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é faltar o alimento. Às vezes a pessoa não tem condições de trabalhar, porque tem
criança pequena, também é pobreza, mas não é sujeira, porque tem gente que acha
que é sujeira e anda suja, eu sou pobre, pobre assim porque eu não tenho condições
de comprar, mas o pessoal acha que pobreza é sujeira, andam tudo sujo, sou pobre
mas graças a Deus eu tenho tudo que um rico pode comprar, não é a roupa e nem a
sujeira não, é o dinheiro, o restaurante que tu comer, se eu guardar o dinheiro eu
também como. É só guardar o dinheiro e poupar as coisas. Eu não sou miserável
não, mas eu polpo mesmo, doente, eu to indo trabalhar doente, tô com dois meses
de resguardo, mas eu tô indo pra não faltar pra eles dois, porque não tem emprego
pra eles dois, um tem 17 e o outro tem 16, aí eu tenho que ir, não tem quem me dê
nada, tenho família, mas não vou atrás, não é orgulho não, sabe o que é? eu nunca
fui dependente de ninguém só de Deus e de mim mesma. (CLAUDIA, 39 anos,
doméstica, separada há oito anos, cursando a 1ª série do ensino fundamental,
residente no bairro Alto da Mangueira).
Não, eu não me considero uma pessoa pobre. Pobreza pra mim, eu acho que é
aquela pessoa que não tem Deus no seu coração, porque quando nós temos Deus
conosco, nós temos tudo, enfrentamos qualquer dificuldade nessa vida, sem ele
nada (MARIA, 33 anos, solteira, manicure, com ensino médio completo, residente
no bairro Jereissati II).
Eu sou rica pela graça de Deus. Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho
meus filhos eu amo meus filhos e pra mim eu tenho tudo, na medida do possível
sim, eu acredito que eu seja da classe baixa, mas um dia quem sabe, é a vontade de
Deus, né, fazer o que?(O que é pobreza pra ti?) é muito humilhante, é sofredor, é
triste uma pessoa que é pobre, mais do que eu é triste, porque eu sou pobre, mas eu
nunca deixo de dá a mão pro pobre que ta no chão ou na sarjeta, eu sempre ajudo,
já levei tiros de língua que eu não gosto não, se eu tivesse dinheiro era pra ajudar
tudo quanto era de pobre (..) pobre não quis ser nada, o resultado foi isso, outros
porque as mães não tinham condições de botarem na escola, as vezes a distância,
falta de dinheiro, isso a pessoa não ter o que comer, passar dias de fome e não ter
quem dê, que tem muita gente pobre, porque você sabe que tem muita gente aí que
sofre porque quer, porque quando a cabeça não pensa o corpo padece, mas outros é
porque realmente são pobres mesmo, já nasceram com aquela sina e esses são os
mais humilhantes, são humilhados e não humilhantes, eu acho que eles são muito
humilhados ( MARIA DE LOURDES, 40 anos, cursando a 7ª série do ensino
fundamental, separada, autônoma, residente no Coqueiral).
Esses discursos remetem-se à associação entre pobreza e indignidade,
acompanhada por fortes sentimentos morais. Tal associação é tratada por Schwartzman
(2004:14) a partir de duas versões. A primeira sob um teor mais economicista, em que a
causa principal da pobreza, na visão de Thomas Malthus, era o desequilíbrio entre o
crescimento populacional e a produção dos alimentos, sendo necessário “educar” esse
contingente por meio do controle da natalidade. A outra visão foi apresentada pelo
protestantismo, “que via na riqueza material um sinal do reconhecimento, por Deus, das
virtudes das pessoas, e na pobreza uma clara marca de sua condenação”.