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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO
Rochele da Silva Santaiana
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Porto Alegre
2008
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Rochele da Silva Santaiana
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora:
Profa.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade
Porto Alegre
2008
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Rochele da Silva Santaiana
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Aprovada em agosto de 2008.
_______________________________________________________
Profa.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade – Orientadora
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Clarice Salete Traversini – PPGEdu/UFRGS
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Leni Vieira Dornelles – PPGEdu/UFRGS
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maura Corcini Lopes – PPGEdu/UNISINOS
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Michel Foucault
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2.1 A governamentalidade.................................................................................................17
2.2 As inquietações e problematizações da pesquisa.......................................................... 22
2.3 Um método: modos de ver, descrever, analisar ............................................................26
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3.1 Uma história de ordenamentos nas políticas educacionais............................................32
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4.1 Gerenciar o risco é fundamental...................................................................................46
4.2 A produção de dados estatísticos para um efetivo governamento dos sujeitos ..............54
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5.1 A tríade: infância, saber e poder...................................................................................65
5.2 A emergência da criança de seis anos no Ensino Fundamental.....................................68
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6.1 A escolarização do letramento ..................................................................................... 80
6.2 O governamento da aula ..............................................................................................85
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Esta dissertação analisa o Ensino Fundamental de Nove Anos, como uma política pública para
a educação, reconhecendo a escolarização obrigatória da criança de seis anos no Ensino
Fundamental como uma forma de governamento. As escolhas metodológicas, para a
realização deste trabalho inserem-se na linha de pesquisa dos Estudos Culturais em Educação,
em sua vertente pós-estruturalista, e valem-se dos estudos sobre governamentalidade,
conforme foram tematizados por Michel Foucault e também da Análise do Discurso inspirada
no referido autor. Além de Michel Foucault, destaco como trabalhos que me auxiliaram em
minhas argumentações os de Iole Maria Faviero Trindade, Clarice Salete Traversini, Alfredo
Veiga-Neto, Pat O’Malley, Jorge Ramos do Ó, entre outros. Foram analisadas as publicações
do Ministério da Educação sobre o Ensino Fundamental de Nove Anos, bem como Atos
Legais e informações pertinentes à temática. Procurei examinar como os saberes visibilizados
pelos documentos legitimam propostas e práticas educacionais que objetivam o sucesso da
alfabetização e da escolarização. Problematizo os discursos postos em circulação pelo
Ministério da Educação, que procuram minimizar danos provenientes de repetências e
evasões, ao engajaram-se em crenças que não visam somente prover uma educação de
qualidade, mas constituir um controle e gerenciamento do risco social, beneficiando, assim, o
desenvolvimento econômico do país, por meio da inclusão de todas as crianças de seis anos
no Ensino Fundamental. Discuto que o governamento da população infantil se exerce por
meio de uma regulação da ação pedagógica ao prescrever orientações sobre como trabalhar a
alfabetização e o letramento em sala de aula. Essa ação de condução do trabalho docente
também gera um efeito sobre o outro, a criança, o aluno que está sendo incluído no ano do
Ensino Fundamental e que integra uma parte da população que também é governada e
controlada por meio de políticas públicas.
3DODYUDVFKDYH Infância. Governamento. Alfabetização. Ensino Fundamental. Política
Pública.
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This dissertation analyses the 9-year Elementary School system as a public policy for
education, considering the mandatory schooling of six-year-old-children in Elementary
School as a way of governance. The methodological choices for this study are taken from the
Cultural Studies for Education perspective in its post-structuralist stream and make use of
studies about the governmental practices as topicalized by Michel Foucault as well as of
studies about Discourse Analysis inspired by the referred author. Besides Michel Foucault, I
highlight some other studies which helped me build up my claims, like those carried out by
Iole Maria Faviero Trindade, Clarice Salete Traversini, Alfredo Veiga-Neto, Pat O’Malley,
Jorge Ramos do O, and others. Official publications, from the Ministry of Education about the
9-year Elementary School system, as well as the Legal Acts and other information related to
the practice were analyzed. I tried to examine the way knowledge made possible through the
documents legitimate educational proposals and practices which aim at literacy and schooling
success. I problematize discourses produced by the Ministry of Education, which minimize
damage caused by school failure and breakout as they align themselves to beliefs that do not
aim at providing quality education, but which instead constitute themselves as a social risk
controlling and management mechanism, which benefits, thus, economical development of
the country, through the inclusion of every six-year-old child in Elementary School. I discuss
that the governance of children population is exercised in the regulation of the pedagogical
action while prescribing orientations on how to work on literacy in the classroom. This
action of conducting the teaching work also causes an effect on the other, the child, the
student who is a first grader and who is part of a population who is also governed and
controlled by public policies.
.H\ZRUGV Childhood. Governance. Literacy. Elementary School. Public Policy.
3$5$80,1Ë&,2'(&219(56$'(6&21+(&(52&21+(&,'2
É preciso converter aquilo que somos em problema, o habitual em insuportável, o
conhecido em desconhecido, o próprio em estranho, o familiar em inquietante. E não
lamentar-se pela perda daquilo que somos e já estamos deixando de ser, pela crise de
nossos saberes, de nossas práticas ou de nossos valores, mas interrogar-se por que
necessitamos conhecer dessa maneira, atuar dessa maneira, acreditar em tudo isso
(LARROSA, 2000, p.330).
Os caminhos que me trouxeram até esta Universidade e me levaram a ingressar neste
Programa de Pós-Graduação, na linha de pesquisa dos Estudos Culturais em Educação, foram
da dúvida, do questionamento, do procurar desconhecer o que era conhecido. É importante
destacar que minha formação enquanto professora foi largamente realizada dentro das teorias
críticas, ou no interior de discursos do momento, como, por exemplo, o de ser uma boa
professora construtivista.
Argumento que não pretendo, de forma alguma, justificar que minhas escolhas, como
pesquisadora, sejam superiores ou melhores do que determinadas propostas ou teorias
educacionais. Contudo, em um dado momento de minha trajetória profissional, comecei a
questionar o caráter salvacionista da escola pública, e a desconstruir o professor como
detentor do conhecimento legitimado pela cultura escolar, dirigida a uma infância modelar.
Isso porque penso que a formação docente é múltipla, assim como as infâncias. Ambas
procedem de variadas culturas e meios sociais, e não correspondem a imagens únicas, tão bem
montadas e discursivamente representadas na Modernidade. Assim como não há uma infância
ingênua, pura, que precisa do mestre para iniciá-la no mundo do conhecimento e do saber, não
há mestre onipotente.
Dito isso, penso ter elucidado a relação que faço com o pensamento de Larrosa. Me
vejo, como profissional e pesquisadora, envolvida na desconfortável tarefa de procurar
problematizar minha formação, os saberes que considerava válidos e contingentes para a
minha tarefa de ensinar e, principalmente, a idéia de que ensinar é levar a luz, àqueles seres
“inocentes” que ainda se encontram na “escuridão” dos conhecimentos importantes para se
viver em sociedade.
Problematizar minha constituição e atuação docente, mesmo sendo difícil no início,
me permitiu lançar uma multiplicidade de olhares para a educação, que minha formação
11
fundada por idealizações sobre qual melhor escola, para formar melhores alunos, me impedia
de ver. Penso que, mais do que perder algumas certezas, ganhei muito ao trilhar por
horizontes que aumentaram minhas dúvidas e me levaram a procurar outras formas de
questionar a educação.
Como muitas estudantes de Magistério, realizei estágios em escolas de Educação
Infantil da rede particular de São Leopoldo, cidade onde resido a hoje. Talvez por isso
minha ligação com esta etapa educacional tenha se tornado forte, principalmente por ser
também a pré-escola um nível de ensino em que viria a atuar, quando de meu ingresso na rede
municipal, do citado município, por meio de concurso público para a rede do Ensino
Fundamental. Posso dizer, então, que sou munida de um apreço especial por ambas as
modalidades, a Educação Infantil, de zero a seis anos, e o Ensino Fundamental, em que atuei
por mais de sete anos, com turmas de 1ª à 4ª séries.
Durante a graduação em Pedagogia, na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos/UNISINOS, cursada de 1999 a 2003, e na especialização em Educação Infantil, cursada
na mesma universidade, em 2004, comecei a realizar leituras no campo dos Estudos Culturais
e, de forma tímida, autores que tematizavam a partir dos estudos de Michel Foucault. Essas
leituras representaram um divisor de águas, e, apesar dos muitos conflitos iniciais, revelaram-
se ao mesmo tempo, estimulantes e desafiadoras. Não deixei de ter minhas antigas
preocupações com a educação, mas hoje realizo meus questionamentos sob outro prisma, sem
procurar a essência dos problemas, sem esperar pelas respostas e soluções miraculosas que
resolveriam índices de repetência, evasão, analfabetismo.
Conto com a possibilidade de outros questionamentos surgirem e de entender também,
que em determinado momento histórico e social as condições de possibilidade surgiram para a
constituição da escola da forma como foi e é até hoje: associada a categorias como infância,
aluno, etapas de ensino e de aprendizagem. Essas categorias se configuram como invenções
culturais, e como tais, podem ser problematizadas. É a esse exercício que me proponho nesta
pesquisa.
Ao assumir em janeiro de 2005, a supervisão das Escolas Municipais de Educação
Infantil na Secretaria Municipal de Educação e Desporto de São Leopoldo, me vi envolvida
não com as turmas e educadoras de Educação Infantil, como também com a formação das
12
professoras que atuavam nas turmas de pré-escola do Ensino Fundamental. Neste mesmo ano,
a lei que instituía a obrigatoriedade das crianças de seis anos freqüentarem o Ensino
Fundamental foi promulgada, gerando, com isso, um amplo debate na rede municipal.
Mesmo instigada pelos assuntos relacionados com o município no qual atuo, optei em
pesquisar como a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos foi se gestando e se
constituindo nacionalmente. O interesse principal gira em torno dos discursos sobre a infância
(tendo como foco a criança de seis anos), que estão sendo postos em circulação em uma rede
discursiva que articula uma política pública que visa o fortalecimento da alfabetização e à
escolarização universal da criança dessa idade. Discursos estes que procuram constituir um
trabalho pedagógico adequado a este novo ano” e este “ novo aluno”, que está sendo incluído
pelo Ensino Fundamental.
No segundo capítulo desta dissertação, intitulado O Campo Teórico e as Ferramentas
Conceituais”, procuro mostrar por quais caminhos metodológicos optei para a realização deste
trabalho, associando-os ao campo teórico, às ferramentas conceituais, às inquietações e
problemas de pesquisa. Neste mesmo capítulo me detenho com maior afinco na ferramenta
foucaultiana da governamentalidade, que é e será o fio condutor para as discussões que
pretendo empreender.
Em seguida, no terceiro capítulo, intitulado O Ensino Fundamental de Nove Anos” ,
procuro descrever algumas informações importantes dos documentos e atos legais que
instituíram as alterações nas modalidades da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.
Essas alterações e informações, bem como a rede de discursos entranhados nelas, me
permitiram ver este programa de governo como uma estratégia contemporânea de
governamento da população infantil.
Ainda no mesmo capítulo, retomo alguns recortes históricos importantes da legislação
e organização da estrutura do que hoje conhecemos como Ensino Fundamental. Argumento
que as mudanças educacionais apresentam certa regularidade no intuito de constituir cidadãos
adequados ao projeto social defendido em cada época. Alterações no ordenamento escolar
sempre existiram, mas são redescritas de acordo com racionalidades econômicas, que podem
ser historicamente contextualizadas.
13
Sequencialmente, no quarto capítulo, intitulado Uma política de inclusão em tempos
de Neoliberalismo” destaco excertos dos materiais do Ministério da Educação e Cultura,
1
que
demonstram como o Ensino Fundamental de Nove Anos, ao se enunciar como uma política
educacional que privilegia a inclusão das crianças de seis anos na escola, se alinha a políticas
maiores que se encontram dentro de um imperativo de educação para todos. Tais políticas se
encontram articuladas com a lógica econômica neoliberal em que vivemos.
Apresento também, nesse capítulo, o Ensino Fundamental de Nove Anos, enquanto
uma política pública contemporânea, que procura, entre tantas coisas, gerenciar o risco social
futuro que camadas populacionais podem gerar, se não concluírem com êxito sua
alfabetização e escolarização mínima. Além de Michel Foucault e outros autores que realizam
estudos sobre a governamentalidade, destaco o diálogo que realizo com autores como
Zygmunt Bauman, Ulrich Beck, Anthony Giddens, Pat O’Malley, para a argumentação que
construo, envolvendo noções de risco.
Procuro também analisar as estatísticas educacionais, destacadas pelos relatórios do
Ensino Fundamental de Nove Anos, enquanto uma estratégia para a produção de saberes
sobre a infância e a sua escolarização. Ao passo que tais estatísticas mapeiam a situação
educacional brasileira, também justificam a ampliação da obrigatoriedade escolar. Isso se
porque se efetiva uma produção de verdades por meio de dados estatísticos, que legitimam a
implantação do ensino de nove anos, ao demonstrar as vantagens e desvantagens para o
Estado do ingresso mais cedo no ensino obrigatório.
A seguir, no quinto capítulo, intitulado “ Infância e governamento”, procuro fazer
algumas discussões que articulam infância e os estudos foucaultianos sobre a
governamentalidade. Problematizo o fato de que a infância se tornou alvo de toda uma
complexa produção de saberes, que procura atribuir-lhe significados e características. Esses
saberes também se configuram como um exercício de poder sobre a vida dos sujeitos infantis,
sendo o processo de escolarização da infância uma das formas onde melhor se o controle
dos corpos e dos saberes. Argumento que os discursos do Ensino Fundamental de Nove Anos
produziram uma maior visibilidade para a infância, bem como propõem determinados
conhecimentos para trabalhar com este novo aluno que chega ao ensino obrigatório.
1
Doravante irei utilizar a sigla MEC.
14
Para este capítulo em especial, e para grande parte do corpo desta dissertação, foram
de fundamental importância as produções teóricas advindas de pesquisadores que integram o
programa de Pós-Graduação em Educação desta Universidade, como as teses, artigos ou
dissertações de Iole Maria Faviero Trindade, Clarice Salete Traversini, Maria Isabel Bujes,
Leni Vieira Dornelles, Alfredo Veiga-Neto, entre outros. As pesquisas destas autoras e autor,
embora não tematizassem sobre o Ensino Fundamental de Nove Anos, têm em comum as
discussões sobre a alfabetização, governamentalidade e educação, infância e políticas
públicas.
No sexto capítulo, intitulado Alfabetização/Letramento: a regulação da prática
pedagógica”, analiso o material do MEC, voltado para a orientação de práticas pedagógicas
com os alunos de seis anos no Ensino Fundamental. Procuro, neste capítulo, discutir como, ao
prescrever para os professores quais os melhores caminhos para trabalhar as questões da
alfabetização e do letramento, o Ensino Fundamental de Nove Anos exercita uma forma de
condução da conduta do professor, mas também regula a constituição do sujeito criança,
aluno que pretende formar. Para tanto é necessário investir em sujeitos alfabetizados e
letrados, e isso é possível por meio de um governamento da aula.
Por fim, no sétimo capítulo, Para Novos Caminhos, ou Descaminhos”, apresento
algumas considerações que consegui traçar ao longo desta pesquisa. Muitos desdobramentos
surgiram no decorrer do trabalho, alguns deles nem pensados inicialmente, mas que,
certamente, me fizeram sair do habitual e enriqueceram este estudo.
2&$0327(Ï5,&2($6)(55$0(17$6&21&(,78$,6
Para realizar esta pesquisa procurei olhar pela exterioridade do discurso moderno,
ordenador e instaurador de metanarrativas, que procura fornecer explicações totalizantes do
mundo ou da vida social” (SILVA, 2000, p.78). Embora me reconheça enquanto sujeito
produzido no interior desses mesmos discursos, para a produção desta dissertação, julgo
importante rediscutir a própria noção de sujeito, central, autônomo, racional, defendido pela
modernidade. Foucault nos diz que talvez, o objetivo hoje em dia o seja descobrir o que
somos, mas recusar o que somos” (1995, p.239) e, nesta perspectiva, procurei lançar um outro
olhar, usar outras lentes para estudar a infância, vendo-a de outra forma, não única, mas
múltipla.
Despi-me também de velhos paradigmas ligados às questões da alfabetização e da
docência, não como quem se descarta de algo que não é mais útil, mas como alguém que
deslocou o foco de suas preocupações. Alguém que precisa de outros solos para caminhar,
não em busca de grandes respostas, mas de espaço para discutir inúmeras inquietações que me
afligem na área da educação. Desconfiar dos pressupostos educacionais modernos me levou a
eleger o campo dos Estudos Culturais, em sua vertente pós-estruturalista e em suas
articulações com o pensamento de Michel Foucault, para o embasamento teórico das minhas
discussões.
Neste trabalho entendo a infância e sua educação enquanto fenômenos culturais. A
cultura é entendida, nos Estudos Culturais, como constituidora de fenômenos sociais,
produtora de práticas de significação, em que diversos grupos lutam pela imposição de seus
significados para a sociedade. A partir dessa perspectiva, que toma a cultura como arena de
relações de poder, não seria incorreto dizer, então, que o campo cultural é um campo de
tensão, de disputa.
São essas práticas culturais que constituíram historicamente, e ainda constituem, o que
entendemos por infância e escolarização. Neste sentido, Johnson complementa que todas as
práticas sociais podem ser examinadas de um ponto de vista cultural” (2004, p.30), ou seja,
culturalmente vamos nos constituindo e nos definindo enquanto sujeitos e grupos sociais.
16
Os Estudos Culturais servem de aporte para as análises que pretendo empreender, pois
trazem em seu cerne a instabilidade, a desnaturalização, o questionamento. Esse caráter
disperso nega binarismos e põe sob suspeita as grandes metanarrativas. Os trabalhos
desenvolvidos neste campo ilustram uma bricolagem teórico-metodológica:
Novas perspectivas, novos focos de atenção, novos debates e variadas metodologias
de investigação surgem a cada momento... Do campo da literatura, cenário dos
embates iniciais sobre questões da política cultural, passou-se aos demais campos e,
atualmente, antigos e novos objetos de todas as áreas de produção de saberes vêm
sendo alvo de discussão nos Estudos Culturais (COSTA, 2005a, p.139).
Ao colocar sob suspeita muitos dogmas da modernidade e ao buscar compreender o
caráter produtor da cultura, é possível estabelecer uma relação entre os trabalhos
desenvolvidos pelos Estudos Culturais e a produção teórica de Michel Foucault, uma vez que
as práticas de significação e as relações de poder se entrelaçam na constituição dos sujeitos e
da sociedade. Ao analisar o Ensino Fundamental de Nove Anos
2
, inserido em relações de
poder, demonstro meu comprometimento com as análises empreendidas por Foucault, sobre
governamentalidade, discurso e poder. Alio meu pensamento ao de Veiga-Neto que avalia que
a aproximação dos Estudos Culturais com os estudos foucaultianos pode ser produtiva tanto
para aprofundar o entendimento que se tem sobre cada um deles, quanto para retirar, dessas
aproximações, novas maneiras de ver, descrever, problematizar, compreender, analisar e dar
sentidos ao mundo”(2004, p.37-38).
É, então, dessa articulação que pretendo me valer para realizar esta pesquisa, mesmo
estando ciente das dificuldades que possam advir ao fazer tal aproximação, mas, também,
sentindo-me desafiada pela produtividade que se delineia ao meu olhar de pesquisadora.
Ao trabalhar com esta perspectiva, a cultura passa a ser interpretada enquanto
fenômeno imbricado em relações de poder, de lutas por imposição de significados e
constituição de identidades. Essa perspectiva torna possível aos Estudos Culturais se
articularem ao pensamento foucaultiano, pois em ambos os casos está presente uma clara
inconformidade, uma atitude explícita contra condições do presente ou, no mínimo,
desconfiada destas condições” (VEIGA-NETO, 2004, p.48).
2
Daqui para frente, no decorrer do texto, utilizarei as iniciais EFNA, para referir-me ao Ensino Fundamental de
Nove Anos.
17
É importante dizer, também, que, para esta pesquisa, o poder o é visto como algo
repressivo, escravizante, mas, ao contrário, o poder é compreendido como produtivo. Ele,
como lembra Foucault produz saberes, produz sujeitos.
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a o ser dizer o,
você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele o pesa como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social, muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir
(FOUCAULT, 2003a, p.8).
Como me interessam as relações de poder imbricadas na política do EFNA, os estudos
foucaultianos me oferecem as ferramentas necessárias para problematizar que infâncias estão
sendo visibilizadas por essa política. Que saberes foram e estão sendo construídos
paulatinamente sobre essas infâncias. As noções de poder, saber, governamentalidade serão
vitais para a realização desta pesquisa.
Esclareço aqui a minha pretensão de trabalhar com a ferramenta da
governamentalidade, inspirada em Foucault, uma vez que vejo o EFNA como uma estratégia
que se engendra na contemporaneidade para a captura do sujeito infantil. Essa captura do
sujeito infantil procura sua efetivação através de variados mecanismos, envolvendo não os
docentes que atuarão com as crianças, como as práticas pedagógicas que a elas se destinam. É
a partir da ferramenta da governamentalidade que pretendo construir minha dissertação. E é
sobre ela que pretendo aprofundar a discussão na próxima seção desta dissertação.
2.1 A GOVERNAMENTALIDADE
Por tomar a noção de governamentalidade, desenvolvida por Foucault, como
ferramenta teórica importante para esta pesquisa, penso ser necessário desenvolver esta seção
de forma a esclarecer o contexto em que ela foi pensada pelo filósofo e o uso que pretendo
fazer dela. Como tenciono realizar minha pesquisa relacionando as questões de infância e
escola, ambas emergentes e criadas na Modernidade, penso ser necessário entender como
18
essas noções se articulam com fenômenos políticos e sociais, como o da população e o seu
governo pelo Estado.
Em seu célebre texto intitulado “ A Governamentalidade”, Foucault mostra como
ocorre a passagem da Idade Média para a Modernidade, possibilitando um novo entendimento
sobre a arte de governar. De modo geral, o problema do governo aparece no século XVI”
(FOUCAULT, 2003b, p.277) e, entre este século até o final do século XVIII, inúmeros textos
e tratados serão escritos sobre as questões do governo. É importante destacar que muitos
desses tratados se filiavam às idéias de Maquiavel. Em seu livro O Príncipe”, essas idéias
eram expressas, essencialmente, como um tratado da habilidade do príncipe em conservar
seu principado” (FOUCAULT, 2003b, p.280). A partir do século XVIII, uma vasta gama de
literatura anti-Maquiavel começou a ser produzida. Enquanto Maquiavel preocupava-se em
como reforçar os laços entre o Príncipe e o Estado, a literatura anti-Maquiavel pretendia
reforçar o próprio Estado” (FOUCAULT, 2006a, p.376). Ao analisar esses tratados, Foucault
estuda as artes de governar e como o Estado precisou ser governamentalizado, como condição
para a sua própria existência.
A razão do Estado emerge, enquanto uma racionalidade de poder, como uma forma,
uma arte de governar, procurando racionalmente conhecer o que deve ser governado,
sustentando a idéia de que os métodos do governo estatal diferiam, por exemplo, da maneira
como Deus governava o mundo, o pai, a sua família, ou um superior, a sua comunidade”
(FOUCAULT, 2006a, p.373).
Para resumir, a razão do Estado o é uma arte de governar segundo as leis divinas,
naturais ou humanas. Esse governo não tem de respeitar a ordem geral do mundo.
Trata-se de um governo em concordância com a potência do Estado. É um governo
cujo objetivo é aumentar essa potência em um quadro extensivo e competitivo
(FOUCAULT, 2006a, p.376).
Porém, como esclarece Foucault, essa mesma razão de Estado bloqueia o
desenvolvimento da arte de governo, em função das situações sociais e históricas da época,
principalmente por dois motivos principais: por um lado, um quadro muito vasto, abstrato,
rígido da soberania e por outro, um modelo bastante estreito, débil, inconsistente da família”
(FOUCAULT, 2003b, p.287), o que impediu que a arte de governar se desenvolvesse em
benefício do Estado. Segundo Veiga-Neto o desbloqueio da arte de governar, enquanto
19
saberes que constituem uma racionalidade própria para o Estado, ocorreu quando
mudaram as condições econômicas e demográficas da Europa e, por isso mesmo, articulou-se
ao conceito moderno de população e, na esteira deste, também, o conceito moderno de
economia” (2005, p.18).
Ao estudar os tratados sobre a arte de governar, Foucault nos introduz na discussão de
um outro entendimento sobre o que é governar. Se para este autor o poder não pode ser
entendido somente em sua negatividade, mas em sua produtividade, que permeia e se
capilariza, ele mostra como o conceito de governo se ampliou em suas especificidades e
abrangências. Nesse sentido, as práticas de governo são por um lado práticas múltiplas, na
medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o superior do convento, o
pedagogo e o professor em relação à criança e ao discípulo” (FOUCAULT, 2003b, p.280).
Embora essas práticas de governo se difundam no tecido social, entrecruzando-se, elas podem
ser definidas em três tipos de governo: o governo de si mesmo, que diz respeito à moral; a
arte de governar adequadamente uma família, que diz respeito à economia; a ciência de bem
governar o Estado, que diz respeito à política” (FOUCAULT, 2003b, p.280).
É importante frisar que na mudança do entendimento de Estado enquanto território
conquistado ou herdado que precisa ser mantido e protegido, para um Estado onde a
população que nele habita torna-se central para a administração, não mais só de bens, mas da
vida e da sua produtividade, não significa que houve uma passagem de um para o outro
estágio de forma estanque. Como gerir este território e sua população de forma mais eficaz,
mais econômica, se tornou central para a racionalidade política:
Governar um Estado significará portanto estabelecer a economia ao nível geral do
Estado, isto é, ter em relação aos habitantes, às riquezas, aos comportamentos
individuais e coletivos, uma forma de vigilância, de controle tão atenta quanto a do
pai de família. Uma expressão importante do século XVIII caracteriza bem tudo
isto: Quesnay fala de um bom governo como de um governo econômico
(FOUCAULT, 2003b, p.281).
A idéia de população é norteadora, então, para a efetivação das ações do Estado, na
medida que desta deve-se extrair as forças, aumentar sua potência produtiva de forma
econômica e eficiente. A economia, no século XVIII, torna-se um campo de possibilidades de
intervenção do Estado. Essa, por sua vez, passa a preocupar-se com a população e suas
20
variáveis: taxas de mortalidade, de nascimento, crescimento demográfico das regiões,
campanhas de saúde, a maximização da vida.
A governamentalidade pode ser entendida, então, como uma racionalidade política,
que permite a operacionalização de uma tecnologia de poder macro (ao atingir uma
totalidade), mas, ao mesmo tempo, micro (individualizante), por preocupar-se com cada um
dentro de um todo. A partir dos escritos de Foucault, é possível compreender que a
Modernidade privilegiou a governamentalização do Estado, pois, a partir de suas táticas de
governo, permitiu definir o que compete ou não ao Estado.
Foi, portanto, a governamentalização do Estado, processo contrário à estatização da
sociedade, que permitiu que o Estado sobrevivesse. Disso resultou o Estado Moderno como o
compreendemos, sendo que foi na modernidade que o uso da palavra governar restringiu-se
às coisas relativas do Estado” (VEIGA-NETO, 2005, p.18). O processo de
governamentalização permitiu racionalizar, organizar e centralizar ações nas instituições
constituídas pelo Estado.
[...] a governamentalização do Estado foi o fenômeno que permitiu ao Estado
sobreviver. Se o Estado é hoje o que é, é graças a esta governamentalidade, ao
mesmo tempo interior e exterior ao Estado. o táticas de governo que permitem
definir a cada instante o que deve ou não competir ao Estado, o que é público ou
privado, o que é ou não estatal, etc; portanto o Estado, em sua sobrevivência e em
seus limites, deve ser compreendido a partir das táticas gerais de
governamentalidade (FOUCAULT, 2003b, p.292).
Tomando o exposto para pensar a contemporaneidade, pode-se inferir que assim se
gestam as políticas públicas propostas, articuladas e implementadas pelo Estado,
principalmente aquelas que se denominam políticas de inclusão e eqüidade social, como as de
educação, saúde, habitação, entre outras. O Estado e outros organismos multilaterais
(Organização das Nações Unidas, Fundo das Nações Unidas para a Infância, Banco Mundial)
3
configuram determinadas realidades, constroem saberes sobre elas, por meio de estatísticas,
da economia, calculam riscos e planejam as intervenções. Para a razão governamental, a
população torna-se alvo e objetivo para as suas ações.
O que passa, então, a ser cada vez mais problematizado será o Estado e não tanto o
governante, devendo ser entendido o Estado muito mais em termos de sua população
3
No decorrer do texto utilizarei as siglas UNESCO e UNICEF respectivamente.
21
do que de seu território. É a partir dessas constatações que Foucault propõe o
conceito de governamentalidade, que tanto aponta para uma razão ou tática de
governo, uma racionalidade governamental que descobre a economia e que faz da
população o seu principal objeto [...] (VEIGA-NETO, 2000a, p.181).
O conceito de população, constituído na Modernidade, possibilitou a criação de uma
série de instituições, procedimentos e estratégias que conjuraram forças que permitiram, e
permitem, a efetivação de campanhas e programas implementados pelos governos. Essas
campanhas e programas buscam não regular a população no seu coletivo, como
individualmente também.
Como nos diz Dean o governo implica qualquer tentativa de moldar, com qualquer
grau de deliberação, aspectos do nosso comportamento, de acordo com um determinado
conjunto de normas e para uma variedade de fins” (1999, p.11). Portanto, falar em
governamentalidade e governo implica falar sobre como conduzir a conduta alheia (os outros)
e de como saber conduzir-se (o eu), e isto pode ser conseguido por meio de uma ação muito
utilizada pelos governantes para a implementação de políticas públicas: as campanhas de
alfabetização, escolarização, saúde, etc.
Trabalhar com a idéia de campanha, elaborada por Foucault, me ajudará a analisar o
EFNA como uma forma de governamento
4
da população infantil. Foucault nos diz que por
meio das campanhas se age diretamente sobre a população, assim não só se direciona a
população para determinados fins, como esta é objetivada para que tenha saúde, educação,
duração de vida, de forma a beneficiar o Estado, consciente frente ao governo, daquilo que
ela quer e inconsciente em relação àquilo que se quer que ela faça” (FOUCAULT, 2003b,
p.289).
Para que as campanhas alcancem seus objetivos é importante conhecer o que se quer
governar, e aqui faço a relação com EFNA. No decorrer deste trabalho, procurarei mostrar
como vem se constituindo um campo de saber sobre a criança que se quer inclusa no Ensino
Fundamental, e que anteriormente era da competência da Educação Infantil. Avalio que esta é
4
Utilizo aqui e no decorrer do texto, além dos vocábulos JRYHUQDPHQWDOLGDGH e JRYHUQR o termo JRYHUQDPHQWR
de acordo com Veiga-Neto, que sugere a ressurreição do termo JRYHUQDPHQWR (de uso corrente na língua
francesa) na ngua portuguesa relacionado à ação ou ato de governar. Separa-se assim a idéia de governo
relacionando a instituição do Estado, enquanto a de JRYHUQDPHQWR diz respeito a ações distribuídas
microscopicamente pelo tecido social, por isso, soa bem mais claro falarmos em práticas de JRYHUQDPHQWR
(VEIGA-NETO, 2005, p.21).
22
uma estratégia de governamento e se constitui, também, como uma das muitas racionalidades
políticas colocadas em circulação na contemporaneidade. No tocante ao que interessa a minha
pesquisa, o governamento da população infantil, alio meu pensamento ao de Bujes, quando
esta associa população e infância, sugerindo que:
[...] uma população e uma infância que é também parte deste fenômeno e deste
conjunto maior, que é a população que podem ser medidas, calculadas,
categorizadas, descritas, ordenadas e organizadas estatisticamente podem também se
tornar, ao mesmo tempo, alvo de determinadas instituições e objetos sujeitos ao
exercício de poder e do saber (2001, p.91).
Trabalhar com a perspectiva da governamentalidade e do governamento, cunhadas por
Foucault, me possibilita ver a infância enquanto noção também construída na Modernidade,
como parte da população que têm recebido um grande investimento, não nacional, mas
dentro de uma lógica econômica e social, que é global. Pensar em racionalidades políticas e
econômicas por meio do estudo da governamentalidade implica realizar uma análise de como
são adotadas medidas sociais e educacionais, com vistas a atingir o governamento da
população a que se destinam, por meio de estratégias e mecanismos de subjetivação.
2.2 AS INQUIETAÇÕES E PROBLEMATIZAÇÕES DA PESQUISA
Realizar uma pesquisa comprometida com o campo dos Estudos Culturais em sua
vertente pós-estruturalista e dos Estudos sobre Alfabetismos, implica deslocar o olhar também
para o tempo e espaço da sociedade e da escola. No momento em que decidi fazer uso dos
estudos desenvolvidos por Foucault, também como embasamento para as minhas análises,
demonstro minha concordância com o filósofo, quando este aponta que, sob diversas formas,
por diferentes modos, em nossa cultura, os seres humanos tornaram-se sujeitos”
(FOUCAULT, 1995, p.231).
Se a escola foi uma das instituições que, por excelência, passou a servir aos desígnios
da Modernidade, ela foi, e provavelmente pretende continuar sendo, constituidora de sujeitos
adequados ao projeto moderno.
23
[...] a escola moderna funcionou e em boa medida continua funcionando como
um conjunto de máquinas encarregadas de criar sujeitos disciplinados num e para
um novo tipo de sociedade que se gestava após o fim da Idade Média. Essa nova
sociedade, em contraste radical com o mundo medieval com o qual rompia,
inaugurava uma nova episteme da ordem e da representação (VEIGA-NETO,
2006, p.30).
Problematizo essa gênese da escola moderna, porque foi este tipo de inquietação, a da
função da escola, que me impulsionou a modificar os questionamentos que possuía quanto à
educação. As inquietações que nutro sobre escola e infância me levam, ao longo desta
dissertação, a problematizar as verdades que estão sendo instituídas pelo EFNA, o que me fez
procurar tomá-las pelo avesso, e nelas investigar e destacar outras redes de significações”
(CORAZZA, 1996, p.112).
Corazza observa que toda e qualquer pesquisa nasce precisamente da insatisfação
com o já-sabido” (1996, p.111), idéia com a qual me afilio. Como levar os alunos a não
evadirem da escola? Como melhorar os altos índices de repetência na série? Como dar um
atendimento adequado e de qualidade à infância escolarizada? Obviamente que estes
problemas e estas perguntas se gestaram dentro de uma lógica moderna: a da procura
incessante de repostas e certezas. Isso me leva a pensar que para a Modernidade “cada
incerteza veio acompanhada da receita para curá-la: apenas mais um problema, e os
problemas eram definidos por suas soluções” (BAUMAN, 1999, p.250). Portanto, de certa
forma, procurei durante um bom tempo respostas para os questionamentos que tinha em
educação. Queria resolvê-los, achar a solução final para erradicá-los e construir uma educação
de qualidade, com alunos mais felizes, o que, ao final, trouxe-me frustrações.
Não digo que as preocupações concernentes às perguntas citadas não façam parte da
minha docência, da minha prática pedagógica, mas passei a compreendê-las de outras formas,
questionando-as. Percebi que a insatisfação que sentia não era com os debates tão recorrentes
em educação, mas com a forma como as questões educacionais eram problematizadas.
Acredito que este meu movimento intelectual aconteça na esteira da mudança cultural
e social que vivemos, onde a emergência de uma nova temporalidade, a de viver e estar no
mundo, de interagir na e com a cultura, abalou os alicerces modernos da ordem: a ordem do
mundo, do habitat humano, do eu humano e da conexão entre os três” (BAUMAN, 1999,
24
p.12). Essa mudança seria o que muitos autores têm proclamado como a passagem da
Modernidade para a Pós-modernidade.
5
O mundo pós-moderno, com suas características de incertezas, rapidez,
descartabilidade e consumo, desconstroe “ a visão moderna, e tende a conceber o mundo como
contingente, gratuito, disperso, instável, diverso e imprevisível” (COSTA, 2005b, p.210).
Penso que realizar uma pesquisa neste tempo e espaço contemporâneo não significa abrir mão
do comprometimento, do rigor, mas, sim, entender que existe uma lógica cultural e
econômica que influi e define posições sociais.
É importante, portanto, estar aberto a outros olhares, novos pensares, que a ordem
moderna científica teve como contribuição à constituição dos sujeitos o engessamento de
nosso entendimento, disponibilizando-nos poucos espaços para articular algo mais do que o
estritamente esperado, previsto, delimitado” (COSTA, 2005b, p.213).
Fiz essa discussão inicial como um meio de articular a forma como fui me
constituindo enquanto profissional da docência dentro de preceitos modernos, e como, na
contemporaneidade, desnaturalizo muitos questionamentos que possuía. Amparo-me na
afirmação de Costa, que sugere que não estão sendo descartadas nossas certezas como
estão sendo desqualificadas as perguntas que orientavam nossas buscas” (2005b, p. 212).
Logo, as perguntas que norteiam minha pesquisa o são pensadas dentro da obviedade que
espera respostas, mas, pelo contrário, contei com a possibilidade de que, a partir delas, muitas
outras viessem a se constituir e que possibilitassem novos rumos aos meus estudos.
O que me inquietou e me motivou para eleger o EFNA como tema de minha
dissertação de Mestrado se desdobra, não enquanto um único problema de pesquisa, mas em
dois problemas que considero centrais. São eles: quais discursos são engendrados no EFNA,
que procuram associar melhoria na qualidade da alfabetização e escolarização, como forma de
diminuir o risco social? Como determinados saberes e práticas estão constituindo a
necessidade do EFNA? Munida desses problemas iniciais, que me impulsionaram a pensar a
feitura desta pesquisa, comecei a tecer os muitos fios que compuseram a escrita desta
dissertação.
5
Autores como Lyotard (1993) e Harvey (1996) escrevem sobre a pós-modernidade.
25
Considero importante, destacar, também, que, ao produzir minha pesquisa sobre o
EFNA, procurei por outros trabalhos concluídos, que me possibilitassem dialogar com
minhas análises e para conhecer o que vem sendo dito e pesquisado sobre o assunto em
trabalhos de Pós-Graduação em Educação. Procurei então, primeiramente, no banco de teses
do Portal CAPES, mas nenhum registro foi encontrado. Após isso, investiguei nos trabalhos
apresentados na 30ª Reunião Anual da ANPED
6
, no ano de 2007. Curiosamente não encontrei
nenhum trabalho sobre o EFNA, tanto no GT do Ensino Fundamental, como em minha
segunda opção, que foi o GT de Políticas Educacionais, mas sim no GT 07, da Educação de
crianças de 0 a 6 anos, onde os trabalhos versam, em sua maioria, sobre a Educação Infantil.
No GT 07 encontrei o trabalho de Bianca Cristina Correa, representando a
FFCLRP/USP, que intitula-se Crianças aos seis anos no Ensino Fundamental: desafios à
garantia de direitos”. Com perspectiva teórica diferente da que eu utilizo, a autora realiza uma
revisão da legislação sobre a Educação Infantil, tendo como base a Constituição Federal de
1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Bianca Cristina Correa, no decorrer do seu texto, dialoga com os documentos citados e mais
os atos legais que instituíram o EFNA. Apresenta como argumentos que, ao prover o aumento
de vagas do Ensino Fundamental para contemplar os nove anos, o mesmo deveria se dar na
Educação Infantil. Ela ainda destaca o dilema alfabetizar ou não-alfabetizar na Educação
Infantil como outra importante discussão trazida pelo EFNA.
Além do meu trabalho sobre a temática, dois outros trabalhos vêm sendo produzidos
sobre o EFNA, na linha de pesquisa dos Estudos Culturais em Educação desta Universidade.
Maria Renata Alonzo Mota, orientanda do Prof.° Dr. Alfredo Veiga-Neto, defendeu uma
proposta de Doutorado no ano de 2007 intitulada: Ensino Fundamental de Nove Anos: um
outro espaço escolar”, em que apresenta como discussões centrais a infância e os processos de
escolarização, bem como, uma discussão sobre o tempo e o espaço na escola.
Suzana Schineider, orientanda da Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade, defendeu,
neste ano de 2008, a proposta de dissertação de Mestrado intitulada: O discurso
construtivista no projeto piloto da alfabetização do RS: um olhar sobre os materiais didáticos
do GEEMPA”. O trabalho de Suzana faz uma análise de um dos programas do projeto piloto
6
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação.
26
de alfabetização para a rede estadual do RS, que está sendo aplicado nas turmas de ano do
EFNA. Os materiais são analisados como artefatos culturais que produzem discursos acerca
da alfabetização, docência e alunos.
No decorrer da minha dissertação indico outros trabalhos que estão sendo produzidos e
apresentados em eventos sobre o EFNA.
2.3 UM MÉTODO: MODOS DE VER, DESCREVER, ANALISAR
Para realizar esta pesquisa me propus a empreender uma análise do discurso inspirada
em Foucault. Sob esta perspectiva vejo os materiais que compõem o EFNA (publicações,
relatórios, orientações pedagógicas, divulgação no VLWH do MEC, entre outros), não somente
como textos norteadores de uma política pública, mas, sim, como mobilizadores de discursos
que procuram gerar efeitos de verdade e práticas produtivas que venham a beneficiar a
qualidade da educação básica do país. Ou seja, vejo os materiais sobre o EFNA como textos
que sistematizam e fazem circular práticas e que são endereçados a determinados sujeitos e
instituições, com o objetivo de impedir que a infância de hoje não se constitua no adulto de
risco amanhã.
Trabalhar com a análise do discurso inspirada em Foucault significa reconhecer que as
verdades são produzidas discursivamente. Reconhecer os tipos de práticas que o EFNA
incentiva, mobiliza e investe para a constituição da educação das crianças de seis anos que
ingressam no Ensino Fundamental, foram fortes estímulos para a realização deste trabalho.
Para realizar esta análise, fez-se necessário entender, ainda, que a linguagem é obviamente,
mais que apenas fala” (ROSE, 2001, p.159), pois ela constrói sentidos, objetiva e subjetiva
sujeitos, portanto é importante estar atento não no que a linguagem significa, mas no que ela
faz” (ROSE, 2001, p.159).
Se a linguagem institui sentidos para o EFNA, é por meio dela, então, que se
configuram efeitos de verdade sobre aqueles a quem os discursos se endereçam. Mais que
analisar o EFNA, por meio dos documentos e publicações do MEC, creio ser “ preciso
27
trabalhar arduamente com o próprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que lhe é
peculiar” (FISCHER, 2001, p.198).
Para isso, é importante não desconsiderar detalhes supostamente insignificantes, pois
mesmos os detalhes podem trazer consigo asserções que se quer, ou que já estão naturalizadas
como verdades. Utilizo-me de outra importante consideração de Fischer, ao constatar que
analisar textos oficiais nesta perspectiva
[...] significará antes de tudo tentar escapar da fácil interpretação daquilo que estaria
por trás” dos documentos, procurando explorar ao máximo os materiais, na medida
em que eles o uma produção histórica, política; na medida em que as palavras são
também construções; na medida em que a linguagem também é constitutiva da
práticas (FISCHER, 2001, p.199).
Procurei problematizar que outros discursos sobre infância, docência e alfabetização
estão sendo postos em circulação, para além do discurso de uma política de eqüidade social,
como é defendido pelo MEC. Busquei também, nesta dissertação, pelos enunciados
recorrentes, que me permitiram observar rupturas, dispersões, e intrínsecas a essas dispersões,
regularidades” (HATTGE, 2007, p.32) e realizar um exercício de análise sobre estes.
Para esta dissertação, escolhi estudar os relatórios e orientações do EFNA,
informações veiculadas no VLWH do MEC, a legislação concernente ao tema e uma publicação
intitulada Cadernos do MEC”. Com o exame deste material consegui perceber recorrências
enunciativas que me possibilitaram constituir categorias de análises, que doravante apresento.
Tomar os documentos de orientação e relatórios da implantação do EFNA, a
legislação relacionada ao tema, bem como as orientações pedagógicas para a inclusão da
criança de seis anos no Ensino Fundamental, significa reconhecê-los como práticas que
formam sistematicamente os objetos de que falam” (FOUCAULT, 2002a, p.56).
Foucault nos diz que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que
têm por função conjurar seus poderes e perigos” (2004a, p.8-9). Se o discurso é produzido e
ao mesmo tempo controlado, é importante lembrar que são os discursos eles mesmos que
exercem seu próprio controle” (FOUCAULT, 2004a, p.21). Além disso, ele governa e produz
práticas e saberes sobre os outros, e ainda tem o controle de si, conhecendo e reconhecendo
28
onde e como atuar, quais mudanças e por quais meios deve procurar melhorar o seu
investimento.
Ao operar com os materiais do EFNA, procurei localizar as estratégias de
governamento produzidas em seus textos. Estratégias inseridas num jogo de poder-saber que
faz circular discursivamente um novo modelo de Ensino Fundamental, que inclui as crianças
de seis anos, dando-lhes mais um ano de Ensino Fundamental e menos um ano de Educação
Infantil. Nesse sentido em particular, o livro produzido pelo MEC Ensino Fundamental de
Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade; + 1 ano é
fundamental” foi por mim analisado como um manual de prescrições sobre como trabalhar,
atuar, conduzir e conduzir-se na ação pedagógica com as crianças de seis anos. Os textos
deste material foram analisados como textos prescritos, que para Foucault seriam:
[...] textos que, seja qual for sua forma (discurso, diálogo, tratado, coletânea de
preceitos, cartas, etc), têm como objeto principal propor regras de conduta. [...] textos
que pretendem estabelecer regras, dar opiniões, conselhos de como conduzir de modo
adequado: textos práticos, mas que são eles próprios objeto de prática, uma vez que
exigem ser lidos, apreendido, meditados, utilizados, postos à prova, e que visam a
constituir finalmente o arcabouço da conduta cotidiana. Esses textos m a função de
operadores que permitem aos indivíduos interrogar-se sobre a sua própria conduta...
(FOUCAULT, 2004b, p.200).
Amparada na análise do discurso foucaultiana, procurei descrever o que está expresso,
tais como prescrições que procuram exercer o governamento da população infantil e, para
isso, por várias vezes deixei que os materiais falassem por mim, para que sua superficialidade,
que nada tem de frágil ou desmerecedora de atenção, mas, pelo contrário, representam o que
constituiu e formou o discurso, emergisse e me propiciasse realizar as análises a que me
propunha. Esse trabalho analítico me permitiu problematizar outros discursos e outras
verdades sobre a escola, a docência e a infância.
2(16,12)81'$0(17$/'(129($126
O objetivo deste capítulo é, explanar o que é e em que se constitui o EFNA. Penso ser
importante trazer informações que esclareçam como essa política se instituiu, amparada,
sobretudo, por preceitos legais da legislação educacional brasileira.
O debate sobre o EFNA é, e provavelmente continuará sendo, uma constante no
cenário educacional brasileiro. Embora pareça que em 2006 essa política pública tenha
surgido inesperadamente
7
nos sistemas estaduais e municipais, a ampliação do ensino
fundamental de oito para nove anos o consiste em uma novidade completa. Embora a
ampliação do Ensino Fundamental já tenha sido debatida anteriormente no cenário
educacional, esclareço, desde já, que não realizarei um aprofundado retrospecto histórico,
mesmo reconhecendo a importância deste estudo. Não é a isso que me proponho, já que busco
me centrar no que está sendo proposto e discutido desde a implementação legal dos nove
anos, em 2005. Percebi, entretanto, que é impossível, contudo, não ingressar na história mais
recente, até chegar nesta medida educacional.
Inicialmente optei por analisar documentos, relatórios, orientações e informações do
VLWH do MEC, desde o ano de 2004, retornando, estrategicamente, um pouco mais no tempo,
até chegar à Lei Federal 10.172, de 09 de janeiro de 2001. O Plano Nacional de Educação,
entre tantas medidas, já aponta a ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos.
2.3. Objetivos e Metas
2. Ampliar para nove anos a duração do ensino fundamental obrigatório com início
aos seis anos de idade, à medida que for sendo universalizado o atendimento na
faixa de 7 a 14 anos.
8
Legalmente a possibilidade do EFNA estava instituída, mas esta medida, mesmo
sendo apontada na gestão do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, tomou um
novo patamar de discussões na gestão do atual Presidente, Luís Inácio Lula da Silva. Durante
o ano de 2004, o MEC empenhou-se em trazer à tona o assunto e transformá-lo em um debate
7
Quando me refiro a questão do inesperado, é por ter a experiência enquanto supervisora de uma Secretaria de
Educação, do quanto foi aparentemente surpreendente e a mesmo conflituoso para uma boa parte dos
professores, o aumento da escolaridade obrigatória para nove anos de ensino fundamental. Mas não em meu
meio profissional, como em muitos seminários cursados no próprio PPGEdu/ UFRGS e em encontros dos quais
participei, no Fórum Gaúcho de Educação Infantil, a temática do Ensino Fundamental de Nove Anos sempre foi
motivo de muitos debates e embates.
8
BRASIL. Lei Federal nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, p.56.
30
nacional. Paulatinamente foi-se discutindo a inclusão de crianças com seis anos no Ensino
Fundamental, tornando obrigatório o ano correspondente à pré-escola, ao invés de ampliar em
uma outra série, posterior a 8ª série.
No s de fevereiro de 2004 o MEC organizou uma série de encontros regionais em
cidades brasileiras, com o objetivo de propiciar diálogo sobre as implicações da
obrigatoriedade escolar se iniciar aos seis anos.
A primeira etapa desse processo aconteceu durante o mês de fevereiro, quando a
Seif, promoveu sete encontros regionais, ocorridos em Campinas, Florianópolis, Rio
Branco, Goiânia, Recife, São Luís e Belo Horizonte. Deles participaram
representantes de mais de 250 municípios e 16 secretarias estaduais de educação.
Nas reuniões, foram discutidas as implicações pedagógicas da ampliação do ensino
fundamental e as experiências de Municípios e Estados que já tornaram obrigatória a
entrada das crianças de seis anos na rede de ensino. É o caso, por exemplo, de Minas
Gerais, Rio Grande do Norte e Goiás e de vários municípios, como Itapetinga (BA),
Imaculada (PB), Fortaleza (CE) e Santa Cruz de Capibaribe (PE), que implantaram
este ano os nove anos de obrigatoriedade do ensino fundamental.
9
O objetivo deste encontro foi demonstrar o interesse do MEC em ampliar o Ensino
Fundamental, pois isto afirmaria a proposta governamental de uma política de inclusão social.
Isso se articula a idéia de que ampliar o Ensino Fundamental para Nove Anos se constitui em
uma forma de “ garantir melhores condições de alfabetização e letramento para todas as
crianças”.
10
Em conseqüência desta ampliação, o MEC sugere que a mesma produziria uma
mudança na qualidade da aprendizagem das crianças, já que quanto mais cedo lhes for
assegurado o acesso à escola, maior probabilidade elas m de concluir a escolaridade
obrigatória e prosseguir seus estudos”.
11
A permanência do aluno na escola e a diminuição da evasão e dos índices negativos da
alfabetização (repetências consecutivas na série) foram, e continuam sendo, argumentos
importantes do MEC para a implementação do EFNA, como pretendo demonstrar no decorrer
da pesquisa.
9
MEC. MEC dará apoio a quem ampliar Ensino Fundamental. 1RWtFLDVAssessoria de Comunicação Social, 03
nov. 2004. Disponível em: <http:// www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticiasDiaImp.asp?id=5224>. Acesso em:
14 mai. 2006.
10
Idem, ibidem.
11
Idem, ibidem.
31
Em agosto de 2004 a Secretaria de Educação Básica/MEC
12
distribuiu para as
secretarias estaduais e municipais de educação o documento Ensino Fundamental de Nove
Anos: orientações gerais”. Esse documento traz uma síntese das discussões dos encontros
regionais realizados em fevereiro do referido ano. Ainda no mês de agosto, no VLWHdo MEC,
são divulgados dados referentes a ampliação do ensino fundamental para nove anos.
O Censo Escolar de 2003 aponta que o ensino fundamental de oito anos vigorava em
159.861 escolas públicas brasileiras; mas 11.510 escolas já haviam ampliado o
fundamental para nove anos. Apenas seis unidades da federação não apresentavam
nenhum tipo de ampliação. Segundo levantamento feito pela SEB, os sistemas
estaduais de Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Sergipe e Rio Grande do Norte,
iniciaram a ampliação do fundamental em 2004. O Maranhão deverá ampliar o
ensino fundamental em 2005.
13
Com esses dados traduzidos em números, não só se oferecia informações, como
também se argumentava quantitavamente para a adesão dos Estados e suas escolas ao EFNA.
Em 16 de maio de 2005 é sancionada a Lei 11.114 que altera os arts. 6º, 30, 32 e 87
da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, a LDB, com o objetivo de tornar obrigatório o
início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade. Neste mesmo ano, na data de 3 de
agosto, o Conselho Nacional de Educação publica a resolução 03, que define normas
nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração. Em 6 de
fevereiro de 2006 é sancionada a Lei 11.274, que dispõe sobre a duração de nove anos para
o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade, além de
estabelecer prazo até 2010 para os Municípios e Estados implementarem a obrigatoriedade em
suas redes de ensino.
Penso que essas informações, bem como as divulgadas por meio de relatórios e
orientações, servem como táticas para a mobilização dos sujeitos e governos a favor da
Política Pública proposta. Não que ela não fosse ser realizada mediante a discordância de
alguns, mas o poder sempre se faz mais produtivo, como ensinam os estudos foucaultianos,
quando exercido em sujeitos livres, autônomos, capazes de decidirem o que é melhor para sua
educação.
12
Doravante se necessário utilizarei a sigla SEB quando me referir a Secretaria de Educação Básica.
13
MEC. Ampliação do ensino fundamental será orientada pelo MEC. 1RWtFLDV Assessoria de Comunicação
Social, 28 ago. 2004. Disponível em: Disponível em <http://www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/
noticiasId.asp?Id=6793>. Acesso em: 14 mai. 2006.
32
Tanto melhor será o engajamento dos sujeitos ao EFNA se os discursos sobre o
mesmo forem internalizados, como se houvesse a participação ativa de todos para a efetivação
desta política. Em termos foucaultianos, penso que essas táticas articulam um poder que, no
limite, faz com que o governante deva governar na medida em que se considere e aja
como se estivesse ao serviço dos governados” (FOUCAULT, 2003b, p.289). Essa é uma
lógica que vejo presente no EFNA, uma política que se apresenta no cenário educacional
como estando a serviço e benefício dos sujeitos da educação e da sociedade em geral.
Por estes e por outros motivos é que pretendo, na seqüência, mostrar que vejo o EFNA
como uma forma de governo de sujeitos e saberes. Ele se destina à população infantil, mas
encontra na escola o ORFXV adequado para a sua efetivação, onde o controle e a aplicação
desses novos saberes sobre a criança de seis anos podem ser operacionalizados de forma
produtiva.
3.1 UMA HISTÓRIA DE ORDENAMENTOS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
É inegável que a legalização, e consequentemente a institucionalização do EFNA,
causa debates e embates.
14
Aparentemente, estamos vivendo uma novidade no cenário
educacional, tendo sido convidados a acreditar que é uma medida inovadora, que visa a
melhoria da qualidade da educação nacional. Longe de estabelecer julgamentos morais sobre
a validade ou não do EFNA, instiga-me muito mais pôr em suspeita os discursos educacionais
que constituem práticas contextualizadas em uma determinada época, mas que se apresentam
em tempos passados com outras descrições.
Evoco Foucault, quando este diz que um bom número de coisas que fazem parte
dessa paisagem familiar que as pessoas consideram como universais não são senão
14
Considero importante destacar a pesquisa que vem sendo feita sobre os impactos da implantação do EFNA em
cinco municípios gaúchos (Capão do Leão, Rio Grande, o Lourenço do Sul, Piratini e Bagé), pelo grupo de
pesquisa HISALES História da Alfabetização, Leitura e Escrita da FAE/UFPEL e NEPE – Núcleo de Estudo e
Pesquisa em Infância de zero a seis anos, trabalho este coordenado pela professora Dr Eliane Peres,
coordenadora do HISALES. Embora a perspectiva desta pesquisa seja diferente da minha, este grupo tem se
dedicado a entrevistar secretários de educação, professores, supervisores, comunidade escolar em geral e
também crianças de seis anos, que integram turmas de ano, dando voz aos agentes envolvidos no processo”
(2007, p.6).
33
resultados de algumas mudanças históricas muito precisas” (1994, p.2). As políticas
educacionais são discursivamente produzidas e, com isso, também produzem práticas e geram
efeitos de verdade nos sujeitos por elas envolvidos.
É possível reconhecer, ao longo da história educacional brasileira, que continuamente
a população é levada a internalizar modos de ver, experienciar e se reconhecer em
determinadas estruturas e organizações de ensino. Prova disso é o estranhamento que causou
em várias redes educacionais o aumento do número de oito para nove anos no Ensino
Fundamental. Talvez isso decorra de uma extrema naturalização da organização do Ensino
Fundamental em oito séries. Isto se tornou uma verdade inconteste, tomada como única, como
se nunca tivessem existido outras estruturas na educação brasileira.
Se os discursos constituem práticas, como diz Foucault, é possível argumentar que os
discursos produzem saberes que, articulados, constituem políticas, políticas essas que em
outras dimensões, funcionam como condições de possibilidade para que ordens sociais sejam
criadas e mantidas” (SARDAGNA, 2007, p.174). Pensando assim, o próprio Ensino
Fundamental de oito séries e a história das organizações educacionais, em termos de
legislação e currículo, torna-se uma condição de possibilidade para a existência de um EFNA.
O ensino distribuído em oito séries nem sempre existiu: ele foi inventado em um determinado
período em que as políticas nacionais e internacionais assim o exigiam.
Dentro dos limites deste trabalho, que não tem a pretensão de ser um estudo histórico
da legislação educacional, se tornou importante retroceder um pouco no tempo, para entender
como contemporaneamente emerge o EFNA. Isso se fez necessário para conhecer como os
movimentos educacionais, em termos de políticas públicas, se gestam e se transformam,
redescritos de acordo com uma racionalidade de governo, considerando que cada qual vigora
em uma determinada época.
Para pensar no século XX e XXI é relevante lembrar que o processo de escolarização
das massas tornou-se estratégia privilegiada de construção de uma ordem pública nos
Estados-nações” (GOUVEIA, 2004, p.266). Este ordenamento se instituiu por meio de leis de
obrigatoriedade escolar que conformaram a estrutura de diferentes contextos nacionais e
34
regionais em vários países.15 Além de instituírem a definição de uma idade escolar, também
trouxeram para o âmbito legal a responsabilização dos pais ou tutores das crianças pelo
envio destas às escolas de primeiras letras” (GOUVEIA, 2004, p.266).
A institucionalização dos espaços escolares no Brasil, assim como na Europa, se
organizou primeiramente em relação ao tempo escolar. Sendo que as primeiras normatizações
recaíram sobre a instrução obrigatória. Em 1824, o princípio foi estabelecido na
Constituição, fixando a freqüência dos 7 aos 12 anos de idade” (SOUZAa, 1999, p.130).
Ao trazer essas dados pretendo evidenciar que tipos de políticas públicas educacionais
são reconfiguradas, conforme as necessidades sociais e econômicas de cada tempo. As
prescrições formais, postas sob forma de leis e decretos, servem aos interesses
governamentais e de reformadores educacionais. No século XIX se buscou construir uma
escola que constituísse cidadãos educados, civilizados, e esse processo foi compreendido
como devendo se realizar nos espaços escolares” (GOUVEIA, 2004, p.275).
Pode-se dizer que a escola sempre esteve envolvida na administração racional do
tempo dos sujeitos para a produção de cidadãos. Já no século XIX, a construção dos
currículos das escolas primárias se pautava em determinantes sociais e políticos que
orientaram a seleção cultural para este nível de ensino” (SOUZAb, 2000, p.10). Instituindo,
para a época, o que a autora define como um projeto político-social civilizador, isto é, um
projeto direcionado para a construção da nação, para a modernização do país, a moralização e
a disciplinarização do povo” (2000, p.24).
Como disse anteriormente, não pretendo fazer um resgate de toda a história da
educação nacional, mas sim, pinçar fragmentos históricos que me permitiram ver que em cada
época podemos localizar comprometimentos diversos com a constituição de tipos de sujeitos,
assim como ainda acontece.
15
Considero importante destacar a pesquisa da professora Drª Iole Maria Faviero Trindade, que discute em sua
tese de doutorado, que expectativas de leitura e escrita existiam no período republicano no nosso Estado”
(2004a, p.34) Seu estudo cobriu um período entre 1890 e 1930, relativo aos métodos e cartilhas empregadas para
a alfabetização das crianças no governo Republicano do Rio Grande do Sul.
35
Considero importante destacar, tomando o século XX como período de análise,
alguns excertos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional:
Art. 23. A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será
ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância.
Art. 26. O ensino primário será ministrado, no nimo, em quatro séries anuais.
Parágrafo único: os sistemas de ensino poderão estender a sua duração até seis anos
ampliando, nos dois últimos, os conhecimentos do aluno e iniciando-o em técnicas
de artes aplicadas, adequadas ao sexo e à idade.
Art. 27. O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e será ministrado
na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas
classes especiais ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de
desenvolvimento.
Art. 33. A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada na escola
primária, destina-se à formação do adolescente.
Art. 34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e
abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de
professores para o ensino primário e pré-primário
Art. 44. O ensino secundário admite variedade de currículo, segundo matérias
optativas que forem preferidas pelos estabelecimentos.
§ O ciclo ginasial terá duração de quatro séries anuais e o colegial, de três no
mínimo.
Tomando esses dados como referência, é possível pensar o momento atual, fazendo as
seguintes equivalências, conforme a organização de ensino proposta pelo MEC.
1961 PRÉ-PRIMÁRIO
PRIMÁRIO
4 a 6 anos de
duração
GINÁSIO
4 anos de
duração
COLEGIAL
3 anos de
duração
2008 EDUCAÇÃO
INFANTIL
ANOS INICIAIS ANOS FINAIS ENSINO MÉDIO
A modalidade que hoje conhecemos como a do Ensino Fundamental compreendia, em
1961, o primário e o ginásio. Curioso é constatar que a possibilidade de o primário se estender
de quatro a seis anos, permitia que o período total do que conhecemos como Ensino
Fundamental, não fosse somente de oito, mas podendo se estender anove anos. É possível
36
pensar, então, que o que estamos vivendo agora, não é uma novidade no tocante ao número de
anos de duração do Ensino Fundamental, mas que vivemos, sim, a reinvenção de uma política
que outrora já fora adotada em nosso país.
Constato como algo novo, em relação ao EFNA, não a duração do Ensino
Fundamental, mas o ingresso das crianças com seis anos de idade. Em 1961, a legislação
apontava como obrigatório o ensino a partir de sete anos.
No ano de 1971, novas nomenclaturas e mudanças são efetivadas pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, agora nomeando o ensino em e graus. O
ensino de grau foi dividido, então, em séries iniciais e séries finais. Dessa lei merece ser
ressaltado o que segue:
Art. 18. O ensino de grau tea duração de oito anos letivos e compreenderá,
anualmente, pelo menos 720 horas atividades.
Art. 19. Para o ingresso no ensino de grau, deverá o aluno ter a idade mínima de
sete anos.
§ 1º As normas de cada sistema disporão sobre a possibilidade de ingresso no ensino
de primeiro grau de alunos com menos de sete anos de idade.
Art. 20. O ensino de 1º grau será obrigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo aos
Municípios promover, anualmente, o levantamento da população que alcance a
idade escolar e proceder à sua chamada para matrícula.
Na Lei de 1971 fica explicitado que ainda a obrigatoriedade de ingresso na escola se
a partir dos sete anos, contudo dentro da organização em e graus e da distribuição em
oito séries (equivalente ao grau completo). Julgo ser importante esclarecer que escolhi
essas duas leis por serem fundantes de modos de ver e experienciar o tempo escolar no século
XX. Também, para mostrar que mudanças na esfera educacional são práticas que se
inscrevem no movimento de escolarização que foi se configurando de diferentes formas ao
longo dos séculos” (SARDAGNA, 2007, p.184).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 9394/96 também traz alterações,
discutidas neste capítulo, na seção inicial, quanto ao EFNA, principalmente devido às novas
redações dadas pelas Leis 11.114, de maio de 2005, e 11.274, de fevereiro de 2006. Não
retomarei discussões feitas neste capítulo quanto à legislação instauradora do EFNA, mas
destaco uma ruptura com as demais leis, no que se refere ao número de anos do Ensino
37
Fundamental, mas, sim, quanto ao ingresso mais cedo, aos seis anos de idade, nesta
modalidade de ensino.
A institucionalização da infância na Modernidade certamente se deu por meio de
agenciamentos concretos, de uma série de arranjos fortuitos que se foram potencializando,
segundo interesses, circunstâncias e relações de poder” (BUJES, 2006, p.219).
Contemporaneamente novos agenciamentos vêm se sobrepondo, por meio de políticas
públicas que procuram também controlar e prever o desenvolvimento dos sujeitos infantis.
Vivemos em uma época em que existe uma exacerbação de discursos sobre a proteção
da infância, bem como da instituição de políticas educacionais que contemplem e incluam a
todos. Esses discursos potencializam a criação de condições de possibilidade para que
determinadas políticas educacionais se constituam e instituam práticas, que no sentido
foucaultiano, não significam a atividade de um sujeito, mas designam regras que submetem
os sujeitos” (SARDAGNA, 2006). Tendo dito isto, aloco o EFNA como uma destas políticas,
imbricado na produção de sujeitos.
De acordo com Sardagna, a obrigatoriedade do ingresso de alunos com seis anos no
Ensino Fundamental é um indicativo de que “ a lógica da educação para todos está balizando a
definição das políticas educacionais” (2007, p.178). No Brasil, o PNE já sinalizava o aumento
da obrigatoriedade, sendo que não se pode esquecer que esta lei serve como um norteador
para planos municipais e estaduais. Constatei também, ao ler o PNE, como este é articulado
com a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, ocorrida em Jotien, Tailândia, no
ano de 1990. O principal objetivo desta conferência foi o de garantir o compromisso dos
países para se conseguir erradicar o analfabetismo e universalizar o acesso à escola na
infância” (2000, p.5), algo não muito diferente do que pretende o EFNA.
No ano de 2000 dois movimentos foram realizados para avaliar se as metas da
Conferência de Jotien foram alcançadas: a Conferência Regional de Educação para Todos
nas Américas”, que ocorreu na República Dominicana, e o Fórum Mundial sobre Educação
para Todos”, que ocorreu na cidade de Dakar, no Senegal, do qual extraio a seguinte
passagem.
33. Embora seja essencial o compromisso de atingir a matrícula universal,
igualmente importante é aprimorar e manter a qualidade da educação fundamental
38
para assegurar os resultados efetivos de aprendizagem. A fim de atrair e reter
crianças provindas de grupos marginalizados e excluídos, os sistemas educacionais
devem responder de maneira flexível oferecendo conteúdo relevante e formatos
acessíveis e atraentes. Os sistemas educacionais devem ser inclusivos, buscando
ativamente as crianças que não estejam matriculadas e respondendo de maneira
flexível às circunstâncias e às necessidades de todos os educandos (2000, p.19).
Universalização do ensino, garantia de uma alfabetização com qualidade, inclusão de
grupos excluídos, diminuição da evasão e garantia da aprendizagem, são aspectos essenciais
no Compromisso de Dakar. Constato, porém, que também o são no EFNA, que se pauta sobre
as mesmas premissas, como explicitarei no decorrer da dissertação, principalmente no
capítulo, onde argumento sobre como o EFNA se constitui enquanto uma política de inclusão
e gerenciamento do risco social.
Baseada no exposto até aqui permito-me pensar que as políticas nacionais para a
educação, comungam dos mesmos objetivos de políticas educacionais mundiais, ou seja, elas
se alinham em um mesmo registro, o de incluir a todos na escola. Além do EFNA, que integra
uma gama de ações que o governo federal vem implantando, acredito ser importante destacar
o Decreto 6094, de 24 de abril de 2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação:
Art. 2º A participação da União no Compromisso será pautada pela realização direta,
quando couber, ou, nos demais casos, pelo incentivo e apoio à implementação, por
Municípios, Distrito Federal, Estados, e respectivos sistemas de ensino, das
seguintes diretrizes:
I – estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir;
II – alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os
resultados por exame periódico específico.
Universalizar o ensino e garantir a alfabetização aos oito anos de idade, em nosso
contexto de EFNA, maximiza as promessas de uma educação que inclua a todos”
(SARDAGNA, 2007, p.184). O Brasil defende essa política, o que é possível constatar nas
leis que estão não só regulamentando o EFNA, mas também mobilizando os sujeitos a
adotarem para si a idéia de que estas são as melhores alternativas para uma educação de
qualidade.
Todo esse conjunto de políticas circula discursivamente pela sociedade, revestida de
um interesse abnegado pelos excluídos, principalmente pelos que se encontram em uma
39
infância pobre. Mas, ao mostrar o quanto a educação é importante para melhorar a vida dos
sujeitos, a inclusão da criança de seis anos no Ensino Fundamental produz significados sobre
como deve ser o aluno, o futuro cidadão para sociedade do século XXI.
Investir na educação para a constituição da cidadania não é algo novo no cenário
educacional. O que procurei mostrar até aqui é como as políticas estão articuladas no tempo e
espaço, na sociedade na qual são adotadas e, principalmente, como estão intimamente
entranhadas entre si, desconhecendo fronteiras territoriais e culturais. O EFNA, ao incluir as
crianças de seis anos, demonstra que o imperativo social atual é investir na infância, mas não
na Educação Infantil e sim, no modelo mais escolar: no modelo do Ensino Fundamental.
80$32/Ë7,&$'(,1&/862(07(0326'(1(2/,%(5$/,602
As políticas educacionais se apresentam, ao longo da história, de forma circular,
revestidas de novos sentidos, mas propondo o retorno de antigas ações, desenvolvidas,
como as apresentadas no capítulo anterior. Ao estudar o EFNA, observei que ele não escapa
dessa lógica, e observei o deslocamento do discurso da qualidade em educação para um
imperativo de Educação para Todos, articulado com a racionalidade econômica neoliberal
16
em que vivemos. O importante, agora, é que todos tenham acesso e permanência na escola, e
a inclusão é o mote das orientações. Inspirada em Foucault, me fiz o questionamento sobre a
que se deve obedecer, a que coação estamos submetidos, como de um discurso a outro, de um
modelo a outro se produzem efeitos de poder?” (FOUCAULT, 2006b, p.227).
Durante um longo período fomos investidos a naturalizar a idéia de um Ensino
Fundamental de oito anos, mas agora existe uma rede discursiva operacionalizada por vários
enunciados, buscando legitimar o EFNA. Nesse jogo de poder e verdade, não se pode perder
de vista que uma aparente decisão educacional não se mostra articulada a uma racionalidade
maior.
17
Amparo-me novamente em Foucault quando este argumenta:
Há efeitos de verdade que uma sociedade como a sociedade ocidental e hoje se pode
dizer a sociedade mundial, produz a cada instante. Produz-se verdade. Essas
produções de verdade não podem ser dissociadas do poder, ao mesmo tempo porque
esses mecanismos de poder tornam possíveis, induzem essas produções de verdades,
e porque essas produções de verdade têm, elas próprias, efeitos de poder que nos
unem, nos atam (FOUCAULT, 2006b, p.229).
Assim como não somos tão autônomos como pensávamos ser, as políticas públicas
também o o são. Ao ser implementado, o EFNA, por meio de seu discurso, interpela os
sujeitos da educação, buscando naturalizar suas ações de forma a serem tomadas como a
verdade”, ficando com isso isentos de suspeitas.
16
Nos limites desse trabalho, o farei uma discussão mais aprofundada sobre o Neoliberalismo, no entanto, o
entendo como uma racionalidade que provoca alterações sociais e educacionais que se materializam nas políticas
públicas. Ele exalta questões como eficiência, produtividade, próprias da iniciativa privada, provocando a
redefinição da cidadania pela qual o agente político se transforma em agente econômico, e o cidadão em
consumidor” (SILVA, 1997, p.15).
17
Como discutido no capítulo anterior, observo que o EFNA se alinha com outras políticas que circulam
mundialmente, tais como Educação para todos: o compromisso de Dakar, da UNESCO, mas também são
reafirmadas em políticas públicas nacionais como o Decreto 6.094, de 24 de abril de 2007, que implementa o
Plano de Metas Nacional Compromisso de Todos pela Educação, em regime de colaboração dos municípios,
estados e união.
41
Ao enunciar-se como uma política de inclusão de cunho social, é válido dizer que o
EFNA se alinha a uma lógica na qual as fronteiras são rompidas” (SARDAGNA, 2006). A
universalização do Ensino Fundamental, agora iniciando aos seis anos de idade, norteia uma
proposta de educação em que é inaceitável que haja crianças fora da escola. Discursos estes
bastante difundidos e defendidos por órgãos internacionais, tais como Unesco e Unicef,
Banco Mundial, entre outros.
Ao tratar de uma política de inclusão social procuro mostrar, neste capítulo, os
mecanismos que se engendram no EFNA, que efetivam o governamento dos sujeitos. Por
meio de uma política de inclusão, procura-se não gerenciar riscos futuros, mas também
produzir, por meio de dados estatísticos, o perfil do aluno que deve ser incluído, para seu
próprio bem e da nação, no Ensino Fundamental. Esses dois focos serão, no decorrer deste
capítulo, esmiuçados e analisados.
É relevante lembrar, ajudada por Veiga-Neto, que no final da Idade Média houve o
deslocamento da ênfase da soberania sobre a população” (2000a, p.180). A população, com
isso, se torna alvo de processos de objetivação (no momento em que é cuidada, descrita,
controlada) e de processos de subjetivação (na medida em que novas práticas sociais e
econômicas procuram constituí-la de uma determinada forma).
O Estado, ao longo do século XX, não se eximiu do governo da população e de seu
território, mas percebe que tal governo se torna economicamente oneroso. Isso impulsiona um
reordenamento de um modelo centralizador e provedor das necessidades básicas, para uma
lógica onde o Estado passa a ser então uma instituição que regula algumas instituições
essenciais, mas que investe esforços na responsabilização dos indivíduos por suas escolhas”
(HATTGE, 2007, p.47). Os indivíduos devem ser responsáveis, auto-governáveis, para que se
insiram na sociedade que se configura, onde é preciso um novo tipo de indivíduo, que consiga
prover suas necessidades pessoais e que se torne um consumidor. Dito de outra forma, o
Estado reconfigura-se como um gerenciador de políticas neoliberais de mercado” (KLEIN,
2007, p.159).
Enquanto instituição gestada na Modernidade, a escola comprometeu-se com o projeto
de constituição de cidadãos regulados e assujeitados ao discurso neoliberal. Sujeitos parceiros
com uma aparente liberdade de escolha, liberdade essa que não diz respeito somente a
42
questões financeiras, também se descentraliza o poder aparente sobre a vida dos sujeitos. No
entanto, liberdade, no Estado neoliberal, o dispensa controle, regulação e governamento,
pois, nessa lógica econômica e política, o governo dos sujeitos possibilita que estes
participem em sociedade de forma competente para competir melhor fazendo suas próprias
escolhas e aquisições” (VEIGA-NETO, 2000a, p.2000).
Não é por acaso que existe uma proliferação de políticas de inclusão na sociedade
contemporânea. Busca-se não somente gerar uma sensação de segurança, ao abarcar todos na
escola, assim como governa-se a constituição de sujeitos que possam efetivamente inserir-se
no mercado neoliberal, do capital e do consumo.
Mais especificamente, procuraremos mostrar que independentemente do seu
eventual caráter humanista ou progressista e como acontece, aliás, com qualquer
política pública moderna as políticas de inclusão escolar funcionam como um
poderoso e efetivo dispositivo biopolítico a serviço da segurança das populações.
Em outras palavras, coloque-se apenas no plano discursivo ou de fato materialize-se
no plano das práticas concretas, ao fim e ao cabo a inclusão escolar tem em seu
horizonte a diminuição do risco social (LOPES; VEIGA-NETO, 2007, p.949).
Minimizar o risco que uma população pobre, analfabeta, sem acesso a educação e à
saúde podem gerar no coletivo de um país, é uma das preocupações do Governo. Isso se
materializa por meio de políticas na área educacional, que trazem em suas práticas efeitos que
vão reconfigurando a escola, e seu entorno, cada vez mais voltado ao social” (KLEIN, 2007,
p.158). Visualizo na política do EFNA essa lógica, ao apontar a importância da educação para
a soberania e desenvolvimento sustentável de uma nação.
As ações do MEC respondem a uma idéia básica: é hora do Brasil enfrentar os
desafios que a educação com qualidade exige. Isso significa, necessariamente,
compreender a educação como instrumento central na construção de um projeto
soberano de nação, baseado no desenvolvimento sustentado e na igualdade de
oportunidades dadas aos seus cidadãos.
18
Se a educação se torna elemento central para o desenvolvimento de uma nação, não se
pode esquecer que uma certa racionalidade econômica impera na definição de determinadas
proposições educacionais. A educação é o instrumento, a escola, a maquinaria que
efetivamente constituirá cidadãos que possam ter igualdade de oportunidade. Isso, por sua
vez, me remete aos princípios de uma sociedade capitalista, onde somente aqueles que
18
Cadernos do MEC, junho de 2006, p.2.
43
conseguem gerir sua vida econômica, inserir-se no mercado de trabalho e consumir, podem
realmente participar dos processos de escolha e seleção.
O projeto de soberania construído por uma lógica neoliberal procura preparar
competências para atuar num mundo marcado pelo mercado e pela competição”(VEIGA-
NETO, 2000a, p.207). Os que estão fora, à margem, se tornam uma massa populacional não
controlada, o que pode ser perigoso para o Estado. É mais produtivo e útil incluir as crianças
de seis anos no Ensino Fundamental e propiciar-lhes os benefícios socais que a escola dispõe.
Benefícios que são muito mais que sociais, mas reguladores de condutas desejadas.
Atender às crianças a partir de seis anos é uma medida democratizante para colocar
na escola uma população que, caso contrário, permaneceria à margem do processo
de escolarização nessa faixa etária, uma vez que os sistemas de ensino tendem a não
conseguir suprir toda a demanda existente. Quando a matrícula é registrada no
Censo Escolar, o aluno passa, automaticamente, a ser beneficiado nos anos seguintes
pelas políticas públicas, como recebimento do livro didático, merenda escolar, entre
outros programas do MEC.
19
Objetiva-se, com isso, a permanência deste aluno na escola, principalmente porque
não se está falando de qualquer infância, mas da infância pobre. É necessário incluí-lo, pois o
imperativo da proposta de uma escola que atenda a todos é exatamente o de mobilizar estes
sujeitos a se sentirem parte deste espaço, e mostrar-lhes o quanto podem se beneficiar dele.
Cabe observar que a população que não é absorvida pelos sistemas de ensino, é aquela que
não conseguiu vagas nas escolas de Educação Infantil, que em sua grande maioria funcionam
em tempo integral. O Ensino Fundamental é organizado em quatro horas diárias, portanto,
com maior número de vagas e absorção da população infantil.
Em contrapartida, haverá uma melhor administração do Estado e, por conseqüência, de
forma mais econômica, pois os alunos que freqüentam a escola, além de estarem incluídos
no sistema educacional, serão melhor vigiados e controlados, receberão noções de higiene,
alimentação saudável, prevenção de doenças, paz no trânsito, educação ambiental”
(HATTGE, 2007, p.39). Segundo essa mesma autora, a inclusão das crianças na escola
regular é “ uma forma de economia” (HATTGE, 2007, p.40).
19
Cadernos do MEC, junho de 2006, p.8.
44
Por meio de inúmeras estratégias, a escola põe em funcionamento práticas de
ordenamento social. Estas estratégias, materializadas em ações desenvolvidas na ordem do
pedagógico, provam como as campanhas sociais e educacionais vêm se sustentando
mutuamente.
Ao narrar esta escola que o MEC almeja construir, em parceria com os segmentos
sociais, percebe-se que a inclusão dos alunos, principalmente os que se encontram em
vulneralibidade social, é uma das condições para que o direito à educação aconteça.
Ela resulta de um amplo e recente movimento de renovação pedagógica, pensando a
necessidade de alçar o ensino a um patamar democrático real, uma vez que o direito
à educação não se restringe ao acesso à escola. Este, sem a garantia de permanência
e de apropriação e produção do conhecimento pelo aluno, não significa,
necessariamente, o usufruto do direito à educação e à inclusão.[...] O governo atual
reafirma essa escola inclusiva. Por isso o MEC/SEB/DPE/COEF pretende, com estas
orientações, construir políticas indutoras de transformações significativas na
estrutura da escola, na reorganização dos tempos e dos espaços escolares, nas formas
de ensinar, de aprender, de avaliar, implicando a disseminação das novas
concepções de currículo
20
Quando as orientações destacam que o direito à educação não se restringe ao acesso à
escola, mas principalmente à permanência, é possível pensar que movimentos e
deslocamentos são efetivados pelo EFNA. Em excertos expostos até o momento, e outros
que serão apresentados no decorrer desta pesquisa, vê-se um investimento na
responsabilização de todos, para que a inclusão da criança de seis anos aconteça. o será
somente da escola a responsabilidade da permanência dos sujeitos, mas dos professores e de
sua prática pedagógica, das famílias, que precisam inserir-se enquanto comunidade social e
dos próprios alunos, que necessitam aprender a se tornar cidadãos responsáveis.
Esse processo de tornar as crianças educáveis, iniciando agora aos seis anos, e que se
pretende estender por todo o EFNA, pode ser indicado como balizador de uma política de
controle social. Mas isso não é necessariamente um discurso inovador, mas, sim, renovado, de
acordo com a necessidade econômica e social de nosso tempo.
Se retomarmos os ensinamentos de Comenius, no século XVI, em sua obra Didática
Magna”, podemos ver que o ideal comeniano traduzia que “ nas escolas é preciso ensinar tudo
a todos” (COMENIUS, 2002, p.95). A universalização da educação era defendida com vistas
20
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLVGR3URJUDPD, julho, 2004, p.11.
45
a incluir a todos, como forma de normalizar condutas e promover a constituição de sujeitos
educáveis. É importante destacar, na Didática Magna:
Em suma, como dos anos da infância e da primeira educação depende todo o resto
da vida, se os espíritos não forem, desde o princípio, suficientemente preparados
para as circunstâncias de toda a vida, não havemais nada a fazer. Assim como no
útero materno se formam os membros igualmente para todos os homens, e em cada
um se formam as os, os pés, a língua, etc, ainda que nem todos venham a ser
artífices, corredores, copistas, oradores, também na escola é preciso ensinar a todos
todas as coisas que digam respeito ao homem, ainda que depois uma delas venha a
ser mais útil a um, e outra ao outro (COMENIUS, 2002, p.100-101)
Vemos, atualmente, a infância evidenciada em uma política educacional e, embora
seus princípios o se digam organizados ao modo comeniano, a influência deste discurso na
educação universal pode ser vizibilizada no EFNA. Assim como Comenius nos fala que
determinados princípios devem ser aprendidos na infância e na primeira educação, relaciono
que tal concepção se encontra nos documentos do EFNA. Incluir a população infantil de seis
anos no Ensino Fundamental desdobra-se em uma elaborada governamentalização do espaço
escolar, uma política de gerenciamento de risco social.
Não se pode esquecer que a escola, enquanto maquinaria de governamento, procura
constituir a subjetividade dos sujeitos. Existe um investimento do poder disciplinar sobre os
corpos dos alunos, impondo-lhes uma rotina, horários, espaços onde podem ou não circular, o
que pode e o que não pode ser dito, e assim por diante. Todos esses elementos conjugados
constituem os sujeitos de um determinado modo, respondendo a um modelo de aluno
escolarizado, que já se fazia presente na lógica comeniana.
Como nos ensinou Foucault, o poder disciplinar atua microscopicamente sobre o
corpo, maximizando sua força útil. No ambiente escolar é possível a efetivação de múltiplas
práticas que procuram alcançar os corpos em suas ínfimas materialidades quanto imprimir-
lhes o mais permanentemente possível determinadas disposições sociais” (VEIGA-NETO,
2000b, p.11-12). A diferença é que agora se fez a escolha de que este investimento de poder e
saber iniciará, em larga escala, mais cedo, aos seis anos de idade, para que a população
infantil vá desde cedo se familiarizando com os preceitos sociais que nossa sociedade
contemporânea exige.
46
Foucault enfatiza em seus escritos que o governo dos homens exige daqueles que são
dirigidos, para além dos atos de obediência e de submissão, atos de verdade” (FOUCAULT,
1997a p.101). Entendo que nesse pensamento de Foucault esteja implicada a idéia de que os
sujeitos venham a proferir esta verdade como a sua verdade. Os atos de verdade que o EFNA
põe em circulação, são os de que existe uma margem populacional infantil em situação de
risco social e que para que tal situação não piore com o decorrer dos anos, o Estado
implementa, agora, uma política de universalização do Ensino Fundamental aos seis anos,
como forma de garantir a esta população condições sustentáveis de vida. Incluir estas crianças
na ordem escolar, torna-se, então, uma medida de controle do risco, questão que abordarei nas
próximas seções.
4.2 GERENCIAR O RISCO É )81'$0(17$/
Procuro, nesta seção, argumentar que o EFNA faz parte de uma das estratégias do
Estado para gerenciar o risco. Como para o país o risco social gera altos custos e torna uma
parcela da população dependente do Estado para resolver seus problemas” (TRAVERSINI,
2003, p.109), é importante que os índices de analfabetismo e a baixa escolaridade sejam
controlados. Ao aumentar a obrigatoriedade escolar, com o início aos seis anos, investindo na
educação da infância, é provável que o EFNA procure gerenciar os riscos sociais futuros, que
sujeitos sem escolaridade possam vir a gerar nas suas comunidades.
Analiso, no decorrer desta seção, que o EFNA articula, para o gerenciamento do risco,
a escola, como local privilegiado para garantir a alfabetização e a permanência dos sujeitos
neste espaço, a produção de dados estatísticos, como forma de legitimar o discurso do EFNA
e o seu investimento na infância e a educação, como inclusão social para a constituição de
bons cidadãos.
A noção de risco tem se alterado historicamente, antes de se tornar, na
contemporaneidade, uma necessidade diária enfrentada pelas massas” (SENNETT, 2005,
p.94). Em sua tese de doutorado, Traversini (2003) aponta que os estudos, na perspectiva da
governamentalidade, mostram que a administração do social” tem se alterado nas últimas
47
décadas21, principalmente se pensarmos que a emergência da economia relacionada à
população, enquanto atribuição de um bom governo, gerou a necessidade de um governo de
tudo e de todos, evidenciando uma preocupação com cada indivíduo e a população como um
todo” (DEAN, 1999, p.20). Administrar o social e gerenciar o risco faz parte de uma
racionalidade econômica de governo.
Dessa forma, o governo implica saúde, bem-estar, prosperidade, felicidade da
população. A noção de população é crucial para a definição dos fins do governo do
estado. Mas, ao mesmo tempo, o governo precisa tornar-se econômico. Para
governar adequadamente, garantir a felicidade e prosperidade da população é
necessário governar através de determinado registro, o da economia (DEAN, 1999,
p.20).
Nesse sentido, o governo do Estado precisa ser econômico, tanto no uso de suas
atribuições e poder, quanto no sentido de controle fiscal. Por isso, gerenciar riscos sociais se
tornou uma prerrogativa de um Estado que procura extrair da população a potência produtiva
e, com isso, minimizar situações que possam gerar despesas ligadas às áreas da segurança, da
saúde e da educação.
É importante lembrar que nas sociedades antigas e tradicionais, doenças, infortúnios,
perigos, que geravam insegurança, eram atribuídos ao destino, sorte ou à vontade dos
deuses” (GIDDENS, 2005, p.33). Não havia, até a Idade dia, uma conceituação para risco.
Giddens aponta que a noção de risco, do arriscar-se em busca de algo, pode ter começado a se
constituir nos séculos XVI e XVII, sendo tal noção cunhada pelos “ exploradores ocidentais ao
partirem para suas viagens pelo mundo” (2005, p.32). Risco, nesse sentido, representava
aventura, ousadia para desbravar o desconhecido.
A conceituação que atribuímos atualmente à palavra risco” se estabelece na
Modernidade, em função da emergência da noção de população. Nas sociedades antigas a
produção da insegurança não estava relacionada com a responsabilidade humana”
(TRAVERSINI, 2003, p.111), mas sim, com o sobrenatural: crenças, feitiçarias, costumes.
Na Modernidade, com a ascendência do capitalismo, calcular lucro e perda futuros, e
portanto risco” (GIDDENS, 2005, p.31) se torna um processo contínuo. Pode-se dizer, então,
que risco é um conceito moderno. Pressupõe decisões que tentam fazer das conseqüências
21
Estudos de autores como Ewald (2000), Dean (1999) e O’Malley (1996) tematizam sobre tal questão..
48
imprevisíveis das decisões civilizacionais decisões previsíveis e controláveis” (BECK, 2006,
p.5).
As decisões que precisam ser tomadas levam em conta a noção de população, como
conjunto de sujeitos que precisa ser gerenciado, de forma a evitar elevadas despesas para o
Estado” (TRAVERSINI, 2003, p.111). Prevenir e controlar os riscos que se gestam no interior
de uma população tais como analfabetismo, doenças, pobreza, violência demandou a
invenção de estratégias e saberes específicos para diminuir a sensação de insegurança. A
responsabilidade pelo controle do risco é humana e é que se o verdadeiro duelo entre a
idéia de que alguém é responsável e a idéia de que ninguém é responsável” (BECK, 2006,
p.7). Vejo que os discursos que se engendram no EFNA procuram sensibilizar a população e
responsabilizá-la para que o programa realmente se implante de forma satisfatória, pois ele
visa benefícios para a própria população, que ³RH[HUFtFLRGDJHVWmRGHPRFUiWLFDGHYHWHU
FRPRSULQFtSLRDF RQV WUXomRGDVSROtWLFDVS~EOLFDVHPFRQMXQWRFRPRVDWRUHVVRFLDLVQHODV
HQYROYLGRV´ Os atores sociais” são mobilizados a verem a escola como parte do seu viver,
da sua comunidade. Por meio da escola e de seus movimentos é possível reconstruir nas
comunidades o que lhes falta.
A sociedade urbano-industrial levou ao obscurecimento a vida da comunidade,
entendida como aquele antigo espaço de relações solidárias entre seus moradores.
Assim, hoje, também a escola está inserida e constituída em um bairro, uma cidade,
com suas histórias, geografias e instituições, com seus movimentos sociais, políticos
e culturais. A renovação pedagógica vivenciada em muitas escolas brasileiras nos
últimos anos tem transformado o entorno da escola também em escola, ou seja, está
gestando a reconstrução daquela antiga comunidade.
23
A comunidade precisa estar articulada à escola, amesmo para ser constituída como
tal. De acordo com O’Malley, “ os programas políticos focalizam o fazer algo a respeito de um
objeto praticável” (1996, p.194) e os objetos praticáveis do EFNA são a universalização do
acesso da criança de seis anos no ensino fundamental, menor evasão e maior permanência dos
alunos nas instituições escolares. Por esses motivos, seduzir as comunidades para a
importância da escola é fundamental, isto para que, a longo prazo, essa política alcance uma
universalização em todos os níveis de ensino.
22
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLVGR3URJUDPD, julho, 2004, p.07.
23
Idem, p.12.
49
Penso que o EFNA constrói e articula um tipo particular de controle e poder, uma
forma de governamento que as sociedades neoliberais aprenderam com excelência a exercer.
Um poder preocupado com o bem-estar da população e a saúde de cada um em particular,
um poder que se reveste de bondade e sincera dedicação a toda a comunidade, mas que não
tem condição de exercer-se senão munindo-se de toda informação sobre cada grupo”
(FISCHER, 1999, p.44). Ele exerce o governamento da população infantil e de cada cidadão
adulto que irá se constituir, gerando um controle do risco social futuro.
O objetivo de um maior número de anos de ensino obrigatório é assegurar a todas as
crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de
aprender e, com isso, aprendizagem mais ampla. É evidente que a maior
aprendizagem o depende do aumento do tempo de permanência na escola, mas
sim do emprego mais eficaz do tempo. No entanto, a associação de ambos deve
contribuir significamente para que os educandos aprendam mais.
24
Empregar de forma eficaz o tempo da criança de forma que a ela se assegure uma
aprendizagem ampla, está na gênese da idéia de salvação” que a escola oferece,
principalmente para as classes sociais desfavorecidas econômica e socialmente. Aqui cabe um
importante destaque: ao falar de um tempo eficaz, está se falando também de uma economia
funcional desse tempo no espaço escolar.
A escola funciona pautada em ordenamentos temporais, basta pensar nos horários de
entrada, merenda, recreio, distribuições de disciplinas e atividades ao longo de uma manhã ou
tarde, horários de saída, o tempo necessário para uma criaa se adaptar a escola, o tempo
para se alfabetizar, em que momento do ano se saberá que um aluno estará apto para
prosseguir em uma série seguinte, entre tantos outros exemplos. Todas essas variáveis
constituem o tempo de um aluno na escola, tempo este definido por Veiga-Neto como um
tempo subjetivado:
O tempo subjetivado é muito mais do que isso: ele permite tanto um controle
minucioso sobre os movimentos do corpo quanto uma mais eficiente articulação
entre esse corpo e os objetos que o circundam. A importância disso para as práticas
escolares é muito grande, indo desde o treinamento de héxis corporal até o melhor
uso dos objetos, do domínio dos movimentos até a otimização das habilidades
individuais (VEIGA-NETO, 2000b, p.17).
24
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLVGR3URJUDPD, julho, 2004, p.17.
50
Deste tempo subjetivado que, segundo o autor, se institui e se organiza pela nossa
ação, que se pretende o melhor aproveitamento da aprendizagem dos alunos. O tempo
escolarizado e obrigatório, que as orientações do MEC almejam, deve evitar desperdícios e
otimizar a permanência do aluno na escola. Sabendo que uma boa parcela das crianças não
freqüenta a Educação Infantil, nos faz pensar que a obrigatoriedade do ingresso aos seis anos
no Ensino Fundamental se torna uma eficaz forma de constituir cidadãos que sejam
visibilizados pelo governamento e que tenham seu corpo economicamente atingido e
perpassado pelo poder disciplinar” (VEIGA-NETO, 2000b, p.16).
No EFNA se faz necessário, também, uma individualização dos sujeitos, ao trazê-los
para dentro da escola, onde seu tempo e sua permanência podem ser cotidianamente
acompanhados. As orientações do MEC ressaltam a importância de toda a comunidade
escolar, reafirmando que o sucesso das políticas educacionais é compromisso de todos.
Os legisladores, certamente, o tiveram a intenção de minimizar a função educativa
da instituição escolar. Antes, lembraram a todos os agentes sociais pais,
professores, gestores e especialistas que o processo educacional o está restrito
aquela instituição. Pelo contrário, justamente pela sua constituição de confluência de
diversos saberes é que a escola tem reafirmada a sua vocação de ser pólo gerador e
irradiador de conhecimento e cultura, contribuindo para reconstruir a organização da
comunidade pelos seus próprios atores.
25
O chamamento à responsabilidade de todos os atores” para a reconstrução de sua
comunidade se insere na idéia de prudencialismo, desenvolvida por O’Malley (1996). O
prudencialismo é interpretado como uma tecnologia de governança que retira a principal
concepção de regulação dos indivíduos através do controle coletivo dos riscos e devolve ao
indivíduo a responsabilidade pelo controle do risco” (O’MALLEY, 1996, p.198). Uma
sociedade onde cada indivíduo cuida de si, se responsabiliza por sua segurança, saúde, bem-
estar, torna-se efetivamente uma população mais econômica para o Estado. O papel da escola,
defendido pelo MEC, se torna importante, pois se insere em uma lógica que entende que as
aprendizagens adquiridas nesta instituição contribuirão para a organização das comunidades
de seu entorno. Ao que parece, a escola reafirma, então, sua vocação de ser detentora de um
saber-poder, de uma cultura que é legítima e que deve ser irradiada para os que nela
ingressarem.
25
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLVGR3URJUDPD, julho, 2004, p.12.
51
O Estado implementa as políticas públicas, mas, para que elas tenham sucesso, todos
devem se sentir responsáveis por ela. Gerenciar o risco se torna uma tarefa do Estado, mas
muito mais eficiente e econômica se os indivíduos protegerem-se das circunstâncias
adversas” (O’ MALLEY, 1996, p.198). O aumento da escolaridade está sendo oferecido e
cabe à sociedade responsabilizar-se pela permanência das crianças na escola, já que:
Entrando mais cedo na escola, as chances de sucesso na trajetória escolar serão
maiores. Um passo importante para a diminuição das desigualdades sociais no país.
A Lei prevê um prazo de transição até 2010 para que os sistemas de ensino adotem o
fundamental de nove anos, incluindo a criança com seis anos de idade nas escolas. A
iniciativa visa elevar a escolaridade das crianças, especialmente daquelas sem acesso
à educação infantil, e levar mais cedo para a escola as que estão em situação de risco
social.
26
A produção discursiva que circula no programa que propõe o EFNA se ampara em
objetivos tais como: sucesso na trajetória escolar, diminuição de risco social e aumento da
qualidade da educação no país. Esses enunciados trazem consigo significados imersos em
relações de poder sobre quem precisa ser gerenciado: a infância em situação de risco social.
Cabe examinar por quais mecanismos tal risco será administrado, destacando o EFNA como
um deles e a escola como a instituição que operacionalizará esse processo, por meio de uma
política de inclusão social.
É importante pensar que no EFNA se espera não só uma melhoria na qualidade
educacional, mas também uma tentativa de solução dos problemas de ordem social, que
sabemos são grandes em nosso país. Em função disso se faz toda uma relação discursiva entre
educação e inclusão social. Lopes nos alerta que a invenção da inclusão ganha status de
verdade e de realidade quando começa a ser produzida nas narrativas, quando começa a
circular em diferentes grupos como uma bandeira de luta, quando começa a ganhar forma de
lei” (2007, p.15-16), que é o que acontece e está se legitimando no EFNA. Estar incluído é
estar apto a viver e ser um sujeito de um mundo globalizado.
O sucesso escolar, nessa lógica, se engaja em uma idéia que não visa somente prover
uma educação de qualidade para as crianças, mas, a longo prazo, o desenvolvimento
econômico e social do país, como é exposto pelo próprio MEC:
26
Cadernos do MEC, junho de 2006, p.4.
52
Em um mundo globalizado e cada vez mais competitivo, o acesso ao conhecimento
é inerente à inclusão social, ao desenvolvimento econômico, científico e tecnológico
do Brasil. Um país que não oferece educação de qualidade para suas crianças e
jovens não será capaz de promover justiça social e crescimento sustentável.
27
Este excerto remete à idéia de que a intervenção na escolarização da infância terá
como conseqüência positiva para o país um crescimento sustentável. Isso consiste em
reconhecer, como feito pelo MEC, que o mundo globalizado e os Estados-nações atuais
continuam reafirmando sua prerrogativa essencial de soberania básica: o direito de excluir”
(BAUMAN, 2005, p.454). Os excluídos, a população pobre e que está à margem da sociedade
de consumo, não são onerosos para o Estado, uma vez que, aumentarão suas despesas com
políticas compensatórias, como também o serão consumidores ativos. Tornam-se o que
Bauman conceitua como “ refugo humano”.
Numa sociedade de consumidores, eles são os consumidores falhos pessoas
carentes do dinheiro que lhes permitiria ampliar a capacidade do mercado
consumidor, e que criam um novo tipo de demanda a que a indústria de consumo,
orientada para o lucro, não pode responder nem “ colonizar” de maneira lucrativa. Os
consumidores são os principais ativos da sociedade de consumo, enquanto os
consumidores falhos o os seus passivos mais irritantes e custosos. A população
excedente é mais uma variedade de refugo humano (BAUMAN, 2005, p.53).
Uma das formas de o país gerenciar os riscos que o refugo humano” pode gerar é
investir no acesso e permanência das crianças na escola, perpassando, por esta medida, uma
qualificação do processo de alfabetização. Ao argumentar sobre a importância do contato da
criança com a escrita, anterior aos sete anos, o EFNA o afirma que isto promoverá uma
vantagem educacional, como generaliza a idéia de que todas as crianças de segmentos
populares não costumam ter nenhum contato com um ambiente alfabetizador e de letramento,
antes de ingressar no Ensino Fundamental.
A ampliação do ensino fundamental para nove anos constitui uma política
nitidamente comprometida com a inclusão e a eqüidade. Crianças oriundas de
segmentos populares da sociedade o as que m, em geral, maior dificuldade de
acesso à escola na faixa etária de seis anos. Como o primeiro contato dessas crianças
com a escrita muitas vezes ocorre apenas ao ingressar na escola, se deixarem de ser
atendidas nessa fase e entrarem na escola apenas aos sete anos, certamente estarão
em situação de desvantagem em relação às demais.
28
27
Cadernos do MEC, junho de 2006, p.3.
28
Idem, p.8.
53
Ao que parece, o MEC defende a idéia de que o sucesso da alfabetização nos anos
iniciais o se encontra atrelado às propostas que as escolas podem promover na
alfabetização, nem ao trabalho pedagógico desenvolvido pelos professores, mas, sim, ao
tempo de escolarização da infância. O perigo dessa crença está em entender que a
alfabetização seja baseada na consideração mágica da palavra escrita que se aprende, e ao
mesmo tempo se impõe, desprovida de sentido ou com um único sentido canonicamente
prescrito” (FRAGO, 1993, p.24). O sentido prescrito aqui seria o da aquisição da escrita e da
leitura, por meio de uma única agência: a escola. Não existe menção aos usos sociais da
leitura e da escrita feitos pelas crianças antes mesmo de seu ingresso na instituição escolar.
Afirmar que todas as crianças de classes populares não possuem nenhum ambiente que
propicie alguma situação de contato com materiais escritos, ou com a tentativa de escrever em
si, é generalizar uma situação, como forma de justificar a implantação de uma medida pública
em todo o país. Ademais, concordo com Trindade quando diz que é impossível predizer que
somente as famílias de meios letrados teriam a preocupação de valorizar a exploração de
portadores de texto com seus filhos” (2005, p.132). Muitas são as possibilidades e diferenças
culturais e sociais existentes em cada uma das muitas infâncias de nosso país.
Por outro lado, a argumentação do EFNA remete a uma idéia, embora combatida e
desnaturalizada por muitos educadores, de que o sucesso na aprendizagem e na alfabetização
das crianças se dará de forma mais potencializadora com aquelas crianças que conseguem
segurar o lápis corretamente, têm o traçado firme, desenham as letras com propriedade,
pintam figuras no devido espaço, recortam nos limites dos desenhos” (TRAVERSINI, 2005,
p.5). Como dito pela própria autora, a lista seria interminável. Todas essas eram e são
habilidades desenvolvidas nas turmas de pré-escola e, embora as palavras prontidão ou
preparação não estejam visibilizadas, suas intencionalidades no EFNA se encontram no
interstício dos discursos produzidos pelo EFNA, pois a garantia no processo de alfabetização
também faz parte de um gerenciamento do risco social, expresso nas estatísticas educacionais
e nos saberes produzidos sobre a infância.
54
4.2 A PRODUÇÃO DE DADOS ESTATÍSTICOS PARA UM EFETIVO
GOVERNAMENTO DOS SUJEITOS
Uma população pobre, sem condições de inserir-se no mercado de trabalho,
possivelmente analfabeta, se torna não só preocupante como onerosa ao Estado, pois sua força
de produção é pouco ou inexistente. Por isso, um bom governo é aquele que consegue
administrar essa população por meio de uma economia política e que consiga estabelecer
intervenções calculadas” (FOUCAULT, 1997, p.85).
É vital para a segurança do Estado, bem como para sua economia, ter uma população
escolarizada e sadia. Intervenções por meio da educação fazem parte de uma política de
regulação do risco social, pois, por meio das campanhas nacionais de educação,
implementadas legalmente, como o EFNA, se pretende subjetivar nos sujeitos da educação
mudanças de atitude, de maneiras de fazer e de viver” (FOUCAULT, 1997, p.85).
Essas mudanças são controladas e planejadas de forma a prevenir riscos. E para isso é
importante que a população seja o objeto que o governo leve em consideração em suas
observações, em seu saber, para conseguir governar efetivamente de modo racional e
planejado” (FOUCAULT, 2003b, p.290).
A tecnologia de poder, que se instaurou ao final do século XVIII e início do culo
XIX, tomou o homem-espécie como objetivo e preocupou-se com os fenômenos relativos à
população e de como gerir este conjunto. Esta tecnologia foi denominada por Foucault de
Biopolítica da espécie humana.
[...] trata-se de um conjunto de processos como a proporção dos nascimentos e dos
óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população, etc. São esses
processos de natalidade, de mortalidade, de longevidade que, justamente na segunda
metade do século XVIII, juntamente com uma porção de problemas econômicos e
políticos (os quais não retomo agora), constituíram, acho eu, os primeiros objetos de
saber e os primeiros alvos de controle da biopolítica (FOUCAULT, 1999, p.289-
290).
É nesse contexto social e histórico que emerge a estatística, como forma de mapear os
fenômenos relativos à população, tomando-a como alvo de poder-saber. A estatística pode ser
vista como uma estratégia de poder que permite a construção de categorias sociais e
55
econômicas, por meio das quais os sujeitos podem ser classificados, organizados e
controlados pela administração do Estado. Mas não no tempo presente: calculam-se riscos,
probabilidades e efetivam-se intervenções no agora, para controle de riscos do amanhã.
Em relação à educação, a estatística permite uma racionalidade política que viabiliza a
adoção de determinadas propostas e medidas educacionais. Ela permite racionalizar a
aprendizagem infantil, o rendimento escolar e os atributos sociais/psicológicos que são
considerados causais em relação ao fracasso escolar” (POPKEWITZ, 1994, p.189).
Considerando tudo o que foi exposto até aqui, é possível constatar que o EFNA
apresenta dados estatísticos de forma a legitimar seu discurso, mas também para produzir
saberes sobre a infância e a sua educação. Esses saberes se originam de uma combinação de
informações e fatores que vão paulatinamente constituindo os sujeitos de que falam.
Penso que a suspeita de prejuízos sociais futuros mobiliza o Estado a controlar os
riscos que determinadas comunidades populacionais podem oferecer. Com essa finalidade
um investimento em políticas públicas como o EFNA, que aumenta a obrigatoriedade escolar,
fazendo com que os alunos iniciem mais cedo no ambiente escolarizado e que,
preferencialmente, nele permaneçam por mais tempo. Em relação ao que venho discutindo até
aqui, é relevante a seguinte passagem de outro material do MEC.
O Brasil venceu o desafio de universalizar o ensino fundamental com 97% das
crianças de sete a 14 anos matriculadas na escola, mas o rendimento dos alunos
ainda não é o adequado ao seu nível de ensino. Esse problema se agrava com a falta
de vagas nas escolas públicas. Hoje de cada 100 alunos de ensino fundamental,
apenas 33 avançam para o ensino médio.
29
Quando este dado é noticiado à sociedade, o EFNA surge como um mecanismo para
melhorar o quadro desfavorável da educação nacional. Como exposto pelo MEC, o problema
não reside na universalização do ensino, mas na permanência deste aluno asua chegada no
Ensino Médio. Segundo Hattge, a partir da produção do fracasso, da visibilidade dada às
estatísticas de analfabetismo, repetência e evasão escolar, faz-se necessária a produção de
novos projetos, com vistas à resolução desses problemas” (2007, p.52). Os dados expressos
como problemas são produzidos discursivamente por meio das estatísticas, justificando,
29
Cadernos do MEC, junho 2006, p.01.
56
assim, a efetivação de uma política de inclusão da criança de seis anos no ensino fundamental.
Para dar maior credibilidade às informações que o EFNA propaga, este se vale de dados
numéricos que funcionam como argumentações fortes para a sua implementação.
Conforme recentes pesquisas, 81,7% das crianças de seis anos estão na escola, sendo
que 38,9% freqüentam a Educação Infantil, 13,6% as classes de alfabetização e
29,6% estão no Ensino Fundamental (IBGE, Censo Demográfico, 2000). Esse
dado reforça o propósito de ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, uma
vez que permite aumentar o número de crianças incluídas no sistema educacional.
30
Os números m êxito em reforçar a implementação do EFNA, pois participam da
lógica sedutora da ciência” (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p.114). Segundo estes
autores, os números definem trajetórias a serem seguidas e sinalizam progressos ou
identificam locais potenciais de intervenção por meio de políticas de Estado” (POPKEWITZ;
LINDBLAD, 2001, p.115), mas não somente locais, pois incluirá neles, comunidades,
segmentos da população que estão na margem de risco social.
É possível ver que os dados numéricos e estatísticos apresentados pelo EFNA
constroem a realidade educacional brasileira e identificam a necessidade de ampliação do
Ensino Fundamental como forma de incluir um maior número de crianças neste nível de
ensino. Ao dizer que as estatísticas constroem a realidade, o faço por acreditar que as mesmas
produzem um efeito de criação de veracidade particularmente poderoso” (FERREIRA;
ROCHA; NEVES, 2002, p.38). A verdade produzida por meio de números e das estatísticas
se legitima de forma quase incontestável. Ela mobiliza os sujeitos a pensarem sobre a infância
e sua educação de forma a terem concordância e convergência com a política do EFNA e não
seria incorreto dizer, então, que a produção de dados estatísticos é um poderoso instrumento
para o governamento dos indivíduos” (HATTGE, 2007, p.55). Isto é possível observar em
outra passagem do programa:
A matrícula obrigatória a partir dos seis anos inclui uma população que ainda
permanece à margem do processo educacional. Um quinto das crianças dessa idade
ainda não freqüentam a escola, segundo o censo do IBGE. Sabe-se que quem tem
condições financeiras coloca os filhos mais cedo em escolas particulares, mas
30
MEC. 2ULHQWDo}HVJHUDLV, julho, 2004, p.17.
57
milhares de crianças de famílias desfavorecidas não tem a mesma chance. O Ensino
Fundamental de Nove Anos significa inclusão e possibilidades iguais para todos.
31
Dados como os fornecidos pelo IBGE servem como uma referência para a definição
de reformas educacionais, bem como para a definição de qual contingente populacional deve
ter maior intervenção e preocupação do Estado. Como dito no excerto, já se criou uma
categoria de crianças de seis anos, qual seja, aquela que está à margem do processo
educacional e social, e é esta categoria que precisa ser incluída. Lopes argumenta que para
poder estar dentro do desejado, foi preciso inventar o lado de fora” (2007, p.18), o que me
leva a pensar que os dados estatísticos produzem o desejado e o indesejado. Procuram levar-
nos a crer que uma boa parte da população infantil está do lado de fora e precisa sofrer um
deslocamento de sua situação social se quiser ter possibilidades de melhoria de vida
econômica e social. Isto se tornará possível, agora, por meio de uma política de inclusão como
o EFNA.
A melhor forma de prevenir o risco que essa parcela da população pode gerar é
planejar ações de forma a prevenir e controlar seus efeitos, antes mesmo que eles ocorram. De
acordo com Traversini, números, cálculos e estatísticas produzem informações que
combinadas de diferentes maneiras, formam determinados espaços como de risco social”
(2003, p.112). que o EFNA objetiva as crianças de famílias desfavorecidas econômica e
socialmente, pode-se dizer que as mesmas se encontram em situação de risco e
vulnerabilidade social. Para reafirmar uma lógica de que estas crianças necessitam de
educação para melhorarem suas condições futuras de vida, o EFNA encontra nos números e
estatísticas uma produtiva parceria de reafirmação de seu discurso:
Os indicadores nacionais apontam que, atualmente das crianças em idade escolar,
3,6% ainda não estão matriculadas. Entre aquelas que estão na escola, 21,7% estão
repetindo a mesma série e apenas 51% concluirão o Ensino Fundamental fazendo-o
em 10,2 anos em média.
32
Uma infância é posta em evidência com essas informações e um conhecimento e saber
sobre elas também é posto em circulação por uma rede de poder-saber. As chances dessas
crianças conseguirem concluir o Ensino Fundamental, ou de saírem das listas de repetência e
31
Cadernos do MEC, junho, 2006, p.5.
32
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLV, julho, 2004, p.09.
58
evasão estão devidamente calculadas, registradas e documentadas. Os números constroem
maneiras de ver essa infância, de criar possibilidades de intervenção, de inovação pedagógica,
inclusive de formas de pensar sobre nós mesmos em relação à docência e à educação.
Portanto, podemos dizer que índices, números, percentuais, estatísticas, também produzem
saberes sobre os sujeitos dos quais se fala.
O queo se pode perder de vista é que dados estatísticos correspondem a uma cadeia
de interesses políticos, econômicos e sociais. Estabelecem, assim, riscos, indicam
mecanismos de controle, por meio de políticas públicas, e apontam, mesmo que
subjetivamente, possíveis soluções. Se o problema educacional está na evasão e na repetência,
a implantação do EFNA aponta que talvez seja necessário um maior investimento na base da
educação e da alfabetização.
Os dados estatísticos, bem como as probabilidades, apontam para isso, estando
inseridos em estratégias de governamento, ao traduzirem de que forma um sujeito pode ser
regulado, que conhecer um objeto de forma que possa ser governado é mais do que uma
atividade puramente especulativa: requer a invenção de procedimentos de notação, formas de
coleta e apresentação de estatísticas” (MILLER; ROSE, 1993, p.80). Embora esses autores
não estejam falando sobre o EFNA, as suas constatações teóricas são válidas para pensarmos
sobre o que é exposto, nas orientações do programa, quanto a importância da política de
inclusão da criança de seis anos:
Outro fator importante para a inclusão das crianças de seis anos na instituição
escolar deve-se aos resultados de estudos demonstrarem que, quando as crianças
ingressam na instituição escolar antes dos sete anos de idade, apresentam, em sua
maioria, resultados superiores em relação àqueles que ingressam aos sete anos. A
exemplo desses estudos, podemos citar o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) 2003. Tal sistema demonstra que crianças com histórico de
experiência na pré-escola, obtiveram maiores médias de proficiência em leitura:
vinte pontos a mais nos resultados dos testes de leitura.
33
Aqui a lógica é a da comparação e, embora não seja traduzida em números, é
respaldada em pesquisas e, principalmente, em avaliação. Não se trata de qualquer avaliação,
entretanto, mas uma que cobre o território nacional. Pode-se dizer que esta avaliação é
utilizada pelo EFNA como um instrumento de opinião pública em torno da questão infantil”
33
MEC. (QVLQR )XQGDPHQWDO GH QRYH DQRV orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade.
Brasília, 2006.
59
(FERREIRA; ROCHA; NEVES, 2002, p.39), mas, também, como forte componente de
argumentação de que investir mais cedo, aos seis anos, propiciará que a criança desta idade
obtenha resultados mais satisfatórios e duradouros em seu processo de alfabetização.
A legitimidade das estatísticas foi conquistada por uma imagem de rigor e
infalibilidade” (CARVALHO, 2001, p.234). Por isso, são de grande importância no
governamento dos indivíduos, pois dão veracidade aos discursos instituídos sobre a inclusão
social e permitem um ordenamento do conjunto populacional. Dito de outra forma, ao ordenar
e classificar os sujeitos infantis, essa racionalidade governamental mostra qual setor da
população merece maior atenção do Estado. No caso do EFNA, procura-se resgatar crianças
de suas condições econômicas, sociais e culturais, graças a uma intervenção planejada”
(POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p.125), de forma a reduzir riscos e aumentar a
potencialidade de futuros cidadãos.
,1)Æ1&,$(*29(51$0(172
A criança e as discussões sobre a infância fazem parte do meu cotidiano, já que estou
profissionalmente envolvida com ela e com os adultos que interagem com ela, sejam eles
docentes, familiares, representantes de instituições que lidam com a população infantil e
municípios. Por isso me sinto autorizada a dizer que escuto, vejo, conheço, muitas
explicações e defesas sobre qual é a infância ideal. Como ela deve ser educada, seja na
Educação Infantil, seja no Ensino Fundamental.
Vejo que, sob diversos aspectos, a infância é conformada por certos ideais, fruto de
mecanismos de subjetivação trazidos pela modernidade e sendo, desde então, construída sob
binarismos e classificações. Classificações que posicionam a criança como aprendente, não-
aprendente, boa, ruim, saudável, doente, protegida, de classe popular, enfim, são muitos os
olhares que concebem as múltiplas infâncias.
Ao pensar em múltiplas infâncias distancio-me da idéia da infância ingênua, pura, que
precisa ser protegida e educada pelos adultos. Essa visão, de forma muito forte, se naturalizou
como sendo o estado normal de ser criança e a ela ainda nos remetemos invariavelmente. O
que é importante destacar é que da Idade Média até a Modernidade houve a criação de uma
noção de infância, tal qual a conhecemos ahoje. Isto é efeito de uma idéia instauradora
sobre o que seja a infância, que foi se afirmando cada vez mais em épocas como o
Renascimento, para se consolidar a partir do Século das Luzes” (DORNELLES, 2005, p.14).
Áries
34
(1981) define algumas datas que posicionam a idéia de infância como condição
praticamente inexistente ao século XIII. A percepção de um tempo determinado para os
sujeitos de uma determinada faixa-etária, denominado infância, evoluiu segundo suas
constatações na arte e na iconografia dos séculos XV e XVI, mas os sinais de seu
desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do
século XVI e durante o século XVII” (p.28).
34
Philipppe Ariès escreveu História Social da Criança e da Família” , sendo seu trabalho pioneiro no sentido de
ter inaugurado um estudo histórico da criação da idéia de infância, na modernidade. Apesar das muitas críticas
que seu trabalho recebeu, não se pode negar a importância do mesmo, uma vez que, é preciso lembrar que
muitos autores que criticam Áries não mostram uma visão diferente da tradição histórica, que vê no documento o
testemunho da verdade e da certeza” (DORNELLES, 2005, p.26).
61
Até a Idade Média, então, não havia uma concepção de um mundo infantil, com
características peculiares que diferiam das do adulto. A criança da Idade Média tinha acesso a
toda forma de conhecimento social e cultural dos adultos. Segundo Postman (1999) havia a
inexistência do sentimento de infância, relacionado com a educação, sendo que o autor se
utiliza também de Áries em sua discussão sobre a invenção da mesma.
O que podemos dizer, então, com certeza é que no mundo medieval não havia
nenhuma concepção de escolarização, de pré-requisitos de aprendizagem seqüencial,
nenhuma concepção de escolarização como preparação para o mundo adulto. Como
resume Áries, a civilização medieval tinha esquecido a paidea dos antigos e ainda
não sabia nada sobre educação moderna”. Esta é a questão principal: não tinham
idéia alguma de educação (POSTMAN, 1999, p.29).
No mundo medieval, crianças e adultos conviviam cotidianamente com todas as
situações de uma vida social. Sem idéia de educação, e conforme Postman nos diz, não havia
discriminação quanto ao que as crianças deveriam ou não aprender: elas tinham acesso
praticamente irrestrito a tudo o que os adultos faziam.
É com o advento da Modernidade que se vê nascer a idéia de infância. Portanto, essa é
uma história recente e é nela que é possível perceber que a infância não é somente uma
questão biológica ou cronológica, mas sim, o produto de uma constituição cultural e social. A
cultura moderna constituiu o sujeito infantil a partir de um discurso onde ele é diferente do
outro, outro este que é o adulto. Seria necessário, então, preparar esse sujeito, educá-lo para a
vida adulta, como bem observa Bujes:
Adulto e criança se diferenciam e se distanciam, numa operação que constitui a
justificativa para a intervenção familiar e para a prática da educação
institucionalizada. É preciso garantir o mito da inocência, a realidade quimérica da
infância (ou pelo menos, a sua narrativa) e sobretudo inseri-la em processos de
controle e regulação, cada vez mais sofisticados, porque invisíveis e consentidos
(BUJES, 2000, p.28).
Com o conceito moderno de infância se fortalece também o conceito de família
moderna, que vai tornar-se instrumento privilegiado, para o governo da população”
(FOUCAULT, 2003b), bem como o de escola moderna, que constituiu-se na mais eficiente
maquinaria encarregada de fabricar as subjetividades” (VEIGA-NETO, 2006, p.34). Esse
sujeito infantil, aluno, aprendiz, que precisa ser orientado para a vida, passa, então, a ser
governado por essas instituições e a infância emerge como objeto de saberes específicos,
62
como objeto de conhecimentos necessários à sua gestão e governo” (DORNELLES, 2005,
p.16).
Houve, certamente, transformações sociais que permitiram a emergência da concepção
de infância, mas alio a estas a questão de que a escola soube articular, de forma muito
competente e produtiva, uma modalidade de poder invisível”: a disciplina”(SOUZA, 2005,
p.170), no processo de tornar as crianças educadas. O poder disciplinar permite o controle do
corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde” (FOUCAULT, 2002b,
p.117), sendo todas estas habilidades amplamente trabalhadas na escola moderna e, ainda
hoje, esperadas desta instituição como parte de suas funções na constituição dos sujeitos
alunos.
É importante lembrar, contudo, que não somente a disciplina no eixo-corpo é
objetivada na escola, mas também a disciplina em seu eixo-saber. Ambas engendram formas
de constituir os sujeitos, de dar significado ao mundo, estando, assim, imanentemente
articuladas com os regimes de verdade” (VEIGA-NETO, 2006, p.26).
Se a infância se tornou alvo e objeto de cuidados específicos enquanto parte da
população, tornou-se também objetivada por políticas públicas específicas, como o EFNA.
Um dos objetivos do governamento é, por meio de técnicas e estratégias, dirigir a conduta
alheia e estruturar o eventual campo de ação dos outros” (FOUCAULT, 1995, p.244). Pode-
se dizer, portanto, que uma política como o EFNA se presta, entre tantas coisas, ao exercício
do governamento da população infantil.
A população infantil constitui-se de sujeitos que necessitam ser conduzidos, para que
deles se extraia máxima produtividade, para que assim se consiga, futuramente, manter uma
população sadia, educada, preparada para a vida adulta. O investimento essendo feito no
começo, mais cedo, com a inclusão obrigatória das crianças com seis anos no Ensino
Fundamental.
Segundo Dornelles, no governo dos outros, o poder se exerce para administrar a
conduta e as ões das populações” (2005, p.19) e, no caso da população infantil, esta se
encontra imersa em uma rede de poder e saber que procura constantemente capturá-la. Essa
captura é exercida como forma de melhor gerenciar a infância, para produzí-la de acordo com
63
determinadas verdades, fabricada por meio de práticas que podem ser pedagógicas ou
induzidas por políticas públicas.
Os discursos que oficializam
35
determinadas infâncias, principalmente os produzidos
pelas políticas públicas, articulam formas de como conduzir a conduta dos infantis. Os
discursos, segundo Foucault, se revestem de uma série de finalidades específicas, que são o
próprio objetivo do governo” (2003b, p.284). Essa lógica é, também visível nas estratégias
discursivas que visam o governamento da infância no EFNA.
Dean esclarece que o governamento se realiza de forma plural, pois uma
pluralidade de agências e autoridades governantes, de aspectos de comportamento a serem
governados, de normas evocadas, de propósitos pretendidos e de efeitos, resultados” (1999,
p.11). O governamento da população infantil não se somente sobre a infância, no EFNA.
Procura-se atingir os docentes que atuam com as mesmas, no momento em que o EFNA
organiza orientações pedagógicas para as escolas. Ele se capilariza para obter melhores
resultados e, para atingir os propósitos de que nos fala Dean, se articula com sujeitos e
instituições cuja responsabilidade está para garantir a regulação” (DEAN, 1999, p.11).
Todos são mobilizados no exercício do governamento da população.
Penso na escola e nas professoras, como pontos focais de incidência de mecanismos de
regulação, para a efetivação do EFNA. Vejo a escola como a instituição onde, de forma
excepcional, se deu “ a conversão dos seres humanos, em sujeitos civilizados” (BUJES, 2005a,
p.189), na Modernidade.
A escola, de certa forma, ainda se mantém como a instituição que não educa por
meio dos saberes, mas disciplina através de suas rotinas, horários, comportamentos. Defende
determinados valores, atitudes e padrões culturais, tudo o que compõe e dispõe um currículo
escolar. Isso me leva a concordar com Bujes, quando esta diz que a infância escolarizada se
gestou em uma complexa rede de estratégias, de táticas, de técnicas de poder que
possibilitaram seu governamento” (2005a, p.192). Ainda sobre o governamento infantil, é
35
Quando utilizo os termos oficializam e oficial, não os utilizo no sentido de que compactuo com a idéia de que
existe uma infância oficial, mas, sim, que por muitos discursos, principalmente os das políticas públicas, se
estabelece um estatuto de infância oficial. Infância esta que precisa ser protegida e amparada pelas políticas que
se destinam a elas.
64
possível ver claramente as estratégias que o MEC prescreve em suas orientações, como
mostra o excerto:
[...] os setores populares deverão ser os mais beneficiados, uma vez que as crianças
de seis anos da classe dia e alta se encontram majoritariamente incorporadas
aos sistema de ensino na pré-escola ou na primeira série do Ensino Fundamental.
A opção pela faixa etária dos 6 aos 14 e não dos 7 aos 15 para o Ensino
Fundamental de Nove Anos segue a tendência das famílias e dos sistemas de ensino
de inserir progressivamente as crianças de 6 anos na rede escolar.
36
O exposto acima foi uma das primeiras leituras que fiz sobre o EFNA e que me
reportou ao argumento de Dahlberg, Moss, Pence de que o que essas idéias ou elaborações
têm em comum é que elas produzem uma criança pobre, passiva, individualizada e incapaz e,
por conseguinte, uma prática pedagógica para corresponder a isso” (2003, p.17). Embora os
autores não estejam se referindo ao EFNA, mas às políticas implementadas nas sociedades
contemporâneas para a qualidade de vida e da educação da primeira infância, o caráter crítico
em sua escrita, encontra convergência com o pensamento que tenho em relação ao EFNA,
enquanto política de inclusão social. Ou seja, constituem-se formas de intervenção
pedagógica que pretendem qualificar a educação daquela infância que é desprovida
economicamente: a criança pobre, a criança da classe popular. Essa educação é prestada como
um grande auxílio aos mais desfavorecidos da sociedade, e é oferecida como uma dádiva,
como favor aos poucos selecionados” (KUHLMANN, 2003, p.54).
Os argumentos do EFNA destinam-se às crianças de classes populares, uma vez que as
demais já se encontram inseridas em um contexto escolar. É essa camada populacional, a
popular, que interessa ao EFNA, pois é no seu futuro que o investimento se embasa e se
sustenta enquanto política afirmativa. É sobre esses aspectos e os discursos que constituem “ a
criança” que será incluída no Ensino Fundamental que pretendo me ater na continuidade desta
pesquisa.
36
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLV, julho de 2004, p.17.
65
5.1 A TRÍADE: INFÂNCIA, SABER E PODER
Em seus estudos, Foucault sempre se preocupou com o binômio poder-saber e suas
articulações. Veiga-Neto contribui para esse estudo ao retomar a idéia foucaultiana de que “ os
saberes se engendram e se organizam para atender a uma vontade de poder” (VEIGA-NETO,
2003, p.141). Ou seja, uma vontade de poder pode produzir saberes que venham a reafirmar e
transmitir o próprio poder. Dessa forma, o saber se torna um condutor, uma correia
transmissora e naturalizadora do poder, de modo que haja consentimento de todos aqueles que
estão nas malhas do poder” (VEIGA-NETO, 2003, p.143).
Em função disso, Foucault defende a idéia de que toda relação de poder produz um
campo de saber. Embora eles não sejam a mesma coisa, encontram-se intimamente ligados:
Temos que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o
porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente
implicados, que não relação de poder sem constituição correlata de um campo de
saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de
poder. Essas relações de poder-saber” o devem então ser analisadas a partir de
um sujeito de conhecimento que seria ou o livre em relação ao sistema de poder;
mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito que conhece, os objetos a
conhecer e as modalidades de conhecimentos são outros tantos efeitos dessas
implicações fundamentais de poder-saber e de suas transformações históricas
(FOUCAULT, 2002, p.27).
O poder produz e implica saber e se dispõe de forma instável, circular. Ele se exerce
em relação, por meio de práticas concretas, que procuram governar a conduta alheia. São
essas práticas de poder-saber, conformadas pelo EFNA, que me levaram a pensar em uma
tríade entre infância, saber e poder. Pensei em uma tríade por entender que, no EFNA, cada
um tem a sua importância para a efetivação produtiva dessa política pública, cada um
funciona como uma das pontas que formam um triângulo. Em outras palavras, infância, saber
e poder estão intrinsecamente ligados, no EFNA.
A questão das relações de poder, saber e infância fazem parte da história de
escolarização da criança. Sempre que se faz necessária uma intervenção sobre a população
infantil, determinados regimes de verdade e determinados discursos são operacionalizados e
tomados como únicos e verdadeiros. Esses saberes sobre o sujeito infantil se incidem por
meio de relações de poder, que irão identificá-lo, nomeá-lo e colocá-lo em visibilidade.
66
Campos de saber sobre a infância são condições de possibilidade para o exercício de poder
sobre a mesma, e o inverso acontece igualmente.
Entendo também que o EFNA tem a escola como o ORFXV para a sua efetivação, mas,
para isso, é necessário objetivar a criança que será incluída no ensino fundamental,
transformando-a em foco de sua observação, e investindo seu corpo de poder, ao tomá-lo
como objeto de saber” (CORAZZA, 2001, p.44).
A produção de saberes sobre a infância permitiu pedagogizá-la, instituindo uma
narrativa sobre como deve ser essa fase da vida do indivíduo. A escola, nesse intento, teve um
papel fundamental na institucionalização do olhar pedagógico para a criança.
[...] a pedagogia se formou a partir das próprias adaptações da criança às tarefas
escolares, adaptações observadas e extraídas do seu comportamento para tornarem-
se em seguida leis de funcionamento das instituições e forma de poder exercido
sobre a criança (FOUCAULT, 2003c, p.122).
Ao estudar a criança, atribuir-lhe significados e características, o processo de
escolarização, além de promover um exercício de poder sobre os infantis esteve associado a
um complexo processo de produção de saberes sobre essa etapa da vida dos sujeitos”
(BUJES, 2005, p.191).
A infância objetivada pelo EFNA emerge por uma vontade de poder, instituído
legalmente por uma política educacional, operacionalizada sob a égide do Estado. Política
essa que entende que a inclusão das crianças a partir de seis anos na educação básica visa
assegurar acesso mais cedo ao conhecimento e, com isso, proporcionar aprendizagem mais
ampla” (MEC, 2004).
37
Por citar os materiais do MEC não significa que vejo o Estado como o
único ponto irradiador de poder, do qual emergem as decisões em relação à educação, mas
sim, como uma das instâncias que regula, avalia, conduz a educação nacional, ou seja, a
educação das crianças.
O processo de efetivação de uma política pública pelo Estado torna-se não
avaliativo, como também regulador, porque institui práticas para medir, regular, contabilizar,
37
MEC. Encontro discute ampliação do Ensino Fundamental. 1RWtFLDVAssessoria de Comunicação Social, 03
nov. 2004. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/ noticiasId.asp?Id>. Acesso em: 14 mai.
2006.
67
como demonstrado anteriormente nas estatísticas e nas menções às avaliações de pesquisas
nacionais sobre o desempenho dos alunos. A lógica global que determina nortes a serem
alcançados para os países serem considerados como provedores de uma educação de
qualidade, também impera num jogo de forças que ultrapassa o Estado. Aqui cabe importante
consideração de Popkewitz, sobre a relação da globalização com a instauração de padrões
universais em educação.
Essa noção de globalização diz respeito à maneira como determinados sistemas de
idéias são utilizados como universais e feitos parecerem disposições naturais da
criança ou do professor que são bons, bem-sucedidos, competentes e que crescem
evolutivamente. Essa noção de globalização se concentra nas maneiras como as
idéias de certas localidades históricas e campos sociais são consagradas pelo
esvaziamento da história e, assim, são consideradas e tratadas como sendo
universais e apropriadas para todos (POPKEWITZ, 2004, p.122).
O Estado, como agência provedora e instauradora de políticas públicas para a
educação, está envolvido nessa lógica, juntamente com tantas outras instituições e interesses.
Faço essa ponderação, para mostrar que uma vontade de poder não provém de um único pólo
em relação à infância, mas de muitas agências que visam governá-la. Sendo assim, as relações
de poder em uma sociedade não provêm de um único foco e são baseadas nos múltiplos
micropoderes que enredam seu tecido” (GALLO, 2004, p.89).
Para respaldar a ampliação do Ensino Fundamental se constitui todo um campo de
saber sobre a criança que se quer inclusa no mesmo. Suponho, então, que, de forma hábil, o
EFNA combina duas ações simultâneas e dependentes uma da outra: a produção de um saber
sobre a criança de seis anos e a efetivação deste saber, pela escola, por meio de ações
pedagógicas orientadas pelo MEC e que pretendo, no decorrer desta pesquisa, esmiuçar e
estudar mais detidamente.
A política do EFNA é, então, compreendida por mim como uma forma de
governamentalização de cada indivíduo e da população” (CORAZZA, 2001, p.77). Ou seja,
uma racionalidade política que visa à abrangência nacional, mas que também procura exercer
o governamento de cada sujeito infantil a que se destina. Penso que, provavelmente, esse
governamento se dará através da internalização dos saberes produzidos a partir e com as
relações de poder, que prescrevem como deve ser o ensino e a aprendizagem da criança de
seis anos no Ensino Fundamental.
68
Essas verdades, ao se capilarizarem pela sociedade, o tomadas como únicas, como a
melhor forma de incluir e educar a criança no Ensino Fundamental. É sobre a emergência
desse novo aluno, o de seis anos, e dos saberes que estão se constituindo sobre ele, que
pretendo refletir na próxima seção.
5.2 A EMERGÊNCIA DA CRIANÇA DE SEIS ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL
A escola moderna é uma instituição que nem sempre existiu e a vejo como um lugar,
entre tantos outros, em que se o governamento dos sujeitos infantis. Essa instituição não
surgiu no cenário histórico subitamente, houve condições de possibilidade para que a mesma
se constituísse enquanto maquinaria de governo da infância, que reuniu e instrumentalizou
uma série de dispositivos que emergiram e se configuraram a partir do século XVI”
(VARELA; ALVAREZ-ÚRIA, 1992, p.68). A construção da noção de infância, também
ocorrida na Modernidade, foi contributo para a emergência de um espaço específico
destinado à educação das crianças” (VARELA; ALVAREZ-ÚRIA, 1992, p.69).
De acordo com Klaus um suposto caráter natural e legítimo da escola tem sido
constantemente reforçado por uma série de discursos” (2004, p.72). Discursos esses
veiculados pela mídia e por outras instituições
38
, que convocam para si a posição de
debaterem a qualidade da educação existente no país, bem como os discursos
operacionalizados pelas políticas públicas.
Os discursos de que falei aaqui naturalizam o papel da escola, que é de educar, ou
melhor, tornar as crianças educáveis, por meio de valores e conhecimentos legitimados como
os adequados para o ensino-aprendizagem dos alunos. Pode-se dizer, com isso, que a
Modernidade apostou no processo de escolarização da infância em virtude de argumentos
como os de apoiar o desenvolvimento econômico, social e político” (TRINDADE, 2004,
p.385). Esses argumentos não se universalizaram, como se tornaram parte da história da
38
A Unicef pode ser considerada uma dessas instituições, tanto que em 19/12/06 lançou em parceria com o
INEP/MEC o Aprova Brasil que consiste em um estudo em 33 escolas brasileiras que demonstraram boas
práticas, que ajudaram as crianças de famílias de baixa renda, a melhorarem seu rendimento escolar. Maiores e
esclarecedoras informações podem ser conseguidas nos VLWHs ZZZXQLFHIRUJEU ou ZZZ SRUWDOPHFJRYEU
69
escola, sustentando a idéia de que os que por ela passam, tem chances de um futuro melhor e
promissor.
O discurso escolar, por sua vez, naturalizou a concepção do sujeito aluno, aprendiz,
que necessita de um mestre para ensiná-lo. Narodowiski, a esse respeito, alerta que a “ infância
atual é visualizada freqüentemente ligada, enquanto infância culturalmente normal, à
atividade escolar” (1994, p.22). As atividades escolares se organizaram, ao longo do tempo,
de forma a ordenar e socializar, mas, principalmente, disciplinar o tempo e o espaço das
crianças durante o período em que os alunos na escola permanecem.
Construiu-se, assim, a categoria aluno, de forma complementar a categoria infância,
mas transcendendo a essa, como esclarece Narodowiski:
A criança e o aluno correspondem existencialmente a um mesmo ser mas
epistemologicamente constituem objetos diferentes. Embora seja certo que o aluno
está em algum grau incluído na criança, sobretudo quanto ao âmbito delimitado pela
idade, tampouco é menos certo que o aluno enquanto objeto de conhecimento
contém caracteres que ultrapassam a criança em geral. O aluno é um campo de
intervenção não alheio à infância em geral. A criança aparece em primeiro momento
como razão necessária para a construção do objeto aluno e este é o espaço singular;
ou seja, um âmbito construído pela atividade pedagógica e escolar (1994, p.23).
A criança é o princípio para a criação do aluno e é no interior da instituição escolar
que este será preparado de forma legítima para a vida adulta. Ou seja, será preparado para a
civilidade, o trabalho, a manutenção de uma sociedade de cidadãos conscientes e responsáveis
por si e pelos outros.
É possível constatar que a escola, de forma exemplar, regulou e ainda regula a conduta
dos sujeitos infantis no processo de transformá-los em alunos. Isto se conectado à
produção de saberes construídos sobre a infância, individualizando o sujeito infantil,
perscrustando-o, observando-o, regulando-o, para efetivamente conseguir o governamento do
mesmo.
Ao analisar os materiais do MEC, principalmente o documento Ensino Fundamental
de Nove Anos, orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental”, observei toda uma produção de saberes específicos. Esses saberes são
70
produzidos para orientar o trabalho pedagógico e as atividades escolares para a criança de seis
anos de idade:
Em função da necessidade de incluir imediatamente as crianças de seis anos, o MEC
produziu a orientação aos sistemas, em nove capítulos elaborados por especialistas.
Com o documento, as escolas terão informações relevantes para o atendimento
adequado aos estudantes. Nele são desenvolvidos temas como a infância e sua
singularidade; a infância na escola e na vida: uma relação fundamental; o brincar
como um modo de ser e estar no mundo; as diversas expressões e o desenvolvimento
da criança na escola; as crianças de seis anos e as áreas de conhecimento; letramento
e alfabetização: pensando a prática pedagógica; a organização do trabalho
pedagógico: alfabetização e letramento como eixos organizadores; avaliação e
aprendizagem na escola: a prática pedagógica como eixo da reflexão e modalidades
organizativas do trabalho pedagógico: uma possibilidade.
39
Na verdade, os temas à que se refere o documento o os títulos dos capítulos do
documento de 139 páginas, que visa a orientar os sistemas de ensino no que tange as questões
particulares e singulares da infância, bem como dos processos de alfabetização, avaliação e
metodologias, que consistem em propostas de atividades que podem ser desenvolvidas com
crianças de seis anos de idade. Por esse motivo, trabalho com a idéia de emergência da
criança de seis anos. Surge um determinado tipo de aluno e um determinado saber sobre como
trabalhar com este aluno de forma a garantir uma boa aprendizagem.
A emergência desse aluno se deu articulada a uma pretensa noção de que a criança de
seis anos, outrora de responsabilidade da Educação Infantil, precisa ser incluída no Ensino
Fundamental, e incluída com qualidade. No próximo capítulo desta dissertação farei uma
análise mais aprofundada sobre o documento de orientação de inclusão da criança de seis
anos. Dado que essa inclusão não pode se dar ao acaso, é construída toda uma proposta
pedagógica para o trabalho a ser desenvolvido com a criança de seis anos, para que se evitem
transposições inadequadas de conteúdos, como orienta o MEC.
No entanto, não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e
atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de
organização dos conteúdos em um Ensino Fundamental de Nove Anos,
considerando o perfil de seus alunos.
40
39
MEC. 2ULHQWDo}HV VREUH R HQVLQR GH QRYH DQRV HVWmR QD LQWHUQHW Disponível em: KWWS"ZZZSRUWDOPHF
JRYEU! Acesso em: 17 mai. 2006.
40
MEC. 2ULHQWDo}HV*HUDLVGR3URJUDPD, julho, 2004, p.17.
71
Chama atenção, nesta passagem do programa, a referência à tradicional primeira
série”. É expresso como algo que não deva acontecer com as turmas de seis anos, que precisa
ser renovado, transformado de acordo com um novo perfil de aluno. Como se todo o trabalho
desenvolvido em todas as turmas de primeira série pudesse ser classificado, até então, como
tradicional, e o trabalho desenvolvido com as crianças de seis anos na Educação Infantil,
também não correspondesse ao que se deseja para este novo perfil de aluno. Pareceu-me,
também, que algo antigo precisa ser substituído por algo novo, mais compatível ao momento
social em que vivemos. Cabe ressaltar que, ao analisar o que é proposto no documento,
constatei que existem capítulos que privilegiam uma ampla discussão sobre as questões da
alfabetização e do letramento e de como esses processos podem ser utilizados nas atividades
que podem ser realizadas com as crianças de seis anos.
Ressalto a importância dessa discussão no documento sobre alfabetização e letramento
do EFNA, trazendo o alerta de Trindade quanto ao descarte que se faz de velhos” discursos,
substituindo-os por “ novos”, com base em falas de professoras, colhidas para tal fim:
[...] fragmentos de falas, se analisados de forma descontextualizada, podem vir a ser
interpretados com forte acento classificatório, como se fosse possível encapsular a
formação e atuação docente em um único discurso ou de uma única epistemologia:
HVVD SUiWLFD GRFHQWH p WUDGLFLRQDO HOD p FRQVWUXWLYLVWD HOD Mi WUDEDOKD FRP
OHWUDPHQWR HWF. Queremos alertar que se faz necessária a ressignificação de
determinadas atividades reconhecidas como tradicionais, construtivistas e letradas
considerando a compreensão e os usos que o feitos das mesmas (TRINDADE,
2005, p.129).
Embora a autora esteja falando mais especificamente sobre a atuação docente,
considero importante refletir sobre isto, pois, na apresentação do documento norteador do
trabalho pedagógico a ser feito pelo EFNA, a primeira série é nomeada como tendo conteúdos
e atividades tradicionais. Portanto, é possível pensar que a proposta do MEC tem a pretensão
de investir na inovação, em metodologias que assegurem um trabalho diferenciado com as
crianças de seis anos. No capítulo seguinte me deterei com maior afinco nas análises
referentes a alfabetização e letramento, mas pensei ser importante sinalizar como essa questão
tomou importância, aliada a emergência da criança de seis anos no Ensino Fundamental.
Ao que me parece, a emergência da criança de seis anos está intimamente ligada a
idéia de uma criança que se torna escolar, que estaestudando num sistema obrigatório de
ensino, que será um aluno “ oficial”. O próprio nome do documento repassado pelo MEC para
72
as escolas do país, que tem como subtítulo Orientações para a Inclusão da Criança de Seis
Anos”, sugestiona que estar no Ensino Fundamental é estar sendo incluído na instituição
escola, num sistema formal de educação. Como se estar na Educação Infantil, que também é
uma instituição escolar, mas que não tem caráter obrigatório e, portanto, não seria tão
oficial”, fosse uma perda para a aprendizagem da criança, porque não seria algo tão sério,
quanto o trabalho a ser desenvolvido por esta nova estrutura do Ensino Fundamental.
Esses e outros discursos criados e postos em circulação pelo EFNA funcionam
estrategicamente, pois não basta somente implementar o aumento da escolaridade obrigatória,
é preciso que esses discursos se entranhem no tecido social como uma trama bem articulada.
E isso ocorre por meio de inúmeras estratégias, como pelo exemplo exposto anteriormente, a
ampla publicação e divulgação de materiais de apoio às escolas que convergem em assuntos
relacionados com o EFNA.
Os discursos subjetivam os sujeitos a que se destinam e procuram mobilizar a
sociedade a favor dessa política pública. Por isso problematizo os discursos que fizeram
emergir no cenário educacional a criança de seis anos, bem como os saberes produzidos para
esta população infantil. Faço isso por entender, a exemplo de Foucault (2004a) que os
discursos são práticas que constituem as coisas das quais falam, como disse de forma
semelhante em outra seção desta dissertação.
Como já foi dito anteriormente neste trabalho, observo que não foi a questão do
aumento de anos escolares que causou diversos estranhamentos, mas sim a obrigatoriedade do
aluno iniciar no Ensino Fundamental aos seis anos. Concordo com Bujes, quando esta diz que
a passagem pela escola quanto mais precoce, mais desejável, mais indelével suas marcas,
mais duradoura sua influência” (2006, p.221), pois parece-me que é nesta lógica que o MEC
justifica suas ações. Mesmo a autora não demonstrando compactuar com tal idéia, assim
como eu, é importante discutir como determinadas mentalidades posicionam os sujeitos na
educação, e vêem nas ações produzidas SHOD e QD escola, possibilidades de constituição de
cidadãos. A crença parece ser a de que os efeitos desta constituição no espaço escolar serão
mais eficientes, se o investimento começar já com as crianças menores.
O sistema deve analisar se a criança que cursou, com menos de seis anos de
idade, o último ano da pré-escola no ano anterior à matrícula no Ensino
Fundamental, ingressa no ou no ano de ensino fundamental de 9 anos. Esta
73
observação leva em conta que o ano dessa etapa de ensino deve ser um período
privilegiado para o trabalho com as diferentes dimensões do desenvolvimento
humano, tendo como referência a infância, deve ser uma ampliação do trabalho
desenvolvido na educação infantil e não uma repetição desse trabalho. A
possibilidade de a criança ingressar mais cedo no ensino fundamental não significa
acelerar o seu processo de saída, mas sim dar a essa criança maiores condições de
ensino aprendizagem.
41
É frisado que o ano não deve se constituir em uma repetição da Educação Infantil,
ao mesmo tempo em que se destaca que incluir as crianças de seis anos no Ensino
Fundamental garantirá maiores condições de ensino-aprendizagem, e isso ocorre dado o
caráter escolar do Ensino Fundamental. Segundo Lopes conhecer para governar é um
princípio evidente na escola” (2006, p.1834) e o número expressivo de crianças que serão
anualmente matriculadas no Ensino Fundamental, aos seis anos, representa um considerável
contingente populacional, que será, agora, conhecido, sobre o qual será possível normalizar,
disciplinar, vigiar e controlar” (LOPES, 2006, p.1834). Contingente esse que, em sua grande
maioria, parecia escapar às malhas do poder, produzidas pela maquinaria escolar, ao também
estar fora da Educação Infantil, aos seis anos de idade.
Garantir a aprendizagem de forma reconhecidamente eficaz sempre foi prerrogativa do
Ensino Fundamental. O tempo para que essa aprendizagem aconteça agora, com o aluno de
seis anos de idade na escola obrigatória, é o tempo escolar, que vai determinar o tempo de
sujeito enunciando para ele como, o que, e em qual fase do desenvolvimento determinadas
aprendizagens devem acontecer” (LOPES, 2006, p.1830).
Pode se dizer, então, que uma regulação dos sujeitos infantis mais eficiente e
econômica se dará no sistema escolar formal. Para garantir isso o MEC propaga quais as
melhores e mais desejáveis práticas pedagógicas, que podem ser desenvolvidas no espaço
institucional do 1.° ano, ao distribuir para as escolas um manual de orientações para que a
inclusão da criança de seis anos ocorra adequadamente.
Conforme Foucault a emergência se produz sempre em um determinado estado das
forças” (2003e, p.23) e pelo que produzi até o momento nesta dissertação, penso que diversas
condições de possibilidade fizeram com que emergisse, no cenário educacional, o aluno de
seis anos de idade no EFNA. Forças econômicas, sociais e culturais articularam-se de forma a
produzirem, no presente, não o aumento de anos de permanência no Ensino Fundamental,
41
Relatório do Programa: ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos.
74
mas, principalmente, o ingresso da criança de seis anos no ensino obrigatório, ocorrendo, com
isso a supressão de um nível da Educação Infantil. E é sobre o exercício de condução de
condutas dos professores e dos alunos que falarei na seqüência.
 $/)$%(7,=$d2 ( /(75$0(172 $ 5(*8/$d2 '$ 35È7,&$
3('$*Ï*,&$
Ao estudar a política pública do EFNA, implementada pelo MEC, vi também o cerne
de outra importante discussão: a proposta pedagógica. Neste capítulo detenho-me nos textos
que compõem o livro que foi distribuído para as escolas públicas do país, intitulado Ensino
Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. + 1
ano é fundamental” (2006). Tal publicação serve como um norteador da ação pedagógica a ser
desenvolvida pelos professores, principalmente quanto às questões voltadas à alfabetização e
ao letramento
42
, e é analisada, como dito nos caminhos metodológicos desta dissertação,
como textos prescritivos, que procuram conduzir a ação dos professores e alunos.
Historicamente vemos por parte dos governos investimentos na área educacional, com
vistas a melhorar a qualidade da alfabetização, diminuir os índices de analfabetismo e,
principalmente, diminuir as evasões do sistema escolar. Como foi dito em outras seções
desta dissertação, estes também são argumentos pautados pelo MEC, como justificativa para a
implementação de um EFNA.
Transpor para o Ensino Fundamental a obrigatoriedade de ingresso das crianças com
seis anos de idade, pode significar, a convergência de um discurso histórica e socialmente
construído: o de que a alfabetização que apresenta um caráter de seriedade na formação dos
sujeitos é a que se dá no ambiente escolar. Em outras palavras, é possível pensar que
alfabetização e escolarização encontram-se intrinsecamente articuladas, mas o MEC, em suas
orientações, demonstra que quer um novo perfil de aluno e um novo currículo para a escola.
É preciso esclarecer que a ampliação do ensino fundamental para nove anos não é a
antecipação do currículo da 1ª série tradicional para as crianças de seis anos. É
preciso cuidar para se respeitar essa fase de desenvolvimento, em que as atividades
devem ser predominantemente lúdicas e a alfabetização iniciada de forma prazerosa,
incluindo a utilização de jogos e brincadeiras. O Ministério da Educação tem
42
Para quem tiver maior interesse sobre essa temática, sugiro a leitura dos trabalhos apresentados no 16º
Congresso de Leitura do Brasil/COLE, do ano de 2007. Neste evento houve uma sessão de apresentação de seis
trabalhos sobre o EFNA. Com perspectivas teóricas diferentes das que utilizo, os trabalhos versaram sobre as
práticas e experiências de alfabetização e letramento empregadas em algumas turmas de ano, a ludicidade
enquanto elemento da Educação Infantil, mas que também deve aparecer no Ensino Fundamental, bem como a
discussão dos materiais didáticos utilizados pelas crianças no 1º ano do EFNA.
76
orientado os sistemas de ensino a assegurarem um currículo adequado à faixa etária
dessas crianças.
43
Mesmo que na anterior pré-escola muitas práticas
44
se dessem de forma similar ao que
o MEC propõe neste excerto, não se pode esquecer que a Educação Infantil não é obrigatória.
Por não ser obrigatória, não corresponde ao caráter formal e escolar do Ensino Fundamental.
A criança de seis anos que ingressa no EFNA se encontra em um lugar legitimamente
escolarizado, um lugar que é fundamentalmente” importante na vida dos sujeitos e na sua
constituição.
Trindade esclarece que os discursos em torno da educação, da escolarização e da
alfabetização/alfabetismo, enquanto discursos do pensamento moderno teriam como
mecanismo de sua efetivação a mudança educacional” (2004, p.386). Assim como a
escolarização da infância na modernidade visava um maior controle e regulação nesta camada
populacional, a escolarização da alfabetização também se tornou um efetivo meio de
regulação social.
Segundo Cook-Gumperz (1991), mesmo que a alfabetização tenha precedido a
revolução industrial, a necessidade de um novo perfil de trabalhador impulsionou a
institucionalização das escolas e, por conseqüência, a escolarização da alfabetização.
Estrategicamente se procurou neutralizar a luta de classes por meio de uma política de
harmonização dos interesses do trabalho e do capital que permitisse integrar ao movimento
operário” (VARELA, 2002, p.88) e a escolarização obrigatória foi fundamental para que tal
projeto se realizasse.
O aparato escolar serviu ao projeto moderno educacional, tanto no disciplinamento dos
saberes, quanto no disciplinamento dos corpos, ao converter os alunos em sujeitos
disciplinados e regulados para a sociedade que se configurava. Se a “ invenção da escola como
uma instituição de seqüestro, e a invenção da infância como objeto de intervenção” (BUJES,
2005b, p.53) corresponderam aos objetivos de ordem e progresso que o Estado Moderno
43
Cadernos do MEC, junho 2006, p.06.
44
Sinto-me autorizada a falar das práticas pedagógicas na Educação Infantil, por ter trabalhado muitos anos com
pré-escola e também por ser, desde janeiro de 2005, supervisora pedagógica das Escolas Municipais de
Educação Infantil de São Leopoldo.
77
defendia, a escolarização da alfabetização se enquadrou neste mesmo regime de verdades
45
.
Ou seja, para as formulações modernas as crianças são seres que constituem promessa de um
futuro melhor para a humanidade” (BUJES, 2005b, p.53), e a escola é oORFXV onde melhor se
efetiva a constituição desses sujeitos em cidadãos alfabetizados.
Também nesse período a inversão de posições da visão de um radicalismo inerente
à aquisição da alfabetização, para a visão oposta de que o perigo social e político estava em
ter analfabetos entre a população” (COOK-GUMPERZ, 1991, p.40) se evidencia. Enunciados
sobre a escola, infância e alfabetização constituem um conjunto discursivo, que legitima e
sustenta o discurso da escolarização das massas. Discursos esses que produziram e produzem
efeitos de verdade, a ponto de não imaginarmos a possibilidade de uma criança não freqüentar
a escola. Ainda retomando Cook-Gumperz (1991), a escolarização em massa, promovida pelo
Estado Moderno objetivava:
[...] controlar tanto as formas de expressão quanto o comportamento que
acompanham a passagem em direção à alfabetização. O desenvolvimento da
escolarização pública passou a basear-se na necessidade de atingir-se uma nova
forma de treinamento social, para transformar os trabalhadores domésticos ou rurais
em força de trabalho operário (COOK-GUMPERZ, 1991, p.40).
Iniciei este capítulo com esta breve história da articulação entre alfabetização e
escolarização, por ver pertinência em reconhecer que historicamente as políticas públicas
visam à constituição de sujeitos para fins sociais e econômicos. O que visualizo no EFNA é
uma outra racionalidade, que não mais exerce seu efeito somente pelo controle direto sobre os
sujeitos, mas por uma capilarização no tecido escolar de uma idéia de promoção e
universalização da alfabetização e da escolarização. A regulação se exatamente por não
parecer que existe um controle de quem pode estar na escola e quem não consegue estar, pois
estamos em uma época em que o imperativo de uma escola com acesso a todos nos é
continuamente lembrado. E sobre tal proposição somos subjetivados a pensar e agir, em
conformidade com estas políticas.
Para o Estado será, certamente, menos onerosa uma população alfabetizada e com
bons níveis de escolaridade e, para que estes fins sejam alcançados, se programam mudanças
45
Entendo regime de verdade de acordo com Foucault, quando este nos diz que toda sociedade em seu tempo,
faz circular uma política de verdade, com discursos que ela acolhe faz funcionar como verdadeiros, acolhendo
uns e sancionado outros.
78
educacionais, atravessadas por relações de poder e saber. Identifico semelhantes movimentos
na política do EFNA, na medida em que este efetiva uma mudança educacional, porém com
um diferencial importante, que diz respeito à idade do ingresso da criança na escola.
Ser um aluno de seis anos no Ensino Fundamental é estar apto para ser educado e
alfabetizado, o que certamente pode acontecer. Mas o que está em questão, aqui, é como
determinados enunciados vão ganhando forma e um estatuto de verdade, ao dizerem sobre
como é essa criança no discurso dessa política educacional. Não faz muito tempo que este
mesmo sujeito surgia em documentos, legislações e orientações de muitos governos federais
como um ser em desenvolvimento na educação infantil. O discurso opera mudanças de acordo
com a época em que ele se faz necessário e verdadeiro. Para pensar sobre isso, acredito ser
interessante trazer outro excerto do documento para análise:
O modo como organizamos o trabalho pedagógico está ligado ao sentido que
atribuímos à escola e à sua função social: aos modos como entendemos a criança:
aos sentidos que damos à infância e à adolescência e aos processos de ensino-
aprendizagem. Está ligado do mesmo modo a outras instâncias, relacionadas aos
bairros em que as escolas estão localizadas; no espaço sico da própria escola e às
atividades que ocorrem: as características individuais do(a) professor(a) e às
peculiaridades de suas formações profissionais e histórias de vida muitos fatores
então condicionam a organização do trabalho pedagógico (GOULART, 2006, p.
88).
46
Saliento, neste excerto, a visibilidade dada para as características individuais dos
professores, como condição para um bom desenvolvimento do trabalho pedagógico. Existe,
no EFNA, um conjunto de forças que operacionalizam saberes úteis e necessários para educar
as crianças, bem como existe um discurso instituindo verdades quanto a importância da
alfabetização e do letramento no Ensino Fundamental.
Isto me levou a pensar que, estrategicamente, foram produzidas orientações sobre
como ensinar o aluno de seis anos, uma vez que para que uma determinada relação de forças
possa não somente se manter, mas se acentuar, se estabelecer e ganhar terreno, é necessário
que haja uma manobra” (FOUCAULT, 2003d, p.255). No EFNA, essa manobra e essa
estratégia perpassa, obrigatoriamente, pela ação do professor. Para se atingir o governamento
da infância, é necessário, então, orientar, controlar e regular a ação pedagógica dos
educadores. Embora seja propalada pelo MEC a autonomia para os sistemas de ensino
46
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. + 1 ano é
fundamental, 2006.
79
adotarem suas propostas pedagógicas, de acordo com as suas particularidades, a matriz
geradora de todo o trabalho didático a ser desenvolvido nas escolas fica expressa nos textos
que integram o livro sobre a inclusão da criança de seis anos no Ensino Fundamental.
Principalmente sobre como devem ser desenvolvidas as questões de organização da aula, da
alfabetização e do letramento.
Cabe, então, à instituição escolar, responsável pelo ensino da leitura e da escrita,
ampliar as experiências das crianças e dos adolescentes de modo que eles possam ler
e produzir textos com autonomia. Para isso é importante que, desde a educação
infantil, a escola também se preocupe com o desenvolvimento dos conhecimentos
relativos à aprendizagem da escrita alfabética, assim como daqueles ligados ao uso e
à produção da linguagem escrita (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAES, 2006,
p.72).
47
Sabemos que durante muito tempo o ensino do nosso sistema de escrita foi feito de
uma maneira mecânica, repetitiva, na qual os estudantes eram levados a memorizar
segmentos das palavras (letras ou sílabas) ou mesmo palavras inteiras, sem entender
a lógica que relacionava as partes pronunciadas (pauta sonora) e a seqüência de
letras correspondente (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAES, 2006, p.80).
48
Para uma produtiva participação dos professores é importante que eles se sintam
encorajados a encararem o trabalho com os alunos de seis anos no Ensino Fundamental de
forma inovadora, pois o que se espera, afinal de contas, é um trabalho diferenciado, distante
de antigas e ultrapassadas práticas de alfabetização, na significação do MEC. Para que isso se
de forma a se naturalizar no exercício da docência, nos sistemas educacionais,
operacionaliza-se um discurso que salienta a importância desse investimento e que a
criança/aluno está preparada para recebê-lo, como é exposto a seguir:
Do ponto de vista escolar, espera-se que a criança de seis anos possa ser iniciada no
processo formal de alfabetização, visto que possui condições de compreender e
sistematizar determinados conhecimentos. Espera-se, também, que tenha condições,
por exemplo de permanecer mais tempo concentrada em uma atividade, além de ter
certa autonomia em relação à satisfação de necessidades básicas e à convivência
social (GOULART, 2006, p.89).
49
Existe certo perigo ao creditar a todas as crianças de seis anos as mesmas capacidades,
ou melhor, postular que o desenvolvimento se dê da mesma forma com todas, pois a infância
é uma experiência e como tal pode ou não atravessar os adultos e pode ou não atravessar as
47
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
48
Idem, ibidem.
49
Idem, ibidem.
80
crianças”(ABRAMOWICZ, 2006, p.321). Tais aptidões podem se dar ou serem disciplinadas
anteriormente ao Ensino Fundamental, ou não. O que me interessa pensar com este excerto,
entretanto, é como o EFNA, ao narrar o comportamento social e cognitivo esperado da
criança procura delinear “ sua educabilidade” (DORNELLES, 2005, p.39). Observo, nas
prescrições que compõem as orientações pedagógicas do EFNA, que a alfabetização e o
letramento, ou melhor, ser um sujeito alfabetizado e letrado, se torna algo intrínseco a ser um
cidadão. Para ser um cidadão é necessário, então, passar pela escola e o trabalho do professor
deve estar imbuído dessa idéia. Logo, é importante que o sujeito infantil, que ele encontrará
nos bancos escolares, esteja constituído com características que devem ser reconhecidas e
exploradas pelo professore.
Viñao Frago (1993) critica a divisão da sociedade entre primitivos e avançados,
domesticados e selvagens, escolarizados e não-escolarizados, uma vez que tudo depende de
em qual meio nos achemos e de que habilidades se valorizam – ou, se desvalorizam em dito
contexto” (VIÑAO FRAGO, 1993, p.20). Ao atribuir determinadas características sobre como
deve ser o sujeito infantil e como o professor deve proceder em sua prática pedagógica,
constato que se reforçam narrativas que desvalorizam as habilidades dos não-escolarizados,
ao mesmo tempo em que valorizam as dos escolarizados” (TRINDADE, 2004b, p.132).
Analisando os textos que me propus a explorar, constatei não só a presença da
escolarização da alfabetização, mas também da do letramento. Esse elemento é primordial
para a constituição de um dito sujeito cidadão que consiga viver com competência na
sociedade capitalista e de consumo. Esse assunto será o próximo foco de análise, na seção
seguinte.
6.1 A ESCOLARIZAÇÃO DO LETRAMENTO
Assim como a relação dos sujeitos com a alfabetização se tornou legítima se realizada
nos moldes escolares, analiso que semelhante movimento está se dando em relação ao
letramento, nas orientações do EFNA:
81
As crianças e os adolescentes observam palavras escritas em diferentes suportes,
como placas, RXWGRRUV tulos de embalagens; escutam histórias lidas por outras
pessoas, etc. Nessas experiências práticas de leitura e escrita, muitas vezes mediadas
pela oralidade, meninos e meninas vão se constituindo como sujeitos letrados
(LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006, p.72).
50
Disso deriva uma decisão pedagógica fundamental: para reduzir as diferenças
sociais, a escola precisa assegurar a todos os estudantes diariamente a vivência
de práticas reais de leitura e produção de textos diversificados. Cabe, então, à
instituição escolar, responsável pelo ensino da leitura e da escrita, ampliar as
experiências das crianças e dos adolescentes de modo que eles possam ler e produzir
diferentes textos com autonomia (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006,
p.72)
51
Ao produzir um material pedagógico com essas orientações está sendo prescrito um
determinado modo de se trabalhar com as crianças e os adolescentes no EFNA. Fica claro,
também, que o papel da escola está para além do educacional, pois a ela cabe a tarefa de
reduzir as diferenças sociais. Essas experiências individuais que produzem sujeitos letrados,
que conseguem desenvolver as habilidades do uso da leitura e da escrita na sociedade são
então, colocadas como sendo tarefa da escola, pois a vantagem se exatamente por esta
atingir grandes coletivos. Trindade nos esclarece que historicamente passamos de um
processo de múltiplas alfabetizações para a alfabetização escolar, e nos remete a uma
discussão sobre a escolarização do letramento.
[...] ao alfabetizar letrando, seguindo o letramento social, estamos escolarizando
práticas sociais de oralidade, leitura e escrita, como as múltiplas alfabetizações do
século XVI ao XIX foram transformadas em uma alfabetização única, escolarizada.
Ao que me parece, estamos conformando o letramento social, ao final do século XX
e início do Século XXI, renomeando alfabetizações em alfabetismos, e/ou
letramentos, ao criarmos situações que levem os/as alunos/as a fazerem usos de
diferentes gêneros textuais e práticas discursivas na escola e fora dela (TRINDADE,
2004b, p.137).
Quando trago esta discussão para a minha pesquisa, amparada por Trindade (2004b),
não tenho a pretensão de dizer que alfabetizar letrando não é recomendável para as crianças
no ensino fundamental. Longe disso, o que me importa é ver como os discursos sobre a
alfabetização e letramento foram se constituindo, sendo criados social e culturalmente, de
acordo com preceitos e necessidades datados historicamente. Foucault alerta que é
50
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
51
Idem, ibidem.
82
interessante ver como se produzem efeitos de verdade no interior de discursos que não são
em si nem verdadeiros, nem falsos” (2003a p.7), mas que são operacionalizados de acordo
com uma racionalidade política e econômica em uma determinada ordem social. Para a
proposta do EFNA, como fica exposto pelos excertos trazidos aaqui, é importante, para a
sociedade, ter sujeitos alfabetizados e letrados.
As orientações do MEC, ao serem prescritas enquanto política pública nacional,
produzem verdades, que procuram, entre tantas coisas, regular e administrar a população,
procurando, com isso, produzir um determinado tipo de sujeito alfabetizado”
(TRAVERSINI, 2003, p.75). Para essa discussão é importante analisar outro excerto das
orientações pedagógicas do MEC:
Os professores (as), algum tempo, vêm participando desse debate, no centro do
qual se questionam as práticas restritas aos velhos métodos de alfabetização e, se
busca garantir que os meninos e as meninas possam desde cedo, alfabetizar-se e
letrar-se, simultaneamente. Resumindo o que foi descoberto nos últimos 25 anos,
Morais e Albuquerque (2004) afirmam que para alfabetizar letrando é necessário:
democratizar a vivência de práticas de uso da leitura e da escrita; e ajudar o
estudante a, ativamente, reconstruir essa invenção social que é a escrita alfabética.
Assim, a nossa proposta agora é refletir de forma mais aprofundada sobre aqueles
aspectos constitutivos de uma prática de alfabetização na perspectiva do letramento
(LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006, p.72-73).
Existe um chamamento para a questão da importância do letramento que se pauta na
premissa de que os antigos” métodos de alfabetização estão desacreditados pelos
professores. O que o MEC estaria fazendo, então, é somente participar dessa discussão,
instrumentalizando os docentes sobre como é possível alfabetizar letrando. Leal, Albuquerque
e Morais fundamentam sua discussão na distinção feita pela professora Magda Soares (1998)
entre alfabetização e letramento. A alfabetização corresponderia ao processo pelo qual se
adquire a escrita alfabética, o letramento seria o exercício competente da leitura e da
escrita, em situações sociais em que se precisasse ler ou produzir textos. Magda Soares é
citada para dar embasamento à proposta, do EFNA de que o ideal seria alfabetizar letrando:
Ainda segundo a professora Magda Soares “ alfabetizar e letrar são duas ações
distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou
52
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
83
seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita
(SOARES, 1998, apud LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006, p.72-73).
53
Mais uma vez destaco que não me posiciono desfavorável ou favorável a um
investimento no alfabetizar letrando. Instiga-me, sim, pensar no descarte que é feito dos
métodos de alfabetização, bem como quem está autorizado a falar sobre esse assunto. Ao
escolher quais autores escreverão sobre as orientações para a inclusão da criança de seis anos
no Ensino Fundamental se institui um governamento sobre como se deve trabalhar a
alfabetização com o letramento, e quem está autorizado a dizer como.
É interessante pensar que os índices de evasão, repetência e, mesmo índices de
analfabetismo, são creditados ao mau uso de métodos. Ao que me parece, alfabetizar letrando
é colocado nos textos do EFNA como a melhor possibilidade para resolver toda a gama de
situações que envolvem a alfabetização com qualidade para o país. Embora não seja isso que
o MEC diz propor, é o que pode acontecer quando se defende uma proposta em detrimento de
outras.
A pedagogização do letramento é recente, sendo que o deslocamento das discussões
sobre alfabetização para os estudos sobre letramento e alfabetismos podem ser localizados a
partir da década de 80, conforme lembra Trindade (2004b,). No Brasil, de acordo com Soares,
a discussão do letramento surge sempre enraizada no conceito de alfabetização” (SOARES,
2004, p.8), o que tem levado, segundo a autora, a uma inadequada e inconveniente fusão dos
dois processos. Isto causaria, segundo Soares, um empalidecimento nas discussões sobre
alfabetização e um enfraquecimento na especificidade desse processo.
Em nosso país se adotou o termo letramento para traduzir a palavra inglesa OLWHUDF\
que seria o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”
(BONAMINO; COSCARELLI; FRANCO, 2002, p.94). Pode-se dizer, então, que o
letramento privilegia as práticas sociais de uso da leitura e da escrita, ou seja, podemos defini-
lo como a capacidade de um indivíduo de se apropriar da escrita, sendo capaz de utilizá-la
em diversas situações exigidas no cotidiano” (BONAMINO; COSCARELLI; FRANCO,
2002, p.94).
53
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
84
Tornar-se alfabetizado e letrado, dominando o uso das tecnologias da leitura e da
escrita, tem conseqüências e efeitos de variadas ordens nos sujeitos, mediante o seu grau de
inserção social, lingüística e econômica, o que gera efeitos também na conduta desses
sujeitos. Além de alfabetizado, a sociedade neoliberal necessita de um sujeito letrado, que
além do domínio da leitura e da escrita, saiba usá-lo de forma proficiente, conseguindo, assim,
interagir social e economicamente de forma mais eficaz. Para isso, esse sujeito precisa saber
fazer escolhas, mas para que saiba como fazê-las, é preciso aprender a combinar múltiplos
critérios de escolha” (VEIGA-NETTO, 2000, p.199). A escola é o local onde se ensina e se
aprende quais as melhores escolhas a serem feitas para viver em sociedade. Tanto melhor
será, se esta produzir cada vez mais cedo, e com maior eficiência, sujeitos alfabetizados e
letrados.
Alfabetizar letrando é um desafio permanente. Implica refletir sobre as práticas e as
concepções por nós adotadas ao iniciarmos nossas crianças e nossos adolescentes no
mundo da escrita, analisarmos e recriarmos nossas metodologias de ensino, a fim de
garantir, o mais cedo e da forma mais eficaz possível, esse duplo direito: de o
apenas ler e registrar autonomamente palavras numa escrita alfabética, mas de poder
ler-compreender e produzir os textos que compartilhamos socialmente como
cidadãos. Como educadores, precisamos aprofundar a reflexão aqui apresentada,
dando continuidade e ampliando esse debate tão rico e necessário. Como você pensa
em fazê-lo juntamente com seus colegas? (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS,
2006, p.83)
54
Foucault nos mostrou que os discursos produzem objetos, produzem sujeitos e
produzem sentidos para as coisas. Não seria incorreto dizer, então, que a proposta do EFNA
está instituindo verdades sobre o que é ser alfabetizado e o que é ser letrado, e a importância
do sujeito alfabetizado e do sujeito letrado para a sociedade.
Dalla Zen e Trindade (2002) explicam que não é necessário questionar se deve-se ou
não deslocar o trabalho pedagógico da alfabetização para o letramento, mas sim, perceber que
nossas aulas, nossos planos o são produzidos de forma tão autônoma e criativa quanto
imaginávamos, mas que decorrem de discursos e representações que nos constituem, ao
mesmo tempo que constituem possíveis entendimentos do que é ler, escrever” (DALLA ZEN;
TRINDADE, 2002, p.131).
54
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
85
Na medida em que o MEC orienta, ele também regula e governa a ação do professor.
Alfabetizar e letrar se tornam, assim, uma estratégia poderosa de regulação da conduta
docente e dos educandos, pois saberes são hierarquizados, bem como uma determinada
compreensão do mundo que será ensinada. Esse ordenamento de saberes e práticas que podem
ser seguidos, se materializam no que chamo de governamento da aula.
6.2 O GOVERNAMENTO DA AULA
Se existe algo nos estudos foucaultianos que me pôs a pensar de forma diferente a
educação, foi a questão da produtividade do poder na condução da conduta de si e dos outros.
Destaco isso porque observo o quanto as relações de poder atravessam as instituições e, em
especial, a escola. Educar, transmitir conhecimentos, decidir e classificar o que deve ser
ensinado para os alunos vem sendo, tradicionalmente, o papel da escola. Mas para que essas
operações se conjuguem de forma produtiva é necessário que os professores se identifiquem
com o discurso pedagógico que circula em seu espaço de atuação.
Nesse sentido as metodologias utilizadas pelos professores para ensinar, na
expectativa que produzam aprendizagens para os alunos e outras rechaçadas por não
gerar tal efeito, adquirem sentidos validados por discursos pedagógicos vigentes e
que adquirem um estatuto de verdade (TRAVERSINI; BALEM; COSTA, 2007,
p.4).
Ao entender que a linguagem nomeia e produz sentidos e significados para as coisas, é
por meio de descrições e concepções que construímos conhecimentos e podemos agir sobre
nós mesmos e sobre os outros” (TRAVERSINI; BALEM; COSTA, 2007, p.4). Analiso que
esse exercício de subjetivação é realizado no EFNA, por meio das orientações pedagógicas
para a inclusão dos alunos de seis anos no Ensino Fundamental. Ao se reconhecerem com
determinados enunciados sobre como atuar com o aluno de seis anos, os professores vão
paulatinamente sendo subjetivados a operacionalizarem essa proposta, e a proferirem esta
como a melhor, a mais verdadeira. Essa ação sobre si mesmo gera também um efeito sobre o
outro, o aluno, que se quer incluso no Ensino Fundamental. Ramos do Ó (2003) me auxilia
nessa argumentação, ao refletir sobre a importância dos estudos foucaultianos, em que se
cruzam os domínios da ética com os da política. Ainda, como é possível as noções de
86
governamentalidade e tecnologias do eu se remeterem um para o outro e se esclarecerem
mutuamente, para entender as práticas de subjetivação empregadas desde a modernidade para
a subjetivação dos sujeitos:
A governamentalidade corresponderia, assim, ao desencadear de toda uma arte
caracterizada pela heterogeneidade de autoridades e agências, empregando
igualmente uma desmesurada variedade de técnicas e formas de conhecimento
científico destinadas a avaliar e a melhorar a riqueza, a saúde, a educação, os
costumes e os hábitos da população [...] Quando fala em tecnologias do eu, Foucault
refere-se a todo este conjunto de técnicas performativas de poder que incitaram o
sujeito a agir e a operar modificações sobre a sua alma e corpo, pensamento e
conduta, vinculando-o a uma atividade de constante vigilância e adequação aos
princípios morais em circulação na sua época (RAMOS DO Ó, 2003, p.4-5).
Penso que o EFNA, articula de forma produtiva e pontual o governamento de todos e
de cada um, ao efetuar um controle sobre um coletivo: os alunos que integram essa população
infantil. Por outro lado, o EFNA também particulariza cada um, investindo não um
poder de controle da conduta do aluno, mas também da do professor, procurando infimamente
com que cada um subjetive as prescrições das orientações dadas pelo MEC. Para atingir o
governamento dos sujeitos infantis é importante efetuar o governamento da aula a ser dada,
pois, partindo de Foucault, o governamento realiza uma ação calculada e reguladora sobre os
sujeitos e consubstancia uma certa forma de atingir fins políticos”(RAMOS DO Ó, 2003,
p.29).
Pensando assim, me permiti analisar os materiais de orientação do MEC como um
dispositivo
55
desencadeador de práticas pedagógicas, ao descrever e prescrever formas de agir
e pensar sobre a ação docente.
Nossa experiência na escola mostra-nos que a criança de seis anos encontra-se no
espaço de interseção da educação infantil com o ensino fundamental. Sendo assim, o
planejamento de ensino deve prever aquelas diferenças e também atividades que
alternem movimentos, tempos e espaços. É importante que não haja rupturas na
passagem da educação infantil para o ensino fundamental, mas que haja
continuidade dos processos de aprendizagem. Em relação às crianças que não
freqüentaram espaços educativos de educação infantil, habituadas, portanto às
atividades do cotidiano de suas casas e espaços próximos, também aprendendo e
dando sentidos à realidade viva do mundo que as cerca, o mesmo cuidado deve ser
55
Dispositivo em termos foucaultianos significa o conjunto das práticas, discursivas e não-discursivas,
consideradas em sua conexão com as relações de poder” (SILVA, 2000, p.43). Ainda segundo o autor o próprio
Foucault fornece uma lista dos elementos que constituiriam um dispositivo, tais como: discursos, instituições,
arranjos arquitetônicos, regulamentos, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, instituições e
disposições filantrópicas, em suma tanto o dito quanto o não dito” (SILVA, 2000, p.44).
87
tomado. [...] A escola potencializa, desse modo, a vivência da infância pelas
crianças, etapa essa tão importante da vida, em que se aprende tanto (GOULART,
2006, p.89).
56
É interessante destacar que agora os professores devem ver a criança de seis anos
como um aluno, um sujeito que se encontra cognitivamente em um momento de passagem
para um ensino formal, vindo ou não da Educação Infantil. Cabe lembrar também que, até a
promulgação da lei que instituiu o EFNA, ter seis anos significava ser aluno da Educação
Infantil, e isto não faz muito tempo, pouco mais de três anos. Tal legislação posiciona esse
aluno em um outro nível, como se a forma de viver a infância se alterasse de forma positiva e
qualitativa para esse aluno, por meio de uma medida legal. Isso me leva a pensar que por
meio das políticas curriculares e de regulação da educação, no cotidiano da escola, são
validados discursos pedagógicos que mudam histórica e culturalmente” (TRAVERSINI;
BALEM; COSTA, 2007, p.4).
Neste momento histórico e social o professor precisa identificar-se com a idéia de que
o aluno de seis anos é responsabilidade do Ensino Fundamental e que cabe à escola a tarefa de
educar, escolarizar, alfabetizar e letrar esse aluno. Existe um investimento, nas orientações do
MEC, para mobilizar os professores a assumirem um determinado modo de agir em relação à
sua prática. O EFNA não se configura somente como uma política pública do âmbito legal,
ele procura administrar os docentes da educação, prescrevendo e ensinando como trabalhar
em sala de aula.
Trabalhos coletivos constroem-se coletivamente; espaços democráticos
reorganizam-se com a participação de todos, inclusive decidindo normas, limites,
horários, distribuição de tarefas... Se as crianças participarem desde o início dessa
organização, terão a oportunidade de desenvolver o sentimento de pertencimento ao
grupo e de responsabilidade pelas decisões tomadas. Todos aqueles que integram a
comunidade escolar precisam participar da organização do trabalho pedagógico.
Todos podem agir para que o trabalho pedagógico de ensinar e aprender aconteça;
todos se beneficiam dele e se comprometem com ele (GOULART, 2006, p.90-91).
57
De acordo com Traversini, esse processo de conduzir condutas, ou melhor, de
governar a si e aos outros, não ocorre por atos coercivos, mas pela liberdade” (TRAVERSINI,
56
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
57
Idem, ibidem.
88
2003, p.96). Para que o professor tome as decisões certas, conduza seu trabalho de forma
coletiva e democrática, para que toda a comunidade se engaje, é necessário que ele seja
orientado e moldado para esse fim. Essa produção da subjetividade do professor promoverá a
implementação do que é proposto pelo EFNA, como, por exemplo, alfabetizar letrando,
regulando não os alunos, mas as famílias no entorno da escola. Afinal, todos agora são
responsáveis para que o trabalho pedagógico aconteça e, ao se naturalizar essa idéia, se
efetiva de forma sutil e econômica o governamento de um e de todos ao mesmo tempo. É
importante registrar, como já fiz anteriormente, neste mesmo capítulo, que a alfabetização e o
processo de aquisição da escrita se apresentam em destaque:
E quando a criança entra na escola? De que conhecimentos ela precisa para escrever,
pra produzir textos com valor social? Pode parecer banal, mas o primeiro
conhecimento necessário para que se escreva é saber que se utilizam letras para
escrever. Nem todas as crianças sabem disso quando chegam à escola. Depois, saber
que essas letras se organizam com base em convenções, de acordo com um sistema
de escrita de base alfabética. Aprendem que se escreve da esquerda para a direita e
de cima para baixo (GOULART, 2006, p. 95).
Ao expor este excerto não pretendo dizer que essas orientações são equivocadas.
Desejo, sim, visibilizar a importância da alfabetização nas orientações do EFNA, quanto ao
trabalho a ser desenvolvido. Ensinar a ler e escrever deve se dar de forma eficiente, o que me
faz crer que a questão do como implementar essa ação, ou seja, de como ensinar a ler e
escrever se transformou numa questão fundamental para o governo das populações”
(MARZOLA, 2003, p.210).
Observo que a forma como o professor a sua aula, os métodos que utiliza, ou o,
para isso, vem, ao longo do tempo, sendo governamentalizados, de forma a corresponder
eficazmente aos desígnios econômicos de seu tempo. Marzola, ao analisar como os
professores constituíram uma identidade alfabetizanda, que está sempre em busca de um novo
método que resolva os problemas da alfabetização, pondera que isso se passa como o
desenrolar de um novelo, cuja a ponta nunca alcançamos, apesar de parecer que nos
aproximamos cada vez mais dela” (MARZOLA, 2003, p.214). Embora o EFNA não apresente
as orientações como métodos a serem seguidos, não se pode negar o caráter ordenador que ele
propõe ao trabalho docente, mas, bem mais do que isso, elesinaliza uma metodologia, uma
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Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
89
técnica de atuar em sala de aula que melhore a qualidade em educação. Essa idéia
corresponde à eterna esperança dos educadores, da qual fala Marzola (2003), em achar a
melhor forma de alfabetizar e desenvolver seu trabalho pedagógico.
Mas como ler sem saber ler? É no contato com materiais escritos e com a mediação
de um leitor mais experiente, a criança vai buscando compreender o sentido do que
está escrito: explorando as possibilidades de significação; relacionando
características dos textos; familiarizando-se com as letras, as palavras, as frases e as
outras marcas que compõem os textos escritos; elaborando hipóteses sobre o que
está escrito a partir do que conhece; refletindo sobre as muitas questões que a
professora destaca com significativas para o aprendizado da leitura de seus alunos
(GOULART, 2006, p.96).
59
No excerto é possível ver que as orientações dadas pelo MEC, além de orientarem,
ensinam como fazer o trabalho pedagógico de forma organizada. A questão da leitura e da
escrita impulsiona uma forma de estabelecer novas relações do sujeito consigo mesmo, com
seus pares e com a sociedade em que está inserido” (LEMOS, 2008, p.86). Por isso se
efetivam, com freqüência, argumentações nas orientações do EFNA, funcionando como uma
estratégia de convencimento dos docentes quanto à importância ao estímulo da leitura e da
escrita. Não nego isso, mas o que me interessa, nesta pesquisa, é ver como os diversos
enunciados que circulam na política pública que instituiu o EFNA, sustentam um discurso do
que é melhor e mais produtivo para o país, deslocando a escolarização da criança de seis anos
da Educação Infantil para o Ensino Fundamental.
Larrosa nos diz que os dispositivos pedagógicos constroem e medeiam a relação do
sujeito consigo mesmo” (1994, p.36). Ao internalizar a melhor forma de dar aula para as
crianças de seis anos, o docente realiza um exercício sobre si, o de como organizar seu
trabalho, seguindo um receituário que lhe é oferecido. O EFNAo efetiva somente a
inclusão das crianças, ele dispõe técnicas e possibilidades para os professores, para que se
realize esta inclusão. Nesse sentido, considero relevante pensar, seguindo o referencial
foucaultiano, que toda ação pedagógica é permeada por relações de poder-saber, sendo,
portanto, constituidora de determinados sujeitos, docentes e alunos.
59
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90
Ao realizar um governo sobre si, os docentes também são orientados a levar as
crianças a realizarem o mesmo, por meio de propostas de trabalho com as quais seja possível
escrutinar o que pensam, seus gostos e seus anseios.
Do mesmo modo, é preciso conversar muito com as crianças sobre as intenções de
quem escreve, para que e para quem se escreve, sobre os conhecimentos construídos
e em construção. É preciso, enfim, reafirmar incessantemente a condição de
produtoras de sentido e, logo, de autoras e leitoras das crianças (GOULART, 2006,
p.97).
60
É imprescindível que todos se sintam à vontade e tenham espaços para manifestar
seus gostos e desgostos, suas alegrias e contrariedades, suas possibilidades e limites,
seus sim e seus não. Se as cartilhas e os livros didáticos forem convidados para a
sala de aula, que seja como material auxiliar da turma a direção da organização do
trabalho pedagógico é dos professores, em conjunto com os alunos e a comunidade
escolar (GOULART, 2006, p.97).
61
É estimulado que o aluno faça um exercício de pensar sobre seu tempo e suas
aprendizagens na escola, na medida em que é convidado a professar o que sente ou como se
sente em relação às atividades que são desenvolvidas. Seria possível dizer, então, que ao falar
sobre si, ao sentir-se também responsável pela produção de seu conhecimento, o aluno do
EFNA, possa estar sendo levado a exercitar uma auto-regulação. Amparo-me em Larrosa, ao
fazer tal argumentação:
É a própria experiência de si que se constitui historicamente como aquilo que pode e
deve ser pensado. A experiência de si, historicamente constituída, é aquilo a respeito
do qual o sujeito se oferece seu próprio ser quando se observa, se decifra, se
interpreta, se descreva, se julga, se narra, se domina, quando faz determinadas coisas
consigo mesmo (LARROSA, 1994, p.43).
Analisando sob essa perspectiva, é possível pensar que os atos pedagógicos não o
meramente mediadores da aprendizagem, como fomos acostumados a vê-los e instituí-los.
Eles são definidores daquilo que os sujeitos se tornam, ao passar pela escola, e essa
experiência de si, como é sugerida nos documentos do EFNA, embora não tenha essa
denominação, pode apresentar essa intenção, de ser algo que deve ser transmitido e ser
aprendido” (LARROSA, 1994, p.45). Aparentemente isso é algo que o EFNA, enquanto um
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61
Idem, ibidem.
91
manual que deve ser aplicado e apreendido pelos docentes, e, por conseqüência, pelos alunos,
não se constrange em demonstrar:
Caso determinada criança esteja com dificuldade de inserir-se no grupo-classe, é
papel do professor planejar estratégias para que ela supere tal dificuldade; caso
algum estudante esteja com auto-etima baixa, e, portanto, demonstre medo de expor
seus sentimentos e conhecimentos, é preciso também pensar em como favorecer o
desenvolvimento dele... Concebemos que significa pensar em como ajuda-los a
interagir na sociedade de modo confiante e crítico; implica fazer com que eles
tomem consciência das contradições sociais e desenvolvam valores para a
construção de uma sociedade justa, igualitária e democrática; implica fazer com que
eles adquiram autoconfiança quanto a si próprios, reconhecendo que suas histórias
estão inseridas na história dos grupos sociais dos quais participam; significa
instrumentalizá-los para que tenham acesso a uma ampla gama de situações sociais e
entendam os processos históricos que os excluem de outras situações e possam
intervir nessa realidade (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006, p.100-101).
62
Vejo, neste excerto a regularização do governamento da ação do professor em sala de
aula, pois ele é responsável por construir estratégias para a superação das dificuldades de seus
alunos, então ele precisa saber conduzir adequadamente sua ação pedagógica para que exista
um bom rendimento em aula. Ao que parece, se algo o ocorrer como deveria, a
responsabilidade pela modificação é do professor, principalmente porque é sobre o terreno da
subjetividade que os documentos falam.
É necessário que se trabalhe com a auto-estima do aluno. Dessa forma, ao investir em
sua subjetividade e sujeitá-lo a uma forma particular de ver o mundo, ele sentir-se-á integrado
a realidade escolar. Com isso se valida não só o discurso que sustenta a inclusão da criança de
seis anos no Ensino Fundamental, como se obtém a produção de um sujeito que pense
criticamente sobre sua condição social. Ao ser esclarecido sobre as condições que o tornam
um sujeito excluído, esse futuro cidadão trabalhador procurará aprender formas para que ele
mesmo consiga sair de uma margem de risco social. Tornar-se sujeito prudente, como
afirmei anteriormente, neste trabalho, parece-me uma lógica muito presente nas orientações
do EFNA. Segundo Garcia, a utilização calculada do tempo escolar submete os corpos e suas
ações, o pensamento e suas operações” (2002, p.99), mas para que este tempo seja organizado
produtivamente e os alunos aprendam a se auto-regularem e tornarem-se sujeitos produtivos
para uma racionalidade neoliberal, é importante a ação condutora dos docentes.
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A utilização dos termos auto-estima e auto-confiança se no sentido de estabelecer
algum tipo de relação do sujeito consigo”(LARROSA, 1994, p.38). Alunos motivados e
interessados, certamente terão melhores condições de concluir exitosamente o Ensino
Fundamental.
A ampliação do ensino fundamental para nove anos representa um avanço
importantíssimo na busca de inclusão e êxito das crianças das camadas populares em
nossos sistemas escolares. Ao iniciarem o ensino fundamental um ano antes, aqueles
estudantes passam a ter mais oportunidades para cedo começar a se apropriar de
uma série de conhecimentos, entre os quais tem um lugar especial o domínio da
escrita alfabética e das práticas letradas de ler, compreender e produzir textos
(LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006, p.103).
Ramos do Ó (2007) nos lembra que muito do que conhecemos sobre aquilo que
constitui a escola moderna não se pautou tanto “ sobre o saber – sobre as competências
intelectuais do aluno – mas essencialmente, sobre o ser, isto é, sobre o modelo de cidadão que
importava construir para as várias autoridades, fossem elas quais fossem” (RAMOS DO Ó,
2007, p.38). O investimento do EFNA objetiva atingir a população infantil pobre, que se
encontra em uma margem de vulnerabilidade social. Inverter essa ordem ou minimamente
melhorar as possibilidades futuras destes pequenos cidadãos é algo a que se propõe o aumento
da obrigatoriedade escolar. O que não se pode perder de vista é que essa aparente generosa
medida educacional corresponde aos interesses de uma racionalidade econômica que precisa,
de trabalhadores ativos e produtivos e o de um grande contingente de desempregados que
aumentem os riscos em saúde e violência, onerando o Estado com medidas sociais e
corretivas de segurança, para tentar contê-los. Então, como nos diz Ramos do Ó (2007),
realmente é interessante dar-se conta de que os interesses de uma lógica social e econômica
imperam na formulação de certas medidas educacionais, para a constituição de um
determinado perfil de cidadão.
A busca pela melhoria da qualidade do ensino e da alfabetização em nosso país é
histórica, embora, como lembra Marzola (2007), diferentes períodos defenderam propostas
que prometiam o salto qualitativo, a erradicação do analfabetismo e a melhoria na
aprendizagem do aluno. De forma resumida, é possível apontar algunsmovimentos que se
destacaram na educação nacional como, a educação popular na década de 80, a pedagogia
63
Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade: + 1 ano é
fundamental, 2006.
93
crítico social dos conteúdos (conteudistas) e as idéias construtivistas (de forte influência
psicológica) na década de 90. Mas, como a autora argumenta, apesar das boas intenções
dessas pedagogias, que se propuseram a reinventar e revolucionar a escola, os resultados desta
em termos de ensino efetivo, foram insignificantes (MARZOLA, 2007, p.15). É possível ver,
como já demonstrado em outros capítulos desta dissertação, que a busca pela melhoria dos
índices da educação nacional ainda é objetivamente perseguida pelo Estado, ou seja, ainda
não os alcançamos. Isto me faz pensar que ainda se busca a ponta do novelo de lã, o que não
significa que chegaremos algum dia até ela.
O que deduzo disso é que certamente propostas educacionais de acordo com o período
histórico foram configuradas, procuraram conformar um tipo específico, não de docente e
de aluno, mas também de uma metodologia de trabalho. O EFNA traz sua proposta, como já
exemplifiquei com diversas passagens, e ele também projeta o seu ideal de cidadão com tais
normatizações. E para que ele constitua um cidadão crítico, que possa intervir em sua
realidade, emanam da proposta de inclusão das crianças de seis anos, sugestões, técnicas e
procedimentos que governam a aula a ser dada, mas, sobretudo, procuram levar os sujeitos
alunos a uma adequação “ desde o início à regra de relação tanto com os outros como com um
determinado tipo de percurso” (RAMOS DO Ó, 2007, p.43). Esse percurso seensinado na
escola, por meio do governamento dos docentes e dos alunos, como já foi visto.
3$5$12926&$0,1+2628'(6&$0,1+26"
É a curiosidade em todo caso, a única espécie de curiosidade que vale a pena ser
praticada com um pouco de obstinação: o aquela que procura assimilar o que
convém conhecer, mas a que permite separar-se de si mesmo. De que valeria a
obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não,
de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece?
Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar
diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é
indispensável para continuar a olhar ou a refletir (FOUCAULT, 2003d, p.13).
Quando me deparei com o término desta dissertação pensei que ficaria aliviada.
Afinal, foram dois anos envolvida com o tema, prestando atenção a cada seminário, a cada
palestra, a cada nova informação no VLWH do MEC sobre o EFNA. Seria o fim de um exercício,
sobre o qual já ouvi muitos colegas relatarem, de incansável busca de informações e
bibliografias que pudessem ser articuladas à temática que estudo.
Entretanto, ao contrário do que eu esperava, me vi com dificuldade em colocar o ponto
final. Aquele que colocaria o fim à pesquisa e a todo o trabalho investido nela. Dei-me conta,
então, de que não existia este fim tão categórico, tão estruturado, mas que múltiplas
possibilidades de continuação, de outras pesquisas e estudos podem estar se abrindo. A
sensação que fica é a de que muitos materiais não consegui examinar, muitas outras
possibilidades de análise deixei de fazer, mas exatamente porque os limites deste trabalho,
exigiram-me fazer escolhas e as que fiz resultaram nesta dissertação. Por isso mesmo, foram
escolhas deste momento, provisórias, onde caminhos e descaminhos por mim não esperados
foram traçados. E foi esse exercício de tentar ver diferentemente do que via a educação há um
tempo, que me possibilitou estudar e pesquisar na perspectiva teórica que elegi para minha
vida acadêmica.
Ao decidir trabalhar com a governamentalidade eu sabia dos desafios que adviriam
desta escolha, principalmente porque me possibilitaram empreender uma analítica sobre
educação, infância e poder, algo que, confesso, não foi um caminho fácil, suave,
tranqüilizador, muito pelo contrário. Por meio da análise de discurso foucaultiana procurei
esmiuçar os documentos publicados pelo MEC, no tangente a ampliação do EFNA, de forma
a conhecer e descrever quais as racionalidades econômicas que se encontram imbricadas nos
95
documentos e que estão balizando as decisões políticas em relação a educação nacional,
principalmente as que atingem a população infantil.
As políticas educacionais o arranjadas e organizadas de modo a se apresentarem de
forma confiável, segura, como a melhor opção para a sociedade em que vivemos. Os sujeitos
são historicamente convidados a internalizarem as proposições que lhes são apresentadas, por
meio dos mais variados meios de comunicação impressa e televisiva, entre outras. As leis
servem para dar garantias legais, mas a eficiência de certas medidas, como a implantação do
EFNA, se dará por meio de uma mobilização dos agentes educacionais nela envolvidos:
professores, alunos, famílias, comunidade escolar em geral.
Penso que para que tal mobilização ocorra, é necessário governar e regular a conduta
dos sujeitos. É preciso que as pessoas reconheçam na política do EFNA, uma medida salutar e
positiva para a qualidade da educação nacional. Mesmo o sendo uma novidade, no cenário
educacional, a mudança no número e organização dos anos/séries, a obrigatoriedade aos seis
anos de idade no Ensino Fundamental certamente foi o dado mais perturbador nessa política,
tanto positiva quanto negativamente, segundo pais, professores e especialistas. É importante
ter presente que crianças com seis anos frequentando a primeira série é uma prática que já
ocorria nas escolas, amparada por muitos sistemas de ensino. Então, talvez, a obrigatoriedade
colocada em lei, é que realmente tenha trazido para o debate nacional a fragilidade de certas
crenças, ideais, perspectivas do que compete à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental,
ressaltando, mais uma vez, a importância das políticas públicas destinadas a uma ou outra
etapa da educação básica.
Ao pensar assim, acabei por constatar, mesmo que provisoriamente, que a questão da
inclusão se apresenta como uma estratégia eficaz de governamento dos sujeitos infantis. Ela
promove uma garantia de que não as crianças de segmentos mais privilegiados
economicamente se encontrarão no espaço institucionalizado da escola, porque mesmo estes
têm que passar por ela para aprenderem, não só conhecimentos escolares, mas a serem
cidadãos. Independentemente da forma como cada infância aprende a se ver como sujeitos de
direitos e deveres, um cidadão autônomo, ativo, participativo da vida econômica, seja
diferente quanto a perspectivas futuras, todos passam pela escola e nela, mesmo que isto não
ocorra só nela, é fundamental para o governamento das populações.
96
A questão que se coloca, então, é que a infância pobre, que está a margem das
condições de vida consideradas produtivas pelo Estado Neoliberal, pode, sim, representar um
risco social futuro. Ao promover a lógica da inclusão para todos, ou de que todos devem estar
na escola, se reforça o discurso de que os que passam pela instituição escolar têm melhores
condições de prover suas vidas futuras e integrar-se a sociedade. Mesmo que o EFNA
aparente se inserir em uma lógica de proteção a infância em situação de risco, existe um
alinhamento deste a outras tantas políticas internacionais, que buscam com que todos se
sintam responsáveis pela educação das crianças, assumindo coletivamente um compromisso
pelo desenvolvimento com equidade do país. A educação, nesse aspecto, é apresentada com
tendo um papel preponderante. Pode-se dizer, então, que a governamentalidade neoliberal
atua por meio de políticas públicas que constituem sujeitos autônomos, que saibam ser
responsáveis por suas decisões e suas conseqüências.
Tal discussão me levou a pensar que a implantação de um EFNA se valeu de vários
mecanismos para governamentalizar a infância, sendo que, para isso, precisou inicialmente
constituir a infância que necessitava de um ano a mais no Ensino Fundamental, bem como o
campo de intervenção sobre a mesma. Nesse intento, a produção da estatística educacional foi
de fundamental importância, pois os dados numéricos e suas comparações permitiram
operacionalizar uma racionalidade que não identificou, reconheceu e nomeou a infância de
todo o território nacional, que se encontrava em vulnerabilidade social, como legitimou a
implantação de um EFNA. E, embora isso não seja dito pelo MEC, a implementação da
política do EFNA serve, entre tantas coisas, como uma estratégia de gerenciamento do risco
social.
A escola, mais uma vez, é colocada como a melhor possibilidade de melhoria de vida,
não no campo intelectual e profissional, mas ela também vem revestida de uma
responsabilidade cada vem mais investida do social. Ao apresentar o Ensino Fundamental
como a melhor opção para as crianças de seis anos, privilegia-se um formato escolar,
reconhecidamente institucional, que desde seu surgimento foi atrelado à transmissão do
conhecimento e da cultura mundial acumulados.
Sujeitos auto-regulados e auto-confiantes, que possam gerir suas vidas, são sujeitos
econômicos para uma racionalidade política neoliberal. Por isso,o basta somente ser
alfabetizado, mas é preciso ser letrado, ser um sujeito eficiente, que saiba resolver seus
97
problemas e interagir em sociedade, o que justifica o investimento em escolarizar também o
letramento, assim como ocorreu com a alfabetização. Letrar deve também ocorrer nos moldes
institucionais.
Sujeitos alfabetizados e letrados terão melhores possibilidades, de acordo com as
orientações do MEC, de inserir-se no mercado de trabalho. Para tanto, efetiva-se um
governamento da ação docente, para que estes possam, ao subjetivar a melhor forma de
conduzir sua prática pedagógica, que é prescrita pelo MEC, constituir um determinado sujeito
criança e, especialmente, aluno.
No discurso do EFNA se destaca a produção deste sujeito, alguém que possa vir a ser
um bom trabalhador, um bom cidadão. Por isso, este sujeito deve ser trazido para o ambiente
ordenador da escola, agora mais cedo, para que desde os seis anos se possa potencializar
determinadas características na infância, o que garantirá uma população adulta mais ativa,
produtiva e auto-governada. Esse novo sujeito garantirá menos gastos com políticas paliativas
e compensatórias da ordem social no futuro. Ensinar a grandes coletivos de infantis como
devem constituir-se como adultos futuros é, sem dúvida, uma medida econômica.
Minhas considerações podem parecer pesadas, carregadas de asserções negativas sobre
o EFNA? O EFNA é visto por mim como uma política produtiva, na medida em que constitui
os sujeitos de uma determinada forma. Penso que não é preciso ver este momento educacional
como se fossemos reféns de uma visão única e global, mas pensarmos sim em possibilidades
de fazer do EFNA uma política que respeite a infância e que realmente promova uma
educação de qualidade. Como aprendi com Foucault, a mudança nem sempre se com a
grande revolução, mas sim, com micro-revoltas diárias, aquelas que realmente afetam o
cotidiano e que fazem pensar sobre outras possibilidades de atuar pedagogicamente.
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