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UIVERSIDADE FEDERAL FLUMIESE
ISTITUTO DE GEOCIÊCIAS
DEPARTAMETO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
(RE) COSTRUIR UTOPIAS: JOVEM, CIDADE E POLÍTICA
Clarice Cassab
Niterói
Fevereiro de 2009
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ii
C343
Cassab, Clarice
(Re)construir utopias: jovem, cidade e política / Clarice
Cassab. – Niterói : [s.n.], 2009.
228 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2009.
1.Representação social. 2.Sociologia urbana. 3.Jovem.
4.Cidade. 5.Práticas sociais. I.Título.
CDD 301.2
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iii
CLARICE CASSAB
(RE) COSTRUIR UTOPIAS: JOVEM, CIDADE E POLÍTICA
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Barbosa
Tese de doutorado apresentada ao Programa de
Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade Federal Fluminense, Niterói RJ,
como requisito parcial para obtenção do título de
Doutora em Geografia
NITERÓI
2009
iv
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CLARICE CASSAB
Tese submetida ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense, área de concentração em Ordenamento Territorial,
como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Geografia.
TESE APROVADA EM 12 DE FEVEREIRO DE 2009
_______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Luiz Barbosa (orientador)
_______________________________________________
Profa. Dra. Lucia Rabelo de Castro – UFRJ
_______________________________________________
Profa. Dra. Elizete Maria Menegat – UFJF
_______________________________________________
Prof. Dr. André Augusto Pereira Brandão – UFF
______________________________________________
Prof. Dr. Ivaldo Gonçalves de Lima - UFF
v
Não podemos deixar de fazer política e estimular para que mais pessoas façam política.
Quando estamos acreditando em propostas concretas, corremos o risco de transformá-
las de meios em fins. O fim, como já sabiam os gregos, é a vida na polis. É a política. E
esta é múltipla, com várias dimensões e direções. Ela é por natureza cosmopolita e
universal. Esta dimensão do universal precisa estar presente, para que não haja a
substituição da política por um propositivismo ingênuo, para quem assume, mas cínico
para quem o estimula. Não podemos perder de vista que uma das grandes cartadas do
neoliberalismo é justamente sufocar a dimensão política, juntamente com todos os
mecanismos de sua realização, acumulados no processo civilizatório.
(Prof. Dr. Paulo Roberto C. Lopes)
vi
DEDICATÓRIA
A dedicatória desse trabalho é dupla e se apresenta aqui não de maneira hierarquizada
mas sim complementar.
Esse trabalho é, sem dúvida, fruto da minha trajetória como pesquisadora mas, antes de
tudo, de meu desejo e certeza de um mundo melhor. É, portanto resultado de minha
formação pessoal, daquilo que me tornou Clarice.
E nesse sentido não posso deixar de dedicar essa tese ao Prof. Paulo Roberto Curvelo
Lopes. O homem que me ensinou a olhar e seguir em frente sem jamais esquecer de
ninguém pelo caminho. O homem que me ensinou os princípios e valores que
fundamentam esse texto: trabalho, solidariedade, compromisso, justiça, amor.
Embora ele não possa ler essa tese tenho certeza que reconheceria nela muito do que me
deu. Obrigada, pai.
Também não posso deixar de dedicá-la aos jovens, sujeitos dessa tese.
vii
AGRADECIMETO
Antes de todos ao Prof. Dr. Jorge Barbosa orientador dessa tese. Agradeço pela
orientação cuidadosa, pelo estímulo e pela paciência quando dos muitos emails
enviados relatando os rumos da tese. Não esquecerei: “Os detalhes continuam
importantes. Observe-os. Eles querem conversar com você. Não se perca, pois os
detalhes são pistas. Aprenda a interpretá-los”. Continuo tentando!
Aos professores Elizete Menegat, Ivaldo G. Lima, André Brandão e Lucia Rabelo que
aceitaram participar da banca de defesa da tese.
Aos professores do Departamento de Geografia da UFF. Em especial ao professor Ruy
Moreira que durante banca de Seminário Temático renovou minha opção ao dizer:
“Espero que você não abandone os jovens”. Logro ter conseguido seguir sua orientação.
Aos colegas de turma do doutorado pelo compartilhar das aflições mas também pelo
renovar da empolgação. Seja por emails trocados ou pelo bolinho de bacalhau dividido
ao final de uma das etapas do doutoramento. Em especial a Nazira, que tive a alegria de
conhecer durante essa trajetória, pelo partilhar de crenças e pelo consolo quando foi
preciso.
A coordenação, professores e bolsistas do Território de oportunidades.
A coordenação do Juiz de Fora nos trilhos da paz que me atendeu com muita atenção
abrindo as portas para conversar com os jovens do programa. Aos educadores do JF na
Paz por terem cedido as entrevistas.
A professora Maria Aparecida Tardin Cassab pela leitura do trabalho e pelas sugestões
sempre tão cuidadosas.
A professora Maria Carolina Portela pela oportunidade de ter vivenciado a rica
experiência de ter trabalhado no Pólo.
As meus muitos bolsistas que dividiram comigo 4 anos de trabalhos intensos
coordenando comigo as oficinas do Observatório: Pâmela Vecchi, Leonardo Kemps,
Douglas Ubá, Tiago Melquiades, Gláucia Lopes, Thais Vargas, Sabrina Barra, Nayara
Guimarães, Ariana Simiqueli, Renê Pontes.
Não poderia deixar de agradecer em especial a Gláucia Lopes que esteve comigo desde
o início do trabalho com os jovens de maneira competente e companheira sendo de
inegável ajuda na realização das entrevistas para a tese. Muito mais do que apenas
bolsista.
A todos os meus alunos do curso de Geografia (diurno e noturno) da UFJF pela
interlocução. Em especial aos alunos do Grupo de estudo de epistemologia da
Geografia: Dayana, Mariana, Flaviane, Gil, Nathan, Lucas e Tiago.
A amiga Juliana Mendes por compartilhar essa mesma certeza.
viii
A amiga Sabrina Lima, irmã mineira, e a Julia Lima. Oásis quando preciso.
A André Pessoa pelas conversas longas, sempre intensas, interessantes e provocativas,
madrugada adentro.
Ao amigo Rodrigo Morais por ter agüentado os “surtos virtuais”.
A amiga Isabel pela ajuda nos últimos detalhes.
A meu pai Paulo Lopes e a minha mãe Cida Cassab sempre presentes.
A minha mãe, pela força e pelo puxão de orelha quando preciso. A meus irmãos Lucas
Cassab Lopes e Mariana Cassab. Sem todos vocês não seria possível ter emergido da
tempestade. Sempre juntos.
A minha filha Cecília Cassab Prieto, criança hoje, jovem amanhã, pela fonte inesgotável
de afeto e compromisso com o futuro.
A todos os jovens que se dispuseram a conversar comigo na realização desse trabalho.
ix
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim:esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. (Guimarães Rosa)
x
RESUMO
O objetivo desse trabalho é compreender em que medida o espaço torna-se
importante elemento nas práticas da juventude contemporânea e, em especial, de que
forma a cidade através de sua apropriação pode ser vista como categoria central na
construção de novas formas de ação da juventude e na concepção da própria política
destinada a esse segmento. O estudo partirá de dois programas destinados à juventude
realizados na cidade de Juiz de Fora cidade de porte médio na Zona da Mata mineira:
o UFJF: Território de Oportunidades e o Juiz de Fora nos Trilhos da Paz. É por meio da
análise das diferentes representações que se têm dos jovens e da juventude, das formas
de atuação e intervenção sobre esses sujeitos e das relações que estes estabelecem com a
cidade comumente produzida como exterioridade em relação a eles que se constrói
essa reflexão. O desafio é o de pensar em que medida a cidade pode ser um elemento a
mais na construção de novas práticas sociais, buscando recuperar o uso como modo de
apropriação do espaço e de uma prática sócio-espacial que guarda uma dimensão
prático-sensível da vida na cidade e que possibilita o sentido da ação.
Palavras-chaves: jovem, cidade, política, espaço, território-usado
xi
ABSTRACT
The aim of this work is understand how the territory became an important
element in the contemporary youth behavior. Specifically, how the city, through their
appropriation, may be understood as a central aspect in the building of new ways of
youth action and also in the conception of their politics.
Two programme with youth occurring in the Juiz de Fora, a medium economic
city of “Zona da Mata mineira”, support this work: UFJF (Territory of Opportunity) and
Juiz de Fora on Track of Peace.
The thought is build by the analyze of differents meaning for young people and
youth, their way of actions and intervention and also in the relationship establish
between the young people and the city.
The challenge is to think in which way the city can be an important aspect in the
building of new social actions, trying to recover the use of territory as a way of space
appropriation and also the social-territory practice which keep a dimension practical-
sensitive of the life in the city allowing the action direction.
Keywords: young people, city, politics, space
xii
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1
Aproximação aos conceitos de juventude, jovem e espaço e espaço 8
1.1. Pobreza: de que se fala 8
1.2. A construção das noções de juventude e jovem 15
1.3. Jovens e juventude: a construção dessas categorias no Brasil 26
1.4. O conceito de espaço na obra de M. Santos: brevíssimo panorama 43
1.5. Categorias para a epistemologia do espaço na obra de Milton Santos 46
1.5.1. Totalidade 46
1.5.2. Objetos e ações: técnica, espaço e tempo. 52
1.5.3. Espaço banal e território usado 56
Capítulo 2
Juiz de Fora: Território de oportunidades e Juiz de Fora nos trilhos da paz 60
2.1. Breve caracterização da cidade de Juiz de Fora 60
2.2. O UFJF: território de oportunidades e o JF na Paz 71
2.2.1. O UFJF: território de oportunidades: caracterização geral 72
2.2.2. Perfil dos atendidos pelo UFJF: territórios de oportunidades 80
2.2.3. O programa JF nos trilhos da paz: caracterização geral 87
2.2.4. Perfil dos jovens atendidos pelo JF na paz em 2008 95
Capítulo 3
A fala dos jovens 100
3.1. Metodologia 100
3.2. Perfil dos jovens entrevistados 107
3.3. Os jovens falam o que é ser jovem 116
3.4. Os jovens dizem o que é cidade, o que ela deveria oferecer e o que mudariam nela
127
3.5. Os jovens falam o que é ser jovem na cidade: distinção, desigualdade e diferença
140
3.6. Os jovens falam dos programas 151
xiii
Capítulo 4
Jovem, cidade e política 166
4.1. Os jovens pesquisados e seus territórios usados 167
4.2. Inserção nos programas e mudanças nos territórios usados dos jovens 177
4.3. Ação, política e utopia – Elas ainda estão ai! 203
Considerações Finais 215
Referências bibliográficas 220
xiv
LISTA DE MAPAS
Mapa – Densidade bruta por bairros em Juiz de Fora
Mapa – Concentração de faixas etárias nas regiões administrativas de Juiz de Fora
Mapa – Microáreas de exclusão social por regiões em Juiz de Fora
Mapa – Bairros atendidos pelo Território de Oportunidades
Mapa – Comunidades atendidas pelo JF nos Trilhos da Paz por ano de execução
Mapa – Oficinas realizadas no JF nos Trilhos da Paz por bairro
Mapa – Deslocamento dos jovens de Santa Cândida
Mapa – Deslocamento dos jovens de São Pedro
Mapa – Deslocamento dos jovens de Dom Bosco
Mapa – Deslocamento dos jovens de Granjas Bethânia
ITRODUÇÃO
Muitos autores situam a década de 1990 como um marco na elaboração e difusão
de políticas voltadas à juventude no Brasil. De forma breve, pode-se dizer que três
fatores ajudam-nos a entender esse momento.
O primeiro seria o grande aumento proporcional da população jovem no país o
número de jovens
1
(entre 15 e 24 anos) passou de 8,3 milhões, em 1940, para cerca de
34,1 milhões, em 2000. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) indicam que essa população deixará de crescer, tornando-se cerca de 31,5
milhões em 2020 (IBGE, 2007).
Uma segunda seria o agravamento da chamada “crise urbana” e de seus efeitos
correlatos – periferização e violência –, sendo os jovens os mais atingidos, como
vítimas ou como agressores. É entre os 15 e os 24 anos que se verifica o maior aumento
da mortalidade nas últimas décadas, assim como também é significativo o
rejuvenescimento da população encarcerada no país. Também se ampliou a presença
dos jovens nas ruas das cidades.
Por fim, também as mudanças ocorridas nos últimos anos no mundo do trabalho,
que tornaram ainda mais difíceis as formas de acesso desses jovens ao emprego,
parecem ter contribuído para tal reorganização de políticas públicas. Assim,
se considerarmos apenas o ponto de vista demográfico, as pressões
que a faixa etária jovem realizará no momento atual no País não serão
desprezíveis, compreendendo o acesso a educação, empregos, saúde,
previdência e demais direitos que constituem um patamar mínimo de
qualidade de vida na sociedade contemporânea (SPOSITO, 2003:10).
É nesse sentido que as políticas destinadas a esse segmento etário passam a ter
1
Ao se falar de jovem nesse trabalho remete-se ao jovem urbano cuja faixa etária é oficialmente definida
entre 15 e 24 anos. No caso dos jovens rurais o limite estende-se até os 30 anos.
2
centralidade.
Contudo, é interessante notar como essas políticas estão marcadas por uma
determinada concepção de juventude que oscila entre seu enaltecimento e a taxação dos
jovens como sujeitos perigosos. Dessa forma, muitas são orientadas por uma
representação dos jovens como o amanhã, depositando nesse segmento (assim como na
infância) as esperanças de um futuro melhor. Mas é também a juventude vista como um
momento de natural agressividade. Diante disso, eles precisariam ser protegidos dos
riscos e perigos da rua e da ociosidade. É comum a associação mecânica entre
ociosidade e conduta criminosa. Assim como também é fácil encontrar, convivendo em
um mesmo órgão ou instituição pública, orientações destinadas ao controle social do
tempo dos jovens e à formação da mão-de-obra e também as que vêem os jovens como
sujeitos de direitos (SPOSITO, 2003).
Ora vistos como problemas, ora como potencialidades, essas representações dos
jovens acabaram orientando muitas das políticas públicas destinadas a esse segmento
etário e que, em muitos casos, tiveram como intenção “ocupar o tempo livre desses
jovens através de políticas que tenham um caráter normativo e que sigam uma
concepção de cidadania civilizatória e de pacificação social na linha da adequá-los a
condutas determinadas” (CASSAB, 2007:121).
É também, em grande parte, essa orientação das políticas e essa representação de
juventude que restringirão o acesso dos jovens à cidade, bem como o uso que fazem
dela. Eles, cujo tempo e trânsito devem ser vigiados, controlados e limitados, em muitas
situações, ficam restritos a pedaços da cidade e, em muitos casos, sua circulação
representa perigo, desordem ou distúrbio.
Partindo dessas premissas, pretende-se compreender em que medida o espaço
torna-se importante elemento nas práticas da juventude contemporânea e, em especial,
de que forma a cidade e seu uso e apropriação pode ser vista como categoria central
na construção de novas formas de ação política da juventude e na concepção da própria
política destinada a esse segmento.
Para tanto, a juventude será tratada como categoria social, o que significa
considerá-la em suas diferenças, desigualdades e distinções. Serão essas três categorias
analíticas que auxiliarão na construção do nosso conceito de juventude, bem como na
3
definição do sujeito desse trabalho: os jovens pobres. Contudo, essa juventude não será
tratada descolada do espaço. Pretende-se entender a relação possível entre juventude e
espaço. Para isso será necessária uma revisão e apropriação desses conceitos. Aqui o
espaço será pensado como elemento construtor e definidor da própria juventude, bem
como de suas práticas, ações e políticas. O foco estará na relação entre juventude e
cidade.
O estudo partirá de dois programas destinados à juventude realizados na cidade
de Juiz de Fora – cidade de porte médio na Zona da Mata mineira: o UFJF: Território de
Oportunidades e o Juiz de Fora nos Trilhos da Paz. O primeiro, realizado pelo Pólo de
Suporte às Políticas de Proteção à Família, Infância e Juventude, da Faculdade de
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, é um programa vinculado à
política de extensão daquela universidade. O segundo, desenvolvido pela prefeitura
municipal de Juiz de Fora.
Intenta-se, a partir desse estudo comparativo, inferir de que maneira a cidade
configura-se como elemento de sociabilidade, espaço e objeto de luta desses jovens; em
que sentido os jovens podem ter na cidade um aspecto a mais na elaboração e condução
de uma prática política em direção a uma plena cidadania.
É por meio da análise das diferentes representações que se têm dos jovens e da
juventude, das formas de atuação e intervenção sobre esses sujeitos e das relações que
estes estabelecem com a cidade comumente produzida como exterioridade em relação
a eles que se constrói essa reflexão. O desafio é o de pensar em que medida a cidade
pode ser um elemento a mais na construção de novas práticas sociais, buscando
recuperar o uso como modo de apropriação do espaço e de uma prática sócio-espacial
que guarda uma dimensão prático-sensível da vida na cidade e que possibilita o sentido
da ação.
Partir-se-á da crítica às atuais representações de juventude e de jovem, às atuais
políticas destinadas a eles e ao modo como a cidade é vetada a esses sujeitos. Nesse
horizonte procura-se expandir o pensamento para o devir, produzindo uma reflexão que
coloque os jovens e a cidade como realidade e projeto e como um caminho possível
embora muitas vezes vetado – para o direito à cidade.
4
Para alcançar seu objetivo o estudo se realizou mediante três passos
fundamentais. A etapa inicial foi o olhar sobre o real a partir das experiências vividas
junto ao programa Território de Oportunidades quando da coordenação de uma das suas
oficinas. A participação no programa conduziu à busca de um olhar mais reflexivo. O
segundo passo foi buscar compreender melhor outros elementos que constroem essa
tese, tais como os conceitos de juventude, espaço e as condições sociais de apropriação
da cidade. Por fim, o último passo foi a realização da pesquisa de campo junto aos
jovens integrantes dos programas estudados. Nesse momento, se apresentará a condição
de ser jovem pobre na cidade de Juiz de Fora.
Por esse movimento analítico espera-se ser possível construir o objeto da
pesquisa a partir de um método específico. O método é aqui entendido como parte de
um corpo teórico integrado e o conhecimento, como resultado da relação entre o sujeito
que se empenha em conhecer e o objeto de sua preocupação. No caso desta investigação
considera-se que o relacionamento pensamento-objeto não é feito fundamentalmente a
partir de cada ser pensante individual com seu objeto específico. Esse relacionamento se
baseado na explicação parcial concretamente aceita, tendo importância particular a
posição do sujeito na sociedade.
A relação que se estabelece entre sujeito e objeto não é mecânica e nem
imediata. Dessa forma, o processo de teorização não é um reflexo direto da realidade no
plano do pensamento e as teorias são sempre resultado de um trabalho difícil de
conhecimento do objeto, utilizando as teorias e os pensamentos anteriormente
formulados. No caso específico do objeto a ser trabalhado, recorrer-se-á às teorias,
conceitos e noções formuladas sobre ação política, juventude, espaço, apropriação e
cidade que, como se pretende, possam ajudar a descortinar a questão que se propõe
responder.
A título de organização, essa tese foi estruturada em quatro capítulos.
No primeiro, foi feita a delimitação dos conceitos de juventude e espaço. Para
isso optou-se por reconstruir parte da trajetória da juventude no tempo e no espaço.
Num primeiro momento, o leitor terá contato com as diferentes formas que os jovens e a
juventude assumiram desde o Império Romano até a Era Moderna. Num segundo
subitem foca-se o Brasil, ou seja, como os jovens e a juventude foram vistos e
5
trabalhados no tempo e no espaço brasileiro e de que maneira foram retratados na
literatura das Ciências Sociais. O objetivo desse item é mostrar as distintas
representações que atravessaram a juventude como momento e o jovem como sujeito ao
longo do tempo.
Ainda nesse capítulo, o segundo conceito delineado é o de espaço. Embora se
reconheça o rico e intenso debate no campo geográfico em torno desse conceito, para
fins desse trabalho, assume-se de antemão o conceito proposto por Milton Santos. A fim
de expô-lo, optou-se por um duplo caminho. Primeiramente, reconstruir de maneira
sintética parte da trajetória percorrida pelo autor em sua epistemologia do espaço. A
isso segue-se a conceituação de espaço a partir da reconstrução das categorias analíticas
que participam de sua teoria do espaço, a saber: totalidade, ação, objeto, técnica, tempo,
horizontalidades e verticalidades, território usado e espaço banal. Por fim, será
apresentada uma breve revisão das discussões sobre o conceito de pobreza a fim de
delimitar o sujeito de que trata essa tese: o jovem pobre.
No capítulo 2, inicia-se uma aproximação da parte empírica da tese. Nele será
feita uma breve caracterização da cidade de Juiz de Fora no que se refere à sua
população, à situação dos jovens e sua própria organização interna. No segundo item
serão apresentados os dois programas estudados. Para tanto, optou-se por realizar uma
caracterização geral de ambos, bem como traçar o perfil dos jovens atendidos por eles.
no terceiro capítulo, é descrita a metodologia usada para as entrevistas de
campo. Foram essas entrevistas que subsidiaram a construção das imagens que os
jovens têm de ser jovem, de cidade e de ser jovem na cidade, bem como da imagem que
eles têm dos programas nos quais estão inseridos. Nesse capítulo serão apresentados os
dados empíricos dessa tese: as falas dos jovens.
Por fim, no último capítulo, ocorrerá o diálogo entre os conceitos e a fala dos
jovens. É nele que serão respondidas as questões colocadas pelo trabalho. No primeiro
item, trabalha-se com os jovens pesquisados e os territórios por eles usados. Num
segundo momento, propõe-se pensar de que maneira a participação desses jovens nos
programas contribuiu, ou não, para mudanças nos territórios usados pelos jovens.
Finaliza-se afirmando o sentido da política como dimensão fundamental da ação desses
jovens.
6
Para uma melhor leitura e compreensão desta tese cabem algumas ressalvas.
Primeira: Embora não se negue ou subestime a relevância e o papel da cultura
como elemento na construção da subjetividade dos jovens, é importante que esta não
seja descolada das condições objetivas que produzem essa subjetividade e os próprios
indivíduos. O que significa entender quea própria subjetividade e individualidade
apresentam-se contextualizadas numa teia de relações sociais, em que a grande maioria
dos indivíduos encontra-se explorada pela lógica do capital” (SIQUEIRA,
www.anped.org.br/25/excedentes25). Portanto, esses “jovens pobres” são identificados
não por uma “cultura de periferia” vista muitas vezes como exótica –, mas por uma
relação dialética entre as suas condições subjetivas e objetivas.
Segunda: Optou-se por trabalhar com dois programas realizados na cidade de
Juiz de Fora e orientados para atender aos jovens pobres. Assim, ao trazer o debate de
como os jovens têm sido representados e considerados como sujeitos de direitos em
programas de instituições estatais (como no caso do Juiz de Fora nos Trilhos da Paz, da
prefeitura Municipal de Juiz de Fora) e públicas (como no caso do UFJF: Território de
oportunidades), a tese busca oferecer um quadro analítico comparativo destas ações e,
ao mesmo tempo, contribuir para a reflexão crítica de práticas sociais
institucionalizadas que envolvem jovens no seu universo de atenção.
Terceira: No âmbito desse trabalho, considera-se política pública como ações
articuladas compreendendo teoria e prática que tenha uma duração e alguma
capacidade de impacto. São ações implantadas pelo Estado e visam intervir em
determinados problemas, buscando certo consenso social a partir de empreendimentos
que possam levar à diminuição de desigualdades e tendo como objetivo a garantia dos
direitos dos cidadãos e/ou diminuição da pobreza. Importante também destacar a
necessidade de se considerar o campo de conflitos e a diversidade de interesses
existentes e, nas políticas para a juventude, “como os grupos que disputam sua
formulação concebem os sujeitos destinatários dessas ações os jovens” (SPOSITO,
2003:60).
Embora se parta dessa definição os dois programas analisados não se encaixam
formalmente no que se define como política pública. O UFJF: Território de
Oportunidades é um programa de extensão da UFJF enquanto o Juiz de Fora nos trilhos
7
da Paz é enquadrado naquilo que a literatura especializada chamaria de política social
entendida como um conjunto das políticas públicas, voltadas para o campo da proteção
social.
Essa aparente contradição metodológica, contudo, não inviabiliza o estudo na
medida em que ele está organizado em três sentidos distintos da política. No primeiro
uma análise e crítica geral sobre a forma pela qual os jovens são pensados e tratados nas
políticas destinadas à juventude. Nesse plano, portanto, ao se falar de política refere-se
aquela concepção de política pública expressa anteriormente. Num segundo plano
tratar-se-á a política a partir dos programas analisados.
Por fim, a política é vista num sentido mais amplo ultrapassando em muito o
sentido do imediato, do aqui e agora. Situa-se, em certa medida, no resgate do sentido
de projeto. Assim, refutam-se as leituras que identificam a política como o imediato e a
possibilidade de novos projetos societários como utopias irrealizáveis. Ao contrário, a
realidade aqui é vista como um campo de possibilidades, que não se esgotam no campo
da existência. O esforço, portanto, é de tornar o desconforto, o inconformismo ou a
indignação perante o que existe, impulsos para teorizar a superação (SANTOS, 2000c).
Quarta: Este trabalho não se situa no campo da avaliação de políticas, embora
em muitos momentos o tangencie. O objeto está na relação dos jovens com a cidade,
relação essa que será analisada mediada pelos programas aos quais estão inseridos.
Quinta: a discussão sobre o jovem não é algo inédito na literatura das Ciências
Sociais. Contudo, este trabalho visa trazer à tona esse sujeito no espaço. Não é este um
trabalho sociológico sobre jovens e juventude, mas um trabalho no campo da Geografia.
nele, portanto, certo ineditismo, que esse tema ainda é muito recente no debate
geográfico. A discussão é sobre o jovem e a cidade, o jovem e o espaço, o jovem e suas
formas de apropriação da cidade a partir do reconhecimento da relevância do uso da
cidade na construção de um sentido pleno de cidadania. Quem sabe, pensar a
apropriação da cidade como a faceta espacial de uma cidadania plena desses jovens?
Acredita-se estar aqui a principal contribuição da tese.
8
CAPÍTULO 1
APROXIMAÇÃO AOS COCEITOS DE JUVETUDE, JOVEM E ESPAÇO
Neste capítulo, faz-se uma primeira aproximação aos conceitos que serão
trabalhados ao longo da tese. A proposta é delimitar os principais conceitos, quais
sejam: juventude, jovem e espaço. Esses três compõem o conjunto de conceitos
apropriados para a discussão da relação entre jovem, cidade e política. Como a opção é
trabalhar com um grupo específico de jovens os jovens pobres o capítulo se iniciará
com um breve debate sobre o conceito de pobreza.
1.1. Pobreza: de que se fala?
Não é objetivo recompor o intenso debate existente em torno da categoria
pobreza ou mesmo reconstruir em que momento a pobreza e seus sujeitos, os pobres,
apareceram no espaço e no debate científico. A intenção é pontuar alguns aspectos
desse debate a fim de explicitar o sujeito dessa tese: o jovem pobre.
Partir-se-á do reconhecimento que a pobreza e os pobres, da maneira pela qual
são tratados atualmente, aparecem como questão junto à emergência do capitalismo,
sendo resultante dos movimentos de expropriação dos meios de produção. Movimentos
esses que expulsaram do campo massas de pessoas que se direcionaram para as cidades
tendo como única riqueza a ser negociada sua força de trabalho
2
.
Adota-se, portanto, para fins desse trabalho, a pobreza como resultante do
desenvolvimento do próprio capitalismo e sendo eminentemente urbana.
A pobreza torna-se questão social a partir do surgimento das grandes cidades
capitalistas. No momento em que as “condições extremamente precárias das populações
2
Para esse debate ver Marx (2004), Marx (1968) e Wood (2001).
9
recém chegadas do campo inspiravam preocupação e receio, suscitando intervenções do
setor público em prol da instituição de uma nova ordem social” (LAVINAS, 2002:23).
Se é indiscutível que os problemas oriundos das desigualdades sempre estiveram
presentes na história da humanidade, o nascimento da sociedade urbano-industrial
revelou nas cidades, a partir do aparecimento dos pobres, aquilo que seria o contraponto
à riqueza, ao luxo e a ostentação burguesa. Sujeitos que “lá se encontram, nas ruas, nas
fábricas, visitando as exposições industriais, contemplando eles também as vitrines e
lembrando, incomodamente, que as benesses da sociedade moderna não eram
equanimente distribuídas” (PESAVENTO, 1994:8).
Os pobres, sujos, doentes, imorais, violentos, tornam-se a principal preocupação
de médicos, advogados, urbanistas, intelectuais e etc. Definir seus lugares na cidade,
regular seus passos, determinar seus comportamentos, estabelecer padrões de conduta,
eram algumas das tarefas da medicina, da psicologia, da criminologia e do urbanismo,
por exemplo. Isso porque, segundo Pesavento (1994) a pobreza torna-se
(...) uma ameaça a ordem, e seus protagonistas, os pobres da urbe
eram por si, perigosos. A colocação é paradoxal, pois são justamente
os desafortunados os que necessariamente são obrigados a se
converter em trabalhadores para se subsistirem, associação que se
justamente na época da valorização do trabalho como crédito de honra
e dignidade. Mas os desvalidos se converterão em trabalhadores
ordeiros se sobre eles exercer-se feroz vigilância, disciplinando corpos
e mentes, pois são grandes os riscos de caírem na contravenção ou
apresentarem comportamentos desviantes. Como pobres e mais
numerosos por definição eles são potencialmente perigosos
(PESAVENTO, 1994:10).
Era preciso então, enquadrá-los dentro da ordem dada pelo trabalho e nos
marcos da nova sociedade que emergia. E dentre o conjunto dos pobres os jovens
deveriam ser especialmente vigiados e controlados por já tenderem “naturalmente” a
comportamentos de rebeldia e violência.
10
Tendo esse como marco inicial o tema da pobreza atravessou os séculos se
transformando em elemento constituinte central da própria questão social, atraindo para
si um amplo campo de discussão teórica.
Será principalmente a partir de meados do século XX que a pobreza torna-se, de
maneira mais expressiva, objeto das discussões teóricas. Lavinas (2002) identifica três
fases desse debate. Na primeira, situada ao longo da década de 1960, predominou o
conceito de pobreza associado às necessidades insatisfeitas. Prevalece nesse período a
noção de pobreza absoluta. A partir da década de 1970 emerge com grande força a idéia
de pobreza relativa quando então o pobre passa a ser considerado aquele que está abaixo
de um padrão médio de consumo determinado em relação ao conjunto da população. É
pobre, portanto aquele que possui não apenas um déficit de renda como também de
acesso a bens e serviços. O enfoque se amplia para um conjunto maior de falta de
recursos. Já a partir da década de 1980 a pobreza se transmuta no debate sobre exclusão
social. A partir daquela década a noção de pobreza lugar à de exclusão e o pobre
transforma-se em excluído
3
.
Periodização semelhante é encontrada em Santos (2000). O autor identifica três
definições da pobreza no debate travado em países subdesenvolvidos.
No primeiro a pobreza é encarada como residual e acidental, é a pobreza
“incluída”. Uma pobreza vista como inadaptação aos processos mais gerais de mudança
e que “se produzia num lugar e não se comunicava a outro” (SANTOS, 2000:70). A
solução desse problema estava na esfera privada, assistencialista e local já que a pobreza
era “apresentada como um acidente natural ou social”. Para Santos (2000:70) “em um
mundo onde o consumo ainda não estava largamente difundido, e o dinheiro ainda não
constituía um nexo social obrigatório, a pobreza era menos discriminatória. Daí poder-
se falar de pobres incluídos”.
Nesse momento a assistência aos pobres se baseava em intervenções ocasionais
consideradas como ‘benemerência’. Esta era direcionada às pessoas quase sempre
consideradas sem mérito. Assim, a pobreza comportava em si o estigma da
marginalização política e civil.
3
Para uma discussão crítica sobre ambas as categorias ver Martins (2002)
11
Num segundo momento a pobreza é tratada como elemento constituinte do
próprio processo econômico. Este coincide com a generalização dos estudos sobre o
subdesenvolvimento e com a emergência das teorias destinadas a combatê-lo.
Diferentemente da primeira fase, nesse período a pobreza é vista como um problema
grave, cabendo ao Estado papel ativo na busca por soluções.
Como tentativas de amenizar as distorções causadas pelo mercado ressurgem
com grande força, as políticas sociais. Estas são pensadas como intervenção do Estado
nas expressões da questão social - sendo a pobreza a maior delas geradas pelo conflito
entre capital e trabalho.
Há certo consenso na literatura especializada, em demarcar o segundo pós-
guerra, na Europa, como um divisor de águas. É esse o período de maior intensidade na
instauração de sistemas de seguridade social, tendo o Estado como principal agente.
Após a segunda guerra mundial ficou claro que o mercado livre não daria conta
de levar à paz e à prosperidade. A partir desse momento diversos países do dito
primeiro mundo adotaram políticas keynesianas direcionadas tanto para os aspectos
econômicos quanto para os referentes à vida coletiva. É nesse momento que se
institucionaliza e se amplia os sistemas de proteção social.
Também foi relevante o novo ordenamento geopolítico que o segundo pós-
guerra impôs ao mundo. A clivagem entre capitalismo e socialismo colocou em
evidência o conflito entre capital e trabalho e apresentou ao mundo a possibilidade de
uma nova forma de organização social que não a capitalista. Do ponto de vista
dominante isso parecia representar uma perigosa divisão política. A resposta foi o
estabelecimento de novos pactos na relação capital e trabalho. O Estado amplia a oferta
de serviços de natureza social, constituindo as bases dos modernos sistemas de proteção
social
4
.
Nos países ditos de terceiro mundo, o sucesso do Estado de bem-estar em muitos
dos países ricos, bem como o contexto político de difusão do ideário socialista
4
Importante salientar que a implantação desse sistema de proteção social responde a uma exigência do
próprio capital como também é resultante dos esforços empreendidos pelos trabalhadores. Ou seja, o
incremento das políticas públicas e sociais não se deu apenas pela simples ampliação da ão do Estado
respondendo os interesses do capital, mas também pelas exigências que lhe foram colocadas pelos
trabalhadores. Ver Coutinho (1997).
12
funcionaram como inspiração. Nesse momento, os países pobres estavam
“comprometidos, ao menos ideologicamente, com a luta contra a pobreza e suas
manifestações, ainda que não lhes fosse possível alcançar a realização do Estado de
Bem-estar” (SANTOS, 2000:71). No entanto, essas políticas seriam “arremedos de
solução”, como afirma o autor. Seus objetivos são o de compensar a desigualdade
social, assumindo uma face corretiva e paliativa.
Por fim, Santos (2000) pondera que a interpretação mais recente sobre o tema
encara a pobreza como estrutural e cada vez mais globalizada. Agora ela é vista como
algo generalizado, permanente, inevitável e natural, originária da expansão do
desemprego e da redução do valor do trabalho. Nessa nova fase “os pobres não são
incluídos nem marginalizados, eles são excluídos” (SANTOS, 2000:72).
Preocupação de economistas e cientistas sociais o conceito de pobreza abre-se a
intenso debate sendo de difícil determinação. Rocha (2005) aponta que esse debate se
originou nos países desenvolvidos como resposta a um discurso essencialmente
triunfalista dos políticos no pós-guerra. Há, nesse momento, dois campos de
interpretação sobre o tema: o primeiro vincula pobreza às questões de sobrevivência
física. No segundo se enfatiza o caráter relativo dessa noção. Desses campos emergem
as noções de pobreza absoluta e pobreza relativa.
A pobreza absoluta baseia-se na noção de privação àquelas que seriam as
necessidades básicas à sobrevivência, independente das condições sociais ao seu redor.
Caberia então determinar quais seriam essas necessidades. Segundo Lavinas (2002) é
nesse âmbito que floresce a vertente nutricionista que busca definir o que é pobreza a
partir da ingestão diária de certo número de calorias. Seria pobre “todo aquele que não
se beneficia de um padrão de subsistência mínimo, baseado na ingestão diária de um
requerimento calórico dado” (LAVINAS, 2002:29). aqui uma clara relação entre
pobreza e fome. Nesse momento os conceitos se confundem e pobreza é tratada quase
como sinônimo de fome. Paulatinamente outros elementos vão sendo acrescidos na
definição daquilo que seriam as necessidades básicas à sobrevivência, como a questão
ao acesso a determinadas bens como habitação, saúde, saneamento, educação etc.
É nesse campo que se delineia a linha de pobreza, entendida como o limite
abaixo do qual se situam os pobres. Nessa acepção, o atendimento às necessidades seria
13
operacionalizado a partir da renda. Ou seja, um patamar mínimo de renda necessário
para que as necessidades básicas dos indivíduos sejam atendidas. A definição desse
limite, por sua vez, é feita a partir de diversos mecanismos matemáticos que
determinam um “valor monetário associado ao custo do atendimento das necessidades
médias de uma pessoa de uma determinada população” (ROCHA, 2005:12). Os pobres,
portanto, seriam aqueles cuja renda está abaixo do valor mínimo que estabelece a linha
de pobreza. São os indivíduos incapazes de atender as necessidades básicas definidas
por determinada sociedade.
Para Marques e Torres (2005:40) a grande crítica que se faz a essa noção é que a
linha de pobreza “usualmente não considera, variações locais entre os custos de vida,
nem a existência de formas não monetárias de renda e de serviços que são muito
importantes nas estratégias de sobrevivência dos grupos sociais mais pobres”.
Como contraponto a esse campo encontra-se a noção de pobreza relativa
estabelecida em comparação às condições sociais vigentes. Para aqueles que se situam
nesse campo a pobreza
não se refere apenas à subsistência, mas vai depender das condições
sociais nas quais os indivíduos estão inseridos. Essa concepção é mais
observada nas definições que consideram a pobreza um fenômeno
mais amplo, onde a privação não é física ou biológica, mas de
acesso a certas necessidades sociais objetivas ou subjetivas de acordo
com as condições desenvolvidas de dada sociedade (MACHADO,
2007:689).
Santos (1979) pondera que a questão da pobreza não deve se restringir a
definições parciais. Não seria possível determinar o que é pobreza e quem são os pobres
tendo como base apenas um limiar estatístico baseado em renda, horas de trabalho ou
salário. Sua crítica assenta-se no fato de que a pobreza deve ser compreendida, antes de
tudo, como uma categoria política e não apenas econômica e cuja única medida válida é
o tempo atual. Assim, essa noção não pode ser estática e nem válida em toda parte
que
14
os recursos postos à disposição do homem, em termos de sua posição
na escala social, mudam com o tempo e o lugar. O valor dos recursos
é igualmente relativo, dependendo em grande parte da estrutura da
produção e de seus objetivos fundamentais. A noção de pobreza,
ligada desde o início a escassez, não pode ser estática nem válida em
toda parte (SANTOS, 1979:9).
É desse modo que seria inútil buscar uma definição numérica da pobreza uma
vez que ela seria dada pelos objetivos que a sociedade determina para si própria,
combinando de maneira recíproca, fatores econômicos e sociais particulares de cada
país ou região (SANTOS, 1979).
Assim, se a pobreza deve ser pensada em sentido mais amplo é também
impossível restringir a definição do indivíduo pobre a um maior ou menor consumo. Ou
seja, consumir mais ou menos bens não faz com que um indivíduo seja,
necessariamente, considerado pobre ou rico.
Adota-se, portanto, para fins desse trabalho, um sentido de pobre capaz de situar
esse sujeito na sociedade a qual pertence e a pobreza como um fenômeno que afeta os
sujeitos como um todo interferindo em todas as dimensões do indivíduo tanto
objetivas como subjetivas.
Assim, a pobreza refere-se a distintas formas de privação de bens materiais e
simbólicos fundamentais para a vida. Propõe-se pensar a pobreza não apenas como uma
categoria econômica ou apenas política, mas como algo que está presente na própria
produção da subjetividade dos indivíduos. Uma condição que coloca em risco a própria
condição humana.
Embora se reconheça a necessidade de se avançar nessa discussão e a amplitude
do debate, a categoria jovem pobre será adota no sentido de refletir um corte dentro do
universo da juventude.
Reconhece-se a existência de inúmeras juventudes. Contudo, no âmbito dessa
tese, o enfoque será dado àqueles que vivem uma juventude marcada fortemente pelos
15
processos de desigualdade social e de distinções territoriais. São jovens que pouco
vivem os direitos sociais e que são estigmatizados em função dos seus lugares de
moradia. Ou seja, ao se referir aos jovens fala-se sobre uma parcela deles. Aquela
caracterizada por ser a tima mais freqüente da violência, do desemprego, da falta de
horizontes profissionais e pessoais.
São os sujeitos cujo circular é vigiado, sendo a cidade restrita. Sua mobilidade é
ínfima e, portanto, o uso e a apropriação do espaço urbano são diminutos, controlados e,
em muitos casos, passíveis de punição. A condição de pobreza experimentada dá-se não
apenas pelas restrições econômicas, mas também pelo acesso, pelo uso e pela
apropriação que fazem da cidade. A eles são negados os direitos, os recursos
econômicos e a própria cidade.
Definido a qual jovem e a qual juventude se refere essa tese, cabe no item
seguinte pensar como foram construídas muitas das representações associadas a esse
sujeito: o jovem.
1.2. A construção das noções de juventude e de jovem
A definição de juventude não constitui uma tarefa fácil. A princípio, é possível
delinear três grandes acepções que norteiam o conceito de juventude. Uma primeira,
que procurará definir juventude a partir de um recorte etário entre 15 e 24 anos, no
caso da Organização Mundial de Saúde (OMS). A segunda relaciona a juventude a uma
fase de transição a passagem da infância à vida adulta. Por fim, uma última acepção,
que associa a juventude a um eterno devir, a um projeto de futuro, sendo, portanto,
negado o presente.
A primeira acepção adota diferentes faixas de idades, que definiriam os diversos
momentos da vida. Variando de acordo com as instituições e organizações que as
definem, essa acepção é ainda central em muitos dos estudos sobre juventude.
Camarano (2004:9), referindo-se à faixa de 15 a 24 anos, definida pela OMS como
aquela correspondente à juventude, afirma que
16
o limite inferior considera a idade em que estão desenvolvidas as
funções sexuais e reprodutivas, que diferenciam o adolescente da
criança e repercutem na sua dinâmica física, biológica e psicológica.
O limite superior diz respeito ao momento em que os indivíduos
normalmente concluem o ciclo da educação formal, passam a fazer
parte do mercado de trabalho e constituem suas próprias famílias,
caracterizando assim, de forma simplificada, a transição para a fase
adulta.
Para Groppo (200:74), uma das características da sociedade capitalista industrial
do século XIX foi a criação de uma cronologização do curso da vida individual,
buscando um critério objetivista e naturalista para a determinação da idade de cada
indivíduo e tentando delimitar, científica, jurídica e criminalmente, estágios da vida
baseados nessa idade cronologizada individualmente”. Esse critério, ainda de acordo
com o autor, foi determinante para a redução das diferenças sociais e individuais a um
denominador universal diante do qual o curso da vida dos indivíduos foi
institucionalizado.
Essa acepção, tendo como critério o corte etário, acaba por naturalizar a
juventude. Desconsidera-se que os grupos de idade (criança, jovem, adulto e idoso) são
uma criação social e fortemente relacionada aos processos de conformação da sociedade
contemporânea.
Juventude constitui-se uma categoria socialmente construída. O que significa
afirmar que a noção e o entendimento do que seria esse momento da vida sofre a
influência dos diferentes contextos sociais, econômicos e políticos. O entendimento da
juventude e de quem seria o jovem modifica-se espacial e temporalmente. O que será
apresentado neste momento do texto é justamente como a juventude e o jovem foram
pensados e tratados ao longo da história, procurando mostrar como cada tempo e cada
espaço tiveram sua definição de juventude.
Ao pensar a juventude no mundo romano, de acordo com Fraschett (1996), é
possível estabelecer um corte etário que define como puer o indivíduo de até 15 anos.
17
Estaria ele na adulescentia entre os seus 15 e 30 anos e na iuventa dos 35 aos 40 anos.
Idades muito díspares daquelas que comumente associamos à juventude e à
adolescência. O prolongamento da adolescência e da juventude explica-se pela
instituição do patrio poder, pilar da sociedade romana. Assim, em Roma,
não apenas os pais têm sobre os filhos direito de vida e morte, como
também o de alargar sob a própria potesta todas as fases da vida dos
filhos, até que, depois da morte dos pais, eles mesmos se tornem ‘pais
de família’ para reproduzir e azeitar por sua vez mecanismos de poder
idênticos aos que tinham experimentado (...), como se a adolescência e
a juventude fossem idades prorrogadas de maneira fictícia com o
objetivo de evidenciar a continuação da submissão dos filhos aos pais,
detentores efetivos de todos os poderes (Ibidem:71).
Apesar desse prolongamento, é possível determinar o início da entrada no
mundo jovem, na sociedade romana, a partir do rito de passagem simbolizado pela troca
da toga praetexta da infância pela toga viril, que ocorria por volta dos 15 anos.
A cerimônia do abandono da toga praetexta significava que o jovem tornava-se
um cidadão livre e gozava de plenos direitos. Depois de um ritual doméstico, o jovem
era conduzido, em cortejo, para o Capitólio e o Fórum. A escolha desses lugares
também é carregada de forte simbolismo, que eram a “praça pública”. Esse momento
representava o início da vida pública do jovem e da preparação para a vida adulta. Ao
longo de um ano, e antes do serviço militar, o jovem passava pelo tirocinium. Nesse
momento ele é conduzido aos conhecimentos de direito, de prática pública e de
eloqüência e retórica.
No mundo romano, portanto, a juventude assume um caráter de transição,
momento de preparação para o mundo dos adultos e para a vida pública. Por outro lado,
esses jovens, conduzidos aos ensinamentos da vida adulta, gozavam de certa tolerância
por parte dos pais. Assim, “durante cinco ou dez anos, o jovem freqüentava prostitutas,
tomava amantes, com um grupo de adolescentes forçava a porta de uma mulher de vida
para uma violação coletiva” (VEYNE, 1989:37).
18
É necessário frisar que ainda nesse momento não é possível falar de uma
maioridade legal ou da autonomia do indivíduo ao patrio poder. Seapenas a partir do
século II d.C., com a constituição de uma nova moralidade, que se instaura uma
maioridade legal. Nesse momento, a passagem “à idade de homem não será um fato
físico reconhecido por um direito habitual, e sim uma ficção jurídica: de impúbere passa
a ser menor legal” (Ibidem:39). São condenadas muitas das atitudes juvenis até então
toleradas. Enfatizam-se os benefícios de se controlar e reprimir os prazeres da juventude
em prol de temperar o caráter. Casar cedo era o indício de que a pessoa não tivera uma
juventude depravada.
Por trás dessa nova moral estava a preocupação quanto à manutenção do
patrimônio da família e a necessidade da proteção à propriedade, pois “se a herança
paterna demora, um púbere de catorze anos pedirá empréstimos a juros para pagar seus
prazeres (...) e acabará devorando de antemão seu patrimônio” (Ibidem:40). Seria
preciso limitar os poderes daqueles que, entendia-se, não teriam ainda plena capacidade
de gerir os negócios familiares.
Por sua vez, a juventude era reservada apenas aos jovens da pequena nobreza e
de famílias de comerciantes. Assim, “a juventude é, por um lado, um privilégio de
certos segmentos em relação aos outros deles excluídos e, por outro lado, ao mesmo
tempo, significa uma exclusão do mundo adulto e de seus poderes, que se caracteriza
como uma fase de subordinação, obediência e incapacidade” (CASSAB, 2001:66).
Já na Idade Média, a concepção de juventude não é nem uniforme e nem imóvel.
Pastoureau (1996) apresenta uma divisão da sociedade associada às quatro estações.
Seria a juventude medieval correlacionada com o verão, momento das tempestades e do
calor. Um segundo sistema de classificação social privilegiava a idade. Assim, a
adulescentia correspondia ao período dos 14 aos 21 anos e a juventus, dos 21 aos 35
anos. Contudo, adverte o autor, essas fronteiras eram bastante flexíveis. A primeira
classificação obedece a uma lógica mais profana e a segunda provém da cultura erudita
e clerical.
Num caso ou noutro, a juventude, na Idade Média, era freqüentemente associada
à desordem. Os escritos pintam uma juventude turbulenta, ruidosa, violenta e perigosa.
Jovens que não respeitam nada e transgridem a ordem social e moral, desprezando os
19
valores estabelecidos e os mais velhos. Rossiaud (1991), em seus estudos sobre a
prostituição na Idade Média, mostra como, entre 1436 e 1486, em Dijon, os jovens
participaram de 85% do total das agressões sexuais contra mulheres. A ação desses
jovens, em muitos casos, ocorria coletivamente, em grupos relativamente homogêneos:
jovens do sexo masculino, com grande proximidade etária, solteiros, operários e filhos
de pais com o mesmo ofício e idêntico status social. O que sugere, de acordo com o
autor, o estabelecimento de um determinado perfil de rapazes jovens e protagonistas
dessas ações agressivas e perturbadoras.
Referindo-se aos jovens na Itália medieval, Pavan-Crouzet afirma:
Que cada sociedade alimente uma imagem singular de seus “jovens” e de seus
“velhos” é algo bastante óbvio. Mas interessante parece ser a definição sombria dos
jovens que os diferentes textos do fim da Idade Média italiana deixam transparecer,
vinculando esses giovani menos a uma função ou a papéis do que a
comportamentos, em grande parte condenáveis (1996:192).
Diante disso, caberia ao restante da sociedade o papel de discipliná-los,
orientando seus corpos para os exercícios úteis e, sobretudo, fazer com que se casassem,
evitando, com isso, a fornicação e o adultério (PASTOUREAU, op.cit.). O casamento
era, desde a Antigüidade, o principal artifício utilizado para conter as explosões juvenis.
É interessante notar que, nesse período, a regulação jurídica que delimitava a
juventude romana desaparece. Diferentemente do mundo romano, a juventude não era
mais vista como um período de preparação para a vida adulta. Na Idade Média, eram
critérios morais que delimitavam a definição do jovem. Nesse momento, a juventude
passa a ser relacionada à liberdade e à violência e encerra-se com o casamento e a
herança.
Mas não era o casamento a única forma de conter os ânimos juvenis. Havia
também o envio dos jovens, em especial dos mais abastados, para expedições. Esse era
um dos artifícios utilizados para conter a turbulência dessa idade. Era usual que os
jovens medievais ingressassem nas Cruzadas ou participassem de longas viagens,
20
muitas vezes financiadas pelo pai de família. Assim, “todos os jovens eram chamados a
extravasar na errância, provisoriamente, o excesso de seu ardor” (DUBY, 1990:87).
Sair de casa, contudo, não era uma tarefa fácil. Muitas vezes, para esses jovens,
o mundo se colocava como estranho e mesmo perigoso. Essa era uma das razões pelas
quais, de acordo com Roncière (1990), os jovens procuravam nos agrupamentos uma
forma de segurança e reconhecimento. Na Europa feudal era comum que jovens se
reunissem em confrarias e corporações, que representavam, de um lado, segurança e, de
outro, o enquadramento necessário a esses jovens. O autor aponta que nesse período era
comum o agrupamento de jovens nas chamadas brigate, “quer se trate de bando de
amigos escoltando um galante em aventura amorosa, ou de grupos alegres reunidos
regularmente por bairro, com o único objetivo de banquetear-se e divertir-se (...)”
(RONCIÈRE, 1990:171). Cada brigate tinha seus uniformes e rituais próprios,
defendidos por seus membros. Daí serem comuns os confrontos e brigas, que
explicitavam as rivalidades.
Além de ser a forma de sociabilidade de muitos dos jovens medievais, esses
agrupamentos, brigate, confrarias, bandos, corporações, se configuravam como uma
possibilidade de escapar do poder e controle quase absoluto dos pais. Considerando que
nesse período os jovens eram colocados à disposição de seus pais e que a autoridade
paterna – pátria potesta era exercida pelo pai sobre seus filhos de forma irrevogável e
absoluta, a possibilidade de construir um espaço próprio, privado, apontava para um
novo horizonte. Assim,
apesar dos freios do costume e das reticências dos pais, os rapazes têm
acesso em parte a essa forma superior do privado. As tentativas
brotam de todas as partes (...). Elas chegam a bom termo mais
facilmente quando os jovens podem juntar-se a outros grupos que
constituem uns tantos privados de substituição: as confrarias, os
bandos de jovens, o aprendizado das lojas. Esses grupos mal
conhecidos, mas numerosos, contribuem, com seus ritos, com suas
badernas, para integrar os rapazes em outras comunidades privadas e,
através disso, nessa outra comunidade superior que é a grande
coletividade urbana (Ibidem: 230).
21
Aquele inserido no mundo do trabalho podia, com seu salário, estimular seus
gostos, sair, vestir-se bem e estar na moda. As conversas sobre moças, a sedução, as
brigate amorosas, as conquistas eram práticas comuns e comumente comentadas entre
os grupos juvenis. A festa e o ofício eram o lugar do encontro, da liberdade, o lugar
onde esses jovens colocavam-se fora do alcance e do controle permanente do pai. Para
esses jovens “mal integrados nas instituições os bandos constituem igualmente um
contrapoder que os rege, mas sem desvendar suas regras, e que permanece seu assunto
privado” (
Ibidem: 247)
.
A partir dos séculos XVIII e XIX, a juventude é percebida como uma etapa da
vida na qual os indivíduos possuiriam uma maneira própria de ver, sentir e reagir
características que seriam específicas dos jovens. A partir desse momento, a juventude é
identificada como um período específico da vida, em que se desfruta de certos
privilégios. Um momento entre a maturidade biológica e social.
Com a industrialização, os jovens, filhos da burguesia, são liberados do trabalho.
Entende-se esse período como uma transição, durante o qual o indivíduo deve se
preparar para a vida adulta, sendo permitido o tempo livre, o descompromisso, o não-
trabalho. Caberia a esses jovens o estudo e o preparo para uma profissão. A família, até
então locus principal da educação das crianças e jovens, é paulatinamente substituída
pelo estabelecimento escolar, seja em tempo parcial ou em pensionatos. À escola
caberia acrescentar a educação aprendida em casa, certa disciplina de trabalho, regras de
sociabilidade e civilidade. Aymard (1991:429) afirma que o colégio representou uma
ruptura em relação à época anterior. Buscando impor uma disciplina total e constante,
procurou-se enfatizar
a modernidade dos conteúdos, a eficácia dos métodos e a qualidade
sob todos os aspectos religioso, moral e intelectual do resultado
final, que permite aos jovens fazerem bonito papel na sociedade e
exercer os cargos e profissões que as famílias desejam e aos quais lhe
asseguram o acesso sua posição, fortuna, rede de relações ou simples
acaso.
22
O mundo se transforma, o individualismo torna-se marca do novo culo. Era
preciso preparar os jovens para o trabalho e para alcançar uma profissão condizente com
sua família e status. A aprendizagem para a vida adulta na esfera escolar deveria
preparar o corpo e os sentidos dos jovens na perspectiva de superação de quaisquer
revezes da sorte e da aquisição de competências. A juventude prolonga-se e torna-se
uma época de formação e de escolhas. Esse é o momento de pensar e se preparar para o
futuro, enfrentar as necessidades, manter a vida, poupar recursos, sacrificar os
momentos de lazer, tão comuns entre os jovens da Idade Média, em prol dos estudos e
do trabalho. Por essa razão,
as novas estruturas educativas, em particular as dos colégios, logo
recebem adesão dos pais, convencidos de que seu filho está sempre à
mercê de instintos primários que devem ser reprimidos e de que é
preciso “sujeitar seus desejos ao comando da Razão”. Assim, colocar
na escola equivalia a tirar da natureza. Entretanto, não é essa a causa
essencial de tal adesão. A nova educação deve seu êxito ao fato de
moldar as mentes segundo as exigências de um individualismo que
cresce sem cessar (GÉLIS, 1991:324)
.
Contudo, a oportunidade de retardar as responsabilidades da vida adulta não era
para todas as classes sociais. A liberação do trabalho é destinada apenas aos jovens da
burguesia. Aos filhos dos trabalhadores não era reservado o direito ao não-trabalho. Ao
contrário, eram cedo inseridos nas atividades produtivas. A esses jovens, filhos dos
operários, precocemente introduzidos no trabalho fabril, restava pouca coisa além da
obediência e da renúncia. Assim, afirma Cassab (2001:70) que “a juventude, para eles,
esvazia-se do sentido da esperança, permanecendo apenas o caráter de ameaça
potencial, expresso por três qualificativos: a vagabundagem, a libertinagem e a
rebeldia”.
Dessa maneira, enquanto os jovens da burguesia eram liberados do trabalho e
constantemente supervisionados pela família e pela escola, os filhos de operários,
23
afastados da escola, eram precocemente inseridos no mundo do trabalho, quando não
incorporavam a figura do delinqüente.
Em seu estudo, Perrot (1996) procura delimitar como seria a juventude operária
no século XIX. Para a autora, a realidade dessa juventude é algo extremamente difícil
de apreender. Todavia, Perrot apresenta alguns indícios que permitem distinguir a
juventude operária da juventude burguesa. Se esta última, como afirmado, volta-se para
as escolas, liceus e universidades, os jovens operários tinham pouco ou nenhum acesso
a eles. Precocemente inseridos no trabalho – muitos ainda crianças – esses jovens
tinham pouco horizonte e suas energias eram consumidas sem que, ao menos, o trabalho
lhes desse a autonomia e o direito dos adultos. Ao contrário, jovens ainda, não gozavam
dos direitos que os adultos possuíam. Mesmo na família deviam obediência, silêncio e
seu trabalho.
Mas quais os limites que determinam a juventude? Perrot (Idem) mostra como as
inúmeras leis que procuraram regular o trabalho nas fábricas, a partir da segunda
metade do século XIX, acabaram também por contribuir para a definição dos limites da
juventude operária. Essas leis, de acordo com a autora, instauraram uma categoria de
jovens trabalhadores:
A relação com o trabalho é, certamente, o que mais distingue infância
e juventude no século XIX. A primeira subtrai-se cada vez mais a ele,
a segunda está destinada a ele. A escola concorre com a fábrica no que
concerne à infância (...). Passados os treze anos (...) o trabalho é a
norma. Após os dezoito eles são adultos em relação aos deveres, mas
não em relação aos direitos, que não têm. A oficina, a fábrica, o
canteiro de obras tornam-se assim espaços juvenis, pelo menos lugares
da juventude operária (Ibidem:102)
.
Se o início da juventude representa, no caso dos jovens operários, o início no
mundo do trabalho, a determinação de seu rmino parece ser ainda mais difícil.
Contudo, dois elementos parecem sinalizar nessa direção: o casamento e o exército. O
casamento significava a possibilidade de inaugurar uma nova família, desvincilhando,
24
dessa forma, o jovem da sua original. Representava, portanto, um dos caminhos
possíveis para a independência do jovem e seu ingresso definitivo na vida adulta. O
jovem torna-se adulto ao tomar para si a responsabilidade de sustentar e manter sua
própria família.
O exército, para os homens, também podia representar o final da juventude, ou,
mais especificamente, o último rito de passagem para a vida adulta. Loriga (1996:36)
chega a afirmar que o exército representava “uma barreira social e efetiva entre a
adolescência e a vida adulta, como um divisor de águas entre a escola e o trabalho, entre
a família de origem e a própria”. Importante sublinhar, e ainda de acordo com a autora,
que em muitos casos os jovens operários chegam ao exército advindos de uma realidade
marcada pela inserção precoce no trabalho e sem nunca terem freqüentado a escola. O
que distingue o significado do exército para os jovens operários e para os jovens
burgueses.
Se para os primeiros representava apenas mais um estágio para sua emancipação
individual, para os jovens da burguesia, muitos deles estudantes que raramente
participavam da vida econômica familiar e tardiamente saíam de casa, o exército tinha
um forte significado iniciatório à vida adulta. Ou seja, entre a família de origem e a sua
própria família e entre a dependência e independência econômica estavam as armas.
Será nessa transição do século XIX para o XX que se forjam algumas das
concepções sobre juventude ainda hoje presentes. A juventude passa a ser associada a
um período de “emoções violentas, agressividade, instabilidade emocional e curiosidade
sexual sem limites” (CASSAB, 2001:70). Essa imagem parece vestir como uma luva os
jovens operários. Temidos individualmente ou em seus agrupamentos, são prontamente
identificados por um suposto caráter vagabundo, libertino e contestador/desordeiro.
Essa representação da juventude como um todo e, em especial, a operária,
explica as estratégias de controle sobre os jovens. Com os filhos dos operários o
controle se dava, em grande medida, pelo trabalho e pela polícia. Os filhos dos
burgueses eram vigiados e controlados pelas instituições de ensino. Groppo (2000:57)
afirma:
25
A criança e, em seguida, o jovem são submetidos a essa instituição
que os isola do convívio promíscuo com os adultos, marca neles uma
condição diferenciada (que justifica seu isolamento e seu tratamento
desigual) e uma condição inferior (que submete o infante e o jovem a
uma rede hierárquica de vigilância e punição).
Não apenas a escola, mas, e principalmente, as ciências modernas, contribuíram
para atrelar a juventude à perversão. Para o autor, a Modernidade inaugura o momento
em que a juventude passa a ser considerada como um estágio perigoso e frágil da vida
dos sujeitos. A partir de então, os jovens são vistos como “propícios a contraírem toda
espécie de males, doenças do corpo e da mente, perversão sexual, preguiça,
delinqüência, uso de tóxicos etc. Essa concepção só veio colaborar para o incremento do
isolamento, vigilância e esquadrinhamento dos indivíduos durante sua infância e
juventude” (Ibidem:58).
Da adolescência, vista como o momento do prazer e do descompromisso na
Idade Média,
desliza-se imperceptivelmente para o tema do adolescente criminoso
(...). O adolescente é um vagabundo nato. Apaixonado por viagens e
mudanças, profundamente instável, ele procede “a fugas análogas às
dos histéricos e epiléticos incapazes de resistir ao impulso das
viagens”. O adolescente tem sua patologia própria: por exemplo, a
hebefrenia, definida como “uma necessidade de agir que acarreta um
desprezo por todos os obstáculos e todos os perigos”, levando ao
assassinato (PERROT, 1991: 163).
Essa noção da juventude como um momento crítico é impulsionada também pelo
avanço da medicina. Perrot (1991) demonstra como, no período de 1780 a 1840, os
médicos de então escreveram uma série de teses sobre a puberdade, ministrando
remédios para solucionar ou apaziguar os problemas desse período. É sob esse aparato
que a adolescência se torna um perigo não apenas para o indivíduo jovem, mas também
26
para toda a sociedade. O adolescente é lido como narcisista e portador de impulsos
sexuais que tenderiam a conduzi-lo à violência e à brutalidade.
Mesma posição parece ter Coimbra, Bocco e Nascimento (2005), que afirmam a
importância da Psicologia e das ciências da saúde na construção dessa visão e
entendimento da juventude. Para as autoras, nesse momento, a adolescência se
caracterizaria por atributos psicológicos e biológicos. Assim, mudanças hormonais,
glandulares, corporais e físicas típicas desse período, seriam responsáveis por algumas
das características próprias da juventude. Essas características são consideradas como
próprias e intrínsecas à condição juvenil, em que “qualidades e defeitos como rebeldia,
desinteresse, crise, instabilidade afetiva, descontentamento, melancolia, agressividade,
impulsividade, entusiasmo, timidez e introspecção passam a ser sinônimos de ser
adolescente, constituindo uma identidade adolescente” (COIMBRA et al., 2005:4).
A juventude adentra o século XX como um problema e um campo de
intervenção das ciências e das políticas públicas. O aparecimento de uma juventude
libertária, que se movimenta e mobiliza contra o que considera ranços do atraso ou
mesmo injustiças parece contribuir para corroborar essa concepção. O aumento da
delinqüência juvenil, das manifestações dos estudantes, o movimento da contracultura,
os movimentos pacifistas, com forte presença de jovens, o movimento hippie, a
emergência de uma nova relação com a família de origem, também contribuem para
tornar a juventude um problema social.
1.3. Jovens e juventude: a construção dessas categorias no Brasil
Em grande medida, é possível pensar juventude e jovem como categorias
específicas e particulares, no Brasil, com maior força, a partir do século XIX. Nesse
momento, parece haver uma distinção de fato entre a juventude e a vida adulta.
Procurando entender o papel da ordem médica na mudança da família e das
relações com a infância, Costa (1989)
5
mostra como no período colonial o filho tinha
5
Apesar do referido autor não dar enfoque ao papel do jovem, é possível inferir algo a partir do sentido
dado à relação entre infância e vida adulta.
27
uma função secundária, que o elemento central era o pai. Nesse ambiente, a vida se
dividia, fundamentalmente, entre a infância e a vida adulta, pois ao “pai-proprietário
interessava o filho adulto com capacidade para herdar seus bens, levar adiante seu
trabalho e enriquecer a família” (COSTA, 1989:158). O sentido de juventude e o sujeito
jovem parecem ter um não-lugar nessa ordem familiar, na medida em que tão longo se
chegava à puberdade os filhos assumiam a postura de adultos. Assim, não existia a
imagem de juventude. Mesmo os indivíduos jovens procuravam, em suas vestimentas,
trejeitos, linguajar etc., parecerem adultos.
As mudanças promovidas por uma lógica médica e higienista alteram a relação
no seio da família. Será a partir desse momento que se difunde a imagem de que a
família patriarcal colonial, baseada no autoritarismo do pai e na violência, era
prejudicial ao desenvolvimento dos filhos. De acordo com Coimbra (2003:24), “a
medicina passou a ordenar o modelo ideal de família nuclear burguesa. Detentores da
ciência, tomam para si a tutela das famílias, indicando e orientando como todos
deveriam comportar-se, morar, comer, dormir, trabalhar, viver e morrer”.
Essa mudança da própria família terá reflexos no que toca a juventude e o
jovem. Nesse momento, “a sociedade brasileira idealizada pela higiene seria composta
desses homens rijos que, desde criança acompanhados de perto pelos médicos, um dia
estariam prontos para oferecer docilmente suas vidas ao país” (COSTA, 1989:179).
Nesse novo ambiente o jovem começa a ser visto como um sujeito que se
diferencia da criança e do adulto. Forja-se certa concepção de juventude como um
momento distinto da infância e da fase adulta. De inexistente o jovem passa a existente.
Mas qual a sua existência? A juventude é vista como um problema. E a escola, como o
local privilegiado para educar e disciplinar esses sujeitos.
De forma geral, afirma Costa (1989), a educação no Brasil, naquele momento,
dividia-se em duas orientações. A primeira, uma educação profissionalizante que se
iniciava com o indivíduo “na puberdade ou no estado adulto”. Nessa, o jovem
trabalhava como artífice ou pequeno comerciante. O trabalho tinha a função não de
prepará-lo para o ingresso na vida adulta, habilitando-o para ganhar a vida de forma
independente, como também de discipliná-lo. Contudo, cabe a ressalva de que essa
orientação destinava-se exclusivamente aos jovens pobres, pois
28
os ricos aprendiam a ler, escrever e contar em casa, sob a direção da
mãe (quando esta não era analfabeta), de algum caixeiro mais
instruído, de um mestre-escola ou de um padre. Ultrapassado esse
nível, ingressavam nos colégios religiosos, onde seguiam a carreira
eclesiástica, ou de onde saíam para completar a formação universitária
na Europa (COSTA, 1989:196).
É nítido, portanto, o corte de classe na definição de juventude nesse momento.
Para os jovens ricos reserva-se o direito de freqüentar a escola e concluir sua formação.
A juventude é, nesse sentido, um momento de passagem e preparação. Ao jovem pobre
reserva-se, quando muito, uma educação profissionalizante. A juventude se encurta.
A segunda orientação que norteava o ensino nesse período era a referente ao
controle e disciplina dos jovens. A escola deveria ser não apenas o local de preparação
destes para a vida adulta, como também o lugar de controle dos impulsos tão comuns à
juventude. A educação era, portanto, instrumento de controle da indisciplina e da
degradação moral. Mas também o lugar onde esses jovens aprenderiam o respeito ao
patrão e à propriedade, numa sociedade que cada vez mais ingressava no mundo
burguês capitalista. Afirma Costa (1989):
Nos colégios, os jovens educandos aprendiam a defender a tria e a
propriedade dos antigos e futuros patrões, ao mesmo tempo em que se
apresentavam a condenar todos os que, não sendo proprietários, se
recusassem a crer no jogo da dignidade do trabalho livre (COSTA,
1989:201).
Será no século XIX, e fundamentalmente na segunda metade, como visto, que se
inicia, no Brasil, a produção do discurso sobre a juventude e os jovens. Também é nesse
século que se procura institucionalizar a infância e a juventude pobre sob o olhar da
justiça e da filantropia. uma clara preocupação dirigida aos jovens pobres. Contudo,
29
ressalta-se que essas ações estavam revestidas de um sentido moral e embasadas no
“autoritarismo das verdades científicas” (LOBO, 1997:21).
É nesse momento que o higienismo forja uma categorização da pobreza,
definindo as estratégias mais adequadas para a prevenção de possíveis desvios vindos
dos setores pobres da sociedade. A partir do reconhecimento de uma distinção social
quanto aos vícios e virtudes, afirma-se que aqueles oriundos de boas famílias tenderiam
naturalmente a desenvolver características virtuosas (bom caráter, trabalhador, honesto
etc.). aqueles vindos de famílias desvirtuadas, desestruturadas, carregariam essa
herança. Estes tenderiam ao crime, a atitudes amorais e aos vícios. A partir dessa noção
eram tecidas as estratégias para o trato com a pobreza e com os pobres. Afirma
Coimbra:
Aos “pobres dignos”, que trabalhavam, mantinham a “família unida” e
“observavam os costumes religiosos, era necessário que lhes fossem
fortalecidos os valores morais, pois pertenciam a uma classe “mais
vulnerável aos vícios e doenças”. Seus filhos deveriam ser afastados
dos ambientes perniciosos, como as ruas. Os pobres considerados
“viciosos”, por sua vez, por não pertencerem ao mundo do trabalho
uma das mais nobres virtudes enaltecidas pelo capitalismo – e viverem
no ócio, eram portadores de delinqüência, libertinos, maus pais e
vadios. Representavam um perigo social que deveria ser erradicado;
daí a necessidade de medidas coercitivas também para essa parcela da
população, considerada de criminosos em potencial (COIMBRA,
2003:24).
Costa (2007) mostra que, nesse momento, tudo que se relacionava aos pobres,
direta ou indiretamente, associava-se à idéia de periculosidade. Idéia essa reforçada se o
indivíduo fosse pobre e jovem. O jovem pobre personificava o perigo e a ameaça por
suas características intrínsecas de perversão e criminalidade. Mesmo quando não
realizadas havia sempre o perigo potencial de sua realização futura.
Como visto, é nesse contexto que a educação punitiva e repressiva será
30
substituída pela educação preventiva, sendo que para os jovens pobres a aprendizagem
profissional será uma das poucas alternativas existentes. Diante disso, teve papel
importante o exército como local privilegiado de ingresso dos jovens pobres no mundo
escolar. Assim, “sobre a aprendizagem profissional do século XIX até início do XX,
temos a presença da criança e do jovem pobres marcada nos Arsenais de Guerra do
Exército, em especial, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a partir do Decreto
da Administração do Arsenal, de 21 de Fevereiro de 1832” (COSTA, 2007:50). Nos
arsenais, os jovens tinham aulas de leitura, escrita, numeração, tabuada e desenho,
aritmética, geometria, desenho de máquinas, etc. E,
além das aulas e das oficinas, as crianças e os jovens estavam sujeitos
à numeração em seus vestuários e em suas camas. Atentos a moldá-los
para o bem (RIZZINI, 1997a), eram acordados ao romper do dia, pois
as atividades começavam cedo, deveriam estar lavados e vestidos para
a primeira ceia do dia. Depois, entrariam em forma de revista, e
marchariam para as aulas ou oficinas. Além desses critérios, outros de
caráter obrigatório acentuavam o controle: o regulamento interno
previa também meia hora para o almoço, a partir do meio dia, com
regresso às duas horas, para as referidas atividades. Na ceia da noite,
teriam meia hora para a refeição. Em seguida, deveriam receber
instruções, antes do descanso, baseadas nas “doutrinas e rezas cristãs”
(COSTA, op.cit.:51-52).
A entrada desses jovens nos arsenais cumpria uma dupla função; de um lado,
prepará-los para o exercício de uma profissão, de outro, o controle e o disciplinamento
da juventude pobre. A representação desse jovem oscilava entre a periculosidade e o
despreparo para a vida adulta. A pedagogia do trabalho e a prática da fé cristã foram os
instrumentos de controle e ordenamento dos jovens pobres naquele momento e os
arsenais de guerra eram para eles vistos como potencialmente perigosos espaços de
“purificação, que eles vinham de um meio ‘miserável’ (darwinismo social), tendo em
vista que ser pobre era trazer não ‘apenas no corpo, mas também na alma’, o risco
potencial do perigo à sociedade” (Ibidem:57).
31
A partir da segunda metade do século XIX, além do Exército, participam do
debate sobre o destino dos jovens pobres outros setores da sociedade. Na transição do
trabalho escravo para o trabalho livre, a questão dos destinos da juventude pobre no
Brasil República passa a ser interesse também de proprietários rurais, preocupados em
criar um mercado de mão-de-obra livre para suas lavouras. Nesse contexto é que se
entendem os debates que giravam em torno da precisão de se criar um ensino primário
aliado à agricultura.
Foi esse o destino de muitos jovens pobres enviados às colônias correcionais, a
partir de 1890, através da aplicação do Código Penal. Nele previa-se o encaminhamento
dos jovens acusados de vadiagem ou de outros crimes para as instituições de correção. É
importante entendê-lo inserido num contexto de redefinição do significado e da
representação do trabalho. Em realidade, buscava-se construir novas percepções sobre a
nova ordem social que surgia – a República –, bem como um sentido positivo do
trabalho – até então vinculado ao trabalho escravo e ao negro.
Os dispositivos presentes no Livro III do Código Penal estipulavam as penas
para aqueles que praticassem a vadiagem: mendigos, ébrios, vadios e capoeiras. É
explícita a intenção de inibir a ociosidade e estimular o trabalho como valor e garantia
da cidadania. Também de acordo com o código, até os nove anos de idade aplicava-se a
inimputabilidade absoluta. Aos maiores de nove anos e menores de 14 valia a análise do
discernimento. A partir dos 14 anos a pessoa estava sujeita a penalidades. Mota Jr. (s/
data) assim afirma:
Proclamada a República (1889), sobreveio o Código Penal de 1890,
que operou poucas modificações quanto aos menores: 1º) considerou
“não criminosos” os menores de 9 anos (art. 27, § 1º); 2º) os maiores
de 9 e menores de 14, que obrassem sem discernimento, também eram
considerados “não criminosos” (art. 27, § 2º); 3º) os maiores de 9 e
menores de 14 que agissem com discernimento seriam recolhidos a
estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz
parecesse, desde que o recolhimento não excedesse à idade de 17 anos
(art. 30); 4º) sendo o delinqüente maior de 14 e menor de 17 anos,
tornou obrigatória a aplicação da pena da cumplicidade (arts. 64 e 65);
32
5º) manteve a atenuante genérica da menoridade para os menores de
21 anos (art. 43, § 11).
Embora nunca tenham existido de fato, os jovens infratores deveriam ser
enviados para estabelecimentos disciplinares industriais onde poderiam ser reeducados
de acordo com os valores da nova ordem social, através do trabalho. Há nessa legislação
uma forte preocupação em se defender a sociedade contra os jovens, considerados
ameaça à ordem pública. A educação pelo trabalho era, dessa forma, o mecanismo
fundamental de combate à ociosidade e ao crime – este, visto como conseqüência
natural daquela.
Novamente é importante destacar o recorte de classe. Em realidade, era,
fundamentalmente, o jovem pobre o alvo das preocupações disciplinadoras e
controladoras do Estado. uma concepção de criminalização da pobreza e da
juventude pobre e a identificação do que ficou conhecido como “classes perigosas”.
Essa concepção de juventude vai perpassar também o Código de Menores de
1927, na medida em que nele ganha centralidade a vigilância em detrimento da
proteção. Dessa forma, procurando legislar sobre as crianças e jovens entre 0 e 18 anos
em diferentes situações – abandono, moradia incerta, pais falecidos, desaparecidos,
declarados incapazes, presos mais de dois anos, vagabundos, mendigos, de maus
costumes, que exercessem trabalhos proibidos ou que fossem economicamente
incapazes de suprir as necessidades de sua prole –, o Código procurou construir um
aparato legal que controlasse os perigos eminentes de um grupo social potencialmente
delinqüente. Para esses jovens e crianças era reservado o espaço jurídico da
reeducação, internação e preparação para o trabalho (COIMBRA, 2003).
Responsabilizando os pais pelos atos de delinqüência e infração cometidos pelas
crianças e jovens, o Código de Menores procurou normatizar a intervenção do Estado
na família. Afirma Costa que o Código foi
uma forma de intervir, punindo as famílias na medida em que os poderes públicos
deveriam investigar se os pais supriam ou não as necessidades de seus filhos e se
33
estes estavam sendo “controlados”, para que não incomodassem a ordem social.
Nessa “pedagogia da punição”, caso os pais não cumprissem suas obrigações junto
à família, poderia ser retirada a autoridade paterna, favorecendo, portanto, a
emergência de um Estado protetor (COSTA, op.cit.:65).
No Código de Menores de 1979 agruparam-se todas aquelas situações
especificadas no Código de 1927 sob a categoria situação irregular. Ou seja, os diversos
termos que designavam a criança e o jovem exposto, abandonado, delinqüente,
transviado, infrator, vadio, libertino etc. foram substituídos pela condição de situação
irregular.
A revisão das legislações sobre o tratamento dispensado a crianças e jovens
infratores permite compreender a forma como foi historicamente tratada e representada
a juventude pobre no país. A preocupação, em todas elas, estava em prever ou defender-
se dos perigos que os jovens pobres carentes, em situação de risco, abandonados pela
família, ociosos – podiam representar à sociedade.
Inicialmente tratada apenas no campo familiar privado, ou seja, como um
problema da família, a partir de meados do século XIX a juventude passa a ser encarada
como um problema do Estado, na medida em que realiza ou poderia realizar algum tipo
de transgressão à moral ou ao patrimônio. Assim, se antes o jovem o possuía um
estatuto próprio, a partir do século XIX ele passa a ser regulado e controlado por
legislações específicas e associado à imagem de delinqüência e criminalidade. É o que
expressam o Código Criminal de 1830, o Código Penal de 1890, o primeiro Código de
Menores de 1927 e o segundo Código de Menores de 1979. Nesse sentido, afirma
Souza:
O indivíduo pobre, antes de completar 18 anos, era sempre “menor”. Os
menores não faziam parte da juventude e nem tinham adolescência, dada a
sua origem de classe. Ora vistos como vítimas de uma situação de
“marginalização” em uma sociedade injusta, ora vistos como ameaças ao
patrimônio e à vida das “pessoas de bem”, os menores eram classificados
segundo uma tipologia inaplicável aos adolescentes e jovens das camadas
34
médias e altas: “menor infrator”, “menor carente”, “menor abandonado”, de
um lado, e “menor trabalhador” de outro (SOUZA, 2006:28).
Abordada dessa forma no âmbito do poder público também será essa, em grande
medida, a representação que se construiu em torno da juventude no imaginário social e
na produção sociológica brasileira por um longo período. O tema da juventude começa
a ser preocupação fundamental das Ciências Sociais brasileiras a partir da década de
1950.
Para entender as causas desse interesse é preciso compreender as situações pelas
quais passam o país e o mundo. Em grande parte do mundo ocidental a juventude
emerge no pós-guerra como um grande desafio. A partir da década de 1950, passa a ser
considerada um momento suscetível à revolução ou à rebelião. A leitura dominante era
a de que parcela dos jovens poderia, por uma condição natural a essa fase da vida,
expressar atitudes rebeldes e mesmo delinqüentes. Atitudes essas que se manifestavam
no rock, na filosofia existencialista, na geração beat, nos trajes e na aproximação com
os ideais da Revolução Cubana.
Foi, sem dúvida, um momento de clara ascensão juvenil no cenário mundial,
principalmente nos EUA pós-guerra, mas também um marco na construção de uma
consciência etária que diferenciava, de maneira dual e antagônica, o mundo dos jovens e
o mundo dos adultos. Assim, “a juventude (...), na década de 1950, era considerada
uma ameaça à estabilidade social. Um problema que carece de investigação e
intervenção” (Ibidem:24).
No Brasil não foi diferente. Jovens, principalmente da classe média,
influenciados pelos movimentos que vinham dos EUA e da Europa, adotaram muitas
das atitudes e comportamentos considerados rebeldes. A partir da década de 50, e em
especial na década de 1960, a produção sociológica brasileira tratará da juventude,
procurando compreendê-la a partir de duas posições: rebeldia ou conformismo diante
dos processos de mudança social pelos quais vinha passando o país.
Se os gestos e atitudes dos jovens nesse contexto eram interpretados pela
literatura especializada como de contestação, resultados de desvios e mudanças sociais
35
ou resultantes de conflitos geracionais, a partir da década de 1970 inaugura-se uma nova
leitura sobe a juventude, muito influenciada pelos acontecimentos ocorridos em 1968.
Os movimentos que tremeram o mundo em 1968 colocaram em cena a juventude
como uma nova força que emergia, negando as consideradas formas tradicionais de
organização e manifestação. De maneira espontânea, jovens, em diferentes porções do
mundo, foram às ruas afirmarem suas posições contrárias à cultura ocidental dominante.
Em livro publicado em 1968, no auge dos acontecimentos, lia-se:
Todos esses movimentos estudantis, de certa forma, colocaram em
cheque muita teoria e muita prática que vinha se sedimentando nos
últimos tempos em ambos os campos ideológicos em confronto. Nem
um socialismo estatal, rígido e dogmático, nem a sociedade industrial
neo-capitalista dos países desenvolvidos conseguem satisfazer as
aspirações autenticamente libertárias dos jovens, que se sentem
sufocar, sem saída. Não são apenas eles que são asfixiados, é a
sociedade inteira; no entanto, apenas eles têm a coragem de dizê-lo, de
agir. A Leste e a Oeste (LEFEBVRE, 1968).
No Brasil, a luta direcionava-se também contra a ditadura militar e contra a
reforma educacional que, dentre outras coisas, visava tornar as universidades públicas
rentáveis através da cobrança de mensalidades. Nos rumos dos acontecimentos
ocorridos no mundo em 1968, milhares de jovens se colocaram nas ruas questionando
abertamente a ditadura militar. Foram muitos os acontecimentos que se sucederam
naquele ano e em curto período de tempo: manifestações ocorridas pela morte do
estudante Edson Luis, a invasão da UnB pela polícia, a Passeata dos Cem Mil, a
decretação do AI-5, o confronto armado com a ditadura, etc.
6
Toda essa movimentação da juventude foi interpretada, por parte da sociologia
brasileira, a partir da perspectiva da luta de classes, que identificou a crise da juventude
como uma representação da crise de toda a sociedade. Para Foracchi (1972), os jovens
6
Não cabe nesse trabalho detalhar os acontecimentos ocorridos em 1968 no Brasil e no mundo. Para isso,
ver Carmo (2001) e Lefebvre (1968), dentre outros.
36
seriam os responsáveis pela mudança, organizados em movimentos estudantis. Estes,
por sua vez, seriam resultantes do conflito entre uma classe média emergente e os
setores dominantes, sendo, no entanto, uma das únicas e mais vitais forças atuantes no
Brasil naquele período.
Souza (2006) mostra como grande parte da Sociologia brasileira dos anos 60 e
70 passa a analisar a juventude como categoria social e histórica com importante função
política, na medida em que o jovem foi encarado como um agente da possível
transformação das estruturas sociais.
E quem eram esses jovens? Carmo (2001) constrói o retrato dessa juventude a
partir de pesquisa realizada pelo Exército, em 1970, com 500 presos políticos. Desses,
56% eram ou tinha sido estudantes pouco tempo. A média era de 23 anos, sendo que
80% eram homens. Eram esses os jovens que compunham os movimentos de resistência
à ditadura: em sua grande maioria, oriundos da classe média urbana.
Mas qual foi o legado dessa interpretação para a constituição da categoria
juventude no Brasil?
No Brasil dos anos 60, a ênfase da produção acadêmica no movimento
estudantil contribuiu por fazer prevalecer na sociologia e disseminar
pela sociedade uma noção de juventude que, de fato, referia-se a um
segmento bastante específico da população (estudantes universitários
em ascensão social). Tal como concebido (...) o “jovem” era o
estudante universitário, mas não o estudante pobre (...) universitário,
(...) o o aluno dos ensinos secundário ou primário, muito menos o
não-estudante (SOUZA, 2006:28).
Ou seja, a Sociologia brasileira dos anos 60 e 70 referia-se basicamente à
juventude a partir de um corte de classe e etário. Incorporava-se a essa categoria os
jovens da classe média e os universitários indivíduos de 18 anos ou mais. Antes dos
18, os indivíduos eram considerados adolescentes quando referia-se aos jovens das
camadas médias e altas; já o termo menor aplicava-se aos adolescentes e crianças
pobres e em situações legais.
37
A importância dos jovens do final dos anos 60 e ao longo dos anos 70 foi tão
grande no cenário político brasileiro e internacional que contribui para disseminar uma
imagem de juventude associada à revolta e à rebeldia. Os jovens desse período foram
classificados como atores políticos de forte potencial transformador e suas práticas
identificadas como verdadeiramente revolucionárias.
O peso dessa leitura caiu como um rochedo sobre as gerações seguintes: os
jovens de 1980 e 1990 foram taxados, pelos meios de comunicação de massa, pelo
senso comum e pelas Ciências Sociais, como apáticos, apolíticos e acríticos. É nesse
sentido que, “em comparação com o mito, acontecimento deslocado do tempo e da
história, figura unitária que transformou em identidade o que era pluralidade e
movimento de desidentificação, o comportamento juvenil posterior começou a aparecer
como negação ou traição” (Ibidem:30).
O início da década de 1980 foi, do ponto de vista político, o momento da
transição de um governo autoritário para um democrático e, do ponto de vista
econômico, o momento do fim do chamado “milagre econômico”. É nesse contexto que
emerge na Sociologia uma série de trabalhos que buscavam identificar e compreender
as razões para a apatia dos jovens da geração de 1980.
A produção nesse campo está fortemente atrelada à produção sociológica no
campo dos movimentos sociais, que identificava como um dos elementos para a
desmobilização das ações coletivas a inadaptação à nova conjuntura política vivida.
Para esses intérpretes, o processo de abertura e a redemocratização teriam deixado de
produzir um objetivo para a luta dos movimentos, que estes se dirigiam,
fundamentalmente, contra o governo. A abertura do diálogo foi por muito tempo uma
das bandeiras de luta. Uma vez conquistada, não haveria mais motivo aparente para a
permanência do movimento. O resultado foi o surgimento de novas questões teóricas
(CASSAB, 2004).
Essa interpretação que perpassará toda a década de 1980 e parte da de 1990
surge num contexto de releitura dos movimentos sociais e das formas de interpretação
das lutas sociais como um todo. As Ciências Sociais brasileiras nesse momento
pareciam viver a ressaca dos anos 70 e, desnorteadas, buscavam compreender as
mudanças ocorridas nas lutas sociais após a abertura política. Serão comuns
38
interpretações que analisam essas mudanças a partir da ótica de uma rejeição às formas
ditas tradicionais de organização e representação (partidos, sindicatos, diretórios
acadêmicos, representações estudantis etc.). Diversos foram os autores que procuraram
nas práticas cotidianas identificar os elementos que sinalizavam essa rejeição.
Emergiam os estudos sobre os “novos movimentos sociais”.
Para compreender essa nova abordagem dos movimentos sociais e do próprio
papel da juventude é preciso contextualizá-la frente à produção sociológica dominante
na época. Nesse momento, na Europa e nos países latino-americanos, a posição
dominante era de negação das explicações marxistas. Por esse motivo, a principal
novidade estava na mudança de paradigma no discurso dos intelectuais progressistas,
que esquadrinhavam uma reação às interpretações estruturalistas do marxismo
dominante até o final da década de 60 (Ibidem: 33). Ou seja, uma mudança
frente a la dogmatica staliniana e incluso leninista. Se trataba de
superar la definición de clases sociales estrechamente ligada a la
posición en las relaciones de producción definidas como
‘económicas’, para dar lugar a una interpretación mucho más
dinámica y menos teleológica que considerara más bien, en un campo
no de necesariedad sino de contingencia, actores sociales responsables
de acciones colectivas (movimientos) productoras de sociedad.
(MONCAYO, http://club.telepolis.com).
Essa ruptura em relação ao discurso sociológico anteriormente dominante se
processou a partir da observação do suposto esgotamento das antigas formas de
manifestações sociais, cujos principais atores eram os movimentos estudantis, partidos e
sindicatos operários, somada à emergência de outras formas de “ações coletivas”,
aparentemente desvinculada das antigas. Essas manifestações de resistência popular
organizada e independente de sindicato e partido, interpretadas como velhas e
tradicionais formas de organização social,foram identificadas como “novos movimentos
sociais”.
A análise desloca-se das relações econômicas para a criação de identidades em
39
torno da esfera do cotidiano. Ribeiro sublinha que se trata do “reconhecimento, nos
processos de organização e manifestação, de elementos culturais e éticos capazes de
forjar identidades construídas com base em valores compartilhados, recuperados e
preservados conscientemente por determinados grupos sociais” (RIBEIRO, 1992:93).
E os jovens? De um lado, dominou uma leitura de que as crianças dos anos 70
teriam sido formadas num contexto de forte repressão e violência, o que teria produzido,
para alguns autores, uma juventude apática, apolítica e alienada nos anos de 1980.
Diferentemente dos jovens de 1968 e da década de 1970, os jovens de 1980 não eram
mais vistos como agentes políticos de capacidade de transformação social. Ao contrário,
todo o debate referente à participação dos jovens na sociedade é permeado por uma
representação quando o negativa, ao menos reducionista da juventude. Seus sujeitos
são identificados como alienados e interessados apenas em se inserirem na dinâmica do
consumo.
Por outro lado, a valorização da esfera cotidiana de um lado e a negação do
marxismo e da condição de classe como instrumentos analíticos de outro também
repercutiram nos estudos sobre a juventude no Brasil, a partir da década de 1980. As
análises que entendiam a juventude a partir de um corte de classe e os jovens como
sujeitos da transformação política são deixadas de lado. Os olhos dos pesquisadores
voltam-se para os estudos da cultura como elemento agregador e identificador da
juventude. Procurou-se identificar e analisar o que seriam uma “cultura juvenil” e uma
“sociabilidade juvenil”. E nesse novo universo,
o lazer para os jovens aparece como um espaço especialmente
importante para o desenvolvimento das relações de sociabilidade, das
buscas e experiências através das quais procuram estruturar suas
novas referências e identidades individuais e coletivas. É um espaço
menos regulado e disciplinado que o da escola, do trabalho e da
família. O lazer se constitui também como um campo onde o jovem
pode expressar suas aspirações e desejos e projetar um outro modo de
vida. Podemos dizer assim, que é uma das dimensões mais
significativas da vivência juvenil (ABRAMO, 1994:62)
7
.
7
O trabalho de Abramo é um dos divisores de água desse debate.
40
A ênfase no aspecto político dado às interpretações sobre a juventude se
desloca para sua capacidade de criar e experimentar formas diferentes de relações
cotidianas, com forte ênfase no lazer e na cultura. Ou, como afirma Scheren-Warren
(1993), “em lugar da tomada revolucionária do poder, poder-se-ia pensar em
transformações culturais substantivas a partir da cotidianidade dos atores envolvidos”.
A juventude e os jovens seriam produtores de uma nova cultura a partir da qual
se manifestariam práticas democráticas e participativas, com ênfase na comunidade,
solidariedade e companheirismo. Nessa perspectiva, os estudos sobre os jovens
procuram identificar o que seriam novas formas de “ação política”, distintas da forma
tradicional do movimento estudantil da geração 70 ou da tese da alienação dos jovens
da geração 80/90 Geração Coca-Cola. A centralidade da cultura (entendida muitas
vezes como sinônimo de lazer) e do agrupamento juvenil são os elementos definidores
da juventude.
Em início da década de 1990 o movimento dos caras-pintadas pelo
impeachment do presidente Fernando Collor colocou novamente a juventude no debate
nacional. Os sucessivos escândalos de corrupção no governo Collor provocaram uma
série de reações pelo país. Sindicatos, partidos e movimentos estudantis se mobilizaram,
exigindo a renúncia imediata do presidente. Os jovens novamente vão às ruas em
manifestações coloridas e divertidas, com os rostos pintados, gritando e cantando.
Em grande medida, as análises sobre esse movimento se dividiam entre aquelas
que negavam qualquer relevância dos jovens nos rumos dos acontecimentos e aquelas
que buscavam dar algum papel a eles. Seja como for, ambas tinham nos movimentos
estudantis da década de 60/70 o referencial. A primeira reação dos observadores foi a de
comparar os caras-pintadas com os jovens revolucionários dos governos militares. Em
que medida esses jovens se pareciam com aqueles; qual era de fato a importância desse
movimento para a derrubada do presidente. Serão essas as principais questões feitas
pelos analistas daquele movimento.
Alguns observadores viram nessa manifestação uma espontaneidade perigosa e
manipulável pelos meios de comunicação de massa. Outros, a comprovação de que a
juventude dos anos 80/90 não seria apática ou apolítica e de que estariam emergindo
novas formas de ação política juvenil. Para estes, contudo, essa nova juventude difere-se
41
da anterior por um maior senso de realidade. A luta não é “utópica”, mas sim exeqüível.
A política, portanto, restringe-se a uma dimensão operacional, “uma concepção de
política baseada na execução ou operacionalização de projetos, estes entendidos como
respostas imediatas a problemas imediatos” (SOUZA, 2006:44).
A partir da década de 1990, e caudatária do movimento dos caras-pintadas,
parece surgir outra interpretação sobre a juventude no Brasil que se fundamenta numa
idéia de política como o aqui e o agora. Realizar atividades localizáveis com resultados
localizáveis no presente são as novas aspirações juvenis; ou seja, destituídas de novos
projetos societários nos quais a política se restringe à atividade e, em muitos casos, à
administração e execução de bens e serviços (Idem).
Outro elemento é importante na construção desse cenário. O arrastão” nas
praias da Zona Sul do Rio de Janeiro, ocorrido em outubro de 1992, colocou em cena
outra juventude. Não aquela dos caras-pintadas, filhos da classe média, mas jovens
residentes nas periferias da cidade, que em seu deslocamento para a praia levou o
pânico aos banhistas da região. Andando em grupos, movimentando-se numa região que
“não lhes pertencia”, os jovens pobres explicitaram sua existência. Jovens esquecidos
pelos meios de comunicação de massa, pelo poder público, vistos pela polícia como
suspeitos e que “ao contrário dos jovens do corpo dourado, que querem ser
reconhecidos e destacados pela diferença, esses de cara naturalmente pintada de preto
querem sair da indiferença a que foram relegados” (CARMO, 2001:168).
Também foi a partir dos anos 1990 que se multiplicaram os estudos sobre
juventude no Brasil, com dois enfoques. De um lado, a valorização da juventude na
própria sociedade. De outro, a invisibilidade social na qual os jovens são jogados, mas
que, apesar disso, forçam sua visibilidade através da participação em atos de violência
(principalmente como agressores). Dentre os estudos que procuram afirmar a existência
desses jovens, a grande maioria situa-os no campo da cultura como elemento
identificatório e produtor de sua subjetividade. Proliferam os estudos sobre as
manifestações culturais consideradas caracterizadoras dos jovens da periferia urbana:
funk, hip-hop, rap etc.
Atualmente, é ainda possível identificar a juventude segundo uma leitura que a
toma por um momento de transição para a fase adulta, no qual os indivíduos estão em
42
eminente risco de se perderem. Segundo Castro e Abramovay (2002), os jovens são
freqüentemente pensados como atores sem identidades, vontades, desejos e ações
próprias. Nessa interpretação, os jovens são definidos pela ausência e pelo que não
seriam nem crianças e nem adultos. Sujeitos que precisam de constante vigilância,
controle e tutela para que não se pervertam ou não se percam no mundo das drogas ou
do crime.
Mas também é identificável uma representação contraditória da juventude e do
significado de ser jovem. De um lado, ela é lida como sinônimo de vitalidade,
dinamismo e criatividade; por outro, associada à violência e à delinqüência.
Contudo, o enaltecido protagonismo da condição juvenil não coincide com sua
inserção sócio-econômica real, uma vez que a falta de horizontes profissionais, as altas
taxas de desemprego, a falta de equipamentos sócio-culturais são situações vividas
cotidianamente pelos jovens pobres das cidades.
Não é possível falar dos jovens urbanos sem pensar nas suas condições de vida,
suas atuais e futuras oportunidades e nos sonhos passíveis de se realizarem nessa
cidade. Dividindo-se entre a necessidade de estudar e trabalhar, em querer ter lazer e
não ter acesso a ele, de querer acompanhar a velocidade do mundo digital e não ter
acesso a um computador, esse jovens vivem cotidianamente a cidade sem a ela
pertencerem de fato.
A todas essas dificuldades se acresce uma posição cada vez mais intolerante e
julgadora dos comportamentos e diferenças desses jovens, que são sistematicamente
associados à idéia de violência e delinqüência. Castro e Abramovay (op.cit.:19)
afirmam que, para os meios de comunicação, “os jovens, principalmente se pobres e
negros, são os sujeitos perigosos, perigo este ligado à sua classe e idade”.
8
Pensado de forma dual, o jovem ora é tratado como transgressor e delinqüente,
ora como peça modernizante da sociedade, idealizado como esperança. Nessa
concepção abandona-se o entendimento do jovem como agente do presente. Por trás
dessa idéia estaria a noção da juventude como uma fase da vida, uma transição.
8
Para as autoras, a adoção desse paradigma conceitual sobre juventude seria um forte
complicador na elaboração de políticas públicas de/para/com juventude. Essas políticas seriam
pensadas a partir de uma imagem preexistente dos jovens e como políticas fragmentadas e não
realizadas pelos jovens.
43
De fato, em todas as concepções inexiste a consideração de que a categoria
juventude engloba uma série de categorias diferentes. A juventude não seria um bloco
homogêneo; daí a impossibilidade de se falar em juventude no singular. São tantas as
juventudes quanto são as classes sociais, as etnias, as religiões, os gêneros, os mundos
urbanos ou rurais etc. Tal é a posição defendida por Castro e Abramovay (op.cit:25), ao
afirmarem que “definir juventude implica muito mais do que cortes cronológicos,
implica vivências e oportunidades em uma série de relações sociais, como trabalho,
educação, comunicação, participação, consumo, gênero, raça etc.”.
O que significa que juventude é uma categoria socialmente construída e,
portanto, presente na ordem social, e não na natural. Daí sua mutabilidade ao longo da
história. Daí os diferentes significados de ser jovem ao longo do tempo. Do jovem
romano ao jovem da Modernidade, os sentidos e as representações da juventude se
modificaram em conformidade com a organização social predominante. Uma coisa é o
jovem filho de burguês no auge da Revolução Industrial; outra distinta é o jovem
operário. Assim como se distinguem o jovem romano de família nobre e o jovem
escravo. Ou mesmo os jovens medievais, livres para suas festas e algazarras e as jovens
medievais, presas aos laços da moralidade, dos costumes, da Igreja e da família,
preparada desde sempre para o casamento; ou mesmo a jovem filha de operário, cujo
destino não estaria no exercício de um ofício ou profissão, mas sim na esfera doméstica,
no casamento. Como é diferente o jovem residente na cidade dos jovens rurais. Assim
como é distinto o jovem dos grupos sociais mais abastados e os jovens pobres urbanos.
A juventude é, portanto, também uma representação simbólica fabricada pelos grupos
sociais.
1.4. O conceito de espaço na obra de Milton Santos: brevíssimo panorama
Não cabe neste trabalho a retomada da vasta discussão sobre o conceito de
espaço que permeia as diferentes correntes do pensamento geográfico.
9
Adotar-se-á o
conceito de espaço proposto por Milton Santos o espaço como sendo o conjunto
9
Para esse debate, ver Corrêa (1995) e Gomes (1996).
44
indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações.
A escolha por esse conceito se assenta no fato do mesmo explicitar a ação como
elemento fundante e fundamental do espaço, o que, por seu turno, permite aventar o
sentido de projeto – como será visto mais à frente.
A fim de elucidar o conceito que será trabalhado nesta tese, optou-se por
reconstruir de maneira muito breve parte da trajetória do autor na construção de seu
conceito de espaço. Vejamos o que ele nos diz.
A preocupação do autor com esse que seria, a seu ver, o objeto da Geografia
vem de longa data. Ao publicar sua obra Pensando o espaço do homem, o autor reforça
o que seria uma das suas marcas na busca do método em Geografia – a compreensão do
espaço como totalidade. O que significa que sua compreensão não pode partir da mera
soma de suas partes. Seu pensamento funda-se na dialética e no entendimento da
sociedade como totalidade. Sendo o espaço indissociável dela, o mesmo só poderia ser
compreendido como totalidade. Mas, adverte, em obra posterior, a prática exigiria a
possibilidade de dividi-lo em partes (SANTOS, 1992). É nesse sentido que, em 1979,
ele propunha dividir o espaço a partir de quatro categorias: forma, função, processo e
estrutura. No entanto, como totalidade, o espaço não poderia ser analisado a partir
dessas categorias, isoladamente.
Em Metamorfose do espaço habitado, o autor avança em sua trajetória para a
construção de um corpo epistemológico para a Geografia. A partir da definição de
paisagem, apresenta seu conceito de espaço, afirmando-o como sendo o “resultado da
soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem com a sociedade através da
espacialidade” (SANTOS, 1991:73). Para Santos (Idem), o espaço seria sociedade
encaixada na paisagem, isto é, “a vida que palpita conjuntamente com a materialidade”.
Também nessa obra ele pensará o espaço através da relação entre fixos e fluxos,
uma vez que esses seriam elementos componentes do espaço. Enquanto os fixos
permitiriam a visão do processo imediato do trabalho, sendo “os próprios instrumentos
de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa dos homens”, os fluxos
seriam o movimento, dando a nós a possibilidade de explicar os fenômenos de
distribuição e consumo (Ibidem: 77).
45
nessas três obras o autor apresenta a técnica como elemento essencial em sua
epistemologia do espaço e, conseqüentemente, como caminho possível para a
explicação do espaço e sua periodização. A fase atual seria a do domínio do meio
técnico-científico-informacional. Nele,
a brutalidade das transformações ocorridas na totalidade do mundo, no
curso dos últimos trinta anos, impede-nos de pensar que o passado,
embora próximo, seja ainda dominante. Trata-se de uma fase
inteiramente nova da história da humanidade. Ciência, pesquisa pura e
aplicada, tecnologia e mass media são, sem sombra de dúvida, os
pilares do período tecnológico (SANTOS, 2004:16).
No período atual,
todos os espaços são espaços de produção e de consumo e a economia
industrial (ou pós-industrial) ocupa praticamente todo o espaço
produtivo, urbano ou rural. Por outro lado, atingindo um patamar da
divisão internacional do trabalho, todos os lugares dela participam,
seja pela produção, seja pelo consumo (SANTOS, 1992:40).
Com seu livro Técnica, espaço, tempo, Milton Santos celebra definitivamente a
técnica como parte central de sua epistemologia do espaço, na medida em que a afirma
como condição essencial para a explicação da história e, conseqüentemente, “um dado
explicativo do espaço” (SANTOS, 1994:61). É também nesse livro que elabora o
espaço como sistemas de objetos e sistemas de ações.
Em 1996, publica A natureza do espaço. Livro síntese de sua trajetória acerca da
epistemologia do espaço e da própria Geografia, o autor empreende um esforço teórico-
metodológico para a construção de um conjunto de conceitos a partir dos quais a
Geografia operaria. Nessa obra, retoma e reforça antigos temas: totalidade, técnica,
tempo (rápido e lento) e sistemas de objetos e ações, bem como apresenta outros:
horizontalidades e verticalidades, zonas opacas e zonas luminosas etc.
46
1.5. Categorias para a epistemologia do espaço na obra de Milton Santos
1.5.1. Totalidade
Antes de prosseguir, cabe retomar a discussão sobre a totalidade na construção
do conceito de espaço do autor. Como dito, para Santos, o espaço somente pode ser
visto como totalidade, que este é instância da sociedade. É nesse sentido que o autor
propõe o uso da categoria formação sócio-espacial como maneira de explicitar a
indivisibilidade dessas duas categorias – sociedade e espaço. O espaço, portanto,
reproduz a totalidade social na medida em que essas transformações
são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas.
Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade,
quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos
sucessivos. Mas o espaço influencia também a evolução de outras
estruturas e, por isso, torna-se um componente fundamental da
totalidade social e de seus movimentos (SANTOS, 2005, 33).
Santos afirma a importância de compreender a totalidade indo além da soma das
partes, pois o todo é sempre maior do que suas partes, que, vistas isoladamente, não o
explicam. Assim, uma análise que busque compreender o espaço como totalidade não
pode partir da mera decomposição do espaço em partes (o homem, o meio ecológico, as
instituições, as firmas, as infra-estruturas); deve saber que é a totalidade que explica as
partes e que cada subsistema compõe e é composto pela totalidade. Sendo, portanto, a
totalidade a “realidade em sua integralidade”. Ou ainda, em seu diálogo com Merleau-
Ponty, a totalidade somente seria alcançada através da junção das visões parciais do
olhar, unindo o que “os olhos dispersam na natureza”. Daí pressupor o movimento, a
ação do homem.
O autor afirma a complexificação da totalidade à medida que o processo
histórico avança. Contudo, essa complexificação pressupõe a existência de uma ordem.
47
Assim, o Universo, dotado de uma ordem, deve ser compreendido como um “todo
estruturado do qual nos incumbe descobrir suas leis e estruturas internas” (SANTOS,
1996:94). Essa ordem a ser buscada, aproximando-se das elaborações de Kosik, seria a
ordem que as coisas, elas mesmas, teriam (SANTOS, 1996). Ou ainda, conhecê-las em
sua essência.
Mas se o espaço é visto como totalidade, esta somente seria passível de ser
conhecida através do reconhecimento e análise das partes. Estas, por sua vez, e num
movimento dialético, somente seriam notadas através do conhecimento do todo. A
verdade total seria o resultado do “movimento conjunto do todo e das partes através do
processo de totalização” (ibidem:97). A idéia de movimento coloca-se presente e
surpreendê-lo é observar a divisão da totalidade.
É nesse sentido que, em seus livros Pensando o espaço do homem e Espaço e
método, o autor propõe as quatro categorias de análise do espaço: forma, função,
estrutura e processo. A forma, entendida como aparência, o que é externo, o aspecto
visível de uma coisa, bem como o arranjo ordenado de objetos. A função, como tarefa
ou atividade desempenhada por uma forma. A estrutura “implica a inter-relação de
todas as partes de um todo” e o processo refere-se a “uma ação contínua,
desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer” (SANTOS, 1992:50). No
entanto, ressalta a importância de tomar essas categorias de forma relacional que,
isoladamente, eles revelariam apenas realidades parciais. É nesse sentido que
forma, função, processo e estrutura devem ser estudados
concomitantemente e vistos na maneira como interagem para criar e
moldar o espaço através do tempo. A descrição não pode negligenciar
nenhum dos componentes de uma situação. se pode compreender
plenamente cada um deles na medida em que funciona no interior da
estrutura total, e esta, na qualidade de uma complexa rede de
interações, é maior que a mera composição das partes (Ibidem: 52).
É a partir dessa concepção que o autor proporá como percurso metodológico a
contextualização espacial dos fenômenos a partir da compreensão das ões realizadas
48
local, nacional e globalmente. Ou seja, o lugar é atravessado por ações, processos,
tempos que são globais, assim como o global se concretiza no lugar. Daí a ênfase numa
leitura multiescalar e da importância de compreender que o lugar, embora seja
singularidade, “não reúne características autônomas em relação à totalidade do sistema
de objetos e ações que compõem o espaço” (VASCONCELOS, 2006:61).
Essa totalidade que se realiza na relação entre forma, função, processo e
estrutura é dialética e concreta e está sempre em movimento. Concebida como um todo
de “essências”, a totalidade é prenhe de latências, de um conjunto de possibilidades que
não se realizam até que sejam chamadas para tal através da ação.
Assim Santos (1996) afirmava, em aula magna realizada na UFRGS:
A sociedade seria essência, um conjunto de possibilidades que ficam
pairando e que são colhidas pelos diversos indivíduos, pelas diversas
empresas, pelas diversas instituições e que se realizam no território,
tornando-se existentes. A sociedade é apenas o ser, o existir vem do
espaço.
Mas, além da essência, a totalidade também é pensada como “existência”, que,
por sua vez, seria “uma técnica em funcionamento, um objeto operacionalizado, uma
ação historicizada e geografizada, uma norma em vigor como resultado de um jogo de
forças possível, em um dado momento e lugar” (SANTOS, 1996:99).
Lembra ainda o autor que essa totalidade é seletiva e apenas algumas das suas
possibilidades se tornam realidade. Os impactos do todo se distribuem ordenadamente
no espaço por meio de suas partes e produzem “combinações específicas em que as
variáveis do todo se encontram de forma particular” (ibidem:100). O que significa dizer
que o todo se manifesta de maneira diferenciada para cada lugar.
Assim, a forma, transformada em forma-conteúdo
10
pela ação, contém o todo e
está contida no todo, sendo capaz de influenciar o desenvolvimento da própria
10
A noção de forma-conteúdo uniria processo e resultado, forma e função, sujeito e objeto, futuro e
passado, social e natural e foi proposta por Santos em seu livro Por uma Geografia nova. Representa
bem, portanto, a construção da idéia da indivisibilidade entre ação e objeto.
49
totalidade. Essa dialética concreta entre o todo e as partes, ou entre o global e o lugar,
afirma, portanto, a existência histórica na complexidade de suas tensões e contradições.
E, ainda para o autor, permite compreender o espaço não apenas como receptáculo da
história, mas também como condição para a sua realização. Já que o espaço condiciona
e é condicionado por essa totalidade, sendo ele mesmo uma totalidade.
Crê-se aqui ser necessário um breve desvio para procurar cotejar essa idéia com
a concepção de totalidade também presente no pensamento marxista. A categoria de
totalidade constitui a essência do método do pensamento de Marx tomado em grande
medida de Hegel e construída a partir de sua reflexão sobre as determinações mais
importantes do ser da individualidade. Aqui, o resgate desse debate pretende orientar as
discussões futuras sobre o sentido de ser jovem, bem como servir de alicerce para a
compreensão dos mecanismos de desnaturalização da condição de ser “jovem pobre”.
Para Marx, o concreto é ntese de muitas determinações. Como são várias as
determinações de um real, o concreto é um complexo constituído como unidade de
múltiplas determinações, sendo, dessa forma, totalidade. Esse concreto produzido pelo
pensamento concreto pensado não é o próprio real, que a capacidade de pensar
não é capaz de produzir o real, mas apenas pensamentos (idéias, conceitos) no campo da
abstração. O que significa, portanto, que o real não é o resultado do pensamento, mas
sim anterior ao pensamento. Haveria, dessa forma, um concreto fora do pensamento
(MARX, 1987).
Para esse autor, a individualidade como categoria é um complexo, síntese de
determinações diferentes e articuladas, dentre elas a sociabilidade e a atividade sensível.
A sociabilidade se constitui como “o conjunto de relações que os indivíduos mantêm
entre si, dentro do qual, vivem e produzem sua existência” (CHASIN, 1999:8). O que
significa afirmar que a sociedade é instância delimitadora do ser dos indivíduos e de
suas possibilidades concretas de existência. Afirma Marx que a sociedade não é
constituída de indivíduos, mas exprime a soma dos nexos, das relações nas quais estes
indivíduos existem uns para os outros” (MARX, 1983:205).
É nesse sentido que se torna possível afirmar a indissociabilidade entre
sociedade e indivíduo e, portanto, que a sociedade constitui-se na “totalidade articulada
de relações existentes entre esses mesmos indivíduos” (CHASIN, op.cit.:9).
50
claramente a negação da existência de indivíduos isolados, livres por natureza, pois,
para Marx, toda produção e manifestação individual são determinadas pelo ser comum
dos indivíduos. Diante disso, a sociedade não seria a mera soma de indivíduos e seus
interesses privados. O que significa afirmar que “não é a consciência do homem que
determina seu ser, mas sim, ao contrário, o ser social é o que determina sua
consciência” (MARX, 1987:77). Daí afirmar o absurdo em se pensar a produção do
indivíduo isolado fora da sociedade (MARX, 1987), pois
até o indivíduo que se julga isolado participa de atividades sociais; e
mesmo essas atividades sociais são de um elevado grau de
complexidade. Assim, o indivíduo que se julga isolado – mas que não
fugiu, como Robinson, para uma ilha deserta continua a ser membro
de grupos sociais e de comunidades: classes, nação (LEFEBVRE,
1966:70).
O viver em sociedade é, em Marx, a substância concreta dos indivíduos, aquilo
que delimita as expressões e as atividades dos indivíduos. Não determinação. Não
o abandono daquilo que singulariza o indivíduo, ou daquilo que o torna particular.
condições e interação dialética. Em A ideologia alemã afirma-se:
São os homens que produzem as suas representações, as suas idéias os
homens reais, ativos, condicionados
11
pelo desenvolvimento determinado
das potências produtivas. A consciência é o ser consciente; o ser dos
homens é o seu processo vital. Se os homens e as suas condições aparecem
invertidos nas ideologias, como numa câmara escura, esse fenômeno resulta
do processo histórico vital, exatamente como a inversão dos objetos na
retina decorre de um processo físico (MARX & ENGELS, 1989:48).
Outro elemento na construção da individualidade seria o modo como os
11
Grifo da autora.
51
indivíduos existem e produzem sua existência ou seja, a atividade do indivíduo. Em
seus escritos, o autor explicita como a produção é a atividade objetiva do indivíduo e
que esta é, por sua vez, social. É assim que “a produção pode então ser entendida como
a atividade, ou o conjunto de atos, onde os indivíduos produzem socialmente, em
conjunto, e dentro do quadro de suas relações recíprocas, mas, também, como produção
dos indivíduos mesmo” (CHASIN, op.cit.:16).
A atividade sensível constitui-se, portanto, como a produção dos objetos
necessários e também como produção do próprio homem como indivíduo social. Isso
porque ao criar objetos o homem transforma a si e ao outro. Dito de outra maneira, é a
realização da potência do indivíduo e a exteriorização de suas forças essenciais que
transformam a matéria natural em objeto da necessidade. Esse processo de
transformação e autotransformação é o processo de conhecimento. Todo processo de
conhecimento é dominado. Quando não mais nada para ser dominado, tudo é
conhecido. Ao ser tudo conhecido um conhecimento do próprio ser. E se esse
conhecimento do próprio ser chegou-se ao fim da história, pois se teria atingido a plena
realização da humanidade e da plena potencialidade do homem.
Seu método propõe pensar o movimento das coisas e compreendê-las em
movimento, entendendo a realidade em suas contradições e como totalidade. Assim, se
é verdade que o espaço como totalidade dispõe de possibilidades latentes, como afirma
Santos (1996), estas, por sua vez, são condicionadas por situações e contextos
concretos, objetivos e imediatos. Ou seja, determinados sujeitos ou grupos sociais
possuem muito mais chances de colher e realizar essas latências. Afirmar isso é, em
parte, avançar em relação às proposições de Milton Santos sobre seu sentido de
totalidade, na medida em que as idéias de Marx possibilitam entender quem são os
sujeitos que podem de fato colher as melhores possibilidades no tempo, hoje, bem como
identificar aqueles que Santos (1994) chama de homens lentos.
Além disso, voltar a Marx e Engels para a discussão de totalidade, para fins
desta tese, tem como objetivo entender a construção de “juventude” e “juventude pobre”
e de seus sujeitos como parte integrante de uma totalidade. O processo de
construção e constituição desse indivíduo o jovem pobre somente é possível de ser
conhecido e entendido na relação que ele constrói com o mundo (compreendido como
materialidade objetos, ações, idéias, sentimentos, ideologias etc. e como totalidade).
52
Mundo esse que, no entanto, se realiza de maneira desigual e contraditória para eles. Se
é possível pensar o mundo composto por latências a serem colhidas, estas são
significativamente restritas aos jovens pobres.
O que também significa afirmar que a superação da condição de “jovem pobre”
somente ocorre na medida em que se trata esse sujeito na sua relação com a totalidade –
e, por conseguinte, nas relações sócio-espaciais e como parte que compõe e é
composta por essa totalidade.
A partir dessa reflexão parece difícil pensar uma política que não leve em conta
as relações e o movimento dos jovens pobres na totalidade social, bem como pensá-los
descolados do espaço – em seus processos, formas, funções e estruturas.
Será a partir dessa concepção que se entende que os sistemas conceituais
propostos por Santos poderão auxiliar na compreensão da relação entre jovens e cidade,
relação essa mediada na e pela política. É preciso então ver mais amiúde seu conceito de
espaço.
1.5.2. Objetos e ações: técnica, espaço e tempo
Objetos e ações compõem outras importantes categorias de sua teoria do espaço.
Assim como forma, estrutura e função, aqueles devem ser entendidos em sua relação
indissociável. Dialogando com outros autores, Santos (1996) apresenta alguns dos
elementos definidores dos conceitos de objeto e ação.
O autor parte da distinção entre coisa e objeto, sendo este produto da ação do
homem e a coisa, elaboração natural. Feita essa separação, afirma o autor que se no
início no período que ele identifica como o do meio natural – as coisas eram
dominantes no mundo, hoje, cada vez mais, tudo tende a ser objeto. Isso porque são
poucas as coisas que ainda não sofreram intervenção do homem ou foram por ele
utilizadas e “assim, a natureza se transforma em um verdadeiro sistema de objetos e não
mais coisas” (SANTOS, 1996:53).
53
Sendo o objeto resultado da ação do homem, além de cumprir uma utilidade
direta, ele também se constituiria como mbolo, seja de status, de independência etc.
Outro elemento que Santos (1996) destaca, e que ganha centralidade no seu conceito de
espaço, é que os objetos devem ser vistos como um sistema. Ou seja, poucos objetos são
oferecidos ou funcionam sós. O aparelho de celular não teria utilidade (material e
simbólica) se associado a ele não houvesse a antena de transmissão, o satélite,
computadores etc., que de forma articulada trabalham para colocar aquele objeto –
celular – para funcionar.
As ações, por sua vez, se constituiriam um comportamento orientado para se
chegar a determinados fins e objetivos. Costa (2005), em artigo, propõe a distinção
entre três níveis de ação: ação autônoma, ação volicional e ação raciocinada. A primeira
não dependeria da mente consciente, mas seria resultante de “um esforço neuromuscular
automático ou reflexo”. A segunda seria resultado apenas de causa volitivo-intencional.
Ou seja, resultante de uma vontade e de uma intenção conscientes, mas sem que seja
necessário nenhum grande raciocínio ou cálculo deliberativo (fechar a porta ao sair de
casa, parar ao sinal vermelho etc.). Por fim, a ação raciocinada
precisa ser intencionalmente e portanto teleologicamente originada à
luz do processo de deliberação racional porque queremos garantir não
que o raciocínio causa o movimento corporal e, possivelmente, o
efeito intencionado, mas que ele o causa adequadamente. E a única
maneira pela qual o raciocínio pode fazer isso é indiretamente, através
do querer e de um esforço da vontade de natureza inerentemente
intencional (COSTA, 2005:90).
Esse tipo de ação, portanto, distingue-se fundamentalmente das demais pela
existência de um projeto que, por sua vez, pressupõe o conhecimento prévio do quê e
como fazer, bem como da ordem das etapas a serem cumpridas para se atingir o fim
previsto. É nesse sentido que Santos (1996) concebe a ação: como algo que se coloca
em movimento no espaço, orientada por um fim e a partir de uma intencionalidade e de
um projeto.
Ribeiro (2003), analisando a obra de Milton Santos, destaca a centralidade que
54
nela têm a articulação e a oposição entre técnica e ação. Seria a indissociabilidade entre
elas o elemento, que na obra do autor, afirma a intrínseca relação entre tempo-espaço e
forma-conteúdo. É dessa forma que se estabelece a relação entre a tecnoesfera
resultante da crescente artificialização do meio ambiente e a psicoesfera resultante
das vontades, desejos, hábitos e crenças, o elemento que garante a junção de tempo-
espaço.
Para Santos (1994), tempo, espaço e mundo devem ser pensados em termos de
sistema, pois sendo a sociedade realizando-se o ponto de partida, essa realização se
sobre base material: o espaço e seu uso, o tempo e seu uso, a materialidade e suas
formas e as ações e suas feições. A técnica, ou melhor, o sistema de técnicas, seria o
elemento capaz de empiricizar o espaço, sendo o traço de união entre tempo e espaço.
No entanto, adverte, “a vida não é um produto da Técnica, mas da Política, a ação que
sentido à materialidade” (SANTOS, 1994:36), e o homem detém o monopólio da
ação, pois só ele teria objetivo e finalidade.
A ação do homem é um processo dotado de propósito e direciona-se não apenas
para a mudança de alguma coisa criando objetos ou transformando-os –, mas também
para a mudança do próprio homem. No entanto, ressalta o autor que, no tempo atual,
cada vez mais os sistemas de objetos são artificiais e as ações são estranhas aos homens
e ao lugar, pois “de um ponto de vista do lugar e seus habitantes, a remodelação
espacial se constrói a partir de uma vontade distante e estranha, mas que se impõe à
consciência dos que vão praticar essa vontade” (SANTOS, 1994:100).
Para o autor, há hoje uma nítida hierarquia entre os objetos tecnicamente mais
avançados e os que não são. Mesma tensão se daria entre ações hegemônicas e não
hegemônicas. A primeira seria realizada por aqueles que o autor chama de
“decididores”. Esse ator tem a capacidade de não apenas escolher o que será difundido
como também de decidir a ação que se vai realizar para sua difusão. O homem comum é
o ator das ações não hegemônicas, as quais são limitadas, sendo, freqüentemente,
apenas o veículo e não o motor da ação (SANTOS, 1996). Esse homem comum tem
suas escolhas restritas tanto pela limitação da consciência, pela dificuldade de
“distinguir o bom do mau”, quanto pelas limitações à própria ação. Mesmo
considerando que esse homem seja dotado de “um quinhão de consciência” sabe-se que
as ações que lhe são possíveis são quase nulas.
55
O espaço seria composto pelo conjunto inseparável, solidário e contraditório de
sistemas de objetos e sistemas de ações, considerados como “um quadro único no qual a
história se dá” (SANTOS, 1996:51). A interação entre ambos os sistemas se na
medida em que os sistemas de objetos condicionam e são condicionados pelas ações.
Essa relação se dá tanto contraditória quanto solidariamente. Afirma Arroyo (1996):
Os objetos são produto do processo social e as ações são processo
social, ambos plenamente históricos e, portanto, em permanente
transformação. Entretanto, nem um nem outro podem ser considerados
em si mesmos, isoladamente, como se fossem autônomos. Pelo
contrário, devem ser compreendidos como uma totalidade, as ações
realizando-se por meio dos objetos e os objetos sendo realizados com
base nas ações, num mesmo movimento. Longe de ser linear ou
mecânico, esse movimento é complexo, cheio de contradições,
conflitos, contingências e incertezas. São múltiplas as determinações e
mediações que podem intervir no permanente processo de totalização
em que o movimento do real se envolve (ARROYO, 1996:56).
É dessa indissolubilidade que o autor partirá para afirmar o caráter de síntese do
espaço. Esse caráter, contudo, não tem o sentido com que comumente foi tratado na
Geografia como síntese de homem e natureza. Ao contrário, para Santos (1996), o
espaço se caracteriza por ser híbrido, ou seja, pela inseparabilidade entre o natural e o
artificial. O espaço seria a síntese, permanentemente provisória, entre o conteúdo social
e as formas sociais. Assim, o espaço seria a forma e a vida que a anima, um conjunto de
valores sempre em mutação. Daí a impossibilidade de se pensar o espaço desassociado
da sociedade. Não existe espaço sem homem, pois
é a sociedade, isto é, o homem, que anima as formas espaciais,
atribuindo-lhe um conteúdo, uma vida. Só a vida é passível desse
processo infinito que vai do passado ao futuro, ela tem o poder de
tudo transformar amplamente. Tudo o que não retira sua significação
desse comércio com o homem é incapaz de um movimento próprio,
56
não pode participar de nenhum movimento contraditório, de nenhuma
dialética (SANTOS, 1996:88).
O espaço é também o encontro entre passado e futuro, mas é, antes de tudo,
presente, pois são as relações sociais do presente que cristalizam e/ou substituem os
momentos e ações passadas, bem como projetam o futuro.
1.5.3. Espaço banal e território usado
Sendo híbrido, síntese, presente, conjunto de sistemas de ações e objetos, o
espaço também seria uma noção que necessita constantemente de revisão histórica. Sua
única permanência seria ser ele o quadro da vida, daí seu entendimento ser essencial
para não se perder o “sentido da existência individual e coletiva”, bem como afastar o
risco de renúncia ao futuro (SANTOS, 1994b:15).
Entendido pelo autor como a união dos sistemas naturais e históricos materiais, o
espaço, como visto, seria formado pelo conjunto indissociável do substrato físico,
natural ou artificial e mais o seu uso ou, em outras palavras, a base cnica e mais as
práticas sociais, isto é, uma combinação de técnica e de política” (SANTOS, 1999:5).
Nesse espaço se abrigam todos os homens, instituições e organizações, onde tudo está
contemplado e onde se realizam os diversos e diferentes fluxos. Assim sintetiza Arroyo
(1996):
Na busca por decifrar a multidimensionalidade do real, Santos retoma
a noção de espaço banal que, ao ser o espaço de todos, todo o
espaço exige incluir na análise todos os atores e todas as dimensões do
acontecer, todas as determinações da totalidade social. Dessa maneira,
o estudo do espaço geográfico, banal em qualquer escala, permitiria
uma empirização da complexidade (ARROYO, 1996:58).
57
Essa é a idéia de espaço banal. Seu sentido remete à idéia de um espaço onde
tudo e todos são contemplados, sendo nele que se realiza a vida coletiva, onde todos,
ricos e pobres, os que mandam e os que não mandam, poderosos e não poderosos, estão.
A força desse conceito está na afirmação de que todos estão no espaço e que a ele
pertencem. Portanto, os sistemas de objetos e de ações que compõem o espaço são
resultantes da vida coletiva, ou seja, de todos. Em O Retorno do território, Milton
Santos afirma a necessidade de contrapor esse conceito ao de rede, pois “além das
redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes, com as redes, o espaço
banal, o espaço de todos, todo o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte
do espaço e o espaço de alguns” (SANTOS, 1994b:139). A esse conceito de espaço
banal, retrabalhado do conceito de Perroux, Milton Santos associa as noções de
horizontalidade e verticalidade.
A horizontalidade é o fundamento do cotidiano de todos os sujeitos, sendo
possível a vivência da política. Nas horizontalidades é possível a ampliação da coesão
da sociedade no sentido do interesse coletivo. Nela o cotidiano territorialmente
partilhado cria suas próprias normas fundadas na similitude ou na complementaridade
das produções e no exercício de uma existência solidária” (SANTOS, 1996:55).
A verticalidade reúne áreas e pontos distantes a serviço dos atores hegemônicos,
na maioria das vezes, localizados distante. São “os vetores da integração hierárquica
regulada” (SANTOS, 1996:54), que se realizam através de ordens técnicas, políticas e
financeiras a partir de um comando. Na verticalidade, portanto, “os vetores de
modernização são entrópicos. Eles trazem desordem aos subespaços em que se instalam
e a ordem que criam é em seu próprio benefício. E a união vertical (...) está sempre
sendo posta em jogo e não sobrevive senão à custa de normas rígidas” (SANTOS,
1996b:227). O autor sintetiza em entrevista:
Perroux (...) dizia que o espaço dos geógrafos era o espaço banal, onde
tudo estava contemplado, não apenas os fluxos econômicos. Banal no
sentido de que é neste espaço que se realiza a vida coletiva, onde os
que mandam e os que o mandam, os poderosos e os não poderosos
estão presentes. É isso que hoje defino como horizontalidade. Agora, a
idéia da verticalidade vem desses vetores que se instalam nos lugares
58
e que pouco se importam com o que está em seu entorno. É o que
corresponde, sobretudo, às ações das empresas globais. A
horizontalidade é o resultado da vizinhança, da coabitação, da
coexistência do diverso, que é objeto do geógrafo. que as
verticalidades perturbam as horizontalidades, embora as
horizontalidades também perturbem as verticalidades, porque as
primeiras visam a eficácia e agem com este sentido sobre as
segundas” (SEABRA, 2000:53).
Verticalidades e horizontalidades estão em constante embate, o que, segundo
Santos, forma ao jogo entre o local e o global. Para o autor, no período atual, mundo
e lugar teriam se transformado num par indissociável. Mas o lugar é tangível e é ele que
recebe os impactos do mundo.
É no lugar que se encontram essas duas forças, como também é nele que ocorre
o “encontro entre possibilidades latentes e oportunidades preexistentes ou criadas”
(SANTOS, 1994:44). No lugar ocorre a convivência e a interação; é ele o próprio
espaço banal que cria distintas solidariedades e interdependências.
Contudo, ressalva, esses encontros expressam permanente tensão, o que resulta é
que as possibilidades que o mundo apresenta são usadas distintivamente segundo os
lugares. Explica Souza (2005):
O lugar é controlado remotamente pelo mundo. No lugar, portanto,
reside a única possibilidade de resistência aos processos perversos do
mundo, dada a possibilidade real e efetiva da comunicação, logo, da
troca de informação, logo, da construção política. Trata-se, portanto,
de pensar sobre uma nova ordem mundial que relaciona o global e o
local. A ordem global serve-se de uma população esparsa de objetos
regidos por essa lei única que os constitui em sistema, característica
essencial do período técnico, científico e informacional, produtor de
verticalidades. Já a ordem local diz respeito a uma população contígua
de objetos, reunidos pelo território e, como território, regidos pela
interação, pela contigüidade, que Milton vai também denominar de
59
horizontalidades.
É partindo de sua construção sobre o papel e importância do lugar que Santos
propõe a categoria de território usado. A importância dessa noção funda-se na certeza
que o autor tem da necessidade de se tratar, de forma interdependente, “o papel
atribuído à geografia e a possibilidade de uma intervenção válida dos geógrafos no
processo de transformação da sociedade” (SANTOS, 2000b:1). Ou seja, compreender o
caráter de sua obra como sendo resultante da produção de uma teoria social, com base
na Geografia, que permita aprofundar o entendimento sobre o mundo para poder
transformá-lo é o ponto de partida para a compreensão do conceito de território usado.
Para Santos (2000), é preciso considerar os atores que vivem e utilizam o
espaço. Dessa afirmação o autor forja o conceito de território usado entendido como
“um todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes”
(SANTOS, 2000b:2). O conceito de território usado permitiria pensar as relações
existentes entre o lugar, a formação sócio-espacial e o mundo, sendo tanto resultado do
“processo histórico quanto da base material e social das novas ações humanas”
(ibidem:1).
Souza (2005) afirma que em Milton Santos o território usado se constitui como
categoria essencial para a elaboração sobre o futuro, que “o uso do território se
pela dinâmica dos lugares” e o lugar seria o espaço do acontecer solidário. No
pensamento de Santos o lugar tem centralidade, já que é nele que, como visto, se
concretiza o mundo, se recebe seus impactos e se empiriciza. É também o lugar onde
“reside a única possibilidade real e efetiva da comunicação, logo, da troca de
informação, logo, da construção política” (SOUZA, 2005:253).
60
CAPÍTULO 2
UFJF: TERRITÓRIO DE OPORTUIDADES E JUIZ DE FORA OS
TRILHOS DA PAZ
Neste capítulo será feita uma breve caracterização da cidade de Juiz de Fora,
destacando-se sua organização urbana e a situação da juventude na cidade. O objetivo é
situar o debate sobre a juventude no município e apresentar as características urbanas de
Juiz de Fora. Em outro momento serão descritos os dois programas estudados: UFJF:
Território de Oportunidades e Juiz de Fora nos Trilhos da Paz. Ambos serão vistos a
partir de uma grade composta por histórico e origem e forma de organização dos
programas e perfil dos jovens atendidos.
2.1. Breve caracterização da cidade de Juiz de Fora
Localizado na mesorregião da Zona da Mata mineira, o município de Juiz de
Fora ocupa uma área de 1.429,8 km², sendo dividido em quatro distritos: o distrito sede,
Torreões, Rosário de Minas e Sarandira. Com população estimada de 513.348
habitantes (IBGE, 2007), Juiz de Fora se caracteriza como a cidade mais importante da
região, tendo um PIB de R$ 4.235.535.
O município tem quase a totalidade da sua população concentrada na área urbana
e apresenta significativa taxa de crescimento populacional. De acordo com o Atlas
Social, produzido pela prefeitura da cidade (2007), “no período 1991-2000, a população
de Juiz de Fora teve uma taxa média de crescimento anual de 1,92%, passando de
387.523 em 1991 para 456.796 em 2000”. A taxa de urbanização parece acompanhar o
crescimento populacional. Em 1991, era de 98,45% e chegou a 99,17% em 2000,
representando um acréscimo de 0,73.
Do ponto de vista administrativo, o distrito sede encontra-se dividido em oito
regiões administrativas que, por sua vez, são subdivididas em bairros, conforme
61
indicam os mapas abaixo.
Fonte: Observatório da rede de atendimento sócio-assistencial em Juiz de Fora
O mapa seguinte apresenta a distribuição da população residente por bairro e
região administrativa.
62
Nota-se que a maior parte reside nos bairros das regiões Centro, Leste e Sul da
cidade. São observados também outros núcleos de concentração nas regiões Nordeste e
Sudeste, mais no entorno da região Centro. Aparecem também núcleos de alta
concentração populacional espalhados pela região Noroeste.
A região Leste caracteriza-se por uma ocupação antiga e bastante adensada,
superada apenas pelo Centro, sendo grande sua heterogeneidade – áreas de risco e
habitações subnormais marcadas pela pobreza e violência urbana e bairros com boa
infra-estrutura e solo urbano valorizado. Também é nessa região que se concentra o
maior contingente de jovens entre 15 e 24 anos e a renda média é de dois salários.
A região Sudeste possui relevo acidentado, sendo possível encontrar áreas de
adensamento e vazios urbanos significativos. São os bairros mais próximos ao Centro os
que possuem maior densidade e concentram a maioria dos assentamentos em condições
subnormais. Também há uma forte concentração etária na faixa de 15 a 24 anos.
Na região Noroeste destaca-se o bairro de Benfica tradicionalmente, um bairro
industrial da cidade. Nem toda a mancha urbana da cidade está ocupada e essa
ocupação, por sua vez, não é homogênea.
O mapa a seguir indica um claro padrão de concentração que parte da região
central para as mais periféricas.
63
Esse padrão se explica que Juiz de Fora é, ainda hoje, uma cidade cujo centro
polariza atividades comerciais, financeiras, serviços, administração pública e
residências. Além desse fator, o intenso processo de verticalização dessa região
contribui para entender a grande concentração de população. O que também determina
um grande fluxo de pessoas e maior controle do espaço urbano.
Quanto à faixa etária, a pirâmide etária da cidade apresenta um estreitamento de
sua base. Isso se explica na medida em que houve uma redução da taxa de fecundidade
total de 2,0 para 1,7, no período de 1991 a 2000.
Fonte: Atlas Social de Juiz de Fora (PREFEITURA, 2007).
Por outro lado, parece ser significativo o número de jovens de ambos os sexos.
Dado corroborado pela tabela seguinte:
Gráfico 2: Pirâmide Etária Juiz de Fora
80 anos ou mais
70 a 74 anos
60 a 64 anos
50 a 54 anos
40 a 44 anos
30 a 34 anos
20 a 24 anos
10 a 14 anos
0 a 4 anos
1.0002.0003.000
0
1.000
2.000
3.000
Mulheres
Homens
64
Tabela – úmero de pessoas residentes por faixa etária
0 a 3 anos 27.890
4 anos 7.137
5 e 6 anos 14.668
7 a 9 anos 22.360
10 a 14 anos 39.179
15 a 17 anos 24.480
18 a 19 anos 18.128
20 a 24 anos 41.472
25 a 29 anos 35.182
Fonte: Anuário estatístico de Juiz de Fora
É grande a concentração de população na faixa de 15 a 24 anos, totalizando
84.080 habitantes que corresponde a cerca de 17% do total da população juizforana.
Sendo que destes o maior número encontra-se na faixa de 20 a 24 anos. Dado passível
de ser compreendido, em parte, na medida em que a cidade se caracteriza por um perfil
universitário, atraindo grande população jovem, inclusive de outros municípios.
De acordo com dados do censo de 2000, a estrutura etária por cor da pele indicia
um maior percentual de população entre 10 e 20 anos de pardos e pretos, com
respectivamente 20,5% e 19,58%. Seguido de 17,55% de brancos. Dentre os jovens
pardos, 20,84% são homens e 20,16% mulheres. Já entre os pretos, 19,99% são do sexo
masculino e 19,17% do sexo feminino.
Se observado o mapa da concentração da população por faixas etárias nas
regiões administrativas da cidade percebe-se uma variação expressiva entre a região
Centro e as demais. Na região Centro uma maior concentração de população de
faixas etárias mais avançadas, significando uma maior concentração de idosos em
relação às outras regiões.
65
Fonte: Observatório da rede de atendimento à infância e juventude
Por outro lado, parece ser significativa a concentração de jovens nas regiões
Leste e Sul da cidade. Dentre a população jovem residente (de 15 a 24 anos) é grande o
percentual de alfabetizados, conforme indica a tabela a seguir.
66
Tabela - Distribuição percentual da população alfabetizada por faixa etária em Juiz de
Fora, 1991/2000
De acordo com o Anuário estatístico da cidade (2006), 98% da população jovem
era alfabetizada – percentual que acompanha a média nacional. A tabela seguinte mostra
a evolução do nível educacional dos jovens na cidade. Na faixa de 15 a 24 anos houve
uma redução do percentual de jovens com menos de 4 anos de estudo, bem como com
menos de 8 anos. O que pode indicar uma maior permanência dos jovens na rede de
ensino da cidade como sugere o aumento do percentual de jovens entre 15 e 17 anos
freqüentando a escola.
Tabela – ível educacional da população jovem em Juiz de Fora (1991-2000)
Faixa
etária
(anos)
Taxa de
analfabetismo
% com menos de
4 anos de estudo
% com menos de
8 anos de estudo
% freqüentando a
escola
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000
10 a 14 0,5 0,2 49,6 36,0
90,7 97,7
15 a 17 0,6 0,7 10,9 6,2 69,3 44,8 62,9 83,8
18 a 24 0,3 02 10,1 5,7 46,3 30,8
Fonte: Anuário estatístico de Juiz de Fora
67
Dentre os jovens de 15 a 24 anos analfabetos, 12,19% são pretos, 21,23% são
jovens pretos do sexo masculino e 13,16%, jovens pretas do sexo feminino. O
percentual entre os jovens brancos é de 4,62%, sendo a maioria composta por mulheres.
A taxa de escolarização bruta no ensino médio da cidade é de 106.030. Desses, 123.370
são brancos e 80.610, pretos. No ensino superior essa taxa é de 21.520, sendo a grande
maioria de brancos. a taxa de evasão escolar no ensino médio é de 17% percentual
bastante expressivo.
Alguns indicadores permitem traçar um panorama da situação sócio-econômica
da população juizforana. Também segundo o IBGE, o índice de indigência na cidade
corresponderia a 7,73%, sendo o maior percentual entre a população preta, com 13,5%.
Percentual bastante elevado se comparado ao da população branca de 5,34%. Mesma
tendência ocorre no que toca o índice de pobreza da cidade (23,08%). 36,52% da
população preta e 17,06% da branca encontra-se na pobreza.
Das cerca de 300 mil pessoas economicamente ativas na cidade, 112.143 são
negras e 185.437 brancas. Daquelas empregadas, 46,62% dos pretos encontram-se em
situação de precarização do trabalho, percentual próximo aos 43,39% dos trabalhadores
brancos. O que indica o grande número de trabalhadores sem carteira assinada e/ou na
informalidade. O percentual de população desempregada também é maior entre os
trabalhadores pretos quando comparados aos brancos 17,05% e 13,14%
respectivamente. o rendimento médio mensal entre os brancos é de cerca de
R$838,87 e para os trabalhadores pretos é de R$344,21.
Em 2007, a prefeitura da cidade realizou um amplo levantamento e diagnóstico
do que chamou de Microáreas de Exclusão Social (MAES). De acordo com o Atlas
Social (2007):
As Microáreas de Exclusão Social (MAES) constituem células
territoriais com os mais diferentes graus de precariedade nas
condições de vida, consideradas não apenas sob o aspecto econômico,
mas também no tocante a urbanização infra-estrutura e habitação –,
a titularidade da terra e a riscos de caráter físico-ambiental no local de
sua inserção. A decisão de sua denominação aqui adotada toma o
conceito de exclusão social, anteriormente apresentado como
68
suficientemente abrangente para as situações reais, que incluem desde
espaços totalmente segregados e desprovidos de qualquer infra-
estrutura, cravados no meio urbano, até áreas já urbanizadas onde
persistem ainda problemas socioeconômicos.
Sua classificação considera o grau de precaridade, determinando, por sua vez, a
prioridade nas políticas públicas. Desse modo, no grupo I estão as áreas de concentração
de pobreza, não urbanizadas, com algum problema fundiário e até mesmo em situação
de risco físico-ambiental. Constitui-se no grupo de atendimento prioritário nos
programas e políticas públicas.
O grupo II incorpora as áreas de concentração de pobreza e parcialmente
urbanizadas. São áreas com demandas de intervenções urbanísticas parciais ou pontuais.
As intervenções incluem, geralmente, a regularização da posse de terra.
No grupo III encontram-se as áreas de concentração de pobreza urbanizadas. São
áreas historicamente precarizadas e que após sofrerem sucessivas intervenções de
melhoria, não demandam mais intervenções urbanísticas em infra-estrutura, embora
sejam necessárias a requalificação de moradias (acabamento de fachadas e interiores e
melhorias das condições sanitárias) e persista a questão socioeconômica como o fator
dominante.
No grupo IV estão as áreas de concentração de pobreza, com baixa ou
baixíssima densidade populacional, baixa ou baixíssima renda e de ocupação esparsa.
Em geral, com características rurais, embora inseridas no perímetro urbano.
Por fim, no grupo V encontram-se as áreas urbanizadas com histórico de
precarização. Indicadas como áreas subnormais ou de especial interesse social em
pesquisas anteriores e que, “depois de intervenções urbanísticas sucessivas, passaram
também por melhorias de condições socioeconômicas induzidas ou espontâneas e não
apresentam características de assentamentos socialmente excluídos”.
O mapa abaixo representa essas microáreas e sua distribuição por regiões da
cidade.
69
Fonte: Prefeitura da cidade de Juiz de Fora
Nota-se que o maior número de MAES encontra-se na região central da
cidade, seguida pela região Leste. No entanto, o Grupo I contém as situações mais
graves e sua distribuição concentra-se na região Noroeste da cidade, com 337
domicílios. No total, são aproximadamente 500 domicílios distribuídos em 11
microáreas no perímetro urbano. Já na região Centro não aparecem áreas desse
grupo. Já o grupo com maior freqüência de áreas excluídas é o II, com maior
concentração também na região Noroeste. É um grupo com grau de carência variado,
englobando uma gama enorme de situações.
70
O Grupo III foi foco, ao longo do tempo, de programas de desenvolvimento
social e econômico e hoje não necessita de intervenções de porte significativo, tanto
urbanísticas quanto fundiárias. São, respectivamente, as regiões Leste, Sul e
Noroeste as de maiores concentrações. São também essas regiões que se destacam
em quantidade de áreas e de domicílios em situação de precarização.
Quanto aos vetores de crescimento da cidade, de acordo com dados da
prefeitura, é possível identificar a tendência para um movimento de decréscimo de
participação do vetor Centro, historicamente o de maior ocupação demográfica. Por
seu turno, o vetor Sul aumentou expressivamente a sua participação, tornando-se um
vetor de grande importância demográfica. Parte disso explica-se pelo aumento
populacional de classes de renda baixa e média-baixa em lugares de urbanização cara
e difícil e pela verticalização nas áreas preferidas pelas classes de rendas mais altas
(PREFEITURA, 1996).
No vetor em direção aos bairros de Benfica e Barreira do Triunfo região
Noroeste da cidade encontra-se o distrito industrial e, conseqüentemente, o maior
número de indústrias. Sua proximidade a uma das vias de saída da cidade (BR-040) é
uma das razões que explicam essa localização. Além disso, essa região tem sido alvo
da concentração de investimentos públicos destinados a consolidá-la como uma zona
industrial. De modo geral, “têm-se destinado a construção de residências para a
classe média, principalmente a empregada nas indústrias ali localizadas”
(OLIVEIRA, 2007:61). Contudo, a existência de áreas ainda vazias e o aumento do
número de loteamentos populares têm modificado um pouco esse perfil residencial.
Atualmente, tem sido expressivo o número de população com renda média de 2,3
salários mínimos e a proporção (53,7%) de chefes de família com rendimento de até
2 salários mínimos (PREFEITURA DE JF, 2007).
Sua ocupação linear ao longo do Rio Paraibuna e da linha férrea resultou em
uma descontinuidade da mancha urbana e na existência de vazios com potencialidade
de adensamento. Nesse sentido, essa região se constitui um dos vetores de
crescimento da cidade, com considerável presença de áreas ainda desocupadas, na
sua maioria de propriedade particular e, também, um número significativo de lotes
vagos, além de vazios urbanos com condições favoráveis ao adensamento.
71
Outro importante vetor de crescimento seria o da região Nordeste, em direção
ao bairro Grama. De acordo com Oliveira (2007), esse vetor tenderia a atender tanto
as classes médias quanto as altas. O grande eixo estruturador da região é a MG-353,
que acesso a outras cidades da Zona da Mata mineira, bem como conecta essa
região ao Centro de Juiz de Fora. A ocupação dessa região é bastante heterogênea.
Nas áreas planas e próximas ao Centro estão os maiores adensamentos. Essas áreas
vão se rarefazendo ao longo da MG-353 até configurarem-se como áreas típicas de
fronteiras urbanas. É expressivo o processo de ocupação das encostas íngremes pelas
camadas média e baixa, muitas vezes, realizada por uma população expulsa do
Centro pelo clássico processo de valorização fundiária e periferização. Como
resultado, os bairros da região encontram-se consolidados, altamente adensados, com
uma ocupação sobre uma malha viária estreita e curvilínea. Também nessa região
proliferam as ocupações populares, de baixa renda, em condições precárias,
desprovidas de infra-estrutura urbana, em encostas ou na beira de córregos.
É interessante observar, por fim, um crescimento direcionado ao vetor Oeste
(Cidade Alta), a partir do início da década de 1990. É o momento de forte boom de
investimentos em condomínios fechados na região. Há algumas décadas a região tem
sido apontada como uma das principais de expansão da cidade. Para isso, muito
contribui sua posição geográfica estratégica e a presença de áreas verdes. Nessa
região localizam-se o campus da Universidade Federal de Juiz de Fora e um número
significativo de condomínios fechados.
A região caracteriza-se predominantemente por uma ocupação horizontal de
tipo unifamiliar, com no máximo dois pavimentos. Atualmente, há um forte
movimento de ocupação por parte da classe média. Contudo, é preciso que a região
tenha sua infra-estrutura compatibilizada com futuras demandas e cuidados especiais
para se evitar um adensamento desproporcional à sua capacidade de absorção.
2.2. O UFJF: Território de Oportunidades e o JF nos Trilhos da Paz
Em Juiz de Fora, observa-se um predomínio de ações voltadas para a infância e a
72
juventude, que seguem as orientações determinadas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente e, por essa razão, predominam as ações direcionadas para jovens entre 12 e
18 anos incompletos. São poucos os programas destinados aos jovens entre 18 e 24
anos. Além disso, muitos desses programas ocorrem “isoladamente, sem orientação
universalista e não contemplam a diversidade dos beneficiários em termos de geração”
(MENDES, 2008:57).
Para fins desse estudo serão apresentados dois programas oferecidos na cidade.
O primeiro, o UFJF: Território de Oportunidades, é oferecido pela Universidade Federal
de Juiz de Fora e contempla jovens na faixa de 15 a 18 anos. O segundo, o Juiz de Fora
nos Trilhos da Paz, é promovido pela prefeitura municipal e atende pessoas das mais
variadas idades.
2.2.1 – O UFJF: Território de Oportunidades – caracterização geral
O programa UFJF: Território de Oportunidades surgiu em 2004, criado pelo
Pólo de Suporte às Políticas de Proteção à Família, Infância e Juventude da Faculdade
de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Sua origem está associada a
um evento ocorrido no campus da Universidade em que dois grupos de jovens de
bairros vizinhos, porém rivais, se confrontaram. Foi a partir desse evento que
professoras da Faculdade de Serviço Social tiveram a idéia de desenvolver um
programa de extensão que atendesse os jovens da cidade.
O programa teve abrangência em quatro bairros da cidade, conforme indica o
mapa a seguir.
73
Fonte: Observatório da rede de atendimento à infância e juventude de Juiz de Fora
Ele parte de dois pressupostos. O primeiro refere-se à condição da juventude
urbana brasileira, em especial aquela proveniente dos setores populares, e ao
entendimento de que “apesar da grande valorização da juventude como modelo a ser
buscado como ideal de corpo, estilo de vida, atitude diante do mundo etc., não lugar
no mundo, hoje, para aquele que é jovem e apresenta demandas urgentes de inserção na
vida social” (CASSAB & PORTELLA, 2006:34). O segundo considera a dimensão
territorial como um elemento importante na constituição e diferenciação dessa
juventude, bem como nos confrontos e conflitos ocasionados por esse aspecto.
Sua dimensão política parte do princípio de que o espaço urbano é o lugar e o
terreno onde se confrontam diferentes estratégias, sendo também meio e instrumento de
ação. o entendimento do espaço urbano como condição, meio e produto da ação
74
humana e não mero substrato dessa ação.
Através dessas orientações o Território de Oportunidades busca desnaturalizar as
situações de desigualdade em que muitos desses jovens encontram-se. Assim, “o
estranhamento que a experiência do programa UFJF: Território de Oportunidades pode
produzir na subjetividade dos jovens nele envolvidos é justamente o movimento de
desnaturalização da desigualdade, inscrita em sua vida cotidiana, no espaço banal de sua
vida, territorializada e guetificada em rotas pré-determinadas pela cidade” (ibidem:38).
O programa procurou atender a cinco objetivos: 1) democratização do acesso à
universidade pública pela oferta de oportunidades de aprimoramento de estudos e
potencialização de vocações; 2) oferecer a oportunidade de acesso ao conhecimento; 3)
formar agentes multiplicadores nas comunidades de origem; 4) estreitar os laços entre a
UFJF e as localidades de seu entorno através da presença dos jovens no campus.
Cada jovem integrante recebia uma bolsa de extensão junior no valor de R$
200,00, além de vale-transporte para as oficinas, que a participação no programa
estava condicionada à realização de todas as oficinas ministradas, em sua maioria, por
professores da universidade e com a presença de alunos bolsistas também da
universidade. Além disso, os jovens tinham acesso ao restaurante universitário pelo
valor destinado aos estudantes regulares.
Do ponto de vista institucional o programa se organizou a partir da articulação
entre professores de diferentes cursos da universidade. Mendes (2208) explica:
A construção desse coletivo de parceiros se deu através do diálogo
referenciado nos seguintes pontos: a) as oficinas deveriam ser projetos
de extensão, registrados na Pró-reitoria de Extensão, sendo
reconhecidas como parte da produção dos professores e contando com
o apoio institucional; b) as atividades deveriam acontecer no campus
universitário; c) as atividades deveriam ser executadas por alunos de
diversos cursos de graduação, sob a orientação dos docentes, para que
se pudesse estabelecer relações entre os jovens universitários e os
jovens atendidos. Além disso, cada professor, autonomamente,
construiria a arquitetura das oficinas (MENDES, 2008:60).
75
O UFJF: Território de Oportunidades, ao longo de seus quatro anos, atendeu a
60 jovens. A primeira turma contemplou jovens dos bairros de São Pedro e Dom Bosco
e teve início em 2004 e término em 2006.
Eixo de expansão da cidade, o bairro de São Pedro e seu entorno apresentam-se
como importante área de investimentos públicos e privados. Convivem nesse espaço
uma grande quantidade de condomínios residenciais horizontais de classe média e alta e
áreas de ocupação popular. De acordo com o censo de 2000, a região possui 6.864
domicílios e aproximadamente 25.287 moradores. Do total de domicílios, 6 mil são
atendidos por serviço regular de coleta de lixo, 6.199 têm ligação com a rede de
abastecimento de água e 5.822 têm rede de esgoto. Os demais não utilizam a rede
pública de serviços. Quanto à faixa etária da população, a maior concentração está entre
15 e 19 anos de idade, sendo, portanto, representativo o número de jovens na região. O
salário médio dos chefes de domicílio se concentra na faixa de 1 a 5 salários mínimos
mensais, sendo que a maior parte recebe 2 salários mínimos. Em São Pedro, principal
bairro da região Oeste, o valor do rendimento médio mensal é de R$ 695,43.
Localizado na região Centro da cidade, o bairro de Dom Bosco caracteriza-se
por uma ocupação heterogênea. De forma sintética, é possível identificar duas formas
de ocupação: uma de classe média e outra popular. A primeira localiza-se na parte mais
baixa do bairro, no lado esquerdo da Avenida Independência (sentido Centro). Sua
ocupação, caracterizada pela forma vertical, é relativamente recente e foi resultado do
deslocamento de um significativo número de habitações populares de ocupação mais
antiga.
A segunda localiza-se na parte mais alta do bairro. uma área significativa de
ocupação em encosta, onde residem cerca de 7 mil habitantes. Nela, as ruas são estreitas
e íngremes, além de pouco asfaltadas, e o risco de deslizamento é alto. Na área mais alta
do morro mora uma população de mais baixa renda. Em média, recebem entre 1 e 3
salários. As casas são, na grande maioria, unifamiliares, horizontais e de alvenaria com
acabamento incompleto.
No bairro se encontram duas MAES. A primeira, do grupo III (área de
concentração de pobreza urbanizada), tem 300 domicílios e caracteriza-se por condições
76
mínimas de habitação, baixa condição socioeconômica e risco físico. A segunda, do
grupo II (área de concentração de pobreza e parcialmente urbanizada), tem 30
domicílios com infra-estrutura parcial, titularidade da terra irregular, risco físico e
condição socioeconômica muito baixa.
Para essa primeira turma, o programa teve o apoio financeiro de uma emenda
parlamentar, concedida pelo deputado federal Sergio Miranda no ano de 2004. Além
dessa emenda, recebeu auxilio da própria universidade, que financiou 20 bolsas para os
jovens atendidos pelo programa, bem como bolsas de extensão para os discentes da
graduação. Para essa turma, todas as atividades foram ministradas no campus da
universidade.
Diferentemente da primeira, para essa segunda turma não houve o apoio
financeiro da universidade que, após mudança de gestão, cancelou todas as bolsas dadas
aos jovens. Por essa razão, o Pólo entidade gestora e executora do programa teve
que reformular sua ação. Tendo recebido nova emenda parlamentar – agora do deputado
César Medeiros –, o Pólo precisou estabelecer uma nova parceria com duas
organizações locais. A ONG Instituto da Cidadania, do bairro Granjas Bethânia, e o
Movimento Posse Zumbi dos Palmares, do bairro Santa Cândida. Essas novas parcerias
fizeram com que o Pólo deixasse de atender o entorno ao campus, para atender os
jovens residentes em bairros mais distantes. Assim, a segunda turma foi composta por
jovens dos bairros de Granjas Bethânia e Santa Cândida, que iniciaram sua atividade em
2006, concluindo-a em 2008.
Santa Cândida localiza-se na região Leste de Juiz de Fora, mais próximo da área
central. Atualmente, o bairro, que recebe forte influência do de São Benedito, tem alto
índice de violência e carência de áreas públicas de lazer e postos policiais. Seu sistema
viário é precário. Segundo o Atlas Social de 2006, a população do bairro aponta como
pontos positivos do bairro: a educação; a comunidade e a organização e participação das
instituições e lideranças locais; e a área de lazer, relacionada à avaliação positiva que os
moradores têm da praça local. Como negativo, destaca a violência de forma geral e, em
especial, aquela associada ao consumo e tráfico de drogas. Além da segurança e limpeza
públicas, a educação, quando referida de forma negativa pelos moradores, aparece como
infra-estrutura e diz respeito à ausência da educação infantil, à limitação de espaço
interno para a realização de aulas de educação física, à qualidade da merenda e à falta
77
de cursos profissionalizantes. O bairro não possui Unidade Básica de Saúde (UBS).
Granjas Bethânia caracteriza-se por ser um bairro periférico na região Nordeste
da cidade. Com uma população de 3.272 habitantes, situa-se num dos eixos de saída da
cidade.
De acordo com o Atlas Social de 2006, a origem do bairro remonta ao ano de
1954 com a configuração de duas plantas habitacionais: uma para granjeamento e outra
para loteamento. Contudo, os lotes não eram legalizados: os moradores tomavam posse
dos terrenos e não pagavam impostos. Nessa época, não havia ruas nem iluminação.
Até 1970, o bairro praticamente não se desenvolveu. Foi no governo
do prefeito Mello Reis que começou a ter melhorias, como
iluminação, calçamento de algumas ruas etc. Nesse período, a
comunidade contava com a Escola Municipal Antônio Bernardes
Fraga, a qual funcionava, em 1975, no prédio antigo da Igreja
Católica. Esse nome lhe foi dado em homenagem ao poeta Antônio
Bernardes Fraga, que tinha acabado de publicar um dos seus livros
(ATLAS SOCIAL, 2006:256).
Existem três situações quanto à ocupação do solo. A primeira é o loteamento
Granjas Bethânia, que deu origem ao bairro. Foi um granjeamento, com planta aprovada
à época pela PJF, onde seriam vendidos terrenos de, no mínimo, 2.000 m².
Posteriormente, metade da planta foi subdividida em terrenos menores. A nova estrutura
não foi aprovada pelo executivo, que apresentou planta alternativa aceita pelo loteador e
registrada em cartório. Alguns lotes estavam vendidos, houve conflito entre a
numeração das duas plantas e as escrituras não puderam ser registradas. Atualmente,
se realizaram as equivalências e os moradores podem requerer sua documentação
definitiva.
O segundo caso é uma área de invasão dentro do próprio bairro, denominada
Nova Bethânia, portanto, área de ocupação clandestina. A terceira situação é uma área
de ocupação territorial, que se destaca pela baixa condição socioeconômica. Essa área é
denominada Vale dos Guedes e tem 50 domicílios, aproximadamente. É uma área
78
particular, de alto risco de desmoronamento, divisa com área de treinamento do
Exército e que não possui saneamento básico (abastecimento de água, captação de
esgoto e drenagem pluvial), pavimentação e iluminação pública. As moradias não têm
acabamento nem energia domiciliar. A área de ocupação enquadra-se no grupo que
inclui as regiões cujas situações são as mais graves da cidade.
Apesar dessas ocupações, o bairro é registrado na prefeitura e os moradores
pagam IPTU, água e luz; as ruas têm CEP e são atendidas por linhas de ônibus. De
acordo com a prefeitura, a maioria dos moradores adquiriu contrato de compra e venda
e alguns conseguiram a posse de direito com processos de usucapião. Já Diego
Alessandro Pereira, presidente da Sociedade Pró-Melhoramento do bairro Granjas
Bethânia, afirma que dos quatro mil habitantes, 70% não têm as residências
regularizadas.
Para o processo de escolha dos jovens que participariam do programa
estabeleceu-se como critério os aspectos socioeconômicos e a falta de acesso dos jovens
às atividades afinadas com as oficinas oferecidas pelo Programa. Para tanto, foi
elaborado um questionário que subsidiaria uma entrevista a ser realizada
individualmente com os jovens.
Nesse questionário constavam informações quanto a dados pessoais, renda,
composição familiar e situação ocupacional da família, além de dados referentes ao
acesso dos jovens a diversas atividades e equipamentos culturais. Para cada questão
foram atribuídos pontos, de modo que obtinham mais pontos os jovens que menos se
aproximavam da condição de vulnerabilidade social e falta de acesso a atividades
culturais. Quem tivesse menos pontos teria maior chance de ser selecionado. As
observações e considerações dos entrevistadores também foram essenciais para a
seleção.
Na segunda turma, houve uma grande dificuldade em se conseguir reunir um
grupo de 30 jovens. Na primeira experiência em São Pedro e Dom Bosco, os jovens
foram recrutados nas escolas da região. A demanda pelo programa foi significativa.
Nessa segunda turma, foram poucos os jovens que se interessaram e que atenderam o
critério inicial que tivessem entre 15 e 17 anos e que fossem estudantes do ensino
médio, regularmente matriculados na rede pública de ensino.
79
Essa dificuldade se explica pelo fato de que nos bairros de Granjas e Santa
Cândida os jovens nessa faixa etária já estavam inseridos no mercado de trabalho, tendo
pouca ou nenhuma disponibilidade para realizarem as atividades do programa. Além
disso, a maioria deles não estava matriculada no ensino médio. Diante disso, os critérios
foram alterados para jovens que tivessem entre 15 e 18 anos e que estivessem
matriculados na 8ª série, no ensino médio ou no supletivo.
Diferentemente da primeira turma, dessa vez as atividades se dividiram entre os
espaços da Casa de Cultura, localizada no centro da cidade e também pertencente à
UFJF, e o próprio campus, em São Pedro. A transferência de grande parte das oficinas
para a Casa de Cultura fez com que o programa perdesse suas características originais e
o objetivo primeiro de criar oportunidades para que os jovens pudessem circular no e se
apropriar do campus universitário.
A definição das oficinas oferecidas fundamentou-se na compreensão das
necessidades de inserção dos jovens no mundo contemporâneo e, segundo Mendes
(2008), foram reunidas em três grupos: 1) oficinas que ofereciam oportunidade de
acesso a linguagens e ferramentas indispensáveis ao mundo de hoje; 2) oficinas que
disponibilizavam o acesso à cultura e a bens simbólicos socialmente produzidos; 3)
oficinas que articulavam a cultura e as formas de trabalho corporal.
Sendo assim, no primeiro grupo estavam inclusas as oficinas de língua inglesa,
novas tecnologias, ação comunitária e letramento. No segundo, teatro, ciclo de cinema,
comunicação (rádio e jornal impresso), vídeo, fotografia, cultura política e participação.
No terceiro, educação física, lazer, cultura corporal, capoeira, hip-hop.
De forma transversal a todas elas desenvolveu-se um trabalho sócio-educativo,
cujo objetivo era construir um espaço de diálogo e de participação política. Para tanto,
foram definidos três eixos de articulação entre as oficinas:
Sociabilidade: neste eixo o debate é estabelecido em torno das
relações e de suas possibilidades entre os próprios jovens e entre
jovens e adultos.
Oportunidades: aqui o debate estabelece-se sobre as questões
referentes à inserção e a possibilidades de inclusão social,
80
examinando-se a competitividade estabelecida e as requisições para
inserção.
Território: neste tema é tratada a ocupação da cidade, tanto no que se
refere ao espaço, conhecimento fundamental para o estabelecimento
da animação cultural, como sua relação com a institucionalidade, que
organiza nossa urbanidade e define espaços de participação política
(CASSAB & CASSAB, 2006:54).
As oficinas responsáveis por garantir essa articulação a partir dos três eixos eram
Geoprocessamento e Sócio-educativa.
2.2.1a. Perfil dos jovens atendidos pelo UFJF: Território de Oportunidades
Dos 60 jovens que participaram do programa, 51% eram homens e 49%
mulheres. A faixa de idade ia de 15 a 18 anos, sendo que 49% tinham 15 anos, 23%, 16,
23%, 17 e 5%, 18 anos.
Desses jovens, a grande maioria estava cursando o ensino médio (82%), sendo
que 51% estavam cursando o primeiro ano, 17%, o segundo ano, 12%, o terceiro ano e
18%, o nono ano do ensino fundamental. Tomado isoladamente, esse indicador poderia
levar a concluir pela adequação série-idade. No entanto, se desmembrarmos essa
informação por idade é possível perceber uma situação bastante diversificada no que
toca a adequação série-idade, conforme os gráficos abaixo.
81
Os jovens de 15 anos encontram-se, em sua grande maioria, no primeiro ano do
ensino médio 75% e 20% estão no nono ano do ensino fundamental, série em que,
normalmente, o aluno deve ter entre 14 e 15 anos.
A maioria dos jovens de 16 anos (39%) estava cursando o segundo ano do
ensino médio indicando a adequação série-idade. O que chama a atenção, contudo, é
que 28% deles ainda se encontravam no nono ano do ensino fundamental. Entre aqueles
com 17 anos, 31% cursavam o terceiro ano do ensino médio e 23% estavam no segundo
ano mais uma vez uma relação adequada entre série e idade. No entanto, 31% dos
jovens nessa idade ainda se encontravam no primeiro ano do ensino dio e 15%, no
nono ano do fundamental.
entre os jovens de 18 anos, se, por um lado, 33% estavam cursando a série
adequada, por outro, 34% ainda encontravam-se no primeiro ano do ensino médio.
Nessa idade o jovem deveria estar ou finalizando o terceiro ano ou iniciando o curso
superior.
Correlacionando os dados, é possível perceber uma distinção no que toca a
adequação série-idade por bairro.
Os gráficos acima indicam que é no bairro de Santa Cândida onde a maior
82
inadequação na relação série-idade. Do total de jovens de 15 anos residentes nesse
bairro 80% ainda estão no nono ano do ensino fundamental quando deveriam estar no
primeiro ano do médio.
São os bairros de São Pedro e Santa Cândida os que concentram o maior
percentual de jovens de 16 anos em série não compatível com sua idade.
No primeiro, apenas 25% deles estão no segundo ano. 50% dos jovens dessa
idade estão ainda no primeiro ano e, dado mais relevante, 25%, no nono ano do
fundamental. Em Santa Cândida, metade dos jovens de 16 anos está no segundo ano
série adequada à idade – e a outra, ainda no primeiro ano do ensino médio.
Quanto aos jovens de 17 anos, cuja série adequada seria o terceiro ano do ensino
médio, a situação mais grave encontra-se no bairro de São Pedro. 100% dos jovens
dessa idade cursavam ainda o primeiro ano do ensino médio. A situação era melhor em
Dom Bosco, onde 67% dos jovens estavam no terceiro ano. No caso de Santa Cândida,
chama a atenção o fato de 33% dos jovens estarem ainda no nono ano do fundamental.
83
Por fim, também é em Santa Cândida onde a relação série-idade para os jovens
de 18 anos é mais discrepante. Nesse bairro, 100% dos jovens de 18 anos estavam ainda
no primeiro ano do ensino médio. Já em Dom Bosco, 100% deles já estavam no terceiro
ano. Os demais bairros não tinham jovens dessa idade.
É no bairro de Santa Cândida, portanto, que se observa a maior defasagem entre
a idade e a série adequada. A média de idade dos jovens desse bairro é de 16 anos, mas
apenas 62,5% estão cursando o ensino médio. No bairro de Granjas Bethânia, por
exemplo, cuja média de idade dos jovens é de 15 anos, 81,2% deles estavam no ensino
médio.
Dentre os jovens participantes eram poucos os que exerciam alguma atividade
remunerada. Nos bairros de São Pedro e Dom Bosco, a quase totalidade dos jovens
(87%) declarou não trabalhar, 13% declararam trabalhar desenvolvendo atividades de
office-boy, aprendiz, entregador de pão e ajudante – atividades de baixa remuneração.
Nos bairros de Santa Cândida e Granjas Bethânia existe uma grande diferença
entre eles no que se refere à situação ocupacional dos jovens. No bairro de Santa
Cândida nenhum jovem trabalhava quando do ingresso no programa. Contudo, 43,7%
responderam que já desenvolveram atividades remuneradas como babás (18,7%);
serventes de pedreiro (12,5%); operadores de máquina (6,2%) e balconistas (6,2%).
84
Destes, apenas 28,5% contribuíam parcialmente para a renda familiar. no bairro de
Granjas Bethânia, além de 25% dos jovens selecionados trabalharem na época da
entrada no mesmo, dos jovens que declararam ser apenas estudantes (75%), 25%
desenvolveram atividades remuneradas como babás e balconistas.
A partir desses dados, é possível inferir que os jovens moradores do bairro de
Granjas Bethânia tenderam a ter uma inserção no mercado de trabalho mais
precocemente do que os jovens residentes nos demais bairros.
Quanto à renda familiar, tem-se a seguinte situação: do total de jovens do
programa 15% deles tinham renda familiar entre R$ 201,00 a R$ 300,00 ou entre R$
301,00 a R$ 400,00.
Nos bairros de São Pedro e Dom Bosco (primeira turma do programa), 58% dos
jovens residiam com 3 ou 4 pessoas, 32,3%, com 5 ou mais e 9,7%, com 1 ou 2 pessoas.
Além disso, 29% deles não contavam com a presença paterna ou materna no âmbito
domiciliar e 16% deles moravam com irmãos e/ou sobrinhos com idade inferior a 6
anos de idade. Quanto à renda familiar, 48,4% tinham renda de até 2 salários-mínimos,
38,7%, de 2 a 4 e 12,9% tinham renda familiar de 4 salários-mínimos ou mais. A renda
per capita média entre essas famílias era de R$133,00.
Com relação à composição familiar dos jovens de Santa Cândida e Granjas
Bethânia a média de membros por família era de 4,6 membros, 1 ponto percentual
acima da média nacional de pessoas por domicílio, que, de acordo com o Censo 2000, é
de 3,6. Há que se destacar que 75% das famílias são compostas por 4 a 6 membros,
sendo eles, na grande maioria, pai, mãe e irmãos. uma pequena variação no que se
refere à presença de avós, tios e sobrinhos dos jovens. Existe uma semelhança na
composição familiar dos jovens residentes em ambos os bairros.
A renda média das famílias dos jovens desses bairros é de R$ 661,70 e a per
capita, de R$ 150,90. A renda per capita dessas famílias é muito inferior à da cidade de
Juiz de Fora, que, segundo dados do PNAD/2003, era de R$ 631,14.
Quanto à ocupação dos responsáveis homens e mulheres dos jovens, tem-se
a seguinte situação: dos responsáveis homens, 16% eram pedreiros e 9%, motoristas.
Dentre as outras atividades estavam a de carpinteiro, zelador, faxineiro, frentista,
85
gesseiro etc. É também significativo o percentual de aposentados 13%. O incremento
da parcela de participação da aposentadoria de ao menos 1 membro no orçamento
familiar tem sido uma forte tendência nos dias atuais.
Os jovens da primeira turma São Pedro e Dom Bosco tinham pais em idade
que variavam entre 31 e 63 anos. Dos pais, 14% estavam ocupados em atividades como
a de faxineiro, porteiro, jardineiro e mecânico. Do total, 6% eram técnicos em
enfermagem, profissão que exige maior qualificação e, por isso, é melhor remunerada.
Para os pais dos jovens da segunda turma Santa Cândida e Granjas Bethânia
as profissões com maior incidência foram a de pedreiro, representando 16% das
profissões, e a de motorista, com 9,6%. Dos responsáveis mulheres, 26% eram donas de
casa. Das atividades remuneradas, 18% eram domésticas e 13%, faxineiras.
Das responsáveis mulheres dos jovens da primeira turma, 25% eram domésticas
e 14%, donas de casa. As idades das mães também variavam de 31 a 63 anos. a
situação ocupacional das mães não apresentavam grandes diferenciações nos bairros da
segunda turma. As profissões que mais tiveram incidência foram as de doméstica, com
9,6%, e as de cuidadoras e costureiras, com 13% cada. 16% das mães não trabalhavam,
tendo sido consideradas pelos seus filhos como “do lar”.
Quanto à escolaridade dos pais dos jovens de Santa Cândida e Granjas Bethânia,
48% não completaram o ensino fundamental. Para as mães, esse percentual é de 47%.
Por outro lado, 37,5% das mães chegaram ao ensino médio, mas não o completaram.
Com relação aos pais, apenas 1 chegou ao ensino médio, mas também não concluiu.
Quanto à participação em algum movimento/grupo na escola e/ou comunidade,
verificou-se que 55% dos adolescentes da primeira turma declararam participar de
alguma atividade: grupo de teatro da escola ou da igreja, catequese, coral; time
esportivo do bairro ou clube, treinamento em centros esportivos; escoteiro e curso de
informática promovido por uma ONG de democratização de informática.
Dos jovens da segunda turma, 56,2% declararam nunca ter participado de
nenhum projeto ou atividade. Dos que participaram ou participam, a maioria tem ou
teve sua inserção em projetos desenvolvidos pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora,
através da Associação de Apoio Comunitário – AMAC.
86
Sobre as áreas de interesse, tem-se a seguinte situação:
Nota-se que o maior percentual de jovens demonstrou interesse por informática,
seguido pelo de línguas estrangeiras. A concentração de interesse nessas oficinas pode
indicar uma preocupação quanto à qualificação profissional, na medida em que esses
são dois saberes cada vez mais requisitados no mercado de trabalho. Também é
significativo o percentual referente a esporte, música e dança, sugerindo o interesse na
área de esporte, cultura e lazer.
Esse breve perfil permite levantar algumas questões sobre os jovens atendidos
pelo UFJF: Território de Oportunidades. São eles provenientes dos setores populares,
filhos de trabalhadores com baixa escolaridade, baixa qualificação profissional e,
conseqüentemente, baixa remuneração; moradores ou de bairros periféricos ou de áreas
pobres em bairros de classe média – como no caso de São Pedro e Dom Bosco.
Também foi significativa a inadequação série-idade e a baixa inserção no
mercado de trabalho. Esta, quando ocorria, tratava-se de alguma atividade de baixa
qualificação e remuneração. Dentre as duas turmas, são os jovens de Santa Cândida e
Granjas Bethânia os de maior fragilidade socioeconômica, sendo ainda mais grave a
condição dos jovens do primeiro bairro.
No entanto, o perfil também parece indicar que esses jovens ainda contavam
com a família como rede de proteção social. O próprio fato de alcançarem o ensino
médio parece sugerir que, mesmo sendo precária sua capacidade econômica, essas
87
famílias têm conseguido sustentar esses jovens na escola por mais tempo.
2.2.2. Juiz de Fora nos Trilhos da Paz – caracterização geral
O programa Juiz de Fora nos Trilhos da Paz (JF na Paz) tem sua origem
vinculada à percepção, por parte da Diretoria de Política Social da prefeitura de Juiz de
Fora, de que se estava ampliando o número de casos de violência envolvendo jovens na
cidade seja como vítimas ou agressores. Em 2000, foi proposta a realização de um
diagnóstico desses casos e um estudo de ações para seu enfrentamento e prevenção.
Três anos após o diagnóstico, foi elaborada uma proposta de trabalho, em
convênio com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República,
que deu origem ao JF na Paz, articulando um conjunto de ações direcionadas ao
desenvolvimento da “cultura da paz” nos bairros periféricos da cidade.
A idéia de cultura da paz, de acordo com a Secretaria Municipal de Política
Social, é a de trabalhar com os jovens valores como participação, igualdade, respeito
aos direitos humanos e às diversidades culturais, liberdade e tolerância. Assim, é
sintetizado seu objetivo:
O programa tem como princípio contribuir para a promoção da cultura
da paz por meio da articulação de ações desenvolvidas por diversos
órgãos públicos que visam criar alternativas para novas faces de
vivências cotidianas, em que o diálogo e o respeito estejam presentes,
contribuindo para afastar crianças e jovens de situações de risco
pessoal e social. Ao se inscreverem no Projeto, eles participam de
atividades sócio-culturais como dança, teatro, arte multimídia,
percussão, produção cultural, modalidades esportivas, horticultura,
skate, hip-hop, capoeira e informática (PREFEITURA DE JF, 2007).
Dentre os princípios que norteiam o JF na Paz estão os de participação,
88
integralidade, parceria e territorialidade. A parceria e a participação garantiriam
uma revalorização do poder local e das relações existentes entre os
diversos atores políticos institucionais e de seus saberes e interesses,
com possibilidade de prestação de políticas públicas a partir de
parcerias, introduzindo uma nova lógica na ação política (ibidem:247).
A integralidade parte do reconhecimento de que a “erradicação da exclusão”
seria possível mediante a ação direcionada aos diversos processos causadores da
“exclusão”. Por fim, a territorialidade permitiria o reconhecimento da diversidade
espacial e
as especificidades das manifestações de exclusão, impedindo a
diluição da visão integral, fazendo com que os habitantes possam
expressar melhor as suas necessidades e encontrem mecanismos de
participação e que os atores se envolvam mais na luta contra a
exclusão (idem).
A dimensão da territorialidade é assim expressa por uma das coordenadoras do
programa:
A oportunidade de eles conhecerem locais que eles não conhecem, a
oportunidade de eles interagirem com outros meninos que fazem a
mesma oficina que eles, que são de outros locais; de eles conhecerem
um trabalho que é do mesmo tipo, que tem o mesmo enfoque do
trabalho deles, que de forma diferenciada. Porque, dependendo do
aluno, você tem que trabalhar de forma diferenciada. Então, essa
interação entre as comunidades é ótima para os meninos. Todo ano a
gente participa do desfile de Sete de Setembro. A gente traz alunos de
todas as comunidades, trabalha com alunos de todas as comunidades.
A gente coloca na rua, mais ou menos, uns dois mil alunos para
desfilar. E isso é muito importante. Eles moram na cidade e não
conhecem a cidade, por falta de oportunidade. Às vezes, eles nem têm
noção do que pode estar acontecendo ou do que existe na sua própria
89
cidade. É uma questão mesmo da territorialidade deles. E o programa
proporciona isso a eles (M., em entrevista à autora, 2008).
Interessante notar que, para M., são nos eventos que os jovens podem
experimentar a cidade em outra dimensão, pois “imagina, um menino que mora lá na
Vila Esperança, a oportunidade que ele tem de conhecer Santa Efigênia, um outro bairro
que, para a gente, é bobeira, mas, para ele, é uma outra realidade”. No exemplo dado,
ambos são bairros pobres e periféricos da cidade.
De forma sintética, pode-se dizer que a metodologia de construção do programa
partiu da identificação de 100 microáreas de maior carência no município. Após essa
etapa, foram mapeados os atores sociais de maior relevância existentes nessas regiões e
que pudessem somar-se ao programa, bem como à realização de uma rápida pesquisa
sobre as condições de ocupação das microáreas a serem trabalhadas.
Dentre o universo de 100 microáreas foram inicialmente escolhidas 11 áreas de
prioridade. A partir daí iniciou-se a articulação de representantes da prefeitura com
professores e diretores das escolas dos bairros selecionados, bem como de seus alunos.
Identificaram-se conjuntamente os principais problemas da região, formas de
enfrentamento e possíveis parcerias para a implementação do programa. Realizou-se
uma série de atividades que variavam segundo as condições físicas disponíveis e os
interesses dos moradores e, em especial, dos jovens.
Assim sintetiza uma das coordenadoras do programa, em entrevista dada à
autora:
Em 2001, quando o projeto surgiu, através de um diagnóstico feito
com vários órgãos governamentais e a universidade, ele era subsidiado
pelo governo. Foram diagnosticadas várias áreas de Juiz de Fora de
violência e risco social. A princípio, foram escolhidas 11 comunidades
em que foram diagnosticados maiores risco e vulnerabilidade social.
Começou com o trabalho junto à Secretaria de Educação, reunindo
arte, cultura, esporte e lazer, dança, teatro, multimídia. Mais tarde,
através de atores locais da comunidade, de alguns grupos locais que já
existiam então, é que nós incorporamos a capoeira e o hip-hop, o skate
e a percussão. Ele começou a funcionar mesmo em 2004. Até então
90
era feito esse diagnóstico, o registro da comunidade (M., em entrevista
à autora, 2008).
A escola é a unidade a partir da qual o programa foi concebido e implementado
em cada bairro. A ênfase dada à escola se justifica na medida em que essa era vista
como ponte direta com o bairro e por seu potencial de difusão de políticas públicas e,
em especial, culturais e assistenciais (PREFEITURA DE JF, 2007).
No entanto, estar na escola não é critério para participação no programa, pois, de
acordo com uma das coordenadoras,
a princípio, a violência ocorria dentro das escolas. A violência reinava
dentro da escola. Hoje, alcança toda a comunidade. Hoje a gente não
está atuando apenas com aqueles jovens e adolescentes que estão
dentro da escola. Hoje a gente também atende toda a comunidade. A
gente também atende crianças, jovens, idosos. Hoje o programa é
muito mais amplo (M., em entrevista à autora, 2008).
Em realidade, não há um critério definido para ingressar no programa, pois
é um programa muito amplo. Todos que realmente quiserem podem
participar. Não é um critério, mas quando a gente faz a inscrição, a
gente considera a questão do Bolsa Família. Por exemplo, a
informática. Há uma procura muito grande, mas como a gente trabalha
com os computadores da escola, a gente não tem uma quantidade
suficiente de computadores disponíveis e também faltam profissionais
da área. Então a gente faz uma lista de espera e o critério de acesso à
informática é o Bolsa Família, ou seja, esses alunos seriam aqueles
que realmente têm mais necessidade, tanto pelo aspecto financeiro
quanto, digamos assim, pela própria vulnerabilidade (M., em
entrevista à autora, 2008).
91
Os jovens que participam não recebem nenhuma remuneração e da mesma forma
que sua entrada é livre também é assim sua saída do programa. Quanto à equipe do
programa, atualmente todos são profissionalizados. Existe uma coordenação e
profissionais ligados à parte administrativa e pedagógica.
A questão administrativa que cuida da documentação dos
profissionais, folha de ponto, contagem de horário, é tudo com a gente
aqui. A gente visita a comunidade, prepara todo e qualquer evento, a
gente organiza tudo por aqui. Tem os profissionais da equipe
pedagógica; uma pessoa que fica responsável por todos os
equipamentos do programa som, percussão, maquinário; nós temos
13 profissionais que consideramos como instrutores da equipe de hip-
hop, de skate, de percussão e capoeira; e tem os profissionais que são
cedidos pela Secretaria de Educação, que são profissionais de
informática, teatro, horticultura, dança e atividades esportivas e que
dão essas oficinas. Hoje, temos 45 profissionais envolvidos (M., em
entrevista à autora, 2008).
Quanto aos bairros escolhidos para implantação do programa, o que se observa é
que, ainda de acordo com M., há, todo o ano, a renovação do cadastro, quando então é
vista a demanda da comunidade e identifica-se quais os bairros com mais problemas e
onde o programa atenderia mais gente.
Assim, em 2005, eram atendidos cerca de 3.263 alunos das mais variadas idades,
em 11 locais diferentes da cidade. Em 2006, esse número passou para 4.090 alunos, em
26 lugares. No ano seguinte, foram 8.526 alunos, em 32 bairros da cidade. Em 2008,
esse número chegou a quase 10.000 alunos em 44 lugares da cidade.
O mapa abaixo indica a evolução do programa ao longo dos anos.
92
Fonte: Prefeitura municipal de Juiz de Fora
Nesses locais, os jovens realizam oficinas distintas. Ou seja, em cada bairro são
oferecidas diferentes oficinas, pois, segundo M.,
a gente não tem disponibilidade de profissionais. Então a gente vai
conforme a demanda. A gente trabalha a partir da demanda, ou seja,
não adianta colocar teatro numa comunidade que não se interesse por
teatro, a atividade vai ficar parada e o nosso objetivo não estará
sendo cumprido. Então a gente faz também uma pesquisa junto à
comunidade, com os atores sociais daquela comunidade e o que
realmente poderia enviar. Conversa com o presidente da SPM,
93
conversa com a UBS, conversa com pessoas ligadas à comunidade,
com as crianças, apresenta o programa à comunidade. Antes da oficina
realmente começar, a gente tem toda uma preparação para definir se
uma determinada atividade realmente vai para lá. Hoje existem
comunidades, como, por exemplo, Santa Cândida e Santa Cecília, que
são mais antigas, onde já temos uma quantidade maior de alunos e
oficinas. E tem comunidades que estão começando agora. Então, a
princípio, não tem como a gente ir abrindo muito, por causa do espaço
físico, por causa de profissionais e também da demanda; não adianta.
Por exemplo, numa comunidade nova como Centenário: nós
começamos com a capoeira e o break. A gente fez uma pesquisa e
essas foram as duas oficinas que a gente viu que realmente têm
demanda (M., em entrevista à autora, 2008).
O mapa abaixo indica as oficinas por bairros da cidade.
94
Considerando as oficinas por região, tem-se a seguinte distribuição:
Tabela – Total de oficinas do Juiz de Fora nos Trilhos da Paz por região da cidade – 2008
Região Total de oficinas
Leste 37
Sul
31
Noroeste 28
Norte 15
Nordeste 12
Sudeste 09
Oeste 08
Centro 08
Fonte: Secretaria de Políticas Sociais – PJF/2008.
A região Leste é aquela com maior oferta de oficinas. Dentro dessa região, são
os bairros Jardim da Lua e Vila Ideal os de maior número de oficinas. Ambos, bairros
muito pobres da cidade. A região Sul era a segunda em número de oficinas, sendo
Ipiranga o bairro com maior oferta. Na região Noroeste, destacam-se os bairros de Vila
Esperança II, Barbosa Lage e Barreira do Triunfo como os com maior número de
oficinas. É também em Barreira do Triunfo onde está a maior concentração de jovens
participantes do programa no ano de 2008 – 16%. Os bairros Vila Esperança II, Ipiranga
e Vila Ideal concentram, cada um, 4% dos jovens ingressos nas oficinas nesse mesmo
ano. Interessante também notar que são as oficinas de break, rap, grafite, futsal,
handebol, informática, dança, skate, teatro e desenho as oferecidas nesses bairros da
região Noroeste da cidade: oficinas tipicamente destinadas aos jovens.
Na região Centro, é o bairro de Dom Bosco o de maior oferta, com 6 oficinas.
Como visto anteriormente, esse é um bairro que tem uma significativa ocupação popular
e uma imagem de violência, conforme retrata a fala a seguir, do comandante da 99ª Cia
da PM, ao referir-se ao aumento de roubos devido ao início do semestre letivo na
95
universidade:
Trata-se de adolescentes vindos do bairro Dom Bosco. Eles atuam
quando encontram pessoas sozinhas em locais com pouca
movimentação. Em todas as ocorrências, as vítimas eram indivíduos
que carregavam aparelhos de MP3, MP4, ou que falavam ao celular.
Depois que cometem o roubo, os infratores fogem por trilhas que
ligam o Dom Bosco ao campus, o que dificulta a localização
(JORNAL PANORAMA, 07/04/2008:6).
Em Dom Bosco foram oferecidas as oficinas de capoeira, artesanato, dança de
salão, teatro, música e desenho.
2.2.2. Perfil dos jovens atendidos pelo JF na Paz em 2008
Para fins de caracterização do programa será feito um breve perfil dos jovens
atendidos pelo JF na Paz no ano de 2008. Cabe frisar, contudo, que esse perfil
corresponde aos jovens de 15 a 18 anos (recorte adotado para fins desse trabalho) e
abrange bairros que vão além desse estudo. Porém, considera-se que esse panorama não
destoa muito do que será encontrado nos bairros estudados Santa Cândida e Dom
Bosco.
No ano de 2008, o projeto atendeu um total de 211 jovens na faixa de 15 a 18
anos de idade, sendo que a maioria tinha 15 e 16 anos correspondendo a 41% e 30%
respectivamente. Quanto ao gênero, 53% eram mulheres e 47%, homens. Do total de
jovens entre 15 e 18 anos, 23% se declararam pretos, 21%, pardos e 20%, brancos. O
percentual de jovens que optaram por não declarar sua cor foi de 36%.
Dado significativo foi o relativo à distorção série-idade, isto é, à discrepância
entre a idade dos alunos matriculados e a idade indicada para cada período de ensino
dos 7 aos 15 anos para o ensino fundamental e dos 15 aos 17 anos para o médio.
96
O gráfico seguinte designa a relação série-idade. É possível perceber uma
expressiva distorção no que se refere a esse aspecto. Embora a maioria dos jovens de 15
anos esteja na oitava série, indicando a adequação série-idade, é significativo o número
de jovens dessa idade que se encontram na sétima série (27% do total). E mais, 21%
deles estão na quinta, 17%, na sexta e 3%, na quarta série. Percentuais bastante
significativos.
No geral, com 16 anos, o jovem deveria estar cursando o segundo ano do ensino
médio. O que se observa pelo gráfico é que a maioria ainda se encontra no primeiro ano
do ensino médio. Embora haja uma pequena distorção quanto à relação série-idade
ideal, o dado mais gritante é o percentual significativo de jovens com 16 anos ainda no
nono ano do ensino fundamental – 16%.
A discrepância série-idade torna-se ainda mais gritante entre os jovens de 17
anos. Nessa idade, o aluno deveria estar cursando o terceiro ano do ensino médio. No
entanto, o que se observa , apesar do percentual de 24% de jovens nessa série e, mesmo
considerando os 21% no segundo ano do ensino médio, é o alarmante percentual de
28% de jovens ainda na sexta série do ensino fundamental (cuja idade adequada seria a
de 13 anos).
97
Dentre os jovens de 18 anos, o que chama a atenção é o elevado percentual que
não declarou sua escolaridade (32%). Considerando suas realidades, é possível supor
que muitos não declararam por não estarem mais na escola. Por fim, os percentuais de
jovens cursando o primeiro ano do ensino médio e a sexta série do ensino fundamental
também são representativos e podem significar dois movimentos. O primeiro,
principalmente no caso da sexta série, seria o retorno de alguns à escola, causado pelas
pressões por qualificação impostas pelo mercado de trabalho. O segundo, e seguindo o
padrão até agora, seria a discrepância série-idade.
Tomando apenas o nível de ensino (fundamental e médio), a distorção série-
idade torna-se ainda mais evidente:
O primeiro gráfico acima indica que 64% dos jovens inscritos no programa
estavam ainda no ensino fundamental. No segundo gráfico, nota-se como esse
percentual não corresponde ao percentual de jovens em idade de estarem nesse nível de
ensino. Se 59% dos jovens estão em idade para estarem no ensino médio, apenas 26%
deles de fato estão.
De acordo com o INEP (2007), é no ensino médio que ocorre o maior índice de
evasão escolar apenas 72% dos alunos conseguem concluí-lo e a distorção série-
idade nesse período de ensino também é elevada apenas 45,5% dos alunos se situam
na faixa adequada.
A realidade em Juiz de Fora não é diferente, como indica a tabela de distribuição
percentual da evasão escolar nas redes de ensino da cidade no ano de 2005.
98
Tabela – Distribuição percentual da evasão escolar nas redes de ensino de JF (2005)
Rede 1ª a 4ª séries 5ª a 8ª séries Ensino Médio
Estadual 1,73 6,03 11,11
Federal 0,00 0,0 0,28
Municipal 3,48 12,61 21,15
Particular 0,19 0,12 1,11
Fonte: Anuário estatístico de Juiz de Fora (2007)
Nota-se que é também no ensino médio onde se dá o maior percentual de evasão
escolar. Em 2006, segundo o Censo Escolar, existiam, na cidade, 13.017 alunos
matriculados nesse nível de ensino. Já para os anos finais do ensino fundamental esse
número era de 27.161 pessoas.
A menor quantidade de alunos matriculados no ensino médio e a maior taxa de
evasão escolar são, em grande medida, explicadas pelo fato de que em famílias mais
pobres é comum que, ao superar a idade própria para a conclusão do ensino
fundamental, o jovem deixe a escola para trabalhar. Mas se, ao contrário, termina o
nono ano com 13 ou 14 anos, o aluno tem mais chances de dar continuidade aos
estudos, completando o ensino médio.
Das oficinas, a com maior presença de jovens é a de esporte, com 43%, seguida
pela de dança, com 17%, e pela de informática, com 11%. Vale lembrar que o programa
tem um caráter bastante cultural, uma vez que oferece oficinas principalmente ligadas a
esporte, cultura e lazer. Foram agregadas como esporte diferentes atividades como
handebol, futebol, ginástica, vôlei etc. A presença de jovens na oficina de informática
pode significar uma preocupação quanto à qualificação profissional.
99
O gráfico anterior indica o percentual de jovens por região da cidade. Nota-se a
grande concentração na região Noroeste da cidade (25%). Nessa, os bairros de maior
número de jovens são Barreira do Triunfo (16%) e Vila Esperança II (4%).
O bairro Barreira do Triunfo localiza-se distante da área mais urbanizada da
cidade e está a cerca de 10 km do centro. Caracteriza-se por certa descontinuidade na
ocupação. Esse bairro, de forte característica industrial estão instaladas fábricas da
Mercedez-Bens, Belgo Mineira, White Martins –, possui uma MAES (Vila São
Cristóvão) classificada como pertencente ao grupo II. De modo geral, o bairro
caracteriza-se pela baixa condição socioeconômica, habitação precária e infra-estrutura
urbana parcial. Em 2008, as oficinas de esporte e informática eram aquelas em que se
encontravam os jovens de 15 a 18 anos sendo que o JF na Paz existia desde 2004 no
bairro.
Vila Esperança II é um bairro relativamente recente na cidade. Sua origem se
deve a ocupações realizadas por famílias de sem-tetos, muitas vítimas das recorrentes
enchentes, a partir da década de 1990. Localizada relativamente distante do centro,
caracteriza-se por ser um bairro extremamente pobre da cidade: ruas sem asfalto,
ausência de saneamento, coleta de lixo insuficiente, moradias subnormais e pouca oferta
de serviços e equipamentos urbanos. O JF na Paz é oferecido no bairro também desde
2004, sendo que em 2008 era a oficina de informática a de maior participação de jovens.
Os dados permitem construir um breve perfil dos jovens atendidos pelo
programa JF na Paz. São, em sua maioria, jovens pobres, pretos, mulheres, residentes
em bairros periféricos e de grande fragilidade socioeconômica, com significativa
defasagem série-idade escolar. Outro indicador importante da situação desses jovens é o
fato de 40% receberem Bolsa Família ou seja, enquadram-se no critério de renda
mensal per capita de até R$ 120,00.
100
CAPÍTULO 3
AS FALAS DOS JOVES
O capítulo terá início com a descrição da metodologia usada para a realização
das entrevistas que subsidiam este e o próximo capítulo. Seguem-se o breve perfil dos
jovens entrevistados em ambos os programas pesquisados bem como a descrição do
resultado das entrevistas de campo. O objetivo é apresentar os jovens e suas concepções
sobre juventude, cidade e sobre os programas aos quais estão inseridos
3.1. Metodologia
Para atingir esse objetivo, a metodologia adotada consiste na realização de
entrevistas semi-estruturadas e estruturadas. As entrevistas tiveram como intuito
identificar as representações que os jovens fazem da cidade e as diferentes formas com
que eles vivenciam esse espaço, bem como os efeitos e influências dos programas na
construção dessas representações.
Será o jovem pobre, residente nas regiões pobres e periféricas das cidades, filho
de trabalhadores, inserido no contexto atual de precarização da condição juvenil, o alvo
desse estudo: os jovens na sua relação com a cidade e na busca da construção de outros
espaços de participação, representação, organização e ação.
A opção foi trabalhar com jovens que estão (ou estiveram) inseridos em algum
programa voltado para esse segmento etário. As perguntas que se colocam: Como se
inserem os jovens nessa realidade? Como criam suas identidades? Como se organizam?
Quais suas expectativas? De que forma esses programas dão conta de desnaturalizar sua
condição? De que maneira tratam a relação desses jovens com o espaço? Que
concepções se tem de jovem e juventude?
As entrevistas com os jovens ocorreram de maneira coletiva em grupos de até
cinco jovens, divididos por bairros (Santa Cândida, Dom Bosco, Granjas Bethânia e São
101
Pedro). A opção por realizar as entrevistas em grupo se explica a partir de uma maior
descontração entre eles, o que levou, em muitos momentos, com que a resposta de um
estimulasse ou complementasse a do outro, havendo, portanto, maior troca e
enriquecimento dos dados.
Também foram desenvolvidas entrevistas individuais com os gestores e
executores de ambos os programas. Além das entrevistas, também foram fontes de
pesquisa os materiais documentais de ambos os programas, tais como: relatórios de
atividades, material produzido pelos jovens durante as oficinas dos programas,
pareceres, avaliações, reportagens etc.
Inicialmente, cabe esclarecer algumas decisões metodológicas tomadas para o
desenvolvimento da pesquisa.
Primeiro: A escolha por esses dois programas se deu por conta deles
expressarem, ao menos em sua concepção, uma preocupação quanto à dimensão
espacial, buscando, de alguma forma, trabalhar a temática da cidade e da relação dos
jovens com ela.
Segundo: Optou-se por realizar entrevistas com jovens de São Pedro, Santa
Cândida, Dom Bosco e Granjas Bethânia por serem esses os bairros atendidos pelo
UFJF: Território de Oportunidades. Devido à amplitude do JF na Paz ficou impossível
entrevistar jovens de todos os bairros atendidos por esse programa um total de 45
bairros. Nesse sentido, os bairros do Território de Oportunidades foram definidos como
recorte espacial da pesquisa.
Terceiro: O mesmo motivo explica o recorte etário. Além disso, não se pretendia
ampliar demais o limite etário dos jovens a serem pesquisados. Por isso também a opção
de restringirmo-nos à faixa de 15 a 18 anos.
A tabela abaixo indica o bairro, programa de que participa e idade de cada
entrevistado.
Programa Identificação
do jovem
Bairro Idade
UFJF: Território Am. São Pedro 18
102
de Oportunidades
Li. São Pedro 18
Wy. São Pedro 18
Le. São Pedro 18
D. São Pedro 18
Lt. São Pedro 16
Ro. São Pedro 17
Va. Granjas Bethânia 16
Jd. Granjas Bethânia 16
Th. Granjas Bethânia 15
Je. Granjas Bethânia 15
Ig. Granjas Bethânia 18
Dn. Santa Cândida 18
F. Santa Cândida 17
Jo. Santa Cândida 16
B. Santa Cândida 17
Wb. Santa Cândida 16
S. Santa Cândida 18
R. Santa Cândida 15
Juiz de Fora nos
Trilhos da Paz
X. Santa Cândida 18
Fe. Santa Cândida 16
By. Santa Cândida 16
Ne. Santa Cândida 16
Jn. Santa Cândida 16
W. Santa Cândida 15
We. Santa Cândida 16
G. Dom Bosco 15
Dl. Dom Bosco 15
Jp. Dom Bosco 18
H. Dom Bosco 15
103
Cl. Dom Bosco 16
Dy. São Pedro 15
Dc. São Pedro 15
Ac. São Pedro 15
V. São Pedro 15
Y. São Pedro 15
E. São Pedro 16
O trabalho se desenvolveu a partir da metodologia de pesquisa qualitativa.
Assim, embora apresente alguns dados e indicadores quantitativos, a mesma centra-se
nas representações que os jovens, os gestores e os executores têm do programa e da
cidade. Daí a opção pela realização de entrevistas semi-estruturadas como principal
instrumento de pesquisa.
Uma entrevista semi-estruturada caracteriza-se por ser, embora não
completamente aberta, conduzida por poucas questões pré-definidas – é estabelecido um
número reduzido de perguntas que servem de roteiro para conduzir os relatos dos
entrevistados. Além disso, essa estrutura permite uma maior flexibilidade, pois, assim
como nem todas as perguntas podem ser feitas, outras podem ser acrescidas ao longo da
entrevista. De acordo com Triviños (1992:32):
Entrevista semi-estruturada é aquela que parte de certos
questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que
interessam à pesquisa e que, em seguida, oferecem amplo campo de
interrogativas, junto de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que recebem as respostas do informante. Dessa maneira, o informante,
seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas
experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador,
começa a participar da elaboração do conteúdo da pesquisa.
Nesse estudo, a entrevista semi-estruturada foi realizada mediante a mistura de
104
perguntas fechadas e abertas que conduziram a pesquisadora ao longo de todo o
processo de trabalho. Nesse tipo de entrevista são selecionados a priori alguns tópicos
sem, contudo, determinar as questões reais. Além de coletar os dados referentes às
questões norteadoras da tese, também se procurou observar as manifestações dos
entrevistados diante das perguntas e dos temas propostos.
O roteiro de entrevista realizada com os jovens foi organizado em três blocos
temáticos estruturados a partir dos seguintes eixos: sentido de ser jovem, relação dos
jovens com a política e relação com a cidade. No primeiro bloco, foram feitas
indagações que permitissem determinar o conceito que os jovens constroem sobre a
juventude e sobre o sentido de ser jovem. Para tanto, as perguntas buscavam iluminar a
representação que eles tinham de si mesmos como jovens, a da sociedade em geral em
relação a eles e quais seriam as distinções, diferenças e desigualdades que delimitam o
sujeito jovem e o momento juventude.
Compunham o primeiro bloco perguntas como: o que é ser jovem; o que é ser
jovem no Brasil, na sua cidade e em seu bairro; ser jovem em seu bairro é o mesmo que
ser jovem em outros bairros da cidade; que imagem, no geral, se tem da juventude; o
que se acha que se espera dos jovens; o que é bom e ruim em ser jovem; quais as
expectativas dos jovens.
O segundo bloco foi estruturado de forma a permitir identificar a relação dos
jovens com os programas. Aí, além de buscar recuperar um pouco da trajetória
individual de cada jovem no programa, intentou-se também compreender quais os
resultados deixados pelo programa na vida desses sujeitos.
Faziam parte desse bloco perguntas do tipo: qual o motivo de entrada no
programa; o que se pretendia ou se desejava atingir ao entrar no programa; quais as
expectativas que foram sendo construídas ao longo do programa; quais expectativas
foram contempladas e de que forma; como o programa contribuiu para a vida do jovem,
se houve mudança na relação com a família, trabalho, escola e cidade; o que se esperava
que acontecesse após a saída do programa; e como descrevem o programa.
Por fim, o terceiro bloco foi organizado a partir do eixo da relação com a cidade.
Pretendeu-se compreender de que maneira os jovens representam e vivem a cidade e
como a política trabalha essa dimensão.
105
Nesse sentido, perguntou-se como os jovens descreveriam seu bairro e sua
cidade; como era a relação do bairro com o restante da cidade; se eles circulavam por
outros bairros da cidade; o que havia na rua que lhes interessavam, se a imagem da
cidade se modificou após o ingresso no programa e de que forma; dentre outras.
Além da semi-estruturada, também se usou o recurso da entrevista estruturada.
Ao contrário da primeira, nesta uma relação pré-definida, padronizada e fixa de
perguntas. O instrumento de coleta foi elaborado de forma a fechar ao máximo as
possíveis respostas dos entrevistados.
Esse questionário foi dividido em seis blocos. No primeiro, algumas questões
que permitiam descrever o perfil dos jovens a partir da cor da pele, escolaridade dos
pais, sexo, idade, estado civil, naturalidade e com quem moravam. No segundo bloco,
questões referentes à escolaridade do entrevistado. No bloco seguinte, informações
sobre trabalho e renda. No quarto, a relação do jovem com a cidade. Nesse bloco os
jovens responderam questões que permitissem identificar os lugares pelos quais
circulam na cidade, com quem costumam sair e os motivos. Também compuseram esse
bloco questões sobre o uso do espaço público da cidade. No quinto bloco, questões
direcionadas ao sentido que os entrevistados têm sobre ser jovem. Por último, o sexto
bloco continha perguntas sobre o programa do qual participavam. As razões que os
levaram a ingressar no programa, as mudanças provocadas pela participação no mesmo
e as expectativas após sua conclusão foram algumas das questões desse bloco.
Para os gestores, as perguntas foram orientadas de forma a permitir compreender
os conceitos de juventude, jovem e cidade que embasavam os programas. O roteiro foi
estruturado em dois blocos. No primeiro, algumas informações gerais sobre o programa:
ano de criação, as razões para sua criação, parceiros existentes, bairros atendidos,
número de jovens atendidos, tipo de atividades desenvolvidas, forma de organização,
objetivos, metodologia etc. Num segundo bloco, questões que permitissem identificar os
conceitos norteadores: qual o conceito de jovem e de juventude, qual a concepção de
política destinada aos jovens, qual o conceito de cidade, o porquê de incorporar a
dimensão territorial na definição do programa etc.
Por último, com os executores, aqueles que se envolvem diretamente com os
jovens, as entrevistas pretenderam investigar como se realizava o trabalho com os
106
jovens e quais as concepções de juventude, jovem e cidade eles tinham, bem como de
que forma essas concepções se refletiam na prática com os jovens.
As entrevistas com os gestores e educadores serviram para elucidar ou
exemplificar algumas das questões apontadas pelos jovens ou observadas pela
pesquisadora. Neste trabalho, o foco recai sobre a fala dos jovens e não a dos gestores.
Do JF na Paz, foram entrevistados, além dos elaboradores e gestores, também os
educadores das oficinas, a saber: teatro, capoeira, hip-hop, atividades esportivas e
teclado. Do Território de Oportunidades, foram entrevistados os executores das oficinas,
tanto os coordenadores quanto os estudantes da UFJF que ministravam as oficinas.
Assim, conversou-se com os responsáveis das oficinas de comunicação,
geoprocessamento, novas tecnologias e inglês.
Para o Território de Oportunidades foram entrevistados os jovens participantes
das duas turmas. Nesse caso, obteve-se um panorama do programa a partir das
colocações dos jovens que estavam participando do programa quando da pesquisa e
outro, a partir das falas dos jovens que haviam participado da primeira turma, ainda em
2004.
Para os JF na Paz, foram entrevistados jovens que participavam do programa
pelo menos mais de um ano. Diferentemente do Território de Oportunidades, o JF na
Paz não funciona com turmas. As oficinas são oferecidas nos bairros e estão abertas a
qualquer participante. Sendo assim, não uma finalização formal da participação do
jovem no programa. Ele sai (e entra) quando pretender. No Território de oportunidades
o jovem participava de uma turma com encerramento predefinido dois anos para a
primeira turma e um ano e meio para a segunda.
Cabe ainda registrar a imensa dificuldade que foi encontrar os jovens,
especialmente os que participam do JF na Paz. Foi surpreendente o relativo
descompasso entre as informações (horário, local de oficinas, perfil dos jovens) dadas
pelo corpo técnico e gestor do programa, o cadastro desses jovens e a realidade das
oficinas. Horários que não combinavam, oficinas marcadas e não ministradas, perfil
encontrado muito distinto do perfil determinado pelo cadastro de inscrição, mudanças
de local de realização das oficinas, foram percalços comuns durante a realização do
campo. A mesma dificuldade não foi encontrada no Território de Oportunidades.
107
Contudo, vale a ressalva de que os jovens do Território de Oportunidades participavam
todos juntos das atividades, enquanto os jovens do JF na Paz estavam dispersos nas
muitas oficinas oferecidas.
3.2. Perfil dos jovens entrevistados
Segue-se o perfil dos jovens entrevistados, bem como as principais questões
trabalhadas no campo. Optou-se por organizá-las a partir dos eixos que costuram esse
trabalho: juventude, cidade e política.
O perfil foi elaborado agregando os jovens por programas, ou seja, serão
apresentadas as principais características, concernentes aos eixos da pesquisa, dos
jovens entrevistados em cada um dos programas. Cabe também frisar que esse perfil foi
construído a partir dos questionários fechados preenchidos pelos jovens. Sendo assim,
divide-se em quatro partes: caracterização geral dos jovens quanto a sexo, cor da pele e
escolaridade dos pais; descrição geral do uso que fazem da cidade; apresentação da sua
condição de jovem e relação com os programas.
Dentre os jovens entrevistados do UFJF: Território de Oportunidades 65% era
do sexo feminino e 35%, do masculino. Já para os do JF na Paz esse percentual ficou
em 61% para o masculino e 39% para o feminino. Dos que participaram do JF na Paz,
69% não identificou sua cor pela autodeclaração e apenas 21% se declararam pretos e
5% brancos. Quando colocadas as opções, esse percentual passou para 53% de pretos,
21% de pardos e 21% de brancos. Do universo de jovens do Território de
Oportunidades, 42% se autodeclararam brancos, 16%, pretos e 15%, pardos. Esse
percentual passou para 54% de brancos e 27% de pretos quando a identificação da cor
era feita a partir da escolha em meio a opções. O bairro de Santa Cândida era o que
concentrava o maior percentual de jovens pretos, tanto para o Território de
Oportunidades quanto para o JF na Paz.
42% das mães dos jovens do JF na Paz e 44% das dos do Território de
Oportunidades tinham apenas o fundamental incompleto. Esse percentual é de 32% para
os pais dos jovens do JF na Paz e 63% para os jovens do Território de Oportunidades.
108
Os percentuais indicam claramente a baixa escolaridade dos pais dos jovens de ambos
os programas.
Quanto ao uso da cidade e de seus equipamentos, indagados se sempre moraram
em seus bairros, 69% dos jovens do Território de Oportunidades e 45% do JF na Paz
responderam que sim. Dos jovens do Território de Oportunidades que moraram em
outros bairros, a maioria reside atualmente no bairro de Granjas Bethânia. entre os
jovens do JF na Paz, a maioria mora hoje em São Pedro. Em todas as situações esses
jovens viveram anteriormente em bairros periféricos e afastados. A experiência de terem
morado em outros bairros antes de irem para Granjas Bethânia também ajuda a explicar
a clareza que eles têm da diferença de seu bairro, quando comparado a outros, no que
toca a carência de equipamentos, bens e serviços urbanos.
Quando perguntados se ficavam muito tempo em casa, 50% dos jovens do bairro
Granjas Bethânia e 14% do São Pedro – ambos do Território de Oportunidades –
responderam que sim. No JF na Paz, o percentual de jovens que permaneciam muito
tempo em casa era de 38% e 37% para São Pedro e Santa Cândida, respectivamente. O
que talvez explique o fato de 50% dos jovens de Granjas Bethânia permanecerem muito
tempo em casa seja, fundamentalmente, a distância desse bairro em relação ao centro e
demais bairros da cidade o que implica, inclusive, um significativo custo de
transporte.
no caso de São Pedro, supõe-se que, dentre as razões que explicam essa
diferença, esteja o fato de que os jovens atendidos pelo JF na Paz têm um perfil de
renda menor do que os do Território de Oportunidades, o que dificulta também sua
mobilidade pela cidade.
Os gráficos a seguir indicam as principais regiões e bairros de destino desses
jovens.
109
É possível notar que, tanto os jovens do Território de Oportunidades quanto os
do JF na Paz, se dirigem, na maior parte das vezes, para a região Centro da cidade. No
entanto, esse percentual é maior entre os jovens do Território de Oportunidades no que
se refere à região Centro e menor no que se refere ao bairro Centro.
Perguntados sobre quais as razões que levavam ao deslocamento para a região
central e, especificamente, para o bairro do Centro, as respostas dos jovens do Território
de Oportunidades associavam-se, fundamentalmente, a trabalho, estudo e compras.
Fácil de compreender, na medida em que esse bairro concentra um maior número de
comércio e serviços, bem como um grande número de escolas e cursos.
Centro e Santa Terezinha o os bairros de maior destino dos jovens do
Território de Oportunidades e, em especial, dos jovens que residem em Granjas
Bethânia. No primeiro caso, é o estudo o principal motivo de deslocamento para o
bairro Centro. Santa Terezinha, por sua vez, embora, administrativamente, se localize
na região central, é um bairro relativamente distante do centro da cidade, sendo, por
outro lado, próximo do bairro de Granjas Bethânia, o que explica o significativo
deslocamento de jovens de Granjas Bethânia para esse bairro, tendo como razão o
estudo. Pode-se concluir, portanto, que o reduzido número de equipamentos sociais, e
110
em especial de ensino, existentes no bairro, como visto anteriormente, obriga que os
jovens se desloquem para bairros próximos ou mesmo para o centro
12
.
No caso de deslocamento para São Pedro, os jovens moradores de Granjas
Bethânia que participam do Território de Oportunidades identificaram as oficinas
realizadas no campus da UFJF situado em São Pedro como o motivo para seu
deslocamento. Ou seja, 12% dos jovens assinalaram São Pedro pelo motivo de estudo
as oficinas do programa.
para os jovens do JF na Paz, são as compras o principal motivo de
deslocamento para o bairro Centro. Os jovens que têm o bairro do Borboleta Zona
Oeste da cidade como destino, têm como motivo do deslocamento o lazer. Esses
jovens residem no bairro de São Pedro, situado na mesma zona administrativa e
geograficamente próximo. Situação semelhante ocorre no que se refere ao bairro de
Santos Dumont.
Sobre as principais razões de deslocamento pela cidade, 35% dos jovens do
Território de Oportunidades circulam pela cidade para visitar familiares, seguido de
30%, em busca de lazer. No JF na Paz, esse percentual é de 42% e 37%,
respectivamente. Interessante notar como são esses dois motivos os que movimentam os
jovens em ambos os bairros.
A última observação feita em relação ao deslocamento dos jovens pela cidade é
o relativo confinamento de sua circulação aos bairros próximos daquele de origem,
quando os motivos são lazer e família.
O mapa abaixo indica a circulação dos jovens de Santa Cândida:
12
No bairro, residem cerca de 4.000 pessoas e existe apenas uma escola Escola Municipal União da
Bethânia – construída pela mobilização dos moradores e inaugurada em 1984.
111
São os bairros de São Benedito, Vitorino Braga, Vila Alpina, Vila Ideal,
Linhares e Santo Antônio aqueles para os quais se dirigem os jovens de Santa Cândida.
Todos eles são geograficamente próximos e compõem a região Leste da cidade.
Os jovens de São Pedro circulam principalmente em Santos Dumont, Borboleta,
Marilândia e, em menor número, Dom Bosco. Todos geograficamente próximos de São
Pedro, como mostra o mapa seguinte
112
J
os jovens de Dom Bosco, costumam freqüentar os bairros de Santa Cecília e
Jardim Casablanca, além do Centro – também bairros próximos. O mapa abaixo indica a
pouquíssima circulação dos jovens residentes em Dom Bosco.
113
Por fim, o último mapa mostra o deslocamento dos jovens residentes em Granjas
Bethânia.
114
Os jovens de Granjas Bethânia, além de se deslocarem para o Centro e Santa
Terezinha, como visto, circulam nos bairros de Grama, Bairu e Bandeirantes. O
primeiro é contíguo a Granjas Bethânia e os dois últimos, embora localizados na região
central, são relativamente próximos de Granjas Bethânia.
Quando perguntados sobre com quem costumavam sair, 37% e 41% dos jovens
do Território de Oportunidades e do JF na Paz, respectivamente, afirmaram sair com
amigos do próprio bairro. Além disso, 23% dos jovens do Território de Oportunidades
saíam sozinhos e 36% dos do JF na Paz, com familiares. Foram significativamente
baixos os percentuais de jovens que saíam com amigos de rios lugares. Esses dados
parecem corroborar a pouca mobilidade desses jovens e um universo relativamente
restrito de relações sociais do ponto de vista da distribuição na cidade. Esses jovens
circulam, basicamente, com amigos do bairro inclusive permanecendo nos seus
bairros – e com familiares.
Perguntados sobre se utilizavam os espaços públicos e/ou culturais na cidade,
93% dos jovens do Território de Oportunidades e 79% do JF na Paz responderam que
sim. Indagados sobre quais seriam, os jovens do Território de Oportunidades
responderam, em ordem decrescente: espaços de shows (24%), cinema (16%) e praças
(18%), dentre outros. Os do JF na Paz: espaços de shows (23%), quadras de esporte
(23%) e praças (14%).
O percentual de uso dos espaços públicos e culturais da cidade é bastante
significativo. No entanto, quando se perguntou sobre quais as atividades que mais
realizam em seu tempo livre, 21% dos jovens do JF na Paz responderam estudo, seguido
por internet e esporte, com 17% cada um. os jovens do Território de Oportunidades,
assistem à televisão, conversam com amigos e acessam a internet – cada uma das
atividades com 15%.
Embora a grande maioria tenha declarado usar os espaços públicos e culturais da
cidade, a maior parte das atividades desenvolvidas pelos jovens, em ambos os
programas, são solitárias (estudo, televisão e internet). Especialmente interessante é o
percentual significativo de jovens que acessam a internet em seu tempo livre, muitas
vezes em lan houses dentro de seus próprios bairros. Além disso, em nenhum dos dois
programas os jovens indicaram alguma atividade que pressupõe sair de seus bairros,
115
como cinema, teatro, museus e outras.
A fim de retratar a condição desses sujeitos como jovens, foi-lhes perguntado se
se sentiram discriminados na escola, bairro, outros bairros, trabalho e programa, bem
como se já haviam sofrido alguma violência policial. Dos jovens do Território de
Oportunidades, 88, 77, 73 e 81% responderam que nunca tinham se sentido
discriminados nem na escola, bairro, outros bairros e no Território de Oportunidades,
respectivamente. Entre os do JF na Paz esses percentuais foram, respectivamente, de 68,
84, 74 e 90%.
Apesar desse elevado percentual notou-se que, dentre aqueles que relataram
terem vivido alguma forma de discriminação, os principais motivos foram a idade, “o
jeito de ser” (incluindo roupa e forma de falar) e o fato de ser morador de seu bairro.
Dos jovens do JF na Paz também foram os principais motivos o “jeito de ser” e o local
de residência. Esses motivos, portanto, poderiam ser englobados em duas categorias: o
fato de serem jovens (expresso na idade e nos comportamentos juvenis) e a residência
(morar em seus bairros faz com que sejam estigmatizados). Por fim, 16% dos jovens do
JF na Paz e 19% dos do Território de Oportunidades afirmaram terem vivido alguma
violência policial. Foram os jovens de Santa Cândida e Dom Bosco os que relataram
terem vivido essa experiência. Dos quatro bairros tratados nessa tese esses são os dois
identificados como mais violentos pelo conjunto da cidade.
O último bloco, referente à participação dos jovens no programa, apresentou o
seguinte resultado. Perguntados sobre como souberam do programa, 42% dos jovens do
Território de Oportunidades responderam que havia sido pela escola e 58% dos jovens
do JF na Paz souberam por amigos. Considerando as distintas formas de entrada nesses
programas, é fácil compreender essas razões. No Território de Oportunidades, os jovens
foram recrutados via escola e estar na escola era um dos critérios necessários a seu
ingresso. No JF na Paz, não havia necessidade de estar na escola e o “boca-a-boca” foi
um elemento importante para a divulgação da presença do programa nos bairros.
Quanto às mudanças no uso do tempo, 92% dos jovens do Território de
Oportunidades afirmaram mudanças no uso do tempo. Esse percentual foi de 33% no JF
na Paz. No entanto, as maiores mudanças no tempo dos jovens do Território de
Oportunidades foram a redução do tempo de convívio com amigos e parentes e do
116
tempo de estudo, o que pode indicar a sobrecarga de horas do programa. No JF na Paz,
dos que afirmaram mudanças no uso de seu tempo, a maioria sinalizou a ampliação das
atividades de cultura e lazer e do tempo de estudo. 81% dos jovens do Território de
Oportunidades disseram que a participação no programa mudou a forma de circulação
pela cidade, principalmente no que se refere à ida a bairros aonde não tinham o hábito
de ir e a novos espaços de cultura e lazer. no JF na Paz, esse percentual foi de 44%,
sendo que a maioria teria passado a circular apenas nos locais referentes ao programa.
Por último, quando perguntados sobre o que desejavam fazer após saírem do
programa, os jovens do Território de Oportunidades afirmaram que pretendiam concluir
os estudos e procurar emprego na área de interesse (26% respectivamente), além de
tentar o vestibular (24%). Os mesmos interesses foram expressos pelos jovens do JF na
Paz.
Esse perfil já indica um quadro de restrição sócio-espacial desses jovens à
cidade e aos equipamentos urbanos, além de uma relativa precarização econômica e
cultural. É pouca e restrita sua mobilidade pela cidade. Sua circulação é restringida às
áreas próximas aos seus bairros. Quando saem, costumam sair com amigos do próprio
bairro. Em seu tempo livre, dedicam-se a atividades individuais (internet, estudo etc.)
que podem ser realizadas em seus bairros e mesmo em suas casas. Também é pouco,
quantitativa e qualitativamente, o acesso e uso a equipamentos culturais e/ou espaços
públicos. Dentre os jovens que vivenciaram algum tipo de discriminação, o motivo
foi o fato de serem jovens e moradores de seus bairros, comumente vistos de maneira
negativa pelo restante da cidade. O segundo passo será mostrar quais as representações
que esses jovens têm da juventude, da cidade e do programa que participam.
3.3. Os jovens falam o que é ser jovem
Neste item serão apresentadas as falas e as representações que os jovens
constroem sobre o que é ser jovem e o que é a juventude. Inicialmente, elas serão
apenas expostas para que no capítulo seguinte possam ser analisadas à luz do conjunto
de conceitos que fundamentam esta tese.
117
Perguntou-se a todos o que seria ser jovem. Nota-se que, de maneira geral, os
entrevistados reproduziram as diversas representações socialmente construídas da
juventude, apresentadas anteriormente, no capítulo 1. Assim, juventude se associa a um
momento da vida, a uma fase de transição, pois ser jovem “é estar dividido entre ser
criança e ser adulto”. Essa “divisão”, por sua vez, é marcada por um duplo sentido: o de
diversão e o de responsabilidade. A juventude, portanto, aparece como um momento
único, no qual seria possível conjugar essas duas características. Assim, ao mesmo
tempo em que a juventude é dita como “fase de curtir a vida” também é identificada
como sendo o “momento em que você tem que ter responsabilidade”. Talvez por essa
razão a juventude seja representada como o momento de “ser livre, saber aproveitar a
vida com responsabilidade, a melhor e mais difícil fase da vida do ser humano”. Essa
afirmativa sintetiza ambas as características e expressa a leitura que esse jovem faz da
juventude: a fase mais difícil da vida. Talvez o sentido de transição, de incerteza e
insegurança diante da vida em transformação seja a causa dessa dificuldade.
As responsabilidades são consigo mesmo e com os outros. Consigo, por ser
também o momento em que o sujeito começa a definir o futuro, pois seria a “fase que
você tem que escolher como é que vai ser a sua vida” e “começar a ter ciência das
responsabilidades que a gente vai começar a ter, a partir dos 16, 17 anos”. Por essa
razão, ser jovem é visto como “um desafio” e a juventude, como “fase da
experimentação”. As responsabilidades com os outros se expressam, em grande medida,
como sendo responsabilidades com a casa e com a família. É também o momento em
que você “tem que arrumar a casa, tem que ajudar a mãe a olhar o irmão”. O outro,
nesse momento, restringe-se ao círculo social do jovem: familiares e amigos.
A primeira representação, portanto, identifica a imagem da juventude como
sendo um momento de transição, de definição, de novas responsabilidades e também de
curtição e diversão. Nesse momento, certa aceitação dos atos dos jovens. Tal
aceitação está fundamentada na idéia de que essa fase seria de preparação, algo como
acerto e erro e, portanto, o momento de viver as experiências intensamente. Idéia que se
expressa em falas do tipo: “Ser jovem é ser uma pessoa que gosta de se divertir
bastante, poder aproveitar; depois, dependendo da idade, não pode fazer”. Ou ainda:
“Ah, é brincar, zoar, porque depois que você fica velho não pode mais fazer isso”, isso
“porque o jovem pode tudo”. A juventude, portanto, é vista como o momento em que
118
tudo é possível de ser feito e quando tudo é aceito. O momento em que os ímpetos e
impulsos juvenis são tolerados pelo simples fato de se ser jovem. Falas como “o jovem
pode tudo” e “é agora que isso deve ser feito, pois depois você fica velho e não pode
mais fazer” expressam essa imagem
13
.
Por essa razão, a juventude é muitas vezes identificada por esses jovens como
“melhor fase da vida”, ou o “auge”, pois “quando você é jovem, consegue fazer tudo,
tem liberdade, está mais ágil, esperto, forte”. também nessa fala outra representação
da juventude: a idéia que associa o jovem a vitalidade, energia e disposição.
Uma última representação é aquela que associa a juventude ao futuro. Um
momento em que, não sendo mais criança, você se torna o futuro. Assim, afirmavam os
jovens entrevistados, que ser jovem “é estudar, sair, se divertir, mas também ter
responsabilidade, pensar que somos o futuro”, pois ser jovem “é ter novas idéias, e ser
útil, oferecer novas oportunidades de crescer e ver o mundo de outro jeito, uma
‘recebição’ de um futuro melhor”. Indagados sobre que futuro seria esse, a resposta foi
precisa: “É o futuro do mundo”. O jovem, portanto, é o sujeito sem presente e que
carrega a responsabilidade do futuro de todos. Tremenda responsabilidade, sem dúvida.
Mas se a juventude é vista como o momento em que “se está mudando de fase”,
o que diferenciaria o jovem da criança e do adulto? A resposta a essa pergunta foi
unânime para todos: o grau de responsabilidade e de conscientização de seus atos.
Idéias bem expressas nas falas de alguns dos jovens:
Quando você é criança, você é criado pelos seus pais, não tem tanta
responsabilidade. A partir do momento que você vira jovem você
tem que ter, tem que começar a pensar em estudar para começar a
procurar trabalho, porque se você não fizer isso, quando você chega à
fase adulta, você não vai conseguir uma vida estável (Ne., em
entrevista à autora, 2008).
O jovem sabe o que está fazendo e a criança é inocente. A criança faz
13
Viu-se no primeiro capítulo como essa relativa moratória dada aos jovens é uma construção que vem
desde a Idade Média quando eram toleradas as algazarras juvenis nas brigates, confrarias, bandos e
corporações. Essa tolerância foi sendo transmitida pelo tempo e incorporada a representação que os
próprios jovens tem de si e da juventude.
119
a coisa sem pensar; a partir do momento que a gente vira jovem a
gente já pensa (F., em entrevista à autora).
um claro marco que separa o que seriam esses três momentos da vida. A
passagem da infância para a juventude se daria quando se deixa de apenas brincar e
passa-se a “ter atitude”, ou “ter uma mentalidade mais alta”. Assim, o jovem “não é
mais criancinha que fica brincando. Você tem que saber o que fazer e tem que saber o
que vai acontecer para ter atitude”. Mas o que seria essa atitude? Explica-nos uma das
jovens entrevistadas: “A criança faz as coisas sem saber. Jovem tem que saber.
Criança tem menos. Quando a gente é jovem, a mãe exige mais, que a gente tenha mais
responsabilidade com aquela coisa que a gente está fazendo. Criança tem que ter uma
responsabilidade, mas é mínima” (Dy., em entrevista à autora, 2008).
Mas se a separação entre a infância e a juventude é feita a partir do momento
que o jovem se torna um sujeito responsável, então ser jovem é ser adulto? Não. Para o
adulto “a responsabilidade é maior. Você tem filhos. É maior”, tem que “trabalhar e
sustentar a família”. Mas o jovem não tem que ajudar? “Pode ajudar os pais, mas não
tem o compromisso de sustentar e pagar conta de água e luz” (Ac., em entrevista à
autora, 2008).
Além de ter mais responsabilidade, outro elemento que diferencia o adulto do
jovem. O adulto “não pode curtir a vida desse jeito” (o jeito dos jovens) e, portanto,
“não aproveita a vida”. Na fase adulta, portanto, “a responsabilidade pesa mais”, pois:
Quando você é jovem você quer sair. Você tem dinheiro. Se não tiver,
você se vira, pede a um, pede a outro. Você vai sair. Você não fica
dentro de casa, não. Agora, quando você já está saindo dessa fase,
você começa a ter mais responsabilidade. Não estou falando que
jovem não tem responsabilidade. Mas, na maioria das vezes, ele
quer se divertir, quer zoar” (Dc., entrevista a autora, 2008).
Ao jovem caberia “a parte mais vibrante”, pois “o jovem em geral é mais alegre,
animado, vibrante. O adulto não, se ele não for sério, ele é imaturo; o adulto é mais
120
parado, fechado”. Dois, portanto, são os elementos que diferenciam o jovem do adulto:
o grau de responsabilidade maior para os adultos e o fato de eles não “curtirem a vida”.
A esses dois soma-se outro aspecto mencionado por alguns jovens entrevistados:
a dependência em relação aos pais. Se quando se é criança essa dependência era total,
quando se é jovem ela se torna parcial, mas ainda existente. Ao se tornar adulto, a
independência em relação aos pais é total. Em realidade, essa condição é vista como
causa e efeito do fato de ser adulto. Assim, afirma um dos jovens:
Uma coisa que pode marcar o fim da juventude e o início da vida
adulta é quando você deixa de ser cobrado pelo pai não que ele
deixe de cobrar totalmente, porque acho que isso é dever dele –,
quando você não espera ele te cobrar e você mesmo se cobra. Por
exemplo, em vez de ele te dizer “você tem que arrumar emprego”,
“você tem que fazer isso e fazer aquilo”, é você pensar: “eu tenho que
arrumar emprego”, “eu tenho que fazer isso”, “eu tenho que fazer
aquilo”. É também quando você tem objetivos maiores: deixar de ser
dependente dos pais, ter sua renda própria, começar a ter seus bens
materiais, ter responsabilidade na vida; ter dinheiro também, porque
eu acho que isso é a base de tudo você ser independente; deixar de
esperar que os outros cobrem e se cobrar primeiro (Wy., em
depoimento à autora, 2008).
Essa independência é também o momento de assumir novas responsabilidades e,
portanto, de transformação para a vida adulta, pois “você só se sente responsável
quando mora sozinha, quando você resolve ser independente. Aí você tem que ter
responsabilidade, porque a partir do momento que você toma uma decisão você tem que
arcar com as conseqüências” (B., em entrevista à autora, 2008).
Mas quais, exatamente, seriam os acontecimentos que obrigam o jovem a se
tornar adulto e, com isso, ter maior responsabilidade? Os jovens entrevistados
identificaram três, que se relacionam: família (em especial, filhos), trabalho e casa. É
quando o sujeito sai de sua família de origem e constrói a sua, sendo independente dos
pais e se responsabilizando, portanto, com filhos, contas da casa etc. e, por essa razão,
121
trabalhando, que ele passaria então à fase adulta. Assim se expressam três dos jovens
entrevistados quando perguntados sobre o que significava o adulto “ter mais cabeça”:
Preocupar-se mais com as atividades dentro de casa. Minha mãe se
preocupa se tem conta de luz para pagar. A gente se preocupa em ir
para a lan house, ficar uma hora (X., em entrevista à autora, 2008).
Adulto tem filho para cuidar, tem coisa para fazer. Por exemplo, se
seu filho está doente, ele vai e pega o dinheiro, gasta com remédio,
hospital, tudo assim... (W., em entrevista à autora, 2008).
Os adultos geralmente têm filhos e, aí, começam a pensar em outras
coisas. O jovem, não. Vai para a balada (We., em entrevista à autora,
2008).
A passagem entre a juventude e a vida adulta, de acordo com as falas dos jovens
entrevistados, seria feita de duas formas: ao assumir uma família e através de um
emprego. Viu-se, no capítulo 1, que esse é o marco de transição que acompanha os
jovens desde a Antigüidade. Exercer o pátrio poder, casar ou ser chefe de família tem
sido historicamente vinculado à transição da juventude à vida adulta. A segunda, dada
pelo emprego, marcou principalmente a passagem dos jovens filhos de trabalhadores, a
partir do advento do capitalismo.
Sinteticamente, é possível afirmar que, para esses jovens, a infância é vista como
uma fase lúdica e de brincadeiras, um momento de ausência completa de
responsabilidades e de total dependência em relação aos pais. A juventude é tratada
como um momento de passagem, no qual o sujeito assume um grau maior de
responsabilidade, mas também de liberdade e autonomia em relação aos pais e de
alegria em relação à vida. Finalmente, na fase adulta, o sujeito parece se distanciar a
passos largos da alegria e da curtição da vida. A ele é reservada uma carga quase sobre-
humana de responsabilidades. Esse sujeito vive para trabalhar, cuidar da família e, em
muitas ocasiões, tolher a liberdade e espontaneidade típicas da juventude.
Perguntados sobre o que tem de bom em ser jovem, as respostas giraram em
122
torno da possibilidade de viver intensamente a vida, curtir a liberdade de circular mais
livremente e experimentar a vida com certo grau de autonomia em relação aos pais.
Condições essas que, de acordo com os jovens, seriam definidoras da própria juventude.
Assim, afirmam:
O bom é poder namorar (Cl., em entrevista à autora, 2008).
É bom não ter compromisso com nada (Jo., em entrevista à autora,
2008).
A brincadeira e o passeio (D., em entrevista à autora, 2008).
Uma parte é boa porque você pode namorar mais, chegar em casa
tarde. Sua mãe sabe que você tem mais responsabilidade (Va., em
entrevista à autora, 2008).
Ser jovem é bom porque você pode sair, ir ao shopping (Ac., em
entrevista à autora, 2008).
O bom de ser jovem é que você tem mais liberdade (Dy., em
entrevista à autora, 2008).
O bom de ser jovem é o início da sua liberdade. O mundo pode ir
contra, mas você tem como tentar, não depende de ninguém (Am., em
entrevista à autora, 2008).
Ah, o lado bom é que a gente pode sair e se divertir (Dn., em
entrevista à autora, 2008).
O lado bom é que a gente tem muitos amigos, a gente se diverte, a
gente faz muitas amizades (F., em entrevista à autora, 2008).
Perguntou-se então se poder sair, se divertir, ir ao shopping, passear, chegar em
casa tarde, em suma, poder circular livremente, seriam características comuns a todos os
jovens. A grande maioria respondeu que não, embora não conseguissem situar
exatamente o porquê. Apenas, Am. conseguiu esboçar uma idéia, ao afirmar que “a
maioria dos jovens não tem condição de sair para determinados lugares. Tem jovens que
não têm o dinheiro da passagem para ir até o Centro e voltar”.
123
Apesar de afirmarem que circular livremente pela cidade é uma vantagem da
condição juvenil, os mesmos jovens reconhecem seus limites, uns de forma imprecisa,
outros associando-o a uma restrição objetiva o dinheiro da passagem. uma clara
dualidade: de um lado, o desejo de estarem na rua, de viverem sua pretensa liberdade,
que a simples condição de ser jovem lhes daria; de outro, os limites em vivê-la.
Se as falas anteriores parecem indicar que ser jovem só é vantajoso, outros
entrevistados se posicionam de maneira distinta. Para eles, condições que tornam o
fato de serem jovens uma coisa também difícil. A primeira delas seria as novas
responsabilidades assumidas ao saírem da infância. Assim, falam os jovens:
O ruim é ter que estudar (D., em entrevista à autora, 2008).
De ruim é ter que arrumar a casa, ter que ajudar a mãe a olhar o irmão
(X., em entrevista à autora, 2008).
Ter que arrumar a casa. (Quando sua mãe está com raiva de você),
você ter que se virar para comprar roupa, sapato, calcinha (Va., em
entrevista à autora, 2008).
O ruim é que você tem que ajudar sua avó, seu primos, tem que olhar
eles, e tem que arrumar a casa (Ac., em entrevista à autora, 2008).
O ruim é que você tem que arrumar a casa, cuidar de primo (Dy., em
entrevista à autora, 2008).
Assim, as mesmas responsabilidades que os diferenciam da criança é vista como
algo pesado. Parece aqui se instalar um conflito entre o desejo de liberdade e os limites
impostos pela responsabilidade. Limites esses que muitas vezes são dados pelos adultos,
que são eles que obrigariam os jovens a cuidarem dos irmãos mais novos, da casa, a
estudarem etc. Talvez aqui se expresse certo temor que a vida adulta lhes causa. Um
medo de vir a perder a vitalidade e a energia próprias da juventude ao assumirem essas
responsabilidades. Temor esse bem expresso por Am., que quando perguntada sobre
qual sua expectativa, afirma que não quer “ficar chata, parar de brincar, quer
124
“permanecer vibrante”.
Mas, além da responsabilidade, há outros elementos que tornam a juventude uma
fase difícil, segundo a fala dos próprios jovens: a incerteza quanto ao futuro e os
preconceitos referentes à juventude.
A incerteza quanto ao futuro é marcada pela dificuldade de acesso ao emprego.
Assim, “o jovem não consegue arrumar emprego, porque acham que a gente não tem
responsabilidade” (Cl., em entrevista à autora, 2008). Na mesma direção caminha outro
jovem quando diz que “no Brasil, o jovem tem dificuldade de arrumar um emprego. Às
vezes, a família passa necessidade. Eles exigem que se tenha experiência, mas como é
que o jovem vai ter experiência se não tem emprego? Acho que existe muita dificuldade
nisso” (X., em entrevista à autora, 2008).
A insegurança quanto à entrada no mundo do trabalho é um elemento que torna
ruim o fato de ser jovem. Insegurança essa que, em alguma medida, é fruto de certo
preconceito sofrido pelos jovens. O que resulta no fato de que, em determinadas
situações, esses sujeitos, quando da busca de emprego, constroem outra representação
de si, procurando passar uma outra imagem. Mas qual?
De alguém em quem você possa confiar. Você chega com 18 anos e
eles ainda pensam que você é jovem. Aí, quando eu chego para uma
entrevista de emprego, eu tento passar para os outros uma imagem de
responsável, porque eu não quero que eles não me dêem um emprego
só porque eu sou jovem e posso me enquadrar nessa imagem (Wy., em
entrevista à autora).
Se por um lado, a própria condição juvenil é enaltecida, por outro é vista como
fonte de dificuldade para a entrada no mundo do trabalho e, portanto, no mundo adulto.
Isso porque seriam vistos como irresponsáveis e instáveis pelo simples fato de serem
jovens. Outro preconceito em relação à juventude, exposto pelos sujeitos dessa
pesquisa, refere-se à vinculação do jovem pobre à violência e/ou criminalidade. Parece
ser nesse sentido que Am. afirma que “o ruim em ser jovem são os rótulos e o
preconceito. Por exemplo, se tiver dois idosos ou uma mãe com o filho no colo e dois
125
jovens, à noite, na rua, a polícia vai dar batida nos jovens” (Am., em entrevista à autora,
2008).
E o que o restante da sociedade espera dos jovens? Que imagens se constroem
dos jovens? Para os entrevistados, as imagens e as expectativas depositadas nos jovens
não seriam muito positivas. Os jovens entrevistados afirmam que as representações que
se tem da juventude, hoje, estão relacionadas a irresponsabilidade, violência,
descompromisso e rebeldia. O conjunto desses elementos construiria uma representação
negativa dos jovens na sociedade. Assim, afirmam os entrevistados que “a imagem que
as pessoas têm é que alguns jovens são violentos e irresponsáveis” (W., em entrevista à
autora, 2008), pois o restante da sociedade acharia que “jovem bebe, faz bagunça e
briga” (G., em entrevista à autora). Portanto, os jovens seriam, segundo essa
representação, sujeitos “sem educação e rebeldes” (Th., em entrevista à autora, 2008).
Para os entrevistados, estão no próprio jovem as razões explicativas dessas
imagens negativas, porque “a maioria dos jovens não tem responsabilidade. Tipo assim:
gravidez na adolescência, uso precoce de drogas” (Le., em entrevista à autora, 2008).
Ou ainda pela afirmativa de que “muitos perderam a esperança nos jovens, porque
muitas meninas novas arrumam filho cedo, outros estão metidos com droga” (G., em
entrevista à autora).
Uma jovem, no entanto, identificou outro elemento importante na produção
dessa imagem negativa da juventude: os meios de comunicação de massa que, segundo
ela, “se preocupam muito com o tráfico. mostram o lado negativo” (Je., em
entrevista à autora, 2008). Outros trouxeram a dimensão espacial como elemento
definidor dessas imagens. Comparando o seu bairro a outro, um jovem afirmou que, em
geral, a sociedade teria uma “imagem ruim, do meu até que nem tanto, mas do Dom
Bosco...” (Wy., em entrevista à autora, 2008).
Essa dimensão também se manifestou quando questionados sobre o que
achavam que a sociedade esperava dos jovens. Para um jovem residente em Santa
Cândida, “no bairro, não esperam nada. Em outros bairros, esperam a faculdade. Mas
no Santa Cândida não tem nada disso, não. Eu não vou fazer. Você vai?” (We., em
entrevista à autora, 2008). A fala do jovem mostra com clareza a associação entre o
bairro no qual vive e a expectativa depositada nos jovens que lá residem. Para o
126
entrevistado ela é nula. Na medida em que não se espera que esse jovem tenha um
horizonte profissional (faculdade, emprego qualificado etc.) quase que automaticamente
seu futuro é associado a violência e criminalidade. O simples fato de ser jovem pobre e
de bairro periférico coloca para ele, como única possibilidade, um futuro negativizado e
um presente inexistente. We., em sua fala, manifesta ter ciência dessa representação
elaborada pelo restante da sociedade.
Os entrevistados, em geral, construíram a representação que os outros têm dos
jovens a partir da sua situação específica ou, ainda, do lugar em que se encontram no
mundo. Por isso justificam a produção dessas imagens a partir de atitudes, experiências
e situações próprias ao fato de serem jovens pobres e moradores da periferia da cidade.
Mas também aqueles que vincularam essas imagens a algo positivo, pois o
restante da sociedade entenderia “que os jovens podem, de certa forma, mudar o dia de
hoje” (Th., em entrevista à autora, 2008) e, dessa forma, “esperam que a gente melhore,
porque as pessoas mais velhas não têm mais muito tempo para fazer as coisas, aí, tudo
vai depender da gente” (F., em entrevista à autora, 2008).
Esse sentido de devir também é marcado por uma contradição. Marca
explicitada por outra jovem, que afirma achar “que eles esperam o melhor, que eles
façam a diferença, mas, ao mesmo tempo, a sociedade desacredita nos jovens. Tem
alguns que ainda acreditam que a gente possa conseguir algo melhor, mas a maioria
acha que não, que é impossível” (Am., em entrevista à autora, 2008). Assim, se esses
jovens seriam representados como expoentes do futuro, por outro lado, essa imagem é
conflituosa com a do jovem irresponsável, ou do jovem sem futuro.
Novamente o jovem representa a si mesmo como futuro, negando seu presente.
Um futuro que, no entanto, é cada vez mais vetado ao jovem pobre. As representações
de juventude, muitas delas reproduzidas nas falas dos próprios jovens, acabam
contribuindo para a invisibilidade desses sujeitos: um sujeito sem presente e que se
direciona para um futuro cada vez mais restrito; vivendo em bairros periféricos; que tem
visibilidade somente quando se torna protagonista de atos violentos ou quando circula
em espaços não reservados a ele, colocando-se de forma ruidosa ou inesperada pela
cidade.
127
3.4. Os jovens dizem o que é cidade, o que ela deveria oferecer e o que mudariam nela
O que distingue os jovens? O que é ser jovem na cidade deles? Os jovens são
iguais em qualquer parte da cidade? Essas perguntas ajudaram a nortear a pesquisa
sobre a relação que os jovens constroem com a cidade. O objetivo era procurar
identificar de que maneira esses sujeitos percebem as distinções e desigualdades sócio-
espaciais que vivem. O que significa ser jovem em Juiz de Fora? A proposta era
perceber quais as imagens que eles têm da cidade e de que maneira eles formam uma
auto-imagem de jovem urbano.
O que é cidade para esses jovens e que imagem eles constroem de sua cidade?
Suas respostas puderam ser reunidas em quatro grupos. No primeiro, a cidade é definida
apenas como sendo o lugar onde se vive. Assim se expressam dois jovens ao afirmarem
que “a cidade é onde a gente mora” ou ainda, “é onde eu vivo, mas eu acabo me
prejudicando por causa da violência”. Nesse segundo depoimento, o jovem traz o que
seria outra característica que para muitos é definidora da cidade: a violência.
No segundo grupo, a cidade é associada a determinadas funções bem como ao
sentido de aglomeração. Assim, define um jovem “que cidade é área de comércio”, mas
também “é um lugar onde tem moradores, comércio, mercado, tem festas, shows, ruas,
carros”. Assim sintetiza a jovem ao afirmar que “a cidade é tudo que está ao nosso redor
– os prédios, as casas”.
Outro sentido atribuído à cidade é o que se refere à velocidade. A cidade é o
espaço do movimento, onde tudo acontece de forma veloz. Assim, nos diz uma jovem
que a cidade “é um lugar de muito movimento”. Talvez por essa razão a “cidade seja
um outro jeito de vida. É mais corrido para os trabalhadores”. Interessante notar que ela
define com clareza para quem esse tempo é corrido: para os trabalhadores. Talvez a
identificação do tempo seja o tempo para e do trabalho. Mas a cidade não é o tempo
do trabalho. É também o lugar onde vomais mulheres bonitas” e o “lugar de ter
lazer”.
Para esses jovens, a cidade se constitui como espaço de diversidade” e também
o “lugar onde vivemos e convivemos com várias pessoas” e, por essa razão torna-se
128
“local onde exercemos nossa cidadania nos relacionando com as pessoas”. Nesse
sentido, a cidade é “um lugar formado por um grupo de pessoas, ou seja, cidadãos.
Onde encontramos muitos pontos interessantes em que conhecemos. É um lugar onde
existem direitos e deveres”. Nessas falas encontra-se o quarto sentido dado à cidade. A
cidade é vista, por esses jovens, como um espaço de trocas e convivências.
Resumindo: para os jovens entrevistados, a cidade é o lugar onde vivem e se
caracterizaria pela aglomeração e diversidade (carros, pessoas, prédios). Essa
aglomeração e diversidade dariam o sentido de um tempo veloz, no qual tudo ocorre
com rapidez, desde a circulação dos carros, pessoas, até acontecimentos. Mas também é
o lugar do prazer, do lazer e “das garotas bonitas”; o lugar onde se convive com outros,
com o diverso, abrindo, dessa forma, a possibilidade da política.
Definido o sentido de cidade, caberia perguntar como eles viam a sua cidade.
Esta foi representada de duas formas. Uma primeira, construída a partir de uma imagem
de insegurança e poucas oportunidades. A segunda, associada à imagem oposta: um
ambiente de tranqüilidade, segurança e oportunidade.
No primeiro caso, Juiz de Fora, ao ser comparada com outras cidades de maior
porte, é vista como um lugar tranqüilo e de maiores oportunidades. E, por isso, ser
jovem nela é algo bom. Assim falam os jovens ao serem questionados se gostavam de
ser jovens em Juiz de Fora:
Eu acho bom também. É mais tranqüilo e também tem mais
oportunidades de emprego. Eu acho que aqui tem mais empregos (F.,
em entrevista à autora, 2008).
Eu acho bom. Tem cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, tem
cidades que são mais pobres... como Juiz de Fora (Dn., em entrevista à
autora, 2008).
Não é tão violento como Rio, São Paulo (W., em entrevista à autora,
2008).
Tem muito jovem que sonha em sair de JF. Eu acho que JF é uma
129
cidade muito boa para o desenvolvimento do jovem (D., em entrevista
à autora, 2008).
Tem tudo que você precisa. Bar, boate, liberdade. Para mim, tem tudo.
Aqui tem tudo. Não tenho nada que reclamar daqui, não (Le., em
entrevista à autora, 2008).
Juiz de Fora, para mim, é um local bem tranqüilo em relação ao Rio
de Janeiro, São Paulo. Aquele movimento o dia todo,
congestionamento... A cidade é muito mais tranqüila. Tem violência,
mas se for comparar a outras cidades aqui é muito bom (Ig., em
entrevista à autora, 2008).
Eu gosto muito daqui. É uma cidade que te oportunidade de
emprego. É um lugar bom para se morar (Va., em entrevista à autora,
2008).
A menor violência, a maior tranqüilidade e a maior oportunidade de emprego e
lazer são os elementos que, na fala desses jovens, fazem com que Juiz de Fora seja uma
boa cidade de se viver.
De maneira oposta se expressam alguns outros jovens. Assim, aqueles que
constroem uma imagem não tão positiva da cidade afirmam:
Eu vejo Juiz de Fora como uma cidade pouco violenta com relação às
outras, mas que também não tem muito emprego. Falta emprego e
oportunidade (Dn., em entrevista à autora, 2008).
Eu vejo como uma cidade um pouco violenta, perigosa. (G., em
entrevista à autora, 2008).
Para mim, ser jovem em JF é não poder sair de casa com segurança
porque você corre o risco de ser assaltada. Tem violência (Th., em
entrevista à autora, 2008).
130
Nota-se que as falas indicam dois elementos definidores da visão negativa da
cidade: a ausência de empregos e o risco da violência. No entanto, esses dois não
precisam necessariamente caminhar juntos, como indica a primeira fala. A jovem não
acha a cidade violenta, mas afirma a pouca oportunidade existente. Talvez seja possível
afirmar que para esses jovens é a falta ou dificuldade de conseguir emprego a principal
razão que faz do ser jovem em Juiz de Fora uma experiência não muito fácil.
Preocupação que se fundamenta quando se considera o baixo crescimento do
emprego formal na cidade. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, o crescimento
médio anual do emprego formal na cidade varia de 3,5 a 6,2%. A microrregião de Juiz
de Fora apresenta crescimento da ocupação abaixo da média de Minas Gerais, que foi
de 4,9% ao ano. Fortemente influenciada pelo município de Juiz de Fora, que concentra
75,6% da mão-de-obra ocupada no setor formal, na microrregião de Juiz de Fora esse
percentual foi de 3,6% ao ano. o crescimento médio anual do município de JF foi de
apenas 2,2%, sendo que é no setor de serviços onde se concentra o maior percentual de
empregos (53,9%).
A breve caracterização do setor de emprego na cidade parece confirmar as
inquietações dos jovens. Em realidade, a preocupação com o emprego apareceu em
muitas das falas dos jovens. Tanto para definir a visão que a sociedade tem dos jovens –
como visto anteriormente –, para apresentar as dificuldades da cidade, bem como para
construir as imagens do que precisa ser mudado na cidade, daquilo que a cidade deveria
oferecer aos jovens e de qual seria a cidade ideal.
Perguntados sobre o que a cidade deveria oferecer aos jovens, muitos afirmaram:
Emprego (Wy., em entrevista à autora, 2008).
Mais oportunidades, primeiro emprego, responsabilidade mais cedo.
Ter lugares de lazer que todos freqüentem, desde um crente lá da
Universal até um funkeiro, um roqueiro, onde entra tudo, sem
discriminação nenhuma. Existe muita panelinha, muito individualismo
da parte dos jovens: “Eu só vou andar com quem eu gosto”, “só da
minha turma”. Acho também que devia ter muito curso, investimento
mesmo no jovem (Le., em entrevista à autora, 2008).
131
Acho que em relação a emprego. pouco tempo eu ia entrar num
programa da Útil que ia me dar uma bolsa de 200 reais para eu fazer
curso de mecânica, embora eu não goste muito. que eles não
vêem que eu estudo a noite e que para você mudar de turma no
Normal não é uma coisa que você consegue para a semana que vem.
Eu tive que dispensar. A maioria dos jovens, hoje, que realmente
precisa, estuda a noite (D., em entrevista à autora, 2008).
Eu acho que deveria investir mais nessa coisa do primeiro emprego.
Como é que vai ter experiência se não tem o primeiro emprego (Wy,
depoimento a autora, 2008)?
Mais emprego, oportunidade, mais vagas também na universidade,
salário melhor, melhores condições de vida, mais Bolsa Família, Bolsa
Escola, porque tem um monte de gente que precisa (G., em entrevista
à autora, 2008).
Emprego, lazer com segurança (Am., em entrevista à autora).
Além do emprego, os jovens também destacaram a necessidade de lazer e de
formas mais baratas de acesso aos equipamentos culturais. Assim, por exemplo:
Eu gosto de teatro, cinema. Está bom, mas acho que quanto mais
melhor. Teatro, tem uma falha muito grande aqui, porque quando tem
teatro é de um acesso bem restrito. Acho que tem que ter uma casa
mais acessível para determinadas pessoas, porque, hoje em dia, se
você quer ir a uma casa de teatro mais estruturada você paga bem caro
(Li., em entrevista à autora, 2008).
Outro elemento refere-se a políticas voltadas aos jovens. Assim, nas falas de
alguns deles:
132
Muitas pessoas passam fome. Acho que a cidade oferece muitas
coisas, mas as pessoas às vezes o aproveitam. Mas podia melhorar,
tirar os jovens da droga, fazer palestra sobre gravidez... Na minha sala,
tem uma menina grávida. Ela é pobre, não trabalha, não tem a menor
condição (G., em entrevista à autora, 2008).
Mais projetos, tipo assim, ficar na escola o dia inteiro. Devia ter uma
piscina, um futebol, ter mais projeto mesmo. Alguma coisa que faça o
aluno estar dentro da escola e que ele não queira estar fora da escola
arrumando confusão (Dy., em entrevista à autora, 2008).
Algumas falas apontavam para a necessidade de mudar a relação entre eles e o
restante. O que significaria, em grande parte, mudar as imagens que se tem dos jovens.
É nesse sentido que alguns afirmam que a cidade deveria “mudar as pessoas, para ter
mais respeito”, oferecer “mais respeito com os jovens” e mudar “no bairro as pessoas
mal influenciadas. Na cidade, a mesma coisa, e os policiais também. Tem uns policiais
que gostam de bater” (W., em entrevista à autora, 2008).
Alguns jovens afirmam que a cidade ideal seria aquela “sem corrupção, sem
violência; acho que todo mundo tinha que ter condição financeira igual” e “onde tivesse
igualdade”. Seria um lugar com “pouca violência, distribuição igual de equipamentos,
emprego para todos, educação de qualidade e muito lazer” (Ne., em entrevista à autora,
2008). Ou ainda, como sintetiza uma jovem, “onde tivesse emprego, onde não tivesse
tanta diferença entre salários; o país está muito capitalista, uns poucos com muito, e
muitos com pouco – acho que tinha que ser socialista” (G., em entrevista à autora).
Nota-se claramente que as representações que os jovens construíram sobre o que
a cidade deveria oferecer a eles, o que precisaria mudar na cidade e qual seria a cidade
ideal referem-se às representações que têm da sociedade e do que ela deveria oferecer,
mudar e ser.
Clark (1991:36) nos lembra que “os habitantes urbanos, contudo, raramente
possuem uma tal visão nítida das cidades em que moram. Para eles a cidade é uma
coleção de símbolos e valores baseados sobre familiaridades, impressão e experiência
pessoal”. Nesse sentido é possível afirmar que a cidade existe em uma ampla gama de
133
possibilidades. É isso que expressam as falas dos jovens. No entanto, as familiaridades,
impressões e experiências são, em muitos casos, forjadas a partir do lugar concreto em
que eles se encontram: com poucas oportunidades de emprego, sem acesso a lazer,
morando em bairros periféricos e tendo sua circulação restrita. A cidade, portanto,
aparece a esses jovens como violenta, carente de empregos e cujo acesso a cultura e
lazer é consideravelmente restrito. Os jovens refletem em suas falas as suas próprias
condições e a de seus bairros. Nesse sentido, pode-se apontar para o pouco uso e,
conseqüentemente, apropriação que esses jovens fazem da cidade.
A solução encontrada pelos jovens? “Ia criar um muro para separar rico de
pobre, se alguém pular... morre” (We., em entrevista à autora, 2008). Parece que sua
situação não é assim tão alienada. Mas talvez a solução lhe seja algo muito distante.
Sendo essas as imagens da cidade, quais são as de seus bairros? Para identificá-
las foi perguntado como viam seu bairro e como achavam que os outros o viam?
Para um primeiro jovem, “o bairro não faz parte da cidade” (We., em entrevista
à autora, 2008). Perguntado o porquê, responde: “Porque é muito diferente”. Essa
imagem é corroborada por outro jovem, morador do mesmo bairro, que afirma: “Meu
bairro parece outro mundo, o jeito de se vestir das pessoas no centro da cidade é
diferente, o jeito de falar” (W., em entrevista à autora, 2008). O bairro: Santa Cândida.
A primeira imagem, portanto, é de uma clara distinção do seu bairro em relação
ao restante da cidade. Essa diferença, no entanto, é identificada não pela forma do bairro
ou pela ausência de serviços e equipamentos, mas pelos seus moradores. Pelo hábito,
jeito e aparência daqueles que vivem no bairro. Os entrevistados expressam aqui a clara
distinção existente no que toca a condição de ser jovem. Os jovens são múltiplos, assim
como são muitas as juventudes.
Apesar dessa imagem, todos os jovens moradores de Santa Cândida afirmaram
gostar de viver no bairro. Os motivos, em sua ampla maioria, remetem às relações
afetivas. São, desse modo, as relações pessoais e as experiências afetivas que dão
significados aos seus bairros e à própria cidade. Assim, muitos afirmaram gostar do
bairro porque nasceram lá e porque é lá que estão os amigos, a família.
134
Gosto. É um ambiente legal para viver, ter amizade. Aqui vive tendo
pessoas para conhecer. fica legal morar aqui no bairro (Fe., em
entrevista à autora, 2008).
É um lugar tranqüilo. Conheço a maioria. É uma comunidade legal
para crescer, viver. Nasci aqui, todo mundo me conhece (B., em
entrevista à autora, 2008).
Todo mundo aqui me conhece. Tem o cotidiano de ir para a escola,
cumprimentar todo mundo (W., em entrevista à autora, 2008).
Para X., há outro elemento que explica por que gosta de seu bairro. Diz a jovem:
“Eu gosto. É um bairro legal. Ele vive a mesma realidade que vivem outros bairros da
Zona Leste” (X., em entrevista à autora, 2008). A jovem parece apontar para a
compreensão de que existe certa homogeneidade
14
entre os bairros periféricos, o que é
visto por ela como algo positivo.
E qual seria a imagem que o restante da cidade tem de Santa Cândida? Para
esses jovens, ela varia de acordo com os bairros da cidade. A mesma X. afirma:
Depende do lugar. Se for um bairro mais central, Santa Cândida é
muito perigoso. Têm uma imagem de São Benedito e Vila Alpina.
Mas se a gente descer lá embaixo, os perigosos somos nós. Quanto
mais alto, mais perigoso para eles. Agora, bairro vizinho, nada a ver,
não, todo mundo sobe, todo mundo desce (X., em entrevista à autora,
2008).
Novamente, a jovem expressa a compreensão das distinções espaciais existentes
na cidade. Santa Cândida, situado no alto de um morro, próximo ao centro da cidade, é
visto, de forma geral, como um bairro perigoso. A jovem, contudo, salienta que essa
visão depende de onde se está. Assim, para os bairros mais centrais, ou bairros “de
baixo”, a imagem é essa. Mas nos bairros vizinhos a Santa Cândida, aqueles que “vivem
a mesma realidade”, essa imagem não se realiza. No entanto, afirma essa jovem e outros
também residentes no bairro, que a imagem geral que se tem “é de briga” e de que “aqui
é violento demais”.
14
O que não significa afirmar a inexistência de heterogeneidades nos bairros periféricos. Para essa
discussão ver Marques e Torres (2005)
135
Para os jovens moradores de Granjas Bethânia, a imagem que se destaca é a da
completa ausência de equipamentos e a grande distância em relação ao centro da cidade.
Há, entre eles, uma certa sensação de isolamento em relação à cidade, pois em seu
bairro “não tem nenhuma diversão. Não tem nada. Não tem uma praça, não tem uma
sorveteria para tomar um sorvete, não tem forma nenhuma para se divertir. A gente
acaba tendo que ir para outro lugar” (Va., em entrevista à autora, 2008). Questionado
sobre o porquê dessa situação, um dos jovens respondeu: “Eu acho também que é
desprezo por ser um bairro tão longe assim do centro” (Th., em entrevista à autora,
2008).
O jovem, portanto, expressa com clareza a condição periférica de seu bairro. No
entanto, parece inverter a lógica. É como se Granjas Bethânia não tivesse equipamentos
urbanos pelo simples fato de ser distante. Esquece, talvez, que outros bairros também
distantes do centro possuem esses equipamentos. Completa outro jovem, ao afirmar que
a ausência desses equipamentos se explica pelo fato de Granjas Bethânia “também ser
um bairro de maioria de moradores pobres” (Ig., em entrevista à autora, 2008). Para Ig.,
há um outro elemento de explicação: as características da população local, para o rapaz,
é o motivo do pouco investimento no bairro. Perguntado sobre o que mudaria no bairro,
um dos jovens respondeu: “Eu colocaria um pouco mais perto do Centro”.
Os jovens de Dom Bosco, assim como os de Santa Cândida, expressam a
imagem de seu bairro também através das relações afetivas construídas ao longo de suas
vidas. Assim, diz uma das jovens:
Fui nascida e criada aqui, minha mãe também, não vejo como tão
violento como dizem, nunca aconteceu nada comigo, não sei se é
porque eu sou do bairro. Minha irmã, uma vez, estava com uma amiga
no São Mateus, um cara foi assaltar e só assaltou a amiga dela,
não levou nada dela. A gente acha que o cara deve ser aqui do
Chapadão quando viu que era ela, não roubou, entendeu? Mas eu
vejo como um bairro bom (G., em entrevista à autora).
A fala da jovem sinaliza, de um lado, a visão positiva que tem do bairro, que
136
foi que nasceu e se criou. Também mostra uma sensação de segurança e proteção por
estar no seu bairro de origem, explicitando, claramente, os nculos afetivos e de
solidariedade existentes no lugar. Assim, quando o assaltante age, não rouba aquela que
ele reconhece como sendo também moradora do bairro. Também ratifica, por outro
lado, a imagem tão comumente associada ao bairro violência e a seus moradores
bandidos.
Para Dl. e Jp., a imagem que têm do bairro “é boa” e “tudo de bom”. Mas o que
haveria em Dom Bosco que faz com que ele seja “tudo de bom”? Jp. responde: “As
pessoas, capoeira, pagode, reggae band, futebol, as pessoas do futevôlei”. Para esses
jovens, portanto, são as atividades que realizam no bairro e os seus moradores as razões
que explicam por que o bairro é tão bom. Dl. completa sua fala dizendo que “até que
aqui não é muito ruim, a imagem daqui de cima. Falam de Chapadão”.
Imediatamente Jp. concorda, afirmando: “Eu era um que falava do Chapadão. Mas não
é assim. Tanto é que a minha namorada mora aqui”. Nas falas o reconhecimento da
imagem negativa que o restante da cidade tem do bairro.
A identificação que os jovens de São Pedro fazem de seu bairro também é
positiva. Wy., mesmo afirmando que “São Pedro está tendo problema de violência”, diz
que ainda assim eu acho que é melhor morar aqui” (Wy., em entrevista à autora,
2008). Para ele, as únicas coisas que faltariam no bairro seriam “loja grande e escola.
Aqui o que falta é escola”
15
. Para Le.,
São Pedro tem tudo que a gente precisa. É tudo perto. Tem farmácia,
tem dentista, tem caixa eletrônico, tem tudo. Eu acho que tem uma
infra-estrutura muito boa, ainda mais se comparado a outros bairros.
Tem bairros que nem têm padaria. (Le., em entrevista à autora, 2008).
O jovem Wy. concorda: “Se aqui tivesse escola eu não ia sair daqui. Se tivesse
escola aqui e uma loja dessas de eletrodoméstico acho que nem daqui precisaria sair. A
15
O jovem faz menção a uma escola de nível médio. Há no bairro apenas duas escolas de nível
fundamental. Após concluírem esse nível os jovens precisam se deslocar para outros bairros, dirigindo-se
especialmente ao Centro. Atualmente, está em andamento a obra de uma escola de ensino médio no
bairro.
137
não ser para lazer mais badalado, tipo cinema. Mas, mesmo assim, abriram aquele
shopping (Independência) que é perto daqui” (Wy., em entrevista à autora, 2008).
Para D., no entanto, o bairro não deveria mais abrigar grandes investimentos,
pois “tem que ter um aconchego. Vamos supor que criem um shopping aqui. está
acontecendo. Vão enfiando prédio em tudo quanto é buraco, prédio e casa popular” (D.,
em entrevista à autora, 2008).
D. assim se expressa:
Muita gente reclama que quer morar no centro, mas em São
Pedro, se você quiser dar uma respirada, você tem a universidade.
Assim, todo mundo quer morar no centro. Mas, às vezes, você não
pensa que morando no Centro você não tem sossego. Eu acho que São
Pedro é um bairro bom justamente pela sua diversidade. Eu tenho
amigos que são muito mais simples, até financeiramente, em questão
de estudo. Mas eu também tenho amigos que são muito mais ricos que
eu, que moram em loteamentos fechados. Disso eu gosto em São
Pedro (D., em entrevista à autora, 2008).
Sua fala identifica a heterogeneidade como algo bom no bairro. A possibilidade
de conviver com diferentes pessoas, os amigos mais simples” e os “muito mais ricos”,
para o jovem, lhe proporcionaria uma experiência positiva. De fato, o bairro de São
Pedro distingue-se dos demais apresentados pela grande heterogeneidade sócio-
econômica que, obviamente, manifesta-se de diferentes formas no espaço. áreas
muito pobres, como o Beco da Baiuca, loteamentos clandestinos e irregulares, como
Adolpho Vireque, conjuntos habitacionais, como o Caiçaras. Mas também convivem
nesse bairro, lado a lado com essas áreas mais pobres, loteamentos fechados de alto
padrão, como Spina, Portal da Torre, Colinas do Imperador e outros.
Mas se, para D., essa diversidade é vista como uma vantagem do bairro, Le. não
compartilha da opinião. Ao contrário, para ela, “agora veio muita gente de fora para cá,
por isso misturou muito. Essa diversificação de pessoas de outros lugares, talvez isso
possa ter prejudicado o bairro” (Le., em entrevista à autora, 2008). Mas a que
138
diversidade ela se refere? Quem são essas pessoas que vieram de outros lugares e que
teriam prejudicado o bairro? A jovem responde: “Agora eles descobriram o tamanho de
São Pedro e estão enfiando casa popular em tudo quanto é lugar” (Le., em entrevista à
autora, 2008). Para ela, o que prejudica o bairro é a vinda de pessoas mais pobres.
Referindo-se especialmente a um novo conjunto habitacional construído
recentemente no bairro, Wy. é categórico: “Eu não queria morar lá”. Por quê ? “É muito
visado em termos de violência. Quando eu fui assaltado, me perguntaram se eu era de
Bom Pastor”. Le. parece entender o que o jovem estava dizendo, pois, em seguida,
afirma: “Lá você não pode ser branco, não”.
Além da heterogeneidade vista ora como algo positivo e ora como negativo
outro aspecto que foi destacado pelos jovens é a existência de áreas verdes. A região de
São Pedro caracteriza-se pela existência, em seu entorno, de muitas áreas verdes,
vegetação ainda preservada nas encostas de seus morros. Vale lembrar que São Pedro
situa-se numa região alta da cidade. Além dessa vegetação, o campus da
universidade, que também tem extensa arborização.
E., participante do JF na Paz, identifica nesses dois aspectos as razões de gostar
do bairro. Para ela, São Pedro é “um bairro muito legal. Tem muito verde. A gente tem
praça, tem hospital, tem a universidade para a gente brincar” (E., em entrevista à autora,
2008). Y. também aponta a existência de áreas de lazer como um elemento positivo do
bairro. Afirma o jovem gostar do bairro, pois “lá em Santa Cruz não tem nada nos dias
de férias. Aqui tem um monte de gente e lugares para brincarmos” (Y., em entrevista à
autora, 2008). Y. veio de outro bairro, Santa Cruz, bairro situado na Zona Norte da
cidade, mais adensado e bem distante do Centro. Ao comparar seu bairro de origem
com o atual, Y. coloca na existência de áreas de lazer o elemento diferencial.
Mas se, para todos eles, São Pedro é visto como um bairro bom de se viver, para
outros, não seria tão bom assim. Di. é categórica ao afirmar que seu bairro é “um lixo.
Não tem nada lá. É muito parado, não tem nada” (Di. em entrevista à autora, 2008).
Outras jovens relativizam e identificam o que seriam os problemas. Assim descrevem
seu bairro:
No meu bairro tem muito garoto bonitinho. Chega um ponto que é
139
asfalto, chega outro que é muita terra, muita sujeira. O campinho, que
era limpinho, agora está cheio de lixo (Ac., em entrevista à autora,
2008).
Meu bairro é legal, mas está faltando uma quadra de esporte para a
gente poder se divertir, está faltando um parque, faz falta. Igual à
quadra de São Pedro. Tem lá, mas se a gente sair daqui para jogar
vão querer bater na gente. Está faltando uma coisa para a gente fazer
de lazer (Dy., em entrevista à autora, 2008).
Para Ac., a existência de “garotos bonitinhos” é algo que faz com que seu bairro
seja bom. Contudo, a jovem percebe as carências urbanas do bairro: ruas de terras e
sujeira, inclusive na área de lazer.
A colocação de Dy aponta para outro elemento que estava expresso na fala
dos demais jovens: a heterogeneidade produz territórios distintos no interior do próprio
bairro. Os jovens constroem territórios, dentro do bairro, nos quais podem ou não
circular. Para os primeiros jovens, determinadas áreas são vistas como violentas, mesmo
estando no mesmo bairro. eles não podem ir, pois, por serem brancos, estão sujeitos
a assaltos. Já Dy. sinaliza para a ausência de áreas de lazer em seu bairro e afirma que a
quadra que tem em São Pedro não pode ser utilizada por ela. Mas ela também não mora
em São Pedro? Parece que não. A parte em que mora no bairro não é identificada por
ela, nem pelos outros, como sendo São Pedro, embora administrativamente faça parte da
grande São Pedro.
uma clara repartição do bairro em territórios. É como se São Pedro fosse
apenas a área situada próxima à igreja, onde tem uma praça, recentemente reformada
pelo poder público municipal, e ao lado de uma das duas escolas municipais que
existem no bairro. Além dessa área, o outro recorte é feito pela proximidade em relação
à universidade. Delimita-se outra região do bairro por essa proximidade. Nela também
estão inclusas a outra escola, o posto médico e a delegacia de polícia. Em torno destas
existem as periferias do mesmo bairro. Nas primeiras áreas, vivem os jovens D.,Y., E.,
Wy. e Le. São nessas “periferias” que vivem Dy. e Ac. O bairro reproduz em um
microcosmo as distinções espaciais da cidade.
140
3.5. Os jovens falam o que é ser jovem na cidade: desigualdade, diferença e distinção
Uma vez compreendidos quais os sentidos que a juventude, a cidade e seus
bairros tinham para os jovens, cabia agora indagar quais as representações que tinham
de ser jovem na cidade. Para isso, foram feitas algumas perguntas que permitissem
trazer à tona essas imagens. Inicialmente, o que é ser jovem na cidade. Em um segundo
momento, pediu-se que eles pensassem se ser jovem era a mesma coisa
independentemente do bairro onde residiam. De maneira a objetivar melhor a questão,
optou-se por indagar se ser jovem em seu bairro era o mesmo que ser jovem em Alto
dos Passos bairro nobre da cidade ou de Dom Bosco e Santo Antônio bairros de
extrema pobreza. Feitas essas perguntas, o exercício seguinte foi o de tentar identificar
por onde esses jovens andam e por onde não andam. Ficam muito tempo em casa? O
que tem na rua que os atraem e os repelem? A que lugares evitam ir e por quê? A idéia
era traçar um mapa dos usos da cidade. Os resultados serão apresentados na relação
jovem/bairro.
Perguntou-se aos jovens de São Pedro o que significa ser jovem na cidade. Para
Le., “ser jovem na cidade é ser feliz, é ser alegre, gostar de sair. Mas a maioria dos
jovens não tem condição de sair para determinados lugares; tem jovens que não têm o
dinheiro da passagem para ir ao centro e voltar” (Le., em entrevista à autora, 2008). Já
em sua fala a jovem identifica uma distinção de renda.
Para R., de 18 anos, “ser jovem na cidade é ser muito julgado como preguiçoso”.
Lt. acha que ser jovem “é ser o alvo mais atingido na cidade. O jovem é culpado por
muitas coisas. Não quer estudar, é trombadinha. O jovem é o mais atingido, por
coisas ruins”. Por fim, para Am., ser jovem
é ser discriminado, porque o jovem é vândalo, ele não faz nada. Eles
generalizam a gente. Mas a gente é trabalho, é usuário da saúde, está
presente na política. A gente faz a cidade, é parte dessa sociedade.
Mas eu acho que a gente é discriminada. A criança é protegida porque
ainda não tem a personalidade definida e não é considerada capaz. O
adulto discrimina a gente porque nos acha irresponsáveis, e o idoso,
141
que também é protegido pelo fato de ter vivido mais e estar numa
fase de cansaço, nos discrimina pelas diferenças” (Am. em entrevista à
autora, 2008).
Para Am., a representação que se tem dos jovens na cidade é atravessada pela
discriminação que, por sua vez, é produzida pelo único fato de serem jovens. Todavia,
se, de um lado, Am. explicita como para ela os jovens são vistos, de outro, ela reafirma
a necessidade de reconhecimento de um lugar seu na cidade, situando suas funções e
usos na e da cidade.
Mas, para o rapaz R., ser jovem na cidade também é “ser informado e ter lazer”.
Assim, a cidade aparece para ele como um ambiente de oportunidades de acesso a
informação e lazer. Para Am., a cidade é um espaço também construído pelos jovens,
mas cuja participação nesse processo não é reconhecida, ao contrário. Posição
semelhante à de Le., como visto acima, que identifica as restrições de mobilidade e
circulação dos jovens na cidade.
Para definir com maior clareza o sentido que tinham de ser jovem na cidade, foi-
lhes perguntado se achavam que ser jovem em São Pedro é igual a ser jovem em Alto
dos Passos e Dom Bosco. Suas respostas foram negativas. Le. acredita que ser jovem
em São Pedro é distinto de ser jovem em Alto dos Passos, uma vez que “diferença
econômica”, pois “sempre pode ter alguém que mora lá que tenha pouco dinheiro, mas a
maioria das casas são boas, são apartamentos” (Le., em entrevista à autora, 2008).
Para a jovem, portanto, uma diferença entre eles no que se refere à renda. Dy. tem
uma imagem semelhante ao afirmar que “o jovem de não tem que se preocupar em
trabalhar e ajudar em casa. O jovem daqui tem”. Além da renda, ou em conseqüência
dessa diferença, a jovem identifica na necessidade do trabalho (seja em casa ou fora
dela) um elemento que os distingue dos jovens moradores de Alto dos Passos.
Questionou-se por que achavam que os jovens de São Pedro precisariam
trabalhar e os do outro bairro não. Para Dy., isso se “porque o de lá acha que o pai
dele tem dinheiro. Ele não vai precisar trabalhar. Quando precisar de dinheiro, o pai vai
ajudar. O daqui não. Quando a mãe precisar, o jovem daqui vai sair para trabalhar e vai
ajudar em casa”.
142
A dimensão da necessidade do trabalho como elemento diferenciador entre os
jovens é forte em muitas das falas dos entrevistados. Feita a mesma pergunta, Am. foi
categórica em sua resposta: “Não, claro que não. O jovem do Bom Pastor quer saber
de namorar, ir ao cinema, se divertir. Eles estudam pensando em manter o lazer deles.
No São Pedro, os jovens pensam mais no trabalho, em trabalhar” (Am., em entrevista à
autora, 2008). Para D., eles são diferentes da gente. Eles têm dinheiro e não precisam
trabalhar para ajudar a mãe. Eles vão para onde quiserem, voltam a hora que querem,
gastam o dinheiro do pai e não precisam trabalhar. Não fazem nada” (D., em entrevista
à autora, 2008). Sua fala expressa um outro elemento de distinção: a possibilidade de
circulação que, segundo D., os jovens de Alto dos Passos teriam e que, por sua vez, se
realiza graças ao fato daqueles jovens terem dinheiro e desobrigações (pois não
precisariam trabalhar).
E em relação aos jovens de Dom Bosco, o que haveria de diferente? Para a
maioria dos entrevistados, a imagem dos jovens de Dom Bosco corrobora a imagem que
socialmente se tem do próprio bairro, ou seja, a imagem de que
eles são vândalos, querem a vida fácil. Eles querem roubar e brigar.
Não são todos, mas a maioria que está lá quer essa facilidade mesmo.
Eles querem roubar para poder ganhar mais fácil. Qualquer pessoa
diferente que passa lá, eles querem tacar pedra, querem dar paulada,
querem fazer tumulto. Falam que vão bater (Dy., em entrevista à
autora, 2008).
Eu acho que eles são diferentes da gente. A gente passa com alguém lá
e eles querem tacar pedra, dar paulada (D., em entrevista à autora,
2008).
Embora reconheçam que não há homogeneidade, para Dy. e D., a diferença entre
elas e os jovens de Dom Bosco estaria no fato dos últimos terem um caráter violento.
Seriam eles criminosos, arruaceiros, pois buscam briga e querem conseguir as coisas
facilmente, ou seja, sem trabalho. As jovens, portanto, reproduzem a imagem que se
tem do próprio bairro e de seus moradores. E novamente o trabalho (ou a ausência dele)
143
torna-se elemento de distinção. O trabalho é o fator que os distingue, tanto dos jovens
de Alto dos Passos quanto dos de Dom Bosco.
Le. acrescenta, afirmando que “se você é branco e fala que mora em Dom Bosco
o bicho até pega: ‘nossa, não acredito que você mora lá’”. A jovem faz uma distinção de
cor. Com espanto reagiriam as pessoas se soubessem que ela, jovem branca, é moradora
de Dom Bosco. Ao se considerar que esse bairro é habitado, em sua grande maioria, por
pretos, talvez seja possível compreender o espanto. Mas a colocação de Le. afirma, na
verdade, a existência de preconceitos e estigmas dados pela relação entre cor da pele e
local de moradia. É como se apenas pudessem viver em Dom Bosco pessoas pretas.
Esse seria o susto.
Para a jovem, “quem passa da universidade é assaltado. Você pode contar quem
não foi assaltado. Ali é um lugar que é marginalizado. Ninguém quer passar ali.
Ninguém passa ali à noite. Só quem é doido ou conhece o lugar. Lá é pichado”.
Perguntou-se a eles se essa imagem corresponderia ao real. Para Le., Dy. e Wy., a
imagem é real. Para V., “algumas pessoas são iguais porque têm caráter e outras não
são. E outra coisa é que as meninas de são meio pirainhas”. Embora ela reconheça
uma diferenciação por conta do caráter individual, sua colocação seguinte deprecia as
jovens do bairro a partir de um julgamento moral. Sua fala também parece revelar certa
rivalidade entre as jovens de São Pedro e Dom Bosco, o que de fato ocorre entre os
bairros.
E. explicita qual seria o motivo principal da distinção entre os jovens de São
Pedro e Dom Bosco.
Acho que os jovens de Dom Bosco são um pouco mais violentos, por
causa da vida ali naquele ambiente um pouco mais poluído, digamos
assim. Eles são mais agressivos do que os daqui. Porque esses daqui
têm mais lazer, não ficam tão agressivos assim (E., em entrevista à
autora, 2008).
Assim, o fato de viverem em um bairro que, segundo a jovem, “é mais aberto ao
tráfico, porque muitas pessoas usam drogas”, faz com que os jovens de sejam,
144
quase que por conseqüência natural, mais violentos e agressivos. A jovem correlaciona
de maneira direta, portanto, pobreza e violência. É como se um ambiente de degradação
levasse à realização de atos criminosos.
Interessante notar que para os jovens residentes em Dom Bosco também haveria
diferença entre eles e os jovens de outros bairros da cidade e pelo mesmo critério: a
agressividade. Quando se perguntou a Dl. se ele achava que ser jovem em seu bairro era
o mesmo de o ser em Alto dos Passos, sua resposta foi: “Não, porque a gente passa e
eles querem caçar briga”. E por que isso aconteceria? Jp. responde: “Por diferença
social. A classe social. Se você fala Dom Bosco, falam que é um bairro pobre”. Jp.
parece ter clareza dos estereótipos produzidos sobre o bairro.
Mas, se essa imagem dos jovens de Dom Bosco é semelhante entre os
entrevistados residentes em São Pedro, ela não se reproduz na fala dos demais jovens
moradores de Granjas Bethânia e Santa Cândida. Isso se explica, em grande medida,
pela rivalidade que existe entre aqueles bairros. Basta lembrar que foi uma briga
ocorrida no campus da universidade entre jovens de São Pedro e Dom Bosco o estopim
para a elaboração do Território de Oportunidades.
As falas dos jovens de Granjas Bethânia sobre o sentido de ser jovem na cidade
afirmam a diversidade, o direito de estarem e de aproveitarem as oportunidades que ela
traz. Dizem os jovens:
Ser jovem na cidade, para mim, é ter o direito de desfrutar do lugar e o
dever de cultivá-lo (Va., em entrevista à autora, 2008).
É saber respeitar o espaço do outro e ser respeitado tanto na
individualidade quanto no compartilhamento. E também saber
desfrutar o espaço que lhe é oferecido (Th., em entrevista à autora,
2008).
É ter acesso a vários locais da cidade, aproveitando seu crescimento e
participando dele (Je., em entrevista à autora, 2008).
Ser jovem na cidade é descobrir lugares novos, desfrutar de tudo que a
145
cidade nos oferece (Ig., em entrevista à autora, 2008).
Elas também remetem ao sentido da descoberta de novos lugares, de estar na
cidade de fato. Esse estar na cidade significaria a possibilidade de “participar de” e
“aproveitar” o crescimento da cidade. Todavia, para os jovens de Granjas Bethânia,
também há distinções entre ser jovem em seu bairro e em outros da cidade.
Os bairros mais próximos do centro têm muito mais recursos. Os
jovens têm mais lugares para sair, para se divertir (G., em entrevista à
autora, 2008).
Concordo. Acesso aos recursos mesmo. Em Granjas não tem quase
nada. Nos bairros mais próximos do centro é totalmente diferente;
pelo menos uma praça podia ter (Ig., em entrevista à autora, 2008).
Para eles, é o acesso aos recursos da cidade o elemento principal que os
diferencia dos demais jovens de outros bairros. Assim, se por um lado afirmam a
importância de estar na cidade, de desfrutarem dos lugares e de descobrirem outros
locais, a realidade é que esses jovens vivem a escassez no acesso aos bens da cidade e
essa vivência imprime no seu próprio bairro um sentido distinto de ser jovem quando
comparado a outros bairros mais próximos do centro.
O sentido de conhecer outros bairros também foi manifesto por alguns dos
jovens de Santa Cândida, bairro, como visto, próximo ao Centro. Para Jo., ser jovem na
cidade é “sair muito na cidade e conhecer os bairros”. Ou, ainda, é “ter acesso a tudo
que está em nosso redor” (F., em entrevista à autora, 2008). F., de 17 anos, também
afirma que “na cidade a gente tem mais oportunidade”. Adverte, porém, que “tem os
jovens dos outros bairros, que têm dinheiro, são diferentes da gente”. Sua fala aponta
para o conjunto de oportunidades que a cidade pode oferecer aos jovens, como também
explicita a existência de diferenças entre eles e os “jovens dos outros bairros”.
Para Dn., também diferenças dadas “por causa do dinheiro. Os pobres são
146
tratados de forma diferente. Dependendo do lugar, as pessoas ficam olhando diferente
para a gente”. Essa imagem também é compartilhada por We., pois, para o jovem, a
“diferença está na renda. Cada lugar é diferente”. W. é mais enfático em sua resposta,
ao afirmar que para os jovens de Alto dos Passos eles são “mendigos”.
O critério de renda aparece, portanto, mais uma vez, como definidor das
distinções entre os jovens na cidade. Ele se associa de maneira direta à questão do
trabalho. Também para esses jovens a necessidade de trabalhar, ou de ao menos
procurar um trabalho, os diferencia dos jovens de Alto dos Passos, já que “os jovens em
Alto dos Passos não fazem nada, vão para o cinema. Eu não gosto disso. Vão passear
com cachorro” (B., em entrevista à autora, 2008). Outro elemento que também os
diferencia, segundo os entrevistados, seria quanto às opções de lazer. Para We., “os
jovens em Alto dos Passos vão para o cinema. Em Santa Cândida, os jovens ficam na
rua, na praça; ficam conversando”.
By. ainda apresenta outro aspecto. O cotidiano que vive no bairro cria um
ambiente familiar que, por sua vez, proporcionaria certa segurança a esses jovens:
“Aqui a gente conhece mais as pessoas, tem mais relacionamento, e lá a gente não
conhece ninguém e fica até envergonhado”. Mas o que faria com que o jovem ficasse
envergonhado? “Por exemplo, lá as pessoas podem ter coisas boas; roupa boa, casa boa,
carro. E nós, não. A gente pode até ter isso, mas a gente é discriminado lá” (By., em
entrevista à autora, 2008). By. sinaliza para dois elementos de diferenciação: a renda,
que permitiria um maior consumo, e uma discriminação dada pelo simples fato de
morar em Santa Cândida. Mesmas distinções feitas por X.: “A gente faz parte de um
bairro humilde. Para eles lá, aqui tem favelado. Sendo o que for, a cor, a roupa, eles
vão olhar torto. Então a gente não se sente bem lá” (X., em entrevista à autora, 2008).
Os dois entrevistados reconhecem uma diferença não apenas por possuir ou não
determinadas mercadorias, mas pelo fato de ser de Santa Cândida, que mesmo que
tivessem roupas, carro etc., seriam discriminados da mesma forma “apenas porque eu
moro no meu bairro”.
Notou-se que em todas as entrevistas realizadas nos quatro bairros, os jovens
afirmaram que existem diferenças entre eles. Diferenças dadas por renda, trabalho e
local de moradia. Seja para afirmar a distinção frente aos jovens ditos violentos e
147
arruaceiros de Dom Bosco, seja para apontar as diferenças diante dos jovens que “não
querem nada com o trabalho” e “filhinhos do papai” de Alto dos Passos.
Reconhecida a existência de diferenças entre os jovens, é preciso agora tentar
traçar um mapa dos usos que os jovens entrevistados fazem da cidade. Para que lugares
vão e para quais evitam ir? Quais os principais motivos de deslocamento desses jovens?
No geral, quando se perguntou se saíam muito de seus bairros, os jovens
afirmaram que sim. Para Fe., morador de Santa Cândida, “ficar num lugar, ficar
aqui não vai adiantar nada; não vai ter amizade, não vai conhecer gente diferente”. Para
o jovem, portanto, sair de seu bairro significa a oportunidade de ter contato com o
diverso e de conhecer novas pessoas. Nesse caso, o que haveria na rua que os atrai? As
respostas foram muitas. Para alguns, conhecimento, para muitos, lazer e movimento.
Para outros, a possibilidade do emprego e, para alguns rapazes, mulheres. O principal
motivo expresso pelos jovens de Santa Cândida para saírem de casa refere-se à família.
Em grande medida, esses jovens circulam pelos bairros onde moram familiares e/ou
namorados(as).
Os bairros freqüentados são, na sua grande maioria, próximos do seu de origem
e semelhantes socioeconomicamente. Assim, muitos vão a São Benedito, Santo
Antônio, Vitorino Braga, Vila Alpina todos próximos a Santa Cândida. Além desses,
os jovens também apontaram o Centro. Deslocam-se a esse bairro quando precisam
fazer compras ou para ir ao shopping e, ainda, no caso dos jovens do Território de
Oportunidades, por conta de sua participação no programa. Cabe lembrar que Santa
Cândida é geograficamente próximo ao Centro.
A rua, para esses jovens, é algo atraente. É a possibilidade de ter acesso a coisas
novas, encontrar amigos, paquerar e se divertir. Contudo, sua circulação parece restrita
a seu bairro e entorno. Evitam ir a bairros de características distintas do seu, pois se
sentem constrangidos. We. afirma só freqüentar seu bairro: “Não gosto de ficar no
bairro de outras pessoas”. Que bairro seria esse? O rapaz responde que seria o Alameda,
e que não gosta de “ficar perto de gente que não conhece”.
Alameda é um shopping situado no bairro de Alto dos Passos. ainda dois
outros shoppings na cidade: o Santa Cruz, localizado no Centro, e o Independência.
Questionou-se se os jovens freqüentavam algum deles. O shopping Santa Cruz é
148
freqüentemente visitado por eles. Em realidade, esse shopping é conhecido na cidade
por atender um público cuja renda é mais baixa. Os jovens disseram ir ao Santa Cruz
para ver o movimento, as modas e as garotas e garotos. Já o shopping Independência,
inaugurado em 2008, atende um público de renda média a alta. S. nunca foi a esse
shopping, pois lá “tudo é caro”. R. parece concordar e ainda observa que “lá é para rico,
não é para nós. Para mim, construíram no lugar errado”. Por quê? We. responde:
“Porque ali tem bairro pobre. Eles colocaram vidro para a parte dos prédios e
tamparam a parte virada para casa pobre”
16
. Indagou-se então se eles não teriam vontade
de ir a esse shopping: R. e We. responderam que não se sentiriam à vontade. B. relata
sua experiência de ter ido, dizendo: “No dia em que eu fui lá, uma mulher disse que
tinham que segurar a bolsa”. W. disse não gostar do shopping porque “tem aquelas
mulheres tirando onda. Aí eu dou um soco nelas”.
Os jovens expressam o entendimento da existência de lugares distintos nos quais
podem ou não circular. Claro que essa restrição não se pelo uso da força física, mas
pelo constrangimento ou por uma outra forma de violência que estigmatiza os jovens
pobres e restringe seus usos na e da cidade.
Para B., a cidade deveria ter lazer para todos os gostos”. Mas o que acontece é
o inverso. Na cidade, privilegia-se e tolera-se o lazer de alguns jovens, não de todos. B.
explica: “Olha as brigas na rave e no baile funk. Se é no baile funk, logo eles interditam,
porque é de pobre, do pessoal do morro. Esse preconceito é por causa da renda”.
Os jovens, portanto, identificam os mecanismos de constrangimento, restrição e
distinção territorial aos quais estão submetidos. Reconhecem serem vítimas de
preconceitos de renda e cor quando, por exemplo, relatam a experiência de um lanche
na Universidade. “O guardinha mandou a gente sair, pensando que a gente era de Dom
Bosco e ia roubar. Se fossem uns branquinhos de óculos eles não faziam isso” (Wb., em
entrevista à autora, 2008). Para Wb., isso aconteceu “por causa da roupa e da cor” deles.
Ainda acrescenta: “Se fosse em Alto dos Passos, iam achar que a gente ia roubar”. W.
acrescenta: “Se eu pintar o cabelo de amarelo, se um policial vir um menino de cabelo
amarelo, vai querer bater”.
16
O shopping se localiza ao longo de uma importante avenida da cidade Avenida Independência e
próximo ao bairro Dom Bosco dando vista, de um lado para esse bairro e de outro para o bairro Estrela
Sul, uma das atuais áreas de expansão da cidade e destinada classe média e alta.
149
Mas outro elemento que restringe a circulação desses jovens: a rivalidade
entre bairros. Por essa razão Wb. não freqüenta Santa Luzia e Nossa Senhora Aparecida
bairros próximos aos seus –, ou F. não vai a Vila Alpina. É a mesma razão que faz
com que os jovens de São Pedro não passem perto de Dom Bosco. Essa rivalidade, bem
como a violência policial, são os principais medos que esses jovens sentem ao estar nas
ruas.
Se os jovens de Santa Cândida gostam de sair de seus bairros, de circularem pela
cidade, o mesmo não ocorre com Dl., morador de Dom Bosco. O rapaz prefere não sair
de seu bairro, pois, segundo o jovem, não há nada lá embaixo que ele queira fazer. Cabe
lembrar que Dom Bosco é um bairro extremamente pobre da cidade, situado em
acrópole, sem equipamentos culturais ou de lazer. Ausência que, no entanto, não
impede Dl. de querer ficar isolado no seu bairro. Duas razões complementares podem
ser aventadas para explicar a posição do jovem. A primeira, como dito, é a segurança
que estar no bairro desperta no jovem, expressa na sua fala: “Eu moro aqui desde que eu
nasci”. A outra é a imagem extremamente negativa que o restante da cidade tem do
bairro e de seus moradores. Essa imagem está tatuada no corpo desse jovem, que
prefere permanecer em seu bairro a sofrer possíveis constrangimentos em seu
movimento pela cidade.
As falas dos jovens sinalizam para uma situação de restrita mobilidade pela
cidade. Restrição dada pelas condições objetivas, como o custo de transporte, violência
policial ou rivalidades entre bairros, ou por condições simbólicas, como as manifestadas
por expressões como “não se sentir bem em outros bairros”.
Assim, se é correto que são muitos os jovens, razão para a necessidade de
sempre pensar essa categoria no plural, por outro, parece que esse sujeito e, em especial
o jovem pobre, é tratado em suas diferenças (vistas como negativas), distinções e
desigualdades.
Nesse estudo, desigualdade, distinção e diferença são pensadas como uma tríade
dialética. Ou seja, como elementos que compõem um todo a partir das suas múltiplas
inter-relações e interações.
A desigualdade, sendo definida a partir de um parâmetro comum e
classificatório, vislumbra a possibilidade da hierarquização e é, em muitos casos,
150
resultante de posições distintas na organização social do processo de produção.
Concebida, portanto, no campo das disparidades socioeconômicas e das condições de
acesso a recursos materiais e simbólicos, incluindo também o plano da garantia de
direitos sociais e políticos da juventude.
Ao expressarem a sua situação de jovens pobres na cidade os entrevistados
trazem a tona esse sentido da desigualdade. Sua condição de desigual corrobora para
que tenham acesso restrito à cidade e, conseqüentemente, limitados usos da mesma. O
que significa afirmar que as condições de desigualdade aos quais estão sujeitos impõem,
em grande medida, distinções espaciais. Ou seja, na cidade os espaços onde esses
jovens devem e podem estar e outros onde eles devem ser impedidos de circular. A
distinção aqui é tratada, por tanto, a partir da dimensão espacial. É a distinção espacial,
relacionada a seus bairros de moradia, um dos muitos elementos produtores dos
estigmas e da invisibilidade impostas a esses jovens. É essa situação que torna esses
jovens distintos.
Na diferença não cabe a hierarquização, uma vez que ela deve ser compreendida
no sentido de alteridade, o que, por sua vez, apenas ocorre quando há interações, trocas,
contato entre grupos diferentes. O que significa afirmar que a diferença se realiza
quando confrontada com outra identidade, portanto, na troca e no contato. Existir
socialmente é ser percebido como diferente e nesse sentido a diferença pode ser
compreendida no terreno da atribuição do status da cidadania.
Contudo, a dimensão positiva da diferença parece não se aplicar aos jovens
pobres. Para eles a diferença é negativizada e vista como algo perigoso. Por essa razão,
seu circular ruidoso pela cidade, sua forma de se vestir ou se expressar, sua fala, seus
gostos e tantas outras estratégias de afirmação e mobilização desses sujeitos, devem ser
contidas e controladas.
Mesmos os próprios jovens parecem assumir um sentido negativo da diferença.
Em suas falas nota-se que ela se apresenta como estratégia que reafirma a separação.
Quando, por exemplo, propõem construir um muro separando os bairros ou quando
valoram a necessidade do trabalho diferenciando-se dos jovens dos bairros mais
abastados da cidade.
A diferença nesse caso, em vez de ser positiva serve como elemento para
151
aprofundar os estigmas impostos aos jovens pobres.
Na medida em que esses jovens são tratados como desiguais, distintos e
diferentes tanto no que se refere à sua relação com os outros (adultos e jovens de
outros segmentos sociais), quanto à relação com a própria cidade – tornam-se invisíveis,
sujeitos sem identidades ou cuja identidade é sempre projetada pela do outro ou referida
a um tempo devir. Invisíveis no espaço, na política e como sujeitos.
Dessa forma, é possível afirmar, em consonância com Barbosa (2008) que “o
estatuto de cidadão implica relações de igualdade que incorporam as diferenças, porém
se nos apresenta como incompatível com as distinções e hierarquias que reduzem as
convivências às relações assimétricas de poder”.
Em seguida, será visto, ainda pelas falas dos jovens, de que forma a inserção nas
políticas alterou, ou não, essa dimensão, para, em seguida, no próximo capítulo, trazer
esse debate à luz dos conceitos tratados ao longo da tese.
3.6. Os jovens falam dos programas
Neste item serão expostas as falas dos jovens sobre os programas nos quais estão
inseridos. O objetivo é identificar as representações que têm das políticas. Para tanto,
optou-se por interpelá-los sobre os motivos que os levaram a entrar no programa, quais
os objetivos e projetos que tinham ao entrarem, o que mudou ao longo do percurso e a
representação que fazem da relação entre o programa e a cidade. A intenção foi
perceber a influência e resultados do programa em suas vidas e, em especial, de que
maneira esses jovens tiveram, através da participação na política, a oportunidade, ou
não, de circular pela cidade, ampliando sua apropriação e, conseqüentemente,
estendendo seu território usado. Para esses fins, as falas serão tratadas, separadamente,
por programas.
Três foram as razões principais que levaram os jovens a ingressarem no UFJF:
Território de Oportunidades: pressão de amigos, o fato de ser ele um programa da
universidade e a bolsa. Essas razões variaram significativamente entre os jovens por
152
bairro. Alguns dos jovens do bairro de São Pedro, que participaram da primeira turma
do programa, relatam os motivos de entrada no programa:
Primeiro, eu nem queria entrar. A gente estava na oitava série, estava
até tendo aula de português. chegou (acho que) a coordenadora da
escola, falando que ia ter um projeto da universidade, que ia ter uma
bolsa, que ia ter vale. Mas não falou o que ia ser o projeto. Não falou
que ia ter oficinas, que ia ter música, não destrinchou o assunto. Aí,
deixou meio aberto para a gente, e falou: “Eu vou passar uma lista
aqui de quem quiser entrar”. Aí algumas pessoas assinaram e eu
lembro que não assinei, deixei passar a lista. eu disse: “Acho que
eu não vou não. Vamos colocar o nome, depois a gente vê. Vou
colocar o nome”. Foi meio na pressão e no vamos ver o que dá’ que
eu coloquei o nome na lista. Acho que o financeiro chamou atenção.
Estava na oitava série, tinha 14 anos. Acho que a maioria nunca tinha
tido uma renda. Mesmo que 100 reais, 150, depois vai aumentando.
Pensando assim: “A gente vai estudar ou vai fazer um trabalho na
universidade”. Porque, aqui em cima, falou que é na universidade,
falou muita coisa. Porque, aqui, a universidade é bem vista em termos
de qualidade, em termos de serviço. Aprender coisas novas e ainda
receber por isso... “Então vamos colocar (o nome na lista) e vamos ver
como é que vai ser.” Meu motivo foi mais o financeiro e as coisas que
a universidade poderia me oferecer (Wy., em entrevista à autora,
2008).
Wy. relata certa resistência inicial, dada pelo pouco conhecimento do que seria o
programa. Contudo, por conta da pressão de amigos, optou por colocar seu nome na
lista de interessados. A possibilidade de conseguir uma renda e o fato de ser um
programa vinculado à universidade foram os motivos que levaram à decisão do rapaz de
ingressar no Território de Oportunidades. Mesmo diante do desconhecido, parece que,
para Wy., o simples fato de ser um programa vinculado à UFJF seria garantia de
credibilidade, já que, como afirma o jovem, “a universidade é bem vista em termos de
qualidade, em termos de serviço”. Essa mesma postura em relação ao programa teve
Am., quando afirma ter entrado no Território de Oportunidades por causa do “mito da
153
universidade federal”: “A federal era vista como o lugar onde a gente nunca poderia
entrar. Pobre não entra na federal. Era isso que todo mundo falava. E também a
possibilidade de aprender coisas que nunca imaginei aprender na vida (Am., em
entrevista à autora, 2008).
Para Le., a bolsa foi o atrativo primeiro: “Para uma pessoa que nunca tinha tido
nenhuma renda, que nunca trabalhou... é gico que o olho da gente cresce, faz plic
plic”. No entanto, essa não teria sido a primeira razão. Diz a jovem:
Estava na aula de português e a professora falou que era uma boa
oportunidade para quem queria crescer. Aí a menina chegou lá e falou:
“Por que não? 100 reais”. todo mundo colocou o nome. Eu
conversava com umas meninas: “Põe o nome, põe o nome. Eu vou
pôr, você vai pôr?” E quando chegou, foi aquilo meio de supetão. E
depois a gente foi conhecendo outras pessoas de outros bairros. Mas, a
principio, eu coloquei porque a minha turma colocou e eu não queria
ficar fora disso.
Seu ingresso no programa teve como motivo o fato de todas as suas amigas
terem entrado. A isso e à bolsa somou-se um terceiro: “o hábito de conhecer novas
pessoas”. Ela diz: “Saber que tem gente ali que é superior a você, que vai te passar mais
conhecimento, acho que foi isso também” (Le., em entrevista à autora, 2008). Amigos,
bolsa e oportunidade de ter acesso a conhecimentos que lhe pareciam tão distantes a sua
realidade incentivaram a jovem a participar do Território de Oportunidades.
Li. parece ter tido razões semelhantes quando diz: “Também pela bolsa, que era
um atrativo bem importante, e para estar com meus amigos mesmo”. Contudo, ela
acrescenta outro: “Eu não tinha o que fazer da minha vida e era uma oportunidade para
estar estudando. E eu sou bastante curiosa, eu era empolgada. E meus amigos também
estavam se inscrevendo, então eu entrei” (Li., em entrevista à autora). A possibilidade
de preencher seu tempo livre com o estudo, não o escolar, mas um outro dado pelo
programa, influenciou na decisão da jovem.
Por fim, D. retrata todo o seu percurso para entrar no programa:
154
Para te dizer a verdade, acho que foi a coisa para que eu mais me
esforcei e corri na minha vida. Eu entrei de uma forma totalmente
diferente. Quer dizer, foi normal até o ponto de ter sido pela lista, que
eu assinei da mesma forma que todo mundo, na pressão. Eu até
brincava, porque falaram que a gente ia trabalhar na UFJF e ia ganhar
uma bolsa, e eu lembro que até falei: “A gente vai ajudar lá a limpar o
chão da anatomia.” Fazia umas brincadeiras assim. É claro que eu
sabia que não era isso, mas quando disseram “trabalho”, eu imaginava
que era trabalho mesmo. Mesmo que fosse como aprendiz de alguma
coisa. Depois disso, o que rolou: Eu peguei e assinei o meu nome.
Demorou um tempo para chamarem a gente. eu peguei e fiz minha
inscrição num colégio particular, porque eu não consegui em colégio
público e até porque eu queria me empenhar um pouco mais para o
PISM. Eu viajei, porque eu pensei que não ia dar em nada mesmo.
minha tia me ligou e disse que o pessoal da UFJF disse que teria uma
reunião comigo naquele dia. Eu fiquei desesperado, porque todo
mundo tinha entrado. eu voltei dois dias depois, e liguei para a
Carol e para a Juliana, três vezes no mesmo dia, pedi para minha tia
ligar também, porque eu precisava, porque todo mundo tinha entrado e
também porque falaram que era um curso. Acho que eu enchi tanto o
saco da Carol e da Juliana que elas marcaram uma entrevista comigo.
Quase que eu fiz xixi nas calças, eu fiquei muito nervoso. “Gente, o
que essas mulheres vão me perguntar?” a Carol me perguntou por
que eu queria tanto entrar. Eu disse: “Vou te falar a verdade: pela
questão financeira, porque tem uma bolsa, porque todos os meus
amigos estão aqui e eu quero aprender coisa nova”. Ela falou assim:
“Olha, na verdade você não poderia porque você estudava em colégio
público até o ano passado e esse ano você está num particular. Você
não pode pelas regras, mas eu vi que você está realmente interessado”.
Eu saí de soltando foguete. Eu fiquei muito feliz. Eu acho que era a
coisa que eu mais queria (D., em entrevista à autora, 20008).
D. relata o esforço que teve para entrar no Território de Oportunidades. Mas
também apresenta, em certa medida, o significado da universidade para ele. Não como
155
um espaço de oportunidade de aprendizado, mas como um espaço de trabalho. Seja em
tom de brincadeira ou quando fala seriamente, para D., seu acesso à universidade
somente se daria pela via do trabalho e não pela via do estudo. O que, de uma forma,
sinaliza a ausência do ensino superior no horizonte desses jovens.
Os motivos se repetem entre esses jovens: bolsa, amigos, estudo. Perguntou-se
então se após seu ingresso essas razões se alteraram. Todos afirmaram que mudaram no
que diz respeito ao conhecimento. E aí, mais uma vez, a possibilidade de estar na
universidade foi um elemento constante em suas falas. Assim explica D.: “Começamos
a ter conhecimento da universidade. (...) Hoje em dia eu quase me sinto um
membro da
universidade, porque eu conheço isso aqui quase como a palma da minha mão”. Para
Wy. também o acesso à universidade foi um aspecto importante, que “o pessoal de
baixo não sabe como funciona aqui”. Conhecer a universidade, ter participado, mesmo
que apenas pelas oficinas, da vida desse lugar, para esses jovens, é um elemento
positivo e que os diferencia.
Das expectativas, quais foram contempladas e de que formas elas foram
contempladas? foi a pergunta seguinte. Os jovens situaram três oficinas como
importantes no processo de sua formação ao longo do programa: cio-educativa,
comunicação e geoprocessamento.
Conta Le.: “Hoje você escuta um programa de rádio e você sabe como é que foi
gravado. Você aprende na prática”. Wy. complementa, afirmando: “Hoje, quando o
radialista e o jornalista falam, eu fico prestando atenção nas coisas, no tipo de
linguagem que eles usam, nos erros que eles cometem, ou que eu acho que são erros,
pensando na forma que eu acho que eles poderiam fazer”. Para D., o que mais gostou e
ainda hoje o ajuda foram as oficinas da comunicação. “Escrever matéria hoje é
simplesmente uma das coisas que eu adoro. Se me derem matéria para fazer, corro atrás.
Eu sou apaixonado, porque é uma matéria que eu sonho em fazer um dia, mais o
português, com que eu tenho muita facilidade, isso me ajudou”.
Wy. ainda afirma:
Acho que a oficina que mais ajudou a gente foi a sócio-educativa. Eu
156
não sabia o que era ECA, eu não conhecia aqui as instituições que
atendem criança e adolescente, eu não sabia onde ficava. Porque de
informática eu tinha uma noção, de inglês eu tinha uma noção e
continuei com a mesma noção. sica também, eu tive uma noção
básica, porque antes eu não tinha nada. Geoprocessamento também,
porque ele ajudou a gente nesse negócio de conhecer JF, as
instituições. A “sócio”, por falar de problemas sociais, foi onde todo
mundo mais aprendeu” (Wy., em entrevista à autora, 2008).
A sócio-educativo teria contribuído para que os jovens fossem apresentados aos
seus direitos, garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda mais do que
isso, possibilitou que falassem o que quisessem: “do que a gente não estava gostando,
colocar a boca no trombone” (Le., em entrevista à autora, 20080.)
a oficina de geoprocessamento contribuiu para que conhecessem a rede de
atendimento à infância e juventude de Juiz de Fora. E, ao circular pela cidade mapeando
essa rede, pudessem “conhecer mais a nossa cidade” (Wy., em entrevista à autora,
2008). Essa idéia também é compartilhada por L.:
Uma que me ajuda até hoje é a de geoprocessamento. Eu consigo me
localizar muito mais. Eu passo num lugar e sei que tem uma
instituição ali perto. Eu passei ali. Eu acho que isso foi legal. Eu ia
ao centro da cidade e eu não conhecia nada. Eu não tinha noção de
lugar. Eu não sabia nada. Acho que isso até hoje me deixa bem
localizada mesmo. Faz muita diferença.
E quais foram os resultados do programa na vida desses jovens? Para Le., depois
do Território de Oportunidades, o que mudou foi seu “pensamento”;
Eu sempre soube me impor, sempre sei falar as coisas. Mas você sabe, por
exemplo, o negócio do Estatuto, você sabe impor, você sabe falar, você o é um bicho
do mato. Eu sempre falei. Mas tem coisas que a gente fala que você não tem noção. Mas
você falar de uma coisa de que você tem conhecimento é muito mais fácil”. (Le., em
entrevista à autora, 2008)
157
Para a jovem, embora sempre soubesse se expressar, o acesso ao conhecimento
que teve no programa permitiu que se sentisse mais segura ao se posicionar.
Para L., o programa a auxiliou a “contornar situações”, o que a teria ajudado em
seu trabalho: “Preciso saber explicar direito às pessoas, contornar situações. Às vezes
vem uma pessoa estressada, que quer soltar os cachorros em você, e eu tenho que saber
contornar. Tirar informações de pessoas que às vezes não querem dar mesmo. Hoje eu
consigo contornar bem mais”.
Segundo Am., o programa a ajudou a adquirir conhecimento, fez com que ela se
conhecesse “melhor pelas coisas que podia fazer”. Ela diz:
Não achei que tivesse a capacidade de fazer bastantes coisas, adquiri
um modo de ver a cidade, a população, de um jeito diferente. A gente
consegue ver as coisas além, ir a bairros diferentes, respeitar
problemas. É inacreditável tudo que a gente aprendeu. Quando entrei
não imaginei que ia aprender tanto. (Am., em entrevista à autora,
2008)
A presença no programa também operou mudanças internas na jovem, como ela
expressa na sua fala: “Antes, para mim, qualquer probleminha, qualquer obstáculo que
aparecia, eu fazia uma montanha. Com o projeto eu aprendi a enfrentar meus
problemas, desenvolver mais responsabilidade. Descobri coisas que eu conseguia fazer
que eu nem imaginava. Mudou muita coisa”.
Para D., o Território de oportunidades ajudou em seu desempenho na escola. Diz
o jovem:
Trabalhos na escola, nossa! Você não tem idéia de como é que está
sendo, hoje, fazer trabalho, depois de ter passado pelo projeto. Eu sou
tímido. Chega na hora as pessoas pegam e falam a mesma coisa um
milhão de vezes. Eu já aprendi com o projeto a usar as minhas
palavras. Eu sei dar o recado. Falando pouco, mas falando tudo que é
preciso. Nisso o projeto ajudou.
158
Mas não foi apenas na escola, afirma D. Para ele, o programa fez com que
soubesse “justamente isto”, “que eu sou um cidadão, e que essa repressão, esses medos
que eu tinha, era um medo inútil. Eu sou um cidadão e, contanto que eu não perturbe os
outros, eu estou no meu direito”. Para esse jovem, a participação no Território de
Oportunidades parece ter ampliado a percepção sobre o que é ser cidadão e, nesse
sentido, de maneira ainda muito restrita, o reconhecimento da cidade, do seu uso, como
um dos elementos que compõem sua cidadania.
Mas essa situação não parece ter se dado de forma igual entre os jovens da
segunda turma do Território de Oportunidades (Granjas Bethânia e Santa Cândida).
Para os jovens de Santa Cândida, ingressos na segunda turma do Território de
Oportunidades, quando o programa não era mais oferecido no campus da UFJF, os
interesses iniciais, os desenvolvidos no percurso, as expectativas e os resultados são
distintos dos dos jovens de São Pedro.
Perguntou-se por que entraram no Território de Oportunidades. Foram estas as
respostas:
Eu não fazia nada, só ficava na rua, pegava mexirica, zoava na escola.
Aí a Adenilde me chamou (We., em entrevista à autora, 2008).
Ocupar o tempo, mais a renda (R., em entrevista à autora, 2008).
Ocupar o tempo – eu ficava muito tempo na rua – e por causa da renda
também (Wb., em entrevista à autora, 2008).
Mais uma renda para ajudar meus pais (S., em entrevista à autora,
2008).
Também pela renda. Eu achei que não era assim, eu pensei que fosse
ajudar no currículo, que fosse um curso para qualificação profissional
(B., em entrevista à autora, 2008).
159
Antes eu não tinha muita coisa para fazer, ficava em casa sem fazer
nada. E é oportunidade que a gente tem. (Dn., em entrevista à autora,
2008).
Antes de entrar no projeto eu não fazia nada. E a bolsa ajuda, né?
Agora eu faço coisas que eu o fazia (F., em entrevista à autora,
2008).
Para os jovens de Santa Cândida, três foram as razões para a entrada no
programa: ocupar o tempo livre, a bolsa e a perspectiva de qualificação profissional.
Nota-se que o fato de ser um programa da Universidade não foi uma referência
considerada pelos jovens, diferente do que foi para os de São Pedro. Além disso,
aparece como um dos principais motivos a idéia de ocupar o ócio e de sair da rua.
entre eles a compreensão de que estar na rua pode ser algo perigoso. Na colocação de
We. isso é muito explícito. O rapaz ficava muito tempo na rua, aprontando. Diante
disso, uma liderança local o convida para participar do programa como solução para que
ocupasse seu tempo livre e se afastasse de possíveis perigos.
A idéia de ocupar o tempo livre também foi a principal razão que levou os
jovens de Granjas Bethânia ao programa. Para Ig., estar no Território de Oportunidades
era a possibilidade real de sair da rua. Diz o jovem: “Não tinha nada para fazer à tarde,
tanto é que eu estava na rua”. Ou ainda, como expressa Th: “Eu não fazia nada em casa.
Então, era a possibilidade de buscar coisas novas e também uma forma de ocupar mais
o meu tempo. Não fazia nada à tarde”. O programa aparece para a jovem como uma
dupla possibilidade: ocupar suas tardes e ofertar coisas novas. A oferta de coisas novas
foi o que a atraiu. Va. teria entrado “porque era uma forma de ganhar conhecimento”.
A bolsa, assim como entre os jovens de São Pedro, foi outro elemento essencial
para que os jovens de Santa Cândida decidissem pelo projeto. Nesse caso, contudo,
diferentemente dos outros, a bolsa parecia ter finalidade definida: ajudar os pais,
como nos diz S. Por último, houve uma expectativa de que o programa pudesse fornecer
certa qualificação profissional que, no futuro, pudesse auxiliar na conquista do
emprego.
O que mudou ao longo do programa? Para B., o projeto “ficou muito cansativo
e os professores eram muito incompreensíveis”. S. compartilha dessa posição quando
160
afirma: “No começo, eu gostava, agora não; é muito cansativo, o professor fala o tempo
todo”. W. também diz ter gostado mais do projeto no início porque “agora está exigindo
demais” e o projeto teria ficado “ruim e muito chato”. Dn. também o foge dessa
visão, ao colocar que “tinham muitas oficinas que pareciam com sala de aula”. Eu
achava que seria um aprendendo com o outro diferente de professor e aluno, mas não
era assim, tinha muita autoridade”.
As queixas referem-se à sobrecarga de oficinas e às dificuldades na relação com
os professores e, em especial, com os alunos bolsistas da universidade, que ministravam
algumas das oficinas do Território de Oportunidades. Os alunos identificaram nas aulas
das oficinas um esquema de ensino-aprendizagem que reproduzia a escola que eles
conheciam: muito conteúdo, relação autoritária e hierárquica entre professor e aluno e,
conseqüentemente, um espaço autoritário e chato.
Nesse sentido, não foi surpreendente muitos terem respondido que em nada teria
contribuído o programa em suas vidas. Essa resposta, contudo, não foi unânime. Para
Dn., muita coisa teria mudado: “Agora a gente tem uma visão diferente do mundo.
Antes de entrar para o Projeto eu não tinha esperança de estudar num bom colégio, de
fazer uma faculdade, por eu morar numa região não muito boa. o projeto abriu as
portas”.
A fala indica que a jovem faz uma relação entre o local em que vive e uma
possibilidade mais restrita de acesso à educação, em nível básico e superior. Mas, de
acordo com ela, a realização do programa teria iluminado a possibilidade de tentar um
vestibular. Assim, diz a jovem: “Eu nunca pensava em entrar na universidade, agora eu
tenho vontade de fazer vestibular”. F. traz outra contribuição do projeto, quando diz:
“Além de aumentar meu conhecimento, eu aprendi a lutar para conseguir, porque se a
gente lutar, a gente consegue. Antes do projeto eu pensava em terminar o segundo
grau e arrumar um emprego, agora eu penso em fazer vestibular”. Tanto para F. quanto
para Dn., a universidade não se constituía como horizonte e nem mesmo como
referência para sua entrada no projeto. Com o desenrolar do programa, as duas jovens
construíram para si a expectativa de vir a cursar uma faculdade.
Esse, no entanto, parece ser um horizonte restrito apenas às duas jovens. Como
mostra o resultado do questionário fechado, pouquíssimos eram os jovens que
161
pretendiam fazer vestibular ao saírem do Território de oportunidades. É a busca pelo
emprego o foco principal desses jovens. Seja um emprego na área de interesse (25% dos
jovens) ou um emprego qualquer (19% dos jovens). Perguntou-se se achavam que o
aprendido ao longo das oficinas contribuiria para ajudá-los a encontrar emprego. A
grande maioria respondeu que não. Essa idéia é bem representada na fala de Va.,
moradora de Granjas Bethânia: “Eu achava que podia influenciar numa carreira
profissional ou alguma coisa assim, mas não vai valer para nada. Não tem nenhum
certificado, nem nada”. Sua fala também expressa o desapontamento da expectativa
frustrada. Diante do fato do projeto não servir para qualificação profissional ou como
experiência no currículo, a jovem nega qualquer importância a ele. Contudo, vale a
ressalva que o Território de Oportunidades não se caracteriza como um programa de
inserção profissional. Esse nunca foi o objetivo expresso do programa.
Perguntou-se então o que teria mudado após o projeto e o que havia de positivo.
S. diz que a participação no projeto foi “boa”: “Conhecemos pessoas novas, a
universidade”. Mesmo não sinalizando o vestibular como horizonte, a jovem afirma
como positivo ter tido contato com a universidade. Para Dn., teria mudado a relação
com o seu pai: “Agora a gente se dá melhor. Antes de fazer o Território, eu ficava muito
tempo na rua. Aí, meu pai implicava comigo”. Ter ocupado seu tempo fez com que o
pai mudasse a relação com a filha, pois se, antes, estar na rua era visto como algo ruim e
perigoso, estar no projeto, ocupando o tempo e estudando, fez com que o pai
“implicasse” menos e passasse a confiar mais na jovem. Para F., “mudou no estudo”:
“Porque, sei lá, tem coisa que eu não aprendo na escola que eu aprendo aqui, eu sei
mais coisa que o pessoal da minha sala: inglês, letramento”.
Percebe-se que apesar de terem afirmado que a participação no programa não
teria mudado suas vidas e de certa frustração das expectativas iniciais, os jovens
identificaram aspectos relevantes no que toca o resultado do Território de
Oportunidades em suas vidas.
Em grande medida, as expectativas e os resultados do programa na vida desses
jovens foram bem distintos do ocorrido entre os jovens de São Pedro. Talvez isso se
explique, em parte, pela mudança no caráter e na metodologia do programa quando este
sai do campus da universidade. Ao fazer isso, ele perde a dimensão da universidade
como um espaço de oportunidades para esses jovens que não têm nela e com ela
162
nenhum sentido de apropriação. Outra razão que ajuda a entender essa diferença é o
perfil distinto dos jovens da segunda turma quando comparado com os da primeira. São
jovens mais pobres e que tiveram menores oportunidades de acesso à cultura, bens
públicos, educação etc., maior dificuldade de “disciplina”, além de terem um ambiente
familiar e doméstico mais precário e uma renda menor. Quando esse perfil mudou o
programa teve dificuldade em adequar-se. Foi oferecido para outros jovens, tendo como
imagem os jovens e as expectativas da primeira turma. Esse descompasso gerou uma
dificuldade de adequação da metodologia ao novo perfil dos jovens. Não cabe, no
entanto, nos marcos desse trabalho, uma avaliação mais aprofundada do programa.
Quanto aos jovens que participam do Juiz de Fora nos Trilhos da Paz, os
motivos que os levaram a entrar no programa variaram pouco de bairro para bairro.
Fe., jovem moradora de Santa Cândida e participante do JF na Paz, sintetiza seus
motivos: “Aprender a dançar, conhecer amigos. Eu não conhecia muita gente que
morava em Santa Cândida, o pessoal da minha rua. Hoje eu conheço o pessoal aqui
de baixo”. Para o jovem, se misturam os interesses por novos amigos ao interesse pelo
que a oficina poderia lhe ensinar. Já W. afirma uma única razão: “Meus amigos
disseram que era legal e eu vim ver qual era”. Mesmo motivo de B., que diz ter
entrado “pelos amigos”. Fl., X. e We. se interessaram pelo que poderiam aprender na
oficina de hip hop. Fl. fala: “Por causa do hip hop. Eu queria dançar também”. We.
parece que também entrou pelo mesmo motivo, quando diz: “Eu gosto de dançar”.
A busca por amigos também foi o motivo que fez com que Dl., morador de Dom
Bosco, entrasse no programa, que ele queria “alegria e amigos”. G., também de Dom
Bosco, entrou porque acha “bonito tocar piano e teclado”. O que fez E., jovem de São
Pedro, entrar no programa foi “a atividade física mesmo”: “Estava ficando difícil, para
mim, correr. Porque, antes, eu comia e dormia, eu estava ficando gorda demais”. Y.,
também de São Pedro, entrou por recomendação da médica, que lhe pediu para fazer
capoeira, “para minhas pernas melhorarem, e natação, por causa do braço”.
Os interesses relatados pelos jovens podem ser divididos em três: a oficina em
si, fazerem ou estarem com amigos e saírem da rua. Esses motivos podem ocorrer de
maneira concomitante ou isoladamente. Na grande maioria, contudo, prevalecem os
interesses específicos e direcionados às oficinas. Em Santa Cândida, aprender a dançar
163
na oficina de hip hop. Em Dom Bosco, a tocar teclado na oficina de música. Para os
jovens de São Pedro, melhorar sua condição física participando da oficina de atividades
físicas
17
. Chama a atenção o fato dos motivos atenderem a demandas imediatas. É pouca
a associação entre participação no programa e a construção de um projeto futuro.
Interessante notar como apenas entre os jovens de Santa Cândida a questão de
sair da rua aparece como razão. Ne. entrou por dois motivos: “Sair da rua, porque na
época eu não estava trabalhando. eu entrei para poder sair um pouco da rua”. Para a
jovem, ficar na rua significa “mau caminho”. É mal visto”: “Ficar na rua o tempo todo
é mal visto pelas pessoas”. O sujeito que fica na rua é, para Ne., visto como alguém que
“não faz nada”, “fica à toa”. “As pessoas falam”. Embora apenas em Santa Cândida
esta tenha aparecido como razão para estar no programa, a idéia de que o JF na Paz
oferece a oportunidade de sair da rua é expressa por outros, como Dl., de Dom Bosco,
que, quando pedido que descrevesse o programa, respondeu: “O JF na Paz é um
programa que tira as pessoas da rua”. Ou por E., de São Pedro, que, respondendo à
mesma pergunta, disse ser o JF na Paz “um projeto muito bom, porque tira os
adolescentes da rua”. Os jovens reproduzem em suas falas a imagem que associa a rua à
criminalidade.
Em que o JF na Paz teria impactado a vida desses jovens? Para Dy., residente em
São Pedro, o programa teria mudado sua relação com a mãe: A gente ficava aqui de
noite e chegava mais tarde em casa e minha mãe não se preocupava comigo. Sabia que
eu estava bem. Agora, se eu chego mais tarde em casa, minha mãe sabe que eu estou
bem. Antes do JF na Paz ela se preocupava”. G. também acredita que o programa
modificou sua relação com a família: “Hoje converso muito mais com minha mãe e
brigo menos com meus irmãos”. Para B., jovem de Santa Cândida, o programa fez com
que ela “procurasse ficar mais tempo em casa, ajudar pai e mãe, cuidar de irmão,
estudar”. Mudanças na relação com a escola foi outro aspecto destacado pelos jovens.
Muitos apontam uma melhora no desempenho escolar após a entrada no programa. W.,
também de Santa Cândida, relata que sua participação no JF na Paz fez com que ele
começasse a “estudar mais, a aprender mais, a prestar mais um pouco de atenção nas
aulas”.
17
Diferentemente do Território de Oportunidades, o JF na Paz não oferece bolsa para seus participantes.
164
Ter saído das ruas também foi apontado como resultado positivo do programa,
pois, como pontua Jp., jovem de Dom Bosco, “a rua tem muita droga, bebida, Nossa
Senhora! Para te dar um lápis, ninguém dá, agora, para te dar uma maconha...”. W., de
Santa Cândida, também sinaliza nessa direção quando diz de sua participação no JF na
Paz: “Mudou o meu jeito de ser (...), mudou a minha vida”. E explica: “Antes eu ficava
muito na rua, caçava muita briga, agora, não”.
Embora a questão da rua seja identificada como aspecto descritivo do programa
ele aparece como realidade concreta aos jovens de Dom Bosco e Santa Cândida,
bairros mais pobres e estigmatizados quando comparados a São Pedro. Inclusive, para
alguns dos jovens de São Pedro a possibilidade de estar na rua, dada pelo programa, é
apontada como um resultado positivo. Perguntada sobre o que o JF na Paz teria trazido
de mudança para sua vida, D., moradora de São Pedro, responde: “Ah, agora eu fico
na rua. Não tempo de voltar para casa, eu fico na rua mesmo. Eu ficava mais
tempo em casa antes do Trilhos”. Isso é bom? “Sim, fazer o quê dentro de casa?”
Quando interpelados sobre o que pretendiam fazer após a saída do programa, a
grande maioria objetivava seguir profissão na área da oficina. Assim, W., jovem de
Santa Cândida, da oficina de hip hop, quer dar aulas de dança. E., jovem de São Pedro,
da oficina de atividades esportivas, pretende “seguir uma carreira, ou de futebol, ou de
vôlei, ou de tênis”. Desejo semelhante tem Dy., também moradora de São Pedro e que
havia participado das oficinas de música e atividades esportivas. Diz a jovem: “Eu
queria aprender música, tocar violão. Montar uma banda para sair tocando. Agora não
quero mais, não. Agora quero ser jogadora de futebol”.
Ao perfil traçado no capítulo anterior soma-se o elaborado a partir dos
questionários fechados aplicados e a partir das falas dos jovens. Por eles, parece ficar
explícito de quais jovens se está falando: jovens que vivenciam as desigualdades
expressas nas mais distintas formas de restrição aos bens e serviços essenciais à
reprodução da vida; jovens que vivem significativa posição de defasagem na relação
série-idade ou, mesmo, que estão fora da escola; sujeitos com pouco horizonte
educacional e profissional; jovens que vivem em bairros pobres da cidade, cujos pais
ocupam, na sua grande maioria, posições menores no mercado de trabalho; jovens que
165
vêm de uma família de pouco estudo; sujeitos que usam pouco os equipamentos de
cultura e lazer da cidade; sujeitos cuja presença na cidade é indesejada, controlada e
vigiada; vítimas de violência física e simbólica, que são estigmatizados e discriminados.
Jovens para os quais é vetado o presente e cujo futuro é cada vez mais incerto.
166
CAPÍTULO 4
JOVEM, CIDADE E POLÍTICA
No presente capítulo, construir-se-á o diálogo possível e necessário entre os
conceitos adotados e a experiência dos jovens entrevistados. O desafio, portanto, está
em dialogar juventude e espaço através de jovens entrevistados. Para tanto, a articulação
desses conceitos se dará pelo uso e apropriação, e conseqüente aproximação, do
conceito de território usado proposto por Milton Santos e discutido em capítulo anterior.
Reconhece-se não apenas a possibilidade, mas, sobretudo, a necessidade da
construção desse diálogo. A articulação entre espaço e juventude ocorrerá através de
três movimentos complementares: 1) o entendimento dos processos de
constrangimentos, restrições e distinções espaciais às quais estão submetidos os jovens
pobres da cidade. O primeiro processo refere-se aos inúmeros constrangimentos
impostos aos jovens pobres em seu circular pela cidade. O segundo vincula-se a
restrições materiais e/ou simbólicas. O terceiro, por fim, refere-se às formas distintas
pelas quais esses jovens são vistos e tratados em seu movimento pela cidade; 2) a
desconsideração da dimensão do espaço no que toca a elaboração e a implementação de
políticas para a juventude; 3) a possibilidade do uso do espaço numa perspectiva
política.
Na construção desse diálogo parte-se da compreensão da juventude como uma
categoria social e, portanto, como constantemente (re)pensada –, construída como
desigual, distinta e diferente. O que significa negar a existência de uma juventude
homogênea. A juventude difere-se pelo corte de classe, etnia, renda e também
territorial, pois, em consonância com Castro e Abramovay (2002), “a juventude assume
faces diferentes de acordo com as condições materiais e culturais que a cercam, de
acordo com o território em que se encontra”.
Nessa parte final do capítulo será feito um mergulho na realidade dos jovens
entrevistados e em suas práticas na cidade, identificando como o território usado
implica desigualdades, diferenças e distinções para esses jovens. Também é objetivo
167
deste capítulo apontar alternativas para se pensar novas utopias de uso e apropriação da
cidade por esses mesmos jovens.
4.1. Os jovens pesquisados e seus territórios usados
Como visto no primeiro capítulo, o sentido dado ao conceito de território usado
remete aos sujeitos. Para Milton Santos, o espaço na medida em que é usado e
apropriado, transforma-se em território usado. Essa categoria, portanto, permite operar
numa dupla dimensão: com o sentido da ação e do sujeito que a realiza. O que é nítido
na medida em que se considera o próprio conceito de espaço do autor: conjunto de
sistemas de objetos e sistemas de ação. A ação se realiza pelo homem e sua ação
condiciona e é condicionada pelo próprio espaço.
Sendo o espaço construção social e materialidade, ele é também uma totalidade
prenhe de latências dispostas a se realizarem através da ação. E, nesse universo, os
jovens pobres dispõem, no tempo presente, de poucas oportunidades de realização
dessas latências. Isso porque se entende que o sentido de ser jovem pobre é delimitado
pela sociedade e pelas suas possibilidades concretas de existência, que, por seu turno,
condicionariam as chances de uso e apropriação das inúmeras latências existentes no
espaço, e neste estudo específico, do uso e apropriação da própria cidade.
A importância do espaço é evidente, na medida em que ele se torna o lugar onde
se concretizam as relações sociais, de solidariedade e de poder. Mas também porque é
no espaço, construindo e reconstruindo permanentemente seus territórios usados, que
esses jovens se colocam. Aqui, ele é entendido como:
Não apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas
naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O
território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e
o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a
base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais da
vida, sobre as quais ele influi (SANTOS, 2002:96-97).
168
O espaço é, dessa maneira, não apenas onde se expressam as desigualdades,
como é também o lugar do cotidiano, das experiências, da construção de práticas
coletivas. Assim, é no uso ou na apropriação que o espaço se realiza em território
usado e passível de ser marcado por processos e movimentos de horizontalidades.
Torna-se lugar de resistência, onde iniciativas cio-espaciais não hegemônicas podem
almejar um projeto político.
Na perspectiva de se trabalhar com jovens urbanos, entende-se que a apropriação
da cidade no sentido do vivido, do simbólico e do valor de uso proposta por Lefebvre
– seja uma das possibilidades de construção de novos espaços coletivos numa dimensão
política, rompendo a lógica do consumo.
Para Lefebvre (1981), a apropriação remete a um sentido simbólico, marcado
pelo vivido e pelo valor de uso, ao contrário da dominação, que se refere ao valor de
troca. Afirma o autor:
O mundo da mercadoria tem sua lógica imanente, a do dinheiro e do
valor de troca generalizado sem limites. Uma tal forma, a da troca e da
equivalência, exprime indiferença diante da forma urbana; ela
reduz a simultaneidade e os encontros à forma dos trocadores, e o
lugar de encontro ao lugar onde se conclui o contrato ou quase-
contrato de troca equivalente: o reduz ao mercado (LEFEBVRE,
2001:82).
Lefebvre (1981) propõe pensar as práticas sociais de produção e reprodução do
espaço a partir de três dimensões: práticas espaciais (percebido), representações do
espaço (concebido) e espaços de representação (vivido). A primeira se constituiria pela
relação entre as ações e os objetos, portanto, entre o homem e os suportes materiais que
estão no espaço. o espaço concebido refere-se às formas de conceber e representar o
espaço (leis, códigos, posturas, normas, mapas, planos, entre outros). Para o autor, as
representações do espaço propiciam os espaços dominantes. Estes teriam um caráter
abstrato, servindo para homogeneizar e naturalizar as diferenças. O espaço vivido é
percebido através das representações e práticas espaciais cotidianas. E se, de um lado, é
169
subjugado ao espaço concebido, de outro, é nele que Lefebvre situa a possibilidade de
transgressão, da criatividade e da subversão. Nesse ponto constrói-se o diálogo com o
conceito de território usado, de Milton Santos.
O espaço abstrato é o espaço onde prevalece valor de troca, o espaço vivido é
o espaço onde prevalece o valor de uso. No movimento de transformação do espaço em
mercadoria, o espaço abstrato se impõe sobre o espaço vivido. Nesse processo, o espaço
concebido tem papel fundamental na medida em que a esfera econômica e o Estado, por
meio das representações do espaço, pressionam o espaço da vida cotidiana. Há no
pensamento de Lefebvre um árduo embate que se realiza no e pelo espaço, entre valor
de uso e valor de troca, entre as pressões exercidas pelo espaço abstrato e as resistências
do espaço concreto.
Nessa disputa, parece levar vantagem o valor de troca sobre o de uso, na medida
em que cada vez mais o espaço é vendido e, como mercadoria rara, restrito a parcelas
progressivamente menores da população urbana. Ao impor-se sobre o valor de uso, o
mercado determina o uso e os modos de apropriação do espaço. Seu acesso, portanto, se
realiza mediado pelo mercado, o que define significativas distinções e desigualdades
nesse mesmo espaço, além de uma separação maior entre o espaço público e o espaço
privado.
Circulando entre essas três dimensões do espaço é que os jovens vivenciam e
experimentam o mundo. Contudo, são muitas as restrições impostas a esses jovens que
dificultam o pleno sentido da apropriação da cidade através do uso. Uma dessas
dificuldades é resultante dos limites impostos ao seu flanar. Parece ser essa a situação
dos jovens entrevistados, como indicam as falas expostas no capitulo precedente.
Como visto, a circulação daqueles jovens na cidade é restrita ao centro e aos
bairros próximos aos seus. O maior deslocamento em direção ao centro da cidade pode
ser entendido, em parte, pela característica peculiar da cidade, que faz com que sejam
quase inexistentes subcentros que descongestionem os fluxos destinados ao centro. Por
esse motivo, os jovens procuram no centro principalmente os bens referentes à atividade
terciária: compras, escolas, bens culturais etc. Outro fator associado a esse é o fato da
grande maioria das linhas de ônibus urbanas convergirem para o centro. São poucas as
linhas bairro-bairro. O que significa que, em muitos casos, passar pelo centro é a única
alternativa para se chegar a outro bairro da cidade, o que, sem dúvida, encarece os
170
custos de transporte e restringe ainda mais a circulação desses jovens. Quando saem de
seus bairros, ainda de acordo com as falas expostas anteriormente, costumam ir,
acompanhados de amigos do próprio bairro ou parentes, para bairros contíguos aos seus
e que possuem as mesmas características socioeconômicas pouco dotados de infra-
estrutura, de serviços de cultura e lazer etc. Em grande parte, é a convivência com a
família a causa do deslocamento.
A circulação é restrita a uma parcela diminuta da totalidade do espaço da cidade,
bem como a regiões cujas condições se assemelham as de seus bairros de origem tanto
física quanto socialmente. Esse padrão de circulação parece apontar para a identificação
de lugares da cidade que seriam reservados aos jovens pobres. O que também é
expresso pelos mesmos quando dizem que não gostam de ir a “bairros diferentes”, pois,
lá, ficam “envergonhados”. Obviamente, nesse caso, a circulação não é restringida pelo
uso da força física (como no caso das brigas entre bairros rivais), mas por mecanismos
mais sutis que impõem aos jovens um constrangimento apenas por estarem em lugar
diferente do seu e entre pessoas diferentes.
Por essa razão, é em seus próprios bairros que eles se sentem seguros e
confortados e, talvez por isso, tantos tenham expressado o pouco desejo de sair deles.
Em seus bairros estariam entre iguais, não vivenciando na pele e cotidianamente os
mecanismos de restrição, distinção e desigualdade a que estão submetidos. Neles, se
sentem salvos. Mas se é a partir deles que experimentam o fato de serem jovens e
moradores da cidade, também é neles que esses jovens se encontram alienados dos
processos e das ações que tornam seu bairro periférico e que os imobilizam ali. Assim,
se têm relativa clareza das distinções existentes entre eles e os jovens de um outro bairro
mais abastado, por outro, essa distinção restringe-se apenas à dimensão do indivíduo.
Eles seriam diferentes porque “têm dinheiro do papai” e não precisariam trabalhar.
Se é no local que se vive o cotidiano e onde as experiências se realizam, este é
constantemente atravessado pelas forças do global (Santos, 1996). Forças essas que
explicam, em parte, as razões da própria existência e características daqueles lugares
(bairros periféricos). Ou, nas palavras de Corrêa (1987), referindo-se às formas pelas
quais o processo de segregação residencial constitui-se um mecanismo para a
reprodução das classes sociais e suas funções:
171
As diversas áreas residenciais, diferenciadas entre si, mas
razoavelmente homogêneas quando consideradas internamente,
configuram meios distintos para a interação social, da qual os
indivíduos devem seus valores, expectativas, hábitos de consumo e
estado de consciência. A partir do bairro enxerga a cidade e o mundo.
Um bairro e seu sistema de valores estável possibilita maior
reprodução do grupo social que ali vive. Assim, a organização
espacial do presente impacta sobre o futuro (CORREA, 1987:75).
Ocorre, portanto, que esses jovens experimentam pouco a cidade e não vivem as
inúmeras possibilidades que ela abre. Seu território usado, portanto, é restrito, pequeno
e significativamente localizado no entorno de seus bairros. Confinados em seus bairros
ou em bairros de características semelhantes, esses jovens internalizam e naturalizam
sua condição de jovens pobres, inclusive reproduzindo em seus discursos e práticas os
mecanismos de desigualdade, distinção e diferenciação a que são submetidos, como
visto na representação que parte dos jovens entrevistados tem dos jovens e do bairro de
Dom Bosco ou quando expressam seu desejo de nunca precisarem sair de seus bairros,
ou ainda quando identificam a possibilidade de sair da rua como um dos motivos
principais para entrarem nos programas públicos.
Por outro lado, quando conseguem romper com as barreiras que os restringem a
seus bairros a resposta é, em muitos casos, o constrangimento simbólico ou, em alguns
casos, a violência física. Assim, quando mobilizados pela busca de lazer – realizada, em
geral, com amigos do bairro e da vizinhança, que se movimentam, buscando espaços
para se divertir e, dessa forma, percorrem a cidade para usufruírem de seus serviços,
utilizarem seus equipamentos, ou mobilizados pela arte, seja nas turmas e galeras de
bailes funk ou no hip-hop, ou mesmo simplesmente nas aglomerações juvenis em points
de conversas –, em todas essas situações, esses agrupamentos são vistos como
potencialmente perigosos, uma bomba prestes a explodir.
Essa restrição é um dos elementos que gera a imagem da cidade como local
violento e sem oportunidades. Comuns foram as falas de jovens que apontavam a
violência e a carência de emprego como elementos caracterizadores da cidade. Esses
172
jovens criam uma imagem da cidade a partir do lugar de onde falam. A cidade aparece,
para muitos deles, associada a aspectos negativos.
É possível pensar a cidade como objeto de apropriações diferenciadas e é nessa
lógica que se processa o afastamento daquele que não é desejável. A posição dos jovens
pobres no tecido urbano reflete as relações sociais de tipo desigual, que resultam em
diferentes capacidades de apropriação do espaço urbano. Ela representaria a
concentração dos diversos segmentos sociais em territórios bem definidos e a
institucionalização da inferioridade, da desclassificação e da imobilidade das classes
populares” (CARVALHO, 2004:10).
No processo de distinção espacial parece também estar em jogo a capacidade de
apropriação do espaço urbano como sendo um espaço decisivo para a produção e
reprodução da vida dos jovens. Por essa razão que a apropriação também é entendida
como a possibilidade de se mover, possuir e agir. Apropriar-se remete à identificação
com o espaço e, conseqüentemente, a possibilidade de sua transformação. Um espaço de
que não se faz parte ou com o qual não se identifica, não é apropriado e
conseqüentemente transformado.
O que se verifica é que, em muitas situações, os jovens pobres têm reduzida
possibilidade de apropriação econômica, não podendo, com isso, intervir de maneira
decisiva na estruturação do espaço urbano. Mais do que isso, suas possibilidades de
apropriação sociocultural e psicossocial também são limitadas.
É nesse sentido que ao se falar em distinção espacial também se está falando da
não possibilidade de apropriação dos espaços e da não possibilidade desses jovens
criarem e transformarem espaços e, conseqüentemente, ampliarem seu território usado.
O circular se configura como o ponto de partida para o conhecimento e ocupação da
cidade. Em crônica datada de 1905, João do Rio sinalizava para a importância do
circular, ao lembrar que para usufruir as qualidades da rua, e da própria cidade,
não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo
do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs
e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser
173
aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos
esportes – a arte de flanar (RIO, 2005:50).
Para Castro (2004), o circular se configura como o ponto de partida para o
conhecimento e ocupação da cidade. Através do “perambular” pelas ruas esses jovens
podem tornar seu um espaço até então desconhecido. Contudo, em sua posição isolada,
esses jovens perdem a dimensão do circular livremente pelas ruas da cidade. Dessa
forma, “às oportunidades de mobilidade contrapõem-se a guetificação, quando o sujeito
se encerra em espaços que restringem suas oportunidades de ver, conhecer e ocupar a
cidade” (CASTRO, 2004:72). Muitos deles permanecem circunscritos ao seu local de
moradia, expressando, dessa forma, um território usado significativamente reduzido.
Aos jovens pobres essa apropriação é limitada e restrita. Indagado se os jovens
pobres circulavam livremente pela cidade, W. respondeu que não, que “depende do
lugar a que ele vai”. “Eu acho que o jovem vai aonde ele se sente bem; quem gosta de
funk vai para o funk. Porém, eu vi um amigo meu sendo expulso de um lugar porque
ele estava usando chinelo – ele ficou com muita vergonha”.
Suas possibilidades de circulação são restringidas por impedimentos objetivos
como o alto custo da passagem, a existência de territórios vigiados e protegidos por
muros, a sensação de serem vigiados e hostilizados ou mesmo o constrangimento
policial, como relatam muitas das falas dos jovens.
Nesse caso, prossegue a autora, “parece fato que a circulação, como capital
simbólico, se distribui desigualmente na população, concorrendo para exacerbar as
condições de pobreza, desemprego e inacessibilidade à educação” (ibidem:97).
Ainda durante o campo perguntou-se aos jovens se todos os moradores da
cidade teriam direito a ela. Para um dos jovens, “na teoria, sim, mas na realidade não,
pois a pessoa precisa ter dinheiro para ter direito a tudo na cidade e tem certos lugares
na cidade que são muito violentos, cheios de gangs(Le., em entrevista à autora, 2008).
O jovem sinaliza dois fatores que impediriam o pleno direito à cidade. Um resultante
das diferenciações de renda somente aqueles que “possuem dinheiro” têm direito a
todas as possibilidades que a cidade oferece, que “o rico pode ir onde quiser, e o
174
pobre não, porque não tem dinheiro” (D., em depoimento à autora, 2008). O outro, seria
a restrição imposta pela violência. Ambas dificultam a livre circulação e permanência
na rua.
O medo de circular pela cidade indica o temor da rua e o medo de perde-se. A
rua representa o desconhecido que ora parece convidar à aventura e à descoberta e ora
parece aterrorizar. Novamente recorrendo a João do Rio ao referir-se a rua:
Desde os mais tenros anos ela resume para o homem todos os ideais,
os mais confusos, os mais antagônicos, os mais estranhos, desde a
noção de liberdade e difamação idéias gerais até a aspiração de
dinheiro, de alegria e de amor, idéias particulares. Instintivamente,
quando a criança começa a engatinhar, tem um desejo: ir para a
rua! Ainda não se fala e a assustam: se você for para a rua encontra
o bicho! (RIO, 2005:72).
Talvez seja nesse sentido que os jovens ora afirmem gostar de estar na rua entre
amigos, ora a rua aparece como local de perigos e vícios. A primeira imagem é clara
quando V. diz ter entrado no programa para sair de casa, “porque quando teve o JF na
Paz era de noite, o portão ficava aberto e todo mundo saía, e eu tinha um namoradinho.
Eu saía de casa e chegava umas 19 horas. Eu e ela somos assim... passávamos numa
lan house”. Ou quando perguntada se gostava de estar na rua, Ac. responde: “Fazer o
quê dentro de casa? Melhor ficar na rua”. E o que tem na rua que atrai? “Tem internet,
tem menino, tem amizade, e em casa não tem” (Dy., em entrevista à autora, 2008).
A segunda imagem também está bem explicitada quando outros afirmam como
um dos motivos para ingressar nos programas a possibilidade de sair da rua, pois, nesse
caso, “a rua é como cobra, tem veneno” (ibidem:330). V. parece corroborar essa idéia,
ao dizer que “quando voestá dentro de casa você menos motivo para as pessoas
falarem mal de você”. Estar na rua, portanto, é correr o risco de desvirtuar-se. Viu-se
em capítulo anterior como essa imagem associa-se à valorização do sentido do trabalho
e, em contraposição, a identificação de qualquer forma de ócio como sinônimo de vícios
e potencialidades criminosas. Nesse caso, o jovem e, em especial, o jovem pobre seria
175
aquele sujeito de maior risco.
Essa imagem da rua parece estar em consonância com a afirmativa de Lefevbre,
quando o autor diz que a rua, na sociedade urbana capitalista, “não permite a
constituição de um grupo, de um ´sujeito´, mas se povoa de um amontoado de seres em
busca. De quê? O mundo da mercadoria desenvolve-se na rua” (LEFEBVRE, 1999:30).
Assim, o tempo torna-se o da mercadoria. Ela torna-se a passagem obrigatória entre o
trabalho e a casa. A apropriação, aquela que significa a afirmação do uso e do valor de
uso é “combatida pelas forças repressivas, que comandam o silêncio e o esquecimento”
(ibidem:31).
Vê-se que as falas simbolizam esse duplo caráter que a rua parece ter: lugar de
encantos e de perigos. Assim, se de um lado a rua é a possibilidade do novo, do
inusitado, campo de surpresas e experiências, atrativo para esses jovens numa dimensão
do uso, de outro, ela deve ser encarada apenas como local de passagem, evitando a troca
de experiências e vivências, as relações e as aglomerações. Para isso, associa-se a ela a
imagem do perigo. A rua como espaço público, no entanto, não deve ser de todos. Não é
à toa que as políticas destinadas aos jovens constantemente anunciam-se como voltadas
a tirarem os jovens da rua.
Entende-se, contudo, que a rua pode e deve ser mais do que isso. Ela é o lugar
do uso e não da troca. O lugar da vida
18
e não da mercadoria, já que a rua é mais do que
apenas um “alinhado de fachadas, por onde se anda nas povoações. Ora, a rua é mais do
que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!” (RIO, 2005:47). É na
rua que os jovens podem perceber as diferenças, que podem relacionar-se com os
demais. A rua é o espaço público por excelência. O lugar das trocas de vivências e
experiências. Por elas os sujeitos passam, mas também observam e vivem a cidade em
todas as suas dimensões – simbólicas e objetivas.
Castro (2004:84), contudo, mostra que “para os jovens pobres essa errância está
permeada de uma vigilância constante realizada pela repressão e pelo constrangimento
18
É no sentido do perder-se, de se colocar na rua que o diferente e o desconhecido se tornam uma
descoberta. Walter Benjamin afirma que para conhecer uma cidade, é preciso perder-se nela: “Saber
orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde
numa floresta, requer instrução” (1989:73). Na imagem do Flâneur, a necessidade da mobilidade,
percorrendo a cidade na procura de intensas sensações e o vivo interesse pelo espetáculo da cidade.
176
do aparato policial, tornando-se parte do cenário de humilhação e fortalecimento de
estereótipos”. Ainda que esses jovens possam se sentir seduzidos pelas possibilidades
que a cidade oferece, “têm seus espaços de circulação francamente limitados e
reduzidos, como, por exemplo, o acesso a determinadas áreas nobres da cidade, a
shopping, etc, a não ser que paguem o preço de se verem constrangidos e, muitas vezes,
humilhados” (CASTRO, 2004:84).
Nessa situação, alguns jovens são identificados como “perigosos” a partir de sua
cor, da sua posição de classe e da ocupação e uso que fazem do espaço da cidade. E., em
depoimento à autora (2008), afirma: “O rico vai me olhar atravessado pelo fato de eu
ser negra e pela forma como estou vestida”. Ou ainda como no relato feito por B.,
quando de sua ida ao shopping, como visto no capítulo anterior.
A reunião desses jovens pobres pelas ruas e seu movimento pela cidade, seja na
busca de lazer ou mesmo na procura de emprego, é visto como potencialmente perigosa.
A ocupação da cidade pelos jovens é tolerada dentro dos limites da ordem imposta
pelos adultos, o que significa de forma disciplinada, preferencialmente sozinhos e
restrita a determinados bairros. Esses jovens têm sua circulação controlada e tolhida. O
que se agrava quando a lógica da distinção territorial impõe a jovens pobres o não
direito de estarem em muitas partes da cidade.
Jp. (em entrevista à autora, 2008), relatando sua experiência, diz que “tem lugar
que só entra pessoa rica e uma pessoa pobre é excluída daquilo. Mas quando um rico vai
a um lugar que é dos mais pobres ele é recebido como uma pessoa qualquer e se sente
bem com aquilo”.
Ao subordinar o espaço, transformando-o em mercadoria, o mercado impõe cada
vez mais limites às condições e possibilidades de seu uso. O flanar, o lazer, os corpos e
os passos dos jovens pobres estão cada vez mais restritos aos seus bairros ou a locais
vigiados, normatizados e privados. Os jovens pobres não vivem a cidade da mesma
forma que os demais jovens. Ao contrário, parece que a esses jovens não está reservado
viver a cidade como espaço público em seu sentido mais amplo. Suas ações são
limitadas pelas desigualdades e pelas restrições que são impostas. Seu direito à cidade é
ínfimo ou inexistente. A cidade, portanto, para eles, não se realiza como obra na medida
em que seu território usado é pequeno e atravessado por restrições concretas e
177
simbólicas. O espaço não se realiza como totalidade.
4.2. Inserção nos programas e mudanças nos territórios usados dos jovens
Não se pretende neste item fazer uma avaliação dos programas estudados. Como
expresso anteriormente na introdução deste trabalho, esta tese não se situa na
perspectiva da avaliação de políticas públicas. Contudo, entende-se ser relevante abrir
uma discussão sobre os resultados dos programas na vida dos jovens tendo como
horizonte uma possível mudança na relação deles com a cidade e, conseqüentemente, na
dimensão de seus territórios usados.
Tomando essa questão como parâmetro, indaga-se qual o papel dos programas
analisados no sentido de projetar novas representações da juventude e novas relações
com o espaço da cidade. Para investigar essa mudança foi perguntado se avaliavam que
após o programa a relação com a cidade e a imagem que tinham dela haviam se
modificado. Primeiramente, serão apresentadas e discutidas as respostas dos jovens que
participaram do Território de Oportunidades seguidas daquelas dos do Juiz de Fora nos
Trilhos da Paz.
As falas permitem identificar que o território usado desses jovens é diminuto e
restrito, pois ao jovem pobre está vetado não apenas o mercado de trabalho, os espaços
de lazer e esporte, mas, e talvez principalmente, o direito de estar, de circular e de se
apropriar da cidade. E se o território usado pode ser pensado como lugar onde se
realizam a ação, a política e o direito à cidade, como elementos que expressam a
cidadania, para esses jovens a cidadania é por demais tênue.
Nesse sentido cabe perguntar até que ponto a inserção dos jovens nos programas
possibilitou, de alguma forma, a passagem do espaço percebido ao espaço concebido.
Ou ainda, como esses jovens poderiam ampliar, mesmo que ainda restritamente, os
limites de seu território usado? Portanto, o que se questiona é como as políticas públicas
tratam da questão de como os jovens se apropriam dos lugares da cidade. Em que
medida sua inserção nos dois programas ampliou ou não o território usado desses
jovens? Como essas políticas tratam os jovens e de que maneira dão (ou não)
178
visibilidade a esses sujeitos?
Essas questões parecem ganhar relevância na medida em que se entende que a
conquista da cidade representa uma das possibilidades de construção da ação política
desses jovens. O deslocar-se pela cidade, o aventurar-se no desconhecido, a percepção
das relações e contradições expressas no espaço, significa experimentar a própria
cidade, dando-lhe sentido através da ação. Para isso, recorrer-se-á mais uma vez às falas
dos mesmos.
Em alguma medida, ambos os programas expressavam em sua concepção a
dimensão espacial da política. No Território de Oportunidades, essa preocupação
pareceu mais explícita, que, como visto, havia uma preocupação em trabalhar com os
jovens a dimensão da cidade. Assim, quando perguntado a uma das gestoras e também
executora do programa como se articulavam os três eixos – território, juventude e
oportunidade – em sua oficina, a resposta foi:
Território, no sentido de trabalhar com eles a questão do bairro, tanto
do próprio bairro como dos outros. A gente sempre trabalhou os
bairros com eles como outros lugares da cidade, o próprio lugar da
universidade. E pensando a universidade, pensar a universidade como
oportunidade também. É uma oportunidade de troca, de construir
junto, não apenas de ter um saber idolatrado aqui, mas a gente pode
ter esse espaço também como um espaço de oportunidade para
construir junto, a partir dos saberes populares e dos saberes
acadêmicos. E o jovem, presente e atuante em relação ao seu bairro,
em relação a esses outros territórios e em relação aos seus direitos e
deveres, tanto dentro do projeto como na cidade como um todo.
A fala explicita a preocupação quanto à dimensão da cidade tanto no sentido de
tratar as questões de seus bairros e dos demais, quanto no sentido de trabalhar com eles
a percepção sobre seus direitos e deveres na própria cidade. Sua afirmação vem
corroborar o que é expresso no próprio corpo formal da política: dentre outros, o seu
objetivo era desnaturalizar as relações desiguais que se expressam na cidade.
179
De maneiras distintas, esse eixo perpassou o trabalho com os jovens, sendo, no
entanto, mais claro para alguns gestores e executores do que para outros. Portanto, em
algumas oficinas, essa preocupação em trabalhar o espaço esteve mais presente do que
outras. Assim como a própria imagem de jovem e juventude se diferenciou dentre a
equipe do Território de Oportunidades. Perguntada sobre sua concepção de jovem e de
juventude, Lh., após breve hesitação, responde:
A juventude, vamos dizer assim, essa fase da vida humana, é sempre
muito louvada no sentido de que é bonito ser jovem tanto é que
existe toda uma propaganda em torno disso que faz com que outras
pessoas, do ponto de vista da juventude como faixa etária, não se
enquadrem nesse conceito de jovem, mas procura sê-lo porque é
muito valorizado. Mas, por outro lado, estão nessa categoria juventude
pessoas que ainda precisam de um amparo da sociedade para o seu
crescimento e a sua colocação na sociedade, mas que muitas vezes não
têm. Principalmente os jovens das classes populares, é claro. E, aí,
esses jovens, essas pessoas acabam sendo cobradas, não têm apoio,
mas o cobradas. Então você precisa ser jovem o tempo inteiro, mas
que jovem é esse? Porque, na verdade, é o jovem que acaba muitas
vezes sendo responsabilizado pela bagunça que a gente tem, pelos
problemas (e, aí, voltando, principalmente nas classes populares), que
acontecem no bairro, que ocorrem no baile e em outros locais. Então,
eu creio que a juventude é uma fase do desenvolvimento humano, e,
pensando nas classes populares, muito cobrada, com pouca
oportunidade.
Sua fala identifica a existência de desigualdades e diferenças na juventude.
uma preocupação em focar o que ela identifica como sendo a juventude dos jovens das
classes populares. Para estes, a juventude se manifesta pela dualidade anteriormente
discutida no primeiro capítulo: de um lado, as imagens que associam juventude a
vitalidade e, de outro, a existência de uma juventude desamparada pela sociedade e que
é constantemente cobrada e culpabilizada pela “bagunça” que a gente tem e pelos
180
problemas que ocorrem no bairro, no baile etc. Portanto, é uma juventude cobrada e
que, em contrapartida, possui poucas oportunidades. Por fim, a clássica conceituação
da juventude como uma fase da vida. Concepção mesma assumida por Fs.:
Hoje, juventude, para mim, é uma faixa etária que vai dos 14 aos 21,
talvez dos 12, que é a adolescência legal. Certamente não é o correto,
mas é o que eu considero hoje. As preocupações mudam, as questões
relativas à identidade mudam muito entre 12 e 14. Isso deve ter uma
maneira muito diferenciada de uma classe social para outra, de um
contexto familiar para outro, de um contexto de bairro para outro.
Meu conceito de jovem tem a ver com o desenvolvimento, com a
maturidade física e intelectual, com as preocupações e os
compromissos; é uma fase da vida que começa, portanto, não tem
nada a ver com faixa etária, mas com compromissos. Por isso que tem
pessoas que não amadurecem jamais (Fs., em entrevista à autora,
2008).
A resposta de Fs. parece mais imprecisa ao misturar diferentes concepções e
representações sobre a juventude. Primeiro, a identifica pela faixa de idade.
Conceituação mais simples e também muito usual, porém insuficiente na medida que
homogeneíza os sujeitos jovens. É como se todos fossem iguais na medida em que são
diferenciados apenas na relação com os indivíduos das faixas acima e abaixo da sua.
Contudo, além desse critério, que, segundo o próprio Fs., seria incorreto, outro elemento
definidor da juventude, em sua opinião, seria o fato desse momento estar atrelado a
novas responsabilidades assumidas. Imagem também, como visto, muito presente entre
os próprios jovens. Por fim, sua fala vislumbra a juventude como distinta, na medida em
que reconhece a existência de diferentes juventudes de acordo com o contexto familiar,
o bairro e a classe social.
Para ambos os gestores, a juventude é encarada como uma fase da vida, um
momento de passagem entre a vida infantil e a vida adulta. Já para Lh., ser jovem seria:
ter muito pela frente, por vezes sem essa oportunidade de ver o que
181
vem pela frente, até pela falta de condições que faz com que muitos
jovens das classes populares morram. Então, ao mesmo tempo que se
pode ter muito pela frente, que se pode crescer muito, também se é
muito alvo.
Ao tratar do jovem, a entrevistada faz um corte de classe, destacando estar se
referindo aos jovens das “classes populares”, uma vez que seria esse o perfil com o qual
trabalha. Dessa forma, ao definir o jovem desse segmento social, Lh. novamente o
representa a partir de uma dualidade: possibilidade de futuro promissor e restrições do
presente que dificultam ou mesmo inviabilizam que esses jovens cheguem ao futuro.
Para Fs., jovem é “o individuo que está numa fase de maturidade, de aceleração
da maturidade, saindo da infância e da adolescência, portanto, entrando numa fase de
tomar decisões, de assumir responsabilidades, e isso vai ser muito diferenciado.
Juventude é essa fase que o jovem vive”. Identifica os jovens como os sujeitos que
vivem a juventude – por sua vez, vista como fase da vida –, como o sujeito que
assumirá responsabilidades e caminha para a maturidade.
Também Vn., executor de uma das oficinas do programa, compartilha de
imagem semelhante. Para ele, estudante da UFJF e, portanto, também jovem,
jovem não é nem criança nem adulto. Quando você é criança você tem
todos os cuidados, quando você é adulto você tem todos os deveres; e
quando você é jovem, o que você tem? A minha concepção de
juventude eu acho que é essa que todo mundo tem, que é um período
de mudança e que é uma época que você tem que tomar consciência
do que você tem que fazer quando você virar adulto.
A colocação indica um não lugar para os jovens: nem ser criança (coberta de
cuidados) e nem ser adulto (coberto de responsabilidade); portanto, um meio do
caminho. E qual a imagem que se tinha dos jovens reais com os quais trabalhavam?
Novamente, Vn. responde:
182
Eu achei todos muito transparentes na hora que falavam. Eles
passavam sinceridade para mim. E essa sinceridade demonstrava
também as fragilidades que eles tinham. Eles não eram muito bem
instruídos, intelectualmente, formalmente. Apesar de eles estarem na
escola, pegavam pouco do que a escola oferecia, porque a escola hoje
em dia está cada dia mais distante. Ao mesmo tempo, eles têm um
potencial muito grande. Por conta de todas essas mudanças que estão
acontecendo, as pessoas que estão à margem do que é normal na
sociedade criam uma identidade muito forte delas. O grupo deles tem
uma coisa muito forte entre eles, eles têm um jeito de se comunicar
muito próprio e eu vejo uma riqueza nisso. Se eles se sentissem mais à
vontade para se inserirem no que é chamado de território, eles
teriam resultados muito bons.
De modo geral, Vn. constrói uma imagem positiva desses jovens. Apesar de
terem “pouca instrução” eles teriam grande potencial. Esse potencial é visto como algo
comum àqueles que, segundo Vn., estão “à margem do que é normal na sociedade” e se
manifesta na construção de uma sólida identidade entre eles. Essa identidade, composta
por uma forma peculiar de se comunicar, é vista como algo positivo. Mas se, por um
lado, os jovens reais do programa teriam essa riqueza, de outro, Vn. alerta para uma
situação de desigualdade de inserção naquilo que ele genericamente chama de território
(talvez querendo se referir à sociedade). Interessante notar que, para Vn., a razão dessa
desigualdade é computada ao indivíduo, que necessita se sentir “um pouco mais à
vontade”.
Para Fs., os jovens eram
muito maduros em algumas coisas e muito desesperançados em
muitas coisas. Nesse sentido, uma juventude muito pouco feliz em
alguns aspectos, com muito poucas perspectivas. Ao contrário do que
deveria ser juventude, uma fase em que você começa a tomar as
rédeas do mundo e conduzir esse mundo e conduzir a sua vida. Para
isso, você tem que ter perspectiva de transformação do seu próprio
rumo, não da sociedade, que é muito difícil. Apesar das dificuldades
183
que a sociedade impõe para tomar os rumos da sua própria vida, se
você não tem isso pelo menos como norte, você não tem rumo
nenhum para tomar. Eu os via muito céticos em relação à perspectiva
de mudança. Ou talvez seja realismo mesmo, mas, por outro lado,
naquilo que ela tem como valor muito consolidado. É uma juventude
que consolida seu valor numa rapidez muito grande. Então, eles
gostam de funk, eles gostam de orkut, eles gostam de música, de sair
em turma. Eles têm isso muito consolidado, muito pouca coisa assim;
quando eles tiverem família, talvez eles mudem essa perspectiva.
Fs., diferente de Vn., em grande medida, constrói uma imagem negativa dos
jovens que participavam do Território de Oportunidades. Para ele, são jovens que
viviam uma juventude triste, na medida em que eram carentes de perspectivas de
mudança ou de transformação. Chega a fazer uma contraposição entre como seriam
esses jovens reais e como deveria ser um ideal de juventude, entendida como o
momento pelo qual os sujeitos iniciam sua independência tomando “as rédeas de sua
vida”.
Outro aspecto refere-se ao que Fs. denominou como valores. Talvez possa ser
possível substituir o termo valor por gosto, que, para Fs., é definido de maneira rápida e
rígida. O que Fs. chama de valores está muito próximo daquilo que, para Vn., é visto
como algo positivo: o compartilhar gostos, contextos e situações, construindo uma
identidade comum. Não fica muito claro se para Fs. isso é positivo. No entanto, sua
frase seguinte parece valorar os gostos na medida em que diz que “talvez, quando
tiverem família”, portanto, ao se tornem adultos, seus gostos possam mudar.
Imagem semelhante desses jovens tem Lh., quando afirma que
a gente percebe esse encanto e desencanto. Por vezes, mais desencanto
em alguns, principalmente o pessoal de Santa Cândida. E em outros,
de todos eles, a turma de São Pedro me pareceu mais assim, mesmo
dos que apresentavam mais dificuldades, mas vontade de fazer as
coisas diferente e essa visão de que é possível fazer as coisas
diferente, não ficar restrito nas poucas oportunidades dadas.
184
Lh. tem a experiência de ter trabalhado com ambas as turmas do Território de
Oportunidades, daí sua resposta ser mais refinada quanto à identificação de quais
jovens, segundo ela, teriam menos expectativas quanto às possibilidades de mudança.
São os jovens de Santa Cândida. Crê-se ser possível fazer uma relação entre o lugar que
eles se encontram na cidade, suas condições sócio-econômicas mais precárias e o baixo
horizonte. Como visto, dentre os bairros abordados, são Dom Bosco e Santa Cândida os
mais pobres. São Pedro apresenta uma significativa diversidade interna. Certamente,
os jovens de São Pedro, atendidos pelo Território de Oportunidades, têm acesso a um
conjunto maior de oportunidades, o que talvez explique, em parte, o fato de eles terem
uma “visão de que é possível fazer as coisas diferente” (Lh., em entrevista à autora,
2008).
No caso do JF na Paz, o que se observa é, que apesar das falas dos elaboradores
da política e do documento formal expressar a questão do espaço como um dos
princípios norteadores do programa, o que se vive na prática é muito diferente. Para
identificar essa questão é preciso considerar como os educadores das oficinas, aqueles
que trabalham diretamente com os jovens em seus bairros, percebem essa preocupação e
constroem sua representação de juventude.
Indagou-se quais as concepções que tinham de jovem e juventude. Uma primeira
resposta enquadra-se numa visão de juventude e de jovem referida a um passado
considerado melhor, quando os jovens eram mais obedientes e disciplinados. Por essa
razão, Ml. observa:
Hoje a juventude está bem complicada. Está tendo que ter muita,
muita atenção, porque o jovem tem muita informação e pouca
formação. Tudo hoje é muito liberado, eles não estão querendo ter um
limite, não se está podendo pôr limite no jovem, os pais estão
esquecendo de colocar limite nos filhos jovens; então está ficando
muito complicado. Eles estão achando que deixar tudo é o melhor para
o jovem, que assim não vão perder o carinho do filho, e esquecendo
de pôr limite, vão deixando tudo e isso vai estragando a juventude
(Ml., em entrevista à autora, 2008)
185
Para Jm., também é a perda de limites, função que caberia aos pais, e a
conseqüente indisciplina que caracterizam os jovens hoje:
Se os pais, hoje em dia, falassem para eles como é o mundo... Porque
no nosso tempo não tinha essa liberdade. Se a gente falasse, “– Mãe,
eu vou, por exemplo, à lan house”, “– Não, você vai fazer o trabalho
dentro de casa primeiro”, a gente não tinha aquele susto que eles
têm hoje. Fazer o trabalho dentro de casa era estudar, fazer a matéria
do colégio, ajudar os pais a fazer as coisas dentro de casa, e isso hoje
os jovens fazem, mas fazem empurrados para poder logo ir para a rua.
Não respeitam o que os pais estão falando.
Outra representação remete à imagem de um momento de instabilidade e
insegurança quanto a sua formação futura. Um momento em que são bombardeados por
informações, são pressionados a tomar decisões e, em contrapartida, encontram-se
desamparados e desorientados. Nesse sentido se posiciona a fala de Mc. ao afirmar que,
para ela, ser jovem é “uma coisa meio complicada. Atualmente o jovem é muito
ansioso. Essa coisa dele ter que ser alguma coisa. Essa cobrança. Eles têm acesso a
muita tecnologia e acabam se isolando um do outro. Para mim, ser jovem hoje está
muito difícil”.
Posição próxima a de Mb., quando diz que a juventude
é um desafio constante. As pessoas comparam os jovens: “ah, na
minha época era assim e assado”, às vezes a gente cobra que os jovens
sejam como a gente foi há vinte anos, sem levar em conta que a
realidade mudou. Hoje a mulher tem outros papéis. Esses meninos
vivem com pais separados que muitas vezes nem dão atenção a eles, a
escola não tem sido mais para o aluno, eles encontram na internet o
lugar em que são compreendidos, na TV. Estão numa condição de
não-lugar. Para mim, a juventude vive constantemente no olho do
furacão.
186
Sua fala nega as explicações que procuram identificar a existência no passado de
um jovem ideal afirmando as mudanças dos contextos sociais aos quais estariam
inseridos. No entanto, sinaliza também para a inexistência de lugares onde esses jovens
pudessem ser compreendidos e, por outro lado, sua busca incessante por esse lugar
(como a internet e a TV). Daí a idéia de não-lugar. Não-lugar no sentido de não
compreendidos ou no sentido de um lugar onde são invisíveis. Isso faria com que, no
entender de Mb., ser jovem hoje fosse algo extremamente difícil.
Jd., educador da oficina de atividades esportivas, responde à questão
comparando-se aos jovens. Assim, afirma ser “uma pessoa muito aberta. Eu sou uma
pessoa extremamente democrática e bastante crítica. Eu sou uma pessoa que gosta de
tudo que o jovem de hoje gosta”. A partir desse momento ele faz sua separação em
relação ao que ele identifica como sendo uma atitude dominante entre os jovens:
“Porém, com um pouquinho mais de cultura, com um pouquinho mais de gosto, tanto
pela estética quanto pela ética”. Feita essa distinção, prossegue o educador:
Eu acho que o jovem de hoje o tem muito essa noção. O jovem de
hoje está sendo trabalhado por um monte de informações, informações
educacionais, informações de como se organizar, não pode isso, não
pode aquilo. Mas ele mesmo está esquecendo da referência dele, do
que ele quer. Tem horas que ele quer demais, tem horas que ele não
pode nada, e fica sempre nesse conflito. O jovem não sabe o que pode
e o que não pode, porque a bagagem cultural dele não uma
formação moral individual para que ele se posicione perante essas
questões hoje (Jd., em entrevista à autora, 2008).
Mais uma vez, a fala aponta para uma condição de instabilidade, insegurança e
indefinição em relação à vida. A indecisão sobre o que pode ou não pode o jovem é
vista pelo educador apenas como uma questão individual, fruto de uma formação de
âmbito privado, que não teria dado as bases morais necessárias. Essa é, para o
entrevistado, o foco do problema dos jovens hoje: uma formação moral e, como
conseqüência, sua dificuldade de se posicionar diante dos fatos e acontecimentos da
187
vida. Completa:
Parece sempre que está faltando alguma coisa. Um exemplo bobo:
ninguém precisou me ensinar que a biblioteca deveria ser um lugar de
silêncio e concentração. Eu tenho alunos, de todas as faixas etárias
que não conseguem ficar 30 segundos em silêncio dentro da biblioteca
e não é porque são maus ou ruins, mas porque eles não têm isso como
valor moral. E eu acho que você aprende uma coisa, só realiza uma
coisa se você tiver como valor moral para si. Você aprende o que
você entende como valor moral (Jd., em entrevista à autora, 2008).
Nota-se pelas falas uma concepção de jovem e de juventude extremamente
conservadora e marcada pelas imagens negativas que carregam os jovens. Assim, fase
da vida, momento de indecisão e insegurança, caráter moral frágil, necessidade de
amparo pelo mundo adulto, são representações dadas aos jovens por aqueles que
executam o programa JF na Paz. Vale lembrar que o trabalho é junto a jovens pobres. E
talvez seja esse o olhar que os educadores tenham deles indivíduos em constante e
eminente risco e que, portanto, precisariam ser tutelados.
Quanto à temática da cidade, para a grande maioria dos educadores
entrevistados, o JF na Paz não teria nenhuma orientação no sentido de debater com os
jovens as questões referentes ao seu bairro e à cidade. Quando perguntados a respeito,
algumas das respostas foram:
Não. Mas acho interessante. Escreve que eu aceitei a sugestão e
sei até como fazer isso. Vou tentar reuni-los cada dia num lugar para
fazer apresentações. Legal (Mc., em entrevista à autora).
Eu não vejo a preocupação em se trabalhar a cidade. Não vejo mesmo.
Na minha oficina eu trabalho, mas de uma forma implícita, não
taxativa. Na relação cotidiana (Mb., em entrevista à autora, 2008).
188
A primeira traduziu a pergunta como sendo uma sugestão. O segundo
depoimento apontou para a inexistência dessa questão no âmbito do programa, embora
tenha afirmado trabalhá-la de alguma forma em sua oficina. Mesmo que não tenha
conseguido explicitar exatamente como, Ml. e Jm. foram os únicos a sinalizarem na
direção de um debate com os jovens sobre a cidade. Ml., educadora da oficina de
capoeira, realizada com os jovens de Santa Cândida, quando perguntada sobre como
trabalhava com os jovens do bairro no sentido de desconstruir as imagens que se têm do
bairro e da cidade, responde:
A gente procura mostrar para as crianças o seguinte: a mudança de
comportamento, através da mudança de comportamento. Se você já
sai daqui gritando, se você já chega no Centro olhando demais,
fazendo umas graças geralmente eles têm mania de chamar a
atenção. Se comportar melhor; escolher o lugar em que se está e se
comportar como deveria se comportar estando no centro da cidade.
Não é gritando, jogando as coisas, como eles fazem por aqui, que eles
têm que fazer no Centro. A gente tem que se comportar porque a idéia
do posso dessa marginalidade é isso. Porque o comportamento não
muda, porque eles saem daqui e querem se comportar aqui, no
Alameda, do mesmo jeito que eles se comportam aqui. E isso tem que
ser conversado com eles, mostrando a realidade. Não é porque eles
são jovens daqui, da periferia, porque são pobres, que eles são
destratados. É pelo comportamento deles. Eles têm que ir se
adequando pela situação (Ml., em entrevista à autora, 2008).
Jm., educador da oficina de hip-hop no mesmo bairro, reafirma a fala de Ml., ao
dizer que “trabalha com eles um comportamento diferente no Centro para serem aceitos
embaixo como são aceitos no bairro”. Isso porque, complementa Ml., os demais
“julgam os jovens por um, porque não conhecem. Porque eles falam do bairro. Eles
pixam os bairros. entra todo mundo. A gente tenta mostrar que é diferente, que até
aquele que faz realmente esses atos, a gente está tentando buscar”.
Apesar de identificar a cidade como um eixo de discussão, essa questão é tratada
como um problema individual. Ou seja, é o comportamento de cada jovem
189
individualmente ou em grupo que seria um elemento promotor da forma desigual pela
qual são tratados na cidade. O foco da discussão, portanto, está na tentativa de
disciplinar ou “educaros comportamentos considerados desviantes. Para serem aceitos
no Centro, o primeiro passo, senão o mais importante, que é esse o único
mencionado, é igualar o comportamento deles aos dos outros. Entendidos esses outros
como os adultos ou os jovens de setores mais abastados da sociedade. Mais do que isso,
é como se fosse tolerado que eles se comportassem de maneira “indisciplinada” em seu
bairro, mas não no restante da cidade. É como admitir que esse comportamento ruidoso,
violento, indisciplinado fosse aceitável num ambiente de mesmas características e em
outros distintos fosse preciso “ir se adequando pela situação”.
Uma comparação entre ambos os programas permite inferir que embora a
dimensão espacial da política apareça como uma questão pertinente tanto no território
de Oportunidades quanto no JF na Paz, o que se percebe é uma significativa diferença
no seu trato. No Território de Oportunidades, gestores, elaboradores e executores
parecem ter um pouco mais de clareza a respeito da importância de se pensar o espaço e
de desnaturalizar as desigualdades que se dão nele (embora isso se com significativa
distinção entre eles e na forma como foi trabalhado em cada uma das duas turmas). Já
no JF na Paz, parece que essa orientação permanece apenas no papel ou nas falas
truncadas dos seus gestores e formuladores (como mostrado no capítulo 3). Quando se
chega à ponta da política, ou seja, nos seus executores, essa preocupação não está
sequer presente e quando está, é vista a partir de um olhar moralista e reducionista.
O resultado disso foram consequências distintas dos programas no que se refere
à alteração da relação e imagem que os jovens m da cidade e, conseqüentemente, de
mudanças reais na dimensão de seus territórios usados. Vejamos primeiro a fala dos
jovens do Território de Oportunidades.
Le. diz:
Para mim, a cidade, eu achava não que era um ovo de codorna,
mas eu não conhecia. Quando eu conheci, pensei, ‘nossa, Juiz de
Fora é muito grande!’ Eu nunca ia a São Benedito. A gente
sempre tem uma opinião formada sobre determinados assuntos.
190
E eu nunca pensava em ir para outros bairros. Eu pensava que ia
ficar entre São Pedro e Centro. Então, acho muito interessante ir
a outros lugares, ver a realidade de outros bairros.
Então o que mudou depois do programa? Le. responde: “Tive uma outra visão
da cidade como um todo, porque a cidade é muito grande, tem muitos lugares, tem
lugares onde eu nunca fui. Eu podia ver o ônibus mas eu nunca ia saber como chegar”.
Para L., após a participação no programa, ela “consegue perceber a diferença em cada
bairro, por ter tido a experiência em cada lugar. Eu ia e via. Consegue saber o que
naquele bairro é mais importante para ele. Você consegue ver bastante a diferença”.
Am. assim sintetiza: “A cidade se resumia assim: no caminho da casa das
minhas tias centro e meu bairro. Eu não saía disso. Não ia para outros lados, não
imaginava a extensão e a quantidade de bairros. Não tinha noção do tamanho que era.
Eu achava que o meu bairro era pobre até eu conhecer outros bairros”.
Lf. também sinaliza nessa direção, ao falar que antes “eu andava no meu
bairro. Eu achava que todos os bairros eram iguais aos meus. Depois do programa, vi
que era diferente. E hoje eu conheço a cidade. Antigamente, eu tinha medo de ficar
perdido, ir a outros lugares. Agora eu conheço mais a minha cidade”. Também Ro.
afirma que “não tinha idéia da dimensão da cidade. conhecia o meu bairro. Foi algo
enorme conhecer outros bairros. Nunca imaginei ir ao bairro de São Benedito,
considerado violento. Hoje tenho até vontade de voltar”. O jovem ainda completa:
A gente estudou sobre a história da cidade, a gente aprendeu sobre os
bairros, conheceu a cidade, a gente meio que aprende muita coisa
sobre a cidade: sobre o espaço, sobre andar nela, aprende a ter uma
visão mais ampla, a ser mais seguro com coisas novas. Então eu acho
que a gente aprendeu bastante coisa sobre a cidade. O que é a cidade,
como ela é, o que tem nela (Ro., em entrevista à autora, 2008).
As falas dos jovens apontam para uma mudança de sua visão e relação com a
191
cidade após a participação no programa. A oportunidade de circular e de saír de seus
bairros abriu os olhos desses jovens a elementos como a grandiosidade da cidade, o
número de bairros, as diferenças entre eles, a diversidade de pessoas.
A mudança, contudo, foi maior entre os jovens que compuseram a primeira
turma do programa. Poucas foram as falas dos moradores de Granjas Bethânia e Santa
Cândida que expressassem uma significativa mudança, tanto na relação com quanto no
uso da cidade. Assim, dentre as que sinalizaram nesse sentido, tem a de Je.: “Eu acho
que eu passei a conhecer mais a cidade depois que eu entrei no programa, porque antes
era muito difícil eu sair do meu bairro. Hoje eu fico o dia inteiro aqui no Centro”. Sair
de seu bairro para realizar as oficinas obrigou Je. a circular mais, lhe dando a
possibilidade de conhecer melhor a cidade. Contudo, esse conhecimento se restringiu
aos bairros relacionados ao programa: Centro e São Pedro (apenas na Universidade).
Dn. diz que “a relação com a cidade mudou porque eu aprendi a ver as
diferenças”. Para B., a participação no programa teria possibilitado “perceber e estar
atentos a problemas que julgamos normais”. Em ambas as respostas está presente certa
desnaturalização das desigualdades.
os jovens participantes do JF na Paz sequer conseguiram construir uma
relação entre o programa e a cidade. Para muitos, o programa não tinha a preocupação
em trabalhar a dimensão da cidade e, conseqüentemente, não trouxe nenhuma alteração
no que se refere a ela. Questionou-se então se os jovens não participavam de encontros
de oficinas em outros bairros da cidade, como informado por uma das coordenadoras do
programa, e como isso se dava. Dos jovens entrevistados, apenas aqueles que
participaram da oficina de capoeira tinham ido a outros bairros. Coincidentemente, é um
jovem de Dom Bosco, inscrito na oficina de capoeira, o único a afirmar que o programa
teria ajudado a conhecer melhor a cidade, pois “a gente vai fazer roda em lugares aonde
a gente nunca tinha ido”.
Diferentemente do Território de Oportunidades, o JF na Paz ocorre no próprio
bairro onde vivem os jovens. Por essa razão, e pela quase ausência de momentos em que
os jovens circulem por outros lugares, o programa parece pouco contribuir para ampliar
nos jovens suas percepções sobre a cidade. Esses jovens que, por outros motivos, têm
sua mobilidade restrita, não a ampliam participando desse programa. Ao contrário, o JF
192
na Paz parece reproduzir a lógica de enraizar os jovens em seus espaços de origem.
Outro aspecto a se notar é a pouca compreensão que os jovens têm do que é o
programa Juiz de Fora nos Trilhos da Paz. Ou seja, não têm e não conseguem definir
uma imagem da totalidade do programa, dos objetivos e da metodologia. Para eles, o
programa restringe-se à oficina que realiza em seu bairro e à relação com o professor.
Isso faz com que entre os jovens do JF na Paz pareça ínfimo o resultado do
programa na construção de uma nova relação com a cidade e, conseqüentemente, com a
redefinição de seus territórios usados. Também suas falas mostram de maneira difusa o
resultado dos programas em suas vidas, sempre tratado de forma generalizada. Como,
por exemplo, afirma W., dizendo que o JF na Paz “mudou a minha vida”. Perguntado
sobre o que isso significava, o jovem não soube responder. Ou então, esse resultado
associa-se a ter saído da rua. Como diz Jp., morador do Dom Bosco.
No JF na Paz, os jovens atendidos não precisam estar na escola para
participarem, pois a intenção é “resgatar aqueles que estão nas ruas vivendo em
vulnerabilidade social”, como sinaliza a fala de uma das executoras do programa, em
entrevista dada à autora:
Hoje a gente trabalha com toda a comunidade. Então, aquele menino
que o está na escola por algum motivo de exclusão, nos interessa
muito, justamente para tê-lo participando de um grupo. A questão
também de trabalhar com ele a questão da união, do equilíbrio, da
inserção dele novamente numa sociedade, num grupo. Isso é muito
importante. Porque os alunos que já estão na escola, para esses
existe uma inserção social. Enquanto aqueles que estão fora, às vezes,
o grupo em que eles estão inseridos é fechado, é restrito (M., em
entrevista à autora, 2008).
A questão da inserção social pela via da construção de vínculos sociais, mediada
pelo programa, é uma preocupação constante, que se entende que essa seria uma das
possibilidades de retirar os jovens da rua e da ociosidade. Nessa mesma entrevista,
afirma-se:
193
Hoje a gente consegue visualizar uma melhora muito grande dos
meninos, principalmente porque aqueles que nos interessam não são
apenas aqueles que estão dentro da escola, mas principalmente os que
estão fora da escola. São aqueles jovens que mexem com drogas, a
gente que são crianças... que é um problema que num futuro pode
se tornar um problema não para aquela comunidade, mas para a
sociedade de uma forma geral. Está complicado, porque,
principalmente nesses lugares como Vila Esperança, que é uma
comunidade também complicada, Santa Cecília, Santa Cândida, Vila
Alpina, São Benedito, são comunidades que realmente têm um grande
índice de violência. Foram por elas que nós começamos (M., em
entrevista à autora, 2008).
A fala sinaliza para essa dupla representação da juventude e dos jovens. De um
lado, como o amanhã, depositando nesse segmento (assim como na infância) as
esperanças de um futuro melhor. Mas é também a juventude vista como um momento
de potencial risco. Diante disso, eles precisariam ser protegidos dos riscos e perigos da
rua e da ociosidade. Nota-se, portanto, que a imagem do elaborador e gestor da política
está em consonância com aquela produzida pelos educadores das oficinas.
Na elaboração de políticas destinadas a esse segmento etário é comum a
associação mecânica entre ociosidade e conduta criminosa. Essa associação é bastante
presente não apenas nas concepções das políticas públicas, mas no próprio imaginário
social.
Em nossa sociedade, o trabalho somente se realiza como social pela via da
participação no mercado de trabalho. E, da mesma forma, a inserção social como
sujeito individual ou coletivo – depende da via do assalariamento, portanto do emprego.
O emprego, e, portanto, o trabalho, daria visibilidade social, que identifica os sujeitos
como confiáveis e não-perigosos. Visão que parece encontrar respaldo em uma
concepção de cidadania na qual o cidadão não tem lugar já que “a identidade é atribuída
pelo vínculo profissional sacramentado pela lei, que o qualifica para o exercício dos
direitos” (TELLES, 2001:23). Nesse sentido, o trabalho “opera um modelo de
reconhecimento mútuo, ou seja, é também pelo trabalho que os sujeitos se reconhecem
194
como agentes sociais moralmente aceitáveis” (ORGANISTA, 2006:20).
Daí a necessidade de se ocupar o tempo livre, combater o ócio, pois, como visto
anteriormente, a desocupação é vista como a responsável pelas falhas de conduta e
caráter de muitos jovens homens e mulheres. Essa idéia está expressa não apenas na
política, mas também nas falas dos próprios jovens, que afirmam como benefício dos
programas a possibilidade de ocuparem seu tempo livre, de saírem das ruas.
Sposito afirma:
No Brasil, coexistem percepções que se situam em campos distintos e
muitas vezes opostos. É inegável que, de modo geral, os jovens na
sociedade brasileira ainda são tematizados como problemas sociais
(...). Mas orientações dominantes dos períodos anteriores ainda
permanecem. Constata-se, com freqüência, a defesa de uma integração
dos jovens nos moldes da modernização, observado nos anos 1950,
tanto pela idéia do acesso à escolaridade, como fator de mobilidade
social, quanto pela necessidade de ocupação de seu tempo livre com
atividades ligadas ao esporte entre outras (SPOSITO, 2003:61).
Essa parece ser a orientação dominante no programa JF na Paz. A localização
prioritária em bairros e regiões consideradas de risco social ou de grande
vulnerabilidade e o caráter das oficinas oferecidas indicam a estreita proximidade com a
afirmação de Sposito (2003). Não à toa são as atividades esportivas as mais oferecidas
pelo programa. Seria essa uma tentativa de “tirar os jovens da rua, afastando-os dos
riscos que ela traz”?
Além disso, esse programa também se aproxima daquelas políticas que buscam,
conforme Cassab (2007), a contenção dos jovens e dos eminentes perigos que eles
possam representar.
Veja-se, por exemplo, os quatro bairros de origem dos jovens atendidos pelo
Território de Oportunidades. Granjas Bethânia é um bairro mais distante do centro da
cidade e com poucos equipamentos sociais e culturais. Isso faz com que seja necessário
um deslocamento para o centro da cidade, representando altos custos de transporte.
195
Dificilmente os jovens se deslocam ao Centro para algo que não seja estritamente
funcional. Santa Cândida é um bairro bem próximo ao Centro e mais dotado de
equipamentos culturais e de lazer. Mesma situação ocorre nos bairros de São Pedro e
Dom Bosco. No entanto, embora estejam próximos ao Centro, os jovens desses bairros
permanecem muito tempo em seu bairro, realizando suas necessidades de educação e
lazer ali mesmo.
Desses quatro bairros, os três próximos ao Centro têm oficinas do Juiz de Fora
nos Trilhos da Paz. Exceto Granjas Bethânia, todos os demais bairros são atendidos pelo
programa, pois também é comum ser o critério de escolha para a implantação do
programa o acontecimento de algum evento violento no bairro. Santa ndida e Dom
Bosco, em particular, são bairros considerados violentos pelo restante da cidade.
Interessante é perceber que, embora o JF na Paz esteja também presente em três
dos quatro bairros do Território de Oportunidades, o perfil dos jovens atendidos pelo
programa da prefeitura é distinto dos jovens do UFJF: Território de Oportunidades.
Mesmo estando localizado em bairros populares, o Território de Oportunidades alcança
jovens que tiveram, de maneira geral, um conjunto maior de oportunidades ao longo da
vida. o JF na Paz atinge a parcela mais pobre dentre o universo de jovens pobres dos
bairros. Ou seja, participam do JF na Paz jovens em situação de vida mais precária do
que quando comparados a outros do mesmo bairro. Contudo, nos bairros de Santa
Cândida e Dom Bosco, onde uma relativa homogeneidade socioeconômica, as
diferenças no perfil dos jovens são menores. Já em São Pedro, bairro de maior
heterogeneidade, o JF na Paz alcança fundamentalmente aqueles em situação de maior
vulnerabilidade social. Essa observação parece indicar uma distinção quanto ao caráter
dessas políticas. O Território de Oportunidades, mais orientado no sentido da formação
cidadã dos jovens, alcança aqueles com alguma bagagem prévia. Talvez isso explique
também a dificuldade que educadores, bolsistas da UFJF e coordenadores do programa
tiveram ao trabalharem com a turma de Santa Cândida. Nesse bairro, pouca
diferenciação interna e os jovens, de um modo geral, têm as mesmas carências
socioeconômicas.
No caso específico das políticas para o jovem é fácil encontrar, convivendo em
um mesmo órgão ou instituição pública, orientações destinadas ao controle social do
196
tempo dos jovens, à formação da mão-de-obra e aquelas que vêem os jovens como
sujeitos de direitos.
Essas políticas estão marcadas por uma determinada concepção de juventude
que oscila entre seu enaltecimento e sua identificação como sujeitos perigosos. Para isso
muito contribuem os meios de comunicação de massa.
Leiro (2004) mostra que, de modo geral, o tema da juventude aparece de formas
distintas nos meios de comunicação. Quando as matérias são dirigidas para os próprios
jovens, os temas são:
Cultura e comportamento: música, moda, estilo de vida e estilo de
aparência, esporte e lazer. Quando os jovens são assunto dos cadernos
destinados aos “adultos”, no noticiário, em matérias analíticas e
editoriais, os temas mais comuns são aqueles relacionados aos
“problemas sociais”, como violência, crime, exploração sexual,
drogadição, ou as medidas para dirimir ou combater tais problemas
(LEIRO, 2004:65).
uma clara diferenciação quanto aos jovens. Quando retratados nos cadernos
“adultos”, esses jovens parecem ganhar novas faces e expressões. Trata-se,
principalmente mas não exclusivamente de jovens provenientes das camadas mais
pauperizadas da sociedade.
Cassab (2007) identificou, em pesquisa realizada no jornal impresso de maior
circulação de Juiz de Fora, a clara associação entre jovens pobres, moradores de bairros
periféricos, e violência. Mais ainda, como as políticas destinadas aos jovens na cidade
visam, em muitos casos, a contenção deles em seus bairros.
Os programas funcionam muitas vezes como elementos de
territorialização do jovem em seu bairro ou região, afastando-o do
centro e propiciando a ele apenas uma circulação funcionalizada nesse
espaço. Assim, atende-se a pressão da opinião pública sobre o controle
197
urbano. Os jovens, isolados em seus locais de moradia, não o objeto
de interesse das políticas. Em seus locais de moradia, marcados pelas
desvantagens, os jovens são invisíveis, integrados ao ambiente
desvalorizado, não causam estranheza e nem são alvo de controle
público acentuado. Na medida em que se afastam desse local, passam
a ser visíveis justamente por sua desvantagem, profundamente
marcada por sua origem. (CASSAB, 2007:10).
Em grande parte, é essa a representação de juventude que orienta o JF na Paz.
Jovens, cujo tempo e circular devem ser vigiados, controlados e limitados, em muitas
situações ficam restritos a fragmentos da urb e, em muitos casos, sua circulação
representa ou simboliza perigo, desordem ou distúrbio.
O programa é, portanto, concebido como uma política de contenção e prevenção
à violência juvenil. Assim, encara-se como solução para os problemas sociais e para
suas manifestações violentas a inserção de crianças e jovens no JF na Paz. A lógica
seria: o jovem sai da rua, ocupa seu tempo ocioso, permanece em seu bairro de origem.
Não circula pela cidade e, conseqüentemente, deixaria de representar qualquer risco
para os outros. Mantém-se a forma tradicional de se tratar os jovens pobres e a política
torna-se elemento de fixação do jovem em seu bairro de origem.
Pensada de forma dual, essa política abandona o entendimento do jovem como
agente do presente. Por trás dessa idéia estaria a noção da juventude como uma fase da
vida, uma transição. Um momento que precisa ser controlado de perto, dado seus riscos
naturais agravados pelas condições de precariedade sócio-econômica.
A adoção desse paradigma conceitual sobre juventude é um forte complicador na
elaboração de políticas destinadas aos jovens. Essas são pensadas a partir de uma
imagem preexistente e negativa. O resultado seriam políticas fragmentadas, que
transformam os jovens no problema e na ameaça e faz com que esses sujeitos precisem
estar num amplo e significativo campo de controle. Além disso, em sua maioria, o
políticas não realizadas pelos jovens.
Essas representações orientaram o Juiz de Fora nos Trilhos da Paz. O interesse é,
sem dúvida, atingir os jovens oriundos das camadas mais pobres e moradores das
198
regiões periféricas. Se, por um lado, é justamente sua condição real de pobreza que os
identifica como potencialmente perigosos, por outro, o simples fato de serem jovens faz
com que sejam tratados como sujeitos dotados de possibilidades, portadores do amanhã,
desde que seja garantida sua permanência dentro do pacto social estabelecido. Essa
função caberia ao programa.
Talvez, por conta disso, o programa ainda se situe entre aquelas políticas que
visam ocupar o tempo livre. Uma política de caráter normativo e que busca a
pacificação social na linha de adequar os jovens a condutas determinadas e com uma
nítida ação de contenção de possíveis comportamentos violentos e destrutivos.
Mas, mesmo para os jovens que participaram do Território de Oportunidades,
houve uma diferença quanto aos resultados do programa entre a primeira turma (São
Pedro e Dom Bosco) e a segunda (Santa Cândida e Granjas Bethânia). Na primeira
turma, os jovens circularam pela cidade para realizar o mapeamento das instituições de
atendimento à infância e juventude da cidade.
Nesse sentido, a ida a campo representou, para esses meninos e meninas, a
oportunidade de saírem de seus bairros e entorno e conhecerem o desconhecido. Ro.
afirma que “estava preso um pouco na minha cidade, a única coisa que sabia era meu
bairro e conhecendo um pouco da cidade deu para conhecer o que nela” (Ro., em
entrevista à autora, 2008). Mesmo sentimento é compartilhado por Rt., ao dizer que
“antes eu via apenas o Centro e hoje outros lugares eu já conheço”.
Para Certeau (1990:183), o caminhar representa a falta de lugar, a ausência, a
procura e a “errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa
experiência social da privação do lugar”. E nesse sentido, os passos moldam espaços,
fazendo com que o ato de caminhar pareça “encontrar uma primeira definição como
espaço de enunciação” (CERTEAU, 1990:177).
Assim, no seu circular, esse jovens anunciam-se na cidade. Tornam evidente a
sua presença, criam e recriam espaços dando-lhes sentido a partir da sua ação. O espaço
não é algo sem vida e nem apenas o substrato da ação humana. Ao contrário, é parte
integrante das ações sociais. Dessa forma, espaço e ação estão intrinsecamente
associados, já que o espaço contém o movimento (SANTOS, 1991).
199
Ao saírem de seus bairros, esses jovens puderam descobrir uma nova cidade.
Uma cidade desconhecida e inimaginada. Mm. (em entrevista à autora, 2008) expressa
bem esse sentimento. Quando perguntada sobre o que representou a possibilidade de
circular pela cidade, afirma: “Foi como se eu estivesse em outra cidade, apenas com o
endereço, procurando lugares que eu não conhecia”.
para Jd. (em entrevista à autora, 2008), o circular representou “um choque
muito grande, pois havia lugares aonde eu nunca imaginei que um dia teria que ir, mas
isso me ajudou, pois agora sei me localizar mais”.
Também, ao sair, puderam conhecê-la em outra escala, ampliando, portanto,
sua própria representação da cidade. Jd. prossegue seu depoimento afirmando que
“pensava que a cidade se limitava apenas aos lugares que eu costumava freqüentar.
Conhecendo outros bairros, vi que a cidade é muito maior”.
Le. (em entrevista à autora, 2006) diz que antes, tinha idéia só do Centro e de
São Pedro, agora, tenho muito mais na minha bagagem, pois conheço outros bairros que
não conhecia”. O mesmo sentimento está expresso na fala de L. Ao ser perguntada
sobre qual a idéia que tinha anteriormente e qual a idéia de cidade que tem hoje,
responde: “Achava que não haveria problemas em me deslocar pela cidade. E que a
cidade não era tão grande. Agora tenho uma visão mais ampla sobre os bairros e suas
dificuldades”.
A jovem expressa sua surpresa por descobrir que não sabia se localizar ou não
imaginar “ter que precisar de orientação para chegar ao destino necessário”. Wy.
também pondera como o circular pela cidade “representou conhecer lugares que nunca
tinha ido e descobrir que Juiz de Fora é muito maior do que imaginava”.
Ao ultrapassarem os limites de seus bairros, esses jovens iniciam o processo de
(re)construção da própria imagem e concretude da cidade. Percebem a cidade não
apenas como fragmentos, mas como espaço articulado. Derrubam barreiras simbólicas e
objetivas, descortinam locais inusitados, percebem a diversidade da vida na cidade e
iniciam sua apropriação.
Questionado sobre a importância de circular pela cidade, L. diz que o “circular
pela cidade é importante para conhecer o espaço, os bairros da cidade e aprender a se
200
localizar”. Nesse mesmo sentido responde Le., ao afirmar que antes nunca havia
pensado em ir para outros bairros.
Diferentemente dos primeiros, os jovens da segunda turma não tiveram uma
atividade que os obrigassem a circular pela cidade. A discussão sobre esse tema foi feita
a partir do levantamento e mapeamento, feito pelos jovens, das atividades e serviços
existentes em seus bairros. O objetivo era que, conhecendo seu bairro, os jovens
pudessem, em um segundo momento, compará-lo com o restante da cidade. É nesse
sentido que Wb., ao comparar seu bairro a outros, diz:
locais com casas humildes, onde o único lugar em que podiam ter
um momento de lazer era um campo improvisado (eram casas muitas
vezes próximas). Já em bairros muito elevados não é possível se ver a
presença de jovens “pobres”, por serem condomínios todos fechados
(impedindo a entrada) (Wb., em entrevista à autora, 2008).
Ou, ainda, quando afirmam, referindo-se a Santa Cândida, que seu bairro “é de
outro mundo”. As falas, expressas no capítulo 3, apontam para uma relativa mudança
na imagem da cidade após a passagem pelo programa. Para Je., possibilitou conhecer
mais Juiz de Fora. Dn. passou a perceber as diferenças e B. a ficar atenta a problemas
que antes julgava normais.
Outros jovens também se expressam nesse sentido. Th. afirma que,
anteriormente, tinha a idéia de “uma cidade sem dificuldades e que agora vejo que
temos dificuldades e problemas a resolver”. Também Ig. assinala como o programa
contribuiu para que “eu pudesse estar mais atento com tudo que envolve a cidade”. Va.
diz que, antes, a cidade era “o lugar onde eu moro, nasci, estudo, tenho meus amigos e
não dava importância aos outros lugares. Agora tenho uma visão mais ampla da
cidade”. B. também modifica sua idéia da cidade e diz que antes “eu dava um valor para
a cidade sempre menor, mas como ocorreu esse projeto, agora eu tenho uma visão
diferente. Sei que ela é importante para todos, mas não tem um bom direito para todos”.
De alguma maneira, portanto, esses jovens construíram outros sentidos para a
cidade e, ainda incipientemente, modificaram os limites e usos de seu espaço. Para
tanto, foi fundamental que eles estivessem e se colocassem na rua pois, como discutido,
201
na rua, a própria cidade aparece aos olhos desses jovens. Na rua, eles se apropriam dos
lugares e da cidade.
Indagada sobre a experiência de circular pela cidade, uma das jovens afirmou:
“Eu nunca tive a oportunidade de ir a outros bairros para ver as diferenças, deu para
perceber que serviços como o de transporte, por exemplo, são muito ruins nos bairros
mais pobres” (Lt., em entrevista à autora, 2004).
Suas falas apontam para outra cidade. Agora a cidade torna-se objeto de
interesse e não apenas palco por onde se transita. Ao reconhecerem as dificuldades
existentes e se colocarem como parte da solução, esses jovens se posicionam como
integrantes dessa cidade, como pertencentes a ela. A cidade ganha outra dimensão,
que, segundo um dos jovens do Território de Oportunidades, “ter se locomovido pela
cidade em bairros diversos possibilitou-nos conhecer um pouquinho mais a cidade, à
qual, antes, a gente não tinha muito acesso e nem achava muito importante”. Mais do
que apenas crescer em tamanho, o jovem expressa uma mudança qualitativa na imagem
construída da cidade. Ela agora ganha importância. E parece ganhar importância na
medida em que ele passa a ter maior acesso a ela.
D. foi além, afirmando que “as pessoas que participaram entenderam como
nossa cidade é. Como é bem desigual e como os bairros que estão próximos da gente
parecem ter uma vida de classe alta, como eles têm condições de viverem na sociedade
podendo escolher tudo, enquanto uma pessoa mais simples e humilde não tem condição.
Como a desigualdade é grande em qualquer lugar”. A cidade cresce aos olhos desses
jovens, que percebem como, apesar de importante para todos, nem todos teriam um
“bom direito” a ela, o que, por sua vez, configura-se como uma situação de
desigualdade.
Contudo, não basta apenas circular pela cidade. Também é preciso marcar,
formar e transformar a cidade. É nessa perspectiva que a cidade precisa ser conquistada
e apreendida pelos jovens, para que possa ser entendida não apenas como local de
moradia, mas também como espaço para ser apropriado e usado, construído e
redefinido. Isso, já que o direito à cidade se “manifesta como forma superior dos
direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar.
O direito à obra atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do
202
direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade (LEFEVBRE, 2001:135).
A cidade, compreendida como criação da civilização, nascida da história,
envolve uma multiplicidade de formas de apropriação e uso e teria sentido e
existência a partir do e pelo sujeito. Por essa razão,
a cidade em sua pluralidade e multiplicidade revela o destino do
homem. Nessa perspectiva é antes vida, ação, construída sobre a
dialética entre produção/apropriação/reprodução. (...) Nessa direção o
sentido da cidade é conferido pelo uso, isto é, os modos de
apropriação do ser humano para a produção de sua vida (e o que isso
implica) (CARLOS, 2001:41).
É sob essa ótica que o espaço pode comportar não apenas atividades objetivas e
monótonas como também, vida, emoção e política. Se transformando mais do que
apenas recurso e tornando-se abrigo e um espaço para e da cidadania. Nesse aspecto, a
dimensão espacial ganha expressão não apenas pelas relações sociais que nele se
estabelecem no cotidiano. O espaço abre a possibilidade de se atingir outras dimensões
da cidade e da cidadania, pois, a partir dele,
vai-se além da visão micro ou do localismo reducionista, tendo em
vista que as próprias condições de vida do lugar remetem diretamente
a relações entre populações e lugares, entre um pedaço e outro da
cidade, entre o lugar e a totalidade da cidade, entre a situação do lugar
e as políticas que se direcionam à manutenção ou à transformação das
condições de vida (KOGA, 2003:55).
Quando se alude aos limites impostos à circulação desses jovens, em realidade,
faz-se referência à ausência de uma série de outras condições que atingem a grande
parcela dos moradores das cidades. Jovens que conhecem uma parte da cidade, pois
encontram-se imobilizados em seus bairros e entorno. Sua imobilidade ou sua
mobilidade restrita faz com que o entendimento dos processos de precarização sócio-
203
espacial se torne obscuro.
Mas, como afirma Santos (1993:54), “quando a aparência se dissolve, é a
essência que começa a se impor à sensibilidade. Essa mudança é reveladora porque
permite abandonar o mundo do fenômeno e abordar o universo das significações. É
assim que renasce o homem livre”.
A presença dos jovens na e pela cidade, produzindo e se apropriando desse
espaço promove novas horizontalidades. Essas, por sua vez, podem levar à ação na
medida em que “os mesmos interesses criam uma solidariedade ativa, manifestada em
formas de expressão comum, gerando, desse modo, uma ação política” (SANTOS,
1996b:228). O espaço usado e apropriado, vivido e de experiências, torna-se a base para
pensar opções e alternativas. Esse espaço, contudo, deve ser o espaço público. Lugar
único das trocas e inter-relações onde a política se realiza e onde é possível projetar
novas utopias.
4.3. Ação, política e utopia – Elas ainda estão aí!
Para Milton Santos, o mesmo espaço que une separa os homens. Isso porque
esse espaço, sendo ele mesmo mercadoria, é manipulado para aprofundar as
desigualdades de classe. Essa máxima, ainda de acordo com o autor, serve para a
totalidade do espaço e em especial para as cidades. O avançar das forças produtivas e a
extensão da divisão territorial do trabalho teria transformado a cidade em meio e
instrumento de trabalho (SANTOS, 2004). É dessa forma que o espaço aparece como
fragmentado, pois como a práxis de cada um é fragmentária, o espaço dos indivíduos
aparece como fragmentos de realidade e não permite reconstituir o funcionamento
unitário do espaço” (idem:34).
Mas se o processo produtivo separa os homens, urge uni-los novamente. É aí que
está a centralidade da cidade e de seu uso e apropriação como mecanismo para a
realização do pleno sentido da política, unindo os homens através da ação.
Uma das principais autoras a procurar recuperar a positividade viva da política,
fugindo da concepção errônea de que a política se nas esferas representativas
204
(partidos, sindicatos, etc.) é Hannah Arendt. Para a autora, a política também ocorre na
vida cotidiana, nas relações sociais. A política está viva e se manifesta nas mais
diferentes esferas da sociedade e, portanto, nas esferas pública e privada. A esfera
pública, referida ao coletivo da vida social, a privada, à singularidade. O espaço
público é o lugar por excelência da ação política. O homem é um ser social que inexiste
fora do coletivo. O que permite a coesão desses homens é a troca, a comunicação, a
política.
Mas o que faz um homem ser político? Para Arendt, é a sua capacidade de agir,
de procurar seus pares (identidade), criando a coesão social e construindo o poder. Este,
por sua vez, requer o consenso de muitos quanto a um curso comum da ação, sendo,
portanto, a capacidade de agir em conjunto, se realizando através da comunicação posta
pela linguagem.
A política representa, portanto, o meio pelo qual os membros de uma
comunidade internalizam seus compromissos para com os demais, se constituindo como
cidadãos, “pois no centro da política jaz a preocupação com o mundo, não com o
homem – com um mundo” (ARENDT, 2008:158). O que significa afirmar que não cabe
na política pensar privilégios, mas direitos, nem individualismos, mas sociedade.
Mas se é certo que a política é a condição humana, ela somente é possível pela
existência da pluralidade, na medida em que ela reserva um duplo aspecto de igualdade
e diferença. A igualdade permite que os homens se entendam entre si e façam planos
para o futuro. No entanto, é a diferença que, ainda segundo a autora, possibilita o
discurso e a ação, tendo a ação, por seu turno, a capacidade de criar permanências. Se
não fossem diferentes, os homens não necessitariam do discurso ou da ação para se
fazerem compreender (ARENDT, 2003). É dessa forma que, para Arendt, a diferença é
vista como positiva, na medida em que “a política diz respeito à coexistência e
associação de homens diferentes. Os homens se organizam politicamente segundo
certos atributos comuns essenciais existentes em, ou abstraídos de, um absoluto caos de
diferenças” (ARENDT, 2008:145).
Para esses jovens, contudo, a diferença é tratada como negatividade e não como
positividade. Ser diferente significa ser invisível. Assim, se o espaço banal é, para
Milton Santos, o espaço de todos, um espaço repleto de possibilidades, cabe perguntar
205
quem de fato é esse todo? Diferentes, desiguais e distintos. A ação não se entre
iguais e o espaço não se para todos de maneira igual. Nem todos podem colher as
latências que estão no espaço. Certamente, os jovens pobres têm um lugar muito
pequeno reservado nesse espaço e, por conseguinte, uma menor possibilidade de ação
política, que a política, no sentido proposto por Hannah Arendt, pressupõe a
liberdade. Ou, em suas palavras, a questão chave é que:
se pode ver e experimentar o mundo tal como ele “realmente” é,
entendendo-o como algo que é compartilhado por muitas pessoas, que
está entre elas, que as separa e as une, revelando-se de modo diverso a
cada uma, enfim, que é compreensível na medida em que muitas
pessoas possam falar sobre ele e trocar opiniões e perspectivas em
mútua contraposição. Somente a liberdade de falarmos uns com os
outros é que surge, totalmente objetivo e visível desde todos os lados,
o mundo sobre o qual se fala (ARENDT, 2008:158).
Onde inexiste esse tipo de liberdade não haveria um espaço político de fato. Mas
se são a coexistência quando os homens se relacionam, supondo, dessa maneira, a
possibilidade da troca e a liberdade da comunicação os elementos essenciais para a
política, então o espaço público torna-se central na medida em que é nele que esses dois
elementos se realizam.
Se o espaço público é o espaço da política, a apropriação da cidade é elemento
essencial para a possibilidade de realizar a ação política. Mas se a ação se sempre
entre homens, esses homens, como visto, não são iguais e, portanto, estabelecem
relações distintas e desiguais entre si e com/no espaço. Da importância dos sujeitos
jovens se apropriarem da cidade como condição da política e, portanto, da ação.
Para Arendt, o mundo se constitui como o espaço onde o homem condiciona sua
própria existência, já que nele estão os objetos que possibilitam sua vida. Essa condição,
por sua vez, se através da ação. A ação é atividade que se entre os homens e sua
condição humana é a pluralidade. Logo, a ação é, por definição, política.
A ação em Arendt está associada à condição do nascimento, que ela se funda
206
na convivência entre os homens que, no entanto, é um ser único. Esse homem que vem
ao mundo traz em si o desconhecido e, por essa razão, a ação início a um processo
imprevisível cujos resultados são irreversíveis.
Para Arendt, a compreensão antecipa a ão. O conhecimento é o que está fora
do indivíduo e a imaginação o que está dentro dele. A imaginação está entre a realidade
e o sujeito (o que este pode imaginar para desenvolver a ação). Somente a imaginação
permite ver as coisas em suas perspectivas próprias; só ela coloca a certa distância o que
está próximo demais para que possamos ver e compreender sem tendências ou
preconceitos. Já a ação seria necessariamente a construção de algo novo e imprevisível.
Um novo não condicionado por nenhum a priori ou motivos utilitários. Por essa razão,
a ação é a própria essência da liberdade humana e, sendo assim, o próprio sentido da
política.
Mas a ação nunca pode ocorrer na solidão de um homem, que “estar isolado é
estar privado da capacidade de agir” (ARENDT, 2003:187). A ação e o discurso são
circundados pela teia de atos e palavras de outros homens com os quais estão em
constante contato. Por essa razão, Arendt afirma que o ator da ação nunca é simples
agente, pois é, ao mesmo tempo, paciente, pelo fato de se movimentar sempre entre e
em relação a outros seres atuantes.
Assim é que a ação atua sobre seres que também têm a capacidade de agir. A
ação, além de ser uma resposta, é sempre uma nova ação com poder próprio de atingir e
afetar os outros. Por esse motivo, a ação não pode se restringir a um grupo fechado e
nem a um número reduzido de pessoas. A ação é uma das formas pelas quais “os seres
humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto
homens” (ibidem:189). A ação sempre estabelece relações e, portanto, tende a violar os
limites e fronteiras, já que “o menor dos atos, nas circunstâncias mais limitadas, traz em
si a semente da mesma ilimitação, pois basta um ato e, às vezes, uma palavra para
mudar todo um conjunto” (idem).
Mas se a ação se realiza entre homens, ela se realiza também entre homens
desiguais. Mesmo entendendo que a autora propõe uma abstração ou mesmo um sentido
puro da política, é preciso considerar que a forma desigual pela qual os homens se
relacionam produzirão ações desiguais entre eles. Ou como disse Milton Santos, alguns
207
serão alienados da ação tanto no que se refere ao seu próprio sentido quanto na
possibilidade de intervir, alterar ou modificá-la.
Contudo, é a ação o elemento que reúne atividade e projeto, presente e futuro.
Daí ser ela o elemento que traz a possibilidade da mudança. Ribeiro (2003), referindo-se
ao pensamento de Milton Santos, afirma que a ação manifesta tanto as condições
historicamente herdadas quanto o projeto de sua transformação. É na cidade que vivem
esses jovens, e é a partir dela que eles criam suas estratégias, projetam seu futuro,
vivenciam as desigualdades, experimentam o diverso, convivem com as diferenças,
percebem as contradições e vislumbram e realizam suas ações. A cidade é o mundo.
É por essa razão que se entende que o direito à cidade deve ser uma das
expressões da cidadania dos sujeitos e, no caso específico deste trabalho, dos jovens.
que ele significa o direito de estar em todas as redes e circuitos de comunicação, de
informação e de intercâmbio Por essa razão, restringir o uso da cidade é como distanciar
os jovens da própria política, da civilização e da sociedade (LEFEBVRE, 1979).
Conseqüentemente, “o direito à cidade legitima a rejeição a deixar-se apartar da
realidade urbana por uma organização discriminatória, segregativa. (...) Estipula
igualmente o direito de poder se encontrar e reunir” (LEFEBVRE, 1976:190).
É a cidade a primeira experiência de vida pública mais consistente que esses
jovens experimentam e vivenciam. Ou, nas palavras de Santos (1996), “para o homem
comum, o Mundo, o mundo concreto, imediato, é a cidade” (SANTOS, 1996:82). É nela
onde o mundo e os homens se movem mais. Talvez por isso alguns dos jovens tenham
associado à cidade a imagem da velocidade. É nela que a co-presença permite ensinar a
diferença. Uma das jovens afirmou ser a cidade “o local onde exercemos nossa
cidadania nos relacionando com as pessoas”, enquanto outro dizia ser a cidade “o lugar
onde vivemos e convivemos com várias pessoas”. É por esses motivos que a cidade “é o
lugar da educação e da reeducação. Quanto maior a cidade, mais vasta e densa a co-
presença e também maiores os laços e aprendizados” (SANTOS, 1996:83).
Viver a cidade estando de fato nela, construindo e ampliando seus territórios
usados, desnaturalizando as forças que promovem a distinção territorial desses jovens,
ampliando a co-existência e, conseqüentemente, a política, identificando os nculos
208
entre as representações sobre os jovens pobres, sobre o espaço e sobre as práticas que
promovem os arranjos espaciais da cidade é condição sine qua non para a ação.
Mas se os jovens pobres vivem a cidade de forma restrita e desigual, suas
chances de realizar ou influenciar a ação, o público e a própria política são ínfimas.
Inversamente, a possibilidade de ampliar seus territórios usados, através do maior e
mais amplo acesso à cidade, pela via de sua efetiva apropriação, possibilita caminhar
em direção a uma cidadania plena. O que, por sua vez, significa tornar esses sujeitos
os jovens e, em especial, os jovens pobres – visíveis e corporificados de direitos.
Não parece possível pensar em uma política para os jovens pobres urbanos sem
pensar sobre suas condições de vida, suas atuais e futuras oportunidades e sem pensar
sobre os sonhos possíveis de se realizarem – sobre seus projetos.
Por essa razão, uma política destinada a esse segmento etário e, em especial, aos
jovens pobres, deve estar orientada para um amplo conjunto de direitos, dentre eles o
direito de ser jovem, de ser trabalhador, o direito à cidade, aos serviços públicos de
saúde e educação, o direito ao lazer etc. Deve ser orientada para que os jovens sejam
sujeitos corporificados de direitos.
Muitas das políticas pecam ao reterem os jovens em seus bairros de origem,
desconsiderando essa dimensão e a centralidade do espaço. Esquecem que o espaço é
parte constitutiva das situações. Nesse sentido, as políticas que procuram, sob o discurso
da proteção, afastar os jovens das ruas, da circulação pela cidade, acabam cometendo
uma outra forma de violência, na medida em que “a perda da cultura pública, no quadro
das privatizações das práticas sociais, leva ao desconhecimento do próprio sentido da
cidade” (CARRANO, 2001:20) e, conseqüentemente, inviabiliza a ação, que esta
somente se realiza no espaço público, na relação entre homens.
É preciso incorporar o espaço aos programas e estratégias de intervenção junto
aos jovens pobres, mas não no sentido de retê-los em espaços predefinidos, mas numa
concepção ativa do espaço e numa perspectiva de possibilitar novas formas para sua
apropriação.
Compreender que o espaço existe sendo “matéria trabalhada por excelência”
significa admitir que “a casa, o lugar do trabalho, os pontos de encontro, os caminhos
209
que unem entre si estes pontos, são elementos passivos que condicionam a atividade dos
homens e comandam sua prática social” (SANTOS, 1986:137). Assim, se as formas de
acesso e uso dos elementos que compõem o espaço são restritas ou desiguais, serão
distintas as maneiras de apropriação do próprio espaço. Apenas compreendendo essa
dimensão é possível considerar os significados do uso restrito, desigual e diferenciado
que os jovens fazem da cidade e seus resultados na construção de uma cidadania plena.
Usa-se aqui cidadania não no sentido esvaziado que essa palavra adquire na
presente democracia liberal, que, por sua vez, restringe como único poder do cidadão o
de “tirar um governo de que não gosta por outro que talvez venha a gostar”. Portanto,
uma cidadania entendida apenas como o “direito” que o sujeito detém de,
individualmente, de tempos em tempos, eleger seu representante. O que se agrava ainda
mais na realidade de países como o Brasil, em que ao longo de sua formação sócio-
histórica o pleno cidadão nunca chegou a existir, isso porque, recorrendo às palavras de
Milton Santos, em palestra proferida, “a classe média não quer direitos, mas privilégios,
e os pobres não têm direitos”. Não há cidadania nessas bases.
O que se dá é a relação tão bem exposta por Sergio Buarque, ao tratar da
passagem da família ao Estado no Brasil. Nesse momento se forjou aquele que seria o
bom cidadão: obediente e cordial. Aquele que se submete ao mando e aceita sua posição
num Estado que é demiurgo da sociedade. O cidadão é aquele que é objeto de ação do
Estado, e não sujeito dessa ação. O Estado, por sua vez, é visto como algo que está fora
e acima da sociedade e dos indivíduos.
Nesta tese, trata-se a cidadania numa perspectiva mais ampla, abrangendo as
dimensões individual e coletiva. No plano individual, a cidadania se realiza na liberdade
e na autonomia que, no entanto, se dá pela relação do eu com os outros. Jelin (1996), em
artigo clássico, mostra como a cidadania tem vínculo umbilical com o conceito de
alteridade, uma vez que o individuo constrói sua subjetividade a partir da relação com o
outro (seja num movimento de aproximação ou de diferenciação). É nesse sentido que
“o desenvolvimento dos lugares sociais e afetivos adultos está determinado por essa
relação” (JELIN, 1996:15). Na medida em que a juventude é pensada como um não
lugar e que o jovem pobre é tratado como não sujeito vale perguntar que lugares sociais
são produzidos e reservados a esses jovens.
210
É, no entanto, na escala macrossocial que de fato, para a autora, a cidadania
incorpora a referência ao direito do outro e a legitimidade e legalidade da autoridade, no
caso, o Estado. Nesse plano, o processo de construção de direitos e deveres tem no
Estado a referência. O Estado republicano deve garantir a conciliação entre a felicidade
universal e as liberdades individuais, evitando os extremos de um ou outro e buscando o
bem comum. Isso pressupõe a existência de um cidadão crítico e participante capaz de
agir no sentido do bem público.
A cidadania pressupõe a existência de direitos que não se reduzem ao direito ao
voto. Está comprometida com os processos pelos quais os direitos são produzidos,
formulados, elaborados, institucionalizados, transformados e vividos. O que significa
afirmar que a cidadania deve ser compreendida como estando “sempre em processo de
construção e de mudança” (ibidem:18). Portanto, sendo ela mesma um processo
político, social e histórico, construído a partir das dimensões individual e coletiva e num
movimento permanente de conflito.
Nesse sentido, Arendt (1993) afirma ser a cidadania a “consciência que o
indivíduo tem do direito a ter direitos”. Apenas o individuo consciente pode, dessa
maneira, ser cidadão. Cidadãos entendidos como sujeitos que sejam corporificados de
direitos. Apenas os sujeitos que definem e realizam a ação (que apenas pode se dar
conscientemente) podem exercer de fato essa cidadania.
Mas se, de um lado, cidadania pressupõe direitos, ela também significa deveres,
entendidos como responsabilidades e não apenas como obrigação. Diante do sinal
vermelho, parar, apenas por ser essa sua obrigação legal, ou parar por saber que se é
responsável pela sua ação e pelos impactos dela aos demais? O sentido de dever, desse
modo, opera numa dimensão mais ampla, tratando de “situações em que o sujeito
comete (ou omite) certas ações públicas mesmo quando não existem obrigações e de
onde poderia recuar à inação” (JELIN, op.cit.:20).
Apenas dessa forma é possível pensar na existência de cidadãos. Sujeitos
comprometidos com o bem comum, participantes ativos do processo público e dotados
de “aspectos simbólicos e éticos ancorados em inclinações subjetivas que conferem um
sentido de identidade e de pertencer a uma coletividade” (ibidem:18).
211
Numa sociedade em que cidadão é sinônimo de consumidor, usuário ou cliente
dos bens e serviços em geral, cujo único poder é o do direito do voto e detentor de um
conjunto de deveres para com o Estado, que por sua vez constitui-se como demiurgo,
visto como superior e acima do cidadão, a plena cidadania não se realiza. A cidadania
existe apenas numa sociedade que além da mera soma dos interesses individuais,
mas que seja de fato um corpo político composto por cidadãos. Daí somente se
concretizar na esfera pública, portanto, entre homens.
Assim, a
cidadania pode ser definida como arte de viver com outros
diferentes de nós mesmos - mas que compartilham os mesmos direitos
à vida e à felicidade. Compartilhar é atribuir significado às nossas
idéias e práticas, assim como ter uma existência fundada em relações
múltiplas - materiais e simbólicas - que nos vinculam e o nosso ser e
estar no mundo. Compartilhar é habitar uma mesma morada, um
mesmo espaço comum (BARBOSA, 2008).
É por essa razão que é possível pensar a dimensão espacial como um dos
aspectos constituintes da cidadania, na medida em que se entende ser o espaço condição
e condicionante da sociedade, portanto, a própria totalidade. Sendo ele, dessa maneira,
aquilo que possibilita a produção e reprodução material e simbólica da sociedade.
Daí a ênfase dada à cidade, aqui compreendida como o espaço de exercício real
e simbólico da cidadania. Não apenas como palco, mas como elemento constituinte
desse sentido amplo que pretende se dar à cidadania. Assim, o cidadão é aquele, como
dito acima, capaz de usufruir da cidade numa perspectiva de apropriação e não como
seu usuário e consumidor. Essa é uma das faces espaciais da cidadania.
É a essa dimensão que se refere ao afirmar a cidade como aspecto essencial da
política e a necessidade de se pensar o jovem como cidadão. O que significa reafirmar a
importância deles estarem e viverem a cidade, de torná-la seu território usado,
212
inserindo-se de uma vez por todas naquele espaço banal tratado por santos (1996),
incorporando a cidade como um elemento construtor e capaz de medir sua cidadania.
Essa idéia manifesta-se na fala da jovem entrevistada, quando afirma ser a
cidade “um lugar formado por um grupo de pessoas, ou seja, cidadãos. Onde
encontramos muitos pontos interessantes em que nos conhecemos. É um lugar onde
existem direitos e deveres”. A jovem associa de forma direta cidadania e cidade.
Mas se esse jovem é vítima de processos segregadores e geradores de distinções
no acesso ao espaço público, fere-se uma das múltiplas dimensões de seu “direito a ter
direitos”. Talvez uma das mais importantes: o direito de ter um lugar no mundo, pois,
novamente recorrendo a Hannah Arendt:
A privação fundamental dos direitos humanos manifesta-se sobretudo
na privação de um lugar no mundo (um espaço político) que torna
significativas as opiniões e efetivas as ações. (...) O homem, segundo
parece, pode perder todos os assim chamados Direitos do Homem sem
perder contudo sua qualidade humana essencial, sua dignidade
humana. Somente a perda da comunidade política expulsa-o da
humanidade (ARENDT, 1973:68).
Quando se reserva a esses jovens a invisibilidade, transformando-os em sujeitos
sem presente e sem lugar, quando lhes é negado o direito à cidade, em verdade, retira-se
deles a possibilidade da fala, da troca, da ação e da própria política e,
conseqüentemente, de sua cidadania e de sua própria dignidade.
Parece que em contraponto a isso o Estado tem papel fundamental, uma vez que
se entende que é apenas o Estado, através do exercício da política, que pode “cuidar de
todos”. Pois se as forças que produzem as desigualdades são crescentes, é preciso um
Estado capaz de desmanchar as desigualdades e de positivar as diferenças. Para isso,
parece explícita a necessidade de novas políticas pautadas em outros princípios e em
outras concepções de jovem, juventude e cidade. Por conseguinte, uma outra utopia.
Para Santos (2000), é preciso compreender que o mundo é formado não apenas
213
pelo que existe como também pelo que pode efetivamente existir. Nessa perspectiva,
é visto como um conjunto de possibilidades reais e concretas que, mesmo ainda não
realizadas, estariam presentes como tendência ou como “promessa de realização”. É no
espaço que essas promessas se dispõem e se realizam. Assim, afirma o autor, “o futuro
são muitos e resultarão de arranjos diferentes, segundo nosso grau de consciência, entre
o reino das possibilidades e o reino da vontade” (santos, 2000:161).
Assumir esse campo é também negar a inação, pois as possibilidades implícitas
no real são maiores do que a realidade em si e, nesse sentido, a utopia permite o
avançar. Konder, em entrevista feita a Bazílio (2001), enuncia a existência de duas
leituras do sentido da utopia. Uma primeira, em que a utopia é sinônimo do não-lugar, o
lugar inexistente e que nunca existirá, e outra, do lugar inexistente, mas que poder vir a
existir. Nesse caso, afirma o autor, “se ele pode existir, a utopia se torna um estímulo
muito valoroso para a ação, para o movimento”.
A utopia, portanto, pode dar início à ação na medida em que contém um projeto.
É nesse sentido que Ernest Bloch já afirmava conter a utopia o princípio da esperança e
antecipação daquilo que não é garantido de se viver, mas que se constitui como projeto
e, portanto, move a humanidade e dá real sentido ao viver. Assim, dirá o autor:
Somente ao se abandonar o conceito imóvel e fechado do ser surge a
real dimensão da esperança. O mundo está, antes, repleto de
disposição para algo, latência de algo, e o algo assim intencionado
significa planificação do que é intencionado. Significa um mundo
mais adequado a nós, sem dores indignas, angústia, auto-alienação,
nada. Esta tendência, porém, está em curso para aquele que justamente
tem o novum diante de si. É somente no novum que o para-onde do
real mostra a determinação mais fundamental do seu objeto, e esta
convoca o ser humano, em quem o novum tem os seus braços. (...) Se
o ser se compreende a partir do seu de-onde, então ele se compreende,
a partir daí, apenas como um para-onde igualmente tendencial, ainda
inconcluso. O ser que condiciona a consciência, assim como a
consciência que trabalha o ser, compreendem-se em última instância
somente a partir de onde e para onde tendem. A essência não é o que
foi, ao contrário: a essência mesma do mundo situa-se na linha de
214
frente (BLOCH, 2006:67).
Para Bloch (2006), a utopia seria a manifestação intelectual do “pressentimento
da esperança”, um quadro do porvir, mas nunca uma inconseqüente fabulação, e sim
elemento fundamental na construção do futuro.
215
COSIDERAÇÕES FIAIS
Ao longo da tese pretendeu-se estabelecer a relação entre jovem, cidade e
política. Pensar a cidade significa refletir sobre as tensões, contradições e conflitos que
se estabelecem no espaço urbano. Pensar a política é reconhecer a importância da troca,
do compartilhar e das diferenças mas é também admitir que esta também não se realiza
sem tensões, contradições e negociações.
A cidade é, portanto, encarada como espaço por excelência da política. A cidade
é o próprio espaço da política, encontro de idéias, ideais, realidades e possibilidades,
onde sujeitos desiguais disputam seu uso e apropriação, confrontando-se,
permanentemente, pelo direito a ela. Pensar os jovens pobres na cidade significa pensar
nos mecanismos de distinção territorial e de desigualdade a quais estão cotidianamente
submetidos e que restringem o uso e a apropriação da cidade e do urbano.
Isso porque, sob a égide do capitalismo a cidade torna-se mercadoria passível de
ser vendida aos pedaços. Para cada pedaço reserva-se um comprador. Aqueles que não
podem arcar com os custos do negócio são isolados e contidos em bairros pobres e
periféricos. Negando-lhes o direito de circularem e, portanto, de estarem nela. Essa
parece ser a situação atual dos jovens entrevistados.
Mais do que impossibilidade de apropriação dos bens materiais, a esses sujeitos
é vetado os bens simbólicos e a possibilidade de viverem a cidade como obra e como
espaço da política. Esta, por sua vez, se realiza na medida em que os sujeitos constroem
significados e reconhecimentos sensíveis do espaço, a partir de sua apropriação. Quando
essa construção é inviabilizada a experiência urbana se coisifica. A própria cidade se
torna coisa a ser vendida e o compartilhar e a troca passam a ser mediadas pelo dinheiro
(Lefevbre, 1981 e 2001).
Se os jovens não vivem e experimentam a cidade também não ampliam seu
território usado, entendido por Santos (1996) como categoria fundamental na elaboração
sobre o futuro.
A tentativa, portanto, foi a de demonstrar os limites e possibilidades que jovens
216
pobres têm de construir e/ou ampliar seus territórios usados, tendo como foco a
apropriação da cidade. Dito de outra forma: como a cidade pode se tornar espaço da
política, no sentido proposto por Hannah Arendt, através de mecanismos que promovam
o seu uso – fundamentalmente, a circulação desses jovens.
Para se chegar a esse fim optou-se por trabalhar com jovens pobres, moradores
de bairros periféricos da cidade de Juiz de Fora. Mas não quaisquer jovens. Eram jovens
inseridos em dois programas específicos, que tinham, ao menos em seu discurso oficial,
a preocupação com a dimensão espacial da política. O trajeto percorrido partiu da
delimitação dos conceitos-chave: espaço e juventude, passando pela caracterização da
cidade e dos programas estudados. Ao término, procurou-se construir o diálogo entre
juventude, espaço e os jovens estudados.
Ao longo da tese, viu-se os significativos limites impostos a esses jovens no que
toca o direito à cidade. Seu uso e apropriação são restritos e limitados a pedaços da
cidade. Sua circulação é reduzida. Muitos deles permanecem isolados em seus bairros
ou no seu entorno. Poucos de fato circulam pela cidade. A observação desse aspecto
permitiu concluir sobre os claros limites de seus territórios usados, os espaços de fato
usados pelos sujeitos, conforme proposta de Milton Santos.
A pouca mobilidade é resultado de uma série de constrangimentos, restrições e
desigualdades imputadas a esses sujeitos. Seu circular é apenas tolerado dentro dos
limites do definido pelos adultos. Para garantir isso é imposta a eles uma série de
restrições materiais e simbólicas, que vão desde o alto custo do transporte até os
estigmas produzidos em torno de seu bairro e do fato de serem jovens pobres. Essa
construção parece tão sólida que em muitos momentos, como observado no campo, os
jovens reproduzem a fala e o discurso que imobilizam e estigmatizam a eles mesmos,
seja nas representações sobre o sentido de ser jovem, seja ao incorporar como natural
sua reduzida mobilidade e sua conseqüente contenção nos bairros de origem.
Os limites de seus territórios usados refletem a pouca possibilidade de uso e de
apropriação que esses sujeitos têm da cidade. Essa restrição, determinada pelos
mecanismos de desigualdade social e de distinção territorial, possibilita certa
naturalização de sua condição de invisibilidade. Sua presença na cidade é pouco
tolerada. A eles são reservados fragmentos da cidade o que dificulta a possibilidade da
217
apropriação não apenas dos bens materiais como também dos investimentos simbólicos
do próprio espaço.
Assim, se todos pertencem a um espaço, se o espaço é condição da própria
produção e reprodução social, se ele pode ser pensado como abrigo de todos, como
prenhe de latências, como marcado por movimentos de horizontalidade e verticalidades,
a esses jovens é definida uma posição desigual. Se o espaço define o nosso modo de
existir a condição sine qua non a isto seria o direito a seu uso e a sua apropriação.
Apenas a realização efetiva do direito à cidade pode construir o sentido pleno da
cidadania.
Os mecanismos de distinção territorial promovem e reproduzem as
desigualdades. A invisibilidade dos jovens pobres manifesta à ausência de direitos
corporificados por esses sujeitos. Suas diferenças, em vez de serem vistas e tratadas
como positivas, são negativizadas. A cidade não é vivenciada como obra e o espaço que
não é usado, vivido, apropriado não se torna território usado.
Pensada em outros patamares, os programas e as ações, empreendidos pelo
poder público (seja no âmbito de uma política social do município, ou de um programa
de extensão da universidade), podem se apresentar como uma possibilidade concreta de
superar as barreiras impostas aos jovens pobres, na medida em que construam vínculos
efetivos desses sujeitos com a cidade, promovendo a circulação e o uso desta,
fomentando novas formas de relação com o espaço.
Contudo, o que se observou foi que, embora ambos os programas estudados
expressassem formalmente a dimensão espacial como uma preocupação, apenas o
Território de Oportunidades teve algum resultado nesse sentido. Resultado que, todavia,
foi diferenciado no que se refere à primeira turma quando comparada à segunda.
De forma incipiente, o Território de Oportunidades possibilitou uma maior
circulação dos jovens na cidade. Essa circulação, associada a momentos de discussão
sobre a própria cidade como obra, fez com que os jovens integrantes iniciassem um
movimento de expansão de seus territórios usados. Além de perceberem as
desigualdades, restrições e constrangimentos aos quais estão cotidiana e diariamente
submetidos.
218
O mesmo não ocorreu com os jovens do Juiz de Fora nos Trilhos da Paz. Esse
programa aproxima-se das clássicas políticas destinadas à juventude e tão bem tratadas
na literatura especializada. Parte da concepção de jovem como um sujeito naturalmente
perigoso e propenso à violência. Encarada como fase da vida, a juventude é tratada
como futuro e não como presente. É sobre essas concepções que se assenta o JF na Paz.
Além disso, tendo um claro caráter de retenção dos jovens pobres em seus bairros de
origem, pouco ou nada possibilitou uma nova relação dos jovens com a cidade. Ao
contrário, seu circular era disciplinado pelas práticas consideradas corretas pelos
gestores e executores da política. Como se comportar no Centro, a falta de “valores
morais”, a indisciplina típica da juventude são alguns dos elementos que vieram à tona
com as falas dos agentes da política. Em grande medida, é possível afirmar que a
participação dos jovens nesse programa não exprimiu mudanças significativas em seu
território usado. Muitas vezes, o que se observou foi certa tentativa de naturalizar a
condição e posição desigual vivida por eles.
O desenrolar do trabalho mostrou as dificuldades vivenciadas pelos jovens
pobres de terem acesso à cidade como obra, sentido pleno do direito à cidade. A
conseqüência disso é, dentre outros aspectos, a pouca visibilidade desses jovens.
Sujeitos invisíveis, sua cidadania não é nem sequer definida pelo consumo, que não
consomem a cidade ou, quando o fazem, o fazem de maneira periférica. Sem direito à
cidade, esses jovens vivem cotidianamente situações de constrangimento, de distinção
espacial e desigualdade. Suas diferenças são negativizadas, sua circulação é restringida
ou mesmo negada, sendo comumente constrangidos pelos estigmas que carregam no
corpo, pelo simples fato de serem jovens pobres e moradores de bairros periféricos.
Esses jovens parecem não ter futuro.
Mas se o presente é o real imediato e esse real é obscuro, o futuro é o possível e
deve ser luminoso. É nesse sentido que o trabalho afirmou a ação enquanto expressão da
política e como possibilidades que precisam ser abertas a esses jovens. Daí a ênfase que
se à rua, ao circular, ao viver e experimentar a cidade. A cidade entendida como o
primeiro contato com o público. Nela, eles podem construir relações, identificar as
desigualdades, positivar as diferenças, desnaturalizar sua condição subalterna. A cidade,
portanto, como um espaço da política entendida como resultante da relação entre
homens.
219
É nessa perspectiva, portanto, que o trabalho reafirma a necessidade de novas
utopias e o resgate da cidade como uma utopia. Utopia essa entendida não como o
irreal, mas como projeto, portanto, como futuro. Assim percebida, a utopia não se
configuraria como um não-lugar, mas sim como o real em suas múltiplas possibilidades
de realização. Ou, de acordo com o dicionário Houaiss, como sendo um “projeto
alternativo de organização social capaz de indicar potencialidades realizáveis e
concretas em uma determinada ordem política constituída, contribuindo desta maneira
para sua transformação”.
Não se trata, contudo, de desconsiderar que o espaço não abrigue contradições.
Ao contrário: são elas que permitem pensar outros presentes e outros futuros tendo os
sujeitos, e dentre eles também os jovens pobres, àqueles que conduzirão essas outras
possibilidades, tornando o espaço de fato um espaço banal e um espaço efetivamente
apropriado.
É, em grande parte, nesse horizonte que se encontra a proposta deste trabalho: a
ação dos jovens em/sobre o urbano e a cidade na perspectiva do direito à cidade, na
apropriação desse espaço pelo seu uso e entendendo a cidade como obra e como utopia
necessária e realizável.
Assim espera-se, pois como a jovem Th. lembra, é preciso “mudar a
desigualdade social, a pobreza, a fome, a qualidade de vida de quem o tem como
sobreviver e mesmo assim luta para ser um cidadão”. Que se façam das suas as nossas
palavras e ações.
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