Download PDF
ads:
Tecendo mensagens numa trama bem urdida: as mulheres atenienses
Maria Angélica Rodrigues de Souza
Rio de Janeiro
2005
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
P
rograma de Pós
-
Graduação em História Comparada
Orientador: Professor Doutor Fábio de Souza Lessa
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filo
sofia e Ciências Sociais
Programa de Pós
-
Graduação em História Comparada
Orientador: Professor Doutor Fábio de Souza Lessa
Tecendo mensagens numa trama bem urdida: as mulheres atenienses
Maria Angélica Rodrigues de Souza
Dissertação apresentada à Coordenação do
Programa de Pós-Graduação em História
Comparada da UFRJ, visando a obtenção do título
de Mestre em História Comparada.
ads:
iii
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais
Programa de Pós
-
Graduação em História Comparada
Orientador: Professor Doutor Fábio de Souza Lessa
Tecendo mensagens numa trama bem urdida: as mulheres atenienses
Maria Angélica Rodrigues de Souza
Dissertação apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em História
Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, visando a obtenção do título
de Mestre em História Comparada.
Examinadores:
____________________________________________________
Prof. Dr. Fábio de
Souza Lessa
-
UFRJ
____________________________________________________
Profª. Drª. Neyde Theml
-
UFRJ
____________________________________________________
Profª. Drª. Carlinda Fragale Pate Nuñez -
UERJ
Rio de Janeiro
2005
iv
FICHA CATALOGRÁFICA
SOUZA, Maria Angélica R.. Tecendo mensagens numa trama bem urdida: as mulheres
atenienses. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro/Programa de Pós-
Graduação em História Comparada, 2005. Dissertação de Mestrado em História Compara
da.
1-
identidade
3-
tática
5-
mulheres atenienses
2-
alteridade
4-
gênero
v
RESUMO
Esta dissertação propõe mapear, por intermédio da comparação entre os resultados dos
estudos da História de Gênero, de Antropologia, de Arqueologia e de História, as dimensões
da linguagem das mulheres atenienses, principalmente as esposas
bem
-nascidas no Período
Clássico. Concebemos que por intermédio de linguagens específicas, as esposas dos cidadãos
abastados atenienses, usavam do
esquema tático para se comunicarem.
Dessa forma, elas faziam circular informações da vida dos atenienses, sinalizando a
integração não somente nos grupos que estavam inseridas no dia-a-dia, mas com a
comunidade
políade
. Esses processos de comunicação femininos, ou seja, o corpo, os gestos,
a tecelagem, os bordados nos tecidos, a
fala
e a
escrita
inseridos nessa vivência rompiam a
organização bipolar, diluindo as margens do modelo mélissa.
vi
ABSTRACT
This dissertation proposes to follow through the comparison among the results of the
studies about History of the Gender, Anthropology, Archeology and History the dimensions
of the Athenian women language specially the well born wives in the Classical Period. We
understand that using specific languages, the rich citizens wives used a tactical way to
communicate.
So thus, these women interchanged informations about life, integrating not just in
those groups they were inserted, but in the
pólis
itself. These female communication pro
cesses
the body, the gestures, the weaving, the tissue embroidery, the speaking and the writing
envolved in this process violated the male organization diluting the extremities of the mélissa
pattern.
vii
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pois pelo seu imenso amor por mim conclui este estudo; à minha
família, pelo constante apoio aos meus projetos; ao Professor Doutor e amigo Fábio de Souza
Lessa, que desde o momento que manifestei o interesse pelo tema se mostrou disposto a
ajudar
-
me.
Aos Professores Doutores Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, Carlinda Fragale Pate
Nuñez, Maria Regina Candido e Neyde Theml que participaram desta trajetória.
Destaco a colaboração de meus amigos que, de maneira formal ou informal, me
incentivaram no deco
rrer desta pesquisa, principalmente nos momentos mais delicados.
Agradeço aos amigos do Laboratório de História Antiga e do Programa de Pós-
Graduação em História Comparada, especialmente ao amigo José Roberto de Paiva Gomes,
pelo apoio.
viii
SUMÁ
RIO DA DISSERTAÇÃO
Introdução
09
Capítulo 1
As
mélissai
e as formas de comunicação na
pólis 17
1.1 As relações de gênero
18
1.2 As táticas: forma de participação das esposas atenienses
23
1.3 A integração dos grupo
s de esposas na
pólis 32
Capítulo 2
Os corpos que se comunicam
45
2.1 Corpo e prática social
45
2.2 As representações dos corpos femininos entre os atenienses
54
2.3 Os gestos e as danças
62
Capítulo 3
As mãos que falam
84
3.1 A arte da tecelagem
87
3.2 As roupas e os adereços como enunciadores de uma mensagem
91
3.3 Mitos, tecelagem e bordados
108
Conclusão
122
Bibliografia
126
Anexos 134
Tabela
140
9
INTRODUÇÃO
Ao pesquisarmos a sociedade dos atenienses
*
entendemos que os conhecimentos
sociais se expandem na medida em que dialogamos e comparamos resultados das pesquisas,
que contemplam objetos, teorias e métodos dos diferentes aportes das chamadas Ciências
Humanas.
Marcel Detienne, de acordo com Neyde Theml e Regina Bustamante, apresentou
pressupostos para a pesquisa comparativa partindo da concepção de que a sociedade é
composta por um conjunto complexo e infinito de elementos que se articulam e ao se
relacionarem produzem uma série de combinações e ações sociais. Assim, a comparação
poderá percorrer tanto as sociedades antigas quanto as atuais, as simples e as complexas,
colocando em perspectiva as singularidades, as repetições, o tempo e o espaço
(BUSTAMANTE e THEML: 2004, p. 14).
Por intermédio do método comparativo podemos estabelecer o estranhamento, a
diversificação, a pluralização e a singularidade diante do que parecia empiricamente diferente
ou semelhante, posto pelo
habitus
e reproduzido pelo senso comum (BUSTAMANTE e
THEML: 2004, p. 17).
Inicialmente devemos esclarecer que esta dissertação apresentar-
se
da comparação
entre os resultados obtidos pelo diálogo interdisciplinar entre as pesquisas de Gênero, de
Antropologia, de Arqueologia e de História. A comparação destes far-
se
no vel de
singularidade das mulheres atenienses a fim de se verificar as diferentes respostas sociais.
Almejamos ao comparar documentos de naturezas diferentes em uma mesma época
apontar tanto as semelhanças quanto as diferenças entre os elementos analisados. Neste
sentido, confrontaremos a documentação textual compreendida pelas comédias e tragédias
produzidas no período com a documentação imagética, ou seja, as pinturas de figuras
vermelhas contidas nos vasos áticos e a cultura material: os próprios objetos de uso cotidiano
e espelhos. Além de examinar simultaneamente documentos de naturezas diferenciadas
também estabeleceremos comparações com as diversas respostas obtidas após análise da
documentação imagética.
*
Todas as datas contidas nesta dissertação se referem ao
período antes de Cristo.
10
Objetivamos, por intermédio deste estudo mapear as dimensões da linguagem das
esposas abastadas atenienses no Período Clássico (séc. V e IV) através da representação do
corpo, dos gestos, da dança, da
fala
, da
escrita
, da imagética, da tecelagem e dos bordados
nos tecidos.
Entendemos por linguagem das mulheres os processos de comunicação estabelecidos
pelos grupos de esposas na
pólis
( ). Destacamos que, tais processos de comunica
ção
geravam informações que eram compreendidas e constituíam as representações simbólicas no
interior da
Koinonía
, que as esposas abastadas atuavam internamente na
pólis,
criando
espaços de fala, estando atualizadas, ou seja, bem inteiradas sobre as informações que
circulavam na sociedade dos atenienses.
Compartilhamos com José Carlos Rodrigues que a sociedade inteira é um ato
comunicacional. De acordo com o autor, sem comunicação não existe sociedade,
(...) quando
entre duas posições se imagina uma distância tão infinitamente grande que se procura vetar
qualquer possibilidade de comunicação, a própria proibição é ,(...), uma maneira de expressar
a natureza da relação entre ambas e entre estas e o resto do sistema, (...)
(RODRIGUES:
1983, p. 29). Partiremos do princípio de que a
pólis
dos atenienses era um grande complexo
comunicacional.
Neste contexto, nos propomos a pesquisar as formas de linguagem das esposas
bem
-
nascidas
atenienses, pois acreditamos que estas nos permitirão perceber com maior clareza a
vivência das mulheres em Atenas. Sabemos que a fala estava presente no cotidiano, mas o
silêncio ( ) era uma das virtudes esperadas das esposas legítimas dos cidadãos
atenienses. Segundo Peter Burke, A escolha de uma variedade específica de linguagem
transmite informações sobre as lealdades do falante, expressando solidariedade com aqueles
que falam da mesma maneira e distância daqueles que falam de maneira diferente (BURKE:
1995, p. 39).
Para
fugir do silêncio imposto pela virtude do não falar, as esposas atenienses
desenvolveram
outras formas de comunicação através do corpo
1
, dos gestos
2
, das roupas, das
danças, da tecelagem e dos bordados nos tecidos.
1
Pierre Bourdieu enfatiza que o corpo é construído pelo mundo social como uma realidade sexuada e que contém em si
princípios de visão e divisão sexualizantes. Esse programa social de percepção incorporada aplica-se a todas as coisas do
mundo e, antes de tudo, ao próprio corpo, em sua realidade biológica: ele é que constrói a diferença entre os sexos
biológicos, conformando-a aos princípios de uma visão mítica do mundo, enraizada na relação arbitrária de dominação dos
homens sobre
as mulheres, ela mesma inscrita, com a divisão do trabalho, na realidade da ordem social (BOURDIEU: 1999,
pp. 18 e 20
grifo do autor).
Segundo Rodrigues, a pesquisa sobre a pressão que cada sociedade exerce sobre seus indivíduos para que estes utilizem seus
corpos de formas específicas e a se comunicarem com eles de maneiras singulares, amplia as perspectivas para o estudo da
integração social. (...), por meio dessa pressão, a marca da estrutura social imprime-se sobre a própria estrutura somática
11
Estes processos de comunicação das mulheres em Atenas nos remete à seguinte
colocação de David Garrioch: Nenhum tipo de comunicação, verbal ou não-verbal, pode ser
entendido sem referência ao contexto social no interior do qual é produzido (GARRIOCH:
1997, p. 121). Logo, para decodificarmos as
falas
femininas, precisamos inseri-las no
contexto cultural ateniense. A linguagem verba
l é constituída de palavras faladas ou escritas e,
a linguagem não-
verbal
3
é encontrada em muitas manifestações, como a pintura (pelas cores,
figuras e por outros elementos mínimos constitutivos utilizados pelo artista); dança (pelo
movimento e ritmo); escultura (pelas proporções, formas e volume); caricatura (na charge e
nos cartuns, pelo traçado disforme ou irônico) e sinais (do telégrafo, do trânsito, da
matemática, dos gestos, das roupas e do corpo).
Burke destaca a atuação das lingüistas feministas que chamaram a atenção para o fato
de que (...) a língua comum, dominada pelo masculino, não expressa o lugar subordinado
das mulheres, mas também as mantém em uma posição de subordinação (BURKE: 1995, p.
44). Neste sentido, ao pesquisarmos outros processos de comunicação das mulheres
atenienses, sairemos deste caminho de subordinação e descortinaremos o cotidiano feminino
ateniense.
Dessa maneira, nossa pesquisa cresce em significado, na medida em que trata
especificamente da dimensão da linguagem das esposas dos cidadãos atenienses no Período
Clássico embasados na documentação imagética, textual e na cultura material. Reconstruindo,
dessa forma, o cotidiano ateniense antigo e a atuação das esposas
bem
-
nascidas
através dos
processos de comunicação na
koi
nonía.
Estaremos dinamizando os estudos sobre a História de Gênero, pois nos propomos a
desenvolver uma pesquisa sobre as esposas atenienses onde priorizaremos a relação entre os
sujeitos históricos na pólis. Enfatizaremos a participação das esposas
bem
-nascidas no
cotidiano ateniense, porque compreendemos que, além de partilharem com a mulher grega
comum as mesmas formas de expressão do imaginário feminino, elas desempenharam
indi
vidual, de forma a fazer do psíquico, do físico e do coletivo um amálgama único que somente a abstração pode separar
(RODRIGUES: 1983, p. 47).
Roy Porter contribuiu de forma significativa destacando que o corpo não pode ser tratado simplesmente como bioló
gico,
chamando atenção para uma análise onde o corpo é mediado por sistemas de sinais culturais. O culto ao corpo está incluso na
manutenção de uma determinada ordem. Ele reage dentro de aspectos sociais, culturais e outros (PORTER: 1992, p. 308).
2
De acordo com Burke os gestos podem ser pesquisados (...) como um subsistema dentro do sistema maior de
comunicação (BURKE: 2000, p. 95).
Entendemos por gestos as diversas formas de expressão que variam de uma cultura para outra e que também variam dentro de
uma cultura específica em épocas diferentes. Eles estão inseridos na linguagem do corpo e são apreendidos pelos agentes
sociais.
3
No caso específico ateniense, estudaremos as imagens, a dança, os gestos, as roupas, o corpo, a tecelagem e os bordados nos
t
ecidos.
12
funções sociais determinantes, ainda que silenciadas mormente nas questões de co
nfirmação
da descendência e transmissão de herança.
A História Social, ao repensar sua área de atuação, proporcionou com a inclusão de
temas como o cotidiano, as experiências vividas entre homens e mulheres, a sexualidade e a
vida em família, condições para que pudéssemos desenvolver nossos estudos sobre as
mulheres, pois dentro deste contexto à possibilidade de analisarmos novas temáticas. De
acordo com Jean-Pierre Vernant A história social é uma obra humana que os homens
elaboram com suas paixões, seus interesses e suas representações. Mas, reciprocamente por
meio dessa história, os comportamentos humanos se transformam e o homem, por sua vez,
elabora a si mesmo
(VERNANT: 2001, p. 148).
Ao pesquisarmos as mulheres como agentes históricos voltamo-
nos
para os domínios
onde ocorriam maior evidência de sua atuação, isto é, o privado e o cotidiano. Assim
compartilhamos com Margareth Rago quando afirma que a categoria de gênero desnaturaliza
as identidades sexuais e postula a dimensão relacional do movimento constitutivo das
diferenças sexuais (RAGO: 1998, p. 27).
De acordo com Susan Paulson, devemos entender que, apesar do sexo biológico
atingir aos corpos sexuados, o sexo social, o que estendemos por gênero, compreende tudo. A
pesquisadora defende que Linguagens, (...), leis, economias, mercados de trabalho: todos
esses campos incorporam o gênero, na organização dos espaços e atividades, assim como no
valor simbólico e na distribuição de poder (PAULSON: 2002, p. 25).
Acrescido ao estudo de gênero, o embasamento teórico de nosso estudo também foi
fornecido pelo historiador Michel de Certeau, at
ravés de sua obra
A invenção do cotidiano
. O
autor define o campo de objetos, uma linha de pesquisa e uma tarefa teórica de esboçar uma
teoria das práticas cotidianas para extrair do seu ruído as maneiras de fazer (CERTEAU:
1999, p. 17
grifo do autor).
Certeau enfatiza que os mecanismos de resistência são os mesmos de uma época para
outra, que para ele (...) continua vigorando a mesma distribuição desigual de forças e os
mesmos processos de desvios servem ao fraco como último recurso, como outras tantas
escapatórias e astúcias, (...) (CERTEAU: 1999, p. 19).
C
oncebemos que as esposas
bem
-
nascidas
atenienses utilizavam
táticas
para subverter a
dominação dos homens. Assim temos a inclusão de manipulações por parte das esposas dos
cidadãos atenienses abastados que através de táticas mobilizam para seus próprios fins uma
dominação imposta. Elas burlavam o esquematismo espacial e o ideal de comportamento
13
feminino concebidos pela sociedade
políade
, o que significa dizer que (...) nem sempre as
mulheres se adequaram aos papéis prescritos (SAMARA: 1997, p. 25).
Dessa forma, as esposas abastadas atenienses, através do uso de
táticas,
conseguiam
transgredir ao modelo idealizado pela sociedade
4
ateniense, mas sem romper definitivamente
com
este, alcançando assim uma certa autonomia. Em nossa pesquisa lançamos mão do
conceito de tática de Certeau. O especialista entende tática como sendo uma ação
premeditada, que se aplica no lugar do outro, no espaço por ele dominado, ou seja, (...) a
ação
calculada que é determinada pela ausência de um próprio . As esposas
bem
-nascidas
usavam táticas comunicacionais. Segundo ainda Certeau (...) em suma, a tática é a arte do
fraco (CERTEAU: 1999, pp. 100-
101).
A utilização de táticas pelas esposas para alcançar seus objetivos fazia parte do
cotidiano ateniense. Neste sentido, compartilhamos do mesmo pensamento de Certeau quando
ele afirma que o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas. Ele consegue em
momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos (...), mas a sua síntese intelectual
tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a ocasião
(CERTEAU: 1999, p. 47).
Na sociedade dos atenienses, o par identidade e alteridade estava presente no meio
familiar, que as mulheres eram um dos
outros
/alteridade. E esse par estava sempre em
constante troca, pois um era complemento do outro, e a convivência era importante para a
conservação dos bens do casal e da
Koinonía
. Assim a oposição/complementaridade se fazia
presente na sociedade políade.
Marc Augé define alteridade de três maneiras diferentes: a alteridade completa; a do
estrangeiro; a alteridade interna, neste caso, também denominada alteridade social; e a
alteridade íntima, que atravessa a pessoa
de cada indivíduo. Priorizaremos a alteridade interna
que é definida como sistema de diferença, de sexo, a posição na ordem de nascimentos e a
idade. São tantos critérios que compõem a trama social e não deixam de ter expressão
espacial, visto que as mulheres atenienses eram um dos tipos de manifestação da alteridade,
na sociedade masculinizada. Dessa maneira, a identidade e a alteridade não são concebíveis
uma sem a outra e contribuem para a formação do tecido social (AUGÉ: 1999, pp. 138
-
140).
De acordo c
om Vernant, a participação do sujeito no mundo implica, para o indivíduo,
uma forma particular de relação consigo e com os outros. Esta relação com o outro se
4
Vernant, define sociedade como sendo: (...) um sistema de relações entre os homens, atividades práticas que se organizam
no plano da produção, da troca, do consumo, em primeiro lugar, e depois em todos os outros níveis e em todos os outros
setor
es da vida coletiva (VERNANT: 2001, p. 54).
14
estabelece, também, através do olho, pois é através do olho do outro que olhamos e vemos a
nossa
imagem. O olho não vê a si mesmo, precisa direcionar seus raios para um objeto situado
no exterior. Assim, o que somos, nosso rosto e nossa alma, nós o vemos e conhecemos ao
olhar o olho e a alma do outro. A identidade de cada um se revela no contato com o outro e
pela troca de palavras (VERNANT: 2001, pp. 183-184). É justamente a troca com o outro
através dos processos de comunicação, que priorizaremos, em nosso leque temático.
Quanto ao método que aplicaremos neste estudo, como afirmou Martine Joly, N
ão
existe um método absoluto para análise, mas opções a serem feitas ou inventadas em função
dos objetivos
(JOLY: 1999, p. 49). Assim, nossa opção para tratar da documentação foi a
adoção do método de leitura isotópica, pois compreendemos que este é passível de ser
utilizado tanto para a documentação textual quanto para a imagética.
No caso específico da documentação imagética, selecionamos ainda a proposta
metodológica de Claude Calame que nos oferece uma alternativa a mais de leitura semiótica
das imagen
s representadas nos vasos áticos.
Segundo Calame, é através dos jogos de olhares e dos gestos dos atores representados
numa determinada cena, na sua organização espacial, que percebemos a manifestação de
vários processos de ligar e não ligar
pôr e não pô
r em comunicação
que nos possibilitará a
percepção e distinção de diferentes níveis do enunciado e de sua enunciação (CALAME:
1986, p. 106). Devemos ficar atentos para os olhares das personagens, para a posição espacial
das mesmas, dos objetos, dos ornamentos e da importância de fazermos um levantamento em
cena.
Ao trabalharmos com três
corpora
: documentação textual, imagética e cultura
material, objetivamos apreender através da comparação, entre as naturezas diferentes da
documentação, a individualidade dos textos escritos e imagéticos, e a importância da cultura
material
- artefatos, selecionada, no contexto da sociedade dos atenienses. Buscamos
demonstrar a existência de uma heterogeneidade das informações que tratam do feminino
entre os atenienses.
Para melhor assimilação da individualidade da documentação citada, construímos
grades de leitura, a partir da aplicação do método de leitura isotópica, constituídas pelos três
níveis semânticos: o temático, o figurativo e o axiológico
5
proposto por Ciro Fl
amarion
5
O método de leitura isotópica pressupõe, de acordo com Ciro Flamarion Cardoso, o cumprimento de três etapas que nos
propomos a seguir:
1
a
.: o exame comparativo das partes componentes de um texto (frase, enunci
ados...), possibilitando evidenciar suas categorias
sêmicas (de significação), subjacentes.
2
a
.: isolam-se dentre elas aquelas categorias sêmicas que se repetem, que são recorrentes no texto: são estas as categorias
isotópicas
5
.
15
Cardoso. Na interpretação da documentação imagética utilizamos também o método de leitura
de imagens proposto por Calame.
A documentação textual utilizada, neste estudo, compreende tragédias e comédias e
outros textos produzidas pelos sujeitos his
tóricos no decorrer do período enfocado.
A documentação imagética selecionada para nossa pesquisa é composta de imagens
pintadas nos vasos gregos do Período Clássico. Joly concebe que a imagem é um meio de
expressão e de comunicação que nos vincula às tradições mais antigas e ricas de nossa
cultura (JOLY: 1999, p. 135). Segundo Ignace Meyerson, citado por Vernant, (...) o homem
é criador de formas, de objetos, de obras que podem ser observados, relacionados e
analisados (VERNANT: 2001, p. 131).
As imagens desta pesquisa representam esposas no interior ou no espaço externo do
oîkos
( ), realizando atividades essenciais no cotidiano ateniense: as tarefas de tecelagem e de
fiação, outras tarefas peculiares às esposas e também as que representam a dança devido ao
fato desta atividade representar uma das formas de comunicação feminina. Dessa maneira
concebemos que Nunca deixamos de fabricar e de desfazer a nós mesmos (MEYERSON
citado por VERNANT: 2001, p. 131). Para Joly, quanto às funções da imagem, é admissível
que uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro, mesmo quando esse outro
somos nós mesmos
( JOLY: 1999, p. 55).
As imagens contidas nos vasos gregos que nos propomos analisar faziam parte do
cotidiano dessa sociedade, visto que os vasos possuíam um contexto social de uso. A obra é
social, pois o artista a cria para os outros, para ser vista. Vernant afirma que A obra não é
feita para uma contemplação solitária, nem para o homem em geral. Precisa de um público
que a entenda. Dirige-se para esse público; apóia-se sobre ele ao mesmo tempo em que o
conquista e o transforma (VERNANT: 2001, p. 146).
Nossa pesquisa almeja defender, especialmente, que através das relações de gênero
que se faziam presentes na
pólis
dos atenienses no Período Clássico e dos processos de
comunicação femininos, ou seja, o corpo, os gestos, a tecelagem, as roupas, os bordados nos
3
a
.: distribuição de tais c
ategorias pelos três níveis semânticos: figurativo, temático e axiológico (CARDOSO: 1997, p. 174).
O nível figurativo (ou pictórico, no caso das imagens) se constitui em um significado possível de ser correlacionado de forma
direta ou indireta com um dos cincos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) e que pareça ligado ao mundo exterior
ao texto.
O nível temático é representado pelo tema ao qual se referem os níveis figurativos e axiológicos.
O nível axiológico está vinculado ao sistema de valore
s: éticos, estéticos, religiosos ou quaisquer que os conteúdos dos textos
manifestem. Neste nível estaremos observando os elementos euforizados, disforizados e aforizados. Após o cumprimento
dessas etapas constituiremos as grades de leitura que receberão a
s redes temáticas, figurativa e axiológica (CARDOSO: 1997,
pp. 172
-
178).
16
tecidos, a
fala
e a
escrita
, as mulheres atuavam no cotidiano de Atenas burlando a
organização bipolar, pondo em xeque o modelo
mélis
sa.
Após esta breve apresentação de nossa pesquisa, nos dedicamos à análise do tema
proposto. Ele está dividido em três capítulos que foram organizados objetivando elucidar,
através de um estudo comparativo de resultados entre a História de Gênero, a Antropologia, a
Arqueologia e a História, os processos de comunicação das esposas atenienses e de que forma
estes se apresentaram na
koinonía
.
17
CAPÍTULO 1
As
mélissai
e as formas de comunicação na
pólis
Nosso grande desafio, neste estudo, é levantar de maneira comparativa os processos
comunicacionais das esposas atenienses no Período Clássico. Ao dialogarmos com algumas
ciências almejamos cruzar os resultados de pesquisas efetuadas por historiadores,
antropólogos, arqueólogos e estudiosos de gênero visando perceber a individualidade das
informações, pois nos possibilitarão interpretar com maior clareza a vivência dessas mulheres
em Atenas.
Compartilhamos com Vernant que o homem deve ser estudado através do que ele
criou e produziu em s
ua vida em grupo. Ele se faz presente em suas construções, suas obras, e
estas devem ser transmitidas, comunicadas, perpassando de geração em geração. O conjunto
dessas obras constitui aquilo que chamamos de feitos de civilização, que dependem de um
estud
o histórico (VERNANT: 2001, p. 54).
Burke destaca que os historiadores têm ampliado consideravelmente seus interesses.
História das mentalidades, história da vida cotidiana, cultura material, história do corpo
para
isso houve a necessidade de diversificação da documentação (BURKE: 2001, p. 11). Ainda
que os textos também nos ofereçam importantes pistas, as imagens são a melhor guia para
entender o poder que tinham as representações visuais na vida política e religiosa das culturas
passadas (BURKE: 2001, p. 17). Portanto, priorizamos corpora diversificados, pois o leque
das produções efetuadas pelos sujeitos históricos do período estudado se ampliou e a gama de
informações a respeito dos processos de comunicação de naturezas não-comuns para serem
compar
adas também.
Quanto aos processos de comunicação nas culturas passadas, Corine Coulet afirma que
a comunicação é um conceito moderno, que se desenvolveu a partir do advento dos meios de
comunicação de massa, por exemplo, o rádio e a televisão. Essa especialista questiona a
possibilidade de aplicar tal conceito à Grécia Antiga, que é uma noção moderna e implica
em teorias atuais sobre a temática. Tais teorias envolvem: a circulação da mensagem, o
funcionamento de grupos e as relações sociais. Sendo assim, a noção de comunicação é
18
central para compreender as sociedades contemporâneas, mas também pode nos fornecer as
ferramentas de análise para as sociedades antigas (COULET: 1996, p. 12).
Inicialmente, neste primeiro capítulo, trabalharemos com uma análise da vivência em
grupo das mulheres atenienses e por intermédio de suas ações cotidianas pretendemos
levantar
ruídos
da linguagem feminina. Voltaremos nosso olhar para as maneiras que as
atenienses
burlavam
o esquematismo social e para as relações de gênero
.
1.1. As relações de gênero
Os estudos e a divulgação do gênero como uma categoria de análise da organização
social da diferença sexual tem grande relevância em nossa pesquisa, pois sinaliza que papéis
próprios a homens e mulheres são construções sociais e culturais. O gênero vem enfatizar um
sistema amplo das relações entre os sexos, sem vincular-se diretamente à diferença biológica.
Tornando
-se um instrumento para conhecer as simbologias e representações pelas quais as
sociedades elaboraram e definir
am o masculino e o feminino e, conseqüentemente, as relações
de poder que permeiam ambos os conceitos. Contamos com os resultados dos estudos de
gênero ao direcionarmos nosso olhar para a sociedade ateniense.
Se atualmente podemos efetuar tais reflexões sobre o gênero, devemos nos reportar às
valiosas contribuições que vieram à tona com a História Social, onde se começou a estudar os
grupos ditos marginalizados. Antes de refletir sobre o gênero, a História passou por profundas
mudanças em seus paradigmas. Com a eclosão de novos movimentos sociais urbanos a partir
dos anos 70: mulheres, ambientalistas, negros e grupos minoritários e marginais, os cientistas
sociais repensaram seus parâmetros de análise do social. O sujeito histórico enquanto uma
figura única é relegado e novos sujeitos entram em cena, dentre eles as mulheres. Os
pesquisadores passaram a lançar mão com mais incidência de lembranças e de histórias de
vida, de documentos iconográficos, de registros pessoais, de diários, cartas e romances.
Ne
ste contexto, as mulheres passam a ser concebidas como agentes históricos. Os
estudos acerca das mulheres atenienses ganharam novos rumos e os questionamentos quanto à
dimensão da exclusão a qual estavam submetidas se intensificaram. A atuação das mulheres
foi legitimada ao longo dos anos por um discurso masculino que encerrava a vida das
atenienses no gineceu. Com a categoria gênero novas histórias emergiram e com elas
percebemos uma dinâmica na vida dessas mulheres que não estava presente na concepção
19
masculina. Os processos de comunicação das esposas atenienses nos permitem vislumbrar que
suas vidas como sujeitos históricos vão além do que homens contemporâneos à elas deixaram
registrado.
Guaciara Lopes Louro afirma que em diversos momentos de nossa História podemos
observar ações isoladas ou coletivas dirigidas contra a opressão das mulheres. A autora aponta
que contemporaneamente vem se preocupando em reconhecer essas ações (LOURO: 2003, p.
14). Neste trabalho, auxiliados pelo estudo de gênero, estamos pesquisando a linguagem,
principalmente em conjunto, das esposas
bem
-
nascidas
com os sujeitos históricos. Com o
intuito de trazer à tona ações e atitudes que foram silenciadas em outrora.
Estudar as ações não esperadas, ou seja, as que fugiam ao modelo se torna possível
através dos estudos de gênero, pois nos dedicamos a entender a relação entre os agentes
atenienses que transcendia o que está escrito, o que nos foi deixado residualmente. Para
entendermos o contexto cultural ateniense temos que ler nas entrelinhas os registros deixados
pelos contemporâneos das esposas atenienses. Segundo Rago, a História Cultural enfatiza a
necessidade de se refletir o campo das interpretações culturais, priorizando a construção dos
inúmeros significados sociais e culturais pelos agentes históricos (RAGO: 1998, 37).
Nesta perspectiva, compartilhamos com Joan Scott que (...) gênero é o saber que
estabelece significados para as diferenças corporais. Esses significados variam de acordo com
as culturas, os grupos sociais e no tempo, que nada muda no corpo, (...) determina
univocamente como a divisão social será definida (SCOTT: 1994, p. 13).
Louro defende que com a categoria nero se passa a analisar a construção social e
cultural do feminino e do masculino, apontando
que devemos ficar atentos para as formas que
os sujeitos se constituíam e eram constituídos em meio às relações sociais de poder (LOURO:
2002, p. 15).
Inserido nesta discussão, Thomas Laqueur enfatiza que o gênero na Antiguidade era
muito importante e faz
ia parte da ordem das coisas. Foi no mundo do sexo único que se falou
mais diretamente sobre a biologia de dois sexos, que era mais arraigada no conceito de
gênero, na cultura . Ele defende ainda que ser homem ou mulher implicava em uma posição
social, um
lugar na sociedade, assumir um papel cultural (LAQUEUR: 2001, p. 19).
A sociedade ateniense construiu para as mulheres um papel que relegava à submissão,
a exclusão das decisões da
pólis
. O discurso masculino legou a mulher ao interior, ao espaço
interno do
oîkos
. Salientamos que apesar desta idealização masculina, as mulheres não
viveram completamente pautadas neste modelo.
20
Na medida que nos aprofundamos nos estudos acerca das mulheres na sociedade
ateniense através de sua atuação e das formas de expressão compreendemos que o papel
desempenhado pelas atenienses não está presente diretamente na documentação textual.
Entendemos que suas ações iam além da submissão, das responsabilidades que lhes foram
atribuídas e a categoria gênero tem nos auxiliado quando nos oferece um suporte teórico para
a compreensão da relação entre os viventes através da cultura. Assim, seguimos nossos
estudos em busca de novos testemunhos sobre as mulheres, procurando rever as imagens e dar
visibilidade a elas. Através dos estudos sobre o feminino, novas histórias emergiram, falas
foram recuperadas (MATOS: 2000, p. 7).
Nesta perspectiva defendemos que as esposas dos cidadãos abastados atenienses não
viviam isoladas em ilhas, mas interagiam continuamente com os homens, quer os
conside
remos na figura de esposos, pais, irmãos ou filhos, com os quais conviviam no
cotidiano, como podemos verificar nas representações dos pintores. Ao acrescermos aos
estudos de gênero as pesquisas da Arqueologia e da Semiótica reunimos instrumentos de
anális
e para interpretarmos a vida das mulheres de Atenas.
Figura 1
Funções Sociais de uma esposa
bem
-
nascida
1a
1b
21
1c 1d
1e
Lo
calização: Coleção da Universidade de Havard (Robinson Collection III. I). Temática: Funções sociais de uma
esposa
bem
-
nascida
. Proveniência: Vari. Forma:
Hydría
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Polygnotan Circle.
Data: 430. Indicação Bibliográfica:
C.V.A.
, U.S.A (Fasc. 6): 1937, Pl. XLIII; WILLIAMS: 1984, pp. 93-
94;
LESSA: 2001, p. 62;
www.perseus.tufts.edu
.
Nesta cena temos quatro personagens representadas
6
(1a). Uma mulher sentada numa
cadeira de encosto elevado, vestindo
chitón
e
himátion
de cores claras e plissados e está
descalça (1a e 1c). Outra personagem está em pé, meio inclinada, recebendo uma criança que
está sendo transferida do colo da mãe, assim concebemos, para seus braços. Ela veste chitón
decorado com linha reta e uma túnica simples com mangas longas decorada com fitas de cor
escura
em linha ondulada, e está descalça (1a, 1d e 1e). Na imagem ainda temos um
personagem masculino vestindo
himátion
(1a). O bebê usa um cordão com amuleto de f
unção
apotropáica. A personagem que está sentada usa um
sákkos
decorado com linhas quebradas e
linhas pontilhadas envolvendo os cabelos e brincos (1c); a outra, está com os cabelos
amarrados atrás e não possui brincos (1d). A personagem que está sentada, neste caso a
esposa, têm sua roupa diferente da ama. Sua roupa é lisa e a da ama possui detalhes. Quanto
aos adereços seu cabelo está preso com um
sakkós
decorado e ela usa brincos. Os detalhes na
composição é que realçam a diferença que aparentemente não é perceptível. Os adereços
atuavam como elementos de distinção social, de
status
.
A principal função social de uma esposa
bem
-
nascida
está ressaltada nesta imagem: a
concepção de filhos, principalmente do sexo masculino. Devemos enfatizar, nesta
representa
ção, os gestos. No centro da imagem vemos a transferência da criança para os
braços de uma outra personagem. Observem que ambos estão com os braços estendidos e que
a personagem que está sentada direciona a criança para o colo da segunda mulher (1a e 1d).
A
6
Para obter detalhes sobre os resultados após a aplicação do método de leitura na imagem consultar anexo 1.
22
comunicação é destacada pelo pintor, se fazendo presente através dos gestos. A presença de
mobília (cadeira de encosto alto e assento para pôr os pés) nos permite afirmar que a cena é de
interior. O tear, além de ser também um signo de interioridade, reafirma as tarefas domésticas
femininas no interior do
oîkos
e é outra forma de comunicação das mulheres.
É interessante percebermos que o homem está inclinado. Acreditamos que o pintor não
aprove a presença masculina neste espaço
7
. Ele segura com a mão direita um bastão que é um
símbolo masculino de poder e autoridade.
As personagens apresentam uma certa sincronia para realizar a ação da cena: a
transferência do recém-nascido do colo da mãe para o colo da ama. A representação em perfil
não convida o receptor
da mensagem a participar da ação. Concebemos que a personagem que
está sentada é uma esposa
bem
-
nascida
, pelas características apresentadas e pela temática da
própria cena.
Assim como afirma Pierre Brulé, na imagética dos vasos, as mulheres o estão
soz
inhas em cena. Este especialista ainda destaca que a pesquisa sobre as mulheres nos
informa evidentemente muito, quando retornamos aos homens, à associação dos gêneros, às
sociedades onde elas vivem, à cultura onde elas se encontram imersas (BRULÉ: 2001,
p. 10).
Para Paulson em contextos que as mulheres de certos grupos sociais vivem com os pés
amarrados, com faixa apertada na cintura, com menos comida ou proteína que seus irmãos,
elas são biologicamente mais fracas, e a ideologia de gênero justifica a sua saúde delicada
com a crença de que as mulheres nascem fracas. Na verdade, as restrições culturais é que não
consentem que elas andem, façam exercícios. São as práticas de gênero que agem na saúde e
no corpo durante o seu desenvolvimento (PAULSON: 2002,
p. 30).
Contemplando a abordagem cultural, Richard Sennett enfatiza a justificativa dos
atenienses em relação à fraqueza da mulher desde a geração. A dominação feminina pelos
homens era legitimada, na Atenas Clássica, por intermédio de uma concepção de que a
temperatura dos corpos produzia maior ou menor resistência. De acordo com Sennett, os fetos
bem aquecidos no útero, desde o início da gravidez, se tornariam machos, já os menos
aquecidos deveriam se tornar fêmeas, desta falta de aquecimento resultaria corpos fracos,
frios, frágeis, menos encorpados que os homens (SENNETT: 1997, p. 38), podemos desta
forma, concluir que alguns dos atributos específicos a uma
esposa
tinham uma relação
imediata com a procriação.
7
Fábio Lessa ressalta que a presença masculina no gineceu não é comum. Ele e outros estudiosos observam (...) que
a imagem masculina no gineceu, quando representada em cenas de interior, normalmente excede o pescoço decorativo
do vaso, o que pode fazer parecer que o homem seja grande demais para o espaço doméstico no qual está introduzido,
isto é, o homem é visto como inadequado para este espaço (LESSA: 2001, p. 64).
23
Concluímos que os estudos de gênero aplicados à Antiguidade Clássica contribuem
para que possamos
descortinar
a vivência de homens e mulheres no período estudado
trazendo novas reflexões para a historiografia. Tais tendências compreendem, em nosso
estudo, o uso de táticas pelas atenienses.
1.2. A
s táticas: forma de participação das esposas atenienses
As esposas abastadas atenienses passavam grande parte do seu tempo com as suas
escravas, com as mulheres que prestavam serviços em suas residências e estavam presentes
nessa relação, com as que possuíam laços de
philía
( ) e de parentesco. Nossa proposta,
neste momento, é mapear de que forma esta convivência grupal proporcionou às atenienses
maneiras de burlar o esquematismo social construído pelos gregos. Para tal priorizaremos os
processos de comunicação das mulheres, pois concebemos que por intermédio da linguagem
as esposas
bem
-
nascidas
se interavam dos acontecimentos da
koinonía
e disseminavam suas
idéias, rompendo o modelo ideal de esposa.
Atuar em uma sociedade masculinizada, como a sociedade dos atenienses, i
mplicava
para as mulheres em transgredir parcialmente algumas regras de conduta, ou seja,
cotidianamente não seguir por completo um modelo de comportamento que era destinado à
elas, principalmente as esposas
bem
-
nascidas
, que era sobre elas que recaía um maior
controle. Encontramos referências na documentação textual e imagética, que selecionamos, de
ratificações ao modelo
mélissa
( ). Diante de tanta reiteração entendemos que este não
estava sendo cumprido na prática como os atenienses almejavam ao ponto de se fazer
necessário um reforço do mesmo nas suas produções, sejam estas escritas ou não. Para as
esposas pertencentes ao segmento dos kaloì kagathoí ( ), esta cobrança, assim
defendemos, era mais intensa, pois estavam no topo da pirâ
mide social ateniense.
Ao analisarmos a cultura material nos defrontamos com uma significativa quantidade
de vasos de figuras vermelhas contendo imagens que contemplam as funções sociais de uma
esposa
bem
-
nascida
. Tais vasos possuíam um contexto social de uso, estavam cotidianamente
junto das mulheres e as representações contidas neles tinham o objetivo, assim defendemos,
de lembrá
-
las a todo instante de suas funções na sociedade
políade.
24
Tal afirmação pode ser percebida neste
oinochoe
de fundo branco. Nele temos
representado uma imagem que está intimamente relacionada ao cotidiano ateniense. Ela
representa a execução de uma tarefa doméstica.
Figura 2
Fiação
2a
2b
25
2c 2d
Localização: The British Museum, London, inv. D 13. Temática: Fiação. Proveniência: Locri. Forma:
Oinochoe
.
Estilo: Fundo Branco. Pintor: Foundry
para Beazley. Data: 490. Indicação Bibliográfica: BEAZLEY
ARV
403, 38; BOARDMAN: 1991, p. 160, fig. 267; ROBERTSON: 1992; LESSA: 2004, p.52;
www.perseus.tufts.edu
.
Este
oinochoe
proveniente da Itália, Locri, é datado de aproximadamente 480. Ele faz
parte da coleção do
British Museum
, em Londres.
A personagem representada no
oinochoe
(2a e 2b) está em pé. Ela veste chitón e
himá
tion
decorado com linhas onduladas e retas. No
himátion
temos uma decoração com
linhas onduladas largas de cor escura na parte de cima e na barra duas linhas retas paralelas
(2c e 2d). A personagem representada está calçada com sandálias (2b). De acordo com James
Laver raramente os gregos usavam sandálias dentro de casa, enfatizando que os mais pobres
andavam descalços até na rua
8
(LAVER: 2003, p. 33). Concebemos que o pintor enfocou a
condição social da personagem mostrando que ela pertencia ao segmento social abastado e
que possuía condições de andar calçada até no interior do
oîkos
.
Os cabelos estão enrolados atrás em forma de bola e apertado com uma fita simples
decorada na ponta. A personagem usa brincos e dois braceletes, um em cada braço. Com a
mão direita ela segura entre os dedos polegar e o indicador uma linha que está presa em um
fuso deste lado e em um novelo de lã que a personagem segura na mão esquerda (2b).
Do lado direito da personagem existe uma inscrição, E PAIS KALE, a jovem é bonita
ou bela (2a). Este vaso celebra as atividades manuais das mulheres dentro da esfera
doméstica, a produção de materiais tecidos para o
oîkos.
Seu olhar está em perfil, não convidando o receptor da mensagem a participar da ação.
Pela exaltação à tecelagem nesta imagem, concebemos ser esta uma representação de esposa
8
Mesmo as pessoas ricas usavam apenas sandálias, embora as das cortesãs fossem às vezes folheadas a ouro, tendo as solas
cravejadas com pregos dispostos de maneira a deixarem uma pegada com a palavra
siga
-
me
. (...) As sandálias eram presas
aos pés e tornozelos por tiras amarradas de diversas maneiras, como testemunham inúmeras estátuas (LAVER: 2003, p. 33
grifo do autor).
26
bem
-
nascida
. Nessa representação podemos vislumbrar a vestimenta decorada, os adereços
que essa personagem está usando, ou seja, os brincos e os braceletes. Defendemos que o uso
dos adereços, era principalmente, uma forma das esposas se comunicarem demonstrando
prestígio social.
Se partimos do pressuposto de que as esposas
bem
-nascidas tinham sua conduta
vigiada com mais freqüência, o que implica um tipo de posicionamento não totalmente
distante d
a idealização, que compreende se casar jovem por volta dos 14 ou 15 anos, ter como
função social primordial a concepção de filhos (principalmente do sexo masculino), gerenciar
o
oîkos
visando a manutenção do patrimônio por meios honráveis e legítimos, se dedicar à
fiação e à tecelagem, participar das
Thesmophórias
, além de serem consideradas como débeis,
frágeis, que deviam permanecer em silêncio, e atuarem no espaço interno em
complementaridade com seus esposos, que agiam no espaço externo, entendemos que
as
méllissai
lançavam mão de formas de comunicação diversificadas para diluírem esse modelo,
se integrarem umas com as outras e participar na formação do tecido social ateniense.
Essa influência, assim concebemos, foi obtida a partir do uso de
táticas
. A
concepção
de tática como forma de burlar o esquematismo social, como arte do fraco é que visamos
quando defendemos nossas hipóteses. Dessa forma, A invenção do cotidiano, desloca a
atenção do consumo supostamente passivo dos produtos recebidos para a criação anônima,
nascida da prática do desvio no uso desses produtos (CERTEAU: 1999, p. 13).
Teoricamente tenta-se transparecer que o modelo estava sendo cumprido. O que
pretendemos é deslocar a atenção do comportamento supostamente passivo das esposas
atenien
ses para uma prática desviante ao executar essas tarefas e por meio de formas de
expressão diversificadas.
Neste contexto, elas aproveitam as tarefas que lhes eram atribuídas (tecer, bordar,
cuidar dos mortos e outros) para através delas burlar a idealização. As atividades que
possuíam uma finalidade específica ganhavam uma outra dimensão. Elas não rejeitavam
diretamente essas atividades, mas atribuíam à elas um novo sentido além do esperado. Como
verificamos na tragédia
Eléctra
de Sófocles quando Crisótemis, irmã de Eléctra, sai de casa
carregando nas mãos oferendas fúnebres que sua mãe estava enviando ao túmulo de seu
esposo, Agamemnon. Eléctra pede a irpara o levar aquelas oferendas, mas trocá-las por
cabelos e cinto
9
. Crisótemis acaba realizando o pedido de sua irmã: Farei, pois o que é justo
9
Querida, não ofereças ao túmulo
nada do que tens nas mãos. Pois não é justo nem lícito depor, da parte da mulher inimiga,
oferendas no túmulo do pai, nem derramar nele água purificadora. Antes, lança-as aos ventos ou esconde-as numa espessa
camada de pó, onde nunca nenhuma parcela delas
atingirá o leito de nosso pai (SÓFOCLES.
Eléctra
. vv. 422
-
428).
27
não é objeto de briga, mas deve ser realizado com pressa. Enquanto tentar executar estas
coisas, guardai-me o segredo, amigas, pois se minha mãe for informada, penso que um dia
pagarei caro esta tentativa
(SÓ
FOCLES.
Eléctra. vv. 463
-
467).
Carlinda Nuñez defende que Electra refugia-se nos cantos, fortalezas onde ela
armazena o ódio, lugares-tenentes da solidão auto-impingida, esconderijos em que recolhe o
ultraje e donde espreita a oportunidade para a revanche (NUÑEZ: 2000, p. 184).
Inserida nessa discussão Luce Giard reconhece na pergunta: Como se criar? (...) a
primeira forma de inversão de perspectiva que fundamenta. A invenção do cotidiano,
deslocando a atenção do consumo supostamente passivo dos produtos recebidos para a
criação anônima, nascida da prática do desvio no uso desses produtos (CERTEAU: 1999, p.
12). É perceber uma possibilidade de futuro entre o dizer e o fazer.
Devemos destacar a manipulação executada pelos praticantes, pois após esta
obs
ervação se pode apreciar a diferença ou a semelhança entre a produção da imagem e a
produção secundária que se esconde nos processos de sua utilização. O modelo ateniense
sofre a manipulação das esposas dos cidadãos abastados gerando uma conduta que pode s
er
ou não o que se esperava. Nos versos da tragédia citados concluímos que a ação de Crisótemis
não foi a aguardada por sua mãe e que Electra consegue, de certa forma, se vingar.
Verificamos, principalmente, que a vivência grupal e também as formas de lin
guagem
facilitavam este desempenho das atenienses gerando uma possibilidade maior de
burlar
o
esquematismo social. As formas de linguagem implicavam em uma ruptura com o silêncio
contido no modelo ideal e faziam emergir na
pólis
dos atenienses uma dinâmica que não
contemplava o que se desejava.
Podemos citar como algumas dessas táticas os festivais, como
por exemplo os festivais das
Thesmophórias
, das
Panathéneias
e as tarefas domésticas que
eram executadas com outras mulheres. Nestas comemorações e tarefas as relações de gênero
estavam presentes.
Observamos que no cotidiano da pólis a
esposa
bem-
nascida
deveria atuar de acordo
com o ideal cultural ateniense, exclusivamente no interior do
oîkos
. Este modelo está
relacionado com a abelha-mélissa. Suas características são enfatizadas pelo filólogo Marcel
Detienne. Ele destaca o tipo de vida puro e casto, ou seja vida sexual bastante discreta,
hostilidades aos odores, à sedução e a fidelidade conjugal (DETIENNE: 1976, pp. 55-56). A
documentação textual, nos fornece uma quantidade significativa de referências que atuam no
sentido de reafirmar o modelo ideal de comportamento feminino.
Na
Odisséia
além de termos referências ao modelo, como mencionamos
anteriormente, também temos uma ruptura ao próprio modelo. Penélope utiliza uma atividade
28
essencialmente feminina, a tecelagem, para retardar uma resposta aos seus pretendentes. O
uso da tática se faz presente na ação de Penélope. Durante o dia tece um manto e à noite
desfaz. Tecer era uma comportamento correto e desmanchar era um comportamento fora da
regra ou inconveniente. Mas quando o quarto chegou, das sazões no decurso do estilo, fez-
nos saber a artimanha uma escrava de tudo inteirada. Dessa maneira a apanhamos, que o belo
tecido desfazia, tendo-se visto obrigada a acabar o trabalho, por força (HOMERO.
Odisséia
.
II, 107
-
110).
Silvia Damasceno, ao abordar a dimensão temporal na poesia grega, destaca a
personagem Penélope. Segundo Damasceno, Penélope inicialmente tece com palavras a teia
do engano vários caminhos do tempo esperando a volta de Odisseus. Quando fica difícil
dominá-
lo ela passa a tecer, no sentido do próprio termo, conferindo a si o direito e o poder de
manter intacto o fio da vida. A autora destaca que Desde a Grécia até o presente, poetas de
todas as épocas sempre expressaram a angústia do ser humano ante a marcha do tempo
(DAMASCENO: 2001, pp. 363-
365).
O teatro antigo também nos fornece informações concernentes à linguagem feminina
relatando oportunidades que as esposas usufruíam para lançarem mão de táticas.
Compartilhamos com os pesquisadores acerca do teatro grego que a sociedade se faz
representar nas peças teatrais, que através delas, os gregos, analisam e levantam questões de
seu próprio cotidiano e refletem sobre ele. Para James Redfield, um tema que os trágicos e os
comediógrafos lançam mão é a ameaça do poder feminino, um perigo de que os cidadãos
percam o controle sobre as mulheres. Quer em sentido trágico quer em sentido cômico, o
poder feminino é sempre tratado como uma perturbação da ordem natural das coisas,
provocada ao mesmo tempo pela loucura e pela fraqueza dos homens (REDFIELD: 1994, p.
153).
Esta preocupação de Redfield nos faz refletir sobre o Festival das
Thesmophórias,
objeto de reflexão do comediógrafo Aristófanes. Além de abordar o próprio ritual festivo em
homenagem as deusas Deméter
10
e Perséfone
11
, ele enfatiza as relações grupais, a fala
feminina e aponta indícios de desvios ao modelo
mélissa
.
Nesta peça de Aristófanes, especialmente, nos deparamos com esta diversidade no que
diz respeito à comunicação, às relações de gênero e ao corpo como anunciador de um
discurso. Por intermédio de suas personagens, o comediógrafo diversas vezes enfatiza a fala
10
Filha de Cronus e Rhea. Deusa da terra, da vegetação e da fertilidade em geral, principalmente do cereal. Deméter gerou
Perséphone.
11
Filha de Zeus e Deméter. Era a deusa da morte e do m
undo subterrâneo.
29
feminina destacando-a, ou seja, elogiando a fala de uma das personagens como podemos
verificar nos seguintes versos: Nunca ouvi mulher mais engenhosa do que esta, nem mais
hábil ( ) a falar ( ) . Tudo que ela diz é justo. Examinou todos os aspectos
da questão, ponderou tudo e, com inteligência, soube encontrar argumentos sutis, bem
arquitetados (ARISTÓFANES. As mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 435-
440).
Esta festa, era uma ocasião que as esposas possuíam liberdade de expressão, onde
tradicionalmente tinham a oportunidade de dialogar livremente e trocar impressões, já que era
um ritual onde as esposas legítimas participavam. As esposas usufruíam de um momento
que fazia parte das programações atenienses e, a partir deste, criavam um espaço
especificamente feminino para trocar, planejar, enfim, ag
ir taticamente.
Burke ao abordar a linguagem afirma que os historiadores passaram a reconhecer a
necessidade de seu estudo. Ele defende que as reflexões sobre a linguagem devem ser vistas
como parte da cultura e da vida cotidiana (BURKE: 1995, p. 9). De acordo com o
pesquisador, a linguagem é um instrumento em potencial nas mãos da classe dominante, um
instrumento que pode ser empregado tanto para mistificar ou controlar quanto para comunicar
(BURKE: 1995, p. 13).
Além dos momentos de fala, comprovamos que na comédia destaque para o
registro escrito
12
, para os espaços que tratam da união das mulheres com outras mulheres e
com o que o autor considera como afeminado. No que diz respeito à união entre as mulheres,
o comediógrafo nos remete a uma situação interessante, através da personagem do Parente de
Eurípides quando este está disfarçado de mulher. Neste momento, seu discurso é de mulher e
ele lança mão justamente da união entre as mulheres para se aproximar delas e defender seu
parente.
Uma das formas de
ocupação do espaço público pelas esposas era através dos festivais
e, neste, a circulação das informações se fazia presente. Observamos que as esposas dos
cidadãos atenienses criaram um lugar social que era eminentemente delas, nos reportando à
ocupação d
a
agorá
( ) pelos cidadãos. O espaço público, de acordo com Sian Lewis, por
excelência era a
agorá
, o centro da
pólis
, o local onde as informações circulavam com maior
12
Primeira Mulher
Era isto que eu queria dizer publicamente. O resto vou escrevê-lo aqui com a secretária (ARISTÓFANES.As mulheres que
celebram as Thesmophórias
. vv. 433
-
435).
Além desta preocupação na comédia. Outro exemplo encontra-
se
na tragédia de Eurípides
Hipólito
. Fedra deixa registrado
em uma plaqueta, antes se enforcar, a causa de sua morte e seu registro vale mais do que a palavra de Hipólito.
Teseu
Comove-me a visão da marca que este anel deixou aqui, mas tenho pressa em remover o fecho da mensagem e ler as
palavras (Eurípides.
Hipólito
. vv. 942
-
944).
30
visibilidade, e as ações seriam observadas por outros (LEWIS: 1996, p. 14). Os cidadãos
atu
avam neste espaço cotidianamente.
A linguagem feminina circulava na
agorá
, neste espaço que os homens estavam
presentes. As mulheres também demarcaram, mesmo de forma menos intensa, seu espaço
através da comunicação neste local que era oficialmente dos homens. Elas também marcaram
sua identidade através da alteridade, neste caso, os homens.
Assim, podemos verificar na comédia de Aristófanes em análise, a extensão dos
processos de comunicação das mulheres através da atuação das personagens e das
falas
que o
comediógrafo criou para elas. Percebemos que as mulheres tiveram, no decorrer da peça,
vários espaços para expor suas idéias, trocar opiniões e deixar registrado suas considerações.
Apreendemos que o comediógrafo concede, nesta obra, destaque aos laços de amizade
entre as escravas e as esposas. que as escravas circulavam com mais freqüência no espaço
público, ou seja, a mobilidade delas em permear este espaço era maior do que a flexibilidade
que as esposas dos cidadãos possuíam, principalmente as
bem
-n
ascidas
. Compreendemos que
as esposas utilizavam as escravas como elo entre elas, pois conseguiam fazer circular suas
idéias e mantinham-se interadas na
koinonía
. Dessa forma, as escravas teriam um papel na
trama
feminina.
O cotidiano da sociedade ateniense clássica não era apenas caracterizado pela
oralidade, a escrita também permeava este dia-a-dia. O interesse de Aristófanes em salientar
na comédia estudada a preocupação das esposas com o registro indica que essas mulheres não
estavam tão alheias aos rumos da
pólis
. Acreditamos que elas, no decorrer de suas vidas,
registraram suas opiniões, suas idéias através, principalmente, da linguagem não-verbal, ou
seja, dos gestos, da tecelagem, da roupa, da dança e dos bordados nos tecidos, fazendo da
linguagem nã
o-
verbal uma tática de atuação, como apontaremos nos capítulos seguintes.
Percebemos uma preocupação não com a escrita. Em alguns versos que compõem a
obra, o autor por intermédio do coro destacou as habilidades das mulheres ao falar, denotando
a existência de uma prática. Aristófanes, através do documento, enfatiza que havia uma
experiência, pois nos discursos as personagens são caracterizadas por usar com sucesso a
persuasão, utilizar argumentos sutis, bem arquitetados, como os oradores.
Nessa gama co
municacional o autor prioriza com abundância a fala. Detectamos que
o
dizer
( ), o falar ( ) e a discussão ( ) estão presentes, com grande
destaque na obra. O poeta revela, nos versos, a fala feminina e de que forma elas se
31
articulavam. É valioso destacar a abordagem da dança
13
. A presença desta no ritual denota a
interação das esposas ao dançar, a sincronia nos passos, a questão rítmica. Essa sincronia
existente na dança e que está inserida na comédia nos remete ao entrosamento das esposas no
cotidiano. Sincronia implica em diálogo, em comunicação e integração. Nos remetendo ao
corpo que fala
.
Luiz Garcia Iglésias em La Mujer y la Pólis Griega enfatiza a presença da mulher na
vida pública de forma indireta. Para Iglésias, esta presença pode ser observada na política,
quando as esposas emitiam opiniões que tinham peso nas decisões que seus esposos tomavam
na Assembléia (IGLESIAS: 1986, p. 108). Assim, neste artigo, o autor aborda a transgressão,
mesmo que de forma indireta, ao modelo construído pela sociedade dos atenienses.
Verificamos que a fala feminina, mesmo de forma indireta, possuía grande relevância, saindo
do espaço privado e atingindo o espaço público presente na
pólis.
No que se refere à comunicação na obra, defendemos que Aristófanes lança mão das
palavras: silêncio ( ), calar para depreciar o silêncio ( ) que era almejado pela
sociedade masculinizada ateniense como virtude das esposas. E, para indicar que o silêncio
( ) era um artifício utilizado pelas mulheres no decorrer da comunicação. O autor, em
alguns versos, contrasta o silêncio com uma fala. A linguagem se completa no ato em que um
se silencia para ouvir o que o outro tem a dizer. Silêncio ( )! Calem-se! Atenção! está
a pigarrear como fazem os oradores. Grandes coisas tem para dizer, com certeza
(ARISTÓFANES.
As mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 381-383). Concebemos
que o silêncio pode ser entendido de duas formas: quando se cala e se aceita a imposição e
simplesmente quando se cala, ma
s através deste silêncio há indícios de uma não aceitação.
O silêncio, sempre que possível, era ratificado pelos cidadãos, pois fazia parte do
modelo mélissa, como podemos verificar na oração atribuída a Péricles por Tucídides. Nesta
vemos o destaque do papel que as mulheres deveriam desempenhar na
pólis
, quando declara
que sua glória será maior quanto menos se falar dela e quanto mais fiel a sua
phýsis
permanecer
14
. Para fugir do silêncio imposto pela virtude do não falar, as mulheres
desenvolveram outras
formas de comunicação.
Concluímos que, as esposas dos cidadãos atenienses abastados diluíram as margens do
modelo ideal de esposa ao transgredir parcialmente uma de suas virtudes, o silêncio. A
13
Coro
Vamos, avancem com o ligeiro, façam a roda, dêem as mãos, marquem todas o ritmo da dança sagrada
(ARISTÓFANES.
As mulheres que celebram as Thesmophórias
. vv. 955
-95
6).
14
Se tenho de falar também das virtudes femininas, (...) resumirei tudo num breve conselho: será grande a vossa glória se
vos mantiverdes fiéis à vossa natureza, e grande também será a glória daquelas de quem menos se falar, seja pelas virtudes,
seja
pelos defeitos
(TUCÍDIDES. II, 45).
32
extensão de sua comunicação rompia os padrões estabelecidos e, se apresentava na dinâmica
da
pólis
, na
koinonía
, logo há comunicação. Atenas
não
fala
com uma só voz.
1.3. A integração dos grupos de esposas na
pólis
Objetivamos demonstrar, neste estudo, que os grupos sociais nos quais as esposas
estavam inseridas faziam parte da dinâmica da
pólis
, que neles elas criavam espaços de
atuação diluindo o modelo mélissa e que a convivência, por intermédio do contato com o
outro
, influía na formação e na reafirmação de identidade e nos laços de amizade.
Nesta perspectiva, o trato diário possibilitava às esposas atenienses uma maior
mobilidade social, visto que, de acordo com o modelo ideal, não estaria reservado às esposas
abastadas um desempenho em grandes proporções no espaço público. Dessa forma, o campo
de ação das b
em
-nascidas estava direcionado para o espaço interno do
oîkos
, o privado e o
cotidiano, enquanto que as menos abastadas e as escravas usufruíam de um raio mais extenso,
pois elas trabalhavam como amas, parteiras, circulavam no espaço externo, etc, para aju
dar no
sustento familiar. Sobre as
mélissai
estava depositada uma cobrança mais efetiva em relação
ao modelo
mélissa
. Na tragédia
Hipólito
, de Eurípides, esta questão se faz presente por
intermédio da fala do próprio protagonista. De fato, vêem-se mulheres pervertidas tecendo
na intimidade planos pérfidos que são levados para fora por criadas (EURIPIDES.
Hipólito
.
vv. 696
-
698).
Quanto a esta questão, defendemos que, as esposas abastadas agiam no interior da
sociedade dos atenienses, ou seja, nos espaços público e privado, exercendo suas tarefas na
koinonía
. Almejando uma compreensão desses dois espaços de vivência dos atenienses
lançamos mão da definição elaborada por Neyde Theml. A historiadora concebe a construção
e concepção destes dois espaços com a seguinte significação: o público era compartilhado por
todos e a participação dos cidadãos neste espaço estava contida na lei. o privado, era um
espaço restrito aos membros da família ou aos grupos formados por laços de amizade
philía
15
(THEML: 1998, p. 22). Tais definições nos permitem, neste contexto, entender o
público como a
pólis
e o privado como o
oîkos
.
15
(...) no primeiro caso, um espaço comum a todos, que o deveria ser privilégio de ninguém e onde a participação ativa
dos cidadãos era recomendada ideologicamente por lei e, no último caso, um espaço privado que não tinha de ser partilhado
por ninguém mais, além dos membros da família ou dos grupos formados por laços de amizade (
philía
)
(THEML: 1998, p.
22).
33
Estas concepções de espaços se fazem pertinentes na medida em que os grupos por nós
estudados, eram constituídos por mulheres que cotidianamente ocupavam as duas esferas.
Esta relação possibilitava às esposas uma extensão na atuação que ultrapassava o
microcosmos destinado à elas no cotidiano. A dinâmica grupal na qual as esposas se
encontravam inclusas proporcionava à elas convivência, partilha, modificações nos agentes
sociais e a formação de identidade e de laços de amizade.
Verificamos que, essas experiências não ficaram encerradas nos grupos de esposas,
mas constituíram representações simbólicas no interior da
koinonía
. que os escritores,
trag
ediógrafos, comediógrafos e pintores por intermédio dos textos, das realizações teatrais, e
das representações nos vasos, inseriram esta temática também em suas produções deixando
registros desta prática grupal.
Observamos, através da análise da documentação textual, da imagética e da cultura
material que as esposas dos cidadãos atenienses abastados passavam a maior parte do tempo
em grupos, ou seja, junto de suas escravas, amigas, vizinhas ou com mulheres que estavam
ligadas à elas por grau de parentesco. Para Vernant, os laços afetivos do dia-a-dia são
fundamentais que, quando comemos, bebemos e rimos juntos, e fazemos também coisas
graves e sérias, essa cumplicidade cria laços afetivos tais que sentimos nossa existência
como plena na e pela proximidade do outro . De acordo com o autor não existe comunidade
sem
philía
, sem a existência de algo comum entre o
outro
e nós (VERNANT: 2001, pp. 29-
31).
Se compararmos esta concepção de Vernant com a tragédia
Hipólito
, este repartir de
coisas graves e sérias está presente, quando Fedra dialoga com a ama e confessa que está
amando e que sofre. Segundo a ama nada é mais doce e mais amargo que o amor e Fedra
declara que conhece dele apenas o amargor
16
. Esta afinidade entre ambas nos remete à relação
de amizade comentada por Vernant. Amizade que envolve além do segredo, a divisão de
tristeza e o próprio tratamento entre elas, como por exemplo a ama se dirigindo à Fedra como
filha ( ).
Se a
philía
implica em troca igualitária, em tornar um grupo homogê
neo, não podemos
deixar de destacar que mesmo nestes grupos, como o das atenienses, existia a idéia de
16
Fedra
Que será isso que todos chamam de amor?
Ama
Nada é mais doce e também mais amargo, filha.
Fedra
Poi
s eu conheço dele apenas o amargor
(EURÍPIDES.
Hipólito
. vv. 361
-
363).
34
competição e também de uma diferença de
status
. Algumas pareciam mais informadas que
outras, ocupavam uma determinada posição social e outras não. A que
stão está em aceitar, ao
mesmo tempo, uma posição de dirigente e relações de igualdade. Ao nos direcionarmos mais
uma vez à tragédia mencionada temos uma relação de troca e, ao mesmo tempo, percebemos
que as personagens pertenciam a segmentos diferenciados na sociedade ateniense: uma
mulher que estava inserida em um segmento menos abastado, neste caso, a ama e a esposa
bem
-
nascida
.
na homogeneidade grupal uma pluralidade interna, que perpassa o tecido pessoal
de cada indivíduo. Xenofonte, no
Oikonomikós
, sinaliza que nesses grupos as mulheres não
ocupavam as mesmas posições, ou seja, os grupos poderiam conter esposas
bem
-
nascidas,
esposas pobres e escravas. (...) Aconselhei-lhe a que não ficasse continuamente sentada
como as escravas mas que se esforçasse, como boa dona de casa e com a ajuda dos deuses,
por ficar de pé diante da tela para ensinar o que melhor sabia ou aprender o que sabia menos;
(...) (XENOFONTE.
Oikonomikós
. X, 10). Temos nestes grupos as que têm a função de
gerenciar o
oîkos
, as que trabalham neste, mas que pertencem à outra família, objetivando
ajudar no sustento do seu lar e, finalmente as escravas.
Enfatizamos, dessa maneira, que a amizade é transformadora. Esta relação entre as
atenienses envolvia afinidades e implicava na produção de identidades. Defendemos que as
atenienses estavam em processo de formação contínuo e que a identidade é compreendida
como algo não acabado, mas que se modifica na medida em que elas estavam em contato com
os outros. Na tragédia
Hipólito
observamos esta relação de amizade e cumplicidade entre a
ama e Fedra Se o mal de que padeces não pode ser dito, somos mulheres e queremos ajudar-
te (EURIPIDES.
Hipólito. vv. 302
-
303).
Kathryn Woodward sinaliza que existe na vida moderna uma diversidade de posições
qu
e nos estão disponíveis. Temos uma série de escolhas e de posições que podemos ocupar ou
não. A complexidade da vida moderna exige que assumamos diferentes identidades, mas
essas diferentes identidades podem estar em conflito. Podemos viver, em nossas vid
as
pessoais, tensões entre nossas diferentes identidades (WOODWARD: 2000, pp. 31-
32).
Apesar de termos na modernidade este leque de posições amplo e diversificado que
nos faz pensar sobre a questão da identidade, também podemos refletir quanto à constitu
ição
de relações de identidade na Antigüidade. No cotidiano ateniense as esposas
bem
-nascidas
integravam vários grupos e como sinalizamos, esta atuação nos grupos beneficiavam a
formação de identidade e a fluidez da mesma. Stuart Hall concebe que A identidade é
realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo
35
inato, existente na consciência no momento do nascimento. (...). Ela permanece sempre
incompleta, está sempre
em processo
, sempre sendo formada (HALL: 2002, p. 38
grifo do
autor).
Assim, entendemos que não devemos conceber a identidade como algo acabado, mas
-la como um processo em formação contínua. Compartilhamos com Hall que a identidade
não está fixada apenas na diferença binária
nós/eles
. O autor se posiciona destacando que
apesar de ser construída através da diferença, o significado não é fixo, completo; enfatizando
a fluidez da identidade (WOODWARD: 2000, p. 28).
Cabe, neste momento, ressaltar o lugar social das relações de parentesco, pois são
est
as reforçadoras de nossa identidade, isto porque, quando reencontramos os familiares
reconstruímos a nós mesmos (VERNANT: 2001, p. 33). O tornar a ver das
mélissai
com as
familiares proporcionava também a possibilidade de constituição da identidade. Woodwa
rd
destaca que a redescoberta do passado é parte do processo de construção de identidade
(WOODWARD: 2000, p. 12).
Augé relaciona a identidade individual aos ritos que acompanham o nascimento, a
morte, as enfermidades, mas se vinculam aos ritos conjunturais (AUGÉ: 1999, p. 69). Nesta
questão, as práticas rituais foram destacadas pelos etnólogos. Elas são consagradas à
identificação de cada pessoa singular e à colocação em perspectiva recíproca do si mesmo e
do
outro
. Através da prática ritual observamos um questionamento do mundo, do social, do
ser individual e relacional, podendo ainda os rituais serem entendidos como parte integrante
da vida política coletiva, mas que comportam ações individuais, constituem uma época na
vida de um indivíduo (AUGÉ: 1999, pp. 44
-
45).
Ao pesquisar sobre a diferença, Woodward afirma que as identidades são fabricadas
por meio da marcação da diferença (WOODWARD: 2000, p. 39). Lançando mão dos
estudos de Durkheim para discorrer sobre os sistemas de classificação que dão ordem à vida
social, enfatiza que na argumentação do autor os sistemas de classificação dão ordem à vida
social, sendo afirmados nas falas e nos rituais (WOODWARD: 2000, p. 40). Logo, as
relações sociais são produzidas e reproduzidas por intermédio dos rituais
e símbolos.
Nestes rituais coletivos e em outras ações em grupos, as esposas podiam trocar
informações que eram vivenciadas por elas no cotidiano e direcioná-las segundo os seus
objetivos. Através da comunicação, seja em grupos para as práticas rituais ou com objetivos
diferentes, as esposas
burlavam
o modelo
mélissa
, pois as informações ultrapassavam a
dualidade binária espacial estabelecida pela sociedade dos atenienses, ou seja, homem/externo
36
e mulher/interno. Além de apontarem indícios de uma interação com a pólis e de colocar em
xeque uma das virtudes conferidas à essas mulheres, como por exemplo, o silêncio.
Inserida na discussão referente às ações grupais, Sarah Pomeroy enfatiza o modelo
mélissa
. De acordo com este modelo, as esposas legítimas deveriam se preocupar com a
supervisão do
oîkos
, (POMEROY: 1987, p. 90), mas destaca os laços de amizade entre elas e
suas escravas. Essa afinidade entre ambas é de grande relevância em nossa pesquisa, pois as
informações que certamente surgiam desses diálogos e que eram compartilhadas por elas
poderiam ter um alcance maior, na medida que as escravas detinham maior flexibilidade para
circular no espaço público. De acordo com Pomeroy, a intimidade posta nas inscrições das
tumbas de senhoras e escravas implicavam um certo laço entre mulheres livres e não livres,
pois passam muito tempo de suas vidas juntas e suas vidas não eram tão diferentes
(POMEROY: 1987, p. 89).
Mesmo não tendo a necessidade de executar diretamente as atividades domésticas,
que as esposas ab
astadas
detinham várias escravas, verificamos, inclusive através da
documentação textual, que elas recebiam recomendações para participar dessas tarefas. Por
meio destas, estariam se exercitando, cuidando de sua saúde, tornando seu corpo mais
resistente para o parto. Dessa maneira, elas deveriam o ficar o tempo todo sentadas, seria
bom molhar e amassar a farinha, bater e recolher as vestimentas e os cobertores, pois estes
exercícios lhes dariam melhor saúde
17
(XENOFONTE.
Oikonomikós
. X, 11).
Acreditamos que esta passagem de Xenofonte nos remete à culinária, à fiação e à
tecelagem que são atividades essencialmente femininas, envolvendo produção, coletividade e
onde a esposa não se fazia presente somente para supervisionar, mas para participar das etapas
de
transformação dos alimentos e da em produtos. Woodward
lança
mão das idéias
defendidas por Lévi-Strauss para valorizar o alimento na construção de identidades e a
mediação de cultura na transformação do natural. As mulheres atenienses através de sua
atu
ação na execução das tarefas cotidianas transformavam o cru em cozido. Strauss defende
que a comida não é apenas boa para comer, mas também boa para pensar (...) o ato de
cozinhar representa a típica transformação da natureza em cultura (WOODWARD: 2000,
p.
44
grifo da autora).
Fiar, tecer as roupas e cozinhar significavam transformar (metaforicamente e
literalmente) o cru em cozido e eram tarefas exclusivas das mulheres (BUXTON: 1996, p.
17
Disse-lhe que seria bom exercício molhar e amassar a farinha, bater e arrecadar as vestimentas e os cobertores
(XENOFONTE.
Oikonomikós. X, 11).
37
133). Estas atividades exigem uma aprendizagem técnica, uma
téchne
. Em Vernant o termo
aplica
-se (...) a certas tarefas femininas que exigem experiência e habilidade, como a
tecelagem (VERNANT: 1989, p. 42).
Destacando a integração das mulheres, Claude Mossé em La mujer en la Grécia
Clasica
, aborda o feminino dando ênfase à historiografia tradicional, pois de acordo com a
autora, a mulher legítima,
gyné
( ), deveria se restringir às suas funções tais como:
conceber filhos e ocupar-se do cuidado do
oîkos
. A ateniense de boa família nele vivia,
rodeada de escravos e saía para cumprir seus deveres religiosos (MOSSÉ: 1990, pp. 60-
65). Observamos que Mossé atua neste campo historiográfico contemplando o modelo
tradicional, não problematizando o assunto que pretendemos abordar, ou seja, ausentando
indícios de desvios do modelo idealizado pela sociedade dos atenienses, mas defende a idéia
de proximidade entre as esposas e escravas no cotidiano. Concebemos que essa relação
envolve o diálogo, a troca de idéias, descartando o silêncio como ausência de comunicação.
Inserido nesta discussão acerca do silêncio, Burke ao destacá-lo como uma forma de
linguagem, af
irma que manter o silêncio é em si um ato de comunicação
(BURKE: 1995, p.
162). Ele também chama nossa atenção para as variedades do silêncio, ressaltando ser
essencial levarmos em conta os diferentes
usos
do silêncio, suas funções e estratégias
(BURKE:
1995, p. 163).
A linguagem entre as atenienses é favorecida pela proximidade destas por intermédio
da convivência em grupos e das relações de
philía
. Bernard Legras quando se refere ao
ensinamento familiar e privado, afirma que a jovem ateniense é formada por sua mãe e que
ela está junta de outras mulheres, as parentes, as vizinhas e as escravas, destacando que as
jovens atenienses aprendem, como outras jovens gregas, a música instrumental, o canto coral
e a dança (LEGRAS: 1998, p. 78). Essa convivência foi representada pelos pintores como
podemos verificar no próximo vaso:
38
Figura 3
Fiação
3a
3b
3c 3d
3e
3f 3g
3h
39
3i
3j
Localização:
Paris, Louvre CA 587. Temática: Tarefas domésticas (tecelagem e outras). Proveniência: Atenas. Forma:
Pýxis.
Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Centauromachy. Data: 450. Indicação Bibliográfica: LISSARRAGUE: 1998, p. 162, fig.
16
a e 16 b. VERNANT: 1984, p. 97, fig. 140; LESSA: 2004, p. 42,
www.perseus.tufts.edu
.
Esta
pýxis proveniente de Atenas, datada de aproximadamente 450, faz parte da
coleção do Museu do Louvre, em Paris.
Das sete personagens presentes nesta pýxis seis vestem
chitón
e
himátion
de cor
es
claras e plissados e uma veste
péplos
18
. A vestimenta da terceira (3b, 3f e 3g) e da sétima
personagem (3b e 3j), da esquerda para a direita, contém decorações em linhas retas. Os
cabelos das personagens estão amarrados, um com tecido,
sákkos
decorado com linhas
pontilhadas (3h) e alguns com fitas largas.
Na representação as personagens denotam sincronia para realizar as atividades. Os
gestos seguem um padrão convencional. Elas evoluem em um mesmo quadro espaço
temporal. Temos na cena os olhares de perfil e frontal. No caso da representação em perfil, o
receptor da mensagem não está convidado a participar da ação, enquanto que na r
epresentação
18
Na imagem vemos da esquerda para
a direita uma mulher sentada em uma cadeira de encosto elevado que está forrada com
um tecido decorado com arco de circunferência (3b e 3g). Ela segura um fuso na mão esquerda. Uma segunda mulher está de
frente para ela segurando um tear manual com a mão direita cujo tecido que está sendo trabalhado não é liso, possui em sua
tecedura detalhes em linhas quebradas (3b e 3e).
A terceira mulher está de costas para a segunda mulher e segura na mão direita um
alabastro
(3b, 3f e 3g). Na sua frente uma
quarta mulher observa o
alabrastro
que está sendo mostrado pela terceira mulher (3b e 3h). Entre estas duas personagens
temos uma caixa com pé. Uma quinta personagem está sentada em uma cadeira observando o tecido que está sendo mostrado
para ela por uma sexta mulher (3b e 3i). Junto as duas mulheres, uma sétima personagem que está em segurando uma
caixa que possui e está aberta. Concebemos que a caixa aberta indica que o tecido foi retirado de dentro dela. Esta
personagem veste um
péplos
decorado com linhas re
tas (3b e 3j).
Na documentação iconográfica os frascos de perfumes ,
alábastra
, são constantes e vinculados às mulheres.
40
frontal o receptor está convidado a participar da ação. Contamos com decorações tanto nas
roupas das personagens como nos travesseiros que estão em cima da cama e nas caixas (3c e
3j).
As imagens analisadas que compõem o nosso
corpus
, além de nos possibilitarem
realizar uma interpretação do cotidiano, da vivência em grupo das mulheres atenienses,
permitem ainda vislumbrar suas vestimentas como suporte de comunicação, pois as
possibilidades de serem esposas estão mais evidentes nestas representações dando-nos a
oportunidade de interpretar como elas se vestiam, que os pintores estão destacando tarefas
destinadas à essas mulheres. Concebemos que as vestimentas eram indicadores de distinção
social entre as mulheres. Seria uma maneira de se comunicarem através do uso de suas roupas
e adereços, como por exemplo, os braceletes, os brincos, os diademas, etc. Essas vestiment
as
eram produzidas por elas, que a tecelagem e a fiação eram tarefas essencialmente das
mulheres e sobre as quais elas possuíam controle.
As atenienses não permaneciam em grupos somente na transmissão de ensinamentos
referentes às tarefas domésticas centradas no
oîkos
. Como sinaliza Mossé, as esposas
possuíam deveres com a pólis e um deles era a participação nos festivais cívicos. Dessa
maneira, na sociedade ateniense as esposas
bem
-
nascidas
tomavam parte de alguns dos
rituais. Defendemos que a presença efetiva nestes era uma forma desta sociedade afirmar a
ordem social. A atuação das esposas dos cidadãos abastados em grupos nos festivais cívicos,
como por exemplo nas
Thesmophórias
19
, é de grande relevância na pesquisa, pois estavam
juntas esposas de todas as partes da
pólis
e no decorrer da reunião coletiva deste ritual existia
a oportunidade de diálogo, onde elas poderiam compartilhar seu cotidiano. Cabe enfatizar que
este festival fazia parte do calendário cívico ateniense e que no decorrer do festival
os
tribunais não funcionavam
20
. O uso do silêncio relacionado às táticas que Burke sinaliza estão
presentes nesta festa religiosa, pois o que era tratado no festival não era externado aos não
participantes
21
.
19
Consistia em três dias próprios e de mais dois festivais relacionados. O festival era realizado com algumas variações locais
em toda
Grécia, à nível das
póleis
e à nível local, mas era todo restrito às mulheres. Em Atenas as mulheres assumiam a
pólis
,
mantinham seus próprios sacrifícios e realizavam uma série de estonteantes rituais (FOXHALL: 1995, p. 103).
No primeiro dia, as mulheres retiravam os restos úmidos dos porcos das cavidades em que estavam sepultados, cobrindo
suas carapaças com sementes. (...). No dia seguinte, jejuavam, para celebrar a morte de Perséfone; (...). A terceira jornada
destinava
-se a recuperação da massa fétida depositada na terra, para que fosse plantada como uma substância sagrada
(SENNETT: 1997, p. 63).
20
Parente
Mas como? Agora que nem os tribunais estão a julgar, nem há reunião do conselho, porque estamos no meio das
Tesmofórias...
(ARISTÓFANES.
As mulhe
res que celebram as Thesmophórias
. vv. 79
-
81).
21
Parente
No entanto, temos de trocar impressões umas com as outras. Estamos sós, nem uma palavra sai daqui (ARISTÓFANES.
As
mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 473
-
474).
41
Concebemos que tal participação era uma forma das esposas se manterem interadas
dos acontecimentos na
ásty
( ) e na khóra ( ). Lin Foxhall destaca que as
Thesmophórias
contavam com as mulheres reunidas em conjunto de todas as partes da pólis.
Acreditamos que esta união consistiria em uma oportunidade para as esposas se socializarem
e manterem relações com seus familiares, principalmente com suas mães e irmãs
(FOXHALL: 1995, p. 106). As festas cívicas femininas se constituíam em locais formadores
de identidades na medida em que elas estavam em contato com outras esposas e reforçavam
os laços estabelecidos anteriormente, pois elas também estavam juntas de seus familiares.
Assim o que era planejado para manter a ordem da vida social também era utilizado, em
contrapartida, para as esposas se articularem, a tática se fazia presente.
As representações acerca da
atuação feminina no espaço externo do
oîkos
contidas nos
vasos áticos mostram que a vida dessas mulheres não se encerrava no gineceu, no espaço
interno. Podemos verificar através da análise da documentação imagética que as mulheres não
foram esquecidas pel
os pintores.
Figura 4
Cena de colheita de frutas
Localização: Coleção Privada. Temática: Colheita de frutas. Proveniência: Não indicada. Forma:
Skýphos.
Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: P. S. Data: 480-470. Indicação Bibliográfica: BEAZLEY: 1971, 353, 1;
BOARDMAN: 1991, 113-114, 205; ROBERTSON: 1992, 136, fig. 139; LESSA: 2001, p. 94 e
CHEVITARESE: 2001, p. 288 n
. 64.
Temos deste vaso as faces 4a e 4b. Na face 4a, podemos observar a imagem de duas
mulheres vestindo
chitón
e
himátio
n de cores claras e plissados, elas estão descalças, seus
cabelos estão amarrados atrás com fitas e possuem uma tiara
22
.
22
A cena é de exterior, pois apresenta signos que possibilitam a confirmação desta afirmação. Estão presentes na imagem:
uma árvore frutífera e um cesto para colocar as frutas. Verificamos a ausência de signos de interioridade.
4a
4b
42
As personagens estão de pé num mesmo plano, uma de cada lado da árvore. A
representação é em perfil, assim como o jogo de olhares está voltado para âmbito interno,
demonstrando compenetração na execução das tarefas. Elas evoluem em um mesmo quadro
espaço
-temporal, denotando certa sincronia para realizar a ação que se desenvolve na cena
23
.
Na face 4b, pressupomos ser as mesmas mulheres, mas
em outra árvore frutífera
24
.
A linguagem feminina foi priorizada pelo pintor na representação através dos gestos,
visto que uma necessidade das personagens se comunicarem objetivando a execução da
tarefa com perfeição. A comunicação fica explícita na cena 4a, pois as personagens
compartilham o mesmo cesto e a mulher da direita vai pôr os frutos que estão em suas mãos
dentro dele. De acordo com Burke as pinturas nos vasos, produzidas no período, podem ser
usadas como fonte no estudo dos gestos, mas sinaliza a dificuldade de se medir a distância
entre os gestos pintados e seus equivalentes na vida diária (BURKE: 2000, p. 97). os
adereços usados pelas personagens representadas, principalmente os diademas denotam,
acreditamos, prestígio social.
Defendem
os a hipótese de que a presença da esposa
bem
-
nascida
na execução de sua
tarefa doméstica principal, a administração do
oîkos,
poderia em alguns momentos,
ultrapassar o espaço interno do mesmo.
Sendo possível a ela não só gerenciar, mas executar as
tarefas
junto de suas escravas e até de outras esposas
bem
-nascidas.
A presença das mulheres em conjunto na imagética também foi contemplada por
François Lissarrague, em seu trabalho A figuração das mulheres. Este especialista se propõe
analisar uma série de docu
mentos imagéticos. O autor chama atenção para a visão masculina,
pois os vasos são produzidos no universo do homem. Lissarrague afirma também que na
maioria das cenas de interior, nos vasos Áticos, as mulheres estão à vista, excluindo somente
as cenas de
banquete (LISSARRAGUE: 1993, p. 241).
Nesse artigo, Lissarrague analisa imagens de mulheres atuando nos âmbitos interno e
externo, concluindo que, na visão dos pintores, o mundo delas não está encerrado no gineceu.
Verificamos, que ao contrário do modelo ideal, as mulheres não permaneciam totalmente
reclusas como aponta o discurso ideológico, elas transitavam no espaço
políade
disseminando
informações que
contribuíam para a urdidura da
koinonía
.
23
A mulher da esquerda segura na mão esquerda um cesto e
na mão direita uma fruta. Já a mulher da direita segura uma fruta
em cada mão. O braço direito desta mulher está estendido, podemos pressupor que ela iria pôr a fruta que está em sua mão
dentro do cesto que a outra mulher segura.
24
A mulher da esquerda segura com a mão esquerda um cesto com alça e na mão direita uma fruta, enquanto a mulher da
direita segura um cesto sem alça com a mão direita e na esquerda uma fruta.
43
Segue, uma imagem contida em um
kráter
de figuras vermelhas onde o pintor
privilegia a participação de mulheres no espaço externo do
oîkos
, a comunicação através dos
gestos e a variação de cor nas vestimentas.
Figura 5
Colheita de Frutas
5c
Localização: New York
The Metropolitan Museum of Ar t
inv. 07.28674. Temática: Colheita de frutas.
Proveniência: Não fornecida. Forma:
Kratér
.
Estilo: Figuras. Vermelhas. Pintor: do pomar. Data: 460. Indicação
Bibliográfica: BEAZLEY: 1963, p. 523. 1; RICHTER: 1936, p. 117; LESSA: 2001, p. 95 e CHE
VITARESE:
2001, pp. 215 e 290 n
. 67.
Nos deteremos nas cenas 5a e 5c. Elas são de exterior, pois não existem signos de
interioridade e temos uma árvore com muitos frutos representada. Próximo a esta árvore
5a
5b
44
temos uma cesta grande, onde estão sendo colocados os frutos retirados da árvore frutífera por
três mulheres.
Das cinco mulheres, quatro serão analisadas de imediato. Elas vestem
chitón
e
himátion
de cores claras e plissados e estão descalças. Duas estão com o cabelo preso com um
coque atrás e fita transpassada, enquanto as outras duas estão com o cabelo solto atrás e
possuem fita amarrada no alto da cabeça. A segunda personagem da esquerda para direita
(cena 5c) tem em sua vestimenta decorações com linhas pontilhadas na manga e na barra do
chitón
.
A q
uinta personagem apresenta características que sobre alguns aspectos se distanciam
das analisadas anteriormente, por isso a estudaremos separadamente
25
. Ela veste um
péplos
plissado de cor escura e está descalça. Seu cabelo está preso para trás com coque e com fitas
transpassadas (5c).
Outro detalhe que consideramos, nesta cena, é o fato da personagem da esquerda estar
segurando uma vara. Esta vara desperta
-
nos um duplo sentido; ela serviria, assim acreditamos,
para derrubar as frutas que estariam no alto e que não seriam alcançadas pelas outras, ou para
denotar poder, comando naquela ação. O bastão é um signo masculino que indica poder e
prestígio. Conjeturamos que o bastão confere à personagem a posição de quem coordena a
atividade. Seria, então, a esposa
bem
-
nascida
com roupa lisa que auxiliada por outras
mulheres, escravas ou não, desenvolviam esta atividade (5a e 5c)
26
. A relação de gênero e o
uso da tática estavam presentes, já que a mulher se apropriava de um objeto, que na sociedade
ateniense era um sí
mbolo de poder masculino, na execução de uma tarefa.
Neste capítulo enfatizamos as relações de gênero que permeavam a vida das
atenienses, as táticas e as ações em grupos que proporcionavam a integração dos grupos de
esposas na
pólis.
No próximo capítulo nos deteremos no estudo das representações do corpo como
suporte de uma mensagem. O corpo é uma ferramenta de análise, pois traz em si as marcas da
sociedade em que foi construído. Segundo Susan Bordo, o corpo, o que comemos, como nos
vestimos, os rituais diários através dos quais cuidamos dele é um agente da cultura
(JAGGAR, ALISON, M. & BORDO: 1997, p. 19).
25
É interessante observarmos nesta quinta personagem, após a análise de suas características, que ela carrega um cesto que
está com frutas, parecendo estar pesado: tudo indica que o pintor almeja querer demonstrar o esforço que ela está fazendo
para carregá
-
lo. A mesma está curvada, diferente das outras que estão de pé. Esta personagem represen
tada na cena apresenta
indícios que nos fazem associá
-
la a uma escrava, devido a sua curvatura e ao
péplos
de cor escura. Estes elementos indicam a
diferença de
status
entre ela e as outras mulheres presentes na imagem.
26
A representação está em perfil, o jogo de seus olhares volta-se para o âmbito da própria cena, demonstrando
compenetração na execução das tarefas. Elas denotam certa sincronia para realizar a tarefa representada na imagem.
45
CAPÍTULO 2
Os corpos que se comunicam
Nossa proposta, neste capítulo, é levantar as possibilidades de comunicação através do
corpo. Procuramos comparar as diferentes maneiras que os agentes sociais abordaram a
questão do corpo, dos gestos, da dança, das roupas e dos bordados na sociedade ateniense
com o intuito de chegarmos às aproximações e distanciamentos.
As pesquisas produzidas acerca do corpo como suporte de uma mensagem têm nos
auxiliado, na medida em que defendem o corpo e as roupas como construções sociais. De
acordo com Rodrigues, o corpo é socialmente composto. Segundo o autor (...) a análise da
representação social do corpo oferece uma das numerosas vias de acesso à estrutura de uma
sociedade particular (RODRIGUES: 1983, p. 44). Esta abordagem sobre o corpo se faz
presente desde a Antigüidade.
Concebemos que o estudo do corpo construído na sociedade dos atenienses se torna
um canal de conhecimento da prática social. Entendemos que se faz necessário ler nas entre
linhas, pois as visões dos corpos atenienses que chegaram até nós foram produzidas, em sua
maioria, pelos homens.
2.1. Corpo e prática social
Objetivamos estudar o corpo como uma via de conhecimento, um canal de
comunicação que possibilitará interpretarmos a prática social d
os atenienses.
Os registros deixados pelos pintores, principalmente, as representações de figuras
vermelhas na cerâmica ática nos fazem vislumbrar as ações do dia-a-dia dos agentes sociais
gregos
27
. Devido a esse destaque, um considerável número de vasos gregos com imagens do
cotidiano chegou aos nossos dias. Essa documentação iconográfica se torna primordial em
nossa pesquisa, visto que, através dela compreendemos como os atenienses construíam seus
27
Temos ciência que as pinturas não eram uma cópia fiel, imparcial da realidade ateniense no Período Clássico, mas
defendemos que os pintores utilizavam elementos de um repertório comum de seu dia
-a-
dia para compor a pintura.
46
corpos e, especificamente o corpo feminino. Pedro Paulo Funari ao refletir sobre as
representações do corpo defende que estas nos remetem a variadas cosmo visões sociais, às
diversificadas facetas de como os segmentos da sociedade compreendem e organizam o
mundo (FUNARI: 2003, p. 167).
Priorizando uma análise comparativa entre a documentação iconográfica e textual
selecionada neste trabalho, verificamos que os agentes sociais possuíam clareza de como
poderiam ou deveriam agir mediante suas posições sociais, a ocasião, seja esta, a participação
em um festival, na execução de uma tarefa doméstica e outros. Compreendemos que um
estudo sobre o corpo feminino ateniense como suporte de comunicação nos permitirá obter
informações sobre os valores e normas enfatizados por esta sociedade, as práticas sociais
permitidas e interditadas, as reiterações ao modelo
mélissa
e as transgressões a este,
principalmente pelo uso de táticas.
A limpidez de como se portar no interior de uma determinada sociedade, neste caso, a
ateniense, atendendo as suas particularidades, também foi divulgada pelo corpo. Neste
sentido, o corpo é construído socialmente por intermédio de processos de imposições sociais
ou opcionais. Partindo deste pressuposto, entendemos que o corpo, no período estudado, foi
mediado pelas práticas sociais atenienses e que era veículo de comunicação, podendo ser
pesquisado através de suas características físicas e de suas indumentárias que foram enfocadas
em suas expressões artísticas. As linguagens do corpo são artificiais, no sentido de que
precisam ser apreendidas.
A coa
ção que cada sociedade exerce sobre seus indivíduos para que estes utilizem seus
corpos de formas específicas e se comuniquem com eles foi reproduzida pelos pintores, pois
os vasos do
corpus
que contém representações que destacam o modelo mélissa têm, em s
ua
maior parte, proveniência ateniense. Diante desta afirmação podemos levantar a hipótese de
que os vasos que continham representações de cenas de interior que exaltavam este modelo
eram consumidos principalmente pela própria sociedade ateniense. Além de apontar indícios
de que o modelo circulava em outros locais fora de Atenas. Os corpos nestas imagens foram
representados sob essa influência, como podemos verificar nesta
kýlix
. Os corpos das
representações femininas na cena estão devidamente vestidos. A fiação e a tecelagem eram
tarefas essencialmente femininas, portanto apreciadas pelos atenienses.
47
Figura 6
-
Homens e o uso de armas
-
Fiação e tecelagem
6a
6b
6c 6d
6e
6f
48
6g
6h
6i
Localização: New York (NY), Market, Christie s. Temática: Face A
Homens e o uso de armas. Face B
-
Fiação
e tecelagem. Proveniência: Atenas. Forma:
Kýlix
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Oedipus. Data: 500-450.
Indicação Bibliográfica: BEAZLEY: 1963, 451.3
; www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive Pottery Search
Number 205374,
www.sikyon.com/Athens/classic/amphre
-
ego4.html
31/07/2
002.
A priori nos deteremos na análise da imagem 6b. Nesta face temos três personagens,
que vestem
chitón
e
himátion
de cores claras e plissados. As vestimentas da primeira
personagem e da segunda da esquerda para direita estão decoradas com linhas retas (6d e 6f).
A vestimenta da terceira personagem é lisa. Os cabelos estão envolvidos com um pedaço de
tecido,
sákkos
. Os tecidos que envolvem os cabelos são decorados com linhas quebradas e
círculos (o primeiro
sákkos
da esquerda para direita, 6c), os outros dois estão decorados com
círculos (6e e 6h). As três personagens
28
possuem braceletes nos braços direito e esquerdo
(6i). O uso de braceletes podem nos remeter ao
status
social de esposa
bem
-
nascida.
No
centro da cena temos uma mulher sentada em uma cadeira, que está forrada com um tecido
decorado com linhas quebradas e linhas pontilhadas (6g).
Os corpos representados nesta imagem (6b) foram construídos, acreditamos, a partir de
um repertório onde a afirmação do modelo mélissa foi priorizada. As personagens estão
devidamente vestidas e adornadas com braceletes, boa parte de seu corpo está coberta e as
vestimentas ou são lisas ou possuem pequenas decorações em linhas retas. A descrição
contida no ideal feminino também estava presente nas roupas representadas pelos pintores em
Atenas. Roupas lisas e com pouca decoração para as mais abastadas com prioridade os
adereços: os braceletes e os
sakkós
decorados.
Esta taça, que era um vaso utilizado para beber, contém em uma das faces uma
atividade que não era exaltada pela sociedade ateniense para uma esposa, principalmente a
bem
-
nascida
. A proveniência deste vaso não é de Atenas, ele provém da Etrúria. Este
28
Duas mulheres estão em pé. A cena é de interior, pois temos a presença de mobília (cadeira), espelho, as colunas e os
próprios instrumentos para cuidar da lã. Podemos observar também que as personagens e os objetos na cena evoluem num
mesmo quadro espaço-temporal. Elas denotam sincronia para realizar as tarefas. Os jogos de olhares estão em perfil, ou seja,
o receptor da mensagem não está convidado a participar da ação. As três personagens estão fiando e seus gestos são
destacados pelo pintor, pois mostram a importância desta atividade.
49
exemplo elucida a hipótese de que os vasos que continham as tarefas que não exaltavam o
modelo mélissa
eram
consumidos, com mais freqüência, fora de Atenas.
Figura 7
Colheita de frutas -
Adorno feminino
-
Cena de interior
7a
7b
Medalhão
7c 7d
7e
7f
7g 7h
7i
50
7j
7l
7m
7n
7o
7p
7q
7s
7r
Localização: Compiègne, Musée Vivenel, 1090. Temática: Face A - Colheita de frutas. Face B
Adorno
Feminino. Medalhão: Cena de Interior. Proveniência: Vulci, Etrúria. Forma: Taça. Estilo: Figuras Vermelhas.
Pintor: Wedding. Data: 475. Indicação Bibliográfica:
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive Pottery Search
Number 211213,
CVA
Musée de Compiègne, Fa
sc. Unique, France 3, s/d, Pl. 17.9, LESSA: 2004, p. 62.
Vislumbramos no vaso duas temáticas que possuem grande relevância neste momento
de nossa pesquisa: a colheita de frutas e o adorno feminino. As duas faces envolvem a
vivência em grupo, a face 7a a comunicação através dos gestos de colher os frutos na árvore
junto com outras mulheres.
Na imagem 7a cinco personagens vestem
chitón
e
himátion
de cores claras e plissados.
Algumas roupas estão decoradas com linhas retas. Os cabelos estão presos com tiaras
e
sákkos
. Elas estão em e em um mesmo plano, denotando sincronia ao realizar as
atividades
29
. A cena é de exterior, pois apresenta signo de exterioridade: a árvore frutífera. Os
cestos são seus instrumentos de trabalho. Todas as personagens estão representadas em perfil,
ou seja, o receptor da mensagem não está convidado a participar da ação.
Na imagem 7b também temos cinco personagens vestindo chitón
e
himátion
de cores
claras e plissados. As roupas estão decoradas com linhas retas, linhas pontilhadas. Esta é uma
cena de adorno feminino, uma personagem está sentada no centro da cena segurando uma flor
e quatro estão de pé. As mulheres que estão ao redor da que está sentada portam um
espelho
30
.
Todas foram representadas em perfil. Quanto à apropriação de e
spaço temos uma personagem
sentada e personagens em pé, a personagem que está sentada possui um descanso para pôr os
pés. A presença da mobília (cadeira de encosto elevado e descanso para os pés) indica que a
cena é de interior.
29
Da esquerda para direita a primeira mulher segura com a mão esquerda um cesto pela alça, ela olha na direção das
mulheres que estão próximas da árvore. A segunda personagem esta colhendo frutos da árvore com a mão esquerda e com a
mão direita segura um cesto pela alça. Do outro lado da árvore temos outra personagem que segura com as duas mãos seu
próprio
himátion
para pôr os frutos, a vestimenta se tornou um receptáculo para os frutos. A quarta mulher e a quinta estão
uma de frente para outra, concebemos que estão se comunicando. A quinta personagem gesticula com a mão esquerda para a
quarta mulher e com a mão direita segura um cesto pela alça.
30
A quarta mulher da esquerda para direita segura com a mão direita um espelho na direção da quinta mulher.
51
No medalhão duas personagens foram representadas
31
. Elas vestem
chitón
e
himátion
de cores claras e plissados. As roupas estão decoradas com linhas retas. Seus cabelos estão
presos com fita e
sákkos.
Nas cenas foram priorizadas, pelo pintor, a atuação das mulheres no exterior do
kos,
o adorno feminino envolvendo objetos que na documentação textual são depreciados pelos
cidadãos para uma esposa
bem
-
nascida
, como por exemplo, o espelho, os frascos de perfumes
e as flores que também remetem aos perfumes. Na documentação textual encon
tramos
referências repudiando a vaidade das mulheres Pois, pelo que me diz respeito, mulher, (...),
fica certa de que não prefiro a alvaidade e o carmim à tua cútis natural (XENOFONTE.
Oikonomikós
. X, 7).
No medalhão a cena representa a atuação das mulheres no interior. Defendemos que a
circulação dos vasos, cuja mensagem valorizava a atuação das mulheres no exterior e o uso de
objetos para o adorno que envolvem a sedução, ganharam mais demanda em outras
localidades e não em Atenas. No final deste estudo apresentaremos um quadro comparativo
dos vasos com imagens consumidas em Atenas e imagens consumidas fora desta
pólis.
Incluso na discussão acerca do corpo como veículo de comunicação Porter no seu
trabalho
História do Corpo afirma que Chegamos nus ao mundo, mas logo somos adornados
não apenas com roupas, mas com a roupagem metafórica dos códigos morais, dos tabus, das
proibições e dos sistemas de valores que unem a disciplina aos desejos, a polidez ao
policiamento (PORTER: 1992, p. 325). Percebemos que o corpo e as roupas funcionam
como portadores de mensagens desde o nosso nascimento e que sofremos influências sociais
que foram construídas ao longo dos tempos.
Tais concepções foram legitimadas por intermédio dos discursos tradicionais dos
médicos, filósofos e outros estudiosos. que estes, na Antigüidade, atribuíram à
subordinação das mulheres a sua condição biológica. Porter lançou mão dos dados médicos
em suas pesquisas para abordar esta temática. Segundo o pesquisador, a produção destas
autorida
des dava veracidade na constituição do corpo social. Com sua natureza mais fria e
mais fraca, e sua genitália contida internamente, as mulheres eram essencialmente equipadas
para a criação de filhos, (...). As mulheres eram criaturas privadas, os homens eram públicos
(PORTER: 1992, p. 316). Pela dominação masculina e o que se entende por formas de
31
A personagem que está sentada efetua gestos com as mãos, estando seu olhar voltado para as mãos. A outra personagem
está de pé, com o braço direito levantado, sua mão parece fazer o mesmo gesto das mãos da mulher que está sentada, com a
mão esquerda ela segura um cesto pela alç
a.
52
justificar o discurso social, lidimava-se a subordinação feminina, ao mesmo tempo em que se
procurou neutralizar o feminino.
De acordo com Laqueur, durante ano
s acreditou
-
se que as mulheres possuíam genitália
semelhante a dos homens, mas a mulher internamente e os homens externamente. Utilizando
os estudos efetuados por Nemesios, bispo de Emesa, do século IV d.C. e de Galeno, efetuados
posteriormente, o autor destaca que, na visão dos estudiosos da Antigüidade, as mulheres
eram em sua essência homens, mas eles defendiam que uma falta de calor vital de perfeição
fizera com que as estruturas visíveis no homem externamente ficassem retidas internamente
nas mulheres. Nesse mundo, a vagina é vista como um nis interno, os lábios como o
prepúcio, o útero como o escroto e os ovários como os testículos . Foi somente na segunda
metade do século XVII que os pesquisadores se empenharam em buscar distinções biológicas
entre
homens e mulheres, afirmando que não os sexos são diferentes, como são diferentes
nos aspectos do corpo e da alma, o físico e moral (LAQUEUR: 2001, pp. 16
-
17).
O corpo da mulher, para os médicos, era mais estranho do que o corpo privado de vida
que ele
s não podiam dissecar. Aline Rousselle enfatiza que devido à união das mulheres ao se
ajudarem nos momentos mais difíceis os médicos conheciam pouco sobre elas. As indicações
sobre sua natureza, as doenças e sua esterilidade contidas no Corpo Hipocrático o
riginam
-
se
de confidências feitas por parteiras aos médicos ou pelas próprias mulheres. As mulheres,
geralmente, examinam-se a si mesmas: quando estão com boa saúde ou quando estão se
tratando. Foi uma ciência das mulheres, baseada na observação, que os médicos do Corpo
Hipocrático recolheram (ROUSSELLE: 1984, p. 39).
Segundo Rousselle, a partir da ignorância anatômica, da ignorância fisiológica e da
fantasia, o raciocínio lógico construiu uma ciência masculina do corpo feminino, unindo os
dados recolhidos através dos depoimentos e uma ciência empírica pacientemente acumulada.
Ela destaca a política que os homens exercem sobre o corpo feminino, uma política que se
legitima por meio de uma reflexão médica. Uma política de dois homens: o pai e o marido.
(R
OUSSELLE: 1984, p. 34)
.
Pierre Bourdieu abordando a construção social dos corpos enfatiza que a divisão entre
os sexos está vinculada à normalidade, está na ordem das coisas . Ela se faz presente em
todo o mundo social, nos corpos e nos hábitos dos agentes sociais. Dessa maneira, a divisão
social entre os sexos tende a ser aceita de forma natural, evidente, ganhando validação.
Compartilhamos com Bourdieu que esta é uma divisão pautada na oposição entre o masculino
53
e o feminino e está inserida na divisão das coisas, nas atividades sexuais e outras
(BOURDIEU: 1999, p. 16), como podemos observar no quadro que salienta tal antagonismo:
Quadro 1
Divisão social entre os sexos
32
Masculino
Feminino
alto
baixo
em cima
embaixo
claro
escuro
fora (público)
den
tro (privado)
O culto ao corpo esincluso na manutenção de uma determinada ordem. Ele reage
dentro de aspectos sociais, culturais e outros. Rodrigues se posiciona afirmando que Hoje em
dia existe uma considerável bibliografia antropológica, histórica e sociológica incidindo
diretamente sobre o corpo como fenômeno cultural. (...) o corpo humano é muito menos
biológico do que se pensava
(RODRIGUES: 2003, pp. 86
-
87).
Incluídos nesta visão entendemos que não existe nada que comprove que o homem é
dom
inante e a mulher dominada, o que temos são construções sociais que ganharam
autenticidade no decorrer de nossa existência.
Segundo Rodrigues, Os homens inventam seus corpos, esses híbridos construídos
com adornos e com próteses, com as disciplinas e com treinamentos, (...), com prazeres e
sofrimentos corporais físicos, simbólicos e imaginários (RODRIGUES: 2003, p. 95).
Concebemos que o corpo, na sociedade ateniense, era um canal, ou seja, um veículo
que transportava uma mensagem e que as interações culturais entre os seres humanos
contribuíram significativamente para que as informações compartilhadas pelas mulheres,
principalmente pelas esposas
bem
-
nascidas
, ultrapassassem os espaços sociais vivenciados
por elas e se apresentassem na dinâmica da
koinoní
a.
De acordo com Theml, este veículo e outros como, por exemplo, as roupas, os
adereços, monumentos, artefatos e imagens possuíam códigos específicos que podem ser
entendidos por intermédio de um estudo do conjunto das práticas sociais, da percepção de
mundo da sociedade que o criou. (...) diversas linguagens se entrecruzam numa determinada
32
Para obtenção de mais detalhes consultar THEML: 1998, p. 87.
54
sociedade, (...), e é nesta sincronia comunicacional que se podem encontrar os códigos de
cada linguagem, (...), seu suporte de emissão de mensagens, os seus sentidos, os autores e
para quem se destina às mensagens
(THEML: 2002, p. 11).
Partindo de uma análise da representação social do corpo ateniense, do corpo como
instrumento de comunicação entre os Homens, objetivamos mapear o processo
comunicacional das atenienses. Passaremos à analise das produções de comediógrafos,
trágicos e pintores que priorizaram o corpo feminino.
2.2. As representações dos corpos femininos entre os atenienses
Ao tratarmos das representações dos corpos femininos entre os atenienses pautamos a
nossa análise nas comédias e tragédias, além de selecionarmos, por amostragem, imagens da
cerâmica ática, que contemplam o corpo e também os trabalhos de especialistas
contemporâneos que tratam desta temática. Objetivamos, de maneira comparativa, articular
documentos de naturezas diversificadas e verificar de que forma tais representações se
fizeram presentes no cotidiano. Entendemos que os pintores representaram em suas
produções, entre outros, os corpos das mulheres atenienses.
Inserido nas discussões acerca do corpo, Rodrigues defende que a cultura é como um
mapa que orienta o corpo dos indivíduos em sua vida social. Assim, viver em sociedade é
viver sob a dominação dessa lógica e as pessoas se comportam segundo as exigências dela,
muitas vezes sem que disso tenham consciência. O mundo real é inconscientemente
construído a partir dos códigos da sociedade (RODRIGUES: 1983, pp. 11
-
12).
Lissarrague concebe que a proximidade entre os corpos de homens e mulheres na
Antigüidade pode ser justificada da seguinte forma: as mulheres respeitáveis, em nosso caso,
as esposas
bem
-nascidas não deviam ser vistas nuas, nem se mostrarem nuas. Esta posição
para o autor vai ocasionar um desconhecimento da anatomia feminina. A visão do corpo
feminino é assinalado
pelo modelo anatômico masculino (LISSARRAGUE: 1993, p. 247).
Fábio Lessa refuta esta idéia de Lissarrague defendendo que os corpos atenienses tanto
masculino quanto feminino foram constituídos nas representações seguindo padrões de
proporções aritméticas e geométricas. Dessa forma, a apresentação do corpo humano nos
vasos gregos segue padrões de proporção aritmética e geométrica e um método de
55
composição que aproxima, no nível das representações, o masculino e o feminino (LESSA:
2001, pp. 41-
42).
Na imagem de um
lékythos
33
ático uma cena de toalete feminino que enfatiza o
corpo da mulher encoberto.
Figura 8
Cena de toalete
8a 8b
8c 8d
33
Vaso usado para óleo e ungüentos. Também era usado como uma oferenda ao morto.
56
8e
8f
8g
Localização: Gela - Museo Archeologico Nazionale. Temática: Cena de toalete. Proveniência: Não fornecida.
Forma:
lékythos
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: De Providence. Data: 475. Indicação Bibliográfica: C. V. A.
Museo Archeologico Nazionale di Gela
Fasc. III. Tav. 29 e 30. Filippo Giudice. 1974.
Nela, duas persona
gens
34
femininas vestem chitón
e
himátion
de cores claras e
plissados. A mulher da esquerda possui roupa com decoração: linha reta, seus cabelos estão
presos, usa brincos e ela está efetuando o gesto de pôr a fita no cabelo (8c). A segunda
personagem veste roupa lisa, seus cabelos estão soltos e são curtos (8d). Ela segura na mão
direita um
alábastro
35
e parece estar mostrando-o para a primeira mulher (8d e 8g). Com a
mão esquerda ela segura uma
lamparina
que servia, pressupomos, para a depilação
36
. A
segunda
personagem está usando somente o
chitón
, ficando seu corpo a amostra no tecido
transparente. A representação de um corpo completamente vestido e com adereços e o outro
com a roupa transparente e sem adereços podem ser indício de que as personagens são de
s
tatus
diferenciados: podendo ser da esquerda para direita a esposa
bem
-
nascida
e uma
mulher de segmento inferior que estava ajudando
-
a.
34
As personagens estão de e em um mesmo plano. Elas denotam sincronia ao efetuarem as tarefas. A representação em
perfil das personagens impede a participação dos receptores. Enquanto a primeira personagem efetua o gesto de pôr a fita no
cabelo, a outra personagem tem seu olhar voltado para a ação da primeira. Concebemos que ela estava ajudando nesta ação,
p
restando auxílio, pois o espelho está ausente.
35
Vaso pequeno para perfume ou óleo. Usado pelas mulheres na toalete e nos cultos.
36
A depilação nos remete à sedução. Em
Lisístrata
temos referências do uso da depilação para seduzir os maridos.
Perfeitamente, pelas duas deusas, pois se ficássemos em casa, maquiadas, e se com as curtas túnicas de Amorgos nuas
avançássemos, depiladas em forma de delta, os maridos ficariam com tesão e, ao desejarem nos abraçar nós o
aproximarmos, mas nos afastarmos, sei bem q
ue alianças fariam rapidamente (ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 148
-
154).
57
A segunda mulher, da esquerda para direita, tem os seios mais destacados. a outra
personagem tem o seu corpo coberto com mais uma peça de roupa, apesar das vestimentas o
destaque anatômico dos seios também foi realçado, podendo ser compreendido como
sensualidade. A hipótese de que a mulher que está com o corpo coberto é uma esposa
bem
-
nascida
37
, pode ser levantada, que sua roupa além de estar cobrindo completamente seu
corpo contém detalhes, ou seja, a linha reta, o adereço que está sendo posto em sua cabeça, a
faixa e os brincos. As roupas, os adereços e as jóias serviam, dessa forma, para demarcar
posições sociais.
Em Xenofonte, Iscômaco comenta que sua esposa deveria efetuar as atividades
domésticas junto das escravas visando a preparação do corpo, assim concebemos, para a
melhor concepção de filhos. Mas, apesar da execução das mesmas tarefas ele, enfatiza que seu
corpo mais cuidado e arranjo mais simples serão mais atraentes
38
. O autor em vários
momentos tenta reafirmar o modelo ideal de esposa, sinal de que este não estava sendo
cumprido como se esperava. Os cuidados com o corpo estão sendo enfatizados nesta imagem,
o arranjo mais simples nos remete à idealização almejada que percebemos na roupa da
personagem (roupa com pouca decoração, apenas a linha reta), mas não em seus adereços que
estão em destaque para reafirmar seu
status
social.
Ao nos remetermos à documentação textual concluímos que o teatro antigo nos
fornece informações concernentes à linguagem feminina, às relações de gênero existentes na
Antigüidade e à construção dos corpos como canais condutores de mensagens.
Aristófanes, na comédia As mulheres que celebram as Thesmophórias, trata a
construção do corpo como anunciador de uma mensagem. Primeiro ao tentar, através da
personagem de Eurípides, convencer um poeta, Ágaton, a se disfarçar de mulher e discursar a
seu favor no festival: Para tomar parte na discussão, no meio das mulheres, e, se for preciso,
dizer uma palavra em meu favor (ARISTÓFANES. As mulheres que celebram as
Thesmophórias.
v. 90). O poeta, de acordo com a afirmação do parente de Eurípides, lembra-
lhe uma cortesã famosa, Cirene, que Ágaton faz lembrar por sua postura e trajes
39
. Ágaton se
comunica por intermédio de suas roupas e de seu corpo.
37
Já outros especialistas colocam em xeque o ideal cultural da reclusão feminina como fator de explicação para as
semelhanças físicas entre mulheres e homens nas representações artísticas gregas. A semelhança do corpo em questão pode
ser explicada pelo fato de que a representação do corpo na Grécia Antiga seguia a padrões e proporções aritméticas e
geométricas
38
Até o seu conjunto, comparado ao de uma serva, o seu exterior mais asseado e arranjo mais simples serão mais atraentes,
mormente se é por gosto do próprio que procura agradar e não contra sua vontade (XENOFONTE.
Oikonomikós. X, 12).
39
Parente
Estou cego ou o quê? Cá por mim não vejo aqui nenhum homem! É Cirene que eu vejo (A
RISTÓFANES.
As mulheres que
celebram as Thesmophórias. vv. 97
-
98)
58
Ágaton não concorda em se vestir de mulher, mas deixa-nos uma mensagem relevante
ao afirmar que: É preciso que o poeta atue de acordo com as suas peças, que lhes adapte o
seu tipo de vida. Por exemplo, se fazem peças com mulheres, é preciso que o corpo participe
desta natureza (ARISTÓFANES. As mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 150-
152), compreendemos que o corpo do poeta, neste caso, estará levando uma mensagem e para
que a comunicação se estabeleça se faz necessário a aproximação com as características da
personagem. O corpo, independente de sua representação anatômica, na sociedade ateniense
era um canal de comunicação e continha códigos espe
cíficos desta sociedade.
Como as peças teatrais eram encenadas por homens, os corpos das personagens
deveriam ser compostos para anunciar a mensagem. Quando as personagens femininas eram
encenadas se fazia por imitação. De acordo com a personagem Eurípides, Ágaton possui no
corpo algumas características físicas que lembram as mulheres. Tu pelo contrário, tens um
palminho de cara, és pálido, bem barbeado, com voz de mulher, franzino, uma boa figura
(ARISTÓFANES.
As mulheres que celebram as Thesmophórias.
v
v. 190
-
191). Através destes
versos relacionamos algumas características da anatomia feminina ateniense.
Ágaton não aceita o pedido de Eurípides, mas o parente do tragediógrafo se dispõe a
se disfarçar de mulher e cumprir o planejado. Diante da oferta, se inicia a caracterização do
personagem com atributos femininos, para que ele se tornasse apto a integrar o grupo de
mulheres que participariam das
Thesmophórias
e defender Eurípides. Este momento,
registrado em alguns versos, é de grande relevância que Aristófanes decompõe a
preparação do corpo do Parente desde o início até o fim.
Assim, através dos versos, vislumbramos a composição do corpo que vai ser o suporte
físico da mensagem desde quando este se depila, faz a barba para que sua pele fique macia,
se
m pêlos, para que se aproxime do corpo feminino ateniense: Bom, que se pões à minha
disposição, tira essa roupa. está no chão. Mas o que é que tu me vais fazer? Fazer-te a
barba aqui e queimar-te por baixo (ARISTÓFANES. As mulheres que celebram as
Thesmophórias. vv. 214
-
216)
.
Após as transformações do corpo temos uma personagem com aparência de mulher.
Esta confirmação se faz presente quando se descobre, na comédia, o parente de Eurípides
disfarçado e se questiona como ele conseguiu enganar as mulheres e participar do festival,
como resposta temos mais uma vez a apresentação da constituição do corpo do parente e seu
vestuário Foi Eurípides que o chamuscou e depilou e, quanto ao resto, vestiu-o de mulher
(ARISTÓFANES.
As mulheres que celebram as The
smophórias.
vv. 266-
267).
A parte do
vestuário feminino será abordada posteriormente quando trataremos da roupa como veículo de
59
comunicação. Estas características do corpo feminino também estão presentes em outras
peças teatrais.
Na comédia
Lisístrata
, Aristófanes enfatiza o corpo da Espartana. Nos versos se torna
claro a admiração das não espartanas ao exaltarem a bela cor e o corpo vigoroso da
personagem de Esparta: Ó cara amiga espartana, salve, Lampito. Quanto aparece a tua
beleza, doçura. Como tens bela cor, como é vigoroso o teu corpo. Até um touro degolarias.
(...). Exercito-me no ginásio e pulo batendo o no bumbum. E que bela peça de seios tu
tens (ARISTÓFANES. Lisístrata. vv. 78-83). O diálogo entre Lisístrata e Lampito revela,
além da diferença entre a educação ateniense e a espartana com relação às mulheres, os
resultados dessa educação em seus corpos.
na comédia Assembléia de mulheres, do mesmo autor, o comediógrafo levanta
algumas características do corpo feminino ao tratar do cotidiano das mulheres. A personagem
intitulada Mulher Primeira afirma que tem as axilas mais espessas que um bosque, ela deixou
crescer depois que as mulheres combinaram se disfarçarem de homem para votar na
Assembléia. Ela também aproveitou os momentos em que seu marido estava na
agorá
para
expor
-
se ao sol, denotando a cor clara de sua pele (ARISTÓFANES.
Assembléia de mulheres.
vv. 60
-
65).
Apesar dos cuidados das mulheres ao se exporem ao sol, a pele muito clara levou o
personagem Cremes a pensar que os cidadãos que participavam da Assembléia eram
sapateiros, isto porque estes, devido ao seu ofício, não ficavam expostos ao sol com
freqüência (ARISTÓFANES.
Assembléia de mulheres.
vv. 384
-
385).
Cremes ao relatar a Blépiro o que haviam decidido em Assembléia se refere a um
jovem branco (uma mulher disfarçada de homem) e o compara às mulheres por ter a pele
clara. As outras mulheres que estavam presentes disfarçadas também foram confundidas com
os sapateiros pelo mesmo motivo (ARISTÓFANES.
Assembléia de mulheres. vv. 427
-
432).
Não é somente na comédia que temos referências do corpo feminino. Ao lidarmos com
as tragédias de Eurípides, por exemplo,
Hipólito
, verificamos algumas características do
corpo feminino e da utilização do mesmo como meio de comunicação. O tragediógr
afo
anuncia o sofrimento da personagem Fedra: Erguei meu corpo, servidoras minhas, erguei
minha cabeça! Não me valem as articulações dos membros débeis. Como este véu pesa em
minha cabeça ! Nestes versos verificamos mais uma vez o corpo débil e frágil da
mulher
ateniense, da boa esposa
40
(EURIPIDES.
Hipólito. vv. 196
-
199).
40
No verso 283 também comprovamos esta característica do corpo da ateniense.
Corifeu
60
Na tragédia de Sófocles,
Eléctra
, temos mais uma referência ao corpo feminino. O
autor deprecia o corpo da mulher diante do corpo do homem por intermédio da fala de
Crisótemis, irmã de Eléctra: Não vês que nasceste mulher, não homem? Tua força é menor
do que a de nossos adversários (SÓFOCLES.
Eléctra
. vv. 995-997). Mais uma vez se
evidencia a oposição entre as características dos corpos das mulheres e dos homens.
Seguindo a nossa proposta comparativa, selecionamos o vaso abaixo que contém
representações do corpo feminino.
Figura 9
Adorno feminino
9a
9b
9c
9d
9e
Ela lívida e seu corpo lânguido!
(EURIPIDES.
Hipólito
. v. 283)
61
9f
9g
Localização: Wurzburg, Universitat, Martin von Wagner us., L510. Temática: Face A: Adorno feminino. Face
B: Mulher entre jovens. Proveniência: Não fornecida. Forma:
Pelike
41
. Estilo: Figuras Vermelhas.
Pintor:
Tyszkiewicz P por Beazley. Data: 500
450. Indicação Bibliográfica:
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY
Archive Pottery Search Number 203067; BEAZLEY: 1963, 296.
Nos deteremos na análise da cena 9a, na qual temos três personagens representadas.
As personagens têm os cabelos curtos com fita transpassada e ramos (9c, 9d e 9e). No centro
da cena de adorno feminino temos uma mulher
42
sentada em um banco. Ela veste
chitón
e
uma túnica comprida que cobre seus braços. A personagem da esquerda
43
veste
chitón
e
himátion
, usa brincos como adereços. a personagem da direita veste somente
chitón
e com
a mão direita arruma o cabelo da mulher que está sentada e com a mão esquerda segura um
alábastros
de cor escura. As vestimentas das personagens
44
não possuem decoração, são lisas.
Se temos na cena duas mulheres com o corpo completamente coberto também
verificamos que uma personagem m as suas formas anatômicas destacadas pelo pintor. Sua
roupa transparente deixa seu corpo a amostra. Dessa forma vislumbramos o corpo feminino
ateniense. O espelho na mão da personagem que está sentada pode servir para ela conferir as
ações das outras personagens, aprová
-
las ou não.
Ao confrontarmos informações advindas de documentos textuais desenvolvemos o
seguinte quadro com as características do corpo feminino:
Quadro 2
Características do corpo feminino
41
Era uma variação da
âmphora
. Duas alç
as verticais e corpo largo.
42
Ela está segurando um espelho com a mão esquerda e com a mão direita segura um objeto, seu olhar está voltado para ele
(9d). Esta personagem está entre duas mulheres.
43
Ela segura com as duas mãos um ramo (9a). Concebemos que seja parte do ramo que foi colocado na cabeça da mulher que
está sentada e que sobrou.
44
As mulheres e objetos em cena evoluem num mesmo quadro espaço temporal. As três personagens estão representadas em
perfil, ou seja, o receptor da mensagem não está con
vidado a participar da ação. O pintor destacou a comunicação através dos
gestos, o adorno feminino e o corpo das mulheres.
62
Autores e produções
Versos
Características
Aristófanes: As
mulheres que
celebram as
Thesmophórias
vv. 97-
98/
214
-216
Rosto pequeno, pele clara e sem pêlos, corpo
franzino, pele macia e corpo depilado.
Aristófanes:
Assembléia de
Mulheres
vv. 60-
65/384
-
385/427
-432
Axilas sem pêlos e pele clara.
Eurípides:
Hipólito
vv. 196-199
Corpo débil e frágil.
Sófocles:
Eléctra
v. 997
Corpo fraco, sem forças.
Concluímos que o corpo feminino ateniense foi construído socialmente e que as
produções dos comediógrafos, tragediógrafos e pintores contribuíram para a constituição,
reforço e divulgação do mesmo. Verificamos que esta formação está presente nos gestos, nas
roupas, nos adereços e na dança. Passemos para uma análise dos gestos e da dança ateniense
como meio de comunicação.
2.3. Os gestos e as danças
Os gestos e o tratamento do corpo estão ligados ao estatuto social. Ao lançarmos mão
das comédias e tragédias selecionadas para o nosso estudo, e da iconogr
afia ática cruzamos os
registros deixados e enfocamos a presença de alguns gestos que estavam inseridos na
sociedade grega. Na tragédia
Medéia
a personagem protagonista se comunica com Creonte, o
rei de Corinto. Ela suplica e ratifica o seu pedido através de um gesto. Medéia ajoelha-se e
abraça os joelhos de Creonte. Por teus joelhos e por tua filha, a noiva suplico-te: permite-
me
ficar aqui! (EURIPIDES.
Medéia
. vv. 367
-
368).
Medéia age com astúcia ajoelhando
-
se e suplicando diante do rei Creonte. Sua aç
ão foi
premeditada, que nos versos que se seguem, ela afirma que lisonjeou Creonte para o seu
63
proveito e que seus pedidos foram premeditados.
45
Sua comunicação com o rei ocorre através
da utilização da fala e do gesto de agarrar os joelhos dele e abraçá
-
lo.
Outro gesto importante da peça é a comunicação estabelecida por Medéia com a filha
de Creonte. Visando atingir a noiva de Jasão, Medéia elabora um plano. Ela deseja que a
noiva interseda por seus filhos, para que possam ficar em Corinto. Para tal ela usa de suas
habilidades e prepara uma armadilha para a noiva. Na realidade ela utiliza a intersecção como
justificativa para lhe dar uma recompensa pela ajuda. O presente-armadilha chega às mãos da
noiva através de intermediários, os filhos de Medéia e Jasão, que vão levar o presente. A
comunicação se estabelece através de um gesto, quando a noiva põe com suas próprias mãos o
adorno que a levará a morte (...) É importante que ela pegue com as próprias mãos estes
presentes valiosos (EURIPIDES.
Medéia
. vv. 1103-
1104).
46
Medéia fica a par do desenrolar
de seu plano por intermédio do mensageiro.
O Mensageiro conta a Medéia que a senhora que reverenciavam em seu lugar antes de
ver os filhos de Medéia dirigiu a Jasão um olhar cheio de ternura , um gesto
o ol
har
mas
logo, em seguida, desvia o olhar, ocorre uma ruptura na comunicação, pois a presença dos
filhos causava
-
lhe aversão. A noiva ao olhar os adereços não resiste e logo concorda com seu
noivo em colaborar. Em seguida, ela pega os presentes e com suas próprias mãos os utiliza.
Quando a noiva efetua este gesto Medéia consegue realizar parte de seus planos (...). Em
frente a um espelho vestiu o véu, e com o diadema de ouro na cabeça ela compunha o
penteado sorrindo à sua própria imagem refletida (E
URIPIDES.
Medéia
. vv. 1319-1322). O
Mensageiro lhe conta com detalhes: (...). Ela ainda pôde erguer-se e quis correr dali, envolta
em fogo, movendo em todos os sentidos a cabeça no afã de se livrar do adorno flamejante,
mas o diadema não saía do lugar e q
uanto mais a moça agitava a cabeça mais se alastravam as
devoradoras chamas (EURIPIDES.
Medéia
. vv. 1354-1360). As mulheres utilizam os
recursos de sua esfera para se comunicar. Podem se utilizar de uma roupa, de adornos, de
jóias, alimentos e outros. Héc
uba lança mão de seus broches para cegar Poliméstor.
Ao pesquisarmos três tragédias de Eurípides
47
verificamos a comunicação através de
gestos semelhantes ao apresentado do na tragédia
Medéia
. Na tragédia
Hipólito
a Ama aperta
a mão de Fedra e agarra seus joelhos. Que fazes apertando a minha mão. E até os teus
45
Medéia
(...) Estai certas: lisonjeei Creonte para meu proveito e minhas súplicas foram premeditadas. Eu nem lhe falaria se não f
osse
assim, nem minhas mãos o tocariam, (...) (EURÍPIDES.
Medéia. vv. 414
-
417).
46
Medéia
(...) A nova esposa, a infeliz, receberá
coitada!
a perdição dourada; em toda a volta de seus cabelos louros vai pôr;
com suas próprias mãos, aquele adorno qu
e a levará à morte (EURÍPIDES.
Medéia. vv. 1109
-
1114).
47
Medéia
,
Hipólito
e
As Troianas
.
64
joelhos, que o solto mais! (EURIPIDES.
Hipólito
. vv. 339-340). A ruptura nesta
comunicação ocorre quando Fedra implora para que a Ama se afaste e solte suas mãos
48
.
Em
As Troianas, Helena também se ajoelha aos pés de Menelau objetivando
estabelecer uma comunicação
49
. O gesto de abraçar os joelhos do outro se faz presente nas
peças de Eurípides. Concebemos que, se o tragediógrafo lança mão em suas peças com tanta
freqüência é porque este gesto era utilizado cotidianamente pelos agentes sociais que estão
assistindo as peças. Neste sentido, entendemos que as mulheres lançavam mão de um gesto
comum para conseguir o que desejavam. Neste caso, utilizavam-se do gesto de ajoelhar-
se
que pode ser entendido como inferioridade, submissão para se comunicarem e reverterem
favoravelmente para si determinadas situações.
Dentre os gestos que foram destacados pelos pintores analisaremos, nas imagens,
aquele que envolve a estética e a sedução. Nos deteremos no interior desta taça que faz parte
da coleção do Antikenmuseen Berlim. A imagem não era exibida quando este interior estava
repleto de líquido, nos remetendo ao que não deveria ser visto.
Figura 10
Fiação
10a
10b
10c
48
Fedra
Imploro que te afastes!
Solta minhas mãos!
(EURIPIDES.
Hipólito
. vv. 347
-
348)
49
Helena, lançando
-
se aos pés de Menelau
Por teus joelhos que ora abraço,
não me punas por erros inspirados
todos pelos deuses!
(EURIPIDES.
As Troianas
. vv. 1330
-
1332)
65
10d
10e
10 f 10g
66
10h
Referências: Localização: Berlin, Antikenmuseum Berlin, inv. F 2289. Temática: Interior: Fiação. Lados A e B
Komos
. Proveniência: Etrúria, Vulci. Forma: Taça. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Douris. Data: cerca de
480. Indicação Bibliográfica: BEAZLEY.
ARV
2 435 (95); LISSARRAGUE: 1993, p. 253; LESSA: 2004, p.
53;
http://www.perseus.tufts.edu
- 21/04/2004,
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive Pottery Search
Number 205141.
No interior da taça uma cena doméstica
50
onde uma personagem sentada prepara a
enquanto uma outra mulher está na sua frente (10d). As personagens vestem
chitón
e
him
átion
, a vestimenta é lisa, não possuindo decoração. As personagens estão com os cabelos
presos com um
sakkós
decorado com linhas quebradas e círculos (10f e 10g). A personagem
que está sentada usa brincos (10f).
A mulher que está sentada em uma cadeira tem a sua perna direita descoberta apoiada
em um banco. Sobre esta perna ela carda a para a obtenção de um fio mais fino. Ela segura
um fio grosso de vermelha com as suas mãos. Uma cesta está próxima; concebemos que
seja para receber o fio acabado, a outra cesta está em cima de um banco ou cadeira sobre uma
almofada decorada. Sua perna direita não está protegida por um
epínetron
que era o
instrumento utilizado pelas mulheres para cardar o fio
51
deixando a amostra, como na
pýxis
que analisaremos no próx
imo capítulo, despertando nossa atenção para a sedução. Ela tem seu
olhar voltado para a execução da tarefa. A personagem que está de não está participando
diretamente da tarefa. O que nos chama atenção é o seu gesto de segurar seu
chitón
do lado
direit
o com os seus dedos da mão direita. Este gesto nos remete à estética feminina, à
sedução, ao mostrar-se. Lissarrague defende este como um gesto elegante que lembra o da
50
A cena é de interior, pois temos a presença de mobília (cadeiras e banco). Quanto a apropriação de espaço, temos uma
personagem de pé e uma personagem sentada.
Como instrumentos de trabalho temos dois cestos.
Os jogos de olhares
representados na cena estão em perfil, ausentando a participação do receptor.
51
Ele é encaixado entre o joelho e a coxa da fiandeira. Possui uma face superior áspera, em forma de conchas, para eriçar,
amassar a lã e facilitar a mulher puxar, enrolar e correr com o fio que está fiando.
67
noiva erguendo o véu e salienta que lembra bem a preocupação com a estética que é aqui
dominante (LISSARRAGUE: 1993, p. 253).
Verificamos este gesto, que acreditamos estar ligado à estética, à sedução em outras
representações. Selecionamos, por amostragem, mais dois vasos onde observamos a presença
dos mesmos gestos. Primeiro, uma
amphora
e, em seguida, uma
pýxis
.
Figura 11
Mulher avançando para o altar
11a
11b
11c
68
11d
Referências: Localização: British Museum, inv. E 269. Temática: Face A: Jovem guerreiro armado. Face B:
Mulher avançando para o altar. Proveniência: Nola. Forma:
Amphora.
Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Estilo
de pintor de Berlin . Data: século . Indicação Bibliográfica: C. V. A. Great Britain British Museum. Plate 9 e
Plate 10. London. 1927.
Nos deteremos na cena 11b desta
amphora
. Nesta, uma mulher segura com a mão
direita um cântaro para vinho de cor escura e avança em direção ao altar.
Ela veste chitón e uma túnica curta. Sua vestimenta está decorada com linhas retas
(11d). Seus cabelos estão presos por uma tiara e na parte de baixo um prendedor. Ela usa
brincos (11e). Seu olhar em perfil não convida o receptor da mensagem a participar da ação.
Ela segura com a ponta dos dedos da mão esquerda sua vestimenta, efetuando o
mesmo gesto da cena anterior. Este gesto de se mostrar nos remete à estética e à
sedução. Este
mesmo gesto é verificado em alguns suportes de espelhos. O espelho, que era um elemento
ligado à sedução, à vaidade e alguns continham suportes de mulher. No espelho
52
a mulher do
suporte segura sua vestimenta. Associamos que o gesto que se faz presente, neste espelho,
vem comprovar que o mesmo está relacionado ao gesto que as mulheres efetuavam para se
mostrar, se comunicar através da sedução.
52
Localização: Boston, Museum of Fine Arts, Henry Lilie Pierce Fund 98.667. Temática: Espelho com suporte na forma de
uma mulher. Proveniência: Não fornecid
a. Material: Bronze. Data: 460. Indicação Bibliográfica:
www.mta.org
.
69
Buxton enfatiza que um aspecto da seletividade da narrativa mítica, que enfocare
mos
no próximo capítulo, é o perigo de possuir jóias em ouro e espelhos. Os mitos deixam
aparecer o charme latente deste gênero de objetos e coloca em evidência a ameaça que
representava a sedução à luz do dia (Buxton: 1996, p. 143). Na tragédia
Hécuba
, a
protagonista atrai Poliméstor para dentro da tenda usando como artifício suas jóias. Além de
usar as jóias para atraí-lo ela utiliza seu broche para cegá-lo: Por fim, levando sua crueldade
ao cúmulo elas ainda aumentaram minha desventura ao cometer um crime muito mais cruel:
usando os pinos de seus broches, as mulheres, ensandecidas, perfuraram as pupilas de ambos
os meus olhos num banho de sangue
(EURIPIDES.
Hécuba. vv. 1510
-
1515).
Na
pýxis
, nossa próxima imagem, localizada no British Museum vários e
lementos
que nos remetem à sedução, além do mesmo gesto que se faz presente. A representação se
passa em três espaços distintos do
oîkos
. As personagens estão agrupadas duas a duas e
representadas em perfil. A comunicação estabelecida em cena se restringe
às duplas.
Figura 12
Cena de Gineceu
70
12a
Referências: Localização: London, British Museum, inv. E 773. Temática: Cena de gineceu. Proveniência:
Atenas. Forma:
Pýxis.
Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Chicago. Data: cerca de 460. Indicação Bibliográfica:
www.perseus.tufts.edu
; BEAZLEY
ARV
. 805, 89; LISSARRAGUE: 1993, p. 242; LESSA: 2004, p. 54.
Na cena temos seis personagens representadas. Elas vestem
chitón
e
himátion
, send
o
que algumas vestimentas possuem decoração e outras são lisas (12a). Duas personagens estão
vestidas somente com
chitón
. Em sua maioria, seus nomes são mitológicos.
Da esquerda para direita temos uma cena de tecelagem onde uma mulher está sentada
trabalh
ando a lã, próximo a ela um cesto
kálathos
. Em frente a esta mulher que está
sentada temos uma outra mulher em segurando com o braço estendido direito um
alábastron
, ela está mostrando o mesmo através do gesto para a personagem que está sentada,
e
entre elas observamos um espelho pendurado. A personagem que está sentada tem seus
cabelos presos por um
sakkós
, a que está em tem os cabelos presos por uma fita. A
vestimenta desta personagem está decorada com linha reta.
Na cena do centro concebemos que duas mulheres estão dialogando. Seus gestos
permitem tal afirmação. A terceira personagem segura com a mão esquerda um cesto e seu
braço está estendido. Seus cabelos estão presos com um coque e possui uma tiara. A quarta
71
mulher esexecutando o gesto que salientamos nas duas imagens anteriores, ou seja, ela
segura com a ponta dos dedos da mão direita a manga de sua vestimenta. Seus cabelos estão
envolvidos por um
sakkós
. Elas vestem
chitón
e
himátion
suas roupas estão decoradas com
linhas retas. O p
intor destacou esta cena com tais gestos colocando
-
a no centro.
A quinta personagem está de na porta aguardando a sexta personagem que avança
em sua direção. Ela ajeita seus cabelos com uma fita e está vestida com um
chitón
. A sexta
personagem tem seus cabelos presos com fita transpassada. Ela segura uma caixa entre-
aberta
com as mãos e retira dela uma coroa.
A freqüência de alguns objetos como o espelho e o frasco de perfume nas pinturas
analisadas e dos próprios gestos, principalmente da quarta personagem, nos indicam que a
vaidade e a sedução faziam parte do cotidiano das mulheres atenienses, inclusive das esposas
bem
-nascidas.
Este cotidiano ateniense era permeado pelos deuses. Xenofonte no
Oikonomikós
defende que sua esposa age de acordo com seus ensinamentos e da vontade divina
53
. Na
documentação textual selecionada e nas imagens pintadas nos vasos gregos encontramos a
presença de várias deusas que foram enfocadas pelos escritores e pintores.
Na imagem contida no vaso abaixo, Afrodite
54
, de acordo com Beazley, executa o
mesmo gesto que as personagens representadas nas imagens anteriores estão efetuando.
Compreendemos que as ações de Afrodite presentes no imaginário social foram destacadas na
pólis
por intermédio do teatro e das representações nos vasos, e que estas ações influenciavam
nas atuações das mulheres atenienses. Principalmente das
bem
-
nascidas
que lançavam mão do
gesto analisado neste trabalho, das jóias, das vestimentas para se comunicarem e seduzir.
53
(...) Agora, fica tu sabendo, ó Sócrates, que minha mulher, ensinada por minhas lições, se porta como te mostrei e vive
como acabo de te dizer (X
ENOFONTE. Oikonomikós
. X, 13).
54
Afrodite era a deusa do amor e da beleza sensual. Possuía grande poder de sedução. Afrodite se faz presente em rias
peças teatrais. Em
Hipólito
, de Eurípides, a deusa se vinga da personagem Hipólito que menospreza a deusa. Afrodite na
imagem está representada como uma mulher bela e jovem, vestida com um olhar lânguido que apenas insinuava seu status
de deusa do amor.
72
Figura 13
Gestos
13b
13c 13d
13e
13a
73
13f
13g
13h
13i
Localização: Paris, Musee du Louvre, CA 161. Temática: Mulheres, homens e deusas. Proveniência: Itália,
Nápoles. Forma:
Hydría
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Nikias. Data: 420-400. Indicação Bibliográf
ica:
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive Pottery Search Number 217491.
74
Nesta
hydría
localizada em Paris, no
Musee du Louvre
, o pintor destacou, no centro do
vaso, o gesto de Afrodite de segurar com a mão esquerda sua vestimenta; esta vestimenta não
é lisa, possuindo decoração em linhas retas (13 a e 13 c). Além do gesto que remetemos à
sedução, podemos ver que a personagem usa pulseiras, brincos, tiara e uma rede bordada com
quadrados que segura os cabelos
55
(13c). Além deste acessório para os cabelos temos outros
que estão sendo enfatizados no decorrer de nosso estudo. Segue abaixo alguns modelos de
ornamentos que as esposas utilizavam em seu dia a dia
56
.
55
Segundo Laver Na primeira metade do século V a. C., as mulheres às vezes amarravam os cabelos com uma fita. Depois
isso se tornou habitual e, na nuca, os cabelos eram presos em uma espécie de chinó. Ainda mais tarde eram amarrados com
fitas, formando um cone que se projetava para trás. As mulheres ricas usavam tiaras de ouro e pedras preciosas (LAVER:
20
03, p. 32).
56
Para mais informações sobre os cabelos das mulheres consultar JENKINS: 1986.
75
Cabeça de Hera. Cabelo preso com
chinó
57
.
Na cena temos sete personagens femininas representadas e duas masculinas. Esta área
decorada foi identificada por Beazley da seguinte forma: mulheres, (noiva, Thetis) uma com
faixa (13i), algumas com caixas (13a,13e e 13g), uma com espelho (13e), uma sentada em
uma cadeira (Aphrodite, 13a e 13c), uma segurando um cetro (Hera, 13d e 13e), homens com
vestimentas drapeadas segurando um cetro (13f, 13g, 13h, 13i).
As vestimentas de algumas personagens estão decoradas com linhas retas, segmentos
de reta e círculos, os cabelos de algumas personagens contém tiaras, redes decoradas com
quadrados e asteriscos e faixas. A faixa nas mãos de uma personagem esdecorada com
linhas quebradas e as caixas que algumas mulheres seguram também contém decoração.
A mulher que segura um cetro identificada, por Beazley, como Hera
58
(13d e 13e),
além de estar com um cetro tem suas roupas decoradas com segmentos de reta e linha reta.
Seus cabelos estão adornados com tiara e rede decorada com quadrados na parte de trás. Ela
usa
brincos e pulseiras.
Os adereços, tiaras, brincos e pulseiras, usados por Hera e por Afrodite são elementos
que os pintores lançavam mão para compor suas personagens nas representações onde não há
a presença das deusas, ou seja, onde concebemos ter representações femininas do cotidiano.
Acreditamos que tais adornos poderiam dar status sobre as demais e estabelecia uma relação
57
Para obtenção de maiores detalhes consultar LAVER: 2003, pp. 32
-
33.
58
Protetora do casamento, das mulheres casadas, das crianças e dos lares.
76
próxima com os deuses que permeavam o dia a dia ateniense. As vestimentas também
apresentam semelhanças com as das mulheres represent
adas nos vasos anteriores, com poucos
detalhes: linha reta e segmentos de reta principalmente.
As vestimentas e os adereços das representações masculinas estão decoradas com
linhas retas. Os personagens seguram um cetro que é um símbolo de poder e autoridade. Hera
é a única mulher em cena que segura um cetro. O cetro denota poder, hierarquia. O homem
que está na alça possui um cavanhaque, segura um cetro e sua roupa está decorada com linhas
retas e círculos. Seu cabelo possui uma coroa e ele está descalço. o homem com barba
cerrada segura um cetro e possui roupa decorada com linha reta. Ele está calçado.
Na documentação textual os gestos entre as mulheres pertencentes aos segmentos
abastados foram exaltados. O diálogo entre Lisístrata e Vencebela, sua vizinha, no início da
peça
Lisístrata
de Aristófanes, é marcado por gestos. Vencebela está com a sobrancelha
arqueada e Lisístrata compreende devido ao gesto que ela está de mau humor. E, de fato,
Vencebela confessa que está chateada, pois as mulheres junto aos homens são consideradas
maliciosas (ARISTÓFANES.
Lisístrata
. v. 9). Quando as mulheres se unem e juram fazer
uma greve de sexo a aceitação é efetuada através do gesto de tocarem à taça. No ato que
tocam a taça o processo comunicativo se concretiza Tocai todas na taça, ó Lampito; e que
uma em vosso nome repita o que eu disser (ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 209
-
210).
Além de detectarmos referências dos gestos como enunciadores de mensagens nas
peças teatrais encontramos na dança outro canal de comunicação. Na tragédia As Troianas
quando Hécuba recorda que no passado ela costumava entoar alegremente marcando bem
com os pés, conduzindo os coros nas festas em celebração aos deuses (EURIPIDES.
As
Troianas
. vv. 185
-
190). Nesta peça há uma referência sobre uma
das festas celebradas para os
deuses, já que o autor através da personagem Cassandra nos deixa informações sobre as bodas
diante do santuário de Apolo. Cassandra, filha de Hécuba e do rei de Tróia delirando imagina
estar celebrando suas bodas diante do santuário de Apolo. Ela sai da tenda onde estava
dançando e portando as insígnias de sacerdotisa
ramos de loureiro
franjas de
e as
chaves do templo
na mão direita um archote. Ela estabelece uma comunicação com a mãe
quando convida esta para participar da dança Vem, participa deste coro, mãe e dança e gira
cadenciando os passos nas voltas pelos passos meus! (EURIPIDES. As Troianas. vv. 396-
398). A dança exige sincronia para efetuar os passos e a harmonia é obtida através da
comunicação seja esta verbal ou o-verbal, principalmente, quando se dança em conjunto. A
dança é um ato de integração.
77
Na comédia, As mulheres que celebram as Thesmophórias a dança se faz presente.
Vamos, avancem com o ligeiro, façam roda, dêem as mãos, marquem todas o ritmo da
dança sagrada. Avancem com passo leve. (...). Iniciem agora, (...), o passo dobrado, o encanto
dessa dança. Haja alegria, mulheres, como é de regra. Estamos em jejum absoluto
(ARISTÓFANES.
As mulheres que celebram as Thesmophórias. vv. 955
-956 - 980-
982).
Na
hydría
grega de figuras vermelhas, abaixo, a dança foi o tema tratado pelo pintor.
Além da dança, os bordados nas roupas das dançarinas e os gestos efetuados por elas ao
dançarem contemplam a comunicação não
-
verbal.
Figura 14
Dança
14a
4b
Localização: London, British Museum. Temática: Dança. Proveniência: Capua. Forma:
Hydría
. Estilo: Figuras
Vermelhas.
Pintor: Phiale Boston. Data: 450-425. Indicação Bibliográfica:
C.V.A.
Great Britain Museum
(Department of Greek and Roman Antiquities)
By H. B. Walters e Forsdyke
London, 1930.
No centro desta
hydría
está enfatizado pelo pintor uma lição de dança. Neste espaço
duas jovens meninas com pequenas túnicas bordadas na parte de cima com linhas quebradas e
linhas pontilhadas dançam próximas mutuamente (14a). Os pés esquerdos das dançarinas
avançam, os direitos permanecem contraídos para trás; seus cabelos estão presos e suas
cabeças estão viradas para trás e acima delas está escrito . Do lado direito uma instrutora
está segurando uma bolsa. Do lado esquerdo um jovem inclinado em um bastão tem seu olhar
78
voltado para a cena, acima dele está escrito , logo
bem
-
nascidos
. No alto uma ferradura
pendurada em forma de uma lira dourada.
A comunicação, na cena, foi priorizada pelo pintor na medida que os gestos efetuados
pelas dançarinas estão sendo comandados pela instrutora. Os gestos que as duas executam são
os mesmos, para que a dança flua harmoniosamente é necessário o entrosamento da dupla e
das mesmas com a instrutora.
A próxima imagem é de um
kráter
de figuras vermelhas que está localizado em Vila
Giulia. Este vaso em seu contexto social de uso era um recipiente onde o vinho era misturado
com água.
Figura 15
Dança
15a
79
15c
15d
15e
15b
80
15f
15h
15g
81
15i
Localização: Rome, Museo Nazionale di Villa Giulia
Villa Giulia 909. Temática: Dança. Proveniência:
Etrúria. Forma:
Calyx
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: De Villa Giulia. Data: 460. Indicação Bibliográfica:
www.perseus.tufts.edu
- 11/08/2002.
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive Pottery Search Number
207149.
C.V.A.
Itália
Museo Nazionale di Villa Giulia in Roma. Fas
cículo II Tav. 21 e 22.
Neste
Calyx
uma pintura que destaca a integração social, uma representação de
dança. As personagens que compõem a cena vestem
chitón
e
himátion
lisos e decorados com
linhas retas e
péplos
. Seus cabelos estão presos com fitas, faixas e tiaras bem elaboradas,
algumas tiaras são semelhantes às de Hera e Afrodite da figura 11. Algumas possuem coques.
Elas estão descalças. As personagens estão representadas de mãos dadas e pelo
posicionamento dos pés avançam para o lado esquerdo. As mulheres se comunicam através
dos gestos das mãos e dos s, da inclinação de alguns corpos e dos jogos de olhares que
estão em perfil e frontal. A personagem do lado direito da coluna está tocando uma flauta
dupla, portanto, a música se faz presente no ato da dança servindo para cadenciar os gestos.
Concebemos que a dança é um ato comunicacional, já que para dançar em conjunto se
necessita de harmonia, coordenação dos movimentos. Para que a dança ocorra de forma
harmoniosa se faz necessário, neste caso que estão dançando em conjunto, sintonia ao
efetuarem os gestos e esta é possível através da comunicação que se faz presente através
dos gestos, dos jogos de olhares e do ritmo cadenciado pela música.
82
De acordo com Fábio Cerqueira, nesta imagem do Pintor de Villa Giulia está
representado um coral de moças que de mãos dadas, seguindo a música de uma
auletrís
,
executa uma dança de roda de caráter bastante contido. Segundo o autor, as moças deviam
estar entoando um
parthénion
, enquanto dançavam em roda jun
to a um templo, como sugere a
coluna representada por detrás delas (CERQUEIRA: 2000/2001, p. 86).
Através de várias facetas de seus corpos as mulheres se comunicavam. Enquanto o
modelo teorizava a virtude do silêncio, as mulheres através do seu próprio corpo expandiram
suas relações com vizinhas, parentes, amas e escravas. Incluso na utilização do corpo como
suporte de comunicação, percebemos que as roupas e os adereços que acompanham esses
corpos também anunciam uma mensagem.
Do lado esquerdo da coluna uma mulher representada sozinha parece ser a guia do
grupo (15b). Ela veste chitón e himátion e seu cabelo está amarrado com fita. Em seguida,
uma jovem com um diadema estrelado na cabeça veste
chitón
e um manto preso no ombro
direito. Segue uma outra jovem vestindo um
péplos
, estando os seus cabelos presos e
possuindo fitas transpassadas na cabeça. Entre as outras jovens, vemos duas com o cabelo
preso e uma com tiara. Elas vestem chitón e himátion, com a ponta dos trajes deitada sobre o
braço esquerdo. A v
estimenta da personagem do lado esquerdo da que está de diadema possui
uma decoração com linha reta. Em seguida, temos uma mulher vestida com um
péplos
. Ela
possui seus cabelos presos com dois coques e diadema. Depois temos uma vestindo chitón e
himátion.
A nona personagem está com a roupa igual a segunda personagem, porém ela não
está com diadema, seus cabelos estão presos e ela possui uma faixa na cabeça. A última
personagem que faz parte deste grupo veste chitón e
himátion
e seu cabelo está preso e
amarr
ado com fitas transpassadas.
Compreendemos que a dança e os gestos das personagens funcionavam como veículos
de comunicação. Ressaltamos que para dançar em grupo se fazia necessário a comunicação
para que se tivesse harmonia ao realizar os movimentos. Na cena as personagens evoluem de
forma cadenciada. E para tal, o processo comunicacional se faz presente através dos
movimentos efetuados com as mãos, os pés e o próprio corpo, além dos jogos de olhares.
As roupas e os adereços também eram veículos anunciadores de mensagens na Atenas
Clássica. Inserida nesta temática do vestuário, Maria do Carmo Teixeira Rainho, defende que
a moda não permanece limitada ao vestuário, mas a cultura das aparências, pois esta envolve
além das roupas os acessórios, as jóias, os calçados, os penteados, os cosméticos e outros
(RAINHO: 2002, pp. 12-13). Entendemos que na sociedade ateniense as vestimentas não
83
variavam tanto e, por isso, apreciamos a grande importância dos acessórios, das jóias, dos
penteados e dos cosméticos para a demonstração de poder, de símbolo de
status
, de
diferenciação de uma camada para outra na sociedade
políade
. No próximo capítulo
abordaremos a tecelagem, as roupas e os adereços como enunciadores de uma mensagem.
84
CAPÍTULO 3
As mãos que falam
O tecido social ateniense era constituído por vários grupos. Dentre eles, os das
mulheres e dos homens. Concebemos que a esposa ateniense tecia na sua intimidade e
marginalidade
uma trama silenciosa que se propagava nas ações cotidianas. As mulheres
através da comunicação não verbal, ou seja, da tecelagem, dos bordados e outros,
contribuíram na construção e modificação da cultura, pois o domínio em tais atividades
somou para a transformação do cru em cozido e gerou representações na
koinonía.
Este entrelace no cotidiano era articulado pelas mulheres. A fiação e a tecelagem eram
tarefas essencialmente femininas, e as etapas de preparação da até a obtenção do tecido
exigiam muitas vezes o envolvimento de várias mulheres, como verificaremos na próxima
imagem. No dia-a-dia, as esposas dos cidadãos atenienses congregavam em torno de si
funções que eram fundamentais para a manutenção da ordem social.
Lessa, em seu trabalho O Feminino em Atenas, analisou as relações grupais. No que
se refere às tarefas femininas e
a privacidade da vida destaca que a tecelagem além de ser uma
atividade virtuosa também envolvia várias mulheres para sua realização. Segundo o autor,
Em conjunto, elas certamente trocavam entre si informações sobre os mais diversos assuntos,
e se mantinham coesas enquanto grupo (LESSA: 2004, p. 44). A vivência em conjunto
implicava em diálogo, amizade e em uma troca voluntária e recíproca que possibilitava,
através do uso de táticas, uma participação mais ativa na
pólis.
85
Figura 16
Trabalhos d
omésticos
Localização:
Metropolitan Museum of Art
inv. 06.1117. Temática: Trabalhos domésticos (fiação).
Proveniência: Atenas. Forma:
Pýxis
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Não indicado. Data: 460. Indicação
Bibliográfica: RICHTER: 1936, pp. 124
-
125, Pl. 96. LESSA: 2001, p. 66.
Nesta
pýxis, temos como temática uma importante tarefa doméstica: a fiação. A
tecelagem e a fiação eram tarefas essencialmente femininas, e as etapas de preparação da
até a obtenção do tecido exigia muitas vezes o envolvimento de várias mulheres, como
verificamos na imagem. Proveniente de Atenas e datada de aproximadamente 460, a
pýxis
era
usada para cosméticos, ou jóias. Às vezes, era colocada em tumbas. Servia como caixa
para artigos de toalete.
Na imagem seis mulheres vestem
chitón
e
himátion
de cores claras e plissados. Seus
cabelos estão amarrados atrás e cobertos por um
sákkos
. Somente uma personagem está com o
cabelo amarrado atrás com fita transpassada. Todas as personagens estão descalças.
A ce
na é de interior, pois apresenta signos de privacidade: coluna e mobília (3 cadeiras
e um apoio para perna). Três personagens estão sentadas e três em pé; porém elas se
encontram num mesmo plano. As personagens e os objetos em cena evoluem num mesmo
quadro
espaço-temporal, denotando sincronia entre as esposas na realização das atividades. A
representação está em perfil, ou seja, o receptor da mensagem não está convidado à participar
da ação.
Vemos da esquerda para a direita uma mulher trazer uma fita para outra personagem
que está sentada numa cadeira de encosto elevado, tendo ao seu lado uma cesta de e
oferecendo à ela, de forma amigável, uma flor
59
. Vislumbramos através do gesto de segurar a
fita, da maneira que ela segura e mostra para a personagem que está sentada, a presença da
comunicação entre ambas. Neste caso o gesto é concebido como suporte de comunicação.
59
As flores nos remetem aos perfumes. No decorrer de nosso estudo verificamos a presença deste signo na composição de
várias cenas.
16a
86
Uma terceira mulher também com uma flor vai se unir ao grupo que se ocupa de várias
tarefas: uma personagem segura um colar ou grinalda; a outra está fiando com um fuso; uma
outra está preparando um amontoado de no chão, para o fuso, enrolando em sua perna
descoberta
a qual descansa sobre um suporte alto
e o enrosca para dentro da meada.
O gesto desta última personagem de pôr sua perna em um suporte sem a presença do
epínetron
não é um gesto convencional que pode nos remeter à sedução como na figura 10.
A imagética nos propicia observar estas atividades em conjunto que permitiam, entre
outros, o diálogo. No que se refere às imagens como f
orma de comunicação específica, Ignace
Jay Gelb, citado por Joly em seu trabalho que tem por objetivo auxiliar os consumidores de
imagens a compreender como a imagem comunica e transmite mensagens, afirma que Por
toda parte no mundo o homem deixou vestígios de suas faculdades imaginativas sob a forma
de desenhos, nas pedras, dos tempos mais remotos do paleolítico à época moderna (JOLY:
1999, p. 17). As mulheres atenienses registraram, através de sua produção artesanal das
roupas, várias decorações em forma, principalmente, de linhas geométricas. Além das roupas
lisas os atenienses também usavam roupas decoradas com motivos geométricos que foram
registradas pelos pintores e escritores
60
.
Na comédia
Lisístrata
, Aristófanes associa a tecelagem como atividade
essencialmente
das mulheres. Elas teriam, na comédia, a importante tarefa de organizar a sociedade ateniense,
constituindo, dessa forma, um tecido social, com a mesma perfeição que tecem e fiam
61
(ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 565-570). Entendemos que a comédia objetivava atingir o
riso, mas o comediógrafo escreveu utilizando dados que perpassavam o cotidiano.
Assim, percebemos que, na construção do tecido social dos atenienses, as mulheres
detêm o domínio do tempo linear, pois elas são o centro da família, são elas que trazem os
homens ao mundo, que durante um determinado tempo cuidam da educação dos filhos e que
também têm responsabilidades nos funerais. O controle do tempo é uma forma de poder, mas
compreendemos que tal poder é informal, visto que esse é atribuído aos cidadãos.
Entendemos, que as esposas dos cidadãos atenienses abastados uniam os pontos do tecido
familiar e os da
Koinonía.
Segundo Buxton, entre os numerosos domínios exercidos pelas mulheres gregas, a
responsabilidade da continuidade da comunidade sempre foi atribuída a elas.
60
Podemos verificar os detalhes nas roupas através dos quadros em anexo.
61
(Lisístrata)
Como um fio, quando está embaraçado, como este, tomando-o, puxando-o com fusos deste lado e daquele outro, assim
também esta guerra acabaremos, se nos deixarem, desembaraçando-a pelos embaixadores,deste lado e daquele outro
(ARISTÓFANES.
Lisístrata. vv. 565
-
570).
87
Responsabilidades que as esposas assumiam em relação com o passado, do presente e do
futuro (BUXTON: 1996, pp. 132-134). Do passado através dos deveres para com os mortos:
Carrega nas mãos oferendas fúnebres que se costuma apresentar aos que estão debaixo da
terra (SOFOCLES.
Electra
. vv. 313-315), com o presente por meio da administração do
oîkos
e, como mães, as mulheres asseguram o futuro, onde a entrada na vida é exclusiva das
mulheres: Tu me traíste e já subiste
em leito novo (e já tinha teus filhos!). Se ainda estivesses
sem descendência, então seria perdoável que desejasses outro leito (EURIPIDES.
Medéia
.
vv. 553
-
556).
Se nos determos apenas no modelo
mélissa
chegaremos a poucas conclusões, teremos
poucas informações sobre a vida das mulheres que estavam inseridas na sociedade ateniense.
O que almejamos, neste capítulo, é superar esta penúria de fatos sobre as mulheres, buscando
por intermédio da comparação dos detalhes, dos ruídos, possibilidades de ação,
ma
neiras de
fazer
. Na tecelagem a mulher tem o controle da trama e da urdidura. É este controle da
tecelagem que trataremos a seguir.
3.1. A arte da tecelagem
Dentre as diversas atividades das mulheres atenienses estava presente a arte de tecer.
As mulheres detinham o controle de todo o processo que envolvia esta atividade. Até se obter
o fio para tecedura um longo caminho era percorrido. Nós temos a descrição deste processo
em um vaso de figuras negras do sexto século. Apesar de não compreender ao perío
do
estudado nesta dissertação, este vaso é valioso porque nele está representada várias etapas do
processo abordado.
88
Figura 17
Tecelagem
17c
17a
17b
89
17e
17f
Localização: New York
The Metropolitan Museum of Art
inv. 31.11.10. Temática: Tecelagem e fiação.
Proveniência: Vari, Átiva. Forma:
Lékythos
.
Estilo: Figuras Negras. Pintor: Amásis. Data: 540.
Indicação
Bibliográfica: JONES: 1997, p. 171; LISSARRAGUE: 1993, p. 252;
www.beazley.o
x.ac.uk
BEAZLEY Archive
Pottery Search Number BEAZLEY: 310485.
As personagens na imagem
62
estão em e evoluem em um mesmo plano, denotando
sincronia ao realizar as atividades
63
. Os jogos de olhares estão representados em perfil, dessa
62
Na cena as esposas vestem
péplos
,
alguns com decoração. Elas estão descalças, algumas usam fitas transpassadas no
cabelo, uma das que manejam o tear vertical está com um
sákkos
cobrindo o cabelo.
63
Lissarrague destaca que Na curva superior do bojo deste mesmo vaso figura uma cena de dança em coro. (...) A
tecelagem e a dança são complementares; freqüentemente o imaginário grego assinalou analogias entre o movimento
lançadeira e o das dançarinas
(LISSARRAGUE: 1993, p. 252).
17d
90
forma o receptor da mensagem não está sendo convidado a participar das ações. Os jogos de
olhares evidenciam atenção das esposas ao realizar as tarefas presentes na imagem.
Verificamos a presença de mobília: banco onde estão sendo colocados os tecidos
dobrados, também a presença de vários instrumentos de trabalho: cestos, roca, fuso, tear
vertical e balança. Através desses signos concebemos que a cena é de interior.
As mulheres estão divididas em grupos realizando atividades com a lã. Duas manejam
um tear vertical onde o tecido se enrola na parte superior (17a, 17c, 17d), duas dobram alguns
tecidos (17b, 17c, 17d), umas fiam os grossos novelos tirados de um cesto ou uma roçada
mais fina com um fuso (17d), outras pesam a lã (17 d) e apenas uma personagem está
destacada, parecen
do estar no comando da ação (17d).
Paola Colafranceschi Cecchetti, em seu trabalho, reuniu em pranchas desenhos de
pinturas de figuras negras abordando o problema da decoração dos tecidos e trajes gregos do
VI século. Dentre os pintores estudados Amásis foi um dos enfocados. De acordo com
Cecchetti, nesta imagem, figura 17, a parte inferior de algumas vestimentas das personagens
está composta com motivos de cruz com pontos e circunferências e a bainha inferior é uma
faixa lívida fechada por linhas retas (C
ECCHETTI: 1971
-
1972, p. 27).
A tecelagem era uma atividade bastante característica do universo feminino, em
especial o das esposas
bem
-
nascidas
. Esta atividade não está presente só na imagética, mas na
documentação textual, como por exemplo, na comédia
Lis
ístrata
, quando a personagem que
intitula a comédia afirma que da mesma forma que tratam da lã, ou seja, com eficiência, elas
cuidariam de todas as outras esferas da
pólis
64
.
Lissarrague faz uma relação muito interessante entre este vaso e outro, cuja cena
representa um cortejo nupcial tendo na curva superior um coro feminino procurando mostrar a
importância da tecelagem
65
.
64
(Lisístrata)
Primeiro seria preciso, como com a lã bruta, em um banho
lavar a gordura da cidade, sobre um leito
expulsar sob golpes de varas os pêlos ruins e abandonar os duros,
e estes que se amontoam e formam tufos
sobre os cargos cardá
-
los um a um e arrancar
-
lhes as cabeças;
em seguida cardar em um cesto a boa vontade com
um, todos
misturando; os
metecos
, algum estrangeiro que seja vosso amigo
e alguém que tenha dívida com o tesouro, misturá
-
los também,
e, por Zeus, as cidades, quantas desta terra são colônias,
distinguir que elas são para nós como os novelos caídos ao chão
cada um por si; em seguida o fio de todos estes novelos tendo tomado,
trazê
-
los aqui e reuni
-
los em um todo, e depois de formar
um novelo grande, dele então confeccionar uma manta para o povo ( ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 574
-
585).
65
(...) este vaso foi encontrado junto com um lékythos idêntico, (...). De um vaso para outro, a justaposição dos temas
iconográficos
tecelagem, casamento, dança
revela em que consistem, aos olhos dos atenienses, os movimentos essenciais
da atividade feminina, e confere ao tecido um valor simbólico que ultrapassa o caráter anedótico destas imagens
(LISSARRAGUE: 1993, p. 252).
91
A tecelagem em grande escala requer um abrigo fixo, uma vez que o tear tende a ser grande e
pesado e, portanto, difícil de transportar.
A situação ideal para o seu desenvolvimento era uma
comunidade pequena, estabelecida, cercada de bons pastos para as ovelhas. O velo era
tosquiado por métodos muito semelhantes aos atuais; o monte de fibras resultante era então
fiado, e o fio era tecido em
um tear (LAVER: 2003, p. 12).
Segundo Laver, as roupas drapejadas exigiam um avanço considerável na arte de tecer,
de modo a tornar possível a produção de retângulos de tecido em dimensões adequadas para
tal finalidade (LAVER: 2003, p. 14). Quanto aos tipos de fios que usavam para tecer
Aristófanes destaca que a e o linho eram usados para tal fim Quero ir para casa. Pois
estão as minhas lãs de Mileto e pelas traças estão sendo roídas. Que traças? (...) Infeliz eu sou,
infeliz de meu linho, que sem pelar abandonei em casa. Esta outra, por causa do linho o
pelado, sai. Volta aqui (ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 728
-
738).
O tecido pode ser decorado com motivos obtidos durante a tecelagem, e contornado
com galões de cor escura. As roupas de reserva são guardadas em arcas, após serem
perfumadas, geralmente por meio de vapores de óleo aromático, como atesta a imagem
pintada em uma
enócoa
ática de figura vermelha que será analisada neste capítulo.
Na comédia
Lisístrata
de Aristófanes temos os maridos ratificando uma das tarefas
que as mulheres deveriam desempenhar no cotidiano quando elas interferiam, mesmo que de
forma indireta, em suas decisões em Assembléia. A tarefa de tecer neste momento da comédia
é exaltada E ele tendo me olhado com raiva logo dizia que se eu não tecesse a trama,
lamentaria a cabeça muito tempo; e a guerra será preocupação dos homens
(ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 518
-
520).
O resultado final da tecelagem era a produção de tecidos que, entre outros, eram
usados para a confecção de roupas que eram usadas pelos atenienses. No próximo item, de
nosso trabalho, enfatizamos as roupas e os adereços como enunciadores de mensagens.
3.2. As roupas e os adereços como enunciadores de uma mensagem
Trataremos, neste espaço, das roupas e dos adereços enquanto veículos de comunicação das
atenienses da Antiguidade Clássica. Inicialmente discutiremos as diferentes visões teóricas
sobre o fenômeno da roupa e da moda e, juntamente com tais reflexões aprofundaremos nosso
tema específico.
92
De acordo com Georg Simmel, a moda é um fenômeno constante na história de nossa
sociedade. Dessa maneira, ela é um processo de tensão na vida social onde observamos,
segundo o autor, um campo de forças opostas: o coletivismo e o individualismo. Assim, a
moda seria um fenômeno de imitação, onde a união do grupo singulariza objetividade,
confirmação e permanência Como imitação que é de um modelo dado, satisfaz assim a
necessidade de apoiar-se na sociedade; sujeita o indivíduo a um caminho comum, criando um
módulo geral que restringe a conduta de cada um a mero exemplo de uma regra (SIMMEL:
1969, p. 111). Mas, também seria um fenômeno de diferenciação, de individualismo,
pertencimento, subjetividade, rebeldia e mudança Simultaneamente porém, ela satisfaz o
anseio pelo ev
idenciar
-se, a tendência para a diferenciação, a diversidade e o destaque
(SIMMEL: 1969, p. 111). Na sociedade ateniense os modelos de roupa não variavam muito,
ou seja, os modelos eram limitados, dessa forma, havia uma tendência maior para a
singularidad
e, mas apesar de verificarmos esta coletividade nas roupas, a presença do
individualismo, da diferenciação também se fez presente por intermédio dos detalhes nas
roupas e nos adereços. As mulheres mais abastadas, assim concebemos, buscavam tais
diferenciaç
ões através do uso das jóias, dos adereços e de roupas com detalhes.
Segundo Laver, os trajes gregos eram constituídos de retângulos de tecidos de diversos
tamanhos. Estes para o autor eram drapejados sobre o corpo sem cortes ou costuras o que
variava era a forma de ajustá-los ao corpo, mas as linhas essenciais permaneciam as mesmas
(LAVER: 2003, p. 25).
No
lekythos
de fundo branco, que segue, vislumbramos os pormenores na roupa da
personagem e, mais uma vez, temos a presença do espelho e da flor.
93
Figura 18
Mulher, flor e espelho
18a
18b
18c 18d 18e
18 f
Localização: Collezione Mormino (I) III Y - Palermo. Temática: Mulher com espelho e flor. Proveniência: Não
fornecida. Forma:
lekythos
. Estilo: Fundo Branco. Pintor: Não fornecid
o. Data: Segundo quarto do V século a. C.
Indicação Bibliográfica:
C.V.A.
_ Palermo - Collezione Mormino Banco Di Sicília 1971. Tav. S. (177) _
Ceramica Attica a Fondo Bianco. A cura di Juliette de la Genière.
94
Na cena está representada uma personagem feminina em com um espelho em uma
das mãos e uma flor na outra; ela veste um
péplos
decorado com linhas retas e círculos (18a,
18b, 18d). Os círculos estão espalhados por toda a vestimenta, as linhas estão na
extremidade da mesma.
Seu cabelo está preso com um
sakkós
decorado com linha reta (18c). Da esquerda para direita
temos como instrumentos de trabalho (um cesto com meada de lã), a personagem feminina no
centro da cena e uma cadeira adornada com um tecido. A presença de mobília é um indício de
que a cena é de interior. Salientamos que os cestos, o espelho (18f) e as caixas eram uma
constante em grande parte das representações na cerâmica ática. O olhar da personagem está
voltado para a flor que segura com a mão direita.
Temos como temática, neste vaso, os adornos femininos, ou seja, o espelho e as flores
(18e) que remetem aos perfumes. Compreendemos que este mundo não está desvinculado do
modelo idealizado para as mulheres atenienses, um modelo que também envolve, o trabalho
de fiação e a tecelagem. Nesta imagem dois aspectos da vida das mulheres estão
representados: o trabalho com a e a vaidade/sedução. Estes últimos com maior destaque,
pois a personagem está no centro da cena e seus gestos mostram o espelho e a flor.
Para Maffre as mulheres após o banho procuravam os perfumes mais sutis. Elas conseguiam
tais perfumes através de uma mistura de óleo de plantas ou flores acompanhadas de um
fixador (resima ou goma) e de um conservante. Eles são conservados em
alabastros
ou
lekythos
. A vaidade feminina também é destacada pelo autor lançando mão dos poetas
cômicos, como Antífanes, que em uma passagem citada por Clemente de Alexandria
menciona as etapas dos preparativos de uma dama elegante: Ela se limpa... fricciona a pele,
penteia
-se, esfrega-se, lava-se, contempla-se, veste-se, perfuma-se, enfeita-se, pinta-se
(Pedagogo, III, 7, 2
citado por MAFFRE: 1989, pp. 94-95). Maffre defende que os espelhos
de bronze polido e as caixas de cosméticos eram acessórios importantes.
Por intermédio da personagem pe
rcebemos que as mulheres se comunicavam lançando
mão dos gestos, dos objetos que estavam ao seu redor e que faziam parte do cotidiano e das
roupas.
Nesta questão das roupas e da temática moda, Jean Baudrillard, marca que a moda existe no
quadro da modernidade, dentro de um contexto de ruptura, de progresso e de inovação. O
grande marco, segundo o autor, seria depois das Luzes e da Revolução Industrial. Para
Baudrillard (...) a moda está no coração de toda modernidade, até na ciência e na revolução,
porque
toda a ordem da modernidade, do sexo à mídia, da arte à política, é perpassada por
essa lógica (BAUDRILLARD: 1996, p. 116).
95
Baudrillard concebe a moda como feérica, chamando atenção de que ela continua sendo o
feérico da mercadoria, e mais longe ainda, o feérico da simulação, do código e da lei
(BAUDRILLARD: 1996 pp. 119-123). Ele enfatiza o feérico, Gillo Dorfles enfatiza a
mutação e a efemeridade.
Dorfles em
Modas e Modos
, salienta que a moda é um dos fenômenos mais mutáveis e
efêmeros. O autor objetiva (...) fazer uma chamada de atenção para o fenômeno das modas e
dos modos de ser que envolva não apenas frívolos interesses extemporâneos e de salão, mas
que consiga persuadir um público, (...), da importância sociológica, ética e estética desta
dimens
ão da nossa existência (DORFLES: 1990, p. 8).
Segundo Dorfles, os vários segmentos da sociedade têm a necessidade de se
distinguirem. Esta faz com que se tenham constantes situações de predomínio de uma
categoria de indivíduos sobre as outras e o reavivar de impulsos consumistas e mercantilistas
derivados precisamente desta corrida para se evidenciarem dos indivíduos singulares e das
comunidades que eles próprios constituem (DORFLES: 1990, p. 13). Quando se refere à
moda e à relação coesão-diferenciação o autor lança mão de Simmel. De acordo com Dorfles
é exatamente sobre isto que Simmel se refere em seu ensaio Arte e Civilização. Uma dialética
entre o momento da separação, da diferenciação e o momento da imitação e outro par a
exigência de coesão e exigência de diferenciação podem ser considerados ainda hoje como
essenciais para quem se propõe a pesquisar o como e o porquê das sucessivas ondas da moda
(DORFLES: 1990, p. 26). Entendemos que na sociedade ateniense a necessidade de se
diferenciarem estava presente, ou seja, os atenienses lançavam mão, apesar da limitação de
seu vestuário, das roupas e dos adereços para se comunicarem e marcarem esta diferenciação.
Ao passo que os autores enfocados defendem a importância econômica para a moda
como um fenômeno da modernidade, da Revolução Industrial, Gillo Dorfles trabalha com o
nascimento da moda desde a Antiguidade. Para Dorfles A moda nasceu entre as classes
superiores das sociedades da Antiguidade e da Idade Média, caracterizadas por uma forte
hierarquia in
terna (DORFLES: 1990, p. 60).
Dorfles diverge das afirmações de Baudrillard quanto à autêntica moda, quando este
enfoca que a moda existe a partir do Século das Luzes, com o advento da burguesia e
devido principalmente a sua o identificação com o rito. Na opinião de Dorfles é arriscado
separar a moda do rito. A moda, tem muitos aspectos que se aproximam do rito,
principalmente devido à ordem funcional de ambos antiprática e antiutilitária (DORFLES:
1990, p. 71).
96
Marshall Sahlins, afirma que, quando se pesquisa o duplo significado de
moda
se
lança mão do sistema americano de vestuário como exemplo principal. Segundo o autor tal
sistema corresponde a um complexo de categorias culturais e de relações entre elas, o que
Sahlins define como um verdadeiro mapa do universo cultural. Sua análise tem o objetivo de
contribuir para a explicação cultural da produção (SAHLINS: 2003, pp. 179-180
grifo do
autor). Por intermédio do estudo do vestuário feminino ateniense e dos adereços podemos
vislumbrar a produção feminina atuando na sociedade ateniense, pois as mulheres não
confeccionavam apenas as suas roupas, mas as roupas dos agentes sociais da
pólis
.
Para Sahlins o que é produzido no sistema do vestuário, em primeiro lugar, são tipos
de tempo e de espaço que classificam situações ou atividades, segundo os tipos de
status
aos
quais todas as pessoas pertencem. Mas não são simplesmente limites, as divisões e
subdivisões entre grupos etários ou classes sociais, têm entre outros o simbolismo específico
das diferenças no vestuário. Sahlins lança mão da definição de Sapir de que (...) a moda é o
costume com a aparência de uma ruptura com o costume (SAHLINS: 2003, p. 183).
Fernand Braudel discorrendo sobre Roupa e a moda em As estruturas do cotidiano
aponta que o traje
diversificado por toda parte obstina em denunciar as oposições sociais. Para
Braudel a moda o é apenas abundância, quantidade, profusão. Ela consiste em
transformações a qualquer momento. O autor data a primeira manifestação da moda por volta
de 1350, do
ravante a regra da mudança no vestuário vai impor
-
se na Europa. Braudel também
enfatiza que o império da moda não impõe o seu rigor antes de 1700, momento em que a
palavra encontrou uma segunda juventude, corre o mundo o seu novo sentido: seguir a
atualida
de. Tudo então está na moda no sentido atual. Até aí, as coisas não tinham andado
realmente tão depressa (BRAUDEL: 1997, p. 286).
Braudel destaca que o gosto pela frivolidade dita as leis da moda. A moda elimina e
inova, duplo trabalho, portanto, dupla dificuldade. O pesquisador defende significados para a
moda, tais como, desejo dos privilegiados de criarem uma barreira que os distinguem dos que
os seguem. O progresso material ajuda na subida da escala social. A moda é também a busca
de uma nova linguagem para derrubar a antiga, uma maneira de cada geração renegar a
precedente e distinguir
-se dela (BRAUDEL: 1997, p. 293).
Já Gilles Lipovetsky concebe que na sociedade pré-moderna temos a tradição, o
costume a imutabilidade. O sistema da moda está inserido no Estado Moderno, no
desenvolvimento das cidades. O dispositivo da moda envolve o refinamento das maneiras, a
estilização visual, o novo constante e regular das mudanças. Dessa forma, para Lipovetsky, a
moda é agente da revolução democrática, ela é produtora de um novo mundo, ela vem junto
97
com a modernidade. (LIPOVETSKY: 2002, pp. 41-42). O autor defenfe que a partir do final
da Idade Média podemos reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com
suas metamorfoses, movimentos bruscos e etc.
A especificidade da moda na cultura brasileira foi discutida com o auxílio de
estudiosos como Gilda de Mello e Souza em O espírito das roupas. A autora define a moda
como um todo harmonioso e mais ou menos indissolúvel. Ela identifica que a moda acentua a
div
isão em classes e reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós
e o socializador, a moda exprime idéias e sentimentos. Assim como Simmel, ela também
identifica um conflito entre o individualismo e a socialização (SOUZA: 2001, p. 29). Gilda
Souza também se posiciona quanto ao começo real da moda, defendendo que ela começa a
partir do século XV. Neste período (...) descobriu-se que as roupas poderiam ser usadas com
um compromisso entre o exibicionismo e o seu recalque (a modéstia)
(SOUZA: 2001, p. 93).
Laver, inserido nesta discussão, defende que o luxo não significa moda . Para o
pesquisador, no caso ateniense, a respeitável esposa era raramente vista fora de casa e era
pouco tentada a competir com outras mulheres em trajes vistosos ou fora do comum
(LAVER: 2003, p. 32). Concordamos com Laver quando este afirma que as esposas
bem
-
nascidas
tinham menos mobilidade para transitar que as menos abastadas, mas
compartilhamos com as idéias de Gilles Lipovetsky quanto ao aspecto ornamental das roupas
desde as sociedades mais primitivas e a distinção de
status
dentro dos grupos que as mulheres
estavam inseridas, independentemente de terem mais oportunidades de concorrerem com
outras ou não.
As imagens a seguir são modelos de vestimentas dos atenienses. Destes exemplos
alguns eram compartilhados por mulheres e homens. Maffre se baseou nas representações
contidas na cerâmica ática.
chitón e himátion
98
clâmide
péplos
chitón
66
De acordo com Laver homens e mulheres do século VII ao século I a.C., usavam o
chitón
. Ele era preso por alfinetes ou broches e normalmente usado com um cordão ou cinto
em volta da cintura (LAVER: 2003, p. 25).
O
himátion
era uma capa bem mais ampla que chegava a medir até 2,40 m por 1,80 m.
Formado de um retângulo de tecido pregueado e enrolado à volta do corpo. O
péplos
era uma
vestimenta feminina que ia até os pés. Laver aponta uma versão masculina para o
péplos
,
clâmide
, uma capa curta que era usada por cavaleiros e jovens em geral sobre o
chitón
. Para
os gregos não era imoral usar a clâmide sem o
chitón
, pois não consideravam a nudez
vergonhosa (LAVER: 2003, p. 30-
31).
Na comédia, As mulheres que celebram as Thesmophórias, os planos da personagem
Eurípides consistiam em vestir uma personagem de mulher para participar no festival,
conforme enfatizamos anteriormente. No que se refere às roupas o autor lança mão de
várias peças femininas para compor a personagem do Parente. Tais roupas são conseguidas
por intermédio de empréstimo com o poeta, Ágaton, que não estás disposto a prestares tu
próprio a esse papel, ao menos empresta-nos um manto e um corpete, para este tipo vestir.
Não me vais dizer que não tens
(ARISTÓFANES.
As mulheres que celebram as
Thesmophórias. vv. 249
-
251)
.
São utilizadas várias peças do vestuário feminino ateniense como manto cor de
açafrão: que era uma túnica usada pelas mulheres e, naturalmente pelos homens efeminados.
Era um vestuário comprido e ajustado ao corpo, corpete era uma tira de pano que podia ser
66
Para obtenção de mais detalhes consultar MAFFRE:1989, p. 104.
99
ornamentada com pedras preciosas, que as mulheres usavam sobre os seios, túnica, redinha
com que as mulheres seguravam o cabelo, turbante e capa arredondada usada pelas mulheres.
Ele finaliza a constituição da seguinte maneira: temos o nosso homem com ar de mulher.
Se falares, dá à
voz um tom bem feminino, que convença (ARISTÓFANES. As mulheres que
celebram as Thesmophórias. vv. 266-
268)
. Dessa forma, a comédia, nos permite analisar o
corpo e as roupas enquanto veículos de comunicação na sociedade ateniense, pois quando
escolhemos uma roupa são discursos que estão se materializando. Acreditamos que tais obras
não objetivavam apenas levar ao riso, mas também anunciar uma mensagem aos espectadores.
Este enunciado vai além das roupas. As mulheres lançam mão, atualmente, dos
cosméticos,
das tinturas e cirurgias plásticas para tal fim. Gilberto Freyre levanta a
possibilidade de não se marcar a vestimenta por idade. Temos a questão da juventude
(FREYRE: 1997, p. 27). Na Antiguidade Clássica as mulheres lançavam mão dos cosméticos.
A presença das
pýxides
era uma constante e foram registradas por intermédio dos pintores e
dos pensadores.
Maria do Carmo Teixeira Rainho enfoca a questão dos bons modos, do
comportamento civilizado. Ela sinaliza que no século XIX tivemos o crescimento da moda,
pr
incipalmente no Rio de Janeiro, defendendo que neste século as roupas vão sofrer
modificações. A autora cita, entre outros, Simmel e a moda nas grandes cidades, ênfase a
individualidade na moda, além de criticar o conceito mais amplo de moda
presente
em todas
as civilizações (RAINHO: 2002, pp. 42
-
46).
Ela aponta como caráter distintivo a mudança dentro do grupo e como distinção à
mudança de um grupo para outro. A autora trabalha com o tema moda, mas trabalha com os
manuais. Os manuais estão voltados para o costume, eles falam dos costumes e não da moda
(RAINHO: 2002, p. 110). Rainho concebe que a mulher se preocupa em ler, estar alfabetizada
para acompanhar as revistas de moda. Compreendemos que para Lipovetsky seria ótimo, pois
temos a libertação da mulher. Como foi abordado no capítulo anterior, havia distinções entre
os grupos de atenienses e também no interior dos próprios grupos.
A moda é defendida por José Luiz Dutra (...) como uma técnica corporal, definida e
colocada em prática em virtude das especificidades culturais de cada sociedade, valorizando
certos comportamentos em detrimento de outros
(DUTRA: 2002, p. 359).
Dutra estuda os mercados alternativos de moda, enfatiza que são novas formas de
comércio de objetos de vestuário que vem se desenvolvendo, a partir de meados de 1990 em
São Paulo e no Rio de Janeiro, espalhando-se por outras partes do país. A peculiaridade do
mercado é a mistura de estilos.
100
Concluímos que, as visões teóricas abordadas, nos fornecem um leque de
possibilidades para trabalharmos com o fenômeno da moda, do vestuário, dos adereços e
relacionar a bibliografia e as discussões com o nosso objeto de pesquisa.
Por priorizarmos a pluralidade e o aspecto cultural, é que nos remetemos a Dutra. O
autor afirma que a partir do
momento em que os estudos sobre as mulheres foram substituídos
pelos estudos de gênero, os homens se tornaram objeto de interesse, abrindo espaços para
temáticas que abordam a desconstrução da masculinidade (DUTRA: 2002, p. 363). Daremos
ênfase à relação entre homens e mulheres, onde a compreensão pode ser alcançada em
conjunto e não estudadas separadamente.
Quanto ao corpo e as roupas José Luiz Dutra enfatiza que desde pequenos meninos e
meninas vão sendo diferenciados pelo artifício das roupas e que também vão sendo educados
sobre a maneira apropriada de como cada sexo deve se vestir (DUTRA: 2002, p. 362). Em
Atenas, no período estudado, as roupas utilizadas pelos homens e pelas mulheres eram
diferentes em alguns modelos, mas existiam modelos comuns para ambos. Homens e
mulheres podiam usar chitón
e
himátion
, demonstrando permeabilidade e interação entre os
gêneros. Mas a vestimenta denominada
péplos
era utilizada pelas mulheres. Segundo
Lipovetsky (...) na Grécia o
péplo
, traje feminino de cima, impôs
-
se das origens até a metade
do século VI antes de nossa era (LIPOVETSKY: 2002, p. 28
o grifo é do autor).
Compartilhamos com Dutra que (...), o vestuário mantém implicações com a conformação
dos papéis e identidades sexuais de uma sociedade (DUTRA: 2002, p. 369). As relações de
gênero estão presentes.
Verificamos através da documentação textual que as peças de roupa que os homens e
mulheres atenienses possuíam também não eram muitas, sendo assim, além da limitação dos
modelos temos a de quantidade. Na comédia Assembléia de Mulheres, o personagem,
Homem, apresenta a pobreza de grande maioria dos cidadãos atenienses, pois sua esposa sai
escondida, com suas roupas e sandálias, quando este levanta não encontra a roupa nem as
sandálias para usar. Pois também aquela com a qual vivo levou o manto que costumo usar. E
não é isso somente, também levou as sandálias; não pude ir a nenhum lugar
(ARISTÓFANES.
Assembléia de Mulheres
. vv. 342
-
345).
Inserida nesta temática do vestuário, Rainho, defende que a moda não permanece
limitada ao vestuário, mas a cultura das aparências, pois esta envolve além das roupas, os
acessórios, as jóias, os calçados, os penteados, os cosméticos e outros (RAINHO: 2002, pp.
12-13). Entendemos que na sociedade ateniense as vestimentas não variavam tanto, dessa
forma, destacamos a grande importância dos acessórios, das jóias, dos penteados e dos
101
cosméticos para a demonstração de poder, de status symbol, de diferenciação de uma camada
para outra na sociedade
políade
. Na imagem que acabamos de analisar as roupas e os
acessórios são evidenciados.
A importância dos acessórios, jóias, etc, é sinalizada por Roland Barthes ao afirmar
que o detalhe envolve dois temas constantes e complementares: a singeleza e a criatividade.
Um pequeno nada que muda tudo; esses pequenos nadas que farão tudo; um detalhe que vai
mudar a aparência, os detalhes garantia de sua personalidade, etc (BARTHES: 1979, p. 230).
O especialista também destaca que o detalhe consagra uma democracia de ornamentos, mas
respeitando
uma aristocracia dos gostos. Estes ornamentos estavam nas roupas das mulheres
atenienses. Estes detalhes nas roupas eram produzidos por elas e foram entendidos e
reproduzidos pelos pintores e escritores, não só nas próprias vestimentas como no acabamento
d
os próprios vasos.
Na tragédia
Medéia
Eurípides priorizou dois adereços: véu e diadema. Em vários
versos da tragédia observamos que tais objetos foram usados para estabelecer comunicação e
vingança diante dos acontecimentos. Medéia, como foi abordado, utiliza de suas práticas
para punir a noiva, o pai da noiva e principalmente seu esposo. Os adereços se destinam para
uma princesa, portanto, denotam seu valor, não é um véu qualquer e sim um véu dos mais
finos fios e um diadema de ouro. Os objetos denotam
prestígio,
status
social, demarcam uma
posição dentro da sociedade grega
67
O nada que se torna tudo, um detalhe que faz a diferença.
Na tragédia
Hipólito
Eurípides lança mão do véu. Fedra não consegue levantar a
cabeça, encontra-se com dificuldades, está debilitada, sofre e a forma que o tragédiógrafo
demonstra o quanto ela está fraca é justamente através do véu, pois este está pesando em sua
cabeça.
Lançando mão de alguns versos da peça As Troianas fizemos o levantamento das
insígnias de sacerdotisa: ramos de loureiro, franjas de e chaves do templo. As insígnias
utilizadas tinham o objetivo, dentre outros, de enunciar a sacerdotisa
68
.
As roupas foram destacadas por Eurípides na tragédia
Hipólito
. Por sua vez, aquele
que recebe em casa essa raça fatal, es
mera
-se em cobrir com adornos belos o ídolo
indesejável, mas para ornamentá-la com lindos vestidos , aos poucos o infeliz os seus bens
sumirem (EURIPIDES.
Hipólito
. vv. 669
-
673).
67
Mandá-
los
-ei a ela com presentes meus para a nova mulher, a fim de que ela evite o exílio deles: um véu dos mais finos
fios e um diadema de ouro. Se ela receber os ornamentos e com eles enfeitar-se, perecerá em meio às dores mais cruéis e
quem mais o tocar há de morrer com ela, tão forte é o veneno posto nos presentes (EURIPIDES.
Med
éia
. vv. 895
-
902).
68
Cassandra
Ah! Insígnias de meu deus querido; adornos de horas de êxtase!
(EURÍPIDES.
As Troianas
. v. 565).
102
Quanto as jóias e os cosméticos, temos na documentação imagética a
pyxís
que era
uma caixinha utilizada para guardar jóias, cosméticos e pó. Nas cenas, principalmente de
interior, detectamos a presença de artefatos que, de acordo com o discurso ideológico dos
atenienses, não deveriam estar presentes nas imagens, pois estas almejavam reafirmar o
modelo de esposa ideal. O espelho, nos remete à vaidade e à sedução, os frascos de perfumes,
alabastra
, fazem referências ao uso de perfumes. As
pyxídes
e as jóias (brincos, pulseiras,
colares e tiaras) representam uma preocupação com a estética e com a sedução, ocorrendo um
distanciamento do modelo de passividade. As jóias podem representar o prestígio social de
seus esposos, ostentação de poder e uma forma das mulheres se comunicarem.
Temos referências na documentação textual, como por exemplo, no
Oikonomikós
de
Xenofonte que trata do uso de cosméticos por parte da esposa e a repreensão do marido a tal
uso. As transgressões não eram permitidas, elas são diminuídas constantemente no decorrer
desta obra, tanto que através de uma atitude da esposa de Iscômaco, o autor desqualifica o
rompimento ao modelo. Esperava-se que ela fosse singela e arranjada. Verificamos esta
transgressão da esposa, quando Iscômaco a encontra maquiada e com calçado alto _ Um dia,
Sócrates, vi-a toda coberta de alvaiade, afim de parecer mais branca do que era, e carmim
para se corar; tinha calçado alto, afim de acrescentar a estatura (XENOFONTE.
Oikonomikós
. X, 2). Ao atenuar as margens do modelo o autor procura reafirmar o mesmo
através da resposta de sua esposa a este distanciamento, _ Que outra coisa podia ela fazer
senão deixar
-
se para sempre de tais modos e mostrar
-
se
-me singela e decentemente arranjada
(XENOFONTE.
Oikonomikós
. X, 9). Acreditamos que o autor se utiliza deste recurso para
restabelecer o modelo que não estava sendo priorizado pelas esposas abastadas, ou seja, que
havia se diluído nessa sociedade. Assim ele lança mão do rompimento para reiterar o
convencional. Diante deste quadro que envolve prestígio social e poder vamos refletir sobre
as idéias
de alguns pesquisadores quanto ao início da moda e sobre as vestimentas.
Apesar de alguns pesquisadores defenderem o surgimento da moda desde a
Antiguidade como aponta Rainho, outros elegeram o culo XIV como marco cronológico
para estabelecer o aparecimento da moda como, por exemplo, Lipovetsky. Este autor
compreende que a função ornamental das roupas tenha existido desde as sociedades
primitivas (RAINHO: 2002, p. 13).
No decorrer de nosso estudo verificamos que vários especialistas se posicionaram
quan
to ao surgimento da moda. Dentre eles Souza que defende que a moda começa realmente
no século XV (SOUZA: 2001, p. 93). Braudel afirama que é a partir de 1350 que podemos
datar as primeiras manifestações da moda (BRAUDEL: 1997, p. 286). Lipovetsky, cita
do,
103
se posiciona concebendo que a partir do final da Idade Média que é possível reconhecer a
ordem própria da moda (LIPOVETSKY: 2002, p. 23). E Dorfles concebe de forma contrária
afirmando que a moda nasce na Antiguidade (DORFLES: 1990, p. 60). Diante do leque de
embasamentos defendemos, compartilhando com Lipovetsky, que as roupas tinham um
posicionamento ornamental, mas que o fenômeno moda deve ser concebido a partir do final
da Idade Média. Logo o conceito moda não será aplicado ao mundo antigo.
As vestimentas além de envolverem o campo ornamental, também compreendiam a
comunicação, assim defendemos. Processos comunicacionais que os cidadãos atenienses
tentaram silenciar . que eles almejaram anular as esposas que viveram na
pólis
, porém
sustentamos
que este objetivo não foi totalmente alcançado. As atenienses se apropriaram e
desenvolveram outras formas de comunicação rompendo o esquematismo social, se
manifestando na
pólis
. O teatro grego e as produções dos pintores foram os principais
divulgadores
destas formas de comunicação.
Na tragédia de Sófocles,
Electra
, alguns versos apresentam referências quanto à
questão das roupas denotando a posição social e o
status
. Neste momento suas roupas e seus
adereços não são de uma pessoa pertencente a um grupo social abastado. Esta tragédia
também foi representada pelos pintores. Electra, uma das personagens da peça oferece para
que seja colocado no túmulo de seu pai seus cabelos maltratados como súplica e seu cinto que
nada tem de luxuoso
69
(SÓFOCLES.
Eléctra.
vv. 446-447). As referências sobre as roupas de
Electra são relevantes (...) sou tratada de escrava no palácio, uso esta vestimenta
inconveniente e tenho que assediar mesas que nada têm para mim (...) Depois, imaginai que
dias passo quando vejo Egisto sentado no trono de meu pai, usando as mesmas vestimentas
que ele (...) (SÓFOCLES.
Eléctra.
vv. 192
-
193)
.
69
Oferece-lhe estes cabelos, como súplica, e este meu cinto que nada tem de luxuoso (SÓFOCLES.
Eléctra.
vv. 446
-
447).
104
Figura 19
Mulheres e homem
19c 19d
19a
19b
105
19e
19f
Localização: Moscow, Pushkin State Museum of fine arts. Inv. II 1b612. Temática: Mulheres e homem.
Proveniência: Sicília. Forma:
hydría
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Sydney Data: 360-340. Indicação
Bibliográfica:
C. V. A. Rússia_ Pushkin State Museum of fine arts _ Moscow. South Italian Vases _ Lucania
Campania. Fascicule III. By Olga Tug
usheva.
Nesta
hydría
temos representado, no centro, a cena de uma tragédia, segundo a
descrição contida no
C.V.A.
. Esta foi composta por três personagens, duas mulheres e um
homem (19a). As mulheres
70
vestem
chitón
e
péplos
decorado com linhas retas e com linhas
pontilhadas (19c e 19d).
No centro, o pintor destacou o altar onde vemos uma personagem feminina sentada
nele (19d). O jogo de olhares desta personagem está em três quartos. Sua cabeça está
inclinada e o gesto efetuado com o braço esquerdo denota preocupação. Esta personagem usa
chitón
com
péplos
com linhas retas estreitas e largas e linha pontilhada; está descalça. Ela usa
uma pulseira no braço esquerdo. Do lado direito da mulher sentada no altar se aproxima uma
mulher, segurando um
oinochoe
e um
phiale
71
. Seu cabelo está amarrado. Esta mulher usa
chitón
com corpete, com linha pontilhada em baixo do peito, também linha tracejada na
túnica e na bainha de chitón. Ela usa um colar com detalhes em forma de círculo. na face
interna do pé temos reserva
do um esboço de genitália.
A. D. Trendall supõe que a cena da
hydría
de Moscou provavelmente é de inspiração
trágica (TRENDALL, LCS, 128), enquanto N. M. Loseva tratou a composição como uma
reunião de Orestes e Electra à tumba do Agamemnon (LOSEVA, 1988, 1
76).
70
O ca
belo da primeira personagem da esquerda para direita está preso, já o da segunda personagem é longo e está solto com
uma faixa no alto da cabeça. O homem está em pé, ele possui um tecido jogado no ombro direito que passa pelas costas e cai
no braço esquerd
o (19a e 19b). Com a mão esquerda ele segura um bastão. O tecido está ornado com linha reta. Entre as duas
mulheres temos no fundo um tecido pendurado que está decorado com linhas pontilhadas e entre a mulher que está sentada
no altar e o homem temos uma c
oroa pendurada.
71
Cântaro, taça (
kýlix
),
skýphos
e
phiale
eram vasos de beber.
106
Nas comédias há referências quanto às cores das roupas. Em
Lisístrata
, as roupas e os
adereços são utilizados pelas esposas como táticas para seduzir seus maridos e persuadí-
los
para que desistam da guerra. Encontramos então referências quanto às vestimentas das
mulheres e a tentativa de lançar mão delas para conseguir êxito na comunicação com os
maridos
72
. Em outros versos temos além da ratificação do uso das roupas e dos adereços para
persuadir os homens. Há destaque para tapetes bordados, mantos de l
ã, túnicas finas e jóias de
ouro que estão presentes não na comédia, mas nas tragédias mencionadas. Na tragédia,
As Troianas, temos referências acerca das roupas e dos adereços. Cassandra em transe
imaginando estar celebrando suas bodas convida as virgens frigias para acompanhá-
la
Em
trajes coloridos celebrai o esposo que receberei no leito!
(EURÍPIDES. As Troianas. vv.
403-404). Os pintores também enfatizaram as cores das roupas das mulheres como nesta
pýxis
.
Figura 20
Grupo de mulheres
20a
20b
20c 20d
20e
72
E o que de sensato mulheres fariam ou de esplêndido, nós que enfeitadas nos sentamos com túnicas amarelas e
embelezadas com longas vestes ciméricas e sapatos elegantes? São essas coisas que espero que nos salvem, as túnicas
amarelas, os perfumes, os finos sapatos, as pinturas e as curtas túnicas transparentes (ARISTÓFANES.
Lisístrata
. vv. 42-
47).
107
20f 20g 20h
20i
20j 20l
Localização: Toledo Museum of Art
Toledo 1963.29. Temática: Grupo de mulheres. Proveniência: Atenas.
Forma:
Pýxis
. Estilo: Figuras Vermelhas
Fundo Branco. Pintor: de London D 12. Data: 470
460.
Indicação
Bibliográfica: www.perseus.tufts.edu - 03/08/2002,
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive Pottery Search
Number 275416.
Esta
pýxis
é datada de aproximadamente 470, faz parte da coleção do
Muse
u de
Toledo.
Da esquerda para direita vislumbramos uma coluna. Do lado direito desta coluna uma
mulher que senta em um banco, segurando duas frutas que estão sendo jogadas por uma
personagem que está em em frente à ela (20a). A primeira mulher está usando um
chitón
e
himátion
(20d). Em frente a ela no está um cesto de lã. Do outro lado do cesto uma segunda
mulher segura um quarto fruto (20e). Uma grinalda está pendurada na parede atrás da segunda
mulher; atrás desta uma terceira mulher está sentada em um banco (20f). Os braços dela estão
cobertos pelo seu
himátion
; ela olha para uma quarta mulher que está em frente à ela e que lhe
oferece um fruto com o braço direito estendido (20h). Um segundo cesto de está no chão
entre elas. Um terceiro banco com uma almofada listrada está representado atrás da quarta
mulher (20i); atrás deste uma quinta mulher está em segurando um espelho grande na mão
direita (20j).
O cabelo de todas as mulheres são longos, na altura do pescoço, a não o da primeira
personagem q
ue está preso. Todos os
himátion
têm a cor marrom avermelhado.
A tampa do
recipiente está enfeitada com uma grinalda de azeitona e caroços.
Concebemos que os adereços eram utilizados pelas mulheres atenienses para denotar
status
social
e prestígio. Tais adereços encontrados na imagética ática, representados nos vasos da
108
cerâmica desta sociedade tinham ampla circulação não em Atenas, mas em outras
localidades influenciando o cotidiano. As vestimentas e os adereços usados pelos atenienses
eram enunciadores de seu poder aquisitivo, quando usavam determinadas roupas e adereços
almejavam anunciar uma mensagem e as mulheres tinham o controle dessa produção que os
pintores e escritores reproduziram e que chegaram até os nossos dias.
Refletiremos, a seguir, sobre
os bordados nos tecidos.
3.3. Mitos, tecelagem e bordados
Nesta parte da dissertação, enfatizaremos os bordados nos tecidos. Desde o primeiro capítulo
destacamos as roupas atenienses e os seus detalhes. Estes estão mencionados na
documentação textual e na documentação iconográfica. No caso específico dos bordados
lançaremos mão de dois mitos presentes no imaginário coletivo da sociedade ateniense: o
Mito de Philomela e o Mito de Aracne.
Profundamente enraizados no imaginário humano, os mitos são dotado
s de uma extraordinária
vitalidade: eles nascem, vivem e evoluem com as épocas, os países e sobrevivem com nomes
ou aspectos diferentes (JULIEN: 2002, p. 5). De acordo com Junito de Souza Brandão O
inconsciente coletivo é constituído pela soma dos instintos dos seus correlatos, os arquétipos.
Assim como cada indivíduo possui instintos, possui também um conjunto de imagens
primordiais. Assim tem
-se o mito como exteriorização de conteúdos do inconsciente coletivo
(BRANDÃO: 2001, p.14).
Inserida nesta discussão sobre o mito Nuñez afirma o é difícil perceber, no
conjunto da Oréstia, que o mais importante instrumento de construção poética é o elenco de
imagens que reduplicam, rememoram e/ou recriam a problemática do texto fazendo-se ou do
mito desdobrando-se em variações de si mesmo (NUÑEZ: 2000, p. 71). As variações do
mito estão presentes no decorrer deste estudo. Através do diálogo com a documentação
textual buscamos essas permanências dos mitos nas produções dos atenienses.
Já, no caso das imagens, comparamos a freqüência das decorações nas roupas e
relacionarmos à proveniência dos vasos objetivando levantar os tipos de ornamentos, se havia
detalhes específicos para deusas,
bem
-
nascidas
e escravas, se havia referências dos detalhes
na documentação textual e se a sociedade ateniense encomendava os vasos procurando
priorizar o modelo mélissa
.
109
O estudo de Cecchetti a respeito do problema da decoração dos tecidos e trajes do VI
século na Grécia, citado anteriormente teve grande relevância para nós. A autora construiu e
analisou um catálogo de pranchas justamente sobre estes detalhes. Giovanni Becatti considera
que com o desaparecimento da grande pintura grega, a cerâmica representa um subsídio
fundamental para esta indagação a pelo seu caráter mais artesanal, esquemático e
ornamental. (CECCHETTI: 1971
-
1972, p. 3).
De acordo com Becatti, na introdução do trabalho de Cecchetti, encontramos na
cerâmica ática de figuras negras a primeira expressão importante deste problema decorativo
dos costumes gregos e o e
studo destes proporciona apanhar os aspectos que se manifestam em
Atenas, o mais significativo centro cultural e artístico no século VI. Os motivos decorativos
são vistos nas vestimentas, esquematizando a forma das túnicas longas, das túnicas curtas e
dos
mantos. Desfolhando as pranchas se pode ter sob os olhos, o esquema decorativo e
sintático dos costumes áticos do VI século que foram interpretados pelos ceramistas de figuras
negras, através da escolha de tudo que é fundamental e significativo (CECCHETTI: 1971-
1972, p. 4).
Apesar de nosso estudo não está direcionado para o VI século, concebemos que este
trabalho nos fornece ferramentas de análise que podemos aplicar às vestimentas no período
que nos delimitamos. A periodização é diferente, mas os vasos são de fabricação ateniense.
Acreditamos que os ceramistas dos V e IV culos também interpretaram os costumes
atenienses e representaram em suas produções. Em nosso estudo procuramos trabalhar com a
imagem do vaso, destacando detalhadamente os ornamentos nas indumentárias. Em seguida,
relacionamos e comparamos os dados almejando interpretar de que forma as mulheres
atenienses se comunicavam por intermédio das roupas, dos bordados e dos adornos.
Becatti sinaliza que os tecidos e os tapetes deviam ser, de fato, um grande meio de
difusão dos motivos decorativos que influenciaram o gosto e que foram reelaborados também
nas outras técnicas artísticas (CECCHETTI: 1971-1972, p. 5). Ao analisarmos uma imagem
entendemos que os ceramistas procuraram interpretar nas técnicas de incisão e seu particular
estilo a real decoração dos trajes em quais se inspiraram.
Ao nos direcionarmos para os bordados na documentação textual, na tragédia
As
Troianas
, uma referência de bordado importante na fala de Hécuba sobre a roupa de seu
filho Paris A imagem de meu filho em sua roupa exótica, bordada de ouro fulgurante,
transtornou
-te a alma; (...) (EURÍPIDES. As Troianas. vv. 1261-1263). Ela não descreve o
bordado, mas a roupa diferente está representando a alteridade do estrangei
ro,
o outro. Sendo
um príncipe sua roupa possuía uma padronagem de acordo com seu
status
social, não é um
110
bordado qualquer, mas um bordado com ouro. Este desperta a atenção de Helena, segundo
Hécuba
73
, a qualidade do bordado demonstra a que camada social o personagem pertencia.
Concebemos que as esposas podiam lançar mão de tal atividade como um veículo de
comunicação entre si. De acordo com Buxton tecer é um meio de comunicar. A tecelagem de
Penélope comunica dor, morte e também é um símbolo de trapaça (BUXTON: 1996, pp. 142-
143).
No
skyphós
que segue o ceramista representou uma cena de tecelagem cujo tecido que
está sendo trabalhado possui decoração. Nos deteremos na análise da imagem 21a, 21b e 21c.
Figura 21
Tecelagem e bordado
21a
21b
73
Hécuba
E trocando Esparta pela rica terra frígia,
por onde corre um rio de ou
ro, imaginavas
que aqui terias bens em superabundância
(EURÍPIDES.
As Troianas.
vv. 1264
-
1266).
111
21c
21d
Localização: Chiusi, Museo Archeologico Nazionale, 1831. Temática: Lado A: Penélope e Telemaco. Lado B:
Odisseus. Proveniência: Etrúria. Forma:
Skyphós
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Penélope P. por Hauser.
Data: 430 a. C.. Indicação Bibliográfica:
www.perseus.tufts.edu
;
www.beazley.ox.ac.uk
BEAZLEY Archive
Pottery Search Number 216789.
Na face 21a temos duas personagens representadas. Penélope, de acordo com
Beazley,
sentada em um banco, ela usa
chitón
e
himátion
sem decoração (21b). Seu gesto, assim
concebemos, parece de espera: mão direita no queixo e mão esquerda em cima do banco. Seu
olhar de três quartos está voltado para o chão. Na sua frente Telêmacos s
egura uma lança com
a mão esquerda e tem sua mão direita repousada sobre a cintura, parecendo esperar uma
reação de Penélope. Seu olhar em perfil está voltado para Penélope. Atrás das personagens
um tear com um tecido ricamente bordado com motivos flora
is, monstros e animais (21c).
O testemunho da documentação literária induz ainda a pensar que os trajes ricamente
decorados com motivos florais, de monstros e animais, que se mostram nos monumentos
figurados a começar pelo período orientalizante, não são fantasia do artista, mas reflexo mais
ou menos estilizado dos tecidos reais e inspiração de um tipo de traje no tempo, em geral de
112
caráter mais excepcional e procurado, através do qual se distinguem divindades ou
personagens particulares (CECCHETTI: 1971-
19
72, pp. 5-6). Defendemos que esta cena de
tecelagem vem valorizar esta diferenciação nas vestimentas. Este tecido estaria voltado para a
vestimenta em homenagem aos deuses e não de agentes contemporâneos ao artista.
Segundo Laver Os adornos, geralmente confinados às extremidades, eram bordados e
não tecidos no pano, e consistiam em desenhos formais como a cercadura grega , flores e
figuras de animais (LAVER: 2003, p. 30).
Discordamos de Laver quando este afirma que os detalhes nas vestimentas eram
borda
dos e não tecidos nos panos, pois a documentação imagética nos conduz a uma reflexão
sobre a decoração sendo efetuada no ato da tecedura
74
. E compartilhamos com o pesquisador
quando afirma que grande parte dos adornos eram feitos nas extremidades dos trajes
.
Objetivando enfatizar a questão da roupa como aspecto ornamental e comunicacional
procuramos analisar esta imagem que apresenta signos reveladores sobre as vestimentas
femininas, principalmente quanto aos bordados.
Prancha 22
Mulheres secando roupas
22a
74
Na
pýxis
de Figuras Vermelhas analisada no primeiro capítulo vislumbramos uma mulher decorando o tecido no ato da
tecedura. Para verificarmos maiores detalhes podemos consultar a Figura 3.
113
22b
Localização: Nova York, Metropolitan Museum, 75. 2.11; ARV2. Temática: Mulheres secando roupas.
Proveniência: Atenas. Forma:
Oinochoe
. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Meidias Painter. Data: Entre 450 e
400 a. C.. Indicação Bibliográfica: Nova York, Metropolitan Museum, GR 1243, Nova York, Metropolitan
Museum 75. 2.11; ARV2, 1313.11, 1580;
www.beazley.ox.ac.uk
Beazley Archive, 220503. Boardman, 1989,
fig. 288.
Neste
oinochoe
está representada uma cena de secagem de roupas. Nesta duas
mulheres cuidam de vestimentas decoradas. Seus cabelos estão presos com tiaras e
chinó
. A
cena apresenta mobília, uma cadeira e balança para secar roupa. Da esquerda para a direita
uma criança com uma coroa na cabeça se aproxima da mulher que está curvada próximo a
fogueira. Ela segura com as duas mãos um
lékythos
, seu gesto indica que ela está derramando
algum líquido sobre a fogueira. Sua vestimenta é decorada com estampas de flores e ramos
(22b). Entre as duas personagens no centro da cena uma balança está repleta de tecidos
decorados com flores e ramos. Seguindo, temos uma mulher representada ajeitando os tecidos
com o braço direito estendido. Sua roupa é lisa, não possui estampas. Ela usa brincos e
cordão. Atrás dela temos uma cadeira adornada com tecidos decorados. As personagens
evoluem num mesmo plano.
Os jogos de olhares estão de perfil, ou seja, o receptor da mensagem não está
convidado a participar da ação. O pintor enfatizou a conservação das roupas pelas mulheres e
também os detalhes das roupas produzidas por elas. Uma das tarefas femininas era a função
de confeccionar as vestimentas, elas usavam roupas elaboradas e lançavam mão além das
roupas dos adereços para se comunicarem e demarcar individualismo em relação ao
coletivismo social.
114
Além da imagética, estes meios de comunicação, ou seja, a tecelagem e o bordado
estão presentes no mito de Philomela. De acordo com o mito, Philomela era irmã de Prócne,
ambas filhas do rei ateniense Pandíon, e cunhada de Tereu, rei da Trácia. Prócne lamenta a
ausência da irmã, e envia seu esposo para buscá-la em Atenas, mas Tereu quando
Philomela é tomado de uma paixão ardente. Philomela acaba por ser violentada por Tereu, seu
cunhado. Este, para que a violação não fosse revelada, corta a língua de Philomela e mantêm-
na fechada em lugar seguro. Resta-lhe, então, a arte de tecer e bordar para narrar à sua irmã o
que havia acontecido. Ela borda em uma tapeçaria a narrativa do ocorrido e faz chegar às
mãos de Prócne. Esta
como forma de punição, visto que Tereu havia transgredido uma das
regras de relações de intimidade entre os que viviam no interior do
oîkos
mata o próprio
filho Ítis, cozinha e oferece a carne como refeição ao marido. Prócne foge com a irmã.
Quando Tereu descobre o crime sai em perseguição às duas, alcançando-as em Dáulis, na
Fócida. As irmãs imploram o auxílio dos deuses e estes atendendo ao pedido transformaram
Prócne em rouxinol e Philomela em andorinha. Tereu foi metamorfoseado em mocho.
Podemos perceber com o mito que as mulheres utilizavam os recursos de sua esfera como
maneiras de comunicação e, dentre elas, está o bordado como uma linguagem que era
decodificada pelos diversos grupos de mulheres (BUXTON: 1996, p. 141; BRANDÃO: 2001,
vol. II, p. 41 e vol
. III, pp. 150 e 236; LESSA: 2004, pp. 72
-73). Os mitos apresentam que um
pequeno desvio de um ato doméstico leva a uma catástrofe ou a infidelidade (BUXTON:
1996, p. 141).
Este mito pertencia ao imaginário coletivo dos helenos. Aristófanes desdobra-o na
comédia
As Aves. Nesta comédia Prócne, Philomela e Tereu aparecem transformados
respectivamente em rouxinol, corvo e poupa. No decorrer da peça Poupa precisa da ajuda de
rouxinol para convocar as aves para um pronunciamento da personagem Bom de Lábia Entr
o
logo, logo, ali no meu ninho, acordo a minha rouxinol e nós as chamamos. E elas, se ouvirem
nossa voz, virão correndo (ARISTÓFANES. As Aves. vv. 203-205). Poupa entra no ninho e
os dois cantam juntos. Esta é a citação em que Poupa entra no ninho e acorda a Rouxinol
Amiga minha, vem, deixa o sono, desata os cantos de sacros hinos, em que diva boca afora
choras nosso amado, pranteado Ítis, divinas notas tua fulva gorja trinando (ARISTÓFANES.
As Aves. vv. 209
-
213).
Outro mito importante em nossa temática é o de Aracne
.
Segundo Brandão, Athen
á
)
Mentora do Estado,
é
condutora das artes e da vida especulativa.
E
é
como deusa
dessas atividades, com o título de Ergá
ne
), Obreira , que ela coordena os trabalhos
femininos da fiação, tecelagem e bordado. E foi precisamente a arte da tecelagem e do
115
bordado que pôs a perder uma vaidosa rival de Athená. Filha de Ídmon, um rico tintureiro de
Cólofon,
Aracne
era uma bela jovem da Lídia, onde o pai exercia sua profissão. Bordava e
tecia com muita perfeição. A perícia de Aracne valeu-lhe a reputação de discípula de Athená,
mas entre os dotes da fiandeira não se contava a modéstia, a ponto de desafiar a deusa para
uma competição pública. Athená aceitou, mas apareceu-lhe sob a forma de uma anciã,
aconselh
ando
-a a que depusesse seu descomedimento, que não ultrapassasse o
métron
, que
fosse mais comedida, porque os deuses não admitiam competição por parte dos mortais. A
jovem, em resposta, insultou a anciã. Indignada, Athená se manifestou em toda a sua
imponê
ncia de imortal e declarou aceitar o desafio. Depuseram-se as linhas e deu-se início ao
magno concurso. Athená representou em lindos coloridos, sobre uma tapeçaria, os doze
deuses do Olimpo em toda sua majestade. Aracne, maliciosamente, desenhou certas his
tórias
pouco decorosas dos amores dos imortais, principalmente as aventuras de Zeus. Athená
examinou atentamente o trabalho da jovem da Lídia e verificou que não havia nenhum
deslize, nenhuma irregularidade. Estava uma perfeição. Vendo-se vencida ou ao men
os
igualada em sua arte por uma simples mortal e irritada com as cenas criadas por Aracne, a
deusa fez em pedaços o lidíssimo trabalho de sua competidora e ainda a feriu com a naveta.
Insultada e humilhada, Aracne tentou enforcar-se, mas Athená não permitiu, sustentando-a no
ar. Em seguida, transformou-a em aranha, para que tecesse pelo resto da vida (BRANDÃO:
2001, p. 27).
Segundo Nuñez, O homem tem fascinação pelo mundo dos insetos
75
. (NUÑEZ:
2000, pp. 71
-
72).
Os mitos, segundo Buxton, selecionam partes da experiência, os mais característicos
sobre um plano simbólico, isto pode ser confirmado pelo destaque à tecelagem que conjuga
uma imagem única e fecunda, com implicações conflituosas engendradas por um duplo
conceito de mulher reclusa ao lar, intriga e
trapaça (BUXTON: 1996, p. 142).
Cliteminestra, como manipuladora de uma farmacopéia aplicada ao cumprimento de
seus interesses nefastos, tece em sua intimidade planos pérfidos (NUÑEZ: 2000, p. 227) . Não
é somente Cliteminestra que tece sua vingança utilizando seus conhecimentos. Medéia,
também lança mão deles e tece em seu pensamento a sua vingança Vêm-me à mente vários
caminhos para o extermínio deles, mas falta decidir qual tentarei primeiro amigas
(EURIPIDES.
Medéia
. vv. 423-426). Medéia opta por seus conhecimentos para vencer seus
75
Apesar da estranheza desses seres minúsculos, basicamente oriunda de uma fisiologia descarnada e pontiaguda, de uma
negritude ruidosa e sempre em movimento, do contraste entre a secura de sua constituição e o ambiente larvar de que se
originam, os insetos provocam a inquietação e a curiosidade humanas e, por isso mesmo, tornaram
-
se uma imagem recorrente
do pensamento simbólico (NUÑEZ: 2000, pp. 71-
72).
116
inimigos: Melhor será seguir diretamente a via que meus conhecimentos tornaram mais
segura: vencê-
los
-ei com meus venenos (EURIPIDES.
Medéia. vv. 434
-
436).
Dessa forma, ela não poupa recursos e nem artifícios para alcançar seus objetivos
Vamos Medéia! Não poupes recurso algum de teu saber em teus desígnios e artifícios
(EURIPIDES.
Medéia
. vv. 456-457). Assim como a Aracne, confiou em seus artifícios para
desafiar e vencer ou se comparar a Athená, no bordado, Medéia confiou em seus venenos e
teceu em sua intimidade a vingança. A tragédia sinaliza as mulheres utilizam os recursos de
sua esfera para conseguir o que desejavam: uma roupa (Dejanira
túnica envenenada),
Medéia (envenena o adereço da rival), Cliteminestra (tapete de púrpura) ou com jóias
(Hécuba os broches).
Além dos mitos que enfatizam a questão do bordado como um meio de comunicação,
o festival das
Panathéneias
(
)
tamb
ém enfoca o bordado na vestimenta
.
Analisaremos, neste momento este festival que fazia parte do calendário cívico de Atenas.
De
acordo com Brandão, como Ergá
ne
), Obreira , Atená coordenava os trabalhos das
mulheres na confecção de suas próprias vestes, pois que ela própria dera o exemplo, tecendo
sua
túnica flexível e bordada (Il., V, 734). E na festa das
Khalkeîa
( ), festa dos
trabalhadores em metais , duas ou quatro meninas, denominadas
Arréforas
, com o auxílio
das Obreiras de Atená, iniciavam a confecção do
péplos
sagrado, que, nove meses depois,
nas
Panathéneias
, deveria cobrir a estátua da deusa, substituindo o do ano anterior
(BRANDÃO: 2001, p. 28).
Desde a infância a tecelagem e o bordado estavam inseridos na educação da esposa
proveniente de uma família abastada, visando o casamento, onde a mulher (...) conquistava o
seu lugar social: primeiro como esposa do cidadão, e em seguida como mãe, ao gerar filhos
legítimos para a comunidade em que vivia (CANDIDO: 1998, p. 232). Dessa forma, desde a
infância a menina passava por vários ritos de passagem objetivando sua preparação para o
casamento
76
. Um desses ritos estava inserido nas
Panathéneias
como podemos verificar no
quadro
77
:
76
Para obter mais informações sobre os ritos de passagem consultar:
LEGRAS: 1998.
77
Este quadro foi construído a partir da leitura de BRANDÃO: 2001, p. 28 e LEGRAS: 1998, pp. 82
-
85.
117
Quadro 3
-
Panatenéias
e o bordado inserido no cotidiano feminino ateniense
Local
Participantes
Objetivos
Templo de
Athená
(espaço urbano)
jovens de 07 a 11 anos _
Arrephóroi
)
duas ou quatro meninas
atenienses eram escolhidas
entre as famílias nobres.
Iniciação nos rituais
religiosos e na manutenção
das oferendas votivas a
deusa.
Conduzir em procissão a
indumentária e os objetos
sagrados de Athená.
Percebemos
que nos espaços sagrados, onde os ritos de passagem ocorriam, vários
ensinamentos eram transmitidos para as jovens através das que possuíam mais idade:
trabalhos de tecelagem e bordado, preparação de doces e grãos a serem ofertados às deusas.
Verificamos
que algumas tarefas peculiares a uma esposa
bem
-
nascida
se faziam presentes
no decorrer de sua infância não no
oîkos
, onde as atividades se desenvolviam, mas nos
locais sagrados. Nestes locais as esposas em grupos podiam dialogar, e preparar os objet
os
votivos para a deusa Athená que seriam expostos nas
Panathéneias
para toda a comunidade
políade
. Neste dia as esposas e as meninas expunham para a comunidade, o
péplos
bordado
para a deusa. Era uma forma de se comunicarem não com os agentes sociais, mas
principalmente com os deuses. Augé defende que Em cada etapa de seu crescimento social e
de sua maturação biológica o indivíduo vê, pois, se adicionarem uns aos outros os símbolos
materiais de uma identidade singular que, no entanto não se fixa em definitivo a nenhum
deles (AUGÉ: 1999, p. 34).
Nos deteremos na procissão e na entrega do novo
péplos
à deusa. Athená, como a
grande obreira que preside as tarefas de tecelagem e bordado, também influenciava nos
momentos de confecção de seu próprio
péplos
c
omo nesta tarefa que era realizada diariamente
pelas mulheres atenienses. A importância destas atividades neste festival, apontado como um
dos mais importantes de Atenas, é enfatizado pelo reconhecimento de que a entrega da
vestimenta era o ponto principal da festa. Segundo Lessa o festival chegava ao seu ponto
culminante com uma procissão, na qual o
péplos
, um adorno tecido por virgens atenienses
bem
-nascidas e bordado com a representação da luta entre Athená e os Gigantes, era levado
até o Parthenon, o templo da deusa na Acrópole
(LESSA: 2004, pp. 138-139). Concebemos
que era uma vestimenta ricamente bordada, pois se destinava a uma deusa.
118
Esta festa em homenagem à Athená congregava em torno de si a participação de toda
pólis
. O festival continha as seguintes etapas: um banquete público que reunia todos os
participantes dava início a festa, em seguida vinham os jogos agonísticos, corrida de
quadrigas, um concurso de
pírricas
, uma corrida com fachos acesos
Lampadedromía
( ), seguida de uma giga
ntesca procissão que saía das ruas centrais da cidade e
chegava à Acrópole e o rito final era a entrega, no interior do santuário, do novo
péplos
que
significava a vitória dos deuses do Olimpo sobre os mortais (BRANDÃO: 2001, p. 29).
Alguns estudiosos do tema afirmam que existiram as
Panathéneias
sobre a forma de
uma procissão em homenagem a deusa Athená e um festival com proporções maiores, as
Grandes Panathéneias, que acontecia de quatro em quatro anos e englobava uma série de
rituais mais variados que os existentes no festival anual
78
. Fábio Vergara pesquisando as
grandes procissões públicas (
pompaí
panatenaicas e eleusinas) defende que Dentro desse
espírito de valorização da vida coletiva, como forma de enaltecimento do sentimento
comunitário, que desde as reformas de Drácon e Sólon, tendeu a aumentar - (...), os pintores
de vasos Áticos nutriram um particular interesse pelas representações da mais importante de
todas as procissões atenienses, a
pompé
realizada a cada quatro anos por ocasião das Grandes
Panathenéias
(VERGARA: 2000/2001, p. 88).
Nesta festa específica as relações de gênero estavam presentes, pois todos os sujeitos
sociais da pólis poderiam participar. Era um momento em que as mulheres, principalmente no
ato da renovação do
péplos
marcavam
sua atuação na pólis, pois elas detinham o controle
sobre as tarefas de tecelagem e bordado que eram primordiais na culminância da
comemoração. Marcavam sua identidade mediante a alteridade (AUGÉ: 1997, p. 100). A
atividade ritual objetiva estabelecer, reproduzir e renovar as identidades individuais e
coletivas (AUGÉ: 1999, p. 45). Legras defende que esses ritos remetem à esfera da
sexualidade (os cestos que continham bolos em forma de serpente e réplicas de fálos, onde
vivia a mulher casada, e as atividades femininas da tecelagem e bordado (a confecção do
péplos
oferecido a cada ano à Athená), que possui grande relevância em nosso trabalho
(LEGRAS: 1998, p. 82).
Becatti afirma que os bordados nos tecidos em forma de pontos é a primeira a aparecer
nos traje
s do fim do geométrico. De acordo com a pesquisadora os pontos esparsos sobre toda
a superfície dos tecidos quanto aqueles no fim devem ser considerados próprios da
ornamentação dos tecidos e da costura e perduraram outros tempos. O uso das rosas de ponto
78
Para maiores referências quanto a periodicidade do festival consultar LESSA: 2004, p. 127.
119
que são esparsos sobre o tecido sejam alinhados em fila sobre o ornamento encontram
particular aparecimento na cerâmica ática. A autora defende que entre os motivos áticos
caracterizados pela borda está a sinuosidade, o emaranhado de linhas em suas várias
formas: a
escada, a dupla e elementos em um ritmo oblíquo. As espirais, o semicírculo intervalado com
um ponto no meio (CECCHETTI: 1971
-
1972, p. 7).
Em sua pesquisa Cecchetti, segundo Becatti, encontra um particular desenvolvimento
na Ática, no gosto pela
decoração mesma sobre o pano e ao lado. Ela enfatiza a decoração em
estilo geométrico. Quadrada com motivos alternativos de elementos emaranhados, de cruzes
com pontos, rosas, discos pontilhados, quadradinhos simples ou com rombos menores ou com
estrelas,
ponto branco em uma escama, ponto branco com uma cruz, filas de escamas isoladas,
linhas onduladas (CECCHETTI: 1971
-1972, pp. 7-
8).
A pesquisadora conclui que a escolha destes exemplos de trajes decorados pode por
conseguinte ajudar a reconstituir o quadro perdido do gosto ornamental dos tecidos gregos no
século VI pelo menos em linha geral. Tendo em vista as várias nuances e os diversos níveis
qualitativos dos ceramistas. Becatti afirma que os elementos decorativos de última produção
de figuras negras fazem mostrar a tendência de não seguir a severa disciplina do início e a
procura de expressões novas que trouxeram ao uso de novas técnicas de figuras vermelhas
uma decoração dos tecidos mais fluída (CECCHETTI: 1971
-
1972, p. 9).
Em nosso trabalho pesquisamos, por amostragem, 22 representações nos vasos.
Verificamos que os ceramistas através da seleção de seu repertório construíram as decorações
nas vestimentas onde a presença das linhas geométricas possui grande influência. Estas roupas
não variavam tanto, os modelos eram poucos, os tecidos eram ornamentados, principalmente
com linhas geométricas, figuras geométricas e estampas florais, com grande predominância
para as linhas retas.
Quadro 4
Tipos de decorações nas roupas
Decorações
Figuras
Círculo
Figura 10
No
sakkós
das personagens.
Figura 13
Roupa da personagem.
Figura 17
Roupas das personagens.
Circunferência
Figura 6
No
sakkós
da 2
a
. personagem.
No
sákkós
da 3
a
. personagem.
Figura 17
Roupas das personagens.
120
Semicircunferência (arco de circunferência)
Figura 3
No tecido que forra a cadeira de
encosto elevado.
Linhas quebradas
Figura 1
No pedaço de tecido,
sakkós
, da
personagem que está sentada.
Figura 3
No tecido que es sendo
trabalhado no tear man
ual
Figura 6
No
sakkós
da 1
a
. personagem.
Figura 6
No tecido que forra a cadeira.
Figura 10
No
sakkós
das personagens.
Figura 14
Roupas das dançarinas.
Linha reta
Figura 2
Na roupa da personagem.
Figura 3
Na roupa da personagem que
segura um
a caixa com as duas mãos.
Figura 3
Nas almofadas
Figura 3
No tecido que está sendo
mostrado.
Figura 6
Roupa da 1
a
. personagem
Figura 6
Roupa da 2
a
. personagem.
Figura 7
Roupas de algumas
personagens.
Figura 8
Roupa da primeira personagem.
Fig
ura 11
Vestimenta da personagem
Figura 12
Vestimentas de algumas
personagens.
Figura 13
Roupa de Afrodite.
Figura 13
Roupas de outras personagens.
Figura 13
Roupa de Hera.
Figura 15
Roupas de personagens.
Figura 17
Roupas das personagens.
Fi
gura 18
Roupa da personagem e no
sakkós
.
Figura 19
Roupas das personagens.
Segmentos de reta
Figura 3
Na roupa da terceira
personagem que segura um
alabastro
.
Figura 13
Roupa de Hera.
Linhas pontilhadas
Figura 1
No pedaço de tecido,
sakkós
, da
personagem que está sentada.
Figura 3
No sakkós da 4
a
. personagem.
Figura 5
Nas roupas da segunda e da
terceira personagens da esquerda para
direita.
Figura 6
No tecido que forra a cadeira.
121
Figura 7
Roupa da personagem que está
sentada
e uma que está em pé.
Figura 14
Roupas das dançarinas.
Figura 19
Roupas das personagens.
Linhas onduladas
Figura 1
-
No manto da personagem que
está curvada para rece
ber a criança.
Figura 2
Na roupa da personagem.
Defendemos que estas ornamentações nos tecidos estavam inseridas na cultura
ateniense, que os pintores construíram seu repertório baseando-se, entre outros, nestes tecidos
e bordados que compunham as vestimentas dos atenienses. Ao confrontarmos os detalhes dos
tecidos contidos na documentação imagética, os adereços utilizados pelas personagens com a
documentação textual concluímos que as roupas e os adereços eram enunciadores de
mensagens, principalmente do status social das mulheres que lançavam mão dos adereços
com a finalidade de marcar a diferença de posição. Este tipo de comunicação foi entendido
pelos pintores e representado nos vasos.
Comparando as 22 imagens trabalhadas, 17 apresentam decorações nas vestimentas e
somente em 5 as decorações estão ausentes e apenas 1 possui estampa floral. Das imagens que
contém decoração, 17 apresentam linhas retas.
Compreendemos que as decorações nos tecidos também serviram de inspiração para os
artistas produzirem decorações entre as imagens que eles retrataram nos vasos. Essas
representações giraram em torno de linhas geométricas, figuras geométricas e estampas
florais.
Concebemos que as mulheres, principalmente do segmento abastado, usavam roupas
com decorações e que os acessórios é que ditavam a diferença, era principalmente através
deles na composição do vestuário que elas se comunicavam, um nada que fazia a diferença.
122
CONCLUSÃO
No decorrer de nossa pesquisa
mapeamos
os processos comunicacionais das mulhere
s
atenienses, principalmente das esposas
bem
-
nascidas
. Para tal comparamos os resultados
oriundos do diálogo interdisciplinar entre as pesquisas de Gênero, de Antropologia, de
Arqueologia e de História. A comparação foi realizada no nível de singularidade
das mulheres
atenienses. Estas possuíam um leque diversificado de formas de se comunicar. Nos
concentramos em algumas dessas formas: nos gestos, na dança, nas roupas, nos bordados nos
tecidos e nos adereços.
As esposas dos cidadãos atenienses ao buscarem maneiras variadas de se
comunicarem, se afastavam do modelo de comportamento idealizado, estabelecendo uma
coesão cominicacional com aquelas que estavam envolvidas neste processo, ou seja, as que
usavam a linguagem da mesma maneira e se distanciavam dos que falavam de forma
diferente, marcando a identidade mediante a alteridade.
Os cidadãos, nesta sociedade, priorizavam o falar em público, a arte da persuasão
como grandes virtudes masculinas; em contrapartida esperavam que as mulheres ficassem
reclusas e em silêncio, especialmente as
bem
-nascidas. Lançando mão de uma linguagem que
elas possuíam o controle, como a tecelagem, os bordados e os adereços, as mulheres
ampliaram os canais condutores de mensagens.
Em uma sociedade masculinizada, como a ateniense, onde a mulher era concebida
como
eterna menor, as ações desviantes serviam como recurso às que eram concebidas como
fracas
. A utilização da linguagem plural possibilitou às atenienses ocupar o lugar do
outro
, ou
seja, a arte que os atenienses dominavam,
a de falar bem.
Para levantarmos os ruídos, trabalhamos com a documentação textual, imagética e a
cultura material. Estes
corpora
foram produzidos por homens, em sua maioria,
contemporâneos ao período abordado. Percebemos a heterogeneidade das informaçõe
s, onde a
documentação textual, na sua maioria, tende a priorizar e reafirmar o modelo
mélissa
. Ao
compararmos as imagens contidas na cerâmica ática vislumbramos outras possibilidades para
interpretarmos o cotidiano das mulheres atenienses. Foi necessário
ler
as entrelinhas, pois os
documentos estão impregnados da visão masculina.
Vivendo em grupos, as esposas estendiam as possibilidades de criar, de tirar partido
dos acontecimentos diários. A união das mulheres exigia o diálogo, a comunicação,
123
viabilizand
o a construção de identidade, a formação de laços de amizade dinamizando as
relações de gênero.
Esta relação de gênero enraizada na cultura ateniense também se fez presente nos
corpos dos diversos agentes sociais. Tratamos o corpo como uma construção social, marcado
pela cultura ateniense, onde a indumentária, os ornamentos destas vestimentas, os adereços e
os gestos traziam consigo a presença cultural. O corpo, entre outros, funcionou como suporte
de mensagens das atenienses. Estes processos comunicacionais foram produzidos e
entendidos pelas mulheres, compreendidos pelos demais grupos porque foram representados
nas pinturas e textos escritos produzidos pelos atenienses, constituindo em representações
simbólicas.
Ao tratarmos dos gestos e da dança optamos por enfatizar alguns gestos que estavam
em evidência na documentação textual e nas pinturas. O gesto de ajoelhar-se aparentemente
significava submissão, um ato de implorar algo, mas Medéia usa-o taticamente, tirando
partido, subvertendo este significado.
Nos detivemos em dois gestos específicos, presentes em algumas das imagens por nós
selecionadas: o gesto de segurar parte da vestimenta com a mão e o de mostrar a perna
descoberta sem a presença do
epínetron
. Acreditamos que estes gestos estavam ligados à
sedução e envolviam a comunicação.
O enfoque destes gestos em imagens que os deuses foram destacados pelos pintores
foi extremamente valioso, pois verificamos que os gestos efetuados pelas deusas também se
fazem pertinentes em imagens com personagens femininas comuns. Na figura 13, por
exemplo, os gestos, os detalhes nas roupas e os adereços que compõem a cena foram
estudados e comparados com de outras imagens. Verificamos que estes freqüentemente são
encontrados em imagens que contém mulheres não identificadas como deusas, ou seja,
mortais.
Defendemos que a utilização destes adereços é que aproximavam as
bem
-
nascidas
das
deusas presentes no imaginário social ateniense. Elas lançavam mão dos adereços para se
comunicarem com os outros, marcando sua posição nesta sociedade. A dança também teve o
objetivo de apontar outra maneira de se comunicar das mulheres, pois a dança em dupla ou
em grupo exige sincronia e integração, portanto envolve a comunicação.
Abordamos algumas reflexões sobre a moda em nosso trabalho. Tais estudos nos
fizeram perceber a inadequação da aplicabilidade do conceito moda na sociedade grega
antiga. Concluímos que na Antiguidade as roupas não variavam tanto, os modelos eram
poucos, os tecidos eram ornamentados, principalmente com linhas geométricas, figuras
124
geométricas e estampas florais, com grande predominância para as linhas retas, portanto o
conceito moda não deve ser aplicado à sociedade antiga ateniense. Estas observações foram
realizadas por nós após exame minucioso, principalmente, das pinturas contidas nos vasos e
do estudo de autores contemporâneos.
Nosso
corpus imagético foi constituído por vasos com proveniência ateniense, de fora
de Atenas e, em alguns casos, a proveniência não foi fornecida. Constatamos que os vasos que
fo
ram encontrados pelos arqueólogos em sítios fora de Atenas, têm as roupas das personagens
com uma riqueza maior de detalhes. nos vasos de proveniência ateniense e de Vari as
vestimentas, na maioria das representações, são lisas ou apresentam pouca decor
ação,
principalmente as roupas daquelas que concebemos ser as esposas
bem
-
nascidas
. Atribuímos
esta diferenciação ao modelo mélissa inserido na cultura ateniense. Através do trabalho dos
pintores se procurou, no caso ateniense, marcar os corpos femininos com roupas que
legitimavam as virtudes inerentes ao modelo ideal feminino. Apesar desta influência
acreditamos que as mulheres, principalmente dos segmentos abastados, usavam roupas com
decorações e que os acessórios é que ditavam a diferença, era principal
mente através deles, na
composição do vestuário, que elas se comunicavam,
um nada que fazia a diferença
.
As personagens que identificamos como esposas estão com roupas lisas ou com pouca
decoração nos vasos de proveniência ateniense ou de Vari. Apesar das roupas sem
ornamentos ou em menor quantidade, elas, em contrapartida, usam
sakkós
decorados com
linhas geométricas e figuras geométricas e adereços bem elaborados como, por exemplo,
brincos, braceletes, tiaras e etc.
os vasos de proveniência não ateniense, em alguns casos, apresentam personagens
que foram identificadas como esposas com roupas contendo mais ornamentos, outros tipos de
linhas geométricas, além da reta, como as pontilhadas e a figura geométrica denominada
círculo por exemplo, e, além disso, os adereços como os brincos, pulseiras, tiara e outros se
fazem presentes.
No desempenho de tarefas cotidianas em seu
oîkos
, as esposas usavam roupas mais
simples, roupas lisas ou com pouca decoração (especialmente com linhas retas), quando se
adornavam
com para executarem algo diferente compunham seu vestuário com roupas com
mais detalhes (linhas retas, linhas pontilhadas, círculos, linhas quebradas). Quando saíam de
seu
oîkos
, as esposas, principalmente as
bem
-
nascidas
, se vestiam com roupas mais
elabor
adas. Temos a presença dos adereços compondo a indumentária, tanto nas roupas mais
simples como nas mais elaboradas, na maioria das imagens analisadas.
125
Concebemos que os pintores e escritores lançaram mão de um repertório cotidiano,
entre outros, para compor suas produções. Através da interpretação efetuada nos
corpora
selecionados
mapeamos
a linguagem das atenienses e concluímos que elas possuíam uma
trama comunicacional bem urdida. A linguagem não é só verbalização de palavras.
126
Bibliografia
Documentação
textual
ARISTOPHANES.
The Lysistrata, The Thesmophoriazusae, The Ecclesiazusae. Trad. B.
Bickley Rogers. London: Harvard University Press, 1996, vol.
III (edição bilíngüe).
_______________. The Peace, The Birds, The Frogs. Trad. B. Bickley Rogers. Lo
ndon:
Harvard University Press, 1996, vol.
II (edição bilíngüe).
EURIPIDE. Hippolyte, Hécube. Trad. L. Méridier. Paris: Les Belles Lettres, 1927 (edição
bilíngüe).
EURÍPIDES.
Les Troyennes. Trad. H. Grégoire e L. Parmentier. Paris: Les Belles Lettres,
1990.
_________.
Medéia
. Trad. J.Torrano. São Paulo: Hucitec, 1991.
HOMERO.
L Odyssé.
Paris: Les Belles Lettres, 1947.
SOFOCLES.
Electra
. Tradução por Maria da Eucaristia Daiellou. Rio de Janeiro:
Universidade Sant
a Úrsula, 1975.
TUCÍDIDES.
História da Guerra do Peloponeso.
Trad. M. G. Kury.
Brasília: UnB, 1987.
XENOPHON.
Oeconomicus
.
Trad
. O. J. Todd. London: Havard University Press, 1992.
Documentação Arqueológica
BEAZLEY, J.D.
Attic Red
-
Figure Vases Painters.
O
xford: At the Clarendon Press, 1963
.
Paralipomena: Additions to Attic Black
-
Figure Vase
-
Painting and to Attic Red
-
Figure Vase
-
Painters.
Oxford: 2ª ed., 1971.
BOARDMAN, J. Athenian Red-Figure Vases: The Classical Period. London: Thames and
Hudson, 1989.
. Athenian Black Figure Vases: The Archaic Period. London: Thames and
Hudson, 1991.
C.V.A.
Deutschland (Fasc.65), Mainz
-
Universitat (Fasc. 2), 1993.
C.V. A.
Great Britain British Museum.
Plate 9 e Plate 10.
London. 1927.
C.V.A.
Great Britain Museum (Department of Greek and Roman Antiquities) By H. B.
Walters e Forsdyke
London, 1930.
C.V.A.
Itália
Museo Nazionale di Villa Giulia in Roma. Fascículo II Tav. 21 e 22.
C.V.A.
Musée de Compiègne, Fasc. Unique, France 3,
s/d, Pl. 17.9.
127
C.V.A.
Museo Archeologico Nazionale di Gela
Fasc. III. Tav. 29 e 30. Filippo Giudice.
1974.
C.V.A.
Palermo - Collezione Mormino Banco Di Sicília 1971. Tav. S. (177), Ceramica Attica
a Fondo Bianco. A cura di Juliette de la Genière.
C.V.A.
Rússia_ Pushkin State Museum of fine arts, Moscow. South Italian Vases, Lucania
Campania. Fascicule III. By Olga Tugusheva.
C.V.A.
U.S.A. (Fasc. 6), 1937, Pl. XLIII.
.RICHTER, G.M.A. & HALL, L.F.
Red
-
Figured Athenian Vases in the Metropolitan Museum
of Art. London/ New Haven: Oxford University Press/ Yale University Press, 2 vols,
1936.
ROBERTSON, M. The Art of Vase-Painting in Classical Athens. Cambridge: Cambridge
University Press, 1992.
Dicionários
BAILLY, A.
Dictionnaire Grec-
Français
. Paris: Hachett
e, 1950.
BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega
. Petrópolis: Vozes, 2001, volume II.
ISIDRO PEREIRA, S. J. Dicionário Grego-Português e Português Grego. Braga: Livraria
Apostolado da Imprensa, 1984.
JULIEN, N. Minidicionário compacto de mitologia. Trad. Denise R. Vieira. São Paulo:
Rideel, 2002.
Bibliografia Instrumental e Específica
ANDRADE, M. M. de.
A vida comum: espaço, cotidiano e cidade na Atenas Clássica
. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.
__________, M. M. de. A cidade das mulheres : cidadania e alteridade feminina na Atenas
Clássica
. Rio de Janeiro: LHIA, 2001.
AUGÉ, Marc.
Não
-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade
.
Campinas, SP: Papirus, 2001.
___________. O sentido dos outros: atualidade da antropologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
___________.
A guerra dos sonhos: Exercícios de etnoficção
. Campinas, SP: Papirus, 1998.
___________. Por uma antropologia dos mundos contemporâneos. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1997.
128
BARROS, Gilda Naécia Maciel de. A Mulher Grega e Estudos Helênicos.
Londrina:
Editora UEL, 1997.
BARTHES, Roland. O sistema retórico . In: Sistema de Moda. São Paulo: Editora
Universidade de São Paulo, 1979. Prólogo e capítulo 2.
BAUDRILLARD, Jean. A moda ou a magia do código . In: A troca simbólica e a morte.
São Paul
o: Edições Loyola, 1996.
BERARD, Cl. Iconographie Iconologie Iconologique . IN: Étude de Lettres.
Paris: 1983.
BERNARD, N.
Femmes et société dans la Grèce Classique
. Paris: Armand Colin, 2003.
BOURCIER, Paul.
História da Dança no Ocidente
. São Paulo: Ma
rtins Fontes, 1987.
BOURDIEU, P.
A Dominação Masculina
. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999.
BRAUDEL, Fernand. Roupa e Moda. In: As estruturas do cotidiano. São Paulo: Martins
Fontes, 1997. p 281 301.
BORDO, Susan R. e JAGGAR, Alison M. (orgs.). Gênero, Corpo, Conhecimento. Trad. de
Britta Lemos de Freitas. Rio de Janeiro: Record
Rosa dos Tempos, 1997.
BRULÉ, P.
Les Femmes Grecques à l époque Classique
. Paris: Aachitte, 2001.
BURKE, P. Visto y no visto: el uso de la imagem como documento histórico. Barcelo
na:
Crítica, 2001.
_________. A linguagem do gesto no início da Itália Moderna . IN: _____. Variedades da
história cultural
. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
_________.
A arte da conversação
. São Paulo: Unesp, 1995.
BUXTON, R. La Grèce de I Imaginaire,les contextes de la Mythologies. Paris: Edition la
Découverte, 1996.
CALAME, Claude. Le Récit en Grèce Ancienne: Enonciations et Representations de Poètes
.
Paris:
Meridiens Klincksieck, 1986.
CANCELA, Elina M. Comédia y Sociedad em la Antigua Grécia. Cuba, Ciudad de La
Havana: Editorial Letras Cubanas, 1982.
CANDIDO, M. R. Medeia: Ritos e Magia .
IN:
Phoînix.
Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.
CARDOSO, C. F.
Narrativa, Sentido, História.
Campinas: Papirus, 1997.
CECCHETTI, P. C.
Decorazione dei costumi nei vasi Attici a figure nere
. De Luca Editore.
1971
-1972.
CERQUEIRA, F. V. Música e culto religioso. Estudo do acompanhamento musical das
procissões atenienses conforme o testemunho dos textos antigos e da cerâmica Ática
tardo
-arcaica e clássica . IN:
Clássica.
Revista de Estudos Clássicos. São Paulo, v.
13/14, n. 13/14, 2000/2001.
129
CERTEAU, M. de A invenção do cotidiano: Artes de fazer
. Petrópolis: Vozes, 1999.
CHEVITARESE, A. L. Uma Nova Proposta de Interpretação do Prato Ático de Figura
s
Negras do Santuário de Hera . IN: COSTA, R. da e PEREIRA, Valter Pires (org.).
História. Revista do Departamento de História da UFES. Vitória: Universidade Federal
do Espírito, Centro de Ciências Humanas e Naturais, nº 9, EDUFES, 2001.
___________________. O Espaço Rural da Pólis Grega: O Caso Ateniense no Período
Clássico
. Rio de Janeiro: Laboratório de História Antiga
IFCS
UFRJ, Fábrica de
Livros
SENAI, 2000.
___________________. Mulher e colheita de frutas na
pólis
ateniense: análise iconográf
ica
dos vasos Áticos de figuras negras e vermelhas . IN: Revista do Museu de Arqueologia
e Etnologia da USP
. São Paulo: Universidade de São Paulo, MAE, nº 10, 2000.
COULET, C.
Communiquer en Grèce Ancienne
. Paris: Les Belles Lettres, 1996.
COX, C.A.
Hos
ehold Interrests: Property, Marriage, Stratégies and Family Dynamics in
Ancient Athens.
Princeton: Princeton University Press, 1998.
DAMASCENO, S. A dimensão temporal na poesia grega . IN:
Phoînix.
Rio de Janeiro:
Sette Letras, 2001.
DEFAYS, Jean
-
Mar.
Le
comique
. Paris: Seuil, 1996.
DETIENNE, M. O Mito: Orfeu no Mel . IN: LE GOFF, J. & NORA, P. História: Novos
Objetos
.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
DORFLES, Gillo.
Modas e modos
. Lisboa: Edições 70, 1990.
DUTRA, Jo Luís. Onde você comprou esta roupa tem para homem? A construção de
masculinidade nos mercados alternativos de moda . In: GOLDENBERG, Mirian (org.).
Nu e vestido. Dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro:
Record, 2002.
FOXHALL, Lin. Women s ritual and men s work in ancient Athen . IN: HAWLEY, R.
& LEVICK, B. Women in Antiquity: New Assessments. London and New York:
Routledge, 1995.
FREIRE, Gilberto.
Modos de homem e modas de mulher
. Rio de Janeiro: Record, 1997.
FRONTISI
-DUCROUX, F. Du Masque au Visage: Aspects de l Identité en Grèce Ancienne
.
Paris: Flamarion 1995.
FUNARI, P. P. A. Representações do corpo nas paredes Pompeianas . IN: THEML, N.,
BUSTAMEANTE, M. R. e LESSA, F. S. (orgs.). Olhares do Corpo. Rio de Janeiro:
MAUAD, 2003.
130
GARRIOCH, D. Insultos verbais na Paris do século XVIII . IN: BURKE, P. e PORTER, R.
História Social da Linguagem
. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido
pela Inquisição. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
HALL, Stuart.
A identidade cultural na pós
-
modernidade
. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
HILL, B. Mulheres, História e Revolução . IN: Varia História. Belo Horizonte: UFMG,
1996, n 15.
HUMPHREYS, S.C. The Family, Women and Death: Comparative Studies.
USA
:
The
University of Michigan Press, 1993.
IGLÉSIAS, L. G. La Mujer Y la Pólis Griega .
IN: GONZALES, E. G. (org).
La Mujer en el
Mundo Antigo.
Madrid: Ediciones de la Universidade Autónoma de Madrid, 1986.
JENKINS,
I.
Greek and Roman Life
. London: Bristish Museum, 1986.
JOLY, Martine.
Introdução à análise da imagem
. Campinas, SP: Papirus, 1999.
JONES, Peter V.(org.). O mundo de Atenas. Uma introdução à cultura clássica ateniense.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
LAQ
UEUR, T. Inventando o Sexo. Corpo e Gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro:
Relume
-
Dumará, 2001.
LAVER, J.
A roupa e a moda: uma história concisa
. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
LEGRAS, B. Éducation et Culture dans lê Monde Grec: VIII-I siècle a.v. J.C. Paris: SEDES,
1998.
LESSA, F. S.
O feminino em Atenas
. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
___________. Mulheres de Atenas: Mélissa do Gineceu à Agorá. Rio de Janeiro: Laboratório
de História Antiga
IFCS
UFRJ, 2001.
LEWIS, S.
News and Society in the
Greek Polis
. London: Chapel Hill, 1996.
________. The Athenian Woman: An Iconograph Handbook. London: Routledge, 2002.
LIPOVETSKY, Gilles.
O império do efêmero
. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
LISSARRAGUE, F. Images du Gynécée . IN: VEYNE, P. e outros. Les Mystéres du
Gynécéen.
Paris: Gallimard, 1998.
________________. A Figuração das Mulheres . IN: DUBY, G. & PERROT, M. (org.).
História das Mulheres no Ocidente
.
Porto: Afrontamento, v. I, 1993.
LORAUX, N. (dir.)
La Grèce au Féminin.
Paris: Les
Belles Lettres, 2003.
LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-
estruturalista.
Petrópolis: Vozes, 2003.
131
_____________. Epistemologia feminista e teorização social
desafios, subversões e
alianças . IN: ADELMAN, M. e SILVESTRIN, C. B. (org.) Gênero Plural. Curitiba:
Ed. UFPR, 2002.
MAFFRE, J.J.
A vida na Grécia Clássica
. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
MATOS, M. I. S. de. Cotidiano e cultura: história, sociedade e trabalho. Bauru: EDUSC,
2002.
_________________.
Por uma História da Mu
lher
. Bauru: EDUSC, 2000.
MOSSÉ, Cl.
La Mujer en la Grécia Clasica.
Madrid: Nerea, 1990.
NUÑEZ, Carlinda F. P. Electra ou uma constelação de sentidos. Goiânia: Editora da UCG,
2000.
PANTEL, P. S. A História das Mulheres na História da Antiguidade hoje . IN: DUBY, G.
& PERROT, M. (org). História das Mulheres no Ocidente. Porto: Afrontamento, v. I,
1993.
PAULSON, S. Sexo e gênero através das culturas .
IN: ADELMAN, M. e SILVESTRIN, C.
B. (org.)
Gênero Plural
. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
PINTO, Milton J.
Comu
nicação e discurso: introdução à análises de discursos. São Paulo:
Hacker Editores, 1999.
POMEROY, S. Diosas, Rameras, Esposas y Esclavas: Mujeres en la Antigüidad Classica
.
Madrid: Akal, 1987.
PORTER, R. História do Corpo . IN: BURKE, P. (org.) A Escrita da História. Novas
Perspectivas
. São Paulo: Unesp, 1992, pp. 291
-326.
RAGO, M. Epistemologia feminista, gênero e história . IN: PEDRO, Joana M. e GROSSI,
Miriam P. Masculino, feminino, plural gênero na interdisciplinaridade. Florianópolis:
Editora Mulher
es, 1998.
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade da moda. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2002.
REDFIELD, J. Fontes: a presença de uma ausência . IN: VERNANT, J-
P.
(org.)
O Homem
Grego. Lisboa: Presença, 1994.
RODRIGUES, J. C.
Tabu do Corpo
. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.
_____________. Os Corpos na Antropologia . IN: THEML, N., BUSTAMEANTE, M. R. e
LESSA, F. S. (orgs.).
Olhares do Corpo
. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003.
ROUSSELLE, A.
Pornéia.
Sexualidade e amor no mundo antigo. Trad. Carlos N. Coutinho.
São Paulo: Brasiliense, 1984.
132
SAHLINS, Marshall. La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental enquanto cultura . In:
Cultura e razão prática
. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
SAMARA, Eni de M. O discurso e a construção da identidade de gênero na América
Latina . IN: MATOS, M. I. S. de e SOLER, M. A. (orgs.)
Gênero em debate: Trajetória
e Perspectivas na Historiografia Contemporânea
. São Paulo: EDUC, 1997.
SCOTT, J. Prefácio a Gender and Politics of History .
IN:
Cadernos Pagu: desacordos,
de
samores e diferenças
. Campinas: PAGU/UNICAMP, 1994, v. 3.
SENNETT, R.
Carne e Pedra.
Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1997.
SIMMEL, Georg. Psicologia da Moda. In: Cultura Feminina. Lisboa: Galeria Panorama,
1969. p 107
151.
SOITHET, R. História, Mulheres, Gênero: contribuições para um debate . IN: AGUIAR,
Neuma.
Gênero e Ciências Humanas.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.
SOUTHGATE, B. History: What and Why?: Ancient, Modern, and Posmodern Perspectives
.
London / New York: Routledge, 1996.
SOUZA, Gilda de Mello. A moda como arte . In: O espírito das roupas. A moda no século
dezenove
. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
THEML,N. e BUSTAMANTE, M. R. Olhares Plurais . IN:
Phoînix.
Rio de Janeiro: Mauad
Editora, 2004.
_________. (Coord.)
Linguagens
e formas de poder na antiguidade. Rio de Janeiro:
FAPERJ: Mauad. 2002.
_________. O Público e o Privado na Grécia do VIII ao IV século a. C.: Modelo Ateniense.
Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
THIERCY, Pascal. Le Palais d Aristophane ou les Saveurs de la Polis . IN:
Aristophane:La
langue, Sa Scène, la cité. Actes du colloque de Toulouse. 17-19 mars 1994. Paris:
Levanti Editori, 1997.
TILLY, Louise A. Gênero, História das Mulheres e História Social . IN: Cadernos de Pagu:
desacordos, desamores e d
iferenças
. Campinas: PAGU/UNICAMP, 1994, v.3.
VERNANT, J. P. Entre Mito e Política. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2001.
_____________.
Mito e Religião na Grécia Antiga
. Campinas: Papirus, 1992.
_____________. e NAQUET, P.-
V.
Trabalho e Escravidão na Grécia Antiga.
Campinas:
Papirus, 1989.
_____________. et. allii. La Cité des Imagens: Religion et Société en Grèce Antique
Ancienne
. Paris: E. de la Tour, 1984.
133
VIDAL
-
NAQUET, P.
O Mundo de Homero
. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
WALK
ER, S. Women and Housing in Classical Greece: The Archeological Evidence . IN:
CAMERON, A. & KUHRT, A. Images of Women in Antiquity. London and Sydeney:
Croom Helm, 1984.
WOODWARD, K. Identidade e diferença: introdução teórica e conceitual . IN: SILVA,
Tomaz T. (org.) Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2000.
YUVAL
-
DAVIS, N.
Gender & Nation
. London: SAGE Publications, 1997.
Sites
www.beazley.ox.ac.uk
www.ccat.sas.upenn.edu
www.metmuseum.or
g
www.mta.org
www.officenet.co.jp
www.olemiss.ed
www.perseus.tufts.edu
www.sikyon.com
www.thebritishmuseu
134
135
Anexo 1
Ficha de análise da d
ocumentação imagética
Grade de Leitura
Figura 1
Método de Leitura Isotópica
Elementos Pictóricos
1- Vestimenta: mulher sentada- chitón e himátion de cores claras e plissados, mulher em
- chitón e uma túnica simples com mangas longas decorada com fitas de cor escura
em forma de linha ondulada, homem
-
himátion
.
Vestimenta com decoração
Vestimenta lisa
Padronagem: linhas onduladas.
2-
Adereços: pedaço de tecido
sákkos,
usado para envolver o cabelo decorado com linhas
pontilhadas e linhas quebradas, cordão com amuleto (símbolo apotropáico para afastar
os males) e fita.
3-
Cabelos: mulheres: presos coberto por um
sákkos
, amarrados.
4-
Mobília: cadeira de encosto alto, assento para por os pés.
5-
Instrumento de trabalho: tear.
6- Apropriação de espaço: personagens em e inclinado, personagem sentada e
personagens num mesmo plano.
Elementos Temáticos
1- Função social de uma esposa
bem
-
nascida
: a concepção de filhos principalmente do
sexo masculino.
2- Espaço privado: atividades voltadas para o interior do
oîkos
.
3-
Tarefas doméstic
as: fiação e tecelagem.
Elementos Axiológicos
1- Elementos euforizados: função social da esposa, espaço interno do
oîkos
, atividades
femininas: fiação e tecelagem e a linguagem não
-
verbal.
2-
Elementos disforizados: a presença masculina neste espaço.
3-
Eleme
ntos aforizados: ausentes.
136
Método de Leitura de Imagem de Claude Calame
Disposição espacial
1-
As personagens e objetos na cena evoluem num mesmo quadro espaço temporal.
Levantamento
1- Vestimenta: mulher sentada- chitón e himátion de cores claras e plissados, mulher em
- chitón e uma túnica simples com mangas longas decorada com fitas de cor escura
em forma geométrica (linha ondulada), homem
-
himátion
.
Vestimenta com decoração
Vestimenta lisa
Padronagem: linhas onduladas.
2-
Adereços: pedaço de tecido
sák
kos,
usado para envolver o cabelo decorado com linhas
pontilhadas e linhas quebradas), cordão com amuleto (símbolo apotropáico para
afastar os males) e fita.
3-
Cabelos: mulheres: presos coberto por um
sákkos
, amarrado provavelmente com fita.
4-
Mobília: cadeira
de encosto alto, assento para por os pés.
5-
Instrumento de trabalho: tear.
6- Apropriação de espaço: personagens em e inclinado, personagem sentada e
personagens num mesmo plano.
Gestos
1- Denotam uma certa sincronia para realizar a ação da cena (a transferência do recém
nascido do colo da mãe para o colo de uma ama).
Jogos de olhares
1- Representação em perfil, ou seja, o receptor da mensagem não está convidado a
participar da ação.
137
Anexo 2
Ficha de análise da documentação textual
Método de Leitura Isotópica
Aristófanes
As mulheres que celebram as Thesmophórias
Elementos temáticos Elementos figurativos que explicitam os elementos
temáticos
Comunicação feminina
/presença/
-
discussão
(Eurípides)
É que as mulheres ( )
andam a conspirar contra
mim e
hoje nas Thesmophórias vão reunir-se para discutir
( ) o meu caso.
(vv. 82 e 83)
Para tomar parte na discussão ( ), no meio das
mulheres
( )
, e se for preciso, dizer
(
)
uma palavra
a meu favor.
(vv. 90 e 91)
-
atos e palavras
(Mulher)
E aquela que por atos ( ) e palavras ( ),
(v. 305)
-
fala
(Mulher)
ou a escrava, que corrompa a senhora, e contar ( )
tudo ao patrão; (vv. 340 e 341)
(Mulher)
Então, antes de falares ( ), põe esta coroa na cabeça.
(v.380)
Grandes coisas tem para nos dizer (( ), com certeza.
(vv. 381 e 382)
-
mensagem
(Mulher)
ou aquela que, quando a encarregam de levar uma mensagem
( ), (vv. 341 e 342)
-
tagarelas
138
(Primeira Mulher)
começa ele a chamar-nos levianas, doidas por homens,
bêbadas, traidoras, tagarelas
( ) ,
(v. 393)
-
dizer publicamente
(Primeira Mulher)
Era isto que eu queria dizer ( )
publicamente
( ).
( v. 433)
-
registro escrito
(Primeira Mulher)
O resto vou escrevê-
lo
( ) aqui com a secretária
( ).
(v. 434)
-
habilidade ao falar
(Coro)
Nunca ouvi mulher mais engenhosa do que esta, nem mais
hábil
( ) a falar ( )
. (vv. 435 e 436)
-
dizer apenas algumas palavras (v. 444)
(Segunda Mulher)
Vim aqui para dizer apenas algumas ( ) palavras
( )
. (v. 444)
-
exposição
(Segunda Mulher)
Tudo o mais ela o expôs ( ) e muito bem.
(v.
445)
-
querer contar
(Segunda Mulher)
Mas o que eu própria sofri, é isso que eu quero contar
( ).
(v. 446)
-
querer recomendar e dizer a todas
(Segunda Mulher)
É por isso que neste momento quero recomendar ( ) e
dizer
( )
a todas
( )
( v. 453)
-
trocar impressões (v. 471)
(Parente)
139
No entanto, temos de trocar ( ) impressões ( ) umas
com as outras.
(v. 471)
-
liberdade de expressão
Se há liberdade de expressão ( ),
(vv. 540 e 541)
- dizer (v. 801)
(Coro)
Nós dizemos ( ) que são vocês, vocês dizem que somos
nós.
(v. 801)
-
ca
ntem e celebrem todas, com a vossa voz (v. 960)
(Coro)
Ao mesmo tempo cantem ( ) e celebrem todas ( ),
com a vossa voz
( ). (v. 960)
- cantem com a voz bem cheia
(Coro)
Cantem
( ) com voz bem cheia
(vv. 985 e 986)
/ausência/
-
sil
êncio
Silêncio
(
)!
Silêncio
(
)! (v. 295)
-
calar (vv. 381 e 574)
(Coro)
Silêncio ( )
! Calem
-se!
(v. 381)
(Coro)
Calem-se antes de ela cá chegar.
(v. 574)
-
nada a dizer
(Primeira Mulher)
Já não tens mais nada para dizer.
(v. 554)
Axiológico
Euforização
-
espaços de comunicação feminina
-
pluralidade na dimensão da linguagem
-
silêncio como parte da linguagem
Disforização
- silêncio como virtude das esposas
140
141
Tabela I
Identificação
Vaso
Proveniência
Temática
Análise da vestimenta das
personagens
Decoração
Acabamento do vaso entre as representações.
Figura 1
Hydría
Vari
Funções
sociais de
uma esposa
bem
-
nascida
Lisa
Não
-
lisa
Esposa
bem
-
nascida
Roupa lisa.
Sakkós
decorado com
linhas quebradas e
linhas pontilhadas.
Usa brinco.
Ama
Roupa com
padronagem.
Ela veste
chitón
decorado com linha
reta e uma túnica
simples com mangas
longas decorada com
fitas de cor escura
em
linha
ondulada.
Não usa brinco.
Linhas que aparecem
na representação:
Linha reta
Linha ondulada
Linha pontilhada
142
Linha quebrada
Figura 2
Oinochoe
Locri
Fiação
Não lisa
Esposa
bem
-
nascida
Roupa com
padronagem
Ela veste
chitón
e
himátion
decorados
com linhas onduladas
e retas. No
himátion
temos uma decoração
com linhas onduladas
largas de cor escura na
parte de cima e na
barra duas linhas retas
paralelas.
Linhas que aparecem
na representa
ção:
Linha reta
Linha ondulada
Figura 3
Pýxis
Atenas
Trabalho
doméstico
(fiação
espaço
interno)
Lisa
Não lisa
7 mulheres
Esposa
bem
-
nascida
Roupa lisa.
Está sentada sobre um
tecido decorado com
arco de circunferência.
143
Mulher em pé.
Roupa lisa. Segura um
tear manual cujo
tecido que está sendo
trabalhado contém
decoração com linhas
quebradas.
Mulher em pé.
Roupa com linha reta
e segmento de reta.
Mulher em pé.
Roupa lisa e
sákkos
com linha pontilhada.
Mulher sentada.
Roupa lisa.
Mulher em pé.
Mostra um tecido
decorado com linhas
retas.
Mulher em pé.
Roupa com linha reta
estreita e linha reta
larga.
Linhas que aparecem:
Linha reta
144
Segmento de reta,
Linha pontilhada
Linha quebrada.
Adereços: fitas nos
cabelos e
sakkós
.
Figura 4
Skyphós
Não
fornecida
Colheita
de frutas
Lisa
Duas cenas. Em cada
cena duas personagens
com
roupas lisas.
Adereços: tiaras nos
cabelos e fitas. As
tiaras estão bem
confeccionadas.
145
Figura 5
Kratér
Não
fornecida
Colheita de
frutas
Lisa
Não lisa
Mulher em
segurando um bastão.
Vestimenta lisa e
cabelos amarrados.
Mulher em pé.
Roupa decorada com
linha pontilhada nas
mangas e na barra.
Mulher em pé.
Vestimenta lisa.
Mulher em pé.
Roupa lisa.
Mulher com
péplos
de cor escura.
Linha
que aparece:
Linha pontilhada
Adereços: fitas nos
cabelos transpassadas
e amarradas no alto da
cabeça.
146
Identificação
Vaso
Proveniência
Temática
Análise da vestimenta das
personagens
Decoração
Acabamento do vaso entre as represen
tações.
Figura 6
Kýlix
.
Atenas.
Fiação e
tecelagem.
Lisa
Com padronagem
3 personagens
Esposas
bem
-
nascidas
Mulher em pé
Roupa com
padronagem.
Veste
himátion
decorado com linha
reta.
Sakkós
decorado com
linha quebrada.
Mulher sentada
Roupa com
padr
onagem.
Ela veste
himátion
decorado com linha
reta.
Sakkós
decorado com
círculos.
Mulher em pé.
Roupa lisa.
Sakkós
decorado com
círculos.
As três personagens
usam braceletes.
147
Linha que aparece na
representação:
Linha reta.
Figura
7
Taça
Etrúria
Face A -
Colheita de
frutas. Face
B
Adorno
Feminino.
Medalhão:
Cena de
Interior
Colheita de Frutas
5 personagens
Roupas lisas
Roupas com
padronagem
Primeira e segunda
personagens: roupas
decoradas com linhas
retas.
Cabelos com tiaras e
s
akkós
.
Adorno feminino
5 personagens
Personagem sentada.
Roupa com
padronagem.
Linha reta
Linha pontilhada
Outras personagens
Primeira e quarta
personagens:roupa
lisa.
Demais personagens:
Roupa com decoração
Linhas retas
Linhas pontilhadas
Cabelos
presos.
148
Cabelos com
sakkós
.
Medalhão
2 personagens
Elas vestem roupas
com decoração.
Linhas retas
Cabelos com fita e
sakkós
.
Linhas que aparecem
na representação:
Linha reta
Linha pontilhada
149
Identificação
Vaso
Proveniência
Temática
Análise da vestimenta das
personagens
Decoração
Acabamento do vaso entre as representações.
Figura 8
Lékythos
.
Não
fornecida
.
Cena de
toalete.
Lisa
Com padronagem
Duas personagens
Primeira personagem:
Roupa com decoração
em linha reta.
Fita nos cabelos.
Usa brincos.
Segunda personagem:
Roupa lisa.
Não usa brincos.
Linha que aparece:
Linha reta.
150
Figura 9
Pelike
Não
fornecida.
Face A:
Adorno
feminino.
Lisa
Três personagens.
Cabelos com
fita
transpassada e ramo.
A primeira
personagem usa
brincos.
151
Figura 10
Taça
Etrúria,
Vulci.
Interior:
Fiação.
Lisa
Duas personagens.
Cabelos com
sakkós
decorados com linhas
quebradas e círculos.
A personagem que
está sentada us
a
brincos.
Linha que aparece
Linha quebrada
Figuras que aparecem
Círculos
Figura 11
Amphora
Nola.
Mulher se
direcionan
do para o
altar.
Com padronagem.
Uma personagem.
Vestimenta decorada
com linhas retas.
Cabelos com tiara e
prendedor.
Usa b
rincos.
Linha que aparece:
Linha reta
152
Figura 12
Pýxis
Atenas
Cena de
gineceu.
Lisa
Com decoração
Vestimentas com
decoração em linhas
retas.
Cabelos com
sakkós,
fitas e tiara.
Linha que aparece
Linha reta
Figura 13
Hydría
.
Itália
Nápoles
Mulheres,
homens e
deusas.
Com padronagem
Vestimentas com
linhas retas,
segmentos de reta e
círculos.
Cabelos com tiaras,
redes bordadas com
quadrados e com
asterísticos e cabelos
com faixas.
153
Adereços
Pulseiras
Brincos
Linhas que aparec
em
Linhas retas
Segmentos de reta
Figuras que aparecem
Círculos
Quadrados
Figura 14
Hydría
.
Capua.
Dança.
Lisa
Com padronagem
Instrutora com roupa
lisa.
Dançarinas com
roupas decoradas com
linhas quebradas e
linhas pontilh
adas.
154
Cabelos presos.
Linhas que aparecem
Linhas pontilhadas
Linhas quebradas
Figura 15
Calyx
.
Etrúria.
Dança.
Lisa
Com padronagem
Vestimentas
decoradas com linhas
retas.
Cabelos com faixas,
tiaras e fitas.
Linha que aparece
Linha ret
a
155
Figura 16
Pýxis
.
Atenas
Trabalhos
domésticos
(fiação).
Lisa
Cabelos com
sakkós
e
fitas.
Figura 17
Lekythos
.
Ática,
Vari.
Tecelagem
e fiação
Lisa
Com padronagem
Vestimentas com
decoração em
círculos, linhas retas e
a
sterísticos.
Cabelos presos.
Linha que aparece
Linha reta
Figura que aparece
Círculo
Figura 18
Lekythos
Não
fornecida
.
Mulher
com
espelho e
flor
Com padronagem
Mulher
Roupa decorada com
linha reta e círculos.
Cabelos com
sakkós
decorado com linhas
retas.
Linha que aparece
156
Linha reta
Figuras que aparecem
Círculos
Figura 19
Sicília
Mulheres e
Homem
Duas personagens
Vestimentas com
padronagem.
Roupas com linhas
retas e linhas
pontilhadas.
Cabelo com faixa.
Ade
reços:
Colar
Pulseira
Linhas que aparecem
157
Linhas retas
Linhas pontilhadas.
Figura 20
Pýxis
Atenas
Grupo de
mulheres
Cinco personagens
Vestimentas lisas.
158
Figura 21
Skyphos
.
Etrúria
Penélope e
Telêmaco
Vestimen
ta lisa.
Figura 22
Oinochoe
.
Atenas.
Mulheres
secando
roupas
Lisa
Com padronagem
Roupa decorada com
estampas florais.
Cabelos
Tiara
Chinó
Adereços
Brincos
Cordão.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo