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Esse é o estádio, digamos, nodal e negativo, pelo qual aquilo que desvincula
o sujeito de sua identificação liga-o, ao mesmo tempo, ao primeiro
aparecimento da lei, sob a forma desse fato de que a mãe é dependente de
um objeto, que já não é simplesmente o objeto de seu desejo, mas um objeto
que o Outro tem ou não tem. A estreita ligação desse remeter a mãe a uma
lei que não é a dela, mas a de um Outro, com o fato de o objeto de seu
desejo ser soberanamente possuído, na realidade, por esse mesmo Outro a
cuja lei ela remete, fornece a chave da relação do Édipo. (Lacan 1957-58b:
199)
Como não se trata de pai biológico, diz Lacan (1957-58b), sua carência na
família não equivale à sua carência no complexo. Na medida em que a entidade paterna
é correlata de uma representação simbólica, sua função é potencialmente aberta a
qualquer referente terceiro que possa se interpor na relação mãe-filho, desde que sua
intervenção seja de fato significante para a economia do desejo da criança.
A dimensão simbólica do pai, portanto, neste momento do ensino
lacaniano
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, está para além das contingências do homem real, tendo seu suporte na
atribuição do objeto fálico. O pai na realidade é apenas o vetor da função simbólica que
representa, e não seu detentor. Sobre este ponto, diz Lacan (1957-58b):
Será que um Édipo pode se constituir de maneira normal quando não há um
pai? [...] Percebemos que não é assim tão simples, que um Édipo poderia
muito bem se constituir mesmo que o pai não estivesse lá [...]. Os complexos
de Édipo inteiramente normais, normais nos dois sentidos, tanto
normatizantes, por um lado, quanto normais enquanto desnormativizam,
quero dizer, por exemplo, quanto a seus efeitos neurotizantes, seriam
estabelecidos de uma maneira exatamente homogênea aos demais casos,
mesmo que o pai não estivesse ali.
Tal só é possível se a mãe apontar este homem como tendo lugar junto ao
seu desejo, indicando ao filho que é portadora de uma falta à qual este não está em
condições de preencher. O pai vem, portanto, pelo dito da mãe, como detendo o objeto
de seu desejo, o que atribui ao pai um lugar simbólico. Em elaborações posteriores,
contudo, Lacan indica que é essencial que esse pai compareça na realidade,
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É essencial ressaltarmos que o lugar do pai no texto lacaniano é bastante complexo, exigindo
desdobramentos que estão para além dos objetivos deste trabalho. Limitamo-nos a cercar a questão a
partir da referência simbólica ao significante do Nome-do-Pai, ou seja, à operação metafórica como tal,
objeto de nosso interesse. Cumpre, no entanto, mencionar que Lacan não deixa de abordar, em sua obra, o
pai em suas funções reais e imaginárias, como enfatiza Porge (1998). O próprio encaminhamento do
ensino de Lacan coloca em parênteses o modelo edípico, na medida em que outros significantes são
passíveis de fazer operar esta função.