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O sofrimento de que nos fala o pathos grego, podemos propor, encontrou sua
demonstração máxima na tragédia grega, à qual já tivemos oportunidade de nos referir.
Jean Cornut (1999, op. cit.) ressalta que, de pathos, deriva-se também o adjetivo
patético, que diz respeito a todo o aspecto de forte emoção, sinistro, que caracterizava o
evento trágico. Neste quadro, confrontado com acontecimentos inesperados diante dos
quais não consegue reagir, encontramos o sujeito da tragédia, sujeito do sofrimento e da
passividade. A respeito dele, Manoel Tosta Berlink nos diz que:
(...) é constituído e coincide com o pathos, o sofrimento, a paixão, a passividade. Este sujeito que
não é nem racional nem agente e senhor de suas ações, encontra sua mais sublime representação
na tragédia grega. O que se figura na tragédia é pathos, sofrimento, paixão, passividade que, no
sentido clássico, quer dizer tudo o que se faz ou que acontece de novo, do ponto de vista daquele
ao qual acontece. Neste sentido, quando pathos acontece, algo da ordem do excesso, da
desmesura se põe em marcha sem que o eu possa se assenhorear desse acontecimento (Berlink,
1998, p. 53 apud Silva, 2002, op. cit., p. 24).
Ao remetermos a origem da paixão ao pathos grego, e ao observarmos sua
expressão na tragédia, encontramos, portanto, como correlatos da paixão, o sofrimento,
o excesso, e a passividade diante desse excesso. Passividade diante de um
acontecimento que o sujeito não tem como dominar. Não há possibilidade de
elaboração, apenas uma convocação a agir. É nesse sentido que Jean Cornut diz que
“Ela [a paixão] despoja o sujeito seja por sua perda seja por um serviço mais elevado;
ela lhe tira seu juízo, ou ao contrário, o faz luminoso; ela anula ou decuplica seus
recursos; é excesso em estado bruto” (CORNUT, 1999, op. cit., p. 8-9. A tradução é
nossa). O sujeito não é mais senhor de si. Será esta visão da paixão que a dotará de
poder, visto como subversivo pela sociedade ocidental.
J.-B. Paturet (2001), ao analisar o poder da paixão e considerá-la como
desmedida, nos expõe que seu poder subversivo é, já há muito tempo, questionado pelo
mundo ocidental, com seus valores pautados em ideais de domínio racional (o que se
opõe completamente à dimensão da passividade levantada pela paixão).
Desta forma, o termo paixão tem sido usado, ao longo dos séculos, para designar
aquilo que causa sofrimento e que afasta o homem da verdade e da razão No entanto, o
termo não era somente utilizado para designar aspectos negativos, os pecados, mas
também para designar um sofrimento transcendental. Originalmente, o termo era
utilizado para designar o sofrimento do Cristo na Semana Santa, que se entregou à
agonia e à morte para redimir todos os homens do pecado original. Assim, com a paixão
do sofrimento, Cristo salvava os homens da paixão pelo pecado. Essa atitude que