entre o modelo jurídico-institucional e o modelo biopolítico do poder, o que teria
justamente ficado de fora das análises de Foucault
54
.
Para tanto, Agamben recorre a uma análise do que define a idéia de soberania e
estado de exceção, com vistas a elucidar as bases de nossa concepção de democracia e
de Estado de direito. E é por esse viés que este autor se dedica a pensar em como ao
longo do tempo vem se concretizando o exercício da biopolítica.
O direito romano previa a possibilidade de declarar via Senado um estado de
emergência diante de situações que oferecessem perigo à integralidade da República.
Decretada tal situação seguia-se a proclamação de um iustitium que implicava em uma
interrupção e suspensão do direito e da ordem jurídica. Este instituto provocava a
produção de um vazio jurídico que instaurava uma zona de anomia. Nenhum cidadão
romano possuía, nesse contexto, poderes ou deveres. Nesse sentido, o estado de exceção
estaria desligado da ordem do direito. Agamben considera esse instituto romano como o
arquétipo do que hoje vigora em termos de paradigma do estado de exceção moderno.
Para empreender essa genealogia e situar as bases modernas do estado de exceção
Agamben recorre à obra de Carl Schmitt
55
, jurista nazista que se dedicou com afinco na
construção de uma teoria do estado de exceção, estabelecendo uma relação de
contigüidade entre este e a concepção de soberania. Segundo Agamben (2004), Schmitt
descreve a partir dessa relação uma “forma de governo” pautada pela lógica da exceção
que não só permanece atual como se tornou o paradigma de governo das democracias
modernas e contemporâneas.
A análise agambeniana nos mostra que Schmitt inscreveu, através de uma
estrutura de suspensão, o estado de exceção em um contexto jurídico, o que era
impensável no direito romano, uma vez que a característica da exceção já demarcava
54
Este é o ponto que mostra exatamente os diferentes caminhos percorridos pelos dois autores em torno
do tema do poder e da soberania, que apontamos na nota anterior. A análise jurídico-política ficou fora
das discussões de Foucault exatamente porque este escolheu um nível diferente de leitura para tratar a
questão, que acabou rendendo ao autor uma concepção singular sobre o poder, marca inconfundível de
seu pensamento. Ele assume expressamente, e por várias vezes faz questão de insistir, que “o nível que eu
gostaria de seguir a transformação [no campo do poder soberano] não é o nível da teoria política, mas,
antes, o nível dos mecanismos, das técnicas, das tecnologias de poder” (FOUCAULT, 1976a/1999,
p.288). Agamben, ao contrário, faz confluir a genealogia do poder de inspiração foucaultiana com a teoria
do direito. Não se trata aqui de discutir amplamente as implicações disso, não obstante consideramos
necessária a observação. Para que possamos alcançar a discussão agambeniana sobre a biopolítica hoje -
tópico que nos interessa sobremaneira - percorreremos brevemente a construção de sua leitura.
55
Agamben centra sua análise em duas principais obras de Schmitt: Die Diktatur (1921) e Politische
Theologie (1922). Para uma compreensão mais aprofundada sobre o assunto remeto o leitor ao livro de
Agamben, G. (2004) Estado de exceção. São Paulo: Boitempo.
171