Kant se encontrava, quando veio ao mundo filosófico, por sorte e pelo gênio
de sua imensa capacidade filosófica, situado no cruzamento de três grandes
correntes ideológicas que sulcavam o século XVIII. Estas três grandes
correntes filosóficas eram, de uma parte, o racionalismo de Leibniz, (...) de
outra parte o empirismo de Hume, (...) e em terceiro lugar, a ciência positiva
físico-matemática que Newton acabava de estabelecer. Na confluência
dessas três grandes correntes situou-se Kant; e dessas três grandes
correntes tirou os elementos fundamentais para poder estabelecer, de um
modo eficaz, de um modo concreto, o problema da teoria do conhecimento
e, em seguida, o problema da metafísica. Kant, pois, nessa encruzilhada,
representa o homem que tem na mão todos os fios da ideologia do seu
tempo. (...) a diferença radical, fundamental, que existe entre Kant e seus
predecessores é que os predecessores de Kant, quando falam do
conhecimento, falam do conhecimento que vão ter, do conhecimento que se
vai construir, da ciência que há de se constituir, da ciência que está em
constituição, em germe, aquela que nesses momentos se está forjando em
Galileu, em Pascal, em Newton. Pelo contrário, quando Kant fala do
conhecimento, fala de uma ciência físico-matemática já estabelecida.
Quando fala do conhecimento, refere-se ao conhecimento científico-
matemático da Natureza, tal como Newton o estabeleceu definitivamente.
(...) A possibilidade de reduzir a fórmulas matematicamente exatas as leis
fundamentais da Natureza, dos objetos, dos corpos, do movimento, da
gravitação, não é já uma possibilidade, é uma realidade; conseguiu-o
Newton e existe; aí está, definitivamente estabelecida, a ciência físico-
matemática da Natureza. Portanto, para Kant a teoria do conhecimento vai
significar, antes de tudo e principalmente, não a teoria do conhecimento
possível, desejável, como em Descartes, ou de um conhecimento que se
está fazendo, que está em fermentação, como para Leibniz, mas a teoria do
conhecimento significa para ele a teoria da física matemática de Newton
(MORENTE, 1979, p.220-221).
Lembremos, atentamente, com Santuário (2004, p.62-63), que Kant
demonstra que “aquilo que confere inteligibilidade aos fenômenos do mundo
sensível não é algo que pertence ao mundo empírico, mas às formas a priori do
entendimento, as categorias”. Assim, o “objeto é obrigatoriamente submetido ao
sujeito”, o “objeto não é dado pela experiência”, é a estrutura do sujeito que torna
possível a experiência e a esse conhecimento Kant dá a denominação de
transcendental. Portanto, “transcendental se opõe ao empírico” na medida em que
se refere às condições de possibilidade do conhecimento; transcendental diz
respeito aos “meios pelos quais o real é captado e ordenado”.
Em suma, Kant deseja terminar definitivamente com a idéia de ser em si.
Ele se esforça para demonstrar, na filosofia, como, “na relação do conhecimento,
aquilo que chamamos ser é não um ser em si, mas um ser objeto, um ser “para” ser
conhecido”, um ser colocado logicamente pelo sujeito que pensa e conhece
(MORENTE, 1979, p.219).