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CAIO GRACO VALLE COBÉRIO
A RACIONALIZAÇÃO DAS CARÊNCIAS:
ESTADO DESENVOLVIMENTISTA E O ENSINO SECUNDÁRIO DA
REDE ESTADUAL EM SANTA CATARINA (1961-1965)
FLORIANÓPOLIS, SC
2009
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CAIO GRACO VALLE COBÉRIO
A RACIONALIZAÇÃO DAS CARÊNCIAS:
ESTADO DESENVOLVIMENTISTA E O ENSINO SECUNDÁRIO DA
REDE ESTADUAL EM SANTA CATARINA (1961 1965)
Dissertação de Mestrado apresentada como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre na área de concentração da História do
Tempo Presente.
Orientador: Prof. Dr. Norberto Dallabrida
FLORIANÓPOLIS SC
2009
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A todas as pessoas que acreditam na
capacidade transformadora da escola e cobram
cotidianamente do Estado o compromisso de uma
atitude responsável para com o ensino público.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos que de uma forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste
trabalho, demonstrando uma gentil disposição para ajudar. O trabalho de pesquisa, por mais
solitário que pareça ser, é irrealizável sem a colaboração de muitos.
Ao corpo de funcionários anônimos que me atenderam em arquivos, bibliotecas e
outras instituições similares, facilitando o acesso às fontes de pesquisa.
Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em História pelo
aprendizado, convívio salutar e a troca de idéias indispensáveis.
Ao Prof. Maurício pela importante contribuição em Economia Política.
Ao Prof. Carlos Eduardo pelos momentos memoráveis de discussões históricas e
amplas compreensões historiográficas.
A Profa. Ione Ribeiro Valle pelo aceite e participação aumentativa na banca de
qualificação.
Ao Prof. Norberto, em especial, pela orientação respeitosa e pertinente, incansável,
sempre de forma amiga e prestativa, que oportunizou reflexões fundamentais para a realização
deste trabalho e o crescimento intelectual do autor.
“As instituições e os homens de hoje resultam do
passado; neste sentido, a História é uma análise
do presente, colocando em evidência uma nossa
porção inconsciente, uma ferramenta
indispensável para a transformação do estado de
coisas existentes, a única que pode revelar as
forças que, sem serem aparentes, movem as
instituições escolares.”
ÉMILE DURKHEIM
“Uma expansão agressiva estava visivelmente na
mente dos formuladores da política americana
assim que a guerra acabou. Foi a Guerra Fria que
os encorajou a adotar uma visão mais ampla,
convencendo-os de que era politicamente urgente
ajudar seus futuros competidores a crescer o mais
rápido possível.”
ERIC HOBSBAWM
“Urgia, portanto, providenciar uma ampla
reforma no sistema de ensino catarinense, no
sentido de modernizá-lo segundo os princípios
da racionalização (lógica subjacente ao projeto
desenvolvimentista brasileiro) de modo a
romper com o desequilíbrio existente entre este
sistema e o processo de desenvolvimento
econômico.”
GLADYS M. T. AURAS
“A verdadeira independência reside na educação,
na instrução, na riqueza, na economia, na
civilização e cultura; na espiritualidade, no
trabalho de um povo, a quem os governantes
devem propiciar os recursos adequados, pelas
escolas primárias, secundárias, superiores,
profissionais, técnicas, de sorte que a terra
produza, o homem dê rendimentos, o nível de
vida se alteie cada vez mais.”
CELSO RAMOS
RESUMO
Esta dissertação discorre sobre o ensino secundário da rede pública estadual de Santa
Catarina, durante o governo Celso Ramos entre os anos de 1961 e 1965. A partir da
conjuntura vivenciada no pós-guerra, denominada de “período desenvolvimentista”, busca-se
compreender, de forma aprofundada, as relações estabelecidas entre o Estado e a Educação,
indagando daí qual foi o papel atribuído ao ensino secundário, como e por que. Sendo o
planejamento característica essencial dessa época, um foco sobre o PLAMEG I Plano de
Metas do Governo Celso Ramos como forma de intervenção do Estado no campo
educacional. Este trabalho transita por análises econômicas, sociais, políticas e educacionais,
no caminho de uma abordagem interdisciplinar entre a História e as demais Ciências
Humanas. A definição de “ensino secundário” é apreendida da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1961, inserida no grau médio e englobando o ciclo ginasial e o
colegial. No entanto, é o entendimento da composição e das pretensões do Estado
desenvolvimentista catarinense que permitem identificar o elo configurador do ensino
secundário da rede estadual, na sua constituição real dentro do processo histórico.
Palavras-chave: Estado. Desenvolvimento Econômico. Planejamento. Ensino Secundário.
Santa Catarina.
ABSTRACT
This dissertation discourses on the “ensino secundario” of Santa Catarina state and public
schools‟ net during the government of Celso Ramos between the years of 1961 and 1965.
Starting at the conjuncture experienced in the postwar period, called period
desenvolvimentista,” one seeks deep understanding of the relationships established between
the state and its educational program, inquiring from this point on, which was the role
attributed to “ensino secundario” how and why. Considering planning as the main
characteristic of this time, the focus on PLAMEG I Goals Plan of Celso Ramos Government
is a form of state intervention in the educational field. This work transits through many
economical, social, political, and educational analyses in the path of interdisciplinary
communication between History and Human Sciences. The definition of “ensino secundario”
is defined by the National Law, Diretrizes e Bases da Educação Nacional” of 1961,
introduced during grau medio” and emcampussing “ginasial” and the “colegial” student.
However, it is the understanding of the make up and the intentions of the
“desenvolvimentista” Santa Catarina state that allows us to identify the configuration link of
the “ensino secundario” of the state‟s education net, in its real constitution within the
historical process.
Keywords: State. Economical Development. Planning. “Ensino Secundário”. Santa Catarina.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O presidente brasileiro General Eurico Gaspar Dutra com o presidente
norte-americano Harry Truman................................................................................................41
Figura 2 - O presidente brasileiro Juscelino Kubitschek com o presidente
norte-americano Dwight Eisenhower........................................................................................42
Figura 3 e 4 - Lincoln Gordon em visita a Santa Catarina (1965)............................................43
Figura 5 O Banco Estadual de Desenvolvimento (BED) na década de 1960........................79
Figura 6 Esquema gráfico representando a especificação de gastos do PLAMEG ..............95
Figura 7 Homenagem às indústrias pioneiras de Santa Catarina.........................................104
Figura 8 - Encerramento do Curso CEPAL/BNDE/PLAMEG...............................................105
Figura 9 Representação esquemática das diversas fases que alicerçavam o PLAMEG......111
Figura 10 Propaganda do PLAMEG, enfatizando a democratização
no processo do planejamento..................................................................................................115
Figura 11 Propaganda do PLAMEG indicando a política de
ampliação da escolarização primária......................................................................................129
Figura 12 Inauguração do Conjunto Educacional de Laguna, em 1964..............................139
Figura 13 Numa das aulas do Curso de Aperfeiçoamento de
Professores Rurais (CAPRU)..................................................................................................142
Figura 14 Propaganda da escolarização planificada no
Governo Celso Ramos............................................................................................................152
Figuras 15 e 16 Escolas rurais, com uma ou duas salas.......................................................156
Figuras 17 e 18 Grupos Escolares........................................................................................157
Figura 19 Grupo Escolar Celso Ramos, na Prainha, em Florianópolis................................158
Figuras 20 e 21 Ginásios Estaduais (Laguna e Palhoça).....................................................159
Figuras 22 e 23 Colégio Normal de Joinville e Colégio Normal
Pedro II em Blumenau............................................................................................................159
Figura 24 - Escola Normal de Araranguá...............................................................................160
Figuras 25 e 26 Construção do Colégio Estadual de Joinville e
Pavilhão Industrial Celso Ramos, construído junto à
Escola Profissional São José, em Criciúma............................................................................160
Figura 27 Instituto Estadual de Educação e Colégio Estadual Dias Velho.........................163
Figuras 28 e 29 Aspectos da construção do Instituto Estadual de Educação.......................163
Figura 30 Anúncio publicitário da multinacional Shell do ramo de combustíveis..............179
Figura 31 Anúncio publicitário da multinacional International Harvester
do ramo de máquinas agrícolas...............................................................................................180
Figura 32 Anúncio publicitário da multinacional Goodyear do ramo de pneus..................181
Figura 33 Anúncio publicitário da nacional Varig do ramo de transporte aéreo.................182
Figura 34 Anúncio publicitário da multinacional Esso do ramo de combustíveis...............183
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Transição do modelo primário-exportador para o modelo urbano-industrial.........48
Gráficos 2, 3 e 4 - Distribuição da população por setores de atividade
econômica em Santa Catarina...................................................................................................51
Gráfico 5 - Estrutura do Produto Real (preços de 1949 - valor %) em Santa Catarina............51
Gráfico 6 - Produto Interno Bruto, por setor, em Santa Catarina.............................................52
Gráfico 7 Importações do Brasil entre 1948 e 1961..............................................................54
Gráfico 8 Médias móveis qüinqüenais da taxa de crescimento
do Produto Interno Bruto PIB (Brasil 1905/2000)..............................................................56
Gráfico 9 Crescimento do produto real no Brasil, 1947-1964...............................................59
Gráfico 10 Crescimento da despesa real do setor público, 1948-1960..................................60
Gráfico 11 Investimento privado externo direto no Brasil, 1947-1961.................................60
Gráfico 12 Representação do PSD, UDN, PTB, PSP e pequenos
partidos na Câmara Federal.......................................................................................................67
Gráfico 13 - Representantes eleitos na ALESC entre 1947 e 1967..........................................71
Gráfico 14 - Alfabetização da população de cinco anos ou mais em Santa Catarina.............133
Gráfico 15 - Pessoas frequentando o grau médio em Santa Catarina.....................................133
Gráfico 16 - Curso completo ou diploma de estudos segundo
a espécie de curso em Santa Catarina.....................................................................................134
Gráfico 17 - Número de alunos matriculados segundo o ciclo em Santa Catarina.................135
Gráfico 18 - Unidades escolares segundo o ciclo em Santa Catarina.....................................136
Gráfico 19 - Unidades escolares estaduais em Santa Catarina...............................................137
Gráfico 20 - Número de alunos matriculados na rede estadual
em Santa Catarina...................................................................................................................138
Gráfico 21 - Matrícula geral no ensino secundário - 2º ciclo no Brasil..................................138
Gráfico 22 - Matrícula final no ensino médio nos dois ciclos em Santa Catarina..................144
Gráfico 23 Estabelecimentos, segundo os ramos de ensino
nos estados da região Sul........................................................................................................146
LISTA DE ILUSTRAÇÕES, MAPAS, QUADROS SINÓPTICOS E TABELAS
Ilustração 1 Contradições inerentes à estrutura da sociedade brasileira................................58
Ilustração 2 - Organograma do Gabinete de Planejamento do PLAMEG I............................112
Ilustração 3 Diagrama do Sistema Estadual de Ensino do Estado
Desenvolvimentista Catarinense.............................................................................................127
Mapa 1 Cinturão geopolítico planetário em torno da União Soviética
na década de 1950.....................................................................................................................37
Mapa 2 Expansão da rede estadual de ensino......................................................................140
Mapa 3 Unidades escolares de uma ou duas salas de aula
construídas no Oeste de Santa Catarina em 1964...................................................................161
Mapa 4 Ginásios secundários e escolas primárias reconstruídas
ou reformadas no Oeste de Santa Catarina.............................................................................162
Quadro Sinóptico 1 O Pensamento Isebiano........................................................................102
Quadro Sinóptico 2 Objetivos do Curso Secundário (1890-1971)......................................122
Tabela 1 Necessidades escolares brasileiras em torno de 1960.............................................93
Tabela 2 Resumo do Ensino Primário 1961-1965...............................................................164
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................15
CAPÍTULO 1 - O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTISMO CATARINENSE
1.1 O NOVO CICLO DE ACUMULAÇÃO DO CAPITAL.................................................33
1.2 TRANSIÇÃO DO MODELO, SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES E
FLUTUAÇÕES ECONÔMICAS: SOBRE A COMPOSIÇÃO SOCIAL DO
ESTADO DESENVOLVIMENTISTA....................................................................................44
1.3 UM ESPECTRO PARTIDÁRIO E ELEITORAL DA
“REDEMOCRATIZAÇÃO”....................................................................................................65
1.4 ESTADO DESENVOLVIMENTISTA: ENTRE O
SUBDESENVOLVIMENTO E O PLANEJAMENTO ..........................................................75
1.4.1 As Metas Incongruentes: o Pessedismo de JK e Celso Ramos.....................................87
1.4.2 Educação para o Desenvolvimento: o Capital Humano................................................91
1.5 O PROJETO INTELECTUAL DO DESENVOLVIMENTISMO..................................96
CAPÍTULO 2 - A EXPANSÃO PLANEJADA DO ENSINO SECUNDÁRIO DA REDE
ESTADUAL EM SANTA CATARINA PELO PLAMEG I
2.1 MECANISMOS IDEOLÓGICOS E BLOCO TECNOBUROCRÁTICO
DO ESTADO PLAMEGUIANO............................................................................................106
2.2 DEFINIÇÕES DE ENSINO SECUNDÁRIO: INSTITUCIONAL,
POLÍTICA E SOCIAL............................................................................................................118
2.2.1 A Expansão Quantitativa do Ensino Secundário em Santa Catarina..........................131
2.2.2 - Promessas do Ensino Secundário: a Racionalização das Carências............................147
2.2.2.1 A Edificação do Ensino Secundário no Programa Educacional
do PLAMEG I.........................................................................................................................154
2.3 A PRODUÇÃO/REPRODUÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO
DA REDE ESTADUAL.........................................................................................................165
2.3.1 O Ensino Secundário Estadual e o Desenvolvimentismo...........................................167
2.3.2 O Ensino Secundário Estadual e o Estado Plameguiano............................................171
2.3.3 O Ensino Secundário Estadual e as Novas Classes Consumidoras............................176
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................185
FONTES.................................................................................................................................188
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................190
15
INTRODUÇÃO
O motivo de propormos um estudo no campo da História da Educação para esta
dissertação de mestrado é o de a Educação oferecer tantas perspectivas de abordagens, como
uma das Ciências do Homem; sua reconhecida manifestação histórica traz uma grande
importância para a pesquisa das sociedades pretéritas e contemporâneas, aproximando assim
um objeto - de nosso tempo separado por algumas décadas, quase meio culo da
constituição interior do presente vivido.
Entendendo a Educação como parte do processo histórico, temos a possibilidade de
apresentá-la com outras dimensões deste mesmo processo e assim construir uma significação
ampla e relacional dos problemas educacionais. Nessa dissertação, o problema central é o das
relações específicas que ilustram os vínculos existentes entre a esfera institucional do Estado
com a Educação, de uma maneira tal que possamos encontrar o geral no específico.
Entendemos a Educação como resultante de diversos fatores políticos, sociais, econômicos e
culturais que surgem no transcurso do tempo e dão formas concretas e particulares a
sistemas, práticas, valores, reformas, legislações, redes, escolas e até às pessoas que
incorporam uma condição real de sujeitos históricos. As relações que exprimem o vínculo do
Estado com a Educação não são unilaterais, nem mecânicas, nem exclusivamente dadas pelas
legislações respectivas, mas são, antes disso, relações recíprocas, cíclicas e orgânicas que
exprimem conteúdos político-econômicos, ideológicos e culturais, por trás dos procedimentos
gestados nos gabinetes governamentais que sempre se apresentam em público com sua
aparência de assunto oficial, razão de Estado ou projeto de Governo.
Portanto, para ilustrar esta relação, essa dissertação objetiva pesquisar quais foram e
como se deram as relações que permitem perceber uma forma particular de ação do Estado em
circunstâncias históricas determinadas, sobre um setor específico do ensino. Embora façamos
análises de conjunturas de duas décadas entre 1945 e 1965 e de outras estruturas deste
momento, o objeto de pesquisa limitou-se ao período que vai do ano de 1961 ao de 1965,
durante a vigência do PLAMEG I o Plano de Metas do Governo quando da magistratura
de Governador do estado de Santa Catarina, exercida por Celso Ramos e do ensino secundário
na rede estadual.
Para conhecermos a fundo o que tratou o PLAMEG I, foi preciso visualizar, com
profundidade, o contexto daquelas décadas iniciais do pós-guerra. Um dos aspectos mais
16
peculiares da pesquisa é o da interseção contundente do contexto catarinense com o contexto
nacional e o internacional de então, precisando a dimensão histórica do projeto educacional
colocado em prática pelo PLAMEG I. O ponto principal colocado àquela época era o do
desenvolvimento econômico; isso proporcionou uma leitura diferenciada, social, política e
econômica da maneira de atuação do Estado, através de suas sucessivas auto-concepções
governamentais.
O momento era de expansão do sistema capitalista mundial, com o excepcional e
vertiginoso crescimento da economia norte-americana e de suas aliadas economias ocidentais
européias, além do Japão, motivado seja pela ampla possibilidade de investimentos na
reconstrução dos países destruídos na Segunda Guerra, seja pela necessidade de concorrência
e superação de tudo aquilo que vinha sendo conquistado pelos países socialistas do ex-bloco
soviético. Enquanto tais nações formavam as potências centrais, o Brasil, dentre inúmeros
outros países da América Latina, África e Ásia formavam a periferia do sistema. Nestes, é a
época em que se adquire a denominada consciência do subdesenvolvimento, ou seja, a
consciência de que ao ocuparem uma posição periférica no sistema - como fornecedores de
matérias-primas e produtos agrícolas, dependentes das importações de produtos
manufaturados - essas economias jamais conseguiriam usufruir dos padrões alcançados nos
países centrais - situação que ficou conhecida como a “deterioração dos termos de
intercâmbio”.
As economias periféricas, dentre elas a brasileira (uma economia semi-
industrializada), precisavam de um Estado interventor e, principalmente, investidor, para
propulsionar a busca pelo desenvolvimento. No Brasil, foi o que de fato aconteceu:
intercalando momentos de maior ou menor abertura ao capitalismo internacional, surgiu, no
país, o nosso Estado desenvolvimentista, cujo um dos instrumentos fundamentais de controle
foi o planejamento, um meio mais racional para dirigir a economia capitalista. Dirigir no
sentido de promover a transição do antigo modelo primário-exportador para o novo modelo
urbano-industrial. Para isso ocorreram disputas partidárias, criação de mecanismos e órgãos
de desenvolvimento, recorrência à poupança externa e até tentativas de golpes de Estado em
meio ao processo desenvolvimentista, cujo ápice se deu com o Programa de Metas do
presidente Juscelino Kubitschek. E assim, dentro deste conjunto de relações contextuais,
pudemos compreender, na completude, o sentido do PLAMEG de Celso Ramos.
O projeto educacional do Estado desenvolvimentista foi influenciado pela teoria do
capital humano, que mostrava como os graus de instrução dos indivíduos também influíam na
17
produtividade, na medida em que eram mais ou menos qualificados para as atividades
produtivas. Assim, a educação passava principalmente a ser vista como investimento, ou seja,
sua melhoria presente traria um retorno futuro para a sociedade, contemplando o projeto da
“Educação para o desenvolvimento”. As medidas educacionais do PLAMEG I agiam nesse
sentido e percebendo o ensino secundário como um fenômeno a ser compreendido em meio às
demais relações históricas destacando sua relação com o Estado -, é o campo do
desenvolvimento econômico (dentro de suas características contextuais e conceituais) no
Brasil e mais, especificamente, em Santa Catarina, que serve de ponto de partida para a
investigação de todo o sistema educacional e do ensino secundário da rede estadual.
O planejamento portador de uma racionalidade técnico-científica - foi um aspecto
marcante da cultura política da época na esfera da intervenção estatal e serviu também como
plataforma político-partidária. Num período de redemocratização (visto o fim do Estado
Novo), caracterizado por um regime constitucional e eleições livres nos padrões do
liberalismo burguês, deu-se início a uma mais efetiva participação política das massas, até
mesmo pela possibilidade do voto. Isso implicou a manipulação por parte dos partidos
dominantes (PSD, UDN e PTB) do processo político-eleitoral, fundindo a imposição da
intervenção estatal do novo momento histórico do capitalismo (pós-derrocada do liberalismo
ortodoxo) com a criação de projetos político-partidários que aglutinassem os diversos setores
sociais em torno de uma proposta que diretamente vinculada ao aumento da acumulação
capitalista interna, ou melhor, do que era conhecido como o desenvolvimento “para dentro”
prometia uma melhor qualidade de vida para todos os indivíduos. A planificação econômica
(trazida das experiências socialistas de organização econômica e aplicada nas economias
capitalistas ocidentais em crise como meio de direção do Estado sobre a economia de
mercado) do Estado desenvolvimentista perpetuou classes sociais, grupos econômicos e
elementos políticos no poder, pois havia a justificativa de que o Estado modernizava-se
através de uma nova concepção político-administrativa e, ao ser racionalmente concebido,
permitiria a ampliação da democracia.
O acesso à escolarização foi uma forma da chamada democratização quantitativa. Mas
como o planejamento educacional foi implantado, baseando-se na experiência do
planejamento econômico e ambos estiveram voltados para o desenvolvimento, é neste que a
peça central que atravessa as discussões sobre o Estado e o ensino secundário da rede estadual
em Santa Catarina deve ser encontrada. Como reflexo de uma política nacional, conforme
foi dito, vinculada às estruturas de uma época, a busca desenfreada pelo desenvolvimento,
18
através do gerenciamento do Estado, ganha os contornos de uma versão originalmente
brasileira: o desenvolvimentismo. Na ideologia desenvolvimentista, a “democratização” e a
“racionalização” ganham novos significados que são verificados.
Percebemos então, que os fins que almeja o Estado estão implícitos naqueles que
propriamente seriam o do campo educacional, (di) fundindo-se as duas coisas como uma só.
Os objetivos do Estado se sobrepõem aos objetivos educacionais e fazem com que estes
atendam e se submetam a eles. Neste enredo, o ensino ganha conotações contextuais que
refletem os interesses do Estado e, assim sendo, do projeto sobre o qual historicamente se
empenha o Estado para que se efetive sua realização plena. Por sua vez, entendemos que este
projeto exprime uma concepção de sociedade e uma afirmação do poder de uma classe que
corresponde, não à classe dominante econômica e socialmente (proprietários e
consumidores), mas aos seus representantes, que também é a classe dirigente politicamente e,
portanto, a rede estadual de ensino se insere em um projeto dessas classes: trata-se de
perceber qual o papel do ensino secundário neste projeto.
A explicação histórica daquilo que se convencionou chamar de “Estado
desenvolvimentista” abrange algumas outras dimensões, pois não basta conhecê-lo na forma
terminada em que se apresenta, concebida de antemão pelos grupos que, oficialmente,
ocupam o poder. Seria uma simplificação arbitrária aceitar o Estado como desenvolvimentista
pelo fato exclusivo de ele, em determinadas circunstâncias históricas, ter buscado pelo
desenvolvimento e se projetado nesta direção. É preciso então entender quais eram essas
circunstâncias, quais eram os interesses das classes sociais envolvidas, como o
desenvolvimentismo se traduzira em um projeto político, qual era a composição do Estado
quando da aplicação da política desenvolvimentista, revelando o significado desta.
O Modelo de Substituição de Importações”, aplicado às primeiras décadas do pós-
guerra, torna possível perceber as flutuações econômicas dessa conjuntura, as variações do
crescimento, o comportamento dos diversos setores, entre outros aspectos que são analisados.
A investigação do modelo releva a atuação do Estado, partindo dos dados empíricos e séries
econômicas da conjuntura e compreendendo esta, como não somente resultante do
comportamento do mercado interno e do estrangulamento externo, mas como produto dos
interesses de classes, é possível utilizar a investigação do campo econômico para iluminar os
processos políticos e sociais. Essa articulação é de suma importância, pois permite enxergar a
composição do Estado a partir da classe social que se faz representar como depositária dos
interesses públicos. Como contextualmente esses interesses se resumiam à busca do
19
desenvolvimento econômico estimulado pela ação do Estado, o correto entendimento da sua
composição demonstra que o projeto de desenvolvimento na economia subdesenvolvida se
por meio de um projeto de classe como projeto econômico nacional ou regional. Em nome do
desenvolvimento econômico nos padrões do capitalismo dos países centrais, o
“desenvolvimentismo” não resolveu os problemas centrais do subdesenvolvimento, mas,
principalmente, os das classes sociais que endossaram e executaram esse projeto, expandindo
seus interesses de classe através da ação política do Estado.
O ensino secundário da rede estadual de Santa Catarina entre 1961 e 1965, lido por
esta clave sócio-econômica, aprofunda não o conhecimento da dinâmica do sistema
educacional no qual estava inserido, assim como traz as evidências de que é o Estado
enquanto agente principal de um processo econômico e ocupado pelos representantes que
defendem os interesses ligados à continuidade deste processo que promove a orientação
geral do processo educacional.
Em alguns anos recentes de dedicação ao magistério em escolas públicas, pudemos
observar e estarmos sujeito às inúmeras modificações que acometem o sistema de ensino,
sobre as quais não possuímos o mínimo controle ou exercemos a menor influência, pois todas
elas são tomadas em um processo verticalizado, advindo de instâncias superiores; a execução
dos projetos educacionais governamentais assume diversas justificativas, mas jamais passa
pelo poder deliberativo da base da comunidade escolar e dos professores que, na sua grande
maioria, conhecem o conteúdo das medidas através de comunicados oficiais cujo suporte é
uma cadeia de relações hierárquicas e disciplinares. Perguntamo-nos qual o sentido real
dessas práticas de Estado sobre a orientação do processo educacional. Somente por meio de
uma investigação de caráter científico que esteja afastada dos vínculos ideológicos de
comprometimento com o saber difundido pelo Estado ao nível governamental, uma
investigação histórica propriamente dita, é que podemos compreender melhor os projetos para
a educação que se apresentam publicamente a cada época.
Foi dentro desse espírito que advogamos por uma pesquisa que buscasse lançar luzes
sobre as relações, perpassadas de disfarçamentos existentes entre o Estado e a educação.
Lançamos um olhar histórico para o passado de Santa Catarina e, ali, no início da década de
1960, decidimos pela investigação; um olhar sobre um momento em que parecia haver um
novo projeto educacional, clamado como desenvolvimentista, que beneficiaria amplas
camadas populacionais através de um método racional de orientação política do Estado.
Deparamo-nos com o PLAMEG e com uma conjuntura pontilhada de sinuosidades. O ensino
20
secundário, produto histórico daqueles anos e dos precedentes, emergiu com a sua
especificidade própria, com uma função particular dentre os outros tipos de ensino que então
existiam. O grau médio, pela proximidade muito mais conceitual do que temporal, devido a
própria experiência que tivemos em sala de aula, desde logo exerceu uma atração irresistível
que parecia apontar para o centro da problematização. Suspeita que se mostrou correta, pois
na compreensão do que foi e do papel que exercia o ensino secundário no sistema estadual de
ensino durante o primeiro período desenvolvimentista em Santa Catarina, é que pudemos
identificar um aspecto importantíssimo do funcionamento desse sistema: enquanto a máxima
de atuação do Estado parecia ser em função da maioria da população, garantia-se a ascensão
social de uma parcela minoritária da sociedade, tão necessária à manutenção das classes
realmente economicamente dominantes e às classes dirigentes suas representantes, quanto
àquelas classes excluídas muito mais numerosas que, efetivamente, formaram a base do
sistema.
Assim construímos o objeto desta pesquisa, numa abordagem que visa discutir as
características das relações existentes entre o Estado e a educação em um determinado
momento, no mínimo, uma exemplificação sobre uma problemática que continua
extremamente atual. O fato de termos nos debruçado sobre o caso catarinense, pode ainda
contribuir para o entendimento da continuidade ou ruptura de características peculiares que
estão presentes nos dias de hoje neste estado.
Por sua vez, para construirmos o conjunto da argumentação desenvolvida na
dissertação, apoiamo-nos numa série de autores. Assim, ao perseguirmos uma análise
abrangente, dentro do campo da História da Educação, que relacionasse a educação com os
demais processos políticos, culturais, econômicos e sociais, encontramos um grande auxílio e
esclarecimento conceitual na obra de Fernand Braudel.
1
Desta foram extraídos alguns
aspectos, merecendo destaque para a dialética das durações, a perspectiva totalizante, o
relacionamento entre fatos, conjunturas e estruturas, a relação centro-periferia, o sistema
interestatal, os ciclos de acumulação capitalista e a interdisciplinaridade.
Em relação a esta última, como o objeto de estudo, foi percebido interagindo-se com
várias dimensões da realidade, sendo imprescindível o uso de ciências vizinhas da História.
Além da Economia, houve um frutífero diálogo com a Sociologia da Educação e a do
Desenvolvimento, fundamental para delimitar melhor o conceito de desenvolvimento
econômico, cuja definição é bastante complexa. À medida em que se opta por uma visão
1
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
21
estrutural, o desenvolvimento econômico aparece diferentemente nas distintas realidades,
centrais e periféricas. Surge então um problema conceitual, tornando necessária uma
taxonomia do tema, reveladora de distinções profundas sobre diferentes pontos de vista de
uma mesma condição. Assim, é possível distinguir o crescimento econômico do
desenvolvimento, apesar de, em numerosas situações, serem usados como sinônimos. O
problema conceitual na verdade se refere às variadas correntes de pensamento, tornando-se
objeto de estudo da Economia Política. Para que tivéssemos a visão geral do problema,
utilizamos a obra de Mantega,
2
em relação à Economia Política brasileira e a de Michels,
3
para a catarinense; seguimos a classificação deste autor ao consultarmos as obras
neoschumpterianas de Cunha
4
e Bossle,
5
a concepção periférica dos estudos do CEAG
6
e a
visão desenvolvimentista de Mattos
7
. Também se inclui a Sociologia do Desenvolvimento,
demarcando o campo de atuação de escolas inconfundíveis, e o que era considerado como um
processo único, passa a ser percebido como um sistema, onde prevalecem relações de
desigualdade: é construída a importante noção de subdesenvolvimento, o que modifica toda a
percepção da realidade política e sócio-econômica dos países a ele atrelados. A distorção fica
explícita ao passarmos das teorias clássicas de Smith
8
, Rostow
9
, Meier e Baldwin
10
, ou ainda,
Schumpeter
11
, para a de outros teóricos críticos, desde Marx e Lênin
12
, até Prebisch
13
e
Furtado
14
, Baran
15
e Singer
16
. Propriamente da época, fizemos referências recorrentes ao
2
MANTEGA, Guido. A economia politica brasileira. 2. ed. São Paulo: Polis; Petropolis: Vozes, 1984.
3
MICHELS, Ido Luiz. Crítica ao modelo catarinense de desenvolvimento: do planejamento econômico - 1956
aos precatórios - 1997 . Campo Grande, MS: Ed. da UFMS, 1998.
4
CUNHA, Idaulo Jose. O salto da indústria catarinense: um exemplo para o Brasil . Florianópolis: Paralelo
27, 1992.
5
BOSSLE, Ondina Pereira. História da Industrialização Catarinense (das origens à integração no
desenvolvimento brasileiro). Ed. comemor.. Santa Catarina: Confederação Nacional das Indústrias; Federação
das Indústrias do estado de Santa Catarina, 1988.
6
CENTRO DE ASSISTÊNCIA GERENCIAL DE SANTA CATARINA. Evolução histórico-econômica de
Santa Catarina: [estudo das alterações estruturais (século XVII-1960)] . Florianopolis: CEAG/SC, 1980.
7
MATTOS, Fernando Marcondes de. A Industrialização Catarinense. Análise e Tendências. Florianópolis:
UFSC, 1968.
8
SMITH, Adam. Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. 3 ed. São Paulo, Abril
Cultural, 1984. Col. Os Pensadores.
9
ROSTOW, W. W. Etapas do Desenvolvimento Econômico (Um Manifesto Não-Comunista). 4 ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1971. Biblioteca de Ciências Sociais.
10
MEIER, Gerald e BALDWIN, Robert. Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Mestre Jou , 1968
11
SCHUMPETER, Joseph. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. SP, São Paulo, Nova Cultura, 1988.
(Col. Os Economistas).
12
LÊNIN, V. I. Imperialismo. Fase Superior do Capitalismo. São Paulo: Global, 1979. (Col. Bases, n. 23).
13
PREBISCH, Raul. Cinco Etapas de mi Pensamiento sobre el Desarrollo. (cerca de 1940). In: CEPAL. Raul
Prebisch: um Aporte al Estudio de su Pensamiento. [s.l.] [s.d.] e PREBISCH, Raul. Dinâmica do
Desenvolvimento Latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1968.
14
FURTADO, Celso,. Análise do "modelo" brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972;
__________. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965 e
__________. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
22
pensamento de instituições de pesquisa e fomento intelectual, como a CEPAL
17
, o ISEB
18
e,
até mesmo a CNI,
19
permitindo clarear mais a natureza das relações entre o pensamento sobre
o subdesenvolvimento e a condição real a que estão submetidas nações consideradas
subdesenvolvidas, como o Brasil.
De acordo com essas proposições, buscam-se esclarecer, através de um corte vertical
nas camadas da temporalidade, aquelas estruturas pelas quais se pretende ver que a dinâmica
do desenvolvimento econômico surgiu do campo da longa duração, com especial ênfase para
o estabelecimento de um novo momento do capitalismo histórico, correspondente ao quarto
ciclo de acumulação de capital, o ciclo norte-americano. Como parte das repetições típicas do
capitalismo ao longo dos séculos, o ciclo de acumulação de capital forma-se com a ascensão
de um país central dominante nas relações com o resto do globo, relações estas não somente
econômicas, mas também jurídicas, diplomáticas, culturais etc., colocadas, ora por meio de
uma hegemonia consensual, ora por meio da ão imperialista, mas que muito definiram no
padrão de desenvolvimento que se pretendia alcançar. A afirmação norte-americana no pós-
guerra torna-se visível no período da Primeira Guerra Fria, quando se estabelece o sistema
interestatal responsável pela sustentação e manutenção daquele ciclo de acumulação,
envolvendo as economias ocidentais capitalistas. Nele, o Brasil desempenha um papel
secundário, como um país periférico, mas atrelado ao capitalismo dos países centrais. É
fundamental, para a compreensão da realidade interna do país nos mais diversos âmbitos, essa
condição estrutural do Brasil dentro do sistema capitalista, única capaz de esclarecer o
significado do desenvolvimentismo.
Buscando por este significado dentro dessa discussão conceitual e interdisciplinar,
tratamos de identificar, concretamente, no que consistiu o processo desenvolvimentista,
aprofundando-nos na interpretação econômica do período, do papel e da composição social do
Estado. Então, deparamo-nos com a hipótese bastante plausível de que o desenvolvimentismo
brasileiro consistiu, basicamente, de uma dinâmica de substituição de importações promotora
da superação da economia primário-exportadora para uma economia urbano-industrial, na
qual o Estado serviu à aceleração da acumulação de capital, tornando-se representante das
15
BARAN, Paul A. A Economia Política do Desenvolvimento. 3 ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.
16
SINGER, Paul. Desenvolvimento e Crise. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. )Col. Corpo e Alma
do Brasil).
17
CARDOSO, Fernando Henrique; PINTO, Aníbal e SUNKEL, Osvaldo (Org.) El Pensamiento de la Cepal.
Santiago de Chile: Editorial Universitária, 1969.
18
TOLEDO, Caio Navarro. Iseb: Fábrica de Ideologias. 2 ed. São Paulo: Ática, 1978.
19
RODRIGUES, José. O Moderno Príncipe Industrial: o Pensamento Pedagógico na Confederação Nacional
da Indústria. Campinas: Autores Associados, 1998 (Educação Contemporânea).
23
classes capitalistas. Para fundamentar essa visão, valemo-nos dos estudos feitos por Tavares
20
,
que relaciona os fatores externos (estrangulamentos do mercado internacional) aos fatores
internos (formação dos oligopólios) para explicar a dinâmica substitutiva. Associadamente,
propusemos uma interpretação baseada nos interciclos de Labrousse
21
que permitiu visualizar,
cronologicamente, os marcos histórico-temporais representativos de momentos de crise, a
partir dos quais pudéssemos centrar a análise na política econômica do Estado
desenvolvimentista e, em seguida, discutirmos as relações sociais que o sustentaram, apoiados
nas discussões de dois brasilianistas, Leff
22
e Skidmore
23
, e dois historiadores brasileiros
contemporâneos, Carone
24
e Sodré.
25
A idéia geral (mas não generalizante) das relações de reciprocidade entre o Estado e a
sociedade pode ser averiguada nas “Teses sobre a fundamentação do conceito de „Estado
Capitalista‟ e sobre a pesquisa política de orientação materialista”, desenvolvidas por Offe e
Ronge
26
, reconsiderando a análise marxista do Estado, na qual constatam duas perspectivas:
uma parte do princípio de uma relação instrumental entre a classe capitalista e o aparelho
estatal, sendo o Estado um instrumento das classes dominantes (tal como preconizado no
amálgama típico do capitalismo monopolista entre o Estado e os monopólios); a outra visão
pressupõe que o Estado não favorece interesses específicos, mas instituições e relações sociais
necessárias à dominação de classe do capital. O Estado o está a serviço de uma classe,
porém institucionaliza uma sociedade capitalista de classes. Segundo esses autores, a forma
institucional do poder público do Estado capitalista em sua relação com a produção material
caracteriza-se por quatro determinações funcionais: a privatização da produção pela qual o
poder público está impedido de organizar a produção material segundo seus critérios
políticos; a dependência dos impostos, que mantém o poder público preso ao volume de
acumulação privada através de um sistema tributário, de forma que os detentores do poder só
o são se apropriam tributos; a acumulação como ponto de referência para a constituição de
condições políticas de exteriorização do poder que assegurem a acumulação e o
20
TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Ensaios
sobre a Economia Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. (Biblioteca de Ciências Sociais) e _________ .
Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil. 2. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 1986.
21
LABROUSSE, Ernest. Fluctuaciones Economicas e Historia Social. Madrid: Tecnos, 1962. (Coleccion de
Ciencias Sociales).
22
LEFF, N. H. Política Econômica e Desenvolvimento no Brasil 1947-1964. São Paulo: Perspectiva, 1977.
(Col. Estudos, n. 42).
23
SKIDMORE, T. Brasil: de Getulio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.
24
CARONE, Edgard. A República Liberal: (1945-1964). São Paulo: Difel, 1985. (Corpo e Alma do Brasil,
vols.I e II).
25
SODRÉ, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil. 13 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
26
OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
24
funcionamento do próprio Estado; a legitimação democrática que coloca regras para defender
a esfera privada e da liberdade econômica contra intrusões por parte do Estado. O conjunto de
estratégias de produção e reprodução, constante do acordo e da compatibilidade entre estas
quatro determinações, é que define a “política” do Estado capitalista. Portanto, para esses
autores, apesar de considerarem que o aparelho do Estado não é capitalista como tal, o Estado
é capitalista e não, simplesmente, um Estado qualquer dentro de uma sociedade capitalista;
essa idéia é fundamental, porque permite viabilizar a variada leitura estrutural que tem o
Estado em suas relações diversas com o capitalismo.
Apesar de uma aceitação primordial, as teses de Offe e Ronge devem se submeter a
algumas considerações se aplicadas ao caso específico de estudo do Estado
desenvolvimentista no Brasil: primeiro, se aceitamos que o Estado possui relações com o
capitalismo, concordando com os autores citados, cabe ressaltar que segundo eles próprios,
suas teses foram formuladas a partir de observações empíricas sobre políticas de reforma na
Alemanha Ocidental e, nesse sentido, exprimem uma realidade do capitalismo desenvolvido
de um país central; segundo, numa economia capitalista semi-industrializada, mas ainda
periférica e subdesenvolvida como era a do Brasil, geram-se algumas distorções que
confrontam com o Estado Capitalista” em questão, por exemplo, o poder público não esteve
impedido de organizar a produção material - devido à escassez da iniciativa privada
valendo-se inclusive do planejamento governamental; terceiro, o Estado desenvolvimentista
não contou com um sistema tributário que lhe sustentasse, mas recorreu ao capital financeiro
principalmente estrangeiro; tampouco criou um Estado-Providência sustentado por impostos
sobre a acumulação privada, mas, pelo contrário, foi agente desta acumulação quando se
voltou para o projeto de desenvolvimento industrial em detrimento do social, principalmente
através da facilitação de concessão de créditos, como um Estado-Investidor e o estímulo à
educação ocorreu como fator do desenvolvimento econômico; quarto, as elites dominantes
fizeram-se presente e atuantes no Estado, junto às secretarias, comissões, chefias etc.
reforçando mais a associação do que a separação entre os interesses políticos e econômicos.
Sugerindo assim que diferenças estruturais entre o Estado desenvolvimentista no
Brasil e o Estado capitalista de bem-estar na Alemanha Ocidental, não se descredenciam as
contribuições do modelo teórico trazido por Offe e Ronge, que reforça a posição de que o
Estado é uma peça-chave no funcionamento do sistema econômico. Se um estoque de
capital em propriedade do Estado, isto não contradiz o conceito de Estado capitalista em si, se
esse capital visa facilitar o processo de acumulação privada, o que é mais do que perceptível
25
no desenvolvimentismo. Também para eles, a regulação democrático-representativa é apenas
uma das formas de determinação do poder na sua forma, enquanto o conteúdo é determinado
pelo processo de acumulação. Enfim, como o Estado desenvolvimentista é um Estado
capitalista, podem se considerar as teses centrais dos autores mencionados vastamente
aplicáveis ao período histórico apontado, seja no Brasil ou em Santa Catarina. As teses vão
incidir, principalmente, na maneira de se perceber como é plenamente possível ter uma
institucionalização da sociedade capitalista pelo Estado desenvolvimentista e na sua estratégia
geral, cujo teor reafirma a idéia de que a ação do Estado consiste em criar as condições,
segundo as quais cada cidadão é incluído nas relações de troca”
27
com a sua propriedade, seja
do capital seja da força de trabalho. Ou, entender a “forma-mercadoria” as relações de troca
-, como ponto de equilíbrio do Estado capitalista e, especificamente, desenvolvimentista.
Concebidas a forma e o conteúdo do Estado desenvolvimentista, empreendemos a
análise do campo educacional propriamente dito, reconstruindo as diversas relações deste com
aquele, observando-se a permanente dependência que essa relação mantinha com a realidade
contextual, ou seja, o desenvolvimento econômico. Para entender melhor o tipo de projeto
educacional defendido pelo Estado, naqueles anos da “Educação para o desenvolvimento”, no
qual despontava o “fator humano” na lógica desenvolvimentista, recorremos às teorias então
predominantes, fosse a do capital humano de Schultz
28
, ou as propostas do novo campo da
Economia da Educação, elaboradas em autores como Blaug
29
e Sheehan.
30
Na medida em que se identifica o desenvolvimentismo como um fenômeno próprio da
economia capitalista, utilizamos daquelas abordagens que enfocam as relações entre o
capitalismo e a educação, desenvolvida em diversos autores, dentre os quais podemos citar
Frigotto,
31
Xavier
32
e Rossi.
33
Também foram utilizadas as contribuições de Freitag
34
e
Rodrigues
35
, dentre outros, para o esclarecimento das relações entre Estado, desenvolvimento
e educação e, neste aspecto, sobre a influência da tecnocracia e da burocracia, selecionamos
27
Ibid. P. 125.
28
SCHULTZ, Theodore W. O Valor Econômico da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
29
BLAUG, Mark. Introdução à Economia da Educação. Porto Alegre: Globo, 1975.
30
SHEEHAN, John. A Economia da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1975 (Biblioteca de Ciências Sociais).
31
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2003 e
_________. A Produtividade da Escola Improdutiva. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1993.
32
XAVIER, Maria Elizabete S. P. Capitalismo e Escola no Brasil. Campinas: Papirus, 1990.
33
ROSSI, Wagner Gonçalves. Capitalismo e Educação: Contribuição ao estudo crítico da economia da
educação capitalista. São Paulo: Cortes & Moraes, 1978. (Col. Educação Universitária).
34
FREITAG, Barbara. Escola, Estado e sociedade. 3.ed. São Paulo: Moraes, 1979.
35
RODRIGUES, Neidson. Estado, Educação e Desenvolvimento Econômico.ed. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1987. (Col. Educação Contemporânea).
26
obras de cunho mais geral, como as de Duverger
36
e Goutisolo
37
, além das análises mais
específicas e muito consistentes de Horta
38
e Couvre.
39
Enfim, para a análise do processo
educacional brasileiro no contexto do pós-guerra até a década de 1960, levantando os fatos e
as reflexões que daí emergiram, nos apoiamos sobre algumas obras de História da Educação
Brasileira, levando em consideração autores como Ghiraldelli Jr.,
40
Mendes,
41
Romanelli,
42
Ribeiro,
43
Piletti,
44
Amado,
45
Saviani,
46
entre outros.
Buscando dar uma maior coerência à investigação que foi proposta e esclarecer seus
limites na direção de uma pesquisa histórica, consideramos os pressupostos analíticos do
sociólogo suíço André Petitat, que centrado numa linha geral de análise que preza pela
inclusão do dinamismo histórico, busca se distinguir das teorias explicativas que possuem
uma visão apriorística da educação. Assim, a educação é concebida como um movimento
marcado por contradições e que se manifesta numa multidimensão, na qual se relacionam
classes sociais, a cultura, a política, e a economia, etc. A escola não é apenas reprodução
social, mas participante da produção social, ou seja, “por um lado, a escola reproduz; por
outro, alimenta o movimento que abole o estado de coisas existentes”.
47
Apesar de defender
uma posição distinta, Petitat reconhece a importância de vários aspectos de outras correntes
da educação. A corrente funcionalista, representada em Emile Durkheim, mostra a educação
como um processo eminentemente social, em que a “transformação do indivíduo biológico
36
DUVERGER, Maurice. As Modernas Tecnodemocracias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. (O Mundo
Hoje, v. 4).
37
GOUTISOLO, Juan Vallet de. O Perigo da Desumanização através do Domínio da Tecnocracia. São
Paulo: Mundo Cultural, 1977.
38
HORTA, JoSilvério Baía. Liberalismo, Tecnocracia e Planejamento Educacional no Brasil. São Paulo:
Autores Associados / Cortez, 1982 (Col. Educação contemporânea).
39
COUVRE, Maria de Lourdes M. A Fala dos Homens: Análise do Pensamento Tecnocrático (64-81). São
Paulo: Brasiliense, 1983 e ________ . Educação, Tecnocracia e Democratização. São Paulo: Ática, 1990.
(Princípios, n. 189).
40
GHIRALDELLI JR., Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira. Barueri: Manole, 2003.
41
MENDES, Durmeval Trigueiro (Coord.) Filosofia da Educação Brasileira. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1987. (Col. Educação e Transformação, v.6).
42
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). 20 ed. Petrópolis: Vozes,
1998.
43
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 2 ed. São Paulo:
Cortez e Moraes, 1979. (Col. Educação Universitária).
44
PILLETI, Nelson. Ensino deGrau: Educação Geral ou Profissionalização? São Paulo: EPU/EdUSP, 1988.
(Temas Básicos de Educação e Ensino).
45
AMADO, Gildásio. Educação Média e Fundamental. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1973.
46
SAVIANI, Dermerval. Política de Educação no Brasil:o papel do Congresso Nacional na legislação de
ensino. 2 ed. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1988. (Col. Educação Contemporânea).
47
PETITAT, André. Produção da Escola/Produção da Sociedade. Análise sócio-histórica de alguns momentos
decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. P. 6.
27
socialmente indeterminado no indivíduo socialmente integrado -se através do processo
educativo”.
48
, o “funcionalismo estrutural” de Talcott Parsons é criticado por Petitat:
O a priori fundamental desta análise admite um sistema educacional
orientado para a reprodução de uma ordem social funcional. Este postulado inicial
estreita os horizontes do sociólogo e do historiador, impedindo-os de perceber as
rupturas do processo de reprodução, mascarando as contradições e pondo na sombra
a gênese de novas instituições e os conflitos sociais que a acompanha.
49
A segunda corrente destacada como importante é a conflitualista. Nesta, o argumento
nevrálgico é o de que a sociedade é “composta de elementos contraditórios cuja estabilidade
repousa na manutenção das relações de dominação”.
50
A vertente marxista desta corrente vê a
escola como um instrumento, um meio institucionalizado de difusão da ideologia burguesa e
de reprodução de sua dominação. A escola promove o indivíduo na dimensão ideológica da
divisão do trabalho em uma sociedade de classes. Segundo as orientações de Baudelot e
Establet, identifica-se uma escola que sofre intervenção ideológica do Estado, dividindo,
selecionando e doutrinando, como expressão de um dualismo entre o fato objetivo e o
estrutural (dado nas relações capitalistas de produção); para esses autores, “o sistema escolar,
como qualquer outra instituição, encerra em si as oposições entre as classes sociais”.
51
Este
axioma é aceitável, segundo Petitat, desde que ele não seja utilizado de forma simplificada,
subtraindo-se do dinamismo histórico que, de seu ponto de vista, é indispensável:
Numerosos autores concordam com a existência de uma clara polarização
na estrutura dos sistemas de ensino ocidentais. Trata-se de uma realidade ao meu ver
dificilmente contestável; contudo, é preciso estar atento à sua dinâmica, evitando
reduzi-la a uma oposição binária estática. Este dualismo sofreu mudanças tanto em
sua forma quanto em sua substância à medida que a sociedade capitalista se
desenvolvia.
52
Passando ainda pela teoria da escola e a reprodução das relações de dominação de
Bowles e Gintis, cujo enfoque está no papel ideológico da escola para a reprodução de
relações que, surgidas da esfera econômica, expandem seus domínios para outros campos da
atividade social, até a teoria não-marxista do conflito de Bourdieu e Passeron em que a escola
sanciona as desigualdades, reproduzindo-as através de um efeito simbólico, Petitat chega à
seguinte conclusão, que endossamos para balizar nossa investigação:
A concentração sobre um único tipo de sociedade traz o risco de atribuir ao
sistema educativo uma especificidade que ele não tem, e inversamente, a atenção
totalmente voltada para os elementos estruturais gerais pode levar ao esquecimento
da especificidade de sistemas educativos historicamente definidos. (...) a educação e
48
Ibid. P. 13.
49
Ibid. P. 20 e 21.
50
Ibid. loc.cit.
51
Ibid. P. 25.
52
Ibid. loc.cit.
28
a escola não podem ser compreendidas fora do contexto das relações que mantêm
com o restante da sociedade.
53
Acreditamos e esperamos ter conseguido manter a pesquisa nestas balizas, analisando
o fenômeno da educação como um processo carregado de historicidade e, portanto, de
transitoriedade. Ao leitor que buscar nessas páginas algum entendimento, gostaríamos de
oferecer-lhe uma oportunidade de reconhecimento do processo educativo em uma de suas
dimensões mais importantes, a histórica. Tivemos a pretensão de, através de um caso
particular do estudo do ramo de ensino secundário, na rede estadual de Santa Catarina,
durante a vigência do primeiro Plano de Metas do Governo, fazer entender que aquilo que se
compreende como ensino em uma época é resultado de circunstâncias historicamente
determinadas e que o Estado é o principal agente direcionador do conjunto das relações
educacionais entre os diversos níveis e em cada um deles. Concordando com Petitat,
afirmaríamos que é preciso conhecer o que por trás da aparente funcionalidade dos
sistemas de ensino. Esta reflexão é a mais aprofundada que podemos levar, principalmente,
aos professores que, por ventura ou curiosidade, venham a realizar a leitura do texto aqui
produzido. Sabido o fato de que as condições de ensino mudam constantemente, é preciso
agora refletir sobre as forças que direcionam essas mudanças, assim como sobre o seu sentido
delas e, impreterivelmente, compreender que as práticas e estruturas educacionais que
parecem imediatas se inserem em um contexto maior que implicam em outras relações de
naturezas política, econômica, social e cultural, cujas manifestações existem em razão de
uma ação que parte das instâncias de poder do Estado.
Em relação à educação em Santa Catarina no período delimitado, atentamos para
alguns estudos existentes, como as obras fundamentais de Santos
54
e os trabalhos mais
recentes de Auras
55
, Valle
56
e Valle e Dallabrida.
57
Buscamos ilustrar, fundamentar e comprovar a linha argumentativa desenvolvida ao
longo da pesquisa, através do uso abundante de fontes documentais, estatísticas, impressas,
legislação de modo a aproximarmos mais a investigação - feita pelo levantamento
53
Ibid. P. 36 e 37.
54
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Educação e desenvolvimento em Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da
UFSC, 1968;___________. Um esquema para a educação em Santa Catarina. Florianópolis: EDEME, 1970
e___________. (Org.) Sobre as Condições do Processo Educacional em Santa Catarina. Florianópolis:
Fundação Educacional de Santa Catarina, 1967.
55
AURAS, Gladys Mary Teive. Modernização Econômica e Formação do Professor em Santa Catarina.
Florianópolis: UFSC, 1998.
56
VALLE, Ione Ribeiro. Burocratização da Educação: um estudo sobre o Conselho Estadual de Educação do
estado de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 1996.
57
VALLE, Ione Ribeiro e DALLABRIDA, Norberto (Orgs.) Ensino Médio em Santa Catarina: Histórias,
Políticas, Tendências. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.
29
bibliográfico - da realidade da época. As fontes de pesquisa que serviram para complementar
a metodologia, anteriormente exposta, foram arroladas em uma tipologia básica.
Em um primeiro grupo, concentram-se os dados estatísticos, de caráter serial,
encontrados esparsamente e expressos em números e tabelas. Estes dados foram organizados e
transformados em gráficos, permitindo uma análise mais clara e a demonstração visual mais
reforçada dos aspectos referentes principalmente às conjunturas econômica e educacional, das
décadas de 1940, 1950 e 1960, por vezes ampliadas para além deste período. A dimensão
serial dessas fontes permitiu conhecer a evolução de processos diferentes, assim como sugerir
possíveis relações entre eles. No campo econômico, por exemplo, pretendeu-se criar uma
perspectiva dentro daquilo que se denomina de Economia Histórica, observando-se as
flutuações econômicas, detectando nelas prováveis marcos datáveis entre os períodos
abrangidos pelos dados estatísticos e, presumindo daí os interciclos econômicos, reconhecer
na conjuntura estudada uma possibilidade de interpretação não linear dos eventos, atribuidora
de sentido para os fatos da sociedade, além do conhecimento dos eventos econômicos
propriamente ditos.
Nesta categoria foram recolhidos dados estatísticos de obras de outros autores, dos
quais destacamos Tavares
58
- cujo texto original publicado pode ser encontrado no escritório
da CEPAL, em Brasília - e Leff
59
, cujas tabelas foram elaboradas e se referiam a aspectos
de uma análise voltada para o período desenvolvimentista; outras séries de dados eram mais
genéricas, dos quais selecionamos o que era de interesse, onde podemos sublinhar a completa
compilação existente no quadro de índices econômicos da Revista Conjuntura Econômica
60
,
publicação antiga e respeitada da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro), considerada uma
das melhores fontes para a pesquisa econômica do Brasil. Os gráficos referentes à Santa
Catarina foram adaptados das tabelas constatadas nas obras de Cunha
61
e Mattos.
62
Uma série
secular da variação do crescimento do PIB foi extraída de uma publicação recente do IBGE.
63
No campo educacional, as séries serviram para observarmos a relação existente entre o
nível secundário e os outros níveis de ensino em Santa Catarina e noutros estados brasileiros,
para que fosse permitido dimensionar, o mais precisamente possível, no que consistiu a
58
TAVARES, M. da C. The Growth and Decline of Import Substitution in Brazil. ECONOMIC COMMISSION
FOR LATIN AMERICA. Economic Bulletin for Latin America. New York: United Nations, Vol. IX, n. 1, p.
1-59, março,1964.
59
LEFF, N. Op. Cit.
60
REVISTA CONJUNTURA ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, 1966, ano XX, n. 10.
61
CUNHA, I. J. Op. Cit.
62
MATTOS, F. M. de. Op. Cit.
63
IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003.
30
expansão do ensino secundário da rede estadual em Santa Catarina entre 1961 e 1965. A
principal dificuldade encontrada foi a grande dispersão dos dados que nem sempre se
encontravam em séries montadas, cabendo a nós fazermos as relações corretas para montá-
las. Por outro lado, uma facilidade é o acesso às compilações do IBGE, disponibilizadas em
meio eletrônico, seja no sítio da instituição,
64
na página da biblioteca do IBGE das
publicações disponíveis utilizamos os censos (econômicos e demográficos) de 1940, 1950,
1960 e 1970 referentes à Santa Catarina dentro da rede internet, seja por meio de cd-rom
65
,
em que constam inúmeros dados organizados anualmente, relativos aos estados da federação.
Servimo-nos, também, de tabelas compiladas por ouros autores, como a de Cunha
66
e
Schneider
67
, além de uma publicação disponibilizada pelo setor de estatística da atual
Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.
68
Em um segundo grupo, temos as fontes documentais. Pudemos subdividi-las em três
grupos: as fontes oficiais referentes ao Governo Celso Ramos e ao PLAMEG; algumas
legislações do período; outras fontes impressas. Em relação às fontes oficiais, trabalhamos
fundamentalmente com as mensagens anuais do governador à Assembléia Legislativa,
69
com
discursos de Celso Ramos
70
e com os relatórios de trabalho do PLAMEG em quatro volumes,
entre os anos de 1962 e 1965,
71
todos disponíveis no Arquivo Público do Estado de Santa
Catarina. Das legislações do período, foi consultada a lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961,
72
fixando as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, disponível no sítio do Senado Federal na
rede internet; uma consolidação da legislação do ensino secundário após a LDBEN
73
; a lei
64
Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acessado ago. dez. de 2008.
65
IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. 1 CD-ROM.
66
CUNHA, Luiz Antonio. Política Educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio. Rio de
Janeiro: Eldorado Tijuca, 197-.
67
SCHNEIDER, Juliete. A Democratização do Acesso ao Ensino Secundário pela Expansão do Ciclo
Ginasial Normal em Santa Catarina (1946-1969). Florianópolis: UFSC, 2008. (Anexo D), [Dissertação].
68
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. SECRETARIA-GERAL. SERVIÇO DE ESTATÍSTICA DA
EDUCAÇÃO E CULTURA. Série Retrospectiva do Ensino Médio 1961/1965. Rio de Janeiro: SEEC-
MEC,1977. (Série 9, Documentos, vol. II).
69
RAMOS, Celso. ... Mensagem Anual. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1961-1965.
70
RAMOS, Celso. Discursos. SANTA CATARINA. Discursos de Celso Ramos, Governador do Estado.
Florianópolis: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, 1963/1964. (Documentação avulsa)
71
SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ... ano de Trabalho. Florianópolis:
Gabinete de Planejamento, 1962-1965. (4 vols.)
72
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75529> Acessado 21 outubro 2008.
73
CONSOLIDAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO APÓS A LEI DE DIRETRIZES E
BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (Trabalho da Diretoria do Ensino Secundário do MEC, transcrito de
“Documenta” n.º 38, de 1965, págs. 113 a 149). Capítulo V, Art. 27. In: FONTOURA, Amaral (Dir.) Leis da
Educação. Legislação complementar à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Rio de Janeiro: Aurora,
1969. (Biblioteca Didática Brasileira, Série IV, Vol. III, Anexo II).
31
2.772 de 21 de julho de 1961, instituindo o PLAMEG
74
, disponível no Centro de Memória do
Poder Legislativo, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. No subgrupo das
demais fontes impressas listamos: os planos federais caracterizando o contexto do
planejamento dos períodos Juscelino Kubtischek
75
e João Goulart
76
, ambos encontrados na
Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte; uma compilação de documentos feita por
Abreu
77
; fascículos diversos da Revista do Sul,
78
de onde foram recolhidas ilustrações e
jornais catarinenses
79
que informavam sobre as eleições para governador em 1960, ambos no
acervo do setor de obras raras da Biblioteca Pública de Santa Catarina; outros fascículos
diversos da citada Revista Conjuntura Econômica, dos quais recolhemos alguns anúncios
publicitários de época.
Esta dissertação foi dividida em apenas dois capítulos que caracterizam as duas etapas
necessárias à exposição da linha de raciocínio. No Capítulo 1, “O Contexto do
Desenvolvimentismo Catarinense”, analisamos tudo o que consideramos necessário à
contextualização do objeto estudado, relacionando aspectos econômicos, políticos e sociais,
para satisfazermos aquela idéia apresentada anteriormente de que a educação e a escola
podem ser compreendidas dentro do contexto e das relações sociais nas quais está inserida. O
capitalismo, o campo por excelência sobre o qual vão se configurar os sujeitos históricos
envolvidos no processo, comprometidos com a necessidade imperialista de imposição deste
sistema, é a questão apresentada inicialmente. A ênfase sobre a abordagem econômica está de
acordo com a característica essencial do desenvolvimento, um processo que é
fundamentalmente da economia, mas cujas características ultrapassam essa dimensão humana,
alcançando o político e o ideológico, o social e o cultural, dentro daquele fenômeno que na
historiografia convencionou-se chamar de “desenvolvimentismo”. Relacionando o contexto
nacional ao catarinense, buscaremos pela análise social e política para entendermos a
formação do Estado desenvolvimentista, os grupos e interesses envolvidos na suas ações e,
assim, a orientação do seu intervencionismo. Como instrumento de intervenção do Estado,
discutiremos o planejamento estatal e sua racionalidade, assim como os suportes teóricos e
74
SANTA CATARINA. Lei n. 2.772, de 21 de julho de 1961. ESTADO DE SANTA CATARINA. Legislação
1961. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1961.
75
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CONSELHO DO DESENVOLVIMENTO. Programa de Metas. Rio de
Janeiro: Jornal do Comércio, 1958. (Tomos I, II e III).
76
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 1963-1965
(Síntese). [s.l.]: dezembro de 1962.
77
ABREU, Alcides (Comp.) Rememória do Governador Celso Ramos: Santa Catarina 1961-1966. [s.l.]:
Vicenzi, 1997 (Centenário do Nascimento de Celso Ramos),
78
REVISTA DO SUL. “O VALE DO ITAJAÍ”. s/l: ano XX. (Números diversos)
79
DIÁRIO DA TARDE. Florianópolis: 1960 e O ALBOR. Laguna: 1960.
32
conceituais que pretendiam direcionar o país para o esperado desenvolvimento econômico.
Inclusive a educação, que surge como mais um fator para o desenvolvimento; ela se torna, no
contexto do desenvolvimentismo, em mais um meio para a afirmação do capitalismo, função
esta justificada, seja pela racionalidade tecnocientífica do planejamento, seja por teorias
educacionais, ou ainda, pela ideologia desenvolvimentista que previa um capitalismo mais
humano, leia-se conciliador.
O Capítulo 2, “A Expansão do Ensino Secundário da Rede Estadual em Santa
Catarina: o PLAMEG I” aborda em foco os demais aspectos que constituem as relações entre
o Estado e a educação, especificando o caso catarinense. Neste capítulo, encontraremos
situações bastante particulares, mas que, gradativamente, vão buscando destacar o ensino
secundário dos outros tipos de ensino, centrando-se na rede estadual. Esclareceremos como o
projeto educacional do Estado desenvolvimentista catarinense é ditado pelos representantes
das classes economicamente dominantes, coadunando para a manutenção do modelo que
privilegia essas classes. Analisaremos, minuciosamente, o ensino secundário da rede estadual
em Santa Catarina, dentro daquilo que era o sistema estadual de ensino, com toda a sorte de
fontes possíveis. Por fim, apresentaremos a peculiar funcionalidade deste ensino secundário,
como um produto histórico inquestionável do desenvolvimentismo e seu Estado
intervencionista (especialmente com o PLAMEG) na dinâmica da acumulação capitalista que
se instalava, promovendo a original ascensão das classes subalternas ao patamar de classes
com mais elevados padrões de consumo.
Esperamos, assim, completar a linha de raciocínio que, ao discutir o ensino secundário
da rede estadual de Santa Catarina no contexto do desenvolvimentismo, questiona a validade
das ações estatais e seu método de planejamento, apontando para uma nova etapa de
subserviência das instituições educacionais ao projeto econômico das classes dominantes.
33
CAPÍTULO 1 - O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTISMO CATARINENSE
1.1 O NOVO CICLO DE ACUMULAÇÃO DO CAPITAL
O pós-2ª Guerra Mundial gerou um novo ciclo da História do Capitalismo. A ascensão
norte-americana, que se iniciou pelo menos algumas décadas antes, impulsionada pela
exigência predominante no século XIX de crescimento econômico, da acumulação de capital
sem precedentes, foi alcançada sobre o mais vasto campo de contradições que a expansão
capitalista pode até então engendrar. A origem do potencial capitalista norte-americano pode
ser encontrada em variadas explicações que remetem à sua fundação, às nuances da
colonização, à criação precoce da República na América do Norte ou à Guerra de Secessão.
Até o século XIX, a economia norte-americana tinha uma rival insuperável: a economia
britânica, berço onde se dera a Revolução Industrial.
80
O período que se seguiu ao fim da Guerra de Secessão, em 1865, foi denominado de
“Reconstrução”. O Sul ficou completamente arruinado, suas ferrovias, estações, fábricas e
fazendas foram destruídas; a liberação dos escravos pode ser considerada a principal
conseqüência econômica da guerra civil,
81
e a economia sulista foi gradualmente se
modificando: a reconstrução do Sul levou os EUA ao crescimento e à industrialização.
82
Do outro lado do Atlântico, a economia britânica, em meados do século XIX, passava
por uma fase de exportações sem precedentes, devido, em parte, à “(...) crescente
industrialização do resto do mundo, criando um mercado em rápido crescimento para aquele
tipo de bens de capital que não podia ser importado em qualquer quantidade, salvo da “oficina
mecânica do mundo”.
83
Se os Estados Unidos vinham apresentando um pido crescimento
econômico, não haviam ainda quebrado com o domínio britânico. Faziam parte daquele
80
Conforme pensava Richard Cobden, foi na década de 1840 que os Estados Unidos e outros países da Europa
Ocidental e Central estiveram imersos no processo de industrialização, de modo que já fosse imaginável que em
torno de duas décadas, a partir de 1830, os Estados Unidos iriam se tornar um sério competidor dos ingleses. V.
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. Europa 1789-1848. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. P.
235.
81
V. BEARD, Charles A. The Rise of American Civilization. New York: Macmillian Company, 1947. P. 115-
119. (V. II). Como também não se tornaram verdadeiros cidadãos, os negros não podiam usufruir de direitos e
mesmo que recebessem terras, não dispunham de qualquer capital para investimento. Connecticut, New Jersey,
Pennsylvania, Ohio e outros estados nortistas também excluíam os negros dos sufrágios, questão que foi
parcial e legalmente resolvida com a 15ª emenda à Constituição de 1870.
82
V. Ibid. P. 127.
83
HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1983. P. 101.
34
mercado que mantinha a Grã-Bretanha no centro do sistema capitalista do século XIX. Mas
no final deste século, a economia inglesa apresentava sinais do início de seu declínio. O
rápido desenvolvimento industrial que atingia outras partes do mundo trouxe novas
necessidades organizacionais de padronização da industrialização e, na Inglaterra, houve um
atraso em relação aos outros países para se adaptar às novas condições de mudança.
84
Nos EUA, a Carnegie Steel Corporation foi um dos primeiros monopólios que se
formaram na fabricação do aço e o mais famoso foi o da indústria do petróleo, organizado em
1870 com a Standart Oil Company, que controlava 90% desses negócios no país, surgida
através da prática de um homem de negócios chamado John D. Rockefeller.
85
O monopólio
havia se instalado no sistema capitalista e tornava-se seu centro já no final do culo XIX,
uma peça-chave para análise da realidade.
86
As formas originais de monopólio, como os
cartéis e os trustes, que foram combatidos política e legalmente, deram lugar às holding
companies, declaradas constitucionalmente aceitáveis pela Corte Suprema em 1895, gerando
uma onda de fusões.
87
Dois estímulos externos podem explicar o crescimento econômico deste período. O
primeiro deles foi denominado de “invenções que marcaram época”, aquelas capazes de
abalar a estrutura econômica, absorvendo capital e criando vastos mercados para
investimentos, como por exemplo, a máquina a vapor e a estrada de ferro (na Revolução
84
Dentre estas mudanças estavam: a influência cada vez maior da ciência na tecnologia, de modo que os
progressos técnicos dependiam de processos científicos; a expansão do sistema fabril da produção manufatureira
a processos mais simples, inclusive o da fabricação mesma das máquinas, a mecanização das fábricas, a
produção em massa através do fluxo planejado dos processos e da “administração científica” do trabalho visando
à decomposição das tarefas humanas e mecânicas; a descoberta teórica e prática do aumento dos rendimentos
dos trabalhadores que resultava em ampliação do mercado consumidor; o aumento da empresa econômica, a
concentração do capital nas formas da produção e da propriedade, com o consequente surgimento dos trustes,
monopólios e oligopólios. A ausência desses fatores provocaria até o final do século XIX um desastre na
economia britânica. Cf. Ibid. P. 160-165.
85
Cf. CROTHERS, George D. American History. New York: Holt, Rinehart and Winston Inc. 1964. P. 135-
137. Com a expansão dos monopólios em outros campos da economia, os consumidores se viram prejudicados e
o antigo sistema de livre iniciativa e concorrência passou a ser protegido pelo governo, de modo que “(...) Todo
contrato, conluio em forma de truste ou de outro modo, ou trama, destinado a reprimir o tráfico ou comércio
entre os vários Estados, ou com nações estrangeiras, são por esta lei declarados ilegais”. SYRETT, Harold C.
(Org.) Documentos Históricos dos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix, 1980. P. 237. Esta primeira lei
antitruste norte-americana de Sherman de 1890 foi complementada em 1914 com a lei antitruste de Clayton, que
desvincularam na prática o sistema capitalista de suas consequências históricas, iniciando um vasto período de
regulamentação estatal na economia.
86
V. BARAN, Paul A. e SEEZY, Paul M. Capitalismo Monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. P. 15 e 16.
87
“Entre os anos de 1895 e 1905, 4.000 empresas americanas fundiram-se apenas em 400. no ano de 1899,
desapareceram 1.028 empresas. A maior fusão foi a da United States Steel, produto da associação de 171
empresas, proprietária de bens no valor de 137 milhões de dólares, uma soma fabulosa para a época. Controlava
oitenta por cento do mercado nacional. No final desse período apenas 318 empresas eram proprietárias de 40 por
cento de todos os bens industriais nos Estados Unidos”. DEAN, Warren. As Multinacionais do Mercantilismo
ao Capital Internacional. São Paulo: Brasiliense, 1983. Col. Primeiros Vôos, n. 14. P. 49.
35
Industrial) e o automóvel (na Revolução Industrial). O segundo fator foram as guerras e
suas repercussões, como a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais no século XX.
88
De uma maneira geral, o sistema econômico capitalista estava centrado na tríade
monopólio, imperialismo e militarismo; a primeira metade do século XX foi marcado por
depressões generalizadas. Há características da crise de 1929 que a identificam com uma crise
cíclica, mas a dimensão única que esta atingiu necessita de uma explicação mais
pormenorizada e menos simplista. É conveniente notar, a fim de explicar a lógica da
acumulação, que os Estados Unidos passaram por um período de prosperidade econômica na
década de 1920
89
e o estouro da bolha especulativa na Bolsa de Nova York, em 1929, foi
muito mais uma conseqüência do que propriamente a causa da crise que se estendeu pelos
anos de 1930.
90
Os velhos capitalismos cediam frente ao avanço dos novos.
91
Com a
concentração do capital, as grandes empresas foram praticando os princípios da
racionalização do trabalho, com sua organização científica, o taylorismo, e a linha de
montagem, o fordismo.
92
Na América Latina, a crise de 1929 afetou aquela relação que mediava a economia dos
países periféricos com os centros financeiros da economia mundo, baseada na exportação de
produtos primários (agrícola e matérias-primas) e afluxo de capitais estrangeiros (mercadorias
industrializadas e investimentos). A pressão social e econômica, exercida pela crise nos países
latino-americanos, levou à ascensão de governos autoritários que fossem capazes de dar
88
V. BARAN, Paul A. e SEEZY, Paul M. Op. Cit. P. 219-224.
89
Além de ser o principal credor, a balança comercial dos EUA apresentava grandes excedentes comerciais
aumentando o seu superávit de 650 milhões de dólares antes de 1915 para mais de três bilhões nos anos
seguintes. Cf. NÉRÉ, Jacques. História Contemporânea. São Paulo; Rio de Janeiro: Difel, 1975. P. 440.
Associado a uma série de outros elementos, como a abundante reserva de mão-de-obra estrangeira de imigrantes,
o surto econômico repousava no crédito que se estendia ao consumo e “a especulação, estimulada pela euforia
geral, toma uma amplitude sem precedentes”. In: Id. Ibid. P. 442. Antes mesmo de Wall Street, a euforia da
década de 20 pode ser vista primeiramente na especulação imobiliária que eclodira na venda de lotes na Flórida,
de “frente para o mar”. Cf. GALBRAITH, John K. A Short History of Financial Euphoria. New York:
Penguin, 1993. P. 72-75.
90
Os sintomas da crise que já apareciam antes de 1929 não foram suficientes para diminuírem a bolha
especulativa, nem para ocasionarem uma urgente reação governamental. Em outubro de 1929, o colapso da
Bolsa de Nova York foi o reflexo de uma crise anunciada. V. GALBRAITH, John K.. The Great Crash 1929.
Boston: Hougton Mifflin Company, 1998.
91
“(...) o britânico, preso entre a combatividade de uma classe operária que recusa os sacrifícios exigidos e a
pugnacidade de seus concorrentes industriais estrangeiros; o alemão, concentrado, dinâmico, expansivo,
sustentado por uma vontade nacional de superar a humilhação; o francês, mais disparatado do que nunca,
conflitado entre a grande indústria e o artesanato, entre a calma de uma província e a aventurado império; o
americano, arrebatado entre o frenesi da produção em massa, do consumo em massa, dos atulhamentos e da
especulação; e depois os outros: os diferentes capitalismos europeus, o japonês, as novas produções dos “países
novos”, a quem a primeira guerra deu uma primeira oportunidade”. BEAUD, Michel. História do Capitalismo.
3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. P. 251.
92
Cf. Ibid. P. 254-262. De modo que a prosperidade americana tem como bases: “1) Crescimento de 90% de
produção industrial entre 1921 e 1929; 2) Investimento que ultrapassa, durante esses anos, 20% do PNB;
3)Produtividade da hora de trabalho que aumenta em 47% durante os anos vinte”. Ibid. P. 263.
36
amparo à industrialização, satisfazendo os anseios populares: legislação trabalhista, combate
ao desemprego, etc. No Brasil, por exemplo, a Revolução de 30 assinalou essa necessidade.
93
Veio a Guerra Mundial e os Estados Unidos da América, ocupando uma posição
geográfica privilegiada e tendo definitivamente batido a antiga hegemonia britânica - além
de seus potenciais rivais, principalmente a Alemanha -, terminou o conflito como a principal
potência do globo. Seus antigos aliados do campo liberal-democrático, Inglaterra e França,
estavam arruinadas. Restava o quarto nome entre as grandes” nações da aliança da época de
guerra, a URSS, que, mesmo tendo as maiores perdas, terminou o conflito, ocupando a frágil
segunda colocação no ranking das potências econômicas. que a União Soviética, como se
sabe, não fazia parte do bloco de países capitalistas.
Aproximando-se o fim da Segunda Guerra, ficava cada vez mais evidente que os
membros mais importantes da Grande Aliança se encontravam em guerra, ideológica e
geopoliticamente. A primeira divisão geopolítica do globo, após a Segunda Guerra Mundial,
esteve relacionada com a necessidade de segurança que as potências rivais visavam garantir, e
as perdas sofridas durante as batalhas foi o argumento para as concessões. Assim, a URSS
anexou o leste da Europa e os EUA criaram uma zona de influência no Extremo Oriente
asiático, principalmente sobre o Japão.
94
Deve-se notar que a geopolítica dos EUA,
geralmente carregada de patriotismo e americanismo ou impregnada pelo jargão “liberdade
contra autoritarismo” e democracia contra comunismo”, é tão somente a expressão de parte
da necessidade conjunta de expansão do capitalismo, cujas forças e dinâmicas estavam em
ação no perímetro norte-americano. Na Europa, a situação ficou mais definida, porque a
ocupação soviética se limitou à área de penetração do Exército Vermelho, a Itália ficou sob a
tutela norte-americana e inglesa, a Áustria tornou-se uma zona neutra e a Alemanha foi
dividida em zonas de ocupação. A geopolítica norte-americana tinha dois princípios
fundamentais: o universalismo e as esferas de influência.
95
Portanto, estava em construção um novo sistema interestatal para além da Grande
Aliança, capaz de dar sustentação ao bloco capitalista: América do Norte, Europa Ocidental,
América Latina, o Pacífico, os antigos domínios coloniais e, posteriormente, a tendência de
aproximação com os países que formaram o Terceiro Mundo, pelo fator “anticomunismo”. A
93
Cf. REZENDE, Cyro de B. História Econômica Geral. São Paulo: Contexto, 1991. P. 210-229.
94
V. GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. P. 5-24.
95
O universalismo era predominante e baseado nos princípios wilsonianos, segundo o qual “todas as nações
compartilham um interesse comum em todos os negócios do mundo”; o princípio das “esferas de influência”,
afirmava que “a cada potência será garantida, por todas as outras, um reconhecimento de predominância em sua
zona de interesses particulares”. DELMAS, Claude. Armamentos Nucleares e Guerra Fria. São Paulo:
Perspectiva, 1979. (Col. Khronos, n. 10), p. 33.
37
tão propalada expansão do comunismo, que abrangeu grandes proporções humanas com a
adesão da China ao bloco socialista em 1949, foi completamente aparada por um cinturão de
Estados capitalistas que se localizavam nos arredores deste bloco. Era quase possível
estabelecer, plenamente, um círculo máximo para o bloco socialista em torno dos quais
estavam os países capitalistas centrais, circundados pelos periféricos.
Mapa 1 Cinturão geopolítico planetário em torno da União Soviética na década de 1950
FONTE: MAGNOLI, Demétrio. Da Guerra Fria à Detente. Campinas: Papirus, 1988. P. 72.
São abundantes os acordos, tratados, conferências e encontros que foram
circunscrevendo os limites da Guerra Fria. A “Declaração sobre a Polônia”, publicada ao final
da Conferência de Yalta em fevereiro de 1945
96
; a Conferência de Potsdam, entre julho e
agosto de 1945
97
. A ameaça da expansão soviética que gerara a “contenção”, ao mesmo
tempo delimitava as áreas que estavam, oportunamente, abertas à afirmação do capitalismo.
Elas foram reconhecidas, primeiramente, na Europa pela aliança anglo-britânica, em março de
1946, na expressão cunhada por Winston Churchill, a “Cortina de Ferro”.
98
A Declaração de
“Guerra Fria” foi feita com a “Doutrina Truman” em 12 de março de 1947.
99
Dez anos depois,
96
Cf. JUDGE, E. H. e LAGDON, J. W. The Cold War: A History through Documents. New Jersey: Prentice
Hall, 1999. P. 6.
97
Cf. Ibid. P. 8.
98
Cf. Ibid. P. 15 e 16.
99
Cf. Ibid. P. 24 e 25.
38
a “Doutrina Eisenhower” em janeiro de 1957.
100
Após Eisenhower, o novo presidente dos
Estados Unidos, John Kennedy, foi eleito em novembro de 1960. Durante a crise de Berlim
em 1961, Kennedy disse que a parte ocidental desta cidade “(...) não é uma parte da
Alemanha Oriental, mas um território separado sob o controle dos poderes aliados”.
101
E em
1962, quando foi deflagrada a “Crise dos Mísseis”, em Cuba, a dimensão geopolítica transitou
da ameaça insular para a defesa do hemisfério Ocidental, ameaçado pelos armamentos
instalados na ilha.
102
No entanto, foi a inevitabilidade histórica que favoreceu tamanha propensão para a
defesa da acumulação de capital pelos e nos EUA e, na medida em que os EUA e seus aliados
se tornavam mais certos das vantagens decorrentes disso, era o capitalismo que renovava suas
chances de sobrevivência e ampliava seus horizontes em meio às crises que ele próprio
gerava. Em certos momentos da Guerra Fria, apenas citando, tais contradições foram aos
extremos: além das diversas crises na Alemanha e Berlim e a crise dos sseis em Cuba,
dentre vários outros episódios de crise, foram particularmente devastadoras as conhecidas
consequências da Guerra da Coréia (1950-1953), da Guerra do Vietnã (1960-1975) e seriam
incalculáveis os efeitos da crise de Suez (1956), caso as tropas francesas e britânicas não
tivessem sido retiradas. A eminência de o conflito nuclear - que dispunha de centenas de
megatons a mais que na Segunda Guerra Mundial concretizar-se, foi sugestivamente contida
na sigla MAD (“doido” em inglês), pois estava assegurada a destruição mútua Mutually
Assured Destruction.
103
A maior potência do pós-guerra não limitou sua estratégia ao teor
político ou ideológico.
Em seguida à intervenção econômica, veio a intervenção militar. O sistema capitalista
conseguia um amplo mercado para investimentos na reconstrução dos países e um conjunto de
Estados recrutados para garantir a permanente reprodução do capital, agora aliados contra
uma ameaça externa. Sendo estimulado, inicialmente, pelo centro propagador financeiro,
industrial, político, ideológico corporificado nos EUA e nas suas instituições dominantes, a
reprodução sistêmica do capital foi formada numa relação de dependência que, gradualmente,
foi atingindo diferentes graus de autonomia e, em breve, estariam estabelecendo novos
parâmetros de concorrência no seio do próprio sistema interestatal que dava sustentação ao
ciclo de acumulação. Em 05 de junho de 1947, foi lançado um Programa da Reconstrução
100
Cf. Ibid. P. 98 e 99.
101
Ibid. P. 117.
102
Cf. Ibid. P. 120.
103
V. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. ed. 24ª reimp. São Paulo:
Cia das Letras, 2002. P. 224.
39
Européia que ficou muito mais conhecido como o “Plano Marshall”.
104
Daí em diante, os
rumos do capitalismo ocidental foram fundados pelo Tratado de Bruxelas (1948), junto com o
Tratado de Roma (1957),
105
precursores da atual União Européia. O Tratado de Bruxelas
também é considerado como embrião da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN),
aliando, na época, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Finlândia, Itália, Luxemburgo,
Holanda, Noruega, Portugal, Reino Unido e EUA. Este mesmo projeto orientou a formação
do Perímetro de Defesa Americano na Ásia, antes da eclosão da Guerra da Coréia, partindo do
Japão, passando pelas ilhas Riukiu aàs Filipinas; assim, como após a divisão do Vietnã,
quando foi criada, em 1954, a Organização do Tratado do Sudoeste Asiático (SEATO), que
incluía EUA, Reino Unido, França, Austrália, Nova Zelândia, Filipinas, Tailândia e
Paquistão.
106
As economias menos desenvolvidas se aproveitaram da expansão econômica dos
países capitalistas centrais e industrializados para crescerem nas décadas entre 1950 e 1980,
mas de forma profundamente desigual, de modo que o “PNB médio per capita nos países
industrializados era de 10.660 dólares, em 1980, mas de apenas 1.580 dólares para todos os
países de renda média, como o Brasil, e espantosos 250 dólares para os países mais pobres do
Terceiro Mundo, como o Zaire”.
107
O crescimento atingiu a URSS, os países do Leste
Europeu e a China, mas, principalmente, nações capitalistas como o Japão e a Alemanha
Ocidental. Grã-Bretanha, França e Itália também passaram por um surto de crescimento, não a
ponto de ocuparem a liderança econômica na Europa Ocidental, que ficou mesmo a cargo da
Alemanha. Os Estados Unidos, ocupando a primazia de potência econômica, manteve seus
elevados índices muito superiores aos de seus “concorrentes”, mesmo apresentando um
declínio de produtividade com o passar dos anos.
108
O crescimento econômico das décadas de 1950 e 1960 fez com que esse período
ficasse sendo conhecido, dentre outros nomes, como os “Anos Dourados”. Mantendo a
expansão dos anos da guerra, os EUA sustentaram o domínio da economia-mundo, ainda que
com uma taxa de crescimento bem mais vagarosa. A prioridade de recuperação da guerra
concentrou esforços no Japão, enquanto na Europa Ocidental a prosperidade só foi dada como
certa na década de 1960. O “boom” econômico que representou uma fase ascendente do
104
Cf. JUDGE, E. H. e LAGDON, J. W. Op. Cit. P. 27.
105
Cf. Ibid. P. 43.
106
Cf. Ibid. P. 63-65 e 78-80.
107
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências: Transformação Econômica e Conflito Militar
de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989. P. 396.
108
Cf. Ibid. P. 393-415.
40
capitalismo histórico, que avançava mais que o comunismo, fez da “Era de Ouro”
praticamente uma exclusividade dos países capitalistas desenvolvidos que controlavam três
quartos da produção mundial e 80% da exportação de produtos manufaturados. Isso não se
realizou completamente, porque as demais regiões do globo também cresceram, apesar da
distribuição da riqueza ter sido inacessível para a maioria da população mundial. Como parte
dessas regiões não centrais, a América Latina teve um aumento na produção de alimentos, não
chegando a 1% anuais na década de 1950 e pouco mais que isso na década seguinte. Sua
produção geral aumentou mais do que a taxa de crescimento populacional. A produção
industrial aumentou, tornando o continente menos dependente da agricultura para o
financiamento das importações.
109
Como parte do Terceiro Mundo, os países da América Latina são repetidamente
apresentados no conjunto dos não-alinhados. que o termo está muito mais vinculado ao
não-alinhamento com a URSS e com a manutenção de relações próprias do capitalismo, além
de que, no caso do Brasil, houve uma aproximação explícita com os EUA. Desde os últimos
anos da Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas se viu forçado a romper aliança com o
Eixo, a influência norte-americana no Brasil tornou-se maior, direta ou indiretamente. Após a
declaração de guerra contra as potências do Eixo, o Brasil se tornou “o mais fiel aliado dos
Estados Unidos na América Latina”.
110
Cedeu bases, no Nordeste, de apoio às batalhas na
África do Norte e forneceu materiais estratégicos, como borracha, minério de ferro, diamantes
industriais, manganês, níquel, bauxita, tungstênio, areia monazítica (para extração do urânio e
do tório). Enviou 25 mil homens da FEB (Força Expedicionária Brasileira), enquanto os EUA
forneciam o equipamento militar. De todo o programa para a América Latina, o Brasil foi
beneficiário de mais de 70%, quando seus oficiais superiores eram treinados em Fort
Leavenworth. Os EUA foram o grande mercado para as exportações brasileiras (café e
alimentos), financiaram a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda (empréstimos do
Export-Import Bank) e prestaram assistência técnica (Missão Cooke em 1942).
111
A transição do Estado Novo foi supervisionada por diplomatas e oficiais norte-
americanos e desejada pelo governo dos EUA: um regime democrático nos moldes ocidentais
seria mais um exemplo contra a URSS. A interferência não foi mais contundente porque
não houve necessidade, pois os rumos que a política brasileira tomava eram extremamente
favoráveis aos EUA. O governo Dutra declarou guerra contra os comunistas. Empossado em
109
V. HOBSBAWM, Eric. Op. Cit. 2002. P. 253-256.
110
BETHELL, Leslie e ROXBOROUGH, Ian (Orgs.) A América Latina Entre a Segunda Guerra Mundial e
a Guerra Fria. São Paulo: Paz e Terra, 1996. P. 66.
111
Cf. Ibid. P. 66.
41
fevereiro de 1946, logo foram impedidas as atividades do MUT (Movimento Unificador dos
Trabalhadores) no campo sindical e, em 24 de outubro, foi criado por decreto a CNT
(Confederação Nacional dos Trabalhadores) para fazer frente à atuação da CTB
(Confederação dos Trabalhadores do Brasil), cujo secretário-geral era o comunista Roberto
Morena. Ainda, em 1946, já havia planos para o PCB ser colocado na ilegalidade, mas
preferiu-se passar as eleições de 1947, pois segundo o embaixador dos EUA no Rio de
Janeiro, William D. Pawley, “uma ação precipitada poderia forçar o PCB a atuar na
clandestinidade e transformar seus líderes em mártires”.
112
Figura 1 - O presidente brasileiro General Eurico Gaspar Dutra com o presidente norte-americano Harry
Truman, por ocasião da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz, no Rio de Janeiro, que marcou o
encontro dos dois presidentes e a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar). O
objetivo era reagir em conjunto à ameaça contra qualquer país da América. FONTE: Disponível em
<http://veja.abril.com.br/111202/p_040.html> Acessado em 10 junho 2008.
Com a promulgação e vigência da nova Constituição e a expansão da Doutrina
Truman (março de 1947) (figura 1), as consequentes ações do governo foram imediatas,
desencadeando a repressão: “a sete de maio o TSE decidiu-se pelo cancelamento do registro
legal da agremiação [PCB] que obtivera cerca de 10% da votação em duas eleições
democráticas seguidas”
113
e, na mesma data, a CTB foi fechada. Líderes e funcionários
filiados foram exonerados; em três semanas, 93 sindicatos sofreram intervenção e, no final de
julho, 170 sindicatos representando 300 mil trabalhadores; cerca de 800 a mil líderes foram
destituídos. Em outubro de 1947, o Congresso aprovou a demissão de todos os funcionários
112
Ibid. P. 98. Havia uma percepção entre as classes dominantes brasileiras, principalmente os militares ex-
estadonovistas e a burguesia industrial, que o comunismo constituía uma ameaça real ao Brasil. O PCB era o
maior partido comunista da América Latina e nos anos s-guerra alcançou algo em torno de 180 mil filiados.
Nas eleições de dezembro de 1945 obtiveram 570 mil votos e em 1947, 460 mil, conquistando duas cadeiras na
Câmara dos Deputados, 64 nas Assembléias Legislativas de quinze estados (dezoito no Distrito Federal) e em
inúmeras câmeras municipais. Tinha forte presença na organização sindical, que se consolidava cada vez mais.
113
Ibid. P. 100.
42
públicos suspeitos de filiação ao PCB e, a partir de sete de janeiro de 1948, os políticos eleitos
tiveram seus mandatos cassados: um senador (Prestes), dezesseis deputados federais, todos os
deputados estaduais e vereadores municipais.
114
O anticomunismo era claramente uma opção
de alinhamento externo e, ao mesmo tempo, uma solução interna, sendo que na “IX
Conferência Internacional dos Estados Americanos, realizada em Bogotá entre março e abril
de 1948, os delegados brasileiros não tiveram nenhuma dificuldade em apoiar as resoluções
contra o comunismo internacional”.
115
Após a forte repressão iniciada no governo Dutra, o anticomunismo permaneceu
latente no campo político interno e foi objeto de preocupação frequente do corpo de
funcionários da embaixada norte-americana no Brasil. Nos governos subsequentes, as
relações dos comunistas com governos e instituições foram objetos de vários relatórios
despachados pela diplomacia dos EUA, e no governo JK (figura 2) documentação
diplomática analisando e comprovando o anticomunismo.
116
Figura 2 - O presidente brasileiro Juscelino Kubitschek com o presidente norte-americano Dwight Eisenhower,
quando o Brasil reatou temporariamente os laços com o Fundo Monetário Internacional (FMI), rompidos em
1959. O PIB dos EUA era 6,7 vezes maior do que o do Brasil. FONTE: Disponível em
<http://veja.abril.com.br/111202/p_040.html> Acessado em 10 junho 2008.
Durante o Governo de João Goulart, que semeava dúvidas pela sua “tendência
esquerdista” (ou melhor, nacional-reformista), geralmente identificado como simpático ao
114
Cf. Ibid. P. 101 e 102.
115
Ibid. P. 102.
116
“(...) em relato de conversação entre um funcionário norte-americano e Kubitschek no que se refere ao
combate ao comunismo; a discussão do projeto de anistia apresentado pelo deputado do PSD, Vieira de Mello
em março de 1956, no Congresso Nacional; os pronunciamentos de Kubitschek a respeito das greves estudantis
ocorridas no Rio de Janeiro no mesmo ano; a reação dos comunistas e da Igreja frente a tudo isso”.
RODEGHERO, Carla Simone. Capítulos da Guerra Fria: O Anticomunismo Brasileiro sob o Olhar Norte-
Americano (1945-1964). Porto Alegre: UFRGS, 2007. No primeiro ponto, o anticomunismo parece ter servido
como moeda de troca para o financiamento externo durante cinco anos. A derrota do projeto de anistia ampla que
favorecia os comunistas e a acusação de JK que estes estariam insuflando a ação dos estudantes no Rio indispôs
os comunistas com o presidente, apesar de eles terem apoiado a sua candidatura presidencial.
43
comunismo internacional, as atenções se voltaram para as relações deste último com a Igreja
Católica e o governo. A ala à esquerda do catolicismo vinculava-se cada vez mais ao discurso
pela Justiça Social, enquanto movimentos não-comunistas adotavam bandeiras nacionalistas e
contra o imperialismo, tornando-as antiamericanas. Na ótica diplomática dos EUA, estes e
outros eram instrumentos para a tomada do poder pelos comunistas.
117
É neste mandato que Celso Ramos (figuras 3 e 4) foi governador do estado de Santa
Catarina. Por ocasião do golpe militar que depôs João Goulart, foi publicado no jornal
catarinense “O Estado” seu pronunciamento denominado “Ao Povo Catarinense”, em dois de
abril de 1964, revelando suas posições de alinhamento:
Figuras 3 e 4 - Lincoln Gordon em visita a Santa Catarina (1965), quando o embaixador dos EUA reforçou a
cooperação norte-americana no projeto “Alimentos para a Paz” (que distribuía leite em para a merenda
escolar de crianças necessitadas) e acertou financiamentos para a compra de tratores, auxílio a pequena indústria,
construção de armazéns, silos etc. FONTE: REVISTA DO SUL. “O VALE DO ITAJAÍ”. s/l: n. 159, ano XX,
p. 15 e 35.
O estado que me confiou, em processo democrático, as responsabilidades de
seu governador, não ignora a posição ideológica em que sempre me mantive,
relativamente ao comunismo; repulsa intransigente e formal.
Tenho para comigo prossegue desde que assumi os encargos de primeiro
mandatário, que essa posição, antes reflexo de inabalável convicção, passou a
integrar os compromissos de honra assumidos no juramento constitucional,
proferido perante a egrégia Assembléia Legislativa.
(...) Com a certeza e a tranqüilidade de neste momento histórico, poder
interpretar o pensamento e a vontade da esmagadora maioria dos catarinenses
radicalmente contrária à sovietização da grande Pátria, solidarizo-me, sem
reticências no coração, com as gloriosas forças militares que defendem a verdade
democrática, confiante em que todos desejamos seja ainda uma exaltação da Lei.
118
Os Estados Unidos acompanharam, supervisionaram e patrocinaram o anticomunismo
no Brasil. O rol de ações, vinculadas às agências norte-americanas, é vasto e nele se
117
Cf. Ibid. P. 88-98.
118
LENZI, Carlos Alberto Silveira. Celso Ramos: um Perfil Político. IHGSC. Anais do Congresso de História
e Geografia de Santa Catarina 4 a 7 de setembro de 1996. Florianópolis: CAPES/MEC, 1997.
44
encontram: associação do consulado com grupos anticomunistas para produção e distribuição
de material de propaganda no anonimato; programas de intercâmbio educacional para
divulgar instituições e ideais norte-americanos (quando contou com o apoio do SESI);
conversações frequentes com pessoas influentes; doutrinação pelo americanismo;
oferecimento de ajuda financeira para conseguir adeptos; infiltração em movimentos de massa
com influência comunista ou antiamericanista.
119
Além destas ações documentadas, são
sabidas as demais referências na historiografia.
120
Somados a esses fatos, podem ser
considerados indicadores do estreitamento das relações entre o Brasil e os Estados Unidos, os
acordos militares e a comissão mista Brasil-EUA, durante os governos Dutra e Vargas, e os
acordos MEC-USAID após o golpe militar. Tudo isso implicou um alinhamento que definiu
vários rumos da política no Brasil.
1.2 TRANSIÇÃO DO MODELO, SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES E
FLUTUAÇÕES ECONÔMICAS: SOBRE A COMPOSIÇÃO SOCIAL DO ESTADO
DESENVOLVIMENTISTA
A partir dos efeitos do sistema capitalista no Brasil, é possível avaliar as relações
econômicas que aí existem no período pós-1945.
121
A teoria do subdesenvolvimento brasileiro
assim como a economia política do país, organizada de forma sistemática e com um
arcabouço teórico suficiente para interpretar a dinâmica da economia nacional, passou a
existir, de forma definitiva, com a obra de Celso Furtado.
122
Foi a partir dessa teoria que se
119
Cf. RODEGHERO, Carla Simone. Op. Cit. P. 127-146.
120
“(...) a contínua preocupação em exercer influência entre os militares e as forças policiais; as tentativas de
influenciar o governo e o Congresso brasileiro para a aprovação de uma legislação sobre o petróleo que fosse
menos nacionalista e atendesse aos interesses norte-americanos; o auxílio financeiro a certos candidatos na
eleição de 1962; o uso seletivo dos recursos providenciados pela Aliança para o Progresso; o apoio aos grupos
que planejavam a derrubada do Governo Goulart em 1964”. Ibid. P. 146.
121
Os dois pressupostos básicos dessas relações do sistema para a análise são: primeiro, que o capitalismo se
expandiu diferentemente nos diversos países estando seu modelo clássico de desenvolvimento localizado nas
economias centrais, ou seja, naquelas que obtiveram uma mais expressiva taxa de acumulação de capital ao
longo da História; segundo que, como parte dessas relações o Brasil ocupa uma posição na periferia do sistema
e, portanto, seu capitalismo é periférico, diferente do capitalismo dos países centrais (desenvolvidos)
apresentando várias “deficiências” em relação a estes, de onde se deriva sua condição de subdesenvolvimento.
122
Suas considerações apontaram o contraste entre a dinâmica das economias subdesenvolvidas e o
funcionamento clássico do capitalismo. Partindo dessa condição histórica e estrutural, Furtado interpretou que
nas economias capitalistas clássicas o desenvolvimento foi gerado através da inovação tecnológica que permitiu
a multiplicação do excedente através do aumento da produtividade e assim, a aceleração dos investimentos e da
45
lançou as bases da análise dos mecanismos da industrialização dos países subdesenvolvidos,
através do chamado “Modelo de Substituição de Importações” (MSI). Este modelo permite a
compreensão da dinâmica conjuntural da realidade brasileira do período entre 1945 e 1965,
assim como auxilia na compreensão e análise da economia catarinense na mesma época.
Dentre os estudiosos que criaram o referido modelo, destaca-se Maria da Conceição Tavares,
defendendo a tese central de que
(...) a dinâmica do processo de desenvolvimento pela via da substituição de
importações pode atribuir-se, em síntese, a uma série de respostas aos sucessivos
desafios colocados pelo estrangulamento do setor externo, através dos quais a
economia vai se tornando quantitativamente menos independente do exterior e
mudando qualitativamente a natureza dessa dependência.
123
Mesmo que o modelo explicite claramente a determinação externa da dinâmica social
brasileira, duas críticas contribuem para ampliar o entendimento da realidade na conjuntura
em que se aplica: considerar a industrialização substitutiva como mera “resposta” ao
estrangulamento externo, diminui a importância dos impulsos dinâmicos internos da
economia, como a acumulação preexistente desde a década de 1930; a ênfase no mercado,
acumulação que seguia uma espiral ascendente. A velocidade desse processo possibilitou que os trabalhadores se
tornassem o fator dinâmico do sistema, participando dos incrementos da produtividade e pressionando os
empresários a buscarem mais avanços tecnológicos. os países subdesenvolvidos importavam para sua própria
industrialização os recursos produtivos que combinavam a técnica dos centros desenvolvidos com o decorrente
processo de produção de mercadorias. Porém, estas tecnologias eram poupadoras de mão-de-obra e tinham alta
densidade de capital, sendo inadequadas à realidade dos países atrasados que possuíam abundância de mão-de-
obra e baixo nível de acumulação de capital; residia o problema central do subdesenvolvimento. V.
MANTEGA, G. A Economia Política Brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro: Petrópolis, Vozes, 1995. P. 82-86.
123
TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Ensaios
sobre a Economia Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. (Biblioteca de Ciências Sociais), p. 41. Segundo
essa autora na sua definição do modelo, em uma primeira fase, com a industrialização nos setores de bens de
consumo não duráveis e alguns outros bens intermediários e de capital, uma expansão do mercado interno
pelo crescimento da oferta de emprego e elevação do poder aquisitivo da burguesia industrial, visto que a
tecnologia “substituída” tem pouca densidade de capital. Essa industrialização substitutiva não elimina toda a
necessidade de importação, pois na medida em que se implanta um setor (bens de consumo correntes) fazem-se
necessárias novas importações nos outros setores (bens intermediários e de capital). Dessa forma, a
industrialização substitutiva não punha termo final às importações, mas pelo contrário, elas às vezes até
aumentavam, predominando uma alteração constante nas pautas de importação. Na lógica dessa dinâmica, o
estrangulamento externo era provisório e recorrente, “pois cada período de restrição das importações e de
incentivo à produção interna era sucedido por uma nova onda de importações, que acabava conduzindo a novo
estrangulamento, novo incentivo e assim por diante”. MANTEGA, G. Op. Cit. P. 124. Em uma segunda fase, a
substituição de importações concentra-se nos setores de bens de consumo duráveis, intermediários e de capital,
baseados em tecnologias com alta densidade de capital, alta produtividade e baixa absorção de mão de obra.
Surge então um problema de demanda, a ausência de um mercado consumidor nos moldes do consumo em
massa dos países avançados aos quais servia aquela tecnologia, cessando os estímulos para novos investimentos
na via das substituições de importações; para a transição desta ao modelo auto-sustentado contar-se-ia com o
Estado investidor e criador de uma demanda autônoma. O que determina a crise do processo da industrialização
substitutiva é que este, enquanto modelo de desenvolvimento, desemboca “numa demanda insuficiente devido à
alta densidade de capital, à grande capacidade produtiva e à concentração de renda”. Ibid. P. 125.
46
enquanto centro dinâmico da acumulação, subestima o papel das classes capitalistas em
formação.
124
A revisão crítica da tese do estrangulamento externo como fator determinante da
dinâmica econômica interna foi feita pela própria Tavares em obra posterior na qual a ênfase
recai sobre os fatores da acumulação de capital.
125
Sua argumentação principal vai buscar -
através de referências em economistas consagrados, como Marx e Schumpeter, ou em alguns
outros menos conhecidos entender os ciclos de acumulação e expansão do capital por meio
de três estruturas oligopólicas fundamentais, inseridas nas economias semi-industrializadas:
a) O oligopólio competitivo corresponderia “(...) às indústrias tradicionais de bens de
consumo não-duráveis, composta em proporções variáveis de pequenas e grandes empresas
nacionais e de algumas grandes empresas estrangeiras relativamente antigas”.
126
b) O oligopólio diferenciado concentrado é aquele em que
(...) as filiais estrangeiras modernas são as empresas dominantes, particularmente
nos setores de material elétrico e de transportes. A ela está acoplada uma
subestrutura metal-mecânica de bens de produção, constituída por um conjunto
diversificado de pequenas e médias empresas nacionais e algumas filiais estrangeiras
especializadas, que funcionam articuladas verticalmente, através da demanda
intersetorial, comandada pelas empresas terminais.
127
c) A terceira estrutura é a do oligopólio puro ou concentrado, que correspondem “(...)
a produtos homogêneos do setor de bens de produção, como cimento, papel, metalurgia
pesada, química básica e alguns equipamentos estandartizados”.
128
Assim, a partir das categorias analíticas do Modelo de Substituição de Importações,
são observáveis algumas características que permitem a compreensão da conjuntura
econômica no Brasil e em Santa Catarina entre 1945 e 1965. Deve-se sublinhar que a
característica principal do período é a da transição do predomínio da economia primário-
exportadora para a economia urbano-industrial. O início da industrialização brasileira, que
124
Sobre o termo “substituição de importações” cabe ainda a advertência quanto ao seu uso restritivo que pode,
por exemplo, levar à conclusão de que o processo objetiva eliminar as importações. Como foi dito, as
importações podem até aumentar devido à dinâmica entre os setores da economia e o desenvolvimento interno
pode também levar a produção de bens de consumo que não eram importados anteriormente. O que se substitui é
uma parte do valor agregado que antes era produzido fora, através da ampliação e diversificação da capacidade
produtiva interna. Cf. TAVARES, M. da C. Op. Cit. 1973. P. 38-41.
125
A autora considera que a tese original foi apresentada no Ensaio “The Growth and Decline of Import
Substitution in Brazil”, publicado no Boletim Econômico para a América Latina em 1964, complementado
posteriormente no livro Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Ensaios sobre a Economia
Brasileira”, de 1972. A revisão crítica dessa tese resultou na obra “Acumulação de Capital e Industrialização no
Brasil”, publicada em 1975.
126
TAVARES, Maria da Conceição. Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil. 2. ed. Campinas:
Ed. da Unicamp, 1986, p. 69.
127
Ibid. P. 71 e 72.
128
Ibid. P. 75.
47
pode ser datada de antes de 1930, desempenhava um papel complementar naquilo que era do
domínio da cafeicultura.
129
Entretanto, no período anterior a 1930, as respostas à crise do
mercado externo não são consideradas a fonte primordial para a instalação do setor industrial,
pois este surge como resultado da acumulação originária da economia cafeeira, o que, por
sua vez, não descarta a relação acima assinalada. Os sucessivos ciclos de industrialização
se constituirão no respectivo domínio do capital industrial na acumulação total - inaugurando
uma fase de forças produtivas, especificamente, capitalistas - durante a década de 1950.
De acordo com o Gráfico 1, que representa a evolução da produção total da indústria
(PTI) sobre a produção total agrícola (PTA), é somente no ano de 1954 que houve a definitiva
afirmação da indústria como participante maior na acumulação de capital. Nota-se que a
indústria apresentava um crescimento econômico significativo na década de 1940, próximo
ao da agricultura, mas enquanto esta apresenta um índice de crescimento em torno de 100%
em quase duas décadas, o total geral da produção industrial quadruplica no mesmo período,
evidenciando uma maior intensidade na atividade econômica.
Apesar de que, num primeiro momento, este crescimento tenha sido considerado
resultado de um ciclo substitutivo de importações, cujo declínio se iniciaria nos anos de 1960,
num segundo momento, considerou-se que somente o período que vai da crise de 1930 até
meados da década de 1950 é que constituiria, de fato, a designada substituição de
importações, em razão de uma diminuição em termos absolutos da capacidade de importar
concomitante com o crescimento intensificado da produção industrial. Assim, o período que
vai de 1933 a 1955, é denominado de “industrialização restringida”.
130
129
Pressupondo a substituição de importações como a verdadeira força que impulsionou a industrialização
brasileira, deve ser encontrada uma relação em que o montante da produção e acumulação interna esteja em um
crescente, enquanto se diminui o das importações. Esta diminuição se por fatores circunstanciais no mercado
externo que impedem a continuidade da dependência às importações de produtos industrializados, promovendo
essa produção internamente. A Primeira Guerra Mundial, a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial são
exemplos de circunstâncias quando a restrição às importações ocorreu, estimulando fases de crescimento
acelerado da industrialização no Brasil.
130
Ibid. P. 101. Ao mesmo tempo em que a expansão industrial comanda a acumulação de capital (com a
participação central da renda urbana como determinante do aumento da demanda e dos lucros), as forças
produtivas e o suporte interno da acumulação urbana são insuficientes para gerarem o capital necessário para a
implantação definitiva da indústria de base, criando limites endógenos para o desenvolvimento. Esses fatores
endógenos vão se articular exogenamente com os fluxos do comércio e com o capital estrangeiro, acentuando as
mudanças na estrutura produtiva, mas sem que houvesse um suficiente predomínio do ramo de bens de
produção.
48
Gráfico 1 - Transição do Modelo Primário-Exportador para o Modelo Urbano-Industrial
FONTE: Índices Econômicos. Revista Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro: FGV, 1966, ano XX, n. 10.
A indústria em Santa Catarina se manifesta a partir de 1880, portanto antes do
Encilhamento. A urbanização, o mercado crescente e a mão-de-obra advinda da imigração
contribuem para este crescimento que se intensifica no limiar do século XX, acompanhando o
aprimoramento das infra-estruturas (portos, ferrovias, hidrelétricas).
131
Durante a Primeira
Guerra Mundial, a indústria catarinense sofre com a interrupção de investimentos em bens de
capital, impedindo a ampliação da produção, mas reage em função da demanda da guerra
principalmente em relação à indústria têxtil, apesar de a indústria alimentar ter tido um maior
aumento de produtividade com maior densidade do capital e utilizando matérias-primas
locais.
132
No processo de substituição de importações foram implantadas as primeiras
empresas carboníferas. Iniciando sua participação na economia nacional, Santa Catarina tende
à produção especializada e regional. Na década de 1920, dada a possibilidade de reaplicação
dos recursos acumulados na Primeira Grande Guerra, prevalece o setor de bens de consumo
nos ramos têxtil e alimentício e, na década seguinte, com a nova fase de estímulo nacional da
industrialização pela substituição de importações e com sua estrutura industrial afirmada,
Santa Catarina ocupava a posição na liderança industrial.
133
A industrialização substitutiva
131
BOSSLE, Ondina Pereira. História da Industrialização Catarinense (das origens à integração no
desenvolvimento brasileiro). Ed. comemor.. Santa Catarina: Confederação Nacional das Indústrias; Federação
das Indústrias do estado de Santa Catarina, 1988, 155 p. P. 42 e 43.
132
Ibid. P. 60 - 84. Passim. Entre 1907 e 1920, a indústria têxtil apresentou um crescimento de produtividade na
ordem de 28% enquanto a alimentar de 39,5%.
133
Ibid. P. 107 - 133. Passim. Atrás de São Paulo, Rio Grande do Sul. Minas Gerais e Distrito Federal.
0
50
100
150
200
250
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
PTI
PTA
49
foi particularmente forte no ramo têxtil, forçando as indústrias a buscarem alternativas que
aumentassem a produtividade para atender a demanda interna. Seu parque industrial se
amplia, com pelo menos 21 empresas industriais e a abrangência dos novos setores
metalúrgicos, de gases medicinais e de mineração. Com o segundo conflito mundial,
promoveu-se a expansão das indústrias de aço, papel e papelão, celulose, derivados de animal,
porcelana, todas pelas dificuldades colocadas à importação.
O período de 1914 a 1945 em Santa Catarina mostra a transição das indústrias
artesanais para as fabris de pequeno e médio porte, com um primeiro momento centrado nas
indústrias tradicionais notadamente a têxtil e alimentar -, seguido de incrementos na
madeireira e na agropecuária no Rio do Peixe e Oeste e, com a industrialização
substitutiva, na base da indústria metal-mecânica.
134
Constatando que grande parte dos
investimentos foi feito por empresários imigrantes, principalmente alemães e luteranos,
conclui-se que Santa Catarina passava da fase do oligopólio competitivo para a fase do
oligopólio concentrado diferenciado, de acordo com o processo interno de acumulação
capitalista.
135
Conforme foi assinalado (de forma generalizante), a industrialização catarinense
ocorre entre os anos de 1880 e 1914, com a afirmação da indústria tradicional. Este processo
caracteriza um primeiro momento de início das mudanças estruturais em algumas regiões do
estado, visto que até então prevalecia, no conjunto das regiões, o domínio do setor primário,
na forma extrativa ou agropecuária. Também em Santa Catarina, encontraremos duas fases
distintas do processo de substituição de importações, marcadas por um início de ênfase nos
bens de consumo não-duráveis, seguido pela outra fase de bens duráveis e intermediários,
mostrando-se pouco expressiva a participação de bens de capital neste processo.
136
134
Cf. CUNHA, Idaulo José. O Salto da Indústria Catarinense: um exemplo para o Brasil. Florianópolis:
Paralelo 27, 1992 (Série Economia), p. 23-27.
135
Apesar de não serem aqui discutidas as concepções de cada uma das interpretações sobre a industrialização
catarinense, ou seja, as diferenças entre a análise periférica, schumpeteriana e desenvolvimentista (mas as
informações nelas levantadas), podemos afirmar de antemão que as duas primeiras corroboram para a hipótese
deste trabalho, na medida em que ambas periodizam semelhantemente a história econômica catarinense,
definindo marcos que se estabelecem em função de processos dados em situações de industrialização
substitutiva. O “Modelo de Substituição de Importações” mostra-se assim, adequado para a análise da realidade
econômica catarinense. A terceira abordagem, no entanto, prefere adotar a perspectiva clássica de Rostow,
postulando um momento de “arranco” na economia de Santa Catarina, associado à crítica da Lei das Vantagens
Comparativas e à defesa do protecionismo, citando a CEPAL. Caracteriza-se mais como um estudo de Política
Econômica do que de Economia Política.
136
Vários fatores buscam explicar este fato. A primeira resposta genérica é que tais bens possuem alta densidade
de capital e não puderam ser adquiridos pela burguesia industrial devido à dinâmica insuficiente do mercado
interno e os conseqüentes déficits na acumulação de capital. A segunda resposta mais tradicional supõe uma
estrutura econômica regionalizada em Santa Catarina que não permite a integração do estado e sua inserção em
processos mais amplos de acumulação e investimentos. A terceira resposta é no sentido de que Santa Catarina
50
Pode-se afirmar que Santa Catarina passou por mudanças estruturais ao longo dos
processos de substituição de importações, incrementou sua base industrial, passando de ramos
tradicionais para outros da chamada indústria dinâmica, tornou-se uma economia competitiva,
mas não diversificou amplamente sua produção, mantendo-se na condição de periferia interna,
fornecedora de matérias-primas e produtos primários para os demais “centros” internos. Nesse
sentido é que sua indústria se limitou a ser um acessório da antiga base agropecuária. Aspecto
marcante e que demonstra a situação diferenciada na economia catarinense foi o de que,
enquanto no cômputo geral da economia brasileira, após o chamado processo de
“industrialização restringida” (que mais corresponde ao MSI), houve a definitiva transição da
economia primário-exportadora para a economia urbano-industrial (gráfico 1); em Santa
Catarina tal realidade não pode se confirmar. Alguns dados traduzem esta situação.
A distribuição da população por setores (primário, secundário e terciário) mostra que
mais da metade da população economicamente ativa do estado concentrava-se no setor
primário até o ano de 1960, apesar de estar declinando desde 1940, dando espaço para os dois
outros setores, mas com uma diferença ainda bastante considerável (gráficos 2, 3, e 4).
coincidência desses dados em mais de um autor.
Não serão utilizados os dados referentes à estrutura da renda interna por setores, pois
além deles diferirem entre os autores
137
, considera-se que este não seja um critério adequado
para perceber o predomínio de um setor sobre o outro, dada a variedade e diferença entre os
fatores de produção a serem remunerados em cada um dos setores.
tanto pôde recuperar sua regionalização com sólidos pólos industriais, quanto se beneficiou dos fluxos do
mercado interno e das exportações, mostrando-se competitivas em alguns setores, mas não se desvinculou da
condição periférica interna em relação ao eixo Rio - São Paulo em maior grau e aos centros da região Sul,
Curitiba e Porto Alegre, em menor grau.
137
Aparentemente dissonantes o quadro II.2 de MATTOS (1968, p. 32) e o quadro 2.10 de CUNHA (1992, p.
42).
51
Gráficos 2, 3 e 4 - Distribuição da população por setores de atividade econômica em
Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) MATTOS, Fernando Marcondes de. A Industrialização Catarinense: Análise e
Tendências. Florianópolis: UFSC, 1968, p. 55.
Para o período entre 1947 e 1960 serão adotadas as porcentagens atribuídas a cada um
dos setores na estrutura do produto real de Santa Catarina. No gráfico 5, de acordo com este
critério mais próximo ao conjunto dos bens resultantes da atividade produtiva, -se
claramente a supremacia do setor agrícola sobre o industrial.
Gráfico 5 - Estrutura do Produto Real (preços de 1949 - valor %) em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) MATTOS, Fernando Marcondes de. Op. Cit. P. 44.
Enfim, com dados mais apropriados referentes ao PIB de Santa Catarina, entre
1960 e 1980 (gráfico 6), não restam dúvidas que a transição do modelo ocorrera apenas por
volta do ano de 1970, quando se assiste a afirmação plena da economia urbano-industrial
catarinense.
79%
9%
12%
Gráfico 2 - 1940
Primário
Secundário
Terciário
73%
11%
16%
Gráfico 3 - 1950
Primário
Secundário
Terciário
67%
13%
20%
Gráfico 4 - 1960
Primário
Secundário
Terciário
0
10
20
30
40
50
60
Agrícola
Industrial
52
Gráfico 6 - Produto Interno Bruto, por setor, em Santa Catarina
FONTE: FUNDAÇÃO IBGE. FGV. Centro de Contas Nacionais. Apud: (adaptado de) CUNHA, Idaulo José. O
Salto da Indústria Catarinense: um exemplo para o Brasil. Florianópolis: Paralelo 27, 1992. (Série Economia),
p. 103.
Portanto, pode-se afirmar que, no período entre 1945 e 1965, Santa Catarina
permaneceu com uma economia predominantemente baseada no setor primário, se bem que
em declínio, que se acentua a partir de 1968. O setor secundário mostra-se, ao contrário, com
uma tendência de crescimento contínuo, sendo superado pelo setor de serviços (terciário),
caracterizando outra peculiaridade da economia catarinense. O predomínio tardio do setor
primário não exclui a existência anterior de centros urbanos industrializados e regionais, mas
demonstra o alcance e a força das atividades agrárias na economia catarinense até após
meados do século XX.
A análise volta-se então para a dinâmica do processo de substituição de importações.
Seria possível considerar que, com uma década e meia de atraso em relação à realidade
brasileira, quanto à transição dos modelos econômicos primário/exportador e
urbano/industrial -, o ciclo de industrialização substitutiva com suas características mais
próprias teria se alongado em Santa Catarina até a segunda metade da década de 1960, se
soubéssemos o coeficiente entre o incremento industrial e as importações desse tipo de bens.
Como esses dados não estão disponíveis, será feito uso de outra forma de análise, baseada nas
dinâmicas externa e interna do Modelo de Substituição de Importações (MSI), ou seja,
respectivamente, o estrangulamento das exportações e a acumulação de capital. Entendidas as
duas fases do MSI, procurar-sepelos marcos que levam necessariamente ao impulso das
substituições (devido ao desequilíbrio externo) associadamente ao movimento interno de
acumulação do capital (ciclos de expansão oligopólica), verificando a extensão do ciclo como
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Primário
Secundário
Terciário
53
um todo na economia catarinense. A explicação detalhada do MSI não tem propósito, mas
serão apropriadas algumas de suas características e colhido alguns outros dados para
ilustrarmos nosso intento. Viu-se que há na industrialização substitutiva, uma cadeia de
demanda por bens que é a apresentada no esquema seguinte:
{--------------- 1ª fase (baixa densidade de capital) -----------------}
{------------- 2ª fase (alta densidade de capital) ----------------------}
Sendo este o esquema teórico do MSI, é preciso reconhecer pela sua reavaliação
crítica - centrada na dominância do capital industrial no processo global de acumulação - que
na economia brasileira seu período foi o da já citada “industrialização restringida”, entre 1933
e 1955, quando “a partir de uma capacidade para importar que diminui em termos absolutos,
conseguiu-se promover um intenso crescimento da produção industrial”.
138
O esquema da cadeia por demanda de bens no MSI se sustenta se for tomado “do
ponto de vista da dinâmica contraditória dos estrangulamentos sucessivos do setor
externo”.
139
Observando o gráfico 7, é percebível tal dinâmica nas quatro categorias principais
de bens, pelo volume de importações realizadas entre 1948 e 1961. Entre os bens de consumo
estão os não-duráveis e os duráveis, aos quais se acrescenta os combustíveis e lubrificantes
(em parte de consumo, em parte intermediários); os bens intermediários aglutinam os
metálicos, não-metálicos e partes complementares; por fim os bens de capital. As grandes
flutuações indicam as necessidades correntes, sistemáticas e, por vezes, agudas do processo de
industrialização brasileira. A princípio, em seguida a uma ascensão do nível de importações
de um determinado setor, segue-se uma fase de declínio, indicando as conseqüências da
industrialização substitutiva; até o momento que é necessário novo movimento de
importações (nova ascensão), devido aos investimentos oriundos da acumulação alcançada na
fase precedente. Os setores que mantêm os níveis mais altos de importações o os mais
carentes no parque industrial interno e inversamente; os que mantêm os níveis mais baixos,
são os setores que, de alguma forma, consolidaram-se internamente.
138
TAVARES, M. da C. Op. Cit. 1986, p. 101.
139
Ibid., loc.cit.
Bens de
consumo não -
duráveis
Bens de
consumo
duráveis
Bens
intermediários
Bens de capital
54
Gráfico 7 Importações do Brasil entre 1948 e 1961
FONTE: (Adaptado de) TAVARES, M. da C. The Growth and Decline of Import Substitution in Brazil.
ECONOMIC COMMISSION FOR LATIN AMERICA. Economic Bulletin for Latin America. New York:
United Nations, Vol. IX, n. 1, p. 22, março, 1964.
Contudo, evitando o risco de simplificação, não se pode negligenciar a influência de
outros fatores. Pelo gráfico 7, por exemplo, o ano de 1951 se destaca como ápice do processo
de substituição de importações, complementado pelo ano de 1954, quando se encerrou o
período da “industrialização restringida”, correspondente ao MSI na sua melhor acepção. De
fato, após este período, percebe-se um declínio generalizado no âmbito das importações;
assim como parece se encerrar a primeira fase de bens de consumo (duráveis e não-duráveis),
0
50
100
150
200
250
300
350
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
Não-duráveis
Duráveis
Comb./Lub.
Metálicos
Não-metálicos
Complem.
Capital
55
enquanto os bens intermediários metálicos e não metálicos continuam com índices mais
elevados. No início dos anos sessenta, certa consolidação do setor de bens de consumo,
porém com o setor intermediário em vias de implantação. Entre ambos, o setor de bens de
capital segue mostrando-se deficitário, sem grandes flutuações e não permitindo a queda das
importações dos bens intermediários.
140
Somente os combustíveis e lubrificantes permanecem
numa tendência contínua de ascensão, numa demonstração da falta desses produtos
internamente.
É bom salientar que ainda mais fatores podem estar influenciando nas flutuações
observadas, o que pode levar a diferentes interpretações. Por exemplo, a ascensão e declínio
dos bens de consumo podem, não em parte, significar o término de um ciclo de
industrialização substitutiva, como também indicar um período de aquecimento do mercado
interno e de ampla satisfação da demanda, seguido de um período de escassez; mantendo-se o
nível de procura por bens de consumo, a queda na oferta destes pode significar um período
inflacionário. O gráfico 7 mostra, também, pontos que problematizam os investimentos (fases
de ascensão) em função da acumulação prévia (fases de declínio). Pressupondo a dinâmica da
acumulação interna pelos três ciclos de expansão oligopólica em economias semi-
industrializadas, é representada no gráfico a expansão do oligopólio diferenciado concentrado,
acoplado a uma subestrutura metal-mecânica. É possível perceber que a estrutura oligopólica
pura ou concentrada, correspondente a produtos homogêneos do setor de bens de produção,
marcou forte presença no acentuado aclive entre 1950 e 1952 e, posteriormente, na tendência
continuada ascendente com flutuações após 1955. Esta estrutura marca a presença do capital
estrangeiro, de grandes empresas nacionais e também das empresas estatais, subentendendo-
se que, nos anos analisados, alguns picos de fases ascendentes podem estar associados aos
investimentos e outras ações de intervenção do Estado.
Consumando a análise desta conjuntura econômica, observamos as taxas de
crescimento do Produto Interno Bruto PIB no século XX (gráfico 8) para, destacando os
anos entre 1945 e 1965, encontrarmos os momentos que podem caracterizar interciclos.
Apesar de apresentar uma ascensão absoluta constante, os índices de variação do crescimento
do PIB do Brasil indicam alguns anos específicos que mostram o “vale” dos ciclos
econômicos.
140
Apesar de que é nesta época em que há um grande incremento dos bens de produção no Brasil, como jamais
ocorrera na economia nacional.
56
Gráfico 8 Médias móveis qüinqüenais da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto PIB
(Brasil 1905/2000)
FONTE: Nível de Atividade e Mudança Estrutural. In: IBGE. Estatísticas do Século XX. Estatísticas
Econômicas. P. 378.
Quando analisamos, anteriormente, as importações no Brasil (gráfico 7), pudemos
verificar, com destaque, os anos de 1951 e 1954 com altas nas atividades importadoras em
todos os setores. Agora, podemos perceber a pequena variabilidade que houve junto aos anos
da década de 1950, quando os destaques são, por sua vez, uma subida forte nos anos da
década de 1940 (iniciada em 1942) e uma queda abrupta nos anos da década de 1960
(finalizada em 1967). Tomando como ponto de partida um interciclo geral melhor demarcado,
teríamos de limitá-lo entre os anos de 1942 e 1967, quando os vales representando momentos
de prováveis crises econômicas profundas, com menores taxas de crescimento - estão
visivelmente em destaque (setas vermelhas). Como nos interessa um período que está inserido
dentro destes limites (linhas vermelhas verticais), entre os anos de 1945 e 1965, podemos
então afirmar a priori que apesar da pequena variabilidade de flutuação neste - caracterizando
um crescimento médio elevado com taxas uniformemente altas variando de 6,3% anuais, em
1949-1953, a 9,3% durante 1957-1961
141
é possível identificar pelo menos três pontos de
baixa (setas alaranjadas), os quais serão utilizados como marcos definidores: os anos de 1951,
1953 e 1956. Buscando relacionar os eventos e as flutuações econômicas, fundamentalmente
no que tange à ação do Estado e dos grupos que nele buscam se afirmar, encontramos
aspectos da sociedade brasileira ressaltados nessa economia histórica.
Segundo uma análise dialética (surgida em meio ao processo histórico brasileiro de
então, relacionado à fase do capitalismo imperialista, posterior à liquidação de velhas relações
141
Cf. Nível de Atividade e Mudança Estrutural. In: IBGE. Estatísticas do Século XX: Estatísticas Econômicas.
Rio de Janeiro: IBGE, 2006. P. 378.
57
de produção já completamente substituídas pelas novas relações capitalistas), é possível
delinear uma contradição externa entre a nação e o imperialismo e uma contradição
interna entre o monopólio da terra e o desenvolvimento das forças produtivas. A primeira
destas contradições manifesta-se no fluxo intermitente do capital estrangeiro e suas
conseqüências (remessa de lucros superior ao investimento, pagamento de royalties, pouco
incremento da exportação, etc.); a segunda, favorecendo ao grupo vinculado à agricultura
latifundiária de exportação em detrimento das demais forças produtivas. Por meio deste viés,
a longa citação reproduzida a seguir fornece uma visão esclarecedora da formação das classes
sociais brasileiras neste momento histórico específico:
A estrutura da sociedade brasileira reflete a etapa que vamos atravessando.
Nela aparecem os latifundiários como a mais velha das classes, que deteve o poder
político por longo tempo e hoje o partilha com a burguesia, vivendo da renda da
terra e encarnando as relações de produção mais atrasadas, que entravam a expansão
das forças produtivas, ligando-se ao imperialismo pelos laços do comércio exterior e
dos empréstimos feitos na maioria em seu benefício. Segue-se a burguesia,
composta pelos industriais, comerciantes, banqueiros e capitalistas agrícolas, classe
recente em nossa história, repartida em alta e média, aquela partilhando o poder
com os latifundiários, esta sofrendo a tributação desigual, as limitações do crédito e
inúmeras outras dificuldades. Em relação ao imperialismo, a maioria da burguesia
dele sofre e tem seus interesses por ele prejudicados, mas elementos tanto da alta
como da média a ele se associam. O setor mais dinâmico dela é o industrial, que
disputa ao imperialismo o mercado interno e a outros grupos o orçamento cambial.
Sua limitação está na debilidade econômica que apresenta. Pertence a esta classe
ainda a pequena burguesia urbana, composta pelos pequenos empresários,
intelectuais, artesãos e funcionários, empregados e militares profissionais, classe que
começa a surgir ainda na época colonial e que cresce com o desenvolvimento
capitalista de fraca concentração de capitais que é o nosso.
Na estrutura social brasileira, a seguir, aparecem o campesinato, o
semiproletariado e o proletariado. O primeiro representa o maior contingente de
nossa população; surgiu da desintegração do escravismo e se compõem hoje da
massa de parceiros, arrendatários, médios e pequenos proprietários de terras,
posseiros, agregados, vaqueiros etc; sofre a pressão do latifúndio e a progressiva
introdução das relações capitalistas no campo nela recrutando capitalistas, de um
lado, e proletários, de outro, enquanto a maioria permanece sujeita a condições
semifeudais. O semiproletariado se constitui com trabalhadores urbanos e rurais,
situados entre a pequena burguesia e o proletariado: colonos do café, campesinato
que trabalha parcialmente a salário, artesãos arruinados, subempregados etc. E o
proletariado, classe recente na vida brasileira, é representado pelos operários das
indústrias, empregados nos transportes e assalariados agrícolas.
142
A acuidade observada permite visualizar as relações sociais contraditórias que no
processo histórico brasileiro, explicam muitos eventos políticos. uma ênfase na cisão que
se opera no interior da própria burguesia, revelando uma parte desta que, estando
circunstancialmente dissociada dos interesses imperialistas e voltada para seus próprios
interesses, manifesta-se como burguesia nacional. O Estado age na esfera do grande capital,
142
SODRÉ, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil. 13 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. P.
399 e 400.
58
dos banqueiros, das relações mercantis internacionais, campo do capitalismo por excelência.
No momento em que o favorecimento do processo de acumulação interna de capital era
preponderante nos objetivos do Estado, temos quais foram as suas alianças de classe, tornando
incontestável a compreensão de que foi neste sentido que se orientou a política econômica do
Estado desenvolvimentista, um Estado estimulador da acumulação de capital. A ilustração 1
resume as várias contradições sociais que se encerram neste momento histórico:
Ilustração 1 Contradições inerentes à estrutura da sociedade brasileira
por volta da década de 1950
CAPITAL ESTRANGEIRO: IMPERIALISMO
ESTADO - - - - - - - - - X
- - - - X
BURGUESIA
NACIONAL
POVO
X
TRABALHADORES
Levando-se em consideração a representação das estruturas sociais e suas contradições
internas, a conjuntura política sofre uma série de variações: alianças entre a burguesia
nacional e o capital estrangeiro, tendências nacionalistas diversas, controle e manipulação do
proletariado, etc. Características próprias da fase histórica são expressões na superfície das
contradições sociais profundas, fazendo permanecer as oscilações e ambigüidades da política,
os limites tênues. Esta estrutura social
Reflete-se na composição do poder, quando o Estado é utilizado pelos
latifundiários e pela alta burguesia, em parte ligada ao imperialismo e que por isso
mesmo recua em relação à pressão imperialista e busca saídas de acomodação e
dependência, de subordinação aos seus interesses, enquanto uma fração defende
posições de resistência. Reflete-se nos partidos políticos sem unidade, que não
correspondem às delimitações da opinião e nem mesmo às do corpo eleitoral.
Confusões como as que fazem o Estado oscilar entre ações de resistência e de
subordinação e deixam flutuantes as linhas partidárias durarão quanto durar a atual
composição do poder.
143
A estrutura da sociedade brasileira é característica do processo que se voltava para a
industrialização. É correto avaliar as relações do Estado desenvolvimentista com as forças
econômicas do capitalismo, representadas fundamentalmente pelo latifúndio de caráter
exportador, pela burguesia industrial e pelo capital estrangeiro, mesmo estando, a segunda
143
Ibid. P. 400.
Latifundiários
Alta Burguesia
Média Burguesia
Pequena Burguesia
Campesinato Semiproletariado
Proletariado
59
dessas forças, dividida em pró ou contra este último. A dinâmica das relações entre elas é que
se altera, segundo interpretações que procuram dar ao Estado brasileiro alto grau de
autonomia frente às pressões políticas.
144
Em ambas as visões permanecem, explícita ou
implicitamente, as relações que permitem analisar o desenvolvimentismo a partir da
conjugação do Estado com as classes dominantes economicamente. Observando-se os
gráficos 9, 10 e 11, destacam-se alguns elementos dessa conjuntura que demonstram
tendências esclarecedoras sobre o período.
Gráfico 9 Crescimento do Produto Real no Brasil, 1947-1964
FONTE: Fundação Getúlio Vargas. Apud: (adaptado de) LEFF, N. H. Política Econômica e Desenvolvimento
no Brasil 1947-1964. São Paulo: Perspectiva, 1977. (Col. Estudos, n. 42). P. 78.
Neste gráfico 9, confirma-se que o período foi de crescimento econômico no Brasil,
com diferenciações nas taxas percentuais do incremento anual da economia. Assim, é possível
considerar momentos de crise, mas situados num quadro geral de expansão da economia,
como visto, centrada na industrialização substitutiva. As crises delineadas pelos picos de
144
Evidentemente, supondo que os objetivos do Estado se restringiam a uma política de controle de déficits do
balanço de pagamentos, associada a uma forte determinação de modernizar o país, chega-se ao Estado mediador
dos interesses das classes e que, quando necessário, capaz de contradizê-las; como se o Estado perseguisse um
objetivo maior, não necessariamente vinculado ao interesse de uma classe. Entretanto, distanciar o Estado do
processo de acumulação do capital não faz o menor sentido em termos de desenvolvimentismo, perdendo-se,
aliás, muito do entendimento sobre a natureza de sua constituição. Não se trata de coisificá-lo como instrumento
das classes capitalistas, mas que apesar de ser um Estado nacional - estruturado, com um corpo tecnoburocrático,
submetido ao equilíbrio entre poderes conforme o regime democrático e constitucional vigente - tende pela ação
das forças políticas determinadas contextualmente à aproximação inevitável com setores classistas. As relações
entre classe e Estado são voláteis, avançam ou retrocedem, mas jamais deixam de existir. É preciso corrigir uma
visão errônea que busca passar a idéia de um Estado desenvolvimentista autônomo; ela desliga o Estado do
latifúndio alegando o declínio dos cafeicultores, do capital privado enfatizando a debilidade dos industriais em
interferir na política econômica, do capital estrangeiro indicando um nacionalismo capaz de preservar os setores
estratégicos. Essas e outras distorções, decorrentes de análises pontuais das sucessivas conjunturas, sugerem uma
visão idealista do Estado, extraindo-o do processo histórico concreto. Perceptível no estudo de LEFF, Nathaniel
H. Política Econômica e Desenvolvimento no Brasil 1947-1964. São Paulo: Perspectiva, 1977. (Col. Estudos,
n. 42). O autor vai inferir a política econômica do desenvolvimentismo a partir das relações entre o Estado e a
opinião das elites.
0
2
4
6
8
10
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
Percentagem do incremento anual
60
queda no crescimento, também apontam para momentos de instabilidade política, levando ou
à indefinição da política econômica ou à tomada de medidas intervencionistas por parte do
Estado.
Gráfico 10 Crescimento da Despesa Real do Setor Público, 1948-1960
FONTE: Fundação Getúlio Vargas. Apud: (adaptado de) LEFF, N. H. Op. Cit. P. 89.
Neste gráfico 10, apresenta-se o caráter do Estado investidor, seguidamente ocupado
em investir suas reservas de capital na economia nacional. Além da expansão do crédito para
o capital privado nacional, deu-se particular atenção para setores públicos que, apesar de
algumas flutuações, elas “apareceram apenas como ciclos dentro de uma forte inclinação
secular de expansão da atividade econômica”
145
deste setor.
Gráfico 11 Investimento Privado Externo Direto no Brasil, 1947-1961
FONTE: (Adptado de) BAER, Werner. Industrialization and Economic Development in Brazil. Homewwod: Ill,
1965. P. 107. Apud: LEFF, N. H. Op. Cit. P. 51.
145
In: LEFF, N. H. Op. Cit. P. 89. Entre 1947 e 1960, o aumento da participação do setor público na formação
do capital fixo agregado investimentos principalmente foi de 23% em média entre 1947-1949, para 52%
entre 1958-1960. Cf. Id Ibid. P. 30.
0
5
10
15
20
25
Aumento anual %
-20
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Milhões de dólares
61
Neste gráfico 11, visualiza-se outra tendência marcante do período, que foi sobre a
entrada do capital estrangeiro na economia nacional: oscilando em níveis relativamente
médios e baixos (inclusive com uma variação negativa) até a metade da década de 1950,
segue uma fase ascensional de grandes e maciços investimentos a partir daí. Os gráficos 9, 10
e 11, também confirmam o diagnóstico da especialidade que aparece nos anos de 1951, 1953
e 1956, sugerindo a hipótese de análise conjuntural: queda nos investimentos externos em
1951 (gráfico 11), quedas no crescimento do produto real em 1953 e 1956 (gráfico 9) e,
paradoxalmente, cumes de despesa real do setor público nesses três anos (gráfico 10).
146
O anteato deste processo ocorre no governo Dutra, com características liberais do tipo
laissez-faire, entreguistas e simpáticas ao capitalismo internacional. Sua principal marca é a
oscilação da economia. Uma primeira fase (1946-1947) é marcada por importações em níveis
relativamente altos de produtos manufaturados, visando combater a inflação, privilegiando o
modelo primário-exportador, até o esgotamento das reservas de divisas acumuladas durante a
Segunda Guerra Mundial. Em uma segunda fase (1947-1950), esforçando-se para conter o
déficit do balanço de pagamentos, o governo instituiu restrições quantitativas sobre muitas
importações, com o chamado “licenciamento de importações”,
147
o que acabou repercutindo,
indiretamente, num protecionismo que favoreceu a industrialização interna de forma
“espontânea”. O controle cambial de 1947 teve o efeito de promover a industrialização,
mesmo não sendo um produto deliberado da política governamental, cuja principal
característica, nos últimos, anos foi a concessão de créditos através de empréstimos do Banco
do Brasil a diversos setores-chave da indústria particular.
148
Em seguida, ao denominado “período entreguista” de Dutra, surgiu a política de
mediação entre nacionalismo e imperialismo feita por Vargas, cujo marco inicial é o ano de
1951. Marcado por uma desestabilidade democrática e por influentes forças de pressão vindas
de vários segmentos da sociedade e das nações mais industrializadas, foi um momento em que
o Estado arcou com pesadas dívidas contraídas para a estocagem do café, ausência de auxílio
externo e conseqüente fluxo negativo do capital público, mesmo havendo aumento dos
investimentos estatais neste setor. A guerra da Coréia tornou-se fator de estrangulamento
econômico para as importações brasileiras provocando, primeiramente, uma corrida para a
146
Estes marcos permitem não compreender as flutuações, mas caracterizar os períodos subseqüentes pelos
fatores determinantes externos e internos assim como as orientações políticas e econômicas que tensionavam o
Estado , respectivamente por três eventos: a guerra da Coréia, a Instrução 70 e a Instrução 113, ambas
autorizadas pela autoridade financeira brasileira de então, a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC).
147
V. LEFF, N. H. Op. Cit. P. 7.
148
Cf. SKIDMORE, T. Brasil: de Getulio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000. P. 98 e 99.
62
importação de equipamentos, seguida de um rombo no balanço de pagamentos -
149
e
alimentou a instabilidade política interna:
Getúlio Vargas não consegue unir em torno de si, como seu antecessor, a
totalidade dos grupos dominantes, nem as classes produtoras, e, ainda menos, as
facções mais radicais de direita do Exército. Ele conta unicamente com a simpatia
popular de caráter difuso com o apoio do PSD e do PTB, além dos grupos
nacionalistas do Exército.
150
A proeminência de um fator externo a guerra da Coréia sobre a realidade brasileira
é visível quando ocorreu, em março e abril de 1951, a IV Conferência dos Chanceleres
Americanos, cujo objetivo era comprometer os países latino-americanos com o
anticomunismo e forçá-los a enviar tropas para a Coréia. Com a cúpula do governo dividida,
mas pressionado por setores nacionalistas, Vargas rejeita o envio de tropas; em contrapartida,
os EUA negam um empréstimo no valor de 500 milhões de dólares ao governo brasileiro.
151
No entanto, sabendo da importância que tinham as importações feitas pelos mercados norte-
americanos em produtos brasileiros, Vargas fez algumas concessões. Em julho de 1951, inicia
os entendimentos para a formação da comissão Mista Brasil - Estados Unidos para o
Desenvolvimento Econômico, abrangendo os setores de energia, agricultura, produção
mineral etc; em dezembro, é entregue ao governo brasileiro o projeto do Acordo Militar. De
forma que, em 1952, o Brasil havia selado três acordos com os EUA: o Atômico (31/01), o
Militar (15/03) e o Fotoaéreo (02/06).
152
Em meio às pressões da conjuntura internacional e à eclosão de movimentos internos
favoráveis ao domínio e liderança dos EUA na América,
153
somou-se à instabilidade política
uma grave crise econômica que chegou ao máximo em 1953. O déficit no balanço de
pagamentos totalizou mais de um bilhão de dólares, a inflação atingia duas casas decimais
ainda em 1952, onerando o custo de vida e houve declínio no crescimento da produção
industrial. Numa tentativa de reverter a situação, foi lançada em outubro de 1953 a “Instrução
70”, anunciada pelo novo Ministro da Fazenda e autorizada pela SUMOC:
A Instrução 70 estabeleceu um sistema de taxa múltipla de câmbio com cinco
categorias, na qual o governo ordenava as exportações de acordo com sua
„essencialidade‟. (...) não apenas elevou o custo interno de muitos produtos
importados, mas também introduziu novos critérios importantes na aplicação de
taxas de câmbios preferenciais.
154
149
Déficit na ordem de 468 milhões de dólares em 1951 e 707 milhões em 1952. Cf. SKIDMORE, T. Op. Cit. P.
150.
150
CARONE, E. Op. Cit. 1985. (Vol. II), p. 42 e 43.
151
Cf. Ibid. P. 53.
152
Cf. Ibid. P. 63-65.
153
Como a “Cruzada Democrática” (Cruzada com os Americanos), formada por grupos reacionários e golpistas
do Exército. V. Ibid. P. 56.
154
LEFF, N. H. Op. Cit. P. 9.
63
Foi um marco do protecionismo brasileiro, promovendo a substituição de importações,
reduzindo a demanda por divisas estrangeiras, aumentando a oferta no mercado interno para
os produtores internos e elevando a taxa de consumo acima do nível permitido pelas
condições de exportação, dando suporte político para a industrialização.
155
A tendência de
diminuição da entrada do capital estrangeiro pelo viés nacionalista se verificou na criação da
Petrobrás em outubro de 1953, enquanto o viés trabalhista-populista, necessário à manutenção
do apoio das classes populares, deu-se com o aumento de 100% no salário-mínimo em 1954.
O suicídio de Vargas representou o ponto extremo do choque interno entre as tendências
políticas opostas que atuaram em seu governo, com um preciso avanço das forças
oposicionistas.
Nesse sentido, os anos subseqüentes expressam uma reversão na política
desenvolvimentista, em relação ao que vinha sendo adotado por Vargas. Em outras palavras,
as novas diretrizes procuram se afastar do nacionalismo, construindo uma imagem externa do
Brasil mais favorável aos investimentos, através da ampliação da entrada do capital
estrangeiro. O marco inicial desta fase é o emblemático ano de 1955, conturbado
politicamente em função das tentativas golpistas que ameaçavam a difícil transição ao
próximo governo eleito pela via da legalidade. Finalmente, no Governo Café Filho, dá-se as
boas vindas ao capital estrangeiro, com a instituição da “Instrução 113” da SUMOC,
analisada abaixo por três pontos de vista diferentes na historiografia que reforçam a
abrangência da medida:
A instrução modificou o sistema de taxas de câmbio de maneira que os
investidores estrangeiros nos setores altamente prioritários foram recebidos em
condições mais favoráveis, tanto na realização de seus investimentos como na
remessa de lucros. É igualmente importante a mudança das atitudes oficiais para
criar um novo clima favorável a tais investimentos, fazendo com que as empresas
estrangeiras se sentissem politicamente seguras no Brasil.
156
Permitindo um grande avanço dessas empresas,
A medida é inteiramente benéfica ao capital estrangeiro, e discriminadora do
capital nacional, pois este necessita pagar toda a importação de máquinas, o que não
se com o similar alienígena. O resultado é a retomada do envio de capitais de
fora, de forma a mais variada e de origem a mais diversa, dominando, entre outras, a
importação de máquinas, que são, em grande parte, obsoletas em seu país de origem.
A Alemanha e os Estados Unidos estão à frente destas aplicações, seguidas por
Inglaterra, Itália, França, Canadá, Bélgica, Suíça e Holanda.
157
E, ainda, favorecendo a tática de expansão imperialista, permitiu a
155
V. Ibid. P. 10.
156
LEFF, N. H. Op. Cit. P. 50.
157
CARONE, E. Op. Cit. 1985. (Vol. I), p. 110.
64
(...) associação de interesses, desnacionalizando as empresas locais, na
mesma medida em que, visando o mercado nacional de capitais, empresas
monopolistas estrangeiras se „nacionalizavam‟. Como o empresário nacional estava
previamente inferiorizado para a importação de equipamentos, era compelido a
associar-se a empresários estrangeiros monopolistas que para isso gozavam de
privilégios. E as empresas mistas começaram a multiplicar-se, isto é, a indústria de
bens de consumo a desnacionalizar-se.
158
O período inaugurado pela Instrução 113 chegou ao ápice com a implantação do
Programa de Metas de Juscelino Kubitschek em 1956. Visava uma industrialização via
controle de déficit, expansão da oferta de matérias-primas e substituição de importações, com
ênfase nas indústrias básicas.
159
A taxa de crescimento real foi de 7% a.a. de 1957 a 1961 e,
entre 1955 e 1961, a produção industrial cresceu 80%, especialmente nas indústrias do aço
(100%), mecânicos (125%), elétricas e de manutenção (380%); de equipamentos de
transportes (600%).
160
Naquele ano de 1956, foi criado o Conselho Tarifário Nacional que
agregava as agências econômicas governamentais e grupos de interesse industrial, importador
e agrícola. No mesmo ano, aprovou-se a legislação tarifária que reunia as instruções
anteriores; ela reduziu de cinco para dois o câmbio múltiplo da Instrução 70, devido às
pressões internacionais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do General Agreement on
Trade and Tariffs (GATT).
161
Apesar da indiscutível abertura ao capital estrangeiro, o período
JK sustentou-se também nos diversos segmentos da sociedade brasileira: protecionismo e
crédito fácil para a burguesia nacional; apoio à exportação para os agricultores, sem tocar na
estrutura do uso da terra; aumentos salariais para os trabalhadores, controlando os sindicatos;
manutenção do status das classes médias urbanas; financiamento de institutos (ISEB) para
projetos dos intelectuais.
162
Sua atuação pode ser resumida em um tripé de sustentação: forte
apoio dos segmentos nacionais, abertura deliberada para a entrada do capital estrangeiro e
investimentos públicos na infra-estrutura para prevenir futuros estrangulamentos do
crescimento econômico.
Os dilemas do governo de Juscelino começaram a aparecer após 1958. O problema dos
investimentos gerava-se na fonte, obtidos junto ao FMI e, nos fins, com a liberação de
créditos. De um lado aumentava a dependência e a dívida externa, de outro permitia a
inflação. Sua resposta foi a de relegar estas duas debilidades ao próximo governo, romper
158
SODRÉ, N. W. Op. Cit. P. 395.
159
Cf. LEFF, N. H. Op. Cit. P. 39.
160
Cf. SKIDMORE, T. Op. Cit. P. 204.
161
V. LEFF, N. H. Op. Cit. P. 10 e 11.
162
V. SKIDMORE, T. Op. Cit. P. 209-211.
65
com o FMI e dar cabo nas metas estabelecidas no seu programa.
163
Os últimos anos do regime
democrático, instalado em 1945 e interrompido com o golpe de 1964, foram marcados por
constantes agitações sociais (acentuadamente no campo), conturbações políticas e uma grave
crise econômica que, iniciada em 1961 como parte do ônus da política desenvolvimentista
de JK -, se estendeu pela maior parte da década de 1960.
1.3 UM ESPECTRO PARTIDÁRIO E ELEITORAL DA “REDEMOCRATIZAÇÃO”
Apesar de o período ser conhecido como o da “Redemocratização”, a evolução política
do interregno de quase vinte anos, entre o imediato s-guerra até o golpe militar de 1964,
não favoreceu a representatividade ímpar dos diversos setores da sociedade brasileira. A
própria idéia de uma “redemocratização” era bastante restrita, sustentada principalmente na
oposição que o novo regime fazia em relação ao ditatorial Estado Novo, que acabara de ser
derrubado com a deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945. Consistiu muito
mais num processo resultante das necessidades políticas emergenciais do que numa aspiração
pelo estabelecimento de um governo do povo. Não que tivesse sido ausente alguma
participação popular nesta “meia” ruptura, nem que inexistisse amadurecimento da sociedade
para tal. Mas o desenrolar dos acontecimentos mostrou que o poder legítimo permaneceu com
forças políticas que o espelhavam, propriamente, o que se poderia considerar uma
renovação do quadro político brasileiro. Iniciado paradoxalmente por um ato de força dos
militares que ocuparam a antiga cúpula do Estado Novo, apoiados pela oposição civil, o cargo
vacante da Presidência da República foi assumido pelo Presidente do Supremo Tribunal
Federal, José Linhares.
164
163
V. Ibid. P. 215-225.
164
A expectativa de instalação de um regime democrático seria satisfeita pela manutenção da data das eleições
presidenciais e para deputados federais que, devido à necessidade de abolir a velha Constituição de 1937, levou à
formação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Os atos fundadores da “Redemocratização” geraram
como conseqüência as duas principais características dos anos que viriam a seguir, segundo o modelo
democrático recém-instalado: a estabilidade conseguida por meio de garantias constitucionais (Constituição foi
aprovada em setembro de 1946) e governo com representantes eleitos pelo voto, inclusive o Presidente da
República. Neste sentido, a periodização comumente atribuída ao período pós-1945 passa pela breve transição
exercida por JoLinhares (29/10/1945-31/01/1946), seguida pelos governos eleitos do General Eurico Gaspar
Dutra (31/01/1946-31/01/1951) e novamente Getúlio Vargas (31/01/1951-24/08/1954) até seu suicídio, quando
assumiu CaFilho (24/08/1954-08/11/1955); os demais governos eleitos de Juscelino Kubitschek (31/01/1956-
31/01/1961) e Jânio Quadros (31/01/1961-25/08/1961) até a sua renúncia, quando assumiu o vice-presidente
João Goulart (07/09/1961-02/04/1964) deposto pelo golpe militar iniciado em 31 de março de 1964. V.
66
Decorre do ocaso do regime ditatorial estadonovista e das eleições, a proliferação de
legendas partidárias. Após o Ato Adicional nº. 9 de 28 de fevereiro de 1945, que altera itens
da Constituição de 1937 e anuncia a realização de eleições presidenciais, começam a surgir
manifestações partidárias incertas ligadas ao reagrupamento do PCB e dos antigos partidos
das oligarquias regionais.
165
A Lei Eleitoral de 28 de maio de 1945, obrigando os partidos a
adotarem programa e organização nacional, provoca fusões que definem o quadro partidário.
166
Entre as legendas surgidas, pode-se definir um prospecto de partidos dominantes,
pequenos partidos e partidos de esquerda.
Entre estes últimos estavam o referido PCB, que passou por um breve período de
legalidade (1945-1947), seguindo-se a fase da ilegalidade (1948-1958), quando se manifestou
através de seus próprios meios de comunicação ou buscou se reagrupar por meios de outras
organizações, por exemplo, no pedido indeferido para a criação do Partido Popular
Progressista (1948), na formação da Frente Democrática de Libertação Nacional (1950) ou na
aliança com o PTB (1954); após o V Congresso, sofre cisão em 1960-1961, que origem ao
PC do B (Partido Comunista do Brasil), enquanto o PCB passa a se denominar Partido
Comunista Brasileiro. E o Partido Socialista Brasileiro (PSB), surgido em 1947, após a
dissidência da Esquerda Democrática - frente diversificada oposicionista ao Estado Novo que
apoiou a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes - de dentro da UDN.
167
Muito mais complexa é a análise das inúmeras agremiações que formaram os
pequenos partidos, com tendências díspares e pouca definição ideológica: o Partido Popular
Sindicalista baseava-se no binômio povo-sindicato; o Partido Agrário Nacional, o Partido
Popular Democrata e o Movimento Libertador do Brasil diziam-se nacionalistas; os
tenentistas se agregavam na Aliança Democrática 5 de julho; o Partido Socialista do Brasil
(diferente do PSB) era dirigido pela pequena burguesia (1947); a Liga Nacional de Educação
Democrática (1950) defendia o evolucionismo no regime capitalista; a Afirmação Política do
Povo (1950) dizia lutar pelas necessidades imediatas do povo e o Partido Popular Democrata
(1951) sustentava princípios do cristianismo; o Partido Ruralista Brasileiro (1951) dizia agir
em favor da liberdade, justiça social e do bem-estar. Existiram outros mais duradouros, como
CARONE, Edgard. A República Liberal: (1945-1964). São Paulo: Difel, 1985. (Corpo e Alma do Brasil, vol.
II).
165
Partido Democrático de São Paulo, Partido Republicano Paulista, Partido Republicano Mineiro, Partidos
Autonomista e Social Democrático da Bahia, Partido Libertador, Partido Republicano Riograndense etc. Cf.
CARONE, Edgard. A República Liberal: instituições e classes sociais. São Paulo: Difel, 1985 (Corpo e Alma
do Brasil, vol. I). P. 295.
166
Ibid., loc. cit.
167
V. Id. Ibid. P. 311-326 e 333-390.
67
o Partido Democrata Cristão (PDC) de 1945, que adotava os princípios da democracia cristã;
o Partido Social Progressista (PSP), resultado da fusão em 1945, dos já citados Partido
Popular Sindicalista e Partido Agrário Nacional, agregava setores oligárquicos e das classes
médias, com grande penetração nas classes populares, tinha na liderança o político paulista
Ademar de Barros; o Partido de Representação Popular (PRP), constituído da antiga Ação
Integralista Brasileira, cujo líder permaneceu sendo Plínio Salgado; além do Partido
Trabalhista Nacional (PTN), os Partido Republicano Trabalhista (PRT), Partido Social
Trabalhista (PST) e Partido Republicano Democrático (PRD); de caráter conservador e
oligárquico, os Partido Republicano (PR) e o Partido Libertador (PL). Todos ocupavam
posição secundária em âmbito nacional, desempenhando algumas funções em momentos
distintos, em articulações e alianças de campanha, no mosaico de partidos que formava a
política brasileira.
168
Submetiam-se aos partidos dominantes, os mais conhecidos, que
dividiram predominantemente (gráfico 12) as cadeiras do poder Legislativo e Executivo: o
Partido Social Democrático (PSD), a União Democrática Nacional (UDN), o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB).
169
Gráfico 12 Representação do PSD, UDN, PTB, PSP e pequenos partidos na Câmara Federal
FONTE: OLIVEIRA, Lúcia M. Lippi. Partidos Políticos Brasileiros: o Partido Social Democrático, p.21, mimeo.
Apud: (adaptado de) CARONE, E. Op. Cit. Vol. I, p. 296.
algumas possibilidades de interpretação da formação desses partidos brasileiros
dominantes no pós-guerra, e a classificação mais reconhecida é aquela que explica a
168
V. Ibid. P. 326 333.
169
Há divergências entre autores quanto aos dados numéricos.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
1945
1950
1954
1958
1962
PSD
UDN
PTB
PSP
Peq. Partidos
68
organização desses partidos numa relação com o Estado Novo. Dessa maneira, eles se
diferenciavam na medida em que refletiram a continuidade ou ruptura com o regime ditatorial
precedente.
Representando o continuísmo estavam o PSD e o PTB, ambos derivados do getulismo,
mas notadamente separando os campos das elites e dos trabalhadores. Atribui-se ao PSD uma
composição vinda da burocracia estadonovista, dos políticos que fizeram carreira nesse
período; ao PTB, a camada dirigente do sindicalismo oficial, estimulado pelo Estado Novo
para o controle da classe operária, por meio do trabalhismo e do populismo. No campo da
“ruptura” estaria a UDN, formada pelos diversos setores da sociedade que eram oposição ao
Estado Novo e que vira na redemocratização uma possibilidade de retornar ao cenário
político.
É preciso ressaltar que, enquanto o PSD e a UDN eram partidos das elites, o PTB
estava no meio dos trabalhadores, mas como instrumento de uso das classes patronais, ou
seja, tinha um caráter popular sem deixar de estar a serviço das elites, ocupando espaço na
organização política das classes ligadas ao trabalho. Já os dois partidos das elites, por sua vez,
não possuíam clara consistência ideológica.
O antagonismo entre oposição ou não ao extinto Estado Novo é que demarcava
fronteiras entre o PSD e a UDN, ambos de caráter conservador. Errônea é a oposição que
marca o PSD como “conservador” e a UDN como “liberal”. O primeiro possuía um programa
genérico que punha de lado a ideologia, gradativamente reformado em 1948 e 1962, tais quais
seus Estatutos, que foram três, em 1945, 1948 e 1963; aquele se assemelhava mais a um
programa governamental que a uma plataforma ideológica, no qual se levantavam discussões
sobre o Sistema Parlamentar, Reforma Eleitoral, Abusos do Poder Econômico, Inflação,
Capitais Estrangeiros, Reforma Agrária, Desenvolvimento Regional, Política Externa,
Combate ao Analfabetismo.
170
Oscilava entre a manutenção do status quo dos grupos e
lideranças que o compunham e posturas tolerantes em relação à posições mais “inovadoras”,
às vezes, identificadas como nacionalistas, seja por meio de facções internas ( a “ala moça”,
da qual fazia parte Juscelino Kubitschek), seja pelos intelectuais orgânicos do porte de
Roberto Simonsen que defendia o intervencionismo estatal.
A UDN tinha a função de se opor ao PSD, o que não garantia que fosse a portadora de
um liberalismo burguês “purificado”. Se por um lado seu programa político oficial defendia
eleições livres, anistia, liberdade de imprensa e associação, restabelecimento da ordem
170
Cf. CARONE, E. Op. Cit. 1985. (Vol. II), p. 301.
69
jurídica liberal
171
, a liberdade de mercado contra o intervencionismo estatal, por outro lado
suas práticas apelavam frequentemente para o golpismo. Até 1957, domina na UDN a
tendência “legalista”, mas após esse período, os chamados “realistas” vão assumir cada vez
mais abertamente uma postura direitista, oportunista, golpista, reacionária e antipopular, posta
em prática nos momentos críticos posteriores ao suicídio de Vargas em 1954-1955 e à
renúncia de Jânio Quadros em 1961.
172
Nas sucessões presidenciais que se seguiram entre 1945 e 1964, o PSD dominou
elegendo os três primeiros presidentes
173
e impondo uma incontestável derrota à UDN que,
fracassada em derrubar as diretrizes continuístas, ora se apoiava nas Forças Armadas, ora na
própria conciliação, trocando por uma brecha no poder sua condição de rígida oposição, pois
“é dentro desta ambigüidade que o partido vai agir, ora colaborando com a política de União
Nacional, com Eurico Gaspar Dutra, ora se negando a participar do Governo Getúlio Vargas;
ou voltando a participar, com o Governo Café Filho”.
174
As alianças partidárias mostravam-se puramente circunstanciais, determinadas pela
possibilidade que os partidos tinham de lançar candidatura própria. As discussões de interesse
predominavam sobre a importância do capital estrangeiro e o papel do Estado interventor, o
laissez-faire e o protecionismo, etc. A permeabilidade entre os partidos dominantes das elites
explica-se pelo amálgama de classes sociais que se entrincheiravam nas duas legendas alhures
divergentes, classes estas economicamente dominantes. As oligarquias participavam tanto no
PSD quanto na UDN; se o PSD era depositário das classes oligárquicas rurais tradicionais
175
,
houve, na UDN, “aberturas suficientes para incorporar setores oligárquicos regionais, através
de alianças ditadas por interesses táticos”.
176
Visto por outro ângulo, também se pode colocar
o fato de que o PSD era integrado pelas oligarquias rurais, por industriais e banqueiros
habituados às negociações com o governo central”,
177
representando “estabilidade e segurança
para as classes conservadoras e produtoras”.
178
Buscando a composição social do PSD, é
possível percebê-la através de dois grupos originários do Estado Novo:
171
Cf. ALBUQUERQUE, Manoel M. de. Pequena História da Formação Social Brasileira. 3 ed. Rio de
Janeiro: Graal, 1984. (Biblioteca de História, n. 6), p. 604.
172
Cf. CARONE, E. Op. Cit. 1985 (Vol. II), p. 303 e 304.
173
A aliança PSD-PTB elegeu Dutra, Vargas e JK. Jânio Quadros foi eleito pelo PSP e após alguns meses, o
governo retorna para o PTB de João Goulart.
174
CARONE, E. Op. Cit. 1985. (Vol. II), p. 308 e 309.
175
Cf. Id. Ibid. P. 298.
176
ALBUQUERQUE, M. M. de. Op. Cit. P. 604.
177
SOLA, Lourdes. O Golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) Brasil em
Perspectiva. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987 (Corpo e Alma do Brasil), p. 280.
178
CARONE, E. Op. Cit. 1985. (Vol. II), p. 297.
70
Em primeiro lugar, havia os políticos e burocratas que se tinham beneficiado
dos anos de Vargas e que preferiam um mínimo de modificações no sistema que
conheciam. Eram os homens que haviam dirigido as mais importantes criações
políticas de Vargas - as novas máquinas estaduais, e a nova aparelhagem
governamental, grandemente aumentada. O segundo grupo, entre os „de dentro‟,
eram os proprietários de terras e industriais que haviam prosperado sob Vargas e que
manifestavam grandes incertezas quanto à estabilidade de um sistema político mais
aberto. Importantes, nesta categoria, eram os fazendeiros de café, e outros grandes
proprietários de terras que apreciavam o completo silêncio de Vargas a respeito da
questão agrária. Havia também os banqueiros e homens de negócio que tinham
aprendido a operar lucrativamente, com o crescente controle central sobre o crédito e
os regulamentos comerciais.
179
O terceiro grupo vindo “de dentro” do Estado Novo era formado pelos trabalhadores
urbanos, educados na legislação trabalhista e no sindicalismo oficial. Em relação à UDN,
considerada um grupo “de fora”, uma oposição heterogênea formou-se, essencialmente, pelos
“constitucionalistas liberais”, representantes das classes urbanas em ascensão:
A identificação dos constitucionalistas liberais com o corpo de oficiais tinha
uma base classista natural. O corpo de oficiais brasileiros era recrutado
principalmente entre a classe média, da qual também dependiam os
constitucionalistas liberais. (...) Além disso, os grupos comerciais e os consumidores
urbanos, que formavam uma parte importante das fileiras da UDN.
180
Mais especificamente, a UDN, fundada em 1944
(...) reunia os elementos antigetulistas: antigos liberais constitucionalistas,
como Armando Salles, Júlio de Mesquita Filho; proprietários de uma cadeia de
jornais como Assis chateaubriand, o dono do Correio da Manhã, Paulo Bittencourt, e
a burguesia comercial urbana, ligada aos interesses exportadores e importadores,
prejudicados em seus lucros pelo intervencionismo econômico do Estado Novo.
Contava, também, com a adesão das classes médias urbanas, assustadas com a
retomada do processo inflacionário, que se acentuara a partir de 1942.
181
Excetuada a tendência que mais tarde formou o PSB, os corpos da UDN ou do PSD,
ambos invocavam um projeto das elites burguesas, com tênues limites entre produtores rurais
e industriais, banqueiros e exportadores, burguesia e classes médias. Afastando as influências
socializantes ou comunistas da consciência do proletariado, o PTB cumpria o papel de agregar
o operariado nos projetos daqueles partidos, conforme as concessões que cada um deles
poderia ocasionalmente oferecer. O domínio do PSD foi algo consolidado no período da
redemocratização; entre 21 estados, elegeu (sozinho ou em alianças com outros partidos como
179
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 12 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2000, p. 81.
180
Ibid. p. 85 e 87.
181
SOLA, Lourdes. O Golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) Op. Cit. P. 281.
71
o PTB, PSP e até mesmo com a UDN) doze governos estaduais, em 1947, treze em 1950, dez,
em 1954/55 e, mais dez no início da década de 1960.
182
Em Santa Catarina, a situação não foi muito diferente. Entre 1947 e 1970, quando
havia eleições pluripartidárias, houve alternância no domínio político do PSD e da UDN no
governo do estado: 1947-1950, PSD (governador Aderbal Ramos da Silva); 1951-1961, UDN
(governadores Irineu Bornhausen, Jorge Lacerda morto em acidente aéreo de 1958 e
Heriberto Hülse); 1961-1971, iniciado com o PSD até a edição do Ato Institucional 2 em
outubro de 1965 que acabou com o pluripartidarismo (governadores Celso Ramos e Ivo
Silveira).
183
No Senado Federal, dos nove representantes catarinenses, entre 1947 e 1966,
cinco foram do PSD, três da UDN e um do PTB. Em relação à Câmara Federal, no mesmo
período, foram 52 deputados catarinenses: 22 eleitos pelo PSD, 5 pela “Aliança Social
Trabalhista” (PSD-PTB), 21 pela UDN e 4 pelo PTB.
184
Na Assembléia Legislativa de Santa
Catarina, o gráfico 13, que representa as legislaturas do período, confirma o domínio do PSD
(exceto na 4ª legislatura), observados os representantes eleitos:
Gráfico 13 - Representantes Eleitos na ALESC entre 1947 e 1967
FONTE: (Adaptado de) CABRAL, O. R. Op. Cit. P. 478-480.
A composição social, geralmente atribuída aos dois maiores expoentes político-
partidários de Santa Catarina, mostra que o PSD de Celso Ramos e família era constituído de
182
V. tabela de OLIVEIRA, L. M. L. Apud: CARONE, E. Op. Cit. Vol. II, p. 299.
183
V. ABREU, Alcides (Comp.) Rememória do Governador Celso Ramos: Santa Catarina 1961-1966. [s.l.]:
Vicenzi, 1997 (Centenário do Nascimento de Celso Ramos), p. 99 e 100.
184
Cf. CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987. P.
397, 399-401.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
1947-1950
1951-1954
1955-1958
1959-1962
1963-1967
Número de Cadeiras
Legislaturas
PDC
PSP
PRP
PTB
UDN
PSD
72
representantes da burguesia agrária, enquanto a UDN, das famílias Konder e Bornhausen,
eram de representantes da burguesia urbano-industrial.
185
Tem-se um fator explicativo para
o domínio do PSD, que pode ser encontrado no fato de que até o final dos anos de 1960, a
estrutura econômica do estado era predominantemente agrícola e não industrial. Entretanto, os
dois partidos políticos representavam as classes dominantes, ou seja, “(...) representavam as
faces de uma mesma moeda, facções articuladas e historicamente constituidoras da burguesia
nacional, o bloco agrário e o bloco urbano-industrial, sempre juntos, quando se tratava de
defender seus interesses patrimoniais frente aos „subversivos‟ interesses sociais dos
subalternos.”
186
A história do PSD em Santa Catarina confunde-se com o domínio da oligarquia
Ramos. Estabelecida inicialmente na cidade de Lages, essa família possuía o mais
importante dos estabelecimentos agropecuários, composto de criação de gado, vastas
plantações, moinhos, tecelagem, carpintaria e olaria.
187
Oriundos do campo, esta oligarquia
rural teve vasta influência na política catarinense: o pai Vidal J. de O. Ramos Jr. foi deputado
estadual (Constituinte de 1891) e federal, senador, vereador e governador por dois períodos,
tido como reformador do ensino catarinense, construiu os primeiros grupos escolares; o irmão
Nereu Ramos é considerado o político de maior expressão de Santa Catarina; foi fundador do
PSD e ocupou a Presidência da República na crise de transição entre os governos Vargas e JK
(1954), além de ter sido governador (1935-1937), interventor (1937-1945), presidente da
Câmara e do Senado, etc; o irmão Mauro Ramos foi prefeito de Florianópolis; Vidal Ramos
Jr. foi prefeito de Lages; o também irmão Joaquim Ramos foi deputado federal por mais de
duas décadas, com seis mandatos; outro irmão, Hugo Ramos, foi político do Rio de Janeiro
(cujo filho ocupou o cargo de vice-prefeito da cidade nos anos 1992-1997); o sobrinho
Aderbal Ramos da Silva foi deputado constituinte estadual e federal, além de governador
(1947-1951).
188
Celso Ramos foi aluno do Colégio Catarinense de Florianópolis; iniciou o curso de
Engenharia de Minas, em Ouro Preto, e residiu no Rio de Janeiro em 1918. Iniciou sua careira
política como vice-presidente da seção lageana da Liga Eleitoral Católica em 1933,
concorrendo à prefeitura de Lages em 1938 pelo Partido Liberal. Derrotado, transfere-se com
185
Cf. AURAS, Gladys Mary Teive. Modernização Econômica e Formação do Professor em Santa
Catarina. Florianópolis: UFSC, 1998. P. 36. Uma divisão mais tradicional, visto que Celso Ramos criou a
FIESC em 1950 e tinha investimentos no setor industrial.
186
Ibid., loc. cit.
187
Cf. LENZI, C. A. S. Celso Ramos: um Perfil Político. IHGSC. Anais do Congresso de História e Geografia
de Santa Catarina: 4 a 7 de setembro de 1996. Florianópolis: CAPES/MEC, 1997. P. 176.
188
Cf. Ibid. P. 174-177 e ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997, p. 99 e 100.
73
a família para Florianópolis, onde foi nomeado Agente da Companhia Nacional de Navegação
Costeira; trabalhou na Companhia Florestal Catarinense, envolveu-se “em organizações
industriais, como Sesi, Sesc e Senai e, mais tarde, na Federação das Indústrias do Estado de
Santa Catarina, tendo sido o fundador do sistema FIESC, em 1950, entidade que passou a ser
a grande articuladora político-institucional, do empresariado catarinense.”
189
Começou a
aparecer no plano político-partidário na década de 1950, pela agremiação organizada pelo seu
irmão Nereu Ramos, o PSD, no qual ocupou cargos administrativos (vice-presidente), eleito
nas convenções estaduais de 1946 e 1951. Com o acidente aéreo que vitimou Nereu Ramos e
o então governador Jorge Lacerda, Celso Ramos, que já presidia a Federação das Indústrias de
Santa Catarina, assume também a presidência do PSD. Em 1958, foi candidato ao Senado da
República, concorrendo com o líder udenista e ex-governador Irineu Bornhausen; apesar da
derrota neste pleito, foi que se consolidou como provável candidato ao governo do estado
nas eleições de 1960.
190
Sua candidatura foi apreciada e discutida em reunião de lideranças pessedistas,
ocorrida em Blumenau a seis de março de 1959, cujo objetivo principal era indicar o
candidato do PSD à sucessão governamental. Dessa reunião saiu a “Declaração de Blumenau”
que lançou oficialmente Celso Ramos então presidente da FIESC - como candidato, na
“urgência de uma mudança no tratamento e solução dos problemas catarinenses a se conseguir
mediante a vigência, a ação dinâmica, o planejamento e a austeridade”.
191
Acolhida a
declaração pelo PSD em Convenção Extraordinária (abril de 1959), na qual foram ditadas as
linhas gerais da plataforma eleitoral, realizou-se, a 24 de maio, a Convenção Estadual que
formalizava a sua candidatura. Celso Ramos, na oportunidade, expressou a “receita”
pessedista em um discurso-plataforma, “para que o nosso Partido Social Democrático cumpra
sua destinação histórica e satisfaça, com bravura e honradez, os compromissos morais,
políticos e administrativos com a terra generosa e com o povo bom de Santa Catarina”.
192
Dentro da dinâmica predominante na política daqueles anos, o PSD conseguiu o apoio
do PTB e a campanha de Celso Ramos foi sustentada por essa união que ficou conhecida por
“Aliança Social Trabalhista”, com o líder petebista Doutel de Andrade, candidato a vice-
governador.
O processo de escolha dos candidatos catarinenses ao governo do estado mostrava as
inúmeras divergências que havia dentro dos próprios partidos que encabeçaram a disputa
189
LENZI, C. A. S. Op. Cit. P. 176.
190
V. Ibid. P. 174-180.
191
Ibid. P. 184.
192
Discurso na Convenção do PSD. Apud: ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997, p. 20.
74
eleitoral. Houve dissidências no PSD, entre Celso Ramos e Osmar Cunha (que tinha o slogan
“o vintém contra os dois que tem”)
193
; no PTB, levando o ex-senador Carlos Gomes de
Oliveira a ser candidato à vice na chapa de Irineu Bornhausen, enquanto outros
correligionários petebistas apoiaram esta mesma candidatura, como o senador Saulo Ramos
que considerou a atitude do PTB catarinense uma barganha, indecorosa, que vinha ferir os
brios e a dignidade do partido”
194
; em nome da “quase totalidade” do PRP, Carlos Bessa
também afinava com a candidatura da UDN, assim como o PSP.
195
As disputas político-
partidárias assumiam, assim, um caráter circunstancial e local, com o envolvimento muito
mais significativo de pessoas do que de partidos propriamente ditos, muito divididos e
inconsistentes:
Não se pode afirmar que a disputa entre PSD e UDN pelo controle do poder
político estadual estava envolta em preocupações ideológicas ou programáticas.
Como também, de que as inflexões da sucessão nacional (...) tivessem determinado
atitudes e comportamentos homogêneos, como por exemplo, o PDC, aliado à UDN
com a candidatura de Jânio Quadros, apoiava, com uma pequena dissensão, o
candidato do PSD, Celso Ramos. Assim também ocorria com o PRP e o PL, que
as vinculações político-partidárias locais, sempre foram mais fortes e expressivas no
que concerne aos interesses das lideranças, na repartição do bolo do poder.
196
Celso Ramos derrotou Irineu Bornhausem por uma diferença de 20.028 votos, sendo
seu vice, Doutel de Andrade, também eleito em três de outubro de 1960. Com base política
variada, além da “Aliança Social Trabalhista” entre PSD e PTB, compuseram as forças de
sustentação da eleição de Celso Ramos, partes do PRP, PDC, PL e PSP. Dessa forma, a
posterior distribuição de cargos do secretariado levou a uma composição heterogênea do
governo: quatro secretarias para o PSD (Fazenda, Viação e Obras Públicas, Agricultura, Plano
de Obras e Equipamentos), mais a chefia da Casa Civil com Nelson de Abreu; três para o PTB
(Interior e Justiça, Saúde e Assistência Social, Trabalho); uma para o PDC (Educação e
Cultura); uma para o PRP (Segurança Pública). Tal composição foi modificada em seguida
com a instituição do PLAMEG.
193
DIÁRIO DA TARDE. Campanha do Vintém. Florianópolis: 02 de fevereiro de 1960.
194
O ALBOR. Irineu e Carlos Gomes aclamados nesta cidade. Laguna: 24 de setembro de 1960.
195
V. Ibid.
196
LENZI, C. A. S. Op. Cit. p. 189.
75
1.4 ESTADO DESENVOLVIMENTISTA: ENTRE O SUBDESENVOLVIMENTO E O
PLANEJAMENTO
Tomando-se o pressuposto de que a visão do sistema capitalista mundial que enfoca os
processos econômicos dos diversos Estados Nacionais, decifra-os pela interpretação na qual
as nações subalternas subordinadas aos interesses dos Estados centrais e das corporações que
neles exercem forte influência, buscam, a qualquer preço, um aperfeiçoamento capitalista
nelas próprias - sem se darem conta de que tal coisa é inconcebível na expansão conjunta do
sistema -, durante as décadas do pós-guerra, o Brasil passou continuamente por várias dessas
tentativas. Partindo da condição de periferia subalterna no processo de acumulação e
expansão do capital mundial, buscou atingir, pelo aumento da sua própria acumulação
capitalista, o padrão dos países centrais: nisso se constituiu o cerne do desenvolvimentismo.
As origens do problema remontam ao pensamento dos economistas clássicos que
desejavam “determinar as causas do crescimento a longo prazo da renda nacional e descobrir
o processo pelo qual se este crescimento”.
197
A análise causal nesses autores se dá, por
exemplo, pelo exame das relações entre as partes que compõem a economia e suas
subdivisões, como a renda nacional (salário, rendas e lucros), o produto nacional (bens
agrícolas e bens manufaturados), a política (pró ou contra o desenvolvimento).
198
Essa análise
clássica do desenvolvimento econômico está completamente fundida às tentativas iniciais de
compreensão sistemática do capitalismo, podendo ser encontradas, mais formuladas, em dois
autores principais, Adam Smith
199
e David Ricardo
200
, cujas visões centralizam-se na
importância conferida à acumulação de capital no processo de desenvolvimento econômico
(que ocorre gradualmente nas sociedades cujas condições institucionais, culturais, etc. lhe
sejam favoráveis), não o diferenciando do crescimento econômico.
Com a introdução da análise materialista histórica de Marx, são os capitalistas que
expropriam os trabalhadores e usurpam todas as vantagens do processo de transformação,
aumentando a extensão da miséria, da degradação e da exploração. É dessa forma que ocorre
o desenvolvimento econômico sob o capitalismo. Lênin, consoante com a análise das
197
MEIER, Gerald e BALDWIN, Robert. Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Mestre Jou , 1968. P. 37.
198
Cf. Ibid. 37.
199
SMITH, Adam. Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. 3 ed. São Paulo, Abril
Cultural, 1984. Col. Os Pensadores. P. 15.
200
MEIER, Gerald e BALDWIN. Op. Cit. P. 62.
76
contradições internas do capitalismo, acrescenta que o excedente de capital que não se
consagra ao nível de elevação das massas de um país capitalista, passa a fomentar mais lucros
no estrangeiro, através da exportação de capitais para países atrasados, citando o exemplo do
Brasil:
As exportações de capitais influenciam o desenvolvimento do capitalismo
nos países para que são dirigidos, acelerando-o extraordinariamente. (...) Um bom
número de Estados (...) desde a Rússia até a Argentina, Brasil e China, apresentam-
se, aberta ou veladamente, perante os grandes mercados de dinheiro, exigindo, por
vezes com extraordinária insistência, a concessão de empréstimos.
201
Mais recentemente, as conceituações foram definidas em duas correntes. A primeira
destas vê na essência do desenvolvimento econômico um processo,
(...) pelo qual a renda nacional real de uma economia aumenta durante um
longo período de tempo. E, se o ritmo de desenvolvimento é superior ao da
população, então, a renda real per capita aumentará. O „processo‟ implica na
atuação de certas forças, que operam durante um longo período de tempo e
representam modificações em determinadas variáveis. Os detalhes do processo
variam sob condições diversas no espaço e no tempo, mas, não obstante, há
algumas características comuns básicas, e o resultado geral do processo é o
crescimento do produto nacional de uma economia que, em si própria, é uma
variação particular a longo prazo.
202
O crescimento econômico “é um processo contínuo de progresso científico e sua
aplicação à técnica de produção, mediante a acumulação de capital”.
203
Uma segunda corrente reconhece, explicitamente, a diferença entre crescimento
econômico e desenvolvimento. Em oposição àquela definição que identificava crescimento e
desenvolvimento econômico “como um aumento, ao longo do tempo, da produção per capita
de bens materiais”,
204
surge uma distinção em que
(...) o crescimento é visto como um processo de expansão quantitativa, mais
comumente observável nos sistemas relativamente estáveis dos países
industrializados, ao passo que o desenvolvimento é encarado como um processo de
transformações qualitativas dos sistemas econômicos prevalecentes nos países
subdesenvolvidos. Segue-se o reconhecimento da diferença de natureza (e não de
grau) entre os sistemas econômicos destes dois tipos de países. O desenvolvimento
é o processo de passagem de um sistema ao outro.
205
Na análise feita em “O Fenômeno Fundamental do Desenvolvimento Econômico”,
Joseph Schumpeter não designa como um processo de desenvolvimento o mero crescimento
201
LÊNIN, V.I. Imperialismo: Fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1979. (Col. Bases, n. 23), p. 63.
202
MEIER, Gerald e BALDWIN. P. 12.
203
SINGER, Paul. Desenvolvimento e Crise. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. Col. Corpo e Alma
do Brasil. P. 14.
204
BARAN, Paul A. A Economia Política do Desenvolvimento. 3 ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1972. P. 69.
205
SINGER, P. Op. Cit. P. 17. Análise pormenorizada das duas correntes pode ser lida no capítulo II,
“Conceituação de Desenvolvimento”. P. 11-28.
77
da economia. Ele se utiliza da idéia clássica de um estágio estacionário dentro dos marcos
institucionais da sociedade capitalista (uma economia monetária, propriedade privada dos
meios de produção, divisão do trabalho, sistema de crédito, empresários, espírito industrial,
motivação aos negócios, trabalhadores e proprietários de terras), onde os vários processos
dentro do sistema econômico são concebidos como fenômenos parciais da tendência para uma
posição de equilíbrio. Neste modelo que ele denomina “fluxo circular”, a produção e a renda
crescem a taxa constante, somente ocorrendo mudanças estáticas; crescimento contínuo
dos fatores (população e capital), a rotina dos negócios é a regra; impera a lei de Say: plena
identidade entre oferta e demanda por bens e serviços, pleno emprego dos fatores de
produção. O processo econômico não pode gerar transformações endógenas.
206
Mas são
exatamente essas transformações que constituem o desenvolvimento:
O desenvolvimento, no sentido em que o tomamos, é um fenômeno distinto,
inteiramente estranho ao que pode ser observado no fluxo circular ou na tendência
para o equilíbrio. É uma mudança espontânea e descontínua nos canais do fluxo,
perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio
previamente existente.
207
As macro teorias sobre o desenvolvimento econômico são geralmente muito
unilaterais e estão, tradicionalmente, em correspondência com o processo de acumulação de
capital traçado pelos países capitalistas do Ocidente. O conhecido ensaio de W.W. Rostow
identificou as “Etapas do Desenvolvimento Econômico” em momentos distintos e
consecutivos. O ponto de partida era a “sociedade tradicional” ou “pré-industrial”, baseadas
em uma ciência e tecnologia pré-newtonianas e na produção agrícola. Depois vieram as “pré-
condições para o arranco”, na passagem do século XVII para o XVIII, com o surgimento da
ciência moderna, de empresas, bancos e Estado Nacional, iniciada a mobilização de capitais e
investimentos em infra-estrutura (transportes). A etapa do “arranco” ocorreu em diferentes
épocas e diferentes países, desde o fim do século XVIII, durante o século XIX e no início do
século XX, notadamente na Grã-Bretanha, EUA, França, Alemanha, Japão, Rússia e Canadá,
quando os antigos obstáculos são superados, o investimento, o lucro e a poupança sobem,
novas indústrias se expandem, novas técnicas se difundem. A quarta etapa marcou a “marcha
para a maturidade”, de progresso contínuo, ampla capacidade de investimento e produção
diversificada, expansão do mercado internacional, crescimento econômico superior ao
206
Cf. CALAZANS, Roberto Balau. A Lógica de um Discurso: o Empresário Schumpeteriano. Ensaios FEE.
Porto Alegre: (13)2, 1992. P. 641 e 642 e SCHUMPETER, Joseph. O Fenômeno Fundamental do
Desenvolvimento Econômico. In: A Teoria do Desenvolvimento Econômico. SP, São Paulo, Nova Cultura,
1988. (Col. Os Economistas). P. 43-47.
207
SCHUMPETER, J. Op. Cit. P. 47.
78
demográfico, etc. A última etapa, da “era do consumo em massa”, no século XX, caracteriza-
se pelo predomínio dos setores de bens de consumo duráveis e serviços, renda per capita para
além das necessidades básicas, população urbana ávida pelo consumo e assistência social.
208
A idéia do “arranco” foi muito influente no desenvolvimentismo brasileiro para caracterizar o
momento em que o país estaria dando o salto para alcançar os países desenvolvidos.
Com a inserção do conceito de “países subdesenvolvidos”,
209
surgem as críticas feitas
às teorias tradicionais (Schumpeter e Rostow) e, principalmente, àquelas aplicações destas na
realidade latino-americana e brasileira. Em relação à teoria schumpeteriana, a crítica sobre
a extrapolação para outras situações específicas dos países subdesenvolvidos. Nestes, segundo
Wallich, “(...) o empresário não é a principal força motora, a inovação não é o processo mais
característico e o enriquecimento não é o objetivo predominante”,
210
mas é o Estado que
cumpre a função empresarial, pois os capitalistas não tinham a mentalidade do empresário
schumpeteriano. Essa afirmação é muito importante para perceber que nos países
subdesenvolvidos como o Brasil, foi o Estado que cumpriu o papel de impulsionador do
desenvolvimento. A adequação dessa teoria aos países subdesenvolvidos revela, mesmo a
partir de um problema teórico, uma realidade significativa: o Estado empresário, inovador e
banqueiro foi suprindo as insuficiências internas para o desenvolvimento.
No caso do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) e os bancos
regionais e estaduais foram utilizados para o repasse de recursos internacionais ou federais,
enquanto o ingresso do capital estrangeiro, a partir da década de 1950, promoveu o aumento
da oferta de capitais, empresários e tecnologias.
211
A demanda por meios de investimentos
promoveu o surgimento de bancos voltados para o desenvolvimento. Por exemplo, em 15 de
março de 1961, por decisão conjunta do presidente da República Jânio Quadros e dos
governadores Ney Braga (Paraná), Celso Ramos (Santa Catarina) e Leonel Brizola (Rio
208
V. ROSTOW, W. W. Etapas do Desenvolvimento Econômico (Um Manifesto Não-Comunista). 4 ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 1971. Biblioteca de Ciências Sociais. P. 16-30.
209
Numa definição genérica, diz-se que os países subdesenvolvidos são pobres ou economicamente atrasados,
correspondendo geograficamente à maior parte da América Latina, Ásia e África. Apresentam baixa renda per
capita, dependência da exportação de produtos primários, desemprego, subemprego, subconsumo, baixa
poupança etc. Essas e todas as outras características que demonstram a situação inferior de um país em relação
aos padrões econômicos das nações industrializadas passaram a constituir o subdesenvolvimento. O termo
invoca uma análise do sistema internacional e além dos critérios econômicos, corroboram critérios políticos e
sociais, relacionando o subdesenvolvimento à dependência, ao conjunto de relações internas e externas que
vinculam os países subdesenvolvidos aos centros hegemônicos. Essa situação atinge tanto países extremamente
pobres, quanto àqueles que possuem certo nível de industrialização e diversificação da produção como, por
exemplo, o Brasil. Cf. SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia Política do Século XXI. 2 ed. São Paulo;
Rio de Janeiro: Record, 2006. P. 619, 801 e 802.
210
CALAZANS, R. B. Op. Cit. P. 660.
211
V. SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Atlas, 1999. P. 189-191.
79
Grande do Sul), foi criado o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
BRDE.
212
Em Santa Catarina, especificamente, o instituto bancário (figura 5), com o fim
de “fornecer o apoio creditício necessário para desencadear o processo de crescimento e
fortalecimento econômico do estado”
213
, surgiu com a primeira intervenção do poder público
estadual no setor financeiro, em 1962, durante o governo Celso Ramos, com a inauguração do
Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina S/A, o BDE (atual BESC).
Figura 5 O Banco de Desenvolvimento do Estado (BDE) na década de 1960.
FONTE: REVISTA DO SUL. “O VALE DO ITAJAÍ”. s/l: n. 159, ano XX, p. 8.
Inserido na conjuntura do desenvolvimentismo, o banco para o estado de Santa
Catarina foi objeto da plataforma política e esteve no programa partidário do então candidato
do PSD, Celso Ramos, que invocava a necessidade de um banco oficial para sustentar suas
propostas de governo:
O Banco de Investimento nos tem a figura de espinha dorsal de todo o
conjunto de nossa programação. Vencer a inércia em que nos encontramos pela
carência total de investimentos volumosos em setores básicos do desenvolvimento
econômico, vai exigir a presença de uma entidade de feitio novo, de características
precisas e recursos avultados. Este instrumento nós o denominamos provisoriamente
de Banco de Investimento. Em linhas gerais este Banco será uma organização não
comercial, cuja administração deverá caber aos grupos organizados da indústria, do
comércio, da agricultura, do trabalho e do governo. As suas finalidades serão
fundamentalmente três: 1ª)Financiar obras públicas; 2ª)Financiar empresas
industriais, comerciais e agrícolas; 3ª)Financiar a profissão.
214
212
Cf. ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997. P. 89.
213
SCHMITZ, Sérgio. Santa Catarina: Bancos e Banqueiros. IHGSC. A Realidade Catarinense no Século XX.
Florianópolis: IHGSC, 2000, p. 325.
214
Discurso na Convenção do PSD em 1959. Apud: ABREU, Alcides. Op. Cit. P. 35.
80
Em que pese o apelo desenvolvimentista, político por excelência, associando o projeto
de fundação de um banco de desenvolvimento social, duas outras razões devem ser relevadas,
independentemente do fato de que os interesses prioritários partiam da grande burguesia
bancário-financeira. A primeira, de ordem econômica, aponta que havia a necessidade de
oferta de crédito no estado, abrindo a demanda por um banco estadual:
(...) a sociedade exigiu a criação do Besc, que surgiu na época chamado de
Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina. Isso porque faltava crédito
para o estado crescer e se desenvolver, assim como faltava energia elétrica (...). O
governador Celso Ramos queria a participação popular no controle acionário do
Besc, que nasceu democratizado. Mais de 1,9 mil acionistas se juntaram para lançar
o BESC...
215
Por outro lado, a razão que aponta para uma relação política de disputa entre as
oligarquias estaduais. Antes do BDE, havia o Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina,
o INCO, cujo fundador e sócio-proprietário era o ex-governador e senador Irineu Bornhausen.
O INCO que não contou com nenhum apoio oficial durante os anos de domínio da
oligarquia Ramos e do PSD (1935-1950) -, teve rápido crescimento na década de 1950
quando o líder da UDN e seus correligionários estiveram no poder, sendo que grande parte do
dinheiro do Estado circulara naquela instituição que funcionava como uma espécie de banco
estadual. Assim, o projeto e a consolidação do BDE também resultaram da divisão interna das
próprias oligarquias catarinenses:
No pleito de 3 de outubro de 1960, o PSD, tendo como candidato Celso
Ramos para o governo do estado, derrota o candidato da UDN, o ex-governador,
senador e banqueiro Irineu Bornhausen. Assim, o governo estadual, controlado
dez anos pela oligarquia Konder-Bornhausen e detentora da UDN é substituída pela
oligarquia Ramos do PSD. E mais, como estratégia do novo governo de reduzir o
poder econômico do INCO, cria uma instituição de crédito, o Banco de
Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina BDE. No que diz respeito à sua
expansão, estendeu sua rede de agências pelas diferentes regiões geoeconômicas do
estado, instalando, inclusive, nos municípios onde existiam agências do INCO,
incrementando, portanto, a concorrência. O Banco era atingido, com toda certeza,
perdeu um volume de depósitos altamente considerável.
216
Retornando à crítica da teoria de Rostow, mostra-se que - quando submetida a uma
visão mais abrangente que englobasse regiões subdesenvolvidas como a América Latina - a
concepção tradicional de desenvolvimento induz ao erro de considerar o subdesenvolvimento
como um mero “atraso” de determinadas nações em relação ao processo original de expansão
capitalista. O principal problema dessa visão consiste na idéia de que as nações
subdesenvolvidas teriam ainda algumas etapas a percorrer até alcançarem o mesmo nível
215
DIÁRIO CATARINENSE. “O Besc ainda tem mensagens a dar¨: entrevista com Alcides Abreu.
Florianópolis: 29 de setembro de 2008. (Caderno de Economia), p. 16.
216
SCHMITZ, Sérgio. Banqueiros e Partidos Políticos em Santa Catarina (1935-1968). IHGSC. Op. Cit. 1997. P.
251.
81
econômico das nações desenvolvidas. Descartava-se, dessa forma, qualquer hipótese de
interpretação do capitalismo enquanto um sistema no qual a existência de países
desenvolvidos implicava, necessariamente, na existência de amplas regiões subdesenvolvidas.
Na América Latina, a reação à teoria tradicional e o aprofundamento do estudo das relações
entre o desenvolvimento e subdesenvolvimento iniciou-se nos anos de 1940 e, a partir da
década de 1950, sistematizou-se nas abordagens dos estudiosos da Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe, a CEPAL, dentre os quais estiveram os citados Celso Furtado
e Maria da Conceição Tavares, dentre outros.
217
A principal característica geral da América
Latina, segundo os cepalinos, consiste na sua posição estrutural dentro do mercado
internacional, ou seja, as economias latino-americanas possuem uma função distintiva como
regiões especializadas e dependentes da exportação de bens primários.
218
Mas após a guerra, havia uma contradição entre a prática e as idéias dominantes, pois
os países da América Latina (salvo algumas exceções) estavam em pleno processo de
industrialização, com um crescimento anual por volta dos 5,8% entre 1945 e 1954, além de
uma expansão das importações de 7,5% a. a., dada a restrição dos mercados externos:
Isto abria um espaço ao fortalecimento da ideologia industrializante, que
recém começava a despertar na região. Por sua vez, se difundia a idéia de que as
exportações tradicionais tendiam a recuperar terreno com a volta da normalidade no
pós-guerra, o que estimulava a restauração da ideologia liberal dominante desde os
anos trinta, fundamentada, do ponto de vista acadêmico, na teoria da divisão
internacional do trabalho, baseada nas vantagens comparativas estáticas
(ricardianas) ou nas vantagens emanadas da dotação relativa de fatores.
219
Visando apresentar o percurso das idéias a ruptura com as teorias neoclássicas e a
experiência advinda das crises capitalistas mundiais o intelectual argentino Raúl Prebisch
formulou os pilares da teoria cepalina em “Cinco Etapas de mi Pensamiento sobre el
Desarrollo”. De maneira geral, os postulados da CEPAL tiveram na segunda metade dos anos
217
Desde que começou a atuar, na segunda metade da década de 1940, a CEPAL não teve a pretensão de
formular uma teoria ou esquema geral que abarcasse sistematicamente todos os aspectos sociais, econômicos e
institucionais do desenvolvimento latino-americano. Foi a própria realidade objetiva, os problemas e situações
vivenciadas na América Latina que permitiram a visão mais ampliada e a construção posterior dos pressupostos
teóricos da CEPAL. Nos anos pós-guerra, havia uma situação contraditória em vários países latino-americanos,
entre o comportamento e propósitos em voga de um lado e o corpo de idéias e esquemas teóricos e doutrinários
prevalecentes. Com as circunstâncias criadas pela crise de 29 e a Guerra Mundial, estes países empreenderam
uma transformação de suas estruturas econômicas, apartando-se do modelo de “crescimento vindo de fora”. Este
modelo era predominante nos países capitalistas centrais, derivado da concepção clássica de divisão
internacional do trabalho, pelo qual a “América Latina deveria corresponder, como parte da periferia do sistema
econômico mundial, o papel específico de produzir alimentos e matérias-primas para os grandes centros
industriais”. CARDOSO, Fernando Henrique, PINTO, Aníbal e SUNKEL, Osvaldo (Org.) El Pensamiento de
la Cepal. Santiago de Chile: Editorial Universitária, 1969. P. 16.
218
Cf. Id. Ibid. P. 13-18.
219
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Evolución de las Ideas de la CEPAL. Revista de La Cepal. Cepal Cincuenta
Años. S/l: Naciones Unidas, 1998. P. 25.
82
de 1940 um duplo sentido: (...) de um lado, criticava-se a teoria predominante da divisão
internacional do trabalho ou, se quiser, do comércio exterior tal como era vista pelos
países do centro; de outro, fundamentava-se em novos termos o processo industrial e, em
geral, a diversificação do sistema produtivo através da difusão do progresso técnico”.
220
Ragner Nurske afirmou que o principal problema dos países subdesenvolvidos era a baixa
capacidade de acumulação de capital, devido à baixa taxa de poupança que poderia ser
formada pela população. A ação coordenadora e planificadora do Estado e para resolver a
escassez do capital, recorrência à poupança externa (fazer uso do capital estrangeiro) eram
medidas que estavam no rol de ações diagnosticadas pela CEPAL para romper com o
estagnacionismo do liberalismo econômico.
221
Gunnar Myrdal criticou o livre mercado como
caminho para o desenvolvimento das periferias, enfatizando a necessidade da construção de
um Estado Nacional nessas regiões, um “nacionalismo” que levasse à integração das classes
sociais em prol do bem comum. Sua análise da dinâmica interna permitia enxergar
convergências na luta de classes e a possibilidade de um Estado e do capitalismo
benevolentes, que ao impedir os abusos do capitalismo selvagem da primeira fase da
Revolução Industrial, através da democracia social, proporcionasse a colaboração entre as
classes.
222
Vimos que o período da década de 1950 e, principalmente, da década de 1960 foi uma
fase de ascensão do capitalismo e de prosperidade econômica, especialmente para os países
desenvolvidos. Nesse contexto, a idéia dominante para os países subdesenvolvidos era a de
que havia uma grande possibilidade para que eles ingressassem rapidamente no rumo do
desenvolvimento. E o planejamento ou planificação econômica foi considerado o instrumento
mais adequado para que isto ocorresse.
Surgida no final da década de 1920 na URSS, a planificação se estendeu para os países
de economia capitalista (França, Japão e outros da Europa Ocidental), após a Guerra
Mundial, chegando finalmente aos países subdesenvolvidos nas décadas seguintes. Tida como
uma tentativa válida de imprimir uma orientação mais racional ao funcionamento das
economias capitalistas, no sentido de identificar suas tendências e possíveis problemas a
serem corrigidos ou sanados pela ação do plano, a planificação passou a ser vista como um
conjunto de procedimentos adotáveis para que uma economia atinja determinados objetivos
220
CARDOSO, F. H.; PINTO, A. e SUNKEL, O. Op. Cit. P. 16. Essa perspectiva explica porque um político
essencialmente tradicional e conservador como Celso Ramos, cujas bases estavam nas oligarquias agrárias, se
lança em um processo industrializante.
221
V. MANTEGA, Guido. Op. Cit. P. 48-53.
222
V. Ibid. P. 53-57.
83
previamente fixados.
223
Para que exista o planejamento é necessário uma máquina orgânica
que analise a situação prévia, escolha objetivos a serem alcançados e meios para serem
seguidos: aparentemente perceptível no órgão planificador, o sujeito que elabora e executa o
plano é o próprio Estado, direcionado pela sua política econômica, como forma geral de
orientação da economia. O Estado desenvolvimentista no Brasil inaugurou a era da
planificação econômica.
Traçando um panorama do planejamento no Brasil, ele se inicia em 1939, com o Plano
Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional, concebido na fase em que
se definiam as diretrizes da ação governamental nos setores fundamentais do petróleo, do
carvão e do ferro, dos transportes, da saúde e da defesa nacional”.
224
Incluído no programa de
realizações do Estado Novo, visando o reajustamento da subestrutura econômica e o
reaparelhamento do Exército e da Marinha, com ênfase nas indústrias básicas e nas obras
públicas, o “Plano Especial” controlado pelo Ministério da Fazenda, Contadoria-Geral da
República e Tribunal de Contas foi executado com relativo êxito até 1943.
Da sua revisão, com a intenção de prorrogar a experiência, foi sugerido um plano geral
de obras públicas e equipamentos, surgindo daí o Plano de Obras e Equipamentos (POE),
instituído em 29 de dezembro de 1943. Seu objetivo central era “a realização de obras
públicas de caráter civil, de acordo com as necessidades mais prementes, bem como o
incentivo a indústrias básicas”.
225
Sob a coordenação do Departamento Administrativo do
Serviço Público (DASP), o POE desenvolveu-se normalmente nos anos de 1944 e 1945, com
ênfase nos empreendimentos civis, mas, devido à mudança presidencial e nova política de
câmbio principal fonte de recursos do plano -, sua execução tornou-se financeiramente
impossibilitada, vindo a se extinguir em 1946, finalizando os primeiros oito anos de
experiência em planejamento governamental no Brasil.
No início de seu governo, o Presidente Dutra não tinha a intenção de aderir ao
planejamento. Entretanto, a partir de 1947, pressionado pelo DASP, começou a se inclinar
para a realização de um plano durante o seu governo. Além daqueles objetivos característicos
do planejamento, Dutra fez do plano um ato político para reforçar o aspecto liberal e
democrático de sua gestão. O plano visava reaparelhar os transportes e aumentar a produção
de energia, ao mesmo tempo em que cuidaria da saúde e da alimentação do “homem
223
Cf. MIGLIOLI, Jorge. Introdução ao Planejamento Econômico. São Paulo: Brasiliense, 1982. (Primeiros
Vôos, n. 10), p. 7-15.
224
COSTA, Jorge Gustavo da. Planejamento Governamental: a Experiência Brasileira. Rio de Janeiro: FGV,
1971. (Biblioteca de Administração Pública, n. 16), p. 55.
225
Ibid. P. 77.
84
brasileiro”. A proposta inicial foi estudada por representantes legislativos do PSD, UDN e PR,
na designada Comissão Interpartidária, refletindo tanto um acordo democrático das forças
políticas pela conciliação dos partidos, quanto o respeito liberal do Poder Executivo pelo
Legislativo.
226
Também vinha da necessidade de afirmação do poder do Estado, conforme se
em mensagem do presidente ao Congresso Nacional de 10 de maio de 1948, quando fora
remetido o Plano SALTE:
O enorme e rápido desenvolvimento do aparelho estatal; a multiplicação das
relações entre o Estado e o indivíduo; as novas contingências criadas pelas
transformações políticas e sociais (...) modificaram, sensivelmente, as antigas
concepções que, até bem pouco tempo, orientavam o papel dos Governos. Hoje, não
se pode mais admitir que o Estado tenha a sua ação cerceada ou limitada pelo
pequeno conjunto de funções ou finalidades, convencionalmente, consideradas
essenciais nos tratados clássicos de direito público.
O revigoramento da própria democracia repousa na adoção de novos métodos
de Governo. A ação do Estado deve se fazer sentir em todos os domínios das
atividades humanas onde haja uma parcela de interesse público. Não bastam as
velhas fórmulas de manter a ordem pública, preservar a segurança nacional e
garantir a vida e a propriedade do cidadão. Cumpre, preponderantemente, ao Estado
de nossos dias, além dessas obrigações elementares, estimular e suprir a iniciativa
privada, a fim de proporcionar ao povo um nível cada vez mais alto de bem estar e
prosperidade.
(...) o Estado tem o dever de formular a programação sistemática das
realizações que lhe são impostas, em proporção à sua capacidade financeira. Para
isto, é indispensável que os órgãos do Governo (...) recebam os encargos e as
responsabilidades de executar as providências devidamente planejadas com o intuito
de solucioná-los [os problemas fundamentais].
227
Obviamente inserido no âmbito do Estado liberal, no qual, estando resguardados os
interesses particulares, possam-se proporcionar benefícios à coletividade, o plano SALTE foi
instituído apenas em maio de 1950. Apresentando dificuldades para a execução e controle
devido às inadequações financeiras, contábeis e administrativas -, resistiu até o ano de 1958, a
despeito do veto de Café Filho para sua prorrogação em 1954, paralelamente ao Plano de
Reaparelhamento e Fomento da Economia Nacional criado em novembro de 1951 por Getúlio
Vargas. Em dez anos, houve uma atrofia dos setores de alimentos e de saúde em favor dos
transportes. Além da inexequibilidade financeira, faltou-lhe exiquibilidade técnica.
No curso das transformações da década de 1950, condicionado pelo contexto
econômico, político e administrativo, produto de imperiosa exigência de um planejamento
com conotações ideológicas, originou-se, durante o governo do presidente Juscelino
Kubitschek, o Plano de Desenvolvimento Econômico designado, popularmente, como
Programa de Metas. Este se inicia com a instituição do Conselho do Desenvolvimento no
226
V. Ibid. P. 90-92.
227
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Diário do Congresso Nacional. Capital Federal: 19 de maio de 1948.
(Ano III, suplementar ao n. 85), p. 1.
85
primeiro ano do governo (1956), período de sua formulação. Ainda candidato, Juscelino se
pronunciou da seguinte maneira sobre os atores participantes do progresso nacional:
Sou decididamente, pelo princípio da livre empresa consagrada no regime
constitucional vigente. Tudo farei de minha parte para que o progresso do Brasil
resulte, principalmente, da atividade incessante, inteligente e dedicada dos homens
de empresa, onde quer que se encontrem, na lavoura, na indústria, no comércio,
sejam eles nacionais ou estrangeiros.
228
O governo empenhado no estímulo capitalista supunha o futuro usufruto do processo
cumulativo:
Estou convencido, entretanto, de que a atitude do Governo no campo
econômico não deve ser a de expectativa passiva, mas a de intervenção em apoio da
iniciativa privada, orientando-a e suplementando-lhe os esforços, no sentido de
acelerar-se o processo de acumulação de riquezas da coletividade e da divisão
equitativa dos bens e benefícios do progresso.
229
Nota-se claramente uma concepção de desenvolvimento movida pelos capitais
privados e em função das classes empresariais, envolta no ideal progressista, em cujo
processo o Estado desenvolvimentista é interventor, tanto para favorecer a acumulação de
capital, quanto para fornecer a base de sustentação política, seja das classes dominantes seja
das classes médias e trabalhadoras, com a promessa de controle inflacionário:
Todavia, deverá essa intervenção se processar no quadro de um plano de
desenvolvimento em que se defina, de forma clara, o campo de ão da iniciativa
privada e se delimite objetivamente o âmbito de atração direta do Estado,
coordenando-se esses dois setores, de modo que se evitem atritos, inibições ou
excessos de investimentos simultâneos a absorverem fatores de produção limitados
gerando pressões inflacionárias.
230
Dado o período de sua implantação definitiva, entre os anos de 1957 e 1960, o
“Programa de Metas alcançou um índice de execução entre 65 e 70 por cento, superior,
portanto, ao do Plano SALTE, que não atingiu a casa dos 50%”.
231
Esse resultado é devido ao
êxito de algumas metas em específico (Petróleo, Rodovias, Fertilizantes, etc.), caso contrário,
o nível de execução baixaria para 55%, evidenciando o desequilíbrio do Programa.
Sucessor de Juscelino, o presidente Jânio Quadros extinguiu o Conselho do
Desenvolvimento e criou a Comissão Nacional de Planejamento (COPLAN), apesar de não
ter sido elaborado qualquer plano até sua renúncia, nem no posterior, breve e tumultuado
228
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CONSELHO DO DESENVOLVIMENTO. Programa de Metas:
Introdução. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1958. (Tomo I), p. 5.
229
Ibid., loc. cit.
230
Ibid., loc. cit.
231
COSTA, J. G. da. Op. Cit. P. 178.
86
período de regime parlamentarista. Somente em dezembro de 1962 é que surgiu o Plano
Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, para o exercício de três anos do governo
João Goulart, de 1963 a 1965. Os objetivos básicos do plano eram os de “manter a taxa de
crescimento econômico de anos anteriores (que tinha sido alta, mas decrescera em 62),
diminuir a inflação (que estava aumentando), refinanciar e reduzir a dívida externa, melhorar
a distribuição de renda, tanto pessoal como regionalmente”.
232
O Plano trienal teve o rito
de abranger toda a economia nacional não apenas alguns setores -, mas não foi executado.
Paralelamente aos planos federais que se sucediam, iniciou-se, no Brasil, o
planejamento em nível estadual, tanto para estabelecer uma orientação das economias
estaduais, segundo um procedimento mais racional, quanto para facilitar a aproximação com o
poder central, capaz de oportunizar alternativas de auxílio aos governos estaduais.
Em Santa Catarina, “o marco inicial no desenvolvimento do planejamento estadual foi
representado pelo Plano de Obras e Equipamentos POE”.
233
Apesar da mesma
nomenclatura do plano federal do ano de 1943, posteriormente extinto por Eurico Gaspar
Dutra, o POE de Santa Catarina foi uma espécie de orçamento paralelo de investimentos
submetido a tratamento especial”
234
para obras pré-definidas. Foi previsto para ser decenal
(1956-1965), o que lhe caracterizava como um instrumento de ganhos eleitorais, pois se
tivesse sido realizado dessa maneira pelo mesmo grupo que o propunha, proporcionaria um
período de quinze anos com a UDN no poder. Seus recursos seriam aplicados em quatro
setores: 1. estradas de rodagem; 2. energia elétrica; 3. agricultura e 4. educação e cultura.
No entanto, como já foi visto, em 1961, houve alteração do grupo político no poder do
estado, com o PSD em substituição à UDN. O novo governador Celso Ramos, que já fizera do
planejamento uma plataforma para as eleições de 1960 patrocinando pela FIESC, um estudo
da realidade catarinense que ficou conhecido como o Seminário Sócio Econômico -, através
da Lei 2.772, de 21 de julho de 1961, implanta o Plano de Metas do Governo, o PLAMEG,
para o qüinquênio de 1961/1965:
Instituído pela leia acima citada, o PLAMEG destinava-se à execução,
aperfeiçoamento e atualização de obras e serviços públicos e ao desenvolvimento
social e econômico do estado. O mesmo diploma legal autorizava o Poder Executivo
a despender, para a execução do Plano no período governamental, recursos até a
importância de dezessete milhões e quinhentos mil cruzeiros, destinados aos
232
MIGLIOLI, J. Op. Cit. P. 83 e 84.
233
SCHMITZ, Sérgio. Planejamento Estadual: a Experiência do Plameg. Florianópolis: EdUFSC, 1985. P.
20.
234
Ibid., loc. cit.
87
investimentos que objetivassem a melhoria das condições do homem; da infra-
estrutura; a expansão agrícola e industrial, discriminada em setores.
235
O PLAMEG foi um marco do desenvolvimentismo catarinense, assim como foi o
Programa de Metas no Brasil, ambos abrindo as portas para uma era de planejamento que se
estendeu por todo o regime militar. Apesar disso, teve suas particularidades e atendeu
objetivos bastante específicos.
1.4.1 As metas incongruentes: o pessedismo de JK e Celso Ramos
Sublinhamos, anteriormente, que os planos estaduais tinham motivações semelhantes
aos dos planos federais, no sentido geral de racionalizarem a ação política do Estado, como é
próprio do planejamento. Entretanto, os fins atingiam realidades diferentes e, particularmente,
os planos estaduais foram um meio de aproximação e articulação com o governo federal para
angariar recursos.
Podemos classificar o PLAMEG I como um plano estadual, normativo (instituído pela
Lei n. 2.772, de 21 de julho de 1961) e de médio prazo (para um qüinqüênio). Apesar da clara
referência ao “Programa de Metas” de JK, o “Plano de Metas do Governo” de Celso Ramos
apresenta suas especificidades. Para esclarecê-las é necessária a análise comparativa das duas
experiências planificadoras, cujas “metas” nem sempre foram congruentes.
O planejamento foi plataforma de governo e instrumento do desenvolvimentismo, uma
tentativa “de alocar explicitamente recursos e, implicitamente, valores, através do processo de
planejamento e não através dos demais e tradicionais mecanismos do sistema político”.
236
Nesse sentido, tanto Juscelino quanto Celso Ramos criaram suas metas como pressuposto
político que, num momento em que aumentava a participação política do conjunto da
sociedade, mostravam-se numa forma concreta de sistematizar as aspirações dos diversos
setores sociais, num projeto racionalmente concebido, cujos resultados poderiam ser
futuramente verificados, avaliando a eficácia administrativa do governo. A proposta de
planejamento, portanto, acenava para um modelo inovador de administração pública. Esta
235
Ibid., loc. cit.
236
LAFER, Celso. O Planejamento no Brasil observações sobre o Plano de Metas (1956-1961). In: LAFER,
Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1975 (Debates, n. 21), p.30.
88
inovação cabia perfeitamente com a proposta de modernização, movida pela industrialização,
setor-chave do crescimento econômico e, consequentemente, do desenvolvimento, cujos
frutos seriam colhidos por toda a sociedade.
Essa que era uma necessidade histórica do Brasil, amparada teoricamente por diversos
matizes ideológicos, foi encampada pelo PSD, fundamentalmente na candidatura de JK. Seu
“Programa de Metas”, que pela complexidade de suas formulações e a profundidade de seu
impacto, deve ser considerado “como a primeira experiência efetivamente posta em prática de
planejamento governamental no Brasil”,
237
foi um modo excepcional de política gregária dos
diversos setores sociais, desde os latifundiários e a alta burguesia ligada ao capital estrangeiro,
até a burguesia nacional, às classes médias e trabalhadores.
Como projeto do partido dominante, o planejamento fez parte da estratégia pessedista
de disputa pelo poder, servindo para este propósito quaisquer uns dos dois planos de metas
aqui discutidos. Apesar da orientação comum no que tange à planificação, devem ser feitas
reservas contundentes quanto a uma provável proximidade entre as linhas políticas de
Kubitschek e Celso Ramos. Se o pessedismo zelava por um projeto dominante, tinha também
suas rusgas internas, e uma dessas se deu exatamente em torno de um membro da oligarquia
Ramos: o irmão mais velho de Celso Ramos, Nereu Ramos, figura importante na política
catarinense e de relevo nacional, também no PSD, sendo seu fundador em Santa Catarina, foi
preterido em pelo menos duas grandes convenções pessedistas, o que o excluiu da tão
almejada indicação à candidatura à presidência da República pelo seu partido.
O primeiro desses impedimentos ocorreu em 16 de maio de 1950, quando Nereu
presidia o diretório nacional do PSD e era considerado o candidato natural à sucessão de
Dutra. Mas sob a influência e contando com o apoio deste, foi homologada a candidatura de
Cristiano Machado. Abre-se uma dissidência no PSD e os pessedistas catarinenses decidem
sustentar a “candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República, em detrimento do
candidato oficial do partido, Cristiano Machado”.
238
Restava a Nereu Ramos consolidar sua
liderança pessedista em Santa Catarina, ao lado de seu irmão Celso, então na vice-presidência
do diretório estadual.
O segundo importante impedimento em nível nacional se deu em 25 de novembro de
1954, quando, em reunião, o diretório nacional do PSD indicou outro político mineiro,
Juscelino Kubitschek, como candidato à presidência da República:
237
Ibid., loc. cit.
238
LENZI, Carlos Alberto Silveira. Partidos e Políticos de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 1983. P. 235.
89
Nereu Ramos, que vira frustradas as suas articulações para concorrer ao
pleito, adere à dissidência que lança o pernambucano Etelvino Lins como sucessor
de Café Filho. (...) alegando que na campanha de 1950, quando seu nome foi
cogitado para a presidência da República, apoiado pelas representações do Rio
Grande do Sul e de Pernambuco, não poderia, naquela oportunidade, faltar com os
companheiros pernambucanos, deixando de apoiar a candidatura dissidente de
Etelvino. (...) No fundo (...) lamentava o PSD catarinense, que a direção nacional do
partido não tivesse mantido entendimentos para o lançamento da candidatura de
Nereu, fixando-se desde logo, na do ex-governador de Minas Gerais.
239
Portanto, a herança política de Celso Ramos não é proveniente de Juscelino
Kubitschek, mas pelo contrário e muito naturalmente -, do seu irmão Nereu Ramos, rival
direto de JK no pessedismo nacional. O que explica a formulação de um plano de metas por
Celso Ramos era a necessidade do PSD voltar ao domínio político do estado (em função dos
dois mandatos consecutivos da UDN entre 1951 e 1961) através do planejamento,
instrumento atual para a época, forte o suficiente para imprimir a idéia de inovação política e
conveniente para agregar os interesses sociais em um método “racional”.
Próprio da prática do planejamento, a análise preliminar da realidade que determinava
os pontos sobre os quais atuaria o futuro plano, dera-se em ambas as experiências aqui
tratadas. Para o Programa de Metas de JK, o governo convocou uma equipe de técnicos que
havia participado de tentativas anteriores de planejamento, notadamente a Comissão Mista
Brasil - Estados Unidos. Reformulando conceitos que tinham sido esboçados, “surgiu a
percepção da importância dos cinco setores abrangidos pelo Plano de Metas: energia,
transportes, alimentação, indústrias de base e educação”.
240
no PLAMEG de Celso Ramos,
ocorreu o Seminário Sócio-Econômico de Santa Catarina, patrocinado pela Confederação
Nacional da Indústria:
Nele se aplicou, sobre todo o território estadual e de maneira nova no Brasil,
uma metodologia de pesquisa em profundidade e extensão, com vistas à formulação
de um projeto catarinense de desenvolvimento. O trabalho se desenrolou por dezoito
meses e, traduzindo-se num plano, foi adotado posteriormente pelo Governo de
Santa Catarina.
241
O “diagnóstico da realidade” foi necessário e comum aos dois planos de metas
federal e estadual mas continham elementos que sugeriam concepções políticas diferentes
de se conceber o planejamento. O Seminário Sócio-Econômico detectou “pontos de
estrangulamento” da economia catarinense conceito forjado nos estudos da Comissão Mista
Brasil Estados Unidos -, mas abrangeu setores mais particularizados e próprios à realidade
239
Ibid. P. 255 e 256.
240
LAFER, C. Op. Cit. P. 35.
241
ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997, p. 23.
90
catarinense: educação, energia elétrica, crédito, agricultura, transporte, mão-de-obra, saúde
pública, carvão, mate, madeira, pesca, integração do Oeste, turismo, planejamento regional.
Além disso, e mais importante, a metodologia utilizada para fazer o diagnóstico foi
peculiarmente diferenciada: enquanto no plano federal as instruções foram dadas por uma
comissão, em Santa Catarina houve um intenso trabalho de campo, com aplicação de
questionários, buscando envolver a população. Segundo o próprio Celso Ramos, o “Seminário
Sócio-Econômico foi o instrumento idealizado para dar ao povo e às forças organizadas da
comunidade, um veículo às suas manifestações, anseios e aspirações”.
242
A dosagem de populismo sobre o planejamento variou, mas foi sempre receitada pela
bula dos pessedistas (seja Juscelino ou Celso Ramos) na medida em que, prometendo a
elevação do nível de vida da população, garantia a tradição conciliatória das elites brasileiras.
Portanto, os dois planos de metas o Programa de Metas e o PLAMEG I foram produto de
um contexto determinado, pois “a ampliação da participação política provocou um dilema que
não se resolvia no contexto das premissas existentes, e a solução aventada para enfrentar esse
dilema foi o planejamento: a decisão de planejar, portanto, resultou da percepção da dinâmica
do sistema político”.
243
Outros aspectos também caracterizam as incongruências entre os planos. Ambas as
experiências tinham um núcleo comum, contextual, entretanto possuíam aspectos particulares
que não somente demonstravam diferenças, mas divergências. Foram as rusgas internas que
provocaram as incongruências dos diferentes pessedismos, entre o Programa de Metas de JK e
o PLAMEG de Celso Ramos. Além, é óbvio, da realidade objetiva que impunha um trato
específico para os problemas levantados. O vulto dos planos é completamente
desproporcional: o PLAMEG contou com recursos da ordem de dezessete bilhões e
quinhentos milhões de cruzeiros, enquanto que, somente para a construção de Brasília, foi
gasto algo em torno de trezentos trilhões de cruzeiros, para além das outras exorbitantes
quantias previstas inicialmente. A necessidade de financiamento e crédito gerou o BNDE em
nível federal e, em nível estadual, este papel foi assumido também pelo BDE de Santa
Catarina; os dois chefes do Executivo tinham liberdade para buscar fontes de financiamento
externas. O Programa de Metas de JK foi setorial; o PLAMEG I pretendia uma visão mais
global ao enfocar “o Homem, o Meio e a Expansão Econômica”.
244
242
Ibid. P. 25. Isso não tira a decisiva participação dos técnicos em jogo, realça uma nuance de estratégia
política.
243
LAFER, C. Op. Cit. P. 34.
244
V. SANTA CATARINA. Lei n. 2.772, de 21 de julho de 1961. ESTADO DE SANTA CATARINA.
Legislação 1961. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1961. P. 77-85. Podem ser consultadas as estimativas de
91
1.4.2 Educação para o Desenvolvimento: o Capital Humano
O planejamento foi o principal instrumento de intervenção do Estado no processo de
busca pelo desenvolvimento. Gradativamente, superando uma visão liberal tradicional de não-
regulação e livre mercado - cuja experiência sofreu um fracasso concreto com a crise de 1929
e durante os anos da década de 1930 -, o planejamento apareceu como um meio de orientação
programada das economias capitalistas. Indiscutivelmente saída da complexidade econômica
enquanto ação própria da esfera estatal, a prática do planejamento abrangeu diversos setores.
No caso do Brasil, tivemos uma experiência bastante específica de planejamento: uma ação
interventora do Estado que, numa realidade de subdesenvolvimento, buscou estimular e
fornecer os meios para que a iniciativa privada gerasse o crescimento econômico para, a partir
daí, alcançar o que se considerava “o desenvolvimento” nos moldes capitalistas. E um dos
vieses dessa ação foi, exatamente, na Educação.
Dentro da perspectiva populista ainda no Estado Novo, era o Estado que deveria se
responsabilizar pelo acesso das classes populares à educação. A oratória oficial fez o próprio
Vargas afirmar, em 1940, que “a ascensão das massas aos bens da civilização material deve
ser acompanhada de uma elevação correspondente de seu nível de educação”,
245
o que se
revelou um fracasso em termos de política social efetiva. Basta identificar que no “Plano
Especial” de 1939, as principais realizações, no setor, foram a “construção do edifício sede do
Ministério da Educação, da estação da Rádio Ministério da Educação e da Faculdade
Nacional de Medicina”.
246
No governo Dutra, a Educação também ficou relegada. O planejamento orientou-se
nos campos da Saúde e Alimentação, Transporte e Energia (estes dois últimos
prioritariamente), como ficou denominado no Plano SALTE. Apenas alguns poucos projetos,
genéricos, com baixo índice de execução, no campo da Higiene, Segurança do Trabalho,
Educação Sanitária foram parcialmente realizados, fora o projeto para uma Escola de Saúde
investimentos do Plano de Metas em Educação, onde nota-se a Meta 30 reduzida à formação de pessoal técnico,
com investimentos na ordem de doze bilhões de cruzeiros. Cf. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CONSELHO
DO DESENVOLVIMENTO. Programa de Metas: Introdução. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1958.
(Tomo I), p. 61. Assim como ao analisar as estimativas de investimentos do PLAMEG I, nota-se a Educação
relacionada à melhoria das condições de vida do Homem e, junto com a Cultura, contava com investimentos em
torno de dois bilhões de cruzeiros.Cf. ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997, p. 39.
245
Apud: GHIRALDELLI JR., Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira. Barueri: Manole, 2003. P.
111.
246
COSTA, J. G. da. Op. Cit. P. 71.
92
Pública que foi abandonado.
247
Apesar do aumento das despesas públicas com o ensino, a
atuação governamental no campo da educação permaneceu muito deficitária ela ainda não
era um ponto definido das planificações até o segundo período Vargas (1951-1954), sendo
que no seu terceiro ano deste governo “somente 17% dos alunos matriculados no primário
conseguiam chegar ao quarto ano do curso e apenas 3% alcançavam o último ano”.
248
Foi com Juscelino Kubitschek e seu “Programa de Metasque a Educação conquistou
seu lugar no planejamento. Seu projeto de dotação de infra-estrutura e incentivo à
industrialização colocou o problema do ensino dentro do processo econômico, visando o
aperfeiçoamento do trabalho em uma “Educação para o desenvolvimento”, de acordo com o
que fica explícito na Meta 30 da Educação: “Nesta meta se contempla um conjunto de
medidas destinadas a tornar a estrutura de nosso sistema educacional mais adequado às
solicitações de um processo acelerado de desenvolvimento econômico”.
249
A Meta 30, “da
Formação de Pessoal Técnico”, diagnosticava uma sociedade brasileira “sofrendo
transformação rápida de estrutura, caracterizada pela maior diversificação da economia,
portanto, dos tipos de ocupação profissional, e por uma ascensão das classes trabalhadoras
que reclamam educação de nível mais elevado”.
250
Dado o sentido da transformação social o desenvolvimento econômico intensivo -,
julgava-se a falta de educação um obstáculo e o homem brasileiro despreparado intelectual e
moralmente. Sentenciando que o “prioritário objetivo educacional do nosso tempo e do nosso
povo deve ser, assim, o desenvolvimento”,
251
a “Educação para o desenvolvimento” não era
“puramente técnica, sem objetivo ético e conteúdo humanístico”, mas, pelo contrário, era
“concebida como um novo humanismo pedagógico, cada indivíduo é visto como protagonista
da sua época, como veículo de soluções comuns reclamadas pela coletividade, soluções em
que se harmonizam o permanente e o circunstancial”.
252
Portanto, o prognóstico, que abrangia todos os veis de ensino, buscava adequar as
metas educacionais às exigências do desenvolvimento econômico. No tocante ao Ensino
Médio, a ênfase foi dada ao aparelhamento físico e aperfeiçoamento técnico-pedagógico nos
ensinos industrial e agrícola. De acordo com o Programa de Metas em previsão de gastos a
partir de 1958, num total de concessão de 140.006 bolsas a serem oferecidas, havia: 56.068
247
Cf. Ibid. P. 130.
248
GHIRALDELLI JR., P. Op. Cit. 2003, p. 111.
249
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CONSELHO DO DESENVOLVIMENTO. Op. Cit. (Tomo I), p. 103.
250
Id. Op. Cit. (Tomo III), p. 375.
251
Ibid. P. 376.
252
Ibid., loc. cit.
93
aos alunos do curso ginasial; 9.106 aos do colegial; 36.534 aos do comercial; 13.498 aos do
industrial; 14.492 aos do normal e 11.308 aos dos cursos agrícolas. Previa-se a construção
e/ou reequipamento de escolas técnicas diversas, federais ou particulares (Construção Civil e
Naval, Agrotécnica, Agrícola, de Economia Rural Doméstica, de Tratoristas etc.).
253
Entretanto, no “Plano Trienal” em seguida às metas de JK, contabilizava-se que cerca
de 52% das crianças de 7 a 14 anos não tinham acesso ao curso primário, havia deficiência do
número de professores (1 professor para 16 alunos no curso secundário) e um ainda grande
déficit das necessidades de escolarização, como mostra a tabela 1:
Tabela 1 Necessidades escolares brasileiras em torno de 1960
Educados
Necessários
Ensino Primário
600.000
2.000.000
Ensino Médio 1º Ciclo
120.000
720.000
Ensino Médio 2º Ciclo
60.000
300.000
Ensino Superior
1.400
7.000
FONTE: (Adaptado de) PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e
Social 1963-1965 (Síntese). [s.l.]: dezembro de 1962. P. 91.
Feito o diagnóstico, o Plano Trienal previa a necessidade de gastos vultosos na
Educação. Porém, o objetivo mantinha-se, o mesmo do “Programa de Metas”, ou seja, deveria
haver todo um esforço “no sentido de elevar quantitativa e qualitativamente os padrões
educacionais, de modo a preparar a população para participar mais eficientemente do processo
de desenvolvimento econômico”.
254
A adequação da Educação à dinâmica econômica, que se mostrou profundamente
enraizada nas experiências de planificação de 1956 e 1962, repercutia uma problemática que
vinha sendo muito debatida nos anos cinqüenta por um novo campo de investigação, a
“Economia da Educação”:
(...) ela trata, fundamentalmente, do impacto da educação sobre os fenômenos
tais como a estrutura ocupacional da força de trabalho, as práticas de recrutamento e
promoção usadas pelos empregadores, a migração da força de trabalho de uma
região para outra dentro do mesmo país e entre diferentes países, os padrões de
comércio internacional, a distribuição da renda pessoal, a propensão de poupar sobre
a renda corrente e, o que é mais geral ainda, as perspectivas de crescimento
econômico.
255
Considerando o fato de que a análise das relações entre o processo de produção e as
práticas educativas vinha sendo formulada desde o pensamento clássico liberal (Adam
253
Cf. Ibid. P. 378-380.
254
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 1963-1965
(Síntese). [s.l.]: dezembro de 1962. P. 90.
255
BLAUG, Mark. Introdução à Economia da Educação. Porto Alegre: Globo, 1975. P. XV.
94
Smith, John Stuart Mill), nesta perspectiva, a sociedade é composta por fatores que exercem
papel fundamental e determinante em um dado período: a política, a religião, o trabalho, a
tecnologia ou a educação. Portanto, a Educação passa a ser entendida como um fator, ou seja,
a “educação e a formação humana terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas
do processo de acumulação de capital sob as diferentes formas históricas de sociabilidade que
assumir”.
256
Dentre estas e outras definições, a Educação “é, naturalmente, apenas um tipo de
investimento em seres humanos”
257
e “pode ser considerada um investimento, isto é, algo que
é adquirido por causa dos benefícios que poderá render no futuro”.
258
Por outro lado, a
educação também é consumo, quando “é considerada como um fim em si, independentemente
de quaisquer benefícios futuros”,
259
ou, “em outras palavras, a conservação e o melhoramento
de habilidades podem ser encaradas como investimento em seres humanos, mas os recursos
consagrados à manutenção e incremento do estoque de seres humanos, continuam a ser
consumo”.
260
Medida por categorias de análise da dinâmica econômica do capitalismo, o
sentido da Educação passa a ser dado pelo produto alcançado nessa relação entre investimento
e consumo, cujo termo final é estabelecido pelos benefícios privados e sociais trazidos pela
inserção da dimensão educacional como fator de otimização do processo produtivo em
relações capitalistas. Tomando-a como fator de produção, estando no contexto das teorias do
desenvolvimento e da modernização pós-1945, a educação submete-se ao crescimento
econômico, relacionada “com a qualidade e qualificações da força de trabalho, com a
acumulação de capital e o desenvolvimento da tecnologia”.
261
Em um contexto no qual aparecem as primeiras experiências de planejamento da
educação no âmbito do Estado desenvolvimentista brasileiro, torna-se cada vez mais
indissociável construir a relação da “Educação para o desenvolvimento” e do “Fator Humano”
como, supostamente, embasados na “teoria do capital humano”, constituída nos EUA pelo
grupo de estudo coordenado por Theodoro Schultz na década de 1950.
262
Buscando pelo fator
que pudesse explicar as variações do desenvolvimento e do subdesenvolvimento entre os
países, para além dos fatores usuais (tecnologia, capital e mão-de-obra), Schultz chega ao
fator humano, desenvolvendo a teoria do capital humano:
256
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2003. P. 30.
257
BLAUG, M. Op. Cit. P. XVI.
258
SHEEHAN, John. A Economia da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1975 (Biblioteca de Ciências Sociais),
p. 35.
259
Ibid., loc. cit.
260
BLAUG, M. Op. Cit. P. 20.
261
SHEEHAN, J. Op. Cit. P. 76.
262
V. SCHULTZ, Theodore W. O Valor Econômico da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
95
A idéia-chave é de que a um acréscimo marginal de instrução, treinamento e
educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade de produção. Ou seja,
a idéia de capital humano é uma „quantidade‟ ou um grau de educação e
qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume de
conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como
potencializadoras da capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva-
se que o investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano
geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade social.
263
Inserida na teoria do desenvolvimento e expressão ideológica dominante no período de
sua produção,
264
a teoria do capital humano só faz sentido se compreendida à luz das relações
capitalistas de produção, pois, neste ponto de vista, “as escolas podem ser consideradas
empresas especializadas em „produzir‟ instrução” e “a instituição educacional, que congrega
todas as escolas, pode ser encarada como uma indústria”.
265
Figura 6 Esquema gráfico representando a especificação de gastos do PLAMEG, com as respectivas
porcentagens sobre o total. A Educação cabe 11,6%. FONTE: ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997, p. 42.
Produto histórico de uma realidade contextualmente definida, a teoria do capital
humano cuja essência é exemplificada na experiência brasileira de planejamento da
educação pelo Estado desenvolvimentista -, traduz uma concepção de homem e de sociedade:
“(...) o método em que ela se funda e desenvolve a análise do real traduz e, ao mesmo tempo,
constitui-se em apologia da concepção burguesa de homem, de sociedade, e das relações que
os homens estabelecem para gerar sua existência no modo de produção capitalista”.
266
Desse
263
FRIGOTTO, G. Op. Cit. 2003, p. 14.
264
Cf. GRZYBOWSKI, C. et al. Esboço de uma alternativa para pensar a educação no meio rural. Revista
Contexto & Educação. Ijuí, 1(4): 47-59, out/dez. 1986. Apud: FRIGOTTO, G. Op. Cit. 2003, p. 40.
265
SCHULTZ, T. W. Op. Cit. P. 19.
266
FRIGOTTO, Gaudêncio. A Produtividade da Escola Improdutiva. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1993. P. 52.
96
modo, a questão que se coloca para análise é desvelar qual a legitimidade que pretende o
Estado ao empreender sua ação planificadora da Educação, no âmbito do
desenvolvimentismo; a mesma indagação cabe ao PLAMEG I, como parte dessa experiência.
Na figura 6, dentre os gastos totais deste plano, os gastos com a Educação correspondem aos
11,6% constantes no campo “o Homem”, representando claramente o caráter complementar
que a Educação tinha dentro de um projeto maior, no qual a base se sustentava no modelo de
desenvolvimento capitalista, que se confundia com aumento da produtividade e crescimento
econômico.
1.5 O PROJETO INTELECTUAL DO DESENVOLVIMENTISMO
Para aprofundarmos nessa dimensão maior em que se insere a Educação, é preciso
salientar as raízes complexas do desenvolvimentismo. Ora caracterizado como ideologia,
processo histórico real, ora como política econômica de Estado, o desenvolvimentismo foi
cada uma dessas coisas e mais. A título de uma sistematização sumária, sua caracterização,
como tem sido visto, passa por várias abordagens de diferentes ângulos. Do ângulo
ideológico, configurou-se como projeto das classes dominantes, expresso em plataformas de
governo; do ângulo econômico, foi determinado por uma condição estrutural de um dado
momento e situação em que se encontravam as forças produtivas do capitalismo; do ângulo
político, consistiu numa maior intervenção do Estado na economia, rompendo com o
liberalismo tradicional, mas sem deixar de promover o avanço das relações capitalistas; do
ângulo histórico, no caso brasileiro, delimitou um período específico do processo de
acumulação de capital e da industrialização brasileira, perseguindo o crescimento econômico,
a dilatação do consumo e do mercado; assim como, trouxe consigo suas contradições que
redundaram em diversas crises.
No momento em que todas essas transformações se operavam, irrompiam os debates
acerca de como deveria ser alcançado o desenvolvimento. Os apontamentos e influências dos
mais diversos tipos surgiram; esse conjunto de discussões “praxiológicas” sobre o
desenvolvimentismo aqui entendidas como seu projeto intelectual - parte em primeiro lugar
da própria sociedade brasileira, ou melhor, da burguesia nacional. O combate contra as
ideologias anti-industrialistas e a secular “vocação agrária do Brasil”; a exigência de melhor
97
qualificação do trabalho por meio do incremento na educação; a busca pela instalação de uma
civilização urbano-industrial de padrões fordistas; a defesa da participação ativa do Estado em
diversos setores da vida social; a intercomplementariedade entre agricultura e indústria e a
mecanização agrícola; a conciliação do trabalho com o capital pelo aumento da produtividade;
tudo isso representava o pensamento das classes burguesas nacionais.
267
A correspondência fica clara ao se averiguar o ideário de educação que fazia parte do
plano da Confederação Nacional da Indústria, o de preparar o homem para a nova realidade
emergente, ou ainda, formar os “homens que o Brasil necessita”. Nas palavras do Presidente
da CNI, entre 1938 e 1954, encontram-se os mesmos objetivos que havia no Estado, sob a
forma de planejamento, de adequar a Educação ao processo econômico numa perfeita
correspondência com a teoria do capital humano:
A educação é, ao mesmo tempo, um investimento e um consumo; no
primeiro sentido, a capacitação dos homens é uma das pedras angulares do
desenvolvimento econômico; no segundo, é um dos elementos importantes do bem-
estar, indispensável para a fruição plena da vida, e, assim, é o resultado, um fruto do
progresso.
268
Inculcar o espírito de iniciativa, a ordem, a disciplina e a diligência, dignificar o
trabalho e a criação de utilidades, modificar racionalmente os hábitos de consumo do
educando, tornando-os compatíveis com o processo acumulatório, conhecimento dos
processos técnicos, cálculos, aparelhos, instrumentos e sistemas de trabalho, eis os objetivos
da aprendizagem. A ideologia industrialista adiantava quesitos, hoje, proeminentes: mais
especialização, mínimo de conhecimentos comuns, flexibilidade.
269
Se num dos pólos daquilo que se poderia considerar um “interacionismo
desenvolvimentista”, estava a sociedade representada pela burguesia nacional, no outro se
encontrava o próprio Estado, onde se fizeram presentes as demais influências que
constituíram o projeto intelectual desenvolvimentista para o Brasil. Neste, destacam-se pelo
menos três vertentes de inflexão sobre o Estado desenvolvimentista: a vertente hegemônica
exógena do desenvolvimento norte-americano; a vertente periférica do desenvolvimento
latino-americano; a vertente endógena nacionalista, geralmente nomeada como nacional-
desenvolvimentista.
267
V. RODRIGUES, José. O Moderno Príncipe Industrial: o Pensamento Pedagógico na Confederação
Nacional da Indústria. Campinas: Autores Associados, 1998 (Educação Contemporânea), p. 59-67.
268
LODI, Evaldo. Discurso de Posse do Dr. Evaldo Lodi na Presidência da CNI, pronunciado em 5 de novembro
de 1952. Recife: FIEPE, 1952. Apud: RODRIGUES, J. Op. Cit. P. 72.
269
V. Ibid. p. 67-84.
98
As intervenções norte-americanas são inúmeras no Brasil e conhecidas ao longo da
história brasileira. Delimitando-se à época da concessão de bases militares no Nordeste,
durante a Segunda Guerra Mundial, à custa de um alinhamento cada vez mais definitivo,
conseguiam-se empréstimos e financiamentos para a aquisição de equipamentos militares, a
industrialização e o desenvolvimento econômico (melhoramento de estradas de ferro, jazidas,
extração de borracha, maquinaria, etc.), até a concretização da Companhia Siderúrgica
Nacional. Certamente, no preço dos financiamentos internacionais do Export-Import Bank ou
mesmo do FMI, incluía-se a manutenção de uma política econômica favorável aos interesses
hegemônicos dos credores que, quando contradita, implicava na negativa imediata para novos
empréstimos, entre outras sanções.
270
Neste campo de influências, podem ser considerados
como exemplos principais, as Comissões Mistas Brasil - Estados Unidos. A primeira delas,
surgida em 1947 e que serviu de base para o Plano SALTE, (também chamada Missão
Abbink ou Comissão Mista Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos),
271
subdividiu-se
em diversos setores representativos das atividades econômicas brasileiras (comércio,
agropecuária, indústria, bancos, matéria-prima, mão-de-obra, etc.); essa comissão levantou e
analisou aspectos relevantes que deveriam ser objeto de uma ação planificada. Em relatório de
1949, concluía pela:
1º) reabilitação do crédito público, a fim de possibilitar o lançamento
sistemático de empréstimos públicos; 2º) seleção de obras públicas, segundo o grau
de urgência de sua realização e conforme recursos; 3º) seleção de investimentos
gerados no exterior; 4º)exames da arrecadação de tributos e taxas, para aumentar as
receitas, sem criar novos impostos; 5º) melhoria da produção agropecuária (...);
6º)aumento da disponibilidade de capitais, incentivando a formação de reservas e a
entrada de capitais do exterior, mediante convênios de garantia de câmbio e
convênios tributários.
272
A segunda Comissão Mista Brasil Estados Unidos, atuante entre 1951 e 1953, foi
responsável por uma análise meticulosa da situação econômica do país, mas não foi
puramente técnica; assim como não foi “um reles projeto de ocupação do capital estrangeiro”,
273
mas sem deixar de prestar uma assistência técnica que preparava pedidos de empréstimo
para o desenvolvimento, submetida aos EUA e órgãos financiadores internacionais.
274
Acentuando a necessidade de investimentos públicos pelo Estado, as sugestões dessa
Comissão Mista centraram-se, dentre outros tópicos, na eliminação dos “pontos de
270
Para uma análise detalhada das implicações das ações externas entre os EUA e o desenvolvimentismo
brasileiro, cabe a leitura de BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois Séculos de
História). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. P. 219-475.
271
V. CARONE, E, Op. Cit. 1985. (Vol. I), p. 77.
272
Ibid., loc. cit.
273
MANTEGA, G. OP. Cit. p. 65.
274
V. CARONE, E. Op. Cit. 1985. (Vol. I), p. 78 e 79.
99
estrangulamento” da infra-estrutura, na expansão da produção agrícola para romper com o
domínio de alguns poucos atacadistas (oligopsônios de comercialização), integração do
mercado interno para a reorientação dos bitos de consumo, descentralização da indústria.
Com o objetivo de promover a industrialização e a acumulação em escala monopolista, a
Comissão considerava a necessidade fundamental de capitais estrangeiros, aconselhando a
modificação da política cambial.
275
A formação da Comissão propiciou a execução do Plano
Lafer (Ministro da Fazenda de Getúlio Vargas), modificou a política cambial (Instrução 70,
Cacex) e criou um organismo controlador e distribuidor dos recursos financeiros, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952.
276
Juscelino Kubitschek, atento às indicações feitas pelos estudos que precederam sua
posse, mas com mais ambição, criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento e uma nova
Comissão Mista, composta pelo grupo BNDE-CEPAL. Nesta Comissão, os pressupostos da
CEPAL, cuja análise genérica da realidade latino-americana indicava a capacidade de
desenvolvimento dos países periféricos, foram determinantes: o “desenvolvimento para
dentro”, o aumento da produtividade da força de trabalho, o recurso à poupança externa. O
grupo BNDE-CEPAL, que se criou em 1953 sob a chefia de Celso Furtado, tinha como
proposta a elaboração do “programa de desenvolvimento” entre os anos de 1955 e 1962.
Seguindo a matriz cepalina de análise da realidade latino-americana como uma condição de
periferia do sistema capitalista, o grupo BNDE-CEPAL tinha, como raciocínio, solucionar os
entraves do crescimento econômico pelo aumento da produtividade, possibilitado pela
acumulação de capital e progresso técnico; para tal, era necessário aumentar a taxa de
investimento, o que seria possível com aumento da poupança; esta, por sua vez, pedia a
diminuição dos hábitos de consumo: o capital estrangeiro, então, era o meio de complementar
a poupança, permitindo mais investimentos e, consequentemente, mais produtividade, sem
sacrificar o consumo.
277
Esta orientação, indubitavelmente de raízes cepalinas e que
compunha um modelo de interpretação teórica da realidade dos países subdesenvolvidos,
também se expressa no pensamento de Celso Furtado. Iminente homem público, intelectual,
cientista social e planejador, ele não
275
Cf. MANTEGA, G. Op. Cit. P. 65-69.
276
O BNDE representou a culminância da política de industrialização brasileira através do aparato estatal,
promoveu os investimentos no desenvolvimento industrial liberando créditos, financiamentos externos etc.,
cumpriu os desígnios da comissão Mista Brasil EUA, canalizando numa primeira etapa para a dissolução dos
pontos de estrangulamento na infra-estrutura para, a partir da segunda metade da década de 1950, voltar-se para
os investimentos privados. Cf. Ibid. P. 70.
277
V. Ibid. P. 70-72.
100
(...) estava a serviço das classes dominantes, redução vulgar muito frequente
e que empobrece a história das relações entre ciência, sociedade e personalidades.
(...) Entretanto, realmente sua teoria e a da CEPAL converteram-se numa arma
ideológica poderosa a serviço da nova burguesia industrial emergente (...). Ela vai
fundamentar teoricamente aquelas tentativas (...) de industrializar-se contra a
vontade dos países mais industrializados. (...) essa ideologia recobria também, como
é próprio de toda ideologia, antagonismos de classe e de interesses que, ou não
interessava explicitar, ou ficavam submergidos no interesse maior e mais global, que
era o desenvolvimento econômico. (...) interesses de camponeses, de trabalhadores e
de operários, dentro da construção ideológica, da construção teórica cepalina e de
Furtado, não encontram lugar.
278
O desenvolvimento, para Furtado, era um problema de acumulação e progresso
técnico, possibilitando a evolução dos valores da coletividade; seu reflexo concomitante é o
subdesenvolvimento e as decorrentes deficiências na estrutura social. Não a ação dialética
emancipatória da classe explorada, mas o investimento no fator humano, visando a
assimilação tecnológica e o uso de novas ações políticas, mais próximas da América Latina,
como o Estado planejador.
279
Partindo para outra análise praxiológica, a do pensamento nacional-
desenvolvimentista de seus seguidores na política governamental e nos planos de
desenvolvimento do Estado brasileiro, destaca-se, com considerável participação na vida
política e econômica brasileira, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB.
Heterogêneo nos seus matizes intelectuais, com sua análise “faseológica” que antevia o
advento do capitalismo nacional de forma inevitável, endossou por um viés nacionalista das
teses cepalinas o desenvolvimento “para dentro”. De acordo com o autor isebiano Hélio
Jaguaribe, havia um pensamento hegemônico no Brasil que atravessava todas as classes
sociais, voltado para a transformação social e a expansão das forças materiais de produção, ao
qual se opunha uma minoria retrógada. A instalação do capitalismo nacional enfrentava assim
interesses externos imperialistas que se alimentavam do modelo primário-exportador e
interesses internos das classes dominantes ligadas à manutenção deste modelo. Com esse
entendimento, o conflito social do Brasil deixava de se dar na relação capital-trabalho, mas
entre setores progressistas e retrógados:
Sob essa ótica, agrupavam-se, de um lado, as forças progressistas, formadas
pela burguesia industrial, juntamente com os trabalhadores (rurais e urbanos), cujas
condições de vida deveriam elevar-se com a maior industrialização e, do outro lado,
as forças mais retrógadas do país‟, formadas pela „burguesia latifundiária‟, pelo
278
OLIVEIRA, Francisco. Celso Furtado e o Pensamento Econômico Brasileiro. In: MORAES, Reginaldo;
ANTUNES, Ricardo e FERRANTE, Verta B. (orgs) Inteligência Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. P.
158 e 159.
279
V. IGLÉSIAS, Francisco. História e Ideologia. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1981. P. 159-187 et seqs.
101
„setor mercantil da burguesia urbana‟ e pela „pequena burguesia radical‟, esta
última, como de costume, bastante representada no seio das Forças Armadas.
280
O efeito mais agudo do modelo do ISEB foi o de avaliar que naquele momento da
realidade brasileira (os anos 50), burguesia industrial e trabalhadores tinham objetivos em
comum. Além desse, foi também fundamental a defesa que os setores mais conservadores do
ISEB fizeram a favor da entrada do capital estrangeiro, de acordo com a proposta da CEPAL
de recorrer à poupança externa para acelerar o processo de industrialização. Foi essa ala do
ISEB que predominou durante o governo Juscelino Kubitschek.
281
Paralelamente à situação
de que o Brasil passava por uma fase de transição, os isebianos entendiam que o conflito
central não era entre as classes, no sentido marxista de burguesia e proletariado, mas entre
forças modernas e conservadoras, o que levava a uma perspectiva de conciliação e interesses
comuns entre setores da burguesia e dos trabalhadores ou, ainda, o antagonismo principal
estaria entre a nação e a anti-nação, como se expressou Guerreiro Ramos:
(...) os antagonismos essenciais da sociedade brasileira são atualmente os que
se exprimem na polaridade, „estagnação‟ e „desenvolvimento‟, representados por
classes sociais de interesses conflitantes e, ainda, nação e anti-nação, isto é, um
processo relativo de personalização histórica contra um processo de alienação.
Outras contradições que não se enquadram nestes termos são no momento
secundárias.
282
De certo ponto de vista da Economia Política, esse percurso teórico que foi traçado
serviu para embasar a ideologia nacional-desenvolvimentista. Segundo Mantega, ela foi
gestada na CEPAL, incrementada por especialistas estrangeiros e aprimorada no ISEB.
283
O
quadro sinóptico 1 demonstra algumas características dos autores isebianos que, de certa
forma, expressam nas suas particularidades teóricas o sentimento nacional que se agrupava
em torno do desenvolvimentismo. Apesar das diferenças existentes entre cada um deles,
podemos notar que a clareza unânime sobre uma condição de defasagem histórica que atuava
sobre o país levava a fundamentação de uma ideologia que prezava por identificar classes
progressistas e retrógadas, identificadas ou não como obstáculos ao desenvolvimento. Então,
o nacionalismo lançava-se como um projeto unificador para o desenvolvimento da sociedade
brasileira, gerando a base nacional-desenvolvimentista, orientadora ideológica dos princípios
que norteariam a ação política do Estado. Dentre estes, a participação do capital estrangeiro
sob controle estatal era defendida por algumas correntes que, ao que parece pelo desenrolar
280
MANTEGA, G. Op. Cit. P. 59.
281
Cf. Ibid. P. 61 e 62.
282
Apud: TOLEDO, Caio Navarro. Iseb: Fábrica de Ideologias. 2 ed. São Paulo: Ática, 1978. P. 122.
283
Cf. Ibid. P. 63.
102
dos acontecimentos, foi mais facilmente assimilada pela esfera governamental, tanto no
campo político, quanto no campo técnico, associado ao planejamento econômico.
Quadro Sinóptico 1 O Pensamento Isebiano
Teoria das
Contradicões
Sociais
- Autor -
Existência de
classes sociais no
subdesenvolvimento
Contradição
principal
Protagonistas da
contradição
principal
Ação do
imperialismo
e/ou do capital
estrangeiro
Álvaro Vieira
Pinto
Sim
Nação
X
Anti-nação
Proletariado;
burguesia
industrial
(autóctone)
X
Imperialismo,
burguesia
industrial (setor
alienado)
Imperialismo:
determinação
de ordem
interna
associado à
burguesia
industrial (setor
alienado)
Cândido
Mendes
“Classes em projeto
Centros
metropolitanos
X
“Proletariados
históricos”
Empresariado
industrial;
prestação salarial
qualificada;
prestação salarial
X
Latifúndio de
expansão;
intermediação de
mercado;clientela.
Capital
estrangeiro
espoliador
(desde que não
haja controle e
disciplina por
parte do
Estado)
Alberto
Guerreiro
Ramos
“Classes em projeto
Nação
X
Anti-nação
Burguesia
Nacional; massa
proletária
X
Setores
vinculados à
estrutura colonial
Capital
estrangeiro
espoliador (sem
controle e
disciplina pelo
Estado)
Hélio Jaguaribe
Sim
Setores
produtivos
X
Setores
decadentes
Burguesia
industrial; classe
média produtiva;
classe proletária
X
Burguesia
latifundiária-
mercantilista;
classe média
(cartorial).
Imperialismo
(ausente na
análise).
Capital
estrangeiro
benéfico e a ser
disciplinado.
Nelson
Werneck Sodré
Sim
Nação
X
Anti-nação
Burguesia
nacional; pequena
burguesia;
proletariado;
X
Imperialismo;
grande burguesia;
proprietários de
terras.
Imperialismo:
ora como força
externa, ora
associado à
economia
interna.
103
Roland
Corbisier
Sim
Nação
X
Anti-nação
Indústrias
autóctones;
proletariado
industrial; lavoura
base tecnológica
X
Imperialismo;
classes
camponesas;
médias parasitas;
burguesia
latifundiária-
mercantil
Imperialismo
associado a
setores
nacionais com
interesses
voltados para o
exterior.
FONTE: TOLEDO, Caio Navarro. Iseb: Fábrica de Ideologias. 2 ed. São Paulo: Ática, 1978. P. 130 e 131.
Apesar de os teóricos nacionais-desenvolvimentistas sustentarem que tal projeto foi
acompanhado pelos governos de forma verbal e para propaganda, distantes na prática da
teoria, é possível defender a tese de que “a teoria cepalina e seus desdobramentos nacional-
desenvolvimentistas nortearam os passos dos governos populistas brasileiros”.
284
A
introdução do planejamento e o Estado como coordenador da economia são indícios da
aplicação da receita cepalina/isebiana. Confere-se ainda papel subsidiário primordial dado aos
planos econômicos do período, pela Comissão Mista Brasil - Estados Unidos (1951-1953) e
pelo Grupo Misto BNDE-CEPAL (1953-1955), sublinhando que em ambos houve uma
proximidade muito grande com aquela receita, principalmente no que tange à centralidade
conferida à acumulação de capital, através de incrementos na industrialização que atraíssem
os investimentos do capital estrangeiro, seja por meio de organizações monopolísticas, seja
pelo financiamento por instituições credoras internacionais (ou norte-americanas) e também
pelos investimentos públicos do Estado, dando ao capitalismo seu caráter nacional.
285
O
Plano de Metas foi o coroamento dessa política, com o Estado atuando na coordenação e
integração dos vários setores da economia, assumindo a responsabilidade sobre as
deficiências infra-estruturais e incentivando diretamente a iniciativa privada por meio de
linhas especiais de crédito, enquanto os capitais estrangeiros invadiam a economia brasileira.
286
Nesse sentido, o nacional-desenvolvimentismo foi fornecedor de um instrumental teórico
para a análise sistemática da economia brasileira e para a aplicação prática da crítica
(encarnada na burguesia industrial) ao modelo agrário-exportador, implantando e legitimando
o capitalismo industrial no Brasil.
Inserido, acompanhando e sendo sustentado por este conjunto de visões, mas com suas
próprias peculiaridades, o PLAMEG I também é resultado de uma superestrutura ideológica
284
Ibid. P. 64.
285
V. Ibid. P. 65-72.
286
V. Ibid. P. 72-74.
104
que, constituída por setores intelectuais bastante específicos que, em parte, contribuíram para
orientar os rumos do Estado, forneceram mais consistentemente o sustento do
desenvolvimentismo em Santa Catarina. Assim, por exemplo, o PLAMEG I considerou
através do estudo preliminar do Seminário Sócio-Econômico, atuar sobre os “pontos de
estrangulamento” que impediam o desenvolvimento econômico catarinense, aludindo à
metodologia forjada pela Comissão Mista Brasil Estados Unidos.
Figura 7 Homenagem às indústrias pioneiras de Santa Catarina em Banquete no Querência Palace Hotel, em
Florianópolis, presidida por Guilherme Renaux, presidente da FIESC. FONTE: REVISTA DO SUL. “O VALE
DO ITAJAÍ”. s/l: n. 159, ano XX, p. 29.
O próprio Seminário Sócio-Econômico foi gerado na Federação das Indústrias de
Santa Catarina (FIESC) (figura 7), onde as lideranças industriais do estado eram assessoradas
pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), “que estava realizando levantamentos da
situação econômica de várias regiões do país”.
287
O planejamento em Santa Catarina, com o
PLAMEG I, passou por um período de incubação, no qual
(...) instituições internacionais, tais como a Agência dos Estados Unidos para
o Desenvolvimento Internacional USAID, a Comissão Econômica para a América
Latina CEPAL e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura FAO, financiaram e promoveram treinamentos e assistência na área de
planejamento econômico aos técnicos catarinenses.
288
O treinamento pelo Grupo Misto BNDE-CEPAL (figura 8) iniciou desde 1957,
quando se tem notícia do primeiro catarinense treinado num curso de quatorze semanas na
Universidade Federal da Bahia e se estendeu durante todo o período de execução do plano:
287
AURAS, Gladys Mary Teive. Modernização Econômica e Formação do Professor em Santa Catarina.
Florianópolis: UFSC, 1998. P. 29.
288
Ibid. P. 37 e 38.
105
A ONU, através da CEPAL, promove por todo país cursos de treinamento em
assuntos econômicos.
O Estado de Santa Catarina, através do PLAMEG, firmou acordo com a
CEPAL, a fim de realizar-se em Florianópolis, no ano de 1965, um desses
importantes cursos.
Foram treinados em assuntos de desenvolvimento Econômico 36
profissionais dos Estados do Centro-Sul, dos quais 19 catarinenses, entre eles
economistas, engenheiros, bacharéis em direito e acadêmicos da Universidade de
Santa Catarina. O Plameg patrocinou e coordenou o curso em referência.
289
Figura 8 - Encerramento do Curso CEPAL/BNDE/PLAMEG. Fonte: SANTA CATARINA. Plano de Metas do
Governo Celso Ramos: ano de Trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1965. P. 15.
289
SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de Trabalho. Florianópolis:
Gabinete de Planejamento, 1965. P. 16.
106
CAPÍTULO 2 - A EXPANSÃO PLANEJADA DO ENSINO SECUNDÁRIO DA REDE
ESTADUAL EM SANTA CATARINA PELO PLAMEG I
2.1 MECANISMOS IDEOLÓGICOS E BLOCO TECNOBUROCRÁTICO DO ESTADO
PLAMEGUIANO
Não restam dúvidas de que o Estado executor do Plano de Metas do Governo Celso
Ramos, entre 1961 e 1965, é movido pela ideologia do desenvolvimentismo. Esta, por sua
vez, traduzindo-se em uma política econômica, atingiu consequentemente os fenômenos do
conjunto da sociedade de natureza econômica, política, administrativa, etc., cujo meio
principal de efetividade foi o planejamento. A partir daí, a ação do Estado se encontra com as
demais esferas sociais, inclusive a esfera educacional. Chamando de “mecanismos” o
conjunto de instrumentos utilizados pelo Estado para justificar sua ação,
290
ao se tratar do
Estado e seus mecanismos, estaremos particularmente buscando as referências do caso em
questão, o qual se denominou de Estado do PLAMEG I (ou plameguiano) ou Estado
desenvolvimentista catarinense, já previamente delimitado entre os anos de 1961 e 1965.
Este Estado gera uma ação cujos objetivos são claramente voltados para o
desenvolvimento econômico, mas sua composição social, sua ação de autoconservação e
externalização no sistema, assim como a gica de funcionamento dessa ação no conjunto do
sistema - que é necessária ao funcionamento e existência deste Estado e vice-versa, ou seja, a
ação do Estado é essencial para a existência do sistema -, são encobertas por espessos
substratos ideológicos. Os mecanismos ideológicos do Estado plameguiano refletem os traços
gerais da ideologia desenvolvimentista, espelhando características que se tornaram marcas do
período e que não somente exprimem subideologias, como a da “racionalidade cnica”, da
“democratização”, dos “direitos sociais” e do “novo humanismo”, mas realidades materiais e
concretas que constituem o arcabouço deste Estado. Conquanto, dentre os vários mecanismos
instituídos, observaremos, enfocadamente, aqueles que demandam ações sobre o campo
290
E ainda, para circunscrever de forma mais precisa esta análise, ao evitar uma ligação involuntária com aquela
concepção de estudo das relações entre a ideologia e as instituições que, ao passar pelo lugar da produção, da
existência material, da reprodução da força de trabalho, entre outras categorias, não convém a este objeto mais
específico, o Estado desenvolvimentista catarinense. V. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de
Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989. (Biblioteca de
Ciências Sociais, n. 25).
107
educacional. Primeiramente, destacamos a tecnocracia como mecanismo e subideologia do
Estado desenvolvimentista catarinense, a partir da seguinte definição:
A tecnocracia é o exercício, no âmbito da economia, da indústria e do
comércio, ao vel do Estado ou da grande empresa, do poder de organização e de
decisão mais geral por um pequeno grupo de homens de formação técnica, que
aceitam a disciplina hierárquica, geralmente colocados sob a autoridade de um
chefe. A tecnocracia dota (o poder político) de eficácia em sua ação, ao colocar a seu
serviço as técnicas modernas de direção da economia e da sociedade: planificação,
pressão fiscal, ação psicológica etc., e dos meios para a realização dos programas:
créditos, grandes trabalhos, construção etc.
291
Considerando o contexto do intervencionismo estatal por meio do planejamento e o
fortalecimento do poder dos técnicos no Estado - responsáveis pelos estudos de caráter
“científico” que embasam a planificação -, é possível localizar a influência da tecnocracia no
Estado plameguiano ainda no levantamento preliminar que se tornaria o futuro PLAMEG de
Celso Ramos. Isto se deu com a criação do chamado Seminário Sócio-Econômico, realizado
em 1958 por iniciativa da FIESC. Obviamente localizado em meio a um processo de disputa
política, o Seminário conquistou o gabarito de estudo científico, neutro e, ainda, com
amplitude democrática de participação popular, características essas que lhe imprimem uma
expressão de ideologia tecnocrática que, ao se desprender do campo político, sustentam o
pressuposto de que “critérios técnicos e científicos é que devem ser levados em conta,
unicamente, de acordo com os interesses da sociedade”.
292
A impressão de que as tarefas exercidas são puramente técnicas e desprovidas de
cunho político é que permite desvincular a tecnocracia da estrutura de poder, o que se
constituiu uma falsa idéia. Mais importante do que sublinhar uma posição explícita dos
tecnocratas no Estado, que governam junto com os “representantes do povo”, usufruindo de
poder equivalente ao dos cargos eletivos - principalmente em matéria decisória, visto que os
representantes eleitos deliberam sobre o que foi elaborado pelos técnicos e depois são os
técnicos que executam o que foi aprovado pelos representantes eleitos -, é avaliar como os
projetos por eles realizados são também construções político-ideológicas que sustentam a
razão de ser do Estado. Assim, os “interesses da sociedade” emergem como os interesses reais
que se manifestam na estrutura do poder e não fora dela, mesmo com a difusão da pretensa
neutralidade, cientificidade e democracia. A tecnocracia que se entrincheira na ideologia
desenvolvimentista constrói o instrumento do intervencionismo: o plano. Não se limitando
291
GOUTISOLO, Juan Vallet de. O Perigo da Desumanização através do Domínio da Tecnocracia. São
Paulo: Mundo Cultural, 1977. P. 40.
292
Fala de Mário Henrique Simonsen. Apud: HORTA, José Silvério Baía. Planejamento Educacional. In:
MENDES, Durmeval Trigueiro (Coord.) Filosofia da Educação Brasileira. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1987. (Col. Educação e Transformação, v.6), p. 225.
108
este ao campo econômico, mas abrangendo o social, atinge uma das dimensões em que o
Estado exerce seu controle, o campo educacional.
A referida relação entre educação e desenvolvimento, com todas suas implicações,
permite perceber qual era a natureza ideológica que preexistia e concebia a proposta que o
Estado plameguiano pretendia para a educação: consolidar e fortalecer as estruturas
econômicas que estavam no porvir, adaptando o fator humano às necessidades do
empreendimento capitalista ou, em outras palavras, do crescimento econômico, alvo central
da política econômica do Estado desenvolvimentista. É nesse sentido que as vinte metas
educacionais estabelecidas pelo documento básico do Seminário Sócio-Econômico devem ser
compreendidas.
293
Partindo da descoberta de um projeto catarinense de desenvolvimento, através do
levantamento da opinião pública, buscava-se incutir nas populações locais e urbanas que a
realização do Seminário não se tratava de uma ação político-partidária, mas de uma ação
afirmativa orientada no sentido ideológico desenvolvimentista. O contato com a população foi
realizado por uma equipe de técnicos devidamente preparados: distribuíram-se 3.000
questionários para as pessoas, das quais cerca de duas mil haviam sido previamente
contatadas e conheciam métodos, conteúdo e finalidade do Seminário; realizaram-se algumas
(mais de uma quinzena) de reuniões informais com média de 200 pessoas, nas quais os
depoimentos foram gravados. A partir do exame de questionários e depoimentos,
organizaram-se grupos de trabalho para elaborar documentos básicos e discutir diversos
temas, dentre os quais a “Educação para o desenvolvimento”. Após o trabalho de campo,
houve debates sobre os documentos básicos entre técnicos e seminaristas em encontros
regionais. Contendo a conclusão desses documentos parciais, foi elaborado um único
documento básico provisório, cuja função foi a de ajustar os pontos de vista dos técnicos com
os da população e, após tramitar por várias subcomissões e duas grandes comissões finais
como a de Desenvolvimento Econômico, na qual se inseria o tema Educação -, foi, por
último, aprovado em três reuniões plenárias.
294
Além do intervencionismo pelo planejamento onde se mostra maior a influência
tecnocrática e da própria escola pública que é estatal, a legislação é um terceiro meio de
controle do Estado sobre a educação. Levando em conta a década de 1960, o principal
instrumento legal desse controle foi a LDBEN, a Lei 4.024 de 20 de dezembro de 1961,
fixando as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Inserida no contexto da
293
As vinte metas estão listadas em AURAS, G. M. T. Op. Cit. P. 32 e 33.
294
V. ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997. P. 24-27.
109
redemocratização, foi alvo de uma longa discussão a partir do anteprojeto encaminhado à
Câmara Federal, em novembro de 1948, resultando que “jamais, na história da educação
brasileira, um projeto de lei foi tão debatido e sofreu tantos reveses quanto este”.
295
Neste processo são identificadas duas fases distintas de disputas. A primeira, entre
1948 e 1958, situou-se em torno da interpretação do texto constitucional de 1946 que
concebia uma educação dentro dos parâmetros liberais e democráticos. Dada a fase de
transição pós-regime ditatorial, a polêmica girou em torno das questões de centralização e
descentralização, quando ainda não estava clara a definição de “diretrizes e bases”. Herdeira
da constituição de 1937, a visão centralizadora reforçava o intervencionismo do Estado
presente na Constituição de 1946, pela qual o Estado deveria assegurar garantias, direitos e
liberdades individuais e pelo ex-ministro da Educação e agora deputado Gustavo Capanema,
sustentava que “a competência da União para traçar as diretrizes e bases não se restringia tão
somente ao campo das idéias, mas também ao campo da administração (...) o que implicava
forçosa centralização de controle do ensino pelo Governo Federal”.
296
Por outro lado, a visão
federativo-descentralizadora mais afinada com o novo regime -, propunha que para auxiliar
o Ministério da Educação, constituir-se-ia um Conselho Nacional de Educação, um sistema
federal de educação e “sistemas estaduais de educação, com administração e organização a
cargo dos Estados”
297
, estando o pomo da discórdia que protagonizou os embates nesta
primeira fase.
A segunda fase de discussão do anteprojeto da LDBEN vai de 1958 a 1961, quando
um substitutivo proposto pelo deputado Carlos Lacerda deslocou o pólo das discussões para a
questão da “liberdade de ensino”, cujo dilema central estava na luta contra um pretenso
monopólio estatal, em favorecimento das instituições privadas de ensino. Enfim, como Lei n.
4.024, a LDBEN foi promulgada em 20 de dezembro de 1961, em um momento em que a
idéia de planejamento educacional exercia uma influência real e duradoura. Havia, pelo
menos, três diferentes sentidos atribuídos à palavra “Plano” no momento da promulgação da
LDBEN em 1961:
De um lado, a idéia de „plano de Educação‟ enfocado numa perspectiva
liberal, presente no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, na
Constituição de 1934 e em estudos posteriores dos educadores liberais, e
concretizada no Plano Nacional de Educação de 1937; de outro lado, a idéia de
planejamento educacional integrado, no planejamento econômico e social global,
dominante nas Conferências Interamericanas de Educação [Segunda Reunião
295
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). 20 ed. Petrópolis: Vozes,
1998. P. 171.
296
Ibid. P. 172 e 173.
297
Ibid., loc. cit.
110
Interamericana de Ministros da Educação (Lima, 1956) e Reunião Extraordinária do
Conselho Interamericano Econômico e Social (Punta Del Este, 1961)] e em
organismos de planejamento que surgiram no Brasil no início da década de 1960.
Finalmente a idéia de “plano de Educação” visto como simples elaboração de
normas para distribuição dos recursos públicos destinados à Educação
298
.
Apesar das diversas idéias terem sido objeto de discussão preliminar do anteprojeto, a
terceira dessas tendências ficou predominante na LDBEN, cujo “Plano de Educação” “não
passa de um plano de distribuição de recursos públicos destinados à Educação a ser elaborado
pelos Conselhos de Educação”.
299
Em relação ao Estado do PLAMEG I, ambas as formas de intervencionismo estatal se
fizeram presente pelo planejamento e pela legislação sem contar que estamos nos
referindo à própria rede estadual de ensino e, a princípio, de escolas públicas. Próprio da ação
política que fundamenta o Estado desenvolvimentista catarinense, o Seminário Sócio-
Econômico foi um exemplo do poder da tecnocracia no desencadeamento desta ação. A figura
9, que mostra as fases do processo de planificação proposto para o PLAMEG, apresenta as
três primeiras fases, identificadas como “conhecimento da realidade”, “seleções de
problemas” e “elaboração do programa” como atribuições inerentes ao Seminário Sócio-
Econômico.
Se, por um lado, a metodologia utilizada de distribuição de questionários e realização
de reuniões e encontros para a elaboração do documento final foi considerada como um meio
de permitir a participação popular, democratizando a política de planejamento, o se pode
deixar de sublinhar que, naquele momento, o método de direção racional da economia
capitalista, que se fazia representar nos planos governamentais, tinha como pressuposto uma
idéia de desenvolvimento econômico muitas vezes dissipada, mas que de qualquer forma se
ligava tanto ao processo interno de acumulação de capital, quanto à transição para o modelo
urbano-industrial. A participação popular fazia sentido neste direcionamento, pelo qual o
dito desenvolvimento traria os benefícios esperados pela população. Portanto, a chamada
“construção democrática” do plano pode ter seu significado verdadeiro percebido se
compreendida dentro do processo político determinado naquele momento, cuja origem não se
encontra nas classes populares, mas em uma intensa luta entre as oligarquias estaduais, que
por sua vez, tinham suas bases assentadas sobre as classes que se beneficiavam e alimentavam
a ideologia desenvolvimentista. As três fases finais foram atribuídas à outra instância
tecnoburocrática, o Conselho de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina. Criado para
298
HORTA, José Silvério Baía. Liberalismo, Tecnocracia e Planejamento Educacional no Brasil. São Paulo:
Autores Associados / Cortez, 1982 (Col. Educação contemporânea), p. 19.
299
Ibid. P. 49.
111
gerenciar o Plano de Metas do Governo, foi responsável pelo aperfeiçoamento e execução do
plano de trabalho, por fim analisando os resultados alcançados.
Figura 9 Representação esquemática das diversas fases que alicerçavam o PLAMEG.
FONTE: ABREU, Alcides. Op. Cit. 1997, p. 42.
Otimização do tempo, escolha dos métodos, supervisão, controle, elaboração de
projetos, avaliação final são tarefas que poderiam ser realizadas por uma organização
rigidamente hierarquizada, com o poder decisório compartimentado para facilitar a atuação
em diversas frentes, mas, ao mesmo tempo, unificada o suficiente para manter o poder de
comando como órgão central de planejamento:
Instituído como uma autarquia, o Gabinete de Planejamento do PLAMEG
funcionou como uma supersecretaria de Estado, dotada de personalidade jurídica e
autonomia administrativo-financeira, responsável pela formulação de políticas
públicas e controle de planejamento no Estado. (...) Buscava-se, assim, a
modernização administrativa do Estado de Santa Catarina através da técnica do
planejamento global das ações do governo (...). As idéias de “planificação
inteligente”, “racionalidade”, “coerência”, “eficácia” e “modernização”
disseminaram-se no Estado.
300
De acordo com a ilustração 2, em seguida à cúpula, toda uma máquina técnico-
administrativa, ocupando diversos escalões e setores do Estado procuradoria, orçamento,
fiscalização, fazenda, material, pessoal, comunicação, tesouraria, contratos etc. envolvia-se
300
AURAS, G. M. T. Op. Cit. P. 38.
112
numa ampla coordenação para concretizar as metas do plano. Este, como foi visto, atuava em
diversos meios, desde a Saúde e a Agropecuária, à Educação e Cultura e a construção de
rodovias. A característica marcante da experiência de planejamento governamental em Santa
Catarina pelo PLAMEG, nos moldes do que se considerava o método mais correto para
equacionar racionalmente os problemas, foi a concepção de um órgão centralizador para a
planificação que resolvia sobre todos os assuntos, pois todos eles cabiam em um único projeto
de desenvolvimento econômico. Assim, ligava-se o desenvolvimento ao planejamento, este ao
Estado e seu órgão executor, conciliando uma ideologia do bloco tecnoburocrático que
transmitia o caráter científico de estudo racionalizado nas ações governamentais ao processo
real de estímulo à acumulação de capital por meio do Estado investidor considerada uma
maneira para superar o subdesenvolvimento.
Ilustração 2 - Organograma do Gabinete de Planejamento do PLAMEG I
GRUPO DE CONSULTA
-------------------------------------------------------
GABINETE DO SECRETÁRIO EXECUTIVO
ASSESSORIAS PROCURADORIAS
TÉCNICAS ADMINISTRATIVAS
DIVISÃO DE DIVISÃO DIVISÃO DE DIVISÃO DE
PLANEJAMENTO E ___ DE _______________________ FISCALIZAÇÃO E ____ FINANÇAS E
ORGANIZAÇÃO EXECUÇÃO CONTROLE ORÇAMENTO
Serviço De Serviço De Serviço De Serviço De Serviço De Serviço De Serviço De Serviço De Serviço De
Estudos Planificação Organização Administração Delegação Fiscalização Fiscalização Orçamento Contadoria
e Métodos e Contratos Técnica Econômica e Controle Seccional
Financeira (Fazenda)
DIVISÃO
DE
ADMINISTRAÇÃO
Serviço de Serviço de Serviço de Serviços Serviço de
Pessoal Material Comunicação Gerais Tesouraria
Documentação
FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de Trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento,
1962. P. 6.
113
Regido pela LDBEN de 1961, o Estado plameguiano consegue aumentar a
abrangência de seus mecanismos de intervenção na Educação. Apesar de seu caráter nacional,
a Lei 4.024 (que no Título IV “Da Administração do Ensino” compete às atribuições do Poder
Público Federal em matéria de Educação ao Ministério da Educação (Art. 6º) e institui o
Conselho Federal de Educação (Art. 8º)) autoriza a criação dos Conselhos Estaduais de
Educação (Art. 10) “com membros nomeados pela autoridade competente, incluindo
representantes dos diversos graus de ensino e do magistério oficial e particular”, cabendo-lhes
diversas funções.
301
Para além da função de representatividade dos estabelecimentos de ensino público e
privado, legalmente autorizados (Art. 5º), cabia ao Conselho Estadual de Educação, de acorco
com a lei: autorizar e fiscalizar os estabelecimentos estaduais isolados de ensino superior (Art.
9, §2º), assim como reconhecer os de ensino primário e médio não pertencentes à União,
segundo critérios de idoneidade moral e profissional do corpo docente, instalações,
escrituração escolar e arquivo da vida escolar do aluno, remuneração dos professores, etc.
(Art. 16, §3º); garantir que empresas com mais de cem pessoas fornecessem ensino primário
gratuito para os servidores e seus filhos (Art. 31, §2º); zelar pela distribuição de disciplinas
obrigatórias e optativas, assim como pela estruturação de cursos noturnos (Art. 40); conceder
bolsas de estudos (Art. 94, §3º); entre outras.
302
Destacamos em particular, no Título XII “Dos
Recursos para a Educação”, o seguinte trecho:
Art. 96. O Conselho Federal de Educação e os conselhos estaduais de educação na
esfera de suas respectivas competências, envidarão esforços para melhorar a
qualidade e elevar os índices de produtividade do ensino em relação ao seu custo:
a) promovendo a publicação anual das estatísticas do ensino e dados
complementares, que deverão ser utilizados na elaboração dos planos de aplicação
de recursos para o ano subseqüente;
b) estudando a composição de custos do ensino público e propondo medidas
adequadas para ajustá-lo ao melhor nível de produtividade.
303
Mais uma vez, nota-se a preponderante influência das referências à Economia da
Educação como modelo de gestão educacional, proporcionando a adequação da ideologia
tecnocrática à teoria do capital humano. A LDBEN de 1961 constrói o corpo legal do
desenvolvimentismo, ao compreender a Educação em termos de consumo e investimento,
favorecendo a inserção da tecnocracia junto aos mecanismos de intervenção do Estado. No
cenário da chamada “descentralização articulada” que previa a interação entre os órgãos
301
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75529> Acessado 21 outubro 2008.
302
Cf. Ibid. P. 2, 3, 5, 6, 13 e 15.
303
Ibid. P. 14.
114
colegiados, o Conselho Federal e os Estaduais de Educação, evitando o isolamento e
estimulando a troca de experiências e da “democracia restrita” cujos canais de
participação são alcançados pelas elites sócio-econômicas e culturais -,
304
a LDBEN de
1961 foi, solidamente, pautada pela ideologia desenvolvimentista:
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi marcada pela
aceleração do processo de industrialização, iniciado na década de 1950. Sua intenção
prioritária consistia em promover o desenvolvimento econômico, entendido na
perspectiva da produção de bens de consumo necessários à crescente demanda
populacional e á superação das condições de subdesenvolvimento. Depreende-se, a
partir disso, que à educação competia promover este desenvolvimento, através da
preparação de recursos humanos necessários às novas demandas econômicas. A
educação assumiu, assim, um caráter relevante no processo de desenvolvimento,
sendo entendido como um investimento econômico.
305
Neste sentido, a democratização explicitada na reforma do ensino, trazida pela
LDBEN de 1961, funciona como um escopo ideológico, cumprindo seu verdadeiro papel de
ideologia, ao inverter a lógica da “Educação para o desenvolvimento”, difundindo o elemento
propagandístico “da democratização do ensino e da igualdade de oportunidades que justificam
a total dominação do Estado em matéria de ensino, reforçando assim o poder da tecnocracia
dominante”.
306
Mais adequado é conceber que, ao invés de um processo de democratização, o
Estado plameguiano instaura uma tecnodemocracia, onde os “técnicos participam das
decisões ao lado dos eleitos do povo e dos proprietários do capital”.
307
A chamada democratização e o apelo para a participação popular, além de tudo,
remetem àquela idéia de que o desenvolvimentismo também é produto do populismo. Devido
ao momento político no qual as massas poderiam conseguir alguns ganhos, o planejamento
aparecia como uma forma racional de o governo completamente orientado pelas classes
dominantes em associação com a tecnoburocracia atender às aspirações populares. Assim,
democratização, representação popular, tecnoburocracia, planejamento racional e governo
pareciam uma coisa só (figura 10), constelando sob a égide do desenvolvimento econômico.
304
V. VALLE, Ione Ribeiro. Burocratização da Educação: um estudo sobre o Conselho Estadual de Educação
do estado de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 1996. P. 19 e 35.
305
Ibid. P. 19 e 20.
306
GOYTISOLO, J. V. de. Op. Cit. P. 171.
307
DUVERGER, Maurice. As Modernas Tecnodemocracias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. (O Mundo
Hoje, v. 4), p. 137.
115
Figura 10 Propaganda do PLAMEG, enfatizando a democratização no processo do planejamento,
como se o povo tivesse os poderes plenos sobre a definição das metas que eram preconcebidas de acordo
com as necessidades da acumulação de capital e filtradas pelo bloco tecnoburocrático, que garantia a realização
dos interesses hegemônicos. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: 1º ano
de Trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1962. P. 7.
Outra justificativa trazida para o escopo ideológico da democratização confere ao
período pós-1946 uma ambigüidade trazida pelo chamado “capitalismo social” forma
híbrida entre o capitalismo e o socialismo, típica do pós-guerra nos países ocidentais -, na qual
a dimensão do conflito de classes é superada pela conciliação destas, em prol do
desenvolvimento econômico. A liberdade consentida de participação das massas no processo
político, associada à necessidade de ampliação do mercado consumidor, levaria à abertura de
concessões por parte do sistema capitalista, transformando a Educação em um “direito social”
que visasse à melhoria da qualidade de vida pelo aprimoramento da força de trabalho e da
produtividade, assimilada aos avanços da tecnologia,
308
mas sem perspectiva alguma de
romper com a dominação de classes imposta pela estrutura econômica capitalista. Ou melhor,
tal dominação não existia para esta concepção de ensino, apenas um campo aberto de
oportunidades nos quais os indivíduos mais aprimorados teriam as melhores chances de
entrar. Desse ponto de vista, tal “democratização” é um mecanismo ideológico do Estado, da
tecnocracia, da burocracia e das classes dominantes, dentro do alcance e amplitude da
ideologia desenvolvimentista; sua função é justamente a de ocultar a contradição real, “da
308
V. COUVRE, Maria de Lourdes M. A Fala dos Homens: Análise do Pensamento Tecnocrático (64-81). São
Paulo: Brasiliense, 1983. P. 195 et seqs. e ________ . Educação, Tecnocracia e Democratização. São Paulo:
Ática, 1990. (Princípios, n. 189).
116
formação de consciência no sentido de incorporar a racionalidade formal, da
instrumentalização da força de trabalho para o capitalismo”.
309
Ainda no mesmo escopo ideológico da democratização, uma terceira justificativa
buscou enfatizar que a reforma de 1961 mantivesse certo caráter “humanista”, da formação do
homem com fins ideais e que, após a instauração do regime autoritário de 1964 é que
realmente se completou a decisiva influência tecnicista. Independentemente das alterações
trazidas com o golpe militar, é-nos impossível dissociar a tecnocracia do Estado
desenvolvimentista e de todas as conseqüências daí advindas na educação; se a tecnocracia
reforça-se posteriormente a 1964, não é o “humanismo” resquício do liberalismo burguês
pré-conflitos mundiais que iria desautorizar a presença de um bloco tecnoburocrático e sua
ideologia no Estado desenvolvimentista e nas suas formas de intervencionismo na educação.
Ainda que sejam revelados vieses democratizantes ou humanizantes que foram, para todos os
efeitos, aspectos convergentes da sustentação ideológica do próprio modelo do
desenvolvimentismo, estas características não diminuem o forte caráter técnico que se
apodera da educação brasileira a partir do período pós-guerra.
310
A ideologia tecnocrática e sua unidade no Estado ocultam o conflito real, além de
fortalecer os agentes coordenadores que executam a política do intervencionismo do Estado.
No caso específico do Estado desenvolvimentista catarinense, viu-se o caráter técnico que
orientou a base do planejamento através do Seminário Sócio-Econômico e como se
caracterizou a democracia neste processo. Da mesma forma, com a LDBEN de 1961 e a
criação do Conselho Estadual de Santa Catarina em 1962, houve fortalecimento de novos
agentes que, muito proximamente da tecnocracia, viriam a concretizar uma organização
burocrática da Educação, no interior da estrutura organizacional do Estado, amparada pela
legislação federal:
A organização burocrática precisa de uma defesa particular que garanta sua
segurança, sua estabilidade e sua continuidade. Esta defesa particular é alcançada
através de mecanismos acionados pela sua estrutura organizacional; dessa maneira
todas as relações do ensino encontram-se concentradas na cúpula da burocracia
pedagógica (cúpula da administração da educação). Todavia, estas relações
constituem-se, na realidade, em relações hierárquicas, legitimadas através dos
princípios da racionalidade técnica e da neutralidade, e justificadas pela necessidade
da educação da formação e da cultura.
311
309
Idem. Op. Cit. 1990, p. 48.
310
A interpretação que dá ênfase a ruptura tecnocrática pós-1964 é apresentada por SAVIANI, D. Apud: Idem,
Op. Cit. 1983, p. 211.
311
VALLE, I. R. Op. Cit. 1996. P. 14.
117
A emergência histórica do Estado desenvolvimentista como característica peculiar de
um momento determinado na transformação da condição econômica do país foi absorvida
pelo projeto político das classes dominantes, numa manifestação da necessidade hegemônica
do desenvolvimento. Toda essa demanda resultou no planejamento, como instrumento capaz
de dirigir este processo através de uma “razão técnica”; a educação passa a ser vista como um
fator de desenvolvimento, assim como eram o capital, a mão-de-obra, os rendimentos etc. No
caso do Estado desenvolvimentista catarinense, o Seminário Sócio-Econômico e o PLAMEG
(ambos de atuação sobre o geral, no qual se inseria a educação) e, particularmente, no campo
propriamente educacional, o Conselho Estadual de Educação, instauram um modelo de
administração racional”, seguido de “burocratismo”, com o intento de dirigir o
desenvolvimento econômico. Acontece que esta direção era movida por interesses de classes
que proporcionavam a acumulação de capital; portanto, ao se pensar a educação no Estado
desenvolvimentista para além da perspectiva formal e explícita da formação do capital
humano é preciso sublinhar que permanecem as estruturas sociais de classe. O ensino
também ganha outra dimensão que era a de colaborar para o desenvolvimento capitalista,
fazer a clivagem necessária à divisão social do trabalho, própria da dinâmica econômica. O
desenvolvimento não aboliu a estrutura de classes, pelo contrário, acentuou-a. E o termo do
processo se encontra com a manutenção dos interesses daquelas classes que direcionaram as
resoluções do planejamento pelo Estado, pois “sua parcela dominante se encontra na
sociedade política e se identifica, em parte, com as forças mantenedoras do próprio Estado,
que é, no caso, o bloco ideológico tecnoburocrático”.
312
As medidas tomadas no PLAMEG I em relação à educação, que analisaremos a seguir,
destacando o ensino secundário ginasial e colegial -, não fazem o menor sentido se
estiverem descontextualizadas. Fora do campo determinístico, por vezes redutor da realidade,
o sistema estadual de ensino ganha uma significação que coaduna com toda a ideologia
desenvolvimentista, tornando mais definidos os lugares ocupados pelos vários níveis de
ensino, dentro do processo de transformação econômica que pautava as metas
governamentais. Não se confunde a conotação teórico-contextual dada pela “Educação para o
desenvolvimento” no nível macro, com o processo histórico próprio de Santa Catarina, sob o
risco de perder suas peculiaridades, tornando vaga a explicação. Todo o reflexo da ideologia
desenvolvimentista sobre o sistema estadual de ensino, durante o PLAMEG I, gerou um
resultado único. Sobre as aparências particulares é que se mostram as razões profundas que
312
COUVRE, M. de L. M. Op. Cit. 1983. P. 322.
118
moviam o Estado e seus agentes, moldando as formas da educação. Contudo, essas formas
mais particulares que são, visivelmente, produtos históricos complexos (cristalizados no
Estado num dado momento e numa ideologia desenvolvimentistas) adquiriram a qualidade de
serem racionalmente construídos.
A expansão do ensino secundário no sistema estadual de ensino de Santa
Catarina, entre 1961 e 1965, deve ser compreendida à luz, não somente dos dados
quantitativos e legais pelos quais inequivocamente será constatada -, mas, primordialmente,
seu significado histórico se revela num sólido projeto pelo qual a educação se torna
instrumento das classes dominantes, através da ação intermediária do Estado e seu bloco
tecnoburocrático, promovendo a consolidação de um sistema econômico cujos maiores
beneficiários são aquelas classes sob o amparo dos mecanismos da ideologia
desenvolvimentista.
2.2 DEFINIÇÕES DE ENSINO SECUNDÁRIO: INSTITUCIONAL, POTICA E
SOCIAL
Quando nos referimos ao ensino secundário em Santa Catarina, entre 1961 e 1965, foi
considerado o Sistema Estadual de Ensino,
313
porque nosso objetivo consiste em apurar, da
forma mais próxima possível, dentro de uma esfera de ação específica aquela que evidencia
as razões do intervencionismo estatal -, as ligações do Estado desenvolvimentista catarinense
e a Educação como um estudo de caso sobre os processos histórico-educacionais brasileiros.
Para graduar esse estudo, fez-se um recorte no ensino secundário, o que implicou
seccionar sua definição; as que consideramos mais relevantes para a investigação são as de
ordem institucional (dada pela legislação), política (constituída ao longo das relações de
poder) e social (gerada na demanda da sociedade). Apesar de essas dimensões estarem
relacionadas, optamos pela análise com o fim de proporcionar diferentes visões sobre um
mesmo fenômeno. Também consideramos que as diferentes nomenclaturas são resultado de
algumas interpretações possíveis, cada qual buscando enfatizar um aspecto escolhido pelo
313
Apesar da possível reserva de que em Santa Catarina não existiu “(...) propriamente um sistema de ensino
onde a educação seria oferecida aos jovens de modo adequado às condições individuais que apresentam e de
forma a assegurar a todos as oportunidades de passar de um nível a outro sem solução de continuidade. O que
ocorre, verdadeiramente são subsistemas isolados, onde o ingresso (a não ser no primeiro nível) é dependente da
aprovação do candidato em certas provas.” SANTOS, S. C. dos. Op. Cit. 1968, p. 72.
119
autor. Por isso, não vemos razão para debater a denominação mais apropriada, mas,
estabelecendo um ponto de partida, concentrar a discussão no significado histórico do ensino
secundário.
314
Antes de tudo, iniciando pela análise institucional, cabe esclarecer que a noção de
ensino secundário, que aqui está sendo apresentada, é a proposta pela LDBEN de 1961,
segundo a qual, o ensino secundário é uma das partes do grau de ensino médio (este se
diferenciando do grau de ensino primário por um lado e pelo grau de ensino superior, de
outro), juntamente com o ensino normal (de formação de professores) e o ensino técnico
(preparação para o trabalho produtivo, profissionalizante), este fundamentalmente dividido
em agrícola, industrial e comercial. Todo o ensino médio era dividido em dois ciclos: o
ginasial (os quatro anos das séries iniciais) e o colegial (três anos das séries finais).
Resumidamente, tomamos emprestada a definição oriunda da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional que “disciplinou o ensino médio em dois ciclos, ginasial e colegial e o
dividiu em três tipos de ensino: secundário, técnico e normal.”
315
Por um ponto de vista, para que a definição institucional do ensino secundário fosse
alcançada na Lei 4.024, toda uma trajetória foi percorrida, através de um processo que foi na
realidade político e, sendo assim, foi delimitando as funções do ensino secundário ao longo
dos anos. Esta definição política permite mais do que perceber o lugar que veio a ocupar o
ensino secundário no Sistema Estadual de Ensino, mas compreender o modus operandis deste
sistema, cujo preenchimento foi diretamente relacionado com as mudanças históricas,
configurando-o interna e externamente, ou seja, no funcionamento e articulação das partes
que o compuseram e na relação destas partes e do conjunto do sistema com o meio no qual
estavam, circunstancialmente, inseridos.
Dentro deste raciocínio, ganha o ensino secundário influência diversa dos distintos
momentos históricos, na medida em que é determinado pelas constituições e reformas de
ensino que se sucederam. Por exemplo, as Constituições de 1934 e 1946 trazem um conteúdo
mais “democratizante” ao acenarem para a gratuidade do ensino público, comprometimento
do Estado com a expansão do ensino, etc.; ao contrário da Constituição de 1937, de caráter
314
Por exemplo, em um estudo cujo objetivo foi o de mostrar que a expansão do ensino normal ginasial não
atingiu sua principal meta - a formação dos professores para as escolas primárias -, o ensino normal é
considerado um dos cursos secundários profissionalizantes do período”, o que não altera o entendimento da
argumentação central da autora. SCHNEIDER, Juliete. A Democratização do Acesso ao Ensino Secundário
pela Expansão do Ciclo Ginasial Normal em Santa Catarina (1946-1969). Florianópolis: UFSC, 2008.
[Dissertação], p. 16.
315
SANTOS, S. C. dos. Op. Cit. 1968, p. 61.
120
tecnoburocrático, institucionalizando o ensino pago, desobrigando o Estado da manutenção e
expansão do ensino público, estabelecendo a cooperação entre Estado e indústria, etc.
316
O aspecto “democratizante” somente existiu em parte, pelo fato das discussões terem
ocorrido em regimes constitucionais, não-ditatoriais. Muito do conteúdo “democrático”
permaneceu no papel e a lei não era cumprida. As reformas de ensino, notadamente a
Francisco Campos (1931) e a Capanema (1942) “acabaram por representar um mecanismo de
controle por parte da minoria dominante, do processo de expansão da rede escolar”,
317
dando
“especial atenção ao ramo do ensino médio representado pelo secundário, de caráter
preparatório ao ensino superior.”
318
A chamada Reforma Francisco Campos se deu em meio à instauração do regime
advindo da Revolução de 1930, ainda durante o governo provisório. Representada por uma
nova pasta ministerial, a Educação foi alvo de uma série de decretos cujos objetivos agiam em
prol do estabelecimento de bases para um sistema nacional de educação, articulando ao
sistema central, os sistemas estaduais e dotando aos ensinos secundário, comercial e superior,
uma estrutura orgânica imposta a todo o território brasileiro.
319
Com o Decreto 19.890, de 18
de abril de 1931, que dispunha sobre a organização do ensino secundário, estabeleceu-se
“definitivamente o currículo seriado, a freqüência obrigatória, dois ciclos, um fundamental e
outro complementar, e a exigência de habilitação neles para o ingresso no ensino superior.”
320
Em 1932, é publicado o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, representando
uma ideologia de “renovação educacional” que primava pela educação como prioridade,
dentro de uma relação dialética entre o desenvolvimento e os problemas educacionais.
Abordando a educação por diferentes parâmetros (histórico, filosófico, sociológico,
psicológico, etc.), reivindicava uma ação mais objetiva por parte do Estado, atribuindo-lhe o
dever de garantir uma escola pública, gratuita e laica. Propugnava a “multiplicidade na
unidade”, com a autonomia para a função educativa e a descentralização do ensino,
combatendo a educação como privilégio. O manifesto demonstrou que “a escola secundária
tradicional formava o reduto dos interesses de classe que criaram o dualismo educacional”,
321
dualismo este que perdura por muito tempo, sem que seja superada a dicotomia trabalho
316
Cf. XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa e NORONHA, Olinda Maria. História da Educação:
a Escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994. (col. Aprender e Ensinar), p. 186 e 189.
317
Ibid. P. 190.
318
Ibid., loc. cit.
319
Cf. ROMANELLI, Otaíza de O. Op. Cit. P. 131.
320
Ibid. P. 135.
321
Ibid. P. 149.
121
manual x trabalho intelectual.
322
Propuseram, os pioneiros, um ensino primário articulado ao
ensino secundário diversificado, com seções intelectuais, manuais de extração de matérias-
primas e de distribuição de produtos elaborados.
323
Representando um movimento inovador e de vanguarda no campo educacional,
entretanto, o Manifesto não questiona a nova ordem pós-1930, mas se adapta a ela e, assim,
não questiona o Estado burguês. Sua área de atuação ideológica situou-se naquela oposição,
também apresentada anos depois pelos isebianos, de confronto entre o velho e o novo, entre as
forças retrógadas e as forças avançadas, dentre as quais estava a própria burguesia nacional,
ao lado do povo, favorecendo o desenvolvimento nacionalista. Na medida em que as reformas
educacionais subseqüentes se guiavam por este conflito e não pelo conflito de classes -, as
propostas se consolidaram no sentido de afirmação do “novo modelo” que surgia da transição
da antiga estrutura oligárquica, latifundiária e aristocrática para a estrutura capitalista urbano-
industrial.
324
Em 9 de abril de 1942, pelo decreto-lei 4.244 do ministro Gustavo Capanema, era
promulgada a Lei Orgânica do Ensino Secundário. Considerada um expoente da velha
tradição de ensino secundário, seu artigo 22 reestruturava-o em “um primeiro ciclo, que se
chamava ginasial e, um segundo ciclo, subdividido em clássico e científico (...) os quais não
apresentavam pelo currículo nenhum caráter de especialização.”
325
A Lei Orgânica refletia o
momento vivido pelo Estado Novo, fundando-se numa ideologia de patriotismo e
nacionalismo incluindo a educação militar para os alunos do sexo masculino de caráter
fascista e antidemocrático, acentuando a seletividade com um sistema de provas e exames que
permaneceu inalterado. Oscilando entre o populismo nacionalista e um conteúdo “humanista”,
esse ensino não diversificado tinha, na verdade, um objetivo: preparar para o
ingresso no ensino superior. Em função disso, podia existir como educação de
classe. Continuava, pois, constituindo-se no ramo nobre de ensino, aquele realmente
voltado para a formação das „individualidades condutoras‟.
326
A Reforma Capanema perdurou até a aprovação da LDBEN de 1961. Após a
Constituição de 1946 e a implantação do grupo de discussão que resultou no anteprojeto do
322
Cf. RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 2 ed. São
Paulo: Cortez e Moraes, 1979. (Col. Educação Universitária), p. 148.
323
Cf. ROMANELLI, O. de O. Op. Cit. P. 149.
324
As definições do que se entendia por educação transitavam entre o “velho” e o “novo”. A Constituição de
1934 mostrava influência do Manifesto ao afirmar a educação como direito de todos e dever dos poderes
públicos, mas também atendia aos interesses da Igreja Católica ao instituir o ensino religioso facultativo. a
Constituição de 1937 foi ambígua quanto à obrigação do ensino religioso, mas desobrigou o Estado do dever da
Educação. A Constituição de 1946 retomou a inspiração ideológica dos pioneiros, caracterizando-se como um
documento liberal. Cf. Ibid. P. 151-153 e 169-171.
325
Ibid. P. 157.
326
Ibid. P. 158.
122
ministro Clemente Mariani, apresentado em 1948, seguiu-se uma série de debates que,
conforme assinalamos anteriormente, lançaram os princípios da “democratização” e dos
“direitos sociais” profundamente atrelados à questão do desenvolvimento econômico. Assim,
politicamente, entendemos que a concepção de ensino secundário transitou de uma posição
retrógrada, tradicional em termos de privilégio de classe, para uma concepção inovadora, que
deveria ser “ampla e democrática”, em outras palavras, ela deveria estar perfeitamente
ajustada às necessidades históricas colocadas pela busca do desenvolvimento econômico no
molde urbano-industrial. De forma alguma, houve um questionamento sequer das estruturas
de classe que tal desenvolvimento econômico implicava, mas pelo contrário. E o ensino
secundário prosseguiu com seu caráter de ensino de classe dominante; se antes ele servia às
antigas classes aristocráticas e à manutenção de seus privilégios, agora ele abria a
possibilidade de acesso às novas classes dominantes, beneficiárias do processo
desenvolvimentista. O quadro sinóptico demonstra as funções que foram instituídas ao ensino
secundário nas reformas anteriores à LDBEN de 1961 e as respectivas atribuições que lhe
conferiram relevância social:
Quadro Sinóptico 2 Objetivos do Curso Secundário (1931-1961)
1. Francisco Campos (1931)
“A finalidade exclusiva não há de ser a matrícula nos cursos superiores; o
seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do homem para todos os
grandes setores da atividade nacional, construindo no seu espírito todo
um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que o habilitem a viver
por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões mais
convenientes e mais seguras.” (Exposição de Motivos)
- Curso fundamental: formação geral
- Curso complementar: formação propedêutica.
(Arts. 2º e 7º do Decreto n.º 19. 890, de 18/4/1931.)
2. Gustavo Capanema
(1942)
“Formar (...) a personalidade integral dos adolescentes; acentuar e elevar
(...) a consciência patriótica e a consciência humanística; dar preparação
intelectual geral, que posa servir de base a estudos mais elevados de
formação especial.” (Art. 1º do Decreto-lei n.º 4.244, de 9/4/1942.)
3. Lei de Diretrizes e Bases
(1961)
“A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada na escola
primária, destina-se à formação do adolescente” (Art. 33 da Lei n.º 4.024,
de 20/12/1961.)
FONTE: (Adaptado de) PILLETI, Nelson. Ensino de Grau: Educação Geral ou Profissionalização? São
Paulo: EPU/EdUSP, 1988. (Temas Básicos de Educação e Ensino), p. 17 e 18.
No esteio da discussão do anteprojeto da LDBEN, durante a década de 1950, surgiram
ainda duas intervenções que podem ser consideradas tentativas de reformulação do ensino
secundário. Com o objetivo não de reformar, mas de atualizar a Lei Orgânica de 1942, devido
ao não andamento da lei de diretrizes e bases, foi apresentado, na Câmara dos Deputados em
1954, o projeto de lei n.º 4.132 do deputado Nestor Jost:
123
O projeto Jost, como passou a ser chamado, misturava elementos de
simplificação e flexibilidade curricular com os princípios centralizadores da lei
orgânica de 1942. Previa como o das diretrizes e bases, disciplinas obrigatórias e
optativas. Reduzia, em relação à lei orgânica, o total de disciplinas por ciclo, e
limitava o número de disciplinas por série (de 6 a 8) o que não fazia o primeiro
projeto das diretrizes e bases. Não fixava o número de disciplinas optativas, mas a
margem que lhes oferecia era pequena, pois destinava o mínimo de 15 aulas
semanais (de um total de 20) para as disciplinas obrigatórias. Uma das alterações,
em relação à lei orgânica, era a não prefixação da seriação das matérias;
aparentemente deixava-a livre às escolas. Não obstante esta abertura no sentido da
autonomia escolar, o projeto Jost caracterizava nítida centralização federal (em
divergência, neste aspecto, com as tendências do projeto das diretrizes e bases).
Estabelecia, por exemplo, que as disciplinas optativas obedeceriam a normas a
serem expedidas pelo Ministério da Educação; também mantinha dependentes de
instruções federais o processo de provas e exames e as condições de habilitação em
cada série.
327
Centrado na rigidez do currículo, no elevado número de disciplinas e na extensão do
programa, o projeto Jost visava uma alteração parcial, uma adaptação do ensino acadêmico,
preparando-o para as alterações profundas que deveriam vir com a LDBEN. Quando da
tramitação desse projeto no Senado, o então ministro da Educação Clóvis Salgado organizou
uma comissão de estudos para o exame geral do ensino médio. Nesta comissão, formava-se a
opinião de que os problemas do ensino médio não eram puramente de ordem pedagógica, mas
consubstanciavam-se neles questões políticas que seriam dimensionadas pelas transformações
sociais que estavam em curso. Objetivando estender e aprofundar o projeto Jost, a comissão
entendia que “a expansão do ensino de nível médio, intimamente ligada ao desenvolvimento
econômico e social e político do país, será contínua e progressiva (...)”
328
e observando a
necessidade de ampliação da oferta do ensino secundário, considerou que este outrora
destinado a um grupo restrito e privilegiado, tornava-se uma aspiração e necessidade coletiva.
Assinalava ainda, a tendência ao rompimento com a estrutura dicotômica predominante,
segundo a qual o ensino médio no Brasil se equacionava “em termos de ensino secundário e
ensino profissional: o primeiro, acadêmico, organizado precipuamente para servir de base a
estudos superiores e, o segundo, tecnicamente especializado”.
329
Desse modo, além da flexibilidade curricular, a comissão pretendia uma alteração
estrutural. Criou para isso, uma idéia de “tronco comum” no ensino médio, dando uma nova
forma ao primeiro ciclo secundário, que contaria nos dois primeiros anos com um ensino
comum e, nos dois últimos, com um ensino diversificado, admitindo a inclusão de matérias de
iniciação técnica no ensino secundário, algo que sequer era previsto no anteprojeto da
327
AMADO, Gildásio. Educação Média e Fundamental. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1973. P.
56 e 57.
328
Ibid. P. 58.
329
Ibid., loc. cit.
124
LDBEN. Caminhava-se assim para um ginásio único que oferecesse múltiplas direções.
Apesar de terem sido incorporadas em um substitutivo aprovado pelo então ministro Clóvis
Salgado em 1959, as alterações propostas pela comissão não foram aprovadas pelo Senado.
330
No que nos interessa em relação à definição social do ensino secundário, é possível
afirmar que, fundamentalmente, ela se originara na tradição da desvalorização “da „via‟ do
ensino profissionalizante em relação à „via‟ do ensino secundário”,
331
que no texto
constitucional de 1937 (Art. 129) aparecia sob uma forma na qual o ensino pré-vocacional e
profissional se destinava às “classes menos favorecidas”. O divórcio entre “a formação
intelectual e a qualificação para o trabalho, tida aquela como ensino de classe e esta como
de 2ª”,
332
não somente atravessou todo o processo discursório, mas também permaneceu na
LDBEN, pois para a promulgação desta, “acabou-se por acionar o pacto das elites
(conciliação pelo alto) através do qual se torna possível preservar os interesses dos grupos
privilegiados econômica, social e culturalmente, adiando-se para um futuro indefinido a
realização das aspirações das massas populares.”
333
Incapaz de alterar a estrutura tradicional de ensino, representando uma vitória da
mentalidade conservadora, a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 somente conseguiu introduzir
um modesto e insuficiente dispositivo legal, que foi resultado da “lei da equivalência” de
1953 dos cursos médios, baseado no nível de estudos que propiciavam um grau
correspondente de maturidade aos alunos, independentemente de terem currículos e
programas diferenciados, permitindo que
os estudantes que concluíssem o primeiro ciclo dos cursos técnicos poderiam
matricular-se no segundo ciclo do curso secundário; os que concluíssem o segundo
ciclo dos cursos técnicos poderiam candidatar-se a um curso superior; mas, nos dois
casos, só depois de aprovados em exames das matérias que faltassem para completar
o primeiro ou o segundo ciclo secundário, respectivamente.
334
Segundo a Consolidação da Legislação do Ensino de 1965, tornaram-se equivalentes:
I No 1º ciclo:
a) o ginásio secundário; b) o ginásio que incluía orientação para o trabalho;
c) o ginásio industrial, agrícola e comercial; d) ginasial normal (de escola normal);
330
Cf. Ibid. P. 58-61. O autor considera que a idéia de um ensino secundário mais diversificado e a tendência
para um ensino médio único germinou posteriormente com a concretização do “ginásio orientado para o
trabalho” em 1964. O substitutivo de 1959 também teria influenciado na redação da LDBEN de 1961, nos
artigos 39 e 43. Cf. Ibid. P. 129-136.
331
RIBEIRO, M. L. S. Op. Cit. P. 143.
332
SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. Desafios Educacionais Brasileiros. São Paulo: Pioneira, 1979.
(Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais), p. 44.
333
SAVIANI, Dermerval. Política de Educação no Brasil:o papel do Congresso Nacional na legislação de
ensino. 2 ed. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1988. (Col. Educação Contemporânea), p. 62.
334
AMADO, G. Op. Cit. P. 10.
125
e) outros tipos de ginásios além dos enumerados; f) curso de nível ginasial,
ministrado em escola de país estrangeiro; g) a 6ª série primária e a 1ª ginasial.
II No segundo ciclo:
a) colégio secundário; b) os colégios técnicos industriais, agrícolas e
comerciais; c) as escolas normais de grau colegial; d) outros tipos de colégios além
dos enumerados; e) curso de nível colegial, ministrado em escola de país
estrangeiro.
335
Apesar disso, a equivalência não derrubou a estrutura tradicional de ensino nem
significou equidade nas possibilidades de acesso aos mais diversos níveis, pois pré-existia ao
sistema de ensino o problema do dualismo educacional, relacionado à posição das camadas
sociais em face da oferta de educação:
(...) as camadas médias e superiores procuravam sobretudo o ensino
secundário e superior como meio de acrescentar prestígio a um status adquirido ou,
ainda, como meio de adquirir status. A expansão do ensino médio, mais acentuada
no ramo secundário, demonstrou que foram aquelas camadas as mais atingidas pelo
sistema educacional, já que esse ramo do ensino era o ramo de sua preferência.
Por outro lado, as camadas populares passaram a procurar mais as escolas
primárias e as escolas profissionais.
336
Pela lei 3.191 de 8 de maio de 1963, o Sistema Estadual de Ensino incorporou os
dispositivos da LDBEN em relação ao ensino médio e, especificamente, ao ensino secundário,
apontou quais eram seus objetivos:
(...) dar educação geral aos adolescentes de ambos os sexos,
facultando-lhes condições para o desenvolvimento equilibrado e livre de sua
personalidade e prepará-los para a vida dentro da realidade catarinense e brasileira;
orientar e instruir os adolescentes para o acesso aos cursos superiores.
337
Sem romper com a estrutura tradicional que discriminava um ensino “dos ricos” e um
ensino “dos pobres”, ou seja, separando a educação escolar das elites da educação escolar das
camadas populares, a legislação e o sistema estadual de ensino que aí se originavam, conduziu
a demanda social da educação a dois tipos de componentes que a vinham constituindo ao
longo dos anos: “os componentes dos estratos médios e altos que continuaram a fazer opção
pelas escolas que „classificavam‟ socialmente, e os componentes dos estratos populares que
passaram a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho.”
338
Assim, pela ação do Estado transformava-se o sistema educacional em um sistema de
335
CONSOLIDAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO APÓS A LEI DE DIRETRIZES E
BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (Trabalho da Diretoria do Ensino Secundário do MEC, transcrito de
“Documenta” n.º 38, de 1965, págs. 113 a 149). Capítulo V, Art. 27. In: FONTOURA, Amaral (Dir.) Leis da
Educação. Legislação complementar à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Rio de Janeiro: Aurora,
1969. (Biblioteca Didática Brasileira, Série IV, Vol. III, Anexo II). P. 404.
336
ROMANELLI, O. de O. Op. Cit. P. 167 e 168.
337
SANTOS, S. C. dos. Op. Cit. P. 72 e 73.
338
ROMANELLI, O. de O. Op. Cit. P. 169.
126
discriminação social; a relação entre a demanda pelo curso secundário e a ação do Estado
plameguiano, isolada no curso secundário ginasial, demonstra um interesse na manutenção de
fazer do ensino secundário científico, o principal meio privilegiado para a ascensão social e a
consequente formação de novas elites, cada vez mais pela restrição do acesso a este nível de
ensino, cuja educação era considerada a melhor.
O ginásio tradicional [secundário], em que pese a sua inadequação para
solucionar as necessidades de escolarização em massa do jovem de 12 a 16 anos,
pela orientação extremamente acadêmica e humanística de seu currículo, constitui-
se não obstante, o grande anseio do pai que deseja para seu filho o melhor. Este
„melhor‟, no conselho popular, é o Ginásio” e a palavra torna-se tabu. Por tal
motivo, a família que tem posses, faz com que seu filho curse o ginásio acadêmico,
olhado como primeiro degrau para o bacharelato futuro. Ora, o Estado não dispõe
de estabelecimentos, em quantidade suficiente, para atender a todas as necessidades
de sua população estudantil de nível médio.
339
Esquematicamente, o diagrama do Sistema Estadual de Ensino mostra como
funcionava o processo seletivo e como tornou-se um sistema de discriminação social. Então,
podemos verificar que o ensino secundário manteve-se a forma principal de ascensão social.
Também podemos notar a maneira que se fundem as diferentes definições do ensino, que
passa a ser caracterizado não só como um processo institucional, mas resultado de uma
complexidade maior, que foi política e social. Todavia, tendo sido o Estado responsável pela
criação e ajustamento do sistema às exigências legais, ou vice-versa, o ajustamento das
exigências legais às necessidades de um sistema, cuja explicação estava nas estruturas de
classe que o precediam e o sucederam, é ele o Estado, no caso aqui tratado,
desenvolvimentista que configurara o ensino segundo os interesses econômicos dominantes,
apesar de um imaginado processo de democratização que, na verdade, constituiu-se como
meio de justificativa ideológica do sistema estadual de ensino.
340
A existência de um “sistema oficial” leva à conclusão de que a expansão das ofertas de
ensino permitia um prosseguimento harmonioso que levaria do ensino primário ao ensino
dio e deste, ao ensino superior para todas as camadas sociais. Apesar da lógica aparente de
acessibilidade aos diversos níveis, reforçada pela equivalência no ensino médio, o que era
para ser um sistema coeso, bem articulado entre esses níveis, gerou um conjunto de
subsistemas isolados. Primeiro, porque entre um subsistema e outro, havia um potente filtro
339
GABINETE DE PLANEJAMENTO DO PLANO DE METAS DO GOVERNO. O Ensino Normal de
Ciclo Estudo para uma Reformulação. Florianópolis: Gabinete de Planejamento do PLAMEG, 1962. N. 1.
P. 9.
340
Utilizamos já o termo “sistema estadual de ensino” em função do aspecto descentralizador da LDBEN de
1961 que vislumbrou o sistema de ensino federal organizado pelos diversos sistemas estaduais de ensino, que de
fato eram os que determinavam a interação com a sociedade.
127
128
seletivo que diminuía as possibilidades de continuidade da escolarização através de exames;
segundo, porque cada subsistema era dotado de um escape que, de antemão, oferecia aos
indivíduos um mínimo de ascensão social, de modo que eles poderiam interromper os estudos
para ingressarem diretamente no mercado de trabalho. Assim, continuavam, até o final do
sistema, aqueles indivíduos que tinham meios suficientes de sobrevivência, não exigindo uma
entrada rápida no mercado de trabalho. Para os que necessitavam trabalhar, havia uma espécie
de “sistema paralelo”, formado pelos ensinos normal e técnico. Este “sistema paralelo”
funcionava em cada um dos subsistemas isolados, diminuindo sistematicamente a demanda
pela continuidade de estudos.
O ensino secundário era considerado o meio preferencial na trajetória para a maior
ascensão social, conquistada após a conclusão do ensino superior. A carreira” estudantil que
se iniciava no ginásio secundário deveria ser continuada no colégio secundário,
preferencialmente no ramo científico, que abria a possibilidade de acesso a todos os cursos
superiores, mas, principalmente, naqueles chamados “técnicos” (Engenharia, Farmácia,
Odontologia, Medicina, etc.) que eram tidos como os que ofereciam os melhores salários. O
ramo clássico do ensino secundário acessava os cursos superiores chamados “humanísticos”
(Educação, Filosofia, Letras, Direito, etc.), cujas vantagens sociais, como retorno financeiro e
prestígio, não eram tão notórias.
Quando mostramos um sistema que não era integrado, é por que, ele, no conjunto, não
agia no sentido de encaminhar todos os indivíduos escolarizados da base ao topo, mas criava
uma série de ciclos internos e externos, que não interrompiam o trajeto a ser percorrido
pelo estudante, mas criava subsistemas independentes e com vida própria.
O ensino primário formava um grande subsistema. Era para ali que afluíam todas as
camadas sociais em fase inicial de escolarização e, por isso, era onde se concentrava o maior
número de matrículas. O Estado plameguiano deu especial atenção para este nível de ensino,
pois ele representava as necessidades de uma população bastante empobrecida, cujas
expectativas de escolaridade, praticamente, iam até o grau primário. Por outro lado, havia
toda a mediação política do Estado que, ao mesmo tempo em que lutava contra o
analfabetismo e promovia o ascenso das classes mais baixas, atendia aos quesitos básicos do
processo desenvolvimentista, permitindo um grau mínimo de instrução para a população. O
grau primário também funcionava como poderoso instrumento para o mercado de trabalho, na
medida em que ali eram absorvidas as ofertas de profissionais, geradas nos dois subsistemas
seguintes do grau médio os regentes e os professores de escolas primárias recém-formados
129
nos ginásios e colégios normais. Também neste aspecto, o Estado mediava sobre o corpo
docente, através de cursos de aperfeiçoamentos, mais especificamente para os professores das
áreas rurais (figura 11), onde as oportunidades de ensino eram mais escassas e havia os
maiores índices de crianças sem escolarização.
Figura 11 Numa das aulas do Curso de Aperfeiçoamento de Professores Rurais (CAPRU) que tinha por
objetivo atender todo o professorado da área rural catarinense. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas
do Governo Celso Ramos: ano de Trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1964. P. 16-17.
No ensino médio havia dois subsistemas. O primeiro deles formava-se no primeiro
ciclo, onde coexistiam o “sistema oficial” que previa o acesso indiscriminado ao ciclo
seguinte, e o “sistema paralelo” que aliviava a pressão interna por continuidade de estudos,
através do ensino técnico ginasial que submetia alguns jovens ao mercado de trabalho, através
do ensino normal ginasial, que formava os regentes que iam alimentar a expansão do ensino
primário. Este “sistema paralelo” era comumente aceito por jovens de classes médias e baixas,
principalmente urbanas, como uma oportunidade de emprego rápida. O “sistema oficial” por
si só era deficitário, pois por meio de uma seleção dada em uma série de exames de admissão,
o segundo ciclo não oferecia vagas suficientes para toda a demanda que vinha do ciclo
ginasial. Restava uma espécie de “trajetória preferencial”, na qual os alunos ingressavam nos
ginásios secundários em regime de concorrência, para, em seguida, disputar as vagas que
existiam nos colégios secundários.
O segundo subsistema do ensino médio ocorria, então, no seu segundo ciclo. Havia a
mesma divisão entre dois sistemas, “oficial” e “paralelo”, sendo que, neste último, as
oportunidades colocadas no mercado de trabalho para o jovem egresso do ensino técnico eram
muito mais claras e, para os normalistas, a diplomação como professor ou professora de grau
130
primário
341
, que conferia melhores vencimentos, atraía algumas jovens de classes médias e
superiores, como uma forma de garantir um rendimento complementar na renda familiar.
Apesar de, tanto o colégio normal quanto o colégio técnico acessarem os cursos superiores o
primeiro encaminhando para a área humanística e, o segundo, para a técnica -, foi o ensino
secundário que catalisou o processo de formação e preparação dos jovens para o ingresso nos
cursos superiores. O ensino secundário foi então dividido entre um ramo clássico voltado
para o estudo das letras e humanidades e um ramo científico voltado para o estudo das
ciências da natureza. Enquanto o colégio secundário científico facilitava o acesso em todos os
cursos superiores, o colégio secundário clássico voltava-se mais para os cursos superiores
humanísticos. Portanto, era dessa forma que o aluno interessado em ingressar no ensino
superior buscava seguir, preferencialmente, os estudos nos ginásios e colégios secundários.
Podemos ressaltar que a única alternativa que tinha destaque, na época, era constituída pelo
ingresso nos colégios técnicos comerciais que serviam como preparatórios ao curso superior
de ciências contábeis.
O quarto subsistema era formado pelo ensino superior, cujas vagas eram preenchidas
por uma minoria que passara pelos filtros seletivos do “sistema oficial”, entre os subsistemas,
e escapara dos desvios do “sistema paralelo”. O ensino superior era a maior garantia de
ascensão social, formando os indivíduos para as ocupações mais valorizadas, apesar de que os
egressos dele ainda tinham toda a competição do mercado de trabalho pela frente. Os estratos
sociais das camadas superiores a ele tinham acesso, podendo manter o seu status quo de
classe dominante, assim como gerar as condições para o direcionamento do processo
desenvolvimentista, através de uma mão-de-obra altamente qualificada. A preocupação do
Estado em fornecer a força de trabalho com instrução menor também existia na qualificação
da mão-de-obra. A criação da Faculdade de Educação em 1963, no prédio do Instituto
Estadual de Educação, visava à formação dos professores para os colégios secundários e
normais da rede estadual que, por sua vez, formariam os professores e regentes do grau
primário.
Vemos que o sistema estadual de ensino se concentrava na formação de pessoal
qualificado para o trabalho, conforme propunha a ideologia desenvolvimentista. A chamada
democratização do acesso à escola correspondeu à justificação ideológica desse sistema, na
medida em que ele selecionava os indivíduos, tanto no “sistema oficial”, quanto pelo “sistema
341
Caberia uma investigação mais aprofundada sobre a questão dos gêneros em relação ao ensino normal,
naquela época, ao que se sabe quase exclusivamente formada por uma clientela feminina. Não restringimos o uso
do termo neste gênero, pela falta de dados comprobatórios e por não ser este o objeto de pesquisa.
131
paralelo”. A necessidade de imprimir um acréscimo numérico relativamente alto nos níveis de
escolaridade, fez com que o governo concentrasse esforços no ensino primário e a expansão
do ensino secundário se deu ao nível ginasial. Este é um aspecto da caracterização ideológica
da democratização, pois, oferecendo a um grande número de indivíduos oportunidades de
cursar o ginásio secundário, ampliando sua atuação neste setor, o Estado parecia estar
disponibilizando, a um maior número de pessoas, a possibilidade de ingressar no “trajeto
preferencial” que levava à ascensão social. Entretanto, no segundo ciclo, o maior número
de ofertas se deu no ensino normal, para corrigir” a demanda do sistema, diminuído o fluxo
para o colégio secundário e oferecida uma alternativa no meio do caminho da ascensão social
que mantinha a mais importante expansão - a do ensino primário.
2.2.1 A Expansão Quantitativa do Ensino Secundário em Santa Catarina
Os diversos fatores que, conjuntamente, fazem dos anos imediatamente posteriores a
1960, um marco para a educação em Santa Catarina, demonstram uma aceleração dos meios
de expansão do ensino secundário e do acesso da população a este. Conforme foi visto,
soma-se às consecutivas reformas educacionais, a LDBEN de 1961, incumbindo o Estado de
assegurar o acesso ao ensino nos diversos níveis. Por outro lado, o momento político no
estado, de planejamento e desenvolvimentismo, no qual a educação é fator de
desenvolvimento econômico, permite uma ação mais específica do Estado sobre a educação,
definida pelo Plano de Metas do Governo Celso Ramos, o PLAMEG I. Nesse sentido, uma
caracterização geral do período mostra que, continuamente, o “Estado devia, portanto,
engendrar, não somente a infra-estrutura indispensável à expansão industrial, mas definir
também as políticas educacionais. Isto significou um aumento dos investimentos na educação
escolar que convergiu para a extensão do direito do acesso à escola”.
342
O fato possivelmente incontestável é que uma gradativa expansão do ensino
secundário na medida em que o Estado vai se tornando mais interventor no campo
educacional e aquela, adquire um impulso geral a partir da verificação da necessidade de
ampliação da educação escolar em função das demandas advindas do processo de
342
VALLE, I. R.; SCHWAAB, C. I. e SCHNEIDER, J. O Direito à Escolarização Média. In: VALLE, Ione
Ribeiro e DALLABRIDA, Norberto (Orgs.) Ensino Médio em Santa Catarina: Histórias, Políticas,
Tendências. Florianópolis: Cidade Futura, 2006. P. 40.
132
desenvolvimento econômico. Entretanto, encontrar a medida dessa expansão fundamental
para a compreensão da amplitude da intervenção estatal e da consistência do percurso
desenvolvimentista se mostra uma tarefa mais delicada, devido à necessidade de localizá-
la, historicamente, e compreendê-la dentro do processo, além das nuances encontradas nas
fontes de natureza estatística. Com o intuito de proporcionar uma visão do quadro educacional
catarinense no período, observamos alguns gráficos que foram deduzidos de dados estatísticos
elaborados por instituições credenciadas.
343
Como os levantamentos são sobre aspectos
diversos, cabem interpretações posteriores que nos aproximam do objeto de investigação, ou
seja, como se deu a chamada expansão do ensino secundário em Santa Catarina.
Inicialmente, podemos traçar um quadro das deficiências e como elas foram sendo
sanadas no passar dos anos em relação à alfabetização (gráfico 14). A parcela da população
analfabeta (não sabia nem ler nem escrever), em 1940, era maior do que a população que
declarava saber ler e escrever, situação que foi logo invertida com o progressivo aumento dos
alfabetizados. Apesar de a relação entre alfabetizados e analfabetos ir se tornando cada vez
mais crescente, favoravelmente ao número de alfabetizados, o número absoluto de analfabetos
continuou quase sem alteração e, inclusive, aumentou, em três décadas.
343
A princípio estamos nos referindo aqui: IBGE. Censo Demográfico: População e Habitação. Censos
Econômicos: Agrícola, Industrial, Comercial e dos Serviços. Recenseamento Geral do Brasil [1º de setembro
de 1940]. Rio de Janeiro: Gráfica do IBGE, 1952. Série regional, parte XIX. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%20e%20Economico%201940_pt_XIX_SC.pdf> Acessado em 31
outubro 2008. _____. Estado de Santa Catarina Censo Demográfico. VI Recenseamento Geral do Brasil,
1950. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1950/CD_1950_XXVII_t1_SC.pdf> Acessado em 31 outubro 2008. _____. Censo Demográfico de
Santa Catarina. VII Recenseamento Geral, 1960. Série Regional, vol. I, Tomo XV. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/CD1960/CD_1960_SC_1Parte.pdf>
Acessado em 31 outubro 2008.
IBGE. Censo Demográfico de Santa Catarina. VIII Recenseamento Geral, 1970. Série Regional, vol. I, Tomo
XX. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-
%20RJ/CD1970/CD_1970_SC.pdf> Acessado em 31 outubro 2008.
133
Gráfico 14 - Alfabetização da população de cinco anos ou mais em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado dos) Censos de 1940, 1950, 1960 e 1970. Op. Cit. P. 16, 19, 10, 24 e 25.
Mesmo que tenham sido utilizadas metodologias um pouco diferentes nos
recenseamentos, procuramos, no gráfico 15, levantar uma estimativa dos indivíduos que
estavam ocupados (freqüentando ou que freqüentaram) o grau médio de ensino. Não é
possível ainda distinguir o ensino secundário dos demais e, no ano de 1940, não se
diferenciam cada um dos dois ciclos, ginasial (1ª a série) e colegial (1ª a série), além do
que são considerados os dados referentes às pessoas que freqüentam uma série ou àquelas que
freqüentaram, segundo o último ano concluído. O que é claramente visível é a grande
defasagem entre os dois ciclos, relacionada à dificuldade de ingresso no colegial, e a década
de 1960, com maior intensidade da expansão que resultará na futura massificação do ensino
nos anos da década de 1980.
Gráfico 15 - Pessoas frequentando o Grau Médio em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado dos) Censos de 1940, 1950, 1960 e 1970. Op. Cit. P. 18, 22, 14, 26.
0
200000
400000
600000
800000
1000000
1200000
1400000
1600000
1800000
2000000
1940
1950
1960
1970
Analfabetos
Alfabetizados
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
160000
1940
1950
1960
1970
Grau Médio
1º ciclo Ginasial
2º ciclo Colegial
134
Seguindo essa aproximação pelo grau médio de ensino, pode-se verificar o índice de
pessoas que possuíam curso completo ou diploma de ensino, de acordo com a espécie do
curso. Assim, os censos de 1950, 1960 e 1970 permitem identificar o que presumivelmente
seria o ensino secundário, caracterizado nos dois ciclos como “ensino geral”, enquanto as
formas de ensino profissionalizante, agrícola, e até o normal ou pedagógico, entre várias
outras espécies de cursos de grau médio estão em separado, classificadas como “ensino
cultural ou profissional” (gráfico 16).
Gráfico 16 - Curso completo ou diploma de estudos segundo a espécie de curso em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado dos) Censos de 1940, 1950, 1960 e 1970. Op. Cit. P. 18, 25, 17, 36 e 37.
Então, pode-se chegar a uma primeira conclusão de que houve uma expansão de oferta
de ensino no grau médio, na qual o ensino secundário ocupava uma posição de destaque, mas
principalmente em relação ao primeiro ciclo, pois o segundo ciclo representava muito pouco
no conjunto do grau médio, variando de 4% a 9,3% do total deste e, de 7,1% a 12,7% do total
do ensino secundário. Já, o primeiro ciclo ginasial teve uma significativa representatividade,
de 52% a 64,1% em relação ao grau médio e, de 92,8% a 87,2% em relação ao ensino
secundário. Este pequeno decréscimo na evolução decenal do ciclo ginasial representa, por
outro lado, a diminuta, mas real expansão do ciclo colegial no ensino secundário, tomando
como medida o número de pessoas que completaram os respectivos cursos.
Esta análise também pode ser verificada se tomamos o número de alunos matriculados
no ensino secundário, os quais majoritariamente cursavam o ginasial. O gráfico 17 mostra que
a expansão deste ciclo foi muito maior e os anos, entre 1961 e 1965, sofreram uma aceleração
nela. No conjunto do ensino secundário, no estado de Santa Catarina, sem identificarmos as
dependências administrativas (portanto, incluindo as escolas públicas e particulares), dos
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
1940
1950
1960
1970
Grau Médio
Ensino Secundário
1º ciclo Ginasial
2º ciclo Colegial
135
6.190 alunos atendidos em 1953, chega-se a um aumento de 117% até 1960, com 13.441
alunos. Mas, de 1961, quando havia 14.640 matrículas até 1965, ano cujo número de
matriculados foi de 28.565, houve acréscimo de 95% em um período quase duas vezes mais
curto, ou ainda, de 1953 até 1965 foram 361% de aumento nas matrículas, o que leva a uma
diferença de 244% para o período após 1961.
Gráfico 17 - Número de alunos matriculados segundo o ciclo em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. (CD-ROM, isbn 85-
240-3080-1).
Outra forma de compreender a expansão do ensino secundário em Santa Catarina é
através do conhecimento do processo de aumento do número das unidades escolares. O
gráfico 18 (ainda sem diferenciar entre as dependências administrativas, pública ou particular)
mostra um padrão de expansão com clara semelhança com os modelos anteriores: expansão
geral do ensino secundário, mais acentuada no ciclo ginasial e nos anos posteriores a 1961.
Em mais de uma década, enquanto triplica o número de Ginásios, apenas duplica o número de
Colégios, além de não apresentarem, principalmente, este último, uma ascensão contínua, mas
diminuição da quantidade de unidades escolares.
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
Ens. Secundário
Ginasial
Colegial
136
Gráfico 18 - Unidades escolares segundo o ciclo em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. (CD-ROM, isbn 85-
240-3080-1).
Buscando caracterizar tal processo, exclusivamente, na dependência administrativa
pública ao nível da rede estadual, ou seja, sem considerar as dependências municipal, federal
e particular, temos, ainda, uma visão mais diminuta da expansão do ensino secundário, o que
permite compreendê-la, como tal, somente neste contexto bastante definido do PLAMEG e
faz imaginar o tamanho das deficiências e dificuldades de acesso a essa espécie de ensino que
se colocava para a população. Considerando o período mais acentuado de expansão ao qual se
refere este trabalho, entre 1961 e 1965, nota-se que o número de Ginásios sobe de quatro para
quinze unidades, enquanto os Colégios, somente em 1965, são acrescidos de duas unidades,
chegando ao total de cinco. Essas referências podem ser vistas no gráfico 19 que apresenta o
número de unidades escolares da rede estadual com ensino secundário nos dois ciclos.
38
34
42
51
55
58
61
65
71
90
94
103
31
27
34
40
43
47
50
54
61
80
85
89
7
7
8
11
12
11
11
11
10
10
11
14
0
20
40
60
80
100
120
Ens. Secundário
Ginasial
Colegial
137
Gráfico 19 - Unidades escolares estaduais em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. (CD-ROM, isbn 85-
240-3080-1).
Se tomarmos por base os anos de 1961 e 1965, a rede estadual que era responsável por
aproximadamente 11% do total das unidades escolares com ensino secundário no ano inicial,
passou para 20% destas no ano final; no ciclo ginasial, as unidades escolares da rede estadual
passaram (de 1961 a 1965) de 7,4% para 16,9%; já, no ciclo colegial, de 27,2% para 35,7% do
total de unidades escolares secundárias em Santa Catarina.
O gráfico 20, por sua vez, mostra o número de alunos matriculados no ensino
secundário da rede estadual, mas sem distinguir os dois ciclos. Pelas observações que já foram
feitas anteriormente, estimamos que, do número total de alunos, aqueles matriculados no
colegial ficariam no máximo em torno dos 10%, não ultrapassando este limite, segundo a
tendência geral de maior expansão do ciclo ginasial. O gráfico 21 mostra que triplicou o
número de alunos matriculados no ensino secundário, chegando à casa dos dez mil em 1965.
Isto representava que, neste ano, a rede estadual foi responsável pela recepção de 35% da
demanda pelo ensino secundário existente em Santa Catarina.
, a partir dos dados representados no gráfico 21, pode-se verificar que os alunos
matriculados no ensino secundário de segundo ciclo em Santa Catarina representavam algo
em torno de um por cento das matrículas neste ciclo no Brasil entre 0,9% em 1961 e 1,1%
em 1965 sem diferenciar as dependências administrativas.
7
9
12
14
20
4
6
9
11
15
3
3
3
3
5
0
5
10
15
20
25
1961
1962
1963
1964
1965
Ens. Secundário
Ginasial
Colegial
138
Gráfico 20 - Número de alunos matriculados na rede estadual em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. (CD-ROM, isbn 85-
240-3080-1).
Mas particularmente, levando-se em conta uma aproximação de que dez por cento das
matrículas no ensino secundário da rede estadual tenham sido no colegial, então se pode
concluir que no Estado plameguiano, um percentual ainda menor, de cerca de meio por cento,
correspondia ao número de alunos matriculados nesta rede de ensino em relação ao Brasil
0,2% em 1961 e 0,5% em 1965.
Gráfico 21 - Matrícula geral no ensino secundário - 2º ciclo no Brasil
FONTE: (Adaptado de) Centro de Estudos e Treinamento em Recursos Humanos. Dados Estatísticos Parciais
Necessários ao Estudo dos Recursos Humanos no Brasil. Rio de Janeiro: CETRHU/FGV, 1975, quadro 95.
Apud: CUNHA, Luiz Antonio. Política Educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio. Rio de
Janeiro: Eldorado Tijuca, 197-, p. 81.
Os percentuais baixos refletem a condição periférica de Santa Catarina também no
ensino, que este vinha sendo diretamente associado ao desenvolvimento econômico,
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
1961
1962
1963
1964
1965
2960
3750
4806
6711
10095
Ens. Secundário
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
160000
180000
200000
1961
1962
1963
1964
1965
Ens. Secundário - 2º ciclo
139
principalmente se forem comparados com os estados centrais neste processo, como São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais ou o Rio Grande do Sul, por exemplo. A expansão do ensino
(especificamente do secundário), independentemente da sua proporcionalidade, foi um fato
ocorrido. No caso da expansão durante o PLAMEG I, no governo de Celso Ramos, podemos
inferir que essa expansão foi gerada por circunstâncias políticas e econômicas bastante
determinadas (figura 12). Se havia, por um lado, a associação da expansão do ensino com a
busca pelo desenvolvimento econômico havia, por outro, uma plataforma de governo cujos
objetivos eleitorais em época de redemocratização assinalavam uma conveniente aliança entre
a vontade popular e o planejamento. Isso tanto espelhava uma tendência nacional e do
chamado “capitalismo social”, quanto fortalecia internamente as classes economicamente
dominantes que eram favorecidas pela ação dirigida pelo Estado, assim como seus dirigentes
e partidos políticos a que pertenciam.
Figura 12 Propaganda do PLAMEG indicando a política de ampliação da escolarização primária, dentro da
meta “O Homem”, durante inauguração em 1963 de uma sala de aula construída. FONTE:ABREU, Alcides. Op.
Cit. 1997, p. 64.
Em uma combinação da influência do bloco tecnoburocrático - seja pelos instrumentos
utilizados no Seminário Sócio-Econômico que possibilitaram o levantamento das condições
da realidade catarinense, seja pela execução hierárquica das metas no Gabinete de
Planejamento do governo -, com a disputa política entre as oligarquias dominantes no estado
que condicionou uma plataforma eleitoral baseada no desenvolvimento econômico e na
educação voltada para este fim (com a idéia de valorização do Homem) -, a planificação da
educação em Santa Catarina adquiriu aspectos de grandeza (mapa 2). Esta não foi
140
estimulada por uma estratégia propagandística, mas, principalmente, a marca do
expansionismo do ensino deve ser creditada à primeira tentativa de ão racional” por parte
do Estado que acabou apresentando um forte contraste com a situação anterior, extremamente
deficitária, implicando uma supervalorização da ideologia desenvolvimentista vinculada à
gestão governamental de Celso Ramos e seus reflexos reais.
Mapa 2 Expansão da rede estadual de ensino
Mapeamento indicando as áreas de concentração para a expansão da rede estadual de ensino. Era visada a
construção de salas de aulas em unidade escolares que tinham em média de três a cinco destas, com algumas
poucas unidades chegando ao número de dez salas de aula. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do
Governo Celso Ramos: ano de Trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1962. P. 13.
141
Postulando que a dimensão da expansão do ensino no exercício do PLAMEG I
possuiu forte apelo propagandístico e político-ideológico, e que esteve limitada a uma
planilha de possibilidades de gastos determinadas de forma técnica pelos agentes
planificadores a tecnocracia, em cujos cálculos a Educação não era a majoritariamente
prioritária podem ser considerados ainda alguns outros aspectos que definem melhor a
natureza dessa expansão. Em primeiro lugar, o Estado desenvolvimentista catarinense tinha
consciência do ônus que significava uma ampliação do ensino de forma satisfatória para
atender toda a população; tal feito mostrava-se impossível, de forma que foi necessário criar
um arranjo para o Sistema Estadual de Ensino que, ao mesmo tempo, preservasse a proposta
desenvolvimentista e atendesse às exigências legais trazidas pela LDBEN de 1961. Como
estamos nos referindo, particularmente, ao ensino secundário, devemos salientar que a
expansão do ensino não se deu somente neste ramo do grau médio (figura 13), mas atingiu
todos os demais graus e as especificações previstas naquela legislação nacional. Assim é que
podemos diferenciar a natureza da expansão do ensino secundário em relação, por exemplo,
aos outros ensinos de grau médio, como o normal e o técnico. Isso sem contar o grau primário
e o superior. Em relação ao ensino primário, o Gabinete de Planejamento do PLAMEG I
estabelecia que devessem ser construídas 2.500 salas de aula para atender 200.000 crianças
que se achavam fora da escola ou precariamente escolarizadas. Calcula-se que, em 1966,
houve 379.430 matrículas iniciais nas escolas primárias da rede estadual, que oferecia 82,1%
das vagas da totalidade dos estudantes que freqüentavam este grau de ensino no estado, contra
os 74% em 1960. Porém, o elevado índice de repetência distorcia a demanda para a criação de
novas vagas e o
Governo recém eleito havia se impressionado com a precariedade das instalações
escolares e com as insuficiências do corpo docente, além dos reclamos da população
quanto à falta de escolas. Partiu, portanto, para um programa de construções, de
larga dimensão, quando o fundamental seria o encontro dos mecanismos qualitativos
que viessem diminuir o índice de repetência e dessa forma facilitar o aproveitamento
das vagas ociosas.
344
344
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Educação e Desenvolvimento em Santa Catarina. Florianópolis: UFSC,
1968. P. 68 e 69. Cf. Ibdem. P. 62 72.
142
Figura 13 Inauguração do Conjunto Educacional de Laguna, em 1964. FONTE: ABREU, Alcides. Op. Cit.
1997, p. 83.
Em relação ao ensino superior, este foi considerado prioritário dentro do projeto
modernizador do Estado para mediar o processo desenvolvimentista, através da qualificação
da mão-de-obra. Contava para este fim com a criação de uma universidade estadual, o que
aconteceu com o decreto 2.802 de 20 de maio de 1965, pelo qual “foi definida e estruturada a
Fundação Educacional de Santa Catarina, sendo outorgados poderes para aquela constituir a
Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina a UDESC à qual a
Faculdade de Educação ficou vinculada”.
345
Nesse contexto, a Faculdade de Educação
objetivava prover as escolas de professores(as), orientadores(as) e administradores(as)
escolares, fornecer cursos de aperfeiçoamento ao magistério, além de subsidiar a formulação
da política educacional catarinense; possibilitou a criação do Centro de Estudos e Pesquisas
Educacionais - CEPE que, no entanto, não se constituiu num centro de pesquisas
independentes e críticas frente às políticas educacionais, mas efetivou as investigações
oficiais, enquanto o Curso de Pedagogia permanecia atrelado aos métodos e concepções
tradicionais. Sob forte influência do bloco tecnoburocrático, a FAED “teve um baixo grau de
dissenso político e ideológico”, pois a “grande circularidade de profissionais da educação
entre a FAED e as instâncias político-administrativas, como a Secretaria de Educação, o
345
TEIVE, Gladys Mary Ghizoni; DALLABRIDA, Norberto. A faculdade de educação nos anos 60 : releitura da
"idade de ouro”. Percursos: Revista do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas da UDESC. Florianópolis,
v.4, n.1, p. 96 , out. 2003. Disponível em: <http://www.faed.udesc.br/userimages/artigofaed.pdf> Acessado em
11 novembro 2008.
143
Conselho Estadual de Educação e o Gabinete de Planejamento do Plano de Metas do
Governo, indica, de certa maneira, confluência em torno de idéias políticas e educacionais.”
346
No gráfico 22 (que não discrimina as dependências administrativas) vemos como, em
relação ao grau médio, ocorreu a expansão do ensino nos anos de vigência do PLAMEG I.
Apesar do aumento no número de matrículas representarem um acréscimo “natural”, seguindo
o aumento populacional, por outro lado, ele deveria significar uma maior oferta dos meios
materiais de ensino, seja através da construção de salas de aulas, seja pelo convênio entre as
redes públicas e privadas, oferecendo vagas e bolsas de estudo para que alunos pudessem
cursar os estudos em instituições particulares, naqueles locais onde não havia oferta de ensino
público e gratuito oficial:
(...) a partir de 1961, o Governo visando atender a demanda dos cursos de grau
médio e considerando suas limitações para criar ginásios e colégios em número
suficiente, resolveu estabelecer convênios com estabelecimentos particulares a fim
de garantir a gratuidade do ensino (...) o Governo não conseguiu estabelecer um
mecanismo seguro para atender àqueles que possuíam insuficiência de recursos e
que não tinham como estudar, porque não existiam, nos municípios onde residiam,
ginásios ou colégios oficiais. (...) o Governo partiu para a formulação de convênios
diretamente com a rede particular, assegurando a gratuidade do ensino nesses
estabelecimentos para todos os alunos, independentemente de sua condição social e
econômica. A perspectiva realmente era correta (...). Entretanto, a validade da
pródiga atitude do Governo somente poderia ser medida em função de uma
suficiência de recursos financeiros (...) o que evidentemente não havia.
347
Entretanto, boa parte do acréscimo no número de alunos matriculados com o passar
dos anos, dava-se em função do grande número de reprovações que sobrecarregava o sistema
de ensino, de modo que a “melhoria do índice de escolarização entre 1960 e 65, portanto, foi,
em parte, decorrente da ampliação do universo de alunos matriculados e, consequentemente,
da presença de um maior número de repetentes na escola”.
348
346
TEIVE, Gladys Mary Ghizoni; DALLABRIDA, Norberto. Op. Cit. P. 103-104.
347
SANTOS, S. C. dos. Op. Cit. P. 75 e 76.
348
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Educação e Desenvolvimento em Santa Catarina. Florianópolis: UFSC,
1968. P. 68
144
Gráfico 22 - Matrícula final no ensino médio nos dois ciclos em Santa Catarina
FONTE: (Adaptado de) UFSC/INEP. Acesso ao ensino superior. Articulação entre ensino superior e ensino de 2º
grau. Relatório de pesquisa, v. 1, 1980. FIORI, Neide Almeida (Coord.) Quadro 14, p. 93. Departamento
Estadual de Estatística 1962/1968. SEC/SC Assessoria de Planejamento, 1969. Apud: SCHNEIDER, Juliete. A
Democratização do Acesso ao Ensino Secundário pela Expansão do Ciclo Ginasial Normal em Santa
Catarina (1946-1969). Florianópolis: UFSC, 2008. (Anexo D), [Dissertação].
Uma leitura elementar do gráfico 22 mostra que, em todo o período, o primeiro ciclo
ginasial foi o principal fornecedor de oportunidades de escolarização dentro das metas
estabelecidas, pois o número de matrículas vai de aproximadamente 25 mil em 1962 para
mais de 45 mil em 1965. Dentro deste ciclo, o Ginásio secundário em primeiro, e o Ginásio
normal em segundo, foram os mais procurados e, qualquer um deles, separadamente, superava
a oferta total do segundo ciclo colegial. Essa situação permaneceu no período entre 1962 e
1965, mesmo se observando o aumento do número de matrículas em quase o dobro. A
alteração acontece com a ascensão de matrículas no curso normal colegial, que permanecendo
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
50000
1962 1963 1964 1965
Total Ginásio
Secundário G.
Normal G.
Comercial G.
Industrial G.
Agrícola G.
Total Colégio
Secundário C.
Normal C.
Comercial C.
Industrial C.
Agrícola C.
145
abaixo da procura pelo curso comercial em 1962, supera-o rapidamente após o ano de 1963,
tornando-se o curso de nível colegial que mais atendia alunos em 1965. O curso secundário
colegial, por sua vez, permanecia atendendo poucos alunos em 1962, abaixo da demanda dos
cursos comercial e normal; em cinco anos, são apenas pouco mais de mil matrículas de
acréscimo e uma posição próxima a que era ofertada pelos ginásios comercial e industrial.
Somente os cursos agrícolas nos dois ciclos (os colégios agrícolas passaram a existir em
1965) atenderam um número, significativamente, menor de alunos. Em 1965, o número total
de alunos matriculados nos cursos secundários, ginasial e colegial, correspondia a 53% do
grau médio, e no ensino normal a 33%. No ano seguinte, porém, 45% das matrículas estavam
no secundário e 48% no normal. Enquanto a rede estadual contava com 14 estabelecimentos
de ensino secundário, em 1965, havia presumíveis 216 de ensino normal.
349
Isso explica uma
tendência contrária de Santa Catarina, se observamos através do gráfico 23 que, nos demais
estados da região Sul (e no Brasil de uma forma geral), os cursos de ensino secundário foram
os que apresentaram uma mais forte expansão, com retrocesso dos cursos normais e
significativo avanço dos cursos técnicos. Assim, a primeira colocação que o curso normal
ocupou em Santa Catarina, em 1965 (no tocante aos estabelecimentos de ensino), seguido
pelo secundário e pelo técnico, no Paraná ocupava a segunda colocação e no Rio Grande do
Sul a terceira, sendo que em ambos desses últimos estados, o ensino secundário possuía o
maior número de estabelecimentos em meados da década de 1960. A quantidade de escolas
secundárias em Santa Catarina permanece superior ao seu próprio conjunto de escolas
técnicas, enquanto as redes de ensino secundário paranaense e gaúcha eram as duas maiores
do Sul do Brasil.
349
SANTOS, Silvio Coelho dos. (Org.) Sobre as Condições do Processo Educacional em Santa Catarina.
Florianópolis: Fundação Educacional de Santa Catarina, 1967. P. 70, 83 e 84.
146
Gráfico 23 - Estabelecimentos segundo os ramos de ensino nos estados da região Sul
FONTE: (Adaptado de) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. SECRETARIA-GERAL. SERVIÇO
DE ESTATÍSTICA DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Série Retrospectiva do Ensino Médio 1961/1965. Rio de
Janeiro: SEEC-MEC,1977. (Série 9, Documentos, vol. II), p. 12.
Se compararmos minuciosamente os dados encontrados em diversas fontes estatísticas,
provavelmente serão encontradas algumas discrepâncias. Contudo, após observarmos essa
sequência de séries de dados representados graficamente, poderemos concluir que houve um
processo de expansão da rede de ensino em andamento, que se acentuou na década de 1960.
Este processo, em grande parte, foi movido pela necessidade de desenvolvimento econômico,
ao qual a Educação ficou diretamente relacionada como uma de suas promotoras. O processo
de planificação aumentou a participação do Estado na Educação, fosse devido ao
cumprimento de suas obrigações legais para a garantia da escola pública e gratuita, fosse para
sustentar o processo desenvolvimentista, cujas classes beneficiárias eram as mesmas que
sustentavam o poder político no âmbito estatal. Essa expansão do ensino se verificou tanto no
incremento do número de unidades escolares, quanto no número de alunos matriculados, o
que não significava impreterivelmente abertura de novas vagas, mas atendimento a alunos
reprovados, devido aos altos índices de repetência: pode-se afirmar que houve uma expansão
quantitativa do ensino que não correspondeu a uma igualmente importante expansão
qualitativa. Essa expansão atingiu as diferentes dependências administrativas, mas, em Santa
Catarina, houve uma maior participação da rede estadual de ensino, principalmente em
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
1961 1962 1963 1964 1965
Secundário SC
Normal SC
Técnico SC
Secundário PR
Normal PR
Técnico PR
Secundário RS
Normal RS
Técnico RS
147
relação ao curso secundário ginasial, se bem que, no ciclo colegial, o ensino normal foi o que
mais se expandiu.
Essa condição controversa, que mantém o ensino secundário colegial com poucas
oportunidades de acesso, foi resultado da própria política educacional visada pelo Estado, na
medida em que buscou priorizar a formação de professores para as escolas primárias, pouco
também tendo alcançado esse objetivo. O ensino secundário, com seu forte filtro seletivo, não
cumpriu plenamente a função de ampliar as oportunidades de acesso à escola, mas ao manter-
se com um padrão diferenciado dos demais cursos de grau médio - que serviam como
alternativas de acesso ao ensino superior -, sustentou a fissura causada pela ascensão social
em meio a uma sociedade pautada pela busca do desenvolvimento econômico.
2.2.2 - Promessas de Ensino Secundário: a Racionalização das Carências
O projeto de escolarização que foi colocado em prática pelo PLAMEG de Celso
Ramos teve como eixo central a idéia de aprimoramento do fator humano, com vistas ao
desenvolvimento, o que é percebível na sua própria justificação, segundo a qual o PLAMEG
“destina-se à elevação do nível geral das populações por isso que, servindo ao Homem,
corrige e melhora o Meio e promove a Expansão Econômica.”
350
Porém, esse projeto foi resultado de um inter-relacionamento entre uma série de
fatores: serviu de plataforma eleitoral, foi inculcado na população pelo Seminário Sócio-
Econômico, refletiu os interesses das frações econômicas fortemente representadas no Estado,
que até mesmo serviram de base para a candidatura de seu representante, expressou a
maquinaria do bloco tecnoburocrático articulado com os dirigentes políticos, etc.
Caracterizou-se por uma configuração ideológica que trazia em si a “democratização do
ensino” e, ainda, postulava uma ação governamental inovadora, uma nova forma de
administração, fundamentada num método racional que se concretizava no planejamento, com
o PLAMEG.
Por outro lado, analisando o processo de institucionalização cujo rebento se deu com a
LDBEN de 1961, inserido na dinâmica política que moveu a ação do Estado e na dimensão
mais ampla da sociedade de então, seja em relação à demanda social pelo ensino, seja em
350
RAMOS, Celso. 1ª Mensagem Anual. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1961. P. 182.
148
relação à demanda econômica do desenvolvimento, entende-se o Sistema Estadual de Ensino
e mais precisamente, a ampliação da rede estadual dentro deste, no processo real que se
diferencia e ultrapassa o que era subentendido em termos de “Plano de Metas”.
Ao analisarmos a expansão das ofertas de ensino, através da documentação oficial,
351
vemos o quanto era vaga, para o próprio governo, a noção (e suas referências fundamentais)
que a norteou, fazendo prevalecer o grosso da ideologia tecnocrática, justificada por uma
mescla de democratização e racionalização. Percebe-se também a ênfase dada ao aspecto
quantitativo e a predileção quanto a um sistema de ensino cujo fim último era servir ao
desenvolvimento; nisso deixam-se escapar as saídas paralelas do sistema e a preparação do
jovem para o mercado de trabalho. O processo educacional efetivado pelo PLAMEG
destinou-se à preparação da população para o trabalho e, por isso, não serviu plenamente ao
Homem, mas ao Capital.
Boa parte da fundação das metas do PLAMEG se assentava sobre uma comparação
proposital com a situação prévia, reforçando os limites verificados na experiência anterior de
planejamento, com o POE. Conforme apontado no discurso-plataforma que servira de base
para a candidatura, o projeto de escolarização seria um esforço gigantesco a ser assumido pelo
Estado, apoiado na energia e nas forças atuantes da comunidade, devido à precária situação
então existente:
Cerca de 500 mil crianças estão hoje, em nosso estado, entre as idades de 6 a
14 anos. Neste período de vida, os futuros cidadãos deste país deveriam estar
freqüentando escolas.
As estatísticas acusam que deste meio milhão de jovens, apenas cerca de 280
mil obtiveram matrícula em alguma escola no último ano. Quer dizer que 220 mil
meninos e meninas não tiveram presença em qualquer estabelecimento escolar. O
fato de que a população cresce numa média anual igual ou superior a 2%, agrava
ainda o problema.
352
Tem-se aí: um grande desafio, futuros cidadãos, meninos e meninas fora da escola;
todos ingredientes que evocam a urgência da ação do Estado, sublinhada pelo descaso da
gestão governamental em voga e irreversível crescimento demográfico. Assim, traça-se o
plano de ação, primeiro, uma preocupação em ampliar a rede escolar primária e eliminando
qualquer criança fora dela até 1966; segundo, atingidas as 500 mil matrículas primárias,
elevar para 90 mil as vagas nos estabelecimentos de ensino médio. Neste aspecto em
específico, segundo os dados do discurso, com as 280 mil matrículas existentes no ensino
primário, eram necessárias pelo menos 40 mil vagas no ensino médio. Mas havia, em 1957,
351
Leia-se mensagens anuais à Assembléia Legislativa, discursos e relatórios.
352
RAMOS, Celso. Discurso Plataforma. _________. Op. Cit. 1961, p. 17.
149
apenas 19.952 destas vagas. A fundação do PLAMEG buscou salientar a ineficácia do que
havia sido sugerido pelo POE, numa clara observância à disputa política. Contavam-se como
recursos disponibilizados pelo POE no setor Educação, o suficiente para a realização de 160
Jardins de Infância e o Instituto de Educação que, decorrido o primeiro qüinqüênio desde a
sua lei de criação, tinham como porcentagem de execução, os primeiros em 0,6% e o segundo
em 20%, com grandes distorções orçamentárias.
353
Nessa atmosfera de ineficácia administrativa, surgiu a excelência de uma proposta
planificada, democrática e racionalizadora. Entretanto, não conseguindo a tecnocracia e o
Estado enxergar para além dos interesses econômicos predominantes, o PLAMEG priorizou o
ensino primário:
Esse plano, considerando as 150 salas construídas em 1961 e as 1.000 salas
programadas para 1962, prevê a construção de 500 salas em 1963, 450 em 1964 e
400 em 1965, num total de 2.500 unidades, as quais, funcionando em dois turnos
(com capacidade para cada turno de 40 crianças), terão eliminado, inteiramente, o
“déficit” escolar, em 1966.
O Plano „1.000 salas de aula em 1962‟ tem sua execução garantida, com a
construção de 861 salas para escolas rurais e 141 para grupos escolares, as quais
deverão estar funcionando, ao iniciar-se o ano letivo de 1963.
354
Este projeto para o ensino primário foi o mais grandioso dos elaborados pelo Estado
plameguiano no setor Educação. Evidentemente objetivava fornecer o grau mínimo de ensino
para uma população miserável, ao mesmo tempo em que fortalecia a máquina estatal para
impulsionar o desenvolvimento. Associado à “desassistência que vivia o professor
catarinense”, para o aprimoramento docente no ensino primário, fez-se necessária a
reorganização do Estado:
Verifiquei, logo após haver assumido o Governo que o primeiro passo para
recompor o quadro educacional de Santa Catarina, seria a reorganização da
Secretaria de Educação, o que fiz ainda em 1961. Promovi, logo após, as primeiras
medidas visando à racionalização os seus serviços que, serão mecanizados. Já,
hoje, com a lei em trânsito na Assembléia Legislativa que institui o Sistema
Estadual de Educação, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, espero completar o ciclo que era dever do meu governo atender.
355
Este ciclo se completava com a capacitação de professores para o ensino médio
colegial, formados pelo curso de Pedagogia que seria instalado na Faculdade de Educação em
Florianópolis. O plano de escolarização do PLAMEG pretendia atender toda a população em
353
Idem. Op. Cit. 1961, p. 165 e 166.
354
SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: 1º ano de trabalho. Florianópolis:
Conselho de Desenvolvimento, 1962. P. 18.
355
RAMOS, Celso. Discursos. SANTA CATARINA. Discursos de Celso Ramos, Governador do Estado.
Florianópolis: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, 1963/1964. P. 21.
150
idade escolar entre 7 a 12 anos até 1965, correspondendo às duzentas mil vagas que deveriam
ser criadas.
O planejamento exposto no PLAMEG compreendia as três áreas do ensino médio,
técnico, normal e secundário (divisão feita pela LDBEN de 1961). A clara orientação da
“Educação para o desenvolvimento” levou ao acréscimo de importância potencialmente
conferida ao ensino técnico, que seria necessário para gerar a mão-de-obra utilizada na busca
do desenvolvimento econômico. Entretanto, a participação do Estado plameguiano no
estímulo a esse tipo de ensino mostrou-se muito aquém daquilo que devia ter sido realizado
para a própria sustentação do processo desenvolvimentista. Considerando o objetivo do
ensino médio industrial de “formação de mão-de-obra qualificada para atender a demanda
decorrente do desenvolvimento industrial e da necessidade de renovação dos quadros médios
da indústria”,
356
buscou-se, além da ampliação do número de vagas em funcionamento, a
criação de uma escola técnica industrial de segundo ciclo.
As demais formas de aprendizagem industrial se davam com a parceria da iniciativa
privada assistida pelo Estado (escolas técnicas da Fundação Tupy, da Sociedade de
Assistência ao Trabalhador do Carvão, do SENAI, do SESI) e por meio da aprendizagem no
próprio local de trabalho. Meios semelhantes (criação de vagas e apoio na iniciativa privada)
também foram utilizados para alcançar os objetivos do ensino técnico comercial, consoantes
com a “formação de pessoal especializado para o trato do comércio, em todos os seus
aspectos.”
357
o ensino técnico agrícola, que foi tratado em separado no setor Agricultura,
pretendeu atingir um prodígio em termos educacionais, com a “instituição de 1.600 missões
rurais, agrupando, cada uma, 40 jovens orientados por técnicos em atividades rurais,
especialistas em atividades comunitárias, de recreação e folclóricas.”
358
As escolas rurais
visavam “integrar em sistemas de formação de conteúdo prático rural o maior número
possível dos 150 mil jovens rurais que estão entre as idades de 11 e 14 anos.”
359
Além do ensino técnico, havia ainda o ensino normal de grau médio. Enquanto parte
do sistema estadual, o ensino normal visava formar os regentes do ensino primário (formados
nos ginásios normais) e os professores do primário (as normalistas, formadas nas escolas
normais do segundo ciclo). A lei da equivalência no grau médio fazia com que,
aparentemente, não se diferenciassem os três ramos de ensino nele presente, sendo que, por
vezes, estabelecimentos técnicos e normais eram equivocadamente considerados
356
RAMOS, Celso. Op. Cit. 1961, p. 209.
357
Ibid. P. 211.
358
Ibid., loc. cit.
359
Ibid., loc. cit.
151
“secundários”. Ou por mera confusão de denominação ou com o propósito implícito de
valorizar aquele que era considerado o melhor meio de estudo o “Ginásio”, que inicialmente
se referia ao curso secundário, mas que pela equivalência passou a designar qualquer curso,
normal ou técnico , o fato é que muitos ingressavam no curso normal para, aproveitando a
equivalência do grau médio, superar os obstáculos de ausência de oportunidades de
escolarização e dar prosseguimento aos seus estudos por outra via que não fosse aquela tida
como preferencial. Mesmo que este não fosse o objetivo do sistema (era formar professores
para o ensino primário). Apesar disso, o governo ressaltava os feitos no ensino normal:
Em dados sujeitos a confirmação, porque ainda não foram confrontados, ouso
declarar que encontrei em 1961 o Estado com 1.718 professores normalistas e em
1963 ensinam as crianças catarinenses 2.775, num acréscimo de 60%. Igualmente
encontrei 2.687 regentes de ensino primário e hoje o Estado conta com 3.866,
num aumento de quase 50%. Acham-se hoje matriculados nas escolas normais de
segundo ciclo, 2.403 jovens contra 1.855 de 1960, e no primeiro ciclo, 7.341 contra
6.765 de 1960.
360
O ingresso no ensino normal como meio de acesso mais rápido ao mercado de trabalho
(no caso o magistério), era o sinal de uma das válvulas de escape do sistema. O
distanciamento da ascensão social futura era “compensado” não pelo trabalho rápido, mas
também por um sólido sentimento moral:
Escolhestes o caminho do magistério com aquela vocação que caracteriza os
que sabem que para viver é também necessário ser útil: útil a Deus; útil à Pátria e
útil à comunidade. A formação cristã que assimilastes nesta Casa vos transforma,
neste momento que é de indecisão e tiebeza -, em arautos dos sentimentos
espirituais que moldam a consciência brasileira. O aprimoramento cívico através do
conhecimento da nossa evolução histórica, vos instrumenta para transferir às novas
gerações aqueles ideais que vivestes, herança gloriosa desta nação.
361
Apesar do civismo inerente à escolha do magistério, não era este o caminho que
levava à completa ascensão social, mas a de satisfazer as demandas do próprio sistema de
ensino, enquanto uma minoria atingia os cursos superiores. A democratização quantitativa
tinha sustentáculos muito frágeis, como o criado pela lei de equivalência. O outro meio
encontrado pelo governo para equacionar a procura pelo curso secundário foi o
estabelecimento de convênios do Estado com instituições privadas, realçados como as
garantias que asseguravam a gratuidade do ensino:
O Ensino médio está sendo dinamizado, pontilhando o estado com iniciativas
capazes de influir decisivamente na preparação intelectual de nossa juventude.
Conciliando a escola pública e a escola particular, inaugurei uma fase inédita na
história educacional brasileira: a gratuidade do ensino médio. Somente este ano
estou autorizando 50 novos convênios de ensino médio gratuito, os quais somados
aos do ano anterior me permite afirmar que pouco falta para alcançar a escolaridade
360
RAMOS, Celso. Discursos. SANTA CATARINA. Op. Cit. 1963/1964, p. 78.
361
Por ocasião da formatura de uma turma de normalistas quando o governador fora o paraninfo. Ibid. P. 78.
152
gratuita no ensino secundário, do 1º e 2º ciclos. no setor dos convênios escolares
o Estado despenderá este ano cerca de Cr$200.000.000,00 (...)à gratuidade de
ensino médio para 12.000 jovens (...). É raro, hoje, o município catarinense, onde
haja estabelecimento particular de ensino secundário que não conte com a
colaboração do Governo.
362
Os convênios público/privado e o programa de concessão de bolsas escolares vinham
no esteio da democratização quantitativa do acesso ao ensino:
No setor educacional, presente a afirmação de que os maiores recursos de
uma nação, são o seu próprio povo, procurei dotar medidas que permitissem o
acesso de todos à escola, num amplo programa de democratização da cultura.
Convencido de que a educação compete à família e que desta é explícito o direito de
escolher o colégio de sua preferência para delegar a atribuição, não advogo a
predominância da escola pública sobre a particular. Defendendo, antes, a escola
particular como instrumento da democracia, procurei executar uma política de
convênios que as transformasse em escolas gratuitas, sem ferir sua autonomia.
363
O planejamento educacional (figura 14) do Estado desenvolvimentista catarinense,
enquanto método inovador, tinha lá as suas deficiências. O sistema estadual de ensino,
coadjuvante na consolidação da LDBEN, traçou a forma concreta do processo de
escolarização. O PLAMEG executou o projeto, impulsionado pelo Estado que delineava os
rumos do desenvolvimento econômico. A cobertura ideológica do desenvolvimentismo,
aliada a da redemocratização, deu um aspecto ilimitado à expansão do ensino; tudo isso sobre
a batuta da racionalidade científica, incrementada pelo método tecnoburocrático.
Figura 14 Propaganda da escolarização planificada no Governo Celso Ramos: Em 1965, nenhuma criança
sem escola.” O plano identificou a necessidade de construção de 2.500 salas de aula e do acesso de 200 mil
alunos ao final dos cinco anos. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos:
ano de Trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1962. P. 11-27.
362
Ibid. P. 21.
363
Ibid. P. 63.
153
De fato houve uma racionalização, mas uma racionalização das carências. O ensino
secundário foi uma espécie de síntese do projeto de escolarização pelo planejamento
educacional e de sua racionalidade, empreendidos pelo Estado no PLAMEG I: um método
racional, ou seja, planificado, tecnicamente concebido e executado sob o controle de
planilhas, atuando sobre as principais áreas de ensino mais carentes.
Contudo, essa carência tinha uma relação significativa e bastante coerente com a
lógica desenvolvimentista: a expansão do ensino primário para garantir uma instrução
mínima; as escolas rurais e ginásios agrícolas para fixar a população empobrecida no campo,
sustentando o latifúndio; a aprendizagem industrial para fornecer a esperada mão-de-obra
qualificada tão importante para a afirmação do modelo urbano-industrial; o ensino normal
para alimentar retroativamente todo o sistema de ensino. Da gama de indivíduos ingressados
nesses níveis, uma parcela muito minoritária chegava ao topo do sistema, os cursos
superiores. Os que os alcançavam, por sua vez, eram os únicos a completar o curso da
ascensão social, beneficiando-se das possibilidades que tiveram de não pararem no meio da
progressão educacional. E este era o fim do ensino secundário, expandido para contemplar o
processo de democratização embutido na ideologia desenvolvimentista, ampliando o leque de
indivíduos que seriam cuidadosamente mais lapidados para formarem a camada de novos
beneficiários do desenvolvimento econômico (neste aspecto se diferenciando da antiga escola
aristocrática). A racionalização das carências do sistema de ensino não serviu para eliminá-las
por completo, mas de redefini-las em outro patamar, pois permaneciam os privilégios dentro
da abertura de novas oportunidades de escolarização, mantidas que eram as desigualdades de
acesso e permanência, principalmente se analisada a relação da rede estadual com o ensino
privado.
Desenvolvimentismo e democratização foram os dois lados da ação racionalizadora do
Estado e seu planejamento educacional: a racionalização das carências construiu um meio
exclusivo de ascensão social que consistia justamente em livrar-se dos escapes e privações
que existiam no próprio sistema. Livrar-se das “armadilhas” deste sistema de ensino
concebido “racionalmente”, visando à ascensão social, significava praticamente empenhar-se
ao máximo para permanecer no ensino secundário.
154
2.2.2.1 A Edificação do Ensino Secundário no Programa Educacional do PLAMEG I
Ainda em seu discurso-plataforma, Celso Ramos colocava que “um dos aspectos do
programa educacional é o da construção de edifícios escolares”,
364
cabendo às autoridades
municipais, através de recursos estaduais e federais, a construção dos edifícios escolares do
interesse da população. Podemos avaliar que nisto se constituiu a força da expansão do ensino
pelo Estado plameguiano e não apenas um dos aspectos, mas o principal aspecto de seu
programa educacional que foi, literalmente, edificado.
O aspecto quantitativo é o que mais realça no setor educacional do PLAMEG para,
conforme foi visto anteriormente, atender a enorme demanda por escolarização que havia em
Santa Catarina por volta de 1960 e, assim, o programa foi se edificando a partir dos cálculos
dos números de vagas que precisavam ser criadas, das quais se projetava o número de salas,
escolas, etc. Mas havia uma demanda diferenciada em diversos níveis manipulada pelo que
foi denominado de a “racionalização das carências” que implicava em distribuição de vagas
em diferentes graus, níveis e tipos de ensino, dentro daquilo que era previsto pelo sistema
estadual e pela LDBEN de 1961.
Tal como era de se esperar de um Estado desenvolvimentista, o plano de trabalho do
setor Educação e Cultura foi dividido em seis subsetores, cada qual com suas planilhas,
apontando os objetivos a serem alcançados e o que havia sido executado, dentro daqueles
padrões técnicos da planificação. O primeiro setor, ensino primário, referenciava um projeto
de construção de 2.500 salas de aula; o segundo setor, que englobava todo o ensino médio
indiscriminadamente, apresentava as obras de novos estabelecimentos, términos de alguns,
reformas de outros; o terceiro setor referia-se à instalação do Centro de Estudos e Pesquisas
Educacionais, o CEPE; o quarto setor era de estímulo à cultura, no qual se destacava o projeto
da Biblioteca-Volante; o quinto setor, de aperfeiçoamento e especialização do magistério (a
sombra qualitativa do programa educacional do PLAMEG) centrava-se na oferta de cursos,
como os preparatórios para professores dos recém-criados ginásios normais ou para os das
zonas rurais; o sexto e último setor ligava-se aos projetos supervenientes ao planejamento
básico que tratavam dos convênios com entidades públicas e privadas.
365
364
Ibid. P. 19.
365
Cf. SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis:
Conselho de Desenvolvimento, 1963. P. 16-18.
155
A edificação da rede estadual de ensino, centrada na dimensão quantitativa, ou seja, na
construção de estabelecimentos escolares, denota, por um lado, que o projeto
desenvolvimentista para a Educação careceu de um aprofundamento maior na “valorização do
Homem” e, consequentemente, por outro lado, favoreceu a difusão das ideologias que
sustentavam o projeto do Estado plameguiano, de caráter populista, que acabavam por
apresentá-lo como um grande realizador de obras, dentro das perspectivas do Estado
investidor. Em discursos proferidos por Celso Ramos, entre 1963 e 1964, a característica
quantitativa conferia ao Estado o mérito de promotor do desenvolvimento pela ação direta na
Educação (o fator humano), assim como ressaltava o método cnico e racional da
administração. Em um primeiro desses discursos, afirmou-se que:
Quando assumi as funções de Governador inclui entre as metas a atingir, a
escolarização adequada de 200 mil crianças. No aspecto material comprometi-me a
construir 2.500 salas de aula. E 1.605 estão concluídas, mobiliadas e em uso ou em
vias de o ser. De uma matrícula de 355 mil crianças em 1961, atingimos quase 400
mil no início do ano letivo de 1963. No triênio criamos e fizemos funcionar 908
educandários, entre estabelecimentos de ensino médio e primários, 100 grupos
escolares, 210 escolas reunidas, 508 escolas isoladas, 63 ginásios normais. No ano
findo, especificamente, 303 estabelecimentos foram abertos. A rede escolar é hoje
maior em 22%, no seu conjunto, do que em 1960.
366
Como se pode ver, o objetivo desta mensagem não é propriamente o de informar, mas
de propagandear os feitos realizados. As informações são imprecisas, deixando de diferenciar
entre os graus de ensino ou, em relação ao ensino médio, misturam-se os números referentes
ao primeiro e segundo ciclo, assim como se considera o conjunto de cursos, fossem eles
normais, técnicos ou secundários. Pode-se notar, neste trecho, a referência aos 63 ginásios
normais, fruto da transformação dos antigos cursos normais regionais, estabelecida em lei de
1962. Em um segundo discurso, com um pouco mais de detalhamento, agregam-se novas
realizações, mas que nada acrescentam para o entendimento de um sentido que fizesse parte
do plano geral, senão aquele de fazer propaganda das realizações do Estado:
Tenho cumpridas as metas de educação primária de 1961 e 1962, com a
construção de 1.150 salas de aula. E cumprirei a meta do corrente ano, o de 1963,
com mais 500 salas, das quais 2/3 em fase final de execução. Restarão para 1964 e
1965, outras 850 salas. Atenderei às necessidades de escolarização de 200 mil
crianças e o meu objetivo está saldado. Quanto ao ensino de grau médio, ultimei a
construção da primeira parte do Instituto de Educação da Capital e executo a da
parte final. Estou construindo, e funcionam em prédios cedidos, os Colégios do
Estreito, de Itajaí, Joinville, Curitibanos e Porto União. Os prédios dos de
Araranguá, Laguna e Palhoça já estão prontos. Dei início ao de Lages e estou
criando o de Maravilha, como já o fiz quanto ao de São Joaquim.
367
366
RAMOS, C. Op. Cit. 1963/1964, p. 11.
367
Ibid. P. 41.
156
O plano para o ensino primário parece ter sido o único realmente claro, cujos objetivos
ficaram expressos nas 2.500 salas de aula. No entanto, em relação ao ensino médio, sabe-se
(como neste trecho) que houve iniciativas em colégios técnicos, ginásios normais, escolas
secundárias, etc., mas é quase impossível especificá-las, pois eram consideradas obras válidas
para fins estatísticos de realização das metas, desde a construção de prédios inteiros,
completamente novos, até a ampliação de escolas mais antigas nas quais se acrescentavam
novas salas, reformas ou término de obras que existiam ou foram iniciadas nos anos da
gestão anterior, além da propalada política de convênios que tornou até 1963, assegurava o
governador, “possível transformar em gratuitos cerca de setenta estabelecimentos particulares
de ensino médio”.
368
Em discurso de dezembro de 1963, após reafirmar 1.650 salas de aula
que haviam sido entregues no ensino primário, é que muito brevemente são mencionados os
números modestos, diga-se de passagem - do ensino secundário: “Criei e pus em
funcionamento quase uma dezena de escolas secundárias”.
369
Portanto, quando se pensa na expansão do ensino médio em Santa Catarina pelas obras
do Estado do PLAMEG I, ficam subentendidos, aproximadamente, mais ginásios secundários
do que ginásios normais, mais colégios normais do que colégios secundários, pouquíssimos
colégios agrícolas e industriais. Essas deformações na rede estadual de ensino, mesmo com
todo o aparato “técnico e racional” do planejamento, mostram a falibilidade do projeto
desenvolvimentista catarinense para a Educação e a manipulação ideológica deste setor.
Figuras 15 e 16 Escolas rurais, com uma ou duas salas. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do
Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1962. P. 11-27.
368
Ibid., loc. cit.
369
Ibid. P. 69.
157
A lógica da expansão do ensino no PLAMEG, vista em termos puramente materiais
construção de edifícios escolares e de acordo com seus planos de trabalho, parece ter
envolvido uma rede de edificações, consideradas mais apropriadas para cada uma das distintas
realidades do estado. Nesses planos podem ser encontradas, primeiramente, as escolas rurais,
edificações geralmente de madeira com uma ou duas salas, voltadas para o ensino primário
(figuras 15 e 16).
Além das escolas rurais, que atendiam regiões isoladas, os grupos escolares também
assistiam o ensino primário. Parecem ter havido dois tipos de Grupos Escolares Padrão: um
com três salas de aula e outro maior com 4 a 10 salas. Pelo que demonstram os relatórios dos
quatro anos de trabalho do PLAMEG, entre 1962 e 1965, esses grupos escolares foram
preferencialmente edificados em áreas urbanas, como mostram alguns dos vários exemplos
que poderiam ser listados. As figuras 17 e 18 caracterizam esse aspecto em algumas dessas
cidades, mas podem ser arroladas também as de Chapecó, Arabutã, Tubarão, Braço do Norte,
Itajaí, entre outras.
Figuras 17 e 18 Grupo Escolar do bairro Santa Terezinha em Brusque e Grupo Escolar padrão do bairro
Garcia em Blumenau. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: e ano
de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1963 e 1965. P. 14-19, 15-17.
158
Tais como estas construções, outras se espalharam pelo estado, caracterizando uma
padronização destes estabelecimentos de ensino, os grupos escolares. Uma possível exceção
foi o Grupo Escolar da Prainha, em Florianópolis, ilustrando a primazia de interesses que
vigorava sobre a capital (figura 19). Além da arquitetura diferenciada, tinha como patrono o
próprio governador.
Figura 19 Grupo Escolar Celso Ramos, na Prainha, em Florianópolis. FONTE: SANTA CATARINA. Plano
de Metas do Governo Celso Ramos: 2º ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1963. P. 14-
19.
Em relação ao ensino de grau médio, são encontradas referências à construção dos
ginásios estaduais, como os de Laguna e Palhoça (figuras 20 e 21). A difusão de obras não
permite identificar a funcionalidade atribuída a cada escola, de tal forma que, por exemplo, o
que se encontra como Ginásio Estadual de Laguna em um ponto, em outro é citado como
Colégio Estadual de Laguna. Cabe lembrar que não se trata meramente da denominação do
edifício, mas de uma concepção de ensino difusa, estreitamente ligada a uma edificação
“vaga” da proposta de escolarização.
159
Figuras 20 e 21 Ginásios Estaduais (Laguna e Palhoça). FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do
Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1963. P. 14-19.
Destacaram-se no ensino médio algumas daquelas que são consideradas as grandes
obras educacionais do Estado plameguiano que, por serem poucas, reforçam a seletividade
interna do sistema. Assim, temos os Colégios Normais de Joinville e o Pedro II, em
Blumenau, além da Escola Normal de Araranguá (figuras 22, 23 e 24).
Figuras 22 e 23 Colégio Normal de Joinville e Colégio Normal Pedro II em Blumenau. FONTE: SANTA
CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de
Planejamento, 1965. P. 15-17.
160
Figura 24 Escola Normal de Araranguá. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso
Ramos: 3º ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1964. P. 16-17.
Ainda no grau médio, nos campos de ensino secundário e técnico, podem estar
relacionados o Colégio Estadual Celso Ramos em Joinville e a Escola Profissional São José,
em Criciúma (figuras 25 e 26).
Figuras 25 e 26 Construção do Colégio Estadual de Joinville e Pavilhão Industrial Celso Ramos, construído
junto à Escola Profissional São José, em Criciúma. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do
Governo Celso Ramos: e 4º ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1964, 1965. P. 16-17,
15-17.
Abriremos um parênteses para fazermos uma rápida menção ao ensino agrícola que,
conforme o que consta no relatório do 4º ano de trabalho do PLAMEG, foi criado em
Florianópolis um Centro de Treinamento (CETRE) para o aperfeiçoamento técnico-
profissional nos setores de agricultura, pecuária e economia doméstica, que atendeu 705
161
técnicos em dois anos, além da adaptação da Escola Agrícola Caetano Costa, cuja localização
não pudemos auferir, onde funcionou o ensino agrícola ginasial e colegial.
370
Outro ponto a ser destacado é relativo à Secretaria dos Negócios do Oeste, do
PLAMEG que, pelo setor de Educação e Cultura, foi responsável pela execução do plano de
escolarização nesta região do estado. Ao que parece, por essa secretaria especial, foram
construídas 77 salas de aula, de acordo com o que pode ser visto no mapa 3, dentro de um
plano de “auxílios fornecidos a estabelecimentos de ensino secundário e primário, para
reforma, ampliação, construção ou reparos de prédios escolares.”
371
Mapa 3 Unidades escolares de uma ou duas salas de aula construídas no Oeste de Santa Catarina (1964)
FONTE: RAMOS, Celso. 5ª Mensagem Anual. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1965. P. 13.
Neste mesmo convênio com o PLAMEG, a Secretaria do Oeste prestou auxílio
financeiro para a ampliação, melhoramentos, reformas de outros estabelecimentos escolares,
primários e secundários. Os estabelecimentos de ensino secundário, aos quais se refere o
370
Cf. SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis:
Gabinete de Planejamento, 1965. P. 87.
371
In: RAMOS, Celso. 5ª Mensagem Anual. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1965. P. 12.
162
mapa 4, eram ginásios e os municípios eram Chapecó, Xaxim, São Carlos, Xanxerê, São
Miguel d‟Oeste, Itapiranga, Mondaí e Palmitos.
Mapa 4 Ginásios secundários e escolas primárias reconstruídas ou reformadas no Oeste / SC
FONTE: RAMOS, Celso. 5ª Mensagem Anual. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1965. P. 15.
Por fim, deparamo-nos com a “obra-síntese” do projeto educacional do Estado
desenvolvimentista catarinense, o Instituto Estadual de Educação em Florianópolis (figuras
27, 28 e 29). Suas origens remontam à criação da “Escola Normal Catarinense” em 1892,
sempre dispondo de uma situação bastante particular no conjunto das escolas públicas da rede
estadual. Com a criação do Departamento de Educação do Estado de Santa Catarina em 1935,
o Instituto passou a ter a função, conforme decreto nº 713 de 05 de maio deste ano, de formar
magistério e funcionalismo técnico de educação.
372
Mas é com o Plano de Metas do Governo
Celso Ramos e sua proposta de modernização do ensino, adaptando-o às necessidades do
desenvolvimento econômico e, com a organização do Sistema Estadual de Ensino e as demais
372
Cf. LEAL, Elisabeth Juchem Machado. Instituto Estadual de Educação: a erosão da ordem autoritária.
Florianópolis: UFSC, 1989. P. 87.
163
mudanças trazidas pela LDBEN de 1961, que o Instituto Estadual de Educação passara por
uma reforma (mediante a Lei 3191 de 08 de maio de 1963) que o fazia emergir como
“obra-síntese” em meio a todo aquele contexto de sustentação ideológica desenvolvimentista.
Esta reforma definia o Instituto Estadual de Educação como “um órgão superior de estudos e
experimentação pedagógica integrado por: a)faculdade de educação; b)curso normal; c)curso
secundário d)escola primária de aplicação.”
373
E em 1964 ganhou autonomia em relação à
Secretaria de Educação, que significava
(...) autonomia administrativa subordinação direta ao governador do estado
e competência para dispor sobre todo o seu pessoal; autonomia didática dispor
sobre currículos e programas, classes experimentais, etc; e autonomia financeira
dotações próprias no orçamento geral do Estado, serviço próprio de tesouraria e
contabilidade...
374
Figura 27 Instituto Estadual de Educação e Colégio Estadual Dias Velho (ao fundo, ala da Escola Normal, em
construção), em Florianópolis. FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: 2º
ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1963. P. 14-19.
Figuras 28 e 29 Aspectos da construção do Instituto Estadual de Educação. FONTE: SANTA CATARINA.
Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis: Gabinete de Planejamento, 1964.
P. 16-17.
373
Ibid. P. 88.
374
Ibid., loc. cit.
164
Após verificarmos inúmeras planilhas, relatórios, discriminações e outras
documentações produzidas pelos órgãos do PLAMEG, que buscavam dar conta daquilo que
vinha sendo realizado, é realmente difícil determinar no que consistiu exatamente este plano
de escolarização. Em meio aos discursos e a propaganda desenvolvimentista, parece que a
rede estadual de edificação do ensino contou com uma ampla quantidade de escolas rurais e
grupos escolares, o que está em concordância com o projeto de maior expressão que se
centrou no ensino primário. Esta perspectiva é constatada no relatório final do PLAMEG
sobre o qüinqüênio 1961-1965, quanto a este nível de ensino, ao qual se visou à oferta de 200
mil matrículas e a construção de 2.500 salas de aula. Até janeiro de 1966, restavam, dessas
salas, 117, aguardando recursos do governo federal para terem início. Em relação ao
programa quantitativo do ensino primário
375
, o relatório apresentava o seguinte resumo do
plano qüinqüenal, em 31 de dezembro de 1965:
Tabela 2 Resumo do Ensino Primário 1961-1965
Especificação
Nº DE SALAS DE AULA
Concluídas
Em construção
Conveniadas
com o Governo
Federal e não
iniciadas
Total
Escolas Rurais
1.580 (1)
118
-
1.698
Grupos
Escolares
306 (2)
121 (4)
86
513
Ampliações
103 (3)
29
31
163
Iniciadas no
período anterior
138
-
-
133
Total
2.127
269
117
2.512
(1) 46 salas com participação do Govêrno Federal.
(2) 46 salas com participação do Govêrno Federal.
(3) 33 salas com participação do Govêrno Federal.
(4) 48 salas com participação do Govêrno Federal.
FONTE: SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis:
Gabinete de Planejamento, 1965. P. 17.
O vulto das realizações do Estado plameguiano, no ensino primário, descrito
minunciosamente e contado na casa dos milhares, é extremamente contrastante com os dados
referentes ao ensino médio. Chega a ser enigmático que, no mesmo relatório final que
apresenta o resumo do programa quantitativo do setor Educação e Cultura do PLAMEG,
estejam listadas nada mais, nada menos, que as seguintes obras no ensino médio:
“Foram concluídas as seguintes obras:
a) Instituo Estadual de Educação (Florianópolis)
Colégio Celso Ramos (Joinville)
b) Estão em fase de acabamento:
375
O programa qualitativo consistiu em 25 cursos intensivos de treinamento e aperfeiçoamento de professores
rurais entre 1962 a 1965, atingindo 5.094 beneficiados.
165
Colégio Vidal Ramos (Lages)
Ginásio Industrial Aderbal Ramos da Silva (Florianópolis)
Colégio Pedro II (Blumenau) - 2ª ala
Foi iniciado:
c) Colégio Industrial (Tubarão)”
376
O relatório não deixa claro se essas obras se referem ao quinquênio ou ao ano de 1965,
mas fica evidente o baixo índice de realizações executadas no grau médio, seja qual tenha
sido o critério de verificação utilizado pelos relatores. A confusão recorrente sobre os
números do ensino médio, quando vistos frente à clareza com que sempre foram apresentados
os números do ensino primário, serve, no mínimo, para esconder as debilidades do
planejamento racional do Estado desenvolvimentista catarinense para com aquele nível do
ensino e, no máximo, para, propositalmente, velar o sentido real da nova configuração que
assumia a rede estadual de ensino em Santa Catarina, baseada no acesso privilegiado ao
ensino secundário, único capaz de prometer a completa ascensão social dos indivíduos.
2.3 A PRODUÇÃO/REPRODUÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO DA REDE
ESTADUAL (1961-1965)
O estudo aqui proposto sobre o ensino secundário da rede estadual de Santa Catarina,
na primeira metade da década de 1960, leva em conta que, por um lado, ele se encontrava
conjugado com outros níveis num sistema de ensino e, aí, neste sistema, o curso secundário
desempenhou uma função específica que lhe foi atribuída no funcionamento do conjunto, em
articulação com as outras vias de ensino. Por outro lado, o conjunto deste sistema adquiriu
sentido, fundamentalmente, por compreender-se em certo período histórico, assimilando suas
características peculiares que lhe forneceram forma, conteúdo, princípios, meios e fins dentro
de um projeto educacional maior - no qual se inseriu o ensino secundário como uma de suas
partes -, cuja alavanca propulsora foi o desenvolvimento econômico, entendido nos termos
histórico e contextual do desenvolvimentismo.
376
SANTA CATARINA. Plano de Metas do Governo Celso Ramos: ano de trabalho. Florianópolis:
Gabinete de Planejamento, 1965. P. 18. O programa qualitativo do ensino médio consistiu em cursos (como o de
aperfeiçoamento de professores destinados aos ginásios normais realizado em 1965), que beneficiaram 600
professores.
166
Junto com o desenvolvimentismo é trazido o planejamento educacional como método
racional de administração pública, uma visão inovadora de Estado, a democratização do
acesso à escola, a ampliação da rede estadual de ensino. Com o PLAMEG, o ensino primário
visou erradicar o analfabetismo, escolarizando todas as crianças do estado; o ensino normal
buscava formar a mão-de-obra (o corpo docente, regentes e professores) que atuaria no
primário; o ensino técnico pretendeu constituir uma mão-de-obra qualificada, para atuar
diretamente nas atividades econômicas relacionadas com o desenvolvimento; o ensino
secundário, por sua vez, fornecia o acesso à cultura geral, clássica ou científica, para que o
jovem fosse devidamente preparado e se tornasse apto para alcançar o curso superior; este,
por fim, concluía o ciclo da aprendizagem, gerando o que havia de melhor na hierarquia da
formação educacional. Este sistema, no entanto, tinha suas brechas. O analfabetismo não foi
erradicado com o aumento do acesso ao ensino primário; com a lei de equivalência do ensino
de grau médio, muitos dos objetivos de formação profissional qualificada não tiveram
sucesso, pois os estudantes ingressavam nos cursos normais ou técnicos, principalmente o
comercial, para tentarem alcançar uma das vagas no ensino superior.
Nesse sentido, o ensino secundário constituiu-se um subconjunto sócio-simbólico, ao
qual cabia a denominação genérica de “Ginásio”, carregado de um significado que
representava, ao mesmo tempo, o que havia de melhor no ensino e a via mais propícia para a
ascensão social, através do ingresso futuro no curso superior. Isto pode ser percebido, tanto na
função atribuída ao ensino secundário na LDBEN de 1961 ou, antes disso, quanto no desejo
que havia das diversas camadas sociais de freqüentarem o curso secundário, ao invés do
normal ou do técnico, pois estes colocavam os indivíduos no mercado de trabalho, mas em
posições inferiores na escala social. Por outro lado, se acentuarmos a idéia de que, na
realidade, não havia um sistema coeso, mas subsistemas ligados por fortes filtros de
seletividade (seja pelo sistema de exames, seja pelas vias paralelas de entrada rápida no
mercado de trabalho), se reforça o caráter sócio-simbólico do ensino secundário como a via
preferencial de estudos, pois a restrita concretude de realização pelo sistema que levava o
indivíduo do “Ginásio” secundário até o topo da pirâmide social servia à sociedade, ao
governo, ao Estado, como uma pseudocivilidade capaz de exercer o apelo necessário à sua
suposta perfectibilidade ideal. O ensino secundário era não somente a chave, mas o símbolo
das oportunidades de sucesso educativo e social que o sistema no conjunto poderia oferecer.
Em um sistema educacional onde a rede estadual de ensino contava com diversos
níveis que atendiam às desigualdades demandadas pela sociedade, tanto no ingresso dos
167
discentes, quanto nas possíveis saídas que existiam no meio do caminho, implicando em
diferenciações sócio-econômicas concretas, é impossível acreditar numa eficácia plena do
sistema, a não ser que este seja compreendido como produto de um momento histórico (ou
seja, sua eficácia é limitada, dentro daquilo que era o pensamento dominante na época), em
meio ao qual trespassaram transformações; as transformações do ensino se tornam
palpáveis se interpretadas associadamente com as demais transformações do período
histórico, situando-se a lógica de seu funcionamento. O momento entre os anos de 1961 e
1965 significou, em Santa Catarina, um marco de maior interferência do Estado no campo
educacional pela expansão geral das ofertas de escolarização e ampliação da rede estadual de
ensino, proporcionando ao sistema, subseqüente e progressivamente, transitar da expansão
embrionária para a massificação.
2.3.1 O Ensino Secundário e o Desenvolvimentismo
De um modo geral, no contexto do desenvolvimentismo, a associação inquestionável
que se faz é entre educação e desenvolvimento. Segundo a ideologia desenvolvimentista, este
processo resultaria na melhoria da qualidade de vida para todos os indivíduos da sociedade;
entretanto, vimos que o desenvolvimento em questão consistiu, essencialmente, de um
processo de acumulação de capital através da substituição de importações e a conseqüente
transição do modelo agrário-exportador para o urbano-industrial, tudo em moldes estritamente
capitalistas.
O mundo passava por uma série de mudanças no pós-guerra e, no Brasil, iniciava-se o
processo de redemocratização com o fim do Estado Novo: regime constitucional, eleições
diretas, pluripartidarismo, liberdade de expressão e associação, etc. O Estado adquiriu uma
importância fundamental na orientação da economia capitalista, tornando-se o agente
principal do desenvolvimento econômico, o que, de forma alguma, implicou exclusividade do
poder estatal e público, mas, pelo contrário, resultou numa grande associação com o capital
privado, fosse ele nacional ou estrangeiro. As classes capitalistas disputavam sua
representação no Estado, através dos governantes eleitos que, da vez deles, mediavam as
relações com o povo através de diversas formas: o populismo, o planejamento, a
168
democratização, a racionalização, enfim, através do aparato ideológico do Estado
desenvolvimentista.
É exclusivamente dentro deste contexto explicativo no qual se inclui o regime do
PLAMEG I em Santa Catarina que deve a educação ser entendida na sua forma mais
aprofundada, ou seja, na sua constituição histórica:
Inserida na lógica do pensamento dominante, expresso pelos intelectuais
tecnocratas na forma do „capitalismo social‟, Estado intervencionista/planejador e
„direitos sociais‟, a educação pode ser apreendida em duas facetas adjuntas: a de ser
um direito social do cidadão e a de ser propiciadora de um fator do capital, enquanto
melhoria da qualificação da mão-de-obra. Do primeiro prisma, enquanto direito
social do „cidadão”, diz respeito ao universo de consumo de um „bem‟, o cultural, e
é aquela que, aumentando-lhe as oportunidades de emprego, possibilita-lhe maior
participação no consumo dos bens gerados sob a „sociedade tecnológica‟. Neste
caso, ela pode ser pensada como política social, pretensamente engrenada na
dimensão de pleno emprego, constante do planejamento e parte do chamado „salário
social‟, que vem suprir a insuficiência da política salarial. Serve, portanto, ao
processo de legitimação, inserindo-se na ideologia do planejamento, enquanto fator
reivindicável.
377
Ao lado da idéia de direito social, justificada pela ideologia do desenvolvimento
econômico, mostrava-se também a face mais realista da importância da educação para tal
processo produtivo:
Do segundo prisma, a educação, enquanto processo que propicia a formação
de mão-de-obra mais qualificada, está intimamente vinculada ao desenvolvimento
que se fez com base na tecnologia, na criação e implementação dessa tecnologia e
sua relação com maior produtividade. Neste caso, ela é uma espécie de apêndice
fundamental do processo de desenvolvimento, explicado anteriormente: capital
externo e concomitante inovação tecnológica, que leva à maior produtividade, que,
por sua vez, propicia maior acumulação e consequentemente investimentos, que vem
possibilitar maior oferta de empregos e que, ao incorporar maior número de
„cidadãos‟ ao mercado, diminui o „círculo vicioso‟ da pobreza, próprio de países
„subdesenvolvidos‟. Neste âmbito é que se desenvolve toda a „teoria‟ dos chamados
recursos humanos e da contabilidade do retorno de investimento em educação.
378
Mesmo que dotada de uma fundamentação teórica, cujo problema principal consistia
na “mensuração do capital, seja humano seja físico”,
379
a chamada “Educação para o
desenvolvimento” - idéia que se difundiu no Brasil a partir da década de 1950 e chegou a
Santa Catarina em 1960 -, mesmo com o planejamento e a LDBEN de 1961, não possuiu a
consistência necessária para equacionar os problemas educacionais brasileiros, nem os
catarinenses.
O caso da rede estadual de ensino de Santa Catarina, durante a vigência do PLAMEG
I, ilustra os limites e incoerências de um processo educacional, cuja força motriz é o
377
COUVRE, M. de L. M. Op. Cit. 1983, p. 195.
378
Ibid.. loc. cit.
379
CASTRO, Cláudio de Moura e. Desenvolvimento Econômico, Educação e Educabilidade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1972. P. 15.
169
desenvolvimento econômico; ilustra as contradições das referências desenvolvimentistas
próprias deste processo; a tentativa de transformar o trabalho em capital, segundo a teoria do
capital humano e de fazer a Educação o meio para incrementar esse tipo de capital, esse fator
de produtividade, fez com que todos os estímulos do Estado para com o projeto educacional
visassem às exigências de satisfação de mão-de-obra qualificada no mercado:
Esse capital humano (assim definido por razões estruturais e ideológicas do
sistema) é constituído tanto da força de trabalho ativa e de reserva, quanto da mão-
de-obra disponível e futura (mão-de-obra em preparação para ser absorvida no
mercado). Deve, assim, o sistema cuidar da manutenção da mão-de-obra ativa, em
busca de condições para sua própria sobrevivência, e da formação e da preparação
da mão-de-obra que responderá à demanda do sistema produtivo (principalmente as
crianças).
380
Constrói-se assim uma proposta educacional completamente voltada para o processo
econômico e, desta forma, supõe-se que ela estivera ditada por interesses igualmente
econômicos e projetada pelos representantes das classes economicamente dominantes. A
expansão da rede estadual pelo PLAMEG I atendia a essas expectativas: na expansão
majoritária do ensino primário, na formação normalista e técnica voltada para o mercado de
trabalho. O que, a princípio, aparece como coerência estrutural do sistema vai, contudo,
esbarrar na contradição de que o projeto educacional assim formulado, ao se inserir num
projeto capitalista, alimenta as contradições deste sistema “na medida em que preenche as
expectativas de vida das classes subalternas, segundo a visão hegemônica das classes
dominantes.”
381
O ensino secundário exerceu papel fundamental na construção dessa dinâmica pelo
Estado desenvolvimentista catarinense. A expansão da rede estadual obedeceu ao critério de
permitir o suposto acesso irrestrito ao ensino primário e médio, mas, neste último, criou uma
série de mecanismos seletivos. Assim, ao buscar atender a alta expectativa de ingresso no
secundário ginasial, satisfez uma demanda que ansiava pela continuidade de estudos. Apesar
disso, reprimiu essa demanda no secundário colegial, cuja oferta foi reduzida se comparada
com os colégios normais. Portanto, as próprias pré-condições sócio-econômicas é que fizeram
o recrutamento para o mercado de trabalho, correlacionando o nível de ensino a um patamar
de poder econômico e, consequentemente, a uma determinada posição no curso da ascensão
social antes do ingresso no ensino superior.
380
RODRIGUES, Neidson. Estado, Educação e Desenvolvimento Econômico. ed. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1987. (Col. Educação Contemporânea), p. 142.
381
Ibid. P. 151.
170
A escolha por este ou aquele ramo do ensino médio esteve muito mais relacionada à
possibilidade de ingresso que o indivíduo se permitia dentro da sua realidade e à expectativa
que ele próprio gerava sobre uma posição futura no mercado de trabalho conforme o
aperfeiçoamento de si como capital humano -, do que qualquer espécie de escolha vocacional
permitida por uma ampla margem de oportunidades que o sistema de ensino pretensamente
estaria oferecendo.
Na medida em que o ensino secundário era considerado o melhor, ou seja, preparava
para o curso superior, centralizava as atenções da demanda educacional do conjunto do
sistema. Reduzidas que eram as chances de cursar o secundário colegial seja pela oferta
diminuta de vagas, pela grande concorrência ou pela escassa possibilidade de manter-se fora
do mercado de trabalho e, ainda assim, ter garantida a sobrevivência -, este nível específico de
ensino foi supervalorizado com as construções mais amplas (simbolicamente representativas
do desenvolvimento econômico) e sendo o único que oferecia dois tipos de formação (a
clássica e a científica). Os indivíduos que conseguiam permanecer no secundário visavam o
ingresso, a posteriori, em algum curso superior, o que lhes permitiria, em tese, usufruir dos
benefícios do processo de desenvolvimento econômico; os demais, ou tentavam alcançar o
superior por outras vias (principalmente os colégios normais e os cursos técnicos comerciais
de segundo ciclo) ou se satisfaziam com as ofertas mais “modestas” que apareciam no
decorrer do transcurso do sistema.
A ideologia desenvolvimentista colocada em prática pelo Estado durante a vigência do
PLAMEG de Celso Ramos, encarregou-se de reforçar o papel do ensino secundário como
chamariz da rede estadual e expoente das oportunidades de acesso que, presumivelmente,
todas as classes teriam aos produtos do desenvolvimento econômico que o próprio Estado se
encarregava de trazer. Contraditoriamente, os colégios secundários (de segundo ciclo) foram
um dos que menos se expandiram, pois era sabido que a proposta desenvolvimentista
instrumentalizada no planejamento não comportava tamanha ascensão social que trouxesse,
ao topo da pirâmide societária, o grande número de indivíduos que formavam as classes
subalternas.
Por outro lado, dentro do processo político que se desenrolava, a expansão do
“Ginásio” (o secundário de primeiro ciclo) servia como proposta de caráter populista,
promovida para alentar os anseios da população que, decidida a participar da
“democratização” então instalada, almejava uma ascensão social capaz de assegurar a
171
definitiva melhoria na qualidade de vida. Nisso consistiu o projeto demiúrgico de felicidade
no desenvolvimentismo.
As duas ações de promoção do ensino secundário expansão do ciclo ginasial e
supervalorização do ciclo colegial foram os grandes atrativos para que a população
dimensionasse (de forma distorcida) os ganhos que poderiam ser obtidos caso se envolvessem
no projeto desenvolvimentista do Estado plameguiano. Mas, na realidade, a grande maioria
ficara muito aquém da satisfação dessas pretensões.
2.3.2 O Ensino Secundário e o Estado Plameguiano
O advento de um típico Estado desenvolvimentista correu em Santa Catarina com o
PLAMEG de Celso Ramos. Com suas peculiaridades próprias, regionais, representou um
momento histórico determinado, mostrando-se como um fenômeno de época, sobre o qual se
considerava o que existia de mais avançado, moderno e inovador em termos de administração
pública e função do Estado, dentro daquelas circunstâncias que caracterizavam a condição de
subdesenvolvimento do Brasil e de outras economias periféricas. Portanto, existiram muitas
coisas que, sendo próprias do Estado plameguiano, também eram próprias do Estado
desenvolvimentista em geral, enquanto outras foram próprias apenas do Estado
desenvolvimentista de Santa Catarina naquele período entre 1961 e 1965.
As características estruturais do Estado desenvolvimentista catarinense foram produto
de uma condição muito mais ampla que ultrapassava o âmbito estadual propriamente dito: o
desenvolvimento econômico, a substituição de importações, a transição para o modelo
urbano-industrial, o planejamento, o capital humano, etc. eram aspectos que marcaram a
época em situações espaciais muito diferentes; as formas pelas quais estes fenômenos se
manifestaram é que adquiriram características particulares: a composição dos partidos
políticos e das classes dirigentes, a condição econômica do estado, o predomínio da
agricultura, o PLAMEG, o sistema estadual de ensino. Identificar esta “natureza” ambígua do
Estado plameguiano, com confluência de fatores gerais e específicos, é fundamental para a
compreensão do significado de sua intervenção no sistema de ensino e da compleição deste,
incluindo-se, , o nível secundário.
172
Partindo do entendimento de que o Estado possui uma constituição histórica real e é
fonte de poder permanente dentro do conjunto das demais relações sociais, no sentido de
regular a existência de uma dada sociedade, é possível compreender a educação enquanto um
dos produtos estatais na medida em que ela é instrumento de coesão social: “a inserção da
educação no campo intrínseco do Estado, coloca-a num prisma político e, numa primeira
aproximação, torna o Estado responsável pelo desenvolvimento do processo educacional.”
382
Ao mesmo tempo em que se pode admitir claramente a ação do Estado sobre a educação,
temos, por vezes, uma complexa caracterização. No caso do Estado desenvolvimentista, além
daquela ambigüidade de razões gerais e específicas que orientaram sua ação sobre a educação,
encontramos um intervencionismo tripartite, baseado, primeiro, na legislação (reformas,
diretrizes e bases, etc.); segundo, no planejamento (do campo econômico para o educacional);
terceiro, na própria rede estadual de ensino com seus estabelecimentos públicos em todos os
níveis. Outrossim, a mediação com a iniciativa privada, a busca de recursos e o
financiamento, a fundamentação ideológica, o esquema financeiro e, principalmente, a
determinação do conteúdo e das finalidades do sistema de ensino, são atribuições de
responsabilidade do Estado. Esquivando-se de generalizações e simplificações arbitrárias,
deve-se ainda ressaltar que no corpo funcional deste Estado desenvolvimentista devido às
pretensas neutralidade e racionalidade científicas oriundas da planificação criou-se a forte
influência de um bloco tecnoburocrático, cujas características mostram o duplo aspecto,
político e institucional do intervencionismo estatal.
Portanto, dentro da ambigüidade do Estado naquele momento histórico, devemos
sublinhar que suas relações com a educação, não somente se manifestaram em objetos formais
leis, decretos, reformas, instâncias, planos, propaganda -, mas, através da sua composição
sócio-política (segundo as determinações histórico-contextuais que o formaram), que definiu,
com mais propriedade, a natureza relacional que substância ao conjunto de características
que compunham o controle estatal sobre o ensino. Em um contexto cuja base de ação do
Estado foi a promoção do desenvolvimento econômico, a educação deveria se fazer presente
se, e somente se estivesse, inexoravelmente, implicada e compromissada com este projeto. O
desenvolvimento que o Estado promovia significava alavancar o processo de industrialização
que, através da substituição de importações, gerava a transição de uma economia agrário-
exportadora para uma economia urbano-industrial. Os grupos que chegaram ao poder e foram
coadunantes com a ideologia desenvolvimentista representavam, basicamente, os interesses
382
PASOLD, Cesar Luiz. O Estado e a Educação. Florianópolis: Lunardelli, 1980. P. 41.
173
daqueles setores sociais que estavam diretamente ligados ao impulso proporcionado pelo novo
modo de acumulação de capital. Nesta direção, o Estado desenvolvimentista catarinense não
fugiu à regra, contribuindo para
(...) a formação da „aliança desenvolvimentista‟, como comumente é
conhecida, composta por setores tradicionais‟ do latifúndio, massas urbanas
(operariado, artesãos, camadas médias), empresariado (industriais, financistas e
comerciantes), e finalmente, os principais elementos do setor agro-exportador.
383
Essa característica do Estado desenvolvimentista, que seria composto por uma
“aliança policlassista” fica explícita no caso catarinense: um membro da oligarquia rural
conquistou espaço no meio industrial e selou o compromisso populista com os porta-vozes
das massas trabalhadoras, ao que se acrescenta um fator sui generis, a conquista e inserção
das massas rurais nesta aliança, ampliando a base de sustentação política do Estado. Este
último ponto deve-se, sem dúvida, à base predominantemente agrária do estado de Santa
Catarina que até a década de 1960 não havia conhecido, de forma definitiva, a transição para
o modelo urbano-industrial.
Pressupondo “que a questão educacional não pode absolutamente ser tratada de modo
desvinculado de todos os outros fatores econômicos e políticos”,
384
a ampliação da rede
estadual de Santa Catarina e do ensino secundário também encontram sua logicidade por essa
análise da composição social do Estado desenvolvimentista. O planejamento, que serviu de
instrumento ideológico para o convencimento das massas ao simbolizar um método racional
de administração, também foi plataforma política, tanto para a ascensão, quanto para a
consolidação de certas classes de dirigentes, em meio a uma “abertura democrática” dada em
procedimentos eleitorais. A possibilidade de participação política das massas, por meio do
voto, forçou uma tomada de posição dos partidos no jogo político; daí a função do bloco
tecnoburocrático, necessário à implantação e execução por meio da planificação do
projeto político do Estado e de suas classes dirigentes, ou seja, os representantes das classes
sociais agentes da acumulação de capital prevista na instituição do desenvolvimento
econômico. É neste sentido que, quando da aprovação da LDBEN de 1961, fala-se de uma
“solução de compromisso”, numa estratégia de conciliação resultante de concessões mútuas e
383
SÁ, Nicanor Palhares. Política Educacional e Populismo no Brasil. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
(Col. Educação Universitária), p. 37.
384
COMPARATO, Fábio Konder. Educação, Estado e Poder. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Leituras afins), p.
67 e 68.
174
dentro de uma experiência própria da “democracia restrita”, da qual estavam realmente
excluídas as massas populares.
385
Além dessa característica política conciliatória então vigente - cujos beneficiários
foram as classes capitalistas e seus representantes -, se focalizarmos mais de perto o problema
em Santa Catarina, durante o PLAMEG, constata-se que
(...) não houve a necessária compreensão por parte dos técnicos de que a
intervenção racional para melhor controlar os investimentos realizados pelo Estado
implica numa verdadeira mudança nos padrões tradicionais de administração
pública, pois que estes acham-se inteiramente viciados por uma máquina político-
eleitoral, à qual não interessam mudanças que coloquem em risco sua existência.
386
Este parece ter sido, num primeiro momento, o sentido dado pelo Estado
desenvolvimentista catarinense às mudanças que se instalaram na rede estadual de ensino,
sem que se alijasse, totalmente, da administração pública, a tradicional política de clientela.
387
O ensino secundário serviu, num momento em que era necessário conseguir o apoio
das massas para a instalação do novo modelo urbano-industrial, como instrumento de
propaganda estatal do caminho que, presumivelmente, se abria para a participação de todos no
desenvolvimento econômico. Mas, enquanto toda a rede estadual se ampliava, o sistema de
ensino consolidava vários outros meios de alimentar o desenvolvimento, sem que os
indivíduos se sentissem prejudicados por não conseguirem se incluir dentre aqueles que
usufruíam do ensino secundário.
Enquanto representantes das oligarquias rurais e dos industriais, faltava ao Estado
plameguiano consolidar sua política de clientela junto às classes médias urbanas, as mais
ansiosas em usufruir do desenvolvimento econômico. Para isso, era necessário completar o
ciclo da ascensão social, postulando uma carreira profissional de nível superior. Se for
verdade que o ensino secundário foi de fato a via para este intento, também é necessária a
compreensão de que o processo desenvolvimentista o suportaria uma ascensão social em
massa. Alguns privilegiados, vindos das classes subalternas, formavam o exemplo mais
límpido de que os frutos do desenvolvimento econômico, ou seja, a melhoria da qualidade de
vida em padrões de consumo poderiam ser conquistados por grupos sociais que não,
necessariamente, pertencessem às classes superiores que detinham o poder econômico; isto é,
as classes capitalistas promotoras da acumulação de capital.
385
Cf. SAVIANI, Dermerval. Política e Educação no Brasil. ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados,
1988. P. 60-64.
386
SANTOS, S. C. dos. Op. Cit. 1968, p. 57.
387
Cf. Ibid. P. 57.
175
Afinal, em se tratando de Estado desenvolvimentista, a expansão do ensino secundário
pode ser concebida se vista dentro dos limites do próprio desenvolvimentismo. O ensino
secundário da rede estadual não serviu às massas, mas às classes subalternas em geral, ou
melhor, a alguns indivíduos dessas classes. Neste raciocínio, parece-nos que o objetivo
político implícito do PLAMEG I, em relação ao ensino secundário, foi o de, deliberadamente,
ampliar os laços de clientelismo em novos setores sociais, os subalternos.
Quando tomamos o Estado plameguiano em Santa Catarina entre 1961 e 1965,
estamos não especificando um caso em que é possível demonstrar as relações de controle
que efetivamente existem entre o Estado e a educação, mas também, localizando
historicamente - talvez isso seja o mais importante - a maneira como as classes dominantes
daquela época se apropriaram do aparelho estatal, determinando-lhe uma nova função dentro
do contexto do desenvolvimentismo e com o planejamento. Em meio aos mecanismos
ideológicos que davam toda a sustentação a esse Estado, é fundamental perceber que a
educação e o ensino secundário, em particular, identificavam-se com os projetos mais amplos
que ficavam a cargo da ação estatal; como os Estados possuem historicamente uma
composição social, com grupos que partilham idéias dominantes e as colocam em prática
idéias desenvolvimentistas, as que estavam em questão -, foram com esses grupos e suas
idéias que se vincularam as propostas educacionais que emergiram naqueles anos.
Mesmo que essa relação não fosse completamente explícita, é desvelando as nuances
políticas que esclarecem a tomada de posição do Estado em determinada conjuntura histórica
e, a partir desta, investigando o sentido que aflora no funcionamento do sistema de ensino,
que se torna possível verificar a complementaridade e a compatibilidade entre a esfera
educacional e a do projeto político do Estado.
Em Santa Catarina, o sistema estadual de ensino, que vigorou logo após 1961, atendia
as demandas de um Estado do tipo desenvolvimentista que, por sua vez, sustentava-se em um
conjunto de outros interesses, fundamentalmente econômicos, em relação ao qual a educação
deveria permanecer comprometida. Na funcionalidade existente em cada um dos graus, tipos
e níveis de ensino, o secundário cumpriu a sua função específica. Com a transformação do
contexto histórico, altera-se a forma pela qual as classes dominantes, representadas no Estado,
controlam o ensino, mas não muda este controle em si. O que seria impensável é que, no
Estado desenvolvimentista catarinense, houvesse um sistema e uma rede estadual de ensino
que se confrontasse com a dinâmica que sustentava o próprio Estado.
176
2.3.3 O Ensino Secundário e as Novas Classes Consumidoras
Conseguindo perceber que o ensino secundário da rede estadual de Santa Catarina, no
período de vigência do PLAMEG I, foi projetado por determinações ideológicas e políticas
claras, temos: primeiro, o ensino secundário foi a chama acesa que iluminava o caminho da
utopia desenvolvimentista, de proporcionar a melhoria plena da qualidade de vida; segundo,
foi obra calculadamente projetada pelas classes dirigentes para consolidar uma base política
entre as classes subalternas em um contexto em que estas tiveram a oportunidade do processo
político pela via eleitoral.
Apesar de toda a dimensão político-ideológica que cerca o projeto educacional do
Estado plameguiano sobre o secundário e a rede estadual de ensino em geral, sobrevive uma
explicação nevrálgica de fundo que atravessa todo o sistema de ensino, o estado interventor e
a sobrevivência do próprio modelo de acumulação de capital vigente na época. Não se trata
aqui da já comentada “Educação para o desenvolvimento”, pois esta tem por argumentação a
qualificação de mão-de-obra envolvida no processo econômico, priorizando a formação
técnica. Ao colocarmos em relevo o ensino secundário, vimos ser possível fazer a associação
entre educação e mão-de-obra, na medida em que o colégio secundário, de formação clássica
e científica, preparava o ingresso no curso superior. Este sim formava a mão-de-obra mais
qualificada, apesar de que em número muito reduzido, se colocada proporcionalmente frente
ao total da massa de força de trabalho que se desencadeava em meio ao desenvolvimento
econômico.
É outro ponto de vista, no entanto, que gostaríamos de salientar. O ensino secundário,
da época do PLAMEG e da LDBEN de 1961, não era mais o mesmo da reforma Capanema
que visava a formação das “individualidades condutoras”. O período do desenvolvimentismo
predicava um “alargamento” para a participação das massas, seja nos processos políticos ou
nos econômicos. Assim, como no âmbito político se revelara uma “democracia restrita”, no
econômico também ocorrera igual restrição. Mas, na ideologia desenvolvimentista, este
raciocínio era invertido. Segundo ela, a estrutura social dos países subdesenvolvidos
entorpecia o processo de desenvolvimento econômico. A concentração de capital no processo
cumulativo barrava a mobilidade social dos elementos dinâmicos da economia que estavam
associados aos incrementos tecnológicos e ao progresso industrial. O privilégio na
distribuição da renda ocorria em detrimento da eficaz utilização de homens, terras e máquinas.
177
As camadas superiores da sociedade usufruíam de um consumo exagerado em contraste com a
pauperização das massas populares.
Era necessário abrir o caminho para as transformações estruturais e a intervenção do
Estado era o meio para isso. Enquanto no capitalismo central a distribuição da renda seguiu-se
à acumulação de capital, nas economias capitalistas periféricas como a do Brasil, era
necessário forçar uma política redistribuitiva. Com base no raciocínio de que “a prova da
validez dinâmica de um sistema está em sua capacidade de imprimir celeridade ao ritmo do
desenvolvimento e melhorar progressivamente a distribuição de renda”,
388
aumentando a taxa
anual da renda média per capita, acreditava-se que o processo de desenvolvimento
econômico, alavancado pelo Estado, proporcionaria este incremento. Para tal, dever-se-ia
aprofundar a transformação da estrutura social, aumentando o nível de investimentos através
de uma forte compressão do consumo dos grupos de rendas elevadas. Isto se traduzira,
basicamente, na transição do modelo agrário-exportador para o urbano-industrial.
O Estado desenvolvimentista brasileiro e o catarinense, em particular, o
modificaram em momento algum a estrutura da terra, tampouco as condições privilegiadas de
ganho das classes capitalistas agrárias. Mas acelerou a industrialização e, assim, modificava-
se a estrutura social. As novas classes capitalistas industriais dinamizavam a economia,
incrementando a produção. Ao produzirem bens que antes eram importados e restritos ao
consumo daquelas camadas superiores da sociedade, criaram um novo e muito mais amplo
mercado consumidor. Portanto, era preciso distribuir parte do capital acumulado para que
houvesse o consumo e a ampliação do mercado de trabalho para o aumento da renda. Decorre
daí, a importância da “Educação para o desenvolvimento”, do fator humano, do capital
humano: satisfazer essas demandas do mercado.
Com a variação entre os níveis de ensino, os indivíduos se apresentavam
diferentemente na escala da ascensão social; não era necessário apenas formar mão-de-obra,
mas também camadas consumidoras. O acesso aos bens de consumo era o principal atrativo
do desenvolvimentismo, junto à promessa de melhoria da qualidade de vida. As novas classes
capitalistas industriais não consumiam apenas bens de consumo duráveis ou não-duráveis,
mas ansiavam, principalmente, por bens de produção de alta densidade de capital, ou seja,
precisavam de que os bens produzidos fossem largamente consumidos para que, então, fosse-
lhes possibilitada uma margem de investimentos que levava à aquisição de bens de produção
388
PREBISCH, Raul. Dinâmica do Desenvolvimento Latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,
1968. P. 13.
178
com grande valor tecnológico, permitindo o aumento da produtividade, do consumo, da taxa
de investimento, sucessivamente.
O papel da educação para a formação da mão-de-obra foi apenas uma das partes
necessárias à manutenção do processo de acumulação de capital, aspecto este que fica
explícito quando se trata do estímulo conferido ao ensino técnico. Mas, em se tratando de
ensino secundário, é preciso relacionar a formação de mão-de-obra qualificada nos cursos
superiores à maior ascensão social e, portanto, um maior padrão de consumo:
(...) evidência de que a educação geral interessa enquanto uma formação
abrangente através da qual sejam transmitidos os conhecimentos básicos necessários
à produção e à circulação de mercadorias. (...) Interessa à produção capitalista antes
de mais nada a difusão de qualidades de comportamento que gerem predisposição
psíquica e social para aceitar mudanças na capacidade de trabalho, impostas pela
evolução das relações de trabalho e pela racionalização das formas de produção. (...)
Mas também deve estar presente numa sociedade capitalista pelas exigências de
consumo, na medida em que as mercadorias são constantemente substituídas por
outras mais sofisticadas e exigem muitas vezes um processo de aprendizagem para a
sua compra e utilização.
389
A difusão da educação geral pelo ensino secundário não formava, simbolicamente
na consciência dos indivíduos o valor de uso que estimulava o consumo, mas, concretamente,
operava um ajustamento classista na sociedade, partindo de grupos sociais que ascendidos
socialmente, formaram uma após a outra, novas e novas classes de consumidores. Pois
o que se destaca neste período de forma específica na sociedade brasileira é o novo
grupo, em formação desde 1951, composto de dirigentes brasileiros de empresas
estrangeiras, diretores, engenheiros, advogados, relações públicas, cujos interesses
estão intimamente relacionados com os dos grupos (estrangeiros) que detêm tais
empresas.
390
A mobilidade social desencadeada pela dinâmica do desenvolvimento econômico
criou uma série de ocupações, mas era o sistema de ensino que determinava a hierarquia, de
acordo com a divisão social do trabalho que permitia a maior ou menor ascensão social,
diferenciando os grupos com alto ou baixo padrão de consumo:
Convidados a classificar essas trinta profissões, no final dos anos 50,
moradores da cidade de São Paulo chegaram à seguinte ordenação: 1.médico;
2.advogado; 3.diretor superintendente; 4.padre; 5.fazendeiro; 6.jornalista; 7.gerente
comercial; 8.gerente de fábrica; 9.professor primário; 10.contador; 11.dono de
pequeno estabelecimento comercial; 12.funcionário público de padrão médio;
13.despachante; 14.empreiteiro; 15.viajante comercial; 16.sitiante; 17.escriturário;
18.guarda-civil; 19.mecânico; 20.balconista; 21.motorista; 22.cozinheiro
(restaurante de primeira classe); 23.tratorista; 24.carpinteiro; 25.condutor de trens;
26.garçom; 27.pedreiro; 28.trabalhador agrícola; 29.estivador; 30.lixeiro.
391
389
XAVIER, Maria Elizabete S. P. Capitalismo e Escola no Brasil. Campinas: Papirus, 1990. P. 157.
390
RIBEIRO, M. L. S. Op. Cit. P.143.
391
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intimidade contemporânea. 1ª reimp. São Paulo: Cia das Letras, 1998. (Vol. 4), p. 586 e 587.
179
Nessa classificação proposta pela própria população, vemos um claro diferencial de
níveis de ensino: ocupações mais valorizadas de nível superior (médico, advogado, diretor,
jornalista, gerentes, etc.); ocupações menos valorizadas de nível médio (professor primário,
despachante, funcionário público, escriturário, mecânico, balconista, motorista, cozinheiro,
tratorista, etc.); ocupações pouco valorizadas, provavelmente com grau de instrução mínimo
(garçom, pedreiro, trabalhador agrícola, estivador, lixeiro). Observando anúncios
publicitários, típicos daquela época (figuras 30 a 34), também podemos revelar a lógica
existente entre o desenvolvimento econômico, a ascensão social e o nível educacional.
Figura 30 Anúncio publicitário da multinacional Shell do ramo de combustíveis. FONTE: CONJUNTURA
ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, 1952-1966. (Números diversos).
180
Figura 31 Anúncio publicitário da multinacional International Harvester do ramo de máquinas agrícolas.
FONTE: CONJUNTURA ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, 1952-1966. (Números diversos).
181
Figura 32 Anúncio publicitário da multinacional Goodyear do ramo de pneus. FONTE: CONJUNTURA
ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, 1952-1966. (Números diversos).
Nas figuras 30, 31 e 32, apesar de existirem referências nas partes escritas dos
anúncios aos benefícios do processo desenvolvimentista, como “o que o petróleo pode trazer
ao bem-estar comum” ou “o máximo de economia” ou, ainda, “a máxima segurança”, todos
os indivíduos representados ocupam a categoria de trabalhadores e não de consumidores,
182
assim como constituem a chamada mão-de-obra técnica especializada, mas suas profissões
não são as mais valorizadas (motorista, tratorista e mecânico). Por outro lado, a figura 33
mostra que o consumo estava relacionado a um alto padrão de qualidade de vida, oferecido
pelos novos confortos trazidos pelo desenvolvimento econômico, mas que não eram
exatamente oferecidos para todos os indivíduos.
Figura 33 Anúncio publicitário da nacional Varig do ramo de transporte aéreo. FONTE: CONJUNTURA
ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, 1952-1966. (Números diversos).
O casal apresentado na figura 33 difere muito dos tipos estereotipados anteriores que
representavam a força de trabalho técnica e para usufruírem do rápido, agradável, eficiente e
confortável transporte aéreo, deveriam estar numa posição superior da escala social, portanto
183
com um grau de instrução que não se resumia ao nível técnico daqueles trabalhadores. A
figura 34 sintetiza a lógica da inserção educacional na demanda gerada pelo desenvolvimento.
Figura 34 Anúncio publicitário da multinacional Esso do ramo de combustíveis. FONTE: CONJUNTURA
ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, 1952-1966. (Números diversos).
Os estivadores, que possuíam um grau mínimo de instrução, eram responsáveis pelo
desembarque dos produtos que chegavam nos portos, no caso, a fonte orgânica de energia,
que serviria para acionar máquinas e, dentre outros usos, permitiriam o funcionamento de
indústrias como as têxteis, onde trabalhavam operários que deveriam passar por cursos
profissionalizantes para se qualificarem, oferecendo maior produtividade de bens de consumo
à disposição final de famílias que tinham poder aquisitivo maior e que, portanto, não eram
nem de operários, nem de estivadores, mas de indivíduos que exerciam profissões mais
valorizadas, ou seja, resultado de um maior grau de instrução.
184
Essa dinâmica real mostra a interdependência entre o processo de desenvolvimento
econômico e os diferentes graus de instrução, completamente congruentes com a necessidade
da divisão social do trabalho indispensável à economia e à própria acumulação de capital,
propulsora da industrialização, também reconhecidas como “diversificação, tecnificação e
especialização dos papéis ocupacionais (em particular o crescimento de ocupações técnicas,
científicas, administrativas, diretivas, de organização e outras que tais).”
392
Na sociedade urbano-industrial, que se instalava como sinônimo do desenvolvimento
econômico, estimulado pelo Estado, o ensino secundário cumpria as exigências de formação
daquelas classes que exerceriam as profissões mais valorizadas, poderiam contar com maior
poder aquisitivo e um mais elevado padrão de consumo, ou seja, as classes consumidoras que
promoveriam a circulação de mercadorias necessária à acumulação das classes capitalistas.
O ensino secundário da rede estadual de Santa Catarina entre 1961 e 1965, modelado
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foi contextualmente determinado pelos
objetivos práticos e concretos da necessidade de acumulação de capital que se impunha na
busca pelo desenvolvimento econômico. Dada a complexidade que alcançava a sociedade
capitalista naqueles anos, mesmo numa nação semi-industrializada como o Brasil, a qual já se
encontrava bastante diversificada pela divisão social do trabalho, os diferentes tipos de ensino
correspondiam às demandas diferentes da sociedade. O ensino secundário, então, foi aquele
meio termo que, por um lado, garantia a reprodução das classes capitalistas propriamente
ditas, proprietárias do capital e diretamente envolvidas no aumento da acumulação capitalista
incentivada pelo Estado desenvolvimentista catarinense e, por outro lado, permitia o acesso de
uma parcela minoritária advindas de outras classes sociais que, por não serem propriamente
capitalistas, usufruíam de uma ascensão social medida em padrões de consumo.
Assim, o ensino secundário inaugurado pelo PLAMEG I, pela LDBEN, ou seja, pelo
Estado desenvolvimentista, concedia, ao mesmo tempo, status quo para aqueles que dele
usufruíam nos quais a sociedade deveria se espelhar - e poder aquisitivo devido a
valorização profissional decorrente do acesso ao seleto ensino superior, o que significava, em
outras palavras, poder de consumo que assegurava a continuidade do processo de
desenvolvimento econômico.
392
GERMANI, Gino. Desenvolvimento Econômico, Urbanização e Estratificação Social. In: PEREIRA, Luiz
(Org.) Urbanização e Subdesenvolvimento. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. (Biblioteca de Ciências Sociais),
p. 107.
185
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não poderíamos deixar de optar por concluir em outra direção, que não fosse naquela
em que sempre caminhou este trabalho, pondo em relevo as relações entre a educação, o
Estado e o sistema econômico. Estas foram as três partes fundamentais de uma linha de
raciocínio que buscou mostrar a reciprocidade existente entre a composição do Estado, as
classes sociais, a política, as práticas administrativas, a legislação, as formas de governo, os
partidos políticos, os interesses econômicos, o capitalismo, a propaganda ideológica, a disputa
eleitoral, a democracia, o desenvolvimento, a escolarização, as teorias educacionais, o sistema
de ensino, etc. e, enfim, o ensino secundário da rede estadual, naquele contexto catarinense
entre 1961 e 1965.
Recompondo o processo brevemente, vimos que o sistema estadual de ensino foi, na
prática, implantado pela LDBEN de 1961 que oficializou em lei, tanto sua forma ao
seccionar os diversos níveis de ensino em primário, médio de 1º e 2º ciclo e superior -, quanto
seu funcionamento ao criar os órgãos executores da lei, o conselho federal e os conselhos
estaduais de educação. A rede estadual de ensino compunha uma das partes do sistema
estadual dentre as demais dependências administrativas, municipal, federal e particular, sob a
coordenação do Conselho Estadual de Educação, naquelas atribuições que lhe foram
conferidas pela LDBEN. A rede estadual era de responsabilidade do Estado, através da
Secretaria de Educação e Cultura e, ainda, do Gabinete de Planejamento; configurava-se,
assim, a existência de um bloco tecnoburocrático no interior do Estado.
A expansão da rede estadual de ensino, no período, é incontestável. No campo relativo
ao “Homem”, o Plano de Metas do Governo previu o incremento do fator humano,
alicerçando a “Educação para o desenvolvimento” cujos fundamentos estiveram na teoria do
capital humano. Conciliado às exigências da LDBEN, Celso Ramos criou uma plataforma de
governo para a educação que se voltou para uma forte expansão do ensino primário (visando a
escolarização de todas as crianças) e, em menor grau, do ensino médio. Neste, evidências
da expansão de todos os seus ramos de ensino (normal, técnico e secundário), tanto no
ciclo ginasial, quanto no ciclo colegial. Mas, devido à impossibilidade de cruzar os dados
disponíveis, dificilmente se chegaria aos números exatos da expansão do ensino médio.
Interpretando os dados estatísticos existentes e as fontes documentais oficiais, foi possível
186
apenas construir um modelo, segundo o qual os ramos de ensino médio que mais se
expandiram foram o secundário ginasial e o normal colegial.
A análise da expansão da rede estadual de ensino, durante o qüinqüênio entre 1961 e
1965, revelou alguns outros significados. O primeiro deles foi o de que a expansão ocorreu
em termos materiais estritos, apesar da exorbitância de números de salas de aulas construídas,
preterindo o aspecto qualitativo da rede, medido exclusivamente em cursos de
aperfeiçoamento para o magistério; neste sentido, entendemos que a rede estadual se
expandiu. No entanto, a dimensão qualitativa real ultrapassou aquela que constava nos meios
de divulgação do governo, pois se encontrava na lógica e na dinâmica do sistema de ensino,
estando, , o cerne da questão.
Na medida em que se tinha uma “Educação para o desenvolvimento”, a grande força
propulsora do modelo era um processo típico da produção/reprodução capitalista, ou mais
apropriadamente, uma necessidade de aceleração da acumulação de capital que retirasse o
país da condição de subdesenvolvimento, traduzindo-se em industrialização. Com este fim, o
Estado tornou-se investidor, derivando daí toda a prática de planejamento da economia,
considerada, na época, uma forma mais racional de dirigi-la, através do estabelecimento de
metas a serem alcançadas. Como a educação foi considerada fundamental no
desenvolvimento, apesar de não constar como prioridade nos investimentos que foram, em
grande parte, destinados à infra-estrutura, assistiu-se a um planejamento educacional nos
mesmos moldes. Após constatar esta realidade, consideramos ser correto afirmar que todo o
sistema de ensino, as redes, os níveis e os ramos dele, estiveram voltados para atingir esses
objetivos, principalmente aqueles que estiveram sob coordenação direta do Estado, como o
ensino secundário da rede estadual de Santa Catarina.
Todavia, apesar da idéia geral de que se pretendia um retorno da educação que deveria
atender toda a sociedade, através do desenvolvimento econômico, cada ramo de ensino
executava uma função específica dentro do sistema. Isto, fundamentalmente, acarretava em
um retorno diferenciado para a população, pois o grau de instrução e, portanto, do incremento
do capital humano, levava a posições discrepantes na escala de ascensão social.
A questão levantada pelo caso específico do ensino secundário na rede estadual de
Santa Catarina ilustra a manutenção da dualidade estrutural do sistema de ensino, encerrando
em si mesma, a dualidade e demais diferenciações estruturais que são necessárias ao sistema
econômico. A tentativa de transformar trabalho em capital esteve muito longe de abolir a
contradição essencial do sistema, entre capital e trabalho. Por meio de uma parafernália
187
ideológica, o ensino secundário que, outrora, numa concepção aristocrática, servia para a
formação das mentes condutoras do país quando este vivia sob a excelência de uma elite
privilegiada, advinda de uma economia primário-exportadora que era considerada a vocação
do país, transformara-se no meio para aquiescer o sonho desenvolvimentista de um padrão de
vida semelhante ao dos países capitalistas centrais; como a taxa elevada de consumo existia
para poucos, era a dinamização da economia industrial que poderia permitir uma produção em
massa de bens de consumo, satisfazendo, ao mesmo tempo, os grupos sociais em ascensão, a
demanda do mercado de consumo e de trabalho, os projetos políticos de perpetuação no
poder sob a nova orientação econômica - das classes dirigentes.
O ensino secundário serviu naquele período histórico - acompanhando a transição
econômica que se operava - para a formação desses novos grupos sociais que se constituíam
cada vez mais solidamente como consumidores privilegiados. O ensino secundário em Santa
Catarina serviu de base para este objetivo, pois era nele que os indivíduos poderiam completar
a ascensão social; e todo o ensino secundário justificava-se em torno disso, apesar da
equivalência ou do suposto ingresso garantido na carreira superior.
O Estado desenvolvimentista catarinense, através do PLAMEG I e da planificação
aplicada ao campo educacional, racionalizou o funcionamento do sistema de ensino e da rede
estadual em particular, adaptando-os para perseguirem estes objetivos. Como item da
parafernália ideológica, a racionalidade tecno-científica desempenhou um papel no processo
real que foi, ao contrário das aparências, de uma racionalização das carências, ou seja, o
Estado interveio não com o objetivo de universalizar e equalizar a instrução pública, mas de
manter a dualidade estrutural do sistema, favorecendo um grupo para a ascensão social e o
usufruto dos benefícios do desenvolvimento econômico, enquanto submeteu o resto da
sociedade, a massa, fora dele. Jamais ousou romper com a dualidade entre capital e trabalho
necessária ao sistema econômico, mas, pelo contrário, reforçou-a, impelindo o novo momento
de acumulação de capital e orientando a rede estadual de ensino nesta direção. Todo o estado
se apresentou de forma a mais “racional” até então existente, introduzida pelo planejamento
governamental.
Conclusivamente, o ensino secundário da rede estadual de Santa Catarina entre 1961 e
1965 foi parte do projeto desenvolvimentista tão desses anos, exercendo uma funcionalidade
ímpar. Apesar de uma expansão, como já foi dito, a intenção do Estado não foi a de massificá-
lo, mas transformá-lo em símbolo de eficiência do desenvolvimento econômico, cujos
resultados seriam demonstrados por um seleto grupo de novos consumidores.
188
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190
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