 31 de dezembro de 1907).
270
Consultamos MACEDO, 1910. Segundo o autor, o aborto criminoso era um dos pontos mais controvertidos
do Código. Dentre as questões que perpassavam o tema, o advogado aponta a da classificação jurídica deste
delito: seria o aborto criminoso um delito social, um atentado contra a ordem das famílias, um crime contra a
pessoa ou um crime contra a segurança da pessoa e vida, como foi classificado no Código de 1890?
271
Observamos que tanto na penalidade para o aborto criminoso quanto para o infanticídio, o tempo de prisão
seria reduzido nos casos em que estes crimes fossem cometidos por mulheres na tentativa de ocultar a desonra
própria. Para discussão da temática honra / desonra no período em questão, indicamos as leituras de
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940).
Tradução de Elizabeth de Avelar Solano Martins. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000. ESTEVES, Martha
de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1989.
102
boas indicações sobre a dimensão do problema ao afirmar que “[...] em 1930, atendemos na
maternidade 291 mulheres com aborto incompleto, havendo 18 mortes; em 1931 o numero
elevou-se a 323, com 14 mortes; 1932 a 280, com 11 mortes, e, nesse anos [sic], até o dia de
hoje, o número de casos continua na mesma proporção”.
272
No Relatório da Diretoria de Higiene de 1893, encontramos uma passagem que
relaciona o alto índice de mortalidade infantil com a ignorância popular:
Uma parcella n´esta estatistica notavel pela quantidade que representa é a
dos obitos sem assistencia medica. Procurando estudar a causa d´esse facto,
notamos que dos 518 individuos fallecidos sem assistencia, 358 foram
creanças menores de 10 annos das quaes, apenas 18 falleceram com menos
de 24 horas. Observamos por outro lado que, d´entre os 1754 individuos que
falleceram com assistencia medica, só 644 eram menores de 10 annos,
havendo 5 com menos de 24 horas. Temos no primeiro grupo (sem
assistencia) uma mortalidade em creanças de 70% e no segundo a
mortalidade das creanças é de 36%. Esta differença mostra que grande
numero de creanças morre por falta de soccorros profissionaes. Essa falta
não provém da recusa dos medicos em prestar cuidados aos pequenos
doentes; ella provém da crença, que tem o povo, de que a homoepathia
(sic) é a medicina das creanças e, baseados n´essa crença, deixam de
procurar um profissional para ir pedir ao seu Fulano uma dose para o
pequeno.
273
Podemos observar, tanto através das palavras do Dr. Protasio Alves acima transcritas,
quanto dos dados numéricos apresentados e relativos à mortalidade infantil sem assistência
médica, a existência de uma disputa, no campo da saúde, entre os vários saberes, disputa esta
ocasionada pela já citada liberdade profissional implantada pelo governo do PRR no estado.
Parece-nos, no entanto, que um elemento foi aparentemente ignorado pelo Dr. Protasio Alves
em sua consideração sobre a mortalidade infantil sem assistência médica: o elevado custo das
consultas médicas.
274
Também Euclydes de Castro Carvalho apontou a ignorância das mães como fator
responsável, em grande parte, pela morte de seus filhinhos. Carvalho afirma em seu estudo
que
272
TORRESINI, 2005, p.63.
273
SIE.3 001 (Higiene, 1893, p.95-96) [grifo nosso]. Para analisar o discurso do governo republicano gaúcho,
será necessário, muitas vezes, utilizar os primeiros Relatórios, pois os textos informativos tendem a diminuir
face ao aumento dos dados estatísticos.
274
Sobre o custo das consultas, ver WEBER, 1999, p.57.
103
É justamente numa alimentação adequada que reside a vida das creanças. A
ignorancia de certas mães que usam de praticas absurdas, attribuindo á
dentição todos os males de seus filhinhos, assim como julgando-se ellas
conhecedoras, por simples e mysterioso effeito da propria maternidade,
de tudo que convenha a esses innocentes, é a causa principal do
sacrificio da infancia. Apezar de toda a solicitude e carinho, são as mães,
em grande parte, as maiores responsaveis pela morte de seus filhinhos,
por quem ellas dariam a vida, sem vacilar.
275
A análise que fizemos dos diagnósticos realizados pelos médicos Protasio Antonio
Alves e Euclydes de Castro Carvalho confirma as informações que obtivemos em estudos já
realizados sobre os índices da mortalidade infantil no Brasil e no Rio Grande do Sul, na
medida em que apontam para a permanente discussão acerca das causas da mortalidade de
crianças, a preocupação com a má qualidade dos gêneros alimentícios e o estabelecimento da
relação entre ignorância e mortalidade infantil.
2.3 A CRIMINALIDADE INFANTIL: OS MENORES INFRATORES E A CASA DE
CORREÇÃO
O destino dos menores infratores gaúchos era a Casa de Correção de Porto Alegre,
prédio construído à beira do Guaíba entre 1852 e 1855, e cujas instalações eram precárias e
insuficientes para abrigar os criminosos a ela destinados. Um dos problemas da instituição era
a superlotação, pois, como bem apontado por Mozart Linhares da Silva
276
, “a demanda de
presos do interior para a Casa de Correção de Porto Alegre explica também a sua constante
superlotação que, em alguns períodos mantinha uma população duas vezes maior que a sua
capacidade [...]”.
277
A Casa de Correção da capital recebia presos oriundos de diversas
regiões do estado, e a superlotação favorecia, entre outros problemas, a ameaça ao estado
sanitário do ambiente. Segundo Sandra Jatahy Pesavento, as condições precárias da Casa de
Correção já haviam sido constatadas em 1885, quando uma comissão formada pelo cronista
275
CARVALHO, 1927, p.211. [grifo nosso]
276
SILVA, Mozart Linhares da. Eugenia, antropologia criminal e prisões no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do
Sul: EDUNISC, 2005.
277
Ibidem, p.53. Segundo Silva, a capacidade da Casa de Correção de Porto Alegre era de aproximadamente 200
presos até 1870-80, passando para 300 vagas depois de algumas reformas (SILVA, 2005, p.53). O maior índice
de presos foi registrado na Casa de Correção em 1922: 657 detentos (SILVA, 2005, p.54).
104
Achylles Porto Alegre, pelo político Júlio de Castilhos, pelo médico e homem público Ramiro
Barcellos e por alguns jornalistas visitou a cadeia. Além de apontarem o já mencionado
problema da superlotação, os membros da comissão também descreveram o ambiente da
prisão de forma bastante negativa. Segundo Pesavento,
[...] acrescente-se a este quadro as paredes negras, as goteiras, o abafamento,
a promiscuidade, a confusão de espaços, com materiais fecais em tinas
vizinhas àquelas para a lavagem de roupa: tudo isto denunciava erros de
administração, falta de verbas e má condição de vida dos presos. As palavras
usadas para qualificar o ambiente e seus ocupantes são significativas. A
cadeia é “antro”, é “inquisitorial prisão”, com espaços onde se respiram “os
mais nocivos miasmas”, sem renovação de ar; os presos são, por sua vez,
designados como “infelizes”, “miseráveis” e “desgraçados”.
278
Buscando caracterizar um pouco melhor a população carcerária da Casa de Correção
de Porto Alegre, reunimos as informações fornecidas por Mozart Linhares da Silva, em
especial, as referentes a esta população no ano de 1897.
279
Segundo este autor, os detentos da
Casa de Correção estavam, neste ano, classificados pelo tipo de crime cometido: 184
(81,41%) estavam presos por homicídio; 16 (7,07%), por roubo; e 9 (3,98%), por lesões
corporais.
280
Na classificação composição étnica, 71 presos (31,41%) eram brancos e 155
(68,58%), não-brancos.
281
Quanto à nacionalidade, 174 (76,99%) foram classificados como
nacionais, enquanto 52 (23%) aparecem como estrangeiros.
282
Destes 52 presos classificados
como estrangeiros, 22 (42,30%) eram da Itália, 11 (21,15%) eram do Estado Oriental e 4
(7,69%), da Alemanha.
283
No que se refere à ocupação dos detentos em 1897, os três
principais índices são jornaleiro (81 presos ou 38,02%), carpinteiro (12 presos ou 5,63%) e
soldado (11 presos ou 5,16%).
284
Do total de detentos neste ano, 24 cometeram crimes em
Porto Alegre (14,03%); 19 em Pelotas (11,11%), e 14 (8,18%) cometeram crimes em Rio
Grande.
285
Porém, o índice que mais nos interessa aqui se refere à faixa etária dos detentos da
Casa de Correção em 1897: 7 (3,16%) detentos tinham entre 13 e 16 anos de idade e 42
278
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Visões do Cárcere. Jeweb Editora Digital, 2003. E-Book.
279
Os dados referentes à população carcerária da Casa de Correção de Porto Alegre em 1897 foram compilados
por Silva no Relatório do Dr. Sebastião Leão apresentado em 1897. Selecionamos sempre os três primeiros
índices apresentados por Silva.
280
SILVA, 2005, p.42. [O total de presos classificados na tabela que apresenta estes dados foi de 226]
281
Ibidem, p.47. [O total de presos classificados na tabela que apresenta estes dados foi de 226]
282
Ibidem, p.48. [O total de presos classificados na tabela que apresenta estes dados foi de 226]
283
Ibidem, p.48.
284
Ibidem, p.50. [O total de presos classificados na tabela que apresenta este índice foi de 213]
285
Ibidem, p.52. [O total de presos classificados na tabela que apresenta este índice foi de 171]
105
(19%), tinham entre 17 e 20 anos.
286
Somando-se as porcentagens, quase um quatro (22,16%)
da população carcerária da Casa de Correção de Porto Alegre tinha entre 13 e 20 anos em
1897.
FIGURA 6 Casa de Correção de Porto Alegre (1898)
“Vista Geral 1898” (Fonte: E-Book do I Seminário de Pesquisas do AHRS).
Sabemos que os menores deveriam receber um tratamento diferenciado na Casa de
Correção, conforme previsto pelo Regulamento
287
Especial da Cadeia Civil de Porto Alegre
(27 de fevereiro de 1857) que determinava, em sua Seção V Da classificação e subdivisão
das prisões na cadeia, Artigo 35 e parágrafos 1, 2, 6 e 7, que os menores de idade seriam
classificados de forma diferente dos outros presos da cadeia. O parágrafo 1º, por exemplo,
estabelecia que “as prisões números 1, 2, 3, 6, 10, 11 e 19 são destinadas aos que têm sido
condenados a 12 anos de galés, prisão, ou pena maior, excetuando-se unicamente os menores
de 21 anos (não condenados a galés ou prisão perpétua), os quais serão conservados nas
prisões números 9, 12 e 18”. Já o Regulamento Provisório da Casa de Correção Ato nº 24,
de 29 de fevereiro de 1896 estabelecia, no Artigo terceiro do Título Preliminar Da Casa de
Correção que a “separação entre condenados e detidos será absoluta. As mulheres e menores
serão também recolhidos a alojamentos separados”. Quanto às atividades desenvolvidas
286
SILVA, 2005, p.45. [O total de detentos classificados na tabela que apresenta este índice foi de 221]
287
Os Regulamentos da Casa de Correção estão disponíveis nos Anais do I Seminário de Pesquisas do Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul AHRS realizado de 4 a 6 de outubro de 2001. E-Book.
106
durante a detenção, esse mesmo Regulamento determinava, no Título IV Custeamento e
Produtos dos Trabalhos Artigos 104 e 105, que “para os serviços de cozinha do
estabelecimento, lavanderias, enfermarias, limpeza e obras da casa serão escolhidos de
preferência os condenados até dois anos de prisão, considerando-se o estado pago de seu
sustento, e quites os condenados com as custas, à vista dos serviços que prestarem”, mas “os
menores de vinte e um anos, embora condenados até dois anos, irão sempre para as oficinas
aprender ofício” (Art. 105). O Regulamento da Casa de Correção (Decreto nº 2.012, de 22 de
agosto de 1913) manteve as determinações relativas aos menores de idade que constavam do
Regulamento Provisório de 1896. Como fica bastante evidente, o trabalho aparece aqui como
meio de regeneração desses menores, como forma de corrigir “desvios”, visto que os menores
de 21 anos sempre deveriam trabalhar nas oficinas para aprender um ofício. O espaço da
prisão era também o espaço do trabalho.
O Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior de 1924
apresenta a informação de que existiam, naquele período, 18 reclusos de menor idade na Casa
de Correção, sendo 16 homens e 2 mulheres.
288
Sobre a natureza dos crimes por eles
cometidos, encontramos os seguintes dados:
TABELA 3Menores Reclusos na Casa de Correção de Porto Alegre – 1924
Natureza do crime
praticado
Nº de menores reclusos que
praticaram este crime
Infanticídio 2
Latrocínio 1
Homicídio simples 6
Roubo 7
Furto 1
Lesões graves 1
Soma 18
Fonte: SIE.3 040 1924 II Volume
288
SIE.3 040 (Casa de Correção, 1924, p.350).
107
Ainda neste Relatório, encontramos informações sobre as atividades desenvolvidas
pelos menores durante a reclusão na Casa de Correção, assim como uma dura crítica à
convivência entre menores infratores e criminosos adultos.
As duas reclusas trabalham na Alfaiataria (Secção de Mulheres), emquanto
os dezesseis detentos se occupam, uns nas officinas, outros em affazeres
varios, de accôrdo com as respectivas aptidões phisicas, frequentando todos,
diariamente, a Escola do Estabelecimento. De grande alcance social seria,
como hei dito já em anteriores relatorios, a existencia de um estabelecimento
destinado, exclusivamente, aos delinquentes de menor idade, pois a
convivencia com criminosos adultos fal-os, via de regra, adquirir defeitos e
vicios que não tinham dantes. Entram para a prisão, muitas vezes, como
disse Garraud, “discipulos no crime, della saindo mestres”.
289
Na transcrição acima, podemos observar que as duas menores detidas na Casa de
Correção trabalhavam na alfaiataria, enquanto os meninos menores estavam distribuídos pelas
oficinas e “outros afazeres”. Há na transcrição, também, referência à escola que funcionava
no estabelecimento, e que neste mesmo ano, 1924, contava com 40 presos matriculados. No
Relatório, vemos que a escola em funcionamento na Casa de Correção aparece como escola
“para adultos”, mas, na própria transcrição destacada acima, temos a crítica relativa à
convivência entre menores e adultos na Casa: menores entrariam na instituição como
discípulos do crime e sairiam dela mestres. Indo ao encontro desta afirmação, Fernando
Torres Londoño afirma que, apesar de o Código Penal de 1890 ter cogitado as prisões
especiais para menores, “[...] os visitantes de Casas de Detenção e das Cadeias das grandes
cidades, no começo do século, tinham que assistir ao espetáculo da convivência de menores
com adultos criminosos, o que fazia das cadeias verdadeiros laboratórios do crime e escolas
para criminosos”.
290
289
SIE.3 040 (Casa de Correção, 1924, p.350).
290
LONDOÑO, 1998, p.139.
108
FIGURA 7 Oficina da Casa de Correção de Porto Alegre (1922)
“Oficina 1922” (Fonte: E-Book do I Seminário de Pesquisas do AHRS).
A situação dos menores na Casa de Correção gaúcha e sua convivência com
criminosos adultos também foi abordada no Relatório do Conselho Penitenciário apresentado
no Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior de 1926, ao discutir a
reforma do sistema penitenciário no estado.
291
Segundo o presidente do Conselho, Francisco
de Souza Ribeiro Dantas,
Questão, porêm (sic), de maior relevancia é a que diz respeito ao
recolhimento dos menores delinquentes á Casa de Correcção.
O art. 3º da lei federal nº 4.242, de 5 de janeiro de 1921, e o Decreto nº
16.272, de 20 de dezembro de 1923 reformaram completamente nossa
legislação penal, em relação á criminalidade dos menores.
292
291
SIE.3 042 (Conselho Penitenciário, 1926, p.330) Segundo informações apresentadas no próprio Relatório,
o Conselho Penitenciário foi instalado em Porto Alegre em maio de 1925, pelo Decreto nº 3.432. O presidente do
Conselho era Francisco de Souza Ribeiro Dantas. Uma das funções do Conselho era visitar e avaliar os
estabelecimentos penais do Rio Grande do Sul.
292
Ibidem, p.330.
109
De acordo com o estudo realizado por Londoño, a Lei Federal n. 4242, de janeiro de
1921, e o Decreto n. 16.272, de dezembro de 1923, a partir de seus dispositivos legais,
previam que “[...] a questão da criança abandonada, vadia e infratora, pelo menos no plano da
lei, deixou de ser uma questão de polícia a passou e ser uma questão de assistência e proteção,
garantida pelo Estado através de instituições e patronatos”.
293
A partir destas disposições, os
cuidados com esta criança deveriam ser especializados e com objetivos específicos, cabendo
aos higienistas, educadores e juristas desempenharem importante papel nestes cuidados
diferenciados. Mas, ao prosseguir em seus comentários sobre a nova legislação para a criança
infratora, o Sr. Dantas afirma que o cumprimento imediato desta legislação era impossível no
contexto gaúcho do período, pois não havia nem instituições especiais para esses menores,
nem meios para a separação entre adultos e menores na Casa de Correção de Porto Alegre.
Consagrando these actualmente vencedora em todos os paizes civilizados, a
nova lei subtrahe o menor á pena, no sentido tradicional e legal desta
palavra. Em substancia, a these é esta: “o menor delinquente não deve ser
punido, mas educado”. A emenda do citado Decreto acha-se concebida
precisamente nestes termos expressivos: “Approva o regulamento da
ASSISTENCIA e PROTECÇÃO aos menores abandonados e delinquentes”.
Para realizar esse objectivo, a lei instituiu um juizo e um processo especiaes
para os menores, e condicionou a execução dos provimentos judiciaes a
respeito, ao internamento do menor em asylos, casas de preservação e casas
de refórma.
Quanto a esta ultima parte, na previsão bem justificada de que em muitos
pontos do paiz, senão em todo elle, não se encontrariam estabelecimentos
deste genero, nem seria possível construil-os de um dia para outro, dispôz o
citado decreto, art. 36, que, verificada essa hypothese, “os menores de 14 a
18 annos seriam recolhidos ás prisões communs; porêm separados dos
condemnados maiores, e sujeitos a regimen adequado: - DISCIPLINAR E
EDUCATIVO, EM VEZ DE PENITENCIARIO”. É esse o nosso caso. Não
temos nem asylos para menores, nem casas de preservação, nem casas
de refórma.
Os menores que, em virtude de determinação judicial, deveriam ser
recolhidos a taes estabelecimentos, serão internados na Casa de
Correcção. Acontece, porêm, que, nessa Casa, não ha possibilidade de
conserval-os separados dos condemnados maiores, nem de submettel-os
ao regimen legal disciplinar e educativo.
294
As palavras do Sr. Francisco de Souza Ribeiro Dantas, presidente do Conselho
Penitenciário, nos revelam uma série de informações importantes. Apontam, primeiramente,
293
LONDOÑO, 1998, p.142.
294
SIE.3 042 (Conselho Penitenciário, 1926, p.330). [grifo nosso]
110
para as discussões que vinham sendo travadas no período sobre a necessidade de uma
legislação específica para os menores. De acordo com Irene Rizzini,
As leis de proteção à infância, desenvolvidas nas primeiras décadas do
século XX no Brasil, também faziam parte da estratégia de educar o povo e
sanear a sociedade. As leis visavam prevenir a desordem, à medida em que
ofereciam suporte às famílias nos casos em que não conseguissem conter os
filhos insubordinados, os quais poderiam ser entregues à tutela do Estado; e,
pela suspensão do Pátrio Poder, previam a possibilidade de intervir sobre a
autoridade paterna, transferindo a paternidade ao Estado, caso se julgasse
necessário (sobretudo quando a pobreza deixava de ser “digna” e a família
era definida como sendo contaminada pela imoralidade).
295
Referindo-se à legislação para a infância desenvolvida no período, Maria Luiza
Marcilio afirma que “a produção jurídica brasileira, por sua vez, desde o início do século,
elaborava jurisprudência moderna para atender à população infantil em estado de risco.
Acreditava-se que o futuro da nação estava em jogo. Era preciso saneá-la, civilizá-la, por
meio da higienização e da educação do povo”.
296
295
RIZZINI, 1997, p.98.
296
MARCILIO, 2000, p.44. Mesmo não sendo nosso objetivo realizar um estudo aprofundado sobre a legislação
específica para menores no período em questão, acreditamos que algumas referências sobre o tema sejam
importantes. O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de 1890 estabelecia a imputabilidade penal plena aos
14 anos de idade e estabelecia ainda que o menor com idade até 9 anos era irresponsável penalmente. Quanto aos
menores de 14 anos e maiores de 9, era utilizado o critério biopsicológico, fundado na idéia do discernimento e
avaliado pelo magistrado. Durante muitos anos, debateu-se o Código Penal de 1890, pois se considerava que este
havia sido elaborado às pressas e sem debate de questões importantes. Segundo Irene Rizzini, no que se refere a
questões relativas à infância, o Código era considerado um retrocesso quando comparado ao Código Criminal de
1830, tendo em vista que rebaixava a idade penal de 14 para 9 anos, como vimos acima, justamente num período
em que se discutia a superioridade da educação sobre a punição (RIZZINI, 1997, p.188). Sobre a noção de
discernimento, Rizzini afirma que “em diferentes períodos históricos foram fixadas determinadas faixas etárias
para aplicação da noção de discernimento. A partir daquele limite no qual se atribuía à criança a capacidade de
discernir, tendo atingido portanto a ‘idade da razão’, a ela seriam imputadas as leis aplicáveis de acordo com o
crime do qual era acusada. Esta prática nos foi legada pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas,
vigentes no Brasil durante o domínio português. Ao longo do século XIX, a figura do discernimento foi
sistematicamente questionada no meio jurídico, porém mantida na prática. Nas duas primeiras décadas do século
XX, período de formulação de uma legislação específica para os menores, a noção de discernimento foi
abertamente ridicularizada e veio a ser erradicada com a promulgação do Código de Menores de 1927”
(RIZZINI, 1997, p.135-136). No que se refere à imputabilidade penal, o Código de Menores de 1927 estabeleceu
a idade de 14 anos. O Código Penal de 1940 elevou a idade para 18 anos, mantida pela Reforma Penal de 1984
(Lei nº 7.209/84) e pela Constituição de 1988. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de
janeiro de 1990) prevê que o adolescente infrator pessoa entre 12 e 18 anos será passível de aplicação de
medida socioeducativa prevista no próprio Estatuto. Poderíamos destacar ainda, no que se refere à legislação, o
Código Civil brasileiro, de 1916, que ampliou os poderes de intervenção do Estado sobre as famílias das crianças
desviantes; a criação, em 1921, do Serviço de Proteção à Infância Abandonada e Delinqüente (Lei Orçamentária
n. 4242); a aprovação, em 1923, do Regulamento de Assistência e Proteção aos Menores Abandonados e
Delinqüentes (este Regulamento foi mencionado por Dantas em seu Relatório do Conselho Penitenciário); a
elaboração do Código de Menores de 1927, “[...] projeto não-punitivo, recuperador, disciplinar, tutelar e
111
Em segundo lugar, o Sr. Dantas aponta para a dificuldade do Rio Grande do Sul em
atender as disposições estabelecidas pela Lei Federal de 1921 e pelo Decreto de 1923,
ressaltando que o estado não apresentava condições apesar do tratamento diferenciado para
os menores estabelecido pelos Regulamentos da Casa de Correção de Porto Alegre de
mantê-los separados e de submetê-los ao regime legal, disciplinar e educativo. Como proposta
para solucionar estes problemas, Dantas propunha como solução o estabelecimento de um
vasto estabelecimento penitenciário, com a possibilidade de construção de pavilhões anexos à
Casa de Correção, o que resolveria também a questão da convivência entre homens e
mulheres. Ainda argumentando sobre as vantagens desta solução, o presidente do Conselho
Penitenciário afirma que
O plano, assim rapidamente indicado em linhas geraes, realizaria as
vantagens seguintes:
- Permittiria a execução da nova legislação sobre a criminalidade dos
menores, preparando, desde já, a solução do problema da infancia
abandonada, problema palpitante, eminentemente social, por isso que
interessa o futuro da própria civilização. Na genese da delinquencia dos
menores, e, portanto, da delinquencia em geral, o que se encontra é o
abandono, o desamparo, a falta de assistencia, e, peior ainda, a exploração.
Salvo casos de degenerescencia profunda, do dominio da psychiatria, os
menores não nascem com tendencias para o crime. Em um Congresso de
Asthropologia (sic), reunido em Paris, o Dr. Dalifol, director de uma
importante colonia penitenciaria, naquelle paiz, disse, sem levantar
contestação alguma: “Como director de um estabelecimento para correcção
de menores, e como educacionista, eu não creio nas creanças que nascem
criminosas; como anthropologista, tão pouco”.
O proprio Lombroso
297
, que affirmava a existencia, em todos os menores, de
germens da criminalidade, e lhes attribuia, como caracteristicos, todos os
defeitos, cólera, vingança, privação de senso moral, crueldade, obscenidade,
paternal” (MARCILIO, 2000, p.45). Após o período delimitado para nosso estudo, podemos destacar a criação
do Serviço de Assistência ao Menor, em 1941, a criação da Funabem, em 1964, a criação da Febem, em 1976, a
aprovação de um novo Estatuto do Menor, em 1979, e a promulgação do ECA, Estatuto da Criança e do
Adolescente em 1990. Internacionalmente, merecem destaque a proclamação da primeira Declaração dos
Direitos da Criança, em 1923 (Genebra Liga das Nações), e a Declaração Universal dos Direitos da Criança,
em 1959 (ONU Organização das Nações Unidas). As informações sobre a legislação para os menores aqui
referidas se encontram em MARCILIO, 2000; RIZZINI, 1997 e SOARES, Janine Borges. A construção da
responsabilidade penal do adolescente no Brasil: uma breve reflexão histórica. Texto disponível na página
eletrônica do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov>.
297
Cesare Lombroso (1835-1909), professor universitário e criminologista italiano, desenvolveu o que ficou
conhecido como a escola italiana de Antropologia Criminal. Os estudos realizados por Lombroso procuravam
demonstrar a existência de um tipo humano destinado ao crime e que poderia ser fisicamente identificado. A
influência dos estudos de Lombroso pode ser verificada no Rio Grande do Sul não só pela referência de
Francisco de Souza Ribeiro Dantas, mas também pelos estudos realizados pelo Dr. Sebastião Leão sobre os
presos da Casa de Correção de Porto Alegre. Estas informações estão em PESAVENTO, Sandra Jatahy. As
muitas faces do crime. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 1, n.3, set. 2005. Outras
informações sobre o pensamento de Lombroso e sua influência no Brasil e no Rio Grande do Sul podem ser
encontradas em SILVA, 2005.
112
preguiça, mentira, etc., admittia a influencia poderosa da educação e
aconselhava-a como de indeclinavel necessidade. Educar o menor, formar-
lhe o caracter, preparal-o para o bem, quando a familia não o faz, e,
antes, o abandona, ou o explora, é funcção social. A nova legislação
consagra as providencias destinadas a esse fim. Cumpre não lhe adiar a
execução.
298
A posição assumida pelo presidente do Conselho Penitenciário em discussões
internacionais nos permite verificar, mais uma vez, a visão de homens públicos gaúchos em
relação ao problema da infância abandonada e infratora. Em concordância com os discursos
do período, a criança abandonada, vadia e infratora aparece aqui como alvo de assistência,
proteção e ações educativas, e não mais como alvo de punição, reforçando a percepção de que
“a condição de desamparo material e moral definia, diferenciava e fazia das crianças que
viviam em ditas circunstâncias, pessoas que deviam ser tratadas e protegidas pelo Estado”.
299
Na busca dos culpados pela situação dessas crianças material e moralmente
desamparadas ora eram apontadas as mães como culpadas, ora era o governo. Um elemento,
no entanto, era recorrente nas discussões sobre a infância: a importância da educação. Isto fica
evidenciado na imprensa gaúcha do período.
Embora os jornais socialistas da época falassem remotamente num rearranjo
social que poria fim a tais desigualdades das quais as crianças pobres eram
as vítimas inocentes , as soluções apontadas convergiam para um mesmo
caminho: o da educação.
300
No próximo capítulo, enfocaremos a atuação dos governantes do Rio Grande do Sul
para a melhoria das condições higiênicas das escolas públicas gaúchas e para a disseminação
de hábitos saudáveis e higiênicos através destas, ação que não só beneficiaria a saúde das
crianças (a “infância descuidada” de Achylles Porto Alegre) que freqüentavam as escolas
públicas do estado, mas a sociedade em geral e as futuras gerações.
298
SIE.3 042 (Conselho Penitenciário, 1926, p.333-334). [grifo nosso]
299
LONDOÑO, 1998, p.143.
300
PESAVENTO, 1998, p.78.
CAPÍTULO III O ESPAÇO ESCOLAR
Em casas apropriadas, bem localisadas, dotadas de bom material, muito
aproveitarão a saude das crianças e a sociedade em geral, porque facil será
ao professor ministrar as noções praticas de hygiene, que irão repercutir no
meio externo.
301
Este capítulo tem por objetivo discutir como questões relacionadas à saúde e à higiene
no e do espaço escolar, temáticas discutidas em âmbito nacional, foram abordadas e propostas
pelos governantes gaúchos no período de 1893 a 1928. O nosso foco central de análise será a
escola pública primária gaúcha, e a investigação será desenvolvida a partir de três eixos
principais: a (in)salubridade do espaço escolar, os cuidados com o corpo, e o papel dos
professores na disseminação de preceitos de saúde e higiene. Mesmo não sendo nosso
objetivo principal, apontaremos também alguns aspectos sobre a administração e o
funcionamento das escolas públicas do Rio Grande do Sul no período delimitado para este
estudo, o que facilitará a compreensão da temática aqui desenvolvida.
3.1 AS ESCOLAS PÚBLICAS PRIMÁRIAS GAÚCHAS: DA TRANSIÇÃO DO
IMPÉRIO PARA A REPÚBLICA
Para iniciarmos este ponto, retomaremos rapidamente alguns aspectos já abordados no
Capítulo I, especialmente no tópico 1.3 Os “homens das letras” e da educação. Como
destacamos no primeiro capítulo deste estudo, o ensino primário passou a ser competência dos
estados a partir da Constituição Republicana de 1891, enquanto o ensino secundário e o
superior eram de responsabilidade conjunta dos estados e da União. A gratuidade e a
obrigatoriedade não estavam previstas na Constituição, ficando a cargo dos estados atendê-las
ou não. A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, por sua vez, definiu que o ensino
primário nos estabelecimentos públicos seria “leigo, livre e gratuito”.
301
Palavras do Dr. Protasio Alves, Secretário de Estado dos Negócios do Interior e Exterior em Relatório
apresentado no ano de 1907 (ALVES, Protasio. SIE.3 015, Introdução, 1907, p.12).
114
Ao final do tópico mencionado, destacamos que, segundo Corsetti, além da
Constituição Estadual e do orçamento do estado, outros instrumentos legais foram utilizados
na organização educacional do Rio Grande do Sul no período em questão, como os
Regulamentos e Regimentos Internos das escolas públicas gaúchas.
Para a organização educacional rio-grandense, não menos importantes foram
os regulamentos e regimentos internos das escolas que, pelo conjunto de
determinações que encerraram, possibilitam a percepção da ação
governamental num plano muito específico, ou seja, o interior da própria
escola. Essas regulamentações expressaram a forma como os elementos
integrantes da política educacional do Estado gaúcho, no tocante à escola
pública, se realizavam concretamente.
302
No quadro abaixo, ficam bem evidenciados os Regulamentos, os Regimentos e
algumas modificações por eles introduzidas a que faremos referência ao longo deste capítulo.
QUADRO 1 Legislação referente à Instrução Pública
DECRETO DETERMINAÇÃO
Decreto n. 89, de 2 de fevereiro de 1897 Regulamento da Instrução Pública
Decreto n. 130, de 22 de janeiro de 1898 Regimento Interno das Escolas Elementares
Decreto n. 239, de 5 de junho de 1899
Programa do Ensino Primário Elementar e
Complementar
Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de 1906 Novo Regulamento da Instrução Pública
Decreto n. 1479, de 26 de maio de 1909
Criou Colégios Elementares e modificou
Regulamento da Escola Complementar de
Porto Alegre
Decreto n. 2224, de 29 de novembro de
1916
Modificou alguns aspectos do Regulamento
da Instrução Pública sobre o Ensino
Elementar e Complementar
Decreto n. 3898, de 4 de outubro de 1927 Novo Regulamento da Instrução Pública
Decreto n. 3903, de 14 de outubro de 1927
Regimento Interno dos Estabelecimentos de
Ensino Público
Fonte: Quadro ampliado em Corsetti, 1998, p.285. As informações contidas neste quadro foram retiradas da
Legislação do período (LEG 628, 630, 631, 640, 645, 655 e 685).
302
CORSETTI, 2005, p.210-211.
115
Como podemos observar, três Regulamentos foram expedidos para a Instrução Pública
gaúcha durante o período analisado: 1897, 1906 e 1927. Os Regulamentos e Regimentos
estabeleciam as condições de organização e funcionamento das escolas públicas do Rio
Grande do Sul, e de acordo com Corsetti, é possível perceber aspectos como a) a perspectiva
intervencionista do Estado em relação à educação, b) os princípios e objetivos do ensino, c) a
organização do ensino, d) o controle disciplinar estabelecido e e) a preparação para o
mercado.
303
Gostaríamos de destacar aqui um destes aspectos, aquele que diz respeito a quais
eram, segundo os dirigentes republicanos que governaram o estado entre os anos de 1893 e
1928, os objetivos do ensino público no RS.
Já no Relatório da Instrução Pública de 1896, o então Diretor Dr. Manoel Pacheco
Prates, afirmava que
Educar, porém, não consiste em ensinar a lêr, escrever e calcular. Educar
consiste em um processo que abrange a triplice natureza humana. Exerce sua
benefica acção sobre o corpo, desenvolvendo-o com observancia intelligente
e systematica das benignas leis de hygiene que conservam a saude e
prolongam a existencia. Sobre a intelligencia, robustecendo-a e
enriquecendo-a com conhecimentos uteis e cultivando-lhe o gosto que se
eleva com a virtude; finalmente, sobre as faculdades moraes, fortalecendo-
lhe a consciencia do bem e do dever.
304
A educação deveria abranger a tríplice natureza humana: moral, física e intelectual.
Estes objetivos do ensino público foram reafirmados nos Regulamentos e Regimentos durante
o período abarcado por esta investigação. O último Regulamento analisado, de 1927,
estabelece que o ensino compreenderá a educação moral, cívica, física e intelectual. O
Regimento de 1927, por sua vez, reafirma, em seu Capítulo I Do ensino, Artigo 1º - que “os
estabelecimentos de ensino têm por fim promover e dirigir simultaneamente o
desenvolvimento moral, physico e intellectual dos alumnos, proporcionando-lhes
conhecimentos uteis á vida”.
305
É importante não esquecer, como bem destacou Corsetti, que
a “instrução foi colocada como exigência destinada a possibilitar o mais importante dever do
cidadão livre, ou seja, o exercício do voto, sustentáculo para os governos republicanos”.
306
303
CORSETTI, 2005, p.211-213.
304
SIE.3 003 (Instrução Pública, 1896, p.297).
305
LEG 685 Decreto n. 3.903, de 14 de outubro de 1927.
306
CORSETTI, 2005, p.211.
116
Porém, dentre os objetivos do ensino público estadual, enfatizaremos o que se refere ao
desenvolvimento físico dos alunos, aspecto central em nossas análises.
No que se refere à organização do ensino primário gaúcho, acreditamos ser importante
sublinhar que este estava dividido em elementar e complementar a partir do Regulamento da
Instrução Pública de 1897, sendo ministrado nos colégios distritais
307
e nas escolas
elementares
308
. Segundo Berenice Corsetti, “[...] a instituição dos colégios distritais se inseriu
numa proposta mais abrangente de estruturação de um ensino complementar que inclui a
formação profissional, com a inserção da extinta Escola Normal nos moldes dos colégios
distritais”.
309
O curso complementar cumpriu importante função na formação de candidatos ao
magistério público estadual. Os colégios distritais foram suprimidos em 1905, e, a partir da
reforma de 1906, foram instituídas as escolas complementares. O ensino elementar continuava
destinado a crianças a partir de 7 anos de idade, de ambos os sexos, e era ministrado nas
escolas elementares. O ensino complementar, então, passou a ser ministrado nas escolas
complementares, “[...] sendo destinado aos alunos que se mostrassem habilitados nas matérias
do curso elementar” e deveria ter, na medida do possível, “[...] caráter prático e profissional,
como o fim de desenvolver o ensino elementar e de preparar candidatos ao magistério público
primário”.
310
A partir de 1909, apenas a escola complementar de Porto Alegre continuou em
funcionamento, sendo desativadas as escolas complementares instaladas em Santa Maria,
Santa Cruz e Montenegro em 1906. O ensino público sofreu modificações durante o período
de nossa investigação, mas acreditamos que o essencial esteja aqui apontado. Para
informações detalhadas sobre a organização e funcionamento das escolas públicas primárias
gaúchas, recomendamos a leitura da análise minuciosa realizada por Berenice Corsetti em seu
estudo já destacado.
307
“Os colégios distritais seriam instituídos onde fosse verificada pelo governo a necessidade deles, com tantos
professores quantas fossem as classes em que se dividisse o respectivo curso, tendo por base o grau de
adiantamento e nunca o número de matérias a serem ensinadas. O ensino complementar ministrado nesses
colégios seria dividido em três classes, de acordo com os respectivos programas e as respectivas instruções”
(CORSETTI, 1998, p.293).
308
“As escolas elementares deveriam ser tantas quanto fossem necessárias, devendo ser todas, quanto ao ensino,
do mesmo grau. O ensino era dividido em três classes e estas em duas seções cada uma, de acordo com o
programa geral do ensino e as respectivas instruções” (CORSETTI, 1998, p.292). As escolas públicas
elementares recebiam matrículas de crianças a partir dos 7 anos de idade. Constatamos, no entanto, que a idade
para ingresso na escola variou significativamente nos Relatórios. Em alguns Relatórios, a idade escolar é
definida com sendo dos 7 aos 13, por exemplo, e em outras, dos 7 aos 14.
309
CORSETTI, 1998, p.295-296.
310
Ibidem, p.298.
117
3.2 AS ESCOLAS E OS PROJETOS PARA A HIGIENE E A SAÚDE PÚBLICA
Gostaríamos, neste momento, e antes de iniciarmos a análise dos três eixos propostos,
de apontar a relação estabelecida entre a escola e a higiene/saúde por médicos e governantes
em fins do século XIX e início do século XX, através dos estudos realizados por José Gondra,
Heloísa Helena Pimenta Rocha, Maria Stephanou e Berenice Corsetti.
Para além do ensino das “letras”, à escola também eram atribuídas outras funções nas
últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX. José Gondra afirma, ao
tematizar algumas relações entre medicina, educação e sociedade no Brasil do século XIX
311
,
que a escola e a educação não foram esquecidas no processo de expansão da medicina. A
educação escolar, inserida no projeto educacional forjado pelos médicos ao longo do XIX,
“[...] deveria ser ordenada de modo a participar desse projeto de erradicação da ignorância e
de produção de um futuro ordeiro, homogêneo e civilizado”.
312
Heloísa Helena Pimenta Rocha, por sua vez, em artigo
313
que “[...] analisa o modelo
de educação sanitária formulado no interior da ampla campanha de regeneração física,
intelectual e moral a que se lançou o Instituto de Hygiene de São Paulo, instituição criada em
1918, em cooperação com a Junta Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller”
314
,
corrobora a afirmação de Gondra. Ao analisar a tese de doutoramento do Dr. Antonio de
Almeida Junior diretor do Departamento de Higiene Escolar organizado junto ao Instituto
de Hygiene paulista apresentada à Faculdade de Medicina em 1922, Rocha demonstra que
Concebendo os problemas sanitários como problemas de ordem educativa,
cuja solução passava pela inculcação de modos de viver calcados nos
parâmetros da ciência, Dr. Almeida Junior defende a necessidade de buscar o
concurso da escola primária na importante causa do saneamento do Brasil.
Fator essencial na formação moral e intelectual do povo, a escola primária é
311
GONDRA, José G. Medicina, Higiene e Educação Escolar. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA
FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive (Org.). 500 Anos de Educação no Brasil. 2.ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.
312
Ibidem, p.526.
313
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. Educação Escolar e Higienização da Infância. Cadernos CEDES,
Campinas, v.23, n.59, abr. de 2003a. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Estas informações
também são apresentadas em ROCHA, 2003b.
314
ROCHA, 2003a, p.39.
118
vista como a instituição a cuja força e poder deveriam recorrer os
higienistas.
315
Já Maria Stephanou, em seu texto Discursos médicos e a educação sanitária na escola
brasileira
316
, afirma que “nas primeiras décadas do século XX, muito crédito era atribuído à
educação no concurso que ela prestava à obra de saneamento do meio e do homem”
317
, e
complementa que “nesse período, médicos brasileiros ocupam-se cada vez mais em discutir os
conteúdos e objetivos de ensino, os procedimentos pedagógicos, a avaliação, o exemplo do
professor, a materialidade e a salubridade das escolas, os pressupostos teóricos dos
pedagogos”.
318
Como é possível observar nos estudos de José Gondra, Heloísa Helena Pimenta Rocha
e Maria Stephanou, a escola estava inserida nos projetos médicos para a formação de homens
civilizados, saudáveis e higiênicos já no século XIX e se estendendo ao século XX. Mas o que
nos interessa aqui é analisar se e como questões relacionadas à saúde e à higiene nas escolas
públicas primárias gaúchas eram apresentadas e tratadas pelos governantes do Rio Grande do
Sul no período de 1893 a 1928, através do estudo das Introduções aos Relatórios da Secretaria
de Estado dos Negócios do Interior e Exterior, dos Relatórios da Diretoria de Higiene, da
Instrução Pública e da Legislação. É importante não esquecer, como já apontamos
anteriormente, que médicos também participaram do governo republicano gaúcho durante este
período, como foi o caso do Dr. Protasio Alves, cuja atuação foi discutida mais
detalhadamente no segundo capítulo desta investigação. Nossa análise estará concentrada,
como já destacamos, em três eixos principais: as questões relacionadas à (in)salubridade do
espaço escolar e sua materialidade; as relacionadas ao corpo, sua saúde e proteção; e as
relacionadas ao papel atribuído aos professores na disseminação de ensinamentos referentes à
saúde e a hábitos higiênicos. É interessante lembrar, como já apontamos no primeiro capítulo
desta investigação, que Berenice Corsetti estabeleceu, entre as principais características da
315
ROCHA, 2003a, p.42.
316
STEPHANOU, Maria. Discursos médicos e a educação sanitária na escola brasileira. In: STEPHANOU,
Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (Org.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil Vol. III: Século
XX. Petrópolis: Vozes, 2005.
317
Ibidem, p.144.
318
Ibidem, p.145.
119
atuação do governo gaúcho no setor educacional, a “utilização da escola como instrumento de
saúde preventiva, através da formação da ‘consciência sanitária da população’”.
319
Partindo das afirmações destes autores, nossa proposta é analisar, nos próximos
tópicos, qual era a relação entre a escola pública primária gaúcha e questões de saúde e
higiene; ou como a escola pública primária gaúcha contribuía para a formação do cidadão
higiênico e saudável.
Antes, porém, de darmos continuidade, consideramos importante retomar e
complementar algumas questões referentes ao conceito de infância no período em questão e já
discutidas, em grande medida, no primeiro capítulo deste estudo. Como já foi afirmado
naquele momento do desenvolvimento de nossa argumentação, expressões como “matéria
facilmente moldável”, “matéria-prima”, “reserva dos homens do Brasil”, “adulto em
formação” e “futuro de uma pátria em gestação” são recorrentes nos estudos realizados sobre
a infância no final do século XIX e início do século XX, revelando a percepção do período.
Entendida como “entidade físico-moral amorfa”, a infância era também vista como o período
ideal da vida para a educação higiênica, como se pode perceber nas conclusões feitas por
Jurandir Freire Costa sobre os métodos e objetivos da educação higiênica presentes em textos
de higienistas do século XIX:
A técnica era a da criação de hábitos. As “más inclinações”, prevenidas pela
inculcação dos bons hábitos, dispensavam o uso de castigos recorrentes e os
agentes externos. Seus efeitos eram duradouros, praticamente invisíveis.
Implantavam-se gradualmente na “alma dócil”, no “corpo tenro e flexível”
sem deixar marcas perceptíveis.
320
Após descrever a “técnica” utilizada, Costa explica quais eram os objetivos desta
“criação de bons hábitos”:
Os objetivos também eram explícitos. Pela pedagogia higiênica procurava-se
atingir os adultos. O interesse pelas crianças era um passo na criação do
adulto adequado à ordem médica. Produto de hábitos, este indivíduo não
saberia nem quando, nem como, nem por que começou a sentir e a reagir da
maneira que sentia ou reagia. Tudo em seu comportamento deveria parecer à
319
CORSETTTI, 2005, p.206.
320
COSTA, 1989, p.175.
120
sua consciência como normal, conforme a lei das coisas ou a lei dos
homens.
321
Através da educação higiênica, as crianças tornar-se-iam adultos saudáveis e
“adequados à ordem médica”. Esta “teoria do hábito” também é analisada pela já citada
Heloísa Helena Pimenta Rocha, que, como já mencionamos, debruçou-se sobre a tese
defendida pelo Dr. Antonio de Almeida Junior em 1922 O saneamento pela educação e
na qual fica evidenciada a importância da escola primária na visão dos médicos-higienistas do
período:
Essas questões põem em cena o elemento central sobre o qual se alicerça a
tese do Dr. Almeida Junior, aquele sobre o qual repousam desde as
justificativas para o apelo à escola, por parte dos médicos-higienistas, até os
métodos, procedimentos e recursos a adotar na educação sanitária a teoria
do hábito, fundada no suposto da plasticidade infantil.
322
Modelando a criança, um ser maleável, através da escola primária, a educação
sanitária elaborada pelos médicos-higienistas se transformaria na própria natureza da criança.
3.3 A (IN)SALUBRIDADE DO ESPAÇO ESCOLAR: DIAGNÓSTICOS E
PROPOSTAS
Em seu texto Medicina, Higiene e Educação Escolar, José G. Gondra demonstra que a
preocupação com o espaço escolar estava presente no projeto educacional forjado pelos
médicos já no século XIX, destacando que
A decisão de instalar escolas encontra-se visceralmente ligada às condições
físicas do lugar em que deveria funcionar, isto é, as condições topográficas,
climáticas, sanitárias, atmosféricas, de ventilação, de iluminação, de
salubridade, das águas e de proximidade ou não das aglomerações
urbanas.
323
321
COSTA, 1989, p.175.
322
ROCHA, 2003b, p.181.
323
GONDRA, 2000, p.527-528. É muito importante lembrar as condições gerais de (in)salubridade de Porto
Alegre no período, para pensar a escola inserida neste contexto. Problemas como a má qualidade da água eram
121
Comentando o parecer do jurista Rui Barbosa
324
sobre a instrução pública,
fundamentado na ciência médica e publicado em 1882, Gondra destaca as preocupações do
jurista em relação ao espaço escolar: as escolas deveriam ter claridade e arejamento
suficientes e mobiliário adequado, caso contrário seriam fábricas de míopes e de deformações
do corpo.
Maria Stephanou também referiu as “imbricações dos discursos e dos saberes médicos
com a Educação” nas primeiras décadas do século XX, em seu estudo sobre Discursos
médicos e a educação sanitária na escola brasileira, observando que:
Outros questionamentos [questionamentos dos médicos às escolas], ainda,
particularizavam a análise da materialidade das escolas, condenando os
espaços insalubres, a localização do prédio escolar, os problemas de
iluminação, ventilação, os espaços construídos e as áreas livres, a
inadequação do mobiliário e dos equipamentos disponíveis, dos bebedouros
aos sanitários, avaliando os prejuízos físicos ocasionados às crianças
problemas de visão, focos contagiosos, distúrbios posturais e danos à coluna,
dentre outros. Evidentemente, os médicos assinalavam o fato de que os
conhecimentos da higiene eram ignorados ou desprezados nos casos citados.
E esse era o problema maior.
325
Como podemos perceber, os discursos médicos associavam, em fins do século XIX e
início do XX, a insalubridade e a inadequação do espaço escolar com a possibilidade de
comuns no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre em fins do XIX e início do XX, como buscamos mostrar no
primeiro capítulo.
324
Rui Barbosa (1849-1923), jurista, homem público e jornalista, defensor da causa abolicionista, foi nomeado,
em 1881, membro do Conselho Superior de Instrução Pública. Em 1882, elaborou, como relator da Comissão de
Instrução Pública, projeto para a reforma do ensino. No ano seguinte, 1883, elaborou projeto e apresentou
parecer sobre o ensino primário brasileiro. Rui Barbosa revelou-se, no projeto e parecer sobre o ensino primário,
um precursor da educação física, do ensino musical, do ensino do desenho e dos trabalhos manuais. As
informações sobre a vida e a atuação política de Rui Barbosa foram encontradas na página eletrônica da
Fundação Casa de Rui Barbosa (Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br>). Nesta mesma página,
encontramos um trecho do Parecer sobre a Reforma do Ensino Secundário e Superior, em que Rui Barbosa se
refere à educação higiênica do corpo da seguinte maneira: “[...] é impossível formar uma nação laboriosas [sic] e
produtiva, sem que a educação higiênica do corpo acompanhe pari passu, desde o primeiro ensino até ao limiar
do ensino superior, o desenvolvimento do espírito. Assim nessa quadra da vida estará arreigado o bom hábito,
firmada a necessidade, e o indivíduo, entregue a si mesmo, não faltará mais a esse dever primário da existência
humana. Acredita-se, em geral, que o exercício da musculatura não aproveita senão à robustez da parte
impensante da nossa natureza, à formação de membros vigorosos, à aquisição de forças estranhas à inteligência.
Grosseiro erro! O cérebro, a sede do pensamento, evolve do organismo; e o organismo depende vitalmente da
higiene, que fortalece os vigorosos, e reconstitui os débeis.” Obras Completas de Rui Barbosa, v.9, t.1, 1882.
p.174. Disponível em: <http://ww2casaruibarbosa.gov.br/scripts/rui>.
325
STEPHANOU, 2005, p.153.
122
problemas de saúde para a população escolar. Tanto Gondra quanto Stephanou constataram
esta associação e observaram o registro de doenças visuais e de coluna entre os problemas
decorrentes da inadequação da “materialidade das escolas”. Stephanou refere-se também à
escola como um possível foco de contágio.
Mas os problemas relacionados à inadequação do espaço escolar não preocupavam
apenas os médicos no período em questão. As referências às más condições de higiene do
ambiente escolar podem ser observadas tanto nos Relatórios da Diretoria de Higiene, quanto
nos da Instrução Pública do Rio Grande do Sul na passagem do século XIX para o século XX.
Em Relatório de 1895, o Dr. Protasio Alves, médico e então Inspetor de Higiene,
avaliava da seguinte forma as condições físicas das escolas públicas da capital gaúcha: “em
observancia a nosso dever, temos visitado as escolas publicas da capital. Ahi temos observado
que em quasi todas ha deficiencia de espaço para as crianças e em todas a agua fornecida é de
má qualidade, por não ser filtrada”.
326
A falta de luz, de espaço, de ar e de água filtrada são
apontadas em diversas oportunidades como sendo características do ambiente escolar no
período.
327
Entre as medidas de saneamento apontadas pelo Dr. Protasio Alves como
necessárias para a melhoria do estado sanitário de Porto Alegre, encontramos, por exemplo,
“[...] a acquisição de casas proprias para as aulas publicas; collocação nas aulas, bem como
nos quarteis, de filtros Pasteur para agua”.
328
Vemos a mesma preocupação com as condições
dos prédios escolares [ambiente escolar] repetindo-se no Relatório de 1896. Novamente o Dr.
Protasio Alves posiciona-se a favor de reformas urgentes na “higiene da população
escolar”.
329
Em Relatório de 1898, o Dr. Protasio Alves, além de destacar as deficiências de ar,
água e luz nas escolas públicas, afirma que essas reformas são indispensáveis, pois, sem elas,
326
SIE.3 003 (Higiene, 1895, p.206).
327
Maria Luiza Marcilio, em seu já citado texto sobre o ensino primário da rede pública na época do Império,
afirma sobre as condições físicas das escolas públicas que “Não era uma situação excepcional. Em todas as
províncias da época, como então se chamavam os estados, das mais ricas às mais pobres, são encontradas
descrições semelhantes. O presidente de São Paulo, centro da produção cafeeira do país, escrevia: ‘As escolas
públicas da província permanecem, na generalidade, funcionando em local impróprio, muitas vezes sem
condições higiênicas e desprovidas de tudo quanto lhes é indispensável’. Outro problema generalizado já
apontado pelo professor José Marcelino, dizia respeito à extrema precariedade, e ausência mesmo, de mobiliário
e material escolar” (MARCILIO, 2005, p.83).
328
SIE.3 003 (Higiene, 1895, p.144).
329
SIE.3 003 (1896).
123
o governo não poderia exigir de particulares os melhoramentos higiênicos necessários. Nas
palavras de Protasio Alves, “é necessario iniciar-se esta reforma, e mais do que necessario, é
urgente, porque a auctoridade ficará em posição esquerda si, exigindo de um particular um
melhoramento hygienico, apontarem á auctoridade a hygiene dos estabelecimentos de
instrucção do Estado”.
330
Em 1904, o Dr. Protasio Alves retoma as questões relativas à falta de espaço e à má
qualidades da água nas escolas públicas do estado, destacando que é primordial que se
corrijam os defeitos apontados, o que indica que pouco foi feito nesse sentido.
331
Como tentativa de melhorar as condições higiênicas do ambiente escolar, foi
estabelecido, no Regulamento para o Serviço de Higiene de 1895, que as escolas seriam
inspecionadas, e os alunos ou funcionários afetados por doenças contagiosas
332
seriam
isolados e só retornariam ao estabelecimento de ensino mediante a apresentação de atestado
médico. Estas disposições podem ser observadas nos trechos selecionados e transcritos do
Regulamento para o Serviço de Higiene Decreto n. 44, de 02 de abril de 1895.
Titulo I Capitulo I Da organização do Serviço
Art. 1º - O serviço sanitario do Estado do Rio Grande do Sul comprehende:
[...]
- A inspecção sanitaria das escolas, fabricas, hospitaes, prisões e todas as
demais habitações collectivas. [...]
Capitulo II Da Directoria
Art. 4º - Ao ajudante incumbe:
- Visitar hoteis, hospedarias, escolas, fabricas e em geral os
estabelecimentos onde houver agglomerações de pessôas, marcando as
competentes lotações e observando todas as circumstancias que possam
influenciar a saúde particular ou publica para impedir aquellas que forem
prejudiciaes. [...]
Titulo II Capitulo II Da policia sanitaria
Art. 26 A policia sanitaria tem por fim a observancia do disposto neste
regulamento, relativamente a prevenção e repressão de abusos que possam
comprometter a saúde publica.
330
SIE.3 006 (Higiene, 1898, p.576).
331
SIE.3 013 (1904).
332
O Regulamento para o Serviço de Higiene de 1895 estabelecia como moléstias transmissíveis e cuja
notificação era compulsória as seguintes enfermidades: febre amarela, cólera morbus, doenças coleriformes,
sarampão, escarlatina, varíola, difteria, febre tifóide, febre puerperal e coqueluche (LEG 626 - Decreto n. 44, de
2 de abril de 1895). Em 1907, a peste foi incluída entre as doenças cuja notificação era compulsória. O
Regulamento da Higiene de 1907 (LEG 641 - Decreto n. 1240A, de 31 de dezembro de 1907) suprime
praticamente tudo o que se referia especificamente à inspeção escolar. Mas, como veremos mais adiante, o
governo instituiu outras formas de inspeção para verificar as condições higiênicas das escolas públicas gaúchas.
124
Art. 27 Em relação ás habitações particulares ou collectivas observar-se-á:
[...]
§ 9º - O tempo durante o qual os alumnos de escolas e empregados desses
estabelecimentos deverão estar isolados do edificio, quando affectados de
molestias contagiosas, contando-se o praso a partir do primeiro dia da
molestia, será
1º Quarenta dias para escarlatina, variola, varioloide e diphteria.
2º Dezeseis dias para sarampão e varicella.
3º Quanto á coqueluche o isolamento deverá ser prolongado até 20 dias
depois da cessação completa de accessos.
§ 10º - Para fiscalisação das medidas estabelecidas no § anterior, os
directores de estabelecimento de ensino receberão somente os alumnos ou
empregados que tenham sido affectados de molestias transmissiveis,
apresentando-se-lhe um attestado de medico, que especifique o tempo de
duração da doença e declare que foram feitas as desinfecções
convenientes.
333
Verificando a aplicação do disposto no Regulamento acima referido, encontramos, nos
Relatórios da Diretoria de Higiene, algumas informações sobre crianças doentes proibidas de
freqüentarem as escolas, pois representavam perigo de contágio para as demais; e também
sobre a suspensão de trabalhos escolares ocasionada pela ocorrência de doenças contagiosas
entre alunos ou professores. Estas situações podem ser observadas nos Relatórios de 1896,
1897, 1898 e 1904, por exemplo. Para exemplificar esta questão, destacamos a informação
apresentada pelo Dr. Protasio Alves em 1896:
Recebeu a directoria durante o anno decorrido de 1º de Julho de 1895 a 30
de Junho deste anno notificação de 227 casos de molestias transmissiveis,
assim distribuidas: sarampão 68, diphteria 45, febre typhoide 40, variola 34,
coqueluche 23, infecção puerperal 10, escarlatina 7. A influenza tem nos
ultimos mezes augmentado consideravelmente a morbilidade, não trazendo
felizmente, augmento proporcional na mortalidade. Determinamos o
isolamento em domicilio para os casos de sarampão, escarlatina e
coqueluche, prohibindo as crianças, que viviam sob o mesmo tecto a
entrada nas escolas; [...].
334
Em alguns Relatórios, encontramos, ainda, a notificação da realização de desinfecções
em escolas, como é o caso do Relatório de 1902.
335
Além das medidas propostas no
333
LEG 626 Decreto n. 44, de 2 de abril de 1895.
334
SIE.3 003 (Higiene, 1896, p.327). [grifo nosso]
335
SIE.3 011 (1902).
125
Regulamento para o Serviço de Higiene de 1895, o Dr. Protasio Alves sugere a aposentadoria
de professores tuberculosos.
336
Como já afirmamos, também nos Relatórios da Instrução Pública é possível encontrar
informações sobre as más condições dos prédios escolares. Em Relatório de 1896, o Dr.
Manuel Pacheco Prates, Diretor Geral da Instrução Pública, afirmava que:
Emquanto ao que dissestes sobre as pessimas condições hygienicas de
muitas casas em que funccionam as aulas publicas nesta capital, só me
cumpre accrescentar que o mal se aggrava de continuo, devido á constante e
successiva elevação dos alugueis sem a correspondente alteração da tabella
respectiva. [...] O edificio proprio, tão aconselhado e tão necessário, que
engrandece e radica a escola, eleva e dignifica a condição do professor,
rodeando-o do necessário conforto e dos elementos apropriados a cumprir,
com exito, sua sublime missão, é a meu ver a única solução definitiva.
337
Como vemos, a questão das “péssimas condições higiênicas” dos prédios onde
funcionavam as aulas públicas também preocupava o Diretor da Instrução. Como parte da
solução para este problema, o Dr. Pacheco Prates sugeria que o governo deveria investir na
compra de casas para o funcionamento das escolas. É importante destacar aqui que, enquanto
o estado não pudesse adquirir prédios próprios para o funcionamento das escolas públicas,
este seria responsável pelo aluguel de prédios para o funcionamento das mesmas, como ficava
estabelecido nos Regulamentos da Instrução Pública de 1897, 1906 e 1927.
338
Através da
análise e leitura dos Relatórios, fica evidente que esta questão não foi inteiramente
solucionada durante o período analisado nesta investigação. Em Relatório de 1908, por
336
SIE.3 012 (1903). Não há informações específicas sobre esta questão, mas as exigências no que se referia à
saúde dos candidatos ao magistério público estadual serão abordadas ainda neste capítulo.
337
SIE.3 003 (Instrução Pública, 1896, p.293).
338
Sobre o aluguel de casas para o funcionamento das escolas públicas, Berenice Corsetti, ao analisar as
condições de trabalho dos professores públicos, afirma que “os locais para o funcionamento das escolas
dependiam, portanto, do valor concedido pelo Estado para o pagamento dos aluguéis das casas onde deviam
funcionar as aulas públicas, conforme estabelecido pelos regulamentos da Instrução Pública de 1897, 1906 e
1927, vigorando essa prática por todo o período que estamos analisando. Esses regulamentos estabeleceram que,
enquanto o Estado não possuísse prédios próprios para o funcionamento das escolas, seria abonado a cada
professor uma quota destinada ao aluguel da sala em que tivesse que funcionar a escola respectiva, bem como ao
asseio e abastecimento d´água. Essa deliberação trouxe para o cotidiano escolar dificuldades permanentes, em
termos das condições de trabalho” (CORSETTI, 1998, p.384). Para exemplificar como esta determinação era
expressa nos Regulamentos da Instrução Pública, transcrevemos aqui trecho do Regulamento da Instrução
Pública de 1906. Sob o Título IV Da Estatística, Casas e Fornecimento das Escolas, Capítulo II Das casas e
fornecimento, lemos, no Artigo 165, que “emquanto o Estado não possuir predios proprios para nelles
funccionarem as escolas publicas, abonar-se-á a cada professor uma quota destinada ao aluguel da sala em que
tiver de leccionar, bem como ao asseio e abastecimento d´agua” (LEG 640 Decreto n. 874, de 28 de fevereiro
de 1906).
126
exemplo, o Dr. Protasio Alves, então Secretário de Estado dos Negócios do Interior e
Exterior, afirmou que:
O governo passado começou a dotar as escolas de predios proprios,
mandando construir um no Campo da Redempção, onde installou-se no
corrente anno uma aula mixta, e fez acquisição de excellente terreno na
praça General Osorio para a construcção de um ou dois predios capazes de
comportar a população escolar do antigo 3º districto, ahi funcionando as seis
escolas da zona com o numero de 800 crianças. É de inteira conveniencia
para a hygiene e mesmo disciplina escolar progredirmos nessa senda,
construindo prédios para escolas, pelo menos nas cidades principaes.
339
Como é possível observar, o Dr. Protasio Alves reafirma a importância da construção
de novos e adequados prédios para as escolas públicas convenientes para a higiene e para a
disciplina escolar , ressaltando que deveriam ser construídos pelo menos nas cidades
principaes, o que nos permite inferir que muitas escolas continuaram funcionando em prédios
inadequados.
Corroborando, ainda, as afirmações sobre as péssimas condições de higiene das
escolas públicas, o Inspetor Regional da 1ª zona escolar do estado
340
, com sede em Porto
Alegre, Arthur Toscano S. Barbosa, informa ao Inspetor Geral da Instrução Pública, em
Relatório de 1898, que
Insisto, especialmente, na questão do material, já levada ao vosso
conhecimento e decisão, porque, n´esse particular, o que existe nas aulas,
presentemente, é tudo quanto ha de obsoleto, anti-hygienico e improprio
para os fins a que tal material é destinado. [...] Além de tudo, ha por ahi salas
de aula, como já vos referi, no primeiro relatorio, que só por si, constituem
uma verdadeira ameaça à saude das creanças que as frequentam.
341
Em Relatório apresentado no ano seguinte, Arthur Toscano Barbosa, comentando a
aplicação do Regulamento da Instrução Pública de 1897, afirma que é impossível obter uma
339
SIE.3 017 (Introdução, 1908, p.10). [grifo nosso]
340
A partir do Regulamento da Instrução Pública de 1897, o estado estava dividido em 7 regiões escolares. A 1ª
região escolar, com sede em Porto Alegre, era composta ainda por Viamão, São João de Camaquã e Dores de
Camaquã. O número de regiões escolares em que estava dividido o estado foi ampliado durante o período de
nossa investigação. Segundo Berenice Corsetti, a divisão do território do RS em regiões tinha por objetivo uma
“boa administração e eficaz inspeção do ensino” (CORSETTI, 1998, p.350). Cada região escolar deveria
compreender pelo menos dois municípios.
341
SIE.3 006 (Instrução Pública, 1898, p.508). O Relatório de Inspetor Arthur Toscano S. Barbosa foi entregue
ao Inspetor Geral da Instrução Pública em novembro de 1897.
127
execução “parelha, homogênea e contínua” do estabelecido neste Regulamento. Enquanto nas
cidades a aplicação da legislação relativa ao ensino ocorre “naturalmente”, nas pequenas
povoações e distritos rurais, sua aplicação é muito difícil.
342
A Instrução Pública também instituiu mecanismos para a avaliação e para o controle
das condições higiênicas das escolas públicas primárias. Pelo Decreto n. 1617 A, de 9 de
julho de 1910, foi ampliado o serviço de inspeção das escolas públicas do estado, sendo
incluída neste serviço a inspeção extraordinária. Sobre as alterações na inspeção escolar
realizadas pelo Decreto de 1910, sabe-se que:
A partir de então, além das inspeções permanentes estatuídas no regulamento
da Instrução Pública, o governo passou a comissionar funcionários para
inspeções extraordinárias em todo o Estado, os quais deveriam fiscalizar
cumulativamente os aspectos didáticos e a escrituração das escolas, além de
privativamente passarem a ser os responsáveis pela preparação dos processos
atinentes aos professores até a sentença exclusive, além de desempenhar
todas as funções de que fossem incumbidos pelo Inspetor Geral, quer na sua,
quer excepcionalmente noutra região.
343
Como podemos ver, as inspeções extraordinárias possuíam diversas funções, como a
fiscalização dos aspectos didáticos, por exemplo. Mas as funções que mais nos interessam não
foram destacadas no estudo realizado por Corsetti. No Relatório de 1912, o Dr. Protasio
Alves, no uso das atribuições conferidas pelo do Decreto n. 1746, de 24 de junho de 1911,
baixou instruções para o serviço de inspeções extraordinárias, dentre as quais destacamos as
de número 13 e 19.
344
A instrução número 13 estabelece que “terá o inspector especial
cuidado com a hygiene das salas, fazendo collocar as carteiras de modo que os alumnos
342
SIE.3 007 (Instrução Pública, 1899, p.50). O Relatório de Inspetor Arthur Toscano S. Barbosa foi entregue
ao Inspetor Geral da Instrução Pública em novembro de 1898. Estas informações fornecidas pelo Inspetor
Arthur Toscano permitem uma reflexão sobre a aplicação do disposto pelo governo no que se refere ao ensino
público primário gaúcho, e evidencia que o proposto ou estabelecido nem sempre é facilmente aplicado ou
cumprido. Neste mesmo Relatório, o Inspetor aponta ainda que a freqüência nas aulas dos distritos de Viamão é
“pequena, inconstante e muito variável” devido aos trabalhos realizados pelas crianças na lavoura e na
fabricação da farinha de mandioca.
343
CORSETTI (1998, p.355), “A organização das atividades de fiscalização de ensino talvez tenha representado,
em paralelo com a habilidade demonstrada na manipulação do orçamento público, o elemento da estrutura
educacional rio-grandense foi em que a criatividade dos republicanos mais se evidenciou. A constituição de um
sistema inédito de inspeção escolar caracterizou a experiência educacional dos dirigentes gaúchos, que
conseguiram reunir os funcionários do Estado às próprias comunidades, nas tarefas fiscalizadoras do ensino”
(CORSETTI, 2005, p.213). Para informações mais detalhadas sobre o sistema de inspeções escolares organizado
pelo governo republicano gaúcho, ver CORSETTI, 1998, p.347-365.
344
SIE.3 021 (1912, p.259-260).
128
recebam luz directa pela esquerda, verificando também, na mesma occasião, si ha bastante
espaço, ar, e boa agua.[...]”. A instrução número 19, por sua vez, estabelece que “si no mesmo
perimetro encontrar o inspetor melhor predio para o funccionamento da escola, sob o ponto de
vista pedagogico e hygienico, convidará o professor a effectuar a mudança, salvo si a este
acarretar prejuizos materiais não compensadores”. Como podemos perceber, a partir das
instruções para as inspeções extraordinárias, estas também tinham por objetivo avaliar e,
quando possível, melhorar as condições higiênicas dos prédios escolares, através do cuidado
com a quantidade de luz, espaço e ar, e da qualidade da água disponíveis nos prédios.
Infelizmente não encontramos informações sobre a realização destas inspeções extraordinárias
na documentação consultada.
Além dos aspectos relacionados especificamente à higiene do espaço escolar e já
mencionados, outra questão era apontada como sendo muito importante para a melhoria das
condições materiais das escolas públicas gaúchas: a necessidade de adequação dos bancos
escolares. Retomando o parecer, de 1896, do Dr. Manoel Pacheco Prates sobre as condições
higiênicas das aulas públicas, o Diretor Geral da Instrução Pública afirmava que, mesmo que
algumas modificações já estivessem sendo feitas com relação aos bancos escolares, segundo
ele inapropriados, muito ainda havia para ser feito neste sentido, e ressaltava que “[...] parece
que estes dous elementos (casas e mobilias) juntamente se conspiram contra a saude das
crianças”.
345
Argumentando sobre a necessidade de substituição dos bancos escolares
existentes por outros “mais de accôrdo com o typo indicado pela pedagogia e hygiene”,
Manuel Pacheco Prates afirma que
Os bancos e classes antigos vão sendo substituidos por outros mais de
accôrdo com o typo indicado pela pedagogia e hygiene, mas ainda são feitos
todos com a mesma altura; entretanto, o artigo 20 do regulamento da
Instrucção Publica fixa a idade escolar de 7 aos 15 annos, consequentemente
devem existir na mesma escola crianças de diversos tamanhos; dahi a
necessidade de bancos e escrivaninhas de differentes alturas, como existem
hoje em todas as escolas dos Estados-Unidos da America e em diversos
paizes da Europa, notavelmente as escolas de Paris. [...] Em minhas visitas
de inspecção ás aulas desta capital tenho feito observações neste sentido,
mandando escrever, na mesma escrivaninha, crianças de diversos tamanhos
345
SIE.3 003 (Instrução Pública, 1896, p.295).
129
e, á primeira vista, se nota o incommodo que soffrem os menores pela
posição terrivelmente contrafeita.
346
Reforçando a inconveniência da uniformidade de altura da mobília escolar, o Dr.
Pacheco Prates determinou que o fornecimento do mobiliário escolar e seus respectivos
contratos fossem fiscalizados pela Instrução Pública. Antes do Decreto do Regulamento da
Instrução Pública de 1897, os contratos para fornecimento de mobiliário escolar eram feitos
pelo Tesouro do estado. No Relatório da Instrução Pública de 1898, encontramos já definida a
solução estabelecida para o fornecimento de móveis para a instrução pública estadual e que
vigoraria por todo o período analisado: não tendo sido apresentada nenhuma proposta para o
fornecimento dos móveis necessários, o mobiliário escolar seria encomendado às oficinas da
Casa de Correção de Porto Alegre.
347
Pacheco Prates destaca a importância desta medida,
afirmando que “[...] com ella muito lucrará o Estado que, além da grande economia que vae
effectuar, terá, dentro de pouco tempo, suas escolas mobiliadas com gosto e asseio, na stricta
observancia das prescripções hygienicas”.
348
Quando a distância tornava o transporte dos
móveis fabricados em Porto Alegre muito oneroso, estes eram encomendados na própria
localidade.
Apesar destas providências tomadas pela Diretoria da Instrução Pública, constatamos
que, na Introdução ao Relatório de 1913, o então Secretário do Interior e Exterior, o Dr.
Protasio Alves, afirmava que ainda havia escolas desprovidas de mobiliário e outras em que
havia necessidade de aumentá-lo.
349
Além dos bancos escolares, o Relatório de 1927
apresenta dados referentes ao fornecimento de mobiliário da Casa de Correção de Porto
346
SIE.3 003 (Instrução Pública, 1896, p.295).
347
Na Introdução ao Relatório de 1907, encontramos informações relativas não só à encomenda de bancos
escolares à Casa de Correção de Porto Alegre, mas também a “uma grande fábrica americana”. No Relatório da
Instrução Pública deste mesmo ano, lemos ainda a seguinte informação: “Em officio n. 1646, de 25 de junho
findo autorisou-me v. exa. a encommendar ás officinas da casa de Correcção o mobiliario destinado as escolas de
Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Monte Negro, S. Sebastião do Cahy, Triumpho, São Jeronymo, Santo Amaro,
Taquary, Lageado, Estrella, Gravatahy, São Leopoldo, Taquara e Viamão, observando-se a ordem anteriormente
dada por v. exa. quanto á diversidade de altura dos bancos e quanto ao alvitre proposto para facilidade do
transporte, quer fluvial quer terrestre. Para os outros municipios ordenou-me v. exa. que o fornecimento se
effectuasse mediante concorrencia local aberta perante o respectivo inspector escolar e sob a immediata
inspecção do inspector geral, observando-se tambem o modelo ordenado” (SIE.3 015/016 Instrução Pública,
1907, p.393). É interessante observar que, muito possivelmente, menores trabalhavam na fabricação de
mo biliários escolar para crianças, visto que, como apontamos no segundo capítulo, menores de idade cumpriam
pena na Casa de Correção de Porto Alegre e trabalhavam nas oficinas.
348
SIE.3 006 (Instrução Pública, 1898, p.469).
349
SIE.3 022 (Introdução, 1913, p.V-VI).
130
Alegre para a Instrução Pública em 1926 e aponta que outros móveis eram fabricados e
fornecidos pelas oficinas da Casa de Correção: armários, classes, mesas, quadros negros,
escudos, cadeiras simples, estrados, cadeiras de braço, cabides, bancos, escrivaninhas, sofás,
porta-chapéus e escadas.
350
As análises até agora realizadas sobre as questões relativas à (in)salubridade do espaço
escolar indicam que os governantes gaúchos preocupavam-se com as condições higiênicas nas
escolas públicas primárias do estado espaço, iluminação, ar, água, mobiliário e
procuravam adequar estas condições ao recomendado pela higiene e pela pedagogia do
período. Espaço que tanto poderia produzir enfermidades quanto disseminá-las, a escola
pública gaúcha foi alvo de atenção não só da Instrução Pública, como também da Diretoria de
Higiene.
Considerando as informações que obtivemos a partir da análise desta documentação,
propomos a retomada para o estabelecimento de possíveis aproximações com o que
propunham os médicos e governantes gaúchos do já citado estudo de Heloísa Helena
Pimenta Rocha acerca das idéias e propostas do Dr. Almeida Junior para o ensino de Higiene
na escola primária paulista, para quem
Materializando-se em lugar da saúde, a escola, aberta à luz e ao ar, limpa,
espaçosa, ordenada e clara, exerceria por si só uma poderosa sugestão
higiênica sobre as crianças. Contrastando com a sujeira dos seus sapatos e
das suas mãos, o assoalho limpíssimo e os móveis polidos e lustrosos
ensinariam às crianças a necessidade de limpar a sola dos sapatos e lavar as
mãos. Agindo sobre a tendência à imitação, a escola, impecavelmente limpa
e iluminada, transbordaria a sua ação educativa para o ambiente doméstico
[...].
351
O “transbordamento” para o ambiente extra-escolar da ação educativa de uma escola
impecavelmente limpa e iluminada nos remete à epígrafe que inicia este capítulo e na qual o
Dr. Protasio Alves afirma, em 1907, que “em casas apropriadas, bem localisadas, dotadas de
bom material, muito aproveitarão a saude das crianças e a sociedade em geral, porque facil
será ao professor ministrar as noções praticas de hygiene, que irão repercutir no meio
350
SIE.3 043 (1927).
351
ROCHA, 2003b, p.187.
131
externo”.
352
A ação de uma escola adequada aos pressupostos higiênicos de fins do século
XIX e início do século XX não estaria restrita à saúde dos alunos, mas seria disseminada por
estes, atingindo suas famílias e a sociedade.
3.4 OS CUIDADOS COM A SAÚDE DO CORPO: EXERCÍCIOS E PRESERVAÇÃO
DO FÍSICO
Como bem observado por José Gondra, durante o século XIX, os médicos se
preocuparam com a questão do corpo
353
, razão pela qual os projetos educacionais tinham
como primordial objetivo alcançar “[...] uma sociedade higienizada com auxílio da
organização escolar”.
354
Este autor ressalta que
A questão do corpo, do movimento, dos exercícios ou da ginástica é uma
preocupação que ocupa lugar privilegiado na agenda médica fazendo com
que, ao tratar da educação escolar, também inclua esse tema como um dos
aspectos a ser observado no rol de recomendações por eles estabelecidas, de
modo a produzir um colégio, alunos, alunas, professores e mestras
higienizados.
355
Também Jurandir Freire Costa destaca a importância atribuída aos cuidados com o
corpo e à educação física pelos médicos já no século XIX. Segundo ele, os médicos “[...] viam
na educação física um fator capital na transformação social [...]”, pois, entre outros aspectos,
prolongava a vida e melhorava a espécie.
356
Em sintonia com o pensamento médico do período, os governantes gaúchos
preocuparam-se com estas questões em fins do século XIX e início do século XX. Como já
indicamos anteriormente, um dos objetivos do ensino primário público gaúcho era o
352
SIE.3 015 (Introdução, 1907, p.12).
353
Vale lembrar, que na perspectiva de Michel Foucault, “o controle da sociedade sobre os indivíduos não se
opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no
somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política.
A medicina é uma estratégia bio-política” (FOUCAULT, 2003, p.80).
354
GONDRA, 2000, p.527.
355
Ibidem, p.534.
356
COSTA, 1898, p.179.
132
desenvolvimento físico dos alunos. No Relatório de 1896, o Diretor Geral da Instrução
Pública, o Dr. Manoel Pacheco Prates, afirmou, sobre os fins do ensino primário, que
Educar, porém, não consiste em ensinar a lêr, escrever e calcular. Educar
consiste em um processo que abrange a triplice natureza humana. Exerce
sua benefica acção sobre o corpo, desenvolvendo-o com observancia
intelligente e systematica das benignas leis de hygiene que conservam a
saude e prolongam a existencia. Sobre a intelligencia, robustecendo-a e
enriquecendo-a com conhecimentos uteis e cultivando-lhe o gosto que se
eleva com a virtude, finalmente, sobre as faculdades moraes, fortalecendo-
lhe a consciencia do bem e do dever.
357
Como podemos perceber, o Dr. Manoel Pacheco Prates inclui, entre os fins do ensino
primário, “sua benefica acção sobre o corpo através da observação das leis da higiene. Ao
comentar o Regulamento da Instrução Pública, organizado por ele e que seria aprovado no
ano seguinte, o Diretor Geral da Instrução Pública reforça que o programa abrangia a
educação em seu tríplice caráter: físico, moral e intelectual.
Para um estudo mais detalhado sobre a prática de exercícios físicos nas escolas
públicas gaúchas, organizamos dois quadros, nos quais é possível observar o que foi
determinado, neste sentido, pelos Regulamentos e Regimentos da Instrução Pública:
QUADRO 2 - Exercícios Físicos nos Regulamentos da Instrução Pública
Regulamento da Instrução Pública
1897
Decreto n. 89, de 2 de fevereiro de 1897
Sob o Título I Do ensino público, sua
direção e inspeção, Capítulo I Do ensino
público, encontramos determinado no
Artigo 3º que a ginástica está incluída no
programa dos colégios distritais. Segundo o
Artigo 5º, a ginástica também deve ser
ministrada nas escolas elementares.
Regulamento da Instrução Pública
1906
Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de
1906
Sob o Título I Do ensino público, sua
direção e inspeção, Capítulo I Do ensino
público, encontramos a ginástica como
parte do ensino ministrado em escolas
elementares. A ginástica não está presente
no programa do ensino complementar. O
Título II Das escolas elementares e dos
professores, Capítulo II Do regime,
matrícula e freqüência das escolas
357
SIE.3 003 (Instrução Pública, 1896, p.297). [grifo nosso]
133
elementares e dos adjuntos estabelece, em
seu Artigo 70, que haverá, no fim de cada
lição, um intervalo consagrado ao descanso,
aos exercícios físicos e ao canto escolar.
Regulamento da Instrução Pública
1927
Decreto n. 3898, de 4 de outubro de 1927
Sob o Título I Do ensino público em
geral, Capítulo II Da organização do
ensino público, Seção V Da organização
e regime dos colégios elementares, o Artigo
28 determina que os exercícios físicos
fazem parte do programa de ensino dos
colégios elementares. Em seu § 3º, lê-se que
“os exercicios physicos serão praticados
diaria e methodicamente, visando elles o
desenvolvimento corporal dos alumnos”. Já
o Artigo 34 da Seção VI Da organização
e regime das escolas complementares
também estabelece a ginástica como parte
do curso complementar.
Fonte: Legislação (LEG 628, 640 e 685).
QUADRO 3 - Exercícios Físicos nos Regimentos e Programas da Instrução Pública
Regimento Interno das Escolas
Elementares – 1898
Decreto n. 130, de 22 de janeiro de 1898
Segundo este Regimento, em seu Título
Único, Capítulo I Do ensino, expediente,
matrícula, freqüência, exercícios e exames
escolares, Artigo 5º, os trabalhos diários
serão divididos em diferentes exercícios e
separados por recreio, movimentos e cantos.
Segundo o Artigo 8º, n. 7, fica estabelecido
que se consagrará à ginástica, além dos
exercícios diários executados nos intervalos
das lições, pelo menos uma hora por
semana.
Programa do Ensino Primário
Elementar e Complementar – 1899
Decreto n. 239, de 5 de junho de 1899
O Programa do Ensino Primário estabelece,
em seu Artigo 15, que “o ensino de
Gymnastica terá mais o caracter de
exercicio de descanço e retempero do
espirito, do que o de uma disciplina
especial. Nos exercicios militares e em
apparelhos gymnasticos tomarão parte
sómente os alumnos do sexo masculino”. Já
em seu Artigo 18, que determina o tempo
para as lições, está estabelecido, em §
único, que haverá um intervalo para
descanso, exercícios físicos e canto escolar
ao final de cada lição. Exercícios de
ginástica, corrida e jogos são os exercícios
134
estabelecidos para o ensino elementar; para
o ensino complementar, exercícios com
aparelhos.
Modificação do Programa do Ensino
Complementar de Porto Alegre – 1909
Decreto n. 1479, de 26 de maio de 1909
A partir desta modificação, ficou
estabelecido, no Artigo 9º, que a ginástica
sueca faria parte do ensino complementar.
O Artigo 10, referente ao ensino elementar,
estabeleceu a ginástica sueca e evoluções
militares nas escolas do sexo masculino
como parte do curso.
Modificação de alguns pontos do
Regulamento da Instrução Pública
sobre o Ensino Elementar e
Complementar – 1916
Decreto n. 2224, de 29 de novembro de
1916
Este Decreto estabelece, em seu Artigo 2º,
que a ginástica sueca é parte do curso
complementar. No que se refere ao ensino
elementar, o decreto prevê, em seu Artigo
5º, que a ginástica sueca e evoluções
militares são matérias deste curso.
Regimento Interno dos
Estabelecimentos de Ensino Público no
Estado – 1927
Decreto n. 3903, de 14 de outubro de
1927
Este Regimento estabelece, em seu Capítulo
I Do ensino, Artigo 5º, que “em
gymnastica procurar-se-á desenvolver o
physico com pequenos exercicios diarios
executados em um dos intervallos das lições
em cada classe. Além desses consagrar-se-á
uma hora por semana para ser executada em
conjuncto de classes fóra do predio”.
Fonte: Legislação (LEG 630, 631, 645, 655 e 685).
De acordo com João Carlos Jaccottet Piccoli, em estudo sobre os antecedentes
históricos da educação física na escola pública do Rio Grande do Sul
358
, “a Educação Física
nas escolas gaúchas de 1º grau, anterior a 1890, era praticamente inexistente. Novas leis, e
regulamentos relacionados à esta disciplina começaram a surgir posteriormente”.
359
A partir
do Decreto n. 89, de 2 de fevereiro de 1897, e que estabeleceu o Regulamento da Instrução
Pública, a ginástica passou a ser incluída nos programas dos colégios distritais e das escolas
elementares. É possível observar, no Programa do Ensino Primário Elementar e
Complementar de 1899, que ginástica, exercícios militares e em aparelhos de ginástica fazem
parte do Programa do Ensino Primário, exercícios que permanecem nos programas até
praticamente o final do período analisado.
358
PICCOLI, João Carlos Jaccottet. A educação física na escola pública do Rio Grande do Sul: antecedentes
históricos (1857 1984). Pelotas: Editora Universitária/UFPel, 1994.
359
Ibidem, p.24.
135
O Regulamento de 1906, Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de 1906, manteve, como
podemos observar no quadro apresentado, a ginástica como parte do ensino ministrado nas
escolas elementares. Além disso, haveria intervalos consagrados ao descanso, aos exercícios
físicos e ao canto escolar ao final de cada lição (a execução de exercícios diários nos
intervalos das lições já havia sido estabelecida no Regimento Interno das Escolas Elementares
de 1898).
360
A ginástica não estava incluída, segundo este Regulamento, no Programa do
Ensino Complementar, mas isso acabou alterado por modificações do Regulamento da Escola
Complementar de Porto Alegre de 1909 Decreto n. 1479, de 26 de maio de 1909 e que
incluiu a ginástica sueca como parte do ensino complementar.
361
Ainda segundo esta
modificação do Regulamento, ginástica sueca e evoluções militares fariam parte do ensino
elementar. O Regulamento da Instrução Pública de 1927 determinou que os exercícios físicos
fizessem parte do Programa de Ensino dos Colégios Elementares e que a ginástica fosse parte
360
José Gondra, ao abordar “o ritual de finalização” do curso de Medicina a que foi submetido Francisco
Antonio Gomes, em 1852, destaca que o Dr. Gomes, ao argumentar sobre a “influência da educação física no
homem”, caracterizava “a educação na infância como tempo do repouso para o cérebro e exercício para os
músculos, ele complementa a codificação do tempo escolar, invadindo os recreios, indicando os exercícios que
deveriam ser privilegiados nessa ocasião: a música, o canto e a dança. A primeira porque ‘desenvolve e regula as
aptidões do orgão da audição’; o segundo porque ‘põe em acção os orgãos respiratorios, communica-lhes a força,
e engrandece o peito’ e a dança porque ‘além de desenvolver, [...] os membros inferiores, imprime ao corpo
movimentos regulares e regula a cadencia’. Aliás, a preocupação com o preenchimento do tempo livre é um
princípio caro à higiene, na medida em que o tempo cheio e ocupado, especialmente pelos exercícios físicos, era
entendido como uma eficaz medida preventiva” (GONDRA, 2000, p.536). Explorando os exercícios físicos
como medida preventiva, Gondra afirma que, a seu ver, “[...] a defesa dos exercícios corporais encontra-se
radicalizada por ocasião do combate àquele que era considerado o mais grave e terrível dos vícios: o onanismo.
Tal hábito, descrito como vício, provocaria o aniquilamento físico, perverteria a moral e reduziria a inteligência.
Exaurir fisicamente o corpo e entorpecer o espírito de aconselhamento moral seriam, portanto, estratégias para
interditar o corpo dos meninos da prática masturbatória, que, no interior da ordem médico-higiênica, concorria
para impedir a constituição de um corpo forte e robusto, uma boa moral e uma sabedoria desejada” (GONDRA,
2000, p.536). Michel Foucault também desenvolveu reflexões sobre o onanismo e a sexualidade infantil. Ver,
por exemplo, “Os anormais”, em FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970
1982). Tradução de Andrea Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. O desenho e a música já aparecem nos
programas do ensino público em 1897, e os trabalhos manuais são incluídos entre as atividades na primeira
década do século XX. Definindo os objetivos dos trabalhos manuais, o dr. Protasio Alves afirma, em 1917
(SIE.3 028/029 Introdução, 1917, p.XI) que “a educação moral e physica acompanha ‘pari passu’ a litteraria.
A primeira essencial, digo, sempre primacial, nos estabelecimentos publicos é dada por palestras opportunas e
festas commemorativas de datas nacionaes, as 2as., com methodicos exercicios de gymnastica sueca nos
intervallos das aulas e tarbalhos [sic] manuaes, pelos quaes se desenvolve o senso esthetico das creanças e a
faculdade de iniciativa”.
361
Ao comentar o Decreto 1479, de 26 de maio de 1909, João Carlos Jaccottet Piccoli afirma que “um estudo
histórico é um tanto complexo, porque muitas vezes leva o escritor a deduzir fatos de documentos examinados e
leituras feitas. O Decreto Nº 1479, conduz o leitor a questionar a origem das atividades físicas mencionadas [...].
Acredita-se, então, que deva ter havido alguma influência das idéias de Rui Barbosa divulgada em 1882 [ver
nota 324], pois existe uma similaridade entre alguns itens do Projeto Nº 224 sobre a Reforma do Ensino Primário
e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública com os do Decreto Nº 1479 de 1909, no que tange à
Educação Física. É, entretanto, difícil de se assegurar que a Ginástica Sueca e Exercícios Militares para alunos
do sexo masculino nas escolas elementares foram, de fato, originados do parecer de Rui Barbosa” (PICCOLI,
1994, p.27-28).
136
do curso complementar. Neste último Regulamento, fica explícito quais eram os objetivos dos
exercícios físicos no ensino primário gaúcho: “os exercícios physicos serão praticados diaria e
methodicamente, visando elles o desenvolvimento corporal dos alumnos”.
362
Ao abordar os tipos de exercícios físicos desenvolvidos nas escolas primárias
estaduais na década de 1910, João Carlos Jaccottet Piccoli afirma que
As atividades que geralmente eram ensinadas neste período eram exercícios
de equilíbrio através dos quais os alunos permaneciam nas pontas dos pés,
elevando as pernas alternadamente; exercícios de flexão, extensão e rotação
dos braços, pernas e tronco; jogos em formação de roda; jogos com bola
desenvolvendo habilidades motoras, tais como, lançar, passar e receber.
363
No que se refere à orientação para os exercícios ministrados no ensino público gaúcho,
o Dr. Manoel Pacheco Prates afirmou, em Relatório da Instrução Pública de 1896, ou seja, um
ano antes do Decreto que estabeleceu o primeiro Regulamento no período que estamos
analisando, que “sobre a educação physica, procurei extrahir da escola allemã o que é possivel
actualmente applicar entre nós”.
364
Segundo José Luiz Sobierajski, em Dissertação de
Mestrado que abordou a Política do Direito Desportivo Brasileiro
365
, “a Escola Alemã,
nascida em resposta natural à derrota imposta aos prussianos em 1806 pelas tropas de
Napoleão, tinha como fundamento desenvolver o espírito nacionalista com fins militares”.
366
362
LEG 685 Decreto n. 3898, de 4 de outubro de 1927.
363
PICCOLI, 1994, p.29.
364
SIE.3 003 (Instrução Pública, p.299-1896).
365
SOBIERAJSKI, José Luiz. Política do Direito Desportivo Brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito)
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999, p.46.
366
Haike Roselane Kleber da Silva aborda aspectos sobre o turnen, suas origens e sua prática no Brasil e no Rio
Grande do Sul em seu trabalho Entre o amor ao Brasil e ao modo de ser alemão. Segundo esta autora, o
programa de exercícios adaptado por Friedrich Ludwig Jahn (1778-1853), considerado o pai da ginástica alemã,
incluía “[...] jogos de luta, longas caminhadas, atividades como marchar, saltar, escalar, nadar [...]” (SILVA,
2006, p.151). Ainda segundo Silva, o período de maior desenvolvimento das sociedades de ginástica no Brasil
foi entre as décadas de 80 do século XIX e 20 do século XX. A estrutura organizacional e a prática dos
exercícios seguiam orientações da Alemanha. Para mais informações ver SILVA, Haike Roselane Kleber da.
Entre o amor ao Brasil e ao modo de ser alemão: A história de uma liderança étnica (1868-1950). São
Leopoldo: Oikos, 2006, p.137-155. Segundo Piccoli, “havia alguns professores de classe que eram afiliados a um
turnverein, clube de ginástica, fundado em Porto Alegre em 1867 [atual SOGIPA, Sociedade Ginástica de Porto
Alegre], onde a ginástica alemã era ensinada” (PICCOLI, 1994, p.29). Esta informação é relevante visto que,
ainda segundo este autor, a Educação Física, na década de 1910, “[...] era uma disciplina lecionada pelos
professores de classe não possuindo caráter científico nem profissional, pelo fato de não existir instituições
profissionais que preparassem professores especializados para atuarem nas escolas elementares do Estado. Os
professores de classe, então, preparavam suas sessões de Educação Física através de leituras de livros
disponíveis sobre Ginástica, que geralmente eram oriundos de um país estrangeiro” (PICCOLI, 1994, p.29).
Encontramos, porém, no Relatório de 1911 (SIE.3 020), informações sobre a contratação de uma professora de
137
Em 1909, porém, através do Decreto n. 1479, de 26 de maio de 1909, que modificou o
Regulamento da Escola Complementar de Porto Alegre, ficou estabelecido que a ginástica
sueca seria parte tanto do ensino elementar quanto do complementar. Em comparação com a
ginástica alemã, a ginástica sueca tinha, segundo Sobierajski, “fundamento racional e
científico e praticava a ginástica pedagógica e estética”.
367
Além da ginástica, os exercícios militares também faziam parte, desde o Programa do
Ensino Primário Elementar e Complementar de 1899 Decreto n. 239, de 5 de junho de 1899
dos programas do ensino público primário estadual. No Relatório da Secretaria de Estado
dos Negócios do Interior e Exterior de 1926, observamos a primeira referência ao escotismo
escolar.
368
Substituindo o Dr. Protasio Alves na Secretaria do Interior e Exterior, o dr. João
Pio de Almeida
369
afirmou, na Introdução ao Relatório, que
Do mesmo modo o escotismo se desenvolve com proveito nos
estabelecimentos de ensino publico. Ainda que não officialisado, elle tem
sido recommendado e estimulado como elemento de grande valia na
formação do caracter, na exaltação da vontade e da energia na creança.
370
No mesmo Relatório, há informações sobre a organização de um batalhão de
escoteiros na escola complementar, com a participação de 65 alunos.
ginástica sueca para a escola complementar, que, não esqueçamos, formava candidatos ao magistério público
estadual. Isto indica que havia alguma preocupação em preparar professores que pudessem lecionar a disciplina.
No Relatório de 1922 (SIE.3 037/038, 1922, p.335), temos a afirmação desta preocupação. Neste ano, foi
expedida a seguinte decisão: “Foi declarado ao director da Escola Complementar que o facto de não estar ainda
installado naquelle estabelecimento o pavilhão de gymnastica não determina a suspensão dos exercicios e do
ensino daquella disciplina. A professora respectiva deverá ministral-os nas proprias salas de aula ou nos
corredores, pois torna-se imprescindivel que os alumnos formados pela Escola tenham os conhecimentos
sufficientes de gymnastica que os habilitem a transmittil-os, com vantagem, aos futuros discipulos. Quanto ás
professoras do curso elementar, continuarão a proporcionar aos alumnos, na sala de aula ou noutras
dependencias do edificio que para tal se prestem, os indispensaveis exercícios de gymnastica que visam
principalmente o desenvolvimento physico das creanças” (Ofício n. 1071, de 9 de maio de 1922).
367
SOBIERAJSKI, 1999, p.46.
368
O escotismo foi desenvolvido pelo inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powell (1857-1941), a partir da
adaptação de suas experiências militares na África e na Índia. Informações sobre o surgimento do escotismo
podem ser encontradas na página eletrônica da União dos Escoteiros do Brasil (Disponível em:
<http://www.escoteiros.org>).
369
João Pio de Almeida (1896-1966) nasceu em Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Foi jornalista, biógrafo,
advogado, promotor público em Santa Maria/RS, diretor da Editora Globo e Secretário da Fazenda do Estado. As
informações sobre João Pio de Almeida foram encontradas na página eletrônica do Projeto SIDIE Sistema de
Disponibilização de Informações para o Ensino (Disponível em: <http://www.alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill
/consulta/autor>).
370
SIE.3 042 (Introdução, 1926, p.III). O escotismo não aparece, como é possível observar nos quadros
apresentados, em nenhum dos Regulamentos e Regimentos do ensino primário no período entre 1893 e 1928.
138
Rosa Fátima de Souza, em seu artigo A militarização da infância: Expressões do
nacionalismo na cultura brasileira
371
, analisa as práticas de militarização da infância [práticas
de natureza patriótica, cívico-militares] através do estudo dos objetivos e da implementação
da disciplina “Ginástica e exercícios militares” nos programas do ensino primário paulista no
início do século XX. A autora analisa também o escotismo escolar, entendido por esta como
“mais uma expressão do militarismo e do nacionalismo na educação brasileira”.
372
Apesar de
ter como recorte espacial o estado de São Paulo, acreditamos que o estudo de Souza possa
trazer contribuições importantes para a compreensão da realidade gaúcha no que se refere à
prática de exercícios militares e, mais especificamente, do escotismo, nas escolas públicas
primárias.
Segundo Souza, os exercícios militares entraram em franca decadência nas escolas
primárias paulistas depois da Primeira Guerra Mundial, mas o escotismo escolar foi um
movimento efervescente em São Paulo nas décadas de 1910 e 1920. Esta mesma autora
afirma que “os exercícios militares e os batalhões infantis estavam fadados ao esquecimento,
mas não o espírito militar inspirador da educação física, moral e cívica que viria se firmar
durante muitas décadas na escola paulista mediante a prática do escotismo”.
373
A autora
explica o entusiasmo pelo escotismo e a implantação em massa deste na instrução pública
paulista pela associação que passou a ser feita entre educação cívica e nacionalismo,
elementos enfatizados após a Segunda Guerra Mundial, período em que “[...] o Brasil viveu
uma onda de nacionalismo efervescente”.
374
Iniciativa implementada em 1917, o escotismo
tornou-se obrigatório nas escolas públicas paulistas no início da década de 1920. Uma
reforma realizada em 1925 omitiu a referência ao escotismo, mas a prática persistiu nas
escolas públicas de São Paulo até meados do século passado.
371
SOUZA, Rosa Fátima de. A militarização da infância: Expressões do nacionalismo na cultura brasileira.
Cadernos CEDES, Campinas, vol.20, n.52, 2000. Não paginado. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso
em: 12 dez. 2006.
372
Ibidem, [s.p.].
373
Ibidem, [s.p.]. Diferentemente do que indica o estudo de Rosa Fátima de Souza para o estado de São Paulo, os
exercícios militares foram praticados nas escolas públicas primárias gaúchas até praticamente o final do período
analisado no presente estudo, desaparecendo do Regimento em 1927.
374
Ibidem, [s.p.].
139
O escotismo escolar, defendido inclusive fora dos círculos educacionais paulistas,
esteve vinculado à Associação Brasileira de Escoteiros
375
. Segundo os estatutos e
regulamentos desta Associação, os objetivos do escotismo eram os seguintes:
Eugenia, na parte referente à educação física, à saúde, ao vigor e à
destreza das gerações novas, homens e mulheres;
376
2º Civismo, não apenas reduzido a ensinamentos cívicos, mas o hábito de
realizar os deveres cívicos, mercê das convicções adquiridas;
3º Inteligência, isto é, o desenvolvimento de algumas das mais notáveis
qualidades intelectuais, a urgência, a logicidade, a divisão pronta;
375
A Associação Brasileira de Escoteiros foi fundada em São Paulo em 1914. Para informações sobre o
desenvolvimento do escotismo no Brasil, acessar a página eletrônica da União dos Escoteiros do Brasil
(Disponível em: <http://www.escoteiros.org>).
376
Segundo Lilia Moritz Schwarcz, “o termo ‘eugenia’ eu: boa; genus: geração foi criado em 1883 pelo
cientista britânico Francis Galton” (SCHWARCZ, 1993, p.60). Ainda segundo a autora, esta “espécie de prática
avançada de darwinismo social” foi “transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos
anos de 1880” e cumpria metas diversas. “Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da
hereditariedade humana, cuja aplicação visava a produção de ‘nascimentos desejáveis e controlados’; enquanto
movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e talvez o mais
importante desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade” (SCHWARCZ, 1993, p.60). Segundo
Beatriz Teixeira Weber, “na década de 1920, no Brasil, proliferaram ligas, associações e entidades civis voltadas
para a divulgação dos princípios da eugenia. Um dos pioneiros foi o médico paulista Renato Kehl, que fundou,
na capital de São Paulo, em 1917, a primeira Liga Eugênica da América do Sul” (WEBER, 1999, p.69). A autora
afirma que a eugenia passou a fazer parte dos discursos do governo estadual gaúcho na década de 1920. Como
pontos importantes da perspectiva eugênica no discurso dos governantes gaúchos, Weber destaca os cuidados
com a higiene infantil e a educação sanitária do povo. Estabelecendo uma relação entre eugenia e escolas, a
historiadora aponta que “um dos pontos destacados nos estudos eugenistas era a importância das escolas como
centros irradiadores de práticas higiênicas moralizadoras e disciplinares. As escolas seriam locais de
adestramento, por meio de um projeto médico-pedagógico de higienização social, inclusive atingindo a educação
sexual” (WEBER, 1999, p.67). Éder Silveira, abordando a discussão travada no Rio Grande do Sul entre higiene
e eugenia e que tinha como vetor as publicações que circulavam na Faculdade de Medicina de Porto Alegre,
afirma que “a higiene e a eugenia eram vistas como saberes que deveriam ser naturalizados pela população. As
noções de higiene, como o asseio pessoal, o cuidado com a proliferação de insetos, o tratamento dado aos
dejetos, assim como o cuidado com os ‘fatores disgênicos’, prejudiciais à hereditariedade, tais quais o
alcoolismo, a promiscuidade, o onanismo, deveriam ser incorporados aos hábitos mais elementares dos
indivíduos. Para tanto, a articulação de dois fatores era fundamental: o cuidado com a infância, mediante a
puericultura, e as campanhas de ‘esclarecimento da população’, fazendo com que a consciência da preservação
da hereditariedade fosse desperta” (SILVEIRA, 2005, p.145). Mais uma vez, vemos os cuidados com a infância
e o desenvolvimento da educação sanitária sendo destacados como elementos presentes nas discussões sobre
saúde no RS das primeiras décadas do século XX. Silveira analisa ainda a relação entre higienismo e eugenia a
partir das reflexões de Foucault e afirma que “o higienismo-eugenismo é a expressão mais bem acabada daquilo
que Michel Foucault chamava ‘bio-poder’, na medida em que se manifesta claramente mediante a ‘administração
dos corpos e pela gestão calculista da vida’. Articulam-se os dois pólos do biopoder, ou seja, as disciplinas do
corpo: o ‘corpo-máquina’, sobre o qual deveriam incidir as tecnologias disciplinares visando adestrá-lo,
ampliando, assim, suas aptidões; o ‘corpo-espécie’, o corpo pesando em seus processos biológicos, poder que
incide no controle sobre a população, sobre os níveis de saúde e sobre as taxas de natalidade. Portanto, o corpo
do indivíduo é uma parte da engrenagem da nação” (SILVEIRA, 2005, p.153). Segundo Foucault, a biopolítica é
“[...] a maneira pela qual se tentou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas propostos à prática
governamental, pelos fenômenos próprios a um conjunto de seres vivos constituídos em população: saúde,
higiene, natalidade, raças [...] Sabe-se o lugar crescente que esses problemas ocuparam, desde o século XIX, e as
questões políticas e econômicas em que eles se constituíram até os dias de hoje” (FOUCAULT, 1997, p.89).
140
4º Caráter, considerado como o hábito adquirido pela prática sistemática da
bondade, em casos concretos, dia a dia, como o horror à mentira e correlato
amor à verdade, à pontualidade.
377
Como destacamos na transcrição acima, a eugenia era um dos objetivos do escotismo,
segundo a Associação Brasileira de Escoteiros, mas em nenhum momento isto aparece nos
Relatórios da Instrução Pública do Rio Grande do Sul, que apresentam poucas informações
sobre a prática desta atividade nas escolas públicas gaúchas. Encontramos no Almanack
Escolar do Rio Grande do Sul
378
de 1935 período, portanto, posterior ao de nossa
investigação, as seguintes informações sobre o escotismo escolar no estado e seus objetivos:
Sendo incontestavel o valor da instituição do escotismo, a qual estimula o
civismo da creança, formando bons caracteres de futuros cidadãos
brasileiros, é recommendavel a sua creação com caracter particular, nos
collegios e grupos, regendo-se pelo seguinte codigo:
1º A palavra de um escoteiro é sagrada. Elle colloca a honra acima de tudo,
mesmo de sua propria vida.
2º O escoteiro sabe obedecer. Elle comprehende que a disciplina é uma
necessidade de interesse geral.
3º O escoteiro é um homem de iniciativa.
4º O escoteiro acceita em todas as circumstancias a responsabilidade de seus
actos.
5º O escoteiro é cortez e leal para com todos.
6º O escoteiro considera todos os outros escoteiros como seus irmãos, sem
distincção de classes sociaes.
7º O escoteiro é valente e generoso, sempre prompto a auxiliar os fracos,
mesmo com perigo da propria vida.
8º O escoteiro pratica cada dia uma boa acção, por mais modesta que seja.
9º O escoteiro estima os animaes e oppõe-se a qualquer crueldade contra
elles.
10º O escoteiro é sempre jovial e enthusiasta e procura o bom lado de todas
as cousas.
11º O escoteiro é economico e respeitador do bem alheio.
12º O escoteiro tem a constante preocupação de sua dignidade e do respeito
de si mesmo. (Circular n. 874, de 24/3/932)
379
Como podemos observar, a referência mais completa ao escotismo escolar que
encontramos destaca principalmente os aspectos morais da prática, sem fazer referência direta
e explícita ao desenvolvimento físico da criança através desta atividade. É possível que uma
377
CAMPOS apud SOUZA, 2000, [s.p.]. [grifo nosso]
378
O Almanack Escolar do Rio Grande do Sul era uma publicação da Diretoria Geral da Instrução Pública. RIO
GRANDE DO SUL. Almanack Escolar. Porto Alegre: Selbach, 1935. [Não foi possível localizar outros
exemplares desta publicação]
379
RIO GRANDE DO SUL. Almanack Escolar. Porto Alegre: Selbach, 1935, p.262.
141
análise sobre o período posterior ao deste estudo revele maiores informações sobre esta
temática.
Mas, para além dos cuidados com o desenvolvimento de um corpo saudável, podemos
observar, nos Relatórios da Instrução Pública, preocupações com a preservação do corpo, com
a não agressão ao corpo. Nos três Regulamentos da Instrução Pública do Estado é expressa a
proibição dos castigos físicos nas escolas. No Regulamento de 1897, lemos, em seu Título II
Das escolas e dos professores, Capítulo I Do provimento e regime das escolas, Artigo 48,
que “são vedados nas escolas os castigos corporaes e os que possam prejudicar a saude e
dignidade dos alumnos”.
380
O Regulamento da Instrução Pública de 1906 apresenta a mesma
proibição (Título II Das escolas elementares e dos professores, Capítulo II Do regime,
matrícula e freqüência das escolas elementares e dos adjuntos, Artigo 77)
381
, assim como o
Regulamento de 1927 (Título I Do ensino público em geral, Capítulo VI Dos alunos,
Artigo 78).
382
Destacamos, porém, o estabelecido no Regimento Interno dos Estabelecimentos
de Ensino Público no Estado, de 1927, no que se refere aos castigos físicos. Segundo este
Regimento, em seu Capítulo III Do diretor, por [sic] professores e alumnos, Artigo 32,
O professor applicará com moderação e criterio as correcções disciplinares
estabelecidas neste regimento interno e que forem de sua competencia. De
accôrdo com o Regulamento, serão vedados nas escolas os castigos
corporaes e os que possam prejudicar a saude e dignididade dos alumnos,
sendo responsabilisados os directores que, tendo conhecimento de que os
professores infrigem essa disposição não communiquem o facto,
immediatamente, á Secretaria do Interior.
383
É possível perceber, através da leitura dos Regulamentos e Regimentos da Instrução
Pública decretados entre os anos de 1893 e 1928, que este último Regimento apresenta uma
disposição mais rígida e enfática. Silvia Maria Fávero Arend, ao investigar a família popular
porto-alegrense e as tentativas de imposição da norma familiar da elite para esse grupo social
desde meados do século XIX, afirma que
Através da adoção de uma punição mais severa para determinados crimes
maus tratos infantis, incesto e infanticídio a Justiça também procurou
380
LEG 628 Decreto n. 89, de 2 de fevereiro de 1897.
381
LEG 640 Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de 1906.
382
LEG 685 Decreto n. 3.898, de 4 de outubro de 1927.
383
LEG 685 Decreto n. 3.903, de 14 de outubro de 1927.
142
impor novos padrões de conduta para essa população. Isto ocorria em função
do novo Código Penal da República, que introduziu penas mais severas para
determinados crimes, como também da interpretação que os juízes faziam da
lei.
384
Como vemos, segundo Arend, as punições para maus tratos infantis passaram a ser
mais severas a partir da proclamação da República e do novo Código Penal, e isto talvez
explique, em grande parte, o porquê de uma maior rigidez na proibição dos castigos físicos
nas escolas públicas gaúchas, como destacamos com relação ao Regimento de 1927.
385
Prosseguindo em sua análise, a autora destaca que “[...] a partir da implantação do trabalho
livre no país, o corpo do trabalhador adquiriu maior importância. [...] O uso da violência, na
forma de castigo, pelos populares, quando molestasse o corpo, tinha de ser então
moderado”.
386
O corpo molestado não seria saudável e, não sendo saudável, não seria força de
trabalho.
Outro questionamento importante no que se refere aos castigos físicos são as razões
para sua proibição estar especificada em Regulamentos e Regimentos da Instrução Pública
gaúcha. Achylles Porto Alegre
387
, em crônica sobre um professor chamado André Leão
Puente, afirma o seguinte: “só quem sabe o que é uma escola publica, onde tem entrada toda
especie de gente, póde calcular a bondade de um professor, para não se tornar irrascivel e
fazer da ‘Santa Luzia’ o seu auxiliar de todos os instantes”.
388
Como podemos observar, a
partir das palavras do cronista, somente um professor bondoso conseguiria evitar que a “Santa
Luzia” ou a palmatória fosse sua auxiliar de todos os dias. Podemos deduzir, então, que
não era incomum que os professores aplicassem castigos físicos aos alunos das escolas
públicas gaúchas, “onde tem entrada toda especie de gente”. Numa “leitura em negativo” dos
384
AREND, 2001, p.81.
385
No Capítulo II deste estudo, já destacamos alguns Artigos do Código Penal da República referentes a crimes
contra a infância. Sobre punições mais severas para estes crimes, Mozart Linhares da Silva, ao analisar a
população carcerária do Rio Grande do Sul entre 1850 e 1930, afirma que “os crimes contra a infância também
aparecem com maior destaque nas condenações no final do século XIX e início do XX, pois é o período em que
não só a puericultura está em franco processo de publicização, mas também as políticas públicas prestam maior
atenção a infância, correspondendo à tendência da medicalização da infância no período” (SILVA, 2005, p.44).
386
AREND, 2001, p.81-82.
387
Ver Capítulo I, nota 94. É importante relembrar que Achylles Porto Alegre foi também professor e inspetor
escolar. No Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 1920 (SIE.3 034), encontramos a seguinte
informação sobre a sua jubilação: “O inspetor escolar Achylles José Gomes Porto Alegre foi, em 17 de março
ultimo jubilado por ter sido julgado incapaz pela Junta de Hygiene que, a pedido, o inspeccionou de saúde. O
cargo, assim vago, não foi provido”.
388
PORTO ALEGRE, 1994, p.155.
143
Regulamentos e Relatórios, podemos inferir que se os castigos físicos foram proibidos, e,
inclusive, mais enfaticamente a partir de 1927, estes ocorriam com freqüência nas escolas
públicas. Corroborando esta inferência, Berenice Corsetti informa que, apesar de os castigos
físicos serem vedados, “[...] há indícios de que essa prática continuou a ser exercida, apesar da
proibição estabelecida nos regimentos e regulamentos escolares [...]”.
389
Ainda, segundo
Corsetti, os castigos foram, gradualmente, substituídos por outros mecanismos de controle
disciplinar.
390
As fontes analisadas nos permitem observar que a saúde e o desenvolvimento físico
dos alunos das escolas públicas primárias foram uma preocupação constante dos governantes
gaúchos, visto que sua importância e os meios para sua realização e alcance ginástica,
exercícios militares foram apontados em todos os Regulamentos da Instrução Pública
estadual no período aqui analisado. Além disso, os governantes também se mostraram
preocupados em preservar o corpo dos alunos a partir da proibição, mais enfática a partir de
1927, dos castigos físicos nas escolas públicas do estado.
389
CORSETTI, 1998, p.497.
390
Segundo Berenice Corsetti, “o controle disciplinar era realizado através de dispositivos que possibilitavam ao
professor o exercício pleno de uma autoridade hierárquica muito bem caracterizada, nos moldes da mais típica
pedagogia tradicional. Ao mesmo tempo em que eram vedados nas escolas os castigos corporais, considerados
ultrapassados e próprios da escolarização proporcionada pelos tempos da Monarquia, os quais podiam prejudicar
a saúde e a dignidade dos alunos, era possibilitado ao professor a aplicação de diversas formas de correções
disciplinares, ou seja: a) Advertência particular ou pública; b) Privação do recreio; c) Detenção na escola até
uma hora depois de terminados os trabalhos do dia; d) Quadro negro; e) Boletim de má conduta; f) Queixa à
família; g) Exclusão provisória; h) Exclusão definitiva. Em paralelo a esses mecanismos de punição, colocavam-
se os outros procedimentos que, de forma sutil, sugeriam as atitudes que eram aceitas e estimuladas socialmente,
ou seja, o professor podia recompensar os bons alunos com: a) Elogio particular ou público; b) Boletim de boa
conduta; c) Quadro de honra; d) Prêmios e quaisquer outras recompensas que o bom senso do professor
sugerisse. Poderiam ainda ser instituídos, por autoridades, associações ou particulares, prêmios para serem
conferidos aos alunos que mais se distinguissem” (CORSETTI, 1998, p.319-320).
144
FIGURA 8 Ginástica Bagé (1924)
“Collegio elementar de Bagé Exercicio de gymnastica”
Fonte: SIE.3 040 (1924).
FIGURA 9 Ginástica Montenegro (1924)
“Collegio elementar ‘14 de Julho’, de Montenegro Grupo de alumnas em exercicio de gymnastica”
Fonte: SIE.3 040 (1924).
145
FIGURA 10 Ginástica Santa Maria (1924)
“Collegio elementar em Santa Maria Grupo de alumnas em exercicio de gymnastica”
Fonte: SIE.3 040 (1924).
3.5 A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO ESCOLAR: O PAPEL DOS PROFESSORES
Vivíamos, nas primeiras décadas do século XX, “um tempo de aprendizagem, de
internalização de modelos”
391
, e os educadores estavam entre os principais articuladores e
disseminadores desses novos modelos sociais. Os professores, pessoas presumidamente
idôneas e com bons hábitos, desempenhavam, sobretudo, um papel fundamental na inculcação
de hábitos, devendo ser observados e imitados pelos alunos.
Também Heloísa Helena Pimenta Rocha constatou a importância da conduta exemplar
do professor para a modelação comportamental dos alunos:
Exemplo de virtude, a figura do professor teria sobre a criança,
impressionável e plástica, um enorme poder de sugestão [...]. Considerando-
se os perigos da imitação era imprescindível estar atento à elaboração de
cada detalhe dessa figura modelar que as crianças deveriam imitar, de modo
a evitar que, presa dos pecados capitais da falta de asseio, decência ou
391
HERSCHMANN, PEREIRA, 1994, p.27.
146
temperança, o mau exemplo do professor viesse a macular a alma infantil
desses graves vícios, fazendo desmoronar o castelo da educação moral.
392
Os governantes gaúchos não deixaram de também atribuir aos professores importante
papel na disseminação de preceitos higiênicos, o que pode ser constatado no Relatório do ano
de 1898, no qual o Dr. João Abbott, Secretário do Interior e Exterior, afirmava que
Si cada individuo observasse comsigo e em sua casa os vulgares preceitos de
hygiene, de proche en proche conseguiríamos sensivel melhora no estado
sanitario de um centro populoso qualquer.
Mas quão longe estamos d´essa aspiração! Os professores nas aulas
publicas e nos collegios, os medicos nas suas visitas a domicilio, a imprensa
etc., todos devem se encarregar de, por meio do ensino, da propaganda por
varios modos, incutir no espirito publico essa primordial necessidade da
existencia.
393
Como podemos observar, as palavras do Secretário João Abbott revelam não apenas a
importância atribuída aos professores e à escola na busca por melhorias no estado
sanitário do Rio Grande do Sul, mas também inserem a escola num plano mais amplo de ação
e do qual fazem parte os médicos e a imprensa, por exemplo.
A importância do professor na disseminação de hábitos pode ser abordada sob dois
aspectos: o exemplo de conduta dado pelo próprio professor e o ensino de conteúdos
relacionados à higiene e à saúde por ele ministrados.
No que se refere ao exemplo de conduta dado pelo professor, podemos destacar,
inicialmente, que, já no Regulamento da Instrução Pública Primária de 1897, os candidatos ao
magistério público deveriam ser maiores de 18 anos e exibir, juntamente com o requerimento
para a inscrição no concurso, “attestado medico que prove não ter defeito physico ou
enfermidade que o inhiba de, por qualquer fórma, exercer o magistério”.
394
Além de provar
392
ROCHA, 2003b, p.187.
393
SIE.3 006 (Introdução, 1898, p.9). [grifo nosso]
394
LEG 628 Decreto n. 89, de 2 de fevereiro de 1897. Título II Das escolas e dos professores, Capítulo I
Do provimento e regime das escolas, Artigo 37. Como estamos destacando, possuir enfermidade que inibisse o
exercício do magistério era impedimento aos candidatos a professor. Mas, como já destacamos neste capítulo,
quando, já em exercício, o professor ou algum de seus familiares [não podemos nos esquecer que muitos
professores moravam nos prédios em que funcionavam as aulas públicas] era acometido por alguma
enfermidade, as aulas poderiam ser suspensas pelo tempo necessário. Um exemplo desta situação é fornecido
pelo já citado Inspetor da 1ª região escolar, com sede em Porto Alegre, Arthur Toscano Barbosa. Em seu
147
que não possuía defeito físico ou enfermidade, o candidato deveria provar também que não
era “moralmente doente”, apresentando folha corrida fornecida pelas autoridades policiais do
lugar onde morava. No Regulamento da Instrução Pública de 1906
395
, as exigências da
maioridade e do atestado médico permaneceram e a “saúde moral” foi mais bem definida.
Não poderiam inscrever-se ao magistério público os candidatos que “tiverem sido punidos
com expulsão de estabelecimentos de ensino”, “tiverem sido condemnados à pena de perda de
emprego” e os “que houverem sido condemnados por sentença passada em julgado [sic] em
processo por crime offencivo á moral e ás leis da República”.
396
Ainda neste mesmo
Regulamento, ficava estabelecido que seria demitido o professor que ofendesse os bons
costumes, não tivesse a precisa moralidade e se entregasse aos vícios da embriaguez ou a
qualquer hábito reprovável.
397
A preocupação com o mau exemplo, ação perigosa sobre o
“adulto em formação”, fica aqui bastante evidente. No último Regulamento da Instrução
Pública decretado no período que estamos analisando, permaneceu como impedimento para a
inscrição em concurso o processo por crimes ofensivos à moral e às leis da República e o
vício em álcool, cocaína, morfina ou congêneres.
398
Como podemos observar, através do que
foi estabelecido nos Regulamentos da Instrução Pública de 1897, 1906 e 1927, os professores
públicos deveriam ser exemplos tanto física (saudáveis e sem defeitos), quanto moralmente
(sem vícios, hábitos moralmente reprováveis ou condenações administrativas ou penais).
Além destas exigências feitas aos candidatos ao magistério público, o cumprimento de
outras obrigações era exigido dos professores ao iniciarem sua atuação em sala de aula,
especialmente, em relação à higiene.
399
Nos três Regulamentos da Instrução Pública
decretados entre 1893 e 1928, figuravam entre as obrigações dos professores “funcionar com
a regularidade” estabelecida nos Regulamentos e Regimentos (obediência aos horários
Relatório, anexo ao Relatório da Instrução Pública de 1899, o Inspetor informa que “no começo do mez de
novembro [novembro de 1898], em vista de se achar grassando ali o typho, achando-se mesmo atacado um
sobrinho da professora na residencia d´esta, auctorisei a realisação immediata dos exames na aula de Itapuã
[distrito de Viamão] e seu fechamento” (SIE.3 007 - Instrução Pública, 1899, p.58).
395
LEG 640 Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de 1906.
396
As exigências para os candidatos ao magistério público estabelecidas no Regulamento da Instrução Pública de
1906 estão sob o Título II Das escolas elementares e dos professores, Capítulo I Do provimento das escolas,
Artigos 45 e 46.
397
Título III Das penas e do processo, Capítulo I Das penas, Artigo 145.
398
LEG 685 Decreto n. 3898, de 4 de outubro de 1927, Capítulo VII Do provimento dos lugares de
professores efetivos, Artigo 83.
399
Segundo Berenice Corsetti, “para qualquer eventualidade, os regulamentos estabeleciam as penas e o
processo decorrentes da não execução de qualquer uma das obrigações determinadas, que iam desde a suspensão
do exercício e vencimentos, de vinte a trinta dias, passando pela remoção e chegando até a demissão ‘por
conveniência do serviço’” (CORSETTI, 1998, p.390-391).
148
estabelecidos); manter a ordem e a disciplina; inspirar em seus discípulos o amor ao trabalho e
ao estudo, desenvolvendo-lhes os sentimentos do bem e da virtude e a consciência dos
deveres cívicos; aplicar com moderação e critério as correções disciplinares facultadas pelos
regimentos internos, e, destacamos aqui, deveriam conservar a sala e os móveis em perfeito
estado de asseio.
400
Esta última obrigação só é mantida, no Regulamento de 1927, para os
professores das escolas isoladas
401
, pois outros funcionários passaram a ser designados para
estas tarefas
402
.
É interessante destacar que, assim, como os professores deveriam manter o asseio das
salas e dos móveis, os alunos tinham como obrigação apresentarem-se limpos, obrigação esta
estabelecida pelo Regimento Interno das Escolas Elementares de 1898.
403
Porém, esta
obrigação não está contemplada nos demais Regulamentos e Regimentos da Instrução Pública
gaúcha que consultamos. Recorrendo novamente à proposta de uma “leitura em negativo” dos
Regulamentos e Regimentos, poderíamos, então, supor que a ausência de referência nos
mesmos se devia ao fato de não ser mais necessário estabelecê-la através de decreto? Estariam
os alunos das escolas públicas gaúchas, no período posterior a 1898, apresentando-se
satisfatoriamente limpos nas escolas?
Quanto aos conteúdos ministrados no ensino público primário gaúcho e relacionados
especificamente à saúde e à higiene, recorremos às informações de Berenice Corsetti, em tese
sobre a escola pública gaúcha (1889 1930):
Percebeu-se, assim, que nos conteúdos escolares estava incluída uma
orientação que visava a prevenção da saúde. Se recordarmos que esse
período caracterizou-se por uma política de saúde que era não ter política de
saúde, com a reduzida intervenção do Estado gaúcho nesse campo conforme
400
As obrigações dos professores destacadas acima aparecem com pequenas variações nos textos dos
Regulamentos, mas sempre com o mesmo sentido. [grifo nosso]
401
LEG 685 Decreto n. 3898, de 4 de outubro de 1927. Título I Do ensino público em geral, Capítulo V
Dos diretores e professores, Seção II Dos professores em geral, Artigo 68.
402
No Relatório de 1912 (SIE.3 021), encontramos a referência ao Decreto n. 1756, de 3 de agosto de 1911 e
que criou, nos colégios elementares, o lugar de porteiro conservador. Este funcionário tinha, entre suas funções,
a obrigação de cuidar do asseio do prédio e abastecimento de água, além de realizar a limpeza geral fora das
horas do expediente (Artigo 3º). O Decreto n. 2224, de 29 de novembro de 1916, e que provia sobre o ensino
elementar e complementar do estado também estabeleceu, em seu Artigo 48, que era função do porteiro “dirigir e
fiscalizar o trabalho dos serventes, sendo responsável pelo aceio do edificio, conservação do mobiliario e
utensilios da Escola e fazer o inventario dos mesmos”. A partir destas disposições, podemos perceber que as
escolas passaram a ter pessoal próprio para estas funções.
403
LEG 630 Decreto n. 130, de 22 de janeiro de 1898. Título Único, Capítulo III Dos alunos, Artigo 23.
149
evidenciaram as verbas irrisórias destinadas ao setor, os indicadores
apontados pelos programas do ensino elementar salientaram a estratégia dos
dirigentes que comandavam o Rio Grande. Ou seja, além de ensinar, a escola
pública tinha também a tarefa de prevenir a saúde, relacionando ciência e
higiene, na tentativa de, por esse veículo, conseguir a melhoria da saúde das
crianças e jovens, o que poderia influir no melhoramento da raça.
404
O Regulamento da Instrução Pública de 1897 determinou que o ensino ministrado nos
colégios distritais compreendesse, entre outros conteúdos, elementos de ciências físicas e
história natural aplicáveis às indústrias, à agricultura e à higiene, mas sem maiores
especificações sobre que “elementos” seriam estes.
405
No que se refere ao ensino elementar,
entre os conteúdos ministrados, encontramos “licções de cousas”
406
e noções concretas de
ciência física e história natural, mas também sem maiores especificações.
407
Já o Regimento
Interno das Escolas Elementares estabelecia, em seu Capítulo I Do ensino, expediente,
matrícula, freqüência, exercícios e exames escolares, Artigo 8º, n. 3, que “o ensino scientifico
occupará, na média e segundo as classes, de uma a uma e meia hora por dia, a saber: tres
quartos de hora para arithmetica ou geometria pratica e para os exercicios que com essas
materias se relacionam; o resto do tempo para sciencias physicas e naturaes (com suas
applicações), apresentadas a principio sob a fórma de licções de cousas, e mais tarde
estudadas methodicamente”.
408
Novamente temos estabelecido o estudo das ciências físicas e
naturais sob a forma de licções de cousas, mas sem a definição de conteúdos. Uma melhor
definição de conteúdos será apresentada apenas nos Programas do Ensino Primário Elementar
404
CORSETTI, 1998, p.457.
405
LEG 685 Decreto n. 3.898, de 4 de outubro de 1927. [grifo nosso]
406
Segundo o Glossário disponibilizado na página eletrônica do Grupo de Estudos e Pesquisas História,
Sociedade e Educação no Brasil, grupo da Faculdade de Educação da Unicamp, “as lições de coisas, forma pela
qual o método de ensino intuitivo foi vulgarizado é, na realidade, a primeira forma de intuição a intuição
sensível. O termo foi popularizado pela Mme. Pape-Carpentier e empregado oficialmente durante suas
conferências proferidas aos professores presentes na Exposição Universal de Paris, em 1867 (BUISSON, 1912).
Pestalozzi também é apontado por Buisson (1897, p.11) como referência em lição de coisas, pelo fato deste ter
captado os pontos essenciais da renovação pedagógica que as lições preconizavam ‘[...] as coisas antes das
palavras, a educação pelas coisas e não a educação pelas palavras’. Despertar e aguçar o sentido da observação,
em todas as idades, em todos os graus de ensino, colocar a criança na presença das coisas, fazê-las ver, tocar,
distinguir, medir, comparar, nomear, enfim, conhecê-las, este é o objetivo das lições de coisas no ensino
primário e nos jardins de infância, cuja aplicação pode ser feita através de dois sistemas: como um exercício à
parte ou uma lição distinta, tendo uma hora reservada para aplicação dentro do programa de ensino ou aplicada
em todas as disciplinas escolares, inserida em todo programa de ensino (BUISSON, 1897)”. Para saber mais
sobre as lições de coisas, sua aplicação no Brasil e polêmicas, consultar o endereço eletrônico (Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario>).
407
LEG 628 Decreto n. 89, de 02 de fevereiro de 1897, Título I Do ensino público, sua direção e inspeção,
Capítulo I, Artigos 3º e 5º.
408
LEG 630 Decreto n. 130, de 22 de janeiro de 1898.
150
e Complementar de 1899.
409
Nestes Programas, temos a seguinte distribuição e definição de
conteúdos:
QUADRO 4 - Programas do Ensino Primário Elementar e Complementar (1899)
ESCOLAS
ELEMENTARES
Primeira Classe
Primeira Seção
Licções de Cousas
Os cinco sentidos e
sua cultura,
especialmente da
visão e audição.
Segunda Seção
Licções de Cousas
Conhecimento das
substâncias
alimentícias mais
comuns e sua
procedência: carne,
pão, café, chá, mate,
leite, manteiga,
queijo, açúcar,
legumes, feijão,
batata, arroz, vinho,
aguardente.
Segunda Classe
Primeira Seção
Licções de Cousas:
Noções gerais e
elementares do
corpo humano.
Principais funções
da vida: respiração e
nutrição.
Desenvolvimento de
preceitos higiênicos
relativos à
conservação do
corpo humano e à
regularidade das
funções vitais.
Segunda Seção
Licções de Cousas:
Noções sobre o ar e
a água. Idéia da
importância que eles
têm na higiene;
preceitos práticos.
Terceira Classe
Primeira Seção
Licções de Cousas:
Ampliação do
estudo do corpo
humano.
Segunda Seção
ESCOLAS
COMPLEMENTARES
Primeira Classe
Segunda Classe
Conteúdos de física
e química (química
orgânica, acústica,
ótica...).
Terceira Classe
História Natural:
noções anatômico-
fisiológicas sobre o
homem.
*Os conteúdos dos Programas apresentados acima foram selecionados porque entendidos como relativos à saúde
e à higiene. Fonte: LEG 631 Decreto n. 239, de 5 de junho de 1899.
Como podemos observar, os conteúdos relativos à saúde e à higiene estavam
concentrados no Programa do Ensino Elementar e incluíam o estudo do corpo humano, de
409
LEG 631 Decreto n. 239, de 5 de junho de 1899.
151
funções como a respiração e a nutrição, de elementos como a água e o ar e preceitos de
higiene.
410
O Regulamento da Instrução Pública de 1906 manterá a definição sucinta dos
conteúdos a serem ministrados no ensino elementar e complementar. No que se refere ao
primeiro, encontramos referências a licções de cousas e noções concretas de ciências físicas e
história natural. Dentre os conteúdos que compreendiam o ensino complementar, destacam-se
a pedagogia (história, educação física, intelectual e moral, metodologia, prática de ensino) e o
estudo de elementos de ciências físicas e de história natural aplicáveis à indústria, à
agricultura e à higiene. O Artigo 204 deste Regulamento estabelece que “no ensino de
pedagogia, além das 3 horas dedicadas ás licções na 3ª série, haverá uma licção pratica de
uma hora, feita pelo professor na escola elementar. [...] A cargo do lente de pedagogia
ficara o ensino de hygiene escolar”.
411
Como vemos, o professor de pedagogia do curso
complementar, curso que visava formar candidatos ao magistério público, era o responsável
pelo ensino de higiene escolar. Infelizmente, não conseguimos maiores informações sobre os
conteúdos de higiene escolar nos documentos analisados.
Os conteúdos relativos à higiene e à saúde ministrados no ensino elementar e
complementar permanecem praticamente inalterados em sua definição nos Regulamentos da
Instrução Pública durante o período de nossa análise. Encontramos, porém, no Regulamento
da Instrução Pública de 1927, entre os conteúdos ministrados aos alunos do ensino
complementar, menção à hygiene em suas relações com a escola, o que demonstra,
aparentemente, uma maior clareza e preocupação em ministrar conteúdos que articulassem
higiene e escola aos futuros candidatos ao magistério público.
412
Além dessa alteração no Regulamento, encontramos outra determinação bastante
interessante no Regimento Interno dos Estabelecimentos de Ensino Público no Estado. Em
seu Capítulo I Do ensino, Artigo 8º, o Regimento estabelece que
410
Cabe relembrar os problemas de salubridade dos prédios escolares já apontados neste capítulo e aqueles
relacionados à qualidade da água e ao ar.
411
LEG 640 Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de 1906. [grifo nosso]
412
LEG 685 Decreto n. 3.898, de 4 de outubro de 1927.
152
Haverá semanalmente, de preferencia aos sabbados, ao se encerrarem as
aulas, prelecções em fórma de palestras aos alumnos, as quaes,
approximadamente, durarão quinze minutos, e versarão sobre motivos de
ordem moral a hygienica.
Sempre que possivel, deverão ser reunidos os alumnos em uma sala, caso
esta os não comporte a todos, serão divididos em grupos de classes.
Um professor, escalado por ordem de antiguidade, se encarregará de
desenvolver um thema previamente escolhido. Se o assumpto não fôr
exgottado em um quarto de hora, o professor, com acquiescencia do director,
que entrará tambem no numero dos conferencistas, poderá continual-a no
sabbado seguinte.
As prelecções serão feitas em linguagem simples, facilmente accessivel,
aproveitando factos impressionantes que cheguem ao conhecimento publico,
como suicidio, por jogo, etc., figurando hypoteses na falta de factos citados,
de modo que prendam melhormente a attenção dos ouvintes.
Nas zonas infestadas de verminose os conselhos dados pelos medicos de
hygiene deverão ser analysados, explicados minuciosamente pelos
professores, e sobre elles se insistirá com frequencia, ensinando não só os
meios de cura da infecção como os de prevenil-a. O alcoolismo e outros
vicios serão estudados em seus inicios e consequencias.
Sobre os assuntos que dizem respeito á hygiene, os professores podem pedir
directamente instrucções á respectiva directoria.
413
Esta disposição presente no Regimento de 1927 nos permite fazer uma série de
considerações. Destacamos, inicialmente, que as preleções lições, conferências didáticas
deveriam versar sobre motivos de ordem moral e hygienica. Novamente, encontramos uma
estreita relação estabelecida entre moral e higiene, já destacada anteriormente. Observando as
possibilidades de temáticas a serem desenvolvidas nas preleções, encontramos referência à
verminose, ao suicídio e ao alcoolismo.
As orientações relativas à linguagem que deveria ser adotada simples, facilmente
accessivel também merecem atenção. Os professores deveriam utilizar factos
impressionantes que cheguem ao conhecimento publico, como um caso de suicídio por dívida
de jogo, por exemplo, para prender melhor a atenção dos seus ouvintes, ou seja, dos alunos.
Na falta de casos verídicos, o professor, ou outro conferencista, deveria discorrer sobre um
caso hipotético. Ao abordar a questão da verminose, por exemplo, o professor deveria
empenhar-se em fazer a “tradução” em linguagem simples e acessível dos conselhos
médicos aos alunos, ficando evidente o importante papel social desempenhado pelos
professores públicos no período delimitado para nossa investigação.
413
LEG 685 Decreto n. 3.903, de 14 de outubro de 1927.
153
A partir da orientação de que “sobre os assuntos que dizem respeito à hygiene, os
professores podem pedir directamente instrucções à respectiva directoria”, podemos inferir
que se estabelecia, assim, uma relação mais estreita entre a Instrução Pública e a Diretoria de
Higiene. Outro aspecto que reforça esta inferência sobre uma relação mais estreita entre
Instrução Pública e Higiene é a determinação pelo Regulamento da Instrução Pública, de
1927, da realização de inspeção médico-escolar. Segundo Maria Stephanou, em trabalho já
citado sobre Discursos médicos e a educação sanitária na escola brasileira, houve disputas,
no início do século XX, sobre quem deveria ficar encarregado da medicina escolar: se o
médico ou a autoridade educacional. Apontando o desfecho da polêmica, Stephanou afirma
que “diferentes documentos do período atestam que nessa disputa os médicos asseguraram
seu lugar no exercício da inspeção médico-escolar”.
414
Com relação à documentação que
analisamos, a vitória dos médicos também parece assegurada, visto que o Regulamento da
Instrução Pública estabelece, em seu Título I Do Ensino Público em Geral, Capítulo VIII
Da inspeção médico-escolar, Artigo 84º que “a inspecção medico-escolar será praticada pelas
autoridades sanitarias do Estado, conforme instrucções que receberem do Secretario do
Interior”.
415
Fato que merece ser novamente destacado, apesar de já apontado na Introdução,
refere-se ao Regulamento da Instrução Pública e ao Regimento dos Estabelecimentos de
Ensino Público do Estado, elaborados e decretados em fins de 1927, ainda sob a assinatura do
Dr. Protasio Alves e do Presidente do Estado, Borges de Medeiros, mas comentados no
Relatório de 1928, que viria a ser apresentado ao novo Presidente do Estado do Rio Grande do
Sul, Getúlio Vargas, pelo novo Secretário do Interior e Exterior, Oswaldo Aranha. No
Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior de 1928, o Dr. Fernando
de Freitas e Castro
416
, que ocupava o cargo de Diretor da Higiene, comentou a inclusão da
inspeção médico-sanitária referida no Regulamento de 1927 com as seguintes palavras: “é o
complemento indispensavel da obra de hygiene infantil não carece de justificação, porque o
414
STEPHANOU, 2005, p.159.
415
LEG 685 Decreto n. 3.898, de 4 de outubro de 1927.
416
Fernando Freitas e Castro (1887-1941) nasceu em Porto Alegre. Titulou-se médico pela Faculdade de
Medicina de Porto Alegre em 1910 e foi, a partir de 1913, professor de Higiene e Medicina Legal na mesma
Faculdade. Também foi diretor da Faculdade, vereador do Conselho Municipal de Porto Alegre (1922) e
membro da Sociedade de Medicina de Porto Alegre. Médico da Diretoria de Higiene, foi nomeado em 1929,
durante a administração de Getúlio Vargas, Diretor Geral dos Serviços de Saúde do Estado (STEPHANOU,
Maria. Tratar e educar: discursos médicos nas primeiras décadas do século XX. 450p. Tese (Doutorado em
Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999, p.106).
154
seu valor está perfeitamente demonstrado pelos resultados que deu nos paizes onde já foi
posta em pratica. Compete a esta Directoria, apenas, lamentar que ainda não tivesse sido
possivel pol-a em execução no Rio Grande do Sul”.
417
Como já observado na Introdução, quando justificamos as razões de o nosso estudo se
concentrar no período entre os anos de 1893 e 1928, ressaltamos que a opção por este recorte
temporal não indica, necessariamente, que consideramos o período imediatamente anterior e
posterior como radicalmente diferentes; pelo contrário, acreditamos que possam apresentar
continuidades e semelhanças. Um dos fortes indicativos desta continuidade reside na
permanência de funcionários nos quadros do governo do estado no período posterior a 1928.
O Dr. Fernando de Freitas e Castro é um destes funcionários.
No Relatório de 1924
418
, o Dr. Protasio Alves, Secretário do Interior e Exterior,
informa que o Dr. Fernando de Freitas e Castro, então médico ajudante da Diretoria de
Higiene, havia voltado de um curso de aperfeiçoamento realizado na Universidade Johns
Hopkins, curso este custeado pela Fundação Rockefeller
419
. Regressando do curso de
417
SIE.3 044 (Higiene, 1928, p.111). Além do comentário sobre as inspeções médico-escolares, o Dr.
Fernando de Freitas e Castro aborda a mortalidade e a higiene infantis no estado, mas, por exceder o período
estabelecido para análise, nos limitaremos a comentar rapidamente. O Dr. Fernando de Freitas e Castro indica
novamente os altos índices da mortalidade infantil e afirma que é necessário tomar medidas urgentes, como a
organização de um serviço de proteção à infância que siga os modernos princípios da higiene infantil, com a
criação, por exemplo, de um serviço completo de pediatria no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre; ou a fiscalização do trabalho dos menores.
418
SIE.3 040 (1924).
419
A Fundação Rockefeller foi criada nos Estados Unidos em 1913, e sua atuação no Brasil iniciou-se em 1916.
Segundo informações encontradas no site Biblioteca Virtual Carlos Chagas, o objetivo da Fundação é promover,
nos EUA e em outros países, “o estímulo à saúde pública, ao ensino, à pesquisa biomédica e às ciências naturais.
[...] No campo da educação, a diretriz é incentivar o ensino superior nas áreas de medicina, saúde pública e
ciências biológicas e, no que se refere à ação médico-sanitária, a preocupação central volta-se para o controle de
doenças endêmicas, especialmente a ancilostomose, a malária e a febre amarela.” A atuação da Fundação
Rockefeller no Rio Grande do Sul merece estudos futuros, pois, além de viagem de aperfeiçoamento realizada
aos EUA pelo Dr. Fernando de Freitas e Castro, “aproveitando as vantagens oferecidas pela Fundação
Rockefeller”, os Relatórios da Secretaria do Interior e Exterior apresentam informações sobre um contrato
firmado entre a Fundação e o estado para a profilaxia e assistência rurais e que, acreditamos, ainda não foi
estudado. Recorrendo mais uma vez às informações apresentadas pela Biblioteca Virtual Carlos Chagas,
sabemos que “as ações da Rockefeller são conduzidas em parceria com cientistas e médicos brasileiros que ao
longo da década de 1910 promovem intensa campanha pelo saneamento rural do país e implementada através
de acordos de cooperação com o governo federal e os governos estaduais”. A Fundação retirou-se do país em
1942. Informações sobre a Fundação Rockefeller podem ser encontradas na página eletrônica da Biblioteca
Virtual Carlos Chagas (Disponível em: <http://www4.prossiga.br/chagas/traj/links/textos/rockefeller.html>).
Para mais informações sobre a atuação da Fundação Rockefeller na profilaxia rural, recomendamos o texto de
Luís Rey, Um século de experiência no controle da ancilostomíase, publicado no volume 34, n. 1, da Revista da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e acessível para consulta no endereço eletrônico (Disponível em:
<http://www.scielo.br>). Sobre a concessão de bolsas de estudos por parte da Fundação, e que acreditamos tenha
beneficiado o Dr. Freitas e Castro, Heloísa Helena Pimenta Rocha afirma que “como parte da estratégia de
155
aperfeiçoamento, o Dr. Freitas e Castro apresentou um Relatório de cinco volumes, que viria a
ser comentado pelo Dr. Protasio Alves no Relatório apresentado ao Presidente do Estado.
Dentro dos objetivos desta Dissertação, é interessante que destaquemos que, entre as
disciplinas cursadas pelo Dr. Freitas e Castro na Universidade Johns Hopkins, estava a de
“Educação sanitária das crianças como um fator de saúde Pública”. Em seu longo comentário
sobre o terceiro volume do Relatório dedicado à higiene infantil , o Dr. Protasio Alves
congratula-se com as palavras de Freitas e Castro: “penso que em uma repartição de Hygiene
os dois mais importantes bureaux são o de ‘Hygiene Infantil’ e o de ‘molestias
contagiosas’”.
420
Ainda segundo o Dr. Protásio Alves, o Relatório do Dr. Freitas e Castro
também aborda a questão da inspeção médica nas escolas, desenvolvendo
pormenorizadamente a organização do serviço.
421
Como fica evidenciado pela análise da documentação, o governo republicano gaúcho
atribuiu importante papel aos professores das escolas públicas primárias do estado. Além do
exemplo de saúde física e moral que deveriam ser, eram responsáveis pelo ensino e pela
disseminação de hábitos saudáveis e higiênicos através das disciplinas ministradas e, a partir
de 1927, das preleções semanais que versariam sobre questões relativas à saúde e à moral.
Através do desenvolvimento dos três eixos de análise propostos na Introdução e
retomados no início deste capítulo a (in) salubridade do espaço escolar, os cuidados com o
corpo, e o papel dos professores na disseminação de preceitos de saúde e higiene pudemos
constatar que o governo republicano do Rio Grande do Sul preocupou-se efetivamente com a
saúde das crianças que freqüentavam as escolas públicas do estado e com as condições
higiênicas destas escolas.
formação de profissionais altamente qualificados, a Fundação Rockefeller instituiu também um sistema de
concessão de bolsas de estudo a profissionais criteriosamente selecionados, os quais deveriam desenvolver um
programa de estudos na Universidade de Johns Hopkins e retornar aos seus países, onde deveriam assumir
postos-chave na difusão do modelo de ciência forjado pela instituição” (ROCHA, 2003b, p.61).
420
SIE.3 040 (Introdução, p.LXVI-LXXII 1924).
421
Seria bastante interessante realizar estudo analisando o Relatório apresentado pelo Dr. Fernando de Freitas e
Castro após a viagem de aperfeiçoamento nos Estados Unidos da América e suas observações e propostas
quando à frente da Higiene no estado. Em análise rápida, e a título de exemplo, identificamos algumas
semelhanças entre o papel das nurses norte-americanas (mulheres que acompanhavam as gestantes e crianças
pequenas) comentado por Freitas e Castro em seu relatório, e das enfermeiras visitadoras presentes no programa
de higiene infantil proposto por ele em 1928 (SIE.3 044 1928).
156
Em sintonia com as discussões que ocorriam em nível nacional, os governantes sul-
rio-grandenses buscaram, através de diversas propostas e dispositivos legais, disseminar
hábitos higiênicos e saudáveis. Escolas higiênicas, atividades e exercícios físicos, proibição
de castigos, exemplo do professorado, disciplinas relacionadas à saúde e à higiene, inspeções
extraordinárias e médico-sanitárias e preleções semanais foram os meios utilizados para
melhorar não apenas a saúde e os hábitos da população escolar gaúcha entre os anos de 1893 e
1928, mas também para melhorar a saúde e os hábitos da população em geral. As palavras do
Dr. Protasio Alves e que abriram este terceiro capítulo ilustram bem este empenho: “em
casas apropriadas, bem localisadas, dotadas de bom material, muito aproveitarão a saude das
crianças e a sociedade em geral, porque facil será ao professor ministrar as noções praticas de
hygiene, que irão repercutir no meio externo”.
FIGURA 11 Curso Elementar Escola Complementar (Porto Alegre 1924)
“Escola Complementar Capital Curso elementar”
Fonte: SIE.3 040 (1924).
157
FIGURA 12 – Escola Complementar Aula Prática (Porto Alegre 1924)
“Escola Complementar Capital Aula de Pratica”
Fonte: SIE.3 040 (1924).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No dia 07 de fevereiro deste ano, 2007, o assassinato do menino João Hélio Fernandes
Vieites, de 6 anos, foi noticiado no Brasil e em várias partes do mundo. A morte do menino,
arrastado por ruas da cidade do Rio de Janeiro durante um assalto, suscitou uma nova série de
debates sobre a infância brasileira, com a discussão de temas como a violência cometida
contra crianças e a violência cometida por crianças, tendo em vista que um dos acusados de
participar do assalto e matar João Hélio tem 16 anos de idade. Em clima de comoção e
revolta, discutiram-se, por exemplo, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de
idade e o aumento da pena para adultos que envolvam crianças ou adolescentes em crimes
praticados por quadrilhas.
422
Mas, apesar dos protestos e da revolta desencadeados por acontecimentos como o do
Rio de Janeiro, a violência contra crianças ainda é um problema grave e de difícil solução. Em
relatório sobre a situação da infância brasileira de 0 a 6 anos de idade, realizado e
disponibilizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF em 2006
423
, um
índice preocupante foi divulgado: acidentes e agressões são a principal causa de morte de
crianças de 1 a 6 anos no Brasil, figurando com 21,11%, ou seja, quase um quarto dos óbitos.
422
Notícias publicadas sobre a morte do menino João Hélio Fernandes Vieites e sobre as discussões e debates
suscitados pelo caso podem ser parcialmente recuperadas pela imprensa eletrônica. Nossa pesquisa foi realizada
na página eletrônica do Jornal Folha de São Paulo (Disponível em: <http://www.folha.com.br>).
423
Relatório sobre a Situação da Infância Brasileira em 2006 Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNICEF (Disponível em: <http://www.unicef.org.br>).
159
Porém, a violência não é o único problema a atingir crianças e adolescentes
brasileiros. O mesmo relatório divulgou índices referentes à mortalidade infantil no país.
Mesmo apresentando números em queda nos últimos anos, a morte de crianças com menos de
um ano de idade ainda é um problema grave no país, que apresenta a terceira maior taxa da
América Latina, perdendo apenas para a Bolívia e a Guiana: 26,6 por mil. Apresentando a
taxa de mortalidade infantil por regiões e unidades da federação, o relatório divulga que o Rio
Grande do Sul possuía, em 2002, um índice de 15,4, São Paulo, 17,4, e o Rio de Janeiro, 19,5.
Estados como Alagoas, por exemplo, apresentavam índices bastante elevados: 57,7.
No que se refere à educação no país, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
424
IBGE apresenta dados que indicam que o Brasil chegou ao final do século XX com 96,9%
das crianças de 7 a 14 anos na escola. Porém, em 2002, apenas 36,5% das crianças de 0 a 6
anos de idade estavam matriculadas em creches ou escolas, apesar da creche e da pré-escola
serem reconhecidas como direito da criança e parte da educação básica desde a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN em 1996. A taxa de analfabetismo no
país entre pessoas de 15 anos ou mais era de 13,6% em 2000.
Buscando informações sobre o trabalho infantil no Brasil, encontramos, na página
eletrônica brasileira da Organização Internacional do Trabalho OIT , que, em 2001, 8,5%
das crianças e jovens entre 5 e 15 anos de idade trabalhavam no país, ou seja, mais ou menos
3 milhões de pessoas.
425
Como podemos perceber, violência contra crianças e cometida por crianças, saúde e
mortalidade infantil, educação e trabalho infantil ainda são problemas graves no Brasil e
mobilizam diversos setores da sociedade, inclusive o governo estadual do Rio Grande do Sul,
como indica, por exemplo, a implantação do Programa Primeira Infância Melhor.
O Programa Primeira Infância Melhor, política pública estadual permanente
implantada em 7 de abril de 2003, cuja lei número 12.544 foi sancionada em 3 de julho de
424
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br>.
425
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil FNPETI Perfil do trabalho infantil no
Brasil. Estudo encontrado na página eletrônica brasileira da Organização Internacional do Trabalho OIT.
Disponível em:<http://www.oit.org.br>.
160
2006, tem como objetivo “orientar as famílias, a partir de sua cultura e experiências, para que
promovam o desenvolvimento integral de suas crianças desde a gestação até os 6 anos de
idade”. De caráter intersetorial, o Programa envolve as Secretarias Estaduais da Educação,
Cultura, Trabalho, Cidadania, Assistência Social e Saúde, esta última responsável pela
coordenação do Programa. Entre as atividades organizadas e realizadas pelo Programa,
destacamos o trabalho de visitadores junto a crianças-alvo e suas famílias, a realização do I
Simpósio Internacional A Primeira Infância no Desenvolvimento Econômico Sustentável
(março de 2006) e da IV Semana Estadual do Bebê (novembro de 2006).
426
Nossa proposta nesta investigação foi, conforme afirmamos na Introdução, analisar
como as questões relacionadas à infância e à saúde infantil foram apresentadas e tratadas
pelos governantes gaúchos, destacando sua aplicação nas escolas públicas do Rio Grande do
Sul entre os anos de 1893 e 1928. À guisa de conclusão, retomaremos alguns pontos
desenvolvidos nos capítulos aqui apresentados e que consideramos importantes.
No primeiro capítulo, enfocamos aspectos que consideramos importantes para a
compreensão da temática central desta Dissertação, ou seja, a disseminação de hábitos
saudáveis e higiênicos nas e através das escolas públicas primárias do RS entre os anos de
1893 a 1928. Destacamos a importância, para o período em questão, da proclamação da
República e dos projetos para o país em disputa no período, com ênfase para o positivista, de
grande influência no Rio Grande do Sul.
Não foi nosso objetivo, como também afirmamos na Introdução desta Dissertação,
discutir a influência do positivismo no Rio Grande do Sul, reflexão já realizada em diversos e
importantes trabalhos. Mas, tendo em vista a impossibilidade de discutirmos a República
Velha no Rio Grande do Sul sem mencionar a influência da doutrina no estado, destacamos
apenas os aspectos indispensáveis para a compreensão da temática aqui proposta, ou seja, os
aspectos relativos à saúde e à educação.
Um país e um estado, como o Rio Grande do Sul, que se queriam modernos, passaram
a sofrer a crescente influência dos “especialistas” médicos, engenheiros, educadores entre
426
O endereço eletrônico oficial do Programa Primeira Infância Melhor do governo estadual do Rio Grande do
Sul é <http://www.pim.saude.rs.gov.br>.
161
os quais destacamos os médicos. A busca por uma população saudável e higiênica apresentou,
no RS, um aspecto diferenciado do restante do país: o exercício da medicina só foi
regulamentado no estado na década de 1930. Durante o período delimitado para nosso estudo,
os governantes gaúchos instituíram a liberdade profissional e religiosa, o que não impediu,
porém, que médicos formados ocupassem postos importantes na organização administrativa
do estado sul-rio-grandense. Os problemas de saúde e salubridade que preocupavam tanto os
governantes gaúchos quanto a população também foram alvo de nossa atenção.
A organização do sistema educacional nacional e sul-rio-grandense este último livre,
leigo e gratuito também foi abordada neste capítulo. Através, principalmente, das
investigações realizadas por Berenice Corsetti, apontamos as principais características da
educação no Rio Grande do Sul no período proposto, com ênfase para o ensino público
primário estadual. Gostaríamos de destacar aqui dois aspectos referentes ao ensino público
primário estadual já abordados por Corsetti. Em primeiro lugar, a autora demonstrou, através
de análise cuidadosa, que nem todos os recursos destinados pelo governo do estado do Rio
Grande do Sul para o setor educacional foram efetivamente aplicados neste setor. Esta análise
demonstra, mais uma vez, a importância de se revisitar temáticas muitas vezes consagradas
pela historiografia, como a importância atribuída à educação pelos governantes gaúchos tendo
em vista o grande investimento econômico no setor educacional. O segundo aspecto apontado
por Corsetti, e que gostaríamos também de destacar, é a afirmação de que a escola pública
gaúcha foi utilizada como instrumento de política de saúde preventiva. Destacamos este
aspecto porque ele está diretamente relacionado à temática que desenvolvemos nesta
investigação.
O último ponto desenvolvido no primeiro capítulo foi o conceito de infância em vigor
no Brasil e no Rio Grande do Sul na passagem do século XIX para o XX. Entendida como
“matéria facilmente moldável”, “matéria-prima”, “adulto em formação”, a criança
experimentou uma “valorização” no período em questão, sendo alvo de discussões, de debates
e de cuidados especializados por parte de diversos setores da sociedade brasileira e gaúcha:
governantes, médicos, juristas, educadores, entre outros. A transformação do Brasil e do Rio
Grande do Sul em “modernos”, “urbanos” e “civilizados” passava também pelos cuidados
com a infância.
162
No segundo capítulo, nossa proposta foi desenvolver questões relacionadas à infância
e que preocupavam diversos setores da sociedade brasileira e gaúcha. Cotejando a bibliografia
nacional e regional, abordamos os maus tratos contra crianças, o trabalho infantil, a
mortalidade, a infância desamparada e a criminalidade infantil. A análise mais detalhada da
mortalidade infantil no Rio Grande do Sul, a partir das impressões dos médicos Protasio
Antonio Alves e Euclydes de Castro Carvalho, e da criminalidade infantil, através da análise
da internação dos menores gaúchos na Casa de Correção de Porto Alegre, permitiu-nos
perceber que os governantes gaúchos estavam em sintonia com as discussões relativas à
infância que ocorriam em nível nacional.
A análise dos diagnósticos realizados pelo médico gaúcho e político atuante, o Dr.
Protasio Alves, e pelo médico paulista, o Dr. Euclydes de Castro Carvalho, apontam para a
discussão, em nível regional, de questões relativas à mortalidade infantil e que também eram
discutidas em nível nacional: o grave problema representado pelos elevados índices da
mortalidade de crianças (problema inclusive econômico, como destacamos), e a busca por
apontar as principais causas para o problema, entre as quais figuravam a ignorância das mães,
mal preparadas para cuidar de seus filhos.
Outro aspecto que destacamos no segundo capítulo foi a trajetória pessoal e política do
Dr. Protasio Antonio Alves, que ocupou cargos importantes relacionados à infância, como a
Diretoria de Higiene e a Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior. A partir da
leitura dos Relatórios, pudemos constatar que o Dr. Protasio Alves foi quem mais abordou
questões como a mortalidade infantil e a salubridade do espaço escolar. A atuação política e
profissional do Dr. Protasio Alves carece, como já afirmamos em nota, de estudos que se
dediquem a desvendar, sobretudo, a aparente ambigüidade entre o exercício profissional da
medicina e a adesão deste médico aos postulados positivistas, cuja posição em relação à saúde
e à medicina foi destacada ainda no primeiro capítulo.
Ao enfocarmos o destino dado aos menores infratores gaúchos a Casa de Correção
de Porto Alegre , verificamos, mais uma vez, que o governo gaúcho esteve em sintonia com
as discussões e preocupações nacionais relativas à infância e, neste caso específico, à infância
infratora. Ao discutir questões como a convivência entre crianças e adultos nas instituições
penais e a dificuldade de aplicação da legislação específica para a infância em conflito com a
163
lei, o presidente do Conselho Penitenciário instalado em Porto Alegre em 1925, Francisco de
Souza Ribeiro Dantas, apontou para um governo preocupado também com a resolução dos
problemas referentes à infância.
O terceiro e último capítulo foi dedicado à discussão de como questões relacionadas à
saúde e à higiene do e no espaço escolar, temáticas igualmente discutidas em âmbito nacional,
foram abordadas e propostas pelos governantes gaúchos no período de 1893 a 1928. Tendo as
escolas públicas primárias gaúchas como foco central de análise, nossa investigação foi
desenvolvida a partir da análise dos seguintes eixos: a (in)salubridade do espaço escolar, os
cuidados com o corpo e o papel dos professores na disseminação de preceitos de saúde e
higiene. Para facilitarmos a compreensão da temática desenvolvida, destacamos também
aspectos sobre a administração e funcionamento das escolas públicas estaduais.
Analisando as Introduções aos Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do
Interior e Exterior do Rio Grande do Sul, os Relatórios da Diretoria de Higiene, da Instrução
Pública e parte significativa da Legislação referente à saúde e à educação no período,
pudemos constatar que os governantes gaúchos preocuparam-se, durante o período
delimitado, com questões como a salubridade do espaço escolar, o desenvolvimento físico dos
alunos, a preservação da integridade física dos mesmos e a disseminação de preceitos
saudáveis e higiênicos. Ao realizarmos esta análise, consideramos e propusemos também para
o Rio Grande do Sul a relação entre escola, saúde e higiene, apontada nos estudos realizados
por José Gondra, Heloísa Helena Pimenta Rocha, Maria Stephanou e Berenice Corsetti.
Considerando os aspectos relativos à (in)salubridade do espaço escolar, verificamos
que os governantes gaúchos preocuparam-se com as condições higiênicas nas escolas públicas
primárias do estado espaço, iluminação, ar, água, mobiliário e procuraram adequar estas
condições ao recomendado pela higiene e pela pedagogia do período, através de mecanismos
de fiscalização das condições higiênicas das escolas, da construção de prédios próprios e da
fabricação e importação de bancos escolares mais de acordo com o recomendado no período.
A preocupação com o desenvolvimento e preservação do físico dos alunos das escolas
públicas primárias estaduais pode ser identificada nas proposições que constam dos
Regulamentos e Regimentos da Instrução Pública, em especial, no que refere à prática de
164
exercícios e à proibição de castigos físicos. Ao definirem como um dos objetivos da educação
primária pública gaúcha a sua “benéfica ação sobre o corpo”, os governantes sul-rio-
grandenses evidenciavam sua preocupação com a saúde e o desenvolvimento físico dos
alunos.
Os professores das escolas públicas primárias gaúchas também desempenharam
importante papel na educação higiênica e para a saúde da população no período estudado.
Através de exigências como atestado médico e folha corrida, os governantes gaúchos
almejavam, através de uma criteriosa seleção, a contratação de pessoal idôneo e com bons
hábitos, que pudessem servir de exemplo para as crianças. A inclusão de conteúdos relativos à
saúde e à higiene nos programas das escolas primárias do estado também é indicativa da
preocupação em abordar e disseminar questões relativas à saúde e à higiene.
Em linhas gerais, nossa investigação constatou que os governantes gaúchos
preocuparam-se efetivamente com questões referentes à infância, e, ainda, que os mesmos
mantiveram profunda sintonia com as discussões ocorridas em outros contextos nacionais,
pois, apesar do que o progresso já havia trazido, ainda faltava, como afirmava o cronista
Achylles Porto Alegre, tanta coisa, como “a nossa infância descuidada e a nossa mocidade
sonhadora”. Preocupados com os problemas de saúde e higiene da população em geral, e com
a saúde e o elevado índice da mortalidade infantil, especificamente, os governantes do Rio
Grande do Sul buscaram, através dos diversos meios aqui mencionados melhoria das
condições higiênicas das escolas, proposição de atividades e exercícios físicos, proibição dos
castigos, escolha criteriosa do professorado, instituição de disciplinas e preleções relacionadas
à saúde e à higiene e realização de inspeções extraordinárias e médico-sanitárias melhorar
não apenas a saúde e os hábitos higiênicos da população escolar, mas também da população
do Rio Grande do Sul de uma forma geral. Pragmaticamente, significava que, através de uma
adequada educação das crianças, se atingiriam e educariam também os adultos. Esta
constatação reforça a afirmação de Berenice Corsetti de que uma das características da
educação no RS foi a sua utilização como política preventiva de saúde.
Acreditamos que, em trabalhos futuros, seja interessante pensar a possível relação
entre a intensificação das propostas de disseminação de hábitos higiênicos e saudáveis nas
escolas públicas primárias gaúchas, no final da década de 1920, com a instituição das
165
inspeções médico-sanitárias e das preleções sobre ordem moral e higiênica, especialmente a
partir de 1927, bem como sua possível relação com a crescente influência e disseminação das
concepções de eugenia no estado, apontada por diversos autores, como por exemplo, Beatriz
Teixeira Weber.
Outro assunto que carece de estudos, a nosso ver, é a relação entre o governo do Rio
Grande do Sul e a Fundação Rockefeller, não apenas no que se refere à organização do
serviço sanitário estadual sob a direção do Dr. Fernando de Freitas e Castro, mas, também, os
contratos e as parcerias firmadas entre o governo estadual gaúcho e a Fundação para a
profilaxia rural, que foram referidos nos Relatórios do período de nossa investigação e
analisados por nós. Nos Relatórios encontramos, por exemplo, informações sobre as
estratégias de atuação da Fundação na profilaxia e assistência rurais em cidades como Torres,
Montenegro e São Leopoldo.
Retomando o que já afirmamos em nossa Introdução, acreditamos que o maior mérito
desta investigação resida na análise que empreendemos dos Relatórios da Diretoria de
Higiene e da Instrução Pública do Rio Grande do Sul de fins do século XIX e início do XX,
na medida em que a fizemos a partir de uma perspectiva pouco trabalhada, a da saúde e da
higiene infantil, enfocando, especificamente, o tratamento dado pelo governo republicano
gaúcho a estas questões e sua aplicação no âmbito da escola pública primária. Em razão disso,
acreditamos estar contribuindo para estudos não só na área da História da Infância, mas
também para futuros estudos sobre a História da Educação no Rio Grande do Sul.
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Livraria do Globo, 1908.
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Estado dos Negócios do Interior e Exterior em 1º de agosto de 1926. Porto Alegre: Oficinas
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Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, pelo Dr. Protasio Antonio Alves, Secretário de
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178
631 Decreto n. 239, de 5 de junho de 1899 Aprova o programa do ensino elementar e
complementar.
640 – Decreto n. 874, de 28 de fevereiro de 1906 Reorganiza o serviço da instrução pública
do estado.
641 Decreto n. 1240A, de 31 de dezembro de 1907 Expede regulamento da diretoria de
higiene do estado do Rio Grande do Sul.
645 Decreto n. 1479, de 26 de maio de 1909 Modifica o programa do ensino
complementar e cria colégios elementares no estado.
655 Decreto n. 2224, de 29 de novembro de 1916 Provê sobre o ensino elementar e
complementar ministrado pelo estado.
685 Decreto n. 3.898, de 4 de outubro de 1927 Expede novo regulamento da instrução
pública.
685 – Decreto n. 3.903, de 14 de outubro de 1927 Aprova o regimento interno dos
estabelecimentos de ensino público do estado.
179
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184
K84e Korndörfer, Ana Paula
“É melhor previnir do que curar”: a higiene e a saúde nas
escolas públicas gaúchas (1893/1928) / por Ana Paula
Korndörfer. --2007.
178 f. : il. ; 30cm.
Dissertação (mestrado) --Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Programa de Pós-Graduação em História, 2007.
“Orientação: Profª. Drª. Eliane Cristina D. Fleck , Ciências
Humanas”.
1. Escola pública - Rio Grande do Sul - História. 2. Escola
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