69
exterioridade radical que intencionalidade alguma abarca. O ser indica apenas o
seu vestígio, ou melhor, o ser é o seu vestígio, a sua própria impossibilidade de se
presentificar. Para Blanchot, o ser é a própria impossibilidade, e quem o nega é a
possibilidade, pois ela o inibe ao moldá-lo ao “Mesmo”. O “combate pela
possibilidade”, diz Blanchot (2001, p. 92), “é o combate contra o ser”, e o “homem
cada vez que ele é a partir da possibilidade ele é o ser sem ser”. A possibilidade é
uma espécie de guardião do ser que pretende preservá-lo dessa outra experiência,
a qual é sempre mais primordial do que a possibilidade que nomeia o ser. A
impossibilidade não é nem afirmação nem negação, é o que “desde sempre
precedeu o ser”, e não se entrega a nenhuma ontologia (BLANCHOT, 2001, p. 92).
O que não se mostra mas deixa vestígios é o que Levinas chama de
“experiência do há” (Il y a)
6
. Tal experiência nos coloca em relação com o “Neutro”,
segundo Blanchot, com o desconhecido, que não é um sujeito nem um objeto e não
se presentifica, sendo a própria força terrível do desconhecido. Para o conceito de
“Neutro” como um estrangeiro, Blanchot recorre ao pensamento de Levinas, no qual
o “Outro” é aquele que jamais se dá a conhecer, e o próprio Levinas (2000c, p. 68)
define o “Neutro” blanchotiano dizendo:
Lo Neutro, o ese Tercio Excluso, no es ni afirmación ni pura negación del
ser. Pues afirmación y negación o pertenecen al Orden, forman parte de él.
Y aun así, la insistencia en eso Neutro comporta un no se qué de negativo.
No se lo frecuenta; ello es ‘lo infrecuente’ y extraordinario por excelencia.
6
Gil e Bonvecchi (2004, p.45-47) informam que em suas primeiras obras Levinas se refere ao “ser
puro”, conceito que é, posteriormente, substituído por “il y a” (há). Também Blanchot primeiramente
fala do “Fora” para substituí-lo, posteriormente, por “Neutro”. Neutralidade quer dizer sem sujeito, nem
objeto, nem afirmação, nem negação, nem isto nem aquilo, nem ser, nem nada. Quando Levinas diz
“para além da essência”, essência significa ser, o ser de Heidegger, a essência imperturbável,
indiferente a toda responsabilidade. A essência para Levinas é o “Há” por detrás de qualquer
finalidade própria do Eu tematizante (o que converte em “tema”, o que é experiência). Tematizar é a
propriedade do sujeito que faz do objetivo, da objetividade, da coisa convertida em objeto, sua base
de operações.