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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA
TIAGO HERMANO BREUNIG
TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO:
A NATURALIZAÇÃO DO ROCK NO BRASIL
FLORIANÓPOLIS
2008
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2
TIAGO HERMANO BREUNIG
TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO:
A NATURALIZAÇÃO DO ROCK NO BRASIL
FLORIANÓPOLIS
2008
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação
em Literatura da Universidade Federal
de Santa Catarina
como um dos requisitos para a obtenção do grau de
mestre em Literatura. Área de concentração: Teoria
Literária
Orientadora: Profa. Dra. Tereza Virginia de Almeida.
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4
AGRADECIMENTOS
Ao Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo, aos
meus professores, especialmente Cláudio Celso Alano da Cruz, Emílio Gozze Pagotto,
Maria Lúcia de Barros Camargo, Raúl Antelo, Renata Telles, Pedro de Souza e Tereza
Virginia de Almeida, ao NEPOM, ao NELIC, à CAPES e aos meus amigos e familiares,
especialmente Lucia Almeida, Carolina Vidal e Erica Breunig.
5
Eu não me lembro quando o rock morreu
Se foi hoje ou quando o AI-5 nasceu.
Patrulha do Espaço
6
RESUMO
O objetivo do presente trabalho consiste em analisar anacronicamente os processos de
deformação promovidos pelo rock brasileiro dos anos 1970 a partir da formação de
caracteres musicais constitutivos de uma musicalidade brasileira elaborada, sobretudo, a
partir do pensamento marioandradiano. O rock brasileiro incorpora convenções musicais e
discursivas que informam a representação da MPB, nas quais se pode reconhecer uma
especificidade musical brasileira configurada por paradigmas consensualmente
relacionados com uma concepção de brasilidade musical. O interesse do trabalho recai nos
sentidos produzidos pela incorporação de caracteres preestabelecidos nos discursos acerca
do que se compreende como nacional no processo de naturalização do rock no Brasil dos
anos 1970. Os discos de rock gravados no Brasil entre 1969 e 1979 constituem os restos
materiais de uma atividade cultural e representam os germes de uma narrativa que contraria
a demanda por um sentido de unidade nacional.
7
ABSTRACT
The aim of this dissertation is to anachronistically analyze the 1970s Brazilian rock
processes of deformation from the formation of musical characteristics which constitutes
the Brazilian musicality formed from Mario de Andrade’s thought. Brazilian rock
incorporates musical and discursive conventions which inform the paradigms of MPB, in
which it is possible to recognize a musical Brazilian specificity shaped by paradigms
consensually connected to a conception of a Brazilian nationality. This dissertation deals
with the senses produced by the incorporation of characteristics inscribed in the speeches
about what is understood as national in the process of naturalization of rock in Brazil in the
1970s. The rock records produced in Brazil between 1969 and 1979 constitute the material
traces of a cultural activity and the germs of a narrative that contradicts the demand for a
sense of national unity.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................9
1. O CRONISTA E O COLECIONADOR...........................................................................14
1.1. Presença do passado no presente....................................................................................14
1.2. Universalidade da proposta benjaminiana.....................................................................15
1.3. Sensibilidade e historicidade..........................................................................................23
1.4. Aproximação e diferenciação.........................................................................................30
2. MODERNISMO E NACIONALISMO............................................................................37
2.1. Nacional e estrangeiro....................................................................................................37
2.2. Nacionalismo musical....................................................................................................46
2.3. Estética e anestética........................................................................................................55
2.4. Formação e deformação.................................................................................................59
3. TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO.....................................................................................68
3.1. Sincopação e institucionalização....................................................................................68
3.2. Problematização das dicotomias....................................................................................74
3.3. Naturalização do rock no Brasil.....................................................................................78
3.4. Tradição da contradição.................................................................................................90
CONCLUSÃO....................................................................................................................102
ILUSTRAÇÕES..................................................................................................................108
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................113
DISCOGRAFIA..................................................................................................................122
9
INTRODUÇÃO
Conservo entre a estante e a vitrola uma coleção que constitui um arquivo de discos
de vinil de rock produzido no Brasil dos anos 1970. A poeira assenta sobre os sulcos do
vinil e convida a um questionamento. O prazer do colecionador se conjuga com uma atitude
de especialista: o barulho produzido pelo contato da agulha com a poeira recorda
inevitavelmente o passado, quando se estabelece um senso comum segundo o qual o rock
brasileiro se inscreve como uma figura de pausa na pauta dos anos 1970. Os discos
esquecidos que se apresentam como fragmentos de um passado obliterado implicam uma
pausa no presente para reaver o passado.
Naturalizados na linguagem de uso corrente e dotados de valor de verdade, os
paradigmas constitutivos do senso comum se potencializam pela identificação com as
instituições. E como um processo de formalização do senso comum, o discurso em torno da
canção contribui para a produção de um consenso social. Ao compreender o produto
musical como elemento de uma unidade identificada com uma nação, digno, portanto, do
adjetivo nacional, o discurso nacionalista musical institui seu objeto como patrimônio
nacional, de modo que a modificação da sua definição implica a definição de nação,
representada por uma tradição que invariavelmente se apresenta sob o signo da MPB.
A despeito da referida tradição e de sua transmissão, confiada sobretudo a uma
historiografia que afinal ignora o rock brasileiro dos anos 1970, ocupo-me com o
contradiscurso das teorias que questionam as premissas tradicionais e as expõem como
construções. A leitura dos signos me permite, para uma atualização do objeto cultural,
apreender o passado mediante a rememoração em meio a um processo discursivo de
dominação. Convicto das possibilidades de leitura da obra aberta, que se inaugura com a
indeterminação dos textos e do sujeito moderno, resisto a fechar as obras. A historiografia
musical, tradicional ou oficial, impele a uma leitura a contrapelo, como diria Walter
Benjamin.
Ao confrontar a “desordem de caixotes abertos”, Benjamin descreve “o
relacionamento de um colecionador com os seus pertences”, refletindo sobre a “arte de
10
colecionar”.
1
Segundo o autor, a paixão de colecionar confina com o caos das lembranças:
“o acaso e o destino que tingem o passado diante de meus olhos se evidenciam
simultaneamente na desordem habitual desses livros”. Benjamin concebe a realidade
existencial do colecionador como “uma tensão dialética entre os pólos da ordem e da
desordem”,
2
de modo que se sujeita a relações, por um lado, com a propriedade e, por
outro, com o que oculta o seu valor funcional.
No que concerne ao colecionador, a partir da relação que se estabelece com os
fisiognomistas,
tudo o que é lembrado, pensado, conscientizado, torna-se alicerce,
moldura, pedestal, fecho de seus pertences. A época, a região, a arte, o
dono anterior para o verdadeiro colecionador todos esses detalhes se
somam para formar uma enciclopédia mágica, cuja quintessência é o
destino de seu objeto.
3
Benjamin conclui que “os colecionadores são os fisiognomistas do mundo dos
objetos”, uma vez que se tornam capazes de interpretar o destino. De acordo com autor, os
fisiognomistas provocam a naturalização de uma faculdade humana segundo a qual
“qualquer um, mesmo aquele não influenciado pelo conhecimento do assunto”, seria capaz
de prever determinados aspectos concernentes aos seres humanos, faculdade que alimenta
as fisiologias.
4
Ora, a referida faculdade coincide com a atitude de especialista, que se
conjuga com o prazer, potencializada pela tecnologia da reprodutibilidade da arte.
5
Para Benjamin, ao mesmo tempo em que parece inspirado a olhar para os seus
passados remotos ao manusear os objetos, o colecionador revela um desejo: “Renovar o
mundo velho eis o impulso mais enraizado no colecionador ao adquirir algo novo”.
6
Assim, o colecionador atinge “o destino mais importante de todo exemplar”, qual seja, “o
encontro com ele”, de modo que garante o “renascimento” do objeto a partir da aquisição e
1
BENJAMIN, Walter. Desempacotando a minha biblioteca: um discurso sobre o colecionador. In: ______.
Rua de mão única. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 227.
2
Ibid., p. 227-228.
3
Ibid., p. 228.
4
Id. Paris de segundo Império. In: ______. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo:
Brasiliense, 1989, p. 37.
5
Id. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: ______. Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre a literatura e história da cultura
. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 187.
6
Id. Desempacotando a minha biblioteca: um discurso sobre o colecionador. In: BENJAMIN, 1995, p. 229.
11
localização do mesmo na sua coleção,
7
contanto que conquiste a sua liberdade, pois, para
ele, a verdadeira liberdade do objeto consiste em estar em alguma parte de suas estantes.
Benjamin acredita que “a transmissibilidade de uma coleção” representa a sua
qualidade mais distinta e que a atitude do colecionador, relacionada ao sentimento de
responsabilidade da posse, seria a do herdeiro. Motivado sobretudo pelo fato de que o seu
sentimento de posse se caracteriza como uma relação “com as coisas”, o colecionador pode,
a partir da transmissibilidade de sua coleção, constituir, na qualidade de herdeiro e, por
conseguinte, daquele que lega, uma tradição.
8
A respeito do colecionador, Susan Buck-Morss reitera a conduta de colecionar
objetos fora de circulação e sem sentido enquanto valor de uso. Buck-Morss constata que
colecionar objetos que não são úteis é uma atividade governada pela
categoria de “completude”, que segundo Benjamin é “uma grande
tentativa de superar o fato totalmente irracional de seu estar-aqui-à-mão
meramente pela sua ordenação em um sistema histórico, a coleção, que
ele próprio criou. E para o verdadeiro colecionador cada um dos itens
desse sistema se torna uma enciclopédia de todo o conhecimento da
época”.
9
Ao focalizar os pequenos e negligenciados motivos nas fontes que conduzem ao
questionamento, como observa Buck-Morss, Benjamin apresenta provas materiais de que
“a história está tão quieta que junta poeira”, tanto que “os documentos históricos o
comprovam”.
10
E o autor o faz a despeito dos discursos modernos em torno do progresso
material, a partir dos quais identifica a receita de unidade nacional, patriotismo e
consumismo, ou seja, as fantasmagorias populares que glorificam o progresso do
capitalismo.
11
A necessidade de agitar a poeira se estabelece na medida em que a mesma
assenta sobre os documentos.
Benjamin reconhece, entretanto, que “nunca podemos recuperar totalmente o que foi
esquecido”. O “choque” do “resgate do passado” seria de tal maneira destrutivo que
7
BENJAMIN, Walter. Desempacotando a minha biblioteca: um discurso sobre o colecionador. In:
BENJAMIN, 1995, p. 229.
8
Ibid., p. 234-235.
9
BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o Projeto das Passagens. Belo Horizonte:
UFMG, 2002, p. 288.
10
Ibid., p. 129.
11
Ibid., p. 382-383.
12
impossibilitaria compreender a saudade. O autor conclui que justamente por isso “a
compreendemos, e tanto melhor quanto mais profundamente jaz em nós o esquecido”. A
respeito do esquecido, o autor considera que “talvez seja a mistura com a poeira de nossas
moradas demolidas o segredo que o faz sobreviver”.
12
Benjamin descreve o modo como
deve proceder, para reter no presente as imagens do passado como torsos na galeria do
colecionador, o explorador interessado em uma arqueologia que indique as camadas
anteriormente atravessadas na busca de seu objeto:
A língua tem indicado inequivocamente que a memória não é um
instrumento para a exploração do passado; é, antes, o meio. É o meio onde
se deu a vivência (...) Quem pretende se aproximar do próprio passado
soterrado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve
temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra,
revolvê-lo como se revolve o solo. Pois os “fatos” não são além de
camadas que apenas à exploração mais cuidadosa entregam aquilo que
recompensa a escavação. Ou seja, as imagens que, desprendidas de todas
as conexões mais primitivas, ficam como preciosidades nos sóbrios
aposentos de nosso entendimento tardio, igual a torsos na galeria do
colecionador. (...) E se ilude (...) quem (...) não sabe assinalar no terreno
de hoje o lugar no qual é conservado o velho.
13
Se os interesses do presente determinam os fatos a serem historicizados, de modo
que a historiografia assume a tarefa de representar o passado em resposta aos referidos
interesses, infere-se que o presente apela ao passado. Ciente do construtivismo dos fatos
pela historiografia, Benjamin atenta para a capacidade de identificar no passado os germes
de uma outra narrativa. O autor atribui essa capacidade ao historiador atento ao passado,
principalmente aos elementos fadados ao esquecimento: “O cronista que narra os
acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de
que nada que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”.
14
Ao considerar que o passado dirige um apelo que não pode ser rejeitado
impunemente, Benjamin interroga: “Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes
que emudeceram?”.
15
Ora, justamente ecos de vozes que emudeceram ressoam nos discos
arquivados e fadados ao esquecimento, sobretudo diante do modo como, por exemplo,
12
BENJAMIN, Walter. O jogo das letras. In: BENJAMIN, 1995, p. 104-105.
13
Id. Escavando e recordando. In: BENJAMIN, 1995, p. 239.
14
Id. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, 1994, p. 223.
15
Id. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, 1994, p. 223.
13
opera a historiografia tradicional, articulando origens e continuidades ao conceber a
“chegada do rock brasileiro nos anos 1980” como “seqüência aos pioneiros Rita Lee e Raul
Seixas”.
16
Identifico agora as vozes emudecidas entre os despojos carregados no cortejo
triunfal
17
que Benjamin atribui aos vencedores, despojos que “são o que chamamos bens
culturais”.
18
Vozes que efetivamente escutarei ao agitar a poeira do arquivo, sempre
incompleto, sempre infinito. E ao agitar a poeira do arquivo, agito um pouco dos nossos
corpos.
A leitura a contrapelo da tradição ressoa a contradição silenciada, o vazio
constitutivo da unidade de sentido prevista pela demanda por um sentido de nacionalidade.
Para tanto, contextualizo o meu objeto consciente da opacidade dos discursos que o
envolvem, ciente, portanto, de que qualquer realidade consiste apenas naquela que se
apresenta como representação discursiva. O passado se presentifica por meio de atos que
determinam a preservação no presente de documentos que representam fatos que integram
o discurso segundo uma demanda de produção de sentido.
19
Os discos que integram meu
arquivo se configuram como reminiscência.
A percepção do passado enquanto discurso implica a possibilidade de transmutação
do mesmo. E a presentificação desse passado parece particularmente importante agora que
o contexto das novas tecnologias de reprodução e o advento de novas formas de circulação
permitem o acesso aos discos de rock produzidos no Brasil dos anos 1970. Justamente
agora que se extingue definitivamente a produção de discos de vinil, os quais constituem o
setor mais produtivo do mercado de bens culturais nos anos 1970, deixando apenas o gosto
de nostalgia aos aficionados por esses artefatos que representam o passado.
16
ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB: a história de nossa música popular de sua origem até
hoje
. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 14.
17
A imagem do “cortejo triunfal” remonta a uma narrativa de Heródoto, mencionada por Benjamin como
exemplo da arte da narrativa em contraposição à informação: “A informação recebe sua recompensa no
momento em que é nova; vive apenas nesse momento; deve se explicar totalmente a ele e, sem perder tempo,
a ele se explicar. Com a narrativa é diferente: ela não se esgota. Conserva a força reunida em seu âmago e é
capaz de, após muito tempo, se desdobrar.” Cf. BENJAMIN, Walter. Imagens do pensamento. In:
BENJAMIN, 1995, p. 276. Este “pequeno trecho sobre arte” ensaia ainda a proposta aprofundada em
“Experiência e pobreza”: “Cada manhã nos ensina sobre a atualidades do globo terrestre. E, no entanto, somos
pobres em histórias notáveis. Como se dá isso? (...) quase nada mais do que acontece beneficia o relato; quase
tudo beneficia a informação.” BENJAMIN, Walter. loc. cit.
18
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, 1994, p. 225.
19
ALMEIDA, Tereza Virginia de. A ausência lilás da semana de arte moderna: o olhar pós-moderno.
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1998, p. 22.
14
1. O CRONISTA E O COLECIONADOR
1.1. Presença do passado no presente
Segundo uma perspectiva benjaminiana, importa, para o autor que rememora, o
tecido de sua rememoração, o qual se encontra intimamente associado ao esquecimento. O
acontecimento rememorado se apresenta como ilimitado: “é a reminiscência que prescreve,
com rigor, o modo de textura”.
1
Assim, Walter Benjamin sugere um tempo entrecruzado,
que representaria o fluxo temporal sob sua forma mais real, manifesta na reminiscência.
2
Articular historicamente o passado significaria apropriar-se de uma reminiscência,
atentando para a capacidade de identificar os germes de uma outra história. Essa capacidade
se atribui ao historiador atento ao passado, principalmente aos elementos fadados ao
esquecimento: “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e
os pequenos, leva em conta a verdade de que nada que um dia aconteceu pode ser
considerado perdido para a história”.
3
Uma vez que “nunca houve um monumento da cultura que não fosse um
monumento da barbárie” e que, “assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é,
tampouco, o processo de transmissão da cultura”,
4
Benjamin estabelece a tarefa de uma
história a contrapelo, associada com a oportunidade de lutar por um passado oprimido,
sobretudo quando o “estado de exceção” sob o qual vivemos constitui regra geral. Para
tanto, como observa Jeanne Marie Gagnebin a respeito das teorias da narração e da
historiografia benjaminianas, o sinal de verdade da narração deve ser procurado “naquilo
que ao mesmo tempo lhe escapa e a escande, nos seus tropeços e nos seus silêncios, ali
onde a voz se cala e retoma fôlego”. Afinal, “essas paradas e esses silêncios são outros
tantos signos daquilo que deve ou quer ser negado pelo historiador oficial”.
5
Ora, a voz que
se cala representa agora a potencialidade enunciativa do rock brasileiro dos anos 1970, cujo
emudecimento ecoa do passado para o presente.
1
BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. In: BENJAMIN, 1994, p. 37.
2
Ibid., p. 45.
3
Id. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, 1994, p. 223.
4
Ibid., p. 225.
5
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004,
p. 100.
15
1.2. Universalidade da proposta benjaminiana
Michael Löwy atenta para o aspecto universal das proposições benjaminianas,
destacando a sua importância para compreender “do ponto de vista dos vencidos” a história
dos excluídos de todos os tempos e lugares.
6
Nesse sentido, a reparação almejada por
Benjamin representa a realização dos objetivos inatingidos pelas gerações passadas.
Segundo Löwy, as teses se orientam ao mesmo tempo para o passado – a rememoração – e
para o presente a ação redentora
7
– antecipadamente entrevisto por Marx enquanto
atributo dos homens, cujas transformações presentes devem considerar as reivindicações
passadas:
os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem: não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com as quais
se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro
dos vivos.
8
Para tanto, a figura do cronista “que narra os acontecimentos, sem distinguir entre
os grandes e os pequenos” e que “leva em conta a verdade de que nada do que um dia
aconteceu pode ser considerado perdido”
9
representa a história “integral”, que não exclui
detalhe ou acontecimento algum, mesmo que seja insignificante.
10
Segundo Irving
Wohlfarth, o cronista antecipa o Juízo Final, compreendido como o momento em que cada
tentativa de emancipação do passado seja salva do esquecimento e “citada na ordem do
dia”, ou seja, reconhecida, honrada e rememorada, momento que recusa, como o cronista,
toda discriminação.
11
6
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”.
São Paulo: Boitempo, 2005, p. 39.
7
Ibid., p. 51-53.
8
MARX, Karl. O dezoito brumário de Luis Bonaparte. In: ______. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1974, p.
17.
9
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, 1994, p. 223.
10
LÖWY, Michael. Op. cit., p. 54.
11
Ibid., p. 54-5.
16
A relação que se estabelece entre ontem e hoje coloca o passado e o presente em
constante reciprocidade. Na medida em que considera que “é uma imagem irrestituível do
passado que ameaça desaparecer com cada presente que não se reconhece como nela
visado”, Benjamin enfatiza o engajamento ativo do historiador contra a atitude
contemplativa do historiador tradicional. O seu objetivo deve ser descobrir a constelação
problematizadora que um fragmento do passado produz com um momento do presente.
Benjamin ressalta que “articular o passado historicamente não significa conhecê-lo ‘tal
como ele propriamente foi’”, o que constitui uma concepção historicista e positivista
adequada apenas ao historiador conformista e conservador, cuja pretensa neutralidade
apenas confirma a visão dos vencedores.
12
A rememoração tem por tarefa a construção de constelações que ligam o presente e
o passado, as quais representam momentos diante dos quais o historiador deve fazer uma
pausa, gesto que possui a capacidade de reaver um acontecimento esquecido a partir da
unidade entre o ato presente e um momento determinado do passado.
13
Para tanto,
Benjamin estipula que “em cada época é preciso tentar arrancar a transmissão da tradição
ao conformismo que está na iminência de subjugá-la”. Michael Löwy compreende que
extirpar a tradição ao conformismo que se quer dominar representa restituir à história seu
papel subversivo com a ordem estabelecida, obliterado pelos historiadores “oficiais”.
14
Portanto, em detrimento da tradição derivada dos opressores, que opera por
continuidades, as proposições benjaminianas configuram a possibilidade de uma outra
tradição:
Essa tradição é descontínua (...) Mas, dialeticamente, ela tem sua própria
continuidade: à imagem da explosão que deve quebrar o contínuo da
opressão corresponde, no domínio da tradição dos oprimidos, a metáfora
da tecelagem: (...) é preciso tecer na trama do presente os fios da tradição
que se perderam durante séculos
.
15
12
LÖWY, 2005, p. 61-65.
13
Ibid., p. 131-6.
14
Ibid., p. 66.
15
Ibid., p. 121-2.
17
Assim, Benjamin procura conceber uma “tradição” dos oprimidos adversa ao
nivelamento da continuidade, fundamentada na representação da descontinuidade.
16
Michael Löwy observa que a continuidade produzida pela tradição da historiografia
baseada em uma cronologia linear representa unicamente a da dominação, reproduzida pelo
automatismo da história. Em contrapartida, os momentos de liberdade representam
interrupções, descontinuidades, provocadas quando os oprimidos se sublevam e tentam se
auto-emancipar.
17
Os bens culturais apropriados das culturas anteriores e integrados ao
sistema dominante configuram uma tradição que funciona, segundo Benjamin, como “um
instrumento das classes dominantes”.
18
Portanto, escovar a história a contrapelo significa
considerá-la a partir da perspectiva da exclusão, o que garante “a rememoração de nossas
derrotas”, reivindicada por Benjamin.
19
Afinal, a constelação entre uma situação presente e um acontecimento do passado
faz deste um fato histórico. A constelação fundamenta o conceito que inaugura um tempo
aberto defendido por Benjamin, cujas proposições escondem uma concepção de história
como processo aberto, ou seja, indeterminado antecipadamente e em que as oportunidades
podem surgir a qualquer momento.
20
Essa percepção de abertura remonta ao modo como
Jeanne Marie Gagnebin associa a proposta de Benjamin ao conceito de obra aberta, ao
considerar que cada história constitui o ensejo de uma outra, que desencadeia uma outra, e
assim sucessivamente.
21
A referida proposta assume a
preocupação de salvar o passado no presente graças à percepção de uma
semelhança que os transforma os dois: transforma o passado porque este
assume uma forma nova, que poderia ter desaparecido no esquecimento;
transforma o presente porque este se revela como sendo a realização do
possível dessa promessa anterior, que poderia ter se perdido para sempre,
que ainda pode se perder se não a descobrirmos, inscrita nas linhas do
atual.
22
16
GAGNEBIN, 2004, p. 98-99.
17
LÖWY, 2005, p. 117.
18
Ibid., p. 78-9.
19
Ibid., p. 115.
20
Ibid., p. 140-5.
21
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, 1994, p. 13.
22
Ibid., p. 16.
18
Gagnebin observa que as teses benjaminianas consistem em uma “reflexão crítica
sobre o nosso discurso a respeito da história”, de modo que a questão da sua escrita remete
a da atividade da narração. A crise da arte de contar, oriunda de uma organização social
centrada no artesanato, decorre do depauperamento de uma tradição e de uma memória
comuns e se relaciona aos processos de fragmentação e de secularização descritos por
Benjamin.
23
Gagnebin constata ainda que as teses constituem mais especificamente uma teoria
da historiografia, definida como a retomada e rememoração salvadoras de um passado
esquecido, perdido, recalcado ou negado.
24
A filosofia benjaminiana implica uma
apreensão do tempo em termos de intensidade em detrimento da cronologia, apontando
para a noção de origem, a qual deve servir de base para uma historiografia regida por uma
temporalidade diferente da causalidade linear estranha ao evento. O conceito benjaminiano
de origem opera cortes no discurso nivelador da historiografia tradicional, permitindo parar
o tempo para que o passado esquecido ou recalcado ressurja no presente.
25
Na medida em que, por meio da leitura dos signos e dos textos, remete ao passado, o
conceito de origem testemunha a não realização da totalidade. A rememoração implica uma
transformação do presente, de modo que o passado reencontrado seja igualmente retomado
e transformado. O inacabamento constitutivo que caracteriza a origem representa uma
retomada do passado e, ao mesmo tempo, uma abertura para o futuro. Para tanto, os fatos
devem ser arrancados a uma falsa continuidade, pois a historiografia dominante, sob sua
aparente universalidade, remete a um processo discursivo de dominação. E “esta narração
por demais coerente deve ser interrompida, desmontada, recortada e entrecortada”.
26
O historiador deve extrair da narrativa oficial a historiografia dos esquecidos e dos
vencidos, como concebe Benjamin, por meio de um esforço de interpretação que consiste
em um movimento de fragmentação e de desestruturação da enganosa totalidade histórica.
Ele deve se prender a esses destroços e fazer deles objetos privilegiados de sua meditação.
27
A atividade narradora que salvaria o passado na mesma medida em que preservaria a sua
irredutibilidade deve manter o passado inacabado ou aberto, respeitando a
23
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, 1994, p. 7-12.
24
GAGNEBIN, 2004, p. 2.
25
Ibid., p. 8-10.
26
Ibid., p. 14-17.
27
Ibid., p. 43-45.
19
imprevisibilidade do presente, o que representa justamente o movimento paradoxal que
descreve o conceito benjaminiano de origem.
28
O conceito de origem aponta, como constata Gagnebin, justamente para o emergir
do diferente, pois constitui a “intensidade destrutora das continuidades e das ordens
pretensamente naturais”.
29
Ora, o interesse benjaminiano pelo estranho, enquanto aquilo
que escapa da classificação e que, como afirma Gagnebin, consagra-se no exame recorrente
do monstruoso e do deformado, converge ao referido conceito, para o qual a história
representa uma coleta de informações, separação e exposição dos elementos. O
procedimento se assemelha ao do colecionador, que apresenta os objetos coletados em sua
unicidade e em sua excentricidade, como que para preservá-los do esquecimento e da
destruição.
30
Gagnebin atenta ainda para o fato de que o tema das teses se associa a outros temas
caros a Benjamin. Para a autora, o tema do fim da narração tradicional, por exemplo, deriva
da reflexão benjaminiana a respeito das transformações perceptivas que subvertem a
produção cultural:
Trata-se de uma interrogação que diz respeito à estética no sentido
etimológico do termo, pois Benjamin liga indissociavelmente as
mudanças da produção e da compreensão artísticas a profundas mutações
da percepção (aisthêsis) coletiva e individual.
31
A referida questão se desenvolve mais profundamente a partir da leitura de Susan
Buck-Morss.
32
Interessa agora a proposição profunda contra a exclusão cultural que implica
a necessidade de uma nova história, entrevista nas proposições do problema da narração
tradicional e da tecnologia de reprodução da obra de arte, ambas associadas ao tema da
aura.
33
Segundo Buck-Morss, a epistemologia benjaminiana, embora dialeticamente
elaborada, consiste em um cruzamento, uma contradição entre continuidade e
28
GAGNEBIN, 2004, p. 63.
29
Ibid., p. 18-19.
30
Ibid., p. 9-13.
31
Ibid., p. 55.
32
Cf. BUCK-MORSS, Susan. Estética e anestética: o “ensaio sobre a obra de arte” de Walter Benjamin
reconsiderado. In: TRAVESSIA REVISTA DE LITERATURA. Florianópolis, n. 33, p. 11-41, ago./dez.
1996, p. 11-41.
33
GAGNEBIN, op. cit., p. 56.
20
descontinuidade, cujas coordenadas se sintetizam, em detrimento de uma resolução, no
“ponto em que seus eixos se intersectam”.
34
A percepção de continuidades e
descontinuidades como eixos cruzados revela a proposta de um tempo entrecruzado que se
manifesta, como anteriormente exposto, justamente na reminiscência. O objetivo de
Benjamin, segundo Buck-Morss, “era ‘resgatar’ os objetos históricos, ao desengajá-los das
histórias desenvolvimentistas seqüenciais – da lei, da religião, da arte, etc., em cujas
narrativas ficcionais e falsificadoras tinham sido inseridos, no processo de sua
transmissão”.
35
Para tanto, a ruptura com a tradição se apresenta como uma necessidade, pois
permite desviar da forma como a tradição se perpetua por meio de sua transmissão.
Benjamin reivindica uma “ruptura com aquelas condições que alimentaram
consistentemente a tradição”.
36
Essa capacidade de ruptura com a tradição e, por
conseguinte, constante atualização do objeto cultural, depende da reprodutibilidade da obra
de arte: “Generalizando”, escreve Benjamin, “podemos dizer que a técnica da reprodução
destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido”. A reprodução “substitui a existência
única da obra por uma existência serial”, de modo que “ela atualiza o objeto
reproduzido”.
37
Ao descrever o modo como as condições de produção refletem sobre a cultura,
perscrutando a novidade da tecnologia de reprodução da obra de arte, Benjamin constata
que, na medida em que a autenticidade de uma obra deriva da sua transmissibilidade pela
tradição, o afastamento da materialidade da obra do testemunho humano por meio da
reprodução implica o desaparecimento de sua “autoridade”, ou seja, de seu “peso
tradicional”. Portanto, o autor compreende que a reprodutibilidade, intimamente
relacionada aos movimentos de massa, resulta em um “violento abalo da tradição”, o qual
representa o reverso da crise assistida por Benjamin, bem como a possibilidade de
renovação da humanidade.
O autor ressalta que a percepção humana é condicionada historicamente e que os
fatores sociais relacionados ao referido processo se associam aos movimentos de massa.
34
BUCK-MORSS, 2002, p. 254.
35
Ibid., p. 263.
36
Ibid., p. 333.
37
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, 1994, p. 168-
169.
21
Nesse sentido, a reprodutibilidade da obra modifica a relação da massa com a arte, de modo
que a assimilação entre as atitudes de prazer e de julgamento produz uma significação
social. A modificação da percepção humana compreende uma outra forma de recepção,
qual seja, a distração, elaborada pelo autor como “sintoma de transformações profundas nas
estruturas perceptivas” do homem moderno e em contraste com a atenção.
38
O valor de distração condiz fundamentalmente com a ordem da tatilidade, associada
a uma forma de recepção pelo uso. Benjamin, ao prescrever mudanças de perspectiva, julga
a tatilidade a qualidade “mais indispensável para a arte nas grandes épocas de reconstrução
histórica”. O autor compreende que as tarefas impostas ao aparelho perceptivo humano se
tornam, em momentos históricos decisivos, realizáveis gradualmente, pela recepção tátil,
através do hábito, inaugurando uma proposta para a percepção que opera por meio do efeito
de choque:
Através da distração, como ela nos é oferecida pela arte, podemos avaliar,
indiretamente, até que ponto nossa percepção está apta a responder a
novas tarefas. E, como os indivíduos se sentem tentados a esquivar-se a
tais tarefas, a arte conseguirá resolver as mais difíceis e importantes
sempre que possa mobilizar as massas. (...) E aqui, onde a coletividade
procura a distração, não falta de modo algum a dominante tátil, que rege a
reestruturação do sistema perceptivo.
39
Carl Einstein evidencia a tatilidade enquanto peculiaridade da arte negra primitiva,
bem como a concepção do corpo como obra de arte inacabada que se transforma no ato.
40
Isso implica a recusa da forma natural, de modo que a arte primitiva passa a ser
recorrentemente associada, em detrimento da imitação, aos conceitos de movimento, forma
e sensação. Ora, ao confrontar o consenso sobre a percepção da arte, Einstein postula, numa
relação entre toque e choque, um limiar anestético, como compreendido pela leitura de
benjaminiana empreendida por Buck-Morss.
Por fim, a proposta benjaminiana implica uma nova concepção de sujeito, um
sujeito para quem a atividade rememoradora não visa a descrição do passado “como de fato
foi”, mas a sua retomada salvadora no presente. Um sujeito que não pretende, portanto,
38
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, 1994, p. 194.
39
Ibid., p. 194.
40
EINSTEIN, Carl. La escultura negra. In: ______. La escultura negra y otros escritos. Barcelona: Gil e
Gaya, 2002, p. 56.
22
garantir sua identidade a partir de sua narrativa. Mas se desfaz de representações definitivas
e ousa se afirmar na incerteza. O seu destino conforma, segundo Gagnebin, os descaminhos
do eu em busca de si mesmo pelos caminhos da alteridade. O passado depende da ação
presente desse sujeito de penetrar sua opacidade e retomar o fio de uma narrativa que havia
se exaurido, arrancando-a da totalidade triunfante do discurso e da ordem estabelecidos a
partir dos buracos da historiografia tradicional, ou seja, suas contradições, seus paradoxos,
lugares nos quais se interrompem a tradição e sua transmissão, os quais se revelam no
discurso, na sintaxe, enfim, no texto.
41
O respectivo procedimento, que motiva sobremaneira a escritura do presente
trabalho, aponta para a possibilidade de “ler a realidade como se fosse um texto”,
possibilidade constitutiva da tarefa interpretativa proposta por Benjamin. E ler a realidade
como se fosse um texto significa, segundo Buck-Morss, “reconhecer sua diferença”.
42
Ao
resgatar o rock brasileiro dos anos 1970 de uma continuidade linear que o priva
historicamente de representação, analiso, em contraste com o discurso musical
institucionalizado sob o signo da MPB, os sentidos produzidos com os procedimentos
discursivos do rock brasileiro, os quais hipoteticamente fundam uma discursividade.
Para tanto, interessa a possibilidade configurada pelas proposições de Benjamin de
um resgate redentor do passado a partir dos seus fragmentos esquecidos no presente, o que,
considerando a universalidade da proposta do autor, constitui propriamente o meu
procedimento. Eu me inscrevo no ponto em que convergem o colecionador e o cronista, ao
atuar, em busca do que se encontra obliterado pela tradição, contra o historiador tradicional
e seu discurso. Isso em nome de uma outra tradição uma tradição da contradição que
finalmente identifique o sujeito acima concebido e permita ao passado esquecido ou
recalcado ressurgir no presente por meio de uma efetiva ruptura com a tradição e com as
condições que a alimentam, de modo a atualizar o objeto cultural.
Afinal, o legado dos bens culturais depende do estatuto da tradição, sobretudo das
suas condições históricas e narrativas, como conclui Gagnebin, acrescentando que o
questionamento benjaminiano da tradição consiste em um questionamento da nossa
concepção da identidade pessoal. Segundo Gagnebin, Benjamin propõe uma ampliação da
41
GAGNEBIN, 2004, p. 89-100.
42
BUCK-MORSS, 2002, p. 287.
23
dimensão social do sujeito na medida em que sua concepção se abre aos conceitos de
lembrança e de esquecimento, essenciais para uma reflexão que pretende pensar a nossa
prática histórica, isto é, como contamos a nossa história e como agimos nela.
43
1.3. Sensibilidade e historicidade
A partir da premissa da historicidade da percepção, com a qual Walter Benjamin, ao
considerar a relação entre sensibilidade e tecnologia, concebe a possibilidade de uma
transformação da sensibilidade, Theodor W. Adorno trata os efeitos dos mecanismos de
produção, reprodução e recepção musical no contexto do capitalismo tardio. O campo
musical se torna uma prioridade ensaiada por Adorno a partir dos problemas analisados
pela Escola de Frankfurt, de modo que, como afirma Alvaro Valls, Adorno desdobra sua
teoria nos ensaios de sociologia da música.
44
A despeito de Benjamin mencionar o “aparelho perceptivo”, as “estruturas
perceptivas” e o “sistema perceptivo” enquanto aparatos que podem se modificar com a
tecnologia, prevalece a noção de que a percepção humana aparece condicionada
historicamente. Afinal, o autor enfatiza o aspecto comportamental do processo perceptivo,
na medida em que postula que as diversas formas de sensibilidade configuram diferentes
modelos receptivos adquiridos a partir dos meios, suportados em distintas tecnologias, de
modo que a mediação, sustentada pela percepção sensorial, opera em um ambiente
discursivo e segundo determinados usos e costumes.
Apesar do fato de o aspecto comportamental se associar a uma conduta receptiva
ativa, Adorno defende que os modos de produção, reprodução e recepção, inaugurados pela
modernidade tardia, proporcionam um comportamento passivo permitido pela historicidade
da percepção. Com uma abordagem criticamente fundamentada contra uma ideologia
supostamente veiculada pelos meios subordinados ao mercado, os escritos de Adorno
influenciam sobremaneira o pensamento musical brasileiro, sobretudo a partir dos anos 70.
43
GAGNEBIN, 2004, p. 74-75.
44
VALLS, Alvaro L.M. Estudos de estética e filosofia: numa perspectiva adorniana. Porto Alegre: UFRGS,
2002, p. 64.
24
Afinal, os anos 1970 consolidam um sistema de composição, produção e consumo de
canções apoiado numa instituição sociocultural reconhecível, a MPB,
45
o que garante
autonomia e hegemonia no mercado musical brasileiro.
Marcos Napolitano afirma que os anos 1960 configuram um verdadeiro sistema
cultural diferenciado para o campo musical, formando uma nova “estrutura de recepção”
que garante autonomia ao campo da MPB ao longo dos anos 1970. Nesse momento, a
hegemonia da MPB contribui para a autonomia do processo de produção e circulação das
canções pela indústria fonográfica na conjuntura de 1968, que culminou na radicalização do
debate ideológico em torno da canção popular. Nesse processo, estabelecido ao longo dos
anos 1970, a MPB constitui o eixo do sistema de produção e consumo de canções no Brasil.
Ao mesmo tempo, “agregava-se ao ‘produto’ MPB um sentido ‘político’”, na medida em
que “construía-se uma perspectiva que foi incorporada pela memória social acerca do
período: o triunfo da MPB (...) era, ao mesmo tempo, um triunfo político”.
46
Assim, a
consensual consolidação da indústria cultural no Brasil nos anos 1970 coincide com o
silenciamento do rock brasileiro.
Com efeito, a abordagem de Benjamin se ocupa preponderantemente com a
interpretação dos sentidos dos produtos, ao passo que a abordagem de Adorno se preocupa
com a compreensão dos mecanismos de produção dos produtos e dos seus sentidos. Mas o
que diferencia as abordagens de ambos os autores condiz sobretudo com o fato de que se a
teoria marxista da ideologia atravessa as teorias adornianas, caracterizadas pela aplicação
de teorias tradicionais da arte aos produtos culturais modernos, o reconhecimento dos
receptores como sujeitos capazes de produção de sentidos remonta ao trabalho precursor
desenvolvido por Benjamin. Ao reconhecer o potencial cognitivo do sentimento e do
prazer, o autor supera uma determinada concepção do saber caracterizada por um acento
crítico-pedagógico predominantemente racionalista.
A despeito do fato de que parte constantemente dos pressupostos benjaminianos,
como enfatiza em seus textos, ao considerar sobretudo a historicidade da sensibilidade
perceptiva humana, Adorno o faz como resposta a uma potencial apologia em Benjamin. O
referido procedimento culmina com sua filosofia na medida em que:
45
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultura na MPB. São
Paulo: Annablume/Fapesp, 2001a, p. 176.
46
Ibid., p. 176.
25
O princípio seguido por Walter Benjamin, por motivos de crítica
gnosiológica, em seu tratado sobre o drama alemão, pode derivar do
próprio objeto, num tratamento filosófico da música moderna, que se
limite substancialmente a considerar dois protagonistas cada um por si. Na
verdade, a natureza desta música está impressa unicamente nos extremos e
só eles permitem reconhecer seu conteúdo de verdade.
47
Ao revalorizar os extremos opostos, Adorno retoma a seguinte passagem de
Benjamin:
A história filosófica como ciência da origem é a forma que, a partir dos
extremos opostos, dos excessos aparentes da evolução, nascimento à
configuração da idéia, entendida como uma totalidade caracterizada pela
possibilidade de uma coexistência plena de sentido de tais contrários.
48
O objetivo de Adorno consiste em afirmar que “a história do movimento da nova
música não tolera ‘a coexistência plena de sentido dos opostos’.” Para o autor, a nova
música representa uma posição defensiva contra a mercadoria artística mecanizada, cujo
aparecimento se associa a “um estilo musical que (...) se assimila à cultura das massas em
virtude de uma calculada imbecilidade”. Para tanto, “a música radical, em sua origem, não
reagiu de outra maneira contra a degradante comercialização do idioma tradicional. Foi o
obstáculo colocado frente à expansão da industria cultural em sua esfera”.
49
A origem do reducionismo da abordagem musical adorniana se revela na medida em
que o autor conclui que “na música se também o que Clement Greenberg chamou de
divisão de toda arte em falsidade grosseira e vanguarda”.
50
Ao atuar como uma recusa da
sensibilidade normal e propor uma ruptura entre o saber legitimado e o senso comum, a
defesa da vanguarda constitui o resultado do racionalismo estabelecido com o advento do
materialismo progressista e cientificista. No entanto, ao se radicalizar dialeticamente,
Adorno confunde os problemas do gosto com os problemas da ideologia, de modo que
47
ADORNO, Theodor W. Filosofia da nova música. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1989, p. 13.
48
BENJAMIN apud ADORNO, loc. cit.
49
ADORNO, op. cit., p. 15.
50
Ibid., p. 19. A partir de uma argumentação baseada em premissas marxistas, Clement Greenberg responde,
por meio da oposição entre vanguarda e kitsch, ao problema da cultura de massa, propondo a defesa da arte de
vanguarda como a cultura que garantiria a cultura em geral. GREENBERG, Clement.
Clement Greenberg e o
debate crítico
. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001, p. 43.
26
compreende que “as reflexões sobre o desdobramento da verdade na objetividade estética
limitam-se unicamente à vanguarda, que está excluída da cultura oficial. Atualmente a
filosofia da música só é possível como filosofia da nova música”.
51
Nesse sentido, o autor sustenta em sua filosofia as teorias produzidas pelo
deslocamento das premissas benjaminianas ensaiado nos anos 1930, confirmando que “a
concentração de uma audição responsável é impossível” devido ao inundamento da música
ligeira no ouvido do povo.
52
Mas a dicotomia que motiva a filosofia adorniana se estabelece
no Brasil de forma diferenciada, opondo ironicamente o que se compreende por música
engajada, por um lado, e alienada, por outro. Apesar de Adorno se abster do engajamento
caracterizado pelo apelo ao proletariado quando opta pelo progressivismo da arte de
vanguarda, suas teorias contribuem para fundamentar o pensamento musical brasileiro,
53
de
modo que, como observa Renato Ortiz, se antes o debate sobre a bossa nova foi “marcado
pela discussão da alienação ou não da importação do jazz pela música brasileira”,
54
depois
“o rock simbolizaria (...) uma etapa do processo de alienação cultural”.
55
Ao mesmo tempo em que o rock representa o signo “da alienação política e do culto
à sociedade de consumo”,
56
como confirma Marcos Napolitano, o historiador
concordando com a “relativa hegemonia cultural de esquerda”, constatada por Roberto
Schwarz como uma “anomalia” que constitui “o traço mais visível do panorama cultural
entre 64 e 69”
57
considera que “houve uma mudança estrutural da linguagem” que
“acabou por constituir uma nova estrutura de recepção”.
58
Napolitano emprega uma
expressão benjaminiana para denominar um determinado comportamento receptivo
51
ADORNO, 1989, p. 19.
52
Ibid., p. 18.
53
Renato Ortiz observa que a questão nacional atravessa as publicações sobre os meios de comunicação de
massa no Brasil, e “é através da Escola de Frankfurt que a discussão sobre a sociedade e a cultura de massa se
inicia nessas revistas”. Segundo o autor, “tratam-se, no entanto, de pontos de vista vinculados a instituições
que possuem um interesse imediato no mercado, mas que não se constituem um objeto de reflexão para os
críticos e cientistas sociais (...) Não obstante, o eixo do debate permanece ainda a questão nacional, sendo que
a ela se agrega agora, no final dos anos 60, uma nova dimensão: a luta contra o autoritarismo”. ORTIZ,
Renato.
A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 2001,
p. 14-15.
54
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 49.
55
Ibid., p. 76.
56
NAPOLITANO, 2001a, p. 34.
57
SCHWARZ, Roberto. Cultura e política: 1964-1969. In: ______. O pai de família e outros estudos. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 62.
58
NAPOLITANO, 2001a, p. 34.
27
influenciado por uma “cultura nacional-popular de esquerda” mediada pela tecnologia e
cujo engajamento implica o apelo ao mercado.
59
Na medida em que constituem a sociedade e o pensamento brasileiro, as
contradições entrevistas por Adorno se salientam no Brasil. Consensualmente, a atualidade
dos seus textos se confirma de fato no contexto do capitalismo tardio
60
, sobretudo quando a
cultura se permite subjugar pelo mercado, como testemunha recentemente José Miguel
Wisnik a respeito de um artigo datado do final dos anos 1970: “quero reconhecer que, de lá
pra cá, a adorniana ‘regressão da audição’, que eu refutava, avançou avassaladoramente.”
61
No referido artigo, Wisnik opera uma nova perspectiva no modo de se entender a
cultura no Brasil, configurando, segundo Silviano Santiago, “a primeira crítica severa à
grande divisão entre o erudito e o popular”.
62
Assim, Wisnik elabora a “desconstrução do
pensamento adorniano” em nome da especificidade dos usos populares musicais que
diferencia a tradição brasileira da tradição que influencia Adorno. Nesse sentido, Silviano
Santiago observa, a respeito da complexidade da produção musical brasileira, que “o seu
modo de produção se num meio em que as forças mais contraditórias e chocantes da
nossa realidade social se encontram sem se repudiarem mutuamente”, de modo que “a
música popular passa a ser o espaço ‘nobre’, onde se articulam, são avaliadas e
interpretadas as contradições sócio-econômicas e culturais do país”.
63
Ao constatar que a canção comercial popular não tem um uso puramente estético-
contemplativo e que a multiplicidade dos seus usos corresponde à multiplicidade dos
modos como ela é escutada, Wisnik desqualifica a validade da teoria adorniana,
assegurando que em Adorno “a má vontade para com a música popular é grande”:
Ora, no Brasil a tradição da música popular, pela sua inserção na
sociedade e pela sua vitalidade, pela riqueza artesanal que está investida
59
NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e seus públicos (1955/1968). In: ESTUDOS HISTÓRICOS. Rio
de Janeiro, n. 28, p. 103-124, 2001c, p. 3-4.
60
Ao constatar a consolidação do mercado brasileiro de discos nos anos 1970, bem como a mercadoria
musical e a decorrente naturalidade entre consumidores e produtos, Marcia Tosta Dias afirma que “nunca o
conceito de indústria cultural teve tanto sentido”. DIAS, Marcia Tosta.
Os donos da voz: indústria
fonográfica brasileira e mundialização da cultura
. São Paulo: Boitempo, 2000, p. 19.
61
WISNIK, José Miguel. Comentário. In: NOVAES, Adauto (org.). Anos 70: ainda sob a tempestade, Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2005, p. 20.
62
SANTIAGO, Silviano. Democratização no Brasil – 1979-1981. In: ANTELO, Raul et al. Declínio da arte /
Ascensão da cultura
. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1998, p. 17.
63
Ibid., p. 17-19.
28
na sua teia de recados, pela sua habilidade em captar as transformações da
vida urbano-industrial, não se oferece simplesmente como um campo
dócil à dominação econômica da indústria cultural que se traduz numa
linguagem estandardizada, nem à repressão da censura que se traduz num
controle das forças de expressão política e sexual explícitas, e nem às
outras pressões que se traduzem nas exigências do bom gosto acadêmico
ou nas exigências de um engajamento estreitamente concebido.
64
Na medida em que considera que o uso predominante da música no Brasil não foi o
“da ‘música desinteressada’, como dizia Mário de Andrade”, mas o “interessado” como
“instrumento ambiental articulado com outras práticas sociais”, potencializado com a
urbanização e a industrialização, Wisnik remete o uso interessado ao conceito benjaminiano
de distração. O autor conclui que “embora se produza dentro do contexto da indústria
cultural”, a música popular brasileira “não se reduz às regras da estandardização”.
65
Ainda assim a teoria adorniana se sustenta, sobretudo, na descrição dos mecanismos
de produção cultural, de modo que mesmo Richard Middleton afirma que “Anyone wanting
to argue the importance of studying popular music has to absorb Adorno in order to go
beyond him”.
66
Middleton sugere ler Adorno considerando a sua escrita localizada e datada,
com base em uma concepção de música popular que ignora as inovações que se seguiram
ao desenvolvimento das teorias adornianas, cujos problemas emergem inclusive no discurso
das comunidades musicais criticadas.
Middleton argumenta que o desenvolvimento de uma teoria materialista do
movimento musical implica a dicotomia que sustenta as concepções de Adorno, cujo
problema reside na concepção de um conceito de autonomia musical inscrito no problema
do individualismo da sociedade burguesa.
67
Assim, reduzem-se as possibilidades dos usos e
dos sentidos das formas e dos materiais musicais em nome de uma pretensa autonomia.
68
Ao considerar que os modos de produção afetam a forma musical, o pensamento adorniano
postula a homogeneidade da cultura no capitalismo tardio, o que implica interpretar a forma
musical popular sob o signo dos conceitos de estandardização e pseudo-individualização.
69
64
WISNIK, José Miguel. O minuto e o milênio ou Por favor, professor, uma década de cada vez. In:
NOVAES, 2005, p. 29.
65
Ibid., p. 30.
66
MIDDLETON, Richard. Studying popular music. Philadelphia: Open University Press, 1990, p. 35.
67
Ibid., p. 40.
68
Ibid., p. 40-42.
69
Ibid., p. 45.
29
A despeito de reconhecer a realidade da descrição dos mecanismos de produção
cultural, Middleton compreende que o problema do pensamento adorniano reside na
concepção de recepção associada com a noção de um significado musical permanentemente
imanente, restando ao receptor um papel estreitamente limitado.
70
O problema se revela,
portanto, na concepção importada de uma tradição musical particular, de modo que
Middleton afirma: “Adorno’s theory of standardization, which wants to be a total theory, is
in fact strictly limited in its applicability”.
71
Se o pensamento adorniano parte do
pressuposto da dicotomia entre o erudito e o popular, o postulado segundo o qual em
Adorno “a má vontade para com a música popular é grande”
72
por Wisnik pode ser
traduzido e confirmado como “Adorno evidently had little time for popular music”
73
por
Middeton.
Não obstante, Middleton encontra justamente em Benjamin um fundamento para o
reconhecimento das possibilidades oferecidas pela tecnologia no contexto da produção
cultural: “Adorno’s Frankfurt School colleague, Walter Benjamin, put forward a more
optimistic view of the potencials of the productive forces within advanced capitalism”.
74
E
reconhece ainda que:
Benjamin wrote nothing about music. But his arguments can be
generalized for all mass cultural forms; indeed, taking more recent
popular music developments and music theorizing into account, we can
see him at the head implicitly and sometimes explicitly of a
“Benjaminian” tradition, pointing perhaps “beyond mass culture”.
75
Apesar de Benjamin ignorar o campo musical em seus escritos, Middleton salienta
que as teorias benjaminianas podem ser perfeitamente aplicadas ao referido campo no atual
contexto das tecnologias de produção e reprodução musical, oferecendo potencial para
analisar a audição em detrimento da passividade concebida por Adorno.
76
70
MIDDLETON, 1990, p. 59.
71
Ibid., p. 53-54.
72
WISNIK, José Miguel. O minuto e o milênio ou Por favor, professor, uma década de cada vez. In:
NOVAES, 2005, p. 28-29.
73
MIDDLETON, op. cit., p. 34.
74
Ibid., p. 62.
75
Ibid., p. 64.
76
Ibid., p. 65-66.
30
1.4. Aproximação e diferenciação
A aproximação que recorrentemente se estabelece entre as teorias de Benjamin e
Adorno condiz com a diferença entre as artes tradicionais e as industriais, a qual estaria
sedimentada no processo que diferencia o artesão e o artista na passagem da Antiguidade
para o Renascimento.
77
A diferenciação entre as teorias de ambos os autores, por sua vez,
condiz com a capacidade de deslocamento da arte industrial pressuposta por Benjamin ao
conceber a historicidade da percepção humana. O autor associa o meio no qual ocorre a
percepção ao momento histórico, de modo que o advento da tecnologia de reprodução
implica um impacto na produção e recepção dos objetos e uma percepção diferenciada da
realidade.
78
Essa diferenciação estabelece uma dicotomia entre as possibilidades de
atividade e de passividade na recepção, de modo que Benjamin considera a possibilidade de
comportamento ativo, ao passo que Adorno a rejeita.
Assim, Adorno compreende os seus escritos sobre o campo musical como uma
resposta aos preceitos benjaminianos, sobretudo da tecnologia de reprodutibilidade, com os
quais aborda a condição musical no capitalismo tardio.
79
Ao conceituar a “regressão da
audição”, que significa a incapacidade crescente da massa de avaliar aquilo que os
monopólios culturais oferecem aos seus ouvidos, Adorno entende que “a consciência das
massas ouvintes é adequada à música fetichizada”. O autor critica a “distração” com que os
sucessos comerciais são consumidos pelo público em geral, redirecionando o conceito
benjaminiano: “A indicação de Benjamin sobre a apercepção (sic) do filme no estado de
distração vale igualmente para a música leve”.
80
As modificações da consciência dos consumidores, determinadas pelas alterações de
funções nas formas musicais tradicionais, implicam, portanto, um comportamento passivo,
associado ao conceito de “falsa consciência”,
81
cunhado para descrever o papel da música
no ocultamento da situação social. A fruição cognitiva perde o lugar para a inviabilidade da
77
No referido processo a arte se afasta de um erotismo compreendido pela busca do belo e do bom, de modo
que se perde o sentido do conceito grego de Aisthesis, equivalente ao alemão Sinnlichkeit, que, segundo
Alvaro Valls, “refere-se ao sensível, ao sensual e ao sensorial”. Cf. VALLS, 2002, p. 16.
78
DUARTE, Rodrigo. Teoria crítica da indústria cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2003, p. 24.
79
Ibid., p. 30.
80
Ibid., p. 33-34.
81
VALLS, op. cit., p. 107.
31
“participação pensante” pela recepção. Para Adorno, o sempre-igual exige uma audição
adequada, ou seja, uma audição desconcentrada: “o modo de comportamento perceptivo,
através do qual se prepara o esquecer e o rápido recordar da música de massas, é a
desconcentração”.
82
Uma vez que a distração representa uma forma de percepção
coisificada, o autor emprega a noção benjaminiana de distração associando esta forma de
percepção ao esquecimento, relacionado ao fato de que o direcionamento das formas
musicais para o mercado repercute em que o “valor de uso (...) vem a ser substituído pelo
valor de troca, o qual, precisamente enquanto valor de troca, assume enganadoramente a
função de valor de uso”.
83
Na medida em que Adorno considera que “toda coisificação é um esquecer”, e a
impotência da falta de relação com o objeto implica o esquecimento, a distração se associa
à impotência e, conseqüentemente, ao esquecimento.
84
No entanto, posteriormente, Adorno
e Horkheimer, concomitantemente com o advento do conceito de indústria cultural,
reavaliam a possibilidade de distração. Para os autores, os sentidos aparecem condicionados
pelo aparelho conceitual antes que a percepção ocorra, amparados pelos padrões de
entendimento. A automatização da atenção sugere que “os produtos da indústria cultural
podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente”, de modo
que “pode-se questionar se a indústria cultural ainda preenche a função de distrair”.
85
A partir do pressuposto da historicidade da sensibilidade perceptiva humana,
Adorno e Horkheimer compreendem que o corpo foi ajustado pelo sistema de produção
para o manejo da aparelhagem social, acarretando um “empobrecimento das vivências” que
aparece associado com a “incapacidade de poder ouvir o imediato com os próprios ouvidos,
de poder tocar o intocado com as próprias mãos”.
86
Com o advento conceitual da indústria
cultural, permanece, portanto, o princípio da teoria da regressão da audição, de modo que se
associa o senso da audição ao do tato, aludindo à percepção tátil para afirmar a impotência
da incapacidade sensorial provocada pela coisificação.
82
ADORNO, 1938 apud VALLS, 2002, p. 122.
83
Ibid., p. 121.
84
Ibid., p. 122-123.
85
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1985, p. 83-130.
86
Ibid., p. 47.
32
Se Benjamin, por um lado, comemora a tatibilidade da percepção concebida com o
advento da reprodutibilidade, configurando uma forma de percepção por meio da distração,
por outro lado, Adorno promove um deslocamento dessas categorias para o campo musical.
Mas a proposta apresentada por Adorno, sobretudo a teoria da “regressão da audição”,
como observa Habermas, “lembra bastante a ‘superioridade reivindicada pelos Aufklärer
sobre os que ainda devem ser iluminados’,”
87
de modo que sustenta o racionalismo
associado ao processo de autonomização sofrido pela arte a partir do Renascimento.
O racionalismo que se estabelece com o advento do materialismo progressista e
cientificista se radicaliza com os problemas da ideologia e da luta de classes, confundidos
com o problema do gosto, de modo que se espera da arte uma recusa da sensibilidade
normal para consolidar uma ruptura entre o saber legitimado e o senso comum. O problema
colocado por Adorno como um processo de desnaturalização, ou seja, como distanciamento
contra o condicionamento do ouvido musical provocado pelo automatismo, reverbera, no
Brasil, de um modo particular e potencializado pelos acontecimentos de 1964 e 1968.
Segundo Wisnik:
é o que explica a perspectiva daqueles que, em nome de uma crítica
radical da ordem social e do papel consolador da arte, e conscientes disso,
gostariam que ela se
calasse de vez. Por outro lado há a perspectiva
daqueles que, que ela não se cala, e que é forte, que pelo menos
falasse a verdade, dissesse a que vem, e se tornasse veiculadora de
mensagens políticas (...) também uma perspectiva política diferente,
que não quer nem que a música se cale como tal, nem que se cale para
deixar que as palavras falem, mas que seja música, que exista como força,
que seja assim mesmo uma estranha no campo de forças, e que atue como
propulsora a seu modo próprio.
88
Contraposta aos conceitos benjaminianos de tatilidade e distração, a metodologia da
filosofia adorniana consiste na descoberta dos procedimentos que constituem as obras,
apoiada, para tanto, no conceito de distanciamento. A filosofia adorniana reivindica,
portanto, uma autonomia para a nova música que, segundo o autor, garante a conservação
de sua verdade social e, por outro lado, seu perecimento. Com isso, a nova música se
diferencia da obra de arte tradicional na medida em que esta se priva do conhecimento.
87
VALLS, 2002, p. 117.
88
WISNIK, José Miguel. O minuto e o milênio ou Por favor, professor, uma década de cada vez. In:
NOVAES, 2005, p. 32-33.
33
Considerando que a natureza de sua obra consiste em uma arte intuitiva, a arte tradicional
dissimula a superação da ruptura entre sujeito e objeto, em cuja articulação se estabelece o
conhecimento. Nesse sentido, Adorno relaciona a obra de arte fechada com a obra aurática,
compreendendo o conceito benjaminiano de aura enquanto “adesão perfeita e total das
partes com o todo que constitui a obra de arte fechada”.
89
Ao passo que a obra de arte tradicional promove a dissociação entre sujeito e objeto,
a nova arte, ao conservar o contraste entre sujeito e objeto, promove o conhecimento que se
estabelece com a conservação da contradição e com o abandono da forma. Nesse processo,
ocorre o procedimento de dessensibilização do material, que implica a negação da
identidade entre sujeito e objeto, que caracteriza, por sua vez, a noção tradicional de arte.
90
Ao mesmo tempo em que a impenetrabilidade conferida pelas relações industriais ou
comerciais garante ideologicamente a popularidade da arte tradicional que, segundo
Adorno, se separou do movimento social, o isolamento da arte nova representa a
transformação do seu aspecto social. Assim, a nova música subtrai-se à aparência do belo,
repercute sem que ninguém a escute, sem eco, constituindo a experiência do esquecimento
absoluto: “é verdadeiramente uma mensagem encerrada numa garrafa”.
91
Não obstante, a alienação, que, inclusive, constitui um elemento fundamental para
compreender os discursos sobre a música popular brasileira nos anos 1970, pressupõe
justamente distanciamento. Segundo o prematuro Adorno dos ensaios dos anos 1930, citado
por Valls:
A melhor música, a única dialética, agarra-se justamente a esta
“alienação” positiva, da qual ela tomou consciência, e não se deixa
identificar com essa sociedade regida pela lei do capital. Na medida em
que essa música constitui uma apresentação das antinomias sociais, ela
será “tanto melhor, quanto mais profundamente conseguir moldar com
exatidão em sua figura o poder daquelas contradições e a necessidade
destas serem vencidas na e pela sociedade; quanto mais puramente ela
formular, nas antinomias de sua própria linguagem formal, a miséria da
situação social, e convocar à transformação, na escrita cifrada do
sofrimento”.
92
89
ADORNO, 1989, p. 100-101.
90
Ibid., p. 101-102.
91
Ibid., p. 105-107.
92
VALLS, 2002, p. 103.
34
A partir do exposto por Valls, a saber, que a música deve ser considerada mais que
reflexo do processo social, mas reflexão ativa sobre esse processo,
93
pode-se depreender o
motivo das proposições adornianas. Adorno elege a arte de vanguarda na medida em que
sua estética materialista se caracteriza pelo argumento de que o valor da música não reside
na sua intenção política, de modo que encontra uma convergência estrutural entre a lógica
musical interna e uma compreensão crítica marxista da realidade da sociedade
contemporânea.
94
Mas ainda que renegasse rebaixar a arte ao engajamento, o que Adorno
espera da arte não deixa de ser a revelação das condições sociais. Para tanto, a arte deveria
representar uma forma de comunicação, mesmo que ela comunique apenas a sua
incomunicabilidade, o que justifica, por exemplo, que Adorno afirme que, “em termos
musicais, o jazz contém erros ortográficos, gramaticais e sintáticos”,
95
quando deveria
compreender que, contra a norma, o jazz representa o desvio.
96
A capacidade de apresentar
as contradições sociais que Adorno atribui a uma determinada música em detrimento de
outra, a alienada, apresenta, no entanto, a sua própria contradição. Afinal, se, por um lado, a
música apresenta as contradições da sociedade, por outro, a relação música-sociedade é a
alienação. A alienação, inclusive, é a categoria fundamental dos seus ensaios dos anos 30, o
problema central diagnosticado na produção, reprodução e recepção da música. A aplicação
de categorias originadas no campo da economia certamente se justifica na medida em que a
música equivale à mercadoria,
97
pois, desde que prevalece o seu valor de troca, a música se
93
VALLS, 2002, p. 102-3.
94
BUCK-MORSS, Susan. Origen de la dialéctica negativa: Theodor W. Adorno, Walter Benjamin y el
Instituto de Frankfurt, México: Siglo XXI, 1981, p. 63.
95
ADORNO, 1936 apud VALLS, 2002, p. 115.
96
Ao tratar a percepção estética, o formalista russo Vitor Chklovski inaugura preceitos que integram as
preocupações da Escola de Frankfurt. Chklovski atribui as leis do discurso prosaico (linguagem cotidiana) a
um processo de automatização que enfraquece a percepção do objeto. Na medida em que compreende que o
objetivo da arte consiste em devolver a sensação do objeto, Chklovski postula o procedimento da arte como
processo de singularização do objeto que, por meio do estranhamento produzido pela linguagem da arte,
libera-o do automatismo perceptivo. CHKLOVSKI, Victor. A arte como procedimento. In: TOLEDO,
Dionísio de (org.).
Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973.
97
Susan Buck-Morss identifica os sentidos com os quais Adorno ressignifica os conceitos marxistas: “En los
artículos sobre música de Adorno de los años treinta, ‘fuerzas productivasno hacía referencia a la industria
musical, ni a la producción de la música como empresa económica, sino a las técnicas de composición y al
material musical tal como se desarrollaba historicamente; y ‘relaciones de producción’ no significaba la
relación entre capitalista y obrero, ni entre director e músico (no hay mención de algo tan mundano como un
sindicato de músicos), sino la relación entre el compositor ( o el director, músico o auditorio) y la propia
música. Los artículos de Adorno se referían a la ‘producción’ musical en el sentido de la interpretación del
músico y el director, y ‘consumo’ en el sentido de la acogida del auditorio”. Cf. BUCK-MORSS, 1981, p. 86.
35
encontra subordinada à abstração do valor de mercado.
98
Mas Adorno atribui o aspecto da
coisificação ao processo receptivo, uma vez que analisa a “coisificação no comportamento
social do ouvinte”.
99
A despeito do fato de Adorno, segundo constata Susan Buck-Morss, compreender
que a arte era demasiado importante para ser tratada como fenômeno economicamente
determinado,
100
o autor, como observa Valls, permanece todo o tempo no interior da análise
econômica, centrada na mercadoria, nas necessidades humanas e nos valores.
101
Mas a
contradição mais saliente condiz com a solução elitista da proposição adorniana. Essa
solução, intimamente associada ao problema da coisificação do processo receptivo,
significa que a supressão da alienação pode ser realizada por uma elite contra a “simples
massa”.
102
O problema reside em que Adorno parte de uma premissa elitista justamente
para resolver os problemas apresentados pela sociedade burguesa a partir de conceitos que
confirmam a dicotomia entre o erudito e o popular, premissa desqualificada por Wisnik no
contexto da produção musical brasileira.
Ao constatar os modos industrial e artesanal de produção musical coexistindo no
Brasil, Wisnik repensa ainda a dicotomia entre as artes tradicionais e as industriais que
motiva o pensamento adorniano. Contudo, o distanciamento elitista proposto por Adorno
que, ao considerar que o material conteria os problemas da arte, pretende que o artista e o
intelectual, ao enfrentarem os problemas de sua disciplina, tratem de forma mediatizada os
problemas da totalidade social, de modo que a arte coincida com a teoria social
103
permanece, de um modo ou de outro, nos discursos cujas perspectivas Wisnik descreve nos
anos 1970.
104
Afinal, para Adorno, a música, como a teoria, deve articular as condições em
detrimento da ideologia: “La música que pretenda justificar su derecho a existir hoy debe
poseer, en cierto sentido, el
carácter de conocimiento”.
105
No Brasil, a tese, execrada por Adorno, de que apenas a música intencionalmente
política teria significado se dissemina nos discursos sobre a música popular brasileira, de
98
VALLS, 2002, p. 101.
99
Ibid., p. 118.
100
BUCK-MORSS, 1981, p. 61.
101
VALLS, op. cit., p. 132-133.
102
Ibid., p. 117-118.
103
BUCK-MORSS, op. cit., p. 90.
104
Cf. cap. 1, p. 31.
105
ADORNO, 1932 apud BUCK-MORSS, 1981, p. 94.
36
modo que esta deveria exercer a função de negatividade como se pudesse, afinal, resolver
as condições sociais o que Adorno jamais admitiria como harmonicamente se resolve
um acorde dissonante.
37
2. MODERNISMO E NACIONALISMO
2.1. Nacional e estrangeiro
A instauração de um discurso nacionalista em torno da música, baseado na oposição
cultural entre nacional e estrangeiro, fundamenta-se sobremaneira na produção textual
sobre a cultura brasileira ensaiada por Mário de Andrade ainda nos anos 1920, a qual
representa, segundo Jorge Coli, “um testemunho capital da inflexão definitivamente
nacionalista, tomada pela nossa modernidade”.
1
Ao analisarem a categoria de autenticidade
no interior da historiografia musical brasileira, Marcos Napolitano e Maria Clara
Wasserman observam que o problema da historiografia que se concentra em determinar as
origens e as formas musicais associadas com a identidade musical brasileira se intensifica
com o debate no modernismo ao longo dos anos 1920 e 1930.
2
Paulo Castagna ressalta que a elaboração de uma historiografia musical brasileira
nos anos 1920 estava condicionada a uma procura nacional fundamental para o
modernismo. Assim, Renato Almeida questiona em sua pioneira historiografia musical:
“Por que havemos de imitar e com o agravante de buscar os modelos em outros meios?”. O
autor conclui que “trair o meio seria tão funesto quanto trair o tempo”.
3
O herdeiro de um
pensamento determinista mantinha um aspecto defensivo contra “escolas e preconceitos
estrangeiros”, bem como contra “cópias e imitações”, vislumbrando a possibilidade de
criação de uma arte brasileira universal:
1
COLI, Jorge. Música final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas:
UNICAMP, 1998, p. 17. Ao abordar o aspecto do modernismo brasileiro voltado “para a elaboração de um
projeto de cultura mais amplo”, de modo que “a questão da brasilidade se transforma assim no centro da
atenção dos escritores”, Eduardo Jardim constata o papel de Mário de Andrade na “ponte entre uma vontade
de modernidade e a construção da identidade nacional”: “por trás dessas contradições existe um terreno
comum quando se afirma que só seremos modernos se formos nacionais”. Cf. ORTIZ, 2001, p. 35.
2
NAPOLITANO, Marcos; WASSERMAN, Maria Clara. Desde que samba é samba: a questão das origens no
debate historiográfico sobre música popular brasileira. In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. São
Paulo, v. 20, n. 39, p. 157-189, 2000, p. 168. Marcos Napolitano e Maria Clara Wasserman observam que
“para Mário de Andrade, a preocupação em encontrar uma identidade musical e nacional para o Brasil vai
remeter à fixação dos traços da música popular desde finais do século XVIII, quando podiam ser notadas
‘certas formas e constâncias brasileiras’ no lundu, na modinha, na sincopação”.
3
CASTAGNA, Paulo. Impressionismo, modernismo e nacionalismo no Brasil. São Paulo: Instituto de Artes
da UNESP, 2003, p. 4.
38
Necessário, porém, é nos livrarmos das escolas e dos preceitos
estrangeiros, das cópias e das imitações, sentirmos por nós mesmos, com
toda a força e barbaria de um temperamento jovem, neste mundo jovem
que habitamos. Que a cultura não seja uma densa cerração para ocultar o
brilho do nosso estro, antes um meio de comunicar a emoção nativa com o
universo. Façamos uma arte independente, aproveitando toda a riqueza
formidável de ritmos, essa abundância de cor, essa exuberância da
natureza magnífica. Tenhamos fé na ascenção do nosso espírito e no
aperfeiçoamento de suas forças criadoras para realizar uma grande arte
que seja universal e perpétua.
4
Castagna argumenta que a concepção de música popular adotada por Mário de
Andrade exclui a urbana na medida em que esta se apresenta sob influências externas e sob
a forma de produto para consumo: “a crítica interessada na ‘música brasileira’ ainda tratava
desse fenômeno de forma idealizada, considerando a ‘verdadeira’ música popular aquela
que surgia nos ambientes rurais ou nas pequenas cidades que ainda não conheciam um
capitalismo mais avançado”.
5
Como a música popular urbana se encontra vinculada a um
ambiente industrial e, portanto, “distante dos meios primitivos nos quais seriam observadas
as características ‘puras’ da música nacional”, F.B. Figueiredo Sobrinho compreende que
“a música popular brasileira somente poderia ser encontrada nos ambientes rurais, uma vez
que nas cidades, a ‘contaminação’ por elementos oriundos do jazz a teria descaracterizado”:
“A pouco e pouco, foi-se inoculando de ‘jazz’, de transições, de dissonâncias, que nunca se
resolvem. E, enfim, deixou de ser brasileira”,
6
escreve o autor.
Embora Mário de Andrade abdique de simplesmente banir toda a influência
estrangeira, como observa Castagna, ao citar um verso do poeta modernista que defende o
uso de sua técnica para uma música brasileira de concerto universal, partindo do particular
para o geral “sou um Tupi tangendo um alaúde” ele defende o sacrifício em nome da
música nacional a partir da premissa da utilidade. Para tanto, cabe ao compositor brasileiro
a tarefa de compor uma obra ideologicamente funcional, colaborando para a determinação
dos caracteres constitutivos permanentes da musicalidade brasileira, de modo que o artista
4
ALMEIDA, 1926 apud CASTAGNA, 2003, p. 8-9.
5
CASTAGNA, op. cit., p. 6. A esse respeito Marcos Napolitano e Maria Clara Wasserman destacam que “a
música urbana não se constituía no material privilegiado para o projeto marioandradiano, na medida em que
nele a fala da brasilidade estaria mesclada a outras sonoridades, oriundas de outras nacionalidades (...)
canalizada para o consumo, na forma de música ligeira”. Cf. NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 169.
6
FIGUEIREDO SOBRINHO, 1926 apud CASTAGNA, 2003, p. 7-8.
39
brasileiro “que fizer arte internacional ou estrangeira”, segundo Mário de Andrade, “é um
inútil, um nulo. É uma reverendíssima besta”. Por outro lado, como observa Castagna, “o
autor acreditava que a reação contra o que é estrangeiro deveria ser feita pela deformação e
adaptação dele e não simplesmente pela sua repulsa”.
7
A despeito de uma lacuna no pensamento folclorista marioandradiano, constatada
pelos intelectuais interessados na autenticidade da produção musical urbana que, no final
dos anos 1940, culmina com a consolidação de uma sistematização da historiografia
musical, as categorias do pensamento de Mário de Andrade parecem preservadas,
permanecendo no discurso musical brasileiro. Assim, mesmo o “folclorismo urbano”, que
consiste em uma perspectiva folclorista aplicada ao produto musical da urbe, caracteriza-se
pelo temor da internacionalização e perda de referenciais para a cultura nacional, buscando
o estabelecimento de uma linguagem nacional para a canção. “A preocupação em redefinir
a nacionalidade e a tradição das manifestações musicais do ‘povo brasileiro’ reuniu
intelectuais de vários setores e a música brasileira tornou-se objeto de um amplo debate”,
como constatam Marcos Napolitano e Maria Clara Wasserman, observando que o referido
debate visa pensar e preservar as origens e a identidade da música popular brasileira.
8
O estabelecimento de uma Antologia da Música Popular Brasileira por parte dos
mesmos folcloristas ilustra as preocupações nacionalistas que motivaram a coleção de
discos:
O folclore musical e a música popular brasileira estão sofrendo o impacto
de influências estranhas à medida que o progresso (...) penetra nas
camadas mais pobres da população e nas regiões mais afastadas da
civilização, que são a fonte de todo o nosso patrimônio musical. (...) Urge,
portanto, tomar medidas no sentido de preservar a nossa música, seja pela
regravação e popularização dos velhos discos hoje esgotados, seja pela
gravação de novos compositores e sambistas que, considerados não
comerciais, tem na sua música toda a pureza tradicional dos temas e
formas brasileiras.
9
A pesquisa marioandradiana do popular empreendida a partir dos anos 1920, e
efetivamente institucionalizada nos anos 1930 com a Missão de Pesquisas Folclóricas do
7
CASTAGNA, 2003, p. 10.
8
NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 174.
9
Texto redigido por Lúcio Rangel para a Antologia da Música Popular Brasileira. Cf. NAPOLITANO;
WASSERMAN, op. cit., p. 175.
40
Departamento de Cultura de São Paulo por ele dirigido, antecipa o intuito de reter e
defender as tradições culturais ameaçadas pelo processo de “deculturação”. A compreensão
da música popular e do folclore associados com a identidade nacional remonta, portanto, ao
trabalho de Mário de Andrade de reter o passado em busca de uma tradição. As viagens ao
norte e nordeste brasileiros, com as quais o modernista “convence-se de que as bases da
nacionalidade estavam distantes dos centros urbanos desenvolvidos”,
10
onde as tradições
culturais permaneciam imunes aos processos de industrialização e urbanização,
conscientizam o autor da “necessidade do registro em discos, fotos e filmes, das
manifestações que o progresso colocava em risco de desaparecimento”.
11
A partir de um discurso folclorista que se justifica diante do interesse em divulgar a
cultura popular como instrumento da nacionalidade, emerge a necessidade de “recolher
com seriedade e de maneira completa o que esse povo guarda e rapidamente esquece,
desnorteado pelo progresso invasor”,
12
como argumenta o pesquisador. Assim, a coleta das
manifestações culturais se configura como um meio de reter as mesmas e garantir a
construção de uma cultura musical brasileira. Para tanto, o modernista, ao atuar como
diretor do Departamento de Cultura e como chefe da Divisão de Expansão Cultural,
idealizou a Missão de Pesquisas Folclóricas e, com a Discoteca Pública, criou a “primeira
coleção científica de registro sonoros” no Brasil.
13
Enquanto coleta e colecionamento de canções apreendidas como objetos dos saberes
da musicologia e do folclore, a proposta marioandradiana se inscreve no nacionalismo
musical que ocorre na Europa moderna e se estende ao nosso continente. A busca de uma
tradição nacional que contribua para a modernização das artes musicais por meio da
incorporação de elementos populares nas obras eruditas por parte de intelectuais
interessados nas origens converge para a coleta de canções populares e primitivas
compreendidas como expressão da especificidade dos povos.
14
O nacionalismo musical
propunha uma produção musical que afirmaria as culturas modernas dos povos cujas
particularidades pareciam se dissipar diante do desenvolvimento, mas no Brasil a busca de
10
CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Cantos Populares do Brasil: a missão de Mário de Andrade. São
Paulo, 2004, p. 47.
11
TONI, Flavia Camargo. In: CENTRO CULTURAL SÃO PAULO, 2004, p. 7.
12
ANDRADE, Mário de. In: CENTRO CULTURAL SÃO PAULO, 2004, p. 14.
13
TONI, op. cit., p. 6-9.
14
TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla
Bartók
, Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997, p. 7-19.
41
uma modernização baseada na tradição se configura como um processo formador. Afinal, a
proposta marioandradiana parte de uma premissa que considera como inexistente a
comunidade e a cultura nacional brasileiras,
15
com o agravante de que o processo formador
parece posto em perigo pelo internacionalismo e pelo individualismo.
16
O problema assim
consolidado no Brasil se associa, portanto, ao nacionalismo musical, inaugurando o nosso
modernismo folclorista, para o qual a coleta de canções populares e primitivas representa
um meio de acesso a culturas particulares e suas respectivas mentalidades.
A despeito do emprego erudito dos elementos populares pelo nacionalismo musical,
as elaborações posteriores ao colecionamento de canções de Mário de Andrade – cuja
personalidade se associa a um “modelo de probidade intelectual e de comprometimento
com a sorte da cultura nacional”,
17
de modo que se elabora discursivamente um consenso
que confirma o papel desempenhado pelo autor na configuração dos discursos musicais no
Brasil a partir do mesmo discurso perpetuam-se no campo da canção popular e
convergem ao folclorismo urbano. Embora sustente uma concepção que se apresenta como
subproduto da noção de cultura dinamizada pela dicotomia entre erudito e popular, ao
analisar o modo como a burguesia no Brasil aceitou “as formas musicais negras do povo e
as adotou”, “deformando-as pela aculturação semierudita da classe”,
18
Mário de Andrade
inaugura as premissas de um problema que permanece no discurso musical ainda nos anos
1970, fornecendo uma resposta para o folclorismo urbano preocupado com a autenticidade
do samba desde os anos 1940: “Felizmente, no ar mais alto dos morros, o samba continuava
a batucar, ignorado, formando-se com mais liberdade e pureza”.
19
Os mesmos conceitos concorrem para um projeto que procura delimitar marcas de
origem na historiografia musical brasileira no momento em que a bossa nova aponta para
uma ruptura.
20
A noção que perpassa toda a obra de José Ramos Tinhorão, por exemplo,
consiste em “definir um tipo de nacionalismo com base num pensamento folclorista que
enfatiza a ligação direta entre ‘autenticidade’ cultural e base social”. A sua tese de
expropriação musical popular na sociedade de classes, por exemplo, consiste na
15
TRAVASSOS, 1997, p. 105.
16
Ibid., p. 151.
17
Ibid., p. 20.
18
ANDRADE, Mário de. Ernesto Nazareth. In: ______. Música, doce música. 2. ed. São Paulo: Martins,
1976a, p. 322.
19
Ibid., p. 323.
20
Cf. NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 178.
42
apropriação dos materiais musicais em estruturas ditadas pelo mercado cultural
internacionalizado, provocando a perda dos referenciais de origem e, portanto, da
autenticidade que a torna efetivamente “popular e brasileira”.
21
A referida tese parece
constituir apenas uma atualização dos problemas apresentados a partir dos pressupostos do
pensamento musical marioandradiano, quando deriva de discursos que ultrapassam as
fronteiras nacionais.
O discurso musical nacionalista invariavelmente compreende narrativas como as da
autonomia, da autenticidade e da cultura de massa, entre outras que regularmente
privilegiam determinados estilos musicais em detrimento de outros. Ao analisar as
narrativas modernas sobre o campo musical popular, Charles Hamm observa:
Historical and critical writing about popular music is itself a product of
the modern era. In the spirit of its time, much of it attempts not only to
‘legitimate the rules of its own game’ and ‘the validity of the institutions
governing the social bond’ but also attempts to ‘seek the truth’, drawing
on some ‘philosophy of history’ to ‘legitimate knowledge’.
22
Na medida em que as narrativas modernas elaboradas por intelectuais interessados
pela produção musical popular representam produtos da era moderna, segundo Hamm, a
sua origem no pensamento moderno determina que se constitua hierarquicamente, tendendo
a excluir os estilos desprivilegiados pelas mesmas narrativas. Como portador de uma das
vozes que ecoam essas narrativas no Brasil, Tinhorão, ocupado com o segmento
nacionalista, politicamente preocupado com o internacionalismo programado pelas
multinacionais, argumenta que, no final dos anos 1960, “a alienação voltou sob o império
de rock”.
23
O autor associa o fato com o processo de desnacionalização da economia
brasileira promovido pelo regime militar: “a contrapartida cultural de tal processo de
desnacionalização da economia brasileira poderia ser, pois, a de igual perda de peso dos
valores tradicionais”.
24
21
NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 179.
22
HAMM, Charles. Putting popular music in its place. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 2.
23
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998, p. 318. José
Ramos Tinhorão constata ainda que nos fins dos anos 1950 “os jovens começam a criar seus primeiros ídolos
macaqueadores de ritmos de massa, e dos quais a primeira representante foi a cantora de rock Celi Campelo”.
Cf. TINHORÃO, José Ramos.
Pequena história da música popular. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 206.
24
TINHORÃO, 1998, p. 329.
43
Não admira que, em meados dos anos 1970, um autor escreva que “a importação de
cultura continua e com ela a importação de tudo o mais”,
25
ao elaborar uma antropologia da
música brasileira opondo o qualificativo “brasileiro” ao “importado”.
26
Ao insistir em
conceituar a música popular brasileira de forma negativa: “Repito: ela seria brasileira, não
porque é bela, mas, porque não é importada”,
27
J. B. Martins concorda com a proposta de
Tinhorão, uma vez que, como este, compreende que a bossa nova “ainda não é canção,
porque não ainda cultura brasileira”, o que atribui ao fato de que os compositores tratam
assuntos e problemas das sociedades modernas.
28
Não obstante, o autor critica a expressão
Música Popular Brasileira na medida em que compreende que “traduzimos apenas uma
denominação que ela recebe no exterior”, de modo que expressão denomina um produto
exportado como “matéria-prima”.
29
Ao observar que “hoje podemos registrar algum toque de despertar de consciência
para a tarefa de construir uma cultura autenticamente brasileira” em detrimento de uma
cultura que pretende se formar brasileira por importação cultural, como “se tem feito
erroneamente no Brasil”, o mesmo autor define a brasilidade” revelada pela “genialidade
musical brasileira”: É o que não é importação entre nós”.
30
A despeito de associar a
literatura de Mário de Andrade e o modernismo brasileiro a um produto primitivo para
exportação, o autor reproduz a proposta do modernista de participação nacional enquanto
tarefa dos músicos, ao afirmar, a respeito da insatisfação com a autenticidade da cultura
brasileira: “essa insatisfação poderia ser melhor formulada (...) se os músicos (...)
dispusessem sua genialidade em cooperar na formação de nossa cultura”.
31
J. B. Martins
ainda reproduz o pensamento marioandradiano que sintetiza o universal e o individual, ao
criticar a modernidade da bossa nova: “Querer ser internacional sem ser primeiro brasileiro
ou nacional é iludir-se em benefício de não brasileiros”.
32
A despeito das suas particularidades no curso dos anos, o discurso musical
nacionalista se apresenta como herdeiro do projeto modernista de uma cultura nacional no
25
MARTINS, J.B. Antropologia da música brasileira. São Paulo: Obelisco, 1978, p. 105.
26
Ibid., p. 54.
27
Ibid., p. 55.
28
Ibid., p. 127.
29
Ibid., p. 60.
30
Ibid., p. 61-62.
31
Ibid., p. 95.
32
Ibid., p. 126.
44
Brasil. Afinal, o modernismo, como constata Antonio Candido a respeito do
desenvolvimento da cultura no Brasil, deixou “um sulco definitivo na política, na
educação, na literatura, nas artes, no movimento geral das idéias e no estabelecimento de
instituições culturais”.
33
E, na medida em que Mário de Andrade representa
consensualmente o mais alto grau de consciência atingido pelo Modernismo, a partir de
suas atividades se modelam as instituições culturais do Brasil contemporâneo,
34
de modo
que “a reflexão do nacionalismo posterior, dos anos 60, é, de algum modo, tributária do
pensamento ‘idealista’ de Mário”.
35
Ele mesmo reconhece o seu pioneirismo ao revelar:
“Resolvi trabalhar a ‘matéria’ brasileira, especificá-la, determiná-la o quanto em mim e na
complexidade dela”, constatando que: “Não havia folclore musical brasileiro. Fiz folclore
musical brasileiro”, assim como: “Não havia História da Música em nossa língua”.
36
As elaborações posteriores ao colecionamento de canções populares, como a
organização de coleções, artigos, livros, eventos, etc.,
37
bem como a concretização das
tarefas relacionadas com a necessidade de pesquisa musical constatada pelo autor, que
produz amplos estudos sobre os aspectos da linguagem musical,
38
contribuem para tornar
consenso a autoridade marioandradiana perante as atividades intelectuais, culturais e
institucionais dedicadas ao estudo musical. Considerado “o verdadeiro iniciador da
musicologia nacional”,
39
cuja “autoridade no saber” e “participação em instituições”
garantem o renome de “o mais autorizado” autor do modernismo,
40
o nome do escritor se
torna objeto de um discurso que o autoriza em detrimento de outros autores do modernismo
brasileiro.
33
CANDIDO, Antonio. Prefácio. In: DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1985, p. 13.
34
ANTELO, Raúl. Na ilha de Marapatá: Mário de Andrade os hispano-americanos. São Paulo: Hucitec,
1986, p. 2.
35
Ibid., p. 155.
36
ANDRADE, Mário de. Música e jornalismo: Diário de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 18.
37
TRAVASSOS, 1997, p. 19.
38
MATOS, Claudia Neiva de. Mário de Andrade: música, folclore e religião. Da necessidade do corpo para
os negócios da alma. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA
CONGRESSO. 5., 1987. Rio de Janeiro.
Cânones e contextos: anais. Rio de Janeiro: [s.n.], 1998. p. 515-519.
2 v., p. 515.
39
ALVARENGA, Oneyda. Mário de Andrade, um pouco. Rio de Janeiro: J. Olympio; São Paulo: Conselho
Estadual de Cultura, 1974, p. 40.
40
COLI, 1998, p. 185.
45
A institucionalização do nacionalismo modernista ocorre concomitantemente com o
momento em que “o discurso de governo vai ao encontro dos discursos intelectuais”.
41
Enquanto diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário de Andrade elabora o
“anteprojeto de criação de um instituto destinado a ‘determinar, organizar, conservar,
defender e propagar o patrimônio artístico nacional’.”
42
Como integrantes ou colaboradores
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, os modernistas lideram a
elaboração fundamental do conceito de “patrimônio histórico”, de modo que, “convocados
para formar os quadros do SPHAN”, passam a “deter o poder de seleção daquilo que deve
ser realizado e conservado como monumento nacional”. Assim, no Brasil se estabelece uma
particularidade, pois os modernistas se configuram paradoxalmente como “herdeiros de
toda uma tradição construtiva brasileira”.
43
Com a tarefa de “formação da mentalidade futura do homem brasileiro” e o poder
de estabelecimento no presente do que importa do passado, os modernistas se encarregam
de erigir os monumentos do Estado, sendo “considerados ‘dignos’ pelo mesmo para
tornarem ‘digna’, em seu nome, a produção do passado que será por ele protegida para a
posteridade”.
44
O discurso do governo “vai de encontro dos discursos dos intelectuais” na
medida em que o Estado pretende, no plano cultural, “fazer formas e estilos que
incorporassem uma realidade pouco estudada em um projeto de transformação dessa
mesma realidade”.
45
E assim se determina que “coleções” e “museus” expunham “as obras
de arte colecionadas para cultura e enriquecimento do povo brasileiro pelo Governo
Federal”.
46
Se, com o Estado Novo, o movimento nacionalista assimila as suas particularidades,
paralelamente ao processo de nacionalização do samba, com o Golpe de 1964 e o decreto
do Ato Institucional no. 5 em 1968, o Estado estabelece uma “política de preservação e
defesa dos bens culturais” compreendidos como “patrimônio nacional”, desenvolvendo
uma proposta que “recuperaria a memória e a identidade brasileiras reificadas no tempo”.
47
Enquanto o rock constitui o signo da “alienação política e do culto à sociedade de
41
CAVALCANTI, Lauro (org.). Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993, p. 18.
42
Ibid., p. 9.
43
Ibid., p. 19.
44
Ibid., p. 10.
45
Ibid., p. 18.
46
Ibid., p. 44-45.
47
ORTIZ, 1985, p. 96-98.
46
consumo”,
48
o texto impresso na contracapa dos discos que integram uma coleção de
música popular brasileira reproduz o discurso daquela coleção dos anos 1950,
subordinando-se aos interesses do Estado preocupado ainda com a construção de uma
identidade nacional. A Série Talento Brasileiro pretende projetar a tradição de uma cultura
popular pretensamente nacional e proveniente dos trabalhos de pesquisa dos ritmos
regionais e populares que caracterizam os anos 1970:
O que caracteriza (...) esta série de lançamentos (...) é a alta qualidade na
escolha do repertório dos mais afamados compositores de música popular
brasileira. (...) Cada vez que se grava um disco com o que há de melhor no
nosso cancioneiro, estamos preservando para o futuro o que deve ser
mostrado às novas gerações. (...) Num tempo de confusas e estranhas
incursões nos acordes do nosso samba, numa hora em que proliferam
ritmos importados numa propaganda violenta e ostensiva, esta gravadora
brasileira se mantém firme no propósito de falar na nossa língua, de dizer
no nosso ritmo. Poetas populares, músicos inteiros e versos puros é o que
vamos encontrar nestas gravações (...) sempre muito a buscar nesse
mergulho pelas profundezas da nossa música (...) em favor do nosso
homem compositor, brasileiro de profissão.
49
2.2. Nacionalismo musical
Mário de Andrade se posiciona a favor de uma “criação musical especificamente
brasileira como caráter e função”, entusiasmando-se com o fato de que “a nossa música”
exerce “uma função verdadeiramente nacional e social”,
50
tanto que, para tornar
“verdadeiramente” brasileiras as composições, “as obras devem inserir-se na bela
continuidade nacional”.
51
Assim se estabelece o sentido da “luta fecunda mas sacrificial
pela nacionalização da nossa música”
52
, proposta pelo autor em nome de um nacionalismo
musical brasileiro, sobretudo a partir dos tempos ditatoriais do Estado Novo. Apesar de se
48
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultura na MPB. São Paulo:
Annablume/Fapesp, 2001a, p. 34.
49
BUARQUE, Chico. As músicas de Chico Buarque. Rio de Janeiro: CID, 1978. 1 disco sonoro. (Série
Talento Brasileiro)
50
COLI, 1998, p. 24.
51
Ibid., p. 17.
52
ANDRADE, 1939 apud COLI, 1998, p. 18.
47
direcionar ao campo musical erudito, a proposta marioandradiana germinou no campo
musical popular e floresceu efetivamente nos anos 1960 e 1970, sobretudo depois dos
acontecimentos de 1964 e 1968.
Mario de Andrade compreende que a música brasileira representa “a mais
desenvolvida das artes nacionais”
53
. Assim, “nossos compositores podem conceber normas
caracteristicamente brasileiras”,
54
o que confere ao cancioneiro popular brasileiro o que
autor denomina “entidade”, o ethos da música brasileira, conceito que, segundo Jorge Coli,
traduz o esforço social consciente do compositor
55
, expresso pela incorporação de
caracteres musicais convencionalmente brasileiros.
56
Ao aspirar a uma tradição nacional,
visando “descobrir os traços psicológicos do homem brasileiro ou de tipos brasileiros” por
meio da musicologia,
57
Mário de Andrade contribui para a naturalização de uma tipologia
musical brasileira representativa de uma entidade dotada de “fisiopsicologia” apropriada,
para a qual concorre o ritmo, o mais “fisiológico” dos componentes musicais.
58
Estabelecem-se, portanto, a partir de Mário de Andrade, os paradigmas por meio
dos quais se pode reconhecer uma “‘especificidade musical’ brasileira”,
59
traduzida por
determinadas figuras rítmicas, como a recorrente figura que o autor denomina ora “síncope
característica”,
60
ora “síncope legítima”
61
:
Mário de Andrade se refere recorrentemente à constante presença dessa figura na
canção brasileira, cuja característica fundamental reside em um tipo de contrametricidade
configurada pelos paradigmas rítmicos consensualmente relacionados a uma concepção de
brasilidade musical. Ao analisar os “processos da criação popular”, por exemplo, o autor
53
ANDRADE, Mário de. Terminologia musical. In: ANDRADE, 1976a, p. 57.
54
Id. Lundu do escravo. In: ANDRADE, 1976a, p. 80.
55
Id. A música no Brasil. In: ANDRADE, 1976a, p. 22.
56
Ibid., p. 81.
57
TRAVASSOS, 1997, p. 95.
58
Ibid., p. 151.
59
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de
Janeiro: J. Zahar, 2001, p. 20.
60
Ibid., p. 29.
61
ANDRADE, Mário de. Dinamogenias políticas. In: ANDRADE, 1976a, p. 107.
48
observa um processo de sistematização e de tradicionalização, qual seja, “a substituição das
duas colcheias do tempo por uma síncopa”, o que, segundo o modernista, “permite ao
cantador pronunciar três sílabas em vez de duas”.
62
Ao analisar as “manifestações de interesse nacional do povo paulista”, Mário de
Andrade observa um documento que transcreveu a partir de uma manifestação popular.
Como traz a síncopa legítima” e “demonstra o estado de alma coletiva no momento em
que (...) o povo cai na dança”
63
, o documento exemplifica as “dinamogenias rítmicas que
abafam o individualismo e despertam o movimento e, por conseguinte, o sentir em
comum”:
Segundo o pensamento marioandradiano, a historiografia musical brasileira se
define dialeticamente entre o particular e o universal, como observa Coli, ao constatar que a
sua “regra absoluta” se refere ao fato de “que o universal passava pelo nacional”.
64
O
conceito a partir do qual elabora uma tradição que se inscreve na “bela continuidade
nacional”, bem como suas respectivas teorias, consistem em uma beleza institucionalizada,
cuja função se associa a uma categoria de construção de sentido.
Esteticamente, o autor concebe o belo como um prazer desinteressado, despertado
pela empatia entre o subjetivo e o objetivo. Para tanto, distingue uma acepção geral de uma
particular para o conceito de belo. No primeiro caso, o belo se associa a uma sensação de
deslumbramento, relacionado intimamente com a noção de beleza empregada no cotidiano.
No segundo, o belo representa, para a Arte, o que desperta prazer, compreendido aqui como
um “sentido superior” que “se relaciona com essas regiões elevadas do espírito em que toda
necessidade prática desaparece e que não alcança nenhum interesse imediato”.
65
A
respectiva concepção deriva evidentemente da filosofia kantiana, o que denuncia as
matrizes do modernismo institucionalizado no Brasil.
62
ANDRADE, Mário de. Música brasileira. In: ANDRADE, 1976a, p. 357.
63
Id. Dinamogenias políticas. In: ANDRADE, 1976a, p. 107.
64
COLI, 1998, p. 372.
65
ANDRADE, Mário de. Introdução à estética musical. São Paulo: Hucitec, 1995b, p. 15.
49
As sensações provocadas por determinados fatores elementares, como o som, o
volume, a linha e a cor, constituem sensações “puramente sensuais”,
66
ao passo que as
sensações “mais elevadas” são organizadas pela combinação de determinados elementos.
Segundo Mário de Andrade, a forma, na sua combinação de fatores elementares, fornece a
sensação estética propriamente dita. Assim, o intelecto determina o que é belo. A sensação
de prazer desinteressado nunca vem isolada. A percepção de um objeto produz sensações
provenientes principalmente da forma e da sua universalidade.
67
Pode-se concluir que a
acepção geral, qual seja, o belo enquanto o que desperta um prazer deslumbrado, relaciona-
se mais intimamente com o aspecto sensorial do belo, uma vez que se associa mais com a
fisiologia e menos com o intelecto.
A propósito, ao definir o belo como “uma circunstância fisiológica” que agrada ao
“ser racional”,
68
Mário de Andrade pretende destacar justamente que a racionalidade se
associa com a fisiologia, salientando que “os prazeres fisiológicos das artes, principalmente
da música são muito importantes”.
69
Ora, a proposta musical de Mário de Andrade, como
observa Jorge Coli, “envolve relações francamente fisiológicas”
70
que, não obstante,
remetem ao fator de percepção pelos sentidos derivado da etimologia de “estética”. A
etimologia do termo indica que a estética representa uma forma de cognição alcançada
pelos aparatos sensoriais do corpo. Ao concluir que a simultaneidade da sensação estética e
da sensação de universalidade do mundo fenomenal importa para determinar o objetivo e a
finalidade da arte, o autor salvaguarda a arte musical da infecundidade de determinadas
teorias modernas provenientes da impossibilidade de se isolar a sensação estética do mundo
fenomenal. Afinal, os fatores musicais como o som e o ritmo não constituem
representações.
O interesse pela fisiologia da arte permanece nos artigos marioandradianos sob a
forma de “dinamogenia” e “cenestesia”, relacionadas, por sua vez, ao potencial
“coletivizador” ou “associativista”, que o autor atribui à música, “que de todas as artes é
certamente a que mais unanimiza, mais socializa o povo”.
71
A música apresenta
66
ANDRADE, 1995b, p. 15.
67
Ibid., p. 17.
68
Ibid., p. 15.
69
Ibid., p. 18.
70
COLI, 1998, p. 352.
71
ANDRADE, Mário de. O ditador e a música. In: ANDRADE, 1976a, p. 267.
50
poder dinâmico sobre o corpo, conseguindo ritmar um agrupamento
humano como nenhuma arte consegue (...) capaz de socializar os homens,
de fundi-los numa unanimidade, num organismo só. Isso se manifesta
principalmente nas civilizações primárias em que, por assim dizer, o
corpo importa mais do que a livre manifestação espiritual.
72
Embora constate uma lacuna a “respeito das transformações da sensibilidade nos
tempos da sociedade dos meios de comunicação de massa”
73
por parte do interesse
marioandradiano nos anos 1930, Coli reconhece que o autor elabora uma “estética da
percepção” fundamentada na complexa relação da música com o ouvinte, de modo que o
modernista “se incorpora a uma antiga e ilustre cadeia do pensamento musical”.
74
Preocupado com a “responsabilidade social”, no entanto, o autor se aproxima do conceito
de “dinamismo do som”, relacionado com a impossibilidade de percepção do som na
“pureza” significante, considerando que a cultura demarca campos significativos associados
com as sonoridades por meio de informações extra-musicais que se tornam constitutivas do
campo musical. A incorporação da palavra se torna um aparato fundamental: “se o ritmo
‘animalizava’, a palavra devolve a consciência, contaminando o som com seu sentido”,
tornando-a mais opaca.
75
Coli acentua a preocupação marioandradiana por um empenho “marxizante”,
proveniente do “artista-artesão” na dimensão internacional conferida pela Segunda
Guerra.
76
Segundo Coli, Mário de Andrade “indica uma nostalgia pelos tempos em que o
artista, sendo em realidade um artesão da arte (...) dominava profundamente a ‘técnica’
exigida por sua produção”. O autor repudia a independência conquistada pelo artista
moderno, exigindo que este sirva o “artefazer”, objeto que deve ser produzido no cotidiano
sem visar à sacralização.
77
Como “o ‘nacional’ significa a recusa do distanciamento entre
música das elites (...) e a busca da transposição do fosso cavado entre o ‘popular’ e o
72
ANDRADE, 1937 apud COLI, 1998, p. 20.
73
COLI, op. cit., p. 238.
74
Ibid., p. 19.
75
Ibid., p. 21.
76
Ibid., p. 239.
77
Ibid., p. 270.
51
‘erudito’”, o conflito entre tradição nacional e internacionalismo se estabelece, de modo
que “a defesa do ‘nacional’ se faz (...) em nome do ‘popular’”.
78
Ao prescrever a arte como um instrumento de comunicação contra o
distanciamento, Mário de Andrade valoriza a arte imediata: “a arte verdadeira é sempre um
instrumento de comunicação entre os homens”, uma vez que deriva de uma necessidade e
de uma fatalidade do artista. “Neste sentido toda e qualquer obra de arte legítima é sempre
uma obra de circunstância”, afirma o autor, ao conjeturar: “teremos exatamente que
distinguir entre o artista gratuito e o artista participante”.
79
Assim, ao avaliar o “resultado
sensorial” produzido pela obra de um compositor do nacionalismo musical russo, Mário de
Andrade considera o “poder funcional” coletivo derivado de elementos anestéticos que
psicologicamente sugerem e definem a qualificação musical.
80
Na medida em que a obra
analisada intenta uma arte erudita para uma coletividade popular, a sua lição, segundo o
autor, consiste em que “o artista não tem que qualificar a massa proletária como incapaz de
viver os gêneros e formas mais esteticamente refinados”. O autor nega a “insensibilidade
estética do homem qualquer”,
81
diferenciando sensibilidade e compreensibilidade. Contudo,
permanece filiado a uma narrativa relacionada ao conceito de ideologia:
é preciso lembrar que as massas dominadas, entre nós, são... dominadas.
O que quer dizer que elas não tem suficiente consciência de si mesmas,
nem forças de reação para conscientizarem o seu gosto estético e suas
preferências artísticas.
82
O interesse marioandradiano a “respeito das transformações da sensibilidade nos
tempos da sociedade dos meios de comunicação de massa” que, segundo Coli, inexistem
nos artigos dos anos 1930, transparece na medida em que a “evolução pela música
mecânica” resolve a contradição entre o erudito e o popular:
postos em condição de serem explorados comercialmente e
educativamente o disco, o rádio, o cinema sonoro e demais instrumentos
78
COLI, 1998, p. 288.
79
Ibid., p. 108-109.
80
ANDRADE, Mário de. Introdução a Shostakovich. In: COLI, 1998, p. 396-402.
81
Ibid., p. 398.
82
Ibid., p. 396.
52
mecânicos, eles modificaram a qualificação da música erudita, que se
tornou acessível a todos.
83
A respeito da arte erudita, o autor afirma que, mediante sua popularização, “pela primeira
vez ela deixou de ser (...) um instrumento de classe e de aprimoramento educativo”,
prevalecendo uma “concepção imediata e conscientemente política”, uma
“momentaneidade funcional das obras”, como nas civilizações da antiguidade.
84
Com a condição da popularização permitida pelas tecnologias de reprodução na
sociedade de massa, emerge o “valor eterno” derivado da “funcionalidade moral” do ethos,
cujo pressuposto anestético consiste em representar a sociedade.
85
O ethos musical se
apresenta, portanto, como um problema cujo pressuposto parece independente do intelecto.
Afinal, o seu sentido fisiologicamente sensual, associado a “dinamizadores de massas
populares”, não pressupõe refinamento culto, como assegura Mário de Andrade. O “‘gozo’
artístico (não apenas estético)” se relaciona com o “valor de participação e de
identificação”, proveniente do conceito de ethos, que repercute objetivamente nos
elementos estruturais e nos processos da composição musical, de forma convencional e
preliminar, considerando a ininteligibilidade do som musical.
86
Em nome da funcionalidade da arte, cujas obras concorrem para o destino da cultura
brasileira,
87
a musicologia marioandradiana associa a arte participante ou de combate com
a transitoriedade da obra de interesse imediato, a qual se revela eficaz para o
“intencionismo do combate”.
88
Segundo Oneyda Alvarenga, para a musicologia de Mário
de Andrade, as atividades do artista apenas se justificam enquanto servem aos interesses da
coletividade: “Isto é, a certeza de que a obra de arte não tem apenas o destino gratuito de
ser bela” mas de contribuir para a solução de problemas vitais do seu meio e do seu
tempo”, sobretudo em tempos ditatoriais como os do Estado Novo, de modo que o autor
valoriza a arte participante ou combativa que emprega elementos extra-musicais que
permitem a inteligibilidade intelectual por meio da palavra.
89
83
ANDRADE, Mário de. Introdução a Shostakovich. In: COLI, 1998, p. 397.
84
Ibid., p. 397.
85
Ibid., p. 403.
86
Ibid., 1998, p. 405.
87
ALVARENGA, 1974, p. 43.
88
Ibid., p. 94.
89
Ibid., p. 51-56.
53
Ora, ao elevar a utilidade e a transitoriedade da arte, o autor sacrifica a beleza
permanente, contrariando a beleza institucionalizada. Segundo Alvarenga, o modernista
concebe a beleza justamente como o instrumento de que a arte se serve: “Consciente de que
a obra de arte tem sempre função social” e de que pode “servir de instrumento de distinção
e opressão classista”, emerge o ethos expresso por meio de “normas caracteristicamente
brasileiras” conscientemente empregadas pelo compositor. O ethos representa o valor moral
que se perdeu com o surto individualista do cristianismo e da burguesia capitalista. Ao
compreender um pressuposto e uma sugestividade “delapidadora do capitalismo”, o ethos
contraria o “distanciamento” purista da arte anti-ética da burguesia capitalista que opera
como prova da subalternidade.
90
Alvarenga conclui que o autor prega justamente o retorno ao ethos: “o dever do
músico de dar um conteúdo moral à sua música e de participar, por ela, das lutas do seu
tempo”.
91
Para tanto, Mário de Andrade prescreve “processos anestéticos que poderão dar
plena funcionalidade à vagueza específica da música”, de modo que “convoca os músicos a
abandonarem o preconceito da intangibilidade da pureza estética do som musical e a
humanizá-lo nas lutas de todos nós”:
a música, pela ação psicológica e fisiológica das suas características
intrínsecas, pode exercer uma influência moral, que será mais claramente
determinada pelos ideais que a coletividade ligar a ela, “pelo pressuposto
anestético de representar a sociedade para a qual é feita”, pelo valor
convencional e simbólico que, lhe senso dado pela sociedade, “repercute
objetivamente nos elementos estruturais e nos processos construtivos da
composição sonora”.
92
A produção de sentido a partir apenas da palavra repercute, para o autor, na
valorização da canção, “pois que a palavra e a comoção da voz humana suprem o som do
sentido preciso que ela não tem”.
93
No entanto, a relação entre o ethos e os processos
anestéticos se estabelece por meio das informações extra-musicais que participam dos
respectivos processos. Para tanto, corrobora o conceito marioandradiano de artesanato, pois
representa um corretivo do esquecimento da relação social constitutiva da obra de arte,
94
90
ALVARENGA, 1974, p. 96-101.
91
Ibid., p. 97.
92
Ibid., p. 96.
93
Ibid., p. 97.
94
COLI, 1998, p. 256-258.
54
apontando para o aspecto do condicionamento social evidenciado por Antonio Candido, ao
frisar a proposta marioandradiana de uma arte cuja funcionalidade definitivamente humana
se encontra na pesquisa do seu sentido nacional.
95
É justamente essa capacidade da arte
musical de “atingir uma especificidade técnico-estilística particular que se torna a
expressão imediatamente compreensível duma ideologia qualquer e da sua aplicação
social”
96
que o autor atribui ao artista participante. Mas a sua proposta precisa ser
problematizada:
e é mesmo refletindo sobre as funções sociais da arte (que no caso de
Mário são antes psicossociais) que se pode passar a uma etapa mais
profunda dos deveres do artista. Pois a reflexão sobre o problema da
função social da arte não somente levaria o artista a intervir em fatores
mais exteriores como a concepção do assunto, mas de um modo mais
íntimo, da própria técnica.
97
Mário de Andrade postula que todo artista tem de ser ao mesmo tempo artesão,
compreendendo por artesanato a parte da técnica que se pode ensinar e que se relaciona
com o elemento material da arte.
98
Com “O artista e o artesão”, segundo Jorge Coli, “Mário
de Andrade propõe um retorno (...) à ‘materialidade’ na arte”
99
e, mais importante, uma
moralização do fazer artístico, uma ética do artesanato”.
100
Para Coli, o artesanato adquire
uma dupla função, ou seja, “moralizar o artista, colocando-o por trás de sua produção”, e
possibilitar uma “consciência política exigindo que ele ponha a obra a serviço do seu
empenho.” Portanto, a música, “a mais social das artes”, é, de acordo com Coli, “a primeira
de todas a dever submeter-se a esta exigência”, de modo que o músico deve ser sacrificado
“pela política e pela consciência artesanal”.
101
Nesse sentido, os músicos brasileiros que interessam representam “os que
pesquisam sobre a coisa nacional”.
102
Não obstante, as coleções provenientes do trabalho de
95
COLI, 1998, p. 260-262.
96
ANDRADE, Mário de. Introdução a Shostakovich. In: COLI, op. cit., p. 402.
97
COLI, Jorge; DANTAS, Luiz Carlos da Silva. Sobre O banquete. In: ANDRADE, Mário de. O banquete. 2.
ed. São Paulo: Duas Cidades, 1989b, p. 30.
98
ANDRADE, Mário de. O artista e o artesão. In: ANDRADE, 1963. São Paulo: Martins, 1963, p. 11.
99
COLI, 1998, p. 234.
100
Ibid., p. 235.
101
Ibid., p. 23.
102
ANDRADE, 1944 apud COLI, 1998, p. 372.
55
pesquisa, agregando artistas adeptos da linha de pesquisa do folclore e dos ritmos
tradicionais dos anos 1920 e 1930 aos anos 1960 e 1970, ilustra o modo como a vertente
modernista se institucionaliza, tendo na figura de Mário de Andrade, sobretudo em seu
assumido “gosto defensivamente nacional”
103
, o fundamento para o discurso nacionalista ao
longo do curso dos anos.
Nos anos 1940, questiona o modernista: “Ora, neste tempo de guerra haverá lugar
para as artes da paz?”.
104
A resposta parece incisiva e significativa do sentido tomado pelo
discurso nacionalista musical, quando a sua proposta se radicaliza depois dos
acontecimentos de 1964 e de 1968: “em certos momentos decisivos da vida, a arte tem
que voluntariamente servir”.
105
Para tanto, Mário de Andrade incita “os músicos a tomar
partido nos acontecimentos políticos da vida (...) pela criação musical”.
106
O projeto
proposto pelo autor para a nacionalização da música popular brasileira implica, pois, um
“assento numa tradição necessária. E, no caso, o nosso caráter nacional (...) seria essa
necessária tradição”.
107
2.3. Estética e anestética
A noção de Mário de Andrade de “dinamismo do som” se relaciona com a
possibilidade de resposta induzida pela harmonia, pela melodia e pela letra, em detrimento
da passividade a que o ritmo induz o ouvinte. Elizabeth Travassos recorda que, segundo o
pensamento do modernista, o ritmo se diferencia dos demais componentes musicais pela
atividade da fisiologia e da biologia inerentes ao ritmo, de modo que o mesmo se associa a
uma forma de primitivismo que prescinde do intelecto.
108
O primitivismo se manifesta por
meio de qualidades presentes em expressões culturais imunes ao processo da civilização,
109
encontradas na subjetividade das emoções e na expressão de individualidades marginais da
103
ANDRADE, Mário de. Música nacional. In: ANDRADE, 1976a, p. 286.
104
ANDRADE, 1943 apud COLI, 1998, p. 30.
105
Ibid., p. 33.
106
ANDRADE, Mário de. Músicas políticas I. In: COLI, 1998, p. 122.
107
Id.. Música popular. In: ANDRADE, 1976a, p. 282.
108
TRAVASSOS, 1997, p. 159.
109
Ibid., p. 7.
56
sociedade.
110
A identificação de um fundo genericamente primitivo pela perspectiva
marioandradiana sobre a cultura popular se reconcilia, segundo a autora, com o intento de
descrição das particularidades brasileiras e de seus tipos por meio de suas respectivas
expressões musicais.
111
Mário de Andrade relaciona o potencial fisiológico da música ao primitivismo, visto
que este atua “sobre o corpo”, o que se manifesta, segundo o autor, principalmente entre os
povos primitivos, para os quais assume um papel deveras importante.
112
Não obstante, o
conceito, enquanto designação de orientações estéticas encontradas nos povos primitivos,
indica uma “atitude mental”,
113
ou seja, uma busca intencional de determinados efeitos, que
apenas equivocadamente pode ser considerada primitiva. Nesse sentido, o primitivismo
interessa como efeito de nacionalizar as obras, por meio de uma “busca na cultura material
das nossas raças”, que produz fenômenos de afirmação e “repurificação nacional”,
derivados da busca para “reachar na fonte” os “caracteres nacionais perdidos”, bem como
para adquirir as “fontes nacionais insuspeitadas”.
114
A obra primitiva se caracteriza psicologicamente pela imitação e pelo prazer,
associados a usos e interesses, sendo que o primitivo imita, em detrimento da natureza, os
fatores da beleza ou do prazer, os quais dissocia do modo como se manifestam na natureza,
adquirindo as noções de cor, linha, volume e som.
115
O primitivismo aponta para o
desenvolvimento de certas faculdades do corpo, como a tatilidade, cujo sentido se dissocia
das Belas Artes na medida em que se apresenta como insuficiente para a produção do
conhecimento.
116
Assim, o primitivismo marioandradiano converge com os conceitos
peculiares da arte primitiva de tatilidade e de recusa da forma natural evidenciados por Carl
Einstein,
117
ao associar a arte primitiva aos conceitos de movimento, forma e sensação, em
detrimento da imitação real-naturalista.
110
TRAVASSOS, 1997, p.157-158.
111
Ibid., p. 201-202.
112
Cf. COLI, 1998, p. 20.
113
ANDRADE, Mário de. Primitivos. In: REVISTA DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS. São Paulo,
n. 27, p. 21-28, set. 1944, p. 23.
114
Ibid., p. 23-24. Mário de Andrade analisa ainda o emprego do mesmo conceito para designar, por um lado,
o homem pré-histórico e o homem natural e, por outro, a criança. Esta apresenta um “prazer interessado”,
associado ao jogo, ao acaso e, ao contrário daqueles, ainda não nocionou nem a sensação estética, nem a arte.
115
ANDRADE, 1995b, p. 21-22.
116
Ibid., p. 30.
117
Cf. EINSTEIN, 2002, p. 56.
57
Ao postular um limiar anestético, confrontando o consenso sobre a percepção da
arte, Carl Einstein inaugura conceitos que contrariam o prazer desinteressado assumido
pelas Belas Artes. Assim, Einstein contribui para a recepção da arte de massa. Em
Benjamin, os fatores sociais relacionados ao processo de transformação da percepção
historicamente condicionada pela reprodutibilidade se associam aos movimentos de massa,
cuja recepção se apresenta como distração. Para tanto, a tatilidade constitui uma forma de
recepção interessada, caracterizada pela utilidade, indicada, segundo Benjamin, para a arte,
sobretudo para mobilizar as massas em momentos de crise.
Ora, ao conceber que a transitoriedade do produto urbano
118
implica esquecimento,
a exemplo das modinhas imperiais, cuja “função de divertir a gente” se imprime na letra de
uma modinha denominada “Chiquinha si eu te pedisse...” “Uma modinha num ai,
distrai”
119
Mário de Andrade postula que o esquecimento e a passividade da atitude
desinteressada caracterizam a recepção do ouvinte por meio da distração, de modo que,
assim, a canção representa “um sedativo para os nossos nervos contorcidos de tanto torcer
pela esquiva Democracia”
120
e, portanto, uma anestesia.
A potencialização da arte implica, segundo o pensamento do autor, sintetizar a
fisiologia e o intelecto, pressupondo os processos anestéticos, compreendidos como
aparatos intelectuais extra-musicais para reparar o sentido do som de sua ininteligibilidade.
Para tanto, uma re-aculturação contra os limites esteticamente determinados pela arte
desinteressada permite devolver a capacidade de percepção interessada, ativando a
sensibilidade musical dos sentimentos sugeridos pelos sons. Nesse sentido, um personagem
marioandradiano reflete sobre a música brasileira, exigindo, como observam Jorge Coli e
Luiz Carlos da Silva Dantas, o princípio de utilidade, imediato, ligado à construção de um
espírito nacional de música que está se formando”:
121
Mas si não deve ter uma estética, o artista deve sempre ter uma estesia.
Uma estética delimita e atrofia, uma estesia orienta, define e combate.
122
118
COLI, 1998, p. 178-179.
119
ANDRADE, Mário de. Modinhas imperiais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980, p. 5.
120
COLI, 1998, p. 113.
121
COLI, Jorge; DANTAS, Luiz Carlos da Silva. Sobre O banquete. In: ANDRADE, 1989b, p. 35.
122
ANDRADE, 1989b, p. 60.
58
Ao analisar a alienação sensorial como uma condição sensual da modernidade,
Susan Buck-Morss reivindica justamente o sentido de
Aistitikos como perceptivo por meio
do tato, o qual se inverte no decurso da era moderna na medida em que o termo se associa,
em detrimento de sua etimologia, com as formas culturais determinadas pela arte.
123
Buck-
Morss compreende que o aparato sensorial do corpo se depara com o mundo
prelingüisticamente. Portanto, os sentidos antecedem a significação, ao passo que a sua
aculturação se estabelece apenas posteriormente, o que explica o interesse pelos sentidos
para o primitivismo, uma vez que os mesmos permanecem parcialmente imunes aos efeitos
da civilização.
Não obstante, Elizabeth Travassos argumenta que o primitivismo acentua o
imediatismo e a espontaneidade, constituindo uma expressão manifesta por meio de
sintomas, enraizada na natureza humana, sem linguagem propriamente dita.
124
Assim, a
expressão musical dos povos primitivos difere necessariamente do prazer desinteressado da
beleza, apontando para o interesse marioandradiano pela espontaneidade das formas de
primitivismo compreendidas enquanto retorno a fontes nacionais.
125
A fisiologia musical explica o movimento do ato reflexo provocado pela sensação
sonora se difundindo por todo o organismo, ou seja, a sensação sonora cria dinamogenias.
Para tanto, os fatores musicais estimulam a motricidade, de modo que a sensação sonora se
segue de gesto cujo movimento, segundo Mário de Andrade, o adulto reprime por
preconceitos sociais que o primitivo ignora.
126
Mário de Andrade concebe uma inteligibilidade musical primitiva a partir da qual a
arte musical se estilizou conforme as necessidades das dinamogenias humanas.
127
No
entanto, o autor considera o seu sentido convencional. Na medida em que reafirma que a
possibilidade de inteligibilidade musical decorre apenas da memória das sensações
expressas pelo gesto,
128
seu pensamento, considerando a tatilidade da sensação sonora,
129
123
BUCK-MORSS, Susan. Estética e anestética: o “ensaio sobre a obra de arte” de Walter Benjamin
reconsiderado. In: TRAVESSIA REVISTA DE LITERATURA. Florianópolis, n. 33, p. 11-41, ago./dez.
1996, p. 14-15.
124
TRAVASSOS, 1997, p. 40.
125
Ibid., p. 157-9.
126
ANDRADE, 1995b, p. 38.
127
Ibid., p. 50.
128
Ibid., p. 37.
129
Ibid., p. 31.
59
categoria que, em Benjamin, retorna associada com a tecnologia,
130
aponta definitivamente
para a noção segundo a qual “a percepção torna-se experiência apenas quando se conecta
com memórias sensoriais do passado”.
131
Susan Buck-Morss compreende que o
“isolamento da memória do passado” insensibiliza os sentidos, de modo que “nesta situação
de ‘crise na percepção’,” caracterizada pela insensibilidade que define a anestética, “já não
se trata de educar o ouvido rude para ouvir música, mas de lhe restituir a audição”.
132
Não admira que Elizabeth Travassos afirme que Mário de Andrade “encaminhou-se
para a politização da arte”.
133
Politização da arte que, segundo Benjamin, representa a
resposta do comunismo ao fascismo e sua estetização da política, afirmação que se encontra
na origem da releitura benjaminiana da obra de arte por Susan Buck-Morss.
2.4. Tradição e contradição
Se a fisiologia da arte se associa, segundo Mário de Andrade, ao racional, o ritmo,
sobretudo quando remete ao seu aspecto primitivo, representa, por sua vez, justamente uma
forma de suspender a racionalidade. O ritmo consiste em um “poderoso organizador” que
“anula a racionalidade”,
134
de modo que, ao mesmo tempo que interessa para o projeto de
nacionalização cultural ao possibilitar a unidade e unanimidade, apontando para a
homogeneidade, o primitivismo problematiza a racionalidade ocidental moderna
fundamentada nessa mesma homogeneidade. Como uma sorte de primitivismo, a
apropriação dos paradigmas que informam a MPB, promovida pelo rock no Brasil dos anos
1970, funda um discurso que problematiza a naturalidade dos ritmos brasileiros pela
contradição que desnaturaliza conceitos de valor evidentes, e que, paralela e
paradoxalmente, procura naturalizar a relação do corpo com o ritmo do rock.
A convergência entre o primitivismo e o ritmo, que se organiza para suspender a
racionalidade, apontando, no sentido oposto do proposto pelo discurso nacionalista, para a
130
Cf. cap. 1, p. 22.
131
BUCK-MORSS, 1996, p. 23.
132
Ibid., p. 24.
133
TRAVASSOS, 1997, p. 217.
134
COLI, 1998, p. 20.
60
heterogeneidade, permite agora compreender o modo como as deformações promovidas
pelo rock remetem aos processos de “deformação” pelos quais elementos musicais
estrangeiros passam no Brasil. Segundo Mário de Andrade, esses processos consistem em
uma “deformação que transforma fontes exclusivamente estrangeiras numa organização
que sem ser propriamente original, é necessariamente nacional”,
135
obtendo como
resultado um documento “caracteristicamente nacional”.
Para tanto, concorrem, segundo Mário de Andrade, elementos transformados pelos
“imperativos da fisiopsicologia brasileira”, acarretando um produto inconfundivelmente
original. A formação e a fixação dos caracteres musicais constitutivos do Brasil que
integram a “entidade” da música popular brasileira
136
representam um aspecto fundamental
para o referido processo, cujo procedimento opera sobre os elementos musicais e textuais
das canções, de modo que, em termos marioandradianos, “trocam-se textos e melodias;
ajuntam-se vários textos ou várias melodias; os textos se fracionam e as melodias também;
inventam-se melodias novas pra textos tradicionais”, etc.
Assim, o autor analisa as modinhas imperiais que se apresentam como uma
adaptação de textos brasileiros sobre melodias estrangeiras: “nossa modinha de salão se
ajeitava à melódica européia e se nacionalizava nela e apesar dela”, tanto que “nossa
modinha tem um cunho muito particular que nos pertence”.
137
Ao analisar os seguintes
versos adaptados a uma melodia preexistente:
pela amizade trocamos
a ilusão passageira,
para longe expiarmos
a invasão estrangeira!
Mário de Andrade conclui que “o que parece é que os nossos modinheiros coloniais e
imperiais, ao em vez de se desnacionalizarem na erudição e na imitação, iam buscar na
melódica européia os elementos em que ela comprazia com a sensibilidade nacional
135
ANDRADE, Mário de. Influência portuguesa nas rodas infantis do Brasil. In: ANDRADE, 1976a, p. 93.
136
Ibid., p. 81.
137
ANDRADE, 1980, p. 7. O texto se apresenta segundo a atual norma da ortografia do Português do Brasil.
61
nascente”,
138
de modo que as modinhas “vencem o eruditismo que as dominava e o
deformam de maneira adorável”.
139
Ora, o mesmo processo persiste nas deformações promovidas pelo rock brasileiro
dos anos 1970 a partir da formação e da fixação dos caracteres musicais constitutivos de
uma musicalidade brasileira elaborada sobretudo a partir do pensamento marioandradiano,
como o emprego da “nossa brasileiríssima síncopa de colcheia entre duas semicolcheias,
tomando um tempo do dois-por-quatro”,
140
recorrentemente mencionada pelo autor.
Enquanto modelo de um procedimento que opera sobre os elementos musicais e textuais
das canções, a apropriação pelo rock brasileiro de versos de “Aquarela do Brasil” sob uma
nova melodia exemplifica o processo de deformação compreendido segundo o emprego de
“textos tradicionais” subordinados a “melodias novas”:
138
ANDRADE, 1980, p. 7.
139
Ibid., p. 9.
140
ANDRADE, Mário de. Música política. In: ANDRADE, 1976a, p. 129.
62
63
Abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei congo no congado
E toda a canção do meu amor
Deixa cantar de novo o trovador
À merencória luz da lua
Toda a canção do meu amor
Brasil! Pra mim...
141
A apropriação de versos de Aquarela do Brasil interessa na medida em que a
canção, considerada a origem do samba exaltação, caracterizado pelo ufanismo do Estado
141
MADE IN BRAZIL. Aquarela do Brasil. In: MADE IN BRAZIL. Made in Brazil. São Paulo: RCA Victor,
p1974. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 4 (2min 49s).
64
Novo, representa o paradigma do segmento nacionalista que culmina com a “consolidação
do samba como padrão de música brasileira”.
142
Embora Mário de Andrade afirme que o
samba “é por excelência a nossa dança popular urbana”,
143
integrando o “binário do povo
nacional”,
144
Marcos Napolitano e Maria Clara Wasserman atentam para o fato de que os
autores preocupados com o problema da autenticidade do samba não encontram no
pensamento musical marioandradiano apoio para legitimar uma tradição da música urbana,
uma vez que o material musical popular pesquisado pelo mesmo não contribuía
significativamente para organizar uma ‘tradição’ aceitável para a música popular urbana, na
qual o samba passava a ser o eixo central”.
145
Ao processo de apropriação dos versos tradicionais sob uma nova melodia descrito
acima antecede imediatamente uma progressão equivalente aos versos apropriados da
canção original, de modo que o compasso dois por quatro do samba, reproduzido
a partir da canção tradicional, cede ao compasso quatro por quatro ou do
rock:
Os versos propostos a cantar o Brasil brasileiro do samba que circulou sob estilo
definido como “cena brasileira” nos anos do Estado Novo se re-significam na medida em
que se recortam e se deslocam no respectivo processo. Uma vez que o procedimento se
elabora a partir da canção original, o referido rock brasileiro assume a tarefa a que se
atribui o sujeito da canção de cantar o Brasil nos seus versos. Para tanto, interessam os
sentidos produzidos pelos versos deslocados para o contexto em que emerge um outro
142
NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 172.
143
ANDRADE, Mário de. Ernesto Nazareth. In: ANDRADE, 1976a, p. 323.
144
Id. Música brasileira. In: ANDRADE, 1976a, p. 357.
145
NAPOLITANO; WASSERMAN, op. cit., p. 172.
65
sentido para o verso “Brasil! Pra mim...”, tanto quanto os sentidos produzidos pelos versos
silenciados:
É o Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil! Brasil!
Pra mim... Pra mim...
Ao mesmo tempo em que o rock brasileiro silencia para soar o silenciamento
constitutivo dos projetos de unidade e unanimidade nacionais, o sentido produzido pelo
verso deixa cantar de novo o trovador” aponta para o seu silenciamento na medida em que
o rock retoma a tradição dos trovadores, como constata Ned Rorem. A deformação
promovida pelo rock no Brasil dos anos 1970 se associa igualmente ao primitivismo
propagado pelo pensamento marioandradiano ao conceber os artistas como deformadores
da natureza, cuja tarefa condiz com a necessidade da arte se afastar do belo natural,
contrariando o realismo propugnado pela arte engajada.
Ao observar que “a tradição artística da grande canção foi transferida dos domínios
das elites para os Beatles e seus imitadores”,
146
Ned Rorem afirma que “esses grupos”
combinam “a tradição dos trovadores do século XII, dos madrigalistas do século XVI, e dos
artesãos musicais do século XVIII”.
147
Ned Rorem constata que os mesmos grupos
“eliminaram o martírio estéril da arte e reviveram o sensual”,
148
concebendo a música como
uma reação criadora e um estímulo físico. Assim, finalmente se “estimulava mais o corpo
do que a mente”, comemora o autor, ao constatar que “o estímulo corporal sempre
constituiu a função da música”,
149
sobretudo entre as sociedades primitivas. Rorem ainda
associa o rock ao barbarismo e ao sensualismo, bem como a aspectos primitivos como a
tatilidade e a corporeidade. Ao conceber a sensualidade e o primitivismo em contraste com
o intelectual, o autor notadamente recorre a conceitos similares aos de Mário de Andrade.
O conceito marioandradiano de primitivismo decorre da premissa de utilidade da
arte, cuja produção se define pela construção de uma obra que agrada sensivelmente,
146
ROREM, Ned. Música e gente. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 16.
147
Ibid., p. 17.
148
Ibid., p. 24.
149
Ibid., p. 139.
66
contribuindo com o processo de conhecimento e agindo sobre a sociedade.
150
Portanto, o
conceito se apresenta como elemento perturbador dos efeitos padronizadores da
modernidade, contraposto aos efeitos globalizadores da racionalidade moderna, na mesma
medida em que configura uma identidade cultural.
151
Assim:
em oposição à estética desinteressada do civilizado, que aceita o real
como dado, o realismo primitivista seria uma arte estridente e
anticartesiana que se vincula funcionalmente à sociedade, tentando
explicar a ilusão normativa da arte dominante através da desmontagem
dos seus pressupostos. Seu discurso marcha a contrapelo.
152
O conceito de artesanato, compreendido como a coordenação da alma, do olhar e da
mão, encontrada onde quer que a arte de narrar seja praticada,
153
associa-se, portanto, ao
conceito de artesanato, compreendido, por sua vez, como a parte da técnica que se pode
ensinar e que se relaciona com os elementos materiais da arte.
154
Os pensamentos
benjaminiano e marioandradiano convergem, afinal, ao artesanato, cujo conceito implica
uma ruptura que separa a arte do patronato, garantindo uma autonomia a partir da qual
Mário de Andrade particularmente concebe o artista como artesão ou cortesão. O contexto
internacional de crise promove os imperativos sociais que justificam a necessidade de
responsabilidade da arte, a qual se configura, entretanto, distintamente, de modo que, entre
o pensamento marioandradiano e o adorniano a respeito do campo musical, por exemplo,
oferece-se de forma praticamente oposta.
Ao rememorar a cultura coletiva por meio das formas culturais populares, o
pensamento de Mário de Andrade implica a passagem do sentir ao conhecer para voltar ao
150
ANTELO, 1986, p. 101.
151
OLMOS, Ana Cecília Arias. Políticas do primitivo: as estéticas modernistas de Mário de Andrade e
Lezama Lima
. 1993. 149 f. Dissertação (Mestrado em Literatura). Centro de Comunicação e Expressão,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993. Ana Cecília Arias Olmos observa que a
presença do primitivo coloca em crise a identidade cultural ocidental, descentrando as soluções propostas pela
identidade racional do Ocidente e atentando contra as homogeneizações modernas com o surgimento do
Outro ou com a irrupção da diferença no Mesmo. Não obstante, a noção de “traição da memória”, associada
ao procedimento de nivelamento / desnivelamento da música popular, formulada por Mário de Andrade a
partir das pesquisas folclóricas sobre música popular, fundada num jogo de descontextualização /
contextualização de fragmentos, configura apropriações transgressivas como formas diferenciadas de
interpretação.
152
ANTELO, op. cit., p. 98.
153
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Lescov. In: BENJAMIN, 1994, p.
211.
154
ANDRADE, Mário de. O artista e o artesão. In: ANDRADE, 1963, p. 11-13.
67
sentir, o que potencializa a apreensão da realidade e a sua transformação.
155
Para tanto, o
colecionamento benjaminiano, associado com a sua teoria da historiografia, bem como o
colecionamento marioandradiano, apresentam-se como resposta ao progresso. Para ambos
os autores, o deslocamento de elementos tradicionais pressuposto pelo colecionamento
recupera o passado para o presente. E na medida em que se percebe a barbaria no progresso
ocidental, emerge o imediatismo do primitivo.
155
ANTELO, 1986, p. 100.
68
3. TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO
3.1. Sincopação e institucionalização
Carlos Sandroni revela que a musicologia no Brasil atribui à síncope uma
“característica definidora não apenas do samba, mas da música popular brasileira em
geral”, tanto que “considerar as síncopes índice de certa ‘especificidade musical’ brasileira
tornou-se um lugar comum”.
1
Segundo Sandroni, os pesquisadores brasileiros preocupados
com a síncope tendem a atribuir a sua paternidade aos africanos vindos ao continente
americano com o regime escravocrata. Assim, como constata o autor, Mário de Andrade,
ocupado com a questão, conclui que “a fusão criada em solo americano era algo de novo, e
igualmente novas eram as condições sociais que lhe deram lugar”.
2
O conceito de síncope se define como efeito de ruptura produzido no discurso
musical por meio do deslocamento do acento, o que perturba a regularidade da acentuação.
Sandroni observa que a teoria musical a conceitua como um desvio da ordem normal do
discurso musical, de modo que uma articulação sincopada estaria fora do lugar,
constituindo uma contradição com um fundo de metricidade definido pelo pulso, cuja
regularidade o ritmo pode confirmar ou contradizer, o que se expressa respectivamente pela
“cometricidade” ou “contrametricidade”.
3
Sandroni observa que os ritmos africanos se constituem de frases caracterizadas pela
mistura do que teoricamente se compreende por unidades de tempo binário e ternário.
Precisamente a mistura sistematizada entre agrupamentos de duas e três pulsações nos
compassos desempenha um papel fundamental na música africana subsaariana.
4
Com isso,
Sandroni conclui que o conceito apenas o conceito de síncope não existe na música
africana:
1
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de
Janeiro: J. Zahar, 2001, p. 19-20.
2
Ibid., p. 23.
3
Ibid., p. 20-21.
4
Ibid., p. 24.
69
Assim, mesmo se a noção de síncope inexiste na rítmica africana, é por
síncopes que, no Brasil, elementos desta última vieram a se manifestar na
música escrita; ou, se preferirmos, é por síncopes que a música escrita fez
alusões ao que de africano em nossa música de tradição oral. É nesse
sentido, e nesse, que tinham razão os que afirmavam que a origem da
síncope brasileira estava na África.
5
O que o europeu compreende como um desvio passa a ser praticado como uma
norma no continente americano, pois “a síncope reiterada e elevada a norma muda de
sentido, configurando um outro sistema que não é mais africano nem puramente europeu,
no qual a noção acadêmica de síncope perde a razão de ser”. No entanto, Sandroni observa
que “o emprego da palavra ‘síncope’ para designar as articulações contramétricas foi, no
Brasil, tão freqüente que se transformou (...) numa verdadeira ‘categoria nativa-
importada’,” tanto que “a palavra entrou no vocabulário do leigo e dos músicos
populares”.
6
Ao evidenciar a síncope entre os caracteres presentes nas manifestações musicais
brasileiras, Mário de Andrade contribui para que a mesma seja nacionalizada e
institucionalizada. Para tanto, recorre a um tema caro ao seu pensamento, qual seja, como
um motivo rítmico passa a ter um valor significante no interior de uma cultura.
7
A
capacidade de uma forma musical assumir um valor significante para uma determinada
cultura constitui justamente o argumento de Carlos Sandroni. Segundo o autor, existe uma
relação entre o tipo de contrametricidade configurada pelo paradigma mencionado e certa
concepção do “afro-brasileiro” e do “tipicamente brasileiro”.
8
Para tanto, o autor afirma que
“essa insistência das síncopes não é uma característica puramente formal, mas carregada
semanticamente: ela é associada com o ‘Brasil’, com ‘negro’ e com ‘popular’”.
9
Não
admira que o autor se insira no discurso marioandradiano, inclusive, ao elencar a “síncope
característica” como a mais importante variação do paradigma analisado, mesmo a despeito
de problematizar o termo consagrado pelo uso.
10
5
SANDRONI, 2001, p. 26.
6
Ibid., p. 27.
7
Cf. COLI, Jorge. Música final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas:
UNICAMP, 1998, p. 350.
8
SANDRONI, op. cit., p. 31-32.
9
Ibid., p. 47.
10
Ibid., p. 29.
70
No entanto, o folclorismo de Mário de Andrade reproduz a superioridade de formas
culturais privilegiadas no Ocidente, de modo que “a produção musical é hierarquizada em
relação às suas inserções sociais, institucionais, etc., opondo-se ‘música popular’ e ‘música
erudita’”.
11
A postura do autor descrita por Claudia Neiva de Matos deriva das narrativas
ocidentais modernistas analisadas por Charles Hamm, sobretudo da autonomia musical,
que, segundo Hamm, postula uma distinção entre elite e povo ao estabelecer uma relação
entre forma musical e civilização. Assim, o valor da autonomia reside na composição
musical em detrimento da sua recepção e do seu uso, convergindo ao problema da
autenticidade.
12
Richard Middleton, por sua vez, problematiza os conceitos de folclore e de popular,
os quais se relacionam intimamente com as narrativas analisadas por Hamm. De acordo
com Middleton, o discurso em torno do folclore e do popular constitui um problema social
e historicamente datado, de modo que, influenciado pelas ideologias da democracia, torna-
se um termo legitimador associado com o nacional e o tradicional.
13
Por um lado, o popular
passa a ser compreendido segundo uma postura positivista, para a qual o conceito adquire
um sentido quantitativo metodologicamente definido pelo mercado e, por outro, segundo
uma postura essencialista, a qual relaciona o conceito a narrativas de autenticidade e
espontaneidade associadas ao povo.
14
Segundo Middleton, as definições dividem o campo musical ao postularem pares
opostos como alto ou baixo e elite ou massa, ignorando, por conseguinte, as contradições
do processo de produção. Ao considerar que essas se revelam na medida em que a
sociedade de classes se caracteriza internamente pela contradição, o autor sugere que o
termo “música popular” intenciona se inserir entre as suas polaridades e organizar o
problema de maneira particular. Essa organização ocorre de acordo com cada sociedade,
impondo a necessidade de contextualização. Para tanto, as possibilidades de sentidos de
11
MATOS, Claudia Neiva de. Mário de Andrade: música, folclore e religião. Da necessidade do corpo para
os negócios da alma. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA
CONGRESSO. 5., 1987. Rio de Janeiro.
Cânones e contextos: anais. Rio de Janeiro: [s.n.], 1998, p. 518.
12
HAMM, Charles. Putting popular music in its place. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 3-
4.
13
MIDDLETON, Richard. Studying popular music. Philadelphia: Open University Press, 1990, p. 3-4.
14
Ibid., p. 6.
71
“música popular” devem ser historicamente localizadas, uma vez que o surgimento da
“cultura popular” no discurso surge em sociedades e em momentos determinados.
15
Ora, o Brasil conforma um sistema cultural diferenciado para o sistema musical em
torno da MPB. Marcos Napolitano afirma que a configuração do conceito de MPB ocorre a
partir do Golpe de 1964. O conceito se estabelece como uma instituição cultural capaz de
atribuir uma identidade nacional e popular, bem como legitimar a hierarquia cultural
brasileira,
16
uma vez que “o processo instituinte define uma determinada hierarquia
cultural” a partir da qual o consumo tende a ser organizado.
17
O processo ocorre
concomitantemente ao debate em nome do engajamento musical como redimensionamento
com a tradição com fins de popularização e afirmação nacional em contraposição ao rock,
18
compreendido como a contraface do golpe de 64,
19
ao passo que a MPB permaneceria
associada aos discursos de autenticidade, de origem, etc.
O historiador compreende que o ano de 1968 marca a consolidação do processo
final de institucionalização da MPB, dado que a partir desse momento o panorama se
modifica com o mercado musical com um capital institucional suficientemente grande para
determinar os rumos do consumo musical.
20
Assim se consolida um sistema cultural
diferenciado para o campo musical no Brasil, cuja estrutura garante autonomia à MPB ao
longo dos anos 1970. Nesse momento, a hegemonia da MPB contribui para a autonomia do
processo de produção e circulação das canções, de modo que, em meados dos anos 1970, a
indústria racionaliza seus produtos musicais, o que Napolitano atribui ao processo de
institucionalização da MPB.
21
Nesse processo, a MPB constitui o centro do sistema de produção e circulação de
canções no Brasil. Ao mesmo tempo, “agregava-se ao ‘produto’ MPB um sentido
‘político’, na medida em que construía-se uma perspectiva que foi incorporada pela
memória social acerca do período: o triunfo da MPB (...) era, ao mesmo tempo, um triunfo
15
MIDDLETON, 1990, p. 7.
16
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultura na MPB. São Paulo:
Annablume/Fapesp, 2001a, p. 12-13.
17
Ibid., p. 338.
18
Ibid., p. 33.
19
Ibid., p. 94-95.
20
Ibid., p. 84-85.
21
Ibid., p. 312.
72
político”.
22
Nesse sentido, Carlos Sandroni observa que, no decorrer dos anos 1960, a
expressão “música popular brasileira”, serviu para
delimitar um certo campo (...) suficientemente estreito para excluir (...) a
música eletrificada influenciada pelo rock anglo-saxão. A expressão
‘música popular brasileira’ cumpria, pois, (...) certa função de ‘defesa
nacional’. (...) Nos anos finais da década, ela se transforma mesmo numa
sigla, quase uma senha de identificação político-cultural: MPB.
23
Napolitano ressalta que “a MPB talvez tenha sido o produto mais eficaz na
realização de uma identidade cultural”,
24
funcionando como uma esfera pública de oposição
civil ao regime militar. Tanto que “concomitantemente à abertura política, a sigla passou a
ser adotada de modo mais amplo (...) permitindo que, quando nos anos 1980 o rock
nacional ganhou novo alento, seus representantes fossem considerados (...) como parte
integrante da música popular brasileira”,
25
como observa Sandroni.
Sandroni compreende que a concepção de música popular brasileira, “marcada
ideologicamente e cristalizada na sigla ‘MPB’”, relaciona-se com um momento em que “a
idéia de ‘povo brasileiro’ (...) esteve no centro de muitos debates, nos quais o papel
desempenhado pela música não foi dos menores”. “É nesse momento que”, como escreve o
autor, “reconhecer-se na MPB passa a ser (...) acreditar em certa concepção (...) dos ideais
republicanos”, de modo que o gosto por sua forma musical implica “eleger um certo
universo de valores e referências que traziam embutidas as concepções republicanas
cristalizadas na ‘MPB’.”
26
Se, como sugere Middleton, o termo “música popular” pretende se inserir entre as
polaridades no interior da contradição e organizar o problema de maneira particular, no
Brasil, a MPB, justamente pelo sentido que adquire, constitui uma polaridade da
contradição. A MPB articula a oposição de uma cultura nacional a uma cultura estrangeira
ao delimitar uma autenticidade que supostamente se realiza nas manifestações populares e
regionais que reafirmariam a identidade nacional, contribuindo para o estabelecimento de
22
NAPOLITANO, 2001a, p. 176.
23
SANDRONI, Carlos. Adeus à MPB. In: CAVALCANTE, Berenice et al. (Org.). Decantando a República.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 29.
24
NAPOLITANO, op. cit., p. 334.
25
SANDRONI, op. cit., p. 30.
26
Ibid., p. 29.
73
um paradigma firmado na diferença com uma cultura estrangeira ou alienada. Afinal, como
afirma Napolitano, “como em todo processo de institucionalização de uma determinada
expressão cultural, a pluralidade e as contradições da experiência histórica tendem a se
perder”.
27
Ao sugerir que os padrões representam momentos de hegemonia cultural,
compreendidos como “naturais”,
28
Middleton afirma que os estilos musicais agregam
elementos provenientes de diferentes origens, com distintas conotações, sendo que essas
agregações eventualmente podem ser abertas e seus elementos rearticulados em diferentes
contextos.
29
O referido processo descreve exatamente o que ocorre com a MPB em variadas
etapas de sua institucionalização, mas, sobretudo, o que ocorre nos anos 1970 com o rock
brasileiro, principalmente em torno dos paradigmas da MPB.
Sandroni observa uma particularidade brasileira baseada na valorização de
determinada forma musical. Com a nacionalização do samba, acompanhada pelo registro
do seu emprego pelos intelectuais, o uso do termo se faz em duas vertentes concomitantes,
pois convergem na mesma palavra uma significação proveniente do folclore e outra do
popular: “quando ela se consuma, o samba popular beneficia-se de toda a carga positiva
atribuída por boa parte dos intelectuais brasileiros desde os anos 1930 ao folclore”.
30
Segundo Sandroni, interessava aos intelectuais nacionalistas atribuir a um produto musical
que acabava de nascer a respeitabilidade das coisas antigas e tradicionais. Para tanto, o
samba se apresenta como a mais tradicional expressão musical do Brasil inteiro:
Assim, numa composição como a famosa “Aquarela do Brasil” (...), o
samba que se escuta é uma produção musical cujos contornos são
recentes, são em parte fruto do Brasil urbano, do disco, do rádio; mas o
samba de que se fala “Brasil, terra de samba e pandeiro” é definido
com referências à época escravocrata (...) A mensagem implícita é que
nossos ancestrais da época da Colônia e do Império conheciam um
“samba” que seria, no essencial, o mesmo de “Aquarela do Brasil”.
31
27
NAPOLITANO, 2001a, p. 343.
28
MIDDLETON, 1990, p. 9.
29
MIDDLETON, 1990, p. 16.
30
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de
Janeiro: J. Zahar, 2001, p. 97.
31
Ibid., p. 98-99.
74
Outro paradigma da historiografia musical analisado por Sandroni condiz com uma
concepção segundo a qual “o samba não teria sido inventado (...) ele já existia, confinado às
noites da senzala, dos terreiros de macumba e dos morros do Rio de Janeiro (...) O ‘lugar’
do samba seriam os redutos da cultura negra, nichos onde esta se refugiou e resistiu”. Essa
concepção remonta ao pensamento marioandradiano, uma vez que o modernista estipula
que: “Felizmente, no ar mais alto dos morros, o samba continuava a batucar, ignorado,
formando-se com mais liberdade e pureza (...) desceu para a cidade, e o Brasil o adotou”.
32
Hermano Vianna nota que o triunfo do samba acompanha um “projeto de
nacionalização e modernização da sociedade brasileira”, de modo que o Estado Novo
garante ao Brasil um “ritmo nacional” que o torna “o Reino do Samba”.
33
Não admira que,
nos anos 1970, a mesma banda de rock brasileiro que se apropria dos versos de “Aquarela
do Brasil”, subvertendo os sentidos observados por Sandroni em torno do samba de Ary
Barroso, cante em “Uma banda made in Brazil”:
Quem não me entende
Diz que a terra é do samba
E aqui não tem lugar para a gente...
34
3.2. Problematização das dicotomias
Na medida em que o conceito que origina a categoria MPB representa uma das
“principais manifestações da cultura nacional”,
35
o mesmo informa o debate sobre a
identidade nacional ao inaugurar “uma autenticidade a ser preservada no campo da cultura
popular brasileira” contra a “descaracterização dos ‘nossos verdadeiros valores
culturais’.”
36
Segundo Hermano Vianna, a nacionalização do samba a partir dos anos 1930
fundamenta o discurso nacionalista musical, ao passo que os demais ritmos são
32
ANDRADE apud SANDRONI, 2001, p. 114.
33
VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1995, p. 127.
34
MADE IN BRAZIL. Uma banda made in Brazil. In: MADE IN BRAZIL. Paulicéia desvairada. São Paulo:
BMG, 1978. 1 disco sonoro. Lado B, faixa 1.
35
SANDRONI, 2004, p. 26.
36
VIANNA, op. cit, p. 131.
75
considerados regionais. Para tanto, o “elemento central para a definição da identidade
nacional”
37
conferido ao samba abarca, nos anos 1960, um paradigma mais amplo que
constitui a categoria da MPB, fundamentando o discurso contra a “influência alienígena”
que ameaça a “‘autenticidade’ da cultura brasileira” a ser “protegida”
38
de modo igualmente
mais amplo e em acordo com uma “certa função de ‘defesa nacional’”
39
preservada pela
MPB.
Enquanto a nacionalização do samba o integra aos sentidos do folclore e do popular
a partir de um agenciamento intelectual que o insere em uma tradição nacional, Sandroni
constata que um determinado ritmo regional relativiza a dicotomia entre o popular e o
folclore. Ambos os ritmos nacional e regional originados do lundu se elaboram
discursivamente a partir de atributos consagrados ao ritmo nacional, desde quando Mário
de Andrade “fala do lundu como a ‘primeira forma musical que adquire foros de
nacionalidade’.”
40
A origem africana do lundu consiste em um ponto comum para os
pesquisadores brasileiros que o consideram “descendente direto do batuque africano”, de
modo que o lundu canção herda o sentido secular de representação direta ou velada do
universo afro-brasileiro.
41
O peso da “contribuição das artes musicais para auxiliar um povo em sua marcha
para a guerra”,
42
associado ao modo como um ritmo incorpora valor significante no interior
de uma cultura, marcha, segundo o pensamento marioandradiano, a contrapelo do progresso
da humanidade no interior de um tempo vazio, como entrevisto por Benjamin. Afinal, para
Mário de Andrade, “há de ser de chocalho e reco-reco o tremor que arrepiará os
culpados”.
43
A partir da Revolução de 1930, assiste-se a uma polarização radicalizada que,
ao convergir para toda a sociedade brasileira, reduz culturalmente a compreensão da arte
aos valores de arte engajada ou arte alienada, evidenciando um aspecto preeminente cuja
perspectiva considera apenas a arte politizada, a partir da percepção da realidade social
articulada fundamentalmente por meio da categoria de alienação. Levado a termo o projeto
de politização cultural assumido pela canção popular e depreendido desde a proposta de
37
VIANNA, 1995, p. 28.
38
Ibid., p.118.
39
SANDRONI, 2004, p. 29.
40
SANDRONI, 2001, p. 66.
41
Ibid., p. 40.
42
ANDRADE, Mário de. Ra-ta-plã. In: COLI, 1998, p. 113.
43
ANDRADE, 1944 apud ALVARENGA, 1974, p. 85.
76
nacionalização musical marioandradiana implica, no final dos anos 1960, o
recrudescimento da repressão, tanto pela esquerda, quanto pela direita. Roberto Schwarz
reconhece que “apesar dos tanques da ditadura rolando periodicamente pelas ruas (...) não
faltou quem reclamasse (...) contra o terrorismo cultural da esquerda”.
44
A difusão dos meios de comunicação, que integram todo o Brasil nos anos 1970,
corresponde ao processo de hegemonia da ideologia do Estado ao elaborar politicamente
uma cultura nacional, de modo que as manifestações culturais tendem a ser inseridas em
um processo de subordinação. Renato Ortiz compreende que o problema se apresenta como
relação de forças em detrimento do conceito de alienação, uma vez que “a questão do
nacionalismo tal como era considerada nos anos 60, deixa de ter sentido”.
45
Ao operarem
ideologicamente, na medida em que recuperam uma identidade nacional, as manifestações
culturais regionais e populares se apresentam como projeto da hegemonia do Estado, ao
passo que, a partir do Golpe de 1964, a economia se insere em um processo de
internacionalização do capital.
46
Ortiz argumenta que o Estado normatiza a esfera cultural ao integrar as diferenças
no interior de uma hegemonia estatal. Para tanto, o conceito de integração nacional
elaborado pela ideologia de Segurança Nacional procura justamente submeter as diferenças
aos Objetivos Nacionais. O interesse do governo pela cultura se intensifica nos anos 1970,
ao desenvolver um projeto cultural politicamente organizado por uma comissão que se
institui em 1965 com a finalidade de elaborar as bases de um plano nacional de cultura,
justamente enquanto se assiste a uma “relativa hegemonia cultural de esquerda” constatada
por Roberto Schwarz como uma “anomalia” que constitui “o traço mais visível do
panorama cultural entre 64 e 69”
47
, a qual se estabelece no vazio deixado pela falta de uma
ideologia do governo imposto pelo Golpe de 1964.
44
SCHWARZ, Roberto. Cultura e política: 1964-1969. In: ______. O pai de família e outros estudos. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 67.
45
ORTIZ, 1985, p. 78.
46
Os anos 1970 consagram o mercado musical regional consolidado com o sucesso dos resultados das
pesquisas sobre os ritmos regionais e populares mais ou menos subordinados aos interesses do Estado. Com
efeito, em meados dos anos 1970, Ana Maria Bahiana constata, em detrimento de representação para o rock
brasileiro, um “inusitado interesse no disco documental”, observado a partir do “o aumento do interesse” por
parte do mercado musical pelo “disco de documentação cultural, recuperando e divulgando parcialmente o
acervo musical popular”. BAHIANA, Ana Maria.
Nada será como antes: MPB nos anos 70. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980, p. 151.
47
SCHWARZ, op. cit., p. 62.
77
Para tanto, o governo recorre aos intelectuais tradicionais, cuja incorporação permite
estabelecer uma relação entre o presente e o passado. Assim, “o Estado ideologicamente
coloca o movimento de 64 como continuidade” associada “com as origens do pensamento
sobre cultura brasileira”,
48
resgatando uma preocupação constante dos pensadores do final
do XIX: a miscigenação. Ortiz sublinha o papel do significado de heterogeneidade inerente
ao conceito de miscigenação e o interesse no aspecto da diversidade.
49
Assim, a cultura
brasileira se define como um “produto da aculturação de diversas origens”, proveniente,
segundo o documento da Política Nacional de Cultura de 1975, do “sincretismo de
diferentes manifestações que hoje podemos identificar como caracteristicamente brasileiras,
traduzindo-se num sentido que, embora nacional, tem peculiaridades regionais”.
50
O
emprego do conceito de sincretismo cultural se justifica na medida em que “a ideologia do
sincretismo exprime um universo isento de contradições”.
51
Enquanto o duvidoso conceito de MPB mantinha uma “certa função de ‘defesa-
nacional’”, o rock brasileiro dos anos 1970 produz sentidos a partir da incorporação de
caracteres preestabelecidos nos discursos acerca do que se compreende como nacional.
Nesse sentido, ao dialogar com os aspectos constitutivos da cultura brasileira e da
identidade nacional presentificados na MPB, Raul Seixas contraria o silenciamento sobre o
rock brasileiro dos anos 1970 ao se consagrar como representação do rock na MPB, na
medida em que subverte os seus limites e integra a sua historiografia como o “primeiro
artista a misturar sistematicamente o rock com ritmos brasileiros, principalmente o
baião”.
52
Raul Seixas relativiza a dicotomia instaurada no campo da MPB, entrevendo as suas
contradições, ao se apoiar em Luiz Gonzaga que, segundo Sandroni, antecipa, por sua vez,
a relativização da dicotomia entre o popular e o folclore ao inscrever o regional no interior
da música popular brasileira. Para tanto, Raul Seixas equipara os ritmos do rock and roll de
Elvis Presley e do baião de Luiz Gonzaga por meio da suas respectivas historicidades,
conservando em “Let me sing, Let me sing” similaridades como a sensualidade e a
48
ORTIZ, 1985, p. 91.
49
Ibid., p. 92.
50
Ibid., p. 93.
51
Ibid., p. 95.
52
ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB: a história de nossa música popular de sua origem até
hoje
. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 283.
78
comicidade constatadas nos referidos ritmos. Ao comparar “Good Rockin’ Tonight” a
“Cintura fina”, Raul Seixas retoma os sentidos incorporados pela materialidade das formas
musicais com a historicidade dos respectivos ritmos,
53
em detrimento da unidade de sentido
que sustenta o discurso nacionalista que contribui para o silenciamento do rock brasileiro
dos anos 1970, com o qual corrobora a historiografia na medida em que se revela uma
narrativa que se legitima a partir do momento em que se orienta para atender a
determinadas necessidades sociais.
54
3.3. Naturalização do rock no Brasil
Carlos Sandroni estipula que a música popular brasileira sucede a um paradigma
que se caracteriza fundamentalmente pela contrametricidade recorrente na quarta pulsação
ou quarta semicolcheia do compasso dois por quatro:
O paradigma acima se caracteriza pela imparidade proveniente da mistura de
unidades binárias e ternárias que, segundo Sandroni, consta de manifestações musicais de
diferentes lugares do continente americano onde se importaram escravos. Com efeito, esse
paradigma se difunde em toda parte no lundu do final dos oitocentos, de modo que as
53
Ao conceituar a forma por meio de uma linha que circunscreve um objeto, Hans Ulrich Gumbrecht postula
que o ritmo constitui uma forma que permite o seu reconhecimento a partir da repetição constitutiva da
mesma, decisiva, por sua vez, para a constituição do sentido. Cf. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Rhythm and
meaning. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich; PFEIFFER, K. Ludwig.
Materialities of communication. Stanford:
Stanford University Press, 1994, p. 174 e GUMBRECHT, H.U. O campo não hermenêutico ou a
materialidade da comunicação. In: ______.
Corpo e forma. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998, p. 148-150. Não
obstante, José Miguel Wisnik argumenta que, por meio do ritmo, as músicas populares “passam senhas sobre
os seus modos de sociabilidade”. WISNIK, José Miguel.
O som e o sentido. São Paulo: Cia das Letras, 1989,
p. 214.
54
ALMEIDA, Tereza Virginia de. A ausência lilás da semana de arte moderna: o olhar pós-moderno.
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1998, p. 113.
79
figuras resultantes do paradigma constituem formas largamente empregadas nas
composições brasileiras do XIX e do XX.
55
Ora, justamente o deslocamento por antecipação do tempo forte caracteriza o ritmo
do baião, o qual respeita a imparidade interna a figuras que habitualmente são encaradas
pela binaridade do compasso. Ao se estruturar a partir da sistematização de uma introdução
musical do folclore, estilizada como ritmo por Luiz Gonzaga, o baião resulta em uma figura
sincopada no compasso dois por quatro:
Segundo José Ramos Tinhorão, o ritmo do baião se transforma em um estilo
musical popular a partir de meados dos anos 1940, pela estilização do acordeonista
pernambucano Luiz Gonzaga. De acordo com o pesquisador, o ritmo se origina de uma
“batida” denominada baião, tendo “nascido provavelmente de uma forma especial dos
violeiros tocarem lundus na zona rural no nordeste”.
56
Assim, o baião constitui uma
reminiscência do ponteado do lundu que, segundo a preocupação folclorista do
pesquisador, evoluiria imune aos estilos populares urbanos.
57
O baião representa, portanto,
o processo de urbanização de um estilo rural proveniente do folclore no Brasil. Nesse
sentido, como sugere Sandroni, Luiz Gonzaga antecipa a relativização da dicotomia entre o
popular e o folclore, com a inscrição da música regional no interior do campo da música
popular brasileira,
58
contrariando a narrativa de autenticidade que concebe sua
irreconciliabilidade com a popularização por meio da produção comercial.
O lundu se configura como representação do encontro entre negros e brancos no
Brasil, com a particularidade de inscrever as relações sociais da sociedade escravocrata nas
relações amorosas tematizadas nas letras, cuja abordagem do amor se oferece de forma
risonha e sexual, apelando ao humor de duplo sentido, a exemplo de um lundu cuja autoria
se atribui ao poeta Lagartixa:
55
SANDRONI, 2001, p. 30.
56
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 211.
57
Ibid., p. 211.
58
SANDRONI, 2004, p. 33.
80
O diabo desta chave
Que sempre me anda torta...
Por mais jeitos que lhe
Nunca posso abrir a porta.
Tome lá esta chave,
Endireite, sinhá,
Você é quem sabe
O jeito que lhe dá.
59
Carlos Sandroni atenta para um lundu que conteria o mais antigo exemplo de uma
“imagem muitíssimo recorrente na música popular brasileira (...), que consiste em usar a
comida como metáfora do sexo”:
Esta noite, oh céus, que dita,
Com meu benzinho sonhei...
Eu passava pela rua,
Ela chamou-me, eu entrei...
Deu-me um certo guisadinho
Que comi muito e gostei
Do ardor das pimentinhas
Nunca mais me esquecerei.
60
Sandroni observa que posteriormente prevalece a comicidade em detrimento das
demais particularidades do lundu, ainda que as canções carnavalescas que o sucederam se
referissem aos temas sexuais sem jamais perder a ambigüidade:
– Vem cá, mulata!
– Não vou lá não!
– Sou Democrata
De coração.
61
Tanto que esse aspecto perdura mesmo no baião, a exemplo dos versos de “Vem morena”
de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, de modo que o sexo aparece impregnado na sensualidade do
ritmo:
Vem morena pros meus braços
Vem morena, vem sambar
59
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998, p. 145.
60
SANDRONI, 2001, p. 52-59.
61
Ibid., p. 59.
81
Quero ver tu remexendo
Quero ver tu requebrar
Quero ver tu remexer
No resfolego da sanfona
Até o sol raiar
O fato é que o lundu venceu a resistência contra as manifestações culturais do negro
e a impermeabilidade da sociedade branca por meio da comicidade, que, associada com a
sensualidade, permitiria a sua difusão nas classes dominantes, tanto que “é a primeira forma
musical afro-negra que se dissemina por todas as classes brasileiras”.
62
E na medida em que
o fato se relaciona com o ritmo, o mesmo impregna a forma musical com seus sentidos,
sobretudo a partir do gerenciamento intelectual. Assim, a “primeira forma musical que
adquire foros de nacionalidade”, segundo a autoridade marioandradiana, corresponde ao
modo de aquisição de um valor significativo no interior de uma cultura. O baião, ao
sintetizar o folclore e o popular, herda os significados que o tornam “tipicamente
brasileiro”.
Ora, a despeito das peculiaridades de cada manifestação cultural, com o blues nos
Estados Unidos não foi diferente.
63
“Back door man”, de Howlin’Wolf, por exemplo,
sintetiza em si a ambigüidade presente no lundu, seja pela relação social metaforizada pela
relação sexual entre brancos e negros, seja pela relação sexual metaforizada pela comida:
I am a back door man.
I am a back door man.
Well the men don't know
But the little girls understand.
When everybody's sound asleep,
I'm somewhere making my midnight creep.
Yes in the morning, the rooster crow.
62
SANDRONI, 2001, p.53.
63
Nos Estados Unidos, o blues sofre oposição de determinados grupos sociais, de modo que a imprensa, ao
constatar a “importação do Oeste de uma orgia sincopada”, critica o “desastre moral” que “irrita os nervos e
excita o sexo”. Um escritor afirma que o resultado do blues “produziu uma hiperexcitação dos nervos e
afrouxou os poderes do autocontrole”, provocando, segundo o autor, “um retrocesso da natureza do Homem
para os instintos”, uma vez que se associa aos produtos musicais dos “selvagens primitivos”. Cf. TAME,
David.
O poder oculto da música. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 207-210. O mesmo autor que o constata, ao
registrar uma dicotomia determinada historicamente entre a produção musical civilizada e primitiva, reproduz
a oposição: “creio inflexivelmente que o rock e todas as suas formas são um problema crítico que a nossa
civilização precisa enfrentar de alguma forma genuinamente eficaz, e sem demora, se quiser sobreviver por
algum tempo”. TAME, 1993, p. 222.
82
Something tell me, I got to go.
I am a back door man.
I am a back door man.
Well the men don't know
But little girls understand.
They take me to the doctor. Shot full o' holes.
Nurse cried, please save the soul.
Killed him for murder, first degree.
Judge's wife cried. Let the man go free.
I am a back door man.
I am a back door man.
Well the men don't know
But little girls understand.
Stand out there. Cop's wife cried.
Don't take him down. Rather be dead.
Six feets in the ground.
When you come home you can eat pork and beans.
I eats mo' chicken any man seen
I am a back door man.
I am a back door man.
Well the men don't know
But the little girls understand
Howlin’ Wolf recorre a enunciados agora ambivalentemente sexuais em “Shake for
me”, similares, ao seu modo, aos versos de Luiz Gonzaga:
Shake it baby, shake it for me
Shake lil' baby, shake it for me
Oh, shake it little baby
Shake like a willow tree
O rock and roll deriva do blues produzido pelo escravo do Sul dos Estados Unidos,
cuja expressão influencia toda e qualquer forma musical que, nas palavras de Irving
Sablosky, evidentemente derivadas de um discurso de autenticidade, “possa ser considerada
autenticamente norte-americana”.
64
O blues se origina musicalmente a partir do contato
entre negros e brancos no norte do continente americano, estando, portanto, intimamente
relacionado aos costumes religiosos e musicais do continente africano. No processo de
64
SABLOSKY, Irving L. A música norte-americana. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994, p. 40.
83
aculturação que sucede ao contato, o blues, na medida em que deriva de canções funcionais
relacionadas ao trabalho escravo, cujas letras ironizam ambiguamente o senhor de modo
nada passivo,
65
torna-se expressão da condição do negro na excludente sociedade posterior
ao processo de libertação dos escravos.
Na medida em que o ritmo foi dinamizado e urbanizado propriamente em Chicago e
New York, uma nova derivação do blues se opera nos anos 1940, qual seja, o rhythm and
blues, caracterizado pelo alto grau de intensidade sonora e emocional, o que, segundo
pesquisadores, remete ao ritual.
66
O aspecto ritual derivado da intensidade pode ser
compreendido sob o conceito de sensação imediata, como concebido por Carl Einstein,
provocada pela transcendentalidade da obra de arte negra, correspondente a um modo de
recepção que desconsidera a atividade,
67
apontando para um regime de distração em
detrimento do de atenção, apropriado para a arte de massa.
Ao conceber a representação do volume como forma na arte africana, Einstein
observa que a arte se apresenta como pertencente a uma ordem de intensidade, de modo que
o volume deve ser representado na subordinação das percepções como intensidade
tectonizada.
68
O conceito de volume da plasticidade parece apropriado para o seu sentido
sonoro e musical, uma vez que a intensidade do volume sonoro permite atribuir ao som a
capacidade sensorial da tatibilidade. Ao atribuir a autoria da arte negra estudada a um povo
para o qual a arte surte efeitos imediatos, cujos poderes adquirem visibilidade sobre si
mesmo, Einstein indica o erotismo implicado na concepção do corpo como obra inacabada
que se transforma no ato, o que aponta para uma objetivação de si mesmo que consiste em
influenciar o conjunto do corpo inteiro.
69
Ritmicamente, o blues e o rhythm and blues se caracterizam por um modelo
conhecido como swing. O swing corresponde ao modelo tercinado que constitui a base do
cancioneiro popular norte americano de origem negra. O ritmo do blues e do rhythm and
65
CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 81-85.
66
Ibid., p. 97. David Tame observa que “musicólogos e historiadores não têm dúvidas de que os ritmos de
tambores da África foram transportados para a América e ali transmitidos e traduzidos no estilo de música que
veio a ser conhecido como jazz. Visto que o jazz e os blues foram os pais do rock and roll, isso também
significa que existe uma linha de descendência direta entre as cerimônias do vodu africano, através do jazz, e
o rock and roll e todas as outras formas de música de rock hoje existentes”. TAME, 1993, p. 205.
67
EINSTEIN, Carl. La escultura negra. In: ______. La escultura negra y otros escritos. Barcelona: Gil e
Gaya, 2002, p. 40.
68
Ibid., p. 47-51.
69
Ibid., p. 55-56.
84
blues se denomina shuffle e se estrutura a partir de tercinas compreendidas pela binaridade
das unidades do compasso:
O rock and roll, por sua vez, resulta fundamentalmente da conjugação entre os
estilos populares do rhythm and blues e do country and western, efetuada em meados dos
anos 1950 e popularizada por Elvis Presley. O rock and roll sintetiza tanto os referidos
estilos musicais considerados de origem negra e branca, quanto sintetiza socialmente os
dois grupos em tempos assombrados pela Guerra Fria, depois do fim das Grandes Guerras.
O rock and roll se caracteriza ritmicamente pela cometricidade da estrutura do blues, a qual
eventualmente pode ser contrariada pelo deslocamento da acentuação:
O termo “rock and roll” sempre esteve impregnado por uma conotação sexual,
sendo encontrado em letras de blues desde o findar do XIX.
70
Um antigo blues denominado
“Rock me Baby” explicita a conotação sexual da expressão:
rock me baby, rock me all night long
rock me baby, rock me all night long
'cause when you rock and roll me
my back ain't got a bone
Ambos os termos “rock” e “roll” sinonimizam fornicação entre os negros norte-
americanos, exprimindo diferentes movimentos exercidos durante a relação sexual. Assim,
“Rock Me Babysubverte os sentidos do verbo e do sujeito. Posteriormente, a expressão
70
Ao constatar que a expressão “rock and roll” alude ao ato sexual, David Tame conclui que “torna-se
manifesto o elo entre essas formas de música e a sexualidade”. TAME, 1993, p. 208.
85
deixa de se restringir apenas ao ato sexual e passa a sugerir a sensualidade do ritmo, como
em “Rockin’ in Rhythm”. A expressão se populariza entre a comunidade branca enquanto
os Estados Unidos mantinham a sociedade dividida pela lei de segregação racial, de modo
que os discos gravados por artistas negros exclusivamente para a comunidade negra eram
compreendidos obrigatoriamente em uma categoria denominada “race records”. Com o
interesse pela produção musical negra por parte da comunidade branca, intensificado nos
anos 1950, a categoria “race records” se substitui ao “rhythm and blues”. Contudo, como
essa categoria, ao explicitar sua origem negra, provoca os segmentos conservadores da
comunidade branca, o radialista Alan Freed rebatiza o estilo, agora fundido ao country and
western, como rock and roll, termo difundido pelo blues desde os anos 1920.
Portanto, Good Rockin’ Tonight”, o rock and roll equiparado por Raul Seixas ao
baião “Cintura Fina” de Luiz Gonzaga, foi fundamental para que se transformasse a
condição de segregação musical dos Estados Unidos. “Good Rockin’ Tonight” sugere a
sensualidade do ritmo perpetuamente relacionado com o sexo:
Well, I heard the news
there's good rockin' tonight.
Well, I heard the news
There's good rockin' tonight.
I'm gonna hold my baby
as tight as I can.
Tonight she'll know
I'm a mighty, mighty man.
I heard the news,
there's good rockin' tonight.
I say, well, meet me in a hurry
behind the barn,
Don't you be afraid, darling,
I'll do you no harm
I want you to bring
along my rockin' shoes,
'Cause tonight I'm gonna rock away
all my blues.
I heard the news,
there's good rockin' tonight.
Well, we're gonna rock. We're gonna rock.
Let's rock. Come on and rock.
We're gonna rock all our blues away.
86
“Good Rockin’ Tonight” foi gravada em 1948 por Roy Brown e, posteriormente,
regravada por Elvis Presley. Roy Brown manteve o compasso do blues, mas dinamizou o
seu andamento, gerando o rhythm and blues que, interpretado por Elvis Presley
influenciado pelo country and western, gerou, por sua vez, o rock and roll. Assim, em
meados dos anos 1950, Elvis Presley despontou ao som de “Good Rockin’ Tonight”,
escandalizando certos segmentos sociais com o seu rebolado provocante e sensual herdado
das origens negras e primitivas do rock and roll, caracterizado, como sugere Middleton, por
uma contraditoriedade interna.
71
Segundo o autor, essa particularidade implica uma
categorização musical para Elvis que concerne a um estilo definido pela agregação de
elementos musicais mediados por diferentes demandas de canções em diversos contextos,
cuja articulação produz um padrão particular: o rock and roll.
72
No entanto, Philip Tagg e Bob Clarida atentam para um aspecto negativo da
corporalidade associada por intelectuais ao rock como uma forma de corpismo que,
segundo os autores, tende a celebrar um corpo socialmente descontextualizado. O problema
produzido por tal perspectiva consiste em estudos sem negociação de significados entre
texto e contexto. Não admira que os estudos posteriores ao processo de institucionalização
do rock nos Estados Unidos e na Inglaterra, ao partir da materialidade sonora para os
efeitos corporais do ritmo em detrimento dos significados,
73
recuperem conceitos como os
de intensidade e de imediaticidade, que remontam a concepções derivadas da interpretação
de Carl Einstein da arte negra e primitiva africana.
Na medida em que dialoga com os aspectos constitutivos da cultura brasileira e da
identidade nacional presentificados na MPB por meio da relativização da dicotomia
instaurada no discurso nacionalista musical, o rock brasileiro dos anos 1970 permite
entrever as suas contradições. Raul Seixas suspende a referida dicotomia ao comparar os
ritmos do rock and roll e do baião, respectivamente intercalados nas estrofes da canção:
71
MIDDLETON, 1990, p. 18.
72
MIDDLETON, 1990, p. 21. Middleton afirma que o processo de rearticulação em momentos particulares
transforma seus sentidos, de modo que os elementos preservam os parâmetros de significação que trazem
consigo, mas os sentidos precisos são orientados pelo efeito do novo contexto.
73
TAGG, Philip; CLARIDA, Bob. Ten little title tunes: towards a musicology of the mass media. New York
& Montreal: The Mass Media Music Scholars’ Press, 2003, p. 67-70.
87
88
Let me sing, Let me sing
Let me sing my rock and roll
Let me sing, Let me swing
Let me sing my blues and go
Tenho quarenta e oito quilos certos
Quarenta e oito quilos de baião
Não vou cantar como a cigarra canta
Mas desse meu canto eu não abro mão
74
Ao ceder ao dois por quatro do baião, “Let me sing, let me sing” apresenta um
significativo rompimento do compasso quatro por quatro do rock, que subverte o ritmo e
produz sentido ao compreender a metade do compasso quatro por quatro no interior de um
compasso dois por quatro, como graficamente representado pela partitura:
A singularidade de Raul Seixas enquanto representação do rock brasileiro para a
historiografia da MPB, no mesmo momento em que o rock silencia diante da demanda por
um discurso de identidade nacional, consiste na relação com a “musicalidade tradicional da
MPB”, em cuja historiografia aparece como precursor do “rock brasileiro”
75
, mesmo a
despeito de abdicar da tradição da MPB: “Eu nunca fui muito ligado a essa coisa de raiz da
música popular”.
76
Raul Seixas canta a ruptura com a tradição da MPB ao negar a
74
SEIXAS, Raul. Let me sing, let me sing. In: SEIXAS, Raul. Let me sing my rock’n’roll. São Paulo:
Independente, 1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1 (3min 15s).
75
ALBIN, 2003, p. 352-353.
76
BAHIANA, 1980, p. 84.
89
“retomada da ‘linha evolutiva’”
77
, proposta por Caetano Veloso em um debate promovido e
publicado pela Revista Civilização Brasileira, cujo objetivo era entender e equacionar os
novos desafios compreendidos em termos de engajado ou alienado dispostos com a crise
promovida pelo sucesso comercial da Jovem Guarda:
Acredite que eu não tenho nada a ver
Com a linha evolutiva da música popular brasileira
A única linha que eu conheço
É a linha de empinar uma bandeira
78
Ao abordar a MPB de modo a desalinhar a continuidade, sobretudo da “linha
evolutiva” mencionada na letra, o rock brasileiro aborta a sua identidade e indivisibilidade,
por meio de uma operação que impossibilita demarcar limites. O movimento que sincretiza
o rock aos ritmos regionais e populares brasileiros se apresenta como intervenção no debate
sobre a MPB, discutido em termos de nacionalidade no quadro da polarização social no
limite da politização cultural sofrida na sociedade brasileira, culminando, como se não
bastasse o regime militar, com a censura e a repressão dos adeptos radicais do “nacional-
populismo” no embate com o “nacional-desenvolvimentismo” musical brasileiros. Diante
de um problema que se revela como subordinação em detrimento da alienação,
considerando que, nos anos 1970, o nacionalismo como era considerado nos anos 1960
deixa de ter sentido, o sincretismo remete ao sentido historicamente produzido pelo
processo diante da hegemonia da ideologia do Estado que, ironicamente, contribui para a
hegemonia da MPB nos anos 1970.
Diante de um debate que se estende desde os anos 1920 e que se potencializa com a
promoção do samba a ritmo nacional nos anos 1930, quando se ensaia o projeto de
homogeneização do Estado Novo, ao se afirmar e negar na relação com ambas as
manifestações musicais, o rock brasileiro preserva a categoria a despeito do dilema da
identidade nacional a partir das similaridades dos respectivos estilos. A autoridade
marioandradiana concluiu que “de certo os antepassados coincidem”, de modo que
incorporação do jazz preserva o aspecto musical brasileiro sem se prejudicar pelo ritmo do
77
Cf. BARBOSA, Airton Lima (Org.). Que caminho seguir na música popular brasileira? In: REVISTA
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA. Rio de Janeiro, n. 7, p. 375-385, maio 1966, p. 378.
78
SEIXAS, Raul. As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor. In: SEIXAS, Raul. Gita. São Paulo:
Philips, 1974. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 3.
90
jazz,
79
conforme a sua teoria da deformação. Mas a despeito da postura de Mário de
Andrade, Carlos Calado detecta uma xenofobia que se presentifica entre os estudos e
pesquisas musicais desde os anos 1920.
80
Segundo Calado, o levantamento de dados que
denunciam as “similaridades entre manifestações musicais de origem negra desenvolvidas
aqui e nos Estados Unidos” revela a naturalidade com que “essas manifestações musicais
possam aproximar-se ou mesmo fundir-se sem chegar a perder sua identidade”.
81
3.4. Tradição da contradição
Na medida em que afirma e nega uma proposição simultaneamente, o sujeito da
canção fere o preceito da não contradição que impossibilita a uma proposição ser
simultaneamente verdadeira e falsa. E ao mesmo tempo em que problematiza a naturalidade
dos ritmos brasileiros pela contradição que desnaturaliza conceitos de valor evidentes, o
sujeito da canção contraditoriamente naturaliza a relação do corpo com o ritmo, seja do
rock, seja da MPB.
Enquanto o sujeito da canção em Raul Seixas estabelece uma relação do seu corpo
com o ritmo do baião, ao equiparar a sua massa corporal, correspondente a exatos quarenta
e oito quilos, a uma mesma medida do respectivo ritmo, o sujeito da canção da banda
Perfume Azul do Sol associa recorrentemente o mesmo ritmo a um aspecto da fisiologia
que se apresenta como fundamental para a manutenção da vida do sujeito. O sentido do
verso “o baião é minha respiração” se completa nos versos de outra canção, uma vez que o
baião e o forró constituem o sangue do sujeito da canção, cujos versos “carrego triângulo e
zabumba e levo no sangue o baião”, de “O abraço do baião”, somam-se aos transcritos
abaixo:
79
CALADO, 1990, p. 222.
80
Ibid., p. 221.
81
Ibid., p. 223.
91
Eu quero abraçar este mundo
Mas quero com um braço só
Pra no outro levar a viola
E no sangue levar o forró
82
A afirmação em torno dos ritmos constitutivos da MPB, no entanto, contrasta com
um fundo falso, qual seja, o rock. Assim, a despeito da forma musical que se depreende da
melodia, formada precisamente por uma figura representativa da “entidade” do cancioneiro
popular brasileiro expresso por caracteres musicais convencionalmente nacionais, a referida
afirmação se apresenta como uma contradição. Embora se caracterize pela
ininteligibilidade, a forma musical incorpora sentidos informados no processo de
apropriação, uma vez que a materialidade dos signos musicais agrega a sua historicidade, o
que o pensamento marioandradiano traduziria pelo conceito de anestética, ou seja, a cultura
demarca campos significativos associados com as sonoridades por meio de informações
extra-musicais que se tornam parte do campo musical.
Concomitantemente com o processo de naturalização de uma tipologia musical
brasileira representativa de uma entidade dotada de “fisiopsicologia” apropriada, para a
qual concorre o ritmo, ocorre uma conceituação dos “tipos brasileiros”, que se associam a
determinadas tipologias musicais na configuração de uma tradição nacional. Não admira
82
PERFUME AZUL DO SOL. O abraço do baião. In: PERFUME AZUL DO SOL. Nascimento. São Paulo:
Chantecler, 1974. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 5 (2min 53s).
92
que, paralelamente ao relacionamento corporal com ritmos da MPB estabelecido pelo rock
brasileiro, ocorra um discurso que o associa a um sentido supostamente natural, proveniente
da fisiologia e da biologia. Ao se associar ao corpo e contrariar a naturalidade nacional, o
rock transcende a nacionalidade e, por conseguinte, o preceito nacional da MPB, que afinal
se revela como uma construção discursiva: “Rock eu gosto porque é meu sangue. E minha
vida, desde que nasci”, afirma Arnaldo Baptista.
83
Ao depoimento de Arnaldo Baptista se somam versos que produzem o mesmo
sentido, como em “Minha vida é rock and roll”:
Eu só respiro rock and roll
A minha vida é rock and roll
84
De qualquer modo, interessa o recorrente emprego pelo rock produzido no Brasil
dos anos 1970 do paradigma que precede a MPB e que se caracteriza fundamentalmente
pela contrametricidade na quarta semicolcheia do compasso dois por quatro que, na medida
em que permite reconhecer uma “‘especificidade musical’ brasileira”, configura os
paradigmas consensualmente relacionados com uma concepção de brasilidade musical.
Enquanto as convenções musicais que informam os paradigmas da MPB adquirem
significados ao se associarem a uma concepção do “tipicamente brasileiro”, o rock, ao
incorporar as respectivas convenções musicais, problematiza os seus significados,
sobretudo os relacionados com o problema da nacionalidade.
A contrametricidade na quarta semicolcheia do compasso dois por quatro, que
consiste no deslocamento por antecipação do tempo forte, constitui o ritmo de uma canção
de rock brasileiro datada de 1974, de uma banda denominada Ave Sangria:
83
BAHIANA, 1980, p. 110.
84
MADE IN BRAZIL. Minha vida é rock and roll. In: MADE IN BRAZIL. Minha vida é rock and roll. São
Paulo: BMG, 1980. 1 disco sonoro. Lado B, faixa 2.
93
Ao mesmo tempo em que o ritmo se estrutura a partir de um modelo de sincopação
que a musicologia no Brasil caracteriza como definidora da identidade musical popular
brasileira, a melodia emprega a figura consolidada como a mais importante variação do
paradigma a partir do consenso estabelecido com o discurso marioandradiano, qual seja, a
“síncope característica”:
94
Nada de novo no front
E na retaguarda também
Tudo normal desde ontem
Quando houve sol e alguém cantou
85
Enquanto o ritmo nordestino compreendido pelo compasso dois por quatro contrasta
com o ritmo do rock, compreendido por sua vez pelo compasso quatro por quatro que
cadencia o refrão, a letra situa o sujeito da canção em um meio urbano, cuja produção
musical, considerada produto de consumo influenciado por uma cultura estrangeira, tanto
uma concepção folclorista quanto uma concepção nacionalista da canção popular ignoram
em nome da determinação dos caracteres constitutivos da musicalidade brasileira, cuja
autenticidade poderia ser encontrada apenas no ambiente rural:
Eu sou da cidade
Mas nasci no mar
Tudo o que eu quero é cantar
Por enquanto
85
AVE SANGRIA. Por quê? In: AVE SANGRIA. Ave sangria. São Paulo: Continental, 1974. 1 disco sonoro.
Lado B, faixa 3 (4min 31s).
95
O desejo deliberado de cantar converge com outro paradigma constitutivo da
tipologia da MPB. O contraste entre a canção e a não-canção define o fim da canção
negativamente como um vazio,
86
o qual se associa ao conceito de “vazio cultural” que,
segundo Silviano Santiago, foi estabelecido e consagrado pela esquerda cultural durante o
regime militar, enquanto “a luta das esquerdas” detinha a hegemonia na cena cultural
brasileira.
87
O vazio que se estabelece como o oposto de uma plenitude proveniente da
canção representa uma figura que participa do paradigma dos valores negativos de uma
narrativa de esquerda da MPB caracterizada pela nostalgia, a qual defende o canto contra a
opressão silenciosa do quotidiano.
88
O mesmo desejo de cantar inserido em uma dicotomia entre os meios urbano e rural
aparece em 1971 em uma canção representativa do rock brasileiro dos anos 1970. O tema
aparece associado ao emprego de uma forma musical que, embora transcrita no compasso
quatro por quatro, representa a mesma figura formada por “colcheia entre duas
semicolcheias” que a autoridade marioandradiana denomina “síncope característica”.
Paralelamente a uma tipologia da canção brasileira, a respectiva forma musical representa o
ritmo constitutivo da convenção que descreve o suporte do ritmo para o ponteado de viola
do cateretê empregado em “Hoje ainda é dia de rock”:
O cateretê representa um ritmo executado principalmente na viola e nas palmas,
largamente conhecido e praticado no interior do Brasil, sobretudo nos estados de Minas
Gerais, São Paulo, Goiás e, em menor medida, no Nordeste.
86
LOPES, Paulo Eduardo. A desinvenção do som: leituras dialógicas do tropicalismo. Campinas: Pontes,
1999, p. 300-301.
87
SANTIAGO, Silviano. Democratização no Brasil – 1979-1981. In: ANTELO, 1998b, p. 12. Heloisa
Buarque de Hollanda e Marcos Augusto Gonçalves observam que “expressão ‘vazio cultural’ tornou-se um
quase lugar-comum, servindo para salientar o papel da repressão política e da censura sobre a produção de
cultura”, ressaltando que “a noção de ‘vazio cultural’ não deixava de conter uma dose de preconceito ou
mesmo de desatenção em relação a uma série de manifestações do período”. In: NOVAES, 2005, p. 96.
88
LOPES, 1999, p. 302.
96
Eu tô doidin por uma viola
Mãe e pai de doze cordas e quatro cristais
Pra eu poder tocar lá na cidade
Mãe e pai esse meu blues de Minas Gerais
E o meu cateretê lá do Alabama
Mesmo que eu toque uma vezinha
Eu descobri acho que foi a tempo
Mãe e pai que hoje ainda é dia de rock
89
Ao se apropriar de um ritmo considerado nacional a partir de premissas musicais
associadas ao ritmo do rock, a canção opera uma deformação que a letra, por meio de uma
89
SÁ, RODRIX E GUARABIRA. Hoje ainda é dia de rock. In: SÁ, RODRIX E GUARABIRA. Passado,
presente, futuro
. São Paulo: Odeon, 1971. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 6 (2min 19s).
97
variedade da linguagem empregada no interior do estado de Minas Gerais, explicita nos
versos em que equipara o “meu blues de Minas Gerais” ao “meu cateretê do Alabama”,
subvertendo as origens dos ritmos dos seus respectivos estados. Na medida em que os
contrastes constituem temas recorrentes para o sujeito da canção interpelado por
polaridades contrastantes, este, cuja descoberta de que “hoje ainda é dia de rock” ocorre
“olhando o milho verde” e “ouvindo a mula preta”, aparece (des)situado entre as
polaridades contrastantes.
A despeito do fato de sua melodia apresentar a mesma forma musical deslocada e
sob o efeito de tercinas, o que a diferencia da forma tradicional da “síncope característica”,
uma canção denominada “Corta Jaca”, cuja letra questiona a unidade do ritmo “‘tão
pensando que isso é rock and roll?” submete ritmicamente o compasso quatro por quatro
do ritmo do rock and roll ao compasso dois por quatro do ritmo do xote:
Ao mesmo tempo em que se apropria de um tema do folclore, de modo que o verso
“Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar” forma “Se essa lua fosse minha eu não
mandava o homem para lá”, a letra problematiza os contrastes que fundamentam os
discursos folcloristas, como o rural e o urbano, o passado e o presente, conjeturando que
“Cortar jaca na cidade não é mole não”. O termo que denomina a canção remete a um passo
tradicional do samba e se homonimiza com uma canção de Chiquinha Gonzaga que se
populariza com a letra de Machado Careca, a qual afirma que impera quem “sabe cortar a
jaca nos requebros de suprema perfeição”. No entanto, uma letra posterior indica o duplo
sentido do termo:
Sou a jaca saborosa
Que amorosa
Faca está a reclamar
Para a cortar
Ai, que bom cortar a jaca
Sim, meu bem, ataca!
Assim, assim...
98
A despeito dos versos, que retomam o recorrente tema popular que consiste em
metaforizar o sexo por meio da comida, os movimentos ousados do corta jaca escandalizam
os setores pudorosos da sociedade, de modo que a leitura instrumental da partitura de
Chiquinha Gonzaga em uma instituição social provoca a ira de Rui Barbosa no Senado
Federal.
90
Na medida em que recupera o referido termo nos anos 1970, “Corta jaca” agrega
os sentidos adquiridos pela historicidade do mesmo:
90
Rui Barbosa se pronuncia contra aqueles que “elevaram o ‘Corta-jaca’ à altura de uma instituição social.
Mas o ‘Corta-jaca’ de que eu ouvira falar há muito tempo, o que vem a ser ele, sr. Presidente? A mais baixa, a
mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba.”
SANDRONI, 2001, p. 89.
99
Aonde foi parar minha boiada
Meu sertão meu preto velho me oriente por favor
Eu gosto de ver você bonita
Mas no meio da fumaça o meu cigarro já apagou
Falar que tão chegando até na lua...
91
Ao submeter o compasso quatro por quatro do ritmo do rock and roll ao compasso
dois por quatro do ritmo do xote, a canção apresenta um shuffle, que caracteriza o ritmo do
blues e do rhythm and blues a partir de um modelo tercinado, com o acento do ritmo do
xote, de modo que, ao deformar ambos os ritmos, funda um shuffle “tipicamente brasileiro”
ou “caracteristicamente nacional”:
91
ARNALDO & A PATRULHA DO ESPAÇO. Corta jaca. In: ARNALDO & A PATRULHA DO ESPAÇO.
Elo perdido. São Paulo: Vinil Urbano, 1988. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 3 (3min 55s).
100
A partir do processo de incorporação de caracteres preestabelecidos nos discursos
acerca do que se compreende como nacional por meio de aspectos constitutivos da cultura
brasileira e da identidade nacional presentificados na MPB brasileiro, o rock, ao sintetizar
as polaridades contrastantes representadas pelo rock e pela MPB, suspende a dicotomia e,
por conseguinte, a contradição. Para tanto, apresenta recorrentemente o seu sujeito situado
entre as polaridades constrastantes, o eu e o outro, o urbano e o rural, o presente e o
passado, o rock e a MPB, de modo que o sujeito afirma e nega a identidade a partir de um
lugar no qual a polaridade desaparece.
O processo de deformação que se verifica no respectivo procedimento opera
discursivamente. O deslocamento de figuras musicais e textuais de outros textos e
contextos permite uma leitura que problematiza a cultura brasileira e a identidade nacional,
na mesma medida em que, ao questionar a necessidade da diferença, inscreve-se em um
momento de crise no qual a sua problematização se torna ela mesma discurso sobre o tema.
Ao problematizar a unidade convencionada a partir de uma identidade nacional e uma
cultura brasileira, fundamentada na diferença, o rock representa o desaparecimento de cada
categoria e, por conseguinte, a problematização da possibilidade de unidade de cada
categoria.
A deformação entre o rock and roll e a MPB contraria a demanda por um sentido de
nacionalidade ao mesmo tempo em que, ironicamente, condiz com a noção que aponta para
a formação de uma unidade que representa a identidade nacional, qual seja, o mestiço.
Renato Ortiz observa que a consolidação do Estado com a Revolução de 1930, a partir da
qual o governo estabelece uma ação cultural “em direção à música popular brasileira”
92
,
corresponde a um momento de despertar nacionalista, fundamentando os problemas dos
intelectuais preocupados com “a construção de uma identidade de um Estado que ainda não
é”,
93
para os quais o mestiço representa uma categoria pela qual se exprime uma
necessidade social: a elaboração de uma identidade nacional.
94
A identidade configurada pelo sujeito do rock brasileiro encontra o seu correlato em
uma figura representativa da identidade nacional, o malandro, que, segundo Antonio
92
ORTIZ, 1985, p. 43. Com efeito, Carlos Sandroni observa que a partir dos anos 1930 a música popular se
tornaria um fato social gradativamente mais relevante, ensejando um “novo tipo de produção intelectual sobre
a música”. Cf. SANDRONI, 2004, p. 27.
93
ORTIZ, op. cit., p. 34.
94
Ibid., p. 20-21.
101
Candido, permanece oscilando entre os extremos do jogo da ordem e da desordem. Candido
caracteriza o malandro como uma anomia que se traduz na dança dos personagens entre o
lícito e o ilícito.
95
Mas diferentemente do malandro descrito por Candido, o qual decide
entre os extremos opostos, o sujeito do rock brasileiro decide pela indecidibilidade, de
modo que se identifica mais propriamente com o malandro do samba, cuja nacionalização o
inviabiliza historicamente, quando o seu discurso permanece, sobretudo por meio da
comicidade e da ironia. Claudia Neiva de Matos descreve o malandro do samba ou sua
representação discursiva como um ser da margem e em permanente mobilidade, cuja
classificação se encontra impossibilitada: “A figura do malandro e seu discurso são
construídos sobre esta linha fronteiriça entre afirmação e negação, topia e utopia, realidade
e fantasia”.
96
O rock brasileiro recupera, portanto, um Brasil obliterado. E ao recuperar a
malandragem por meio de um procedimento que opera pela contradição que desnaturaliza
conceitos de valor evidentes, procedimento que o naturaliza paradoxalmente pela
desnaturalização da unidade do campo no qual se inscreve, o rock brasileiro comprova que
as categorias constituem artefatos culturais tanto quanto as canções que as informam. Se o
personagem principal do samba, cuja “vocação para a mobilidade pressupõe o atrito e a
troca”, caracteriza-se pela capacidade de transitar, o roqueiro representa mesmo um
malandro. Afinal, “o malandro manipula o código do outro para poder penetrar (...) em seu
território e contrabandear para lá sua mercadoria e sua voz...”.
97
95
CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. In: ______. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas
Cidades, 1993, p. 45.
96
MATOS, Claudia Neiva de. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1982, p. 54.
97
SANTIAGO, Silviano. Democratização no Brasil – 1979-1981. In: ANTELO, 1998b, p. 21.
102
CONCLUSÃO
O processo consolidado com a institucionalização da MPB define uma determinada
hierarquia cultural, a partir da qual o consumo tende a ser organizado, ao passo que o
arquivo acumula sem estabelecer uma hierarquia entre os documentos. Analisado em
contraste com os discursos sob os quais os documentos que o constituem produzem sentido,
o arquivo revela os vazios que nos informam e formam em nome de uma unidade nacional.
Enquanto o discurso social produz a sociedade como consenso,
1
o deslocamento de formas
musicais e, por conseguinte, de sentidos significa a contradição, cuja rememoração ecoa as
vozes silenciadas pela ideologia.
A dicotomia instaurada a partir dos discursos penetra a canção por meio da
materialidade dos signos verbais e musicais. O rock, que se caracteriza internamente pela
contraditoriedade, assimila as contradições das condições de produção musical do Brasil e,
em detrimento dos sentidos que sustentam os discursos nacionalistas, suspende
internamente as dicotomias que fundamentam discursivamente o seu silenciamento. Este
ecoa, inclusive, nas letras do rock brasileiro dos anos 70 como signo do desejo de cantar
verbalizado em versos como “deixa cantar de novo o trovador”, “let me sing my rock and
roll”, “tudo o que eu quero é cantar”, “pra eu poder tocar lá na cidade um roquezinho para o
meu amor”, etc.
Ao dispor fatos cronologicamente organizados a partir de sentidos
institucionalizados, a historiografia tradicional contribui para a unidade de sentido que
sustenta o discurso nacionalista. Mas a despeito do fato de a historiografia conceber “a
chegada do rock brasileiro nos anos 1980”,
2
o silenciamento se perpetua ao se produzirem
movimentos como o que realiza Hermano Vianna quando afirma, a respeito do rock
nacional dos anos 1980, que alguns “compositores não mostram nenhum envolvimento
1
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2002, p.
113. Eni Orlandi observa que o discurso da MPB constitui um lugar em que se configura o consenso social no
Brasil dos anos 1970, de modo que o deslocamento do consenso social da significação, ao simular o senso
comum, produz outros sentidos. ORLANDI, 2002, p. 103.
2
ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB: a história de nossa música popular de sua origem até
hoje
. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 14.
103
com o desatino nacional”, questionando “o próprio sentido do conceito de identidade”. Para
tanto, Vianna destaca a letra de “Lugar nenhum”, de 1987:
Não sou brasileiro
Não sou estrangeiro
Não sou de nenhum lugar
Ora, o rock brasileiro produz o mesmo sentido, relacionado com o desatino e a
identidade nacionais, nos anos 1970, uma vez que os Mutantes cantavam os seguintes
versos em 1974:
Não sou daqui
Nem sou de lá
Sou de qualquer lugar
3
O mesmo movimento de silenciamento se produz na medida em que o autor
identifica apenas nos anos 1990 a “mistura desses estilos internacionais do rock com
alguma ‘tradição’ musical brasileira”.
4
A passagem para os anos 1980 se define, segundo
Silviano Santiago, “pela lembrança dos fatos políticos recentes, e, ao mesmo tempo, pela
audácia da nova geração que entra, arrombando a porta como impotentes e desmemoriados
radicais da atualidade. Ao luto dos que saem opõe-se o vazio a ser povoado pelos atos e
palavras dos que estão entrando”,
5
argumenta o autor. Concomitantemente com as
transformações nas ordens da cultura e do discurso, intelectuais cujas concepções polarizam
o debate cultural nos anos 1970 rememoram e reinterpretam o passado recente, de modo
que o debate entre vencedores e vencidos se transforma no tema de maior interesse. O rock
se soma aos despojos carregados no cortejo triunfal como um movimento desprovido de
uma identidade cultural e de representação intelectual.
Renato Ortiz observa que a cultura no Brasil se associa intimamente ao tema do
nacional e do popular, a partir dos quais se desenvolvem as posições sobre a “identidade
3
MUTANTES. Cidadão da Terra. In: MUTANTES. Todo foi feito pelo sol. Som Livre, 1974. 1 disco sonoro.
Lado B, faixa 2.
4
VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1995, p. 143.
5
SANTIAGO, Silviano. Democratização no Brasil – 1979-1981. In: ANTELO, 1998b, p. 12.
104
nacional”.
6
Para Ortiz, “a discussão da cultura popular e da cultura brasileira constitui uma
tradição” que configura um roteiro intelectual coletivo operante, por meio do qual se
configura a compreensão da formação da nacionalidade.
7
A par das tradições preocupadas
com o problema do nacional-popular, Ortiz constata o esquecimento sobre a consolidação
de um mercado de bens culturais no Brasil, definido a partir de “transformações estruturais
por que passa a sociedade brasileira” nos anos 1960 e 1970, uma vez que o Golpe de 1964
representa um “momento de reorganização da economia brasileira que cada vez mais se
insere no processo de internacionalização do capital”, o que “permite consolidar no Brasil o
‘capitalismo tardio’.”
8
Para tanto, o Estado concentra a discussão sobre a integração nacional, de modo que
os intelectuais o reconhecem, desde o Estado Novo, como meio privilegiado para a questão
cultural,
9
o que explica, segundo Lauro Cavalcanti, o que os modernistas foram fazer na
repartição.
10
No entanto, ao se inserirem em um discurso que se aplica a uma outra
conjuntura, os intelectuais do nacional-popular se tornam incapazes de compreender que a
falta da contradição “os impede inclusive de tomar criticamente consciência da sociedade
moderna em que vivem”.
11
Segundo Ortiz, ao ambientar a cultura no campo da Segurança
Nacional, o Estado estabelece uma “política de preservação e defesa dos bens culturais”
compreendidos como “patrimônio nacional”,
12
de modo que a busca de uma identidade, a
despeito dos conceitos que a consignam, conserva o motivo de compreender a sociedade
brasileira na sua especificidade e na sua alteridade”.
13
Ortiz procura demonstrar que a identidade nacional está ligada a uma
reinterpretação do popular pelos grupos sociais e ao processo de construção do Estado, de
modo que o percurso da identidade nacional corresponde aos interesses dos diferentes
grupos sociais na sua relação com o Estado. Em detrimento de uma identidade, Ortiz
concebe, portanto, um percurso da “ideologia da cultura brasileira”, que varia segundo os
6
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 2001, p. 7.
7
Ibid., p. 13.
8
Ibid., p. 113-114.
9
Ibid., p. 50-51.
10
CAVALCANTI, Lauro (org.). Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993, p. 22-23.
11
ORTIZ, op. cit., p. 181.
12
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 96-98.
13
ORTIZ, 2001, p. 183-184.
105
interesses dos grupos que a elaboram.
14
Na medida em que representa um fato de
linguagem, a cultura se caracteriza pela passividade de interpretação, mas, segundo Renato
Ortiz, são “os interesses que definem os grupos sociais” que decidem sobre seu
significado.
15
Se a cultura participa da ordem da linguagem, o vazio constitutivo da unidade de
sentido da ideologia conforma a cultura, de modo que os sentidos silenciados sejam
impossibilitados de se elaborar historicamente, sem que representem uma realidade social.
As vozes silenciadas no processo ecoam no vazio constituinte tematizado por Walter
Benjamin como o movimento da linguagem que questiona a totalidade do discurso.
Segundo uma teoria da historiografia baseada na perspectiva benjaminiana, as rupturas que
escandem a narrativa indiciam uma ruptura da qual pode emergir uma outra verdade. A
tarefa do historiador materialista se define precisamente pela produção dessas rupturas, de
modo que a sua reflexão deve provocar um choque que imobilize o desenvolvimento
falsamente natural da narrativa.
16
A unidade prevista pela demanda por um sentido de nacionalidade implica o
silenciamento constitutivo do processo de significação. A identidade social, por sua vez,
implica a unidade entre o nacional e o popular, cuja ideologia silencia as contradições ao
buscar referenciais identificadores para o consenso. Para tanto, a MPB, enquanto
representação cultural que concentra o nacional e o popular, significa o referencial
identificador solicitado pela ideologia. E na medida em que a construção da cultura e da
identidade nacionais participa da ordem da ideologia, o resultado, em contrapartida,
constitui o que Walter Benjamin denomina como o “cortejo triunfal”, cujos despojos “são o
que chamamos bens culturais”.
17
A hegemonia da MPB, concomitantemente com a hegemonia do Estado, coincide
com o silenciamento do rock brasileiro nos anos 1970. Atuam no processo os segmentos
sociais detentores da capacidade de produção de sentidos, inseridos em uma ideologia
invariavelmente nacionalista que impossibilita compreender o rock sob o conceito de
nacional. Ao passo que a MPB representa a forma que circunscreve o nacional e determina
14
ORTIZ, 2001, p. 183.
15
ORTIZ, 1985, p. 142.
16
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004,
p. 102-107.
17
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, 1994, p. 225.
106
o potencial para o mercado nos anos 1970, os anos 1980 alteram o estatuto da MPB com o
fim do regime militar. E a historiografia, ao constatar uma constante “crise de identidade”
da MPB a partir da hegemonia do rock nacional nos anos 1980, reproduz o discurso
fundamentado na dicotomia entre o rock e a MPB.
A naturalização do rock no Brasil se configura segundo os processos de
nacionalização e familiarização. Aquele, por meio do qual o sujeito se nacionaliza,
abdicando eventualmente da nacionalidade original, converge com este, no qual a realidade
aparece como natural a partir do obscurecimento das contradições. A naturalização do rock
no Brasil representa um limiar que o torna constitutivo da cultura brasileira, a partir da
integração da categoria “rock nacional” no interior de um sistema que sugere uma
identidade nacional: a MPB.
A tradição da modernidade se confunde com a formação de discursos nacionais
entendidos como sistemas com autonomia, de modo que a concepção de nação coincide
com a construção de uma tradição.
18
Enquanto o discurso nacionalista fundado a partir do
modernismo institucionalizado se fundamenta na tradição, o rock brasileiro encontra na
(con)tradição o fundamento para a desconstrução da unidade convencionada para uma
cultura brasileira e uma identidade nacional. Ao revelar as con(tra)dições da sociedade, a
(con)tradição do rock brasileiro dos anos 1970 cumpre o papel de uma arte que espreita as
margens do sistema sem se estabilizar em seu interior, sobretudo “nesta situação de ‘crise
da percepção’”, quando, como afirma Susan Buck-Morss, trata-se de restituir a audição ao
ouvido,
19
de modo que, poder-se-ia dizer, o choque benjaminiano converge com o choque
que ressuscita o corpo por meio da tecnologia.
A elaboração de uma leitura a contrapelo a partir da poeira acumulada sobre o
arquivo, que se apresenta em um campo carregado de passado e presente, implica
compreender o mesmo a partir de conceitos que remetem a uma alternativa ao paradigma
fundamentado na dicotomia. Ao conservar a contradição em detrimento das categorias da
forma, o rock brasileiro se apropria da proposta de autoconservação ulissiana entrevista por
Adorno como “o recurso do eu para poder sair vencedor das aventuras: perder-se para se
18
ANTELO, Raúl. Algaravia: discursos de nação. Florianópolis: UFSC, 1998a, p. 11.
19
BUCK-MORSS, Susan. Estética e anestética: o “ensaio sobre a obra de arte” de Walter Benjamin
reconsiderado. In: TRAVESSIA REVISTA DE LITERATURA. Florianópolis, n. 33, p. 11-41, ago./dez.
1996, p. 24.
107
conservar”
20
, por meio das lacunas do contrato que cumpre sem cumprir, a partir do
processo que rege a relação entre a palavra e a coisa.
21
A linha que circunscreve um objeto
e que define a forma se transforma e, amorfa, desestabiliza as categorias de classificação,
impostas, segundo Adorno, pelo esquematismo da produção.
22
A reapropriação do mito de Ulisses revela a armadilha em reduzir o consumo
musical a uma passividade que desconsidera a possibilidade de apropriação e re-
significação e permite devolver o valor de uso ao valor subsumido pelo valor de troca da
mercadoria.
20
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1985, p. 57.
21
Ibid., p.64-65.
22
Ibid., p. 117. As categorias proporcionam a relação entre os conceitos e os objetos e, por conseguinte, a
capacidade de interpretar os dados fornecidos pelos sentidos segundo padrões, de modo que o esquematismo
da produção implica que nada resta para classificar aos consumidores. Cf. ADORNO; HORKHEIMER, 1985,
p. 54-55. Rodrigo Duarte observa que “é a partir dessa ‘relação a objetos’ que Horkheimer e Adorno se
apropriam do conceito de esquematismo no sentido de mostrar em que medida uma instância exterior ao
sujeito, industrialmente organizada no sentido de proporcionar rentabilidade ao capital investido, usurpa dele
a capacidade de interpretar os dados fornecidos pelos sentidos segundo padrões”. DUARTE, 2003, p. 54.
Adorno sugere que a naturalidade dos produtos seja produzida pelo idioma tecnicamente condicionado da
indústria cultural e controlado pela linguagem cotidiana. ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 121. O
formalista russo Victor Chklovski inaugura a concepção de automatismo perceptivo provocado pela
linguagem cotidiana. Segundo Chklovski, a deformação constitutiva do procedimento de singularização do
objeto pela arte libera o objeto do automatismo perceptivo. Ora, o processo de incorporação de caracteres
preestabelecidos nos discursos acerca do que se compreende como nacional, como problematização do
sistema de classificação da canção a partir de aspectos constitutivos da cultura brasileira e da identidade
nacional presentificados na MPB, representa um procedimento de singularização, procedimento da arte
segundo Chklovski, que afirma que o ritmo da arte consiste em “uma violação do ritmo”. A deformação do
objeto produz uma nova percepção para o mesmo em detrimento do automatismo perceptivo a partir do
estranhamento produzido pela linguagem da arte, que “é freqüentemente uma língua estrangeira”.
CHKLOVSKI, Victor. A arte como procedimento. In: TOLEDO, 1973, p. 54-56.
108
ILUSTRAÇÕES
Arquivo de discos de rock produzidos no Brasil dos anos 1970
Os discos agregam valor de troca para o colecionador que circula com seus discos nas margens de
um mercado cujos objetos integram o conjunto de mercadorias que circulam com o seu valor
funcional de uso.
109
Baratos Afins
Loja de discos fundada em meados dos anos 1970 proposta a produzir e comercializar a produção
cultural marginalizada pelos meios institucionais por meio de um selo independente cujo logotipo
estampa uma quantidade significativa de discos de rock brasileiro dos anos 1970.
110
Cantos Populares do Brasil: a Missão de Mário de Andrade
Espaço expositivo permanente da coleção da Missão de Pesquisas Folclóricas no Centro Cultural
São Paulo que resulta da viagem de um grupo de pesquisadores ao Norte e Nordeste do Brasil
concebida por Mário de Andrade a partir de suas pesquisas de campo nos anos 1920.
111
Made in Brazil
A contracapa de um disco de rock brasileiro de 1978, que empresta o nome de uma obra
fundamental do modernismo brasileiro publicada no mesmo ano da Semana de Arte Moderna,
referencia a pluritonalidade da obra marioandradiana em detrimento do passadismo nacionalista.
112
Ao especificar a categoria musical por meio do termo “Brazilian Rock”, retomando o modo como
os antigos compactos informavam a categoria com o intuito de garantir a organização do consumo
musical em seu respectivo mercado, a capa de um disco de 1976 define o rock brasileiro na sua
especificidade e na sua alteridade.
113
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______.
É proibido fumar. Rio de Janeiro: Polydor, 1977. 1 disco sonoro.
ARNALDO & A PATRULHA DO ESPAÇO.
Elo perdido. São Paulo: Vinil Urbano, 1977,
p1988. 1 disco sonoro.
______.
“Faremos uma noitada excelente...”. São Paulo: Vinil Urbano, 1978, p1987. 1
disco sonoro.
ASSIM ASSADO.
Assim assado. Rio de Janeiro: CID, 1974. 1 disco sonoro.
AVE SANGRIA.
Ave sangria. São Paulo: Continental, 1974. 1 disco sonoro.
BANGO.
Bango. Rio de Janeiro: Musidisc, 1971. 1 disco sonoro
BAPTISTA, Arnaldo.
Lóki?. São Paulo: Polygram, 1974. 1 disco sonoro
______.
Singin’alone. São Paulo: EMI, 1982. 1 disco sonoro.
______.
Disco voador. São Paulo: Baratos afins, 1987. 1 disco sonoro.
BARCA DO SOL, A.
A barca do sol. São Paulo: Continental, 1974. 1 disco sonoro.
______.
Durante o verão. São Paulo: Continental, 1976. 1 disco sonoro.
______.
Pirata. São Paulo: Independente, 1979. 1 disco sonoro.
123
BENDEGÓ. Onde o olhar não mira. São Paulo: Continental, 1976. 1 disco sonoro.
BIXO DA SEDA.
Estação elétrica. São Paulo: Continental, 1975. 1 disco sonoro.
BLOW UP.
Blow up. São Paulo: Caravelle, 1969. 1 disco sonoro.
______.
Blow up. São Paulo: Caravelle, 1971. 1 disco sonoro.
CASA DAS MÁQUINAS.
Casa das máquinas. São Paulo: Som Livre, 1974. 1 disco
sonoro.
______.
Lar de maravilhas. São Paulo: Som Livre, 1975. 1 disco sonoro.
______.
Casa de rock. São Paulo: Som Livre, 1976. 1 disco sonoro.
______.
Casa das máquinas ao vivo em Santos. [S.l.]: Pirata, 1978. 1 disco sonoro.
EDY STAR.
Sweet edy. São Paulo: Som Livre, 1974. 1 disco sonoro.
FLAVIOLA E O BANDO DO SOL.
Flaviola e o bando do sol. Recife: Solar, 1974. 1
disco sonoro.
FLYING BANANA.
Flying banana. São Paulo: Philips/Phonogran, 1977. 1 disco sonoro.
LIVERPOOL.
Por favor sucesso. São Paulo: Equipe, 1969. 1 disco sonoro.
LULA CÔRTES E ZÉ RAMALHO.
Paêbiru. Recife: Rozenblit, 1975. 2 discos sonoros.
MADE IN BRAZIL.
Made in Brazil. São Paulo: RCA Victor, 1974. 1 disco sonoro.
__________.
Jack, o estripador. São Paulo: RCA Victor, 1976. 1 disco sonoro.
124
__________. Paulicéia desvairada. São Paulo: RCA Victor, 1978. 1 disco sonoro.
_________.
Minha vida é rock and roll. São Paulo: BMG, 1980. 1 disco sonoro.
MARCONI NOTARO.
No sub reino dos metazoários. Recife: Rozenblit, 1973. 1 disco
sonoro.
MATUSKELA.
Matuskela. Rio de Janeiro: Chantecler, 1973. 1 disco sonoro.
MOTO PERPÉTUO.
Moto perpétuo. São Paulo: Continental, 1974. 1 disco sonoro.
MÓDULO 1000.
Não fale com paredes. Rio de Janeiro: Top Tape, 1970. 1 disco sonoro.
MUTANTES.
O A e o Z. São Paulo: Philips, 1973, p1992. 1 CD.
_________.
Tudo foi feito pelo sol. São Paulo: Som Livre, 1974. 1 disco sonoro.
_________.
Ao vivo. São Paulo: Som Livre, 1977. 1 disco sonoro.
_________.
O último show. [S.I.]: Pirata, 1978. 1 disco sonoro.
O BANDO.
O bando. São Paulo: Polydor, 1969. 1 disco sonoro.
O JARDIM DAS BORBOLETAS.
O jardim das borboletas. São Paulo: RCA/Canden,
1972. 1 disco sonoro.
O PESO.
Em busca do tempo perdido. São Paulo: Polydor, 1975. 1 disco sonoro.
OS LOBOS.
Miragem. Rio de Janeiro: Top tape, 1971. 1 disco sonoro.
OS BRASAS.
Os brasas. São Paulo: Musicolor, 1968. 1 disco sonoro.
125
OS BRAZÕES. Os brazões. São Paulo: RGE, 1970. 1 disco sonoro.
PÃO COM MANTEIGA.
Pão com manteiga. [S.l.: s.n.], 1976. 1 disco sonoro.
PATRULHA DO ESPAÇO.
Patrulha. São Paulo: Independente, 1978. 1 disco sonoro.
_________.
Patrulha do espaço. São Paulo: Baratos Afins, 1983. 1 disco sonoro.
_________.
Patrulha 85. São Paulo: Baratos Afins, 1985. 1 disco sonoro.
_________.
Dossiê volume 1: 1978/1981. São Paulo: Baratos Afins, 1997. 1 CD.
_________.
Dossiê volume 2: 1982-1983. São Paulo: Baratos Afins, 1997. 1 CD.
PAULO BAGUNÇA.
Paulo Bagunça e a tropa maldita. São Paulo: Continental, 1973. 1
disco sonoro.
PERFUME AZUL DO SOL.
Nascimento. Rio de Janeiro: Chantecler, 1974. 1 disco sonoro.
PHOLHAS.
Pholhas. São Paulo: RCA Victor, 1977. 1 disco sonoro.
RECORDANDO O VALE DAS MAÇÃS.
As crianças da nova floresta. São Paulo: GTA,
1977. 1 disco sonoro.
RITA LEE & TUTTI FRUTTI.
Atrás do porto tem uma cidade. São Paulo: Philips, 1974. 1
disco sonoro.
________.
Fruto proibido. São Paulo: Som livre, 1975. 1 disco sonoro.
________.
Entradas e bandeiras. São Paulo: Som livre, 1976. 1 disco sonoro.
________.
Babilônia. São Paulo: Som livre, 1978. 1 disco sonoro.
126
RUBINHO E MAURO ASSUMPÇÃO. Perfeitamente, justamente quando cheguei. São
Paulo: Tapecar, 1972. 1 disco sonoro.
SAECULA SAECULORUM.
Saecula saeculorum. [S.l.]: Independente, 1976, p1996. 1
CD.
SÁ, RODRIX E GUARABIRA.
Passado, presente, futuro. São Paulo: EMI-Odeon, 1972. 1
disco sonoro.
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Terra. São Paulo: EMI-Odeon, 1973. 1 disco sonoro.
SÃO QUIXOTE.
São Quixote. São Paulo: Baratos Afins, 1981. 1 disco sonoro.
SEIXAS, Raul.
Let me sing my rock’n’roll. São Paulo: Independente, 1985. 1 disco sonoro.
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Gita. São Paulo: Philips, 1974. 1 disco sonoro.
SOCIEDADE DA GRÃ-ORDEM KAVERNISTA.
Sociedade da Grã-Ordem Kavernista
apresenta Sessão das Dez
. São Paulo: CBS, 1971. 1 disco sonoro.
SOM NOSSO DE CADA DIA.
Snegs. São Paulo: Continental, 1974. 1 disco sonoro.
_________.
Som nosso. São Paulo: CBS, 1977. 1 disco sonoro.
_________.
A procura da essência: Ao vivo 1975-1976. EP, p2004. 2 CD.
SOUND FACTORY.
Sound factory. Rio de Janeiro: Castelinho, 1970. 1 disco sonoro.
SPECTRO.
Spectro. São Paulo: Medusa, 1974, p2004. 1 CD.
SPECTRUM.
Geração Bendita. Rio de Janeiro: Toda América Música, 1971. 1 disco
sonoro.
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TERÇO, O. O terço. São Paulo: Forma, 1970. 1 disco sonoro.
_________.
Terço. São Paulo: Continental, 1973. 1 disco sonoro.
_________.
Criaturas da noite. São Paulo: Underground, 1975. 1 disco sonoro.
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Ao vivo em Londrina. [S.l.]: Pirata, 1975. 1 disco sonoro.
_________. Casa encantada. São Paulo: Beverly, 1976. 1 disco sonoro.
_________. Mudança de tempo. São Paulo: Underground, 1978. 1 disco sonoro.
TERRENO BALDIO.
Terreno baldio. São Paulo: Independente, 1975. 1 disco sonoro.
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Além das lendas brasileiras. São Paulo: Continental, 1977. 1 disco sonoro.
VELUDO.
Ao vivo. [S.l.]: Independente, 1975. 1 disco sonoro.
VÍMANA.
On the rocks. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977.
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