Na verdade, o crochê, não só o crochê, também o trabalho com os velhinhos, toda essa
movimentação em torno de tentar fazer alguma coisa, que ela reverta em algo a ser
admirado, financeiramente, ou não, tá muito longe. Nem o trabalho com os velhinhos,
nem o crochê não têm, pra mim, uma resposta das pessoas que eu conheço, falo da
minha família e da sociedade, por exemplo, em relaçåo aos crochês não consigo vender.
E o trabalho com os velhinhos, também, se teve algum valor, foi aqui no Cais, assim, um
valor que as outras pessoas vissem algum valor nisso, né? Foi aqui no Cais e tão
somente aqui no Cais. Os crochês, até hoje, tenho lá um carrinho de feira, de trabalhos
que exponho, mas, às vezes, a pessoa passa reto e nem olha... Eu acho lindo, mas me dói
quando as pessoas passam e nem olham...
Nessa direção, segue, falando do enxergar, olhar, ver, reconhecer, talvez:
Então, esse trabalho, esse empreendimento todo lá na instituição, em que eu
praticamente me doei, porque não rendia muito financeiramente (R$150,00, por mês,
duas tardes por semana). Claro que, para mim, ajudava, mas as pessoas sempre falavam
é, é um trabalhinho. Não, não era um trabalhinho, era quase uma doação, era um
trabalho importante, eu sei que era importante. Mas, como eu tava falando, esses dias,
eu tava contando, tava minha mãe e uma amiga dela, e eu tava contando desse trabalho
com os velhinhos, de todas as dificuldades que tinha, de tudo o que foi feito, dos livros
que eu li, de todo um contexto lá, situação, ambiente, calor, sem ar condicionado, sem
ventilador, tudo muito difícil para trabalhar, além das pessoas, da dificuldade, também é
um ambiente, eu tinha que fazer tudo sozinha, ajeitar, suportar toda uma estrutura que
não era bem adequada... Eu tava falando isso, mas a minha mãe, acho que ela tava
fazendo palavras-cruzadas, e assim como ela tava fazendo, ela seguiu fazendo, sem uma
pergunta, sem nada, mínimo interesse, nenhum... E isso que era a primeira vez que eu
tava falando sobre isso... E não é uma coisa interessante. Até pro meu filho também. Eu
quis, também, com esse trabalho dos velhinos, com os crochês, dar o exemplo, dar
exemplo pra ele de continuar, isso eu aprendi aqui, de continuar, de continuar,de
desmanchar, refazer, continuar. Mas ele não enxerga com esses olhos, ele não vê...
Se pensamos no par compartilhamento/endereçamento, no sentido, talvez trazido por
Gislaine, de situar como necessário algum compartilhamento para a possível construção de um
endereçamento, percebemos que ela ainda busca, no caps, o espaço que lhe configure essa
experiencia, de poder, ali, encontrar alguma possibilidade de que suas produções sejam olhadas,
replicando-se, aí, a função da polis na produção de subjetividade, de existência. Gislaine, fala,
então, na seqüência, de algo que talvez nos evoque, hipoteticamente, um rudimento de uma
experiência de endereçamento, quando se refere às atividades que vem desenvolvendo em casa (e
não no caps):