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de produção já completamente substituídas pelas novas relações capitalistas), é possível
delinear uma contradição externa – entre a nação e o imperialismo – e uma contradição
interna – entre o monopólio da terra e o desenvolvimento das forças produtivas. A primeira
destas contradições manifesta-se no fluxo intermitente do capital estrangeiro e suas
conseqüências (remessa de lucros superior ao investimento, pagamento de royalties, pouco
incremento da exportação, etc.); a segunda, favorecendo ao grupo vinculado à agricultura
latifundiária de exportação em detrimento das demais forças produtivas. Por meio deste viés,
a longa citação reproduzida a seguir fornece uma visão esclarecedora da formação das classes
sociais brasileiras neste momento histórico específico:
A estrutura da sociedade brasileira reflete a etapa que vamos atravessando.
Nela aparecem os latifundiários como a mais velha das classes, que deteve o poder
político por longo tempo e hoje o partilha com a burguesia, vivendo da renda da
terra e encarnando as relações de produção mais atrasadas, que entravam a expansão
das forças produtivas, ligando-se ao imperialismo pelos laços do comércio exterior e
dos empréstimos feitos na maioria em seu benefício. Segue-se a burguesia,
composta pelos industriais, comerciantes, banqueiros e capitalistas agrícolas, classe
recente em nossa história, repartida em alta e média, aquela partilhando já o poder
com os latifundiários, esta sofrendo a tributação desigual, as limitações do crédito e
inúmeras outras dificuldades. Em relação ao imperialismo, a maioria da burguesia
dele sofre e tem seus interesses por ele prejudicados, mas elementos tanto da alta
como da média a ele se associam. O setor mais dinâmico dela é o industrial, que
disputa ao imperialismo o mercado interno e a outros grupos o orçamento cambial.
Sua limitação está na debilidade econômica que apresenta. Pertence a esta classe
ainda a pequena burguesia urbana, composta pelos pequenos empresários,
intelectuais, artesãos e funcionários, empregados e militares profissionais, classe que
começa a surgir ainda na época colonial e que cresce com o desenvolvimento
capitalista de fraca concentração de capitais que é o nosso.
Na estrutura social brasileira, a seguir, aparecem o campesinato, o
semiproletariado e o proletariado. O primeiro representa o maior contingente de
nossa população; surgiu da desintegração do escravismo e se compõem hoje da
massa de parceiros, arrendatários, médios e pequenos proprietários de terras,
posseiros, agregados, vaqueiros etc; sofre a pressão do latifúndio e a progressiva
introdução das relações capitalistas no campo nela recrutando capitalistas, de um
lado, e proletários, de outro, enquanto a maioria permanece sujeita a condições
semifeudais. O semiproletariado se constitui com trabalhadores urbanos e rurais,
situados entre a pequena burguesia e o proletariado: colonos do café, campesinato
que trabalha parcialmente a salário, artesãos arruinados, subempregados etc. E o
proletariado, classe recente na vida brasileira, é representado pelos operários das
indústrias, empregados nos transportes e assalariados agrícolas.
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A acuidade observada permite visualizar as relações sociais contraditórias que no
processo histórico brasileiro, explicam muitos eventos políticos. Há uma ênfase na cisão que
se opera no interior da própria burguesia, revelando uma parte desta que, estando
circunstancialmente dissociada dos interesses imperialistas e voltada para seus próprios
interesses, manifesta-se como burguesia nacional. O Estado age na esfera do grande capital,
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SODRÉ, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil. 13 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. P.
399 e 400.