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os significados culturais contextualizados na comunidade da qual faz parte e na sua
singularidade.
Como dissemos em outro momento, consideramos que a Escrita e a cultura estão
entrelaçadas na trajetória histórica que fez a humanidade para chegar aos sistemas de Escrita
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que conhecemos hoje. Também sabemos dos importantes estudos
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. Além disso, atualmente
existem inúmeros estudos importantes no campo da Escrita, dentre eles destacamos aqueles
que a abordam em suas implicações sociais e psicológicas, os quais têm se constituído num
dos principais focos de estudo, bem como as pesquisas sobre a interferência da Escrita na
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É consenso que a invenção da escrita revolucionou a comunicação entre os homens e a qualidade de suas
mensagens. E, que a história da escrita mostra a trajetória das formas de pensamento humano e, por sua vez,
das relações que estabelece com o mundo das coisas e das idéias. No entanto, segundo Georges (2002), nesta
história apaixonante, ainda hoje, faltam páginas e é preciso lembrar que “[...] a escrita propriamente dita, só
começou a existir a partir do momento em que foi elaborado um conjunto de signos ou símbolos que, por
meio dos quais os usuários puderam materializar e fixar claramente tudo o que pensavam, sentiam ou sabiam
expressar” (p. 12).
Bottéro (1995) mostra que foi acerca de 3000 anos, antes da nossa era, descoberta na Mesopotâmia as
primeiras marcas inequívocas de uma escrita, chamada “cuneiforme” que era estilizada nas formas de
“cunhas” e “pregos” (p. 10) [grifo do autor]. Em sua visão, os povos da Mesopotâmia inventaram a sua
própria escrita sem a interferência de fora, pois eles ascenderam da oralidade pura à tradição escrita. O autor
diz que a descoberta da escrita permitiu [...] tirar, por assim dizer, o seu pensamento da cabeça ou da boca e
projetá-lo na matéria, fixá-lo, propagá-lo no espaço e no tempo, a que ponto essa descoberta impressionou seu
espírito, dirigindo-o para uma visão particular do mundo, uma maneira de compreendê-lo, de refletir e de
raciocinar; para uma ‘lógica’, um conjunto de representações, até mesmo de instituições características de seu
sistema cultural, das quais algumas passaram, com ele, à nossa mais velha herança (p. 11).
A escrita possibilitou registrar a memória dos povos e retomá-la para transmiti-la às novas gerações, bem
como, para desenvolver sistemas culturais e o raciocínio humano. Segundo este autor, é inegável a
contribuição da Mesopotâmia para a humanidade, por ter dado à luz a escrita na medida em que ela
possibilitou “[...]substituir as coisas desenhadas pelas coisas extra mentais, preservando a sua identidade,
colocando as palavras escritas no lugar das coisas” (p. 30) [grifo do autor]. A partir destes estudos, pudemos
verificar que a invenção da escrita na humanidade data de 3000 na Suméria e 400 antes de nossa era em
Atenas e, neste percurso até nós muitas são as línguas e as culturas.
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Destacamos um estudo que analisa a relação da escrita com o desenvolvimento cognitivo, mais
especificamente, as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. Este trabalho é do pesquisador
canadense Olson (1997). Ele desenvolve sua teoria considerando que [...] as diferenças históricas e culturais
na maneira como as pessoas pensam a respeito de si e do mundo tornam-se mais e mais evidentes, e torna-se
cada vez mais urgente procurar compreendê-las. O aprendizado da leitura e da escrita parecem explicações
potenciais óbvias (p. 11-12). A partir desta constatação ele constrói uma abordagem cognitiva em seus
trabalhos buscando então estudar a interferência da escrita no pensamento, na produção do conhecimento e na
maneira de se compreender a si e ao mundo. Para realizar tal estudo, traz o debate sobre a desmistificação do
domínio da escrita apoiado em pesquisas atuais, as quais lançaram dúvidas sobre algumas crenças ou
pressupostos que são profundamente aceitos e amplamente compartilhados, são elas: a) escrever é transcrever
a fala; b) há superioridade da escrita com relação à fala; c) a superioridade tecnológica do sistema de escrita
alfabético; d) a escrita é órgão do progresso social; e) a escrita como instrumento do desenvolvimento social e
científico e, f) a escrita como instrumento de desenvolvimento cognitivo (p.19-24). Olson (1997) mostra os
limites e as possibilidades da escrita em uma sociedade que vive, no mundo do papel.
Outro clássico trabalho no campo da escrita é o de Goody (1986). No livro A Lógica da Escrita e a
Organização da Sociedade discute os efeitos a longo prazo da escrita na organização da sociedade. Ele enfoca
a influência da presença da escrita no conceito e no papel da religião, da economia, da política e da lei
buscando compreender a relação da escrita com a lógica, com os procedimentos, com as instituições e com a
lei. Mostra ainda que a escrita propiciou fixar a palavra. Fixada pela escrita, a palavra se diferencia do que era
no princípio: o verbo. A escrita trouxe as generalizações e as normatizações das instituições. Assim, ele
coloca como categoria de análise o meio e as relações de comunicação ao invés de colocar o meio e relações
de produção utilizada com tanta freqüência nas pesquisas que estudam as História humana.