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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica
Freud e o Amor: do ideal ao impossível
Um diálogo entre Psicanálise e Romantismo
Beatriz Coelho Paz
2009
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Freud e o Amor: do ideal ao impossível
Um diálogo entre Psicanálise e Romantismo
Beatriz Coelho Paz
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Teoria
Psicanalítica, Instituto de Psicologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Teoria Psicanalítica.
Orientadora: Simone Perelson
Rio de Janeiro
Março/2009
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Freud e o Amor: do ideal ao impossível
Um diálogo entre Psicanálise e Romantismo
Beatriz Coelho Paz
Orientadores: Joel Birman e Simone Perelson
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teoria
Psicanalítica, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica.
Aprovada por:
_____________________________
Prof. Dr. Joel Birman
_____________________________
Profa. Dra. Simone Perelson
_____________________________
Profa. Dra. Regina Herzog
_____________________________
Profa. Dra. Ângela Coutinho
Rio de Janeiro
Março/2009
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Paz, Beatriz Coelho
Freud e o amor: do ideal ao impossível Um diálogo entre
psicanálise e Romantismo
Beatriz Coelho Paz. Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2009.
135 f. ; 29,7 cm
Orientadora: Simone Perelson
Dissertação (Mestrado) UFRJ/IP/Programa de Pós-graduação em
Teoria Psicanalítica, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 132-135.
1. Romantismo. 2. Amor. 3. Mal-estar. 4. Psicanálise. 5.
Dissertação (Mestrado). I. Birman, Joel., Perelson, Simone. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Instituto de Psicologia/
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica. III. Título
4
À família em que nasci e à família que nasce.
5
Agradecimentos
Ao CNPq pelo incentivo à pesquisa que contribuiu para que me fosse possível dedicar
tempo e incluir calma ao ritmo de escrita de uma dissertação.
Aos Professores do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica pela
transmissão que não se encontra nas referências bibliográficas. Por todos os incômodos
despertados que contribuíram para o encontro com os enigmas sobre os quais me
debrucei durante os dois anos de curso de mestrado. Em especial, a Anna Carolina Lo
Bianco, pelo respeito e interesse nas contribuições preciosas em meu projeto de
pesquisa e a Fernanda Costa Moura, pelas palavras sempre inquietantes.
Ao professores Joel Birman, Regina Herzog e Ângela Coutinho pelas importantes
contribuições no percurso e pelo interesse em estarem presentes para trocar comigo na
defesa desta dissertação.
À professora Angélica Bastos, pela presença no despertar de meu interesse pela
psicanálise, não deixo de dedicar meus agradecimentos. Pela escuta e pelas orientações
singulares em meus primeiros passos cambaleantes no estudo e escrita da teoria
psicanalítica.
Ao professor Antônio Geraldo, pelo bom encontro no caminhar de minha formação
clínica. Pelo que convocou e não ensinou frente a cada impasse clínico. Pelas sessões de
supervisão, por me convidar a rir dos esforços egoicos. Pelo sorriso que sua presença
desponta em mim.
À professora Simone Perelson, pela presença singular de orientação que conferiu
tranqüilidade e uma vontade criativa ao meu percurso. Por caminhar junto e apostar em
meus impasses e na decantação destes na construção de minha escrita.
Aos analisandos, motores essenciais.
À experiência de análise, onde pude produzir significantes para o que retorna a me
atravessar naquilo que aqui disserto.
Aos amigos do mestrado, pela aposta de cada um na importância de se deixar atravessar
pelo que de nós desconhecemos na construção de nossa escrita. Por insistirem na
formação de um grupo em um percurso tão particular.
6
À amiga Amanda Pilão. Pela identificação espontânea na inquietação pulsante pela
psicanálise. Por participar do recolhimento de meus enigmas a partir das interlocuções
com a obra freudiana.
Às amigas queridas, por tantas vezes em que nos partimos juntas para os desabafos e
gargalhadas de nossas singularidades compartilhadas.
Aos amigos de longa data, pela história construída. Por todos os relatos de histórias de
amor que com certeza se fazem presentes na minha escrita.
Ao meu pai, pela herança de alegria. Pela função costurada com muito twist e beijinho
na testa. Pelo meu querido irmão caçula.
À minha mãe, pela presença que construiu um lar e pela aposta no novo lar que se
constrói.
Às minhas irmãs, minha Família. Por estarem aqui. Pela leveza da vida compartilhada
na criação do artesanato.
Ao Tomás, meu amor nas suas tantas facetas, pela contingência de um encontro que
escolhemos seguir. Pelos elos nos descompassos da vida, esta dissertação é um pouco
nossa.
7
O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta os olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será, que dá dentro da gente que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso nem nunca terá
O que não tem cansaço nem nunca terá,
O que não tem limite
O que será que me dá, que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem governo nem nunca terá,
O que não tem juízo
O que será, que será, que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Está no dia-a-dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência, nem nunca terá
O que não tem censura, nem nunca terá
O que não faz sentido
Chico Buarque
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Resumo
FREUD E O AMOR: DO IDEAL AO IMPOSSÍVEL
Um diálogo entre Psicanálise e Romantismo
Beatriz Coelho Paz
Orientadores: Joel Birman e Simone Perelson
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Teoria Psicanalítica.
Este trabalho se dedica ao estudo do fenômeno amoroso a partir da obra
freudiana, tendo como visada refletir sobre seu lugar e função na construção de uma
teoria e clínica psicanalíticas, considerando para tal como ponto norteadoro diálogo
freudiano com o estilo romântico do qual é herdeiro. Considerando a indicação de que
Freud seria tocado pela herança romântica no que concerne à sua leitura do fenômeno
amoroso, pretendemos acompanhar de que maneira podem se articular, em uma mesma
obra a obra freudiana a postulação de um conceito como o de pulsão, que institui
uma ferida ao narcisismo do homem, e uma teoria romântica do amor, atravessada
por uma aposta na possibilidade de encontro com uma felicidade narcísica junto ao
objeto. Neste caminho, circunscrevemos o estatuto de via para a felicidade, conferido ao
amor a partir do Romantismo, para identificar como Freud pode sustentar uma ética da
renúncia às ilusões ao recolher desde o próprio apelo romântico de amor, o retorno de
um impossível à complementaridade amorosa. Através do diálogo entre Freud e o
Romantismo, destacaremos um caminho singular trilhado por Freud que vai do ideal de
amor ao impossível da pulsão, sublinhando uma posição de enclave no destino dado por
Freud a sua herança romântica, e seu rompimento singular com o estilo romântico, a
partir do qual pôde deduzir não somente uma nova faceta do amor distinta da
romântica -, mas a própria formulação da psicanálise.
9
Palavras-chaves: Romantismo Amor Mal-estar Psicanálise Dissertação
(Mestrado).
Rio de Janeiro
Março/2009
10
Abstract
FREUD AND LOVE: FROM THE IDEAL TO THE IMPOSSIBLE
A dialogue between Psychoanalysis and Romanticism
Beatriz Coelho Paz
Tutors: Joel Birman e Simone Perelson
Abstract of the Dissertation presented to the Post-graduation Programme of
Psychoanalytic Theory, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, as a part of the requisite for obtaining the Master's Degree in
Psychoanalytic Theory.
Grounded on the Freudian work, this dissertation is dedicated to the study of the
phenomenon of love, aiming at thinking about its place and function in the building of
psychoanalytic theory and clinic, taking as a guide the Freudian dialogue with the
romantic style to which Freud is an heir. Taking into account the hint that Freud would
have been touched by the romantic heritage about his reading of the love phenomenon,
we intend to track how the postulation of a concept likedrive”, which causes an injury
to man’s narcissism, can articulate inside Freudian work to a romantic theory of love,
which is crossed by a bet on the viability of reaching narcissistic happiness together
with the object. In this way, we circumscribe the status of path towards happiness
bestowed to love since the Romanticism, to identify how Freud could support an ethics
of renunciation to the illusions as he gathers, from the very appeal of romantic love, the
return of an impossibility of completeness in love. Through the dialogue between Freud
and Romanticism, we will highlight a unique path Freud followed from the love ideal to
the impossible of the drive, underlining the position of enclave of the destiny he gave to
his romantic heritage, as well as his unique breakup with the romantic style, from which
he could surmise not only a new facet of love different from the romantic one but
the Psychoanalysis it self.
11
Key words: Romanticism Love Discomfort Psychoanalysis Dissertation
(Master’s grade)
Rio de Janeiro
March/2009
12
Sumário
............................................................................................................................... 4
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15
CAPÍTULO I – POR UM AMOR FELIZ: SOBRE O FENÔMENO AMOROSO E O
ESTILO ROMÂNTICO .................................................................................................. 24
I.1 – Nosso mergulho no Romantismo ........................................................................ 26
I.2 – Em busca da unidade perdida: o conflito romântico entre ideal e real ............... 27
I.3 – Uma experiência romântica de amor: as dores e delícias do amor de Werther ... 32
I.4 – O ideal de amor romântico: Rousseau e a promessa de uma felicidade comum
..................................................................................................................................... 37
I.5 – Freud: um herdeiro rebelde ................................................................................. 42
CAPÍTULO II – O AMOR EM FREUD: SOBRE O POSICIONAMENTO
FREUDIANO FRENTE ÀS TENDÊNCIAS DO AMOR .............................................. 45
II.1 – Nosso recorte ..................................................................................................... 48
II.2 – Psicanálise: a clínica do amor ............................................................................ 49
II.2.1 – O amor transferencial como ponto de virada à clinica freudiana ............... 52
II.2.2 - A clínica do amor: uma primeira tensão com o amor romântico ................ 55
II.3 - O amor como reencontro: aproximando Freud e o Romantismo ....................... 60
II.4 - O primeiro dualismo pulsional: distinguindo amor e pulsão .............................. 62
II.5 - Narcisismo: o objeto do amor romântico .......................................................... 69
II.5.1 – Eu ideal: construindo um verdadeiro amor feliz infantil ............................ 69
II.5.2 - Amor e paixão: sobre a idealização do objeto ............................................ 72
II.5.3 – Construindo uma felicidade perdida: o romantismo egoico ....................... 73
II.6 – O segundo dualismo pulsional: uma pitada de pulsão ao amor ......................... 76
II.6.1 - Eros e Thanatos: um ritmo vacilante entre Freud e o Romantismo ............. 78
II.7 - O mal-estar no amor: do ideal romântico à natureza inconquistável freudiana . 81
II.7.1 – Um descompasso entre tempos: sobre a contingência do desencontro ...... 85
II.8 – Freud: um enclave ao amor romântico ............................................................... 90
CAPÍTULO III – O IMPOSSÍVEL COMO AFIRMAÇÃO – UMA APROXIMAÇÃO
ENTRE AMOR E A LÓGICA PULSIONAL ................................................................. 97
III.1 – Novas condições ao amor: sobre a depreciação e o objeto proibido ............. 100
III.2 – A depreciação do objeto: desvio de um amor normal ou uma tendência
universal? ................................................................................................................... 104
III.3 – A cadeia infindável de objetos: uma aproximação entre amor e pulsão pelo
estatuto do objeto ....................................................................................................... 109
III.4 – A condição de obstáculo: uma aproximação entre amor e pulsão pelo paradoxo
da satisfação .............................................................................................................. 112
III.5 – A introdução da lógica pulsional ao campo do amor: do limite do ideal ao
impossível paradoxal ................................................................................................. 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 123
1 – Freud: um desilusion-a-dor pelo amor ................................................................. 123
2 – O fracasso do amor: a sustentação do apelo romântico ....................................... 124
3 – O sucesso do amor: introdução a uma nova tendência ....................................... 126
4 – O paradoxo da conclusão ..................................................................................... 129
Referências Bibliográficas ............................................................................................. 132
13
O erro é partir da idéia de que existem a linha e a
agulha, a moça e o rapaz, e entre um e outro uma
harmonia preestabelecida, primitiva, de tal maneira que
se alguma dificuldade se manifesta, pode ser por
alguma desordem secundária, algum processo de defesa,
algum acontecimento puramente acidental e contingente.
Lacan
14
INTRODUÇÃO
Em “O mal-estar na civilização”, Freud nos adverte que o homem tem como
“propósito e intenção” de vida obter felicidade e feliz permanecer (FREUD, 1930/1974,
p. 94). E se em 1930 Freud formaliza a felicidade como aquilo que os homens “pedem
(...) da vida”, desde 1905 o amor se destaca na sua letra como via por meio da qual o
homem sustenta um encontro possível com uma experiência de felicidade, desde que
afirma ser a escolha de amor pubertária articulada a uma tentativa de restaurar uma
felicidade supostamente perdida na infância, em função do hiato imposto entre sujeito e
objeto pela barreira contra o incesto (Id., 1905/1974, p. 229). Todavia, apesar desta
aposta do sujeito no amor como via eficaz para uma felicidade da plenitude, Freud
afirma que “nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa
própria constituição” e mais ainda, que a relação entre os homens pode, ao contrário,
emergir como o “mais penoso” dos sofrimentos com os quais o sujeito pode se
encontrar ao longo de sua vida (Id., 1930/1974, op. cit., p. 95).
Hoje, mais de 70 anos após a última publicação freudiana, não nos é difícil
identificar que sua observação de que o amor assume para o homem o estatuto de via
para a felicidade, mantém sua pertinência. Todavia, se por um lado o homem pós-
moderno não parece encontrar dificuldades em supor ao amor um meio através do qual
se tornaria possível o encontro com a felicidade, por outro lado podemos observar que
se mantém uma dificuldade de suportar as considerações freudianas que apontam os
limites da felicidade na complementaridade amorosa.
Ainda em 1930, Freud nos indica que, no que concerne ao limite à felicidade no
amor se considerarmos que este se inclui naquilo que ele nomeia fonte social de
sofrimento (Id., ibid., p.105) nós não o admitimos de modo algum, posto que não
podemos perceber por que os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não
apresentam, ao contrário, proteção e benefício para cada um de nós” (loc. cit.). A partir
então do encontro com um impossível da felicidade na complementaridade amorosa, o
homem responde, segundo podemos deduzir com Freud, pela afirmação da contingência
deste impossível, apostando ser este superável pela reorganização dos regulamentos que
guiam a relação entre os homens. Dito de outra forma, posto que o homem de modo
algum admite um impossível no campo do amor, cada encontro com o impossível
“fatidicamente inevitável” (FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 95) no campo da relação
entre os homens é contornado pela afirmação de sua contingência, em cujo nome se
torna possível supor que um bom encontro amoroso feliz seja possível em um futuro
próximo.
É ainda nesta tentativa de contorno do impossível e afirmação de sua
contingência, que nos deparamos hoje, nas prateleiras das livrarias, com uma
quantidade exorbitante de bibliografia que se propõe elucidar e eliminar um mal-estar
ou desencontro amoroso. Somam-se a tal bibliografia, pesquisas que se propõem a
identificar um determinante, um porquê universal e não singular de cada sujeito, a partir
do qual se torne possível eleger um causador externo de um mal-estar no amor. Nesta
direção encontramos sem dificuldade, nos jornais de ampla circulação, reportagens
1
que
apresentam pesquisas que permitem ao leitor atribuir os desencontros amorosos a uma
limitação das “vias nasais constipadas” graças a um resfriado, ou à ingestão de pílulas
anticoncepcionais, que alterariam a capacidade olfativa de reconhecimento do cheiro de
um parceiro suposto ideal (O GLOBO, 2008a), ou a atribuição de um descompasso
amoroso ao desconhecimento de um “código masculino” (Id., 2008b). Pesquisas
oferecem, ainda, uma suposta solução para os impasses do amor a partir da construção
de um relacionamento amoroso que tenha como norte as “afinidades intelectuais” onde,
em um mundo em que não se “tolera muito fazer concessões”, um bom encontro
amoroso é prometido caso haja “uma aliança mais respeitosa, onde cada um faz seus
programas e a vida comum se restringe ao que ambos têm em comum” (Id., 2008c). Em
comum nestas e em diversas outras reportagens sobre o amor, encontramos não apenas
a afirmação do desencontro amoroso como uma contingência, mas também a oferta de
soluções ou álibis nos quais se torna possível identificar o causador de um desencontro
amoroso, potencializando uma desresponsabilização do sujeito no que diz respeito ao
seu encontro singular com uma experiência de mal-estar.
Freud, por sua vez, vai na contramão da desreponsabilização do sujeito quando
nos ensina que, se a “intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha incluída no plano
1
A grande maioria das reportagens por nós encontradas concernentes ao relacionamento amoroso são
endereçadas ao público feminino, o que nos surpreendera e nos instigara a refletir, em pesquisa futura,
sobre a relação entre amor e as posições feminina e masculina.
16
da ‘Criação’”, e que mais do que a felicidade, “a infelicidade é muito menos difícil de
experimentar” (FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 95), não pode existir uma “regra de ouro
que se aplique a todos” como garantia de felicidade e que, por conseguinte, todo
homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo”
(FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 103).
Encontramos, portanto, como ponto de enigma inicial do qual partiria nosso
trabalho, por um lado a afirmativa freudiana acompanhada pelo imaginário pós-
moderno de que o amor ocuparia para o sujeito uma aposta na possibilidade de
encontrar uma felicidade da plenitude e, por outro lado, sua afirmativa que indica que o
projeto de felicidade do homem vai de encontro à sua inscrição na civilização e, por
conseguinte, a presença de um impossível na experiência amorosa não é contingente,
mas insuperável. Deste enigma, nos perguntamos em seguida que lugar ocuparia o amor
como aposta em uma felicidade da plenitude na teoria freudiana que nos indica, em
linhas gerais, que o projeto de felicidade do qual se destaca o amor no qual o
homem se engaja com grande afinco, estaria fadado ao fracasso, posto não ser de
felicidade ou plenitude que vive um homem, mas de um ritmo vacilante imposto pela
pulsão. Ainda, nos interessara deduzir, a partir da teoria freudiana, de que maneira
Freud pôde afirmar a presença de um impossível na felicidade a partir do lugar
circunscrito por ele ao amor. Em suma nos perguntáramos, de saída, de que maneira
Freud poderia partir do amor como aposta no ideal para nos falar de um
posicionamento ético que sustenta o impossível da felicidade na completude. Neste
intuito, nosso principal objetivo se circunscreve desde então em discutir, junto ao leitor,
como Freud pôde nos ensinar sobre uma ética do impossível a partir de um ideal
amoroso.
Tendo traçado nosso objetivo principal, era preciso em seguida delimitar o
trajeto por meio do qual nos seria possível acompanhar de que maneira Freud pôde nos
falar da contradição entre amor e uma felicidade narcísica. Foi a partir do encontro com
a leitura de Jurandir Freire Costa (1998), que nos vimos em seguida instigados a
encaminhar nossa pesquisa partindo do ideal de amor romântico do qual Costa indica
ser Freud um herdeiro e da maneira como Freud pôde se posicionar a partir da
concepção de amor própria ao Romantismo. Costa nos indica que a elaborada teoria
freudiana do amor estaria “notadamente influenciada pelo romantismo” (COSTA, 2002,
17
p. 10) e que, apesar da aposta desse autor de que a visada romântica do amor não
engloba a totalidade do que podemos saber sobre o fenômeno amoroso, para Freud,
afirma ele, “amor é sinal de ‘apaixonamento românico’” (COSTA, 2002, p. 10).
Encontrávamos-nos, desde então, instigados a investigar o que seria um tal amor
romântico e, mais ainda, de que maneira Freud, que afirma pela construção da
psicanálise um hiato à complementaridade entre sujeito e objeto representada pela
proposição do conceito de pulsão, seria tocado pelo ideal romântico no que concerne ao
amor. Como consequência deste encontro com a possibilidade de diálogo entre Freud e
o Romantismo, delimitamos que por meio deste próprio diálogo traçaríamos nosso
caminho através do qual acreditávamos ser possível deduzir ao final, como Freud pôde
partir de um ideal de amor que então identificáramos ao Romantismo para nos
ensinar sobre um impossível colocado para o sujeito no que concerne a sua busca por
uma felicidade da plenitude.
Estando circunscrito nosso objetivo principal – a saber, acompanhar como Freud
parte de um amor tocado por uma visada ideal para nos ensinar sobre um impossível da
complementaridade no campo do amor e o meio a partir do qual trilharemos nosso
caminho a relação entre Freud e o Romantismo no que concerne ao amor podemos
agora indicar ao leitor nosso trajeto, por meio do qual tencionamos abordar nosso objeto
de pesquisa: o amor e o impossível na teoria freudiana.
Em nosso primeiro capítulo, nos dedicaremos a circunscrever nossa leitura do
Romantismo, a partir da qual proporemos um diálogo junto à obra freudiana. Para este
mergulho, consideraremos primordialmente as contribuições de Loureiro (2002),
Bornheim (2005) e Lo Bianco (1998). No que concerne ao estudo do amor romântico,
consideraremos ainda os comentários de Barros (1995), Costa (1998), Lejarraga (2002)
e Toledo (2002), além do texto literário Sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe
(1787/1999).
Em nosso trabalho, proporemos ao leitor que abordemos o Romantismo segundo
duas direções. Em primeiro lugar, procuraremos circunscrever uma leitura do
movimento romântico de modo mais amplo, recortando o lugar de onde este poderia
atingir a escrita de Freud e, num segundo momento, abordaremos a leitura romântica do
amor sublinhando seu estatuto de via para a felicidade concedido pelo movimento
romântico.
18
Nosso estudo do movimento romântico será guiado por um interesse específico
pela herança possivelmente transmitida à formulação da teoria psicanalítica freudiana e,
para tal, priorizará a visada romântica a partir de sua “busca da unidade perdida”. Ainda
nesta busca, identificaremos o retorno de um encontro romântico com uma experiência
de crise e ruptura a partir do qual sublinharemos do movimento romântico a afirmação
de uma experiência de ruptura como contingência e uma “tentativa de restituir uma
experiência de plenitude e absoluto” (LOUREIRO, 2002, p. 193).
Nossa segunda direção de entrada no estudo do Romantismo priorizará nosso
objeto de pesquisa, o amor. Deduziremos do pensamento de Rousseau (cuja proposta de
reconstrução social de 1762, será por nós discutida através das contribuições de Barros
[1995], Costa [1998], Lejarraga [2002] e Toledo [2002]), uma proposta real de
reconstrução social que oferece como promessa um caminho comum a todos para a
felicidade. Veremos que Rousseau baseia este caminho comum em um ideal de amor,
conferindo assim ao amor, dentro do movimento romântico, seu estatuto de via para
uma felicidade da plenitude. Todavia, recolheremos também do ideal de amor
romântico o retorno de uma experiência de ruptura, o que será por nós ilustrado por
meio de uma abordagem do conflito amoroso vivido por Werther, personagem de
Goethe (1787/1999, op. cit.). Frente a este desencontro amoroso, sublinharemos então
também no amor a afirmação de sua contingência, o que se faz presente na aposta de
Werther de um bom encontro com sua amada na vida eterna.
No final de nosso primeiro capítulo, tencionamos recolher do estilo romântico
bem como do lugar ocupado neste pelo amor, um conflito sempre presente entre ideal e
real, ou entre absoluto e cisão. Conflito que remete o movimento romântico, bem como
seu ideal de amor, a um absoluto original e primeiro, em nome do qual se torna possível
afirmar o encontro com um impossível como uma contingência. Neste sentido,
apostamos ser pelo ideal e pela ruptura que o Romantismo e sua leitura do amor
atingirão a escrita de Freud, e será também com este conflito na bagagem que
adentraremos o estudo freudiano do amor.
Em nosso segundo e mais longo capítulo, nos propomos refletir sobre as
considerações freudianas acerca do fenômeno amoroso. Para tal, não abordaremos a
obra freudiana segundo uma linearidade temporal, mas a partir de pontos e textos que
marcam a nosso ver uma leitura freudiana do amor, buscando destacar, ponto a
19
ponto, como Freud encaminha a herança que lhe é transmitida pelo Romantismo. Para
tal, proporemos uma abordagem da obra freudiana a partir de três pontos principais,
quais sejam, a relação entre o amor e a clínica freudiana da neurose, a relação entre o
amor e o conceito freudiano de pulsão e a relação entre o amor e os ideais egoicos.
Neste caminho, proporemos discutir ao final de cada ponto, de que maneira Freud se
mostra tocado pelo ideal romântico de amor e, mais ainda, como se apropria e se
posiciona não apenas frente ao ideal de amor romântico, mas aos propósitos
unificadores do movimento romântico como um todo.
Ainda nesta direção, acompanharemos junto ao leitor as aproximações e tensões
instauradas ao longo da obra freudiana entre sua leitura do amor e aquela romântica,
tendo como ponto norteador uma articulação entre a leitura freudiana do amor e sua
formulação do conceito de pulsão. Procuraremos recolher deste percurso como Freud
pôde deduzir um impossível à complementaridade amorosa pregada pelo Romantismo a
partir de sua própria herança romântica concernente ao amor. Seja nos momentos em
que aproxima sua leitura daquela romântica acerca do amor, seja nos comentários de
onde podemos vislumbrar uma faceta não romântica por ele introduzida, destacaremos a
sustentação freudiana de um impossível necessário e não contingente, colocado no
centro do sujeito a partir da sua abordagem do conceito de pulsão.
Esta nova faceta do amor introduzida por Freud se fará presente, ao longo de
todo nosso segundo capítulo, por meio do destaque dado por nós, a partir de alguns
recortes da obra freudiana, a uma outra faceta do amor distinta da romântica. Poderemos
destacar a partir de então, que Freud se distancia de uma leitura romântica do amor não
apenas no que concerne a um posicionamento frente às tendências narcísicas do amor,
mas também pela introdução de uma outra visada do amor distinta da que tende ao
absoluto.
Será a esta outra visada do amor colocada no horizonte da escrita freudiana em
nosso segundo capítulo que nos dedicaremos, por fim, em nosso terceiro capítulo a
partir de um retorno e discussão de dois artigos freudianos intitulados “Um tipo especial
de escolha de objeto feita pelos homens” (FREUD, 1910/1974) e “Sobre a tendência
universal à depreciação na esfera do amor” (Id, 1912c/1974), artigos que se incluem
entre aqueles que, na leitura de Freud, viriam contribuir para a elaboração de uma
“psicologia do amor”.
20
Recolheremos destes artigos, alguns recortes a partir dos quais poderemos
identificar, de sua letra, condições à eleição de objeto, ditas por Freud como universais
ao amor, e que se mostram distintas daquelas depreendidas por nós do Romantismo
como condições para um amor feliz. Será então a partir de uma discussão acerca destas
novas condições ao amor introduzidas nestes artigos a saber, uma tendência universal
à depreciação do objeto e a eleição de um objeto proibido que poderemos deduzir a
reafirmação freudiana de um impossível à complementaridade amorosa a partir da
proposição de um modo singular de encontro e satisfação amorosos mais uma vez
distintos daqueles pregados pelo Romantismo.
Desde o momento em que identificarmos no texto freudiano uma aproximação
entre amor e satisfação, apresentaremos nossa aposta na indicação freudiana de uma
aproximação entre o amor e o campo pulsional. Esta aproximação se dará em nosso
texto pela via do estatuto parcial do objeto e pela observação de uma satisfação
paradoxal no campo do amor. Por meio desta aproximação entre o amor e a lógica da
pulsão, pretendemos destacar que Freud rompe radicalmente com o movimento
romântico, posto que deduz uma visada do amor que não é regida pelos ideais de
plenitude, idealização e exclusividade do objeto.
Vale observarmos que não visamos, ao final de nosso trabalho, apresentar esta
outra visada do amor deduzida do texto freudiano, como uma que viria no lugar da
romântica; como um novo saber totalizante sobre o amor. Não visamos, portanto,
afirmar esta outra faceta como aquela que nos diz toda a verdade sobre o que podemos
saber sobre o amor. Caso propuséssemos esta direção, trocaríamos um ideal de amor por
outro, que ambos teriam como objetivo final a obtenção de um saber universal sobre
o amor. Ao contrário, visamos apresentar uma outra faceta do amor depreendida por
Freud primordialmente a partir de sua clínica seja da impotência psíquica, seja pelas
discussões acerca do amor transferencial. Faceta do amor que não ocupa o lugar de
obturador à cisão colocada por Freud no centro do sujeito a partir do conceito de pulsão,
mas que sustenta no próprio encontro amoroso uma “topada” com uma experiência de
impossível que convida o sujeito a responder de forma singular ao encontro com a
atualização de seu ritmo vacilante no amor.
Colocados na mesa nossos enigmas e nossas apostas, convidamos neste
momento o leitor a acompanhar-nos em nosso estudo do amor na obra freudiana a partir
21
de um diálogo junto ao Romantismo, propondo trilhar um caminho que parte do ideal ao
impossível no campo do amor.
22
Frequentemente sentimos que nos falta muita coisa e
parece que quase sempre um outro possui exatamente
aquilo que nos falta, atribuímos-lhe tudo o que temos, até
mesmo uma certa satisfação ideal. E assim criamos a
felicidade perfeita, uma invenção nossa.
Goethe (Werther)
23
CAPÍTULO I – POR UM AMOR FELIZ: SOBRE O
FENÔMENO AMOROSO E O ESTILO ROMÂNTICO
(...) nossa antiga natureza era assim, e nós éramos um todo; e,
portanto, é ao desejo e procura do todo que se o nome de
amor.
Aristófanes
Desde nosso primeiro encontro com algumas das proposições freudianas acerca
do fenômeno amoroso, nos chamara atenção o fato de Freud definir as escolhas
amorosas como sendo guiadas por um esforço por atingir uma perfeição egoica
(FREUD, 1921/1974, p. 143), sendo amado, por conseguinte, aquele objeto que
possuísse a excelência que falta ao eu para torná-lo ideal (Id., 1914a/1974, p. 118). A
partir desta leitura freudiana do amor, o fenômeno amoroso se destaca como um meio
através do qual o homem busca encontrar-se com uma experiência não apenas de
perfeição mas, acima de tudo, de plenitude por meio de um (re)encontro com o que
Freud nomeia narcisismo primário, ou um “verdadeiro amor feliz” (Id., ibid., p. 117),
onde se supõe uma indistinção ou uma unidade entre o eu e o objeto. Desta visada do
amor, Freud depreende que um retorno a esta unidade perfeita que se supõe antes
experienciada junto a um objeto, é o que as pessoas se esforçam por atingir como
sendo sua felicidade” (Id., ibid., p. 118).
Tais afirmativas freudianas, dentre outras que discutiremos ao longo de nosso
trabalho, nos instigaram a investigar a concepção freudiana do amor e o posicionamento
de Freud frente ao que ele parece circunscrever como uma aspiração egoica própria ao
amor. Se podemos considerar, em termos gerais, que a postulação do conceito de pulsão
enunciado pela psicanálise, ao contrário do que parece revelar esta visada do amor,
atinge radicalmente as aspirações narcísicas do homem, indo de encontro a qualquer
possibilidade de obturação de um descompasso insuperável em sua relação com o
mundo dos objetos imposto pela própria força pulsional, nos perguntamos de saída que
lugar é concedido ao amor pela psicanálise freudiana, e mais ainda de que maneira
Freud pode falar da articulação entre amor e felicidade. A pergunta: por que Freud
aproxima o amor a uma demanda narcísica de felicidade, nos encaminhara então ao
encontro de autores específicos que se propunham debater a temática do amor na obra
freudiana a partir da relação de Freud com uma visada romântica do amor; visada que o
circunscreve como apelo pela plenitude a qual se articula uma idéia de felicidade. Desde
o momento em que direcionamos nossos olhares para a relação entre Freud e o
Romantismo, nos encontramos então com a indicação de que a teoria freudiana do amor
em sua complexidade estaria “notavelmente influenciada pelo romantismo”
(COSTA, 2002, op. cit., p. 10). Para Freud, segundo a leitura de Costa, “amor é sinal de
‘apaixonamento romântico’” (loc. cit.).
Desde este primeiro encontro com a proposição de que Freud definiria o amor
como os românticos, nos interessamos em investigar a relação que este autor estabelece
com o Romantismo do qual é herdeiro. Sobretudo, nos interessara investigar de que
maneira poderiam se articular, em uma mesma obraa obra freudiana a postulação
de um conceito como o de pulsão, que institui uma ferida ao narcisismo do homem, e
uma teoria do amor como uma aposta na possibilidade de encontro com uma felicidade
narcísica. A partir destas reflexões sobre o amor, Freud e o Romantismo,
circunscrevemos então nosso objeto de estudo, conforme nos foi possível indicar, pela
articulação entre Freud e Romantismo, e sobre o lugar que o amor ocupa na teoria
freudiana em relação ao conceito de pulsão.
Instigados a mergulhar em um estudo do Romantismo a partir do que este
poderia atingir a escrita de Freud, encontramos primordialmente nas contribuições de
Loureiro (2002) e Bornheim (2005) além dos comentários de Costa (1998) e Lejarraga
(2002), uma baliza que nos permitira estudar o Romantismo e o amor romântico. É,
portanto, a partir das contribuições destes autores que nos propomos, neste primeiro
momento, a discutir algumas facetas do amor no que ele revela de suas raízes
românticas. Raízes a partir das quais nos parece que Freud colheu instrumentos para
propor sua própria teoria do amor. Convidamos então nosso leitor, neste primeiro
capítulo, a circunscrever, junto a nosso texto, o que seria o amor segundo a visão
romântica, para que nos seja possível delinear, em seguida, de que maneira Freud irá se
relacionar com os frutos por ele colhidos de tal estilo romântico (LOUREIRO, 2002,
op. cit. p. 237).
25
I.1 – Nosso mergulho no Romantismo
Tendo nos sentido instigados a debruçar-nos em um estudo da relação de Freud
com sua herança romântica por meio de um estudo do amor, nos perguntávamos qual
seria a pertinência de dedicarmos – em um estudo que se guia pela afirmação da posição
ética da psicanálise freudiana em um aprofundamento detalhado da definição do
Romantismo. Desde que convocados por nossos próprios interesses teóricos a pensar a
relação de Freud com o Romantismo, temíamos oferecer “gato por lebre” ao leitor no
que diz respeito a uma delimitação precisa da definição do Romantismo, no momento
em que nos propuséssemos colocar para dialogar Freud e o Romantismo como um todo.
Foi então que, com Inês Loureiro (2002, op. cit.), encontramos longas páginas
que dissertavam sobre a dificuldade de circunscrever o Romantismo sob uma definição
estanque. Esta dificuldade, afirma Loureiro, abre espaço aos seus comentadores tanto
para uma superficialidade que peca em qualidade, quanto em uma tentativa demasiado
exagerada de encaixar o Romantismo em características que reduzissem a uma, a vasta
quantidade de vertentes que pareciam acompanhá-lo. Nos parecera claro, desde então,
ser preciso definirmos de saída qual seria nosso interesse em um estudo do
Romantismo, e que vertente ou recorte nos seria importante discutir junto a Freud.
Neste sentido, nos foi preciso de saída compreender que, em nosso percurso, dirigimo-
nos “ao Romantismo a partir de um interesse inicial por outro campo de saber, isto é, a
psicanálise” (Id., ibid., p. 82), nos propondo, por conseguinte, não a atingir uma
definição geral do Romantismo, mas apresentar um approach feito a partir de outro
saber (a psicanálise freudiana) e que visa uma comparação entre ambos” ( Id., ibid., p.
83. O grifo é do original.) Mais especificamente, nos dedicamos a um estudo do
Romantismo no que ele nos ajuda a circunscrever uma definição romântica do amor a
partir da qual, então, nos será possível articular Freud – amor – Romantismo.
Desde o momento em que fomos instigados pelo estudo do Romantismo,
notamos que seria preciso abdicar, logo de saída, de nosso próprio romantismo pessoal,
uma vez que se impôs a nosso projeto a impossibilidade de encontrar uma unidade
teórica a partir da qual pudéssemos nos referir a uma definição prévia, completa e
estanque do Romantismo. No lugar de nos referirmos a este passado ideal, nos seria
26
preciso renunciar, de uma vez por todas, à pretensão de uma explicação sistemática,
que pretenda abarcar a totalidade do Romantismo (Id., ibid., p. 144. O grifo é do
original.). Seria preciso construir, no lugar desta unidade completa e estanque, um
traçado que nos permitisse trilhar um caminho próprio dentro do estudo do estilo
romântico. Este caminho, circunscrevemos então a partir de uma faceta que se destaca
para nós como baliza do estilo romântico, posto que parece se repetir dentro de algumas
formulações de seus autores. Podemos resumi-la como uma busca da unidade perdida.
Nas palavras de Loureiro
‘Em busca da unidade perdida’ é uma expressão que (...) resume bem os esforços românticos em
restaurar uma totalidade harmônica; resume, em outras palavras os anseios tipicamente
românticos de reencantamento do mundo (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 16)
Esta definição do Romantismo como busca da unidade perdida, como tentativa
de restauração de um absoluto, nos indicara então ser importante atentar que a
referência romântica à unidade carrega a afirmação da perda desta unidade. Para
mergulharmos, portanto, em um estudo do Romantismo e de sua leitura do amor, nos foi
importante atentar para esta faceta que nos indica que no bojo do posicionamento
romântico vislumbramos o encontro com uma experiência de cisão, ruptura, queda, e
que a atitude romântica se caracterizaria pela tentativa de restituir uma experiência
de plenitude e absoluto” (Id., ibid., p. 193. O grifo é do original.). No lugar de afirmar o
caráter ilusório da idéia de absoluto frente uma experiência de cisão, o posicionamento
Romântico responde, segundo nossa leitura, pela afirmação do caráter contingente da
ruptura, incluindo, sobremaneira, uma referência e sobretudo um anelo pela unidade.
Será então esta nossa leitura do posicionamento romântico, como afirmação do encontro
com uma experiência de queda de ruptura, de impossível como uma contingência,
aquela que o leitor verá se destacar ao longo de todo nosso percurso, onde discutiremos
a relação entre Freud e o Romantismo e sua concepção do fenômeno amoroso.
I.2 – Em busca da unidade perdida: o conflito romântico entre ideal e
real
Apesar das dificuldades e da recomendação de cautela na definição do
Romantismo, nos foi possível encontrar nos termos de Bornheim como uma de suas
categorias básicas e fundamentais e que guiará nossas reflexões a idéia de unidade.
27
Este autor nos diz que “todo o movimento [romântico] se desdobra sob o signo da
unidade” (BORNHEIM, 2005, p. 91). Em nosso mergulho no Romantismo destacamos
então, de saída, a idéia de que o movimento romântico se guia por uma referência à
possibilidade de encontro com uma experiência de unidade à qual, por sua vez, se
articula uma experiência de felicidade e plenitude. Neste sentido, o posicionamento
romântico pode ser circunscrito aqui como uma aposta na unidade, no absoluto, no
pleno.
Todavia, esta leitura do Romantismo como busca pela unidade, pelo absoluto,
articulados a uma idéia de felicidade plena, pode nos levar a uma compreensão que nos
parece apenas superficial frente ao que nos propomos aqui sublinhar do estilo
romântico
2
. Parece-nos quase natural, no senso comum, quando falamos em
Romantismo, remeter nossos pensamentos a este ideal como se românticos fossem
aqueles que expressassem, vale arriscarmos dizer, a existência e a vivência de um bom
encontro, uma experiência de plenitude ou, quem sabe, no que concerne ao amor, a
vivência de um amor feliz. Se seguirmos esta leitura, quando falamos em Romantismo,
podemos facilmente ser ouvidos como se falássemos em contos de fadas que terminam
com a célebre promessa: “e viveram felizes para sempre”. Todavia, não é disso que se
trata.
Loureiro nos chama atenção para o fato de os românticos não experienciarem a
tal unidade, plenitude e mesmo o amor feliz que poderíamos depreender de suas
propostas. Ao contrário, o romântico almeja esta unidade quando, no presente, vive
uma experiência de cisão ou ruptura deste Um. Neste sentido, aquilo que caracteriza o
posicionamento romântico, como nos foi possível indicar, não é tanto a vivência do
absoluto, mas a resposta a este impasse, crise”, “ruptura” (LOUREIRO, 2002, op. cit.,
p. 193). Resposta que inclui, sobremaneira, um anelo pela plenitude, por um estado
ideal(izado)” (Id, ibid, p. 194).
É por não representar a vivência de uma plenitude, mas a busca desta, que o
estilo romântico é circunscrito por Loureiro como umabusca da unidade perdida”, por
um esforço em restaurar a totalidade ou, nas palavras de Bornheim, como uma
“obsessão” pelo absoluto e pela totalidade (BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 95).
Seguindo esta leitura, incluímos no movimento romântico, por um lado o encontro com
2
A definição do Romantismo como um estilo é proposta por Inês Loureiro (LOUREIRO, 2002, op. cit.)
28
uma experiência de cisão, ruptura, mal-estar e, por outro lado, uma referência ao
absoluto, como aquilo que estava antes da queda, da crise, e que permite então a
afirmação de uma contingência à experiência de crise.
Podemos desde aqui indicar ao leitor que nossa entrada no Romantismo pretende
destacar não apenas seu apelo característico pela totalidade mas, sobretudo, “o conflito
entre a limitação do real e a infinitude do ideal [que] é constitutivo do movimento
romântico e [que nos] permite compreender o sentido da exigência de unidade.”
(BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 92). Ante uma experiência de crise, observamos que o
romântico se volta ao passado como o lugar onde se supõe estar a plenitude, a unidade,
de modo que:
Todo o esforço dos românticos tende a reencontrar, para além das aparências efêmeras e
decepcionantes, a unidade profunda e verdadeiramente real; e, consequentemente, a reencontrar
em nós tudo o que ainda pode sobreviver de nossos poderes anteriores à separação (BÉGUIN
apud LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 198).
Do destaque dado por Loureiro às palavras de Béguin, nos é possível reafirmar o
que circunscrevemos como a afirmação do caráter contingente do encontro com a crise
romântica. Contingente, posto que reduz a crise a uma aparência decepcionante apenas
efêmera, pontual e, como tal, passível de ser superada por um retorno à original unidade
profunda. As palavras de Béguin nos permitem deduzir, portanto, que o projeto
romântico parte da aposta em uma unidade original verdadeiramente real à qual se
impõe, pontualmente, uma experiência de cisão. Partindo da suposição de uma unidade
primordial e, por conseguinte, do caráter contingencial da crise, o projeto romântico
pode então se dirigir à superação da crise, da ruptura em uma restauração da unidade
perdida. É, portanto, a suposição desta unidade anterior que servirá como referência
para supormos um futuro possível de reencontro com isto que, inspirados por Freud,
podemos nomear como uma “felicidade perdida”(FREUD, 1905/1974, op. cit., p. 229).
Todavia, apesar de deduzirmos que uma experiência de ruptura, queda, crise, se
apresenta aos românticos como um evento contingente, nos é possível observar que esta
experiência de ruptura é, entretanto, necessária à proposição romântica de unidade,
posto que somente a partir desta experiência de crise o romântico pode formular a
existência de uma unidade anterior a partir da qual será possível, por conseguinte,
buscar reaver uma unidade perdida. Se optarmos não apenas por definir o projeto
romântico de dentro de sua crença na unidade primordial, mas por nos distanciarmos
29
para recolher uma teoria sobre o Romantismo, podemos então observar, junto a
Bornheim que:
A nostalgia não é, como pretendem certos autores, um fenômeno primeiro do Romantismo.
Primeiro, é o sentido do infinito, do absoluto interior à alma humana condenada à sua finitude, e
que se extravasa no romântico sob a forma de nostalgia, de Sehnsucht (BORNHEIM, 2005, op.
cit, p. 92).
Uma vez que nos foi possível deduzir do Romantismo um projeto que parte da
crença em uma unidade primordial e, por outro lado, a observação da experiência de
crise como necessária à construção de todo movimento romântico, convidamos enfim o
leitor a compartilhar de uma distinção proposta para fins didáticos entre o projeto
romântico e a formulação de uma teoria sobre o Romantismo.
O projeto romântico foi por nós circunscrito pela aposta em uma unidade e
totalidade possíveis ao homem nas diferentes esferas de sua vida. Este projeto se guia,
sobretudo, pela suposição de uma unidade primeira, e conduz à aposta na superação
dos dualismos”, seja entre corpo e espírito, entre sujeito e objeto, eu e mundo, ou entre
consciente e inconsciente (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 196). No projeto romântico
prevalece então a referência a uma unidade primordial a partir da qual uma
experiência de crise ganha o estatuto de experiência contingente, pontual, e portanto
efêmera em relação à unidade original que se procura reaver.
Todavia, no momento em que nos distanciamos do projeto romântico para
recolher uma teoria sobre o lugar que a experiência de cisão ocupa na construção da
própria busca romântica pela unidade, o estatuto da experiência de crise pode ser por
nós repensado. Debruçando-nos sobre o projeto romântico, foi possível deduzir não uma
unidade primeira, mas a repetição da imposição ao homem, nas diferentes esferas da
vida, de uma experiência de cisão, ruptura, crise, mal-estar. Observamos então que é
somente pela presença deste mal-estar que o movimento romântico pode responder com
a suposição de um passado ideal a partir do qual se torna possível deduzir, por sua vez,
um futuro pleno. Esta observação nos permite propor uma teoria sobre o Romantismo a
partir da qual sublinhamos que a experiência de crise ganha o estatuto não mais de
contingente, mas de necessária à construção do movimento romântico. Isto, desde que
identificamos que é somente a partir da experiência de crise que se torna possível voltar-
se ao passado como ideal.
30
Segundo nossa proposta, se por um lado o projeto romântico é circunscrito pela
afirmação do caráter contingente da experiência de crise frente à unidade profunda e
verdadeiramente real (BÉGUIN apud LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 198), esta unidade
verdadeiramente real não se mostra presente senão como um infinito sempre distante”
(BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 92), como movimento, como projeto, frente ao que no
presente romântico, se impõe como uma experiência de crise, de mal-estar.
Podemos concluir, a partir desta chave de leitura, que o projeto romântico se
sustenta como infinito que portanto se mantém sempre distante, ao longe como nos
esclarece Carolina Schlegel: “Pois unos não nos devemos tornar, porque então o esforço
para atingirmos a unidade cessaria” (Carolina Schlegel em carta a Schelling, dezembro
de 1800 apud BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 92). O encontro a que temos acesso no
Romantismo não é, portanto, com a unidade, mas com a nostalgia e o anelo pela
plenitude frente ao que, no presente, se impõe como crise de modo que, como nos
ensina Friedrich Schlegel, não é tanto na unidade, no absoluto, que vivem os
românticos, mas “só na nostalgia encontramos repouso” (F. Schegel apud BORNHEIM,
2005, op. cit., p. 92).
Foi-nos possível, até o momento, delimitar nosso recorte do projeto romântico
por seu anelo pela plenitude, além de propor uma teorização sobre o Romantismo pelo
encontro com uma experiência de cisão e ruptura que remete o romântico à vivência de
uma unidade anterior e possivelmente futura. Tendo-nos, portanto, sido possível
circunscrever nossa leitura do Romantismo a partir de uma imbricação entre a
imposição de uma realidade cindida, disruptiva e um ideal pleno, Absoluto, podemos
neste momento dedicar-nos então a refletir sobre o fenômeno amoroso romântico que,
conforme indicamos, é o ponto de maior interesse em nosso trabalho dentro de leitura
do Romantismo.
Neste caminho, propomos uma divisão não mais entre o projeto romântico e
uma teoria sobre o Romantismo. Propomos pensar o amor romântico a partir de um
conflito entre uma experiência romântica de amor e um ideal romântico de amor. No
momento em que circunscrevemos o amor romântico pela presença conjunta de um
ideal e uma experiência distintos, nos será possível observar como o amor vem ilustrar o
conflito romântico por nós delimitado entre a “limitação do real e a infinitude do ideal”.
Encontraremos, por conseguinte, também no amor romântico, por um lado o encontro
31
com uma experiência de cisão, ruptura – e, acrescentamos, impossível – e por outro lado
a afirmação deste impossível como uma “aparência efêmera e decepcionante” que
ofuscaria a “unidade profunda e verdadeiramente real”.
Dentro de nosso intuito de apresentar o amor romântico a partir de uma
experiência e um ideal, propomos ao leitor uma reflexão sobre o amor romântico a
partir de duas vertentes. No que diz respeito à experiência de amor, comentaremos o
caso de amor clássico da literatura romântica, contado na obra Os sofrimentos do
jovem Werther de Goethe (1787/1999), que virá ilustrar o fenômeno amoroso
romântico. Na tentativa de circunscrever o ideal de amor romântico, por sua vez,
direcionaremos nossos olhares à proposta de reconstrução social de Rousseau (1762),
pai do amor romântico.
I.3 – Uma experiência romântica de amor: as dores e delícias do amor de
Werther
Foi-nos possível deduzir de nosso mergulho no Romantismo que este não se
define apenas por sua referência a um estado de plenitude, unidade e felicidade mas que,
no bojo do movimento romântico, se encontra também uma experiência de ruptura,
crise, queda, mal-estar. No intuito de compreendermos mais de perto o movimento
romântico como uma experiência de ruptura vivenciada como contingente frente ao
pleno e à felicidade a que aspira o romântico, trazemos para nossa discussão a clássica
história de amor romântico vivida pelo personagem Werther de Goethe (1787/1999).
Antes de adentrarmos na história de amor do jovem por sua amada Lotte, encontramos
então, como abertura das páginas que nos ensinariam sobre o amor romântico o título
“Os sofrimentos do jovem Werther”, o que nos indica de saída que não é em um mar de
rosas que se sustenta o amor romântico. Se é por sua sagrada Lotte (GOETHE,
1787/1999, op. cit., p. 48) que Werther veria o mundo inteiro se diluir à sua volta em
“dias tão felizes” (Id., ibid., p. 36), se é junto a ela que seu coração bateria em sintonia
(Id., ibid., p. 96), será também por Lotte que Werther experimentará seus dias de
martírio e será por ela que escolherá “ir na frente” e esperar na vida eterna o encontro
que não vivera na vida terrena (Id., ibid., p. 142).
A história de amor do jovem Werther nos é muito cara, que nela encontramos
de forma muito clara e vívida o conflito que pretendemos sublinhar do Romantismo. É
32
ainda mais cara, posto que nos ensina de que maneira este conflito entre ideal e real
ganha corpo no fenômeno amoroso romântico que nos interessa mais de perto.
Werther é um jovem que conhece, no vilarejo perto de sua morada, a jovem e
“mais bela das criaturas”, Lotte, (GOETHE, 1787/1999, op. cit.,, p. 32) por quem
mesmo sabendo de seu compromisso com Albert desenvolve uma paixão impossível,
envolta por intensa idealização. Desde o primeiro encontro com Lotte até o dia em que
põe em ação seu projeto de acabar com sua vida de sofrimento para esperar sua amada
na vida eterna, Werther narra nas cartas endereçadas ao amigo Wilhelm o cotidiano
de seus dias que parecem guiados pelo instante em que veria Lotte, em cuja presença
“todos os desejos se calam” e os “desenganos e as trevas” se dissipam. Podemos deduzir
dos relatos de Werther que a união junto a sua amada é vivida como um encontro pleno,
visto que em sua presença, como o jovem descreve, seus corações bateriam em sintonia
em um mundo que se dilui frente à felicidade de se unir a seu único objeto de amor.
Todavia, o encontro pleno junto a Lotte não acontece senão na imaginação de
Werther. O viveram felizes para sempre” que nos parece embalar as primeiras páginas
em que Werther corteja Lotte que por sua vez parece lhe retribuir alguma atenção
enfim se revelam impossíveis com a chegada de Albert, aquele que Werther sabia
possuir a promessa de casamento de Lotte. Desde então, Werther desfia em cartas ao
amigo a história de amor que, a nosso ver, ilustra o que Bornheim nomeara como uma
“obsessão” pelo absoluto e pela totalidade (BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 95) que
Werther projeta em seu amor por Lotte.
Observamos que o amor idealizado pelo jovem Werther como aquele que lhe
proporcionaria a maior das felicidades, todavia, não é vivenciado e, frente aos impasses
colocados ao seu ideal de amor, Werther sofre. Entretanto, ao encontrar-se repetidas
vezes com o impossível de seu amor, com o desencontro com a amada, Werther não
deixa por um minuto de idealizar o encontro com Lotte como o caminho para sua
felicidade.
O impossível imposto ao seu ideal de amor se torna cada vez mais gritante
quando, enfim, Lotte lhe pede que pare de visitá-la com a freqüência com que o fazia ao
longo de alguns meses. Werther vive então intensamente o conflito romântico entre a
aposta no ideal amoroso que vislumbra poder viver junto a Lotte, e a realidade que
impõe a ruptura, a cisão desse ideal pela impossibilidade de ambos viverem uma vida
33
juntos. Diante do impossível que se impõe ao seu ideal amoroso, que ao longo de suas
cartas demonstra guiar cada dia da sua vida, Werther decide então não haver mais
sentido em viver.
Na escolha de Werther pela morte e no lugar que esta ocupa como mantenedora
de seu ideal amoroso, vemos uma vez mais de forma clara a ilustração do conflito
romântico. Ante o encontro com o impossível da complementaridade amorosa, da união
plena junto ao objeto de amor, o ideal amoroso de Werther não recua. Assim como nos
foi possível observar em todo movimento romântico, frente ao encontro com a crise o
jovem projeta seu ideal de amor a um infinito sempre distante que, apesar de nunca
encontrado, não deixa de ser visado e, sobretudo, suposto como possível.
O impossível do encontro amoroso, colocado de forma mais radical pela
presença da morte em sua vida, no caso de Werther não é reconhecido como um limite
real e intransponível ao seu amor. A morte, de impossível, se torna um meio
privilegiado de encontrar-se enfim com sua amada. Werther nos ensina que o amor
romântico conforme havíamos indicado não é expressão de um bom encontro entre
amado e amante, um encontro amoroso feliz. Todavia, nos ensina da mesma forma que
este amor acompanha o movimento romântico quando aposta na possibilidade de
superação do desencontro amoroso, afirmando uma contingência ao impasse amoroso
frente ao encontro ideal ao qual aspira.
O encontro de Werther com o impossível de seu ideal amoroso o remete então,
como último recurso, para a manutenção de seu ideal, ao encontro amoroso em morte. A
morte, fim da vida de Werther, que poderíamos ler como a concretização da
impossibilidade de seu encontro com Lotte, se apresenta então como via de encontro
amoroso de modo que, sequer ali, onde poderíamos supor que se romperia radicalmente
a possibilidade de uma unidade junto ao objeto de amor, a aspiração e o ideal
românticos recuam. Werther, ao não mais suportar a dor em seu coração por seu amor
ideal que não vive no presente, ao não mais suportar a imposição de um descompasso,
um impasse, um desencontro amoroso, planeja seu suicídio como forma de descansar
em paz de seus tormentos. Lá, em morte, verá sua amada novamente, por quem esperará
até quando chegar seu dia. Neste dia, enfim, ele diz a Lotte:
Então, voarei ao teu encontro, te enlaçarei e ficarei eternamente abraçado a ti perante a face do
Deus infinito. Não estou sonhando nem delirando. Tão perto da sepultura, vejo tudo mais
34
claramente. Continuaremos a existir e tornaremos a nos ver! (GOETHE apud LOUREIRO,
2002, op. cit., p. 333-334. O grifo é nosso.).
É por Werther que aprendemos primeiramente sobre o amor romântico como a
eleição de um objeto de amor único e exclusivo, supervalorizado como aquele a
promover o encontro com a plenitude. Mas é por Werther que também aprendemos que
o ideal de amor romântico se mantém como infinito sempre distante frente ao que no
presente se impõe como um impasse amoroso. O conflito entre ideal e real, entre as
aparências e a unidade fundamental se faz presente em Werther por um conflito
intransponível que o jovem então opta por solucionar em um infinito ainda mais
distante, na vida eterna.
O impasse e o conflito amoroso descritos por Werther, se desdobram enquanto
este nos descreve uma Lotte serena, sempre muito afetuosa e carinhosa com ele em seus
suplícios por atenção. É esta a Lotte idealizada por Werther que, apesar de presenciar a
obsessão do jovem por sua imagem, mantém sempre, segundo os olhos dele, uma
tranqüilidade que parecia inabalável. Todavia, não é apenas de Werther o conflito
amoroso, mas também de Lotte; conflito a que temos acesso apenas quando lemos a
descrição do editor do livro que nos vem narrar os últimos dias de Werther e tudo o que
foi vivido pelo jovem fora de suas cartas. É pelos olhos do editor que conhecemos uma
Lotte que, à sua maneira, sofre também as dores e as delícias de seu amor por Werther.
Nos últimos dias de Werther, os encontros com Lotte se tornam mais difíceis
que Albert então marido de Lotte não mais demonstrava a tolerância de até então
com a presença do jovem. Desde que o marido enfim impõe um limite aos encontros
entre o jovem e sua amada, Lotte presenciara os dias de sofrimento vividos por Werther
e então, no último dia em que se encontrariam, por um momento Lotte pressente o
“terrível projeto” de Werther (GOETHE, 1787/1999, op. cit., p. 139). Neste momento,
revela seu amor e sua dor pelo jovem. Ao deparar-se, como Werther, com a imposição
radical de um impossível ao encontro amoroso desde que suspeita do suicídio do jovem,
Lotte inclina-se a um Werther, que então se atirara aos seus pés “completamente
desesperado” e, quando “suas faces ardentes se tocaram”não é mais apenas o mundo do
jovem que se dilui, mas “o mundo deixou de existir para eles”. E é então diante dos
“beijos furiosos” de Werther que ela enfim se despede “oscilando entre amor e cólera”.
(GOETHE, 1787/1999, op. cit., p. 139. O grifo é nosso.).
35
Considerando nossa leitura da obra “Os sofrimentos do Jovem Werther”,
acreditamos ser-nos possível depreender, das dores e delícias do amor de Werther e
Lotte, uma experiência romântica de amor. Werther nos ensina que a experiência
amorosa coloca em cena não um encontro com a complementaridade amorosa em uma
unidade plena entre amado e amante, mas a recorrente imposição de um impasse ao
encontro amoroso. Neste sentido, observamos que a experiência romântica de amor
carrega, assim como o projeto romântico, um encontro com uma experiência de cisão,
ruptura, desencontro amoroso, de modo que não observamos a presença do ideal
romântico senão sob a forma de uma suposição, um apelo, um anelo pela plenitude
amorosa.
Todavia, Werther nos ensina, da mesma forma, que ao conflito entre a imposição
de um real que aponta para a impossibilidade da unidade amorosa e a crença em uma
complementaridade possível entre os amantes, o amor romântico responde pela aposta
de superação em um infinito sempre distante daquilo que o presente impõe como
impasse ao encontro amoroso. Acompanhando o movimento romântico, a experiência
de cisão radical entre Werther e Lotte é acompanhada da afirmação de sua contingência,
posto que o impossível do encontro amoroso remete o amante ao ideal do encontro em
um futuro sempre distante quem sabe em morte onde enfim seria encontrada uma
experiência de plenitude amorosa.
Observamos que frente à “topada” com um presente disruptivo, cindido, e não
ideal, o movimento responde pela suposição de um passado ideal a partir do qual se
torna possível supor um encontro futuro com a unidade perdida no presente.
Sublinhamos até aqui este conflito que nos parece insuperável entre o apelo em busca
do ideal e a imposição de um limite a este.
Todavia, se foi pela via do amor que pudemos sublinhar o conflito sempre
presente entre a limitação do real e a infinitude do ideal romântico, será também no
amor que encontraremos uma ilustração do movimento romântico na afirmação da
contingência não apenas da limitação real, mas do próprio conflito. A afirmação desta
contingência, encontramos na reconstrução social de Rousseau, que nos apresenta uma
proposta real de superação dos conflitos românticos e, principalmente, dos impasses
colocados no amor. Na leitura do amor proposta por Rousseau, veremos o anelo pela
plenitude ganhar corpo em um projeto real de “reencantamento do mundo”.
36
I.4 – O ideal de amor romântico: Rousseau e a promessa de uma
felicidade comum
Circunscrevemos como característica que se destaca no Romantismo uma
tendência nostálgica articulada à suposição de um passado ideal e pleno que guiaria
todo o movimento romântico. Todavia, Loureiro nos chama atenção para que tenhamos
o cuidado de não definir os românticos quando afirmamos que se referem ao passado
como ideal e pleno como retrógrados ou conservadores (LOUREIRO, 2002, op. cit.,
p. 195). Pelo contrário, deste descontentamento romântico, podemos encontrar
propostas reais de (re)construção de um mundo ideal; propostas que podem ser
“inéditas, desafiadoras e revolucionárias” (loc. cit.). Dentre tais propostas
revolucionárias
3
, nos será interessante destacar aqui a de Rousseau, grande precursor do
Romantismo e, segundo a leitura de Lejarraga, “responsável indiscutível pelo ideal de
amor romântico” (LEJARRAGA, 2002, p. 29). A proposta de reconstrução social de
Rousseau será por nós discutida a partir das contribuições de Barros (1995), Costa
(1998), Lejarraga (2002) e Toledo (2002).
Se iniciamos nosso capítulo pela observação de que Freud nos indica que um
amor feliz estaria diretamente articulado a uma aposta narcísica e, portanto, calcada em
uma experiência apenas mítica, encontramos em Rousseau um projeto real de
reconstrução social guiado pelo ideal romântico e que nos parece ter como norte o ideal
de um amor feliz. Encontramos em Rousseau, por conseguinte, não apenas a crença na
possibilidade de encontro com um amor feliz em um infinito sempre distante, mas a
indicação de um caminho para este encontro pela via de uma reconstrução social que
acreditamos poder ganhar o nome de uma disciplina do amor feliz
4
.
Baseando sua visão de homem em uma bondade natural para consigo próprio,
que veremos ganhar o nome de amor-de-si, Rousseau constrói uma proposta não apenas
filosófica, mas também moral e política a partir da oposição entre natureza humana e
sociedade, “termos antitéticos que [na sua leitura] se excluem reciprocamente”
(BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 81). Para o autor, a natureza humana seria corrompida
pela civilização e, então, somente por meio da recuperação do contato com a natureza
3
A utilização do termo revolucionário é proposta por Thomas Mann que o define como “vontade de
futuro” (apud LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 34).
4
Utilizamos o termo “disciplina do amor feliz inspirados por Lacan, quando este discute a aposta de
Aristóteles em construir um caminho comum a todos rumo à felicidade, nomeando a empreitada
aristotélica de uma “disciplina da felicidade” (LACAN, 1959-1960/1988, p. 351).
37
perdida seria possível encontrar a felicidade. Rousseau reconhece uma bondade natural
“isenta ainda da mácula de mãos humanas (...) anterior à cultura, de uma pureza divina e
que nos pode revelar o Absoluto” (Id., ibid, p. 81). Somente quando então inserida na
civilização é que esta natureza imaculada seria contaminada pela cultura em um
“homem social, mau e corrompido” (BARROS, 1995, p. 205).
Notamos aqui um posicionamento tipicamente romântico desde que Rousseau
busca se reencontrar com a sua origem, natureza e passado perdidos ou, nos termos de
Barros, com um “homem antes da queda” (loc. cit.). Todavia, lembrando o caráter
revolucionário também próprio aos românticos, Rousseau não apenas se queixa daquilo
que de maldade na sociedade da qual faz parte e tampouco propõe
5
a regressão a um
“estado primitivo”. Ao contrário, propõe a construção de uma sociedade ideal que
reintegraria a cultura e a natureza que vimos poder revelar o Absoluto em uma
proposta “amorosa-política”, cuja base de sustentação é a educação do homem para o
amor.
A partir da observação do conflito natureza/sociedade, que nos parece ilustrar o
conflito romântico descrito por Bornheim entre o ideal e o real, o autor propõe uma
diferenciação entre as noções de “amor de si” e “amor próprio”. O amor de si seria o
amor natural, originário ao homem, e consistiria em um interesse por si mesmo, em
“manter-se em si próprio o suficiente apenas para conservar-se” (Id., ibid., p. 206);
interesse, portanto, pela preservação de sua vida. Este amor não se relacionaria
diretamente ao outro, mas a uma busca pelo bem-estar próprio (LEJARRAGA, 2002, p.
30). O amor de si, no entanto, pode corromper-se pela presença do outro,
transformando-se no amor próprio que nasce da comparação entre os homens,
constituindo a base da sociedade e de sua própria alienação. Contaminado pela vaidade,
inveja e hostilidade entre os sujeitos, o amor próprio constitui um “voltar-se para si (...)
sem considerar o prejuízo da própria conduta em relação ao outro (...); [trata-se de um]
egoísmo” (BARROS, 1995, op. cit., p. 206) e é tanto resultado da inserção na sociedade
corrompida, como a própria origem do mal que define a vida social.
Como forma de não se corromper no amor próprio, provocando a disputa entre
os membros de uma sociedade, Rousseau então aposta no que Costa denomina uma
5
Apesar de conhecidos os últimos anos de Rousseau como anos de reclusão e isolamento, a reclusão ou
afastamento do social não se encontram em sua proposta de reconstrução social (BARROS, 1995, op.
cit.).
38
“pedagogia sentimental” (COSTA, 1998, op. cit., p. 67). Segundo a reconstrução social
de Rousseau, seria necessária primeiramente uma vinculação do amor próprio ao
sentimento também natural ao homem de piedade, onde o outro seria olhado não
como adversário com quem competir e a quem superar, mas com um olhar de
compreensão, cuidado e preocupação. Neste caminho, o amor de si e o sentimento de
piedade deveriam ser desenvolvidos “com vistas ao bem comum” (BARROS, 1995, op.
cit., p. 183).
Observamos que a partir do pressuposto de que o homem é naturalmente bom,
caberia então, no que Bornheim muito bem define como a “doutrina de Rousseau”
(BORNHEIM, 2005, op. cit., p. 80), educá-lo para que constitua junto aos seus
semelhantes uma sociedade “amável” e feliz, apostando Rousseau na educação como o
instrumento transformador da sociedade em sua busca pelo retorno à origem boa do
homem. Neste sentido, “o homem deveria ser orientado para ser bom, útil para os outros
e para si mesmo e, assim, alcançaria a felicidade” (TOLEDO, 2002, p. 30).
Como protótipo de sua sociedade ideal, Rousseau nos aponta a família como “a
mola mestra da transformação social” (Id., ibid, p. 30). É o que ilustra seu “romance
educativo” (LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 33) de Emílio e Sofia, onde Rousseau nos
indica uma esperança de que ao menos na pequena sociedade conjugal, se pudesse
promover a vida moral que dá ao ser humano a oportunidade de ser bom e realizar a sua
natureza” (BARROS, 1995, op. cit., p. 187). Observamos que para que se sustentasse a
família como sociedade ideal, o amor valorizado pela proposta rousseauniana era o
amor conjugal; aquele que viabilizasse a constituição e manutenção da instituição
familiar. Desde então vemos, uma vez mais, duas formas de amor
6
se distinguindo no
projeto rousseauniano.
Rousseau considera o ato sexual como o maior dos prazeres, ganhando um lugar
de destaque em sua proposta político-amorosa cujo objetivo é a felicidade.
(LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 31). No entanto, este não seria, na leitura de Rousseau,
o amor propriamente dito, mas sexo, desejo sexual; sentimento efêmero que em si não
concordaria com os propósitos de manutenção do laço conjugal. Para que este laço
perdure, deve então advir, sim, o amor e, para tal, deverá reincidir um caráter
6
Discutiremos, em nosso segundo capítulo, de que maneira este ideal romântico se faz presente na obra
freudiana em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905/1974, op. cit.) pela distinção
proposta por Freud entre as correntes sensual e terna dirigidas sobre um mesmo objeto.
39
pedagógico, posto ser necessário “domesticar a potente força da natureza que é o sexo”
(COSTA, 1998, op. cit., p. 67). Para que se sustente a sociedade familiar idealizada por
Rousseau, é preciso que se estabeleça uma “aliança entre sexo e amor. Era necessário
que o sexo fizesse par com o amor para que a potência sexual rendesse bons frutos”
(TOLEDO, 2002, op. cit., p. 31). Mas este amor, de que se trata?
Lejarraga nos responde que este amor se baseia na imaginação, o que incluiria
uma idealização do objeto de amor. Por meio da imaginação, o objeto que até então era
um objeto de paixão e, junto a esta, efêmero, passa a ser o objeto, único, por meio do
qual seria possível encontrar um prazer pleno. Mais uma vez Rousseau recorre à
educação quando nos propõe que citamos Lejarraga: “essas paixões devem ser
educadas para serem vividas amorosamente, e proporcionar um prazer pleno”
(LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 31). Educadas, ainda, para amarem um apenas, uma
vez que a exclusividade é também um dos pilares do amor de Rousseau. Assim, citamos
novamente as palavras de Lejarraga: “A moderação regula a imaginação no sentido de
idealizar um único objeto de amor, como forma de atingir a estabilidade e a
felicidade” (Id., ibid, p. 32).
A partir da noção de imaginação e da educação das paixões, podemos deduzir
que Rousseau, em sua proposta de reconstrução social, estaria apontando para o que irá
circunscrever não somente o ideal de amor romântico mas também a definição do
próprio objeto do amor romântico. Desde Rousseau o amor é circunscrito como a
eleição de um objeto único e idealizado como o meio através do qual o sujeito
encontraria não somente os maiores prazeres, mas também a felicidade plena na
sociedade da família. No que concerne à leitura do amor proposta por Rousseau em sua
relação com o projeto romântico, o amor se destaca, se corretamente educado e
cultivado, como um meio através do qual se torna possível encontrar o Absoluto, a
plenitude ou, em nossos termos, um amor feliz.
De nosso estudo do Romantismo deduzimos por fim, a partir de Rousseau, um
ideal de amor romântico como a eleição de um objeto específico sobre o qual são
depositados o desejo sexual e a imaginação própria à idealização amorosa. A união
junto a este objeto, por sua vez, se destaca como via de encontro com o Absoluto ao
qual aspiram os românticos; absoluto ao qual se articula uma idéia de felicidade plena.
Não apenas o encontro com o objeto de amor seria uma das vias de encontro com o
40
Absoluto mas, na leitura de Costa, o ideal de amor romântico projeta que o encontro
com “a pessoa que se ama (...) entre todas as pessoas do mundo” (COSTA, 1998, op.
cit., p. 147) se constitui como condição sine qua non da máxima felicidade a que
podemos aspirar” (Id., ibid, p.13).
Podemos observar que o ideal de amor romântico aposta na possibilidade de um
bom encontro amoroso, um encontro amoroso feliz, posto que supõe uma
complementaridade possível no amor. Fica evidente que segundo a leitura de Rousseau,
existiria uma via de encontro com a complementaridade amorosa a partir da qual o mal-
estar na cultura seria superado. É com base na suposição de uma complementaridade
amorosa como via de superação do mal-estar na cultura, que Rousseau propõe um
projeto que se delimita de caráter universal a partir do qual podemos depreender uma
pedagogia, uma doutrina, ou em nossos termos, uma disciplina do amor feliz, posto que
“mostra os caminhos onde pretende conduzir qualquer um que o siga em sua
problemática” (LACAN, 1959-1960/1988, op. cit., p. 351).
O amor proposto pela disciplina do amor feliz de Rousseau é recíproco, como
bem destaca Lejarraga, não havendo diferenças entre o amado e o amante
7
ou qualquer
espaço para a emergência de um descompasso entre estes. Na contramão do que
aprendemos pela história de amor entre Werther e Lotte, a saber, a imposição recorrente
da impossibilidade de um bom encontro, do encontro com a complementaridade
amorosa, no ideal de amor romântico de Rousseau não encontramos brecha para o mal-
estar, para o descompasso. Reafirmamos, por conseguinte, que na disciplina do amor
feliz de Rousseau, não haveria espaço para o encontro com um mal-estar amoroso ou
em nossos termos, para um descompasso entre os amantes.
Como via para o Absoluto, o próprio encontro amoroso se revela na leitura de
Rousseau como um encontro pleno. Como destaca Toledo, “o amor idealizado e
propagado pela filosofia rousseauniana era um amor que deveria ser pleno, completo e
veículo de felicidade” (TOLEDO, 2002, op. cit., p. 36). Seguindo sua proposta,
Rousseau nos indica que se algo no amor aponta para um limite, um impasse, uma não-
complementaridade entre os amantes, é porque algo neste “amor”, não é Amor. É
porque algo na escolha e no cultivo do amor não foi educado como deveria.
7
Parece-nos muito claro, aqui, de onde Freud retira a idéia de que amar e ser amado define um amor feliz
(FREUD, 1914/1974, op. cit.).
41
Rousseau acompanha de perto o projeto romântico desde que reafirma a
contingência do mal-estar na cultura ou do que definimos ser o encontro com uma
experiência de ruptura ou cisão. O mal-estar na cultura ou um mal-estar no amor
advindo da imposição de um limite à complementaridade, é lido por Rousseau como
resultado de um conflito pontual entre natureza e cultura. Pontual posto que pode ser
superado pela educação das paixões e pela construção de um amor ideal. Reafirmando
romanticamente, como Béguin, a contingência do mal-estar na cultura como uma
aparência efêmera e decepcionante que foge à natureza boa do homem em sua unidade
profunda e verdadeiramente real e assim, ilustrando o conflito romântico sublinhado por
Bornheim entre real e ideal, Rousseau ele mesmo acredita que apenas J.J. (...)
pareceu mostrar aos homens o caminho da verdadeira felicidade ao ensinar-lhes a
distinguir a realidade da aparência” (ROUSSEAU apud BARROS, 1995, op. cit., p.
171). Rousseau nos permite enfim deduzir dessas palavras que seu projeto “para o amor
não admitia falhas” (TOLEDO, 2002, op. cit., p. 32), o que encerra a felicidade amorosa
em uma disciplina universal do amor segundo a qual tornar-se-ia possível a todos o
encontro romântico com o Absoluto.
I.5 – Freud: um herdeiro rebelde
Tendo chegado ao cerceamento da vertente ou faceta do Romantismo que
acreditamos importante salientar, e tendo discutido a mensagem que é transmitida pelo
estilo romântico acerca do amor, é chegada a hora de pensarmos de que maneira Freud
se apropria do pensamento romântico do qual é herdeiro. De forma mais ampla nos é
possível dizer que a proposta clínica e ética freudiana não se guia pela crença em uma
unidade primeira ou na aposta da superação dos dualismos mas que Freud, ao contrário,
afirma e sustenta ao longo de toda sua obra um dualismo incontornável que
determina que não é de felicidade que vive um homem, mas de um movimento em
“ritmo vacilante” imposto pela pulsão (FREUD, 1920/1974, p. 58). Tendo esta leitura
como norte, nos perguntamos que lugar ocupará então o movimento romântico e sua
articulação do fenômeno amoroso para Freud se “o certo é que perfeição e totalização
estão longe de ser prêmios acessíveis aos que se deitam no divã tout ao contraire”.
(LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 326). Esta será a pergunta à qual pretendemos, se não
responder, ser capazes de produzir um espaço de reflexão. Se de maneira superficial
42
poderíamos deduzir que Freud constrói sua obra segundo pressupostos diferentes
daqueles do movimento romântico, será possível observar, todavia, no que concerne ao
amor, a importância que este movimento terá como possibilitador das reflexões
freudianas movimento com o qual, ao final de nosso trabalho, veremos que Freud foi
capaz de romper de uma maneira muito singular.
No que concerne ao amor, ao longo de nosso percurso dentro do Romantismo
sublinhamos o lugar do mal-estar e do encontro com um impasse e um impossível da
complementaridade amorosa, destacando ainda, a maneira específica e idealizada
pela qual o movimento romântico responde a uma experiência de crise. Assim como nos
foi possível destacar do movimento romântico uma teoria que afirma o caráter
necessário e não contingente da experiência de mal-estar, apostamos que nos será
possível identificar em Freud um herdeiro do movimento romântico e de sua definição
do amor uma vez que ele se debruça sobre o projeto romântico para como
pretendemos desde aqui indicar recolher os impasses colocados por este, a partir dos
quais poderá formular sua própria teoria sobre a condição humana e sobre o amor.
É, portanto, com a crença de que Freud é um herdeiro singular do Romantismo,
posto que não apenas administra, “conserva ou que consome e executa” sua herança,
mas que é capaz de se apropriar desta “fazendo dela algo novo e seu” (FIGUEIREDO,
2002, p.12), que nos dirigimos agora ao estudo da teoria freudiana do amor.
43
Ocorre com o verdadeiro amor assim como com a
aparição dos espíritos: deles todo mundo fala, mas
poucas pessoas os viram.
Monzani
44
CAPÍTULO II – O AMOR EM FREUD: SOBRE O
POSICIONAMENTO FREUDIANO FRENTE ÀS
TENDÊNCIAS DO AMOR
Qual foi a contribuição de Freud, sempre sozinho, para este
tema? A ideia de um objeto harmônico, encerrado, por sua
natureza, a relação sujeito-objeto, é perfeitamente contradita
pela experiência não diria nem mesmo a experiência
analítica, mas a experiência comum das relações entre o
homem e a mulher. Se a harmonia nesse registro não fosse
coisa problemática, não haveria análise em absoluto. (...) há,
nesse registro, uma hiância, alguma coisa que não funciona.
LACAN
A partir de nosso primeiro capítulo, foi-nos possível circunscrever que o estilo
romântico, definido como uma “busca da unidade perdida” merece ser sublinhado não
apenas por sua tendência à unidade ou totalidade harmônica, ao absoluto, mas também
por sua experiência de crise, cisão, mal-estar. Desde então nos distanciamos daquilo que
o senso comum pode entender por Romantismo como uma vida de contos de fadas, para
salientar o presente romântico como uma vivência de ruptura. A esta vivência o
Romantismo então responde pela suposição de um passado ideal e harmônico ao qual
refere sua ideia de felicidade a partir do qual se torna possível supor um futuro mais
feliz. Neste sentido, identificamos o posicionamento romântico como a afirmação da
experiência de cisão como uma contingência contingência que permite a suposição da
superação passada ou futura daquilo que o presente impõe como corte ao Um buscado
pelo romântico. Destacamos: romântico é aquele que busca a unidade, à qual refere uma
ideia de felicidade, somente ali onde não a tem. Felicidade que se coloca apenas em um
infinito sempre distante.
No projeto romântico de felicidade vimos destacar-se então o amor como via
privilegiada para o (re)encontro com o Um. O Um, no amor, seria supostamente
(re)encontrado pela união com um objeto privilegiado, identificado como aquele a
proporcionar a maior das felicidades. Do Romantismo destacamos então o projeto do
amor romântico, a união com um objeto supervalorizado uma vez que suposto aquele a
permitir ao sujeito a tão sonhada experiência de um happy end. Nesta visada, Rousseau
ilustra o projeto romântico de amor quando nos oferece o que nomeamos uma
“disciplina do amor feliz” como resultado de uma operação que somaria a eleição de um
objeto único e supervalorizado e uma bondade e amor naturais ao homem. No entanto,
também no amor romântico encontramos ilustrações de uma experiência romântica
de cisão.
No que direcionamos nossos olhares ao caso de amor clássico da literatura
romântica Werther, de Goethe encontramos, uma vez mais, não contos de fadas,
mas a recorrente imposição de um impasse ao encontro amoroso como experiência do
Um. O amor romântico se define desde então, da mesma forma, como uma experiência
de cisão acompanhada da afirmação de sua contingência representada pela suposição de
que em um futuro sempre distante quem sabe em morte seja enfim encontrada uma
experiência de plenitude.
No final de nosso capítulo, nos foi ainda possível propor uma distinção entre
uma ideia de amor e uma experiência de amor romântico. A ideia ou ideal de amor
romântico é a de via para a felicidade vivenciada pela união com um objeto idealizado.
É esta a visada depreendida do verdadeiro amor” romântico, como bem ilustra a
proposta rousseauniana. A esta ideia de amor, entretanto, se impõe uma experiência de
amor, esta, uma experiência de cisão, de limite ao Um e, por conseguinte, da afirmação
do caráter de construção do “verdadeiro amor”. Pudemos concluir daí que o romântico
vive um conflito entre o que projeta no ideal e o que experiencia no presente,
respondendo então ao conflito pela afirmação da experiência de ruptura como pontual e,
por conseguinte, superável. Desde então pudemos observar que, no que concerne ao
amor, afirmar a contingência de um descompasso entre os amantes é fixar os olhares em
um ideal de amor ali onde a experiência amorosa coloca ou evidencia um impasse.
Indicamos que nos instigara desde nossa primeira entrada no estudo freudiano do
amor, uma articulação proposta por Freud entre o movimento amoroso e uma aposta em
uma unidade possível entre eu e objeto, à qual se vincularia um ideal de felicidade.
Freud nos indica que o amor se endereça ao (re)encontro com uma felicidade perdida,
que vemos articular-se na teoria freudiana a um ideal narcísico de indistinção entre eu e
objeto, nomeada por Freud em 1914 de um “verdadeiro amor feliz” ou um narcisismo
46
primário. A esta afirmação se somaram ainda outras como aquela onde Freud identifica
que a reciprocidade amorosa o amar e ser amado seria para o homem uma via de
encontro com uma experiência de felicidade. Suspeitando, a partir destes recortes da
obra freudiana, de uma aproximação possível entre a ideia romântica de amor e o amor
assim como Freud o apresenta, nos interessamos desde então em mergulhar na teoria
freudiana na tentativa de depreender o que Freud nos diz sobre o amor. Neste caminho
nos perguntamos de saída em que medida Freud definiria o amor assim como os
românticos, como aposta e aspiração a uma felicidade da plenitude. Apostando de saída
que a leitura do amor apresentada por Freud se aproxima à ideia de amor romântico,
perguntamo-nos em seguida qual seria o posicionamento de Freud ante as aspirações
românticas próprias ao amor.
Ao longo dos textos onde Freud mais claramente discute a temática do amor,
sustentaremos nossa aposta de que Freud parte de uma definição romântica do amor
para romper com o projeto romântico, à medida que circunscreve o apelo romântico
como um apelo narcísico. Por outro lado, paralelamente aos seus comentários acerca do
amor, onde nos parece partir de uma aproximação com uma leitura romântica,
sublinharemos desde a letra freudiana como foi possível a Freud, ao longo de sua obra,
identificar indícios de uma aproximação entre pulsão e amor, o que lhe permitirá então
romper de forma mais radical com o projeto romântico. Esta construção freudiana, que
em linhas gerais podemos dizer que parte de um amor romântico para a afirmação da
força pulsional, nos permitirá dar enfim a Freud o lugar de enclave ao Romantismo. Isto
porque recolhe do ideal romântico de amor guiado por um ideal de felicidade
narcísica uma experiência de descompasso amoroso, para em seguida afirmar, pela
articulação entre amor e pulsão, um hiato insuperável entre o homem e a experiência
de um amor feliz.
Em nosso mergulho no diálogo entre Freud e o Romantismo pela via do amor,
encontramos um traçado comum em Inês Loureiro e mais especificamente em seu livro
“O carvalho e o pinheiro: Freud e o estilo romântico” (LOUREIRO, 2002, op. cit.),
onde a autora nos propõe que guiemos nosso estudo da articulação entre Freud e o
Romantismo partindo da premissa de que Freud é um “pensador híbrido, cujo
pensamento não se deixa aprisionar em uma única categoria” (Id., ibid., p. 24).
Acompanhando a leitura de Loureiro, não nos será tão interessante propor responder ao
47
final de nosso percurso à pergunta: Freud é romântico? A resposta a esta pergunta,
formulada em termos categóricos, se coloca impossível quando nos referimos a Freud
uma vez que, apesar de sua obra nos permitir arriscar que “Freud não é
fundamentalmente um romântico, pois não compartilha as pretensões harmonizadoras e
totalizantes que marcam fortemente [um] tal estilo” (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 17),
o texto de Freud parte do solo romântico, sendo portanto deste solo um herdeiro.
Seguindo o traçado de Loureiro, convidamos desde aqui o leitor a acompanhar-
nos não em uma classificação de Freud “nesta ou naquela rubrica”, mas a que, tendo
como ponto norteador a articulação entre amor e pulsão dentro da obra freudiana,
acompanhemos “em seu pensamento, nas várias faces de sua obra, e mesmo ao longo de
um mesmo texto, os elementos românticos e principalmente as tensões que instauram
com outros elementos” (Id., ibid., p. 24). Neste sentido, perguntamo-nos sobre os
elementos românticos do amor presentes na obra freudiana e sobre uma tensão que se
estabelece entre esses elementos e o conceito freudiano de pulsão. Indicamos, portanto,
ao leitor que nosso texto será acompanhado por esta tensão, onde veremos Freud se
aproximar e se distanciar da definição romântica do amor ao mesmo tempo em que
distancia e aproxima amor e pulsão. Convidamos o leitor a sustentar, portanto, este
vaivém que acompanha e vida a nosso texto, porquanto mantém a tensão entre Freud
e o Romantismo e entre amor e pulsão.
II.1 – Nosso recorte
Em nosso mergulho na teoria freudiana, visamos circunscrever as diferentes
tonalidades pinceladas por Freud no que concerne ao amor. Cabe então, de saída,
salientarmos o fato de o termoamor” não ser delimitado como um conceito por Freud,
salvo em sua articulação com o conceito de Eros, próprio à sua segunda teoria pulsional.
Por um lado, este fato nos abre espaço para tentar ler as variadas formas com que Freud
faz uso do termo de acordo com a articulação e o momento em que se encontrava em
suas construções teóricas. Por outro lado, instiga-nos a reconhecer uma constância no
uso do termo na tentativa de entender, apesar das variações encontradas em sua
aplicação, o que é o amor para Freud. Propomos-nos neste momento a destacar alguns
dos comentários de Freud sobre o amor e, para tal, sugerimos que o leitor nos
48
acompanhe em uma divisão construída apenas para fins didáticos da apresentação
do amor no texto freudiano nos seguintes momentos:
1 Psicanálise: a clínica do amor que lugar o amor ocupa na clínica freudiana da
neurose?
2 Amor e pulsão uma articulação entre o conceito freudiano de pulsão e o amor a
partir de comentários presentes no primeiro e no segundo dualismos pulsionais.
3 – Amor e paixão – os ideais egoicos.
Como bússola de nosso estudo destacamos nosso segundo tópico, ao qual
dedicaremos maior atenção. No que concerne as outras duas abordagens freudianas do
amor pretendemos, ao final de cada etapa, apontar algumas aproximações possíveis
entre as observações freudianas acerca do amor e uma leitura romântica. Entretanto,
será sobre o diálogo entre amor e pulsão que nos aprofundaremos mais diretamente
apostando, conforme indicamos, que este apontará de forma mais clara uma
possibilidade de diálogo entre uma concepção romântica de amor e a maneira como
Freud comenta o amor. Para retornar ao texto freudiano, consideramos primordialmente
as contribuições trazidas por Serge André (1987), Falbo (1998) e Lejarraga (2002, op.
cit.), além das indicações do dicionário psicanalítico de Kaufmann (1996) e de alguns
dos comentários de Lacan (1953-54/1986, 1956-57/1985, op. cit., 1959-60/1988 e
1964/1985)
II.2 – Psicanálise: a clínica do amor
As primeiras referências de Freud ao fenômeno amoroso são por nós
encontradas em seus relatos clínicos de casos de histeria. Casos amplamente discutidos,
como o de Lucy R., Elizabeth von R. e de Dora (FREUD, 1893/1974) são permeados
por amores proibidos e, consequentemente, recalcados. Para falar de amor, é também de
seus casos clínicos de histeria que Freud parte.
No que diz respeito à descrição dos casos clínicos, Freud refere-se à vida
amorosa de forma geral e abrangente mas ao construir, a partir destes, seu arcabouço
teórico, faz equivaler a vida amorosa de suas pacientes a representações eróticas ou a
moções sexuais (LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 50). Observamos esta equivalência
quando vemos Freud definir seus casos de histeria, que descreve como decorrentes de
fracassos amorosos, como casos onde uma excitação sexual não fora descarregada. É o
49
que ocorre com Elizabeth von R. em seu amor proibido endereçado ao cunhado: ânsia
de amor que tivera que ser pela moça recalcada. A intervenção clínica de Freud
chegaria então a seu fim quando “a ab-reação do amor que ela havia refreado por tanto
tempo” fosse então alcançada (FREUD, 1893/1974, p. 208). Da mesma forma Miss
Lucy havia caído enferma em consequência do recalque de um amor não correspondido
endereçado a seu patrão. O mesmo ocorrera com Dora, envolvida no triângulo amoroso
que incluía seu pai, o Sr. e a Sra. K. Freud observa que “Dora se sentia incapaz de ceder
ao amor” pelo Sr. K e “recalcava esse amor em vez de render-se a ele”(Id, 1905 [1901]/
1974, p. 84).
Do estudo destes casos clínicos de histeria, Freud tira importantes conclusões
acerca do lugar do amor na neurose histérica. Ele observa que o que de comum aos
casos de histeria, é uma “excessiva busca de amor, a princípio atendida pela família”
(Id, 1893/1974, op. cit., p. 210). Mais do que uma característica comum aos casos de
neurose, Freud em seguida define, pela via do amor, um “traço principal do caráter de
crianças inclinadas à histeria: elas são insaciáveis por amor” (Id, 1900/1974, p. 212).
Sabemos que somente em 1905 Freud mais claramente definirá a neurose como
uma forte inclinação sexual que tem origem comum com a perversão, mas que tem seus
impulsos negados, recalcados, o que permite a ele construir a afirmação “de que a
neurose é o negativo da perversão” (Id, 1905/1974, op. cit., p. 244). No entanto, desde
seus estudos sobre a histeria, Freud reconhece na neurose a presença de uma ânsia de
amor que vimos até aqui ser equivalente a uma ânsia sexual. Esta ânsia de amor, ele
explica, é decorrente de um amadurecimento sexual precoce que se transforma
“(enquanto a criança é jovem ou não, até que alcance a puberdade) em algo que deve ser
posto no mesmo nível de uma inclinação sexual” (Id, 1905 [1901]/1974, op. cit., p. 54).
Freud conclui daí que a histérica é uma “menina em sua ânsia por amor”
8
(Id., ibid, p.
42) e, estendendo em seguida a problemática de insaciabilidade amorosa à sintomática
neurótica, e não apenas histérica, deduz que aquelas crianças “cuja constituição as
marca para uma neurose” e que têm amadurecimento sexual precoce “nutrem desejo
insaciável de amor” (Id., ibid, p. 54).
No que diz respeito às primeiras referências freudianas, fica evidenciada uma
equivalência direta entre o amor e a sexualidade de forma mais ampla. Num primeiro
8
Freud refere-se aqui mais especificamente a sua paciente Dora.
50
momento, Freud não sublinha a aproximação entre esta sexualidade recalcada, impulsos
não ab-reagidos, não-descarregados, à pulsão, mas aos representantes psíquicos
incompatíveis à consciência. No entanto, vale lembrarmos que é desta negação ou
recalque à sexualidade que Freud deduz seu primeiro dualismo pulsional que
circunscreve a sintomática neurótica: o dualismo pulsão sexual versus pulsão do eu.
Observamos, por conseguinte, que a partir das primeiras referências clínicas freudianas,
não encontramos espaço para propor uma distinção entre o amor e a pulsão sexual,
aparecendo ambos, no campo da neurose, articulados a uma ânsia e insaciabilidade
amorosas.
A partir de nosso retorno às primeiras referências freudianas acerca do amor,
deparamos-nos com a informação de que as pacientes histéricas de Freud aspiravam a
um amor proibido. Desta constatação, vimos Freud concluir que suas pacientes
guardavam um amor recalcado, amor que, uma vez ab-reagido, poria fim aos sintomas
que lhes viriam até então como substitutos de uma satisfação amorosa; ab-reação que
poria fim, por conseguinte, à intervenção clínica possível a Freud (FREUD, 1893/1974,
op. cit., p. 208). A neurose é resultado não somente de uma insaciabilidade no amor,
como também de um amor que habita o inconsciente e que deve, tão logo seja possível,
retornar à consciência. Torna-se claro que o amor ganha destaque na construção
freudiana de uma clínica da neurose, posto que sua proposição de uma intervenção
psicanalítica no amor se encaminha para uma primeira abordagem da clínica da
neurose presente desde seus primeiros casos de histeria, de onde podemos depreender
ainda uma aposta em uma cura possível advinda da ab-reação ou descarga dos impulsos
recalcados. É o que Freud nos resume nesta passagem:
O processo de cura é realizado numa reincidência no amor, se no termo ‘amor’ combinamos
todos os diversos componentes do instinto sexual; tal reincidência é indispensável, pois os
sintomas que provocaram a procura de um tratamento nada mais são do que precipitados de
conflitos anteriores relacionados com a repressão ou com o retorno do reprimido, e podem ser
eliminados por uma nova ascensão das mesmas paixões. Todo tratamento psicanalítico é uma
tentativa de libertar o amor reprimido que na conciliação de um sintoma encontrara escoamento
insuficiente (FREUD, 1906/1974, p. 91).
Freud ainda destaque ao amor na construção de uma clínica da neurose não
apenas no que concerne à elaboração de uma intervenção clínica, mas também no que
diz respeito ao desencadeamento da neurose, de modo que pode observar mais tarde
que não somente esta se deve à negação ou recalque de moções pulsionais, mas que “a
causa precipitante mais óbvia, mais facilmente descobrível e mais inteligível de um
51
desencadeamento da neurose deve ser vista no fator externo que pode ser descrito, em
termos gerais, como frustração (FREUD, 1912a/1974, p. 291. O itálico é de Freud.).
Adoece-se primordialmente por uma frustração advinda de uma não-satisfação no amor,
afirma Freud, podendo um indivíduo ter sido sadio enquanto sua necessidade de amor
foi satisfeita por um objeto real no mundo externo”.Torna-se neurótico assim que esse
objeto é afastado dele, sem que um substituto ocupe seu lugar” (FREUD, 1912a/1974,
p. 291.). Concluímos, pelas palavras de Freud, que a neurose aparece aqui intimamente
vinculada a uma infelicidade no amor; donde “a felicidade coincide com a saúde e a
infelicidade, com a neurose” (loc. cit.).
Parece-nos reafirmar-se uma vez mais o destaque dado por Freud ao lugar do
amor em sua clínica, quando sublinha uma frustração amorosa como fator
desencadeador da neurose. No entanto, não é somente no desencadeamento da neurose
que o amor aparece na clínica freudiana. Ao se dirigir a uma intervenção psicanalítica
pelos motivos mais variados o sujeito pode, também, enamorar-se por seu psicanalista.
A esta forma de amor Freud denomina: amor de transferência.
II.2.1 – O amor transferencial como ponto de virada à clinica freudiana
Vimos que, a partir do estudo de seus primeiros casos de histeria, Freud
identifica um determinante infantil tanto ao amor quanto à neurose. Afirma que a
insaciabilidade amorosa, própria a suas pacientes histéricas, estaria relacionada a um
intenso amor despendido a elas na infância pela família. Desta afirmação Freud pode
concluir que o amor consiste em novas edições de antigas características e que ele
repete reações infantis” (FREUD, 1915a/1974, p. 218). Neste mesmo caminho surgirá o
amor endereçado ao psicanalista, que será então incluído “numa das ‘séries’ psíquicas
[de substitutos] que o paciente formou” (Id, 1912b/1974, p. 134). O amor
transferencial, detalha Freud, apresenta ainda menos grau de liberdade do que o amor
dito normal (Id, 1915a/1974, op. cit., p. 219), se aproximando de um estado de
enamoramento
9
, onde Freud identifica uma falta de consideração da realidade e uma
cegueira na avaliação da pessoa amada (loc. cit.).
No que concerne à clínica da neurose, por meio do amor de transferência, Freud
observa que sua intervenção não se reduz à ab-reação de amores recalcados. O amor de
9
Retornaremos à temática da distinção entre amor e paixão ou enamoramento no decorrer de nosso capítulo.
52
transferência será, por conseguinte, fator de suma importância à virada que Freud a
sua intervenção clínica, desde que evidencia um caráter compulsivo próprio ao amor
endereçado à figura do médico.
Por meio do trabalho com a resistência, Freud se deparara com um limite à
intervenção pautada na ab-reação. Ele conclui que nem tudo pode ser revelado à
consciência e que a intervenção que consistia em reunir o material inconsciente oculto
ao paciente para, num momento oportuno, comunicá-lo (FREUD, 1920/1974, op. cit., p.
31), deve então ser revista. Uma vez reconhecendo a existência de um núcleo recalcado
não passível de descarga ou de ascensão à consciência, Freud afirma um limite não
apenas à psicanálise como uma “arte interpretativa” (loc. cit.), mas à própria noção de
cura dentro da intervenção psicanalítica, uma vez que evidencia que a sintomática
neurótica não se reduz a um “acontecimento passado”, mas traz à cena uma força
[sempre] atual
(Id., 1914b/1974, p.198. O grifo é nosso.). Se Freud identificara um
limite à sua clínica da ab-reação, apostamos que suas observações do amor
transferencial lhe abriram caminho para trilhar sua nova técnica, que se guiará não
mais pelo retorno do recalcado mas, em linhas gerais, pelo posicionamento do sujeito
frente ao que nele se faz presente como uma compulsão à repetição.
O amor endereçado ao analista, Freud observa desde 1914, reedita as relações
amorosas próprias ao período da primeira infância; o analista é um substituto das figuras
parentais. É preciso tirar consequências desta constatação. Freud o faz afirmando que
aquele que se endereça à sua clínica, sofre de uma compulsão a repetir sua história
infantil. Não repete arbitrariamente, mas revive em análise todas as experiências que,
até então, não obtiveram satisfação (Id, 1920/1974, op. cit.). A intervenção possível a
Freud, a partir de então, não é pôr fim a esta compulsão, tarefa impossível, mas antes,
permitir uma mudança de posicionamento do sujeito frente à compulsão ou ainda, frente
a esta força sempre atual que, na imposição de uma insatisfação, nele se atualiza.
Por meio de um estudo da repetição em análise apontada pelo amor
transferencial, Freud nos indica que, na repetição, o sujeito não insere seu sofrimento
atual em sua história. Ao contrário, reconhece suas dores como “algo real e
contemporâneo” (Id., 1914b/1974, op. cit., p. 198). O sofrimento do paciente é por este
encarado, ainda, como um parasita que então deve ser apontado e retirado pela figura do
médico psicanalista. Mas Freud sustenta, ao contrário, que frente a esta repetição
53
caberia ao analista incluir o sujeito em seu sofrimento, identificando seu sofrimento
atual não a um incômodo externo do qual o paciente deva tentar livrar-se ou
desconsiderar adotando uma “política de avestruz” (FREUD, 1914b/1974, op. cit., p.
199) mas a algo que diz respeito, dissemos, a uma “força [sempre] atual” (Id, ibid,
p.198) contra a qual, desde aqui podemos indicar, “não há como fugir” (Id, 1915b/1974,
p. 138)
No que concerne ao amor reeditado em análise, fica desde aqui indicado que, no
lugar de afirmar o caráter pontual real, contemporâneo do impasse amoroso
colocado ao sujeito desde a infância como uma insaciabilidade amorosa, Freud sustenta
o encontro com um impasse como um inimigo digno de sua têmpera (...) que possui
sólido fundamento para existir e (...) [do] qual coisas de valor para sua vida têm de ser
inferidas” (Id, 1914b/1974, op. cit., p. 199). Neste sentido, podemos afirmar que Freud
toma o impasse amoroso atualizado em sua clínica como objeto de intervenção
analítica, posto que atualiza um modo singular com que o sujeito se posiciona frente
ao retorno de um impossível na relação objetal destacado por nós a partir de uma não-
satisfação ou ânsia insaciável por amor que em nosso trabalho articulamos à força
pulsional sempre atual formulada por Freud. No lugar, portanto, de afirmar o impasse
com o qual o sujeito se dirigira à sua clínica como contingente, direcionando seus
esforços na tentativa de ultrapassar, superar o impasse, Freud convida o sujeito, em
primeiro lugar, a “prestar atenção à sua doença” (loc. cit.). Observamos que Freud
oferece um espaço de diálogo entre o sujeito e seu impasse a partir do qual este poderá
“criar coragem para dirigir a atenção para os fenômenos de sua moléstia” (loc. cit.).
É ainda graças à relação com as primeiras experiências amorosas infantis, Freud
afirma, que o amor endereçado ao analista é da natureza do apaixonar-se” (Id,
1926/1974, p. 255). Isto, se consideramos que o amor infantil, segundo a leitura de
Freud, “é ilimitado; exige a posse exclusiva, [e] não se contenta com menos do que
tudo” (Id, 1931/1974, op. cit., p. 266). Entretanto, a exigência de amor ou, como vimos,
a ânsia de amor imposta pelo infante não é satisfeita; ainda, nas palavras de Freud, é
“incapaz de obter satisfação completa, e, principalmente por isso, está condenada a
acabar em desapontamento” (Id., ibid., p. 266).
Em concordância com aquilo que observara em sua técnica, esta ânsia de amor
não satisfeita, no entanto, não cederá, e a exigência de amor da infância será, em
54
seguida, dirigida ao analista. Nenhuma lição foi aprendida com a experiência de
desprazer vivenciada a partir dos limites colocados ao amor infantil. A despeito do
desprazer encontrado neste ou de um encontro com uma impossibilidade de satisfação
completa, o amor infantil é reendereçado à figura do psicanalista sob a forma de uma
compulsão (FREUD, 1920/1974, op. cit., p. 35). Este amor, o amor de transferência “é
de natureza realmente compulsiva” (Id, 1926/1974, op. cit., p. 256). O que fazer então
com este amor infantil, reeditado em análise?
A este amor, ou a esta demanda de amor, Freud indica, o psicanalista deve
responder com a abstinência, negando àquele que anseia por amor, a satisfação desejada
(Id, 1915a/1974, p. 214). Por meio da abstinência pretende-se que o anseio de amor
dirigido à figura do psicanalista sirva de força a incitar o trabalho analítico, tendo em
vista que no momento em que o analista mostra ao paciente que está à prova de
qualquer tentação, este último se sentirá seguro o bastante para permitir que suas
fantasias e desejos sexuais, suas precondições para amar, venham à luz (Id., ibid, p.
216). Mais ainda, transformando esse amor em objeto da análise, o analista intervirá a
partir das repetições reveladas pelo amor endereçado à sua figura. Se a neurose resulta
de uma fixação infantil prejudicial à capacidade de amor (Id., ibid, p. 219), é aceitando
ser investido deste amor sem o retribuir que Freud pretende intervir. Assim, “o enigma
do amor transferencial é solucionado e a análise pode seguir seu caminho com a ajuda
da nova situação que lhe parecera grande ameaça” (Id., 1926/1974, op. cit., p. 257).
II.2.2 - A clínica do amor: uma primeira tensão com o amor romântico
O que podemos sublinhar desde as primeiras referências freudianas ao amor
junto ao que este ensinou a Freud sobre sua clínica? Parece-nos primeiramente destacar-
se do texto freudiano que o amor consiste na tentativa de reedição das primeiras
relações amorosas infantis registradas, segundo Freud, como ilimitadas, de posse
exclusiva e não se contentando com menos do que tudo. A herança deixada a esta
suposta experiência amorosa é uma ânsia insaciável por amor que estaria fadada a
frustração ou condenada a acabar em desapontamento. No amor dentro da neurose, o
sujeito não seria capaz de abrir mão do amor que acredita ter desfrutado na infância
buscando, na série psíquica na qual o analista pode ser incluído, a reedição do que
acredita ter vivido em um passado ideal infantil.
55
No que concerne à relação entre Freud e o Romantismo podemos identificar,
desde nosso primeiro encontro com a definição freudiana de amor, um ponto muito
próximo àquele apresentado pelo amor romântico, a saber, a referência a um passado
ideal que se busca reaver no presente. No lugar deste passado referido como ideal,
identificamos o que Freud define ser o amor infantil, descrito como aquele permeado
pela suposição de uma experiência de ilimitado, tudo e, ainda, por uma posse exclusiva.
Não seria esta definição próxima ao que sublinhamos como as referências do amor
romântico: experiência de ilimitado, Um, todo, pelo encontro com um objeto exclusivo,
único? Convidamos, portanto, o leitor a acompanhar nossa proposição de que a
definição freudiana de amor permite articulá-lo, em proximidade ao amor romântico,
como uma busca de reedição de uma experiência perdida do Um, de um passado
suposto ideal. É partindo desta referência ao Um, ao todo, que se guiará o amor,
segundo Freud, como ânsia insaciável. Amor, entretanto Freud de saída identifica -
apenas experienciado como ânsia, como insaciável, como busca, o que inclui, portanto,
um desapontamento sempre presente.
Desde nossa primeira entrada no estudo do amor segundo a leitura de Freud,
propomos que o leitor destaque, por conseguinte, que o amor pode ser lido, desde o
lugar que ocupa na clínica freudiana, como uma busca da reedição de uma experiência
infantil perdida, a qual se vincula à suposição da vivência de um todo que se procura
reaver. Destaquemos sobretudo que, desde aqui, a definição de amor dentro da letra
freudiana se aproxima muito claramente do amor cantado pelos românticos.
Todavia, apostamos que desde seu estudo clínico do amor, Freud nos apresenta
concomitantemente uma primeira tensão entre sua proposição acerca do amor e aquela
que depreendemos do estilo romântico. Retomando a indicação de Inês Loureiro,
convidamos então o leitor neste momento a acompanhar-nos na observação de três
“tensões” (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 24) que se estabelecem entre o amor
romântico e o amor depreendido da pena de Freud.
Indicamos, na abertura de nosso capítulo, nossa hipótese de distinção entre amor
e pulsão, o que seria acompanhado de uma aproximação entre o amor romântico e o
amor dentro do texto freudiano. Entretanto, o primeiro ponto que podemos sublinhar
como ponto de tensão entre Freud e o Romantismo no que concerne ao amor, se
evidencia desde o momento em que Freud identifica um caráter compulsivo próprio ao
56
amor transferencial. É familiar a nós a associação que Freud estabelece entre a força
pulsional e o que ele identifica como sendo da ordem de uma compulsão à repetição, o
que nos abre espaço para propor que ele coloca, no horizonte de seu texto, uma
aproximação possível entre o amor e a lógica pulsional, ou entre um desencontro
amoroso articulado como uma insaciabilidade amorosa, e uma força sempre atual que
retorna ao sujeito como exigência de satisfação (FREUD, 1915a/1974, op. cit.). Ao
aproximar amor e com-pulsão, Freud nos indícios de que, diferentemente da aposta
romântica, um impasse amoroso não seria da ordem de um desencontro,
desapontamento ou frustração contingenciais, mas de que algo no amor retorna não a
um ideal, mas ao próprio impasse.
Pela via da observação de uma com-pulsão presente no amor, Freud nos oferece
um segundo ponto de tensão com o Romantismo desde o momento em que identifica
que no bojo do amor transferencial evidencia-se uma imbricação entre amor e uma
experiência de desapontamento. Freud nos diz: o sujeito endereça ao psicanalista, sob a
forma de uma compulsão à repetição o amor que, na infância, acabara em
desapontamento. Observamos que desde aqui Freud não mais resume o movimento
amoroso à suposição de uma experiência infantil original de plenitude perdida, de todo,
ilimitado, mas nos indica que o amor transferencial coloca em cena uma insatisfação e
uma ânsia no campo do amor, apontando para uma atualização não do ideal infantil,
mas do próprio impasse amoroso, colocado desde a infância.
Diferentemente da definição romântica de amor, que o referencia a um encontro
primordial com a plenitude, Freud nos indica que o amor, na sua leitura, se renova não
apenas pela referência e busca do todo, a unidade original, mas que se renova também
no próprio encontro com um impasse, um impossível, formulado por Freud como uma
insatisfação amorosa. Ao afirmar que o que mobiliza o movimento amoroso não é mais
apenas a crença romântica no Um, mas também a imposição de um impasse à satisfação
amorosa, Freud, diferentemente do posicionamento romântico que afirma a
contingência do impasse amoroso, afirma que o encontro com um impasse não é
pontual e contingente, mas necessário à própria renovação do amor. Onde a definição
romântica afirma uma imbricação entre amor e plenitude, Freud aqui afirma, pela
aproximação entre amor e com pulsão, uma imbricação entre amor e um desencontro,
um impasse, um impossível.
57
Vale lembrarmos que Freud nos indica essa imbricação entre amor e uma lógica
pulsional visto que identifica, em seus primeiros casos de histeria, a presença de uma
ânsia insaciável colocada no amor desde a infância. É também pela observação do
retorno não do ideal, mas de uma não-satisfação presente no amor transferencial, que
Freud volta a nos falar do amor nos mesmos termos a partir dos quais podemos falar do
conceito freudiano de pulsão como uma atualização da impossibilidade de um bom
encontro objetal. Atualização que se faz presente pelo retorno de uma exigência de
trabalho que Freud articula aqui, tanto no amor transferencial quanto na pulsão, a uma
exigência de satisfação que não cessa. Observamos, por conseguinte, que se por um
lado Freud articulara o amor infantil como a suposição de um amor ilimitado, todo, ele
em seguida nos permite depreender que o amor infantil reeditado em análise não se
articula a um bom encontro original com o objeto, mas que atualiza uma experiência
infantil de desencontro, insatisfação, frustração, desapontamento.
Neste mesmo caminho, Freud nos indica que nenhuma lição foi aprendida desta
experiência de desapontamento vivenciada na infância, sendo o amor infantil então
direcionado, sob a forma de uma compulsão, à figura do analista. Frente ao amor
transferencial, circunscrito como uma demanda de amor “de natureza realmente
compulsiva” (FREUD, 1926/1974, op. cit., p. 256), Freud sublinha mais uma vez o
lugar do desapontamento amoroso em sua clínica. O analista, ele observa, frente à
demanda de amor, a esta ânsia ilimitada de amor, deve responder pela abstinência,
sustentando, por conseguinte, uma impossibilidade de satisfação completa ou o impasse
amoroso com o qual o paciente chegara ao seu consultório. Neste momento,
identificamos um terceiro ponto de tensão entre Freud e o Romantismo, uma vez que o
primeiro nos indica não apenas uma imbricação entre amor e o reencontro não com o
pleno, mas com algo que resta no encontro amoroso como insatisfação ou melhor
colocado, como um “a-satisfazer” que sempre se atualiza e nos fala ainda sobre seu
posicionamento clínico, afirmando a posição do analista como mantenedor de um
impossível no amor. Na contramão do projeto romântico de supressão deste impasse
amoroso, Freud nos indica que uma dose de impossível será condição para sua clínica,
servindo de força a incitar o trabalho analítico. Ali onde, frente ao encontro com a
repetição de um descompasso entre os amantes, o romântico é remetido a um ideal,
Freud convida o sujeito não à obturação do impasse pela suposição de uma vida ideal,
58
mas propõe, para começar, que tenhamos “certa tolerância quanto ao estado de
enfermidade” (FREUD, 1914b/1974, op. cit., p. 199).
Concluímos, desta primeira entrada na articulação entre Freud e o Romantismo,
que o texto freudiano sustenta uma tensão frente ao que, no amor, Freud traz do estilo
romântico do qual é herdeiro. Se por um lado Freud define o amor como aspiração pelo
ilimitado, como aquilo que no sujeito não se contenta com menos que tudo, o que
acompanha a definição romântica do amor, por outro lado sublinha, na contramão da
visada romântica, estarem insuperavelmente imbricados amor e uma experiência de
impasse, de ânsia insaciável, de impossibilidade de satisfação completa, o que nos
encaminha para uma aproximação entre o campo do amor e uma lógica pulsional. Se
nos foi possível por um lado, desde nosso estudo dos românticos, recolher também ali
uma experiência de impasse sempre presente no fenômeno amoroso, observamos que
onde o posicionamento romântico, frente a esta recorrente imposição de um desencontro
amoroso é o da afirmação da contingência ou do caráter efêmero do impasse em nome
da unidade primordial, o posicionamento de Freud é, na contramão do romântico, a
afirmação do caráter não-efêmero, mas insuperável do impasse, de um desencontro, de
um impossível da complementaridade amorosa.
Se por um lado nos foi possível observar que Freud definira o amor como a
aspiração romântica de unidade e superação de qualquer impasse advindo do insucesso
desta unidade, por outro lado vimos que ele sublinha ser intrínseco ao amor, e
sobretudo à sua clínica, uma experiência insuperável de desapontamento amoroso que
coloca em cena o retorno de uma ânsia que notícias de uma força sempre atual, a
força pulsional. Força que sempre retorna como exigência de trabalho no sentido da
satisfação. Por conseguinte, ao sublinhar também a experiência de um impasse como
intrínseca ao amor, Freud nos indica uma aproximação entre amor e pulsão e um
concomitante distanciamento entre sua leitura do amor e a leitura romântica. Podemos
então concluir que pela via da repetição transferencial, da repetição de um amor que
deixa como resto um a-satisfazer”, Freud nos indica, de sua clínica, que o amor não
apenas se guia pela plenitude, unidade e consequente aposta em uma felicidade
amorosa, mas que, no amor, algo se guia e se renova pela própria afirmação de um
descompasso entre o sujeito e o objeto que aproxima repetimos em um lugar,
amor e pulsão.
59
No que concerne ao ponto comum entre o amor romântico e aquele apresentado
por Freud, sublinhamos a ideia de que o amor visa o (re)encontro com uma vivência
amorosa anterior articulada ao que destacamos ser da ordem de um ilimitado. Ao longo
de nosso texto, nos será interessante retornarmos a este ponto primeiro de aproximação
e, portanto, neste momento, acompanharemos algumas considerações freudianas que
partem da afirmativa de que “o encontro de um objeto é, na realidade, um reencontro
dele” (FREUD, 1905/1974, op. cit., p. 229).
II.3 - O amor como reencontro: aproximando Freud e o Romantismo
Iniciamos nosso trabalho indo buscar as primeiras referências sobre o amor no
texto freudiano, encontrando-as nos casos clínicos de histeria. Desde lá observamos que
a histeria trazia como traço predominante uma ânsia por amor e uma insaciabilidade,
diretamente relacionados aos vínculos que a criança inclinada para a neurose histérica
mantinha com seus pais. Ao longo de toda sua teoria sobre o fenômeno amoroso, Freud
destaca a influência das primeiras escolhas objetais na escolha amorosa da puberdade.
Daí a afirmativa freudiana: “o encontro de um objeto é, na realidade, um reencontro
dele” (Id., ibid, p. 229).
Em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), Freud coloca esta
temática em cena ao afirmar que a criança investe as figuras parentais em especial a
figura materna por meio de uma corrente terna e uma corrente sensual, ou sexual. No
que concerne à corrente sensual, lhe é vetada a satisfação no endereçamento às figuras
parentais graças à barreira contra o incesto que neste momento é definida como sendo
“essencialmente uma exigência cultural feita pela sociedade” (Id., 1905/1974, op. cit., p.
232).
A corrente terna, por sua vez definida aqui como aquela em que o objetivo
sexual está inibido, seria passível de satisfação na relação com as figuras parentais, e é
ainda esta corrente que se mantém ativa durante o período de latência no qual os
objetivos sexuais se encontram inibidos sob o efeito do recalque. É então a corrente
sensual não satisfeita na infância que buscará satisfação na puberdade, ainda sob o
efeito da primeira relação objetal de amor. A escolha objetal da puberdade se define,
desde já, pela tentativa de satisfazer em um objeto eleito à imagem do primeiro objeto
de amor, a corrente sensual antes impedida de obter satisfação. É então no objeto da
60
puberdade que ambas, corrente sensual e corrente terna, seriam satisfeitas em um
objeto, “como a conclusão de um túnel cavado através de uma montanha, a partir de
ambos os lados” (FREUD, 1905/1974, op. cit., p. 213). É este, completa Freud, “um dos
ideais da vida sexual, a concentração de todos os desejos num objeto” (Id., ibid, p.
206). Concentração das correntes terna e sensual ou “dos processos de desenvolvimento
somático e psíquico [que] continuam por algum tempo lado a lado e
independentemente” (Id., ibid., p. 242).
Ao estudar a sexualidade infantil e o lugar ocupado pelo amor na infância, Freud
detalha que tipo de amor é este endereçado às figuras parentais, amor que, por todo o
período de latência, as crianças aprendem a sentir pelas pessoas que as auxiliam em seu
desamparo e satisfazem suas necessidades” (Id, ibid., p. 229). Mais do que isso, ele nos
reafirma o que observara desde seus primeiros estudos sobre a histeria estendendo,
como é de costume em sua construção teórica, aquilo que observara na patologia, à
normalidade. Desta forma, se a neurose histérica lhe revelara uma forte fixação ao amor
parental, agora Freud afirma que, “mesmo quem teve a felicidade de evitar a fixação
incestuosa de sua libido não escapa inteiramente a sua influência” (Id., ibid, p. 235) e é
ainda mais radical na afirmação de que “não pode haver dúvida de que toda e qualquer
escolha de objeto se baseia, embora menos intimamente, nestes protótipos” (loc. cit.).
Observamos que uma vez mais Freud se utiliza de uma ideia de reencontro para
falar de amor. No entanto, Freud aqui acrescenta ainda mais um fator: a união das
correntes terna e sensual em um objeto. Observamos aqui mais um ponto de
aproximação entre os esforços do amor depreendidos do Romantismo e as tendências
do amor comentadas por Freud. Este articula um ideal da vida sexual no qual vincula
uma ideia de amor à concentração de todos os desejos em um objeto, o que se
aproxima muito claramente à ideia romântica de amor, permeada pela eleição de um
objeto exclusivo por meio do qual o sujeito (re)encontraria uma experiência de absoluto.
Não apenas Freud indica a eleição de um objeto no qual se concentrariam todos os
desejos, como designa também que neste objeto se unirão impulsos ternos e sexuais, o
que se articula muito de perto ao entendimento do amor proposto por Rousseau. Assim
como Rousseau nos propõe, vimos, um amor feliz como resultado da aliança entre amor
e sexo em um objeto, Freud circunscreve um “amor sexual” em suas palavras
“indubitavelmente uma das principais coisas da vida” que teria como “ponto
61
culminante”, a “união da satisfação mental e física no gozo do amor” (FREUD,
1915a/1974, op. cit., p. 220).
Da afirmativa freudiana que nos diz ser o encontro amoroso da puberdade um
reencontro, pudemos recolher uma vez mais alguns pontos de aproximação entre a
definição romântica e a teoria freudiana do amor. Como ponto principal se destaca a
ideia de que o amor estaria articulado à suposição de um encontro primordial com um
objeto. Suposto encontro que o amor procura reaver. Todavia, a ideia de um encontro
original com o objeto pôde ser por nós questionada até de dentro do Romantismo, posto
que desde nossa proposição de uma teoria sobre o Romantismo pudemos deduzir
que a suposição de um encontro primordial pode apenas ser articulada em resposta a
uma experiência de queda, de ruptura. Assim, para falar de plenitude, é preciso primeiro
estar fora dela. É para refletir ainda sobre esta ideia de amor como (re)encontro, que nos
direcionamos agora para um estudo da relação entre amor e pulsão na obra freudiana.
Da relação entre amor e pulsão, nos será possível deduzir de forma mais clara de que
modo Freud pode construir uma teoria do amor em proximidade a uma definição
romântica.
II.4 - O primeiro dualismo pulsional: distinguindo amor e pulsão
O primeiro dualismo pulsional freudiano nos é apresentado em 1905, a partir de
um conflito entre os interesses autoconservadores do eu e a sexualidade. Assim: Fome e
Amor que, desde 1900 Freud afirma, “reúnem-se no seio de uma mulher” (FREUD,
1900/1974, op. cit., p. 217). Se seguirmos o primeiro dualismo pulsional pelo par fome
e amor, seríamos inclinados a aproximar a fome aos impulsos egoicos e o amor à pulsão
sexual. No entanto, acreditamos que em 1905 Freud propõe uma distinção entre o amor
e a pulsão sexual a partir de suas relações de objeto, o que nos convida a questionar-nos
sobre a escolha freudiana por estes representantes na formulação de seu primeiro
dualismo pulsional.
Os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905) são por nós conhecidos
como marco da definição da sexualidade como perversa e polimorfa, propondo um
afrouxamento do vínculo entre a satisfação da pulsão sexual e os órgãos genitais por
meio do coito. Neste sentido, Freud nos ensina que a pulsão encontra satisfação pelos
meios mais diversos e através dos objetos mais variáveis (FREUD, 1905/1974, op. cit.,
62
p. 145). Em contrapartida, quando se refere ao amor, ele nos introduz ao conceito de
supervalorização do objeto. No que concerne ao amor, diferentemente da pulsão e da
sexualidade de uma maneira geral, escolhe-se um objeto específico, supervalorizado.
Ao amor, Freud nos indica, não vale um objeto qualquer. Observamos isto muito
claramente nos comentários freudianos sobre o fetiche, quando ele afirma haver na
escolha fetichista um contato com a normalidade ou mais especificamente com o “amor
normal”, onde estaria incluída a supervalorização do objeto
10
(Id., ibid, p.155).
Observamos que a primeira distinção possível indicada por Freud entre o amor e
a pulsão encontra-se no vínculo objetal. No que concerne à satisfação pulsional, o
vínculo com o objeto é afrouxado não importando tanto as características de um ou
outro objeto específico, mas sua capacidade comum de promover satisfação. Satisfação,
todavia, que não põe fim à força constante pulsional, força sempre atual que não deixa
de exigir satisfação. Ao amor, por outro lado, cabe o vínculo a um objeto específico,
supervalorizado. Em 1905, na leitura de Lejarraga, este objeto específico ao amor
“deixa [portanto] de ser idêntico ao objeto sexual para se tornar um objeto sexual
sobrevalorizado” (LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 53).
É enfatizada, ainda neste texto, uma distinção entre a parcialidade do objeto,
colocada pela força pulsional, e uma totalidade ou unidade objetal à qual se articula o
amor. Vimos que de um lado, Freud coloca as pulsões parciais, cujo objeto é um
ersatz
11
em si mesmo indiferente e intercambiável”. De outro lado, surge o amor, que
se define por seu objetivo de globalidade e pela supervalorização em que mantém
determinado objeto (ANDRÉ, 1987, p. 263). Freud nos permite deduzir da afirmação da
parcialidade do objeto colocada pela via da pulsão, que não haveria, na sua leitura, um
bom encontro com o objeto que pusesse fim à força pulsional que se atualiza como
exigência constante de trabalho. Ele nos indica, portanto, pelo afrouxar do vínculo entre
pulsão e objeto, que não objeto passível de calar a força pulsional que, nas palavras
de Lacan, sempre “futuca mais” (LACAN, 1964/1985, p. 51).
Kaufmann (1996) depreende daí que, nos três ensaios sobre a sexualidade, a
pulsão, como força constante que demanda inscrição e satisfação, aparece desde ali
10
Vale desde aqui evidenciar que, apesar de utilizar o termo “amor normal”, logo em seguida Freud se
vale do termo enamoramento, que ele diz ser um estágio do amor onde o alvo sexual normal parece
inatingível.
11
Podemos traduzir “ersatz”, segundo indicação do dicionário de psicanálise Laplanche/Pontalis, por
“substituto” (LAPLANCHE & PONTALIS, 1967/1983, p. 641).
63
como corte à unidade que pretende encontrar o amor. A pulsão, ele observa tomando a
metáfora do mito aristofânico, “corresponde à fábula poética de divisão do ser humano
em duas metades” (KAUFMANN, 1996, p. 28). Duas metades que buscam então se unir
novamente no amor. A pulsão, assim, desde o primeiro dualismo, aponta para um corte
à unidade evidenciando a parcialidade do objeto, enquanto o amor aposta em uma
unidade possível pelo encontro com uma imagem global de objeto. Podemos deduzir
desta afirmativa que, frente ao que a pulsão coloca como limite à unidade, como
parcialidade, o amor, segundo a leitura freudiana apresentada desde 1905, tenta
circunscrever, pela via imaginária, uma unidade possível. Se retornamos à afirmação
freudiana de que todo encontro consiste em um reencontro, podemos apostar que ali
onde a pulsão reencontra a parcialidade, o amor tenta reencontrar e mesmo criar
uma unidade objetal.
Em 1905, Freud propõe, portanto, uma diferenciação entre a parcialidade da
relação objetal evidenciada pela pulsão e a supervalorização objetal que oferece no
amor uma ideia de globalidade ou unidade do objeto. No último de seus três ensaios
sobre a sexualidade, Freud volta a nos falar sobre este objeto supervalorizado a partir da
relação mãe-bebê. Objeto que, segundo a leitura de Lejarraga, provê um “cuidado
amoroso” que no início da vida, completaria o sujeito, retirando-o de seu estado de
desamparo (LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 55). A autora entende que, quando Freud
afirma que o sugar do seio materno é o “protótipo de toda relação de amor” (FREUD,
1905/1974, op. cit., p. 229), o autor não somente se refere à satisfação da pulsão oral, da
zona erógena, mas mais ainda, refere-se ao cuidado, proteção e segurança despendidos
ao bebê (LEJARRAGA, 2002, op. cit., p. 55). Acompanhando a leitura de Serge André
(1987, op. cit.), para Lejarraga o objeto da satisfação oral seria um objeto parcial, o seio
materno, enquanto o objeto paradigmático do amor se representaria como um objeto
total, a mãe.
A relação mãe-bebê nos é apresentada por Freud como o paradigma do amor,
destacando-se uma vez mais a afirmação de que o encontro amoroso da puberdade
refere-se a um reencontro. O registro de uma satisfação advinda da relação do bebê com
sua mãe ou com aquele que se interessa por seus cuidados, observamos desde o início, é
sublinhada por Freud como “uma importante parte desta primeira e mais significativa de
64
todas as relações sexuais, a qual ajuda a preparar para a escolha de um objeto e assim
restaurar a felicidade perdida” (FREUD, 1905/1974, op. cit., p. 229).
Compreendemos até aqui que a partir do texto de 1905 encontramos espaço para
propor uma distinção entre amor e pulsão a partir da relação objetal, desde que Freud
nos fala de um objeto variável e parcial para a pulsão e um objeto global e mais
específico no caso do amor. Freud muito claramente define o objeto de amor como
distinto do objeto da pulsão ainda que fortemente vinculado a este quando afirma
que “o objeto [de amor] encontrado vem a ser quase idêntico ao primeiro objeto do
instinto [Trieb] de prazer oral, que foi obtido por ligação [ao instinto nutricional]
12
”. Em
seguida nos indica que “embora esse objeto não seja realmente o seio materno, pelo
menos é a mãe”. Por fim, é preciso em sua assertiva conclusiva: “a mãe é o primeiro
objeto de amor (Id, 1917/1974, p. 385). Desde aqui, Freud volta a nos indicar que o
amor se articula à imagem do objeto mãe enquanto a pulsão evidencia uma
parcialidade do objeto o seio e uma satisfação econômica que sempre retorna como
exigência de trabalho. Desde 1905 a satisfação da pulsão é articulada em termos de uma
economia, e a satisfação do amor articula-se por uma via imaginária de modo que,
conforme Freud afirma em 1915, o amor não se articula a uma relação entre a pulsão e
seus objetos mas, conforme nos será possível indicar, se articula à visada imaginária do
ego (Id, 1915b/1974, p.159).
Colocamos até aqui como paradigma do amor e da pulsão, um encontro com um
objeto primeiro, a saber, “o seio da mãe que alimenta” (Id, 1938/1974, p. 216). Todavia,
Serge André nos convida a atentar para os perigos de tal formulação e a questionar,
junto a nosso texto, a relação mãe-bebê como uma relação de encontro e, sobretudo, de
um encontro experienciado como sendo da ordem de uma plenitude. O autor salienta
que não nos interessa tanto supor uma experiência primeira de plenitude para que nos
seja possível delimitar os objetos da pulsão e do amor, mas sim circunscrever tais
objetos a partir de uma experiência de perda. Muito claramente tocado pela afirmação
lacaniana sobre o estudo da relação objetal que ressalta ser mais interessante falarmos
de uma falta do objeto como “mola da relação do sujeito com o mundo” (LACAN,
1956-1957/1985, p. 35), Serge André define os objetos pulsional e amoroso “como [o]
seio perdido para a pulsão, [e] como [o] representante global da mãe proibida para o
12
Nosso acréscimo à passagem de Freud é referente aos trechos [de amor] e [Triebe]. O detalhamento
expresso entre colchetes “[ao instinto nutricional]” é do editor inglês de Freud.
65
amor” (ANDRÉ, 1987, op.cit., p. 264). Desde então, o autor nos chama atenção para o
fato de que tanto a relação objetal amorosa quanto a pulsional articulam-se não a uma
unidade primordial, leitura que se aproximaria daquela romântica, mas do encontro com
a impossibilidade desta unidade.
Ao nosso trabalho não interessa neste momento propor uma distinção entre o
objeto como perdido e o objeto proibido, mas nos interessa propriamente a indicação de
Serge André de que devemos pensar a relação sujeito-objeto, seja ela pulsional ou
amorosa, a partir de uma experiência de queda, de ruptura ou, como nos indica Lacan,
de falta. Neste sentido, é importante atentarmos junto a Lacan e Serge André para o fato
de que não é de uma simbiose junto ao objeto-seio materno que advirá o sujeito
neurótico, mas como resto de uma operação de ruptura a esta relação. Por este motivo
parece não interessar tanto a Lacan falar de um encontro com o objeto, mas da falta
deste como mola para que o sujeito neurótico possa advir e relacionar-se não com um,
mas com um mundo de objetos. Concluímos deste destaque dado ao desencontro com o
objeto que, para a psicanálise freudiana, diferentemente do que propõe o Romantismo,
não é de um bom encontro original que advirá o sujeito, mas de uma queda deste objeto,
de uma falta, de um limite ao Um. O sujeito, por conseguinte, não é resultado do Um,
mas só advém da queda deste.
Destacamos neste momento a afirmativa lacaniana que nos diz ser a falta de
objeto a mola da relação do sujeito com o mundo. Neste sentido, sublinhamos que o
sujeito advém de um interdito estrutural e estruturante ao objeto, que coloca um limite a
uma ideia de unidade possível ou do encontro com um objeto adequado. Mas teria este
interdito ou esta cisão entre sujeito e objeto o mesmo lugar para o amor e para a pulsão?
Uma vez que é interdito O objeto primordial, que é impossível um bom encontro com
um objeto, ou mais ainda, na medida em que este objeto enquanto unidade evidencia-se
como uma construção a posteriori, construção de um ideal a partir de uma experiência
de perda, que respostas nos oferecem a pulsão e o amor? Apostamos que este interdito
ou esta perda servirá como mola para afrouxar o vínculo pulsão-objeto e, por outro lado,
para estreitar o vínculo amor-objeto. Acreditamos que a imposição de um limite à
possibilidade de encontro com O objeto é uma das vias por meio das quais podemos
pensar a proposição freudiana de afrouxamento do vínculo pulsão-objeto, abrindo à
pulsão a possibilidade de obtenção de satisfação pelos meios e objetos mais variados.
66
Neste sentido, o próprio conceito pulsional freudiano coloca um limite ao encontro
objetal, uma vez que se vale não de um, mas de objetos que se substituem, para
encontrar uma satisfação, sempre parcial, posto que sempre retorna como resto, como
retorno da exigência de satisfação.
A pulsão virá, portanto, lembrar ao sujeito deste limite insuperável da relação
objetal já que, como força em constante exigência de trabalho, não permite qualquer
parada em nenhuma das posições [ou objetos] alcançadas, mas nas palavras do poeta,
ungebändigt immer vorwärts dringt’
13
(FREUD, 1920/1974, op. cit., p. 60). É ainda
neste sentido que se torna possível delimitarmos o objeto pulsional como um objeto
parcial, que remete sempre a outro objeto. A herança transmitida pela pulsão é então a
afirmação do caráter essencialmente parcial do objeto, a afirmação de que não há objeto
a permitir uma parada à exigência de trabalho, parada que viria articulada a um bom
encontro a permitir uma experiência de plenitude, unidade junto ao objeto.
Observamos que Freud nos propõe aqui uma distinção entre amor e pulsão por
meio da qual ele nos permite agora aproximar sua definição de amor da definição
romântica. Isto porque o amor, diferentemente da pulsão, na leitura de Freud, se liga a
um objeto específico e supervalorizado articulado a um suposto passado ideal infantil.
Na puberdade, o amor se guia pela eleição de um objeto à imagem do objeto infantil, na
tentativa de reeditar uma suposta experiência infantil que o vimos anteriormente
articular como permeada pelo registro de uma vivência de um todo e ilimitado.
Todavia, com a introdução do conceito de pulsão e com o limite colocado por
este a um bom encontro com o objeto, apostamos que Freud, apesar de ainda
circunscrever o amor em proximidade ao Romantismo, afirma um limite insuperável e
estrutural ao projeto romântico. Desde aqui, podemos então atentar para o fato de que,
mesmo quando diferencia amor e pulsão, dando espaço para uma aproximação entre sua
formulação do amor e aquela romântica, pela via da pulsão, Freud afirma a
impossibilidade de sucesso do projeto romântico visto que entende que não encontro
possível com um objeto que venha pôr fim ao impasse colocado pela pulsão.
O impasse estrutural colocado por Freud ao Romantismo se afirma desde o
momento em que ele compreende que é próprio ao homem o (re)encontro não com o
pleno, mas com a parcialidade do objeto e o consequente limite à construção de uma
13
Freud se refere aqui as palavras proferidas por Mefistófoles, personagem da obra Fausto, de Goethe que se
traduzem por “Pressiona sempre pra frente, indomado”.
67
unidade, felicidade plena entre sujeito e objeto. Isto, desde que afirma que a pulsão
impõe, como força constante que não permite parada, uma topada com a
impossibilidade de um bom encontro com O objeto suposto e buscado pelo amor e,
sobretudo, pregado pelo Romantismo.
Mas se a herança transmitida pela pulsão é a afirmação do caráter
essencialmente parcial do objeto, o que coloca para Freud um limite ao projeto de amor
romântico, qual é a herança transmitida pelo amor a partir desta mesma experiência de
interdição do objeto? Se de início aprendemos com Freud que o primeiro objeto de
amor seria a imagem global da mãe para em seguida com Serge André sublinharmos
que este primeiro objeto seria a mãe proibida, que lugar terá ao amor esta interdição? Se
o limite ao Um é mola para a multiplicidade de objetos pulsionais, que resposta nos dará
o amor? Se retomamos as aproximações entre o amor dentro do texto freudiano e o
amor romântico, podemos apostar que, ao amor, este interdito poderá servir como mola
para a suposição de uma unidade anterior, como bem vimos, infantil. Podemos apostar
que, frente à interdição, o amor poderá supor uma experiência de unidade com a mãe ou
com aquele que cuida, e referido então a uma experiência passada de unidade, não
desistirá de procurar (re)encontrá-la. Ao leitor que tem maior intimidade com a teoria
freudiana, deve ter sido possível reconhecer que as referências amorosas a uma
unidade primeira que se procura reaver se aproximam muito claramente às referências e
esforços egoicos apresentados por Freud em seu texto onde este se dedica ao estudo da
constituição egoica.
Desde as primeiras referências freudianas ao amor, encontramos um destaque
dado ao amor infantil como determinante das escolhas amorosas adultas. Daí
concluímos junto a Freud ser a mãe, ou aquele que cuida, o primeiro objeto de amor, e
esta primeira experiência amorosa aquela a guiar a escolha de amor da puberdade. Mas
se pudemos observar, a partir das contribuições de Lacan e Serge André, que este objeto
de amor é desde sempre interdito, que primeiro grande amor é este? Direcionemos
nosso interesse neste momento ao estudo da constituição egoica oferecido por Freud. A
partir de seu texto intitulado “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914a/1974, op.
cit.), Freud nos apresenta uma articulação entre os esforços egoicos e os amorosos de
(re)encontro com o absoluto. Se desde o início concluímos que o encontro com o objeto
de amor consiste na tentativa de um (re)encontro com a imagem de um objeto
68
específico supervalorizado, tentemos compreender neste momento o que o amor e o eu
tentam (re)encontrar, e de que forma Freud nos apresenta, em 1914, o objeto de amor
em distinção ao objeto pulsional, como um objeto único e supervalorizado. A partir de
seu estudo do narcisismo, Freud poderá nos indicar então: se não se aplica à relação
entre a pulsão e seus objetos, de que forma o amor pode se aplicar à relação entre o ego
e seus objetos (FREUD, 1915b/1974, op. cit., p.159).
II.5 - Narcisismo: o objeto do amor romântico
O texto em que Freud se dedica ao estudo da constituição egoica (Id,
1914a/1974, op. cit.) é reconhecido entre aqueles que se interessam pelo estudo
freudiano do amor como o texto que circunscreve de forma mais clara a definição
freudiana de amor. Mais ainda, o estudo do narcisismo é reconhecido como o momento
em que Freud mais claramente descreve o amor em proximidade ao ideal de amor
romântico. De saída, no que tencionamos depreender a forma como Freud define o amor
desde 1914, indicamos então ao leitor que atente para uma aproximação entre a
constituição egoica e uma articulação entre o amor em Freud e o amor romântico. Neste
sentido, de saída, indicamos que a aproximação entre o amor depreendido da letra
freudiana e o amor romântico se primordialmente por meio de um estudo dos
esforços egoicos evidenciados por Freud.
II.5.1 – Eu ideal: construindo um verdadeiro amor feliz infantil
Em 1914, Freud nos ensina que uma unidade comparável ao ego não pode
existir no indivíduo desde o começo; o ego tem que ser desenvolvido” (FREUD, 1914a/
1974, op. cit., p. 93), promovendo à fragmentação corporal própria às pulsões parciais
autoeróticas, uma unidade imaginária. Este desenvolvimento”, Freud nomeia de
narcisismo primário como o momento em que o eu se constitui como reservatório da
libido, sendo investido de todos os ideais parentais de perfeição. Indiferenciado destes
ideais parentais num primeiro momento, o eu mais primitivo é permeado por uma
vivência de plenitude e onipotência por parte do bebê: seus desejos são ordens. É,
portanto, por estar a princípio totalmente identificado aos ideais sobre ele projetados,
que o eu mais primitivo é denominado por Freud de eu ideal, onde o bebê é majestade.
Apesar de denominado por Freud como o período onde não relação objetal, mas um
69
represamento inicial da libido no eu, lembramos que uma relação, porém, uma
relação simbiótica, repetimos, de indistinção entre eu e objeto.
Todavia, Freud observa que a este ideal se impõe um limite a partir da passagem
pelo Édipo e pelo registro da castração como impossibilidade de completude. A partir
de então, um eu real decai do eu ideal que então se mantém como objetivo futuro a ser
buscado eternamente. Este, o ideal do eu, “o que ele [– o eu –] projeta diante de si como
sendo seu ideal [e que] é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele
era seu próprio ideal” (FREUD, 1914a/1974, op. cit., p. 111). Observamos que o que
Freud denomina eu real pode advir dissociado de um ideal, a partir de um interdito à
relação simbiótica entre os ideais parentais e o infante; interdito a partir do qual o eu
real buscará, medindo-se pelo ideal do eu, reencontrar-se com a experiência de
plenitude supostamente desfrutada na infância.
O amor, por sua vez, aparece neste texto estreitamente vinculado a este ideal
narcísico, sendo apresentado por Freud como um meio através do qual o sujeito busca
se reencontrar com seu narcisismo e, por conseguinte, com sua onipotência perdida. Daí
a afirmação freudiana: “o que possui a excelência que falta ao eu para torná-lo ideal é
amado” (Id., ibid., p. 118). Freud distingue, ainda, duas formas de amor: o amor
anaclítico e o amor narcísico, ainda que ambos guiados pelo ideal de reencontro com a
plenitude narcísica.
O amor anaclítico, apesar de nomeado como tal apenas em 1914, podemos dizer
que data de 1905, quando vimos Freud definir o sugar do seio materno como paradigma
do amor. Os objetos de amor anaclítico têm como modelo as figuras que primeiramente
se interessaram pela “alimentação, cuidados e proteção” do sujeito em sua infância, isto
é: “sua mãe ou quem quer que a substitua” (Id., ibid., p. 104). Este tipo de escolha
amorosa vimos conjugar-se com as pulsões de autoconservação, uma vez que serão
amados, na vida adulta, objetos à imagem daqueles que se dedicaram à satisfação das
necessidades vitais do bebê. É o que nos dissera Freud desde 1905 quando observa que
“as crianças aprendem a sentir pelas pessoas que as auxiliam em seu desamparo e
satisfazem suas necessidades um amor que segue o modelo e é uma continuação de suas
relações, como lactente, com sua ama de leite” (FREUD, 1905/1974, op. cit., p. 229).
A segunda forma de amor descrita por Freud é nomeada escolha narcísica, uma
vez que o objeto de amor é eleito à imagem do próprio ideal egoico. Desta forma será
70
amado o objeto que representa aquilo que o sujeito foi no passado (eu ideal), aquilo que
ele é, aquilo que gostaria de ser (ideal do eu) ou parte de si (narcisismo revivido nos
filhos). Apesar da escolha do tipo narcísica revelar a Freud de forma mais clara o caráter
narcísico da escolha amorosa, uma vez que é objeto de amor aquele que se assemelha ao
ideal egoico, fica indicado que ambas as formas de amor anaclítica e narcísica são
guiadas pela afirmação freudiana que diz que o que possui a excelência que falta ao eu
para torná-lo ideal é amado. No caso da escolha narcísica, o sujeito busca reviver seu
ideal encontrando-o na imagem do outro. Na escolha anaclítica, por sua vez, o sujeito
procura retomar seu trono de majestade ao ser cuidado e protegido como supõe que o
fora na infância. Em ambos os casos, o amor é apresentado em estreita relação com o
ideal do eu, o que consolida, a nosso ver, uma aproximação entre os esforços egoicos e
amorosos de (re)encontro com uma unidade perdida. Nos termos de 1914, um
(re)encontro com o ideal do eu; o que “as pessoas se esforçam por atingir como sendo
sua felicidade” (FREUD, 1914a/1974, op. cit., p. 118).
Freud nos adverte que “o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma
satisfação de que outrora desfrutou” (Id., ibid., p. 111) mesmo que ilusoriamente pelo
registro de uma experiência de plenitude representada pelo eu ideal. No que concerne ao
amor, por meio do estudo da constituição egoica Freud observa que o narcisismo
primário se constitui para o sujeito como um “verdadeiro amor feliz” (Id., ibid., p. 117),
onde não haveria distinção entre libido objetal e libido do eu e, por conseguinte,
distinção entre o eu e o objeto.
Desde as primeiras referências freudianas ao amor, observamos que Freud o
articula como uma tentativa de reedição de uma experiência infantil perdida
supostamente ideal. Daí sua formulação de que o amor infantil é permeado pela
vivência de um todo ilimitado. A partir da aproximação proposta em 1914 entre amor e
narcisismo, ou entre amor e eu ideal, Freud oferece então uma chave de leitura que nos
permite redefinir o primeiro objeto de amor que o sujeito busca (re)encontrar. Freud nos
indica, nos termos de 1914, que o objeto que se busca reaver é o próprio eu, ou a
imagem de um eu ideal. Se desde o início identificamos a definição freudiana do amor
como uma tendência a eleger objetos à imagem das primeiras relações objetais, Freud
agora nos permite reformular sua afirmativa que nos indicara ser a mãe o primeiro
objeto de amor. Freud nos permite supor que não seria propriamente a mãe o objeto
71
supervalorizado a guiar as escolhas amorosas da puberdade, mas o próprio eu ideal
infantil, este que “se acha possuído de toda perfeição de valor” (FREUD, 1914a/1974,
op. cit., p. 111) ou, em outros termos, a suposta vivência de um verdadeiro amor feliz,
de uma unidade junto ao objeto. O objeto do amor nos parece delimitar-se, segundo a
formulação freudiana, como uma suposta experiência de felicidade da qual o homem se
mostra incapaz de abrir mão. É por estar, portanto, no lugar do ideal que, de
supervalorizado, o objeto de amor ganha em seguida o estatuto de objeto idealizado;
idealizado visto que écolocado no lugar do ideal do eu” (FREUD, 1921/1974, p. 144)
como via de (re)encontro com o narcisismo.
II.5.2 - Amor e paixão: sobre a idealização do objeto
É pela via do conceito de idealização, como supervalorização de “todas as
características” (Id., ibid., p. 142) de um objeto amado, que Freud abre espaço para uma
distinção entre amor e apaixonamento, donde o segundo é definido, a partir dos estudos
sobre o amor transferencial, como mais cego na avaliação da pessoa amada do que no
caso do amor normal (Id., 1915a/1974, op. cit., p. 219). Para falar de apaixonamento,
Freud não mais se utiliza do termo Liebe que até então designara o amor normal, mas
utiliza o termo Verliebheit, paixão amorosa (KAUFMANN, 1996, op. cit., p. 27). A
partir desta abertura, Lejarraga propõe uma hipótese de diferenciação entre amor e
paixão a partir do conceito de idealização, ou das diferentes tonalidades de
supervalorização do objeto. Hipótese da qual trazemos aqui um recorte, posto que
evidencia uma vez mais a aproximação proposta por Freud entre amor e idealização do
objeto.
Em “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen” (1906), Freud analisa uma obra
literária de um jovem que se apaixona por uma figura feminina esculpida em pedra. Pois
bem, apaixona-se. Por um lado este texto é próximo ao de 1905, uma vez que retoma a
ideia de amor como reencontro das impressões infantis, das figuras de amor da infância.
Por outro lado Freud, neste texto, não tanto fala do amor, mas da paixão amorosa, o que
se aproxima do que em 1905 vimos ser nomeado enamoramento. Sublinhamos,
portanto, junto a Lejarraga, uma mudança de tom. O que em 1905 era descrito como
objeto sexual ou objeto de amor, agora se refere a um objeto do amor apaixonado. Freud
nos diz que o jovem arqueólogo vive uma paixão que descreve uma atração que exclui
72
qualquer outra coisa. Na paixão amorosa, completa Lejarraga, uma fixação na
imagem de um objeto singular e exclusivo (LEJARRAGA, 2002, op.cit., p. 58).
A partir da definição do conceito de idealização e das contribuições de Piera
Aulagnier (1985), Lejarraga nos propõe uma distinção entre amor e paixão. Segundo
Aulagnier, o objeto da paixão é para o eu um objeto de necessidade, sem o qual o
sujeito experienciaria uma sensação de morte. O objeto da paixão seria exclusivo e teria
um poder de vida sobre o eu, que o supervaloriza como o único meio a partir do qual se
poderia vivenciar uma satisfação. O eu vivenciaria, na paixão, uma dependência
absoluta de seu objeto. Lejarraga destaca: o objeto da paixão é um objeto exclusivo, não
havendo espaço para outros objetos na vida de um apaixonado. Para a autora, na paixão
poderiam ser experienciados os mais intensos prazeres, mas sob forte ameaça de
sofrimento uma vez que o objeto, como vimos, tem poder de vida sobre o eu. No amor,
em contrapartida, nos diz Aulagnier, haveria espaço para outros investimentos que não
somente no objeto de amor. O objeto de amor não deixa de ser supervalorizado mas,
diferentemente da paixão, a escolha de objeto de amor seria uma escolha privilegiada, e
não única. A partir da distinção proposta por Aulagnier, Lejarraga compreende que o
investimento exclusivo próprio ao apaixonamento corresponderia a uma “idealização
maciça e absoluta do objeto amado”, enquanto no amor o investimento privilegiado
corresponderia a uma idealização menos radical” (LEJARRAGA, 2002, op.cit., p. 100).
II.5.3 – Construindo uma felicidade perdida: o romantismo egoico
O que nos interessa destacar a partir das contribuições de Lejarraga, não é tanto
a proposição da distinção entre paixão e amor, mas a vinculação de ambos à idealização.
Seja ela maciça ou menos radical, Lejarraga reafirma que o amor do qual Freud trata é
um amor egoico. Citando as palavras de Freud: nós amamos um objeto “por causa das
perfeições que nos esforçamos por conseguir para nosso próprio ego e que agora
gostaríamos de adquirir, dessa maneira indireta, como meio de satisfazer nosso
narcisismo” (FREUD, 1921/1974, op. cit., p. 143). O que nos é ainda possível
depreender desde o estudo do narcisismo, é que Freud nos esclarece que é a formação
de uma unidade egoica o que permite ao sujeito referir-se a uma unidade primeira a
qual identifica uma vivência de plenitude. É o eu como construção de uma unidade ideal
que fornece ao sujeito a possibilidade de acreditar em uma unidade perfeita possível
73
com o outro. Unidade que, então, buscará reencontrar, por exemplo, pela via do amor. É
a instância egoica, portanto, aquela que permite supor na relação objetal uma unidade
ou vínculo com o outro como proteção contra a fragmentação ou parcialidade colocadas
pela pulsão. É a instância egoica, por conseguinte, que na teoria freudiana institui um
“verdadeiro amor feliz” como uma unidade primeira, esta que guiará ambos amor e
esforços egoicos rumo a uma tal “felicidade perdida” (FREUD, 1905/1974, op.cit., p.
229).
A partir da articulação proposta por Freud entre o amor e o ideal egoico,
acreditamos que o fenômeno amoroso se distancia de forma radical do conceito de
pulsão. Até 1914 vimos Freud por momentos se utilizar do termo amor para referir-se às
moções pulsionais e mesmo equivaler, em 1906, o termo amor aos componentes da
pulsão sexual (Id., 1906/1974, op. cit., p. 91).
A partir de 1914, por outro lado, Freud formaliza a definição de amor que vimos
indicada desde seus estudos sobre a sexualidade infantil. Se a pulsão coloca em
evidência a parcialidade do objeto para o sujeito, o amor se articula à imagem, à
unidade e, portanto, Freud agora nos esclarece, ao eu. Neste sentido Freud afirma que o
termo amor não pode ser utilizado para a relação da pulsão com seus objetos, mas
restringe-se à relação entre o eu e os objetos (Id., 1915a/1974, op. cit., p. 159). É
portanto característico ao eu, “ser mais específico sobre a escolha tanto de um objeto
quanto de um caminho de descarga”(Id., 1923/1974, p. 61). Acompanhando a
aproximação proposta por Freud e sublinhada por nós no que diz respeito ao objeto de
amor, Lacan nos permite concluir que “é seu próprio eu que se ama no amor, o seu
próprio eu realizado ao nível imaginário” (LACAN, 1953-1954/1986, p. 167).
Identificamos anteriormente não ser interessante referirmos os objetos da pulsão
e do amor a uma experiência de plenitude primeira, vivenciada por um suposto encontro
com o objeto-seio materno. Trazendo à luz o lugar da falta destes objetos como a mola
do endereçamento do sujeito ao mundo, nos foi possível depreender que esta falta é o
que nos ajuda a desvincular o objeto da pulsão do Um, circunscrevendo-o como um
mundo de objetos que se substituem. Desta falta, observamos que Freud nos indica não
haver um objeto adequado ao sujeito a levá-lo ao (re)encontro com sua suposta
felicidade perdida. Na contramão de um encontro adequado com o objeto, Freud nos
oferece o conceito de pulsão que, como força constante, incita não à fixação a um objeto
74
único, mas a uma série de objetos que se substituem representando, por conseguinte, um
limite à unidade ideal, fechada e estável buscada pelo eu e, em coro, pelo amor. Força
constante que se mantém ainda como herança a lembrar o sujeito que uma tal felicidade
perdida não existe senão sob a forma de uma construção.
Através de um estudo do narcisismo, Freud nos indica que esta construção de
uma felicidade perdida é obra da instância egoica. É o eu que, advindo como unidade
imaginária vinculada aos ideais parentais, oferece ao sujeito a possibilidade de referir-se
ao Um. Nesta mesma via Freud define o amor, que elege seus objetos a partir desta
referência oferecida pela instância egoica. Referência que ganha, na letra freudiana, o
nome de verdadeiro amor feliz, a partir do qual o sujeito guiará suas “novas edições”
(FREUD, 1915a/1974, op. cit., p. 218) de amor.
A partir de nossas considerações acerca da aproximação proposta por Freud
entre amor e ego, podemos uma vez mais convidar o leitor a retomar nossas reflexões
sobre a articulação entre o amor dentro da teoria freudiana e o amor romântico. Se por
um lado a aproximação proposta por Freud entre os esforços amorosos e os esforços
egoicos desvincula amor e pulsão, por outro lado nos parece que 1914 é o ano em que
se consolida uma aproximação entre aquilo que Freud entende pela palavra amor e o
amor romântico. Por meio de uma vinculação entre amor e ego, Freud define que o
amor refere-se à crença em uma experiência original de plenitude que, no que concerne
à instância egoica recebe o nome de narcisismo primário e, no que concerne ao amor,
ganha o nome de verdadeiro amor feliz. Ainda, enquanto distancia amor e pulsão,
Freud aproxima em um lugar os esforços egoicos e as tendências românticas do
amor desde que diz ser característico ao eu ser mais específico em sua escolha de um
objeto idealizado que remete a uma felicidade perdida ou a um ideal amoroso
infantil. Compreendemos, portanto, que é pela via da articulação entre amor e instância
egoica que Freud aproxima sua definição de amor da definição romântica. Conforme
nos foi possível concluir, é a instância egoica que oferece ao sujeito a possibilidade de
referir-se romanticamente a um passado ideal.
Ao afirmar que o amor não abre mão de um amor infantil ilimitado, Freud o
define pela desconsideração ao que a pulsão vem lembrar ao sujeito; a saber, que este é
herdeiro não de uma unidade, mas de uma falta do Um. O mesmo pudemos depreender
a partir do que denominamos como o presente do romântico ou sua experiência de
75
amor. Definimos o posicionamento romântico, por sua vez, como o resultado do
encontro com aquilo que o presente lhe impunha como cisão, ruptura; ruptura que o
remete a um absoluto anterior e, quem sabe, futuro. Em comum ao movimento egoico,
ao amor romântico e ao amor apresentado a nós por Freud, identificamos a adoção da
dita “política de avestruz” (FREUD, 1914b/1974, op. cit., p. 199) frente ao que o
presente romântico e a pulsão de Freud evidenciam como um desencontro insuperável
com o Um. Ante esta experiência de cisão evidenciada para os românticos pela
experiência presente e para Freud pela pulsão, o amor para Freud, assim como para os
românticos, responde pela nostalgia por um passado ideal que, como bem acrescenta
Lacan, “reabre a porta (...) à perfeição” (LACAN, 1953-1954/1986, p.166).
II.6 – O segundo dualismo pulsional: uma pitada de pulsão ao amor
Em carta endereçada a Einstein (FREUD, 1932/1974), Freud apresenta sua
segunda teoria pulsional que propõe um conflito entre as forças Eros e Thanatos:
De acordo com nossa hipótese, os instintos humanos são de apenas dois tipos: aqueles que
tendem a preservar e a unir que denominamos ‘eróticos’, exatamente no mesmo sentido em
que Platão usa a palavra ‘Eros’ em seu Symposium, ou ‘sexuais’, com uma deliberada ampliação
da concepção popular de ‘sexualidade’ —; e aqueles que tendem a destruir e matar, os quais
agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma
formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio (FREUD,
1932/1974, p. 252).
Desta assertiva freudiana, podemos destacar para nosso texto dois pontos. Em
primeiro lugar, fica evidenciado que Freud reconhece no amor uma tendência a
preservar e unir e, em segundo lugar, vemos Freud equivaler a pulsão sexual ao amor e
o ódio à pulsão de morte. Desde algumas de nossas referências que se incluem no
primeiro dualismo pulsional freudiano, concluímos que o amor descrito por Freud se
dirige à unidade e, portanto, no que diz respeito à tendência à união, apostamos que
Freud mantém sua teoria sobre o amor. No entanto, a partir do primeiro dualismo
pulsional, diferenciamos amor e pulsão. Seriam agora amor e pulsão equivalentes?
Desde seus estudos sobre o caso clínico de neurose obsessiva conhecido como
“Homem dos ratos” (1909/1974), Freud identifica que um “amor intenso” aparece
sempre articulado a seu opositor, qual seja, “um ódio de força quase equivalente”
(FREUD, 1909/1974, p. 241). Assim como ocorrera no estudo de seus casos de neurose
histérica, é também pela via do amor e, desta vez, também do ódio que Freud agora
76
aprende sobre a neurose obsessiva. Isto porque observa que o neurótico obsessivo se
diante de intensa ambivalência, incapaz de decidir entre amar ou odiar um objeto e,
como consequência de sua incapacidade decisória, se tomado por uma paralisia
parcial de sua vontade (FREUD, 1909/1974, op. cit., p. 241).
De seu estudo da ambivalência, Freud conclui que o amor renova-se e ainda, se
mantém vigilante, graças à força que espreita sempre por detrás dele, a saber, o ódio, ou
impulso hostil (Id., 1915c/1974, p. 338). É graças à existência de um conflito entre as
forças do amor e as de seu opositor que surgem “as mais belas florações de nosso amor”
(loc. cit.). É por meio desta imbricação ambivalente, deste duelo entre amor e ódio, que
Freud então ilustra seu segundo dualismo pulsional, Eros versus Thanatos. “Se
pudéssemos conseguir relacionar mutuamente essas duas polaridades e derivar uma da
outra!” (Id., 1920/1974, op. cit., p. 74).
Apesar de a aproximação entre ambos os conflitos parecer ideal a Freud, uma
vez que lhe forneceria um representante do evasivo instinto de morte (Id., 1923/1974,
op.cit., p. 58), a transformação do ódio em amor e do amor em ódio observado nas
escolhas homossexuais e na patologia da paranóia persecutória respectivamente
parece de início impedir esta equivalência. Se o amor é capaz de transformar-se em
ódio, “então perde-se completamente a base para uma distinção tão fundamental como a
existente entre instintos eróticos e instintos de morte” (Id., ibid., p. 58). Para solucionar
este impasse, Freud supõe a existência de uma energia neutra, sublimada, que investiria,
por exemplo no caso da patologia paranóica, ora um “impulso” ou “atitude hostil” (Id.,
ibid., p. 59), ora um impulso amoroso. Por meio da suposição desta energia deslocável e
neutra (loc. cit.) Freud pode então manter sua afirmação: “para a oposição entre as duas
classes de instintos podemos colocar a polaridade do amor e do ódio” (Id., ibid., p. 58).
Quais são, então, as consequências desta equivalência entre Eros e amor, e em que
medida ela vai de encontro à distinção entre amor e pulsão que propusemos presente no
primeiro dualismo pulsional?
Apostamos junto a Serge André que o papel desempenhado pela pulsão sexual
ou Eros, quando inserida no segundo dualismo pulsional, é modificado. Freud nos
indica que Eros ganha o estatuto de pulsão unificadora, e não mais parcializante, em
oposição à pulsão de morte, que ganha o estatuto de pulsão por excelência (LACAN,
1959-1960/1988) exercendo a função de representante do limite à unidade buscada por
77
“Eros (ou instinto do amor)” (FREUD, 1938/1974, op. cit., p. 174). Quando
encontramos com afirmações freudianas como a que designa que “Eros deseja o contato
porque se esforça por tornar o ego e o objeto amado um só, por abolir todas as barreiras
espaciais entre eles” (Id., 1926/1974, op. cit., p. 145), fica evidenciado, como bem
destaca Serge André, que Freud reagrupa a pulsão sexual aos intuitos unificadores e
narcísicos próprios ao amor (ANDRÉ, 1987, op. cit., p. 265). É através do “amor entre
dois seres humanos”, deduz Freud, que “Eros revela tão claramente o âmago do seu ser,
o seu intuito de, de mais de um, fazer um único” (FREUD, 1930/1974, p. 129).
Apesar da equivalência entre amor e Eros depreendida por nós das palavras de
Freud, apostamos que nossa proposição de uma distinção possível entre amor e pulsão,
no entanto, não fica de saída comprometida, sendo modificados os termos utilizados
para representar o duelo amor versus pulsão ou tendência à unidade versus impossível à
unidade. Neste sentido, da mesma forma que propôs agruparmos as pulsões do eu e as
pulsões sexuais dentro da definição de pulsão de vida, em oposição à agora disruptiva
pulsão de morte, Freud nos indica que amor e pulsão sexual se reúnem em Eros, ainda
em oposição à fragmentação, agora representada por Thanatos.
II.6.1 - Eros e Thanatos: um ritmo vacilante entre Freud e o Romantismo
Apesar de propormos que a tendência à unidade própria ao amor como vimos,
egoico e romântico se mantém no segundo dualismo pulsional em Eros, não podemos
supor ser sem maiores consequências esta aproximação proposta por Freud entre amor e
o campo pulsional. Se até então propusemos uma distinção indicada por Freud entre
amor e pulsão por meio de uma vinculação entre o amor e as demandas narcísicas
egoicas, no segundo dualismo pulsional Freud traz à baila tal como identificamos nas
filigranas de seu estudo clínico do amor uma possibilidade de articulação mais
próxima entre amor e pulsão. Articulação que não é sem consequências.
Se o conceito de pulsão é desde suas primeiras aparições definido como uma
força constante que demanda trabalho, ou ainda, acúmulo de tensão frente ao qual não
possuímos meios de defesa (FREUD, 1915b/1974, op. cit.), o que até então apontara
para um limite à unidade amorosa, agora podemos observar, a partir de seu segundo
dualismo pulsional, que Freud nos indica uma aproximação possível entre o campo
narcísico do amor e o campo pulsional. Por meio do retorno aos textos freudianos que
78
se inserem no primeiro dualismo pulsional, distinguimos que a pulsão viria lembrar ao
sujeito que a felicidade narcísica amorosa é uma construção egoica. O amor, por outro
lado, circunscrevemos como aquele que tampa os ouvidos para os avisos pulsionais e
bate o (como a majestade, o bebê) em sua reivindicação onipotente de unidade ideal
com o objeto. Entretanto, se por um lado nos é possível depreender, junto às
contribuições de Serge André, que a pulsão sexual é reagrupada aos intuitos
unificadores e narcísicos do amor, o que se faz presente na afirmação freudiana que nos
diz ser pelo amor que Eros revela o âmago de seu ser, não podemos deixar de sublinhar,
todavia, que Freud não reduz a pulsão sexual ao campo narcísico, mas que também
fornece uma pitada de pulsão e portanto de parcialidade, de cisão, e não apenas unidade,
ao campo narcísico do amor.
A partir da aproximação proposta por Freud entre amor e pulsão em seu segundo
dualismo pulsional, podemos agora retomar a articulação entre a definição freudiana de
amor e a romântica, propondo ao leitor um novo ponto de tensão entre Freud e o
Romantismo. Se por um lado nos foi possível depreender da letra de Freud uma
aproximação entre sua definição do amor e aquela romântica, por outro lado Freud
novamente acrescenta uma pitada de pulsão ao amor desde o momento em que nos fala
de um “instinto do amor” e de uma imbricação necessária entre amor e ódio que se
encaminha para o conflito entre Eros e Thanatos de onde o amor tiraria as forças por
meio das quais se renova.
Apesar da proposição freudiana de uma aproximação entre amor e Eros por uma
tendência unificadora entre sujeito e objeto, sublinhamos que Freud não mais isola o
campo do amor como um campo narcísico, mas que passa a articular o amor como uma
tendência que pulsa. Ainda, atrela o movimento pulsional de Eros ao corte representado
por Thanatos, indicando o encontro com um limite ao ideal como um novo motor para o
amor. Neste sentido, diferentemente do destaque dado pela leitura romântica e egoica do
amor, que privilegia a suposição de um ideal original como motor do amor, Freud passa
a dar destaque não mais ao ideal, mas ao retorno de um impasse, um corte a este ideal,
como aquilo de onde o amor pode renovar suas forças. Freud portanto não mais
privilegia uma visada egoica do amor referenciada à suposição de uma experiência
original de plenitude, mas passa a privilegiar um ritmo vacilante pulsional como motor
do amor. Observamos ser portanto presente, no horizonte da letra freudiana, a afirmação
79
do movimento amoroso não apenas como um ideal, mas como um ritmo, um pulsar que
não cessa.
Desde o momento em que evidencia uma imbricação entre amor e um pulsar,
nos parece que Freud abre espaço em seu texto para duas novas abordagens ao amor.
Por um lado, incita-nos a pensar o lugar da parcialidade da satisfação no amor o que
incluiria uma experiência de cisão, de resto em cada satisfação – e não mais apenas uma
unidade e plenitude. Por outro lado nos indica uma possibilidade de articulação do amor
não mais ao que vimos ser um objeto exclusivo e idealizado, mas também a uma
parcialidade objetal que coloca o sujeito, a cada vez, no circuito de seu ritmo vacilante
do amor, frente ao retorno da impossibilidade de sua própria constituição como unidade.
Como retorno de um pulsar que não cessa, frente à não-unidade entre sujeito e um
objeto total portanto, Freud nos indica uma possibilidade de articulação entre o amor e
os anteriormente ditos objetos pulsionais intercambiáveis; uma série de objetos que se
substituem e colocam em evidência uma hiância entre o sujeito e um bom encontro
absoluto com o objeto.
A partir do segundo dualismo pulsional freudiano, podemos agora retomar o que
delineamos de pulsional ao que Freud circunscrevera como amor transferencial.
Observamos que o amor transferencial evidenciara a Freud um caráter compulsivo que
revelara ser o amor não somente guiado por um ideal de felicidade e plenitude tal como
o definira o Romantismo, mas também pelo reencontro com uma impossibilidade de
satisfação completa no campo do amor que lhe impõe um impasse. Vimos Freud definir
este reencontro ou retorno como uma ânsia insaciável no campo do amor que ele então
aposta servir de motor ao endereçamento amoroso à figura do analista. Pela sustentação
de uma posição do analista que responderia por sua vez na contramão do projeto
romântico como mantenedor de uma dose de impossível como próprio ao encontro
amoroso, Freud pode apostar em seguida neste retorno como o motor da própria
experiência analítica. Desde o amor transferencial aprendemos, portanto, que o amor
não se refere apenas à unidade e à busca do todo, mas que atualiza uma experiência
que retorna para o sujeito como um impossível da unidade amorosa e de sua própria
unidade narcísica.
A partir da aproximação entre amor e Eros e do estudo freudiano do amor
transferencial, Freud nos parece privilegiar uma outra faceta do amor distinta daquela
80
depreendida do Romantismo. Pelo reconhecimento de que o amor não se reduz a uma
tentativa de reedição de um ideal pela eleição de um objeto específico, mas que nos
notícias de uma força sempre atual que reedita um impossível à complementaridade e
uma ânsia articulada a uma satisfação amorosa, Freud volta a nos indicar que um
desencontro amoroso não é contingente como propunham os românticos, mas que traz à
cena um impossível não passível de fuga.
A partir de suas considerações sobre o mal-estar na cultura, Freud volta a
dialogar com a leitura romântica do amor, dando maior destaque a sua visada narcísica.
Desde que se dedica a tirar consequências de um mal-estar na cultura que retorna ao
projeto ideal romântico para o amor, Freud poderá nos indicar de que maneira parte,
assim como os românticos, da observação de um descompasso amoroso, para afirmar a
maneira singular com que rompe com a proposta romântica. Isto, desde que articula este
descompasso a uma natureza pulsional inconquistável que o encaminha à afirmação de
que “a intenção de que o homem seja ‘feliz’ [na qual se baseia o movimento romântico]
não se acha incluída no plano da ‘Criação’” (FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 95).
II.7 - O mal-estar no amor: do ideal romântico à natureza inconquistável
freudiana
Em “O mal-estar na civilização” (FREUD, 1930/1974, op. cit.), Freud nos
apresenta seus comentários sobre o lugar do amor na busca do homem por sua
felicidade. O homem observa Freud, esforça-se para obter felicidade; almeja ser feliz e
assim permanecer (Id., ibid., p. 94). Dentre as diversas vias escolhidas pelo homem em
seu projeto de felicidade, vemos destacar-se então o amor ou a “modalidade de vida que
faz do amor o centro de tudo, que busca toda satisfação em amar e ser amado” (Id.,
ibid., p. 101). Ademais, Freud observa que o que ele nomeia “amor sexual” é o “modelo
de nossa busca da felicidade” (loc. cit.).
Os comentários freudianos sobre o mal-estar na civilização revelam sua
importância em nosso estudo uma vez que nos oferecem uma chave de leitura que nos
possibilita uma reflexão sobre o posicionamento de Freud frente ao que definimos
serem os esforços românticos do amor. Uma vez tendo sido possível identificarmos, por
diversos momentos ao longo da obra freudiana, uma aproximação entre os comentários
de Freud acerca do amor e o ideal de amor romântico, é chegada a hora de nos
81
perguntarmos em que medida Freud, apesar de falar do amor assim como os românticos,
é capaz de se distanciar de seus projetos de reencantamento do mundo” (LOUREIRO,
2002, op. cit., p. 337).
Freud inicia seu estudo sobre a articulação entre civilização e mal-estar a partir
do retorno aos comentários de Romain Rolland sobre seu texto antes publicado sob o
título de “O futuro de uma ilusão” (FREUD, 1927/1974), no qual ele se dedicara a
pensar o lugar ocupado pela religião no homem. Pelas palavras de Romain Rolland,
Freud é capaz de sublinhar a estreita relação entre o que o amigo nomeia sentimento
oceânico, como “sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras” (Id., 1930/1974, op. cit.,
p. 81), e os esforços amorosos, quando nos afirma que, “no auge do sentimento de
amor, a fronteira entre ego e objeto ameaça desaparecer”; donde, um homem que se
ache enamorado “declara que ‘eu’ e ‘tu’ são um só, e que está preparado para se
conduzir como se isto se constituísse um fato” (Id., ibid., p. 83).
Observamos que Freud uma vez mais descreve os esforços amorosos em
aproximação com o ideal romântico de amor, visto que descreve o amor como um anelo
pelo encontro com a unidade eu-objeto em uma experiência de ilimitado. Entretanto,
nos interessa mais diretamente, conforme indicamos, convidar o leitor a acompanhar-
nos em uma reflexão sobre o posicionamento freudiano frente a estes esforços do amor
cantado pelos românticos e depreendido da pena de Freud de fazer de dois, um. De
saída, não é sem importância lembrarmos que em 1930 Freud se dedica muito
diretamente ao estudo do mal-estar, ou da infelicidade que atinge o homem, e que “é
muito menos difícil de experimentar” do que a felicidade (Id., ibid., p. 103). Mais do
que exaltar os caminhos por meio dos quais o homem pode encontrar-se com a tão
sonhada felicidade para assim permanecer, Freud nos propõe que atentemos ao fato de
irremediavelmente a inscrição do homem na civilização incluir um limite a esta ideia de
felicidade. Este limite será expresso pelo conflito entre pulsão e civilização que tem
como resultante aquilo que Freud nomeia mal-estar. Neste mesmo caminho vemos se
construírem seus comentários acerca do amor, onde Freud parece muito finamente
distinguir os esforços amorosos, daquilo que identifica como sendo da ordem de uma
“natureza inconquistável” (FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 105), que nos parece
articulada ao impasse entre sujeito e objeto colocado pela pulsão e que evidencia ser a
82
vida não o ideal buscado pelo amor, mas “árdua demais pra nós” posto que nos
proporciona “tarefas impossíveis” (Id., ibid., p. 93).
Ao falar de umauge do sentimento de amor”, sublinhamos que Freud é preciso
na afirmação de que a fronteira entre ego e objeto não é ultrapassada, mas apenas
“ameaça desaparecer”. É ainda mais preciso na afirmação de um limite às aspirações do
amor quando nos diz que um homem enamorado declara que ‘eu’ e ‘tu’ são um só,
estando preparado para conduzir sua relação amorosa como se isto constituísse um fato.
Ao sublinharmos as palavras escolhidas por Freud para falar do amor, cabe salientarmos
que apesar de definir o amor por uma busca rumo ao (re)encontro com uma felicidade
supostamente perdida, por outro lado ele sublinha uma vez mais que o amor não é a via
eficaz por meio da qual o homem pode encontrar-se com sua felicidade, mas que este
apenas supõe uma plenitude possível junto ao objeto, nos termos de Freud, “como se
[isso] constituísse um fato”. Freud, portanto, nos indica que o fato não é um bom
encontro com o objeto; não é portanto a unidade eu-tu. Ele nos indica sobremaneira que
há algo que, no amor, de dois, não pode fazer um.
Torna-se evidente, por conseguinte, que em 1930, Freud aponta e sustenta um
limite insuperável ao amor e à experiência de ilimitado descrita por seu amigo como um
sentimento oceânico. Na contramão do projeto romântico para o amor, Freud identifica
o relacionamento entre os homens como um dos meios através dos quais o sujeito
experiencia não um sentimento oceânico, mas um mal-estar, sendo a relação entre os
homens definida por ele como o sofrimento “mais penoso do que qualquer outro”
(FREUD, 1930/1974, op. cit.., p. 95).
Todavia, Freud observa que quanto à “fonte social de sofrimento” (Id., ibid.,
p.105), o homem não a admite de modo algum, visto acreditar que, sendo este
sofrimento resultante de regulamentos estabelecidos pelos próprios homens, seria
possível, pela modificação destes, superar o mal-estar daí advindo. É baseado nesta
crença de que os regulamentos estabelecidos entre os homens podem ser revistos em
nome de um ideal de felicidade, que vimos Rousseau guiar seu projeto de reconstrução
social, desde que se propunha mostrar “aos homens como eles próprios eram os autores
de suas desgraças, e, em consequência, como podiam evitá-la” (ROUSSEAU apud
BARROS, 1995, op. cit., p. 173). Freud por sua vez vai na contramão desta que se
constitui uma disciplina da felicidade rousseauniana, posto que enquanto “todo
83
pensamento de Rousseau funda-se na convicção de que o homem é bom por natureza e
nasceu para ser feliz”, o ponto nodal que parece constituir enigma para Freud é “como,
desejando a felicidade, [o homem] vive na desgraça e no infortúnio” (BARROS, 1995,
op. cit., p. 173).
É esta mesma crença na possibilidade de superação ao que a realidade impõe
como limite ao amor, que nos permitiu circunscrever o posicionamento romântico.
Apostar na superação do mal-estar evidenciado no amor, é apostar ainda na
contingência deste mal-estar, posicionamento romântico com o qual Freud rompe
radicalmente. Isto porque afirma jazer por trás deste mal-estar uma “natureza
inconquistável”, “uma parcela de nossa própria constituição psíquica” (FREUD,
1930/1974, op. cit., p. 105). A formulação desta natureza inconquistável que se impõe a
um encontro feliz com o objeto, possibilita a Freud romper com o ideal de amor
romântico e com o projeto romântico como um todo, desde que indica que não é de
felicidade que vive um homem, mas de um ritmo vacilante (FREUD, 1920/1974, op.
cit., p. 58) que é de ordem interna imposto pela pulsão que atinge radicalmente um
ideal de bom encontro com O objeto. Neste sentido, apesar de abordar o amor a partir
de sua tendência narcísica, Freud volta a dar destaque ao impasse colocado ao sujeito a
este apelo narcísico do amor, desde que sublinha que a inserção do homem na
civilização coloca em cena um impasse insuperável posto que é de ordem interna
que tem como resultante o retorno de uma experiência de mal-estar no amor.
Na origem de nosso interesse pelo estudo da leitura freudiana do amor em sua
articulação com o Romantismo, apontamos desde nosso primeiro capítulo que nos
instigara investigar de que maneira Freud poderia partir de um solo romântico, guiado
pelo ideal de felicidade na complementaridade amorosa, para construir uma proposta
ética calcada em um hiato entre sujeito e um bom encontro objetal. Este enigma nos
encaminhara à observação de que, se em alguns momentos Freud acompanha os
românticos em sua definição do amor como apelo pelo absoluto, por outro lado nos
permite questionar a universalidade do amor romântico em sua aspiração pelo todo, pela
complementaridade, desde que evidenciara uma outra faceta do amor que não guiada
por um ideal, mas pelo próprio desencontro amoroso.
Partindo de uma premissa comum àquela de onde aqui partimos, a saber, um
questionamento sobre a universalidade do amor romântico, encontramos nos
84
comentários de Jurandir Freire Costa (1998, op. cit.) uma proposta de abertura para a
construção de formas de amor distintas daquela romântica. Todavia, Costa nos permite
deduzir de sua proposta um ideal de felicidade subjacente a esta abertura, o que acaba, a
nosso ver, por aproximá-lo na contramão de sua proposta inicial às tendências
românticas do amor que se guiam, conforme nos foi possível sublinhar, pelo ideal de
um amor feliz.
Pudemos observar que em 1930 Freud aproxima sua definição de amor daquela
romântica sem, no entanto, identificar-se com o posicionamento romântico frente às
aspirações narcísicas do amor. Sublinhamos ao leitor que neste artigo Freud parte de
uma definição romântica do amor, como tentativa de (re)encontro de uma felicidade
narcísica, para afirmar a impossibilidade do sucesso da empreitada romântica.
Impossibilidade articulada por ele como um mal-estar advindo da relação entre os
homens resultante de um conflito entre uma natureza pulsional inconquistável e a
inscrição do homem na civilização. Segundo nos será possível indicar, Costa, por outro
lado, parte de uma abertura a novas formas de amor distintas daquela romântica, mas
nos permite recolher de sua proposta um ideal narcísico de felicidade que acaba por
aproximá-lo a nosso ver do movimento romântico do qual ele se propunha a
distanciar-se. Neste sentido, convidamos o leitor a acompanhar a proposta de Costa
atentando de que forma este pode nos ajudar a compreender o passo dado por Freud no
que concerne a um posicionamento distinto daquele romântico frente ao encontro com
um mal-estar no amor.
II.7.1 – Um descompasso entre tempos: sobre a contingência do desencontro
Jurandir Freire Costa dedica seu livro intitulado “Sem fraude nem favor: estudos
sobre o amor romântico” (1998) à sustentação do caráter contingente e não universal do
amor romântico (COSTA, 1998, op. cit., p. 13), o que lhe permite um questionamento
seguinte do ideal que afirma que o amor experienciado junto “à pessoa que se ama (...)
entre todas as pessoas do mundo” (Id., ibid., p. 147) seria condição sine qua non da
máxima felicidade a que podemos aspirar” (Id., ibid., p. 13). Na origem de seu estudo
evidencia-se uma questão clínica, a saber, a recorrente presença de baixa autoestima e
culpa vinculadas ao insucesso do sujeito em encontrar seu amor ideal romântico (Id.,
ibid., p. 35). Para sustentar sua hipótese, Costa nos oferece um estudo minucioso acerca
85
da construção datada historicamente do objeto e sujeito do amor romântico, além de
trazer à luz a gramática do amor romântico por meio de um confronto entre o
posicionamento de autores como Stendhal (1993), Bloom (1993), Octavio Paz (1994),
Bauman (1995), entre outros.
O posicionamento de Costa passa a nos interessar ainda mais de perto no
momento em que reivindica que os ideais românticos de amor não seriam compatíveis
ao sujeito de nossos tempos. Na base de sua reivindicação, estaria a suposição de que o
sujeito contemporâneo viveria em uma espécie de sociedade fast-food”, não havendo,
em suas urgências de “prazer descartável” (FORTES, 2004, p. 71), espaço para um
amor guiado pelo primado das unidades estáveis, como por exemplo vimos constituir-se
a sociedade familiar de Rousseau. Em outros termos, o prazer descartável próprio à “Era
das sensações” (COSTA, 1998, op. cit., p. 21) seria incompatível com o amor
romântico, que tem como prerrogativa a eleição de um objeto idealizado como o único a
promover acesso a uma suposta felicidade. Relembrando o caso do jovem Werther, ao
sujeito contemporâneo, em seu “imperativo de gozo” (FORTES, 2004, op. cit., p. 72),
não seria interessante ficar “eternamente abraçado” a um objeto. Para um sujeito que
cultua as sensações, “sentimentos ponderados e ternos tornaram-se adversários das
emoções intensas” (TOLEDO, 2002, op. cit., p. 46). Bem nos responderia o leitor
vivemos hoje novas formas de amor distintas daquela proposta pelos românticos. No
entanto ao contrário, nos responde Costa, a origem do sofrimento amoroso do sujeito
contemporâneo está em querer “amar com sentimentos do passado e gozar com os
corpos do presente” (COSTA, 2002, p.12)
Ao nosso trabalho não interessa propriamente dedicarmo-nos a um estudo do
que se supõe ser uma sociedade ou um sujeito contemporâneos, distintos daqueles ditos
românticos. Mais especificamente interessa-nos sublinhar uma faceta do
posicionamento de Costa que nos parece ir na contramão da leitura freudiana, visto que
abre espaço para que se deduza estar no “viver hoje querendo amar como ontem” o
motivo de um “descompasso” amoroso (Id., ibid., p. 10). Assim, na contramão da
afirmativa freudiana que nos indica ser intrínseca ao amor uma experiência de
“frustração”, “desapontamento”e, em seguida, de insatisfação e mal-estar, Costa nos
parece afirmar uma contingência ao mal-estar no amor. Isto, desde que associa o mal-
86
estar que se evidencia em sua clínica não ao próprio amor, mas a um descompasso entre
o sujeito contemporâneo e o amor romântico.
Partindo da premissa de que o amor romântico se mantém como ideal de amor
até os nossos dias e, acreditando que este ideal não “encaixa” com o sujeito de hoje,
Costa propõe a reinvenção de novas formas de amor (Id., 1998, op. cit., p. 75) para além
daquela oferecida pelo Romantismo. A partir do momento em que vincula a experiência
de um descompasso amoroso a um descompasso entre tempos e propõe que estas novas
formas de amor poderiam oferecer ao homem a superação do sofrimento ou, nos termos
de Costa, de uma experiência de descompasso amoroso, somos levados a reafirmar,
junto a Freud, que o sofrimento “mais penoso do que qualquer outro” (FREUD,
1930/1974, op. cit., p. 95) advindo da relação entre os homens, não é passível de
superação. Ao contrário do que nos parece propor Costa, apostando na possibilidade de
transformação do amor para que este nos traga mais felicidade, sublinhamos uma vez
mais que Freud afirma que o mal-estar resultante da relação entre os homens ou,
conforme destacamos, também resultante do amor, não é contingente, mas inclui “uma
parcela de nossa própria constituição psíquica” (FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 105).
Da tentativa de superar o amor romântico, a leitura do texto de Costa nos
permite ilustrar o próprio posicionamento romântico, uma vez que o autor parece
apostar na possibilidade de “reinventar um modo de amar menos trágico” (COSTA,
1998, op. cit., p. 75). Ainda romântico, visto que posiciona o sofrimento amoroso
observado em sua clínica como contingente a um descompasso entre Romantismo e
sujeito contemporâneo, quando aprendemos com Freud ser intrínseco ao próprio amor
uma experiência desse descompasso.
Costa, assim como o lemos, parte de uma tentativa de superação do amor
romântico e acaba por se aproximar dos propósitos românticos de crença em um amor
mais feliz. Ao pregar “liberdade e autonomia” (COSTA, 2002, op. cit., p. 11) ou uma
vida “amorosa mais livre” (Id., 1998, op. cit., p. 35) como ideais, Costa abre espaço
para que se suponha ao sujeito autonomia para escolher um objeto adequado e feliz ou a
construção de um amor menos “descompassado”.
A proposta de Costa nos parece ganhar então uma pitada de Romantismo desde
o momento em que parte de uma experiência de desarmonia, cisão, ou, como
afirmamos, um limite do qual o sujeito sofre, para a afirmação da contingência deste
87
limite, o que poderia se desdobrar na construção de um ideal futuro possível e mais feliz
ou na “construção de modelos de vida mais satisfatórios” (TOLEDO, 2002, op. cit., p.
49) em “função de seus ideais de virtude e felicidade” (COSTA, 2002, op. cit., p. 11).
Por outro lado, destacamos uma vez mais que, na letra de Freud, encontramos
subsídios para depreender de sua obra um posicionamento que diverge daquele de Costa
no que concerne ao encontro comum com um mal-estar no amor. Conforme nos foi
possível acompanhar ao longo de nosso retorno à obra freudiana, Freud parte de uma
definição romântica do amor para então afirmar um posicionamento não-romântico. Se
o posicionamento romântico se define pela afirmação de uma contingência ao mal-estar
no amor, o que ilustramos com Costa como um descompasso amoroso contingente a um
“conflito de gerações”, por outro lado Freud nos afirma um descompasso insuperável
entre o sujeito e o objeto e, por conseguinte, entre o sujeito e um amor feliz.
Freud é preciso em seu distanciamento quanto ao projeto romântico visto que, ao
contrário de afirmar a contingência de um mal-estar no amor, inclui este mal-estar na
constituição psíquica; no centro do sujeito, portanto. Uma vez mais salientamos que
frente ao que, inspirados pelas palavras de Freud, denominamos fenômenos da moléstia
do amor, Freud novamente opta por não adotar uma “política do avestruz”, que se
interessa não tanto pelo ideal buscado pelo amor, mas se dedica a recolher o mal-estar
observado em sua clínica e no que ele define ser uma vida árdua.
Ao longo de nosso capítulo nos foi possível deduzir, em um retorno ao texto
freudiano, que o amor assim como Freud o descreve aparece predominantemente
vinculado ao ideal de amor romântico. O amor romântico, por sua vez, vimos muito
claramente ilustrar os ideais próprios ao Romantismo de restaurar uma totalidade
harmônica, uma unidade perdida (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 16). Nesta mesma
visada Freud definira o amor; articulado à suposição de um verdadeiro amor feliz
primordial ao qual estaria articulada uma experiência de plenitude e, como bem
descreve, uma experiência infantil de um todo, ilimitado. Por este caminho, nos foi
possível articular os esforços do amor na letra de Freud como, assim como o amor
romântico, permeado pela busca de uma unidade perdida o que, nos termos de Freud,
se circunscreve por fim como uma visada egoica. Freud observa que é esta visada
egoica do amor que teria por referência a experiência de um verdadeiro amor feliz,
supostamente vivenciado a partir de uma indistinção entre eu e objeto ou entre o eu e os
88
ideais parentais. Tendo por referência a instância egoica e, sobretudo, o ideal egoico, o
amor, na leitura de Freud busca, assim como o amor romântico, reencontrar-se com um
ideal que supõe no passado e, em nome do qual, se torna possível projetá-lo ao futuro,
no que seria um (re)encontro com uma “felicidade perdida” (FREUD, 1905/1974, op.
cit., p. 229).
Todavia, apesar dos momentos em que define as tendências do amor em
proximidade a uma definição romântica, nos foi possível deduzir também de suas
palavras o posicionamento de Freud frente às aspirações do amor e, por conseguinte, às
aspirações românticas como um todo. Observamos que, apesar de circunscrever sua
definição de amor em conformidade com o ideal de amor romântico, Freud é capaz de
evidenciar que este ideal es irremediavelmente fadado ao fracasso posto que,
conforme destacamos de suas palavras, um mal-estar advindo da relação entre os
homens não é contingente e passível de superação, mas diz respeito a uma natureza e
constituição psíquicas. Nesta direção nos é possível depreender que Freud parte de uma
definição romântica do amor para romper com o projeto romântico. Ao contrário de
supor um passado ideal e um futuro mais feliz do que aquele que a vida árdua impõe ao
homem, Freud sublinha que estes ideais passados e futuros são frutos de uma
construção que visaria desconsiderar o que a pulsão indica como impossibilidade de
unidade. Como bem toma a palavra Loureiro, desde que Freud aproxima o projeto
romântico de amor aos esforços unificadores narcísicos do eu, “os desejos mais
característicos do estilo romântico revelar-se-ão, sob a pena de Freud, ilusões bastante
robustas” (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 316), de modo que podemos concluir com a
autora que:
Tudo isso se mostra aos olhos de Freud como criações destinadas a encobrir a verdade sobre a
condição humana, tal como esta é concebida pela psicanálise; são, deste ponto de vista, ideias
que oferecem ao homem consolo e proteção, ao mesmo tempo em que o enganam e o iludem
(Id., ibid., p. 345).
Instigada, como nós, pela articulação entre Freud e o Romantismo, Loureiro
passa a nos interessar ainda mais de perto quando delineia um lugar específico a Freud
no que concerne ao solo do qual é fruto, qual seja, o estilo romântico. Partindo,
portanto, de um interesse comum, vamos dedicar-nos neste momento a aproximar a
leitura de Loureiro à nossa leitura da relação de Freud com o amor romântico. Desde
adiantamos ao leitor que Freud virá ocupar, para o Romantismo, um lugar denominado
89
por Loureiro de enclave, uma vez que é tocado pelos ideais românticos, posicionando-
se, a partir destes, de modo a romper com o projeto romântico, circunscrevendo-o, como
nos dissera Loureiro, como ilusões um tanto robustas. Neste mesmo caminho,
apostamos que nos será possível identificar em Freud um “pensador híbrido” (Id., ibid.,
p. 24), visto que parte de uma definição de amor romântica para em seguida evidenciar
não apenas estar este amor fadado ao fracasso, mas que este amor é fruto de uma
construção ilusória. Direcionemos nossos olhares, por fim, às reflexões que nos é
possível desenvolver a partir das contribuições de Inês Loureiro.
II.8 – Freud: um enclave ao amor romântico
Desde o momento em que nos deparamos com a afirmação de que Freud
definiria o amor como os românticos, nos sentíramos interessados em investigar não
apenas a pertinência de tal afirmativa mas, acima de tudo, em compreender de que
maneira esta herança romântica, permeada por um anelo pela plenitude, tocaria o texto
freudiano que, a nosso ver, viria romper com qualquer possibilidade de plenitude ao
homem. Neste sentido, quando no momento em que encontramos mais especificamente
a afirmação de Costa (1998, op. cit.) de que a definição do amor em Freud é
“influenciada” pelo Romantismo, sentimos-nos instigados a responder à pergunta: se
Freud define o amor como os românticos, isso nos seria suficiente para supor um
posicionamento romântico a Freud? Dito de outra maneira, se o amor romântico é
representante dos ideais do Romantismo de (re)encontro com o absoluto e se Freud
define o amor em conformidade com o amor romântico, estaria Freud, como os
românticos, apostando em um encontro possível com o pleno ou, conforme destacamos,
com um amor feliz?
Seguindo a indicação de Loureiro (2002, op. cit.), propusemos de saída nesta
etapa de nosso estudo, que Freud não seria fundamentalmente um romântico, posto não
ser possível encontrar em sua obra as pretensões românticas harmonizadoras e
totalizantes (LOUREIRO, 2002, p. 17). Não nos propúnhamos, todavia, a sustentar um
lugar exterior ao Romantismo para Freud, posto que identificávamos a importância que
o Romantismo ganha na criação freudiana, ao menos no que concerne a sua leitura do
amor sobretudo como aspiração pelo absoluto. Ao longo de nosso trabalho, pudemos
90
identificar ainda que Freud pôde recolher de dentro próprio Romantismo uma
experiência de encontro com um impasse amoroso; encontro a partir do qual pôde então
se posicionar de modo a romper com o projeto romântico de reencantamento do mundo.
Ficara claro, portanto que, se por um lado Freud não se coloca do lado do Romantismo
posto que não compartilha da crença no absoluto, por outro não estaria completamente
imune à sua influência, posto que é tocado por uma leitura romântica do amor. Freud se
mostrara, portanto, ao longo de nosso estudo de sua relação com o Romantismo, como o
“pensador híbrido” do qual nos falara Loureiro, posto que se mostrara impossível
aprisioná-lo “nesta ou naquela rubrica” (Id., ibid., p. 24).
Compartilhando, por conseguinte, da observação de Loureiro no que concerne à
relação da obra freudiana com o Romantismo, não guiamos nosso trabalho pela
tentativa de classificar Freud como romântico ou não, mas nos propusemos conforme
indicamos no início de nosso trabalho a identificar na obra freudiana alguns dos
“elementos românticos e principalmente as tensões que instauram com outros
elementos” (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 24). Para responder ao que se colocara em
nós como enigma, fomos, assim como nos indica Loureiro, identificando o pensamento
freudiano acerca do amor ao longo de sua obra, nos propondo identificar ainda as
aproximações e as tensões que se evidenciam entre o amor romântico e aquele
apresentado a nós por Freud a partir da tensão entre amor e pulsão.
Nesta visada, nos é possível depreender neste momento que, no que concerne ao
amor, Freud ocupa uma posição de enclave ao Romantismo; enclave que Figueiredo
define como “algo que funciona como um corpo estranho inassimilável, mas [que] é
feito da mesma matéria do organismo ou território em que se aloja” (FIGUEIREDO,
2002, op. cit., p. 13). Apostamos no lugar de enclave a Freud no que concerne ao amor,
uma vez que nos foi possível identificar que este parte da definição romântica de amor,
sendo portanto tocado pela herança de seu tempo para, entretanto, romper com o ideal
romântico expresso pela via do amor. Se nos foi possível identificar na leitura freudiana
do amor uma aspiração à plenitude, por outro lado, não nos foi possível depreender uma
aposta freudiana no sucesso das aspirações românticas do amor. Na contramão da
visada romântica do amor, identificamos que o pensamento de Freud “não comporta a
nostalgia de uma plenitude, nem o intuito de reencantamento do mundo”. Ao contrário
91
de apostar no sucesso do projeto romântico, Freud assume, conforme bem destaca
Loureiro, uma postura “cética e desilusionadora” (LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 27).
Acreditamos que Freud adota uma postura desilusionadora desde o momento em
que, a partir de seu encontro com a postulação de uma força pulsional que viria de
encontro aos esforços românticos do amor, estes últimos se evidenciam para Freud
como construções egoicas que estariam irremediavelmente, como ele bem destaca,
fadadas a fracasso, frustração e desapontamento.
É o que nos fica mais evidente na aproximação proposta por Freud entre o amor
e a instância egoica. Por meio desta aproximação, Freud nos permite propor que é a
instância egoica o representante romântico dentro de seu texto. Representante que
expressará seus esforços muito claramente, conforme ele nos indica em 1914, pela via
do amor. É-nos possível concluir então que Freud nos propõe uma desconstrução
teórica e clínica” do apelo romântico sem, entretanto, o abolir, mas nos indicando que
tal apelo não é passível de obter sucesso (FIGUEIREDO, 2002, op. cit., p. 13). Neste
mesmo caminho, Freud afirma que a experiência de cisão, ruptura, desapontamento ou
mal-estar que acompanha a experiência amorosa desde o Romantismo, não é
contingente e, por conseguinte, superável, mas que se articula a um impasse entre
sujeito e objeto colocado pela pulsão.
As palavras de Figueiredo parecem também acompanhar nossa leitura quando
identificam que, se por um lado Freud não se guia pelas esperanças românticas, por
outro, não aponta para uma resignação ou lamentação frente aos impasses colocados
pelo que vimos Freud definir como uma vida árdua. Na contramão da esperança
romântica, afirma Figueiredo, Freud não aponta um “desespero, mas um sóbrio e
irônico enfrentamento da realidade psíquica” (Id., 2002, op. cit., p. 14). É o que Freud
nos indica em seu estudo do mal-estar, a saber, que tal desapontamento, cisão, ou
ruptura se coloca como “uma parcela de nossa própria constituição psíquica” (FREUD,
1930/1974, op. cit., p. 105) articulada à pulsão.
Estes impasses colocados por uma experiência de cisão e mal-estar colocam em
evidência para Freud uma transitoriedade que se impõe sobre todas as relações objetais.
Para Freud, esta transitoriedade, que coloca em cena uma vez mais uma perda
insuperável em todas as relações objetais, ao contrário de transformar tudo aquilo que
um homem “teria amado e admirado” em algo “despojado de valor por estar fadado à
92
transitoriedade” (Id., 1915d/1974, p. 345), é todavia aquilo que renova o valor de cada
objeto e de cada relação. É pela presença desta transitoriedade, desta perda, desta
“topada” com nossa própria constituição psíquica que, guiada pela pulsão, inclui um
(re)encontro não com a unidade ou a plenitude, mas com um tropeço, uma queda, que se
renova, então, também o próprio amor. Freud afirma: a imposição de uma
transitoriedade a tudo aquilo que é amado e admirado não implica perda de seu valor.
“Pelo contrário, implica um aumento!” (loc. cit.).
Podemos concluir de nosso estudo do texto freudiano em sua articulação com o
Romantismo e, mais especificamente, dos pontos de articulação possíveis a partir de um
estudo do amor, que Freud é tocado pela “tradição romântica, mas [que] ao incorporá-
la, acabou por destruí-la tal qual o parasita em relação a seu hospedeiro...”
(LOUREIRO, 2002, op. cit., p. 28). Apostamos que é, portanto, de uma posição de
enclave que Freud partira de uma concepção de amor romântica para então, somente a
partir desta, recolher seus impasses e limites a partir dos quais pode então afirmar sua
especificidade. Apostamos que Freud sublinha seu rompimento com o projeto
romântico no momento em que evidencia que uma experiência de cisão e ruptura,
experienciada também pelos românticos não é, conforme os últimos pensavam,
contingente e, portanto, passível de superação. Superação que os românticos
acreditavam ser possível encontrar, por exemplo, pela via do amor. Na contramão da
visada romântica, observamos que Freud afirma a especificidade do humano ou sua
natureza insuperável por meio desta experiência intransponível de cisão, evidenciada
pela pulsão.
Guiados pelos comentários freudianos sobre o lugar que a transitoriedade ocupa
em sua proposta teórica e clínica nos é possível sublinhar seu rompimento com o
Romantismo. Frente à observação de um apelo nostálgico no amor Freud sublinha que
este não apenas se guia pela presença de uma unidade primeira que se procura reaver.
Ao contrário, Freud sublinha que o amor se renova também na própria experiência de
cisão, frustração, desapontamento, transitoriedade. Não apenas o amor se guia por uma
plenitude originária como supunham os românticos. Na contramão da visada romântica
que sublinha a contingência da cisão e seu projeto amoroso como via de (re)encontro
com a plenitude, Freud salienta, conforme nos foi possível acompanhar ao longo de sua
obra, que o amor se sustenta também em sua transitoriedade.
93
Podemos sublinhar neste momento que nos é possível identificar duas leituras do
amor depreendidas de dentro da obra de Freud. Em primeiro lugar, destacamos uma
definição freudiana de amor em proximidade ao ideal romântico de amor. Esta leitura se
fez presente desde as passagens onde Freud define o amor como uma tendência à união
com um objeto idealizado por meio do qual se constrói uma aposta na vivência de uma
experiência de plenitude e felicidade. A partir desta definição freudiana do amor,
aproximamos Freud e Romantismo pela via do amor, o que foi por nós ilustrado
primordialmente por meio de uma distinção entre amor e pulsão e uma aproximação
entre os esforços egoicos e aqueles do amor. Entretanto, apesar dos momentos em que a
definição freudiana do amor se aproxima da definição romântica, nos foi possível
destacar um posicionamento diferenciado de Freud no que concerne ao projeto
romântico. Seguindo esta leitura, pudemos dar a Freud o lugar de enclave ao
Romantismo desde o momento em que, partindo de uma aproximação com a definição
romântica de amor, Freud se distancia do projeto romântico desde que se dedica a
sublinhar repetidas vezes em sua obra que o projeto romântico encontra-se não com a
plenitude, mas irremediavelmente com uma experiência de cisão, desapontamento,
frustração. Neste sentido, mesmo nos momentos em que define o amor como os
românticos, Freud não deixa de sublinhar os impasses que as próprias tendências
românticas do amor carregam.
Entretanto, nos foi possível sublinhar o posicionamento de enclave a Freud sob
outra perspectiva. Ao longo de sua obra, Freud nos oferece subsídios para depreender
também uma outra faceta do amor que se distancia daquela sublinhada pelo
Romantismo; faceta que se fez presente pela aproximação proposta por Freud entre o
campo do amor e a lógica pulsional. Sublinhamos, portanto, pontos de tensão entre
Freud e o Romantismo desde seus primeiros estudos clínicos onde Freud identifica um
caráter compulsivo ao amor, para chegarmos a uma imbricação entre amor e pulsão de
morte pela via do estudo da ambivalência de amor e ódio. Neste sentido, Freud rompe
mais radicalmente com o Romantismo, uma vez que não mais aponta os limites da
tendência romântica do amor, mas desde o momento em que traz à luz uma outra faceta
do amor que não mais se guia por uma referência à unidade mas, sobretudo, por uma
transitoriedade e uma impossibilidade de satisfação completa. Desde o momento em
que aproxima a renovação do amor a um limite à unidade, Freud distancia sua definição
94
de amor da definição romântica e aproxima, em um lugar, amor e uma lógica
pulsional.
Observamos que quando propõe uma aproximação entre amor e pulsão, trazendo
como ponto comum a renovação da e na cisão, apostamos que Freud nos indica a
consolidação de seu rompimento com o Romantismo. Em nosso traçado desta
consolidação, partimos dos estudos clínicos freudianos do amor para identificar as
tensões que se evidenciam entre Freud e o Romantismo e pudemos concluir que Freud
parte de uma definição romântica, ideal, narcísica do amor, para atingir radicalmente
não somente o Romantismo, mas o próprio narcisismo.
Em nosso segundo capítulo identificamos como foi possível a Freud partir de
uma aproximação com a definição romântica do amor para chegar ao rompimento
radical com o Romantismo. A aproximação entre Freud e o Romantismo pela via do
amor se evidencia em nosso trabalho por uma distinção predominante no texto de Freud
entre amor e pulsão, mas apesar da distinção que se coloca mais evidente, observamos
que surge no horizonte de seu texto uma outra faceta do amor. Esta outra faceta do
amor, que se distancia daquela mais próxima à proposta romântica, Freud aproxima da
pulsão sem, entretanto, sublinhar esta aproximação de forma tão clara como o fizera nos
momentos em que distanciara amor e pulsão enquanto aproximava amor e ego. Foi-nos
importante instigar o leitor a esta aproximação entre amor e pulsão para que, por fim,
possamos, em nosso último capítulo, debruçar-nos mais diretamente sobre os textos em
que Freud consolida sua leitura do amor em distinção à leitura romântica. Se em seu
estudo do amor transferencial e na construção de seu segundo dualismo pulsional vemos
Freud oscilar entre a aproximação e a distinção entre amor e pulsão, é quando dedica
dois de seus artigos a contribuir para a construção de uma “Psicologia do amor”, que ele
sustenta de forma mais clara a aproximação entre amor e pulsão, e o afastamento entre
amor e Romantismo. Por meio de suas contribuições à psicologia do amor, Freud
sustentará que não apenas o amor, mas o homem se guia não por uma aspiração pelo
todo, mas que é “a limitação da possibilidade de uma fruição [aquilo que] eleva o valor
dessa fruição” (FREUD, 1915d/1974, op. cit., p. 345).
95
Eu queria querer-te e amar o amor, construirmos
dulcíssima prisão. E encontrar a mais justa adequação,
tudo métrica e rima e nunca dor. Mas a vida é real e de
viés, e só que cilada o amor me armou. E te quero e
não queres como sou, não te quero e não queres como és.
Caetano Veloso
96
CAPÍTULO III – O IMPOSSÍVEL COMO AFIRMAÇÃO –
UMA APROXIMAÇÃO ENTRE AMOR E A LÓGICA
PULSIONAL
Acredito ter sublinhado várias vezes, o que, da análise,
provocou de saída, tanto escândalo. Não é tanto por ter
valorizado o papel da sexualidade, e por ter participação no
fato de que isso se tenha tornado um lugar-comum. Mas é
precisamente porque ela introduzia, ao mesmo tempo que esta
noção, e muito mais ainda que ela, seus paradoxos, a saber,
que a abordagem do objeto sexual apresenta uma dificuldade
essencial que é de ordem interna. É singular que a partir daí
tenhamos deslizado para uma noção harmônica do objeto.
LACAN
Ao longo de nossa pesquisa, propusemos ao leitor que nos acompanhasse em
uma reflexão acerca da relação entre a teoria freudiana e a concepção romântica do
amor. Em nosso percurso, pudemos primeiramente delimitar uma concepção do
Romantismo e circunscrever de que maneira sua leitura do amor se insere no que
definimos ser o movimento ou projeto romântico. Desde então, pudemos deduzir que o
movimento romântico se caracteriza por uma tendência ao absoluto; tendência que
no amor um meio através do qual seria possível ao homem o encontro com uma
experiência de plenitude à qual se articularia uma ideia de felicidade.
Todavia, foi-nos importante sublinhar que o movimento romântico assim como o
amor deduzido deste, não deve ser compreendido como um mundo de contos de fadas –
onde encontraríamos uma experiência de plenitude ou o encontro com um absoluto
mas que se caracteriza precisamente pela tendência ao absoluto, o que inclui um
conflito sempre presente entre o ideal almejado e uma experiência de perda e ruptura.
Desta observação, pudemos recolher do apelo romântico nostálgico sua busca da
unidade perdida que um encontro com o ideal de plenitude ou com um amor feliz, se
sustenta apenas como apelo, busca, sendo então o próprio apelo aquilo que caracteriza o
romântico, e não um bom encontro original com o objeto. Daí nossa afirmativa de que
só se pode querer o absoluto uma vez estando fora dele.
Tendo observado que o movimento romântico e sua leitura do amor são
marcados por um conflito entre real perda, queda, ruptura e ideal absoluto,
plenitude, felicidade pudemos incluir no Romantismo um encontro sempre presente
com um impossível da unidade ou da complementaridade amorosa, o que nos permitiu
desdobrar em seguida nosso entendimento do movimento romântico. Desde que
pudemos observar que a tendência ao absoluto inclui um encontro com uma experiência
de ruptura, pudemos então caracterizar o movimento romântico como sendo marcado
pela afirmação da contingência desta experiência de ruptura em nome da crença em
uma unidade original que então se procura reaver.
No que concerne à concepção romântica de amor, pudemos recolher a mesma
tendência que vimos definir o movimento romântico. Acompanhando a tendência
romântica, observamos que o amor traz à cena um impasse, um impossível da unidade e
da complementaridade entre os amantes; impasse ao qual responde pela suposição de
um bom encontro possível que afirma a contingência do desencontro amoroso em nome
do ideal de um amor feliz. O amor ganha então destaque no movimento romântico em
sua afirmação da contingência do impossível, posto que ganha o estatuto de via para o
absoluto.
Dentro da concepção romântica de amor, pudemos circunscrever em seguida
algumas condições para o amor romântico, dentre as quais destacamos a eleição de um
objeto único e idealizado ao qual seriam direcionados a imaginação própria à
idealização do objeto de amor, e os desejos sexuais. É, portanto, a união da sexualidade
e da idealização em um objeto único e exclusivo o que definimos ser a concepção
romântica de um amor feliz, um amor por meio do qual seria possível o encontro com O
absoluto, com A unidade entre sujeito e objeto.
No momento em que direcionamos nossos olhares à concepção freudiana do
amor, pudemos identificar que a leitura romântica atingira a escrita de Freud, que
definira ser a eleição do objeto de amor guiada pela suposição de uma relação de
complementaridade objetal da infância, donde o amor da puberdade surge como uma
tentativa de “restaurar a felicidade perdida” (FREUD, 1905/1974, op. cit., p. 229).
Ainda, Freud define como “um dos ideais da vida sexual, a concentração de todos os
98
desejos num só objeto” (Id., ibid., p. 206), o que acompanha a proposição romântica que
define que o amor inclui a eleição de um objeto exclusivo.
Encontramos como ponto de destaque, que formaliza a aproximação entre a
concepção freudiana de amor e aquela romântica, o texto de 1914, em que Freud propõe
uma aproximação entre os esforços egoicos e os do amor. A partir desta aproximação,
Freud pode nomear a relação objetal da infância que virá determinar a escolha da
puberdade, de um verdadeiro amor feliz ou um narcisismo primário, que deixa como
herança a crença em uma unidade original que o sujeito buscará reaver. A partir de
então, Freud afirma acompanhando a proposta romântica que o amor representaria
para o sujeito uma via de (re)encontro com a suposta felicidade perdida, dando corpo
teórico à idealização presente no amor romântico desde que nos indica que o objeto de
amor é idealizado posto que é colocado no lugar do ideal do eu” (FREUD, 1921/1974,
op. cit., p. 144) como via de (re)encontro com o narcisismo.
Freud nos permite deduzir de forma ainda mais clara que o amor aparece para o
sujeito como via de encontro ao absoluto, quando reafirma que o (re)encontro com a
suposta unidade ideal egoica original, o eu ideal e seu herdeiro, o ideal do eu, é “o que
as pessoas se esforçam por atingir como sendo sua felicidade” (Id., 1914a/1974, op. cit.,
p. 118) e que aquele objeto que “possui a excelência que falta ao eu para torná-lo ideal é
amado” (loc. cit.). Pudemos deduzir daí, portanto, que é o ego freudiano o representante
do Romantismo do qual Freud é herdeiro, posto ser o que oferece ao sujeito a
possibilidade de se referir a uma unidade primeira que ele então procura reaver pela
eleição de um objeto específico de amor.
A aproximação deduzida por nós entre Freud e a concepção romântica de amor
foi acompanhada por nossa proposição ao leitor de uma distinção entre amor e pulsão.
Distinção que sustentamos pela eleição de um objeto único e ideal concernente ao amor,
e indiferente e variável para a pulsão, e pela imposição de um impasse e da não-
complementaridade amorosa colocados pela força pulsional, aos quais o amor responde
pela suposição de uma unidade possível entre sujeito e objeto. Todavia, ao longo de
nosso percurso dentro da obra freudiana, nos foi possível identificar, em alguns de seus
comentários, que Freud coloca no horizonte de seu texto uma aproximação possível
entre amor e pulsão.
99
Desde seus comentários acerca do amor transferencial e, em seguida, em seu
segundo dualismo pulsional, Freud nos introduz a uma outra faceta do amor que não
aquela que depreendemos do Romantismo. Freud nos indica que o amor não apenas se
guia pela referência a um encontro original articulado a uma experiência de plenitude,
mas que renova e, ainda, reedita e atualiza um impasse da complementaridade objetal, o
impossível de um bom encontro ideal entre sujeito e objeto. Neste caminho, Freud nos
permite ler no amor não apenas um obturador do hiato imposto pela pulsão entre sujeito
e objeto, mas como aquele que nos notícias deste impasse, desde que se renova não
de uma unidade original, mas no próprio encontro com um descompasso que retorna
entre sujeito e objeto.
Assim como nos foi possível destacar o texto freudiano sobre o narcisismo
(FREUD, 1914a/1974) como aquele que formaliza a aproximação entre a definição
freudiana de amor e aquela romântica, acreditamos ser pelos textos em que se dedica a
contribuir à construção de uma psicologia do amor (Id., 1910-1912), que Freud irá
formalizar uma aproximação entre o amor e a lógica pulsional; aproximação que lhe
permitirá romper de forma mais radical com o movimento romântico e com sua
concepção de amor. Tendo atravessado até aqui o romantismo do amor assim como este
toca a obra freudiana, podemos neste momento convidar o leitor a refletir sobre uma
outra faceta do amor destacada por Freud.
III.1 – Novas condições ao amor: sobre a depreciação e o objeto proibido
Freud inicia o primeiro de seus três artigos que virão contribuir, a seu ver, para
uma psicologia do amor, indicando que é chegada a hora de a ciência aqui, a
psicanálise se dedicar a falar sobre aquilo de que falaram até então somente os
“escritores de ficção”. É chegada a hora, nos diz Freud, de falarmos, mesmo que com
um trato mais “tosco”, das “mesmas matérias” sobre as quais nos falara o escritor em
sua sensibilidade e seu privilégio “do que se convencionou chamar ‘licença poética’”
(FREUD, 1910/1974, p. 149). Falemos, então, do amor.
Freud ainda nos indica no primeiro dos três artigos intitulados “contribuições à
Psicologia do amor” que, para o estudo do amor considerará um caminho que
conhecemos característico de sua escrita. Partirá do estudo do desvio neste artigo
representado pela neurose para nos ensinar sobre o universal. No que concerne ao
100
amor, partirá da descrição de “tipos de escolha de objeto” (FREUD, 1910/1974, op. cit.,
p. 150) específicas feitas por alguns homens, que lhe permitirão em seguida deduzir a
presença de duas condições necessárias à eleição de um objeto de amor. Condições estas
quais sejam, a da depreciação do objeto de amor e a eleição de um objeto proibido
que Freud irá concluir estarem de alguma forma presentes em toda escolha de objeto de
amor. Em seguida, Freud nos apresenta dois modos de comportamento” no amor (Id.,
ibid., p. 151) observado nestes homens, determinados a partir das duas condições por
ele sublinhadas. Comportamentos que apontam para uma necessidade de fidelidade para
com o objeto amado e para a importância do ato de salvar o objeto de amor de uma
perda total do controle moral (Id., ibid., p. 151-152).
Em nosso trabalho destacaremos as duas condições discutidas por Freud como
necessárias à eleição de um objeto de amor vimos, a depreciação do objeto de amor
e a eleição de um objeto de amor proibido posto que acreditamos que tirando, junto a
Freud, as consequências destas condições do amor, é que poderemos contribuir para o
encaminhamento de nosso debate acerca da relação entre Freud e o Romantismo a partir
de suas leituras do amor, e da relação entre amor e pulsão. Será, portanto, por uma
reflexão acerca destas condições ao amor discutidas especificamente nos textos “Um
tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens” (FREUD, 1910/1974) e “Sobre a
tendência universal à depreciação na esfera do amor” (Id., 1912c/1974) que
pretendemos discutir, junto ao leitor, de que maneira Freud pode aproximar amor e
pulsão, enquanto depreende de sua clínica condições ao amor distintas daquelas por nós
deduzidas do Romantismo.
Logo no início de seu primeiro artigo, Freud nos indica que as duas condições
necessárias ao amor por ele observadas admitem uma explicação simples de contexto
psicanalítico” (Id., 1910/1974, op. cit., p. 150). Esta explicação simples, vemos se
encaminhar em concordância com o que desde o início de nosso trabalho sublinhamos
na escrita de Freud, a saber, o fato de a escolha objetal adulta se articular à escolha
objetal infantil e, mais especificamente, à escolha edípica. Neste caminho, Freud
inicialmente articula as duas condições à eleição de objeto, aos personagens do
“romance familiar (Id., ibid., p. 155), ou mais especificamente, “à constelação psíquica
relacionada à mãe”(Id., ibid., p. 153). Assim, o objeto de amor da puberdade deverá ser
proibido e vinculado a uma terceira pessoa prejudicada (Id., ibid., p. 150) que não
101
representaria “outra [pessoa] senão o próprio pai” (Id., ibid., p. 153). Neste mesmo
caminho, Freud articula a depreciação do objeto à atribuição, por parte do infante, de
uma promiscuidade materna, posto que esta teria concedido o privilégio da relação
sexual, não a ele, mas a seu pai”, de modo que o infante aproxima a mãe da posição de
prostituta (FREUD, 1910/1974, op. cit., p. 154).
Ao longo de nosso mergulho na obra freudiana, vimos que nos foi possível
deduzir do estudo do narcisismo (Id., 1914a/1974) de que maneira Freud pôde articular
um passado infantil como uma imagem ideal de uma unidade perdida; articulação que
aproximara o amor, assim como Freud o concebe, e o amor romântico desde que ambos
referiam-se a um passado suposto ideal. Todavia, a partir dos artigos de 1910 e 1912
sobre os quais tencionamos aqui nos debruçar, Freud poderá reafirmar – veremos de que
forma que este passado infantil reeditado na puberdade pela escolha de objeto de
amor, de nada tem de ideal, de narcísico, de pleno ou, conforme nomeamos pela letra de
Freud ao longo de nosso percurso, de um “todo ilimitado”. Ao contrário, nestes artigos
veremos que Freud sublinha não mais a construção narcísica que permite ao sujeito
referir-se a uma suposta unidade infantil, mas irá dar destaque ao que desde ali, desde o
amor infantil, se coloca como um impossível à complementaridade amorosa.
Impossível, este sim, que será reeditado não apenas na puberdade, mas ao longo de toda
a “vida árdua” do sujeito (Id., 1930/1974, op. cit., p. 93).
No segundo artigo incluído nas contribuições freudianas à psicologia do amor,
Freud retorna às duas condições à eleição de objeto a partir de um estudo do fenômeno
da “impotência psíquica” que se caracteriza por uma “recusa dos órgãos executores da
sexualidade de levar a cabo o ato sexual”, ou por uma inibição da “potência masculina”
(Id., 1912c/1974, op. cit., p. 163). Freud observa que esta inibição estaria articulada a
“alguma característica do objeto sexual” (Id., ibid., p. 163) e que representaria para o
sujeito uma “sensação de um obstáculo dentro dele” ou de um “obstáculo interno” que
se expressaria na vida sexual pelo que Freud nomeia “impotência psíquica” (Id., ibid., p.
164).
Freud inicialmente articula a impotência psíquica a um sintoma neurótico e
afirma que “como muito provavelmente em todas as perturbações neuróticas”, a origem
da impotência psíquica estaria “determinada por uma inibição na história do
desenvolvimento da libido antes que esta assuma a forma que tomamos como sua
102
terminação normal” (FREUD, 1912c/1974,., p. 164). A partir do estudo do
desenvolvimento da libido, Freud então retoma suas considerações acerca das duas
correntes que constituem tanto o amor infantil quanto o amor adulto sobre as quais nos
falara desde 1905: a corrente afetiva ou terna e a corrente sensual. A partir de uma
discussão acerca da união e não-união destas correntes e de suas consequências para o
amor, Freud retornará à condição do objeto depreciado apontada desde o primeiro artigo
e será uma vez mais aprendendo sobre o universal a partir do patológico, que concluirá
ser presente em toda escolha de objeto uma tendência à depreciação na esfera do amor.
A partir ainda da discussão acerca das correntes que encaminham o sujeito a
uma eleição de objeto de amor, Freud volta em seguida a nos falar sobre a eleição de um
objeto proibido, o que se faz presente em 1912, a partir da noção de obstáculo. A partir
desta noção de obstáculo Freud propõe uma aproximação entre o campo do amor e o
campo da pulsão, identificando ser necessária para se “intensificar a libido”, assim
como para poder gozar no amor”, a imposição de um obstáculo interno à satisfação
completa (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 170). Primordialmente a partir desta
aproximação entre o amor e a lógica pulsional a partir da noção de obstáculo,
sustentaremos nossa aposta na formalização freudiana de uma nova faceta do amor
distinta daquela romântica. Faceta do amor que nos indicará veremos de que forma
que o encontro amoroso com uma satisfação, não deixa de retornar ao sujeito como a
presença de um obstáculo ou um impossível à unidade amorosa.
Indicaremos também ao leitor esta aproximação entre o campo do amor e a
lógica pulsional, a partir da afirmação freudiana da presença de uma mudança de objeto
no amor. Veremos que Freud nos indica a partir do artigo de 1910 ser o amor não
apenas articulado a uma fixação do objeto em oposição à flexibilidade do objeto próprio
à pulsão, mas que é presente também no amor a afirmação da parcialidade do objeto
apontada pela imposição de uma cadeia “infindável” (Id., 1910/1974, op. cit., p. 153)
que coloca em cena, uma vez mais, uma “satisfação” no campo do amor. Por
conseguinte, por meio do estatuto parcial do objeto e de uma discussão acerca de uma
satisfação no campo do amor apontaremos, a partir da letra de Freud, a presença de uma
faceta do amor que se articula à lógica pulsional e que, portanto, não estaria referida a
uma tendência imaginária unificadora, mas ao retorno de um encontro paradoxal com o
objeto; encontro que deixa como resto um impossível da satisfação completa.
103
III.2 – A depreciação do objeto: desvio de um amor normal ou uma
tendência universal?
Uma das condições à eleição de um objeto de amor por nós depreendida do
movimento romântico concerne à idealização do objeto. Por meio da supervalorização
(FREUD, 1905/1974) e da idealização (Id., 1921/1974) do objeto, pudemos até aqui
aproximar Freud e o Romantismo, desde que o primeiro aproxima amor e ego e nos
afirma que o objeto é idealizado posto que é colocado no lugar do ideal do eu” (Id.,
ibid., p. 144). É do estatuto de objeto idealizado, que pudemos compreender em seguida
de que maneira Freud pôde concluir que a ideia de um amor feliz aparece para o sujeito
como uma via de encontro com uma ideia de felicidade narcísica. Isto, vimos, desde a
afirmativa freudiana que nos diz que “o que possui a excelência que falta ao eu para
torná-lo ideal é amado” (Id., 1914a/1974, p. 118). Todavia, desde 1910, e em seguida
em 1912, Freud nos introduz como condição de possibilidade para o amor não mais a
idealização, mas a depreciação do objeto. Vejamos de que forma e com que
consequências.
Desde 1905, Freud articulara a escolha de objeto de amor pubertária a uma
relação objetal infantil daí a afirmativa de que todo encontro do objeto trata-se de um
reencontro (Id., 1905/1974, op. cit., p. 229). Pudemos observar em nosso segundo
capítulo que Freud explica a influência da relação objetal infantil na escolha de amor
adulta a partir da ideia de que a criança investiria as figuras parentais por meio de uma
corrente terna e uma corrente sensual. Desde este ensaio sobre a sexualidade infantil,
nos foi possível aproximar Freud e o Romantismo e, ainda, Freud e Rousseau, visto que
ambos nos definiam como “um dos ideais da vida sexual, a concentração de todos os
desejos num objeto” (Id., ibid., p. 206) e, mais ainda, conforme Freud mais tarde
conclui, a concentração das correntes terna e sensual ou “dos processos de
desenvolvimento somático e psíquico [que] continuam por algum tempo lado a lado e
independentemente” (Id., 1915b/1974, op. cit., p. 242). Desde 1905, Freud aponta como
horizonte da vida sexual e do amor, uma unidade entre as correntes sensual e terna que,
na puberdade, se encontrariam como em um túnel cavado por ambos os lados (Id.,
1905/1974, op. cit., p. 213). Da suposição de uma unidade ou complementaridade entre
as correntes, Freud deduz um “amor sexual”, conforme vimos, indubitavelmente uma
104
das principais coisas da vida” que teria como “ponto culminante”, a “união da
satisfação mental e física no gozo do amor” (FREUD, 1915b/1974, op. cit., p. 220).
Quando em 1912 se detém a teorizar sobre a impotência psíquica, esta
“perturbação [que] leva as pessoas com maior frequência a o procurarem em busca de
auxílio” (Id., 1912c/1974, p. 163), todavia, Freud poderá afirmar não apenas que a
idealização do objeto pregada pelo Romantismo não engloba a totalidade do que
podemos saber sobre o amor mas, sobretudo, irá reafirmar pela depreciação na esfera
do amor um impossível da complementaridade amorosa apontado pela
impossibilidade de união entre as correntes terna e sensual. Irá afirmar em outras
palavras, conforme nos é possível ler, a impossibilidade da satisfação de ambas as
correntes em um só objeto.
Freud inicia o artigo em que discute a impotência psíquica, articulando-a a uma
falha de alguns sujeitos em combinar, em um objeto, as correntes terna e sensual
antes dirigidas aos objetos incestuosos infantis. Assim, a corrente terna ou afetiva, que
desde a infância investira as figuras parentais, e a corrente sensual, barrada pela
interdição do incesto de investir tais figuras, ou seja, as “duas correntes cuja união é
necessária para assegurar um comportamento amoroso completamente normal, falharam
em se combinar”
(Id., ibid., p. 164. O grifo é nosso.).
Convidamos o leitor a acompanhar-nos na observação de que, neste primeiro
momento, Freud sublinha uma cisão entre o campo patológico e o campo da
normalidade no amor, sublinhando o desencontro entre as correntes como uma falha a
um suposto amor normal, onde poderíamos supor haver um encontro possível entre tais
correntes em um mesmo objeto. Este encontro asseguraria um comportamento amoroso
normal onde, assim como em 1905, “o máximo de intensidade de paixão sensual” traz
consigo “a mais alta valorização psíquica do objeto” (Id., ibid., p. 165). Num primeiro
momento poderíamos afirmar que Freud destaque à oposição entre uma suposta
normalidade no campo do amor articulada à união de uma satisfação das correntes
afetiva e sensual em um mesmo objeto, em oposição a uma falha contingente a alguns e
que determina uma patologia no campo do amor. Neste sentido, Freud nos permite
aproximá-lo de uma leitura romântica do amor, posto que o desencontro e o impasse
colocados ao amor pelo descompasso entre as correntes terna e sensual, seria colocado
no campo da falha e, portanto, passível de ser lida como pontual e contingente.
105
Esta falha em combinar as correntes terna e sensual impunha aos homens
descritos por Freud uma divisão de seu amor (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 166)
entre a valorização ou idealização do objeto e a atividade sexual, de modo que a última
“é forçada a evitar a corrente afetiva” (loc. cit.). Nestes homens a idealização fica
reservada aos objetos que remetem aos objetos incestuosos da infância, de modo que a
sexualidade pode se exercer no campo da depreciação do objeto. No campo da
idealização o que há é a impotência psíquica.
Privilegiando como em 1905 a suposição de um bom encontro pubertário
entre as correntes que se desencontram desde a infância, podemos apostar que Freud
tenta sustentar, de início, um amor normal frente ao que se impunha em sua clínica
como estranheza, como falha ou cisão no campo do amor. Todavia, após identificar os
motivos pelos quais se mostra impossível a unidade entre as correntes, Freud passa a dar
destaque não mais à oposição entre um normal e um patológico do amor, mas inclui na
normalidade do amor um impasse universal imposto ao sujeito no que concerne à união
das correntes terna e sensual, e às consequências deste impasse colocado desde a
infância para a escolha pubertária de amor. Freud enfim nos propõe diluir as fronteiras
entre normal e patológico, e nos convida a estender a impotência psíquica concernente a
uma falha ou cisão à união ideal entre as correntes do amor a uma nova teoria do amor,
o que lhe permite sustentar a afirmativa que intitula seu artigo:
Visto que devemos reconhecer que todos os fatores relevantes que conhecemos a forte fixação
infantil, a barreira ao incesto e a frustração nos anos de desenvolvimento depois da puberdade
podem ser encontrados em praticamente todos os seres humanos civilizados, deve-se justificar a
perspectiva da impotência psíquica como uma condição universal da civilização e não uma
perturbação circunscrita a alguns indivíduos (Id., 1912c/1974, op. cit., p. 167. O grifo é nosso.).
O que Freud nos indica desde que estende à normalidade do amor uma cisão
entre as correntes e a decorrente depreciação na esfera amorosa? Acreditamos que a
partir de suas reflexões acerca da depreciação no campo do amor, Freud nos permite
repensar sua teoria do amor a partir de dois pontos. O primeiro ponto que podemos
destacar desta afirmativa freudiana diz respeito à depreciação. Podemos observar que
Freud se distancia da leitura romântica do amor desde que sublinha ser não a
idealização, mas a depreciação, uma condição necessária ao amor, o que nos permite
deduzir que o campo amoroso não se reduz para Freud ao ideal narcísico que impõe que
o objeto seja colocado no lugar de um ideal do eu. Aqui, ao contrário, Freud indica ser
apenas no campo da depreciação onde a sexualidade também própria ao amor pode se
106
satisfazer. Pois bem, se satisfazer. Ao recolher do fenômeno da impotência psíquica
uma tendência universal à depreciação na esfera do amor, Freud abre espaço para que
abordemos a temática do amor sob a perspectiva da satisfação ou, ainda, do retorno de
um a-satisfazer. Voltaremos a este ponto num momento posterior.
O segundo ponto que se destaca para nós como rompimento de Freud no que
concerne à leitura romântica do amor, diz respeito à observação freudiana de uma não-
complementaridade entre as correntes do amor. Conforme indicamos, Freud pôde
articular, desde 1914, uma relação de amor infantil em termos de um registro de
complementaridade a partir do conceito de narcisismo. Afirmando ser o ego o
representante romântico em Freud, sublinhamos ser por meio do estudo do narcisismo
que Freud articula um passado infantil como a suposição de um bom encontro objetal ao
qual o sujeito vai referir-se como uma felicidade perdida que buscará então reaver. A
suposição narcísica de um passado infantil ideal, vimos, foi o que nos permitiu
formalizar a aproximação entre a concepção romântica de amor e aquela freudiana,
desde que ambas definem ser o amor referido a crença em um registro original ideal.
Diferentemente de 1914, acreditamos que em 1905 Freud não articulara a
infância em termos de um registro ideal amoroso, mas que sublinhara um impasse e
uma não-complementaridade objetal como própria à infância, desde que apontara que as
correntes terna e sensual não podem se combinar nos objetos infantis de amor por causa
da barreira do incesto. Todavia, apesar de sublinhar o impasse colocado ao amor desde a
infância, Freud destaque em sua escrita a uma suposição do sujeito de um amor
adulto onde enfim seriam encontrados objetos aos quais seria permitido investir tais
correntes terna e sensual.
Podemos, por conseguinte, apostar, a partir de nossa leitura do texto freudiano
sobre a depreciação na esfera do amor, que Freud é mais radical na afirmação de um
hiato insuperável entre o homem e uma complementaridade amorosa. Em 1912, Freud
volta a sublinhar a impossibilidade da união das correntes do amor na infância, dando,
todavia, um passo adiante, desde que identifica que este impasse, ou uma divisão
(FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 166) no amor evidenciada pela impotência psíquica
“está muito mais difundida do que se supõe” (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 168), o
que permite a Freud, a nosso ver, retornar à afirmação de um impossível no amor.
Impossível que se coloca não mais como uma falha contingente a alguns, mas como a
107
própria condição de possibilidade ao amor. Se em 1905 Freud afirmara ser a não-
complementaridade entre as correntes própria à infância, sublinhando uma aposta do
sujeito de que estas correntes se encontrariam como em uma esperança “no fim do
túnel” na puberdade, ele nos parece agora privilegiar sua observação de que, entre os
dois túneis cavados pelas correntes terna e sensual em direção a um objeto único e
específico em um amor adulto ideal, existe um hiato.
Acreditamos que quando afirma ser próprio a toda eleição de objeto o encontro
com a inexistência de um objeto que satisfaça em um lugar as correntes terna e
sensual próprias ao amor, afirmando como próprio ao amor não mais a união, mas a
impossibilidade da “união da satisfação mental e física no gozo do amor” (Id.,
1915b/1974, op. cit., p. 220), Freud afirma novamente uma cisão no sujeito ao mesmo
tempo em que afirma a impossibilidade de se escolher um bom objeto que satisfaça
plenamente as correntes que guiam o amor. Se não objeto que satisfaça ambas as
correntes que constituem as condições para a eleição de um objeto de amor, acreditamos
que Freud nos abre espaço para deduzir que é também na própria experiência de
desencontro aqui representada pela depreciação na esfera amorosa que se sustenta o
amor. Freud nos indica, sobremaneira, que uma tendência universal, na esfera do
amor, que sempre deixará como resto um desencontro.
Desde que sublinha o desencontro amoroso colocado desde a infância e
reeditado nos objetos da puberdade, podemos observar que uma vez mais Freud deixa
de privilegiar uma leitura do amor como herdeiro de uma unidade supostamente perdida
unidade aqui articulada a uma combinação entre as correntes. Ele afirma então que o
amor se renova no próprio impasse trazido pela impossibilidade de unidade, renova-se
daquilo que retorna como o encontro não com um objeto, mas com o que resta, em cada
objeto, quanto à satisfação.
Desde o estudo do amor romântico pudemos deduzir o retorno de um impasse
amoroso, ao qual, todavia, o movimento romântico responde pela afirmação de sua
contingência. Freud, por sua vez, nos parece recolher também do amor uma experiência
de impasse, deduzindo deste impasse amoroso, entretanto, não uma contingência, mas a
própria condição ao amor. Conforme nos indicara Lacan, citado em nosso segundo
capítulo, a falta do objeto”, aqui articulada como a falta de um objeto que satisfaça
ambas as correntes do amor, “não é um negativo, mas a própria mola da relação do
108
sujeito com o mundo” (LACAN, 1956-1957/1985, op. cit., p. 35) e, completamos agora,
a própria mola, a própria condição para o amor.
Convidamos o leitor a acompanhar novamente nossa leitura na aposta de que é
seguindo a observação de um descompasso entre as correntes do amor, e ainda o lugar
de condição de possibilidade que o encontro com um impossível na satisfação das
correntes do amor ocupa no fenômeno amoroso, que Freud pode então propor que “uma
tendência universal a depreciar os objetos sexuais pode conduzir-nos, talvez, a desviar
nossa atenção do objeto para os instintos em si” (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 170).
Será então quando se dedica ao estudo do amor segundo a lógica pulsional, que Freud
poderá nos indicar de que maneira o retorno de um impossível na satisfação não é da
ordem de uma falha, mas do próprio meio de satisfação pulsional que se presentifica no
amor.
III.3 – A cadeia infindável de objetos: uma aproximação entre amor e
pulsão pelo estatuto do objeto
Outra característica que nos permitiu até aqui delimitar a concepção romântica
de amor concerne à eleição de um objeto único e exclusivo, eleição diretamente
articulada à idealização do objeto, posto ser um objeto de amor específico colocado no
lugar de um ideal como via para uma felicidade da plenitude. Esta exclusividade do
objeto pudemos depreender não apenas do amor de Werther, que não em nenhum
outro objeto, senão em Lotte, a possibilidade de encontrar a felicidade, mas também em
Rousseau, que vimos propor não somente a idealização, mas também a exclusividade
como condição para um amor feliz.
Desde que nos dedicamos à leitura freudiana do amor, pudemos encontrar na
letra de Freud conforme nos foi possível destacar uma definição narcísica do amor
que o articula também à eleição de um objeto único e exclusivo. Isto, vimos desde que
aproxima amor e ego e que afirma ser próprio a este ser mais específico sobre a sua
escolha (...) de objeto” (FREUD, 1923/1974, op. cit., p. 61). Esta definição narcísica do
amor nos permitiu aproximar Freud e o Romantismo, ao mesmo tempo em que nos
permitia afastar a leitura freudiana do fenômeno amoroso de seu conceito de pulsão,
desde que a última se define como uma força constante (Id., 1915b/1974, op. cit.) que
109
instiga o sujeito não à fixação a um objeto, mas a uma cadeia de objetos parciais que se
substituem.
Todavia, a partir dos desdobramentos da condição de possibilidade ao amor
concernente à eleição de um objeto depreciado, condição nomeada por Freud de “amor
à prostituta” (Id., 1910/1974, op. cit., p. 150), apostamos que Freud traz à cena a
parcialidade do objeto no que concerne não apenas à pulsão, mas também ao amor,
colocando no horizonte de sua escrita, uma aproximação possível entre o objeto parcial
de amor e da pulsão. Freud observa que a depreciação do objeto como condição ao
amor aparece para os homens dos quais nos falara em 1910 como uma condição
necessária; condição que se faz presente não quanto a um objeto específico em um
“único relacionamento amoroso” e que se faz presente apenas “uma vez na vida” (Id.,
ibid., p. 151). Ao contrário, relacionamentos baseados nesta dinâmica da depreciação,
“repetem-se com as mesmas peculiaridades cada qual uma réplica exata dos outros
sempre e sempre, nas vidas do homem desse tipo”, de modo que Freud pode depreender
daí uma repetição no campo do amor que retorna por sua “natureza compulsiva” (loc.
cit.).
Pudemos observar que foi possível a Freud deduzir, a partir do que se
evidenciara em sua clínica da impotência psíquica, que aquilo que inicialmente lhe
parecia uma maneira “extremamente singular de se comportar no amor” (Id., ibid., p.
152) constitui uma condição universal para a eleição de um objeto de amor. Todavia,
Freud não apenas estende à normalidade, como é de costume em suas construções
teóricas, o que antes se apresentava como da ordem do patológico. Caso
acompanhássemos a proposição de que é própria ao amor a exclusividade no que
concerne ao objeto, poderíamos concluir que as condições destacadas por Freud seriam
necessárias para que fosse eleito um objeto único e exclusivo, mesmo que depreciado e
não desimpedido. Todavia, em 1910 Freud afirma ainda que estas condições ao amor
não estariam articuladas a uma fixação de objeto, mas que “os objetos amorosos podem
se substituir uns aos outros”, havendo ainda algo que os liga em “uma extensa séria dos
mesmos” (FREUD, 1910/1974, op. cit., p. 151). A partir desta afirmação, Freud nos
coloca uma questão: o que é comum a esta extensa série dos mesmos ou, em outros
termos, o que se presentifica no amor talvez não em cada objeto, mas na própria série de
objetos que se substituem?
110
Freud nos oferece uma resposta a esta questão, quando afirma que os objetos se
substituem em uma série que, em seguida, nomeia infindável”, posto que cada
substituto, não obstante, deixa de proporcionar a satisfação desejada” (Id., ibid., p. 153).
Propomos ao leitor que atente nesta afirmativa para dois pontos. Primeiramente, Freud
nos indica que o amor se articula não mais à fixação de um objeto, mas que os objetos
de amor podem se substituir. Em segundo lugar, Freud sublinha que a substituição
destes objetos é infindável, e que a mudança de objeto no amor estaria relacionada à
imposição de uma satisfação não completa colocada ao sujeito em cada objeto, o que
nos aponta para a queda do ideal de um objeto pleno ou como nos indica Freud, um
objeto adequado (Id., 1912c/1974, op. cit., p. 165) capaz de satisfazer plenamente o
sujeito no amor.
Desde que inclui um impossível da satisfação completa no campo do amor,
reafirmando ser o encontro não com o ideal, mas com um impossível na satisfação o
que impulsiona o sujeito no amor a dirigir-se ao mundo dos objetos, acreditamos
que Freud sublinha que a escolha de um objeto de amor é tocada pela parcialidade
objetal. Freud nos indica, sobremaneira, que aquilo que de comum na série de
objetos amorosos que se substituem, é o retorno do objeto em sua parcialidade, o fato de
um objeto sempre remeter a outro, e a consequente impossibilidade de um bom
encontro objetal ao sujeito. Freud nos permite deduzir, por fim, que a mudança de
objeto colocada no amor se articula a um resto que se presentifica ao sujeito em cada
objeto no que concerne à satisfação.
Vale sublinharmos que a articulação do amor em termos de satisfação não é
sempre presente na obra freudiana, sendo esta temática da satisfação articulada
primordialmente à construção conceitual freudiana da pulsão. Apesar dos momentos em
que nos foi possível identificar algumas afirmativas em nosso segundo capítulo nas
quais Freud aproxima o amor à satisfação, esta aproximação não é lugar comum na
teoria freudiana do amor, de modo que, quando propõe esta articulação nos artigos de
1910 e 1912, Freud nos instiga uma vez mais a refletir sobre o amor não mais sob uma
perspectiva narcísica, mas uma perspectiva pulsional. Acreditamos, por conseguinte,
que quando traz à cena, nos artigos em questão, a temática da mudança de objetos no
amor, Freud volta a nos indicar uma aproximação seguinte entre amor e uma lógica
pulsional não somente pelo estatuto parcial do objeto, mas também pela via da
111
satisfação. Mais especificamente, quando afirma que não há objeto capaz de
proporcionar a satisfação desejada, Freud nos parece indicar que, também no que
concerne ao amor, não satisfação que permita “qualquer parada em nenhuma das
posições [ou objetos] alcançadas” (FREUD, 1920/1974, op. cit., p. 60). Desta forma,
acreditamos que Freud nos encaminha de um estudo da mudança dos objetos para uma
atenção aos “instintos em si” (Id., 1912c/1974, op. cit., p. 170) no que estes se articulam
a uma satisfação no campo do amor.
III.4 – A condição de obstáculo: uma aproximação entre amor e pulsão
pelo paradoxo da satisfação
A segunda precondição ao amor que se destaca para nós da escrita de Freud
concerne à eleição de um objeto que não seja desimpedido, o que nomeamos de um
objeto proibido. Inicialmente, assim como fizera em seu estudo da depreciação na esfera
do amor, Freud aproxima esta condição ao amor à cena edípica, afirmando ser a mãe o
objeto primordialmente proibido pelo pai. Todavia, Freud pode observar em seguida
que aquilo que se destaca nesta condição à escolha de objeto, não são propriamente os
personagens edípicos, mas o retorno de um obstáculo colocado ao encontro amoroso em
cada objeto da “série infindável” (Id., 1910/1974, op. cit., p. 153) de objetos de amor.
Obstáculo, conforme indicamos, a uma satisfação completa no amor. Desde que
direciona seu interesse a refletir sobre o lugar ocupado pelo retorno deste obstáculo à
satisfação amorosa, Freud então nos propõe uma reflexão não mais sobre o objeto
proibido, mas sobre a articulação amor-obstáculo-satisfação.
Ao longo de nosso trabalho, procuramos identificar as diferentes formas com
que Freud pôde articular a presença de um impossível no amor. Pudemos diferenciar a
partir de então a posição freudiana da posição romântica por meio da resposta de cada
um a um encontro comum a ambos com este impossível; com um impasse colocado
no amor. Vimos que ali onde o posicionamento romântico afirma a contingência de um
impossível à complementaridade amorosa, Freud retorna sempre à afirmação deste
impossível como não contingente, mas insuperável. Todavia, pudemos também deduzir
da letra de Freud que o retorno deste impossível na esfera do amor não atuaria como
uma simples negação ao encontro ideal, uma pedra no caminho ao bom encontro ou
como um ideal ao avesso. Freud pôde nos indicar, segundo nos foi possível sublinhar
112
desde alguns de seus comentários sobre o amor transferencial, que poderíamos incluir
este encontro com o impossível como a própria condição, a própria mola do
endereçamento do sujeito aos seus objetos de amor. Desde então, Freud nos fala não
mais de um impossível insuperável, mas de um impossível necessário ao amor.
Em 1910 e 1912 Freud parece nos convidar a trilhar junto à leitura destes
artigos, o caminho por ele percorrido desde sua proximidade à leitura romântica do
amor, até seu rompimento radical e sua seguinte formulação singular acerca do
fenômeno amoroso. Isto desde que parte da afirmação de que o obstáculo colocado ao
amor pela eleição de um objeto proibido e a depreciação no campo do amor seriam da
ordem de escolhas patológicas, uma falha contingente, para a afirmação de um
obstáculo interno e da depreciação como condições de possibilidade ao amor. Por meio
do destaque dado à presença de um obstáculo como condição ao amor, Freud poderá
aproximar enfim, a nosso ver, o paradoxo da satisfação da pulsão e uma satisfação no
campo do amor.
Desde sua clínica da impotência psíquica, Freud identifica como traço comum
uma tendência a escolher objetos de amor não desimpedidos, em relação aos quais seria
colocada ao sujeito uma impossibilidade de união junto ao objeto. Entretanto, se
inicialmente Freud identifica esta característica conforme indicamos à cena edípica,
em seguida articula esta impossibilidade de encontro objetal a uma “restrição feita ao
amor pela civilização” (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 170), o que, a nosso ver,
aponta para o que em 1930 Freud irá formalizar como um impasse entre satisfação
pulsional e civilização que tem como resultante a sintomática neurótica e um mal-estar
na civilização. Se ao longo de seus dois artigos sobre a contribuição à psicologia do
amor Freud articulara o fenômeno amoroso em termos de encontro e desencontro
objetal, ao final de seu segundo artigo ele nos convida a dar um salto junto a sua escrita
que, a partir de então, priorizará uma leitura do amor segundo a lógica da satisfação. A
partir do momento em que articula o amor nestes termos, vemos a linha que distingue
amor e pulsão se tornar cada vez mais tênue na letra de Freud até que, por fim, e não
sem consequências, Freud passa a nos falar, conforme indicamos, não mais sobre a
relação objetal de amor, mas sobre o que ele nomeia “instintos do amor” (Id.,
1912c/1974, op. cit., p. 172).
113
Se inicialmente articula a presença de um obstáculo ao amor à eleição de um
objeto proibido, quando em seguida nos fala de um obstáculo colocado ao amor pela
civilização, Freud aproxima amor e libido e inclui como condição a uma satisfação no
amor não mais uma impossibilidade de encontro objetal, mas a presença de um
obstáculo em cada satisfação como condição, como intrínseco à própria satisfação do
amor. Isto, quando nos afirma que “para se intensificar a libido, se requer um obstáculo;
e onde as resistências naturais à satisfação não foram suficientes, o homem sempre
ergueu outros, convencionais, a fim de poder gozar no amor” (FREUD, 1912c/1974, op.
cit., p. 170).
Ao nos depararmos com a indicação freudiana que aqui inclui em uma satisfação
no amor a presença de um obstáculo, acreditamos ser importante, em primeiro lugar,
nos perguntarmos que função podemos depreender da noção de obstáculo desde o lugar
que esta ocupa como condição para uma satisfação amorosa. Primeiramente, devemos
ressaltar que tal obstáculo não é articulado por Freud à negação da satisfação, mas ao
próprio meio de satisfação amorosa. Assim, Freud nos indica que não vinculemos a
tendência à satisfação amorosa a uma negativa da satisfação, a uma impossibilidade de
satisfação que então retorna como exigência de uma satisfação completa. Vejamos de
que forma a conceitualização da pulsão pode nos ajudar a entender a proposição
freudiana acerca do obstáculo no amor.
Em 1915, Freud nos propõe que circunscrevamos o conceito de pulsão segundo
quatro termos: a força, o objeto, o alvo e a fonte. Propusemos até aqui ao leitor que
aprendêssemos sobre o fenômeno amoroso a partir de uma articulação entre amor e
pulsão pelo termo objeto e neste momento, propomos o destaque ao termo força ou
pressão. Freud afirma que a pulsão é uma força constante que atinge o sujeito “como
uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar” (Id., 1915b/1974, op.
cit.) e cuja finalidade é a satisfação. Lacan, acompanhando o ensino de Freud, afirma
que como resultante de uma força em constante exigência de trabalho, a satisfação da
pulsão é paradoxal (LACAN, 1964/1985, p. 158), posto não haver satisfação encontrada
capaz de pôr fim à exigência de trabalho. A satisfação pulsional é, portanto, paradoxal,
posto que em cada satisfação se coloca um resto “a satisfazer”, um resto que retorna
como exigência de satisfação, de modo que satisfação e “a satisfazer” se encontram em
um só lugar. Como Freud, Lacan nos indica que não articulemos o fato da satisfação
114
incluir o retorno de um resto a satisfazer, a uma não-satisfação da pulsão. Não devemos,
portanto, ler o retorno de um resto a satisfazer como uma negativa da satisfação. Em
suas palavras, “não se pode portanto dizer que o alvo não é atingido quanto à satisfação.
Ele é atingido” (LACAN, 1964/1985, op. cit., p. 158). A questão é que, no que se
satisfaz, a pulsão não deixa de retornar como exigência de satisfação; isso Freud nos
indicara vimos desde que define seu estatuto de força em constante exigência de
trabalho.
Podemos deduzir daí que o encontro do sujeito com uma urgência de satisfação
não estaria articulado a uma não-satisfação da pulsão, posto que enquanto se satisfaz a
pulsão não deixa de retornar ao sujeito como um impossível da satisfação completa,
como urgência; no que ela se satisfaz no objeto não deixa, por conseguinte, de colocar o
sujeito frente ao impossível da complementaridade objetal. Um impossível de cessar a
exigência de trabalho, um impossível do cessar da urgência de satisfação. Daí nosso
entendimento do paradoxo pulsional; onde satisfação e “a satisfazer” se encontram em
um lugar e onde um impossível colocado em cada satisfação não constitui uma
negativa à satisfação, mas a própria essência da satisfação pulsional, seu retorno
enquanto exigência de trabalho.
Ao longo de nosso trabalho propusemos ao leitor que atentasse a possíveis
aproximações entre a conceitualização freudiana da pulsão e sua leitura do fenômeno
amoroso. Nesta visada, não pretendemos igualar amor e pulsão tarefa impossível
mas atentar de que maneira Freud pôde nos ensinar sobre o amor a partir de uma
aproximação com o conceito de pulsão. Desta aproximação, recolhemos como ponto
principal que o amor se renova não apenas por uma tendência narcísica que demanda
complementaridade; tendência romântica que coloca o encontro com um obstáculo
como negativo do absoluto, como força motriz para o retorno da demanda de plenitude.
Ao nos indicar ao longo de sua obra uma imbricação entre amor e um impossível, por
meio da presença de uma compulsão no amor, da articulação do amor a objetos parciais
e de uma tendência amorosa à satisfação, Freud nos incitara a aprender sobre o amor
segundo uma lógica pulsional.
Nessa direção, Freud nos propõe, em 1912, que para “gozar no amor”, o que
aqui propomos seja lido como condição para uma satisfação no amor, é necessário um
obstáculo; segundo nossa leitura, não à satisfação, mas na satisfação. Freud nos
115
convida, segundo nos é possível ler, a que não mais vejamos o obstáculo como
impedimento à satisfação, mas como o próprio meio de satisfação amorosa que coloca
ao sujeito, a cada vez, um encontro com um impossível. Obstáculo ou, acrescentamos,
impossível, sem o qual o amor se torna “sem valor e a vida vazia” (FREUD,
1912c/1974. op. cit., p. 170).
A partir do momento em que inclui a presença de um obstáculo na satisfação,
Freud nos indica que esta condição ao amor evidenciada em sua clínica da impotência,
não é da ordem de uma falha contingente a ser superada, conforme indicamos, um
obstáculo como negação a um ideal. Conforme nos indica Perelson, se há uma falha que
retorna no amor, “esta falha não é da ordem de uma imperfeição a ser superada, mas sim
a própria chave, o próprio meio de satisfação” (PERELSON, 1994, p. 32), sendo,
portanto, intrínseca à própria satisfação amorosa. Neste mesmo sentido, uma vez mais
aproximando “a relação do amante com seu objeto sexual” ao movimento da força
pulsional, Freud afirma que “por mais estranho que pareça, creio que devemos levar em
consideração a possibilidade de que algo na natureza do próprio instinto sexual é
desfavorável à realização da satisfação completa” (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p.
171).
Observamos, portanto, que uma vez mais Freud parte da lógica pulsional para
nos ensinar sobre o fenômeno amoroso, nos indicando que a força motriz do amor não
estaria propriamente em um ideal frustrado ou obstaculizado, mas também em uma
impossibilidade colocada em cada satisfação a uma satisfação completa, compreendida
esta satisfação completa como o fim de uma exigência de trabalho.
Neste sentido, podemos concluir que, por meio destes dois pequenos, e no
entanto valiosos, artigos nos quais se detém a falar sobre o amor, Freud nos apresenta
uma outra faceta do amor distinta daquela romântica; e isto de acordo com três pontos.
Pontos que nos encaminham em uma mesma direção que consiste em sublinhar o
descolamento do amor de uma tendência narcísica, indicando conforme ressaltamos
ao longo do trabalho que o amor não se resume a uma tendência obturadora do
impossível da complementaridade amorosa, mas que também pode nos dar notícias
deste impossível e, talvez possamos indicar, da maneira singular como o sujeito se
posiciona com relação a este impossível. Neste sentido, podemos afirmar que Freud
parte da observação de uma ruptura ou “divisão” (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p.
116
166) no amor como “impotência” para a afirmação de um “impossível” como
condição universal ao amor.
III.5 – A introdução da lógica pulsional ao campo do amor: do limite do
ideal ao impossível paradoxal
Pudemos observar que a partir de suas contribuições para uma psicologia do
amor, Freud coloca em discussão três questões-chave que nos permitem repensar sua
teoria do amor. São elas: a eleição de um objeto de amor calcada não mais na
idealização, mas na depreciação; a articulação do amor não mais a uma fixação, mas a
uma mudança de objeto e a observação do lugar do obstáculo como sustentação do
amor. Observemos ao final de nosso terceiro e último capítulo, de que modo estas três
questões se encaminham para uma formulação freudiana do amor distinta daquela que
vimos mais presente em sua obra e, sobretudo, de que maneira podemos recolher destes
pontos nodais, o rompimento singular de Freud com uma leitura romântica do amor.
Seguindo este caminho, propomos ao leitor que agrupemos estas três questões a partir
de dois grupos, constando no primeiro as consequências da formulação freudiana de
uma depreciação no campo do amor e no segundo os desdobramentos da articulação do
amor a uma parcialidade objetal e a inclusão do obstáculo como condição para o que
Freud nomeia um gozo no amor.
Veremos que, no que concerne ao primeiro grupo, Freud tende a afirmar a
impossibilidade do encontro objetal como ideal de complementaridade, desde que
afirma ser impossível o projeto de união estável entre as correntes terna e sensual em
um mesmo objeto de amor. Neste sentido, Freud afirma o fracasso da tendência
romântica do amor, sublinhando um descompasso sempre presente ao amor concernente
a estas correntes libidinais. No que diz respeito ao segundo grupo, todavia, poderemos
afirmar que Freud um destino diferente à observação de um impasse ou, conforme
sublinhamos, um impossível no amor. A partir da aproximação do amor a uma lógica
pulsional pela parcialidade do objeto e pela satisfação paradoxal, Freud parece não mais
afirmar o fracasso do encontro objetal, mas circunscrever uma outra leitura do encontro
amoroso, articulada não mais ao ideal de unidade sujeito-objeto, mas a um encontro
amoroso que, enquanto se faz presente, não deixa de colocar ao sujeito um impossível à
relação amorosa calcada na complementaridade. Vejamos estes pontos mais de perto.
117
Pudemos deduzir com Freud, a partir de seu estudo da depreciação na esfera do
amor o que definimos acima formar um primeiro grupo que, em primeiro lugar, o
amor não estaria estritamente articulado a uma idealização, mas estaria incluída como
condição ao amor uma depreciação do objeto. Em segundo lugar, Freud pôde em
seguida nos indicar que as correntes libidinais que o sujeito busca dirigir a um mesmo
objeto na construção de um “comportamento amoroso completamente normal”
(FREUD, 1912c/1974. op. cit., p. 164), se desencontram desde a infância graças à
interdição do incesto. Desencontro este que retorna ao sujeito na escolha objetal de
amor adulta representando uma falha ou cisão no campo do amor. Falha ou cisão que
Freud em seguida passa a incluir no amor não como patologia ou mau funcionamento
em relação a um amor normal, mas como uma característica própria ao amor,
representada em Freud pela afirmação da universalidade no amor de uma impotência
psíquica.
A depreciação na esfera amorosa é abordada por Freud, por conseguinte, pela
via de uma dicotomia entre normal e patológico, sendo a normalidade articulada
inicialmente a uma união das correntes terna e sensual em um mesmo objeto ou,
conforme afirma em 1915, a “união da satisfação mental e física” em um gozo do amor
(Id., 1915b/1974, op. cit., p. 220). Dicotomia que nos encaminha para uma leitura da
impotência psíquica e da condição da depreciação do objeto como um des-encontro, um
não-encontro em relação a um encontro suposto ideal. Neste mesmo sentido, a divisão
(Id., 1912c/1974, op. cit., p. 166) incluída por Freud ao amor pela condição de
depreciação do objeto (Id., 1910/1974, op. cit.), condição que retorna a partir do estudo
da impotência psíquica (Id., 1912c/1974, op. cit.), é colocada inicialmente do lado da
falha, do fracasso da união das correntes. No lugar deste encontro suposto ideal,
podemos colocar o ideal de amor romântico – que vimos tender à unidade sujeito-objeto
de modo que, ao afirmar um fracasso à unidade entre as correntes terna e sensual em
um mesmo objeto, Freud afirma a impossibilidade do bom encontro amoroso romântico
e, por conseguinte, o fracasso do projeto romântico para o amor.
Pudemos observar logo em seguida que, apesar de se valer inicialmente desta
dicotomia no campo do amor abordando-o a partir da construção de um normal e um
patológico, de um suposto sucesso na unificação das correntes e uma falha em uni-las,
Freud pôde em seguida mesclar o campo da patologia ou da falha e o campo da
118
normalidade, incluindo como próprio ao amor, e não mais a sua falha, o encontro com a
impossibilidade da unidade entre as correntes terna e sensual, apontando como próprio
ao amor ainda, e não a seu fracasso, um encontro com um resto de satisfação que não se
soluciona para o sujeito no encontro objetal.
Pudemos sublinhar a partir de então que a abordagem freudiana frente ao retorno
de um impossível à complementaridade amorosa uma virada desde que passa a dar
destaque a este impossível não por seu estatuto de negativa ou fracasso do ideal, mas
como afirmação ou presença de uma satisfação no campo do amor. Satisfação que,
enquanto se faz presente, no seu modo de afirmação, não deixa de colocar um hiato
entre o sujeito e objeto. A inclusão do impossível como afirmação no campo do amor e
não como negativa ou desencontro amoroso é, por fim, abordada por Freud a partir da
inclusão de um obstáculo no campo do amor e da articulação do amor à parcialidade do
objeto. A partir destes dois pontos que agrupamos neste momento em nosso segundo
grupo apontamos uma articulação entre o campo do amor e o campo pulsional.
Lembremos os dois pontos que se incluem no que definimos circunscrever um segundo
grupo da abordagem freudiana do amor.
O primeiro ponto que destacamos no que Freud nos fala do amor em distinção a
uma tendência romântica, diz respeito à mudança de objeto. Freud observa que o amor
não se articula apenas a uma fixação egoica ao objeto de amor, mas que tais objetos
podem se substituir uns aos outros em uma cadeia infindável (FREUD, 1910/1974, op.
cit., p. 153), posto que cada objeto deixa de proporcionar uma satisfação completa. No
que concerne à mudança de objeto, Freud nos indica que o amor não viria apenas
ofuscar a parcialidade objetal pela eleição e aposta de união junto a um objeto único e
exclusivo no qual se tornaria possível depositar uma aposta na felicidade da
complementaridade objetal. Na contramão desta visada – depreendida do Romantismo e
também da letra de Freud este observa que o amor pode apontar também para a
parcialidade objetal, posto que revela, no próprio endereçamento à cadeia de objetos de
amor, a impossibilidade da complementaridade entre sujeito e um objeto total.
Um segundo ponto indicado por Freud nos apontara ainda para esta outra faceta
do amor, partindo também da relação entre amor e parcialidade objetal,
encaminhando--se, no entanto, para uma aproximação entre o amor e uma lógica
paradoxal de satisfação pulsional a partir da presença de um obstáculo como condição
119
para o que Freud volta a nomear de um gozo no amor (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p.
170). Por meio de uma aproximação entre o campo do amor e o campo pulsional, Freud
observara que o impossível à complementaridade amorosa apontada ao longo de toda
sua obra, não estaria articulado a uma negativa do encontro ideal ou a uma insatisfação
no campo do amor como uma negativa da satisfação. Pela aproximação entre amor e
pulsão, Freud nos indica que o amor encontra satisfação junto ao objeto, mas que o
próprio meio de satisfação amorosa coloca em cena para o sujeito um impossível do
encontro com um objeto ideal e, por conseguinte, um impossível de sua própria
construção como unidade.
Podemos deduzir, por fim, que a partir da aproximação entre amor e pulsão,
Freud nos parece colocar em cena, pelo encontro com a parcialidade do objeto e de uma
satisfação paradoxal no amor, não mais o fracasso de um encontro, mas um paradoxo
como próprio ao campo do amor, onde encontro e fracasso aparecem no mesmo lugar.
Onde o objeto se faz presente, mas em sua parcialidade, remetendo o sujeito a outro
objeto não como promessa de complementaridade objetal, mas como afirmação da
própria condição objetal, sua condição de parcialidade.
Neste sentido, se retomamos a afirmativa lacaniana que nos diz ser a falta a mola
para o endereçamento do sujeito ao mundo dos objetos (LACAN, 1956-1957/1985, op.
cit., p. 35), podemos agora afirmar que esta falta não estaria articulada à negativa da
demanda de um objeto total, à não-presença de um objeto total, que remeteria o sujeito a
outro objeto na busca ainda deste mesmo objeto total. Repensando o lugar da falta do
objeto, podemos afirmar que o paradoxo amoroso concernente ao encontro objetal em
sua parcialidade, estaria no encontro com a presença do objeto como retorno ao sujeito
de uma falta; uma presença do objeto como falta no sujeito, portanto.
Observamos que este paradoxo amoroso é colocado também para o sujeito em
Freud, como retorno de um resto a satisfazer encontrado ali mesmo onde o sujeito se
satisfaz. Paradoxo que coloca, por conseguinte, para o sujeito, em um lugar,
satisfação e resto ou ânsia por satisfação, o que se distingue de uma não-satisfação que
retornaria como demanda de uma satisfação completa. No lugar de afirmar uma
impossibilidade de encontro objetal ou a impossibilidade de satisfação, Freud afirma no
próprio encontro objetal um hiato entre sujeito e objeto, seja colocado pela apresentação
do objeto em sua parcialidade, seja pelo encontro não da negação da satisfação, mas de
120
uma satisfação que não cessa. Hiato que diz respeito ainda à relação não apenas entre
sujeito e objeto, mas entre sujeito e sua construção de ideal. Hiato ainda que retorna
para o sujeito não como falta, mas como a presença de um outro de si cindido.
Podemos deduzir ao final de nosso percurso nestes dois artigos sobre uma
psicologia do amor, duas maneiras por meio das quais Freud se posiciona de modo a
romper com o projeto romântico para o amor. Inicialmente, ao abordar o impasse
colocado para o sujeito em sua relação objetal amorosa pela via da depreciação do
objeto, Freud aponta para o fracasso do projeto romântico, sublinhando a
impossibilidade do encontro amoroso pregado pelo Romantismo. Retornando à
depreciação do objeto pela via de uma impotência psíquica, Freud sustenta o insucesso
do projeto romântico de unidade entre amor e sexualidade a partir da sustentação de um
amor patológico e um amor normal, sendo este último mais próximo da aposta
romântica na unidade sujeito-objeto ou, nos termos de Freud, na união das correntes
terna e sensual em um mesmo objeto. Neste sentido Freud teria um posicionamento
distinto do romântico, posto que sublinha o fracasso do ideal de amor, propondo estar
este fracasso articulado à impossibilidade de satisfação completa do sujeito no encontro
objetal. Segundo este enfoque, Freud afirma um limite ao apelo romântico de amor
desde que destaque à negativa do ideal pelo retorno de uma não-satisfação ou um
des-encontro entre sujeito e um ideal de vínculo objetal.
Em seguida, podemos observar que Freud outro destino ao que nomeamos ao
longo de nosso trabalho como o retorno de um impossível ou impasse no amor. Freud
aborda este impossível a partir da aproximação entre amor e pulsão não mais como um
des-encontro, mas como um modo específico de encontro objetal ao mesmo tempo em
que afirma não mais uma não-satisfação, mas um modo específico de satisfação
amorosa. A partir da aproximação entre amor e pulsão, e com a inclusão de um
paradoxo no campo do amor, Freud introduz uma nova faceta do amor distinta daquela
romântica. Distinta, posto que não estaria calcada no apelo imaginário objetal de
unidade, mas que estaria articulada como retorno e atualização de uma força, uma
exigência de trabalho ou, como bem nomeara Freud desde seus estudos sobre histeria,
uma ânsia por amor. Acreditamos que Freud pode romper de forma mais radical com a
leitura romântica do amor, posto que não mais sublinha o fracasso da visada romântica
do amor, mas nos introduz ao sucesso de uma nova visada do amor, visada que coloca
121
em cena um modo de relação do sujeito frente ao que retorna pelo encontro objetal
como parcialidade e por uma satisfação paradoxal que não cessa.
Podemos, portanto, destacar como indicação do rompimento freudiano com uma
posição romântica acerca do amor posto que, no momento em que afirma uma distância
absoluta entre o sujeito e um relação de objeto pautada no ideal distinta da distância
relativa que vimos sustentar no Romantismo o encontro amoroso ideal como possível e,
mais ainda, como via privilegiada para uma felicidade da plenitude Freud afirma
concomitantemente assim como nos é possível ler uma distância absoluta não
somente no que concerne à sua leitura do amor mas também no que diz respeito a seu
posicionamento em distinção ao movimento romântico. Vimos isto desde que inclui no
próprio encontro objetal amoroso e em seu meio de satisfação, um encontro do sujeito
com um impossível, afirmando um novo papel ao amor que não aquele romântico – qual
seja, o de obturador de um impossível pela afirmação de sua contingência mas como
aquele que notícias ao sujeito confirme indicamos de sua posição cindida e
sua relação singular com um impossível na relação objetal.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar
que aquilo que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir
em outro lugar.
FREUD
1 – Freud: um desilusion-a-dor pelo amor
Tendo chegado ao final de nosso percurso, é chegada a hora de retornarmos ao
início de nosso trabalho para recolher o que nos foi possível aprender com Freud acerca
do fenômeno amoroso além de recolher, de nossa própria escrita, os pontos nodais ou os
enigmas que atravessam nosso trabalho.
De saída, torna-se evidente que se iniciamos nossa discussão com o intuito de
depreender uma teoria freudiana do amor no que ela dialoga com a concepção
romântica encontramos, todavia, no trilhar de nosso percurso, não apenas uma leitura
freudiana do amor. Pudemos também deduzir ainda que pela via do amor um
posicionamento que Freud sustenta não apenas no que concerne ao amor romântico,
mas ao próprio narcisismo do homem. Isto desde que ocupa uma posição de enclave não
no que concerne ao amor ou mesmo ao estilo romântico, mas ao Romantismo ou
narcisismo que, lado a lado com a pulsão, guia o sujeito do qual Freud se propõe falar
ou o qual se propõe ouvir. Encontramos, portanto, não apenas uma teoria freudiana do
amor, mas deduzimos que, pelo amor, Freud pode sustentar sua ética que guia a
psicanálise por ele depreendida. Ética que, “caso fosse preciso nomeá-la, certamente lhe
caberia o epíteto ‘ética da finitude’, ou ainda, da renúncia às ilusões” (LOUREIRO,
2002, op. cit., p. 345).
Esta ética da finitude a que nos referimos, é sustentada por Freud ao longo de
nossa pesquisa segundo duas direções distintas que se puderam fazer presentes como
tais de maneira mais clara ao final de nosso percurso. São estas direções: primeiramente
a da afirmação do fracasso do encontro amoroso romântico, sustentado por Freud a
partir de uma distinção entre amor e pulsão, e em segundo lugar a da afirmação do
sucesso de uma nova leitura do encontro amoroso, sustentado por Freud a partir da
aproximação entre o amor e a lógica pulsional. Observemos de que maneira se torna
possível circunscrever estas duas direções.
2 – O fracasso do amor: a sustentação do apelo romântico
A partir de nosso estudo do fenômeno amoroso segundo uma perspectiva
romântica, pudemos circunscrevê-lo por seu apelo à complementaridade. Apelo que,
procuramos ressaltar, nos apresenta desde o Romantismo o encontro com um impasse
ou um impossível à complementaridade à qual se dirige o próprio amor. Esta visada do
amor encontramos em seguida também em Freud no que, a partir de sua escrita,
circunscrevemos como uma visada narcísica.
Pudemos a partir daí deduzir de nosso estudo da obra freudiana uma
aproximação possível entre a leitura freudiana do amor e uma leitura romântica desde a
aproximação de ambos a uma visada narcísica. Desta aproximação, recolhemos uma
primeira leitura do amor por seu apelo ao absoluto, pela unidade sujeito-objeto e pela
aposta em uma felicidade narcísica como consequência da construção de uma
complementaridade objetal possível. Todavia, no que aproximamos o amor freudiano e
o romântico por sua tendência narcísica, pudemos recolher ainda um posicionamento
diferenciado de Freud no que concerne ao posicionamento romântico, desde que o
primeiro sustenta não haver “nenhuma perspectiva” ao homem “de escolher alguma
coisa adequada” (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 165) e de ser portanto a demanda
narcísica de amor incapaz de obter satisfação completa” estando, por isso, “condenada
a acabar em desapontamento” (Id., 1931/1974, op. cit., p. 266).
A observação freudiana que sublinha a impossibilidade de sucesso do projeto
romântico para o amor – a saber, seu estatuto de via eficaz para uma felicidade narcísica
é posta em xeque por Freud, primordialmente a partir da introdução do conceito de
pulsão, por meio do qual Freud sustenta um hiato entre sujeito e uma felicidade da
plenitude. Desde que inclui ao homem não apenas uma tendência narcísica, mas
também uma visada pulsional que retorna para o sujeito como uma constante exigência
de trabalho que não permite parada em qualquer das posições ou dos objetos alcançados
(Id., 1920/1974, op. cit.), Freud instaura um hiato entre o sujeito e uma unidade
narcísica posto que, enquanto se satisfaz, a pulsão retorna para o sujeito como afirmação
de sua condição de sujeito cindido.
124
A primeira abordagem freudiana do amor se dá, por conseguinte, a partir de um
conflito entre o ideal romântico do amor e o real colocado ao sujeito pela pulsão.
Conflito que apostamos agora ilustrar o conflito presente entre ideal e real desde o
Romantismo. Todavia, se por um lado Freud é tocado pela leitura romântica do amor
desde que o circunscreve a partir de um conflito entre ideal amor e real pulsão
por outro lado, podemos observar que foi recolhendo este conflito que ele pôde dar a
este outro destino. O destino dado por Freud ao conflito entre ideal e real concerne
especificamente ao retorno do real do impasse amoroso, ao qual os românticos
respondem pela afirmação de sua contingência e ao qual Freud responde pela inclusão
de uma natureza ou constituição psíquica pulsional, não mais como contingente mas,
assim como a visada ideal, determinante do sujeito. Neste sentido, Freud parte da
observação comum aos românticos de um conflito no amor, mas no lugar de colocar o
infortúnio do amor como um fator externo a este um desencontro contingente Freud
o estatuto necessário ao desencontro objetal a partir da introdução do impasse no
próprio sujeito pela introdução do conceito de pulsão.
Vale aqui ressaltarmos que, num primeiro momento, sustentamos uma leitura
aproximada entre Freud e Romantismo no que concerne ao amor a partir de uma visada
narcísica. Com uma leitura do amor que o contrapõe à força pulsional, a partir do
conflito entre a demanda de amor e o impossível pulsional, portanto, Freud sustenta
uma leitura do amor como demanda pela plenitude, como aposta em um ideal possível
em oposição ao limite colocado ao sujeito no que concerne à sua própria construção
como unidade, colocado pela pulsão. Quando aborda o amor a partir de um conflito com
a força pulsional, fazendo prevalecer, portanto, sua vertente narcísica, podemos
observar que Freud destaque ao amor a partir do fracasso deste apelo narcísico.
destaque, portanto, aos limites impostos a um amor narcísico pela força pulsional.
Este destaque dado por Freud ao limite ou fracasso do apelo narcísico e
romântico do amor se torna evidente na utilização freudiana de termos como
frustração (FREUD, 1912a/1974, op. cit., p. 291) e “desapontamento” (Id, 1931, p.
266). “Frustração” que, como bem acrescenta Lacan, estaria referida a um objeto “que é
desejado e não obtido”, como um dano” ou prejuízo”, portanto (LACAN, 1956-
1957/1985, op. cit., p. 37). Desde que inclui o impasse amoroso no campo da frustração,
Freud sustenta, portanto, uma leitura romântica do amor, posto que o desapontamento
125
frente um des-encontro amoroso retorna no sujeito como uma demanda pelo absoluto
que se inclui ainda no “domínio da reivindicação” (LACAN, 1956-1957/1985, op. cit.,
p. 37) de uma unidade, uma imagem ideal.
Observamos que a articulação de um impasse no amor a um fracasso,
desapontamento ou frustração, sustentam um lugar de apelo e de demanda narcísica ao
amor. Apelo este que seria, portanto, frustrado, fracassado ou desapontado pela
imposição de um limite pulsional que seria externo ao amor como demanda; externo ao
apelo ainda que interno ao sujeito. Observamos que enquanto afirma a impossibilidade
de sucesso do próprio apelo narcísico, nos indicando que “a intenção de que o homem
seja feliz [na qual aposta o Romantismo assim como o amor] não se acha incluída no
plano da Criação” (FREUD, 1930/1974, op. cit., p. 95); desde que introduz o sujeito
como resto de um impasse entre a força pulsional e sua inserção na civilização,
assumindo, por conseguinte, um posicionamento distinto daquele romântico desde que
introduz no sujeito a cisão antes contingente, Freud não deixa de sustentar como
principal a visada romântica do amor. Sublinhando o fracasso ou o desencontro
amoroso, mesmo que sustentando um posicionamento distinto daquele romântico, Freud
não deixa de sustentar, portanto, uma definição romântica do amor.
3 – O sucesso do amor: introdução a uma nova tendência
Se de início pudemos deduzir da letra de Freud uma teoria do amor que se
aproximava da concepção romântica como busca da felicidade perdida, observamos que
nos foi possível vislumbrar também, todavia, uma outra visada do amor que
apresentamos ao longo de nosso percurso como distinta daquela romântica. Visada, no
entanto, que sublinhamos não sobrepujar ou substituir a visada romântica do amor, mas
que nos permitira observar que este não se reduz à sua tendência narcísica nem se
renova apenas na suposição de um encontro original, uma unidade perdida entre sujeito
e objeto. Esta nova visada do amor, recolhemos a partir de uma aproximação a nosso
ver indicada por Freud entre o campo do amor e uma lógica pulsional. Aproximação
que sublinhamos primordialmente por meio de uma discussão acerca do estatuto parcial
do objeto pulsional e pela introdução de uma leitura do amor como tendência à
satisfação, tendência sobre a qual aprendemos também por meio da força pulsional.
126
Acompanhando os comentários freudianos, podemos neste momento observar
que o diálogo entre o campo do amor e a lógica pulsional seja por sua distinção, seja
por sua aproximação se torna evidente primordialmente a partir dos termos objeto e
principalmente força e alvo, próprios ao conceito freudiano de pulsão. Num primeiro
momento, pudemos recolher uma distinção entre amor e pulsão sublinhando, no que
concerne ao objeto, estar o primeiro articulado à supervalorização e fixação, enquanto o
segundo colocaria para o sujeito a estatuto parcial do objeto então variável. No que
concerne ao alvo, sublinhamos estar o amor articulado à unidade sujeito-objeto mais
especificamente à unidade eu-objeto ou ainda a uma felicidade narcísica, enquanto a
pulsão tenderia à satisfação, retornando para o sujeito como uma exigência constante de
trabalho que não faz Um, ou ainda como um ritmo vacilante. Todavia, a partir de seus
comentários acerca do fenômeno transferencial, a partir da aproximação entre amor e
Eros e ainda a partir da proposição de uma psicologia do amor, indicamos ao leitor que
Freud introduz no campo do amor o estatuto de força que tende à satisfação e que
aponta, e não mais tenta ofuscar, o estatuto parcial do objeto, não mais retornando ao
sujeito como via de construção de um ideal possível, mas apontando, ao contrário, para
um limite à unidade narcísica antes representada pelo próprio amor.
Desde que evidencia uma aproximação entre o campo do amor e a lógica
pulsional, vale destacarmos uma virada na abordagem freudiana do fenômeno amoroso,
posto que Freud não mais apresenta o amor a partir do conflito romântico entre ideal e
real, mas nos introduz a uma outra faceta do amor que coloca em cena não um conflito,
mas um paradoxo. Podemos afirmar que Freud não mais articula o amor a uma
tendência narcísica sobre a qual a pulsão se imporia como limite ao ideal limite este
que circunscreveria, vimos, o conflito romântico entre o ideal do amor e o real da
pulsão. Desde que a pulsão não mais representa limite ao amor, mas se presentifica
neste, observamos que Freud não mais sublinha o fracasso do ideal amoroso, um
desapontamento ou uma frustração, mas passa a dar destaque a um modo de satisfação e
um gozo do amor (FREUD, 1912c/1974, op. cit., p. 170). Neste sentido, Freud não mais
nos fala da negativa da demanda narcísica de amor, mas da afirmação de uma
satisfação no amor.
Destacamos ao leitor que Freud passa a privilegiar a partir da aproximação
entre amor e pulsão não mais o desencontro amoroso, mas uma forma específica de
127
encontro que coloca em cena, em um lugar para o sujeito, um gozo ou satisfação e
uma impossibilidade de satisfação completa. Coloca em um só lugar o impossível e a
satisfação; um impossível que retorna na própria satisfação, portanto. Isto desde que, a
partir do estudo da força pulsional, evidencia que enquanto satisfação, retorna ainda
para o sujeito um impossível da satisfação completa concernente ao impossível da
parada da exigência de trabalho. No que satisfação, retorna no que Lacan nomeia um
“curso circular” (LACAN, 1964/1985, p. 169), uma exigência de trabalho e satisfação
que, palavras de Freud, se faz presente como gozo e ânsia de amor. Neste sentido, Freud
nos indica que não estaria em uma não-satisfação a mola do amor, uma frustração que
retorna como demanda, mas que é ali mesmo onde o amor se satisfaz que ele aparece
para o sujeito como o impossível do cessar da ânsia. No que o amor se satisfaz ele
coloca no centro do sujeito, uma (hi)ânsia que sempre “futuca mais” (Id., ibid., p. 51).
O mesmo paradoxo é indicado por Freud a partir da relação objetal de amor. Se
antes Freud sublinhara o retorno da demanda de amor a partir de um des-encontro
objetal, desde que estende ao amor a parcialidade objetal, Freud sublinha não mais o
des-encontro, mas o encontro com o objeto parcial também no amor. Freud deixa,
portanto, de articular o amor à construção narcísica de um objeto totalizante, ideal, a
partir do qual a experiência de um impossível vem articulada a um des-encontro ou um
não encontro com o ideal, e passa a dar destaque ao encontro no amor com o objeto em
sua parcialidade, enquanto mudança de objeto que, uma vez mais, coloca no centro do
sujeito sua própria parcialidade para além de sua construção como unidade. Não se trata
mais de uma frustração, de um dano, mas tomando as palavras de Lacan, “é um furo”
(Id., 1956-1957/1985, op. cit., p. 36) no próprio sujeito. Podemos concluir que a partir
da introdução desta visada do amor, Freud pode apontar sublinhamos uma vez mais,
pela via do amor que, enquanto o sujeito se satisfaz ele retorna sobre si como sujeito
cindido.
Podemos deduzir ao final de nosso percurso que, enquanto sustenta uma
contradição entre amor e pulsão, o impossível da unidade amorosa aparece na teoria
freudiana como exterior ao amor, ainda que interna ao sujeito pulsional. Desde que
aproxima amor e pulsão, todavia, Freud passa a dar destaque à presença de uma lógica
pulsional no amor; visada que se satisfaz enquanto retorna para o sujeito como cisão
não mais no amor, mas no próprio sujeito o impossível de sua unidade. Impossível
128
que em sua clínica Freud convida o sujeito a sustentar, a ter, em primeiro lugar, “certa
tolerância quanto ao estado de enfermidade” (FREUD, 1914b/1974, p. 199) para que em
seguida, possivelmente, este possa ser ocupado por uma posição distinta com relação
àquilo que se satisfaz no amor.
4 – O paradoxo da conclusão
Ao final de nosso percurso pudemos deduzir junto ao leitor, no que concerne à
teoria freudiana do amor, a indicação de duas leituras possíveis ou duas facetas do
amor. Duas facetas que, todavia, colocam em cena a Freud e a nós um ponto comum,
qual seja, a imposição sempre presente de um impossível da complementaridade
amorosa. Desde que circunscrevera o amor como tendência ao absoluto, por sua visada
narcísica, Freud não deixara de identificar conforme sublinhamos estar esta
tendência fadada ao fracasso posto ser impossível um encontro absoluto entre sujeito e
objeto. Em seguida, quando identifica ser o amor não apenas guiado pelo retorno de
uma demanda da unidade junto ao objeto, mas que este se renova e atualiza um ponto de
impossível ao sujeito a partir de seu endereçamento ao objeto, Freud volta a nos falar da
impossibilidade de complementaridade amorosa. Nos fala não mais como uma tentativa
frustrada de (re)encontrar o absoluto, como aquele que tenta obturar a impossibilidade
de um bom encontro objetal, mas também como aquele que vem afirmar uma satisfação
amorosa não no ideal, mas no próprio impossível. Desde que articula o amor à
satisfação no impossível, Freud nos indica que este não se reduz a um obturador do
hiato entre sujeito e objeto, mas como aquele que pode nos dar notícias da inexistência
da complementaridade objetal evidenciada no sujeito pela força pulsional.
Vale neste momento lembrarmos ao leitor que é também sobre este encontro
com um impossível pela via do amor que falamos desde o Romantismo. Impossível a
partir do qual pudemos abordar o posicionamento freudiano bem como sua teoria do
amor no que ela se distancia e se aproxima da proposta romântica acerca do fenômeno
amoroso. Impossível que acreditamos estar colocado desde os primeiros casos de
histeria trabalhados por Freud, de onde este recolhe no amor uma ânsia insaciável
(FREUD, 1905 [1901]/1974) e desde sua contribuição para uma psicologia do amor, de
onde recolhe que o amor coloca ao sujeito uma “divisão” (Id, 1912c/1974, p.166) que
dá notícias de um obstáculo ou um impossível que Freud articula à “natureza do próprio
129
instinto [Trieb]” (Id., ibid, p. 171), sem o qual o amor se tornaria “sem valor e a vida
vazia” (Id., ibid., p. 170). É ainda a este impossível que Freud retorna em 1930 quando,
pela via do relacionamento entre os homens, nos ensina sobre uma “natureza
inconquistável” (FREUD., 1930/1974, op. cit. p. 105) ou uma “constituição psíquica”,
que dizem respeito ao humano e apontam para o impossível da relação amorosa,
revelado pelo mal-estar na civilização. É sobre este impasse que Freud também nos fala
quando aborda o amor transferencial segundo sua natureza compulsiva (Id., 1926/1974,
p. 256), a partir do qual nos indica que o amor não se renova apenas de um ideal, mas
também no próprio encontro com um impasse.
Pudemos, portanto, ao final de nosso trabalho deduzir que, pela via do amor,
Freud nos ensina sobre seu posicionamento ético e clínico como suporte aquele que
pode suportar e sustentar uma hiância, um impossível, um vazio, um hiato no centro
do sujeito que então poderá ser ocupado a cada vez por uma posição singular do
sujeito.
Tendo chegado, portanto, ao final de nosso percurso, no decorrer do qual nos foi
possível debruçar-nos sobre a articulação singular de Freud com o Romantismo do qual
é herdeiro, a partir de um destaque dado à relação do amor com o encontro com um
impossível da complementaridade narcísica, era de se esperar que encerrássemos nosso
trabalho com a retomada de nosso trajeto que nos encaminharia possivelmente a um
fechamento acerca da temática do amor na obra freudiana. Neste sentido oferecemos ao
leitor os últimos parágrafos acima, a partir dos quais pudemos retomar nosso caminho a
partir de um norte, um fio, uma linearidade.
Observamos desta forma ser possível circunscrever, a partir de nosso percurso,
um trajeto atravessado por Freud na construção de sua obra no que concerne ao amor.
Trajeto freudiano, todavia, não linear, não atravessado ainda por uma intenção final
definida de saída, mas constituído por um vaivém que não nos permitira seguir uma
cronologia, mas uma lógica de abordagem, uma costura singular. Procuramos construir,
de nosso lado para fins didáticos, um trajeto linear que acaba por oferecer a ilusão de
uma linearidade que não estava lá, em um percurso que evidencia em Freud um
atravessamento do ideal ao impossível ou da impotência do amor romântico à afirmação
de um impossível no amor. Todavia, no que tentamos aqui concluir nosso trajeto o
130
que, até certo ponto tentamos aqui oferecer ao leitor deparamo-nos com um paradoxo
não apenas do amor, mas também da própria conclusão.
No que concluímos nosso trabalho, no que o perdemos, portanto, para o papel,
retorna, em nossa escrita em um lugar fechamento e abertura, fim e início,
satisfação e retorno da ânsia ou talvez aqui mais bem colocado, da curiosidade de saber.
O ideal de que ao final de um percurso de pesquisa se deduza um fim, é imposto em sua
impossibilidade que o que antes parecia o fim, retorna como (re)começo. É, portanto,
com este paradoxo, uma vez mais distinto de uma não-conclusão, mas como um fim que
abre novos caminhos, restam de nosso encontro com um objeto sempre parcial de
estudo, novos enigmas que nos “futucam mais” rumo a novos encontros, novas ânsias,
novas curiosidades. É, portanto, com alegria frente ao retorno desta curiosidade, desta
não-unidade, que fechamos-abrimos nosso trabalho, dividindo com o leitor nossa
indagação final-inicial que nos instiga para um novo circuito: Qual é o destino dado por
Lacan à herança transmitida por Freud acerca do fenômeno amoroso, e como se
articulam em sua obra esta herança e a proposição de uma ética regida pela posição do
sujeito com relação ao seu desejo?
131
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