Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DISTÚRBIOS DA
COMUNICAÇÃO HUMANA
A COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA
EM UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA NA CLÍNICA DE
LINGUAGEM
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Carla Ciceri Cesa
Santa Maria, RS, Brasil
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
A COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA EM
UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA NA CLÍNICA DE
LINGUAGEM
por
Carla Ciceri Cesa
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Distúrbios da Comunicação Humana, Área de Concentração em Linguagem e
Audição, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS),
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana
Orientadora: Dr. Ana Paula Ramos de Souza
Co-orientadora: Dr. Themis Maria Kessler
Santa Maria, RS, Brasil
2009
ads:
3
4
C421c Cesa, Carla Ciceri
A comunicação aumentativa e alternativa em uma
perspectiva dialógica na clínica de linguagem / por
Carla Ciceri Cesa. – 2009.
143 f. ; 30 cm.
Orientador: Ana Paula Ramos de Souza.
Co-orientador: Themis Maria Kessler.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de
Santa Maria, Centro de Ciências da Saúde, Programa de
Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana,
RS, 2009.
1. Fonoaudiologia 2. Linguagem 3. Clínica de
Linguagem 4. Comunicação 5. Relação mãe-filho
6. Paralisia cerebral I. Souza, Ana Paula Ramos de
II. Kessler, Themis Maria III. Título.
CDU 616.89-008.43
Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt - CRB-10/737
___________________________________________________________________
© 2009
Todos os direitos autorais reservados a Carla Ciceri Cesa. A reprodução de partes ou do todo
deste trabalho só poderá ser feita com autorização por escrito da autora.
Endereço: Av. Prof. Paula Soares, n. 315 ap. 302, Bairro Jardim Itu-Sabará, Porto Alegre, RS,
91.220-450
Telefone: (51) 3368.8511; End. Eletr: [email protected]
___________________________________________________________________
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo, José Mário, por compartilhar comigo um sentimento nobre: o amor.
À minha mãe, Vera Liane, e à amiga e colega de clínica de linguagem, fonoaudióloga
Cintia Santos, pela colaboração nas transcrições das entrevistas que compõem o corpus deste
trabalho e, acima de tudo, pelo incentivo e carinho constantemente recebidos.
À minha família de origem, pai Carlos Alberto (Gringo), mãe Vera Liane e mana Claudia
e à família de meu esposo, que se tornou minha também dez anos: Neida, tia Adilce, Carla,
Aline, Kiko, Marcelo, Maristela, Marcela e Alexandre.
À minha orientadora, Professora Ana Paula Ramos de Souza, por respaldar a minha
formação acadêmica com tanta competência e sensibilidade.
Aos professores e coordenação do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da
Comunicação Humana (PPGDCH) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
especialmente às professoras Ana Toniolo e Irani Maldonade, pela leitura e considerações na fase
inicial do projeto de pesquisa, à professora Carolina Lisbôa Mezzomo, por suas considerações na
versão final desta dissertação, assim como à minha co-orientadora, Themis Maria Kessler, o meu
muito obrigado.
Ao professor Valdir do Nascimento Flores, por ter me acolhido no Programa de Pós-
Graduação (PPG) em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e por seus
ensinamentos inesquecíveis na lingüística da enunciação.
À Universidade Federal de Santa Maria e à Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
pela qualidade de ensino público prestado.
À professora Marlene Canarim Danesi, responsável pela minha iniciação na clínica de
linguagem em 1994, ainda estudante de fonoaudiologia, e pelos seus conselhos de vida.
6
Ao Dr. Fleming Salvador Pedroso, pelo voto de confiança e incentivo recebido rumo ao
mestrado na Universidade Federal de Santa Maria.
Às minhas especiais colegas do PPGDCH da UFSM, Maria Rita Ghisleni, Roberta Dias,
Gisiane Munaro e Vanessa Deuschle, por compartilhar conhecimentos, alegrias e angústias nesta
caminhada.
Aos meus queridos colegas do PPG Letras da UFRGS, Luciano Fussieger, Cristina Rörig,
Cláudio Primo Delanoy e Cerise Gomes, pela calorosa acolhida e pelos diversos debates
lingüísticos realizados no primeiro semestre de 2007.
Às mães e fonoaudiólogas que se dispuseram a colaborar com suas falas tão singulares
para que este trabalho pudesse se tornar realidade, o meu profundo respeito e admiração.
Aos amigos, amigas, familiares e colegas, por cada palavra de alento nesta bonita, mas
difícil trajetória acadêmica.
Aos meus estimados afilhados, pela compreensão da distância em momentos tão
importantes de suas vidas, dos quais eu gostaria de ter estado mais perto: ao Maurício no seu
ingresso à vida adulta e ao Rodrigo e ao bebê Miguel Ângelo nas descobertas das aventuras da
primeira infância.
À Senhora Maria Eva Gonçalves Carvalho, pelo apoio e confiança recebidos enquanto
presidente do Centro de Reabilitação Educandário São João Batista, na cidade de Porto Alegre,
assim como às minhas colegas do Setor de Fonoaudiologia deste Centro, fonoaudiólogas Cintia
Santos, Carine Ecco e Raquel Bersch, pela motivação impulsionada pelas inquietações teóricas e
das práxis na clínica de linguagem com sujeitos acometidos por lesão cerebral e suas famílias
desde 2001.
À Clínica Boa Face (Porto Alegre, RS), pelas vivências ali experienciadas juntamente
com as estimadas Oraides Hüning e Sandra Hüning.
7
Ao tradutor e revisor Iuri Duquia Abreu, pelo seu olhar atento em todas as minhas
produções científicas desde a época da especialização.
Aos pacientes atuais e antigos, assim como às suas respectivas famílias, pela oportunidade
de aprimoramento profissional e pessoal.
8
“Não consultes dicionário. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhes dão, mas no que lhe
pôs o vulgo de homem calado e metido com ele mesmo. Dom veio por ironia, para atribuir-me
fumos de fidalgo”.
Machado de Assis
9
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana
Universidade Federal de Santa Maria
A COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA EM UMA
PERSPECTIVA DIALÓGICA NA CLÍNICA DE LINGUAGEM
AUTORA: CARLA CICERI CESA
ORIENTADORA: ANA PAULA RAMOS DE SOUZA
CO-ORIENTADORA: THEMIS MARIA KESSLER
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 03 de março de 2009.
Este trabalho apresenta uma investigação sobre a introdução e uso da prancha de
comunicação aumentativa e alternativa (CAA) na clínica de linguagem com sujeitos com
oralidade restrita ou ausente e suas famílias. Para tal meta foram realizadas entrevistas com dez
mães de crianças e adolescentes usuárias do recurso e com dez fonoaudiólogas experientes no
tema. Após a leitura inicial da coletânea das narrativas, verificou-se que a maior parte das mães
não faz uso consistente da prancha e que isso parece se relacionar a fatores como o modo como
esta é introduzida na vida dos sujeitos e de seus familiares e à percepção das mães das
necessidades dos filhos. Essa percepção está limitada, em alguns casos, pela resistência à
independência do filho, relacionada ao prolongamento da simbiose mãe-filho em muitos dos
casos. Quanto às terapeutas, todas utilizam o instrumento, mas com diferentes concepções de
língua e linguagem na sua implementação, gerando diferentes impactos na aceitação e uso da
prancha junto aos usuários e seus familiares. Conclui-se que a incorporação do uso da prancha de
comunicação aumentativa e alternativa na rotina diária dos usuários e família deve-se a uma
conjugação de fatores objetivos e subjetivos que permeiam a clínica de linguagem. Portanto, a
aceitação por parte da família, especialmente das mães, poderá ocorrer em um processo gradual.
Ressalta-se, também, que a proposta dialógica de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), sobre
funcionamento lingüístico intersubjetivo, traz subsídios para a terapêutica com a CAA. Essa
terapêutica também demanda um suporte psicanalítico para compreender o relacionamento dos
sujeitos e seus familiares, sobretudo com aqueles que exercem as funções parentais.
Palavras-chave: terapia de linguagem; comunicação; relações mãe-filho.
10
ABSTRACT
Master’s Thesis
Graduate Program in Human Communication Disorders
Universidade Federal de Santa Maria
ALTERNATIVE AND AUGMENTATIVE COMMUNICATION FROM A
DIALOGIC PERSPECTIVE AT THE LANGUAGE CLINIC
AUTHOR: CARLA CICERI CESA
ADVISOR: ANA PAULA RAMOS DE SOUZA
CO-ADVISOR: THEMIS MARIA KESSLER
Date and Place of Presentation: Santa Maria, March 3, 2009.
This study is an investigation on the introduction and use of alternative and augmentative
communication (AAC) board at a language clinic for individuals with restricted or absent orality
and their families. To do so, interviews with ten mothers of children and adolescents users of this
resource and with ten speech and language therapists experienced in this theme were performed.
Analysis of the collection of narratives showed that most mothers do not use the board
consistently, which seems to be related to factors such as how it is introduced in the life of
individuals and their relatives and to the perception mothers have of their child’s needs. Such
perception is limited in some cases by resistance to child’s independence, associated with an
extension of the mother-child symbiosis in many cases. All the therapists use the instrument,
although with different conceptions of language in its implementation, generating different
impacts in acceptance and use of the board by users and their relatives. It can be concluded that
the use of alternative and augmentative communication board in the daily routine of users and
their family is due to a group of objective and subjective factors that permeate language clinic.
Therefore, acceptance by the family, especially by mothers, could occur through a gradual
process. Bakhtin’s dialogic proposal on intersubjective linguistic functioning (Volochínov)
(1929/1995) is also stressed, bringing subsidies to the AAC therapy. This therapy also demands a
psychoanalytic support to understand the relationship of subjects and their relatives, above all
with those that play parental roles.
Keywords: language therapy; communication; mother-child relations.
11
LISTA DE REDUÇÕES
AC - atenção compartilhada
ASHA - American Speech-Language-Hearing Association
CAA - comunicação aumentativa e alternativa
CAAE - certificado de apresentação para apreciação ética
CEP - Comitê de Ética em Pesquisa
CEPRE - Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Prof. Dr. Gabriel Porto"
CSA - comunicação suplementar e alternativa
ECI - encefalopatia crônica infantil
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
ISAAC - International Society for Augmentative and Alternative Communication
PC - paralisia cerebral
PCS - pictures comunication simbols (símbolos de comunicação pictográfica)
PIC - pictogram ideogram communication
PUC-PR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
QVF - Qualidade de Vida Familiar
RM - retardo mental
SBFa- Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia
SCAA - sistema de comunicação aumentativo e alternativo
SNC - sistema nervoso central
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí
WH – perguntas WH (alguns exemplos: where, what, who / onde, qual, quem)
12
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido............................................140
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista às mães...................................................................142
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista às terapeutas...........................................................143
13
SUMÁRIO
Resumo....................................................................................................................................8
Abstract...................................................................................................................................9
Lista de reduções...................................................................................................................10
Lista de apêndices.................................................................................................................11
Sumário.................................................................................................................................12
1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................15
2 PARALISIA CEREBRAL, COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA ALTERNATIVA
E CLÍNICA DE LINGUAGEM.........................................................................................18
2.1 Paralisia Cerebral e Comunicação Alternativa Aumentativa .................................18
2.1.1 Paralisia Cerebral: definição, caracterização, etiologia e classificação.......................18
2.1.2 Comunicação Aumentativa e Alternativa....................................................................22
2.1.2.1 Breve Histórico.........................................................................................................23
2.1.2.2 Seleção, criação, confecção, introdução, intervenção, generalização e manutenção
do uso....................................................................................................................................26
2.1.2.3 A Comunicação Aumentativa e Alternativa na Fonoaudiologia: mudança de
paradigmas na clínica de linguagem.....................................................................................38
2.2 Dialogismo na clínica de linguagem com sujeitos com paralisia
cerebral.................................................................................................................................44
2.2.1 A Enunciação em M. Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), Bakhtin (1981, 1992)......44
2.2.2 Enunciação na Clínica de Linguagem: repensando a Comunicação Aumentativa e
Alternativa.............................................................................................................................54
2.3 Funções parentais diante de um filho com paralisia cerebral: contribuições do
interacionismo e da psicanálise..........................................................................................64
3 METODOLOGIA............................................................................................................72
14
3.1 Critérios de inclusão.....................................................................................................72
3.1.1 Terapeutas....................................................................................................................72
3.1.2 Mães.............................................................................................................................72
3.2 Critérios de exclusão.....................................................................................................73
3.2.1 Terapeutas....................................................................................................................73
3.2.2 Mães.............................................................................................................................73
3.3 População e Amostra....................................................................................................73
3.3.1 Terapeutas....................................................................................................................73
3.3.2 Mães.............................................................................................................................74
3.4 Material e Método.........................................................................................................74
3.4.1 Procedimentos de Coleta e Materiais...........................................................................74
3.4.2 Análise dos resultados..................................................................................................76
4 PRIMEIRO ARTIGO DE PESQUISA: COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E
ALTERNATIVA: TEORIA E PRÁTICA CLÍNICA......................................................77
Resumo..................................................................................................................................77
Abstract.................................................................................................................................78
4.1 Introdução.......................................................................................................................79
4.2 Métodos...........................................................................................................................81
4.3 Resultado e discussão......................................................................................................83
4.4 Conclusão........................................................................................................................92
Referências............................................................................................................................94
5 SEGUNDO ARTIGO DE PESQUISA: INTERSUBJETIVIDADE MÃE-FILHO NA
EXPERIÊNCIA COM COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA.....97
Resumo..................................................................................................................................97
Abstract.................................................................................................................................98
5.1 Introdução.......................................................................................................................99
5.2 Métodos.........................................................................................................................101
5.3 Resultados e discussão..................................................................................................104
5.4 Conclusão......................................................................................................................114
Referências..........................................................................................................................115
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................119
15
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................124
ANEXO A - Carta de aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Santa Maria.................................................................................139
APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido............................................140
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista às mães...................................................................142
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista para as terapeutas..................................................143
16
1 INTRODUÇÃO
O discurso fonoaudiológico sobre a atuação com sujeitos com encefalopatia crônica
infantil (ECI), mais comumente conhecida como paralisia cerebral (PC) (DIAMENT, 1996), vem
passando por modificações ao longo do tempo. Contudo, ainda observa-se certa dependência do
discurso médico, o qual valoriza predominantemente questões pertinentes à habilitação e
reabilitação das praxias e funções orofaciais, como articulação, mastigação e deglutição.
Atualmente, ainda percebe-se que a abordagem em linguagem com sujeitos gravemente
acometidos, quando, e se, realizada, segue muitas vezes por um paradigma de intervenção
também organicista. A propósito dessa constatação, Frazão (2004) discute o impacto dos usos e
abusos da aplicação do tratamento neuroevolutivo Bobath na clínica de reabilitação
fonoaudiológica, além de apontar o reconhecimento de que a relação entre linguagem e
organismo é de implicação, e não de submissão daquela em face deste.
Contudo, é possível visualizar mudanças na concepção deste fazer terapêutico,
trazendo benefícios significativos à qualidade de vida das crianças, adolescentes e das famílias
que buscam na clínica fonoaudiológica um espaço de acolhida e escuta às suas necessidades,
dúvidas, esperanças e medos. Tais mudanças também foram fomentadas devido ao avanço em
recursos tecnológicos assistivos, como a comunicação aumentativa e alternativa (CAA) utilizada
nos casos em que os sujeitos apresentam uma linguagem receptiva preservada, mas com
oralidade ausente ou restrita. Os seus benefícios são demonstrados em pesquisas como as de
Trevizor e Chun (2004), Almeida, Piza e Lamônica (2005) e de Paula e Enumo (2007).
Somente no final da década de 1970 o recurso da CAA ficou disponível no Brasil. Seja
por recursos de baixa tecnologia (prancha de figuras ou fotos) ou pela utilização do computador
pessoal, abriu-se uma série de possibilidades de viabilizar o funcionamento lingüístico do sujeito
com ECI no aspecto expressivo.
O fonoaudiólogo que, ao optar, junto com a sua equipe de trabalho, por esse recurso
comunicativo e interacional, deve ter ciência, conforme ilustra Manzini e Deliberato (2006), de
que a participação da família é fundamental durante o seu processo de seleção, implementação e
utilização. Desta forma, distancia-se de uma intervenção na qual as atividades, quando
vivenciadas com os pais, referem-se apenas a orientações sobre o que eles deveriam fazer ou
17
como deveriam se relacionar com o filho (MONTEIRO et al. 2005/2006) e aproxima-se de uma
atitude de co-autoria.
Contudo, ainda percebe-se na rotina clínica que, apesar da participação da família na
construção desse instrumento, o discurso materno aponta a não efetivação do seu uso no
cotidiano, embora permaneçam presentes na sessão fonoaudiológica semanal. Cogita-se como
hipótese inicial que, possivelmente, aspectos motivacionais, instrumentais, tecnológicos e/ou até
teóricos relacionados à concepção terapêutica de linguagem na qual a prancha é apresentada à
família e ao paciente parecem ser elementos intimamente relacionados à questão central desta
pesquisa.
Sob essa ótica, tal dissertação propõe-se investigar o discurso das terapeutas e das mães
de crianças e adolescentes acometidos por PC sobre a efetividade do recurso da prancha de CAA
em suas rotinas com seus filhos. Espera-se, com o desenvolvimento desta pesquisa, trazer
contribuições para a reflexão do papel do fonoaudiólogo que atua com sujeitos lesionados
cerebrais e com suas famílias.
Pode-se imaginar a facilitação para o conhecimento do que pensa e do que deseja um
sujeito com oralidade restrita e/ou ausente, desde a escolha do alimento até escolhas de vida mais
sofisticadas que possa atingir com o uso da CAA. Tomando o exemplo da alimentação, por mais
simples que seja, é possível pensar a relevância de poder escolher o que comer para alguém cujas
possibilidades de manifestação estão limitadas pela motricidade corporal e oral. Em relação a
escolhas de vida, o caso relatado por Klagenberg (2001) é significativo. Ele demonstrou que a
introdução da CAA permitiu que a adolescente levasse ao conhecimento da terapeuta e de sua
mãe que não desejava mais ganhar presentes infantis, nem se trajar com fitas e laçarotes de uma
menina, mas que desejava a maquiagem, roupa e lazer (filmes, músicas) iguais aos acessados por
sua irmã mais nova de 15 anos. Isso trouxe um ganho enorme na dinâmica familiar e na
percepção da mãe de que, embora houvesse um imaginário infantil sobre seu corpo e psiquismo
em função da sua extrema dependência física, possuía duas filhas adolescentes. Esse exemplo
parece ser suficiente para demonstrar a relevância da comunicação alternativa, por mais limitada
que possa ser em alguns casos, para que o sujeito possa ter uma maneira de se expressar.
Acredita-se que discutir a complexidade de aspectos relacionados à introdução e uso da
CAA na clínica de linguagem e no ambiente familiar seja a contribuição deste trabalho. Busca-se,
ainda, sugerir novos caminhos de reflexão para a clínica de linguagem a partir de conceitos como
18
dialogismo e intersubjetividade, advindos da proposta de M. Bakhtin (Volochínov) (1929/1995),
e da visão de exercício da função materna, advinda da psicanálise.
A partir de tais reflexões, os objetivos específicos foram analisar aspectos envolvidos na
introdução da CAA na clínica de linguagem a partir de distintas concepções de língua, linguagem
e sujeito no discurso das terapeutas e os efeitos dessa clínica em famílias de sujeitos com ECI
usuários de CAA. Acredita-se que tais efeitos se combinam às características de cada mãe
envolvida, ou seja, à constituição e ao exercício de sua função materna.
Para poder implementar tais análises, apresenta-se uma revisão sobre a CAA e a ECI, as
concepções de língua, linguagem e sujeito na Fonoaudiologia, sobretudo da concepção dialógica
de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995). Busca-se, portanto, um novo modo de pensar o
funcionamento da CAA na clínica de linguagem. Também se resenham estudos psicanalíticos
sobre a função materna, relacionando-os com sua importância para a aquisição da linguagem em
uma perspectiva interacionista. Apresenta-se também um resumo geral do método de pesquisa
dos dados dos dois artigos que compõem este modelo de dissertação alternativo.
As temáticas dos artigos foram: “Comunicação Aumentativa e Alternativa: Teoria e Prática
Clínica e “Intersubjetividade Mãe-Filho na Experiência com Comunicação Aumentativa e
Alternativa”. O primeiro artigo foi realizado com base em entrevistas realizadas com as
fonoaudiólogas e será submetido para publicação na Revista da Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia
1
. O segundo artigo, também realizado com base em entrevistas, mas neste caso
com as mães de usuários de CAA, será submetido para apreciação na Revista CEFAC
Atualização Científica em Fonoaudiologia e Educação
2
.
Ao final do texto estão a carta de aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Santa Maria, o termo de consentimento livre e esclarecido
apresentado às voluntárias, bem como os distintos roteiros de entrevista utilizados com as
fonoaudiólogas e com as mães.
1
As normas de publicação estão disponíveis no site: http://www.sbfa.org.br
2
As normas de publicação estão disponíveis no site: http://www.revistacefac.com.br
19
2 PARALISIA CEREBRAL, COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA ALTERNATIVA E
CLÍNICA DE LINGUAGEM
Neste capítulo, inicialmente, serão apresentados os conceitos básicos de PC e os estudos
acerca da CAA com objetivo de expor o que a literatura comumente aborda sobre o tema. A
seguir, resenham-se estudos sobre a mudança de paradigma organicista para interacionista na
clínica de linguagem e suas conseqüências para pensar a clínica dos sujeitos com PC.
2.1 Paralisia Cerebral e Comunicação Alternativa Aumentativa
2.1.1 Paralisia Cerebral: definição, caracterização, etiologia e classificação
Schwartzman (1993), Diament (1996) e Monreal e Moraes (2003) descrevem a PC como
sendo resultado de uma lesão ou mau desenvolvimento cerebral, de caráter não progressivo, mas
freqüentemente mutável, devido a uma disfunção do encéfalo presente antes do seu crescimento e
desenvolvimento estarem completos, podendo o evento lesivo ocorrer durante o período pré, peri
ou pós-natal. As características neuromotoras observadas são alterações de padrões de postura,
tônus e movimento. Diament (1996) assinala o caráter estacionário da lesão e o fato de que o
transtorno funcional irá se estruturar no tempo, sendo esta evolução determinada pelo momento
em que o fator nóxico agiu no sistema nervoso central (SNC) em plena maturação estrutural e
funcional. Permanecem, entretanto, os sinais seqüelares da encefalopatia, embora a criança
apresente sua própria maturação peculiar.
O limite de idade para que se considere que uma lesão do SNC possa causar quadro
clínico compatível com PC causa discussão e controvérsias entre os autores. Diament (1996) diz
que este limite é variável, indo desde a vida pré-natal até a infância. Relata também que a
maturação não pára na primeira infância e que estruturas que somente completam esse
processo aos 18 anos ou mais. o simpósio organizado em Oxford, em 1958, pelo Little Club,
(DIAMENT, 1996) pontua a idade limite de três anos, e SCHWARTZMAN (1993) estabelece
que a PC deverá ter uma causa fixa, não progressiva, presente dentro dos dois primeiros anos de
20
vida, que deverá se manifestar, principalmente, por uma desordem do movimento e da postura.
Monreal e Moraes (2003) admitem a PC por causas ocorridas após o nascimento até
aproximadamente a idade de 7 anos.
Em relação à etiologia, Monreal e Moraes (2003) destacam que o acometimento cerebral
precoce pode ter diferentes causas, muitas vezes não definidas e com diferentes graus de
comprometimento, o que resulta em uma diversidade nos modos como as crianças se apresentam,
demonstrando particularidades individuais. Tais causas podem ser classificadas em pré-natais,
perinatais ou pós-natais. São caracterizadas como causas pré-natais as ocorridas durante a
gravidez, as quais podem ser subdividas em dois períodos.
As alterações no primeiro período são chamadas de embriopatias e compreendem desde a
concepção até o quarto mês de gravidez. Podem ser causadas por rubéola, sífilis, herpes ou
hepatite e dão lugar a malformações cerebrais, oculares, auditivas, viscerais e cardíacas. as
alterações ocorridas no segundo período são chamadas fetopatias e são classificadas a partir do
quarto mês até o final da gravidez. Doenças contraídas intra-útero podem deixar seqüelas
microbianas (meningite), viróticas (citomegalovírus), parasitárias (toxoplasmose), intoxicação,
drogas teratogênicas e exposição à irradiação.
Considerando os períodos embrionário e fetal, pode-se descrever as lesões cerebrais
hipoxêmicas decorrentes de afecções durante a gestação (anemia materna, hemorragias, hipo e
hipertensão, eclampsia e deslocamento precoce da placenta), distúrbios metabólicos (diabetes,
desnutrição) e infecções renais e urinárias graves capazes de promover repercussões para a saúde
fetal. Diament (1996) acrescenta causas genéticas e/ou hereditárias nesse período.
Quanto às causas perinatais, Monreal e Moraes (2003) descrevem que são causas
ocorridas durante e logo após o parto, podendo haver distúrbios circulatórios cerebrais graves ou
moderados, traumatismos no parto, nascimento prematuro ou pós-termo, baixo peso, Apgar muito
baixo, icterícia neonatal grave (hemolítica ou incompatibilidade sangüínea), fatores teratogênicos
e acidentes. Diament (1996) complementa citando parto distócico, asfixia (hipóxia ou anóxia),
hemorragia intracraniana e infecção pelo canal do parto.
Monreal e Moraes (2003) descrevem como possíveis causas pós-natais a anóxia ou
hipóxia, traumatismos cranioencefálicos, infecções do SNC (meningite ou encefalite), doenças
metabólicas, desidratações, acidentes anestésicos e impregnação dos gânglios da base
bilirrubínica. O estabelecimento da idade limite varia conforme o autor. Para Diament (1996),
21
outras causas pós-natais, como encefalopatias desmielinizantes (pós-infecciosas ou pós-vacinais),
processos vasculares, desnutrição, síndromes epilépticas (West e Lennox-Gastaut) e status
epilepticus.
Em Volpe (1995), registros de que se esperava que os avanços nos cuidados pré e
perinatais baixassem a incidência de PC. No entanto, o que ocorreu foi a diminuição da
mortalidade infantil e o aumento da taxa de morbidade, principalmente com a sobrevivência dos
nascidos de muito baixo peso, entre os quais a prevalência de PC é de 25 a 31 vezes maior do que
entre os nascidos a termo.
Portanto, pode-se afirmar que demanda apresentada por esta população aumenta ainda
mais o compromisso da especialização da atuação fonoaudiológica, assim como das outras áreas
da saúde e da educação. Desta forma, visualizam-se melhores condições de desenvolvimento,
qualidade de vida e inserção social aos sujeitos acometidos por alguma lesão neurológica.
Em relação à classificação dos tipos de PC, Shepherd (1998) analisa os sinais clínicos,
sendo conhecidas as formas espástica, atetósica, hipotônica, atáxica e a mista. O tipo espástico
apresenta características como hiper-reflexia, fraqueza muscular e padrões motores anormais,
compatíveis com lesão do primeiro neurônio motor. Movimentos involuntários, distonia e, em
alguns casos, rigidez muscular são características relacionadas à forma atetósica, compatível com
sinais de comprometimento do sistema extrapiramidal. Quando comprometimento no
cerebelo, registra-se a forma atáxica. As formas mistas ocorrem quando há a combinação entre os
tipos. A modalidade hipotônica apresenta grave depressão da função motora e fraqueza muscular
e, como complementa Póo (2001), na maioria dos casos, é uma forma prévia de uma das formas
de PC.
Conforme a topografia motora comprometida, Shepherd (1998, p. 115) complementa sua
classificação distinguindo as formas quadriplégica, hemiplégica e diplégica. A monoplegia pura
ou a triplegia provavelmente não existe, embora em alguns casos pareçam enquadrar-se nessas
categorias.
Andrade (2000) descreve que o termo monoplegia significa que apenas um segmento
corpóreo ou um membro foi prejudicado, sendo os casos mais freqüentes os de acometimento de
um braço, devido à paralisia braquial obstétrica e por lesão do plexo braquial durante partos
difíceis, diferente, portanto, da monoplegia por PC, forma rara de ser observada na prática
clínica. Na diplegia, embora os quatro membros estejam acometidos, os membros superiores têm
22
menor grau de comprometimento em relação aos inferiores. Na triplegia, três membros são
acometidos, e sua ocorrência é remota. A quadriplegia é observada quando os quatro membros
são afetados, mas a forma é assimétrica. Já a dupla hemiplegia, também com o comprometimento
dos quatro membros, difere-se por apresentar os dimídios corporais afetados em diferentes graus.
A hemiplegia ocorre quando somente um dimídio corporal é afetado. O autor destaca ainda que a
aplicação do sufixo “paresia” é mais indicado, pois retrata a diminuição de força ou incapacidade
para a realização do movimento na sua totalidade.a terminologia “plegia” significa perda total
do movimento, o que quase nunca é observado na prática clínica com PC.
Marujo (1998), Bax (2000), Monreal e Moraes (2003) relatam que, em decorrência da
lesão e/ou quadro manifestado, freqüentemente observam-se outros distúrbios associados, como
epilepsia, deficiências sensoriais (auditivo, visual, dentre outras), mentais, cognitivas, emocionais
e, finalmente, de comunicação e alimentação. Marujo (1998) ainda destaca que o
desenvolvimento motor alterado afeta diretamente o desenvolvimento do controle motor oral,
acarretando alterações no desempenho das funções estomatognáticas de sucção, mastigação,
deglutição, respiração e de articulação.
Como era esperado a partir da visão organicista que domina a medicina, observa-se que a
literatura médica pouco comenta e/ou valoriza as diversas possibilidades de descrições e
variações das manifestações da linguagem em sujeitos acometidos pela PC, ficando tal discussão
praticamente em segundo plano. Essas poderiam contribuir para a formação de um entendimento
diagnóstico mais amplo que, por sua vez, possibilitaria um encaminhamento a uma intervenção
fonoaudiológica precoce, potencializando o funcionamento lingüístico deste sujeito e a formação
de sua subjetividade, especialmente quando este apresenta oralidade ausente ou limitada.
Moretti (1999) comenta que uma ajuda em forma alternativa à comunicação é possível
em uma gama de distúrbios diversos que vão desde a anartria à surdez, às disfasias, aos graves
distúrbios de desenvolvimento lingüístico e também para uma boa parte das dificuldades
comunicativas associadas ao retardo mental.
As poucas descrições que se encontram sobre a linguagem afirmam que discrepância
entre a compreensão e a expressão da criança com PC, pois à medida que ela cresce, vai
entendendo mais do que é capaz de expressar. As pesquisas ressaltam a necessidade de que um
meio especializado adicional de expressão, denominado sistema de comunicação aumentativo, é
requerido pela impossibilidade da falar e pelas conseqüências que a criança pode ter no acesso à
23
vivência e aquisição de conhecimentos, interferindo no desenvolvimento global e na interação
social (GONZÁLEZ, GÓMES e DONOSO, 1996; MOREIRA e CHUN, 1997; BROWNE, 2000;
PIRES e LIMONGI, 2002; ALMEIDA, PIZA e LAMÔNICA, 2005).
Percebe-se na literatura que, apesar de os estudos admitirem que os sujeitos com tais
impossibilidades de fala se beneficiariam muito com o advento da tecnologia assistiva, pois esta
viabilizaria adaptações para a realização das atividades da vida diária como locomoção,
alimentação, vestuário e lazer, não fica clara a concepção de língua e linguagem que embasa tais
recursos de comunicação. Mediante esta inquietação, na seção seguinte faremos uma breve
descrição histórica da CAA, seguida de aspectos que compreendem a seleção, introdução,
intervenção e generalização do uso do recurso. A seguir, avançaremos nossa reflexão sobre
língua(gem) e subjetividade na clínica de linguagem, potencializando os recursos em si para um
melhor “dizer” do sujeito impedido de oralizar, favorecendo a comunicação e interação social
através dos sistemas de comunicação alternativos e/ou suplementares à fala de alta e/ou baixa
tecnologia.
2.1.2 Comunicação Aumentativa e Alternativa
A American Speech-Language-Hearing Association - ASHA (1991) conceitua a CAA
como uma área da prática clínica, educacional e de pesquisa para terapeutas que tentam
compensar e facilitar, temporária ou permanentemente, os prejuízos e incapacidades dos
indivíduos com graves distúrbios da comunicação expressiva e/ou distúrbios da compreensão. A
Comunicação Suplementar ou Alternativa pode ser necessária para indivíduos que tenham
prejuízos nos modos de comunicação gestual, falado e/ou escrito. Johnson (1998) menciona que a
comunicação será considerada suplementar quando o indivíduo possuir comunicação insuficiente,
e alternativa quando o indivíduo não apresentar outra forma de comunicação. A implementação
de um Sistema de Comunicação Aumentativo e Alternativo (SCAA) refere-se ao recurso,
estratégias e técnicas que complementam modos de comunicação existentes ou substituem as
habilidades de comunicação inexistentes.
Conforme Gava (1999), a CAA busca meios que auxiliem o indivíduo que não pode ter
fala funcional. A terminologia alternativa é empregada quando se refere a tudo que é alternativo à
24
palavra, como figuras, desenhos e símbolos. a nomenclatura aumentativa está relacionada com
a potencialização dos recursos comunicativos que ainda subsistem.
Para facilitar o processo de implementação do recurso da prancha de CAA, alguns
fonoaudiólogos, além da intervenção com o usuário, utilizam o método Hanen para sensibilizar as
famílias da importância da interação e da interpretação. Pinto (200-) refere que tal método, de
base interacionista, foi idealizado pela fonoaudióloga canadense Ayala Manolson em 1966 e tem
como foco o atendimento a grupos de pais que possuam filhos com retardo de linguagem.
O terapeuta tem a função de facilitar a comunicação entre pais e filhos. São realizadas três
filmagens da interação das díades, as quais são analisadas e discutidas no grupo composto, em
média, por oito casais. No Canadá, a média da duração do programa é de dois meses, com uma
sessão semanal de 2h30min. Com pais de crianças com PC, a duração média é de quatro meses
ou mais.
2.1.2.1 Breve Histórico
Considerando a história da CAA, Zangari, Lloyd e Vicker (1994) realizaram um
levantamento histórico sobre a emergência da disciplina de CAA em cursos de graduação em
fonoaudiologia na América do Norte. Nos anos 1950, devido aos avanços médicos e
farmacológicos, mais crianças começaram a sobreviver nos períodos neonatais e na primeira
infância, aumentando tanto a população normal como a com distúrbios de desenvolvimento. A
maior sobrevida dos sujeitos com PC, associada aos avanços tecnológicos de informática,
permitiu que, na década de 1960, quando ocorreu uma humanização da reabilitação, além dos
cuidados físicos e de proteção, os aspectos de independência e inclusão escolar na rede pública
também fossem considerados. Para tanto, o desenvolvimento de um sistema de comunicação se
fez necessário. Nos anos 1970, foram criados as pranchas de comunicação, a comunicação
facilitada e o sistema Bliss, que foi utilizado com indivíduos com PC incapazes de utilizar a
ortografia, além de dispositivos eletrônicos.
Os profissionais que trabalhavam nessa área assumiram a posição de que a comunicação é
um direito fundamental de todo indivíduo e que programas de intervenção de comunicação
deveriam incluir o uso de símbolos gráficos para aumentar as habilidades adquiridas. Na década
25
de 1980, ocorreu o crescimento e o refinamento na CAA. No início dos anos 1990, a
identificação da CAA como disciplina acadêmica, clínica e educacional provocou mudanças no
pensamento social, tecnológico e educacional, facilitando o processo de inclusão social, escolar e
em ambientes de trabalho de sujeitos com oralidade restrita ou ausente. Essas mudanças
favoreceram o enfrentamento do preconceito social. Pesquisas em áreas relacionadas iniciaram o
estágio para um campo de atuação novo e multidisciplinar.
Moreira e Chun (1997), também preocupados em averiguar o histórico da CSA, apontam
que, no ano de 1971, profissionais da equipe do "Ontário Crippled Children's Centre", localizado
em Toronto (Canadá), desenvolveram estudos com o intuito de encontrar um meio alternativo de
comunicação para crianças com distúrbios neuromotores e sem fala funcional. No entanto, as
possibilidades investigadas eram insatisfatórias e limitavam o desempenho lingüístico,
conduzindo-os a novas tentativas.
Diante desse impasse, a equipe localizou em "Signs and Symbols around the World", de
Elizabeth Helfman, um sistema simbólico internacional (Blissymbolics - Sistema Bliss de
Comunicação), criado entre 1942 e 1965 por Charles K. Bliss, baseado na escrita pictográfica
chinesa e nas idéias do filósofo Leibniz. O objetivo inicial do sistema era desenvolver uma forma
de linguagem universal entre os homens. A partir de 1971, após algumas adaptações realizadas
pela equipe canadense em parceria com C. Bliss, o recurso pôde ser utilizado por sujeitos com
distúrbios de comunicação (MOREIRA e CHUN, 1997).
Johnson (1998) registra outro tipo de sistema simbólico, denominado Picture
Communication Symbols (PCS) (Símbolos de Comunicação Pictórica), criado por ela em 1980
nos Estados Unidos da América para incentivar novas possibilidades comunicativas.
Tanto o Bliss quanto o PCS são referidos por Capovilla (1993) quando afirma que a CAA
iniciou no Brasil no fim dos anos 1970. Além do PCS, categorizado em uma visão sintática
tradicional, o autor menciona o Pictogram Ideogram Communication (PIC), que é dividido em
categorias semânticas. evidências de uso desse recurso em sites de associações para sujeitos
com PC, como a Associação Beneficente Quero-Quero (SP), fundada em 1976, reconhecida
como de utilidade pública nas três esferas do poder em 197l.
Em 1998, Roxanne Mayer Johnson publica pela primeira vez em língua portuguesa o seu
“Guia dos Símbolos de Comunicação Pictórica”, através da precursora Clik Recursos
Tecnológicos para Educação, Comunicação e Facilitação, situada na cidade de Porto Alegre (RS).
26
Essa evolução também se fez sentir na criação de cursos de especialização e aperfeiçoamento na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2002.
Mekaru (2003) constatou que, apesar da evidente importância do recurso da CAA para
diversos casos, esta tem sido uma área de pesquisa e aplicação clínica recente e pouco divulgada
no Brasil, sendo que, em hospitais, quase não existe. Da mesma forma, Pelosi (2005) concorda
com a necessidade de se dispor desse recurso em hospitais e propõe, através de um artigo, a
implementação da comunicação alternativa e ampliada nos hospitais do município do Rio de
Janeiro (RJ).
Conforme consta no site oficial divulgado pela ISAAC-Brasil, a XI Conferência Bianual
da International Society for Augmentative and Alternative Communication (ISAAC) ocorreu pela
primeira vez na América Latina, em Natal (RN), em outubro de 2005, reunindo 450 participantes
de 33 países. A ISAAC-Brasil foi uma conquista histórica e se propõe a realizar congressos
bianuais nacionais alternados com os congressos bianuais internacionais, nos quais pesquisadores
e profissionais brasileiros têm representado o país.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) organizou o I Congresso Brasileiro
de Comunicação Alternativa, primeiro evento nacional sobre o tema, ocorrido na cidade do Rio
de Janeiro em 2005 e contando com a presença de aproximadamente 300 participantes. o II
Congresso Brasileiro foi organizado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP,
Campinas, SP) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Prof. Dr. Gabriel Porto"
(CEPRE), tendo essa universidade como sede. O evento ocorreu no período de 15 a 19 de maio
de 2007, com o objetivo de consolidar a instituição desse capítulo brasileiro vinculado à ISAAC e
incentivar pesquisas e o desenvolvimento clínico e educacional na área. Em 2006, durante o XIV
Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia, em Salvador (BA), a Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia (SBFa) concebeu o Comitê de Comunicação Suplementar Alternativa, o qual
passou a pertencer ao Departamento Científico de Linguagem dessa sociedade.
Ratcliff, Koul e Lloyd (2008) realizaram um levantamento acerca da formação
especializada em CAA nos Estados Unidos da América. A pesquisa foi enviada para todos os
programas de treinamento de especialistas em fala e linguagem via e-mails direcionados aos
diretores dos programas ou das faculdades que ensinam a CAA. Vinte e nove por cento dos
cursos têm especialista no tema, embora 73% ofereçam ao menos um curso específico nessa
área. Os autores concluíram que é necessário ter mais acadêmicos e clínicos preparados para a
27
área de CAA. Tal necessidade está associada ao fato de haver 12% de usuários na população pré-
escolar, de diversas raças e etnias e com vários distúrbios de linguagem e/ou desenvolvimento.
Isso indica a necessidade urgente de que todas as pré-escolas tenham especialistas em fala e
linguagem preparados para oferecer serviços para crianças que requerem CAA (BINGER e
LIGHT, 2006).
O histórico da CAA aponta para uma rápida evolução dos recursos em oposição a um
domínio ainda precário e ampliação do uso nas práticas profissionais, apesar dos evidentes
ganhos que traz à vida de seu usuário. Na próxima seção, são abordados os aspectos mais
relevantes encontrados na literatura atual como intervenientes no processo de seleção, introdução
e generalização do uso da CAA.
2.1.2.2 Seleção, criação, confecção, introdução, intervenção, generalização e manutenção do uso
Basil e Bellacasa (1988) descreveram os sistemas de comunicação em dois grupos,
caracterizando-os com ou sem ajuda. Os sistemas com ajuda requerem assistência externa,
instrumento ou ajuda técnica para haver comunicação. São compatíveis com esse tipo de sistema
os objetos, miniaturas, fotos, palavras escritas, alfabeto e símbolos gráficos. Os símbolos gráficos
podem ser do tipo pictográficos, quando apresentam semelhança física com aquilo que
representam, ideográficos, quando têm uma relação conceitual ou lógica com aquilo que
representam, ou arbitrários, quando o significado obedece a convenções pré-estabelecidas. Podem
abranger uma abordagem multimodal, empregando a combinação de diferentes modos de ação e
utilizando todas as capacidades do indivíduo, como gestos, fala residual ou vocalizações,
expressões faciais e auxílios de comunicação, visando substituir, suplementar ou apoiar a fala. A
arbitrária e versátil associação entre essas possibilidades comunicativas introduzem e ampliam o
funcionamento lingüístico e discursivo do sujeito limitado em sua expressividade oral (BASIL,
1997).
Portanto, dever haver um especialista capaz de selecionar o tipo de CAA mais adequado a
cada usuário. A prática extensiva e a orientação do conselho de um fonoaudiólogo são
necessárias para que os pais se sintam confiantes ao usar um auxílio de comunicação socialmente
(BROWNE, 2000). A mesma autora refere que as necessidades de comunicação e de
28
equipamento mudarão gradualmente com o tempo, pois as crianças se deparam com novos
desafios e o quadro das capacidades físicas se modifica.
Paula e Enumo (2007) analisaram a adequação da avaliação assistida para sete alunos
com problemas de comunicação, comparando o seu desempenho em provas psicométricas
tradicionais e prova assistida e fornecendo indicadores dos efeitos de um programa de
intervenção com sistema alternativo de comunicação sobre as habilidades lingüísticas e
cognitivas dessas crianças. Concluíram que a integração de áreas tão promissoras, como a
avaliação assistida e a CAA, poderá auxiliar no desenvolvimento de intervenções psicológicas
mais sensíveis e eficazes, contribuindo para melhorar a qualidade de vida das pessoas com
deficiência e outras necessidades específicas de ensino. As autoras concluíram que apenas os
testes paramétricos não são suficientes para realizar uma avaliação; nesse tipo de avaliação, não
mediação compartilhada, podendo o sujeito ficar aquém de suas reais capacidades. Deve-se,
portanto, associar a avaliação psicométrica tradicional à avaliação assistida para a realização de
um diagnóstico psicológico em crianças com déficits comunicativos.
Schlosser e Lee (2000) propuseram-se a determinar a efetividade das intervenções em
CAA com uma ênfase particular nas estratégias que induzem generalizações e/ou manutenção. Os
autores analisaram 50 artigos selecionados através de banco de dados eletrônico dos últimos 20
anos. Foram realizadas 232 comparações de fases experimentais e de desfechos relatados. Os
estudos foram agrupados por categorias: intervenção, generalização, manutenção. Os autores
concluíram que a intervenção e a generalização são mais bem sucedidas do que a manutenção.
Schlosser e Sigafoos (2006) analisaram, a partir de técnicas de saúde baseadas em
evidências, a efetividade da CAA com e sem suporte, ou ambos, em 45 estudos. O treino
experimental pode ser uma forma de escolher o recurso, mas os estudos não forneceram
evidências suficientes para se concluir sobre a eficácia da CAA na comunicação, embora os
desfechos demonstrassem ganhos. A mesma conclusão tiveram Campbell et al. (2006) ao
revisarem a literatura sobre práticas de ensino para crianças pequenas no uso de recursos de
tecnologia assistiva, pois, embora haja resultados positivos, as evidências da efetividade do uso
de recursos de tecnologia assistiva são limitadas em termos de número de relatos, áreas de
conteúdo e nível de evidências.
Cesa, Ramos-Souza e Kessler (no prelo) realizaram uma busca na literatura dos últimos
cinco anos para investigar quais temáticas foram mais estudadas em periódicos internacionais
29
sobre CAA. Design e acessibilidade do recurso, aspectos lingüísticos e estratégias focadas no
usuário, na família e com foco duplo são importantes em todas as etapas da implementação. Para
uma melhor visualização dessas temáticas, ao término da leitura dos 28 artigos, foi criado um
organograma ilustrando os princípios na seleção e criação, confecção, introdução, intervenção,
generalização e manutenção do uso da CAA:
Processo de
Seleção do recurso
Design Acessibilidade
Tipos de Símbolos
(signos lingüísticos)
Disposição dos
símbolos na
prancha ou display
Tipo de acesso
Velocidade de
acesso
Direto
Indireto
teclado, mouse,
via varredura:
- com ou sem animação
- automático ou não
- step, etc.
Posicionamento
cadeiras de rodas,
bancos, cavaletes, etc
Aspectos
Lingüísticos
Adequar
Tamanhos ao
usuário
Favorece a leitura
Instrução sintática
possível
Relevância da
informação
Favorece o
desenvolvimento da
fala
Processos de
Intervenção,
Generalização,
Manutenção
Estratégias
focadas no
Usuário
Estratégias
focadas na
Família
Estratégias
com o foco
duplo na
relação entre
o Usuário,
Família e
Demais
Parceiros
Conversa-
cionais
Analisar índice de responsividade
dos parceiros aos sinais emitidos
pelo usuário de CAA
Levar em conta o impacto na
qualidade de vida familiar
Atendimento personalizado das
necessidades do usuário, família e
demais parceiros conversacionais
Criação de cenários hipotéticos de
situações cotidianas na relação
comunicacional
Usar o recurso em contextos
formais e informais
Treino para busca de empregos
Posicionamento no momento da
interação (face-a-face) é importante
Cuidar a freqüência de perguntas
abertas, proporção de perguntas e
respostas utilizadas pelo parceiro
PCS, PIC e fotos
são melhores do
que o Bliss e a
ortografia
Adequar Cores ao
usuário
Tipos de Recursos
Alta tecnologia
(ex.: vocalizadores)
Baixa tecnologia
(ex.: pranchas de
comunicação, etc.)
Organograma 1 Princípios na seleção, criação, confecção, introdução, intervenção, generalização e manutenção do uso da
Comunicação Aumentativa e Alternativa - CAA
30
Esmiuçando um pouco a síntese descrita, observa-se que o processo de seleção do recurso
está focado em dois grandes pontos: o design e a acessibilidade. Salienta-se que a ênfase na
descrição do desenho de linha PCS se justifica por ser esta uma das representações encontradas
com maior freqüência na composição das pranchas de comunicação utilizadas pelas famílias
entrevistadas.
Mirenda e Locke (1989) descrevem a hierarquia dos símbolos gráficos na seguinte ordem:
objetos, fotos coloridas, fotos em preto e branco, desenhos em preto e branco (símbolos dos
sistemas PCS, PIC e REBUS), símbolos Bliss e ortografia. Sob esta perspectiva de análise do
recurso em si, Thiers e Capovilla (2006) realizaram um estudo experimental com 11 estudantes
universitários sem alteração neurológica para que julgassem a translucência de substantivos,
verbos e modificadores em quatro Sistemas de Comunicação Alternativa e Suplementar (Bliss,
PIC, PCS e ImagoAnaVox). Os participantes deveriam usar um software (Sonda) que
apresentava os símbolos e registrava a pontuação atribuída, o tempo de julgamento e o número de
repetições demandadas. Os sistemas mais icônicos foram, em ordem decrescente, ImagoAnaVox,
PCS, PIC e Bliss. Os autores observaram que a alta pontuação média alcançada pelos verbos de
ImagoAnaVox parece confirmar a eficácia da estratégia de uso de animação gráfica para
representar ações. O estudo constatou também que os símbolos modificadores (advérbios e
adjetivos) são mais difíceis de serem reconhecidos pela limitação de se representarem em
imagens do que a categoria dos substantivos.
Capovilla, Macedo, Capovilla, Duduchi e Gonçalves (1996), ao revisarem a literatura
sobre afasia e sistemas alternativos de comunicação, também indicam o sistema de comunicação
pictorial, pois o sistema lingüístico é baseado em ortografias alfabéticas e silábicas, Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e semantografia Bliss. Salientam que o aspecto iconicidade deve
ser ponderado. Recursos tecnológicos também devem ser considerados na intervenção, como
prancha computadorizada, voz digitalizada e acessibilidade. Em outro estudo, demonstram que a
voz digitalizada permitiu codificar fonologicamente a informação pictorial, aumentando a
capacidade da memória de trabalho e, portanto, viabilizando a progressão no uso funcional do
sistema para comunicação no caso de uma menina de 13 anos e 6 meses (CAPOVILLA et al.,
1998).
Outros estudos abordam a importância da iconicidade, como o de Hurlbut, Iwata e Green
(1982). Em um estudo de casos de adolescentes, esses autores demonstraram que os sujeitos
31
precisaram de quatro vezes mais tentativas para adquirir os símbolos do Bliss do que os icônicos.
Houve porcentagem maior de manutenção de símbolos icônicos, e a generalização de estímulos
ocorreu em ambos os sistemas. O número de respostas corretas foi muito maior no icônico em
uso espontâneo em contextos. O estudo concluiu que o sistema icônico pode ser mais
prontamente adquirido, mantido e generalizado para situações diárias do que a semantografia
Bliss. Segundo Thiers e Capovilla (2006), iconicidade pode ser definida como o grau de
isomorfismo entre o símbolo e o referente por ele representado, ou como o grau em que o
significado de um símbolo é transparente a um observador ingênuo não-familiarizado com o
símbolo.
Entre os símbolos icônicos, o PCS, desenvolvido por Roxanne Mayer Johnson em 1980,
destaca-se como o mais utilizado. Para sua indicação, é necessário considerar fatores associados,
como o nível de sofisticação da linguagem, a acuidade visual e percepção, as habilidades
cognitivas, a atitude do usuário, o apoio de parceiros de comunicação, um facilitador, as
habilidades de fala atuais e possíveis no futuro, as habilidades de comunicação adicionais e os
problemas de comportamento. Os parceiros de comunicação devem dispor de tempo,
envolvimento e interesse para compreender e interagir utilizando o recurso de comunicação
(JOHNSON, 1998).
A autora agrupou os símbolos PCS por categorias, em um total de seis, constituídas por
verbo, social, descritivo (adjetivos e advérbios), pessoas, substantivos e miscelânea.
flexibilidade no tamanho do desenho do símbolo impresso no livro para reprodução em
copiadora, podendo variar de 2,5 cm², 5,1 cm² ou 1,9 cm². Na versão informatizada, o programa
para computador Boardmaker, que é um banco de dados gráficos com mais de 3.000 símbolos,
viabiliza ao facilitador adequar o tamanho do desenho conforme a necessidade. Codificar por
cores diferentes as categorias, além de tornar a prancha mais atraente, auxilia a agilizar a
localização dos símbolos. Baseado no sistema Blissymbolics, recomenda-se amarelo para
pessoas, verde para verbos, azul para descritivos, laranja para substantivos, branco para
miscelânea e rosa para social. O tópico “miscelânea” compreende basicamente artigos,
conjunções, preposições, conceito de tempo, cores, o alfabeto, números e outras palavras
abstratas variadas.
Essa divisão por categorias, na visão gramatical do autor, pode vir a favorecer o
desenvolvimento da estrutura gramatical, da sintaxe. Esse conhecimento é fundamental para a
32
construção de narrativas através dos símbolos gráficos e também para viabilizar a estruturação da
linguagem escrita via CSA, associada ou não à ortografia.
Em relação à acessibilidade, Johnson (1998) afirma que diferentes técnicas de seleção,
ou seja, a forma pela qual o usuário escolhe os símbolos em uma prancha de comunicação de alta
ou baixa tecnologia. Estas devem ser eficientes, considerando aspectos como precisão, fadiga e
velocidade. Podem ser divididas em seleção direta, varredura e codificação. Gregory et al. (2006)
analisaram a aprendizagem de códigos de abreviação e expansão associados a itens específicos de
vocabulário com acesso pelo mouse e teclado. O experimento foi realizado com 30 adultos
normais, para os quais foram apresentados os códigos de abreviação e expansão associados ao
vocabulário com acesso pelo mouse e teclado. Os resultados demonstraram que o acesso ao
teclado permite maior domínio dos códigos de abreviação do que o mouse.
Em relação às crianças, a seleção direta é mais adequada do que a varredura em tela fixa
(WAGNER e JACKSON, 2006), e a contextualização, via animação, facilita a compreensão e
uso da CAA (McCARTHY et al., 2006). Os estudos de Lund e Light (2003), Drager et al. (2003,
2004) e Johnston (2006) também concordam em seus desfechos de pesquisas ao destacarem a
importância da adequação contextual no delineamento e implementação da intervenção,
indicando que o aprendizado do vocabulário e uso da CAA, quando exposto em cenas
contextualizadas, permitiu melhor aprendizado e generalização para usuários e parceiros. A
pesquisa de Mechling e Cronin (2006) obteve sucesso ao ensinar alunos com distúrbios
intelectuais de moderado a grave a fazer pedidos em restaurantes fast-food em contexto real
usando recursos de CAA.
os estudos sobre aspectos lingüísticos discutem aspectos gramaticais no processo de
aquisição da linguagem oral e escrita e nas possibilidades de utilização comunicativa da CAA na
comunicação diária. Os estudos apresentados na literatura internacional utilizam
predominantemente uma concepção gerativista e/ou estruturalista de língua(gem).
Foley e Staples (2003) desenvolveram uma abordagem integrada utilizando CAA e
alfabetização direcionada para adultos com autismo, como o planejamento de leitura
contextualizada através de temas como ir ao salão, restaurantes, banco, igreja ou sobre temáticas
de interesse geral, como a vida de determinados animais. O desenvolvimento de rotas de leitura
foi feito usando o texto como unidade. Três sujeitos demonstraram ganhos após quatro a seis
semanas de intervenção, e dois após dois anos. Intervenções utilizadas na população com idade
33
escolar sem alterações ou com distúrbio leve podem ser efetivamente adaptadas para integrar
abordagens de CAA e alfabetização para adultos com autismo.
Bedrosian, Hoag e McCoy (2003) analisaram os efeitos da relevância, velocidade e
características do juiz na simulação entre usuário de CAA e vendedor. Como metodologia, foram
analisadas 20 condições com a manipulação de velocidade, relevância e sexo dos juízes (96
vendedores). Os juízes valorizaram mais a relevância da mensagem do que sua velocidade nesse
estudo.
Hoag et al. (2004) analisaram os efeitos de conflito de máximas conversacionais em
simulação entre usuário de CAA e vendedor. Foram filmadas 16 condições em que estavam em
conflito a velocidade da comunicação e a informatividade da mensagem, sendo julgadas por 96
juízes vendedores. A velocidade e a relevância combinam-se para produzir o melhor uso da CAA
Fallon et al. (2004) analisaram a eficácia de um programa de instrução de leitura através
de tarefas de consciência fonológica em usuários de CAA com alterações neurológicas. Cinco
sujeitos, com idades entre nove e 14 anos, sendo três com retardo mental e dois com PC,
realizaram tarefas fonológicas de aliteração, busca de sons em outras posições das palavras e
leitura de palavras com coda. Três demonstraram generalização para a leitura via rota fonológica
(palavras desconhecidas). Quatro passaram a ler livros, mas com dificuldade. Conclui-se que é
válida a aplicação do programa em sujeitos com inteligibilidade de fala prejudicada.
Millar, Light e Scholosser (2006) analisaram a efetividade da CAA e seu impacto na fala
em 23 estudos de 1975 a 2003, envolvendo 67 sujeitos. A CAA favoreceu a fala em 55 dos 67
sujeitos analisados, e em apenas cinco casos a fala decaiu. Existe a percepção de que a fala é
favorecida pela CAA.
Guarda e Deliberato (2006) investigaram os enunciados de narrativas construídas por um
aluno de 14 anos com PC do tipo tetraparesia espástica. Os resultados demonstraram que a
natureza dos elementos constituintes dos enunciados era composta de objeto, símbolo gráfico,
escrita, vocalização e gesto representativo. Quanto à ordenação e complexidade da estrutura
sintática, foram observadas ordenações sintáticas simples das categorias sujeito, verbo e objeto,
utilizados isoladamente em enunciados verticais, isto é, quando foi usado um tipo naturalístico
somente e ordenações mais complexas, utilizadas em sentenças horizontais, as quais continham
dois elementos em um mesmo enunciado. A mediação metalingüística da interlocutora com o
aluno favoreceu o aprimoramento narrativo.
34
Neste último estudo, observa-se, mesmo que discreta, uma valorização interacional
compartilhada do outro no processo lingüístico de construção de narrativas através da CAA,
mesmo tendo o referido estudo um enfoque na estrutura sintática e semântica.
Em relação às técnicas de intervenção, destacam-se estudos de cunho
comportamentalista na literatura internacional.
Richman e Kozlowski (1977) realizaram um estudo de caso com uma menina
institucionalizada de 9 anos, com quadriparesia espástica e grave deficiência cognitiva. Foram
utilizadas didáticas operativas para treinar e produzir três habilidades de comunicação pré-
intencional: manter o contato visual, manter o controle de cabeça na posição vertical e aumentar
as imitações verbais/vocalizações onomatopéicas. Os comportamentos reduziram-se durante a
reversão e logo aumentaram novamente, uma vez que o tratamento foi recomeçado. Entretanto,
durante a segunda fase do tratamento, os comportamentos não alcançaram os níveis da fase
inicial do tratamento inicial. Foram observadas maiores pontuações para os três comportamentos
durante o seguimento de 12 meses.
Outro estudo de caso (CAMPBELL e STREMEL-CAMPBELL, 1982) objetivou
investigar a generalização do comportamento de linguagem complexa e espontânea em um
ambiente de não treinamento e a durabilidade da generalização como resultado de programação
da estratégia de “treinamento-frouxo”. Foram utilizadas técnicas de treinamento operante para
ensinar o sujeito a produzir “is/are” ou está/são ou estão) em três estruturas sintáticas
(perguntas WH, perguntas SIM/NÃO, enunciados). Durante 155 sessões, divididas em sessões de
15 minutos por dia, foi medida a freqüência de produções corretas “is/are” em cada uma das três
estruturas-alvo. Os desfechos demonstram que houve o aprendizado do uso do “is/are” na relação
dinâmica com o ambiente de treinamento durante o contexto das atividades rotineiras da escola.
Hunt et al. (1986) fizeram um estudo de caso, usando um desenho de investigação
múltipla e de valores iniciais múltiplos, com uma menina de 7 anos com PC que conseguia
realizar vocalizações, mas com grave deficiência cognitiva, transtornos múltiplos e limitação em
parear figura e objeto concreto. O sujeito foi ensinado a solicitar quatro objetos ou eventos
(ações) ao sinalizar com os olhos os desenhos lineares que simbolizam o objeto ou a ação. Foram
usados métodos didáticos operativos que incluíram a aprendizagem com treinamento de pedidos.
O tratamento foi administrado duas vezes por dia, com 55 sessões no total. O valor inicial foi
35
estável e mostrou um uso pouco freqüente de todos os pedidos. Ao término, houve clara
tendência positiva no comportamento-alvo.
Pinder e Olswang (1995) estudaram quatro sujeitos (dois meninos e duas meninas), entre
11 e 13 meses, com PC grave. O trabalho de 12 semanas, em duas sessões semanais de 50 a 60
minutos, abordou o pedido de objetos mais pelo olhar. Para isso, foram utilizadas as estratégias
de realização do modelo pelo terapeuta (modelagem) e controle da espera, com uso do reforço
positivo. Para compor a situação experimental, foi escolhida a ação de pedir objetos durante a
brincadeira e, para a situação controle, a ação de pedir objetos durante o lanche. Observaram que
todos tiveram aumento do número de pedidos, alguns no início do treinamento e outros a partir da
terceira e quarta sessão de treinamento. O aumento da produção de pedidos também ocorreu no
caso de um menino de 6 anos com PC e alteração cognitiva moderada, o qual se comunicava pelo
olhar e entendia comandos falados, estudado por Sigafoos e Couzens (1995).
Com uma abordagem focada na relação usuário de CAA com sua família e demais
parceiros conversacionais, alguns estudos trabalharam o treinamento de familiares.
McCollum (1984) realizou um estudo de caso com uma mãe que raramente fazia a
criança interagir e, além disso, usava um tom neutro na interação. Como variáveis utilizadas na
condição experimental, foram trabalhadas a aproximação do rosto da mãe com o da criança e a
imitação da vocalização da criança. Como condição controle, foi mantida a interação mãe e
criança, brincando ou jogando com brinquedos, como de costume. A duração do presente estudo
foi de três sessões basais, seis de tratamento e uma de seguimento. A mãe aumentou o número de
vezes que aproximou o seu rosto da criança e manteve esse comportamento após o término da
intervenção. A imitação da vocalização de seu filho aumentou durante a intervenção, porém com
muita variação e uma possível tendência a diminuir essa imitação próximo ao fim do tratamento.
As habilidades pareciam se generalizar a uma situação de brincadeira não tratada, mas não foram
mantidas após a terapia. A criança também aumentou a sua vocalização quando sua mãe fez o
mesmo no treinamento.
Outro estudo, realizado pelo treino de mães e com um grupo de pais como controle, teve
como foco de trabalho a instrução verbal do terapeuta para que ocorresse a troca de turno,
aumento da responsividade, aumento do contato face-a-face, redução da diretividade e controle
terapêutico. As mães praticavam as técnicas em sessões e recebiam material informativo. O grupo
controle também recebeu orientações, mas de outra ordem: demonstrações de técnicas
36
neurodesenvolvimentais para inibir tônus anormal e promover movimento normal, prática com o
terapeuta e material informativo. Foram realizadas visitas domiciliares em ambos os grupos, com
tomadas de vídeos da interação pais-criança para análise e discussão. Como desfecho, após a
intervenção, as mães do grupo experimental usaram menos direcionamento físico, mais contato
face-a-face e menos contato físico. Não houve diferenças em relação à diretividade verbal,
elogios, perguntas ou interação verbal antes e após a instrução para os dois grupos. As crianças
do grupo experimental tiveram aumento da responsividade voluntária. Ocorreu menos obediência
fisicamente direcionada, mas não houve diferenças na quantidade de “brincadeiras livres”
(independentes, ou seja, sem diretividade).
Basil (1992) realizou um estudo tendo três mães e um pai no grupo experimental e um
grupo de professores de três meninas e um menino como grupo controle, com idade entre 7a4m e
8a8m e diagnóstico médico de PC. Suas idades “de linguagem” estimada eram entre 3 e 5 anos.
Eles se comunicavam por mímica facial, vocalização, olhar e prancha de comunicação com 52 a
188 símbolos. Quanto aos aspectos metodológicos, o estudo descreve que foi realizada uma
sessão com o grupo experimental em um centro de reabilitação tendo as seguintes diretrizes: uso
de pranchas de comunicação, métodos de seleção de símbolos, redução da própria velocidade de
fala, solicitar o uso da CAA, fazer perguntas abertas e aumentar as respostas à comunicação da
criança. Após esse momento, ocorreram três visitas domiciliares. Durante três sessões antes do
tratamento com o grupo de pais, foram colhidas amostras de índices de atitudes comunicativas.
Três sessões após a intervenção, os mesmos índices foram mensurados. Para os adultos, os
índices de medidas avaliativas foram freqüência de início de turno de conversação, respostas,
não-respostas, perguntas abertas e fechadas. para as crianças os índices foram freqüência de
início de turno de conversação, respostas, não-respostas, enunciados por meio da prancha e por
outros modos. O grupo controle (professores) não recebeu o treinamento. Terminada a
intervenção, foram observados os seguintes desfechos: a) sem diferenças entre a porcentagem de
turnos mantidos na conversação ou na proporção de respostas aos enunciados das crianças por
pais treinados ou professores não treinados antes e após a intervenção; b) os pais fizeram menos
perguntas abertas do que os professores antes da terapia, mas aumentaram essas perguntas abertas
após o treinamento, ao passo que o uso de perguntas abertas pelos professores permaneceu
estável; c) antes do treinamento aos pais, as crianças não respondiam às interações com os pais
com mais freqüência do que com os professores, mas aumentaram suas respostas depois da
37
intervenção; e d) as crianças se comunicavam com menos freqüência através de suas pranchas de
comunicação com símbolos com seus pais do que com seus professores, mas aumentaram o seu
uso após o treinamento.
McConachie e Pennington (1997) realizaram um estudo experimental com 19 sujeitos
(nove professores, 10 assistentes de professores), tendo um grupo controle de 14 sujeitos (oito
professores e seis assistentes), o qual não recebeu treinamento. Este foi denominado “Minha vez
de falar” e consistia em: incentivar a atividade dialógica em diferentes posições enunciativas
(ativas e passivas), investigar métodos de acesso, criar oportunidades de interação, negociar uma
falha/quebra de comunicação e planejar o desenvolvimento da comunicação. As estratégias de
ensino incluíam pequenas conversas curtas, demonstrações em vídeo, tarefas escritas, livre
associação de idéias, teatro, planejamento da intervenção. Foram feitos vídeos de cinco minutos
de cada adulto interagindo com a criança no mês anterior ao tratamento, um mês após e quatro
meses mais tarde. A facilitação da comunicação dos usuários de CAA foi avaliada em 11
categorias através de uma escala de três pontos. Metade dos vídeos foi avaliada por um dos
autores, e a outra metade, por um juiz-cego. Ao total, a duração foi de cinco sessões de 90
minutos na escola ao longo de 10 a 12 semanas. Como desfechos houve diferenças um mês após
o treinamento para os professores, mas não para os assistentes do grupo experimental. O grupo
experimental usou mais estratégias para facilitar a comunicação da criança quatro meses após o
treinamento, e o grupo controle não teve mudança nos padrões de interação.
Pennington, Goldbart e Marshall (2004) revisaram todas as pesquisas experimentais em
treinamento de comunicação para parceiros conversacionais de crianças com PC e avaliaram a
efetividade desse tipo de intervenção. Como metodologia para a análise, utilizaram diversos
bancos de dados eletrônicos das áreas da saúde, psicologia e educação até dezembro de 2002.
Para serem incluídos na análise, os estudos teriam que relatar intervenções com algum elemento
de controle experimental, com o objetivo de mudar o estilo de interação dos parceiros
conversacionais de sujeitos entre zero a 19 anos com PC, mas sem graves comprometimentos
globais. Quatro estudos foram analisados, e os autores concluíram que os seguintes
procedimentos são positivos: cuidar o posicionamento dos parceiros conversacionais e das
crianças na interação, criar oportunidades de comunicação e se dispor a fornecer responsividade
aos sinais comunicativos da criança.
38
Os estudos contêm falhas metodológicas, e os resultados podem não demonstrar se as
mudanças são definitivamente um resultado da intervenção. Outros estudos demonstram a
necessidade de intervenção com foco duplo, tomando a família como unidade de serviço
(CRESS, 2004), que altos níveis de iniciativa e diretividade nos padrões conversacionais
das mães de usuários de CAA (PENNINGTON e McCONACHIE, 2001). A importância da
intervenção fonoaudiológica com foco duplo nos casos dos retardos de linguagem, especialmente
na clínica da PC, é também defendida no estudo de caso de Cesa (2007).
Starble et al. (2005) descreveram uma abordagem centrada na família para desenvolver e
implementar um treinamento de uso de recursos de CAA. Foi realizado um treinamento com uma
família focando em avaliação das necessidades, identificação de contextos prioritários de
comunicação, implementação de recursos de CAA e treinamento do parceiro conversacional. Foi
aplicado um questionário de avaliação, que demonstrou altos níveis de satisfação para a maioria
das dimensões (por exemplo: conhecimento e sensibilidade do instrutor, relevância e adequação
do treinamento). Outras dimensões foram associadas com a menor satisfação, como, por
exemplo, o conforto da família ao usar o recurso de CAA. Esse fato parece se conectar ao
estresse relacionado ao tempo de uso do recurso, por isso o uso da comunicação corporal é
preferido (BAILEY et al., 2006).
Pennington, Goldbart e Marshall (2007) investigaram quatro estudos centrados na relação
dos pais ou outros parceiros conversacionais com usuários crianças. Os autores apontam êxito
nesse tipo de intervenção demonstrado através das mudanças de seus estilos de interação
(freqüência de perguntas abertas, proporção de perguntas e respostas, etc.). Para conseguir bons
resultados nessas intervenções, aspectos como crenças em auto-eficácia materna e a classificação
que a mãe faz das habilidades lingüísticas dos filhos devem ser considerados (HARTY, ALANT
e UYS, 2006).
Saito e Turnbull (2007) analisaram desfechos e perspectivas familiares em relação à
prática de CAA para identificar questões que as famílias percebem como importantes para suas
vidas. Foi realizada uma revisão de literatura de 13 artigos publicados entre 1985 e 2005 que
abrangessem sujeitos de até 21 anos. Utilizou-se uma escala de medição de Qualidade de Vida
Familiar (QVF) para avaliar os estudos. O impacto das práticas de CAA interage com cinco
domínios de QVF: interação familiar, função parental, bem-estar físico e material, suporte em
relação ao distúrbio e bem-estar emocional. A família deve ser o foco da prática e da pesquisa,
39
mas o mesmo deve ser ampliado a outros contextos para que se o processo de inclusão dos
usuários da CAA na sociedade (ZAPATA, 2001; MOREIRA, 2001). Corroborando tais
afirmativas, destacam-se os estudos de Fernandes (2001), Almeida, Piza e Lamônica (2005) e
Von Tetzchner, Brekke, Sjothun e Grindheim (2005). Moreira (2001) salienta ainda que, para
viabilizar a inclusão, além de aspectos tecnológicos para o recurso da CAA, é necessário
conhecimento das estruturas e processos econômicos e políticos da sociedade.
Em termos de experiências, Sader (2001) relata o processo de inclusão no curso superior
de jornalismo de um sujeito acometido pela PC do tipo atetóide, e Bryen, Cohen e Carey (2004)
usaram a CAA para aumentar as oportunidades de emprego de seis adultos usuários. Os
participantes melhoraram suas habilidades de busca de emprego, a forma de lidar com o distúrbio
no trabalho, comunicação e tecnologia da informação. Além disso, houve um impacto sobre o
emprego e/ou aumento salarial para quatro dos seis participantes.
Com base na leitura desses artigos, observa-se uma mudança no olhar sobre o recurso da
CAA, valorizando o instrumento para facilitar e viabilizar a inclusão escolar e social em sujeitos
com oralidade ausente ou restrita. No entanto, é perceptível que a maior parte deles está centrada
em uma perspectiva comportamentalista de linguagem e comunicação. Apresentam a visão de
língua como código, e isso talvez explique os resultados inconclusivos ou limitados no processo
de generalização de uso da CAA. Este estudo afirma a necessidade de se repensar a concepção de
língua e linguagem com a qual tal recurso é introduzido e também a práxis na clínica de
linguagem. As próximas seções buscam trazer novos subsídios teóricos para uma nova
perspectiva.
2.1.2.3 A Comunicação Aumentativa e Alternativa na Fonoaudiologia: mudança de paradigmas
na clínica de linguagem
Em uma perspectiva comportamentalista, os estudos se preocupam com os requisitos para
o sucesso na introdução do uso da CAA. Moreira e Chun (1997) afirmam que a CAA deve ser
iniciada por conceitos básicos, exercícios de pareamento, associação e discriminação, e que a
eficácia da utilização do sistema dependerá da habilidade de cada sujeito em aprender, das metas
a serem alcançadas, do ambiente de aprendizagem, da motivação e das habilidades do facilitador.
40
Fernandes (1999) propõe uma avaliação composta da realização de um questionário, da
observação de situação lúdica entre sujeito, mãe e avaliadora e da investigação das habilidades
motora, cognitiva e lingüística. Em seu estudo, os indivíduos apresentaram dificuldade na
representação simbólica, seguindo uma hierarquia de reconhecimento gráfico: objeto, foto e
símbolo pictográfico. Os autores não têm dúvida do ganho cognitivo e lingüístico (PIRES e
LIMONGI, 2002), mas apenas alguns falam dos ganhos em criatividade (SCHIRMER e
VICENTIN, 2001; SCHIRMER, 2001) e afetivo (LOUREIRO e SIQUEIRA, 2001) no uso da
CAA. Estas comentam que a comunicação é a base para a realização de trocas afetivas, de
obtenção de ajuda e de informação, a partir da descrição de atividades realizadas com quatro
sujeitos com PC entre 11 e 27 anos. No decorrer do trabalho, foi observado que, através da CSA,
os sujeitos obtiveram crescimento no âmbito social, havendo uma integração melhor entre os
terapeutas e os familiares, desenvolvendo auto-estima, confiança e independência nas atividades
de vida diária, melhora nas trocas de experiências, na eficiência da comunicação e na qualidade
de vida.
Tais trabalhos centram-se na comunicação como objeto de estudo da Fonoaudiologia, mas
não abordam aspectos da função constitutiva da linguagem. O trabalho de Panhan (2001)
aproxima-se mais de uma perspectiva interacionista que considera tais fatores. Ele faz uma
reflexão crítica, à luz da clínica de linguagem proposta a partir de Freire (1996) e outros autores
(SOUZA, 1999; WOLFF, 2001), sobre a maioria dos trabalhos de CAA estarem focados em
aspectos instrumentais, com a descrição de técnicas e a efetividade do uso desse recurso nas
terapêuticas, sem haver uma reflexão sobre o método clínico e a base teórica.
Vasconcelos (2001) estudou o caso de uma criança (dos 7 anos e 3 meses aos 7 anos e 10
meses) com quadro motor grave (quadriparesia espástico-atetóide) que foi introduzida no sistema
Bliss. Ela não podia apontar os símbolos, levando a terapeuta a buscar os símbolos através de
tentativas e erros com o uso de sim e não pela criança (via olhar e maneios de cabeça) para
confirmar as opções dadas pela terapeuta. A eficácia do uso da comunicação alternativa e
suplementar resultaria do fato de serem submetidos ao trabalho da língua que está na escuta
desse portador de paralisia. Através desse trabalho, a terapeuta consegue interpretar seqüências
de enunciados, nos quais o uso de símbolos em conjunto com o uso de letras, para compor
relatos de vida (passeio do fim de semana) e permitir narrativas como a do conto de fadas
popularmente conhecido como João e Maria.
41
Em uma perspectiva vigotskyana, Chun (2003) e Trevizor e Chun (2004), em diferentes
artigos, relatam um mesmo estudo documental e retrospectivo sobre a terapia fonoaudiológica
pela introdução do PCS com uma criança de 8 anos não falante, com histórico de convulsões,
lesão hemisférica direita e alteração neurológica por trauma após acidente de carro. O diagnóstico
neurológico não é conclusivo para explicar a quase ausência de fala no caso. O sujeito recebeu
terapia individual e grupal de linguagem dos 5 aos 7 anos, sem avanços na fala, quando foi
introduzido o PCS. A proposta teórica de linguagem foi baseada na teoria vigotskyana. O
resultado terapêutico foi positivo, que, por meio do PCS, o sujeito passou a produzir relatos de
vida diária e diversos, manifestar sentimentos e ampliar o processo de interlocução com outro. O
uso do PCS ampliou espontaneamente o desenho e incentivou a aquisição da linguagem escrita,
sendo possível ao terapeuta perceber um funcionamento na linguagem maior do que era possível
antes dessa introdução. Havia uma percepção da compreensão ampla de linguagem do sujeito,
mas este não possuía recursos expressivos. No ambiente familiar e escolar, o sujeito não utilizava
o PCS, sendo este exclusivo à terapia.
Apesar do trabalho de Panhan (2001), não se encontraram outros trabalhos com
perspectivas mais atuais na clínica de linguagem com usuários de CAA. Essa perspectiva mais
atual é resenhada por Terçariol (2008).
A autora analisou 378 dissertações e teses produzidas pelos fonoaudiólogos na década de
1990 e identificou dois modos distintos de se conceber a clínica fonoaudiológica em linguagem,
que denominou de clínica da objetividade e da subjetividade. O primeiro modelo inaugurou a
fonoaudiologia brasileira e está fortemente submetido ao discurso médico-pedagógico, com
pressupostos positivistas, postulando em linhas gerais a necessidade de se quantificar e mensurar
os objetos investigados no campo científico. Nesses moldes, no que tange à linguagem, a área
vem sendo configurada como um espaço de verificação, constatação e correção dos “erros de
linguagem” dos sujeitos que nela circulam. Nesse modelo de clínica, a linguagem é descrita como
código comunicativo, vista como produto do desenvolvimento motor, sensorial e cognitivo.
o outro tipo de clínica, a da subjetividade (Balestro e Ramos-Souza, 2008) advém do
diálogo da Fonoaudiologia com outras disciplinas e teorias, que se distanciam do modelo
positivista, como o interacionismo brasileiro proposto por De Lemos em 1992, a análise de
discurso de linha francesa, teorias da enunciação e a psicanálise. Nesse tipo de clínica, a
linguagem é pensada como funcionamento simbólico, e não como instrumento de representação
42
de conteúdos cognitivos, psíquicos e biológicos. A estratégia de criação e reprodução de
contextos do dia-a-dia no ambiente clínico e a nomeação de brinquedos e objetos para atingir um
dado fonema não deslocam em nada a idéia de aprendizagem da linguagem:
Portanto, não se trata simplesmente de se promover atividades clínicas contextualizadas,
mas sim, de estar instrumentalizado por pressupostos que permitam ao profissional fazer
uma leitura do efeito do seu discurso nos enunciados da criança (e vice-versa)
(TERÇARIOL, 2008, p. 90).
Assim, o terapeuta se faz presente, para ressignificar o dizer ou não-dizer da criança,
permitindo que ela se conta dos seus “erros” e “acertos”. O discurso que cada sujeito produz é
singular, mesmo estando submetido às leis e regras do funcionamento de uma língua. A autora
finaliza que ambos os discursos atualmente se permeiam entre si, tendo fragmentos de um no
discurso do outro, e que tal “encontro” parece ser o resultado do movimento atual de todas as
áreas da saúde.
Surreaux (2000), a partir da análise do discurso, aprofunda a discussão da clínica de
linguagem, afirmando que a Fonoaudiologia, através da sua história, enuncia um discurso que
pretende ilusoriamente fornecer ao paciente uma comunicação perfeita, plena e clara, que se pode
relacionar à visão da clínica da objetividade proposta por Terçariol (op.cit). Esse fato parece,
segundo Cardoso (2002), relacionar-se ao fato de a Fonoaudiologia no Brasil ser vista,
inicialmente, como uma especialidade técnica, ocupando um lugar deixado por outras ciências. O
autor afirma que a constituição como uma área heterogênea trouxe alguns aspectos produtivos,
mas que se tornou problemática quando os conhecimentos de outras áreas foram absorvidos de
forma reducionista pelo fonoaudiólogo, caracterizando, nas palavras do autor, uma “clínica de
empréstimos”.
Surreaux (2000) identificou uma evolução histórica que corresponde a três perspectivas
distintas da abordagem da linguagem. A primeira corresponde ao primeiro momento histórico da
profissão que tem uma perspectiva de Fonoaudiologia como colagem de discursos oriundos de
diferentes campos do saber. A autora a denominou de colcha de retalhos. A segunda, que tem um
compromisso quase obsessivo de cientificizar a fonoaudiologia, foi denominada interdisciplinar.
O resultado dessas aproximações foi uma fonoaudiologia “de aderência”. A terceira reconhece
como fundamental as trocas com outras disciplinas, buscando delinear seu próprio objeto. A
autora a denominou de disciplina de entremeio. Esses momentos são visíveis na estrutura
curricular dos cursos de fonoaudiologia no Rio Grande do Sul, conforme pesquisa de Cardoso
43
(2002), que deixa evidente a força da visão organicista e de práticas mecanicistas na clínica de
linguagem.
Kessler (2008) indica que as práticas mecanicistas comumente promovem uma visão
reducionista do funcionamento da linguagem, limitando-a a um sistema compartimentalizado em
recepção e emissão. A interpretação mecânica sobre a língua também refletiu na forma como os
sujeitos passaram a ser entendidos, segundo um ponto de vista que os distanciava de suas
singularidades, significações e representações, tendo uma imagem unificada, homogênea e neutra
de língua. A visão da autora segue a mesma concepção teórica de Surreaux (2006) de que a
linguagem é heterogênea e multiforme, portanto a peculiaridade deve ser valorizada em uma
clínica de linguagem. Tal visão coloca em questão a idéia da profilaxia como meta na atuação
clínica, sobretudo em casos de ausência de oralidade.
Uma nova possibilidade de refletir sobre questões clínicas fica evidente no trabalho de
Kessler (2008), que analisa o discurso de quatro mães ouvintes de sujeitos surdos. A autora,
através da análise de blocos temáticos sobre a surdez, o surdo, o filho, a função materna, a língua
e a linguagem, encaminhou reflexões importantes para a maior compreensão dos sentidos do
discurso de mães ouvintes sobre a surdez do filho em suas vidas. As formações discursivas
analisadas remeteram a um efeito de sentidos contraditórios nos quais deslizam discursivamente,
mas retornam aos sentidos de deficiência já cristalizados.
A deficiência auditiva é temática amplamente analisada na literatura. estudos sobre
as representações familiares e do próprio sujeito surdo acerca da surdez (Borne e Ramos, 2007).
No entanto, pouco se sabe sobre as representações acerca da deficiência física, em especial o que
está sob o rótulo de PC. Nos casos graves, sobretudo aqueles em que a quadriparesia se
evidencia, uma dependência corporal e discursiva total do interlocutor. Isso ocorre porque o
sujeito, embora funcione na linguagem compreensiva, vê-se impossibilitado de falar e necessita
do esforço familiar no sentido de criar espaços de escuta no qual o olhar, a entonação e a
gestualidade corporal são espaços para o dizer e para a circulação de sentidos. A visão desse
trabalho é que esta nova clínica de linguagem, baseada em teorias discursivas de linguagem que
consideram a intersubjetividade e abrem espaço para as singularidades de cada sujeito e de sua
família, aponta novos caminhos para a atuação fonoaudiológica com esses sujeitos e pode
combater o reducionismo com o qual se vê a utilização da CAA.
44
Como se poderá observar na seção seguinte, enquanto a literatura acerca da PC é
extremamente focada na descrição orgânica do distúrbio, as pesquisas sobre a CAA (introdução e
uso) sequer mencionam explicitamente a concepção de linguagem que as embasa. Elas oscilam
na identificação de fatores externos e internos à linguagem, estes últimos a partir de uma visão de
código.
Esses trabalhos ultrapassam uma visão de língua como código e acompanham uma
evolução que houve na lingüística, nos quais autores como Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) e
Benveniste (1976/1995) são fundamentais.
Weedwood (2008) afirma evolução posterior do conceito de língua, cuja base foi
Saussure (1922/1989), conseqüente ao surgimento da pragmática, instaurada por autores como
Austin, e que permitiu chegar às teorias da enunciação e do discurso. Estas são especialmente
importantes à clínica de linguagem, que postulam a noção de língua em funcionamento. Émile
Benveniste define:
De fato é dentro da e pela língua que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente.
O homem sentiu sempre e os poetas freqüentemente cantaram o poder fundador da
linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que
ainda não existe, traz de volta o que desapareceu. (BENVENISTE, 1976, p.27).
Assim, a autora questiona a visão de linguagem como instrumento ao afirmar que é na
linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (BENVENISTE,
1976/1995, p. 286). Ela propõe uma visão da língua como o fundamento das relações
intersubjetivas. Esse conceito de língua em uso reintroduz nos estudos da linguagem a reflexão
sobre a noção de sujeito, deixando de lado a noção de língua como um sistema neutro e
considerando a língua como o lugar privilegiado de manifestações enunciativas.
Essa noção é apresentada na teoria da enunciação de Benveniste (1976), para quem, no
ato enunciativo, o sujeito não constitui apenas o sujeito locutor, mas também o sujeito-alocutário,
isto é, ao instaurar a posição “eu”, instaura-se também um “tu” pressuposto: “...ele implanta o
outro diante de si, qualquer que seja o grau de presença que ele atribua a este outro. Toda a
enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário”
(BENVENISTE, 1976/1989, p. 84). Assim, pode-se considerar que a enunciação estabelece a
relação entre a língua e o mundo: ela permite representar os fatos no enunciado, constituindo, ela
própria, um fato, um acontecimento único definido no tempo e no espaço. Tais relações são
abordadas com conceitos especialmente importantes a esta pesquisa, propostos por Bakhtin
45
(Volochínov) (1929/1995). Por isso, segue-se uma seção específica sobre a visão de língua,
intersubjetividade, dialogismo, signo e polissemia nesse autor.
2.2 Dialogismo na clínica de linguagem com sujeitos com paralisia cerebral
Nesta seção serão abordados, em um primeiro momento, aspectos teóricos da teoria da
enunciação de Mikhail Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) na primeira subseção e como tal visão
pode embasar as reflexões teóricas necessárias ao trabalho com CAA na segunda seção.
2.2.1 A Enunciação em M Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), Bakhtin (1981, 1992)
Esta seção não pretende ser exaustiva na abordagem da teoria de enunciação de Bakhtin
(Volochínov) (1929/1995), mas apenas abordar alguns dos principais aspectos que possam
contribuir para uma concepção de língua(gem) alternativa às que as fonoaudiólogas participantes
deste estudo demonstraram ter em suas práticas clínicas com crianças e adolescentes com PC e
suas famílias, na introdução, intervenção, generalização e manutenção da prancha da CAA. Para
a escrita desta dissertação, registra-se que foi consultada a sétima reedição da obra do autor,
datada de 1995, sendo que a primeira edição data de 1929/1930.
A opção por esse autor russo, diplomado em História e Filologia em 1918, para contribuir
na discussão de um dos artigos que compõem esta dissertação dá-se pela possibilidade de, a partir
da leitura de Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem (1929/1995)
3
, promover uma reflexão sobre o valor
terapêutico e social do trabalho fonoaudiológico em linguagem quando o clínico vislumbra a
língua em uso, distanciando-se das práticas tradicionais que fomentam uma metodologia de
cunho comportamentalista. Como pontos norteadores desta reflexão, serão utilizados conceitos-
3
No campo dos estudos lingüísticos, o qual não é homogêneo, uma discórdia sobre a autoria deste livro. Por não se tratar do objetivo deste
trabalho, não nos deteremos nesse ponto, mas de qualquer forma este registro se faz necessário para justificar a presença do nome de Voloshínov
entre parênteses após o nome de Bakhtin em algumas referências neste texto. Sobre a temática, consultar a obra de Faraco (2003), onde constam
referências sobre este debate. Esta informação sobre autoria também será útil no decorrer do texto para um melhor entendimento da discussão
sobre diferentes posicionamentos de Bakhtin frente à lingüística saussuriana.
46
chave como o dialogismo, signo e polissemia. A proposta, portanto, não é a de realizar uma
aplicação, reprodução prática em forma de atividades clínicas com os conceitos, mas sim de
promover uma discussão sobre o fazer clínico do fonoaudiólogo que intervém como terapeuta em
linguagem.
Antes de iniciar propriamente a discussão, para um melhor entendimento dos estudos
enunciativos, faz-se necessário esclarecer, conforme apontam Flores e Teixeira (2005), que
uma diversidade de teorias da enunciação (no plural), o que impossibilita uma planificação. Em
contrapartida, traços comuns a todas as perspectivas, sendo a unicidade referencial da
expressão lingüística da enunciação (no singular).
4
Os mesmos autores registram que é
importante ressaltar que, em todas as versões, a enunciação se apresenta como uma reflexão
sobre o dizer, e não propriamente sobre o dito, além de esclarecer que as teorias da enunciação
estudam as marcas do sujeito no enunciado, e não o próprio sujeito. Portanto, é o sujeito
lingüístico que está em questão, e não o ato interpretativo a partir do dito pelo sujeito psicológico.
Alguns dos autores representativos dessas propostas teóricas são Charles Bally, Roman Jakobson,
Émile Benveniste, Mikhail Bakhtin, Oswald Ducrot e Jacqueline Authier-Revuz. O que em
comum a todos é a valorização das relações entre linguagem em uso e sujeito.
Cardoso (2002) e Flores e Teixeira (2005) afirmam que tais estudos da enunciação
mantêm interface e dialogam com diferentes áreas da lingüística e do conhecimento, como a
literatura, o folclore, a história, a antropologia, a sociologia, a filosofia, a psicanálise, a
psicologia, a psicopedagogia, a análise do discurso, a pedagogia e a fonoaudiologia.
Especificamente em relação à Bakhtin, Flores e Teixeira (2005) registram que
historicamente os intelectuais que integravam o Círculo de Bakhtin contribuíram para o
estabelecimento de uma lingüística da enunciação, a qual contemplava a intersubjetividade no
âmbito dos estudos da linguagem, em que forma e uso se articulam no processo de constituição
de sentidos no discurso.
Os autores afirmam, ainda, que as idéias de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995)
“anunciam a fundação de uma lingüística que promoverá a enunciação como centro de referência
do sentido dos fenômenos lingüísticos, vendo-a como evento, sempre renovado, pelo qual o
locutor se institui na interação viva com vozes sociais” (FLORES e TEIXEIRA, 2005, p. 45).
4
As palavras em itálico são destaques dos próprios autores na fonte consultada (FLORES e TEIXEIRA, 2005).
47
Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), ao refletir sobre em que consiste o objeto da filosofia
da linguagem, afirma que essa questão está longe de ser resolvida. A essência do objeto estudado,
em sua natureza semiótica e ideológica, é perdida à medida que delimitamos o objeto de pesquisa
a um complexo objetivo, material, compacto, bem definido e observável.
No prefácio do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Bakhtin (Volochínov)
(1929/1995), Marina Yaguello comenta que o autor coloca em evidência a inadequação de todos
os procedimentos de análise lingüística (fonéticos, morfológicos e sintáticos) para dar conta da
enunciação completa, seja ela uma palavra, uma frase ou uma seqüência de frase. A enunciação é
a unidade de base da língua, compreendida como uma réplica do diálogo social, sendo, portanto,
ideológica. Dada a natureza ideológica da língua, a consciência configurada em pensamento e a
“atividade mental” são condicionadas pela linguagem e modeladas pela ideologia.
Quanto à delimitação das fronteiras do objeto da ciência lingüística, Bakhtin
(Volochínov) (1929/1995) parte do exame de duas orientações metodológicas concernentes ao
pensamento lingüístico-filosófico denominadas em seu entender de “subjetivismo idealista” e
“objetivismo abstrato” e, a partir dessas reflexões, propõe a sua, mesmo não a nomeando
formalmente. Tal posição filosófica ora rejeita radicalmente as proposições saussurianas, ora as
considera.
O autor critica o “subjetivismo idealista” de Wilhelm Humboldt, que tem como
fundamento da língua o ato da fala, valorizando o psiquismo individual na criação das leis
lingüísticas e o “objetivismo abstrato”, no qual a língua é vista como sistema de signos arbitrários
e convencionais. Ferdinand de Saussure e Charles Bally são alguns dos representantes desse
pensamento filosófico.
Bakhtin (Volochínov) (1995, p. 124), em sua proposição filosófica de linguagem, afirma
que “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema
lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”. Dessa
forma, são rejeitadas as proposições das correntes do objetivismo abstrato e do subjetivismo
idealista, as quais, na visão do autor, não dão conta da verdadeira natureza da língua, decorrendo
então sua proposta para uma forma de ordem metodológica do estudo da língua.
Há diferentes leituras de Bakhtin acerca da visão do autor sobre a obra saussuriana.
Flores e Teixeira (2005) afirmam que é comum haver discordâncias entre leitores de
Bakhtin a respeito da posição do autor sobre a lingüística. Uma das vertentes um anti-
48
saussurianismo radical em suas colocações; outras, ao contrário, p. 46 “entendem que Bakhtin
não recusa a idéia de que a língua tem uma dimensão abstrata, ainda que não encerre a análise
lingüística na imanência da forma. também os que apontam problemas de coesão interna na
posição de Bakhtin em relação à noção saussuriana de língua, ora recusando sua pertinência no
processo de constituição do sentido, ora admitindo-a”.
Há uma discussão a respeito das autorias dos textos assinados por Bakhtin: Freudismo, de
1927, e Marxismo e filosofia da linguagem, de 1929. Os autores encontraram diferentes
posicionamentos em relação à lingüística saussuriana na leitura de Marxismo e filosofia da
linguagem, assinado por Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) e em Problemas da poética de
Dostoievski e Estética da criação verbal, assinados somente por Bakhtin (1981; 1992).
Em Marxismo e filosofia da linguagem, o autor critica que o estudo da face sonora do
signo lingüístico ocupa um lugar proporcionalmente exagerado nos estudos da linguagem, com
uma descrição, conforme apontam Flores e Teixeira (2005), meramente formal, estática e
normativa, em detrimento do mutável.
Em outros registros do mesmo livro, o qual tem sua autoria debatida, afirma-se que, no
objetivismo abstrato, a unicidade da palavra é posta em evidência, em detrimento da pluralidade
de suas significações. No entanto, mais adiante, quando o autor debate sobre tema e significação,
admite a necessidade de se ter um aparato técnico reiterável (enunciado) para que se viabilize
uma enunciação. Perpassa a inferência de que, no próprio texto de Marxismo e filosofia da
linguagem, o autor oscila de visão.
Conforme as premissas da filosofia em linguagem da ordem da segunda orientação,
Saussure (1922/1989) foi objetivo em seus postulados, não destacando a língua em uso, mas nem
por isso negando a existência da parole. Portanto, ele admite a lingüística da fala, mas afirma
que esta não poderia ser objeto da lingüística. Conforme o Curso de lingüística geral,
(1922/1989), p. 138, Saussure afirma: “Tudo o que é diacrônico na língua, o é através da fala.
É na fala que se encontra o germe de todas as mudanças”.
No próprio texto de Marxismo e filosofia da linguagem infere-se uma questão de coesão a
partir de uma leitura mais atenta das regras metodológicas da proposta de Bakhtin (Volochínov)
(1929/1995), p. 124, especialmente a terceira e última regra: “A partir daí, exame das formas da
língua na sua interpretação lingüística habitual”. Infere-se dessa afirmação que o autor admite e
considera a existência da langue (a língua) de Saussure (1922/1989), mas nem por isso se limita a
49
ela, dando ênfase na parole (fala), ato de enunciação, no uso da língua para viabilizar a interação
verbal na sociedade.
Em Problemas da poética de Dostoievski, Bakhtin (1981, p.181) propõe-se a estudar o
que ele chama de discurso: “a língua em sua integridade concreta e viva, e não a língua como
objeto específico da lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e
necessária de alguns aspectos da via concreta do discurso”. Nessa publicação, percebe-se que o
autor considera aspectos da lingüística ao se referir a aspectos da vida concreta do discurso
(relação lógica, concreto-semântica) para viabilizar a metalingüística. A respeito disso, o autor
afirma, na mesma página: “As pesquisas metalingüísticas não podem ignorar a lingüística e
devem aplicar os seus resultados”.
Bakhtin utiliza uma divisão entre as duas abordagens do discurso: a lingüística (pura) e a
metalingüística. “A lingüística e a metalingüística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito
complexo e multifacetado o discurso, mas o estudam sob diferentes aspectos e diferentes
ângulos de visão. Devem completar-se mutuamente e não fundir-se” (BAKHTIN, 1981, p.181).
Na abordagem lingüística do discurso, não distinção entre o uso monológico e o
polifônico do discurso, e seus estudos são centrados nas particularidades sintáticas e léxico-
semânticas. Dessa forma, “a lingüística estuda a ‘linguagem’ propriamente dita com sua lógica
específica na sua generalidade, como algo que torna possível a comunicação dialógica, pois ela
abstrai conseqüentemente as relações propriamente dialógicas” (BAKHTIN, 1981, p.183).
a abordagem metalingüística do discurso preocupa-se com as “relações dialógicas” do
discurso, entendidas como um confronto de vozes em um único enunciado. As relações de
natureza dialógica são extralingüísticas e devem ser estudadas pela metalingüística, ultrapassando
os limites da lingüística, pois possui objeto autônomo e metas próprias, constituindo o verdadeiro
campo da vida da linguagem, segundo Bakhtin (1981).
Bakhtin (1981) pondera então que:
As relações dialógicas são irredutíveis às relações lógicas ou às concreto-semânticas,
que por si mesmas carecem de momento dialógico. Devem personificar-se na
linguagem, tornar-se enunciados, converter-se em posições de diferentes sujeitos
expressas na linguagem para que entre eles possam surgir relações dialógicas.
(BAKHTIN, 1981, p. 183).
Para concluir, Flores (2002), ao realizar uma análise sobre as convergências e
divergências de Bakhtin e Saussure, afirma ser “possível ver em Bakhtin a conservação da
50
lingüística saussuriana e não apenas a sua negação” (p. 25). Exemplifica que essa negação é vista
nitidamente em Marxismo e filosofia da linguagem, mas que em outras obras, como em
Problemas da poética de Dostoievski, embora a crítica esteja sempre presente, nada conduz à
desconsideração do pensamento saussuriano.
A terminologia “signo” é utilizada tanto por Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) quanto
por Saussure (1922/1989), mas com definições bem diferentes, portanto não convergências de
sentidos. O signo para Saussure (1922/1989) refere-se ao signo lingüístico, o qual é constituído
por uma face voltada para o interior (significado) e outra voltada para o exterior (significante) e
tem como característica a arbitrariedade nessa escolha de correlação significado versus
significante. Saussure (1922/1989), em seu postulado, afirmava que a parole (a fala), ato de
enunciação, tem caráter individual. Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) tem uma visão
diametralmente oposta, afirmando que a enunciação é de natureza social, portanto não pode ser
explicada a partir das condições psicológicas do sujeito falante.
Neste sentido, a pretensão de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) é explicitar o lugar da
linguagem dentro do domínio mais amplo da ideologia. Para tanto, é necessário que se formule a
relação entre semiótica e ideologia. Palavras-chave recorrentes em todo o livro são: refletir e
refratar. De fato, para Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), os produtos ideológicos refletem, ou
seja, devolvem para o exterior o que sobre eles incide, mas, além disso, também refratam, ou
seja, distorcem, mudam o rumo (sentido) daquilo que sobre eles incide. Essa dupla capacidade
dos produtos ideológicos será, em última instância, a grande descoberta bakhtiniana em
relação aos signos. Se o signo, manifestação do ideológico, reflete e refrata seu “conteúdo”, a
mudança contextual, a transformação é instância constante e constituinte de todo sistema
semiótico
5
.
Portanto, o significado das palavras é construído mutuamente, compartilhado e atualizado
pelo contexto de uso em um terreno interindividual, em que a consciência individual é gerada
através de um fato socioideológico.
Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) pontua que, enquanto a forma lingüística for
considerada pelo receptor como um sinal, ela não terá nenhum valor lingüístico. Para o autor, o
que importa para o locutor é que a forma lingüística figure em um dado contexto, aquilo que a
5
Para corroborar a afirmativa sobre o valor semiótico da língua, buscamos referências em Émile Benveniste (1976/1989), que, ao estudar a
semiologia da língua, observa que esta é a única entidade semiótica em que é simultaneamente interpretante e interpretada.
51
torne um signo adequado às condições de uma situação concreta dada, não enquanto sinal estável
e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível. Portanto, os
signos só emergem da interação:
A pura “sinalidade” não existe, mesmo nas primeiras fases da aquisição da linguagem.
Até mesmo ali, a forma é orientada pelo contexto, constitui um signo, embora o
componente de “sinalidade” e de identificação que lhe é correlatada seja real. Assim, o
elemento que torna a forma lingüística um signo não é sua identidade como sinal, mas
sua mobilidade específica; da mesma forma que aquilo que constitui a descodificação da
forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no seu
sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um
contexto e uma situação precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do
imobilismo. (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV) 1995, p. 94).
Nessa vertente de pensamento, o processo de decodificação (compreensão) não deve, em
nenhum caso, ser confundido com o processo de identificação. O signo é decodificado e somente
o sinal é identificado, pois é uma entidade de caráter imutável, não podendo substituir, refletir ou
refratar nada.
Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), com um propósito de originalmente investigar o
processo de aquisição de uma língua estrangeira, formula o conceito de polissemia. O autor
afirma que a unicidade da palavra não é assegurada pela unicidade de sua composição fonética,
havendo também uma unicidade inerente a todas as suas significações. Afirma também que uma
palavra é onisignificante, pois “se um complexo sonoro qualquer comportasse uma única
significação inerte e imutável, então esse complexo não seria uma palavra, não seria um signo,
mas apenas um sinal. A multiplicidade das significações é o índice que faz de uma palavra uma
palavra” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1995, p. 130).
A partir de tal conceito, o autor afirma que o problema fundamental da semânticapode
ser resolvido pela dialética, uma vez que a pluralidade de sentidos as plurissignificações
ocorre durante a interação verbal, realizada através da enunciação ou nas enunciações, que é de
natureza social, constituindo assim a realidade fundamental da língua.
Flores e Teixeira (2005), tendo como referência Bakhtin (Volochínov) (1929/1995),
afirmam que o autor anunciou uma lingüística cujo “objeto não é nem a língua nem a fala, mas a
enunciação, evento de passagem do sinal ao signo, mediante o qual se a semantização da
língua” (p. 51).
Para viabilizar isso, Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) procura explicar o que para ele
seria uma espécie de dupla articulação da enunciação. Com efeito, toda enunciação possui dois
52
extratos. A partir da leitura do autor, interpretamos que o termo “tema” indica a enunciação, isto
é, da esfera do não-reiterável, do não-padronizado, e o termo “significação” é o enunciado que é
o aparato técnico para a realização do tema, portanto reiterável e idêntico a cada vez que se
reproduz.
O primeiro extrato, chamado tema, diz respeito à característica de “um sentido definido e
único” da enunciação e, assim como a enunciação (no sentido de ato do dizer), é “individual e
não reiterável”, sendo “a expressão de uma situação concreta que deu origem à enunciação”
(BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1995, p. 128). O tema da enunciação relaciona-se ao contexto da
enunciação, ou seja, a todos os aspectos temporais e sociais que, em última análise, motivaram a
enunciação e que pertencem ao enunciado. Portanto, “o tema da enunciação é determinado não
pelas formas lingüísticas que entram na composição [...], mas igualmente pelos elementos não
verbais da situação” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1995, p. 128). O autor destaca que o termo
“tema” cobre igualmente a sua realização. É, portanto, a enunciação em si, com todo o seu caráter
de atualização, não reiterável.
Formando a outra face, não separável do tema e não compreensível sem ele, aparece a
significação. Esta é entendida como sendo o aparato técnico, os elementos da enunciação que são
reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos. Estes são abstratos, fundados sobre uma
convenção. É importante diferenciar o entendimento do termo “significação” da proposta. Esses
conceitos são destacados nos dois trechos relatados a seguir: “A significação da enunciação, ao
contrário, pode ser analisada em um conjunto de significações ligadas aos elementos lingüísticos
que a compõem” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1995, p. 129); “o tema deve apoiar-se sobre
uma certa estabilidade da significação; caso contrário, ele perderia seu elo com o que precede e o
que segue, ou seja, ele perderia, em suma, o seu sentido” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1995, p.
129).
Assim, parece-nos que Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) está tentando fundar uma
divisão entre os elementos lingüísticos que formam o sistema (fonológico, morfológico, sintático,
etc.) e a parte da enunciação que diz respeito ao sentido estrito que uma frase ou proposição
adquire no momento do dizer, por se ligar a uma rede contextual de dizeres anteriores e intenções
comunicativas. O autor afirma que:
O tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se
adequadamente às condições de um dado momento da evolução. O tema é uma reação da
53
consciência em devir ao ser em devir. A significação é um aparato técnico para a
realização do tema. (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1929/1995, p. 129).
É no funcionamento dessa dupla articulação que enunciação e enunciado têm mútua
dependência. O tema é o estágio superior real da capacidade lingüística de significar” (p. 131),
enquanto a significação, sendo o mecanismo funcional da enunciação, “é o estágio inferior da
capacidade de significar” (p. 131).
Tema e significação tornam-se distinções importantes, segundo Bakhtin (Volochínov)
(1929/1995), quando nos colocamos o “problema da compreensão”. Segundo ele, compreender o
que alguém enuncia implica apreender o tema, e não somente a significação. “Compreender a
enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequando no
contexto correspondente” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1929/1995, p. 132). É preciso colocar a
enunciação em relação e inter-relação com o contexto enunciativo, bem como com os enunciados
anteriores, é trabalhar a rede mais ampla do dizer, orientando a enunciação para um diálogo, para
uma réplica, para uma resposta. “Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra
(BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1929/1995, p. 132). Nesse sentido, a enunciação e a compreensão
dela não podem se esgotar ou se restringir a sua significação.
Essa diferenciação entre tema e significação é de fundamental importância dentro da
teoria sobre a linguagem de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), pois ela engendra o processo (ou
pelo menos um dos processos) de transformação. Sendo o tema o índice contextual, que se atrela
à significação em cada enunciação, jamais reiterável e, portanto, único, é nele que Bakhtin
(Volochínov) (1929/1995) encontrará a possibilidade de modificação da língua. Para tanto,
postula que na enunciação (na palavra) não somente tema e significação, mas “um acento de
valor”, isto é, toda vez que há “um conteúdo objetivo expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele
é sempre acompanhado por um acento apreciativo determinado” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV),
1929/1995, p. 132). Ao pensar como esse processo se no cotidiano, é importante explorar o
conceito de gênero do discurso. Cardoso (2002) afirma a respeito que “o conceito de enunciado
está atrelado à noção de gêneros do discurso, pois os gêneros englobam os tipos relativamente
estáveis de enunciados, elaborados pelas ‘esferas de utilização da língua’” (p. 95).
Bakhtin (1992) classifica os gêneros em primários ou secundários. Primários (ou simples)
formam-se nas condições de comunicação discursiva imediata; nos secundários ou complexos,
estes perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios (réplica
54
do diálogo cotidiano). O autor afirma que conteúdo temático, estilo e construção composicional
são os três elementos de um enunciado. Os gêneros do discurso requerem uma forma
padronizada, portanto velam o reflexo da individualidade na linguagem. Cumprem determinadas
funções sociais: científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana, etc. Eles são o modo pelo qual
se concretizam as interações verbais e têm no dialogismo e na interação verbal conceitos
essenciais ao seu entendimento.
Cardoso (2002) destaca que “o interesse pela teoria bakhtiniana está no princípio do
dialogismo que, entre outras questões, aborda o discurso como produto de outros discursos”. Esta
é uma das marcas da filosofia marxista de linguagem seguida por Bakhtin (Volochínov) na antiga
União Soviética (1929).
Para Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), a verdadeira substância da língua ocorre através
do fenômeno social da interação verbal através da enunciação ou das enunciações, e não pela
constituição de um sistema abstrato de formas lingüísticas, pela enunciação monológica ou pela
produção de um ato psicofisiológico. O autor refere-se ao diálogo como sendo uma das formas
mais importantes de interação verbal, mas o próprio autor tem o cuidado de registrar que se deve
compreender esse termo em um sentido mais amplo, “não apenas como a comunicação em voz
alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”
(BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1929/1995, p. 123).
Portanto, comunicação não se reduz a uma transmissão de mensagens, e o conceito de
dialogismo abrange qualquer tipo de interação verbal, e não apenas a de natureza dialogal.
Cardoso (2002) afirma que o dialogismo é um dos princípios filosófico-lingüísticos que
perpassa as obras de Bakhtin. Acrescenta que “através da comunicação o homem se constitui
como sujeito (consciência) no auto-reconhecimento, pelo reconhecimento do outro, numa relação
de alteridade” (p. 67). A vida da linguagem está, para Bakhtin, impregnada de relações
dialógicas. Flores e Teixeira (2005, p. 59) ressaltam tal visão desta forma: “No dito co-existe o
dito”.
Finalizando, para Bakhtin (Volochínov) (1929/1995), o locutor serve-se da língua para as
suas necessidades enunciativas concretas através das formas normativas em um dado contexto
concreto, que obtém nova significação quando atualizada em diferentes contextos. Os
pressupostos do autor partem do pressuposto de que todo o homem interage e depende de outros
indivíduos, portanto entende-se que a intersubjetividade é dada a priori. Essa visão se diferencia
55
da proposta por Saussure (1922/1989), que centrou os estudos lingüísticos na langue (entendida
como sistema), pois esta sim poderia ser entendida como algo objetivo, do qual se poderia extrair
uma ciência racional e estrutural. No entanto, tal visão não interessa à clínica, pois esta lida com
o singular. A filosofia de linguagem nos moldes bakhtinianos poderá auxiliar a dar
encaminhamentos terapêuticos, por considerar a língua em uso. Tal visão é fundamental para
pensar a clínica de linguagem em fonoaudiologia com sujeitos com oralidade restrita ou ausente e
usuários de CAA.
2.2.2 A Enunciação na Clínica de Linguagem: Repensando a Comunicação Aumentativa e
Alternativa
Em função de toda a revisão realizada acerca da CAA na seção 2.1, é possível afirmar que
não se questiona a sua validade terapêutica e os ganhos possíveis com tal estratégia
comunicacional, especialmente via prancha de comunicação, a qual é um dos diversos recursos
de baixa tecnologia disponíveis para compor um sistema de CAA (MANZINI e DELIBERATO,
2006). Nestas são inseridos vários símbolos gráficos que representam mensagens, de acordo com
as necessidades comunicativas de seu usuário. Uma forma muito comum de organizar esse
recurso é chamada de técnica por subdivisão e níveis (SCHIRMER e BERSCH, 2007).
Sabe-se que países desenvolvidos m, por questões financeiras, acesso à alta tecnologia,
enquanto, nos menos desenvolvidos, a prancha de comunicação é a realidade possível para
muitos usuários (MANZINI e DELIBERATO, 2006; SCHIRMER e BERSCH, 2007). Entretanto,
pouco se aprofunda sobre a motivação do insucesso desse recurso no processo de generalização
do uso a todas as situações de vida do usuário, como observado em vários estudos da revisão de
literatura realizada na seção anterior.
Conforme sinalizado na introdução, acredita-se que a concepção de língua(gem) com a
qual esse recurso é trabalhado junto ao usuário, seus familiares e demais parceiros
comunicacionais pode ser aspecto fundamental para analisar tal insucesso. Exemplos de
concepções de linguagem que usualmente estão presentes na clínica são o comportamentalismo,
cognitivismo (em suas distintas versões) e o interacionismo. Para identificá-las, tomaram-se
56
como referências autores clássicos, como Skinner (1989), Piaget (1993), Vygotsky (2005) e
Chomsky (1998), entre outros.
As fragilidades da clínica de linguagem são muitas e, por esse motivo, fomenta-se uma
mudança na visão da CAA apenas sob o ângulo instrumental, para uma visão das pranchas em
funcionamento lingüístico entre interlocutores. Defende-se a visão bakhtiniana de língua, na qual
o uso é parte essencial.
A partir dessa percepção, a presente dissertação tem o propósito de redimensionar a
prancha de CAA na clínica de linguagem. Para viabilizar tal meta, recorremos aos estudos
enunciativos da área da lingüística da enunciação e encontramos esteio nos pressupostos de
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975).
A proposta não é aderir a uma teoria para realizar uma aplicação direta de seus conceitos,
o que seria até uma imprudência metodológica neste caso, pois o autor não se propôs a discorrer
especificamente sobre a fonoaudiologia. A idéia central, portanto, é trazer à tona elementos de
sua teoria, como sinal, signo, símbolo, polissemia, intersubjetividade e dialogismo, os quais
possam desencadear novas reflexões sobre recurso da CAA, uma vez o referido autor valoriza as
relações entre linguagem em uso e sujeito, atributos essenciais na clínica de linguagem.
Pode-se iniciar a temática abordando o design dos “símbolos” utilizados nas pranchas de
CAA. A semantografia Bliss e o PCS são os mais comumente utilizados na construção do
recurso. dois grandes tipos de símbolos: os pictoriais (PIC e PCS) e os lingüísticos (Bliss).
Para Capovilla, Capovilla e Macedo (1998) e Thiers e Capovilla (2006), “as forças de um são as
fraquezas do outro”, pois nos lingüísticos a relação significante-significado é arbitrária e passível
de recombinação produtiva entre significantes básicos, podendo representar qualquer significado,
por mais abstrato que seja.
nos pictoriais ela é icônica, ou seja, uma similaridade física, denotando seu
significado claramente, porém a recombinação possível nos lingüísticos é inviável nos pictoriais.
No entanto, o sistema lingüístico tende a excluir as crianças e estrangeiros, os cérebro-lesionados
(PC, afásicos, etc.) e os demenciados do aproveitamento do recurso, ficando clara a superioridade
dos pictoriais. A concretude dos pictoriais, na visão dos autores, parece limitar seu uso ao que é
imaginável e concreto. Entretanto, tal limitação pode estar mais relacionada ao fato de os autores
não apresentarem o recurso em uma proposta clínica de linguagem coerente com a visão de
língua em uso do que pela tipologia do sistema de CAA.
57
Pictoriais ou lingüísticos, os sistemas podem ser interpretados a partir do conceito de sinal
de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995). O sinal é algo fixo e imutável, bastando apenas a atitude
de identificação do referente ao objeto concreto. No entanto, o signo é uma entidade de caráter
mutável, podendo substituir, refletir ou refratar algo.
Pensar a enunciação como unidade de base da língua nos moldes bakhtinianos oferece
algumas saídas para o dilema de como pôr em funcionamento lingüístico as figuras que compõem
as pranchas de CAA, usualmente designadas de símbolos. Estes não seriam tão restritos se
pensados como sinais que se tornam signos no processo de enunciação que ocorre entre
interlocutores, em meio a uma intersubjetividade. Há também a possibilidade de arbitrariedade de
sentidos durante as enunciações, que no processo de enunciação ocorrerá a passagem do sinal
ao signo, através da articulação entre forma e uso que permite a constituição de sentidos no
discurso (FLORES e TEIXEIRA, 2005).
Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) afirma que a unicidade da palavra não é assegurada
pela unicidade de sua composição fonética, havendo também uma unicidade inerente a todas as
suas significações, portanto ela é onisignificante. O autor segue defendendo que a pluralidade de
sentidos as plurissignificações ocorre durante a interação verbal, realizada através da
enunciação ou nas enunciações, que é de natureza social, constituindo assim a realidade
fundamental da língua.
Por isso que, ao se referir ao diálogo como sendo uma das formas mais importantes de
interação verbal, Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) tem o cuidado de registrar que se deve
compreender esse termo em um sentido mais amplo, “não apenas como a comunicação em voz
alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
(BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1929/1995, p. 123). Portanto, nessa visão, a comunicação não se
reduz a uma transmissão de mensagens, e o diálogo abrange qualquer tipo de comunicação
verbal, incluindo a que pode ser efetivada pela CAA.
“Símbolo”, na literatura da área da CAA, é uma terminologia tradicionalmente utilizada
para designar os tipos de “desenhos” dos sistemas pictoriais e os lingüísticos dos sistemas
alternativos. na teoria bakhtiniana “símbolo” apresenta-se sob uma outra conotação, a de
sentido ideológico, sustentada pelo universo dos signos compartilhados. O autor traz como
exemplo o vinho e o pão, os quais se tornam símbolos religiosos no sacramento cristão da
comunhão; desta forma, o pão possui uma forma particular que não é apenas justificável pela sua
58
função de produto de consumo. O autor defendia que “(...) tudo que é ideológico possui um valor
semiótico” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 1929/1995, p. 32).
O autor referia-se aos signos também como objetos naturais, específicos e, como vimos,
todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se um signo e adquirir, assim, um
sentido que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como parte de
uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe
fiel, apreendê-la de um ponto de vista específico, e assim por diante. Todo o signo está sujeito
aos critérios de avaliação ideológica.
Bakthin (Volochínov) (1929/1995) afirma que, para o sinal passar ao status de signo, é
preciso um funcionamento lingüístico entre interlocutores. Tal funcionamento se faz dentro de
um sistema lingüístico aberto, formado por signos que emergem da interação. O autor pontua
que, enquanto a forma lingüística for considerada pelo receptor como um sinal, ela não terá
nenhum valor lingüístico. Para o autor, o que importa é que a forma lingüística figure em um
dado contexto, aquilo que a torne um signo adequado às condições de uma situação concreta
dada, não enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre
variável e flexível. Portanto, o significado das palavras é construído mutuamente, compartilhado
e atualizado pelo contexto de uso em um terreno interindividual, em que a consciência individual
é gerada através de um fato socioideológico.
Vasconcelos (2006) defende que os sistemas gráfico-visuais, como o Bliss e o PCS, não
são língua, mas podem ser movimentados pelo funcionamento da língua, transmutados em “fala”
por efeito do outro (instância da língua constituída De Lemos, 1992) e pela fala que está na
escuta dos sujeitos com PC. Nesses moldes, os símbolos dos sistemas alternativos transformam-
se em significantes, pois os materiais são postos em movimento pelo funcionamento da língua. A
autora conclui que os chamados “sistemas” gráfico-visuais são um amontoado de símbolos (não
se articulam como sistema), mas, ao serem submetidos ao jogo da língua, podem vir a significar.
Deste modo, abre-se a possibilidade para que os “símbolos” da CAA sejam apenas
indícios de múltiplas interpretações em um dado contexto de intersubjetividade e não signifiquem
somente o que está pré-determinado. Propõe-se, neste trabalho, que se chamem de sinais, cuja
passagem a signo ocorrerá no processo de enunciação.
Uma situação hipotética dessa flexibilidade está no fato de um símbolo, que
originariamente pode ser colocado na prancha para assumir determinado signo, poder assumir
59
outro. Isso pode ocorrer em um contexto em que o símbolo necessário esteja ausente ou sua
localização demande muito tempo de acesso. Nesses casos, o falante poderá se valer da
possibilidade de polissemia que o signo pode engendrar. Exemplos clínicos não faltam: quando
uma criança utiliza o sinal “cotovelo” para significar “dor de cotovelo” ou quando uma
adolescente combina os sinais “costas” e “dor” para significar estar com coceira nas costas.
A partir de tais reflexões, pode-se pensar que a não generalização do uso da CAA aos
diversos contextos de vida, fora da clínica, observada em muitos casos, pode estar relacionada a
dois fatores: à forma como se aborda o recurso a partir de concepções de linguagem que tomam a
língua como código, ou à impossibilidade de reconhecer ali, no sujeito com ausência de fala oral,
um interlocutor.
Considerada a visão enunciativa em linguagem, o fonoaudiólogo poderia, conforme
defende Surreaux (2008), descartar a relação dicotômica normal/patológico na clínica de
linguagem. A autora justifica-se com propriedade ao mencionar que, se o normal servisse de
padrão para avaliar a patologia, a diferença entre os dois estados seria apenas quantitativa, além
do fato de que a normalidade não poderia ser generalizada para todos os indivíduos, tornando,
portanto, o limiar entre o normal e o patológico impreciso.
Flores (2008) registra que, na clínica da fala desviante (termo proposto pelo referido
autor), detectar, descrever, explicar e classificar os “erros” do uso da língua “pouco diz da
singularidade da fala de um sujeito e de como ele se enuncia nesta língua” (FLORES, 2008, p.
73).
Tais colocações auxiliam-nos na reflexão sobre o pensar e o agir fonoaudiológico,
algumas vezes contraditórios, os quais ocorrem no cotidiano da clínica de linguagem
comportamental com sujeitos com ou sem lesão cerebral. A normalidade é tomada
indiscriminadamente como parâmetro na avaliação e intervenção até mesmo nos casos
neurológicos, podendo tal atitude até mesmo ser caracterizada como imprudência metodológica,
pois o objeto de análise, a linguagem, é singular, ainda mais em sujeitos acometidos por danos
cerebrais. Nesse sentido, Frazão (1996; 2004), ao discorrer sobre linguagem em um caso de uma
menina acometida pela PC, recorda que a ordem da linguagem é de implicação, e não de
submissão aos aspectos orgânicos.
Portanto, assumir uma visão enunciativa na clínica de linguagem significa mudar a forma
de conceber o paciente com PC (especialmente os que apresentam oralidade restrita ou ausente),
60
modificando o foco do “olhar terapêutico” da doença para o sujeito, reconhecendo-o como um
enunciador, que está imerso na língua através do funcionamento lingüístico entre interlocutores
em um dado contexto de intersubjetividade. Assim, sob este viés, ultrapassa-se o limite imposto
pelo orgânico da ausência ou dificuldade da fonoarticulação, instaurando-se o estatuto de
“falante” ao sujeito com PC. Este pensar vale também para casos nos quais o sujeito com PC,
mesmo que falante, não é considerado um “enunciador” pela comunidade que convive.
Sobre a relevância do uso da CAA em ambientes rotineiros, Capovilla, Capovilla e
Macedo (1998) registram que, a partir de meados da década de 1980, as pesquisas na área de
afasia e CAA passaram a “concentrar-se no uso funcional que os pacientes deveriam fazer dos
sistemas de comunicação em ambientes naturalísticos”, para que houvesse um efetivo aumento de
sua qualidade de vida.
Johnson (1998), mesmo valendo-se repetidamente da terminologia treinamento em seu
Guia de Símbolos de Comunicação Pictórica - PCS, destaca que o sucesso de um treinamento
não é medido por quantos símbolos são aprendidos, mas sim pela utilidade proporcionada pelo
recurso no dia-a-dia. O autor recomenda a personalização de estratégias, de acessibilidade e
design da prancha de comunicação, assim como fomenta a importância das interações naturais
com e pelo recurso da prancha de CAA em ambiente também naturalístico, além da prática da
combinação de outras formas alternativas de comunicação, como gestos, vocalizações
desarticuladas e expressões faciais. Destaca também a importância da participação dos parceiros
conversacionais e dos usuários da ferramenta de comunicação na promoção do recurso de
comunicação.
Johnson (1998) descreve a importância da imersão em símbolos, tornando-se parte natural
da vida do indivíduo, em vez de serem encarados isoladamente. Defende que os símbolos devem
ser utilizados tanto por pessoas falantes quanto não-falantes, uma vez que as crianças “aprendem
a linguagem”, pois estão imersas na linguagem desde o seu nascimento. as crianças especiais
normalmente perdem essa imersão, ficando em desvantagem.
O fonoaudiólogo poderia oferecer o recurso da prancha de CAA para usuários e suas
famílias em uma condição em que esse aparato não servisse somente para fins comunicacionais,
mas para estruturar sua linguagem, ou seja, para fins de constituição enquanto sujeito na e pela
linguagem. Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) firma, nesse sentido, que a relação de alteridade é
fundamental para que o homem se constitua como sujeito consciente, através do auto-
61
reconhecimento e pelo reconhecimento do outro. Esse olhar teórico parece produzir um
deslocamento da visão dicotômica normal/patológico tradicionalmente projetada sobre os
usuários de CAA para a sua percepção enquanto falantes capazes de enunciar, de dizer, de se
dizer, mesmo diante de limites biológicos que os impeçam de produzir fala articulada.
Dessa forma, a idéia de distúrbio da comunicação poderá ser repensada, uma vez que, em
enunciação, a comunicação deixa de ser pensada como transmissão de informação e passa a ser
vista como interação. Flores (2008) sinaliza que a falha, o “patológico” na fala desviante do
sujeito, são enunciações que se mostram no campo do simbólico, pois são articuladas como
instância do singular, em que ele se propõe como sujeito, sendo de suma importância poder
“ouvir” a enunciação do locutor na língua. Para isso, é necessário que os sujeitos com ou sem
patologias se proponham a um quadro não-simétrico na enunciação, a partir da própria fala na
relação com o outro.
Surreaux (2008), em sua tese, faz uma releitura do sintoma a partir de referências da
lingüística da enunciação, psicanálise freudo-lacaniana e da clínica de linguagem. A noção do
sintoma no âmbito da clínica de linguagem comporta o que a autora denomina de combinação
singular, envolvendo o ineditismo que cada fala sintomática tem e abalando sensivelmente a
divisão entre “normalidade” e “patologia” de um mecanismo heteróclito e multiforme. Assim
sendo, a concepção de linguagem adotada pela autora inscreve a fala (leia-se enunciação) do
sujeito através da língua e “nela lugar ao sintoma, ou seja, é efeito de seu próprio dizer”
(SURREAUX, 2008, p. 37). O sintoma de linguagem é encarado como uma posição que o sujeito
ocupa na linguagem.
Imagina-se que o distúrbio de comunicação qual seja, que anteriormente se configurava
como “erro” a ser “sanado”, “curado”, é redimensionado e passa a ser entendido como
características lingüísticas peculiares subjetivas do sujeito posto em funcionamento discursivo
intersubjetivo singular.
A idéia de distúrbios da comunicação pode ser deslocada para a idéia de que limites
biológicos que não impedem a ocorrência da intersubjetividade, desde que se amplie a visão de
língua de código que comunica para uma visão histórico-cultural de língua enquanto convenção
atualizada em intersubjetividades, as quais constroem coletivamente sua história. A atuação do
fonoaudiólogo se abriria, nessa perspectiva, à multiplicidade de funções que a língua e a
linguagem podem exercer no processo de subjetivação, na cultura, na comunicação em si e no
62
conhecimento socioantropológico. Ela ocuparia, ao mesmo tempo, uma função estruturante e
instrumental.
Essas considerações reforçam as afirmações de Vasconcelos (2001; 2006) sobre haver
uma projeção de falantes sobre os recursos da CAA para que seu funcionamento ocorra.
Avançam, no entanto, quando isso pode ser refletido a partir da perspectiva de passagem do sinal
ao signo pela interlocução ocorrida na enunciação. Parece-nos que essa reflexão é fundamental
para que se possa pensar no uso efetivo da CAA no dia-a-dia. Terapeutas, familiares e educadores
devem preparar-se para essa abertura a novos sentidos a partir de um número muito limitado de
sinais. Também permite pensar no caminho mais importante para a escolha dos símbolos para a
prancha: escutar, e não ouvir apenas, seu usuário. Ele dará os caminhos através do uso
crescentemente complexo e criativo que fará da prancha. Esse uso, no entanto, pode ser
pensado em uma perspectiva dialógica, fundamentada no conceito de diálogo.
Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) refere-se ao diálogo como sendo uma das formas mais
importantes de interação verbal, mas o próprio autor tem o cuidado de registrar que se deve
compreender esse termo em um sentido mais amplo, “não apenas como a comunicação em voz
alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”
(BAKHTIN (VOLOCHÍNOV) 1995, p. 123).
Cardoso (2002, p. 66-67) afirma que o princípio do dialogismo, proposto em Bakhtin,
fundamenta-se na comunicação vista enquanto uma relação de alteridade. Deste modo, o ato de
tomada de consciência de si próprio implicaria a existência do olhar do outro sobre nós, ou seja, a
“comunicação tem um caráter intersubjetivo e dialógico, ocorrendo através da diferença, tanto
entre pessoas, como entre textos e grupos sociais” (Cardoso, 2002, p. 67). Na perspectiva
bakhtiniana, a fala é heterogênea, pois se pode apresentar através de múltiplas formas de
manifestações de linguagem, na qual o contexto verbal e extraverbal são considerados a partir do
viés da enunciação.
Retomando os exemplos anteriores, é possível pensar que a alteridade dos sujeitos esteja
presente em suas manifestações e nos pontos de vista assumidos diante da prancha. Os sujeitos
portadores de PC utilizaram de modo criativo os recursos limitados que a prancha ofereceu,
socorrendo-se do contexto não-verbal para que sua linguagem pudesse manifestar-se. Os
interlocutores, a partir de um esforço interpretativo, permitiram e ancoraram esse funcionamento
63
lingüístico, demonstrando que reconhecem ali, onde não fala (manifestada de modo
alternativo), a presença de alteridade e linguagem.
À luz dos pressupostos bakhtinianos, pode-se pensar em como mudar o paradigma da
clínica de linguagem na ausência da oralidade. Abandonar as infrutíferas tentativas da oralização
quando a ordem do orgânico se impõe (dispraxias, disartrias graves, etc.) e valorizar as
alternativas para que ocorra a estruturação da língua em si e da linguagem.
A perspectiva de Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) nos permite pensar que os símbolos
da CAA possuem em si um valor de sinal que somente assume valor de signo na interação
entre interlocutores. Estes devem estar dispostos a escutar o sujeito usuário de CAA, o que
demandaria pensar nos processos intersubjetivos a partir de uma teoria de subjetividade, por
exemplo, a psicanálise. Assim, a introdução de tal recurso teria sentido se construída a partir
de uma participação dos seus usuários; no caso da clínica, o sujeito com impedimento de fala e
seus familiares.
Outro aspecto importante é a possibilidade de pensar que a lista de símbolos não necessita
ser exaustiva e precisa preocupação muito freqüente dos fonoaudiólogos. A possibilidade de usar
com flexibilidade um mesmo sinal, cujo valor de signo será definido a cada situação de
enunciação, permite pensar que o foco principal da terapêutica deve ser o modo de uso do
recurso, e não a lista de símbolos.
A proposta bakhtiniana produziria, então, uma mudança de perspectiva da enunciação
enquanto transmissão de informação para um processo de interação entre interlocutores, no qual a
intersubjetividade é fundamental. Nesse sentido, a fala incompreensível ou ausente, substituída
ou complementada por expressões faciais/corporais, e o recurso da CAA deixam de ser o foco do
olhar clínico enquanto descrição da patologia para se tornarem espaços de interpretação do
interlocutor, espaços em que a singularidade de cada sujeito se atualiza no seu dizer.
Cabe ao clínico ocupar o espaço de interlocutor que oferece sua subjetividade para que o
usuário de CAA se sinta escutado, interpretado e motivado a dizer. Para tanto, terá de sustentar
subversões da língua de modo a reconhecer o enunciador e interpretar o sentido do que este
enuncia. Essa posição parece produzir o movimento lingüístico necessário para a estruturação do
sujeito na/pela linguagem.
Seja oferecendo o modelo, observando interações sujeito-familiares ou dialogando com
os familiares em entrevistas continuadas, o fonoaudiólogo pode ser muito mais efetivo e eficaz na
64
inserção da CAA se suas concepções de funcionamento lingüístico e de língua abrirem espaços
para produção de sentidos na intersubjetividade usuário-familiares. Gerar hipóteses de
funcionamento lingüístico, considerando a intersubjetividade sujeito-familiares, representará, na
perspectiva da enunciação, um dos primeiros passos do fonoaudiólogo para planejar sua proposta
terapêutica. Esta não é, contudo, fechada ou imposta ao sujeito e seus familiares. Ela é dialogada
na intersubjetividade que se estabelece entre terapeuta fonoaudiólogo e sujeito/família,
reconhecendo e considerando, a cada momento, as limitações impostas pelas condições
biológicas, psíquicas e sociais de cada caso.
Deste modo, o fonoaudiólogo deverá considerar que não poderá prever os efeitos da
intervenção em sua plenitude, mas terá de se adaptar ativamente, a todo o momento, às demandas
de cada caso. Modelos fechados, seja qual for a disciplina teórica, não são possíveis nessa
perspectiva, pois não se trata de aplicar a teoria na prática, mas de utilizar a reflexão teórica para
afetar a clínica via terapeuta.
Se a família é parte integrante no processo de enunciação, sua participação ativa no
processo terapêutico é fundamental. Por ela ser o núcleo de produção de significações para o
sujeito, constitui-se no foco de intervenção, seja em contextos formais (terapias e escola) ou
informais (passeios, supermercado, consultas, etc.).
O fonoaudiólogo poderá contribuir para a elaboração de uma hipótese sobre o
funcionamento da linguagem (SURREAUX, 2008) através da análise do conjunto das
combinações singulares constitutivas que o sujeito realiza. Esse recurso permitirá uma escuta das
possibilidades discursivas do paciente em uma dimensão em que o sintoma determina os rumos
da intervenção fonoaudiológica.
Tendo a interação social dada a priori, a língua em interação lingüística entre sujeitos dá-
se através da articulação entre enunciados e enunciações em contextos compartilhados, nos quais
forma e uso são valorizados. O fonoaudiólogo, nesse tipo de clínica, deve estar disposto a
sustentar as falas subvertidas, reconhecendo nelas a posição de um enunciador (SURREAUX,
2008).
O fonoaudiólogo não deverá restringir a leitura lingüística somente aos enunciados
aquilo que o sujeito evidencia ao falar, mas considerar a enunciação ao analisar a relação do
enunciado com o ato enunciativo. Desta forma, o profissional terá mais chances de refletir sobre
o lugar que o sujeito com sintomas na linguagem ocupa ao se enunciar (SURREAUX, 2008).
65
A prática fonoaudiológica, afetada pela teoria enunciativa, é calcada na valorização do processo
de intersubjetividade, tendo a fala montagens multiformes, mas nem por isso efeito patológico.
Para fazer circular sentidos, a atualização lingüística deve ocorrer em contextos de uso. A
participação familiar nesse movimento de língua é fundamental por ser este um dos principais
núcleos significativos para o sujeito. Portanto, o foco de intervenção fonoaudiológica, além de ser
diretamente com o usuário da CAA, deve contemplar a família e demais parceiros
conversacionais significativos em contextos formais (terapias e escola) e informais (passeios,
supermercado, consultas, etc.).
Para abordar a família, deve-se levar em consideração o funcionamento familiar a partir
de uma teoria de subjetividade. Nesta, o conceito de função parental, em especial de função
materna, é fundamental. Uma visão de aquisição que tenha como unidade de análise o diálogo
também é necessária, como a proposta por Cláudia de Lemos (1992). Esses temas são resenhados
na próxima seção.
2.3 Funções parentais diante de um filho com paralisia cerebral: contribuições do
interacionismo e da psicanálise
Os distúrbios na aquisição da linguagem oral, apesar de serem foco de interesse
interdisciplinar, são encaminhados ao fonoaudiólogo como o especialista responsável pela
condução terapêutica dos seus distúrbios. Mesmo diante de casos nos quais exista uma “evidência
do laço psicopatológico dos pais à criança” (psicose, autismo), como afirma Vorcaro (2003, p.
265), os sujeitos chegam à clínica fonoaudiológica em função do discurso social acerca dessa
profissão. O fonoaudiólogo é tido como o profissional que tornará o sujeito um falante ideal.
Dada a transferência que se estabelece entre os pais e o fonoaudiólogo nesses casos, não cabe
questionar quais os distúrbios de linguagem oral são prioritariamente do fonoaudiólogo ou os que
deveriam ser atendidos por psicólogos e/ou psicanalistas, mas é necessário pensar na
complexidade do atendimento de alguém que ainda não se constituiu como sujeito e que, por sua
condição de infans, está na dependência do discurso parental a seu respeito.
Tal complexidade é incrementada quando a inscrição da criança na linguagem está
dificultada por limites orgânicos (disartria, disfasia, deficiência mental, deficiência auditiva,
ECI), demandando conhecer e manejar tais aspectos sem que eles se tornem o centro da
66
intervenção fonoaudiológica. Com ou sem limite orgânico, a tarefa do fonoaudiólogo abrangerá o
manejo do processo de transmissão simbólica que, segundo Vorcaro (2003, p. 270), “permite a
cada criança efetuar os tempos de sua estruturação para ultrapassar a condição real de objeto de
um outro, imaginar-se identificada ao lugar em que é colocada até situar-se numa posição de
incomensurabilidade a partir da qual pode desdobrar plenamente toda a função significante”, ou
seja, tornar-se um falante-ouvinte.
Para tanto, o aspecto central e que se entende como foco de intervenção do
fonoaudiólogo, quer em projetos de promoção da saúde mental/linguagem ou mesmo na clínica, é
possibilitar que o terapeuta crie laço discursivo com a criança. Além disso, deve favorecer o laço
discursivo entre ela e seus parentes, sobretudo a mãe, ou quem exerça a função materna.
Finalmente, deve assumir seu lugar de intérprete do gesto articulatório ou vocálico, ou se dispor a
interpretar o sinal produzido pela criança, no caso da CAA, de modo a deixar vago para ela um
espaço de falante que antes ocupara já nos cuidados maternos primários, logo após o nascimento.
É preciso, antes de pensar no domínio de aspectos gramaticais por parte da criança, como
tradicionalmente se tem pensado em concepções comportamentalistas ou exclusivamente
mentalistas do fazer fonoaudiológico, considerar a posição discursiva da criança na fala familiar e
as possibilidades de movimentar essa posição quando necessário. Uma vez constituído um sujeito
discursivo, o sujeito lingüístico o acompanhará e aspectos como os limites biológicos poderão ser
manejados, sem que a visão do terapeuta se concentre nesses aspectos e aprisione a criança na
condição real de objeto de um outro. A ascensão ao campo do imaginário e, a seguir, ao
simbólico são passos fundamentais para um funcionamento na linguagem.
Acreditamos que, para tanto, a clínica fonoaudiológica não pode se restringir a um
processo objetivo, focado em aspectos orgânicos, mesmo que sejam evidentes em alguns casos,
mas deve trabalhar no terreno da subjetividade da criança e de seus familiares, realizando-se na
forma de atendimentos à criança e/ou a seus pais. Tanto atendimentos conjuntos da criança com
os pais quanto um processo de entrevistas continuadas com os pais fazem parte de um processo
clínico que não é novo, mas que ainda se encontra em processo de difusão na fonoaudiologia,
chamado de “clínica da subjetividade” por TERÇARIOL (2008), em oposição à tradicional
“clínica da objetividade”. Essa clínica subjetiva diferencia-se de procedimentos objetivos de
caracterização dos sintomas orgânicos/lingüísticos, os quais têm por base uma concepção de
língua/linguagem mentalista e/ou puramente estruturalista.
67
Estudos de aquisição da linguagem que assumiram uma visão de língua/linguagem
lingüístico-discursiva indicaram novos caminhos para as ciências que estudam o ensino da língua
e os processos de aquisição da linguagem oral e escrita. Entre eles, destacam-se os trabalhos de
núcleos de pesquisa em aquisição da linguagem, como o de Cláudia de Lemos na UNICAMP e o
de Maria Francisca Lier de-Vitto na PUC-SP. Tais pesquisadoras são responsáveiscerca de 20
anos pela formação de lingüistas e fonoaudiólogos que hoje ocupam espaços nas universidades
do sudeste e sul do Brasil, destacando-se os grupos da PUC-SP, PUC-PR, Universidade Tuiuti do
Paraná e UNIVALI.
Em tais estudos, a interface entre abordagens discursivas em linguagem e psicanalíticas é
constante e cada vez mais acentuada, o que tem permitido questionar a clínica de linguagem
tradicional centrada em aspectos orgânicos e/ou puramente gramaticais da linguagem. Como tal
movimento ainda é relativamente pouco difundido nos cursos de graduação do Estado do Rio
Grande do Sul e ainda possui poucos estudos clínicos acumulados, acredita-se na importância de
adotar tal perspectiva nos estudos dos distintos casos clínicos de aquisição da linguagem. Com
isso, pretende-se somar experiências relatadas para que se possa testar e aprimorar essa nova
proposta clínica, bem como difundir no meio universitário esse novo saber teórico de modo a
torná-lo uma nova prática em nosso meio profissional.
No período de 0 a 2 anos, segundo Rubino (1989), o discurso da mãe existência a uma
voz para o bebê, o que permite detectar uma atividade discursiva muito anterior à sua função
expressiva (LIER-DeVITTO, 1994). Lier-DeVitto (1995), ao estudar os monólogos da criança,
demonstra os efeitos do diálogo e da fala do outro na fala da criança. De Lemos (1992)
demonstra que, nessa perspectiva, a criança está submetida às leis e regras de funcionamento da
língua, mas que, antes de poder analisar gramaticalmente a língua, estará funcionando nela a
partir da dialogia que estabelece com o adulto, de modo especial a mãe.
Tal dialogia se inicia a partir das interações não-verbais. Há, para autores como
Carpenter et al. (1998), habilidades comunicativas que são construídas ao longo desse período,
sobretudo no primeiro ano de vida, fundamentais para o surgimento e incremento da linguagem.
Os autores ressaltam que, ao redor de 1 ano, a criançaé capaz de olhar para onde o adulto olha
com flexibilidade e segurança, utilizando o adulto como ponto de referência social e imitando as
ações deste com objetos. Gestos comunicativos intencionais são comuns nessa idade e são
construídos a partir de uma experienciação rica com o outro (mãe, cuidador) durante este
68
primeiro ano de vida. Os autores denominam o grupo complexo de interações sociais que
ocorrem nesse primeiro ano de joint attention ou atenção compartilhada (AC). Bosa (2002)
define a AC como comportamentos infantis que possuem propósito declarativo, que objetivam
dividir e compartilhar a experiência com o outro sobre objetos/eventos através de gestos,
vocalizações e contato ocular. A ausência de tais comportamentos entre mãe e filho é sinal de
risco para o desenvolvimento psíquico e lingüístico do bebê.
Laznik (2004) aborda com clareza a possibilidade de detectar risco para autismo já a partir
dos três meses de idade. Isso ocorreria pela ausência do motherese ou babytalk, impossibilidade
da mãe brincar com o corpo do bebê durante uma troca e, na evolução disso, o fato de o bebê não
explorar o corpo da mãe (oferecendo o pezinho ou colocando a mão no seio ou na boca da mãe,
por exemplo). A autora intervém precocemente com mães e bebês procurando impedir que o
vínculo não ocorra, ou seja, atua para que a mãe possa olhar este bebê e significá-lo, e para que
este possa, por sua vez, constituir-se pela linguagem da mãe.
Esse processo é crucial não somente para a saúde mental, como também para o
surgimento da linguagem. Sobre circuito pulsional descrito por Lacan (1963 apud Laznik, 2004)
se apóiam os tempos de estruturação psíquica do sujeito. Para que ele aconteça, é necessário que
a função materna possa ser exercida em sua plenitude.
O risco de alteração psíquica também se faz presente nos casos de ECI, embora, em boa
parte dos casos, a criança apresente uma estruturação de tipo neurótica. Talvez até pelo
diagnóstico que, salvo em grandes lesões relacionadas à prematuridade, em geral é realizado
depois que algum vínculo está estabelecido, pois a ausência de aquisições motoras parece ser a
base na qual se assenta o mesmo.
Um dos autores que traz contribuições fundamentais para se pensar a função materna é
Winnicott (1983, 1988, 2000), que identifica fases evolutivas na criança relacionadas com o
exercício da função materna.
A primeira fase é de dependência absoluta e está relacionada ao período perinatal e até
algumas semanas depois deste, predominando a preocupação materna primária, em que a mãe,
segundo o autor, “enlouquece” para dar conta dos cuidados com o bebê. É um momento de
transparência psíquica da mãe, no qual a sua rede de apoio será fundamental para que possa
exercer sua função e passar pela adaptação à nova rotina de vida, que gira em torno do bebê. O
69
ritmo da mãe será ditado pelas necessidades do bebê, pois terá de fazer o holding necessário para
sustentar seu bebê física e psiquicamente (WINNICOTT, 1991).
um processo de vinculação extremo entre mãe e bebê, de modo que este cria a ilusão
de que ele e a mãe são um só, um processo denominado simbiose (WINNICOTT, 2000). Tal
ilusão inicia sua resolução entre 6 e 8 meses de idade, período no qual surge a chamada angústia
de separação e se intensifica a construção mental (WINNICOTT, 1983; 2000), que irá culminar
no desenvolvimento de habilidades lingüísticas e cognitivas importantes até os 24 meses.
Com a evolução de habilidades lingüísticas, motoras e cognitivas do bebê ao final do
segundo ano de vida, inaugura-se um período de dependência relativa, no qual a criança inicia
uma crescente autonomia física e psíquica da mãe. Nesse período, a inserção escolar se viabiliza,
ocorre a ampliação do brincar e do processo de socialização. Tais fatos não se verificam do
mesmo modo com os sujeitos portadores de ECI, dado o fato de que as evoluções motoras não
ocorrerão. A dependência física pode gerar conseqüências ao exercício da função materna, uma
vez que pode ou não haver a percepção de que o sujeito evoluiu cognitiva e lingüisticamente.
Esta última possibilidade é visível no caso relatado por Klagenberg (2001), mencionado nesta
dissertação, em que a mãe não percebia que, apesar da dependência física, sua filha adolescente
tinha um desenvolvimento cognitivo e lingüístico (em termos de funcionamento compreensivo da
linguagem) adequado à sua idade cronológica. A inserção da CAA permitiu àquela mãe ver além
do corpo imóvel e dependente, ultrapassando a visão da filha como uma menina pequena.
A independência, última fase descrita por Winnicott (1983), inicia-se ao redor dos seis
anos. Nela a criança amplia sua socialização e já não depende na figura materna para os cuidados
com o corpo e psiquê como antes. Aprende a se defender e a ter consideração pelo outro
(WINNICOTT, 1983). A partir de então, o ingresso na vida escolar mais formal e o processo de
aquisição da escrita permitirão um salto qualitativo nos processos cognitivos e lingüísticos. Pode-
se imaginar o quanto esta fase é fisicamente impossível ao sujeito com ECI, mas totalmente
possível do ponto de vista psíquico, desde que a mãe permita o processo de independência
psíquica.
Muitas mães, de modo inconsciente (FREUD, 1987), não conseguem romper o vínculo
simbiótico, o que compromete a independência psíquica do filho. A fragilidade do exercício da
função paterna ou ausência de alguém que desempenhe a função de “corte” é fato que também
merece atenção, pois está intimamente relacionado com o exercício da função materna e vice-
70
versa. Tal é a relevância da temática que o estudo de Borges (2005) considera as mudanças nas
concepções de função materna e paterna frente às grandes mudanças ocorridas no universo de
homens e mulheres na atualidade.
A mãe do sujeito com ECI, especialmente, terá de perceber que, apesar da dependência
física, pode haver um desenvolvimento subjetivo e cognitivo a contento, pois boa parte desses
sujeitos possui inteligência próxima ou até superior a parâmetros considerados normais. Esse fato
pode ser verificado nos estudos citados na seção 2.1, os quais trabalham aspectos da
independência do usuário de CAA em situações laboriais.
Piccinini et al. (2003), Castro (2003), Castro e Piccinini (2004) e Frota e Oliveira (2004)
investigaram as relações mães-filhos na doença crônica. Os resultados mostram que as mães têm
sentimentos contraditórios em relação a si mesmas e em relação a seus filhos, e a busca pela cura
é algo que perpassa seu pensamento.
Portanto, a depender do exercício da função materna, o sujeito portador de ECI poderá ou
não ter um desenvolvimento subjetivo-lingüístico e cognitivo que lhe permita a independência na
idade adulta. Na falta ou precariedade dessa função, o bebê não será suficientemente olhado,
falado e sustentado, podendo acarretar prejuízo em sua constituição de sujeito (GRAÑA, 2008),
ainda mais em se tratando de bebês afetados neurologicamente. o oposto, quando a função
materna é desenvolvida com uma intensidade quase que obsessiva, poderá da mesma forma ser
prejudicial, pois a criança poderá ficar alienada na fala da mãe ou em quem exerce tal função.
Tanto em uma como na outra situação, é possível que a prancha de CAA fique sem utilidade na
rotina familiar.
Uma das saídas para este “dilema” ocorre quando o filho é resiliente, ou seja, tem
capacidade de resistência e adaptação às adversidades e ao risco entendida como uma função
intrínseca de reequilíbrio (Assis, Pesce, Avanci, 2006). Desta forma, dispõe-se ao enfrentamento,
promovendo a terceira fase descrita por Winniccot: a independência materna. O conceito de
resiliência, de acordo com Job (2000), tem sido estudado desde o final da década de 1960,
quando Redl introduziu a noção de “resiliência do ego”.
No entanto, não se pode esquecer que a função paterna inscrita na mãe poderá garantir a
descolagem mãe-filho. A possibilidade de a mãe imaginar que o bebê pode estar fora do seu
corpo, sendo um outro materno, porém não-idêntico, somente se concretiza via essa inscrição.
Pela colaboração da função materna, o bebê poderá ir tomando suas iniciativas partindo da
71
construção própria de um imaginário, estabelecendo o que é externo e o que é interno, até
diferenciar ego de não-ego. A função paterna favorece a descolagem mãe-filho, que se localiza
no espaço da subjetivação, do exercício do poder, entendido como a representação da lei, como
representação simbólica do mundo (MOLINA, 2001).
Se a função paterna não se fizer presente pela presença do pai, o fonoaudiólogo poderá
representar esse terceiro através de sua atuação clínica. Quando ele, nos casos aqui tematizados,
conscientiza a mãe de que o filho com PC tem mais a dizer do que ela pode interpretar pela
expressão corporal, está induzindo a percepção da mãe da falta de unidade com o filho, de que ele
está no mundo e tem um mundo interno a significar. Esse fato induz a descolagem e pode
produzir resistência materna, pois o lugar do filho é definido por meio dos acontecimentos entre a
criança e seus pais ou quem exerça as funções parentais, sendo significado por atos, gestos e
palavras. Partindo da definição desse lugar, a criança passará a ser sujeito.
Motivada pelo objetivo de tornar a prancha de CAA mais funcional entre usuários e
familiares, esta pesquisa se propôs a ouvir as mães. Acredita-se que no discurso materno resida o
resgate de todo um histórico não sobre os usos da CAA, mas de como tais usos estão
condicionados ao sucesso da elaboração do luto (FREUD, 1987) e ao papel do exercício da
função materna no processo enunciativo deste sujeito. Mais do que os sujeitos que oralizam, ele
necessita de um bom holding e de uma extrema possibilidade interpretativa para produzir
sentidos, seja pelo corpo, pela vocalização (mesmo que deficitária) ou pela prancha de CAA.
Sabendo que apenas a prancha permitirá veicular alguns sentidos que ficariam limitados
na expressão puramente corporal, causa surpresa o fato de as mães pouco a utilizarem no
ambiente familiar, preferindo decifrar a gestualidade corporal. Deixa-se então ao leitor essa
surpresa no ar para que possa ser abordada no artigo 2, no qual se pretende pensar os fatores que
interferem de modo a facilitar ou dificultar o uso da prancha de CAA.
Considerou-se também que a escuta das terapeutas pudesse iluminar algumas das suas
dificuldades de formação que possivelmente estejam impondo limites em sua atuação junto aos
usuários de CAA. Viu-se, na revisão de literatura sobre CAA, o quanto sua introdução é recente
no mundo e no Brasil, e também que perspectivas enfatizando a enunciação são ainda mais raras
na abordagem do tema. Tal fato obviamente se reflete na formação ainda precária nos cursos de
graduação acerca de tal recurso e na esperada projeção dessa situação no discurso das terapeutas
sobre as bases teóricas de sua atuação.
72
No entanto, havia uma hipótese inicial de que a vida clínica força uma prática de uso do
recurso em que a intersubjetividade se apresenta teorizada ou não pelo terapeuta. Ela
possivelmente produz espaços enunciativos produtivos que, se ancorados em reflexões teóricas
de linguagem mais produtivas à clínica, poderiam surtir efeito maior na vida dos sujeitos usuários
de CAA. Perceber o processo individual e coletivo de um grupo de terapeutas pareceu atrativo
nesse sentido, pois espaços de formação pessoal e profissional que diferenciam e afetam o
terapeuta em seu fazer clínico. Essa reflexão é especialmente importante quando se tenta pensar o
fazer clínico e a formação necessária para sua ampliação e sucesso.
Na seção seguinte, serão apresentados os procedimentos metodológicos gerais desta
dissertação.
73
3 METODOLOGIA
Esta dissertação insere-se no projeto “Clínica da subjetividade nos retardos da aquisição
da linguagem oral”, coordenado pela Dr. Ana Paula Ramos de Souza, aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa - CEP-UFSM, sob processo número 23081.010681/2007-41 e Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética CAAE número: 0117.0.243.000-07, em seu subprojeto
sobre a clínica de linguagem na ECI. A carta de aprovação, datada de 14.08.2007, consta no
anexo A deste trabalho.
3.1 Critérios de inclusão
3.1.1 Terapeutas
Foram incluídas fonoaudiólogas que atuassem na clínica de linguagem com sujeitos
acometidos pela PC, através do recurso de CAA, com experiência clínica de, no mínimo, um ano.
A partir disso, foram convidadas a participar da pesquisa, de forma aleatória, 10 terapeutas de
diferentes locais e que preenchessem os critérios de inclusão da pesquisa.
3.1.2 Mães
Participaram mães com filhos(as) que se enquadrassem nos seguintes critérios de
inclusão:
- ter diagnóstico médico de PC de qualquer tipo (quadriparesia, diparesia ou hemiparesia)
e forma (espástica, coreoatetósica, atáxica, hipotônica e/ou mista);
- não ter retardo mental ou, se presente, que não seja impeditivo do uso da prancha de
CAA;
- já possuir prancha de CAA;
74
- apresentar oralidade ausente ou limitada;
- ter assiduidade na intervenção fonoaudiológica.
Portanto, foram mães de filhos com boas condições de desenvolvimento de linguagem
compreensiva e que poderiam se expressar de forma alternativa através da prancha de CAA.
3.2 Critérios de exclusão
3.2.1 Terapeutas
Foram excluídos da pesquisa os terapeutas que não se enquadraram nos critérios de
inclusão descritos.
3.2.2 Mães
Foram excluídas as mães com filhos que se enquadrassem nos seguintes critérios de
exclusão:
- possibilidade de comunicação oral exclusiva;
- PC associada a deficiências auditiva e visual graves;
- apresentar autismo, psicose e deficiência mental graves, observados na rotina clínica.
Portanto, foram excluídas as mães de sujeitos que não necessitassem do recurso alternativo ou
para os quais fosse impossível introduzi-lo.
3.3 População e Amostra
3.3.1 Terapeutas
75
Foi realizado um levantamento dos principais centros de reabilitação de Porto Alegre
(RS) e, a partir disso, foram convidadas aleatoriamente 10 experientes terapeutas de quatro
locais diferentes que interviessem com sujeitos acometidos de PC na clínica de linguagem
com o instrumental da CAA há, no mínimo, um ano. O tempo médio de graduação da amostra
das fonoaudiólogas foi de 8 anos 4 meses; a média de tempo de experiência com a CAA foi
de 6 anos 9 meses.
3.3.2 Mães
Todos os aspectos de inclusão e exclusão foram observados e definidos na clínica de
origem de seus filhos, aqui denominada “Centro de Reabilitação”, na cidade de Porto Alegre
6
.
Essa clínica conta com equipe multidisciplinar (fonoaudióloga, fisioterapeuta, pediatra,
psicóloga, terapeuta ocupacional e assistente social) para efetivar tal diagnóstico.
No ano de 2007, a instituição prestou atendimento fisioterapêutico a uma população de
100 paralisados cerebrais; destes, 55 conseguiram vaga para o atendimento fonoaudiológico
semanal, e 20 necessitam e fazem uso do recurso da prancha de CAA em terapia. Destes,
foram selecionados 10 casos para a realização deste estudo transversal por se enquadrarem nos
critérios de inclusão e por terem assiduidade terapêutica.
3.4 Material e Método
3.4.1 Procedimentos de Coleta e Materiais
6
Este local foi escolhido por se tratar de uma amostra de conveniência, pelo perfil sociocultural de clínica-escola,
inclusive e por ser um dos locais de atuação da pesquisadora. Neste centro de reabilitação, os tratamentos não estão
condicionados a limitações, como, por exemplo, tempo de vínculo institucional pré-determinado entre instituição e
pacientes. Ressalta-se, também, que todas as mães tiveram seus filhos(as) assistidos(as) por uma ou mais
instituições de reabilitação.
76
Procedeu-se à coleta das assinaturas das voluntárias no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (apêndice A), a partir da explicação dos objetivos, procedimentos, riscos e benefícios
da pesquisa para os dois grupos de entrevistadas.
Após esse momento, foi aplicado um roteiro de entrevista com perguntas abertas e
fechadas às mães (apêndice B) e às fonoaudiólogas (apêndice C). Esse roteiro serviu como guia
na coleta de dados orais. Conforme o desenvolvimento da narrativa, a pesquisadora pôde realizar
outras questões, não se limitando somente aos questionamentos traçados no roteiro de entrevista
inicial.
No caso das terapeutas, as questões abordavam sua formação acadêmica, concepção de
linguagem e práticas terapêuticas na clínica da PC e a CAA. o roteiro das mães abordava
práticas de uso da prancha de CAA no cotidiano formal e informal e o impacto do manejo
terapêutico na introdução e/ou expansão do recurso frente ao desempenho da função materna.
O convite e o agendamento foram realizados pessoalmente ou via contato telefônico com
ambos os grupos. Destaca-se que, no caso das mães, durante a visita domiciliar fonoaudiológica,
teve-se o cuidado para que, durante a coleta de dados, a criança ou adolescente não estivesse
presente no ambiente da entrevista. O objetivo foi preservar o vínculo mãe-filho, proporcionando
também que a mãe ficasse mais segura e à vontade para emitir suas opiniões sem pudores. Desta
forma, evitaram-se desconfortos para ela e para seu filho e preveniu-se que a mãe, devido à
presença do filho, mudasse o seu dizer materno.
Todas as coletas realizadas foram gravadas, transcritas e revisadas. Em ambas a coletas,
foram utilizados para a gravação dos registros da coleta oral um gravador de marca Sony TCM
359V, com duas pilhas modelo AA e 20 fitas cassetes de 60 minutos cada. Cada entrevista teve,
em média, uma hora de duração. As transcrições do corpus das mães e das terapeutas foram
realizadas por duas colaboradoras (uma fonoaudióloga e uma assistente social), com experiência
em transcrição dos dados, sendo posteriormente conferidas pela pesquisadora e arquivadas em
acervo particular. Ressalta-se que foram eleitas aleatóriamente uma mãe (em maio de 2007) e
uma fonoaudióloga (em outubro de 2007) as quais foram submetidas a uma entrevista-piloto
separadamente. Desta forma, os roteiros de entrevistas iniciais puderam ser aperfeiçoados,
gerando os roteiros finais utilizados como guias das entrevistas, cada qual com temáticas
distindas conforme o grupo (apêndices B e C). O período de coleta geral foi de agosto de 2007 a
março de 2008.
77
3.4.2 Análise dos resultados
.
Depois de realizadas as transcrições e conferências, as respostas foram agrupadas por
similaridade conforme as questões e os fragmentos mais expressivos foram selecionados.
Considerou-se a coletânea das narrativas a melhor forma de apresentar a fala dos entrevistados.
Para esta fase do trabalho, buscou-se orientação em Thompson (1998), que explica o valor da
história oral, os cuidados, os passos, os instrumentos e como utilizá-los de forma a atingir os
objetivos propostos.
A seguir, foram feitas as análises e as interpretações dos dados coletados. Neste momento,
foram utilizados procedimentos da pesquisa qualitativa, sem, contudo, dispensar a pesquisa
quantitativa em alguns momentos da análise.
A pesquisa qualitativa viabilizou um melhor conhecimento dos sujeitos com os quais
dialogamos. Conforme Martinelli (2003), a pesquisa qualitativa permite a busca de significados
através de narrativas, depoimentos e representações. É um modo diferente de fazer pesquisa, no
qual não se descarta a pesquisa quantitativa elas não se excluem, mas se complementam.
Quando da análise e discussão dos dados, houve o cuidado com os recortes a serem feitos, a fim
de extrair dos depoimentos os elementos mais significativos, sem alterá-los, transcrevendo-os tais
como foram apresentados. Foi verificada a freqüência das categorias e, a partir disso, será
elaborada uma análise, vinculando as respostas ao referencial teórico (MINAYO, 2008).
Seguimos a análise de conteúdo, cujo método se baseia na dedução, tendo como principal
objetivo a inferência. Buscamos identificar as semelhanças e diferenças nos discursos das mães e
das terapeutas, além de evidenciar o significado latente das entrevistas e confrontá-lo com as
visões de língua(gem) presentes no histórico da ciência lingüística, sobretudo a oposição entre
língua(gem) como instrumento versus funcionamento lingüístico. Acredita-se que a visão de M.
Bakhtin (Volochínov) (1929/1995) e Bakhtin (1981, 1992) será fundamental à discussão dos
dados desta pesquisa, assim como as leituras advindas da psicanálise, como as de Winnicott
(1983, 1988, 1991, 2000).
78
4 PRIMEIRO ARTIGO DE PESQUISA
COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA: TEORIA E PRÁTICA
CLÍNICA
RESUMO
Objetivo: Este estudo investigou, através das falas de dez fonoaudiólogas, a introdução e o uso
do recurso da comunicação aumentativa e alternativa na clínica de linguagem. Método: foram
realizadas entrevistas individuais semi-dirigidas e a análise dos dados ocorreu através de dois
pontos norteadores: a) a concepção de língua e de linguagem e b) a relação entre tais concepções
e a práxis. Resultados: Os resultados indicam diferentes formas de implementação do recurso
junto à díade mãe-filho, havendo um predomínio na práxis de uma proposta de inclusão da
família, embora nem sempre acompanhada de suporte teórico coerente. Alguns dos fatores
favorecedores da incorporação da comunicação aumentativa e alternativa fora do setting
terapêutico são concepções de linguagem de foco sociointeracionista, associadas a conceitos
psicanalíticos como os que relacionam as funções parentais com o desenvolvimento subjetivo e
de linguagem. Conclusões: Concluiu-se que a sensibilidade da terapeuta compensa possíveis
déficits teóricos, tornando a práxis efetiva em muitos casos. Sugere-se a necessidade de
ampliação teórica na graduação.
Palavras-chave: comunicação; paralisia cerebral; estudos de linguagem; linguagem.
79
ALTERNATIVE AND AUGMENTATIVE COMMUNICATION: THEORY AND
CLINICAL PRACTICE
ABSTRACT
Purpose: This study analyzed the statements of ten speech and language therapists to investigate
the introduction and use of Alternative and Augmentative Communication (AAC) at a language
clinic. Methods: Semi-structured interviews were conducted and data analysis was performed
using two guiding aspects: the language conception and the relationship between these
conceptions and praxis. Results: Results indicate different forms of implementing AAC in the
mother-child dyad, and there was a prevalence of a proposal to include the family in the praxis,
although not always followed by a coherent theoretical support. Some factors fostering
incorporation of AAC outside the therapeutic setting are language conceptions that have a social
and interactionist focus, associated with psychoanalytic concepts such as those relating parental
function to subjective and language development. Conclusions: It can be concluded that the
therapist’s sensitivity compensates for possible theoretical deficits, making praxis effective in
many cases. More emphasis on theory should be given in undergraduate courses.
Keywords: communication; cerebral palsy; language arts; language.
80
4.1 INTRODUÇÃO
A prancha de comunicação é um dos diversos recursos de baixa tecnologia disponível
para a implementação de um sistema de comunicação aumentativa e alternativa (CAA). Sujeitos
com oralidade restrita ou até mesmo ausente e que apresentem condições mínimas de
aproveitamento desse recurso poderão se beneficiar em termos comunicativos e lingüísticos,
desde que generalizem seu uso aos distintos contextos de uso (familiar, escolar, profissional,
lazer, etc.).
Para que isso ocorra, vários autores m reforçado a necessidade de a terapêutica focar o
usuário e a família, além dos demais parceiros conversacionais como, por exemplo, amigos,
professores e demais terapeutas
(1, 2)
.
Percebe-se, portanto, um avanço nas áreas de pesquisa e formação acadêmica relativo às
práticas de CAA. Um estudo
(3)
investigou os centros de formação de terapeutas e educadores
especiais nos EUA, e observou que apenas 29% dos cursos possuem especialista no tema, embora
73% ofereçam ao menos um curso específico nessa área. Esses cursos ocorrem em 77% dos
centros de formação na graduação e em 20% em nível de graduação e pós-graduação. Os 27% de
centros de graduação que não possuem curso específico diluem esse tema de ensino em outras
disciplinas de linguagem. Em relação à pesquisa, os autores encontraram apenas 120 teses e 55
dissertações. Apesar de afirmarem que houve um crescimento percentual de estudo da CAA
naquele país, relacionado às novas exigências para a certificação clínica da American Speech-
Language-Hearing Association (ASHA), ainda consideram deficitárias a difusão e as práticas
laboratoriais na formação clínica especializada no tema (cerca de 50% dos cursos oferecem
práticas em laboratório).
No entanto, tais estudos ainda utilizam concepção de linguagem comportamentalista e/ou
cognitivista, que não permite abordar as interações dialogais entre usuário e parceiros
conversacionais de modo a incluir aspectos da subjetividade. Esse fato pode explicar a pouca
generalização que ocorre no uso de tal recurso no contexto familiar. Muitos familiares afirmam
preferir a comunicação corporal, pelo menor esforço que exige
(1)
. Não percebem, no entanto, que
esta possui limitações importantes para a expressão de sentimentos e desejos que não estejam no
contexto imediato da enunciação.
Nesse sentido, as concepções de linguagem que possuam um foco no uso, sobretudo
aquelas que consideram o processo intersubjetivo no funcionamento lingüístico, podem trazer
81
reflexões importantes para ancorar a clínica de linguagem. estudos, por outro lado, que
abordam a temática com foco excessivo nas características gramaticais do recurso e na forma
como a criança/adulto usuário se apropria desse conhecimento gramatical e consegue se
expressar através dele
(4)
, sem, contudo, levar em conta o funcionamento lingüístico, pois sua base
epistemológica está em teorias comportamentalistas e mentalistas.
Poucas são as publicações na clínica com CAA defendendo teorias de linguagem que
consideram o funcionamento lingüístico, como, por exemplo, de base interacionista
(5-8)
.
Em um estudo de perspectiva interacionista
(5)
é considerado aspectos da função
constitutiva da linguagem. Neste afirma-se que a maioria dos trabalhos de CAA enfoca aspectos
instrumentais, com a descrição de técnicas e a efetividade do uso desse recurso nas terapêuticas,
sem haver uma reflexão sobre seu método clínico e base teórica. Na mesma perspectiva, um outro
estudo
(6)
, ao relatar o caso de uma criança com 7 anos com quadriparesia espástico-atetóide
introduzida no sistema Bliss*
7
, conclui que a eficácia no uso se por serem submetidos a um
funcionamento lingüístico, através da interpretação do outro e pelo movimento da língua que está
na escuta do usuário.
em uma perspectiva vigotskyana, diferentes artigos
(7, 8)
relatam um mesmo estudo
documental e retrospectivo sobre a terapia fonoaudiológica com utilização dos Picture
Communication Symbols (PCS)**
8
em uma criança de 8 anos não-falante. O sujeito passou a
produzir relatos de vida diária, manifestar sentimentos e ampliou o processo de interlocução com
outros. Além desses ganhos, observou-se também que o uso do PCS ampliou espontaneamente o
desenho e incentivou práticas de letramento.
Considerando o fato clínico de que a generalização no uso da CAA é ainda precária, nesta
pesquisa buscou-se compreender possíveis fatores intervenientes no processo de introdução e
trabalho com o uso da CAA no relato de um grupo de fonoaudiólogas que possuíssem
experiência clínica no tema. Para tanto, acredita-se que a concepção teórica com a qual o
instrumento é introduzido pode ser um dos fatores preditores do sucesso ou insucesso na
7
* A semantografia Bliss foi desenvolvida por Charles K. Bliss entre 1942 e 1965, tendo como objetivo desenvolver
uma linguagem universal logográfica-semântica, através da composição de símbolos pictográficos, ideográficos e
arbitrários
(9)
.
8
** Picture Communication Symbols (PCS) são símbolos de comunicação pictórica idealizados por Roxanne Mayer-
Johnson em 1980 e compostos de desenhos de linha simples
(10)
.
82
generalização de seu uso, além de aspectos relacionados à sensibilidade e disponibilidade do
terapeuta, sujeito e familiares.
No sentido de aperfeiçoar as práticas terapêuticas em CAA, esta pesquisa se propôs a
escutar o que diz um grupo de fonoaudiólogas sobre a introdução e uso da prancha de CAA na
clínica de linguagem. Buscou-se identificar a(s) concepção(ões) de linguagem e os aspectos
instrumentais (tecnologia, estratégias de inserção e expansão, portabilidade, acesso e design: tipo
de sinal, disposição, tamanho e cor) com a(s) qual(ais) o recurso é inserido. Também se observou
o relato dos profissionais sobre a práxis e aspectos singulares do terapeuta e da família que
possam interferir no sucesso terapêutico com a CAA.
4.2 MÉTODOS
Esta pesquisa insere-se no projeto “Clínica da subjetividade nos retardos da aquisição da
linguagem oral”, coordenado pela Dr. Ana Paula Ramos de Souza, aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa Institucional, sob processo número 23081.010681/2007-41 e Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética CAAE número: 0117.0.243.000-07, em seu subprojeto
sobre a clínica de linguagem na ECI. Foi incluída, no mínimo, uma fonoaudióloga de quatro
diferentes centros de reabilitação da região metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul que
interviesse na clínica de linguagem com sujeitos acometidos pela PC, através do recurso de CAA,
com experiência clínica de, no mínimo, um ano. Dez voluntárias foram selecionadas por amostra
de conveniência em diferentes centros de reabilitação foram admitidas para a pesquisa,
independentemente do seu centro de formação acadêmica. A partir disso, foram convidadas a
participar da pesquisa de forma aleatória 10 terapeutas de diferentes locais e que preenchiam os
critérios de inclusão da pesquisa.
Para facilitar a referência aos enunciados deste corpus no decorrer do artigo, utilizaremos
a designação “F” seguida da numeração arábica correspondente (F1, F2, etc.) para fazer a
referência aos informantes. O tempo médio de graduação da amostra das fonoaudiólogas foi de 9
anos e 4 meses, já a média de tempo de experiência com a CAA foi de 8 anos 2 meses.
83
O quadro 1 demonstra o perfil da amostra deste estudo:
QUADRO 1 PERFIL DA AMOSTRA DE FONOAUDIÓLOGAS QUANTO AOS
ASPECTOS DE INSTITUIÇÃO E TEMPO DE GRADUAÇÃO, TEMPO DE
EXPERIÊNCIA COM CAA E FORMAÇÃO EM LINGUAGEM NA
GRADUAÇÃO EM RELAÇÃO A CASOS NEUROLÓGICOS E EM CAA
Amostra Instituição
de
graduação
Tempo de
graduação
Tempo de
experiência
com CAA
Formação em linguagem
na graduação
Casos
neurológicos
CAA
F1 A 13 anos 9 anos Sim Não
F2 A 8 anos 9 anos Sim Não
F3 B 10 anos 10 anos Sim Não
F4 A 11 anos 13 anos Sim Não
F5 A 12 anos 9 anos Não Não
F6 A 5 anos 6 anos Não Não
F7 A 4 anos 7 anos Sim Não
F8 A 9 anos 6 anos Sim Não
F9 A 13 anos 7 anos Sim Não
F10 A 9 anos 6 anos Sim Não
Legenda:
CAA - comunicação aumentativa e alternativa.
As fonoaudiólogas foram convidadas e devidamente esclarecidas sobre os propósitos da
pesquisa. Mediante o aceite e após o cumprimento de todas as recomendações éticas, conforme
determina a legislação em pesquisa, foi iniciada a aplicação de um roteiro de entrevista. Este foi
elaborado, usando perguntas abertas e fechadas, com temas pertinentes à concepção de
linguagem na clínica da PC e a forma de introdução e uso do recurso da CAA na rotina clínica
com usuários e familiares. Tal roteiro serviu como um guia na coleta de dados e, conforme o
desenvolvimento da narrativa, a pesquisadora poderia realizar outras questões, não se limitando
somente aos questionamentos traçados no roteiro de entrevista inicial. Todas as entrevistas foram
registradas num gravador marca Sony TCM 359V, em fitas cassetes, tendo, em média, 60
minutos de gravação. As transcrições foram realizas por duas colaboradoras (uma fonoaudióloga
e uma assistente social) com experiência em transcrição de dados, sendo posteriormente
submetidas a conferência pela primeira pesquisadora.
84
Na leitura das entrevistas, foram utilizados dois pontos norteadores para a análise: 1) a
concepção de língua e de linguagem das terapeutas; 2) o confronto entre o que dizem sobre sua
visão teórica e o que descrevem ou exemplificam de sua prática clínica.
Considerando tais pontos norteadores, foi realizada uma segunda leitura, na qual foram
selecionados e agrupados os fragmentos das entrevistas através da coletânea de narrativas que se
apresentaram mais significativas para elucidar o tema proposto
(11)
. Exemplos de concepções de
linguagem usualmente presentes na clínica são o comportamentalismo, cognitivismo (em suas
distintas versões) e o interacionismo. Para identificá-las, tomaram-se como referências autores
clássicos
(12-15)
, entre outros. Buscou-se na interpretação de Mikhail Bakhtin (Volochínov)
(16)
a
visão crítica sobre as bases filosóficas das distintas concepções de língua e linguagem. Além dos
autores clássicos, trabalhos de revisão sobre a clínica de linguagem foram considerados
(17)
.
Uma autora
(17)
analisou 378 dissertações e teses produzidas pelos fonoaudiólogos na
década de 1990 e constatou dois modos distintos do fazer fonoaudiológico, caracterizando-os em
clínica da objetividade e da subjetividade. Essa clínica da subjetividade diferencia-se de
procedimentos objetivos de caracterização dos sintomas orgânicos/lingüísticos, que têm por base
uma concepção de língua/linguagem mentalista e/ou puramente estruturalista. Ela advém do
diálogo da Fonoaudiologia com outras disciplinas e teorias, que se distanciam do modelo
positivista, como o interacionismo brasileiro proposto por De Lemos
(18)
, teorias do discurso e da
enunciação, as quais concebem a linguagem como funcionamento simbólico, e não como
instrumento de representação de conteúdos cognitivos, psíquicos e biológicos.
4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A existência de diferentes tipos de clínica de linguagem na Fonoaudiologia, conforme
constatado em um estudo
(17)
, pôde ser observada na caracterização de nossa amostra composta
por dez terapeutas com experiência em CAA. Seis enquadram-se em uma perspectiva próxima ao
sociointeracionismo, configurando uma clínica da subjetividade (F1, F2, F4, F6, F7 e F10); duas
(F3 e F8) podem ser consideradas como pertencentes à clínica da objetividade, tendo a linha
cognitivista e comportamentalista como referenciais teóricos. Outras duas oscilam entre um tipo
e outro de clínica (F5 e F9), enquanto (F5) não menciona a inserção da família no pensar os
objetivos terapêuticos, mas o faz na práxis; (F9) diz incluir a família no planejamento da
terapia, mas não se observaram exemplos de situações em que isso ocorresse na sua prática.
85
Essa identificação é, em alguns casos, denominada pelo profissional; em outros, percebida
nas entrelinhas de seu discurso. Alguns fonoaudiólogos, embora reconheçam a importância da
inserção da família no trabalho, oscilam entre a inclusão e a exclusão familiar do processo
terapêutico: (F8) “(...) tem alguns momentos que, sinceramente, eu não gosto. Eu não gosto, às
vezes, da família muito envolvida. Porque, às vezes, a família atrapalha mais do que ajuda”. A
mesma terapeuta (F8) contradiz-se quanto à inclusão da família na práxis: Eu sei que eu tenho
que trabalhar muito mais com a família. Se tu trabalhar muito mais com ela, tu vai ter muito
mais resultado”.
A promoção do vínculo mãe-filho é vista por todas as fonoaudiólogas como sendo algo
primordial para o sucesso da inserção do recurso da CAA. Mesmo tendo isso presente no
discurso, algumas priorizam práticas com foco único no usuário (F3, F8 e F9). Outras propiciam
um holding terapêutico de modo a motivar as mães para um exercício suficientemente bom da
função materna
(19)
e do sucesso na elaboração do luto via terapia fonoaudiológica, especialmente
com pacientes dependentes fisicamente e com oralidade restrita ou ausente: (F 10) “Eu acho que
o segredo é tu conseguires puxar essa família para dentro da sessão, mais vezes possíveis”; (F7)
“Porque elas tentam trazer o mais próximo do normal possível o seu filho. E um filho que
precisa carregar uma prancha não é normal. Então, se elas tiverem que trazer esse filho para o
mais perto de um bebê, mas de um é bebê normal”.
Todas as fonoaudiólogas referem que as famílias, em especial as mães, insistem no
questionamento “Quando é que o meu filho vai falar?”, inclusive tendo, em alguns casos, filhos
com idades bem avançadas. Baseado nas falas das terapeutas, imagina-se que a esperança
materna da “cura”
(20)
contribua para a não efetivação do recurso no dia-a-dia, pois, se elas o
usassem, estariam se autocontradizendo: (F8) “Olha, eu deposito meu filho e tu um jeito.
Eles querem que a gente a cura”. O inverso também ocorre, como demonstra a fala de (F6):
As mães, às vezes, não acreditam que ela possa melhorar”.
Em relação ao recurso da prancha de CAA, as profissionais afirmam que parte das mães
são adeptas, e outras não. Percebem que o interesse materno influencia na inserção do recurso:
(F5) Porque vai ser sempre frustrante. Apesar de ser um material super rico, para a família é
frustrante: “Porque o meu filho tem que falar com símbolos, com figuras!”. (...) de, às vezes, a
gente (fonoaudióloga) dizer: “Olha, vocês não querem?”. Não é algo natural. E a gente também
não pode impor! Apesar de nós termos nosso saber técnico”. Uma fonoaudióloga (F1) refere
86
ganhos terapêuticos com a participação de pais no Programa Hanen***
9
demonstrados através da
ampliação da atividade interpretativa dos pais e na promoção da independência psíquica mãe-
filho.
Sobre a aceitação do recurso por parte das mães, a fala de (F4) retrata uma realidade
mencionada por diversas entrevistadas: “Acho que é um processo assim; tem mães que de cara já
te ajudam, acham importante, conseguem ver que é uma coisa boa para melhorar a
comunicação dela mesmo com os filhos, principalmente aquelas que não entendem muito,
porque aquelas que tem uma comunicação estabelecida com os filhos assim, que entendem
tudo que eles falam em casa porque está tudo a mão, porque eles olham, geralmente são as que
não dão muito valor no início”. Nas falas das terapeutas, é possível verificar que algumas mães
perpetuam as fases primária e secundária, denominadas, respectivamente, de dependência
absoluta e relativa
(19)
.
A dependência física (total ou parcial) dos usuários de CAA pode gerar conseqüências ao
exercício da função materna, uma vez que pode ou não haver a percepção materna de que o
sujeito evoluiu cognitiva e lingüisticamente. Os recortes dos dizeres das terapeutas a seguir
ilustram o prolongamento da simbiose materna, o que acarreta não uso ou uso limitado da
prancha de CAA: (F2) “No imaginário dela, ela conta! E essa criança fica... não é presa... é
congelada ali, sabe? Porque ela não consegue manifestar, se ela não tem o recurso... que não é
aquilo ali que a mãe está falando! (...) Fica sujeitado à vontade da mãe, à significação da mãe,
ao pensar da mãe, e não ao seu. Elas se sentem proprietárias de um saber”; (F7) “Talvez ela se
sinta mais importante na vida se ela puder dizer pelo filho, se o filho não fala por si! Ela vai se
sentir muito mais necessária. Ela sente dificuldade de ver que o filho cresce e que o filho pode.
(...) Elas têm uma culpa que elas carregam dentro de si. Para conseguir lidar melhor com
essa culpa, então ‘Eu cuido bem do meu filho! Eu não saio em nenhum momento do lado dele!’”
.
Um uso funcional da prancha de CAA na rotina entre pais e filhos poderia favorecer o
ingresso na última fase chamada de independência
(19)
: (F4) “Mas eu não acho que seja, assim,
primordial a família aceitar, em primeiro lugar porque muitas vezes tu vai começando a tua
terapia e a mãe não vai ‘abraçar’ aquilo, a mãe não vai nem usar, mas assim, em algum
9
*** O método Hanen de base interacionista foi idealizado pela fonoaudióloga canadense Ayala Manolson em 1966
e tem como foco o atendimento a grupo de pais que possuam filhos com retardo de linguagem
(21)
.
87
momento sabe, aquele insight ou a criança mostra pra ela, conta alguma coisa pra ela, sabe
(...)”. Sujeitos mais resilientes
(22)
têm mais chances de enfrentar a resistência familiar quanto à
aceitação e incorporação do recurso em suas rotinas, conforme demonstrado no discurso de F4.
Esse fato demonstra a possibilidade de sujeitos com essa posição estarem ingressando na
terceira fase denominada de independência
(19)
da figura materna. As terapeutas parecem ter
sensibilidade a essa possibilidade do sujeito: (F7) “Eu vou em cima... quem é que vai se
comunicar? Quem é que pode exigir a prancha? É a criança, é o adolescente! Se eu não mostrar
para essa criança a necessidade, ela não vai utilizar mesmo”; (F3) “Mesmo sabendo que a
criança está usando aquilo super bem que a criança está se comunicando, que está conseguindo
ser independente, eu vejo que tem essa barreira (dos pais)”; (F1) “Porque a idéia é, aos
pouquinhos, a mãe não ser a tradutora e intérprete da criança. Porque tem horas que ela
também se aperta e não sabe o que a criança quer! E é que a gente entra introduzindo”;
(F10)“Tem outras famílias que se encantam com a possibilidade da pessoa se comunicar,
gostam da idéia, mas não praticam”.
As dez terapeutas acreditam e investem no recurso da prancha de CAA durante a terapia
de linguagem, mas somente oito incluem rotineiramente os demais parceiros conversacionais (F1,
F2, F4, F5, F6, F7, F9 e F10). Uma das entrevistadas refere usar a prancha, mas com pouca
freqüência: F8 A gente usa as pranchas em alguns momentos, mas não sempre como uma
rotina”. o oposto emerge na fala de (F10): Porque eu fico imaginando uma vida inteira tu
sendo passivo. Às vezes, o que a pessoa (interlocutor) fala nem é verdade. Porque a pessoa não
te conhece”.
A importância da intervenção fonoaudiológica com foco duplo nos casos de retardo de
linguagem, especialmente na clínica da paralisia, foi descrito num estudo de caso
(23)
. As falas de
(F10) e de outras terapeutas também demonstram que uma sensibilidade terapêutica
importante demonstrada no pensar das possibilidades que a CAA pode oferecer para que o sujeito
manifeste seu desejo. Tal fala se reflete na iniciativa de (F10) de viabilizar o processo de
generalização e manutenção através do atendimento grupal e individual, em ambientes simulados
e naturais, como o salão de beleza, supermercado, etc., os quais visita com o(s) sujeito(s): (F10)
No começo as pessoas falam comigo, e eu digo ‘Mas aqui, ela conversa! Conversa com ela!
Olha aqui essa pasta dela. Isso aqui é uma forma dela se comunicar’”.
88
A percepção das fonoaudiólogas quanto aos benefícios do uso do recurso com distintos
parceiros conversacionais e em diferentes contextos corroboram os estudos sobre ganhos
terapêuticos quando são utilizadas tais estratégias
(24)
. Todas as fonoaudiólogas concordam que a
prancha de comunicação promove uma melhor inclusão escolar e social; no entanto, apenas seis
associam, durante a intervenção fonoaudiológica, práticas de letramento com o recurso da CAA
(F1, F2, F3, F4, F7 e F10). A profissional F6 não faz uso combinado de oralidade e escrita, pois
parece admitir a antecedência da primeira em relação à segunda: (F6) Eu uso a comunicação
alternativa com pacientes sem oralidade ou com oralidade restrita e dificilmente a gente usa
associado à linguagem escrita. Porque, primeiro, a gente trabalha a comunicação em si, para
depois trabalhar a escrita”.
O oposto desse pensar foi visto na fala de (F10): “Eu tento vincular a leitura e a escrita
com a CAA sempre com o contexto e não simplesmente largar uma... ‘Ah, tenho que copiar ou
tenho que escrever!’. Ou um ditado. Tudo o que eu faço, assim, não só na linguagem... mesmo na
motricidade oral, tudo o que eu faço eu procuro criar um contexto, para que a pessoa entenda
que aquilo ali é importante e motive ela”.
As diferentes concepções de linguagem das fonoaudiólogas descritas na introdução desta
discussão refletem aspectos pertinentes às suas formações acadêmicas. As dez terapeutas com
formação entre 1996 e 2005 afirmam que, na graduação, não foi oferecida uma disciplina
específica sobre CAA, mesmo sendo essa área difundida no Brasil desde a década de 1970
(9)
.
Em algumas entrevistas, as fonoaudiólogas pontuaram que alguns professores
convidavam um palestrante externo com experiência prática ao centro de formação para explanar
uma aula pontual (F6 e F7) ou apenas mencionavam o recurso, sem oferecer subsídios teóricos e
práticos, em meio à discussão de casos neurológicos. Observa-se que as duas terapeutas (F6 e F7)
que receberam uma aula de 3 horas sobre CAA são formadas, respectivamente, 4 e 3 anos,
demonstrando que certa percepção pelo corpo docente da necessidade de se estudar e
difundir a temática.
Tais achados concordam com um estudo
(3)
sobre a deficitária formação acadêmica,
confirmado pelas fonoaudiólogas, que ressaltam também a disparidade entre a proporção de aulas
teóricas e práticas na área de estudos na linguagem em geral. Parece haver uma formação teórica
que não se materializa na prática, de modo a proporcionar um processo de retroalimentação entre
ambos saberes.
89
Sobre os estudos de linguagem em casos neurológicos, das dez terapeutas, cinco (F2, F3,
F4, F7, F9) tiveram aulas muito breves e superficiais, nada detalhado sobre a avaliação e
terapêutica; duas (F5 e F6) afirmaram não ter estudado tal conteúdo; uma (F10) ficou em dúvida;
e duas (F1 e F8) demonstraram formação teórica no tema. F1 destaca que recebeu formação sobre
as distintas concepções de linguagem: (F1) “Nós tínhamos duas visões também a respeito do
tratamento de crianças com PC. Tinha uma visão mais psicanalítica e tinha uma visão mais,
digamos assim, mais ortodoxa. (...) São questões assim que não têm que estar se digladiando.
Porque têm coisas boas nas duas (...)”.
A distinção entre a clínica da objetividade e da subjetividade na Fonoaudiologia tem sido
gradualmente objeto de análise e reflexões
(17, 26-28)
. Ressalta-se que duas terapeutas (F1 e F9),
mesmo tendo o mesmo tempo de graduação (13 anos), portanto contemporâneas, apresentam
diferentes percepções quanto à formação acadêmica. Desta forma, observa-se que o
aproveitamento das disciplinas por parte do discente também é algo que influencia no processo
de formação acadêmica.
Um aspecto abordado espontaneamente pelas entrevistadas foi a necessidade de se
combater o preconceito e o desconhecimento entre os próprios fonoaudiólogos e demais
profissionais da saúde e educação sobre o uso da CAA, o que pode estar tendo repercussões na
percepção familiar sobre o recurso. As fonoaudiólogas observam, nas famílias, a crença de que a
prancha impedirá a fala, o que não é confirmado em estudos que demonstram o favorecimento da
fala em 55 sujeitos de 67 pesquisados
(4)
. A crescente popularização nos últimos 10 anos, em
especial do PCS, favorece o processo de inclusão escolar e social dos usuários e futuros
candidatos ao recurso.
As terapeutas salientam, entretanto, que nem todos os sujeitos com PC atendem aos
critérios de elegibilidade, pois, conforme salienta (F1), necessidade de se ter condições
mínimas de aproveitamento. No entanto, casos nos quais não se pensaria na introdução do
recurso alguns anos, mas para o qual se pode, via criatividade terapêutica, encontrar soluções,
como exemplifica (F10) ao relatar um caso de uma usuária adulta, com grave comprometimento
motor global e visual. A estratégia utilizada pela terapeuta (F10) consistia no investimento em um
interlocutor disposto a realizar uma varredura auditiva primeiramente em uma prancha índice e, a
seguir, na prancha temática escolhida.
90
Em relação à introdução do recurso, percebem a necessidade de ser personalizada e
consideram que o perfil lingüístico contribuirá para a sua implementação. Algumas
fonoaudiólogas pontuam que, se o usuário for mais adiantado nos aspectos simbólicos, a prancha
de CAA poderá ser indicada como primeira opção. Entretanto, nos casos em que o simbolismo
ainda seja precário, como ocorre com algumas crianças muito pequenas, sugerem a inserção via
símbolos avulsos ou organizados em chaveiros especiais temáticos. A cada caso, o profissional
deverá, através de uma experimentação ativa com o sujeito e sua família, encontrar o melhor
design, portabilidade e acessibilidade.
Percebe-se, portanto, que uma valorização da singularidade de cada usuário e de seus
familiares que, mesmo em alguns casos não tendo um respaldo teórico claro, é processada na
práxis das profissionais. As fonoaudiólogas parecem evidenciar, na clínica de linguagem, a
perspectiva winnicottiana
(29)
a qual destaca a importância da sensibilidade e adaptação ativas do
terapeuta às necessidades da criança na clínica da infância. (F2) afirma a importância da
experiência nesse processo de sensibilização do terapeuta: (F2) “Precisa muito da experiência,
sabe, de tu conhecer muitas mães, de tu conhecer muitas mães diferentes umas das outras”.
Importante ressaltar, no entanto que o próprio autor da teoria
(29)
cita que não se pode
prescindir da discussão das experiências dos colegas a partir de uma visão teórica para que se
possa ir apurando tal sensibilidade e conhecimento terapêutico.
Conceitos da teoria da enunciação propostos pelo filólogo e historiador Bakhtin
(Volochínov)
(16)
sugerem espaços de reflexão importantes para a temática do funcionamento
lingüístico a partir do uso do recurso da CAA. Os conceitos de sinal, signo, polissemia e
dialogismo são úteis para se redimensionar o uso da CAA na clínica de linguagem.
Ao colocar a língua em movimento através da fala do terapeuta ou de outro parceiro
conversacional em um dado contexto de intersubjetividade compartilhado, os “símbolos” de
CAA, caracterizados como sinais, tornam-se signos no processo de enunciação e, portanto,
polissêmicos. São passíveis de inúmeros significados, guiados e atualizados pelo contexto. O
autor
(16)
afirma que a unicidade da palavra não é assegurada pela unicidade de sua composição
fonética: “A multiplicidade das significações é o índice que faz de uma palavra uma palavra” (p.
130)
(16)
.
Na perspectiva bakhtiniana, forma e uso articulam-se no processo de constituição de
sentidos no discurso. Um interlocutor significativo disposto a re(significar) os enunciados do
91
usuário de CAA se faz necessário, pois a língua também está na escuta do usuário, conforme
destacam as seguintes falas: (F2) “A gente não fala telegraficamente com a criança só porque ela
não fala. Então, de nós ela escuta! Ela está sendo sensibilizada para isso através da fala do
terapeuta! (...)”; (F4) “(...) linguagem existe nem que seja na voz do outro, a linguagem nunca
deixou, ninguém existe fora da linguagem”.
A pluralidade de sentidos somente ocorre durante a interação verbal (dialogismo),
realizada através da enunciação ou nas enunciações, que são de natureza social, constituindo
assim a realidade fundamental da língua
(16)
.
É possível, através da fala de (F10), visualizar o pensamento bakhtiniano neste exemplo:
“Olha, faltou, está faltando tal palavra!”, “Aí, tu sabe que em tal lugar ele falou não sei o quê,
mas não tinha aqui e daí ele fez um sinal com esse, esse símbolo aqui misturou esse. Tu esse
entrosamento”. Vê-se na fala de (F10) que, apesar de não dominar a teoria bakhtiniana, uma
percepção do funcionamento polissêmico do símbolo pictórico em sua passagem de sinal a signo
na enunciação.
Tal passagem do sinal ao signo permite
(30)
, quando projetada sobre a situação de uso da
CAA, encontrar uma saída para o dilema de não se viabilizar uma prancha que conta do
número necessário de símbolos. O conceito de dialogismo
(16)
permite uma releitura do desenho
de linha do PCS ou de qualquer outra simbologia (fotografia, desenho, figuras de encartes de
supermercado, etc.) através de mobilidade interpretativa subjetiva do “desenho” (sinal) durante a
enunciação (que não é repetível). Ele pode migrar para o estatuto de signo, que é algo sempre
variável e flexível, atualizado no contexto intersubjetivo entre os interlocutores.
Em um exemplo hipotético, o substantivo “tartaruga” poderia migrar para um estatuto de
adjetivo (lento), ou o também substantivo “feijão” poderia ser um índice de que o sujeito quer
dizer através da CAA que é preciso comprar o alimento no armazém (verbo), ou que ele quer
comer ou qualquer outro significado que veicule seu desejo enunciativo. A fala de (F4)
transparece este pensar ao defender que: (...) para a comunicação alternativa ser mais efetiva
também e realmente valer como comunicação, tu tens que colocar o mínimo possível, não é tanto
a quantidade de símbolos, mas assim é o quanto que eles são eficientes para comunicar aquilo
que ela quer. (...) Eu gosto mais da abordagem do sociointeracionismo(...) é a teoria que melhor
enxerga assim a linguagem não como um código, alguma coisa já pronta, mas uma coisa que vai
sendo construída com a criança”.
92
Os signos, na visão bakhtiniana
(16)
, somente emergem da interação, e não de uma simples
decodificação do “desenho” da CAA, não reduzindo a aquisição da linguagem à memorização de
palavras faladas, aqui substituídas por símbolos gráficos, comumente vista nas práticas
fonoaudiológicas de origem comportamentalista. As falas de (F1) e (F4) são bem objetivas na
defesa do uso da língua em funcionamento: (F1) “Não é para ficar apontando. Nomeando as
coisas. Porque para nomear a gente usa outros recursos, e não o PCS”; (F4) “Se tu faz um
trabalho assim e pede: ‘onde é que está a bola?’, ‘onde é que está não sei o quê?’, claro que
a mãe não vai ver aquilo como comunicação, porque tu não está fazendo a criança se
comunicar, tu estás mostrando para a mãe que a criança reconhece a bola”.
Os dois recortes descritos ilustram o que o autor
(16)
cita na página 94: “(...) a
descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da
palavra no seu sentido particular (...)”. Nesta proposta teórica
(16)
distingüe-se a terminologia
“símbolo” daquela de sinal e signo. Os símbolos, assim como os signos, veiculam ideologias; por
outro lado, o sinal é fixo e imutável. Qualquer produto de consumo pode ser transformado em
signos ideológicos, mas o produto em si não é um signo, conforme ilustra a seguinte citação: “O
pão e o vinho, por exemplo, tornam-se símbolos religiosos no sacramento cristão da comunhão”
(p. 32)
(16)
.
Portanto, os “símbolos” da CAA são equivocadamente denominados dessa forma por
desconhecimento dessas diferenças lingüísticas. Os “símbolos” da CAA não defendem
ideologias. Considerando o conceito de signo desse autor, pode-se afirmar que os símbolos da
CAA na verdade são sinais à disposição de um universo de significações infinitas a serem
interpretadas em um dado contexto dialógico, passando ao estatuto de signo durante o evento
enunciativo.
Nas falas das terapeutas que sinalizaram uma aproximação teórica nos moldes
bakhtinianos, observa-se que percebem a necessidade de o recurso ser introduzido, via
funcionamento lingüístico, conseguindo transcender a visão de língua enquanto código, embora
não tenham conhecimento lingüístico aprofundado sobre as teorias do discurso e enunciação e
seus reflexos sobre o processo de aquisição da linguagem. Assim, a introdução de tal recurso
somente teria sentido se construída a partir de uma participação dos seus usuários. No caso da
clínica, o sujeito com impedimento de fala e seus familiares.
93
Outro aspecto importante é a possibilidade de pensar que a lista de símbolos não necessita
ser exaustiva. Essa preocupação é muito freqüente entre as fonoaudiólogas, pois a possibilidade
de usar com flexibilidade um mesmo símbolo, cujo valor de signo será definido a cada situação
de enunciação, permite pensar que o foco principal da terapêutica deve ser o modo de uso do
recurso, e não a lista de símbolos. As fonoaudiólogas que não possuem essa percepção
enunciativa do funcionamento lingüístico preocupam-se mais com aspectos comunicacionais em
si e com as condições cognitivas do sujeito para utilizar a CAA. (F6) se afirma vygotskyana e
demonstra uma preocupação com a comunicação e o fonoaudiólogo como um mediador: “(...)
O fonoaudiólogo vai ser um facilitador para a criança se comunicar com o mundo externo. Se
comunicar até com mundo interno (...)”.
A fala de (F3) demonstra a preocupação com a organização do recurso em função das
potencialidades cognitivas do sujeito: (F3) Vai conforme o entendimento da criança, se ela
consegue, assim, fazer essa transferência do objeto para a figura e para o símbolo”. Essa
preocupação com a cognição se reflete em sessões estruturadas que a família deve presenciar para
apreender a fazer em casa: (F3) Eu prefiro eu fazer com a criança e que elas fiquem olhando
pra ver como é que eu estou fazendo. Eu faço assim, eu fico fazendo uma demonstração. Então, é
assim que eu faço essa introdução”.
Embora se afirme cognitivista, (F3) tem um fazer que, por vezes, aproxima-se do
comportamentalismo, pois trabalha com os pais a partir de hierarquias que ela determina como a
seqüência adequada de trabalho. (F9) também fala desse lugar quando afirma a participação da
mãe como uma “auxiliar” para conseguir os símbolos que ela não consegue encontrar para inserir
na prancha: (F9) A mãe também procura em casa coisas que eu digo... E eu trabalho em
terapia e ela leva para casa. ela fica até o próximo dia da terapia, volta. Daí a gente
trabalha, repete aquilo ali”. Essas falas nem sempre são constantes, emergindo, em alguns
momentos, a percepção do desejo do sujeito usuário de CAA: (F3) conforme eu vejo os
interesses da criança, ou eu tiro alguns símbolos, ou então eu deixo depois eu vou acrescentando
outros”.
4.4 CONCLUSÃO
Fica claro que, apesar de possíveis lacunas teóricas, em decorrência da fragilidade na
formação de graduação, há uma práxis muito sensível que permite o funcionamento lingüístico na
maior parte do grupo e que tem feito avançar o uso da CAA na realidade investigada. A prática
94
vai induzindo o fonoaudiólogo, mesmo que submetido a uma formação comportamentalista e/ou
cognitivista em linguagem, a considerar o desejo e as necessidades do sujeito na construção do
recurso.
No entanto, a falta de embasamento teórico para esse fazer, ou a não percepção do
mesmo, sugere que há uma prática divorciada da teoria e que não é divulgada cientificamente em
revistas da área, de modo a fazer predominar na literatura fonoaudiológica clássica visões
comportamentalistas e cognitivistas. Parece haver uma restrição em se admitir como parte
integrante da clínica de linguagem o desejo do sujeito e de sua família. Talvez haja a percepção
de que tal aspecto faça parte de uma teoria psíquica, a qual o fonoaudiólogo não se autorizaria a
utilizar e/ou falar. fonoaudiólogas que possuem certa consciência de um hibridismo teórico,
quando ressaltam que casos em que o retardo mental é tão acentuado que a necessidade de
um trabalho de repetição, mesmo sendo adeptas de uma proposta interacionista. Algumas
percebem uma complementaridade de saberes, sobretudo entre estudos cognitivistas e
interacionistas, pois parecem utilizar distintas teorias para pensar aspectos diferentes do
desenvolvimento humano.
Esses saberes parecem estar relacionados à formação acadêmica que expõe a teoria sem
uma conexão com a prática, não permitindo que a prática a interrogue, ou seja, ainda se busca
aplicar as distintas teorias para visualizar a prática, e não necessariamente ter uma visão crítica
das teorias a partir da prática. Importa ao fonoaudiólogo diferenciar teorias que sejam sobre
cognição e constituição psíquica das teorias específicas à linguagem, sobretudo as que teorizam a
língua, pois este é o objeto de estudo da fonoaudiologia na clínica de linguagem.
Em relação ao insucesso terapêutico, várias percepções que perpassam a família, o
sujeito, a limitação de recursos tecnológicos na realidade brasileira, mas nenhuma faz referência
explícita à base teórica da clínica de linguagem e como esta o trabalho com o sujeito e a
família e, sobretudo, uma visualização de como a língua entra em funcionamento no processo
intersubjetivo.
É preciso haver alteridade e relação entre dois sujeitos a priori para que as figuras (sinais)
da prancha de CAA deixem de ser imóveis e passem a ter o estatuto de signo (bakhtiniano)
durante a enunciação, ou seja, necessitam de um funcionamento lingüístico entre interlocutores
na clínica e nos demais contextos da vida de seus usuários. Assim, a CAA se tornará um
instrumento que permitirá emergir a linguagem em suas múltiplas dimensões, para além do
95
comunicar, principalmente como forma de ser. Para que esta visão de língua(gem) perpasse a
clínica dos distúrbios da linguagem, necessita-se aprimorar a formação acadêmica oferecida pelos
cursos de graduação em Fonoaudiologia. Recomenda-se, portanto, incluir em suas grades
curriculares a disciplina especializada em comunicação aumentativa e alternativa, ou no mínimo,
contemplá-la em algum plano de ensino da área da linguagem.
REFERÊNCIAS
1. Bailey RL, Parette Jr. HP, Stoner JB, Angell ME, Carroll K. Family members' perceptions of
augmentative and alternative communication device use. Lang Speech Hear Serv Sch.
2006;37: 50-6.
2. Pennington L, Goldbart J, Marshall J. Tratamiento del habla y el lenguaje para mejorar las
habilidades de comunicación de niños con parálisis cerebral. Oxford: Wiley; 2007. [citado
2008 Mai 11]. Disponível em http://www.sld.cu/galerias/pdf/sitios/rehabilitacion-
logo/terapia_paralisis_cerebral.pdf
3. Ratcliff A, Koul R, Lloyd LL. Preparation in augmentative and alternative communication: an
update for speech-language pathology training. Am J Speech Lang Pathol. 2008; 17:48-59.
4. Millar DC, Light JC, Schlosser RW. (2006). The impact of augmentative and alternative
communication intervention on the speech production of individuals with developmental
disabilities: a research review. J Speech Lang Hear Res. 2006;49:248-64.
5. Panhan H. A tecnologia no espaço clínico e terapêutico fonoaudiológico. Temas Desenvol.
2001;10(58-9):55-8.
6. Vasconcelos R. Paralisia cerebral e comunicação alternativa e suplementar: linguagem em
funcionamento. Temas Desenvol. 2001;10(58-9):79-84.
7. Chun RYS. Comunicação suplementar e/ou alternativa: favorecimento da linguagem de um
sujeito não falante. Pro Fono. 2003;15(1):55-64.
8. Trevizor TT, Chun RYS. O desenvolvimento da linguagem por meio do sistema pictográfico
de comunicação. Pro Fono. 2004;16(3):323-32.
9. Capovilla FC, Thiers VO. Aprendendo símbolos Bliss via computador I. Distúrbios da
Comunicação. 1998;9(2): 325-72.
10. Johnson RM. Guia dos símbolos de comunicação pictórica. Porto Alegre: Clik; 1998.
11. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo:
Hucitec; 2008.
12. Skinner BF. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes; 1989.
13. Piaget J. A linguagem e o pensamento da criança. 6a ed. São Paulo: Martins Fontes; 1993.
14. Vygotsky LS. Pensamento e linguagem. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes; 2005.
15. Chomsky N. Linguagem e mente: pensamentos atuais sobre antigos problemas. Brasília:
UNB; 1998.
96
16. Bakhtin M. (V. N. Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 7a ed. São Paulo: Hucitec;
1995.
17. Terçariol D. A clínica fonoaudiológica: da prática à construção de fundamentos teóricos-
metodológicos. In: CG Graña. Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2008. p.79-
94.
18. De Lemos, CTG. Los procesos metafóricos y metonímicos como mecanismo de cambio.
Substratum. 1992;1(1):121-135.
19. Winnicott DW. Holding e interpretação. São Paulo: Martins Fontes; 1991.
20. Frota LMCP, Oliveira VLM. Experiência de ser mãe da criança com paralisia cerebral no
cuidado cotidiano Rev. Bras. Ed. Esp. 2004;10(2):161-74.
21.
Pinto MCF. Fonoaudiologia na paralisia cerebral. 200-? [citado 2008 Nov 29]. Disponível em
http://www.profala.com/arttf66.htm
22. Assis SG, Pesce RP, Avanci JQ. Resiliência: enfatizando a proteção dos adolescentes. Porto
Alegre: Artmed; 2006.
23. Cesa CC. A influência da atividade dialógica no processo terapêutico. In: MC Danesi, BL
Pinto. Fonoaudiologia e Linguagem: teoria e prática lado a lado. Porto Alegre: Sulina,
Universitária Metodista; 2007. p. 81-86.
24. Johnston SS. Considering response efficiency in the selection and use of AAC systems. J
Speech-Lang Pathol Appl Behav Anal 2006;1(3):193-206.
25. Capovilla FC. Informática aplicada à neuropsicologia. In: N Rodrigues, L Mansur. Temas em
Neuropsicologia Série de Neuropsicologia. São Paulo: Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia; 1993. p. 130-40.
26.
Surreaux LM. Linguagem, sintoma e clínica em clínica de linguagem [tese]. Porto Alegre:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Letras; 2006.
27.
Kessler TM. A surdez que se faz ouvir: sujeito, língua, sentido [tese]. Santa Maria:
Universidade Federal de Santa Maria - Centro de Artes e Letras; 2008.
28. Balestro JI, Ramos-Souza AP. A clínica de linguagem no autismo: terapia de dois irmãos. In:
CG Graña. Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2008. p. 143-80.
29. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do
desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed; 1983.
30. Flores VN, Teixeira M. Introdução à lingüística da enunciação. São Paulo: Contexto; 2005.
97
5 SEGUNDO ARTIGO DE PESQUISA
INTERSUBJETIVIDADE MÃE-FILHO NA EXPERIÊNCIA COM COMUNICAÇÃO
AUMENTATIVA E ALTERNATIVA
RESUMO
Objetivo: Esta pesquisa se propôs a escutar a percepção materna sobre a introdução e uso da
prancha de comunicação aumentativa e alternativa na clínica de linguagem da paralisia cerebral.
Método: foram realizadas entrevistas com um roteiro semi-dirigido e através da coletânea de
narrativas foram criadas categorias de análise a partir de três pontos norteadores: a) a constituição
da função materna e seu exercício junto ao sujeito com paralisia cerebral; b) a interação dialogal
sob a ótica bakhtiniana e c) os efeitos da clínica de linguagem na função materna e no diálogo das
mães com seus filhos. Resultados: Os resultados indicam diferentes tipos de uso do recurso na
díade mãe-filho, tendo relação com a qualidade do exercício da função materna e a forma de
apresentação do recurso ao usuário e a sua família. Quando a concepção de linguagem com a qual
é implementado o recurso não inclui a família, nem considera o exercício da função materna, os
resultados na sua generalização e manutenção são precários. Nos casos em que houve o debate
sobre o uso familiar da prancha, o processo de intersubjetividade do sujeito sem oralidade foi
favorecido o uso e a generalização foram ampliados. Conclusão: Conclui-se que a concepção de
linguagem dialógica de Bakhtin, atravessada pela psicanálise, permite uma abordagem mais
eficaz do recurso comunicativo investigado.
Palavras-chave: comunicação; paralisia cerebral; terapia de linguagem; language; relações mãe-
filho.
98
MOTHER-CHILD INTERSUBJECTIVITY IN ALTERNATIVE AND AUGMENTATIVE
COMMUNICATION EXPERIENCE
ABSTRACT
Purpose: This study aimed at analyzing the maternal perception on the introduction and use of
alternative and augmentative communication boards in cerebral palsy language clinic. Methods:
Semi-structured interviews were conducted and used to created analysis categories based on three
guiding aspects: a) constitution of maternal function and its execution with individuals with
cerebral palsy; b) dialogic interaction under Bakhtinian perspective; and c) the effects of
language clinic on maternal role and on the dialogue between mothers and their children.
Results: The results indicate different types of resource use in the mother-child dyad, which are
related to the quality of maternal role and to the form of presenting the resource to users and their
family. When the conception of language with which the resource is implemented does not
include the family or consider the exercise of maternal role, the results in its generalization and
maintenance are precarious. In cases in which there was a debate on family use of the
communication board, favoring the process of intersubjectivity between subjects without orality
and their family, use and generalization were increased. Conclusions: It can be concluded that
Bakhtin’s conception of dialogic language crossed by psychoanalysis allows for a more
efficacious approach of the communicative device.
Key-words: communication; cerebral palsy; language therapy; language; mother-child relations.
99
5.1 INTRODUÇÃO
A ausência ou limitação da expressão oral devido a algum acometimento da ordem do
orgânico ainda é vista por alguns fonoaudiólogos como um critério eletivo para que tais sujeitos
não recebam intervenção no âmbito da linguagem, restringindo o atendimento a aspectos da
motricidade orofacial, como a alimentação. nos casos em que o terapeuta não domina os
recursos de comunicação aumentativa e alternativa (CAA), a prancha de comunicação*
10
pode ser
pensada como uma forma de trabalhar a linguagem. Entretanto, a simples tomada de decisão para
implantar um sistema complementar e alternativo de comunicação por si não garante ao
fonoaudiólogo o sucesso estimado. necessidade de reflexão acerca da concepção teórica com
a qual o profissional introduz e trabalha o recurso, pois esta pode gerar impactos distintos em sua
implementação junto a usuários e familiares. Nas publicações científicas da área, observa-se que
a inserção do recurso ocorre a partir de visões comportamentalistas e cognitivistas, o que pode
explicar as limitações na generalização e manutenção do uso da CAA
(3)
. A investigação desses
autores concluiu, após a análise de 50 estudos, que a intervenção e a generalização são mais bem-
sucedidas do que a manutenção, possivelmente porque muitos estudos têm foco menor na
interação usuário-parceiro.
Alguns trabalhos internacionais começam a valorizar o papel da família no processo de
inserção desse recurso em sujeitos com limitações orais importantes
(4-11)
. Entretanto, pode-se
observar que os artigos não valorizam a investigação sobre a função materna e a
intersubjetividade mãe-filho
(12)
, mas somente o processo de seleção do recurso (design e
acessibilidade), os aspectos lingüísticos e foco único no usuário.
Em um ensaio teórico com foco na família
(4)
, foram criados contextos hipotéticos que
retratam situações cotidianas na relação comunicacional. Tal estudo verificou a importância de se
adaptar individualmente a intervenção e ver a família como unidade de serviço. Nessa mesma
direção um outro estudo
(7)
salientou que as expectativas, os facilitadores, as barreiras e os
benefícios do uso do recurso devem ser analisados caso a caso com a participação familiar. Os
autores
(7)
afirmam que o excesso de estresse familiar está relacionado ao tempo de uso do recurso
e, por isso, o uso de comunicação corporal é preferido ao uso da CAA. Mesmo diante de bom
10
* A prancha de comunicação é um dos recursos de baixa tecnologia disponível para a implementação de um
sistema de comunicação aumentativa e alternativa
(1)
. Nestas, são colocados vários símbolos gráficos que
representam mensagens, de acordo com as necessidades comunicativas de seu usuário. Uma forma muito comum de
organizar esse recurso é chamada de técnica por subdivisão e níveis
(2)
.
100
conhecimento e sensibilidade do terapeuta, estudos que confirmam essa insatisfação com o
recurso
(6)
. Outros afirmam a necessidade de criar oportunidades de comunicação e aumentar a
responsividade dos pais às demandas comunicacionais das crianças
(5, 10)
.
O impacto das práticas em CAA na qualidade de vida familiar foi estudado através de
uma revisão de literatura de 13 artigos publicados entre 1985 e 2005
(11)
. O estudo revelou cinco
domínios para tal impacto: interação familiar, bem-estar físico e material, exercício da função
parental, suporte ao distúrbio e promoção do bem-estar emocional ao usuário e aos familiares.
Esse foco duplo no usuário e na família como aspecto central para a efetividade das abordagens
terapêuticas é indicado por vários estudos
(5, 10, 13)
como a estratégia terapêutica mais efetiva,
embora os estudos não obedeçam a todos os critérios preconizados pela área de saúde baseada em
evidências.
O fonoaudiólogo que optar, junto com a sua equipe de trabalho, por esse recurso
comunicativo
(1)
, deve ter ciência de que a participação da família é fundamental durante o seu
processo de seleção, implementação e utilização. Desta forma, distancia-se de uma intervenção
na qual as atividades, quando vivenciadas com os pais, referem-se apenas a orientações sobre o
que eles deveriam fazer ou como deveriam se relacionar com o filho
(14)
e aproxima-se de uma
atitude de co-autoria.
Contudo, ainda percebe-se que, apesar dos ganhos na participação da família na
construção desse instrumento, o discurso materno na clínica de linguagem aponta a não
efetivação do seu uso no cotidiano, ficando restrito à sessão terapêutica. Cogitou-se como
hipótese inicial deste estudo que, possivelmente, aspectos motivacionais, instrumentais,
tecnológicos e/ou teóricos relacionados à concepção terapêutica de linguagem na qual a prancha é
apresentada à família e ao paciente parecem ser elementos intimamente relacionados à questão
central desta investigação.
Por esses motivos, a clínica fonoaudiológica não pode se restringir a um processo
unicamente objetivo, focado apenas em aspectos orgânicos e instrumentais do uso da CAA, mas
deve trabalhar no terreno da intersubjetividade da criança e seus familiares, realizando-se na
forma de atendimentos à criança e/ou seus pais. Tanto atendimentos conjuntos da criança com os
pais quanto um processo de entrevistas continuadas com os pais fazem parte de um processo
clínico que não é novo, mas que ainda se encontra em processo de difusão na fonoaudiologia,
sendo chamado de “clínica da subjetividade” em oposição à tradicional “clínica da objetividade”
101
(15)
. Essa clínica subjetiva diferencia-se de procedimentos objetivos de caracterização dos
sintomas orgânicos/lingüísticos, que têm por base uma concepção de língua/linguagem mentalista
e/ou puramente estruturalista.
Nessa concepção, que inclui a subjetividade, alicerces na psicanálise são necessários, pois
para que o seu uso seja legitimado no cotidiano, de se esperar uma mãe com um desempenho
de função materna suficientemente bom
(12, 16)
. Na falta ou precariedade dessa função, o bebê não
será suficientemente olhado, falado e sustentado, podendo acarretar prejuízo em sua constituição
de sujeito
(17)
, o que pode ocorrer tanto com mães de bebês com limites orgânicos evidentes como
com aquelas cujos filhos não possuem qualquer limite biológico.
As inquietações advindas da clínica de linguagem com sujeitos sem oralidade e suas
famílias motivou este artigo. A proposta é investigar, através do discurso das mães de crianças e
adolescentes acometidos pela paralisia cerebral, as possíveis relações entre o exercício da função
materna, a efetividade do recurso da prancha de CAA em suas rotinas com seus filhos e o
impacto gerado a partir da forma de implementação do recurso pelo fonoaudiólogo. Espera-se,
com o desenvolvimento desta pesquisa, trazer contribuições para a reflexão do papel dos
profissionais de saúde, sobretudo fonoaudiólogo e psicólogo, que atuam com sujeitos lesionados
cerebrais e com suas famílias.
5.2 MÉTODOS
Participaram desta pesquisa 10 mães de crianças e adolescentes que tivessem diagnóstico
médico de ECI, geralmente denominada como paralisia cerebral (PC), independente do tipo e
comprometimento motor global, com ou sem retardo mental (RM). Caso os sujeitos
apresentassem retardo mental, este não poderia ser impeditivo ao uso da prancha de CAA.
Também foi considerado critério de inclusão que seu filho (a) tivesse uma prancha de CAA
devido à oralidade ausente ou limitada e (b) assiduidade na intervenção fonoaudiológica.
Portanto, foram mães de filhos com boas condições de desenvolvimento de linguagem
compreensiva e que poderiam se expressar de forma alternativa através da prancha de CAA. As
mães foram selecionadas por amostra de conveniência em um centro de reabilitação onde uma
das autoras atua, desde que preenchessem satisfatoriamente tais critérios de inclusão. O convite e
o agendamento foram realizados pessoalmente ou via contato telefônico.
Foram excluídas as mães que tivessem filhos com possibilidade de comunicação oral
exclusiva ou aqueles em que não os meios necessários para o uso da prancha de CAA com
102
visão subnormal e considerável deficiência auditiva associadas à PC e os casos graves de autismo
primário ou secundário, psicose e deficiência mental observados na rotina clínica.
Todos os aspectos de inclusão e exclusão foram observados e definidos na clínica de
origem de seus filhos, a qual conta com equipe multidisciplinar (pediatra, fonoaudióloga,
fisioterapeuta, psicóloga, terapeuta ocupacional e assistente social) para efetivar tal diagnóstico.
Esse centro de reabilitação foi escolhido por se tratar de uma amostra de conveniência, pelo perfil
sociocultural de clínica-escola e por ser um dos locais de atuação da pesquisadora. Nesse centro,
os tratamentos não estão condicionados a limitações, como, por exemplo, tempo de vínculo
institucional pré-determinado entre instituição e pacientes. Ressalta-se, também, que todas as
mães já tiveram seus filhos(as) assistidos(as) por uma ou mais instituições de reabilitação.
As mães foram convidadas e devidamente esclarecidas sobre os propósitos da pesquisa e,
mediante o aceite, foi agendada uma visita domiciliar para a realização da pesquisa. Por se tratar
de uma visita domiciliar, buscou-se evitar, durante a realização da coleta, a presença da criança
ou adolescente, proporcionando maior liberdade e segurança para que as mães emitissem suas
opiniões. Após a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi iniciada a
aplicação de um roteiro de entrevista pela pesquisadora, o qual foi elaborado, com perguntas
abertas e fechadas, com temas pertinentes às percepções e uso da CAA na rotina familiar. Esse
roteiro serviu como guia na coleta de dados orais e, conforme o desenvolvimento da narrativa
familiar, a pesquisadora poderia realizar outras questões, não se limitando somente aos
questionamentos traçados no roteiro de entrevista inicial. Todas as entrevistas foram gravadas em
um aparelho de marca Sony TCM 359V, em fitas cassetes, tendo cada entrevista duração média
de uma hora. Ao término da coleta, as fitas foram submetidas à transcrição por duas
colaboradoras (uma fonoaudióloga e uma assistente social) com experiência em transcrição de
dados e, a seguir, foi realizada a conferência pela primeira autora. A coleta foi realizada entre
agosto de 2007 a março de 2008.
Após a primeira leitura das dez entrevistas, foram criadas três categorias de análise, que
serviram como pontos norteadores:
1. A constituição da função materna e seu exercício junto ao sujeito com ECI;
2. Interação dialogal, segundo a perspectiva bakhtiniana
(18)
, entre mãe e filho(a);
3. Efeitos da clínica de linguagem na função materna e no diálogo da mãe com seu
filho(a).
103
Considerando esses três pontos norteadores, foi realizada uma segunda leitura, na qual
foram selecionados e agrupados os fragmentos mais expressivos das entrevistas. Considerou-se a
coletânea das narrativas a melhor forma de apresentar a fala das entrevistadas. Para esta fase do
trabalho, buscou-se orientação em Thompson
(19)
, que explica o valor da história oral, os
cuidados, os passos, os instrumentos e como utilizá-los de forma a atingir os objetivos propostos.
Esse tipo de pesquisa permite a busca de significados através de narrativas, depoimentos e
representações
(20)
. Quando da análise e discussão dos dados, houve o cuidado com os recortes a
serem feitos, para extrair dos depoimentos os elementos mais significativos, sem alterá-los,
transcrevendo-os tais como foram apresentados
(21)
. Deste modo, busca-se identificar as
semelhanças e diferenças entre os discursos das mães, assim como as contradições, e sinalizar
significados latentes nas entrevistas. Destacamos que após a coleta, transcrição e leitura de M10
optamos por excluí-la da amostra para a análise, por tomarmos conhecimento de sua acentuada
fragilidade psíquica, demonstrada inclusive na falta de coesão e coerência discursiva durante a
entrevista. Portanto, foram analisadas para esta pesquisa nove entrevistas.
Para melhor visualização da amostra, apresenta-se um quadro descritivo demonstrando
uma breve caracterização das mães participantes, incluindo algumas informações de seus
respectivos(as) filhos(as):
QUADRO 1 - PERFIL DA AMOSTRA DAS MÃES ENTREVISTADAS QUANTO AOS ASPECTOS DE IDADE
E USO DA PRANCHA DE CAA COM OS(AS) FILHOS(AS), ALÉM DE DADOS SOBRE O USO DA PRANCHA
COM OUTROS PARCEIROS CONVERSACIONAIS, IDADE CRONOLÓGICA, SEXO, DIAGNÓSTICO
FISIOTERAPÊUTICO E DE RETARDO MENTAL DE SEUS RESPECTIVOS(AS) FILHOS(AS).
Amostra Idade Mãe usa
a prancha
com o(a)
filho(a)
Filho(a)
usa a
prancha
com os
outros
Idade
Cronoló-
gica do(a)
filho(a)
Sexo
do(a)
filho(a)
Diagnóstico fisioterapêutico
do(a) filho(a)
Retardo
mental
do(a)
filho(a)
M1 42 anos às vezes sim 13a2m M Quadriparesia coreoatetose Não
M2 21 anos Não não 6a5m F Quadriparesia espástica Não
M3 34 anos às vezes às vezes 15a2m F Quadriparesia espástica Não
M4 28 anos às vezes às vezes 7a5m F Quadriparesia coreoatetose Sim
M5 40 anos Não não 10a3m M Quadriparesia espástica Sim
M6 31 anos às vezes sim 8a7m F Quadriparesia coreoatetose Não
M7 24 anos às vezes às vezes 7a11m M Quadriparesia espástica Não
M8 23 anos Não sim 5a3m M Quadriparesia coreoatetose Não
M9 37 anos Sim não 7a7m F Quadriparesia espástica Sim
Legenda:
F - feminino
M - masculino
104
Esta pesquisa insere-se no projeto “Clínica da subjetividade nos retardos da aquisição da
linguagem oral”, coordenado pela Dr. Ana Paula Ramos de Souza, aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa Institucional, sob processo número 23081.010681/2007-41 e Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética CAAE número: 0117.0.243.000-07, em seu subprojeto
sobre a clínica de linguagem na encefalopatia crônica infantil (ECI).
Para proceder à discussão dos dados, buscou-se esteio nas leituras sobre as fases
evolutivas na criança, as quais se relacionam com o exercício da função materna, advindas da
proposta psicanalítica de Winnicott
(16, 22)
. Como referencial teórico lingüístico, utilizou-se a
proposta interacionista de Mikhail Bakhtin (Volochínov)
(18)
, sobretudo acerca do funcionamento
lingüístico intersubjetivo.
5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A revisão realizada acerca da CAA permite afirmar que não se questiona a validade
terapêutica da CAA e os ganhos possíveis com tal estratégia de comunicação. Sabe-se, também,
que países desenvolvidos têm, por questões financeiras, acesso à alta tecnologia, enquanto nos
menos desenvolvidos a prancha de comunicação é a realidade possível para muitos usuários
(1, 2)
.
Entretanto, pouco se aprofunda sobre a motivação do insucesso no processo de generalização
insuficiente a todas as situações de vida do usuário.
Considerando o aspecto freqüência de uso e-filho, das 9 entrevistas analisadas, os
resultados apontam que três mães não usam a prancha de CAA em nenhum ambiente (M2, M5 e
M8), pois segundo estas raramente apresentam dificuldades de interpretação corporal de seus
filhos. Cinco es usam às vezes quando não entendem o que o filho quer dizer ou estão em
dúvida (M1, M3, M4, M6 e M7), e uma mãe usa sempre (M9).
Observa-se, nas falas das três mães que nunca usam a prancha, a crença materna de que
somente a linguagem corporal associada às vocalizações, sorrisos e choros é o suficiente para que
elas consigam interpretar o seu filho com ausência ou grave limitação de fala, sendo, portanto,
desnecessário o uso da prancha de CAA.
Os recortes realizados a seguir ilustram essa forma de pensar: (M2) “Eu e a G., a gente se
entende pelo olhar, então, assim é uma coisa que vem naturalmente, eu nem penso, eu sei o
que que ela quer, no olhar eu sei o que a G. quer”; (M5) “Eu sinceramente não tenho
dificuldade nenhuma para entender ele. O J. fala muito com os olhos assim. Quando ele quer
ele aponta com os olhos, até mais do que com as mãos e com os braços”.
105
Das três mães que referem não utilizar a prancha de CAA em nenhum contexto, por total
compreensão, duas (M2 e M8) apresentam contradição ao afirmarem que seus filhos insistem
para serem entendidos. Isso demonstra que o imaginário referido por elas, de que entendem tudo
o que o filho quer dizer, é contraditório com alguns comportamentos dos filhos(as), que ficam
insatisfeitos com algumas interpretações e insistem para serem compreendidos.
Algumas mães da amostra afirmam que, quando não entendidos, seus filhos manifestam
seu descontentamento através da irritação, choro, briga, beliscão, mordida, berro, etc. (M8) “Tem
vezes que ele não consegue se expressar bem assim, daí a gente acaba pegando ele, indo no
local e ele acaba mostrando o que que ele quer mesmo”.
Uma das mães que usa às vezes (M4) não realiza uma interpretação corporal tão acurada,
mas deduz o que o filho quer a partir de uma rotina fixa, na qual o horário permite saber as
necessidades fisiológicas, mas raramente dialoga sobre outras temáticas, conforme se em seu
discurso: (M4) “Ah! É meio, meio difícil, assim, a comunicação com ele, porque ele está sempre
sorrindo, sempre sorrindo e aí a gente não sabe se é sim ou se é não”.
(M9) refere que usa sempre a prancha de comunicação, pois tem dificuldades em decifrar
a gestualidade corporal de sua filha. Tal mãe afirma que o instrumental (prancha de CAA)
colaborou no cuidado a sua filha. No entanto, observa-se nessa mãe uma falta de vínculo corporal
com a menina.
Cinco mães afirmam que, quando não entendem o que seus filhos querem dizer ou quando
estão em dúvida, usam a prancha de CAA. Percebem que o filho está crescendo e precisa se
comunicar com outras pessoas, em diferentes tipos de ambientes e contextos.
As falas abaixo demonstram esse desejo materno: (M7) “Até porque se fosse por mim,
não usava porque eu ia entender ele sempre, mas eu sei que ele não vai estar sempre comigo, ele
não vai estar 24 horas por dia comigo e ele tem que de alguma maneira se expressar, tem que
ter diálogo com as outras pessoas da mesma maneira que tem comigo”.
A fala de (M1) também valoriza a prancha de CAA: “Já como ele não fala, a prancha é a
boca do A. A mãe (M3) afirmou que, a partir do momento que conheceu outras mães com seus
filhos também deficientes físicos em uma instituição especializada, transformou o seu jeito de
enfrentar a deficiência que acometia a sua filha. A mudança de uma instituição para deficientes
mentais para a especializada em deficientes físicos permitiu o processo de identificação com as
outras mães, de aceitação das características e compreensão das potencialidades da filha.
106
Algumas mães ressaltam que não imaginavam o uso da CAA com terceiros: (M3) “Mas eu não
sabia que ela podia falar com outras pessoas sem saber falar, e isto eu fui saber com a
prancha”.
Na investigação da generalização de uso com outros parceiros conversacionais as mães
referem que nem todos os filhos(as) utilizam a prancha de CAA. Quatro dos sujeitos que nunca
usam são os filhos(as) de M2, M5 e M9; três dos que usam às vezes, apenas esporadicamente são
filhos(as) de M3, M4 e M7; três filhos(as) utilizam a prancha com outros parceiros
conversacionais (M1, M6 e M8). Quatro mães afirmam que a prancha de comunicação deveria
ser utilizada em diferentes ambientes e contextos além da terapia fonoaudiológica. Sugerem que
professores terapeutas de outras áreas e médicos a utilizem, inclusive durante a internação
hospitalar e na hidroterapia. Uma das mães que não utiliza a prancha pontua: (M5) “Porque, de
repente, estão exigindo isso, uma coisa da gente, estão pedindo uma coisa para gente que a
própria instituição não aplica”.
O aspecto de portabilidade e acesso ao recurso em si é avaliado pelas mães, sendo que
quatro referem que não é prático, quatro afirmam que o utilizam mesmo não sendo prático, uma
deixa a prancha guardada para não sujar e rasgar, e uma não refere desconforto. Duas das mães
salientaram o processo de personalização durante a confecção do recurso e da sua acessibilidade.
Embora importante, esse aspecto parece não ter sido o que mais impede o uso da prancha no
discurso materno. Dois aspectos se destacaram nesse sentido: a relação mãe-filho e a forma como
a prancha foi introduzida pela terapeuta junto à mãe e seu filho.
Considerando a relação mãe-filho, percebeu-se um prolongamento importante da relação
simbiótica: (M5) Eu também não sabia que ele tinha problema, não sabia como se lhe dava
com uma criança especial, foi melhorar depois que ele passou dos nove meses, que ele deu uma
acalmada, ‘sugava’ muito, eu dizia para ele: ‘Tu quer a minha alma!’. Ele não queria o meu
físico, ele queria a minha alma”. Eu fico assim porque até hoje de vez em quando eu custo para
acreditar que ele está lá longe de mim!”.
Mesmo sabendo que apenas a prancha permitirá veicular alguns sentidos que ficariam
limitados na expressão puramente corporal, as mães não investem no recurso. O resultado sugere
que, de modo inconsciente o uso levaria seus filhos a ter uma atitude mais independente. Dentre
as diversas teorias pscicanalíticas existentes, optou-se pela de orientação winnicottiana
(12, 16, 22)
a
107
qual traz contribuições fundamentais para se pensar a função materna, identificando fases
evolutivas na criança que se relacionam com o exercício da função materna.
A primeira fase é de dependência absoluta e está relacionada ao período perinatal e até
algumas semanas depois deste, predominando a preocupação materna primária, em que a mãe,
segundo o autor, “enlouquece” para dar conta dos cuidados com o bebê. É um momento de
transparência psíquica da mãe, no qual a rede de apoio será fundamental para que possa exercer
sua função e passar pela adaptação à nova rotina de vida em torno do bebê. O ritmo da mãe será
ditado pelas necessidades do bebê, pois terá de fazer o holding necessário para sustentar seu bebê
física e psiquicamente
(23)
.
um processo de vinculação extremo entre mãe e bebê, de modo que este crie a ilusão
de que ele e a mãe são um só, denominado simbiose
(16)
. Tal ilusão inicia sua resolução entre 6 e 8
meses de idade, período no qual surge a chamada angústia de separação e se intensifica a
construção mental
(16, 22)
que irá culminar no desenvolvimento de habilidades lingüísticas e
cognitivas importantes até os 24 meses.
Com a evolução de habilidades lingüísticas, motoras e cognitivas do bebê ao final do
segundo ano de vida, inaugura-se um período de dependência relativa, no qual a criança inicia
uma crescente autonomia física e psíquica da mãe. Nesse período, a inserção escolar se viabiliza,
ocorre a ampliação do brincar e do processo de socialização.
Tais fatos não se verificam do mesmo modo com os sujeitos portadores de ECI, dado o
fato de que as evoluções motoras não ocorrerão. A dependência física pode gerar conseqüências
ao exercício da função materna, uma vez que pode ou não haver a percepção de que o sujeito
evoluiu cognitiva e lingüisticamente. Embora as mães desta pesquisa percebam o potencial
cognitivo do filho, parecem não vislumbrar todas as possibilidades lingüísticas que o uso da CAA
traria ao desenvolvimento e independência do filho.
Talvez um dos aspectos que esteja na raiz desse dilema é a falta de desejo em relação a
essa independência, que a dependência física parece prolongar o estado de preocupação
materna primária de modo mais intenso para essas mães que não utilizam a CAA. As mesmas
parecem temer perder o espaço privilegiado de intérprete do filho: (M5) “Mas hoje depois assim
com o passar do tempo, eu não sei não, não, talvez, eu, eu tenha uma pouco de culpa assim
nisso, porque eu não, por eu sabero que ele quer eu não, não deixo talvez ele quer, não é que
108
eu não deixe, eu não faço com que ele use tanto a prancha assim, porque eu sei o que ele
quer, ele fala com os olhos...”.
A fragilidade do exercício da função paterna
(24)
ou ausência de alguém que desempenhe a
função de “corte” foi fato observado nas falas de diversas mães. (M2) e (M8) referem-se aos seus
esposos (pais das crianças usuárias de CAA) como não tendo “voz” nas decisões familiares; (M7)
é viúva; (M3), (M6) e (M9) mantêm-se casada com os pais de seus filhos, e outras (M1), (M4) e
(M5) estão separadas do pai biológico. (M4), (M5) e (M7) não mantêm união estável conjugal. A
fala de (M7) retrata uma situação vivenciada quando o seu filho era ainda um bebê:“O E. estava
com seis meses, o pai dele faleceu e eu fiquei sozinha, foi bem difícil, foi bem complicado
mesmo”.
Um estudo
(25)
comparando oito díades mãe-filho com doença crônica física com oito
crianças sem limitações biológicas, demonstraram que a experiência da maternidade foi afetada
pela presença da doença crônica. Essa evidência foi demonstrada através da manifestação de
sofrimentos vividos por essas mães, tais como a culpa, ansiedade, superproteção, ansiedade de
separação e sentimento de pouca ajuda de outras pessoas. Um outra autora
(26)
analisou os
sentidos do discurso de mães ouvintes sobre seus filhos surdos. Neste caso, foi constatada a
presença de sentimentos ideológicos maternos contraditórios.
A presença de doença crônica orgânica na infância pode se constituir em importante fator
de mediação da qualidade da interação mãe-criança
(27)
. Neste estudo um dos principais aspectos
investigados foi acerca da interação da díade quanto às estratégias empregadas pela mãe na
regulação do comportamento da criança.
Imagina-se que a rede de apoio diminuída parece ser um fator que impulsiona as mães a
permanecerem em certo estado de preocupação materna primária.
A respeito da investigação da função materna vivida por mães de crianças com PC do tipo
quadriparesia
(28)
observa-se que, na busca pela “cura”, os cuidados maternos destinam-se à
concretização desse objetivo, encontrando-se no mundo sob a determinação da ocupação e
preocupação, perdendo-se entre esses modos de ser. Em outra pesquisa os autores
(27)
referem que
a presença de doença crônica na criança se constitui em um importante índice organizador de
respostas parentais, com conseqüências para as suas interações com a criança.
109
O impacto dessa condição na sociedade é sentido pelas mães entrevistadas, as quais
mencionam episódios de preconceitos: (M6) “De olhar assim com aspecto assim de nojo, como
se fosse suja, sabe?”.
As mães suficientemente boas
(16)
buscam defender seus filhos desses momentos de
preconceito, fortalecendo sua auto-estima. (M6) relata um episódio na estação rodoviária em que
outra mãe afasta seus filhos de sua filha e se retira do ambiente. Quando um senhor se aproxima
com seu filho e brinca com a filha de (M6), a mãe que havia se afastado retorna e pergunta: “O
que tua filha tem?”. Ao que a mãe responde: “Tem uma doença muito grave, se tu tocar nela, tu
morre”. Percebe-se uma defesa que até parece agressiva, mas que é fruto de inúmeras situações
de preconceito.
Outro aspecto que parece reforçar essa extrema ocupação da mãe com o filho com
deficiência física é a rotina terapêutica extensa. A fala de (M8) demonstra esse fato, ao referir o
pedido de seu filho de 5 anos, exausto da rotina e exigência terapêutica: “Até hoje a gente não
parou né, sempre correndo atrás e correndo e às vezes ele diz assim: ‘Mamãe, não quero,
chega!’”.
Observa-se, neste caso, que o sujeito vem solicitando uma mudança familiar. Isso sugere
que sujeitos mais resilientes que, ajudados terapeuticamente, impulsionam suas mães a saírem
da relação simbiótica, demandando um olhar que sustente seu crescimento e independência. Tal
sujeito**
11
tem constantemente mostrado limite aos excessos de proteção desta mãe.
Um sujeito resiliente tem capacidade de resistência e adaptação às adversidades e ao risco
entendida como uma função intrínseca de reequilíbrio
(29)
. Desta forma, dispõe-se ao
enfrentamento, promovendo a terceira fase denominada de independência
(22)
da figura materna.
O limite orgânico insere as mães no discurso médico da “cura”. No caso da linguagem,
seria a presença de fala, como afirma (M5), mãe de um menino de 12 anos: “Assim como eu
achava que a fonoaudióloga do J. tinha que... o J. tinha que falar. Depois, com o tempo eu fui
vendo que a pessoa que mais sofria com aquilo ali era eu; não era nem ele. (...) Hoje em dia eu
não sei nem te dizer se o J. vai caminhar, acho até que não (...)”; (M8)“Eu via ele como uma
criança normal, que tivesse uma gripe lá e fosse que tivesse que cura, para mim era isto...”.
Portanto, o imaginário de que o uso da prancha poderia limitar a fala pode ser um dos
fatores que impeça a generalização do uso. Esse imaginário parece relacionar-se ao paralelo que
11
** Esse sujeito é atendido na clínica onde trabalha a primeira autora, e percebe-se que o mesmo tenta proteger-se da
ansiedade materna
(16)
.
110
se faz entre ter linguagem e ter oralidade
(26)
. A autora
(26)
afirma que as vozes sociais interferem
no imaginário de mães de surdos. Estas imaginam que a linguagem somente é possível se
materializada na oralidade.
A fala de (M2), mãe de uma menina com paralisia cerebral ilustra um pensar referido
também por outras mães entrevistadas: “No começo sim, no começo eu pensava que a prancha ia
limitar o desenvolvimento da fala, depois quando eu comecei a ouvir outras pessoas dizer que
não, que ela acaba ajudando o raciocínio da criança, enfim que ela expande o pensamento dela
e eu comecei a ficar preocupada, como eu tinha te dito comecei a ficar preocupada com esta
questão da G. Imagina! Eu não posso privar a minha filha disto”.
Na verdade, o uso da CAA promove melhorias inclusive na fala, não a impedindo
(30)
. Tal
percepção ocorreu em M6: “No começo eu achei que ‘Ah! Um papel, o que esse papel vai
adiantar, sabe?’ Depois eu vi que melhorou bastante sim, agora ela começa a se expressar:
ela diz batata, diz arroz, diz feijão. A prancha ajudou também porque em casa ela começou com
gestos, coisa que ela não conseguia dizer, ela me fazia gestos, que eu entendo agora”.
Algumas mães, dado o fato de lidar constantemente com questões médicas, acabam por
abandonar a função materna, para assumir quase que uma posição de profissional da saúde, como
é o caso de (M4), que possui dois filhos com ECI e cuja família questiona a todo o momento o
que vai ser do futuro de seus filhos: “Quero, sabe, se ele está atacado da bronquite, que remédio
eu tenho que dar, se ele está com algum problema, se ele está com alguma dor, com tosse ou
fome, o que vai ser dele no futuro não me preocupo mais”.
Imersa em tantas questões médicas, a mãe (M4) passa a utilizar a terminologia médica e
tem pouco espaço para dialogar com o filho: “O importante é isso reabilitar ele (...)”; “A
dificuldade (para usar a prancha) é mais assim de tempo, assim sempre é uma correria”. Tal mãe
encontrava-se em tal estado de exaustão que, ao final da entrevista, chorou e demonstrou seu
desespero em lidar com a situação dos dois filhos com PC e outros quatro sem comprometimento
biológico.
Algumas mães explicitam a contradição entre a dependência corporal e a independência
psíquica, mais saliente na entrada da adolescência. Isso traz a reflexão sobre o fato de a
dependência corporal entrar também em contradição com o corpo de um jovem e adulto que
começa a surgir com o tempo. Desejando ou não, a mãe começa a perceber que não se trata de
uma criança, embora ainda não perceba a necessidade de uso da prancha.
111
Quanto à forma de introdução e apresentação do recurso, dois casos tiveram o uso da
prancha de CAA imposto pela fonoaudióloga; seis foram de modo dialogado; em um caso o
entendimento da prancha foi mediado pelas outras mães na recepção da instituição, e não pelo
fonoaudiólogo; e, por fim, um caso em que a mãe queria a implementação do recurso e a
terapeuta não, tendo a criança os pré-requisitos necessários para o uso da prancha. Várias mães
pontuam também que houve introdução tardia do recurso.
Algumas falas demonstram exemplos de insucessos no manejo na clínica de linguagem.
M8 relata a falta de comunicação entre a terapeuta e ela e algumas críticas ao instrumental da
CAA. Em (M2) e (M3), nota-se uma imposição do recurso e, com (M7), houve negligência da
possibilidade de introdução do recurso. M8 relata que não usava porque o recurso em si era mal
elaborado, com desenhos (sinais) pequenos e distribuídos em uma prancha-cardápio de somente
duas folhas, portanto sem utilidade em diferentes contextos. A mãe descobriu e entendeu como se
usava a prancha na recepção da instituição, e não com a terapeuta
Desta forma, ficam prejudicados os processos de manutenção e generalização, ficando seu
uso restrito à intervenção somente, sem sentido para o sujeito que está tentando se tornar um
usuário: (M8) “Faltou comunicação, dedicação; ele simplesmente chegava na terapia, sentava
no cadeirão aquele ali e ficava, ficava ela mexendo no computador e ele brincando no piano”;
(M2)“Não usava eu acho que por birra mesmo, pode até ser por isso, por não ter sido colocado
de um jeito legal, porque ela falou assim que era o único jeito dela se comunicar”; (M7) “Ela
me fez uma nova avaliação com ele, isto um ano depois e ela me disse que ele ainda não estava
pronto; e eu repeti dizendo para ela que ele nunca iria estar pronto senão, se ele não tivesse
convivência com aquilo”.
Nestas próximas duas falas visualizam-se casos de sucessos na clínica, demonstrados pela
acolhida e escuta terapêuticas: (M9) “(...) ela mostra tudo com a ajuda da prancha, então acho
que ela se sentiu bem, não é mais a fase de bebê, é uma criança maior; (M6) Agora, claro,
vai entrando outras terapeutas, mas o primeiro assim, que tu chega, assim, naquela coisa assim,
será que tem que fazer com o meu filho? o primeiro que tu pega, assim, e te aquele apoio,
aquela coisa, tu fica com aquilo para o resto da vida, sabe?”.
Nas falas analisadas, a clínica de linguagem apresenta-se sob duas formas: quando
ocorreu com parceria, resultou em um uso maior; entretanto, quando imposta às mães, estas se
ressentiram, criando resistência em algumas. Nesse sentido, as fragilidades da clínica de
112
linguagem são muitas e, por esse motivo, fomenta-se uma mudança na visão da CAA apenas sob
o ângulo instrumental, para uma visão das pranchas em funcionamento lingüístico entre
interlocutores. Defende-se a visão bakhtiniana de língua, na qual o uso é parte essencial.
A análise dos resultados reforça a necessidade da clínica de linguagem abranger os
aspectos subjetivos
(15)
, pois fica evidente que as mães precisariam de um suporte maior para o
exercício da função materna diante de uma situação tão desestruturante quanto a doença crônica.
O terapeuta não pode estar focado apenas na intervenção junto ao sujeito com ECI, mas precisa
percebê-lo em uma dinâmica familiar. a necessidade de abordar a relação mãe-filho em
conjunto com questões de linguagem.
Essa proposta abrange uma teoria de linguagem que tenha a intersubjetividade e a dialogia
como foco e não se restrinja apenas a uma constatação da necessidade de inserção da família nos
procedimentos de treinamento do uso da CAA
(5, 10)
. Essa clínica subjetiva diferencia-se de
procedimentos objetivos de caracterização dos sintomas orgânicos/lingüísticos, os quais têm por
base uma concepção mentalista e/ou puramente estruturalista de língua e linguagem.
Um dos autores que pode trazer contribuições importantes para pensar a linguagem a
partir da intersubjetividade e dialogia é Bakhtin (Volochínov)
(18)
. Ele afirma que a unicidade da
palavra não é assegurada pela unicidade de sua composição fonética, havendo também uma
unicidade inerente a todas as suas significações, portanto ela é onisignificante. O autor segue
defendendo que a pluralidade de sentidos somente ocorre durante a interação verbal, realizada
através da enunciação, que é de natureza social, constituindo assim a realidade fundamental da
língua.
Por isso, o autor
(18)
ao afirmar que o diálogo é uma das formas mais importantes de
interação verbal, tem o cuidado de registrar que se deve compreender esse termo em um sentido
mais amplo, “não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas
toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja” (p. 123)
(18)
. Portanto, nessa visão, a
comunicação não se reduz a uma transmissão de mensagens, e o diálogo abrange qualquer tipo de
comunicação verbal, incluindo a que pode ser efetivada pela CAA.
Os sistemas gráfico-visuais, como o Bliss e o PCS, não são língua, mas podem ser
movimentados pelo funcionamento da língua
(31)
, transmutados em “fala” por efeito do outro
enquanto instância da língua constituída
(32)
e pela fala que está na escuta dos sujeitos com PC.
Nesses moldes, os símbolos dos sistemas alternativos transformam-se em significantes, pois os
113
materiais são postos em movimento pelo funcionamento da língua. A autora
(31)
conclui que os
chamados “sistemas” gráfico-visuais são um amontoado de símbolos (não se articulam como
sistema), mas, ao serem submetidos ao jogo da língua, podem vir a significar.
Ao utilizar a teoria da enunciação bakhtiniana
(18)
, podemos afirmar que os “símbolos” da
CAA na verdade são sinais à disposição de um universo de significações infinitas a serem
interpretadas em um dado contexto dialógico. A cada enunciação, o sinal posto na prancha de
CAA pelo fonoaudiólogo em comunhão com o usuário e sua família sofrerá atualizações
conforme o valor apreciativo e assumirá valor de signo. O fonoaudiólogo, ao empregar tal
concepção lingüística, está promovendo um funcionamento lingüístico, e não uma decodificação
de um desenho, como tradicionalmente se observa.
As práticas mecanicistas comumente promovem uma visão reducionista do
funcionamento da linguagem, limitando-a a um sistema compartimentalizado em recepção e
emissão
(26)
. A interpretação mecânica sobre a língua também refletiu na forma como os sujeitos
passaram a ser entendidos, segundo um ponto de vista que os distanciava de suas singularidades,
significações e representações, tendo uma imagem unificada, homogênea e neutra de língua. A
linguagem é heterogênea e multiforme, portanto, a peculiaridade deve ser valorizada em uma
clínica de linguagem
(33)
. Tal visão coloca em questão a idéia da profilaxia como meta na atuação
clínica, sobretudo em casos de ausência de oralidade.
Ao atribuirmos o estatuto de sinal aos “símbolos” da CAA, que deverão se transformar
em signos, estaríamos inclusive colaborando para a resolução de algumas das queixas maternas
sobre o recurso, como a de que a prancha oferece uma limitação de vocabulário por seu tamanho,
por maior que seja. Facilitaria também a acessibilidade (outra desvantagem apontada nas
entrevistas), pois à medida que se tem uma quantidade menor de signos, desde que sejam vistos
com uma capacidade de plurissignificações, podemos acessar os signos em uma velocidade
maior.
A relevância e a velocidade são fatores extremamente considerados para um uso efetivo
(34, 35).
Conceber a prancha de CAA com teorias de língua que abordam apenas questões de
hierarquias e regras gramaticais, concretizando-se em uma organização taxonômica e sintática na
prancha não sustentam seu uso. Portanto, a relevância das temáticas e das escolhas das figuras é
demandada a partir da disposição em se fazer um uso efetivo da língua, mesmo na ausência da
oralidade num processo que considere a intersubjetividade entre os interlocutores.
114
Ao analisar a fala de duas das mães que utilizam a prancha (M3) e (M7), pode-se perceber
que elas construíram uma visão própria de uso da língua. Em um exemplo, a mãe relata que o
filho criou gestos personalizados para se referir a determinados objetos e ações, que assumiram
valor de signo para a mãe.
A outra mãe referiu que a filha usou o desenho de linha PCS de “dor nas costas” para
referir que estava com “coceira nas costas” (durante a enunciação ocorreu a migração de sinal
para signo). Observa-se que isso somente foi possível porque ambas as mães estão bem colocadas
na função materna, permitindo o funcionamento lingüístico, no qual o uso da prancha e os gestos
são complementares para a formação de sentidos na díade.
Essa descoberta foi possível, apesar do foco comportamentalista da clínica de linguagem
ao qual foram submetidas, que, no caso de (M3), a CAA foi imposta e, para (M7), não foi
apresentada, mesmo a mãe tendo insistido à fonoaudióloga. Isso possivelmente ocorreu porque
tais mães estavam com possibilidades de exercício suficientemente bom de sua função junto aos
filhos.
Exemplos de sucesso no manejo terapêutico na clínica de linguagem com o instrumento
da CAA são demonstrados nas seguintes falas: (M6) “É terapeuta e terapia; porque para ti acho
que ter aquele, aquela conversa, assim ó; aqui se faz aqui, continua daí em casa, na escola, tem
que ter aquele círculo, não pode cair fora daquilo; é uma rotina...”; (M1) “(...) é uma prancha
de 24 horas tudo que tu faz em casa, faz na rua, (...) eu sou muito gratificante a isto e agradeço
todas as fonos que ele passa”.
5.4 CONCLUSÃO
Acredita-se que, para um bom aproveitamento do recurso comunicativo, há de se observar
condições externas ao instrumento em si, e não somente o tipo de sinal (“símbolo”), disposição,
tamanho, cor, portabilidade e acesso. A investigação de como está estabelecido o exercício da
função materna (prolongamentos da simbiose, não-aceitação da deficiência), juntamente com o
tipo de acolhida e escuta terapêutica, é fundamental para o sucesso terapêutico no uso do recurso.
Este é determinado pela concepção de linguagem e de subjetividade com a qual é implementado
pelo fonoaudiólogo junto ao usuário, seus familiares e demais parceiros comunicacionais.
Os discursos aqui apresentados sugerem que a concepção dialógica de linguagem e
intersubjetividade proposta por Bakhtin, somada a teorias de subjetividade que investiguem o
115
funcionamento materno, como a de orientação winnicottiana, alicerça a clínica de linguagem de
modo mais efetivo do que as tradicionais abordagens comportamentalistas.
Observa-se, portanto, que, além da introdução o mais precoce possível, a participação da
família e dos demais parceiros conversacionais no processo de montagem inicial favorece a
generalização e a manutenção do uso, contribuindo inclusive para o processo de sensibilização
materna para a superação da simbiose. Tal perspectiva permite a inauguração ou expansão do
processo de subjetivação do sujeito, com oralidade restrita ou ausente, aumentando sua qualidade
de vida.
REFERÊNCIAS
1. Manzini EJ, Deliberato D. Portal de ajudas técnicas para educação: equipamento e
material pedagógico especial para educação, capacitação e recreação da pessoa com
deficiência física: recursos para comunicação alternativa; 2ª ed. Brasília: MEC, SEESP;
2006. [atualizada em 2006; acesso em 2008 Ago 11]. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ajudas_tec.pdf
2. Schirmer CR, Bersch R. Comunicação Aumentativa e Alternativa. Em: C.R. Schirmer, N.
Browning, R. Bersch, R. Machado. Atendimento educacional especializado: deficiência
física. Brasília: SEESP, SEED, MEC 2007. [citado 2008 Ago 11]. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_df.pdf
3. Schlosser RW, Lee DL. Promoting generalization and maintenance in augmentative and
alternative communication: a meta-analysis of 20 years of effectiveness research.
Augment Altern Commun. 2000;16(4):208-26.
4. Cress, CJ. Augmentative and alternative communication and language: understanding and
responding to parents' perspectives. Top Lang Disorders. 2004;24(1):51-61.
5. Pennington L, Goldbart J, Marshall J. Interaction training for conversational partners of
children with cerebral palsy: a systematic review. Int. J. Lang. Comm. Dis.
2004;39(2):151–170.
6. Starble A, Hutchins T, Favro MA, Prelock P, Bitner B. Family-centered intervention and
satisfaction with AAC device training. Commun Disord Quart. 2005;27(1):47-54.
7. Bailey RL, Parette Jr. HP, Stoner JB, Angell ME, Carroll K. Family members' perceptions
of augmentative and alternative communication device use. Lang Speech Hear Serv Sch.
2006;37: 50-6.
8. Harty M, Alant E, Uys CJE. Maternal self-efficacy and maternal perception of child
language competence in pre-school children with a communication disability. Child: Care,
116
Health and Development. 2006;33:144-154.
9. Johnston SS. Considering response efficiency in the selection and use of AAC systems. J
Speech-Lang Pathol Appl Behav Anal 2006;1(3):193-206.
10. Pennington L, Goldbart J, Marshall J. Tratamiento del habla y el lenguaje para mejorar
las habilidades de comunicación de niños con parálisis cerebral. Oxford: Wiley; 2007. [
atualizada em 2007; acesso em 2008 Mai 11]. Disponível em
http://www.sld.cu/galerias/pdf/sitios/rehabilitacion-logo/terapia_paralisis_cerebral.pdf
11. Saito Y, Turnbull A. Augmentative and alternative communication practice in the pursuit
of family quality of life: a review of the literature. Res Prac Persons Severe Disabil.
2007;32(1):50-65.
12. Winnicott DW. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes; 1988.
13. Pennington L, McConachie H. Predicting patterns of interaction between children with
cerebral palsy and their mothers. Dev Med Child Neurol. 2001;43:83-90.
14. Monteiro MIB, Camargo EAA, Freitas AP, Bagarollo MF. Interações dialógicas de
familiares de sujeitos com deficiência mental: algumas reflexões. Temas Desenvol. 2005-
6;14(83-84):32-9.
15. Terçariol, D. A clínica fonoaudiológica: da prática à construção de fundamentos teóricos-
metodológicos. In: CG Graña. Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2008.
p.79-94.
16. Winnicott DW. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago; 2000.
17. Graña CG. A clínica fonoaudiológica à luz da teoria winnicottiana: um caso de psicose
infantil. In: CG Graña. Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2008. p. 115-
141.
18. Bakhtin M. (Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem. 7a ed. São Paulo: Hucitec; 1995.
19. Thompson P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1998.
20. Martinelli ML. Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras; 2003.
21. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo:
Hucitec; 2008.
22. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do
desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed; 1983.
23. Winnicott DW. Holding e interpretação. São Paulo: Martins Fontes; 1991.
24.
Borges MLSF. Função materna e função paterna, suas vivências na atualidade [
dissertação]. São Paulo - Universidade Federal de Uberlândia – Instituto de Psicologia;
2005.
25. Castro EK, Piccinini CA. A experiência de maternidade de mães de crianças com e sem
doença crônica no segundo ano de vida. Estud. psicol. 2004;9(1):89-99.
117
26.
Kessler TM. A surdez que se faz ouvir: sujeito, língua, sentido [tese]. Santa Maria:
Universidade Federal de Santa Maria - Centro de Artes e Letras; 2008.
27. Piccinini AC, Castro EK, Alvarenga P, Vargas S, Oliveira VZ. A doença crônica orgânica
na infância e as práticas educativas maternas. Estud. psicol. 2003;8(1):75-83.
28. Frota LMCP, Oliveira VLM. Experiência de ser mãe da criança com paralisia cerebral no
cuidado cotidiano Rev. Bras. Ed. Esp. 2004;10(2):161-74.
29. Assis SG, Pesce RP, Avanci JQ. Resiliência: enfatizando a proteção dos adolescentes.
Porto Alegre: Artmed; 2006.
30. Millar DC, Light JC, Schlosser RW. (2006). The impact of augmentative and alternative
communication intervention on the speech production of individuals with developmental
disabilities: a research review. J Speech Lang Hear Res. 2006;49:248-64.
31. Vasconcellos R. Fala, escuta, escrita: a relação sujeito-linguagem no caso de uma criança
com paralisia cerebral que não oraliza. Em: MF Lier-DeVitto, L Arantes. Aquisição,
patologias e clínica de linguagem. São Paulo: EDUC, FAPESP; 2006. p 289-311.
32. De Lemos, CTG. Los procesos metafóricos y metonímicos como mecanismo de cambio.
Substratum. 1992;1(1):121-135.
33.
Surreaux, L. M. Linguagem, sintoma e clínica em clínica de linguagem [tese]. Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Letras; 2006.
34. Bedrosian JL, Hoag LA, McCoy KF. Relevance and speed of message delivery trade-offs
in augmentative and alternative communication. J Speech Lang Hear Res. 2003;46:800-
18.
35. Hoag LA, Bedrosian JL, McCoy KF, Johnson DE. Trade-offs between informativeness
and speed of message delivery in augmentative and alternative communication. J Speech
Lang Hear Res. 2004;47:1270-85.
118
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando os resultados desta pesquisa, percebe-se que, para uma melhor aceitação e
uso cotidiano da prancha de CAA por parte das mães, o fonoaudiólogo, na clínica de linguagem,
deverá conjugar aspectos objetivos (instrumentais) e subjetivos (estruturais). Alguns destes
aspectos objetivos são inerentes ao recurso em si, como acessibilidade, portabilidade, tipo,
tamanho e disposição do “sinal” na prancha; outros se relacionam aos ambientes e pessoas com
os quais o recurso é introduzido (parceiros conversacionais, lazer, escola, etc.). os aspectos
estruturais relacionam-se ao processo intersubjetivo demandado em linguagem e remetem o
profissional a uma reflexão mais profunda sobre as concepções de língua, de linguagem e de
sujeito com as quais se trabalha na clínica de linguagem. Aportes na lingüística da enunciação e
na psicanálise são relevantes para subsidiar o fazer do fonoaudiólogo na clínica de linguagem em
geral, ainda mais quando se intervém com sujeitos acometidos por alguma lesão cerebral e com
suas famílias.
Incluir o usuário, família e demais parceiros conversacionais no processo de
implementação (planejamento, criação, seleção, confecção, introdução, intervenção, manutenção
e generalização) é uma das estratégias favoráveis à aceitação desse recurso pelo usuário e seus
familiares. Para uma melhor incorporação do recurso, recomenda-se o uso da CAA em diferentes
contextos hipotéticos e reais, formais ou não. Salienta-se que, especialmente no momento da
introdução, seja eleito um parceiro conversacional significativo para o usuário.
Em nossa pesquisa, conseguimos visualizar alguns dos fatores preditores ao bom uso na
rotina diária, fora do setting terapêutico. Ressalta-se que é a conjugação desses fatores que
favorece o uso, e não algum em especial. São eles: investigar a qualidade do desempenho da
função materna e paterna pelos responsáveis pelo sujeito usuário; atentar à personalização dos
processos de implementação; considerar aspectos instrumentais (design, acessibilidade,
portabilidade e estratégias); observar o perfil do usuário (cognitivo, psicoafetivo, lingüístico);
ter/desenvolver uma sensibilidade terapêutica; abordar aspectos lingüísticos a partir de uma teoria
que contemple a enunciação, além da utilização de elementos da psicanálise no entendimento; e
manejo clínico com os sujeitos e suas famílias.
119
Em termos de concepção de língua e linguagem, a proposta sociointeracionista de
Bakhtin, a qual valoriza o funcionamento lingüístico intersubjetivo, parece uma opção teórica
promissora. A prática fonoaudiológica, via teoria enunciativa, é calcada na valorização do
processo de intersubjetividade, tendo a fala montagens multiformes, mas nem por isso efeito
patológico. A participação familiar nesse movimento de língua é fundamental por ser este um dos
principais núcleos significativos para o sujeito. Portanto, o foco de intervenção fonoaudiológica,
além de ser diretamente com o usuário da CAA, deve contemplar a família e demais parceiros
conversacionais significativos, em contextos formais (terapias e escola) e informais (passeios,
supermercado, consultas, etc.).
O fonoaudiólogo, ao abandonar a dicotomia normal/patológico nas diferentes instâncias
de promoção à saúde (primária, secundária e terciária), favoreceria o processo de subjetivação
pela/na linguagem, pois privilegiaria as marcas de singularidade. Neste pensar, o fonoaudiólogo
teria uma função primordial: incentivar sujeitos a serem enunciadores, mesmo na ausência ou
limitação da fala por motivo orgânico ou não.
Para que essa posição discursiva seja internalizada, recomenda-se, portanto, que sejam
especialmente valorizadas por parte dos fonoaudiólogos as enunciações, e não tanto os
enunciados, como se observa nas tradicionais práticas fonoaudiológicas de cunho
comportamentalista, inatista e cognitivista. Caso isso não aconteça, o risco de, mesmo sem
intenção, congelar o sujeito no status quo de “doente”, de “diferente”, “de mau-falante”. Isso
poderá acarretar conseqüências irreparáveis para a sua saúde mental, especialmente em crianças
que ainda estão em processo de estruturação da sua subjetividade.
Assim, a idéia de distúrbio da comunicação poderá ser repensada, uma vez que, em
enunciação, a comunicação deixa de ser pensada como transmissão de informação e passa a ser
vista como interação dialógica, considerando as características lingüísticas peculiares subjetivas
do sujeito posto em funcionamento discursivo intersubjetivo singular. Sob essa ótica, o
“diagnóstico fonoaudiológico” com raízes especialmente na medicina e pedagogia poderia dar
vazão à criação e recriação de elaborações de hipóteses sobre o funcionamento da linguagem,
considerando a intersubjetividade sujeito-familiares. Aceitar e compreender as dimensões da
subversividade da língua no ambiente terapêutico viabiliza ao sujeito a inauguração ou expansão
da sua subjetividade, sendo este holding fundamental na clínica de linguagem.
120
Em relação ao discurso das dez fonoaudiólogas, nossa pesquisa tinha uma hipótese inicial,
a qual foi corroborada ao término desta, de que a vida clínica força uma prática de uso do recurso
em que a intersubjetividade se apresenta teorizada ou não pelo terapeuta. Perceber o processo
individual e coletivo de um grupo de terapeutas pareceu atrativo nesse sentido, pois há espaços de
formação pessoal e profissional que vão diferenciando e afetando o terapeuta em seu fazer
clínico. Mesmo com as fragilidades na formação acadêmica sobre o tema CAA e na teorização de
língua e linguagem, a sensibilidade do fonoaudiólogo se fez presente na maioria dos discursos
analisados.
A partir dessa percepção, a híbrida fonoaudiologia poderia explorar mais os
conhecimentos advindos da lingüística da enunciação que, mesmo tendo diferentes teorias
enunciativas, avança no pensar sobre a “aquisição” de língua e linguagem, em relação às teorias
de cunho somente social, como a vigostskiana. Na vertente enunciativa, a interação social é algo
dado a priori.
Bakhtin, ao perceber a existência de um diálogo contínuo entre os fenômenos do mundo,
concebeu no âmbito das relações humanas a construção de uma ciência das relações o
dialogismo, que inclui o dito, o não-dito e o contexto extraverbal (posição social, o contexto de
enunciação e os sujeitos implicados na cena enunciativa, etc.). Portanto, diálogo sob essa ótica
não se restringe ao entendimento de comunicação face a face (conversação), mesmo sendo esta
uma das formas de interação verbal mais importantes. Para o autor, um texto pertence a uma
cadeia que remete à cadeia de outros textos da comunicação verbal, constituindo, via
intersubjetividade, as relações dialógicas. Dessa forma, o funcionamento lingüístico dá-se entre
sujeitos em contextos de uso em uma relação de alteridade.
Para que a prancha de CAA seja posta neste funcionamento intersubjetivo, os “símbolos”
na verdade são sinais que necessitam migrar para o estatuto de signo, o qual, pela sua natureza
epistemológica, é polissêmico, durante as enunciações entre usuário e interlocutores,
especialmente entre os mais significativos, como os que desempenham funções parentais.
Nos nove discursos maternos analisados, é possível visualizar diferentes percepções
acerca do recurso da CAA fora do setting fonoaudiológico. Das três mães que não usam o recurso
em nenhum contexto, todas refletem características de prolongamento da simbiose. Isso quer
dizer que manutenção das fases de dependência absoluta e relativa (preocupação materna
primária e secundária), impedindo que ela reconheça seu filho como um enunciador. Imagina-se
121
que a intensa dependência física do sujeito com grave acometimento motor global em virtude da
ECI possa gerar prejuízos ao exercício da função materna.
Algumas mães podem sustentar em seu imaginário que a dependência lingüística e
psíquica é proporcional à dependência física, prolongando a simbiose com o filho. Em muitos
casos, percebe-se também um pai que não faz o corte necessário a essa simbiose, por não
reivindicar a esposa.
Cinco mães referem utilizar às vezes a prancha de CAA em situações em que a demanda
da interpretação corporal não contempla as enunciações de seus filhos, e uma mãe afirma que
utiliza sempre o recurso da prancha. Ambos os grupos sinalizam estarem circulando na fase de
independência materna, ou também denominada de preocupação materna terciária.
Entretanto, as cinco mães, apesar de utilizarem o recurso, o fazem somente em situações
extremas de dúvida ou quando realmente não entendem o que seus filhos querem enunciar. Estas
precisam ainda dar-se conta de que seus filhos têm muito a dizer, além daquilo que elas
conseguem demandar via interpretação corporal. O oposto ocorre com uma única mãe que afirma
utilizar sempre o instrumento. Neste caso peculiar, haveria necessidade de aperfeiçoamento do
processo de intersubjetivação, pois esta pouco enxerga os sinais, passíveis de se tornarem signos,
frente à gestualidade corporal de sua filha.
A fragilidade do exercício da função paterna ou ausência de alguém que desempenhe a
função de “corte” é fato também observado neste estudo. Esse exercício merece atenção, pois
está intimamente relacionado com o exercício da função materna e vice-versa. O fonoaudiólogo,
mesmo sem ter consciência, “empresta” a sua própria subjetividade para exercer essas funções
parentais, seja pelo holding materno que fornece, seja por representar um terceiro que favorece a
descolagem entre mãe e filho.
Apropriar-se teoricamente desse fazer parece ser o desafio na clínica de linguagem, uma
vez que é convocado a se deixar afetar pela teoria em sua reflexão clínica, sem que a teoria gere
aplicações que servem mais para testar sua cientificidade na análise de dados do que para auxiliar
o sujeito com seu sofrimento. Ao fonoaudiólogo cabe dar conta do sofrimento relacionado aos
limites patológicos (biológicos, cognitivos, afetivos) impostos ao funcionamento lingüístico. Essa
é a motivação de sua clientela ao procurá-lo.
Todas as mães, em menor ou maior intensidade, apresentaram sentimentos contraditórios
em relação aos seus filhos(as). O sentimento de culpa ou esperança de cura estão presentes em
122
suas falas de modo implícito ou não, indicando que o processo de luto nos casos neurológicos dá-
se de forma em espiral, tendo em certos momentos uma melhor elaboração e, em outros, nem
tanto ou um prolongamento do luto. Em relação a esse aspecto, pôde-se perceber que, para um
melhor exercício da função materna e/ou paterna, necessidade de a família contar com uma
rede de apoio social que auxilie a suportar as diversas demandas, favorecendo inclusive uma
maior resiliência parental.
Ao defendermos os frutos promissores da aliança entre a lingüística da enunciação e as
teorias de subjetivação, como a psicanálise na abordagem fonoaudiológica, tanto com o sujeito
como com sua família e demais parceiros conversacionais significativos, parece-nos que estamos
diante do ponto nodal para que usuários ou não de CAA ampliem seu funcionamento lingüístico.
Nas perspectivas teóricas sugeridas, o fonoaudiólogo abriria espaço na clínica de
linguagem para que esta seja um dos lugares possíveis para a inscrição do sujeito em um
movimento de língua singular, favorecendo, desta forma, o seu deslocamento em diferentes
posições enunciativas. Pode resultar desse movimento tanto o processo de ampliação da
linguagem em sujeitos constituídos na mesma quanto a aquisição da linguagem para sujeitos
em fase inicial de constituição lingüística e subjetiva.
Imagina-se que a resistência do fonoaudiólogo em se autorizar no universo subjetivo na
clínica da linguagem deve ser repensada a partir da percepção profissional sobre sua práxis e
formação teórica, e da sua própria capacidade de resiliência pessoal. A superação da deficiência
teórica profissional pode encontrar saída aliando as densas, mas fundamentais leituras
psicanalíticas, independentemente da orientação, nas de lingüística da enunciação, assim como
nas de clínica de linguagem.
Para que essa mudança paradigmática possa vir a operar na clínica dos distúrbios da
linguagem, necessita-se aprimorar a formação acadêmica oferecida pelos cursos de graduação em
Fonoaudiologia. Recomenda-se, portanto, a inclusão em suas grades curriculares da disciplina
especializada em comunicação aumentativa e alternativa ou, no mínimo, contemplá-la em algum
plano de ensino da área da linguagem.
123
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. A.; PIZA, M. H. M.; LAMÔNICA, D. A. C. Adaptações do sistema de
comunicação por troca de figuras no contexto escolar. Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri, v.
17, n. 2, p. 233-240, maio/ago. 2005.
AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION - ASHA, Oxfordshire, 1991.
Disponível em: http://www.asha.org Acesso em: 27 jul. 2007.
ANDRADE, M. L. U. Fisioterapia e o trabalho fonoaudiológico em linguagem e comunicação na
paralisia cerebral. In: LIMONGI, S. C. O. (Org.). Paralisia Cerebral: processo terapêutico em
linguagem e cognição (pontos de vista e abrangência). Carapicuíba: Pró-Fono R. Atual. Cient.,
2000. p. 183-219.
ASSIS S. G.; PESCE R. P.; AVANCI, J. Q. Resiliência: enfatizando a proteção dos
adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2006. 144 p.
ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE QUERO-QUERO. São Paulo. Disponível em:
http://www.queroquero.org.br Acesso em: 21 nov. 2007.
BAILEY, R. L. et al. Family members' perceptions of augmentative and alternative
communication device use. Language, Speech, and Hearing Services in Schools, Oxfordshire,
v. 37, p. 50-56, 2006.
BAKHTIN, M. Problemas da Poética de Dostoievski. Tradução: Paula Bezerra. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1981. 239 p.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 421 p.
BAKHTIN, M. (Volochínov) (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 7. ed. São Paulo: HUCITEC,
1995. 196p.
BALESTRO, J. I.; RAMOS-SOUZA, A. P. A clínica de linguagem no autismo: terapia de dois
irmãos. In: GRAÑA, C. G. (Org.). Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p.
143-180.
124
BASIL, C.; BELLACASA, P. Comunicación aumentativa: curso sobre sistemas y ayudas
técnicas de comunicación no vocal. Madrid: INSERSO, 1988. 240 p.
BASIL C. Social interaction and learned helplessness in severely disabled children.
Augmentative and Alternative Communication, Oxfordshire, v. 8, n. 3, p. 188-199, 1992.
______. Sistemas aumentativos e alternativos de comunicação. In: PEÑA, J.; CASANOVA, J.
(Orgs.). Manual de Fonoaudiologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 238-348.
BAX, M. Aspectos clínicos da paralisia cerebral. In: FINNIE, N. R. (Org.). O manuseio em casa
da criança com paralisia cerebral. 3. ed. São Paulo: Manole, 2000. p. 8 -18
BEDROSIAN, J. L., HOAG, L. A., McCOY, K.F. Relevance and speed of message delivery
trade-offs in augmentative and alternative communication. Journal of Speech, Language, and
Hearing Research, Rockville, v. 46, p. 800-818, 2003.’
BENVENISTE, É. Problemas de lingüística geral. São Paulo: Nacional; Edusp, 1976. 387p.
_____. (1976). Problemas de lingüística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989. 294p.
_____. (1976). Problemas de lingüística Geral I. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 1995. 387p.
BINGER, C.; LIGHT, J. Demographics of preschoolers who require AAC. Language, Speech,
and Hearing Services in Schools, Rockville, v. 37, p. 200-209, 2006.
BORGES, M. L. S. F. Função materna e função paterna, suas vivências na atualidade.
2005.148f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2005.
BORNE, R.; RAMOS, A. P. F. Representações de um grupo de surdos em relação à surdez e
implicações em suas interações sociais. In: RAMOS, A. P. F.; GUTFREIND, C. (Orgs.). A saúde
dos grupos: as representações sociais na saúde coletiva. Canoas: ULBRA, 2007. p. 181-216.
BOSA, C. Atenção compartilha e identificação precoce do autismo. Psicologia: Reflexão e
Crítica, Porto Alegre, v.15, n. 1, 2002, p. 77-88.
125
BROWNE, M. Comunicação e tecnologia. In: FINNIE N. R. (Org.). O manuseio em casa da
criança com paralisia cerebral. 3. ed. São Paulo: Manole, 2000. p. 122-128.
BRYEN, D. N., COHEN K. J, CAREY A. Augmentative communication employment training
and supports (ACETS): some employment-related outcomes. Journal of Rehabilitation,
Alexandria, v. 70, n. 1, p. 10-18, 2004.
CAMPBELL, C.R., STREMEL-CAMPBELL, K. Programming "loose training” as a strategy to
facilitate language generalization. Journal of Applied Behavior Analysis, Bronx, v. 15, n. 2, p.
295-301, 1982.
CAMPBELL, P. H. et al. A review of evidence on practices for teaching young children to use
assistive technology devices. Topics in Early Childhood Special Education, Austin, v. 26, n. 1,
p. 3-13, 2006.
CAPOVILLA, F.C. Informática aplicada à neuropsicologia. In: RODRIGUES, N., MANSUR, L.
(Orgs.). Temas em Neuropsicologia – Série de Neuropsicologia. São Paulo: Sociedade
Brasileira de Neuropsicologia, 1993. p. 130-140.
CAPOVILLA, F. C. et al. O uso de sistemas alternativos e facilitadores de comunicação para o
tratamento a melhoria da qualidade de vida de afásicos. O Mundo da Saúde, São Paulo, ano 20,
v. 20, n. 10, nov./dez. 1996.
CAPOVILLA, F. C., CAPOVILLA, A. G. S., MACEDO, E. C. O uso de sistemas alternativos e
facilitadores de comunicação nas afasias. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 9, n. 2, p.
233-259, jun., 1998.
CAPOVILLA, F. C. et al. Codificação de mensagens picto-ideográficas em paralisia cerebral:
participação de processos verbais. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 261-
291, jun., 1998.
CAPOVILLA, F. C.; THIERS, V. O. Aprendendo símbolos Bliss via computador I. Distúrbios
da Comunicação, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 325-372, 1998.
126
CARDOSO, J. L. Dialogismo e Fonoaudiologia: a intersubjetividade na clínica. 2002. 208f.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2002.
CARPENTER, M.; NAGELL, K.; TOMASELLO, M. Social cognition, joint attention and
communicative competence from 9 to 15 months of age. Chicago: The university of Chicago
Press. Monographs of the Society for Research in Child Development, 63 (4, Serial n. 255), 1998.
CASTRO, E. K. A doença crônica na infância e a interação mãe-criança no segundo ano de vida.
Psico., Porto Alegre, v. 34, n. 1, p. 141-158, jan./jun. 2003.
CASTRO, E. K; PICCININI, C. A. A experiência de maternidade de mães de crianças com e sem
doença crônica no segundo ano de vida. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 89-99,
2004.
CESA, C. C. A influência da atividade dialógica no processo terapêutico. In: DANESI, M. C.;
PINTO, B. L. (Org.). Fonoaudiologia e Linguagem: teoria e prática lado a lado. Porto Alegre:
Sulina; Editora Universitária Metodista, 2007. p. 81-86.
CESA, C. C.; RAMOS-SOUZA, A. P.; KESSLER, T. M. Seleção, intervenção, generalização e
manutenção da comunicação aumentativa e alternativa. Rev. Bras. Educ. Esp. (no prelo)
CHOMSKY, N. Linguagem e mente: pensamentos atuais sobre antigos problemas. Brasília:
UNB, 1998. 83 p.
CHUN, R. Y. S. Comunicação suplementar e/ou alternativa: favorecimento da linguagem de um
sujeito não falante. Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri, v. 15, n. 1, p. 55-64, jan./abr. 2003.
CRESS, C. J. Augmentative and alternative communication and language: understanding and
responding to parents' perspectives. Top Lang Disorders, Baltimore, v. 24, n. 1, p. 51-61, 2004.
DE LEMOS, C. T. G. . Los procesos metafóricos y metonímicos como mecanismo de cambio.
Substratum, Barcelona, v. 1, n. 1, p.121-135, 1992.
DIAMENT, A. Encefalopatias crônicas da infância. In: DIAMENT A.; CYPEL S. (Orgs.).
Neurologia infantil. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1996. p. 781-798.
127
DRAGER, K. D. R et al. The performance of typically developing 2 1/2-year-olds on dynamic
display AAC technologies with different system layouts and language organizations. Journal of
Speech, Language, and Hearing Research, v. 46, p. 298-312, 2003.
DRAGER, K. D. R et al. Learning of dynamic display AAC technologies by typically developing
3-year-olds: effect of different layouts and menu approaches. Journal of Speech, Language, and
Hearing Research, Rockville, v. 47, p. 1133-1148, 2004.
FALLON, K. A. et al. The effects of direct instruction on the single-word reading skills of
children who require augmentative and alternative communication. Journal of Speech,
Language, and Hearing Research, Rockville, v. 47, p. 1424-1439, 2004.
FARACO, C. Linguagem & Diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba:
Criar, 2003. 136 p.
FERNANDES, A. S. Protocolo de avaliação para indicação de sistemas suplementares ou
alternativos de comunicação para crianças portadores de paralisia cerebral. 1999. 81f.
Dissertação (Mestrado em Reabilitação) - Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista
de Medicina, São Paulo, 1999.
_____. A comunicação alternativa na escola especial. Temas desenvolv., São Paulo, v. 10, n.
58/59, p. 85CE-88CE, 2001.
FLORES, V. N. Bakhtin e Saussure: convergências e divergências. Coleção Ensaios do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria, Santa
Maria, n. 5, p. 21-26, 2002.
FLORES, V. N.; TEIXEIRA, M. Introdução à lingüística da enunciação. São Paulo: Contexto,
2005. 125 p.
FLORES, V. N. Das relações entre a lingüística da enunciação e o estudo da fala sintomática. In:
GRAÑA, C. G. (Org.). Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p. 61-77.
FOLEY, B. E.; STAPLES, A. H. Developing augmentative and alternative communication
(AAC) and literacy interventions in a supported employment setting. Top Lang Disorders,
Baltimore, v. 23, n. 4, p. 325-343, 2003.
128
FRAZÃO, Y. S. Paralisia cerebral na clínica fonoaudiológica: primeiras questões sobre
linguagem. 1996. 81f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1996.
FRAZÃO, Y. S. Linguagem e paralisia cerebral. São José dos Campos: Pulso, 2004. 61p.
FREIRE, R. Sobre o objeto na Fonoaudiologia. II Seminário Introdutório. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 1996.
FREUD, S. Luto e Melancolia. In: FREUD, S. Edicão standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. v. 14, p. 271-
291.
FROTA, L. M. C. P.; OLIVEIRA, V. L. M. Experiência de ser mãe da criança com paralisia
cerebral no cuidado cotidiano. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 10, n. 2, p.161-174, mai./ago.
2004.
GAVA, M. L. AAC – Comunicação aumentativa e alternativa como resposta às deficiências
verbais. In: TUPY, T. M.; PRAVETTONI, D. G. (Orgs.) …E se falta a palavra, qual
comunicação, qual linguagem? São Paulo: Memnon, 1999. p. 79-99.
GONZÁLEZ, R.; GÓMEZ, A.; DONOSO, A. Comunicación aumentativa y alternativa en
pacientes con afasia severa. Rev. Chil. Neuro-Psiquiatr., Santiago, v. 34, p. 33-37, 1996.
GRAÑA, C. G. A clínica fonoaudiológica à luz da teoria winnicottiana: um caso de psicose
infantil. In: GRAÑA, C. G. (Org.). Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p.
115-141.
GREGORY, E. et al. AAC Menu Interface: Effectiveness of active versus passive learning to
master abbreviation-expansion codes. Augmentative and Alternative Communication,
Oxfordshire, v. 22, n. 2, p. 77-84, 2006.
GUARDA, N. S.; DELIBERATO, D. Caracterização dos enunciados de um aluno não-falante
usuário de recurso suplementar de comunicação durante a construção de histórias. Rev. Bras.
Ed. Esp., Marília, v. 12, n. 2, p. 269-288, mai./ago. 2006.
129
HARTY, M.; ALANT, E.; UYS, C. J. E. Maternal self-efficacy and maternal perception of child
language competence in pre-school children with a communication disability. Child: Care,
Health and Development, Newark, v. 33, p. 144-154, 2006.
HOAG, L. A. et al. Trade-offs between informativeness and speed of message delivery in
augmentative and alternative communication. Journal of Speech, Language, and Hearing
Research, v. 47, p. 1270-1285, 2004.
HUNT, P. et al. Using an interrupted behavior chain strategy to teach generalized communication
responses. Journal of the Association for Persons with Severe Handicaps, Baltimore, v. 11, n.
3, p. 196-204, 1986.
HURLBUT, B.I.; IWATA, B.A.; GREEN, J. D. Nonvocal language acquisition in adolescents
with severe physical disabilities: Blissymbol versus iconic stimulus formats. Journal of Applied
Behavior Analysis, Bronx, v. 15, n. 2, p. 241-258, 1982.
INTERNATIONAL SOCIETY FOR AUGMENTATIVE AND ALTERNATIVE
COMMUNICATION. ISAAC-BRASIL. Campinas, 2007. Disponível em
http://www.isaac.org.br Acesso em: 21 nov. 2007.
JOB, J. R. P. A escritura da resiliência: testemunhas do holocausto e a memória de vida. 2000.
Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2000.
JOHNSON, R. M. Guia dos símbolos de comunicação pictórica. Porto Alegre: Clik, 1998. 64p.
JOHNSTON, S. S. Considering response efficiency in the selection and use of AAC systems.
The Journal of Speech-Language Pathology and Applied Behavior Analysis, Bronx, v. 1, n.
3, p. 193-206, 2006.
KESSLER, T. M. A surdez que se faz ouvir: sujeito, língua, sentido. 2008. 236f. Tese
(Doutorado em Letras) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2008.
KLAGENBERG, R. M. A comunicação alternativa no tratamento de linguagem de uma
adolescente portadora de paralisia cerebral do tipo espástica. 2001. 83f. Trabalho de
conclusão de curso (Graduação em Fonoaudiologia) - Universidade Luterana do Brasil, Canoas,
2001.
130
LAZNIK, M. C. A voz da sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito.
Salvador: Ágalma, 2004. 211 p.
LIER-DeVITTO, M. F. Apresentação. In: LIER-DeVITTO, M. F. (Org.). Fonoaudiologia: no
sentido da linguagem. São Paulo: Cortez, 1994.
_____. Novas contribuições da Lingüística à Fonoaudiologia. Distúrbios da comunicação. São
Paulo, v. 7, n. 2, p 163-173, 1995.
LOUREIRO, C. B. C.; SIQUEIRA, L. S. O desenvolvimento de atividades com comunicação
suplementar alternativa realizadas em um grupo heterogêneo de portadores de paralisia cerebral.
In: Congresso Sul-Brasileiro de Fonoaudiologia, 68, 2001, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre:
Conselho Regional de Fonoaudiologia – 3ª Região, 2001.
LUND, S. K.; LIGHT, J. The effectiveness of grammar instruction for individuals who use
augmentative and alternative communication systems: a preliminary study. Journal of Speech,
Language, and Hearing Research, Rockville, v. 46, p. 1110-1123, 2003.
MANZINI, E. J.; DELIBERATO, D. Portal de ajudas técnicas para educação: equipamento e
material pedagógico especial para educação, capacitação e recreação da pessoa com deficiência
física: recursos para comunicação alternativa. 2. ed. Brasília: MEC; SEESP, 2006, 52 p.
Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ajudas_tec.pdf Acesso em: 20 ago.
2008.
MARTINELLI, M. L. O uso de abordagens qualitativas na pesquisa em Serviço Social. In:
MARTINELLI, M. L. (Org.). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras,
2003. 143 p.
MARUJO, V. L. M. B. Fonoaudiologia em paralisia cerebral. In: SOUZA, A. M. C.;
FERRARETTO, I. (Orgs). Paralisia cerebral – aspectos práticos. São Paulo: Memnon, 1998. p.
207-230.
McCARTHY, J. et al. Re-designing scanning to reduce learning demands: the performance of
typically developing 2-years-olds. Augmentative and Alternative Communication,
Oxfordshire, v. 22, n. 4, p. 269-283, 2006.
131
McCOLLUM, J. A. Social interaction between parents and babies: validation of an intervention
procedure. Child: Care, Health and Development, Newark, v. 10, n. 5, p. 301-315, 1984.
McCONACHIE, H.; PENNINGTON, L. In-service training for schools on augmentative and
alternative communication. European Journal of Disorders of Communication, Londres, v.
32, n. 3, p. 277-288, 1997.
MECHLING, L. C.; CRONIN, B. Computer-based video instruction to teach the use of
augmentative and alternative communication devices for ordering at fast-food restaurants. The
Journal of Special Education, Charlotte, v. 39, n. 4, p. 234-245, 2006.
MEKARU, D. T. A importância da comunicação suplementar e ou aumentativa na intervenção
fonoaudiológica hospitalar. In: Conhecimentos essenciais para atender bem em
fonoaudiologia hospitalar. RIOS, I. J. A. (Orgs). São José dos Campos: Pulso, 2003. p. 133-
136.
MILLAR, D. C.; LIGHT, J. C.; SCHLOSSER, R. W. The impact of augmentative and alternative
communication intervention on the speech production of individuals with developmental
disabilities: a research review. Journal of Speech, Language, and Hearing Research,
Rockville, v. 49, p. 248-264, 2006.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São
Paulo: HUCITEC, 2008. 407 p.
MIRENDA, P.; LOCKE, P. A comparison of symbol transparency in nonspeacking persons with
intellectual disabilities. J Speech Hear Res, Rockville, v. 54, p. 131-140, 1989.
MOLINA, S. E. O bebê na estrutura especular: o corpo e a linguagem. In: Escritos da
Criança. 2. ed. n. 4, Centro Lydia Coriat (Org.). Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 2001. p. 48-
53.
MONREAL, M. C. L.; MORAES, M. G. P. Paralisia Cerebral. In: RIOS, I. J. A. (Org.).
Conhecimentos essenciais para atender bem em fonoaudiologia hospitalar. São José dos
Campos: Pulso, 2003. p. 97-107.
MONTEIRO, M. I. B. et al. Interações dialógicas de familiares de sujeitos com deficiência
mental: algumas reflexões, Temas desenvolv., São Paulo, v. 14, n. 83-84, p. 32-39, 2005/2006.
132
MOREIRA, E. C. Comunicação alternativa e suplementar: as oportunidades da inclusão. Temas
desenvolv., São Paulo, v. 10, n. 58/59, p. 69CE-74CE, 2001.
MOREIRA, E. C.; CHUN, R. Y. S. Comunicação suplementar e/ou alternativa – ampliando
possibilidades de indivíduos sem fala funcional. In: LACERDA, C. B. F.; PANHOCA, I. Tempo
de Fonoaudiologia, Taubaté: Cabral Editora Universitária, 1997. p. 139-175.
MORETTI, G. Princípios e significados da comunicação alternativa. In: TUPY, T. M.;
PRAVETTONI, D. G. (Orgs.). … E se falta a palavra, qual comunicação, qual linguagem?
São Paulo: Memnon, 1999. p. 79-99.
PANHAN, H. A tecnologia no espaço clínico e terapêutico fonoaudiológico. Temas desenvolv.,
São Paulo, v. 10, n. 58-9, p. 55CE-58CE, 2001.
PAULA, K. M. P.; ENUMO, S. R. F. Avaliação assistida e comunicação alternativa:
procedimentos para a educação inclusiva. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 13, n. 1, p. 3-26,
jan./abr. 2007.
PELOSI, M. B. Proposta de implementação da comunicação alternativa e ampliada nos hospitais
do município do Rio de Janeiro. Temas desenvolv., São Paulo, v. 14, n. 80-81, p. 47-53, 2005.
PENNINGTON, L.; McCONACHIE, H. Predicting patterns of interaction between children with
cerebral palsy and their mothers. Developmental Medicine and Child Neurology, Oxford, v.
43, p. 83-90, 2001.
PENNINGTON, L.; GOLDBART, J.; MARSHALL, J. Interaction training for conversational
partners of children with cerebral palsy: a systematic review. Int. J. Lang. Comm. Dis., Londres,
v. 39, n. 2, p. 151-70, 2004.
_____. Tratamiento del habla y el lenguaje para mejorar las habilidades de comunicación de
niños con parálisis cerebral. Oxford: Update Software, n. 4, p. 1-33, 2007. Disponível em:
http://www.sld.cu/galerias/pdf/sitios/rehabilitacion-logo/terapia_paralisis_cerebral.pdf Acesso
em: 10 mai. 2008.
PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
212 p.
133
PICCININI, A. C. et al. A doença crônica orgânica na infância e as práticas educativas maternas.
Estudos de Psicologia, Campinas, v. 8, n. 1, p. 75-83, 2003.
PINDER, G. L.; OLSWANG, L. B. Development of communicative intent in young children
with cerebral palsy: a treatment ef_cacy study. Infant Toddler Intervention, San Diego, v. 5, n.
1, p. 51-70, 1995.
PINTO, M. C. F. Fonoaudiologia na paralisia cerebral. [200-]. Disponível em:
http://www.profala.com/arttf66.htm Acesso realizado em: 29 nov. 2008.
PIRES, S. C. F.; LIMONGI, S. C. O. Introdução de comunicação suplementar em paciente com
paralisia cerebral atetóide. Pró-Fono R. Atual. Cient., Carapicuíba, v. 14, n. 1, p.51-60, jan./abr.
2002.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP. Cursos de
especialização e aperfeiçoamento em Fonoaudiologia. São Paulo: [s.n.], 2002. 10 p.
POÓ, P. Paralisia Cerebral. In: PUYUELO, M.; PÓO, P.; BASIL, C. A fonoaudiologia na
paralisia cerebral: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Santos, 2001. p. 1-15.
RATCLIFF, A.; KOUL, R.; LLOYD, L. L. Preparation in augmentative and alternative
communication: an update for speech-language pathology training. American Journal of
Speech-Language Pathology, Bronx , v. 17, p. 48-59, 2008.
RICHMAN, J. S.; KOZLOWSKI, N. L. Operant training of head control and beginning language
for a severely developmentally disabled child. Journal of Behavior Therapy & Experimental
Psychiatry, v. 8, n. 4, p. 437-440, 1977.
RUBINO, R. Representando o interlocutor no período pré-lingüístico. 1989. Dissertação -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1989.
SADER, R.C.M. Dificuldades para um usuário de comunicação alternativa em universidade:
relato de caso. Temas desenvolv., v. 10, n. 58/59, p. 75CE-78CE, 2001.
134
SAITO, Y.; TURNBULL, A. Augmentative and Alternative Communication Practice in the
Pursuit of Family Quality of Life: A Review of the Literature. Research and Practice for
Persons with Severe Disabilities, Washington, v. 32, n. 1, p. 50-65, 2007.
SAUSSURE, F. (1922) Curso de lingüística geral. 15. ed. São Paulo: Cultrix, 1989. p. 279 p.
SCHIRMER, C. R. “Projeto criatividade e linguagem” com ênfase em comunicação suplementar
e alternativa (CSA). In: Congresso Sul-Brasileiro de Fonoaudiologia, 64, 2001, Porto Alegre.
Anais... Porto Alegre: Conselho Regional de Fonoaudiologia – 3ª Região, 2001.
SCHIRMER, C. R., VIZENTIN, D. Intervenção fonoaudiológica em um caso de paralisia
cerebral associado à surdez – enfoque na compreensão. In: Congresso Sul-Brasileiro de
Fonoaudiologia, 66, 2001, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Conselho Regional de
Fonoaudiologia – 3ª Região, 2001.
SCHIRMER, C. R.; BERSCH, R. Comunicação Aumentativa e Alternativa. In: SCHIRMER, C.
R.; BROWNING, N.; BERSCH, R.; MACHADO, R. (Orgs.). Atendimento educacional
especializado: deficiência física. Brasília: SEESP; SEED; MEC, 2007. p. 57- 129 Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_df.pdf Acesso em: 19 ago. 2008.
SCHLOSSER, R. W.; LEE, D. L. Promoting generalization and maintenance in augmentative
and alternative communication: a meta-analysis of 20 years of effectiveness research.
Augmentative and Alternative Communication, Oxfordshire, v. 16, n. 4, p. 208-226, 2000.
SCHLOSSER, R. W.; SIGAFOOS, J. Augmentative and alternative communication interventions
for persons with developmental disabilities: narrative review of comparative single-subject
experimental studies. Research in Developmental Disabilities, v. 27, p. 1-29, 2006.
SCHWARTZMAN, J. S. Paralisia cerebral. Temas desenvolv., São Paulo, v. 3, n. 13, p. 4-21,
1993.
SHEPHERD, R. B. Paralisia Cerebral. In: SHEPHERD, R. B. (Org.) Fisioterapia em pediatria. 3.
ed. São Paulo: Santos, 1998. p. 110-144.
SIGAFOOS, J.; COUZENS, D. Teaching functional use of an eye gaze communication board to
a child with multiple disabilities. British Journal of Developmental Disabilities, Mödling, v.
81, n. 2, p. 114-125, 1995.
135
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 420 p.
SOUZA, L. Subjetividade, corpo e linguagem na clínica fonoaudiológica. Distúrbios da
Comunicação, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 225-234, 1999.
STARBLE, A. et. al. Family-centered intervention and satisfaction with AAC device training.
Communication Disorders Quarterly, v. 27, n. 1, p. 47-54, 2005.
SURREAUX, L. M. O discurso fonoaudiológico: uma reflexão sobre sujeito, sentido e silêncio.
2000. 157f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2000.
_____. Linguagem, sintoma e clínica em clínica de linguagem. 2006. 199f. Tese (Doutorado
em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
_____. Sobre o sintoma de linguagem na clínica de linguagem. In: GRAÑA, C. G. (Orgs.).
Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, p. 21-38.
TERÇARIOL, D. A clínica fonoaudiológica: da prática à construção de fundamentos teóricos-
metodológicos. In: GRAÑA, C. G. (Orgs.). Quando a fala falta. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2008, p. 79-94.
THOMPSON, Paul. A voz do passado – História Oral. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
385 p.
TREVIZOR, T. T.; CHUN, R. Y. S. O desenvolvimento da linguagem por meio do sistema
pictográfico de comunicação. Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri, v. 16, n. 3, p. 323-332,
set./dez. 2004.
THIERS, V. O.; CAPOVILLA, F. C. Julgamento de translucência em sistemas de comunicação
alternativa e suplementar por universitários. Alethéia, Canoas, n. 24, p. 49-56, jul./dez. 2006.
VASCONCELOS, R. Paralisia cerebral e comunicação alternativa e suplementar: linguagem em
funcionamento, Temas desenvolv., v.10, n. 58/59, p. 79CE-84CE, 2001.
136
VASCONCELOS, R. Fala, escuta, escrita: a relação sujeito-linguagem no caso de uma criança
com paralisia cerebral que não oraliza. In: LIER-DEVITTO, M. F.; ARANTES, L. (Orgs.).
Aquisição, patologias e clínica de linguagem. São Paulo: EDUC; FAPESP, 2006. p.289-311.
VOLPE, J. J. Intracranial hemorrhage: intraventricular hemorrhage of the premature infant. In:
VOLPE, J. J. (Org.) Neurology of the newborn. 3. ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company,
1995. p. 403-63.
VON TETZCHNER, S. et al. Inclusão de crianças em educação pré-escolar regular utilizando
comunicação suplementar e alternativa. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 11, n. 2, p. 151-184,
mai./ago. 2005.
VORCARO, A. A Clínica psicanalítica e fonoaudiológica com crianças que não falam.
Distúrbios da Comunicação; São Paulo, v. 15, n. 2, p. 265-287, 2003.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 194 p.
XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE FONOAUDIOLOGIA, Salvador: Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia, 2006.
WAGNER, B. T.; JACKSON, H. M. Developmental memory capacity resources of typical
children retrieving picture communication symbols using direct selection and visual linear
scanning with fixed communication displays. Journal of Speech, Language, and Hearing
Research, Rockville, v. 49, p. 113-126, 2006.
WEEDWOOD, B. História concisa da lingüística. 6. ed. São Paulo: Parábola, 2008. 165p.
WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.
268 p.
_____. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 98 p.
_____. Holding e interpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 218 p.
_____. A preocupação materna primária. In: WINNICOTT, D. W. (Org.). Da pediatria à
psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000. 455 p.
137
WOLFF, L. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa nos transtornos invasivos do
desenvolvimento. 2001. 68 p. Dissertação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2001.
ZANGARI, C.; LLOYD, L. L; VICKER, B. Augmentative and alternative communication: na
historic perspective. Augmentative and Alternative Communication, Oxfordshire, v. 10, p. 27-
59, 1994.
ZAPATA, A. B. A comunicação como fator relevante para a viabilização da inclusão. Temas
desenvolv., São Paulo, v.10, n. 58-9, p. 65CE-68CE, 2001.
138
ANEXO A - Carta de aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Santa Maria
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Conselho Nacional de Saúde
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Comitê de Ética em Pesquisa - CEP- UFSM
REGISTRO CONEP: 243
CARTA DE APROVAÇÃO
O Comitê de Ética em Pesquisa – UFSM, reconhecido pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa – (CONEP/MS) analisou o protocolo de pesquisa:
Título: Clínica da subjetividade nos retardos da aquisição da linguagem oral
Número do processo: 23081.010681/2007-41
CAAE (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética): 0117.0.243.000-07
Pesquisador Responsável: Ana Paula Fadanelli Ramos
Este projeto foi APROVADO em seus aspectos éticos e metodológicos de acordo com as
Diretrizes estabelecidas na Resolução 196/96 e complementares do Conselho Nacional de
Saúde. Toda e qualquer alteração do Projeto, assim como os eventos adversos graves,
deverão ser comunicados imediatamente a este Comitê. O pesquisador deve apresentar ao
CEP:
Dez/2008 Relatório final
Os membros do CEP-UFSM não participaram do processo de avaliação dos projetos onde
constam como pesquisadores.
DATA DA REUNIÃO DE APROVAÇÃO: 14/08/2007
Santa Maria, 14 de agosto de 2007
Comitê de Ética em Pesquisa - UFSM - Av. Roraima, 1000 – Prédio da Reitoria - 7º andar - Campus Universitário
97105-900 – Santa Maria – RS - Tel: 0 xx 55 3220 9362 – email: [email protected]
Prof. Dr. Carlos Ernando da Silva
Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa – UFSM
Registro CONEP N. 243.
139
APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido
Título do estudo: “Clínica da subjetividade nos retardos da aquisição da linguagem oral”: “A comunicação
suplementar e/ou alternativa na encefalopatia crônica infantil: aspectos objetivos e subjetivos no discurso parental”.
Pesquisador(es) responsável(is): Drª Ana Paula Ramos de Souza
Colaboradores: Fga. Inaê Rechia, Fga. Carla Cesa
Instituição/Departamento: Universidade Federal de Santa Maria - Departamento de Fonoaudiologia
Telefone para contato: 51-32208348
Local da coleta de dados: __________________________________
Os pesquisadores garantem o acesso aos dados e informações desta pesquisa a qualquer momento que o (a)
voluntário(a) conforme exposto nos itens seguintes.
1 Essas informações estão sendo fornecidas para sua participação voluntária neste estudo, que tem o
objetivo principal de investigar a terapia dos retardos de aquisição da linguagem oral, encontrando as medidas
necessárias para interrupção destes por meio da orientação familiar e terapia da criança.
2-A coleta de dados inclui entrevistas e encontros de orientação com as família, filmagem de interações
entre a criança e sua família e a criança e terapeuta, cujos dados serão analisados pelos pesquisadores e descartados,
via destruição das fitas, após análise. As sessões terapêuticas com a criança serão documentadas em relatórios
escritos que também serão alvo de análises.
3 – A pesquisa não possui riscos nem desconfortos.
4 Benefícios para o participante estão na possibilidade de se atingir melhores resultados na terapia de seu
(sua) filho(a).
5 A intervenção planejada não possui procedimentos alternativos, pois não seria diferente caso não
estivéssemos relatando em pesquisa. Seu filho e sua filha receberão a mesma terapia, diante da possibilidade de você
não autorizar a pesquisa.
6 É garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer momento e deixar de participar do
estudo, sem qualquer prejuízo à continuidade da terapia de seu (sua) filho(a).
7 As informações obtidas serão analisadas em conjunto, não sendo divulgada a identificação de nenhum
participante.
8 – Os voluntários receberão informações atualizadas sobre os resultados parciais das pesquisas e receberão
um retorno de todos os resultados ao final da pesquisa.
9 - Não despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação
financeira relacionada à sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será absorvida pelo orçamento da
pesquisa.
10 – Não há possibilidades de dano pessoal, mas se o voluntário se sentir constrangido ou prejudicado pode
solicitar seu desligamento da pesquisa.
140
11 – Mantenho, como pesquisadora, o compromisso de utilizar os dados e o material coletado somente para
esta pesquisa.
Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações que li ou que foram lidas para mim,
descrevendo o estudo “A comunicação suplementar e/ou alternativa na encefalopatia crônica infantil: aspectos
objetivos e subjetivos no discurso parental”.
Eu discuti com o Dr. Ana Paula Ramos de Souza sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram
claros para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e riscos,
as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é
isenta de despesas e que tenho garantia do acesso a tratamento hospitalar quando necessário. Concordo
voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou
durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido, ou no meu
atendimento neste Serviço.
________________, ____de _______2007.
------------------------------------------------ -----------------------------------------------
Assinatura do sujeito de pesquisa/representante legal
______________________________
N. identidade
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste sujeito de
pesquisa ou representante legal para a participação neste estudo.
________________,_____ de _______ de 2007.
--------------------------------------------------------------------
Assinatura do responsável pelo estudo
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato:
Comitê de Ética em Pesquisa - CEP-UFSM
Av. Roraima, 1000 - Prédio da Reitoria – 7º andar – Campus Universitário – 97105-900 – Santa Maria-RS -
tel.: (55) 32209362 - email: [email protected]
141
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista às mães
1. Conte como seu filho se faz entender para se comunicar com você? Você sente dificuldades para
entendê-lo?
2. Desde quando seu filho utiliza o CSA na terapia? Conte-me como foi introduzido para ele e para ti?
Quais as reações dele, tuas e da família? Vocês já utilizam em casa?
3. Em que situações ele utiliza fora da clínica? E com que freqüência? Quais as dificuldades para utilizar
mais?Quais as vantagens e desvantagens que você viu na prancha de CSA?
4. Qual o tipo de CSA que seu filho utiliza? Você gostaria que fosse diferente? Como? Descreva o que
você imagina como ideal para a comunicação de seu filho?
5. Você quer acrescentar algo sobre a terapia e o dia-a-dia do seu filho?
6. Descreva como foi e está o seu sentimento em relação ao problema de seu filho?
142
APÊNDICE C – Roteiro de entrevista às terapeutas
1. Discorra sobre sua forma de atuação com pacientes com paralisia cerebral.
2. Você tem alguma ou algumas concepções teóricas que norteiam a sua intervenção? Se sim, comente os
motivos da sua escolha.
3. Em que ano você se formou e a Instituição? Na graduação no curso de fonoaudiologia foi apresentada a
avaliação e a terapia vinculada à linguagem de crianças e adolescentes com lesão neurológica? Isso te
fez e faz falta? E sobre o recurso da CSA?
4. Como é feita a criação, confecção, introdução e atualização/expansão da prancha CSA? parceria
materna e/ou da criança/adolescente neste processo? Como? Detalhe.
5. Qual é o tipo de sistema/representação (PCS, Bliss...) que você elege para trabalhar com seus pacientes
e os motivos da escolha.
6. Você utiliza as categorias (verbos, pessoas, substantivos...) do sistema escolhido para viabilizar a
estruturação da sintaxe?
7. Baseada em sua experiência clínica você observa se as famílias e pacientes aderem realmente à
proposta e fazem uso funcional da prancha de CSA em suas rotinas diárias fora do ambiente
terapêutico? Comente.
8. Você associa o recurso da CSA com pacientes com oralidade restrita ou ausente vinculado ao trabalho
com linguagem escrita? Se sim, comente.
9. A literatura que aborda a CSA refere muito as terminologias estratégias, recursos e técnicas neste tipo
de trabalho. Defina-as baseando na sua experiência prática. Dê exemplos.
10. O fonoaudiólogo tem a desenvolver um papel social quando intervém com linguagem oral, escrita e/ou
alternativa?
11. O recurso da CSA é um instrumento que viabiliza a inclusão social e escolar? Comente.
12. Comentários finais livres.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo