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Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em
Educação
Linha de pesquisa: Filosofia da
Diferença e Educação
Marilu Silveira Goulart
Amor em fragmentos
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Paola Basso
Menna Barreto Gomes Zordan
Porto Alegre
2008
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Dados Internacionais da Catalogação na
Publicação (CIP)
G694 Goulart, Marilu Silveira.
Amor em fragmentos [manuscrito] / por
Marilu Silveira Goulart. Porto Alegre, 2008.
161 f.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de
Educação, Programa de Pós-Graduação em
Educação, 2008.
Orientadora: Profa. Dra. Paola Basso
Menna Barreto Gomes Zordan
1. Educação. 2. Relações humanas. 3.
Sentimento. 4. Amor. 5. Sensibilidade. I. Zordan,
Paola Basso Menna Barreto Gomes. II. Título.
CDU 37.06:159.942
Bibliotecária Responsável: Maria Salete Ribeiro
CRB Prov. - 10-008/08
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[sumário]
[resumo] 5
[abstract] 7
[amorosidades] 9
[arranque] 11
[a exterioridade do amor] 13
[metáfora] 15
[fotografia] 16
[a perda do rosto] 17
[fases] 19
[estar só] 20
[acolhimento] 22
[esquecimento] 23
[delicadeza] 25
[botões (cuidado)] 26
[desaprendizagem] 27
[disfarce] 28
[encantamento] 29
[sinceridade] 30
[detalhe] 31
[ilusão] 32
[arrebatamento] 33
[gesto] 34
[decepção] 36
[ausência] 37
[último fim] 38
[exigência] 39
[espera] 41
[fragilidade] 42
[perdas] 43
[maternidade] 44
[sensações] 45
[necessidade] 46
[...] 47
[condescendência] 48
[invenção] 49
[desencontros?] 50
[vício] 53
[segredinho sujo] 54
[cartas] 55
[a escrileitura...] 56
[mensagens] 57
[romantismo] 58
[religião] 59
[o encontro amoroso] 60
[acontecimento] 61
[desejo] 65
[irmãs] 66
[etiqueta] 67
[ciúme] 68
[intuição] 69
[rubor] 70
[triângulo] 71
[susto] 72
[hu(a)mor] 73
[retrato] 75
[charme] 76
[alguém] 77
[repetição] 78
[declaração] 79
[desamor] 80
[persistência] 81
[masoquismo] 82
[fabulações iansânicas] 83
[seus filhos] 85
[procurem seus rostos] 86
[ogum] 87
[corpo de Iansã] 89
[feiticeira] 90
[lugares] 91
[encontro] 92
[rosto para brincar] 94
[onde?] 95
[borboleta] 96
[tempo] 97
[stuma] 98
[sentido] 99
[devaneios] 100
[do amor] 101
[imprevisto] 102
[off-line] 104
[restos] 105
[virtualidade] 106
[fim] 107
[morte] 108
[delicadeza II] 109
[caminhos] 110
[o estranho] 111
[artesão] 112
[desilusão?] 113
[tocar] 114
[striptease] 115
[prazer] 116
[pathos] 117
[morte] 118
[encanto] 119
[ao acaso] 120
[feiticeira II] 121
[ação] 123
[amor próprio?] 124
[intimidade] 125
[presença] 126
[solidão] 127
[devir outro] 128
[humano] 129
[lembrança] 130
[pele] 131
[intempestivo] 132
[vinho] 133
[aconchego] 134
[um descanso...] 135
[gênero] 136
[ódio] 137
[flamboyant] 138
[suporte] 139
[o amante] 140
[sinais] 141
[dilacerado] 142
[fronteiras e conexões] 143
[inimigo] 144
[incondicional] 145
[intimidade II] 146
[no entanto...] 147
[dor] 148
[bem me quer] 149
[afinidades] 151
bibliografia 155
filmografia 160
blogues 161
[
5
]
[resumo]
É sobre o amor. Não uma história nem um
tratado. Tampouco uma filosofia. Ao mesmo
tempo um pouco disso tudo. E mais as resso-
nâncias e as reverberões. Colhidas aqui e
ali. Na música popular, na poesia, na ficção.
E na voz anônima das ruas. Nas conversas
jogadas fora das mesas de bar. Na vida.
Sem muita sistematização. Nem método. Pas-
tiche. Imitação amorosa. Com enxertos e
mestiçagens. Drummond com um pouco de
Deleuze. Spinoza com Baudrillard. Chico
Buarque com Kiarostami. Michel Foucault
com Fernando Pessoa. Arnaldo Antunes com
Félix Guattari. Mário Quintana com Renato
Russo. E tantos mais. Que o amor tem muitos
autores. E muitos cantores. E muitos cantares.
É uma educação. Sentimental, afetiva, da
sensação, da sensibilidade. Da alma. Do co-
ração, do rosto, do corpo, das forças de que é
composto. Do amor. Que é cego nos encon-
tros e cego nas despedidas. Da paixão que é
[
6
]
uma potência. Da sedução que é um jogo. Da
imaginação que alimenta a vida dos apaixo-
nados.
Transitam: a perda do rosto e a rostidade. A
velocidade e a lentidão. A solidão, o acolhi-
mento e o esquecimento. A delicadeza e o
cuidado. O disfarce e a ilusão. O encantamen-
to e a decepção. Os gestos e as sensões. A
desaprendizagem e o desamor. Do amor: o
que se quer, o que se investe, e o que se in-
venta.
Um pouco à deriva, o próprio tema cria sua
teoria. Não se discorre nem se discursa: se
escreve.
Palavras-chave: amor, rostidade, potência,
corpo, paixão.
[
7
]
[abstract]
It is about love. Not a history of it. Neither a
treatise on it. Not a philosophy of it. At the
same time, it has something of all this. And the
resonances and reverberations. Which were
picked up here and there. In pop music, in poe-
try, in fiction. In the anonymous voice of the
streets. In free conversations with friends
around coffee-house tables. In life.
Without much method or order. A pastiche. An
imitation: full of love. With some grafting and
mixing. Drummond with a dash of Deleuze.
Spinoza with Baudrillard. Chico Buarque with
Kiarostami. Michel Foucault with Fernando
Pessoa. Arnaldo Antunes with Félix Guattari.
Mário Quintana with Renato Russo. And many
others. Because love has a lot of composers.
And a lot of singers. And a lot of singing.
It is an education. A sentimental one, an affec-
tive one. An education of sensation, of sensibil-
ity. Of mind. Of the heart, of the face, of the
body, of all the forces which give form to love.
It is an education in love. Which is blind in first
encounters. And in parting too. It is an educa-
[
8
]
tion in potency. In seduction: which is a game.
In the imagination that nourishes the life of
lovers.
These are things which run through it: the loss
of face, and faciality. Speed and slowness. Lo-
neliness, comfort, and forgetfulness. Sensitive-
ness and care. Disguise and illusion. Fascina-
tion and disillusionment. The gestures and the
sensations. Unlearning and unloving. What we
want from love, what we invest in love, and
what we invent when we are in love: these are
all here.
A little at lost, the subject creates it own theory.
There is no argument here, no discourse. Only
writing.
Key-words: love, faciality, potency, body, pas-
sion.
[
9
]
[amorosidades]
O pai e a mãe.
As irs.
Os filhos.
Os amigos.
A orientadora.
Os da matilha.
Um amigo, único.
[
10
]
[
11
]
[arranque]
Escrever sobre o amor, seres amorosos que
somos, educados, e educados para o amor, é
uma tarefa de extrema dificuldade, caso o in-
tento seja o de explorar linearmente este amor,
sua origem, sua história. Nunca apreenderemos
o absoluto desse amor cheio de dobras. Se o
fizermos analiticamente, num descuido revi-
ram-se as próprias entranhas, penetradas por
ele, desde cedo, que somos. Amor como produ-
ção humana espalhado sobre a terra. Criação
que foge do humano e visita outros reinos. Fez
para si um rosto e um corpo: agora dança sozi-
nho nos limites estreitos da linguagem enquan-
to rosto, saltando, no entanto, para seu fora
enquanto desejo. Não segue uma linha reta que
possa ser percorrida sem que nos desoriente-
mos. Ao contrário, rastr-lo se faz por saltos e
malabarismos, pois ora é rosto, ora é corpo que
foge e nunca es onde o esperamos. Já quando
não se espera, surge de súbito e não se pensa
mais só, contaminados facilmente por ele. Por
isso, fragmentos. Fragmentos de olhar que adi-
cionam alguma coisa indefinida ao (con)texto
[
12
]
amoroso. Se isso for muito impreciso, pode-se
dizer: o seu próprio e povoado amor.
[
13
]
[a exterioridade do amor]
Do amor se quer o impossível: uma proximida-
de (e uma intimidade) que se traduza num dese-
jo de fusão tão grande que se tornem desneces-
sárias as palavras de amor e, ao mesmo tempo,
uma distância modesta que me diferencie do
outro e preserve o meueu, que impregne a
maior parte do que sou. Duas invenções a se-
rem investidas: o amor e o eu. Investimento
numa interioridade imaginária que não suporta
a realidade e vêm aos poucos se desmanchando.
O amor sofre com tudo o que lhe é exterior,
teme deixar de ser, sem perceber as forças com
as quais é composto. Será esse o sentido pro-
fundo do ditado o amor é cego? Melhor se
fosse dito: não é que o amor vai se tornar outra
coisa, tornar-se outra coisa é o que constitui o
amor no que ele é. É o exterior que cria e mo-
dela o eu (rosto) do amor. E o que seria este
exterior senão a própria linguagem narrativa
exterior, mítica”, onde se cruzam o amor e a
morte? Uma linguagem que o possibilita e o
prende: o amor tem um rosto!
[
14
]
Desenhar o rosto do amor mais do que escrevê-
lo. Apenas um desenho de rosto. Rosto espi-
chado sério comprido sereno arrogante alegre
ausente sisudo gordo suave triste morto descon-
fiado amoroso possível. Ao desenhar o rosto:
desenho quase caricatura. O amor não pode ser
desenhado senão em caricato, sob o risco de
uma seriedade absurda que lhe é dada, que o
congela e que lhe rouba o que tem de belo, de
alegria e de leveza. Afirmação: o amor não
pode ser levado a sério e é assim que o amor
fuga do rosto, quando salta fora do sentido ba-
nal das aparências e cria para si um sentido
exclusivo. Amor cuja essência é a incansável
tentativa de novas expressões.
[
15
]
[metáfora]
O amor é uma metáfora (pensar bastante, antes
de afirmar). Perguntou ao amigo que amava se
o amor era uma mefora. O amigo respondeu:
Não, o amor é como a eletricidade. Pra saber o
que é tem que mexer no interruptor. (Que é,
claro, outra metáfora)”.
[
16
]
[fotografia]
Creio que a idéia de enquadrar um objeto
numa imagem é tão importante quanto o con-
teúdo. Ao escolher e enquadrar alguma coi-
sa, s lhe damos a dimensão da importância
que prom do fato de a termos selecionado.
No momento em que se seleciona algo, lhe
conferimos um valor adicional que a distin-
gue de toda e qualquer coisa.
Esse valor adicional, que pode se dar pela foto-
grafia, desenho, que pode ser um texto, ou mui-
tas outras coisas, é, antes de tudo, um olhar.
Que, ao desenhar, aproveita a distração do ou-
tro (outro = o amor) e acrescenta-lhe linhas,
conexões, cortes, ou modifica (rabisca) traços
dos quais não gosta e que é puro capricho. Pos-
sibilidade de uma ética para o amor: ética da
variação do rosto, eternamente inconclusa,
sempre por se fazer, ética caprichosamente
aberta aos devires.
[
17
]
[a perda do rosto]
Como termina um amor? O quê termina? Em
suma ninguém exceto os outros nunca
sabe disso... Eu mesmo não posso construir
até o fim minha história de amor... O final
dessa história assim como minha morte per-
tence aos outros.
Ao final do amor, certa paixão às avessas: exa-
gerada sensibilidade ao que no outro (que está
prestes ao desamor) não me convém, desagra-
da, entristece. A perda do rosto (apaixonado) é
maior que a perda do outro: desmantelamento
de crenças e convivência com o vazio: contato
com o vazio porque todos são iguais: nas partes
vazias do vazio. O nada que come o corpo.
Sem rosto: sem olhar. Impossibilidade de ser
afetado: menor capacidade para alegrar-se.
Amor cego nos encontros e cego nas despedi-
das. Por amor ao rosto, o amor prolonga seu
tempo, cria outro (tempo) mais espichado.
Tempo extensivo: meses, anos, décadas. O a-
mor cria a conjugalidade, casa com ela, dorme
com ela, acorda com ela, comemora bodas e
convida amigos para festejar. Tenta, sincera-
mente, fazer festa e não compreende sua triste-
za. A fartura rodeia-o, nada lhe falta (parece).
[
18
]
O corpo desejante, no entanto, pede mais. O
corpo desejante do amor. Amor que não tem
somente rosto, que tem também um corpo que
lhe dá sinais do menos.
[
19
]
[fases]
Criou-se uma crença: a das fases do amor em
que acontecem as crises. Previsibilidade e pre-
dizibilidade. Em torno disto monta-se um ver-
dadeiro dispositivo que reage à crise naquilo
em que ela deixa brechas. Uma política do pre-
enchimento é posta em ão. Potica das emer-
gências do casamento (se for o caso). Traçada
minuciosamente. Comemora-se depois com
vinho. E este é o momento em que os deuses
gargalham, dançam e profanam o ritual dos-
tico e domesticado que não descansa de contro-
lar, alheio à sua própria incontrolabilidade.
[
20
]
[estar só]
O estar só nada mais é, muitas vezes, do que
um estado de preparão para o grande encon-
tro. Nesta preparão um enorme dicionário de
sinônimos descreve o futuro amor e prepara o
estado de ânimo da relação, ao mesmo tempo
em que marca os lugares de poder. A outra
metade da maçã aguarda o seu tempo em algum
lugar do mundo. À medida que esse tempo pas-
sa, isso começa a ser desacreditado. Inicialmen-
te, dúvida discreta; posteriormente, certeza
empírica. A gente se dá conta da irreversibili-
dade da solidão. Inevitável. A incansável busca
do preenchimento. Desejo da falta, distancia-
mento do corpo, do imediato: canso. E tudo o
que se quer é tranqüilidade para viver, só.
Ao desistir de encontrar o grande amor, a
outra metade”, a “alma gêmea”, ganha-se em
velocidade: rapidamente passa-se a outra posi-
ção, a de seres completos mesmo que vazados,
furados, imperfeitos. Completude não da per-
feão, não do bastar-se (quer dizer, um pouco,
sim), mas do namorar com a solidão, solidão
onde nada falta, onde tudo es como deve ser:
[
21
]
a melhor companhia que se poderia ter, essa
solidão povoada de mundo e por isso, aberta
aos encontros.
[
22
]
[acolhimento]
Abertura de si. Ao outro, ao amado, o qual pre-
cisa, naquele momento, da aceitação integral,
do distanciamento de qualquer juízo, sob o
risco de perecer. Melhor dizer: deslocamento
de si. Uma potica de distribuição põe-se em
movimento. Distribuão dos afetos bons. Inter-
rupção de sofrimento e possibilidade de exten-
são de um afeto nutrido pelo próprio corpo. O
outro, ao ser tocado por tal cuidado, experimen-
ta o corpo que lhe acolhe, espalha-se nele, pe-
netra e se desmancha: no abraço, no olhar, na
voz, no calor das mãos, ou nas palavras escri-
tas ou sussurradas. Nessa dissolução momentâ-
nea e simultânea das fronteiras entre os corpos,
muitas outras coisas passam e preenchem o
encontro. Nada que não for da hora poderá vin-
gar.
[
23
]
[esquecimento]
Subitamente uma notícia triste atingiu-a. Mes-
mo assim, passou o dia a trabalhar, a ter encon-
tros. Por vezes, parecia estar assistindo um fil-
me mudo, via bocas articulando e procurava
decifrá-las com os olhos. A suspensão ganhava
terreno. Engolia tudo. Dor nos pés. Pulava de
bom grado as partes iguais das frases. Esforço
necessário para se preservar da chatice, da taga-
relice. Sensação de estar muito viva. De repen-
te: tudo sem sentido. Começar sempre cansa.
Se for igual... Se pudesse ser. Não pode! E, no
entanto, retornar será sempre diferente. Frente
ao amado um relâmpago de memória atraves-
sou-lhe a alma. A notícia triste que espreitava
derramou-se e disse. A que lembrou pensou que
não tinha mais culpas. De entregar-se ao esque-
cimento. O outro lhe disse: impossível viver
sem esquecer. Quanto mais esquecimento
mais se vive. O corpo vira raio luminoso. Sem
memória. Banhado de presente. A memória
pende fora, acessível. Absoluta: para o aconte-
cimento.
[
24
]
O coração se acalma. Última culpa? O outro
mostra aí o seu amor. E passa a ser adorado
ainda mais.
[
25
]
[delicadeza]
Mesmo provocado a isso: repartir o amor, dis-
tribuí-lo por merecimentos e dedicações. Finge
não entendimento. Faz: distribui beijos, olhares,
sorrisos. Seduz. Disfarça. Esquece. Sabe que
es num jogo de vida e morte, mesmo que
muito cedo, e que não vai morrer de verdade
agora. Assim, cruza seus dias inventando, dis-
farçando e sempre querendo o que lhe parece
mais útil. Certa negligência com o aprendido
(nada educado que fica) faz com que se afaste
das polaridades. Cria sua própria distribuão
em ato.
[
26
]
[botões (cuidado)]
Ao querer preservar o outro e assim, o seu pró-
prio amor, X cuida para que ele não se afaste
muito daquilo que suportaria de diferente e
tenta mantê-lo, esteticamente, dentro dos pa-
drões suportáveis e um tanto distante das fron-
teiras do desamor.
Ao reparar-lhe o botão caído, oferece-lhe sua
coleção. Y, ao perceber isso, mantém duas po-
sições um pouco em suspensão: atento ao con-
vite, sem muito entusiasmo guarda para si a
curiosidade e imagina botões coloridos de vá-
rios formatos, apesar de achar que X não usaria
muitos botões coloridos. Diz que sim. E tam-
bém resiste um pouco (sem ênfase alguma),
para poder manter certo descuido e continuar a
ser o que é e, sendo assim, ao não se subjugar
ao total desejo de X, também cuidar do amor.
Desses cuidados em três tons de si, do outro,
da relação jamais se saberão os limites do
suficiente para cada um.
[
27
]
[desaprendizagem]
Lutar com unhas e dentes para que a verdade
seja um bem. Ambos, verdade e bem, sendo o
muro construído entre o eu e o outro. O que os
impede de fundirem-se. Ou: o que os funde na
fraqueza. Nas primeiras brigas pela posse da
verdade, mesmo quando um sai vitorioso, car-
rega consigo um inexplicável sentimento de
vazio. O vazio da verdade. O outro, racional-
mente combatido e emocionalmente abatido,
dobra-se humilhado, vencido por uma pseudo-
razão que brilha. A situação é a seguinte: se
alguém ganhou alguma coisa foi a idéia de ver-
dade que continua reinando. Dois perdedores se
consolam no que restou, quase nada. Perda de
sentido do amor. Início do fim.
[
28
]
[disfarce]
É impossível disfarçar uma atrão se ela é
recíproca, por mais inocente (inconsciente) que
seja (algumas não são). O corpo denuncia com
suas entonões de voz e suavidade de olhares
mesmo discreto. Já a mentira, esta se aprende.
A voz, inicialmente trêmula e gaguejante, tor-
na-se, com o treino, implacável e confiante. É
preciso acreditar nela e cobrir-se de imoralida-
de. Mas tem que ser por uma boa causa (pró-
pria). Quanto à atrão, o observador atento
participa como um intruso. Sente no próprio
corpo aquilo que, consciente ou inconsciente-
mente, é tentado levar à impossível discrão.
Goza de carona. Todos disfarçam.
[
29
]
[encantamento]
O enamorado, ao conseguir expressar aquilo
que o encanta, produz no ser amado, ou no
candidato ao amor, certa potência que irradia e
dura um tempo indeterminado, horas, anos,
décadas. Diz ele: me encanta o jeito como
olhas e te movimentas. Fala de uma exteriori-
dade, pois ainda não conhece interiormente o
outro. Assim lhe dá um presente que é ele
mesmo. Aquilo que ele não sabe de si. E a pai-
xão começa criando sulcos neste exterior. Ou
até mesmo: uma interioridade própria. Na pai-
xão, desde sua origem, a ocupação primeira
sempre será consigo.
[
30
]
[sinceridade]
Fazendo par com o respeito (e quase como si-
nônimo deste), a sinceridade é considerada a
pedra fundamental do procedimento amoroso.
Aquele que é sincero com o seu amor carrega
no peito o orgulho dessa qualidade. Alguns
sentem o seu peso, mas mesmo assim cumprem
o contrato. Até que um dia aprendem que não
ter o mesmo querer ou gosto, e declará-lo (uma
roupa, o cabelo, um simples comenrio), pode
ter conseências maiores. Do menor, o maior
é deduzido: por vezes, a sinceridade es muito
próxima da estupidez, o exercio cruel da ver-
dade de um sobre o outro. O modo como se
modula a verdade (do momento, é claro) não
pode ser visto como mentira. Mais próxima,
essa modulação, es da sedução, por deixar em
aberto uma passagem em que o outro intervirá
na resposta que o jogo amoroso necessita para
dar continuidade a si mesmo. Algo como uma
distribuão de poderes. É claro que não sem
algum resquício de crueldade, pois d já seria
mentira.
[
31
]
[detalhe]
Tanto o apaixonado quanto o sedutor (que nem
sempre coincidem) possuem uma visão micros-
cópica para os pequenos detalhes do outro: um
tom diferente, uma pequena desatenção mais do
que (uma) atenção. A pronúncia de uma pala-
vra, um pequeno sinal adquirido: Um con-
traste com qualquer outra coisa. Um murmúrio
atrás da orelha: Ai! doeu? ainda i? ...a voz
mais rouca... as lembranças acompanham até o
fim um latin lover... que hoje morre de tédio.
O apaixonado percebe esses detalhes por ser
todo olhos e ouvidos: o corpo todo voltado ao
seu amor. O sedutor aprendeu e apreendeu a
cnica da sedução e isto faz parte da sua estra-
gia de aproximação: a dança na qual um se
deixa prazerosamente e perigosamente levar
pelo outro. E o detalhe é a partícula mínima de
toda uma quina posta em ão.
[
32
]
[iluo]
Alimento drio (e noturno) dos apaixonados.
Possui uma forte rede de comunicação que i-
ninterruptamente (se isso for possível) lhes dá o
mapa de como prosseguir no seu trajeto rumo à
felicidade.
Felicidade por si só muito duvidosa: nada indi-
ca aquele sentimento de paz e tranqüilidade que
a imaginão produz (ou reproduz) quando se
pensa em ser feliz. Ao contrário, sobressaltos,
pressentimentos, ciúmes, quase uma escravi-
dão, ou mais.
Ao mesmo tempo, arrebatamento. Um conten-
tamento descontente” e o corpo torna-se mais
vivo do que antes: isso não é imaginação. Por
isso são coisas distintas o apaixonamento e o
amor. E o primeiro não leva ao segundo, como,
muitas vezes, se crê.
Ao apaixonado interessam mais os derios que
esse jogo da paixão lhe dá do que propriamente
a conservão do amor. Aliás, a ilusão não se
conserva, consome-se (e junto, o apaixonado).
[
33
]
[arrebatamento]
O sedutor aproxima-se (apodera-se) da moci-
nha estrategicamente, seguindo os signos da
sua intuição de sedutor. Que faz isso para exis-
tir, para não ser tomado pela força maior femi-
nina. Para ser diferente, esforça-se. Tanto, que
a subjuga na inocência que tem da força de
sedução que é dela. Ela, não resiste, deixa-se
levar. Se dá e nada guarda para si. Nessa estra-
nha economia, na qual o que se tem se dá exa-
tamente por nada conservar.
[
34
]
[gesto]
Quem ama acompanha com ternura os gestos
do amado. Decora a seência de movimentos
e deleita-se em observá-los em silêncio. Qual-
quer interrupção, nesse momento, quebra o
ritual silencioso e quase incompreensível de
que é feito a maior parte disso que se ousa
chamar amor.
No amor, alguns signos assumem a maior rele-
vância: os escolhidos pelo par amoroso. Qual-
quer mudança pode causar estranhamento. A
flexibilidade ao estranho dá a esse amor o
quantum de mundo que ele necessita para vi-
ver: é o corpo do amor intensivo. Se o esforço
tem força dupla de afastamento do estranho,
vive-se um amor morto, infeliz, normatizado: o
rosto sério e carrancudo do amor.
Composto geralmente por vários desses movi-
mentos, o amor tem uma estragia de procura
do estranho: o olhar.
Os olhos são o espelho da alma.
Ao procurar os olhos do amado, o apaixonado
quer mesmo é ver a alma do outro e assim saber
[
35
]
o quanto de si continua (espelho). Qualquer
desvio no olhar, piscada mais rápida de olhos,
ou mesmo certa fixidez ocular causam certo
alerta. Algo acontece e é ainda pelo olhar, antes
que pelas palavras, que se dá a tentativa de
descobri-lo.
[
36
]
[decepção]
Sentir que o amado, num momento de extrema
lucidez, percebe aquilo que aos dois desgosta
não ter em um. Ilusão a menos. Decepção si-
multânea. Necessária. Mais realidade (não rea-
lidade a mais). E um ganho de reciprocidade.
Alma exposta e vulnerável que recebe acolhi-
mento. Território desconhecido. Desmancha-
mento por dentro. Uma outra coisa se cria, algo
se alarga. Encantamento às avessas.
[
37
]
[auncia]
Por muito tempo achei que a ausência é falta
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus
braços
Que rio e danço e invento exclamações ale-
gres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
A suavidade da ausência assimilada (morte,
viagem, separação) quase impossível ao apai-
xonado sem que ele também morra, ou separe-
se de si: assimilação por separão. Suavidade
da morte. Aquilo que, sendo do outro, torna-se
meu e acompanha a minha eternidade por todos
os segundos da minha vida, ali, quieto, forte,
presente. Meu. A antropofagia do amor.
Sdas que o amor inventa para não morrer,
apesar da morte. O amor carrega em si a sua
eternidade e o seu fim. Amor que é amor à pró-
pria vida. Nem mais nem menos. Amor que
come a vida e aprende a amar com ela.
[
38
]
[último fim]
Um dia, acontece. Ao olhar o outro, se é toma-
do de um excesso de realidade absurda, inco-
mum, e que bem poderia ser chamada lucidez.
Uma seência de olhares, uma inclinação de
cabeça (acomodão visual), pequenos sinais
(os de sempre) desenrolam-se passo a passo.
Absolutamente nada mudou. O outro segue o
seu ritual: sozinho, desavisado. Hora de ir em-
bora. E não olhar para trás. Pode-se crer que o
amor termina quando alguma coisa muda num
ou noutro. Curiosa experiência de vê-lo fulmi-
nado com um raio do mesmo.
[
39
]
[exigência]
A exigência de ser amado, a imponcia de ser
seduzido.
As disparidades no encontro amoroso nos le-
vam a pensar: a capacidade de amar e a de ser
amado (que, apesar da gramática, nada tem de
passivo) dá-se pela capacidade maior ou menor
de afeões possíveis a um corpo. E o que dizer
da capacidade (maior ou) menor de seduzir e
ser seduzido? Trata-se de resistência ou de im-
potência a ser seduzido? E ainda: o que faz
alguém querer conservar um poder contra um
não-poder (tudo o que a sedução é) senão a
própria sedução que o poder traz em si? Deixar-
se seduzir, eno, não é somente abrir mão de
poderes e preferir o jogo, aberto, reversível,
inseguro, se o próprio poder tem a sua sedução.
Possivelmente uma menor capacidade à sedu-
ção tenha relação com a maior gulodice do tudo
querer. Novamente o excesso pervertendo os
encontros. Ainda a busca do espelho, a necessi-
dade de garanti-lo, a persistência do eu (=
exigência de ser amado). Arrisca-se dizer: im-
potência ativa.
[
40
]
Pode-se falar ainda da velha chantagem do “tu
te tornas eternamente responsável”. E assim
decide-se nunca mais cativar ninguém: a boa
resistência, também ativa.
[
41
]
[espera]
A agonia da espera do outro que não chega nas
longas horas da madrugada: dá-se menos pela
ausência e mais pela colocação do eu, não no
presente imediato, mas num futuro que es por
vir: a chegada. Mesmo tentando ocupar-se e
pensar noutras coisas, a pré-ocupão domina,
imagina, fantasia, cria cenas, diálogos, soliló-
quios... Pensamento inquieto. Certo dia cai-lhe
nas mãos um livro: Não apresse o rio, ele corre
sozinho. Dizia o óbvio: só se vive no presente.
O amor ao livro, que trouxe a realidade, o pre-
sente necessário ao viver, cura a agonia do a-
mor ao outro que começa a ser desamado, sen-
sivelmente.
[
42
]
[fragilidade]
Mostrar-se frágil ao outro pode ser uma estra-
gia duplamente falida: quando é uma estraté-
gia de busca de cuidados ou atenção (“estou
carente) afasta a quem não tem vocão para a
maternidade. E também: ao perceber o distan-
ciamento do outro o apaixonado sente-se mal
amado e percebe primeiramente não a si, mas
ao outro, e afunda-se ainda mais naquilo que
não tem e quer que o outro supra, preencha
completamente e sem interrupção.
[
43
]
[perdas]
Afastar-se de um amor por querer não parece
coisa do apaixonado. Ainda mais quando há
correspondência. Exceto se há um querer mai-
or, pura necessidade, força maior que, despre-
zada, pode ser fatal. Afastar-se de um amor é
afirmar o próprio amor como sendo completo,
suplementar. Nada lhe falta, nem a presença.
Aceitar o risco, muito possível, de que acabe, é
a sua saúde, a beleza e a possibilidade do amor:
antecipadamente aceitar a sua morte e arriscar
que ela não aconteça.
[
44
]
[maternidade]
Por vezes esse excessivo silêncio que engole
tudo que parece o fim nem se sabe de quê: sen-
timento de desamor, solidão? Na curva do ven-
to surge uma imagem: sou grande e pequeno.
Grande no que quero dar. Pequeno por não ter a
quem. Aquilo que extrapola o eu inquieta e é
confundido com falta de alguma coisa, e que
pode ser apenas a plenitude de existir, ou o
sentimento de amor, sozinho. O corpo tem em
si tudo de que precisa, mas não é o que se sen-
te, já que esse corpo não se faz sozinho. Buscar
o rosto (materno) é querer descanso (tudo o que
não vai se ter). O rosto embala a e embala.
Invenção do amor materno: não há inferno mais
doce.
[
45
]
[sensações]
Cada hora [...] se cobria de um luxo de sensa-
ções.
A desnecessariedade da presença do amado:
apesar da ausência, pela simples lembrança, o
corpo se deleita num luxo de sensões, que
bem pode transbordar em sensualidades e dar a
certeza ao apaixonado da absoluta centralidade
(e, por isso, imporncia) que esse amor tem na
sua vida: pelas afecções a que seu corpo está
exposto, independentemente da sua vontade,
mesmo que seu desejo seja coincidente com
ela.
[
46
]
[necessidade]
A necessidade de corpo que o amor tem é se-
melhante à necessidade que o apaixonado tem
do outro: ambos querem mais do que nunca
preservar sua exisncia (manter-se apaixona-
do), mesmo que ao custo de se consumir. Para-
doxo que mantém a tensão necessária e cria
essa dobra, lugar que não é dor, gozo, paz, que
não é nada, além do pulso, do silêncio, da intui-
ção.
É preciso amar as pessoas como se
Não houvesse amanhã
Porque se vo parar para pensar
Na verdade não .
Desespero: sensibilidade de quem ama e que,
em par com a anstia e a solidão, grita aos
quatro cantos que não quer um sentido só para
si. Guardar no mais íntimo da alma a vontade
quase inumana de querer a experiência do amor
para toda a humanidade. Mesmo sabendo-o
inventado. Partilhar um mesmo sentido, num
mesmo momento: encontro amoroso.
[
47
]
[...]
Amou daquela vez como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único.
Realidade: fazer o que deve ser feito. Não no
sentido da obrigão, mas da necessidade. Po-
de-se imaginar um amor puro, não humano? E
que já não se chamasse mais amor, mas reali-
dade?
[
48
]
[condescendência]
E dizia-se que aquilo era amor, quando era a
maior negação do outro que se podia: Dog Vil-
le. Diminuir-se, na relação, aceitar de bom gra-
do dar a outra face. Na tentativa de fugir da
violência, a criação de uma violência de outro
tipo, só que disfarçada de amor: a condescen-
dência. Que o outro suporte o peso do meu
corpo dado (na cruz). Ofereço minhas chagas,
sou o cordeiro imolado. Creio na redenção e
fabrico uma sensão de paz muito próxima da
arrogância, uma calmaria dos crentes (ou dos
que têm uma causa) que se sabem amados por
uma criatura muito superior (naquele momento
eles são superiores pelo amor que julgam rece-
ber, pela atenção especial destinada a eles em
decorrência das orões). Ao deitar o rosto no
travesseiro, uma satisfação e até mesmo um
pequeno sorriso.
[
49
]
[invenção]
Se o amor é inventado, o inventamos mesmo
sem saber? Como saber o que separa esses a-
mores relâmpagos disso que, também inventa-
do, se chama caridade (sinônimo de humanida-
de), condescendência? O peso do não recebido,
do “a mais que quero dar e por isso já não é
meu. Acomodar o amor excedente em si: um
corpo não suporta, se for o caso, a própria cari-
dade.
[
50
]
[desencontros?]
Perdi o ônibus. Mais uma vez. Não me contento
com esse tempo: dos desencontros. Entro no
primeiro que passa. Só para não ter a sensão
de estar esperando. Desço no centro da cidade.
Preciso pegar outro ônibus. Começa a chover
novamente. Muitas pessoas embaixo da mar-
quise. Ônibus chegam e saem. Nenhuma novi-
dade. Agora tenho um tempo sobrando. Antes,
faltou. Presto atenção em uma família que des-
ce. A mãe, o pai e umas quatro crianças. Um
menino carrega sacolas e um balão verde. Outra
ir bem pequena é levada pela o da e
que também carrega sacolas. Uma adolescente
carrega uma menininha. Isto não é raro. Fico
olhando-os a perder de vista. O menino por
último. Logo que somem ainda os sinto. Ainda
não havia mudado o foco do olhar quando um
balão verde voa em minha direção trazido pelo
vento. Reconheço-o logo. Pego-o com força. É
estranho pegar um balão com força. Ando rápi-
do e sem pensar até o menino. Quase esbarran-
do em algumas pessoas para poder alcançá-lo
antes que sumisse para sempre. Assim que o
alcanço, ele olha com quase desprezo para o
[
51
]
balão e a mim lança um olhar agudo e diz que o
tinha soltado. Fiquei ali boba com o balão na
o. Lembro agora de Kiarostami com o san-
duíche. Não conseguiria largar o balão assim,
de qualquer jeito. Quase corri por ele também.
Não só pelo menino. Pelo balão verde. Achei
que um balão verde valia uma corrida. O meni-
no não. Acho.
Quando voltei um velhinho que vira tudo me
disse: “Ele tinha que largar alguma coisa”.
De algum modo aquilo ficou ainda agindo no
meu corpo. Fiquei pensando. Depois fui enten-
der: dentro do ônibus, velocidade zero (todos
em relão a cada um e vice-versa). Indiferen-
ciado. Usuário. Simples. Tempo para brincar de
sentir a leveza do balão. Sua pele suave. Seu
perigo de estourar. Tentação!!! BUM! Todos se
deitam no chão temendo bala perdida. A trans-
parência. A lisura. Verde mar. A deformação
dos rostos via transparência do balão. O des-
canso. A meninice. No devir-criança do meni-
no, juntos o peso da sacola e a leveza do balão.
[
52
]
Ao descer, nada daquilo fazia mais sentido.
Suavidade não existia. Tinha que ser inventada.
Mesmo que, no ônibus, com o balão. Não podia
soltar as sacolas com as coisas importantes para
a família dentro.
Queria apenas saber que fragmentos de leveza
ou de verde ele carregou consigo. Já que, de
repente, aquele balão sem um menino, pesava
em minha o.
[
53
]
[vício]
O vício, no sentido corporal (biológico?) do
termo, a que o corpo do sujeito apaixonado está
exposto. Vício de carinhos e atenções que o
fazem buscar exatamente aquilo que o escravi-
za: as alegrias que o outro lhe proporciona e
quer repetir infinitamente, o corpo.
[
54
]
[“segredinho sujo]
Nunca se sabe o que fazer com o amor. Ao
misturar amor e sexualidade (e quem disse que
são separados?) e não acreditando na hipótese
repressiva (onde o falar sobre faz parte do
discurso e não se caracteriza como repressão,
ao contrário), ocorre: tentativa vã de combate
ao segredinho sujo: conscientemente fazer des-
lizar o amor no fluxo corriqueiro das línguas e,
ao fazer isto, produzir exatamente aquilo que
afasta o amor de sua liberdade.
[
55
]
[cartas]
Ao escrever uma carta para seu amor, o apai-
xonado, se esta carta não for enviada imediata-
mente, provavelmente desistirá do intento. Mo-
tivo: o sentimento amoroso é recoberto de uma
atualidade que permanentemente lhe acrescenta
algo. O que foi escrito aparecerá como menos e
não será digno de ser enviado. O apaixonado
luta constantemente com a linguagem, onde
não cabe o seu amor. Ao mesmo tempo, delici-
a-se em reler as cartas recebidas e parece-lhe
que ali está: tudo.
[
56
]
[a escrileitura do apaixonado]
O impulso à experimentão de escritura exige
do leitor apaixonado a sua própria morte en-
quanto leitor e enquanto apaixonado. Ime-se
assumir o fracasso antecipado do uso da lin-
guagem para a expressão do amor, sem qual-
quer certeza de poder ultrapassar suas fronteiras
e também sem a certeza de deslocar-se do lugar
de sujeito do apaixonado.
[
57
]
[mensagens]
Mais possível que o apaixonado deste início de
século 21 afogue o seu amor em e-mails e tor-
pedos: tentativa de completar aquilo que nunca
poderá ser dito.
[
58
]
[romantismo]
Utilizado mais recentemente também para ven-
der produtos, investe precocemente suas estra-
gias ensinando os meninos desde cedo a ofe-
recerem flores para suas mães e professoras.
Com isso, o gesto delicado e prazeroso é rou-
bado (mas não completamente) no seu único
sentido possível: delicadezas de amor.
[
59
]
[religião]
Amai ao próximo como a ti mesmo: difícil
uma prescrição desse tipo dar certo. Saber ao
certo onde começa o amor próprio e como dis-
tribuí-lo ao outro é algo que permanece numa
região indiscernível e a que não se tem acesso.
A caridade surge dessa prescrição, como uma
farsa produzindo efeito contrário, escondido
em si: amo e sou caridoso para ser amado por
deus. O crente continua sendo um apaixonado.
[
60
]
[o encontro amoroso]
Não cabe em nenhuma categoria que se preten-
da colocá-lo e come-se com tudo o que está à
sua volta: aquela temperatura, aquele clima, o
sol ou a chuva, os ruídos ou o silêncio. Aliás,
esse encontro produz para si um silêncio pró-
prio que coloca em suspensão tudo o que não é
da ordem do acontecimento. Está mais para o
evento do que somente algo entre dois seres,
não necessariamente humanos.
[
61
]
[acontecimento]
Sou um homem. Tenho um amigo. Outro ho-
mem. Mas isso não importa. Que seja um ho-
mem. Levei-o para voar. Gosto de voar com
alguém. E tenho o prazer indescritível de ver
alguém maravilhado. Vou contar como é.
Aviso que é perigoso. Antes de mais nada. Ex-
perimenta-se certo medo de cair, quase uma
vertigem. Constante, suave, mas que não atra-
palha a beleza da viagem. É uma viagem, mas
não se vai a algum lugar. Ora tem algum vento
mais forte, ora um prédio mais alto de que se
precisa desviar. Mas pode-se ir muito longe.
Por campos abertos ou vegetação cerrada e
tanto para cima como para os lados.
Somente para baixo existe o terrível perigo.
Este perigo, devo dizer que é somente meu.
Não sei se é de mais alguém e depois eu conto.
Falava da viagem. Vou contar esta. Todas são
diferentes, apesar da permanência daquela ver-
tigem. Acho que a vertigem é o único ponto em
comum a cada vôo.
[
62
]
Fica-se muito leve. O olhar fica solto. O corpo
segue a direção do olhar. Pode-se brincar de
ficar dando voltas em parafuso para um lado e
depois para o outro. Mas não se deve deixar
que as brincadeiras atrapalhem a beleza do que
se vê. Bobagem isso. Elas fazem parte da bele-
za do que se sente. Aliás, brincar de subir e
descer, guardados alguns limites, é o maior
prazer. Não o maior, pois o que se vê é indes-
critível. Agora minto, pois o que fo aqui é
tentar descrever. Não sei se conseguirei. Vejo
essa tarefa um tanto impossível. Mas continua-
rei.
A experiência de não ter limites, exceto para
baixo. De fazer variações nos deslocamentos
impensados. Lembro agora que numa de mi-
nhas viagens tive um medo muito forte. O de
subir demasiadamente para cima, ao infinito.
Estive próximo de me tornar outra coisa. Fiquei
no limite. Eram forças opostas e fortes. Outro
mundo, estranho, não humano e fascinante.
Agora acrescentei mais um, pois havia dito que
era somente para baixo o perigo. Não é.
[
63
]
Não posso, agora, falar mais sobre isto. Somen-
te quero dizer o que realmente me encanta.
Enquanto se es lá em cima. Sente-se poder
tudo. E em cima se pode tudo. É o ximo
da potência. Mas não é o mundo dos homens. É
o mundo.
Não digo com isso que não há beleza no mundo
dos homens. Digo que quando se desce, demora
um pouco para voltar um senso de coletividade
que se tem. Fica-se num limiar, incerto, perigo-
so. Desaprendem-se os símbolos. Segue-se
apenas com a intuição. Ela pode nos salvar,
com sorte. E pode-se também, enlouquecer,
pois o que se pode é arrancado de nós por essa
mesma coletividade acostumada em demasia
com as regras da terra. Nem por maldade até.
Foi assim que meu amigo morreu. Ao descer,
quis me provar que podia atravessar a rua. O
que nunca consigo. À medida que me aproximo
do chão perco as forças, ou melhor, forças mai-
ores me puxam para baixo e quase desfalo.
[
64
]
Encontro beleza e força somente em algum
lugar que não é na terra e também não é no seu
infinito oposto. É entre.
Quanto ao meu amigo eu o avisei. Ele ainda
estava confuso e sem a orientão da terra.
Cruzou uma rua de grande movimento. Voltou
sorrindo. Fizera aquilo por mim. Estava morto.
Choramos juntos a sua morte.
Mas vou contar como terminou nossa viagem.
Vimos um sol poente grande e vermelho. Nos-
sos corpos ficaram mornos e era uma felicidade
incontida. Não tinha vento. Não tinha nuvem.
Só tinha sol. E ele foi indo embora aos pouqui-
nhos e isto era a eternidade. Indo para o lado
oposto encontramos uma lua quase igual.
Grande e vermelha. Sem calor e bela.
[
65
]
[desejo]
o desejo inquieto, que o passa,
Faz o encanto da coisa desejada
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada.
Veloz e a galope sobre o desejo, por vezes o
amor vê-se só, desprovido de corpo. Não se
confundem os dois (amor e desejo). Há um
desejo próprio que é só do amor: sua secreta
vontade de continuar existindo. O desejo, por
sua vez, não lhe pede licenças para chegar,
tampouco se despede ao ir embora. O amor fica
por si vagando e vazio, indefinido: d aquela
vagueza de sentimentos que nos pega de repen-
te e coloca uma dúvida persistente à qual se
tenta não dar valor (como poderia haver vazios
no amor?). Depois se vê (quando e se ele
volta) que era somente uma rápida retirada do
desejo, este sim, indovel, imoral, inquieto.
[
66
]
[irmãs]
São todas aquelas que poderíamos ter sido e
talvez isso explique esse amor tão terno, quan-
do há, ou esse ódio de não exclusividade, que
insiste. O poderíamos ter sido é apenas uma
brincadeira boba: não poderíamos ter sido nada
diferente do que somos. Melhor, somos do jeito
que deveríamos ser. Ainda: não existe deverí-
amos, ou deveria” (futuro do pretérito: onde
fica isso?). Ter irmãs é compor uma irmandade,
sem referência a qualquer sentido religioso. A
energia do feminino que circula nessa irmanda-
de que inclui a mãe, mas não a coloca num
lugar central, é avessa (vai a contrapelo) às
organizões formais familiares, onde o falo
(nos dois sentidos) é a força dominante. A divi-
são do humor sessão de divisão do humor
era o que acontecia sem ter sido combinado
nada, nunca. Um absoluto se formava ali e de-
pois se desmanchava, até...
Curioso era o chamamento: preta” que se dis-
tribuía em três tonalidades diferentes e cada
uma sabia não sem confusão, por alguma
distração, quando era a sua vez.
[
67
]
[etiqueta]
Aprende-se a amar como se aprende bons mo-
dos à mesa: vo deve..., “à esquerda...,
quando um homem..., o copo ao lado do...,
no segundo encontro..., e os talheres...,
falar do amor antigo..., servir-se pouco...,
não falar muito..., “ao repetir..., de uma
mulher.... Assim poderá dar casamento (o fim
do banquete). Impressionante o esforço que se
faz para ser infeliz.
[
68
]
[cme]
Considerado popularmente o tempero do amor
é, exatamente por essa rao, bem aceito, che-
gando mesmo a dar certo orgulho no objeto
amado, fazendo-o com isso sentir-se querido e
desejado. O que, obviamente, lhes dá também
certo direito (um sobre o outro) que em muito
facilita (se estende) o respeito à propriedade, à
pátria, à conservão, que se fun-
dem/confundem . Será essa a função social do
amor?
[
69
]
[intuição]
O apaixonado tem muitas intuões, ao menos
acredita -las. Logo que algo sai daquilo que é
esperado, já se vê com presságios ou pressen-
timentos (coisas da sua fértil imaginação). Ora,
um apaixonado, justamente por seu estado de
apaixonado, deixando afetar-se terrivelmente
por tudo que es à sua volta, e mais ainda por
sua imaginação, distancia-se dessa intuição que
é a habilidade do corpo, juntamente com a
mente (livre das imaginações que a ocupam),
de saber o que realmente lhe faz bem.
E ele e os outros me vêem.
Quem escolheu este rosto para mim?
[
70
]
[rubor]
Antigamente os apaixonados ficavam ruboriza-
dos na presença do amado. Hoje em dia, parece
que o rubor caiu em desuso. Não se espera mais
uma castidade ou mesmo certa pureza que era
imprescindível ao outro (principalmente às
mulheres) e que o fato de ruborizar deixava
quase evidente. O que se espera agora?
[
71
]
[triângulo]
Parece que o triângulo foi a figura escolhida
para encerrar e delimitar os processos afetivos,
sejam eles sexuais ou amorosos. Edipianamen-
te, desde cedo, a castração: do mundo. Amoro-
samente (sem oposão à amorosidade do édi-
po), as relações em corredor (eu x tu) esforçam-
se para manterem-se assim e o triângulo é o
perigo iminente (o seu fora) e tudo o que se cria
é apenas uma aresta. Como o amor não se con-
tenta, cria-se outra figura: o quadrilátero. E só
para começar.
[
72
]
[susto]
Fica triste, o pequeno, ao descobrir que o cora-
ção, este que cresceu sentindo bater, não tem a
forma [ ] que já amava. Suas mais queridas
expressões (desenhos, cartas, bilhetinhos, pre-
sentes) não mais correspondem a seus senti-
mentos. Roubaram-lhe a forma. Ficou solto.
Não diz, porém, mais do que triste, fica é assus-
tado ao pensar sobre todas as outras coisas que
ainda não sabe. E uma leve sensação de ter sido
enganado.
Grande oportunidade para calar. Para não mais
dizer. Para preferir não.
Depois a gente cresce e não se assusta mais. Ao
contrário, ajuda-se a criar formas padrões para
as mais singelas e singulares expressões. Popu-
lariza. Serializa. Comercializa. O importante é
a produção. Que bobagem isso da forma de
expressão ter um conteúdo próprio. A forma
expressa o conteúdo e pronto. E ponto. A prova
disso é o sucesso que o [ ] ainda faz e o esque-
cimento de nossos sustos. Não? (!!!)
[
73
]
[hu(a)mor]
Num destes dias estrelados tinha uma lua bem
pequena. Algo como um sorriso de gato de
Alice. Ao contrário. Só um fiozinho amarelo.
Minguante, acho (ou era crescente?). Mostrei-a,
da janela, ao menino de três anos e lhe disse:
Olha, a lua está triste.
Fui trabalhar no computador e ele ficou apreci-
ando-a. Passados alguns minutos e já estando
absorvida no trabalho, o menino insistia vee-
mentemente para que eu fosse olhar a lua no-
vamente dizendo que ela estava feliz.
Sabendo da impossibilidade de uma mudança
instantânea no humor da lua, eu relutava em
levantar da cadeira, mas isso quase nunca é
possível em se tratando desse menino. Não me
deu paz até que levantasse.
Olhei e a lua estava do mesmo jeito. Então ele
mostrou dizendo: Faz assim”. Virou-se de
costas para a lua e levantou a cabeça para cima
curvando-a para trás até enxergá-la: feliz. Inici-
almente, um tanto desconfiada e sem acreditar
muito, experimentei. Tive a maior surpresa:
[
74
]
rimos bastante da mudança súbita de humor da
lua.
[
75
]
[retrato]
Quase um camarim. Espelhos. Batons. Pincéis.
pis (o preto não pode faltar). Um pouco de
purpurina. Artifício. Uma olhada no perfil di-
reito. Outra no perfil esquerdo (o preferido).
Um personagem. Ser muitos. No entanto, um
rosto por vez. Máscara necessária. Cuida o cor-
po. Os detalhes. A vestimenta. O que pede este
personagem? Recato? Sedução? Sobriedade?
Não. Sobriedade não. Luz. Brilho. Ação: pronta
para o amor. Aos poucos vai se esquecendo...
tudo o que se pode ser. Isso, quando não es no
camarim. Um quadro. A cada toque. Retoque.
Delícia. Ir se inventando. Visto no espelho.
Plano. De superfície. É preciso fazer sempre e
em toda a parte a aposta da simulação. Assu-
mir a sedução como desafio inesgotável e todos
os riscos da reversibilidade, do excesso de rea-
lidade e mesmo o seu ressecamento.
[
76
]
[charme]
Talvez seja a parte mais sutil da sedução, o
charme. Aquilo pelo qual a sedução ganha cor-
po, se materializa. Pelo qual pode ser vista,
admirada, idealizada. Por isso mesmo nunca há
concordância: quem ama vê coisas no seu amor
que ninguém vê, e fica-se sem saber se isso é
coisa inventada pelo olhar amoroso ou se é algo
próprio daquele que é amado. Para saber isso
seria preciso uma convenção de olhares. Ge-
ralmente não se vai mais longe: tudo o que o
apaixonado não quer são outros olhares para o
seu amor.
[
77
]
[alguém]
O teu charme fica mais na tua sinceridade do
que na tua simulação. Por mais que a tua simu-
lação seja (muito) boa. Aquilo a que admiro
fará com que me afaste se for lhe dada mais
realidade do que tem (para Baudrillard, também
o sexo). Sei que isso se confunde toda hora,
nada mais sincero que a simulação. Então, digo
que prefiro, em ti, a simulação que tem menos
realidade, sinceramente.
[
78
]
[repetição]
A repetão do amor sempre de forma diferente,
que é o charme do amor. Desejo inquieto que
não passa”, também é sua dor, sua certeza de
não repetão. A não repetão tem uma dor: a
dor da não repetição. É uma tristeza que isso
seja assim. É uma tristeza que isso seja assim.
É uma tristeza. O bom é que: é também a sua
saúde, a sua beleza, a sua alegria.
[
79
]
[declaração]
A declarão de amor, hábito linístico (reple-
to de palavras doces e muitas palavras estra-
nhas, inventadas), acaba sendo hábito do desen-
rolar do amor na sua cotidianidade. Por vezes é
transbordamento silencioso, mas o apaixonado
suporta pouco esse tempo espichado sem senti-
do (cola o sentido nas palavras e não desgruda
e nem descrê). Quer ouvir aquele tom sussurra-
do e não abre mão disso. Esperto.
[
80
]
[desamor]
O desamor nunca é compreendido. Não parece
natural; o amor, sim. Parece que tem alguma
coisa errada com quem não ama (e como saber
que não ama?). Não é assim? Por que essa ne-
cessidade de ilusão que se tem, essa languidez,
essa falta de forças, esse deixar-se arrastar.
Certamente que o desamor tem seu lugar no
sistema amoroso.
[
81
]
[persistência]
(Teve uma pequena experiência da não univer-
salidade do amor, lampejo instantâneo). Resis-
te: comprarei um gatinho.
[
82
]
[masoquismo]
O prazer de estar submetido, de não controlar.
A liberdade de se tornar escravo. O indomável
do corpo forja sua expressão no deixar-se do-
mar. Humilhões, chicotadas, dor e sofrimen-
tos impensáveis. Corpo surrado, organismo
desmanchado.
Mas o que é isto? Que passa? Talvez o deseja-
do seja menos a dor e mais algo próximo ao
milagre de deixar de ser o que se é. Por um
movimento singular entregar-se à, por vezes,
perigosa, excêntrica, criadora, experiência de
um novo corpo, que, mesmo com aparência
frágil, acorrentado, pisado, machucado, traz em
si a coragem insubmissa de chegar perto daqui-
lo que a maioria tenta em vão desviar: a dor e a
morte. O trágico.
[
83
]
[fabulões iansânicas]
Dionísio e Iansã. Conheceram-se na floresta.
Em tempos imemoriais. Festa. Encontro. Cele-
brão da vida.
ELE: Dionísio, o dilacerado, por três vezes
renascido. Deus do vinho. Da ilusão. Da loucu-
ra. Do amor.
ELA: Iansã, deusa dos ventos. Das tempesta-
des. Dos redemoinhos. Que devasta territórios
bem compostos.
Desta vez a noiva não é Ariadne, é Iansã que,
por vezes, também se deixa capturar para esca-
par logo em seguida. Foge de um papel de mu-
lher, qualquer que seja. Traça outros devires. E
alimenta o devir-mulher. Nutrição. É o próprio
devir. Entre o papel e o metal, antes o metal
que é da guerra.
Os noivos (talvez nunca aconta um casamen-
to, talvez algo nunca seja consumado) têm mais
de um nome. A mesmo outros noivos, mas
não se falará deles aqui. Mais de um corpo. E
são deuses demasiadamente humanos na vonta-
de de dançar e se embriagar.
[
84
]
Atendem comumente pelos nomes de Iansã e
Dionísio. Vivem num outro tempo, mas neste
mundo. Não precisam de nossa permissão, mas
são felizes quando se lhes dá passagem. Este é
o seu alimento. Brindam-nos com gotas de e-
ternidade porque são deuses. Não têm medidas,
apenas forças. E, o mais importante: fogem o
tempo todo.
[
85
]
[seus filhos]
Todos os que se expõem à violência da vida e
mesmo assim não preferem morrer. Os que não
esperam de tudo a boa resolução e mesmo em
silêncio e dor sentem o calor do sol e seu corpo
por isso es alegre. Aceitam o seu ocaso. Der-
ramam-se. Perdem-se. Não medem. Sabem
estar sós. Fogem do familiar. Abrem-se aos
encontros. Acolhem o estranho. Misturam-se.
Dobram-se. Criam seus trajetos. Sujeitos a des-
vios, atalhos, encruzilhadas, mas nunca o cami-
nho reto que leve à verdade e à luz. Obscurida-
des são próprias dos corpos.
Esquecem-se. Com facilidade. Caso haja algu-
ma dúvida, resta saber se gostam de dançar.
[
86
]
[procurem seus rostos]
Um slogan. Procurar o rosto e desfazê-lo, para
Deleuze e Guattari, também é fazer potica. E
pode-se pensar que não existem dois jeitos i-
guais de desfazer um rosto. Então, desfazê-lo
no caso do amor, pode ser roer por dentro isso
que o prende: formatos e fórmulas, receitas,
triângulos, édipos, expectativas, propagandas,
símbolos, hierarquias e moralidades. Ao abri-lo
aos devires intensos, conexão do corpo do amor
com o desejo: traçado fino, esquivo, que com-
e com as forças desconhecidas com que se
desmancham os rostos. Estarão presentes dois
personagens: Iansã e Dionísio, os quais incitam
os corpos a dançar. Incitam à relação. Música e
movimento. Devires sonoros. Embriaguez. Isso
é fugar e não fugir: rosto para fugar.
[
87
]
[ogum]
Conta a lenda que Ogum foi caçar na floresta,
quando viu um búfalo correr como se fosse um
relâmpago. Escondeu-se e seguiu-o, pois viu
que ele não era somente um simples animal.
Chegando perto de um formigueiro, o búfalo
tirou sua pele de animal e transformou-se numa
linda mulher, Iansã. Esta foi ao mercado e
quando voltou não encontrou sua trouxa com a
pele. Voltando à cidade encontrou Ogum, que
havia pegado sua trouxa e que devolveria com
o trato de que Iansã casasse com ele. Nasceram
nove filhos.
Certo dia as outras mulheres de Ogum embria-
garam-no e este revelou o segredo de Iansã, de
que não era somente uma mulher, mas um ani-
mal. As mulheres, para vingarem-se dela, ofen-
deram-na e revelaram o esconderijo de sua
trouxa. Iansã vestiu sua pele de búfalo e destru-
iu a todas, poupando apenas seus nove filhos.
No entanto, não os levou consigo. Deu-lhes seu
par de chifres para que batessem um no outro
quando precisassem de ajuda.
[
88
]
A deusa resolve, assim, o casamento forçado,
seu problema com os cuidados maternos, ao
mesmo tempo em que retoma sua liberdade de
seguir sozinha pela vida abrindo caminhos ja-
mais trilhados.
[
89
]
[corpo de Ian]
Seus ventos são suaves. Brisas que espalham
sementes. Fertilizam a terra. Também é tempes-
tade. Iansã não reconhece fronteiras: rompe.
Quebra. Assusta. Esfrega a terra com galhos
secos. Arrancados. A terra, nua. Revolta. Corpo
animal. Não tem somente um corpo. Não tem
somente um nome. Pode ser vento. Animal.
Mulher. Intempestiva. O amor, que não era
universal, em Iansã espalha-se pelo mundo.
Pervertendo sedutoramente no amor aquilo que
a fecha e a enfraquece, aquilo que o amor acre-
dita precisar repetir para ser amor: o seu rosto.
[
90
]
[feiticeira]
Nos bosques, dançavam velhas bruxas
mulheres velhas expulsas vaginas
dilaceradas por vassouras
casa filho nora agora manda.
Poções magias duendes pequenos crescem.
Medo e sedução:
diabrete amado,
danado incendiando
corpo morto esquálido seco
desnutrido esfomeado desapropriado
vende a alma por amor e ganha
o corpo ao diabo
goza
goza pra fora
tudo
dilacera-se
oferenda-se
por amor.
Acontece:
A cura
povo vai embora
madrugada.
Vultos furtivos voltam às vidas medrosas
só que agora, fortes.
Saciados da sua pele, do seu suor, do seu amor,
Das suas vísceras generosamente dadas.
Sangra
Levanta
Vai embora
Nunca mais foi vista.
[
91
]
[lugares]
Mas onde mesmo se encontram os deuses?
Como ter acesso à ilusão, à sedução? A reali-
dade é a mesma, quando distorcida dionisiaca-
mente? E o que falar da relação com ela, depois
de caído o véu da ilusão?
Quais são os lugares privilegiados, se existem,
onde Iansã e Dionísio se encontram? Nos cor-
pos, no amor. E quando os devires abrem pas-
sagem.
Corpos e amor feito de partes. Fragmenrios.
Em algumas dessas partes os deuses brincam
desde sempre. Antes mesmo de qualquer indi-
viduação. No corpo. Entre o corpo e o mundo.
No mundo do corpo (singularidades). No corpo
do mundo (individuões).
[
92
]
[encontro]
Algo que não aconteceu na história, mas que
pode ser inventado, imaginado. Um jeito de
estar no mundo. De amar. Um olhar ao que
constitui o amor. Ao que o atravessa (forças
animais, cósmicas, inconscientes) e ao como
compomos com isto. O modo como aprende-
mos a amar e o valor que damos ao amor. Seus
estrangulamentos. Sufocações. Os espos a-
bertos. O deserto. A solidão. As liberdades ou
sdas. Os vazios. Os encontros. As fugas...
As forças dos devires afetando o corpo do amor
que somente quer ampliada a sua capacidade de
afetar e ser afetado. Que quer alegria. Visitar
paisagens. Uma viagem ao que é útil, bom e
necessário: o corpo do amor que se amplia co-
mo força que o tempo todo foge de ser captura-
da pela rostidade amorosa que se segue como
um mapa. Mapa que não leva a lugar nenhum,
impossível de ser percorrido sem que o corpo
amoroso tropece, desvie, se perca.
Nos rastros do (corpo) amor, muitas vezes,
destruão. Morte. Mas é aí que a vida se dobra.
Ante o perigo da quase extinção. Desvia sobre
[
93
]
si. Do mesmo. Do igual. D a possibilidade de
vida. De saúde: do erro que não é o mal. Amor
errante que viaja de carona no desejo, que força
o amor ao esquecimento para dar-lhe novos
poderes de afetar e ser afetado, desejo que por
vezes vai embora e não avisa deixando o amor
entregue ao rosto.
[
94
]
[rosto para brincar]
Ao encontrá-lo: festa. Festa das dissoluções, da
embriaguez, da mais pura sedução. Os deuses e
os homens misturados, femininos, com suas
scaras caricaturadas, furadas, dançam em
homenagem à vida, sabendo-se sagrados e eter-
nos.
[
95
]
[onde?]
No fim do juízo
começa o amor:
fati.
Fato.
[
96
]
[borboleta]
Conheci borboletas de asas transparentes: lem-
brei-me de imediato do amor. Por quê?
A cada flor que pousavam mudavam de cor.
Seu corpo ficava misturado, a mesma borboleta
tornava-se várias borboletas...
[
97
]
[tempo]
O amor não é deste tempo.
Cors: projeta-se nos detalhes do próximo
encontro.
Romântico: deseja sempre a eternidade.
Fortuito: cria-se um tempo entre horas, entre-
corpos, entre-olhares
tempo do que existe efêmero sem sentido dado
que produz milagres
e que mata.
[
98
]
[stuma]
Se eu morresse agora, talvez, estranhamente do
meu amor te ocupasses.
E te porias a compreender o que teimas em não
escutar, ansioso por alguém que te acompanhe
passo a passo nessa aventura combinada de
pequenas coisas.
Eu, em liberdade pura, existiria ainda e brinca-
ria de fugir eternamente.
[
99
]
[sentido]
não corro atrás do amor
ele é que me persegue.
nem sempre foi assim.
quando mudou?
o sentido.
[
100
]
[devaneios]
O pensamento precisa do silêncio para passar.
O ruído, o excesso, o barulho desvia a atenção
do mundo. Que é o que importa. Rouba a cena.
O eu nunca quer sucumbir. Debate-se. Cria
asas. Voa. Cai em queda livre. Multiplica-se:
cacos. Levanta fortalecido. Identidade reforça-
da pela fragmentação. Estilhaçamento. Luz.
[
101
]
[do amor]
Espero exatamente aquilo que ele não pode dar
algum descanso
um tempo sem amar
que me esqua!
[
102
]
[imprevisto]
Uma leitura. Uma frase: algo sutil pode ser
arrebatadoramente intenso. De alguma forma
essa idéia faz uma marca em mim. Será isto
uma impressão? Na continuidade da leitura
algo sutil e arrebatadoramente intenso acontece.
Es bem, sem exageros, algo sutil acontece e é
intenso. Penso: será uma sobreposão? O fato
é que saber disso juntinho do acontecido atra-
palha a leitura: o que foi aquilo, um punctum?
Só sei que larguei o guia e eu mesminha passei
de uma navegação mais tranqüila a uma certa
procura: o que mais eu encontraria ali, teria
sido por acaso? E se eu não estivesse lendo
aquilo naquele momento e se, e se, e se.... A-
prendi uma coisa: não se seguram as intensida-
des, pode-se querer os encontros, mas não é por
isto que eles acontecem. Olha só, eu estava
distraída. O texto fala disso. Atentei mais ainda
ao que dizia. E não dizia nada. Nada que desse
uma dica de repetão daquilo, de fazer aconte-
cer novamente, nada. E é isso que torna a coisa
interessante. E é isso que esta escrita faz e que
me provoca essa prontidão distrda, com essa
gostosa disposição de amar à primeira vista
[
103
]
mesmo que não a primeira vez. Traz uma ima-
gem: a de idéias que não cabem no corpo e
vazam. Realmente não seria de todo mau
esforçar-se para estar distraído”.
[
104
]
[off-line]
... para os que não amo.
[
105
]
[restos]
raspas e restos me interessam
desfazer-se da idéia do amor é ao mesmo tempo
permitir ao corpo a liberdade necessária aos
encontros.
[
106
]
[virtualidade]
pequenas porções de ilusão
mentiras sinceras me interessam..
quando se desiste da verdade, ganha o amor,
que é mais feito de caprichos consentidos mu-
tuamente do que de sentimentos verdadeiros
(qual não é?). Quem acredita em promessas de
amor eterno? e no entanto, isto é possível e
muito além do que seja eterno enquanto dure”.
O amor, parece, veio pra ficar: ele só muda de
casa de vez em quando.
[
107
]
[fim]
Do amor não se sabe o começo. Tampouco do
seu fim sabemos.
Resta-nos a condão de amadores eternos (ou
de eternos amadores?)
o aceite amoroso daquilo que a vida prepara
para nós como seu ato fatal
desenvolvido com nossas próprias forças. Já se
sabe. Cabe-nos ter dignidade para vivê-la.
[
108
]
[morte]
Só vale a pena morrer quando se quer descan-
sar.
De resto, toda a morte é puro capricho da vida
lugar comum, desfrutável.
[
109
]
[delicadeza]
A delicadeza quando toma um homem, por
exemplo, camisa branca-mais aberta do que
deveria-corrente no pescoço...Percebe-se de
imediato: ali não há nada casual. Exatamente
esse saber confere uma certa sensualidade ao
fato. Se parece algo proposital, deve ser e pro-
vém justamente da sua natureza de artifício. A
sensualidade, da hora também, não se confunde
com a espontaneidade, da hora somente. Assim
um corpo masculino acolhe em si um tanto de
feminino: a delicadeza.
[
110
]
[caminhos]
Se existem dois caminhos deve ser seguido o
do coração.
Costuma-se separar a razão e a emoção . Cos-
tuma-se também relacioná-los a duas partes do
corpo respectivamente: cabeça e coração. Des-
confio que isso seja um grande engano: como
poderia o coração deixar de ter a sua própria
razão (e esta estar plena de sentimentos)?
[
111
]
[o estranho]
eis um grande enigma do qual nunca terei a
solução: porque desejo esse? Porque o desejo
por tanto tempo, languidamente? É ele inteiro
que desejo (uma silhueta, uma forma, uma apa-
rência?)Ou é apenas uma parte desse corpo?
Amar é estar iludido da realidade do outro?
Amo o que conheço, ou exatamente o que des-
conho é o que mais me atrai?
Amo o que julgo conhecer ou é no começo
exato do fim do juízo, na contramão de todas as
opiniões e julgamentos que exerço a delicadeza
amorosa de não prever aquilo que o outro não
pode, investindo-o de liberdades e forças afir-
mativas que só lhe fazem bem?
[
112
]
[artesão]
O corpo é feito de partes. O amor é feito de
partes. Manter-se vivo é um constante jogo de
forças que tensionam o corpo entre as partes
que lhe fazem bem e as partes que podem lhe
destruir. A relação do amor com o corpo é mais
uma, entre muitas, relação entre corpos. O a-
mor, corpo sensível, requer trabalho de artesão:
exige a medida certa de um corpo inapto por
natureza a seguir medidas. E que só segue flu-
xos internos e externos. Corpo ele próprio es-
culpido por esses fluxos que lhe tornam rio
estrangulado ou caudaloso, que transborda ou
seca, esril ou fértil nas vidas que o comem.
[
113
]
[desiluo?]
Deixar de amar seria o estado de mais realidade
ou menos realidade? Poderia ser (quem sabe?)
o momento em que se pára de produzir realida-
de tomando para si um olhar comum (de opini-
ão) sobre o que era amado já que a fantasia
nunca esteve em nenhum outro lugar além do
real?
[
114
]
[tocar]
Como saber o que passa no corpo de quem a-
ma? Ouvi que amar não é de sentir (tocar), mas
de olhar. Duvidar como?
[
115
]
[striptease]
No fazer amor o rosto se despe.
A música? sussurros, risos, gemidos...
[
116
]
[prazer]
A perversão (psicanaliticamente falando, aquilo
que foi desviado de sua função natural) é ex-
tremamente mal compreendida, coitada. Na sua
mais ínfima possibilidade, permite apenas o
prazer do inusitado. A simplicidade, presente
no ato. Caso em que o significado excede a
palavra.
[
117
]
[pathos]
A doença amorosa (ou paixão) que impede a
relão direta com o mundo. Afeão que inva-
de o corpo e impede o que é saúde no amor.
[
118
]
[morte]
Nada que fosse imortal seria digno de ser ama-
do.
[
119
]
[encanto]
O encanto fortuito dos encontros na palavra que
não foi dita, no poema que não foi escrito, no
olhar que não pensou em nada e esbarra de
repente com tudo aquilo...e foi quase nada.
Nem contar se pode exatamente. Somente os
corpos guardam em si as vibrões .
[
120
]
[ao acaso]
No amor, o que é feminino acolhe, recebe: con-
tinente.
Quase nada dá. Feminino que foge de gênero,
dualidades, papéis.
Que é de um, de outro
...da vida que vai passando...
[
121
]
[feiticeira II]
Na entrega da carne ao sacrifício
para deleite de outrem
encontra aquilo que quer
a necessidade mais que o querer
a mulher feiticeira encontra
o que lhe foi encomendado
o seu destino
curandeira que é das dores do mundo
busca no próprio corpo os limites
que precisa percorrer
e as fronteiras que ultrapassa
mulher lentamente educada
pelas forças diabólicas da natureza
o remédio e o veneno
juntos
quase mais salvou que matou
das dores violentas os corpos desesperados
magias feitiços mandingas
restos de cabelo pudicas partes sangue
poções para
amor a ser conquistado
amor que já morreu
filho vingar
livrar-se da miséria da vida
[
122
]
corpo lentamente educado
pelo diabrete danado
que sabe esperar por séculos
o corpo desejado
e que habita ainda hoje
os corpos das mulheres educadas
que sabem cuidar
e que gozam ainda com a sua força
quando invadidas por ele.
[
1
23
]
[ação]
Não reagir: a maior declaração de amor à vida.
Agir sobre o que ela traz tornando útil, conve-
niente, e bom: amor ou cuidado-de-si.
[
124
]
[amor próprio?]
Impressionante o maior de todos os clichês: a
auto-estima. A estima que alguém pode ter por
si não é separada do conhecimento. Este conhe-
cimento é primeiro conhecimento da realidade
(onde o si es incluído). Não existem dois la-
dos apenas: a apreensão é simultânea. Se hou-
ver condões favoráveis ao conhecimento ha-
verá um conhecimento adequado da realidade
(e de si). Podemos falar, então, em auto-estima.
Jamais em estima natural, dada, interna. Mas
estima (auto-estima) que se constitui junto à
realidade e que se costuma chamar amor pró-
prio.
[
125
]
[intimidade]
Lugar onde gênero não entra, um outro tempo
se realiza e o amor mostra o que pode. Coxia
necessária onde um olho espia um corpo gru-
dado nele.
[
126
]
[presença]
A maneira sutil com que o amor se aproxima e
cresce pela presença do amado... aos poucos.
Isto começa devagarzinho... na ausência inquie-
ta, no deleite das imagens que marcam o corpo
e retornam sem cessar. Na busca da quietude
para se fazer acompanhar pelas imagens e rever
as marcas: assim é que o apaixonado compre-
ende o que se passa com seu corpo (a sua revo-
lução): o mesmo encantamento com um sabor
(de solidão) nunca sentido. A novidade amoro-
sa in corpore.
[
127
]
[solidão]
No amor que nada falta a morte não assusta
nem paralisa: desafia ao abandono dos estados
asfixiantes, cava na própria morte um vento,
um respiro, um pequeno sopro que dê conta de
continuar vivendo.
[
128
]
[devir outro]
Quando se vê e se vê, geralmente, pelo corpo
alguma tonalidade, gesto, uma expressãozi-
nha qualquer que nos toma a alma, invade e...já
era. Deixamos de ser nós mesmos e nos torna-
mos outra coisa, outro alguém: por isto se ama
mais ainda esse alguém porque nos permite ser
diferente do que se era antes...
[
129
]
[humano]
Justo aquilo que se tornou o ideal social: no
direito, na moral, nos discursos...classifica,
segmentariza, identifica, recorta, mutila: o cor-
po naquilo que ele pode. Nada que seja a dife-
rença em si pode estar incluído no que se julga
humano.
[
130
]
[lembrança]
Quem ama faz uma marcação: sim, (o outro)
pensa em mim agora, pois estou também a pen-
sá-lo. Pensamo-nos coincidentemente juntos,
por muitas vezes. E isso não é uma lembrança,
apenas, mas presença constante do próprio a-
mor que, por vezes, extravasa o corpo e des-
ponta na mente: porção mínima de existência
do outro que carrego em mim.
[
131
]
[pele]
O amor é nossa ferida. O que nos rompe a pele
de fora pra dentro, de dentro pra fora, e tanto e
tão difuso que não se sabe mais onde es a
dor e o que é amor. Dói quando é bom e tam-
bém quando não é. Loucura de uma dor fan-
tasma que ao doer diz que não se es morto.
[
132
]
[intempestivo]
Às vezes um deserto se arrasta vida afora e
parece que o tempo não existe para fazê-lo aca-
bar. E de repente tudo o que não aconteceu
irrompe de uma só vez. Pega-nos desprepara-
dos para viver: nunca se es pronto. Nem forte
o suficiente para que não seja um risco suportar
a falta de sentido que se gruda nas coisas. E
mesmo para ter um corpo que não sucumba
com tudo o que é forte demais.
E as suavidades... que acontecem a qualquer
tempo! Como as desejo!
Desejos de menina que carrego em mim. Que
me embala.
E que me faz sentir que posso amar a vida e
tudo o que vive, porque assim me sinto amada.
Por ninguém em especial. Especialmente pela
vida. Quando ela cessa de me fazer morrer.
Quando algo de alguma completude roça a al-
ma e se sente: poderia morrer a qualquer tem-
po, agora.
[
133
]
[vinho]
A existência se afirma quando assume sem
melancolia a sua morte que é certa. Ninguém
foi enganado. Escolhemos nossa natureza ao
persistir nela. Por isso se nasce. Se nasce dan-
çando sem saber bem de onde. Se nasce tonto.
A primeira bebida, se vê. Não é tanto o leite
quanto o vinho. Nasce-se sempre com Dioniso.
Deus que nos acompanha e abre as portas. Per-
nas. Entranhas. Onde começa a vida.
[
134
]
[aconchego]
Do meu amor exijo que seja algo de maior. Não
simplesmente grande. Pode ser bem pequeni-
nho (e ainda assim maior). Somente que possa
me conter (não falo de impedimentos) no meu
perder-me. Que ele possa aconchegar minha
alma quando todas as tristezas da vida se enfi-
leiram, disputando a vez. E isso tanto que meu
pensamento somente busque a ele como alento.
A idéia de sua morte nem me passa pela cabe-
ça, passa pelo corpo: marca em mim como a
minha própria morte, em parte. Mas não penso
nisso. Somente acontece. Enquanto acontece o
que temos é gozo, presença, silêncios e admira-
ção.
[
135
]
[um descanso...]
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde
Um descanso na loucura
É no amor que se consegue nem que seja um
restinho de liberdade que se precisa na vida
porque ali é permitido desde sempre enlouque-
cer sem manicômio, voar sem asas, sonhar a-
cordado e muito mais.
E se existe alguma subversão possível ela é
feminina, amorosa, silenciosa, cruel e também
da ordem do mínimo.
O amor como poncia subversiva: somente
porque dele tudo se espera.
[
136
]
[gênero]
Pelo mesmo motivo:
ela fica
ele bate:
amor.
[
137
]
[ódio]
Das mais fortes paies, o ódio se aproxima do
amor naquilo em que o liga ao objeto em força
e intimidade. Desconfia-se de que muitos tra-
zem nuances da falta de materialidade expres-
siva necessária à existência amorosa.
O amor sem materialidade expressiva corrompe
o corpo, mutila, faz sofrer. Quem bate não é
mais feliz do que quem sofre as dores no pró-
prio corpo. Amor escravo, amor impedido, a-
mor sem correspondência, amor desatinado,
sem presente, sem passado, sem realização.
Que faz sofrer. Que gruda. Que dói. Que dá
vontade de morrer. Que faz duvidar de se estar
vivo...
[
138
]
[flamboyant]
A idéia da morte parece ser ruim. Já a própria
(morte) não é boa nem . Reserva-se o direito
de apenas ser. Pensando apenas na idéia da
morte, da minha morte, penso-a (ah!como eu
gostaria) lentamente: me decompor sob a som-
bra de flamboyants. E que minha morte alimen-
te a beleza. Mas isso só vale para a morte en-
quanto idéia. Depois não há mais querer.
[
139
]
[suporte]
Nada prova contra o amor que o objeto amado
nunca tenha existido.
As pessoas que amo, seja por ter aprendido a
amá-las, ou pelo amor ter se imposto entre nós,
carrego-as comigo pela vida. Cada encontro
desses me ensina a viver. E elas, vivas ou não,
ainda existem porque o amor não precisa mais
do que um corpo para continuar existindo. Vivo
amo morro diariamente e meu corpo é o grande
suporte de vida: ladrão de tudo o que pul-
sa...Quando eu morrer um mundo também mor-
rerá.
[
140
]
[o amante]
Saber que se ama não faz necessariamente parte
do amar (ou do amor). Ele (o amor) cresce ou
morre a seu tempo, deixa ou não vestígios de
existência, pode ser eterno ou fugaz. A dúvida
não aparece a quem não faz perguntas: por ve-
zes elas repousam no fundo da alma escondida
embaixo de uma intuão que diz: esquece. A
certeza...pode vir numa música.
[
141
]
[sinais]
Uma resposta demasiado rápida, ou por demais
pensada já cria uma imagem: ao outro desagra-
da algo em mim. Pânico do não ver-se, não
enxergar-se completamente, não antecipar-se.
O corpo se prepara impaciente para o encontro.
Detalhes serão percebidos e sinais de procura
serão emitidos...até o desenlace...a uma pró-
xima vez...com o mesmo...com outro...mar sem
fim...
[
142
]
[dilacerado]
Dilacerada a criança: restou-lhe o coração. A
deusa Atena presenteia-nos com a possibilidade
do amor. Que sempre muda de corpo: condi-
ções de sua natureza.
[
143
]
[fronteiras e conexões]
Quando se avizinha daquilo que do outro não se
compreende: cria-se um território intratável,
sem recursos, instrumentos, experiências outras
quaisquer. Aquilo é único e faz fronteira com o
que é único. Estranha-se. Ali tem uma existên-
cia, uma força desconhecida. Uma perspectiva
que foge à lógica em queso. Um passo atrás
(ou para qualquer lado) e ganha-se a distância
necessária. E essa perspectiva espacial é agora
a saúde da relação, que permite ver com o cor-
po sem órgãos, corpo-sismógrafo. O banquete
acontece. Brinda-se a estranheza, o nunca visto.
Repartem-se modos como se reparte pão. O
encontro acontece na diferença.
[
144
]
[inimigo]
O apaixonado quer. Qualquer que lhe negue o
que quer passa imediatamente para o lado ini-
migo, mesmo que seja o próprio amor. O apai-
xonado quer acima de sua própria vida e de
qualquer outra coisa expressar o seu amor. Ne-
cessidade de expressão é sua fome. Negado isto
a ele faz-se um inimigo. Mesmo que o inimigo
seja o próprio objeto amado. O apaixonado
funda o paradoxo amoroso: o seu sofrimento é
o seu gozo.
[
145
]
[incondicional]
Ele me tem na medida exata de suas necessida-
des. Nada vale minha vontade para prolongar o
abraço ou receber um beijo desejado. Ele des-
fruta do meu corpo, de meu aconchego como
de uma/sua casa ambulante de onde ele já saiu
e pode voltar a qualquer hora sem bater na
porta. Faz assim e não pensa. Exceto por mi-
nhas exigências de afeto. Percebo seus movi-
mentos, deixo-o desfrutar-me, quase sempre,
cuido de seus valores, procuro não fazer muitas
chantagens e vejo-o crescer feliz na maior parte
do tempo. Às vezes se assusta, quando na brin-
cadeira demoro a abrir os olhos. Mas depois
rimos muito. Pequenos nãos (os meus sins) vão
decompondo o seu mundinho centralizado em
desejos e quereres. Não consigo perceber onde
es o tal do amor incondicional.
[
146
]
[intimidade II]
Aconchego. Calor. Lugar onde se exercita a
preguiça da menor distância entre corpos. Que
faz a singularidade da relação, a desconstrução
dos estereótipos, que faz nada. Para isto, em
parte, abre-se mão de algo tão necessário
quanto: a surpresa.
[
147
]
[no entanto...]
Nada mais surpreendente do que isso. Surpresa
sem sobressaltos tecida fio a fio no escorrer das
horas, das estações, da vida: a relação com algo
exterior a mim, da qual faço parte, que esculpo,
que me pinta, traço por traço, em cada nuance
de intimidade.
[
148
]
[dor]
A dor (não o desespero) só faz aumentar o a-
mor, ou pelo menos, o deixa intocável, que: a
dor nunca é de amar, mas de estar só.
[
149
]
[bem me quer]
mal me quer. bem me quer. mal me quer. bem
me quer. mal me quer. bem me quer. mal me
quer. bem me quer. mal me quer. bem.
que menina não conhece a trapaça das florezi-
nhas amarelas de pétalas brancas?
[
150
]
[
151
]
[afinidades]
Em [arranque], enquadramento e valor adi-
cional são retirados de Kiarostami, 2004, p. 3.
A citação em [exterioridades do amor] é de
Barthes, 1988, p. 86. A epígrafe de [fotografia]
é de Kiarostami, 2004, p. 179. Em [a perda do
rosto], a citão é de Barthes, 1988, p. 86. A
música de João Bosco e Aldir Blanc citada em
[detalhe] é “Latin lover. A expressão conten-
tamento descontente, no fragmento [ilusão],
refere-se ao soneto de Camões que começa com
Amor é um fogo que arde.... A alusão à mo-
cinha” e ao sedutor é de Baudrillard, em Da
sedução. Em [ausência], o poema é de Carlos
Drummond de Andrade (em Ana Cristina Cé-
sar Inéditos e dispersos). A primeira referência
em [exigência] é do livro de Baudrillard, Da
sedução, p. 140. A segunda frase é, evidente-
mente, de O Pequeno Príncipe, de Saint-
Exupéry. Em [espera], a referência é ao livro de
Barry Stevens, Não apresse o rio ele corre so-
zinho, 1970. Em [sensões], o poema é de a
de Queiroz (Primo Basílio), citado por Arnaldo
Antunes na canção Amor I love you. Em
[necessidade], a referência é à música Pais e
[
152
]
filhos, de Renato Russo. Em [...], cito Cons-
trução, de Chico Buarque de Holanda. No
fragmento [condescendência], a referência é ao
filme dirigido por Lars Von Trier, Dog Ville,
2003. [desencontros?] faz uma alusão ao texto
Uma boa boa cidadã”, de Abbas Kiarostami .
Em [segredinho sujo], a alusão é a D. H. La-
wrence. O fragmento [desejo] traz a poesia Da
eterna procura”, de Mário Quintana. Em [intui-
ção], os versos citados são de Ana Cristina Cé-
sar, em Inéditos e dispersos. Em [susto], a alu-
são (prefiro não) é ao personagem Bartleby,
do livro de mesmo título, de Herman Melville.
A frase entre aspas em [retrato] encontra-se na
pág. 60 de A sedução, de Baudrillard. O título,
[procurem seus rostos], é o slogan da esquizo-
análise, segundo Deleuze e Guattari, em Mil
platôs, vol.3, p.58. Em [ogum], o conto perten-
ce à mitologia dos orixás. A seção [feiticeira]
tem sua inspiração em A feiticeira, de Michelet.
A referência a o erro que não é o mal”, em
[encontro], é de Canguilhem, 1978. Em [im-
previsto] ressonâncias do projeto de dissertação
de Mayra Martins RedinImpressões, anota-
ções e distrações. Os fragmentos [restos] e
[
153
]
[virtualidade] aludem à música Maior abando-
nado de Cazuza. Registra-se em [caminhos]
reminiscências do livroA erva do diabo de
Carlos Castañeda. Em [o estranho] desdobra-
mentos barthesianos relativos às p. 14 e p.15 de
Fragmentos de um discurso amoroso de Ro-
land Barthes. A são [feiticeira II] tem sua
inspiração em A feiticeira, de Michelet. O
fragmento [um descanso] inspira-se também
num fragmento (de poesia) de Guimarães Rosa.
Em [suporte] referência a poesia de Antonio
MachadoJuan de Mairena: sentencias, donai-
res, apuntes y recuerdos de un profesor apócri-
fo”. O filmeO amante de Marguerite Duras
deu origem ao fragmento de mesmo nome na
p.123. Em [incondicional] marcas da poesia de
Elisa Lucinda. No fragmento [intimidade] rou-
bos de pé de ouvido. Por fim, devo expressar
minha gratidão pela apropriação, consentida, de
escritos, ditos, estilos, idéias, frases, expres-
sões, livros (empréstimos), inspirões, olhares
e tantas outras coisas das seguintes pessoas
(principalmente): Paola Zordan [textos: Um
amor bem vago, Um texto para explicar o
que implica”, Os conceitos e a materialidade
[
154
]
em jogo na fotografia”]; Márcio Porciúncula
[Projeto de dissertão Dos prazeres do corpo:
a escritura”]; Mayra Martins Redin [Projeto de
dissertação Impressões, anotões e distra-
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Tomaz Tadeu.
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