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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Keyla de Souza Lima
CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA
INCLUSÃO SOCIAL EM MARACANAÚ - CEARÁ
FORTALEZA, CEARÁ
2008
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2
KEYLA DE SOUZA LIMA
CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA
INCLUSÃO SOCIAL EM MARACANAÚ, CEARÁ.
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade
do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do título de mestre.
Orientador: Profº. Drº. Hermano Machado Ferreira Lima
.
FORTALEZA, CEARÁ
2008
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KEYLA DE SOUZA LIMA.
CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA A INCLUSÃO
SOCIAL EM MARACANAÚ, CEARÁ.
DISSERTAÇÃO APRESENTADA EM : ___/ ____/ ____
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________
Professor Drº. Hermano Machado Ferreira Lima.
Orientador
_____________________________________________
Professora Drª. Maria do Socorro Ferreira Osterne (UECE).
____________________________________________
Professora Drª. Lea Carvalho Rodrigues (UFC).
4
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira)
5
RESUMO
Analisa as estratégias que as famílias contempladas pelo Programa Bolsa Família se utilizam
a fim de se promoverem socialmente, visando a galgar um patamar mais elevado na
qualidade de vida, de modo a amenizar a situação de pobreza vivenciada cotidianamente. A
presente pesquisa, de natureza quali-quantitativa, se desenvolveu no Município de
Maracanaú, Ceará, buscando investigar a realidade local, mediante três vias: a pesquisa
bibliográfica a qual buscou dialogar com estudiosos da temática, tendo como referência as
seguintes categorias: Renda Mínima, Pobreza e Necessidades Humanas Básicas; a pesquisa
documental, que subsidiou o diagnóstico preliminar do Programa, via documentos oficiais,
bem como do Município de Maracanaú, mediante a consulta de dados estatísticos coletados
pelos mais importantes institutos e órgãos brasileiros e, finalmente, a pesquisa de campo, que
viabilizou um contato intenso com os sujeitos sociais, captando suas vivências, suas
dificuldades e realizações, via diário de campo e questionário com perguntas abertas e
fechadas. Dentre os resultados do processo investigativo se destacaram a utilização do
programa Bolsa Família como um complemento de renda das famílias beneficiárias,
suprindo necessidades mínimas para além do mínimo vital (material escolar, cursos
extraclasse, lazer, bens de consumo duráveis e não duráveis, entre outros). O valor do
beneficio é irrisório, contudo, sendo necessário, para a maioria dos informantes, se utilizarem
de outras estratégias de promoção social, visando a garantir o suprimento de outras
necessidades não asseguradas com o Programa Bolsa Família e galgar um degrau mais
elevado na qualidade de vida. Apesar disso, algumas estratégias de promoção social não
obtiveram êxito em decorrência de uma série de fatores macroestruturais (com destaque, a
baixa qualificação profissional e o desemprego). Dentre as estratégias analisadas, seis se
destacaram, viabilizando mudanças na vida dos sujeitos, tais como: a concretização de bens
de consumo duráveis e não duráveis, “empoderamento” do papel da mulher no locus
familiar, acesso das crianças e adolescentes na escola, entre outros. Pode-se considerar que a
condição de pobreza vivenciada pelos representantes legais deve ser enfrentada pelos
programas de transferência de renda no seu aspecto multidimensional, não restringindo sua
concepção à insuficiência de alimentação ou bens de consumo, como abordado pela maioria
dos informantes. Esses restringem a concepção de pobreza sob o viés absoluto e relativo,
além de vincular esse fenômeno ao status de “estigma” ou um problema moral e
individual”. Considerando que os Programas de Transferência de Renda, especialmente o
Programa Bolsa Família, vêm ganhando destaque, na realidade brasileira, objetivando o
combate à pobreza e à fome, a presente pesquisa enfatizou uma análise desse Programa
transpondo a mera transferência de renda, priorizando sua natureza redistributiva para o
alcance da emancipação das famílias beneficiárias no Município de Maracanaú.
Palavras Chaves: Políticas públicas - Maracanaú - Ceará; renda mínima ; pobreza;
necessidade humana básica.
6
ABSTRACT
It analyses the strategies that the families contemplated by the Programa Bolsa Família used
in order to be promoted socially, aiming to improve their quality of life, lifted up in the
capacity of life over, in way to ease the situation of survived poverty day-to-day. The present
study, of qualitative and quantitative nature, was developed in Maracanaú, Ceará, looking to
investigate the local reality, by means of three ways: the bibliographical inquiry for which it
looked to talk to scholars of the theme, taking the following categories as a reference: Least
Income, Poverty and Human Basic Necessities; the documentary inquiry, which subsidized
the preliminary diagnosis of the Program, through official documents, as well as of the Local
Government of Maracanaú, by means of the consultation of statistical data collected by the
most important institutes and Brazilian Official Organisms and, finally, the field work, that
made possible an intense contact with the program’s beneficiaries, catching his existences,
his difficulties and realizations, using a diary of field and questionnaire with open and
closed questions. Among the results of the prospective process they detached the use of the
Programa Bolsa Família like a complement of income of the beneficiary families, providing
least needs beyond the vital minimum (school materials, courses extra classroom, leisure,
lasting and not lasting consumer goods, among others). The value of the benefit is very low,
nevertheless, being necessary, for most of the families, to make use of other strategies of
social promotion, aiming to guarantee supplies of other necessities not secured with the
Programa Bolsa Família to improve a step more lifted up in their quality of life.
Nevertheless, some strategies of social promotion did not obtain success as a result of a
series of macro structure factors (with distinction, the low professional qualification and the
unemployment). Among the analyzed strategies, six were outstanding, making possible
changes in the life of the families, such as: the realization of lasting and not lasting consumer
goods, empowerment of the paper of the woman in the familiar locus, access of the children
and adolescents in the school, between others. It is possible to be considered that the
condition of poverty survived by the legal representatives must be faced by the programs of
transfer of income in his aspect multidimensional, not restricting his conception to the
insufficiency of food or consumer goods, like boarded by most of the informants. Those
restrict the conception of poverty under the absolute and relative slant, besides linking this
phenomenon to the status of "stigma" or a “moral and individual problem”. Thinking that
Programs of Income Transfer, specially like the Programa Bolsa Família, are gaining
distinction, in Brazilian fact, aiming the combat to the poverty and to the hunger, the present
study emphasized an analysis of this Program transposing the mere transfer of income focus,
given priority to his redistributive nature to reach the emancipation of the beneficiary
families in Maracanaú.
Keywords: Public politics Maracanaú Ceará; least income; poverty; human basic
necessities.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
11
2 DA CONCEPÇÃO À REALIDADE: O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA COMO
OBJETO DE PESQUISA
2.1 Delimitação do objeto de estudo: o problema e sua importância................................... 17
2.2 Metodologia utilizada na pesquisa................................................................................. 20
2.3 Caracterização do campo empírico da pesquisa: perfil do Município
de Maracanaú.................................................................................................................
23
2.4 Implantação do Programa Bolsa Família no Município de Maracanaú – Ceará............ 33
2.5 Perfil dos inscritos no CADUNICO em Maracanaú, Ceará............................................ 40
2.6 Perfil das famílias cadastradas e beneficiadas em Maracanaú, segundo ADL.............. 47
2.7 Particularidades da pesquisa de campo: alguns aspectos instigadores........................... 55
3 DO DEBATE INTERNACIONAL DA POLÍTICA DE RENDA MÍNIMA À
UTILIZAÇÃO DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO
COMBATE À POBREZA
3.1 O cenário socioeconômico internacional e as modificações no Estado e nas formas de
enfrentamento da pobreza........................................................................
63
3.2 Aspectos diferenciadores entre uma renda mínima e uma renda básica: algumas reflexões
conceituais para iniciar o debate....................................................................
71
3.3 A Política de Renda Mínima e o debate internacional dos programas de transferência de
renda...........................................................................................................................
76
4 O DEBATE NACIONAL DA POLÍTICA DE RENDA MÍNIMA
4.1 Pobreza: diversidade de conceitos e manifestações na realidade brasileira.................... 91
4.2 O debate nacional dos programas de transferência de renda: da renda mínima à renda
básica no Brasil..............................................................................................................
98
4.3 Caracterização do Programa Bolsa Família : o surgimento desse programa na sociedade
brasileira........................................................................................................
107
5 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO
SOCIAL
5.1 Perfil socioeconômico dos sujeitos da pesquisa.............................................................. 121
5.2 Perfil biográfico dos sujeitos, com enfoque nas estratégias de promoção social............ 134
5.3 Análise do Programa Bolsa Família na realidade Maracanauense: natureza,
condicionalidades e impactos sociais no cotidiano dos
sujeitos.............................................................................................................................
137
5.4 As visões da Pobreza sob a óptica dos sujeitos no município de Maracanaú-
Ceará...............................................................................................................................
162
5.5 O Programa Bolsa Família como instrumento de provisão de necessidades humanas
básicas ou necessidades mínimas no município de Maracanaú-
Ceará...............................................................................................................................
173
5.6 As estratégias de promoção social mediadas pelo Programa Bolsa Família no município
de Maracanaú – Ceará....................................................................................
189
6 À GUISA DE CONCLUSÃO........................................................................................... 200
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................
ANEXOS .............................................................................................................................
206
210
8
LISTA DE TABELAS
1. Taxa Anual de Crescimento Populacional de Maracanaú ( 1970-2000)
27
2. Indicadores Educacionais no Ensino Fundamental ( 2003-2005)
29
3. Principais indicadores de saúde no Município de Maracanaú( 2003-2005)
30
4.Informações do Bolsa Família
38
5. Amostra da Pesquisa de Campo
61
6. Síntese dos programas de Transferência de Renda no âmbito nacional 104
7. Síntese dos valores dos benefícios do PBF 112
8. Síntese dos valores dos benefícios do PBF ( c / BVJ) 113
9
LISTA DE GRÁFICOS
1. Pessoas em situação de infortúnio pelas enchentes
31
2. Violência contra criança e adolescente por ADL
32
3. Distribuição dos cadastrados por sexo
40
4. Distribuição dos cadastrados por cor
41
5. Distribuição dos cadastrados por idade
42
6. Distribuição dos cadastrados escolaridade 43
7. Distribuição dos cadastrados por ocupação profissional 44
8. Distribuição dos cadastrados por renda familiar 45
9. Distribuição da média da renda per capita dos cadastrados
45
10. Distribuição do de beneficiários de outros programas de transferência de renda
inscritos no CADUNICO
46
11. Nº de Cadastros da ADL 01
48
12. Nº de Beneficiários da ADL 01
48
13. Nº de Cadastros da ADL 02
50
14. Nº de Beneficiários da ADL 02
50
15. Nº de Cadastros da ADL 03
51
16. Nº de Beneficiários da ADL 03
51
17. Nº de Cadastros da ADL 04
52
18. Nº de Beneficiários da ADL 04
52
19. Nº de Cadastros da ADL 05
53
20. Nº de Beneficiários da ADL 05
53
21. Nº de Cadastros da ADL 06
54
22. Nº de Beneficiários da ADL 06
54
23.Distribuição dos sujeitos por sexo
122
24. Distribuição dos sujeitos por estado civil
123
25. Distribuição dos sujeitos por escolaridade
124
26. Distribuição dos sujeitos por ocupação profissional
126
27. Renda Familiar antes de receber o PBF ( CRAS Jereissati)
127
28. Renda Familiar depois de receber o PBF ( CRAS Jereissati)
127
29. Renda Familiar antes de receber o PBF ( CRAS Antônio Justa)
129
10
30. Renda Familiar depois de receber o PBF ( CRAS Antônio Justa)
129
31. Distribuição do Nº de filhos na família dos sujeitos
130
32. Distribuição da composição familiar dos sujeitos
131
33. Nº de Bairros distribuídos no CRAS Jereissati
132
34. Nº de Bairros distribuídos no CRAS Antônio Justa
133
35. Natureza do PBF ( CRAS Jereissati)
138
36. Natureza do PBF ( CRAS Antônio Justa)
140
37.Critérios de Seleção do PBF ( CRAS Jereissati)
143
38. Critérios de Seleção do PBF ( CRAS Antônio Justa)
145
39. Discriminação dos gastos com o PBF ( CRAS Jereissati)
147
40. Discriminação dos gastos com o PBF ( CRAS Antônio Justa)
149
41. Levantamento de melhorias com o PBF ( CRAS Jereissati)
151
42. Levantamento de melhorias com o PBF ( CRAS Antônio Justa)
153
43. Sugestões para o aperfeiçoamento do PBF ( CRAS Jereissati)
157
44. Sugestões para o aperfeiçoamento do PBF ( CRAS Antônio Justa)
160
45. Conceito de pobreza ( CRAS Jereissati)
164
46. Conceito de pobreza ( CRAS Antônio Justa)
164
47. Consideração da situação de pobreza ( CRAS Jereissati)
168
48. Consideração da situação de pobreza ( CRAS Antônio Justa)
168
49. Suprimento das necessidades do PBF ( CRAS Jereissati)
178
50. Suprimento das necessidades do PBF ( CRAS Antônio Justa)
178
51. Estratégias de superação da condição de pobreza ( CRAS Jereissati)
181
52. Estratégias de superação da condição de pobreza ( CRAS Antônio Justa)
181
11
1 INTRODUÇÃO
As alterações nos padrões de produção, na esfera do Estado e da sociedade civil
repercutem, na contemporaneidade, em novas mediações históricas das expressões da
questão social, bem como das formas de seu enfrentamento. É nesse contexto que os
programas de transferência de renda auferem destaque no âmbito das políticas públicas.
O debate internacional em torno da Política de Renda Mínima intensificou-se
nos anos de 1980, diante do acirramento do desemprego estrutural e da precarização das
condições de trabalho, os quais agravaram o quadro de desigualdade social e econômica,
inclusive em países desenvolvidos. Essas profundas mudanças no plano econômico e social
repercutiram em novos redimensionamentos do papel do Estado, bem como das formas de
enfrentamento da questão social, mediante políticas públicas, com destaque para os
programas de transferência de renda de combate à fome e à pobreza. Foram inúmeras as
modalidades e concepções de renda mínima, com repercussão nos meios acadêmicos e
profissionais, que influenciaram as primeiras experiências brasileiras de programas de
transferência de renda, no contexto nacional e local.
As primeiras discussões no Brasil sobre a introdução de um programa de renda
mínima aconteceram nos anos de 1970, contudo foi somente a partir de 1991 que ganhou
concretude, na agenda política, a idéia da instituição de programas de transferência de renda,
com a aprovação do Projeto de Lei do senador Eduardo Suplicy, propondo o Programa de
Garantia de Renda Mínima (PGRM). Desde então, se iniciou o desenvolvimento desses
programas, partindo das primeiras experiências municipais em 1995, ganhando espaço o
Programa Bolsa Escola no plano federal, a partir de 2001, no Governo de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), chegando em 2003, durante o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, com a
unificação dos programas remanescentes de transferência de renda de FHC Bolsa-Escola,
Vale-Gás, Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás a um programa denominado Bolsa Família.
Não se pode desconsiderar a importância dos movimentos sociais, nesse contexto, que
reivindicavam ações governamentais e não governamentais de combate à fome e à pobreza
no País.
12
Essa unificação ocorrida nos programas de transferência de renda, em 2003,
atingiu dois pontos cruciais: em primeiro lugar, reforçou a necessidade de instituição de uma
Política Nacional de Transferência de Renda no Brasil, não restringindo o Programa Bolsa
Família a uma política de governo, mas ampliando o campo de ação deste programa numa
perspectiva de se tornar uma política de Estado, voltado a atender um público- alvo (grupo
familiar), com legislação específica, com dotação orçamentária e um comando único
(Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome). O segundo ponto a ser
levantado é que a criação do programa Bolsa Família pressupôs, mediante a unificação, uma
responsabilidade compartilhada entre União, Distrito Federal, estados e municípios. Essas
questões serão discutidas e aprofundadas no quarto capítulo desta dissertação.
Atualmente o Programa Bolsa Família, situado como eixo estratégico do Fome
Zero, é uma das principais estratégias de ação governamental de combate à pobreza e à fome
no País, mediante uma transferência mensal sob a forma de dinheiro, articuladas a políticas
no âmbito da saúde, educação e assistência social. A efetividade deste programa, contudo, é
alvo de críticas e limitações que serão tratadas neste trabalho, de forma a permitir uma
análise da utilização desses Programas como instrumentos de emancipação dos sujeitos por
eles assistidos.
Além da relevância política que o programa Bolsa Família vem alcançando no
cenário nacional, este estudo parte, da nossa prática profissional como assistente social, no
Município de Maracanaú, e experiência acadêmica como aluna do Mestrado em Políticas
Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará. Essa articulação entre teoria e
prática profissional foi de fundamental importância para a definição do objeto de estudo.
Tendo em vistas essas considerações, esta dissertação visa a verificar em que
medida o Programa Bolsa Família contribui para a inclusão social das famílias contempladas
por este Programa no Município de Maracanaú – Ceará, buscando identificar e analisar quais
estratégias são utilizadas pelos representantes legais do Programa Bolsa Família, a fim de se
promoverem socialmente.
13
O conceito de “promoção social” se refere à tentativa desses sujeitos de
ultrapassar a situação de pobreza, marcada pela fragilidade das relações sociais, econômicas
e de auto-estima, galgando um patamar mais elevado na garantia de melhor qualidade de
vida. Nesse sentido, é imprescindível captar as principais mudanças econômicas e sociais
advindas do Programa; identificar os fatores sociais e econômicos possibilitadores e
impossibilitadores dessa inclusão social; verificar em que medida o programa supre as
necessidades das famílias por ele contempladas e definir que necessidades são estas;
identificar as estratégias de promoção social, mediadas ou não por este Programa; identificar
a concepção que esses representantes legais têm do Programa Bolsa Família, sua natureza e
condicionalidades; e analisar a concepção desses sujeitos sobre o fenômeno da pobreza;
Para o alcance destes objetivos, o presente trabalho fará uso de procedimentos
metodológicos que articularão o embasamento teórico com a realidade empírica, utilizando
instrumentos e técnicas nos representantes legais que recebem o Bolsa Família no município
de Maracanaú. Sendo assim, a presente dissertação é de natureza quantitativa, contudo
utilizou a abordagem qualitativa como aspecto complementar, durante a análise da tabulação
dos dados. Os instrumentos e técnicas utilizados para a coleta das informações foram o
questionário com perguntas abertas e fechadas, bem como o diário de campo.
Os procedimentos teóricos e metodológicos para a elaboração deste trabalho
ocorreram em três vias - a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de
campo - contendo cada uma delas importantes particularidades na delimitação do objeto de
estudo a ser investigado.
Na pesquisa bibliográfica buscamos dialogar com autores que estudam a
temática dos programas de transferência de renda, bem como as categorias constituintes
deste trabalho, tais como: renda mínima, pobreza e necessidades humanas básicas. Para
iluminar essas categorias, abordamos autores centrais como Silva (1997), Silva, Yasbeck &
Giovanni (2004), Fonseca (2001), Suplicy (2002), Sônia Rocha (2005), Schwartzman (2004),
Sarti (2005), Pereira (2002), entre outros.
14
Quanto à pesquisa documental, acrescentamos informações obtidas de fontes
secundárias dos principais institutos de pesquisa do Ceará, bem como de órgãos e
instituições governamentais também no plano federal, além da consulta a documentos
oficiais de âmbito federal do Programa Bolsa Família, tais como leis, decretos e medidas
provisórias.
Finalmente, a pesquisa de campo foi realizada no Município de Maracanaú,
Ceará, dada a importância econômica e social deste no cenário cearense, bem como nossa
experiência profissional no referido Município.
A presente dissertação será constituída por quatro capítulos, assim distribuídos.
No primeiro capítulo, denominado Da concepção à realidade: o programa
Bolsa Família como objeto de pesquisa será realizada uma delimitação do objeto de estudo,
ressaltando as questões norteadoras a serem investigadas, bem como a relevância social e
política do tema na realidade brasileira. Além disso, será realizada uma caracterização do
Município de Maracanaú nos seus aspectos mais gerais até a implantação do Programa Bolsa
Família na realidade maracanauense, levantando tanto o perfil dos inscritos no Cadastro
Único quanto das famílias cadastradas e beneficiadas pelo referido Programa, segundo a
Área de Desenvolvimento Local (ADL). Ainda neste capítulo, será detalhado todo o percurso
metodológico da pesquisa empírica.
No segundo capítulo, intitulado O Debate Internacional - da política de renda
mínima à utilização dos Programas de Transferência de Renda no combate à pobreza,
será explicitado o cenário socioeconômico internacional no qual emergem os programas de
transferência de renda e o seu papel no combate à pobreza. Posteriormente, serão levantados
aspectos diferenciadores entre uma renda mínima e uma renda básica, imprescindíveis para
iniciar o debate em torno da política de renda mínima e das suas experiências no âmbito
internacional. Serão também delimitados os conceitos de necessidades humanas básicas e
necessidades mínimas, à luz de autores como Pereira (2002).
15
No terceiro capítulo, denominado O Debate Nacional da Política de Renda
Mínima será realizada, inicialmente, uma breve caracterização histórica das formas de
enfrentamento da pobreza no Brasil, ressaltando as diversas formas de enfrentamento desse
fenômeno pelo Estado, bem como a diversidade conceitual de se mensurar a pobreza em um
dado tempo histórico. Em seguida traremos ao debate nacional os programas de transferência
de Renda, ressaltando as tentativas de se conceber uma renda básica em vez de mínima no
Brasil. Nesse capítulo, também caracterizaremos o programa Bolsa Família na realidade
brasileira, reforçando a idéia de que esse programa é gerenciado pela União, sendo
operacionalizado pelos municípios, desvinculando-se da óptica assistencialista e
patrimonialista que fizeram parte da história política do País.
No quarto capítulo desta dissertação - O Programa Bolsa Família e as
estratégias de promoção social - será inicialmente realizado o levantamento do perfil dos
entrevistados, a fim de que o leitor possa se aproximar do cotidiano dessas famílias e melhor
compreender em que medida o Programa contribui para sua inclusão social. Posteriormente
serão descritos, de forma sucinta, algumas estratégias de promoção social que se destacaram
no decorrer da pesquisa, ressaltando alguns aspectos biográficos dos entrevistados. Quanto à
análise mais quantitativa, aliada à utilização das falas e dos relatos dos sujeitos sociais, de
modo a complementar a tabulação dos dados, serão discutidos e analisados inicialmente a
natureza e as condicionalidades do programa Bolsa Família na óptica dos entrevistados,
especificando as principais melhorias advindas com esse programa e o levantamento de
sugestões dos sujeitos, para que o referido Programa possa ensejar condições de melhoria na
qualidade de vida desses sujeitos e de suas famílias. Posteriormente serão analisados os
olhares desses informantes em torno do fenômeno da pobreza, visando a detectar as
principais dificuldades que contribuem para manter a sua condição de vulnerabilidade social.
Finalmente, serão especificados os limites e as possibilidades do programa Bolsa Família no
processo de inclusão social, mediante a especificação de que tipo de necessidades o
Programa consegue suprir e quais estratégias de promoção social são utilizadas pelos
informantes da pesquisa, na tentativa de alcançar um status mais elevado na sua qualidade de
vida.
16
À guisa de conclusão será realizada uma síntese dos principais resultados
alcançados durante o processo da pesquisa empírica, ressaltando aspectos fundamentais a
serem discutidos e detalhados além desta dissertação, uma vez que o conhecimento está em
constante aprimoramento e redimensionamento.
17
2 DA CONCEPÇÃO À REALIDADE: O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA COMO OBJETO DE PESQUISA
2.1 Delimitação do objeto de estudo: o problema e sua importância
Esta dissertação, como mencionado, visa verificar em que medida o programa
Bolsa Família contribui para a inclusão social das famílias contempladas por este programa
no município de Maracanaú Ceará, buscando identificar e analisar quais estratégias são
utilizadas pelos representantes legais do Programa Bolsa Família, a fim de se promoverem
socialmente.
Esta investigação parte da premissa de que o Programa Bolsa Família tem
destaque tanto no âmbito nacional quanto local, apresentado pelos seus idealizadores como
um instrumento que busca uma melhor focalização da pobreza, visando ao enfrentamento
eficaz do problema no País, mediante a transferência monetária mensal para um público-
alvo, além de um conjunto de ações no âmbito da saúde e da educação, como política de
Governo.
Apesar dessa amplitude e relevância, a escolha do objeto de estudo, bem como
do campo empírico, também tem uma vinculação direta com a nossa experiência
profissional. No período de 2004-2006 desenvolvemos atividades como estagiária de Serviço
Social, no setor de atendimento do Cadastro Único (CADUNICO), pertencente à
Coordenadoria de Gestão do Sistema de Informação Municipal da Assistência Social,
localizada na Secretaria de Assistência Social e Cidadania, em Maracanaú. Após os dois anos
de estágio e defesa do trabalho de conclusão do curso, fomos contratada para o desempenho
das atividades técnicas como assistente social, na mesma Secretaria, especificamente no
Centro de Referência da Assistência Social, localizado no bairro Jereissati.
18
Durante a experiência de estágio, realizamos leituras sistemáticas sobre o
CADUNICO
1
e o Programa Bolsa Família mediante consultas aos documentos oficiais (leis
e decretos federais) e aos materiais cedidos pela Caixa Econômica Federal (Cartilhas), a fim
de nos aproximar do objeto de intervenção e estarmos apta ao desenvolvimento de nossas
atividades diárias junto às famílias atendidas pelo CADUNICO. As palestras sócio-
educativas, o atendimento individual e as visitas domiciliares nos permitiram melhor
esclarecimento acerca da natureza e das condicionalidades do Programa Bolsa Família, além
de possibilitar a primeira aproximação com as dificuldades sociais e econômicas das famílias
inscritas nos programas de transferência de renda.
No atendimento diário a essas famílias, percebemos que era bastante significativa
a demanda por informações e esclarecimentos acerca do Programa Bolsa Família e do
Cadastro Único. Detectamos o fato de que grande parte dos usuários desconheciam as
peculiaridades do Programa, tais como: sua natureza, objetivos, condicionalidades, fonte de
financiamento e, até mesmo, a nomenclatura dos programas, uma vez que ocorreu a
unificação dos programas remanescentes em um só denominado Bolsa Família, em 2003.
As perguntas mais freqüentes durante as palestras, ministradas por nós como
estagiária de Serviço Social e, posteriormente na qualidade de assistente social, eram: Por
que eu me cadastrei no SESI em 2003 e nunca recebi nada? Por que eu ainda recebo o Bolsa
Escola no cartão azul? Como eu faço para me cadastrar no Bolsa Família? Por que eu só
recebo no cartão azul, se eu também tenho o cartão amarelo? Por que uns recebem somente
R$ 15,00 reais e outros R$ 95,00 reais? Por que tem gente que recebe o Bolsa Família sem
precisar? É verdade que meu filho vai sair do Bolsa Família quando completar 15 anos?
Porque tem gente que se cadastrou mais de quatro anos no SESI e nunca recebeu o Bolsa
Família? Idoso tem direito ao Bolsa Família?
Nossa vivência com essa realidade e questionamentos foi de suma
importância para a elaboração da nossa monografia, a qual nos possibilitou verificar que o
Programa Bolsa Família, bem como sua natureza e condicionalidades não eram claros ao seu
1
O CADUNICO é uma base de dados socioeconômicos das famílias que possuem renda mensal de até meio
salário mínimo (R$ 190,00), sendo executado pelos municípios por meio da coleta de dados das famílias em
formulário específico para esse fim ( Relatório CADUNICO X RAIS, 2005).
19
público-alvo, e que tal programa ainda estava intimamente vinculado à concepção de ajuda e
benesse do “Governo Lula”, ou seja, as famílias contempladas pelo Programa não viam a
transferência monetária mensal como um direito e sim como um ato de bondade ou como
uma ajuda, personificado na figura do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Diante disso, foi
constatado que o Programa Bolsa Família deveria atuar não somente na distribuição da renda
via transferência monetária, mas também na redistribuição da renda, promovendo a
autonomização e a inclusão social dessas famílias.
Tais considerações foram amadurecendo durante nossa experiência
profissional, aliadas às leituras de autores como Suplicy (2002), Fonseca (2001), Silva
(1997), Pereira (2002), Rocha (2005) e às discussões acadêmicas que se realizaram no
decorrer do Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da
Universidade Estadual do Ceará do qual fazemos faz parte desde 2006. Assim, durante a
realização de palestras sócio-educativas, de visitas domiciliares, do atendimento individual,
do monitoramento dos benefícios eventuais da Assistência Social e da mediação de oficinas
destinadas ao público-alvo do Programa Bolsa Família, no CRAS Jereissati, notamos que os
programas de transferência de renda deveriam ultrapassar as ações contingentes e
emergenciais, restritas à transferência monetária mensal e concentrar atenção nas estratégias
locais de inclusão social dessas famílias, tornando-se não somente uma porta de entrada, mas
também de saída às famílias em condição de pobreza.
Essa relação estabelecida entre a teoria e a vivência com as famílias
beneficiárias, foram imprescindíveis para a definição e redefinição do objeto de pesquisa.
Esse momento de vinculação entre o pensamento e a ação é, para Minayo (1996), uma via
importante que viabiliza ao pesquisador problematizar intelectualmente um problema da vida
prática.
Apesar do número significativo de famílias cadastradas e contempladas pelo
Programa Bolsa Família no Município de Maracanaú, e do desenvolvimento econômico
local, como será mostrado nos tópicos posteriores, alguns questionamentos são relevantes:
será que essas famílias conseguiram ultrapassar a condição de pobreza e extrema pobreza
após o recebimento dos benefícios do Programa Bolsa Família? Quais as contribuições do
20
Programa na promoção da inclusão social de seu público-alvo? Quais as estratégias
utilizadas pelas famílias na superação de sua condição de pobreza? O Programa Bolsa
Família ultrapassou a mera transferência de renda mínima no Município? O Programa Bolsa
Família supre as necessidades de seu público-alvo? Que tipo de necessidades seriam estas?
De que forma o Programa enseja condições de superação do estado de pobreza, fortalecendo
a auto-estima desses sujeitos e de suas famílias? O que esses sujeitos entendem sobre o
conceito de pobreza? Será que eles se consideram pobres? São estes questionamentos que
servem de norte para a pesquisa ora empreendida.
Encontrar, porém, respostas a essas questionamentos não é uma tarefa simples. É
preciso que o pesquisador instigue nele mesmo a capacidade critica e investigativa, no
sentido de buscar incansavelmente o desvelamento do objeto em sua essência, ultrapassando
a aparência dos fatos. Para tal intento, urge a utilização de procedimentos e técnicas
adequadas e de um embasamento teórico que garanta ao pesquisador, nos termos de
Bourdieu, pensar relacionalmente.
2.2 Metodologia utilizada na pesquisa
A metodologia abordada neste trabalho inclui as concepções teóricas de
abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também o
potencial criativo do pesquisador. (MINAYO, 1996: 22). Sendo assim, a metodologia será
apreendida como um conjunto de métodos e técnicas a serem utilizados na pesquisa,
associado a um referencial teórico, norteador dos procedimentos investigativos, os quais
possibilitarão ao pesquisador interagir com o seu objeto de pesquisa, na tentativa de
desvelamento da realidade social em sua essência.
Bourdieu (2006: 24) também enfatiza a idéia de que a metodologia está
intimamente relacionada com a teoria, uma vez que é somente de um corpo de hipóteses
derivado de um conjunto de pressupostos teóricos que um dado empírico qualquer pode
funcionar como prova ou, como dizem os anglo-saxônicos, como evidence.
21
O objeto de pesquisa tem de estar vinculado a um contexto maior, não deixando
de perder a sua propriedade específica, inerente à vida cotidiana que deve estar em constante
redefinição. Nas palavras de Bourdieu, significa dizer que o objeto em questão não está
isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial de suas propriedades (...) é
preciso pensar relacionalmente (2006: 27).
O autor alerta, contudo, para o fato de que o pesquisador não deve confundir
rigidez com rigor durante o processo investigativo. Em outras palavras, é necessário que a
pesquisa tenha um referencial operacional, dotado tanto de técnicas e regras quanto da
capacidade de invenção do pesquisador, permitindo a este uma certa liberdade, sem deixar de
lado uma extrema vigilância das condições de utilização das técnicas, da sua adequação ao
problema posto e às condições de seu emprego( BOURDIEU, 2006: 27).
Levando na devida conta essas considerações, a presente pesquisa será de
natureza quanti-qualitativa, haja vista que a análise de alguns fatos ocorrerá a nível objetivo,
buscando apreender de forma genérica os dados da realidade, bem como os do objeto de
pesquisa. A pesquisa também será qualitativa, uma vez que é imprescindível uma análise da
percepção dos sujeitos, seus modos de vida, enfim, sua experiência social, como aspectos a
complementar a análise dos dados estatísticos. O pesquisador deve ter em mente a noção de
que a relação do quantitativo versus qualitativo não se opõem, ao contrário, complementam-
se.
Os procedimentos teóricos e metodológicos para a elaboração deste trabalho
ocorrerão em três vias: a pesquisa bibliográfica, a busca documental e a demanda de campo,
contendo cada uma delas importantes particularidades na delimitação do objeto de estudo.
Na pesquisa bibliográfica buscamos com autores que estudam a temática dos
programas de transferência de renda, bem assim as categorias constituintes deste trabalho,
tais como: renda mínima, pobreza e necessidades humanas básicas. Dentre os principais
autores abordados neste trabalho, tivemos Silva (1997), Silva, Yasbeck & Giovanni (2004),
Fonseca (2001) e Suplicy (2002), os quais aprofundam a discussão acerca da política de
22
renda mínima no âmbito internacional e nacional, especificamente a natureza, as
condicionalidades e os objetivos dos programas de transferência de renda, tal como o Bolsa
Família. Para um entendimento da concepção de pobreza, não somente sob o aspecto
sociológico, mas também mensurável, adotamos autores como Sônia Rocha (2005), Osterne
(2001), Schwartzman (2004), Paugam (2003), Sarti (2005), entre outros. Finalmente, no
estudo da categoria necessidades humanas básicas, tomamos como referência o pensamento
de dois autores - Pereira (2002), que discute as diversas controvérsias entre a satisfação dos
mínimos sociais, bem como das necessidades humanas básicas, e Sônia Rocha (2005), cuja
análise é centrada na utilização dos melhores parâmetros, via políticas públicas, para a
definição e mensuração das necessidades insatisfeitas.
No que diz respeito à pesquisa documental, foram acrescentadas informações
obtidas de fontes secundárias dos principais institutos de pesquisa do Ceará, bem como de
órgãos e instituições governamentais, como: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), Pesquisa Nacional
de Amostra por Domicilio (PNAD) e Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS). Também foram consultados documentos oficiais do Programa Bolsa Família,
tais como leis e decretos.
Finalmente, a pesquisa de campo foi realizada no Município de Maracanaú,
Ceará, dada a importância econômica e social deste município no cenário cearense, bem
como a experiência profissional por nós desenvolvida no referido município. É válido
ressaltar que esta etapa permitiu inicialmente uma análise mais quantitativa a respeito do
objeto de estudo, como também foi possível captar, em alguns informantes, o significado,
o discurso e a concepção do programa Bolsa Família e sua contribuição para o processo
de inclusão social no locus da investigação.
Foram priorizados para a investigação do objeto de estudo os seguintes
instrumentos e técnicas de pesquisa: diário de campo, que traçou todo o percurso
metodológico da pesquisa, bem como as dificuldades do campo empírico e interações
sociais da pesquisadora e sujeito; e o questionário com perguntas abertas e fechadas,
23
com o objetivo de apreender não somente os aspectos objetivos, mas também os
subjetivos da fala, dos gestos, enfim, do não dito.
Antes de adentrar as particularidades da pesquisa de campo, é importante situar os
aspectos geográficos, históricos, econômicos e sociais do Município de Maracanaú, Ceará,
tentando compreender como o município foi dividido para efeito de planejamento urbano,
quais os principais problemas sociais e econômicos que atualmente enfrenta e como ocorreu
ali a implantação do Programa Bolsa Família. Além disso, é importante apresentar e analisar
alguns dados importantes acerca do perfil socioeconômico dos inscritos no Cadastro Único,
bem como do número de famílias cadastradas e beneficiadas pelo Programa Bolsa Família,
por Área de Desenvolvimento Local (ADL).
2.3 Caracterização do campo empírico da pesquisa: perfil do Município de Maracanaú
- Ceará
Considerando que o objeto de estudo deve ser contextualizado no espaço e no
tempo, o que lhe confere sentido e significado, esta pesquisa se desenvolveu no Município de
Maracanaú, dada sua posição atual de maior Distrito Industrial do Ceará, concorrendo para
isto a instalação de grandes conglomerados industriais, que atraiu um contingente de mão-de-
obra e promoveu um crescimento econômico significativo. Apesar desse cenário econômico
aparentemente próspero, o Município possui preocupantes indicadores sociais e econômicos
(saúde, educação habitação, violência, entre outros).
Quanto à sua caracterização geográfica, Maracanaú foi criado em 1983, pela Lei
10.811, estando o seu nome intimamente relacionado com os primeiros povos e grupos
étnicos que ali se estabeleceram. Assim, “Maracanaú”, em língua tupi, significa lugar onde
bebem as maracanãs, em alusão à lagoa de mesmo nome, em cujas imediações esses
pássaros vinham se abrigar e onde teve início o povoamento da região
2
.
2
O processo de povoamento do Município se deu, inicialmente, mediante ocupação espontânea, às margens da
lagoa de Maracanaú, do rio Maranguapinho e da lagoa de Jaçanau. Até o final do século XIX e meados do
século XX, o cenário urbano era ainda incipiente, os grupos populacionais concentravam-se nas imediações do
centro histórico: Igreja de São José (1874), Escola de Maracanaú e Cartório (1873), passando à condição de vila
em 1882, e Distrito de Maranguape em 1906 (ALMEIDA 2005 apud Diagnóstico Social do Município de
Maracanaú: 2005).
24
Sendo assim, para se compreender as modificações do espaço urbano, bem como
os problemas socioeconômicos que o Município atualmente enfrenta, faz-se necessário
conhecer brevemente seu perfil, situando-o na região metropolitana de Fortaleza- RMF,
formada pelos Municípios de: Aquiraz, Caucaia, Chorozinho, Eusébio, Fortaleza, Guaiúba,
Horizonte, Itaitinga, Maranguape, Maracacanaú, Pacajus, Pacatuba e São Gonçalo do
Amarante. A área territorial do município é de 105,70 km², entretanto, segundo dados
obtidos no Perfil Básico Municipal (PBM) de 2007, sua população é a terceira maior da
RMF: 179.732 (cento e setenta e nove mil, setecentos e trinta e dois) habitantes, perdendo
apenas para Fortaleza, que possui 2.141.402 (dois milhões, cento e quarenta e um mil,
quatrocentos e dois) habitantes, e para Caucaia, que conta com 250.479 (duzentos e
cinqüenta mil, quatrocentos e setenta e nove) habitantes. Além disso, a maioria da população
residente no Município de Maracanaú está situada na zona urbana, correspondendo a
179.170 (cento e setenta e nove mil, cento e setenta) habitantes, estando apenas 562
(quinhentos e sessenta e dois) habitantes residindo na zona rural. Isto corresponde a uma taxa
de urbanização de 99,69%.
Quanto à situação geográfica e territorial, o Município de Maracanaú apresenta
uma distância de 22 km da Capital, a aproximadamente 16 Km do centro de Fortaleza,
apresentando como municípios limítrofes: ao norte: Fortaleza e Caucaia; ao sul; Maranguape
e Pacatuba; ao leste; Pacatuba e Fortaleza e a oeste: Maranguape e Caucaia, conforme se
pode visualizar no mapa abaixo:
25
Mapa 1 / Fonte: Perfil Básico Municipal, 2007
Segundo informações do Diagnóstico Social do Município de Maracanaú (2005),
o Município divide-se internamente em dois distritos: o de Maracanaú ou Distrito sede e o
Distrito de Pajuçara. Há ainda outra subdivisão realizada pela prefeitura para efeito do
planejamento urbano, baseada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (lei 557, 26/05/1997),
denominadas de Áreas de Desenvolvimento Local (ADL). Essas áreas agregam diversos
bairros e localidades, perfazendo em torno de seis territórios: ADL 1 ( Santo Antônio do
Pitaguari, Horto, Olho D’agua, Escola de Menores, Bela Vista, Boa Vista, Alto da
Mangueira, Picada, Centro, Coqueiral, Piratininga, Conjunto Novo Maracanaú, Jenipapeiro);
ADL 2 (Conjunto Jereissati I e II, Conjunto Timbó); ADL 3 (Distrito Industrial, Jardim
Bandeirante, Menino Jesus de Praga, Parque Progresso, Alto da Bonanza, Jardim Paraíso,
Boa Esperança e Pajuçara); ADL 4 (Distrito Industrial III, Novo Mondubim, Planalto Cidade
Nova, Esplanada do Mondubim II, Conjunto Industrial, Alto Alegre II); ADL 05 (Alto
Alegre I, Vila Buriti, Novo Oriente, Acaracuzinho, Santo Sátiro e Jardim Maravilha); ADL 6
(Jatobá, Parque São José, Siqueira II, Jari, Santa Maria, Parque Nazaré, Jaçanaú, Mucunã,
Parque Tijuca, Cágado, Parque Luzardo Viana e Pau Serrado).
26
Apesar de apresentar uma das menores áreas territoriais se comparado com os
outros municípios da RMF
3
, podemos constatar que a implantação dos distritos industriais e
dos conjuntos habitacionais no Município, nas décadas de 1970 e 1980, elevou o Município à
posição atual de maior Distrito Industrial do Ceará
4
.
Analisando os indicadores econômicos de modo mais detalhado, o Município
possuía até 2004, um PIB per capita de R$ 10.592 (dez mil, quinhentos e noventa e dois
reais), sendo 77, 81% proveniente da indústria, 22,9% do setor de serviços e apenas 0,01%
da agropecuária. Estes dados são significativos para afirmar que o referido Município está
acima da média nacional (7.707,75), contribuindo com 7,93% para o PIB estadual
(IPECE/SEPLAN, 2004 apud Diagnóstico Social do Município de Maracanaú, 2005, p.13).
É válido ressaltar que a implantação dos conjuntos habitacionais constituiu
uma estratégia do Governo Estadual na tentativa de reduzir o inchaço populacional e o
congestionamento habitacional de Fortaleza, mediante ampliação de possibilidades de
emprego a uma população desempregada e subempregada que poderia ser aproveitada como
mão-de-obra para a indústria. Assim, um contingente populacional foi atraído pelo parque
industrial e pelos conjuntos habitacionais no Município de Maracanaú, a partir de 1970 e
início dos anos de 1980. Segundo dados do IBGE (Censo de 1970, 1980, 1991,1996 apud
Diagnóstico Social de Maracanaú, 2005) e do Perfil Básico Municipal de 2007 (Censo de
2000), a população de Maracanaú passou de 15.685 (quinze mil, seiscentos e oitenta mil)
habitantes em 1970 para 37.844 (trinta e sete mil, oitocentos e quarenta e quatro) em 1980,
apresentando uma taxa de crescimento de 9,22. De 1980 a 1991, deu um salto significativo
para 157.150 (cento e cinqüenta e sete mil, cento e cinqüenta) habitantes, apresentando o
maior percentual de crescimento, até então, de 13,80. De 1991-1996, ocorreu um decréscimo
significativo da taxa de crescimento, em torno de 13,43, passando a apresentar nos anos
seguintes até 2000 uma taxa de 0,41. Esses dados podem ser visualizados na tabela abaixo:
3
Maracanaú apresenta a segunda menor área territorial da RMF: Maracanaú (105,70 km²) somente ganha de
Eusébio (76,58km²), perdendo para Aquiraz (480km²), Caucaia (1.227,90km²), Guaiúba (267,78km²),
Itaitinga(150,78km²), Maranguape (590,82 km²) e Fortaleza( 313,14km²) – Fonte: PBM, 2007.
4
O decreto - lei que desapropriou uma área de 1.013 hectares para a construção do I Distrito Industrial se deu
em 1964, posteriormente tem-se a implantação dos Distritos II e III localizados na via férrea
Maracanaú/Eusébio. O I distrito teve seu impulsionamento em 1979, com a implantação do III lo Industrial
do Nordeste. (DIAGNÓSTICO SOCIAL DO MUNICÍPIO DE MARACANAÚ, 2005).
27
Tabela 1
Taxa Anual de Crescimento Populacional de Maracanaú
1970-2000
Ano População Taxa de Crescimento
1970 15.685 ________
1980 37.894 9,22
1991 157.151 13,80
1996 160.065 0,37
2000 179.732 0,41
Fonte: IBGE Censos Demográficos de 1970,1980, 1991 e contagem da população em 1996 apud Diagnóstico
Social do Município de Maracanaú, 2005/ Perfil Básico Municipal, 2007.
A instalação de distritos industriais e o controle da taxa de crescimento
populacional de 1996-2000 podem ter contribuído para a melhoria nos indicadores de
desenvolvimento do município de Maracanaú. Os indicadores levantados foram: Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M)
5
, Índice de Desenvolvimento Municipal
(IDM)
6
e Índice de Desenvolvimento Social de Resultados
7
(IDS- R).
Segundo mapeamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia
Econômica do Ceará (IPECE), em 1991 havia 80 (oitenta) municípios com baixo
desenvolvimento humano e 180 (cento e oitenta) com médio desenvolvimento humano no
Ceará. Em 2000, todos os 184 (cento e oitenta e quatro) municípios cearenses foram
classificados na faixa de médio desenvolvimento humano, destacando-se Fortaleza (0,7860),
Maracanaú ( 0,7360), Caucaia (0,7210), Pacatuba (0,7170) e Crato (0,7160). Dentre os
5
O IDH-M, inspirado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), considera os indicadores de educação
(taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos e taxa bruta de freqüência à escola), longevidade (esperança
de vida ao nascer) e renda (renda municipal per capita) - fonte: IPECE, Ceará em Mapas, indicadores sociais
(IPECE/ Ceará em mapas, 2007).
6
IDM é composto por um conjunto de 30 (trinta) indicadores subdivididos em quatro grupos: fisiográficos,
fundiários e agrícolas; demográficos e econômicos; de infra-estrutura de apoio; e sociais (IPECE/ Ceará em
mapas, 2007).
7
O Índice de Desenvolvimento Social (IDS) mede a inclusão social por um indicador síntese que reflete os
resultados obtidos em cada município (IDS-R). Este tenta identificar os objetivos finais a que se chega em
termos de inclusão.São levados em conta cinco grupos de indicadores: educação, saúde, condições de Moradia;
emprego e renda; desenvolvimento Rural ( IPECE/ Ceará em mapas, 2007).
28
municípios situados na RMF, Maracanaú perdeu somente para Fortaleza
8
. No que diz
respeito ao Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM), referente ao ano de 2004, dos 184
(cento e oitenta e quatro) municípios cearenses, os que apresentaram melhores índices foram:
Fortaleza (79,09), Eusébio (62,78), Sobral (60,34), Maracanaú (55,88) e Horizonte (50,03).
Dentre os municípios situados na RMF, Maracanaú perdeu para Fortaleza (1º lugar) e
Eusébio (2º lugar)
9
. E finalmente quanto ao Índice de Desenvolvimento Social de
Resultados (IDS-R), os municípios que apresentaram o melhor desempenho foram: Fortaleza
(0,6039), Jaquaribara (0,6027), Maracanaú (0,5909), São João do Jaguaribe (0,5996) e Brejo
Santo( 0,5756); Dentre os municípios da RMF com o melhor IDS –R tivemos Fortaleza e
Maracanaú
10
.
É válido destacar o fato de que apesar do índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDH M) de Maracanaú ter crescido 16,27%, passando de 0,633 em 1991 para
0,736 em 2000, análises realizadas pelo Atlas de Desenvolvimento Humano de 2000
constataram que, se mantivesse esta taxa de crescimento, o Município levaria 12,8 anos para
alcançar São Caetano do Sul (SP), o município com melhor IDH- M do Brasil (0,919), e 3,8
anos para alcançar Fortaleza (CE), o município com melhor IDH –M do Estado. Segundo a
classificação do PNUD, o Município está entre as regiões consideradas de médio
desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8)
Apesar de o município de Maracanaú apresentar bons indicadores de
desenvolvimento, verificamos que passa por consideráveis desequilíbrios sociais e
econômicos, se analisarmos alguns indicadores em separado, como educação, saúde,
habitação e violência.
8
O IDH de 2000 dos municípios da RMF se apresentam da seguinte forma: Aquiraz ( 0,670), Caucaia (0,721),
Eusébio(0,684), Fortaleza(0,786), Guaiúba (0,652), Itaitinga(0,680), Maranguape (0,691), Maracanaú (0,7360),
Pacajus ( 0,678), Pacatuba ( 0,717) – Perfil Básico Municipal, 2007.
9
O IDM de 2004 dos municípios da RMF se apresentam da seguinte forma: Aquiraz ( 40,40), Caucaia (39,40),
Eusébio(62,78), Fortaleza (79,09), Guaiúba(25,56), Itaitinga(32,75), Maranguape ( 33,91), Maracanaú (55,88),
Pacajus ( 45,04), Pacatuba ( 31,86) – Perfil Básico Municipal, 2007.
10
O IDS-R de 2005 dos municípios da RMF se apresentam da seguinte forma: Aquiraz (0,4395 ), Caucaia
(0,4538), Eusébio(0,4950), Fortaleza(0,6039), Guaiúba( 0,4301), Itaitinga(0,4079) Maranguape ( 0,4983),
Maracanaú (0,5909), Pacajus( 0,4533), Pacatuba( 0,4078) – Perfil Básico Municipal, 2007.
29
Tabela 2
Indicadores Educacionais no Ensino Fundamental
Ano 2003 Ano 2005
Indicadores Quantidade % Indicadores
Quantidade
%
Aprovação 40.674 77,28 Aprovação 75.674 80,66
Reprovação 3.642 6,91 Reprovação 7.930 8,45
Abandono 4.600 8,74 Abandono 6.994 7,45
Repetência 3.715 7,05 Repetência 3.217 3,42
Total 52.631 100,00 Total 93.815 100,00
Fonte: Perfil Básico Municipal (2005 e 2007).
Analisando dados obtidos no PBM (2007) acerca dos indicadores educacionais
no ensino fundamental, verificamos que em 2005 foram aprovados 75.674 (setenta e cinco
mil, seiscentos e setenta e quatro) alunos, contudo, 18.141 (dezoito mil, cento e quarenta e
um) alunos não conseguiram concluir o ensino fundamental, seja porque foram reprovados
(7.930), seja porque abandonaram (6.994), ou seja porque repetiram o ano (3.217). Isso nos
faz concluir que, de um total de 93.815 (noventa e três mil, oitocentas e quinze) matrículas,
80,66% desses alunos conseguiram concluir o fundamental, mas 19,33% não obtiveram
êxito. Apesar de em 2003 a 2005 haver diminuído os índices de abandono e repetência para
1,29 e 3,63 respectivamente, não podemos dizer o mesmo acerca dos índices de reprovação,
que aumentaram 1,54, podendo vir a comprometer a obtenção de indicadores educacionais
mais satisfatórios, dos quais é um dos fatores para a não- reprodução do ciclo intergeracional
da pobreza.
30
Tabela 3
Principais Indicadores de Saúde no município de Maracanaú
Ano de 2003 Ano de 2005
Unidades de
saúde/1000
hab.
Nascidos
vivos
Óbitos Taxa de
mortalidade
Infantil/1000
nascidos vivos
Unidades
de
saúde/1000
hab.
Nascidos
vivos
Óbitos Taxa de
mortalidade
Infantil/1000
nascidos
0,02 3.040 58 19,08 0,15 3.681 44 11,95
Fonte: Perfil Básico Municipal (PBM) de 2005 / 2007.
No que diz respeito aos indicadores de saúde referentes à mortalidade infantil
em 2005, a cada 3.681 (três mil, seiscentos e oitenta e um) nascidos, 44 (quarenta e quatro)
chegaram a óbito, correspondendo a uma taxa de mortalidade infantil de 11,95%. Este índice
concorre com um índice de mortalidade infantil estadual de 18,28% (PBM, 2007).
Analisando, contudo, esses mesmos índices referentes ao ano de 2003, constados no Perfil
Básico Municipal de 2005, a cada 3.040 (três mil e quarenta) nascidos, 58 (cinqüenta e oito)
chegaram a óbito, correspondendo a uma taxa de mortalidade infantil de 19,08 %. Esses
dados nos fazem concluir que houve um aumento do número de nascidos correspondente a
21%, o que contribuiu para a diminuição do número de óbitos em 31,8%, bem como para a
redução da taxa de mortalidade infantil em 7,13. O Município tem avançado no combate à
mortalidade infantil, entretanto é necessário que o número de nascidos e conseqüentemente a
taxa de mortalidade ainda alcance patamares mais significativos, mediante políticas públicas
que focalizem a pobreza.
Outros indicadores também devem ser ressaltados, tais como os de habitação.
Existem em determinadas ADL’s as áreas de risco que em períodos chuvosos ocasionam
alagamentos, acarretando prejuízos e sofrimentos à população residente, como perda de
móveis, eletrodomésticos, roupas, além da proliferação de doenças infecciosas. As maiores
áreas de risco situam-se as margens dos rios Maranguapinho e Timbó, dos riachos Retiro e
Atalaia e dos sangradouros dos açudes Olho D’Água dos Pratas e Furna da Onça. Os bairros
mais afetados são: Alto Alegre I e II (ADL 4 e 5), Alto da Mangueira, Olho D’água (ADL 1),
31
Jardim Bandeirante, Pajuçara (ADL 3) e Siqueira (ADL 6). Segundo o Plano de Ações
Preventivas e Emergenciais da Secretária de Assistência Social e Cidadania (apud
Diagnóstico Social do Município de Maracanaú, 2005) em 2002, Maracanaú apresentou em
torno de 350 (trezentas e cinqüenta) famílias atingidas pelas enchentes, totalizando 1.312
(mil, trezentas e doze) pessoas em situação de infortúnio. Desdobrando estes números em
termos individuais, foram: 447 (quatrocentas e quarenta e sete) pessoas no bairro do
Siqueira; 335 (trezentas e trinta e cinco) no Jardim Bandeirante; 199 (cento e noventa e nove)
no Alto Alegre; 196 (cento e noventa e seis) na Pajuçara; 125( cento e vinte e cinco) no Alto
da Mangueira; 55 ( cinqüenta e cinco) no Olho D’Água e 14 (quatorze) em outros bairros.
Segundo o Relatório parcial das visitas às áreas de risco de Maracanaú 2005 alguns
dados acerca da situação geral dos bairros de Maracanaú, merecem destaque.
Gráfico 01
447
335
199
196
125
55
14
Pessoas em situação de infortúnio pelas
enchentes
Siqueira
Jardim
Bandeirante
Alto Alegre
Pajuçara
Alto da Mangueira
Olho D'água
Fonte: Relatório parcial das visitas às áreas de risco de Maracanaú – 2005.
O gráfico nos mostra que o maior número de pessoas prejudicadas pelas
enchentes foi dos bairros do Siqueira e Jardim Bandeirante. Segundo ainda o referido
Relatório Parcial, as áreas da Pajuçara, tais como Alto da Bonança e Área Verde, possuem
residências em situação de enorme insegurança, abaixo do nível da rua, situadas próximos ao
percurso do riacho Timbó. Além disso, a maioria das casas é de taipa, com pisos de barro,
rachaduras e umidade excessiva, acarretando risco de desabamento. Não há coleta de lixo na
32
Área Verde e ausência de saneamento básico (fossa séptica e banheiros em algumas
residenciais do Alto da Bonança).
Outro indicador preocupante se refere aos elevados índices de violência juvenil.
Segundo dados do Núcleo de Serviço Social do Juizado da Infância e da Juventude em
Maracanaú (2004 apud Diagnóstico Social de Maracanaú, 2005, p.29), foram acompanhados
21 (vinte e um) adolescentes, correspondendo a delitos leves, dos quais 17 cumpriam medida
de prestação de serviço à comunidade e quatro em liberdade assistida. A procedência desses
jovens se concentrou nas ADL 1, ADL 5 e ADL 6.
Quanto à violência contra criança e adolescente, as estatísticas da Célula de
Proteção Social Especial – SOS Criança dos anos 2003, 2004, 2005 (apud Diagnóstico Social
de Maracanaú, 2005) apontam, em sua maioria, as violências domésticas. Estas são
violências familiares e intrafamiliares ocorridas no próprio domicílio dessas crianças, onde a
família, espaço de proteção e socialização, passa a ser locus de perigo, havendo necessidade
de um sistema de proteção social eficaz no trato dos vínculos familiares e sociais rompidos.
Temos as seguintes ocorrências registradas na tabela a seguir:
Gráfico 02
248
660
125
71
60
93
Violência contra Criança e Adolescente por
ADL
ADL 1
ADL 2
ADL 3
ADL 4
ADL 5
ADL 6
Fonte: SOS Criança/Família 2004.
Observamos que as maiores ocorrências de violência contra a criança e o
adolescente ocorreram nos bairros situados na ADL 2, considerada como a maior em área
33
territorial e populacional, sendo registradas 660 ( seiscentas e sessenta) ocorrências contra
apenas 248 (duzentas e quarenta e oito) da ADL 1, área em segundo lugar no número de
violência e onde se localiza a única zona rural do Município Santo Antônio do Pitaguari e
reserva Indígena com o mesmo nome.
Á vista dos dados expostos, podemos constatar que, apesar de o Município
ostentar excelente índice do Produto Interno Bruto e um parque industrial, contando com três
distritos industriais, bem como com bons indicadores de desenvolvimento, são notáveis os
elevados índices de violência infanto- juvenil, precariedade nas condições de infra-estrutura
em determinadas ADL’s, índices de reprovação do ensino fundamental a serem melhorados,
entre outros. Ante tais vulnerabilidades, um dos dispositivos acionados pela gestão
municipal é a utilização dos programas de transferência de renda para o combate à pobreza,
especificamente o Programa Bolsa Família. No tópico seguinte, fazemos breve
esclarecimento acerca da implantação deste Programa em Maracanaú.
2.4 Implantação do Programa Bolsa Família no Município de Maracanaú, Ceará
Antes da efetiva implantação do Programa Bolsa Família em 2003, Maracanaú já
havia instituído o Programa de Garantia de Renda Mínima – Programa Bolsa Escola, pela lei
764, de 06 de abril de 2001. Esse programa, vinculado a práticas sócio-educativas, teve
sua inscrição realizada nas escolas públicas municipais, sob a coordenação da Secretaria de
Educação, sendo inscritas inicialmente 18.000(dezoito mil) famílias
11
.
No ano de 2002, iniciou-se a implantação do Cadastro Único no referido
Município, valendo-se dos dados do Censo de 2000 do IBGE, referentes às famílias em
situação de pobreza. Segundo esses dados, Maracanaú contava com 17.286 (dezessete mil,
duzentas e oitenta e seis) famílias em situação de extrema pobreza, contudo esse dado foi
ultrapassado, pois, na realidade, foram cadastradas quase 30 mil famílias (Secretaria de
Assistência Social e Cidadania - SASC, Projeto de Revalidação do Cadastro Único de
Maracanaú- 2005).
11
Estas informações foram obtidas no Projeto de Revalidação do Cadastro Único de Maracanaú- 2005.
34
É válido destacar que foram priorizadas para a inscrição no CADUNICO as 18
mil famílias inscritas em 2001 no Programa Bolsa Escola. Para tanto foram realizadas visitas
domiciliares, visando à confirmação da inscrição no Bolsa Escola com preenchimento do
formulário do CADUNICO. Desse total somente foram localizados 14 mil famílias. Além
dessas, foram cadastradas mais 15 mil e 700 mil novas famílias que ficaram aguardando
vagas, totalizando em torno de 29 mil e 700 famílias. Para a execução desse trabalho, foram
contratados 400 estudantes de nível médio das escolas públicas de Maracanaú e uma empresa
para o suporte a digitação e envio das informações à Caixa Econômica Federal. Em 2003,
iniciou-se o período de unificação dos programas remanescentes: Bolsa Escola, Auxílio Gás,
Cartão Alimentação e Bolsa Alimentação a um programa: o Bolsa Família, sendo
cadastradas mais de 20 mil famílias (Secretaria de Assistência Social e Cidadania - SASC,
Projeto de Revalidação do Cadastro Único de Maracanaú- 2005).
Segundo ainda o referido projeto, a equipe de cadastramento, nesse período, foi
constituído por 100 estagiários, dez supervisores e uma coordenação para trabalhar durante
trinta dias. Grande parte das famílias, inscritas no Bolsa Escola, por desinformação,
cadastrou-se novamente no CADUNICO, passando a ter dois, três cadastros, ocasionando
multiplicidade cadastral, acarretando bloqueios e cancelamento dos benefícios no Município
de Maracanaú, durante 2005 e 2006.
Segundo informações publicadas no O povo em 28 de março de 2007, quase 217
mil famílias, no Brasil, foram notificadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate a Fome (MDS), uma vez que seus filhos não cumpriram a freqüência escolar
mínima. Esses dados, na visão da diretora do Departamento de Gestão da Secretaria Nacional
de Renda de Cidadania do MDS, significam um processo gradativo de aproximação e
advertência. Porque o descumprimento da condicionalidade sinaliza, para o programa, a
exposição e a situações de risco (...) precisamos monitorá-los ao longo do processo.
(Depoimento da Diretora de Gestão da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do MDS -
O POVO, 28 março. 2007. Cad.Política, p.20).
O monitoramento e o acompanhamento das condicionalidades acontece de forma
descentralizada e compartilhada entre os entes federativos, ou seja, é de responsabilidade não
somente do MDS, mas também do Distrito Federal, estados e municípios, devendo estes
35
últimos enviar informações ao MDS, correspondente à freqüência escolar e ao
acompanhamento da saúde às crianças de até seis anos, gestantes e nutrizes.
Ainda são muitos, entretanto, os desafios que precisam ser enfrentados, tanto no
âmbito local, quanto regional. O Ceará ainda tem muito que avançar na melhoria dos índices
de inadimplência dessas condicionalidades. Segundo informações publicadas no O Povo, em
março de 2007, o Ceará foi o quarto estado com o maior número de casos, perfazendo ao
todo 23.228 famílias que tiveram o seu benefício bloqueado ou sofreram advertências.
Maracanaú apresentou, no mês de julho (2007), um índice de condicionalidade
da educação e da saúde de 0,58 e de 0,51 respectivamente, com índice da gestão
descentralizada (IGD)
12
de 0,70. Em dezembro de 2007, contudo, esses indicadores foram
modificados, exceto o índice de condicionalidade da saúde, a qual manteve o mesmo
patamar. Quanto ao IGD (de julho a dezembro de 2007), esse passou de 0,77 para um índice
de 0,77. No que se refere ao índice de condicionalidade da educação (de julho a dezembro de
2007), esse passou de 0,58 para 0,72. A elevação desses percentuais representa para o
Município maiores repasses de recursos de apoio à gestão do programa Bolsa Família, em
torno de um total de R$ 43.795,00. Verificamos, então, que o MDS exige uma contrapartida
dos municípios e estados quanto ao repasse de informações dessas condicionalidades.
Segundo o MDS (outubro de 2007), 12 milhões de alunos obtiveram sua freqüência escolar
notificada no sistema, correspondendo a 79% de crianças e adolescentes que devem ser
acompanhadas. Apesar de o município de Maracanaú apresentar, entretanto, em geral,
melhorias nos indicadores de desenvolvimento e no cumprimento das condicionalidades do
programa Bolsa Família, será que ele contribui para a inclusão social das famílias
beneficiárias? O programa Bolsa Família consegue suprir as necessidades básicas ou
somente as mínimas, destinadas a sobrevivência física? São questionamentos que serão
levados em conta neste trabalho.
12
O IGD é o Índice de Gestão Descentralizada e corresponde a um mero indicador que varia de 0 a 1,
mostrando a qualidade da gestão do Programa Bolsa Família no âmbito municipal. Reflete os compromissos
assumidos pelos municípios no Termo de Adesão ao Bolsa Família. Com base nesse indicador, o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) repassa recursos aos municípios para apoio à gestão do
Programa. É importante observar que quanto maior o valor do IGD, maior será o valor do recurso transferido
para o Município (fonte: MDS, 2007)
36
O Município de Maracanaú se esforça na montagem de uma política de
assistência não mais voltada para ações imediatas e emergências no combate à pobreza, e sim
busca viabilizar, para a população, uma rede de programas e serviços, visando a garantir o
acesso à saúde, educação e assistência social. No final de 2004, iniciou - se uma gestão no
Município com a vitória do candidato a prefeito, Roberto Pessoa, do Partido Liberal PL. A
partir de então, algumas reformas administrativas foram iniciadas, dentre elas a desagregação
das Secretarias de Saúde e Ação Social, criando-se a Secretaria de Assistência Social e
Cidadania (SASC), com a lei 986, de 07 de janeiro de 2005, proporcionando maior
autonomia ao órgão, cuja finalidade é atuar como um comando único na esfera da
Assistência Social (dados retirados do Relatório dos 100 primeiros dias da Secretária de
Assistência Social e Cidadania, abril de 2005). A criação da SASC se tornou um marco na
Política Municipal de Assistência Social local, pois foram instituídas condições para a
implementação do Sistema Único de Assistência Social SUAS, preconizado pela Política
Nacional de Assistência Social (PNAS).
Atualmente a SASC dispõe de um sistema de catalogação dos formulários para o
cadastramento nos programas de transferência de renda do Governo Federal. Este é um
sistema informatizado que realiza as alterações necessárias para a atualização do Cadastro
Único, bem como para o envio dessas ao arquivo da Caixa Econômica, responsável tanto
pelo pagamento do Bolsa Família quanto pelo recebimento e envio de informações cadastrais
para o MDS e reenvio para o Sistema de Benefícios do Cidadão (SIBEC) à gestão municipal
deste Programa.
Com efeito, foi realizada a catalogação dos 35.000 mil formulários de
cadastramento para Programas de Transferência de Renda durante o s de fevereiro de
2005. Tal procedimento, ao ser finalizado, possibilitou a localização do formulário do
usuário mediante um programa no computador, viabilizando assim as alterações necessárias
para a atualização do Cadastro Único. Em julho de 2005, foi disponibilizado um digitador
concursado para a realização das alterações do cadastro no sistema e envio das alterações
para o arquivo da Caixa Econômica Federal via Internet (Secretaria de Assistência Social e
Cidadania - SASC, Projeto de Revalidação do Cadastro Único de Maracanaú- 2005). Além
disso, priorizou-se um atendimento mais humanizado ao usuário, mediante a realização de
palestras sócio-educativas, além da realização de visitas domiciliares, para diagnosticar a
37
população alvo dos centros de referência da assistência (CRAS) e Centro de Referência
Especializado da Assistência (CREAS). Existem no município quatro CRAS: CRAS do
Jereissati, Antônio Justa, Pajuçara e Alto Alegre e somente 01 CREAS.
Além dessas informações mais operacionais, buscamos nesse tópico realizar um
levantamento preliminar das famílias em condição de vulnerabilidade no Município,
mediante consulta a fontes secundárias. Segundo dados do MDS, de 2007-2008, a estimativa
de famílias pobres no Ceará (baseadas na estimativa do IBGE de 2004, com renda per capita
de até R$ 120,00) era de 896.883 das quais 17.318 eram a estimativa de famílias pobres
residindo em Maracanaú, correspondendo a 1,93% das famílias pobres do Ceará. O que
chama atenção, contudo é o fato de que o número de famílias contempladas pelo Programa
Bolsa Família em Maracanaú, com benefício liberado, ultrapassa essa estimativa, uma vez
que 18.654 famílias são beneficiárias, em condição de pobreza e dentro do perfil estabelecido
pelo Programa. Em outras palavras, existem 1.336 famílias pobres a mais do que o estipulado
pela supracitada estimativa e que recebem o Bolsa Família, correspondendo a 7,71%. A
seguir uma tabela explicativa.
38
Tabela 4
Informações do Programa Bolsa Família
UF: CEARÁ UF: CEARÁ
MUNICIPIO: MARACANAÚ
População
(estimativa IBGE
2004)
7.998.843
Data/
Referência
n.a
População
(estimativa
IBGE 2004)
193.542
Data/
Referência
n.a
Estimativa de
famílias pobres
(renda per capita
R$ 120,00)
896.883
Data/
Referência
n.a
Estimativa de
famílias pobres
(renda per capita
R$120,00
17.318
Data/
Referência
n.a
Estimativa de
famílias pobres
(renda per capita
até ½ salário
mínimo)
1.165.956
Data/
Referência
n.a
Estimativa de
famílias pobres
(renda per capita
até ½ salário
mínimo)
22.513
Data/
Referência
n.a
Cadastro Único
Cadastro Único
Total de famílias
cadastradas
1.215.595 Data/
Referência
31/12/20
07
Total de
famílias
cadastradas
34.575 Data/
Referência
31/12/2007
39
Benefícios
Benefícios
de famílias
beneficiárias do
Bolsa Família/
benefício liberado
905.595 Data/
Referência
02/2008 de famílias
beneficiárias do
Bolsa Família/
benefício
liberado
18.654 Data/
Referência
02/2008
Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2007.
Conforme mostra a tabela, contudo existem muitas famílias em Maracanaú que
pleiteiam receber o Bolsa Família. Das 34.575 famílias cadastradas, 15.921 famílias ainda
não receberam os benefícios do Programa em Maracanaú. Várias são as razões para esse
fato: ou porque estão fora dos critérios do Bolsa Família, ou porque ainda não existem vagas
disponíveis, ou porque não dispõem da devida documentação que as qualifica a fazer o
cadastro.
Em 2005, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS)
juntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), realizaram o cruzamento dos
dados de renda do CADUNICO com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Este
cruzamento detectou que cerca de 330 famílias maracanauenses estavam sob suspeita de ter
renda familiar mensal per capita superior a R$ 150,00. Essas tiveram o benefício bloqueado
a partir de maio de 2007. Outras 198 famílias apresentaram renda mensal per capita entre R$
120,00 e R$ 150,00, tendo os seus benefícios em processo de averiguação. No total foram
detectadas 528 famílias com renda per capita superior ao estabelecido pelo Programa Bolsa
Família (Relatório CADUNICO X RAIS, 2005).
Diante das informações explicitadas até então, consideramos importante estabelecer o
perfil das famílias cadastradas, assim como daquelas beneficiárias, em Maracanaú. Esse é um
passo importante para se iniciar a elaboração de políticas públicas eficazes de inclusão
social.
40
2.5 Perfil dos inscritos no CADUNICO em Maracanaú - Ceará
A seguir, detalharemos o perfil socioeconômico de todas as pessoas e não famílias,
inscritas na base de dados do Cadastro Único de Maracanaú, perfazendo um universo de
150.006 pessoas, em até dezembro de 2007.
Gráfico 03
Distribuição dos cadastrados por sexo
Fonte: Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/gráfico elaborado por
nós em dezembro de 2007.
Este gráfico nos informa que de um universo de 150.006 pessoas contempladas
pelo programa Bolsa Família, a maioria é do sexo feminino, correspondendo a um percentual
de 55%, contra 45% de homens. Esse fato pode ser explicado pela priorização da mulher
como representante legal do referido programa.
41
Gráfico 04
Distribuição dos cadastrados por Cor
Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/Gráfico elaborado por nós em
dezembro de 2007.
Outra informação coletada diz respeito à cor dos cadastrados, pois a maioria
declarou, no ato da inscrição, que são pardos, equivalente a um percentual de 65%, ficando
em segundo lugar a cor branca, correspondente a 25%. Somente 5% das pessoas se
declararam negras. Aqueles que se declararam da cor indígena foi equivalente a um
percentual de 5%. Os dados confirmam a existência de grupos minoritários que devem ser
priorizados como público-alvo dos programas de transferência de renda no âmbito federal,
estadual, distrito federal e municipal, além de ter suas culturas respeitadas, promovendo a
emancipação sustentada destas comunidades.
42
Gráfico 05
Distribuição dos cadastrados por idade
Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/Gráfico elaborado por nós em
dezembro de 2007.
O gráfico nos mostra que a maioria dos cadastrados, correspondente a 22%, e
constituída por jovens e adolescentes dentro da faixa etária coberta pelo Programa Bolsa
Família (8-15 anos). Se acrescentarmos a este dado a porcentagem correspondente às faixas
etárias de 16 24 anos, teremos um valor percentual de 43%. Esse dado é bastante
significativo, uma vez que a pobreza ou a condição de vulnerabilidade social não atinge
somente os pais dessas crianças, adolescentes e jovens, mas também as gerações futuras,
reproduzindo o ciclo intergeracional da pobreza. Aprofundando a análise do gráfico,
afirmamos que 36% dos cadastrados estão na faixa etária de 25-50 anos, contra um
percentual de apenas 2,75% de pessoas acima de 64 anos. Isto significa que a maior parte dos
inscritos no cadastro único para os programas de transferência de renda federal, é formada
por casais jovens. O gráfico a seguir realiza um demonstrativo da escolaridade dos
cadastrados.
43
Gráfico 06
Distribuição dos cadastrados por escolaridade
Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/Gráfico elaborado por nós em
dezembro de 2007.
Desse universo de pessoas cadastradas, 31% estudaram até a série, mas
somente 5% conseguiram concluir a série, correpondendo a uma defasagem de 26%. Esse
cenário, porém, tende a se agravar, haja vista que a medida que aumenta a série escolar,
diminui o percentual de pessoas com um maior vel de escolaridade, por exemplo, somente
5% de pessoas conseguiram concluir o ensino fundamental, contudo 24% da amostra
possuiam da a série incompleta. O segundo exemplo, ainda que pouco significativo,
refere-se à faixa do ensino médio, pois 9,64% terminaram o ensino dio, contra 9,82%
com ensino médio incompleto. Dentre esses dados, o mais agravante é o percentual de
analfabetos, que estão em torno de 13%, perdendo para aqueles com até a série (31%). A
baixa escolarização tende a comprometer a inserção no mercado de trabalho, ficando essas
pessoas obrigadas a se submeterem a péssimas condições de trabalho, tal como veremos a
seguir no gráfico contendo a ocupação profissional.
44
Gráfico 07
Distribuição dos cadastrados por ocupação profissional
Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/Gráfico elaborado por nós em
dezembro de 2007
Analisando o gráfico, verificamos que 70% das pessoas, inscritas no sistema de
cadastro único de Maracanaú, informaram não possuir ocupação profissional, não realizando
atividades autônomas ou remuneradas. Desse universo, podemos destacar que 36% estão na
faixa etária de 25-50 anos, ou seja em idade produtiva, tal como demonstrado no gráfico
05 ( por idade). Uma das razões para o não - êxito da empregabilidade desse tipo de mão-de-
obra pode ocorrer em virtude da baixa qualificação para atender as exigências do mercado de
trabalho. Se existe, porém, um percentual de pessoas sem trabalho, o mesmo não se pode
dizer daqueles inseridos no mercado formal, ou seja, somente 5% se encontram na condição
de assalariados com carteira de trabalho. Assim, na dificuldade de conseguir um emprego
estável ou com garantia de alguns direitos trabalhistas, o percentual de 9% das pessoas
cadastradas está exercendo atividades autônomas sem contribuição à previdência. Isto
significa dizer que, não estando cobertas pelo sistema de proteção previdenciário, essas
pessoas talvez não consigam alcançar a futura condição de aposentados (a) ou pensionistas;
esta última categoria se apresentou com uma porcentagem de apenas 3% de um universo de
150.006 pessoas.
45
Comparando esses dados com o gráfico anterior (escolaridade), podemos
constatar que a baixa escolarização (31% com até série) tende a comprometer a
concretização de uma inclusão social no Município de Maracanaú, uma vez que a não-
qualificação profissional contribui para os elevados índices de desemprego, subcontratação e
precarização, bem como a inserção cada vez maior desse público-alvo na informalidade.
Esse cenário tem relação direta com o gráfico a seguir.
Gráfico 08 Gráfico 09
Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/Gráfico elaborado por nós
em dezembro de 2007.
No gráfico 08, podemos concluir que, de um total de 150.006 pessoas, 98.166
informaram que não possuem renda, correspondendo a 65% do universo, uma porcentagem
alta e preocupante, que pode sinalizar certa fragilidade dos dispositivos municipais na
geração de trabalho e renda à população, devendo estes estar articulados com o Programa
Distribuição dos cadastrados por
renda familiar
Distribuição da média da renda
familiar per capita dos cadastrados
46
Bolsa Família, contribuindo para a inclusão social e econômica. Somente 51.840 pessoas
informaram que possuem alguma renda, representando 35% das pessoas cadastradas, dentre
os quais a média da renda per capita foi de 206 reais 32 centavos, valor inferior ao salário
mínimo.
Diante do diagnóstico preliminar realizado, podemos acentuar que o programa
Bolsa Família se torna importante estratégia de combate à pobreza e à fome no Município de
Maracanaú, para um determinado público-alvo e com recorte de renda, mas existem outros
programas de transferência de renda
13
que também atendem a esse público-alvo. A seguir um
detalhamento do número de pessoas beneficiadas por outros programas no âmbito da
Assistência.
Gráfico 10
Distribuição do nº de beneficiários de outros programas de transferência de
renda inscritos no CADUNICO
Dados obtidos no Sistema de Cadastro Único de Maracanaú, 2007/Gráfico elaborado por nós
em dezembro de 2007.
O gráfico 10 demonstra que, de um universo de 1.281 pessoas, 48% de crianças e
adolescentes estão inscritas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI),
destinado a retirá-las do trabalho infanto-juvenil. Além disso, 15% estão inscritos no Agente
13
A natureza, objetivos, condicionalidades e valor monetário dos programas de transferência de renda no Brasil
serão melhor detalhados no Capítulo 4.
47
Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, visando a promover atividades continuadas
que proporcionem ao jovem experiências práticas e o desenvolvimento do protagonismo
juvenil. Outro importante benefício, assegurado pela Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), é o Benefício da Prestação Continuada (BPC), objetivando atender idosos com 65
anos ou mais e pessoas com deficiência incapacitante para o trabalho e para a vida
independente, sendo atendidas por esse benefício um percentual de 37% de pessoas.
2.6 Perfil das famílias cadastradas e beneficiadas em Maracanaú, segundo a ADL
Os dados a seguir, obtidos com base no Sistema do Cadastro Único do município de
Maracanaú, em janeiro de 2008, relacionam as informações sobre o número de famílias
cadastradas com o de beneficiárias do Programa Bolsa Família, segundo a ADL (Área de
Desenvolvimento Local).
É valido ressaltar que os gráficos foram elaborados pela Secretaria de Assistência
Social e Cidadania (SASC), mais especificamente pela Gestão do Sistema de Informações
Municipais da Assistência Social (GESIMAS), responsável pelo monitoramento e avaliação
das políticas públicas no referido Município, bem como do Programa Bolsa Família.
48
Gráfico 11
Nº de Cadastrados da ADL 01
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
Gráfico 12
Nº de beneficiários da ADL 01
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
Dentre os bairros da ADL 01 destacou -se, em maior número de famílias
cadastradas, o Alto da Mangueira, este apresentou 1.284 famílias cadastradas, das quais 833
são famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, correspondendo a um percentual de
64,87%. Outros dois bairros também apresentaram número significativo, tanto de famílias
cadastradas quanto de beneficiadas. O bairro Novo Maracanaú apresentou 973 famílias
49
cadastradas, entre as quais 491 são atualmente beneficiadas pelo Bolsa Família,
correspondendo a 50,46%. O bairro do Piratininga apresentou 972 famílias inscritas na base
de dados cadastrais, das quais 508 foram cobertas pelo referido Programa, correspondendo a
um percentual da 52%. Verificamos, porém, um decréscimo de famílias beneficiárias
proporcionais a cadastradas, como o caso do Distrito Industrial que apresentou 949
cadastros, contando com um percentual de 44,46% (422) de famílias beneficiadas.
A área demarcada pelo grupo indígena dos pitaguarys está situada na ADL 01,
também conhecida por Santo Antônio do Pitaguary. Próximo a este estão situados outros,
tais como Horto e Olho D’Água. Analisando os gráficos, verificamos que o Horto e o Olho
D’Água possuem cobertura significativa do Programa, uma vez que apresentam,
respectivamente, 527 e 337 famílias cadastradas; dentre estas, 273 equivalente a 51,80% das
famílias do Horto recebem o Bolsa Família e 181 do Olho D’Água (53,70%) são
beneficiárias do Bolsa Família. O mesmo não se pode dizer, entretanto, da área indígena,
pois das 126 famílias cadastradas, somente 45 recebem o Bolsa Família, correspondente a
um percentual de 35,71%, o mais baixo em comparação com os outros bairros da ADL 01.
50
Gráfico 13 Gráfico 14
Nº de Cadastrados da ADL 02 Nº de beneficiários da ADL 02
6220
2577
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
Jereissati
Timbó
2971
1456
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
Jereissati
Timbó
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
O gráfico 13 nos informa que de um universo de 6.220 cadastros de famílias
residentes no bairro Jereissati, 2.971 famílias são cobertas pelo Programa Bolsa Família,
correspondente a um percentual de 47,76%. A maioria das famílias, no entanto, ainda não
recebe o Programa, correspondendo a um percentual de 52,24 %. Se compararmos estes
dados à situação do bairro do Timbó, verificamos que o programa cobre maior número de
famílias beneficiadas neste bairro. De um universo de 2.577, 1.121 não haviam sido cobertas
pelo Programa, estando a maioria (1.456) beneficiadas pelo Bolsa Família, correspondendo a
um percentual de 56,49%. Podemos constatar que este programa cobre maior área de pessoas
no bairro do Timbó.
51
Gráfico 15 Gráfico 16
Nº de cadastrados da ADL 03 Nº de beneficiários da ADL 03
5885
1127
50
1
6
50
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
Pajuçara
Jardim do
Bandeirante
Menino
Jesus de
Praga
Parque
Paraíso
Alto da
Bonança
Novo
Mondubim
3402
664
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
Pajuçara
Jardim do
Bandeirante
Menino
Jesus de
Praga
Parque
Paraíso
Alto da
Bonança
Novo
Mondubim
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
O gráfico 15 nos informa que existem, na base do Cadastro Único de Maracanaú,
7.119 cadastros de famílias residentes na ADL 03. Desse universo, a maioria reside no
bairro da Pajuçara (5.885), correspondendo a 3.402 beneficiárias do Programa Bolsa Família,
que em termos percentuais é de 57,80%. O segundo bairro da ADL 03 que apresentou o
maior número de cadastros foi o Jardim Bandeirante, pois de 1.127 cadastros de famílias
inscritas, 664 são público-alvo do Programa, correspondendo a um percentual de 58,91%. O
terceiro bairro que se destacou no número de cadastros foi o Novo Mondubim; de 50
cadastros, 42 são beneficiárias do referido Programa, abrangendo grande parte das famílias
residentes nesse bairro (84%).
52
Gráfico 17 Gráfico 18
Nº de Cadastrados da ADL 04 Nº de beneficiários da ADL 04
912
379
384
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
Novo
Mondubim
Planalto
Cidade Nova
Esplanada do
Mondubim
Alto Alegre II
554
219
184
100
200
300
400
500
600
Novo
Mondubim
Planalto
Cidade Nova
Esplanada do
Mondubim
Alto Alegre II
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
Dentre os bairros situados na ADL 04, destacaram-se o Planalto Cidade Nova,
Alto Alegre II e Esplanada do Mondubim, apresentando estes, respectivamente, 912, 384 e
379 famílias cadastradas, correspondendo a 60,74%, 47,91%, 57,78%. Aprofundando a
análise dos gráficos, constatamos que a cobertura de beneficiárias do Programa Bolsa
Família foi maior no bairro Planalto Cidade Nova. Os outros bairros também apresentaram
uma cobertura bastante significativa, como o caso do bairro Alto Alegre II, que apresentou
uma cobertura de 47% do Programa, com base em um universo de 384 cadastros. O bairro
Esplanada do Mondubim apresentou uma cobertura de 57%, ultrapassando a metade das
famílias residentes e cadastradas nesse bairro. Finalmente, os gráficos também mostram que
de 50 famílias inscritas no bairro do Novo Mondubim, 42 famílias recebem o Programa
Bolsa Família, mais da metade do universo (84%).
53
Gráfico 19 Gráfico 20
Nº de Cadastrados da ADL 05 Nº de beneficiários da ADL 05
374
753
276
1941
805
107
16
0
500
1000
1500
2000
2500
Alto Alegre II
Novo Oriente
Jardim das
Maravilhas
Acaracuzinho
Santo Sátiro
Aracapé
Vila Buriti
253
386
106
988
195
60
10
0
200
400
600
800
1000
1200
Alto Alegre II
Novo Oriente
Jardim das
Maravilhas
Acaracuzinho
Santo Sátiro
Aracapé
Vila Buriti
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
O Acaracuzinho apresentou 1.941 famílias cadastradas e dentre estas, 988
famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família, correspondendo a um percentual de
50,90%. Apesar de o bairro Santo Sátiro apresentar um número significativo de famílias
cadastradas, o percentual de famílias beneficiárias não é tão expressivo se comparado com
outros bairros da mesma ADL, tal como Alto Alegre II. De um total de 805 famílias
cadastradas no Santo Sátiro, apenas 195 são beneficiárias, o que corresponde a um percentual
de 24,22%, enquanto 75,78% não foram beneficiadas pelo Programa. A mesma situação não
acontece com o bairro do Alto Alegre II, pois, apesar de mostrar um número de famílias
cadastradas bastante reduzido (374), se comparado com o bairro do Santo Sátiro (805),
aquele apresenta um percentual de cobertura de 67,64% pelo Programa Bolsa Família. O
Bairro Jardim das Maravilhas também apresentou um percentual de cobertura pelo Programa
Bolsa Família bastante significativo, ou seja de um total de 276 famílias cadastradas, 106 são
famílias contempladas pelo Programa Bolsa Família, correspondente a um percentual de
56,07%.
54
Gráfico 21 Gráfico 22
Nº de cadastros da ADL 06 Nº de beneficiários da ADL 06
276
405
273
466
714
87
525
497
147
371
11
28
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Siqueira I
Jardim Jatobá
Parque São João
Parque Jari
Jaçan
Mucunã
Cágado
Luzardo Viana
Pau Cerrado
Maracananzinho
Parque Santa Maria
Parque Tijuca
160
246
162
294
448
57
389
285
98
241
7
21
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
Siqueira I
Jardim Jato
Parque São João
Parque Jari
Jaçanaú
Mucunã
gado
Luzardo Viana
Pau Cerrado
Maracananzinho
Parque Santa
Maria
Parque Tijuca
Fonte: Gráfico elaborado pelo GESIMAS com informações obtidas no CADUNICO, 2008.
Segundo os gráficos acima, os bairros que obtiveram o maior número de famílias
cadastradas na ADL 06, foram o bairro Jaçanaú, que possui 714 famílias cadastradas, dentre
estas, 448 são contempladas pelo Programa Bolsa Família, correspondendo a uma cobertura
de 62,74%; e em segundo lugar, está o Cágado, com 525 famílias cadastradas, das quais 389
estão recebendo os benefícios do Bolsa Família, que corresponde a um percentual de
74,05%; os bairros Luzardo Viana e Parque Jari apresentam um número de famílias
cadastradas com, respectivamente, 497 e 466 famílias, dentre as quais 285 são beneficiadas
pelo programa no bairro Luzardo Viana (57,34%) e 294, correspondente a 52,78%,
beneficiárias do Parque Jari. Os demais bairros apresentaram um percentual de famílias
contempladas pelo Programa Bolsa Família com variação entre 57% e 75% do número de
famílias cadastradas; um percentual alto que indica uma focalização acentuada das famílias
em condição de pobreza, uma vez que tais bairros são considerados os de maior situação de
vulnerabilidade social da ADL. Assim, os bairros Jatobá, Maracananzinho, Siqueira I,
55
Parque São João, Pau Serrado, Parque Santa Maria, Mucunã e Parque Tijuca, apresentaram,
respectivamente, um percentual de famílias em torno de: 60,74% (246), 64,95% (241),
57,97% (160), 59,34% (162), 66,66% (98), 65,5% (57), 75,28% (21), 63,63%(7).
Podemos considerar que tende a existir maior cobertura do Programa Bolsa
Família nas ADL’s de maior vulnerabilidade social, estando os bairros Jereissati e Tim
com coberturas deste Programa, proporcionais aos dos cadastrados, nem tão significativas, se
comparados com os bairros das demais ADL’s. Tanto o Jereissati quanto o Timbó são os que
apresentam melhores condições de infra-estrutura, como residências com saneamento básico,
áreas de lazer, hospital, posto de saúde, escolas, inclusive o CEFET, o Feira - Center, e
inúmeras indústrias, localizadas próximas a estes bairros (ADL 02). Não podemos esquecer,
contudo, de que Jereissati e Timbó são os maiores em termos de número de cadastros,
apresentando respectivamente 6.220 e 2.577 famílias inscritas no CADUNICO, confirmando
que a população mais informada tende a se concentrar nestes bairros.
2.7 Particularidades da pesquisa de campo: alguns aspectos instigadores
A escolha dos representantes legais desta pesquisa ocorreu de modo aleatório nos
centros de referência da assistência social, mais especificamente no CRAS Jereissati e
Antônio Justa, por duas razões. A primeira delas é que era importante confrontar duas
realidades diferentes durante o processo investigativo do objeto de estudo. O espaço em que
o CRAS Jereissati está situado dispõe de boa infra-estrutura de moradia, saneamento básico,
bem como de escolas de ensino fundamental e médio, como o Liceu de Maracanaú; além da
facilidade de acesso ao Hospital de Maracanaú, ao FEIRA CENTER, ao CEFET, aos
distritos industriais e a Fortaleza. O entorno em que está localizado o CRAS Antônio Justa,
não dispõe de uma boa infra-estrutura de calçamentos, saneamento básico, moradia e muito
menos facilidade de acesso ao centro de Maracanaú e Fortaleza, nem equipamentos públicos,
como escolas e postos de saúde, uma vez que precariedade de transportes urbanos. A
segunda razão para a escolha dos sujeitos via CRAS, se deu pelo fato deste ser um
importante equipamento de proteção básica, prevenindo o rompimento dos vínculos
familiares com serviços e programas no âmbito da assistência social. As ações dos CRAS
priorizam a convivência, a socialização e o acolhimento familiar, ou seja, são a porta de
56
entrada da rede socioassistencial de proteção básica, atendendo inclusive o público-alvo do
Programa Bolsa família em Maracanaú.
É válido mencionar que, durante a visita de campo, foi constatado que os
CRAS’s não estavam divididos por ADL’S. O CRAS Jereissati, por exemplo, atende rios
bairros de ADL’s diferentes, tais como ADL 01, 02 e na época da pesquisa ainda a ADL 04
(atualmente é coberta pelo CRAS da Pajuçara). o CRAS Antônio Justa atende alguns
bairros da ADL 01 (Colônia Antônio Justa, Mutirão Vida Nova e Alto da Mangueira). A
territorialização dos CRAS’s atende os seguintes critérios : 1) oferta capilar de serviços
baseada na gica da proximidade do cidadão; 2) localização dos serviços nos territórios com
maior incidência de vulnerabilidades e riscos sociais para a população e 3)garantia do
comando único por instância de gestão ( dados obtidos pelo GESIMAS, em agosto de 2008).
Ante tal situação, optou-se pela escolha do seguinte procedimento metodológico:
a seleção dos representantes legais ocorreu de forma aleatória, delimitando aqueles atendidos
pelo CRAS Jereissati e Antônio Justa pelo período de duas semanas, nos turnos manhã e
tarde, buscando apreender a dinâmica dos atendimentos e especificar casos atípicos de
famílias em diversas situações de vulnerabilidade social e que, de alguma maneira,
conseguiam ou não se utilizar de estratégias sociais para se promoverem socialmente.
A diferença entre os dois CRAS’s não está somente no seu entorno, pois há
dinâmicas diferentes no atendimento diário, no acompanhamento das famílias, na equipe de
profissionais e na própria maneira de planejar as ações a serem desenvolvidas.
Durante o período de 16 a 20 de junho de 2008, ocorreu a aplicação do
instrumental e da coleta de informações dos representantes legais atendidos pelo CRAS
Jereissati, nos turnos manhã e tarde. A semana foi marcada por uma demanda de usuários do
Programa Bolsa Família voltada para a atualização cadastral, solicitada mediante o envio de
carta pelo GESIMAS. Essa Coordenadoria fez um levantamento no banco de dados do
Cadastro Único de todas as famílias beneficiárias que estavam com os dados desatualizados,
referentes às condicionalidades da saúde e da educação, tais como localização de gestantes
na família, verificação da vacinação de crianças com até seis anos de idade, atualização dos
57
endereços da escola. Esse fato e o início das inscrições do Pro-Jovem - atraíram uma
demanda extra ao CRAS Jereissati, contudo esses fatos ocorreram no período em que há uma
diminuição natural do número de atendimentos, haja vista que as famílias tendem a receber o
benefício do Programa Bolsa Família depois do dia 20 de cada mês, sendo a procura por
desbloqueio e reversão de cancelamento intensificada do dia 20 ao começo do mês. Nesse
caso, não houve grandes modificações na dinâmica dos atendimentos cotidianos, pois são
distribuídas, em média, por turno, 12 senhas para usuários que solicitam os benefícios
eventuais (cesta básica, óculos de grau, transporte para mudança, casamento civil, entre
outros e 35 senhas para os atendimentos de usuários com problemas no Cadastro Único. A
equipe é composta por três assistentes sociais, sete estagiárias de Serviço Social, quatro do
ensino médio, uma nutricionista, uma psicóloga e dois agentes administrativos.
As inscrições do Pro-Jovem provocaram de quarta para sexta -feiras, um
congestionamento no auditório e no próprio atendimento. É válido ressaltar que,
coincidentemente, esse fato, acabou por uma certa reorientação no questionário aplicado,
uma vez que, quando se perguntava se eles conheciam outro programa que não fosse o PBF,
eles tendiam a vincular o Pro-Jovem a um programa, desconhecendo sua natureza. O Pro-
Jovem não é um programa e sim uma ação complementar que viabiliza aos jovens acesso ao
lazer e a palestras sócio-educativas, não disponibiliza cursos profissionalizantes, não é um
estágio, nem transfere uma bolsa para os jovens. Ele está vinculado ao bolsa jovem
(ampliação do benefício do PBF a jovens de até os 17 anos).
Infelizmente não havia mais as palestras sócio-educativas (acolhidas) por
funcionários e estagiários em Serviço Social, durante as manhãs. Na época em que
atuávamos como assistente social, eram ministradas palestras de temas diversos como
violência contra criança e adolescente, o estatuto do idoso, o Benefício da Prestação
Continuada, entre outros. Tais ações eram imprescindíveis para a democratização de
informações referentes aos direitos e deveres do público-alvo do CRAS. Na semana da
pesquisa, porém, as famílias eram direcionadas ao atendimento pela senha, distribuída por
uma estagiária de Serviço Social que realizava uma triagem prévia se era atendimento do
Bolsa Família ou benefício eventual. Não existia uma pessoa específica para conduzir e
organizar o atendimento, até porque os próprios usuários se desorganizavam na sala de
espera. Não existe um painel apresentando o número da próxima senha, apesar do CRAS
58
Jereissati dispor de um sistema de refrigeração, balcões com divisórias, a fim de viabilizar
certa privacidade no atendimento individual.
Durante nossa solicitação para que as usuárias (representantes legais) pudessem
responder ao questionário, algumas se negavam, temendo passar a vez no atendimento;
outras aceitavam prontamente por nos conhecer desde a época em que trabalhávamos no
CRAS. Assim foi estabelecida uma estratégia: escolher os usuários que estavam
terminando o atendimento, ou aqueles que tinham pegado as últimas senhas. A coordenadora
do CRAS disponibilizou uma sala para que houvesse maior privacidade entre pesquisadora e
entrevistado. Durante a aplicação do questionário, respondido em conjunto, pesquisador e
representante legal, foram gravadas algumas falas, de modo a captar os discursos desses
sujeitos, bem como analisar detalhadamente os gestos, a maneira de falar, o olhar, a postura
corporal, sempre solicitando a permissão do entrevistado para tal procedimento.
Algumas representantes legais se emocionaram ao relatar suas histórias, na
maioria das vezes tristes, tendo nós de interromper, repetidas vezes, a gravação e aguardar o
momento em que o entrevistado se sentisse à vontade para continuar. Nesses momentos, era
muito difícil mantermos a neutralidade ou não deixar de nos envolver emocionalmente com
aquelas histórias, cuja personagem vivenciava cotidianamente privações diversas. O nosso
sentimento de impotência às vezes chegava a incomodar, mas, naquele momento, era hora de
somente escutar e não intervir na realidade social, como assistente social. É claro que, no
início, era difícil, pois alguns representantes legais se negavam a ter suas falas gravadas,
temendo se comprometer e, conseqüentemente perder o benefício do Bolsa Família, apesar
de sempre se ressaltar que aquela era uma pesquisa para a Universidade, não tendo vínculo
com a Instituição.
As impressões quanto ao fluxo de atendimento do CRAS Antônio Justa foi
diferente do que esperávamos. Normalmente, a demanda de atendimentos no referido CRAS
é bem inferior ao do CRAS Jereissati, pelo fato de atender um número significativamente
menor de bairros (ao todo quatro) se comparado aos do CRAS Jereissati (em torno de 23
bairros) e por conta de estar menos tempo em funcionamento (um ano a menos do que o
CRAS Jereissati). No período de 23 a 27 de junho, porém, coincidiu com as inscrições no
Pro-Jovem, que atraiu demanda significativa, o que nos dias normais não chegava à metade,
59
segundo os próprios funcionários. Pela manhã, no dia 23, o psicólogo, juntamente com a
orientadora pedagógica (equipe responsável pelo desenvolvimento do Pro-Jovem)
realizavam uma palestra sobre a natureza , finalidade e ações do Pro-Jovem, bem como do
Programa Bolsa Família. À tarde eram realizadas inscrições do Pro-Jovem e atendimento
individual (referente aos benefícios eventuais e Bolsa Família), junto com as assistentes
sociais.
No dia 24, houve uma intensificação dos atendimentos do CRAS Antônio Justa
somente pela manhã, uma vez que, no turno da tarde, a equipe técnica do CRAS participou
de uma reunião local, destinada a escolher os membros do Conselho Municipal de
Assistência Social. Nesse dia, o público-alvo específico desta pesquisa foram as mães e
também representantes legais dos jovens a serem inscritos no Pro-Jovem. No dia 25, pela
manhã e tarde, aconteceram as inscrições no Pro-Jovem, sem a palestra esclarecedora dos
seus objetivos e sua vinculação com o programa Bolsa Família. Os atendimentos acerca do
Bolsa Família e solicitação dos benefícios eventuais ocorreu durante o dia todo. No dia 26,
pela manhã, houve a palestra e as inscrições do Pro-Jovem e à tarde a comemoração da
Fundação da Associação dos Produtores de Vídeo de Maracanaú. Esse fato tumultuou um
pouco o atendimento do Bolsa Família e benefícios, bem como as inscrições no Pro-Jovem,
pois tudo isso ficou concentrado no andar térreo, aglomerando um pouco o fluxo de pessoas.
Na sexta feira, dia 27, não houve nenhuma anormalidade no atendimento, transcorrendo
normalmente.
É válido ressaltar que aquela semana foi atípica (23 a 27 de junho), pois
realmente houve uma divulgação intensa acerca das inscrições no Pro-Jovem, o que
dinamizou o atendimento. Apesar da aplicação dos questionário haver sido direcionadas mais
para esse público, também foram entrevistados representantes legais do atendimento
convencional, ou seja, usuários que demandavam os benefícios eventuais (óculos de grau,
cesta básica, casamento civil, carro para mudança, limpa-fossa, fralda geriátrica, colchão
d’agua, entre outros) e problemas no cadastro do Programa Bolsa Família.
Verificamos um maior envolvimento dos usuários atendidos cotidianamente pelo
CRAS Antônio Justa com as atividades sociopedagógicas promovidas pela unidade, tais
como: curso de alfabetização de adultos, palestras e festividades, se comparado com o CRAS
60
Jereissati. Durante as entrevistas e aplicação do instrumental, uma das entrevistadas nos
confessou, com os olhos marejados, que o CRAS representava um espaço de lazer, diversão,
informação e principalmente uma válvula de escape, onde esquecia os problemas e a
condição de pobreza constante.
É imprescindível destacar o fato de que durante a realização da tabulação e
análise dos dados coletados, a serem detalhados no Capítulo 5, não se verificaram mudanças
significativas no conteúdo das análises dos dados do CRAS Antônio Justa, quando
comparadas ao CRAS Jereissati.
A seguir um tabela expositiva da amostra da pesquisa realizada nos respectivos
CRAS’s:
61
Tabela 05
Amostra da Pesquisa de Campo
Fonte: Elaborado por nós em Junho/2008.
Foi realizada no período de 16 a 27 de junho de 2008, equivalente a duas
semanas, nos turnos manhã e tarde, toda a pesquisa de campo, tendo como amostra um total
de 82 representantes legais. Foi aplicado um questionário, sendo algumas perguntas abertas e
outras de múltipla escolha, essas não fechando em 100%, pois suscitavam mais de uma
resposta pelos representantes legais.
CRAS
Instrumentos de
pesquisa
Período Nº de
Informantes
Caracterização
dos Informantes
Jereissati
Questionário com
perguntas abertas e
fechadas
16 a 20 de Junho
de 2008
48
Representante
legal
Antônio Justa
Questionário com
perguntas abertas e
fechadas
23 a 27 de Junho
de 2008
34
Representante
legal
62
3 O DEBATE INTERNACIONAL
DA POLÍTICA DE RENDA MÍNIMA A UTILIZAÇÃO DOS PROGRAMAS DE
TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO COMBATE A POBREZA.
Considerando que o fenômeno dos programas de transferência de renda mínima
no âmbito internacional influenciou o debate e inúmeras experiências nacionais e locais, faz-
se necessário, no primeiro momento, realizarmos um estudo analítico do cenário em que
emergem tais programas, com ênfase na elaboração dos sistemas de proteção social europeu,
mediante a garantia de uma renda mínima às populações vulneráveis que não conseguiram se
adaptar à sociedade salarial, os quais foram denominados por Castel (1998) como
“inempregáveis”, “supranumerários” e “inúteis para o mundo”.
Desde a década de 1980, a transferência de uma renda monetária por meio de
programas aufere destaque nos países centrais, como alternativa para conter as contingências
de ordem econômica e social, transfiguradas pelo desemprego estrutural, combinado pela
precarização das condições de trabalho e flexibilização das relações sociais e trabalhistas, os
quais contribuem para o surgimento de uma “nova pobreza”, em que indivíduos que nunca
vivenciaram situações de vulnerabilidade, passaram a sofrer dificuldades de inserção no
mercado de trabalho formal e informal, bem como inúmeras outras privações. Sendo assim, a
utilização de programas de transferência de renda monetária passou a ser uma das opções
para alterar esse cenário, na contemporaneidade. Tais programas, porém, serão analisados
neste trabalho sob diferentes modalidades: desde uma renda mínima a uma renda básica ou
de cidadania, situando - os no sistema de proteção social.
Neste capítulo, a discussão acerca do debate internacional dos programas de
Transferência de Renda será demarcada, inicialmente, com uma breve construção do cenário
econômico-social em que emergem esses programas, ressaltando os modelos de sistema de
proteção social tradicionais, que influenciaram diversos países, inclusive os da America
Latina, bem como as estratégias governamentais do redimensionamento do Estado de Bem-
Estar Social no enfrentamento do desemprego e pobreza crescente após a década de 1970.
No segundo tópico, serão apresentados os principais aspectos diferenciadores entre uma
63
renda mínima e uma renda básica, indispensáveis para iniciar o debate. Finalmente, no
último tópico deste capítulo, serão explicitadas as diversas modalidades e concepções de
programas de transferência de renda, construídas a partir de debates acadêmicos entre
sociólogos, economistas, políticos e organizações sociais, além das próprias experiências
pioneiras na utilização desses programas, no âmbito internacional.
3.1 O cenário socioeconômico internacional e as modificações no Estado e nas formas
de enfrentamento da pobreza
O debate internacional a respeito da renda mínima situa-se na década de 1980, no
contexto da Revolução Tecnológica da Era da Informação, em que novos rearranjos recriam
processos de globalização
14
e regionalização de mercados sob a hegemonia do capital
financeiro, repercutindo em modificações no mundo do trabalho, no Estado, na sociedade e
nas formas de enfrentamento da questão social.
Para Silva (1997), a discussão acerca das políticas de renda mínima,
internacionalmente, perpassa dois eixos fundamentais. O primeiro expresso nas grandes
transformações ocorridas na economia internacional, refletindo profundas transformações no
mundo do trabalho, o qual passa a ser marcado pela precarização das relações de trabalho,
crescente desemprego estrutural e elevação dos índices de pobreza, mesmo nos países
desenvolvidos. O segundo eixo de análise está nos novos redimensionamentos do Estado
aqui representado pelo “Welfare State” ou Estado de Bem-Estar Social”, ante sua
incapacidade e inadequabilidade de responder a estas transformações que impactam o mundo
do trabalho, a economia e a sociedade, esta configurada no advento de uma “sociedade dual”,
composta por um lado de pessoas bem empregadas e de outro por um contingente de
desempregados ou precarizados.
14
O termo “globalização” é tratado por Manuel Castells (1999: 149) como “um processo segundo o qual as
atividades decisivas num âmbito de ação determinado (a economia, os meios de comunicação, a tecnologia, a
gestão do ambiente e o crime organizado) funcionam como unidade em tempo real no conjunto do Planeta.
Trata-se de um processo histórico inteiramente novo (distinto da internacionalização e da existência de uma
economia mundial), porque somente na última década se constituiu um sistema tecnológico (...) sob bases na
informacionalização da sociedade da revolução tecnológica”.
64
Nesse panorama, algumas indagações e questionamentos são expressos: quais as
possibilidades de redimensionamento do papel do Estado e das políticas públicas diante do
desemprego estrutural e acirramento da desigualdade social? Quais as saídas concretas em
termos de políticas públicas para reverter este quadro? Como aliar inclusão social diante da
impossibilidade atual de se conseguir trabalho formal para todos aqueles em situação de
vulnerabilidade social ou até mesmo em processo de “desfiliação social”?
Para ser possível responder a esses questionamentos alguns autores como Silva
(1997), Habermas (1987), Castel (1998) e Rosavallon (1998) assinalam ser necessário
redimensionar o papel do Estado, ante o enfraquecimento do “Welfare State”, bem como as
formas de enfrentamento da questão social, via políticas públicas de inserção social ou
transferência de renda. Outros autores como Manuel Castels (1999), Dupas (2001) e Class
Offe (1999) discutem o papel do Estado diante do contexto da globalização, traçando alguns
caminhos para a reativação da capacidade de ação do Estado no contexto da globalização
econômica e tecnológica.
Alguns autores, como Silva (1997: 14) acentuam que o “Welfare State”, sob as
bases das políticas de pleno emprego e crescimento econômico, foi perdendo espaço para a
sociedade da era tecnológica. O seguro social, constituído pela contribuição dos empregados,
e a assistência social, destinada a um público - alvo específico (inválidos, desempregados,
idosos e deficientes) no formato preconizado pelo “Welfare State” não conseguia dar conta
das novas questões sociais. Sendo assim a autora, traz como possibilidades a utilização dos
programas de transferência de renda mínima, inserido no sistema de proteção social, como
alternativa para o enfrentamento da pobreza e da fome no âmbito mundial.
Habermas (1987), no seu artigo intitulado A Nova Intransparência: a crise do
Estado de Bem-Estar Social e o esgotamento das energias utópicas” conseguiu prever as
repercussões no âmbito social, político e econômico com advento da Modernidade. Para o
Estudioso, juntamente com o desenvolvimento da sociedade moderna, assistia-se a um
esgotamento das energias utópicas e a um enfraquecimento do Estado de Bem-Estar Social.
65
Para o referido autor, as utopias clássicas que buscavam as condições para uma
vida digna do homem e para a felicidade socialmente organizada, foram paulatinamente se
esgotando no limiar do século XXI. Nesse contexto, desenhou-se um panorama mundial,
marcado pela corrida armamentista, pela difusão descontrolada das armas nucleares, pelo
empobrecimento dos países em desenvolvimento, pelo desemprego e desequilíbrios sociais
nos países desenvolvidos. As conseqüências imediatas se desdobraram em problemas ao
meio-ambiente e utilização da ciência e da técnica para um controle desenfreado da
sociedade e exploração desmedida da natureza. As forças produtivas transformam-se em
forças destrutivas (...) a modernidade transformou autonomia em dependência, emancipação
em opressão, racionalidade em irracionalidade (HABERMAS, 1987: 105).
Sendo assim, Habermas (1987 :107) está convicto de que a sociedade do trabalho vai
chegando ao fim, tendo como pano de fundo os limites do projeto do Estado Social ou
“Welfare State” (Estado de Bem-Estar Social). Esse enfraquecimento data mais ou menos da
metade dos anos 70, quando esse Estado, que se nutriu da utopia de uma sociedade do
trabalho, foi perdendo a capacidade de garantir possibilidades futuras de uma vida melhor e
estável. O Welfare State se enfraqueceu em decorrência, na opinião de Habermas (1987), de
alguns condicionantes internos e externos, desencadeados pelos altos custos sociais do
Estado de Bem-Estar Social com os salários e os encargos trabalhistas, provocando
modificação da própria tecnologia, visando à intensificação da produtividade do trabalho e
diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário. O panorama que se delineou foi
desemprego crescente e crise fiscal do Estado.
Como saída para o atendimento destas novas demandas sociais, políticas e
econômicas da Modernidade, Habermas aponta para a necessidade de novas formas de
sociabilidades voltadas para o emprego auto-organizado, viabilizado pela constituição de
esferas públicas autônomas, dos quais combinariam poder e auto-organização. O autor
deslocou os pontos da agenda para a preservação do meio-ambiente, do direito das minorias
e das etnias.
66
Castel (1998) também realizou aprofundado estudo sobre as transformações
socioeconômicas da sociedade salarial
15
, especificamente da realidade francesa, que
engendraram uma “nova questão social”, com rebatimentos no Estado Social
16
e nos sistemas
de proteção social europeus. Pressupondo de que a questão social dos dias atuais se
manifesta no enfraquecimento da condição salarial e que a retração do crescimento
econômico, nos anos de 1970, veio acompanhada do enfraquecimento do Estado
“integrador”, o autor garante que o fim do quase - pleno emprego favoreceu o
reaparecimento de um perfil de trabalhador sem trabalho que ocupa na sociedade
contemporânea um lugar de “supranumerários” e de” inúteis para o mundo”.
Na opinião de Castel (1998), em meados de 1970, consolidaram-se modificações
na estrutura da relação salarial das empresas e desenvolvimento das atividades “terciárias”,
culminando na proliferação de um salariado não-operário”, ou seja, o operário deixou de
ser o produtor máximo, integrando-se a uma nova sociedade do consumo que busca o
conforto e o bem-estar constantes.
Esse tipo de Estado, entretanto, se enfraqueceu diante de uma série de
contradições internas e externas, apontadas por Castel (1998). A intervenção do Estado
Social possuía efeitos homogeneizadores e individualizantes em seus beneficiários. Com o
desenvolvimento da industrialização e da urbanização, as proteções sociais, garantidas pelo
Estado Social e consolidadas pelas falhas da sociabilidade primária e de proteção próxima,
contribuiram para a existência de uma sociedade de indivíduos passivos e sob uma
responsabilidade mínima no que diz respeito ao pagamento de contribuições ou impostos que
seriam redistribuídos pelo Estado, mediante políticas sociais de proteção social. O grande
15
A sociedade salarial foi um movimento de promoção do social, caracterizada pela acumulação de bens e
riquezas, criação de posições e oportunidades, ampliação dos direitos e das garantias, bem como da
multiplicação das seguridades e proteções. Foi, ainda, acompanhada por crescimento econômico e consolidação
do Estado Social, dos quais garantiu tanto a condução da economia quanto a rede de proteção social aos
diferentes blocos sociais: profissões independentes com o patrimônio não convertido; popular; periférico ou
residual (CASTELL, 1998).
16
Castel (1998) optou por denominar o” Welfare State” ou Estado de Bem-Estar Social por Estado Social, no
lugar de Estado Providência, termo utilizado por Pierre Rosanvallon (1998) e muitos autores. Estudiosas da
temática como Behring e Boschetti (2008: 96) acreditam que as várias expressões (“Welfare State, Estado -
Providência, Estado Social) foram elaboradas e utilizadas em cada nação para designar formas determinadas e
específicas de regulação estatal na área social e econômica.
67
problema apontado por Castel (1998: 509), no entanto, estava nas formas da gerência e
financiamento dessas coberturas sociais, haja vista que estas eram financiadas por uma
maioria de ativos que garantiam proteção social, tanto a eles mesmos quanto aos inativos,
entretanto, estes foram se tornando cada vez mais numerosos, concorrendo para isto o
envelhecimento da população e o desemprego estrutural crescente.
Os sistemas de seguridade social tradicionais que se ergueram na Europa,
beveridgiano e bismarckiano entraram em contradição quando a população ativa se tornou
minoritária. Para Castel (1998: 511), o sistema de seguridade social quase não se preocupou
com a cobertura do desemprego, este se revelou o calcanhar-de-aquiles do Estado Social.
Tal como os autores apontados até então, Pierre Rosanvallon (1998) repensou a
constituição da nova questão social no século XX, partindo da premissa de que o Estado
Providência adentra uma crise de grandes proporções, em virtude da inadaptação dos
métodos da gestão social no final dos anos de 1970. O Estado - Providência passivo chegou
ao seu limite, em decorrência da impossibilidade de assegurar um sistema de proteção social
com o crescimento de desempregados cada vez mais dependentes de indenizações,
financiadas por um número decrescente de ativos. Conseqüentemente, esse aumento da
exclusão parcial ou total do acesso ao trabalho repercutiu no aumento da tributação sobre o
trabalho, o que levou à diminuição de seu volume e ao crescimento do número de
trabalhadores desempregados. Vai se delineando uma separação entre o econômico e o
social, repercutindo num crescimento significativo do número de desempregados.
Se de um lado, a dicotomia entre o econômico e o social perpassou o
enfraquecimento do Estado - Providência, por outro lado, possibilitou visualizar uma saída
para se propor um novo redimensionamento deste. Para que isto ocorresse, Rosanvallon
(1998) preconizou a necessidade de intima relação entre a lógica da indenização e a garantia
do emprego.
Hoje uma palavra, ao mesmo tempo vaga e essencial, que parece refletir essa
busca: inserção, ou seja a inserção social. A tentativa de encontrar um novo
relacionamento entre o emprego e o Estado Providência manifesta-se em torno
dessa palavra e da idéia que ela representa. É uma tentativa feita em muitas
dimensões: a emergência de vínculos inéditos entre direitos sociais e obrigações
68
morais; a tendência a juntar idenização e remuneração; a criação de um espaço
intermediário entre emprego assalariado e atividade social. (1998: 130).
O Estado - Providência se ergueu sobre os pilares do pleno emprego, contando
com um sistema que favorecia a empregabilidade dos menos qualificados, que recebiam um
“salário de solidariedade”, os quais eram mais baixos do que os salários dos trabalhadores
qualificados (ROSANVALLON, 1998); contudo, nos anos de 1980, ocorreu uma dicotomia
entre estas duas esferas, sendo a renda mínima de inserção (RMI)
17
uma experiência francesa
que aliava a inserção pelo trabalho e o direito à renda, no contexto de flexibilização das
relações de trabalho e globalização econômica.
Assistiu-se, nas décadas de 1970 e 1980 a um período de reestruturação
econômica e de reajustamento social e político, culminando no surgimento de outro tipo de
regime de acumulação: a acumulação flexível
18
. Nesse estádio globalizante, é importante
destacar que novos desafios são postos à esfera estatal, tanto no que concerne à sua
capacidade de adaptabilidade às reconfigurações político-econômicas quanto a responder a
um contingente crescente de demandas sociais, transfiguradas no desemprego estrutural, nos
altos índices de pobreza, bem como no acirramento da violência urbana e do narcotráfico que
assolam a realidade mundial.
Manuel Castells (1999) no artigo intitulado “Para o Estado-Rede: Globalização
Econômica e Instituições Políticas na Era da Informação” identifica os principais processos
de âmbito mundial que transformaram a economia, a cultura e a sociedade na última década,
analisando o transbordamento do Estado-nação ante a essas mudanças e o surgimento de
outra forma de Estado, denominada pelo autor de Estado-Rede
19
.
17
A renda mínima de inserção foi uma experiência implantada na França em 1988, que será detalhada no
tópico a seguir.
18
Nos termos de Harvey significou um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos padrões de consumo. Caracteriza-se
pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços
financeiros, novos mercados, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças nos padrões do desenvolvimento desigual,
tanto entre setores como entre regiões geográficas... (1993 : 140).
19
Não pretendemos aprofundar esse novo tipo de Estado, entretanto, para Castells, este se caracteriza por
compartilhar a autoridade (ou seja a capacidade institucional de impor uma decisão) através de uma série de
69
A globalização veio acompanhada por um sistema tecnológico que permitiu a
integração mundial numa estrutura de rede. Essa integração, na opinião de alguns autores e
de estudos realizados por instituições internacionais
20
, não acontece de forma homogênea em
todos os países. Castells (1999: 149) chama a atenção é para o fato de que nem tudo é global,
haja vista que o emprego, as atividades econômicas e as experiências humanas e
comunicacionais na esfera simbólica ainda são locais e regionais, cabendo ao Estado adaptar
essas realidades às exigências do sistema financeiro global, evitando assim a desestabilização
monetária e financeira, fuga de capitais especulativos, aumento crescente do desemprego e
precarização das condições de trabalho.
O que se vivencia na atualidade são formas cada vez mais direcionadas à
articulação e integração de um conjunto de empresas, mediante a constituição de redes
globalmente articuladas em diferentes dimensões e nacionalidades ao redor de grandes
conglomerados de capital descentralizados operacionalmente, contando com redes de
comunicação interativa no âmbito planetário.
A verdade é que, mesmo diante dessa integração sem precedentes, o Estado ainda
é um importante agente de intervenção estratégica nos processos econômicos e globais,
sendo a capacidade de ação estatal importante para as empresas, para os trabalhadores, para a
economia e para a sociedade. O Estado perde soberania, mas não a capacidade de ação
(CASTELLS, 1999: 156).
É imprescindível levar em conta, entretanto, os limites estruturais e culturais
desse processo, haja vista que a globalização multidimensional produz efeitos sobre a
capacidade de intervenção do Estado, os quais são redimensionandos para um Estado-Rede.
As intervenções que o autor menciona permitem uma gestão entre o global, o regional e o
local, estes últimos relançados na era da globalização, uma vez que os governos locais e
instituições. Tais decisões seriam realizadas mediante negociações, inseridas numa rede, em que o global, o
nacional e o local se relacionam (1999: 164).
20
Segundo o Relatório de Pesquisa Política do Banco Mundial - publicada na obra: Globalização, crescimento
e pobreza: a visão do Banco Mundial sobre os efeitos da Globalização. São Paulo: Futura. 2003 - as economias
e as sociedades em todo o mundo estão se tornando integradas, contudo, apesar desta globalização estar
reduzindo a pobreza em países com economias mais integradas, muitas nações pobres - com uma população de
mais ou menos dois bilhões de pessoas - são deixadas de fora desse processo (2003 : 16).
70
regionais têm uma relação mais intensa com a população, devendo facilmente visualizar as
demandas emergenciais e elaborar políticas públicas locais mais eficazes.
Corraborando as idéias do referido autor, Claus Offe (1999: 128) acredita que
para reverter o enfraquecimento do Estado Nacional e restaurar sua capacidade de governo, é
necessário um rearranjo entre Estado, Mercado e Comunidade, de forma que essas três
instâncias ou três modos ideais picos atuem conjuntamente. A escolha, pelo autor desses
tipos ideais é justificada pelo fato de que cada um se baseia em uma das três capacidades
21
pelos quais os seres humanos podem intervim no mundo: razão, interesse e a paixão.
Dupas (2001: 105) também assevera a necessidade de se constituir um novo
Estado-indutor-normativo, apto a viabilizar serviços públicos essenciais à população de
baixa renda nas áreas de saúde, educação, habitação, entre outros. Sinaliza ele, no entanto,
para o fato de que atender a estas demandas não é uma tarefa simples, em virtude do
aumento da desigualdade social e de suas “conseqüências desagregadoras”, advindos da nova
economia globalizada.
O panorama contemporâneo, apontado por Dupas (2001) reveste-se do aumento
das taxas de desemprego na maioria dos países e de novas formas de ocupação, substituindo
relações tradicionais entre capital e trabalho, as quais gerariam crescimento do setor informal
e intensa flexibilização do emprego. Sendo assim, o Estado é chamado a garantir a
sobrevivência dos cidadãos que estão sendo expulsos do mercado formal.
Autores como Silva, Yasbeck e Gionanni (2004) acentuam que esse processo de
depauperamento e exclusão social é enfrentado, no século XXI, pelos programas de
transferência de renda mínima. Nos tópicos a seguir, apresentaremos alguns pontos
importantes na utilização desses programas no cenário internacional.
21
O Estado seria representado pela razão, o mercado seria movido pelo interesse dos agentes humanos na
aquisição de bens individuais e o cimento que integraria os membros dessas comunidades é a paixão. Cada um
destes três tipos de capacidades humanas maximizaria um valor distinto: Estado, direitos e deveres; mercado, a
liberdade de escolha; e as comunidades, a identidade e sua preservação (Claus Offe, 1999).
71
3.2 Aspectos diferenciadores entre uma renda mínima e uma renda básica: algumas
reflexões conceituais para iniciar o debate
O debate em torno da Política de Renda Mínima e da utilização dos programas
de transferência de renda no combate à pobreza e ao desemprego no século XX serão
inicialmente tratadas neste tópico, com duas importantes considerações. A primeira delas diz
respeito às diferenciações entre renda mínima e renda básica. A segunda é que os programas
de transferência de renda podem se destinar tanto à provisão das necessidades humanas
básicas quanto ao estabelecimento dos mínimos sociais de seu público-alvo.
Segundo Van Parijs (2006), a discussão referente à renda básica, também
designada Renda de cidadania (Suplicy 2002), aufere destaque na agenda pública nas duas
últimas décadas. A concepção de renda básica, designada por Van Parijs (2006: 65) e
abordada neste trabalho, é de uma renda paga por uma comunidade política a todos os seus
membros individualmente, independente de sua situação financeira ou exigência de
trabalho. Esta designação, não abrange a variedade de usos reais da expressão inglesa basic
income (renda básica), mas, por outro lado possibilita ao referido autor realizar algumas
análises interessantes, que facilitará a diferenciação entre renda básica e mínima.
Uma renda básica é paga sob a forma de dinheiro e não sob a forma de bens e
serviços, podendo o valor monetário ser gasto pelo indivíduo conforme suas
necessidades e preferências. Além disso, a renda básica é paga regularmente,
complementando a renda do indivíduo, em vez de oferecer transferências na forma
de bens e serviços;
uma renda básica pode ser paga e financiada por um Estado-nação (na forma de
bônus estatal, dividendo nacional ou salário do cidadão), como também por uma
comunidade ou província politicamente organizada;
o público-alvo da renda básica pode ser restrito a cidadãos do país, ou a cidadãos no
sentido jurídico, incluindo os residentes legais permanentes no país, enfim, tal renda
72
é paga individualmente a cada membro da comunidade, diferentemente do realizado
pelos sistemas de renda mínima, em que o público-alvo é cada unidade familiar,
sendo as condições sócio-econômicas desta submetida à análise e testes de
comprovação;
uma renda básica é repassada independente da situação financeira do indivíduo,
sendo paga no mesmo valor tanto para os ricos quanto para os pobres. Nos sistemas
de renda mínima é especificado um nível mínimo de renda para cada tipo de família,
variando conforme o seu arranjo familiar e as suas condições sócio-econômicas, ou
seja, calcula-se a renda total da família proveniente de outras fontes, e a diferença
entre esta renda e o mínimo estipulado é paga a cada família na forma de um
benefício em dinheiro. Em síntese, enquanto a renda básica opera ex antes,
independente de qualquer verificação de renda, a renda mínima opera ex post,
levando em consideração outros tipos de rendimentos familiares; e
a renda básica é paga independente de se estar trabalhando ou da disposição de
trabalhar,diferentemente do caso da renda mínima de inserção. A incondicionalidade
da renda básica a distingue de qualquer subsídio empregatício.
A operacionalização de uma renda básica é, para muitos críticos inviável, uma
vez que pode estimular a armadilha do desemprego, ou seja, a dependência dos indivíduos à
renda básica, bem como a não - redistribuição necessária, concorrendo para isto a
universalização do repasse em dinheiro tanto para pobres quanto para os ricos, sem contar
que o custo financeiro de um sistema de renda básica, universal e incondicional, é mais caro
do que de um sistema de renda mínima, em virtude do número de beneficiários da renda
básica tender a ser maior do que o número da renda mínima (VAN PARIJS, 2002: 213).
Autores como Suplicy (2002) e Van Parijs (2006), no entanto, defendem a
utilização da renda básica e apontam alguns aspectos positivos na sua utilização, tais como:
1) eliminação da armadilha do desemprego, em virtude da não exigência da verificação de
renda dos beneficiários; 2) maior poder de barganha dos beneficiários junto aos
empregadores, pois o recebimento de uma renda básica contribui para a não - aceitação de
73
baixos salários ou empregos degradantes; 3) contribui para a eliminação da humilhação no
recebimento de um benefício, este, ao contrário, é transferido a todos como questão de
cidadania.
Sendo assim, a concepção de uma renda básica como subsídio ao exercício da
cidadania, visando à universalização do direito a uma renda a toda uma comunidade política,
tem relação direta com a segunda e importante consideração a ser realizada neste tópico: o
tipo de provisão social realizada pelos programas de transferência de renda.
Pereira (2002: 27) concebe provisões e necessidades como conceitos correlatos,
objetivando a otimização das provisões básicas, em vez de mínimas. Nas palavras da autora,
implica considerar:
A provisão social como uma política em movimento, que não se contenta em
procurar suprir, de forma isolada e estática, nem ínfima ou mesmo basicamente,
privações e carências críticas que, por serem máximas ou extremas, exigem
respostas mais complexas e substanciais.
Tendo por base esta citação, podemos afirmar que os programas de transferência
de renda, como ações estratégicas, inseridas no sistema de proteção social, devem atuar
como medidas de proteção transpondo o combate imediato à fome e à pobreza, devendo
incrementar a qualidade de vida dos beneficiários, estando estas ações atreladas às políticas
econômicas de geração de trabalho e renda.
Corraborando as idéias de Pereira (2002), Silva, Yasbeck e Giovanni (2004)
concordam na idéia de que o combate à pobreza não deve ser efetuado somente pelas
políticas sociais, especialmente se estas forem tópicas e emergenciais. Ao contrário, é
imprescindível a articulação dessas políticas sociais com as políticas econômicas. Sendo
assim, os programas de transferência de renda, no formato atual, devem ultrapassar a mera
transferência de renda e viabilizar condições de autonomização para os integrantes de seu
público-alvo. O primeiro passo para alcançar esta autonomia é a provisão das necessidades
humanas básicas pelos programas de transferência de renda, os quais são vislumbrados por
Pereira (2002) em oposição a preferências, desejos, compulsões, demandas e expectativas
que repousam no universo das discussões em torno dos mínimos sociais. Em outras palavras,
74
as necessidades humanas se identificam com a elevação da aquisição de bens, serviços e
garantia de direitos com base no estabelecimento das provisões básicas, as quais, articuladas
com uma política econômica, viabilizarão aos indivíduos a capacidade de agência, ou seja,
capacidade de atuação como agentes e de criticidade, aquisições essas que propiciarão aos
indivíduos opinar e decidir no âmbito de sua vida e da própria cultura (DOYAL E
GOUGH,1991 apud PEREIRA, 2002: 31)
O conceito de necessidades humanas básicas é amplo, relativo, ficando muitas
vezes difícil não concebê-lo de forma subjetiva e relativa. Será tratado neste trabalho,
contudo, como um fenômeno objetivo e passível de generalização, a fim de servir como
parâmetro na análise da formulação e implementação de políticas públicas. Pereira (2002)
indica como um dos estudos de maior referência sobre necessidades humanas básicas o livro
publicado em 1991 e intitulado A theory of human need, de autoria de Doyal e Gough. Nessa
obra, os autores garantem que a distinção entre as necessidades básicas e outras categorias
(necessidades não básicas, aspirações, desejos e preferências) está na ocorrência de sérios
prejuízos à vida material dos homens e à atuação destes como sujeitos (informados e
críticos), caso essas necessidades não sejam adequadamente aceitas (DOYAL E
GOUGH,1991 apud PEREIRA, 2002: 67) Estes sérios prejuízos dizem respeito aos
impactos negativos que impedem os indivíduos de suprir suas necessidades físicas e sociais.
Tendo em vista conta estas considerações, Doyal e Gough (1991: 68) apontam
dois conjuntos de necessidades objetivas e universais que, se não satisfeitas podem ocasionar
sérios prejuízos aos indivíduos: saúde física e autonomia. Ambas atingem diretamente dois
aspectos: a participação dos indivíduos, como sujeitos críticos de suas formas de vida e
cultura, e a liberdade humana como condição para prevenção de qualquer forma de opressão,
inclusive a pobreza. A provisão da saúde física proporciona ao indivíduo o direito mais
elementar, o direito à vida, que constitui, segundo esses autores, uma necessidade natural que
afeta a todos os seres vivos, contudo esta não tem conotação de mera sobrevivência, assim
como autonomia não significa apenas liberdade negativa
22
. Destarte, nenhuma das duas
22
A liberdade negativa a que Pereira (2002: 84) se refere está relacionada com a não - viabilização de
condições prévias para que o indivíduo supra as suas necessidades básicas. Sendo assim, é necessário que a
obtenção da autonomia dos indivíduos se vincule a condições estabelecidas pela liberdade positiva, ou seja,
pela cobertura de um conjunto de programas e serviços aos indivíduos, capacitando-os fisica e mentalmente na
obtenção da autonomia crítica e liberdade de agência.
75
categorias constitui um fim em si mesmo, ambas são precondições, cuja satisfação adequada
poderá impedir a ocorrência de sérios e prolongados prejuízos à participação social e à
libertação humana de qualquer forma de opressão (PEREIRA, 2002: 83).
A autora alerta para a noção de que estas duas categorias de necessidades
humanas básicas devem estar inter relacionadas e que ambas necessitam de condições
específicas para satisfazê-las, tais como necessidades intermediárias e necessidades de
grupos específicos, que devem ser levadas em conta, pois podem afetar a provisão das
necessidades básicas. Sendo assim, as necessidades intermediárias são delimitadas por Doyal
e Gouch (1991 apud PEREIRA, 2002: 76) como: alimentos adequados e água potável,
habitação adequada, ambiente de trabalho sem riscos, cuidados de saúde apropriados,
proteção à infância, relações primárias significativas, segurança física, segurança econômica,
educação básica e planejamento familiar, gravidez e partos seguros.
A não - provisão destas necessidades intermediárias poderá acarretar a
incapacitação dos indivíduos de prover suas próprias necessidades básicas. Exemplificando a
afirmação, se os membros de uma família não possuem condições dignas de moradia, ou
acesso à alimentação adequada para o desenvolvimento cognitivo e físico de suas crianças e
adolescentes, como esses indivíduos poderão vir a se tornar sujeitos capazes de participação
ativa na vida em comunidade? Ou melhor, como esses sujeitos poderão se tornar autônomos?
Os programas de transferência de renda são portas de entrada no combate à pobreza e à
fome, contudo devem proporcionar aos seus beneficiários condições de autonomia e
emancipação, para o alcance destas, tais programas devem viabilizar condições específicas
para a satisfação das necessidades básicas. A tarefa não é fácil, mas é necessário refletir
sobre estas considerações, ao longo deste trabalho.
A delimitação das necessidades humanas básicas, de forma universal, objetiva e
mensurável, a serem satisfeitas pelos programas de transferência de renda, possibilita a
obtenção de parâmetros na leitura de programas, serviços e ações que atendam as demandas
da comunidade, bem como ao estabelecimento de condições para a otimização de padrões de
qualidade de vida, contudo, como já explicitado, é importante levar em consideração a
cultura e as formas de vida de comunidades minoritárias, uma vez que a abordagem das
76
necessidades básicas abre muitas possibilidades, o que não significa dizer que estas não
sejam universais, mas seu entendimento pode ser relativo.
Para Rocha (2005: 19), a abordagem de necessidades básicas insatisfeitas vai
além daquelas da alimentação para incorporar uma gama bem mais ampla de necessidades
humanas, tais como educação, saneamento, habitação etc., das quais podem apresentar
diferentes formas de priorização a serem satisfeitas em uma dada comunidade. A provisão
dessas necessidades pode acontecer via programas de transferência de renda, complementada
com outros programas e serviços.
As experiências internacionais a serem apresentadas enfocam o cuidado na
elaboração de políticas públicas eficazes no enfrentamento das novas refrações da questão
social, perante as transformações societárias da contemporaneidade. É importante, porém,
ressaltar que essas experiências não estabelecem uma diferenciação tênue entre renda
mínima e renda básica, uma vez que foram poucas as experiências de um tipo puro em torno
destas. Van Parijs (2000: 195) assegura que os usos reais de uma renda básica, por exemplo,
podem abranger benefícios cujo valor podem ser afetados pela situação da família ou
exigirem que o valor da renda básica coincida com o que é necessário para satisfazer as
necessidades básicas. Sendo assim, as diferenciações e abordagens realizadas até aqui
subsidiarão o debate em torno das diversas modalidades e concepções de renda mínima
concebidas na Europa, bem como as experiências internacionais de uma renda básica no
Alasca.
3.3 A Política de renda mínima e o debate internacional dos programas de
transferência de renda
A caracterização da política de renda mínima - como transferência monetária a
indivíduos ou à unidade familiar, prestadas ou não de forma condicional, complementando
ou substituindo outros programas sociais será inicialmente analisada com apoio nos
estudos de Suplicy (2002) que tratam do surgimento e da evolução da idéia da garantia de
uma renda àqueles que pouco ou nada recebiam ao longo da história, bem como expõe a
primeira proposta de uma renda mínima, com seus fundamentos. O autor também traça uma
77
evolução histórica dos pressupostos fundamentais de uma renda de cidadania, empiricamente
utilizada em países com políticas econômicas mais evoluídas, exemplificando o caso dos
Estados Unidos, mais especificamente uma vila de pescadores no Alasca. Serão ainda
utilizados, para a referida análise, os fundamentos teóricos de Silva (1997), autora que
explicita as justificativas, vantagens e desvantagens da política de renda mínima, bem como
os fundamentos teóricos e concepções iniciais que subsidiaram diversas matrizes e
classificações de modalidades de renda mínima.
Para Suplicy (2002), a idéia de se conceber igualdade e justiça social aos menos
afortunados tem expressão na filosofia grega, com Aristóteles, e nos inúmeros textos
religiosos do judaísmo, cristianismo, islamismo, budismo e outras religiões. Sendo assim, a
utilização da garantia de uma renda mínima a todas as pessoas viabilizam, segundo o autor,
dois princípios definidos por Aristóteles: a justiça distributivista, tratando desigualmente os
desiguais; e a justiça política, tratando igualmente a todos depois que a justiça distributiva os
igualou.
A preocupação de se assegurar um mínimo de subsídio àqueles incapazes de
prover a própria subsistência também foi uma preocupação de grandes pensadores
humanistas. Suplicy (2002: 43) lembra que Thomas More também contribuiu na discussão da
importância de se assegurar a todos o mínimo para uma sobrevivência digna, lançando as
bases do socialismo, mediante sua obra “Utopia” (1516). As reflexões de Thomas More,
segundo Suplicy, influenciou, em 1526, Juan Luis Vivés a realizar a primeira proposta de
renda mínima na cidade flamenga de Bruges, por meio de sua obra intitulada De subventione
pauperum sive de humanis necessitabus, que deu subsídios para a elaboração das formas
diversas das leis de Assistência aos Pobres (The Poor Laws) na Inglaterra e na Europa
(SUPLICY, 2002). Tais Leis serão consideradas para alguns autores (como SILVA, 1997:
26) os primeiros indícios de garantia de uma renda mínima a um grupo específico e incapaz
de suprir a própria subsistência por meio do trabalho. Na opinião dessa autora, a existência
legal desta modalidade de renda veio a partir de 1579, na Escócia, depois na Inglaterra, com
78
a Lei de Assistência aos Pobres
23
de 1601. A primeira iniciativa de renda mínima na Europa
industrial, contudo, se deu com a Speenhamland
24
em 1795.
As Leis de Assistência aos Pobres permitiam que idosos e deficientes pudessem
solicitar esmolas junto às paróquias. Posteriormente, as casas religiosas passaram a ser
autorizadas a levantar fundos aos proprietários de terra para prover subsídios aos pobres,
disponíveis em suas regiões. É válido ressaltar, porém, que, enquanto existiram críticos
ferrenhos a essas leis
25
, outros, como o economista e historiador Mark Blaug, em o Relatório
sobre a lei dos pobres reexaminado, disse que as Leis de Assistência aos Pobres foram um
mecanismo importante na criação das condições para a Revolução Industrial na Inglaterra
(SUPLICY, 2002: 57).
Avançando um pouco na história, Suplicy (2002) informa que a viabilização de
justiça social também foi foco de atenção do pensamento liberal. As idéias de “justiça social”
de Paine ganharam destaque, estando o cerne de seu pensamento ancorado na idéia de que a
pobreza estava relacionada com a civilização e com a instituição da propriedade privada da
terra. Sendo assim, era justo que aquele que cultivasse a terra e fizesse nela alguma
benfeitoria pudesse ter o direito de receber o resultado de seu cultivo, isto é, uma renda
básica para todos.
Se no século XIX , a idéia de um mínimo esteve em torno do direito do trabalho
e do bem-estar, foi no século XX, entre as duas guerras mundiais, que se formulou uma
23
Para Pereira (2002: 103), as Leis de Assistência aos Pobres (Poor Laws) formavam um conjunto de
regulações pré capitalistas que se aplicava a pessoas situadas à margem do trabalho, como idosos, órfãos,
crianças carentes desocupados voluntários e involuntários, etc (..) .
24
O Ato de Speenhamland assegurava um complemento de recursos aos pobres suprimidos pelos enclosures, até
conseguirem atingir um mínimo vital.
25
Suplicy (2002) explica que quatro grandes pensadores eram críticos ferrenhos das Poor laws. Para Smith,
este tipo de sistema produzia fraudes, tais como a corrupção dos oficiais da paróquia para com os seus pobres,
uma vez que aqueles incitavam que estes migrassem para outra paróquia, a fim de passarem a ser assistidos por
esta. Para David Ricardo, o financiamento destas em longo prazo poderia vir a gerar uma grave situação
econômica no país: a absorção de toda a renda líquida sem combater a pobreza. Para Malthus, tais leis poderiam
prejudicar ainda mais a situação de pobreza, uma vez que causaria um aumento da população sem o necessário
aumento da produção de alimentos, gerando uma situação de dependência e empobrecimento. Finalmente para
Karl Marx, a Lei dos Pobres no que se refere à proporção entre o salário pago pelo arrendatário e o deficit
coberto pela paróquia (esta completava o salário nominal a título de esmolas) representavam tanto queda do
salário abaixo do mínimo, bem como a surgimento de um novo perfil de trabalhador, composto de
assalariamento com indigência.
79
defesa mais consistente de uma renda mínima voltada a combater os problemas sociais.
Douglas e Hattersley sugeriram um “dividendo nacional” como saída ao desemprego e aos
problemas decorrentes da automação, com risco de superprodução (SILVA, 1997: 27).
Ao realizar um breve percurso histórico do debate internacional da renda nima
no século XX, Silva (1997: 27) constatou que, no final da II Guerra Mundial e nos anos de
1960, o tema da garantia de uma renda mínima ressurgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Na Inglaterra, ganhou repercussão o projeto de Rhys-Williams (1949 apud SILVA, 1997), no
qual a concessão de garantia de renda mínima era estabelecida por aqueles dispostos a
ocupar um emprego. Nos Estados Unidos, em 1962, destacou-se a idéia da instituição de uma
renda mínima garantida por meio de um imposto negativo, de autoria de Friedman. O
imposto negativo visava, para seu idealizador, a combater a pobreza sem reduzir a incitação
ao trabalho, evitando a armadilha da assistência, esta mediada por benefícios assistenciais e
temporários que poderiam causar dependência aos assistidos. Além destes pensadores e
economistas, outros também defendiam a utilização de uma renda mínima, como foi o caso
do professor Jonh Kenneth Galbraith (1975), que acreditava ser imprescindível a adoção de
uma renda alternativa desde que, ao assumir um emprego, aquele que recebesse tal doação de
forma integral perderia uma parte desta, não deixando, é claro, de recebê-la, evitando a
dependência e a ociosidade (SUPLICY, 2002:72)
O foco de preocupação dos grandes economistas e pensadores dessa época era
encontrar mecanismos de contenção dos efeitos pós II - Guerra: aumento da pobreza,
acirramento dos índices de desemprego, entre outros. A adoção de uma renda mínima, no
entanto, deveria ser utilizada sem causar dependência ou estigma aos assistidos, ao mesmo
tempo em que era importante garantir um mínimo de subsistência àqueles incapacitados de
provê-la.
Foi no contexto dos anos de 1980 que o debate sobre a garantia de uma renda
mínima se consolidou, sobretudo na Europa, em virtude do acirramento das desigualdades
sociais, repercutindo em aumento da pobreza, desemprego e violência. Então emergiu uma
pluralidade de modalidades de renda mínima que vão desde proposições liberais às
proposições mais universalistas.
80
Silva (2007) distingue três diferentes concepções e modalidades renda mínima
Liberal, Distributivista e de Inserção – suscitadas por diversos acadêmicos, políticos e
organizações sociais, visando a buscar para superar a inadequação dos sistemas de proteção
social do Welfare State
26
, no contexto atual de mutação da economia e do mundo do
trabalho, decorrentes da globalização econômica e tecnológica.
Na óptica de Silva (1997:53-54), a renda mínima sob inspiração liberal pode se
caracterizar por uma renda compensatória e complementar destinada a trabalhadores com
rendimentos inferiores os de uma linha de pobreza fixada, com ênfase na pobreza absoluta e
em rígidos critérios de acesso e acompanhamento de seu público-alvo. A viabilização desse
tipo de renda ocorre pelo mecanismo da proteção social, estando tal sistema ancorado na
racionalização e simplificação, substituindo as diversas modalidades de benefícios por uma
renda monetária única. Os beneficiários do sistema de renda nima Liberal buscam atender
suas necessidades diretamente do mercado, sem a intermediação de um Estado interventor. É
mister assinalar, contudo, que a referida autora aponta tipos ilustrativos de propostas nesta
perspectiva, em que a renda pode se apresentar também incondicionalmente, de caráter
distributivo, independentemente de qualquer exigência, ou ainda destinada a todos para não
desincentivar o trabalho, exemplificando a renda básica de Van Parijs. Os tipos ilustrativos
de Liberal são o Imposto de Renda Negativo e a Renda Mínima Universal, apresentando esta
também as seguintes denominações: Renda Básica, Dividendo Nacional e Dividendo Social.
Dentre os grandes representantes destes tipos ilustrativos, se destacam: Milton Friedman,
Van Parijs, Douglas e Hattersley e Rhys-Willins.
26
Para o entendimento da proposição de uma renda básica, faz-se necessário distinguir a evolução dos três
modelos de Estado de Bem-Estar Social: bismarckiano, beveridgiano e painiano. No modelo bismarckiano, os
trabalhadores renunciavam obrigatoriamente parte de seus ganhos para constituir um fundo que seria utilizado
para cobrir gastos com a saúde, promovendo uma renda destinada a situações de incapacidade de trabalho por
idade, por acidente, por enfermidade ou involuntário. Esse tipo de sistema se ancora na perspectiva do seguro
social. No beveridgiano, todos os titulares de rendimento primário, do capital ou do trabalho, renunciariam a
uma parte de seus rendimentos para a constituição de um fundo que garantiria, a toda a sociedade, um nível
mínimo de recursos, incluindo a saúde, seja porque são incapazes de prover o mínimo de subsistência por
ausência de condições financeiras, ou ainda em decorrência a idade avançada, incapacidade, acidente ou
doença, entre outros; seja porque estão impossibilitados de conseguir um emprego cuja remuneração seja
suficiente. Esse tipo de sistema, diferentemente do bismarckiano, se ancora em pressupostos mais
universalistas. No Painiano, todos os titulares de rendimentos renunciam, obrigatoriamente, uma parte de seus
rendimentos para constituir um fundo que sirva para pagar incondicionalmente a todos. (SUPLICY, 2002:74).
81
O Imposto de Renda Negativo proposto por Milton Friedman (1962 apud SILVA
1997) consiste na transferência de uma renda complementar às famílias abaixo da linha de
pobreza, ou seja, a proposta do imposto de renda negativo se vincula ao mecanismo de
arrecadação de impostos, fixando um limite de renda (linha de pobreza) em que, acima deste,
se pagaria imposto e abaixo se receberia, entretanto, à medida que os rendimentos desta
família forem aumentando em virtude de outras fontes de trabalho, o valor monetário da
renda vai se alterando. As principais vantagens desta modalidade de renda mínima seriam:
atribuir um auxílio máximo, nos limites da linha de pobreza, para aqueles que não têm
nenhuma ou insuficiente renda de trabalho; manter um limite de acesso baixo para limitar o
custo do sistema e não reduzir o estímulo ao trabalho. Como, porém, é destinado às famílias
com determinado patamar de renda, as principais desvantagens estariam na exigência de
exaustivos testes de meios. Além de apresentar um baixo nível de renda, o seu caráter
estritamente monetário desconsidera medidas preventivas de combate à pobreza (SILVA,
1997: 45).
O segundo tipo ilustrativo de renda levantada por Silva (1997: 59) diz respeito à
Renda Mínima Universal ou Dividendo Nacional - formulada por Rhys-Willins, após a
segunda Guerra Mundial (1949), por Douglas e Hattersley nos anos de 1960, e Roberts
(1983) que propõem uma renda idêntica, atribuída a todos, sob base individual,
independentemente de outras rendas provenientes do trabalho ou de outras fontes, da
situação familiar ou da vontade de aceitar ou não um emprego. As principais vantagens desta
proposta são: 1) simplificação da gestão administrativa dos sistemas de proteção social, com
redução de custos; 2) compatibilização com as exigências da flexibilidade do mercado de
trabalho, uma vez que facilita o ajustamento da oferta e demanda de trabalho via aceitação de
trabalhos de baixa remuneração; 3) redução do corte de trabalhadores em virtude do
desaparecimento dos encargos sociais, com a supressão do salário mínimo. As desvantagens
são: 1) proposta de alto custo e eminentemente monetária, cujos maiores beneficiários são os
empresários; 2) incapaz de atender os aspectos multidimensionais da pobreza; 3) falta de
seletividade, desfavorecendo os menos necessitados (SILVA, 1997: 43)
O terceiro tipo ilustrativo de proposta de renda está na renda básica (basic
income) proposta por Walter (1989) e Van Parijs (1987,1992,1994). A proposta de renda
82
básica está ancorada na premissa de que o sistema econômico ocidental, baseado no trabalho
pago, não garante qualidade de vida e satisfação das necessidades básicas de cada cidadão.
Sendo assim, a viabilização de uma renda básica é o único mecanismo de prevenção contra a
pobreza na sociedade moderna. Diferentemente do imposto de renda negativo, a
transferência de uma renda básica se destina ao indivíduo de forma incondicional, sem
comprovação de recursos ou exigência de engajamento numa atividade remunerada. A renda
básica também difere do Dividendo Nacional, pois aquele se preocupa com a prevenção da
pobreza, enquanto esta se atém à redistribuição da riqueza nacional após a implantação da
pobreza. A renda básica proposta por Van Parijs fundamenta-se numa sociedade justa e livre
e, para que isto aconteça é necessário que se criem condições de segurança, de propriedade
de si e de oportunidade (SILVA, 1997: 69).
Silva (1997) ressalta, no entanto, que a renda básica anteriormente explicitada
sob o prisma de uma cidadania liberal com base na justiça e liberdade apresenta divergências
nas formulações de autores diferentes, pois é difícil a devida qualificação desta numa
proposta de renda mínima universal de inspiração liberal ou universal. Sendo assim, é
importante vislumbrar a renda básica, neste trabalho, como expressão dotada de vários usos,
dos quais podem se apresentar, segundo Van Parijs (2000), de forma mais restrita: o valor da
renda básica pode ser afetado pela situação econômica da família; ou mais ampla, onde o
valor de tal renda pode ou não satisfazer as necessidades básicas ou substituir as demais
transferências. A preocupação exposta neste trabalho não é classificar as diversas
modalidades de renda mínima e básica existentes em categorias A ou B, mas sim trazer à
tona as justificativas, vantagens e desvantagens da política de transferência de renda no
combate à pobreza, à fome, ao desemprego e outros males socioeconômicos inerentes à
sociedade capitalista.
É consenso a noção que a proposta de uma renda básica foi alvo tanto de várias
críticas como de defesas. Dentre os seus maiores defensores, podemos destacar Van Parijs
27
,
que desenvolveu duas argumentações que justificam a implantação de uma renda básica
entre todos, independentemente da participação do homem no espaço produtivo, assegurando
27
Philippe Van Parijs e Guy Standing foram alguns dos mais importantes membros fundadores da Rede
Européia da Renda Básica (Basic Income European Network BIEN), fundada em 1986, com finalidade de
defender a instituição de uma renda básica universal.
83
a cobertura de necessidades básicas para uns e a disponibilidade de tempo livre para outros.
A primeira razão foi econômica e apontou a necessidade de uma renda sica, incondicional
e independente do trabalho que garante tanto o desenvolvimento do capitalismo mundial
como combate a pobreza e o desemprego, propiciando a funcionalidade dos sistemas de
proteção social. A segunda razão foi de ordem ideológica, afirmando que a garantia de uma
renda a todos não somente viabiliza o funcionamento do Welfare State perante à sociedade
dual, como é um caminho de transição do capitalismo para o socialismo, representando uma
importante direção para a emancipação humana (SILVA, 1997: 29).
Van Parijs (1992 apud SILVA, 1997: 30) avança no estudo da renda básica,
identificando, no debate geral, argumentos tanto numa perspectiva individualista, expressos
pelos libertários e pelos igualitários quanto argumentos sob o viés societário, defendidos
pelos comunitaristas. Na perspectiva individualista, a defesa de uma renda básica se faz
partindo de demandas individuais justas. Assim, para os libertários, a idéia de justiça se
funda numa distribuição mais eqüitativa, resultante de uma transição voluntária que se funda
na justiça e igualdade. A renda básica se encontra não na solidariedade nem na caridade, mas
num direito à compensação sem qualquer referência ao trabalho. Já os igualitários defendiam
uma divisão eqüitativa do excedente, realçando a liberdade do principio da diferença. A
perspectiva de ordem societária defendia uma concepção de sociedade mais justa, sobre as
bases da cidadania, como instrumento para almejar uma sociedade do bem comum. Desta
forma, a viabilização de uma renda deve ser paga a todos e numa base individual, sem
estigmatizar nem humilhar.
Offe (1992 apud SILVA, 1997: 32) foi também defensor da instituição de uma renda
básica como um mecanismo importante de proteção social no âmbito das reformas do
Welfare State. A renda básica é uma renda individual e de subsistência, baseada mais na
cidadania do que no mercado de trabalho. O financiamento é pago por imposto proveniente
de todos os que têm emprego e não necessitem de renda básica, restringindo o acesso destes
a esta renda. As iniciativas apontadas facilitam o desenvolvimento extensivo de trabalho
cooperativo e outras formas de trabalho não pago.
84
Silva (1997: 55) aponta a segunda concepção de renda mínima, representada por
um viés distributivista (esquerda), caracterizado por uma renda incondicional, complementar
a outros benefícios e programas, visando à distribuição da produtividade ao conjunto da
população e garantindo mecanismo de partilha de empregos e de criação de tempo livre
dedicados a trabalho social, projetos pessoais e à qualificação permanente. Os pressupostos
balizadores desta corrente partem da necessidade de se garantir uma repartição de renda a
todos, independentemente da participação do homem no espaço produtivo. Tal renda é um
importante mecanismo para garantir segurança na cobertura das necessidades básicas, bem
como disponibilidade de tempo livre, permitindo o desenvolvimento de projetos pessoais e
sociais.
A transferência de renda nesta perspectiva não tem apenas a funcionalidade de
suprir as necessidades mínimas dos indivíduos, mas também proporciona qualidade de vida e
autonomização dos sujeitos, concorrendo para isto à oportunidade de qualificação
profissional, e realização de projetos sociais nos tempos livres. Para que isto aconteça, se
propõe um modelo alternativo de assalariamento, com base no rompimento da relação renda-
trabalho, ou seja, uma renda social é um mecanismo de partilha do tempo de trabalho, ante a
redução crescente de emprego. Os tipos ilustrativos desta proposta, apontados por Silva
(1997: 55) são: a Renda de Existência de Bresson, a Renda Social de Gorz, Segundo Cheque
de Aznar, etc. Dentre os grandes representantes se destacam: Yoland Bresson, André Gorz,
Guy Aznar.
A proposta da Renda de Existência formulada por Bresson (1988, 1991, 1993
apud SILVA, 1997: 71) defende o “fim do assalariamento”, com a distribuição de uma renda
incondicional a todos os membros da comunidade. O cerne de seu pensamento está no modo
da distribuição da renda, a qual deve estar em conformidade com o “valor-tempo”, ou seja, a
inserção social acontece pelo emprego do tempo que deve ser intercambiado com o social e o
econômico. Sendo assim, o indivíduo deve estar inserido numa atividade produtiva, em uma
fração de seu tempo ativo, recebendo em troca o seu salário, mas em outra fração de tempo o
individuo deve estar livre para realizar projetos pessoais. Em suma, para Bresson o que gera
valor não é o “valor trabalho” e sim o “valor tempo”.
85
O “Segundo Cheque de Aznar” (1988 apud SILVA, 1997: 75) fundamenta-se na
idéia de que renda e trabalho devem ser ambos garantidos. A proposta não é excluir, mas
trabalhar menos, em tempo parcial, sem perda de renda. Assim, é destinada uma renda
complementar aos ativos, para que trabalhem menos, estruturando o conceito do “segundo
cheque” sob duas modalidades: salário de tempo parcial, em que o individuo deixa de
trabalhar em tempo integral para o parcial, mantendo a mesma remuneração e o salário
tecnológico, compensação da substituição do homem pela máquina na era da revolução
tecnológica, sendo necessário extinguir a relação tempo-salário e redistribuir a riqueza
produzida pela máquina.
A Renda Social de Gorz (1991, 1992 apud SILVA, 1997: 77) está articulada a um
projeto de sociedade alternativa em que se passa de uma sociedade produtivista para uma de
tempo livre, em que o cultural e o social se impõem sobre o econômico. Para a efetivação
desse tipo de sociedade deveria ser articulada pela esquerda uma espécie de
internacionalismo, numa perspectiva global, em que sistemas de proteção social e políticas
sociais sejam comuns ao espaço europeu, além de se constituir um projeto de sociedade em
que a redução de tempo de trabalho seja igual para todos e realizada sem perda de renda.
Finalmente Silva (1997: 82) ressalta a terceira concepção de transferência de
renda, em torno da Renda Mínima de Inserção, instituída na França em 1988 e implantada
em 1989. Esta proposta objetivava interromper a “cultura da dependência” aos serviços
socioassistenciais. Assim, era urgente restabelecer uma relação entre direito e obrigação,
numa perspectiva contratualista. Com tal suposição, a renda em torno da inserção considera
os indivíduos como sujeitos ativos e não como assistidos, representada por uma renda
monetária complementar, tendo como contrapartida o estabelecimento de um contrato entre o
beneficiário e a sociedade, pelo qual deveria ser oferecida a este indivíduo uma inserção
pessoal e profissional. Dentre os tipos ilustrativos de propostas sob este viés destaca-se a
Renda Social de Milano (1988 apud SILVA, 1997:81), enquadrada numa renda de inserção
que articula renda mínima e inserção social e profissional. Tal renda é um auxílio material,
diferencial, associado ao desenvolvimento de ações de inserção social, profissional e de
formação, com prazo limitado, mas o suficiente para que os beneficiários se tornem
autônomos.
86
Existem, contudo, algumas armadilhas que perpassam o debate sobre a inserção,
apontadas por Offedi (1991 apud SILVA, 1997: 36). Primeiramente, se tem a armadilha da
concorrência institucional, reativando os sistemas políticos locais e o reforço às
diferenciações, exigindo uma capacidade diagnóstica e de negociação, sem o devido
processo de aprendizagem administrativa e de pessoal a este tipo de trabalho. O segundo
aspecto é a armadilha da avaliação em face da heterogeneidade do público-alvo a ser
atendido, centrada na medição quantitativa dos benefícios; além disso, dificuldade de
realizar a devida definição dos espaços territoriais.
Além desses questionamentos, existem outros no debate da inserção, tais como:
1) a busca de inserção por meio de um contrato individualista não se constitui uma ação
sobre as causas da pobreza, uma vez que a exclusão é coletiva e conjuntural; 2) a política
pública da inserção possui certa dimensão voluntarista, que a pobreza e o desemprego são
de ordem conjuntural, não podendo ser debelada por meio de contratos individualizados; 3)
tal política tende a contribuir para a institucionalização e ampliação do trabalho precarizado,
de baixa remuneração, uma vez que o empregador deixa de pagar um salário justo, que o
trabalhador recebe uma renda de inserção.
Em síntese, a política de renda mínima foi alvo de uma série de debates e
reformulações, com o intuito de garantir a sustentabilidade dos sistemas de proteção social
em virtude das transmutações da economia, do Estado e da sociedade na Era da globalização.
As formulações teóricas em torno desta política, entretanto, expostas anteriormente,
favoreceram a operacionalização de experiências reais na Europa, nos Estados Unidos, bem
como em alguns países da América Latina.
Na perspectiva de Silva (1997: 87), as experiências na garantia de uma renda
mínima no contexto europeu na atualidade assumem uma perspectiva de complementação
dos atuais sistemas de proteção social, objetivando combater a pobreza, por meio de uma
renda mínima de inserção social. Em alguns países, como o Reino Unido, a adoção de uma
modalidade de renda mínima correu posteriormente a 1948. A República Federal Alemã,
apesar de estar filiada a um sistema bismarckiano, adotou um sistema de renda mínima em
87
1961. No caso dos Países Baixos, a implantação deste tipo de sistema foi posto em prática
nos anos de 1960 1970. Dentre estas experiências, a autora maior ênfase à Renda
Mínima de Inserção (RMI)
28
implementada na França em 1989. Esta modalidade de renda
mínima foi demandada pelos crescentes índices de desemprego e pobreza pós - II Guerra
Mundial, sendo os beneficiários potenciais os pobres e “novos pobres”. Nesse sentido,
referida proposta relaciona a transferência de renda com o direito à inserção profissional e
social, permitindo que cada cidadão supere as dificuldades em torno do desemprego,
concorrendo para isto a viabilização de uma renda mínima para suprir suas necessidades
vitais, favorecendo também oportunidade de qualificação profissional.
É válido ressaltar que, no começo do século XXI, se organizou institucionalmente
ampla defesa da adoção de programas de transferência de renda mínima. A União Européia e
a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) foram
importantes para a expansão de experiências de programas de Renda nima junto a seus
países - membros, tendo sido em 1988 aprovada uma resolução que versava sobre a
erradicação da pobreza, via utilização de programas de transferência de renda nos países da
Europa, alastrando-se para outros continentes. Outra importante iniciativa, como apontado
(pág. 63, nota 27); foi a fundação, em 1986, da Rede Européia da Renda Básica ( Basic
Income European Network BIEN), visando a defender a instituição de uma renda básica
universal. Os mais importantes membros fundadores da BIEN foram Philippe Van Parijs e
Guy Standing ( SUPLICY, 2002)
Essas iniciativas anteriormente explicitadas incentivaram diversas experiências de
programas de transferência de renda mínima e básica, as quais não se restringiram somente à
Europa. Em 1935, os Estados Unidos, durante o governo Roosevelt, instituiram o Programa
de Auxílio às Famílias com Crianças Dependentes ( Aid for Families with Dependent
Children), que destinava um complemento de renda às famílias com renda abaixo de certo
patamar, cujas mães tinham perdido os seus maridos e estavam com dificuldades de criar os
seus filhos e dar-lhes educação. Em 1964, Lyndon Jonnson criou um programa de
28
A RMI é uma prestação de auxílio social a cargo do Estado, oferecida em forma de uma prestação mensal
monetária no valor de 2 mil francos para uma pessoas só; 3 mil francos para um casal e mais 600 francos por
dependente, destinada a pessoa sem recursos suficientes para manutenção de suas necessidades ( SILVA,
1997: 99-98).
88
Alimentação (Foods Stamps), uma espécie de imposto de renda negativo que somente
poderia ser gasto na forma de alimentos. Em 1969, o presidente Richard Nixon formulou o
Plano de Assistência à Família ( Family Assistance Plan FAP). Em 1974, o Congresso dos
Estados Unidos aprovou a lei, de iniciativa do senador Russel Long, democrata de Louisiana,
que instituiu uma forma de imposto de renda negativo, o Crédito Fiscal por Remuneração
Recebida(Earned Income Tax Credit EITC), que destinava um complemento de renda
somente às famílias com renda inferior a certo patamar de renda, a fim de sair da condição de
pobreza.
De acordo com estudos de Suplicy (2002) a experiência pioneira de uma renda
básica no Alasca (Estados Unidos) foi uma iniciativa do prefeito Jay Hammond, de Bristol -
Bay, uma pequena vila de pescadores daquele Estado Federado. Jay Hammond observou que
a pequena vila continuava pobre, apesar desta obter grande riqueza na forma de pesca. Sendo
assim, propôs a criação de um fundo que pertenceria a todos, sendo este financiado por
imposto sobre o valor da pesca e da propriedade. Dez anos depois, Jay Hammond tornou-se
governador do Estado do Alasca (1974-1982), conseguindo em 1976, enviar para o
Legislativo um projeto de emenda propondo que se destinassem 25% dos royalties ao Fundo,
que pertenceria a todos. A proposta foi submetida a referendo popular, sendo aprovada,
contudo, em 1980, este governador conseguiu um aumento da porcentagem destes recursos,
destinando 50% dos royalties ao referido Fundo. Segundo Suplicy (2002: 87) o patrimônio
do fundo cresceu de US$ 1 bilhão,em 1980, para US$ 28,5 bilhões, em 2000. Cada pessoa
residente um ano ou mais no Alasca deve preencher um formulário com todos os dados
pessoais, sendo necessárias duas pessoas residentes no Alasca para testemunharem a
veracidade das declarações. Todos que entregarem o referido relatório recebem na primeira
quinzena de outubro, por via eletrônica, na conta bancária ou por cheque, um dividendo que
evoluiu de UR$ 300, no início de 1980, chegando a UR$ 1.963,86 em 2000.
Suplicy (2002) também aponta inúmeras iniciativas de garantia de uma renda
mínima em alguns países da América. Uruguai, Chile e Argentina instituíram a Assignación
Familiar, programa que viabiliza uma complementação de renda aos trabalhadores do
mercado formal, desde que tenham crianças freqüentando a escola. A Venezuela instituiu,
em 1989, o programa Bolsa Escolar para crianças de famílias pobres; em 1991 adicionou-se
89
o bônus - leite. Em 1996, o governo implementou o Programa de Subsídio Familiar,
substituindo os Bolsa Escolar e os bônus anteriores.
90
4 O DEBATE NACIONAL DA POLÍTICA DE RENDA MÍNIMA
Os programas de transferência de renda mínima consolida-se no cenário político
mundial e especialmente na agenda política brasileira, com destaque no governo de Luis
Inácio Lula da Silva. Tais programas não foram utilizados pela primeira vez nesse Governo,
contudo é neste que esses passam a ganhar destaque, angariando maiores recursos
financeiros, conseqüentemente, elevando o valor do benefício, além de atender um número
considerável e maior de famílias em situação de extrema pobreza do que os programas do
governo de Fernando Henrique Cardoso
29
.
O importante a se destacar neste Capítulo é que o formato atual do Programa
Bolsa Família tem seu gerenciamento pelo Estado, delegando responsabilidades à União,
Distrito Federal, estados e municípios, focalizando o público-alvo e impactando sobre a
pobreza estrutural. O diferencial da política de combate à fome e à pobreza do Governo atual
é a tentativa de articular a transferência de renda a outros programas de geração de emprego,
fortalecimento da agricultura familiar, entre outros, mediante um conjunto de ações e eixos
estratégicos, sob o prisma do Fome Zero, de modo a ensejar o desenvolvimento sustentado
das famílias beneficiárias em condição de extrema pobreza. São muitos, no entanto, os
desafios, especialmente no âmbito local, sendo necessário verificar as particularidades e
problemáticas de uma dada realidade, especialmente no trato da pobreza e da fome.
Para Rocha (2005: 173-174), a pobreza no Brasil é definida da renda e não da
situação nutricional, o que normalmente fazemos é associar erroneamente pobreza a fome.
Apesar de ser desejável dispor de um conjunto de parâmetros monetários, baseados em
critérios justificados para se acompanhar a evolução de pobreza no País, é imprescindível
levar em consideração as particularidade e diferenciações locais quanto ao modo de vida e o
nível de desenvolvimento social e produtivo.
29
Sonia Rocha realizou importante estudo sobre os impactos dos programas federais de transferência de Renda
no Brasil. Consultar: ROCHA, S. Impacto sobre a Pobreza dos novos programas federais de Transferência de
Renda. Revista Contemporânea. Rio de Janeiro, 9(1): 153-185, jan./abr.2005.
91
Presumindo que esses programas se encontram num âmbito socioeconômico
maior, partiremos de breve caracterização histórica das formas de enfrentamento da pobreza
no Brasil, para a seguir explicitarmos o debate nacional dos programas de transferência de
renda, ressaltando as tentativas de se conceber uma renda básica em vez de mínima no
Brasil. Neste capítulo, também caracterizaremos o Programa Bolsa Família na realidade
brasileira, reforçando a idéia de que esse programa é gerenciado pela União, sendo
operacionalizado pelos municípios, desvinculando-se da óptica assistencialista e
patrimonialista que fizeram parte da história política do País.
4.1 Pobreza: diversidade de conceitos e manifestações na realidade brasileira
Conceituar pobreza é antes de mais nada inseri-la no tempo e no espaço como
um fenômeno que, transfigurado em imagens, se metamorfoseia em diferenças,
desigualdades e conflitos. O estudo da pobreza proposto neste trabalho vai além da sua
“historicização” na realidade brasileira, sendo necessário apresentar e confrontar também a
diversidade de visões acerca desse fenômeno e do que é ser pobre, ante o desemprego, a
violência urbana e a precarização do acesso aos direitos básicos no âmbito da saúde,
educação, moradia, assistência social, entre outros. Essas imagens foram se delineando ao
longo da história, prevalecendo ainda hoje no imaginário da sociedade, especificamente no
imaginário dos sujeitos sociais participantes desta pesquisa.
O conceito de pobreza, nas palavras de Osterne (2001: 95) “é em princípio,
ampla, imprecisa e supõe gradações. Mesmo existindo em toda parte, é sempre relativa a
uma dada sociedade (...). Por comportar as idéias de recursos, necessidades e escassez,
jamais poderia expressar-se como uma noção estática, tampouco, válida em toda parte”.
Existe uma diversidade de conceitos acerca da pobreza na literatura brasileira. Alguns
estudiosos preferem concebê-la como situação na qual as necessidades não são atendidas,
enquanto outros optam por mudar a trajetória dessa perspectiva mais econômica,
considerando a pobreza como ausência de direitos, dotada de uma dimensão social e
simbólica. ainda a visão, predominante até os anos 1930, da pobreza como um problema
moral e individualizante, transfigurada na figura do “vadio” e do “mendigo” que nos anos
1970 passou a ser representado pelo “desempregado”, “subempregado” ou “marginal”. Na
92
atualidade, além de se verificar e discutir sobre essas concepções, é inevitável não perceber o
fenômeno da “nova pobreza”, no qual indivíduos que antes nunca haviam vivenciado o
desemprego ou morado em favelas ou cortiços, de uma hora para outra, são destituídos de
seu ambiente de trabalho, obrigados a viver em precárias condições de moradia, sob um
status inferior, desvalorizado e estigmatizante.
As manifestações da pobreza na sociedade brasileira possuem particularidades
que devem ser ressaltadas e analisadas em cada momento histórico e político. Segundo
Schwartzman (2004: 17) enquanto no século XIX a Inglaterra e os Estados Unidos criavam
leis e instituições de amparos aos pobres, do Brasil, era ausente esse tipo de iniciativa, uma
vez que a sociedade e a economia nessa época eram marcadas pela escravidão e pela
monocultura da cana-de-açúcar, sendo a pobreza e a miséria consideradas naturais e
inevitáveis, sob a responsabilidade da Igreja Católica, por meio de suas irmandades e santas
casas de Misericórdia.
Até a década de 1930, a pobreza não era reconhecida como questão social, sendo
tratada por ações assistencialistas e filantrópicas pela Igreja, atuando o Estado somente como
agente de apoio ou instância fiscalizadora. A pobreza era vista como disfunção individual
das pessoas. Schwartzman (2004 : 21) garante que na República predominava a noção de que
os problemas do País estavam relacionados com as características raciais e culturais da
população brasileira, sendo as doenças tropicais tratadas por políticas eugênicas, assegurando
o progressivo “branqueamento da população”.
Foi de 1930, em diante que o Estado brasileiro, representado por Getúlio Vargas,
passou a reconhecer a pobreza como questão política, contanto com formas de assistência
aos pobres sob influência ainda dos valores cristãos da caridade e da ajuda (OSTERNE,
2001). Nesse período, prevalecia a visão funcionalista de que a sociedade deveria ser
organizada sob a tutela de um Estado corporativista e influência do pensamento da Igreja
Católica, de modo a buscar a harmonia e o bom funcionamento dos poderes políticos e da
sociedade.
Esta vinculação estreita entre caridade pública, assistencialismo e enquadramento
disciplinar da sociedade era uma característica comum às principais tentativas de
93
enfrentar os problemas da pobreza na Europa desde os tempos medievais, que no
Brasil tratava de emular. (GEREMEK apud SCHWARTZMAN 2004 p. 22).
Segundo Valladares (1991 apud SARTI 2005: 37) na virada do século XX, a
explicação da pobreza vai se desvinculando do indivíduo para ser posta no sistema
econômico vigente. Sendo assim, os pobres vão deixando de ser os “vadios”, para se
tornarem os “desempregados”, “subempregados” ou os “marginais”, isto é, aqueles não
inserido no mercado de trabalho formal.
Durante as décadas de 1950 e 1960, alguns estudiosos viam a pobreza e a
desigualdade social como decorrentes do panorama dual da sociedade brasileira desta época.
O País era dividido em duas estruturas: uma moderna e urbana e outra rural e atrasada.
Então era impossível combater a pobreza, em razão do atraso econômico (teoria dualista).
Foram muito, contudo, s os críticos sobre esse tipo de visão, uma vez que “o Brasil não era
dual, mas desigualmente integrado ao Capitalismo”. (CARDOSO 1978 apud SARTI 2005:
48).
O desenvolvimento econômico auferido nas décadas de 1950 60 repercutiram
na urbanização das cidades, que passaram a ser um espaço moderno e urbano, atraindo um
número considerável de trabalhadores rurais por melhores condições de vida e trabalho. Em
decorrência do rápido crescimento demográfico, porém, as cidades passaram a ser incapazes
de fornecer trabalho para todos, gerando, para alguns autores, o aumento de uma massa
“marginal” e desempregada, tima da pobreza urbana, tendo que se submeter a
subempregos. Na opinião de Santos (1979), entretanto, é errôneo vincular o problema da
urbanização como causador da pobreza urbana, cujas raízes estão no próprio funcionamento
do sistema capitalista, sendo a urbanização uma conseqüência desse processo.
Vera Telles (1999) descreve a pobreza como um pano de fundo que encena o
atraso de um Brasil dos contrastes que vem de uma história sem autores e responsabilidades,
devendo ser transformada e capturada sob o signo do progresso. A autora denuncia a miséria
urbana, formada pelo vadio, pelo desempregado, pelo mendigo, pelo inválido, pelo louco e
pela criança abandonada, figuras estas que inquietavam a sociedade, ao mesmo tempo em
94
que tinham os seus direitos de cidadania destituídos. Nas palavras da autora, significa dizer
que,
No mundo público, são apenas os “pobres”, expressão que sugere mais do que uma
simples descrição sociológica da realidade porque expressa uma diferenciação que
é a forma mais radical da destituição: os pobres são aqueles que não tem nome, não
tem rosto, não tem identidade, não tem interioridade, não tem vontade e são
desprovidos da razão. Nessa (des) figuração, é definido também o seu lugar na
ordem natural das coisas: são as classes baixas, as classes inferiores, os ignorantes,
que só podem esperar a proteção benevolente dos superiores ou então a caridade da
filantropia privada. As figuras da pobreza dizem, portanto, mais do que os horrores
da privação material. (1999, pág. 117-118)
Bajoit (2004) menciona outras causas do fenômeno da pobreza, não a vinculando
ao processo urbano e sim cultural, isto é, o pobre é aquele mal socializado por conta de viver
numa subcultura, não conseguindo modificar essa realidade porque está fechado em sua
cultura e estigmatizado pelo olhar dos outros.
Diferentemente das teorias dualistas e culturalistas, autores como Schwartzman
(2004) definem outras causas do fenômeno da pobreza sob o viés marxista. Essa era vista
como conseqüência de um sistema desigual que deixava uma parte significativa de
trabalhadores à margem do sistema de produção. Esta classe tinha um papel especial na
divisão social do trabalho, uma vez que produziam a riqueza excedente, isto é, a mais-valia,
apropriada pela classe burguesa.
Segundo Alayón (1995), a pobreza como um fenômeno a ser tratado passou a
ser discutida sob o viés da marginalidade
30
, na América Latina, com suporte em três
correntes. A primeira referiu-se à definição da marginalidade oposta à modernização. Como
mencionado, a década de 1950 foi o período marcado pelo auge das teorias dualistas,
contexto no qual a marginalidade foi definida como a circunstância de o - participação do
indivíduo no desenvolvimento econômico, social e cultural do País.
A segunda corrente vinculou o fenômeno da marginalidade à teoria da
dependência. Neste contexto, a pobreza era vista como fruto de um crescimento econômico
30
Termo empregado pelos sociólogos latino-americanos, substituindo a palavra pobreza do vocabulário
acadêmico e oficial.
95
que não produziu desenvolvimento social, muito menos distribuição de renda. A
marginalidade era vista como conseqüência do subdesenvolvimento.
A terceira corrente foi marcada por ferrenhas críticas a Teoria da Dependência e
ao “milagre econômico”. A marginalidade, diferentemente das teorias anteriores, constituiu
componente estrutural das relações de produção nos países periféricos, contribuindo para a
valorização e rentabilidade do capital.
No entendimento de Santos (1979) a utilização do termo marginalidade
repercutiu em alguns equívocos, pois se mostrou ambígua no que diz respeito à “população
marginal”, que passou a ser julgada excedente e inútil do ponto de vista econômico. Ao
contrário do que foi assinalado, esta categoria facilitou a acumulação no centro e na periferia,
uma vez que manteve o rebaixamento dos salários mediante o exército industrial de reserva,
além de assegurar uma participação significativa no mercado de trabalho informal.
Retomando as idéias de Valladares (1991 apud SARTI 2005), as ciências sociais
brasileiras, sobretudo desde os anos de 1970, começaram a focar o pobre como inserido na
produção, opondo-se à teoria do dualismo e à idéia de marginalidade. Nesse contexto, o
pobre deixou de ser uma categoria estigmatizada como “classe perigosa” pelos grupos
dominantes, passando a ser definidas e identificadas como componente dos “trabalhadores”
pelas ciências sociais.
Nos anos de 1970 e 1980, emergiram tentativas de se ampliar a concepção da
pobreza sob o viés monetário, uma vez que o foco centrava-se na identificação de deficits e
níveis de carência que condicionavam a pobreza na América Latina. Desta forma, a
concepção de pobreza passou a ser redefinida como carência de condições de acesso e
usufruo de bens e serviços tais como: moradia, habitação, saúde, nutrição entre outros. Esse
enfoque incorporou a noção de Pobreza Relativa.
Sonia Rocha (2005) afirma que no início dos anos setenta o reconhecimento
pelos Organismos Internacionais (ONU e Banco Mundial) de que as desigualdades sociais
não estavam sendo equacionadas pelo crescimento econômico, sendo necessário repensar o
96
processo desse crescimento, com o objetivo de reduzir a desigualdade e a pobreza, por meio
da integração social, política e econômica.
Sendo assim, a autora concebe a pobreza como “um fenômeno complexo,
podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são
atendidas de forma adequada”. (2005: 9). É necessário especificar, no entanto, que
necessidades são essas e qual o nível de atendimento pode ser o mais adequado. Além de
levar em conta as especificidades socioeconômicas e as tradições culturais dos diversos
países, ao estabelecer as abordagens e as medições adequadas da pobreza, como, por
exemplo, a definição de necessidades nutricionais associada ao conceito de pobreza absoluta,
este não pode estar desvinculado dos aspectos culturais, ao definir a dieta mínima, por
exemplo.
Em outras palavras, o fenômeno da pobreza pode se apresentar sob diferentes
enfoques, dado o nível de desenvolvimento social e produtivo de cada país, o que remete às
noções de pobreza absoluta e relativa.
Pobreza absoluta está estreitamente vinculada às questões de sobrevivência física;
portanto, ao não-atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital. O
conceito de pobreza relativa define necessidades a serem satisfeitas em função do
modo de vida predominante na sociedade em questão, o que significa incorporar a
redução das desigualdades de meios entre indivíduos como objetivo social. Implica,
conseqüentemente, delimitar um conjunto de indivíduos “relativamente pobres” em
sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos. (ROCHA, 2005: 11).
Apesar da relevância da abordagem da pobreza como insuficiência de renda, não
se pode desconsiderá-la como insuficiência de necessidades básicas insatisfeitas, uma vez
que isso significa ir além daquelas de alimentação, para incorporar uma gama bem mais
ampla de necessidades humanas, como: educação, saneamento, habitação, entre outros.
Rocha alerta para o fato de que a distinção entre pobreza absoluta e relativa não apresenta
limites claros, uma vez que a linha de pobreza e indigência, partindo das noções de pobreza
absoluta e consumo mínimo, também podem se aproximar da pobreza relativa, uma vez que
quanto mais rica é a sociedade, mais o conceito de pobreza se distância do atendimento das
necessidades de sobrevivência.
97
No Brasil, apesar de ainda ser relevante a utilização do conceito de pobreza
absoluta, Rocha (2005) alerta que se pode utilizar as abordagens das basic needs de forma
complementar, uma vez que tal abordagem traz algumas vantagens, tais como: 1) abandona a
renda como indicador - chave de mensuração da pobreza, definindo parâmetros que reflitam
resultados em termos de qualidade de vida e não em matéria de consumo; 2) estabelece
objetivos e medição de pobreza para toda a sociedade, não delimitando uma população
pobre, preferencialmente, o que permitiu estabelecer comparações entre países; 3) ênfase
ao caráter multidimensional e ao reconhecimento da inter-relação das diversas carências, de
modo que possa haver a implementação de políticas públicas a serem operacionalizadas
complementariamente no combate aos diferentes aspectos da pobreza.
Se na década de 1970 houve uma preocupação de se mensurar a pobreza pelo
estabelecimento de parâmetros baseados na insuficiência de renda e das basic needs, na
década de 1980, ocorreu uma ênfase na utilização de parâmetros das linhas de pobreza com
enfoque na família. Para Sarti (2005: 41) nos anos 1980, se buscou analisar os efeitos do
empobrecimento nos pólos mais dinâmicos da economia brasileira, ressaltando a importância
da família como lugar onde se combinam e socializam os efeitos da pobreza. A mensuração
da pobreza ocorreu pelo critério da insuficiência de renda no referente à sobrevivência
material, a partir da análise da renda per capita familiar.
Nos anos de 1990, ocorreu a consolidação do debate político em torno da
utilização dos programas de transferência de renda no combate à pobreza e à fome no Brasil,
os quais retomam a utilização dos parâmetros da insuficiência de renda das décadas de 70/80,
das linhas de pobreza, para definir o seu público-alvo, ou seja, a família. No governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC), mais especificamente nos anos de 1996 e 1998, “a
grande mudança se no campo da política de enfrentamento da pobreza, a ênfase posta
agora é nos programas de transferência de renda para famílias pobres”. (SÔNIA DREIBE,
2003: 75). Em 2003, sucedeu a unificação dos programas remanescentes do Governo de FHC
no Bolsa Família. Esse assunto é retomado em detalhes no tópico seguinte.
98
4.2 O Debate nacional dos programas de transferência de renda: da renda mínima à
renda básica no Brasil
A primeira discussão no Brasil acerca da utilização de um programa de renda
mínima, como mecanismo de erradicação da pobreza, remonta à década de 1970. Segundo
Fonseca (2001: 93-95), Antonio Maria da Silveira, em seu artigo – “Redistribuição de
Renda”, publicado pela Revista Brasileira de Economia em 1975, introduziu o debate de
uma política de distribuição de renda por meio do imposto de renda negativo
31
, sendo a
transferência proporcional à diferença entre o nível mínimo de isenção e a renda auferida
pelo pobre. A implantação do programa de erradicação da pobreza se daria inicialmente aos
mais idosos até atingir progressivamente os mais novos
32
, independentemente de vínculos
empregatícios, da renda do trabalho, do estado civil ou da descendência do cidadão. Esta
proposta possuía algumas vantagens: 1) provocaria aceitação popular, em virtude de seu
caráter humanístico; 2) não haveria efeito direto no mercado de trabalho; 3) a implantação
gradativa viabilizaria tempo para avaliar e redimensionar o desenho do programa
(FONSECA, 2001: 96).
Ainda na década de 1970, Bacha e Mangabeira, no livro “Participação, salário
e Voto: um projeto de democracia para o Brasil”, publicado em 1978, enfocaram a
necessidade de promover a redução da desigualdade social para se obter condições de
estabilidade política. A saída seria a redistribuição de renda por meio da complementação de
uma renda mínima via imposto de renda negativo, sendo imprescindível para a
operacionalização financeira deste programa uma reforma fiscal, apoiada na revisão do
imposto de renda, criação do imposto sobre a riqueza líquida e implementação do imposto
sobre Doações e Heranças (FONSECA, 2001: 99)
31
Aquelas famílias com renda anual inferior a um determinado patamar de renda teriam direito a uma isenção;
aquelas com renda anual superior ao patamar estabelecido, pagariam imposto de renda. Esta proposta foi
defendida por M. Friedman, na década de 1960, nos Estados Unidos, denominada de imposto de renda
negativo.
32
Esta proposta possuía algumas vantagens: 1) provocaria aceitação popular, em virtude de seu caráter
humanístico; 2) não haveria efeito direto no mercado de trabalho; 3) a implantação gradativa viabilizaria tempo
para avaliar e redimensionar, se preciso, o desenho do programa (FONSECA, 2001: 96).
99
Em se tratando do debate nacional mais específico dos programas de
transferência de renda, Silva, Yasbek e Giovanni (2004) realizaram uma sistematização do
processo histórico de uma política nacional de transferência de renda no Brasil, demarcando
cinco grandes períodos deste debate.
O Primeiro Momento se iniciou nos anos de 1990, com a aprovação, no Senado,
do Projeto de Lei 80/91 do Senador, Eduardo Suplicy, que instituía um Programa de
Garantia de uma Renda Mínima (PGRM), por meio de uma transferência mensal, sob a
forma de dinheiro. Esta iniciativa, entretanto, teve como pano de fundo um cenário de crise
econômica recessiva e ações governamentais voltadas ao controle da inflação, a fim de
garantir crescimento econômico e uma política de exportação. A pobreza era vista como
decorrência da instabilidade econômica e estagnação da economia (SILVA YASBECK E
GIOVANNI, 2004)
É válido ressaltar que a proposta inicial deste projeto se limitava a uma
complementação de renda aos indivíduos de 25 anos ou mais, cujos rendimentos mensais
fossem inferiores a determinado patamar de renda, sendo a complementação equivalente a
30% da diferença entre a renda auferida e o mínimo estabelecido. Da mesma forma que na
proposta de Antônio Maria da Silveira, a implementação do programa seria gradual, no
projeto-lei do senador Suplicy, também se iniciaria com indivíduos de certo grupo etário,
sendo ampliado anualmente, até chegar a uma cobertura universal, ao final de oito anos
(FONSECA, 2001: 100).
Diante dos fatos ora expostos, verifica-se que se inicialmente o referido Projeto
de Lei se destinava à transferência de uma renda mínima mensal, restrita a um público-alvo,
com determinado recorte de renda, no decorrer do tempo, a implementação deste programa
se ampliaria gradativamente até atingir a todos, sem restrição de renda, ocupação, idade ou
sexo, tornando-se uma renda de cidadania. Foram, porém, inúmeras as críticas e debates em
torno desta proposta, motivando a publicação de vários artigos acerca do tema e projetos de
lei que instituíam programas de garantia de renda mínima
33
. Após aprovado pelo Senado, em
33
Dentre os artigos publicados, se destacaram: dois de José Márcio Camargo na Folha de S. Paulo, “Pobreza e
garantia de renda mínima, em 26 de dezembro de 1991, e “Os miseráveis”, em 03 de março de 1993.
Cristovam Buarque, em 1994, teve como proposta básica de sua campanha para governador a instituição de
100
1991, o projeto de Suplicy foi encaminhado a mara dos Deputados, sendo modificado no
seu formato original. As principais modificações estavam em torno do recebimento da renda
mínima à vinculação das crianças e adolescentes à rede escolar, garantindo o acesso à renda
mínima por parte dos cidadão pobres e sem filhos dependentes
34
.
Dentre os artigos publicados em decorrência do Projeto- Lei de Suplicy, se
destacou o artigo de José Márcio de Camargo, publicado em 1991. Este fato demarcou o
Segundo Momento do debate nacional. No artigo “Pobreza e Garantia de Renda Mínima”,
Camargo inovou ao propor uma renda mínima articulada à família e à educação, avançando
qualitativamente no conteúdo dos programas de transferência de renda (SILVA, YASBECK
E GIOVANNI, 2004) Assim, o autor pensou que o panorama crescente de acirramento das
condições de pobreza contribuía para o ingresso precoce de crianças no mercado de trabalho.
Estas, com o intuito de complementar a precária renda familiar, deixavam de freqüentar a
escola e iam trabalhar. Essa situação favoreceu a não - eliminação do ciclo intergeracional da
pobreza. O formato desta proposta foi utilizado como referência nos primeiros programas de
renda mínima no Brasil, em 1995.
Em 1995, iniciou-se o Terceiro Momento do debate nacional, impulsionado pelas
experiências municipais e do Distrito Federal dos programas de transferência de renda
mínima. Os programas precursores foram o Programa Bolsa Escola implantado em
Brasília/DF; o Programa de Garantia de Renda familiar Mínima, da Prefeitura Municipal de
Campinas/SP, também implantado com a mesma designação, pela Prefeitura Municipal de
Ribeirão Preto/SP e o Programa Nossa Família, da Prefeitura Municipal de Santos/SP.
Dentre os programas de garantia de renda familiar, os efetivados pela Prefeitura de São Paulo
e por Brasília transformaram-se em modelos inspiradores e orientadores das experiências
subseqüentes, tais como: o Programa de Garantia de Renda Mínima PGRM e o Modelo
Bolsa- Família. Para Silva, Yasbek e Giovanni (2004: 90), neste contexto, a Política de
uma renda mínima articulada ao incentivo à freqüência escolar. Em 1995 e 1996, novos projetos de lei foram
apresentados à mara Federal e ao Senado, pelos deputados Nélson Marchezan (PSDB RS), Chico
Vigilante( PT-DF) e Pedro Wilson ( PT-GO), pelos Senadores Ney Suassuna ( PMDB-PE), Renan Calheiros
(PMDB-AL) e José Roberto Arruda( PSDB-DF).
34
Estas emendas, na opinião de Fonseca (2001) já refletiam uma opinião favorável acerca dos desenhos dos
programas em execução em alguns municípios, com origem em 1995.
101
Renda Mínima ultrapassa o patamar de utopia, para constituir numa alternativa concreta de
política social.
Em 2001, no segundo mandato de FHC (1999-2002) inicia-se a proliferação de
programas de transferência de renda do Governo Federal, marcando o Quarto Momento deste
debate. Um importante marco deste contexto foi a transformação do Programa Nacional de
Garantia de Renda Mínima PGRM em Programa Nacional de Renda nima vinculado à
educação Bolsa Escola. Silva, Yasbeck e Giovanni (2004) delimitam os principais
programas de transferência de renda criados pelo Governo Federal e implementados de modo
descentralizado nos municípios. Os principais programas foram: 1) o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em 1996, pelo Governo Federal, com o
objetivo de erradicar as piores formas de trabalho nas zonas rurais e urbanas, em atividades
consideradas perigosas, insalubres ou degradantes; 2) o Benefício da Prestação Continuada
(BPC), implantado em 1996, é um benefício de transferência monetária mensal, previsto na
Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS); 3) o Bolsa Escola, instituído pela lei 10.219, de 11 de abril de 2001, e
regulamentado pelo decreto 3.823, de maio de 2001, visando, em termos gerais, a
possibilitar o acesso e a permanência de crianças pobres na escola; 4) Programa Bolsa -
Alimentação, implantado em 2001, com o objetivo de reduzir deficiências nutricionais e a
mortalidade infantil; 5) Cartão Alimentação, criado em 2003, visando a combater a fome e as
suas causas estruturais, promovendo a segurança alimentar; 6) Bolsa Família, criado em
2003 no governo de Luis Inácio Lula da Silva, unificando todos os programas de
transferência de renda, com objetivo de combater a fome e a pobreza, por meio de uma
transferência monetária mensal, articulada com políticas no âmbito da saúde e educação.
Não podemos deixar de mencionar o fato que as iniciativas de elaboração dos
programas de renda mínima nacionais, bem como de seus instrumentos legais, representaram
avanço da capacidade governamental em responder às demandas sociais por programas de
combate à pobreza. Em 1997, foi aprovada a lei 9.533, autorizando o Governo Federal a
conceder apoio financeiro, de 50% dos gastos, aos municípios que instituíssem o programa
de renda mínima associado a ações sócio-educativas; sendo que, durante os cinco primeiros
102
anos, seriam agraciados somente os municípios com receita tributária por habitante inferior à
média estadual e renda familiar por habitante inferior à média estadual.
No ano de 2001, foi sancionada pelo então presidente, Fernando Henrique
Cardoso outra lei, de 10.219, autorizando o Governo Federal a realizar convênios com os
governos de todos os municípios brasileiros que adotassem o programa de renda mínima
associado à educação ou Bolsa Escola. Por esta lei, os municípios passariam a ser
responsáveis pela administração do programa, no quesito seleção das famílias e fiscalização
da execução do programa, enquanto o Governo Federal passaria a transferir o pagamento
para as famílias beneficiárias, via cartão magnético.
O Programa Bolsa Escola atendia famílias com crianças entre seis - 15 anos,
desde que estivessem freqüentando a escola e tivessem uma renda per capita de até meio-
salário mínimo, sendo que o benefício do Bolsa Escola poderia variar entre R$ 15,00, R$
30,00 e R$ 45,00 ( por criança ou adolescente residente na casa até certo limite de idade).
Esse pagamento estaria condicionado a uma freqüência de 85% das aulas e como
responsáveis as mães.
Eduardo Suplicy (2002: 135), todavia, apontou três limitações ao programa
Bolsa Escola. A primeira foi o modesto desenho do programa e a segunda a não reflexão,
pelos responsáveis, sobre os efeitos no que diz respeito aos objetivos de erradicar a pobreza e
de alcançar o pleno emprego. Finalmente, a pouca disposição do governo de realizar
convênios com os municípios e estados que adotassem os programas de renda mínima,
associado à educação com fórmulas mais generosas e também racionais do que as previstas
na lei, apontando como exemplo o caso da experiência de São Paulo
35
.
O Quinto Momento na constituição de uma Política Pública de Transferência de
Renda se iniciou em 2003 com a criação do Programa Bolsa Família, marcando um avanço
considerável em relação aos programas de transferência anteriores. Dentre as inúmeras
inovações se destacaram:
35
Ver com detalhes em Suplicy (2002: 136-138).
103
a temática de políticas públicas, de enfrentamento da pobreza, passa a ser
discutida como um mecanismo que deve estar articulado a uma política
econômica que considere a geração de emprego e renda, a redistribuição e
valorização de renda e a proteção ao trabalhador;
iniciação de um processo de unificação dos programas nacionais de
transferência de renda ( Bolsa- Escola, Bolsa- Alimentação, Vale-gás e
cartão-Alimentação) culminando na constituição de um só programa;
criação, em janeiro de 2004, do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, representando um esforço de unificação dos ministérios da
área da assistência social e do Ministério de Segurança Alimentar e Combate
à Fome; e
elevação dos recursos orçamentários destinados ao desenvolvimento dos
programas de Transferência de Renda no orçamento de 2004 para R$ 5,3
bilhões.
Visando a condensar este momento de formulação de uma Política Nacional de
Renda Mínima no Brasil, faz-se necessária à visualização de forma objetiva e clara, de um
quadro - síntese dos programas nacionais de transferência de renda que deixaram de existir
desde a gestão anterior, bem como dos que ainda hoje estão em pleno funcionamento.
104
Tabela 06
Síntese dos Programas de Transferência de Renda no Âmbito Nacional
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (2008)
Programa Duração Público-
Alvo
Condicionalidades Valor/
Benefício
Objetivo
PGRM
1997 -
2001
Famílias
com filhos
ou
dependentes
de 0-14
anos.
Família com renda per
capita inferior a meio
salário mínimo.
Necessária a
manutenção das
crianças e adolescentes
na escola com idade de
07-14 anos.
R$ 15,00 por
criança e
adolescente,
podendo chegar
ao valor
máximo de R$
45,00 (max. três
crianças).
- Apoiar as
iniciativas dos
municípios com
renda tributária e
familiar per
capita inferior as
médias estaduais.
Bolsa Escola
2001-
2003
Crianças e
adolescentes
de 06-15
anos de
idade.
Família com criança e
adolescente com renda
per capita familiar de
até meio salário
mínimo.
Freqüência escolar
mínima de 85%.
Estar inscrita no
CADUNICO.
R$ 15,00 por
criança e
adolescente,
podendo chegar
ao valor
máximo de R$
45,00 (três
crianças).
- Acessar a
permanência das
crianças à escola.
- Evitar a
permanência das
crianças na rua ou
em contato com
situações de risco
pessoal e social.
- Elevar a
qualidade de vida
das famílias em
condição de
vulnerabilidade.
- Recuperar a
dignidade e a
auto-estima.
Bolsa
Alimentação
2001 -
2003
Famílias
pobres com
gestantes e
nutrizes.
Mães que estejam
amamentando seus
filhos de até 6 meses de
idade ou com crianças
de 06 meses a 6 anos de
idade.
R$ 15,00 por
criança,
podendo chegar
ao valor
máximo de R$
45,00(até três
crianças).
-Reforçar a
aquisição de
alimentos de
famílias pobres.
- Garantir o
vínculo das
famílias em risco
com o SUS.
- Promover a
inclusão social
destas famílias.
105
Programa Duração Público-
Alvo
Condicionalidades Valor/Benefício Objetivos
AuxílioGás
2002-
2003
Famílias que
já integram
os programas
do Governo
Federal.
Famílias com renda per
capita mensal de até
meio salário mínimo.
R$ 7,50, sendo o
repasse a cada dois
meses.
- Compensar
os efeitos da
liberação do
comércio de
derivados de
petróleo e a
retirada de
subsídio ao
gás de
cozinha.
Cartão
Alimentação
2003 -
2004
Famílias
residentes em
áreas rurais.
Famílias com renda per
capita mensal de até
meio salário mínimo.
Estejam em atividades
comunitárias e sócio-
educativas.
R$ 50,00 reais
mensais.
- Garantir à
pessoa em
situação de
insegurança
alimentar,
recursos
financeiros
ou o acesso
a alimento
em espécie.
PETI
1996
Famílias com
crianças e
adolescentes
em situação
de
exploração
do trabalho
infantil e
juvenil e
residentes
nas áreas
rurais e
urbanas.
-Famílias com renda per
capita mensal de até
meio salário mínimo.
- Retirada de todas as
crianças/adolescentes de
atividades laborais e de
exploração.
Freqüência da criança e
do adolescente nas
atividades de ensino
regular e nas ações
socioeducativas e de
convivência (jornada
ampliada).
-Valor variável
entre R$ 25,00 e R$
40,00 mensais por
criança/adolescente
na zona rural ou
urbana.
- Erradicar
todas as
formas de
trabalho
infantil no
País, em um
processo de
resgate da
cidadania de
seus
usuários e
inclusão
social de
suas
famílias.
106
Alguns desses programas deixaram de existir, enquanto outros foram
redimensionamentos em seu formato original, sendo unificados ao programa Bolsa-Família
que vem ganhando destaque no atual Governo como uma das grandes estratégias de ação
contra a fome e a pobreza no País.
Programa Duração
Público-Alvo Condicionalidades Valor/
Benefício
Objetivos
BPC
1996
Idosos com 65
anos ou mais e
pessoas
portadoras de
deficiência
incapacitadas
para o trabalho e
para a vida
independente.
Em ambos os casos, a
renda familiar per
capita dos
beneficiários tem de
ser inferior a ¼ do
salário mínimo.
01 (um) salário
mínimo mensal.
Atender idosos
com 65 anos ou
mais e pessoas com
deficiência
incapacitadas para
o trabalho e para a
vida independente.
Bolsa
Família
2003
- Famílias com
renda per capita
de até R$ 60,00
- condição de
extrema
pobreza.
- Famílias com
renda per capita
entre R$ 60,01
até R$ 120,00 -
condição de
extrema
pobreza.
- Crianças e
adolescentes
entre 0 e 17
anos.
Manter as crianças e
adolescentes em idade
escolar freqüentando a
escola (mínimo 85%
de freqüência) e
cumprir os cuidados
básicos em saúde, ou
seja, o calendário de
vacinação, para as
crianças entre 0 e 6
anos, e a agenda pré e
pós-natal para as
gestantes e nutrizes.
R$ 58,00-
famílias com
renda mensal
per capita de até
R$ 60,00,
independente da
composição
familiar.
R$ 18,00, para
cada criança ou
adolescente de
até 15 anos, no
limite financeiro
de até R$ 54,00,
equivalente a
três filhos por
família.
R$ 30,00 para
cada
adolescente de
16 a 17 anos
(benefício
variável Jovem)
até o limite de
dois benefícios.
- reforçar ao
exercício de
direitos sociais
básicos nas áreas
de Saúde e
Educação, por
meio do
cumprimento das
condicionalidades.
- superar a situação
de vulnerabilidade
e pobreza, por
meio de programas
complementares.
107
Também é alvo de críticas, porém, no que tange à sua natureza teórica e política,
ou seja, alguns analistas o consideram como um programa compensatório e residual, restrito
à transferência mensal de renda, outros acentuam que o Programa deve estar orientado sob
uma perspectiva mais cidadã, objetivando a autonomia e a inclusão social, articulando-o a
outras políticas sociais, inclusive a uma política econômica. A seguir traçaremos as
peculiaridades deste programa no cenário nacional.
4.3 Caracterização do Programa Bolsa Família: o surgimento deste Programa na
sociedade brasileira.
O Programa Bolsa Família foi lançado em 2003 como o carro-chefe do Fome
Zero, incorporando programas de transferência de renda do governo de Fernando Henrique
Cardoso ( FHC). A necessidade de unificação dos programas remanescentes ao programa
Bolsa Família foi demandado por um diagnóstico, realizado durante a transição do governo
de FHC para o governo Lula, que destacou uma série de problemas tais como: 1) existência
de programas concorrentes e sobrepostos nos seus objetivos e público-alvo; 2) ausência de
uma coordenação geral dos programas que evitasse desperdício financeiro;3) ausência de
planejamento gerencial dos programas; 4) alocação orçamentária inadequada; e 5) pouca
focalização dos programas ao público-alvo.
Diante dessa situação, foi realizada a unificação dos programas de transferência
de renda ao Programa Bolsa Família em 2003; contudo é imprescindível termos em mente o
fato de que não basta tratar a unificação como mera atividade a gestão, delegando
responsabilidades compartilhadas aos três entes federativos sem considerar outros aspectos.
É fundamental perceber os programas de transferência de renda, especialmente o programa
Bolsa Família como importante estratégia de combate à fome e à pobreza, inserido num
sistema de proteção social, cujo cerne de ação deve se ancorar na muldimensionalidade no
trato da pobreza estrutural, articulando a transferência monetária com outros programas
sociais e com uma política econômica de geração de emprego e renda.
Esse enfoque reforça uma perspectiva do Programa Bolsa Família ultrapassando
uma política de Governo, tendendo a se tornar, de acordo com o formato atual, numa política
de Estado sob a óptica da transferência de renda como um direito e não somente como a
108
benemerência de um governo específico. A Política de Renda Mínima não pode estar
atrelada a programas, projetos e serviços fragmentados e efêmeros.
O Programa Bolsa-Família está inserido em um dos eixos do Fome Zero
36
,
constituindo-se em seu carro-chefe, mediante a transferência monetária mensal às famílias
em condição de vulnerabilidade social, associada a uma rede de serviços públicos,
interligada às políticas de saúde, educação e assistência social.
A preocupação com a fome e a pobreza no País, ganhou repercussão política em
1990, por meio de amplos movimentos sociais, destacando-se a Ação de Cidadania Contra a
Fome e a Miséria pela Vida, liderada por Betinho e a criação do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar - CONSEA
37
. Estas iniciativas inspiraram a instituição da Política de
Segurança Alimentar, estando este debate centrado em torno das causas da fome.
Assim, o Governo brasileiro viu a necessidade de se formular uma Política de
Segurança Alimentar e Nutricional que assegurasse a alimentação como um direito. Durante
a campanha presidencial de 2003, um dos grandes slogans de Luís Inácio Lula da Silva era
“ajudar a matar a fome de quem não come”. Após a concretização de sua vitória à
Presidência, houve uma redefinição das políticas sociais de segurança alimentar
concretizadas na efetivação do documento: Uma proposta de Política de Segurança
Alimentar: Fome Zero”.
Inicialmente, o “Programa Fome Zero” foi elaborado pelo Instituto de Cidadania,
em 2001, ainda como proposta de campanha e sob a coordenação de José Graziano da Silva,
contando com a participação de organizações não governamentais, institutos de pesquisa,
sindicatos, organizações populares, movimentos sociais e especialistas vinculados à questão
da segurança alimentar.Tal proposta estabelecia que suas ações seriam articuladas com
36
“O FOME ZERO atua em quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, em que se situa o Bolsa-Família
(eixo 1), fortalecimento da agricultura familiar (eixo 2), geração de renda (eixo 3) e articulação, mobilização e
controle social( eixo 4) “– consultar: http//www.fomezero.gov.br/programas-e-acoes. Ainda neste tópico será
apresentado um esquema, contendo todos estes eixos.
37
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) é um instrumento de articulação
entre governo e sociedade civil na proposição de diretrizes para as ações na área da alimentação e nutrição.
Instalado no dia 30 de janeiro de 2003, o Conselho tem caráter consultivo e assessora o Presidente da República
na formulação de políticas e na definição de orientações para que o país garanta o direito humano à
alimentação”(consultar: https://www.planalto.gov.br).
109
políticas estruturais de geração de emprego e renda, políticas específicas destinadas a
combater a fome e a desnutrição dos grupos vulneráveis e políticas locais de âmbito estadual
e municipal com a parceria da sociedade civil.
Em 2003, o Fome Zero era um programa criado com o objetivo de garantir a
segurança alimentar, assegurando às famílias em vulnerabilidade social e alimentar
condições de se alimentar dignamente com regularidade, quantidade e qualidade necessárias
à manutenção de sua saúde física e mental. Esse programa reunia um conjunto de políticas
públicas que envolviam os níveis de governo: o federal, o distrital,o estadual e o municipal
38
Em 2005, o Fome Zero deixou de ser um programa e tornou-se “uma estratégia do
Governo Federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada, priorizando as
pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos
39
. Assim, o formato atual do Fome Zero
está voltado para um conjunto de ações e programas que garanta segurança alimentar e
nutricional, buscando a inclusão social e o pleno exercício da cidadania. A efetividade do
Fome Zero está na integração e articulação de ações entre Estado e sociedade civil.
Os princípios do FOME ZERO têm por base a transversalidade e intersetorialidade
das ações estatais nas três esferas de governo; no desenvolvimento de ações
conjuntas entre o Estado e a sociedade; na superação das desigualdades
econômicas, sociais, de gênero e raça; na articulação entre orçamento e gestão e de
medidas emergenciais com ações estruturantes e emancipatórias ( FOME ZERO,
2006)
O Bolsa-Família, programa de transferência de renda do eixo estratégico do Fome
Zero, surge no Governo de Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, com a unificação dos
programas remanescentes (Bolsa Escola, Auxílio Gás, Cartão Alimentação, Bolsa
Alimentação), estando sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome e da Secretária Nacional de Renda de Cidadania (SENARC)
40
.
38
BRASIL. Fome Zero: lições principais. Documento de Trabalho, videoconferência em Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Guatemala, Peru e Venezuela, em14 de agosto de 2006. págs 1-14.
39
MDS. Cidadania: O Principal Ingrediente do Fome Zero, Brasília, 2005.
40
Criada em janeiro de 2004, juntamente com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a
Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC) tem por objetivo a implementação da Política Nacional
de Renda de Cidadania no País. Para garantir a eficácia desta política, a SENARC faz a gestão do Programa
Bolsa Família e do Cadastro Único dos Programas Sociais. Também articula ões específicas dos programas
110
Durante a transição do governo Fernando Henrique Cardoso para o governo de
Luís Inácio Lula da Silva, no terceiro semestre de 2002, foi elaborado um diagnóstico sobre
os programas sociais em desenvolvimento no Brasil, tal relatório foi conclusivo sobre a
necessidade de unificação dos programas do Governo Federal, ao ressaltar as seguintes
justificativas:
existência de programas concorrentes e sobrepostos nos seus objetivos e no
público alvo, tais como: Bolsa - Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação,
Vale Gás, PETI, outros. Cada programa era implementado por três ministérios
específicos;
ausência de articulação efetiva com políticas emancipatórias locais, não
possibilitando autonomia das famílias após o desligamento dos programas;
fragmentação dos programas e até competitividade entre eles; e
orçamento irrisório, insuficiente, fazendo com que o público não seja atendido.
Sendo assim, o Governo Federal unificou os programas remanescentes no
programa Bolsa Família, criado pela lei n.º10.836, de 09 de janeiro de 2004, e regulamentado
pelo decreto 5.209, de 17 de setembro de 2004. As famílias beneficiárias do Programa são
escolhidas pelo MDS com base nos seus dados contidos no CADUNICO. Este é um banco
de dados onde ficam armazenadas as informações socioeconômicas das famílias brasileiras
que se encontram em situação de pobreza, com renda per capita de até R$ 270,00 reais. Este
cadastro é atualmente “um instrumento de identificação e caracterização sócio-econômica
das famílias brasileiras de baixa renda, a ser obrigatoriamente utilizado para seleção de
beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal”. (Decreto 6.135 de
26 de junho de 2007 que dispõe sobre o cadastro único e dá outras providências).
Vale ressaltar que as famílias cadastradas podem ou não ser beneficiadas pelos
programas sociais do Governo Federal. O recebimento de algum benefício social federal,
de transferência de renda federal, distrital, estaduais e municipais, objetivando a soma de esforços entre os entes
federados e as demais ações sociais em curso (fonte: http://www.mds.gov.br/institucional/secretarias/secretaria-
nacional-de-renda-de-cidadania).
111
distrital, estadual ou municipal está condicionado aos critérios de acesso e permanência
estabelecidos em cada programa, à renda e composição dessas famílias e à quantidade de
verbas repassadas pelo Governo Federal.
Os benefícios do programa Bolsa Família podem ser do tipo: básico, no valor de
R$ 58,00 (cinqüenta e oito reais), destinado a unidades familiares que se encontrem em
situação de extrema pobreza; e/ou variável no valor de R$ 18,00(dezoito reais) por
beneficiário, até o limite de R$ 54,00 (cinqüenta e quatro reais) por família, destinado a
unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que
tenham em sua composição.crianças e adolescentes com zero ano de idade a 15 anos e 11
meses ( Art.1º do Decreto 6.157 de 16 de julho de 2007). As famílias com renda per
capita de até R$ 60,00 reais poderão receber o benefício básico acrescido do benefício
variável, caso tenham criança/adolescente com idade de 0 a 15 anos e 11 meses na
composição familiar, sendo esse valor limitado a três crianças/adolescentes por família;
contudo aquelas famílias com renda per capita de R$ 60,01 a R$ 120,00 somente receberão o
benefício variável se houver criança/adolescente com idade de 0 a 15 anos e 11 meses. A
seguir uma tabela explicativa:
112
Tabela 07
Síntese dos valores dos benefícios do PBF
Critério de Elegibilidade
Situação das
Famílias
Renda
Mensal per
capita
Ocorrência de
crianças /
adolescentes 0-
15 anos,
gestantes e
nutrizes
Quantidade e
Tipo de
Benefícios
Valores do
Benefício
(R$)
1 Membro (1) Variável 18,00
2 Membros (2) Variável 36,00
Situação de
Pobreza
De R$ 60,01 a
R$ 120,00
3 ou +
Membros
(3) Variável 54,00
Sem ocorrência
Básico 58,00
1 Membro Básico + (1)
Variável
76,00
2 Membros Básico + (2)
Variável
94,00
Situação de
Extrema
Pobreza
Até R$ 60,00
3 ou +
Membros
Básico + (3)
Variável
112,00
Fonte:http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas<
acessado em 18 de outubro de 2007>.
No dia 28 de dezembro de 2007, entretanto, foi publicada a Medida Provisória nº 411,
que ampliou a faixa etária para atendimento do Programa Bolsa Família para adolescentes
com até 17 anos. Sendo assim, as famílias beneficiárias desse Programa que têm na sua
composição adolescentes de 16 e 17 anos, poderão receber adicionalmente o Benefício
Variável Jovem ( BVJ) no valor de R$ 30,00 reais, até o limite de dois benefícios, podendo o
valor total do benefício chegar a R$ 170,00 reais. Na seqüência uma tabela explicativa.
113
Tabela 08
Síntese dos valores dos benefícios do PBF (c/BVJ)
Critério de Elegibilidade
Situação
das
Famílias
Renda
Mensal
per capita
Ocorrência de
crianças
adolescentes
0-15 anos,
gestantes e
nutrizes
Ocorrência
de
adolescentes
De 16 a 17
anos
Quantidade e
Tipo de
Benefícios
Valores
do
Benefício
(R$)
1 Membro 2 ou +
membros
(1) Variável 78,00
2 Membros 2 ou +
membros
(2) Variável 96,00
Situação de
Pobreza
De R$
60,01 a
R$ 120,00
3 ou +
Membros
2 ou +
membros
(3) Variável 114,00
Sem
ocorrência
2 ou +
membros
Básico 118,00
1 Membro 2 ou +
membros
Básico + (1)
Variável
136,00
2 Membros Básico + (2)
Variável
154,00
Situação de
Extrema
Pobreza
Até R$
60,00
3 ou +
Membros
Básico + (3)
Variável
172,00
Fonte: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia-g/menu_superior/informe-pbf/informe-pbf < acessado em 11 de
abril de 2008>.
É válido ressaltar, porém, que não basta auferir determinado patamar de renda per
capita para receber os benefícios do programa Bolsa-Família. As famílias devem cumprir
certas condicionalidades ou compromissos com a saúde e a educação de todos os membros
familiares, principalmente crianças, adolescentes e gestantes.
Com relação aos compromissos com a educação, a família deve matricular as
crianças e adolescentes de seis a 15 anos na escola, garantir a freqüência de no mínimo 85%
114
das aulas, sendo necessário informar as razões das faltas, bem como ao gestor municipal,
sempre que a criança mudar de escola. Quanto aos compromissos com a saúde, cabe aos
responsáveis pelas crianças de até sete anos: levar as crianças para a vacinação, mantendo
atualizado este calendário e levar a criança sempre para ser pesada, medida e examinada,
conforme o calendário do Ministério da Saúde. As gestantes e nutrizes cumpre participar dos
programas de acompanhamento pré-natal e ir às consultas médicas antes e depois do parto,
assim como participar das atividades educativas desenvolvidas pelas equipes de saúde sobre
o aleitamento materno e alimentação saudável (AGENDA DE COMPROMISSOS, 2006: 17-
22). Ressaltamos que, com a Medida Provisória 411, adolescentes com 16 e 17 anos que
estejam recebendo o benefício Variável Jovem (BVJ), também devem continuar
freqüentando a escola.
Em vista das considerações tecidas ao longo deste tópico, a seguir está expresso o
redesenho atual do Bolsa Família no conjunto de algumas ações, programas e projetos que
compõem o Fome Zero.
115
fonte: http://www.mds.gov.br < acessado em abril de 2008>.
Analisando o esquema, verifica-se que o programa Bolsa Família situa-se no
primeiro eixo do Fome Zero, responsável pelo acesso aos alimentos. Outros programas
também compõem esse eixo, como restaurantes populares, banco de alimentos e hortas
comunitárias. O que chama a atenção, no entanto, é o fato de que estes eixos devem ser
operacionalizados de forma articulada, uma vez que o programa Bolsa Família não
conseguirá garantir o acesso aos alimentos, restringindo seu campo de ação à mera
transferência de renda, ao contrário, deve atuar na redistribuição da renda por meio de
programas complementares que articulem trabalho e renda, fortalecimento da agricultura
familiar, bem como por meio de ações e serviços que mobilizem a população local quanto as
suas potencialidades, os quais podem ser de responsabilidade federal, distrital, estadual e
municipal. Ações assim contribuem para que as famílias não tenham somente supridas as
condições mínimas de sobrevivência, mas também concorrem para que elas realizem
projetos de vida pessoal e profissional.
A geração de trabalho e renda, terceiro eixo de ação do Fome Zero, visa a
incentivar a economia solidária e desenvolve ões de qualificação da população de baixa
renda no sentido de contribuir para a sua inserção no mercado de trabalho. (MDS, 2007).
Sendo assim, o programa Bolsa Família tem de se articular com programas de geração de
trabalho e renda, de modo a garantir a sustentabilidade das famílias beneficiárias.
FOME
ZERO
Eixo 1:
Acesso aos
alimentos
Eixo 2:
Fortalecimento da
AgriculturaFamiliar
Eixo 3:
Geração
de Renda
Eixo 4:
Articulação,
Mobilização e
Controle Social
Programa
Bolsa Família
Consórcio de
Segurança Alimentar
e Desenvolvimento
Local (Consad)
Programa Nacional
de Fortalecimento da
Agricultura Familiar
(PRONAF)
Cen
tro de Referência
de Assistência Social
(CRAS)
116
A transferência direta de renda possibilita, a curto prazo, aliviar os efeitos mais
imediatos da pobreza,como a insegurança alimentar e nutricional. Ao associá-la a
estratégias de melhoria das condições de saúde e educação, o Programa
potencializa oportunidades para a ruptura do ciclo intergeracional da pobreza. Esse
é o principal objetivo das chamadas “condicionalidades”, que induzem e reforçam
o exercício de direitos sociais, particularmente nas áreas de saúde e
educação(...)Além disso, a médio e longo prazo, torna-se imprescindível sua
articulação com programas de geração de trabalho, emprego e renda, tendo em
vista a construção de relações econômicas e sociais capazes de propiciar a
sobrevivência e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos excluídos do
mercado formal de trabalho. (GUIA DE AÇÕES para a geração de trabalho e
renda, elaborado pelo MDS, 2007)
Diante dessas considerações, o programa Bolsa Família deve contribuir para
fortalecimento de políticas públicas ligadas à inclusão produtiva, voltadas ao estímulo de
redes de produção e crédito, além da valorização da cooperação na promoção de processos
de desenvolvimento mais justos e solidários. Esses aspectos, contudo, não serão
aprofundados nesta dissertação.
Estabelecer uma transferência monetária com as condicionalidades é um passo
importante para garantir acesso ao sistema de saúde básico e educacional às famílias em
condição de vulnerabilidade, além de facilitar a superação da pobreza intergeracional,
ensejando condições de emancipação social dessas famílias.
Outra questão relevante a ser mencionada é a “matricialidade” familiar da Política
de Assistência Social e, especificamente, do Programa Bolsa Família, como público
prioritário de proteção social. O Estado passa a ser o garantidor do potencial protetor e
relacional aportado pela família, sendo ela passível de atenção básica, via políticas públicas.
Carneiro (2005: 63) apontou algumas reflexões acerca da centralidade da família no
programa Bolsa Família durante o Seminário Nacional sobre os programas de transferência
de Renda em São Paulo, no período de 23 a 25 de novembro de 2005. Dentre suas análises,
destaca o Bolsa Família como integrante da Política de Renda Mínima do Governo Federal,
sobretudo no âmbito da assistência social, pelo seu caráter não contributivo e por se
direcionar ao público-alvo desta política. Além disso, a transferência de renda integra hoje a
rede de vigilância socioassistencial de programas, como o Bolsa Família, conforme ratifica a
117
Norma Operacional sica - NOB
41
(BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social,
2005).
Para Carvalho (2003: 18), nos anos de 1990, a família passou a retomar um lugar de
destaque na política social, sendo ao mesmo tempo beneficiária, parceira e “miniprestadora”
de serviços de proteção social e inclusão social. As funções familiares, como proteção,
socialização e criação de vínculos relacionais, são revalorizadas como instrumentos de
combate à desagregação familiar e fragilidade dos laços de solidariedade, ocasionados pelo
desemprego prolongado e precarização das relações de trabalho. A revalorização da família
nesse contexto, porém, não pode significar recuo do papel do Estado, desresponsabilizando-o
do gerenciamento do sistema de proteção social.
A autora (2003: 17) chama a atenção, no entanto, para o fato de que, no Brasil,
“as sociabilidades sociofamiliares e as redes de solidariedade por elas engendradas nunca
foram descartadas. É que elas foram e são, para as camadas populares, a sua condição de
resistência e sobrevivência”. Sendo assim, é imprescindível que o Estado garanta condições
de proteção a essas famílias, não somente ao individuo isolado, mas também a todo grupo
familiar.
O programa Bolsa Família avança qualitativamente ao relacionar a transferência
monetária às políticas de saúde e educação, estando o foco de proteção na família e não no
indivíduo, todavia, é necessário considerar o conceito de família em sua multiplicidade de
formas e sentidos, não estando ela delimitada por modelos específicos e estanques.
A elaboração da história da família brasileira não foi linear, mas descontínua,
perpassada por uma série de especificidades inerentes à realidade do País, em que vários
modelos de arranjos familiares foram instituídos, culminando em tipos peculiares, onde o
tradicional e o moderno se mesclaram. Para Da Matta (1987: 131), a organização doméstica
brasileira não é apenas sua diversidade empírica, mas a sua capacidade simbólica de tudo
se agregar e de ter vários modelos de vida doméstica em múltiplas e franca relação, todos
mais ou menos auto-referidas, como um jogo de espelhos.
41
A NOB disciplina a gestão da Política de Assistência Social e normatiza a implantação do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS (CARNEIRO, 2005: 63)
118
A família deve ser concebida tal como a define Bourdieu (OSTERNE, 2004: 37)
como um princípio socialmente construído e comum a todos os agentes socializados, sendo
que este princípio de construção é uma das partes estruturantes de nossos habitus, uma
estrutura mental que, por ter sido inculcada em todas as mentes socializadas, é
concomitantemente individual e coletiva.
Assim, a família é uma realidade simbólica, construída por um processo de
inculcação em “corpossocializados, não podendo ser desconstruída pela mera manifestação
da vontade individual. Osterne (2004: 60) ressalta que a reflexão sobre a família também esta
relacionada com o fato concreto, além da realidade simbólica, sendo aquela manifesta pela
diversidade de formas, no tempo e no espaço, sem conduzir o pensamento à relativização de
todas as formulações de maneira mais geral, em que cada caso é um caso. Ao contrário, a
singularidade dos fatos somente tem foco central em situações bastante particulares.
A concepção de família no PBF não se enquadra num modelo tradicional, sendo
um conceito mais flexível, baseado mais em laços de afinidade do que de parentesco ou
consangüinidade. É considerada família, para este Programa,
A unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela
possuam laços de parentesco ou de afinidade, que formem um grupo doméstico,
vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros
(Art. 2°, inciso 1° da lei nº. 10.836 de janeiro de 2004).
O programa Bolsa Família possui limites que devem ser vislumbrados de forma a
aprimorar cada vez mais o campo de ação desse Programa. Dentre os limites, apontados por
Silva
42
, se destacam a dificuldade para a autonomização das famílias beneficiárias
decorrentes dos próprios traços da população atendida: pobreza severa e estrutural, baixo
nível de qualificação profissional e educacional e limitado acesso às informações, além da
utilização de critérios de acesso restritos à situação de extrema pobreza das famílias,
acrescentando a adoção de uma linha de pobreza.
42
Texto elaborado com o apoio da CAPES e do CNPq, entidades do Governo Brasileiro voltadas para formação
dos recursos humanos e a pesquisa, e da FAPEMA, entidade de apoio à pesquisa no Estado de Maranhão.
SILVA. Maria Ozanira da Silva. Os programas de Transferência de Renda na Política Social: seu
desenvolvimento, possibilidades e limites. Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade
Federal do Maranhão. (Sd), págs: 20- 22.
119
A utilização de linha única de pobreza pode introduzir vieses na comparação
entre áreas de análises, uma vez que a pobreza pode se apresentar, em uma dada localidade,
sob a forma de não - atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital (pobreza
absoluta) ou não - satisfação em virtude do modo de vida predominante na sociedade, o que
significa reduzir as desigualdades de meio, uma vez que nesse patamar é garantido aos
indivíduos o mínimo vital. (ROCHA, 2005: 11).
Por outro lado, o Programa também vislumbra possibilidades, ao permitir o
acesso de uma renda monetária fixa às famílias em situação de extrema pobreza, desemprego
crescente e instabilidade financeira; a inclusão, a longo prazo, de futuras gerações de
crianças e adolescentes das famílias beneficiárias à escola e ao sistema de saúde; e maior
liberdade das famílias na aquisição de bens e serviços, mediante a utilização do cartão
magnético.
Este texto tem a preocupação central de investigar as contribuições do Programa
Bolsa Família na inclusão social no Município de Maracanaú, Ceará, permitindo vislumbrar
os limites e as possibilidades do programa no cotidiano das famílias beneficiárias.
120
5 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A INCLUSÃO SOCIAL NO MUNICÍPIO
DE MARACANAÚ
A pesquisa de campo é uma etapa importantíssima, pois viabiliza um contato
direto entre pesquisador e sujeitos, de modo a favorecer o desvelamento do objeto de estudo
na sua particularidade, após sucessivas tentativas de aproximação com a realidade que se
mostra em seu estado aparente. É necessário, entretanto, que o pesquisador leve consigo,
além da capacidade criativa e investigativa, também um arcabouço teórico que, juntamente
com a aplicação dos instrumentos e técnicas adequados, consiga efetivamente ultrapassar
aquilo que inicialmente se mostrava na sua superficialidade, adentrando na essência dos
fatos, daquilo que se mostra na sua particularidade.
Como anota Epitácio Macário (2000), o cotidiano é fragmentado e caótico,
apresentando-se como demandas e ocorrências que nos cercam de forma imediata e singular;
entretanto, ao desconstruir esse cotidiano (objeto de estudo), por meio da apropriação do
conhecimento científico, passamos a questioná-lo, a problematizá-lo no plano da
consciência. “Este momento, em que o objeto está representado mentalmente a partir de uma
visão mais ampla e complexa, corresponde à apreensão do concreto pensado”. (Pág. 14).
Nesse estágio, o objeto é compreendido em si e nas suas relações com os demais fenômenos,
estando o conhecimento pronto para uma ação de volta ao próprio cotidiano; entretanto, é
válido ressaltar que esse objeto não retorna mais de forma singular e caótica, mas de maneira
particular, em que o singular se torna universal e o universal se faz singular.
O instrumental utilizado na coleta dos dados da pesquisa foi o questionário com
perguntas abertas e fechadas, visando a analisar as contribuições do programa Bolsa Família
no processo de inclusão social, especificamente as estratégias de que as famílias se utilizam
para se promoverem socialmente, mediadas ou não por este programa. Os dados tabulados e
constantes no questionário são, na sua maioria, de natureza quantitativa, contudo foram
gravadas algumas falas e relatos dos informantes (representantes legais) juntamente com a
aplicação do questionário, a fim de complementar os dados estatísticos. A escolha desse
recurso foi imprescindível para se detectar as estratégias de promoção social, bem como a
concepção sobre pobreza pelos representantes legais (informantes da pesquisa).
121
Neste Capítulo, a apresentação e discussão dos resultados da pesquisa de campo,
obtidos no instrumental retrocitado, foi apresentada em três partes, de modo a facilitar a
compreensão de aspectos relevantes. Inicialmente será analisada a concepção sobre a
natureza, as condicionalidades e os critérios de seleção do programa Bolsa Família pelos
sujeitos da pesquisa, levantando as melhorias no seu cotidiano, após o recebimento do
benefício e as sugestões para o aperfeiçoamento do programa na superação do estado de
pobreza vivenciada pelo representante legal e sua família. Posteriormente, serão explicitados
as diversas visões da pobreza sob a óptica dos representantes legais da pesquisa. Finalmente,
serão analisados de maneira quanti-qualitativa os limites e as possibilidades do programa no
suprimento das necessidades mínimas e básicas das famílias beneficiadas pelo Bolsa Família,
ressaltando as estratégias de que estas se utilizam, mediadas ou não por este Programa,
visando à promoção social.
Percebendo a importância de analisarmos o levantamento do perfil dos
representantes legais desta pesquisa, uma vez que estes dados não podem estar desvinculados
das análises posteriores, será realizada uma analise descritiva de dados socioeconômicos
desses sujeitos.
5.1 Perfil socioeconômico dos sujeitos da pesquisa
O perfil socioeconômico traçado neste trabalho contém a descrição dos
entrevistados por sexo, estado civil, escolaridade, ocupação profissional, renda familiar,
antes e depois de receber o programa Bolsa Família, número de filhos por família,
composição familiar e os bairros de residência dos entrevistados cobertos pelo CRAS
Jereissati e Antônio Justa.
122
Gráfico 23
Distribuição dos representantes legais por sexo
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Analisando o gráfico, verificamos que, no CRAS Jereissati, 97,91% dos
representantes legais entrevistados são do sexo feminino, restando somente um percentual de
2,08% do sexo masculino.
123
Gráfico 24
Distribuição dos representantes legais por estado civil
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
De um universo de 48 representantes legais no CRAS Jereissati, a maioria,
equivalente a 31,25 % relatou que são casados, 29,16% que são solteiros e 20,83% que estão
separados do esposo (a), companheiro (a) e 12,50% vivem sob união estável. Quanto ao
CRAS Antônio Justa, de um universo de 34 representantes legais, a maioria informou que é
de casados (as), equivalente a 35,29%; em segundo lugar, com uma porcentagem de 29,41%,
estão aqueles vivendo sob união estável. Os separados equivalem a 17,64% e os solteiros a
14,70%. Podemos considerar que uma predominância de representantes legais casados
(as) nos dois CRAS, contudo diferenças quanto à porcentagem de solteiros e sob união
estável, havendo uma predominância daquele no CRAS Jereissati e deste no CRAS Antônio
Justa.
124
Gráfico 25
Distribuição dos representantes legais por escolaridade
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Comparando os dados dos dois CRAS’s, é perceptível uma predominância na
porcentagem de representantes legais com o ensino fundamental incompleto. No CRAS
Jereissati, esse percentual equivale a 64,58% contra 73,52 % no CRAS Antônio Justa - uma
diferença de 8,94%. Aprofundando a análise do gráfico, verificamos que um decréscimo
em relação aos graus de escolaridade mais elevados. Enquanto no CRAS Jereissati existe um
percentual de 4,16% de representantes legais que conseguiram finalizar o ensino
fundamental, no CRAS Antônio Justa, esse percentual é maior, correspondente a 8,82%.
Essa proporcionalidade se estende para o grau de escolaridade do ensino médio incompleto,
uma vez que 2,08 % de representantes legais atendidos pelo CRAS Jereissati possuem o
ensino médio incompleto, contra 5,88% do CRAS Antônio Justa. Há, entretanto, uma
inversão desses valores quanto nos referimos aos representantes legais com o ensino médio
completo; esse percentual é maior no CRAS Jereissati, equivalente a 16,66%, contra 11,76%
no CRAS Antônio Justa. Esse fato pode ter como um dos fatores a facilidade de acesso à
escola nos turno da noite nos bairros situados no entorno do CRAS Jereissati. Durante a
pesquisa de campo verificamos que o representante legal, na maioria das vezes, somente
pode freqüentar a escola nesse período, em virtude de trabalhar o dia todo ou realizar os
afazeres domésticos. Alguns representantes legais também alegaram que não têm a mesma
disposição de continuarem os estudos, ou porque se acham com a idade adiantada, ou
125
porque estão cansados para freqüentar a escola no turno da noite, após um dia inteiro de
trabalho, como relatado na seguinte fala:
É muito corrido, eu trabalho no sábado até as seis da noite. O meu horário é de 7 da
manhã às 5 da tarde, que assim de 5 da tarde até 8 da noite é extra, você sabe
que patrão não pede, exige, hoje o emprego muito difícil. Eu saio 5 da manhã e
chego 8 da noite, as vezes 8:30, dependendo do transporte. Sábado eu chego 7:30.
Domingo é pra cuidar da família eu não tenho tempo pra estudar. Até já me
inscrevi num programa que tem aqui que a gente estuda em casa e faz as provas lá,
mas eu não tenho tempo pra estudar, eu fui e cancelei a matrícula. Mas eu
pretendo voltar. Eu digo muito em casa, eu vou fazer uma faculdade, meu
marido diz assim, minha filha se “aquetar”, a velhinha nem estuda mais, eu
digo, estuda você ta por fora, ainda pretendo terminar ( o ensino médio), eu não
vou terminar a minha vida sendo costureira, é muito cansativo, porque é muito
estressante, muito cansativo, vc fica com os braços doendo, vc maltrata a coluna, a
máquina que eu trabalho é uma máquina de braço que maltrata muito a coluna.
(MARIA DE JESUS, 33 anos, com até a série, costureira assalariada, residente
no Bairro da Mangueira).
126
Gráfico 26
Distribuição dos representantes legais por ocupação profissional
Fonte: Pesquisa direta, 2008
Haja vista a baixa escolarização, como verificado no gráfico anterior, os sujeitos
da pesquisa tendem a sentir dificuldades de inserção no mercado de trabalho formal, cada
vez mais competitivo e exigente de mão-de-obra qualificada. Essa situação é verificada no
gráfico acima. Quase 50% (45,83%) dos representantes legais do CRAS Jereissati e 38,23%
do CRAS Antônio Justa alegaram que realizam serviços autônomos, como diária de serviços,
lavagem de roupa, faxina em residência familiar, venda ambulante de produtos diversos,
inclusive reciclagem de resíduos sólidos. Como a maioria dos entrevistados é do sexo
feminino, houve também uma prevalência de mulheres que não trabalham, afirmando serem
donas de casa, correspondendo a 43,75% no CRAS Jereissati e 50% no CRAS Antônio Justa.
A porcentagem de desempregados foi maior no CRAS Antonio Justa, equivalente a 5,88%
contra 2,08% no CRAS Jereissati. Somente 2,08 % no CRAS Jereissati afirmaram que
trabalhavam com carteira assinada. A baixa escolaridade, aliada a precárias ocupações
profissionais, tende a repercutir numa baixa renda familiar, como analisado no próximo
gráfico.
127
CRAS Jereissati
Gráfico 27 Gráfico 28
Renda Familiar antes do PBF Renda Familiar depois do PBF
0 5 10 15 20 25
Menos de R$ 60,00 reais
Entre R$ 60,01a R$ 120,00 reais
Entre R$ 120,01 a R$ 300,00.
Entre R$ 300,00 a um salário
mínimo
Outro
Renda familiar antes do PBF
2
1
5
4,16
2,08
10,41
6
2
11
12
9
12,5
4,16
22,9
25
18,75
30 anos e mais %
30 anos e mais Nº
30 anos e menos %
30 anos e menos Nº
0 10 20 30 40
Menos de R$ 60,00 reais
Entre R$ 60,01a R$ 120,00 reais
Entre R$ 120,01 até R$ 300,00.
Entre R$ 300,00 a um salário
mínimo
Outro
Renda familiar depois do PBF
2
4
1
1
4,16
8,33
2,08
2,08
8
18
7
7
16,66
37,5
14,58
14,58
30 anos e mais %
30 anos e mais Nº
30 anos e menos %
30 anos e menos Nº
Fonte: Pesquisa direta, 2008
Comparando os dois gráficos acima, a renda familiar, antes de receber o
programa Bolsa Família na faixa de R$ 120,00 a R$ 300,00 reais, era o equivalente a 27,06%
(mais e menos de 30 anos). Comparando essa faixa de renda após o recebimento do benefício
do Bolsa Família, verificamos que houve aumento de 18,77%, uma vez que passou de
27,06% para 45,83% ( mais e menos de 30 anos). Quanto à faixa entre R$ 60,01 a R$
120,00 reais, verificamos que, antes de receber o benefício do Bolsa Família, era de 4,16%
(mais de 30 anos) passando para 20,82% (mais e menos de 30 anos), após o recebimento do
referido benefício - uma mudança significativa. Quanto à faixa de renda de menos de R$
60,00 reais, 12,5% de representantes legais (mais de 30 anos) recebiam esse valor, mas, após
o recebimento do PBF, os representantes legais passaram a compor as faixas de renda entre
R$ 60,01 a R$ 300,00 reais, aumentando a renda familiar com o programa Bolsa Família.
Aprofundando a análise, verificamos uma diminuição na faixa de renda entre R$ 300,00 a
um salário mínimo, uma vez que, antes de receber o PBF o percentual era de 27,08% ( mais e
menos de 30 anos), passando a ser de apenas 16,66% após o recebimento do benefício,
apontando uma redução de 10,42%. Podemos considerar que houve migração de
128
representantes legais da menor faixa ( menos de R$ 60,00 reais) para as faixas de renda entre
R$ 60,01 a R$ 300,00 reais, contudo não houve um aumento de representantes legais
passando a receber entre R$ 300,00 reais a um salário mínimo.
Os dados analisados nos fazem considerar que o programa Bolsa Família viabilizou
uma renda extra no orçamento familiar, garantindo uma migração para faixas de renda de até
R$ 300,00 reais, contudo houve diminuição na faixa de renda entre R$ 300,00 a um salário
mínimo. Uma das explicações para esse fato é que pode decorrer das precarias remunerações
auferidas com trabalhos autônomos ou remunerados dos membros das famílias beneficiárias
que, acrescidas com o valor do benefício, garantem uma renda familiar não superior a R$
300,00 reais. É válido destacar que a perda do emprego remunerado também pode ser o
segundo fator ( não tão significativo quanto o primeiro) para a queda nas faixas de renda
mais elevadas, como relatado por uma das entrevistadas:
Na época meu esposo estava desempregado, ainda continua e aí o Bolsa Família foi
o X da nossa vida, porque a gente não tinha recurso nenhum, então com o Bolsa
Família a gente estava pagando água e luz, comprando o gás, comprando alguma
coisa. Então, pelo menos nesses seis meses ele foi assim, um ponto X na minha
vida (IZAURA, 46 anos, casada, desempregada, com ensino médio completo,
residente no Conjunto Industrial).
129
CRAS Antônio Justa
Gráfico 29 Gráfico 30
Renda Famíliar antes do PBF Renda Familiar depois do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008
Quanto à análise do CRAS Antônio Justa, tal como o CRAS Jereissati,
verificamos que houve um aumento na faixa de renda de R$ 120,00 a R$ 300,00 reais. Antes
de receber o PBF, a porcentagem era de 23,52% ( mais de 30 anos ) passando para 38,23%
(mais e menos de 30 anos) após o recebimento do PBF. Diferentemente do ocorrido no
CRAS Jereissati, entretanto, houve diminuição na faixa de renda entre R$ 60,01 a R$ 120,00
reais, uma vez que antes do PBF era de 17,64% ( mais e menos de 30 anos) e após o
benefício passou a ser de 14,7% (mais de 30 anos). Avançando na análise, aqueles que
recebiam menos de R$ 60,00 reais antes do PBF (equivalente a 11,76%), migraram para as
outras faixas de renda mais elevadas, após receberem o benefício do referido Programa, tal
como o ocorrido no CRAS Jereissati. Entre a faixa de R$ 300,00 a um salário mínimo,
verificamos que não houve mudanças nessa faixa de renda, ao contrário do CRAS Jereissati,
onde houve diminuição dessa faixa após o PBF. Houve mobilidade da faixa de renda entre
130
R$ 60,01 a R$ 120,00 reais para a de R$ 120,01 a R$ 300,00 reais após o recebimento do
PBF.
Gráfico 31
Distribuição do Nº de filhos na família dos representantes legais
Fonte: Pesquisa direta, 2008
Quanto aos dados referentes ao número de filhos na família desses
representantes, podemos assinalar que 68,75% dos informantes do CRAS Jereissati têm entre
dois e três filhos, contra 61,76% do CRAS Antônio Justa. Se analisarmos a faixa de filhos
entre quatro e cinco filhos, verificamos que 32,35% dos representantes legais do CRAS
Antônio Justa tem esse número de filhos, contra 10,48% do CRAS Jereissati. Se analisarmos
a porcentagem do de filhos entre seis e sete verificamos, uma diminuição considerável em
ambos os CRAS’s.
Há uma prevalência de representantes legais com dois e três filhos nos dois
CRAS’s, contudo existe maior percentual de representantes legais do CRAS Antônio Justa
com maior número de filhos, no caso entre quatro e cinco filhos.
131
Gráfico 32
Distribuição da composição familiar dos representantes legais
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
No CRAS Jereissati, prevalência na composição familiar, constituída entre
três a quatro pessoas, correspondendo a 47,91% contra 26,47% no CRAS Antônio Justa;
entretanto à medida que se vai aumentando o número de componentes familiares, um
crescimento no percentual do número de famílias dos representantes legais atendidos pelo
CRAS Antônio Justa. O percentual de famílias, dos representantes legais atendidos pelo
CRAS Antônio Justa, constituídos entre cinco - seis pessoas foi equivalente a 47,05% contra
33,33% do CRAS Jereissati. Aprofundando a análise no número de pessoas na família entre
sete - oito, verificamos um aumento no CRAS Antônio Justa (17,64%) e diminuição no
CRAS Jereissati (12,50%). Consideramos, assim, que as famílias dos representantes legais
do CRAS Antônio Justa tendem a ser mais numerosas do que as do CRAS Jereissati. É
válido ressaltar que verificamos durante a tabulação desses dados, especialmente no CRAS
do Antônio Justa, um agregamento no âmbito familiar formado por netos, sobrinhos,
genitores e filhos, ou seja, moram, muitas vezes, entre duas a três famílias numa só
residência. Podemos considerar que o CRAS Antônio Justa apresentou maior número de
famílias extensas e com maior número de filhos por família do que o CRAS Jereissati.
132
Gráfico 33
Nº de bairros distribuídos no CRAS Jereissati
0 10 20 30 40
Piratininga
Novo maracanaú
Boa Vista
Vila das Flores
Coqueiral
Jereissati
Tim
Conj. Industrial
Cidade Nova
Jatobá
Luzardo Viana
Jaçanaú
Bairros distribuidos por CRAS
7
1
1
2
2
19
3
2
3
2
4
2
14,58
2,08
2,08
4,16
4,16
39,58
6,25
4,16
6,25
4,16
8,33
4,16
CRAS Jereissati %
CRAS Jereissati Nº
Fonte: Pesquisa direta,2008
Analisando o gráfico 33, a maioria, correspondente a 39,58% dos
representantes legais participantes da pesquisa, informou que residia no bairro Jereissati
(ADL 02), localizado no entorno do CRAS Jereissati. Em segundo lugar, com uma
porcentagem de 14,58% foram representados aqueles residentes no bairro do Piratininga
(ADL 01). O curioso nesses dados é que aqueles residentes no bairro do Timbó, localizado
muito próximo do bairro Jereissati, correspondeu a somente 6,25%. Podemos considerar que
uma predominância de representantes legais residentes nos bairros mais nobres de
Maracanaú, dotado de melhor infra-estrutura, contudo aqueles residentes no bairro do
Piratinga não dispõem de boa infra-estrutura, como no bairro do Jereissati, ao contrário,
precarização de serviços públicos essenciais, como escolas. É importante ressaltar que a
facilidade de acesso ao referido CRAS por parte dos representantes legais residentes no
bairro Jereissati pode ter contribuído para maior porcentagem de atendimentos a esse
público-alvo.
133
Gráfico 34
Nº de bairros distribuídos no CRAS Antônio Justa
0 20 40 60
Alto da Mangueira
Mutirão Vida Nova
Colônia Antônio Justa
Bairros distribuidos por CRAS
20
3
11
58,82
8,82
32,35
CRAS Antônio Justa %
CRAS Antônio Justa Nº
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
O número de bairros atendidos pelo CRAS Antônio Justa é bem menor do que os
bairros atendidos pelo CRAS Jereissati, que atendia, até a presente pesquisa, ao todo, 23
bairros e aquele somente quatro (Colônia Antônio Justa, Mutirão Vida Nova, Alto da
Mangueira e Pau Serrado). O gráfico nos informa que 58% dos representantes legais
participantes desta pesquisa moram no bairro Alto da Mangueira, onde se localizava o CRAS
Antônio Justa. Em segundo lugar, com 32,35%, aqueles residentes no bairro Colônia
Antônio Justa, próximo do Alto da Mangueira. Somente 8,82% disseram que residiam no
bairro Mutirão Vida Nova. Analisando os gráficos 33 e 34, verificamos que existe a
tendência desses CRAS’s atenderem a um público-alvo residente nas suas proximidades, o
que representa um aspecto positivo, pois facilitou o acesso dos serviços, programas e
projetos ao público-alvo residente nesses bairros, contudo não se pode deixar de focar a
atenção no público-alvo de bairros distantes desses equipamentos sociais.
134
5.2 Perfil biográfico dos sujeitos, com enfoque nas estratégias de promoção social
Em virtude da situação de vulnerabilidade social, alguns representantes legais
tentaram modificar essa realidade por meio da utilização de estratégias de “promoção social”
sendo algumas dessas mediadas pelo programa Bolsa Família. Serão ao todo seis histórias
com enfoque nas estratégias de promoção social que se sobressaíram durante o processo
investigativo e que serão detalhadas e analisadas ainda neste Capítulo.
É válido ressaltar, que os nomes dos representantes legais, a serem expostos no
decorrer deste capítulo, são fictícios, visando a resguardar a identidade deles.
Estratégia 01: A Srª Maria das Graças 57 anos, dona de casa, não escolarizada, união
estável, residente no bairro do Cidade Nova dois anos realizou um empréstimo, com os
R$ 80,00 reais que recebia na época do PBF, para iniciar um pequeno negócio: venda de
peças intimas e panos de prato. O negócio prosperou por dois anos. Estava conquistando
uma clientela e não dependia da aposentadoria do companheiro para suprir suas
necessidades, sendo esse momento bastante significativo na sua vida; entretanto, em 2006,
houve uma redução drástica do benefício básico de seu Bolsa Família, passando a contar
somente com o benefício variável no valor de R$ 18,00 reais, a qual recebe até hoje, sendo
destinado ao reforço escolar do neto.
Estratégia nº 02: A Srª Cristiane 33 anos, solteira, com ensino fundamental completo,
mesária de jogo de futebol, residente no bairro Alto da Mangueira, recebendo R$ 112,00
reais do Bolsa Família - resolveu se matricular num curso preparatório de árbitros de jogo de
futebol, financiado pela Prefeitura de Maracanaú com duração de duas semanas, finalizando-
o no mês de junho de 2008. A escolha por fazer o referido curso ocorreu pelo fato de
remunerarem melhor um árbitro do que um mesário, sendo também uma excelente
oportunidade de mudança na sua vida e na de sua família. De uma turma composta por mais
de quarenta homens, contando com somente três mulheres (incluindo ela), Cristiane
conseguiu obter a maior nota da turma, sendo estimulada pelo professor do referido curso a
fazer outro curso, também preparatório, para árbitros, pela Confederação Esportiva. A Sr.a
Cristiane, porém, somente tinha concluído o ensino fundamental, sendo requisito obrigatório
a conclusão do ensino médio. Esse fato a frustrou muito, mas prometeu que não ia desistir e
135
que iria voltar a estudar, mesmo achando que já tinha passado da idade para a realização de
um feito como esse.
Estratégia 03: Para a Srª Aline, 37 anos, com até a série do Ensino Fundamental, que
realiza trabalhos avulsos, tem união estável e reside no bairro do Jatobá o PBF é um
“projeto” do Governo para “as famílias carentes” que proporciona a sua família a compra do
fardamentos das crianças e adolescentes, acesso ao material escolar e ao lazer de seus
filhos, além de ser uma ajuda financeira para a compra do “mercantil” mensal. A família da
Srª Aline recebe o benefício cinco anos, mas somente dois anos ela passou a ser a
representante legal do cadastro único e titular do cartão do Bolsa Família. No inicio das
inscrições do referido Programa em Maracanaú, cinco anos, o seu companheiro havia
inscrito a família, tornando-se o representante legal do CADUNICO, contudo, ele não
administrava muito bem o benefício, uma vez que gastava o dinheiro com bebida, chegando
a quebrar por descuido dois cartões magnéticos. Nessa situação a Srª Aline resolveu utilizar a
seguinte estratégia: esconder o cartão na casa da vizinha, a fim de que o companheiro
achasse que o havia perdido. Nos primeiros dias, ele procurou insistentemente o cartão, mas,
como estava escondido na residência de sua vizinha, acreditou que o havia perdido. Somente
seis meses é que descobriu que A Srª Aline estava recebendo o dinheiro do programa
Bolsa Família. dois anos a Ssupracitada foi no CRAS Jereissati regularizar a situação.
Afirma que hoje o benefício do programa Bolsa Família é muito bem organizado por ela.
Estratégia nº 04: A Srª Vitoria - 37 anos, dona de casa, com ensino médio completo, casada,
residente no bairro do Piratininga, recebendo R$ 84,00 do Bolsa Família – sempre se
preocupou em garantir aos filhos o acesso aos estudos, apesar das grandes dificuldades
financeiras por que sempre passou. Seu sonho era conseguir viabilizar condições de uma
vida melhor e futura aos seus filhos. Para isso, sempre os estimulava a estudar. Há um ano, o
filho, que contava com 18 anos, na época, conseguiu a isenção para prestar o vestibular na
Universidade Federal do Ceará, pelo fato de estudar na escola pública e ser um dos
beneficiários do programa Bolsa Família. O jovem prestou o referido vestibular, obtendo
aprovação no curso de sica na referida Universidade e ingressando no ensino superior. Tal
conquista foi uma vitória que mobilizou toda a família; os tios até hoje se empenham em
ajudar o jovem com o custeio das passagens de ônibus; a mãe sempre procura o CRAS
136
solicitando o acesso do filho em estágios no município. Foi graças a sua inserção no ensino
superior que conseguiu obter experiência de estágio no Fórum de Maracanaú e na indústria
têxtil/ Vicunha.
Estratégia 05: a SFrancisca 30 anos, autônoma, cursando o ano do ensino médio,
casada no religioso um ano, residente no bairro Mutirão Vida Nova concretizou um
grande sonho depois de anos morando de aluguel: aquisição da casa própria. Quando passou
a receber R$ 80,00 reais do programa Bolsa Família, Francisca guardava R$ 50,00 reais e
gastava R$ 30,00 reais. Utilizou a mesma estratégia com a renda auferida, na mesma época,
com a venda ambulante de roupas femininas. Poupava uma parte do dinheiro e gastava a
outra com as despesas da casa e necessidades dos filhos. A organização desses gastos
viabilizou uma poupança no valor de R$ 700,00 reais, que, acrescida com o valor de R$
300,00 reais doados por sua sogra, foi gasto na compra de uma casa no valor de R$ 1.000,00
reais. Atualmente recebe R$ 94,00 reais do programa Bolsa Família, sendo este todo
poupado para a inscrição numa seleção pública para agente de saúde. Francisca quer cuidar e
ajuda a sua comunidade no trabalho como agente de saúde. Para isso traçou uma meta de
continuar os estudos e tentar a seleção pública mencionada.
Estratégia 06: a Srª Maria do Socorro – 35 anos, com até a série incompleta do ensino
fundamental, autônoma, união estável há 16 anos, residente no bairro Colônia Antônio Justa
– está construindo, aos poucos, a sua casa por meio do benefício do Programa Bolsa Família
que recebe, no valor de R$ 112,00 reais e da renda auferida mediante a realização de faxinas
e lavagens de roupa. Afirma que primeiramente paga as contas de água e luz, alimentação
das crianças e o aluguel, e o que sobra compra o material de construção para iniciar os
alicerces da casa. Como o esposo é pedreiro, ela não paga a mão-de-obra e esse também a
ajuda nas despesas da casa com o auferido nos serviços avulsos como pedreiro. Tal iniciativa
se deu após ser expulsa da residência de seu irmão por conta de um conflito pessoal com a
sua cunhada, que a humilhava muito. Não suportando essa situação, resolveu ir embora,
juntamente com toda a sua família (o seu companheiro e os três filhos). Um amigo,
compadecendo-se da sua situação, resolveu convidá-la para morar com ele, sua esposa e a
filha. Maria do Socorro, muito comovida com o gesto e não contando com outros
componentes familiares que a ajudassem naquele momento, aceitou o convite. Hoje moram,
137
na residência alugada, as duas famílias (a da Sra. Maria do Socorro e a do seu amigo).
Acredita que até o final do corrente ano vai ter conseguido erguer os três compartimentos
necessários para iniciar a morada dela com a família. Esse dia é aguardado com muita
ansiedade e esperança de que vai se concretizar, permitindo não mais se considerar pobre,
uma vez que a falta de moradia digna a entristece profundamente.
Expor de forma breve essas estratégias é, antes de mais nada, valorizar as lutas,
as resistências e a capacidade desses sujeitos de começar de novo, visando ao conseguimento
de uma vida mais digna, apesar de todas as dificuldades.
5.3 Análise do programa Bolsa Família na realidade maracanauense: natureza,
condicionalidades e impactos sociais no cotidiano dos sujeitos.
O Bolsa Família é um programa de transferência de renda com certas
condicionalidades, destinado a atender famílias com renda mensal de até R$ 120,00 reais,
visando a combater a fome e a pobreza e, ao mesmo tempo, promover o acesso dessas
famílias aos serviços públicos de saúde, educação e assistência social (GUIA DE
POLÍTICAS E PROGRAMAS DO MDS, 2008: 19). A funcionalidade desse programa,
contudo, em ensejar condições de inclusão social ao seu público-alvo deve estar articulado
com outros programas e ações complementares de geração de emprego e renda também no
âmbito municipal, ou seja, é necessário levar em consideração as especificidades locais e
regionais, ressaltando as habilidades profissionais e o estilo de vida das famílias em condição
de pobreza.
Levando em conta essas considerações, esta pesquisa busca levantar e analisar
a concepção que os sujeitos sociais (representantes legais), residentes no Município de
Maracanaú, possuem da natureza do Bolsa Família, dos seus critérios de seleção e das suas
condicionalidades. Além disso, foi solicitado que eles informassem os principais gastos e
melhorias advindos com o Programa, bem como fizessem algumas sugestões para que o
Bolsa Família ensejasse qualidade de vida às famílias beneficiadas.
138
CRAS Jereissati
Gráfico 35:
Natureza do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Iniciando a análise quanto à natureza do programa Bolsa Família, para 79,16%
dos representantes legais, atendidos pelo CRAS Jereissati, de mais e menos de 30 anos, o
Programa está vinculado à concepção de ajuda monetária do Governo Federal, viabilizando
às famílias atendidas uma renda complementar, tal como descrito na seguinte fala: “ O PBF é
um complemento na renda das pessoas. Não é tudo, complementa algumas coisas. Se ele
acabar vai fazer muita falta. Ele acesso ao benefício da baixa renda da Coelce”. (MARIA
VIEIRA, 44 anos, casada, autônoma, com ensino médio completo, residente no Jereissati,).
Aprofundando a análise do gráfico, um percentual significativo vinculou o PBF a
um benefício do Governo Federal, destinado às crianças em idade escolar. Sendo assim,
8,33% de mais de 30 anos e 2,08% de menos de 30 anos personificaram o Programa ao
“Governo Lula”, relacionando a viabilização do benefício não a um direito e sim a um ato de
bondade e benemerência. Podemos verificar isso no seguinte relato: “Pra gente ele é muito
importante, nós ficamos muito alegre quando o governo fez esse programas pras famílias
carentes, né? Porque na verdade é uma ajuda de custo para todas as famílias”(MARIA
CRISTINA, 33 anos, solteira, manicure, com ensino médio completo, residente no
Jereissati).
139
É válido ressaltar que 16,66% dos entrevistados de mais de 30 anos levantaram
outras concepções do programa Bolsa Família, as quais foram cobertas na opção “outro” do
questionário. Ganhou destaque o entendimento do Programa como um veículo
“concretizador de um sonho”, ou seja, aquele que viabilizou o acesso a bens de consumo
duráveis (televisor e rádio). A obtenção desses bens causou enorme contentamento a estas
famílias, tal como demonstrado na seguinte fala: “Pra mim foi muito importante, hoje o que
eu não tinha agora eu tenho. Eu comprei minha televisãozinha (...)” (MARIA DAS
GRAÇAS, 57 anos, união estável, dona de casa, não escolarizada, residente no bairro do
Cidade Nova). Também foi mencionado na opção “outro”, pelos representantes legais de
mais de 30 anos, a vinculação do Programa Bolsa Família a um milagre ou a uma benção de
“Deus”. Para a SMaria de Lourdes - 55 anos, casada, dona de casa, com até a série do
ensino fundamental, residente no bairro do Jereissati O PBF é uma benção, não é tudo,
mas ajuda”.
Analisando o resultado obtido na aplicação do instrumental com os
representantes legais atendidos pelo CRAS do Antônio Justa, verificamos algumas
modificações quanto à concepção da natureza do Bolsa Família, se comparado aos resultados
obtidos no CRAS Jereissati, especialmente na opção “outro”.
140
CRAS Antônio justa
Gráfico 36
Natureza do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
A maioria (85,29%) dos representantes legais, somente de mais de 30 anos e
atendidos pelo CRAS Antônio Justa, concebeu o programa Bolsa Família como uma ajuda
monetária do Governo Federal. Em segundo lugar, um percentual de 23,52% de mais de 30
anos e 2,94% de menos de 30 anos, ganhou a prevalência do programa Bolsa Família como
um benefício do Governo Federal, sem deixar de mencionar uma relação intrínseca com o
atual Presidente. Para a Srª Antônia (32 anos, casada, dona de casa, com até a série
incompleta do ensino fundamental, residente na Colônia Antônio Justa), o PBF “é uma ajuda
muito boa que o presidente Lula adquiriu pras famílias pobres, porque tem muitas que não
tem nem o que comer, então eu acho que um projeto muito bom”.
Dentre aqueles que optaram por outra concepção do programa que o questionário
não privilegiava, tivemos a vinculação do Bolsa Família a uma benção e outras duas
concepções, diferentes do constatado no gráfico anterior, mencionando o Programa como
“tudo na vida” das famílias dos informantes. Eis a seguir as três concepções mencionadas:
O PBF é de grande fundamento, porque em casa a gente não tem um trabalho,
uma renda fixa e somos eu meu esposo e três filhos e esse dinheiro tem ajudado
141
muito, porque a nossa renda é em torno de uns R$ 200,00 reais.É R$ 94,00 reais
que eu recebo, e isso é uma benção mesmo, tem gente que faz desses R$ 94,00
reais, uma feira (REGINA, 36 anos, casada há 22 anos, realiza trabalhos autônomos
com reciclagem, possui até a série do ensino fundamental,residente no Alto da
Mangueira).
Na situação que a gente tava o Bolsa Família ta sendo tudo, porque a gente passa
um aperto muito grande, caiu do céu (..) porque eu estava desempregada, com
cinco filhos, separada, hoje em dia em junta, dependendo de favor de pai, mãe e
vizinho. Eu não recebo pensão de nenhum dos pais, todos foram embora. Eu tenho
cinco filhos de pais diferentes, esse daqui ( se refere ao filho) coloquei na justiça
5 anos, agora é que eu fiz o teste do DNA,quer dizer era uma situação bem
complicada que a gente passava, um aperto muito grande, faltava um caderno, um
lápis, meu filho não ia pro colégio porque não tinha (material escolar), as vezes ia
sem almoçar, quando veio isso daí ( Bolsa Família) faltei jogar fogos de
artifício ( CRISTIANE, 33 anos, união estável, realização de trabalhos avulsos
como mesária de jogo de futebol, com ensino fundamental completo, residente no
Alto da Mangueira).
Pra mim é tudo de mais importante, se não fosse o Programa Bolsa Família eu acho
que eu teria morrido de fome com meus filhos, pra mim é tudo (...) Eu recebo
porque eu sou uma família carente, desempregada, não tenho marido, vivo sozinha
com meus filhos, e ainda tenho que arranjar por fora mais porque, só o bolsa
família não (AMELIA, 39 anos, separada,com até a série, desempregada e
pedinte na CEASA, com a a série do ensino Fundamental, residente no
Mutirão Vida Nova).
No segundo e terceiro trechos das falas apresentadas, é perceptível o fato de que,
para algumas famílias, o benefício do programa Bolsa Família deixou de ser uma renda
complementar, para se tornar uma renda central e fixa, destinada à compra da alimentação e
aquisição do material escolar para as crianças e adolescentes residentes na casa, como
grandezas de primeira instância (alimentação). O que chama atenção, entretanto, em todos os
relatos é o fenômeno do desemprego, que atinge todas as famílias acima, e o mais agravante
é que, diante da baixa escolaridade das entrevistadas, uma dificuldade de se inserirem no
mercado formal de trabalho, restando a realização de alguns trabalhos avulsos para
complementar a renda da casa. uma inversão do que passa a ser uma renda central ou
complementar. Em alguns casos, o benefício desse programa passa a ter um papel
importantíssimo no suprimento das necessidades mínimas vitais, como a alimentação, uma
vez que é repassado de forma contínua e mensalmente pelo cartão magnético, tornando-se
uma renda fixa. Em outros casos, existe a necessidade dessas famílias procurarem outras
estratégias para amenizar a situação de pobreza, complementando necessidades básicas e
mínimas não supridas somente com o benefício do programa Bolsa Família, cujo valor é
irrisório.
142
É imprescindível, entretanto, mencionar o fato de que nenhum dos representantes
legais entrevistados e atendidos no CRAS Jereissati menciona o Programa como um direito
de que as famílias dispõem para ter acesso a uma renda mínima, capaz de proteger as
famílias do desemprego involuntário, da pobreza, da fome, entre outras privações. Somente
uma das entrevistadas fez menção, sutilmente, durante a sua fala, a que o benefício sob a
forma de dinheiro advém dos impostos pagos pela sociedade civil, contudo, ela optou em
responder no questionário que o programa Bolsa Família é um benefício do Governo
Federal: “O PBF significa uma maravilha. É uma retribuição pelos impostos que a gente
paga. É um investimento(...)” ( VITORIA, 37 anos, dona de casa, casada, com ensino médio
completo, residente no Piratininga). Para essa representante legal, o Programa deve estar
articulado com políticas de saúde e educação para a população maracanauense, de modo a
ensejar condições de inclusão social.
Outra questão importante coletada, durante a aplicação do questionário, foi
avaliar em que medida os entrevistados (representantes legais) conheciam os motivos de
receberem os benefícios do programa Bolsa Família. Analisando os resultados do gráfico a
seguir, constatamos que a maioria dos representantes legais atendidos pelo CRAS Jereissati
desconhece as condicionalidades do programa Bolsa Família, alegando uma série de motivos
para recebê-lo. Alguns dizem que foi pela sorte ou pela vontade de Deus (motivações
sobrenaturais).
143
CRAS Jereissati
Gráfico 37
Critérios de seleção do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
De 48 (quarenta e oito) representantes legais sondados na pesquisa, 45,83% (de
mais e menos de 30 anos) optaram por acreditar que foram beneficiados por este programa
em virtude da situação de pobreza que estavam vivenciando na época da inscrição no
cadastro único. Essa situação, porém, mencionada por eles, vai muito além da ausência de
alimentação, pois envolve uma série de precariedades e vulnerabilidades no âmbito social e
econômico. Podemos constatar esse fato na fala de uma das entrevistadas:
Eu acho que é porque a gente precisa muito, as pessoas e o governo ajudou
muito a gente, porque a gente não tem emprego, tem os filhos da gente também, a
gente tem que lutar por eles, pra poder eles ter as coisas e esse dinheiro ajuda pra
comprar o alimento pra eles (...) antes do Bolsa Família eu era uma pessoa
desesperada, porque eu não tinha renda, eu não tinha nada, só os meus filhos
passando fome, cheguei a passar fome, cheguei a sair pedindo” ( JOSEFA, 47
anos,dona de casa, solteira, com até a série do ensino fundamental, residente no
Piratininga).
144
Aprofundando a análise do gráfico 37, verificamos que 12,5% de
representantes legais de mais de 30 anos, afirmaram receber o Bolsa Família em decorrência
de estarem desempregados e possuírem crianças e adolescentes na composição familiar.
Esses duas motivações estão muito presentes nas falas dos entrevistados, especialmente a
vinculação direta do Programa com a existência de crianças e adolescentes fazendo parte da
composição familiar, fato reforçado quando se analisam os gastos das famílias contempladas
com o benefício do Bolsa Família ( em sua maioria os gastos são destinados à compra de
material escolar).
Três motivações, contudo, levantadas pelos entrevistados e que não estavam
expressos no questionário, sendo tabuladas na opção “outro”, chamaram atenção. Um
número significativo de representantes legais (em torno de doze) disse ter sido contemplado
pelo programa Bolsa Família em virtude de apresentarem baixa renda familiar. A segunda
motivação levantada, somente por aqueles de mais de 30 anos (sete), decorreu da sorte ou da
vontade de “Deus”. O terceiro motivo de receberem o benefício do Bolsa Família, ressaltado
pelos maiores de 30 anos e atendidos pelo CRAS Jereissati (em torno de sete), se deveu ao
Governo Lula. A seguir trechos com as três motivações mencionadas, respectivamente.
Eu recebo por causa da carência, por eu não possuir uma renda superior para
manter um padrão de vida melhor, por isso que esse benefício é muito importante
pras pessoas carentes (DIANA, 28 anos, união estável, autônoma, com até a
série do Ensino fundamental, residente no Jaçanaú).
Eu não sei dizer direito porque as outras famílias não estão nesse programa, porque
muitos já vem tentando já de muito tempo, desde que quando começou e não
conseguem, eu acredito que as famílias que hoje recebem o benefício foi assim
sorte (MARIA, 33 anos, solteira, manicure, com ensino médio completo, residente
no Jereissati II).
Eu acho que é porque Deus é muito bom e esse governo também ajuda muito as
pessoas e ele vai ser muita salvação pra essas pessoas, muitas pessoas carentes
precisando, e eu agradeço muito a ele por eu receber esse dinheirinho que ele viva
muitos anos de vida” (MARIA DAS GRAÇAS, 57 anos, união estável, não
escolarizada, dona de casa, residente no Cidade Nova).
Os trechos ora relatados, nos permite considerar que existe um certo
desconhecimento das condicionalidades do Programa por parte das famílias beneficiárias,
145
atribuindo sua inserção no Bolsa Família a fatores sobrenaturais e inexplicáveis, ou até
mesmo à bondade e benemerência de um Governo.
No que se refere ao mesmo levantamento supramencionado, aplicado com os
representantes legais atendidos pelo CRAS Antônio Justa, não houve grandes diferenças se
compararmos com os do CRAS Jereissati. A maioria dos entrevistados relacionam o
recebimento do benefício à situação de pobreza atual ou vivenciadas antes do recebimento
do benefício. A diferença mais aparente, ao analisar o gráfico a seguir, esno percentual
entre aqueles que acreditam receber o benefício pela situação de desemprego e aqueles que
acreditam receber o benefício por possuírem crianças e adolescentes na residência.
CRAS Antônio Justa
Gráfico 38
Critérios de seleção do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
De um universo de 34 representantes legais atendidos no CRAS Antônio Justa,
44,11% de mais de 30 anos vincularam o recebimento do benefício do Bolsa Família à
situação de pobreza cotidianamente vivenciada, o que é exemplificado na fala dos sujeitos
com o desemprego, as dificuldades financeiras, a impossibilidade de comprar o material
escolar para as crianças terem acesso a educação de melhor qualidade. Alguns dos
representantes conceituaram a situação de pobreza, vinculando o recebimento do benefício à
146
situação de desemprego (26,47% de mais de 30 anos) ou até mesmo à existência de crianças
e adolescentes na composição familiar, correspondendo a 20,58% de mais de 30 anos. Dentre
os trechos dos entrevistados, selecionamos os seguintes:
Eu acho que o motivo é porque a gente necessita, não tem condições de colocar o
filho da gente na escola sem receber ele, com ele é uma ajuda. Se não fosse esse
Bolsa Família talvez eu não tivesse condições de um lápis, um caderno, porque
eu não tenho trabalho, não tenho marido, sou viúva, com esse Bolsa Escola já é
uma ajuda, precisa de um lápis, eu tenho pra dá, de um caderno a mesma coisa,
precisa de uma bolsa já tem, e se eu não tivesse esse Bolsa família eu não era
ninguém, porque eu não tenho trabalho, não tenho nada, eu vivo dele
(RAIMUNDA, 34 anos, dona de casa, viúva, com até a série do ensino
fundamental, residente no Antônio Justa)
É porque o governo decidiu essa ajuda pros pobres, por causa das crianças né,
pra gente manter eles na escola, pra gente não botar eles pra trabalhar, pra sustentar
eles, né, pra uma merendinha antes de ir pra escola, porque antigamente não
tinha né, ia pra escola com fome (VALDIRENE, 32 anos, separada, realiza
trabalhos avulsos como faxina e lavagem de roupa, com até a 2ª série do ensino
fundamental, residente no bairro Antônio Justa)
Eu acho que foi Deus, porque eu não tinha nada em casa e apareceu essa
oportunidade, eu tava na mulher ganhando R$ 25,00, acredita! R$ 25,00 por
semana, eles me chamaram pra fazer ( se refere a inscrição no cadastro único),
eu fui a primeira beneficiada onde eu morava, no multirão. Pra mim foi ele
(Deus) e o governo, que dizem que é do governo, não sei se é, sei que isso pra
mim foi uma benção (CLAUDIA, 39 anos, solteira, empregada doméstica sem
carteira assinada, cursando a série do ensino fundamental, residente no bairro
Alto da Mangueira).
É claramente perceptível nas falas das representantes legais entrevistadas a
obrigatoriedade de manter os filhos na escola com o benefício do programa Bolsa Família,
sendo necessário que ele seja gasto prioritariamente com as crianças, a fim de não sofrer
sanções, como bloqueio do benefício. Poderemos visualizar isso nos gráficos a seguir, que
nos mostram os gastos realizados com o benefício do Bolsa Família.
147
Gráfico 39
Discriminação dos gastos com o PBF
CRAS Jereissati
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
De um universo de 48 informantes do CRAS Jereissati, 52,08 % (de mais de 30
anos) e 10,41% (de menos de 30 anos) afirmaram que gastam com alimentação, contudo esta
diz respeito a uma merenda para as crianças levarem para a escola ou a uma mistura a ser
adicionada à alimentação diária, uma vez que o valor do benefício é irrisório, não sendo
possível realizar a compra de uma cesta básica com duração para todo o mês. Em segundo
lugar, com maior porcentagem de gastos (39,58% de representantes legais de mais e menos
de 30 anos) prevaleceu a compra de material escolar e fardamento. Aprofundando a análise
do gráfico acima, verificamos que quase 25% gastam com vestuário e higiene pessoal e
18,74% gastam com o gás de cozinha. A seguir, relatos que comprovam os dados
estatísticos:
Foi uma benção, porque eu não tenho trabalho, eu não trabalho. É um benefício que
ajuda muito as famílias. O dinheirinho que você ganha, você tem que saber dividir.
Eu pelo menos, na hora que eu recebo eu sei o que eu vou fazer, comprar
alimento pros meus filhos, um livro, um caderno pra minha filha, porque é dela e
nosso, da casa”(LUCIANA , 49 anos, solteira, dona de casa, com até a série do
ensino fundamental e residente no Vila das Flores) .
O PBF é uma ajuda pro colégio, pros meus filhos. O dinheiro é deles, mas eu
organizo. O PBF é destinado para o investimento no colégio. O PBF é apenas uma
ajuda, não pra tudo, não pra manter uma família, mas é uma ajuda, ruim é
148
não ter nada”.(LAURA, 40 anos, solteira, dona de casa, não-escolarizada, residente
no bairro do Timbó)
Um número considerável de representantes legais, entretanto, também informou
que realizam outros gastos com o PBF (33,33% de mais de 30 anos e 6,25% de menos de 30
anos), tais como: complemento no pagamento de contas de água e luz, acesso a cursos
extraclasse, tais como informática e línguas estrangeiras (Inglês) e acesso dos filhos ao lazer.
Uma das entrevistadas Jaqueline, 38 anos, casada, com até a série do ensino
fundamental, residente no Luzardo Viana - chamou atenção ao informar que o PBF permitiu
o acesso de seus filhos a uma escola de melhor qualidade - Liceu de Maracanaú - que dispõe
de aulas de Computação e ensino de qualidade, uma vez que o benefício é destinado ao
custeio das passagens de ônibus (R$ 10,00 reais por semana), já que o colégio fica distante
de sua casa. Sendo assim, o PBF “é muito importante pra mim, é uma ajuda que a gente
não tinha, ajuda pras passagens de ônibus, uma ajuda para o gás, para a luz. Eu acho
importante que continue essa Bolsa Família”.
A seguir a análise dos gastos com o benefício do Bolsa Família com 34 ( trinta e
quatro) representantes legais atendidos pelo CRAS do Antônio Justa.
149
CRAS Antônio Justa
Gráfico 40
Discriminação dos gastos com o PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Comparando os dados acima (gráfico 40) com os do CRAS Jereissati, não
verificamos modificações quanto à ordem de prioridade dos gastos com o Bolsa família. Em
primeiro lugar, foram realizados gastos com a alimentação (70,58%), em segundo, gastos
com material escolar e fardamento (58,82% somente os maiores de 30 anos), em terceiro,
despesas com vestuário e higiene pessoal (41,17% de mais de 30 anos e 2,94% de menos de
30 anos) e 26,47%( somente ao maiores de 30 anos) com gás de cozinha. A compra da
alimentação mínima e material escolar representa para essas famílias uma “ajuda” financeira,
diante do desemprego e das dificuldades de garantia do mínimo vital; entretanto, também é
importante destacar o fato de que os gastos, tal como verificado no CRAS Jereissati, vão
além do acesso a produtos de bens não duráveis (complemento para o pagamento das contas
de água e luz, remédios e custeio com as passagens de ônibus), o Programa viabiliza também
o acesso ao lazer, bem como a cursos extraclasse, o que é bastante significativo para essas
famílias, pois enseja meios para que crianças e adolescentes tenham condições de freqüentar
a escola, incentivando as a concluírem o ensino fundamental e melhor se qualificarem
profissionalmente, além de viabilizar momentos de lazer e descontração das crianças com
seus pais e familiares. Essas considerações podem ser vislumbradas nas falas a seguir:
150
O PBF é uma ajuda pra que melhore a situação da pessoa. Por exemplo a minha
filha que quiser fazer um curso tem aquele dinheirinho extra pra continuar os
estudos dela, porque eu não tenho condições e essa já é uma ajuda (o que gasta com
o PBF?) é um caderno que a minha menina precisa, é uma alimentação, porque
geralmente quando chega já é uma ajuda. É um arroz, uma mistura, um café da
manhã, é isso mesmo, esse tipo de coisa que ta faltando (DULCE, 39 anos,
casada há 15 anos,autônoma, com até a 5 série do ensino fundamental, residente no
Alto da Mangueira).
O PBF é uma ajuda de custo muito boa. Porque com isso eu pagando o curso de
meu filho, o curso militar, no colégio Liceu de Maracanaú (esse curso a que se
refere é preparatório). Com esse dinheiro eu pago (o cursinho), já ajuda pra
comprar material pra outras crianças que são cinco filhos que eu tenho... é uma
ajuda muito boa...e agora no momento o meu esposo ta desempregado, eu é que
trabalhando. Eu sou costureira, ganho R$ 480,00 por mês, na carteira (MARIA
DE JESUS, 33 anos,casada,costureira com carteira assinada, com até a série,
costureira assalariada, residente na Colônia Antônio Justa).
Levando em conta as considerações tecidas até então, verificamos que o
programa Bolsa Família, para a maioria dos representantes legais, viabiliza o acesso a
produtos duráveis e não duráveis, causando tanto impactos mínimos e a curto prazo,
exemplificando o suprimento de uma alimentação mínima, mas vital para a sobrevivência
cotidiana, quanto impactos a longo prazo, via facilitação do acesso das crianças e
adolescentes à escola, ensejando condições para a ruptura do ciclo intergeracional da
pobreza. Essas questões serão abordadas no próximo gráfico e nos depoimentos dos
entrevistados.
151
CRAS Jereissati
Gráfico nº 41
Levantamento de melhorias com o PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Foi solicitado que os representantes legais dos CRAS’s Jereissati e do Antônio
Justa levantassem as principais melhorias com a chegada do programa Bolsa Família. Como
essa questão era de múltipla escolha no questionário, muitos responderam a mais de um item.
A maioria dos informantes, em torno de 31,25% de mais de 30 anos e 10,45% de menos de
30 anos, afirmaram que o Programa trouxe como principal melhoria o acesso à alimentação.
Quanto a outras melhorias, 22,91% disseram que depois do programa Bolsa Família, os seus
filhos tiveram acesso ao material escolar, fardamento e lanche, facilitando o acesso das
crianças e adolescentes na escola.
É, antes não tinha como comprar uma roupa pra eles, porque eu não trabalhava
hoje eu tenho. Melhorou um pouquinho porque já pra comprar um calção, e
alguma coisa mais necessária pra ele ir à escola, porque a farda não precisa, porque
dão de graça, né. É mais coisas do material escolar mesmo, porque antes eu não
podia, eu não trabalhava e nem fazia bico, e antes eu não tinha esse Bolsa Família,
e agora melhorou ( KATIA, 29 anos, separada, faxineira avulsa, com até a série
do ensino fundamental, residente no Piratininga
).
Melhorou a alimentação, roupa, calçado, caderno, que eu não tinha dinheiro nem
pra comprar um caderno pros meninos, nem lápis e nem nada. No dia que eu
recebo eu compro uma coisinha pra um, pra outro (JOSEFA, 47 anos,dona de casa,
solteira, com até a 5ª série do ensino fundamental, residente no bairro Piratininga).
152
Dentre as melhorias levantadas pelos representantes legais, ainda podemos
destacar, no gráfico 41, a aquisição de uma renda a mais no orçamento familiar, que
passou a ser regular e fixa todo mês. Sendo assim, 16,66% de mais de 30 anos e 2,08% de
menos de 30 anos disseram que o recebimento do benefício do programa Bolsa Família,
mensalmente, possibilitou a aquisição de um dinheiro certo, diante do fenômeno do
desemprego e da inserção crescente no mercado informal de trabalho, marcado pela
terceirização e precarização nos contratos trabalhistas, como descrito nos seguintes
depoimentos:
Melhorou porque eu não tinha... Assim... o dinheiro certo pra comprar o material
que o colégio pedia , e minha menina sempre pedia as coisas e eu não podia
dá...porque ela já tem 12 anos ( ela fez agora 12 anos) e sempre me pede as coisas.
Ai chegou num bom momento, porque sempre quando ela pede as coisas eu tenho
aquele dinheiro certo pra dá (LARISSA, 22 anos, dona de casa, união estável
um ano, com até 4ª série do ensino fundamental,residente no bairro do Piratininga).
É válido ressaltar que um número bastante significativo de informantes levantou
outras melhorias advindas com esse Programa, correspondendo a 39,57%, os quais
destacaram a facilidade de pagamentos de contas de água e luz com o Bolsa Família e menor
dependência do salário do esposo ou companheiro e da ajuda de familiares.
Com o Bolsa Família eu tava dependendo de mim mesma, foi uma ajuda, pois
de poder comprar o alimento de meus filhos é bom demais, porque roupa todo
mundo dá, todo mundo ajuda, a gente dá um jeitinho ( APARECIDA, 27 anos,
solteira, desempregada, com até a 4ª série do ensino fundamental, residente de
Coqueiral )
Ao realizar a mesma análise com os dados estatísticos coletados a partir dom
base na opinião dos representantes legais atendidos no CRAS Antônio Justa, constatamos
algumas diferenciações pertinentes a evidenciar.
153
CRAS Antônio Justa
Gráfico nº 42
Levantamento de melhorias com o PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Enquanto no CRAS Jereissati, quase 50% dos informantes optaram por afirmar
que houve melhoria na alimentação familiar (41,66%), no caso do CRAS Antônio Justa, a
maioria (26,47%, referente somente aos maiores de 30 anos de idade) expressa que o
programa Bolsa Família viabilizou uma melhoria na renda familiar, tornando-se uma
transferência de renda certa e também regular, tal como sugere a Sr.a Maria do Socorro 35
anos, união estável, realiza trabalhos autônomos com faxinas, com até a série incompleta
do ensino fundamental, residente na Colônia Antônio Justa:
(Melhorou) tudo, tudo assim em termos do alimento, porque eu tinha medo de
comprar na mercearia e quando chegar o dia de pagar eu não tinha da onde tirar e
com o PBF eu já sei que se eu comprar naquela mercearia, no dia certo eu vou ter o
dinheiro. E eu sempre boto com a terminação do meu cartão que eu sei que vou
pagar, porque eu sei que eu vou receber e quando eu não tinha, eu tinha medo de
comprar, e eu não sou pessoa que gosta de dever eu gosto de ter os meus
compromissos certos, se eu comprar uma coisa e não pagar no dia combinado é
porque não deu, mas eu gosto de pagar as minhas coisas bem direitinho, porque a
confiança é muito bom, vo confiar e ser grato de uma confiança é muito
importante.
Apresentando quase o mesmo percentual anterior, 26,42% apontaram, como uma
melhoria significativa após o recebimento do benefício do Bolsa Família, a facilidade de
154
acesso dos seus filhos à escola. Em terceiro lugar, com um percentual de 20,58%, restou a
melhoria na alimentação diária. Na seqüência alguns trechos da fala dos representantes
legais:
A melhora é que a gente tem aquele dinheirinho por certo, porque a gente não
tem dinheiro nenhum certo. Ninguém é empregado, ninguém tem um salário fixo,
então aquele dinheirinho, a gente tem como que é certo, todo mês você vai buscar
ele, ele ta ali , você não trabalhou pra receber, você não trabalhou, você não suou,
mas você sabe que ele ta e você vai pegar, por exemplo a minha energia
vem vinte reais, aquele dinheirinho é R$ 18,00, quer dizer que é mais fácil eu
conseguir uns dois reais pra pagar o meu papel de energia, dá. O meu gás é R$
35,00, com os R$ 18,00 reais , o meu gás fica menos, quer dizer que é uma
ajuda...( MARINA 53 anos, união estável,com até a série, desempregada há 06
anos, residente no Alto da Mangueira).
Hoje pra mim foi muito melhor porque a gente se interessava pra adquirir um
alimento melhor pros meninos, como já tem os R$ 94,00, aí eu deixo o outro ( se
refere aos seus outros ganhos com a venda de material reciclado) pra pagar água,
gás, as vezes comprar um chinelo, uma roupa , pra mim foi fundamental, ajudou
muito (REGINA – 36 anos, casada há 22 anos, com até a 3ª série do ensino
fundamental, realiza trabalhos autônomos com reciclagem, residente no bairro do
Alto da Mangueira).
Depois que eu recebi esse Bolsa Família, melhorou muito, porque eu não tinha
condições de comprar menos um lápis. Pra ter uma idéia meus filhos perdiam muita
aula, porque tinha dia que eles diziam, mãe eu não tenho um lápis pra ir pro
colégio, (ela dizia) meu filho eu também não tenho condições de comprar. E depois
que eu recebi (O Bolsa Família) graças a Deus eles deixaram de pedir, porque
quando eu tenho esse dinheirinho eu já compro e deixo guardado, quando eles
necessitam de um caderno, eu digo aqui. Porque eu tenho medo de gastar o
dinheiro e se eles precisar de alguma coisa do colégio e não ter pra dá, melhorou
muita coisa na minha vida, porque eu não tinha condições de dá, porque eu não,
agora com ele... é pouco, mas pra alguma coisa, porque o Pouco com Deus é
muito e o muito sem Deus não é nada ( RAIMUNDA 34 anos, dona de
casa,viúva,com até a 4 série do ensino fundamental, residente no Antônio Justa).
Ao analisar o primeiro trecho da fala da Srª Marina, podemos perceber que para
ela o benefício do programa Bolsa Família é uma ajuda monetária que recebe, mas está
desinformada dos deveres para com o Programa, tal afirmação indica o desconhecimento
das condicionalidades deste Programa por parte da entrevistada, de modo a permitir-lhe ter
acesso aos serviços e programas no âmbito da saúde, educação ou assistência. O
desconhecimento dos direitos e deveres por parte das famílias beneficiadas facilita a
prevalência de uma visão unívoca da funcionalidade do Programa restrito ao mero repasse
monetário, não vislumbrando a necessidade de o Programa se articular com políticas de
geração de emprego e renda, por exemplo; entretanto algumas entrevistadas tiveram uma
155
opinião diferente da senhora retrocitada, quando solicitadas a realizar um levantamento de
sugestões ao Programa, visando à melhoria de sua vida e da família (conferir no próximo
gráfico).
Outras duas questões a serem ressaltadas com referencia aos outros trechos, diz
respeito, primeiramente, ao caráter complementar que o Programa representa no cotidiano
dessas famílias. Em outras palavras, para a maioria dos entrevistados, o benefício recebido
é uma ajuda de custo, regular e fixa, complementando o pagamento de contas de água e luz,
ou a aquisição de vestuário, de material de higiene pessoal, de cursos extraclasse, que
seriam quase inviáveis se dependessem somente dos ganhos incertos e irrisórios realizados
via trabalhos avulsos pelo público-alvo do Bolsa Família. Outra questão bastante presente
nas falas dos informantes foi a facilidade do acesso das crianças e adolescentes à escola,
mediado pelo programa Bolsa Família. Para muitos representantes legais, contudo, o
investimento desse Programa deve ser focado nas gerações futuras, uma vez que, diante da
dificuldade de conseguir emprego e da baixa escolaridade, muitos dos pais dessas gerações
desistem de continuar estudando, ou se aperfeiçoando profissionalmente. São muitos os
fatores e causas que favorecem essa ausência de perspectivas das representantes legais,
depositando todas as esperanças nos seus filhos, consoante é descrito pelas entrevistadas:
O emprego que eu não tive eu espero que os meus filhos tenham, por isso que
quando eu vejo que tem curso em tal canto, eu vou correr pra colocar eles, esse
rapaz que vai fazer o pro-jovem aqui tem o curso de bombeiro, uma das primeiras
turmas a terminar o curso de bombeiro foi a desse rapazinho meu que vai fazer o
Pro-Jovem (...) Eu consegui terminar os meus estudos na escola pública ( fala com
muito orgulho) A Srª Janaína trabalhou há 14 anos ensinando na educação
infantil em Maracanaú, mas não foi de carteira assinada, hoje está com 43 anos, é
dona de casa, separada,com ensino médio completo e residindo no bairro Alto da
Mangueira.
Tudo pra mim hoje eu prefiro pra eles, porque eu... a minha tendência é ficar velha,
um dia morrer, mas eles vão ter toda a vida pela frente, se eu não to presente quem
é que vai ajudar eles? Hoje em dia pouco encontra ajuda. A gente encontra pessoas
que quer botar no mundo das drogas, quer botar no mundo da prostituição, esse
mundo que muitos jovens encontram e que tem que dizer não e sair dali de perto
(ELIANE 32 anos, desempregada, solteira, com até a série do ensino
fundamental).
Não escutei os conselhos do meu pai, apesar de ter tido tudo na vida, na
adolescência. Acabei engravidando aos 15 anos, não terminando os meus estudos,
fiz até a série. Quando se casou pela primeira vez, o seu esposo nunca a
deixou terminar os seus estudos. Confessa com voz em desalento: “Hoje era pra
eu ter tido o meu emprego, ter feito a faculdade. Me arrependo de ter me casado
156
cedo, mas não de ter tidos os meus filhos, apesar de tudo não abandonei os meus
filhos ( JOICE, 38 anos, separada, realiza trabalhos avulsos com faxina, com até a
7ª série do ensino fundamental, residente no bairro do Jereissati I).
Diante dos fracassos pessoais e profissionais, decorrentes de fatores sociais e
econômicos, a maioria desses informantes não consegue superar as dificuldades, desistindo
de se qualificar, ou até mesmo é inviável para muitas delas continuar os estudos por
imposição do esposo ou companheiro, uma vez que esses preferem que suas esposas ou
companheiras se responsabilizem pelos afazeres domésticos. É válido ressaltar que muitas
das entrevistadas se acham incapazes de superar essas dificuldades, culpando-se pelos seus
fracassos.
Ainda analisando o gráfico 42, 29,41% levantaram outras melhorias advindas
com o Programa, destacando-se o acesso a produtos de consumo duráveis (aquisição da casa
própria) e não duráveis (material escolar, fardamento, vestimenta, produtos de higiene
pessoal, merenda), acesso ao lazer das crianças e adolescentes e oportunidades de palestras
profissionais para os jovens, mediante as ações complementares, como o Agente Jovem, e
finalmente menor dependência de esposo ou (ex) companheiro e familiares. Esse último
aspecto aponta o programa como possível veículo contributivo para a auto-estima,
especialmente nas mulheres desempregadas e donas de casa. A seguir alguns depoimentos
sobre as melhorias advindas com o Bolsa Família :
O PBF pra mim e pra minha família é bom, me trouxe benefício, porque antes eu
não tinha nenhuma renda, não tinha expectativa e com o Bolsa família eu consegui
muito, quando eu digo muito, eu consegui muito mesmo, porque eu consegui
assim, com o Bolsa família, juntar dinheiro e com esse dinheiro que eu consegui
juntar, e a minha sogra me ajudou, eu comprei a minha casa - disse isso
demonstrando orgulho e felicidade (FRANCISCA, 30 anos, casada, autônoma,
cursando o 1º ano do ensino médio, residente no Mutirão Vida Nova).
Melhorou principalmente a vida dos meninos, nem tanto pra mim, mas pra vida
deles, eu posso alguma coisa pra eles hoje, antes eu não podia. Com o
dinheirinho deles eu compro uma roupa pra eles, eles querem comer uma coisa, eu
vou e compro nem que eu tenha que pagar no final do mês (VALDIRENE, 32
anos, separada 07 anos, autônoma, com até a série do ensino
fundamental,residente no Antônio Justa).
Então eu acho que ele já tá dando, ele já ta melhorando a vida de muitos jovens, ele
ta dando oportunidade de emprego e obrigar a empresa a ficar com essas pessoas
que não tem experiência. Porque tem muita empresa que não quer aqueles jovens,
que tem o estudo nas mãos tem o curso, mas não tem experiência e não serve pra
aquele mercado de trabalho. Como é que vai servir se não a primeira
oportunidade, porque pra se aprender tem que ser ensinado, então é isso que eu
157
vejo”. ( ELIANE, 32 anos, solteira, desempregada, com aa 4 série do ensino
Fundamental, residente na Colônia Antônio Justa).
Ah quando chegava o dia pra comprar o caderno da minha filha eu não tinha
dinheiro, eu não teria o dinheiro, eu tinha que ficar pedindo aos outros, eu chegava
muitas vezes a pedir e hoje em dia eu não preciso ficar pedindo a ninguém, de jeito
nenhum. Nem que eu não trabalhe, mas o dinheiro dela ali ta reservado é pra
isso. É reservado pra ela, eu gasto se tiver outro pra colocar no mesmo lugar,
mas se não tiver é reservado pra comprar a farda dela, porque aqui no Albanisa tem
que comprar a farda, eu compro o sapato dela, tudo é com o Bolsa escola dela.
(VERÔNICA 37 anos, viúva, com até a 5ª série do ensino fundamental, realiza
trabalhos avulsos informais, residente no bairro Alto da Mangueira).
Foi solicitado ainda dos representantes legais que apontassem sugestões ao
programa Bolsa Família, de modo que este enseje melhores condições de vida às famílias
beneficiadas.
CRAS Jereissati
Gráfico nº 43
Sugestões para o aperfeiçoamento do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Constatamos, no gráfico acima, que 8,33% de mais de 30 anos, apontaram a
necessidade do programa Bolsa Família viabilizar melhores condições de acesso do jovem
não somente ao ensino fundamental, mas também médio e superior, mediante investimento
com o material escolar, ajuda de custo durante o translado, entre outros, como relatado na
seguinte fala: “o PBF deveria cobrir as despesas com o estudo dos jovens até a faculdade,
158
enquanto o adolescente estiver estudando, isso seria um investimento e melhoraria a vida de
muitas famílias”. (SANDRA, 35 anos, casada, autônoma, com até a série incompleta,
residente no bairro Jereissati).
Avançando um pouco mais na análise dos dados, 4,16% de mais de 30 anos
afirmaram que, juntamente com o benefício do programa Bolsa Família, o Governo deveria
melhorar o acesso à saúde primária (postos de saúde) com enfoque na infra-estrutura material
e de recursos humanos, isso evitaria o congestionamento de filas no momento do
atendimento. Esse problema foi relatado pela Srª Vitoria - 37 anos, casada, dona de casa,
com ensino médio completo, residente no bairro do Piratininga - que afirma ter muita
vontade de fazer um tratamento dentário, haja vista que faz sete anos que não cuida de sua
saúde bucal; até já tentou procurar esse tipo de serviço no posto de saúde próximo a sua casa,
mas esse não dispõe do serviço. Inclusive é uma dificuldade a ela e sua família receber
atendimento de saúde nesse posto, uma vez que as fichas distribuídas não suprem as
demandas diárias, tendo os moradores, que acordarem de madrugada e enfrentar a fila para
conseguir ou não o atendimento. Nas suas palavras: “(...) Acredito que era necessário
melhorar a saúde, educação, qualificar a escola”.
Outra sugestão também apontada pelos entrevistados e atendidos pelo CRAS
Jereissati, correspondendo a 8,33% (englobando tanto aqueles de mais de 30 anos quanto de
menos de 30 anos), diz respeito à necessidade do programa Bolsa Familiar viabilizar além da
transferência monetária, também a geração de emprego e renda, uma vez que na concepção
desses representantes legais, a maioria das relações sociais centra-se no trabalho.
Deveria trazer mais e mais benefícios pras pessoas carentes (...) assim um emprego,
porque tem muita gente que não tem estudo e precisa trabalhar e vão atrás e não
empregam porque não tem nem o primeiro grau, se torna difícil a situação da
gente por isso, porque você nunca vai ter uma oportunidade, porque não tem quem
lhe dê, você mostrar o que sabe fazer. Você chega numa firma, ai dizem, ah você
tem que ter experiência, ou então tem que ter o segundo grau completo, nem todas
as pessoas tem oportunidade de terminar os estudos, aí deveria ter essas coisas (...)
mais benefícios pras pessoas, ter oportunidade de arranjar um emprego ( KATIA
29 anos, separada, faxineira avulsa, com até a 6ª série do ensino fundamental,
residente no bairro do Piratininga).
159
A representante legal, Kátia, levanta um problema pertinente que envolve os
limites do programa Bolsa Família no processo de autonomização das famílias beneficiárias,
discutido por Silva ( s.d) no seu artigo, Os programas de Transferência de Renda na Política
Social brasileira: seu desenvolvimento, possibilidades e limites. A autora aponta que existe
certa dificuldade do Programa impactar o cotidiano desse público-alvo marcado pela pobreza
severa e estrutural, baixa escolarização e qualificação profissional.
O que se verifica, porém, mediante consulta nos documentos oficiais do
Programa (leis e decretos) e no próprio discurso dos representantes legais participantes desta
pesquisa, é que o foco e investimento do Programa se concentram nas gerações futuras, via
condicionalidades e ações complementares.
Apesar de os representantes legais do CRAS Jereissati sugerirem melhorias no
âmbito da educação, saúde e emprego, no gráfico 43 um número significativo (79,16%)
apontou outras sugestões para que o Programa enseje melhores condições de vida às famílias
beneficiárias. De um universo de 48 representantes legais, 24 afirmaram que o valor
monetário do programa Bolsa Família deveria ser aumentado, uma vez que atualmente esse é
irrisório diante dos gastos com alimentação, vestuário, entre outros. Para a Srª Maria, 33
anos, solteira, manicure, com ensino médio completo, residente no Jereissati II “Olha, não
pensando em mim, mas eu sei que existem pessoas bem mais carentes do que eu, famílias
que tem cinco ou seis crianças dentro de uma casa, eu creio que eles deveriam aumentar um
pouquinho mais o dinheiro, o valor”.
Além de sugerirem o aumento no benefício do Bolsa Família, alguns
representantes legais também gostariam que esse valor fosse homogêneo, correspondendo a
um valor, haja vista que existe desconhecimento dos informantes quanto à
heterogeneidade do valor dos benefícios ( critérios de seleção para o recebimento do
benefício básico e variável). Foi a sugestão da SNilda 56 anos, casada, residente no
bairro Timbó, cursando a série, incentivada pelo projeto “pra frente Brasil”, escolarização
para o público idoso - “se fosse do meu querer e eu tivesse oportunidade de opinar, pelo
menos esse governo pagasse uma taxa X pra cada né , uns R$ 150,00 reais pra cada”.
160
Diante dos casos veiculados na mídia acerca do recebimento irregular do
programa Bolsa família por parte de representantes legais fora dos critérios de seleção do
Programa, alguns entrevistados também sugeriram a realização de uma fiscalização de modo
a favorecer as famílias em real situação de pobreza, tal como sugere a seguinte entrevistada:
Veja a minha situação quando chega pra mim é uma benção, porque eu já compro a
alimentação pros meus filhos, mas nem todos faz igual, eu mesmo ontem fui pra
Pacatuba e vi o papel de uma senhora bêbada, com um litro de cachaça na mão,
com palavrões horrível no meio da rua, amostrando o bolsa família, com o dinheiro
na mão, gastando com bebida na mão, com a mão cheia de R$ 50,00 reais e com
umas moedinhas, ela mostrando e dizendo: ta qui o bolsa escola dos meus filhos, eu
recebo. Isso daí deveria ter uma fiscalização (LUCIANA da Silva, 49 anos,
separada, dona de casa, com aa série do ensino fundamental, residente no
bairro Vila das Flores).
CRAS Antônio Justa
Gráfico nº 44
Sugestões para o aperfeiçoamento do PBF
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Comparando os dados do gráfico anterior (nº 43) do CRAS Jereissati com o
gráfico 44, referente ao CRAS Antônio Justa, somente opinou pela geração de emprego e
renda um percentual de 14,7% com mais de 30 anos. Quanto às melhorias no acesso à saúde
e à educação, não foram mencionados pelos representantes legais atendidos pelo CRAS
Antônio Justa. Podemos considerar que um dos grandes problemas vivenciados pelas
famílias próximas ao CRAS é o desemprego. Tal como sugere a Srª Isabel– 38 anos,união
161
estável, com até a série, realiza trabalhos avulsos, residente no bairro Antônio Justa A
sugestão pra mim é que ele desse um emprego pra mim, tivesse como eu receber o auxílio
trabalhando em alguma coisa, pra eu ganhar mais um pouquinho, que me o auxílio,
prestando serviço também, aí eu ficaria muito feliz”.
Apesar de o enfoque ter sido a geração de emprego e renda mediado pelo
programa Bolsa Família, 79,41% externaram outras sugestões para a melhoria na qualidade
de vida dos representantes e de suas famílias; em primeiro lugar, ganhou destaque,a
necessidade de aumento do valor do benefício, em segundo, prevaleceu o não - levantamento
de sugestões, por não saberem que tipo de melhorias o Programa poderia viabilizar em suas
vidas. Assim, alguns representantes legais preferiram não opinar.
Também foram freqüentes a necessidade de fiscalização, visando averiguar a
situação sócio-econômica das famílias beneficiárias e redistribuir entre aquelas que se
encontram dentro dos critérios estabelecidos pelo programa e em real situação de pobreza.
Além disso também foi sugerido que o valor do benefício fosse homogêneo, chegando a
meio salário mínimo, esse foi o valor que a grande maioria estipulou como o suficiente para
suprir as necessidades mínimas, no caso uma cesta básica.
O valor não é um valor que pra suprir toda a necessidade, se tivesse a
possibilidade de ser até um salário mínimo melhor ainda, mas como tem muita
gente como eu que precisa muito. Eu conheço casos de gente que precisa até muito
mais do que eu e não recebe. Eu acho que um salário mínimo pra todos seria...
Porque eu acho assim tem mães que tem dois filhos e recebe muito menos do que
eu e na verdade precisa muito mais do que eu, porque não tem uma renda por fora,
que muitas vezes o pai trabalha mas gasta fora com bebida, com jogos, essas
coisas assim, eu acho que na mão da mulher as coisas funcionam bem melhor, eu
penso assim (MARIA DE JESUS, 33 anos, costureira assalariada, com até a
série do ensino fundamental, residente no bairro Alto da Mangueira).
Apesar de o benefício do programa Bolsa Família ser um valor irrisório,
tornando-se um complemento de renda no suprimentos das necessidades das famílias
beneficiárias, é imprescindível ressaltar as potencialidades do Programa, especialmente no
Município de Maracanaú, tais como: 1) a aquisição de uma renda fixa e também regular
pelas famílias em condição de extrema pobreza; 2) facilidade de acesso à educação as
crianças e adolescentes das famílias beneficiárias, mediante a aquisição de material
162
escolar;3) possibilidade de romper com a reprodução da pobreza intergeracional, ao propor
um conjunto de condicionalidades no âmbito da educação e da saúde às famílias, a fim de
que continuem recebendo os benefícios do PBF; e 4) acesso ao lazer por partes das crianças e
adolescentes, a aquisição de produtos de consumo duráveis e não duráveis às famílias
beneficiárias, além de impactar nas relações de auto-estima.
Existem, no entanto, limitações do Programa Bolsa Família no município de
Maracanaú, apontados pelos informantes durante a pesquisa de campo. Dentre as maiores
limitações do Programa, destaca-se a necessidade de o Bolsa Família se articular com
políticas públicas de geração de emprego e renda, seja mediante programas municipais ou
federais, de modo a ensejar condições de emancipação das famílias beneficiárias.
É claro que a inclusão social por políticas blicas anti-pobreza perpassa um
conjunto de ações e procedimentos no trato da pobreza sob o seu aspecto multidimensional,
uma vez que, para Rocha (2005 :174), a pobreza é o reflexo de vários problemas nacionais,
como a informalização, questão agrária, política de salário mínimo, deficit de oferta de
serviços públicos básicos e desigualdades sociais e regionais.
5.4 As visões da pobreza sob a óptica dos sujeitos no Município de Maracanaú- Ceará.
O conceito de pobreza tratada pelo programa Bolsa Família restringe-se à
insuficiência de renda, isto é, ao estabelecimento da chamada linha de pobreza, em que são
pobres aqueles situados abaixo de um valor monetário pré definido, incapaz de atender as
necessidades “mínimas” ou “básicas” naquela determinada sociedade. No caso do Programa
são extremamente pobres aqueles com renda per capita de até R$ 60,00 e pobres aqueles
com renda per capita de até R$ 120,00 reais.
Os programas de transferência de renda, como políticas governamentais de
combate à pobreza e à fome retomam e reforçam a mensuração da pobreza sob o viés
monetário, partindo do estabelecimento de uma linha de pobreza, em que aqueles situados
abaixo desta são considerados pobres, cujos rendimentos são incapazes de satisfazer as
necessidades mínimas. É válido definir, entretanto, o que são essas necessidades e em que
medida podem ser satisfeitas de modo a garantir melhor qualidade de vida às famílias dos
163
representantes legais participantes desta pesquisa e que por sua vez, são atendidos pelos
CRAS Jereissati e Antônio Justa, no Município de Maracanaú.
Para tanto, é imprescindível retomar a discussão que Rocha (2005) realiza acerca
da quase indistinção entre as linhas de pobreza que definem a pobreza absoluta e a relativa,
que foram apresentadas e discutidas no Capítulo 4 desta dissertação, mas que devem ser
reforçadas neste tópico, a fim de facilitar a análise dos dados estatísticos. A autora garante
que a definição do que são essas necessidades não pode estar desvinculada dos aspectos
culturais, sociais e econômicos de uma dada realidade ou de um certo país. No Brasil, por
exemplo, existe uma diversidade regional, em que se particularizam modos de vida, hábitos,
dificuldades materializadas desde o não - acesso a uma alimentação mínima até a ausência
ou precarização de serviços e ações governamentais no âmbito da saúde, educação,
assistência, entre outros. Enfim, aspectos culturais, sociais e econômicos podem definir o que
são essas necessidades insatisfeitas. Em outras palavras, se o mínimo vital foi sanado
naquela dada realidade social, outros aspectos “relativos” da pobreza passam a ser o foco de
políticas públicas, voltados a garantir melhor infra-estrutura de saneamento básico, moradia,
saúde, educação, emprego, entre outros.
No caso do Município de Maracanaú, situado na Região Metropolitana de
Fortaleza, os representantes legais entrevistados e atendidos pelos dois CRAS
mencionados, tendem a mensurar e definir a pobreza sob o viés da insuficiência de renda,
estando essas necessidades limitadas à insatisfação da alimentação mínima e vital para a
sobrevivência humana
43
. Além de também estabelecer uma abordagem da pobreza, além
daquelas da alimentação, incorporando uma gama mais ampla de necessidades humanas, tais
como habitação, saneamento, educação, saúde e emprego (pobreza relativa). A seguir o
gráfico se refere ao conceito de pobreza, levantado pelos informantes do CRAS Jereissati e
Antônio Justa. É válido ressaltar que os entrevistados responderam a mais de um conceito
sobre esse fenômeno, o fechando em 100%. As porcentagens a seguir se referem ao grau
de prioridade das respostas apresentadas acerca do conceito de pobreza.
43
Rocha (2005, pág. 12) diferencia linha de indigência e linha de pobreza, do seguinte modo: “Quando se trata
especificamente das necessidades nutricionais, esse valor é denominado linha de indigência, ou de pobreza
extrema, em referência ao caráter essencial das necessidades alimentares. Quando se refere ao conjunto mais
amplo de necessidades, trata-se da chamada linha de pobreza”.
164
CRAS Jereissati
Gráfico nº 45
Conceito de pobreza
0 50 100
Não ter acesso à alimentação
Não ter acesso à educação
Não ter acesso à saúde
Não ter acesso ao emprego
Outro
O que é Pobreza para você?
2
2
6
4,16
4,16
12,5
20
1
2
9
26
41,66
2,08
4,16
18,75
54,16
30 anos e mais %
30 anos e mais Nº
30 anos e menos %
30 anos e menos
Fonte: Pesquisa Direta, 2008
CRAS Antônio Justa
Gráfico nº 46
Conceito de pobreza
0 20 40 60 80
Não ter acesso à alimentação
Não ter acesso à educação
Não ter acesso à saúde
Não ter acesso ao emprego
Outro
O que é Pobreza para você?
1
1
2,94
19
1
5
22
55,88
2,94
14,7
64,7
30 anos e mais %
30 anos e mais Nº
30 anos e menos %
30 anos e menos Nº
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Analisando os gráficos 45 e 46, verificamos que a maioria dos representantes
legais, de ambos os CRAS’s, acreditam que a pobreza está intimamente relacionada com a
ausência de alimentação mínima (pobreza absoluta), correspondendo a 45,82% (de mais e
menos de 30 anos) de representantes legais atendidos pelo CRAS Jereissati e 58,82 % (de
165
mais e menos de 30 anos) daqueles atendidos pelo CRAS Antônio Justa. Em segundo lugar,
foi priorizada, pelos entrevistados dos dois CRAS ‘s, a concepção da pobreza vinculada à
ausência de emprego, a qual inviabiliza o acesso a uma renda fixa, capaz de atender as
necessidades “mínimas” da família. Sendo assim, 18,75% de representantes legais de mais de
30 anos e 4,16% de menos de 30 anos atendidos pelo CRAS Jereissati, e 14,7% somente de
mais de 30 anos atendidos pelo CRAS Antônio justa informaram que uma das causas da
existência da situação pobreza é a ausência ou precariedade de políticas públicas de geração
de emprego e renda, no Município. Somente 4,16% de entrevistados atendidos pelo CRAS
Jereissati de mais de 30 anos, porém, mencionaram a vinculação da pobreza à ausência de
saúde pública de qualidade ou precariedade de serviços, programas e projetos nessa área.
Não houve menção da pobreza sob esse aspecto por parte dos entrevistados atendidos pelo
CRAS Antônio Justa. A seguir algumas falas que reafirmam a análise ora realizada.
Fala 01: Pobreza pra mim, eu acho que é uma pessoa que não tem
aonde morar, um teto pra viver, comida pra comer, água pra beber, pra mim pobre
é isso aí ( LARISSA, 22 anos, união estável, com até a 1 ª série do ensino
fundamental, dona de casa, residente no bairro do Piratininga)
Fala 02: Pobreza é não ter uma moradia boa, é um bairro que não tem
um crescimento, têm pessoas pobres, as ruas cheia de buraco, lama, não tem
saneamento básico. Pois uma pessoa que tem boas condições não vai morar num
bairro desses, um lugar tão difícil de tudo (DIANA, 28 anos, união estável, com até
a 5ª série do ensino fundamental, autônoma, residente no bairro Jaçanaú).
Fala 03: A pobreza é aquela que você passa necessidade, que você não
tem como se alimentar, que você não tem como trabalhar pra se assumir. A pobreza
é essa, que a pobreza é uma coisa tão rara, não sei (...) a pessoa não ter condições
de se assumir é uma pobreza grande mesmo, porque quando você quer beber um
suco, quer beber um refrigerante não tem dinheiro pra comprar, eu acho que isso
daí é a pobreza, quem não tem condições de trabalhar (RAIMUNDA, 34 anos,
viúva, dona de casa, com até a 4ª série do ensino fundamental incompleto, residente
no bairro do Antônio Justa).
Fala 04: No meu ponto de vista a pobreza, é não ter um café com pão
pra oferecer ao seu filho, e já passei muito por isso, porque as vezes eu fico muito
chateada chora nesse momento) quando o meu filho vem me pedir uma coisa e eu
não tenho pra dá, fico muito chateada, como já aconteceu várias vezes e hoje eu
tenho muita precisão por eu não ter um canto pra ficar, eu moro de favor com os
outros, ajudando pagar um aluguel, ou mesmo uma água e uma luz, mas não é
como sua casa, e isso eu fico muito chateada ( MARIA DO SOCORRO, 35 anos,
com ensino fundamental incompleto, autônoma, residente no bairro Colônia
Antônio Justa).
A primeira fala faz menção tanto à idéia de pobreza absoluta, uma vez que a
necessidade insatisfeita diz respeito ao mínimo vital, como também se refere à pobreza
166
relativa, que traz à tona outras necessidades além da insuficiência de alimentos, tal como
ausência de acesso a moradia digna. A segunda fala reforça a abordagem da pobreza,
dimensionando-a como um fenômeno complexo e relativo, em que a ausência ou a
precariedade de infra-estutura urbanística, como ausência de saneamento básico, moradias
em condições indignas de se viver, ruas não asfaltadas, podem acirrar a condição de pobreza
instalada, contribuindo para a não - viabilização de melhorias na qualidade de vida dessas
famílias.
Apesar do levantamento bastante heterogêneo dos elementos que contribuem
para a manutenção e agravamento da condição de pobreza para os representantes legais
entrevistados, é perceptível, na terceira fala, a importância de trabalhar, seja na condição de
trabalhador assalariado, seja na realização de atividades avulsas e autônomas, garantindo
uma renda fixa e, conseqüentemente, acesso a necessidades mínimas e básicas.
A última fala (nº 04) representa um desabafo das dificuldades vivenciadas pela
Srª Maria do Socorro, contudo é válido ressaltar que ela se considera pobre, porque se
identifica com a situação descrita e protagonizada por ela mesma, diferentemente de outras
visões de pobreza levantadas por alguns representantes legais e não contempladas nas opções
objetivas do questionário, em que estes passam a considerar o fenômeno da pobreza como
uma condição vivenciada pelo “outro”, materializando o pobre na imagem do mendigo, do
catador de lixo, do nordestino e sertanejo, do favelado, do desempregado e dos que vivem na
África e Etiópia, enfim a pobreza é vislumbrada para a maioria dos representantes legais
como um “estigma”, um “problema moral”, uma “palavra feia” e que causa “dor”. Tais
imagens foram levantadas pelos representantes legais nos dois CRAS’s, como descritas a
seguir.
Pobreza na figura do catador de lixo e do morador de rua: Não, acho
que não existe ninguém pobre, pelo meu ponto de vista não, pelo menos eu nunca
passei por isso e nem quero passar. Certo, que tem muitas pessoas carentes, precisa
muito, porque vive de fazer coleta, coisa suja (ela se refere aos catadores de lixo),
mas de qualquer maneia, de um jeito ou de outro, eles sabem se virar (KATIA, 29
anos, separada, faxineira avulsa, com até a 6ª série do ensino fundamental,
residente no bairro do Piratininga).
Pobreza na figura do favelado: Pobre, pobre de mavê sê, não. Tem
gente mais necessitado do que eu, apesar de eu não ter uma casa pra morar, mas eu
louvo a Deus pelo que eu tenho... Pobreza mesmo pra mim é aquelas pessoas que
167
vive na favela, sem nem daonde tirar, não tem quem ajude, não ter uma família,
não ter nada. Pra mim pobreza mesmo é o que mora na rua, porque tem muito
(EDNA, 39 anos, dona de casa, casada, com ensino médio incompleto, residente no
bairro Jereissati I).
Pobreza na figura do sertanejo: Eu vejo muita reportagem do Globo
repórter do pessoal do sertão fazendo aquelas comidas, eu acho que ali é pobre. Eu
acho que a gente não é pobre não, porque a gente pode passar necessidade, mas
fome, fome mesmo, eu acredito que não, porque no dia que não tem o que comer
tem um caldo de feijão, tem um pedaço de rapadura, e a gente vai levando. Mas
foi eu que disse pra eles (se refere aos filhos) que eles (sertanejos) estavam fazendo
uma sopa de cactos (CRISTIANE, 33 anos, com ensino fundamental completo,
mesária de futebol, solteira,residente no bairro do Alto da Mangueira).
Pobreza na África: Não, pobre não. Eu acho que pobreza pra mim é uma
palavra tão feia. Eu me considero uma pessoa humilde, né. Não pobre.Essa palavra
pra mim soa muito forte(...) eu acho que pobre são aquelas pessoas que estão na
África, que a gente na TV, ali é uma pobreza, tanto de espírito quanto de bem-
estar.Eu acho que aqui no Ceará, eu acho que nós não temos... acho que nós
precisamos, somos todos da baixa renda, somos necessitados, mas pobreza é uma
palavra muito feia ( MARIA DE JESUS, 33 anos, casada, com até a série do
ensino fundamental, costureira assalariada, residente no bairro Alto da Mangueira).
Pobreza na Etiópia: Não me considero rica não (mas pobre se
considera?) essa palavra é muito forte, a pobreza, a vista do que a gente nos
Estados, nos países que nem a da Etiópia, que aqui é um pouco diferente, o Brasil
na frente desses países aí a pobreza já tem mais....não é tão poooobreeee, avista dos
países que eu vejo passar na televisão, né. Pobreza é uma coisa ruim ... (JANAÍNA,
43 anos, solteira, dona de casa ,com ensino médio completo,residente no bairro
Alto da Mangueira).
É perceptível, ao ler a retradução dessas falas, que o conceito de pobreza é um
conjunto de carências e privações, além da insuficiência financeira que inviabiliza o acesso a
bens de consumo duráveis e não duráveis. É também um fenômeno social e simbólico que
permeia o imaginário dos sujeitos sob forte conotação negativa e que deve permanecer na
esfera privada, longe do olhar dos “outros”, haja vista que a sua “publicização” suscita nos
sujeitos um sentimento de “vergonha” e “humilhação”.
A pobreza pra mim é a pessoa que não tem condições de se manter , quando a
pessoa precisa de alguma coisa todo mundo da rua tem que saber o que aquela
pessoa passando, necessitando, eu acho que isso é uma pobreza muito grande.
Tem gente na minha rua que eles não são pobres, eles não são ricos, mas também
ninguém dá discrição do que eles têm dentro de casa (...) eu me acho pobre, todo
mundo sabe que eu sou pobre, todo mundo na minha rua sabe que eu sou pobre,
tudo que eu preciso os meus vizinhos sabem, porque eu preciso de um e de outro
(NILDA, 56 anos, casada, dona de casa, com até a 7ª do ensino fundamental,
residente no bairro do Timbó).
168
O fato de a concepção de pobreza estar ancorada, para alguns dos sujeitos
entrevistados, num problema individual e também moral em que o “outro” é o pobre tanto
em termos materiais como “espirituais”, contribuiu para que a maioria dos representantes
legais atendidos tanto pelo CRAS Jereissati quanto do Antônio Justa não se considerasse
pobre, negando para si esse status estigmatizante”, preferindo se considerarem como
pessoas “humildes” e com “fé em Deus”. A seguir os gráficos representativos desses fatos.
CRAS Jereissati CRAS Antônio Justa
Gráfico nº 47 Gráfico nº 48
Consideração da situação de pobreza Consideração da situação de pobreza
Fonte : Pesquisa direta, 2008.
De um universo de 48 representantes legais entrevistados no CRAS Jereissati,
62,50% de mais e menos de 30 anos não se consideraram pobres, seja porque vivenciar essa
situação represente um estigma ou fracasso pessoal, seja porque represente um “castigo” ou
uma “sina” pelo fato de não terem tido em Deus. Se compararmos esses dados com os do
CRAS Antônio Justa, verificaremos que, de um universo de 34 entrevistados, a maioria,
correspondente a 70,58% de mais e menos de 30 anos, também não aceita a designação de
“pobres”.
169
Contudo, 43,75% de representantes legais de mais e menos de 30 anos do CRAS
Jereissati e 26,47% com somente mais de 30 anos do CRAS Antônio Justa, se consideraram
pobres, uma vez que a situação atual de privações e carências vivenciadas corresponde à
imagem de pobreza por eles elaborada, tal como descreve a Srª Luciana, 49 anos, separada,
dona de casa, com até a 2ª série do ensino fundamental, residente no bairro Vila das Flores.
Me considero extremamente pobre, a pobreza é o que eu to passando, não tenho
uma renda de onde eu tirar, não tenho (...) assim, eu olho pra um e pra outro, não
tem pra onde eu correr, como é...hoje eu resolvo isso daqui porque eu tenho como
resolver (se refere ao acompanhamento da solicitação um mês de uma cesta
básica no CRAS Jereissati), não tenho, eu to aqui com os papéis da minha água,
pedindo ajuda e não tem quem ajude, aí eu fico... não sei... eu acho que é isso o que
eu to passando.
A seguir algumas análises de relatos da negação do status de pobre”, com fortes
conotações negativas relacionadas a tudo aquilo que aparentemente é sujo ou se refere a
sentimentos pertencentes àqueles desprovidos de senso moral e ético, cujas ações são
destinadas a prejudicar os outro.
Pobreza pra mim é a coisa mais triste que existe. Eu creio que pobre é o “cão”. Eu
acho que nós não somos pobres, somos ricos pela graça de Deus, por mais
necessidade que a gente passe, nós somos ricos pela graça de Deus, porque nós
temos Deus na nossa vida, então nós temos tudo. Pobre é o cão mesmo
(VALERIA, 40 anos, dona de casa, casada, com 5ª série do ensino fundamental,
residente no bairro Alto da Mangueira).
Pobreza pra mim, eu acho que é aquelas pessoas que não tem compaixão dos
outros, é uma pobreza de espírito, eu sou rica graças a Deus, tenho minha saúde,
tenho os meus filhos, meu filho é a minha riqueza (ELIANE, 32 anos, solteira,
desempregada, com até a 4 série do ensino Fundamental, residente na Colônia
Antônio Justa).
Eu não, pobreza pra mim, sei lá, é essas pessoas sujas que não tem nem o que
comer, não eu nunca me achei, apesar de quando eu não ter um teto pra pra eles
( se refere aos filhos), não me achava isso daí ( VERÔNICA, 37 anos, com até a
série do ensino fundamental, autônoma, residente no bairro Alto da Mangueira).
Alguns representantes legais, no entanto, não sabendo explicar as causas do
fenômeno da pobreza, preferiram dimensioná-la a partir de explicações no sobrenatural, tal
como a “sorte”, “vontade de Deus” ou “sina”.
Não, porque eu tenho sorte. Pobreza pra mim (...) pobreza não é sujeira não, mas
tem muita gente que acha que a pobreza é sujeira, mas não é não, pobreza pra mim
170
é faltar o alimento. Às vezes a pessoa não tem condições de trabalhar, porque tem
criança pequena, também é pobreza, mas não é sujeira, porque tem gente que acha
que é sujeira e anda suja, eu sou pobre, pobre assim porque eu não tenho condições
de comprar, mas o pessoal acha que pobreza é sujeira, andam tudo sujo, sou pobre
mas graças a Deus eu tenho tudo que um rico pode comprar, não é a roupa e nem a
sujeira não, é o dinheiro, o restaurante que tu comer, se eu guardar o dinheiro eu
também como. É guardar o dinheiro e poupar as coisas. Eu não sou miserável
não, mas eu polpo mesmo, doente, eu to indo trabalhar doente, com dois meses
de resguardo, mas eu indo pra não faltar pra eles dois, porque não tem emprego
pra eles dois, um tem 17 e o outro tem 16, eu tenho que ir, não tem quem me
nada, tenho família, mas não vou atrás, não é orgulho não, sabe o que é? eu nunca
fui dependente de ninguém só de Deus e de mim mesma. (CLAUDIA, 39 anos,
doméstica, separada há oito anos, cursando a 1ª série do ensino fundamental,
residente no bairro Alto da Mangueira).
Não, eu não me considero uma pessoa pobre. Pobreza pra mim, eu acho que é
aquela pessoa que não tem Deus no seu coração, porque quando nós temos Deus
conosco, nós temos tudo, enfrentamos qualquer dificuldade nessa vida, sem ele
nada (MARIA, 33 anos, solteira, manicure, com ensino médio completo, residente
no bairro Jereissati II).
Eu sou rica pela graça de Deus. Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho
meus filhos eu amo meus filhos e pra mim eu tenho tudo, na medida do possível
sim, eu acredito que eu seja da classe baixa, mas um dia quem sabe, é a vontade de
Deus, né, fazer o que?(O que é pobreza pra ti?) é muito humilhante, é sofredor, é
triste uma pessoa que é pobre, mais do que eu é triste, porque eu sou pobre, mas eu
nunca deixo de a mão pro pobre que ta no chão ou na sarjeta, eu sempre ajudo,
levei tiros de língua que eu não gosto não, se eu tivesse dinheiro era pra ajudar
tudo quanto era de pobre (..) pobre não quis ser nada, o resultado foi isso, outros
porque as mães não tinham condições de botarem na escola, as vezes a distância,
falta de dinheiro, isso a pessoa não ter o que comer, passar dias de fome e não ter
quem dê, que tem muita gente pobre, porque você sabe que tem muita gente que
sofre porque quer, porque quando a cabeça não pensa o corpo padece, mas outros é
porque realmente são pobres mesmo, nasceram com aquela sina e esses são os
mais humilhantes, são humilhados e não humilhantes, eu acho que eles são muito
humilhados ( MARIA DE LOURDES, 40 anos, cursando a 7ª série do ensino
fundamental, separada, autônoma, residente no Coqueiral).
Esses discursos remetem-se à associação entre pobreza e indignidade,
acompanhada por fortes sentimentos morais. Tal associação é tratada por Schwartzman
(2004:14) a partir de duas versões. A primeira sob um teor mais economicista, em que a
causa principal da pobreza, na visão de Thomas Malthus, era o desequilíbrio entre o
crescimento populacional e a produção dos alimentos, sendo necessário “educar” esse
contingente por meio do controle da natalidade. A outra visão foi apresentada pelo
protestantismo, “que via na riqueza material um sinal do reconhecimento, por Deus, das
virtudes das pessoas, e na pobreza uma clara marca de sua condenação”.
171
Na opinião de Paugam (2003: 46), ocorreram, nas sociedades modernas, uma
exacerbação do sucesso como um valor supremo, bem como uma reafirmação da pobreza
como fracasso social, freqüentemente traduzida como fruto de uma degradação moral da
condição humana. Sendo assim, para alguns dos representantes legais entrevistados,
vivenciar uma situação de pobreza é antes de mais nada culpa, do próprio indivíduo, que não
teve capacidade de ascender socialmente.
Eu acho que a pobreza vem da cabeça da pessoa, se a pessoa se considera pobre
(...) bota na cabeça... Ai eu não consigo isso, eu não vou conseguir esse trabalho, eu
acho que é na cabeça das pessoas: não vou conseguir esse trabalho, não vou
conseguir trabalhar, ah eu não posso fazer isso, eu não posso fazer aquilo, eu acho
que é isso. Você tendo a vontade e a coragem você consegui, você consegue um
trabalho, você vai atrás. Agora se você botar o pensamento negativo, eu acho que
assim nada aconteça na vida da pessoa (CELIA, 38 anos, com até a série do
ensino fundamental, realiza trabalhos autônomos como lavagem de roupa, separada
há seis anos, residente na Colônia Antônio Justa).
Enquanto a pobreza for vislumbrada como um problema individual e também
moral sem, levar em contar fatores sociais, políticos, econômicos e culturais de uma dada
realidade, prevalecerá ações e serviços contigenciais e assistenciais, visando à amenização do
estado de pobreza. Esse tipo de prática, no entanto, deve ser substituído por políticas públicas
anti-pobreza que focalizem o seu público-alvo, propiciando condições de melhoria na
qualidade de vidas das famílias em condição de pobreza. Um dos ingredientes apontados em
Rocha (2005) no combate à pobreza estrutural e multidimensional é mesclar políticas de
educação com as da geração de emprego e renda. A adoção dessas medidas impacta também
nas relações de auto-estima, como relatado nas falas a seguir:
É uma pessoa que não tem emprego, não tem uma renda de nada (...) eu acho que
isso é uma pobreza, porque vosabe... que a gente não ter nenhum emprego,
depender do marido e contar com aquela renda... (EDNA, 39 anos, com ensino
médio incompleto, dona de casa, residente no bairro Jereissati I).
Eu me considero sim (pobre), porque as coisas que tem em casa não é minha, é
dele se ele chegar a sair, eu saio sem nada, porque é a família dele que “acude” ele,
porque eu não sou casada com ele (...) pobreza pra mim é eu não poder trabalhar,
eu não poder ter o meu dinheiro, eu queria trabalhar com qualquer coisa, que todo
trabalho hoje é digno, trabalhar em casa de família, mas eu não posso quebrei meu
pé (MARIA DAS GRAÇAS 57 anos, dona de casa, não escolarizada, união
estável, residente no bairro do Cidade Nova).
172
A longo prazo, a redução da pobreza absoluta e da desigualdade no Brasil
devem ser sanadas por meio de mudanças estruturais no sistema educacional, garantindo o
acesso à escola e à educação de qualidade. As gerações futuras, especialmente as crianças
são as mais vulneráveis, devendo ser alvo de políticas públicas, seja por políticas ou
programas de transferência de renda (programa Bolsa Família), seja por meio de outros
mecanismos assistenciais centrados no eixo alimentação higiene (ROCHA, 2005: 188). A
fala da Francisca - 30 anos, cursando o ano do ensino médio, realiza trabalhos autônomos
com bordados e lantejoulas, casada um ano, residente no bairro Mutirão Vida Nova
denuncia a situação de vulnerabilidade que atinge adultos, idosos e especialmente crianças,
devendo ser alvos de políticas anti-pobreza.
Eu acho que pobreza, pobreza mesmo é aquelas pessoas que vivem na África,
que eles morrem, porque a fome ela mata aos poucos, mas ela mata, então pobreza
também é quando você não tem NADA pra se alimentar ( fala com bastante ênfase)
absolutamente nada e eu posso dizer que eu fui quando criança, que eu passei
aquela fome, porque a fome ela dói, é a pior doença que pode existir no mundo,
mas é a mais fácil de ser curada, basta que alguém alimente essa pessoa ou criança
e adulto, porque fome não escolhe criança e adulto, velho, e assim, a pior coisa que
um ser humano pode ter é a fome, ela é ruim, ela é feia e ela i, e eu agradeço
pelos meus filhos não passarem essa fome, porque eles nunca passaram esta fome,
eles tem vontade de comer, o que é diferente, você sentir a vontade de comer e
você dizer eu com fome, entendeu, então quem tem esse benefício pode dizer
que não passe fome, pode sentir vontade de comer um pedaço de bolo e não poder
comer, mas isso não significa dizer que essa pessoa esteja passando fome, ela ta
com vontade de comer, fome não.
O Bolsa Família é um programa governamental, destinado a combater a fome e a
pobreza, por meio de uma transferência de renda sob a forma de dinheiro, contudo, o aspecto
qualitativo desse Programa está nas condicionalidades ou contrapartidas, no âmbito da
educação e da saúde, que as famílias devem cumprir para continuar recebendo o benefício
consoante, discutido no capítulo 4. Essas ações são de fundamental importância, porque,
na saúde, acompanha crianças de até seis anos de idade, averiguando o controle da
vacinação, monitorando o peso e prevenindo a desnutrição infantil. E, na educação,
acompanham a freqüência escolar de adolescentes até os 17 anos, estimulando a permanência
na escola e contribuindo a longo prazo, nos termos de Rocha, para “uma futura inserção
produtiva mais bem-sucedida, rompendo com o círculo vicioso da transmissão
intergeracional da pobreza”. Aliar educação e renda deve ser um dos pressupostos - chave
das políticas anti-pobreza.
173
A seguir, uma análise do programa Bolsa Família além do provimento das
necessidades mínimas, visando a ocasionar condições de desenvolvimento da capacidade de
agência e autonomia crítica das famílias contempladas por este Programa. Os dados a seguir
revelam que tipos de necessidades são providos pelo programa Bolsa Família em Maracanaú
e quais estratégias, mediadas ou não pelo referido Programa, são utilizadas pelas
informantes, a fim de se promoverem socialmente.
5.5 O Programa Bolsa Família como instrumento de provisão de necessidades humanas
básicas ou necessidades mínimas no município de Maracanaú- Ceará.
No século XX, os mínimos de subsistência vão perdendo o seu caráter individual
com a conotação biológica ou natural e a sua vinculação com a pobreza absoluta, passando a
serem vistos sob um novo status, à luz de valores da liberdade, eqüidade e justiça social.
Sendo assim, um coroamento das necessidades sociais sob o prisma do direito, a serem
enfrentadas por políticas públicas (PEREIRA, 2002: 17).
A concepção de necessidades humanas básicas adotado nesta dissertação e
discutida por Pereira (2002: 28) tem uma vinculação direta com o aspecto humano não
dissociado do social, objetivando viabilizar políticas de provisão com racionalidade e
eficácia no incremento da qualidade de vida e de cidadania de segmentos mais
desprotegidos; entretanto tais políticas devem estabelecer inter-relações com políticas
econômicas, de modo que possam criar condições de encadeamento para a frente, ou seja
condições de satisfação de necessidades baseadas nos efeitos que a oferta de programas,
serviços e medidas de proteção social produz no campo econômico.
O programa Bolsa Família em Maracanaú, por exemplo, provocou diversos
desencadeamentos para a frente, ao possibilitar uma melhoria não somente nas condições
alimentares de famílias em condição de pobreza, como também viabilizou o consumo de
bens, tais como acesso ao material escolar, fardamento, lazer e até mesmo incremento na
renda familiar.
174
Diante disso, o padrão de satisfação das necessidades humanas básicas é visto
pela autora ( 2002: 31), como sendo identificado com patamares mais elevados de aquisição
de bens, serviços e direitos com base no estabelecimento de provisões básicas. Tais
aquisições são resultantes de desencadeamentos positivos no âmbito das políticas sociais,
que, ao serem articuladas com políticas econômicas, provocam nos indivíduos capacidade de
agência (atuação como atores) e criticidade.
Antes de adentrar a análise dos gráficos a seguir, é imprescindível retomar a
diferenciação entre necessidades humanas básicas de necessidades não básicas
(intermediárias) e de aspirações, preferências e desejos. A pedra de toque apontada por
Doyal e Gough (1991 apud PEREIRA, 2002: 67) que caracteriza as necessidades humanas
básicas é a ocorrência de sérios prejuízos
44
à vida material e a atuação como sujeitos críticos,
caso essas necessidades não sejam satisfeitas. Esses sérios prejuízos, no entanto, se
diferenciam da falta de satisfação de preferências, desejos, aspirações e compulsões, uma vez
que a não - satisfação de uma preferência, por exemplo, pode causar sofrimentos e criar
eventualmente prejuízos materiais e psicológicos, não impedindo o agente de viver e
participar como sujeito na sociedade ou mesma na sua comunidade.
Sendo assim, as necessidades humanas básicas, a serem apontadas na análise
deste trabalho “são objetivas; porque sua especificação teórica e empírica independe de
aspirações, preferências e desejos individuais, e são universais, haja vista que os sérios
prejuízos, advindos com a não satisfação dessas necessidades, atingem a todos, em qualquer
cultura”. (PEREIRA, 2002: 68).
Doyal e Gough (1991 apud PEREIRA, 2002: 68) apontam dois conjuntos de
necessidades humanas básicas universais e objetivas: a saúde física e a autonomia. Esses
autores destacam, no entanto, a noção de que tais necessidades não são um fim em si mesmo,
mas precondições para que seja possível alcançar objetivos universais de participação social
e libertação.
44
“São impactos negativos cruciais que impedem ou põe em risco a possibilidade objetiva dos deres humanos
de viver física e socialmente em condições de poder expressar capacidade de participação ativa e crítica. São
portanto danos cujos efeitos nocivos independem da vontade de quem os padece e do lugar ou da cultura em
que se verificam” (PEREIRA, 2002:. 67).
175
A saúde física é uma necessidade natural que afeta a todos os seres vivos, e que,
em princípio, não diferencia os homens dos animais, contudo, o modo de satisfazê-la entre os
homens requer provisões de conteúdo humano-social, uma vez que a saúde física não se
restringe a mera sobrevivência, ao contrário, somente o homem é capaz de agir
teleologicamente, de modo a criar intencionalidade nas suas ações. Sendo assim, os homens
possuem além da dimensão biológica, uma dimensão humana, dotada de autonomia, ou seja,
“capacidade do indivíduo de eleger objetivos e crenças, de valorá-los com discernimento e
de pô-los em prática sem opressão”. (PEREIRA, 2002: 70).
A autora, tendo por subsídio a Teoria das Necessidades Humanas, deixa claro
que o sujeito dotado de autonomia não é aquele livre para agir como bem entender, e sim
aquele capaz de sentir-se responsável por suas ações e por seus atos, despertando assim a
capacidade de agência, que, nas palavras de Doyal e Gouch ( 1991: 53 apud PEREIRA,
2002, pág. 71), é condição” prévia para que o indivíduo possa considerar-se a si mesmo- ou
ser considerado por qualquer outro como capaz de fazer algo e de ser responsável pela sua
ação”. São três as categorias-chave apontadas por esses autores em que o seu déficit afeta a
autonomia individual: saúde mental, habilidade cognitiva e oportunidade de participação.
Hannah Arendt (2007) no livro A Condição Humana, analisa a complexidade da
condição humana no século XX, coroada pelo advento da ciência, da automação e dos efeitos
colaterais dessa cientificidade moderna: a possibilidade de uma sociedade de trabalhadores
sem trabalhos. A autora nos chama a reconsiderar a condição humana diante dessas
mudanças socioeconômicas, permitindo-nos realizar uma reflexão sobre o seu papel no
mundo e em que medida estamos perdendo a capacidade de ação, “única atividade que se
exerce diretamente entre os homens, sem mediação das coisas ou da matéria, correspondendo
a condição humana da pluralidade”. (HANNAH ARENDT, 2007: 15).
Para a autora alemã, a pluralidade é a condição da ação humana que permite ao
homem ser “humano”, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoal que
existiu. Em outras palavras, é por meio dessa pluralidade humana que a ação e o discurso
revelam o duplo aspecto da diferença e da igualdade humanas. Nas palavras da autora,
176
A pluralidade Humana, condição básica da ação e do discurso tem duplo aspecto de
igualdade e diferença. Se o fossem iguais, os homens seriam incapazes de
compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e
prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada
ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os
homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender. Com
sinais e sons, poderiam comunicar suas necessidades imediatas e idênticas
(HANNAH ARENDT, 2007, pág. 188).
À vista do que foi exposto até então, podemos considerar que as necessidades
humanas universais e objetivas - saúde física e autonomia - estão pautadas respectivamente
na práxis-humana capacidade humana de prévia ideação das suas ações e na capacidade
de agência condição do homem fazer algo e ser responsável por suas ações e escolhas.
Contudo não podemos esquecer que para prover tais necessidades é necessário que haja
condições políticas e democráticas, de modo que os homens possam se inserir no mundo
através do discurso e da ação, como um segundo nascimento, nos termos arentianos. E esta
revelação somente pode se na convivência com outros homens. Sendo assim, tanto a
saúde física, quanto a autonomia (crítica)
45
“devem sempre ser realizadas num contexto
coletivo, envolvendo os poderes públicos, de par com a participação da sociedade. E devem
ser o alvo de políticas públicas” (PEREIRA, 2002: 74).
As necessidades humanas básicas, entretanto, e alencadas, apesar do caráter
universal, não possuem uniformidade na sua satisfação. Segundo Doyal e Gough (1991:155
apud PEREIRA, 2002: 75), existe uma variedade de necessidades intermediárias empregadas
visando a atender às necessidades humanas básicas universais. Essas necessidades
intermediárias são em número de onze – 1) alimentação nutritiva e água potável, 2) habitação
adequada, 3)ambiente de trabalho desprovido de risco, 4) ambiente físico saudável, 5)
cuidados de saúde apropriados, 6) proteção à infância, 7) relações primárias significativas, 8)
segurança física, 9) segurança econômica, 10) educação apropriada, 11) segurança no
planejamento familiar, na gestação e no parto.
45
Para Pereira( 2002, pág. 74), “a autonomia crítica é o estágio mais avançado de autonomia, que deve estar ao
alcance de todos. Revela-se como a capacidade das pessoas de não apenas saber eleger e avaliar informações
com vista à ação, mas de criticar e, se necessário , mudar as regras e práticas da cultura a que pertencem”.
177
O programa Bolsa Família no Município de Maracanaú procura prover as
necessidades intermediárias, mediante a transferência de uma renda mínima com as
condicionalidades às famílias em estado de pobreza. A proposta do repasse mensal sob a
forma de dinheiro garante o acesso a uma renda mínima, que, para a maioria dos informantes
desta pesquisa é importante para a compra de uma alimentação mínima, material escolar,
fardamento, entre outros, como exposto no tópico anterior. Os representantes legais desta
pesquisa, porém, ainda apontam a necessidade de o programa Bolsa Família se articular com
políticas públicas de geração de emprego e renda.
As condicionalidades também contribuem para a inserção das crianças e
adolescentes na escola, bem como de gestantes e nutrizes nas unidades de Saúde da Família,
uma vez que o Programa exige de seu público-alvo compromissos nas áreas de educação,
saúde e assistência social para continuar recebendo os benefícios do Bolsa Família. Dentre os
compromissos da família na saúde se destacam: o acompanhamento da vacinação de crianças
de até sete anos, mantendo atualizado o calendário de vacinação; acompanhamento de
gestantes no pré-natal, acompanhamento e participação de nutrizes em atividades educativas
sobre o aleitamento materno e alimentação saudável. Em relação à educação, as famílias
devem: matricular crianças e adolescentes de seis a 17 anos na escola, garantir freqüência
escolar mínima de 85% de crianças de 6 a 15 anos e freqüência de 75% dos adolescentes de
16 a 17 anos. Em relação à assistência social, garantir freqüência das crianças em situação de
trabalho infantil nas atividades socioeconômicas do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI) - informações obtidas no (GUIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS DO
MDS, 2008: 22)
Os gráficos a seguir apresentam de forma objetiva se o programa Bolsa Família
supre ou não as necessidades básicas da família dos representantes legais atendidos pelos
CRAS do Jereissati e Antônio Justa, sendo coletado, nas falas de alguns representantes
legais, que tipos de necessidades são essas. A maioria dos informantes assinalam que o
Programa não supre todas as necessidades da família, sendo necessário utilizar de outras
estratégias para superar ou a mesmo amenizar a situação de pobreza. Algumas dessas
estratégias serão delimitas e realçadas no decorrer deste tópico.
178
CRAS Jereissati CRAS Antônio Justa
Gráfico nº 49 Gráfico 50
Suprimento das necessidades do PBF Suprimento das necessidades do PBF
0 20 40 60 80 100
30 anos e menos
30 anos e mais
2
5,88
1
2,94
31
91,17
O PBF supri as
necessidades ? Outro
O PBF supri as
necessidades ? Não
O PBF supri as
necessidades ? Sim
0 20 40 60 80
30 anos e menos
30 anos e mais
2
4,16
9
18,75
5
10,41
30
62,5
2
4,16
O PBF supri as
necessidades? Outro
O PBF supri as
necessidades? Não
O PBF supri as
necessidades? Sim
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Analisando e comparando os dois gráficos, verificamos que tanto no CRAS
Jereissati quanto no CRAS do Antônuo Justa mais de 50% dos representantes legais
afirmaram que o programa Bolsa Família não supre as “necessidades” da família. Sendo
assim, de um total de 48 representantes legais participantes dessa pesquisa e atendidos no
CRAS Jereissati, 35 correspondente a 72,91% (de mais e menos de 30 anos) alegam que o
Programa não supre as “necessidades” da família, tal como uma alimentação mais
consistente, que permita a famílias extensas um suprimento durante um mês inteiro.
Podemos constatar tal fato na fala da Denise, 47 anos, dona de casa, com até a série do
ensino fundamental, união estável, residente no bairro do Jereissati II: “Não cobre uma
alimentação mais consistente, o valor é pouco, não podendo comprar roupa e alimentação, ou
uma coisa ou outra”.
Comparando esses dados com os do CRAS do Antônio Justa, também
verificamos que, em número significativo, representantes legais, correspondentes a 94,11%,
dizem que o Programa Bolsa Família não cobre as “necessidades” da família, especialmente
se esta for muito numerosa: Não dá, mas ajuda. Não pra suprir tudo, mas é uma ajuda
179
muito boa. (O PBF não cobre) assim a alimentação; se a família fosse menor daria melhor,
mas a família é grande não pra mudar. São cinco filhos, eu e meu esposo”. (MARIA DE
JESUS, 33 anos, casada 19 anos, costureira assalariada, com até a 7ª série do Ensino
Fundamental, residente no bairro do Alto da Mangueira).
Quando perguntados sobre que tipo de “necessidades” o programa Bolsa Família
não consegue prover na vida familiar desses representantes legais, alguns dos que eram
atendidos pelo CRAS Jereissati nos informaram a não - satisfação de desejos e preferências
dos componentes familiares, em geral residentes na casa. Na opinião da Srª Amanda 28
anos, separada, com ensino médio completo, atualmente faz alguns bordados pra vender,
reside no Piratininga “ele somente ajuda, mas não cobre tudo. Roupa, lazer ele não cobre,
cobre somente contas de água e luz”. Como o valor dos benefícios do programa Bolsa
Família é variável (entre R$ 18,00 a R$ 170,00 reais), algumas famílias conseguem ampliar a
compra de produtos de consumos duráveis e não duráveis, outros somente uma alimentação
mínima. Quanto à análise das falas de alguns dos representantes legais do CRAS Antônio
Justa, verificamos que, para alguns representantes legais), o Programa também não consegui
cobrir “necessidades mínimas”, que repousam no universo de desejos e preferências
individuais e subjetivas:
Não (...) é pouco. Não cobre roupa, não pra comprar o que vestir , não pra
mim dá um curso pra minha menina, porque ela tem muita vontade de fazer
computação que ela tem muita vontade de fazer, mas eu não tenho condição de
pagar pra ela. Que esses que tão sendo da prefeitura são uma hora, duas horas.
Geralmente quando a coisa é paga é melhor. (DULCE, 39 anos, casada 15
anos, com até asérie do ensino fundamental, faz trabalhos avulsos como a venda
de bolos, residente no Alto da Mangueira).
O Programa Bolsa Família, entretanto, supre as “necessidades mínimas” e não
“básicas” para 22,91 % dos entrevistados e atendidos pelo CRAS Jereissati com mais e
menos de 30 anos. Alguns desses representantes nos informaram que o suprimento dessas
“necessidades” se limitava à aquisição de material escolar das crianças e adolescentes,
complemento no pagamento das contas de água e luz, uma alimentação mínima (mistura a
ser adicionada à refeição ou merenda e lanche). É o caso da Srª Fátima - 35 anos, dona de
casa, separada, com ensino fundamental incompleto, residente no bairro Jereissati II – a qual
nos informou que o Programa somente cobre metade de suas necessidades, mas não cobre as
180
dívidas. Para supri-las, procura uma ocupação, como fazer uma lavagem de roupa ou faxina.
O programa Bolsa Família viabilizou o pagamento da conta da luz, além de caderno, sapato e
roupa para seus quatro filhos com idade de três, cinco,11 e 12 anos.
Quanto à análise dos dados obtidos pelos representantes legais atendidos pelo
CRAS do Antônio Justa, em pequeno número, somente o equivalente a 5,88 % garantiram
que este Programa supre algumas das necessidades “mínimas” de suas famílias. A opção pela
designação, “necessidades mínimas” é a mais conveniente, uma vez que o suprimento do
Programa se refere ao universo de preferências, desejos e compulsões, os quais, na opinião
de Doyal e Gough (1991), grandes pensadores da Teoria das Necessidades Humanas, a não -
satisfação dessas necessidades não impede que os indivíduos possam participar e viver como
sujeitos na sociedade, ou seja, a manifestação da não - aquisição de uma roupa, de um curso
profissionalizante, como apontado por alguns informantes da pesquisa, se expressa de forma
diferenciada em cada indivíduo, impactando de maneira diversa em cada núcleo familiar,
revelando o seu caráter individual e particular; contudo, a provisão das “necessidades
humanas” pelos programas de transferência de renda, particularmente pelo programa Bolsa
Família, está relacionada com a possibilidade de desenvolvimento da capacidade crítica dos
sujeitos por ele assistidos, o que não é tarefa simples, uma vez que é necessária a provisão de
uma série de necessidades intermediárias que viabilizem condições sociais, econômicas e
políticas, tais como acesso à escola e saúde de qualidade, ao emprego, entre outros.
Em outras palavras, é necessário que haja articulação de um conjunto de medidas
e ações, desdobradas em programas e serviços, formando uma rede de proteção
sócioassistencial que garanta condições de infra-estrutura dignas, tais como moradias de
qualidade e fora de áreas de risco, saneamento básico, escola de qualidade, postos de saúde
que atendam a demanda. Para o alcance dessa estrutura urbanística, é imprescindível o
incremento de políticas de geração de emprego e renda de programas de incentivo à
permanência de crianças e adolescentes na escola, serviços e ações que garantam o acesso de
crianças, adolescentes, gestantes, nutrizes, adultos e idosos, enfim, toda a família, na rede de
saúde.
181
Sendo assim, o programa Bolsa Família não deve estar desarticulado desse
conjunto de ações, serviços e programas. Durante a pesquisa de campo, foi perceptível a
utilização de outras estratégias de promoção social por parte dos representantes legais,
visando a suprir as suas necessidades familiares, não cobertas pelo Bolsa Família, as quais
serão analisadas e descritas a seguir.
CRAS Jereissati CRAS Antônio Justa
Gráfico nº 51 Gráfico nº 52
Estratégias de superação da condição de pobreza
Fonte: Pesquisa Direta, 2008
Quando o Programa Bolsa Família não supre as “necessidades mínimas” das
famílias, os informantes se utilizam de outras estratégias, mediadas ou não por este
Programa. A maioria atendida pelo CRAS Jereissati, correspondente a 56,24% de mais e
menos de 30 anos, procura uma ocupação, como realização de trabalhos avulsos, como
faxina, lavagem de roupas, venda ambulante de produtos diversos, entre outros. Comparando
esses dados com os do CRAS Antônio Justa, verificamos que 52,94%, mais da metade,
informaram que também procuram uma ocupação, a fim de suprir as necessidades da família,
182
sendo o benefício do Bolsa Família um complemento de renda ou uma ajuda financeira, mas
que na vida das famílias de alguns dos informantes representa uma renda certa e fixa.
É o caso da Srª. Katia, pois quando recebe o benefício, no valor de R$ 54,00
reais, compra o material escolar das crianças e o vestuário, especificamente a farda da escola.
Ela garante que o Bolsa Família supre algumas das necessidades de sua família, mas com
muito esforço: pra ir levando, enquanto não arranjo um emprego mais fixo”. Afirma
que o Bolsa Família é a única renda certa da família, e que esta situação existe, em
decorrência de não conseguir emprego fixo: “Dá né, fazer o que não tem outra coisa mesmo.
eu faço bico também, faço faxina, isso daí vai ajudando também. Cada faxina que eu
faço eu ganho R$ 15,00, R$ 20,00 , isso ajuda mais um pouquinho. Eu costumo fazer a
faxina pra uma mulher , eu não faço por diária e nem todo dia não, sabe. É as vezes, e
de 15 em 15 dias que ela me chama”. ( 29 anos, separada, com até a série do ensino
fundamental, residente no bairro do Piratininga, área atendida pelo CRAS Jereissati).
Outra história que chamou atenção foi a da SMaria das Graças, 53 anos, com
até a 4ª série do ensino fundamental, separada, residente no bairro Alto da Mangueira,
coberto pelo CRAS do Antônio Justa. Ela recebe somente R$ 18,00 reais do Bolsa Família,
necessitando realizar alguns trabalhos avulsos com a venda de salgadinhos, contudo, o
auferido por mês com essa atividade somente supre a alimentação diária, e muitas vezes é
preciso almoçar ou jantar os próprios salgados, quando a “venda é ruim”. O atual
companheiro está desempregado, mas de vez em quando também realiza alguns serviços
avulsos como pedreiro, mas ele é alcoólatra.
Eu vendo salgadinhos, e e eu e eles mesmo ( se refere aos dois filhos). Eu sou
separada do meu marido mesmo faz uns 30 anos, só que eu vivia maritalmente com
outro, mas que ele bebe muito, trabalha muito pouco e ao invés de ajudar faz é
atrapalhar, aí não ajuda muito e não tem emprego fixo, trabalha assim de bico, ele é
pedreiro, faz um bicozinho assim um dia, uma semana, outra não, as vezes tem,
outra não. Aí tem as dificuldades todo o tempo.Eu vivo com ele. A gente tinha a
se separado, fazia uns 5 meses, quando é agora vai em casa bêbo, enchendo o
saco, mas ele ajuda assim, se precisar organizar alguma coisa em casa, organizar,
ajeitar, ele é muito bom nisso, pra ajudar, organizar, uma lâmpada que queima, uma
porta que quebra (...) O meu dinheiro dos salgadinhos é só pra alimentação. Porque
pra comprar o material pra eu refazer de novo e vender e o saldo eu
compro a alimentação: que nem diz o grosso: feijão, arroz (...) Que tem vez que a
venda é tão ruim que você tem que almoçar o próprio salgado que volta. Acontece
sempre. Porque o pessoal de também é pobre (se refere aos trabalhadores da
Ceasa) também não tem nem dinheiro pra lanchar, aí eles trocam o lanche por uma
183
fruta, já trocam por uma verdura porque eles não tem o dinheiro pra pagar, as vezes
deixa fiado, é assim, sempre diminui um pouco, quem vive do comércio é assim
mesmo, tem que comer do que vende.
Como o valor do benefício do Bolsa Família é irrisório, a maioria dos
representantes legais entrevistados procura uma ocupação profissional, a fim de amenizar a
situação de pobreza, entretanto, as dificuldades são imensas, especialmente a de conseguir
um emprego fixo, em decorrência, muitas vezes, da baixa escolarização e qualificação
profissional. Sendo assim, torna-se imprescindível para esses informantes buscar ajuda de
familiares, vizinhos e amigos, além de se inserir em programas e serviços disponibilizados
pela assistência social, intermediados pelos centros de referência da assistência social.
Diante dos fatos ora expostos, existem também outras estratégias; 24,99% (de
mais e menos de 30 anos) procuraram se inscrever nos programas e benefícios oferecidos
pelo CRAS Jereissati,como aquisição de cesta básica, óculos de grau, limpa-fossas, carro
para mudanças, casamento civil, entre outros. Também solicita ajuda de familiares e vizinhos
um percentual de 25 % de mais e menos de 30 anos. Quanto às estratégias dos representantes
legais atendidos pelo CRAS Antônio Justa, houve maior concentração na utilização de ajuda
de familiares e vizinhos, fortalecendo os laços de solidariedade primária, correspondendo a
um percentual de 41,17% contra 23,52% que procuraram se inscrever nos benefícios e
programas assistenciais.
Os representantes legais do programa Bolsa Família atendidos pelos referidos
CRAS’s também apontaram outras estratégias no suprimento de “necessidades mínimas” de
suas famílias. A que mais se destacou, comum nos dois CRAS, foi a dependência exclusiva
dos ganhos do esposo, companheiro ou até ex-marido e ex- companheiro, não realizando
serviços avulsos para o complemento na renda familiar, contudo os benefícios do Bolsa
Família são na maioria das vezes administrados pelas representantes legais (sexo
feminino)
46
, estando a funcionalidade do Bolsa Família no suprimento das “necessidades
mínimas” de crianças, adolescentes, como relatado na fala da SLuana, 35 anos, casada,
46
Durante a pesquisa, somente foi entrevistado um representante legal do sexo masculino atendido pelo CRAS
Jereissati, e nesse caso, quem administrava o benefício era a sua sogra, em virtude do falecimento de sua
esposa, a qual era a antiga representante legal. Após o seu falecimento, um mês até a data da entrevista, a
sua sogra é que cuidava das crianças e “distribuía” o benefício a favor das necessidades destas.
184
dona de casa, com ensino médio completo e curso técnico em enfermagem, residente no
bairro Alto da Mangueira:
O PBF na realidade pra mim é pouco, mas ele me ajuda, sou muito grata por
receber. Realmente supri algumas necessidades, porque a roupa deles, os calçados,
eu compro, todos os meses eu vou recebendo ( o Bolsa Família) e vou pagando (...)
isso daí é uma ajuda. O meu esposo a alimentação que sem ela não se pode
viver, aí ele já ajuda bastante essa parte, e o PBF o vestir e o calçado”.
É perceptível na fala da Srª Luana o fato de que o benefício do Programa Bolsa
Família é um complemento financeiro que supre os desejos e preferências de seus filhos,
sendo a renda auferida pelo seu esposo no valor de R$ 400,00 reais como funcionário da
Prefeitura de Maracanaú, destinado à compra da “feira” do mês; entretanto, o diferencial,
nesse caso, é que a representante legal possui um nível de escolaridade elevado, se
comparado com a maioria dos entrevistados; além disso tem o técnico em enfermagem, mas
atualmente não está empregada, realizando quaisquer tipo de trabalho, mesmo que avulso.
Isso decorre do fato de ter engravidado e precisado tomar conta do bebê, com sete meses até
a data da entrevista, e de seus outros dois filhos com idade de 15 e 16 anos. Sua história é
contada por ela da seguinte forma:
Em 2007 fiz o técnico em enfermagem” - nesse momento perguntei se sente
vontade de voltar a trabalhar, ela afirma que sente sim muita vontade - “ Quando eu
vou vacinar ele (se refere ao bebê) eu tenho vontade de ir e ficar lá. Eu fiz um curso
e um vereador pagou o curso. Fiquei feliz porque eu ia arranjar o meu emprego,
eu fiquei triste (quando teve que deixar o estágio por conta de ter engravidado) (...)
Porque o período que eu fiquei, eu fiquei voluntária, era força de vontade
mesmo, eu não ganhei nenhum real.
Algumas das representantes legais participantes desta pesquisa tentaram se
utilizar de estratégias para superar a condição de pobreza, visando a se promoverem
socialmente, contudo, as mudanças advindas após a utilização dessas estratégias trouxeram
impactos a longo prazo somente para algumas famílias, foi o caso a Srª Vitoria (estratégia nº
03). A maioria não conseguiu ultrapassar a condição de pobreza, em virtude de fatores
estruturais, tais como o desemprego, dificuldades de voltar a estudar (pelo fato de ter que
trabalhar para sustentar a família), baixa escolaridade e qualificação profissional, ressaltando
a própria dificuldade pessoal dessas mulheres (representantes legais) fazerem escolhas no
âmbito profissional que possam prejudicar os afazeres domésticos, ou seja, o seu papel como
dona de casa, mãe e esposa zelosa. Esse último fato se repetiu mais de uma vez durante a
185
aplicação do questionário. Muitas mulheres até tem oportunidades de se promoverem
socialmente, contudo muitas não optam por este caminho por vontade própria, uma vez que
acreditam serem “mais úteis” dentro de casa, resguardando a integridade moral e física de
seus filhos, ante a violência urbana e o tráfego de drogas.
Foi o caso da Srª Eliane, 32 anos, solteira, com até a série do ensino
fundamental. Possui três filhos com idade de 14,15 e 10 anos. A filha mais nova deseja muito
estudar no Colégio Militar, e confessou a sua mãe que vai conseguir, mas para isso precisa
levar a sério os estudos e freqüentar o Curso Mirim de Bombeiros, próximo a sua casa, que
freqüenta sem reclamar, contudo o grande problema é que a Srª Eliane, não dispõe de
recursos para inscrevê-la no processo seletivo e, caso a filha passe, também não teria
condições de pagar as mensalidades do Colégio Militar. Atualmente, está desempregada e
reside no bairro Colônia Antônio Justa, mas teve experiência profissional com carteira
assinada na HOPE confecções, desempenhando a função de costureira durante um ano.
Fragmentos de Relatos da história da Srª. Eliane
Eu sou dona de casa. Hoje eu aprendi uma profissãozinha pouquinha. Tenho uma
profissão de costureira, mas infelizmente no mercado de trabalho conta muito os
estudos, e eu não tenho estudo, tenho só até a série e isso dificulta muito, porque
eu não tenho cabeça pra estudar, até porque eu tenho três filhos, como é que eu
vou estudar? eu tenho que dá assistência aos meus filhos, enquanto eu to no colégio
o meu filho pode fazendo alguma coisa de errado. Enquanto eu to dentro de casa
eu posso olhando o que ele fazendo ou está deixando de fazer. Eu tenho que
investir neles, porque eu já não tenho mais cabeça pra estudo, pra certos tipos de
coisa, é muita preocupação na minha cabeça, eu prefiro me preocupar com eles
do que comigo, eu acho que eu já dei o que tinha de dá” . A Srª Eliane trabalhou
de carteira assinada, mas hoje está desempregada e relatou essa experiência
pra gente: “Eu gostei porque foi uma ajuda a mais. Trabalhei um ano, era um
contrato, a maioria das vezes eu pego contrato, nunca tive uma oportunidade de
trabalhar um ano, dois anos, três anos, é mais contrato de um mês, contrato de 15
dias, só contrato mesmo, fora as facção, mas eu não quero mais trabalhar lá, porque
o pessoal engana a gente, bota a gente pra trabalhar que nem um jumento de carga
e não paga nada. (o que uma facção faz?) ela confecciona roupa pra uma empresa,
mas a empresa paga a eles e eles não paga a gente e se eu tô ali é porque eu preciso.
Enquanto eu to ali eu to deixando três crianças em casa, que precisando de mim,
dos meus cuidados, o que estão fazendo e deixando de fazer, porque hoje a gente
não pode deixar os adolescentes a vontade, tem que ficar sempre olhando e
pesquisando o que eles estão fazendo, com quem estão se envolvendo. Minha
menina diz que eu tenho ciúmes dela, eu tenho sim.
186
O segundo caso, a ser mostrado, de não superação do estado de pobreza foi o da
Srª Izaura, 46 anos, casada, desempregada, mas com experiência na elaboração de projetos,
incentivada pela Associação de Moradores do Conjunto Industrial, de que já fez parte, possui
o ensino médio completo, é mãe de 05 filhos (10, 18,19 e 24 anos), mas cria o seu neto de
seis anos. Recebe R$ 95,00 reais do programa Bolsa Família. Confessou que quatro
meses o Bolsa Família foi o “X” em sua vida, sendo a única renda familiar, haja vista que na
época todos estavam desempregados. Quando recebe o benefício, gasta com o gás de
cozinha, água e luz, contudo o PBF não supre as necessidade básicas de sua família. Assim,
solicita ajuda de duas irmãs que disponibilizam duas cestas básicas todo mês. Essa foi a
estratégia encontrada. Apesar de todas as dificuldades financeiras a Srª Izaura tem um perfil
diferenciado da maioria das representantes legais. Ela concluiu o ensino médio e elaborou
vários projetos sociais quando ainda era representante da Associação de Moradores, dentre
os quais destaca o jornal “Porta Aberta”, desenvolvido no bairro onde mora, juntamente com
os jovens. Esse momento de sua vida é relatado por ela com muito orgulho, pois lhe
proporcionou certa realização profissional. Confessou que sente vontade de fazer um curso
em Gestão Ambiental, pois se interessa pela temática. Pensa muito em fazer um curso
superior, ligado à questão ambiental, pois teve experiência com essa temática – “Eu trabalhei
com catadores de lixo, na época eles recolhiam sacos plásticos de porta a porta”; entretanto,
fica muito triste por seus filhos não terem o interesse que ela tem de estudar, de se atualizar,
ela sempre procura se atualizar. Nesse momento, está fazendo o curso a longa distância,
organizado pela Fundação Democrito Rocha, em parceria com o POVO, sobre
Responsabilidade Social. Os filhos, porém, não seguem o mesmo caminho da mãe. Somente
o filho de 24 anos concluiu o ensino médio, mas está desempregado, apesar de ter a
habilidade de desenhar muito bem e experiência como auxiliar de linha de produção. A sua
filha de 25 anos está atrasada nos estudos, por conta de ter sido mãe muito cedo, aos 18 anos,
agora é que está concluindo o terceiro ano, mas teve experiência profissional como auxiliar
de linha de produção. Afirma que a filha está atualmente trabalhando numa empresa de
fiação, mas aconselhou-a a deixar o trabalho, por conta do serviço ser muito pesado. está
acertado - o dono da indústria vai colocá-la para “fora” depois de seis meses. O seu esposo
hoje faz o supletivo CEJAM, está desempregado, mas teve experiência como operador
de caldeiras por doze anos. Os outros filhos estão na idade escolar; entretanto, mesmo tendo
tido a experiência como professora por seis anos em uma escola particular e como
187
elaboradora de projetos, tendo contato com os problemas da comunidade, enfim, apesar da
vontade de continuar os estudos, optou por priorizar o papel de dona de casa, acreditando que
seria “mais útil” desempenhar o papel de mãe, zelando o bem-estar de seus filhos. A seguir
um dos trecho de seus relatos:
Fragmentos de Relato da história da Srª Izaura
Em 2004, pela primeira vez a associação colocou um projeto a disposição, com
apoio da Faculdade Integrada do Ceará FIC, Jornal O Povo, da Karitas
Arquiodiosesana de Fortaleza e o SEDECA. Realizamos o projeto com trinta
adolescentes na época, foi assim um projeto muito bom, denominado “Jornal Porta
Aberta”. A gente iniciou esse trabalho, foi o primeiro projeto mesmo, selecionamos
trinta jovens, contando com o apoio da Igreja Católica. E teve metodologia de
pesquisa popular, foi com o apoio da Secretaria de Assistência Social de
Maracanaú, aí eu dei uma paradinha, mas continuei elaborando projetos, pra que na
hora que certo eu já tenho um projeto na mão pra que seja conquistado pra
comunidade do Conjunto Industrial, de preferência do Conjunto industrial, mas a
gente atende meninos do Jereissati, Pajuçara, Cidade Nova. (Existem alguns
projetos em andamento?) Não está parado. Pra que a juventude possa continuar
trabalhando ela precisa de um recurso, ela não pode ficar a disposição do
voluntariado e também, porque ela (juventude) terminou o segundo grau e precisa
trabalhar. (O que falta pra você conseguir um emprego, apesar de está sempre se
atualizando?) Eu acho que foi o costume de ser dona de casa (...) a oportunidade
apareceu, mas eu é que tive medo de trabalhar pelo costume de ser dona de casa há
26 anos, eu fico realmente preocupada de quem vai cuidar realmente deles ( se
refere aos filhos), quem vai ficar ali cuidando, puxando as rédeas (..) como você vê,
a Danielle( filha que engravidou aos 18 anos) tem 25 anos, mas eu to sempre ali, to
cuidando, não sei se isso é bom, mas pra mim isso é ótimo.Então o que faltou pra
mim, estar trabalhando hoje, eu acho que foi a minha falta de vontade de trabalhar
mesmo, não porque não haja necessidade, mas porque em casa eu sou muito
melhor,entendeu ( risos).
O terceiro caso a se destacar é à história da Srª Joice, 38 anos, com até a série
do ensino fundamental, realiza trabalhos avulsos com faxina, está separada dois anos, é
mãe de cinco filhos com idade de 21,16,12,dez e um ano e um mês, reside atualmente no
bairro do Jereissati . Durante a entrevista, a Srª Joice solicitou que o seu depoimento não
fosse gravado, preferindo que a pesquisadora escutasse toda a sua trajetória de vida e depois
a escrevesse da melhor maneira possível.
188
Fragmentos da história da Srª Joice
Joice se casou duas vezes. O primeiro relacionamento durou oito anos, dessa união
nasceu o seu primeiro filho, R. , quando ela tinha apenas 15 anos,depois veio a J.,
hoje com 16 anos. Do segundo relacionamento, com duração de 12 anos, nasceram
C. (12 anos), J. (10 anos) e M. E. (01 anos e 01 mês). Disse com convicção que
gostaria que seu segundo companheiro voltasse pra casa, não porque ela ainda o
amava, mas porque seus filhos precisam dele e se sentem mais seguros e
amparados quando ele está por perto um dia o filho, J. , de 10 anos disse que se
sente seguro quando o pai está em casa. Joice disse que seu segundo companheiro
realiza visitas esporádicas a seus filhos, mas não é a mesma coisa, o apoio
financeiro e afetivo dado pelo mesmo hoje não satisfaz as necessidades das
crianças, inclusive já fazia 04 meses que ele não ajudava nas despesas da casa.
Quando pode, ele paga o aluguel e as contas de água e luz, além de mandar, às
vezes, uns vales- alimentação. As estratégias utilizadas para suprir outras
necessidades de sua família, inviáveis para o PBF, são a realização de alguns
trabalhos avulsos como faxinas e lavagem de roupas, além de receber ajuda de sua
mãe (pensionista), essa doa uma cesta básica, de vez em quando. Mas confessou
que sente vergonha de pedir ajuda a seus pais que são separados. O pai é militar e
ganha muito bem, mas afirma não ter coragem de expor sua situação a ele, uma vez
que o mesmo a alertou na adolescência sobre a necessidade de estudar para ter uma
vida melhor. “Não escutei os conselhos do meu pai, apesar de ter tido tudo na vida,
na adolescência. Acabei engravidando aos 15 anos, não terminando os meus
estudos, fiz até a série”. Quando se casou pela primeira vez, o seu esposo nunca
a deixou terminar os seus estudos. Confessa com voz em desalento: “Hoje era pra
eu ter tido o meu emprego, ter feito a faculdade. Me arrependo de ter me casado
cedo, mas não de ter tidos os meus filhos, apesar de tudo não abandonei os meus
filhos”.A Srª Joice contou que mesmo diante das dificuldades, os seus filhos são a
grande compensação. Inclusive a sua filha J. , a tinha presenteado, há pouco
tempo, com a visita a sua residência do grupo de oração de uma paróquia próxima a
sua casa, a qual a filha recebe aulas de catequese. Nesse dia, a filha a tinha alertado
que receberia uma importante visita. Preocupada em oferecer cordialidade aos seus
amigos, pediu um dinheiro emprestado e comprou um pequeno bolo. O Grupo de
oração chegou com muitos presentes, cesta básica, brinquedos, roupas para as
crianças, até fraldas descartáveis para a sua caçula. Foi um momento único, em
meio a tantas tristezas e que conta muito emocionada.
Os relatos das três histórias contadas pouco, bem como a análise dos dados
quantitativos dos gráficos 50 e 51 demonstram que existem tentativas de superação das
condições de pobreza por parte dos representantes legais. Em alguns casos, verificamos certa
mudança no patamar de vida, contudo, foram casos atípicos, não se estendendo para a
maioria dos representantes legais. Houve depoimentos de tentativa de utilização de
estratégias inteligentes e ousadas, mediadas pelo programa Bolsa Família, mas que não
tiveram um resultado satisfatório (caso da SMaria das Graças, estratégia 01), em outros
casos os verdadeiros impactos serão sentidos e concretizados a longo prazo, o que não
significa dizer que houve insucessos de melhoria no patamar de vida a curto prazo. A seguir
as especificidades dessas estratégias de promoção social.
189
5.6 As estratégias de promoção social mediadas pelo programa Bolsa Família no
Município de Maracanaú – Ceará.
Durante a investigação, alguns depoimentos se sobressaíram, não pelo fato de
estarem repletos de histórias tristes, descrevendo fidedignamente as condições de pobreza
acentuada e sim pelo fato de retratarem a capacidade de tentativa de superação do estado de
pobreza pelos representantes legais, mediante a utilização de inúmeras estratégias, as quais
tiveram ou não sucesso. O que pretendemos ressaltar nesse tópico não é uma discussão de
quem é o responsável por sanar as mazelas da desigualdade social que assola o País,
especialmente o Município de Maracanaú, mas sim trazer à tona as particularidades e
individualidades desses representantes legais que vivenciam cotidianamente a situação de
fome, pobreza, desemprego estrutural, violência urbana e juvenil, tráfego de drogas, entre
outros. Ao elevar o aspecto singular desses sujeitos, também alertamos para o fato de que a
pobreza tem nome, idade, cor, sexo e que ela deve ser superada, seja por programas
governamentais (Bolsa Família), seja por políticas públicas anti-pobreza articuladas,
formando uma rede de proteção social eficaz.
A primeira história a ser contada é a da SMaria das Graças 57 anos, dona de
casa, não escolarizada, união estável, residente no bairro do Cidade Nova.
Estratégia nº 01
O PBF foi algo muito importante na sua vida, pois foi por seu intermédio que pôde comprar
seu televisor e realizar um empréstimo para iniciar um pequeno negócio: venda de peças
intimas e panos de prato. Nessa época (há dois anos), recebia R$ 80,00 reais do PBF, sendo
ótima oportunidade para tentar mudar a situação de dificuldades por que sempre passou na
sua vida. Assim, realizou um empréstimo, com o benefício do Bolsa Família, para iniciar seu
negócio. Inicialmente deu certo, estava conquistando uma clientela e não dependia da
aposentadoria do companheiro para suprir suas necessidades; entretanto, esse momento de
prosperidade acabou dois anos: houve uma redução drástica do benefício básico do Bolsa
Família, passando a receber somente o variável no valor de R$ 18,00 reais. Ela descreve essa
190
situação como um momento de desespero (chora muito ao relembrar esse fato), uma vez que
passou a não ter “nada”, voltou a depender do companheiro e sofrer humilhações dele, que é
alcoólatra, fez um empréstimo com a aposentadoria para realizar uma reforma na casa,
recebendo somente R$ 200,00 reais por mês, o que é insuficiente para custear as despesas da
família, composta por cinco pessoas (a Srª Maria das Graças, o companheiro, dois filhos e o
neto). Foi, inclusive, o seu companheiro que terminou de pagar as quatro últimas prestações
desse empréstimo no valor de R$ 13,00 reais.
Fragmentos de Relatos da História d Srª Maria das Graças
Eu comprei minha televisãozinha, recebia R$ 80,00 reais, mas agora eu não recebo
mais (começa a chorar muito, continuando durante toda a entrevista), eu fiz um
empréstimo pra comprar umas calcinhas pra eu vender com o Bolsa Família,
depois que eu fiz esse empréstimo... O homem que eu vivo é aposentado, ele recebe
o aposento dele, ele tem a família dele, pra mim não tava dando porque ele
pagava luz e água, ele também bebia muito, eu peguei e abri a conta no banco
popular de R$ 50,00 reais pra eu fazer essas comprinhas pra eu vender, calcinha,
sutiã, calcinha de criança, cueca. Pra mim foi muito bom, mas depois que eu fui
cortada ... eu fui pagar o empréstimo era R$ 13,00 reais, ai quando eu cheguei
não era o dia do pagamento, mas o rapaz disse assim, Maria das Graças deposite
o dinheiro que quando chegar o dia, o dinheiro vai cair na sua conta, eu depositei os
R$ 13,00 reais, aí quando foi no outro mês, a minha menina, que recebia o
dinheiro, chegou em casa e disse mãe, a mãe não vai mais receber o dinheiro,
porque a mãe foi cortada, porque ele era aposentado, o meu benefício caiu em
cima da conta dele, aí eu chorei muito porque me ajudava muito esse dinheiro
(chora novamente de forma compulsiva) eu tenho problema de pressão alta,
diabetes, quebrou os meus pés e minhas mãos, aí eu recebo só os R$ 18,00 reais do
meu menino (se refere ao neto),pense, aí esses R$ 18,00 real que eu recebo dele, eu
pago o reforço pra ele, que eu não sei pra ensinar a ele, eu não vendo mais
calcinha, não vendo mais as minhas coisas, não posso trabalhar, eu sou hipertensa,
eu me trato no posto do cidade nova, eu fiquei assim triste porque tava me
ajudando muito, esses R$ 80,00 reais que eu tava recebendo, porque eu vivo com
de ele ( companheiro de 67 anos) , eu sou casada e separada do marido, eu vivo
com ele, ele tem a esposa dele, o filho dele, pra mim é hoje e amanhã não, as vezes
quando ele bebe, eu falo em me separar dele, porque eu não agüento mais brigar....
eu me casei com 20 anos, mas que meu marido não teve responsabilidade e eu
também, me separei dele, quando eu me separei dele eu tava com um mês de
grávida, ai eu fui para casa dos meus pais que moravam em Fortaleza, eu era
empregada da juíza, eu fui pra casa do meu pai, quando eu cheguei a minha mãe
cuidou de mim. Quando eu completei nove meses ela me deu muitos conselhos, ai
com trinta dias deixei o menino com minha mãe e fui embora. Hoje meu filho tem
33 anos, já deu trabalho só que hoje ele me ajuda, ele não “veve” comigo.
Às vezes é difícil superar as dificuldades diante de um conjunto de fracassos
pessoais, como os vivenciados pela Maria das Graças, mas, diante da oportunidade de galgar
191
um melhor padrão de vida; por intermédio do benefício do programa Bolsa Família, uma
renda a mais no orçamento familiar; a entrevistada fez um empréstimo; todavia, a tentativa
de promoção social fracassou, uma vez que durante o processo de revalidação cadastral foi
acrescentada a renda familiar a aposentadoria do companheiro, que, dividida pelos membros
familiares, ultrapassou o patamar de renda exigido pelo Programa, invalidando o
recebimento por esta família do benefício básico e, conseqüentemente, a não - concretização
da continuidade das vendas pela Maria das Graças. Tal fato contribuiu para que a
representante legal continuasse dependente financeiramente do companheiro, inviabilizando
mudanças no que diz respeito às relações de auto-estima e de inclusão social.
A história da Srª Cristiane 33 anos, com ensino fundamental completo, mesária
de jogo de futebol, mãe de cinco filhos com idade de 04,07,10,14 e 15 anos, residente no
bairro Alto da Mangueira, também retrata a tentativa de superação do estado de pobreza, mas
que, por questões sociais e econômicas, não houve êxito.
Estratégia nº 02
Cristiane sempre contou com a ajuda da mãe nos momentos difíceis. Mesmo
antes de receber o benefício do programa Bolsa Família, ela a ajudava nos afazeres de casa,
recebendo um valor simbólico de R$ 50,00 reais. Nessa época estava grávida do filho mais
novo. Atualmente recebe R$ 112,00 reais do Bolsa Família, destinado a suprir as
necessidades de seus cinco filhos, todos de pais diferentes e que abandonou a ela e aos filhos,
não recebendo as crianças e adolescentes pensão alimentícia. Na tentativa de superar essa
situação, Cristiane resolveu trabalhar no que mais gostava: ser mesária de futebol. No
período de junho a dezembro de 2008 há a intensificação dos jogos em Maracanaú, auferindo
em cada jogo o equivalente a R$ 14,00 reais. A grande oportunidade de mudança na sua vida
e de sua família, porém, aconteceu durante um curso preparatório de árbitros de jogo de
futebol, financiado pela Prefeitura de Maracanaú com duração de duas semanas, ocorrido no
mês de junho de 2008 e optado por ela em decorrência de remunerarem melhor um árbitro do
que um mesário. De uma turma composta por mais de quarenta homens, contando com
somente três mulheres (incluindo ela), Cristiane conseguiu obter a maior nota da turma,
sendo estimulada pelo professor do referido curso, a fazer um outro curso também
192
preparatório para árbitros pela Confederação Esportiva; entretanto, a Cristiane somente tinha
concluído o ensino fundamental, sendo requisito obrigatório a conclusão do ensino médio. A
seguir um pequeno trecho dessa história:
Fragmentos de Relatos da História da Srª Cristiane
Eu tenho cinco filhos de pais diferentes, esse daqui (se refere ao filho) coloquei (o
pai dele) na justiça há 5 anos, agora é que eu fiz o teste do DNA,quer dizer era uma
situação bem complicada que a gente passava, um aperto muito grande, faltava um
caderno, um lápis, meu filho não ia pro colégio porque não tinha, as vezes ia sem
almoçar, quando veio isso daí( Bolsa família) faltei jogar fogos de artifício
(...)Antes eu trabalhava na casa da minha mãe, porque ela é deficiente, ela é
aposentada, eu ajudava ela e ela me dava R$ 50,00 reais por mês, a gente não tinha
uma renda fixa era o que vinha, tinha vezes que a gente passava bem, tinha vezes
que agente passava mal, dependendo dos gastos da energia, tudo isso, porque eu
moro vizinho a casa da minha mãe, a casa é minha, eu pago a energia e ela paga a
água. Ela ajuda ainda hoje. Atualmente a renda da família é descrito da
seguinte maneira pela entrevistada: “Hoje ela já melhor, assim entre aspas,
porque na época, eu tava grávida do mais novo e o pai dele parou de dá a pensão de
R$ 70,00, eu entrei até na justiça, hoje eu tenho ajuda da minha mãe e faço alguns
serviços(..) eu trabalho com futebol, eu sou mesária de jogo, eu até fiz agora um
curso pra árbitra, mas que eu não tive coragem de aplicar ainda não. No
momento eu trabalho de mesária, Assim tem jogo todo final de semana, sábado e
domingo, ganho R$ 14,00 reais por cada jogo, vai juntando e no final do mês a
gente recebe isso daí, já é um bom avanço. Começa em Junho e vai até dezembro
(se refere ao período que trabalha como mesária nos jogos)”. Como surgiu essa
paixão ? A minha mãe me disse que era pra eu ter nascido homem, porque sempre
fui louca por futebol, mas não deu certo eu tive os filhos e tudo (falou nesse
momento com menos empolgação) parei de jogar e hoje eu conheço as técnicas, fiz
o curso de arbitra duas semanas, ainda vou receber o certificado. Porque assim,
eu como mesária ganho R$ 14,00 reais em cada jogo , eu apitando ganho trinta,
quer dizer uma coisa bem melhor. O curso foi dado pela prefeitura (gratuito).
Era três mulher, o resto era tudo homem, foi mais de 40 homens. A gente fica meio
assim, porque aqui é muito difícil. Aqui em Maracanaú não tem nenhuma mulher
arbitra. o rapaz que tava dando o curso me perguntou se eu tinha estudo, porque
assim da turma que a gente fez a prova você foi a que tirou a maior nota, foi 8,5, o
resto foi tudo abaixo da média. ele me chamou pra perguntar se eu não tinha
interesse de fazer pela Federação, mas como eu não tinha segundo grau completo...
ele me pediu pra estudar, olhe você tem que estudar, porque eu vou lhe todo o
apoio, porque você tem condições de apitar um jogo daqui. Você vai passar. Ele me
incentivou , aí eu fiquei assim na dúvida, por causa da idade, sei não, quem sabe.
Eu terminei a série. No meio do ano agora eu to pensando em ir pro colégio, tem
um colégio pertinho de casa. tão tudo grande ( os filhos), pensando em me
matricular e terminar os estudos.
A trajetória de vida de Cristiane foi marcada por tristezas e fracassos pessoais.
Teve cinco filhos e nenhum dos pais assumiu a responsabilidade, tendo que arcar sozinha
com o sustento da família. Durante a entrevista, Cristiane sempre mantinha um olhar
193
melancólico ao relatar a história de sua vida, exceto quando descreve a sua grande paixão
pelo futebol e o orgulho de ter sido a primeira da turma do curso preparatório de árbitros. No
final da entrevista, confessou que tem muita vontade de voltar a estudar, tendo hoje um
estímulo a mais para continuar os estudos: fazer o tão sonhado curso preparatório de árbitros
pela Confederação, mas é perceptível o medo que ela tem de fracassar mais uma vez, de não
conseguir superar os obstáculos. Prometeu iria freqüentar a escola, juntamente com os seus
filhos.
As histórias a seguir trazem um diferencial das anteriores, pois as estratégias
utilizadas de promoção social causaram impactos na vida das famílias dos representantes
legais entrevistados, sendo estas mudanças mediadas pelo programa Bolsa Família. É válido
ressaltar, contudo, que o Programa foi apenas um mediador, tendo que ser levado em
consideração um série de fatores motivadores (acesso a escola, a uma renda mínima, a uma
ocupação profissional mesmo que precária por pelo menos um dos membros familiares.
Sônia Rocha (2005) faz uma análise da relação que se deve estabelecer entre
educação, renda e pobreza no delineamento de políticas públicas de combate à desigualdade
social e econômica. Para a autora a redução da pobreza absoluta e da desigualdade de renda
no Brasil deve ser tratada com base no estabelecimento de mudanças no sistema educacional
de ensino, garantindo acesso à uma educação de qualidade aos mais pobres. “Nesse sentido,
a desigualdade de renda que resulta na persistência da pobreza absoluta reflete desigualdade
de escolaridade, em boa parte transmitidas dos pais para os filhos”. (Pág.184). A autora
adverte, porém, que o baixo nível de escolaridade não significa condenação à pobreza, o que
tende a ocorrer é uma predominância entre os pobres de indivíduos com baixa escolaridade
que reflete numa desigualdade de renda em virtude da baixa qualificação profissional.
A história a seguir retrata uma estratégia de promoção social que, mediada pelo
programa Bolsa Família, ensejou condições de “empoderamento” da representante legal, no
caso “mulher”, dona de casa, com baixa escolaridade, beneficiária do programa Bolsa
Família e titular do cartão do benefício. É o caso da Srª Aline, 37 anos, com até a 7ª série do
ensino fundamental, realiza trabalhos avulsos, residente no bairro Jatobá.
194
Estratégia nº 03
Para a Srª Aline, o PBF é uma ajuda monetária do Governo Federal, vinculando este
programa ao Governo Lula, definindo-o como um “projeto” do Governo para as famílias
carentes, ou seja, para aquelas que não possuem renda. Recebe o PBF cinco anos, mas foi
somente há dois anos que passou a ser a titular do cartão, administrando o benefício em torno
de R$ 120,00 reais. Antes era o seu companheiro que era o representante legal do cadastro,
gastando o benefício de forma supérflua (bebidas alcoólicas). Diante dessa situação, a Srª.
Aline escondeu o cartão na casa da vizinha, passando a se responsabilizar pelos gastos com o
benefício, esse é utilizado para a compra do gás de cozinha, calçados e fardamento de seus
filhos, contudo existem estratégias criadas por ela mesma para garantir a perfeita
administração do Bolsa Família: o fardamento dos seus oito filhos não é providenciado de
uma vez, ela compra a farda dos filhos de forma parcelada e organizada, ou seja, um mês
compra a farda de um, no outro compra a farda de outro e assim vai levando. É perceptível
no seu discurso que o benefício do PBF não é dela, mas pertence aos seus filhos, sendo os
gastos destinados à educação deles - “Às vezes eu pago o mercantil do mês anterior com o
dinheiro deles, mas eu reponho”. O PBF viabilizou, além do acesso à alimentação, também
momentos de lazer, mas, segundo a informante, de vez em quando, porque são muitos filhos
(total de oito), não sendo viável sair com todos de uma vez, mas garante que sai pelo
menos uma vez por mês com seus filhos para o shopping de Maracanaú, para os passeios
promovidos pela escola, entre outros; entretanto, não conseguiu concluir os estudos, tem
somente um curso de datilografia muito tempo, pois o companheiro não permitia; esse é
um artista, sendo capaz de construir todo o tipo de miniatura, como abajus constituídos de
palitos de picolé. Ele chegou a ministrar um curso de artesanato no SEBRAE, mas não deu
certo: faltaram incentivo e capital para a compra do material de trabalho. Desde então, passa
a maior parte do tempo se embriagando; às vezes realiza alguns serviços avulsos para ajudar
nas despesas da casa.
O programa Bolsa Família garantiu a essa família muito mais do que o acesso a
bens de consumo duráveis e não duráveis, pois ocasionou de “empoderamento” do papel da
mulher na administração do lar e nas relações familiares e de auto-estima. No caso específico
195
descrito anteriormente, o Programa garantiu o acesso à merenda escolar, material didático e
lazer das crianças e adolescentes, além de viabilizar a Srª Aline uma renda fixa e mensal a
ser gasta de forma racionalizada, mas administrada por ela. As principais mudanças no
núcleo familiar foram: melhorias na qualidade de vida das crianças e adolescentes e garantia
de acesso a bens de consumo. É necessário, contudo, que o programa Bolsa Família não seja
somente uma porta de entrada, via acesso a uma transferência monetária, mas que possa vir a
se tornar também uma porta de saída, garantindo autonomia financeira aos membros dessa
família. Para alcançar tal objetivo, é imprescindível articular a transferência de renda com
políticas educacionais e de geração de emprego às gerações futuras.
O caso a seguir retrata as contribuições do programa Bolsa Família no processo
de inclusão social, ao estabelecer um conjunto de condicionalidades no âmbito da educação e
da saúde como requisito para que as famílias continuem a receber o benefício.
Estratégia nº 03
A Trajetória de vida da Srª Vitoria
A Srª Vitoria - 37 anos, com ensino médio completo, dona de casa, casada e mãe
de cinco filhos com idade de 20,18,15,13,12 anos de idade sempre se preocupou em
garantir aos filhos o acesso aos estudos, apesar das grandes dificuldades por que sempre
passou. O esposo, com idade de 40 anos, recebe uma aposentadoria por invalidez, auferindo,
hoje, mais de um salário mínimo. O filho de 20 anos terminou os estudos quatro anos,
contudo hoje está desempregado; os demais filhos ainda são estudantes. O PBF é destinado à
compra da alimentação, material escolar e vestuário, mas não consegue suprir todas as
necessidades de sua família; para ela é somente uma ajuda. As prioridades são a alimentação
e o vestuário, não conseguindo o Programa e a aposentadoria do esposo cobrir o pagamento
das contas de água e luz atrasadas, além de um atendimento dentário para ela e sua família.
Afirma que tem muita vontade de fazer um tratamento dentário, haja vista que faz sete anos
que não cuida de sua saúde bucal; até já tentou procurar esse tipo de atendimento no posto de
saúde próximo a sua casa, mas esse não dispõe desse tipo de tratamento. Inclusive é uma
dificuldade para ela e sua família receber atendimento de saúde nesse posto, uma vez que as
fichas distribuídas não suprem as demandas diárias, tendo, os moradores, que acordar de
196
madrugada e enfrentar a fila para conseguir ou não o atendimento. Essa família organiza bem
os rendimentos mensais, utilizando-se de estratégias para suprir as necessidades. O esposo
recebe a aposentadoria no começo do mês, sendo destinado para a compra da alimentação,
mensal. Já o benefício do PBF, recebido no dia 20 de cada mês, ajuda no complemento da
alimentação, que está escassa nesse período. Apesar de todas essas dificuldades, o PBF
conseguiu viabilizar concretamente uma grande melhoria na vida de sua família: facilitou o
acesso de seu filho de 18 anos no ensino superior, este conseguiu a isenção para prestar o
vestibular na Universidade Federal do Ceará, conseguindo obter aprovação no curso de
Física. Tal conquista foi uma vitória que mobilizou toda a família. Os tios se empenham em
ajudar o jovem com o custeio das passagens de ônibus, a mãe sempre procura o CRAS
solicitando o acesso do filho em estágios no Município. Foi graças a sua inserção no ensino
superior que conseguiu obter experiência de estágio no Fórum de Maracanaú e na indústria
têxtil/ Vicunha.
As mudanças no núcleo familiar da Srª Vitoria advindas com a inserção do jovem
de 18 anos no ensino superior, foi uma das mais significativas durante todo o processo
investigativo, uma vez que impacta, mesmo que a longo prazo, na propagação da pobreza
intergeracional, permitindo que esse jovem tenha melhores condições e chances de superar a
condição de vulnerabilidade social. Uma das grandes potencialidades, mencionada, do
programa Bolsa Família é a tentativa de ensejar condições progressivas de inclusão social,
via obrigatoriedade de crianças e adolescentes de freqüentarem a escola (condicionalidade no
âmbito da educação).
A quarta e interessante estratégia utilizada na tentativa de elevação de um padrão
de vida por meio do acesso a uma moradia digna e própria, mediada pelo programa Bolsa
Família foi a da Srª Francisca, 30 anos, cursando o ano do ensino médio, casada, realiza
trabalhos autônomos com bordados e lantejoulas, residente no bairro Mutirão Vida Nova.
Estratégia nº 04
A Srª Francisca foi casada no religioso por dez anos, tendo como fruto dessa
união os seus dois filhos com idade de 12 e oito anos que nasceram e cresceram no interior
197
de Palmácia, Ceará. Nessa época, Francisca e o ex-marido viviam praticamente da
agricultura, auferindo em média R$ 100,00 reais mensais. O casamento, contudo, não deu
certo e ela veio embora para Maracanaú, em 2004, juntamente com seus dois filhos. Está
casada no civil há um ano, o esposo é padeiro, ela realiza alguns trabalhos avulsos e
artesanais com lantejoula, além de receber a pensão alimentícia no valor de R$ 160,00 reais e
o benefício do programa Bolsa Família no valor de R$ 94,00 reais. Aparentemente, a história
de vida de Francisca não é muito diferente de tantas outras que já escutamos ou conhecemos,
se não fosse sua capacidade de organização e perseverança, conseguindo converter situações
desfavoráveis em oportunidades de promoção social para ela e sua família. O programa
Bolsa Família foi um meio que, juntamente com a realização de alguns trabalhos avulsos,
viabilizou a conquista da aquisição de sua casa própria, um sonho concretizado depois de
anos morando de aluguel, como relatado por ela no pequeno trecho a seguir.
Fragmentos de Relatos da História da Srª Francisca
O PBF pra mim e pra minha família é bom,me trouxe benefício, porque antes eu
não tinha nenhuma renda, não tinha expectativa e com o Bolsa Família eu consegui
muito, quando eu digo muito, eu consegui muito mesmo, porque eu consegui
assim, com o Bolsa família, juntar dinheiro e com esse dinheiro que eu consegui
juntar, e a minha sogra me ajudou, eu comprei a minha casa (disse isso
demonstrando orgulho e felicidade), porque antes, no início eu comecei recebendo
apenas R$ 15,00 reais, e eu fui umas das primeiras a receber com aumento, eu
passei a receber R$ 80,00 reais. Então assim eu já sobrevivia com os meus R$
15,00, quando eu passei a receber R$ 80,00, eu passei a guardar, eu guardava R$
50,00, porque R$ 50,00 era meu e R$ 15,00 de cada menino,que dava uns R$
30,00, eu gastava os R$ 30,00 e guardava os R$ 50,00, eu vendia umas roupas
pra uma amiga minha e eu fui guardando, e como as casas daqui não são muito
caras, eu consegui comprar uma casa no valor de R$ 1.000,00 reais pra mim,
consegui juntar R$ 700,00 e minha sogra interou com os R$ 300,00 reais, os R$
700 reais não foi todo do Bolsa Família, mas uma boa parte foi, ele me ajudou
muito mesmo, hoje eu tenho um teto, e todos os meses, desde então eu conto com
esse dinheiro, é um dinheiro que eu digo assim, o dinheiro que eu tenho garantido
por mês é esse, é o do Bolsa Família, então pra mim ele me trouxe benefício, eu
nunca fui de me maldizer porque eu recebia R$ 15,00, R$ 30,00. Não, comecei
com R$ 15,00 eu até pensei que eu não seria uma das beneficiárias, fui, recebi R$
15,00 num mês e R$ 30,00 no outro, recebi em Maranguape, que eu era de
Palmácia, vim pra Maracanaú, fiz a transferência de município, e logo eu passei
a Receber R$ 80,00 e agora já recebo R$ 94,00 reais.
A concretização do sonho da casa própria de Francisca foi um incentivo para que
ela persistisse em galgar a concretização de outros sonhos. Confessou que está juntando
dinheiro (o benefício do programa Bolsa Família) para realizar uma seleção pública para
198
agentes de saúde, para isso continua estudando à noite; atualmente está cursando o ano do
ensino médio.
A última tentativa de promoção social por parte dos representantes legais a ser
analisada nesta dissertação de Mestrado é a da Maria do Socorro - 35 anos, com até a 8ª série
incompleta do ensino fundamental, autônoma, união estável 16 anos, residente no bairro
Colônia Antônio Justa. Após ser expulsa da residência de seu irmão por conta de um conflito
pessoal com a sua cunhada, encontrando sua família e ela desabrigadas. Diante disso,
resolveu tentar mudar essa situação. Com base na organização nos gastos mensais (pagos a
partir do rendimento auferido por ela com lavagem de roupa e faxina e pelo companheiro
mediante serviços avulsos como pedreiro), passou a ter uma reserva financeira, sendo a
maior parte advinda do benefício do Bolsa Família. Com os rendimentos extras, a Maria do
Socorro foi comprando os materiais para a construção da casa, cuja mão-de-obra era o
próprio companheiro. Na época da pesquisa, informou que já havia construído três cômodos,
faltando somente realizar os acabamentos. Sente orgulho ao relatar essa conquista, mas o seu
grande contentamento está no fato de até o final do ano não morar de favor na casa do amigo
e nem pagar aluguel, ao contrário, vai dispor de um espaço privado para conviver com a
família, permitindo-se pela primeira vez não se considerar uma pessoa pobre, como relatado
a seguir:
Fragmentos de Relatos da História da Maria do Socorro
O Bolsa Família me ajuda muito porque com ele eu posso pagar a minha água, a
minha luz, comprar o alimento pros meus filhos, o material escolar e outras coisas.
E com essa mesma ajuda, que tem muita gente que acham que é pouco, eu
construindo a minha casa, aos poucos. Assim, quando eu analiso o que eu pago, eu
compro um saco de cimento , outra vez eu compro uns 200 tijolos, e daí eu
comprei boa parte disso. Estou construindo minha casa, foi feito três
compartimentos, já consegui botar as telhas em dois, e aos poucos eu vou
conseguir, porque eu tenho a esperança de que quando eu boto uma coisa na cabeça
eu consigo e digo que vou conseguir e vou. Quando faltar rebocar o importante é
botar pra dentro, sempre a gente consegue. Hoje eu moro em casa alugada, mas
quando construir minha casa eu não vou mais pagar aluguel (...) Tô construindo a
minha casa e como ele é pedreiro eu não to pagando mão-de-obra que ele mesmo
faz. A gente tinha uma casa no interior, a gente vendeu ela, porque as casas não
tem valor, com a parte de lá deu pra comprar três compartimentos, hoje vai
entrar o Bolsa Escola e eu vou terminar o resto( disse sorrindo). Eu não comprei ( o
terreno) eu ganhei , é porque aqui tem uma associação que eles dão o terreno, eu
consegui. Eu morava com um irmão meu , aí a mulher dele vivia me
“omilando”, ela pediu a casa e isso o meu irmão ficou triste, porque ele se
separou através disso, porque ela me magoou muito e ele achou assim por eu ser
199
uma irmã, porque a gente se deu muito bem com a família e ela ter me expulsado
da casa dela. E se deu a separação porque ela tava fazendo adultério, e eu tinha
alertado ele , e ele mesmo soube pela boca dos outros e nisso ela foi embora. Aí pra
ele resolver a vida dele, eu saí também, eu preferi sair, porque ele tava sofrendo e
eu sabia que era por causa de mim, porque tudo que dizem as coisas com seu irmão
você fica chateado, e eu ia resolver , eu ia mandar ele resolver a vida dele, eu ia
embora e ele não ia mais sofrer por isso , então ele se decidiu e hoje ele ta feliz. Eu
moro com um amigo, ele tem uma esposa e uma bebê e me chamou pra morar mais
ele, e como eu tenho três filhos e um marido, eu achei muita coragem dele ter
chamado pra gente morar junto e a gente se muito bem ( quando é que fica
pronta a tua casa?) eu tenho esperança que pra dezembro, mesmo que eu não
termine ela toda, de ta rebocada, toda no piso, mas as paredes tanto levantada e
coberta, já é um bom passo( falta muita coisa?) falta eu rebocar ela todinha e botar
o cimento, o rapaz que me deu o terreno me prometeu de o banheiro, no
começo a gente não vai ter água, tem que pegar fora, mas ele ta com um projeto
que vão encanar água, não tem fossa, é a gente que vai fazer a fossa e a gente
vai.
As tentativas de Francisca e Maria do Socorro são estratégias contigenciais que
exigem a concretização de políticas públicas, tanto no âmbito federal quanto municipal, de
geração de emprego e renda, uma vez que “a forma desejável de os indivíduos obterem a
renda necessária para evitar a pobreza é pela inserção no mercado de trabalho”. (ROCHA,
2005: 185); mercado este que exige mão de - obra qualificada, sendo os ingredientes
indispensáveis às políticas públicas voltadas para a educação, capazes de instrumentalizar os
jovens ao mercado de trabalho. Um dos aspectos qualitativos do Bolsa Família é o enfoque
nas gerações futuras, incentivando a freqüência escolar e a facilidade de acesso à escola.
200
6 Á GUISA DE CONCLUSÃO
Pelas análises tecidas na presente dissertação, é relevante considerar que o
Programa Bolsa Família na realidade brasileira e especialmente no Município de Maracanaú,
possui limites e possibilidades para o processo de inclusão social das famílias por ele
beneficiadas.
É perceptível uma concepção do Programa restrito à transferência de uma renda
mínima, destinada a um público-alvo específico (a família) com determinado recorte de
renda. Sendo assim, o Bolsa Família é vislumbrado pelos representantes legais como uma
ajuda monetária e um benefício do “Governo Lula”. Além disso, é visível o desconhecimento
da maioria dos informantes dos critérios de seleção do Programa, acreditando receberem os
benefícios do Bolsa Família pela condição de pobreza, que engloba uma série de
contingências sociais e econômicas; pelo fato de possuírem crianças e adolescentes na
residência familiar; pela benemerência do Governo Lula, personificando o Programa a figura
do Presidente; finalmente pela vontade de “Deus” ou pela “sorte”, uma vez que os critérios
de seleção do Programa são bastante restritos, devendo a obtenção do benefício a forças
sobrenaturais.
Outro aspecto relevante é que alguns representantes legais levantaram a
necessidade de articulação da transferência de renda mínima a políticas de saúde e educação
de qualidade, além de geração de emprego e renda no município. Tais solicitações visam a
assegurar às gerações futuras melhores condições de superação das condições de pobreza,
vivenciadas atualmente pelos pais dessas crianças e jovens.
Durante a investigação, foram detectados alguns limites do Programa quanto ao
processo de inclusão social das famílias beneficiárias, tais como: valor irrisório do benefício
para produzir impacto efetivo e a longo prazo na redução da condição de pobreza, adoção de
critérios de acesso restritos, limitado acesso a informações sobre a natureza e
condicionalidades do Programa.
201
Não podemos deixar, porém, de apontar as potencialidades desse programa,
mencionadas pelos informantes atendidos pelos respectivos CRAS. Dentre as principais
melhorias advindas com o programa Bolsa Família, se destacaram tanto no CRAS Jereissati
quanto no CRAS Antônio Justa, a elevação ou muitas vezes o único acesso a uma renda
monetária fixa e também regular advinda com o beneficio do Programa, além da facilidade
de acesso de crianças e adolescentes na escola, via aquisição do material escolar e
fardamento, ensejando condições de ruptura do ciclo intergeracional da pobreza e inclusão
social, a longo prazo.
É válido ressaltar que, apesar das sugestões, levantadas pelos sujeitos, de que o
Bolsa Família deve vir articulado com o acesso ao emprego e renda, à saúde e ao ensino
fundamental, médio e superior de qualidade, ainda prevalece a visão restrita, de alguns dos
informantes, de que os benefícios do programa Bolsa Família tenham o seu valor elevado e
homogeneizado a um só valor, não conseguindo, em virtude de fatores macroestruturais,
vislumbrar a importância das ações de longo prazo, visando ao incremento de condições de
autonomização e auto-sustentabilidade das famílias beneficiárias. Na visão de alguns
representantes legais entrevistados, prevalece a idéia do Bolsa Família como política
compensatória com a funcionalidade de amenizar a situação de pobreza e tornar as famílias
beneficiárias cada vez mais dependentes e sem autonomia.
Essa visão restringe o programa Bolsa Família a uma política de governo, cuja
vida útil tende a ser a curto prazo, variando de acordo com o tipo de governo instalado. É
urgente encarar, no entanto, os programas de transferência de renda, especialmente o
programa Bolsa Família, como uma política governamental que vai se incorporando a uma
política de Estado, uma vez que hoje existe um compartilhamento de responsabilidades entre
os quatro entes federativos. Além disso, se avançou muito no monitoramento e avaliação
desses programas na realidade brasileira, contando com um sistema de cadastro único cada
vez mais aprimorado. O programa Bolsa Família unificou programas de transferência
anteriores ( Bolsa Escola, Auxílio-Gás, Cartão-Alimentação, Bolsa-Alimentação) ampliando
o valor do benefício, bem como o seu público-alvo. O seu formato atual incrementa a
202
transferência de renda a outros programas e ações de geração de emprego e renda, segurança
alimentar, mobilização da sociedade civil, entre outros.
Quanto à concepção de pobreza, a maioria dos entrevistados tende a vinculá-la à
insuficiência de alimentos, remetendo à concepção de pobreza absoluta. Apesar do enfoque
dado à mensuração da pobreza pelo viés da insuficiência alimentar (mínimo vital), a
concepção de pobreza também foi mencionada, pelos informantes, como uma insuficiência
além da renda, ancorando uma gama mais ampla de precariedades no âmbito das políticas
públicas de educação, saúde, habitação, emprego e renda, entre outros, vivenciadas
cotidianamente por esses sujeitos.
Apesar dessas dificuldades, porém, a maioria dos representantes legais da
pesquisa não se considera pobre, uma vez que a condição de pobreza está intrinsecamente
vinculada a um problema de “desvio de caráter” e “ ausência de moralidade”. Sendo assim, a
pobreza passa a ser transfigurada, no imaginário desses sujeitos, como uma condição do
“outro”, sendo esse o “mendigo”, o “favelado”, o “nordestino”, o “catador de lixo”, enfim, a
pobreza é feia, suja e indigna, devendo estar sempre longe do “olhar dos outros”, reservada à
esfera privada. A pobreza passa ser encarada como fruto de um fracasso pessoal e
profissional.
No decorrer da análise dos dados, um percentual significativo vinculou a
situação de pobreza ao desemprego ou à dificuldade de se conseguir ocupação, dado o baixo
nível de escolaridade, uma vez que a maioria dos entrevistados não conseguiu concluir o
ensino fundamental, bem como a maioria dos inscritos no Cadastro Único de Maracanaú,
como apresentado nos capítulos anteriores.
A baixa escolarização favorece a inserção crescente desse público-alvo em
trabalhos precarizados, com baixa remuneração. Contudo, a fragilidade da rede de programas
e serviços locais para o atendimento no âmbito da saúde, educação, assistência e habitação,
além dos limites de autonomização das famílias beneficiárias decorrente do baixo nível de
escolarização e qualificação profissional, contribui para manter a condição de
vulnerabilidade social e do ciclo intergeracional da pobreza no Município de Maracanaú. Daí
203
a importância de a gestão municipal do programa Bolsa Família reforçar o monitoramento,
acompanhamento e avaliação das condicionalidades no âmbito da saúde e educação,
ensejando oportunidades para uma melhor inserção profissional das gerações futuras e
conseqüentemente melhor incremento na renda familiar que garanta o suprimento além das
“necessidades mínimas”, ou seja não restrito ao acesso à bens de consumo duráveis e não
duráveis, ao lazer e aos cursos extraclasse, como as que o programa Bolsa Família em
Maracanaú consegui supri, mas também voltado para o suprimento de necessidades que
ocasionem condições de emancipação humana e social.
Sendo assim, o programa Bolsa Família, em Maracanaú, não consegue suprir as
necessidades humanas básicas de seu público-alvo, voltados à garantia da autonomia e
condições de uma vida digna, mediante o acesso a saúde física, que significa o alcance para
além das necessidades de sobrevivência física. um comprometimento da capacidade de
agência dos informantes da pesquisa, capacidade esta do individuo questionar e fazer-se
sujeito de sua própria história, em decorrência da precariedade na efetividade de
necessidades intermediárias, apontadas por Pereira (2002) como habitação adequada, uma
vez que alguns bairros onde residiam os representantes legais estavam situados em áreas de
risco, ambiente físico não saudável, especificamente no que se refere a saneamento básico. É
imprescindível a ampliação de transporte urbano, facilitando o acesso a equipamentos
públicos essenciais (educação, saúde), proteção à infância, segurança física, segurança
econômica, educação apropriada e planejamento familiar (foi verificada a existência de
famílias extensas especialmente as atendidas pelo CRAS Antônio Justa).
A constatação, durante a pesquisa de campo realizada, da fragilidade na
efetividade de alguns equipamentos público municipais, nos levaram a questionamentos
óbvios: de que modo a fragilidade e precarização desses serviços podem contribuir para a
não - inclusão social das famílias beneficiárias do programa Bolsa Família? Quais os fatores
econômicos e sociais que contribuíram para essa precarização, dado o crescimento
econômico do município no cenário atual? São questionamentos a serem aprofundados em
estudos posteriores, os quais não foram discutidos nesta dissertação.
204
Ante tais fatos, podemos considerar que o programa Bolsa Família em
Maracanaú restringe o seu campo de ação a uma alimentação nima ou complementar,
viabilização de material escolar às crianças e adolescentes em idade escolar, acesso a
momentos de lazer e cursos extraclasse. Essas são necessidades mínimas voltadas para as
preferências e desejos das crianças e adolescentes, sendo necessário a utilização de outras
estratégias por parte dos representantes legais, a fim de suprir as necessidades da família,
dentre as quais se destacaram: realização de trabalhos autônomos, a inserção nos programas,
serviços e benefícios assistenciais e solicitação da ajuda de familiares e vizinhos,
fortalecendo os laços de solidariedade primária.
Apesar de a maioria dos entrevistados utilizarem estratégias para o suprimento
das necessidades da família voltado à realização de serviços e trabalhos autônomos, sem
grande impacto na superação do estado de pobreza, seis estratégias de promoção social, ou
seja, seis tentativas de superar a condição de pobreza, por parte dos representantes legais,
visando a galgar um patamar mais elevado na qualidade de vida, se destacaram. As
mudanças apreendidas, contudo, na maioria dos casos, não alcançam resultados, a longo
prazo, tal como a superação do ciclo de reprodução intergeracional da pobreza. Os possíveis
fatores para isso decorrem, como mencionado ao baixo, grau de escolaridade de seus
beneficiários que os impede de inserirem-se no mercado de trabalho ou estar apto a se
adaptar às novas formar de geração de emprego e renda.
Não podemos deixar de mencionar, entretanto, que as estratégias de promoção
social utilizadas pelos representantes legais viabilizou o alcance de melhor qualidade de vida
familiar, inclusive das crianças e adolescentes. É imprescindível, porém, que o Programa
amplie o seu campo de ação, visando à superação da reprodução da pobreza entre gerações.
É necessário enfatizar o fato de que o referido Programa deve se articular com
políticas públicas de geração de emprego e renda, viabilizando formas mais solidárias de
inserção profissional que garantam a auto-sustentabilidade dessas famílias. As iniciativas de
economia solidária auferem destaque no cenário nacional, mas que devem, por exemplo,
focar num público específico como o do Bolsa Família. Em outras palavras, é necessário
“dar o peixe”, mediante uma transferência de renda em dinheiro para o suprimento do
205
mínimo, entretanto é imprescindível “ensinar a pescar”, despertando as habilidades
individuais e capacitando as famílias beneficiárias do programa Bolsa Família para uma vida
mais autônoma e emancipadora. Esses apontamentos não foram aprofundados nessa
dissertação, mas que devem ser alvo de discussão e investigação em trabalhos posteriores da
nossa autoria.
É necessário questionar de que forma se pode pensar na operacionalização de
políticas públicas que aliem a transferência de renda e a geração de emprego sob uma
perspectiva solidária, permitindo a autonomização dessas famílias.
206
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WEISSHEIMER, M.A. Bolsa Família: avanços, limites e possibilidades do Programa que
está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2006.
ANEXOS
2
ANEXO 1
INFORMAÇÕES SÓCIO-ECÔNOMICAS
TOTAL DE PESSOAS 150006
* É A SOMA DE QUALQUER SUB ITENS
CARACTERÍSTICAS DA PESSOA (203) -
SEXO
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICA (237) -
QUALIFICAÇÃO ESCOLAR
Masculino
68495
Pública Municipal 44284
Feminino
81511
Pública Estadual 11399
Pública Federal 94
Particular 6752
Outra 1197
Não Frequenta 86280
CARACTERÍSTICAS DA PESSOA (204)
RAÇA / COR
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICA (242) -
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
Branca
37671
Empregador 46
Negra
6868
Assalariado com Carteira 8043
Parda
98172
Assalariado sem Carteira 4103
Amarela
452
Autônomo c/Previdência 227
Indigena
6843
Autônomo s/Previdência 12584
Aposentado/Pensionista 4456
Trabalhador Rural 48
Empregador Rural 7
Não Trabalha 105448
Outra 15044
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-
ECONÔMICA
(202) - FAIXA ETÁRIA
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICA -
BENEFICIOS
0 - 07 anos
17034
LOAS 476
08 a 15 anos
33390
PETI 609
16 a 18 anos
11971
AGENTE JOVEM 196
19 - 24 anos
19563
25 - 35 anos
24849
RENDA PER CAPITA 206,32
36 - 50 anos
28345
Total Familias c/renda 51840
51 - 64 anos
10720
Total Geral de Pessoas 150006
acima 64 anos 4134
Percentual Pessoas c/Renda 34,56%
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-
ECONÔMICA
(238) - FORMAÇÃO
Analfabeto
19977
Até 4ª Série
46162
Com 4ª Série
8117
De 5ª a 8ª Série
36613
Ensino Fund.Completo 6972
Ensino Médio Incompleto 14736
Ensino Médio Completo 14465
Superior Incompleto 318
Superior Completo 147
Especialização 23
Mestrado 5
Doutorado
2471
3
ANEXO 2
BAIRROS Nº DE
CADASTROS
Nº DE BENEFICIÁRIOS MULTIPLICIDADE
Acaracuzinho 1941 988 198
Aracapé 107 60 12
Alto Alegre 1379 873 88
Alto Alegre 1 374 253 32
Alto Alegre 2 384 184 17
Alto da Mangueira 1284 833 98
Antônio Justa 423 160 21
Jardim Bandeirante 1127 664 95
Bela Vista 273 140 22
Boa Esperança 47 26 1
Boa Vista 340 202 26
Cágado 525 389 44
Cidade Nova 912 554 59
Canidezinho 47 17 0
Centro 432 219 37
Industrial 949 422 117
Jardim das Maravilhas 276 106 21
Jereissati 108 49 22
Jereissati 1 3530 1589 325
Jereissati 2 2582 1333 219
Mucunã 619 376 86
Novo Oriente 753 386 101
Siqueira 27 4 0
Siqueira 1 276 160 12
Siqueira2 514 271 4
Timbó 2577 1456 203
Coqueiral 537 291 46
Olho d'água 337 181 20
Pantanal 3 3 0
Piratininga 972 508 78
Parque São João 273 162 1
4
Pau Serrado 147 98 23
Picada 37 20 0
Santo Antônio do Pitaguari 126 45 16
Residencial Maracanaú 247 142 13
Santo Sátiro 805 195 28
Santa Marta 27 11 3
Vila das Flores 238 118 28
Jari 466 294 30
Vila da Paz 62 38 6
Escola de Menores 3 2 0
Esplanada Mondubim 379 219 43
Horto Florestal 527 273 58
Vila da Paz 63 7 6
Jardim Jatobá 405 246 4
Jaçanau 714 448 74
Pajuçara 5885 3402 469
Novo Mondubim 50 42 3
Loteamento Maracanaú 2 1 0
Luzardo Viana 497 285 37
Maracananzinho 371 241 26
Maracanaú 70 30 5
Mutirão Serra Azul 37 17 3
Mucunã de Baixo 52 31 12
Mucunã de Cima 24 17 6
Mucunã do Meio 1 1 0
Mucunã dos Gomes 10 8 0
Mutirão Vida Nova 111 71 2
Novo Maracanaú 973 491 98
Outros 21845 12356 3375
Total 36296 20294 4513
5
ANEXO 3
QUESTIONÁRIO COM PERGUNTAS ABERTAS E FECHADAS
Diagnosticar a realidade local, a fim de levantar as contribuições do programa Bolsa família ao
processo de inclusão social das famílias por ele contempladas.
Responsável legal: _____________________________________________
NIS:____________________________ data de nascimento: _____/____/____.
O que é o programa Bolsa Família?
( ) É um benefício do Governo Federal
( ) É uma ajuda monetária do governo federal
( ) È um direito às famílias pobres
( ) É um programa temporário
( )Outros
Porque você recebe o programa Bolsa família?
( )pela situação de pobreza
( ) ter em sua composição familiar crianças e adolescentes
( ) estar desempregado
( ) estar em situação de risco pessoal e familiar
( ) Outro____________________________________________________________
Qual a renda familiar antes de receber o Programa bolsa Família?
( ) menos de R$ 60,00 reais ( ) entre R$ 60,01a R$ 120,00 reais
( ) entre R$ 120,01 até um salário mínimo ( ) mais de um salário mínimo
Qual a renda familiar depois que passou a receber o Programa Bolsa Família?
( )menos de R$ 60,00 reais ( ) entre R$ 60,01a R$ 120,00 reais
( ) entre R$ 120,01 até um salário mínimo ( ) mais de um salário mínimo
O que gasta com o dinheiro que recebe do programa?
( ) alimentação ( ) vestuário
( ) material escolar
( ) o Gás de cozinha
( ) Outros_________________________________________________________
O programa Bolsa Família consegue supri suas necessidades básicas?
( ) sim ( ) Não ( ) outro_______________________
6
Quando o programa Bolsa Família não consegue suprir suas necessidades básicas, o que você
faz?
( ) procura uma ocupação ( ) pede ajuda aos vizinhos e familiares
( ) procura a Secretaria de Assistência Social
( ) outros___________________________________________________________
Você já precisou procurar os serviços do CRAS?
( ) sim ( ) Não
Que tipo de serviço?
( ) informações sobre o Bolsa família;
( ) desbloqueio do cartão;
( ) benefícios eventuais, ex. cesta básica muletas, óculos, prótese, ortese, entre outros;
( ) cursos profissionalizantes;
O que melhorou na sua vida e de sua família depois que começaram a receber o programa Bolsa
Família?
( ) alimentação ( ) o acesso das crianças na escola
( ) renda familiar ( ) o acesso ao posto de saúde
( ) Outros___________________________________________________________
Na sua opinião o que o programa Bolsa família ainda não conseguiu alcançar para melhorar a
sua vida e de outras famílias?
( ) acesso à educação ( ) acesso à saúde
( ) emprego e renda ( ) segurança
( )Outro_____________________________________________________________
Você se considera uma pessoa pobre?
( ) sim ( ) Não
O que significa pobreza pra você?
( ) não ter acesso a alimentação ( ) não ter acesso a escola
( ) não ter acesso a saúde ( ) Não ter acesso ao emprego
( )outro_________________________________________________________
Você conhece algum programa no município além do programa Bolsa Família?especifique?
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
____________________________________________________
O que significa pra você ser beneficiada pelo Programa Bolsa Família?
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
____________________________________________________
ARRANJO FAMILIAR
Membros da Família
1
Idade
2
Parentesco
3
Escolaridade
4
Ocupação
5
Habilidades
6
Experiência
profissional
7
LEGENDA:
1. especificar 4. se curso profissionalizante, especificar 7. especificar experiência profissional
2. especificar 5. se outro, especificar
3. se outro, especificar 6. se outro especificar
Parentesco Escolaridade Ocupação Habilidades Experiência profissional
(01) Responsável legal
(02) Esposo(a)
(03) Filho(a)
(04) Pai
(05) e
(06) Avô/Avó
(07) Irmão/Irmã
(08) Neto(a)
(09) Outro
(10) Não-escolarizado
(11) Fundamental incompleto
(12) Fundamental completo
(13) Ens.Médio Incompleto
(14) Ens. Médio Completo
(15) Superior incompleto
(16) Superior completo
(17) Curso profissionalizante
(18) Desempregado (a)
(19) Autônomo (a)
(20) Diarista
(21) Do lar
(22) Outro
(23) manicure
(24) artesã
(25) culinária
(26) Corte e costura
(27) outro
(28) sem carteira assinada
(29) com carteira assinada
(29.1) menos 1 ano
(29.2) 1ano – 2 anos
(29.3) mais de 2 anos
(30) experiência
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