p. 145). Em contrapartida, quando se refere ao amor, ele nos introduz ao conceito de
supervalorização do objeto. No que concerne ao amor, diferentemente da pulsão e da
sexualidade de uma maneira geral, escolhe-se um objeto específico, supervalorizado.
Ao amor, Freud nos indica, não vale um objeto qualquer. Observamos isto muito
claramente nos comentários freudianos sobre o fetiche, quando ele afirma haver na
escolha fetichista um contato com a normalidade ou mais especificamente com o “amor
normal”, onde estaria incluída a supervalorização do objeto
10
(Id., ibid, p.155).
Observamos que a primeira distinção possível indicada por Freud entre o amor e
a pulsão encontra-se no vínculo objetal. No que concerne à satisfação pulsional, o
vínculo com o objeto é afrouxado não importando tanto as características de um ou
outro objeto específico, mas sua capacidade comum de promover satisfação. Satisfação,
todavia, que não põe fim à força constante pulsional, força sempre atual que não deixa
de exigir satisfação. Ao amor, por outro lado, cabe o vínculo a um objeto específico,
supervalorizado. Em 1905, na leitura de Lejarraga, este objeto específico ao amor
“deixa [portanto] de ser idêntico ao objeto sexual para se tornar um objeto sexual
sobrevalorizado” (LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 53).
É enfatizada, ainda neste texto, uma distinção entre a parcialidade do objeto,
colocada pela força pulsional, e uma totalidade ou unidade objetal à qual se articula o
amor. Vimos que de um lado, Freud coloca as pulsões parciais, cujo objeto é um
“ersatz
11
em si mesmo indiferente e intercambiável”. De outro lado, surge o amor, que
se define por seu objetivo de globalidade e pela supervalorização em que mantém
determinado objeto (ANDRÉ, 1987, p. 263). Freud nos permite deduzir da afirmação da
parcialidade do objeto colocada pela via da pulsão, que não haveria, na sua leitura, um
bom encontro com o objeto que pusesse fim à força pulsional que se atualiza como
exigência constante de trabalho. Ele nos indica, portanto, pelo afrouxar do vínculo entre
pulsão e objeto, que não há objeto passível de calar a força pulsional que, nas palavras
de Lacan, sempre “futuca mais” (LACAN, 1964/1985, p. 51).
Kaufmann (1996) depreende daí que, nos três ensaios sobre a sexualidade, a
pulsão, como força constante que demanda inscrição e satisfação, aparece desde ali
10
Vale desde aqui evidenciar que, apesar de utilizar o termo “amor normal”, logo em seguida Freud se
vale do termo enamoramento, que ele diz ser um estágio do amor onde o alvo sexual normal parece
inatingível.
11
Podemos traduzir “ersatz”, segundo indicação do dicionário de psicanálise Laplanche/Pontalis, por
“substituto” (LAPLANCHE & PONTALIS, 1967/1983, p. 641).