maternagem: o cuidado, o manejo e a apresentação de objetos
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. Estas três vertentes são
fundamentais para que o sujeito se constitua tendo a chance de se pôr, ocasionalmente,
em continuidade com o mundo, e se beneficiar desse contato. É digno de nota, porém,
que Winnicott reconhece como ilusória a relação de continuidade com o mundo, mas
não lhe retira a relevância em decorrência disso
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. Ao contrário do que faz Freud
(1927c), que aproxima a ilusão do erro, Winnicott a coloca como base para a construção
de um modo de vida sentido como verdadeiro e real.
As primeiras experiências de ilusão dependem da habilidade da mãe em se
adaptar ativamente ao bebê
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, nessa fase de dependência absoluta. Tal habilidade recebe
a nomenclatura de “preocupação materna primária” e é um estado transitório, que dura
desde o fim da gravidez até as primeiras semanas de maternagem, em que a mãe vive
exclusivamente para seu bebê. Nem todas as mães são capazes de tal envolvimento com
o que concerne aos cuidados maternos, apenas as mães suficientemente boas. Estas são
acometidas, nesse período, por um estado comparável a uma psicose de cura
espontânea, da qual se restabelecem com o passar do tempo e a recuperação do interesse
pelo restante de seus afazeres cotidianos. Antes disso, no entanto, sua dedicação integral
garante ao bebê um ambiente perfeito
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, que o provê daquilo de que precisa, ou repara
as falhas num tempo muito curto. O pai é quem viabiliza que a célula mãe-bebê fique
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Estes aspectos da maternagem serão abordados a seguir.
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Winnicott escreve de maneira esclarecedora: “[...] alguns bebês têm a sorte de contar com uma mãe
cuja adaptação ativa inicial à necessidade foi suficientemente boa. Isto os capacita a terem a ilusão de
realmente encontrar aquilo que eles criaram (alucinaram). Eventualmente, depois que a capacidade para o
relacionamento foi estabelecida, estes bebês podem dar o próximo passo rumo ao reconhecimento da
solidão essencial do ser humano. Mais cedo ou mais tarde, um desses bebês crescerá e dirá: ‘Eu sei que
não há nenhum contato direto entre a realidade externa e eu mesmo, há apenas a ilusão de contato, um
fenômeno intermediário que funciona muito bem para mim quando não estou muito cansado. A mim não
me importa nem um pouco se aí existe um problema filosófico’” (Winnicott, 1988, p. 135). Pode-se
deduzir, dessa passagem, que Winnicott não desconhecia os problemas filosóficos implicados numa
noção de continuidade do sujeito com o mundo, mas optava por negligenciá-los em prol da experiência
singular de cada sujeito, ou seja, da forma pela qual cada sujeito sentia e relatava sua relação com o
mundo.
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A adaptação ativa da mãe às necessidades do bebê significa o esforço que ela empreende para que seu
filho não fique carente de nenhum tipo de cuidado. A importância dessa disponibilidade materna se torna
evidente nos casos em que tal adaptação ativa não ocorreu, tendo como conseqüência que o próprio bebê
teve que se adaptar ao ambiente à sua volta. Se essa adaptação do sujeito ao mundo se impõe antes que
ele tenha experimentado a ilusão de onipotência, antes dele ter sentido que os objetos à sua volta eram
produtos de sua fantasia, há um prejuízo na relação com o mundo. O enriquecimento subjetivo a partir do
contato com o exterior deixa de estar disponível caso não se tenha podido experimentar, na infância
precoce, a ilusão de haver uma continuidade eu-mundo, em que o que é criado internamente e aquilo que
se apresenta desde fora coincidem. Esta experiência, vivida pelo bebê, de coincidência ilusória entre eu e
mundo, contudo, só se viabiliza apoiada pela adaptação ativa da mãe, que impede que este tenha que
assumir o próprio cuidado e seja forçado a uma adaptação precoce ao ambiente.
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A dedicação materna faz com que seja possível à mãe suficientemente boa corrigir suas falhas dentro
de um limiar temporal suportável para o bebê. É esta capacidade que a configura como ambiente perfeito,
mesmo levando-se em conta sua falibilidade.